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SORAIA DA ROSA MENDES
ESFERA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS:
Um Estudo das Rádios Comunitárias, Segundo J. Habermas
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
do Instituto de Filosofia, Ciências Sociais e
História - IFCH da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Ciência Política.
Orientadora: Professora Céli Regina Jardim Pinto
Porto Alegre
2006
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SORAIA DA ROSA MENDES
ESFERA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS:
Um Estudo das Rádios Comunitárias, Segundo J. Habermas
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política do Instituto de Filosofia, Ciências
Sociais e História - IFCH da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.
Aprovada em: 14 / 07/ 2006.
Banca Examinadora:
Orientadora: Profª. Drª. Céli Regina Jardim Pinto – UFRGS
Prof. Dr. Benedito Tadeu César – UFRGS
Prof. Dr. Geraldo Canali – UFRGS
Profª. Drª. Maria Helena Weber – PUCRS
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Aos homens e às mulheres que lutam
pela democratização da comunicação
neste país.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho somente tornou-se realidade graças a duas mulheres. A
primeira, Dagmar Camargo, incansável lutadora pela democratização da
comunicação. A segunda, Céli Regina Jardim Pinto, dileta professora e orientadora.
Se verdadeira é a afirmação de que “a cabeça pensa onde os pés pisam”, e
eu acredito profundamente nisso, a Dagmar é a responsável por interpelar-me e
mostrar que as rádios comunitárias são mais do que meros transmissores e
microfones — elas são um movimento social. Muito além disso, elas são o povo em
movimento.
Por outro lado, na academia, para muitos, as rádios comunitárias não seriam
tema de estudo de Ciência Política, e relacionar os trabalhos de Jürgen Habermas
às mesmas soava como uma ousadia. Céli aceitou orientar este “ousado” trabalho. E
é ela a principal responsável por conduzir-me pelos caminhos que mostram que a
discussão a respeito da esfera pública, dos direitos humanos e da comunicação
contribui, sim, para pensarmos a democracia em nosso país.
RESUMO
Este é um estudo sobre as associações de radiodifusão comunitárias sob o conceito
de esfera pública de Jürgen Habermas. Neste sentido, tais associações são
consideradas espaços comunicativos autônomos e plurais, sensíveis aos reclamos
da vida social e política das comunidades em que estão inseridos. As rádios
comunitárias são tomadas como canais de construção democrática na perspectiva
da necessária conjugação entre a soberania popular e os direitos humanos
fundamentais, ou seja, pela efetiva participação popular na vida política e pela
efetividade da liberdade de comunicação.
Palavras-chave: esfera pública, direitos humanos fundamentais, democracia e
rádios comunitárias.
ABSTRACT
This work analyzes the communitarian associations of broadcasting under the
concept of public sphere of Jürgen Habermas. In this direction, such associations are
considered independent and plural spaces opened to the claims of the social life and
politics of the communities where they are inserted. The communitarian radios are
taken as canals of democratic construction to join the concepts of the popular
sovereignty and the human rights, through the popular participation and the freedom
of communication.
Key-words: public sphere, human rights, democracy and communitarian radios.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................8
1 A ESFERA PÚBLICA ............................................................................................15
1.1 O Modelo Liberal.................................................................................................18
1.2 O Modelo Republicano de Hannah Arendt..........................................................19
1.3 O Modelo Discursivo: A Esfera Pública Habermasiana.......................................22
1.3.1 Os Atores Sociais na Esfera Pública................................................................24
1.3.2 A Formação da Opinião Pública.......................................................................27
1.3.3 As Críticas ao Modelo Discursivo.....................................................................29
1.3.4 A Esfera Pública Popular..................................................................................33
2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS.......................................................37
2.1 Definindo Direitos Humanos Fundamentais ........................................................39
2.2 Direitos Humanos Fundamentais e Democracia. ................................................44
2.3 Notas Sobre Liberdade de Expressão versus a Liberdade de Comunicação.....47
2.4 A Luta pelo Direito Fundamental à Comunicação ...............................................54
3 AS RÁDIOS COMUNITÁRIAS COMO ESFERAS PÚBLICAS .............................57
3.1 A Grande Mídia e a Esfera Pública .....................................................................59
3.2 O Rádio no Brasil ................................................................................................64
3.3 Breve Histórico das Rádios Comunitárias Brasileiras .........................................66
3.4 As Rádios Comunitárias no Brasil: O Contexto Atual..........................................69
3.5 As Rádios Comunitárias como Esferas Públicas Populares................................77
CONCLUSÃO...........................................................................................................91
REFERÊNCIAS.........................................................................................................96
INTRODUÇÃO
Este trabalho é o resultado de pesquisa teórica e de campo que visa apontar
as rádios comunitárias como esferas, ou espaços públicos, no sentido que Jürgen
Habermas as define. A hipótese a ser comprovada é a de que as associações de
radiodifusão comunitárias brasileiras constituem espaços comunicativos cujas
características de autonomia, de pluralidade e de inter-relação com os reclamos da
vida social e política de comunidades, sejam do interior, ou urbanas, representam
canais de construção democrática. De início, como transparece, esta dissertação
não se propõe a uma empresa fácil.
Embora em voga em inúmeros trabalhos no campo das Ciências Sociais, o
referencial teórico escolhido é altamente controvertido e contestado. Em verdade,
pesam sobre o conceito de esfera ou de espaço público, formulado por Habermas,
inúmeras críticas. Principalmente, a crítica de que este tenha se debruçado muito
mais sobre tipos de esferas públicas burguesas, o que o conduziu a formatar um
conceito inaplicável aos reclamos de organizações sociais de natureza popular.
9
No entanto, é fundamental e indispensável a revisão teórica dos escritos do
“jovem Habermas” de “Mudança Estrutural da Esfera Pública”. Assim como são
imprescindíveis as leituras de suas obras mais recentes, que mostram a vitalidade
do conceito de esfera pública nos dias atuais. Em “Facticidade e Validade”, livro
escrito trinta anos após sua primeira incursão no tema específico, Habermas retoma
o conceito. E em “Habermas and Public Sphere”, uma coletânea de textos, nos
quais os/as mais renomados/as autores/as desferem as mais duras críticas à sua
teoria, são encontradas as respostas capazes de permitir agregar os dados
empíricos colhidos sob o manto do pensamento habermasiano.
Como será visto, o primeiro capítulo desta dissertação é dedicado ao estudo da
esfera pública na perspectiva de fixar as características que a define como tal.
Ademais, objetiva-se encontrar em Habermas a abertura teórica para caracterizar o que
é uma esfera pública subalterna ou popular. Adota-se aqui a expressão “esfera pública
popular” e é, com base nestes limites teóricos estabelecidos, que as associações de
rádios comunitárias serão analisadas primordialmente no terceiro capítulo.
Convém destacar não ter sido a diferenciação entre os termos ”espaço” ou
“esfera” pública objeto de maior preocupação tanto no primeiro capítulo, quanto ao
longo do trabalho. Mesmo tendo sido, preferencialmente, utilizada a expressão
“esfera pública”, as diversas leituras realizadas não apontaram para a possibilidade
de uma definição segura que separe estes termos em compartimentos estanques.
Na verdade, na maioria das vezes, são palavras que encerram um mesmo conteúdo
conceitual.
10
O segundo capítulo tem, como função, ser uma ponte entre as esferas
públicas, tomadas no sentido teórico no primeiro capítulo, e o que estas representam
em termos de construção democrática cotidiana a ser descrita no capítulo que o
seguirá. Ali a democracia é tomada como a conjugação necessária da soberania
popular e dos direitos humanos fundamentais. Soberania expressa na efetiva
participação popular na vida política. Direitos humanos fundamentais expressos no
conteúdo de lutas pela democratização da comunicação, isto é, pela efetividade da
liberdade de comunicação.
Neste sentido, o segundo capítulo abordará as normas internacionais e
constitucionais que garantem à cidadania a formação de opinião pública capaz de
transformar realidades, de influir e de pressionar o Estado e/ou o mercado. Apresentará,
igualmente, as bases a partir das quais a liberdade de comunicação emerge como um
direito humano fundamental pelo qual lutam os atores sociais das e nas esferas públicas.
As rádios comunitárias legalmente são as organizações responsáveis pela
radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operadas em baixa potência, com
cobertura restrita, instituídas como fundações ou associações comunitárias, sem fins
lucrativos e com sede na localidade de prestação do serviço. Dentre outros, elas têm
por objetivos: dar oportunidade à difusão de idéias, aos elementos de cultura, às
tradições, assim como aos hábitos sociais da comunidade; oferecer mecanismos à
formação e à integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio
social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa
civil, sempre que necessário; e permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do
direito de expressão da forma mais acessível possível.
11
Para além da definição legal, o terceiro e último capítulo recolhe da
conceitualização da esfera pública a compreensão das rádios comunitárias como o
resultado de uma práxis associativa autônoma, plural e independente. Para tanto, foram
utilizados tanto os dados pesquisados na literatura existente sobre o tema, quanto os
recolhidos em entrevistas e questionários produzidos em campo. Destacadamente,
foram ouvidas as seguintes organizações: a Associação Mundial de Rádios
Comunitárias – AMARC; o Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH; o
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul; o Conselho Regional de
Radiodifusão Comunitária – CONRAD; e o Movimento de Organização Comunitária –
MOC.
A AMARC é uma organização não-governamental internacional, de caráter
laico e sem fins-lucrativos, presente em mais de 100 países em todos os continentes
e que se constitui de rádios comunitárias, de centros de estudos e de pesquisas, de
redes de rádios e de produtoras radiofônicas, principalmente. AMARC é uma
associação de coordenação, de cooperação, de consulta, de intercâmbio e de
promoção para as rádios comunitárias em todo mundo. O questionário foi
respondido em 15 de novembro de 2005 por Taís Ladeira e por Sofia Hammoe
responsáveis pela Secretaria Nacional da AMARC-Brasil.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, por sua vez, é uma
organização da sociedade civil com 24 anos de existência e que constitui uma rede
de 400 entidades filiadas no Brasil. O MNDH possui mecanismos capazes de
trabalhar a luta local de suas entidades de base dentro do cenário nacional, articula
entidades locais e nacionais, com interlocução junto à ONU, à OEA, à Federação
12
Internacional de Direitos Humanos - FIDH e à Plataforma Interamericana de
Direitos Humanos, fazendo chegar, nestas instâncias, demandas dos grupos
socialmente discriminados e excluídos de seus direitos. O questionário foi
respondido em 14 de dezembro de 2005 por Rosiana Pereira Queiroz,
coordenadora nacional do MNDH.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul é a
organização de classe da categoria profissional dos jornalistas. O Sindjor foi fundado
em 23 de setembro de 1942 e vem trabalhando com o tema das rádios comunitárias
desde 1998, mediante a realização de seminários e de debates no intuito de
conscientizar os profissionais do jornalismo sobre a importância das rádios
comunitárias no processo de democratização da comunicação no Brasil. O
questionário foi respondido em 08 de dezembro de 2005 pelo presidente do
Sindicato, José Carlos de Oliveira Torves.
O Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária – CONRAD — é uma
organização não-governamental criada em 8 de dezembro de 2001 e que visa
congregar as associações sem fins lucrativos de rádios comunitárias da região sul,
promover a cultura regional e a democratização dos meios de comunicação.
Segundo seu estatuto, os objetivos do CONRAD são os de integrar as diversas
rádios comunitárias da região; oferecer assessoria jurídica e técnica; lutar pela
liberdade de expressão e de comunicação; manter os associados informados sobre
leis e processos; defender as rádios comunitárias de ameaças ou de atos
repressivos; participar de encontros de rádios comunitárias no Estado ou fora dele;
oferecer oportunidade de formação para os agentes de comunicação; propiciar
13
intercâmbio de atividades entre os associados; colaborar com outras entidades
congêneres; apoiar as entidades que lutam pela democratização dos meios de
comunicação; realizar seminários anuais sobre radiodifusão comunitária; promover
eventos e cursos na área de cultura e de comunicação; publicar boletins, revistas e
livros na área de cultura e de comunicação; produzir e gravar CD’s, vinhetas e
programas para rádios comunitárias. O questionário foi respondido por Dagmar
Silnara Camargo, secretária-geral, em 18 de novembro de 2005.
O Movimento de Organização Comunitária - MOC é uma organização não
governamental, fundada em 1967, sediada em Feira de Santana, Bahia. O MOC
busca contribuir para o desenvolvimento integral, participativo e ecologicamente
sustentável do semi-árido baiano e desenvolve ações estratégicas nas áreas de
educação do campo, de fortalecimento da agricultura familiar, da água, de criança e
de adolescentes, assim como de gênero, de comunicação e de políticas públicas. O
questionário foi respondido em 20 de novembro de 2005 por Paulo Marcos,
responsável pelo Programa de Comunicação do MOC.
Entretanto, destaque e importância tomaram as entrevistas realizadas com
José Sóter (realizada em 19 de março de 2006) e com as rádios comunitárias de
Feira de Santana-Ba (visita e entrevista realizadas em 09 de novembro de 2005) e
de Novo Barreiro-RS (visita e entrevista realizadas em 18 de março de 2005). O
depoimento de Sóter foi de grande relevância para a pesquisa por ter sido ele
participante ativo desde os primeiros momentos de fundação do movimento em
prol da democratização da comunicação e das discussões que redundaram na
formulação da própria definição de radiodifusão comunitária. E os dados colhidos
14
junto às rádios devem ser igualmente destacados por terem comprovado, mesmo
vivenciando realidades sócio-culturais completamente díspares (Feira de Santana
está localizada em zona urbana, sendo a porta de entrada do sertão baiano, e
Novo Barreiro situa-se na zona rural de colonização alemã no interior gaúcho),
serem as rádios comunitárias espaços públicos populares autônomos, plurais e
com capacidade de potencializar a intervenção social da e para a sociedade civil.
Por fim, cabe salientar não ter sido considerado o fato de as rádios
pesquisadas possuírem ou não outorga estatal para o funcionamento do serviço de
radiodifusão comunitária. Em verdade, poucos meses antes da conclusão desta
pesquisa, tomou-se conhecimento de que a rádio de Novo Barreiro acabara de obter
a outorga provisória. Entretanto, três motivos fundamentais foram determinantes
para desconsiderar a autorização estatal como determinante.
O primeiro refere-se ao fato de que, como mostra o primeiro capítulo, a
constituição de esferas públicas, como o espaço onde a cidadania se organiza, é
completamente (e assim deve ser) alheia a qualquer ingerência ou, menos ainda,
autorização estatal. O segundo é a convicção, expressa no capítulo dois deste
trabalho, de que liberdade de comunicação, como direito humano fundamental,
reclama do Estado respeito e garantia. E o terceiro são as ações dos governos
brasileiros, descritas no terceiro capítulo, que tendem a obstaculizar e a reprimir a
existência das associações de radiodifusão comunitárias e que representam, como
mostrado no capítulo dois, violações ao processo de construção de um verdadeiro
Estado Democrático de Direito.
15
1 A ESFERA PÚBLICA
Conforme Sérgio Costa, consolidou-se, nas Ciências Sociais e
especialmente na Ciência Política, ao longo dos anos 90, uma nova abordagem
sobre a democratização. Outrora tomada como um momento de transição, sob este
novo prisma, a democratização é considerada como um processo permanente e
nunca acabado de concretização da soberania popular. Neste contexto, conceitos
como o de esfera pública e de sociedade civil tornaram-se fundamentais para a
análise dos cenários de interface entre o Estado, as instituições e a sociedade
1
.
A sociedade civil é uma pluralidade de grupos, de formas de opinião e de
comunicação pública independente, capaz de, ao mesmo tempo, ser o agente de
sua própria transformação
2
. Como uma mudança no status quo da sociedade, ela é
concebida por sua capacidade de articulação, de autonomia e de agilidade.
3
Por
outro lado, a sociedade civil também é um ambiente para a criação de movimentos
em seu favor dentro dela própria
4
. Devem existir, portanto, associações que
representem interesses e esferas públicas que lhes avalizem
5
.
Assim, o conceito de esfera pública é um dos mais importantes elementos
da teoria da democracia contemporânea. E daí o porquê de, mesmo respeitáveis
1
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
2
ARATO, A.; COHEN, J. Sociedad Civil y Teoria Política. México: Fondo de Cultura Económica,
2000. p. 56.
3
ARATO; COHEN, op. cit., p. 56.
4
Ibidem, p. 82.
5
Ibidem, p. 83.
16
críticos do modelo, mormente habermasiano de esfera pública, tal como Nancy
Fraser, reconhecerem que:
(...) a esfera pública é indispensável para a teoria social crítica e para a
prática democrática. (...) nenhum intento de entender os limites da
democracia existente do capitalismo avançado pode ter êxito sem usá-la de
alguma maneira ou de outra. (...) e o mesmo é certo para os esforços de tão
urgente necessidade de construir projeções de modelos alternativos de
democracia
6
.
Em que pese não serem poucas as críticas ao modelo habermasiano de
esfera pública, como veremos ao longo deste capítulo, os estudos de Habermas são
a força motriz para compreender o lócus não-estatal e não-privado no qual a opinião
pública se forma. Ou seja, como a esfera em que se organiza a cidadania
7
.
Normativamente, segundo Benhabib, é possível classificar, no pensamento
político contemporâneo, três modelos teóricos de esfera pública. Seriam estes: o
modelo republicano, referenciado em Hannah Arendt; o modelo liberal, de origem
Kantiana; e o modelo discursivo de Jürgen Habermas
8
. No primeiro, o espaço
público seria o lócus da “virtude republicana” ou da “virtude cívica”. No segundo,
corresponderia a uma concepção legalista de uma ordem pública justa e estável. Por
fim, no terceiro, um espaço discursivo.
6
FRASER, Nancy. Rethinking the Public Sphere: a Contribution to the Critique Actually Existing Democracy.
In: CALHOUN, C. (Org.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge: MIT Press, 1992. p. 110-111.
7
PINTO, Céli. Teorias da Democracia: Diferenças e Identidades na Contemporaneidade. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004. p. 45.
8
BENHABIB, S. "Models of Public Space: Hannah Arendt. the Liberal Tradition and Jürgen Habermas". In:
CALHOUN, C. (Org.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge: MIT Press, 1992. p. 74.
17
Sérgio Costa, por sua vez, sugere algumas modificações à classificação
proposta por Benhabib. Em seu entender, seriam quatro as concepções de espaço
ou de esfera pública. Segundo ele:
a concepção que, na falta de uma denominação melhor, qualificarei de
modelo da sociedade de massas, o modelo republicano, o modelo que para
adaptação ao debate brasileiro chamarei de pluralista ao invés de liberal e o
modelo discursivo
9
.
Para os fins que se propõe este capítulo, considerar-se-ão as reflexões de
Benhabib. Reservam-se as ponderações de Costa sobre a sociedade de massas
para o intróito da terceira parte, momento em que as rádios comunitárias serão
apresentadas como esferas públicas, mediante comprovação de dados empíricos
recolhidos ao longo da pesquisa.
Logo, a análise que segue considerará as concepções de esfera pública
propostas pelos teóricos do liberalismo e do republicanismo para, por fim, apresentar
o modelo discursivo de Habermas. Modelo este ao qual filia-se sob o entendimento
de serem as associações de radiodifusão comunitárias esferas públicas populares
ou também chamadas pelo próprio Habermas de subalternas, ou contra-
hegemônicas.
9
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
18
1.1 O Modelo Liberal
Benhabib descreve o modelo liberal a partir da concepção de Ackerman.
Segundo o teórico, o liberalismo, como a cultura política do diálogo público, legitima,
outrossim, tipos limitadores de conversação
10
, sendo a neutralidade o mais
importante destes. Ou seja, para resolver o problema real de coexistência racional,
em uma sociedade pluralista, de grupos com posições diversas, o caminho
apresentado pelo modelo liberal de esfera pública é o de “restrições conversativas”
expresso na idéia de uma “neutralidade dialógica”
11
.
A neutralidade é a pedra fundamental na perspectiva liberal. Segundo
Habermas, para os liberais, o processo democrático se realiza exclusivamente na
forma de compromissos e de interesses. E as regras para a formação do
compromisso, que por sua vez devem assegurar a equidade de resultados:
(...) passam pelo direito igual e geral ao voto, pela composição
representativa das corporações parlamentares, pelo modo de decisão, pela
ordem dos negócios, etc., são fundamentadas, em última instância, nos
direitos fundamentais liberais
12
.
Assim como afirma Habermas, o ponto nevrálgico do modelo liberal não se
encontra na autodeterminação democrática das pessoas que deliberam, mas na
normatização da sociedade econômica que deve garantir um bem comum apolítico
10
BENHABIB, S. "Models of Public Space: Hannah Arendt. the Liberal Tradition and Jürgen Habermas".
In: CALHOUN, C. (Org.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge: MIT Press, 1992. p. 81.
11
BENHABIB. op. cit., p. 83.
12
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 19.
19
por meio da satisfação das expectativas de felicidade de pessoas privadas em
condições de produzir
13
.
1.2 O Modelo Republicano de Hannah Arendt
Para Hannah Arendt o termo “público” denota dois fenômenos, intimamente
relacionados, embora não idênticos. De um lado, no “público”, a aparência constitui a
realidade, sendo o que pode ser visto e ouvido por todos, com a maior divulgação
possível. De outro, o “público” é o próprio mundo, na medida em que é comum a
todos, mas diferente do lugar próprio de cada um
14
.
Como esta “aparência que constitui a realidade” para a autora, até mesmo,
“a meia-luz” que ilumina a vida privada e íntima decorre da luz muito mais intensa da
esfera pública. Mas, na presença de outros no mundo público, só é tolerado o que é
tido como relevante.
Ou seja, o que não é digno de ser visto e ouvido se torna, automaticamente,
assunto privado. A percepção da realidade pelos indivíduos depende totalmente da
aparência e, portanto, de uma esfera pública na qual as coisas possam emergir.
13
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 20-21.
14
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 59 e 62.
20
Como adverte Arendt, isto não significa que questões privadas sejam
geralmente irrelevantes. Segundo ela: “O que a esfera pública considera irrelevante
pode ter um encanto tão extraordinário e contagiante que todo um povo pode adotá-
lo como modo de vida, sem, com isso, alterar-lhe o caráter essencialmente
privado”
15
.
Por outro lado, tomado como “o próprio mundo”, o termo “público” não
designa algo idêntico à terra ou à natureza, como espaço limitado ao movimento dos
indivíduos e à condição geral de vida orgânica. Pelo contrário, o mundo condiz com
um conjunto de elementos interpostos entre os que nele habitam em comum.
Elementos estes que, ao mesmo tempo, os separa e os relaciona. Para Arendt: “A
esfera pública, como mundo comum, nos reúne na companhia uns dos outros,
contudo, evita que colidamos uns com os outros, por assim dizer”
16
.
Como escreve Arendt, mesmo a esfera privada, considerada um refúgio do
mundo exterior, tornou-se privação na medida em que, com o advento do
cristianismo, a moral cristã impôs aos indivíduos, principalmente às mulheres, o
dever de cuidar de seus afazeres familiares. Conforme os preceitos desta “moral”, a
responsabilidade política constituiria um ônus somente aceito em prol do bem-estar
e da salvação dos que são libertados da preocupação com os negócios públicos
17
.
Nas circunstâncias modernas, todavia, viver uma vida inteiramente privada
significa a destituição do que é essencial a uma “vida verdadeiramente humana”. É
15
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 61.
16
ARENDT, op. cit., p. 62.
17
Ibidem, p. 69.
21
ser privado da realidade, ou seja, de ser visto e ouvido por outros em uma relação
“objetiva”, decorrente de sua ligação ou separação de um mundo comum. A privação
da “privatividade”, como diz Arendt, reside na ausência dos outros. O ser humano
privado não se dá a conhecer aos outros e, portanto, é como se não existisse.
De acordo com Costa, na concepção republicana, a política apresenta-se:
como esfera constitutiva do processo de socialização como um todo: a
política representa o meio no qual os membros de uma comunidade
internalizam seus compromissos de reciprocidade para com os demais, se
constituindo dessa forma como cidadãos.
(...)
Para os republicanos, portanto, não há diferenciação normativa e analítica
entre os planos da vida social e da vida política: a sociedade deve ser de
saída sociedade política. Contra o crescimento incontrolado do poder
administrativo e os partidos que se tornaram caudatários e dependentes do
estado, a sociedade deve se organizar para resgatar novamente o estado e
fazer dele uma continuidade inseparável de si própria
18
.
Sob o prisma republicano, é da autodeterminação política dos indivíduos
privados que decorre a tomada de consciência de si mesma por toda a comunidade.
Sociedade é, por si mesma, a sociedade política. Conseqüentemente, a esfera
pública:
deve ser revitalizada contra o privatismo de uma população despolitizada e
contra a legitimação através de partidos políticos estatizados, para que uma
cidadania regenerada possa (re)apropriar-se do poder burocratizado do
Estado, imprimindo-lhe formas de uma auto-administração descentralizada.
Isso pode transformar a sociedade numa totalidade
19
.
Logo, o espaço público para os republicanos não representa um campo de
disputa por posições de poder como na concepção liberal. Pelo contrário, ele é a
18
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
19
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 20.
22
arena da auto-organização da sociedade como comunidade política de iguais. Daí
porque a esfera pública necessite ser revitalizada, pois este é o terreno para o re-
florescimento das virtudes cívicas e para a emergência de uma auto-administração
descentralizada da vida social contra as tendências à fragmentação e ao privatismo.
1.3 O Modelo Discursivo: A Esfera Pública Habermasiana
“Mudança Estrutural da Esfera Pública” é uma das mais importantes obras
dentre os trabalhos que abordam o espaço de organização societária cidadã.
Todavia, é nos estudos mais recentes de Jürgen Habermas que se encontra uma
definição de esfera pública mais atinente aos propósitos deste trabalho. Como
explica Maia:
Importa frisar, desempenhar a categoria de espaço público papel capital nos
últimos desenvolvimentos teóricos de Habermas. Ao esboçar a sua filosofia
do direito e da política, em Faticidade e Validade, este conceito é
articulado à discussão acerca do modelo procedimental de democracia, bem
como com o papel desempenhado pela sociedade civil nas modernas
democracias constitucionais de massa do Ocidente
20
.
Neste sentido, em “Facticidade e Validade”, obra escrita trinta anos após
“Mudança Estrutural”, Habermas define esfera pública como:
uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de
posição e opiniões; (...)
A esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional do
agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social
20
MAIA, Antônio C. Espaço Público e Direitos Humanos: Considerações Acerca da Perspectiva
Habermasiana. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/direito/revista/online/rev11_antonio.html
>
Acesso em: 26 abr. 2006.
23
gerado no agir comunicativo, não com as funções, nem com os conteúdos
da comunicação cotidiana
21
.
Para Habermas, o “mundo da vida” é um reservatório para interações
simples no qual permanecem vinculados os sistemas de interação e de saber
especializados. Estes saberes e sistemas estão ligados às funções gerais de
reprodução do mundo da vida – como a religião, a escola e a família; ou aos
diferentes aspectos de validade do saber comunicados através da linguagem –
como a ciência ou a arte
22
. Assim, a esfera pública não constitui um sistema, pois,
mesmo que fosse possível delinear seus limites internos, exteriormente ela se
caracteriza por horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis.
23
Considerando a distinção que o teórico elabora entre a esfera societária e a
esfera política e o Estado, a influência da sociedade civil se concretiza por meio da
existência da esfera pública transparente e porosa, permeável às questões originadas
no mundo da vida. E, ao contrário da concepção republicana, em Habermas, é
somente pela mediação do sistema político, através dos partidos políticos
24
, que o
poder de influência da sociedade civil chega ao Estado. Como diz Costa:
Somente através da mediação dos processos institucionais de formação da
opinião e da vontade é que o poder de influência da sociedade civil deve
chegar ao estado, não mais a contraparte institucional da sociedade civil,
como na concepção republicana, mas a esfera com competências
funcionais e políticas delimitadas pelo direito e pela lei.
25
21
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 93.
22
HABERMAS, op. cit., p. 92.
23
Ibidem, p. 92.
24
Ibidem, p. 101.
25
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
24
A partir deste ponto, é importante salientar que a esfera pública não é uma
instituição ou uma organização. Pelo contrário, para Habermas, embora as esferas
públicas ainda estejam muito ligadas aos espaços concretos de um público presente:
Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também,
por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de
ouvintes ou de expectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais
clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura
espacial das interações simples para a generalização da esfera pública
26
.
Segundo Habermas, portanto, o espaço público não constitui uma atitude
normativa capaz de diferenciar entre competências e papéis, nem regula o modo de
pertença de uma organização e tampouco possui um lugar definido no espaço.
1.3.1 Os Atores Sociais na Esfera Pública
Segundo a concepção que Costa denomina de pluralista, a esfera pública
representa o espaço de disputa por visibilidade e influência dos atores coletivos e a
arena na qual os atores políticos buscam conquistar o apoio plebiscitário dos
cidadãos. O pressuposto fundamental desta concepção é a igualdade entre todos
para influir nos processos de constituição da agenda pública e de tomada de
decisões.
Nessa perspectiva, não se faz qualquer distinção analítica e normativa entre
os atores coletivos ligados à sociedade civil e os grupos que representam
interesses econômicos específicos. Os diferentes atores coletivos
buscariam, indistintamente, instrumentalizar o espaço público para a
concretização de seus interesses particulares. As formas de ação diversas
26
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 93.
25
utilizadas, por exemplo, por movimentos sociais e por grupos de pressão e
lobbies, não indicam tratar-se, em cada caso, de atores de natureza
variada
27
.
Nessas circunstâncias, à política compete reunir e garantir a implementação
dos interesses dos indivíduos organizados em associações e grupos junto ao
Estado, cabendo a este último a tarefa de basicamente prestar serviços. Todavia,
embora seja verdadeiro que os embates políticos sejam marcados por disputas entre
os diferentes grupos organizados pela realização de seus interesses,
28
para
Habermas, na esfera pública, o que importa é a necessidade de:
fazer uma distinção entre atores que surgem do público e participam na
reprodução da esfera pública e atores que ocupam uma esfera pública já
constituída, a fim de aproveitar-se dela. Tal é o caso, por exemplo, de
grandes grupos de interesses, bem como organizados e ancorados em
sistemas de funções que exercem influência no sistema político ‘através’ da
esfera pública
29
.
Nenhuma esfera pública, de acordo com Habermas, pode se produzida ao
bel-prazer de quem quer que seja. Antes de ser assumida por atores que agem
estrategicamente, ela precisa produzir-se a partir de si mesma e constituir-se como
estrutura autônoma. Por decorrência lógica, a autonomia é a força latente
fundamental a uma esfera pública capaz de funcionar e de reaparecer quando
necessite ser mobilizada.
27
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm Acesso em: 26 abr. 2006.
28
Ibidem.
29
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 96.
26
Segundo o autor, a formação da vontade coletiva, nos diversos espaços
públicos, deve se mobilizar no sentido de refrear os impulsos de controle e de
colonização advindos dos demais subsistemas: Estado e economia. No entender de
Habermas:
Para contabilizar seu poder social em termos de poder político, eles têm que
fazer campanha a favor de seus interesses, utilizando uma linguagem capaz
de mobilizar ‘convicções’, como é o caso, por exemplo, dos grupos
envolvidos com tarifas, que procuram esclarecer a esfera pública sobre
exigências, estratégias e resultados de negociações. De qualquer modo, as
contribuições de grupos de interesses são expostas a um tipo de crítica que
não atinge as contribuições oriundas de outras partes
30
.
Em síntese, como diz Costa, ao contrário da concepção pluralista, no
modelo habermasiano:
Os atores da sociedade civil tematizam situações-problema percebidas no
mundo da vida e que dizem respeito, portanto, ao conjunto da sociedade,
contribuindo, através de seu esforço de inclusão de grupos e de temas
minoritários para a ampliação e a revitalização da esfera pública. Os atores
ligados à esfera da economia e da política buscam, ao contrário, a utilização
publicitária do espaço público para a conquista de novos consumidores ou
de lealdade das massas e pouco participam do processo de reprodução e
de expansão de tal esfera
31
.
Os grupos interessados em “aproveitar-se” da esfera pública não podem
usar manifestamente nesta quaisquer mecanismos de pressão não-públicos, pois
dinheiro e poder são modos não discursivos de coordenação
32
.
30
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 96.
31
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
32
CALHOUN, Craig (Org.). Introduction. In: Habermas and the Public Sphere. Cambridge: M.I.T.
Press, 1992. p. 6.
27
1.3.2 A Formação da Opinião Pública
Como a arena de articulação diferenciada das dinâmicas impostas pelo
Estado e economia
33
, a esfera pública tem, como outro traço, seu potencial de
integração social cujo resultado é a opinião pública. Opiniões públicas, oriundas de
espaços dominados pelo uso não declarado do dinheiro ou do poder, perdem sua
credibilidade tão logo se tornem públicas, já que estas, como exposto no tópico
anterior, embora possam ser manipuladas, não podem ser compradas ou obtidas à
força publicamente.
Na esfera pública, segundo Habermas, as manifestações são selecionadas
com temas e tomadas de posição pró e contra. As informações e os argumentos são
elaborados na forma de opiniões focalizadas. E é da conjugação destas opiniões
que se forma a opinião pública em processos públicos de comunicação.
Nestes, o assentimento a temas e a contribuições é o resultado de uma
controvérsia “mais ou menos ampla” na qual propostas, informações e argumentos
podem ser elaborados de forma ‘mais ou menos racional’. Este sempre, ‘mais ou
menos’ pressupõe, obviamente, uma variação no nível discursivo da formação da
opinião pública com relação direta em sua qualidade
34
. A “qualidade” da opinião
pública – sua grandeza empírica - nos termos de Habermas, é medida pela
33
GARNHAM, Nicholas. The Media and the Public Sphere. In: Habermas and Public Sphere. p. 360-
361.
34
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 94.
28
qualidade dos procedimentos de seu processo de criação, e fundamenta a medida
para a legitimidade da influência exercida sobre o sistema político.
No espaço público, os agentes da ação racional que se multiplicam e
profissionalizam cada vez mais tanto pela complexidade organizacional, quanto pelo
alcance da mídia, têm diferentes chances de influência. No entanto, como Habermas
mesmo adverte, as influências fáticas e legítimas não são coincidentes, e estes
conceitos permitem abrir uma perspectiva a partir da qual é possível analisar
empiricamente a relação entre influência real e a qualidade procedimental de
opiniões públicas
35
.
A opinião pública não pode ser considerada de modo meramente estatístico.
Ela não é um “conjunto” de opiniões individuais. Tomada sob este prisma, tal opinião
não passa de opinião política que “pode” refletir um certo aspecto da opinião pública,
se esta for pré-existente à pesquisa realizada em um espaço público mobilizado.
Como ressalta Patrick Champagne:
Se, em relação a determinados problemas políticos, os “cidadãos” podem
ter ou não opiniões pessoais, também podem decidir ou não torná-las
públicas, por exemplo, no momento de movimentos pontuais de protesto ou
de reivindicação. Tornar ou não pública sua opinião é um ato político.
Quando é realizado pelo proprietário da opinião, permite limitar, pelo menos,
em certa medida, as manipulações
36
.
Na linha do que propõe Champagne, a “opinião pública” de institutos de
pesquisa é tão somente a agregação estatística de opiniões privadas que se tornam
35
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 94-95.
36
CHAMPAGNE, Patrick. Formar Opinião Pública: o Novo Jogo Político. Petrópolis: Vozes, 1996. p.
113.
29
públicas. Não é uma opinião que se exprime em público por petições ou através da
imprensa ou em manifestações de rua.
1.3.3 As Críticas ao Modelo Discursivo
A concepção de esfera pública habermasiana não está imune a
contestações de diversas ordens. Para seus críticos, o problema central do modelo
habermasiano estaria assentado em quatro aspectos principais:
(1) seria uma idealização, pois pesquisas históricas recentes a têm revelado
muito mais como uma estrutura competitiva, mais controlada pelo mercado do que
pelo livre discurso dos intelectuais em públicos “iluminados”;
(2) seu modelo racional de discurso público o conduziria a teorizar uma
esfera pública pluralista que obscurece divisões e posições políticas irreconciliáveis
requerendo, por isso, a entrada em cena de partidos políticos;
(3) que restaria clara sua dependência ao modelo de indústria cultural de
Adorno, vislumbrando somente as tendências culturais elitistas e o poder de
manipulação de seus controladores; e
(4) embora reconhecendo a teoria de Jürgen Habermas, como uma das
teorias mais abrangentes da modernidade e com a qual os teóricos do feminismo
têm muito a aprender ao estudar as divisões e as dicotomias institucionais entre as
30
esferas pública e privada
37
, na ótica feminista, o conceito de esfera pública
habermasiano centra-se na suposição de igualdade subjacente à idéia de
construção de consensos, também proposta por Habermas.
O autor aponta que os problemas teóricos e o estágio da pesquisa, nos dias
de hoje, diferem, e muito, daqueles que se apresentavam nas décadas de 50 e 60
quando sua obra sobre o assunto foi escrita
38
. A teoria por ele proposta é localizada
no tempo e no espaço. Como ele reconhece: “Minha teoria, finalmente, também foi
modificada, embora menos em seus fundamentos do que em sua complexidade”
39
.
Em seu trabalho inicial, a já mencionada obra “Mudança Estrutural e Esfera
Pública”, Jürgen Habermas buscou construir um tipo ideal de esfera pública dentro
do contexto histórico da Inglaterra, da França e da Alemanha no final século XVIII ao
começo do século XIX. Por isso, segundo ele, muitas das críticas que lhe pesam têm
origem no fato de que a formulação de um conceito específico para uma época
requerer que uma dada realidade social, altamente complexa, seja estilizada para
fornecer suas características mais peculiares
40
. Porém, tendo em vista partir este
trabalho da hipótese de serem as associações de radiodifusão comunitárias esferas
públicas, é fundamental destacar como central a crítica segundo a qual Habermas
37
BENHABIB, Seyla. CORNELL, Drucilla. Além da Política de Gênero. In: Feminismo como Crítica
da Modernidade: Releitura dos Pensadores Contemporâneos do Ponto de Vista da Mulher. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987. p. 11.
38
HABERMAS, Jürgen. Further Reflections on the Public Sphere. In: Habermas and Public Sphere.
p. 421-422.
39
Ibidem, p. 422.
40
Ibidem, p. 422-423.
31
negligencia o desenvolvimento contemporâneo de múltiplos espaços públicos de
características subalternas e mais igualitárias que se oponham à esfera pública
burguesa
41
.
Destaque-se que, ao discutir a equidade para a participação e a igualdade
social necessárias à esfera pública, Fraser reporta a existência de impedimentos
informais que podem persistir mesmo após as pessoas terem recebido formal e
legalmente o direito de participação. Segundo ela, a pesquisa feminista tem
documentado uma síndrome de que, em espaços de discussão mistos, há uma
tendência de que os homens interrompam as mulheres mais do que estas os
interrompem; que os homens falem mais, por mais tempo, e com maior freqüência
que as mulheres; e que as intervenções das mulheres sejam, com mais freqüência,
ignoradas ou não respondidas
42
. Razão pela qual os membros de grupos sociais
subordinados, tais como o das mulheres, dos negros e dos homossexuais têm
encontrado vantagens em constituir públicos alternativos, que a autora designa
como contra-públicos subalternos, contrapostos ao espaço público único.
Para Fraser, os “públicos” seriam cenários paralelos nos quais os membros
destes grupos sociais subordinados criam e circulam contra-discursos para
formular interpretações condizentes com suas identidades, interesses e
necessidades. Nestes espaços próprios, pondera Fraser, seria possível reduzir
(embora ela reconheça que não eliminar), as desvantagens enfrentadas em
esferas públicas “oficiais”.
41
GARNHAM, Nicholas. The Media and the Public Sphere. In: Habermas and the Public Sphere. p. 359-
360.
32
Conforme Costa, o principal problema da crítica de Fraser reside na
compreensão equívoca da importância política conferida por Habermas à esfera
pública. Segundo ele:
(...) na forma como Habermas tem trabalhado o conceito, a esfera pública
não aparece limitada nem externa, nem internamente. Não há uma distinção
apriorística das fronteiras do público e do privado que definisse de saída os
temas passíveis de tratamento político. A esfera pública apresenta-se, na
concepção do autor, porosa e ubíqua, perpassando todos os níveis da
sociedade e incorporando todos os discursos, visões de mundo e
interpretações que adquirem visibilidade e expressão pública
43
.
Contudo, para os fins de análise da temática aqui proposta, é fundamental
que restem claros os aspectos concernentes à possibilidade de emergência de
múltiplas esferas públicas populares e, mais especificamente, o papel da mídia na
sociedade contemporânea. Esses aspectos são importantes, pois, no cerne da crítica
à formulação conceitual, encontra-se o argumento de que Habermas não visualiza a
criação de uma esfera pública popular, ou de públicos contra-postos à esfera pública
hegemonizada pela burguesia.
42
FRASER, Nancy. Rethinking the Public Sphere: a Contribution to the Critique Actually Existing Democracy.
In: CALHOUN, C. (Org.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge: MIT Press, 1992. p. 119.
43
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm
> Acesso em: 26 abr. 2006.
1.3.4 A Esfera Pública Popular
Inegavelmente, a participação desigual dos diversos atores na esfera pública
mostra que, toda vez que um grupo de desiguais discute alguma questão e algo
transparece como de interesse geral, via de regra, este é o dos dominantes
44
. Neste
sentido, vão os estudos de Iris Young, Seyla Benhabib e de Nancy Fraser.
Entretanto, segundo Habermas, a exclusão de estratos populares,
culturalmente e politicamente organizados, provoca a criação de uma multiplicidade
de esferas públicas nos mais diversos processos em que as esferas burguesas
emergem. Assim, a formação de esferas públicas populares decorre de sua exclusão
da esfera pública hegemônica. Das diferentes maneiras que a exclusão se opera,
surgem, conseqüentemente, as condições de formação dos públicos fracos
representativos dos excluídos
45
.
Habermas confessa ter sido alertado para as dinâmicas da cultura popular
das quais não havia se atentado. A cultura das pessoas comuns aparentemente não
significava mais do que uma reprodução da cultura dominante. Entretanto, esta
periodicamente mostra sua contrariedade à dominação.
44
PINTO, Céli. Teorias da Democracia: Diferenças e Identidades na Contemporaneidade. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004. p. 51.
45
HABERMAS, Jürgen. Further Reflections on the Public Sphere. In: Habermas and Public Sphere.
p. 426-427.
34
Um outro aspecto merecedor de destaque, nesse elenco de características
da categoria de espaço público, é a necessidade de percebê-lo marcado pelo signo
da pluralidade. Ou seja, não se deve restringir a sua percepção a um domínio único
que englobe todas as arenas possíveis de formação discursiva da opinião. Como
lembra Maia, de acordo com Habermas:
Tecnologias de comunicação como a princípio a imprensa livreira e a
impressa, e, posteriormente, o rádio e a televisão, tornam disponíveis
enunciados acerca de quase qualquer contexto e facultam uma rede
altamente diferenciada de esferas públicas locais e supra-regionais,
literárias, políticas, interpartidárias ou específicas de associações,
dependente dos médias ou subculturais. Nas esferas públicas, são
institucionalizados processos de formação de opinião e da vontade que, por
muito especializados que sejam, visam a discussão e a interpretação
recíproca. As suas fronteiras são permeáveis; cada esfera pública está
aberta também a outras esferas públicas
46
.
No entanto, mesmo reconhecendo esta pluralidade de espaços públicos,
pode-se discernir uma tendência à articulação de um espaço público comum de
características universais. Esta articulação, segundo Nicholas Garnham, encontra
explicação no reconhecimento de que, se as forças do mercado atuam em escala
global, nenhuma resposta dada a ele será politicamente efetiva se não for, de igual
forma, global
47
.
Por outro lado, no que toca especificamente o caso das mulheres, para
Habermas o processo democrático precisa assegurar, ao mesmo tempo, a
autonomia privada e a pública, ou seja:
os direitos subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento
autônomo e privado para suas próprias vidas, não podem ser formulados de
46
MAIA, Antônio C. Espaço Público e Direitos Humanos: Considerações Acerca da Perspectiva
Habermasiana. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/direito/revista/online/rev11_antonio.html>
Acesso em: 26 abr. 2006.
47
GARNHAM, Nicholas. The Media and the Public Sphere. In: Habermas and the Public Sphere. p.
371-372.
35
modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e fundamentem
os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual
em casos típicos. Só se pode assegurar a autonomia privada de cidadãos
em igualdade de direito quando isso se dá em conjunto com a intensificação
de sua autonomia civil no âmbito do Estado
48
.
Na perspectiva democrática habermasiana, a esfera pública não é mero
depositário dos problemas. Sua função é reforçá-los, tematizá-los, problematizá-los
e dramatizá-los eficaz e convincentemente para que sejam assumidos e elaborados
pelo complexo parlamentar. Em suas palavras:
Os problemas tematizados na esfera pública política transparecem
inicialmente na pressão social exercida pelo sofrimento que se reflete no
espelho de experiências pessoais de vida. E, na medida em que essas
experiências encontram sua expressão nas linguagens da religião, da arte e
da literatura, a esfera pública ‘literária’, especializada na articulação e na
descoberta do mundo entrelaça-se com a política
49
.
Tal como se pretende mostrar com o estudo das rádios comunitárias, estas
estruturas e processos são, outrossim, caixas de ressonância nas quais os atores
são capazes de problematizar
50
o conteúdo recebido e, inclusive, formular
estratégias para o seu enfrentamento. Como diz Habermas, as esferas públicas,
funcionariam como: “um sistema de alarme dotado de sensores não especializados,
porém sensíveis no âmbito de toda a sociedade”
51
.
No sentido do exposto, a efetividade dos processos de deliberação está
diretamente relacionada à capacidade de organização dos espaços públicos de
“baixo para cima”.
48
HABERMAS. J. Sobre a Coesão Interna entre Estado de Direito e Democracia. In: HABERMAS, J.
A Inclusão do Outro: Estudos de Teoria Política. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 305.
49
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre a Facticidade e Validade II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. p. 97.
50
HABERMAS, op. cit., p. 91.
36
Segundo Azurduy, é com este espírito que se resgata e valoriza as rádios
populares. Meios, segundo ele, com uma lógica de funcionamento de rentabilidade
sócio-cultural e não de lucro que constituem um espaço público mais destacado no
qual a cidadania se manifesta, sente, opina, interpela e exerce pressão e poder.
52
Por estas esferas, são canalizadas as expectativas de participação ampla e plural na
ânsia de produzir mudanças reais. Estes meios de comunicação comunitários
constroem interesses comuns sobre bases de negociações, de afinidades, de
diálogos e de discussões que permitem, como ver-se-á nos capítulos que seguem,
encontrar consensos e chegar até um nível de decisão e de ação.
51
Ibidem, p. 91.
52
AZURDUY, Carlos A Camacho. Las Rádios Populares en la Construcción de Ciudadania:
Enseñanzas de la Experiencia de Erbol en Bolivia. La Paz: Universidad Andina Simón Bolivar
(UASB), 2001. p. 120-122.
2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS
Como dispõe a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão
53
,
adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a liberdade de
expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e
inalienável, inerente a todas as pessoas. E, além disso, é um requisito indispensável
para a própria existência das sociedades democráticas. Assim, como preliminares à
contextualização das rádios comunitárias como esferas públicas, é necessário
ressaltar a importância dos direitos humanos fundamentais como a base do Estado
Democrático de Direito Brasileiro. Este é o objetivo deste capítulo.
Entretanto, importa esclarecer, inicialmente, a opção feita neste trabalho de
utilizar o termo direitos humanos fundamentais e não tão somente direitos humanos
ou direitos fundamentais. Ocorre que, embora não sejam estes termos excludentes,
os mesmos reportam significados distintos.
A expressão direitos humanos se refere àquelas posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, guardando relação com os documentos de direito
internacional. São normas que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os
povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional
53
Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão. In: COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS/CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Documentos
Básicos em Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano. 2003. p. 193-195.
38
(internacional). A expressão “direitos fundamentais”, por outro lado, revela um
conceito de sentido mais preciso no âmbito do direito pátrio.
Considerando a terminologia utilizada, no texto constitucional de 1988, sob
a expressão de direitos e de garantias fundamentais (epígrafe do Título II),
abrangem-se todas as demais categorias e espécies de direitos fundamentais,
dentre estes, os direitos e os deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos
sociais (Capítulo II), a nacionalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV)
e o regramento dos partidos políticos (Capítulo V)
54
. O critério considerado mais
adequado para determinar a diferença entre ambas as categorias, é o da
concreção positiva. Pois, os direitos fundamentais constituem um conjunto de
direitos e de liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito
positivo de um Estado.
Como dito, na presente pesquisa, optou-se pela expressão direitos
humanos fundamentais. Consoante Sarlet, esta terminologia não tem o condão de
afastar a pertinência da distinção existente entre as duas anteriores, mas
apresenta a vantagem de ressaltar tanto a matriz internacional, quanto a existente
no âmbito interno. A primeira apresenta-se em função do reconhecimento e da
proteção de certos valores e reivindicações essenciais de todos os seres humanos.
A segunda, por destacar os direitos e garantias de inequívoca aplicabilidade por
força do texto constitucional brasileiro.
54
Neste sentido, dentre outros, Ingo Sarlet. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos
Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 31-37.
39
Outra definição inicial imprescindível é a de direitos e de liberdade sob a
égide dos direitos humanos fundamentais. O texto que segue abordará diversas
vezes as dimensões negativa e positiva da liberdade. E, por tal razão, vale frisar
que, ao colocar a comunicação como uma posição jurídica, se está referindo a uma
liberdade fundamental.
Nessa linha, como assegura Canotilho, as liberdades identificam-se com
ações negativas que têm como traço específico o da alternativa de comportamentos,
ou seja, a possibilidade de escolha de um comportamento. A norma universal
garante ao indivíduo “A” o direito à liberdade e à segurança perante o Estado e
outros indivíduos. Exemplificando, o direito à vida é, sem dúvida, um direito de
natureza defensiva perante o Estado. Entretanto, não é uma liberdade, pois ao seu
titular não é dado escolher entre viver ou morrer. Assim, a comunicação é uma
liberdade, pois confere à sociedade civil a opção de escolha entre participar ou não
do processo político.
2.1 Definindo Direitos Humanos Fundamentais
Inexiste uma definição consensual sobre o que sejam direitos humanos. E
as definições hão de variar sempre enquanto variadas forem as visões de mundo
existentes. A ótica liberal ou capitalista, por exemplo, é essencialmente
individualista. Nessa linha, a proposta é a de que o homem civil tem precedência ao
40
homem político, ou seja, às liberdades individuais é conferido status superior às
liberdades políticas
55
.
No entanto, seja qual for o prisma, os direitos humanos definem-se por seu
caráter fundante da existência e da coexistência humanas. São, como o afirma Kofi
A Annan, universais, indivisíveis e interdependentes ou a pedra de toque para tudo
que as Nações Unidas aspiram a realizar na sua missão de paz e de
desenvolvimento sustentado
56
. Conforme o Secretário-Geral da ONU:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecida pela
comunidade internacional e baseada na dignidade e igualdade de todos os
membros da família humana, tem o grande mérito de ser o primeiro
instrumento legal a reunir um conjunto de princípios que incorporam os
direitos e a liberdade do ser humano. Desde sua adoção, a Declaração
serve como modelo para as instituições nacionais, leis, políticas e práticas
de governo que protegem os direitos humanos.Tem instrumentos para
prover inúmeros pontos de referência a tribunais nacionais, parlamentos,
governos, advogados e organizações não governamentais. Muitos destes
instrumentos tornaram-se parte do direito internacional comum, unindo
assim todos os Estados, quer sejam ou não signatários de convenções
multilateriais de direitos humanos. Assim, o que começou como uma
proclamação, não exatamente de união, de direitos humanos e de liberdade
tem, pelo menos, em certos aspectos, adquirido, por meio de práticas de
Estado, o status de lei universal
57
.
Normativamente, pode-se considerar como uma definição razoável de
direitos humanos a que os toma como ressalvas e restrições ao poder político e
econômico expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e
públicos:
(...) destinados a fazer respeitar e a concretizar as condições de vida que
possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades
55
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 99.
56
ANNAN, Kofi A. Prefácio. In: CASTRO, Reginaldo Oscar de. (Coord.). Direitos Humanos: Conquistas e
Desafios. Brasília, 1999. p. 7.
57
Ibidem, p. 7-8.
41
peculiares de inteligência, de dignidade e de consciência, e permitir a
satisfação de suas necessidades materiais e espirituais
58
.
Sob esta ótica, importa ressaltar que, como assevera Comparato, ao
comentar sobre o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
doutrina majoritária reconhece que a vigência dos direitos humanos independe de
sua declaração em constituições, de leis e de tratados internacionais, exatamente
porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercida
contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não
59
.
Como ensina J. J. Gomes Canotilho, um dos maiores e mais respeitados
constitucionalistas do mundo contemporâneo, são quatro as principais funções dos
direitos humanos fundamentais
60
. A primeira delas é a de defesa da pessoa humana
e da sua dignidade perante os poderes do Estado
61
, pois, levando em consideração
a posição em relação a este, os direitos fundamentais cumprem a função de direitos
de defesa dos cidadãos em uma dupla perspectiva. Sob o primeiro prisma, os
direitos fundamentais constituem, no plano jurídico objetivo, normas de competência
negativa para os poderes públicos, proibindo-os, essencialmente, de ingerir na
esfera jurídica individual. Sob o segundo aspecto, subjetivamente, implicam o poder
de exercer direitos fundamentais e de conter agressões advindas do Estado. O que
significa, portanto, na segunda idéia, o exercício da liberdade positiva e da liberdade
58
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Safe, 1996.
p. 24.
59
COMPARATO, Fábio Konder. Comentário ao Artigo 1.º. In: CASTRO, Reginaldo Oscar de. (Coord.)
Direitos Humanos: Conquistas e Desafios. Brasília, 1999. p. 14-15.
60
Importa ressaltar que Canotilho utiliza a terminologia direitos fundamentais.
61
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 407.
42
negativa - conceitos de vital importância quando se trata de liberdades como a de
expressão e de comunicação, adiante abordadas.
A segunda função dos direitos fundamentais é a de prestação social, que
está intimamente associada ao núcleo dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Os direitos a prestações significam estritamente o direito de obter do Estado,
políticas sociais tais como saúde, educação e segurança pública.
Como uma terceira função, os direitos fundamentais funcionam como
proteção perante terceiros. Em outras palavras: o Estado tem o dever de proteger os
titulares de direitos fundamentais de agressões de terceiros. Por fim, como quarta
função, encontra-se a de não-discriminação. Decorrente do princípio da igualdade, a
função de não-discriminação deve assegurar que o Estado trate os seus cidadãos
como iguais.
De acordo com tais funções e considerando a comunicação como um direito
humano fundamental, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão
62
prevê que toda pessoa tem o direito a buscar, a receber e a divulgar livremente
informações e opiniões. Princípio este que se encontra em conformidade tanto com
o que estipula o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos como o
que dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Segundo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
62
Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão. In: COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS/CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Documentos
Básicos em Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano. 2003. p. 193-195.
43
Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos,
tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de
imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos
usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”.
(artigo 13, item 3)
63
.
Conforme o disposto no texto da Declaração Universal dos Direitos
Humanos em seu artigo 19:
Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão: este direito
inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber
e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
64
.
Assim considerado o direito humano fundamental à comunicação, este
implica em que todas as pessoas devam ter igualdade de oportunidades para
receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação sem
discriminação, por nenhum motivo, inclusive os de raça, de cor, de religião, de sexo,
de idioma, de opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, de origem nacional
ou social, de posição econômica, de nascimento ou de qualquer outra condição
social.
Note-se que, na Declaração de Princípios supra-referida, a propriedade e o
controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopólio, já
que os monopólios e os oligopólios conspiram contra a democracia ao restringir a
pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito à informação
63
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. In: COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS/CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Documentos Básicos em
Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano. 2003. p. 31.
64
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em:
12 abr. 2006.
44
dos cidadãos. Pelo disposto na Declaração, as concessões de rádio e de televisão
devem obedecer a critérios democráticos que garantam a igualdade de
oportunidades para todos os indivíduos em seu acesso. Ademais, os meios de
comunicação social têm o direito de realizar seu trabalho de forma independente.
Pressões diretas ou indiretas que têm como finalidade silenciar o trabalho
informativo dos comunicadores sociais são incompatíveis com a liberdade de
expressão. Contudo, importa observar que, como o capítulo seguinte o mostrará, a
realidade brasileira está longe de respeitar dito direito.
2.2 Os Direitos Humanos Fundamentais e a Democracia
Quis o legislador constituinte de 1988 demarcar o Estado Brasileiro como um
Estado Democrático de Direito
65
. Ou seja, adiante da mera noção “de Direito”, que
mais designa o fato de um Estado possuir ou não uma constituição, pretenderam
os/as parlamentares de então consignar o Estado Brasileiro como uma ordem de
domínio legitimada pelo povo
66
.
65
Reza a Constituição Federal de 1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e dos Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce, por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
66
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 98.
45
Como explica Canotilho, para alguns, direito e democracia correspondem,
enfim, a dois modos de ver a liberdade. No Estado de direito, concebe-se a
liberdade como negativa, isto é, como uma liberdade de defesa ou de
distanciamento perante o Estado - uma liberdade liberal que “curva” o poder, nos
exatos termos do mestre português. Ao Estado democrático, ao contrário, a
liberdade concebe-se como liberdade positiva, assentada no exercício do poder
democrático. “É a liberdade democrática que legitima o poder”
67
.
A idéia de que a liberdade negativa tem precedência sobre a participação
política (liberdade positiva) é um dos princípios básicos do liberalismo político
clássico. E, tal entendimento implica que a segurança da propriedade e dos direitos
individuais teria uma importância maior do que a dos direitos de participação política
ativa. Por tal razão, à vista do que adiante será reportado sobre as associações de
rádio comunitárias, a liberdade de comunicação é decorrência lógica da liberdade
positiva.
O papel do Estado Democrático de Direito é o de realizar os direitos
fundamentais. Ele é o Estado com o qual se pretende a transformação em
profundidade do modo de produção capitalista. Ou seja, sua substituição progressiva
por uma organização social em que, por vias pacíficas e de liberdade formal e real,
se possam implantar níveis reais de igualdades e de liberdades
68
.
67
Ibidem, p. 99.
68
STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da
Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 39.
46
A essência da democracia, como a síntese do princípio democrático, pode
muito bem ser consubstanciada na frase de Lincoln, segundo a qual esta seria o
“governo do povo, pelo povo e para o povo”. Para Canotilho, a interpretação do
postulado de que “todo poder vem do povo” reconduzia, na teoria clássica, à
exigência da organização do Estado segundo os princípios democráticos. Somente
em casos excepcionais, admitia-se que o postulado da organização democrática
fosse extensivo aos partidos políticos em virtude da importância destes para a
formação da vontade democrática.
Contudo, o princípio democrático, no sentido constitucional, indica um
processo de democratização extensivo a diferentes aspectos da vida econômica,
social e cultural, assunto que será abordado no capítulo posterior
69
. Tal como é um
elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos fundamentais também são um
elemento básico para a realização do princípio democrático.
Mais concretamente, como sustenta o jurista português, os direitos
fundamentais têm uma função democrática. Ao pressupor a participação igualitária
dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça-se com os direitos subjetivos de
participação e de associação que se tornam, assim, fundamentos funcionais da
democracia
70
.
Neste contexto, as liberdades relativas à comunicação social devem estar
coadunadas com uma visão ampla da comunicação e dos vários meios de
69
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 289-290.
70
Ibidem, p. 289-290.
47
comunicação modernos, da sua importância nas relações sociais pela influência na
formação da opinião pública
71
. Neste sentido, como afirma Oliveira: “Cabe ao
Estado, de forma pronta e eficaz, zelar para que o cidadão possa ser informado nos
vários enfoques possíveis e forme, ele próprio, sua opinião. Assim, a democracia
será preservada”
72
.
Os direitos humanos fundamentais, como direitos subjetivos de liberdade,
geram um espaço pessoal contra o exercício do poder antidemocrático e, como direitos
legitimadores de um domínio democrático, asseguram o exercício da democracia,
mediante a exigência de garantias de organização e de processos com transparência
democrática. Por outro lado, como direitos subjetivos a prestações sociais, econômicas
e culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões impositivas para o
preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos
73
.
2.3 Notas sobre a Liberdade de Expressão versus a Liberdade de Comunicação
A concepção de liberdade de expressão, embora consignada no texto da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, é conceito a ser revisto quando se trata
de comunicação comunitária. Logicamente, os limites desta dissertação não
autorizam incursão maior neste tema, razão pela qual aqui nada mais se pretende
que lançar as bases para estudos posteriores especialmente dedicados ao direito
71
OLIVEIRA, Cristiane Catarina Ferreira. Liberdade de Comunicação: Perspectiva Constitucional. Porto
Alegre: Nova Prova, 2000. p. 35.
72
Ibidem, p. 35.
48
humano fundamental à liberdade de comunicação. Em que pese tal ressalva,
seguem algumas considerações sobre os fundamentos da liberdade de
comunicação.
Assim como existem direitos fundamentais, cujo exercício e gozo não se
podem dar senão de modo individual, existem direitos e liberdades cuja titularidade
pertence a pessoas coletivas. Assim é o caso da liberdade de comunicação, que
difere da liberdade de expressão (própria ao Estado Liberal) por manter esta caráter
eminentemente de direito individual, embora de expressão coletiva.
Como afirma Canotilho, os direitos fundamentais coletivos são direitos das
organizações sociais. Isto é, têm por objetivo a tutela de formações sociais
garantidoras de espaços de liberdade e de participação no seio da sociedade
plural
74
. Tal é o caso das associações de radiodifusão comunitárias e da liberdade
de “tornar comum”
75
que estas reivindicam.
Observe-se, historicamente, que a liberdade de expressão decorreu da
necessidade de defesa da autonomia individual dentro do processo político. Pela
própria definição de direito individual, este é aquele reconhecido aos particulares
76
,
garantindo-lhes iniciativa e independência diante dos demais membros da sociedade
política e do próprio Estado
77
.
73
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 290-291.
74
CANOTILHO. op. cit., p. 424.
75
Comunicar. [Do lat. Communicare.] V. t.d.1. Fazer saber; tornar comum; participar: comunicar
idéias, pensamentos, propósitos; (...) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 444.
76
Grifos nossos.
77
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 190.
49
A liberdade de expressão é definida como o direito de difundir, publicamente,
por qualquer meio e perante quaisquer pessoas, qualquer conteúdo simbólico
78
. Ela
pode ser exercida verbalmente, em uma reunião ou uma manifestação pública; por
escrito, através de livros, panfletos, jornais etc; em encenações teatrais ou filmes; ou
através do rádio e da televisão. Em nada lhe altera o conteúdo, se o livro publicado
ou o panfleto escrito for lido por uma ou por milhares de pessoas.
De outro lado, a liberdade de comunicação ultrapassa os limites de
intervenção política meramente individual. Ela pressupõe a participação de todo
um grupo em um processo de conquista e de manutenção de espaços políticos
públicos que têm o poder-dever de tematizar, de problematizar
79
e de dramatizar,
de modo convincente e eficaz, as demandas sociais, de modo a torná-las pauta do
poder.
A Constituição Federal de 1988, por força do disciplinado em seu artigo
5.º, parágrafo primeiro, confere aplicação imediata aos direitos fundamentais,
bem como invoca, como vimos, o princípio do Estado Democrático de Direito. De
igual sorte, os regramentos relativos à liberdade de comunicação não se
encontram apenas no artigo 5.º, mas também no capítulo V, título VIII do texto
constitucional.
78
SAAVEDRA LÓPEZ, Modesto. La Libertad de Expresión en el Estado de Derecho. Entre la
Utopia y la Realidad. Barcelona: Ariel, 1987. p. 18.
79
Em Paulo Freire o antídoto para manipulação está na organização consciente que tem como ponto
de partida a problematização da realidade. Para tanto, ver FREIRE, Paulo. Pedagogia do
Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
50
Na linha do que pondera José Afonso da Silva, o que se extrai do texto
constitucional
80
é que a liberdade de comunicação consiste em um conjunto de
direitos, de formas, de processos e de veículos que possibilitam a coordenação
desembaraçada da criação, da expressão e da manifestação do pensamento e de
informação e da organização dos meios de comunicação
81
— ou seja, aí também a
comunicação ultrapassa a expressão.
80
Reza o texto constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou de licença;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal;
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da
lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e
XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º - Compete à lei federal:
I - regular as diversões e os espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza
deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de
programas ou de programações de rádio e de televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como
da propaganda de produtos, de práticas e de serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente.
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, de bebidas alcoólicas, de agrotóxicos, de medicamentos e de
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior e conterá, sempre
que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou
de oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão atenderão aos seguintes
princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
81
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 242-
243.
51
A liberdade de comunicação compreende vários direitos fundamentais,
dentre os quais se destacam o (1) direito de ser informado; (2) o direito de informar;
e o (3) direito de ter acesso à informação. O que, por sua vez, engloba os três
aspectos do processo de comunicação, quais sejam: emissão, mensagem e
recepção
82
.
O direito fundamental de informar assegura o poder de divulgar fatos ou
notícias que sejam de interesse coletivo. Neste sentido, o direito é entendido como
uma liberdade negativa, pois pressupõe o dever do Estado de abster-se de
obstaculizar o processo de comunicação, assim como o dever de proteger que este
mesmo processo seja obstruído por terceiros.
O direito fundamental de ser informado, por outra via, corresponde ao direito
de receber informações sobre tudo o que sucede na sociedade. Neste ponto, é de
cabal importância ressaltar que ser informado constitui o direito de participar
ativamente da vida coletiva e política, razão pela qual se sustenta a afirmação de
serem as rádios comunitárias esferas públicas dentre cujas características incluí-se a
formação da opinião pública. É dizer da possibilidade de evitar a marginalização social
provocada pela falta de informação ou, ainda, pela informação distorcida.
O direito fundamental ao acesso à informação, enfim, pressupõe o livre
acesso a todas as fontes de notícia possíveis. É direito, portanto, intimamente
relacionado com a impossibilidade de constituição e existência de monopólios e
82
FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: Teoria e Proteção Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 87 e 89.
52
oligopólios da comunicação. Por outro lado, está vinculado à idéia de que o processo
de comunicação não pode ser, de modo algum, obstaculizado pelo Estado, seja por
expedientes repressivos (uso da força policial, por exemplo), seja mediante a criação
de requisitos legais de realização altamente complexa, seja pela inércia na análise de
pedidos de concessão para exploração do serviço, como o próximo capítulo mostrará.
Sob a égide dos direitos humanos fundamentais, a liberdade de comunicação é
princípio ao qual correspondem quatro garantias fundamentais. São elas:
(1) a comunicação não sofrerá qualquer restrição, qualquer que seja o
processo ou o veículo;
(2) nenhuma lei poderá conter dispositivo que constitua embaraço ao
direito de comunicação;
(3) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política,
ideológica e artística;
(4) os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio.
Vale conferir não serem poucas as organizações da sociedade civil a
defenderem o posicionamento aqui esboçado. Note-se que, para o Intervozes, o
direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática.
Logo, assumir a comunicação como um direito fundamental significa reconhecer o
direito de todo ser humano de ter voz e de se expressar. Significa dizer que cabe ao
Estado garantir isso a todos os cidadãos, mais do que exercer, por sua própria
conta, essa comunicação.
53
O direito à comunicação é mais do que direito à informação; este é apenas o lado
passivo da questão. Fundamental, mas insuficiente. Também insuficiente é a
liberdade de expressão. Tal como ela existe hoje no Brasil, onde nove famílias
controlam os jornais, revistas e emissoras e rádio e TV, nove têm liberdade e 170
milhões de pessoas têm que aceitar o que é imposto por poucos.
A comunicação, numa sociedade democrática, pertence ao povo. Seu
espaço é necessariamente público e o único poder legítimo para regular
suas práticas emana da coletividade que é quem deveria decidir sobre as
questões relacionadas ao tema. Infelizmente, a organização do espaço
público de comunicação no Brasil fez-se até hoje sem a imprescindível
participação popular. É preciso reafirmar a comunicação como um direito
humano, universal e inter-relacionado com todos os outros direitos
fundamentais. Lutar pela efetivação deste direito é, portanto, trabalhar para
que todos os direitos humanos, indistintamente, tornem-se realidade
83
.
Também neste sentido, vão as considerações de centenas de organizações
latino-americanas que, em 27 de julho de 2004, por ocasião do Fórum Social das
Américas em Quito, no Equador, textualmente declararam:
Entendemos a comunicação como um direito humano fundamental que nos
assiste desde que nascemos e que todas e todos devemos exercê-lo ao
longo da vida com igualdade de oportunidades. Por essa natureza, a
comunicação deve servir para a inclusão social, para que, através dela, se
expressem os conflitos e as diferenças em diálogo com todos os pareceres,
na busca do bem comum
84
.
Portanto, no sentido do que apontam tanto o direito positivo, quanto os
valores afirmados pela sociedade civil, há de se reconhecer, na liberdade de
comunicação, o papel de garantidora de uma ordem que se pretenda democrática,
isto é, sob o prisma democrático, é dele decorrente e, ao mesmo tempo, dele uma
facilitadora.
83
INTERVOZES. A Democracia e o Direito à Comunicação. Disponível em:
<http://www.intervozes.org.br/direito.htm
>. Acesso em: 24 abr. 2006.
84
Ibidem.
54
2.4 A Luta pelo Direito Humano Fundamental à Comunicação
Os veículos de expressão coletiva devem ser instrumentos de uso comum
de todos. Neste sentido, as rádios comunitárias são uma exigência da dignidade
humana intrinsecamente ligada à noção de liberdade
85
, razão pela qual toda e
qualquer ação do Estado que pretenda, de maneira direta ou indireta, restringir sua
atividade é completamente descabida e ilegal. Ademais, como assevera Edílson
Farias, o que se verifica é que o cidadão tem o direito fundamental a uma
informação de qualidade e não a qualquer informação, ou seja: “(...) uma
informação que seja correta e verdadeira, produzida com cautela e honestidade,
bem como pluralista, porquanto proveniente do livre acesso às diversas fontes”
86
.
Entretanto, não é esta a situação que se verifica ainda hoje no Brasil.
Como sustenta Leonardo Boff, ao comentar o artigo 19 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, a revolução francesa entregou à classe burguesa
hegemônica e às suas instituições a tarefa de implementar e de observar os
direitos humanos. Esta criou para si as condições político-sociais para realizar e
fazer valer os direitos proclamados. Os proletários e os pobres ficaram com o
discurso, mas foram postos à margem, ou excluídos do processo de participação
do mundo de direito
87
.
85
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 45.
86
FARIAS, op. cit., p. 90.
87
BOFF, Leonardo. Comentário ao Artigo 19. In: CASTRO, Reginaldo Oscar de. (Coord.). Direitos
Humanos: conquistas e desafios. Brasília, 1999. p. 249 e 255.
55
Segundo Boff, a declaração da ONU encarrega, fundamentalmente, o
Estado como o primeiro responsável pela criação de condições infra-estruturais de
vigência dos direitos para todos. Mas, prossegue o teólogo, em uma sociedade de
classes, o Estado, em primeiro lugar, vai zelar pelos direitos daqueles que lhe dão
sustentação e, em seguida, de forma derivada, atende aos interesses das classes
subalternas.
Neste contexto, Boff vislumbra uma contribuição singular da América Latina
aos direitos humanos fundamentais, pois, os/as latino-americanos/as, parte das
maiorias violadas, assumem, mediante suas organizações, a cobrança da
universalidade dos direitos humanos e a sua defesa. Entende-se, dessa forma, que
a luta pelos direitos humanos é política que visa transformar o tipo de sociedade que
se tem. Para serem realmente universais os direitos humanos, devem começar a ser
realizados a partir das vítimas e dos excluídos dos processos de direito.
Tal é o caso das associações de rádios comunitárias, visto que é, através
destas organizações, destas esferas públicas das maiorias empobrecidas e
silenciadas pela esfera pública hegemônica, que as liberdades e os direitos
fundamentais, relativos à comunicação, tornam-se bandeiras de luta política no
Brasil. A democratização da comunicação é, neste sentido - e o capítulo posterior o
há de mostrar - parafraseando Boff, uma luta organizada pelas próprias vítimas
pelos direitos fundamentais que lhe são negados.
As rádios comunitárias possuem um enorme potencial de democratização na
medida em que com elas se começa a romper com as cadeias que submetem o
56
povo livre ao domínio de uma pequena e poderosa elite que controla os meios de
comunicação. Por isso, é fácil perceber porque as oligarquias dominantes não
querem o livre funcionamento das radcoms, eis que lhes interessa perpetuar seu
poder pela ignorância da maioria da população brasileira
88
.
88
SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios Comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 258-266.
3 AS RÁDIOS COMUNITÁRIAS COMO ESFERAS PÚBLICAS
A sociedade de massas é a concepção de espaço público hegemônica entre
os teóricos da comunicação na América Latina
89
. Para estes estudiosos, a região
sofre as conseqüências de uma modernidade tardia, caracterizada por uma cultura
híbrida, formada por reminiscências de formas culturais tradicionais que, ao longo do
processo de urbanização e de fragmentação das identidades preexistentes,
sucumbiu aos valores do individualismo. Faltou ao continente latino-americano um
espaço comunicativo prévio, tal como existente na Europa descrita por Habermas
em “Mudança Estrutural da Esfera Pública”. Na América Latina, ao contrário, a mídia
ocupou o lugar das mediações sociais que se faziam previamente necessárias.
Em decorrência de tal constatação, uma das principais garantias do poder
que se sucede nas mãos das elites brasileiras é a grande mídia. Segundo muitos
autores, tais como Konder Comparato e Paulo Bonavides, a organização do espaço
público de comunicação, nos dias atuais, dá-se com o alheamento do povo, ou com
sua transformação em massa de manobra dos setores dominantes. Pois, nos
regimes autocráticos, a comunicação social constitui monopólio dos governantes, e,
nos países geralmente considerados democráticos, o espaço de comunicação social
deixa de ser público, para tornar-se, em sua maior parte, objeto de oligopólio da
classe empresarial, a serviço de seu exclusivo interesse de classe
90
. O verdadeiro
89
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
90
COMPARATO, Fabio Konder. A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa. In: GRAU,
Eros Roberto et al. (Org.). Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides.
São Paulo: Malheiros, 2001. p. 155.
58
espaço público de deliberação política é, assim, aquele oferecido pelos veículos de
comunicação de massa.
Como sustenta Comparato, no século XX, a classe empresarial assumiu
diretamente a tarefa de legitimação da ordem estabelecida. E este processo se dá pela
criação, sob a forma de entidades estatais ou privadas, dos grandes órgãos de
comunicação de massa. Inaugura-se uma nova era política: a era da comunicação de
massa e da privatização do espaço público. Como descreve Comparato, nos dias atuais:
Não basta, com efeito, que um grupo social disponha dos chamados
recursos de poder – por exemplo, a força militar, a propriedade territorial,
ou o controle empresarial – para que lhe esteja assegurada, para sempre, a
estabilidade de sua posição de mando
91
.
De fato, como afirma Ignácio Ramonet, um dos mais vorazes críticos da
globalização e do papel da mídia neste processo, a imprensa e os meios de
comunicação foram, durante décadas de construção democrática, um recurso da
cidadania contra o abuso dos poderes tradicionais: executivo, legislativo e judiciário.
Muito especialmente, isso ocorreu em Estados autoritários e ditatoriais, nos quais o
poder político é o principal responsável por as todas violações aos direitos e às
liberdades fundamentais
92
. Entretanto, na medida em que se acelerou a
mundialização liberal, este “quarto poder” foi mudando de sentido e perdendo sua
função essencial de contra-poder.
91
Ibidem, p. 149.
92
RAMONET, Ignácio. Fiscalización Ciudadana a los Médios de Comunicación: El Quinto Poder. Le
Monde Diplomatique. Outubro de 2003. Disponível em:
<http://www.geocities.com/lospobresdelatierra2/altermedia/ramonet151003.html
>. Acesso em: 12
nov. 2005.
59
Os meios de comunicação, como um todo, tornam-se atores políticos a partir
do momento em que seus controladores e editores definem qual a linha ou a
orientação política que deve ser apoiada ou rechaçada. Preocupado com a
preservação de seu gigantismo, como afirma Ramonet, este “quarto poder” já não
tem como objetivo denunciar os abusos contra o direito e a democracia, tampouco
deseja atuar como um contra-poder, pois, se é um “quarto poder”, o que tem feito é
somar-se aos demais poderes já existentes.
Neste contexto, este capítulo pretende abordar o papel da mídia e,
especialmente, o do rádio no Brasil, para, na linha das ponderações de Habermas,
apresentar, posteriormente, as rádios comunitárias como uma possibilidade de
reação contra-hegemônica marcadamente subalterna, autônoma, independente e
capaz de produzir opinião pública.
3.1 A Grande Mídia e a Esfera Pública
Como afirma Venício A. de Lima
93
, as comunicações, ao lado das indústrias
de chocolate, de bebidas e de pasta de dente, representam um dos setores de maior
concentração no país, contrariando, como vimos, declarações e convenções de
direito internacional dos direitos humanos, além de dispositivos expressos da Carta
de 1988. Como mostra Lima, no Brasil, há um ambiente bastante propício à
concentração, pois a legislação do setor tem sido historicamente tímida ao não
93
LIMA, Venício A. de. Mídia: Teoria e Política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 95-106.
60
incluir dispositivos diretos que limitem ou controlem a concentração da propriedade
dos meios de comunicação.
No campo das comunicações, três são os modos em que esta concentração
pode se dar. O primeiro é a concentração horizontal. Trata-se da oligopolização ou
da monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor. Segundo
Lima, o melhor exemplo de concentração horizontal, no Brasil, continua sendo a
televisão, paga ou aberta.
O segundo é a concentração vertical que implica na integração das
diferentes etapas da cadeia de produção e de distribuição. É o caso em que um
único grupo controla desde os vários aspectos da produção de programas de
televisão até a sua veiculação, comercialização e distribuição. Nesta área, o melhor
exemplo continua sendo a produção e a exibição de telenovelas pela Rede Globo,
que possui os estúdios de gravação e mantém, sob contrato permanente, os
autores, os atores e toda a equipe de produção (roteiristas, diretores de
programação, cenógrafos, figurinistas, diretores de TV, editores, sonoplastas etc).
O monopólio em cruz, por fim, trata-se da reprodução, em nível local e
regional, dos oligopólios da "propriedade cruzada". Este tipo de “propriedade”, em
suma, ocorre quando o mesmo grupo detém diferentes tipos de mídia do setor de
comunicações. O melhor exemplo atual deste tipo de concentração, conforme Lima,
é o da Rede Brasil Sul de Comunicações, a RBS.
61
Atuando apenas em dois mercados regionais, o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, como explica Lima, o Grupo RBS reúne 6 jornais, 24 emissoras de rádio
AM e FM, 21 canais de TV, um portal de internet, uma empresa de marketing e um
projeto na área rural, além de ser sócio da operadora de TV a cabo NET (Zero Hora,
31/8/2002).
Para Lima, o mais assustador, e importante notar quanto à “produção” de
opinião pública, é que o Grupo RBS possui uma equipe de profissionais multimídia,
cujos comentários e opiniões aparecem simultaneamente nas TVs, nos jornais e nas
emissoras de rádio, tornando impossível a um morador da região metropolitana de
Porto Alegre não ver/ouvir/ler, diariamente, a opinião de pelo menos um desses
"comentaristas" em algum dos veículos do Grupo.
Essas são, certamente, as situações que conferem a um único grupo de
comunicações um extraordinário poder. Um poder diverso do poder estatal e,
outrossim, diverso da atividade econômica que, por decorrência lógica, propiciam à
grande mídia as condições objetivas necessárias para que esta se estabeleça como
a esfera pública hegemônica.
Merece destaque, igualmente, o fato de que se o monopólio, por si só, é
deplorável, no Brasil, o processo que lhe viabiliza é ainda pior. Pois, especificamente
quanto à radiodifusão, as concessões de emissoras estão sob o controle de partidos
políticos estreitamente ligados aos interesses daqueles que ocupavam (ou ocupam?)
a pasta das Comunicações. Prova disso pode ser encontrada em pesquisa realizada
por Israel Fernando de Carvalho Bayma.
62
A partir de cruzamentos de dados da Anatel, Ministério das Comunicações e
do TSE
94
, Bayma mostra que o modelo de comunicação, notadamente da
radiodifusão adotado no Brasil, ampara-se em um conjunto de instrumentos
jurídicos, composto de leis e de decretos, bem como de portarias e de atos
ministeriais destinados a garantir o controle de determinados setores sobre a
comunicação. Mas, a política de comunicações no Brasil não se resume a essas
disposições legais. Para o autor:
a verdadeira política de radiodifusão consubstancia-se em uma prática
político-administrativa que vai além dessas normas. Ancora-se, também, em
uma política informal que manobra e desaparelha a ação institucional dos
órgãos públicos de fiscalização, por meio de interpretações engenhosas do
arcabouço legal. Aproveita as omissões da legislação, os conflitos e
paradoxos resultados das reformas constitucionais para expedir portarias e
atos ministeriais e da agência reguladora para legislar, fragorosamente,
exorbitando das suas competências legais
95
.
A pesquisa de Bayma foi realizada com 3.315 concessões de emissoras de
radiodifusão brasileiras. Por meio dela, foi possível demonstrar que, de 1999 a
2000, 37,5% foram dadas a políticos do PFL; 17,5%, a membros do PMDB; e
12,5%, aos do PPB. O PSDB e o PSB apareciam empatados, cada qual com
6,25%. Tudo isso significa dizer que o governo FHC, através de “procedimentos”
políticos, controlava 73,75% do total de emissoras de radiodifusão do país. Rádios
estas, por sua vez, responsáveis pela reprodução, em nível local, do que é
produzido pelas grandes redes de comunicação, tais como, Globo, SBT, Manchete,
Record etc.
94
BAYMA, Israel Fernando de Carvalho. A Concentração da Propriedade de Meios de Comunicação e o
Coronelismo Eletrônico no Brasil. Disponível em: <http://www.pt.org.br/assessores/concentracao>.
Acesso em: 14 out. 2005.
95
Ibidem.
63
Mesmo em tempos de discussões sobre o modelo a ser adotado para a TV
digital, resta claro que o rádio continua a ser um importantíssimo veículo de
formatação da opinião das massas, já que, como afirma Bonavides, na sociedade
de massas, a opinião é ‘racionalizada’ em suas fontes formadoras. Para ele, os
mass media – especialmente o rádio e a televisão – compõem um extenso
laboratório de ‘criação’ da opinião para atender a interesses maciços de grupos ou
de poderes governantes
96
. O rádio é parte de um império midiático que se expande
e ganha força na medida em que as pessoas não têm acesso a outras fontes de
informação, dentre as quais incluem-se, na ótica deste trabalho, as rádios
comunitárias.
Por ser um instrumento de baixo custo e de pequeno porte, o rádio é um
meio de comunicação ao qual a maioria da população tem acesso. Mediante sua
programação diversificada, ele exerce grande influência no cotidiano das
pessoas, tanto em zonas urbanas quanto rurais. Ele constitui, portanto, uma
parcela de um espaço controlado pelos meios de comunicação de massa no qual
o “público”, “bestializado”, para usar uma expressão de José Murilo de
Carvalho
97
, nada mais é do que um aglomerado de consumidores passivos dos
conteúdos da mídia
98
.
96
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 579.
97
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
98
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm>. Acesso em: 26 abr. 2006.
64
3.2 O Rádio no Brasil
A primeira transmissão radiofônica de que se tem notícia no Brasil ocorreu
em 1922 por ocasião da inauguração do Corcovado, no Rio de Janeiro, durante as
comemorações do primeiro centenário da Independência Brasileira. Todavia, a
história do rádio brasileiro iniciou quando, em 20 de abril de 1923, Henrique Morize e
Edgard Roquette Pinto, fundaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
É sob a forte influência das diretrizes enunciadas por àqueles dois
precursores que as rádios, surgidas pós-23, vão orientar-se. Na época, o uso
prioritário do rádio seria para transmissões de caráter educativo e cultural. Contudo,
foram fatores políticos os que mais influenciaram a regulamentação do rádio desde
de sua chegada no Brasil.
Com efeito, as primeiras leis destinadas à radiodifusão foram criadas
durante a era Vargas. Pois, desde sua posse em 1930, Getúlio dedicou especial
atenção ao rádio. Já naquele tempo, era nítida a capacidade do veículo, como
excelente instrumento de propaganda ideológica.
Durante 20 anos, tão somente dois textos legais regeram a radiodifusão no
Brasil. O primeiro, um decreto de 1931 (Dec. N. 20.047 de maio de 1931) que
determinava ser, de competência exclusiva do governo federal, a regulamentação da
radiodifusão, considerada como de interesse nacional e tinha como objetivos
65
promover a educação do povo
99
. O segundo regramento era também um decreto:
Dec. N.o. 21.111 de março de 1932. Por ele, fora definida a natureza dos serviços
de radiodifusão, o critério e o procedimento para outorga de licenças, os direitos e os
deveres das emissoras de rádio, dentre outros dispositivos previstos ao longo de
seus 109 artigos.
Segundo Moreira, até metade da década de 40, o sistema de radiodifusão
nacional esteve submetido diretamente à intervenção estatal. Desta forma, cunhou-
se no rádio brasileiro a característica de veículo intimamente atrelado aos interesses
políticos no poder. Para ela, e como a referida pesquisa de Bayma pôde mostrar,
esta particularidade permeia todas as etapas do desenvolvimento do rádio no país.
Todavia, finda a ditadura Vargas, a partir de 1942, instalou-se, no rádio brasileiro, o
chamado “pan-americanismo”.
Com características nitidamente comerciais, esta nova fase da radiodifusão
no Brasil representou o coroamento da política de boa vizinhança mantida com os
Estados Unidos. Como relata Moreira, com base nestas negociações, podem ser
encontradas concessões de bolsas de estudo para brasileiros nos EUA, a criação do
Zé Carioca por Disney, o incentivo à carreira de Carmem Miranda etc. Em troca, o
rádio brasileiro passa a assimilar técnicas americanas em sua linguagem: primeiro
na publicidade e na comercialização de programas e, em seguida e especialmente,
no noticiário radiofônico
100
.
99
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio em Transição: Tecnologias e Leis nos Estados Unidos e no Brasil.
Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. p. 65.
100
MOREIRA, op. cit., p. 74.
66
Embora os anos 60 sejam efetivamente os primeiros anos da TV (cuja
chegada ao Brasil data de 1950), o rádio ainda mantém-se como o principal veículo
de informação sobre os acontecimentos políticos da década. Mas, são os anos 80 os
que representaram a etapa de sedimentação do modelo americano para o rádio
brasileiro — um modelo de músicas e de promoções para os ouvintes assumido pela
esmagadora maioria das FMs nacionais que se perpetua até os dias de hoje.
Todavia, marcaram também a década de 80 movimentos de desobediência
civil que incluíam o uso do espectro eletromagnético sem permissão oficial. Eram as
rádios livres e piratas que, na década seguinte, deram origem ao movimento de
radiodifusão comunitária.
3.3 Breve Histórico das Rádios Comunitárias Brasileiras
Conforme José Sóter
101
, toda a discussão sobre a radiodifusão comunitária
iniciou no período pré-constituinte de 1988. Segundo seu relato, a ditadura militar
estimulou a verticalização dos meios de comunicação, com a finalidade de entrar em
todos os lares brasileiros com uma matriz de informação e a implantação do
pensamento único, onde não há espaço para a contestação e o questionamento.
101
SÓTER, José Luiz do Nascimento Sóter. É um dos principais atores sociais do processo de
formação da radiodifusão comunitária no Brasil. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, 19 mar. 2006.
67
À época, com a verticalização dos meios de comunicação comercial e a
depauperação do sistema estatal, os meios de comunicação locais, mesmo os
comerciais, foram completamente “sufocados” pelas redes regionais e nacionais.
Com isso, as manifestações culturais, as informações comunitárias e a inserção das
comunidades foram banidas dos meios. Surgiu, então, o Movimento pela
Democratização das Comunicações, tendo como bandeira a regionalização da
produção jornalística, artística e cultural, com o intuito de que esta fosse garantida
na Constituição Brasileira.
Após a aprovação da nova constituição, o movimento continuou a discussão
sobre os sistemas de comunicação existentes – o estatal sucateado, e o comercial
cartelizado e verticalizado. Chegou-se à conclusão de que havia a necessidade de
se criar um sistema público para fazer os contrapontos necessários e de promover a
inclusão das comunidades. Segundo Sóter, foi constado pelo movimento:
(1) que os sistemas convencionais, tendo o lucro como único objetivo,
investiram na verticalização de seus serviços, buscando atingir ao máximo de
“ouvintes” para comporem suas tabelas publicitárias, daí a necessidade de meios
sem fins lucrativos para impedir essa verticalização e a particularização do meio;
(2) que, para garantir a audiência, os meios cada vez mais segmentaram as
suas programações, daí a necessidade de ser um meio que garantisse a pluralidade
em sua programação;
(3) que os/as cidadãos/ãs das localidades abrangidas não tinham meios de
participação na definição dos conteúdos dos meios, daí a necessidade de uma
68
gestão pública e a opção pelo conselho comunitário com a participação ampla de
entidades sem fins lucrativos da localidade.
O melhor exemplo da política de verticalização implementada é, segundo
Sóter, a consolidação do sistema Globo de Comunicação. Como o entrevistado
relata, o movimento de radiodifusão comunitária é conseqüência do movimento pré-
constituinte de 1988 que surgiu para contestar esse modelo.
Aparece, então, nessa época, o conceito de radiodifusão sem fins lucrativos,
pluralista e de gestão pública para o sistema de radiodifusão pública, adotado pelo
movimento e efetivado na regulamentação do serviço. Segundo ele, foram
aproveitadas as experiências alternativas que existiam das rádios populares, das
livres e das piratas.
As rádios populares constituíam um sistema de estúdios montados em
praças e feiras. As rádios livres eram montadas por indivíduos ou grupos de
indivíduos para veicular programação de gosto particular. As rádios piratas eram as
que invadiam o dial para a divulgação de ações políticas junto às comunidades
previamente escolhidas.
Segundo Sóter, foi a junção dessas experiências que gerou o conceito de
radiodifusão comunitária. Ela é formada por entidades sem fins lucrativos, com
participação garantida de todos/as cidadãos/ãs, de gestão pública, e garantindo a
diversidade e a pluralidade. Como explica Sóter, basicamente, as diferenças entre
as rádios livres, as piratas e as comunitárias se dão em relação à propriedade, à
gestão, à finalidade e ao conteúdo de cada sistema.
69
A rádio livre é oriunda da vontade de alguém, com o objetivo de colocar no
ar sua estética e/ou política; A rádio pirata, não sei se ainda existe, era
oriunda da necessidade de veicular informações proibidas pela censura
e/ou consideradas subversivas e se utilizava de freqüências de rádios
comerciais de grande audiência para levar mensagens com esse cunho a
pré-determinadas comunidades; E a rádio comunitária surgiu da
necessidade da democratização de acesso à informação isenta e da
necessidade da recuperação de identidades culturais massacradas pela
pasteurização praticada pelos grandes meios comerciais
102
.
Na década de 90, foram realizados inúmeros eventos de debates sobre a
radiodifusão comunitária, sendo o mais significativo destes o Congresso de Rádios
Comunitárias realizado em Praia Grande, Estado de São Paulo, em 1996, quando foi
criada a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária - ABRAÇO. Sóter
pertenceu à direção da ABRAÇO, tendo sido Coordenador Jurídico, Tesoureiro,
Presidente e Coordenador Regional Centroeste.
3.4 As Rádios Comunitárias no Brasil: O Contexto Atual
As rádios comunitárias são as organizações responsáveis pela radiodifusão
sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e com cobertura restrita
instituídas, como fundações ou associações comunitárias, sem fins lucrativos e com
sede na localidade de prestação do serviço. Dentre outros, elas têm por objetivos
103
:
(1) dar oportunidade à difusão de idéias, de elementos de cultura, de
tradições e de hábitos sociais da comunidade;
102
SÓTER, José Luiz do Nascimento Sóter. É um dos principais atores sociais do processo de
formação da radiodifusão comunitária no Brasil. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, 19 mar. 2006.
103
Ver art. 3.º da Lei 9612/98.
70
(2) oferecer mecanismos à formação e à integração da comunidade,
estimulando o lazer, a cultura e o convívio social;
(3) e permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de
expressão da forma mais acessível possível.
Em sua programação, devem ater-se aos seguintes princípios
104
:
(1) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas
em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;
(2) promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da
integração dos membros da comunidade atendida;
(3) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família,
favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida;
(4) e a não discriminação de raça, de religião, de sexo, de preferências
sexuais, de convicções político-ideológico-partidárias e de condição
social nas relações comunitárias.
Segundo Sóter, as rádios comunitárias nascem como:
(...) um instrumento de interligação das pessoas e de instituições de uma
comunidade, onde a relação se dá de forma horizontal e a todos/as é
garantido o direito de participação seja como associado/a, seja como
dirigente, de forma que todos/as se sintam proprietários/usuários
105
.
104
Ver art. 4.º da Lei 9612/98.
105
SÓTER, José Luiz do Nascimento Sóter. É um dos principais atores sociais do processo de
formação da radiodifusão comunitária no Brasil. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, 19 mar. 2006.
71
Sóter afirma que o objetivo principal da radiodifusão comunitária é o de
democratizar a veiculação de informações de interesse comunitário, garantindo a
diversidade e a pluralidade de opiniões e de visões sobre os cotidianos das
comunidades. Essa pluralidade, segundo ele:
deverá proporcionar o debate de idéias, dando a oportunidade a que os
cidadãos/ãs tenham mais condições de formar sua própria opinião sobre as
coisas e os fatos. E isso não se dá com “passes de mágica” e sim com a
magia da transformação mediante o hábito da audição das várias versões
sobre o mesmo tema. Aquele/a que se der essa condição, com certeza, terá
mais clareza sobre que atitude tomar nas várias realidades que circundam o
ser humano e o enfrentamento se dará com mais consciência
106
.
A decisão de legalizar rádios comunitárias, por outro lado, teve, como
principal motivador, a repressão policial sofrida pelos comunicadores sociais de
parte, especialmente, da Polícia Federal. Conforme Dioclécio Luz, uma parte do
movimento acreditava que uma legislação específica faria com que seus militantes
não fossem mais tratados como bandidos
107
. A outra, no entanto, sugeria que a
existência de uma legislação acabaria por enquadrar todas as rádios em limites
fechados, dificultando o acesso e limitando-as a um espaço restrito na radiodifusão.
Para Luz, os rádios-amantes eram:
pessoas, grupos e entidades, empolgadas com a possibilidade de ter sua
rádio, mas não tinham ainda uma idéia da dimensão política que isto
representava. Não imaginavam o passo político que estavam dando, não
concebiam que botar uma rádio no ar era tocar num terreno altamente
perigoso - porque, quando se trata de radiodifusão e de telecomunicações,
os interesses são muito grandes, há grandes somas envolvidas. Os
poderosos grupos econômicos que sempre dominaram o setor não abririam
brecha para que o povo se manifestasse. Muita gente não entendia porque
o Governo Federal deslocava um aparato tão grande, com policiais armados
106
Ibidem.
107
LUZ, Dioclécio. Rádios Comunitárias: na Intenção de Mudar o Mundo. Brasília: Publicação
independente, 2001. p. 150.
72
de metralhadoras e fuzis, para entrar numa casa e levar um equipamento de
rádio, tratando o povo como bandidos perigosíssimos
108
.
Nesta conjuntura, a idéia inicial era aprovar uma lei mínima que expressasse
os objetivos e os princípios das radcoms e que lhes garantisse a atividade sem
repressão policial. Mas, dentro de um cenário político no qual 80% dos parlamentares
pertenciam à bancada governista de FHC, responsável, como vimos, pelo controle de
mais de 70% das concessões de canais de rádio concedidas naquele período, a Lei
9.612/98 e sua regulamentação formaram um conjunto de mecanismos tendentes a
obstaculizar o funcionamento das comunitárias.
Essa, por sinal, é a constatação que fazem organizações não-governamentais
que congregam diversas rádios comunitárias, tais como o Conselho Regional de
Radiodifusão Comunitária – CONRAD, uma organização que visa congregar as
associações sem fins lucrativos de rádios comunitárias da Região Sul, promover a
cultura regional e a democratização dos meios de comunicação. O CONRAD afirma
que: “A maior dificuldade enfrentada pelo conjunto das RadComs são as Leis contra
elas (...) porque dificultam aos pequenos e facilitam aos grandes; (...)”
109
.
108
LUZ, op. cit., p. 151.
109
O Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária – CONRAD é uma organização não-
governamental criada em 8 de dezembro de 2001 e que visa congregar as associações sem fins
lucrativos de Rádios Comunitárias da Região Sul, promover a cultura regional e a democratização
dos meios de comunicação. Segundo seu estatuto, os objetivos do CONRAD são os de integrar as
diversas Rádios Comunitárias da região; oferecer assessoria jurídica e técnica; lutar pela liberdade
de expressão e de comunicação; manter os associados informados sobre leis e processos; defender
as rádios comunitárias de ameaças ou de atos repressivos; participar de encontros de rádios
comunitárias no Estado ou fora dele; oferecer oportunidade de formação para os agentes de
comunicação; propiciar intercâmbio de atividades entre os associados; colaborar com outras
entidades congêneres; apoiar as entidades que lutam pela democratização dos meios de
comunicação; realizar seminários anuais sobre radiodifusão comunitária; promover eventos e cursos
na área de cultura e da comunicação; publicar boletins, revistas e livros na área de cultura e de
comunicação; produzir e gravar CD’s, vinhetas e programas para rádios comunitárias. O questionário
foi respondido por Dagmar Silnara Camargo, secretária-geral, em 18 de novembro de 2005.
73
Por outro lado, a repressão patrocinada pela Polícia Federal contra as rádios
comunitárias permaneceu sendo elemento presente, assim como registra o Sindicato
dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul. Segundo o SindJor, a maior
dificuldade das radcoms tem sido também:
(...) o Governo, comprometido com grupos de poder, instalados na elite
política brasileira que detém o monopólio das comunicações. O Governo
tem cedido às pressões destes grupos e feito uma política de criminalização
das rádios comunitárias, transformando em caso de polícia que somente
será superado através de uma ampla educação e conscientização da
sociedade civil
110
.
De fato, em que pesem os instrumentos internacionais e constitucionais de
proteção à liberdade de comunicação, referidos no capítulo anterior, com o advento
da lei de radiodifusão comunitária, a repressão assumiu, além da policial, a faceta
legal. Pois é marcante o entrave representado pela legislação ao crescimento e ao
fortalecimento das associações de rádios comunitárias.
A Lei n. 9. 612/98, por exemplo: (1) restringe a potência dos transmissores a
25Watts, o que significa, na prática, reduzir o alcance da transmissão a minúsculas
comunidades; (2) veda a formação de redes, ou seja, impede a comunicação entre
comunidades e a conseqüente regionalização da informação e de cultura; (3)
impede a veiculação de publicidade o que inviabiliza economicamente a existência
da maior parte das experiências comunitárias.
110
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul é a organização de classe da categoria
profissional dos jornalistas. O Sindjor foi fundado em 23 de setembro de 1942, trabalhando com o
tema das rádios comunitárias desde 1998, mediante a realização de seminários e de debates no
intuito de conscientizar a categoria sobre a importância das rádios comunitárias no processo de
democratização da comunicação no Brasil. O questionário foi respondido, em 08 de dezembro de
2005, pelo presidente do Sindicato, José Carlos de Oliveira Torves.
74
Na prática, a lei favoreceu a sobrevivência das emissoras ligadas a políticos
ou a igrejas. Primeiro, porque estas são as que, na maioria, acabam por obter as
outorgas de autorização para funcionamento. Como ver-se-á em seguida, não são
poucos os processos de pedidos de autorização para funcionamento de rádios
comunitárias, encaminhados por organismos da sociedade civil que, ou adormecem
nas gavetas do Ministério das Comunicações, ou são entravados por exigências
burocráticas infactíveis. Segundo, porque são as emissoras ligadas aos políticos e
às igrejas, as logram sobreviver economicamente mediante a sustentação dos
grupos que lhes controlam.
Esta dura realidade, por sinal, restou comprovada pelas conclusões de um
Grupo de Trabalho, instituído no âmbito do Ministério das Comunicações em março
de 2003. O GT
111
foi criado com as seguintes funções:
9 realizar todos os atos necessários à instrução, ao saneamento e ao
desenvolvimento dos processos em andamento no âmbito do Ministério
das Comunicações, relativos aos pedidos de autorização para o Serviço
de Radiodifusão Comunitária;
9 dar o acompanhamento e fazer a análise desses processos, com o
objetivo de estabelecer procedimentos específicos relativos ao Serviço.
A constatação, na época, era de que as dificuldades, surgidas no Ministério
das Comunicações, como o reconhecido emperramento do processo de autorização
das radcoms, precisavam ser eliminadas. Efetivamente, o GT constatou a existência
111
GRUPO DE TRABALHO RÁDIOS COMUNITÁRIAS. Disponível em: <http://www.mc.gov.br>.
Acesso em: 12 out. 2005.
75
de surpreendente número de pedidos de autorização arquivados sem qualquer
justificativa e, por outro lado, a inexistência de um manual de procedimentos claro e
de cumprimento factível para o processamento dos pedidos de autorização.
Dramática foi a palavra encontrada pelo GT para descrever a realidade
encontrada no Ministério das Comunicações. Segundo o Grupo, as necessidades da
sociedade, no que se referiam à Radiodifusão Comunitária, requeriam medidas
urgentes, eis que já havia uma demanda reprimida de mais de 7 mil pedidos de
autorização, e a capacidade de análise dos processos abarcava apenas cerca de 3
mil solicitações por ano.
Por tudo isso, foi sugerida a criação de uma Força Tarefa, com funções
técnicas e administrativas, coordenada pelo Ministério, e que deveria atuar, pelo
menos por 18 meses, para não somente fazer frente à demanda já apresentada,
mas também pelos milhares de pedidos que certamente surgiriam.
As conclusões do GT foram claras em ressaltar:
a necessidade imperiosa de uma mobilização extraordinária de recursos
materiais e humanos para o processamento dos pedidos de autorização,
ampliando de forma apropriada os recursos que atualmente estão
disponíveis e que ainda são limitados em relação à demanda atual e futura.
Esta é a única forma de assegurar à sociedade os direitos conferidos pela
Lei 9.612/98 e que até agora foram negados pela forma como o Ministério
das Comunicações atuou até o final da gestão passada, deixando de
cumprir suas obrigações na aplicação dos preceitos legais
112
.
Com palavras duras o GT destacou:
112
RELATÓRIO GRUPO de trabalho rádios comunitárias. Disponível em: <http://www.mc.gov.br>.
Acesso em: 12 out. 2005.
76
que se o Poder Executivo Federal pode mobilizar extraordinariamente
recursos para reprimir a atuação de emissoras comunitárias não autorizadas
– como ocorre no caso da Força Tarefa criada para integrar a atuação da
Anatel e da Polícia Federal – também pode, e deve, constituir os recursos
extraordinários necessários para assegurar os direitos de cidadania
estabelecidos na Lei 9.612/98 e dar o processamento devido e adequado
aos pedidos de autorização para execução dos serviços de radiodifusão
comunitária o que, até o fim da gestão passada no Ministério das
Comunicações, infelizmente, não havia sido feito
113
.
É muito interessante salientar que o GT constatou, também, a existência do
surpreendente número de 2.370 pedidos de autorização arquivados em um período
no qual, ao contrário do que determina o Regimento Interno do Ministério das
Comunicações, não havia um Manual de Procedimentos para o processamento dos
pedidos de autorização. O Grupo de Trabalho demonstrou, em números, o descaso
para com a radiodifusão comunitária. A passagem abaixo ilustra o quanto era
esperada uma solução aos entraves postos pelo Estado à radiodifusão comunitária:
Percebeu-se que, entre as dezenas de milhares de cidadãos que atuam na
radiodifusão comunitária, muitos dos que vivem a aflitiva situação deste
segmento e estiveram acompanhando as atividades do GT nutriram a
esperança de que este teria meios para solucionar, por exemplo, os
conflitos relacionados com a repressão às operações de radiodifusão
comunitária não autorizadas, entre outros problemas, muitos dos quais
referentes a limitações congênitas da Lei 9.612/98
114
.
Transcorridos três anos da finalização dos trabalhos do GT, nada de
significativo se pode notar. Como visto em capítulo anterior, os direitos humanos
fundamentais deveriam ser a base orientadora das ações do Estado. Todavia, como
se pode comprovar, ela está obstaculizada como um todo a partir do
descumprimento de direitos mais singelos, como os de procedimentos judiciais e
administrativos que garantam uma proteção jurídica efetiva. A condição, para a
113
Ibidem.
114
Ibidem.
77
efetiva proteção jurídica, é que o resultado do procedimento garanta os direitos
materiais do respectivo titular de direitos
115
. Enfim, o diagnóstico mostrou que Estado
nega à sociedade procedimentos administrativos claros e, com isso, fulmina direitos
fundamentais de comunidades inteiras.
3.5 As Rádios Comunitárias como Esferas Públicas Populares
Uma rádio comunitária, para ser assim caracterizada, mais que se
circunscrever a uma localidade e falar das suas coisas, não pode ter fins lucrativos e
ao mesmo tempo em que deve ter programação comunitária e gestão coletiva, deve
ser interativa, valorizar a cultura local e ter compromisso com a cidadania e a
democratização da comunicação
116
. Elas surgem da necessidade de
democratização da comunicação como o resultado da exclusão de estratos
populares, culturalmente e politicamente organizados, como o afirma Habermas.
Como visto, segundo ele, o estabelecimento de uma esfera pública burguesa
provoca a criação de uma multiplicidade de esferas públicas nos mais diversos
processos em que àquelas emergem.
Assim, a formação de esferas públicas populares decorre de sua exclusão
da esfera pública hegemônica. Das diferentes maneiras que a exclusão se opera,
115
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2002. p. 472.
116
PERUZZO, Cecília. A Comunicação nos Movimentos Populares. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
p. 257-258.
78
surgem, conseqüentemente, as condições de formação dos públicos fracos
representativos dos excluídos
117
. Neste sentido, na opinião da Associação Mundial
de Rádios Comunitárias - AMARC, as rádios comunitárias nascem como:
(...) meios realizados pela sociedade civil que oferecem não apenas a
oportunidade de falar ao microfone, mas de decidir quais as informações
relevantes para a vida das pessoas que serão noticiadas e debatidas. As
rádios comunitárias propõem o protagonismo da comunidade na construção
do relato da realidade. Oferecem às pessoas e aos grupos a oportunidade
de elaborar, de produzir e de difundir sua própria forma de perceber e de
conceber o mundo. Com isso, estas emissoras criam uma rede diversa, de
olhares complementares, baseada na solidariedade e no respeito à
diversidade
118
.
Para Sóter, a democratização da comunicação pode ser considerada como a
garantia de participação de todos os componentes da identidade cultural de uma
comunidade, retratando usos e costumes, religiosidade, produções culturais e
artísticas e, principalmente, informações sobre a própria comunidade, na qual ela se
retrata o que, na realidade, é a sua regionalização. Em sua opinião:
a existência da linguagem comunitária das radcoms em tudo que isso
implica, não só tensiona os meios de comunicação como os levam, por um
lado, a combater com violência a sua expansão – o estado e a se adequar a
essa linguagem – os meios de comunicação – para não perderem o
monopólio político sobre esses meios
119
.
117
HABERMAS, J. Further Reflections on the Public Sphere. In: Habermas and Public Sphere.
p.426-427.
118
A AMARC é uma organização não-governamental internacional, de caráter laico e sem fins-lucrativos,
presente em mais de 100 países, em todos os continentes, e que se constitui de rádios comunitárias,
centros de estudos e de pesquisas, redes de rádios e produtoras radiofônicas, principalmente. AMARC
é uma associação de coordenação, de cooperação, de consulta, de intercâmbio e de promoção para
as rádios comunitárias em todo mundo. O questionário foi respondido, em 15 de novembro de 2005,
por Taís Ladeira e Sofia Hammoe, responsáveis pela Secretaria Nacional da AMARC-Brasil.
119
SÓTER, José Luiz do Nascimento Sóter. É um dos principais atores sociais do processo de
formação da radiodifusão comunitária no Brasil. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, 19 mar. 2006.
79
Na linha do pensado por Habermas, quando da análise da esfera pública, as
rádios comunitárias são, portanto, espaços comunicativos diferenciados do Estado e
do capital, pois, como reporta o Sindicato dos Jornalistas,
(...) a comunidade que passa a ter um veículo que atende às necessidades
locais, (...) passa a ter um local e um espaço para o debate e a crítica sem a
subordinação a nenhum tipo de poder. E a possibilidade de construir um novo
espaço público e disputar a hegemonia na sociedade de uma opinião pública,
que hoje está contaminada pela esfera econômica e pela esfera política
120
.
A influência da sociedade civil se concretiza por meio destas esferas que
permanecem e devem permanecer sempre transparentes, porosas e permeáveis às
questões originadas no mundo da vida. Por isso, para o CONRAD:
As verdadeiras Rádios comunitárias, sem fins lucrativos, são construídas a
partir de uma Associação, geralmente culturais ou de moradores, tem
gestão coletiva ou é gerida pelo princípio da autogestão, voluntários e
entidades construindo o veículo e sua programação coletiva e
democraticamente, e deve cumprir uma função social atendendo às
demandas da comunidade local
121
.
Diferentemente da rádio comercial, influenciada pelo modelo norte-americano
de comunicação, cujo pressuposto é a padronização das músicas, dos formatos de
noticiários e da programação, as radcoms têm, como fundamentos, a abertura de sua
programação da qual os atores sociais participam de sua elaboração. Como ressalta
o Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH:
Ao escolher, por exemplo, a música que vai tocar, uma Radcom está mais
interessada em difundir a programação local do que colocar a “música da
moda” ou “a mais pedida”. As notícias mais importantes são as da
comunidade e deve-se levar em conta contextos que possam ajudar na
120
TORVES, José Carlos de Oliveira. Presidente do Sindicato. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, 08 dez. 2005.
121
CAMARGO, Dagmar Silnara. Secretária-geral. Entrevista concedida a Soraia da Rosa Mendes,
18 nov. 2005.
80
solução dos problemas (e não apenas no relato deles). A gestão da rádio
comunitária também deve ser diferente. Radcom não tem dono nem dona. É
gerida, democraticamente, pela comunidade, através das associações e de
entidades que detém a autorização para utilizar o canal
122
.
As rádios comunitárias operam, normalmente, em função do cotidiano de um
bairro. Contudo, a articulação dentre as rádios comunitárias é vista como
fundamental para o reconhecimento de uma identidade territorial própria, como cita
em entrevista, Paulo Marcos, representante do Movimento de Organização
Comunitária – MOC
123
.
Especificamente trabalhando com as rádios comunitárias da região sisleira
baiana, a partir de 2005, o MOC passou a assessorar a ABRAÇO-Sisal (Associação
de Rádio e TV Comunitária do Território Sisaleiro) que, por sua vez, faz o
acompanhamento das rádios comunitárias. Conjuntamente, as duas entidades
apóiam as emissoras com capacitações técnicas e de conteúdo, orientações quanto
à organização da entidade e documentação assim como pautam as rádios com
informações sobre desenvolvimento territorial e convivência com o semi-árido.
122
O Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, por sua vez, é uma organização da
sociedade civil, com 24 anos de existência, e que constitui uma de rede 400 entidades filiadas no
Brasil. O MNDH possui mecanismos capazes de trabalharem a luta local de suas entidades de
base dentro do cenário nacional. O MNDH articula entidades locais e nacionais, com interlocução
junto à ONU, OEA, FIDH - Federação Internacional de Direitos Humanos e Plataforma
Interamericana de Direitos Humanos, fazendo chegar nestas instâncias demandas dos grupos
socialmente discriminados e excluídos de seus direitos. O questionário foi respondido em 14 de
dezembro de 2005 por Rosiana Pereira Queiroz, coordenadora nacional do MNDH.
123
O Movimento de Organização Comunitária - MOC é uma organização não governamental, fundada
em 1967, sediada em Feira de Santana, Bahia. O MOC busca contribuir para o desenvolvimento
integral, participativo e ecologicamente sustentável do semi-árido baiano e desenvolve ações
estratégicas nas áreas de educação do campo, fortalecimento da agricultura familiar, água, criança
e adolescentes, gênero, comunicação e políticas públicas. O questionário foi respondido em 20 de
novembro de 2005 por Paulo Marcos, responsável pelo Programa de Comunicação do MOC.
81
Juntas, ABRAÇO-Sisal e MOC incentivam as emissoras a fomentarem
discussões e articulações com os movimentos sociais para o fortalecimento da
comunicação regional. Um excelente exemplo deste tipo de organização na região é
a rádio Sertão FM da Cidade de Feira de Santana na Bahia
124
. A Sertão FM, por
exemplo, articula-se com mais 14 rádios comunitárias da região sisaleira baiana.
Feira de Santana é a segunda cidade do Estado da Bahia com uma
população de 500.000 habitantes. Feira, como é chamada, convive com todos os
problemas de cidade grande: desemprego, fome, miséria, analfabetismo, crianças
abandonadas, exploração sexual infantil etc. Os bairros da periferia sofrem com
ausência de serviços públicos que implicam em uma baixíssima qualidade de vida
da população. Faltam esgotos sanitários e pluviais, pavimentação, escolas, centros
de saúde, segurança para a população etc. Por outro lado, como afirmam os
membros da rádio Sertão FM:
a população também foi educada para não lutar por seus direitos, para não
exercer sua cidadania, o que é fortalecido no dia a dia pelo meios de
comunicação existentes
125
.
Feira de Santana é um importante pólo de atração. Seu comércio atacadista
e varejista atrai comerciantes e consumidores de todo Estado da Bahia e até de
Estados vizinhos. Pelo fato de possuir importantes centros de saúde (embora em
sua maioria particulares), pessoas de todo Estado buscam atendimento em Feira de
Santana, superlotando as unidades de atendimento e fazendo cair ainda mais a
qualidade dos serviços.
124
CALIXTO, Kelcilene. Diretora da Rádio Comunitária. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, em visita à Rádio, 09 nov. 2005.
125
Ibidem.
82
Mas, Feira é também um pólo importante de comunicação. Os fatos e os
acontecimentos lá ocorridos repercutem rapidamente em toda a região. Além de
receber todos os sinais de emissoras de Rádio AM e 6 FM e editar 3 jornais, a
cidade possui ainda sucursal de jornais de circulação estadual que tem sede em
Salvador. Todos esses instrumentos de comunicação são controlados por grupos
políticos tradicionais.
Ante toda a situação até aqui exposta, desde 2001, setores organizados da
sociedade civil vinham discutindo a necessidade de ter um espaço democrático de
comunicação. Assim, participaram e participam do processo de criação desta
esfera entidades como: Movimento de Mulheres, Sindicato dos Químicos e
Petroleiros, Frente Negra Feirense, Movimento Negro Unificado - MNU, Grêmios
Estudantis, Movimento de Estudantes Secundaristas, Associação dos Docentes da
Universidade de Feira de Santanta - ADUFS, Sindicato dos Metalúrgicos, Sindicato
dos Borracheiros, Associações de Bairro (Aviário, Pedra do Descanso e Santa
Mônica), Movimento Água é Vida, Movimento de Organização Comunitária - MOC,
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana, entre outras.
A pluralidade e a autonomia são marcas de distinção na Sertão FM.
Entretanto, não são somente estas características lhe conferem a condição de uma
esfera pública no sentido habermasiano, como o aqui defendido. Note-se que a
sensibilidade aos reclamos do mundo da vida encontra-se demonstrada pela
possibilidade de todos estes segmentos da sociedade poderem falar na rádio.
83
Todos podem falar na rádio. Mas têm os programas jornalísticos que são da
própria rádio, e os outros as entidades assumem. Sabendo que são obrigadas
a dar espaço no seu programa para outras pessoas e não apenas aos ‘seus’
126
.
O exercício da liberdade de comunicação leva ao exercício efetivo da
cidadania. Esta concepção de espaço público passa pelo entendimento de que uma
rádio comunitária nada mais é do que a possibilidade de falar e de ser ouvido.
Definir a Sertão FM:
É simples. É aquela dona de casa de repente ter direito a fazer sua
reclamação ou dar a sua opinião. Ninguém deve ter a chave do direito da
difusão das idéias através dos instrumentos de maior alcance. O princípio
de uma RÁDIO, verdadeiramente comunitária, começa pela sua
constituição, ou seja, a sua pluralidade. Seja a participação do movimento
de mulheres, de grupos étnicos, de trabalhadores rurais e outros
127
.
Na esfera pública, a autonomia é fundamental, pois dela decorre a
capacidade de produzir opiniões públicas mediante a problematização do conteúdo
recebido e a formulação de estratégias para soluciná-los. No caso da Sertão FM,
sua sustentação financeira provém das contribuições das entidades que a compõe,
e sua relação com a sociedade política se dá de modo muito cuidadoso.
Nos debates, garantimos a pluralidade. Mas para parceria... Bem, nessas
horas um bom termômetro é ver a história de luta de cada um
128
.
Ao contrário da instrumentalização eleitoral, historicamente conhecida no
rádio brasileiro, segundo Nunes, as rádios comunitárias representam um processo
inverso ao de cima para baixo, em que a rádio é instrumento de doutrinação e de
arregimentação. Para o autor, as rádios convertem-se em “(...) um mecanismo de
126
CALIXTO, Kelcilene. Diretora da Rádio Comunitária. Entrevista concedida a Soraia da Rosa
Mendes, em visita à Rádio, 09 nov. 2005.
127
Ibidem.
128
Ibidem.
84
fortalecimento de uma organização política dentro da sociedade, quando o grupo
político está em sintonia concreta com as reais expectativas coletivas”
129
.
Outro exemplo de rádio comunitária e de esfera pública vem do interior do
Rio Grande do Sul. Trata-se da Associação Barreirense de Cultura e Comunicação
Social – Rádio Comunitária de Novo Barreiro, freqüência 104.9
130
. Uma rádio com a
peculiaridade a mais: ser dirigida e conduzida em sua programação diária
esmagadoramente por mulheres trabalhadoras rurais.
Novo Barreiro, até o ano de 1992, foi um distrito pertencente à Palmeira das
Missões, distante 352 km da Capital do Estado do Rio Grande do Sul. O município é
integrado por 3712 habitantes
131
, descendentes de alemães e de italianos, em sua
maioria dedicados às lidas rurais da agricultura e da extração de erva-mate.
A rádio está no ar desde 30 de junho de 2003 e faz parte da organização da
ABRAÇO na região que reúne nada menos de 40 rádios comunitárias. Como as
demais, a radio nasceu de necessidades da região. Todavia, o maior incentivo veio
com uma plenária da ABRAÇO em que esteve presente Dioclécio Luz que instruiu
como montar uma rádio comunitária. Tais informações despertaram o interesse das
organizações de Novo Barreiro, pois, no município, havia muitos movimentos sociais
e organizações, mas não havia um meio de comunicação. Assim, como sócios
fundadores da rádio, figuram o Sindicato dos Municipários, o Sindicato dos
129
NUNES, Márcia Vidal. As Rádios Comunitárias nas Campanhas Eleitorais: Exercício da Cidadania ou
Instrumentalização (1998-2000). In: Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 22, p. 36-40, jun. 2004.
130
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Entrevista concedida em visita a rádios comunitárias da região.
18 mar. 2005.
131
FEE – IBGE.
85
Trabalhadores Rurais, o Grupo de 3
a
. Idade, Movimento Sem Terra - MST,
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, Movimento das Mulheres
Trabalhadoras Rurais - MMTR, Igrejas Batista, Católica, Luterana, entre outras
organizações da sociedade civil.
Segundo Claudia Klein, presidente da Novo Barreiro, a pauta é definida
pelas próprias entidades em assembléia, sendo que cada entidade possui um
programa de aproximadamente trinta minutos. Por seus microfones, são diariamente
transmitidas as agendas de reivindicação dos movimentos sociais, assim como seus
roteiros de mobilização.
No caso nosso, (a rádio) ajuda a mobilizar, a informar. Por exemplo, agora,
nesta questão da seca, eles colocam a agenda de mobilizações, de roteiro,
de reuniões. O acesso à comunicação é mais rápido. E o trabalho deles é
muito mais econômico, por eles não necessitam ir até as comunidade para
fazer esta articulação
132
.
A rádio começa sua programação às 6h30m da manhã com o programa
“Acordando com Alegria”, produzido por um membro da comunidade que a isso se
dispôs sem que tivesse qualquer vinculação representativa com alguma organização
sócia da Novo Barreiro. Mais adiante, por volta das 8h30m, inicia o “Diário da manhã”,
com Clair, locutora responsável pelas notícias da comunidade, dando informações das
entidades, das escolas, fazendo convites para reuniões de movimento de mulheres,
dos sindicatos assim como divulgando o calendário de eventos do município etc.
132
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
86
Neste horário que vai até às 11 horas, normalmente, são rodadas as
músicas pedidas pela comunidade e feitas as solicitações por telefone, mas,
principalmente, em “caixinhas” deixadas na padaria e outros locais da cidade.
o pessoal do interior... quem não tem telefone, deixa cartinha pra ela (Clair).
(...) tem dois, três lugares, tem na padaria, na igreja... ou o pessoal que vem
do interior deixa os bilhetinhos na casa da gente. Vem alguém do interior
passa lá e deixa, ó, isso aqui é uma homenagem para o meu filho, comunica
que nasceu uma criança...
133
.
Ao contrário das rádios comerciais, normalmente fechadas à participação da
comunidade, a rádio Novo Barreiro mostra o grau de importância que um simples
veículo de comunicação assume a partir do momento em que é criado, gerido e
responsável pela reflexão dos problemas e dos anseios da própria comunidade.
O pessoal visita bastante a rádio, até, às vezes, pessoal fica lá, assistindo
os locutores falarem, ficam ouvindo música, pedem homenagem:olha, eu tô
aqui passeando e quero homenagear um parente. Eu que sou da cidade
não esperava, o pessoal vem e fala: olha, o meu pai tá de aniversário,
manda uma música pra ele. Daí tinha aquelas músicas de aniversário. E
tem umas típicas, dos italianos, dos alemães, e o pessoal pede e fica
ouvindo. Ou entrega a cartinha e fica ouvindo a homenagem, pro filho que
tá de aniversário
134
.
Outra característica própria das radcoms é a preocupação com a
regionalização da cultura.
Nós, na nossa rádio, tomamos a deliberação, do conselho comunitário de
não veicular estas músicas. Tipo aquelas músicas mais vulgares, “Boquinha
da Garrafa”, estas coisas mais pejorativas nós não veiculamos
135
.
133
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
134
Ibidem.
135
Ibidem.
87
O pessoal mais jovem, da adolescência, pedia música internacional de
novela que estava no pique da onda. Mas, nós não tocávamos
136
.
É flagrante o impacto causado nas rádios comerciais cujo modelo é o da
reprodução de culturas completamente desconexas da realidade local.
Nós fizemos um show de bandas
137
na rádio. Conseguimos seis bandas,
estes municípios pequenos que se desmembraram de Palmeira, Novo
Barreiro, Sagrada Família, São José - estes lugares pequeninhos , cada um
tem sua banda.Têm CDs gravados e tudo mais. E pela publicidade que nós
demos a isso, eles fizeram um bailão popular, sem custo nenhum, e nós
produzimos. Então, isso é que o povo gosta
138
.
Depois que nós fizemos, tem a Rádio Simpatia que predomina, ela é uma
rádio comercial de Chapada que predomina. Entra direto, a Prefeitura faz
programa lá, pessoal da Câmara de Vereadores. Daí em Palmeira que tem
a Rádio Palmeira, a Rádio Difusora, as duas são AM e FM. Então, o pessoal
publica nelas. O pessoal mais do interior gosta mais da Simpatia, porque
são de origem alemã, falam o dialeto, têm sotaque. Então, esse pessoal
ouve estas músicas. A rádio Simpatia não tinha este tipo de programa,
acabou fazendo porque o povo queria, a rádio Palmeira também. Porque o
povo só ouvia a nossa. Eles tiveram que adaptar a programação, o que pra
eles era uma coisa meio brega. Porque é uma coisa bem popular, cultural,
bem localizada
139
.
As propagandas se dão na forma de apoio cultural de cerca de sessenta
empresas, ou seja, de pequenos empresários e comerciantes do município: a
padaria, o salão de beleza, a marcenaria e a costureira.
Empresas do município, somente eles da localidade, e a gente ajuda eles a
elaborar o texto. O pessoal tem dificuldades, nem todo mundo tem internete,
ainda não chegou computador para todo mundo. E é cobrado o apoio
cultural destas empresas
140
.
136
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
137
Bandas são conjuntos musicais de origem alemã.
138
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
139
Ibidem.
140
Ibidem.
88
A veiculação destes comerciais anima a economia local, pois todo o
município escuta a rádio, e esses apoios incentivam a população a consumir. Um
exemplo claro do tipo de desenvolvimento econômico que a rádio acaba provocando
vem do seguinte relato de Klein:
(...) tinha uns guris do interior que fizeram um cursinho de mecânica, e
acabaram tendo prática em mecânica de moto. Daí, montaram uma
‘oficininha’ de moto, só pra moto. E, no interior, a maioria usa moto. É muito
mais econômico, mais rápido. Então, o pessoal mais jovem tem moto pra
dar ‘pique’, pra trabalhar, pra tudo. Eles tinham um lugar difícil, não tinham
inscrição... A oficina era pequena, com uma propaganda verbal, de ‘boca-a-
boca’. Depois que anunciaram na rádio, meu deus! É que muita gente ia a
Palmeira, Sarandi, Barra Funda consertar suas motos, trocar peças, fazer
manutenção, porque não sabiam que os Appel, que dois guris Appel tinham
montado aquela oficina. Ninguém sabia que eles estavam lá num
galpãozinho sem placa, nem nada...
141
.
Como dito, destaca-se, na Novo Barreiro FM, a participação das mulheres.
Além de sua presidente, várias são as locutoras responsáveis pelos principais
programas veiculados pela radcom. Por outro lado, merece destaque, outrossim, o
fato de tratarem-se, em sua maioria, de “donas de casa” e de trabalhadoras rurais, o
que implicou em desafio ainda maior.
As locutoras, todas elas, nunca haviam pego um microfone, Então, a
primeira semana foi sofrível. Elas mesmas duvidavam que seriam capazes
de enfiar um dedo num CD e controlar o volume e trocar o CD. Porque nós
tínhamos dois aparelhos de CD. E tu usava um CD, daí tinha que trocar
outro - tudo manual... Então, falar e, ao mesmo tempo, conjugar qual era a
música que ia entrar de um e trocar de um aparelho para outro, foi um
desafio muito grande. E ainda atender telefone e ainda ficar sozinha porque,
se vinha uma visita, tu teria ainda teria de te desdobrar. Porque essa é a
nossa realidade. Então, elas juravam que não conseguiriam. E, se nós
ouvisse qualquer uma delas, tu chorava! Meu deus, essa mulher não tem
condições! Mas, foi impressionante a transformação. (...) A menina que faz
o pop-rock, a Mari, nunca tinha passado por isso. Na primeira, semana tu
ouvindo tu pensava: nunca que a Mari ia falar claramente sem gaguejar. (...)
Hoje não tem qualquer dificuldade. Nós achamos que a rádio tem que ter
nossa cara, nosso sotaque, nossos erros de português, porque é da nossa
141
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
89
comunidade. Nesse sentido, o processo com elas foi de deixá-las à vontade.
Depois que elas sacaram isso, foi embora...
142
.
Em Novo Barreiro, existem duas associações disputando o canal para
exploração do serviço: uma formada pelo Prefeito da cidade e seus secretários
(embora a lei expressamente o proíba) e a associação responsável pela execução
do serviço da Novo Barreiro FM. Na Novo Barreiro, ninguém exerce cargo eletivo e
ela é composta por 20 entidades.
Novo Barreiro tem uma situação geográfica que se reflete na política local. A
cidade é cortada pela RS 569. “Embaixo”, estão os grupos tradicionalmente vinculados
à esquerda e aos movimentos sociais. Na parte de “cima”, estão os grupos ligados aos
partidos conservadores e aos moradores com condições financeiras melhores. A rádio
Novo Barreiro se situa na parte de cima, região em que conta com o apoio de apenas
um morador. Por isso, nas diversas vezes em que a rádio foi invadida pela Polícia e
pela Anatel, várias pessoas da “parte de cima” da cidade cercavam a rádio, festejando
os lacres, e as buscas e apreensões dos equipamentos.
toda vez que baixou polícia, foi um ‘auê’. A Prefeitura fica na mesma linha,
na mesma rua. Então, eles saiam a comemorar
143
.
Também dividida politicamente, não raro, as disputas políticas partidárias em
Novo Barreiro redundam em mortes. Por isso, embora a rádio comunitária seja
gerida por movimentos sociais e não por grupos partidários, os diretores da rádio
não descartam a possibilidade de sofrerem os reveses de suas opções políticas.
142
KLEIN, Claudia; STOCHERO, Lorna. Visita às rádios comunitárias da região. Entrevista concedida a
Soraia da Rosa Mendes, 18 mar. 2005.
143
Ibidem.
90
Acho que esse risco existe. Essa possibilidade é bem real, né? Nas nossas
casas, eventualmente, mexem em alguma coisa. Acho que existe, porque é
uma coisa, não sei, um fenômeno de municípios pequenos, tá tendo essa
disputa...
144
.
Como se percebe pela dinâmica de funcionamento das rádios entrevistadas,
embora muitas pessoas visitem a rádio, nem sempre é possível chegar até ela.
Contudo, a comunidade dela participa, seja indo às reuniões convocadas, seja
mobilizado-se em manifestações públicas, seja por meio de bilhetes deixados nas
igrejas, na padaria ou até mesmo na casa de alguém. Enfim, como dito por
Habermas, a esfera pública não depende de um lugar pré-definido e determinado.
Mas, caracteriza-se por sua autonomia, pluralidade e capacidade de integração e de
mobilização social.
144
Ibidem.
91
CONCLUSÃO
Este trabalho dedicou-se a comprovar a hipótese, segundo a qual, as
associações de rádios comunitárias são esferas públicas. Assim, buscou-se
averiguar quais os modelos propostos de espaço público. Estes, como visto,
normativamente, segundo Seyla Benhabib, seriam três: o liberal, o republicano e
discursivo. O primeiro considera o espaço público como o lugar no qual diferentes
atores disputam entre si possibilidades de satisfação de seus interesses individuais.
Neste processo, no intuito de evitar que a estabilidade seja quebrada, são
estabelecidos critérios de controle, dentre os quais, o mais importante seria o da
neutralidade, visando assegurar uma ordem pública justa e estável.
No segundo, o espaço público seria o lócus da “virtude republicana” ou da
“virtude cívica”. Seria, enfim, a arena da auto-organização da sociedade como
comunidade política de iguais. Segundo Hannah Arendt, nas condições do mundo
comum, a realidade não é garantida pela tão só “natureza comum” entre os seres,
mas pelo fato de que – independentemente de diferenças de posição e,
conseqüentemente de perspectivas, todos estejam interessados no mesmo objeto.
No instante em que se torna impossível encontrar a identidade do objeto, nada pode
92
evitar a destruição do mundo comum que, geralmente, é precedida pela avalanche
destruidora de muitos aspectos da pluralidade humana
145
.
Para a autora, o fenômeno de massa da solidão, como forma extrema das
contingências modernas da sociedade de massas, não somente aniquila a esfera
pública como, outrossim, a privada, pois, sobre estes escombros, o termo “privado”
assume significado em sua acepção original: privação. Nas circunstâncias
modernas, viver uma vida inteiramente privada significa a destituição do que é
essencial a uma “vida verdadeiramente humana” - é ser privado da realidade, ou
seja, de ser visto e ouvido por outros em uma relação “objetiva” decorrente de sua
ligação ou separação de um mundo comum.
A privação da “privatividade”, como diz Arendt, reside na ausência dos
outros. O ser humano privado não se dá a conhecer aos outros e, portanto, é como
se não existisse. Portanto, na visão republicana, o que torna tão difícil suportar a
sociedade de massas não é fundamentalmente o número de pessoas que ela
abrange, mas é o fato de que a esfera pública entre elas perdeu a força para mantê-
las unidas, de relacioná-las e de separá-las
146
.
Foi, contudo, sob o terceiro modelo, denominado discursivo, que a opção
teórica desta dissertação veio a abrigar-se. Para Jürgen Habermas, a influência da
sociedade civil se concretiza por meio da existência da esfera pública transparente e
porosa, permeável às questões originadas no mundo da vida. Esta esfera perpassa
145
ARENDT, Hannah. A Dignidade da Política: Ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2002. p. 67.
146
ARENDT, op. cit., p. 62.
93
todos os níveis da sociedade, incorporando todos os discursos, as visões de mundo
e as interpretações que adquirem visibilidade e expressão pública.
Seriam, enfim, como que caixas de ressonância, nas quais os atores são
capazes de problematizar o conteúdo recebido e, inclusive, formular estratégias para
o seu enfrentamento. Na perspectiva democrática habermasiana, a esfera pública
não é mero depositário dos problemas. Sua função é reforçá-los, tematizá-los,
problematizá-los e dramatizá-los, eficaz e convincentemente, para que sejam
assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.
Tomaram especial importância, para os fins da pesquisa, outrora em curso,
as ponderações de Habermas, concernentes à possibilidade de conformação de
esferas públicas subalternas ou populares. Primeiramente, por ser esta uma das
maiores críticas apresentadas a sua teoria. Segundo, pela constatação empírica de
que as associações de radiodifusão comunitária são essencialmente espaços de
inter-relação social e política de grupos da sociedade civil invisibilizados pela grande
mídia, ou seja, pelos grandes veículos de comunicação que, mediante monopólios e
oligopólios, constituem a esfera pública da sociedade de massas.
Os monopólios ou oligopólios, na propriedade e no controle dos meios de
comunicação, como visto, violam direitos humanos fundamentais, conspirando
contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que asseguram o
pleno exercício da liberdade de comunicação dos cidadãos. Em decorrência disso,
no caso concreto sob análise, a exclusão de estratos populares, culturalmente e
politicamente organizados, tem provocado a criação de uma multiplicidade de
94
esferas públicas nos mais diversos processos em que a esfera da grande mídia
emerge.
Segundo Habermas, a conformação de esferas públicas populares decorre
de sua exclusão da esfera pública hegemônica. Portanto, à vista da análise
conjuntural da sociedade de massas, as rádios comunitárias são esferas públicas
autônomas, espaços comunicativos conformados por camadas da sociedade
alijadas de um cenário maior de debate público
147
.
Habermas reconhece a centralidade da mídia nas sociedades
contemporâneas. Entretanto, não toma como absoluta a proposição de um “público”
desprovido de qualquer capacidade crítica quanto ao conteúdo da programação que
acompanha. Para além do espaço público, controlado pelos oligopólios da
comunicação de massa, persistiriam, ainda, estruturas comunicativas e
correspondentes de processos sociais de recepção e de re-elaboração das
mensagens recebidas
148
. No enfoque dado a este trabalho, as associações de
radiodifusão comunitárias seriam tais estruturas. Espaços de cobrança da
universalidade dos direitos humanos fundamentais dos quais são muitos os
excluídos.
Na contramão do processo de “americanização” da comunicação, verificado
no Brasil, a realização da programação das rádios comunitárias pelos cidadãos e
cidadãs, seja diretamente, seja através de organizações associadas, assegura a
147
GARNHAM, Nicholas. The Media and the Public Sphere. In: Habermas and Public Sphere. p. 372.
148
COSTA, Sérgio. Esfera Pública e as Mediações entre Cultura e Política no Brasil. Disponível
em: <http://www.ipv.pt/forumedia/fi_3htm> Acesso em: 26 abr. 2006.
95
identidade daquilo que é veiculado com o cotidiano, o que, em suma, reflete o que
precisa ser problematizado e discutido pela comunidade como um todo. Em espaços
públicos, como os conformados através das radcoms, é possível, como mostraram
as entrevistas realizadas, estabelecer novas condições para a formação de uma
opinião pública mais próxima da realidade.
Importa ressaltar que, a partir das rádios pesquisadas, não se pretendeu
estabelecer quaisquer tipos de generalizações indistintamente aplicáveis ao universo
de mais de dez mil rádios comunitárias existentes no Brasil. Assim como, os limites
da dissertação não autorizaram responder à pergunta sobre até onde podem chegar
estes espaços públicos em termos de pressão e influência sobre os demais sub-
sistemas. Estas são discussões a serem vistas com maior vagar em pesquisas
posteriores. Contudo, o que estudo logrou demonstrar é a possibilidade das radcoms
constituirem esferas públicas subalternas decorrentes da exclusão de significativa
parcela do povo do direito humano fundamental à comunicação.
As rádios comunitárias surgem como uma resposta à privatização do espaço
público verificada pelos teóricos da sociedade de massas. Possibilitam romper com
as práticas discursivas “neutras” que impõem o "silêncio" e a hegemonia de opiniões
como é feito comumente na mídia comercial, já que elas refletem um movimento
interno à sociedade civil caracterizado pela pluralidade de formas de grupos
independentes, de formas de opinião e de comunicação pública independente,
capaz de, ao mesmo tempo, ser o agente de sua própria transformação
149
.
149
ARATO, A.; COHEN, J. Sociedad Civil y Teoria Política. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.
p. 56.
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