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HELENA MAFFEI CRUZ
DA ALDEIA À CIDADE
Narrativas de identidade de jovens adultos criados
na Aldeia SOS de Rio Bonito
MESTRADO
PSICOLOGIA CLÍNICA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2007
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HELENA MAFFEI CRUZ
DA ALDEIA À CIDADE
Narrativas de identidade de jovens adultos criados
na Aldeia SOS de Rio Bonito
Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do
título de MESTRE em
Psicologia Clínica, sob
orientação da profª Dra. Rosa
Maria S. Macedo
MESTRADO – PSICOLOGIA CLÍNICA
PUC – SÃO PAULO
2007
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DA ALDEIA Á CIDADE
Narrativas de identidade de jovens adultos criados
na Aldeia SOS de Rio Bonito
HELENA MAFFEI CRUZ
BANCA EXAMINADORA
...............................................................................
(Nome e assinatura)
...............................................................................
(Nome e assinatura)
...............................................................................
(Nome e assinatura)
Dissertação defendida e aprovada em ..... / ...... / ........
“O que descrevo é aquilo em que presto atenção e
no que me concentro. A vida é tão rica e plena que
é impossível prestarmos atenção e nos
concentrarmos em tudo ao mesmo tempo.
Querendo ou não, devo selecionar o que focalizar,
momento a momento. Minhas descrições e
entendimentos são formados na linguagem, e só
posso construí-los a partir do meu repertório.
Portanto só posso prestar atenção e me concentrar
naquilo para o qual eu tiver uma linguagem para
descrever e compreender”.
Tom Andersen
À memória de Tom, pelos repertórios
éticos e poéticos com que me presenteou
.
AGRADECIMENTOS
Uma dissertação de mestrado é, como toda prática discursiva, uma
produção de sentido. A dimensão histórica desse texto ultrapassa o tempo
curto de sua produção. Perpassam por ele produções culturais que me
precedem, e até mesmo ignoro. Envolvem-no as linguagens sociais presentes
em minha história pessoal. A quem devo esses repertórios?
Nasci em uma cidade que nasceu com um colégio.
Nasci em uma família que gostava de aprender.
Sou grata a essas duas origens.
Irmãs mais velhas são professoras natas. Se nas outras brincadeiras eu
era café-com-leite, lugar que detestava, quando brincávamos de escola, meu
lugar de aluna era legítimo. Agradeço a Suzanna e Leonor por terem me
ensinado a querer ir para a escola, e à minha mãe pela crença absoluta de
que “profissão de estudante é estudar”.
No lugar da sisuda cartilha, meu pai me ensinou a ler com uma estória
encantada. Agradeço a ele a magia que permitiu rimar prazer com ler. E tantos
temas li, que só o aprendizado de ser mãe, me fez descobrir o prazer de
aprender fazendo.
Para meus filhos Ciça, Pedro, Luli e Beto, pela graça e tolerância com
que aceitaram os ensaios e erros, vai o maior agradecimento. Eles me
ensinaram o que as crianças precisam e fizeram nascer o desejo de passar
adiante esses saberes.
A viagem pelas Ciências Sociais, em anos difíceis de governo militar
ensinou-me que as descrições únicas podiam ser muito perigosas. Agradeço
aos colegas e professores da USP, ter sido obrigada a me fazer tantas
perguntas naqueles anos de chumbo.
Outras pertinências foram fundamentais na travessia. Aprendi mais
sobre mim nas terapias. Tornei-me terapeuta e entre mestres e supervisores, o
agradecimento especial vai para Mari Carposi, generosa, engajada e curiosa.
Sua falta uniu parte de seu grupo de estudos na busca por mais recursos, para
os encontros com famílias. Agora, à distância tenho que agradecer até sua
saída de cena, que nos transformou em grupo autônomo e gerou o Instituto
FAMILIAE.
Às minhas cinco companheiras de ousadia, Azair Vicente, Marília de
Freitas Pereira, Neyde Bittencourt de Araújo, Rose Nahas e Vânia Curi Yasbek,
obrigada por todas as sextas-feiras em que sonhamos, planejamos,
estudamos, divergimos, discutimos e aprendemos a arte de conviver com as
diferenças. Nesse processo, Gladis Brun ofereceu o mapa, com generosidade,
afeto e humor, brindes extras no pacote de sua competência. Agradeço sua
disponibilidade assim como a da equipe do ITF-RJ, na nossa formação.
Essa construção nos tornou parte da fundação das Associações Paulista
e Brasileira de Terapia Familiar. Tais pertinências nos levaram a ampliar
objetivos e ações de nosso Instituto, hoje uma família extensa, com várias
gerações. Obrigada a todos os colegas que nos legitimaram como formadoras,
cursando 15 turmas até agora.
Rosa Macedo, minha orientadora, é parte de narrativas outras, além
desta dissertação. Com ela aprendi a complexa habilidade de montar um
congresso – o primeiro da categoria Terapeutas Familiares, em São Paulo,
1994. Também me honrou com o convite para compor sua diretoria na APTF,
no biênio 1996-7. Agradeço a oportunidade de aprender a importância de
dedicar um tempo - bem sempre escasso, para por em ação nossas idéias.
À espantosa capacidade de trabalho de Marilene Grandesso, com quem
compartilhei nova diretoria, no biênio 2000-1, devo o aprendizado de “abrir as
portas dos consultórios e sairmos para a comunidade”
Meu interesse por trabalhos sociais ganhou ferramentas e acabou
desembocando numa pesquisa meio tosca que, apresentada nos Seminários
Família e Sociedade, no Núcleo de Estudos Da Mulher e das Relações de
Gênero - NEMGE-USP, recebeu surpreendentes comentários, como “Isso dá
um mestrado”! Agradeço à generosidade desse grupo, em especial à Lucila
Reis Brioschi, Maria Helena Bueno Trigo, Lia Fukui e Miriam Moreira Leite, o
estímulo para que eu prosseguisse no que acabou se tornando esta
dissertação tardia. Durante o processo do mestrado, tive o privilégio de contar
com a presença nesse grupo, de Ângela Mendes de Almeida, historiadora que
muito contribuiu para que eu aprendesse que conceitos têm história e
geografia.
Quando expliquei por telefone, a Rosa Macedo, que estava interessada
em compreender algo sobre as relações nas Aldeias SOS e não sabia se isto
era um tema adequado para um mestrado; sua resposta-pergunta, foi imediata:
“Você tem uma pergunta? Você tem interesse nela? Então não tem tema
adequado ou desadequado”. Mais um agradecimento à incentivadora mestra.
Às professoras e colegas dessa nova jornada escolar agradeço o quanto
aprendi nesses anos. Não cito nomes para não cometer injustiças. Mas
participar de grupos de trabalho mais jovens, correr durante um ano, às sextas-
feiras, para aprender-fazendo, um trabalho com crianças de primeiro ano de
uma escola pública, sob a coordenação de Rosane Mantilla, muito contribuiu
para aguçar minha escuta para a construção de identidades através das
descrições que vão dando vida a alguns selves e colaborando para abortar
outros.
Mary Jane Spink desenvolveu um caminho de pesquisa no qual ainda
engatinho, de novo aprendendo-fazendo. Agradeço a oportunidade de ampliar
meu repertório com aportes da psicologia social.
Novamente agradeço a Rosa, agora pela compreensão com meus vais e
vens e a enorme abertura para acompanhar tantas trajetórias diversas, de
orientandos com interesses tão variados. Seu estilo de orientação me lembra o
processo pelo qual um maestro constrói a interpretação da orquestra: ele não
toca nada, mas tem cada um dos instrumentistas sob sua batuta. Entretanto a
responsabilidade pela execução é do instrumentista. Neste caso, qualquer
desafinado é meu.
Nos últimos sete anos colaborei com Tom Andersen em consultorias e
coordenação de cursos. Sua voz solidária me acompanhou todo o tempo. Sei
que aprendi pouco, mas sei também que esse pouco faz muita diferença.
Espero ter sabedoria suficiente para continuar a ouvi-la, agora que ele reverteu
definitivamente as luzes, apagando o seu lugar e deixando iluminado nossos
campos de trabalho.
Durante estes mesmos anos participei de muitas atividades da Aldeia
SOS do Rio Bonito. Sempre fui muito bem acolhida. Dirigentes trocaram de
posições, saíram algumas mães, entraram outras, mas o trânsito fácil nunca
mudou. Em todos esses adultos responsáveis, fossem mães, tias, assistentes
ou dirigentes, encontrei disponibilidade de compartilhar experiências, refletir
sobre caminhos. A seriedade com que se engajam em seu trabalho, muito me
ensinou sobre a enorme complexidade e a responsabilidade, que é de todos
nós, sobre o destino das nossas crianças quando elas necessitam de uma
alternativa segura para crescer.
Os membros do Comitê de Apoio, Inge Straub, Ralph Chistian e Mario
Probst, além de meu marido, Frederico Melcher, compartilharam comigo o
desafio de montar e acompanhar a execução de um projeto para aldeanos
emancipados – o projeto Emacip-Ação destinado a colaborar na construção de
uma rede que sustentasse as tentativas de um grupo de fazer a difícil
passagem da Aldeia à cidade. Mais do que ajudá-los, aprendemos sobre a
realidade social desses jovens e nos fizemos perguntas cujas respostas
continuamos a buscar. Nessa pesquisa, suas vozes estão presentes.
Presentes também as observações e ações de Regina Wrasse, a
coordenadora do projeto, que durante nove meses reuniu-se semanalmente
com um grupo de jovens, e mensalmente conosco. Aprendemos, com sua
prática, a interrogar mais cuidadosamente nossos pressupostos.
A esse grupo que tanto me enriqueceu, obrigada.
Karin Essler e Margarida Gioielli, a tia Karin e a tia Magui, tão
importantes na rede social significativa dos aldeanos, como co-construtoras da
experiência coerente no tempo e no espaço que constitui a identidade deles,
possibilitaram que minhas descrições da Aldeia ganhassem vida.
Aos protagonistas dessa história, na palavra gratidão estão contidos
respeito e compromisso. Abriram suas vidas generosamente para este
trabalho. Fico -lhes devendo a transformação de minhas reflexões, em ações.
Tarefas rotineiras que costumam roubar horas preciosas de estudo são
executadas eficientemente por meus auxiliares Lucia e Valdeci Ribeiro da
Silva. Cecília Louzada poupa-me de agendas, contas, documentos e papéis em
geral, além de especificamente neste caso, ordenar e reordenar as infindáveis
“últimas” versões. Agradeço pelo oásis de tranqüilidade que, graças a eles, é
minha casa.
Finalizar um trabalho requer a humildade de dizer – isto é o melhor que
consigo fazer. Leitores, nesse final são presenças inestimáveis.
Roseli Righetti, companheira de percurso na docência no FAMILIAE, e
Cecília Cruz Villares, minha filha Ciça, que caminhou muito mais rápido do que
eu, generosamente ofereceram sugestões e perguntas, que contribuíram para
melhor organizar este texto.
Maria Cristina Jorge, com delicadeza, disponibilidade e enorme
competência fez a revisão final.
Frederico, companheiro de todas as horas convidou-me a sete anos
para acompanhá-lo à Aldeia do Rio Bonito, para uma reunião do Comitê de
Apoio, do qual fazia parte então. Mal sabia que daquela visita, eu embarcaria
em uma aventura que encurtou os fins de semana, restringiu viagens durante o
ano letivo e roubou-me para horas de computador.
Sua cumplicidade e disponibilidade para me acompanhar a locais
distantes onde vivem os entrevistados e sua leitura atenta às várias versões
deste texto facilitaram enormemente minha tarefa. A boa música, que muitas
vezes me acompanhou, tornou as jornadas mais leves. Obrigada pelo bem-
estar, bem querer, bem-cuidar.
RESUMO:
CRUZ, Helena M. (2007). DA ALDEIA À CIDADE: Narrativas de identidade de
jovens adultos criados na Aldeia SOS do Rio Bonito, São Paulo. (xxx p.)
Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo.
Esta pesquisa tem como tema de estudo a constituição do si mesmo de jovens
adultos criados em casas-lar sob os cuidados de uma mãe-social, na Aldeia de
Rio Bonito, em São Paulo, instituição filiada às Aldeias Infantis SOS do Brasil.
O objetivo geral é investigar os significados atribuídos às relações na
instituição, como constitutivas da identidade dos jovens adultos, que lá viveram
até sua maioridade, através da exploração dos sentidos atribuídos a casa-lar,
mãe social, irmãos e aldeia - os quatro pilares da missão da instituição - nas
autodescrições destes jovens; pretende também compreender a relevância
destes sentidos em sua situação de jovens adultos, frente à necessidade de
garantir a própria sobrevivência, considerada como indicador de maioridade.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa onde a pesquisadora estuda, através das
narrativas de quatro jovens sobre si mesmos, a presença dos pilares da
instituição nessas autodescrições. A compreensão relacional da constituição do
si-mesmo, comum às várias teorias sistêmicas e o construcionismo social, que
propõe o significado como construído socialmente em linguagem, embasam a
análise e interpretação das categorias propostas e das demais categorias
construídas pelos relatos dos entrevistados. Os resultados apontam a
presença das pessoas integrantes da rede constituída na e a partir da Aldeia
como vozes fundamentais na co-construção de uma experiência de si mesmo,
coerente no tempo e no espaço que constitui a identidade. Outras vozes
sociais como o preconceito, surgidas nas entrevistas, fazem parte das
restrições identitárias dos jovens, assim como o contexto socioeconômico mais
amplo da cidade de São Paulo. A pesquisa oferece reflexão sobre a co-
responsabilidade, entre a instituição e os agentes sociais externos, no caminho
da Aldeia à cidade, em direção à maioridade dos jovens aldeanos
emancipados.
Palavras-chave: Família – Instituição – Identidade – Construção - Narrativa
ABSTRACT:
CRUZ, Helena M. (2007). FROM THE VILLAGE TO THE CITY: Narratives of identity of
young adults raised in Adeia SOS do Rio Bonito, São Paulo. (133 p.) M.A. Dissertation
in Clinical Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
This research has as theme of study the constitution of the self of young
adults raised in shelters under the care of a social-mother in the Aldeia de Rio
Bonito, in São Paulo, institution that s linked to the Aldeias Infantís SOS do
Brasil. The general objective is to investigate the meanings attributed to the
relations in the institution, as constitutive of the identity of young adults who
lived there, up to their adulthood, by exploring the meanings attributed to the
shelter, social mother, brothers and village – the four pillars of the mission of the
institution – in the self-descriptions of these young people; intends, also to
comprehend the relevance of these meanings in their situation of young adults,
due to the need to guarantee the self survival, considered as an indicator of
adulthood. It is a qualitative research where the researcher studies, based on
the narrative of four young people about themselves, the presence of the four
pillars of the institution in these self-descriptions. The relational comprehension
of the self constitutionf, common to many systemic theories and the social
constructionism, which proposes the meaning as socially constructed in
language, gives the bases to the analyses and interpretation of the proposed
categories and the other categories constructed through the narratives of the
interviewees. The results lead to the presence of the people who integrate the
net constituted in the Village and from the village as fundamental voices in
the co-construction of an experience of the self, in coherence with the time and
the space that constitute the identity. Other social voices, such as prejudice,
which came up in the interviews, are part of the restricted identity of these
young people, as much as the wide social economic context in the city of São
Paulo. The research offers reflection about the co-responsibility between the
institution and the external social agents on the way from the Village to the city,
towards the adulthood of these emancipated young people from the Village.
Key words: Family – Institution – Identity - Construction - Narrative
1
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................... 02
I - Família e Instituição no Brasil .................................................................. 08
II - Identidade e Self...................................................................................... 33
III - A Família SOS ........................................................................................ 48
III.1 – O Fundador ......................................................................................... 48
III.2 – Aldeias Infantis SOS do Brasil ............................................................ 49
III.3 – Aldeia Infantil SOS de Rio Bonito ....................................................... 50
3.1 História............................................................................................... 50
3.2 Descrição da Aldeia SOS do Rio Bonito ............................................. 54
3.3 O contexto socioeconômico ................................................................ 56
3.4 Os quatro pilares em ação ................................................................. 57
3.4.1 Mãe Social .................................................................................. 60
3.4.2 Os irmãos .................................................................................... 70
3.4.3 A casa-lar e a Aldeia .................................................................... 72
IV – Método ................................................................................................... 75
IV.1 Justificação................. ........................................................................... 75
IV.2 Participantes .......................................................................................... 79
IV.3 Procedimentos para a realização das entrevistas ................................. 80
IV.4 Análise das narrativas ........................................................................... 80
IV.5 Considerações éticas ............................................................................ 83
V – Análise e Interpretação das narrativas ................................................... 85
V.1 Ricardo .................................................................................................... 85
V.2 Mariana .................................................................................................. 95
V.3 Denise ................................................................................................... 102
V.4 Suely ...................................................................................................... 109
V.5 A Família SOS: co-construtora das identidades de Ricardo,
Mariana, Denise e Suely ....................................................................... 119
VI Considerações finais ............................................................................... 122
VII Referências bibliográficas ..................................................................... 127
2
Introdução
Minhas narrativas sobre Família, Criança e Instituição começam com
histórias contadas, intuídas, descobertas e ressignificadas com o correr do
tempo, quando alguns silêncios foram sendo preenchidos por novas descrições
- aquelas que não se fazem às crianças.
O dicionário, na família de origem de meu pai, ensinava que internato
era o lugar para onde iam as crianças quando a mãe... ficava doente? Morria?
Certamente, quando não estava mais presente.
Madrasta era igualzinha à da Branca de Neve, e o resultado dessa
institucionalização das crianças nem sempre era bom. Algumas não davam
certo, expressão que significava não terem completado os então chamados
estudos preparatórios para o ensino superior, e, eventualmente, não ter, na
vida adulta, emprego estável, dependendo de ajuda dos demais irmãos.
Na família materna, a morte da mãe (no caso, a mulher de um tio)
implicou em que a criança pertencia à família do sobrevivente, isto é, avó
paterna e todos os tios. Em um segundo casamento, essa rede protegia a
criança do mal maior – a madrasta; entendida como má-drasta, uma categoria
a priori, acima de qualquer possibilidade da candidata provar o contrário.
Essa rede oferecia pertencimento, afeto, responsabilizava-se pela saúde
e educação, mas a marca da impossibilidade de substituição da mãe estava
presente em todos os relatos.
Fui crescendo, lapsos foram preenchidos, mistérios esclarecidos, mas a
verdade de que mãe é uma só, a que gestou e deu a luz, nunca foi posta em
dúvida nos relatos familiares.
Irmã caçula de duas outras meninas, em minha casa o internato tomou
outra conotação: castigo para reprovações ou maus resultados escolares.
Passei domingos e domingos visitando minhas irmãs no colégio interno,
levando pratos de doces para o lanche que elas faziam conosco e, quando
caminhávamos pelo parque no meio do qual se escondiam as classes,
correndo e nos separando dos nossos pais, ouvia histórias de injustiças que
hoje eu descreveria como imposições identitárias indiscutíveis como: boa
3
aluna, má aluna, comparações constantes e desqualificadoras, constituindo,
para mim, um cenário a evitar a todo custo.
Tornei-me aluna exemplar e trilhei muitos caminhos por diferentes áreas
de conhecimento antes de me voltar ao trabalho com crianças
institucionalizadas.
Interessei-me pelas construções vigentes em relação à família, onde o centro
da descrição é freqüentemente a qualidade da relação mãe-filho, e desenvolvi
uma pesquisa sobre essas construções. (CRUZ, 2006a) Interessei-me pela
história da institucionalização de crianças (CRUZ, 2004) e sobre discursos
sobre a paternidade no Brasil. (CRUZ, 2006b)
Quando me propus a entender as construções de self de jovens criados
em lares substitutos na instituição Aldeias Infantis SOS do Brasil,
especificamente, na Aldeia de Rio Bonito, São Paulo, mantive-me atenta às
categorias mãe biológica, mãe social, família biológica, família social, e os
efeitos das ações da instituição, fruto de praticas discursivas sobre esses
temas, proferidas pelos próprios jovens, pelos dirigentes da Aldeia e outros
adultos relevantes na criação e acompanhamento desses jovens.
Olhando em retrospectiva para esse percurso, assim como refletindo
sobre minha predileção pelo estudo e prática da terapia de família com
crianças (Cruz, 2000), encontro meus fantasmas da infância instigando-me a
desconstruir a irrefutabilidade do par mãe-madrasta, suas qualidades bondade,
cuidado versus maldade, maus tratos, e as conseqüências: adulto-que-dá-
certo, e adulto-que-não-dá-certo.
Talvez as experiências pessoais com terapias e o encontro com as
ciências sociais, antes do percurso pela psicologia, tenham contribuído para
que a pergunta de Tomás Ibañez: “Como se puede no ser construccionista hoy
em dia?” (2001) titulo de artigo onde nomeia o legado da modernidade como
Mitos, a saber: mito da representação, do objeto, da realidade independente e
da verdade; tenha constituído um convite irrecusável a conhecer as novas
perspectivas para a teoria e prática terapêuticas, oferecidas pelo desafio do
construcionismo social.
Minha aproximação aos relatos e práticas sobre crianças vivendo longe
de suas famílias de origem, em especial de suas mães, tem se pautado pela
4
busca de outras possibilidades narrativas em relação a essas situações. Ao
problematizar os vocabulários familiares, venho procurando desenvolver uma
escuta que compartilha afirmações como:
“Os problemas e suas soluções não brotam do solo da
simples observação. A identificação de um problema para o
qual uma solução deve ser encontrada depende tanto daquilo
que está à nossa frente, quanto do que está atrás, ou seja,
chegamos ao campo de observação trazendo conosco toda
uma vida de experiências culturais. Mais importante ainda,
trazemos também vocabulários para a descrição e a
explicação daquilo que é observado. Portanto, enfrentamos as
situações da vida munidos de códigos, pré-estruturas de
entendimento que sugerem elas mesmas como devemos
distinguir o problemático do perfeito.”
(McNAMEE; GERGEN, 1998, p.3)
Tendo colaborado tanto em cursos de capacitação de mães sociais em
2002, como em um programa que visava ampliar a autonomia e colaboração
nas relações das mães sociais, entre si e com a direção da Aldeia SOS de Rio
Bonito, durante o ano de 2004, repetidas vezes ouvi afirmações como “mãe
que é mãe não abandona os filhos”. Ao mesmo tempo, as mulheres que
aceitam o trabalho de Mãe Social devem, segundo o estatuto da instituição,
propiciar à criança que perdeu seus pais naturais, ou foi deles separada por
contingências da vida, “a segurança de um lar, cuidados, amor e carinho,
necessários ao desenvolvimento normal e harmonioso de suas
potencialidades”. (Estatutos das Aldeias Infantis SOS do Brasil. ANEXO I)
Na história da instituição isto significou que as crianças que hoje são
jovens adultos, ao chegarem à Aldeia costumavam ouvir da mãe social: “agora
esta é sua casa, estes são seus irmãos e eu a sua mãe”, e todo o esforço era
feito no sentido de que elas esquecessem as “histórias difíceis” que haviam
vivido.
López (2001, p.67) em pesquisa desenvolvida na mesma instituição
descreve a visão dos profissionais dirigentes e técnicos sobre as crianças:
5
“que traz subjacente uma espécie de compaixão pelas
condições de abandono e/ou rejeição que teriam marcado a
experiência familiar, que (podem acabar) influenciando o
modo como essas próprias crianças vêem a si, sua família
de origem e a situação em que vivem, a ponto de elas
passarem a se sentir ‘inferiores’ e ‘abandonadas’ apesar de
não ser essa forma como sua família e o grupo social de
origem encarar a questão”.
A autora observa que:
“Na prática, por mais que se adeqüe a construção de casas-
lares ao padrão local, que se trabalhe com mães sociais do
país onde exercem sua atividade, que a equipe técnica seja
também preferencialmente do mesmo país, há sempre uma
definição a priori do que seja uma ‘família autêntica’ e de
como as crianças devem ser educadas por ela ou sua
‘substituta’ (no caso, a família SOS), como se esses valores
não fossem extremamente variados entre as culturas”
(LÓPEZ, 2001, p.65).
Estas observações da pesquisa apresentam algumas vozes de adultos
que passam a ser significativos quando as crianças são abrigadas na Aldeia, e
podem se tornar parte de seus repertórios interpretativos, nas descrições que
elas vão aprendendo a fazer de si mesmas.
Crianças privadas de sistemas cuidadores mínimos que garantam sua
sobrevivência humana (biológica e social) podem ser, ou não, órfãs. No caso
de terem um dos pais vivos, elas podem ter sido abandonadas ou retiradas de
sua convivência pelo poder judiciário, por diversas razões: pobreza extrema,
doenças físicas ou mentais, abuso físico e/ou sexual. Podem ainda, ser
voluntariamente entregues, quando seus pais ou aquele que as mantém,
encontram-se sem condições de cumprir requisitos mínimos de um sistema
cuidador, socialmente legitimado e juridicamente reconhecido.
Podemos considerar que atualmente, no Brasil, tais requisitos são
juridicamente regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, e
6
de sua interpretação pelos juizes dependem as decisões que afetam a vida
das crianças no modo como são encaminhadas a instituições.
Assim, uma criança, ao chegar a uma instituição que se oferece para
ela, como uma família substituta, traz consigo algumas narrativas: uma sobre
relações vividas, encarnada nos modos como reconhece a si mesma e aos
demais; outra pelos poderes que nomeiam suas experiências e que podem
descrever sua família como negligente, indigente, violenta ou, de alguma outra
forma, inadequada, no momento em que lhe é retirada.
O que ela vai encontrar na instituição Aldeias Infantis SOS?
Como as propostas de casa-lar, mãe social, irmãos sociais, contribuirão
para a constituição de seu self, para suas descrições sobre si mesmo?
Esta pesquisa tem como objetivo: investigar os significados
atribuídos às relações na instituição, como constitutivas da identidade de
jovens adultos, criados até a maioridade na Aldeia de Rio Bonito, em São
Paulo, instituição filiada às Aldeias Infantis SOS do Brasil. Esta
investigação se faz através da exploração dos sentidos atribuídos a casa-
lar, mãe social, irmãos e aldeia - os quatro pilares da missão da
instituição nas autodescrições destes jovens; pretendendo também
compreender a relevância destes sentidos em sua situação de jovens
adultos, frente à necessidade de garantir a própria sobrevivência,
considerada como indicador de maioridade.
No capítulo I dialogo com autores brasileiros que vêm estudando as
relações entre Família e Instituição no Brasil.
No capítulo II apresento a noção de Identidade em diferentes campos
das ciências humanas e seus usos, isto é, a que perguntas respondem.
No capítulo III descrevo a história do projeto Aldeias Infantis SOS, sua
chegada ao Brasil, o contexto de criação da Aldeia de Rio Bonito, objeto dessa
pesquisa, e as práticas discursivas orientadoras de sua implantação, através
de relatos dos principais atores de então. Finalizo situando o contexto social do
bairro onde se localiza a Aldeia, a Cidade Dutra, na cidade de São Paulo.
No capítulo IV apresento a metodologia de pesquisa e as considerações
éticas.
7
No capítulo V, a análise e interpretação das entrevistas realizadas com
os jovens adultos.
No capítulo VI, as considerações finais, que nesta proposta seriam melhor
nomeadas como perguntas e reflexões, convidando a novas buscas e diálogos
com o projeto atual da Aldeia, depois de vinte e cinco anos de funcionamento
ininterrupto, ela mesma, uma jovem adulta.
Qual será sua identidade atual, e como estarão presentes nela os pilares
iniciais dessa construção realizada a tantas mãos?
8
I – Família e Instituição na História do Brasil.
Entendo que
“a psicologia da pós-modernidade define o psicólogo como um
agente de transformação social para o qual contribuem o
pessoal, o político e o profissional, implicando necessariamente
uma ética das relações, cujos traços mais significativos são a
consciência da auto-reflexividade e a consciência de que suas
práticas e seus métodos de estudo não são ideologicamente
neutros”. (GRANDESSO, 2000, p.5)
Por outro lado, ao considerar a linguagem como constitutiva e não
representativa da realidade (IÑIGUES, 2004; GERGEN, 1996; SHOTTER,
1994) sustento, emprestando as palavras de Tom Andersen (1995, p.6) que
“não podemos deixar de ser preconceituosos. Não podemos não o ser”; nossos
preconceitos ou pré-conhecimentos fornecem as suposições básicas sobre o
quê e como devemos prestar atenção.
Reconhecendo-me comprometida com algumas construções sobre
família, tenho claro que ao dialogar com certos autores e não com outros, faço
escolhas teóricas, ao mesmo tempo em que trago comigo os discursos que
nortearam minha experiência como filha e mãe e meus questionamentos cujas
premissas são também outros discursos.
Tais repertórios interpretativos (MEDRADO, 1998) geram as categorias
e qualificações para o que convencionamos chamar objeto de pesquisa, no
caso, as subjetividades dos jovens em questão.
Minha escolha para pensar ‘família’ é começar pelo que considero como
sistema protetor mínimo necessário ao desenvolvimento de um recém nascido,
dotando-o de condições de pertencimento à sociedade onde ele nasceu, e
compreender a intersecção entre os sistemas cuidadores de uma criança,
considerados como família pelos próprios agentes da instituição e o que é
juridicamente legitimado como família.
Se tentarmos imaginar a partir do lugar da criança, para quem um
sistema protetor não é uma escolha, mas uma necessidade, ‘família’ seria um
conjunto de pessoas, composta por um ou mais adultos com funções mais ou
9
menos especificadas e discriminadas por seus nomes, que constituem
diferentes tipos de relação: quem alimenta, quem dá ordens, quem acalma os
medos, quem alivia a dor, quem aceita e interpreta as comunicações – choro e
outras expressões, quem obedece quem, quais as regras de participação de
cada um, etc.
À experiência de viver em um sistema assim eu denominaria
Pertencimento.
Trabalhos sobre a constituição da subjetividade, a partir da observação
mãe-bebê, têm descrito esse processo sob diferentes pontos de vista. Segundo
Humberto Maturana (1991, 4ª ed, p.25), biólogo que se dedicou à Biologia do
Fenômeno Social, “o que nomeamos como psíquico não ocorre no cérebro,
mas constitui-se como um modo de relação com o meio e/ou com o outro, que
adquire uma complexidade especial na recursividade do operar humano na
linguagem”.
Este autor descreve a humanização do bebê humano como um processo
que ocorre necessariamente entre humanos através da comunicação dessa
espécie, a linguagem. A função primeira da linguagem é “como coordenar
ações com os sons” e esses sons devem ser familiares para que possam
constituir um diálogo inicial.
Quando menciono Sons Familiares, refiro-me a algo muito concreto:
sons ligados a rostos, cheiros, ações, experimentados como
confortáveis/desconfortáveis, tranqüilos/assustadores, a partir das primeiras
sensações corporais.
Maturana e Verden-Zoller (2004) em estudo sobre a relação materno-
infantil realizado, como eles enfatizam, com base no normal e não no
patológico, apresentam como conclusão geral que “as consciências individual e
social da criança surgem mediante suas interações corporais com a mãe, numa
dinâmica de total aceitação mútua na intimidade do brincar” (p.124). Para
compreender suas afirmações é importante explicitar que os autores entendem
maternidade como “uma relação permanente de cuidado que um adulto adota
com uma criança. Pode ser realizado tanto por um homem como por uma
mulher” (p.137). Definem o ‘brincar’ como uma atividade realizada como
plenamente válida em si mesma, no presente de sua realização sem nenhum
10
propósito que lhe seja exterior. Descrevem como “o bebê encontra sua mãe na
brincadeira antes de começar a viver na linguagem”. (p.146); apontam para a
importância, nessa relação, do uso pela mãe humana do brincar e da
linguagem, pois esta já está na linguagem quando começam as conversações
que constituem o seu bebê.
Também nessa direção encontram-se as observações da antropóloga
Mary Catherine Bateson. Quando teve sua filha percebeu-se muito envolvida
com suas funções maternas e sem desejo de se engajar em pesquisas de
natureza diversa. Assim, buscou uma atividade, onde sua vivência como mãe
servisse como fonte de insights para o trabalho e vice-versa. Trabalhando com
filmes de interações mãe-bebê e observando padrões de vocalizações
brincalhonas entre mãe e filho, enquanto corria nos intervalos para amamentar,
assim descreveu este processo: “minha dupla experiência de observar meu
próprio bebê e os bebês dos filmes foi o primeiro degrau na compreensão de
que a participação precede o aprendizado”. (BATESON, 1994, p.40).
Seu pai, o antropólogo Gregory Bateson (1991), que dedicou grande parte de
sua vida a pesquisas sobre o que hoje denominaríamos Construção Social da
Subjetividade, definia aprendizado como o aumento da redundância entre
aquele que aprende e seu ambiente. Para os seres humanos a maior parte do
aprendizado é mediada pela linguagem: é um processo de familiarizar-se com
o seu ambiente, guiado por um adulto, que resumimos sob o nome de
‘pertencimento’.
Bruner (1987, 1997) complementa o conceito de “competência
lingüística” da teoria sobre aquisição de linguagem de Chomsky (1971), que
inclui a noção de “dispositivo de aquisição de linguagem”, mostrando que este
dispositivo não poderia funcionar sem a ajuda de um adulto que entra em
relação com o bebê, em um “cenário transicional”, isto é, um cenário previsível
de interação, criado usualmente pela mãe e pela criança, que pode servir de
microcosmo para comunicar e estabelecer uma realidade compartilhada.
Todos os estudos que tomam a linguagem como o fator que especifica o
humano, entendem os fenômenos mentais a partir da intersubjetividade e não
como características intrínsecas de um indivíduo. Pertencimento passa a ser o
11
ato introdutório do filhote da espécie homo sapiens, sapiens na cultura
humana. Família seria o instrumento desta introdução.
Sarti (2003b, p.27) ao discutir modificações que a família vem sofrendo e
as variações empíricas nos diferentes segmentos sociais, propõe pensar a
família como uma realidade que se constitui pelo discurso sobre si própria.
“Quando ouvimos as primeiras falas, não aprendemos apenas a nos
comunicar; captamos, acima de tudo, uma ordem simbólica, ou seja, uma
ordenação do mundo pelo significado que lhe é atribuído segundo as regras da
sociedade em que vivemos. O componente simbólico, apreendido na
linguagem, não é apenas parte integrante da vida humana, é o seu elemento
constitutivo”.
A história e a sociologia da família têm se ocupado das variações
empíricas e das representações desse sistema protetor, e como algumas
dessas formas chegam a ser escolhidas em detrimento de outras em cada
sociedade, no tempo e no espaço. Aquelas formas que se tornam hegemônicas
tendem a ser socialmente legitimadas como as únicas matrizes possíveis para
a emergência dos membros reconhecidos como legítimos pela mesma
sociedade.
Na história da humanidade tal reconhecimento tem passado por teorias
de paternidade e maternidade. O remédio mais eficaz para a incerteza da
paternidade, encontrado pelas sociedades ocidentais foi a família patriarcal. Do
ponto de vista legal, isto é, daquilo que nos legitima como pertencentes à
categoria de membros de nossa sociedade, o direito civil da família constitui,
entre nós, a base de todo o direito civil. Uma pessoa passa a existir legalmente
mediante seu registro de nascimento e o que a caracteriza e define são seu
nome, data e lugar de nascimento, e filiação. Neste sentido a família é a base
do direito civil, mas sua definição não é clara. Quando ela é constituída de pai e
mãe, morando no mesmo domicílio, não há dificuldades. As questões
começam a aparecer com outras configurações.
Se o que define basicamente uma pessoa é sua filiação, pai e mãe, o
que está sendo privilegiado quando se denomina uma família Uniparental, é o
domicílio. Por outro lado, nas políticas de estimulo à adoção está implícito o
valor da família como proteção, ao mesmo tempo em que a predileção por
12
parentes biológicos, em relação a famílias substitutas, reforça a noção de
família como linhagem. (DEEKEUWER, et al., 2001).
Em função dos sujeitos desta pesquisa pertencerem, em sua totalidade,
a famílias pobres brasileiras, fiz o recorte da bibliografia que têm estudado as
relações das famílias pobres com as instituições de cuidados à criança, no
Brasil, e os desdobramentos dessas relações depois que a noção de infância
gerou novas obrigações para com as crianças, intervenções do poder público
na forma de leis e instituições e seus desdobramentos presentes no Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA (1990).
Começamos então por uma reflexão sobre a categoria Pobres.
Na abordagem socioconstrucionista escolhida para esta pesquisa,
entendemos que categorias não estão no mundo, mas são estratégias
lingüísticas que criam e explicam mundos e através de utilização reiterada
adquirem qualidade ontológica. (SPINK, 2000).
Cynthia Sarti (2003a, p.35), em levantamento sobre as descrições
encontradas nas Ciências Sociais brasileiras, aponta para a “identificação por
contrastes, fazendo dos pobres um ”outro”, que muitas vezes diz mais de quem
fala do que de quem se fala”.
Carência e falta são palavras-chave tanto na literatura científica como na
de ficção: de estudos, trabalho, habitação e, recentemente, de cidadania e de
inclusão.
Se essas palavras durante longo tempo descreveram o indivíduo pobre,
sua categorização se dava pela falta das qualidades valorizadas socialmente,
sobrando, para ele, qualificações negativas como: vadio, preguiçoso,
desmazelado, ignorante, sem força de vontade. Pode-se dizer que o único que
havia em excesso era o número de filhos.
A mudança de olhar do indivíduo pobre, presente no discurso
assistencialista, para um enfoque de classe, presente na produção teórica mais
recente, (KALOUSTIAN, 2002; ALMEIDA, 1987) coloca a explicação da
pobreza social no sistema e não no indivíduo e muda o vocabulário: no lugar de
vadio aparece o desempregado ou sub-empregado; no lugar do ignorante,
desmazelado, surge o excluído.
13
Entretanto essa nova descrição ainda pensa os pobres a partir da
produção; eles permanecem “mecanicamente destituídos de recursos
simbólicos, como se à opulência no mundo capitalista, correspondesse a
riqueza simbólica” (SARTI, 2003 a, p.39).
Sarti (2003a) propõe definir a pobreza, evitando para seus constituintes
o lugar do “outro”; entende que esta é parte de um sistema mais amplo e que o
processo de diferenciação social torna-se um problema em si, isto é, a lógica
da identificação da categoria constitui o próprio fundamento do processo de
construção de identidades sociais, concebido em termos relacionais, o que é
justamente o objetivo desta pesquisa. Buscando compreender os valores que
regem as relações entre os pobres, como componentes estruturais da ordem
moral com a qual constroem o mundo social do qual fazem parte, compreende
a família como universo moral.
A autora pesquisou os lugares de homem e de mulher nos relatos da
família pobre; constatou uma diferenciação entre casa e família, onde a mulher
se identifica com a primeira e o homem com a segunda. Ela é chefe da casa;
ele, da família. “Ele é a autoridade moral, responsável pela respeitabilidade
familiar. Sua presença faz da família uma entidade moral positiva, na medida
em que ele garante o respeito” (p.63).
Tal compreensão aponta para a vulnerabilidade desse arranjo: por um
lado, o respeito de uma família depende da presença de um homem provedor,
que por sua vez depende de condições externas cujas determinações estão
fora de seu controle, expondo-o à instabilidade estrutural do mercado de
trabalho para profissionais de menor qualificação profissional; por outro lado a
mulher, ao precisar de um homem para mediar suas relações com o mundo
externo independentemente de também trabalhar e contribuir para o sustento
da casa, vê-se fragilizada quando cria seus filhos fora dessa estrutura.
As tentativas de preencher os requisitos de “família de respeito”, que
talvez atualmente, em São Paulo, tenham como sinônimo principal “família
protegida” (do tráfico ou da polícia) colaboram, nessas condições precárias de
manutenção de vínculos, para a existência seqüencial de novos parceiros,
filhos de vários pais, e eventual transferência de filhos de uniões anteriores,
para casas dos parentes. Também, conforme Sarti, “a desmoralização ocorrida
14
pela perda da autoridade que o papel de provedor atribui ao homem [...]
significa uma perda para a família como totalidade, que tenderá a buscar
uma compensação pela substituição da figura masculina de autoridade por
outros homens da rede familiar” (2003 a. p.67).
Essa contribuição propõe uma escuta para o contexto familiar de muitas
crianças que chegam a instituições como abrigos e a própria Aldeia nos termos
que os próprios atores o definem.
Em uma família que vem tentando manter o padrão respeito, a mãe
pode escolher conviver com um padrasto que se desentende com um filho de
união anterior, contribuindo para o afastamento deste da casa materna. Em
algumas situações, seja por maus tratos, expulsão ou por não desejar mudar
de cidade, o menino ou menina vai para a rua, ou é institucionalizado, via
Conselho Tutelar. Essas práticas, denominadas de Circulação de Crianças
(FONSECA 1989) sustentadas por repertórios interpretativos onde coexistem
as categorias sangue e criação como parte do sistema de parentesco,
apresentam nuances não facilmente percebidas pelo modelo de família nuclear
burguesa. Quais as possibilidades de diálogo entre os dois conjuntos de
valores: o discurso legal sobre os direitos da criança, e os valores da família
que está sendo julgada?
As relações entre a mãe biológica, chamada de verdadeira, e a de
criação passam por inúmeras possibilidades, dependendo de quem cria e qual
a relação de parentesco entre as duas. Se os filhos de criação o são por
parentes de sangue, é mais freqüente a igualdade entre os verdadeiros e eles.
Mais instável é a situação de filhos de uniões precedentes, cuja criação, em
momentos de conflito, é “jogada na cara” da/o companheira/o que é a mãe ou
pai verdadeiro.
Outra questão diz respeito diretamente ao modelo de família social
adotado pela instituição focada na pesquisa. As famílias das Aldeias SOS são,
por estatuto, compostas por uma mãe social que deve ser solteira, viúva sem
filhos, ou cujos filhos sejam maiores de 18 anos e não vivam na Aldeia. Como
esse modelo de família é assimilado pelas mulheres e crianças que o
compõem?
15
Buscando uma noção positiva de pobres, como membros de uma
construção social que os produz e reproduz, que precisa de parte deles como
força de trabalho e que atribui a existência dos “excedentes” à sua
incapacidade de restringir o número de filhos - prática que floresceu no século
XX nas classes médias e abastadas em função de seus valores - perguntamo-
nos pela nossa história de cuidado com essas crianças.
Não cabe nos objetivos deste trabalho pesquisar a história da pobreza
no Brasil. No entanto, como a pobreza entre nós é a parte mais escura da
população, considero importante assinalar que esse processo se iniciou com as
atividades econômicas na colônia.
Pela carta de Pero Vaz de Caminha, certidão de nascimento do Brasil
colônia, sabemos que o clima, a quantidade de água e a exuberância da
vegetação propiciavam condições de abundância à população, e que nesta
vigorava apenas uma divisão sexual do trabalho, não havendo divisão social
entre trabalhadores cuja mão de obra fosse utilizada em benefício apenas de
alguns. Toda a comunidade repartia o fruto da pesca, caça e plantio da
mandioca.
Na metade do século XVI, quando se iniciam as plantações de cana nas
capitanias de São Vicente e Pernambuco houve uma tentativa, não muito bem
sucedida, de escravização de indígenas, bem como o início do tráfico de
escravos negros africanos. Dessa maneira, em nosso país, a história da
pobreza é a história da violência contra duas populações: os nativos da terra e
os escravizados em suas próprias origens, despojados de todos os direitos
humanos.
A história do abandono de crianças no Brasil, embora não coincida
exatamente com a história da pobreza (MESGRAVIS, 1975; MARCÌLIO,
VENÂNCIO, 1990; MARCÌLIO, 1998), permite compreender a história da
institucionalização de crianças.
Há registros ou relatos de abandono de bebês na história da
humanidade desde os tempos bíblicos, tendo este sido tolerado por muitas
culturas durante toda a antiguidade. Segundo Marcílio (1998), foi na metade do
século II DC, que Atenágoras, patriarca da Igreja Cristã, proibiu os cristãos de
expor seus filhos, pois isto equivalia a matá-los, mas não foram impostas
16
sansões para o ato de abandono. Entretanto, foi apenas no século XIII, em
1203, que, chocado com o número de bebês atirados no rio Tibre, o papa
Inocêncio III destinou o hospital de Santo Espírito, ao lado do Vaticano para
recolher a cuidar desses bebês. Um irmão franciscano francês, frei Guy de
Montpellier, instalou do lado de fora dos muros do hospital um dispositivo, com
um colchãozinho para colocar o recém-nascido, que rodava deixando-o do lado
de dentro do hospital. Essa foi a primeira Roda.
No Brasil, a partir de 1726, por ordem do rei de Portugal, as Santas
Casas de Misericórdia foram incumbidas pelo recolhimento dos bebês
abandonados, através da instalação das Rodas dos Expostos, a primeira sendo
instalada em Salvador. A Roda de São Paulo, instituída em 1825, foi a última a
ser desativada, em 1951.
As pesquisas sobre os expostos ou enjeitados, como eram denominadas as
crianças abandonadas logo ao nascer, nas soleiras das casas (BACELLAR,
2002) nas igrejas ou, quando havia na cidade, na Roda dos Expostos (DA
SILVA, 1997; MARCÍLIO, 1998; VENÂNCIO, 1999) apontam algumas das
hipóteses historiográficas para o abandono em geral, que seriam aplicáveis ao
Brasil:
a) Condenação social aos nascimentos ilegítimos
b) Miséria
c) Morte dos pais.
Em relação à primeira, Venâncio, (1999, p.86) apresenta a interpretação
do historiador inglês Russell-Wood, que estudou a história da Santa Casa de
Salvador. Segundo este, “o abandono decorria da dupla moral das famílias
brasileiras. Entre a população branca, o comportamento feminino austero era
regra imposta e fiscalizada. Uma mulher branca que assumisse filho ilegítimo
ficava sujeita à condenação social e familiar”.
Essa hipótese, embora seja cara às pesquisas focadas na questão de
gênero, não pode ser confirmada, conforme as analises de Venâncio. Quanto à
miséria, o cruzamento de dados de preços de alimentos de primeira
necessidade indica correlação positiva no Rio de Janeiro, mas não em
Salvador. A morte dos pais, dependendo do grau de pobreza, é a variável que
apresenta correlação positiva mais consistente.
17
A análise minuciosa de registros quantitativos dos livros das Santas
Casas, de dados qualitativos, na forma de bilhetes muitas vezes deixados com
os bebes, e registros de mães ou pais que buscavam seus filhos anos depois,
apesar da precariedade dos dados apontada pelo próprio autor, sustenta sua
conclusão:
“No Brasil antigo, o abandono de crianças dizia respeito
aos pobres, mas não a todos os pobres
indiscriminadamente. A maioria das famílias humildes
resistia a enviar o filho à Roda. Contudo, por ocasião da
morte dos parentes próximos, essa decisão não podia
ser protelada. A morte lançava os frágeis núcleos
domésticos em uma crise na qual o recurso à instituição
de caridade aparecia como única solução possível. Os
juristas, médicos e irmãos da Mesa raríssimas vezes se
deram conta dessa importante função de socorro aos
expostos. Mas o que escapou à sensibilidade da elite
instruída foi percebido pelo povo miúdo. Em Salvador do
século XIX, a Casa da Roda, foi popularmente conhecida
pelo nome de Pupileira ou Casa do Pupilo (Casa do
Órfão) numa clara alusão ao papel tutorial
desempenhado pela instituição”.(VENÂNCIO, 1999a,
p.94)
A existência da Roda dos Expostos, cujas características materiais
visavam em primeiro lugar manter o anonimato daquela que expunha seu
bebê, configura uma prática sustentada por discursos morais e religiosos, ou
seja, mediante o segredo desse ato o importante a se conservar era a honra
das famílias onde houvesse um nascimento fora do casamento, ou então
proteger de acusações morais o abandonante pobre e, secundariamente,
permitir que a criança fosse batizada. A sobrevivência era infreqüente e o
índice de mortalidade antes do primeiro ano chegava até a 90%.
Por outro lado, a sociedade como um todo era poupada da descoberta “a cada
manhã de frágeis corpinhos mutilados que serviam de pasto a cães e outros
bichos” segundo Venâncio (1999a, p.24), que descreve a instituição da Roda
18
como “cemitério de crianças”. Durante séculos, poucas foram as vozes a
denunciar o abandono, os maus tratos e, no caso de pardos ou negros, a
escravização dos poucos sobreviventes que por lei, seguindo o direito romano,
eram livres. A consciência cristã contentava-se, sem outras ações efetivas,
com a salvação das almas.
Oficialmente essa foi a primeira política pública em relação a crianças no
país.
O foco dos relatos e estatísticas de época no exposto e nas instituições
que o abrigavam, explica a pobreza de informações sobre as relações família-
instituição durante o período colonial e imperial. Essa fase que vai até o século
XIX é denominada como Caritativa por alguns autores (MARCÍLIO, 1998) e por
outros, como Filantrópica. (SILVA, 1998).
Considero que a denominação Caritativa, em contraste à posterior,
Filantrópica, descreve melhor as características distintas das duas, pois
durante todo esse período a Igreja foi, em nome da caridade cristã, a
responsável por buscar os meios, sempre escassos, para garantir a
sobrevivência dos expostos; ao mesmo tempo, poucas teorias foram
elaboradas sobre a identidade ou, na palavra mais empregada então, o caráter
das crianças expostas. O recolhimento dessas crianças, seu encaminhamento
para amas de leite e a posterior colocação foram, durante todo o período
citado, responsabilidade da Igreja Católica, regida pelas leis da caridade, que
viam na assistência aos pobres o caminho para a salvação, sintetizado no
ditado “quem dá aos pobres, empresta a Deus”. Pobre era, principalmente,
sinônimo de infeliz, desvalido, e raras são as afirmações em contrário.
O período seguinte, denominado Filantrópico (MARCÍLIO, 1998) ou
Filantrópico-Higienista (VENÂNCIO, 1999a) vai do final do século XIX
avançando pelo século XX até meados dos anos 20.
A filantropia nasceu nos Estados Unidos no final do século XIX, para
complementar ou remediar as insuficientes ações governamentais em relação
aos excluídos das imensas riquezas acumuladas pelos primeiros capitalistas.
Seus ideólogos incentivaram os doadores a aplicarem métodos científicos aos
problemas sociais.
19
O Brasil, nessa época, vive o início da imigração estrangeira e a criação
de sociedades científicas que trabalham principalmente no controle das
doenças epidêmicas. A atenção às crianças começa a ser pautada por idéias
científicas e o discurso médico torna-se predominante. Inspirados pelas idéias
de darwinistas sobre a evolução das espécies, discursos evolucionistas sobre a
sociedade e raças superiores somam-se a teorias sobre degenerescência e
hereditariedade de doenças.
Na Europa e nos Estados Unidos, o modo de produção capitalista
instalava-se com seus corolários, entre os quais “o dom da filantropia, (que)
pode ser encarado como uma categoria do capital, ligado ao seu próprio
processo de reprodução, ”legitimando” a imagem dos capitalistas que com
competência e oportunismo, criaram intensos processos de acumulação.”
(DUPAS, 2006)
No Brasil, os acontecimentos relevantes para mudanças de atitude em
relação aos filhos dos pobres ligam-se ao fim da escravidão, à queda da
monarquia e à hegemonia do modelo médico, como discursos importantes para
a produção de práticas socialmente aceitas de institucionalização. Já não se
tratava de salvar almas, mas de não desperdiçar mão-de-obra barata.
Entre 1849 e 1855, acontecimentos de distintas origens contribuíram
para a emergência de um projeto de política pública em favor dos menores
abandonados, inspirado na nova mentalidade filantrópica: a abolição do tráfico
de escravos deixou as elites temerosas de escassez de mão de obra, quer
doméstica, quer agrícola; epidemias de febre amarela e cólera deixaram uma
quantidade imensa de órfãos. Asilos de Educandos foram criados em quase
todas as províncias visando o ensino elementar, a educação cívica, e a
capacitação profissional das crianças.
As medidas higienistas elevaram a expectativa de vida dos recém-
nascidos criados pelas amas, e as críticas à falta de ensino e disciplina para
uma vida útil à sociedade desses expostos avolumavam-se.
O que denominaríamos, em linguagem atual, de características da
identidade de jovens adultos, dos sobreviventes da caridade da Roda é
descrito como “mão de obra bastante instável [...] meninos que iam e vinham
sem parar, trocando de residência e não se fixando em ocupação
20
alguma”.(VENÂNCIO, 1999a, p.152). As meninas, encorajadas pelas Santas
Casas, freqüentemente se casavam, mas também perambulavam; não havia
políticas para os enjeitados de ambos os sexos que chegavam à adolescência,
em situação que atualmente consideraríamos de “vulnerabilidade social”.
Visando melhorar a crônica deficiência de meios para exercer essas
tarefas, governos provinciais fazem acordos com a Igreja para a vinda das
primeiras irmãs de caridade, com destino a Salvador e Rio de Janeiro. Sua
ação deu resultados tão bons para o encaminhamento dos expostos após o
período de convivência com as amas de leite, que em pouco tempo as demais
províncias fizeram o mesmo, trazendo para o país irmãs de várias ordens.
Surgiram assim inúmeras instituições para meninas e meninos no país: Casa
dos Educandos Artífices, Instituto dos Menores Artesãos, Asilo para a Infância
Desvalida, Colônias Agrícolas Orphanológicas.
À caridade soma-se, nessa época, a ciência, buscando orientar para o
trabalho essas crianças que já então começam a ser adjetivadas como
delinqüentes, vadias, e futuros criminosos. A palavra menor, um adjetivo,
começa a se transformar em substantivo, criando a realidade social de duas
infâncias, em que o termo crianças passou a designar os filhos das famílias
abastadas, enquanto menores denomina especificamente a infância
desassistida.
Menor podia designar tanto uma criança abandonada ou órfã como uma
que, filha de trabalhadores urbanos vivendo em precárias condições, em
cortiços, passava os dias nas ruas, uma vez que pais e mães estavam
trabalhando.
O culto à ciência dá ao médico dessa época o lugar de cientista social,
participando de planejamento urbano, tornando-se analista de instituições,
transformando o hospital em “máquina de cura”, criando o hospício que
transforma o louco em doente mental e propondo novas formas institucionais
de atendimento ao menor.
Os internatos, segregando as crianças e adolescentes carentes e sem
família, aparecem explicitamente no Código Penal de 1890, que inclui em seus
artigos a premência de se criar instituições preventivo-correcionais. O
significado de prevenção nessas práticas é o de proteger a sociedade
21
abastada, que numa compreensão darwinista representa a vitória dos mais
aptos; assim, vai se confundindo com segregação e correção.
Segundo Marcílio (1998. p.208), “a filantropia visava preparar a criança
pobre e a abandonada para o trabalho. Mas buscava também valorizar a
família para prevenir a ociosidade, a prostituição, a mendicância e o crime, o
abandono do menor, a criança na rua. Com isso estava domesticando as
‘classes perigosas’”.
O discurso jurídico oficializa as construções do discurso médico;
poderíamos analisar as práticas geradas por ambas as linguagens como se
apoiando no pensamento médico ao buscar as “causas físicas e mentais”,
operando de acordo com o jurídico ao se ocupar das “conseqüências”, isto é, a
criminalidade.
A minoridade penal de 14 anos, no Código Penal do Império (1830),
torna-se de 9 anos, sob a compreensão de que a criança tornava-se infratora
por falhas de seus responsáveis, que não sabiam lhe dar educação adequada
que os livrasse dos ‘germes do crime’. A solução, portanto, seria afastar estes
menores da convivência com as pessoas perniciosas, oferecendo o quanto
antes uma “educação saudável em ambiente disciplinar e regenerador”
(MARCÍLIO, 1998, p.220). O ideário das instituições, que os mantinham
isolados, é descrito consistentemente como calcado na repressão e na
contenção. (VENÂNCIO, 1999b; SANTOS, 1999; MOURA 1999).
Com a urbanização e industrialização incipientes, os hábitos herdados
de séculos de trabalho escravo, onde liberdade era sinônimo de não trabalhar,
a ocupação dos espaços urbanos pelos garotos pobres com suas molecagens,
lutas, brincadeiras e pequenas transgressões, tornou-se oficialmente criminosa,
frente à lógica da produção capitalista. Os meninos das ruas tornaram-se
“meninos de rua”. (SANTOS, 1999, p.229)
Quanto à valorização das famílias, as práticas discursivas tinham em
geral como referência o modelo da família nuclear burguesa nascido na Europa
a partir do século XVIII. Utilizo a definição de Maria Ângela D’Incao (1989,
p.10).
“Por família burguesa entendemos aquela que nasceu
com a burguesia e que vai, em seguida, com o tempo,
22
caracterizar-se por certo conjunto de valores que são o
amor entre os cônjuges, a maternidade, o cultivo da
mãe como um ser especial e o pai como responsável
pelo bem estar e educação dos filhos, a presença do
amor pelas crianças e a compreensão delas como
seres em formação e necessitados, nas suas
dificuldades de crescimento, de amor e compreensão
dos pais”.
No Brasil, essas idéias encontraram uma sociedade onde as relações de
produção baseavam-se menos na exploração econômica característica do
capitalismo incipiente, e mais na dependência pessoal, característica do ethos
patriarcal da sociedade; segundo Almeida (1999, p.16), para analisar a família
no Brasil no século XIX é preciso “destrinchar o nó emaranhado entre a
influência da mentalidade burguesa que chegava de fora e as resistências e
adaptações praticadas em nome da mentalidade derivada das raízes rurais e
coloniais”.
As incongruências entre os antigos costumes e as novas propostas são
analisadas por Schwartz (1977), que as nomeia como “idéias fora do lugar” e
Costa (1983), que historia a influência das teses higienistas, e seu incentivo à
vida familiar. Segundo Almeida (1999, p.17), ambos autores apontam que
“muitas vezes às idéias modernas que nos chegavam eram agregados
“detalhes” considerados peculiares às nossas tradições, que transformavam a
modernidade dessas idéias em pura formalidade, embora fortemente carregada
de prestígio, como tudo que vinha de fora”.
Em relação ao objetivo dessa pesquisa, um “detalhe” importante é a
ambigüidade oficial em relação à Roda dos Expostos. Gonçalves (1987),
pesquisando a relação entre o discurso higienista e o da caridade cristã, aponta
que, entre nós, a Roda era vista como um mal menor, visando proteger a mãe
e o filho natural da opinião publica hostil, intolerante e inflexível. A autora
conclui que as novas idéias ora abraçavam os novos tempos, ora defendiam
um compromisso com o passado.
“O pensamento médico sobre a Roda dos Expostos, aqui
apresentado, indicou que, com relação ao abandono infantil,
23
reproduzia a velha ordem colonial. Nesse retorno, a mulher e
a família estavam preservadas. Provavelmente não se tratava
de defender a estrutura familiar da colônia. Mas sim, através
de uma atualização de papéis, eleger um perfil particular de
mulher, passiva e ingênua, direcionada ao casamento e à
maternidade. [...] De fato a produção médica sobre a Roda
esteve caracterizada pela ambigüidade, pela descontinuidade
do discurso (por um lado abrangente balizado pela ciência e,
por outro, restrito à religião), produzindo os dilemas e
impasses que davam sentido à formação social de então.”
(GONÇALVES, 1987, p.52)
Tais dilemas e impasses discursivos encontram-se presentes em
práticas opostas na educação das crianças e dos menores.
O cuidado com a infância das crianças burguesas é exemplificado pela
criação em 1902, em São Paulo, do primeiro Jardim da Infância, o
kindergarten, com primorosa arquitetura, atrás da Escola Normal da Praça. Sua
Criação foi inspirada em idéias da pedagogia alemã que propunha a educação
dos sentidos para “despertar o divino que existe no interior da alma humana”.
As descrições da época explicitam as metáforas em uso para o Jardim
da Infância:
“Dispersas ou agrupadas entre os canteiros, semelhavam
exuberantes flores tropicais debruçadas pelos caminhos. Ao
observá-las atentamente corrigia-se o erro de visão: são
borboletas ou passarinhos [...] Desde as primeiras horas do
dia, enquanto o sol paulistano preguiçosamente afastava as
cortinas de neblina para espiar o mundo cá fora, já garrulos
bandos de avesitas – todas uniformes nos seus aventaizinhos
pardos e cabecinhas azuis - enchiam de alarido e animação
as aléias que circundavam o vasto parque. Oh as criancinhas
do JARDIM! Que bonecas encantadoras! Rosadas pelo frio da
manhã, olhinhos cintilantes e vivos, boquinha sorridente,
vinham a correr em demanda de seu venturoso lar.
(MONARCHA, 1997, p.120)
24
Em relação à infância dos filhos dos pobres, Venâncio (1999b)
descrevendo as companhias de aprendizes marinheiros, instituídas no Brasil a
partir de 1840, apresenta um quadro onde a ambigüidade em relação à
infância, como período da vida necessitado de proteção e cuidados paternos, é
explícita. O recrutamento para a marinha incidia sobre três grupos: os
enjeitados das Casas da Roda, os enviados pela polícia e os matriculados
pelos pais ou tutores. Compara os números da Bahia em 1863, onde, entre 139
matriculados, 102 eram “voluntários”, isto é, enviados pelos responsáveis, que
além do enxoval gratuito para o recruta ganhavam um prêmio de cem mil reais.
Analisando a documentação desses meninos, o autor conclui que seu envio
para a Marinha “podia significar uma atitude de preocupação e desvelo
familiar, pois a referida instituição consistia em uma das pouquíssimas
alternativas de aprendizado profissional destinado à infância pobre”.(p.199)
Com o advento da guerra do Paraguai o recrutamento forçado
transformou em vagabundo qualquer menino que estivesse na rua, recolhendo-
o compulsoriamente, e a ausência de sobrenomes em numerosos casos
registrados nos arquivos, permite supor que houve uma preferência pelo envio
à guerra, dos filhos libertos de escravos.
Venâncio (1999b, p.208) resume esse período contrapondo à louvação
oficial dos “grandes almirantes” o fato de que “foram os garotos saídos das
ruas ou praticamente raptados das suas famílias, que de fato se expuseram
aos perigos das balas de metralhadoras e canhões”. E conclui afirmando que a
vida desses mártires anônimos ainda está à espera de investigações sobre a
dimensão da tradição do Estado brasileiro que faculta o acesso de crianças a
situações de conflito armado.
A cidade de São Paulo, que sofria rápidas transformações devidas ao
final do sistema escravista e à entrada maciça de mão-de-obra imigrante,
vendo crescer uma economia impulsionada pelas grandes lavouras de café,
conheceu uma explosão populacional sem precedentes na história do país.
Entretanto, o crescimento industrial e a explosão demográfica não foram
acompanhados de concomitante aumento de oferta de moradias e
equipamentos sociais. Santos (1999) estima que um terço da população
vivesse em cortiços.
25
Essa deterioração das condições sociais e os novos padrões de convívio
inerentes à urbanização não eram levados em consideração pelo discurso
oficial, que estabelecia a oposição do lazer ao trabalho e os associava ao
binômio crime-honestidade.
O trabalhador ideal era bem treinado e não politizado; o negro era
hostilizado como representante de um passado a esquecer, assim como os
imigrantes com idéias “nocivas” à ordem social. Os filhos dos excluídos
constituíam os menores, assim descritos:
“É extraordinário o número de meninos que vagam pelas ruas. Durante o
dia, encobrem o seu verdadeiro mister apregoando jornais, fazendo carretos;
uma vez, porém que anoitece, vão prestar auxílio eficaz aos gatunos...”
(SANTOS, 1999, p.219).
A solução preconizada era a pedagogia do trabalho. Os institutos
privados de recolhimento de menores voltados para o ensino profissional,
fossem religiosos ou ligados à indústria, relutavam em aceitar aqueles que
tivessem antecedentes criminais. Restou ao Estado criar uma instituição
pública para corrigir e recuperar os “jovens delinqüentes” que perambulavam
pelas ruas da cidade.
Em 1902 foram fundados um Instituto Disciplinar destinado aos
criminosos menores de 21 anos e a todos os mendigos, vadios, viciosos,
abandonados maiores de nove anos e menores de catorze, que ficariam
internos até completarem vinte e um anos, e uma Colônia Correcional, para o
enclausuramento e correção pelo trabalho dos vagabundos condenados pelo
Código Penal.
Encontramos nas descrições sobre a infância dos chamados menores,
nesse período, significados muito semelhantes àqueles da contemporaneidade,
em relação ao mesmo tema.
O período que se segue ao Filantrópico, denominado Assistencial, vai
até 1964 e é marcado pela promulgação do Código de Menores em 1927.
Caracteriza-se pela regulamentação pelo Poder Judiciário do Juizado de
Menores e outras instituições auxiliares que configuram o Estado como o
responsável legal pelos órfãos e abandonados.
26
À ideologia da Ordem e Progresso, cultuada na incipiente República e
presente em nossa bandeira, somam-se, no período inicial do século XX, as
teorias eugênicas da superioridade da raça branca. Em um país que foi o
último a abolir a escravidão no mundo ocidental, essas teorias legitimavam o
passado e desobrigavam do futuro, em relação aos negros. As teorias de
Lombroso da criminalidade nata e da degenerescência das raças condenavam
os pardos, e esse conjunto de discursos fundamentava uma legislação penal e
ações fortemente repressivas e policiais contra o menor infrator.
Em 1924, sob influência da primeira Declaração dos Direitos da Criança
(1923), foi criado no país o Juízo Privativo de Menores Abandonados e
Delinqüentes. Embora se vislumbrasse uma atitude em relação à criança como
sujeito de Direito, notamos que Abandonados e Delinqüentes continuam a estar
junto, o que fortalece as políticas correcionais em detrimento à proteção.
A criação do Código de Menores em 1927 mantém e legisla sobre a
infância pobre, a dos menores.
Exemplo desse discurso em política assistencial do Estado, na primeira
metade do século XX, é relatado por Correa (1997, p.81) descrevendo A
Cidade dos Menores, como uma utopia dos anos 30. A autora cita Leonídio
Ribeiro, fundador do Laboratório de Biologia Infantil, que ostentava como
principais títulos os de professor nas Faculdades de Medicina e Direito do Rio
de Janeiro, fundador do Laboratório de Antropologia Criminal e ganhador do
prêmio Lombroso de 1933. Ribeiro apresentava este laboratório como
“destinado a realizar o estudo completo sob o ponto de vista médico e
antropológico, dos menores abandonados e delinqüentes, especialmente com
o fim de apurar as causas físicas e mentais da criminalidade infantil no Brasil”.
Ao mesmo tempo, a infância vista como idade de ouro da higiene mental
confere às mães maior responsabilidade pela educação higiênica. O papel da
mulher na prevenção do crime é reafirmado por Ribeiro (apud Correia, 1997):
“É na primeira infância, ou na puberdade, que se revelam as primeiras
tendências para as atitudes anti-sociais, que se concretizam e agravam
progressivamente, sob a influência geral do ambiente”. Existem, na criança, os
chamados sinais de alarme de tais predisposições e tendências ao crime,
sinais que podem ser de natureza morfológica, funcional ou psíquica.
27
Especialmente sobre estes últimos e que devem estar vigilantes todas as
mães, sabido que as crianças perversas, rebeldes, violentas, impulsivas,
indiferentes e desatentas são principalmente as que precisam receber cuidados
especiais para não se tornarem afinal, elementos perigosos para a sociedade.
Esse discurso perpassa a história da psicologia e da pedagogia entre
nós. A psicologia escolar foi até recentemente, e ainda o é, em certos
ambientes, pautada pelo modelo clínico da patologia e a “criança problema”
tem sido seu objeto de estudo e intervenção. Por outro lado, se às mães cabe a
vigilância contínua, sua culpabilização tem sido a tônica de toda uma geração
de profissionais da área educacional e da clínica psicológica infantil,
configurando o que Di Loreto (2004) denomina “furor-anti-mãe”.
Se esse panorama foi dominante e ainda persiste nas práticas exercidas
com crianças, isto é, com os filhos da classe média, ele é exacerbado nas
políticas públicas que norteiam a assistência aos filhos dos pobres – os
menores.
Nenhuma das pesquisas que recuperam dados sobre a história da
institucionalização de crianças pode encontrar as vozes das famílias, a não ser
nos bilhetes de mães que acompanhavam algumas crianças deixadas na
Roda.
Mudam as instituições, criam-se novos órgãos, mas a linguagem que
descreve os menores e suas famílias atualiza, implícita ou explicitamente, as
vozes do “tempo longo” (SPINK, 2000), de uma cultura que, de salvadora das
almas de sua crianças desassistidas, passou a preocupar-se com sua utilidade
como força de trabalho, mas não com um projeto de vida que lhes oferecesse,
sobre si mesmas e suas origens, narrativas positivas aos olhos dessa mesma
cultura.
Durante mais de 400 anos de história de assistência a crianças, não se
encontram nas instituições, públicas, particulares, leigas ou religiosas, ações
que visem um efetivo cuidado com as famílias ou a prevenção do abandono.
“Erguem-se nos arredores das cidades, instituições totais de abrigo,
proteção, educação e capacitação da infância sem-família e da adolescência
delinqüente. Isolar e internar, para depois devolver à sociedade a criança ou o
adolescente, regenerados, treinados e então “úteis a si e à Nação”, essa foi a
28
política seguida na republica dos fazendeiros – até recentemente.” (MARCÍLIO,
1998, p.309)
Abandono constituiu-se como categoria genérica para todos os casos de
entrega de bebês, e sua autoria foi desde sempre atribuída às mães. Esse
discurso não distingue as mães que entregam seus filhos para a adoção ou
procuram voluntariamente uma instituição que possa abrigá-los em um
momento em que não possam contar com outros recursos da rede. (MOTTA,
2001; VENÂNCIO, 1999a)
Silva (1998, p.56) problematiza a noção genérica de Abandono, quando
afirma que:
“O abandono é um status da pessoa que precisa ser
convenientemente conceituado para que daí se deduzam as
demais relações de direito [...] O abandono de fato é objetivo e
se caracteriza pela simples constatação de sua materialidade.
Pode ser abandono material, moral ou intelectual; [...] o
abandono jurídico é subjetivo e o abandonado não dispõe do
direito subjetivo a alimentos por faltar o sujeito passivo da
obrigação alimentar. A tese recebe comprovação pelo fato de
que não podem coexistir as duas formas de abandono.”
Silva pesquisou a formação da identidade criminal em crianças órfãs e
abandonadas, a partir de sua própria experiência de criança considerada
abandonada, que até os 16 anos, sempre que alguém perguntava quem eram
os pais, invariavelmente respondia: o Governo.”(SILVA, 1998, p.11)
O autor designa como filhos do Governo um universo de meninos e
meninas que receberam, entre 1964 e 1990, uma sentença de abandono, com
destituição dos pais e sentença definitiva de internação até os 18 anos. Mostra
o abandono moral e intelectual em que viveram e documenta o processo de
criminalização de crianças e adolescentes sob a tutela do Estado.
Silva nomeia como fase Institucional, o período que vai de 1964 a 1990,
onde o discurso hegemônico é a Doutrina da Segurança Nacional, quando o
país é governado por uma ditadura militar, até 1984, e inicia o processo de
redemocratização com o primeiro presidente civil ainda eleito por voto indireto.
Nesse período foram criadas a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor -
29
FUNABEM, e as unidades estaduais denominadas Fundação Estadual do Bem
Estar do Menor - FEBEM.
O grupo analisado por Silva é constituído por pessoas nascidas entre
1940 e 1968. Os nascidos até 1951 são remanescentes da última Casa da
Roda no Brasil, situada na cidade de São Paulo. Para compreender a ação de
instituições atuais, baseadas em pressupostos distintos, não podemos deixar
de lado a história das relações família-pobreza-criança-instituição, pois
legislações só se tornam efetivas quando as vozes oficiais que as promulgam
ecoam vozes sociais de grupos com poder político e respondem a anseios
populares.
Marin (1999) descreve a velha FEBEM, isto é, antes do Educandário
Sampaio Viana, Unidade de Triagem e antiga Roda, ser desvinculado e passar
diretamente à Secretaria do Bem Estar Social. Sua pesquisa foi iniciada em
1979, portanto com crianças nascidas vinte anos depois de Roberto da Silva,
que ingressou no Sampaio Viana em 1963, com cinco anos.
Nas palavras da autora o que caracteriza a instituição:
“Crianças massificadas pela rotina de atendimento, sem
nome, sem objetos próprios, sem cama, sem roupa, sem sexo,
sem história. Seu passado, muitas vezes, incógnito;
companheiros de toda hora: o abandono e a rejeição. Seu
presente, ditado pela organização rígida de horários e tarefas
a cumprir, de acordo com a função das pessoas que delas se
ocupam. Seu futuro, o de provável delinqüente, o de marginal,
sem dúvida. Eis uma velha e repetida história
brasileira”.(MARIN, 1999, p.56)
Atualmente o cotidiano da FEBEM está presente na mídia,
principalmente por notícias de ilegalidades cometidas contra os internos, fugas
e rebeliões. Como instituição ela ainda não encontrou um caminho para a
ressocialização, que seria uma proposta mais condizente com a legislação
atual em relação aos direitos da criança e do adolescente.
Koerner (2002, p.75) analisando as posições doutrinárias sobre o direito
de família, descreve a ambigüidade que sempre pautou o sistema jurídico no
Brasil, dadas as peculiaridades da nossa formação social. “A prática judicial se
30
caracterizava como prudencial e conservadora, em virtude das contradições do
sistema jurídico que resultavam da escravidão, mas também da forma de
organização política, social e do sistema moral”.
Essas incongruências permitiram que as relações concretas
penetrassem no mundo oficial, construindo uma sociedade onde leis elásticas
se ajustavam principalmente às questões de dinheiro. As leis vigentes na
colônia, outorgadas na primeira Constituição de 1824 ou nas sucessivas
reformas constitucionais, foram sempre fundamentalmente patrimonialistas.
Como exemplo, a orfandade era considerada em relação à perda do pai e não
da mãe, pois no primeiro caso deveria ser nomeado um tutor para gerir a
herança dos filhos.
A Constituição de 1988 pela primeira vez privilegia o cuidado com o
indivíduo, em especial com a criança, e em seu artigo nº 227 trata dos direitos
fundamentais da pessoa, entre estes, os da criança. A lei nº 8069 que
regulamenta esse artigo foi sancionada em 13 de julho de 1990, é conhecida
como Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, constituindo desde então o
discurso oficial sobre os direitos da criança e do adolescente, e inaugurando a
fase nomeada como de Desinstitucionalização. (SILVA, 1998)
Do ponto de vista das políticas em relação à criança, o ECA, pela
primeira vez na história do Brasil, olha para a criança e seu sistema mínimo de
proteção e pertencimento – a família.
O capítulo III, em seu primeiro artigo, de número 19, prescreve: “Toda
criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio da sua
família e excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes
de substâncias entorpecentes”.
Os artigos subseqüentes prescrevem a igualdade de direitos para filhos
havidos no casamento, ou fora, e por adoção; a igualdade de condições de
exercício de pátrio poder, pelo pai e pela mãe, e o dever dos pais em relação
ao sustento, guarda e educação dos filhos menores. Indicam as situações de
intervenção do poder judicial que resultam na separação da criança de seus
pais.
31
O capítulo IV, em seu primeiro artigo, de número 25, define a família
natural como a comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles e seus
descendentes. O capítulo V define a família substituta e as situações de
guarda, tutela ou adoção, que levarão em conta, sempre que possível, a
opinião da criança e do adolescente, o grau de parentesco, afinidade ou
afetividade, a fim de minorar as conseqüências decorrentes da medida.
Resumindo: estão implícitos nestes artigos a valorização da família
biológica, denominada natural; o reconhecimento da chamada família
uniparental e a crença de que a separação da criança ou do adolescente dessa
família tem conseqüências negativas que devem ser minoradas.
O ECA, fruto da Constituição de 88, chamada de Constituição Cidadã,
surge em um momento em que as vozes sociais, que se levantaram contra o
autoritarismo, haviam se tornado fortes o suficiente para, dentro do próprio
sistema autoritário apresentarem um candidato alternativo ao escolhido pelo
regime militar, e ainda no período de transição para a eleição direta para a
presidência, elegerem um Congresso transformado em Assembléia Nacional
Constituinte.
Acompanhar a história das idéias adotando uma perspectiva
construcionista implica em contextualizar as práticas discursivas e as ações a
elas associadas no conjunto dos discursos disponíveis.
Esse discurso pró-família tem um contexto de produção e como todo
saber gerado no interior de um grupo profissional configura um discurso cujo
poder está mais ligado ao contexto de sua produção do que à sua condição de
verdade.
Segundo Iñiguez (2004, p.94) “o discurso é uma prática articulada com
outras práticas também emolduradas na ordem da capacidade discursiva.
Discursos relacionados com outros discursos que se retroalimentam,
interpelam, interrogam; discursos produtores e solapadores de outros
discursos; que se transformam, mas aos que é também possível transformar”.
Nas últimas décadas, movimentos e instituições, principalmente desde a
vigência do ECA, vêm contribuindo para desconstruir o discurso da mãe
abandonante, promovendo adoções abertas, auxílio psicológico e econômico a
32
famílias de crianças abrigadas; enfim, buscando tornar socialmente aceitas as
várias possibilidades de redes de proteção à criança e ao adolescente.
Seguir essa trajetória em uma abordagem que privilegia a comunicação
humana, ou seja, os processos conversacionais que possibilitam a produção de
sentido sobre o mundo em que vivemos, oferece elementos para a
compreensão dos enunciados atuais nesse campo, uma vez que, segundo
Bakhtin (1997), a produção de significado está sempre relacionada com um
antes e um depois, é um elo em uma corrente maior de sentidos. Além da
relação entre pessoas em uma interação, que ele nomeia como dialogismo
entre interlocutores, há um dialogismo entre discursos, que se refere à relação
que os discursos estabelecem entre si.
As Aldeias Infantis SOS do Brasil, que abrigam crianças em casas-lares
até a idade de 18 anos, oferecendo uma família substituta, configuram uma
instituição sem uniformes, sem enormes dormitórios em alas separadas para
meninos e meninas, sem refeitórios comuns nem horário único para apagar as
luzes. Segundo seu fundador, Herman Gmeiner, “as crianças perderam a
família, não a sociedade” e não devem ser segregadas. Devem freqüentar os
equipamentos do bairro e quando a Aldeia possui uma Creche ou Centro de
Jovens, este é aberto a toda a comunidade vizinha.
Sendo um projeto idealizado no pós-guerra da Europa, para prover
famílias para crianças que haviam perdido seus pais, e filhos para mães que
haviam perdido os seus, ao inaugurar sua primeira unidade no Brasil em 1967,
bem antes do ECA, em plena era de fundação da FEBEM, oferecia uma prática
inovadora, que necessitava se aclimatar ao novo solo.
A Aldeia SOS do Rio Bonito, São Paulo, onde foram criados os
participantes desta pesquisa, hoje jovens adultos, foi inaugurada em 1982.
Em um país com nossa história, de famílias abandonadas pelas
instituições e de instituições que repetidamente forjaram para suas crianças um
futuro, se não de delinqüentes, sem dúvida, de marginais, que identidades
estão sendo possíveis a jovens adultos criados na Família SOS, uma família
institucional?
33
II - Identidade e Self
“Tratando-se de fenômenos humanos, não há
temas irrelevantes, apenas problemas mal
colocados”
István Jancsó
Ao escolher identidade como categoria, mais do que um levantamento
bibliográfico, entendo ser necessário pesquisar seus usos, equivale dizer,
significados, nas diferentes disciplinas, circunscrever a abrangência do
conceito nesta pesquisa de modo que seja possível reconhecer suas
dimensões nos relatos dos entrevistados.
O objetivo desta pesquisa é investigar os sentidos atribuídos por jovens
adultos, criados na Aldeia Infantil SOS - Brasil de Rio Bonito (São Paulo), às
relações destes com a rede significativa de adultos participantes do processo
de sua criação, até a maioridade, na instituição, como constitutivas de sua
identidade.
Compreendendo a identidade como processo, o foco está no presente
do jovem adulto, isto é, um jovem que atingiu a maioridade legal, em situação
onde o ritual de passagem principal se dá pela saída da condição de tutelado
pelo Estado, confiado a uma instituição.
O universo cultural do qual ele emerge é povoado por discursos, como o
jurídico, por práticas discursivas (SPINK, 2000) que explicitam as premissas da
instituição, mas também as crenças e valores dos responsáveis pela realização
do projeto específico de Aldeia SOS, no período em que lá viveu parte de sua
infância e construiu noções sobre si mesmo.
Seu repertório para se descrever compreende desde as narrativas
ouvidas sobre sua entrada na instituição: com que idade entrou, se chegou
junto com irmãos, ou não, quais histórias sobre a família de origem levou, como
essas histórias foram mantidas, negadas ou ressignificadas pelos adultos
responsáveis pelo seu desenvolvimento na instituição, os vocabulários sobre si
mesmo que estes lhe ensinaram e quais vocabulários ele aceitou, modificou ou
rechaçou.
O universo cultural no qual vai viver será povoado por outros discursos,
como o do risco e vulnerabilidade, conceitos e preconceitos sobre crianças e
34
jovens institucionalizados – os menores, com repertórios interpretativos, assim
como crenças e valores, distintos.
Importa então explicitar como identidade está sendo entendida neste
estudo, e quais as idéias de self narrativo, presentes em teorias
contemporâneas sobre a construção do si mesmo.
Encontramos identidade, como metáfora, em muitos saberes, incluído
nestes o senso comum como “uma pergunta aparentemente simples”
(CIAMPA, 2004, p.58) feita com freqüência sob a forma de “quem é você?”. Ou
“quem sou eu?”. O autor prossegue perguntando: “Sua resposta torna possível
você se mostrar ao outro e ao mesmo tempo se reconhecer, de forma total e
transparente, de modo a não haver nenhuma dúvida, nenhum segredo a seu
respeito? Sua resposta produz um conhecimento que o torna perfeitamente
previsível?” Respondendo negativamente a essas perguntas do senso comum,
o autor caminha para as diversas dimensões de identidade quando entendida
como “o produto de um permanente processo de identificação, como um dar-
se constante que expressa o movimento do social”.
Esse caminho nos leva necessariamente a alguma compreensão
dinâmica, sugerindo que ao falar de identidade estaríamos apresentando uma
foto, ou melhor, um fotograma de um filme que se desenrola do nascimento à
morte de cada pessoa, fotograma que tem um cenário, outros atores,
eventualmente grupos em primeiro plano contra o fundo da rede social em
movimento.
Entretanto, entre todas as respostas possíveis, é mais comum encontrar-
se em práticas discursivas e em textos sem pretensão científica, noções de
identidade com um viés individualista, significando uma qualidade psicológica,
algo que as pessoas têm ou deveriam ter, mudam devida ou indevidamente,
buscam, alcançam, uma espécie de posse sujeita a crises, e até à perda.
O conceito de identidade com significados psicológicos entrou para o
vocabulário leigo principalmente devido à vulgarização das idéias de Erik
Erikson (1976, p.17) sobre a Crise de Identidade da adolescência. O próprio
autor do conceito já apontava para a reificação dessa noção ao perguntar:
“Atuariam alguns de nossos jovens de um modo tão manifestamente confuso e
35
gerador de confusão, se eles não soubessem que estão supostamente
passando por uma crise de identidade?”.
Identidade, quando apresentada por Erikson, foi considerada uma
ampliação da psicanálise e uma ferramenta útil para a psicologia da educação,
ao descrever as aquisições esperadas em cada etapa do desenvolvimento,
além de abordar o desenvolvimento adulto, para além das “transformações da
puberdade” da teoria da sexualidade de Freud.
Alguns elementos desenvolvidos na teoria apontam para uma
compreensão relacional e processual da constituição do self implícita:
1 - na afirmação de “um processo de reflexão e observação simultâneas,
um processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, pelo
qual o indivíduo se julga a si mesmo à luz daquilo que percebe ser a maneira
como os outros o julgam, em comparação com eles próprios e com uma
tipologia significativa para eles”, enquanto faz o mesmo com esse julgamento
em relação com o que se tornou importante para si próprio;
2 - na noção de um processo em evolução “à medida que o indivíduo
ganha consciência de um círculo em constante ampliação, de outros que são
significativos para ele desde a pessoa materna até a Humanidade”.
Identidade, portanto, é tratada como um processo tanto no âmago do
indivíduo como no “núcleo central da sua cultura coletiva” (ERIKSON, 1976,
p.21).
Entretanto, na formulação de Erikson, idéias de mundo interno,
internalização de aspectos culturais, externalizações de processos internos,
são descrições que não questionam a noção moderna de individuo. A
importância atribuída à relação não modifica a concepção de duas unidades
separadas constituídas com seus sistemas de significados e modos de agir,
que posteriormente se encontram. Suas descrições mantém a dicotomia
indivíduo-sociedade, que permeou a sociologia e a psicologia dos primeiros 70
anos do século XX.
Nos anos 80, tanto as teorizações feministas quanto a proposta de uma
compreensão relacional para o desenvolvimento humano, a partir da
constituição do campo da terapia familiar sistêmica, ofereceram críticas às
teorizações de Erikson. Essas críticas dirigem-se também às noções de self
36
associadas às definições de identidade e crise de identidade, que apontavam
para a construção de um si-mesmo estável, como característica do adulto
saudável. (CARTER, McGOLDRICK, 1999; HOFFMANN, 1993; SLUGOSKI e
GINSBURG, 1989).
É importante notar que as próprias teorias do self desenvolvidas
principalmente por Kohut (1982) e Kernberg (1976) fazem parte de teorizações
da psicanálise americana, especificamente da Psicologia do Ego, (HARTMAN,
1961), que oferece uma teoria funcionalista de adaptação ao meio social como
ideal de sanidade psíquica: estabilidade seria a característica deste adulto
saudável. Segundo Maldonado (1999, p.33), Bowen (1990), “um dos poucos
que levaram em conta, na terapia familiar, os conceitos de self, importou seu
conceito da corrente mais pobre da psicanálise, ou seja, a orientação norte-
americana da psicologia do ego”.
Correntes européias freudianas ou pós-freudianas de psicanálise não
utilizam os conceitos de self e de identidade. Buscando as origens do conceito
na obra de Freud, notamos que a palavra identidade aparece raramente,
sempre como sinônima de idêntico, referindo-se, por exemplo, a “identidade de
pensamento”, “identidade de sensação”.
O processo de identificação, considerado como o mais primitivo modo de
se relacionar refere a “ser igual ao outro”. Nas obras teóricas não vamos
encontrar identidade como parte do aparato conceitual; entretanto, em uma
descrição de si mesmo e sua relação com o judaísmo, Freud escreveu: “o que
me vincula ao judaísmo não é a fé nem o orgulho nacional, pois sempre fui
ateu e fui criado sem qualquer religião, embora no respeito pelos chamados
valores éticos da civilização humana [...], mas muitas outras coisas
permanecem à tona para tornar irresistível a atração do judaísmo e dos judeus
– muitas forças emocionais obscuras tanto mais poderosas quanto menos
podiam ser expressas em palavras, assim como uma nítida consciência de
identidade íntima, a segura intimidade de uma construção mental comum”.
(FREUD, 1976, p.273)
Essa afirmação liga identidade a pertencimento, ao que é definido em
sociologia como Identidade-Nós (ELIAS, 1994) e contém a idéia de
construções culturais compartilhadas, aspecto enfatizado também na
37
antropologia (OLIVEIRA, 1976), conferindo à noção qualidade processual e
relacional.
Lopes (2002) faz um levantamento do que denomina pré-história do
conceito de Identidade no ocidente, em artigo que se propõe a pensar a
categoria e sua utilização na Psicologia Social, (o que)
“implica a necessidade de rever alguns pressupostos
epistemológicos. A concepção surge simultaneamente na
Antropologia e na Psicologia, como “corpus” teóricos que
emergem num determinado momento histórico, com respostas
diferenciadas à problemática do agir humano. O
desenvolvimento da categoria foi caracterizado por
aproximações e distinções irregulares entre as ciências
humanas e sociais, visando demarcar campos de saber que
hoje não se sustentam isoladamente.” (LOPES, 2002, p.1)
Suas origens estariam nas noções de pessoa, desde os romanos,
passando pela cristandade, firmando-se durante séculos como designação de
um ser estruturalmente o mesmo, na sua dualidade corpo e alma, consciência
e ação. Nos séculos XVII e XVIII, novas idéias religiosas sobre questões como
liberdade e consciência individual, levam a noção de pessoa a firmar-se como
Eu e este é sinônimo de consciência. Ao mesmo tempo, uma ênfase na
racionalidade despreza a irracionalidade do eu ocidental, que será levada em
conta nos discursos da psicanálise ao destituírem a consciência do lugar de
sinônimo de Eu, relegando-a a uma instância premida por injunções
contraditórias, dos desejos pulsionais –o Id, e das restrições da vida social,
constitutivas do si mesmo ou self, via a palavra dos pais, o Super-Ego.
A consciência, em Freud, não é mais uma qualidade inerente à pessoa.
Em O Ego e o Id, argumenta que a pergunta – “Como uma coisa se torna
consciente, seria mais vantajosamente enunciada: Como uma coisa se torna
pré-consciente? E a resposta seria: Vinculando-se às representações verbais
que lhe são correspondentes. [...] Em essência, uma palavra é, em última
análise, o resíduo mnêmico de uma palavra que foi ouvida (grifo
meu)”.(FREUD, 1976, p. 33-34)
38
Nesta frase estão condensados os rudimentos de uma teoria da
constituição social dos significados, em linguagem e na relação. Não se trata
mais de um eu moral universal, mas de um eu singular, histórico, psicológico. A
história do conceito de identidade na psicologia vai ser a das vicissitudes desse
Eu e seus constrangimentos, segundo várias teorias, como foi acima apontado.
A partir dos anos sessenta, com o surgimento do que tem sido nomeado
como Novos Movimentos Sociais (SANTOS, 2000), identidade, como o que
caracteriza um grupo (idade, sexo, raça, etnia), tem sido mais freqüentemente
empregada em discursos dos campos da sociologia, antropologia e política, e
na psicologia, menos em discursos sobre a clínica e mais em psicologia social.
O que traz essa categoria para o centro de discussões contemporâneas,
tanto na sociologia como na antropologia, assim como novamente na
psicologia, via psicologia social?
Como afirma Morin (1994, p.161) “É sabido que a história das ciências é
feita por migrações de conceitos, isto é, literalmente de metáforas. Os
conceitos migram e é melhor que o façam, às claras, que não o façam
clandestinamente”. Essa afirmação, afinada com os pressupostos do
construcionismo social, dá às teorias o lugar de construções sociais, com
história e geografia, e principalmente família de origem com maior ou menor
prestígio na categoria de ciência. Sob esse ponto de vista não procuramos a
verdade de uma teoria, em termos de representação verdadeira da realidade,
mas perguntamos quão útil para os propósitos de uma descrição é esta ou
aquela metáfora. Que categorias ela permite criar? Que mundos essas
categorias constroem? Que lugares têm os indivíduos nesses mundos?
Quando abrimos as malas etiquetadas como Identidade, não
encontramos migração de uma área do conhecimento para outra, que deveria
ser sujeita a uma verificação sobre quais as mudanças de seu significado no
novo discurso, mas de um caminhar com as questões que os distintos pontos
de vista característicos das várias ciências humanas e sociais querem ver
respondidas com as perguntas “Quem sou eu?”, “Quem é você?”.
Os diferentes usos da noção de identidade acompanham os enfoques
predominantes sobre a subjetividade desde a separação da filosofia da religião,
39
e posteriormente, dos diferentes discursos sobre o homem, presentes nas
disciplinas com esta filiação.
Tomo emprestada a bela metáfora do Jogo de Espelhos, título da tese
de doutorado da antropóloga Sylvia Caiuby Novaes (1993). A autora afirma que
ao tentar apreender o que leva diferentes autores a produzirem diferentes
textos sobre uma mesma sociedade, abre-se para ela uma oportunidade de se
situar não só perante esses autores, como entender porque eles, num certo
sentido funcionam como um espelho para seu próprio trabalho. Por sua vez ao
pesquisar como um grupo (no caso uma etnia indígena do Brasil) se vê,
também o faz na complexidade das múltiplas imagens.
“Tomar o espelho como metáfora que permite a compreensão da auto-
imagem de uma sociedade (ou de um grupo social) é procurar enveredar pelos
processos de reflexão e especulação que ela elabora sobre si, a que o próprio
termo induz. [...] (O) objetivo é entender a auto-imagem de uma sociedade a
partir de suas determinações históricas e sociais [...] No jogo de espelhos, cada
imagem refletida corresponde a uma possibilidade de atuação. A avaliação
desta atuação pelo grupo leva à formação de uma nova imagem, que, por sua
vez, possibilitará uma nova ação” (NOVAES, 1993, p.109).
Jogando o jogo de espelhos entre a literatura como espelho e a auto-
imagem através do jogo de espelhos, a autora expõe o processo
caleidoscópico de construir um objeto de pesquisa.
Minhas escolhas teóricas, para análise das respostas à pergunta que me
interessa: “Quem é você, jovem adulto, criado na Aldeia SOS do Rio Bonito?”,
refletem em quais espelhos busquei imagens de sociedade e indivíduo, onde a
primeira se produz ao produzir os segundos que, por sua vez, a (re) produzem.
O sociólogo Norbert Elias (1994) problematiza o hábito de, ao
pensarmos em sociedade, freqüentemente fazê-lo como se esta fosse
composta por adultos.
É como se as pessoas crescidas, ao pensarem em suas origens,
perdessem involuntariamente de vista o fato de elas mesmas,
assim como todos os adultos terem vindo ao mundo como crianças
pequenas. [...] Desde que permaneçamos dentro do âmbito da
experiência, somos obrigados a reconhecer que o ser humano
40
singular é gerado e partejado por outros seres humanos. Quaisquer
que tenham sido os ancestrais da humanidade, o que vemos, até
onde nos é possível divisar no passado, é uma cadeia ininterrupta
de pais e filhos, os quais, por sua vez se tornam pais. [...] Uma das
condições fundamentais da existência humana é a presença
simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas. E, se para
simbolizar a própria auto-imagem, precisamos de um mito de
origem, parece chegada a hora de revermos o mito tradicional: no
começo, diríamos, havia não uma única pessoa, mas diversas
pessoas que viviam juntas, causavam-se prazer e dor, assim como
fazemos hoje, vinham à luz umas através das outras e legavam
umas às outras, como nós, uma unidade social, grande ou
pequena.”(ELIAS, 1994, p. 26-27).
Essa formulação explicita o título do livro: A Sociedade dos Indivíduos.
Desconstruindo a antinomia presente nos estudos que afirmam como
primário, importante ou como o que realmente existe, ora o indivíduo, ora a
sociedade, Elias oferece um modelo conceitual que permite compreender de
que modo um número de indivíduos compõe entre si “algo maior e diferente de
uma coleção de indivíduos isolados: como é que eles formam uma “sociedade”
e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras específicas,
ter uma história que segue um curso não pretendido nem planejado por
qualquer dos indivíduos que a compõem”. (p.16)
O autor rastreia a origem de conceitos como individual e social, isto é,
como se tornaram meios lingüísticos disponíveis para categorizar. Aponta o
uso contemporâneo do conceito de indivíduo, significando a idéia de que todo
ser humano é ou deve ser uma unidade autônoma, diferente de todas as
demais. A essa ênfase na singularidade e diferença, Elias denomina
identidade-eu. Afirma que “é característico da estrutura das sociedades mais
desenvolvidas de nossa época, que as diferenças entre as pessoas, sua
identidade-eu, sejam mais altamente valorizadas do que aquilo que elas têm
em comum, sua identidade-nós”. (p.130)
O autor aponta para uma característica humana, que “é a disposição
biológica de todas as crianças a aprenderem um tipo de comunicação que não
41
interliga a espécie inteira, mas possivelmente apenas grupos isolados, e [...]
constitui uma invenção singularíssima da evolução biológica”. (p.142)
A cultura, como parte da biologia do fenômeno social (MATURANA,
1999) é definida como uma rede cerrada de conversações, isto é, de modos
aprendidos e compartilhados de emocionar e linguajear.
Ainda segundo Elias, a identidade eu-nós, é parte integrante do habitus
social de uma pessoa, entendendo-se habitus, como a escrita social, que é
oferecida a cada membro de uma sociedade, que exercitará sua grafia pessoal.
Poderíamos dizer que é como se cada membro de uma sociedade carregasse
o DNA social, o que torna enganador o uso de termos indivíduo e sociedade,
como referência a dois objetos distintos. Quanto mais complexa a sociedade,
mais complexo seu DNA e mais variantes individuais possíveis em seus
membros.
Essa identidade eu-nós é a resposta à pergunta “Quem sou eu?” como
ser social e individual. Tanto as construções do sociólogo Elias quanto as do
biólogo Maturana apresentam perspectivas inovadoras para a compreensão
das relações que acontecem nos grupos humanos, mais abrangentes que
aquelas tradicionais das suas disciplinas.
O sociólogo Manuel Castells (1999b) descreve a organização das
sociedades, categorizando seus processos como estruturados por relações
historicamente determinadas de produção, experiência e poder. As primeiras,
de produção, referem-se à ação humana sobre a natureza para transformá-la,
obtendo produtos em parte consumidos (com distribuição não regular) e em
parte acumulados para investimento conforme objetivos socialmente
construídos. Por experiência entende “a ação dos sujeitos humanos sobre si
mesmos, determinada pela interação entre as identidades biológicas e culturais
em relação a seus ambientes sociais e naturais”.(1999a, p.33). Constitui-se
pela busca de satisfação de necessidades e desejos humanos. Denomina
poder à relação entre humanos que impõem sua vontade sobre outros, com
base na produção e na experiência. Essa imposição pode se dar pelo emprego
potencial ou real de força física ou simbólica.
42
A comunicação simbólica e o relacionamento com a natureza com base
nos modos de produção e consumo, experiência e poder, cristalizam-se ao
longo da história, territorialmente, gerando culturas e identidades coletivas.
Segundo Castells, identidade é “o processo de construção de
significado com base em um atributo cultural, ou ainda, um conjunto de
atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado. Para um indivíduo ou ainda um ator coletivo pode haver
identidades múltiplas.” (1999b, p.22) O autor enfatiza a possibilidade dessa
pluralidade ser fonte de tensão e contradição tanto na auto-descrição como na
ação.
Do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A
principal questão então é: como, a partir de quê, por quem e para quê isto
acontece. É um conceito que traz implícita a relação entre múltiplos discursos.
Em uma perspectiva construcionista essas questões podem ser
compreendidas como: construídas através de quais práticas discursivas,
sustentadas por quais discursos, de quais vozes sociais, para gerar quais
ações.
A centralidade da linguagem nas discussões sobre os fundamentos da
ciência é conhecida como “virada lingüística” ou “giro lingüístico”, que ofereceu
os elementos para um amplo questionamento das premissas básicas do
pensamento moderno em geral e científico, em particular, cujas teorias
pautadas pelos cânones das ciências físicas, com aspiração universalista e
objetivista já sofriam reavaliações vindas de seu próprio interior.(CAPRA,1982,
VON FOESTER, 1991).
Segundo Rorty (1967), “virada lingüística pode ser entendida como o
ponto de vista segundo o qual os problemas filosóficos podem ser resolvidos
(ou dissolvidos) reformando, ou melhor, compreendendo a linguagem que
usamos no presente”.
Ibáñez Gracia utiliza a expressão “giro lingüístico”
“para designar uma certa mudança que ocorreu na filosofia e
em várias ciências humanas e sociais, e que as estimulou a
dar uma atenção maior ao papel desempenhado pela
linguagem, tanto nos próprios projetos dessas disciplinas
43
quanto na formação dos fenômenos que elas costumam
estudar. [...] No entanto o “giro lingüístico” teve efeitos e
implicações que vão bem mais além do simples aumento da
ênfase dada à importância da linguagem. Ele contribuiu para
que fossem esboçados novos conceitos sobre a natureza do
conhecimento, seja o do senso comum ou o científico, para
permitir que surgissem novos significados para o que se
costuma entender pelo termo “realidade” – tanto “social” ou
“cultural” quanto “natural” ou “física”, e a desenhar novas
modalidades de investigação proporcionando outro contexto
teórico e outros enfoques metodológicos. Porém, mais do que
tudo, o “giro lingüístico” modificou a própria concepção da
natureza da linguagem.” (GRACIA, 2004, p.20-21)
O giro lingüístico não é um fato, mas um processo, que passa pela
lógica moderna, tendo deslocado o estudo das idéias, realizado por meio da
introspecção, para o estudo dos enunciados lingüísticos, públicos e
objetivados. Ludwig Wittgenstein, outra importante figura ligada a esses
estudos, ficou famoso por seu Tractatus Logico-philosophicus, que buscava
alcançar uma linguagem ideal que evitasse as imperfeições da linguagem
cotidiana. Entretanto o “giro” que imprimiu a suas investigações foi o
responsável por seu lugar de destaque na filosofia da linguagem. Ao renegar
as idéias do Tractatus, dedicou-se nas Investigações Filosóficas
(WITTGENSTEIN, 1958) a compreender a linguagem comum em seus
múltiplos usos, cunhando a célebre expressão “meaning is use” preferindo ao
estudo da Linguagem, a reflexão sobre os “jogos de linguagem”.
A corrente filosófica centrada na linguagem cotidiana provocou mudança
radical na concepção representativa ou designativa de linguagem da
modernidade, o que deu lugar a uma nova concepção de conhecimento e a um
questionamento dos critérios de verdade e realidade. A Escola de Oxford
apresenta uma vertente, também focada na linguagem cotidiana; John Austin,
uma de suas vozes expressivas, considera a linguagem em termos de
atividade, isto é, “dizer é, também e sempre, fazer”. Conforme Ibáñez Gracia
(2004, p.39), “a linguagem não só nos diz como é o mundo, ela também o
44
institui; não se limita a refletir as coisas do mundo, também atua sobre elas,
participando de sua constituição”.
Essa compreensão da linguagem como ação permeia as posturas
denominadas socioconstrucionistas de Kenneth Gergen ou John Shotter que
problematizam noções de identidade ou self vigentes na psicologia. Invertendo
a idéia da existência de um eu profundo e pessoal passível de descrição por
distintas expressões lingüísticas, propõem que são os próprios vocabulários
disponíveis aos quais se recorre para a descrição de si mesmo, que constituem
essa forma de ser; não a explicitam, ao contrário, conformam-na. Esses
vocabulários são necessariamente sociais.
Gergen (1996, p.186) afirma:
“O self não é uma propriedade do indivíduo, mas dos relacionamentos –
produto do intercâmbio social. De fato, ser um self com um passado e um
futuro potencial não é ser um agente independente, único e autônomo, mas um
ser imerso na interdependência”.
O autor explora a noção de múltiplos selves e a possibilidade de, ao
participar de um universo cultural, fazermos usos de muitas narrativas
disponíveis. Essa escolha, porém não é uma escolha de cada indivíduo. A
sustentabilidade das narrativas de self de uma pessoa depende da sua rede de
relações. Há uma interdependência de narrativas que resulta na formação de
uma rede de identidades recíprocas. Isto é, uma identidade não pode ser
mantida sem a existência de outros que apóiem tal descrição.
Segundo Guanaes (2006, p.138) as propostas construcionistas têm em
comum “a noção de que o self depende das práticas discursivas através das
quais as pessoas dão sentido ao mundo e às suas próprias ações – ou seja, o
self é entendido enquanto uma construção social, produto das trocas
discursivas situadas”.
A psicologia discursiva decorrente dessas propostas pretende
compreender as possíveis versões de self construídas na interação entre as
pessoas, e como estas se constituem através das maneiras como se
descrevem nas diferentes situações. Nessa perspectiva a linguagem passa a
ser compreendida como ação e o que se denomina self, como discurso que
constitui o self.
45
Na psicologia clínica, coube à terapia familiar introduzir o pensamento
sistêmico e a ênfase na interação, na comunicação, reintroduzindo o caráter
relacional e discursivo de várias noções anteriormente descritas como atributos
internos. A partir dos últimos vinte anos do século XX, muitos clínicos
desenvolveram modalidades terapêuticas derivadas desses pressupostos.
(ANDERSEN, 1996; ANDERSON, GOOLISHIAN, 1988; WHITE,
EPSTON,1990).
Segundo Michael White (2000), o desenvolvimento de um senso de
autenticidade pessoal é o resultado de processos sociais nos quais demandas
específicas sobre nossa identidade, isto é, sobre o que podemos ou não
expressar, são reconhecidas ou legitimadas por outros. Por meio desses
processos, dessas demandas identitárias, aprendemos a nos descrever. Essa
compreensão narrativa da constituição do self, não parte da idéia de que os
significados, que as pessoas constroem nesses atos de interpretação, são
invenções aleatórias ou criações de suas mentes, resultantes de uma
habilidade singular de apreender o mundo como ele é.
Ao contrário, tais significados são determinados pelos recursos
interpretativos disponíveis socialmente e, além disso, são negociados nas
comunidades de pertencimento, por sua vez, inseridas em outras instituições
da cultura.
Essa abordagem, portanto, compreende o significado como uma
realização ao mesmo tempo pessoal, relacional e cultural. (White, 2000)
As comunidades, que definem identidades-nós, podem ser descritas
como comunidades de vida, de destino, cujos membros vivem juntos em
ligação total, e comunidades de idéias e princípios.
Segundo Bauman: “tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento”
e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda
a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o
próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a
determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais tanto para o
“pertencimento”, quanto para a “identidade”. Em outras palavras, a idéia de “ter
uma identidade”, não vai ocorrer às pessoas enquanto o “pertencimento”
46
continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa.(BAUMAN, 2005,
p.17)
Repetindo Elias (1994): “Desde que permaneçamos dentro do âmbito da
experiência, somos obrigados a reconhecer que o ser humano singular é
gerado e partejado por outros seres humanos. Quaisquer que tenham sido os
ancestrais da humanidade, o que vemos, até onde nos é possível divisar no
passado, é uma cadeia ininterrupta de pais e filhos, os quais, por sua vez se
tornam pais”.
A primeira comunidade de pertencimento que oferece uma narrativa
sobre nós mesmos é, geralmente, a família de origem. Para aqueles que não
são criados no seu seio, as narrativas sociais dessa falta são marcantes nas
definições identitárias. Adotado, Abandonado, Abrigado operam como
sobrenomes.
Não ter tido conhecimento ou contato com a própria família de origem
vai gerar narrativas de identidade espelhadas por práticas discursiva,s das
mais variadas comunidades de idéias presentes no tempo e local onde isto
acontece. Desde os mitos de nascimento dos heróis ou dos predestinados até
as previsões negativas, apontadas no capítulo anterior.
Sluzki (1997, p.15) oferece redescrições do conceito de redes da
psicologia social; desconstrói a conceituação objetivista de uma rede genérica
com relações primárias, secundárias, etc. postulando uma “rede social
significativa” definida para cada pessoa. Ao tratar da rede social pessoal, “o
conjunto de seres com quem trocamos sinais que nos corporificam, que nos
tornam reais”, Sluzki também deixa claro o caráter relacional do conceito de
identidade, afirmando que “de fato, essa experiência coerente no tempo e no
espaço que constitui a nossa identidade se constrói e reconstrói
constantemente no curso de nossas vidas com base em nossa interação com
os outros – familiares, amigos... e inimigos, companheiros, paroquianos, todos
aqueles com quem interagimos. Portanto esses ”outros”, enquanto envoltos na
espiral de perspectivas recíprocas, enquanto co-construtores, fazem parte
intrínseca de nossa identidade.”
As palavras utilizadas por Sluzki: construção e reconstrução, interação,
perspectivas recíprocas, fazem parte do repertório descrito acima, comum a
47
vários autores construcionistas sociais. Esse entendimento de identidade como
móvel, formada e transformada continuamente pelas maneiras pelas quais
somos descritos ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam,
oferece novas possibilidades às práticas de atenção a crianças que
necessitam de outros cuidadores além de sua família biológica, criando novos
vocabulários que incluem “esses outros” como co-construtores que fazem parte
intrínseca de suas identidades.
A Aldeia SOS do Rio Bonito, inaugurada em 1982, e parte das Aldeias
Infantis SOS fundadas no pós-guerra europeu, explicita em suas práticas os
discursos resultantes do diálogo entre todas as comunidades de idéias que as
constituíram.
“Eu, menino de Aldeia”, “eu, ex-aldeano”, “eles, os meninos da Aldeia”,
“eles, que saíram da Aldeia”, “nós, das Aldeias SOS do Brasil”, “as instituições
de abrigo às crianças e adolescentes” configuram discursos que, repetindo
Iñiguez (2004, p.94) são articulados “com outras práticas também emolduradas
na ordem da capacidade discursiva”.
As narrativas sobre si mesmos dos jovens criados em uma Aldeia SOS,
em São Paulo, nos anos 80-90, vão nos contar quais identidades narrativas
eles foram construindo, através das descrições de si mesmos mais reiteradas
durante sua permanência lá.
48
III A Família SOS
III.1 O Fundador
Herman Gmeiner nasceu em uma família de proprietários rurais, na
região do Voralberg, Áustria, em 23 de junho de 1919. Sua mãe faleceu
quando ele era pequeno e sua irmã mais velha, Elza, cuidou de todos os
irmãos. Foi uma criança estudiosa e ganhou uma bolsa para terminar a escola
elementar.
Ao término da Segunda Guerra Mundial, cujos horrores passou como
soldado na frente soviética, trabalhou como assistente social para a infância e
viu-se confrontado com o sofrimento e a solidão de um enorme número de
crianças órfãs e sem lar. Convencido de que não haveria possibilidade de
ajuda efetiva se essas crianças fossem condenadas a crescer em grandes
instituições, pos em prática sua idéia de abrigá-las em casas-lares, o que veio
a constituir o princípio fundamental das Aldeia Infantis SOS.
Com apenas 600 Schllings Austríacos (aproximadamente US$40,00) no
bolso, fundou em 1949 a Associação Aldeias Infantis SOS, e no mesmo ano
foi lançada a pedra fundamental da primeira Aldeia, em Imst, no estado
austríaco do Tirol. Seu trabalho com as crianças e o desenvolvimento da
organização SOS tornaram-se tão intensos que ele acabou por desistir do
curso de medicina que havia começado,
Nos anos seguintes sua vida esteve totalmente ligada com o cuidar de
crianças centrado em famílias, baseado em quatro pilares: uma mãe, uma
casa, irmãos e irmãs e uma Aldeia. Como suas atividades foram desde então
exclusivamente focadas na necessidade de ajudar crianças abandonadas, sua
biografia passa a ser a própria história das Aldeias Infantis SOS.
Foi diretor da Aldeia de Imst, coordenou a construção de outras Aldeias
na Áustria e ajudou a montar Aldeias SOS em muitos outros países da Europa.
Em 1960 fundou em Estrasburgo a SOS Kinderdorf International – KDI,
organização que apóia o desenvolvimento das Aldeias Infantis SOS, em todo o
mundo e garante a manutenção dos princípios pedagógicos, sendo seu
primeiro presidente. Nos anos seguintes, as atividades das Aldeias SOS
expandiram-se para além da Europa. Através de uma campanha chamada de
49
Grão de Arroz, foram enviados envelopes com um boleto para ser pago em
qualquer banco ou agência de correio dos países onde já havia uma Aldeia.
“Um grão de arroz”, uma quantia mínima que multiplicada por milhares de
respostas positivas levantou fundos suficientes para a construção da primeira
Aldeia SOS não européia, em Daegu, Coréia, em 1963; a esta se seguiram
outras, nos continentes americano e africano.
Em 1985, como resultado da obra de Hermann Gmeiner, havia 233
Aldeias espalhadas por 85 países. Ele recebeu numerosos prêmios como
reconhecimento por sua dedicação à causa das crianças órfãs e abandonadas,
recebendo também várias indicações ao Prêmio Nobel da Paz. Entretanto,
sempre enfatizou que, apenas através da colaboração de milhares de pessoas
havia sido possível atingir a meta de prover crianças abandonadas com lares
permanentes, e isso se aplica até hoje.
Hermann Gmeiner faleceu em Insbruck, em 1986. Está enterrado na
Aldeia SOS de Imst. Em suas palavras, o resumo de sua obra:
“Minha tarefa é a de pedir a meus semelhantes no mundo
inteiro ajuda e compreensão para a criança abandonada.
Quanto mais conseguirmos interessar amigos das Aldeias
SOS, nesse objetivo, melhores poderão chegar a ser as
Aldeias SOS, uma humilde contribuição à história do
desenvolvimento social da nossa época”.
(material de divulgação das Aldeias Infantis SOS do
Brasil)
III.2 Aldeias Infantis SOS do Brasil
No Brasil, a primeira Aldeia SOS foi fundada em Porto Alegre, quando
em 1962, Frei Celso Brancher decidiu implantar o modelo de atendimento de
Hermann Gmeiner. Mobilizou a comunidade e empresas locais que iniciaram a
construção das casas, inaugurando a Aldeia em abril de 1967. A idéia logo se
espalhou pelo país e no ano seguinte duas Aldeias eram fundadas, uma em
São Paulo e outra em Brasília.
50
A Aldeia de Rio Bonito, São Paulo, onde foram criados os jovens que
participam desta pesquisa, iniciou suas atividades em 1982.
Em 1994 a SOS Kinderdorf International sugeriu a criação de uma
Associação Nacional que reunisse todas as Aldeias do Brasil,
semelhantemente ao que já acontecia em outros países.
Assim nasceu a Associação das Aldeias Infantis SOS do Brasil, uma
Organização Civil sem fins lucrativos e declarada de Utilidade Pública Federal,
entidade que congrega todas as atividades das Aldeias ou ligadas a elas e
centraliza o planejamento econômico-financeiro e pedagógico, zelando para
que o projeto Hermann Gmeiner mantenha seus princípios.
Atualmente existem Aldeias espalhadas em 10 unidades federativas
atendendo a mais de 5000 crianças e jovens em 14 Aldeias, além de 36
projetos como Educação Infantil, Escola, Centro Cultural, Casa Transitória,
Casas de Jovens e Centro de Capacitação de Jovens, ampliando o
atendimento à comunidade e atuando como uma organização que contribui
para a prevenção do abandono.
Embora o princípio organizador das Aldeias seja o mesmo em todo o
mundo, cada Aldeia tem particularidades ligadas à sua história e cultura local,
visíveis em procedimentos e aspecto físico.
III 3. Aldeia Infantil SOS de Rio Bonito
III 3.1. História
Rio Bonito nasceu do desejo de quatro casais de amigos, todos alemães
ou descendentes.
Em janeiro de 1978, Karin Essle e Scholly Mangels, durante viagem de
férias em um veleiro, conversavam sobre sua boa sorte na vida e o quanto
seus filhos, já crescidos, bem preparados, e em vias de sair de casa,
deixavam-nas com tempo livre e desejosas de voltar a exercer suas profissões,
respectivamente, fisioterapeuta e enfermeira. Prosseguindo em suas reflexões
decidiram dedicar seu tempo e empenho fazendo aquilo que vinham fazendo
há vinte anos: educar crianças. Desta vez, aquelas que não tinham tido
oportunidades semelhantes às de seus próprios filhos.
51
Karin foi conhecer as crianças da unidade Sampaio Viana na Febem, e
trabalhando lá como voluntária, logo se deu conta de que além de alimentação
e higiene as crianças necessitavam de presença e proximidade com uma
cuidadora. Faltava-lhes atenção, estímulo, aquelas brincadeiras que as mães
fazem com seus bebês e que intuitivamente desenvolvem nele a consciência
do próprio corpo, de seu lugar no espaço, das possibilidades de jogos com o
corpo do outro, como balanço, movimentos com as mãos, olhos, exploração
das próprias habilidades e do ambiente.
Ambas visitaram mais de dez instituições onde sempre eram recebidas
por crianças sedentas de contato, que as agarravam, pediam alguma coisa,
independentemente de serem pessoas desconhecidas, com tipo físico
completamente diferente da maioria das crianças e funcionárias.
De indicação em indicação chegaram às Aldeias SOS de Poá e São
Bernardo, onde pela primeira vez foram recebidas com a cautela e distância
que as crianças com algum vínculo preferencial dedicam aos estranhos. Nem
agarramentos nem pedidos.
“É isso que nós queremos” foi a reação imediata.
Karin viajou para Viena onde visitou os escritórios da KDI. Lá recebeu
todas as informações sobre a filosofia das Aldeias, material pedagógico e até
desenhos das instalações necessárias a uma Aldeia SOS. Também foi
informada de que a KDI não financia novas Aldeias, apenas dá apoio e
indicações, além de diretrizes a serem seguidas para que o novo
empreendimento possa usar o logo das Aldeias SOS, e o que atualmente se
nomeia como Missão e Visão.
Com esse desejo e idéias preliminares, Karin e Scholly mostraram seu
projeto aos maridos, ambos empresários, que aprovaram a idéia de “não
inventar a roda”, mas aproveitar um know-how testado em vários lugares do
mundo e também no Brasil.
Sabedores do tamanho da empreitada pensaram em convidar mais
pessoas a se incorporarem ao projeto e os primeiros convites foram para dois
casais, Martha e Érico Stickel, e em seguida Martha e Hans von Heydebreck.
Em 21 de dezembro do mesmo ano, 1978, fundavam legalmente a Aldeia SOS
52
do Rio Bonito e durante dois anos reuniram-se mensalmente para por em
prática o projeto.
Os Stickel possuíam um sítio em Rio Bonito, chamado de Sítio das
Jabuticabeiras, localizado ao lado do SESC Campestre, que havia sido
construído na década anterior, em área anteriormente pertencente à família de
Martha. Como o bairro Cidade Dutra estava chegando a essa antiga área de
sítios, decidiram lotear sua propriedade e reservaram uma grande área,
vendida a preço ínfimo, para a construção da futura Aldeia.
Durante dois anos o projeto foi discutido, revisado, e em 8 de dezembro
de 1980 foi lançada a pedra fundamental, na presença de autoridades, de
amigos e de Hermann Gmeiner, que veio ao Brasil especialmente para a
ocasião.
Roberto Stickel, jovem engenheiro filho de Martha e Érico, fez o projeto
das casas, simples, funcionais e de aspecto muito agradável, pois sua
localização foi cuidadosamente marcada, por Karin e Martha, que
pessoalmente se ocuparam de evitar ao máximo a derrubada de árvores
formando um desenho irregular condizente com a topografia.
Durante os dois anos de construção os quatro casais arrecadaram
fundos, dentro e fora do Brasil, para completar sua obra que, além da
construção material incluía o processo de contratação de mães sociais. Estas
contratações ficaram a cargo de assistentes sociais, uma psicóloga e uma
pedagoga que por meio de anúncios e palestras em cidades do interior e em
outros estados do país, convocaram el foram selecionando as candidatas.
Karin foi à Alemanha em busca de subsídios para o processo de
capacitação de mães sociais. Adaptar à nossa realidade as expectativas
européias presentes nos programas e nas exigências da Alemanha, às nossas
realidades, aprender sobre a legislação do Brasil no que concerne à guarda de
crianças, compreender os meandros das instituições para abandonados ou
órfãos, categorias a que se propõem atender as Aldeias SOS, foi um processo
difícil que demandou tempo, acertos e erros e essas vozes estão presentes nos
relatos sobre o funcionamento das casas e criação dos aldeanos.
Em 1982 a Aldeia SOS de Rio Bonito começou a receber as primeiras
crianças.
53
Durante anos Rio Bonito funcionou sob as diretrizes de seus fundadores,
que convidaram novos sócios para a manutenção da atividade e foram
arregimentando outros voluntários para colaborar no auxílio à direção da
Aldeia, exercida por um profissional contratado que lá residia com sua família.
Além desse dirigente, uma equipe composta por uma psicóloga, uma
assistente social e a própria Karin.
Em 1991 Peter Mangels, que presidia o Conselho Administrativo,
faleceu. O casal von Heydebreck mudou-se para a Alemanha e o casal Essle
passou a viver metade do ano também naquele país. Martha e Érico Stickel,
um pouco mais velhos, desde o início sabiam que a tarefa de gerenciar a
Aldeia demandaria mais do que as suas possibilidades. Pouco antes de sua
morte, Peter Mangels iniciou, com os demais membros ativos do Conselho, o
delicado processo de planejar o futuro da Aldeia, uma vez que não há garantia
de continuidade de uma tarefa como essa na sua transmissão para familiares
descendentes. Com a criação da Associação Nacional das Aldeias SOS do
Brasil em 1994, a Aldeia passou a ser subordinada ao Escritório Nacional,
órgão gestor de todos os projetos SOS no Brasil.
A Aldeia de Rio Bonito está instalada na Avenida Amaro de Miranda, 61,
situada no Jardim Colonial, distrito Cidade Dutra, zona sul do município. A
região, próxima ao bairro de Cidade Dutra era muito menos habitada na época
da fundação da Aldeia.
Conforme depoimento de jovem voluntária que dá aulas de educação
física no Centro de Jovens, cuja família foi uma das primeiras a construir casa
perto da Aldeia, “naquele tempo tinha os portões abertos” e os aldeanos como
são chamados crianças e jovens da Aldeia, eram seus amigos na escola e,
para ela, crianças como as outras, que moravam em um “conjunto legal”.
Nos seus 24 anos de existência a Aldeia de Rio Bonito já passou por
distintas orientações. Como o objetivo desta pesquisa é conhecer as narrativas
de jovens adultos criados na Aldeia de Rio Bonito, as diretrizes recentes em
relação à autonomia das mães e os critérios atuais para a emancipação não
serão levados em conta.
54
III 3.2 Descrição da Aldeia SOS do Rio Bonito
Esta descrição utiliza dados da Dissertação de Mestrado “Uma Família
Institucional à Brasileira: A Experiência na Aldeia Infantil SOS”, de Rosa Maria
Monteiro López, orientada pelo Prof. Dr. José Guilherme Cantor Magnani e
aprovada no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em dezembro de 2001.
Conhecendo pessoalmente a Aldeia de Rio Bonito desde sua fundação,
complementei/atualizei com observações de visitas à Aldeia, realizadas desde
os anos de 2001 até 2004.
A Aldeia de Rio Bonito é formada por 12 casas-lares sendo 11 delas
ocupadas por famílias SOS e uma destinada à residência do dirigente da
unidade e sua família.
As casas estão dispostas em duas fileiras, cinco de um lado e sete do
outro, com as entradas e janelas principais voltadas para um largo corredor e
outras áreas coletivas dispostas entre as duas fileiras de casas. Isso permite a
todas as casas, a visão do movimento geral das outras casas e áreas coletivas.
Embora o padrão de construção seja semelhante, a posição de cada
casa no terreno não é igual, pois o terreno não é plano, sendo algumas casas
construídas em áreas mais elevadas do que outras.
As casas são térreas, construídas em tijolos aparentes com janelas e
portas pintadas de azul, verde ou vermelho. A cozinha e a sala têm grandes
janelas de vidro que permitem uma visão interna do verde externo e do que se
passa fora, nas proximidades, assim como uma visão externa do que se passa
no interior da casa. Todas as casas têm três quartos nos quais em geral as
meninas utilizam um, os meninos outro e a mãe social, o terceiro; algumas
casas possuem quatro quartos. Todas as casas possuem também dois
banheiros que em geral são divididos entre as mães sociais e crianças
pequenas, e os filhos maiores.
Do lado de fora das casas avista-se uma plaqueta com o nome com o
qual cada casa foi batizada. Em alguns casos esses nomes estão relacionados
aos patrocinadores da construção. As residências são também numeradas e
tanto as mães sociais quanto as crianças referem-se à sua casa pelo número.
55
Além das casas lares, existem outras construções. O prédio
administrativo é composto de dois andares. A parte de cima tem cinco salas
utilizadas como escritório do chefe administrativo, uma secretária, o auxiliar de
dirigente e assistente social e outra sem usuário especificado. Há dois
banheiros, um masculino e um feminino, e um grande salão dividido por uma
cortina em dois ambientes, utilizados para reuniões com as mães, dirigentes de
casas de jovens, equipe técnica e outras atividades que podem ou não incluir
as crianças adolescentes da Aldeia. No andar de baixo há dois apartamentos
com cozinha, quarto, sala e banheiro; um deles é reservado a hóspedes e o
outro serve como residência ao auxiliar de dirigente e sua família. Há ainda
uma sala que atualmente é denominada Sala das Mães, mas que é pouco
utilizada por estas e freqüentemente armazena doações que também ocupam
uma espécie de garagem coberta, um vão livre abaixo do grande salão que
compõe a parte de cima do prédio.
Próximo à entrada onde se localiza essa construção, à direita localiza-se
um playground e uma quadra de cimentada poli–esportiva. Outras construções
foram sendo levantadas no correr dos anos: escola, creche, padaria,
lavanderia, Centro Educacional e gabinete dentário.
A partir de 2003 esse processo tem sido reavaliado, pois tais atividades
vão contra a idéia de que as crianças da Aldeia SOS não sejam segregadas do
restante da comunidade. Entretanto a creche, com 120 vagas, é uma exceção
importante promovendo um intercâmbio com o “mundo de fora”, pois 95% das
crianças que a freqüentam pertencem à comunidade.
No ano de 2003 o Centro Educacional e a Creche foram separados
administrativa e concretamente do conjunto de casas. A escola foi desativada,
pois se tornou economicamente inviável; por seu tamanho reduzido não houve
interesse da prefeitura em administrá-la em parceria com a Aldeia. Em suas
instalações estão sendo montadas oficinas profissionalizantes ligadas ao antigo
Centro Educacional atualmente denominado Centro de Desenvolvimento
Comunitário.
56
III 3.3 O contexto socioeconômico
O Jardim Colonial, onde está instalada a Aldeia Infantil de Rio Bonito
situa-se no distrito Cidade Dutra, na chamada Zona Sul 2, da divisão municipal
de São Paulo por Zona (Anexo I). Os indicadores socioeconômicos da região
indicam que a Cidade Dutra está entre os distritos que apresentam as piores
condições socioeconômicas do município (ATLAS AMBIENTAL DO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2000).
Estudo desenvolvido pelo Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea, (BOUSQUAT, COHN, 2003) indicando os melhores e os
piores lugares para os jovens a partir dos indicadores sociais de cada distrito,
dá como valor máximo de qualidade de vida para jovens o número 1(um).
Divide a cidade em cinco zonas onde a primeira, a de melhor qualidade de
vida, compreende distritos com nota superior a 0,62. A zona cinco, a de pior
qualidade de vida, compreende distritos com notas que vão de 0,13
(Parelheiros) a 0,25 (Jardim São Luiz).
O bairro de Cidade Dutra apresenta índice de 0.3, situando-se na zona
quatro. Este valor provavelmente se deve à localização do SESC em sua área,
que oferece várias atividades aos jovens da região. Entretanto a Cidade Dutra
está cercada de distritos da zona cinco (Anexo II).
Diante desse quadro de precariedade, a Aldeia Infantil SOS de Rio
Bonito se destaca. Suas instalações apresentam um padrão de moradia
superior à média local, com casas espaçosas, cercadas de verde e
complementadas por áreas próprias destinadas ao lazer coletivo dos atendidos.
É importante destacar que não há luxo nas instalações, apenas casas
condizentes com uma família numerosa, e equipamentos de lazer para uma
comunidade de mais de 100 pessoas. A diferença deve-se à deterioração do
bairro e de toda a região, nos 26 anos de existência do projeto.
Hermann Gmeiner insistia em que as Aldeias deveriam ter um padrão
em tudo semelhante ao da área onde se instalavam. As crianças das Aldeias
deveriam participar da vida da comunidade e viver como seus semelhantes.
Nos países do terceiro mundo, e em particular nas grandes cidades como São
Paulo, a deterioração do espaço urbano e a favelização dos bairros onde vivem
57
as famílias pobres criam um impasse: em distritos de melhor índice de
desenvolvimento humano, o custo de uma área, como a necessária para a
construção de uma Aldeia, tornaria impossível o empreendimento, e na
periferia, não teria sentido construir uma Aldeia em condições de moradia
semelhantes às vigentes.
Essa realidade caracteriza a inserção atual da Aldeia no bairro,
obrigando-a a muros altos, portões fechados e equipamentos de segurança.
Esses aparatos isolam o conjunto de casas, da sua vizinhança e colabora para
caracterizá-la como Instituição de Menores, influenciando a forma como sua
clientela é enxergada, afetando suas relações com a comunidade do bairro,
com reflexos na identidade de seus jovens.
III 3.4 Os quatro pilares em ação
O ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO DENOMONADA ALDEIAS INFANTIS
SOS BRASIL (Anexo III), doravante denominado ESTATUTO, nos dá as
primeiras indicações:
O trabalho das Aldeias SOS em todo o mundo é
norteado por quatro princípios básicos concebidos pelo seu
fundador Hermann Gmeiner.
1. A Mãe Social – A criança, por perda dos pais
naturais, ou contingências da vida, encontra na Aldeia SOS a
segurança de um lar e sente nos cuidados dispensados pela
Mãe Social, o amor e o carinho necessários ao
desenvolvimento normal e harmonioso de suas
potencialidades.
No Brasil, a atividade de Mãe Social é regulamentada
pela Lei nº7644 de 18 de dezembro de 1987.
2. Os Irmãos – Cada família SOS é composta da Mãe
Social e de crianças com idade e sexo diferentes, admitidas
no lar, assemelhando-se à família natural. Os irmãos
consangüíneos são mantidos na mesma casa-lar, preservando
assim os laços afetivos e genéticos.
58
3. A Casa-Lar – Cada casa-lar tem capacidade para até
nove crianças, sendo esta o núcleo básico para o
desenvolvimento da criança. A coordenação fica a cargo da
mãe-social, que desenvolve o processo educativo e cuida dos
afazeres domésticos, nos mesmos moldes de uma família,
dispondo de um orçamento previamente estabelecido.
4. A Aldeia SOS - Cada Aldeia SOS é composta de até
vinte Casas-Lar, habitada pelas famílias, formando um
conjunto habitacional, integrado na comunidade.
O conjunto de Casas-Lar é gerenciado por um
profissional, que cuida da administração do conjunto,
desempenhando o papel de pai das crianças e orientador das
Mães Sociais.
Outras recomendações estatutárias que devem nortear as ações
desenvolvidas nas Aldeias:
O atendimento às crianças prestado pelas Aldeias
SOS se dá até que estas alcancem condições de auto-
suficiência, tornando-se cidadãos conscientes, responsáveis
e participantes da sociedade. Em continuidade ao processo
educativo os adolescentes poderão contar com Aldeias da
Juventude ou Casas de Jovens.
Para atender as necessidades locais e obter maior
integração com a comunidade, a Aldeia SOS pode
desenvolver vários projetos, tais como: centros sociais,
creches, ensino fundamental, postos de saúde, casas
transitórias, centro de capacitação de jovens, centros
culturais, oficinas profissionalizantes e hospitais.
Todos os Projetos SOS devem empenhar-se para
atingir os seguintes objetivos:
I - criar e preservar um meio ambiente apropriado para o
aprendizado das crianças e adolescentes que integram a
Família SOS;
59
II - desenvolver e providenciar oportunidades de emprego,
sempre que possível, para adolescentes integrantes da
Família SOS;
III - desenvolver e fomentar junto às crianças e aos jovens
um sentimento de independência, responsabilidade,
percepção do que se passa ao seu redor, iniciativa e desejo
de aprender, conseguindo assim uma completa integração na
comunidade de que participam;
IV - apresentar-se como modelo ou liderança perante
organizações ou pessoas que atuem no mesmo campo que a
associação, compartilhando técnicas, informações e
experiências;
V - funcionar permanentemente como membro atuante e
respeitado pelas comunidades nas quais os Projetos SOS
operem, respeitando as leis, tradições e religiões locais,
desde que assim agindo não se coloquem em posição
diametralmente oposta aos interesses das crianças e dos
adolescentes sob a responsabilidade da associação.
Há outros objetivos que balizam a ação das Aldeias no meio social mais
amplo, cuja análise foge aos objetivos desta pesquisa.
Como as Aldeias SOS surgiram no pós-guerra, na Áustria, as primeiras
famílias SOS reconstruíam um modelo de família pré-existente e valorizado,
destruído pela violência social da guerra, e em princípio atendiam às
necessidades de todos os seus membros.
Uma aldeia é, na tradição européia, a célula da cidade, a comunidade
em geral sustentada por atividades agrícolas e/ou pastoris de subsistência,
freqüentemente organizada em torno de uma igreja.
Um homem - que cuida da administração do conjunto, desempenhando
o papel de pai das crianças (cujos próprios pais morreram na guerra) e
orientando as mães - que vivem em um conjunto de casas com vários filhos,
que os educam e cuidam dos afazeres domésticos dispondo de um orçamento
previamente estabelecido (por um representante da categoria provedora
masculina) são agentes sociais que recriam a ordem perdida e se propõem a
60
oferecer parâmetros adequados ao “desenvolvimento normal e harmonioso das
potencialidades das crianças” (ESTATUTO, anexo III)
Como isto se realiza atualmente no Brasil, em uma megalópole como
São Paulo? Qual a ordem perdida a ser recriada? Quais as características
atuais de uma “Família SOS?”
Os estatutos referem que o trabalho da mãe social se desenvolve “nos
mesmos moldes de uma família” o que nos permite inferir um modelo de
família: a mãe cuida dos afazeres domésticos e da educação dos filhos, sob a
orientação do pai e, por outro lado, os laços de sangue são valorizados através
da manutenção de irmãos em uma mesma casa.
A família que será oferecida às crianças, então, terá como dimensões:
um lugar, uma presença física - mãe, uma presença simbólica – pai, e duas
categorias de irmãos - de sangue e sociais. Como comparação, cada criança
terá historias, fornecidas pela aldeia e pelo poder judiciário, da experiência de
sua família verdadeira, ou biológica, nas palavras utilizadas pelas próprias
crianças e pelos adultos da instituição.
De quais narrativas sobre si mesmas irão essas crianças se apropriar?
Se o projeto SOS se sustenta sobre quatro pilares, compreendo a mãe
social e irmãos biológicos e sociais como os elementos necessários à
reconstrução dos laços de pertencimento e a casa-lar e aldeia como os meios
que possibilitam esse processo.
III 3.4.1 Mãe Social
Mãe Social, no Brasil, é profissão regulamentada. Deve ser “uma
mulher responsável por uma casa-lar em uma aldeia SOS onde cuidará de até
10 crianças “com amor e carinho necessários ao desenvolvimento normal e
harmonioso de suas potencialidades.” (ESTATUTO, Anexo III).
É uma “mulher especial, disposta a dedicar sua vida para proporcionar
orientação, amor e carinho a crianças que não puderem ser mantidas em sua
família natural” (Revista das Aldeias Infantis SOS do Brasil) que um dia
atendeu a um anúncio que dizia:
61
- “Ser mãe social é dar um novo sentido à vida. É abrir o coração. É
orientar. É amar, educar e, principalmente devolver a uma criança sem família
o simples direito de ser amada, de ter um lar e um futuro melhor. As crianças
das Aldeias SOS estão à procura de alguém como você para ser sua mãe.
Uma pessoa especial e companheira, com quem possam dividir carinho e
amor”. (propaganda em jornais) Para ser mãe social é preciso:
Ser solteira ou viúva
Ter idade entre 25 e 40 anos
Ter cursado o primeiro grau
Ter boa saúde
Poder morar em uma das Aldeias SOS
“As aldeias SOS garantem os direitos trabalhistas e benefícios, como:
remuneração, moradia e alimentação, folgas semanais, 13º salário, fundo de
garantia, INSS” (ESTATUTO, Anexo III).
Este é o perfil desejado. Como são as Mães Sociais reais da Aldeia de
Rio Bonito? Como elas chegaram até lá? A que apelo atenderam? Que novo
sentido teriam dado a suas vidas? Como descrevem a si mesmas e a suas
famílias? O que, em suas histórias, é semelhante e o que é diferente das
histórias de outras “mães dos filhos dos outros?”
Na história da família brasileira encontramos inúmeros exemplos de
mulheres que, solteiras ou viúvas sem filhos, criaram sobrinhos, afilhados ou
primos.
À semelhança das mães sociais eram mantidas pela família extensa e
sua liberdade de ação limitada por algum poder externo, em geral, masculino.
Verdadeiras “mães dos filhos dos outros”, eram reconhecidas pelos “filhos” e
parentes como “mães de criação”. Tais arranjos, em geral entre parentes e
afins, surgiam pela necessidade de alguma criança, mas não da busca ativa da
mulher.
Por outro lado, embora não houvessem direitos legais estabelecidos,
com freqüência esse lugar era uma espécie de emprego para parentes mais
pobres. Visto pelo outro lado, isto é, o de uma criança que ficava órfã, esta
podia se tornar “filha de criação” o que também era um lugar ambíguo,
marcado pela posição sócio-econômica dos falecidos pais. Um órfão rico tinha
62
um tutor e uma série de prerrogativas diferentes daquelas de um órfão pobre
cuja criação era considerada um ato de caridade.
Somente no século XX a adoção foi regulamentada e, embora seja um
arranjo social que permite tanto casais que não tem filhos tornarem-se pais,
como crianças que não tem pais ganharem uma família, é vista principalmente
como um gesto de caridade dos adultos em relação à criança e não como uma
possibilidade de realização de um desejo destes. Do adotado, como um
privilegiado, espera-se gratidão, e tanto quando a relação entre pais adotantes
e filhos adotados resultou harmoniosa quanto no caso contrário, êxito ou
fracasso são freqüentemente associados ao “sangue bom” da criança.
A sociedade valoriza a mãe que cria filhos de outros, avaliando-a como
uma mulher especial, e afirma o direito de toda criança ter um lar. Essas
práticas discursivas trazem implícitas distintas valorações para as diversas
configurações familiares existentes, mesmo quando estas são legais.
No caso das aldeias SOS a situação é bastante complexa.
O que é, na prática, ser mãe social?
Em torno desta pergunta girou meu primeiro encontro com as mães
sociais da Aldeia Rio Bonito, em abril de 2001, quando buscava conhecer as
descrições de família dos diversos adultos responsáveis pelo funcionamento da
Aldeia.
As mulheres presentes haviam sido convidadas pela Orientadora de
Mães (atualmente denominada Assessora Pedagógica) a participarem de uma
reunião com uma psicóloga que queria fazer uma pesquisa sobre as famílias
da aldeia. No dia e hora marcados apresentei-me àquelas que haviam aceitado
o convite – seis mães e duas tias (estagiárias que substituem as mães em suas
folgas enquanto se preparam para, eventualmente, assumirem uma casa.).
Perguntei-lhes se sabiam o que era uma pesquisa e fui descrevendo, a partir
de suas idéias, meu interesse por conhecer as descrições de família presentes
nas ações realizadas na aldeia e como era a experiência de ser mãe social.
Combinamos o destino do conteúdo das conversas, que não seriam
gravadas, pois elas não gostaram da idéia que lhes parecia semelhante a dar
entrevistas. Pela receptividade com que haviam acolhido minha proposta,
estranhei um pouco a recusa, e só mais tarde vim a entendê-la como repúdio
63
às experiências de se sentirem objeto da curiosidade de visitantes nacionais e
estrangeiros, jornalistas e estagiários de faculdades de psicologia.
Ficou muito claro que a participação na pesquisa seria voluntária e que
eu não mostraria minhas anotações para ninguém antes que elas lessem e
aprovassem. Estes procedimentos, usuais em trabalhos clínicos e enfatizados
nas regras dos Conselhos de Ética de Universidades, eram novos para elas e
contribuíram para a construção de um contexto de confiança.
Abaixo, a transcrição de algumas falas após a pergunta inicial:
E – Como é ser mãe social, aqui na Aldeia do Rio Bonito?
M1 – Algumas crianças acham que a gente é empregada delas. As
mães vêem visitar e falam que a gente manda os filhos delas
trabalharem, que a gente é paga para tomar conta deles, que elas vão
reclamar pro juiz.
M2 – As crianças têm um conflito muito grande, elas querem a Aldeia,
mas querem a família, algumas têm mágoa da mãe largar aqui, gera
rebeldia. Eles vivem entre – eu quero a minha família, eu não quero a
minha família.
M3 – Não estamos aqui pela linda cor dos nossos olhos e pelo coração.
Somos funcionárias e somos cobradas como tal.
M4 – Eu quero me dedicar como mãe mesmo. Mãe é toda sentimento.
Mas a gente é cobrada por resultados.
T1 – Eu vim realmente com o intuito de ser mãe social. Fiz estágio,
experiência, já fui mãe substituta. O que me incomoda é entrar no lugar
de outra, é a idéia de alguém “ser afastada da empresa”. As crianças
aqui vêm de tantas perdas, não é interessante que eu assuma mais uma
perda. Já me sinto mãe com o trabalho que faço.
M2 – Tem problemas legais: se eu estou de folga e quero ir ao shopping
não posso levar meus filhos.
M5 – Se a família se re-estrutura a criança vai embora, você vai ter uma
perda. Precisa ter controle emocional.
M4 – Ou, você acha que está bem, a equipe fala: até hoje você serviu,
hoje não tem mais perfil de mãe social.
M5 – Não pode namorar...
64
O que viria a ser tema das conversas individuais já se prenunciava
nesse aquecimento, uma espécie de associação livre sobre Mãe Social:
conflitos de autoridade com a equipe dirigente; conflito de lealdade entre a
categoria funcionárias e chefia; conflitos de poder entre mães sociais e mães
biológicas; ambivalência de sentimentos das crianças em relação à família de
origem e a família social; dicotomia entre função materna entendida como
relação de afeto e função de educadora; ambigüidade legal da função;
problemas relativos ao confinamento.
À pergunta “como é ser mãe social” sucedeu-se uma coleção de
problemas. Ouvi-os sem contestar, limitando-me a perguntar algo quando não
entendia. Embora pudesse nomear o que ouvia como queixas, o modo como
as mães interagiam e o tom de algumas das afirmações era afetivo, alegre. Ao
refletir sobre as frases em conjunto passei a compreendê-las como sendo
descrições feitas a partir da relação mãe biológica/mãe social, onde mãe
biológica - o termo oculto surge, por oposição, idealizado como sendo alguém
que não sofre nenhuma das injunções relativas ao vínculo de trabalho, nenhum
dos perigos ligados à existência da “outra”, como uma relação de puro amor,
com total liberdade de ação.
Como aquelas mulheres escolheram essa profissão?
A transformação das mulheres solteiras, que conheci na aldeia, em
mães de muitos filhos, sem passar pela gravidez, começou em todos os casos,
literalmente, por um ritual contemporâneo de anunciação – um anúncio de
revista, jornal ou propaganda na televisão.
Todas as entrevistadas gestaram a noticia por um tempo, o anúncio foi
guardado, em alguns casos por mais de um ano, e a escolha representou em
todos os casos uma mudança muito grande: saída de um bom emprego muito
competitivo; trabalho com a família e desejo de uma vida própria; saída do
convento e desejo de cuidar; gostar muito de crianças e não poder ter filhos;
querer criar filhos, mas não acreditar no casamento para toda vida; ter
exemplos de casamentos ruins na família e ao mesmo tempo desejar ter uma
família; ter tido desilusão amorosa e não querer passar mais por isso; dar o
amor para quem merece – as crianças; ser muito apegada à família e, em não
tendo se casado, buscar sua própria família.
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A proposta de ser mãe social, em todos os casos, surgiu como um
desafio. As famílias de origem, em geral, viram com incredulidade e às vezes
foram contra. Essa desconfiança diante do novo, do diferente, transformou-se
em todas as histórias que ouvi, sem exceção, em aceitação:
“Com o tempo mudou. Vieram me visitar, conheceram as pessoas daqui,
tornaram-se amigos de pessoas que já saíram e a amizade continua”.
As histórias ouvidas permitem afirmar que se há um lugar sem
ambigüidades é o das crianças junto à família de origem de suas mães sociais.
Fora da aldeia existe mais um lugar de pertencimento, onde se usam as
palavras – minha, meu.
Minha prima... meu avô...
Uma vez tomada a decisão, começa o processo: inscrição, entrevistas,
visita a uma ou duas aldeias, espera, chamada, cursos, estágios e finalmente o
primeiro emprego: tia.
Nesse percurso há um momento descrito como fundamental para a
tomada de decisão: o primeiro contato com uma aldeia em atividade, mães
sociais reais com seus filhos em um movimento incessante de crianças
entrando e saindo de casas, escola, creche, bicicletas, jogo de bola, algum
adulto chamando a atenção de alguma criança; alguma criança pedindo algo
para algum adulto.
A pergunta:
- Quando você veio conhecer a aldeia, o que você achou? Quais foram
seus sentimentos, que idéias você teve?
E as repostas muito positivas:
-M3 “Achei que era isto mesmo que eu queria. A gente vai imaginando e
eu gostei logo que vi; isto me animou muito a continuar com o processo de
seleção...”
-M1 “... cheguei na hora do almoço. Nunca vou me esquecer. Fui na
casa da Joaquina, a mais populosa. Cada panelão! 12 crianças, mesa posta,
ela ainda parou sorridente... achei uma graça, ela ter tempo de para me dar
atenção. Achei aquilo um encanto! Ela ofereceu almoço para mim. Lembro
como se fosse hoje: um suflê de chuchu que só ela sabia fazer. Muito
66
despachada, muito alegre, falou: - Ser mãe não é assim tão trabalhoso. Foi o
que me convenceu; aquela disposição”.
Na grande família extensa de uma aldeia, a tia ajuda, substitui a mãe
nas folgas, férias, doenças e nos casos de morte social, ou seja, de demissão
da mãe social. Uma mãe deixa a aldeia quando se aposenta, adoece ou se
incompatibiliza com as diretrizes da equipe dirigente.
Esse é um momento onde o caráter de profissão, isto é, o vínculo
empregatício se explicita e contradiz a descrição da casa como moradia de
uma família autônoma. O que se atualiza é um clã, onde cabe aos chefes zelar
pelo cumprimento das regras de bom funcionamento e destituir os membros
que não obedecem. A demissão de uma mãe social é uma morte súbita. A
substituição se dá imediatamente, pois uma casa não pode ficar acéfala. A tia
que é promovida a mãe - lugar geralmente almejado, não passa naquele
momento por nenhum ritual. Recebe, literalmente de uma hora para outra, uma
casa considerada como tendo problemas e uma advertência: “você tem X dias
para levantar esta casa”.
As mães responsáveis pelas demais casas, que nesse momento estão
excluídas do processo, vivem sentimentos contraditórios. Podem estar
percebendo que algo não vai bem, mas a impossibilidade de elaborar a perda
da colega não permite que formem prontamente uma rede de solidariedade
para a nova companheira. Sentimentos de traição são relatados com referência
a esses acontecimentos.
Outro fator que foi bastante apontado como dificultante, liga-se às
modificações que a aldeia como instituição sofre com o tempo: as regras
mudam e os estilos de direção também. A autonomia da direção em relação ao
Escritório Nacional e a própria interpretação das leis do país relativas à guarda
de menores também varia com os diferentes ocupantes do cargo ao longo do
tempo.
Isto não é muito diferente do que uma família atravessa nas diversas
fases de seu ciclo vital quando pode ter que conviver com os pais na mesma
casa, mudar de cidade, adaptar-se a mudanças nas leis relativas à escola, nas
condições de emprego, a mortes e separações. A diferença está na experiência
subjetiva de autonomia ou no seu contrário. Avaliar o grau de autonomia de
67
outrem, ou de si mesmo, implica em saber o que este sujeito quer, com quais
recursos conta, sejam os próprios, sejam outros disponíveis, e saber quais os
limites para sua ação.
A equipe dirigente de uma aldeia constitui a parte da rede social mais
próxima das mães. Sua função provedora, em parte fiscalizadora, e sua
capacidade de resolver os conflitos do cotidiano, lembra as funções do pater
familie em uma família com valores patriarcais.
Nesse modelo de família as mulheres não têm autonomia porque o
reconhecimento de seu saber depende da autoridade patriarcal, seu poder de
buscar recursos fora é submetido à aprovação da mesma autoridade e seu
querer é o que menos conta.
A capacidade de agir, ou autonomia é ainda mais restrita por outras
instâncias, que se caracterizam como um ‘Sistema de Parentesco’, constituído
por todos os outros elementos ativos na vida da aldeia: voluntários, antigo
Conselho Consultivo, hoje denominado Comitê de Apoio, Escritório Nacional,
doadores e o “patriarca mítico do clã”, a KDI – Kinderdorf International.
A ingerência destes parentes na vida diária das famílias da Aldeia não é,
em geral, direta, mas suas ordens vêm através da equipe e nestes momentos o
pater familie mostra sua própria falta de autonomia diante da “mãe” instituição.
Inúmeras situações foram descritas: terapias que as crianças devem
fazer sem que a mãe possa decidir; visitas recebidas nas casas-lares onde a
anfitriã não é a mãe, mas “a instituição”; festas, cerimônias, homenagens onde
mães e crianças são “convidados” obrigatórios.
Dos relatos das diversas experiências delineava-se, para mim, a
estrutura da família SOS: outros nomes para funções semelhantes àquelas do
poder nas famílias patriarcais.
Neste caso, entretanto, com pelo menos mais um grau de complexidade:
toda a família extensa – a própria instituição, comparada com as famílias
reconhecidas legalmente, vive em estado de permanente minoridade e deve
prestar contas das ações que realiza no cuidado com seus filhos, regularmente,
à Vara da Infância. Nessas ocasiões pode ter sua autoridade reforçada,
contestada ou abertamente desqualificada.
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As visitas periódicas à Vara da Infância e da Juventude, obrigatórias
para crianças e mães sociais acompanhadas da assistente social, responsável
pelo relacionamento com o poder judiciário, constituem em geral, ocasiões de
tensão. Há constrangimento para a mãe que vive a situação como julgamento;
insegurança para a criança que repete encontros anteriores, em geral
traumáticos; preocupação para a representante da Aldeia como responsável
legal pela guarda e pela escolha das mães, nesse momento, avaliadas como
funcionárias.
Essas ocasiões exemplificam como o adjetivo social, que na linguagem
jurídica corresponde a substituta, facilmente desliza para não verdadeira,
portanto não ouvida a respeito de seus filhos.
Como foi descrito acima, nos primeiros anos de funcionamento a Aldeia
do Rio Bonito desenvolveu seu projeto inspirada na proposta de Herman
Gmeiner, porém não pertencia à organização internacional das Aldeias e os
pilares da instituição foram sendo construídos, principalmente, com as práticas
dos primeiros responsáveis, notadamente Karin Essler e Margarida Gioielli, as
tias Karin e Magui quase sempre presentes nos relatos de adultos que foram lá
criados, nessa época,
Em relação ás mães sociais, Karin relata que elas tinham sempre apoio
pedagógico e psicológico, de profissionais da área de educação, e através
dessas instruções, elas deveriam alcançar os seus objetivos pedagógicos com
muita consciência, dedicação, repetição, paciência.
Em sua avaliação, porém, muitas mães não conseguiam realizar essa
tarefa.
Algumas não tinham perseverança, elas não tinham paciência.
Então muitas mães foram rudes em momentos de cansaço. Em
momentos de desespero, que toda mãe conhece. Eu tive que mandar
duas mães embora da Aldeia por maus tratos. Foi muito difícil para
mim na época porque de uma eu gosto muito, ela foi uma excelente
mãe, tanto que todos os filhos dela, hoje de adultos, estão num
caminho muito bom, e ela tinha filhos super complicados, mas eu tive
que demitir porque ela ultrapassou os limites de maus tratos físicos
permitidos. Tivemos várias mães sociais que eram muito nervosas
69
quanto ao trato com crianças dessa origem e tivemos mães sociais
que eram muito relapsas, preferiam não chamar atenção, preferiam
não exigir, porque é muito mais fácil não exigir do que ficar cobrando.
Então tivemos todos os tipos de mães, como na vida comum, nós
tivemos mães sociais diferentes. Tivemos uma mãe social que ela
permitia tudo, tudo, não cobrava nada e mesmo assim ela dava um
apoio muito grande para as crianças e a gente via aquele lado do
apoio afetivo, da recompensa com carinho e da dedicação dela como
mulher, então a gente fez vista grossa.”
Ao ouvirmos das próprias mães o quanto suas práticas são atravessadas
por normas, discursos, narrativas conflitantes, e observando os objetivos
estatutários decriar e preservar um meio ambiente apropriado para o
aprendizado das crianças e adolescentes, (assim como) desenvolver e
providenciar oportunidades de emprego, sempre que possível, para adolescentes
integrantes da Família SOS”, transcritos acima, aparece a ambigüidade do lugar
da mãe social como responsável por alcançá-los.
Nas descrições de Magui a Aldeia é um sobrenome, uma pertinência
maior do que a casa com os irmãos sociais e a mãe. Como ficaria então essa
proposta de oferecer uma mãe social que ao mesmo tempo é uma pessoa que
sai por vontade própria ou é despedida? Em suas palavras:
“Esse é o grande drama da Aldeia porque ela vende a idéia de que a
criança vai ter uma mãe para acompanhá-la como todas as mães, que
vai acompanhar até a maioridade; ela vende isso para a mãe social e
para a criança e para a sociedade. A criança é a que menos se engana
com isso; ela já passou por outras situações, quando chega na Aldeia,
pelo menos uma mãe ela já perdeu, então ela pode entender que vai
ficar presa até os 18 anos, como dentro de uma Febem ou qualquer
instituição de criança. Então primeiro a pessoa tem que provar para
eles, e se depois ela sai, essa saída é considerada um abandono”.
Quem compõe a Família SOS, mencionada em negrito nos objetivos
acima? Os habitantes de uma casa-lar, isto é, mãe social e seus filhos?
Uma Aldeia? Ou a Instituição Aldeias SOS?
70
Observação: Parte deste item, referente às mães sociais, foi escrito a partir de pesquisa
realizada em 2001-2003, e faz parte de material lido e aprovado pelas mães que
participaram das entrevistas. Nestes últimos anos as Aldeias vêm passando por sucessivos
processos de mudança visando aumentar a autonomia das mães sociais.
É possível que atualmente haja descrições diferentes destas, mas algumas das
entrevistadas foram mães dos jovens atualmente emancipados.
III 3.4.2 Os irmãos
Os irmãos, segundo pilar dos princípios SOS, pertencem, na prática, a
duas categorias: os “de sangue”, “biológicos” ou “verdadeiros” e os irmãos
sociais, isto é as outras crianças que moram na mesma casa. A manutenção
de irmãos biológicos na mesma casa é regra nas Aldeias, seguindo
recomendação do ECA. Além dessa regra, não há descrição de procedimentos
específicos para cuidar dessas relações.
Em uma casa com nove crianças e jovens, com idades variando entre 6
e 16 anos, havia 6 irmãos, filhos da mesma mãe e de 2 pais diferentes, e 2
irmãos de outra família biológica. A única criança sem irmãos biológicos, uma
menina com 9 anos, sentia-se sozinha e tinha dificuldades de relacionamento
com os outros. Quando pedi um desenho conjunto que representasse Nossa
Casa (ALMEIDA, 2000) a mãe e todos os demais filhos presentes na ocasião,
desenharam, com exceção da menina que ensaiou entrar no desenho coletivo,
desistiu de encontrar um lugar e ficou desenhando na mão. Em relatos de
mães sobre o cotidiano, palavras como defesa e exemplo, apresentam os
irmãos biológicos freqüentemente como um facilitador, embora possam, na
adolescência, dificultar sua autoridade nas casas.
Magui relata que as primeiras crianças que entraram na Aldeia eram
casos em que não era possível recuperar a família e isso não necessariamente
porque a família não quisesse, mas porque as crianças não sabiam falar.
“J. R.tinha 2 anos, o J. B. tinha 1 ano e meio, é terrível, porque ninguém
sabia ... todas essas primeiras crianças que a Aldeia recebeu eram crianças
que ninguém sabia quem era a mãe, não tinham referência de quem era a
mãe. Isto foi meio forjado, porque uma criança não entra no hospital, não é
hospitalizada sem a mãe por o nome. Só que não chegava nem no prontuário
71
dele, porque a criança não tinha sido buscada no hospital, parece que ela tinha
nascido no hospital; então todos estes não tem conhecimento de irmão de
sangue. Todos são muito só, muito só.”
Em sua experiência, é completamente diferente a noção sobre si mesmo
para aqueles que têm irmãos:
“ Mesmo que esteja brigando. Agora, estes que não têm irmão eles
criam irmãos na Aldeia, muito comum. Acho que há aqueles que não
conseguiram criar nenhum irmão na Aldeia. Mas em geral, eles identificam
alguns irmãos na Aldeia.”
Karin também afirma que os grupos de irmãos de sangue são os que
menos problemas têm.
“Aqueles que não tem origem nenhuma, que foram achados, que não
conhecem a mãe, não conhecem o pai, não sabem quem é ninguém, eles não
têm auto-estima nenhuma. O ser humano sem auto-estima é para si mesmo
um desastre e para os outros também porque ele vai ao ataque para se
defender.”
A própria idéia de que “a criança perdeu a família” indicaria a ênfase que
está nos pais, freqüentemente na mãe, como quem constitui a família. No
século que inventou o discurso psicológico centrado na relação mãe–filhos,
acredito que podemos aprender outras formas de ajudar crianças crescerem
com uma rede de apoio afetivo e material.
Nos relatos de jovens emancipados, a manutenção dos vínculos com os
irmãos sociais, biológicos ou não, sempre existe, mas não mantém um padrão
constante; tanto podem existir contatos freqüentes com irmãos como com
outros companheiros de Aldeia, da mesma época.
Família pode ser: “os filhos... os irmãos biológicos ... a Aldeia ... as
pessoas que eu conheci na Aldeia ... minha mãe social ... minha melhor amiga
da Aldeia, moro com ela ...
Silva (1998, p.19) aos cinco anos, foi com mais três irmãos para o
Educandário Sampaio Viana. Foram rapidamente separados e somente por
acaso, com 15 anos, ao prestar serviços no Cartório do 1º Ofício do Juizado de
Menores, fez descobertas sobre si mesmo e sua família: “no sombrio porão do
arquivo do Juizado de Menores, eu, Roberto da Silva, pude pela primeira vez
72
ver uma fotografia minha, aos cinco anos de idade, e vim a saber que tinha
mãe, pai e irmãos. Descobri ainda que eles também estavam internados em
unidades da Febem. Este passaria a ser o meu maior e único segredo.”
Comparando este relato com as histórias dos aldeanos que, embora
tenham lacunas sobre a família de origem, na maioria dos casos, sabem de
onde vieram, quando, como e com quem, e que mantém alguns vínculos com
parentes de sangue e da Aldeia, nomeiam algumas pessoas como sua família,
é possível afirmar que a Família SOS é um ponto de inflexão na linha das
instituições destinadas aos filhos dos pobres.
III 3.4.3 A casa-lar e a Aldeia
Como descrito acima, as casas são semelhantes, mas em função
da topografia da Aldeia de Rio Bonito, não são idênticas. Magui, que participou
da vida da aldeia, convivendo diariamente com as famílias e direção, desde
sua instalação até recentemente, descreve como a partir do mobiliário básico
semelhante, as diferentes doações, a criatividade das mães e políticas que
estimulam autonomia colaboraram para que cada casa sempre tivesse
características próprias, a marca da mãe responsável. Em uma cidade onde o
problema habitacional atinge proporções alarmantes, o significado da casa-lar,
com o quarto das meninas e o dos meninos, camas próprias, armários, cozinha
separada da sala espaçosa, é marcante em todos os relatos de jovens
emancipados.
Perguntada sobre a importância da casa, Karin afirma que faz diferença
porque eles têm um referencial e acrescenta:
“Herman Gmeiner acreditava que era importante que os meninos
tivessem um patamar aonde chegar, se vinham de favela eles iriam querer
morar do jeito como moraram na Aldeia; esse referencial eu quero chegar lá é
algo que também se observa nos ex-aldeanos.”
Eles se referem tanto à Casa quanto à Aldeia como o Lugar onde se
reconhecem. Voltam para visitar, jogar futebol, alguns sonham em trabalhar lá,
e quando perguntados sobre que tipo de instituição criariam para abrigar
crianças que, como eles, fossem separados da família de origem, todos
73
afirmam que seria como a Aldeia, às vezes acrescentando, “mas um pouquinho
diferente. A diferença estaria em “mostrar a vida como é aqui fora”, “ensinar
que não tem mordomia”, “não passar tanto a mão na cabeça”, mas também
aparece o desejo de uma instituição de onde não se precise sair, “que as
crianças ficassem lá até morrer”, “ter continuidade porque tem vezes que a
gente tem vontade de chorar, tem saudade do abraço de uma mãe que eu não
tive, e lá tive minha mãe que me deu abraço, me deu um colo, me deu beijo, e
não tenho mais; eu daria essa continuidade porque adulto também tem essa
vontade de abraçar”.
Magui acredita que a maioria dos jovens tem a Aldeia como lugar de
referência. Em suas palavras:
“Eles tem memórias muito boas, às vezes romanceadas, e também
memórias ruins. Nesse sentido existe um chão... mas também um esquema de
funcionamento onde a Aldeia é a provedora, é a grande mãe e eles vão estar o
tempo todo se relacionando com a Aldeia, maternal e não com a mãe social....
mas a grande maioria deles teve pelo menos uma relação com uma mãe social
que eles identificaram como uma pessoa importante, uma relação importante
de maternagem.”
Narrativas de jovens adultos que viveram os primeiros anos da Aldeia de
Rio Bonito confirmam que as várias possibilidades dos pilares em ação têm
oferecido, de um modo geral, “a segurança de um lar e (pelos) cuidados
dispensados pela Mãe Social, o amor e o carinho necessários ao
desenvolvimento normal e harmonioso de suas potencialidades”.(ESTATUTO,
AnexoIII)
O caminho que leva da Aldeia à Cidade seria pavimentado pelo objetivo
desenvolver e fomentar junto às crianças e aos jovens um sentimento de
independência, responsabilidade, percepção do que se passa ao seu redor,
iniciativa e desejo de aprender, conseguindo assim uma completa integração
na comunidade de que participam”.
As descrições dos jovens entrevistados quanto à situação atual de vida
e a pesquisa quantitativa (UNIV. FEDERAL FLUMINENSE, 2003), ambas
referidas na metodologia, parecem indicar que há muitas pedras nesse
74
caminho. Nas condições sócio-econômicas e histórico-culturais brasileiras,
outros pilares seriam necessários?
75
IV –MÉTODO
IV.1 Justificação
O objetivo da pesquisa: - investigar narrativas de identidade, através dos
relatos dos protagonistas, leva à escolha de uma abordagem qualitativa,
seguindo a reflexão metodológica de Max Weber (in MINAYO, 1993) quando
afirma que o elemento essencial na interpretação da ação é o
dimensionamento do significado subjetivo daqueles que dela participam.
O método qualitativo é útil também para aprofundar algum problema
levantado por estudos quantitativos. Por exemplo: pesquisa quantitativa,
realizada pela Universidade Federal Fluminense em 2003, entrevistou em 10
cidades do Brasil 107 jovens com mais de 22 anos que estiveram em alguma
Aldeia por no mínimo dois anos e que estão fora há pelo menos cinco anos. Os
dados relativos à situação de vida desses jovens foram comparados com os de
um grupo controle da mesma idade e nível sócio-econômico.
Os resultados não mostraram diferenças significativas quanto à situação
de emprego e escolaridade permitindo afirmar que os jovens criados em
Aldeias SOS apresentam tantas dificuldades de colocação quanto os demais.
As dificuldades de jovens pobres das periferias de cidades brasileiras, para
entrarem no mercado de trabalho e atingirem outras características esperadas
pela sociedade nessa faixa etária, são temas de análises da nossa conjuntura
sócio-econômica atual.
Porém, as perguntas que essa pesquisa não responde referem-se às
especificidades do desenvolvimento dos jovens das Aldeias. Que valor é
atribuído à separação das crianças de suas famílias de origem? Como se
constitui uma Família Social? Quais as descrições de Aldeanos, presentes nas
práticas da Instituição? Quais os pressupostos que orientam suas idéias sobre
Autonomia? Como dirigentes e educadores descrevem esses jovens adultos?
Como eles próprios descrevem sua vida atual? Como se vêem a si mesmos?
Que relações fazem entre sua vida na Aldeia e suas características atuais?
Algumas dessas questões foram sendo respondidas pela minha
convivência com mães, dirigentes e auxiliares da Aldeia SOS do Rio Bonito,
76
durante pesquisa realizada com as mães sociais, realizada durante os anos de
2001-2, na colaboração em cursos de preparação de mães sociais em 2003, e
na coordenação de grupos de mães durante o ano de 2004. Ao conhecer
melhor o cotidiano de uma Aldeia, entendi como lá-fora, ou o-mundo-de-fora,
surgiam em várias falas com significados distintos e, conseqüentemente, com
preocupações diferentes. Levando em conta que todas as crianças criadas na
Aldeia vieram do tal mundo lá fora, de realidades muito adversas, às vezes
perversas, minha curiosidade dirigiu-se para o processo através do qual essas
crianças perdiam o contato com essa realidade.
Surgiu-me uma dúvida incômoda: quando institucionalizamos crianças,
mesmo em uma proposta tão diferenciada quanto a das Aldeias SOS, podem à
saída para o tal mundo-lá-de-fora, e à separação da casa-lar e da mãe social,
ressignificar o vivido anteriormente, configurando um segundo abandono e uma
traição?
Segundo os ESTATUTOS (anexo III) da organização:
Todos os Projetos SOS devem empenhar-se para
atingir os seguintes objetivos:
I - criar e preservar um meio ambiente apropriado para o
aprendizado das crianças e adolescentes que integram a
Família SOS;
Se família é sinônimo de pertencimento, tornar-se um ex-aldeano
deveria ser um ritual de passagem para uma outra categoria de membro da
Família SOS. Em nossas famílias de origem, não temos novos nomes para
filhos-que saíram-de-casa, a não ser pelo casamento. As relações das Aldeias
com seus filhos-que-sairam-de-casa são ambíguas. Variam desde a total
liberdade de entrada e visita às antigas casas a restrições de horário,
chegando até à proibição total de entrada, e isto tem ocorrido mais em função
de eventos específicos, como atos agressivos cometidos por algum jovem
perturbado mais do que por uma reflexão sobre os significados dessas
condutas.
Os significados excludentes, contidos na categoria ex-aldeanos, levaram
a direção nacional a mudar o nome dos jovens adultos que haviam vivido em
alguma Aldeia para aldeanos emancipados. Visando sanar as dificuldades de
77
aldeanos emancipados em achar seu caminho no mundo-de-fora, o Comitê de
Apoio da Aldeia Rio Bonito dispôs-se em 2003 a participar da elaboração e
acompanhamento de um projeto denominado Emancip-Ação.
O trabalho das educadoras sociais que conviveram durante um ano com
doze jovens com idades entre 19 e 26 anos permitiu-me observar a
ambivalência dos sentimentos destes, em relação à Aldeia. Esses sentimentos
não são diferentes dos observados em alguns jovens adultos criados com suas
famílias de origem que, não conseguindo se sustentar e escolher seu próprio
caminho oscilam entre atribuir a seus pais a responsabilidade pelo seu
insucesso, com frases como “eles me mimaram”, “não deviam ter me deixado
desistir do curso X”, e fazer planos ambiciosos que demandariam mais
competências do que aquelas que conseguiram adquirir. Essas situações,
muitas vezes tornam-se crônicas, num entra e sai da casa dos pais. A
diferença é que estes jovens continuam parte da família e, como sempre existe
a possibilidade de revisão dos princípios e regras expressos nos discursos
familiares, essa situação pode ser superada.
No caso dos aldeanos emancipados, na impossibilidade de manter a
porta da casa aberta e oferecer ajuda intermitente, a tendência tem sido de
colaboradores voluntários da Aldeia, antigos funcionários, membros da diretoria
ou outros antigos aldeanos oferecerem socorros pontuais, tendo mesmo havido
situações limite com roubos e tentativas de invasão da própria Aldeia.
Essa descrição refere-se a alguns casos. Muitos outros superam as
dificuldades, mas se não é sempre traumática, freqüentemente é sofrida a
passagem à maioridade desses jovens.
Como eles se vêm a si mesmos? Como descrevem essa passagem?
O interesse por essas perguntas gerou esta pesquisa – Da Aldeia à
Cidade – Narrativas de Identidade de Jovens Adultos Criados na Aldeia SOS
do Rio Bonito.
Depois de ler e reler as entrevistas que realizei, tendo visitado jovens
em suas casas ou na própria Aldeia, uma descrição mais humilde seria:
histórias sobre si mesmos que quatro jovens egressos da Aldeia SOS do Rio
Bonito, contaram para Helena Maffei Cruz quando ela começou uma conversa
com eles dizendo:
78
O meu interesse na pergunta “quem é você”? é em tudo que está
presente naquilo que você descreve como Você Hoje: as relações com a
família biológica, a Aldeia, a casa, a mãe social, os irmãos, e o que mais é
necessário ... Quando você pensa em quem você é, no que você pensa?
O início do diálogo deu-se depois de estabelecido um contexto de
conversação, explicados os objetivos da pesquisa, obtida a permissão para
ligar o gravador e combinado o destino do material gravado com o entrevistado.
Essa pergunta foi repetida mais ou menos com as mesmas palavras em
todas as outras entrevistas, com intenção de que o convite fosse semelhante a
todos os entrevistados.
Ao pretender conhecer essas narrativas e os significados atribuídos a
jovens adultos criados na instituição, meu interesse se volta para o que é
próprio do método qualitativo: valores, crenças, hábitos, atitudes e opiniões.
(MINAYO, 1993)
Compreendendo a entrevista como uma situação relacional, o tipo de
prática discursiva que ocorre é fruto dessa situação, e isto atinge tanto pesquisas
quantitativas quanto qualitativas, propondo uma redescrição dos parâmetros de
rigor e validade. (SPINK, 2000)
A postura construcionista implica no reconhecimento de que os sentidos
produzidos em uma entrevista são co-construídos e carregam valores, crenças,
hábitos de conversa, atitudes e opiniões frente à pesquisa tanto dos
participantes quanto da pesquisadora.
Esse pressuposto leva à adoção de estratégias de explicitação de todos
os passos que constituem o correspondente, nessa perspectiva, dos
procedimentos para a obtenção de rigor da pesquisa quantitativa. Spink e Lima
(2000) descrevem esses passos como visibilidade, definida como um conjunto
de estratégias e técnicas de visualização de todo o processo de interpretação,
uma vez que é neste que é depositada a noção de rigor.
“Fazer ciência é uma prática social e, como em qualquer outra forma de
sociabilidade, seu sucesso e legitimação estão intimamente associados à
possibilidade de comunicação de seus resultados”.(Spink, 2000, p.93)
79
IV.2 Participantes
Quatro jovens adultos emancipados que aceitaram o convite para a
entrevista. O primeiro entrevistado foi contatado a partir de uma lista fornecida
por Margarida Gioielli, (Magui), psicóloga da Aldeia de Rio Bonito desde sua
fundação até o ano de 2006. Constam dessa lista aldeanos emancipados que
moram em São Paulo e mantém algum contato com membros da equipe da
Aldeia, contemporâneos seus. A maioria dos jovens adultos criados na Aldeia
de Rio Bonito mora no extremo sul do município, em locais de difícil acesso e
têm dificuldades em participar de entrevistas fora dessa zona. Aqueles que
estão empregados, não têm disponibilidade durante o dia e vários não tem
domicílio fixo, morando ora com um, ora com outro irmão de casa, como eles
chamam os irmãos sociais. Realizam tarefas temporárias e mudam para locais
próximos ao local de trabalho. Os entrevistados são jovens que, convidados
por e-mail ou telefone, conseguiram agendar local e horário possíveis para a
entrevistadora. Todos os nomes abaixo são fictícios.
Ricardo, 23 anos, solteiro, uma filha, mora sozinho em casa alugada em
bairro da zona leste, está no último ano do curso superior de Saúde Pública.
Trabalha em uma ONG como professor de várias matérias, incluindo inglês.
Mariana, 24 anos, separada, tem um filho que mora com ela, em casa
própria comprada junto com sua irmã, também criada na Aldeia. A compra foi
efetuada graças à poupança feita por padrinhos e empréstimo da Aldeia, já
pago. Mora também com elas um irmão de Aldeia. Mariana tem segundo grau
completo, e trabalha em um banco.
Denise, 21 anos, solteira, sem filhos, morando no bairro da Aldeia de Rio
Bonito com três amigas e trabalhando em um centro comunitário anexo a esta.
Suely, 28 anos, 3 filhos. Deixou os estudos na 6ª série, quando
engravidou, com 15 anos, casou-se e se emancipou da Aldeia. Separou-se
dois anos depois. Os outros dois filhos têm pais diferentes; atualmente está
sozinha. Voltou a estudar, e fez o curso de auxiliar de enfermagem. Mora em
casa própria, em área invadida, e no momento está desempregada.
80
O projeto inicial previa cinco entrevistas, mas não foi possível realizar a
quinta. Wilson, 25 anos, foi contatado três vezes e das três concordou com a
entrevista, hora e lugar. Faltou ao primeiro encontro, tendo telefonado para a
Aldeia uma hora depois do que havíamos combinado, justificando sua falta por
motivo de doença e ida a um posto de saúde. Não compareceu ao segundo
encontro e não avisou. Quando entrei novamente em contato com ele,
explicou-me que havia sido chamado para uma entrevista, e se propôs a
marcar outro encontro. Não considerou essas faltas como “cano” porque tinha
motivos justos (sic). Quando o terceiro encontro foi marcado combinei de
telefonar para confirmar e seu telefone se encontrava cortado. Deixei recado
para ele entrar em contato comigo quando chegasse ao local combinado – a
Aldeia de Rio Bonito. Ele não telefonou.
Tentei outros quatro jovens que me foram indicados por seus amigos
aldeanos; o celular de um deles encontrava-se fora de serviço, outro estava
trabalhando temporariamente fora da cidade, dois outros não responderam aos
recados.
IV. 3 Procedimentos para a Realização das Entrevistas
Os participantes acima relacionados foram contatados por celular ou por
e-mail e as entrevistas foram realizadas nos locais mais convenientes para
eles. As duas primeiras entrevistas foram realizadas respectivamente nas
casas dos entrevistados, por sugestão deles. A terceira foi realizada em centro
anexo à Aldeia de Rio Bonito, onde a entrevistada trabalha. A quarta também
foi realizada na casa da entrevistada .
As entrevistas abertas foram gravadas em áudio e transcritas para
análise e tiveram duração de aproximadamente uma hora.
IV.4 Análise das Narrativas
O processo de análise foi orientado pela compreensão das entrevistas
como práticas discursivas, ou seja, uma das possibilidades de produzir
realidades psicológicas e sociais, ativamente, através da linguagem. Esse
81
entendimento leva a considerar a entrevista como uma ação por meio da qual se
constroem versões de realidade.
Foram construídos mapas de identificação dos temas surgidos nos
diálogos, introduzidos pela entrevistadora ou pelos entrevistados, separando-os
em categorias descritivas a partir da técnica de análise denominada Mapas de
Associação de Idéias. (Spink, 2000)
As categorias temáticas apriorísticas Aldeia, Mãe Social e Casa, Irmãos
Sociais e Família de Origem, nomeada pelos entrevistados como família
biológica, refletem os objetivos da pesquisa, e os mapas apresentam-nas
mantendo a seqüência das falas, uma vez que o sentido vai sendo produzido no
diálogo.
Os significados atribuídos pelos entrevistados aos procedimentos da Aldeia
levaram-me a subdividir a categoria Aldeia em Procedimentos, que engloba
as regras e ações e Como Qualifica, que agrupa as opiniões do entrevistado
sobre tais procedimentos. Em relação à mãe, os entrevistados descreveram
diferentes maneiras de cuidar que foram agrupadas na subcategoria Como
Cuidava. Estabeleceram também ligações entre estes cuidados e
características atuais de suas maneiras de ser: estas foram agrupadas na sub -
cetegoria Como Afetou. Os irmãos sociais surgiram como parte da rede, ora
como um recurso, ora como um exemplo a não seguir. A posteriori introduzi as
categorias: Rede a Partir da Aldeia que aparece como relevante no percurso
de formação e emancipação; Dirigente, que não é considerado como um pilar
da instituição mas foi apontado por todos como exemplo, apoio, presença firme
e amiga. Quando os entrevistados relatam como estão, o que fazem e como
vivem atualmente, aparece o amálgama desses “outros significativos co-
construtores da experiência coerente no tempo e no espaço que constitui a
identidade deles” (Sluzki, 1997, p.15) Denominei A Vida Fora da Aldeia às
descrições sobre a vida atual e Ações e Reflexões às narrativas de ação e do
que pensam a respeito de si e suas relações. Finalmente, um relato, na
primeira entrevista, sobre como jovens criados em instituições costumam ser
descritos, alertou-me para a afirmação de Gergen (1996, p.186): “O self não é
uma propriedade do indivíduo, mas dos relacionamentos – produto do
intercâmbio social. De fato, ser um self com um passado e um futuro potencial
82
não é ser um agente independente, único e autônomo, mas um ser imerso na
interdependência”. Essas narrativas foram categorizadas como Preconceito.
Os mapas sistematizam o processo de análise da conversação
estabelecida nas entrevistas, em termos de construções lingüísticas e repertórios
utilizados e tem como objetivos: organizar o processo de interpretação e facilitar a
comunicação dos passos deste processo.
A construção de Mapas de Associação de Idéias permite que todo o
processo de interpretação seja acompanhado pelo leitor da pesquisa,
coerentemente com a proposta de que a visibilidade é o que possibilita a
legitimação social de uma pesquisa como válida ou rigorosa.
Seguindo o Mapa de Associação de Idéias é possível comparar a
relevância dos temas apriorísticos em relação aos outros temas que surgem na
conversa, tanto espontaneamente como estimulados por perguntas da
entrevistadora, e que constituem categorias a posteriori. Pode-se, também,
observar no mapa o serpentear dos temas.
A partir dos mapas foram construídas Linhas Narrativas, mantendo-se, da
mesma forma, a seqüência em que aparecem no decorrer da entrevista. As
Linhas Narrativas, (Spink e Lima, 2000, p.117), “são apropriadas para
esquematizar os conteúdos das histórias utilizadas como ilustrações e/ou
posicionamentos identitários no decorrer da entrevista”. A narrativa é construída a
dois. Os relatos que surgiram a partir de perguntas da entrevistadora são
apresentados em itálico. As linhas narrativas permitem visualizar sinteticamente
os eventos significativos, como estes afetaram o/a entrevistado/a e como ele/a
historia suas respostas e ações.
Seguindo as Linhas Narrativas é possível visualizar quantas categorias,
eixos ou temas são apontados como importantes para as narrações de si mesmo.
Todas as falas que se referem a esses temas foram sintetizadas mantendo-se os
verbos que apresentam as ações e os adjetivos que contam dos sentimentos do
entrevistado.
A análise e interpretação de cada entrevista foram realizadas antes da
entrevista seguinte. Ao propor uma entrevista aberta não havia perguntas a priori,
mas ao seguir os relatos fui pontuando, comentando e fazendo novas perguntas.
83
A análise das minhas perguntas e comentários permite explicitar vários
tipos de intervenção:
- Perguntas que repetem afirmações do entrevistado, para confirmação,
esclarecimento, ou detalhamento de algum significado.
- Perguntas que convidam a explicações ou reflexões sobre algo já
narrado, formuladas com palavras do entrevistado, ou que a partir de uma
descrição visam ampliar algum significado, mas não introduzem tema novo.
- Perguntas que introduzem um novo aspecto ligado ao tema introduzido
pelo entrevistado.
- Intervenções e comentários que mantém a conversação sobre temas
narrados pelo entrevistado, que denominei intervenções com função fática.
- Intervenções que introduzem tema novo ou analogias, generalizações.
Essa última categoria ocorreu na primeira entrevista e ao analisar todas as
intervenções, pude refletir sobre o cuidado necessário para não deslizar dos
temas escolhidos a priori ou introduzidos pelo entrevistado, para temas de
interesse do entrevistador, alheios à proposta da pesquisa.
A explicitação e a categorização das perguntas permitem a visualização
das intervenções do pesquisador e a avaliação dessa interferência na narrativa
resultante. As entrevistas na íntegra, as perguntas da entrevistadora, os Mapas
de Associação de Idéias e as Linhas Narrativas de todas as entrevistas
encontram-se respectivamente, nos Anexos IV, V, VI, VII.
IV. 5 Considerações Éticas
O objetivo desta pesquisa: investigar como são construídas as
identidades dos jovens criados nas Aldeias Infantis SOS - Brasil de São Paulo,
resultantes dos significados atribuídos às relações sociais por eles vividas na
Aldeia e, após a maioridade, como jovens adultos, vivendo fora da Instituição.
O pressuposto organizador dos procedimentos: esses significados são
construídos através das práticas discursivas que orientaram as relações dos
jovens, durante sua criação tanto fora quanto dentro da Aldeia. Os autores
dessas práticas são os outros significativos, co-autores das narrativas que dão
84
sentidos “às experiências coerentes no tempo e no espaço que constituem a
identidade” (SLUZKI, 1997, p.15) desses jovens.
Os instrumentos de coleta de dados foram entrevistas abertas, onde a
primeira pergunta gerou narrativas em que os temas de interesse da pesquisa
surgiram entrelaçados com outros associados livremente. As perguntas
seguintes ampliaram os relatos ou introduziram algum outro tema ainda não
abordado: perguntas abertas sobre as propostas e o cotidiano das crianças na
Aldeia, os contatos Instituição - sociedade e o processo de saída, os laços com
a família de origem e o lugar da família social, entendida como a unidade
domiciliar das crianças e jovens durante sua permanência na Aldeia.
As entrevistas foram realizadas no local mais adequado a cada
participante e gravadas, uma vez obtido o consentimento para tal.
Foi explicada claramente a cada participante a finalidade científica da
pesquisa, garantida a confidencialidade do material, a ausência de dano do
processo e o direito de recusa ou interrupção dos participantes no momento em
que desejarem, bem como o direito de acesso aos resultados.
Esses itens constam do Consentimento Informado, cujo modelo
encontra-se no Anexo VIII.
85
V - Análise e Interpretação
Este capítulo descreve o processo das entrevistas e de sua análise -
interpretação. As entrevistas são apresentadas na ordem em que ocorreram,
pois cada experiência influencia a seguinte e os sentidos produzidos em um
encontro passavam a ser parte de meu repertório interpretativo no encontro
seguinte. Com essa compreensão dialógica da produção de significados,
análise e interpretação são inseparáveis.
V.1 Conversando com Ricardo*, análise e interpretação.
*Neste item todos os nomes são fictícios, com exceção de Karin Esller e Margarida Gioielli.
Sua presença na história dos entrevistados torna impossível a descaracterização. Ambas
consentiram na publicação de seus nomes e receberam cópias deste texto.
O contato foi feito por e-mail no qual expliquei a pesquisa que estava
fazendo e perguntei se ele aceitaria ser entrevistado. Ricardo concordou
prontamente, muito entusiasmado porque também está escrevendo um
trabalho sobre a Aldeia, sua monografia de conclusão do curso universitário de
saúde pública. Escolheu a área de saúde mental e quer pesquisar alguns
procedimentos das Aldeias SOS/ seu interesse é correlacionar justiça com
saúde mental.
Seu duplo interesse em pesquisar e colaborar com a Aldeia colocou-nos
em uma situação de paridade: ambos colaborando para ajudar o trabalho do
outro.
O convite para que eu fosse à sua casa posicionou-o como anfitrião. Ele
mora na zona leste, nos fundos de uma casa em uma rua calçada, iluminada,
em área residencial próxima a transporte público e comércio. Sua casa tem
quarto, sala, banheiro e cozinha com geladeira, poucos móveis; tudo muito
bem arrumado, A sala, além de um sofá e televisão é arrumada como um
ambiente de estudo: estante com muitos livros, computador, Internet, uma
mesa redonda com cadeiras, com material de trabalho em cima.
86
Entreguei-lhe uma cópia do que já havia escrito para o exame de
qualificação, comentando o caminho seguido. Algumas vezes Ricardo me fazia
perguntas, suscitadas pelo seu próprio trabalho. Expliquei a necessidade do
consentimento informado que foi assinado e conversamos um pouco sobre sua
monografia. Ele me falou sobre suas dúvidas em relação à metodologia pois
uma de suas professoras acha que ele não pode escrever de maneira pessoal
(sic). Quando o gravador foi ligado a conversa fluiu com muita facilidade.
Helena: é uma entrevista aberta onde você vai falar sobre você. O
meu interesse na pergunta, “quem é você”, é em tudo que está presente
naquilo que você descreve como Você Hoje: as relações com a família
biológica, a Aldeia, a casa e a mãe social, os irmãos, e o que mais é
necessário ... Quando você pensa em quem você é, no que você pensa?
Na minha pergunta estão presentes os objetivos de pesquisa, portanto
convida o entrevistado a focar alguns aspectos. Sua resposta inicial a esse
convite afirma a importância da Aldeia, qualifica alguns aspectos como
positivos, outros como negativos, e afirma sua crença no positivo.
Na verdade, assim... A Aldeia é realmente importante para mim, teve
seus lados positivos e negativos, só que eu acredito que foi muito mais
positivo.”
Prosseguindo, Ricardo, sem nenhuma outra pergunta ou estímulo,
introduz a categoria mãe social referindo-se às duas com quem conviveu,
descrevendo como cuidavam e como ele foi afetado. “Primeiro pelo carinho que
eu recebi da mãe social, da última mãe social, porque a primeira eu não gostei
muito da experiência porque ela, quando eu fazia alguma coisa errada na
situação de criança, atitude de criança, ela pegava alguns galhos de árvore
para me bater, então achava aquilo inadequado para uma profissional. Então
muitas vezes eu limitava meus interesses, minhas vontades como criança
porque tinha medo dela. Aí a partir do momento que houve uma troca de mãe
social e fiquei com outra mãe social, não sei se pode falar os nomes... Que é a
Maria, ela me ensinou o que é realmente ter uma família.” Continuando
introduz outras pessoas significativas, que nomeei como rede formada a partir
da Aldeia, ao descrever os laços com a família da mãe social: “ ... e eu gostei
muito da forma como ela nos levou, nos tirou da Aldeia para conhecer a família
87
biológica dela porque na época não eram muitas que faziam isso e quando
faziam era uma criança ou outra, então já tinha uma diferença de tratamento ali
entre as crianças. E ela não, pegava todos e levava uma vez a cada mês, mas
sempre levava todos. E eu descobri o que é realmente ter uma madrinha,
porque a tia dela é minha madrinha. A tia da minha mãe social, ela cuidou de
mim durante muito tempo.”
Ricardo prossegue introduzindo o tema da vida fora da Aldeia: Quando
eu saí da Aldeia fui morar com dois irmãos de casa, só que nós três estávamos
desempregados, como nós estávamos nos sustentando, na verdade, nós
estávamos começando a passar dificuldades, né?
Na mesma frase, Ricardo descreve suas ações (em negrito) e o amparo da
rede: E aí eu conversei com a tia Regina, que é a tia da tia Maria e ela me
chamou para vir morar em Santo André, que é aqui próximo do meu trabalho e
estudo atual, e a partir daí eu consegui reestruturar de novo a minha vida
porque comecei a bater a cara, porque eu comecei a fazer cursos, quero
fazer cursos, justamente o que ela estava falando dos projetos, só que eu não
tinha como dar uma iniciativa,... então tive conhecimento de que uma menina
da Aldeia, chamada Mariana, tinha um padrinho que ia pagar a faculdade para
ela e ela não queria fazer faculdade, não queria fazer nenhum estudo,
conversei com ela e perguntei se eu podia pedir para o padrinho dela pagar
um curso de auxiliar de enfermagem para mim porque meu sonho, desde os 8
anos de idade, sempre foi fazer medicina, ela falou, por mim tudo bem, eu não
vou, no caso, perder nada e nem ganhar nada, só que eu pedi o
consentimento dela. Aí conversei com a tia Karin e a tia Karin me apresentou
o R. que é um amigo dela, que é um nome difícil de pronunciar (risos), e aí
como eu tive ume entrevista com ele, e eu já estava morando em Santo
André nessa época, e ele conversou comigo e disse que não podia pagar uma
universidade porque já estava pagando para mais três pessoas, outros jovens
de mais três instituições, só que ele me ajudaria a pagar um curso técnico,
então ele pagou esse curso de 13 meses de auxiliar de enfermagem, e aí na
metade do curso eu comecei a trabalhar numa outra ONG e o pessoal dessa
ONG percebeu meu interesse em estudar e ser uma pessoa dedicada aos
estudos, e eles perguntaram se eu queria fazer outro curso porque eles não
88
tinham como pagar um curso de medicina que é muito caro aqui no Brasil, só
que saúde pública,, eles explicaram que é uma área da saúde...
Como parte de sua primeira resposta surgiram outros temas: a rede
constituída a partir da Aldeia, a vida fora da Aldeia, e as ações descritas pelo
entrevistado como parte de seu jeito de ser. Continuando a conversa surgem
as relações com a família biológica e descrições da importância do
dirigente. Também espontaneamente, Ricardo menciona a vergonha que
alguns tem de contar que foram criados em instituição, ou como ele nomeia,
orfanato. Relata que os outros: - pessoas sem relação com a Aldeia, do
mundo-aqui-de-fora, atribuem aos egressos de instituições,
indiscriminadamente, uma identidade cristalizada, ora de marginal, ora de
vítima. Esses trechos da narrativa estão agrupados sob outra categoria
descritiva: - preconceito, relevante para a compreensão do que jovens podem
expressar ou não, (WHITE, 2000) como resultado de processos sociais nos
quais demandas específicas sobre sua identidade criam vocabulários com os
quais eles podem se descrever.
Sua entrevista foi a primeira que realizei e antes de fazer a segunda
analisei minhas intervenções.
Durante a conversa houve 74 intervenções minhas, a saber
- confirmação, esclarecimento ou detalhamento: 42
- pedidos de explicações sobre algo já narrado: 13
Exemplos:
R - Eu não gostava de umas palavras que elas usavam para falar da gente:
H: Que palavras ?
R - O J.L era como um pai para toda a Aldeia.
H: Como ele conseguia fazer isso com 100 crianças?
- introdução de novos aspectos ligados a temas já explorados: 9
Ex. quando Ricardo falou da Aldeia, da chegada de carro, da mãe, da
separação.
H: Você se lembra da sua vida antes de ir para a Aldeia?
Quando relatou o fato de ter sido escolhido para ganhar uma bolsa para a
Noruega
H: Eles perguntaram se você queria?
89
- intervenções com função fática: 7.
- intervenção que introduz uma analogia entre família social e biológica: 1.
- intervenções que desviam o foco da pesquisa:2.
Essa análise mostra a participação da entrevistadora na produção das
narrativas pelo entrevistado. 55/74, isto é, 74,3% das perguntas seguiram as
falas do entrevistado e pediram detalhes e/ou explicações sobre o que havia
sido espontaneamente relatado. Se forem subtraídas as 9 intervenções com
função fática, a percentagem vai para 55/65, isto é, 84,6%.
A única pergunta que propôs um tema fora dos objetivos da pesquisa
relaciona-se ao fato de Ricardo, como a maioria dos jovens criados na Aldeia
ainda muito jovem ter tido um filho de uma relação não douradora. Embora os
projetos e processos de constituição de família sejam indicativos das narrativas
sobre si mesmo de jovens adultos, introduzi, de modo que a posteriori
considero indevido, o tema da possibilidade dos ex-aldeanos tornarem-se pais
de crianças, por sua vez sujeitas à institucionalização. Embora este tema não
seja parte dos objetivos da pesquisa, é de meu interesse. A análise das
perguntas mostra a introdução de novo tema alheio aos objetivos da pesquisa
e a facilidade com que novos significados são produzidos em um diálogo. Esse
método de visualização das intervenções da pesquisadora permite não imputá-
los ao entrevistado.
Em relação à Aldeia, Ricardo qualifica seus procedimentos, descreve-
os, aponta a rede criada a partir dela, que inclui várias pessoas, além dos
irmãos sociais, descreve e qualifica a relação com a família biológica e, a partir
de uma pergunta aberta sobre o Dirigente (e o dirigente, na sua história?)
nomeia diferentes sentidos atribuídos à função de um pai.
Seguindo o Mapa de Associação de Idéias ficam explícitos os sentidos
atribuídos por Ricardo às ações e as conseqüências em sua vida. Assim como
as ações atribuídas à Aldeia, entendida como diretrizes da instituição, são
avaliadas positiva ou negativamente, às diferentes maneiras das mães sociais
cuidarem de sues filhos são atribuídas conseqüências distintas.
Nos exemplos, assinalo em negrito as ações e seus significados: “... a
Maria (mãe social) levava todos, um a cada mês, mas sempre levava todos
90
(para conhecer sua própria família). Aí eu descobri, o que era uma verdadeira
madrinha. A tia da Maria, ela cuidou de mim durante muito tempo”.
Ricardo descreve também suas próprias decisões e ações ligando-as às
conseqüências.
“Quando eu saí da Aldeia morei um ano sozinho com mais dois
jovens, que são o N. e o J., que moravam na casa B e que são meus irmãos
de casa e ... eu queria estudar, ... nós estávamos começando a passar
dificuldades ... eu conversei com a tia Regina, que é a tia da tia Maria e ela
me chamou para vir morar em Santo André, que é próximo daqui, e a partir
daí eu consegui reestruturar de novo a minha vida.”
Na seqüência, o-que-eu-sou-hoje, (vida estruturada) nomeia como
importantes a ajuda de uma rede formada a partir da Aldeia (pela permissão às
mães sociais de levarem seus filhos para a casa de suas famílias de origem),
da sua mãe social, que efetivamente propiciava o contato de seus filhos de
Aldeia com seus parentes, a percepção de interesses e ações para realizar
esses objetivos, diferentes de outros aldeanos, (eu conversei com ... eu
consegui reestruturar ...).
Em relação à mãe social, seguindo a Linha Narrativa, pode-se observar
que Ricardo inicia qualificando-a positivamente, “primeiro pelo carinho que ela
me deu” e em seguida esclarece que esta referência positiva é para a segunda
mãe, “porque a primeira eu não gostei muito”. Avalia seus procedimentos como
inadequados para uma profissional, quando ele fazia alguma coisa errada “na
situação de criança” o que subentende que esta é uma opinião dele adulto, e
prossegue descrevendo as conseqüências para ele criança: “muitas vezes eu
limitava meus interesses, minhas vontades como criança porque tinha medo
dela.”
Perguntado sobre que relação a Aldeia tinha com as famílias biológicas,
como ele se refere às famílias de origem, Ricardo descreve o procedimento
referindo-se à mãe social que ele considera sua verdadeira mãe: “a mãe social
Maria sempre nos dizia que era importante ter um vínculo, então os meus tios
eles iam uma vez a cada três meses ou quatro meses, os tios que ficaram com
meu irmão menor”.
91
Quando descreve como chegou à Aldeia, fala de uma casa provisória
onde ficavam outras crianças durante as folgas de suas mães, e que ele não
gostava por ser um espaço confuso. Ao falar da primeira mãe social com quem
morou por três anos, descreve-a como alguém que “cuidou bastante da gente,
deu bastante carinho, deu bastante joguinhos para a gente brincar no começo,
só que a forma como ela batia na gente eu não gostava.”
Embora tenha gostado quando ela foi embora da Aldeia, mantém
contato e atualmente tem com ela um bom relacionamento, trocando
mensagens pelo Orkut, mantendo-a informada sobre sua vida “porque nós
éramos nossa família, né? Nós éramos quase 10 crianças, a maior família que
tinha na Aldeia dentro de uma casa”. Mas considera como mãe mesmo a
Maria, e a família dela como sua. Tem muita afinidade com Maria, atribuindo-
lhe muito de sua personalidade atual.
Considera muito importante falar desse papel, da importância da mãe
social no desenvolvimento da criança: “Sem contar o perfil mesmo de
capacidade educativa, se a Aldeia trabalhar melhor esse lado dos profissionais,
as crianças vão ser, vão ter um melhor funcionamento”.
Mãe e Aldeia são referências positivas na sua vida presente. Aldeia nas
diferentes narrativas tem vários significados: às vezes é o espaço físico, às
vezes é um conjunto de ações qualificadas como positivas ou negativas cujos
protagonistas podem ser os responsáveis pela Aldeia onde ele foi criado, os
dirigentes nacionais ou representantes da organização internacional.
Embora não mantenha relações freqüentes com seu irmão biológico,
Paulo, com o qual foi criado na Aldeia, descreve sua preocupação em protegê-
lo durante o período em que viveram juntos, tanto nas relações com adultos
como com outras crianças, e também em relação aos seus parentes biológicos
que, em sua avaliação, o discriminavam. O irmãozinho menor, que a mãe
escondeu quando ele e Paulo foram retirados de seu convívio, ficou morando
com tios, mas Ricardo não o menciona mais durante a entrevista. Diz ter
descoberto que tem uma irmã, não sabe se mais velha do que ele ou logo
abaixo, e que foi adotada. Embora não conheça seu pai, e este não o tenha
reconhecido, sabe onde ele mora e pretende procurá-lo, em suas palavras,
para descobrir o paradeiro da irmã, pois teria sido informado que o pai sabe.
92
O ato de procurar esta irmã foi relatado espontaneamente e surge como
um projeto sem data, diferentemente de todos os projetos em relação ao
desenvolvimento pessoal, e parece confirmar a fala inicial na qual,
descrevendo a chegada na Aldeia, diz: “Eu cheguei pensando que era um
passeio de carro, fui ficando, fiquei um mês na casa da tia Eunice sem
realmente sentir falta da minha família, não sei se por causa que na Aldeia eu
recebi um tratamento bom, mas acho que realmente eu não me sentia bem
com minha própria mãe.”
Hoje Ricardo sabe que a mãe era epilética, com crises de ausência,
quando deixava panelas queimando, crianças sem cuidados, e que
ocasionaram denuncia de vizinhos. Acredita que por mau uso de
medicamentos tornou-se dependente química, e a convicção de que se ela
tivesse tido um bom atendimento não teria perdido os filhos, levou-o desde
menino a querer estudar medicina. Isto somado ao sentimento de que recebeu
“muita ajuda na Aldeia, de padrinhos de fora, de dentro da Aldeia e da
instituição, sempre ajuda, ajuda, ajuda. Então essa questão de ajuda ficou
gravada na minha cabeça, então qual profissão que eu posso seguir para
ajudar as pessoas de uma outra forma, não dando dinheiro, devolvendo
dinheiro que investiram na minha educação, na minha vida, mas ajudando as
pessoas, né? Então achei que a área da saúde foi um caminho”.
Ricardo compara as possibilidades que teve na Aldeia com aquelas que
imagina que teria se continuasse vivendo nas condições anteriores: “quando eu
conto para os meus amigos a minha história eu sempre conto a Aldeia como a
família que eu realmente precisava ter, que foi aonde eu consegui ter
educação, porque se eu comparar com a vida que eu tinha antes da Aldeia eu
não teria essa educação. E a vizinhança também, porque eu tive bons amigos
na escola, então eu tive boas influências que é o que me fizeram a querer
estudar, compreender a necessidade do estudo...”
Os irmãos sociais, ou irmãos de casa, aparecem com importância
menor, com conotação afetuosa semelhante àquela das menções ao irmão
biológico, cinco anos mais moço.
93
Embora não critique seus companheiros de Aldeia, estes são descritos
com a condescendência com que irmãos mais velhos referem-se aos irmãos
menores. Ele sempre se diferencia dos outros.
Ao contar como aprendeu a importância dos estudos: “... porque você
tem os colegas que não compreenderam essa necessidade e a importância
dos estudos”.
Sobre sua primeira moradia ao sair da Aldeia relata assinala a diferença
de interesses “porque eles pensavam muito em namorar enquanto eu queria
estudar”.
Perguntado se mantém contato com seu irmão biológico Paulo,
responde: “é muito difícil pela vida que eu tô tendo agora. Porque além de eu
estar trabalhando numa ONG, fazer faculdade e ir para hospitais fazer estágio,
eu dou aulas particulares de inglês e tô fazendo aula de capoeira, então tenho
uma vida muito corrida [...] a gente tenta, eu tento sempre ter um contato com
ele. Mas durante a Aldeia, devido a diferença de idade, nós não tínhamos um
vínculo assim, de vamos conversar, porque enquanto eu estava numa fase ele
estava na outra, então a fase que ele está agora eu já passei, que é a fase de
ficar com várias menininhas, namorando várias meninas. Agora eu tô na fase
de estudar, trabalhar, então a gente nunca teve uma conversa muito...”
Também quanto aos sentimentos em relação a ter sido criado em uma
instituição, Ricardo afirma sua diferença: eles têm essa vergonha, de achar
que são pobres, mesmo em comparação dos colegas que estudam em escola
pública, que também não tem uma família rica, mas eles têm esse receio e eu
não tenho esse receio [...] Então eu consigo ir lá e falar, morei na Aldeia, uma
instituição que me deu educação, que tem crianças sem família ou que tiveram
problema com a família e eles acham engraçado isso, meus colegas da Aldeia.
Ao invés de acharem que é uma informação importante...”.
Comparando as relações entre irmãos biológicos e irmãos sociais, tem
dúvidas quanto à possibilidade de construção de relações que ele consideraria
como verdadeiramente familiares: “Eu tinha uma visão que eu estava com
amigos, irmãos, primos, que acaba criando esse vínculo, e cria um vínculo tão
forte que hoje em dia quem realmente gostava um do outro continua se
ajudando e outros não. Então um dos pontos que eu levanto no meu trabalho
94
também é porque se considera um irmão social como se fosse biológico e aí
você descobre na hora da necessidade que não que não é o que ele pensa. O
que ele pensa é:- preciso dele por causa do dinheiro que ele tem, ou porque
ele é legal, mas nunca pelo sentimento de amizade.”
Perguntado sobre a possibilidade de isto também acontecer entre irmãos
biológicos, responde que sim, isso acontece nas famílias e aponta a inveja
como um problema entre irmãos, acrescentando que “se a mãe tiver uma
preparação melhor ela consegue lidar com essa situação. Porque muitos dos
irmãos sociais, eles brigam e não ajudam um ao outro mesmo sabendo que
estão na rua, justamente pela raiva, pela angústia, não sei dizer direito”.
Ricardo respondeu com muita clareza a todas as perguntas e
espontaneamente descreveu muitos outros aspectos de sua vida. O trecho
acima apresenta um dos poucos momentos em que demonstra dúvida,
incerteza sobre seu julgamento: irmãos biológicos também podem nutrir
sentimentos negativos entre si, mas no caso dos irmãos sociais, a mãe social
melhor preparada daria conta dessa situação. Ao mesmo tempo vislumbra
dificuldades relacionais entre estes irmãos como eventualmente ligados a raiva
e angústia frente a histórias de abandono.
Aponta divergências entre as narrativas sobre menino-de-Aldeia que
constrói para si mesmo e as descrições de outros aldeanos, e também entre as
reações aos preconceitos que existem dentro e fora da Aldeia sobre crianças
criadas em instituições.
Utilizando noções de identidade narrativa (cap.II) e levando em conta as
narrativas do Eu que diferenciam Ricardo do Nós-Meninos-de-Aldeia, pode-se
pensar que em sua rede social significativa estão mais próximos aqueles que
fazem parte de sistemas de ajuda, enquanto seus pares se encontram em
zonas mais afastadas, em suas palavras: “com limites”.
“O Ricardo que eu sou hoje, como você fez a primeira pergunta, é
justamente a educação que eu tive dela (segunda mãe social) porque eu
sempre fui uma pessoa, um jovem de olhar crítico, vamos dizer, então sempre
olhei muito a personalidade, os motivos, então se alguém quebrava o meu
rádio não ficava nervoso, eu pensava, ele estava nervoso por algum motivo e
quebrou o meu rádio, é um material, então vou lá a trabalho de novo e compro
95
um outro melhor ou igual. Então nunca gostei muito dessa questão, nunca fui
muito ligado às questões materiais. E a Maria também nunca foi, então acho
que eu tive muito da personalidade que eu tenho hoje através dela, né? Então
acho que é muito importante falar desse papel, a importância da mãe social na
criança.”
Ricardo viveu até os 8 anos de idade um dia-a-dia difícil, as vezes
caótico, e atribui essa situação à doença da mãe. Em seus relatos, ganharam
muita importância uma casa organizada, adultos que cuidam e ensinam, e
passou a buscar regras que protegem, a evitar conflitos. Parece ter
desenvolvido maneiras de estar no mundo semelhantes àquelas de pessoas
que admirava. Ajuda tornou-se palavra-chave em sua vida e orienta seu
momento de jovem adulto. Sente-se menos identificado com seus
companheiros de infância e adolescência e busca novos grupos de pertinência,
mas não renega sua pertença ao grupo de aldeanos.
Ricardo seria um exemplo de bom resultado da Instituição, de criança-
institucionalizada-que-deu-certo?
V.2 Conversando com Mariana, análise e interpretação
O contato foi feito por telefone, fornecido por Ricardo.
Mariana já estava a par da pesquisa através de Ricardo e concordou
prontamente com a entrevista. Combinamos um horário conveniente para ela: à
noite, em sua casa. Mariana mora com seu filho Helio, de quatro anos, e com
sua irmã, Tânia, um ano mais velha que ela. Entraram juntas na Aldeia, e Tânia
saiu um ano antes. Também mora com elas Roberto, irmão de casa.
As duas irmãs são proprietárias da casa, comprada com dinheiro
acumulado em poupança feita por padrinhos durante o tempo vivido na Aldeia,
e com empréstimo feito pela direção da Aldeia, que ela já pagaram.
É um sobradinho na zona sul, com uma sala-cozinha, e banheiro no
andar de baixo e dois quartos no segundo andar. Tem um pequeno terraço na
entrada e fica na esquina de uma viela com casas construídas em terrenos
irregulares, com frente para rua asfaltada, iluminada, cadastrada no Código
Postal, e servida por transporte coletivo. A entrevista começou com minha
96
explicação sobre a pesquisa. Sua irmã Tânia estava presente e deixei com elas
o material já escrito. Tânia fez pedagogia e se especializou em pedagogia
Waldorf. No momento da pesquisa estava fazendo entrevistas em um colégio
que adota esse método.
Mariana esteve empregada durante três anos em um supermercado,
trabalhou até pouco tempo como autônoma, em promoções em super-
mercados e acaba de ser contratada para trabalhar em um banco.
Receberam-me amavelmente e Tânia foi brincar com o sobrinho
enquanto eu conversei com Mariana.
Após a pergunta inicial foram feitas 83 intervenções: 53 perguntas ou
frases que repetiam algumas palavras, estimulando o seguimento,
esclarecimento ou detalhamento do anteriormente narrado, 16 perguntas
buscando especificação ou ampliação da descrição anterior e 7 intervenções
para obter explicações sobre qualificações atribuídas pela entrevistada a
alguma ação. O tema do preconceito, que surgiu espontaneamente na primeira
entrevista, foi introduzido pela entrevistadora através de duas perguntas; três
intervenções visavam compreender como se situa no presente, em relação a
outros aldeanos emancipados.
As duas últimas falas da entrevistadora foram finalização e agradecimento.
A percentagem de intervenções que seguiram as palavras e temas da
entrevistada, a partir da pergunta inicial , foi de 76/81, ou seja, 93%.
Mariana fala pouco, suas descrições são curtas. Foram feitas muitas
perguntas de seguimento, como por exemplo:
M – Meu pai morreu.
H – Quando?
Após a primeira entrevista, onde a questão do preconceito surgiu
espontaneamente, como uma voz social geradora de práticas restritivas à
identidade desses jovens, introduzi o tema como uma categoria de análise.
Mariana não introduziu nenhum outro tema espontaneamente, nem
quando ao final foi perguntada sobre algo que não havia sido mencionado e
que gostaria de falar.
Iniciei com pergunta semelhante à da entrevista anterior.
97
H – Como eu te falei, essa entrevista é aberta, não tem perguntas
prontas. Então Mariana, eu te contei que estou interessada em saber de
vocês, que passaram parte da infância e adolescência na Aldeia, e hoje
são adultos, quando você pensa em você o que está presente naquilo que
te descreve como Quem eu Sou, Hoje: O que é importante: as relações
com a Aldeia, a mãe social e a casa, os irmãos, sua família biológica, o
que mais?
Quando você pensa em quem você é, no que você pensa?
A resposta de Mariana vem imediata, sem titubear: “Eu penso em minha
mãe Eunice. Eu me inspiro nela. Ela me deu muito amor, muito carinho, tudo
que ela pode fazer pela gente ela fez; hoje eu levo a minha vida como ela; tudo
que eu faço pelo meu filho foi o que ela fez por mim; me vejo responsável, sou
capaz de viver sozinha fora da Aldeia, não dependo da Aldeia, se eu preciso de
emprego eu corro atrás, não fico dependendo daquilo que vai vir de fora. É isso
aí.”
A ligação entre o vivido na Aldeia e o que vive hoje é imediata.
As linhas narrativas permitem ver os mesmos sub-temas associados às
diferentes categorias apriorísticas surgirem no decorrer da entrevista. A Aldeia
é descrita por procedimentos qualificados como adequados ou não. Em sua
avaliação, atualmente a qualidade do atendimento ás crianças “caiu, muito,
muito, muito...” a rede proporcionada pela Aldeia, via família da mãe social –
apoio emocional e padrinhos – apoio financeiro, irmãos de casa e outros
aldeanos contemporâneos – companhia, amizade, está presente nas
descrições de si mesma.
Mariana viveu em outra instituição dos três aos sete anos. A mãe, em
suas descrições, abandonou-as, não teve condições de criá-los, fugiu com
outro homem. Deixou quatro filhas entre onze e três anos. Levou consigo uma
de cinco anos que era epilética e um menino de um ano.
O pai, ajudado pelo avô, cuidou das crianças como pode, mas ambos
doentes, não tiveram condição de mantê-las por muito tempo, e Antonio, um
amigo do pai, que elas chamavam de tio, arranjou um orfanato (sic) para as
duas menores, respectivamente com três e quatro anos. Como essa instituição
não aceitava crianças com mais de seis anos, a mais velha foi colocada em
98
uma casa de família para trabalhar e a de oito anos foi adotada.Mas essas
quatro irmãs, graças a esse amigo da família, não perderam o contato entre si.
Quatro anos depois, a instituição fechou e, outra vez Antonio, que trabalhava
na casa de uma senhora alemã colaboradora da Aldeia, por seu intermédio
colocou-as na Aldeia do Rio Bonito.
A narrativa de Mariana gira mais em torno de relações do que de
histórias individuais.
Da primeira associação, de si mesma com sua mãe social, passa às
suas relações atuais: filho, irmã de sangue, irmão de casa, a casa comprada
com ajuda da Aldeia, via poupança acumulada por padrinhos e empréstimo.
Descreve a chegada na Aldeia sem saber o que ia fazer: “Pensei que ia
passear de carro; a tia Eunice foi buscar a gente no orfanato, e quando a gente
chegou as outras crianças estavam esperando.” A casa já tinha seis crianças,
um pouco mais velhas. Embora não fale da outra instituição, assinala que “na
Aldeia é tudo muito íntimo, muito família” e responde afirmativamente à
pergunta sobre se teve alguma experiência de preparar a chegada de outras
crianças.
Quando sua mãe social foi desligada da Aldeia, Mariana relata sua
experiência com um padrão descrito pelas mães sociais, que nomeei de “morte
súbita”. Sem aviso e sem preparação, as crianças recebem outra mãe. “Fiquei
revoltada e muito malcriada. Depois eu respeitava elas, como um tia, mas não
como minha mãe.” Mariana ia dormir na casa de Eunice, nunca perdeu o
contato com ela: “A família dela é minha família”. A mãe de Eunice foi uma avó,
até falecer há dois anos. Atualmente passa o Natal e as férias de janeiro em
outro estado onde sua mãe social mora. Entre as primeiras crianças da Aldeia,
dois irmãos foram para a casa de Eunice. Um deles, portador de deficiência
mental, foi especialmente cuidado por ela que o adotou quando saiu da Aldeia.
Mariana mantém contato com quase todos os seus irmãos sociais, inclusive
com Mauro que mora na Itália. Comunicam-se por Internet, com freqüência.
Quando perguntada sobre que outras influências havia em sua vida,
mencionou o dirigente: “O dirigente foi muito importante; pude viver o que é
papel de pai mesmo: dava atenção, não deixava a gente na mão”.
99
A narrativa de eu-Mariana é entramada em vários nós. Suas irmãs de
sangue, com quem nunca perdeu o contato, especialmente com Tânia. Com a
mãe social e sua família, com alguns irmãos de casa, e outros aldeanos
contemporâneos. Atualmente o self mãe aparece na dedicação ao filho, no
amor e carinho que quer dar para que ele nunca passe pela dor que “queira ou
não”, ela afirma ter, por ter sofrido um abandono.
Há quatro meses o tio Antonio avisou do falecimento da irmã que era
doente. Ela foi ao enterro e re-encontrou sua mãe biológica depois de quase
vinte anos. Como ela estava muito desesperada porque dedicou toda sua vida
à filha doente, Mariana e suas irmãs ficaram com pena e passaram a visitá-la
para levar consolo, pois financeiramente não podem ajudar. Ficaram então
sabendo que têm um irmão e que este está preso. Agora se comunicam com
ele por cartas.
Indagada sobre preconceito, menciona o estigma: menor
institucionalizado igual a adulto marginal, mas dá mais ênfase aos significados
de coitados que a incomodam e são associados a abandonados, sem família, o
que ela refuta, pois vê a instituição Aldeia como oportunidade de ter uma
verdadeira família.
Cuidado é a palavra-chave, a senha que a identifica, que costura sua
história e orienta seu futuro: cuidar do filho, cuidar de outras crianças, estudar
para educar.
O diferencial nas narrativas de self no presente, em relação a outras
descrições de crianças criadas em instituições fechadas, aparece nas pontes
que ligam a Aldeia à vida aqui, fora. Uma mãe social com quem se mantém
contato, os laços com sua família, irmãos sociais, parentes biológicos
recuperados, constituem co-construtores da experiência coerente no tempo e
no espaço que constitui a identidade.
Nas descrições de Mariana sobre si mesma, conecta passado e
presente para projetar um futuro. Essa é uma narrativa propiciadora de
agência, onde a história não é destino, mas oferece mapas orientadores para
novas ações. Mariana traça linhas entre o aprendido, tanto por experiência
própria: “,,, tanto que eu sai da Aldeia, eu já sabia lavar, passar, cozinhar
porque tudo ela me ensinou, então a gente ajudava ela a olhar os meninos
100
menores, o Ângelo que era especial [ ...] então a gente tinha, toda criança tinha
uma atividade pra fazer, tinha suas obrigações a gente fazia as obrigações
durante o dia, e então tinha aquele incentivo: hoje vou te ensinar a cozinhar,
você vai fazer isso varrer, você vai passar um pano... “ quanto pela observação
de outros que não aproveitaram bem a oportunidade “... vendo aquele povo
que saia da Aldeia mas eles estavam sempre ali, eu coloquei na minha cabeça
que quando eu saísse da Aldeia eu queria viver minha vida, porque eu já vivi
12 anos aqui, porque que eu ia ter que sair da Aldeia, eu tinha que ter uma
atitude e não viver igual a eles, eu quis ser diferente.
Não atribui o melhor desempenho na vida atual a ter tido conhecimento
e contato com sua família biológica. Em suas palavras esse aspecto não é
relevante:
Não. Não faz diferença, o Raul foi pra Aldeia sozinho, ele não conhecia
nem a mãe dele quando ele foi pra Aldeia, então hoje ele tem uma cabeça
muito boa, ele trabalha, tem responsabilidade, tem uma filha e ele esta sempre
ali. Então acho que isso de você ser sozinho, eu acho que isso não tem nada a
ver, vai da cabeça da pessoa e ela tem que ter aquela responsabilidade, né?
Então muitos aldeanos acham que por que você viveu na Aldeia, a Aldeia tem
a obrigação de ajudar ele eternamente, mas não é eternamente. Então teve um
tempo que a Aldeia passava muito a mão na cabeça das crianças ... então eles
não souberam seguir o mundo ali sozinho, a Aldeia sempre ali, a Aldeia tem
que ajudar, a Aldeia vai fazer isso por mim.
Atribui os diferentes graus de aproveitamento das oportunidades à
“cabeça de cada um”, embora avalie que nem todas as mães sociais são
iguais, cada um tem sua maneira de criar, “por mais que seja ali a Aldeia tudo
igual acho que cada um tem uma maneira diferente de criar, ninguém é igual a
ninguém, mas eu acho que a educação que a tia Eunice me deu foi muito boa
pra mim hoje, não tenho nada que reclamar”.
Outro aspecto mencionado como importante em sua preparação para a
vida fora da Aldeia foi o trabalho realizado regularmente desde os 14 anos: “Eu
trabalhei muito tempo no Escritório das Aldeias Infantis na Vila Mariana. Ia de
ônibus, saia da escola, ia de ônibus ficava lá até as cinco da tarde. Perguntada
sobre que tipo de relação de trabalho tinha, se era aprendiz, se tinha carteira,
101
não soube explicar, mas acha que tinha alguma coisa.” Seu trabalho era formar
os kits de cartões de Natal que a Aldeia vendia para arrecadar fundos, “mas
tinha sim sempre um responsável pra poder estar ensinando a gente a fazer
essas coisas. Ganhava tipo uma ajuda que eles davam”.
Mariana prossegue descrevendo: “depois eu tive oportunidade de
trabalhar na creche da Aldeia, mais 4 anos eu trabalhei dentro da creche na
aldeia eu ganhava também pra poder ficar, trabalhava meio período”.
Perguntada sobre o processo de escolha daqueles que iriam trabalhar,
uma vez que não há serviço pra todas as jovens, responde que era pelo
interesse da pessoa. Relata também as férias, outros passeios e viagens como
muito importantes em sua vida, mas considera que a Aldeia piorou: “Olha, eu
sou muito agradecida pela Aldeia, mais na nossa época era melhor, hoje a
Aldeia caiu muito. Hoje não é mais mesma coisa, antigamente a educação das
crianças na Aldeia era mais rígida e as crianças eram muito mais educadas,
elas tinham mais atividades, elas não viviam do jeito que vive hoje, hoje elas
vivem largadas, as crianças sai pra rua, não dá satisfação nem nada, eu acho
isso. O modo que as crianças hoje são criadas na Aldeia caiu muito, muito,
muito, muito não tem nem comparação de quando a gente morava lá.
Acredita que o problema é da direção, “o pessoal que está dirigindo a
Aldeia, a equipe caiu bastante”.
Pode-se notar que essa afirmação vem depois da reiteração do
agradecimento à Aldeia. Isto é, o sentido atribuído a suas experiências lá não
pode ser desconectado da sua percepção atual de viver bem, autonomamente.
Quando se refere aos companheiros em situação precária aponta o “passar
muito a mão na cabeça”, o não ensinar a “viver no mundo lá fora”.
Mariana está percorrendo o caminho da Aldeia à cidade com
determinação, sem romper com sua história tanto em relação à família de
origem como em relação à família SOS. Descreve-se como vivendo bem. Em
relação aos Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, e ao mapa dos
melhores e piores lugares do município de São Paulo, para os jovens (anexoIII)
Mariana vive em situação de risco pessoal e social. Essa realidade ultrapassa a
proposta e as possibilidades da instituição Aldeias SOS e nos remete às
questões macro sociais da exclusão de grande parte da população brasileira
102
dos benefícios contemporâneos disponíveis somente às camadas com poder
aquisitivo compatível.
V.3 Conversando com Denise, análise e interpretação
Essa entrevista foi realizada em substituição a outra marcada para a
mesma hora naquele local – a Aldeia de Rio Bonito. O jovem que havia
combinado o encontro não pode comparecer e só fui avisada quando já estava
lá. A dirigente informou-me sobre a possibilidade de contatar uma jovem
aldeana emancipada, que trabalha em um centro comunitário anexo. O contato
foi feito e ela aceitou participar da entrevista, que foi a única cuja conversa
inicial foi face a facel, no próprio local e na mesma hora onde foi realizada.
Denise é a mais jovem das entrevistadas e nossa conversa foi a mais curta. O
fato de ter sido abordada pessoalmente e da entrevista ter acontecido
imediatamente após sua adesão pode ter influenciado sua participação,
embora em minhas experiências anteriores, todos os jovens que não queriam
ser entrevistados tenham dito não, face a face.
Após ter explicado o tema e objetivos da pesquisa e seus direitos como
participante Denise assinou o Consentimento Informado e o gravador foi ligado.
Iniciei com pergunta semelhante à das entrevistas anteriores:
Denise: o que eu queria saber de você, é o seguinte. Quando você
pensa em você hoje, “em quem sou eu”, pensando na tua história, na tua
relação com a família biológica, com a Aldeia, mãe social, casa e irmãos,
em tudo que aconteceu ligado a você estar aqui na Aldeia. O que te vêm
na cabeça? O que é importante pra você?
Em reposta, Denise nomeia como importantes dois irmãos de sua
extensa família biológica: a família que veio comigo, eu tenho 7 irmãos, os
que passaram pelo que passei só foram 2 desde pequeno, né? Então os que
vieram comigo para a Aldeia, que ficaram até a idade comigo. E importante pra
mim é a Aldeia e a família da Aldeia, portanto que tenho contato com a minha
mãe social daqui, bastante, a gente somos super amigas, a gente conversa
ela me ajuda bastante, vai à minha casa, almoça comigo, eu vou á casa dela,
103
almoço lá, entendeu, eu tenho duas famílias agora, né? A família dela, eu viajo
pra casa dela, porque ela mora fora de São Paulo e pra mim é isso, é minha
família”.
A primeira resposta dá o tom de toda a entrevista: seu mundo afetivo é
constituído por relações entramadas entre as duas pertinências sem nenhuma
descrição de conflitos de lealdade, sem justificações ou acusações.
Após a pergunta inicial foram feitas 111 intervenções. Denise dá
respostas muito curtas e foram feitas 70 perguntas de seguimento ou palavras
que repetem a resposta propondo seguimento –, como por exemplo:
M – Meu pai morreu.
H – Quando?
14 perguntas pretendiam ampliação da descrição anterior ou uma
reflexão sobre o narrado. Pelas respostas de Denise às vezes não ficavam
claras a composição e as relações de sua família, composta de sete irmãos, e
meio-irmãos. Pode-se observar um número significativo – 12 intervenções, que
categorizei como recapitulação ou reiteração da pergunta inicial, que tiveram
função fática, mantendo o contato.
Após a primeira entrevista, onde a questão do preconceito surgiu
espontaneamente, como uma voz social geradora de práticas restritivas à
identidade desses jovens, introduzi o tema como uma categoria de análise,
através de duas perguntas.
Denise explorou pouco as experiências na Aldeia como positivas ou
negativas. Procurei não introduzir novos significados em uma história onde a
Aldeia aparece mais como um equipamento auxiliar para a avó,,cuidadora
central de sua vida, desincumbir-se da tarefa que os pais não deram conta.
Ela foi levada para a Aldeia com 6 anos, após passar por mais de um
abrigo e morar na rua por aproximadamente dois anos, com seus pais e dois
irmãos. Ambos os genitores tinham filhos de união anterior. O pai, três filhos e
a mãe um, que já havia “dado para a avó criar”.
E o que trouxe vocês para a aldeia?
Em suas palavras: “Foi porque meu pai não tinha condições de ficar com
a gente, a gente tinha de tudo, né? Nossa casa, nossa família, só que meu pai
acabou perdendo tudo, ai a gente foi para na rua então ele não tinha condições
104
de ficar com a gente. E minha vó também não tinha condições.. Ai minha
vó.denunciou meus pais e ai o juiz tirou a guarda deles, só que antes de vir pra
cá nos passamos por vários lugares”.
Após viverem mais de dez anos na Aldeia, esses dois irmãos moram
novamente com a avó: em seu relato, o irmão quando era pequeno era muito
agitado e quando saiu pra se emancipar, pra ir para casa de jovens, a avó ficou
com medo que ele não conseguisse ficar lá, que tomasse um caminho errado
porque dizem que lá fora é outro mundo aqui dentro é uma coisa lá fora é
outro mundo. Aí minha avó resolveu tirar ele daqui e pegou a guarda dele e ele
foi morar lá, né? Ele saiu daqui com 15 anos de idade. Aí só ficou eu e minha
irmã, ai depois minha irmã saiu voluntariamente, né? Pegou as coisas dela e foi
morar com a minha avó e minha avó aceitou de braços abertos, e eu não quis
largar porque ia ficar muita gente lá; sabe e minha avó já cuida dos netos dela,
de não sei quantos neto dela.”
Denise relata lembrar-se muito bem do tempo em que viveu na rua: “Foi
muito ruim mesmo. Desde pequena eu já tinha uma cabeça assim, eu sempre
fui muito quieta, mas sempre pensava que na aquela vida eu não queria ser
que nem os meus pais, eu seria bem melhor que eles, né? E que um dia eu
lutaria muito, trabalharia muito pra dar o melhor para os meus irmãos, eu
sempre fui assim querendo dar o bom e o melhor para os meus irmãos, só isso
porque eu vi eles sofrendo eu não importava comigo, eu me importava mais
com eles porque a cabeça deles não era que nem a minha
As ações atuais de Denise seguem seus sonhos e planos infantis com
muita determinação. Há continuidade entre os primeiros e os passos que ela dá
como jovem adulta: “a minha irmã até hoje eu brigo com ela, pra estudar, pra
trabalhar”. Pensei sempre nos meus irmãos, você sabe que é muito difícil, né?
Realizar um sonho assim leva muito tempo. Mas todo final de semana eu estou
lá com a minha família, eu vou visitar eles, visito minha irmã, ligo pra ela
sempre pra saber como ela está, se está precisando de alguma coisa,
entendeu? Mas é difícil,...”
Perguntada como acredita que chegou a ter as idéias e ações presentes
afirma que talvez tenha sido o sofrimento: “por mais que eu tinha vergonha da
situação que eu passava. Por mais que eu pedia esmola na rua, por mais que
105
eu passava fome, eu tinha vergonha daquilo, eu não gostava. A minha família
tinha tudo, sabe? Tinha casa e por uma besteira do meu pai acabou tudo, ele
se envolveu com droga acabou levando minha mãe junto. Então a gente
perdeu tudo, fui parar na rua e eu não me conformava com aquilo, desde
pequena eu já pensava em juntar dinheiro, comprar uma casa e dar do bom e
do melhor para os meus irmãos, só isso”.
Denise atribui à Aldeia e à denúncia de sua avó a possibilidade de ter
uma vida diferente de seus pais. Compreende a denúncia como um cuidado
com os netos, ela e seus dois irmãos. Tendo vindo de uma pessoa significativa
como cuidadora de toda a família, é encarada como um pedido de auxílio a
quem pudesse fazer algo; o significado abrigo, contrastado com a rua é literal:
se eu não tivesse a Aldeia, se minha avó não tivesse denunciado meus pais
eu estaria na rua agora, poderia muito bem estar morta essa hora, poderia
estar viciada com droga sabe, bebida... pra conseguir uma grana poderia estar
envolvida em muito mais coisa ruim, entendeu? Então eu agradeço muito à
Aldeia por eu ter vindo pra cá, porque tive do bom e do melhor, escola, comida,
roupa lavada, tudo que eu sempre quis, que uma criança quer do bom e do
melhor, então eu agradeço muito”.
Teve 4 mães sociais e considera que as trocas foram difíceis. A primeira
mãe, “super-legal”, ficou pouco tempo. A segunda era bem agitada, totalmente
diferente da primeira. Aí veio uma outra e finalmente a tia Mirtis, com quem
teve desavenças, mas de quem agora é muito amiga.
Denise nunca perdeu o contato com a família. Embora seus pais
morassem na rua, visitava a avó e encontrava sua mãe lá. Seu pai foi
assassinado pelo tráfico e, segundo seu relato, a mãe, sem dinheiro para
sustentar o vício, passou para a bebida e morreu de cirrose.
Em sua descrição essa história tem valor de exemplo, do que não fazer.
Seus pais “fizeram besteira, se perderam”, mas além do sentimento de
vergonha, Denise não tem nenhum outro sentimento negativo. Parece
identificada com a força da avó e desenvolve habilidades de cuidadora, tanto
na família como profissionalmente. Em relação a outros aldeanos “que se
perderam no mundo”, fica triste pelo desperdício de oportunidade: “como uma
menina que morava comigo que ainda está na rua, ela fugiu da aldeia e por
106
coincidência ela foi parar lá perto da casa da minha avó, né? Aí outro dia eu vi
ela na rua, aí falei: meu Deus, o que é que você esta fazendo aqui, com um
filho já no colo? Ela fugiu e continua na rua, sabe? A gente não tinha aquela
amizade porque ela é totalmente diferente, porque eu não criticava nem nada.
Mas eu vejo assim, meu, que futuro, cara! Ela tinha de tudo, poderia estar
estudando tinha curso pra ela esta fazendo... “
Sua explicação de porque alguns caminham tão bem e outros não, é de
que é algo interno, uma incapacidade de compreender que o que estava sendo
oferecido não era eterno: “... Vem de cada pessoa, eu não consigo te dizer, que
eu não me conformo que a pessoa tem de tudo e põe tudo a perder, entendeu?
Eu não consigo. Às vezes eu acho que é por isso, né? Eles tinham demais,
tinha muito ali, não era cobrado muito, entendeu? Tinha algumas pessoas que
achavam que isso ia durar pra vida toda, que a Aldeia ia ficar bajulando eles a
vida toda, que ia pagar tudo a vida toda, que ia dar comida e roupa lavada a
vida toda e ai acabou, né, se perdendo. Pra mim é isso.”
Denise se descreve como observadora desde pequena, quando via que
os meninos iam saindo e muitos voltavam lá pra pedir coisas, e brigavam com
os diretores; relata como foi buscando maneiras distintas de agir: “tenho que
fazer a minha vida pra não acontecer isso comigo, pra não voltar aqui e pedir
nada pra eles, né? E continuar com a minha vida”.
Atualmente não considera nenhum irmão social como um verdadeiro
irmão, mas daria tudo pelas amigas com quem mora. Já morou com irmãs de
casa, mas estas tomaram outros caminhos. Uma teve filho, foi morar com o
marido, outra preferiu morar com a mãe, mas permanecem unidas. “Quando a
gente se vê é aquela festa”. Vive com três amigas em casa alugada e equipada
com o dinheiro que tinha na poupança feita pelos padrinhos alemães, que só
conhece por carta. Duas são aldeanas emancipadas da Aldeia de Poá.
Moraram juntas em uma Casa de Jovens por um ano, um projeto que terminou
por ser muito caro, porém deu a ela oportunidade de conhecer outras jovens e
poder escolher aquelas com quem tem mais afinidade. Na sua casa, além das
duas jovens de Poá, mora uma prima de uma delas.
Quanto ao contato com a família de origem, sua experiência é de que a
Aldeia favorecia as visitas e férias. Quando eram pequenos a família devia
107
visitá-los na Aldeia, mas a partir dos 16 anos podiam sair sozinhos e ir para a
casa da avó.
Denise completou o colegial e pretende fazer um curso de técnica em
administração. Hoje trabalha na copa de um centro comunitário anexo à Aldeia.
Está juntando dinheiro para esse curso e acha que “ter tudo também já é
demais né, é bom a gente lutar”.
Em sua primeira resposta Denise apontou como rede significativa duas
famílias. A tranqüilidade com que transita entre as duas parece facilitar o
sentimento de autonomia e liberdade e permitir sua proximidade física com a
Aldeia, em uma situação que pode ser considerada como muito favorável para
uma jovem de 21 anos, com sua história de vida: - trabalho com carteira
assinada e permanência de quase três anos no mesmo serviço.
Sua situação autônoma e ao mesmo tempo protegida estimulou minha
pergunta sobre preconceito. Quando está em outros ambientes, as pessoas
estranham quem morou em Instituição?
Denise procura não contar muito da sua vida, como foi criada, porque
percebe preconceito desde que estava na escola. Em parte, atribui essa atitude
a alguns aldeanos com mau comportamento. Prefere contar sua vida a partir do
momento em que saiu da Aldeia.
O trânsito fácil entre as famílias, a alegria com que relata seu processo
de emancipação e a gratidão para com a Instituição, ao mesmo tempo em que
no mundo-lá-de-fora oculta esses aspectos identitários, sugere que os sentidos
atribuídos à Aldeia, às mães sociais e demais aldeanos, assim como a
vergonhosa (em suas palavras) experiência de viver na rua, constituem um self
privado, não narrável em público. Denise está atravessando o caminho da
Aldeia à cidade. Seu mais forte cartão de identidade adulta, que, em nossa
sociedade é – “O que você faz?”, traz a assinatura da Aldeia. Talvez uma ponte
entre duas dentidades narrativas vivenciadas separadamente.
Avalia a Aldeia “do seu tempo” como muito melhor. “As crianças
respeitavam mais as mães sociais, sabe? Tinha uma certa educação, uma
coisa mais família, entendeu? Hoje em dia não é mais a mesma coisa, agora
as mães fazem entrevista é como se fosse, como posso dizer... Antes as mães
participavam de um processo, iam para o Rio de Janeiro fazer uma capacitação
108
para cuidar especialmente das crianças fragilizadas, parece que eram bem
mais educadas, ... e agora, hoje em dia, meu, eu não sei o que acontece, as
crianças são muito mal educados na minha opinião, não dão valor para o que
têm, não respeitam as mães sociais, pra mim não esta dando certo assim
desse jeito, acho ainda que elas deveriam continuar com a capacitação das
pessoas.”
Denise atribui a mudança para pior à falta de capacitação das mães.
Supõe que hoje elas não fazem mais cursos como no seu tempo. Essa
explicação é pouco explorada e por suas palavras posso concluir que ela não
está a par do processo atual de capacitação, que, em minha avaliação é mais
adequado às nossas condições. Na época a que Denise se refere, a
capacitação era feita por um manual da KDI com forte viés europeu.
Sua observação introduz questões relacionadas à piora das condições
sociais do bairro, das famílias da periferia e, talvez o que seria tema para uma
outra pesquisa, a influência das drogas, que no caso de Denise arruinaram a
vida de seus pais. Talvez proteção seja a palavra chave de sua leitura dos
acontecimentos de sua vida.
Ela mora perto da Aldeia e relata que sua família às vezes pergunta
porque ela não vai morar com eles. Reitera o afeto que nutre por todos seus
parentes, mas se protege do contato, que descreve como inibidor de
alternativas de crescimento quando afirma que: “não dá, eu não consigo, eu
quero ter minha vida, não sei. Minha irmã eu vejo ela lá, meu, ela não
consegue fazer nada, ela não vai pra escola, sabe é muita gente lá na minha
vó cria muita gente os netos dela muita criança, eu não consigo viver ali, ela
não vai pra escola, não trabalha, porque a minha vó banca, minha vó cuida,
né? Não consegue ir pra frente, então eu não consigo, não conseguiria ir morar
lá. Visitar tudo bem, minha família, gosto muito mais não morar não”.
Em todas as suas falas Denise repete: “entende?” e “sabe?” buscando
confirmação para os sentidos que constrói para suas experiências. Essa
maneira de se expressar é bastante freqüente em jovens de sua idade. Pode
ser descrita como jogar o jogo “de manter convicções, e ao mesmo tempo,
buscar legitimação”. Um jogo de linguagem encarnado em uma forma de vida
transicional.
109
Sua última mãe social, que ainda trabalha na Aldeia, tem uma casa
alugada perto da dela, então de vez em quando ela dá uma passada lá nos
dias de folga dela, ou a mãe vai visitá-la. Denise foi contratada há sete meses
mas trabalhou dois anos como estagiária e também gostava do serviço. No
entanto não pensa em ficar a vida toda nesse emprego; quer terminar o curso e
procurar uma coisa melhor.
Termina dizendo que ter vivido na Aldeia foi bom; tem muita gente que
critica, mas “eu dou graças a Deus de ter vindo pra cá, é muito bom”.
Acredita que sua irmã atribuiria significados muito diferentes à
experiência semelhante e sua explicação para essa diferença é: “ela tem a
cabeça muito pequenininha”.
À pergunta:
Tinha mais alguém da Aldeia que foi uma pessoa de alguma importância
pra você? Denise responde: “Muitas, o primeiro diretor que chegou na Aldeia,
que era o Luiz Marcos, a gente foi amigo, eu tenho amizade com ele até hoje, a
gente se fala pela Internet, ele mora longe, mora lá em Minas, né? Mas é um
excelente profissional, eu adorava ele, todo mundo adora ele. Tem a Clotilde
também, que participou da casa de jovens, minha amiga também hoje. Tem a
Silvia, que cuida da casa de jovens feminina de Santo Amaro, também muito
minha amiga; então tem muitos profissionais aqui que tenho amizade, tem uns
que gente não é bom lembrar né, mas tem uns que são legais demais, eu
procuro sempre manter amizade.”
Sob o viés da identidade, o eu-Denise-para-si-mesma busca
espelhos que devolvem boas descrições, ocultando aquelas possivelmente
menos legitimadas; seu eu-nós é amorosamente ligado a cuidadores.
O relacionamento com as linguagens do mundo-aqui-de-fora, e os
intercâmbios possíveis a um jovem criado em instituição facilitam a expressão
de alguns selves e dificultam outros. Aprender a se cuidar, administrar sua vida
financeira, suas amizades e seus projetos de desenvolvimento, trabalhando em
situação protegida é, no presente, uma estrada favorável para Denise trilhar.
V.4 Conversando com Suely – Análise e Interpretação
110
A entrevista com Suely foi marcada depois de algumas tentativas
infrutíferas. O número de celular que recebi tanto de Mariana e como de Magui
não respondia. Ela mora em uma viela que desemboca na esquina onde mora
Mariana. Esta me forneceu o número do celular de uma vizinha que deu o
recado e finalmente contatei Suely. Já nos conhecíamos. Ela fez parte do
projeto Emancip-Ação do qual eu participei em dois momentos.
Combinamos um encontro na esquina da rua de Mariana com a viela,
que é um labirinto, pois algumas casas de um lado avançam até metade do
que seria a rua entre elas, que não tem calçada. Outras fazem o mesmo, do
outro lado, de forma desencontrada.
Avisei quando estava chegando e Suely foi me buscar. Abraçou-me
efusivamente, um pouco emocionada. Caminhamos até sua casa sob olhares
curiosos da vizinhança. As casas são minúsculas e tudo que acontece em uma
é observado por aquelas que são próximas. Dois de seus filhos estavam
presentes. A mais velha varrendo a frente da casa e depois, terminando o
almoço. O menino entrou e saiu algumas vezes respeitando o pedido de não
interromper a mãe. Quando estávamos terminando, a terceira filha chegou da
escola e a um sinal de dedos nos lábios da mãe, saiu em silêncio, sorrindo
para nós.
Contei para Suely o que estava pesquisando, lembrei o que já tínhamos
conversado sobre meu interesse a respeito da vida na Aldeia, explicado no
primeiro encontro do projeto em 2004; expliquei seus direitos como participante
da pesquisa. Como os jovens anteriormente entrevistados, ela concordou
imediatamente e falou todo o tempo despreocupadamente, mas quase sempre
bastante emocionada. Algumas vezes enxugava uma lágrima.
Suely está com 28 anos e tem 3 filhos. Deixou os estudos na 6ª série,
quando engravidou, casou-se com 15 anos e se emancipou da Aldeia.
Separou-se dois anos depois. Os outros dois filhos têm pais diferentes;
atualmente está sozinha. Voltou a estudar, e fez o curso de auxiliar de
enfermagem. A casa onde mora é sua, em área invadida; porém ela faz
questão de esclarecer: “invadi, mas paguei”; no momento está desempregada.
O disparador da conversa foi a pergunta:
111
H. Então Suely, como eu te expliquei, eu queria saber sobre você.
Quando hoje você pensa em quem você é, você pensa na sua relação
com a família biológica, com a Aldeia, com mãe social, com os irmãos,
com que outras coisas? O que você acha que tem em você hoje que é
importante?
Suely suspira ao iniciar: ”Hoje o que tenho de importante, além de me
manter bem, manter forças, manter os filhos minha casa, é acho que minha
família da Aldeia; é importante, sabe? Tanto que eles vêm me procuram a
gente conversa, a gente sai, é importante, mas acho que depois que você sai
da Aldeia, acho que fica mais forte o laço da família biológica. Porque, eu
nem sei te explicar, acho que fica mais forte. Ficou mais forte pelo menos o
meu laço com a minha família biológica, entendi que eu nem sabia que gostava
tanto deles como eu gostava, como eu descobri hoje, entendeu?”
A primeira resposta abre um leque de narrativas com três tempos e três
pertinências: o self-mãe com responsabilidades e preocupações do tempo
presente, o self-órfã vivido na Aldeia, que abrange quase todo seu tempo
vivido, em suas memórias, que foi renegado durante um período, e um terceiro
somente conhecido pelo avesso, de um tempo mítico: o bebê, irmã-caçula-
centro-das-atenções.
Foram feitas 80 intervenções durante a conversa; 40 foram palavras ou
perguntas de seguimento, detalhamento ou esclarecimento sobre o que era
relatado; 13 perguntas visavam obter explicação sobre as qualificações
atribuídas a ações próprias ou de outros; 20 perguntas exploraram aspectos de
temas apresentados pela entrevistada; uma pergunta introduziu o tema do
preconceito e 6, versaram sobre planos para o futuro.
As narrativas de Suely entrelaçam os sentimentos de desvalia, do bebê
mal cuidado, da revolta e reação e de uma tentativa presente de integrar as
experiências, com muita dor.
A família biológica nomeada por Suely compõe-se de seis irmãos mais
velhos e uma tia solteira, irmã de sua mãe que foi buscá-los no Rio, quando
Suely era um bebê e seus pais morreram; primeiro o pai, e logo em seguida a
mãe, ambos de hepatite.
112
“A gente morava no Rio, meus pais morreram ai a gente não tinha com
quem ficar; minha tia, irmã da minha mãe, trouxe a gente do Rio pra São
Paulo. Fomos morar no Tatuapé, moramos lá um tempo só que sete pra uma
pessoa e solteira é complicado, a gente bagunçava muito [...] aí ela começou a
ficar doente, psiquiatricamente falando, ai ela colocou a gente na FEBEM de
Tatuapé. Ficamos lá alguns dias, aí tinha um medico da família que ajudava
ela, ajudava a gente, né? Ele ficou muito bravo porque ela colocou a gente na
FEBEM, aí ele foi buscar a gente,conheceu a Aldeia, ele fez com que ela
tirasse a gente da FEBEM e entregou a gente pra Aldeia.”
Suely não lembra de sua chegada a São Paulo. Sabe por registros de
sua história na Aldeia que veio primeiramente morar sozinha com a tia, que é
também sua madrinha. Posteriormente esta tentou reunir os irmãos, mas não
conseguiu mantê-los junto a si.
Foi para a Aldeia com três irmãos, uma ficou morando um tempo na
casa do médico e os dois mais velhos foram encaminhados para uma
instituição para adolescentes. Eles foram o primeiro grupo de vários irmãos a
chegarem na Aldeia de Rio Bonito, em dezembro de 1982. As primeiras mães
estavam sendo treinadas e as regras sendo criadas. O ECA não existia e a
Aldeia não pretendia aceitar crianças com mais de oito anos.
As vicissitudes da vida de Suely na Aldeia são parte da constituição da
identidade da própria instituição. O sonho de seus fundadores previa mães
para crianças sem família. Encontrar-se com a realidade de famílias
impossibilitadas legal ou factualmente de criar seus filhos exigiu um novo
aprendizado.
A instituição estava buscando seu próprio modelo. Karin Essler, que
nessa época era presença cotidiana na Aldeia, relata que teve que abandonar
sua educação germânica e aprender com essa nova realidade. Na tentativa de
gerar autonomia na relação com as mães, estas não eram fiscalizadas dentro
de suas casas, mas muito cobradas por resultados. As crianças, também, e os
eventuais desvios de seu desenvolvimento em relação às crianças “de famílias
normais” eram aceitos como parte de seus déficits, numa linguagem que as
descrevia como vítimas, com um vazio, machucadas, mas ao mesmo tempo
havia um temor da má influência, dos maus costumes, e no limite, rondando
113
essas descrições, havia uma narrativa oculta da má herança genética. Essas
práticas discursivas criaram realidades que se materializaram em uma escola
dentro da Aldeia, com uma metodologia específica para dar conta desses
déficits - a escola Labor.
Relatos de maus tratos de algumas mães sociais não são freqüentes
nas histórias de aldeanos, mas existem.
Suely tinha mais de três anos quando foi para a Aldeia e isso explica
suas lembranças da perda dos hábitos de bebê. Sua separação da tia-
madrinha foi a segunda e seu processo de adaptação foi traumático: “tinha
mães que eram legais, mas têm outras que já não eram. A primeira foi a Laura,
ela espancava a gente. Aquela mulher foi horrível, horrível. Eu usava fralda
quando eu entrei na aldeia, eu tomava mamadeira, foi uma coisa muita
traumática sabe que até hoje eu me lembro e fico muito triste em lembrar,
porque quando eu entrei na aldeia eu usava fralda, tomava mamadeira, era
criada como um bebê, meus irmãos me tratavam como um bebê, minha
madrinha, minha tia irmã da minha mãe que criava a gente me tratava como
um bebê então era o centro das atenções, entende? Quando eu entrei na
aldeia isso foi chutado de mim, arrancado de mim de uma forma muito brutal,
de um dia pro outro eu parei de usar fralda, de um dia pro outro eu parei de
chupar chupeta, eu parei de tomar mamadeira, eu fazia xixi na cama e
apanhava de corda, entende? Então, nossa, isso foi coisa que marcou muito
pra mim, muito mesmo eu acho que foi a pior parte da vida na Aldeia...”
Suas narrativas têm forte acento emocional, em geral de dor; as
seqüências não são muito claras para ela.
“Eu não lembro o tempo, mas ela (a primeira mãe social) ficou um tempo
lá, aí descobriram, não me lembro como, parece que a minha irmã, os meus
irmãos mais velhos... aí ela foi mandada embora, e a gente foi morar com a tia
Silvia. Então o que acontece é que eu fui morar com a tia Silvia, só que quando
eu entrei na Aldeia eu era uma pessoa, quando eu saí dessa casa, daquela
mulher eu fui pra casa da tia Silvia eu era outra, entendeu? [ ... ] eu cuidava da
casa, se eu queimasse um arroz ela descontava em mim entende, então isso
tudo foi me deixando triste ai eu comecei me revoltar. Se eu ando direito o que
eu ganho com isso, não ganho nada sabe, não ganho um elogio sabe,
114
ninguém fala, ninguém consegue ver, reconhecer, ai então eu vou virar, ai
eu virei mudei toda minha opinião, aí me enxergaram. Me colocaram pra fazer
terapia, ai todo mundo começou a ficar preocupado, ela está com problema,
isso dai eu não achei legal. Porque quando a gente apanhava lá, eu acho que
ali a gente merecia, merecia não, teria que ter uma terapia [ ... ] Então eu não
quis mais saber de nada, eu fugia, não pegava dinheiro de ninguém mas, eu
fugia , não queria mais fazer nada, agredia as pessoas verbalmente, acho que
foi tudo de lá dessa casa, a primeira”.
As linhas narrativas da entrevista de Suely exemplificam as quebras em
suas relações e a ambivalência de sentimentos em relação aos adultos
cuidadores e à Aldeia em geral. Fugiu, voltou, pediu para sair, foi morar com a
madrinha. Tempos depois esta a levou de volta para a Aldeia. Ela não se
adaptava em nenhuma casa, chegou a morar com o dirigente e durante todo o
tampo em que viveu na Aldeia, “rezava todos os dias para minha mãe vir me
buscar”.
Aos quinze anos engravidou, e escolheu se emancipar e casar. Em suas
palavras foi uma decisão desastrosa. O dinheiro dos padrinhos que poderia
contribuir para um início de vida autônoma foi usado para a compra de uma
moto. Suely passou fome, esteve na rua, afastou-se dos irmãos de Aldeia,
“queria esquecer”. Como espelho positivo levava apenas a tia Teca, a
psicóloga com quem fez terapia, quando estava no auge da revolta. Como
testemunho de pertencimento um pouco de história e uma foto de seus pais,
que não conheceu: “segundo algumas pessoas, morreram de hepatite; aí
quando eles morreram, morreu um seguido do outro, eu era amamentada
ainda, eu não sei da minha mãe, pelo menos hepatite eu não peguei, alguns
irmãos meus pegaram também hepatite foram tratados tudo direitinho e depois
a gente veio pra cá, mas eu tenho uma foto, muito velha, do casamento deles.”
Quando Suely faz alguma descrição positiva da Aldeia, compara-a a
uma família, especificamente a uma mãe ideal: “Hoje em dia a Aldeia, a gente
fala que foi uma coisa muito bacana, eu não digo uma mãe, porque acho que
mãe é muito mais completo, uma coisa muito mais... aquilo foi uma, não tenho
palavras, ela tentou passar pra gente que somos importantes, a gente somos
seres humanos, precisamos de pessoas pra cuidar da gente, pra gente cuidar
115
dessas pessoas, é carinho, então tudo isso, a gente tentou fazer uma família
pra gente, entende? Então a Aldeia foi legal, acho que os valores que hoje eu
tenho, eu achei que naquela jamais eu precisava”.
Indagada sobre a existência de alguém que a tivesse ajudado durante o
período de sofrimento, de revolta, alguém com quem ela podia conversar, a
resposta veio com uma expressão de felicidade: “Tinha a tia Teca que era
psicóloga. Eu gostava muito dela, quando eu comecei a fazer terapia ela
começou a me dar atenção, assim eu me senti importante pra alguém, acho
que todo mundo quer ser importante pra alguém. Então eu não tinha ninguém,
ninguém me ouvia eu pensava que ninguém me ouvia, aí de repente eu
comecei a fazer terapia e alguém começou a se importar, pelo menos
mostrou que eu era importante e começou a ser importante pra mim,
então eu fazia desenho pra ela, tudo que eu fazia eu pensava nela, eu falava:
será que ela vai gostar? Aí eu fazia e levava pra ela ver, eu não via a hora de
chegar a terapia, eu não via o dia de chegar a terapia. Comecei a me
comportar melhor por causa dela, tudo por causa dela, então ela pra mim, ela
foi um... tudo. Aí foi passando tempo além da terapia, acabou a terapia e ela
continuou acompanhando, isso pra mim foi ótimo porque ela mostrou que
gostava muito de mim, então ela tinha uma amiga que dava aula de ginástica
olímpica, ela me apresentou pra ela e eu comecei a fazer ginástica olímpica,
ela que arrumou datilografia pra mim, me incentivava ir, eu tinha reforço, ela
quem me dava reforço, entendeu? Então ela foi muito legal pra mim, muito,
muito importante. Pra mim ela foi, assim, era a única pessoa que me dava
aquela atenção e se eu quisesse chorar eu poderia chorar, senta e chorar com
ela ali, ela me abraçava e falava. Suely, não fica assim, vai ficar tudo bem
entendeu, e eu acreditava era a única pessoa entendeu, depois quando ela
saiu passou a ser a tia Magui, a tia Magui era bacana. Ela conversava muito
com a gente, ela tentava, ela era atacadinha, ela era uma super mãe assim, ela
dava bronca, colocava de castigo, mas ela brigava muito por causa da
gente, isso era muito legal..”
Suely correu muitos riscos. Descreve como viveu na rua, andou com
más companhias e exerceu atividades erradas. Tem três filhos, de três pais.
Deixou de estudar na 6ª série quando engravidou, o que foi “um pesadelo”. A
116
própria direção da Aldeia, naquela ocasião não estava preparada para
situações como essa e, em suas palavras fez chantagem com a relação mais
preciosa que ela tinha, dizendo “se você não estivesse grávida, a tia Teca ia te
adotar”.
Em relação à gravidez, Suely também imagina uma outra narrativa, caso
tivesse mãe: “... por isso que eu falo que a Aldeia tentou ser mãe, porque por
mais que você tivesse psicólogo, psiquiatra, não sei o quê, educação sexual,
escola particular, não sei o quê, por mais que você tenha tudo isso, uma mãe é
muito diferente, porque a mãe vai conversar com você, entra na sua cabeça
diferente eu não sei te explicar, e talvez se tivesse... hoje eu converso com a
minha filha e eu explico pra ela sabe, eu acho que faltou pra mim mesmo a
minha mãe, eu sentia muita falta dela. Uma decisão errada foi ter engravidado,
entende? Com a idade que engravidei começou ai tudo errado, segunda
decisão foi ter peitado a Aldeia e saído de lá pra ir morar com ele entendeu,
isso foi horrível.”
Hoje narra essas experiências como um aprendizado: “acho que tudo
que a gente passa tanto bom quanto ruim, a gente tem que ver como uma
lição. Então sofri, sofri fiz outras pessoas sofrerem também com as minhas
burrices, eu não sofri sozinha”. Fica muito triste quando não tem dinheiro para
necessidades de seus filhos. Sente-se culpada, tem planos de mudança de
casa, mudança de vida, mas suas múltiplas auto-descrições ainda não
oferecem pontes entre um jeito de estar no mundo e outro mais desejado.
então é tudo muito difícil; tem dia que falta coisa aqui, sabe, e eu choro
porque eu fui ter (os filhos), porque isso tudo é culpa minha, entende? Eu não
posso resolver então eu começo a ficar mal, mal, ai eu saio vou fumar cigarro,
ando por ai choro bastante; fiz meus filhos sofrerem e até hoje, por causa
disso, eles sofrem também, então não é fácil pra mim também, não só pra
eles.”
Há quatro anos, havia um número significativo de ex-aldeanos, como
eram chamados, em situação parecida com a de Suely: histórias confusas
sobre si mesmos e sobre o significado da vida na Aldeia: ora, sentiam-se
enganados, abandonados, exigindo ajuda e solução para seus problemas, ora
117
acusavam-se de ter aprontado, não ter aproveitado, ao mesmo tempo em que
descreviam a Aldeia como “tendo passado muito a mão na cabeça”
A direção nacional decidiu contratar um educador social para receber e
ajudar os jovens em suas tentativas de conseguir emprego. Vários deles
perderam mais de uma vez seus documentos e não conseguiam se organizar
para buscar trabalho. O educador contratado, José Maria, desenvolveu uma
relação de amizade com firmeza. Em seu escritório: uma sala muito simples, na
Cidade Dutra, relativamente perto da Aldeia, não tinha nem café. Ele não dava
um único peixe, mas auxiliava na pesca. Quando dava dinheiro para alguém ir
a uma entrevista, fazia questão da prestação de contas, até o último centavo.
Suely descreve como dessa relação foi importante para seu caminho em
direção à autonomia. Estava vivendo com o pai de sua terceira filha, Giovana,
quando resolveu sair de sua situação de dependência: “eu estava sem estudo,
dependente, aí comecei a falar eu quero estudar, eu quero fazer alguma coisa,
não quero mais ficar em casa, então falei pra ele que eu queria estudar e ai
começamos a brigar. Terminei a 6º a 7º a 8º, depois fiz o 1º, 2º e 3º, isso tudo
brigando. Quem ajudou muito foi o Zé Maria. Ele me ajudou muito com o curso
de auxiliar, ele foi uma pessoa muito importante pra mim porque quando eu
estava bem ele me ligava e a gente conversava e a gente ria, quando eu
estava ruim a gente conversava e eu chorava e depois a gente ria, e ele falou
não fica assim, você vai conseguir, você é uma pessoa determinada, ele me
deu muita força. Ele foi uma pessoa muito importante nessa época pra mim,
muito mesmo. Aí, o Zé Maria conversou com a Dona H. e ela foi a
intermediadora da bolsa e eu consegui fazer o curso de auxiliar de
enfermagem.”
Atualmente Suely mantém os vínculos com seus irmãos biológicos, que
não têm condições materiais de ajudá-la, mas são fortes referências afetivas.
Também atribui maior importância a seus irmãos de casa ou de Aldeia.
“Agora muito mais que lá na Aldeia, antes eu nem queria muito me
relacionar, eu queria meio que esquecer. né? Hoje em dia não, hoje em dia
eles me ligam a gente conversa ontem o Fernando estava aqui entende, outro
dia eu fui pra casa onde está morando o Wilson. Fomos pra lá, ficamos
conversando tudo, o João, de vez em quando a gente se encontra”.
118
Perguntei se o projeto Emancip-Ação, o processo de nove meses de
encontros semanais visando a construção de uma rede de auto-ajuda entre
aldeanos emancipados em situação de risco, tinha ajudado:
H. E aquele processo com a Regina* têm alguma importância pra
você?
* Regina Wrasse foi coordenadora do projeto Emancip-Ação.
Olha eu penso que esse contato com os ex-aldeanos veio a fortalecer
depois que acabou esse curso que a gente teve, porque antes era só alguns.
Hoje não, hoje eu converso com eles tento entender, às vezes um está
brigando com o outro, e eu digo: isso é pouco, vamos conversar, antes eu não
queria nem saber, entendeu? Hoje não, hoje eu vejo bem diferente e eu penso
que foi depois do curso, eu só não entendo o porquê, mas foi só depois, acho
que veio fortalecer um pouco mais.”
Talvez esse seja um bom resultado para a emancipação de um filho:
algo que é bom, que passa a fazer parte do seu self relacional, sem passar por
descrições racionais.
Suely, em momentos importantes de seu desenvolvimento viveu um
vazio narrativo. Saiu do peito de sua mãe, ainda sem palavras; dos braços de
sua madrinha, de ser o centro de atenções, para ir para uma FEBEM e depois
para a Aldeia, onde foi para uma casa com uma mulher que não sabia cuidar
de uma menina de três anos que “era um bebê”, Depois de uma narrativa de
“madrasta da Cinderela”, “horrível, horrível, traumática”, Suely relata o tempo
do vazio: não ser vista, não ser ouvida. Quando decide ser vista pelo avesso,
lhe é oferecida uma relação que possibilita melhores histórias, com a tia Teca.
Suely experimenta rebeldia, “peita a Aldeia”, casa com 15 anos e se emancipa.
Inicia uma carreira de mãe sozinha que poderia seguir um triste e conhecido
caminho de dependência em dependência de novos companheiros, dando a
cada novo parceiro um filho para compensar os outros que ele assume. Parou
com 21 anos e há sete anos busca seu desenvolvimento e a manutenção dos
filhos.
O suporte de José Maria e a bolsa para o curso foram decisivos, mas só
puderam ser efetivos porque ainda havia possibilidade de Suely confiar. A
palavra que resume as narrativas de Suely sobre si mesma é dor. Suely dói.
119
Dói de perda, dói de medo, mas sua dor ainda tem possibilidades de cicatrizar.
Escolheu um ofício de cuidar e curar. Tem um sonho em suas palavras
inatingível: fazer medicina, mas ainda pretende fazer o curso técnico de
enfermagem. Cuidar-curar e ao mesmo tempo cuidar-se e curar seus
ferimentos. Um emprego digno é sua prioridade. Seu primeiro trabalho foi em
um asilo tão mal cuidado que ela saiu com medo de que houvesse alguma
denúncia pela negligência com os idosos.
Como nas três entrevistas anteriores, perguntei como ela acha que as
pessoas olham, quando sabem que foi criada em uma instituição e a resposta
foi de que acaba chamando atenção, “mas pelo lado de dó, pelo lado de pena,
pelo lado de coitada, é assim que a partir dali eu já sou vista como uma forma
diferente, então eu não gosto que as pessoas me vêem dessa forma.”
V.5 A Família SOS - co-construtora das identidades de Ricardo,
Mariana, Denise e Suely.
Ricardo define a Aldeia como realmente importante, com aspectos
positivos e negativos, mas acredita que o positivo foi maior, especialmente pelo
carinho e exemplos que recebeu da sua mais importante mãe social. Manter
contato com sua família biológica permitiu-lhe uma compreensão sobre seu
abrigamento que o impulsiona a lutar para que menos pessoas passem pela
mesma situação. Um dirigente homem, modelo de pai, faz parte de suas
narrativas de identidade e a rede a partir da Aldeia ainda é um suporte em
seu caminho rumo à cidade, e à cidadania. Enfrenta o discurso do
preconceito contra o “menor institucionalizado”, construindo o contra-
discurso de sua própria história.
Mariana pensa em sua mãe social. Inspira-se nela. Recebeu muito
amor, muito carinho, acredita que ela fez tudo que poderia pelo seu bem estar
e o de sua irmã; procura levar sua vida como ela; e oferece ao filho tudo o que
recebeu; descreve-se como responsável, capaz de viver sem depender da
Aldeia. Vive com uma irmã biológica e um irmão de casa, constituindo um
arranjo fraterno onde irmão de sangue e irmão social são equivalentes. Relata
que aprendeu a lavar, passar, cozinhar, portanto, em sua vida atual a Casa
120
onde viveu faz parte de seu repertório de ações. Traz, também, como parte de
seu eu-nós um modelo positivo de pai, o dirigente, mantém contato tanto com
a família biológica como com a família de sua mãe social, que constitui uma
rede a partir da Aldeia e esta, por sua vez, é um lugar para se reunir, contar
histórias, rever amigos, o equivalente a uma família extensa, que na vida
adulta usualmente tem esse lugar mais periférico. Não gosta das ofertas
identitárias dos discursos do preconceito. Oculta sua história, não por
vergonha, mas como defesa.
Denise nomeia como importantes dois irmãos de sua extensa família
biológica: a família que foi com ela para a Aldeia, os irmãos que passaram
pelo que ela passou, moraram na rua e foram retirados do convívio com os
pais. Importante também é a Aldeia e a família da Aldeia: mantém contato
com a mãe social de quem é muito amiga e viaja para visitar a família dela que
mora fora de São Paulo; considera que agora tem duas famílias. Denise é a
mais jovem das entrevistadas e está iniciando sua trajetória rumo a autonomia.
Em sua vida, a Aldeia não foi um destino até a maioridade, mas um refúgio
para o momento mais difícil de sua família biológica. Um lugar controlado por
sua avó de onde sempre era possível sair. Ao mesmo tempo é, entre os quatro
exemplos, a que conta com a Aldeia como recurso para sua subsistência, não
como provedora mas como um exercício para o mundo-aqui-de-fora, em
relação ao self profissional. De modo semelhante a Mariana, Denise evita
enfrentar o discurso do preconceito em relação a ter sido institucionalizada,
por defesa; em relação à sua experiência de moradora de rua, por vergonha.
Suely nomeia como importante manter-se, ter forças para manter os
filhos e a casa; a família da Aldeia é importante, mas depois de sair de se
emancipar, ficou mais forte o laço com a família biológica, de quem nem
sabia que gostava tanto como veio a descobrir. Suas narrativas têm poucos
personagens que atuaram como espelhos positivos. Os laços com irmãos
biológicos e sociais são construções mais recentes.
Segundo Margarida Gioielli, a tia Magui: “Todos tem memórias muito
boas, às vezes romanceadas, e também memórias ruins. Nesse sentido existe
um chão... mas também um esquema de funcionamento onde a Aldeia é a
provedora, é a grande mãe e eles vão estar o tempo todo se relacionando com
121
a Aldeia, maternal e não necessariamente com a mãe sócia l.... mas a grande
maioria deles teve pelo menos uma relação com uma mãe social que eles
identificaram como uma pessoa importante, uma relação importante de
maternagem.”
Dos quatro entrevistados, Suely é a única que não descreve uma
relação importante de maternagem, nem um adulto cuidador que seja modelo
para sua vida. Suas narrativas são marcadas por sentimentos de solidão,
medo, revolta. Ela descreve experiências semelhantes às de suas duas
companheiras de Aldeia, em relação ao discurso do preconceito.
A comparação dos relatos das três mulheres com o de Ricardo, em relação a
esse discurso sugere uma pergunta: será que o preconceito em relação às
crianças institucionalizadas, categorizadas como abandonadas por suas
famílias, manifesta-se como pena, em relação a meninas e medo, no caso de
meninos? Embora haja também adolescentes do sexo feminino na condição de
- “em conflito com a lei”, é maior a presença na mídia de “menores infratores”,
como ainda são denominados os adolescentes do sexo masculino na mesma
situação.
As entrevistas analisadas permitem uma comparação com situações
semelhantes, descritas por famílias ditas estruturadas, isto é, quando os filhos
seguem os caminhos esperados, interessando-se pelos estudos e pela adesão
às regras do mundo do trabalho, sua relação com os pais é considerada
normal, não levando à procura de terapias ou ao recurso a outros especialistas
em educação ou saúde mental.
. A rede tecida a partir da Aldeia é descrita como relevante nas quatro
entrevistas, seja através dos padrinhos – apoio financeiro, seja através de
mães sociais ou outros adultos significativos, como dirigente, psicóloga ou, no
caso de um apoio pós-Aldeia, o educador social, uma rede que oferece
orientação e apoio emocional, e se mostra indispensável para sustentar o
caminho dos jovens em direção à maioridade.
122
VI Considerações finais
Ao analisar as relações entre família e instituição em nossa história
escolhi inicialmente o lugar da criança, para quem um sistema protetor não é
uma escolha, mas uma necessidade.
Descrevi, então, ‘família’ como um conjunto de pessoas, composta por
um ou mais adultos com funções mais ou menos especificadas e discriminadas
por seus nomes que constituem diferentes tipos de relação: quem alimenta,
quem dá ordens, quem acalma os medos, quem alivia a dor, quem aceita e
interpreta as comunicações: – choro e outras expressões, quem obedece
quem, quais as regras de participação de cada um, etc.
À experiência de viver em um sistema assim eu denominei
Pertencimento.
Entre aldeanos emancipados, existem jovens perplexos e ressentidos
que acreditavam que a Aldeia era para sempre. (Wrasse e Coutinho, 2005).
Emprestando as palavras de Bauman (2005, p.17), a descoberta de que
a Aldeia não era o seu destino, seu mundo, tornou-os conscientes de que o
pertencimento e (aquela) identidade não tinham a solidez de uma rocha, não
eram garantidos para toda a vida, eram bastante negociáveis e revogáveis, e
as decisões que eles vierem a tomar, os caminhos que percorrerem, a maneira
como agirem – e a determinação de se manterem firmes, ou não, a tudo isso -
serão fatores cruciais tanto para o “pertencimento”, quanto para a “identidade”.
Conversando com quatro jovens também criados na Aldeia SOS de Rio
Bonito, a consciência de que pertencimento e identidade são construções
permanentes, foi apresentada por narrativas singulares.
Encontrei Ricardo que viveu a Aldeia como uma imigração forçada,
porém útil, uma oportunidade para a terceira migração que está fazendo, para
a vida aqui fora. Ele mantém os vínculos com suas pertinências anteriores, fala
pouco a língua materna, bastante a do país de adoção – a Aldeia, e pratica
com garra a língua da cidade. Eu resumiria seu estar no mundo, a resposta a:
“quem é Ricardo”, com a frase: fui ajudado, ajudo e quero ajudar.
Conheci Mariana cuja experiência de pertencimento à Aldeia foi uma
sólida base para manter os laços com o povo de origem: a manutenção dos
123
laços fraternos durante todo o tempo de sua permanência na instituição e a
saída para morar com a irmã, parecem ter deixado um lugar implícito para a
mãe. O Sr. Antonio, como narrador oficial da história, como autor da ligação
entre as duas pertinências manteve a memória do lugar da mãe. Quando esta
se materializa, já havia uma narrativa prévia de cuidado com outra irmã e isso
é suficiente para ser acolhida. Mariana fala as duas línguas, e tem clareza de
que ensinará para seu filho a língua materna número dois – de sua mãe social.
Como frase-resumo de sua identidade presente, escolho: fui cuidada,
cuido e quero cuidar.
Denise, a mais nova do quarteto que compartilhou comigo suas
histórias, tem na Aldeia uma segunda casa mais segura. O eixo do sistema
cuidador foi a avó que nunca perdeu o contato com o sistema auxiliar por ela
escolhido. Sua denúncia, um pedido de socorro, ofereceu para Denise e seus
dois irmãos, abrigados na mesma ocasião, um espaço auxiliar do qual sempre
soube que poderia sair. Atualmente, ela prefere manter-se mais próxima deste
segundo contexto que considera favorável ao seu desenvolvimento e
autonomia, enquanto mantém os laços afetivos com a avó e irmãos.
Seu processo é semelhante ao de jovens criados com seus pais que
escolhem uma universidade em outra cidade, para aprender a linguagem do
mundo-lá-de-fora. Uma frase para resumir quem é Denise: fui protegida,
protejo e quero proteger.
Suely é a mais velha dos quatro entrevistados e foi para a Aldeia como
um bebê, quando a própria instituição dava seus primeiros passos. Sua
trajetória tanto lá, quanto fora, foi mais tumultuada. Quando a conheci estava
iniciando um período de construção do que Michael White (2000) denomina
“histórias preferíveis”. Contar com Zé Maria, participar do projeto Emancip-
Ação e fazer o curso de auxiliar de enfermagem, exigiu esforço, persistência e
principalmente sua escuta a novas vozes que lhe ofereceram melhores
descrições. A história de quem é Suely pode ser resumida assim: eu sofri,
causei sofrimento, quero cuidar-curar.
Entre as descrições de passado e de futuro, a sustentação do presente
ainda é precária. Das quatro entrevistas, sua passagem da Aldeia à cidade
apresentou mais vicissitudes.
124
Suas narrativas apresentam-na como consciente de que a identidade
“das burrices”, não tem a solidez de uma rocha, não é um estigma para toda a
vida, é revogável e negociável, e as decisões que ela vier a tomar, os
caminhos que percorrer e a maneira como agir serão fatores cruciais tanto
para o “pertencimento”, quanto para a “identidade”.
Lembrando Gergen (1996, p.186) “o self não é uma propriedade do
indivíduo, mas dos relacionamentos, – produto do intercâmbio social. De fato,
ser um self com um passado e um futuro potencial não é ser um agente
independente, único e autônomo, mas um ser imerso na interdependência”.
O futuro potencial de Suely, como de qualquer outra pessoa, vai sendo
tecido na interdependência. Essa compreensão de self não é coerente com a
categoria independência, mas permite refletir sobre o capital social que cada
um pode utilizar em suas relações.
Castells (1999b), categoriza os processos sociais como estruturados por
relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder
ampliando as análises marxistas, focadas na produção e poder, com a
categoria experiência que entende como “a ação dos sujeitos humanos sobre
si mesmos, determinada pela interação entre as identidades biológicas e
culturais em relação a seus ambientes sociais e naturais”.(1999a, p.33).
Na corrida de obstáculos do mundo-aqui-de-fora, Suely está em busca
de ampliar seu capital social prosseguindo os estudos. É possível que mais
uma experiência positiva como estudante contribua para seu querer cuidar-
curar; entretanto, ouvir seus relatos de tristezas, momentos de desânimo e
auto-acusações, reafirma minha compreensão de que nesse caminho um
elemento chave é a consolidação de uma rede de conversações legitimadoras,
suporte para que ela possa realizar ações ampliadoras de seu self cultural.
Saio dessa experiência com muito mais questões sobre nós, do
mundo-aqui-de-fora; questões sobre a responsabilidade dessa sociedade
que, na defesa das crianças e adolescentes, recentemente criou o ECA, os
Conselhos Tutelares e a legislação sobre abrigamento, mas não está
preparada para maioridade deles.
Os jovens criados em instituições saem com um carimbo de “menor
institucionalizado”, uma identidade negativa construída desde o Brasil colônia,
125
consolidada no Império e sancionada na República. Desembarcam literalmente
desabrigados
Esta experiência de conhecer os atores e cenários das narrativas de
passagem à maioridade ensinou-me a considerar a rede de apoio necessária
nesse período como a categoria mais significativa, para contrabalançar outra
categoria apontada por todos os entrevistados: o discurso do preconceito e as
práticas discriminatórias decorrentes.
A cidade recebe os egressos de instituições como coitados ou
marginais.
As Aldeias Infantis SOS Brasil têm feito seu caminho de aprendizado de
passagem de um modelo europeu de aldeia para um brasileiro de periferia de
cidade grande. Na construção de identidade de seus filhos, considerei como
constitutivas a mãe e os irmãos sociais e a casa e Aldeia como o cenário para
essas relações.
Termino este processo considerando tão importantes quanto a qualidade
dos vínculos com a mãe social durante a permanência na instituição, a
manutenção após a saída, de laços com irmãos de casa ou de Aldeia, com
outros adultos significativos como modelo, conselheiro ou apoio emocional para
que os jovens emancipados encontrem um lugar como legítimos membros da
sociedade.
Quantos jovens das famílias de todos os estratos sócio-econômicos,
estão aptos, aos dezoito anos, para viverem sozinhos, fora da casa de sua
família?
É esperado, em nossa sociedade que um adulto abandone
completamente o que constituiu sua rede pessoal significativa na infância e
adolescência?
Conflitos de identidade não são exclusivos de jovens criados em
instituições.
Tensão e contradição são ônus de uma sociedade complexa, cujas
práticas discursivas derivam de inúmeros discursos, muitas vezes
incompatíveis entre si. Entre os ganhos encontram-se a possibilidade de
escolha e a flexibilidade de modelos, mas escolha e flexibilidade não estão
democraticamente distribuídas.
126
O conjunto de atributos culturais inter-relacionados que prevalecem
sobre outras fontes de significado, que está na base do processo de
construção de significados que cada pessoa dá à sua história, e que
constituem sua identidade, é historicamente construído por vozes sociais
hegemônicas cujos discursos categorizam valorizando ou desvalorizando,
legitimando ou deslegitimando alguns atributos cujos exemplos mais notórios
são: raça, sexo, família de origem, poder econômico.
Que outras funções seriam necessárias à rede de sustentação de
crianças mais fragilizadas por suas experiências precoces?
127
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CENTRO
LESTE
NORTE
OESTE
SUL I
SUL II
ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO DENOMINADA ALDEIAS INFANTIS SOS
BRASIL
PREÂMBULO
Nossa Visão
Cada criança pertence a uma família e cresce com amor, respeito e
segurança
Nossa Missão
Criamos família para crianças necessitadas, ajudamos a construir seu próprio
futuro e participamos do desenvolvimento de suas comunidades.
Nossas raízes
A primeira Aldeia SOS surgiu em 1949, idealizada, construída e tornada
realidade por Hermann Gmeiner, na cidade austríaca de Imst, tornando-se o
protótipo do atendimento a crianças que não puderam ser mantidas no seio de
sua família natural.
Hoje a SOS-Kinderdorf International é uma associação civil de direito privado
sob a forma federativa, de interesse público, de âmbito mundial, sem fins
lucrativos ou econômicos, apolítica, com sede em Insbruck - Áustria.
Atua em mais de 131 países, como fomentadora e fiscalizadora do
cumprimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, a partir da Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) e do Estatuto da
Criança e do Adolescente, no Brasil (julho de 1990), apoiando o
desenvolvimento de programas de acordo com as necessidades locais,
destacando-se no Brasil os Centros Sociais, que objetivam o fortalecimento da
família e a prevenção do abandono.
A SOS-Kinderdorf Österreich é a detentora da marca, ”Aldeias Infantis SOS”,
do logotipo, e da metodologia a ser aplicada nos programas, cedendo seus
direitos de uso aos Membros da Federação SOS KINDERDORF
INTERNATIONAL.
Aldeia Infantil SOS
O trabalho educacional das Aldeias SOS em todo o mundo é, desde então,
norteado por quatro princípios básicos concebidos pelo seu fundador Hermann
Gmeiner, que são:
1. A Mãe Social - A criança, por perda dos pais naturais ou contingências da
vida, encontra nas famílias substitutas mantidas pela Aldeia SOS a segurança
de um lar e sente, nos cuidados dispensados pela Mãe Social, o amor e o
carinho necessários ao desenvolvimento normal e harmonioso de suas
potencialidades. Ela conhece e respeita a origem familiar e as suas raízes
culturais.
No Brasil, a atividade de Mãe Social está regulamentada pela Lei nº 7.644, de
18 de dezembro de 1987.
2. Os Irmãos - Cada família substituta é composta da Mãe Social e de crianças
com idade e sexo diferentes, admitidas no lar, nos mesmos moldes de uma
família natural. Os irmãos consangüíneos são mantidos em uma mesma
família.
3. A Casa-Lar - Cada Casa-Lar tem capacidade para até nove crianças. Cada
família cria o seu próprio lar. A casa é o centro da vida das famílias, onde as
crianças desfrutam de segurança e do sentido de pertencimento, sendo a
mesma o núcleo básico para o desenvolvimento da criança. A responsabilidade
da gestão da casa lar, é da Mãe Social, que desenvolve o processo de
formação das crianças a ela confiadas. Para gerir esse processo, dispõe de um
orçamento previamente estabelecido.
4. A Aldeia SOS - Cada Aldeia SOS é composta de até vinte Casas-Lares,
habitadas pelas famílias substitutas, formando um condomínio, integrado na
comunidade.
A Comunidade é formada pelas Famílias Substitutas da Aldeia SOS, é
gerenciada pelo Diretor da Aldeia, profissional que tem a responsabilidade
pedagógica e organizacional, desempenhando, também, o papel de pai
substituto das crianças e adolescentes. Existem, também, outros especialistas
na área pedagógica e social, que apóiam a comunidade.
Casas de Jovens
As casas de jovens apóiam e ajudam os jovens das famílias substitutas da
Aldeia SOS na sua preparação para uma vida independente. Para tanto,
utilizam da educação formal, dos cursos profissionalizantes oferecidos na
comunidade local, ou ainda dos Centros de Capacitação de Jovens da Aldeia
SOS.
O Diretor da Aldeia, a Mãe Social e um Acompanhante da Casa de Jovens
continuam o processo de formação do jovem na preparação da sua autonomia,
dando continuidade ao plano de desenvolvimento individual (PDI) do jovem.
O Acompanhante de Jovens gerencia, em conjunto com os jovens, a casa,
administrando o orçamento por eles elaborado, para o cumprimento do PDI,
conforme o pré-estabelecido.
Centros Sociais SOS
O Programa Centro Social tem como objetivo o fortalecimento das famílias e a
prevenção do abandono de crianças e jovens em situação de risco social.
Os Centros Sociais estão apoiados em quatro fundamentos:
1. Prevenir o abandono de crianças, especialmente daquelas cujos pais
biológicos, por alguma razão, abandonam os filhos à comunidade de rua, ou
ainda os entregam a mercê das instituições;
2. Restituir à criança o seu papel de sujeito de direito em toda sua dimensão
humana, com todo sentimento de pertencimento a uma família e a uma vida
integrada em sua comunidade;
3. Promover o fortalecimento da família, no processo de desenvolvimento sócio
econômico, e afetivo, envolvendo as crianças e os pais, a comunidade do
entorno, a sociedade em geral, e o poder público;
4. Os Centros Sociais atendem prioritariamente a comunidades carentes no
entorno da Aldeia.
O Programa Centro Social atende crianças, jovens e os pais através dos
seguintes núcleos:
Casas Transitórias
Têm como finalidade oportunizar e propiciar às crianças em situação de risco,
abandono e maus tratos, uma assistência imediata em um ambiente familiar,
saudável e seguro, visando buscar a melhor solução, trabalhando sua família
natural para uma reintegração, ou ainda, o encaminhamento para adoção ou
família substituta.
Núcleo de Integração Sócio Cultural (NISC)
Complementação da Escola Formal, através das oficinas de: Apoio
Pedagógico, Artes, Idiomas, Desportos, Informática, Teatro, Música e outras
oficinas, de acordo com a necessidade da comunidade.
Núcleo de Capacitação de Jovens
Apoio Pedagógico, Idiomas, Saúde e Higiene, Ética e Cidadania; Relações
Inter-pessoais; Informática, Orientação Vocacional, Formação para o Mundo do
Trabalho, Estágios em Empresas, Geração de Trabalho e Renda, Participação
dos Jovens em trabalhos de Responsabilidade Social, palestras para as
famílias.
Creche - Escola de Educação Infantil
Desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físicos, psicológicos e sociais, complementando as ações da família e
comunidade. A clientela atendida é oriunda de famílias de baixa renda e cujos
pais necessitam trabalhar fora.
Núcleo Saúde
Promover a integração com os órgãos públicos, para inserir crianças e famílias
nos programas comunitários, na área da saúde preventiva e curativa, através
dos agentes de saúde.
Lar Comunitário
Formação de Comitês na Comunidade, objetivando fomentar o
desenvolvimento desta, através do diagnóstico das necessidades básicas, e
seus respectivos programas para solução.
Atendimento das crianças, na comunidade onde vivem, através de agentes de
educação, oportunizando que as famílias possam trabalhar, tendo a
tranqüilidade de que seus filhos estejam seguros, e ao mesmo tempo, tendo
atividades recreativas e educativas necessárias para o seu desenvolvimento.
Os agentes de Educação são pessoas indicadas pelo Comitê da Comunidade,
que poderão ser inclusive mães de famílias que se disponha a ter esta
atividade, e o compromisso de serem treinadas e supervisionadas pelo Centro
Social SOS Hermann Gmeiner.
Escola Hermann Gmeiner
Objetiva propiciar a formação básica do cidadão, nos moldes da Lei 9.394/96,
no atendimento de 1ª a 4ª séries, proporcionando ensino qualificado e
diferenciado, com o objetivo de preparar nossos educandos para a vivência e
atuação na Sociedade, em locais que não disponham de Escola Pública.
Este preâmbulo antecede o Estatuto da Associação das Aldeias Infantis SOS
Brasil e constitui parte integrante do Estatuto.
CAPÍTULO I - DA DENOMINAÇÃO, SEDE, OBJETO, DURAÇÃO
Artigo 1º - A Associação “Aldeias Infantis SOS Brasil”, doravante chamada
simplesmente de Associação Nacional, é uma Associação Civil de direito
privado, regulada pelas normas do Novo Código Civil, sem fins lucrativos ou
econômicos, exclusivamente de finalidades filantrópica e cultural, inscrita no
CNPJ sob o nº. 35.797.364/0001-29, com sede no Escritório Nacional, à Rua
José Antonio Coelho, 400 - Vila Mariana, na cidade de São Paulo, Estado de
São Paulo, República Federativa do Brasil.
Artigo 2º - O prazo de duração da associação é indeterminado.
Artigo 3º - A Associação Nacional tem por finalidade criar, implantar, organizar,
administrar e fiscalizar os Programas SOS, destinados ao cumprimento da
Missão;
I - Prestar assistência, dar formação a crianças privadas, por qualquer motivo,
da ação educativa da família, sem distinção de raça, cultura ou credo religioso,
em caráter de gratuidade, nos moldes previstos no preâmbulo deste estatuto,
tomando ainda como modelo, a metodologia e os princípios norteadores da
SOS-Kinderdorf International.
II - Promover centros sociais, assistência médico-sanitária, e demais serviços
para as comunidades, prioritariamente às que estiverem no entorno da Aldeia,
objetivando o fortalecimento da família, e a prevenção do abandono, visando o
bem estar das crianças.
III - Despertar a consciência pública para as questões relativas às
necessidades das crianças, assim como defender e fomentar os direitos das
crianças e adolescentes no País.
IV - Promover o interesse do poder público e da sociedade, para os
intercâmbios científicos entre pessoas em matérias relativas à prestação de
serviços às crianças, contando inclusive com organizações nacionais e
internacionais.
V - Promover medidas, ações, venda de produtos para obtenção de recursos
com fins econômicos, exclusivamente, para consecução dos seus objetivos.
VI - Atuar como modelo no atendimento de crianças e desenvolver organismo
de informações sobre métodos inovadores, na assistência às crianças no
nosso país.
§ 1º - Fica definido como Programa SOS para fins deste Estatuto qualquer
atividade que diretamente desenvolva a promoção, o implemento e a plena
realização dos princípios e objetivos da Associação Nacional.
§ 2º - Os Programas SOS são obrigatoriamente filiais da Associação Nacional,
ressalvado o previsto no artigo 4º, inciso XIII.
§ 3º - No atendimento de seus objetivos, a Associação Nacional, poderá abrir
filiais, em qualquer parte do território nacional, por deliberação do Conselho
Diretor.
Artigo 4º - A Associação Nacional, para a consecução do seu objetivo social
deverá exercer, dentre outras, as seguintes funções:
I - Constituir um Escritório Nacional, para gerir e administrar os Programas da
Associação Nacional;
II - Arrecadar os fundos necessários para manutenção dos seus Programas
SOS;
III - Aplicar nos Programas SOS as doações e verbas recebidas;
IV - Recorrer a todos os meios viáveis para venda de produtos que venham
gerar recursos, exclusivamente para a manutenção dos Programas da
Associação Nacional;
V – Recrutar, selecionar, capacitar os profissionais para garantir o bom
funcionamento dos Programas SOS
VI- Formular e elaborar regulamentos e outros documentos obrigatórios para a
Associação Nacional;
VI – Monitorar e avaliar o resultado dos trabalhos pedagógicos, administrativos
e financeiros desenvolvidos nos Programas SOS;
VII - Proteger e fazer com que o uso da marca e do logotipo, de propriedade da
SOS-Kinderdorf Österreich, somente, sejam utilizados por Programas SOS que
cumpram as normas éticas, pedagógicas e administrativas da SOS-Kinderdorf
International;
VIII - Celebrar convênios visando o cumprimento dos seus objetivos sociais;
XI – Adquirir e arrendar imóveis para instalação de Programas SOS, quando
necessário;
X - Receber doações, legados, heranças ou subvenções de qualquer natureza,
de pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privadas;
XI - Divulgar, através de todos os meios de comunicação, o Modelo SOS no
atendimento a crianças.
XII - Promover o intercâmbio de experiências pedagógicas e organizacionais
entre os Programas SOS e Associações congêneres;
XIII - Associar-se ou estabelecer convênios, com empresas e entidades
públicas ou privadas, visando estágios, a instrução formal e profissional e a
colocação no mercado de trabalho para os jovens que estejam sob a
responsabilidade dos Programas SOS;
CAPÍTULO II – DOS SÓCIOS E DOS SEUS DIREITOS E DEVERES
Artigo 5º - O quadro social é constituído de Sócios Titulares e Sócios
Honorários.
Artigo 6º - Poderá ser admitido como Sócio Titular ou Honorário:
I - Pessoa jurídica ou pessoa natural, maior e capaz, sem impedimentos legais,
que faça sua solicitação para tal e que seja aceita pelo Conselho Diretor;
II - O sócio aprovado pelo Conselho Diretor, fará sua inscrição em livro próprio
para este fim;
III - Será Diplomado na categoria de Sócio que o aprovou.
Artigo 7º - O número de sócios da associação é ilimitado.
§ 1º - A qualidade e o direito de sócio se extinguem com a morte.
§ 2º - A qualidade e o direito de sócio são personalíssimos, não podendo ser
transferidos ou cedidos seja a que título for.
Artigo 8º - Serão excluídos do quadro social, pelo Conselho Diretor, sem
qualquer outra justificativa os sócios que incorram em qualquer das hipóteses
abaixo:
I Por exclusão, com base na decisão do Conselho Diretor;
II - Não cumprimento do Estatuto Social;
III - Atitudes ou comprometimentos que possam vir denegrir a imagem da
Associação Nacional
§ 1º - Qualquer sócio por vontade própria poderá desligar-se da Associação,
hipótese em que será desligado do quadro social.
§ 2º - A decisão da exclusão do sócio deverá ser comunicada por escrito ao
mesmo.
§ 3º - O sócio excluído do quadro social poderá, entretanto, interpor recurso,
nos moldes do artigo 57 do Novo Código Civil.
Artigo 9º - São direitos dos sócios:
I - Titulares:
(a)Participar das Assembléias Gerais, com direito a voz e voto;
(b)Eleger e ser eleito como membro do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal;
(d)Eleger os Presidentes Honorários da Associação Nacional;
(e)Diplomar os sócios titulares da Associação Nacional;
II - Honorários
(a)Participar das Assembléias Gerais, com direito a voz e voto;
(b)Eleger os membros do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal;
(c)Eleger e ser eleito dentre os sócios honorários, os Presidentes Honorários
da Associação.
Artigo 10 - São deveres dos Sócios Titulares e Honorários:
(a)Fomentar e apoiar os objetivos e os fins da Associação Nacional;
(b)Zelar pelo uso da marca SOS;
(c)Cumprir o Estatuto, regulamentos e decisões dos órgãos da Associação
Nacional;
(d)Preservar e divulgar o Modelo SOS de atendimento à criança;
(e)Ser um amigo SOS, mediante pagamento de valor fixado pelo Conselho
Diretor.
Artigo 11 - A Associação tem existência jurídica distinta da dos seus sócios e
com eles não se confunde, não respondendo os sócios por qualquer obrigação
assumida pela Associação.
Artigo 12 - Os sócios, os membros eleitos para o Conselho Diretor e os
membros eleitos para o Conselho Fiscal da Associação Nacional, são
voluntários, não sendo remunerados de qualquer espécie, nem sob qualquer
outra forma.
CAPÍTULO III – DOS ÓRGÃOS DA ASSOCIAÇÃO
Artigo 13 - São órgãos da Associação:
I - a Assembléia Geral;
II - Conselho Diretor
III - o Conselho Fiscal.
§ único - Além desses órgãos, a Associação terá os seguintes órgãos
auxiliares:
I - Direção Nacional/Escritório Nacional
II - Comitê Nacional Operativo
CAPÍTULO IV - DA ASSEMBLÉIA GERAL
Artigo 14 - A Assembléia Geral é o órgão soberano da Associação Nacional,
sendo composta exclusivamente por todos os seus sócios, e dois
Representantes da SOS Kinderdorf International, que são considerados
membros natos da Associação Nacional.
Artigo 15 - A Assembléia Geral reunir-se-á ordinariamente em qualquer dia dos
três primeiros meses do ano civil e extraordinariamente sempre que se fizer
necessário.
§ 1º - O direito de convocação para Assembléias Gerais, cabe ao:
I. Presidente do Conselho Diretor;
II. Conselho Fiscal;
III. Representantes da SOS Kinderdorf International;
IV. Um quinto dos sócios.
§ 2º - As convocações para as reuniões da Assembléia Geral se darão
mediante publicação em jornal de circulação de São Paulo, ou ainda através de
carta, ou telegrama, enviados aos sócios e membros natos, com antecedência
mínima 15 (quinze) dias, sendo considerada regular a dispensa dessas
exigências em Assembléia Geral a que compareçam todos os sócios titulares,
honorários e os membros natos.
§ 3º - A Assembléia Geral será instalada em primeira convocação com a
presença de mais que 50% (cinqüenta por cento) dos sócios com direito a voto
e pelo menos um dos membros natos, e em segunda convocação, após uma
hora da primeira convocação, com no mínimo um quinto dos sócios com direito
a voto, e com no mínimo um dos membros natos, sendo os trabalhos dirigidos
por uma mesa composta de um Presidente, Vice Presidente e um Secretário,
eleitos para este fim pela Assembléia Geral.
§ 4º - Cada sócio e membro nato têm direito a um voto na Assembléia Geral.
§ 5º - As deliberações da Assembléia Geral serão tomadas por maioria dos
votos dos sócios e membros natos, presentes, ressalvado o disposto no
parágrafo único, do artigo 16 deste Estatuto.
§ 6º - Em caso de empate, o voto de qualidade será dado pelo Presidente da
Assembléia Geral.
§ 7º - Na Assembléia Geral, os sócios poderão ser representados por
procuradores, através de procuração simples.
§ 8º - Poderá ser dado o direito de voz a pessoas externas, a pedido do
Presidente da Assembléia Geral.
§ 9º - Das deliberações da Assembléia Geral será lavrada a competente ata, a
qual será assinada pelo Presidente, Vice Presidente, Secretário e um Membro
Nato.
Artigo 16 - Compete à Assembléia Geral deliberar sobre as seguintes matérias:
I - Eleger o Presidente, Vice Presidente e Secretário da Assembléia Geral;
II - Eleger os membros do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal;
III - Destituir membros do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal;
IV - Decidir os recursos interpostos de sócios excluídos;
V - Aprovar anualmente, as contas e relatórios financeiros do Conselho Diretor;
VI - Apreciar o relatório de auditoria externa, e manifestar-se a respeito.
VII - Alterar, no todo ou em parte, o Estatuto da Associação Nacional;
VIII - Deliberar sobre a dissolução, liquidação e extinção da Associação
Nacional, ouvida a SOS Kinderdorf International; bem como nesta hipótese
determinar a destinação do patrimônio social, observando a respeito o que
dispuser a legislação que for aplicável, assim como, observado o artigo 43 e 44
incisos I, II, e III do Estatuto;
IX - Decidir sobre as matérias que lhes sejam submetidas pelo Conselho
Diretor, pelo Conselho Fiscal ou pelos Membros Natos;
X - Nomear e destituir os liquidantes da Associação Nacional, conforme
indicado no inciso XIV, do artigo 25.
XI - Resolver os casos omissos do presente Estatuto.
§ único - Para as deliberações a que se referem os incisos III, VII, VIII e X, é
exigido o voto concorde de dois terços dos presentes, ouvidos os dois
membros natos, em assembléia especialmente convocada para esse fim, não
podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos
associados, ouvido os dois membros natos.
CAPÍTULO V - CONSELHO DIRETOR
Artigo 17 - A Associação Nacional, será dirigida por um Conselho Diretor, eleito
em Assembléia Geral, composto de cinco sócios e dois membros natos
§ único - Os membros do Conselho Diretor, serão empossados, nos moldes do
parágrafo 2º do artigo 20, mediante assinatura de termo lavrado no Livro de
Atas de Reuniões do Conselho Diretor.
Artigo 18 - O Conselho Diretor eleito escolherá entre si o Diretor Presidente,
Diretor Vice-Presidente, Diretor Secretário, Diretor Tesoureiro, Diretor de
Relações Públicas. Os Membros Natos não terão designação específica
§ 1º - Os membros eleitos para o Conselho Diretor, estarão vetados de
qualquer indicação de serviços remunerados, para a Associação Nacional por
qualquer pessoa, ou empresa, que tenham vínculos próprios, de parentescos
diretos ou afins.
§ 2º - No caso de vacância de um dos Diretores do Conselho, deverá haver
nova Assembléia Geral para eleger o sócio que comporá o Conselho Diretor.
Artigo 19 - O prazo de gestão Conselho Diretor é de três anos, sendo permitida
a reeleição.
Artigo 20 - As reuniões do Conselho Diretor serão instaladas quando realizadas
com a presença mínima de três de seus membros, e um dos membros natos,
ressalvado os parágrafos 1º e 2º do artigo 21.
§ 1º - As reuniões ordinárias do Conselho Diretor serão realizadas, no mínimo
de dois, nas datas e horários previstos no calendário anual fixado de acordo
com o inciso III do artigo 24
§ 2º - Primeira reunião da nova gestão deverá ocorrer imediatamente após a
Assembléia Geral, onde a posse será dada pelo Presidente da Assembléia
Geral, que participará desta primeira reunião.
§ 3º - A convocação das Reuniões Extraordinárias do Conselho Diretor poderá
ser feita por um terço de seus membros, ou por um membro nato, ou a pedido
do Diretor Nacional, através de carta ou e-mail, no qual deverá constar a ordem
do dia, a ser enviada com 8 (oito) dias de antecedência.
§ 4º - O Diretor Nacional participa das reuniões do Conselho Diretor com direito
a voz, sem direito a voto.
Artigo 21 - As deliberações serão tomadas pela maioria simples, e em caso de
empate, o voto de qualidade será do Presidente, ou, na sua ausência, do Vice
Presidente.
§ 1º - A admissão de sócios titulares e honorários requer a aprovação pela
maioria de dois terços do Conselho Diretor, e de pelo menos um dos membros
natos.
§ 2º - É necessária a maioria qualificada de dois terços dos membros do
Conselho Diretor e mais um dos membros natos, para aprovação de novos
programas, orçamentos, balanço, planejamento estratégico e contratação e ou
demissão do Diretor Nacional.
Artigo 22 - Todos os atos em nome da Associação somente terão eficácia
quando praticados em conjunto pelo Diretor Presidente e Diretor Tesoureiro,
por um deles em conjunto com um procurador, ou por dois procuradores em
conjunto, sendo estes constituídos na forma prevista no artigo 23, e parágrafos.
§ único - A Associação Nacional poderá ser representada isoladamente por
advogado para atos privativos desta profissão na forma da lei.
Artigo 23 - A Associação Nacional poderá constituir procuradores, profissionais
da Associação Nacional, com poderes específicos. O instrumento de mandato
deve ser outorgado pelo Diretor-Presidente e Diretor Tesoureiro, ou Diretor
Vice-Presidente e Diretor Tesoureiro, ou ainda, Diretor Presidente e Diretor
Vice-Presidente.
§ 1º - A procuração será por prazo determinado, sua validade deverá ser de até
30 dias a mais que o mandato do Conselho Diretor eleito.
§ 2º - O Diretor-Presidente, ou ainda, Diretor Vice-Presidente, ou ainda Diretor-
Tesoureiro, ou ainda o Diretor Nacional, isoladamente poderão constituir
procurador com poderes para o foro em geral.
Artigo 24 - Compete ao Conselho Diretor:
I. Eleger dentre os seus membros, Diretor Presidente, Diretor Vice-Presidente,
Diretor-Secretário, Diretor Tesoureiro e Diretor de Relações Públicas;
II. Determinar valor da contribuição mensal dos Sócios, como Amigos SOS;
III. Elaborar e fixar o calendário anual de suas reuniões ordinárias;
IV. Apoiar o Diretor Nacional, tomando as medidas e providências para que o
mesmo cumpra as suas funções;
V. Admitir e demitir o Diretor Nacional;
VI. Representar ativamente e passivamente em juízo ou fora dele;
VII. Autorizar a Contratação e demissão dos seguintes colaboradores; Sub
Diretor Nacional, Diretores dos Programas SOS, Mães Sociais com mais de
cinco anos na função, Assessores do Escritório Nacional, propostos pelo
Diretor Nacional ;
VIII. Autorizar a aquisição e alienação de bens imóveis;
IX. Captar recursos adequados aos propósitos da Associação Nacional;
X. Recrutar, orientar e envolver novos sócios, e amigos SOS;
XI. Projetar imagem pública da associação;
XII. Admitir ao quadro social, sócios titulares e honorários, de acordo com
parágrafo 1º, do artigo 21 deste Estatuto.
XIII. Autorizar a aquisição e alienação de bens imóveis;
XIV. Autorizar a contratação de auditoria independente selecionada pelo
Conselho Fiscal;
XV. Prestar contas da Associação, apresentando-as e encaminhando-as ao
Conselho Fiscal, auditoria e à Assembléia Geral;
XVI. Aprovar Orçamento, Regulamento Interno, Políticas Gerais, Quadro de
pessoal, e Política Salarial propostas pelo Diretor Nacional, nos moldes do
parágrafo 2º do artigo 21 deste Estatuto;
XVII. Autorizar gastos extraordinários que não estejam contemplados no
Orçamento previamente aprovado;
XVIII. Assegurar que os recursos sejam gerenciados com eficiência;
XIX. Submeter à aprovação da SOS Kinderdorf International, novos Programas
SOS;
XX. Solicitar a autorização prévia da SOS Kinderdorf International para uso da
marca e do logo pelos sócios, ou parceiros;
XXI. Deliberar a abertura de Filiais
XXII. Zelar pela integridade legal e ética dentro da organização;
§ único - A mudança do Estatuto Social requer a unanimidade do Conselho
Diretor e seus membros natos, para ser apresentada a Assembléia Geral.
Artigo 25 - Competências do Diretor Presidente:
I. Convocar as Assembléias Gerais;
II. Convocar e presidir as Reuniões do Conselho Diretor;
III. Propor ao Conselho Diretor a contratação ou demissão do Diretor Nacional;
IV. Apoiar e avaliar o Diretor Nacional;
V. Representar legalmente, judicialmente e extra judicialmente, podendo
outorgar procuração para este fim;
VI. Praticar todos os atos em nome da Associação em conjunto com o Diretor
Vice-Presidente ou Diretor Tesoureiro ou ainda outorgar procuração nos
moldes do Estatuto;
VII. Outorgar procuração nos moldes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 23;
VIII. Assegurar um eficaz planejamento organizacional, em conjunto com o
Diretor Secretário e Diretor Nacional;
IX. Projetar a imagem pública da Associação com os demais diretores;
X. Assegurar que os recursos sejam gerenciados com eficiência em conjunto
com o Diretor Tesoureiro;
XI. Zelar pela integridade legal e ética dentro da Associação, em conjunto com
todos os demais Diretores;
XII. Nomear um representante do Conselho Diretor, para fazer parte do Comitê
Nacional de Operacionalização;
XIII. Em caso de dissolução da Associação Nacional, atuar como liquidantes,
conjuntamente com o Diretor Nacional e os membros titulares do Conselho
Fiscal;
XIV. No caso de ausência ou impedimento, do Diretor Presidente, assumirá a
sua função o Diretor Vice Presidente.
Artigo 26 - Compete ao Vice Presidente:
I. Assumir as atribuições do Diretor Presidente na sua ausência ou
impedimento;
II. Representar legalmente , judicialmente e extra Judicialmente, podendo
outorgar procuração para este fim;
III. Outorgar procuração nos moldes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 23;
IV. Zelar pela integridade legal e ética dentro da Associação, em conjunto com
todos os demais Diretores;
V. Praticar todos os atos em nome da Associação em conjunto com o Diretor
Vice-Presidente ou Diretor Tesoureiro ou ainda outorgar procuração nos
moldes do Estatuto;
VI. Projetar a imagem pública da Associação com os demais diretores.
Artigo 27 - Compete ao Diretor Secretário
I. Fazer as atas de Reunião do Conselho Diretor em conjunto com o Diretor
Nacional;
II. Assinar as atas de Reuniões em conjunto com o Diretor Presidente e Diretor
Nacional;
III. Socializar as atas para todos os membros do Conselho Diretor;
IV. Elaborar o Calendário de Reuniões do Conselho Diretor, previsto no inciso
III do artigo 24;
V. Zelar pela integridade legal e ética dentro da Associação, em conjunto com
todos os demais Diretores;
VI. Assegurar um eficaz planejamento organizacional em conjunto com o
Diretor Presidente;
VII. Projetar a imagem pública da Associação com os demais diretores.
Artigo 28 - Compete ao Diretor Tesoureiro:
I. Analisar o Orçamento elaborado pelo Diretor Nacional.
II. Praticar todos os atos em nome da Associação em conjunto com o Diretor
Presidente ou Vice- Presidente ou ainda outorgar procuração nos moldes do
Estatuto;
III. Outorgar procuração nos moldes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 23;
IV. Zelar pela integridade legal e ética dentro da Associação, em conjunto com
todos os demais Diretores;
V. Assegurar que os recursos sejam gerenciados com eficiência em conjunto
com o Diretor Presidente;
VI. Projetar a imagem pública da Associação com os demais diretores.
Artigo 29 - Compete ao Diretor de Relações Públicas:
I. Aprovar planos de Captação de Recursos, para submeter ao Conselho
Diretor;
II. Captar recursos adequados aos propósitos da Associação;
III. Recrutar, orientar e envolver, novos sócios e novos amigos SOS;
IV. Constituir Comitês de Captação de Recursos;
V. Projetar a imagem pública da Associação com os demais diretores;
VI. Zelar pela integridade legal e ética dentro da Associação, em conjunto com
todos os demais Diretores.
CAPÍTULO VI - DO CONSELHO FISCAL
Artigo 30 - O Conselho Fiscal é constituído de três membros titulares e três
suplentes, com mandato por dois anos, é o órgão incumbido de examinar e
emitir parecer sobre as contas da associação.
§ 1. O Conselho Fiscal será eleito pela Assembléia Geral, dentre os sócios
titulares, ficando vedada a reeleição por mais de dois mandatos consecutivos.
Artigo 31 - Compete ao Conselho Fiscal:
I. Selecionar e coordenar a contratação de auditoria independente dentre
empresas de reconhecido nível técnico e ilibada reputação, com a aprovação
do Conselho Diretor.
II. Examinar as demonstrações financeiras e os documentos que comprovam a
receita e a despesa;
III. Verificar se os fundos foram aplicados de acordo com o Estatuto;
IV. Emitir parecer por escrito, ouvida a auditoria independente, sobre as
demonstrações financeiras a serem submetidas à apreciação da Assembléia
Geral.
V. Em caso de dissolução da Associação Nacional, assumir a liquidação em
conjunto com o Presidente, Diretor Nacional.
VI. Fica garantido o acesso às atas das Reuniões do Conselho Diretor, e os
documentos contábeis a qualquer momento com notificação ao Diretor
Nacional.
VII. Manter em absoluto sigilo as informações obtidas em suas funções
CAPÍTULO VII - DIREÇÃO NACIONAL
Artigo 32 - O Diretor Nacional é um profissional executivo remunerado com
dedicação integral, responsável e o gestor do Escritório Nacional
Artigo 33 - O Escritório Nacional é órgão onde está instalada a equipe de
assessoria do Diretor Nacional para apoio aos Programas SOS, e para
Associação Nacional.
Artigo 34 - Competências do Diretor Nacional:
I. Gestor e responsável pelo Escritório Nacional; onde está instalada a equipe
de assessoria;
II. Responsável imediato de todos os Diretores dos Programas SOS;
III. Responsável pelos Colaboradores, suas admissões, capacitação e
demissões, observado o inciso VII do artigo 24 deste Estatuto;
IV. Desenvolver a Política salarial, e quadro funcional, para submeter à
apreciação do Conselho;
V. Executar as decisões do Conselho Diretor, da Assembléia Geral e mantê-los
informados através de relatórios trimestrais;
VI. Responsável pelo fluxo direto com o a SOS Kinderdorf International, através
do seu Escritório Regional;
VII. Desenvolver políticas gerais para consecução dos objetivos da Associação
Nacional, apresentadas para o Conselho Diretor.
VIII. Responder em nome do Conselho Diretor, na qualidade de Representante
da Associação Nacional, junto aos órgãos fiscais, administrativos, repartições
públicas, mediante procuração, nos moldes do artigo 22 parágrafo único, artigo
23 e parágrafos deste Estatuto;
IX. Convocar e presidir as reuniões do Comitê Nacional de Operacionalização;
X. Administrar os fundos da Associação dentro do orçamento previamente
aprovado pelo Conselho Diretor;
XI. Ser outorgada por procuração para desempenhar quaisquer das atribuições
de competência e delegadas pelos Diretores, observando o artigo 22, parágrafo
único, artigo 23 e parágrafos 1º e 2º;
XII. Elaborar, em conjunto com os Diretores dos Programas SOS, o
Orçamento, Planejamento e os Relatórios da Associação Nacional, para
submeter à apreciação do Conselho Diretor;
XIII. Ser responsável pelo cumprimento da Missão e da aplicação de todos os
Manuais de referência para o desenvolvimento dos Programas SOS;
XIV. Manter a opinião pública informada a respeito das atividades
desenvolvidas pelos diversos Programas SOS;
XV. Fomentar a captação de fundos destinados à manutenção dos Programas
SOS no país;
XVI. Abrir filiais, mediante aprovação do conselho Diretor;
XVII. Atuar como liquidante no caso de dissolução da Associação Nacional
conjuntamente com o Diretor Presidente do Conselho Diretor e os membros do
Conselho Fiscal.
CAPÍTULO VIII - COMITÊ NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO
Artigo 35 - O Comitê Nacional de Operacionalização é um órgão auxiliar da
Associação Nacional, formado, pelo Diretor Nacional, todos os Diretores dos
Projetos SOS, e um membro do Conselho Diretor que visa assegurar que as
atividades, sejam administradas dentro e entre os Programas SOS.
Artigo 36 - Compete ao Comitê Nacional de Organização
I. Ser um fórum de discussão, e decisão de assuntos com bases nas políticas e
regulamentos dos Programas SOS;
II. Assegurar que as atividades sejam administradas dentro e entre os projetos
SOS;
III. Atuar em conformidade com o seu Regulamento.
CAPÍTULO X - DO PATRIMÔNIO, DOS RECURSOS FINANCEIROS E DA
DISSOLUÇÃO.
Artigo 37 - Constitui patrimônio de Associação Nacional todos os bens, móveis
e imóveis, e direitos, que venham ou tenham sido adquirido por empresas, por
doações públicas, privadas, da SOS Kinderdorf International através de suas
associações promotoras, legados, ou outras formas de aquisição permitidas em
lei.
Artigo 38 - Os recursos financeiros da Associação Nacional provêm:
I. De doações, legados ou subvenções de qualquer natureza, feitas por
pessoas ou entidades de direito público ou privado;
II. De promoções sociais e culturais;
III. De convênios de todo gênero;
IV. De doações ou subvenção da SOS-Kinderdorf International e dos fundos a
ela ligados, especialmente do Hermann-Gmeiner-Fonds Deutschland e.V.;
V. De resultado de vendas de produtos que gerem recursos, exclusivamente
para consecução dos objetivos.
Artigo 39 - Os recursos financeiros recebidos pela Associação Nacional serão
obrigatoriamente aplicados integralmente nos Programas SOS no Brasil.
Artigo 40 - A Associação Nacional não distribuirá lucros, dividendos,
bonificações ou vantagens ao seu corpo diretivo e associados, sob nenhuma
forma ou pretexto.
Artigo 41 - O exercício social da associação coincide com o ano civil.
Artigo 42 - A Associação Nacional manterá escrituração contábil de suas
receitas e despesas, com as formalidades capazes de assegurar a sua
exatidão, devendo, ao fim de cada exercício social, elaborar o balanço
patrimonial, demonstração do superávit ou déficit do exercício e das origens e
aplicações de recursos.
Artigo 43 - Em caso de dissolução da associação, o seu patrimônio será
destinado a uma outra entidade congênere integrante do sistema SOS, ou na
ausência desta, para outra entidade afim, respeitando-se a unidade federativa
onde estiver localizado o patrimônio, devidamente registrada no Conselho
Nacional de Assistência Social, ou a uma entidade pública.
Artigo 44 - A dissolução da Associação Nacional, somente poderá ser proposta:
I. Por razões previstas na legislação vigente no país;
II. Por não cumprimento do Estatuto Social vigente;
III. Por redução dos sócios para número inferior a 50%.
CAPÍTULO XI - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Artigo 44 - O Estatuto de Constituição, aprovado em 07 de maio de 1990,
registrado sob o nº. 109.172, em 17 de maio de 1990, foi alterado,
respectivamente, na Assembléia Geral Extraordinária realizada em 12 de abril
de 1991, registrada sob o nº. 114.037, em 25 de abril de 1991; na Assembléia
Geral Extraordinária realizada em 25 de novembro de 1993, registrada sob o
nº. 130.201, em 16 de dezembro de 1993; re-ratificada na Assembléia Geral
Extraordinária realizada em 22 de dezembro de 1993, registrada sob o nº
130.201; foi alterado na Assembléia Geral Extraordinária realizada em 05 de
setembro de 1994, registrado sob o nº. 522956; foi alterado na Assembléia
Geral Extraordinária realizada em 02 de março de 2000, registrado sob o nº.
109.172; foi alterado pela Assembléia Geral Extraordinária de 08 de setembro
de 2000, protocolizado sob o nº. 31031006162 e averbado na matrícula
n.º109.172, sendo aprovado pela Assembléia Geral Extraordinária de 11 de
dezembro de 2001, registrado sob o nº. 68553. O presente foi alterado e
aprovado na Assembléia Geral Extraordinária realizada em 09 de janeiro de
2004.
VICTOR HUGO KLAGSBRUNN
DIRETOR-PRESIDENTE
LUISA TEREZA DIAS MARINHEIRO
OAB/SP 38.237
Mapa de Associação de Idéias
Mãe Social Aldeia
Como cuidava
Primeiro pelo
carinho que eu
recebi da mãe
social, da última
mãe social
porque ela,
quando eu fazia
alguma coisa
errada na
situação de
criança, atitude
de criança, ela
pegava alguns
galhos de árvore
para me bater
Como afetou
porque a
primeira eu não
gostei muito da
experiência
então achava
aquilo
inadequado para
uma profissional.
Então muitas
vezes eu limitava
Vida Fora da
Aldeia
Ações/Planos/Reflexões Preconceito Como qualifica
Quando você
pensa em quem
você é, no que
você pensa?
Na verdade,
assim... A Aldeia
é realmente
importante para
mim, teve seus
lados positivos e
negativos, só que
eu acredito que
foi muito mais
positivo.
Como descreve
os
procedimentos
Rede criada a
partir da Aldeia
Relação com a
família biológica
Dirigente de
Aldeia
e fiquei com outra
mãe social, não
sei se pode falar
os nomes... Que
é a Maria, ela me
ensinou o que é
realmente ter
uma família.
E a Maria não,
pegava todos e
levava uma vez a
cada mês, mas
sempre levava
todos
meus interesses,
minhas vontades
como criança
porque tinha
medo dela
e eu gostei muito
da forma como
ela nos levou,
nos tirou da
Aldeia para
conhecer a
família biológica
dela porque na
época não eram
muitas que
faziam isso e
quando faziam
era uma criança
ou outra, então já
tinha uma
diferença de
tratamento ali
entre as crianças
Aí a partir do
momento que
houve uma troca
de mãe social
E eu descobri o
que é realmente
ter uma
madrinha, porque
a prima dela é
minha madrinha.
A tia da tia Maria
ela cuidou de
mim durante
Quando eu saí da
Aldeia morei um
ano sozinho com
mais dois jovens,
que são o Ma. e o
J,
só que nós três
desempregados,
como nós
estávamos nos
sustentando, na
verdade, nós
estávamos
começando a
passar
dificuldades, né?
e eu, depois percebi que
nós não tínhamos o
mesmo padrão de
interesse de vida
enquanto eu queria
estudar
E aí eu conversei com a
tia Sílvia
e a partir daí eu consegui
reestruturar de novo a
minha vida porque
comecei a bater a cara,
porque eu comecei a fazer
cursos, quero fazer
muito tempo
que moravam na
casa G e que são
meus irmãos de
casa
porque eles
pensavam muito
em namorar
que é a tia da tia
Maria e ela me
chamou para vir
morar em Santo
André, que é aqui
próximo do meu
trabalho
cursos, justamente o que
ela estava falando dos
projetos, só que eu não
tenho como dar uma
iniciativa, se a senhora
puder me ajudar...
conversei com ela e
perguntei se eu podia
pedir para p padrinho dela
pagar um curso de auxiliar
de enfermagem para mim
porque meu sonho, desde
os 8 anos de idade,
sempre foi fazer medicina,
só que eu pedi o
consentimento dela. Aí
conversei com a tia Karen
então tive
conhecimento de
que uma menina
da Aldeia,
chamada
Mariana, tinha um
padrinho que ia
pagar a faculdade
para ela e ela não
queria fazer
faculdade, não
queria fazer
nenhum estudo
ela falou, por mim
tudo bem, eu não
vou, no caso,
perder nada e
nem ganhar
nada,
e a tia Karen me
apresentou o R.
que é um amigo
dela, que é um
nome difícil de
e aí na metade do curso
eu comecei a trabalhar
numa outra ONG e o
pessoal dessa ONG
percebeu meu interesse
em estudar e ser uma
pessoa dedicada aos
estudos e também ao lado
profissional,
pronunciar (risos),
e aí como eu tive
ume entrevista
com ele, e eu já
estava morando
em Santo André
nessa época, e
ele conversou
comigo e disse
que não podia
pagar uma
universidade
porque já estava
pagando para
mais três
pessoas, outros
jovens de mais
três instituições,
só que ele me
ajudaria a pagar
um curso técnico,
então ele pagou
esse curso de 13
meses de auxiliar
de enfermagem,
e eles
perguntaram se
eu queria fazer
saúde pública
porque eles não
tinham como
pagar um curso
de medicina que
é muito caro aqui
no Brasil, só que
este curso eles
Você está fazendo a
faculdade?
Isso. Então após esse
meu curso de 13 meses
de auxiliar de
enfermagem, eu já estava
na metade desse meu
curso eu já entrei na
faculdade, então comecei
a fazer os dois ao mesmo
tempo, então foi um tempo
bem corrido porque eu
tinha que trabalhar de dia,
nessa ONG, à noite eu ia
para faculdade e, sábado
e domingo, o dia inteiro,
eu fazia o meu curso de
auxiliar, que ia nos
hospitais fazer os
estágios, né? Foi muito
bom, para já ganhar
experiência na área da
saúde, então a partir daí
foi melhorando a minha
vida porque terminei o
curso de auxiliar, continuei
até hoje, estou dando para
crianças dessa ONG, e já
estou no último ano de
faculdade
porque ali dentro
da Aldeia eu
explicaram que é
uma área da
saúde...
então o lado da
família em si, eu
não sinto falta da
minha família
biológica
recebi tudo que
eu achei
necessário para
ter uma família.
Uma perguntinha,
com quantos anos
você foi para a
Aldeia?
Eu entrei com 8
anos e junto com
meu irmão de 3
anos e nós fomos
separados de
outro irmão
menorzinho...
aí quando eu tive
Depois eu fui
descobrir que a
minha foi
esconder na casa
de uma vizinha
perto de casa o
meu outro irmão.
Então o motivo
de nós termos
ficado é que os
vizinhos
denunciaram que
a minha tinha,
hoje eu sei que é
epilepsia, mas na
época, não sabia
o que era, que
ela tinha
epilepsia e que
ela desmaiava
com panelas com
água quente na
mão, que ela
tinha uns surtos,
vamos dizer
assim, então era
perigoso para
nós, então ela
tinha, ela era
uma dependente
química, porque
ela começou a
tomar esses
medicamentos, e
não tomava nos
uma oportunidade
na Aldeia de ir
para Noruega,
fiquei 2 anos
momentos certos,
então ela
começou a se
tornar
dependente, e foi
piorando a
situação dela,
né? E daí nós
fomos parar no
orfanato.
E ela não tinha
parentes? Ela
vivia com teu
pai?
Não, cada um...
Até quando eu
tinha 16 anos, eu
achei que nós
éramos 3 irmão
lá, aí quando eu
voltei que eu
descobri que eu
tenho uma irmã,
só que alguns
dos irmãos da
minha mãe falam
que é uma
menina mais
velha que eu, que
na nossa idéia eu
sou o mais velho,
na nossa
compreensão, e
aí outros falam
que essa menina
nasceu depois de
mim. Então cada
um de nós 4
temos um pai
diferente. Então,
o meu pai, ele
Como é que você
manteve o
contato com a
sua história? A
Aldeia permitiu?
A Aldeia ajudou?
Como é que foi a
sua história de
criado na Aldeia
com a sua família
de origem?
A mãe social
Maria sempre
não me registrou,
mas eu já tô
descobrindo que
ele mora no
Jardim Miriam,
que eu tô indo
atrás. E para eu
poder encontrar
essa minha irmã,
essa nossa irmã,
eu tenho que
descobrir quem é
meu pai porque
ele conhece a
família que
adotou minha
irmã, só que eu
não tive ainda,
essa... Porque eu
tenho um tio que
é irmão da minha
mãe falou que
sabe onde meu
pai
provavelmente
mora, então,
assim, o bairro
onde ele mora,
os vizinhos, que
pode estar nos
indicando. Só
que...
então os meus
nos dizia que era
importante ter um
vínculo,
tios eles iam uma
vez a cada três
meses ou quatro
meses, os tios
que ficaram com
meu irmão
menor. E os
outros tios nunca
iam, mas aí teve
um momento que
nós começamos
a nos destacar na
formação
acadêmica, então
começamos a
sair em jornais
dando entrevistas
sobre como que
era Aldeia, então
começaram a
surgir tios que
moram próximos
à Aldeia, então,
eu, hoje em dia
tenho dívida se
eles queriam
saber quem eu
era ou se eu
tinha alguma
coisa para dar
em troca, não sei,
o interesse que
eles tiveram,
porque eles
sabiam que nós
morávamos ali e
nunca ia nos
visitar, então, eu
nunca gostei
desses meu tios
porque nós
fomos parar no
orfanato e eu sei
que tem tios que
são donos de
padaria, tem tios
que são donos de
várias casas na
Bahia, porque
minha família é
da Bahia, então
eu nunca
E eu sempre reclamei
muito disso, queria um
tratamento igual, e como
eles não faziam isso eu
comecei a deixar de lado
consegui
entender isso, na
época eles nos
visitavam, e eu
ficava jogando
futebol. E eu
também nunca
gostei porque
eles puxavam
muito o meu saco
por eu ser o mais
velho. Eu queria
que eles me
tratassem igual o
Paulo, que é meu
irmão do meio,
que morou
comigo na Aldeia,
e eles não faziam
isso, me
abraçavam e não
abraçavam ele, e
ela era menor do
que eu.
Aí tem uma dia, o
nome dela é L.,
que mora no
Jabaquara, ela
tentou criar um
vínculo entre nós,
nos levou para a
casa dela, só que
aí ela tem uma
religião
adventista, ela
não assistia
televisão, não
ouvia música,
nos domingos e
começou a
querer humilhar a
gente, falando, e
falava palavras
que a gente não
gostava.
Então eu também comecei
a deixar ela de lado.
Que palavras que
você não
gostavam?
Ela falava,
é...esses
meninos...umas
situações assim.
E também
colocava fralda
no meu irmão
quando ela já
tinha 7 anos, era
uma situação que
não precisava.
Então, acho que
meu irmão...eu
sempre pensei
muito no meu
irmão...então
meu irmão
gostava disso...
Quantos anos
mesmo você é
mais velho do
que ele?
5 anos...5 anos
mais velho.
E você se lembra
bem da sua vida
antes de ter ido
para Aldeia?
Não. É uma
pergunta muito
interessante.
Antes de eu
entrar na Aldeia
eu só lembro de
coisas ruins. Eu
não lembro de
nenhuma vez
ganhando abraço
da minha mãe ou
indo no parque e
hoje em dia,
como eu tô
querendo saber
quem é minha
irmã, eu vou
onde meu irmão
está morando,
esse meu terceiro
irmão está
morando, que é
onde nós temos
uma casa e
pergunto para as
vizinhas como
era a minha mãe
e se ela já tinha
me levado em
algum lugar e
sempre disseram
que a minha mãe
protegia muito a
gente, e que
mesmo ela
estando
envolvida com
pessoal que
usava drogas,
questões assim,
dependência
química, ela
sempre brigava
com eles quando
era questão de
educação para
eles, quando eles
falavam palavrão,
ela brigava,
porque ela queria
que nós
fôssemos
pessoas
educadas...
Então...
porque ela me
batia com umas
madeiras
também, na
minha mão
quando eu fazia
alguma coisa
só que eu acho
que eu também
tinha medo da
minha mãe
e como eu era
uma criança de
periferia, para
mim, carro era
muito bom e meu
irmão ainda tinha
3 anos e não
compreendia as
coisas
E quando os
vizinhos
denunciaram,
você foram para
onde?
Então, na verdade
assim, nós fomos
para Aldeia, eu
achava que ia
passear de carro,
aí foi o Sr. T e a
Alzira, seu T. era
o motorista da
Aldeia e a Alzira
era uma das
mães sociais, eu
achei que estava
andando de carro
E fui ficando uma
semana na Aldeia
e duas semanas,
Então, eu não
senti falta da
minha mãe, eu
lembro. Hoje em
dia, eu até sinto,
eu até sinto, mas
não como se
fosse uma mãe
biológica, é
interessante isso,
e ela...
errada, se e
tirasse nota
vermelha na
escola, ela
sempre,
realmente,
buscava muita
educação
eu tinha...eu
fiquei acho que
um mês na casa
da tia Alzira
sem realmente
sentir falta da
minha família,
não sei se
chegou a ser por
causa que na
Aldeia eu recebi
um tratamento
bom,
E aí, dentro da Aldeia,
crescendo na Aldeia,
sempre tentei proteger
muito meu irmão e tomei a
iniciativa de querer fazer
medicina, acho que a
partir do momento que eu
soube que minha tinha
problemas de saúde.
Porque até hoje eu não sei
porque que eu quero fazer
medicina, então eu acho
que é essa a resposta,
mas eu não acho
que tenha sido
isso de princípio,
acho que
realmente eu não
me sentia bem
com a minha
própria mãe.
porque eu hoje
eu sei que minha
mãe tinha
epilepsia, já sei
como pode ser
uma forma de
tratamento, como
ajudá-la. Só que
a minha mãe
Ricardo, então
você foi para
Aldeia e teve
uma experiência
com a primeira
mãe que não foi
muito boa...?
É. Eu entrei na
Aldeia e teve a
mãe Alzira, que
ficou com nós
como forma
provisória, depois
que encontraram
desapareceu tem
já uns 8 anos,
ninguém sabe,
nenhum doa
parentes, então
também não sei,
porque tinha
muitas pessoas
que queriam
matá-la, né? Por
ela estar
envolvida em
drogas e ela acho
que tinha
problema de
memória
também, na
realidade...
a primeira mãe
social, o nome
dela é Eunice, ela
cuidou bastante
da gente, deu
bastante carinho,
deu bastante
joguinhos para a
gente brincar no
começo, só que a
forma como ela
batia na gente
Nós éramos
quase 10
crianças, nós
éramos uma
família grande, a
maior família que
tinha na Aldeia
dentro de uma
casa. E aí, quem
eu considero
como mãe
mesmo é a Maria
e toda a família
dela.
Quanto tempo
você morou com
a Maria?
Não lembro.
eu não gostava.
Então quando,
na verdade, eu
fiquei sabendo
que ela ia
embora da
Aldeia eu fiquei
feliz, mas não
tenho nenhum
problema com
ela, hoje em dia
eu troco
mensagens com
ela pelo Orkut,
ela continua
seguindo nossa
carreira, porque
nós éramos
nossa família,
né?
Acho que dos
15...14, 15, 16,
17...eu morei
acho que uns 5
anos com a tia
Maria.
E durante os anos
que você morou
na Aldeia, os seu
irmão ficou
sempre lá com
você?
É...um dos
princípios da
Aldeia é esse,
nunca separar...
Nunca separar os
irmãos...
Isso.
E ele ficou
sempre com
você?
Ficou.
E você saiu da
Aldeia antes
dele?
É, aí quando eu
tinha... Porque na
Aldeia, quando
você fazia na
época 14 anos
tinha que ir para
casa de jovens,
só que como eu
era uma daquelas
crianças que
sempre estava
estudando, que
não falava tantos
palavrões em
comparação aos
outros, eles foram
me mantendo,
então quando eu
fiz 16 anos, que aí
é um projeto que
já estava
mudando de novo
que não era mais
com 14, era com
16 que ia para
casa de jovens,
eu ganhei uma
bolsa para
estudar na
Noruega dois
anos.
Quando você fala,
como eu era
estudioso e não
falava palavrão,
você está me
dizendo que a
casa de jovens
era um lugar onde
mandava os
meninos que não
sabia o que fazer
na Aldeia?
Na época, os que
estavam dando
problema na
Aldeia. Aqueles
mais rebeldes na
época, no caso.
Meninas também
ou só meninos?
As meninas eu
não sei contar
direitinho, mas eu
acredito que era a
mesma situação.
E aí depois eles
tentaram inverter
essa situação e
mandarem só os
melhores.
Hum, hum...pare
ser uma espécie
de promoção e
não castigo?
Isso.
Me diz uma coisa,
durante os anos
que você morou
na Aldeia, você
morou numa
casa, na casa D,
você falou...
Isso.
...mudou de mãe,
você ficou na
casa. Você, os
seus irmãos
sociais que viviam
na mesma casa,
permaneceram os
mesmo ou foi
entrando e saindo
gente?
Não, quando eu
entrei na casa B
com a Alzira, uma
família provisória,
tinha uma família
já instituída ali,
né? Formada.
Depois eu mudei
para uma casa
que era chamada
casa de jovens e
nós éramos só
nós dois, meu
irmão e eu com
essa mãe social.
Só que como era
casa de folga, eu
errei, não era
casa de jovens,
era casa de folga,
todas as crianças
saiam um dia e
iam para essa
casa, não sei se a
senhora conhecer
essa
experiência...
então, segunda-
feira ia a casa E
para essa casa,
na terça-feira a
casa C e isso não
foi muito bom
porque eu tinha
um armário e
sempre gostei da
minha cama
E a vizinhança
também, porque
eu tive bons
amigos na escola,
então eu tive
boas influências
que é o que me
fizeram a querer
estudar,
compreender a
necessidade do
estudo porque
você tem os
colegas que não
compreenderam
essa necessidade
e a importância
dos estudos. Na
Aldeia cada
criança tem os
padrinhos e teve
uma vez que foi
uma família
alemã, que
também era uma
das
patrocinadoras da
Aldeia na época,
trabalhava na
Volkswagen,
foram para
conhecer a Aldeia
e não tinha uma
mãe social no dia,
e eu apresentei
toda Aldeia, fui o
host, como fala?
O anfitrião...
então ela me
arrumada, minhas
coisas no armário
então como
vinham várias
crianças eles
mexiam nas
minhas coisas,
então tive muita
dificuldade de
adaptação.
Depois eu e meu
irmão com a mãe
social, fomos para
a casa D e
chegaram mais
dois jovens que é
o Ma e J, que eu
morei quando tu
tinha 18 anos,
depois vieram a
De e o Sa, que
são irmãos, e
depois vieram as
outras irmãs dele,
a Le, a Jú e a Li,
e aí formaram 5
irmãos. Então nós
éramos 9, eu falei
10, mas éramos 9
nessa casa.
Depois quando a
Eunice foi
mandada embora,
nós fomos
divididos em 2
casas, então
ficaram 5 irmãos
biológicos, o Ca
com as meninas,
eu, Ma, Jr e
Paulo, fomos para
casa G e aí
começaram a vir
mais crianças.
Então a casa G
que eu considero
realmente como
família já é a
formação que tem
o Ja, o Pa, o Du,
o Be, o M. e o
Paulo no caso
perguntou,
essa...a Su, o
nome dela, né?
Ela perguntou
qual era o meu
objetivo de vida
e ela gostou
dessa convicção
e então, a partir
daquele dia, eles
começaram a
pagar escola
particular para
mim.
Quando você
conta, você
conta uma
experiência que
é diferente da
idéia que a gente
faz da famílinha,
papai, mamãe, 3
filhinhos
morando na
mesma casa,
essa idéia que
nós temos de
família. Você
cresceu numa
casa variável,
cada hora aqui,
hora ali, eu tenho
uma pergunta,
você foi
começando a
fazer uma idéia
do que era a
Aldeia, de que
era viver lá, de
que garantias
você tinha, os
outros deviam
falar coisa, em
festas, as
pessoas falam,
falam da Aldeia,
(risos), e o Mu,
tem o Mu
também...
que história você
foi montando?
Eu sou uma
criança que
mora...como
você imagina
que você
contaria essa
história quando
você tinha 9, 10,
11...
Eu sempre
procuro, porque
hoje em dia é
uma realidade
que influencia a
vida atual da
gente, então
assim, sempre
quando eu conto
para os meus
amigos a minha
história eu
sempre conto a
Aldeia como a
família que eu
realmente
precisava ter,
que foi aonde eu
consegui ter
educação,
porque se eu
comparar com a
vida que eu tinha
antes da Aldeia
eu não teria essa
educação
e eles acham
engraçado isso,
meus colegas da
Aldeia. Ao invés
de acharem que é
uma informação
importante...
e eu não disse a ela que
eu pretenderia ser médico,
eu disse a ela que eu ia
ser médico,
Então eu tive uma
realidade diferente dos
meus colegas que também
não sei se teria sido justa
porque, se eu estava
estudando numa escola
particular, por que os
outros não podiam né? Só
que para mim eu
aproveitei, essa
oportunidade eu aproveitei
Porque quem
morou na Aldeia
tem vergonha de
falar que morou
na Aldeia, muitos
deles falam que...
Por que você
acha que as
pessoas têm
vergonha?
Então, acredito
que esses jovens
que não falam
que são da
Aldeia ou que
viviam na Aldeia
têm vergonha
justamente por
ser uma
instituição, uma
ONG. Então
quando você fala
na escola sobre
um orfanato, o
pessoal já fala,
Quando eu conto
para os meus
amigos de
faculdade, os
amigos do
serviço, eu conto
a realidade.
então você é
marginalizado,
que é a visão que
as pessoas têm,
que é também o
que eu tô
tentando...que
tem uma
hipótese no meu
trabalho que é
essa, né? De
tentar mostrar
para as pessoas
que nem todo
mundo que mora
numa instituição
são
marginalizados.
E eles têm essa
vergonha, de
achar que são
pobres, mesmo
em comparação
dos colegas que
estudam em
escola pública,
que também não
tem uma família
rica, mas eles
têm essa receio e
eu não tenho
esse receio...o
que eu tive receio
em falar que era
da Aldeia porque
eles fazem
gracinhas
quando eu falo
que sou da
Aldeia.
Então eu consigo
ir lá e falar, morei
na Aldeia, uma
instituição que
me deu
educação, que
tem crianças sem
família ou que
tiveram problema
com a família
E me diz uma coisa, como
Você está
dizendo que você
percebe que
você lida muitas
vezes com
preconceitos,
tanto de quem
morou, de quem
foi criado na
Aldeia quanto...
...dos de fora...
...das pessoas
de fora...
Tem uma
realidade assim,
muitos colegas
meus que
moraram na
Aldeia, que eles
me falam que
quando falam
para os
professores que
já moraram na
Aldeia os
professores os
tratam de forma
diferente.
E esse diferente
é como?
Eles falam que,
se faz uma
pergunta, ah,
deixa para lá
porque é de
instituição, não
tem muita
importância.
que você acha que você
conseguiu desenvolver
essas idéias um pouco
diferente?
Ah...não sei se isso é algo
que eu tenho dentro de
mim, se é uma coisa...não
sei...aquela questão que
eu te falei no meu trabalho
que eu tenho dúvida de
saber porque se
diferenciou...
Né? Porque você tem uma
história, você conhece um
pouco da sua família de
origem e você conhece as
fraquezas e dificuldades
da sua mãe, segundo você
contou...
Hum, hum...
então qual profissão que
eu posso seguir para
ajudar as pessoas de uma
outra forma, não dando
dinheiro, devolvendo
dinheiro que investiram na
Você diz que
ficou com muita
vontade de
aprender à
respeito de
saúde e de
doença...
Isso. E também
um dos motivos,
como eu recebi
muita ajuda na
Aldeia de
padrinhos de fora
de dentro da
Aldeia e da
instituição,
sempre ajuda,
ajuda, ajuda.
Então essa
questão de ajuda
ficou gravado na
minha cabeça
Como é que foi a
bolsa para
Noruega?
A bolsa da
Noruega foi, na
verdade, não
tenho certeza
absoluta de como
fui escolhido, mas
eu posso dizer
minha educação, na minha
vida, mas ajudando as
pessoas, né? Então achei
que a área da saúde foi
um caminho.
como foi o
caminho dessa
seleção, então o
dirigente da
Aldeia que era o
Marcos, ele me
disse que cada
Aldeia tinha que
dar nomes de
representantes
que poderiam
participar dessa
seleção, então na
minha Aldeia, se
não me engano
foram 5 ou 6
nomes e entre
eles com meu
nome, e eu fui
escolhido...
E eles
perguntaram se
você queria?
Perguntaram.
Eles perguntaram
se eu tinha
interesse,
deixaram claro
que eu tinha meu
irmão que ainda
era menor,
porque na época
eu tinha 16 e meu
irmão, no caso,
11, porque nós
temos 5 anos e
diferença. E eles
perguntaram se
eu tinha essa
coragem de ficar
2 anos fora.
E como eu tinha com 16
anos uma idéia formada
para o que eu queria da
minha vida, que foi uma
coisa que facilitou muito,
que eu acredito que facilita
essa diferença que eu
tenho dos meus colegas,
desde os 8 já queria seguir
a área da saúde então não
tive dificuldade de
escolher nenhuma
profissão, já era o que eu
queria na área da saúde,
e ali eu fui ganhando
pontos, então eu não
cheguei a fazer nenhuma
prova escrita porque eu
sempre fui um aluno
mediano, tirava 8 ou 9 e aí
tirava 4, mas aí
recuperava com 10, então
eu sempre fui assim.
Também
sempre briguei
na escola e
brigava na escola
justamente por
ser da Aldeia
então eles faziam
algumas seleções
assim, quem
eram os melhores
alunos nas
escolas,
referentes aos
Aldeanos e os
que se portavam
melhor
Então, na
verdade, eu
sempre fui tendo
bolsas, tive bolsa
na Inglaterra 3
semanas, na
Noruega 2 anos,
depois em
Cambridge mais
um mês de inglês
e aí consegui
uma bolsa que eu
ia para os EUA
jogar futebol e
fazer medicina,
só que aí o visto
demorou para
chegar e eu perdi
essa
oportunidade,
E para onde você
foi?
Na Noruega para
um escola
chamada Red
Cross
nunca fui uma criança
perfeita
porque falavam
que eu era
marginal e como
era uma escola
particular eles me
chamavam de
pobre, de
neguinho, pelo
fato de eu ser
negro, porque na
época tinha muito
japonês e muitos
brancos de
família italiana e
espanhola
Então eu acho
que a
oportunidade da
Aldeia foi vindo aí,
a partir de pontos
que eu fui
ganhando no
perfil. Depois eu
fiquei sabendo
que era para um
menino comigo de
uma outra Aldeia
e que ele teve
alguns problemas
nos documentos e
acabei só eu indo.
porque eu
sempre fui
ganhando bolsa.
Em que cidade?
Em Flack. Quase
5 horas de Oslo.
Você aprendeu a
falar Norueguês?
Não, eu sei
algumas frases,
mas como era
uma escola
internacional, que
fazia parte com a
Cruz Vermelha, o
certo era falar
inglês Eles falam
muito inglês...é o
segundo idioma,
como se fosse o
primeiro.
A Aldeia pagou
para mim 3 meses
de curso para mim
no CNA, antes de
eu ir , só que não
era um curso para
eu aprender a
falar inglês, era só
para ter noção do
que eu ia, como
chegar até lá,
porque eu ia sair
sozinho, de
menor, porque na
verdade, eu tinha
16 anos, ia chegar
até o aeroporto da
Noruega, tinha
que me virar,
então aprendi
palavras simples
como por favor,
obrigado, meu
nome é tal, sou do
Brasil e aí...(risos)
e eu fui direto
para a Inglaterra
para fazer 13
semanas de
inglês, fui para
Noruega fiquei um
ano.
E como foi viver
sozinho lá?
Sozinho no
sentido de sem
ninguém que fala
a sua língua, tem
o seu jeitinho?
É, quando eu fui
para a Inglaterra,
para uma outra
escola vinculada a
essa que também
é internacional,
tinha um rapaz
que morava em
Moçambique que
falava português,
então ele me
ajudou em alguns
momentos e ali eu
comecei a ter aula
de inglês, então
eu achei muito
gostoso participar
de uma escola
com várias
culturas, né? E
agora que eu
voltei de lá achei
muito difícil a
realidade do Brasil
em comparação lá
porque o que
aprendi no
colegial é o que
eu tô aprendendo
agora na
faculdade,
questões de
tecnologia, só na
universidade que
temos no Brasil
enquanto lá tinha
no colegial.
Questões de
microscópios,
televisões
melhores
tecnologicamente
falando.
Você está em que
escola aqui?
Tô na
universidade São
Camilo, que é o
Centro
Universitário São
Camilo, tem um
bolsa ali também
que é o meu
emprego que está
pagando para
mim.
E há quanto
tempo você
voltou?
Voltei em 2001.
Então já está há
5 anos, vai fazer
5 anos. E
Ricardo, você
disse que para
você a Aldeia, o
que você acha
que o que
alguém precisa
de uma família, a
Aldeia te deu que
é pertinência,
você usaria
essas palavras?
Pertencimento,
segurança?
Sim, eu usaria a
segurança,
orientação, só
que acho que
ainda houve
falhas, na minha
época a Aldeia
dava muito valor
à criança, só que
quando fazia 16
ou 17 anos, ela
tratava de uma
forma diferente
que é o que
disse, de levar
um pé na bunda,
que eram
palavras que eu
não gostava.
Então, quando
eu discutia com
alguém eles
falavam que eu
ia chamar a
polícia para mim,
então era uma
coisa que eu não
gostaria de ter
ouvido e isso
marcou, na
época era um
sub-dirigente e
nós discutimos e
mandaram eu
para sair da
Aldeia e eu saí e
foi quando eu
comecei a ter
que ser
independente e
ele foi mandado
Como você
entende hoje
olhando para
você e para a
instituição, essa
mistura de ter
muito amor, muito
cuidado com as
crianças? Não sei Então um dos
embora e depois
ele foi contratado
numa outra
Aldeia, então é
uma história
muito complicada
de entender
essa história.
Quando
descobre,
realmente são
muito
cuidadosos... e
de repente passa
a olhar como
alguém que você
chama a polícia,
alguém que você
dá pé na bunda.
Como que você
sente isso hoje
olhando para a
Aldeia?
Esse é o motivo
de eu tentar
descobrir o perfil
que eu falei no
começo, o perfil
dos funcionários.
se tem pena, mas
tem muito
cuidado, as
crianças são bem
cuidadas. Até
quando uma mãe
não dá certo eles
vão lá e tiram...
É, quando
descobrem vão lá
realmente...
pontos que eu
levanto no meu
trabalho também
é porque se
considera um
irmão social como
se fosse biológico
e aí você
descobre na hora
da necessidade
que não, que não
é o que ele pensa
também, que o
que ele pensa é,
preciso dele por
causa do dinheiro
que ele tem ou
porque ele é
legal, mas nunca
pelo sentimento
de amizade.
Então as mães
têm uma
realidade, que ela
ficam nervosas
por causa de
verba, porque eu
já vi que falta
verba para as
mães de hoje em
dia no programa
de hoje da
Aldeia. Então
elas acabam
ficando nervosas,
desesperadas
por dois motivos,
primeiro porque
elas realmente
consideram as
crianças como
filhos e outro pelo
Eu acredito que a
intenção da
Aldeia que é dar
um lar,
segurança, amor
e educação,
essas questões
mais
importantes, a
Aldeia consegue,
só que acho que
assim, quem está
lá em cima no
topo que é o
conselho, eles
têm uma teoria,
aí quando chega
aqui embaixo,
quando tem a
parte de diretoria
de dentro da
Aldeia, as coisas
mudam.
lado profissional,
elas têm que dar
conta de um
serviço porque
elas recebem
uma cobrança,
então será que aí
já não surge essa
dificuldade de
conseguir
diferenciar o que
é uma criança, de
um jovem e
reconhecer que o
jovem, ainda
sendo jovem,
precisa de
orientação, eu
acho que muitas
das mães ainda
não estão
preparadas para
lidarem com os
jovens na Aldeia.
Acho que elas
precisam de uma
preparação
melhor. Porque
elas são
preparadas para
cuidarem de
crianças, mas aí
não vão ser como
uma família
normal que tem
dois filhos jovens,
vão ser oito ou
nove filhos jovens
e aí vem aquela
fase de rebeldia e
aí é meio
complicado. Acho
que o perfil das
mães sociais é
um perfil bom,
mas elas
precisam de um
melhor condições
de trabalho. Elas
têm moradia, têm
alimentação, mas
só que um
E o dirigente na
sua história?
É. Eu comecei
com o tio Zeca
que ele tinha um
perfil de se
enturmar com os
jovens, jogava
futebol todo dia,
levava todo
mundo para o
Sesc Interlagos e
isso foi muito
importante para
mim também
porque eu
esquecia que
estava num
orfanato. Eu tinha
uma visão que eu
então os jovens
que era a
primeira geração,
eles tinham raiva
de todo mundo
que entrava,
então eles
agrediam
realmente o tio
Luis Marcos
E você sabe
porque eles
tinham raiva?
Porque eles
tinham um
vínculo muito
forte com o tio
Zeca.
preparo
psicológico, um
preparo
educativo
mesmo.
estava com
amigos, irmãos,
primos, que
acaba criando
esse vínculo, e
cria um vínculo
tão forte que hoje
em dia quem
realmente
gostava um do
outro continua se
ajudando e outros
não.
E você tem
Você acha que isso não
aconteceria entre,
eventualmente, entre
irmãos biológicos ou isso
também acontece?
Acho que isso acontece
nas famílias e conversei
com uma amiga no final de
semana passado e ela me
disse que a irmã dela tem
essa certa inveja da
situação
só que dentro da
Aldeia, se a mãe
tiver uma
preparação
melhor ela
consegue lidar
com essa
situação. Porque
muitos dos
irmãos sociais,
eles brigam e
não ajudam um
ao outro mesmo
sabendo que
estão na rua,
justamente pela
raiva, pela
angústia, não sei
dizer direito.
E você está
falando que o tio
Zeca foi
importante porque
fazia parte de
um...
De um perfil de
lazer. Aí depois o
Luiz Marcos, ele
veio com um perfil
de pai para mim,
eu chamo tio, mas
teve um perfil de
pai, que era
justamente me
orientar sobre a
importância do
trabalho...
Como ele
conseguia fazer
isso com 100
crianças?
O tio Luiz
Marcos?
É.
O tio Luis Marcos
ele tinha um perfil
vínculos com
irmãos ou outros
jovens de outras
casas?
Tenho. Eu morei
até o ano
retrasado com as
meninas da casa
2 que foi a
primeira casa que
eu fiquei. E nós
misturamos, as
meninas que
moraram comigo
na casa 4 com as
meninas que
moraram na casa
2, nós montamos
uma casa. Então
as meninas da
casa B
compraram uma
casa, que
naquele projeto
da Aldeia que
eles davam uma
casa e os jovens
tinham que ir
pagando, né?
Então das 5
casas que eles
tiveram para
esses jovens, só
elas estão
pagando e o João
Jose. Se não me
engano, elas já
quitaram essa
casa e elas
deram um apoio
porque eu saí e
não tenho irmãos
mais velhos, fui o
primeiro da minha
família a sair e
não tinha onde
ficar. Fui e morei
com elas, morei
com a tia da tia
Maria,
diferente do tio
Zeca, ele não
jogava bola com
todo mundo, mas
ele fazia durante
as festas, que
tinha uma festa
tipo junina, que
ele fazia entre
todos, ele estava
presente e
conversava com
as mães sociais,
acho que ele era
uma pessoa
democrática de
certa forma, só
que ele botava
limites, se a mãe
social estava
dando muita
opinião que era
além do que ela
podia estar
falando ele já
cortava um
pouco, já
colocava limites.
Então, ele
demonstrou quem
estava sendo o
líder da Aldeia
porque tinha uns
jovens que, ele
entrou justamente
quando o Zeca
saiu, depois que o
Zeca saiu veio um
outro dirigente, o
Geneci, que não
ficou muito tempo,
e o Luis Marcos
entrou para ficar
muito tempo,
Mas sempre com
gente que era
parente no
sentido que tinha
afinidade na tua
história?
Isso.
porque ele
estudou num
colégio de
Interlagos, tem
amigos que são
de lá, que tem um
vínculo lá, lá
estão os amigos,
tem tudo de lá,
né? E eu, já pelo
contrário, tenho
experiência de
jovens que saem
É como se fosse
uma troca de pai
nas famílias
biológicas, né?
Então realmente
acontece uma
revolta.
Eu não tive esse
vínculo porque eu
já peguei o tio
Zeca um pouco
no final, mas tive
esse vínculo com
o tio Luis Marcos,
então, imagine se
colocam ele para
fora e colocam
uma outra pessoa
no lugar, né?
Então depois ele
adquiriu confiança
através de
conversas e de
apoio também
porque os jovens
saíram da Aldeia
e não tinham o
que fazer, então
ele começou a
orientar sobre a
importância de
trabalhar, ele
dava uma ajuda
financeira, mas o
jovem tinha que
devolver esse
recurso
da Aldeia que são
um pouco
aproveitadores,
então, ao invés
deles irem
trabalhar, eles
vão na sua casa
e ficam ali,
enquanto tiver
comida eles
ficam, mas
quando você não
tem o dinheiro
para comprar
comida eles vão
embora. Então eu
sempre decidi
que ia morar um
pouco longe da
Aldeia para cortar
já um pouco esse
vínculo, esse
aproveitamento,
nunca proibi
ninguém de vir
visitar a minha
casa, eu deixo,
mas eu sei dar
limites, né?
financeiro, então
ele orientou
bastante e foi
tendo confiança e
um vínculo, né?
Desenvolveu um
vínculo.
então eu morei
até o ano
retrasado em
muitos lugares.
Fiquei trocando de
lugar.
E o teu irmão
Pedro Vinícius,
como está?
Agora ele já fez
18 anos e saiu
também da
Aldeia, está
morando com
três amigos numa
república lá perto
da Aldeia, e ele
está trabalhando
na Av. Paulista
com
telemarketing.
Ele me disse que
tem um salário
bom, né? Só que
ele não tem
necessidade.
Perguntei se ele
quer vir morar
para cá onde
estou, e ele falou
que não
E com o teu
irmão Pedro
Vinícius, vocês
se encontram?
É muito difícil
pela vida que eu
tô tendo agora.
Porque além de
eu estar
trabalhando
numa ong, fazer
faculdade e ir
para hospitais
fazer estágio, eu
dou aulas
particulares de
inglês e tô
fazendo aula de
capoeira, então
tenho uma vida
muito corrida. Só
que sempre que
eu entro em dias
de feriados, sabe
esses feriados
prolongados? Ou
quando estou de
férias, eu consigo
ir vê-lo, só que a
gente tenta, eu
tento sempre ter
um contato com
ele. Mas durante
a Aldeia, devido a
diferença de
idade, nós não
tínhamos um
vínculo assim, de
vamos conversar,
porque enquanto
eu estava numa
fase ele estava
na outra, então a
fase que ele está
agora eu já
passei, que é a
fase de ficar com
várias
menininhas,
namorando
várias meninas.
Agora eu tô na
fase de estudar,
trabalhar, então a
gente nunca teve
uma conversa
muito...
Ricardo, você está
com 23 anos...
23 anos...
...e não tem
filhos?
Tenho uma
menina.
Tem uma menina?
É. Sara é o nome
dela.
Quantos anos ela
tem?
Ela tem 2 agora.
E a mãe dela foi
tua namorada?
Vive com você?
Não, foi minha
namorada, mas
nós não nos
demos muito bem
então decidimos
que ia cada um
viver
separadamente,
né? Só que ela
tem um padrão de
vida diferente do
meu. Ela é de
classe média alta
então foi um dos
problemas que
surgiu aí, né? Ela
queria que eu me
transformasse,
que passasse a
vestir roupas
sociais, andasse
com tênis de
marca e eu não
tenho esse padrão
de vida, né? Eu
gosto de ser mais
humilde, mesmo
se eu tiver um
salário muito alto,
eu não gosto de
me vestir dessa
forma, eu acho
que eu me sinto
melhor quando
estou de short, de
chinelo
Havaianas. Então
tem essa
diferença. Hoje
ela tá casada e
ela tá bem, não
está passando
dificuldade.
E a sua filha, você
reconheceu?
Reconheci.
E ela tem contato
com você?
Não, também por
causa da minha
vida corrida a
gente não tem
nenhum vínculo.
Às vezes, eu vou
na casa da minha
tia em Santo
André aí ela
aparece lá, mas é
muito difícil.
É porque a
minha pergunta
era essa, eu noto
que vários de
vocês têm filhos
muito jovens e
tem filhos de
relações que não
são duradouras,
e filhos que
alguns sustentam
e outros não
sustentam. E eu
fico curiosa para
saber se a Aldeia
tem influência
nisso, se algo
poderia ter sido
feito. Como você
olha para isso
hoje?
Nunca pensei à
respeito disso.
Porque muitos de
vocês têm filhos
que poderiam ser
candidatos a
uma Aldeia...
Hum, hum.
Então seria uma
repetição...
É, na verdade
assim, eu
sempre tive
conhecimento de
como evitar.
Então quando eu
tive
relacionamento
com a minha
namorada eu fiz
uma pergunta
para ela e ela
disse que eu
poderia confiar,
que nesse caso é
aquela coisa de
pílula e aí depois
eu descobri que
não, que ela
estava realmente
com a intenção
de engravidar.
Então foi um dos
problemas que
começou a
causar. E eu tive
muita dificuldade
em aceitar que ia
ser um pai
porque eu sabia
como evitar,
confiei nela, não
estou falando
que ela é a
culpada porque
eu também tinha
o conhecimento
da probabilidade,
confiei no que ela
me disse e
depois eu fui, de
uma certa forma,
eu achei que de
certa forma eu fui
enganado. Então
foi uma situação
complicada e ela
começou a fazer
coisas erradas, a
falar para todo
mundo que eu
não queria
assumir ela e
nem a criança,
sendo que eu já
tinha deixado
claro que eu ia
fazer tudo por
ela. Só que eu
não ia casar com
ela porque eu
não acho que
sou obrigado a
casar com ela,
sei que não vai
dar um
casamento certo,
sei que ia viver
um
relacionamento
quebrado, de
briga, porque eu
tive a experiência
de ver pais
brigando, eu
achei que a
criança ia sofrer
com isso. Então
foi uma situação
complicada ali.
Mas eu acho que
os jovens, com
esse programa
que tem hoje em
dia o Governo,
de dar comida,
de dar dinheiro
para quantos
filhos tem, bolsa
da família, se
não me engano
que chama, os
jovens, eles
estão fazendo
isso porque
querem, muitos
meninos da
Aldeia virem me
perguntar como
fazia para não
perder um bebê
ou para abortar.
Então elas têm
E isso você acha
que não tinha
essas discussões
na Aldeia?
Na casa G nós
tínhamos acho
que a cada um
mês com a tia
Maria, sobre
sexualidade e,
nós ainda
éramos, de uma
certa forma,
ainda não tão
malicioso com
essa questão,
então nós
interpretávamos
de outra forma,
mas hoje em dia,
se houver essas
conversas, seria
muito importante
Eu tenho um projeto que
eu desenvolvi na
na Aldeia e houve
uma resistência
uma noção de
prevenir ou de
como fazer com
isso. Então acho
que, dependendo
da situação,
começam a
achar que se
tiverem filhos a
Aldeia vai ajudar,
né? Então acho
que acabam
tendo esse
pensamento.
Faculdade São Camilo
que chama Programa
Educativo à Sociedade
Carente e é onde eu e
meus amigos, a gente dá
palestras voluntárias, para
várias ongs e eu tentei
implantar isso
e eu não entendi
o porquê, mas eu
queria falar sobre
dependências
químicas e sobre
sexualidade
porque hoje em
dia, quando vou
visitar a Aldeia,
as meninas de
13 e 14 anos,
elas dão em cima
de mim como se
eu fosse uma
pessoa de 13 e
14 anos. E eu
sou bem mais
velho, 23. Então
eu vejo que é
uma realidade
que está
continuando, que
provavelmente
vão ser
gestantes na
adolescência se
as mães da
Aldeia não
prestarem
atenção, e ainda
mais quando eu
descubro os
lugares que elas
vão, né? Nas
festinhas, são
locais aonde vão
muitos ladrões,
pessoal de
periferia
realmente e que
não tem muita
preocupação,
né? Então acho
que esse
programa de
prevenção é
muito importante
na Aldeia
Ricardo, isso tudo
que você contou
para mim e eu fui
perguntando, tem
mais alguma
coisa que você
ache importante
de contar que eu
não perguntei,
que a nossa
conversa não
andou?
Acho que a
Então quando eu
me comparo com
meus amigos de
fora, por
exemplo, na
minha aula de
capoeira, em três
própria estrutura
da Aldeia que é a
estrutura de
recursos físicos,
ele também
facilita muito ao
desenvolvimento
da criança porque
ali dentro você
tem árvores, você
tem árvores com
frutos e sem
frutos, você tem
uma quadra de
futebol, de
basquete, tudo
num ambiente só,
tem dois
parquinhos, se
contar com um da
creche, aí tem
lavanderia, tem os
funcionários,
então você vê que
a estrutura física
e recursos
humanos da
Aldeia é uma
forma bem
estruturada.
semanas o
professor já
achou que eu
tinha feito em
outro lugar,
porque em
comparação com
os outros que
estavam há 3
meses, que eu
me desenvolvi
muito rápido.
Mas não é
porque eu tive
curso de
capoeira em
outro lugar
porque eu nunca
tive, mas por ser
uma criança que
viveu na Aldeia
eu sempre
brinquei e subi
em árvore,
sempre fui uma
criança ativa e
isso é realmente
uma coisa
importante para
criança, ter o
lazer e a
felicidade. Então
acho que a
família também é
importante de dar
para a criança a
sua infância e na
Aldeia, com
esses recursos
físicos, eles
cumprem essa
função. Acho que
isso é muito
importante de ser
dito
E,
principalmente,
acho que a mãe
social que cuidou
de mim, é muito
importante. Eu
não consigo
chamá-la de mãe
na frente dela,
não sei porque,
mas eu acho
estranho falar a
palavra mãe na
frente dela,
chamo ela de tia,
mas quando ela
não está, eu
chamo ela de
mãe, então não
sei dizer o
porque disso.
Mas eu acho que
o Ricardo que eu
sou hoje, como
você fez a
primeira
pergunta, é
justamente a
educação que eu
tive dela porque
eu sempre fui
uma pessoa, um
jovem de olhar
crítico, vamos
dizer, então
sempre olhei
muito a
personalidade,
os motivos,
então se alguém
quebrava o meu
rádio não ficava
nervoso, eu
pensava, ele
estava nervoso
por algum motivo
e quebrou o meu
rádio, é um
material, então
vou lá a trabalho
de novo e
compro um outro
melhor ou igual.
Então nunca
gostei muito
dessa questão,
nunca fui muito
ligado às
questões
materiais. E a
Maria também
nunca foi, então
acho que eu tive
muito da
personalidade
que eu tenho
hoje através
dela, né? Então
acho que é muito
importante falar
desse papel, a
importância da
mãe social na
criança.
é outra coisa que
eu também não
compreendo, o
porquê que eles
não queriam me
deixar fazer
cursos em
faculdades no
exterior e para
outros jovens
sim, sendo que
entre eles e eu,
eu tinha a melhor
Sem contar o
perfil mesmo de
capacidade
educativo, se a
Aldeia trabalhar
melhor esse lado
dos profissionais,
as crianças vão
ser, vão ter um
melhor
funcionamento.
Morando na
Noruega eu tive a
experiência de
conhecer outras
crianças de
Aldeias, das
Aldeias
nota. Então
nunca entendi
isso.
Eles quem não
queriam?
A diretoria
internacional, o
Mr. Kutin. Não
sei se devido a
um vínculo que
eles já tinham
com algum, já
conheciam
alguns ou se era
algum outro
problema.
Porque ele me
disse que aqui no
Brasil existiam
universidades
boas, só que em
outros países
existiam
universidades
boas e ele pagou
universidades
nos EUA, ou
então conversou
e teve contato e
o pessoal foi
para os EUA,
Canadá, Nova
Zelândia...
É uma papelada...
É, mas, assim,
em comparação,
Eu não sei Ricardo, eu sei
que aqui no Brasil nós
temos um problema que
quando você fala de uma
universidade fora do
Brasil, é muito difícil de
validar o seu diploma.
Talvez na Europa, entre
um país e outro, seja mais
fácil. Mas eu não sei se foi
por isso...
Talvez seja porque na
própria escola que eu
estudei tive dificuldade
de...como é que fala?
Revalidar...
Em revalidar...
Então, acho que
se vão fazer isso
com uma criança
ou um jovem,
porque na época
eu já era
adolescente, que
fale assim,
provavelmente, e
não que vão.
Porque aí eu
cheguei lá e
estudei, me
dediquei aos
estudos,
consegui umas
notas melhores
do que os meus
colegas que nós
éramos mais ou
menos 20
aldeianos lá,
cada um de um
país, Hong Kong,
China, Índia,
Nepal,
Bangladesh e
justamente eu,
que tinha as
melhores notas,
fui proibido.
eles disseram
para mim antes
de eu ir, se você
for para lá e for
um bom aluno a
Aldeia vai te
pagar a tua
universidade ou
vai fazer com que
você tenha
universidade
Então, quando eu te disse
que ganhei uma bolsa
para jogar futebol é porque
eu fiz escondido.
Sei...
Eu fiz uma...eles falam
aplication, apliquei
escondido e passei nessa
escola que era para jogar
futebol
Então, quando eu
trouxe para cá, a
Dra. Luisa que
era presidente na
época, ela ia
ajudar, ia pagar a
passagem de ida
para mim até os
EUA, então aqui
dentro realmente
houve um
incentivo, mas lá
eles me
bloquearam
Então a partir do momento
que eles falaram que eu
não ia, eu parei de estudar
porque eu não entendia
qual a necessidade de eu
ficar estudando se eles
não iam me dar uma
oportunidade melhor, né?
Então não consegui
entender muito bem isso e
é o que me marcou
também, eu sempre falo
quando alguém pergunta,
não entendo porque de
oportunidades diferentes,
né? Se é uma
oportunidade que tem que
ser padrão normal para
todos.
LINHA NARRATIVA DA ALDEIA
Como qualifica
A gente aprendeu a viver
Eu sou muito agradecida pela
Aldeia
Na nossa época era melhor, hoje a
Aldeia caiu muito.
Antigamente a educação das
crianças na Aldeia era mais rígida
As crianças eram muito mais
educadas,
Elas tinham mais atividades
Hoje elas vivem largadas,
Saem pra rua, não dão satisfação
O modo como as crianças hoje são
criadas caiu muito, muito, muito
Não tem nem comparação de
quando a gente morava lá.
Eu acho que é a direção
A equipe que está dirigindo a Aldeia
caiu bastante,
Eu considero a Aldeia uma
oportunidade.
Eu não tenho nada a reclamar da
Aldeia
Hoje eu sou essa pessoa pela
Aldeia
Teve um tempo que a Aldeia
passava muito a mão na cabeça
das crianças.
A Aldeia errou de estar ali sempre
em cima
Não deixou eles caminharem
sozinhos pra poder aprender.
Os mais velhos passaram essa
fase de passar muito a mão na
cabeça
Eles não souberam seguir para o
mundo sozinhos
Como descreve os
procedimentos
Nas férias de escola a gente
viajava
A mãe podia levar as crianças pra
casa dos parentes dela,
Entrei na aldeia com 7 anos e
fiquei até os meus 18 anos
Quando as crianças entram na
Aldeia tem padrinhos que são de
fora
Eles depositam uma quantia pra
gente
A gente só pode mexer quando
completa 18 anos.
A Aldeia cobriu metade da casa
Quando eu sai do orfanato eu fui
morar na casa B
Dentro da Aldeia que tinha a mãe
social
A gente pensava que ia passear
de carro.
A mãe social foi buscar a gente lá.
Na Aldeia é tudo íntimo, tudo
família.
As outras crianças estavam
esperando pela gente.
Já tinha outras crianças lá, já tinha
mais 6 crianças
Eram mais velhas, onze meses e
alguns de um ano
O mais velho acho que na época
tinha 13 anos.
E ai a tia Eunice saiu e entrou
mais 3 mães sociais
Morei 12 anos
Tive meus estudos lá, aprendi a
trabalhar
Rede criada a partir da Aldeia
A poupança foi feita através de
padrinhos
Conhecia todos os padrinhos por
carta
Tenho contato com os irmãos de
casa
O Raul mora comigo
O Mauro foi estudar fora, hoje ele
mora na Itália
Foi o mesmo padrinho que adotou
ele
Sempre estamos em contato até
mesmo ontem falei com ele
O Ângelo a Eunice adotou,
quando foi embora da aldeia
Ele é especial, hoje ele mora com
ela em Minas
Eu ligo todos os finais de semana
pra ela e pra ele
Eu continuei tendo contato com a
tia Eunice
Eu ia dormir na casa dela sempre
que quisesse
Ia sempre pra Minas, sozinha
Hoje a família dela é a minha
família
Eu passo Natal e férias sempre lá
com ela
Sempre que tem encontro de
jovens ex- aldeanos a gente
procura ir.
A gente procura se encontrar
sempre uma vez por ano
A gente comenta como está a
nossa vida
Cada fala o que fez o que não fez,
as novidades
Relação com a família
biológica
A minha mãe biológica me
abandonou
Querendo ou não tenho essa
dor,
Minha mãe não teve condições
de criar a gente
Ela fugiu com outro cara porque
não tinha condições de cuidar
da gente
Um amigo do meu pai, levou a
gente para o orfanato.
Quando fui para o orfanato tinha
3 anos. Eu e a Tânia
No orfanato, só podia entrar até
5 ou 6 anos
A Beatriz já tinha mais de 6
anos, não podia entrar lá.
O Sr. Antonio arrumou uma
família para ela ser adotada
A Rosa foi trabalhar em uma
casa de família
A minha mãe ficou com a Isabel
e o Aluisio.
Este orfanato quando fechou
Sempre tive contato com as
minhas irmãs
Quando eu morava no orfanato,
elas sempre visitavam a gente
Quando fomos para a Aldeia
elas continuaram a visitar
A Rosa e a Beatriz
Meu pai faleceu. , em 92
Esse tempo todo eu nunca tive
contato com minha mãe
Depois que a minha irmã
faleceu que a gente voltou a se
Dirigente de Aldeia
Hoje as crianças da Aldeia não têm
mais um dirigente que faz papel de
pai
O Dirigente da Aldeia foi muito
importante pra mim
Ele fez o papel de pai mesmo.
Deu atenção
Ele estava sempre junto
Ele nunca deixou você na mão
Eu acho que ele fez um papel muito
legal.
Minha pior lembrança da Aldeia foi
quando a minha mãe foi embora
Eles não explicaram direitinho pra
gente como e porquê
Foi como tirar a mamadeira de uma
criança.
Foi uma perda pra gente
Eu tive aquela revolta depois que
ela saiu
Eu fiquei muito malcriada,
Mudou a direção da Aldeia, mudou
o dirigente
Isso mexe muito com as crianças,
Eu acho que a minha maior dor da
Aldeia foi essa
Trabalhei dentro dos escritórios
das Aldeias Infantis,
Esse trabalho não era obrigatório
Eu ia de ônibus, eu saia da escola
e ficava lá até as 5:00 da tarde.
Tinha uma carteira de aprendiz
A gente fazia cartões de Natal da
Aldeia, fazia os kits que eles
vendiam
Tinha um responsável pra ensinar
a gente a fazer essas coisas.
Ganhava uma ajuda que eles
davam
Trabalhei com mala-direta
Depois trabalhei na creche da
aldeia
Eu ganhava pra trabalhar meio
período.
Eles escolhem pelo interesse da
pessoa
Nada é forçado
Em Dezembro ou Janeiro tinha o
Paiol Grande
Só podiam ir as crianças que
mereciam
Fiz muitas vezes, durante uns 4, 5
anos.
A gente fazia muita excursão
Tinha muita atividade a gente
nunca ficou parado.
Quem casou, quem não casou, os
filhos e esse é o nosso encontro
Tenho outros amigos da aldeia
que vem aqui em casa,
A gente está sempre unido, o
pessoal da nossa época está
sempre juntos
Sempre que dá a gente se
encontra.
R. uma alemã que ajudava a
Aldeia então ela que indicou a
gente
Eu Ia para Minas, ficava na casa
da mãe da minha mãe social
Era como uma avó
Ela faleceu faz 2 anos, mas a
gente não deixa de ter contato
Estou sempre ligando pra eles
É uma nova família que eu tenho
Praticamente é minha família
Aldeanos
Muitos meninos da Aldeia não
aproveitaram a oportunidade que
tiveram
Muitos deles se deram bem
Hoje tem uns que estão casados,
tem seus filhos vivem bem,
estudam
Outros não aproveitaram aquela
oportunidade e hoje não tem uma
casa, não tem nada
Não pela Aldeia, mas sim pela
ignorância deles
Não faz diferença saber da família
ou ter irmãos.
O Raul foi pra aldeia sozinho, ele
não conhecia nem a mãe quando
foi pra lá
Hoje ele tem uma cabeça muito
boa, trabalha, tem
encontrar.
O Sr. Antonio a gente considera
nosso tio
Praticamente ele ajudou a criar
a gente,
Hoje a gente vai sempre na
casa dele.
Por ele que a gente soube que a
minha irmã morreu
Quando ela faleceu, ele deu o
recado
Faz 4 meses
Ela tinha epilepsia, não
escutava direito, já fazia três
anos que estava na cama,
Nós fomos ao velório e minha
mãe estava lá
Ela estava chorando muito
Ela vivia para Isabel
Ela não dava um passo sem
levar a menina
Ela sofreu muito
A gente não podia ajudar ela
financeiramente,
A ajuda foi estar sempre junto
Querendo ou não é nossa mãe.
Hoje a gente tem contato
Uma vez por mês a gente vai
visitar ela
Leva as crianças que são netos
dela, meus filhos e da Rosa
Eu sabia que tinha o Aluisio
como irmão
Não sabia que ele estava preso.
Nossa mãe deu o endereço
A gente se comunica por carta
Hoje ele conhece mais a gente
Ele não sabia da nossa história
A gente não sabia da dele.
A Rosa é casada e tem dois
filhos
responsabilidade
Tem uma filha e ele esta sempre
ali.
Vai da cabeça da pessoa. Ela tem
que ter aquela responsabilidade
Tem muitos aldeanos que acham
que por que você viveu na Aldeia
A Aldeia tem a obrigação de
ajudar eternamente.
Ela mora ali em outro bairro
Ela morou um bom tempo com a
gente, uns 6 anos
Mãe Social
Como cuidava
Ela deu muita força.
Tudo o que ela pode fazer pela
gente ela fez
Ensinou a lavar, passar, cozinhar
A gente ajudava ela a olhar os
meninos menores
Toda criança tinha uma atividade
pra fazer
Tinha aquele incentivo
A gente ia todo ano pra Minas
Outras mães, a gente se respeitava
Mas não tinha aquele amor de mãe
Como afetou
Me inspiro nela por eu ter a
cabeça que tenho
Levo a minha vida conforme ela
Me vejo responsável,
Sou capaz de enfrentar uma vida
sozinha fora da Aldeia
Eu aprendi que ela me deu o amor
e carinho
Eu jamais quero que meu filho
cresça e fale que não teve uma
mãe como eu não tive
Nem todas mães sociais são
iguais, cada um tem sua maneira
de criar
A educação que a tia Eunice me
deu foi muito boa
Não tenho nada que reclamar
Vida Fora da Aldeia
Completei 18 anos
A Aldeia ajudou a comprar uma
casa com a minha poupança
Estou bem com a minha irmã e
meu irmão de Aldeia, o Raul
Durante 4 anos eu morei junto
com o pai do meu filho,
Não deu certo, ai a gente se
separou.
Hoje eu moro com o meu filho
Ele dá assistência para o menino
para o Ivan
Um final de semana é meu e um
final de semana dele
Eu achei bom a saída da Aldeia
Eu vim para morar com as minhas
irmãs
Eu não sai direto já para ir morar
sozinha
A Tânia já tinha feito um ano que
tinha saído da Aldeia
Eu vim morar com ela e a Rosa, a
minha irmã mais velha
A gente se deu super bem
Eu não tive tanta dificuldades pra
pode ir encarando.
Eu namorei com ele durante uns 2
anos e ½
Quando eu engravidei eu casei
Nós fomos casados 4 anos
Eu separei já faz 1 ano
Não somos uns coitados
Vivemos até melhor do que eles
(que tem preconceito)
Eles tem pai e mãe
Ações
Depois eu fui pagando a casa,
aos poucos, pra a Aldeia
Eu faço tudo hoje pelo meu filho
Eu pago perua pra ele ir à
creche
Eu não dependo mais da Aldeia
Se eu preciso de um emprego
eu corro atrás
Não fico dependendo daquilo
que vai chegar
Hoje eu crio o meu filho
Hoje estou me dedicando ao
meu filho
Hoje trabalho para o meu filho
Quando ele estiver maiorzinho
pretendo fazer uma faculdade
Trabalhar bastante pra poder
pagar um estudo bom pra ele
Eu coloquei na minha cabeça
que eu queria viver minha vida
Eu já vivi 12 anos aqui, eu ia ter
que sair da Aldeia
Eu tinha que tomar uma atitude,
eu já tinha essa cabeça.
Preconceito
Acho que existe muito preconceito
Você vai fazer alguma entrevista
As pessoas perguntam com quem
você mora
Eu moro sozinha
Eles dizem – ah, e seus pais; eu
não tenho pai.
Eu não tenho pai, eu moro sozinha.
Eu morei no orfanato.
Eles acham que você é bandido,
marginal,
Eles olham hoje assim.
Você não tem pai e morava em um
orfanato
A gente somos uns coitados,
Não tem a atitude ou a cabeça
que a gente tem,
O Ivan fica na creche das 7 ás 5
da tarde
, A creche é no jardim Primavera
Quando era mais nova gostaria de
fazer enfermagem
Eu tenho medo de morto, então
não levo muito jeito
Eu desisti, mas eu tenho vontade
de fazer pedagogia
Eu gosto muito de criança
Já trabalhei durante 4 anos na
creche da Aldeia
Eu olho uma criança quando a
mãe precisa sair
Eu já estava com aquele jeito que
fui criada
Eu segui a minha vida
Eu não tive tanta dificuldade de
encarar.
Intervenções para confirmação, detalhamento ou
esclarecimento
Intervenções para obter explicação sobre
qualificações
Intervenções para especificar aspectos
relacionados aos temas
H: você está fazendo a faculdade?
H: uma perguntinha, com quantos anos você foi para a
Aldeia?
H: e ela tinha parentes? Ela vivia com teu pai?
H: quantos anos mesmo você é mais velho do que
ele?
H: e quando os vizinhos denunciaram você foram para
onde?
H: quanto tempo você morou com a Liliana?
H: e durante os anos que você morou na Aldeia, os
seu irmão ficou sempre lá com você?
H: nunca separar os irmãos...
H: e ele ficou sempre com você?
H: e você saiu da Aldeia antes dele?
H: meninas também ou só meninos?
H: me diz uma coisa, durante os anos que você morou
na Aldeia, você morou numa casa, na casa 7, você
falou...
H: ...mudou de mãe, você ficou na casa. Você, os seus
irmãos sociais que viviam na mesma casa,
permaneceram os mesmo ou foi entrando e saindo
H: como é que você manteve o contato com a sua
história? A Aldeia permitiu? A Aldeia ajudou? Como é
que foi a sua história de criado na Aldeia com a sua
família de origem?
H: que palavras que você não gostava?
H: Ricardo, então você foi para Aldeia e teve uma
experiência com a primeira mãe que não foi muito
boa...?
H: quando você fala, como eu era estudioso e não
falava palavrão, você está me dizendo que a casa de
jovens era um lugar para onde eram mandados os
meninos que não se sabia o que fazer na Aldeia?
H: hum, hum...para ser uma espécie de promoção e
não castigo?
H: por que você acha que as pessoas têm vergonha?
H: e esse diferente é como?
H: e me diz uma coisa, como que você acha que você
conseguiu desenvolver essas idéias um pouco
diferente?
H: e como ele conseguia fazer isso com 100 crianças?
H: e você sabe porque eles tinham raiva?
H: e você se lembra bem da sua vida antes de ter
ido para Aldeia?
H: quando você conta, você conta uma
experiência que é diferente da idéia que a gente
faz da famílinha, papai, mamãe, 3 filhinhos
morando na mesma casa, essa idéia que nós
temos de família. Você cresceu numa casa
variável, cada hora aqui, hora ali, eu tenho uma
pergunta: você foi começando a fazer uma idéia
do que era a Aldeia, de que era viver lá, de que
garantias você tinha, os outros deviam falar
coisas, as pessoas falam da Aldeia, que história
você foi montando? Eu sou uma criança que
mora... Como você imagina que você contaria
essa história quando você tinha 9, 10, 11...
H: e eles perguntaram se você queria?
H: e como foi viver sozinho lá? Sozinho no sentido
de que não tem ninguém que fala o seu jeitinho...
Não tem goiabada, não tem...
H: então já está há 5 anos. E Ricardo, você disse
que para você a Aldeia, o que você acha que o
gente?
H: você está dizendo que percebe que você lida
muitas vezes com preconceitos, tanto de quem morou,
de quem foi criado na Aldeia quanto...
H: ...das pessoas de fora...
H: né? Porque você tem uma história, você conhece
um pouco da sua família de origem e você conhece as
fraquezas e dificuldades da sua mãe, segundo você
contou...
H: você diz que ficou com muita vontade de aprender
à respeito de saúde e de doença...
H: como é que foi a bolsa para Noruega?
H: e para onde você foi?
H: em que cidade?
H: para cima?
H: você aprendeu a falar Norueguês?
Helena: eles falam muito inglês...
H: você está em que escola aqui?
H: e há quanto tempo você voltou?
H: como você entende hoje olhando para você e para
a instituição, essa mistura de ter muito amor, muito
cuidado com as crianças? Não sei se tem pena, mas
tem muito cuidado, as crianças são bem cuidadas. Até
quando uma mãe não dá certo eles vão lá e tiram...
H: quando descobre, realmente são muito
cuidadosos... e de repente passa a olhar como alguém
H parente no sentido que tinha afinidade na tua
história?
H: Como que você sente isso hoje olhando para a
Aldeia?
H: você acha que isso não aconteceria entre,
eventualmente, entre irmãos biológicos ou isso
também acontece?
que alguém precisa de uma família, a Aldeia te
deu o que é pertinência, você usaria essas
palavras? Pertencimento, segurança?
H: e o dirigente na sua história?
H: ...e tem filhos?
H: é porque a minha pergunta era essa, eu noto
que vários de vocês têm filhos muito jovens e tem
filhos de relações que não são duradouras, e
filhos que alguns sustentam e outros não
sustentam. E eu fico curiosa para saber se a
Aldeia tem influência nisso ou não. Como você
olha para isso hoje?
H: e tinha essas discussões na Aldeia?
que você chama a polícia, alguém que você dá pé na
bunda.
H: e você está falando que o tio Zeca foi importante
porque fazia parte de um...
H: é.
H: e você tem vínculos com irmãos ou outros jovens
de outras casas?
H: mas sempre com gente que era parente?
H: e o teu irmão Pedro Vinícius, como está?
H: e com o teu irmão Pedro Vinícius, vocês se
encontram?
H: Ricardo, você está com 23 anos...
H: tem uma menina?
H: quantos anos ela tem?
H: e a mãe dela foi tua namorada? Vive com você?
H: e a sua filha, você reconheceu?
H: e ela tem contato com você?
H: Ricardo, isso tudo que você contou para mim e eu
fui perguntando, tem mais alguma coisa que você
ache importante de contar que eu não perguntei, que a
nossa conversa não abordou?
H: eles quem não queriam?
H: sei...
Intervenções fáticas Intervenção que introduz analogia Intervenção que introduz generalização,
mudança de foco
H: eu sei porque tenho parceiros na Noruega e quando
eu vou para lá, eu digo, eu não vou falar que sou do
Brasil porque eles não vão conseguir imaginar, então
vou começar falando da minha cidade, a população da
minha cidade tem 3 vezes a população da Noruega...e
as cidades são pequenas, em geral...ela era pequena?
H: eu não sei Ricardo, eu sei que aqui no Brasil nós
temos um problema que quando você fala de uma
universidade fora do Brasil, é muito difícil de validar o
seu diploma. Talvez na Europa, entre um país e outro,
seja mais fácil. Agora não tenho certeza. Aqui é muito
difícil. Se você não for filho de militar ou filho de
diplomata, a pergunta é sempre assim. Mas por que
você foi estudar enfermagem na Inglaterra se tem
enfermagem aqui? A USP que reconhece diplomas é
bem enjoada. Mas eu não sei se foi por isso...
H: revalidar...
H: é uma papelada...
H: tá bom. Eu vou transcrever a nossa conversa toda e
se depois de transcrever tiver algum buraco, que eu
digo, nossa, nesse pedaço a gente mudou de assunto
e eu queria saber, eu te mando por e-mail uma
pergunta...
H: depois a gente continua a conversar...
H: com certeza, com certeza! Agora vamos ver como
eu trabalho esse material todo.
H: é como se você tivesse uma família muito grande e
depois de adulto você fala, esse daqui é meu amigo e
esse não é?
H: porque muitos de vocês têm filhos que
poderiam ser candidatos a uma Aldeia...
H: então seria uma repetição
H. Então Mariana, eu te contei que estou interessada em saber de vocês,
adultos, hoje, quando vocês pensam em vocês o que está presente
naquilo que você descreve como Quem eu Sou, Hoje: O que é importante:
A Aldeia, a mãe social a casa, os irmãos, sua família biológica, o que
mais?
Quando você pensa em você, no que você pensa?
M. A primeira coisa em que penso é na minha mãe social, a Eunice. Hoje eu
me inspiro nela porque ela me deu muita força pra hoje eu ter a cabeça que
tenho, eu acho assim tudo o que ela pode fazer pela gente ela fez então hoje
eu levo a minha vida conforme ela, então tudo que eu faço hoje pelo meu filho
é igual ao que ela fez por mim. Então é eu me vejo assim responsável, sou
capaz de enfrentar uma vida sozinha fora da Aldeia, onde eu não dependo
mais da Aldeia, se eu precisar de um emprego eu corro atrás e não fico
dependendo daquilo que vai chegar ali eu vou até ele e é isso ai, hoje eu crio o
meu filho estou bem com a minha irmã e meu irmão de Aldeia, o Raul.
H. O Raul é irmão de Aldeia e a Tânia é irmã de sangue?
M. Isso..
H. você viveu com o pai do seu filho?
M. Durante 4 anos eu morei junto com ele ai não deu certo, ai a gente se
separou. Hoje eu moro com o meu filho, mas ele dá assistência para o menino
para o Ivan,r né e aos finais de semana é um final de semana meu e um final
de semana dele, e as vezes quando dá ele vem e pega o Ivan para passar o
final de semana com ele.
H. E você entrou na Aldeia ...
M. Eu entrei na aldeia eu tinha 7 anos e fiquei até os meus 18 anos, ai quando
eu completei meus 18 anos o pessoal da Aldeia com a minha poupança me
ajudou a gente a comprar uma casa, lugar onde a gente está se
estabelecendo ai nos compramos esta casa, demos a metade no dinheiro e a
Aldeia cobriu o resto e depois eu fui pagando aos poucos pra a Aldeia.
H. E está poupança foi feita como?
M. Foi através de padrinhos, todas as crianças quando entram na Aldeia elas
tem os padrinhos que são de fora, da Alemanha, da Áustria por ai... Então eles
ajudam né, ai toda vez eles depositam uma quantia pra gente e vai
depositando só que a gente só pode mexer quando completa 18 anos.
H. E você conhecia seus padrinhos ou não?
M. Conhecia todos por carta, mas o que eu tinha mais contato era o C.
H. E você morou na aldeia com a Tania né? E como é que vocês foram
levadas para a Aldeia? O que aconteceu?
M. Minha mãe não teve condições de criar a gente, ela fugiu com outro cara
porque não tinha condições de cuidar da gente, aí um amigo do meu pai que é
o Sr. Antonio ele levou a gente para o orfanato. Quando fui para o orfanato
tinha 3 anos.
H. E você tinha 3 anos você foi para um orfanato? E neste orfanato quem
mais foi com você?
M. Só a Tânia, eu e a Tânia.
H. E havia outros irmãos?
M. É porque assim, quando nós fomos para o orfanato, tinha uma idade para
entrar lá, podia entrar lá acho que até 5 ou 6 anos, e Beatriz já tinha mais que 6
então ela não podia entrar lá. Ai o Sr. Antonio arrumou uma família para ela ser
adotada e a Rosa foi trabalhar em uma casa de família ai a minha mãe ficou
com a Isabel e o Aluisio. E eu e a Tania fomos para o orfanato, ai este orfanato
quando fechou, ele entrou em contato com a Aldeia ai nos fomos morar na
Aldeia.
H. De quando você entrou na Aldeia até você sair da Aldeia que contato
você teve com as pessoas da sua família?
M. Sempre tive contato com as minhas irmãs, quando eu morava no orfanato,
elas sempre visitavam a gente e quando fomos para a Aldeia elas continuaram
a visitar a gente, mais somente a Rosa e a Beatriz, a minha mãe e as outras
crianças a gente não teve contato, começou a ter contato agora.
H. E seu pai?
M. Meu pai faleceu.
H. Seu pai faleceu quando?
M. em 92
H. Você entrou na Aldeia em que ano?
M. Em 90, ai ele faleceu em 92.
H. E durante estes anos de Aldeia você ficou sempre na casa da Eunice?
M. Quando eu sai do orfanato é ai eu fui morar na casa B que foi dentro da
Aldeia que tinha a mãe social que era a Eunice
H. Como foi essa ida para lá?
M. A gente pensava que ia passear de carro. A tia Eunice foi buscar a gente lá.
Na Aldeia é tudo íntimo, tudo família. As outras crianças estavam esperando
pela gente,
H. E já tinha outras crianças lá quando você chegou?
M. Já tinha outras crianças lá, já tinha mais 6 crianças, ai entrou eu e a minha
irmã.
H. E estas crianças eram mais velhas ou mais novas que vocês?
M. Eram mais velhas assim... de meses, onze meses e alguns de um ano,
pouco diferença o mais velho acho que na época tinha 13 anos.
H. e estas seis crianças com que você morou a aldeia se eram mais
velhas saíram um pouco antes, você tem contato com elas?
M. Tenho hoje é o Raul que mora comigo, tem o Mauro que ele foi estudar fora
que até foi o mesmo padrinho que adotou ele, hoje ele mora na Itália sempre
estamos em contato até mesmo ontem falei com ele, tem o Gil, que não o vejo,
nem o Alberto, o Alberto a gente não se fala, eu não converso com ele e tem o
Ângelo que a Eunice adotou ele, quando ela foi embora da aldeia porque ele é
especial, ela adotou ele e hoje ele mora com ela em Minas, mas eu sempre
tenho contato ligo todos os finais de semana pra ela, pra ele, e eles está muito
bem. Hoje ele estuda na APAE.
H. Depois que a tia Eunice saiu da Aldeia?
M. Eu continuei tendo contato com ela eu e a Tânia eu ia dormir na casa dela
sempre que quisesse ia sempre pra Minas, sozinha mas eu sempre ia, e hoje a
família dela é a minha família.
H. E você falou que você passa Natal lá?
M. Eu passo Natal e férias sempre lá com ela.
H. E ai a tia Eunice saiu e entrou outra pessoa?
M. Sim, depois que ela saiu entrou mais 3 mães social, foi a Ana, a Sonia e a
Camila.
H. A Camila foi a última que saiu?
M. Foi à última que saiu.
H. E como é que foi você com ela, o que você guarda dela?
M. Eu tive assim, porque foi um tempo muito curto entre ela, foi mudança atrás
de mudança, então mais assim a gente se respeitava, não tinha brigas nem
nada, mas não tinha aquele amor de mãe como eu tinha com a Eunice. Pra
mim ela era uma tia que eu tinha respeito por ela e ela por mim.
H. E durante esses anos você morou 10 anos na aldeia, mais até né?
M. Morei 12 anos
H. Você estudava fora?
M. Eu estudei no Casai até a 4ª Série depois do Casai eu estudei na escola
dentro da Aldeia na Labor e depois eu fiz o meu 3º ano no Santos Dias e hoje
eu guardo o que? Tive meus estudos lá, aprendi a trabalhar, trabalhei dentro
dos escritórios das Aldeias Infantis, no Conselho das crianças que faziam as
atividades, fui pra lá também e a gente aprendeu a viver né. Olha assim eu sou
muito agradecida pela Aldeia hoje, mais na nossa época era melhor, hoje a
Aldeia caiu muito.
H. Você acha?
M. Hoje não é mais mesma coisa, antigamente a educação das crianças na
Aldeia era mais rígida e as crianças eram muito mais educadas, elas tinham
mais atividades elas não viviam do jeito que vive hoje, hoje elas vivem
largadas, as crianças sai pra rua não dá satisfação nem nada, eu acho isso. O
modo que as crianças hoje são criadas na Aldeia caiu muito, muito, muito,
muito não tem nem comparação de quando a gente morava lá.
H. Você tem alguma idéia por que isso aconteceu?
M. Eu acho que seja a direção né o pessoal que está dirigindo a Aldeia a
equipe caiu bastante, não sei hoje eu não vou mais lá como eu ia antes depois
que eu sai da Aldeia a coisa mais difícil é eu ir, mas sempre que tem encontro
de jovens ex- aldeanos a gente procura ir.
H. Estes encontros são quando? È como?
M. A gente procura se encontrar sempre uma vez por ano ai junta todos os ex-
aldeanos e a gente comenta como está a nossa vida, um fala do outro, fala o
que fez o que não fez, as novidades, quem casou, quem não casou, dos filhos
e esse é o nosso encontro.
H. E você tem outros amigos ou pessoas próximas que são da Aldeia?
M. Tenho... Sempre tem um ou outro da aldeia que vem aqui em casa, que a
gente sempre recebe, a gente está sempre unido o pessoal da nossa época
está sempre juntos, sempre que dá a gente se encontra.
H. E durante o tempo que você esteve na Aldeia, além da Eunice que foi
uma pessoa muito importante, pra você tem mais alguém que foi
importante? Padrinho, diretor, dirigente?
M. O Dirigente da Aldeia Luis Marcos ele pra mim foi muito importante ele fez o
papel de pai mesmo.
H. O que é um papel de pai mesmo pra você, na tua história o que você
acha que foi bom que você chama de um papel de pai?
M. Foi a atenção que ele deu, ele tava sempre junto, se você precisava ele tava
sempre ali, ele nunca deixou você na mão, se você as vezes tinha que sair e
você não tinha aquele tempo de poder tá ali fazendo aquilo, ele falava nós
vamos juntos e tava sempre junto, então eu acho que ele fez um papel muito
egal e hoje as crianças da Aldeia não tem isso.
H. E, na hora que você saiu da Aldeia como você se sentiu? Você achou
bom, achou difícil?
M. Eu achei bom porque eu vim para morar com as minhas irmãs, eu não sai
direto já para ir morar sozinha, a Tânia já tinha feito um ano que tinha saído da
Aldeia e eu vim morar junto com ela e a Rosa que é a minha irmã mais velha
então a gente se deu super bem e eu não tive tanta dificuldades pra pode ir
encarando.
H. A Rosa também morou com vocês?
M. Nesta casa.
H. E hoje?
M. Hoje ela é casada e tem dois filhos, hoje ela mora ali em outro bairro mas
ela morou um bom tempo com a gente, uns 6 anos
H. Então você diz que não foi tão difícil porque você já veio morar com a
sua irmã?
M. É eu já vim morar com a minha irmã e eu já tinha a minha cabeça, sabia o
que queria e eu tinha a minha atitude, essa mudança de mãe, pai você vai
criando a sua liberdade, e com essa mudança de mãe social isso aquilo, então
cada um tinha o seu jeito eu já estava com aquele jeito que fui criada então eu
segui a minha vida e eu não tive tanta dificuldade de encarar.
H. E foi logo que você saiu que morou junto com o pai do Ivan?
M. Não, depois eu namorei com ele durante uns 2 anos e ½ ai quando eu
engravidei eu casei ai nos fomos casados 4 anos , eu separei já faz 1 ano que
me separei.
H. Na sua vida hoje, você tem a sua irmã você tem o irmão de Aldeia que
mora aqui; você tem contato com a sua irmã casada, você tem contato
com os outros aldeanos então você tem outras pessoas a sua volta.
Agora, quando você está sozinha no mundo como você sente que é a
experiência de ter sido criada na Aldeia aos olhos dos outros?
M. Acho que existe muito preconceito ainda, porque eles olham pra você,
quando você vai fazer alguma entrevista, alguma coisa, ou está em uma
palestra as pessoas perguntam com quem você mora, a eu moro sozinha, e
dizem – ah, e seus pais; eu não tenho pai. Você não tem pai? Não eu não
tenho pai eu moro sozinha. E cadê seus pais? Eu morei no orfanato. Quando
você fala que morava em um orfanato, ou outra instituição eles acham que
você é igual a muitas crianças, é um bandido, marginal, essas coisas. Eles
olham hoje assim.
H. Você nota isso muitas vezes?
M. É a maioria das vezes né, eles perguntam, então quando você fala que não
tem pai e morava em um orfanato a gente somos uns coitados, mas não somos
como uns coitados, vivemos até melhor do que eles que tem pai e mãe e não
tem as vezes atitude ou a cabeça que a gente tem, não são todos, não falo por
todos porque hoje muito meninos da Aldeia não aproveitaram a oportunidade
que tiveram.
H. Você considera a Aldeia uma oportunidade?
M. Eu considero uma oportunidade. Eu não tenho nada a reclamar da Aldeia,
nada hoje eu sou essa pessoa por ela, pela Aldeia né, tenho só a agradecer,
não tenho nada a reclamar.
H. E você fez até o 3º colegial, qual são seus planos, atualmente o que
você gostaria daqui pra frente?
M. Tenho vontade de fazer uma faculdade ainda só que hoje, hoje estou me
dedicando ao meu filho, ele tem 3 anos hoje ele precisa muito de mim então eu
hoje trabalho para o meu filho, o que eu puder fazer por ele hoje eu faço, mais
pra frente quando ele estiver maiorzinho ainda pretendo fazer uma faculdade
trabalhar bastante pra poder pagar um estudo bom pra ele
H. ele está na creche?
M. É, ele fica na creche
H. Como ele vai?
M. Eu pago perua pra ele, vai pra creche ás 7:00hs e volta ás 5:00 da tarde a
perua leva e traz ele.
H. Onde que é a creche?
M. No jardim Primavera
H. É perto?
M: É uns 15 minutinhos andando
H. E quando você pensa em fazer faculdade você tem alguma coisa que
acha que gostaria de fazer?
M. É eu quando era mais nova gostaria de fazer enfermagem, só que eu tenho
aquele medo de morto, então não levo muito jeito, então eu desisti, mas eu
tenho vontade de fazer pedagogia porque eu gosto muito de criança já
trabalhei durante 4 anos na creche da Aldeia, sempre que dá eu olho uma
criança quando a mãe, a minha prima precisa sair eu olho sempre o filho dela e
é uma coisa que eu gosto então sempre que no dia que eu puder eu quero
fazer.
H. E você passou todo esse tempo na Aldeia sem nenhum contato com a
sua mãe biológica?
M. É esse tempo todo eu nunca tive contato com ela depois que a minha irmã
faleceu que a gente voltou a se encontrar.
H. Como é que vocês souberam que a sua irmã faleceu?
M. Pelo Sr. Antonio que é amigo da família que a gente considera nosso tio
porque praticamente ele né que ajudou a criar a gente, tá sempre ali quando a
gente precisa ele ta ali, hoje a gente vai sempre a casa dele.
H. E ele não é parente, ele é um amigo?
M. Ele não é parente, ele é um amigo do meu pai, ele trabalhou muito tempo na
casa da dona R. uma alemã e ela ajudava a Aldeia também, então ela que
indicou a gente, ai por ele que a gente soube que a minha irmã morreu porque
ele sempre tinha contato com ela e a dona. R que comprova os remédios estas
coisas... Então eles estavam sempre em contato e tudo o que acontecia ele
passava pra gente, então quando ela faleceu, ele veio e deu o recado.
H. E há quanto tempo ela faleceu?
M. Faz 4 meses,
H. E ela foi quem você falou que era doente desde criança?
M. É ela tinha epilepsia, não escutava direito, já fazia três anos que estava na
cama, então quando Deus faz as coisas não podemos contestar.
H. Ai depois da morte dela vocês voltaram a ver sua mãe?
M. É porque nós fomos ao velório e ela estava lá, como ela tava chorando
muito naquela noite, querendo ou não ela vivia para Isabel, então tudo na vida
dela era Isabel, ela não podia dar um passo se ela não levasse a menina.
Então ela sofreu muito com isso, então a gente não podia ajudar ela
financeiramente, então a única condição que a gente poderia ajudar ela foi,
entrar em contato, estar sempre ali junto; querendo ou não é nossa mãe. Então
hoje a gente tem contato, uma vez por mês a gente vai visitar ela, leva as
crianças né, que são netos dela meus filhos e da Rosa , a gente esta sempre
entrando em contato.
H. E foi no falecimento da sua irmã que você soube do Ângelo?
M. É, eu sabia que tinha o Ângelo como irmão, só não sabia que ele estava
preso. Ai depois a gente encontramos nossa mãe ela deu o endereço e a gente
se comunica por carta, hoje ele conhece mais a gente, ele não sabia da nossa
história e também a gente não sabia da dele. Hoje a gente já tá mais sabendo
um da vida do outro.
H. E como é que você acha que as outras crianças que estiveram com
você na aldeia, em outros anos a atrás, como é que você acha que estão
caminhando?
M. Muitos deles se deram bem, hoje tem uns que estão casados, tem seus
filhos vivem bem, estuda, mas outros não aproveitaram aquela oportunidade
que a Aldeia deu pra eles, hoje não tem uma casa, não tem nada não pela
Aldeia, mas sim pela ignorância deles, mas muitos hoje vivem muito bem.
H. Mariana, quando você fala alguns estão bem e que outros não tem casa
não tem nada, tem dificuldades, teve gente que já morreu,teve gente que
já foi presa, você saberia dizer se faz diferença na tua experiência na
Aldeia, se faz diferença ter ido pra lá sabendo que você tinha irmã ou uma
criança que não tem noção de quem ela era, foi sozinha não tem irmão
nenhum. Você acha que isso faz a diferença?
M. Não. Não faz diferença, o Raul foi pra aldeia sozinho, ele não conhecia nem
a mãe dele quando ele foi pra Aldeia, então hoje ele tem uma cabeça muito
boa, ele trabalha, tem responsabilidade, tem uma filha e ele esta sempre ali.
Então acho que isso por você ser sozinho, eu acho que isso não tem nada a
ver, vai da cabeça da pessoa e ela tem que ter aquela responsabilidade né,
então muitos aldeanos acham que por que você viveu na Aldeia, a Aldeia tem a
obrigação de ajudar ele até eternamente, mas não é eternamente. Então teve
um tempo que a Aldeia passava muito a mão na cabeça das crianças.
H. Eu já ouvi essa expressão. Que tempo que era esse?
M. Tempo assim por exemplo. Depois que eles saiam da Aldeia, a Aldeia um
pouco elas erraram de estar ali sempre em cima, não deixou ele caminhar
sozinho pra poder aprender.
H. Isso foi antes de você ou depois de você?
M. Antes de eu sair da aldeia.
H. Os mais velhos?
M. Os mais velhos já tava nessa fase de passar muito a mão na cabeça, então
eles não souberam seguir o mundo ali sozinho, a Aldeia sempre ali, a Aldeia
tem que ajudar, a Aldeia vai fazer isso por mim.
H. Qual foi a diferença, pra eles a Aldeia passou muito a mão na cabeça,
como é que a Aldeia foi ensinando pra você, você vai crescer você vai
sair dessa casa?
M. Então eles me ensinaram sim, é porque na verdade não foi bem eles que
me ensinaram, eu fui vendo a vida daquele povo que saia da Aldeia mas eles
estavam sempre ali, sempre ali, eu coloquei na minha cabeça que quando eu
saísse da Aldeia eu queria viver minha vida, porque eu já vivi 12 anos aqui,
porque que eu ia ter que sair da Aldeia, eu tinha que ter uma atitude e não viver
igual a eles, eu quis ser diferente, entanto...
H. E essa atitude você que desenvolveu,a Aldeia ajudou a você
desenvolver?
M. Não, não foi bem a Aldeia que ajudou a desenvolver. Eu tinha que tomar
alguma atitude, eu já tinha essa cabeça.
H. Você acha que sua mãe social ajudou mais, que outras mães ajudavam
menos? Você acha que faz muita diferença que mãe você tem? Que mãe
social?
M. É porque nem todas são iguais, cada um tem sua maneira de criar, por mais
que seja ali a Aldeia tudo igual com crianças que vem de família pobre ou rica
às vezes não importa, eu acho que cada um tem uma maneira diferente de
criar ninguém é igual a ninguém, mas eu acho que a educação que a tia Eunice
me deu foi muito boa pra mim hoje, não tenho nada que reclamar.
H. Mas você acha que tem diferença uma casa e outra?
M. Tem diferença entre uma casa e outra, porque não é igual.
H. Quando você fazia a escola Labor que era correspondente à 6ª, 7ª e 8ª
série, você tinha outra atividade obrigatória ou não?
M. Não era bem obrigatória, quando eu estudava na Labor, depois que saia do
colégio eu ia trabalhar no Conselho. Eu trabalhei muito tempo no Conselho.
H. O que era o Conselho?
M. Era o escritório das Aldeias Infantis.
H. Lá na Vila Mariana?
M. Lá na Vila Mariana.
H. Como que você ia pra lá?
M. Eu ia de ônibus, eu saia da escola ia de ônibus ficava lá até as 5:00 da
tarde.
H. Quantos anos você tinha?
M. Eu tinha 14 anos.
H. E você tinha algum carteira de aprendiz porque pra trabalhar com 14
anos precisa ser alguma coisa assim de aprendiz, eu não sei como chama
M. É tinha, porque como a gente fazia esses cartões de Natal da Aldeia, a
gente separava os cartões e fazia os kits que eles vendiam e fazia os kits, mas
tinha sim sempre um responsável pra poder estar ensinando a gente a fazer
essas coisas.
H. E você ganhava pra fazer isso?
M. Ganhava, é tipo uma ajuda que eles davam.
H. Isso foi durante a 6ª, 7ª e 8ª série?
M. É.
H. E no colegial?
M. Eu sai depois fechou o escritório da Aldeia, não trabalhava mais com cartão
de Natal, ficou sendo escritório a gente mexendo com mala-direta, fiquei um
bom tempo ainda trabalhando com mala-direta, depois eu tive oportunidade de
trabalhar mesmo na creche da aldeia, mais 4 anos eu trabalhei dentro da
creche na aldeia eu ganhava também pra poder ficar,trabalhava meio período.
H. E me diz uma coisa Mariana. Como é que eles escolhem quem vai
trabalhar porque eles não tem serviço pra todas as jovens, como eles
escolhem?
M. Vai pelo interesse da pessoa, tem que demonstrar interessado ai eles
perguntam se você quer aprender a trabalhar com isso, se te interessa nada é
forçado você não é obrigado eles perguntam se você quer, eles falam você vai
ganhar tanto.
H. E a Tânia fez alguma coisa também?
M. A Tânia trabalhou na creche, ela trabalhou de quando a gente tava na
Aldeia ela trabalhou na creche e também foi pro conselho.
H. E me diz uma coisa, dentro da sua casa, com a sua mãe fosse ela quem
fosse é uma mãe que tem 8 ou 9 até 10 filhos as vezes. Vocês maiores
ajudavam na casa a cuidar dos menores, como é que era a vida dentro de
casa?
M. Ajudava, tanto que eu sai da Aldeia, eu já sabia a lavar, passar, cozinhar
porque tudo ela me ensinou, então a gente ajudava ela a olhar os meninos
menores, o Ângelo que era especial a gente ajudava.
H. O Ângelo é irmão do Alberto?
M. É o Ângelo é irmão do Alberto, então a gente tinha, toda criança tinha uma
atividade pra fazer, tinha suas obrigações a gente fazia as obrigações durante
o dia, e então tinha aquele incentivo hoje vou te ensinar a cozinhar, você vai
fazer isso varrer, você vai passar um pano.
H. E como eram as férias?
M. Nas férias de escola a gente viajava, a mãe podia levar as crianças pra casa
dos parentes dela, igual a gente ia todo ano pra Minas né e ficava na casa da
mãe dela
H. Era como uma avó?
M. É como uma avó
H. Até hoje?
M. Até hoje, hoje ela faleceu né faz 2 anos que ela faleceu mas a gente não
deixa de ter contato, eu vou sempre lá, estou sempre ligando e pra eles é uma
nova família que eu tenho, praticamente é minha família.
H. E vocês tinham umas férias em um sitio ou em uma colônia de férias?
M. É desde Dezembro, Janeiro tinha o Paiol Grande, tinha um passeio a gente
ficava 5 dias mas só podia ir as crianças que mereciam, a gente ficava durante
5 dias lá esse era o passeio que a Aldeia dava para as crianças
H. E você fez esse passeio?
M. Fiz muitas vezes, durante uns 4, 5 anos, sempre ia quando tinha.
H. O que você lembra como as melhores coisas do seu tempo? De criança
e de jovem?
M. Eu gostava quando tinha os passeios, a gente fazia muita excursão, tinha
passeio para o playcenter, tinha o Paiol Grande, então a gente ficava
esperando quando ia chegar aquelas atividades pra gente, então tinha muita
atividade a gente nunca ficou parado.
H. E quando você fala que agora esse momento você quer se dedicar ao
seu filho, você aprendeu com a sua mãe social?
M. É hoje eu aprendi que ela me deu o amor e o carinho que ela me deu, hoje
eu passo pro meu filho, eu jamais quero que meu filho cresça algum dia e fale
que ele não teve uma mãe como eu não tive, a minha mãe biológica me
abandonou, por ela ter me abandonado querendo ou não tenho essa dor,
porque querendo ou não é minha mãe então jamais eu quero dar isso pro meu
filho, então o que eu poder fazer por ele eu faço hoje.
H. Já que você falou quais são as melhores lembranças, qual seriam as
piores também? O que não funcionou bem, o que não agradou?
M. Eu acho que a minha pior lembrança da Aldeia foi quando a tia Eunice foi
embora, foi o jeito dela ter saído eles não explicaram direitinho pra gente como
e porquê que ela estava saindo, então foi como tirar a mamadeira de uma
criança. Foi uma perda pra gente, então eu tive aquela revolta depois que ela
saiu eu fiquei muito malcriada, foi quando mudou a direção da Aldeia, mudou o
dirigente tudo isso, então querendo ou não isso mexe muito com as crianças,
mexeu muito com a gente, então eu acho que a minha maior dor da Aldeia foi
essa.
H. Está bom acho que eu vou transcrever se tiver algum pedaço que
estiver confuso porque quando a gente fala a gente pensa que a idéia esta
pronta e não está, eu mando um e-mail perguntando pra você. Tudo bem?
M. Ah então ta bom
H. Muito Obrigada. Super obrigada.
Mapa de Associação de Idéias
Mãe Social Aldeia
Como cuidava
A primeira coisa
em que penso é
na minha mãe
social, a Eunice.
eu acho assim
tudo o que ela
pode fazer pela
gente ela fez
Como afetou
Hoje eu me
inspiro nela
porque ela me
deu muita força
pra hoje eu ter a
cabeça que
tenho,
então hoje eu
levo a minha vida
conforme ela
Então é eu me
vejo assim
responsável, sou
capaz de
enfrentar uma
vida sozinha fora
da Aldeia, onde,
Vida Fora da
Aldeia
Ações/Planos/Reflexões
então tudo que eu faço
hoje pelo meu filho é igual
ao que ela fez por mim.
eu não dependo mais da
Preconceito Como qualifica Como descreve
os
procedimentos
Rede criada a
partir da Aldeia
Relação com a
família biológica
Dirigente de
Aldeia
Você viveu com o
pai do seu filho?
Durante 4 anos
eu morei junto
com ele ai não
deu certo, ai a
gente se
separou. Hoje eu
moro com o meu
filho, mas ele dá
assistência para
o menino para o
Ivan,r né e aos
finais de semana
é um final de
semana meu e
um final de
semana dele, e
as vezes quando
dá ele vem e
pega o Ivan para
passar o final de
semana com ele.
Aldeia, se eu preciso de
um emprego eu corro
atrás e não fico
dependendo daquilo que
vai chegar ali eu vou até
ele e é isso ai, hoje eu crio
o meu filho
E você entrou na
Aldeia ...
Eu entrei na
estou bem com a
minha irmã e meu
irmão de Aldeia, o
Raul.
O Raul é irmão
de Aldeia e a
Tania é irmã de
sangue?
Isso.
aldeia eu tinha 7
anos e fiquei até
os meus 18 anos,
ai quando eu
completei meus
18 anos o pessoal
da Aldeia com a
minha poupança
me ajudou a
gente a comprar
uma casa, lugar
onde a gente está
se estabelecendo
ai nos compramos
esta casa, demos
a metade no
dinheiro e a
Aldeia cobriu o
resto e depois eu
fui pagando aos
poucos pra a
Aldeia.
E está poupança
foi feita como?
Foi através de
padrinhos, todas
as crianças
quando entram na
Aldeia elas tem os
padrinhos que são
de fora, da
Alemanha, da
Áustria por ai...
Então eles ajudam
né, ai toda vez
eles depositam
uma quantia pra
gente e vai
depositando só
que a gente só
pode mexer
quando completa
18 anos.
E você conhecia
seus padrinhos ou
não? Conhecia
todos por carta,
mas o que eu
tinha mais contato
era o C.
E você morou na
aldeia com a
Tania né? E como
é que vocês foram
levadas para a
Aldeia? O que
aconteceu?
Minha mãe não
teve condições de
criar a gente, ela
fugiu com outro
cara porque não
tinha condições
de cuidar da
gente, aí um
amigo do meu pai
que é o Sr.
Antonio ele levou
a gente para o
orfanato. Quando
fui para o orfanato
tinha 3 anos.
E você tinha 3
anos você foi para
um orfanato? E
neste orfanato
quem mais foi
com você?
Só a Tania, eu e a
Tania
E havia outros
irmãos?
É porque assim,
quando nós fomos
para o orfanato,
tinha uma idade
para entrar lá,
podia entrar lá
acho que até 5 ou
6 anos, e Beatriz
já tinha mais que
6 então ela não
podia entrar lá. Ai
o Sr. Antonio
arrumou uma
família para ela
ser adotada e a
Rosa foi trabalhar
em uma casa de
família ai a minha
mãe ficou com a
Isabel e o Aluisio.
E eu e a Tania
fomos para o
orfanato, ai este
orfanato quando
fechou, ele entrou
em contato com a
Aldeia ai nos
fomos morar na
Aldeia.
De quando você
entrou na Aldeia
até você sair da
Aldeia que
contato você teve
com as pessoas
da sua família?
Sempre tive
contato com as
minhas irmãs,
quando eu
morava no
orfanato, elas
sempre visitavam
a gente e quando
fomos para a
Aldeia elas
continuaram a
visitar a gente,
mais somente a
Rosa e a Beatriz,
a minha mãe e as
outras crianças a
gente não teve
contato, começou
E durante estes
anos de Aldeia
você ficou sempre
na casa da
Eunice? Quando
eu sai do orfanato
é ai eu fui morar
na casa B que foi
dentro da Aldeia
que tinha a mãe
social que era a
Eunice
Como foi essa
ida para lá?
A gente pensava
que ia passear de
carro. A tia Eunice
foi buscar a gente
lá. Na Aldeia é
tudo íntimo, tudo
família. As outras
crianças estavam
esperando pela
gente.
a ter contato
agora.
E seu pai?
Meu pai faleceu.
Seu pai faleceu
quando? Logo
depois que a
gente foi para a
Aldeia, em 92
Você entrou na
Aldeia em que
ano?
Em 90, ai ele
faleceu em 92.
E já tinha outras
crianças lá
quando você
chegou?
Já tinha outras
crianças lá, já
tinha mais 6
crianças, ai entrou
eu e a minha
irmã.
E estas crianças
eram mais velhas
ou mais novas
que vocês? Eram
mais velhas
assim... de
meses, onze
meses e alguns
de um ano, pouco
diferença o mais
velho acho que na
época tinha 13
anos.
e estas seis
crianças com que
você morou a
aldeia se eram
mais velhas
saíram um pouco
antes, você tem
contato com elas?
Tenho hoje é o
Raul que mora
comigo, tem o
Mauro que ele foi
estudar fora que
até foi o mesmo
padrinho que
adotou ele, hoje
ele mora na Itália
E ai a tia Eunice
saiu e entrou
outra pessoa?
sempre estamos
em contato até
mesmo ontem
falei com ele, tem
o Gil, que não o
vejo, nem o
Alberto, o Alberto
a gente não se
fala, eu não
converso com ele
e tem o Ângelo
que a Eunice
adotou ele,
quando ela foi
embora da aldeia
porque ele é
especial, ela
adotou ele e hoje
ele mora com ela
em Minas, mas eu
sempre tenho
contato ligo todos
os finais de
semana pra ela,
pra ele, e eles
está muito bem.
Hoje ele estuda na
APAE.
Depois que a tia
Eunice saiu da
Aldeia? Eu
continuei tendo
contato com ela
eu e a Tânia eu ia
dormir na casa
dela sempre que
quisesse, ia
sempre pra Minas,
sozinha, mas eu
sempre ia, e hoje
a família dela é a
minha família.
E você falou que
você passa Natal
lá?
Eu passo Natal e
férias sempre lá
E como é que foi
você com ela, o
que você guarda
dela?
Eu tive assim,
porque foi um
tempo muito
curto entre ela,
foi mudança
atrás de
mudança, então
mais assim a
gente se
respeitava, não
tinha brigas nem
nada, mas não
tinha aquele
amor de mãe
como eu tinha
com a Eunice.
Pra mim ela era
uma tia que eu
tinha respeito por
ela e ela por
mim.
Sim, depois que
ela saiu entrou
mais 3 mães
social, foi a Ana,
a Sonia e a
Camila.
A Camila foi a
última que saiu?
:Foi à última que
saiu.
E durante esses
anos você morou
10 anos na aldeia,
mais até né?
Morei 12 anos
Você estudava
fora?
Eu estudei no
Casai até a 4ª
Série depois do
com ela.
e a gente
aprendeu a viver
né. Olha assim
eu sou muito
agradecida pela
Aldeia hoje, mais
na nossa época
era melhor, hoje
a Aldeia caiu
muito.
Você acha?
Hoje não é mais
mesma coisa,
antigamente a
educação das
crianças na
Aldeia era mais
rígida e as
Casai eu estudei
na escola dentro
da Aldeia na
Labor e depois eu
fiz o meu 3º ano
no Santos Dias e
hoje eu guardo o
que? Tive meus
estudos lá,
aprendi a
trabalhar,
trabalhei dentro
dos escritórios
das Aldeias
Infantis, no
Conselho das
crianças que
faziam as
atividades, fui pra
lá também
crianças eram
muito mais
educadas, elas
tinham mais
atividades elas
não viviam do
jeito que vive
hoje, hoje elas
vivem largadas,
as crianças sai
pra rua não dá
satisfação nem
nada, eu acho
isso. O modo que
as crianças hoje
são criadas na
Aldeia caiu
muito, muito,
muito, muito não
tem nem
comparação de
quando a gente
morava lá.
Você tem alguma
idéia por que isso
aconteceu? Eu
acho que seja a
direção né o
pessoal que está
dirigindo a Aldeia
a equipe caiu
bastante, não sei
hoje eu não vou
mais lá como eu
ia antes
depois que eu sai
da Aldeia a coisa
mais difícil é eu ir,
mas
sempre que tem
encontro de
jovens ex-
aldeanos a gente
procura ir.
Estes encontros
são quando? È
como?
A gente procura
se encontrar
sempre uma vez
por ano ai junta
todos os ex-
aldeanos e a
gente comenta
como está a
nossa vida, um
fala do outro, fala
o que fez o que
não fez, as
novidades, quem
casou, quem não
casou, dos filhos e
esse é o nosso
encontro.
E você tem outros
amigos ou
pessoas próximas
que são da
Aldeia? Tenho...
Sempre tem um
ou outro da aldeia
que vem aqui em
casa, que a gente
sempre recebe, a
gente está sempre
unido o pessoal
da nossa época
está sempre
juntos, sempre
que dá a gente se
encontra.
E durante o
tempo que você
esteve na Aldeia,
além da Eunice
que foi uma
pessoa muito
importante, pra
você tem mais
alguém que foi
importante?
Padrinho, diretor,
dirigente?
O Dirigente da
Aldeia Luis
Marcos ele pra
mim foi muito
importante ele
fez o papel de
pai mesmo.
O que é um
papel de pai
mesmo pra você,
na tua história o
que você acha
que foi bom que
você chama de
um papel de pai?
Foi a atenção
que ele deu, ele
tava sempre
junto, se você
precisava ele
tava sempre ali,
ele nunca deixou
você na mão, se
você as vezes
tinha que sair e
você não tinha
aquele tempo de
poder tá ali
fazendo aquilo,
ele falava nós
vamos juntos e
tava sempre
junto, então eu
acho que ele fez
um papel muito
legal e hoje as
crianças da
Aldeia não tem
isso
E, na hora que
você saiu da
Aldeia como você
se sentiu? Você
achou bom,
achou fácil ou
difícil?
Eu achei bom
porque eu vim
para morar com
as minhas irmãs,
eu não sai direto
já para ir morar
sozinha
então a gente se
deu super bem e
eu não tive tanta
dificuldades pra
pode ir
encarando,
a Tânia já tinha
feito um ano que
tinha saído da
Aldeia e eu vim
morar junto com
ela e a Rosa que
é a minha irmã
mais velha
A Rosa também
morou com
vocês?
Nesta casa.
E hoje?
Hoje ela é casada
e tem dois filhos,
hoje ela mora ali
em outro bairro
mas ela morou
um bom tempo
com a gente, uns
6 anos.
Então você diz
que não foi tão
difícil porque você
já veio morar com
a sua irmã?
É eu já vim morar
com a minha irmã
e eu já tinha a
minha cabeça,
sabia o que
queria e eu
tinha a minha
atitude, essa
mudança de
mãe, pai você
vai criando a
sua liberdade, e
com essa
mudança de
mãe social isso
aquilo, então
cada um tinha o
seu jeito
E foi logo que
você saiu que
morou junto com
o pai do Ivan?
Não, depois eu
namorei com ele
durante uns 2
anos e ½ ai
quando eu
engravidei eu
casei ai nos
fomos casados 4
anos , eu separei
já faz 1 ano que
me separei.
eu já estava com
aquele jeito que
fui criada então
eu segui a minha
vida e euo
tive tanta
dificuldade de
encarar.
Na sua vida hoje,
você tem a sua
irmã você tem o
irmão de Aldeia
que mora aqui;
você tem contato
com a sua irmã
casada, você tem
contato com os
outros aldeanos
então você tem
outras pessoas a
sua volta. Agora,
quando você
está sozinha no
mundo como
você sente que é
a experiência de
ter sido criada na
Aldeia aos olhos
dos outros?
Acho que existe
muito
preconceito
ainda, porque
eles olham pra
você, quando
você vai fazer
alguma
entrevista,
alguma coisa, ou
está em uma
palestra as
pessoas
perguntam com
quem você mora,
a eu moro
sozinha, e dizem
– ah, e seus pais;
eu não tenho pai.
Você não tem
pai? Não eu não
tenho pai eu
moro sozinha. E
cadê seus pais?
Eu morei no
orfanato. Quando
mas não somos
como uns
coitados,
vivemos até
melhor do que
eles que tem pai
e mãe e não tem
as vezes atitude
ou a cabeça que
a gente tem
você fala que
morava em um
orfanato, ou
outra instituição
eles acham que
você é igual a
muitas crianças,
é um bandido,
marginal, essas
coisas. Eles
olham hoje
assim.
Você nota isso
muitas vezes?
É a maioria das
vezes né, eles
perguntam, então
quando você fala
que não tem pai
e morava em um
orfanato a gente
somos uns
coitados,
não são todos,
não falo por todos
porque hoje muito
meninos da Aldeia
não aproveitaram
a oportunidade
que tiveram.
Ele está na
creche? É, ele
fica na creche
Como ele vai? Eu
pago perua pra
ele, vai pra
creche ás 7:00hs
e volta ás 5:00 da
tarde a perua
E você fez até o 3º
colegial, qual são seus
planos, atualmente o que
você gostaria daqui pra
frente? Tenho vontade de
fazer uma faculdade ainda
só que hoje, hoje estou
me dedicando ao meu
filho, ele tem 3 anos hoje
ele precisa muito de mim
então eu hoje trabalho
para o meu filho, o que eu
puder fazer por ele hoje eu
faço, mais pra frente
quando ele estiver
maiorzinho ainda pretendo
fazer uma faculdade
trabalhar bastante pra
poder pagar um estudo
bom pra ele
Você considera
a Aldeia uma
oportunidade?
Eu considero
uma
oportunidade.
Eu não tenho
nada a reclamar
da Aldeia, nada
hoje eu sou essa
pessoa por ela,
pela Aldeia né,
tenho só a
agradecer, não
tenho nada a
reclamar.
leva e traz ele.
Onde que é a
creche? :
No jardim
Primavera
É perto? :
É uns 15
minutinhos
andando
E quando você
pensa em fazer
faculdade você
tem alguma coisa
que acha que
gostaria de
fazer?
É eu quando era
mais nova
gostaria de fazer
enfermagem, só
que eu tenho
aquele medo de
morto, então não
levo muito jeito,
então eu desisti,
mas eu tenho
vontade de fazer
pedagogia
porque eu gosto
muito de criança
já trabalhei
durante 4 anos
na creche da
Aldeia, sempre
que dá eu olho
uma criança
quando a mãe, a
minha prima
precisa sair eu
olho sempre o
filho dela e é uma
coisa que eu
gosto então
sempre que no
dia que eu puder
eu quero fazer.
E você passou
todo esse tempo
na Aldeia sem
nenhum contato
com a sua mãe
biológica?
É esse tempo
todo eu nunca tive
contato com ela
depois que a
minha irmã
faleceu que a
gente voltou a se
encontrar.
Como é que
vocês souberam
que a sua irmã
faleceu?
Pelo Sr. Antonio
que é amigo da
família que a
gente considera
nosso tio porque
praticamente ele
né que ajudou a
criar a gente, tá
sempre ali quando
a gente precisa
ele ta ali, hoje a
gente vai sempre
a casa dele.
E ele não é
parente, ele é um
amigo?
Ele não é parente,
ele é um amigo do
meu pai,
ele trabalhou
muito tempo na
casa da dona R.
uma alemã e ela
ajudava a Aldeia
também, então ela
que indicou a
gente,
e a dona. R que
comprava os
remédios estas
coisas...
ai por ele que a
gente soube que
a minha irmã
morreu porque ele
sempre tinha
contato com ela
Então eles
estavam sempre
em contato e tudo
o que acontecia
ele passava pra
gente, então
quando ela
faleceu, ele veio e
deu o recado.
E há quanto
tempo ela
faleceu?
Faz 4 meses,
E ela foi quem
você falou que era
doente desde
criança?
É ela tinha
epilepsia, não
escutava direito,
já fazia três anos
que estava na
cama, então
quando Deus faz
as coisas não
podemos
contestar.
Ai depois da
morte dela vocês
voltaram a ver sua
mãe? É porque
nós fomos ao
velório e ela
estava lá, como
ela tava chorando
muito naquela
noite, querendo
ou não ela vivia
para Isabel, então
tudo na vida dela
era Isabel, ela não
podia dar um
passo se ela não
levasse a menina.
Então ela sofreu
muito com isso,
então a gente não
podia ajudar ela
financeiramente,
então a única
condição que a
gente poderia
ajudar ela foi,
entrar em contato,
estar sempre ali
junto; querendo
ou não é nossa
mãe. Então hoje a
gente tem
contato, uma vez
por mês a gente
vai visitar ela, leva
as crianças né,
que são netos
dela meus filhos e
da Rosa , a gente
esta sempre
entrando em
contato.
E foi no
falecimento da
sua irmã que você
soube do Ângelo?
É, eu sabia que
tinha o Ângelo
como irmão, só
não sabia que ele
estava preso. Ai
depois a gente
encontramos
nossa mãe ela
E como é que
você acha que as
outras crianças
que estiveram
com você na
aldeia, em outros
anos a atrás,
como é que você
acha que estão
caminhando?
Muitos deles se
deram bem, hoje
tem uns que estão
casados, tem seus
filhos vivem bem,
estuda, mas
outros não
aproveitaram
aquela
oportunidade que
a Aldeia deu pra
eles, hoje não tem
uma casa, não
tem nada não pela
deu o endereço e
a gente se
comunica por
carta, hoje ele
conhece mais a
gente, ele não
sabia da nossa
história e também
a gente não sabia
da dele. Hoje a
gente já tá mais
sabendo um da
vida do outro.
Aldeia, mas sim
pela ignorância
deles, mas muitos
hoje vivem muito
bem.
Mariana, quando
você fala alguns
estão bem e que
outros não tem
casa não tem
nada, tem
dificuldades, teve
gente que já
morreu,teve gente
que já foi presa,
você saberia dizer
se faz diferença
na tua experiência
na Aldeia, se faz
diferença ter ido
pra lá sabendo
que você tinha
irmã ou uma
criança que não
tem noção de
quem ela era, foi
sozinha não tem
irmão nenhum.
Você acha que
isso faz a
diferença?
Não. Não faz
diferença, o Raul
foi pra aldeia
sozinho, ele não
conhecia nem a
mãe dele quando
ele foi pra Aldeia,
então hoje ele tem
uma cabeça muito
boa, ele trabalha,
tem
responsabilidade,
tem uma filha e
ele esta sempre
ali. Então acho
que isso por você
ser sozinho, eu
Eu já ouvi essa
expressão. Que
tempo que era
esse?
Tempo assim por
exemplo. Depois
que eles saiam da
Aldeia, a Aldeia
um pouco elas
erraram de estar
ali sempre em
cima, não deixou
ele caminhar
sozinho pra
poder aprender.
Isso foi antes de
acho que isso não
tem nada a ver,
vai da cabeça da
pessoa e ela tem
que ter aquela
responsabilidade
né, então muitos
aldeanos acham
que por que você
viveu na Aldeia, a
Aldeia tem a
obrigação de
ajudar ele até
eternamente, mas
não é
eternamente.
Então teve um
tempo que a
Aldeia passava
muito a mão na
cabeça das
crianças.
eu fui vendo a vida
daquele povo que saia da
Aldeia mas eles estavam
sempre ali, sempre ali, eu
coloquei na minha cabeça
que quando eu saísse da
Aldeia eu queria viver
você ou depois de
você?
Antes de eu sair
da aldeia.
Os mais velhos?
Os mais velhos
já tava nessa
fase de passar
muito a mão na
cabeça, então
eles não
souberam seguir
o mundo ali
sozinho, a
Aldeia sempre
ali, a Aldeia tem
que ajudar, a
Aldeia vai fazer
isso por mim.
Qual foi a
diferença, pra
eles a Aldeia
passou muito a
mão na cabeça,
como é que a
Aldeia foi
ensinando pra
você, você vai
crescer você vai
sair dessa casa?
Então eles me
ensinaram sim, é
porque na
verdade não foi
bem eles que me
ensinaram,
Você acha que
sua mãe social
ajudou mais, que
outras mães
ajudavam
menos? Você
acha que faz
muita diferença
que mãe você
tem? Que mãe
social?
É porque nem
todas são iguais,
cada um tem sua
maneira de criar,
por mais que
seja ali a Aldeia
tudo igual com
crianças que vem
de família pobre
ou rica às vezes
não importa, eu
acho que cada
um tem uma
maneira diferente
de criar ninguém
é igual a
ninguém, mas eu
acho que a
educação que a
tia Eunice me
deu foi muito boa
pra mim hoje,
não tenho nada
que reclamar. :
minha vida, porque eu já
vivi 12 anos aqui, porque
que eu ia ter que sair da
Aldeia, eu tinha que ter
uma atitude e não viver
igual a eles, eu quis ser
diferente, entanto...
E essa atitude você que
desenvolveu,a Aldeia
ajudou a você
desenvolver? : Não, não
foi bem a Aldeia que
ajudou a desenvolver. Eu
tinha que tomar alguma
atitude, eu já tinha essa
cabeça.
Mas você acha
que tem
diferença uma
casa e outra?
Tem diferença
entre uma casa e
outra, porque
não é igual.
Quando você
fazia a escola
Labor que era
correspondente à
6ª, 7ª e 8ª série,
você tinha outra
atividade
obrigatória ou
não?
Não era bem
obrigatória,
quando eu
estudava na
Labor, depois que
saia do colégio eu
ia trabalhar no
Conselho. Eu
trabalhei muito
tempo no
Conselho.
O que era o
Conselho?
Era o escritório
das Aldeias
Infantis.
Lá na Vila
Mariana?
Lá na Vila
Mariana.
Como que você ia
pra lá?
Eu ia de ônibus,
eu saia da escola
ia de ônibus
ficava lá até as
5:00 da tarde.
Quantos anos
você tinha?
Eu tinha 14 anos.
E você tinha
algum carteira de
aprendiz
porquepra
trabalhar com 14
anos precisa ser
alguma coisa
assim de
aprendiz, eu não
sei como chama
... É tinha, porque
como a gente
fazia esses
cartões de Natal
da Aldeia, a gente
separava os
cartões e fazia os
kits que eles
vendiam e fazia
os kits, mas tinha
sim sempre um
responsável pra
poder estar
ensinando a
gente a fazer
essas coisas.
E você ganhava
pra fazer isso?
Ganhava, é tipo
uma ajuda que
eles davam.
Isso foi durante a
6ª, 7ª e 8ª série?
É.
E no colegial? Eu
sai depois fechou
o escritório da
Aldeia, não
trabalhava mais
com cartão de
Natal, ficou sendo
escritório a gente
mexendo com
mala-direta, fiquei
um bom tempo
ainda trabalhando
com mala-direta,
depois eu tive
oportunidade de
trabalhar mesmo
na creche da
aldeia, mais 4
anos eu trabalhei
dentro da creche
na aldeia eu
ganhava também
pra poder
ficar,trabalhava
meio período.
E me diz uma
coisa Mariana.
Como é que eles
escolhem quem
vai trabalhar
porque eles não
tem serviço pra
todas as jovens,
como eles
escolhem?
Vai pelo interesse
da pessoa, tem
que demonstrar
interessado ai
eles perguntam
se você quer
aprender a
trabalhar com
isso, se te
interessa nada é
forçado você não
é obrigado eles
perguntam se
você quer, eles
falam você vai
ganhar tanto.
E a Tânia fez
alguma coisa
E me diz uma
coisa, dentro da
sua casa, com a
sua mãe fosse
ela quem fosse é
uma mãe que
tem 8 ou 9 até
10 filhos as
vezes. Vocês
maiores
ajudavam na
casa a cuidar
dos menores,
como é que era
a vida dentro de
casa? Ajudava,
tanto que eu sai
também?
A Tânia trabalhou
na creche, ela
trabalhou de
quando a gente
tava na Aldeia ela
trabalhou na
creche e também
foi pro conselho.
da Aldeia, eu já
sabia a lavar,
passar, cozinhar
porque tudo ela
me ensinou,
então a gente
ajudava ela a
olhar os meninos
menores, o
Ângelo que era
especial a gente
ajudava.
O Ângelo é
irmão do
Alberto?
É o Ângelo é
irmão do Alberto,
então a gente
tinha, toda
criança tinha
uma atividade
pra fazer, tinha
suas obrigações
a gente fazia as
obrigações
durante o dia, e
então tinha
aquele incentivo
hoje vou te
ensinar a
cozinhar, você
vai fazer isso
varrer, você vai
passar um pano.
E como eram as
férias?
Nas férias de
escola a gente
viajava, a mãe
podia levar as
crianças pra
casa dos
parentes dela,
igual a gente ia
todo ano pra
Minas né
e ficava na casa
da mãe dela.
E vocês tinham
umas férias em
um sitio ou em
uma colônia de
férias?
É desde
Dezembro,
Janeiro tinha o
Paiol Grande,
tinha um passeio
a gente ficava 5
dias mas só
podia ir as
crianças que
mereciam, a
gente ficava
durante 5 dias lá
esse era o
passeio que a
Aldeia dava para
as crianças
E você fez esse
Era como uma
avó?
É como uma avó
Até hoje?
Até hoje, hoje ela
faleceu né faz 2
anos que ela
faleceu mas a
gente não deixa
de ter contato, eu
vou sempre lá,
estou sempre
ligando e pra eles
é uma nova
família que eu
tenho,
praticamente é
minha família.
passeio?
Fiz muitas
vezes, durante
uns 4, 5 anos,
sempre ia
quando tinha.
O que você
lembra como as
melhores coisas
do seu tempo?
De criança e de
jovem?
Eu gostava
quando tinha os
passeios, a
gente fazia muita
excursão, tinha
passeio para o
playcenter, tinha
o Paiol Grande,
então a gente
ficava esperando
quando ia
chegar aquelas
atividades pra
gente, então
tinha muita
atividade a gente
nunca ficou
parado.
E quando você
fala que agora
esse momento
você quer se
dedicar ao seu
filho, você
aprendeu com a
sua mãe social?
É hoje eu aprendi
que ela me deu o
amor e o carinho
que ela me deu,
hoje eu passo
pro meu filho, eu
jamais quero que
meu filho cresça
algum dia e fale
que ele não teve
uma mãe como
eu não tive, a
minha mãe
biológica me
abandonou, por
ela ter me
abandonado
querendo ou não
tenho essa dor,
porque querendo
ou não é minha
mãe então
jamais eu quero
dar isso pro meu
filho, então o que
eu poder fazer
por ele eu faço
hoje.
Já que você falou
quais são as
melhores
lembranças, qual
seriam as piores
também? O que
não funcionou
bem, o que não
agradou?
Eu acho que a
minha pior
lembrança da
Aldeia foi
quando a tia
Eunice foi
embora, foi o
jeito dela ter
saído eles não
explicaram
direitinho pra
gente como e
porquê que ela
estava saindo,
então foi como
tirar a
mamadeira de
uma criança. Foi
uma perda pra
gente, então eu
tive aquela
revolta depois
que ela saiu eu
fiquei muito
malcriada, foi
quando mudou a
direção da
Aldeia, mudou o
dirigente tudo
isso, então
querendo ou não
isso mexe muito
com as crianças,
mexeu muito
com a gente,
então eu acho
que a minha
maior dor da
Aldeia foi essa.
1
1
LINHA NARRATIVA DA ALDEIA
Como qualifica
A gente aprendeu a viver
Eu sou muito agradecida pela
Aldeia
Na nossa época era melhor, hoje a
Aldeia caiu muito.
Antigamente a educação das
crianças na Aldeia era mais rígida
As crianças eram muito mais
educadas,
Elas tinham mais atividades
Hoje elas vivem largadas,
Saem pra rua, não dão satisfação
O modo como as crianças hoje são
criadas caiu muito, muito, muito
Não tem nem comparação de
quando a gente morava lá.
Eu acho que é a direção
A equipe que está dirigindo a Aldeia
caiu bastante,
Eu considero a Aldeia uma
oportunidade.
Eu não tenho nada a reclamar da
Aldeia
Hoje eu sou essa pessoa pela
Aldeia
Teve um tempo que a Aldeia
passava muito a mão na cabeça
das crianças.
A Aldeia errou de estar ali sempre
em cima
Não deixou eles caminharem
sozinhos pra poder aprender.
Os mais velhos passaram essa
fase de passar muito a mão na
cabeça
Eles não souberam seguir para o
mundo sozinhos
Como descreve os
procedimentos
Nas férias de escola a gente
viajava
A mãe podia levar as crianças pra
casa dos parentes dela,
Entrei na aldeia com 7 anos e
fiquei até os meus 18 anos
Quando as crianças entram na
Aldeia tem padrinhos que são de
fora
Eles depositam uma quantia pra
gente
A gente só pode mexer quando
completa 18 anos.
A Aldeia cobriu metade da casa
Quando eu sai do orfanato eu fui
morar na casa B
Dentro da Aldeia que tinha a mãe
social
A gente pensava que ia passear
de carro.
A mãe social foi buscar a gente lá.
Na Aldeia é tudo íntimo, tudo
família.
As outras crianças estavam
esperando pela gente.
Já tinha outras crianças lá, já tinha
mais 6 crianças
Eram mais velhas, onze meses e
alguns de um ano
O mais velho acho que na época
tinha 13 anos.
E ai a tia Eunice saiu e entrou
mais 3 mães sociais
Morei 12 anos
Tive meus estudos lá, aprendi a
trabalhar
Rede criada a partir da Aldeia
A poupança foi feita através de
padrinhos
Conhecia todos os padrinhos por
carta
Tenho contato com os irmãos de
casa
O Raul mora comigo
O Mauro foi estudar fora, hoje ele
mora na Itália
Foi o mesmo padrinho que adotou
ele
Sempre estamos em contato até
mesmo ontem falei com ele
O Ângelo a Eunice adotou,
quando foi embora da aldeia
Ele é especial, hoje ele mora com
ela em Minas
Eu ligo todos os finais de semana
pra ela e pra ele
Eu continuei tendo contato com a
tia Eunice
Eu ia dormir na casa dela sempre
que quisesse
Ia sempre pra Minas, sozinha
Hoje a família dela é a minha
família
Eu passo Natal e férias sempre lá
com ela
Sempre que tem encontro de
jovens ex- aldeanos a gente
procura ir.
A gente procura se encontrar
sempre uma vez por ano
A gente comenta como está a
nossa vida
Cada fala o que fez o que não fez,
as novidades
Relação com a família
biológica
A minha mãe biológica me
abandonou
Querendo ou não tenho essa
dor,
Minha mãe não teve condições
de criar a gente
Ela fugiu com outro cara porque
não tinha condições de cuidar
da gente
Um amigo do meu pai, levou a
gente para o orfanato.
Quando fui para o orfanato tinha
3 anos. Eu e a Tânia
No orfanato, só podia entrar até
5 ou 6 anos
A Beatriz já tinha mais de 6
anos, não podia entrar lá.
O Sr. Antonio arrumou uma
família para ela ser adotada
A Rosa foi trabalhar em uma
casa de família
A minha mãe ficou com a Isabel
e o Aluisio.
Este orfanato quando fechou
Sempre tive contato com as
minhas irmãs
Quando eu morava no orfanato,
elas sempre visitavam a gente
Quando fomos para a Aldeia
elas continuaram a visitar
A Rosa e a Beatriz
Meu pai faleceu. , em 92
Esse tempo todo eu nunca tive
contato com minha mãe
Depois que a minha irmã
faleceu que a gente voltou a se
Dirigente de Aldeia
Hoje as crianças da Aldeia não têm
mais um dirigente que faz papel de
pai
O Dirigente da Aldeia foi muito
importante pra mim
Ele fez o papel de pai mesmo.
Deu atenção
Ele estava sempre junto
Ele nunca deixou você na mão
Eu acho que ele fez um papel muito
legal.
2
2
Minha pior lembrança da Aldeia foi
quando a minha mãe foi embora
Eles não explicaram direitinho pra
gente como e porquê
Foi como tirar a mamadeira de uma
criança.
Foi uma perda pra gente
Eu tive aquela revolta depois que
ela saiu
Eu fiquei muito malcriada,
Mudou a direção da Aldeia, mudou
o dirigente
Isso mexe muito com as crianças,
Eu acho que a minha maior dor da
Aldeia foi essa
Trabalhei dentro dos escritórios
das Aldeias Infantis,
Esse trabalho não era obrigatório
Eu ia de ônibus, eu saia da escola
e ficava lá até as 5:00 da tarde.
Tinha uma carteira de aprendiz
A gente fazia cartões de Natal da
Aldeia, fazia os kits que eles
vendiam
Tinha um responsável pra ensinar
a gente a fazer essas coisas.
Ganhava uma ajuda que eles
davam
Trabalhei com mala-direta
Depois trabalhei na creche da
aldeia
Eu ganhava pra trabalhar meio
período.
Eles escolhem pelo interesse da
pessoa
Nada é forçado
Em Dezembro ou Janeiro tinha o
Paiol Grande
Só podiam ir as crianças que
mereciam
Fiz muitas vezes, durante uns 4, 5
anos.
A gente fazia muita excursão
Tinha muita atividade a gente
nunca ficou parado.
Quem casou, quem não casou, os
filhos e esse é o nosso encontro
Tenho outros amigos da aldeia
que vem aqui em casa,
A gente está sempre unido, o
pessoal da nossa época está
sempre juntos
Sempre que dá a gente se
encontra.
R. uma alemã que ajudava a
Aldeia então ela que indicou a
gente
Eu Ia para Minas, ficava na casa
da mãe da minha mãe social
Era como uma avó
Ela faleceu faz 2 anos, mas a
gente não deixa de ter contato
Estou sempre ligando pra eles
É uma nova família que eu tenho
Praticamente é minha família
Aldeanos
Muito meninos da Aldeia não
aproveitaram a oportunidade que
tiveram
Muitos deles se deram bem
Hoje tem uns que estão casados,
tem seus filhos vivem bem,
estudam
Outros não aproveitaram aquela
oportunidade e hoje não tem uma
casa, não tem nada
Não pela Aldeia, mas sim pela
ignorância deles
Não faz diferença saber da família
ou ter irmãos.
O Raul foi pra aldeia sozinho, ele
não conhecia nem a mãe quando
foi pra lá
Hoje ele tem uma cabeça muito
boa, trabalha, tem
encontrar.
O Sr. Antonio a gente considera
nosso tio
Praticamente ele ajudou a criar
a gente,
Hoje a gente vai sempre na
casa dele.
Por ele que a gente soube que a
minha irmã morreu
Quando ela faleceu, ele deu o
recado
Faz 4 meses
Ela tinha epilepsia, não
escutava direito, já fazia três
anos que estava na cama,
Nós fomos ao velório e minha
mãe estava lá
Ela estava chorando muito
Ela vivia para Isabel
Ela não dava um passo sem
levar a menina
Ela sofreu muito
A gente não podia ajudar ela
financeiramente,
A ajuda foi estar sempre junto
Querendo ou não é nossa mãe.
Hoje a gente tem contato
Uma vez por mês a gente vai
visitar ela
Leva as crianças que são netos
dela, meus filhos e da Rosa
Eu sabia que tinha o Aluisio
como irmão
Não sabia que ele estava preso.
Nossa mãe deu o endereço
A gente se comunica por carta
Hoje ele conhece mais a gente
Ele não sabia da nossa história
A gente não sabia da dele.
A Rosa é casada e tem dois
filhos
3
3
responsabilidade
Tem uma filha e ele esta sempre
ali.
Vai da cabeça da pessoa
Ela tem que ter aquela
responsabilidade
Tem muitos aldeanos que acham
que por que você viveu na Aldeia
A Aldeia tem a obrigação de
ajudar eternamente.
Ela mora ali em outro bairro
Ela morou um bom tempo com a
gente, uns 6 anos
4
4
Mãe Social
Como cuidava
Ela deu muita força.
Tudo o que ela pode fazer pela
gente ela fez
Ensinou a lavar, passar, cozinhar
A gente ajudava ela a olhar os
meninos menores
Toda criança tinha uma atividade
pra fazer
Tinha aquele incentivo
A gente ia todo ano pra Minas
Outras mães, a gente se respeitava
Mas não tinha aquele amor de mãe
Como afetou
Me inspiro nela por eu ter a
cabeça que tenho
Levo a minha vida conforme ela
Me vejo responsável,
Sou capaz de enfrentar uma vida
sozinha fora da Aldeia
Eu aprendi que ela me deu o amor
e carinho
Eu jamais quero que meu filho
cresça e fale que não teve uma
mãe como eu não tive
Nem todas mães sociais são
iguais, cada um tem sua maneira
de criar
A educação que a tia Eunice me
deu foi muito boa
Não tenho nada que reclamar
Vida Fora da Aldeia
Completei 18 anos
A Aldeia ajudou a comprar uma
casa com a minha poupança
Estou bem com a minha irmã e
meu irmão de Aldeia, o Raul
Durante 4 anos eu morei junto
com o pai do meu filho,
Não deu certo, ai a gente se
separou.
Hoje eu moro com o meu filho
Ele dá assistência para o menino
para o Ivan
Um final de semana é meu e um
final de semana dele
Eu achei bom a saída da Aldeia
Eu vim para morar com as minhas
irmãs
Eu não sai direto já para ir morar
sozinha
A Tânia já tinha feito um ano que
tinha saído da Aldeia
Eu vim morar com ela e a Rosa, a
Ações
Depois eu fui pagando a casa,
aos poucos, pra a Aldeia
Eu faço tudo hoje pelo meu filho
Eu pago perua pra ele ir à
creche
Eu não dependo mais da Aldeia
Se eu preciso de um emprego
eu corro atrás
Não fico dependendo daquilo
que vai chegar
Hoje eu crio o meu filho
Hoje estou me dedicando ao
meu filho
Hoje trabalho para o meu filho
Quando ele estiver maiorzinho
pretendo fazer uma faculdade
Trabalhar bastante pra poder
pagar um estudo bom pra ele
Eu coloquei na minha cabeça
que eu queria viver minha vida
Eu já vivi 12 anos aqui, eu ia ter
que sair da Aldeia
Preconceito
Acho que existe muito preconceito
Você vai fazer alguma entrevista
As pessoas perguntam com quem
você mora
Eu moro sozinha
Eles dizem – ah, e seus pais; eu
não tenho pai.
Eu não tenho pai, eu moro sozinha.
Eu morei no orfanato.
Eles acham que você é bandido,
marginal,
Eles olham hoje assim.
Você não tem pai e morava em um
orfanato
A gente somos uns coitados,
5
5
minha irmã mais velha
A gente se deu super bem
Eu não tive tanta dificuldades pra
pode ir encarando.
Eu namorei com ele durante uns 2
anos e ½
Quando eu engravidei eu casei
Nós fomos casados 4 anos
Eu separei já faz 1 ano
Não somos uns coitados
Vivemos até melhor do que eles
(que tem preconceito)
Eles tem pai e mãe
Não tem a atitude ou a cabeça
que a gente tem,
O Ivan fica na creche das 7 ás 5
da tarde
, A creche é no jardim Primavera
Quando era mais nova gostaria de
fazer enfermagem
Eu tenho medo de morto, então
não levo muito jeito
Eu desisti, mas eu tenho vontade
de fazer pedagogia
Eu gosto muito de criança
Já trabalhei durante 4 anos na
creche da Aldeia
Eu tinha que tomar uma atitude,
eu já tinha essa cabeça.
6
6
Eu olho uma criança quando a
mãe precisa sair
Eu já estava com aquele jeito que
fui criada
Eu segui a minha vida
Eu não tive tanta dificuldade de
encarar.
Intervenções para confirmação, detalhamento ou
esclarecimento
Intervenções para obter explicação sobre
qualificações
Intervenções para ampliação de descrição
anterior, iniciais
H: Quando você pensa em você, no que você pensa?
H: O Raul é irmão de Aldeia e a Tânia é irmã de
sangue?
H: você viveu com o pai do seu filho?
H: E você entrou na Aldeia ...
H: E está poupança foi feita como?
H: E você conhecia seus padrinhos ou não?
H: E você tinha 3 anos você foi para um orfanato?
E neste orfanato quem mais foi com você?
H: E havia outros irmãos?
H: E seu pai?
H: Seu pai faleceu quando?
H: Você entrou na Aldeia em que ano?
H: E durante estes anos de Aldeia você ficou sempre
na casa da Eunice?
H: Como foi essa ida para lá?
H: E já tinha outras crianças lá quando você chegou?
H: E estas crianças eram mais velhas ou mais novas
que vocês?
H: Estas seis crianças com que você morou a aldeia
eram mais velhas
H: Você considera a Aldeia uma oportunidade?
H: Eu já ouvi essa expressão. Que tempo que era
esse?
H: Isso foi antes de você ou depois de você?
H: Os mais velhos?
H: E essa atitude você que desenvolveu,a Aldeia
ajudou a você desenvolver?
H: Mas você acha que tem diferença uma casa e
outra?
H: O que era o Conselho?
H: E você morou na aldeia com a Tania né? E
como é que vocês foram levadas para a Aldeia?
O que aconteceu?
H: De quando você entrou na Aldeia até você sair
da Aldeia que contato você teve com as pessoas
da sua família?
H: Você tem alguma idéia por que isso aconteceu?
H: E durante o tempo que você esteve na Aldeia,
além da Eunice que foi uma pessoa muito
importante, pra você tem mais alguém que foi
importante? Padrinho, diretor, dirigente?
H: E, na hora que você saiu da Aldeia como você
se sentiu? Você achou bom, achou difícil?
H: E quando você pensa em fazer faculdade você
tem alguma coisa que acha que gostaria de fazer?
H: E você passou todo esse tempo na Aldeia sem
nenhum contato com a sua mãe biológica?
H: Qual foi a diferença, pra eles a Aldeia passou
muito a mão na cabeça, como é que a Aldeia foi
ensinando pra você, você vai crescer você vai sair
dessa casa?
e saíram antes, você tem contato com elas?
H: Depois que a tia Eunice saiu da Aldeia?
H: E você falou que você passa Natal lá?
H: E ai a tia Eunice saiu e entrou outra pessoa?
H: A Camila foi a última que saiu?
H: E como é que foi você com ela, o que você guarda
dela?
H: E durante esses anos você morou 10 anos na
aldeia?
H: Você estudava fora?
H: Você acha?
H: Estes encontros são quando? È como?
H: E você tem outros amigos ou pessoas próximas
que são da Aldeia?
H: O que é um papel de pai mesmo pra você, na tua
história,
o que você acha que foi bom que você chama de um
papel de pai?
H: A Rosa também morou com vocês?
H: E hoje?
H: Então não foi tão difícil porque você já veio morar
com a sua irmã?
H: E foi logo que você saiu que morou junto com o pai
do Ivan?
H: ele está na creche?
H: Como ele vai?
H: Você acha que sua mãe social ajudou mais,
que outras mães ajudavam menos? Você acha
que faz muita diferença que mãe você tem? Que
mãe social?
H: Quando você fazia a escola Labor que era
correspondente à 6ª, 7ª e 8ª série, você tinha outra
atividade obrigatória ou não?
H: E você tinha algum carteira de aprendiz porque
pra trabalhar com 14 anos precisa ser alguma
coisa assim de aprendiz, eu não sei como chama
H: E me diz uma coisa Mariana. Como é que eles
escolhem quem vai trabalhar porque eles não tem
serviço pra todas as jovens, como eles escolhem?
H: E me diz uma coisa, dentro da sua casa, com a
sua mãe fosse ela quem fosse é uma mãe que
tem 8 ou 9 até 10 filhos as vezes. Vocês maiores
ajudavam na casa a cuidar dos menores, como é
que era a vida dentro de casa?
H: E vocês tinham umas férias em um sitio ou em
uma colônia de férias?
H: E quando você fala que agora esse momento
você quer se dedicar ao seu filho, você aprendeu
com a sua mãe social?
H: Já que você falou quais são as melhores
lembranças, qual seriam as piores também? O que
não funcionou bem, o que não agradou?
H: Onde que é a creche?
H: Como é que vocês souberam que a sua irmã
faleceu?
H: E ele não é parente, ele é um amigo?
H: E há quanto tempo ela faleceu?
H: E ela foi quem você falou que era doente desde
criança?
H: Depois da morte dela vocês voltaram a ver sua
mãe?
H: E foi no falecimento da sua irmã que você soube do
Ângelo?
H: Lá na Vila Mariana?
H: Como que você ia pra lá?
H: Quantos anos você tinha?
H: E você ganhava pra fazer isso?
H: Isso foi durante a 6ª, 7ª e 8ª série?
H: E no colegial?
H: O Ângelo é irmão do Alberto?
H: E como eram as férias?
H: Era como uma avó?
H: Até hoje?
H: E você fez esse passeio?
H: O que você lembra das melhores coisas do seu
tempo?
Intervenções fáticas
Intervenções para especificar aspectos
relacionados ao preconceito
Intervenções para compreender como se situa
atualmente em relação a outros aldeanos
H: Está bom acho que eu vou transcrever se tiver
algum pedaço que estiver confuso porque quando
a gente fala a gente pensa que a idéia esta pronta e
não está, eu mando um e-mail perguntando pra
você. Tudo bem?
H: Muito Obrigada. Super obrigada.
H: Na sua vida hoje, você tem a sua irmã você tem
o irmão de Aldeia que mora aqui; você tem contato
com a sua irmã casada, você tem contato com os
outros aldeanos então você tem outras pessoas a
sua volta. Agora, quando você está sozinha no
mundo como você sente que é a experiência de ter
sido criada na Aldeia aos olhos dos outros?
H: Você nota isso muitas vezes?
H: E você fez até o 3º colegial, qual são seus
planos, atualmente o que você gostaria daqui pra
frente?
H: E como é que você acha que as outras crianças
que estiveram com você na aldeia, em outros anos
a atrás, como é que você acha que estão
caminhando?
H: Mariana, quando você fala alguns estão bem e
que outros não tem casa não tem nada, tem
dificuldades, teve gente que já morreu,teve gente
que já foi presa, você saberia dizer se faz diferença
na tua experiência na Aldeia, se faz diferença ter
ido pra lá sabendo que você tinha irmã ou uma
criança que não tem noção de quem ela era, foi
sozinha não tem irmão nenhum. Você acha que
isso faz a diferença?
H. Denise: o que eu queria saber de você, e o seguinte. Quando você
pensa em você hoje, eu sou né? Pensando na tua história, a tua família de
origem, na aldeia ou mãe social. Tudo que aconteceu ligado a você estar
aqui na aldeia. O que te vêm na cabeça? O que é importante pra você?
D. O que é importante pra mim é a minha família, a família que veio comigo, eu
tenho 7 irmãos os que passaram pelo que passei só foram 2 desde pequeno
né. Então os que vieram comigo para a aldeia. que ficaram até a idade comigo.
E importante pra mim é a aldeia e a família da aldeia, entanto que tenho
contato com a minha mãe social daqui, bastante a gente somos super amigas,
a gente conversa ela me ajuda bastante, vai à minha casa, almoça comigo, eu
vou á casa dela, almoço lá, entendeu eu tenho duas famílias agora né. A
família dela viajo pra casa dela, porque ela mora fora de São Paulo e pra mim é
isso, é minha família.
H. Denise: você disse que tem 7 irmãos e quantos vieram pra aldeia?
D. Só 2 comigo.
H. E com quantos anos você veio?
D. Vim com 6 anos de idade.
H. Os 2 que vieram com você eram maiores ou menores?
D. Tinha uma irmã menor que era 1 ano mais nova que eu e 1 irmão mais
velho que eu, 1 ano mais velho que eu.
H. E o que trouxe vocês para a aldeia?
D. Foi porque meu pai não tinha condições de ficar com a gente, a gente tinha
de tudo né nossa casa, nossa família, só que meu pai acabou perdendo tudo,
ai a gente foi para na rua então ele não tinha condições de ficar com a gente. E
minha Vó também não tinha condições né. Ai minha Vó.
H. Sua Vó mãe dele?
D. Mãe da minha mãe não tinha condições e ficar com a gente, ai a gente
ficava na rua, ai minha Vó denunciou meus pais e ai o juiz tirou a guarda deles,
só que antes de vir pra cá nos passamos por vários lugares.
H. Com quantos anos você foi para o primeiro lugar?
D. Acho que eu já tinha uns 5 aninhos né, não me lembro muito bem.
H. Desse outro lugar você veio pra cá?
D. Não desse outro lugar 1º eu fui conhecer as crianças, depois eu fui para
outro abrigo fiquei um tempo, depois fui para outro abrigo e depois de lá eu vim
pra cá.
H. Tudo isso em um ano?
D. É acho que foi em um ano, isso foi em um ano.
H. E os seus outros irmãos?
D. Estão com a minha avó agora né, meu irmão ele, quando era pequeno ele
tinha certo problema de, ele era muito agitado ai a minha avó quando ele saiu
pra se emancipar, pra ir para casa de jovens, ela falou assim: ele não vai
conseguir ficar lá né , ele vai sair para um caminho errado, porque dizem que lá
fora é outro mundo aqui dentro é uma coisa lá fora é outro mundo. Ai minha
avó resolveu tirar ele daqui e pegou a guarda dele e ele foi morar lá né, ele saiu
daqui com 15 anos de idade né. Ai só ficou eu e minha irmã, ai depois minha
irmã saiu voluntariamente né, pegou as coisas dela e foi morar com a minha
avó e minha avó aceitou de braços abertos né, e eu não quis largar porque ia
ficar muita gente lá sabe e minha avó já cuida dos netos dela, mais de não sei
quantos neto dela.
H. Me diz uma coisa Denise e quando você entrou na aldeia os outros
irmãos que não entraram na aldeia ficaram onde?
D. Então assim, 1 filho da minha mãe, a minha mãe deu pra minha avó criar né,
que é meu irmão Alex do primeiro casamento que foi minha avó quem criou e
os outros filhos do meu pai né separados deixou com a mulher dele, então né
do mesmo pai e da mesma mãe são só nós 3 mesmo do mesmo pai e dá
mesma mãe.
H. Então deixa eu entender direitinho. Sua mãe tinha um filho?
D. Isso do primeiro casamento dela.
H. Tinha um filho, o Alex?
D. Isso.
H. Ela separou desse primeiro casamento?
D. Separou do Homem.
H. Separou, e ?
D. Ficou com meu pai.
H. Ficou com seu pai?
D. Isso.
H. Quantos filhos eles tiveram?
D. Tiveram 3 também.
H. Três, com você?
D. Com meu pai e com a minha mãe, três só.
H. Isso com seu pai e com sua mãe.
D. Três. Eu, meu irmão Denis e minha irmã Leonor
H. Quem é a mais velha?
D. Eu, das meninas sou eu.
H. Então é você e dois irmãos?
D. Isso.
H. Depois eles se separaram?
D. Não, aí meu pai antes de ficar com a minha mãe ele tinha outros.
H. Há ele tinha?
D. Outros filhos já.
H. E esses filhos do primeiro casamento do seu pai não são seus irmãos?
D. São meus irmãos por parte de pai.
H. São seus irmãos por parte de pai, é verdade e são quantos?
D. São três.
H. Três, e eles são mais velhos?
D. São bem mais velhos.
H. Homens ou mulheres?
D. É são dois meninos e uma menina.
H. Esses nunca foram quer dizer não foram esses que foram tirados pelo
juiz?
D. Não.
H. Os que foram tirados da casa foram vocês três?
D. Isso.
H. E esse irmão do primeiro casamento da sua mãe já era maior?
D. Já era maior ele está com 27 anos agora, minha avó desde pequeno a
minha avó cria ele.
H. Há ele já estava sendo criado pela sua avó?
D. Isso. Quando a minha avó conheceu o meu pai ele já estava.
H. Ok. Então quando sua mãe se casou com seu pai, em algum momento
eles perderam tudo?
D. Isso.
H. Foram pra rua?
D. Isso.
H. E vocês três estavam na rua?
D. Isso.
H. E você se lembra dessa época?
D. Me lembro muito bem, foi muito ruim mesmo.
H. Agora eu entendi. Então me conta o que você acha que é importante eu
saber sobre o que você pensa em você mesma. O que você gosta? O que
você não gosta? O que você acredita? O que você não acredita? O que
você aprendeu de bom ou de ruim? Quando você pensa em você olhando
tudo o que você é hoje. O que você tem pra me contar da sua vida aqui na
aldeia e fora?
D. Desde pequena eu já tinha uma cabeça assim, dizem as pessoas, eu
sempre fui muito quieta, mas sempre pensava que na aquela vida eu não
queria ser que nem os meus pais, eu seria bem melhor que eles né. E que um
dia eu lutaria muito, trabalharia muito pra dar o melhor para os meus irmãos, eu
sempre fui assim querendo dar o bom e o melhor para os meus irmãos, só isso
porque eu vi eles sofrendo eu não importava comigo, eu me importava mais
com eles porque a cabeça deles não era que nem a minha, a minha irmã até
hoje eu brigo com ela, pra estudar, pra trabalhar.
H. de qual a irmã que você fala?
D. A Leonor, que estava comigo.
H. A Leonor é menor que você?
D. È menor que eu, um ano.
H. Essa que veio para a aldeia junto?
D. Veio junto.
H. Ok. E voltou para sua avó?
D. Isso e voltou pra minha avó.
H. Ta bom. Então você sempre pensou nos seus irmãos?
D. Pensei nos meus irmãos, você sabe que é muito difícil né, realizar um sonho
assim leva muito tempo né. Mas é assim todo final de semana eu estou lá com
a minha família, eu vou visitar eles, visito minha irmã, ligo pra ela sempre pra
saber como ela está, se está precisando de alguma coisa, entendeu. Mas é
difícil, mas.
H. E como é que você ganhou essa cabeça?
D. Eu não sei, desde pequena eu achei sei lá, é com o sofrimento que a gente
passa né, por mais que eu tinha vergonha da situação que eu passava,
entendeu. Por mais que eu pedia esmola na rua, por mais que eu passava
fome, eu tinha vergonha daquilo eu não gostava. A minha família tinha tudo
sabe, tinha casa e por uma besteira do meu pai acabou tudo, ele se envolveu
com droga acabou levando minha mãe junto. Então a gente perdeu tudo fui
parar na rua e eu não me conformava com aquilo, desde pequena eu já
pensava em juntar dinheiro comprar uma casa e dar do bom e do melhor para
os meus irmãos, só isso.
H. E como é que foi quando você já tinha passado por essas dificuldades
e como é que você chegou na aldeia, qual é a sua história na aldeia? O
que você aprendeu? O que é bom, o que é ruim? O que te ajuda? O que
hoje faz parte da Denise?
D. Muita coisa, porque eu fico pensando assim se eu não tivesse a Aldeia, se
minha avó não estivesse denunciado meus pais eu estaria na rua agora,
poderia muito bem estar morta essa hora, poderia estar viciada com droga
sabe, bebida ou estar com a vida, por mais que a minha cabeça, pra conseguir
uma grana poderia estar envolvida em muito mais coisas ruim entendeu. Então
eu agradeço muito a aldeia por eu ter vindo pra cá, porque tive do bom e do
melhor, escola, comida, roupa lavada, tudo que eu sempre quis, que uma
criança quer do bom e do melhor, então eu agradeço muito.
H. E você teve mais de uma mãe social?Qual é a tua experiência?
D. Tive 4 mães sociais.
H. E como foram essas trocas pra você?
D. Foi difícil né, porque a primeira mãe social foi super boa, super legal ficou
pouco tempo com a gente.
H. Quem era?
D. Era, esqueci o nome dela faz muito tempo que ela saiu.
H. Tá.
D. Aí veio a segunda que era a Silvia, ela era bem agitada, bem diferente,
totalmente diferente da primeira. Ai veio uma outra e a tia Mirtis
H. Tia Mirtis foi a última?
D. Isso, a última, é claro que dentro da casa nós tínhamos umas desavenças
umas coisas que a gente gosta, que ela quer que eu faça que eu não concordo
e tem né. Mas depois que veio gente de fora ficou bem melhor a gente se
acertou mais, a gente agora é bem mais amiga.
H. E como foi a sua relação com seus irmãos de aldeia, seus irmãos de
casa?
D. Da aldeia assim olha tem muitos que desde que quando entrei esta lá na
casa comigo né e que eu tenho contato com alguns, agora os outros se
perderam no mundo né, não tenho contato tem uma menina que morava
comigo que ainda está na rua, ela fugiu da aldeia e por coincidência ela foi
parar lá perto da casa da minha avó né, ai outro dia eu vi ela na rua, ai falei
meu Deus o que é que você esta fazendo aqui né, com um filho já no colo, ela
fugiu e continua na rua sabe, a gente não tinha aquela amizade porque ela é
totalmente diferente, porque eu não criticava nem nada. Mas eu vejo assim
meu, que futuro cara ela tinha de tudo poderia estar estudando tinha curso pra
ela esta fazendo.
H. Quantos anos você ficou aqui na aldeia?
D. 13 anos.
H. Nesses 13 anos você teve os irmãos da sua casa?
D. Isso. Tenho amigas.
H. Têm amigas. Você tem alguma idéia da diferença de alguns
caminharem tão bem e outros com tanta dificuldade?
D. Sei lá acho que é pela educação .... Vem de cada pessoa eu não consigo te
dizer, que eu não me conformo que a pessoa tem de tudo e põe tudo a perder
entendeu eu não consigo. As vezes eu acho que é por isso né, eles tinham
demais, tinha muito ali não era cobrado muito entendeu. Tinha algumas
pessoas que achavam que isso ia durar pra vida toda, que a aldeia ia ficar
bajulando eles a vida toda, que ia pagar tudo a vida toda, que ia dar comida e
roupa lavada a vida toda e ai acabou né se perdendo. Pra mim é isso.
H. Como você acha que você percebeu que não ia ter isso a vida toda?
D. Porque assim, já desde criança eu um dia vou ter que sair daqui, porque eu
via quando era pequena que os meninos iam saindo e muitos assim voltavam
lá pra pedir coisa, pedir isso, pedir aquilo. Brigava com os diretores né ai eu
falei isso eu tenho que fazer a minha vida pra não acontecer isso comigo, pra
não voltar aqui e pedir nada pra eles né e continuar com a minha vida.
H. Denise, e fora a sua irmã que esteve com você aqui, você tem alguma
outra moça ou rapaz que seja quase assim forte como se fosse um irmão
pra você?
D. Como meus irmãos não, mas eu tenho as minhas amigas que eu moro com
elas hoje que eu daria de tudo por elas.
H. Você mora com?
D. As minhas amigas.
H. – Aqui da Aldeia?
D. Não. Não dessa aldeia, da aldeia de Poá. As amigas que era aqui da aldeia
não deu certo, cada uma acabou tendo filho, foi morar com o marido a outra
preferiu morar com a mãe, mas a gente tem um super contato sabe. Quando a
gente se vê é aquela festa, mais acabei ficando com as meninas de Poá, mas a
gente se da muito bem.
H. E como você conheceu as meninas de Poá?
D. Foi com um projeto que teve né, da comunidade juvenil né e tinha que juntar
as meninas maior de idade então acabou vindo 2 lá de Poá ficando junto com a
gente com mais 3 meninas dessa aldeia, nós 5. Ai depois fechou a casa e a
gente teve que se emancipar né e alugar uma casa pra gente e ai resolvemos
morar junto.
H. E hoje quantas moram juntas?
D. Lá em casa mora 4.
H. Quatro. As outras 3 são de Poá
D. Isso. Duas de Poá né, uma que é prima da minha amiga e eu.
H. E durante todos anos que você morou na aldeia você manteve o
contato com a sua família?
D.Todo tempo.
H. Como foi esse contato? A aldeia favorecia, não favorecia, eles viam
aqui? Como que era?
D. Favorecia sim, tinha os dias de visita pra mim, final de ano, férias, feriados a
gente poderia estar indo visitar nossa família, ficar lá, passar com eles.
H. A família tinha que vim buscar aqui quando vocês eram pequenos?
D. Quando a gente aprendeu ai, a gente ia sozinho mesmo pegava nossa mala
e ia.
H. Com que idade você saia?
D. Já com 16 anos.
H. Mas antes disso?
D. Eles que viam buscar né, todas as férias todo mundo saia.
H. E seu pai e sua mãe saíram da rua?
D. Meu pai acabou né, que ele se envolveu com drogas, meu pai morreu
assassinado com os vícios dele e como minha mãe não tinha condições de
sustentar o vicio dela ai ela acabou partindo pra bebida né e já faz uns 3 anos
que ela morreu de cirrose. Então né eu já não tenho meu pai e nem minha
mãe. Só tenho a minha avó e meus tios.
H. Mas durante o tempo que eles estavam vivos, eles tinham saído da
rua?
D. Não, não, continuaram.
H. Então quando você fala que ia pro final de semana era pra casa da
Avó?
D. Da minha Avó, mas minha mãe estava lá.
H. E você estudou, o que você fez?
D. Então eu estudei, ainda estudo pretendo fazer um curso de técnico de
administração.
H. Você até?
D. 3º Colegial. Agora eu estou juntando dinheiro pra fazer um curso melhor.
H. Você teve alguma ajuda da aldeia financeira quando você saiu?
D. Tive sim a gente quando era pequena, tinha os padrinhos que apadrinhava a
gente, então eles davam uma quantia na nossa conta né, então com essa
quantia eu consegui pelo menos comprar as minhas coisas da casa né, fogão
essas coisas né. Ter tudo também já é demais né, é bom a gente lutar.
H. E esses padrinhos você conhecia?
D. Por carta só
H. Por carta?
D. Eles moravam muito longe.
H. Moravam longe. E quando você, quer dizer hoje você mora com amigas
que você conheceu na aldeia, algumas das coisas que você tem na sua
casa foram dadas através dos padrinhos. Eu entendi que você acabou de
fazer estágio e agora você foi contratada né?
D. Isso.
H. Me diz uma coisa, quando você esta fora dessa grande família da
Aldeia, você está sozinha, se você vai falar da sua vida, como é que você
vê que as pessoas escutam? Você acha que as pessoas têm diferença,
estranham quem foi morador de uma instituição?
D. Eu procuro não contar muito da minha vida e como eu fui criada aqui,
porque eles de um jeito, desde pequeno a gente já vê que tem um bloqueio até
na escola mesmo.
H. Na escola mesmo?
D. É tinha certa, o pessoal da aldeia é assim é assado sabe é uma coisa assim,
por causa de uns que levava a fama. Aqui na região todo mundo conhece a
aldeia, conhece o pessoal da aldeia, então eu procurava não contar da minha
vida, eu tenho a minha vida lá fora e eu conto da minha vida a partir do
momento que eu sai daqui e falo que fui criada em uma instituição né sem
meus pais, mas conto da minha vida a partir do momento que eu sai daqui.
H. Isso que a gente esta falando é o que a gente chama de preconceito?
D. Isso, isso mesmo tem certo preconceito quanto a isso, da para sentir né.
H. E do jeito que a aldeia traz as crianças, se relaciona com a família, põe
nas casas, cuida ou não, orienta ou não as mães. Que mais que você
acha, hoje como adulta?
D. Hoje assim eu vejo, que antigamente as crianças respeitavam mais as mães
social sabe, tinha uma certa educação sabe, uma coisa mais família entendeu.
Hoje em dia não é mais a mesma coisa, é uma coisa como não sei, e como
agora as mães fazem entrevista é como se fosse, como posso dizer. Antes as
mães participavam de um processo iam para o Rio de Janeiro fazer uma
capacitação para cuidar especialmente das crianças que veio fragilizadas
parecem que eram bem mais educadas, bem mais a gente se entrosava mais e
agora hoje em dia meu eu não sei o que acontece, as crianças são muito mal
educados na minha opinião, não dão valor para o que tem, não respeitam as
mães sociais, pra mim não esta dando certo assim desse jeito, acho ainda que
elas deveriam continuar com a capacitação das pessoas.
H. Mas elas não tem capacitação aqui em São Paulo?
D. É, é agora né.
H. Você não sabe o que aconteceu, você não tem uma idéia?
D. Não acho que é por causa de um diretor, uma diretora não sei mudou muita
coisa, muita coisa mesmo. Acho que antigamente a gente era bem mais feliz
né, hoje em dia eu não sinto mais isso na aldeia, existe muita falta de respeito,
por serem pessoas diferentes, crianças diferentes e morar juntas.
H. Bom isso sempre foi assim,né?
D. É.
H. E me diz uma coisa Denise, você teve 4 mães sociais né?
D. Isso.
H. Elas saíram por algum motivo, porque quiseram ou porque a aldeia
quis que elas saíssem. Como é que foi essa transição de uma Mãe para
outra? Como é que foi pra você? Como é que você acha a aldeia fez?
Como é que você avalia isso?
D. Pra mim foi difícil aceitar né, porque como que vai ser essa mulher na minha
casa, minha tia já conhece meus gostos, sabe o que eu quero a gente come a
comida dela, ai vai chegar uma outra mulher na minha casa vai mudar tudo não
vai poder fazer isso, não vai poder fazer aquilo. Mas comigo nunca foi assim
né, eu por mim eu aceitava, eu sempre fui na minha, sempre fui muito quieta
hoje em dia que eu falo mais. Mas eu sempre fui na minha, muito quieta, eu
sempre aceitei mas pelo que eu via a rebeldia no começo era difícil que as
crianças da casa em aceitar uma nova Mãe né.
H. Denise como foi a sua saída da aldeia?
D. Assim.
H. Foi fácil, foi difícil?
D. Não foi difícil, foi muito fácil. Foi uma coisa que eu e as meninas se juntamos
né, e pedimos para o diretor que a gente também queria ir para uma casa de
jovens, que quem ia pra casa de jovens era só os meninos e a gente queria
uma coisa assim. Muitas meninas gostavam de sair eu também gostava de sair
e não podia sair né por causa dos menores tinha que dar exemplo essas
coisas, porque a gente queria ter uma vida lá fora, então não foi difícil e foi uma
felicidade quando eles disseram que a gente poderia ir pra casa de jovens.
H. E quanto tempo você ficou na casa de jovens?
D. Um ano só durou a casa.
H. Quem que era a dirigente?
D. A Clotilde que já cuidava da comunidade juvenil das meninas de Poá né,
eram duas mães sociais lá, ai eles deslocou uma mãe pra ficar com a gente, a
Clotilde era uma ótima profissional.
H. Hum, hum. Foi boa essa experiência pra você?
D. Foi, foi ótima, ótima, pra você ver né aqui na aldeia é uma coisa né, a gente
tem nossas amigas, cada uma vive na sua casa é uma coisa diferente, depois
quando passa a conviver junto que você conhece realmente a pessoa né. Eu
conhecia realmente quem era que morava na minha casa, as outras meninas
que moravam em casas diferente era aquela amizade, depois que a gente
mora junto que a gente vê que realmente é diferente, que a gente realmente
conhece a pessoa. Então a casa não deu certo foi uma coisa. Muita menina
junto né, 12 meninas juntas, foi um absurdo. Ai acabou fechando
H. E você tinha quantos anos quando fechou?
D. Eu estava com 16, 17 anos.
H. Ai o que você fez?
D. Ai foi que surgiu a comunidade juvenil né, que é a casa assistida que eles
falam. Ai a gente alugou uma casa com número menor de meninas né, ai tipo
foi que a gente escolheu umas meninas, escolheu não, as meninas mais velhas
que se juntaram.
H. E vocês moravam sozinhas?
D. Isso, sozinhas sem mãe social nenhuma.
H. Mas vocês não eram mais tuteladas pela aldeia?
D. Sim, ainda sim. Porque eles pagavam aluguel, davam comida.
H. Há ta.
D: Ainda sim, tínhamos que dar satisfação de algumas coisas sim. Mas ai não
tinha aquele acompanhamento de uma mãe com a gente.
H. E deu certo?
D. Deu certo, mas ai tem os processos que tem ai hoje em dia acho que por
questão de per capita, como posso dizer, estava muito cara eles não poderiam
ficar bancando e ai acabou a gente se separando de novo.
H. Mais ai você já tinha 18 anos ou não?
D. Já, já estava com 18 anos já. Ai a gente foi pra um outro processo
H. Que é esse que você vive hoje?
D. Isso. Agora eu estou com as meninas já fazem 2 anos já e estou lá tranqüila.
H. Onde que é a casa que você mora?
D. Aqui perto, e eu vivo lá e minha família ás vezes fala porque você não vai
morar com a gente eu vejo não dá, eu não consigo, eu quero ter minha vida
não sei. Minha irmã eu vejo ela lá, meu ela não consegue fazer nada ela não
vai pra escola, sabe é muita gente lá na minha vó cria muita gente os netos
dela muita criança, eu não consigo viver ali, ela não vai pra escola, não
trabalha, porque a minha vó banca, minha vó cuida né, não consegue ir pra
frente então eu não consigo, não conseguiria ir morar lá, visitar tudo bem minha
família gosto muito mais não morar não.
H. E com a sua família social daqui você ainda tem contato?
D. Tenho contato, tenho com as meninas com a mãe social a gente não se vê
sempre, mais se fala sempre.
H. A mãe social ainda está aqui?
D. Está ainda.
H. E você visita ela fora?
D. Não, entanto ela tem uma casa alugada lá quase perto da minha, então de
vez em quando eu dou uma passada lá nos dias de folga dela, ou ela vaia lá na
minha casa e é assim.
H. E há quanto tempo que você está contratada aqui?
D. Aqui já vai fazer, deixa eu ver, eu fui contratada já vai fazer 7 meses já. Mas
eu trabalhei 2 anos de estagiária e gostava também, mais eu não penso em
ficar a vida toda aqui eu penso em terminar meu curso eu vou procurar uma
coisa melhor.
H. E você está fazendo um curso de técnico de ..?
D. Vou fazer.
H. Ah vai fazer?
D. É o que eu pretendo fazer o ano que vem se Deus quiser eu vou fazer
H. E tem mais alguma coisa que você lembra que gostaria de falar sobre
você em relação a este mundo aqui da aldeia?
D. Eu.. eu acho que não ah o que eu tinha pra falar é isso só sei que foi bom,
mas tem muita gente que critica que ahhh, aldeia não, mais eu dou graças a
Deus de ter vindo pra cá é muito bom.
H. E a sua irmã que veio pra cá e saiu, você acha que ela falaria coisas
parecidas com você ou diferentes?
D. Diferentes, totalmente diferentes né. Porque ela sei lá, ela é, ela sabe acho
que rolava aquelas coisas de inveja na casa. Há ele ganhou isso, eu não
ganhei aquilo, essa aldeia é uma porcaria, você não, sabe. È aquela coisa ela
tem a cabeça muito pequenininha, eu não gosto daqui, eu não gosto da Mãe
social. Então ela vivia brigando com a minha tia, mãe social, com as outras tias,
quando o pessoal cumpria o dia de folga sabe, essa tia é um saco vêm pra cá
hoje entendeu.
H. Além da sua Mãe social e todas as mães enfim, que era aquela pessoa
com que você estava todo dia, tinha mais alguém da aldeia que foi uma
pessoa de alguma importância pra você?
D. Muitas, o primeiro diretor que chegou na aldeia que era o Luiz Marcos, a
gente foi amigo, eu tenho amizade com ele até hoje a gente se fala pela
internet, que ele mora longe, mora lá em Minas né, mas é um excelente
profissional, eu adorava ele, todo mundo adora ele. Tem a Clotilde também que
participou da casa de jovens minha amiga também hoje. Tem a Silvia que cuida
da casa de jovens feminina de Santo Amaro, também muito minha amiga né,
então tem muitos profissionais aqui que tenho amizade, tem uns que gente não
é bom lembrar né, mas tem uns que são legais demais eu procuro sempre
manter amizade.
H. Ta bom muito obrigado
Essa entrevista foi realizada em substituição a outra marcada para a hora
e local – a Aldeia de Rio Bonito. O jovem que havia combinado o encontro
não pode comparecer e só fui avisada quando já estava lá. A dirigente
informou-me sobre a possibilidade de contatar uma jovem aldena
emancipada, que trabalhava no centro comunitário anexo. O contato foi
feito e ela aceitou ser entrevistada; foi a única entrevista em cujo contato
inicial foi pessoal, na hora e local onde se realizou a entrevista. Denise foi
a mais jovem das entrevistadas e sua entrevista foi a mais curta. O fato de
ter sido abordada pessoalmente e da conversa ter sido imediatamente
após sua adesão pode ter influenciado, mas em minhas experiências
anteriores, todos os jovens que não queriam ser entrevistados diziam
não, face a face.
Após ter explicado o tema e objetivos da pesquisa e seus direitos como
participante, Denise assinou o Consentimento Informado e o gravador foi
ligado. Iniciei com pergunta semelhante à das entrevistas anteriores:
H: Denise: o que eu queria saber de você, e o seguinte. Quando você
pensa em você hoje, “em quem sou eu”, pensando na tua história, na tua
relação com a família biológica, com a aldeia, mãe social, casa e irmãos,
em udo que aconteceu ligado a você estar aqui na aldeia. O que te vêm na
cabeça? O que é importante pra você?
Em reposta Denise nomeia como importantes sua família de origem: “a
família que veio comigo, eu tenho 7 irmãos os que passaram pelo que
passei só foram 2 desde pequeno né. Então os que vieram comigo para a
Aldeia, que ficaram até a idade comigo. E importante pra mim é a Aldeia e
a família da Aldeia, portanto que tenho contato com a minha mãe social
daqui, bastante, a gente somos super amigas, a gente conversa ela me
ajuda bastante, vai à minha casa, almoça comigo, eu vou á casa dela,
almoço lá, entendeu, eu tenho duas famílias agora né. A família dela, eu
viajo pra casa dela, porque ela mora fora de São Paulo e pra mim é isso, é
minha família.”
A primeira resposta dá o tom de toda a entrevista: seu mundo afetivo é
constituído por relações entramadas entre as duas pertinências sem
nenhuma descrição de conflitos de lealdade, sem justificações ou
acusações.
Denise foi levada para a Aldeia com 6 anos, após passar por mais de um
abrigo e morar na rua por aproximadamente dois anos, com seus pais e
dois irmãos. Ambos os genitores tinham filhos de união anterior. O pai,
três filhos e a mãe um, que já havia “dado para a avó criar”.
H: E o que trouxe vocês para a aldeia?
Em suas palavras: “Foi porque meu pai não tinha condições de ficar com
a gente, a gente tinha de tudo né nossa casa, nossa família, só que meu
pai acabou perdendo tudo, ai a gente foi para na rua então ele não tinha
condições de ficar com a gente. E minha Vó também não tinha condições
né. Ai minha Vó.denunciou meus pais e ai o juiz tirou a guarda deles, só
que antes de vir pra cá nos passamos por vários lugares”.
Após viverem mais de 10 anos na Aldeia, esses dois irmãos moram
novamente com a avó: o irmão ele, quando era pequeno era muito agitado
e quando ele saiu pra se emancipar, pra ir para casa de jovens, a ficou
com medo que ele não conseguisse ficar lá, que tomasse um caminho
errado ... “porque dizem que lá fora é outro mundo aqui dentro é uma
coisa lá fora é outro mundo. Ai minha avó resolveu tirar ele daqui e pegou
a guarda dele e ele foi morar lá né, ele saiu daqui com 15 anos de idade
né. Ai só ficou eu e minha irmã, ai depois minha irmã saiu
voluntariamente né, pegou as coisas dela e foi morar com a minha avó e
minha avó aceitou de braços abertos né, e eu não quis largar porque ia
ficar muita gente lá sabe e minha avó já cuida dos netos dela, mais de não
sei quantos neto dela.”
Denise relata lembrar-se muito bem do tempo em que viveu na rua
“Foi muito ruim mesmo. Desde pequena eu já tinha uma cabeça assim, eu
sempre fui muito quieta, mas sempre pensava que na aquela vida eu não
queria ser que nem os meus pais, eu seria bem melhor que eles né. E que
um dia eu lutaria muito, trabalharia muito pra dar o melhor para os meus
irmãos, eu sempre fui assim querendo dar o bom e o melhor para os
meus irmãos, só isso porque eu vi eles sofrendo eu não importava
comigo, eu me importava mais com eles porque a cabeça deles não era
que nem a minha
As ações atuais de Denise seguem seus sonhos e planos infantis com
muita determinação: “a minha irmã até hoje eu brigo com ela, pra estudar,
pra trabalhar”. Pensei sempre nos meus irmãos, você sabe que é muito
difícil né, realizar um sonho assim leva muito tempo né. Mas todo final de
semana eu estou lá com a minha família, eu vou visitar eles, visito minha
irmã, ligo pra ela sempre pra saber como ela está, se está precisando de
alguma coisa, entendeu. Mas é difícil, ...”
E como é que você ganhou essa cabeça?
Perguntada como acredita que chegou a ter as idéias e ações presentes
afirma que talvez tenha sido o sofrimento: “por mais que eu tinha
vergonha da situação que eu passava, entendeu. Por mais que eu pedia
esmola na rua, por mais que eu passava fome, eu tinha vergonha daquilo
eu não gostava. A minha família tinha tudo sabe, tinha casa e por uma
besteira do meu pai acabou tudo, ele se envolveu com droga acabou
levando minha mãe junto. Então a gente perdeu tudo fui parar na rua e eu
não me conformava com aquilo, desde pequena eu já pensava em juntar
dinheiro comprar uma casa e dar do bom e do melhor para os meus
irmãos, só isso”.
Denise atribui à Aldeia e à denuncia de sua avó a possibilidade de ter uma
vida diferente de seus pais:”se eu não tivesse a Aldeia, se minha avó não
estivesse denunciado meus pais eu estaria na rua agora, poderia muito
bem estar morta essa hora, poderia estar viciada com droga sabe, bebida
... pra conseguir uma grana poderia estar envolvida em muito mais coisas
ruim entendeu. Então eu agradeço muito a Aldeia por eu ter vindo pra cá,
porque tive do bom e do melhor, escola, comida, roupa lavada, tudo que
eu sempre quis, que uma criança quer do bom e do melhor, então eu
agradeço muito”.
Teve 4 mães sociais e considera que as trocas foram difíceis. A primeira
“super-legal” ficou pouco tempo. A segunda era bem agitada, bem
diferente, totalmente diferente da primeira. Ai veio uma outra e finalmente
a tia Mirtis, com quem teve desavenças mas agora é muito amiga.
Denise nunca perdeu o contato com a família. Mesmo seus pais morando
na rua, visitava a avó e encontrava sua mãe lá. Seu pai foi assassinado
pelo tráfico e, sem dinheiro para sustentar o vício, a mãe passou para a
bebida e morreu de cirrose.
Em sua descrição essa história tem valor de exemplo, do que não fazer.
Seus pais “fizeram besteira, se perderam”, mas além do sentimento de
vergonha, Denise não tem nenhum outro sentimento negativo. Parece
identificada com a foca da avó e desenvolve habilidades de cuidadora,
tanto na família como profissionalmente. Em relação a outros aldeanos
“que se perderam no mundo”, fica triste pelo desperdício de
oportunidade: “como uma menina que morava comigo que ainda está na
rua, ela fugiu da aldeia e por coincidência ela foi parar lá perto da casa da
minha avó né, ai outro dia eu vi ela na rua, ai falei meu Deus o que é que
você esta fazendo aqui né, com um filho já no colo, ela fugiu e continua
na rua sabe, a gente não tinha aquela amizade porque ela é totalmente
diferente, porque eu não criticava nem nada. Mas eu vejo assim meu, que
futuro, cara, ela tinha de tudo poderia estar estudando tinha curso pra ela
esta fazendo... “
Sua compreensão de porque alguns caminham tão bem e outros não é de
que é algo interno, de uma incapacidade de compreender que o que
estava senso oferecido não era eterno: “ .... Vem de cada pessoa eu não
consigo te dizer, que eu não me conformo que a pessoa tem de tudo e
põe tudo a perder entendeu eu não consigo. As vezes eu acho que é por
isso né, eles tinham demais, tinha muito ali não era cobrado muito
entendeu. Tinha algumas pessoas que achavam que isso ia durar pra vida
toda, que a Aldeia ia ficar bajulando eles a vida toda, que ia pagar tudo a
vida toda, que ia dar comida e roupa lavada a vida toda e ai acabou né se
perdendo. Pra mim é isso.”
Denise se descreve como observadora, desde pequena, quando via que
os meninos iam saindo e muitos voltavam lá pra pedir coisas, e brigavam
com os diretores e relata como foi buscando maneiras distintas de agir:
“tenho que fazer a minha vida pra não acontecer isso comigo, pra não
voltar aqui e pedir nada pra eles né e continuar com a minha vida.”
Atualmente não considera nenhum irmão social como um verdadeiro
irmão, mas daria tudo pelas amigas com quem mora. Já morou com irmãs
de casa mas elas tomaram outros caminhos. Uma teve filho, foi morar
com o marido, outra preferiu morar com a mãe, mas permanecem unidas.
“Quando a gente se vê é aquela festa”. Vive com três amigas em casa
alugada e equipada com o dinheiro que tinha na poupança feita pelos
padrinhos alemães, que só conhece por carta. Duas são aldeanas
emancipadas da Aldeia de Poá. Moraram juntas em uma Casa de Jovens
por um ano, um projeto que terminou, por ser muito caro, mas que deu
oportunidade de conhecer outras jovens e poder escolher aquelas com
quem tem mais afinidade. Na sua casa, além das duas jovens de Poá,
mora uma prima de uma delas.
Quanto ao contato com a família de origem, sua experiência é de que a
Aldeia favorecia, visitas e férias. Quando eram pequenos a família devia
visitá-los na Aldeia, mas a partir dos 16 anos podiam ir sozinhos.
Denise completou o colegial e pretende fazer um curso de técnica em
administração. Hoje trabalha na copa de um centro comunitário anexo à
Aldeia. Está juntando dinheiro para esse curso e acha que “ter tudo
também já é demais né, é bom a gente lutar”.
Em sua primeira resposta, Denise aponta como rede significativa duas
famílias. A facilidade com que transita entre as duas parece facilitar o
sentimento de autonomia e liberdade e permitir sua proximidade física
com a Aldeia, em uma situação que pode ser considerada de muito bom
prognóstico para uma jovem de 21 anos: trabalho com carteira assinada.
Sua situação Autônoma e ao mesmo tempo protegida estimulou minha
pergunta sobre preconceito. As pessoas estranham quem morou em
Instituição?
Denise procura não contar muito da sua vida, como foi criada porque
percebe preconceito desde que estava na escola. Em parte atribui a
alguns aldeanos com mau comportamento. Prefere contar sua vida a
partir do momento que saiu da Aldeia.
A facilidade com que transita entre as famílias, a alegria com que relata
seu processo de emancipação, e a gratidão para com a Instituição, ao
mesmo tempo que no mundo-lá-de-fora não narra esses aspectos
identitários, sugere que os sentidos atribuídos à Aldeia, às mães sociais e
demais aldeanos, assim como a vergonhosa (em suas palavras)
experiência de viver na rua, constituem um self privado que não deve vir a
público. Denise está atravessando o caminho da Aldeia à cidade. Seu
mais forte cartão de identidade adulta, que, enm nossa sociedade é – “O
que você faz?”, traz a assinatura da Aldeia. Talvez uma ponte entre duas
identidades consideradas separadas.
Denise avalia a Aldeia “do seu tempo” como muito melhor. “As crianças
respeitavam mais as mães sociais sabe, tinha uma certa educação sabe,
uma coisa mais família entendeu. Hoje em dia não é mais a mesma coisa,
agora as mães fazem entrevista é como se fosse, como posso dizer...
Antes as mães participavam de um processo, iam para o Rio de Janeiro
fazer uma capacitação para cuidar especialmente das crianças
fragilizadas parece que eram bem mais educadas, ... e agora hoje em dia
meu eu não sei o que acontece, as crianças são muito mal educados na
minha opinião, não dão valor para o que tem, não respeitam as mães
sociais, pra mim não esta dando certo assim desse jeito, acho ainda que
elas deveriam continuar com a capacitação das pessoas.”
Denise atribui a mudança para pior à falta de capacitação das mães.
Supõe que hoje elas não fazem mais cursos como no seu tempo.
Os processos de capacitação tem variado através dos anos, mas
continuam acontecendo e ano a ano a direção tem procurado adequar
essa capacitação ás nossa realidades. Essa observação levanta questões
em relação à piora das condições sociais do bairro, das famílias da
periferia e, talvez, o que seria uma outra pesquisa, a influência das
drogas, que no caso de Denise destroçaram
Denise mora perto da Aldeia e sua família ás vezes fala porque ela não vai
morar com eles. Afirma que: “não dá, eu não consigo, eu quero ter minha
vida não sei. Minha irmã eu vejo ela lá, meu ela não consegue fazer nada
ela não vai pra escola, sabe é muita gente lá na minha vó cria muita gente
os netos dela muita criança, eu não consigo viver ali, ela não vai pra
escola, não trabalha, porque a minha vó banca, minha vó cuida né, não
consegue ir pra frente então eu não consigo, não conseguiria ir morar lá,
visitar tudo bem minha família gosto muito mais não morar não”.
Em todas as suas falas Denise repete: “entende?” e “sabe?” buscando
confirmação para os sentidos que constrói para suas experiências. Essa
maneira de se expressar é bastante freqüente em jovens de sua idade.
Pode ser descrita como jogar o jogo “de tenho minhas convicções, não
vou mudar, mas preciso de confirmação”. Um jogo de linguagem parte de
uma forma de vida transicional.
Sua última mãe social, que ainda trabalha na Aldeia, tem uma casa
alugada perto da dela, então de vez em quando ela dá uma passada lá nos
dias de folga dela, ou a mãe vai visitá-la. Denise foi contratada há 7
meses. Mas trabalhou 2 anos como estagiária e também gostava do
trabalho. Entretanto eu não pensa em ficar a vida toda nesse emprego;
quer terminar o curso e procurar uma coisa melhor.
Termina dizendo que ter vivido na Aldeia foi bom, mas tem muita gente
que critica, mas “eu dou graças a Deus de ter vindo pra cá é muito bom”.
Acredita que sua irmã atribuiria significados muito diferentes à
experiência semelhante e sua explicação para essa diferença é: “ela tem a
cabeça muito pequenininha”.
À pergunta:
Tinha mais alguém da aldeia que foi uma pessoa de alguma importância
pra você?
Denise responde: “Muitas, o primeiro diretor que chegou na aldeia que
era o Luiz Marcos, a gente foi amigo, eu tenho amizade com ele até hoje a
gente se fala pela internet, ele mora longe, mora lá em Minas né, mas é
um excelente profissional, eu adorava ele, todo mundo adora ele. Tem a
Clotilde também que participou da casa de jovens minha amiga também
hoje. Tem a Silvia que cuida da casa de jovens feminina de Santo Amaro,
também muito minha amiga né, então tem muitos profissionais aqui que
tenho amizade, tem uns que gente não é bom lembrar né, mas tem uns
que são legais demais eu procuro sempre manter amizade.”
Mapa de Associação de Idéias
Mãe Social Aldeia
Como cuidava Como afetou Vida Fora da
Aldeia
Ações/Planos/Reflexões Preconceito Como qualifica Como descreve
os
procedimentos
E importante pra
mim é a aldeia e a
família da aldeia,
Rede criada a
partir da Aldeia
Relação com a
família biológica
O que eu queria
saber de você, e
o seguinte.
Quando você
pensa em você
hoje, eu sou né?
Pensando na tua
história, a tua
família de origem,
na aldeia ou mãe
social. Tudo que
aconteceu ligado
a você estar aqui
na aldeia. O que
te vêm na
cabeça? O que é
importante pra
você?
O que é
importante pra
mim é a minha
família, a família
que veio comigo,
eu tenho 7 irmãos
os que passaram
pelo que passei
só foram 2 desde
pequeno né.
Então os que
vieram comigo
para a aldeia. que
ficaram até a
idade comigo.
Dirigente de
Aldeia
entanto que tenho
contato com a
minha mãe social
daqui, bastante a
gente somos
super amigas, a
gente conversa ela
me ajuda
bastante, vai à
minha casa,
almoça comigo, eu
vou á casa dela,
almoço lá,
entendeu eu tenho duas
famílias agora né
E com quantos
anos você veio?
Vim com 6 anos
de idade.
A família dela
viajo pra casa
dela, porque ela
mora fora de São
Paulo e pra mim
é isso, é minha
família.
Você disse que
tem 7 irmãos e
quantos vieram
pra aldeia?
Só 2 comigo.
Os 2 que vieram
com você eram
maiores ou
menores?
Tinha uma irmã
menor que era 1
ano mais nova
que eu e 1 irmão
mais velho que
eu, 1 ano mais
velho que eu.
E o que trouxe
vocês para a
aldeia?
Foi porque meu
pai não tinha
condições de ficar
com a gente, a
gente tinha de
tudo né nossa
casa, nossa
família, só que
meu pai acabou
perdendo tudo, ai
a gente foi para
na rua então ele
não tinha
condições de ficar
com a gente. E
minha Vó
também não tinha
condições né. Ai
minha Vó.
Sua Vó mãe
dele?
Mãe da minha
mãe não tinha
condições e ficar
com a gente, ai a
gente ficava na
rua, ai minha Vó
denunciou meus
pais e ai o juiz
tirou a guarda
deles, só que
antes de vir pra
cá nos passamos
por vários
lugares.
Com quantos
anos você foi
para o primeiro
lugar?
Acho que eu já
tinha uns 5
aninhos né, não
me lembro muito
bem.
Desse outro lugar
você veio pra cá?
Não desse outro
lugar 1º eu fui
conhecer as
crianças, depois
eu fui para outro
porque dizem
que lá fora é
outro mundo aqui
dentro é uma
coisa lá fora é
outro mundo.
quando ele saiu pra
se emancipar, pra ir
para casa de jovens,
abrigo fiquei um
tempo, depois fui
para outro abrigo
e depois de lá eu
vim pra cá.
Tudo isso em um
ano?
É acho que foi em
um ano, isso foi
em um ano.
E os seus outros
irmãos?
Estão com a
minha avó agora
né, meu irmão
ele, quando era
pequeno ele tinha
certo problema
de, ele era muito
agitado ai a
minha avó
ela falou assim:
ele não vai
conseguir ficar lá
né , ele vai sair
para um caminho
errado,
Ai minha avó
resolveu tirar ele
daqui e pegou a
guarda dele e ele
foi morar lá né,
ele saiu daqui
e eu não quis largar
porque ia ficar muita gente
lá sabe e minha avó já
cuida dos netos dela, mais
de não sei quantos neto
dela.
com 15 anos de
idade né. Ai só
ficou eu e minha
irmã, ai depois
minha irmã saiu
voluntariamente
né, pegou as
coisas dela e foi
morar com a
minha avó e
minha avó
aceitou de braços
abertos né,
.
Me diz uma
coisa Denise e
quando você
entrou na aldeia
os outros
irmãos que não
entraram na
aldeia ficaram
onde?
Então assim, 1
filho da minha
mãe, a minha
mãe deu pra
minha avó criar
né, que é meu
irmão Alex do
primeiro
casamento que
foi minha avó
quem criou e os
outros filhos do
meu pai né
separados
deixou com a
mulher dele,
então né do
mesmo pai e da
mesma mãe são
só nós 3 mesmo
do mesmo pai e
dá mesma mãe.
Então deixa eu
entender
direitinho. Sua
mãe tinha um
filho?
Isso do primeiro
casamento dela.
Tinha um filho, o
Alex?
Isso.
Ela separou
desse primeiro
casamento?
Separou do
Homem.
Separou, e ?
Ficou com meu
pai.
Ficou com seu
pai?
Isso.
Quantos filhos
eles tiveram?
Tiveram 3
também.
Três, com você?
Com meu pai e
com a minha
mãe, três só.
Isso com seu pai
e com sua mãe.
Três. Eu, meu
irmão Denis e
minha irmã Lonor
Quem é a mais
velha?
Eu, das meninas
sou eu.
Então é você e
dois irmãos?
Isso.
Depois eles se
separaram?
Não, aí meu pai
antes de ficar
com a minha mãe
ele tinha outros.
Há ele tinha?
Outros filhos já.
E esses filhos do
primeiro
casamento do
seu pai não são
seus irmãos?
São meus irmãos
por parte de pai.
São seus irmãos
por parte de pai,
é verdade e são
quantos?
São três.
Três, e eles são
mais velhos?
São bem mais
velhos.
Homens ou
mulheres?
É são dois
meninos e uma
menina.
Esses nunca
foram quer dizer
não foram esses
que foram tirados
pelo juiz?
Não.
Os que foram
tirados da casa
foram vocês três?
Isso.
E esse irmão do
primeiro
casamento da
Agora eu entendi. Então
me conta o que você acha
que é importante eu saber
sua mãe já era
maior?
Já era maior ele
está com 27 anos
agora, minha avó
desde pequeno a
minha avó cria
ele.
Há ele já estava
sendo criado pela
sua avó?
Isso. Quando a
minha avó
conheceu o meu
pai ele já estava.
Ok. Então quando
sua mãe se
casou com seu
pai, em algum
momento eles
perderam tudo?
Isso.
Foram pra rua?
Isso.
E vocês três
estavam na rua?
Isso.
E você se lembra
dessa época?
Me lembro muito
bem, foi muito
ruim mesmo.
sobre o que você pensa
em você mesma. O que
você gosta? O que você
não gosta? O que você
acredita? O que você não
acredita? O que você
aprendeu de bom ou de
ruim? Quando você pensa
em você olhando tudo o
que você é hoje. O que
você tem pra me contar da
sua vida aqui na aldeia e
fora?
Desde pequena eu já tinha
uma cabeça assim, dizem
as pessoas, eu sempre fui
muito quieta, mas sempre
pensava que na aquela
vida eu não queria ser que
nem os meus pais, eu
seria bem melhor que eles
né. E que um dia eu lutaria
muito, trabalharia muito
pra dar o melhor para os
meus irmãos, eu sempre
fui assim querendo dar o
bom e o melhor para os
meus irmãos, só isso
porque eu vi eles sofrendo
eu não importava comigo,
eu me importava mais com
eles porque a cabeça
deles não era que nem a
minha, a minha irmã até
hoje eu brigo com ela, pra
estudar, pra trabalhar.
de qual a irmã
que você fala?
A Leonor, que
estava comigo.
A Leonor é menor
que você?
È menor que eu,
um ano.
Essa que veio
para a aldeia
junto?
Veio junto.
Ta bom. Então você
sempre pensou nos seus
irmãos?
Pensei nos meus irmãos,
você sabe que é muito
difícil né, realizar um
sonho assim leva muito
tempo né. Mas é assim
todo final de semana eu
estou lá com a minha
família, eu vou visitar eles,
visito minha irmã, ligo pra
ela sempre pra saber
como ela está, se está
precisando de alguma
coisa, entendeu. Mas é
difícil, mas.
E como é que você
ganhou essa cabeça?
D: Eu não sei, desde
pequena eu achei sei lá, é
com o sofrimento que a
gente passa né, por mais
que eu tinha vergonha da
situação que eu passava,
entendeu. Por mais que eu
pedia esmola na rua, por
mais que eu passava
fome, eu tinha vergonha
daquilo eu não gostava.
Ok. E voltou para
sua avó?
Isso e voltou pra
minha avó.
A minha família
tinha tudo sabe,
tinha casa e por
uma besteira do
meu pai acabou
tudo, ele se
envolveu com
e eu não me conformava
com aquilo, desde
pequena eu já pensava
em juntar dinheiro comprar
uma casa e dar do bom e
do melhor para os meus
irmãos, só isso.
E como é que foi
quando você já
tinha passado
por essas
dificuldades e
como é que você
chegou na
aldeia, qual é a
sua história na
aldeia? O que
você aprendeu?
O que é bom, o
que é ruim? O
que te ajuda? O
que hoje faz
parte da Denise?
Muita coisa,
porque eu fico
droga acabou
levando minha
mãe junto. Então
a gente perdeu
tudo fui parar na
rua
se minha avó não
estivesse
denunciado meus
pais eu estaria na
rua agora,
poderia muito
bem estar morta
essa hora,
E você teve mais
de uma mãe
social?Qual é a
tua experiência?
E como foram
essas trocas pra
você?
pensando assim
se eu não tivesse
a Aldeia,
Então eu
agradeço muito a
aldeia por eu ter
vindo pra cá,
porque tive do
bom e do melhor,
escola, comida,
roupa lavada,
tudo que eu
sempre quis, que
uma criança quer
do bom e do
melhor, então eu
agradeço muito.
poderia estar
viciada com
droga sabe,
bebida ou estar
com a vida, por
mais que a minha
cabeça, pra
conseguir uma
grana poderia
estar envolvida
em muito mais
coisas ruim
entendeu.
Tive 4 mães
sociais.
Aí veio a segunda
que era a Silvia,
ela era bem
agitada, bem
diferente,
totalmente
diferente da
primeira. Ai veio
uma outra e a tia
Mirtis
Foi difícil né,
porque a
primeira mãe
social foi super
boa, super legal
ficou pouco
tempo com a
gente.
Quem era?
Era, esqueci o
nome dela faz
muito tempo que
ela saiu.
Tá.
Tia Mirtis foi a
última?
D: Isso, a última,
é claro que
dentro da casa
nós tínhamos
umas
desavenças
umas coisas que
a gente gosta,
que ela quer que
eu faça que eu
não concordo e
tem né. Mas
depois que veio
gente de fora
ficou bem melhor
a gente se
acertou mais, a
gente agora é
bem mais amiga.
E como foi a sua
relação com seus
irmãos de aldeia,
seus irmãos de
casa?
Da aldeia assim
olha tem muitos
que desde que
quando entrei
esta lá na casa
comigo né e que
eu tenho contato
com alguns,
agora os outros
se perderam no
mundo né, não
tenho contato
tem uma menina
que morava
comigo que
ainda está na
rua, ela fugiu da
aldeia e por
coincidência ela
foi parar lá perto
da casa da
minha avó né, ai
outro dia eu vi
ela na rua, ai
falei meu Deus o
que é que você
esta fazendo
aqui né, com um
filho já no colo,
ela fugiu e
continua na rua
sabe, a gente
não tinha aquela
amizade porque
ela é totalmente
diferente, porque
eu não criticava
nem nada. Mas
eu vejo assim
meu, que futuro
cara ela tinha de
tudo poderia
estar estudando
tinha curso pra
ela esta fazendo.
Como você acha que
você percebeu que não
ia ter isso a vida toda?
Porque assim, já desde
criança eu um dia vou
ter que sair daqui,
Têm amigas.
Você tem alguma
idéia da
diferença de
alguns
caminharem tão
bem e outros
com tanta
dificuldade?
Sei lá acho que é
pela educação
.... Vem de cada
pessoa eu não
consigo te dizer,
que eu não me
conformo que a
pessoa tem de
tudo e põe tudo a
perder entendeu
eu não consigo.
As vezes eu
acho que é por
isso né, eles
tinham demais,
tinha muito ali
não era cobrado
muito entendeu.
Tinha algumas
pessoas que
achavam que
isso ia durar pra
vida toda, que a
aldeia ia ficar
bajulando eles a
vida toda, que ia
pagar tudo a vida
toda, que ia dar
comida e roupa
lavada a vida
toda e ai acabou
né se perdendo.
Quantos anos
você ficou aqui na
aldeia?
13 anos.
Nesses 13 anos
você teve os
irmãos da sua
casa?
Isso. Tenho
amigas.
ai eu falei isso eu tenho
que fazer a minha vida pra
não acontecer isso
comigo, pra não voltar
aqui e pedir nada pra eles
né e continuar com a
minha vida.
Pra mim é isso.
porque eu via
quando era
pequena que os
meninos iam
saindo e muitos
assim voltavam
lá pra pedir
coisa, pedir isso,
pedir aquilo.
Brigava com os
diretores né
Denise, e fora a
sua irmã que
esteve com você
aqui, você tem
alguma outra
moça ou rapaz
que seja quase
assim forte como
se fosse um
irmão pra você?
Como meus
irmãos não, mas
eu tenho as
E como você
conheceu as
meninas de Poá?
Foi com um
projeto que teve
né, da
comunidade
juvenil né e tinha
que juntar as
meninas maior de
idade então
acabou vindo 2 lá
minhas amigas
que eu moro com
elas hoje que eu
daria de tudo por
elas.
Você mora com?
As minhas
amigas.
Aqui da Aldeia?
Não. Não dessa
aldeia, da aldeia
de Poá. As
amigas que era
aqui da aldeia
não deu certo,
cada uma
acabou tendo
filho, foi morar
com o marido a
outra preferiu
morar com a
mãe, mas a
gente tem um
super contato
sabe. Quando a
gente se vê é
aquela festa,
mais acabei
ficando com as
meninas de Poá,
mas a gente se
da muito bem.
e a gente teve
que se
emancipar né e
alugar uma casa
pra gente e ai
resolvemos
morar junto.
de Poá ficando
junto com a gente
com mais 3
meninas dessa
aldeia, nós 5. Ai
depois fechou a
casa
Como foi esse
contato? A aldeia
favorecia, não
favorecia, eles
viam aqui? Como
que era?
Favorecia sim,
tinha os dias de
visita pra mim,
final de ano,
férias, feriados a
E hoje quantas
moram juntas?
Lá em casa mora
4.
Quatro. As outras
3 são de Poá
Isso. Duas de
Poá né, uma que
é prima da minha
amiga e eu.
E durante todos
anos que você
morou na aldeia
você manteve o
contato com a
sua família?
Todo tempo.
E você estudou, o que
você fez?
Então eu estudei, ainda
estudo pretendo fazer um
gente poderia
estar indo visitar
nossa família,
ficar lá, passar
com eles.
A família tinha
que vim buscar
aqui quando
vocês eram
pequenos?
Quando a gente
aprendeu ai, a
gente ia sozinho
mesmo pegava
nossa mala e ia.
Com que idade
você saia?
Já com 16 anos.
Mas antes
disso?
Eles que viam
buscar né, todas
as férias todo
mundo saia.
E seu pai e sua
mãe saíram da
rua?
Meu pai acabou
né, que ele se
envolveu com
drogas, meu pai
morreu
assassinado
com os vícios
dele e como
minha mãe não
tinha condições
de sustentar o
vicio dela ai ela
acabou partindo
pra bebida né e
já faz uns 3 anos
que ela morreu
de cirrose.
Então né eu já
não tenho meu
pai e nem minha
mãe. Só tenho a
minha avó e
meus tios.
Mas durante o
tempo que eles
estavam vivos,
eles tinham
saído da rua?
Não, não,
continuaram
Então quando
você fala que ia
pro final de
semana era pra
casa da Avó?
Da minha Avó,
mas minha mãe
estava lá
curso de técnico de
administração.
Você até?
3º Colegial. Agora eu
estou juntando dinheiro
pra fazer um curso melhor.
Você teve
alguma ajuda da
aldeia financeira
quando você
saiu?
Tive sim a gente
quando era
pequena, tinha
os padrinhos
que
apadrinhava a
gente, então
eles davam uma
quantia na
nossa conta né,
então com essa
quantia eu
consegui pelo
menos comprar
as minhas
coisas da casa
né, fogão essas
Me diz uma
coisa, quando
você esta fora
dessa grande
família da Aldeia,
você está
sozinha, se você
vai falar da sua
vida, como é que
você vê que as
pessoas
escutam? Você
acha que as
pessoas têm
diferença,
estranham quem
foi morador de
uma instituição?
Eu procuro não
contar muito da
minha vida e
como eu fui
criada aqui,
porque eles de
um jeito, desde
pequeno a gente
já vê que tem um
bloqueio até na
escola mesmo.
Na escola
mesmo?
É tinha certa, o
pessoal da aldeia
é assim é assado
sabe é uma coisa
assim, por causa
de uns que
levava a fama.
Aqui na região
todo mundo
conhece a aldeia,
conhece o
pessoal da
coisas né.
E esses
padrinhos você
conhecia?
Por carta só
Por carta?
Eles moravam
muito longe.
Moravam longe.
E quando você,
quer dizer hoje
você mora com
amigas que você
conheceu na
aldeia, algumas
das coisas que
você tem na sua
casa foram
dadas através
dos padrinhos.
Eu entendi que
você acabou de
fazer estágio e
agora você foi
contratada né?
Isso.
E do jeito que a
aldeia traz as
crianças, se
relaciona com a
família, põe nas
casas, cuida ou
não, orienta ou
não as mães.
Que mais que
você acha, hoje
como adulta?
Hoje assim eu
vejo, que
antigamente as
crianças
respeitavam
mais as mães
social sabe, tinha
uma certa
educação sabe,
uma coisa mais
família entendeu.
aldeia, então eu
procurava não
contar da minha
vida, eu tenho a
minha vida lá fora
e eu conto da
minha vida a
partir do
momento que eu
sai daqui e falo
que fui criada em
uma instituição
né sem meus
pais, mas conto
da minha vida a
partir do
momento que eu
sai daqui.
Isso que a gente
esta falando é o
que a gente
chama de
preconceito?
Isso, isso mesmo
tem certo
preconceito
quanto a isso, da
para sentir né.
Hoje em dia não
é mais a mesma
coisa, é uma
coisa como não
sei,
coparecem que
eram bem mais
educadas, bem
mais a gente se
entrosava mais e
agora hoje em
dia meu eu não
sei o que antece,
as crianças são
muito mal
educados na
minha opinião,
não dão valor
para o que tem,
não respeitam as
mães sociais,
pra mim não esta
dando certo
assim desse
jeito, acho ainda
que elas
deveriam
continuar com a
capacitação das
pessoas.
e como agora as
mães fazem
entrevista é como
se fosse, como
posso dizer.
Antes as mães
participavam de
um processo iam
para o Rio de
Janeiro fazer uma
capacitação para
cuidar
especialmente
das crianças que
veio fragilizadas
Mas elas não tem
capacitação aqui
em São Paulo?
É, é agora né.
Bom isso sempre
foi assim,né?
É.
H: Elas saíram
por algum
Você não sabe o
que aconteceu,
você não tem
uma idéia?
Não acho que é
por causa de um
diretor, uma
diretora não sei
mudou muita
coisa, muita
coisa mesmo.
Acho que
antigamente a
gente era bem
mais feliz né,
hoje em dia eu
não sinto mais
isso na aldeia,
existe muita falta
de respeito, por
serem pessoas
diferentes,
crianças
diferentes e
morar juntas.
E me diz uma
coisa Denise,
você teve 4 mães
sociais né?
motivo, porque
quiseram ou
porque a aldeia
quis que elas
saíssem. Como é
que foi essa
transição de uma
Mãe para outra?
Como é que foi
pra você? Como
é que você acha
a aldeia fez?
Como é que
você avalia isso?
D: Pra mim foi
difícil aceitar né,
porque como que
vai ser essa
mulher na minha
casa, minha tia já
conhece meus
gostos, sabe o
que eu quero a
gente come a
comida dela, ai
vai chegar uma
outra mulher na
minha casa vai
mudar tudo não
vai poder fazer
isso, não vai
poder fazer
aquilo. Mas
comigo nunca foi
assim né, eu por
mim eu aceitava,
eu sempre fui na
minha, sempre
fui muito quieta
hoje em dia que
eu falo mais.
Mas eu sempre
fui na minha,
muito quieta, eu
sempre aceitei
mas pelo que eu
via a rebeldia no
começo era difícil
que as crianças
da casa em
aceitar uma nova
Mãe né.
Isso.
Denise como foi
a sua saída da
aldeia?
Assim.
Foi fácil, foi
difícil?
Não foi difícil, foi
muito fácil. Foi
uma coisa que
eu e as meninas
se juntamos né,
e pedimos para o
diretor que a
gente também
queria ir para
uma casa de
jovens, que
quem ia pra casa
de jovens era só
os meninos e a
gente queria uma
coisa assim.
Muitas meninas
gostavam de sair
eu também
gostava de sair
porque a gente
queria ter uma
vida lá fora,
então não foi
difícil e foi uma
felicidade
e não podia sair
né por causa dos
menores tinha
que dar exemplo
essas coisas,
quando eles
disseram que a
gente poderia ir
pra casa de
jovens.
Clotilde era uma
ótima
profissional.
Helena – Hum,
hum. Foi boa
essa experiência
pra você?
Foi, foi ótima,
ótima, pra você
ver né aqui na
aldeia é uma
coisa né, a
gente tem
nossas amigas,
cada uma vive na
sua casa é uma
coisa diferente,
depois quando
passa a conviver
junto que você
conhece
realmente a
pessoa né. Eu
conhecia
realmente quem
era que morava
na minha casa,
as outras
meninas que
moravam em
casas diferente
era aquela
amizade, depois
que a gente mora
junto que a gente
vê que realmente
E quanto tempo
você ficou na
casa de jovens?
Um ano só durou
a casa.
Quem que era a
dirigente?
A Clotilde que já
cuidava da
comunidade
juvenil das
meninas de Poá
né, eram duas
mães sociais lá, ai
eles deslocou
uma mãe pra ficar
com a gente, a
E vocês moravam
sozinhas?
Isso, sozinhas
sem mãe social
nenhuma.
é diferente, que a
gente realmente
conhece a
pessoa. Então a
casa não deu
certo foi uma
coisa. Muita
menina junto né,
12 meninas
juntas, foi um
absurdo. Ai
acabou fechando
E você tinha
quantos anos
quando fechou?
Eu estava com
16, 17 anos.
Ai o que você
fez?
Ai foi que surgiu a
comunidade
juvenil né, que é a
casa assistida
que eles falam. Ai
a gente alugou
uma casa com
número menor de
meninas né, ai
tipo foi que a
gente escolheu
umas meninas,
escolheu não, as
meninas mais
velhas que se
juntaram.
Mas ai não tinha
aquele
acompanhamento
de uma mãe com
a gente
Mais ai você já
tinha 18 anos ou
não?
Já, já estava com
18 anos já. Ai a
gente foi pra um
outro process
Que é esse que
você vive hoje?
Isso. Agora eu
estou com as
meninas já
fazem 2 anos já
e estou lá
tranqüila.
E deu certo?
Deu certo, mas ai
tem os processos
que tem ai hoje
em dia acho que
por questão de
per capita, como
posso dizer,
estava muito
cara eles não
poderiam ficar
bancando e ai
acabou a gente
se separando de
novo.
Mas vocês não
eram mais
tuteladas pela
aldeia?
Sim, ainda sim.
Porque eles
pagavam aluguel,
davam comida.
Há ta.
Ainda sim,
tínhamos que dar
satisfação de
algumas coisas
sim
e minha família
ás vezes fala
porque você não
vai morar com a
gente eu vejo não
dá, eu não
consigo, eu quero
ter minha vida
não sei. Minha
irmã eu vejo ela
lá, meu ela não
consegue fazer
nada ela não vai
Onde que é a
casa que você
mora?
Aqui perto, e eu
vivo
então eu não
consigo, não
conseguiria ir
morar lá, visitar
tudo bem minha
família gosto
muito mais não
morar não.
E com a sua
família social
daqui você
ainda tem
contato?
Tenho contato,
tenho com as
meninas com a
mãe social a
gente não se vê
sempre, mais se
fala sempre.
pra escola, sabe
é muita gente lá
na minha vó cria
muita gente os
netos dela muita
criança, eu não
consigo viver ali,
ela não vai pra
escola, não
trabalha, porque
a minha vó
banca, minha vó
cuida né, não
consegue ir pra
frente
A mãe social ainda
está aqui?
Está ainda
E há quanto
tempo que você
está contratada
aqui?
Aqui já vai fazer,
deixa eu ver, eu
fui contratada já
vai fazer 7
meses já. Mas
eu trabalhei 2
anos de
estagiária e
gostava também,
mais eu não
penso em ficar a
vida toda aqui eu
penso em
terminar meu
curso eu vou
procurar uma
coisa melhor.
E você está fazendo um
curso de técnico de ..?
Vou fazer.
Ah vai fazer?
É o que eu pretendo fazer
o ano que vem se Deus
quiser eu vou fazer
E tem mais
alguma coisa que
você lembra que
gostaria de falar
sobre você em
E você visita ela
fora?
Não, entanto ela
tem uma casa
alugada lá quase
perto da minha,
então de vez em
quando eu dou
uma passada lá
nos dias de folga
dela, ou ela vaia
lá na minha casa
e é assim.
relação a este
mundo aqui da
aldeia?
Eu.. eu acho que
não ah o que eu
tinha pra falar é
isso só sei que
foi bom, mas tem
muita gente que
critica que ahhh,
aldeia não, mais
eu dou graças a
Deus de ter vindo
pra cá é muito
bom
E a sua irmã que
veio pra cá e
saiu, você acha
que ela falaria
coisas parecidas
com você ou
diferentes?
Diferentes,
totalmente
diferentes né.
Porque ela sei
lá, ela é, ela
sabe acho que
rolava aquelas
coisas de inveja
na casa. Há ele
ganhou isso, eu
não ganhei
aquilo, essa
aldeia é uma
porcaria, você
não, sabe. È
aquela coisa ela
tem a cabeça
muito
pequenininha,
eu não gosto
daqui, eu não
gosto da Mãe
social. Então ela
vivia brigando
com a minha tia,
mãe social, com
as outras tias,
quando o
pessoal cumpria
o dia de folga
sabe, essa tia é
um saco vêm
pra cá hoje
entendeu.
Além da sua Mãe
social e todas as
mães enfim, que
era aquela
pessoa com que
você estava todo
dia, tinha mais
alguém da aldeia
que foi uma
pessoa de
alguma
importância pra
você?
Muitas, o
primeiro diretor
que chegou na
aldeia que era o
Luiz Marcos, a
gente foi amigo,
eu tenho
amizade com ele
até hoje a gente
se fala pela
internet, que ele
mora longe, mora
lá em Minas né,
mas é um
excelente
profissional, eu
adorava ele, todo
mundo adora ele.
Tem a Clotilde
também que
participou da
casa de jovens
minha amiga
também hoje.
Tem a Silvia que
cuida da casa de
jovens feminina
de Santo Amaro,
também muito
minha amiga né,
então tem muitos
profissionais aqui
que tenho
amizade, tem
uns que gente
não é bom
lembrar né, mas
tem uns que são
legais demais eu
procuro sempre
manter amizade.
LINHA NARRATIVA DA ALDEIA
Como qualifica Como descreve os
procedimentos
Rede criada a partir da Aldeia Relação com a família
biológica
Dirigente de Aldeia
importante pra mim é a aldeia
e a família da aldeia,
Se eu não tivesse vindo para
a Aldeia poderia estar morta
eu agradeço muito a aldeia
por eu ter vindo pra cá
tive do bom e do melhor,
escola, comida, roupa lavada,
tudo que uma criança quer do
bom e do melhor
.algumas pessoas achavam
que isso ia durar pra vida toda
a Aldeia ia ficar bajulando eles
a vida toda
ia pagar tudo a vida toda
.a gente teve que se
emancipar
alugamos uma casa e ai
resolvemos morar junto.
A Aldeia deveria continuar
com a capacitação das
Vim com 6 anos de idade
Meu irmão saiu pra se emancipar,
Fiquei 13 anos na Aldeia.
a Aldeia dava demais, não era
cobrado muito
A Aldeia fez um projeto -
comunidade juvenil
juntou as meninas maior de idade
duas de Poá e três de Rio Bonito
moraram juntas
depois fechou a casa
A Aldeia favorecia o contato com a
família da gente
tinha os dias de visita,
no final de ano, férias, feriados a
gente poderia visitar nossa família,
Quando a gente aprendeu ia
sozinha, pegava nossa mala e ia.
com 16 anos.
agora as mães fazem entrevista
viajo pra casa da família dela,
e pra mim é isso, é minha
família.
eu tenho contato com alguns
Tenho amigas da Aldeia.
Não tenho relações tão fortes
como com meus irmãos
eu tenho as minhas amigas que
eu moro com elas
hoje que eu daria de tudo por
elas.
São da aldeia de Poá.
As amigas da aldeia, uma
acabou tendo filho, foi morar
com o marido
a outra preferiu morar com a
mãe
a gente tem um super contato
acabei ficando com as meninas
de Poá, mas a gente se da
muito bem.
Importante pra mim é a minha
família,
a família que veio comigo,
eu tenho 7 irmãos
os que passaram pelo que
passei são 2
Tinha uma irmã 1 ano mais nova
que eu
e um irmão 1 ano mais velho
que eu.
meu pai não tinha condições de
ficar com a gente
a gente tinha de tudo
meu pai acabou perdendo tudo
a gente foi para na rua
E minha Vó, mãe da minha mãe
também não tinha condições
a gente ficava na rua
minha Vó denunciou meus pais
o juiz tirou a guarda deles,
antes de vir pra cá nos
o primeiro diretor que chegou
na aldeia, o Luiz Marcos
eu tenho amizade com ele até
hoje
a gente se fala pela Internet,
ele mora em Minas
é um excelente profissional
eu adorava ele, todo mundo
adora ele
a Clotilde também que
participou da casa de jovens
a Silvia que cuida da casa de
jovens feminina de Santo
Amaro
elas são minhas amigas
tem muitos profissionais com
quem tenho amizade
pessoas
gostávamos de sair e não
podia sair por causa dos
menores
tinha que dar exemplo
a gente queria ter uma vida lá
fora
não foi difícil, foi uma
felicidade
eles disseram que a gente
poderia ir pra casa de jovens.
Foi uma ótima experiência
Na aldeia cada uma vive na
sua casa é diferente
quando passa a conviver
junto, você conhece realmente
a pessoa
a casa não deu certo
12 meninas juntas, foi um
absurdo
A casa assistida deu certo,
mas estava muito cara
eles não poderiam ficar
bancando
a gente acabou se separando
antes as mães participavam de
um processo, iam para o Rio de
Janeiro
fazer capacitação para cuidar das
crianças que vêm fragilizadas
pedimos para o diretor para irmos
para uma casa de jovens
quem ia pra casa de jovens eram
só os meninos
Um ano só durou a casa.
A Clotilde que já cuidava da
comunidade juvenil das meninas
de Poá
eram duas mães sociais
eles deslocaram uma mãe pra
ficar com a gente
Eu estava com 16, 17 anos.
Depois surgiu a comunidade
juvenil, uma casa assistida
a gente alugou uma casa com
número menor de meninas
a gente escolheu umas meninas
as meninas mais velhas que se
juntaram.
Morávamos sozinhas
Lá em casa mora 4.
Duas de Poá, uma que é prima
da minha amiga e eu.
Tive ajuda financeira
quando eu era pequena, tinha
os padrinhos
eles davam uma quantia na
nossa conta
eu consegui pelo menos
comprar as minhas coisas da
casa,fogão etc.
Só conhecia os padrinhos por
carta. Eles moravam muito
longe.
Tenho contato com as meninas
e com a mãe social
a gente não se vê sempre, mas
se fala sempre.
ela tem uma casa alugada perto
da minha
eu dou uma passada lá nos dias
de folga dela
ela vai lá na minha casa
passamos por vários lugares.
Acho que eu já tinha uns 5
aninhos
depois eu fui para outro abrigo
fiquei um tempo
depois fui para outro abrigo
depois de lá eu vim pra cá.
acho que foi em um ano,
meu irmão quando era pequeno
tinha certo problema
ele era muito agitado
minha avó achou que ele não ia
se adaptar na casa de jovens
minha avó resolveu tirar ele
daqui e pegou a guarda dele
ele saiu daqui com 15 anos
ficamos eu e minha irmã
minha irmã saiu voluntariamente
foi morar com a minha avó
minha avó aceitou de braços
abertos
a minha mãe deu o filho mais
velho para minha avó criar
meu irmão Álvaro, do primeiro
casamento
de novo.
só sei que foi bom, mas tem
muita gente que critica
eu dou graças a Deus de ter
vindo pra a Aldeia
A Aldeia pagava aluguel, dava
comida.
tínhamos que dar satisfação de
algumas coisas sim.
não tinha aquele
acompanhamento de uma mãe
com a gente.
os outros filhos do meu pai ele
deixou com a mulher dele
do mesmo pai e da mesma mãe
são só nós 3 mesmo
Os irmãos de pai são bem mais
velhos.
São dois meninos e uma
menina.
Nós morávamos na rua
Me lembro muito bem, foi muito
ruim mesmo
A minha família tinha tudo, tinha
casa
por uma besteira do meu pai
acabou tudo
ele se envolveu com droga
acabou levando minha mãe
junto
a gente perdeu tudo fui parar na
rua
minha avó denunciou meus pais
Quando eu era pequena a
família vinha buscar
todas as férias todo mundo saia.
Meu pai se envolveu com
drogas,
morreu assassinado com os
vícios dele
minha mãe não tinha condições
de sustentar o vicio dela
acabou partindo pra bebida
faz uns 3 anos que ela morreu
de cirrose
eu já não tenho meu pai e nem
minha mãe
Só tenho a minha avó e meus
tios.
Eles semrpe ficaram na rua
Quando eu visitava minha avó
minha mãe estava lá.
minha família ás vezes fala
porque não moro com eles
não dá, eu não consigo, eu
quero ter minha vida
Eu vejo minha irmã, ela não
consegue fazer nada
ela não vai pra escola, não
trabalha
é muita gente lá, minha vó cria
os netos dela muita criança
eu não consigo viver ali,
minha vó banca, minha vó cuida
né,
ela não consegue ir pra frente
Minha irmã contaria coisas
totalmente diferentes
ela tem a cabeça muito
pequenininha
eu não gosto daqui, eu não
gosto da Mãe social
ela vivia brigando com a minha
tia, mãe social
com as outras tias, quando o
pessoal cumpria o dia de folga
Mãe Social
Como cuidava Como afetou Vida Fora da Aldeia Ações e reflexões Preconceito
tenho contato com a minha mãe
social
somos super amigas,
a gente conversa ela me ajuda
bastante,
ela vai à minha casa, almoça
comigo,
eu vou á casa dela, almoço lá,
A minha mãe social ainda está na
Aldeia
As trocas foram difíceis
a primeira mãe social foi super
boa, super legal
ficou pouco tempo com a gente.
Aí veio a segunda, a Silvia, ela era
bem agitada
bem diferente, totalmente
diferente da primeira
Ai veio uma outra e a tia Mirtis
É claro que dentro da casa nós
tínhamos umas desavenças
Agora eu estou com as meninas já
fazem 2 anos
estou lá tranqüila.
É aqui perto, e eu vivo lá
eu não conseguiria ir morar com
minha avó
visitar tudo bem, mas não morar
não.
eu fui contratada já vai fazer 7
meses
eu trabalhei 2 anos de estagiária e
gostava também
eu tenho duas famílias agora né.
e eu não ir para a casa da
minha avó
ia ficar muita gente lá sabe
minha avó já cuida de não sei
quantos netos
Desde pequena eu já tinha uma
cabeça assim
eu sempre fui muito quieta
sempre pensava que eu não
queria ser que nem os meus
pais
eu seria bem melhor que eles
um dia eu lutaria muito,
Trabalharia muito pra dar o
melhor para os meus irmãos
eu sempre quis dar o bom e o
melhor para os meus irmãos,
porque eu vi eles sofrendo
eu não importava comigo,
eu me importava mais com eles
Eu procuro não contar muito
da minha vida
como eu fui criada aqui
desde pequena a gente já
vê que tem um bloqueio
até na escola
o pessoal da aldeia é assim
é assado
por causa de uns que levava
a fama
na região todo mundo
conhece a aldeia, conhece o
pessoal da aldeia
eu procurava não contar da
minha vida
eu tenho a minha vida lá
fora
eu conto da minha vida a
partir do momento que eu
sai daqui
falo que fui criada em uma
depois que veio gente de fora
ficou bem melhor
a gente se acertou mais, a gente
agora é bem mais amiga.
antigamente as crianças
respeitavam mais as mães sociais
tinha uma certa educação, uma
coisa mais família
a gente se entrosava mais
hoje em dia as crianças são muito
mal educados
não dão valor para o que tem, não
respeitam as mães sociais
Pra mim foi difícil aceitar a troca
minha tia já conhece meus gostos
sabe o que eu quero
a gente come a comida dela
chega uma outra mulher na minha
casa vai mudar tudo
eu aceitava, sempre fui muito
quieta
havia rebeldia no começo
era difícil para as crianças da casa
aceitar uma nova Mãe
porque a cabeça deles não era
que nem a minha
eu brigo a minha irmã até hoje
pra estudar, pra trabalhar.
todo final de semana eu estou lá
com a minha família
eu vou visitar eles
visito minha irmã
ligo pra ela sempre pra saber
como ela está
se está precisando de alguma
coisa
é com o sofrimento que a gente
aprende
eu tinha vergonha da situação
que eu passava
eu pedia esmola na rua, eu
passava fome
eu tinha vergonha daquilo eu
não gostava.
eu não me conformava com
aquilo
desde pequena eu já pensava
em juntar dinheiro
comprar uma casa e dar do bom
instituição, sem meus pais
conto da minha vida a partir
do momento que eu sai
daqui.
tem certo preconceito
quanto a isso,
e do melhor para os meus
irmãos.
Eu poderia estar morta, poderia
estar viciada com droga ou
bebida pra conseguir uma grana
poderia estar envolvida em
muita coisa ruim
desde pequena e não pedir
nada pra eles
continuar com a minha vida.
eu estudei até o 3º Colegial
pretendo fazer um curso de
técnico de administração.
Agora eu estou juntando
dinheiro pra fazer um curso
melhor.
Ter tudo também já é demais, é
bom a gente lutar.
eu não penso em ficar a vida
toda aqui
eu penso em terminar meu
curso
eu vou procurar uma coisa
melhor.
Intervenções para confirmação, detalhamento ou
esclarecimento
Intervenções para obter explicação sobre
qualificações
Intervenções para especificar aspectos
relacionados aos temas
H: Denise: você disse que tem 7 irmãos e quantos
vieram pra aldeia?
H: E com quantos anos você veio? H:
H: Os 2 que vieram com você eram maiores ou
menores?
H: E o que trouxe vocês para a aldeia?l
H: Sua Vó, mãe dele?
H: Com quantos anos você foi para o primeiro lugar?
H: Desse outro lugar você veio pra cá?
H: Tudo isso em um ano?
H: E os seus outros irmãos?
H: Me diz uma coisa Denise e quando você entrou na
aldeia,
onde os outros irmãos que não entraram na aldeia
ficaram?
H: Então deixa eu entender direitinho. Sua mãe já
tinha um filho?
H: Tinha um filho, o Alex?
H: Ela separou desse primeiro casamento?
H: Separou, e ?
H: Ficou com seu pai?
H: E como é que você ganhou essa cabeça?
H: Têm amigas. Você tem alguma idéia da diferença
de alguns caminharem tão bem e outros com tanta
dificuldade?
H: Como você acha que você percebeu que não ia ter
isso a vida toda? H:
H: E durante todos anos que você morou na aldeia
você manteve o contato com a sua família?
H: Como foi esse contato? A aldeia favorecia, não
favorecia, eles viam aqui? Como que era?
H: A família tinha que vim buscar aqui quando vocês
eram pequenos?
H: Com que idade você saia?
H: Mas antes disso?
H: Mas elas não têm capacitação aqui em São Paulo?
H: Você não sabe o que aconteceu, você não tem uma
idéia?
H: Elas saíram por algum motivo, porque quiseram ou
porque a aldeia quis que elas saíssem.
Como é que foi essa transição de uma Mãe para
outra? Como é que foi pra você?
H: E como foi a sua relação com seus irmãos de
aldeia, seus irmãos de casa?
H: Denise, e fora a sua irmã que esteve com você
aqui, você tem alguma outra moça
ou rapaz que seja quase assim forte como se
fosse um irmão pra você?
H: E você estudou, o que você fez?
H: Você até? H: Você teve alguma ajuda da aldeia
financeira quando você saiu?
H: Denise, como foi a sua saída da aldeia?
H: Foi fácil, foi difícil?
.H – Hum, hum. Como foi essa experiência pra
você?
H: Ai o que você fez?
H: E vocês moravam sozinhas?
H: Mas vocês não eram mais tuteladas pela
aldeia?
H: E com a sua família social daqui você ainda tem
contato?
H: Além da sua Mãe social e todas as mães enfim,
que era aquela pessoa
H: Quantos filhos eles tiveram?
H: Três, com você?
H: Isso com seu pai e com sua mãe.
H: Quem é a mais velha?
H: Então é você e dois irmãos?
H: Depois eles se separaram?
H: Ah, ele tinha?
H: E esses filhos do primeiro casamento do seu pai
não são seus irmãos?
H: São seus irmãos por parte de pai, é verdade e são
quantos?
H: Três, e eles são mais velhos?
H: Homens ou mulheres?
H: Esses nunca foram quer dizer não foram esses que
foram tirados pelo juiz?
H: Os que foram tirados da casa foram vocês três?
H:E esse irmão do primeiro casamento da sua mãe já
era maior?
H: Ah, ele já estava sendo criado pela sua avó?
H: Ok. Então quando sua mãe se casou com seu pai,
em algum momento eles perderam tudo?
H: Foram pra rua?
H: E vocês três estavam na rua?
H: E você se lembra dessa época?
H: de qual a irmã que você fala?
H: A Leonor é menor que você?
Como é que você acha a aldeia fez? Como é que você
avalia isso?
com que você estava todo dia, tinha mais alguém
da aldeia
que foi uma pessoa de alguma importância pra
você?
H: Me diz uma coisa, quando você esta fora
dessa grande família da Aldeia,
você está sozinha, se você vai falar da sua vida,
como é que você vê que as pessoas escutam?
Você acha que as pessoas têm diferença,
estranham quem foi morador de uma instituição?
H: Na escola mesmo?
H: Isso que a gente esta falando é o que a gente
chama de preconceito?
H: Essa que veio para a aldeia junto?
H: Ok. E voltou para sua avó?
H: Ta bom. Então você sempre pensou nos seus
irmãos?
H: E você teve mais de uma mãe social?Qual é a tua
experiência?
H: E como foram essas trocas pra você?
H: Quem era?
H: Tá.
H: Tia Mirtis foi a última?
H: Quantos anos você ficou aqui na aldeia?
H: Nesses 13 anos você teve os irmãos da sua casa?
H: Você mora com?
H: – Aqui da Aldeia?
H: E como você conheceu as meninas de Poá?
H: E hoje quantas moram juntas?
H: Quatro. As outras 3 são de Poá
H: E seu pai e sua mãe saíram da rua?
H: Mas durante o tempo que eles estavam vivos, eles
tinham saído da rua?
H: E esses padrinhos você conhecia?
H: Por carta?
H: Bom isso sempre foi assim, né?
H: E me diz uma coisa Denise, você teve 4 mães
sociais né?
H: E quanto tempo você ficou na casa de jovens?
H: Quem que era a dirigente?
H: E você tinha quantos anos quando fechou?
H: Ah, tá.
H: E deu certo?
H: Mais ai você já tinha 18 anos ou não?
H: Que é esse que você vive hoje?
H: Onde que é a casa que você mora?
H: A mãe social ainda está aqui?
H: E você visita ela fora?
H: E há quanto tempo que você está contratada aqui?
H: E você está fazendo um curso de técnico de ..?
H: Ah vai fazer?
H: Então quando você fala que ia pro final de semana
era pra casa da Avó?
Intervenções de recapitulação, reiteração da pergunta
inicial
H: Agora eu entendi. Então me conta o que você acha
que é importante eu saber
sobre o que você pensa em você mesma. O que você
gosta? O que você não gosta?
O que você acredita? O que você não acredita? O que
você aprendeu de bom ou de ruim?
Quando você pensa em você olhando tudo o que você
é hoje.
O que você tem pra me contar da sua vida aqui na
aldeia e fora?
H: E como é que foi quando você já tinha passado por
essas dificuldades
e como é que você chegou na aldeia, qual é a sua
história na aldeia?
O que você aprendeu? O que é bom, o que é ruim? O
que te ajuda?
O que hoje faz parte da Denise? H: Moravam longe. E
quando você, quer dizer
hoje você mora com amigas que você conheceu na
aldeia, algumas das coisas
que você tem na sua casa foram dadas através dos
padrinhos.
Eu entendi que você acabou de faz estágio e agora
você foi contratada né?
H: E do jeito que a aldeia traz as crianças, se relaciona
com a família,
põe nas casas, cuida ou não, orienta ou não as mães.
Que mais que você acha, hoje como adulta?
H: E tem mais alguma coisa que você lembra que
gostaria de falar
sobre você em relação a este mundo aqui da aldeia?
H: E a sua irmã que veio pra cá e saiu, você acha que
ela falaria coisas parecidas com você ou diferentes?
H: Ta bom muito obrigado
H. Então Suely, como eu te expliquei, eu to querendo saber sobre você.
Quando hoje você pensa em quem você é, você pensa na sua relação
com a família biológica, com a Aldeia, com mãe social, com os irmãos,
com que outras coisas? O que você acha que tem em você hoje que é
importante?
S. Hoje o que tenho de importante, além de me manter bem, manter forças,
manter os filhos minha casa, é acho que minha família da Aldeia é importante,
sabe? Tanto que eles vêm me procuram a gente conversa, a gente sai é
importante, mas acho que depois que você sai da Aldeia, acho que fica mais
forte o laço da família biológica. Porque, eu nem sei te explicar, acho que fica
mais forte. Ficou mais forte pelo menos o meu laço com a minha família
biológica, entendi que eu nem sabia que gostava tanto deles como eu gostava,
como eu descobri hoje, entendeu?
H. E durante os anos de aldeia você manteve contato com sua família
biológica?
S. Sim, mas menos do que mantenho hoje.
H. E quem é sua família biológica?
S. O Mauro, a Sonia, a Sara, o Rubens, o Clovis e os filhos deles.
H. São seus irmãos? E os pais?
S. Não, não tenho.
H. Não tem. Você chegou a conhecer?
S. Não.
H. Como você foi pra Aldeia?
S. Morava no Tatuapé, morava no Rio, meus pais morreram ai a gente não
tinha com quem ficar, ai eles trouxeram a gente do Rio, a minha tia, irmã da
minha mãe, trouxe a gente do Rio pra São Paulo. Fomos morar no Tatuapé,
moramos lá um tempo só que 7 pra uma pessoa e solteira é complicado, a
gente bagunça muito.
H. Quantos anos você tinha?
S. Uns 2 anos.
H. Uns 2 anos. Então você tinha irmãos maiores?
S. Tinha.
H. Tá. E a baixo de você?
S. Ninguém, eu sou a mais nova. Ai a gente no geral bagunçávamos muito, ai
ela começou a ficar doente, psiquiatricamente falando, ai ela colocou a gente
em uma FEBEM, na FEBEM de Tatuapé. Ficamos lá alguns dias, aí tinha um
medico da família que ela conheceu que ajudava ela, ajudava a gente, né? Ele
ficou muito bravo porque ela colocou a gente na FEBEM, ai ele foi buscar a
gente na FEBEM e conheceu a Aldeia, ai ele fez com que ela tirasse a gente
da FEBEM e entregou a gente pra Aldeia.
H. Os 7 tinham ido pra FEBEM?
S. Ah, eu não me lembro.
H. Você não se lembra, você sabe...
S. Eu lembro que eu fui a Sonia foi, o Mauro foi e a Sara, agora os outros eu
não me lembro.
H. E pra Aldeia foram quantos?
S. Que eu me lembro esses também, agora os outros eu não lembro não.
H. Por que eles eram maiores?
S. Eram.
H. Então você entrou na aldeia com 2 anos mais ou menos?
S. É por ai.
H. Suely, seus pais morreram como?
S. Hepatite, segundo algumas pessoas, eles morreram de Hepatite, ai quando
eles morreram, morreu um seguido do outro, eu era amamentada ainda, eu não
sei da minha mãe, pelo menos hepatite eu não peguei, alguns irmãos meus
pegaram também hepatite foram tratados tudo direitinho e depois a gente veio
pra cá, mas eu tenho uma foto, muito velha do casamento deles.
H. E essa sua tia, vocês mantiveram contato?
S. Ela mora aqui perto e de vez em quando a gente vai lá.
H. Quer dizer que durante os anos de Aldeia, ficaram você a Sonia, a Sara,
o Mauro ...?
S. É, e a Silvina
H. Então os 5 cresceram juntos?
S. É mais ou menos né, porque logo depois a minha irmã saiu, ai depois a
outra.
H. Por que elas chegaram na idade?
S. É acho que fizeram uma certa idade ai saíram e eu fiquei. Ficou eu a Sonia
e o Mauro.
H. E em quanto você estava lá essas outras irmãs visitavam, vocês
tinham contato?
S. Pouco. Eu sentia mais saudades então eu pedia pra ir na casa de jovens pra
ver, né?
H. Conta um pouco da aldeia? Você na aldeia ...
S. Hoje em dia a aldeia a gente fala que foi uma coisa muito bacana, não foi
uma, eu não digo uma mãe, porque acho que mãe é muito mais completo uma
coisa muito mais, mãe aquilo foi uma, não tenho palavras, ela tentou passar
pra gente que somos importantes, a gente somos seres humanos, precisamos
de pessoas pra cuidar da gente, pra gente cuidar dessas pessoas, é carinho,
então tudo isso, a gente tentou fazer uma família pra gente entende. Então a
Aldeia foi legal, acho que os valores que hoje, eu achei que naquela jamais eu
precisava.
H. E esses valores como você acha que eram passados? Como era a
casa? Suas experiências com as mães?
S. Tinha mães que eram legais, mas têm outras que já não eram.
H. Você teve quantas mães?
S. A primeira foi a Laura, ela espancava a gente e a Silvia, na verdade duas,
H. A Laura te espancava como?
S. Aquela mulher foi horrível, horrível. Eu usava fralda quando eu entrei na
aldeia, eu tomava mamadeira, foi uma coisa muita traumática sabe que até
hoje eu me lembro e fico muito triste em lembrar, porque quando eu entrei na
aldeia eu usava fralda, tomava mamadeira, era criada como um bebê, meus
irmãos me tratavam como um bebe, minha madrinha, minha tia irmã da minha
mãe que criava a gente, me tratava como um bebê então era o centro das
atenções, entende? Quando eu entrei na aldeia isso foi chutado de mim,
arrancado de mim de uma forma muito brutal, de um dia pro outro eu parei de
usar fralda, de um dia pro outro eu parei de chupar chupeta, eu parei de tomar
mamadeira, eu fazia xixi na cama e apanhava de corda, entende? Então,
nossa, isso foi coisa que marcou muito pra mim, muito mesmo eu acho que foi
a pior parte da vida na Aldeia, pior foi esta, foi quando a gente tinha que ouvir
minhas irmãs apanhar de cabo de vassoura, fio, sabe, sem você poder fazer
nada, ela matou um pintinho, fez minha irmã comer, é muito ruim, muito ruim
mesmo, ela judiava de mais, essa parte foi horrível eu tinha vontade de fugir
tinha vontade de morrer até meus 15 anos eu rezava pra minha mãe vim me
buscar, 15,16 anos até os 17 anos, vai.
H. Mas você ainda estava morando lá, com a mesma mãe?
S. Não, eu sai da Aldeia, desde quando eu entrei na Aldeia.
H. Tá, mas deixa eu entender. E com essa mulher tão ruim você ficou
quanto tempo?
S. Eu não lembro o tempo, mas ela ficou um tempo lá, ai descobriram, não me
lembro como, parece que a minha irmã os meus irmãos mais velhos ... ai ela foi
mandada embora, e a gente foi morar com a tia Silvia. Então o que acontece é
que eu fui morar com a tia Silvia, só que quando eu entrei na aldeia eu era uma
pessoa, quando eu sai dessa casa, daquela mulher eu fui pra casa da tia Silvia
eu era outra entendeu. Então é assim, ela rezava, ficava com a gente, tinha um
irmão que pegava dinheiro ela descontava em mim porque eu cuidava da casa,
se eu queimasse um arroz ela descontava em mim entende, então isso tudo foi
me deixando triste ai eu comecei me revoltar. Se eu ando direito o que eu
ganho com isso, não ganho nada sabe, não ganho um elogio sabe, ninguém
fala, ninguém consegue ver, reconhecer, ai então eu vou virar, ai eu virei mudei
toda minha opinião, aí me enxergaram. Me colocaram pra fazer terapia, ai todo
mundo começou a ficar preocupado, ela está com problema, isso dai eu não
achei legal. Porque quando a gente apanhava lá, eu acho que ali a gente
merecia, merecia não, teria que ter uma terapia, a gente ter saído dali e ter ido
pra outra casa, foi tratamento diferente lá a gente era castigado aqui era outra
coisa entende, então o que eu fiz, eu comecei a ver uma outra coisa ali e não
quis mais saber de nada, agora pra mim chega eu fugia sabe, não pegava
dinheiro de ninguém mas, eu fugia , não queria mais fazer nada, sabe, agredia
as pessoas verbalmente isso pra mim, acho que foi tudo de lá dessa casa, a
primeira.
H. E durante esse teu período de sofrimento, de revolta, tinha alguém com
quem você se identificava, conversava mais, por exemplo?
S. Tinha a tia Teca que era psicóloga.
H. Tia?
S. Teca. Eu gostava muito dela, quando eu comecei a fazer terapia ela
começou a me dar atenção tal, assim eu me senti importante pra alguém, acho
que todo mundo quer ser importante pra alguém. Então eu não tinha ninguém,
ninguém me ouvia eu pensava que ninguém me ouvia, ai de repente eu
comecei a fazer terapia e alguém começou a se importar, pelo menos mostrou
que eu era importante e começou a ser importante pra mim, então eu fazia
desenho pra ela, tudo que eu fazia eu pensava nela, eu falava: será que ela vai
gostar? Aí eu fazia e levava pra ela ver, eu não via a hora de chegar a terapia,
eu não via o dia de chegar a terapia. Comecei a me comportar melhor por
causa dela, tudo por causa dela, então ela pra mim, ela foi um... tudo
H. Ela trabalhava na aldeia?
S. Trabalhava. Ela era psicóloga acho, não lembro, ela fazia terapia com a
gente, nem me lembro, mas ela trabalhava lá.
H. Você sabe o nome dela inteiro?
S. Teresa. Eu gostava muito dela, então ela arrumou, ai foi passando tempo
além da terapia, acabou a terapia e ela continuou acompanhando, isso pra mim
foi ótimo porque ela mostrou que gostava muito de mim, então ela tinha uma
amiga e essa amiga dava aula de ginástica olímpica, ai ela me apresentou pra
ela e eu comecei a fazer ginástica olímpica, ela que arrumou datilográfica pra
mim, me incentivava ir, eu tinha reforço, ela quem me dava reforço, entendeu?
Então ela foi muito legal pra mim, muito, muito importante.
H. Mais alguém na aldeia?
S. Não. Pra mim ela foi, assim, era a única pessoa que me dava aquela
atenção e se eu quisesse chorar eu poderia chorar, senta e chorar com ela ali,
ela me abraçava e falava. Suely, não fica assim, vai ficar tudo bem entendeu, e
eu acreditava era a única pessoa entendeu, depois quando ela saiu tudo, ai
passou a ser a tia Magui, a tia Magui era bacana.
H. E como é que a tia Magui era bacana?
S. Ela conversava muito com a gente, ela tentava, ela era atacadinha, ela era
uma super mãe assim, ela dava bronca, dava puxão de orelha, colocava de
castigo sabe, mas ela brigava muito por causa da gente, isso era muito legal
porque ela brigava, ela pisava e é ela é ela e pronto, entendeu? Aí ela brigava
por causa da gente, então ela foi muito legal.
H. Você ficou lá até quantos anos na aldeia, dentro da aldeia?
S. Até uns 12 anos.
H. E depois?
S. Depois aos 13 eu fui embora, fui morar na casa de jovens. Com 14 fiquei na
casa de jovens, com 15 eu me casei e fui embora.
H. E a casa de jovens como foi à experiência?
S. Ah, foi legal assim ...
H. Em que ano de escola você estava quando você estava indo pra casa
de jovens?
S. 6º acho, eu lembro que estava na 6º porque engravidei da minha filha, ai eu
parei né então foi mais ou menos isso ai.
H. Como foi engravidar da sua filha?
S. Ah, foi, não falando da minha filha entende, mas naquela época, naquele
momento foi um pesadelo, foi um pesadelo, eu tive que escolher muitas coisa
sabe, eu tive que optar por muitas, eu lembro que fiz opções erradas sabe, eu
sofri muito.
H. Você teve que optar por o que, você pode dar um exemplo?
S. Por exemplo, deixar minha filha ou ter, entendeu? É uma das coisas que me
deixou muito triste, assim, eu até entendo, sabe, que a Aldeia cria a gente
como um filho eu não sei, o pessoal da Aldeia, da direção cria a gente como
um filho talvez, mas acho que não justifica você chegar para um filho e falar
você esta grávida, você vai tirar entende, então eu fiz opções, sabe, só que eu
lembro que na época eu não pensei acho que pensei bem, eu perdi muita coisa
por causa de essas minhas decisões.
H. Mas você teve a filha?
S. A Irene, sofri demais, demais, demais mesmo. Passei fome sabe, dormi na
rua.
H. E o que você chama de decisão errada uma vez Tendo engravidado?
S. Primeiro acho que eu deveria, na época, por mais que você tenha, por isso
que eu falo que a Aldeia tentou ser mãe entende, porque assim por mais que
você tivesse psicólogo, psiquiatra, não sei o que, educação sexual, escola
particular, não sei o que, por mais que você tenha tudo isso, uma mãe é muito
diferente, porque a mãe vai conversar com você, entra na sua cabeça diferente
eu não sei te explicar, e talvez se tivesse ... hoje eu converso com a minha filha
e eu explico pra ela sabe, eu acho que faltou pra mim mesmo a minha mãe, eu
sentia muita falta dela. Uma decisão errada foi ter engravidado, entende, com a
idade que engravidei começou ai tudo errado, segunda decisão foi ter peitado a
Aldeia e saído de lá pra ir morar com ele entendeu, isso foi horrível ai depois
dali pra frente.
H. Mas a aldeia te aceitaria grávida lá dentro?
S. Não, mas eles me deram a opção.
H. Mas a opção foi de tirar a criança? Não é uma opção fácil.
S. Depois eu fiquei sabendo que a tia Teça, que eu tanto amava, queria me
adotar, Eu não sabia de nada entendeu, eu só fiquei sabendo disso, eu não sei,
eu não consegui entender bem, mas eu acho que foi uma espécie de
chantagem, foi como eu entendi. Disseram: a tia Teça, se você não estivesse
grávida, a tia Teca ia te adotar. Então pra mim foi muito triste, porque eu tinha a
tia Teca como uma pessoa muito importante pra mim, naquela época até mais
que minha família, entende? Aí eu tinha que escolher e eu escolhi em ver o que
vai dar, depois me separei,casei e me separei.
H. Você tem 3 filhos?
S. Tenho 3 filhos.
H. A Irene é essa que você teve com 14 anos?
S. Eu tive ela com 15, depois veio o Plínio eu tive ele com 17 anos e a Giovana
que tive...
H. E o Plínio, você estava com outro companheiro?
S. Outro, isso, eu já tinha terminado meu casamento tudo não queria mais. Ai
eu fui viver outra vida, ai fui tentar o meu, sozinha com a minha filha, ai foi
passando o tempo, eu conheci uma outra pessoa então.
H. E você trabalhava, Suely?
S. Trabalhava.
H. Você trabalhava no que?
S. A eu fazia um monte de coisa, inclusive com pessoas erradas.
H Ai você viveu com o pai do Plínio por quanto tempo?
S. Não eu não vivi com ele não, fiquei com ele um tempo, ai não teve jeito.
H. O Plínio está com quantos anos?
S. 9 anos.
H. E a Giovana?
S. Fez 7 anos.
H. E a Giovana tem outro pai?
S. É, a Giovana tem outro pai
H. E com esse pai você viveu um tempo, ou não?
S. 6 anos.
H.Até pouco tempo então?
S. Até uns 3 anos atrás.
H. E essas experiências de maternidades, como é que você vê hoje?
S. Eu vejo como um aprendizado sabe, acho que tudo que a gente passa tanto
bom quanto ruim, a gente temos que ver como uma lição. Então sofri, sofri fiz
outras pessoas sofrerem também com as minhas burrices, eu não sofri
sozinha, fiz meus filhos sofrerem e até hoje, por causa disso eles sofrem
também, então não é fácil pra mim também não pra eles.
H. Suely, voltando um pouquinho pra olhar esse seu percurso na Aldeia:
ele começou muito mal, com muita dificuldade, muito sofrimento, você
disse que quando passou para tia Silvia, independentemente de ela ser
boa ou ruim, você estava sofrida, revoltada né? Mas tem alguma coisa
que você olha pra você hoje, e você acha que você aprendeu que faz
parte de você, da tia Silvia? Da tia Teca tem, né?
S. Da tia Teca tem, né? Agora, da tia Silvia, acho que nem da Aldeia. Porque
assim, meu percurso na aldeia foi legal, foi. Mas psicologicamente falando foi
muito traumático pra mim, foi traumático sabe, então lembrando as coisas boas
foi legal, mas lembrando desse lado, dessas partes, aí foi traumático pra mim.
H. Como é que você completou seus estudos com essas gravidezes e
essas dificuldades todas?
S. Como eu te disse eu parei na 6º série. Ai depois eu engravidei da minha filha
a Irene, ai fiquei casada, ai passei por tudo aquilo tal, ai com uns 18 anos, uns
18 ou20 anos por ai eu voltei a estudar, depois que tive a Giovana, minha
ultima filha, briguei com o pai dela foi ai que começou a dar tudo errado entre a
gente, porque eu comecei a me impor, até então eu ficava quieta. Estava sem
estudo, dependente dele ai comecei a falar não, pra mim eu quero estudar, eu
quero fazer alguma coisa, não quero mais ficar em casa, então falei pra ele que
eu queria estudar e ai começamos a brigar.
H. Brigar como?
S.Assim mesmo briga, fui terminei 6º,7º,8º depois fiz o 1º, 2º e 3º isso tudo
brigando.
H. Alguém da aldeia ajudou de alguma maneira?
S. O Zé Maria.
H. O Zé Maria?
S. O Zé Maria, me ajudou muito com o curso de Auxiliar, muito, ele foi uma
pessoa muito importante pra mim porque quando eu estava bem ele me ligava
e a gente conversava e a gente ria, quando eu estava ruim a gente conversava
e eu chorava e depois a gente ria, e ele falou não fica assim, você vai
conseguir, você é uma pessoa determinada, ele me deu muita força.
H. Isso foi há uns 3 anos?
S. Atrás, né? Isso. Ele foi uma pessoa muito importante nessa época pra mim,
muito mesmo, foi ele. Aí, contando com alguém, com uma, com outra,
consegui fazer o curso.
H. E você fez esse curso de auxiliar de enfermagem com bolsa?
S. Alguém que pagou.
H. E quem intermediou isso?
S. Então o Zé Maria conversou com a Dona H. e a Dona H. foi a
intermediadora.
H. Você teve algum padrinho na aldeia que fez alguma coisa pra você,
como algumas pessoas que quando saem tem algum dinheiro?
S. Acho que todo mundo ali tem, né? Mas assim é pouco contato, nunca fazem
ou é por carta, tive sim, mandavam carta, dinheiro.
H. E você usou esse dinheiro de alguma maneira?
S. Usei, quando eu sai da aldeia como eu te disse, menor, casada passei a ser
emancipada.
H. Você casou de papel?
S. Casei, passei a ser emancipada e então passei a ser de maior, né? Então
podia pegar esse dinheiro, e eu peguei esse dinheiro só que aí fiz burrada de
novo, a beleza do meu marido na época. Falava assim: eu tenho que comprar
uma moto, eu posso fazer mais bico e alguns serviços por fora e dá pra gente
tirar um dinheiro a mais, pra gente alugar uma casa e morar só nós. Aí eu
acreditei e comprei a moto, dali pra frente só por Deus.
H. Suely, quando você saiu nessa época tão difícil, com 15 anos, para ter
sua filha nessa situação, teus irmãos, a Sonia etc. etc. Estavam
próximos?
S. Quando eu sai de onde? Da Aldeia?
H. Da Aldeia, grávida.
S. Eu sai da aldeia.
H. Ou da casa de jovens, que seja ...
S. Estavam brigando, naquela época, pra mim, nem estava sendo importante.
H. Sei.
S. É isso.
H. Então nos últimos anos tem o Zé Maria, esse seu curso, essa sua
formação importante.
S. Foi pra mim foi muito importante.
H. E durante esses últimos anos, você se encontra você se relaciona com
irmãos de Aldeia, com irmãs de Aldeia?
S. Sim, como eu te disse, agora muito mais.
H. Agora muito mais?
S. Agora muito mais que lá na Aldeia, antes eu nem queria muito me
relacionar, eu queria meio que esquecer. Né? Hoje em dia não, hoje em dia
eles me ligam a gente conversa ontem o Fernando estava aqui entende, outro
dia eu fui pra casa onde esta morando o Wilson, o negão. Fomos pra lá,
ficamos conversando tudo, o João, de vez em quando a gente se encontra.
H. E aquele processo com a Regina têm alguma importância pra você?
S. Olha eu penso que esse contato com os ex-aldeanos veio a fortalecer
depois que acabou esse curso que a gente teve, porque antes era só aqueles
meninos ali e só. Hoje não, hoje eu converso com eles tento entender, às
vezes um está brigando com o outro, e eu digo: isso é pouco, vamos
conversar, antes eu não queria nem saber, entendeu? Hoje não, hoje eu vejo
bem diferente e eu penso que foi depois do curso, eu só não entendo o porquê,
mas foi só depois, acho que veio fortalecer um pouco mais.
H. E nesse momento seus planos, sua vida atual?
S. Olha eu ando muito triste né? Mas eu queria, queria não, eu quero fazer
faculdade, arrumar um serviço, criar meus filhos sair daqui dessa casa.
H. Essa casa é sua ou não?
S. É. Eu invadi, invadi mais paguei. É, eu acho que é isso, eu quero é isso, dar
uma vida melhor para os meus filhos, diante das minhas condições talvez eu
não tenha muito tempo com os meus filhos, muita atenção, isso eu não acho
legal porque eu não tive na Aldeia e eu não quero passar isso pra eles. Então
eu sofro muito de não ter tempo de ficar com eles, eu sofro muito de ter que
trabalhar muito e não ter como ficar com eles na hora que precisa sabe, é isso.
H. E se você fizesse uma faculdade ou fizer do que você quer fazer?
S. De Enfermagem, antes eu queria Medicina, né? Mas diante das minhas
condições é um sonho muito bem remoto, gosto de estudar.
H. Gosta de estudar?
S. Gosto, só que é difícil, né?
H. É difícil.
S. Você tem que escolher porque eu tenho meus 3 filhos, mas tenho que
estudar, têm que estudar porque assim. Eu entendo que se eu não estudo fico
desfalcada no mercado sabe, dessa forma como eu vou trabalhar, como eu vou
fazer uma prova entendeu, então eu entendo que eu já estou meio que fora
então eu fico triste por isso.
H. Por que você esta meio que fora?
S. Porque assim eu terminei enfermagem já faz uns 3 anos e até agora não
consegui arrumar serviço no hospital entende, eu queria ao menos já que não
tem dinheiro pra fazer uma faculdade, ao menos fazer um curso de técnico de
enfermagem só que eu preciso trabalhar, como eu preciso trabalhar pra que,
eu preciso manter minha casa, meus filhos eu tenho conta pra pagar eu tenho
meus filhos pra manter, então eu tenho que optar eu estou trabalhando eu
tenho que optar, mesmo o pai dando pensão é pouco porque ninguém vive,
eles não vivem com R$ 150,00 reais por mês, sabe, então é tudo muito difícil/
tem dia que falta coisa aqui, sabe, e eu choro porque eu fui ter, porque isso
tudo é culpa minha, entende, eu não posso resolver então eu começo a ficar
mal, mal, ai eu saio vou fumar cigarro, ando por ai choro bastante, ai pra eles
esta tudo bem, é tem que dar um jeito.
H. Suely, eu me lembro que nas conversas que tive com as outras
pessoas apareceu uma coisa que eu passei a perguntar: quando você não
esta próxima de pessoas que estiveram na Aldeia, que conhecem a sua
história, se você está sozinha neste nosso mundo aqui fora, como é que
você acha que as pessoas olham,se você conta que foi criada em uma
instituição?
S. Quando eu falo que fui criada em uma instituição, eu acho que acabo
chamando um pouco de atenção, mas pelo lado de dó, pelo lado de pena, pelo
lado de coitada, é assim que a partir dali eu já sou vista como uma forma
diferente, então eu não gosto que as pessoas me vêm dessa forma e é isso.
H. Tem mais alguma coisa que eu não perguntei, que você agora
mobilizada, pensando na sua vida, acha que é um ponto que você quer me
contar?
S. Há não sei, tem muita coisa que passou coisas difíceis que a gente não
consegue se desligar, acho que não é só isso.
H. Obrigada Suely, depois eu mostro pra você.
Mapa de Associação de Idéias
Mãe Social Aldeia
Como cuidava Como afetou Vida Fora da
Aldeia
Então Suely,
como eu te
expliquei, eu to
querendo saber
sobre você.
Quando hoje
você pensa em
quem você é,
você pensa na
sua relação com
a família
biológica, com a
Aldeia, com mãe
social, com os
irmãos, com que
outras coisas? O
que você acha
que tem em você
hoje que é
importante?
Hoje o que tenho
de importante,
além de me
manter bem,
manter forças,
manter os filhos
minha casa,
Ações/Planos/Reflexões Preconceito Como qualifica Como descreve
os
procedimentos
Rede criada a
partir da Aldeia
é acho que
minha família da
Aldeia é
importante,
sabe? Tanto que
eles vêm me
procuram a
gente conversa,
a gente sai é
importante,
Relação com a
família biológica
mas acho que
depois que você
sai da Aldeia,
Dirigente de
Aldeia
acho que fica
mais forte o laço
da família
biológica. Porque,
eu nem sei te
explicar, acho que
fica mais forte.
Ficou mais forte
pelo menos o meu
laço com a minha
família biológica,
entendi que eu
nem sabia que
gostava tanto
deles como eu
gostava, como eu
descobri hoje,
entendeu?
E durante os anos
de aldeia você
manteve contato
com sua família
biológica?
Sim, mas menos
do que mantenho
hoje.
E quem é sua
família biológica?
O Mauro, a
Sonia, a Sara, o
Rubens, o Clovis
e os filhos deles.
São seus irmãos?
E os pais?
Não, não tenho.
Não tem. Você
chegou a
conhecer?
Não.
Como você foi pra
Aldeia?
Morava no
Tatuapé, morava
no Rio, meus pais
morreram ai a
gente não tinha
com quem ficar, ai
eles trouxeram a
gente do Rio, a
minha tia, irmã da
minha mãe, trouxe
a gente do Rio pra
São Paulo. Fomos
morar no Tatuapé,
moramos lá um
tempo só que 7
pra uma pessoa e
solteira é
complicado, a
gente bagunça
muito.
Quantos anos
você tinha?
Uns 2 anos.
Uns 2 anos. Então
você tinha irmãos
maiores?
Tinha.
Tá. E a baixo de
você?
Ninguém, eu sou
a mais nova. Ai a
gente no geral
bagunçávamos
muito, ai ela
começou a ficar
doente,
psiquiatricamente
falando, ai ela
colocou a gente
em uma FEBEM,
na FEBEM de
Tatuapé. Ficamos
lá alguns dias, aí
tinha um medico
da família que ela
conheceu que
ajudava ela,
ajudava a gente,
né? Ele ficou
muito bravo
porque ela
colocou a gente
na FEBEM, ai ele
foi buscar a gente
na FEBEM
e conheceu a
Aldeia, ai ele fez
com que ela
tirasse a gente da
FEBEM e
entregou a gente
pra Aldeia.
E pra Aldeia
foram quantos?
Que eu me
lembro esses
também, agora os
outros eu não
lembro não.
E pra Aldeia
foram quantos?
Que eu me
lembro esses
também, agora os
outros eu não
lembro não.
Os 7 tinham ido
pra FEBEM?
Ah, eu não me
lembro.
Você não se
lembra, você
sabe...
Eu lembro que eu
fui a Sonia foi, o
Mauro foi e a
Sara, agora os
outros eu não me
lembro.
Por que eles eram
maiores?
Eram.
Suely, seus pais
morreram como?
Hepatite, segundo
algumas pessoas,
eles morreram de
Hepatite, ai
quando eles
morreram, morreu
um seguido do
outro, eu era
amamentada
Quer dizer que
durante os anos
de Aldeia, ficaram
você a Sonia, a
Sara, o Mauro ...?
É, e a Silvina
Então os 5
cresceram
juntos?
É mais ou menos
né, porque logo
depois a minha
irmã saiu, ai
depois a outra.
Por que elas
chegaram na
idade?
ainda, eu não sei
da minha mãe,
pelo menos
hepatite eu não
peguei, alguns
irmãos meus
pegaram também
hepatite foram
tratados tudo
direitinho e depois
a gente veio pra
cá, mas eu tenho
uma foto, muito
velha do
casamento deles.
E essa sua tia,
vocês mantiveram
contato?
Ela mora aqui
perto e de vez em
quando a gente
vai lá.
E em quanto você
Conta um pouco da
aldeia? Você na
aldeia ...
Hoje em dia a aldeia
a gente fala que foi
uma coisa muito
bacana, não foi
uma, eu não digo
uma mãe, porque
acho que mãe é
muito mais completo
uma coisa muito
mais, mãe aquilo foi
uma, não tenho
palavras, ela tentou
passar pra gente
que somos
importantes, a gente
somos seres
humanos,
precisamos de
pessoas pra cuidar
da gente, pra gente
cuidar dessas
pessoas, é carinho,
então tudo isso, a
gente tentou fazer
uma família pra
gente entende.
Então a Aldeia foi
legal, acho que os
valores que hoje, eu
É acho que
fizeram uma certa
idade ai saíram e
eu fiquei. Ficou
eu a Sonia e o
Mauro.
estava lá essas
outras irmãs
visitavam, vocês
tinham contato?
Pouco. Eu sentia
mais saudades
então eu pedia
pra ir na casa de
jovens pra ver,
né?
E esses valores
como você acha
que eram
passados?
Como era a
casa? Suas
experiências
com as mães?
Tinha mães que
eram legais, mas
têm outras que
já não eram.
Você teve
quantas mães?
A primeira foi a
Laura, ela
espancava a
gente e a Silvia,
na verdade
duas,
A Laura te
espancava
como?
Aquela mulher
foi horrível,
horrível. Eu
usava fralda
quando eu entrei
na aldeia, eu
tomava
mamadeira, foi
uma coisa muita
traumática sabe
que até hoje eu
me lembro e fico
muito triste em
lembrar,
achei que naquela
jamais eu precisava.
porque quando eu
entrei na aldeia eu
usava fralda,
tomava
mamadeira, era
criada como um
bebê, meus
irmãos me
tratavam como um
bebe, minha
madrinha, minha
de um dia pro
outro eu parei de
usar fralda, de
um dia pro outro
eu parei de
chupar chupeta,
eu parei de
tomar
mamadeira, eu
fazia xixi na
cama e
apanhava de
corda, entende?
Quando eu
entrei na aldeia
isso foi chutado
de mim,
arrancado de
mim de uma
forma muito
brutal,
Então, nossa,
isso foi coisa
que marcou
muito pra mim,
muito mesmo eu
acho que foi a
pior parte da
vida na Aldeia,
pior foi esta,
tia irmã da minha
mãe que criava a
gente, me tratava
como um bebê
então era o centro
das atenções,
entende?
foi quando a
gente tinha que
ouvir minhas
irmãs apanhar
de cabo de
vassoura, fio,
sabe,
ela matou um
pintinho, fez
minha irmã
comer,
sem você poder
fazer nada,
é muito ruim,
muito ruim
mesmo, ela
judiava de mais,
essa parte foi
horrível eu tinha
vontade de fugir
tinha vontade de
morrer até meus
15 anos eu
rezava pra
minha mãe vim
me buscar,
15,16 anos até
os 17 anos, vai.
Mas você ainda
estava morando
lá, com a mesma
mãe?
Não, eu sai da
Aldeia, desde
quando eu entrei
na Aldeia.
Tá, mas deixa eu
entender. E com
essa mulher tão
ruim você ficou
quanto tempo?
Eu não lembro o
tempo, mas ela
ficou um tempo
lá, ai
e a gente foi
morar com a tia
Silvia. Então o
que acontece é
que eu fui morar
com a tia Silvia,
Então é assim,
ela rezava,
ficava com a
gente, tinha um
irmão que
pegava dinheiro
ela descontava
em mim porque
eu cuidava da
casa, se eu
queimasse um
arroz ela
descontava em
mim entende
só que quando
eu entrei na
aldeia eu era
uma pessoa,
quando eu sai
dessa casa,
daquela mulher
eu fui pra casa
da tia Silvia eu
era outra
entendeu
então isso tudo
foi me deixando
triste ai eu
comecei me
revoltar. Se eu
ando direito o
que eu ganho
descobriram, não
me lembro como,
parece que a
minha irmã os
meus irmãos mais
velhos ... ai ela foi
mandada embora,
com isso, não
ganho nada
sabe, não ganho
um elogio sabe,
ninguém fala,
ninguém
consegue ver,
reconhecer, ai
então eu vou
virar, ai eu virei
mudei toda
minha opinião,
então o que eu
fiz, eu comecei a
ver uma outra
coisa ali e não
quis mais saber
de nada, agora
pra mim chega
eu fugia sabe,
não pegava
isso dai eu não
achei legal. Porque
quando a gente
apanhava lá, eu
acho que ali a gente
merecia, merecia
não, teria que ter
uma terapia, a gente
ter saído dali e ter
ido pra outra casa,
foi tratamento
diferente lá a gente
era castigado aqui
era outra coisa
entende,
aí me
enxergaram. Me
colocaram pra
fazer terapia, ai
todo mundo
começou a ficar
preocupado, ela
está com
problema,
dinheiro de
ninguém mas,
eu fugia , não
queria mais
fazer nada,
sabe, agredia as
pessoas
verbalmente isso
pra mim, acho
que foi tudo de
lá dessa casa, a
primeira.
Tia?
Teca. Eu gostava
muito dela, quando
eu comecei a fazer
terapia ela começou
a me dar atenção
tal, assim eu me
senti importante pra
alguém, acho que
todo mundo quer ser
importante pra
alguém. Então eu
não tinha ninguém,
ninguém me ouvia
eu pensava que
ninguém me ouvia,
ai de repente eu
comecei a fazer
terapia e alguém
começou a se
importar, pelo
menos mostrou que
eu era importante e
começou a ser
importante pra mim,
E durante esse
teu período de
sofrimento, de
revolta, tinha
alguém com
quem você se
identificava,
conversava mais,
por exemplo?
Tinha a tia Teca
que era
psicóloga.
então eu fazia
desenho pra ela,
tudo que eu fazia eu
pensava nela, eu
falava: será que ela
vai gostar? Aí eu
fazia e levava pra
ela ver, eu não via a
hora de chegar a
terapia, eu não via o
dia de chegar a
terapia. Comecei a
me comportar
melhor por causa
dela, tudo por causa
dela, então ela pra
mim, ela foi um...
tudo
Você sabe o nome
dela inteiro?
Teresa. Eu gostava
muito dela, então ela
arrumou, ai foi
passando tempo
além da terapia,
acabou a terapia e
ela continuou
acompanhando, isso
pra mim foi ótimo
porque ela mostrou
que gostava muito
de mim, então ela
tinha uma amiga e
essa amiga dava
aula de ginástica
olímpica, ai ela me
apresentou pra ela e
eu comecei a fazer
ginástica olímpica,
ela que arrumou
Ela trabalhava na
aldeia?
Trabalhava. Ela
era psicóloga
acho, não
lembro, ela fazia
terapia com a
gente, nem me
lembro, mas ela
trabalhava lá.
datilográfica pra
mim, me incentivava
ir, eu tinha reforço,
ela quem me dava
reforço, entendeu?
Então ela foi muito
legal pra mim, muito,
muito importante.
Mais alguém na
aldeia?
Não. Pra mim ela
foi, assim, era a
única pessoa que
me dava aquela
atenção e se eu
quisesse chorar eu
poderia chorar,
senta e chorar com
ela ali, ela me
abraçava e falava.
Suely, não fica
assim, vai ficar tudo
bem entendeu, e eu
acreditava era a
única pessoa
entendeu, depois
quando ela saiu
tudo, ai passou a ser
a tia Magui, a tia
Magui era bacana.
E como é que a tia
Magui era bacana?
Ela conversava
muito com a gente,
ela tentava, ela era
atacadinha, ela era
uma super mãe
assim, ela dava
bronca, dava puxão
de orelha, colocava
de castigo sabe,
mas ela brigava
muito por causa da
gente, isso era muito
legal porque ela
brigava, ela pisava e
é ela é ela e pronto,
entendeu? Aí ela
brigava por causa
da gente, então ela
porque engravidei da
minha filha, ai eu parei né
então foi mais ou menos
isso ai.
Como foi engravidar da
sua filha?
Ah, foi, não falando da
minha filha entende, mas
foi muito legal.
E a casa de jovens
como foi à
experiência?
Ah, foi legal assim ...
Você ficou lá até
quantos anos na
aldeia, dentro da
aldeia?
Até uns 12 anos.
E depois?
Depois aos 13 eu
fui embora, fui
morar na casa de
jovens. Com 14
fiquei na casa de
jovens, com 15 eu
me casei e fui
embora.
Em que ano de
escola você
estava quando
você estava indo
pra casa de
jovens?
6º acho, eu
lembro que
estava na 6º
naquela época, naquele
momento foi um pesadelo,
foi um pesadelo, eu tive
que escolher muitas coisa
sabe, eu tive que optar por
muitas, eu lembro que fiz
opções erradas sabe, eu
sofri muito.
Você teve que optar por o
quel, você pode dar um
exemplo?
Por exemplo, deixar minha
filha ou ter, entendeu? É
uma das coisas que me
deixou muito triste, assim,
eu até entendo, sabe, que
então eu fiz opções, sabe,
só que eu lembro que na
época eu não pensei acho
que pensei bem, eu perdi
muita coisa por causa de
essas minhas decisões.
Mas você teve a filha?
A Irene, sofri demais,
demais, demais mesmo.
Passei fome sabe, dormi
na rua.
a Aldeia cria a gente
como um filho eu
não sei, o pessoal
da Aldeia, da
direção cria a gente
como um filho
talvez, mas acho
que não justifica
você chegar para
um filho e falar você
esta grávida, você
vai dar, entende,
E o que você chama
de decisão errada
uma vez Tendo
engravidado?
Primeiro acho que
eu deveria, na
época, por mais que
você tenha, por isso
que eu falo que a
Aldeia tentou ser
mãe entende,
porque assim por
mais que você
tivesse psicólogo,
psiquiatra, não sei o
hoje eu converso com a
minha filha e eu explico
pra ela sabe, eu acho que
faltou pra mim mesmo a
minha mãe, eu sentia
muita falta dela. Uma
decisão errada foi ter
engravidado, entende,
com a idade que
engravidei começou ai
tudo errado, segunda
decisão foi ter peitado a
Aldeia e saído de lá pra ir
morar com ele entendeu,
isso foi horrível ai depois
dali pra frente.
Mas a opção foi de tirar a
que, educação
sexual, escola
particular, não sei o
que, por mais que
você tenha tudo
isso, uma mãe é
muito diferente,
porque a mãe vai
conversar com você,
entra na sua cabeça
diferente eu não sei
te explicar, e talvez
se tivesse ...
Mas a aldeia te
aceitaria grávida
lá dentro?
Não, mas eles me
deram a opção.
Você tem 3
filhos?
Tenho 3 filhos.
A Irene é essa
que você teve
com 14 anos?
Eu tive ela com
15, depois veio o
Plínio eu tive ele
com 17 anos e a
Giovana que
tive...
criança? Não é uma opção
fácil.
Depois eu fiquei sabendo
que a tia Teça, que eu
tanto amava, queria me
adotar, Eu não sabia de
nada entendeu, eu só
fiquei sabendo disso, eu
não sei, eu não consegui
entender bem, mas
Então pra mim foi muito
triste, porque eu tinha a tia
Teca como uma pessoa
muito importante pra mim,
naquela época até mais
que minha família,
entende? Aí eu tinha que
escolher e eu escolhi em
ver o que vai dar, depois
me separei,casei e me
separei.
eu acho que foi uma
espécie de
chantagem, foi como
eu entendi.
Disseram: a tia
Teça, se você
não estivesse
grávida, a tia
Teca ia te adotar
E o Plínio, você
estava com outro
companheiro?
Outro, isso, eu já
tinha terminado
meu casamento
tudo não queria
mais. Ai eu fui
viver outra vida,
ai fui tentar o
meu, sozinha
com a minha
filha, ai foi
passando o
tempo, eu
conheci uma
outra pessoa
então.
E você
trabalhava,
Suely?
Trabalhava.
Você trabalhava
no que?
Ah eu fazia um
monte de coisa,
inclusive com
pessoas erradas.
Ai você viveu
com o pai do
Plínio por quanto
tempo?
Não eu não vivi
com ele não,
fiquei com ele
um tempo, ai
não teve jeito.
O Plínio está
com quantos
anos?
9 anos.
E a Giovana?
Fez 7 anos.
E a Giovana tem
outro pai?
É, a Giovana
tem outro pai
E com esse pai
você viveu um
tempo, ou não?
6 anos.
Até pouco tempo
então?
Até uns 3 anos
atrás.
E essas experiências de
maternidades, como é que
você vê hoje?
Eu vejo como um
aprendizado sabe, acho
que tudo que a gente
passa tanto bom quanto
ruim, a gente temos que
ver como uma lição. Então
sofri, sofri fiz outras
pessoas sofrerem também
com as minhas burrices,
eu não sofri sozinha, fiz
meus filhos sofrerem e até
hoje, por causa disso eles
sofrem também, então não
é fácil pra mim também
não pra eles.
Suely, voltando um
pouquinho pra olhar
esse seu percurso
na Aldeia: ele
começou muito mal,
com muita
dificuldade, muito
sofrimento, você
disse que quando
passou para tia
Silvia,
independentemente
de ela ser boa ou
ruim, você estava
sofrida, revoltada
né? Mas tem
alguma coisa que
você olha pra você
hoje, e você acha
que você aprendeu
que faz parte de
você, da tia Silvia?
Da tia Teca tem, né?
Da tia Teca tem, né?
Agora, da tia Silvia,
acho que nem da
Aldeia. Porque
assim, meu percurso
Como é que
você completou
seus estudos
com essas
gravidezes e
essas
dificuldades
todas?
Como eu te
disse eu parei na
6º série. Ai
depois eu
engravidei da
minha filha a
Irene, ai fiquei
casada, ai
passei por tudo
aquilo tal, ai
com uns 18 anos, uns 18
ou20 anos por ai eu voltei
a estudar, depois que tive
a Giovana, minha ultima
filha, briguei com o pai
dela foi ai que começou a
dar tudo errado entre a
gente, porque eu comecei
a me impor, até então eu
na aldeia foi legal,
foi. Mas
psicologicamente
falando foi muito
traumático pra mim,
foi traumático sabe,
então lembrando as
coisas boas foi legal,
mas lembrando
desse lado, dessas
partes, aí foi
traumático pra mim.
Brigar como?
Assim mesmo
briga, fui terminei
6º,7º,8º depois
fiz o 1º, 2º e 3º
isso tudo
brigando.
ficava quieta. Estava sem
estudo, dependente dele
ai comecei a falar não, pra
mim eu quero estudar, eu
quero fazer alguma coisa,
não quero mais ficar em
casa, então falei pra ele
que eu queria estudar e ai
começamos a brigar.
Alguém da aldeia
ajudou de
alguma maneira?
O Zé Maria.
O Zé Maria?
O Zé Maria, me
ajudou muito
com o curso de
Auxiliar, muito,
ele foi uma
pessoa muito
importante pra
mim porque
quando eu
estava bem ele
me ligava e a
gente
conversava e a
gente ria, quando
eu estava ruim a
gente
conversava e eu
chorava e depois
a gente ria, e ele
falou não fica
assim, você vai
conseguir, você
é uma pessoa
determinada, ele
me deu muita
força.
Isso foi há uns 3
anos?
Atrás, né? Isso.
Ele foi uma
pessoa muito
importante nessa
época pra mim,
muito mesmo, foi
ele. Aí, contando
com alguém,
com uma, com
outra, consegui
fazer o curso.
E você fez esse
curso de auxiliar
de enfermagem
com bolsa?
Alguém que
pagou.
E quem
intermediou
isso?
Então o Zé Maria
conversou com a
Dona H. e a
Dona H. foi a
intermediadora.
Você teve algum
padrinho na
aldeia que fez
alguma coisa pra
você, como
algumas pessoas
que quando
saem tem algum
dinheiro?
Acho que todo
mundo ali tem,
né? Mas assim é
pouco contato,
nunca fazem ou
é por carta, tive
sim, mandavam
E você usou
esse dinheiro de
alguma
maneira?
Usei, quando eu
sai da aldeia
como eu te
disse, menor,
casada passei a
ser emancipada.
Você casou de
papel?
Casei, passei a
ser emancipada
e então passei a
ser de maior,
né? Então podia
pegar esse
dinheiro, e eu
peguei esse
dinheiro só que
aí fiz burrada de
novo, a beleza
do meu marido
na época. Falava
assim: eu tenho
que comprar
uma moto, eu
posso fazer mais
bico e alguns
serviços por fora
e dá pra gente
tirar um dinheiro
a mais, pra
gente alugar
uma casa e
morar só nós. Aí
eu acreditei e
comprei a moto,
dali pra frente só
por Deus.
Suely, quando
você saiu nessa
época tão difícil,
com 15 anos,
carta, dinheiro.
para ter sua filha
nessa situação,
teus irmãos, a
Sonia etc. etc.
Estavam
próximos?
Quando eu sai
de onde? Da
Aldeia?
Da Aldeia,
grávida.
Eu sai da aldeia.
Ou da casa de
jovens, que seja
...
Estavam
brigando,
naquela época,
pra mim, nem
estava sendo
importante.
Sei.
É isso.
Então nos
últimos anos tem
o Zé Maria, esse
seu curso, essa
sua formação
importante.
Foi pra mim foi
muito importante.
E durante esses
últimos anos,
você se encontra
você se relaciona
com irmãos de
Aldeia, com
irmãs de Aldeia?
Sim, como eu te
disse, agora
muito mais.
Agora muito
mais?
Agora muito mais
que lá na Aldeia,
antes eu nem queria muito
me relacionar, eu queria
meio que esquecer. Né?
Hoje em dia não,
hoje em dia eles
me ligam a gente
conversa ontem
o Fernando
estava aqui
entende, outro
dia eu fui pra
casa onde esta
morando o
Wilson, o negão.
Fomos pra lá,
ficamos
conversando
tudo, o João, de
vez em quando a
gente se
encontra.
E aquele
processo com a
Regina têm
alguma
importância pra
você?
Olha eu penso
que esse contato
com os ex-
aldeanos veio a
fortalecer depois
que acabou esse
curso que a
gente teve,
porque antes era
só aqueles
meninos ali e só.
Hoje não, hoje
eu converso com
eles tento
entender, às
vezes um está
brigando com o
outro, e eu digo:
isso é pouco,
vamos
E nesse momento seus
planos, sua vida atual?
Olha eu ando muito triste
né? Mas eu queria, queria
não, eu quero fazer
faculdade, arrumar um
serviço, criar meus filhos
sair daqui dessa casa.
Essa casa é sua ou não?
É. Eu invadi, invadi mais
paguei. É, eu acho que é
isso, eu quero é isso, dar
uma vida melhor para os
meus filhos, diante das
minhas condições talvez
eu não tenha muito tempo
com os meus filhos, muita
atenção, isso eu não acho
legal porque eu não tive
na Aldeia e eu não quero
passar isso pra eles.
Então eu sofro muito de
não ter tempo de ficar com
conversar, antes
eu não queria
nem saber,
entendeu? Hoje
não, hoje eu vejo
bem diferente e
eu penso que foi
depois do curso,
eu só não
entendo o
porquê, mas foi
só depois, acho
que veio
fortalecer um
pouco mais.
Por que você
esta meio que
fora?
Porque assim.
eu terminei
enfermagem já
faz uns 3 anos e
até agora não
consegui
arrumar serviço
no hospital
entende,
eles, eu sofro muito de ter
que trabalhar muito e não
ter como ficar com eles na
hora que precisa sabe, é
isso.
E se você fizesse uma
faculdade ou fizer do que
você quer fazer?
De Enfermagem, antes eu
queria Medicina, né? Mas
diante das minhas
condições é um sonho
muito bem remoto, gosto
de estudar.
Gosta de estudar?
Gosto, só que é difícil, né?
É difícil.
Você tem que escolher
porque eu tenho meus 3
filhos, mas tenho que
estudar, têm que estudar
porque assim. Eu entendo
que se eu não estudo fico
desfalcada no mercado
sabe, dessa forma como
eu vou trabalhar, como eu
vou fazer uma prova
entendeu, então eu
entendo que eu já estou
meio que fora então eu
fico triste por isso.
eu queria ao menos já que
não tem dinheiro pra fazer
uma faculdade, ao menos
eu tenho conta
pra pagar eu
tenho meus
filhos pra
manter, então eu
tenho que optar
eu estou
trabalhando eu
tenho que optar,
mesmo o pai
dando pensão é
pouco porque
ninguém vive,
eles não vivem
com R$ 150,00
reais por mês,
sabe, então é
tudo muito difícil/
tem dia que falta
coisa aqui, sabe,
e eu choro
porque eu fui ter,
porque isso tudo
é culpa minha,
entende, eu não
posso resolver
então eu começo
a ficar mal, mal,
ai eu saio vou
fumar cigarro,
ando por ai
choro bastante,
ai pra eles esta
tudo bem, é tem
que dar um jeito.
fazer curso de técnico de
enfermagem só que eu
preciso trabalhar, como eu
preciso trabalhar pra que,
eu preciso manter minha
casa, meus filhos
Tem mais alguma coisa
que eu não perguntei, que
Suely, eu me
lembro que nas
conversas que
tive com as
outras pessoas
apareceu uma
coisa que eu
passei a
perguntar/,
quando você
não esta
próxima de
pessoas que
estiveram na
Aldeia, que
conhecem a sua
história, se você
esta sozinha
neste nosso
mundo aqui fora,
como é que
você acha que
as pessoas
olham se você
conta que foi
criada em uma
instituição?
Quando eu falo
que fui criada
em uma
instituição, eu
acho que acabo
chamando um
pouco de
atenção, mas
pelo lado de dó,
pelo lado de
pena, pelo lado
de coitada é
assim que a
partir dali eu já
sou vista como
uma forma
você agora mobilizada,
pensando na sua vida.
acha que é um ponto que
você quer me contar?
Há não sei, tem muita
coisa que passou, coisas
difíceis que a gente não
consegue se desligar,
acho que não é só isso.
diferente, então
eu não gosto
que as pessoas
me vêm dessa
forma e é isso.
LINHA NARRATIVA DA ALDEIA
Como qualifica Como descreve os
procedimentos
Rede criada a partir da Aldeia Relação com a família
biológica
Dirigente de Aldeia
Hoje em dia a aldeia falo que
foi uma coisa muito bacana
eu não digo que foi uma mãe
mãe é muito mais completo
uma coisa muito mais
aquilo foi uma ... não tenho
palavras
ela tentou passar que somos
importantes
que somos seres humanos
precisamos de pessoas pra
cuidar da gente
pra gente cuidar dessas
pessoas
é carinho, então tudo isso
a gente tentou fazer uma
família
a aldeia foi legal
hoje eu tenho valores
naquela época achei que não
precisava.
quando eu entrei na aldeia
isso foi chutado de mim
arrancado de mim de uma
forma muito brutal
isso foi coisa que me marcou
muito
foi a pior parte da vida na
aldeia,
isso dai eu não achei legal
quando a gente apanhava lá
entregou a gente pra aldeia.
Eu lembro que fui eu, a Sonia, o
Mauro, e a Sara
os outros eu não me lembro.
Entrei na aldeia com 2 anos mais
ou menos
e a Silvina, também
os 5 cresceram mais ou menos
juntos
logo depois a minha irmã saiu ai
depois a outra.
Chegaram a uma certa idade e
saíram e eu fiquei.
Ficou eu a Sonia e o Mauro.
tínhamos pouco contato com os
que sairam
Eu sentia saudades
pedia pra ir na casa de jovens pra
ver eles
ela ficou um tempo lá, ai
descobriram
não me lembro como
irmã os meus irmãos mais velhos,
falaram com a tia Magui
ela foi mandada embora
ai me enxergaram
me colocaram pra fazer terapia
ai todo mundo começou a ficar
preocupado
ela esta com problema,
Fiquei na Aldeia até uns 12 anos.
minha família da aldeia
eles vêm me procuram
a gente conversa, a gente sai
da aldeia quem ajudou foi o Zé
Maria.
com o curso de Auxiliar
ele foi uma pessoa muito
importante pra mim
quando eu estava bem ele me
ligava
a gente conversava e a gente ria
a gente conversava quando eu
estava ruim
eu chorava e depois a gente ria
ele falou você você é uma
pessoa determinada
ele me deu muita força.
fiz esse curso de auxiliar de
enfermagem com bolsa
o Zé Maria conversou com a Da.
H.
a Da. H. foi a intermediadora.
todo mundo tem padrinho na
aldeia
é pouco contato, é por carta
mandavam carta, dinheiro.
agora me relaciono muito mais
com irmãos de aldeia
lá na aldeia, antes eu não queria
me relacionar
eu queria meio que esquecer
depois que você sai da aldeia
fica mais forte o laço da família
biológica.
eu nem sabia que gostava tanto
deles
como eu descobri hoje
menos do que mantenho hoje.
Mauro, a Sonia, a Sara, o
Rubens, o Clovis os filhos deles.
Não tenho pais.
Não cheguei a conhecer.
morava no Rio
meus pais morreram
a gente não tinha com quem
ficar
a minha tia irmã da minha mãe,
trouxe a gente do Rio pra São
Paulo
Fomos morar no Tatuapé, um
tempo
7 crianças pra uma pessoa e
solteira é complicado
a gente bagunça muito
Eu tinha uns 2 anos.
tinha irmãos maiores
eu sou a mais nova.
Minha tia começou a ficar
doente, psiquiatricamente
falando
ela colocou a gente na FEBEM
de Tatuapé
adultos significativos na Aldeia
Tinha a tia Teca que era
psicóloga.
Eu gostava muito dela
quando eu comecei a fazer
terapia
ela começou a me dar
atenção
eu me senti importante pra
alguém
todo mundo quer ser
importante pra alguém
eu não tinha ninguém
ninguém me ouvia, eu
pensava que ninguém me
ouvia
de repente eu comecei a fazer
terapia
alguém começou a se
importar
pelo menos mostrou que eu
era importante
e começou a ser importante
pra mim
eu fazia desenho pra ela,
tudo que eu fazia eu pensava
nela,
eu falava será que ela vai
gostar
eu fazia e levava pra ela ver,
eu não via a hora de chegar a
a gente merecia alas. teria
que ter uma terapia,
teria que ter saído dali e ter
ido pra outra casa
a casa de jovens foi uma
experiência legal
eu até entendo que a aldeia
cria a gente como um filho
o pessoal da aldeia cria a
gente como um filho
mas não justifica falar para um
filho
você esta grávida, você vai ter
que dar
a aldeia tentou ser mãe
mas por mais que tivesse
psicólogo, psiquiatra
não sei o que, educação
sexual,
escola particular, não sei o
que,
por mais que você tenha tudo
isso
uma mãe é muito diferente,
eu não sei, eu não consegui
entender bem
eu acho que foi uma espécie
de chantagem
se você não tivesse grávida, a
tia Teca ia te adotar
pra mim foi muito triste
a tia Teca era uma pessoa
muito importante pra mim
naquela época até mais que
minha família
Tenho coisas importantes da
tia Teca
acho que nem da tia Sônia,
Depois aos 13 eu fui embora, fui
morar na casa de jovens.
Com 14 fiquei na casa de jovens,
com 15 eu me casei e fui embora.
estava na 6quando engravidei da
minha filha, e parei a escola
fiquei sabendo que a tia Teca
queria me adotar
Hoje em dia eles me ligam a
gente conversa
ontem o Luis Fernando estava
aqui
outro dia eu fui pra casa onde
esta morando o Wilson, o
negão.
O contato com os ex-aldeanos
veio a fortalecer depois que
acabou esse curso
antes era só aqueles meninos
ali
hoje eu converso com eles
ficamos lá alguns dias,
ela conversou com um medico
da família que ajudava ela
ajudava a gente
ele ficou muito bravo porque ela
colocou a gente na FEBEM
ele foi buscou a gente lá e
conheceu a aldeia
ele fez com que ela tirasse a
gente da FEBEM
Meus pais morreram de hepatite
morreu um seguido do outro
eu era amamentada ainda
pelo menos hepatite eu não
peguei
alguns irmãos meus também
pegaram hepatite
foram tratados direitinho
eu tenho uma foto, muito velha
do casamento deles.
Minha tia mora aqui perto e de
vez em quando a gente vai lá.
eu usava fralda, tomava
mamadeira
era criada como um bebe
meus irmãos me tratava como
um bebe
minha madrinha, tia irmã da
minha mãe que criava a gente
me tratava como um bebe
eu era o centro das atenções
terapia,
eu não via o dia de chegar a
terapia.
Comecei a me comportar
melhor por causa dela,
tudo por causa dela, então ela
pra mim,
Ela era psicóloga acho, não
lembro,
ela fazia terapia com a gente,
Eu gostava muito dela
foi passando tempo acabou a
terapia
ela continuou acompanhando,
isso pra mim foi ótimo
ela mostrou que gostava muito
de mim,
ela tinha uma amiga que dava
aula de ginástica olímpica
ela me apresentou pra ela e
eu comecei a fazer ginástica
olímpica
ela arrumou datilográfica pra
mim, me incentivava ir
eu tinha reforço, ela quem me
dava reforço
ela foi muito legal pra mim,
muito, muito importante.
Pra mim ela foi a única pessoa
que me dava aquela atenção
se eu quisesse chorar eu
poderia chorar
sentar e chorar com ela ali
ela me abraçava e falava não
fica assim vai ficar tudo bem
eu acreditava, ela era a única
pessoa
quando ela saiu tudo, passou
nem da aldeia
Porque meu percurso na
aldeia foi legal
Mas psicologicamente falando
foi muito traumático
a ser a tia Magui
a tia Magui era bacana.
Ela conversava muito com a
gente
ela tentava, ela era atacadinha
ela era uma super mãe, ela
dava bronca,
dava puxão de orelha,
colocava de castigo
mas ela brigava muito por
causa da gente
isso era muito legal
Mãe Social
Como cuidava Como afetou Vida Fora da Aldeia Ações e reflexões Preconceito
Tinha mães que eram legais, mas
têm outras que já não eram
A primeira foi a Luisa ela
espancava a gente e a Sônia, na
verdade duas
de um dia pro outro eu parei de
usar fralda
de um dia pro outro eu parei de
chupar chupeta
eu parei de tomar mamadeira
eu fazia xixi na cama
apanhava de corda
ela matou um pintinho fez minha
irmã comer
minhas irmãs apanhavam de cabo
de vassoura, fio
a gente foi morar com a tia Sônia
ela rezava, ficava com a gente
tinha um irmão que pegava dinheiro
ela descontava em mim porque eu
cuidava da casa
se eu queimasse um arroz ela
descontava em mim
Aquela mulher foi horrível, horrível
foi uma coisa muita traumática
até hoje eu me lembro e fico muito
triste em lembrar
a gente tinha que ouvir sem você
poder fazer nada
é muito ruim, muito ruim mesmo
ela judiava de mais
eu tinha vontade de fugir
tinha vontade de morrer
até meus 15 anos eu rezava pra
minha mãe vim me buscar
15,16 anos até os 17 anos
quando eu entrei na aldeia eu era
uma pessoa
quando eu sai daquela mulher eu
fui pra casa da tia Sônia
eu era outra
isso tudo foi me deixando triste ai
eu comecei me revoltar
Se eu ando direito não ganho
nada
não ganho um elogio, ninguém
fala,
ninguém consegue ver,
reconhecer
então eu virei, mudei toda minha
opinião
eu não quis mais saber de nada
agora pra mim chega,
não pegava dinheiro de ninguém
mas eu fugia
engravidar da minha filha
não falando da minha filha agora
naquela época, naquele momento
foi um pesadelo
eu tive que escolher muitas coisa
eu tive que optar por muitas
eu lembro que fiz opções erradas
eu sofri muito.
tive que optar, por exemplo, deixar
minha filha ou ter
eu fiz opções
eu lembro que na época eu não
pensei
eu perdi muita coisa por causa de
essas minhas decisões.
sai da aldeia, menor, casei passei
a ser emancipada.
passei a ser de maior
então podia pegar esse dinheiro
eu peguei esse dinheiro só que ai
burrada de novo
a beleza do meu marido quis
comprar uma moto
pra fazer mais bico e alguns
serviços por fora
pra gente tirar um dinheiro a mais
pra gente alugar uma casa e
morar só nós.
eu acreditei e comprei a moto, ai
dali pra frente só por Deus.
Tive a Irene, sofri demais, demais,
demais mesmo.
Hoje é importante me manter
bem
manter forças, manter os filhos,
minha casa
comecei a falar eu quero
estudar,
eu vejo essas experiências
como um aprendizado
tudo que a gente passa tanto
bom quanto ruim
a gente temos que ver como
uma lição
Então sofri, sofri fiz outras
pessoas sofrerem também com
as minhas burrices
eu não sofri sozinha, fiz meus
filhos sofrerem
até hoje por causa disso eles
sofrem também
então não é fácil pra mim
também não pra eles.
porque a mãe vai conversar com
você
entra na sua cabeça diferente
eu não sei te explicar,
hoje eu converso com a minha
filha e eu explico pra ela
faltou pra mim mesmo a minha
mãe
eu sentia muita falta dela.
tento entender, às vezes um
está brigando com o outro,
Quando eu falo que fui
criada em uma instituição,
acabo chamando um pouco
de atenção
pelo lado de dó, pelo lado
de pena
pelo lado de coitada
a partir disso eu já sou vista
de uma forma diferente
eu não gosto que as
pessoas me vêem dessa
forma
não queria mais fazer nada
agredia as pessoas verbalmente
foi tudo de lá dessa casa, a
primeira.
passei fome, dormi na rua.
uma decisão errada foi ter
engravido com a idade que
engravidei
começou ai tudo errado
segunda decisão foi ter peitado a
Aldeia e saído pra ir morar com
ele
isso foi horrível ai depois dali pra
frente.
A Aldeia não aceitaria grávida lá,
mas eles me deram a opção.
eu tinha que escolher e eu escolhi
em ver o que vai dar
depois me separei,casei e me
separei.
Tenho 3 filhos.
tive a Irene com 15, depois veio o
Plínio, eu tive ele com 17 anos e a
Giovana que tive...
O Plínio tive com outro
companheiro
eu já tinha terminado meu
casamento
Ai eu fui viver outra vida
fui tentar o meu sozinha com a
minha filha
foi passando o tempo, eu conheci
uma outra pessoa
eu fazia um monte de coisa,
inclusive com pessoas erradas.
eu não vivi com o pai do Plínio,
fiquei com ele um tempo, ai não
teve jeito.
D. O Plínio tem 9 anos.
A Giovana fez 7 anos.
Ela tem outro pai
Com ele eu vivi 6 anos, até uns 3
vamos conversar, antes eu não
queria nem saber
hoje eu vejo bem diferente e
penso que foi depois do curso
só não entendo o porquê,
que eu preciso trabalhar
eu preciso manter minha casa,
meus filhos
eu tenho conta pra pagar
eu tenho meus filhos pra manter
mesmo o pai dando pensão é
pouco
ninguém vive, eles não vivem
com R$ 150,00 reais por mês
é tudo muito difícil,
tem dia que falta coisa aqui
sabe e eu choro
porque isso tudo é culpa minha
eu ando muito triste
eu queria, queria não eu quero
fazer faculdade
arrumar um serviço
criar meus filhos,
sair daqui dessa casa.
A casa é minha, eu invadi, mais
paguei.
eu quero dar uma vida melhor
para os meus filhos
eu não tenho muito tempo com
eles
isso eu não acho legal
eu não tive na Aldeia
eu não quero passar isso pra
eles
eu sofro muito de não ter tempo
de ficar com eles
eu sofro muito de ter que
trabalhar muito
anos atrás.
eu parei na 6º série.
depois eu engravidei da minha
filha, fiquei casada, ai passei por
tudo aquilo
com uns 18 anos, 20 anos por ai,
eu voltei a estudar
depois que tive a Giovana, minha
ultima filha,
briguei com pai dela, foi ai que
começou a dar tudo errado entre a
gente
eu comecei a me impor, até então
eu ficava quieta.
Estava sem estudo, dependente
dele
eu quero fazer alguma coisa
não quero mais ficar em casa,
ai começamos a brigar.
terminei 6º,7º,8º depois fiz o 1º, 2º
e 3º, isso tudo brigando.
quero fazer curso de
Enfermagem,
antes eu queria Medicina
mas é um sonho muito bem
remoto
gosto de estudar só que é difícil
.
se eu não estudo fico
desfalcada no mercado
como eu vou trabalhar, como eu
vou fazer uma prova
eu entendo que eu já estou meio
fora então eu fico triste
eu terminei enfermagem já faz
uns 3 anos
até agora não consegui arrumar
serviço no hospital
queria ao menos fazer um curso
de técnico de enfermagem
eu não posso resolver então eu
começo a ficar mal, mal,
eu saio vou fumar cigarro, ando
por ai choro bastante
Intervenções para confirmação, detalhamento ou
esclarecimento
Intervenções para obter explicação sobre
qualificações
Intervenções para especificar aspectos
relacionados aos temas
H.E quem é sua família biológica?
H. São seus irmãos? E os pais?
H. Não tem. Você chegou a conhecer?
H. Como você foi pra Aldeia?
H. Quantos anos você tinha?
H. Uns 2 anos. Então você tinha irmãos maiores?
H. Tá. E abaixo de você?
H. Os 7 tinham ido pra FEBEM?
H. Você não se lembra, você sabe...
H. E pra Aldeia foram quantos?
H. Por que eles eram maiores?
H. Então você entrou na aldeia com 2 anos mais ou
menos?
H. Suely, seus pais morreram como?
H. E essa sua tia, vocês mantiveram contato?
H. Quer dizer que durante os anos de Aldeia, ficaram
você a Sonia, a Sara, o Mauro ...?
H. Então os 5 cresceram juntos?
H.Por que elas chegaram na idade?
H. Mas você ainda estava morando lá, com a mesma
mãe?
H Conta um pouco da aldeia? Você na aldeia ...
H. E esses valores como você acha que eram
passados? Como era a casa? Suas experiências com
as mães?
H. E como é que a tia Magui era bacana?
H. Você teve que optar por o que, você pode dar um
exemplo?
H. E o que você chama de decisão errada uma vez
tendo engravidado?
H. Mas a aldeia te aceitaria grávida lá dentro?
H. Mas houve a opção foi de tirar a criança?
H.E essas experiências de maternidades, como é que
você vê hoje?
H. Suely, voltando um pouquinho pra olhar esse seu
percurso na Aldeia: ele começou muito mal, com muita
dificuldade, muito sofrimento, você disse que quando
passou para tia Silvia, independentemente de ela ser
boa ou ruim, você estava sofrida, revoltada né? Mas
tem alguma coisa que você olha pra você hoje, e você
acha que você aprendeu que faz parte de você, da tia
Silvia? Da tia Teca tem, né?
H. E durante os anos de aldeia você manteve
contato com sua família biológica?
H. E em quanto você estava lá essas outras irmãs
visitavam, vocês tinham contato?
H. E durante esse teu período de sofrimento, de
revolta, tinha alguém com quem você se
identificava, conversava mais, por exemplo?
H. E a casa de jovens como foi à experiência?
H. Como foi engravidar da sua filha?
H. E você trabalhava, Suely?
H. E o Plínio, você estava com outro
companheiro?
H Ai você viveu com o pai do Plínio por quanto
tempo?
H. E a Giovana tem outro pai?
H.E com esse pai você viveu um tempo, ou não
H.Como é que você completou seus estudos com
essas gravidezes e essas dificuldades todas?
H. Alguém da aldeia ajudou de alguma maneira?
H.O Zé Maria?
H.Isso foi há uns 3 anos?
H. Você ficou lá até quantos anos dentro da aldeia?
H. E depois?
H. Em que ano de escola você estava quando você
estava indo pra casa de jovens?
H.Você tem 3 filhos?
H. A Irene é essa que você teve com 14 anos?
H. Você trabalhava no que?
H. O Plínio está com quantos anos?
H. E a Giovana?
H. Até pouco tempo então?
H. Brigar como?.
H. Você teve quantas mães?
H. A Laura te espancava como?
H. Tá, mas deixa eu entender. E com essa mulher tão
ruim você ficou quanto tempo?
H. Tia?
H. Ela trabalhava na aldeia?
H. Você sabe o nome dela inteiro?
H. Mais alguém na aldeia?
H. Da Aldeia, grávida.
H. Ou da casa de jovens, que seja ...
H. Sei.
H. Mas você teve a filha?
H. Tem mais alguma coisa que eu não perguntei, que
você quer me contar?
H. Então nos últimos anos tem o Zé Maria, esse seu
curso, essa sua formação importante.
H. E durante esses últimos anos, você se encontra
você se relaciona com irmãos de Aldeia, com irmãs de
Aldeia?
H. Agora muito mais?
H. E aquele processo com a Regina têm alguma
importância pra você?
H. E você fez esse curso de auxiliar de
enfermagem com bolsa?
H. E quem intermediou isso?
H. Você teve algum padrinho na aldeia que fez
alguma coisa pra você, como algumas pessoas
que quando saem tem algum dinheiro?
H. E você usou esse dinheiro de alguma maneira?
H. Você casou de papel?
H. Suely, quando você saiu nessa época tão difícil,
com 15 anos, para ter sua filha nessa situação,
teus irmãos, a Sonia etc. etc. Estavam próximos?
Intervenções sobre vida presente e planos de
futuro
Intervenção para introduzir o tema preconceito
H. E nesse momento seus planos, sua vida atual?
H. Essa casa é sua ou não?
H. E se você fizesse uma faculdade ou fizer do que
você quer fazer?
H. Gosta de estudar?
H. É difícil.
H. Por que você esta meio que fora?
H. Suely, eu me lembro que nas conversas que tive
com as outras pessoas apareceu uma coisa que eu
passei a perguntar/, quando você não esta próxima de
pessoas que estiveram na Aldeia, que conhecem a
sua história, se você esta sozinha neste nosso mundo
aqui fora, como é que você acha que as pessoas
olham se você conta que foi criada em uma
instituição?