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Letícia Lourenço Sangaleto Terron
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À
VIDA E DIREITO À LIBERDADE
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2007
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Letícia Lourenço Sangaleto Terron
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À
VIDA E DIREITO À LIBERDADE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito com área de concentração
em Prestação Jurisdicional no Estado Democrático de
Direito, do centro de Pós-Graduação da Instituição
Toledo de Ensino de Araçatuba/SP, para a obtenção do
título de Mestre em Direito, sob a orientação do
Professor Doutor Edinilson Donisette Machado.
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2007
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Banca Examinadora
_______________________________________
Dr. Edimilson Donizette Machado
_______________________________________
Dra. Norma Sueli Padilha
_______________________________________
Dr. Flávio Bento
Araçatuba, 25 de agosto de 2007.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pois sem Ele, esse sonho não seria possível.
Ao meu orientador, Dr. Edinilson Donisette Machado, por tamanho
incentivo e compartilhar de sabedoria.
Aos meus antigos orientadores, Dr. Antonio Scarance Fernandes e
Dra. Samyra H. D. F. Naspolini Sanches, que também
compartilharam os seus conhecimentos.
Aos meus amigos de curso, Simões e Jaime, sempre dispostos a me
auxiliar.
À minha grande amiga Ana Luísa, pelas agradáveis viagens e
estadas durante todo o curso.
A toda a minha família, que de uma forma ou de outra, ajudaram-
me incondicionalmente.
RESUMO
O presente trabalho aborda a colisão de direitos fundamentais. Discorre sobre o que
ocorre quando há o choque entre dois direitos assegurados em um mesmo patamar pela
Constituição Federal, em especial o direito à vida e o direito à liberdade, ambos no caput do
artigo do mesmo ordenamento. É feita uma análise sobre os direitos fundamentais;
histórico, conceito, características e dimensões. Examina o direito à vida e à liberdade,
delineando-os individualmente, oferecendo alguns dados necessários na ajuda para a
resolução de um conflito. Arrazoa sobre a interpretação constitucional na tentativa de resolver
essas divergências, analisando as normas jurídicas, os métodos e princípios para a
interpretação constitucional, as funções desses princípios, ficando em destaque os princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade como fonte segura de solução para as colisões de
direitos fundamentais através de uma ponderação no caso real. Analisa o conflito entre o
direito à vida e o direito à liberdade nos casos dos seguidores da religião Testemunhas de
Jeová, quando necessitam de uma transfusão sangüínea, e também os casos de abortamento
permitidos por lei e em especial a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
argüida para que se possibilite o aborto em fetos anencefálicos. As principais conclusões são:
a) a importância da garantia dos direitos fundamentais; b) a necessidade de uma interpretação
constitucional; c) a relevância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na
resolução de colisão de direitos fundamentais; d) a análise de cada caso concreto feito de
maneira única; e, e) a prevalência, como regra, do direito à vida frente aos demais direitos.
Palavras-chave: colisão, interpretação, princípios, proporcionalidade, razoabilidade,
ponderação.
ABSTRACT
The presente paper aproaches of na objective manner the collision of the fundamental
rights. Wat happens when the impact between two assured rights in the same level by the
Federal Constitution, in special the rights to life and rights to freendom, both in the caput of
the article of the same commandment. An analisis is done about the fundamental rights;
historic, concept, characteristics and dimensio. It examines the rigts to life and to freedom,
delineating indivually, offering some necessary datum in the help of the resolution of the
conflict. It discourses over the constitutional interpretation to the attempt of solving these
divergences, analising the juridical rules, the methods and principles to a contitucional
interpretation the funccions of these principles, and ramaing in eminence the proportional and
rizable principles as a safe source of solution to the collision of the fundamental rights
through a consideration in a rela case. It analyses the conflict between the rights to life and the
rights to freedom in the cases of the Jeova’s Testemony’s followers when they need a blood
transfusion, and also the cases of permited abortions by law and inspecial the action of not
execution of the Fundamental Precept, intended to be possible the abortion of brainless fetus.
The mains conclusions are: a) the importance of the guarantee of the rights; b)the necessity of
a constitucional interpretation; c) the importance of the rights of the provideness and of the
rizableness in the collision of the fundamental rights; d) the analisis of each concrete case
done of a unique manner; and, e) the prevailment of the rights to life opposite to the other
rights.
Key-words: rights, fundamental, life, freedom, collision, interpretation, principles,
proportional, rizanable, pondering.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 07
I. DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................................................................... 10
1.1 Configuração histórica dos direitos fundamentais............................................................. 10
1.2 Conceitos de direitos fundamentais................................................................................... 12
1.3 Algumas das características dos direitos fundamentais..................................................... 20
1.4 A classificação dos direitos fundamentais em dimensões................................................. 21
1.5 Dos Direitos Fundamentais em espécie............................................................................. 29
1.5.1 Direito à vida.................................................................................................................. 29
1.5.2 Do direito à liberdade..................................................................................................... 33
II. DA INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................ 45
2.1 As normas jurídicas: regras e princípios ........................................................................... 45
2.2 A interpretação constitucional e seus métodos.................................................................. 49
2.3 Princípios de interpretação constitucional......................................................................... 52
2.4 As funções dos princípios constitucionais......................................................................... 54
2.5 Existência ou não de hierarquia entre os princípios constitucionais................................. 59
2.6 Colisão entre normas constitucionais e critérios que resolvem a colisão de regras.......... 63
2.6.1 Princípio da razoabilidade.............................................................................................. 65
2.6.2 Princípio da proporcionalidade....................................................................................... 67
III. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E O DIREITO À LIBERDADE ................ 75
3.1 O direito à vida em conflito com a liberdade de escolha religiosa pela religião
Testemunhas de Jeová............................................................................................................. 76
3.2 O direito à vida em conflito com a liberdade da mulher em abortar................................. 85
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 100
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 104
7
INTRODUÇÃO
Entre os direitos fundamentais encontram-se diversos princípios, o princípio
da igualdade, da segurança, da propriedade, do devido processo legal, e entre eles os dos
direitos à vida e à liberdade, que pode-se dizer, primeiramente, que estão no mesmo patamar
dentro da Constituição Federal, sendo normas consideradas com a mesma eficácia e
aplicabilidade.
Doutrinariamente faz-se algumas diferenças entre esses direitos, mas ao
aplicá-los ao caso concreto o problema surge, e neste sentido, vê-se diante da problemática da
colisão dos direitos fundamentais.
A colisão dos direitos fundamentais é um assunto, além de atual, muito
controverso.
Tem-se a idéia de que pelo simples fato de um direito ser considerado
fundamental, nada poderá limitá-lo. Ele é tido como absoluto pela sua ingênua existência,
ainda mais tendo sido considerado, na sua positivação na Constituição Federal brasileira
como sendo cláusula pétrea.
Vale aqui ressaltar, que nem todos os direitos fundamentais são tidos como
cláusulas pétreas pelo fato de não se encontrarem prescritos no artigo da Carta Magna, ou
até mesmo não estarem inseridos no texto constitucional, mas para o presente trabalho,
enfocando o direito à vida e o direito à liberdade encontrados no caput do artigo da
Constituição, não resta dúvidas quanto à sua consideração de imutabilidade.
É sabido que a importância de um direito ser ou não considerado
8
fundamental, pela Constituição Federal, traz muitas prerrogativas, principalmente pelo fato
de eles estarem no ápice, acima de qualquer outro direito quando possivelmente vier a ocorrer
uma colisão entre eles na aplicação ao caso concreto.
Aos direitos fundamentais foi dada uma proteção extra para que estes
ficassem intocáveis, até mesmo aos ataques do legislador e de qualquer maioria do sistema
político.
1
Problema ocorrerá, quando dois desses princípios fundamentais, ditos
absolutos, estiverem em uma situação conflitante, onde apenas um poderá prevalecer. A
solução é muito complicada, devido o grau de dificuldade de se desfazer de um direito
fundamental, e somente se dará quando for analisado caso a caso, preponderando aquele que
melhor conseguir resolver a situação do caso real, e infringir menos o outro direito
fundamental não prevalecente.
Essa análise do caso concreto terá como base diferentes critérios de solução,
dentre eles destacando-se os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, através de
uma ponderação. Esses princípios, juntamente com o caso real, é que darão uma base sólida
para uma justa solução na colisão de direitos fundamentais. É o que se pretende com o
presente trabalho.
No primeiro capítulo, é dado enfoque ao significado do direito fundamental,
seus diversos conceitos e características, chegando ao detalhamento dos dois princípios em
destaque, direito à vida e direito à liberdade.
no segundo capítulo é discutido as formas de interpretação para esses
direitos fundamentais. Como operar no caso de uma colisão entre esses direitos, analisando o
1
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 49.
9
princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
E por fim, o terceiro capítulo traz o direito à vida e o direito à liberdade se
confrontando diante das opções tomadas pelos membros da religião Testemunha de Jeová que
proíbem a transfusão sangüínea, mesmo perante um caso gritante de perda de vida; e também
esse mesmo confronto, mas, no caso de aborto.
10
I. DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1
Configuração histórica dos direitos fundamentais
Todo o regime constitucional, desde a Revolução de 1789, é associado à
garantia dos direitos fundamentais, indicando que o objetivo do governo era uma
Constituição por escrito, declarações de direitos, para que ficassem claros os poderes do
Estado e até onde ele poderia ir para com o cidadão.
na Idade Média, podia ser encontrado, também por escrito, um vasto
número de direitos em prol do indivíduo, nos forais.
Entre as declarações, de um lado, e os forais, ou cartas, de outro, a diferença
fundamental estava em que as primeiras se destinavam ao homem, ao cidadão, em
abstrato, enquanto as últimas se voltavam para determinadas categorias ou grupos
particularizados de homens. Naquelas se reconheciam certos direitos a todos os
homens por serem homens, em razão de sua natureza; nestas, a alguns homens por
serem de tal corporação ou pertencerem a tal valorosa cidade.
2
Segundo Canotilho
3
,
Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídios-positivamente
vigentes numa ordem constitucional ...A positivação de direitos fundamentais
significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados
“naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É
necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar
cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais.
Desde a Revolução citada, as declarações de direitos são umas das
2
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo; Saraiva, 2003, p. 296.
3
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 353.
11
descrições do Constitucionalismo, como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho
4
[...] a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações.
Destas, a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que
serviu de modelo para as demais da América do Norte embora a mais conhecida e
influente seja a dos ‘Direitos do Homem e do Cidadão’, editada em 1789 pela
Revolução Francesa.
Nessas declarações, os americanos procuravam dar sempre respostas ao
exagero do absolutismo, escrevem alguns direitos que julgavam ter, pelo simples fato de
serem cidadãos ingleses.
Para André Ramos Tavares
5
Levando-se em conta que para boa parte da doutrina os direitos humanos e as
liberdades públicas se equivalem, não se pode deixar de anotar que se reveste esta
última expressão de uma inadequação terminológica patente. a idéia de que se
contrapõe a um rol de liberdades privadas, quando não é esse o sentido que se quer
imprimir à expressão. Por outro lado, o termo “ liberdades” passa a noção de poder de
exigir, ou seja, a noção de exigir uma atuação por parte do Estado e dos demais
particulares.
Claramente, as liberdades públicas têm hoje um desenho muito mais complexo
do que no fim do século XVIII. Deste modo, Celso Ribeiro de Bastos
6
assegura que
esse quadro inicial, contudo, sofreu forte evolução cujas causas dizem respeito à
necessidade de enfrentar novas ameaças e novos desafios postos pelos séculos XIX e
XX. Os direitos clássicos não desapareceram. Perderam, o somente, o seu caráter
absoluto para ganhar uma dimensão mais relativa surgida da imperiosidade de
compartilhar o direito com outros princípios constitucionais
.
Até as Constituições do século XX o aspecto individualista reinaria, pois o
indivíduo precisava se defender contra o Estado
4
CANOTILHO, op. cit., p. 285.
5
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 364.
6
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 171-172.
12
De maneira diversa, contra esse individualismo extremado, foram sidos
adotados direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras declarações,
passando-se a reconhecer, paralelamente, ao indivíduo, o direito de associação, de modo
inclusivo, como garantia da própria liberdade individual.
Garante Celso Ribeiro Bastos
7
, que a Declaração Universal dos Direitos do
Homem preocupou-se essencialmente, com quatro ordens de direitos individuais,
Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: o direito à vida, à
liberdade e à segurança. Num segundo grupo, encontra-se expostos os direitos do
indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para
todo aquele perseguido (salvo nos casos de crime de direito comum), direito de livre
circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de
propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdade públicas e os direitos
públicos: liberdade de pensamento, de consciência, de religião, de opinião e de
expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos.
Num quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito do trabalho, à
sindicalização, ao repouso e à educação.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho
8
dita: “O aparecimento dos ‘direitos
econômicos e sociais’ ao lado das liberdades’ nas declarações é o fruto de uma evolução
cujo ponto de partida se encontra bem cedo no século passado.”
Diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho
9
, que a primeira Constituição
brasileira a abraçar em seu texto essa criação, foi a de 1934, sendo acompanhada pelas
posteriores. As anteriores 1824 e 1891 como era de se almejar, manifestavam em seu
texto a inclinação à visão individualista dos direitos fundamentais.
1.2
Conceitos de direitos fundamentais
7
BASTOS, op. cit., p.174-175.
8
FERREIA FILHO, op. cit, p. 286.
9
Ibidem, p. 289.
13
Em primeiro plano, tem-se que saber o verdadeiro e real sentido do termo
direito fundamental, o qual seja, uma classe subjetiva do indivíduo, essencial à condição
humana, que por ser perfilhada pelo ordenamento jurídico, pode ser reivindicada
judicialmente.
Sobre o assunto, trata Oscar Vilhena Vieira
10
da maneira seguinte
Diretos fundamentais é a denominação comumente empregada por
constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa
ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional. A
Constituição de 1988 incorporou esta terminologia para designar sua generosa
carta de direitos. Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos
fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo
moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou
seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor.
Encontram-se nomeados direitos fundamentais, aqueles que têm uma
exclusiva dignidade de proteção dos direitos num sentido formal e num sentido material.
Num sentido formal, os direitos fundamentais carecem estar constitucionalizados, ou seja,
hierarquicamente superiores às demais normas do ordenamento legal. No aspecto material,
os direitos fundamentais possuem como fundo, elementos que estabelecem as estruturas
básicas do Estado e da sociedade.
11
Diversos autores, com o desígnio de deliberar os direitos fundamentais,
alvitram várias teorias para tanto.
O enigma passa a permanecer, quando se abrangem outros dispositivos
alastrados no texto constitucional que têm conteúdo de direito fundamental, mas que estão
fora dos títulos ordenados de direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de
informação jornalística e a liberdade de cátedra, entre outros.
10
VIEIRA, op. cit., p. 36.
11
CANOTILHO, op.cit., pp. 348 - 349.
14
Como determinar, assim, os direitos fundamentais?
Primeiramente, pode-se asseverar que os direitos fundamentais são aqueles
direitos essenciais à condição humana que foram constitucionalizados, haja vista, o mister do
termo “direitos humanos” para lembrar os direitos inseparáveis ao ser humano protegido
internacionalmente e “direitos fundamentais”, os mesmos direitos protegidos pelo
ordenamento jurídico interno de cada Estado, conforme ilustra Flávia Piovesan
12
:
Ao tratar da dinâmica da relação entre a Constituição brasileira e o sistema
internacional de proteção dos direitos humanos objetiva-se não apenas estudar os
dispositivos do Direito Constitucional que buscam disciplinar o Direito Internacional
dos Direitos Humanos, mas também desvendar o modo pelo qual este último reforça
os direitos constitucionalmente assegurados, fortalecendo os mecanismos nacionais
de proteção dos direitos da pessoa humana.
Por outro lado, a doutrina, várias vezes, emprega as expressões “Liberdades
Publicas”, “Direitos Fundamentais”, “Direitos Humanos”, Direitos do Cidadão”, Direitos
Subjetivos Públicos”, “Direitos do Homem”, para constituir um mesmo sentido.
A nomenclatura desses direitos traz uma abastança de termos aproveitados,
causando uma certa desordem de definição.
Como denominados direitos fundamentais, têm-se aqueles direitos capitais
do indivíduo e do cidadão, adotados pelo direito positivo do Estado, que dispõe deste, ou de
uma abstenção, ou de um desempenho, no sentido de garanti-los. No Brasil, essa declaração
conglomera vários direitos, tais como: os individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os
nacionais e os políticos.
Já como direitos do homem, seriam os direitos alusivos à condição do
indivíduo como ser humano, que, portanto, estendem-se a toda humanidade, em todos os
12
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad,
1993, p. 48.
15
lugares, sem entrave temporal. Estes direitos, fundamentariam-se no conceito de direito
natural, os quais não necessitariam de serem inventados pelo direito positivo, mas tão
somente, de serem conhecidos e declarados, em pretexto de serem verdadeiros direitos
humanos, expressão esta empregada como unívoco de direitos do homem.
Para André Ramos Tavares
13
: “a nomenclatura ‘direitos do homem’ carrega
consigo a concepção jusnaturalista, ou seja, a de que o homem, como homem, possui direitos
inerentes a sua natureza”
A expressão direitos do cidadão, monopoliza dois tipos de direitos: os
direitos naturais, que seriam aqueles essenciais à própria essência humana; e os direitos civis,
que competem ao ser humano enquanto partícipe de uma coletividade social civil.
E finalmente os direitos humanos, que são direitos comuns a toda a espécie
humana, a todo homem enquanto homem, os quais, portanto, derivam da sua adequada
natureza, não sendo meras criações políticas
14
.
Para Canotilho
15
, direitos do homem e direitos humanos são sinônimos:
“...os direitos fundamentais tal como estruturaram o Estado de direito no plano interno,
surgem também, nas vestes de direitos humanos ou direitos do homem, como um núcleo do
direito internacional vinculativo das ordens jurídicas internas”
Todavia, todos esses direitos citados, direitos fundamentais, direitos do
homem, direitos do cidadão, direitos humanos, direitos naturais, liberdades fundamentais,
liberdades públicas, são todas expressões empregadas para indicar uma mesma categoria
jurídica. A preferência por uma motivada denominação, varia no tempo e no espaço.
Mas contudo, a fórmula que melhor exprime a ocasião em que se pretende
13
TAVARES. op. cit., p. 361.
14
COMPARATO, Fábrio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 20.
15
CANOTILHO, op. cit., p. 228.
16
evocar a defesa do cidadão diante o Estado e os interesses jurídicos de atitude social, político
ou difuso protegidos pela Constituição, indispensáveis à condição humana é “Direitos
Fundamentais”, conforme bem explicam os professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Junior
16
.
Os mesmos autores asseguram que “os direitos fundamentais podem ser
conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade
humana em todas as dimensões
17
”. No mesmo sentido tem-se Ingo Sarlet
18
:
Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’)
comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se
aplica para aqueles direitos do se humano reconhecidos e positivados na esfera do
direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão
‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por
referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que,
portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que
revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).
Sintetizando, os direitos humanos são garantias inerentes à essência da
pessoa, albergados como adequados para todos os Estados e positivados nos diversos
instrumentos de Direito Internacional Público, mas, que por fatores instrumentais, não
possuem aplicação fácil e compreensível a todas as pessoas.
Originalmente, era alastrada a designação “direitos naturais”, pois essa
camada de direitos era tida como universal e imutável, decorrente da própria natureza
humana.
as expressões “direitos individuais”, liberdades fundamentais”, e
“liberdades blicas” são designações contemporâneas, mas que estão demasiadamente
16
ARAUJO, Luiz Alberto David; SERRANO Jr., Vidal Nunes. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 78.
17
ARAUJO, op. cit., pp. 81-85.
18
SARLET, Ingo Wolfgang,. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, pp. 35-36.
17
vinculadas a uma concepção específica de Estado, a liberal. Pecam por uma concepção
individualista e anti-estatal dos direitos fundamentais, incompatível com os chamados
direitos sociais, coletivos e difusos que dependem de prestações estatais positivas.
Assim sendo, a designação coletivista é aquela eleita pela tradição
germânica, qual seja, a de “direitos fundamentais da pessoa humana”, ou meramente “direitos
fundamentais”, mas o se esquecendo que a expressão mais empregada nos idiomas
românicos é ”direitos humanos”, que está sujeita a análise de que todos os direitos são
necessariamente humanos, uma vez que, seres humanos, singularmente ou coletivamente,
têm direitos e deveres jurídicos.
Conforme Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
19
:
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída
com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana em todas as dimensões.
Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o
homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos
sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à
fraternidade e à solidariedade). Formam como afirmado, uma categoria jurídica. Isso
significa que todos os direitos que recebem o adjetivo de fundamental possuem
características comuns entre si, tornando-se assim, uma classe de direitos. Nessa
medida possuem peculiaridades individualizadoras, que forjam traços diferencias das
demais categorias jurídicas.
A relação desses direitos é meramente exemplificativa, como taxado pelo
artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, não admitindo dúvidas quanto à existência de
direitos fundamentais decorrentes ou implícitos, como já mencionado.
A acepção desses direitos batizados de fundamentais, envolve diferentes
aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem a respeito de direitos
básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Depois, em
19
ARAUJO, op.cit., p. 109.
18
definição formal, os direitos são considerados fundamentais, quando o direito vigorante em
um país, assim os qualifica, normalmente, estabelecendo certas garantias para que estes
direitos sejam respeitados por todos.
O conjunto de direitos fundamentais dispõe-se garantir ao ser humano,
entre outros, a reverência ao seu direito à vida, à igualdade e à dignidade; bem como ao
completo desenvolvimento da sua personalidade. Eles garantem a não influência do Estado
na esfera individual, e consagram a dignidade humana. Sua proteção deve ser reconhecida
positivamente pelos ensinamentos jurídicos nacionais e internacionais.
Eles também podem ser definidos como conjunto institucionalizado de
direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade,
por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e a declaração das condições
mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Assumir quais são os direitos fundamentais, significa adotar que eles “pré-
existem” a qualquer ordenamento jurídico pátrio. São direitos que derivam da própria
natureza humana, como dito anteriormente. Assim, não como dizer que a Constituição
Federal de 1988 constitui determinadas garantias pessoais em direitos. Ela apenas reconheceu
os esforços públicos e, com caráter declaratório, abarcou tais direitos em nosso ordenamento
jurídico, transformando-os em direitos fundamentais.
Portanto, podemos dizer que o direito fundamental não é uma invenção
legislativa, mas sim, criação de todo uma conjuntura histórica e cultural da coletividade.
Além do que, uma necessidade organizacional.
Os direitos fundamentais não se deparam apenas fixados no artigo da
nossa Constituição, eles permeiam a nossa Lei Maior em vários momentos, aparecendo em
19
vários artigos. Como exemplos os direitos sociais (artigos a 11), os direitos de
nacionalidade (artigos 12 e 13), os direitos políticos (artigos 14 a 16), entre outros. E também
são encontrados além da Constituição Federal, como por exemplo, em tratados assinados com
outros países.
Não se pode confundir, de forma alguma, os direitos fundamentais
com as garantias fundamentais. Estas seriam os enunciados de conteúdo assecuratório, cujo
propósito consiste em fornecer mecanismos ou instrumentos para a proteção, reparação ou
reingresso
em eventual direito fundamental violado. aqueles, seriam
proclamados constitucionais de invenção declaratória, cujo objetivo consiste
em reconhecer, no plano jurídico, a existência de uma prerrogativa fundamental do
cidadão.
Para Canotilho
20
,
Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se
salientasse nelas o caráter instrumental de protecção dos direitos. As garantias
traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção
dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa
finalidade (ex.: direito de acesso aos tribunais para a defesa dos direitos, princípios do
nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio
non bis in idem).
Dessa forma, com tal separação, pode-se naturalmente avaliar os direitos e
garantias fundamentais. A livre expressão (artigo 5°, inciso IX) é Direito. O direito de
resposta (artigo 5°, inciso V) é garantia. No inciso X do mesmo artigo, a intimidade e a honra
são direitos, e a indenização prevista é garantia.
20
CANOTILHO, op. cit., p.372.
20
1.3 Algumas das características dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais são tidos como obstáculos prescritos pela
soberania pública aos poderes conferidos do Estado que dela carecem.
Deste modo, fundamentado em alguns autores, entre eles Luiz Alberto
Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior
21
, vale arrazoar a respeito das características intrínsecas
e extrínsecas dos direitos fundamentais, a dar início pelas intrínsecas e, terminar com as
extrínsecas.
Características intrínsecas:
a)
historicidade: o direito fundamental é oriundo de um processo de
conquista da dignidade da pessoa humana, é resultado de um longo processo histórico sempre
em evolução, como já analisado;
b)
autogeneratividade: possui legitimidade, pois não é considerado válido,
mesmo antes de ser positivado;
c)
universalidade: é destinado ao ser humano em geral, independente de
raça, sexo, cor, credo. A sua essência por si só, já rejeita a idéia de discriminação na aplicação
e garantia desses direitos básicos. Um de seus objetivos é o de garantir que todos os homens
tenham acesso aos direitos fundamentais, num tratamento isonômico que lhe peculiariza, que
deve ser universal.;
d)
limitabilidade ou relatividade: não são absolutos, podendo ser aplicados
no caso concreto em menor ou maior alcance. Ao se exercitar tais direitos, muitas vezes um
deles conflitará com outro;
21
ARAUJO, op. cit., pp. 81-85.
21
e) irrenunciabilidade: por ser inerente ao ser humano, não pode ser
renunciado. Têm a faculdade de escolher o momento de exercê-los, em certas hipóteses, mas
nunca de dispor dos mesmos de forma definitiva;
f) concorrência: são direitos acumuláveis pelo indivíduo, sem que um
prevaleça em detrimento de outro.
Características extrínsecas:
a) rigidez constitucional: são submetidos a um processo de modificação
mais gravoso e impõe a compatibilidade vertical das normas infraconstitucionais;
b) direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas: essa espécie de
direito fundamental não está suscetível a reformas da Constituição;
c) os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata.
Levando em conta as peculiaridades dos direitos fundamentais, pode-se
certificar que todos os direitos que as contenham podem ser deliberados como direitos
fundamentais, não importando se estão ou não inseridos entre os dispositivos intitulados como
direitos fundamentais pelo escrito constitucional.
1.4 A classificação dos direitos fundamentais em dimensões
O fato da não utilização do termo geração, é para melhor demonstrar que
uma dimensão de direito fundamental não supera a outra. Muitos autores, devido a esse fato
de sobreposição, preferem utilizar a expressão dimensão de direito fundamental.
O emprego do termo geração, pode dar a entender que as outras gerações
não são mais eficazes, que foram ultrapassadas pelas gerações futuras, ficando obsoletas, um
22
sentido cronológico apenas. Assim, explicita-se a utilização do termo dimensão à utilização
do termo geração.
Norma Sueli Padilha
22
retrata bem o assunto sobre as diferenças e
preferências dessas nomenclaturas
Ressalte-se, ademais, que autores, tais com Paulo Bonavides (1999), Willis Santiago
Guerra Filho (2003), Antonio Carlos Wolkmer (2003) e Antonio Augusto Cançado
trindade (1993) têm demonstrado o equívoco da utilização da expressão “geração” de
direitos, que passa a idéia de ocorrência de uma sucessão cronológica e, portanto, de
uma suposta caducidade dos direitos de gerações antecedentes, por meio de um
processo substitutivo, o que, absoluto, não ocorre. Dessa forma, propõem os autores
referidos, a utilização do termo “dimensões que, realmente, melhor demonstra o
processo de multiplicidade de direitos coexistentes.
Tal classificação é importante para que se tenha uma noção da formação
histórica do conjunto de direitos hodiernamente reconhecidos, facilitando a compreensão de
alguns aspectos de cada direito.
Primeiramente, cabe relatar sobre os direitos fundamentais de primeira
dimensão.
Esses direitos dominaram o cenário do século XIX. Essa dimensão
é composta pelos direitos civis e políticos, ou melhor interpretando, direitos de
liberdade.
Assim, na obra de Norma Sueli Padilha
23
No momento histórico da primeira revolução industrial, ainda eclodia o grito do
clamor dos direitos civis pelo cidadão oprimido contra o Estado Absolutista, que
lutou, por meio da Revolução Francesa, para bani-lo da vida social e política, pela
permanência de espaço para a liberdade individual, abrindo-se, assim, o caminho
para a reivindicação e proteção dos direitos individuais mediante a implantação de
um Estado Liberal.
22
PADILHA, Norma Sueli. Colisão de direitos metaindividuais e a decisão judicial. Porto Alegre; Sergio
Antonio Fabris Editor, 2006, p. 30.
23
PADILHA, op. cit., p. 23.
23
Tem como titular o indivíduo, e são oponíveis ao Estado, sendo traduzidos
como faculdades ou atributos da pessoa humana, ostentando uma subjetividade que é seu
traço forte.
Os direitos civis têm estima de liberdade na luta contra a burguesia, para a
formação dos Direitos do Homem, elucidados pelos direitos de ir e vir, de pensamento, de
locomoção, de reunião.
Para Paulo Bonavides
24
Os direitos de primeira geração têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado,
traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que
é seu traço mais característico; enfim, são os direitos da liberdade, os primeiros a
constarem de instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e
políticos, que em grande parte correspondem, por prisma histórico, àquela fase
inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
Muito embora a subjetividade seja predicado decisivo dos direitos
fundamentais de primeira dimensão, por aclamarem direitos individuais, pode-se proferir que
a universalidade assinalada pela declaração francesa fez com que todos os homens de todos
os tempos confiassem no ideal de liberdade e por ele lutassem.
A declaração de direitos universais do homem colocou em movimento um processo
irreversível, que culminou com o reconhecimento interno nos estados modernos, por
meio de suas cartas constitucionais, daqueles que foram denominados como a
primeira geração de direitos a clamar por reconhecimento perante a autoridade
política de um Estado enquanto identificado como propiciador de ordem e justiça
social.
25
A batalha versus o poder absoluto do Estado, sofreu limitação a partir desse
anseio de liberdade, que foi considerado o primeiro direito a ser reconhecido pelo Estado
como direito civil do cidadão.
24
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 517.
25
PADILHA, op. cit., p. 24.
24
A segunda dimensão de direitos fundamentais foi primeiramente composta
de formulação especulativa em palcos políticos e filosóficos, que possuíam enorme cunho
ideológico, e dominaram o século XX. São também conhecidos como direitos sociais.
Inicialmente, esses direitos não tiveram muita credibilidade, porque sua
natureza social exigia do Estado uma essencial prestação de cunho material, que na maioria
das vezes não podia ser cedida.
O Estado sempre trazia como causa da sua precariedade, o não cumprir com
esse tipo de compromisso social, a falta de recursos para atender aos programas sociais.
O prestígio dos direitos fundamentais de segunda dimensão, deriva do
constitucionalismo antiliberal do Estado Social, concebido no século XX, aplicados
principalmente nas Constituições pós II Guerra.
Para Norma Sueli Padilha
26
a queda do Estado Liberal teve começo no final
do século XIX,
Desse modo, o final do século XIX assistiu à derrocada do Estado Liberal, premido
pela necessária intervenção na vida social e econômica da autoridade estatal, como
forma de reação à opressão imposta pelo mercado submetido ao jogo da livre
iniciativa de vontades. Viu-se, aí, o clamor das reivindicações, pelo reconhecimento
de um direito de classe o dos trabalhadores, qual seja, um direito com coletividade
um direito social- neles sendo reconhecida a segunda geração de direitos a clamar
por acesso à Justiça.
Em virtude de exigirem um comportamento positivo do Estado, a fim de
proporcionar sua concretização, os direitos de segunda dimensão receberam, por certo tempo,
tratamento de normas programáticas, até a formulação da cláusula da aplicabilidade imediata
dos direitos fundamentais (artigo 5°, parágrafo 1°, Constituição Federal).
26
PADILHA, op. cit., p. 26.
25
A segunda dimensão dos direitos fundamentais compreende os direitos
sociais, econômicos, culturais e as chamadas liberdades sociais, tendo rigorosa conexão com
os princípios de igualdade e justiça social.
Fundamenta Paulo Bonavides
27
[...] atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece
estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o
preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis
quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que não poderá ser descumprida
ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no
caráter programático da norma.
Para André Ramos Tavares
28
O Estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação diametralmente
oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira é, analisando-se mais
detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. De nada vale
assegurarem-se as clássicas liberdades se o indivíduo o dispõe das condições
materiais necessárias a seu aproveitamento. Nesse sentido, e só nesse sentido, é que se
afirma que tal categoria de direitos se presta como meio para propiciar o desfrute e o
exercício pleno de todos os direitos e liberdades. Respeitando os direitos sociais, a
democracia acaba fixando os mais sólidos pilares.
O princípio da aplicabilidade contígua dos direitos fundamentais, ativa a
consagração da garantia de sua consumação, porque atravessam de ser direitos individuais e
passam a conter os direitos sociais, estabelecendo do Estado maior participação por meio do
alargamento dos serviços públicos.
a terceira dimensão dos direitos fundamentais, que começou a se projetar a partir
da década de 60, representa os direitos difusos e coletivos. Aqui, o titular não é mais
somente o indivíduo, a pessoa humana em si mesma, e sim, toda uma coletividade.
Esses direitos surgem com a solidariedade e a fraternidade, não entre os
indivíduos, famílias e grupos, mas sim em toda a sociedade de forma globalizada.
27
BONAVIDES, op. cit., p. 518.
28
TAVARES, op.cit., p. 370-371.
26
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho
29
:
Seriam direitos de solidariedade: direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao
patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente. Proviriam do Direito
Internacional e estariam em vias de consagração no Direito Constitucional. Não
porém, uma cristalização da doutrina a seu respeito, forte corrente entendendo não
constituírem esses direitos’ mais que aspirações, despidas de força jurídica
vinculante.
Preleciona Norma Sueli Padilha
30
,
Em tais direitos concebidos como de terceira geração, consagrados em meio a um
processo de massificação de uma sociedade globalizada e altamente complexa em
todos os sentidos, é que se reconhece, na mesma medida de importância que
destacamos para a classe dos trabalhadores na consagração dos direitos de segunda
geração, o clamor pela defesa do meio ambiente o papel de destaque.
O direito de viver em um ambiente poluído, enquanto reconhecido, como tal, por um
ordenamento jurídico, não era, sequer, cogitado, quando foram propostos os direitos
de segunda geração, da mesma forma que esses não foram concebidos, quando foram
reconhecidas as primeiras declarações de direitos dos homens.
Para Paulo Bonavides
31
os direitos de terceira dimensão
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira
geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se
destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou
de um determinado Estado. m primeiro por destinatário o gênero humano mesmo,
num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta. Os publicistas e juristas os enumeram com familiaridade,
assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos
anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da
reflexão sobre temas relevantes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à
comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
Na obra Curso de Direito Constitucional, André Ramos Tavares
32
cita
A conseqüência mais veemente do reconhecimento dessa categoria ampla de
interesses foi a de pôr a descoberto a insuficiência estrutural de uma Administração
29
FERREIRA FILHO, op.cit., p. 290.
30
PADILHA, op. cit., p. 29.
31
BONAVIDES, op. cit., p.523.
32
TAVARES, op. cit., p. 372.
27
Pública e de um sistema judicial calcados exclusivamente no ideário liberal, que
apenas comporta a referência individuais, incapaz que é de lidar com fenômenos
metaindividuais
.
O destino dos direitos fundamentais de terceira dimensão, é a humanidade,
assim abrangido pela compleição da fraternidade e solidariedade entre os povos ligados pelas
ponderações vindas de temas que proferirem respeito à coletividade. A solidariedade junta-se
a liberdade e a igualdade, cultivando um amplo elo entre as nações. Brota a obrigação dos
Estados trabalharem pelo bem comum, e o dever mútuo de consentirem aos interesses da
sociedade. Com a adoção de uma organização metódica de política econômica, haverá a
superação das dificuldades suscitadas pelas disparidades sociais.
E, finalmente, a última dimensão de direito fundamental. Esta está baseada
no direito à democracia.
Segundo Paulo Bonavides
33
, os direitos da quarta dimensão incidem nos
direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, onde deles dependem a concretização da
sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual alvitre o
mundo quebrar-se no plano de todas as analogias e relações de coexistência.
Para essa dimensão de direito fundamental, a democracia de ser,
essencialmente, uma democracia direta, que se torna cada dia mais admissível, graças aos
aumentos tecnológicos dos meios de comunicação, e amparada legitimamente pela
informação correta e aberturas pluralistas do sistema
34
.
No que se refere, também, à nomenclatura “direitos fundamentais de quarta
dimensão”, Paulo Bonavides
35
salienta que
33
BONAVIDES, op. cit., pp. 524-526.
34
Ibidem, p. 525.
35
BONAVIDES, op. cit., p.525.
28
[...] força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo
dimensão ‘substitui’, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este
último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade
dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos
da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da
terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade,
permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito
à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como provérbio
chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de
haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos de quarta geração não somente
culminam a objetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira
geração.
E ainda, “tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que
ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante,
irradicar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.
36
Portanto, mais uma vez citando o autor supra, “os direitos da quarta geração
compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente
com eles será legítima e possível a globalização política
37
”.
Norma Sueli Padilha
38
, em sua obra mencionada, profere sobre a
existência da quarta e até de uma quinta geração de direitos, mas destaca a diferença que
alguns autores fazem sobre elas. Bonavides, considera a quarta geração de direitos o direito à
democracia, à informação, como dito acima. Bobbio, relaciona essa quarta geração aos
direitos da bioética, à biotecnologia etc.
Na verdade, a aparente e ilimitada, evolução tecnológica, para a qual não se
estabelecem sequer, parâmetros éticos, impõe-nos no presente século XXI, a admitir,
embora não nos importe destacar, nos parâmetros da presente pesquisa, a ocorrência
ainda, de direitos de quarta geração, decorrentes das novas descobertas com relação à
biotecnologia, à bioética, à engenharia genética, ao mapeamento do genoma humano
e à manipulação do seu patrimônio genético, conforme também referido por Bobbio
(1992, p. 10). E até porque não se podem colocar limites não para a evolução
tecnológica senão, também, a complexidade das relações humanas e dos fatos sociais,
quem já afirme, como Wolkmer; Leite (2003, p. 15), uma quinta geração de
direitos referentes às tecnologias da informação, do ciberespaço e da realidade
virtual.
36
BONAVIDES, op. cit., p. 525.
37
Ibidem, p. 526.
38
PADILHA, op. cit., pp. 29-30.
29
Dessa maneira, fica evidenciado que os direitos de primeira, segunda e
terceira dimensão, juntamente com o da quarta, estão em pleno vigor e eficácia.
1.5
Dos Direitos Fundamentais em espécie
1.5.1
Direito à vida
O direito à vida é um bem inviolável garantido pela Constituição, é o suporte
para todos os demais direitos, pois sem a vida de nada importaria ter os outros direitos
assegurados. É protegido pelo Estado como um direito e uma garantia fundamental, porque
deve ser entendido como um direito da pessoa a uma vida digna.
Conforme Nélson Hungria e Heleno Fragoso39: “Como dizia Impallomeni,
todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos
bens é o bem da vida.”
Nessa mesma linha de entendimento, encontra-se também Alexandre de
Moraes
40
: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu
asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos
os demais direitos.”
É de se lembrar que sem vida, não podemos falar em qualquer outro direito.
O direito á vida é o direito de não ter findado o processo vital, a não ser pela morte
espontânea e inevitável.
39
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno. Comentários ao digo Penal. ed. v.5. Rio de Janeiro: Forense,
1979, p.15.
40
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 87.
30
A expressão vida, é avaliada no Dicionário
41
, sob diferentes feitios, nos
quais os que mais evidencia, no que pertine ao direito à vida, são os seguintes:
[...] 3- o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte;
existência...5- motivação que anima a existência de um ser vivo, que lhe dá
entusiasmo ou prazer; alma, espírito...8- o conjunto dos acontecimentos mais
relevantes na existência de alguém; 9- meio de subsistência ou sustento necessário
para manter a vida.
Para Maria Helena Diniz
42
:
O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da
personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, caput, assegura a
inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial,
conseqüentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental
básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da
formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e
contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais
bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes, por sua própria
natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer...Garantido está o direito à vida pela
norma constitucional em cláusulas pétreas, que é intangível, pois contra ela nem
mesmo o poder de emendar...tem eficácia positiva e negativa...a vida é um bem
jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que
preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas
impeditivas da prática de crueldade inúteis e degradantes.
A vida se aproxima com a simples existência biológica e, o direito a ela é
fundamental, tem como fim um bem muito elevado, sendo um direito essencialíssimo. É
também, um direito intransmissível, irrenunciável e indisponível.
Canotilho
43
, menciona que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa,
pois é irrefutável o direito de o indivíduo assegurar o direito de viver, com a garantia da “não
agressão” ao direito à vida, aludindo também a garantia de uma dimensão protetiva deste
direito à vida. Ou seja, o indivíduo tem o direito ante o Estado a não ser morto por este, o
Estado tem a compulsão de se abster de provocar contra a vida do indivíduo, e por outro lado,
41
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2858 .
42
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 22-24.
43
CANOTILHO, op. cit., pp. 526-533-539.
31
o indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem conter-se de
praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E remata: o direito à vida é um direito,
mas não uma liberdade.
Esse direito está situado no caput do artigo 5°, dentro do Título II, dos
Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição Federal resguardando tanto a vida intra-
uterina, com perspectiva de vida exterior, quanto à vida extra-uterina à sua consumação
efetiva.
Para José Afonso da Silva
44
,
Vida, no texto constitucional (art. 5°,caput) não será considerada apenas no seu
sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica,
mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de
difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem
perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura
com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua
identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para a morte. Tudo
que interfere em prejuízo deste fluir e incessante contraria a vida.
Na obra Curso de Direito Constitucional, André Ramos Tavares
45
,
menciona
[...] nada impede que o Direito confira aos pré-embriões a mesma proteção conferida à
vida humana, concedendo-lhes, assim, valor idêntico. Trata-se muito mais de uma
opção política, mas opção esta que não pode ser puramente arbitrária, devendo
encontrar justificativa que legitime a norma a ser editada, segundo os interesses da
sociedade.
Tem-se também a necessidade de referenciar o artigo 2°, do Código Civil:
“A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo
desde a concepção os direitos do nascituro.”
44
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 201.
45
TAVARES, op.cit., p. 401. André Ramos Tavares. As tendências do direito público no limiar de um novo
milênio, p. 629.
32
Não apenas um direito de vida, a conservação de vida existente, mas
também um direito à vida, ao desdobramento e evolução da vida e até mesmo à consecução
do nascimento com vida.
A vida forma uma conjetura essencial da característica de pessoa, e não um
direito subjetivo desta, sendo tutelada publicamente, isoladamente da vontade dos indivíduos.
O assentimento dos indivíduos é categoricamente ineficaz para mudar esta tutela, não sendo
possível, assim, haver um exato “direito” privado à vida. Neste sentido, são absolutamente
nulos, todos os atos jurídicos nos quais uma pessoa coloca sua vida à disposição de outra ou
se submeta a grave perigo.
Exceções há, nos casos de dependência à experimentação científica
ameaçadora, quando se trata da precaução urgente da saúde da coletividade, de forma
gratuita, por exemplo. Mas essas exceções devem ser submetidas à valoração nos limites da
ordem pública e dos bons costumes.
O direito à vida é garantido e serve como regalia do indivíduo ao
estabelecer um limite à atuação estatal. Dessa forma, é entendido como inviolável, a
obrigação do Estado e de particulares em não realizar procedimentos que atentem contra o
direito à vida.
O bem da vida passou a não só preocupar o indivíduo, mas também o
Estado. Esse tem o alvo de preservá-la, e assume a disposição de garantir o bem jurídico vida.
Justifica-se, a ingerência estatal no sentido de tutelar, salvaguardar e proteger a vida, por
entendê-la como premissa básica para o exercício de qualquer outro direito fundamental.
A vida é um bem inatingível, não podendo ser violada por terceiros. E é
também, indisponível. Nosso ordenamento não aceita a disponibilidade do direito à vida, por
perfilhar a hegemonia da dignidade da pessoa humana como seu alicerce, e apreender a vida
33
como conjetura básica para que se manifestem os outros direitos fundamentais que, em
conjugado, formam o fundamento mínimo imperativo à dignidade humana.
Assim, o direito à vida é um direito fundamental, garantido pela
Constituição da República, onde o Estado é o seu protetor, interessando a vida não apenas ao
indivíduo, mas a toda sociedade. A vida, atualmente, possui um valor social.
1.5.2
Do direito à liberdade
É reconhecido a todo e qualquer cidadão brasileiro e também estrangeiros
residentes no país o direito à liberdade. Reconhecido pela Constituição Federal, também no
caput do seu artigo 5°, assegurando diferentes tipos de liberdades, é chamado de direito geral
de liberdade, e conseqüentemente reconhecido como um direito fundamental.
Para Canotilho
46
,
Tradicionalmente ligado aos direitos de defesa perante o Estado, o conceito de
liberdades permanece ainda bastante obscuro na doutrina. Proporemos como pontos
iluminadores os seguintes. Liberdade, no sentido de direito de liberdade, significa
direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, o direito de não ser
detido ou aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente condicionado a um espaço,
ou impedido de se movimentar.
Esse direito traz inúmeras divergências como o mencionado direito à vida,
que serão estudadas adiante.
O direito à liberdade pode ser analisado para uma maior facilidade de
compreensão, como já mencionado, de várias formas, pois dentre eles podemos encontrar: a
liberdade de pensamento e expressão; liberdade de crença e convicção; liberdade de opinião;
46
CANOTILHO, op. cit., p. 1181.
34
liberdade de ensino; direito à privacidade ; direito à intimidade; liberdade de associação,
liberdade de reunião e locomoção; direito à informação, direito à informação jornalística e
direito à informação pública.
Na classificação dos direitos fundamentais explícitos relativos ao
pensamento apresentada por Ferreira Filho, tem-
se o art. 5º, IV, VI, VII, VIII e
IX
47
.
O autor, entende que é necessário dividir a liberdade de pensamento em dois
grupos: liberdade de consciência e liberdade de expressão ou manifestação do
pensamento. No primeiro grupo, encontram-se a liberdade de consciência e de crença (art. 5º,
VI), incluindo a escusa de consciência (art. 5º, VIII) e a liberdade de culto (art. 5º, VI).
Em relação ao segundo grupo tem-se: a liberdade de comunicar o pensamento por
meio de correspondência ou comunicações telefônica, telegráfica e de dados (art. 5º, XII); a
liberdade de expressar o pensamento através da palavra falada (art. 5º, IV e V); a
liberdade de manifestação do pensamento por meio da palavra escrita (art. 5º, IX e art.
220); a liberdade dos espetáculos e diversões (art. 220, §2º); a liberdade de ensino (art. 206,
II).
As manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão e
manifestação do pensamento, as quais gozam de ampla liberdade.
Para os autores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
48
,
[...] a peculiaridade do direito de expressão reside na ausência de juízo de
valor (...) a expressão consiste na sublimação da forma das sensações humanas, ou
seja, nas situações em que o indivíduo manifesta seus sentimentos ou sua
criatividade, independentemente da formulação de convicções, juízos de valor ou
de conceitos.
47
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 293.
48
ARAÚJO, op. cit., p. 109.
35
que se atentar para a liberdade de manifestação artística referente às
diversões e espetáculos públicos e aos programas de rádio e televisão para os quais a
Constituição reserva limites específicos no art. 220, §3º, I e II.
José Afonso da Silva
49
, traz como exemplos de diversões públicas os parques
de diversões, casa de divertimentos e brinquedos eletrônicos, os quais ficam sujeitos à
regulamentação da lei federal e à classificação enquadrada pelo Poder Público. Em relação
aos espetáculos públicos de que trata o referido artigo, o autor o define como “representação
teatral, exibição cinematográfica, rádio, televisão ou qualquer outra demonstração pública de
pessoa ou conjunto de pessoas”.
Os programas de rádio e de televisão estão submetidos aos princípios
descritos nos quatro incisos do artigo 221, dentre eles o respeito aos valores éticos e sociais da
pessoa e da família.
Insta salientar, que o artigo 5º, inciso IX, traz a impossibilidade de submeter
a liberdade de expressão à censura ou licença, assim como o artigo 13, II do Pacto de São José
da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. A Constituição apenas traz a competência da
União para exercer a classificação de efeito indicativo de diversões públicas e de programas
de rádio e de televisão (artigo 21, inciso XVI).
De importante ressalva para o presente trabalho, é o direito à liberdade de
crença religiosa e de convicção filosófica ou política por meio da declaração de que ninguém
poderá ser privado de direitos em razão delas.
Como ocorre com todo direito fundamental, o limite é a proibição de invocar
a crença religiosa ou a convicção filosófica ou política para eximir-se de obrigação legal a
todos imposta, e recusar-se a cumprir prestação alternativa.
49
SILVA, op. cit., p.253.
36
A liberdade de consciência é um pressuposto da liberdade de manifestação
do pensamento, visto que apenas uma consciência livre podedar margem a pensamentos
livres e sua conseqüente manifestação. Nos dizeres de Ceneviva
50
,
A liberdade de consciência envolve o direito da pessoa comportar-se e pensar, sem
restrição, conforme lhe pareça o certo e o errado”. E, aqui, ainda nas palavras do autor
citado, “quanto ao fazer e ao comportar-se, desde que não vedado por lei, o limite do
permitido está no respeito ao direito alheio.
Desta maneira, a Constituição assegura que todos possam conhecer e julgar
sua realidade livremente e viver em concordância com seus valores, sem temer nenhuma
privação de seus direitos.
Nos dizeres de Ferreira Filho
51
A liberdade de crença e de consciência, porém, se extroverte, se manifesta na medida
em que os indivíduos, segundo suas crenças, agem deste ou daquele modo, na medida
em que, por uma inclinação natural, tendem a expor seu pensamento aos outros e,
mais, a ganhá-los para suas idéias. As manifestações, estas sim, pelo seu caráter social
valioso, é que devem ser protegidas, ao mesmo tempo que impedidas de destruir ou
prejudicar a sociedade
.
José Afonso da Silva
52
afirma que “fez bem o constituinte em destacar a
liberdade de crença da de consciência”, visto que uma não se confunde com a outra. E,
citando Pontes de Miranda, o autor arremata: “... o descrente também tem liberdade de
consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”.
Em relação à liberdade de crença religiosa, a Constituição ainda consagra o
exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias, na forma
determinada pela lei, que irá definir o modo de proteção dos locais e das cerimônias
50
CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 60.
51
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 294.
52
SILVA, op. cit., p. 248.
37
religiosas. Outras normas constitucionais que dispõem sobre a liberdade de crença religiosa
são os artigos 19, I; 150, VI, “b” e 210, §1º.
Assim concluem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
53
:
Do conjunto de dispositivos indicados depura-se que a liberdade de religião carrega
em seu interior alguns elementos conceituais, que definem o seu regime jurídico, com
base nos seguintes pontos: liberdade de e de confissão religiosa; direito ao
exercício de qualquer religião (liberdade de culto); liberdade de associação religiosa;
dever de neutralidade do Estado, que não deve possuir caráter laico como também
não pode favorecer, financiar ou embaraçar o exercício de qualquer religião; ensino
religioso de caráter facultativo.
Para José Afonso da Silva
54
, liberdade religiosa compreende três formas de
expressão: liberdade de crença, liberdade de culto, e a liberdade de organização religiosa. A
liberdade de crença compreende a liberdade de escolher uma religião, de mudar de seita e
também a de não aderir a nenhuma delas e, ainda de ser ateu, o que não permite embaraçar o
exercício de qualquer culto. A liberdade de culto é a liberdade de orar, de praticar atos
próprios das manifestações exteriores em casa ou em público e de receber contribuições para
tanto. A liberdade de organização religiosa, diz respeito à possibilidade de estabelecimento e
organização das igrejas e suas relações com o Estado, que no Brasil uma separação, pois
tem-se o Estado laico e o que se permite é que haja, por parte do Poder Público, uma
colaboração de interesse público para com as igrejas, na forma da lei, segundo dispõe o artigo
19, inciso I, da Constituição Federal.
A Constituição prevê, também, a imunidade tributária dos templos, na forma
do artigo 150, VI, “b”. Neste contexto, o constituinte também assegurou a assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva (artigo 5º, VII). Tem-se, ainda, a
53
ARAUJO, op. cit., p. 108.
54
SILVA, op. cit., pp. 247 – 252.
38
previsão do ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, porém a matrícula é facultativa (artigo 210, §1º). Por fim, foi
contemplado o casamento religioso, com efeito civil, nos termos da lei (artigo 226, §§1º e 2º).
No direito à liberdade de opinião, os autores divergem em relação ao
significado do termo “liberdade de opinião”.
José Afonso da Silva
55
, entende ser a liberdade de opinião dividida em duas
dimensões: a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI) e a liberdade de crença
religiosa e de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII).
Nesse sentido, pode-se afirmar que a Constituição protege tanto o direito de
emitir um pensamento e tê-lo respeitado, quanto o direito de abster-se de manifestar o
pensamento. É o que Celso Ribeiro Basto
56
denomina “valor de exigência” e “valor da
indiferença”.
Nas palavras de Walter Ceneviva
57
:
A plena liberdade de manifestação do pensamento tem existência simultânea com os
deveres que lhe correspondem, entre os quais o impedimento do anonimato. O
exercício daquela é acompanhado pela responsabilidade, em particular para preservar
a honra do cidadão (inc. IV), em regra que completa os fins previstos no inciso IX,
embora se trate de direitos diversos: o primeiro, a liberdade de manifestação, interessa
a toda sociedade, sempre, enquanto o segundo (direito do cidadão atingido), é
individual, aplicável em cada caso.
Bem lembra André Ramos Tavares
58
que a liberdade de manifestação de
pensamento está intimamente ligada ao princípio democrático, o qual consagra a pluralidade
de idéias e opiniões.
55
SILVA, op. cit., p. 241.
56
BASTOS, op. cit., p. 41.
57
CENEVIVA, op. cit., p. 58.
58
TAVARES, op. cit., p. 425.
39
Acrescenta Alexandre de Moraes
59
A proteção constitucional engloba não o direito de expressar-se, oralmente, ou por
escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler. Conseqüentemente, será
inconstitucional a lei ou ato normativo que proibir a aquisição ou o recebimento de
jornais, livros, periódicos, a transmissão de notícias e informações, seja pela imprensa
falada, seja pela imprensa televisiva.
Seguindo este raciocínio, pode-se afirmar que o direito de opinião ou a
liberdade de pensamento, pressupõe o direito à educação, uma vez que para se formar juízo de
valor a respeito de algo, é necessário que se disponha de dados, os quais são obtidos por meio
do conhecimento adquirido através da informação transmitida pelos livros, jornais, revistas,
rádio, televisão e demais meios de comunicação.
Ademais, é imperioso ressaltar que o dispositivo constitucional que
normatiza a liberdade de pensamento ou o direito de opinião, traz, em sua última parte, a
proibição do anonimato. Isto significa que o exercício desse direito deve ser acompanhado
pela responsabilidade, exigindo-se que o autor do juízo de valor emitido identifique-se, a fim
de que possa responder por eventuais lesões a direitos, causadas pela manifestação de seu
pensamento.
Conclui-se que o Constituinte, optou por declarar o direito de manifestação
de pensamento e limitá-lo, no aspecto do anominato, numa mesma norma, a qual seja o artigo
5º, IV. Outros limites a tal direito fundamental são encontrados no texto constitucional, dentre
eles, o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V e
X).
A liberdade de ensino, foi consagra pelo texto constitucional no artigo
206, II e III, como um dos princípios do ensino, em relação ao exercício do
magistério
59
MORAES, op. cit., p. 207.
40
Essa liberdade consiste em “poder o mestre ensinar aos seus discípulos o que
pensa, não podendo ser coagido a ensinar o que os outros pensam ser correto”
60
.
José Afonso da Silva
61
chama a atenção para a distinção entre a liberdade de
ensino e a de cátedra, a qual “era mais restritiva, por estar vinculada à idéia de catedrático,
que recebia conotação de titularidade de certos cargos de magistério”. Ao passo que a
liberdade de ensino é dirigida a qualquer professor e abrange, ainda, a liberdade de aprender e
de pesquisar.
Deste modo, a liberdade de transmitir o conhecimento é declarada ao
professor, cabendo aos alunos e pesquisadores o direito de receber o conhecimento ou de
buscá-lo.
Por força desta liberdade, é o professor quem escolhe o objeto do ensino a
ser transmitido, respeitados os currículos escolares e os programas oficiais de ensino. Nesse
diapasão, no exercício de sua profissão, ao professor é assegurado o direito de externar seu
pensamento, através de opiniões a respeito da matéria a ser tratada e, também, o direito de
escolher a forma e a técnica usada para transmitir o conhecimento, sem que haja nenhuma
ingerência administrativa nesse sentido.
No direito à privacidade, cumpre dizer que o termo privacidade, muitas
vezes, é mencionado num sentido amplo, abrangendo, então a intimidade, em virtude de ter
em mente referir-se a todos os assuntos não expostos ao público, inclusive os de ordem
íntima.
Aqui, a proteção da vida privada, a qual se analisará, será tomada em seu
sentido estrito, excluindo-se a intimidade, que será tomada em seguida. Será feito assim,
porque o próprio Constituinte distinguiu a vida privada da intimidade no artigo 5º, inciso X.,
60
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 297.
61
SILVA, op. cit., p. 255.
41
haja vista ter mencionado uma e outra no mesmo dispositivo, não se pode conceber que o
Poder Constituinte Originário tenha se utilizado de uma vã repetição.
A vida privada de uma pessoa, compreende aquelas relações que ela
deseja manter ocultas ao público, participando delas apenas seus amigos íntimos e
familiares.
Desta maneira, assuntos como informes de ordem pessoal, as lembranças de
família, a sepultura, a vida amorosa ou conjugal, a saúde física e mental, afeições,
entretenimentos e costumes pertencerão à vida privada da pessoa, se ela os compartilhar com
seus amigos ou ficarão restritos à sua intimidade, em caso de querer mantê-los guardados
somente para si. Por isso é importante o comportamento da pessoa para se delimitar o âmbito
da vida privada, da ceara da intimidade.
O direito à intimidade compreende a faculdade que a pessoa tem de excluir
dos outros, aí incluídos a família, os amigos íntimos e quem mais partilhe de sua vida privada,
seus sentimentos, emoções, pensamentos e orientação sexual.
Neste diapasão, pode-se dizer que a vida de uma pessoa comporta um círculo
grande em que estão insertas as relações públicas do indivíduo, como seus relacionamentos
profissionais, os quais são abertos à sociedade. Dentro deste círculo, encontra-se um menor,
em que se alojam os assuntos que o indivíduo deseja manter ocultos ao público, deles
compartilhando apenas as pessoas que lhe são mais próximas, como familiares e amigos. E,
ainda, dentro deste círculo menor, há uma esfera minúscula, impenetrável a qual abriga
sentimentos que interessam apenas ao seu possuidor.
Em razão de a intimidade ser aquela necessidade da pessoa de ficar em paz,
permitindo que ela controle a intromissão daqueles que compartilham da sua privacidade em
42
assuntos que somente a ela interessa, conclui-se que o direito à intimidade é mais restrito do
que o direito à vida privada.
A liberdade de reunião prevê alguns requisitos, como por exemplo, ser
pacífica, em local aberto ao público, não depender de autorização, com finalidade
lícita etc. É uma manifestação coletiva da liberdade de expressão, mas também um
direito individual de cada participante por poder demonstrar e partilhar em conjunto a sua
idéia.
É considerado um princípio base para um Estado Democrático de Direito,
pois é um direito individual e uma garantia coletiva, onde tem como elementos a pluralidade
de participantes, tempo, finalidade e lugar.
É vedada qualquer interferência estatal ao direito de associação. A este não
cabe limitar a existência de associação, podendo apenas classificá-las.
O direito de informação previsto pela Constituição, em seu artigo 5º, inciso
XIV abarca o direito de obter a informação, de informar e de ser informado, como bem
afirmam Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior
62
.
O mesmo entendimento tem José Afonso da Silva
63
que assim escreve:
“Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a
difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura,
respondendo cada qual pelos abusos que cometer.”
O autor
64
ainda diferencia liberdade de informação de direito à informação,
por se tratar este de direito coletivo e não de direito individual ou profissional, como é a
liberdade de informação.
62
ARAÚJO, op. cit., p. 112.
63
SILVA, op. cit., p. 245.
64
SILVA, op. cit., p. 244.
43
O direito à informação consiste num direito subjetivo público, que se pode
exercê-lo contra o Estado, de maneira a proibir seu embaraço e permitir a livre investigação.
Sendo, também, considerado direito subjetivo privado, podendo ser cobrado das pessoas
físicas e jurídicas para que prestem ou corrijam a informação.
Os requisitos impostos para a divulgação da notícia têm fundamento no
Estado Democrático Social de Direito, cuja realização pressuponha a participação de uma
sociedade bem informada sobre a coisa pública.
Desta forma, o cidadão, quando for votar em seus representantes, deverá
estar bem informado sobre suas condutas, assim como tem o direito de saber quais as atitudes
que eles têm tomado depois de terem sido eleitos, para, então, formar a sua opinião
livremente.
Assim, uma informação somente será considerada notícia, se verdadeira, se
necessária à realização da democracia e se imparcial.
Se o jornalista emite sua opinião, após ter transmitido a notícia, trata-se do
exercício acumulado de dois direitos distintos, a saber: liberdade de opinião e liberdade de
informação jornalística.
Os ilustres Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
65
entendem que a liberdade de informação jornalística é composta pela liberdade de proferir a
notícia (informação sobre o fato relevante para o indivíduo na sociedade em que vive) e pela
liberdade de fazer a crítica (opinião).
A liberdade de informação jornalística pode concorrer com outras liberdades,
como é o caso da liberdade de opinião, quando o jornalista transmite a notícia, e logo após,
65
ARAÚJO, op. cit., p. 112.
44
emite a sua opinião. Por força de tal característica, o exercício de um direito não anula o
exercício do outro.
É importante lembrar que a Constituição, ainda prevê uma espécie de
contraditório para o sujeito a respeito do qual a informação é divulgada, o qual seja o
direito de resposta, previsto no artigo 5º, inciso V, além de trazer no mesmo dispositivo a
previsão de indenização por eventual dano material, moral ou à imagem que a notícia venha
causar.
O direito de informação pública, consiste na prerrogativa que todo indivíduo
tem de receber, dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de interesse
coletivo ou geral.
Note-se que a Constituição impôs a obrigação de prestar informações apenas
aos órgãos públicos, conforme preceituam os artigos 5º, inciso XXXIII e 37, caput.
É importante salientar, que a divisão do direito à liberdade aqui feita, foi
apenas para ressaltar as diferentes formas de liberdade, sendo de suma importância para o
presente trabalho o direito à liberdade de crença, de consciência e de culto.
45
II. DA INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1
As normas jurídicas: regras e princípios
Verificar o conceito de norma jurídica traz uma enorme controvérsia
doutrinária, pois não é uma ciência exata, onde as palavras têm um significado único. No
direito, as palavras têm significados amplos, dificultando sua interpretação apropriada.
Maria Helena Diniz
66
sobre o assunto dita: Isto nos leva a pensar na
necessidade de buscar, com absoluta objetividade, o conceito da norma jurídica, pois não
existe entre os juristas certo consenso na definição da norma jurídica”.
A ciência do direito preocupa-se com o estudo do dever-ser, e não do ser,
propriamente dito, como o faz a ciência exata.
As normas jurídicas, servem de direção para um bom convívio social, por
serem entendidas como mister de conduta onde determina alguns valores escolhidos pela
própria coletividade, para uma melhor organização social.
Para a solução desse impasse, não é possível ficar sem recorrer à Filosofia do
Direito, como salienta Maria Helena Diniz
67
O problema do conceito da norma jurídica parece, à primeira vista, pertencer mais à
Ciência do Direito do que à Filosofia do Direito; contudo a definição da norma
jurídica é tarefa que excede à competência de qualquer ciência jurídica particular. O
conceito da norma jurídica é um problema supracientífico, isto é, filosófico.
A norma jurídica, por conseguinte, define-se como o fez Goffredo Telles Jr.;
imperativo autorizante, conceito este que é, realmente, essencial, uma vez que é a
síntese dos elementos necessários que fixam a essência da norma jurídica. A norma
jurídica sem qualquer um destes elementos eidéticos afigura-se incompreensível, uma
66
DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.
67
Ibidem, p. 6.
46
vez que tirar qualquer desses elementos integrantes de sua unidade essencial equivale
a destruí-la. Deveras, uma norma jurídica que careça do autorizamento será uma
norma moral, e, sem anota da imperatividade, será apenas uma lei física.
Encontraremos sempre esses dois elementos onde quer que se encontre a norma
jurídica
68.
A mesma autora sintetiza: “são normas jurídicas as leis e seus artigos,
contratos e suas cláusulas, regulamentos, sentença etc.”
69
.
Já para Canotilho
70
as normas jurídicas se subdividem em regras e princípios,
A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios (...).
Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: (1) as regras
e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é
uma distinção entre duas espécies de normas.
Segue o autor
71
, analisando sobre os princípios e as regras jurídicas,
mencionando que os princípios, hierarquicamente superiores, são normas com um grau de
abstração relativamente elevado, enquanto as regras, hierarquicamente inferiores, são normas
com grau de abstração relativamente reduzidos. Os princípios gozam de certa
indeterminabilidade na aplicação ao caso concreto, enquanto as regras são suscetíveis de
aplicação direta, imediata.
Para Robert Alexy
72
,
“Tanto lãs regras como los princípios son normas porque ambos dicen lo que debe
ser. Ambos puedem ser formulados com la ayuda delas expresiones deônticas básicas
del mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al igual que lãs reglas, son
razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy
diferente. La distinción entre reglas e principios es pues uma distición entre dos tipos
de normas.
As regras exigem, proíbem ou permitem que alguma coisa seja feita de forma
definitiva, sem exceção alguma, e são resolvidas com base na validade.
68
DINIZ, op. cit., p. 151.
69
Ibidem, p. 146.
70
CANOTILHO, op. cit., p. 1086.
71
Ibidem, p. 1086.
72
ALEXY, Robert, Teoria de los derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1999.
47
os princípios, diferentemente das regras, não proíbem, exigem ou
permitem algo definitivo. Eles são normas, que conforme a realidade dos fatos, resolverão
algo da melhor maneira possível, e são resolvidas com base no peso.
Os princípios interar-nos-ão, aqui, sobretudo na sua qualidade de verdadeiras normas,
qualitativamente distintas das outras categorias de normas ou seja, regras jurídicas. As
diferenças qualitativas traduzir-nos-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos.
Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma
optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem
imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não
cumprida (...); a convivência dos princípios é conflitual (...), a convivência de regras é
antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.(...)
73
.
A noção de princípio está vinculada a idéia de fundamento, base, pressuposto
teórico que orienta determinado sistema, portanto, são normas que sustentam todo o
ordenamento normativo, tendo por função principal conferir racionalidade sistêmica e
integralidade ao ordenamento constitucional.
Assim Edilsom Pereira de Farias
74
assenta
Os princípios passam a ter uma importância destacada no campo do direito
constitucional. A moderna teoria constitucional descobriu que os princípios
(notadamente aqueles com respaldo na Lei Maior) formam ‘o coração das
Constituições contemporâneas’ e, portanto, são instrumentos valiosos para uma
adequada interpretação constitucional. Ademais, essa perspectiva principialista
(assentada em princípio) acaba mesmo desembocando em uma nova
concepção da Norma Fundamental, a saber: a Constituição como norma jurídica
obrigatória. Ou seja, que as normas (princípios e regras constitucionais
independentemente de sua estrutura, possuem igual força normativa
obrigatória e ‘vinculam o legislador e o intérprete da Constituição e em geral a todos’.
Com isso abandona-se, definitivamente, a doutrina que classificava as normas da
constituição em preceptivas e programática e que negava, às estas últimas, caráter de
força de lei.
A violação de princípio jurídico é muito mais grave que a transgressão de
uma norma qualquer, uma vez que agride a todo o sistema normativo, nas palavras de Celso
73
CANOTILHO, op. cit., p. 1087.
74
FARIAS, op. cit., pp. 24-25.
48
Antonio Bandeira de Mello
75
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade
ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Os princípios jurídicos são imposições normativas, sobrepostas prontamente
à resolução de determinada articulação social, não sendo mais vistos como expressões
abandonadas, sem aplicação concreta.
Os princípios têm uma grande vantagem em relação às regras, eles possuem
uma abertura, pois na medida que acontecem alterações na sociedade, as interpretações dos
princípios vão-se acomodando, vão-se adaptando fixamente às alternativas do meio sócio-
político em que agem.
Segundo Humberto Ávila
76
, os princípios são mandados de otimização,
sendo aplicáveis em vários graus de acordo comas possibilidades normativas e fáticas.
Normativas porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se
contrapõem; e fáticas porque o conteúdo dos princípios depende dos princípios como normas
de conduta só podem ser determinados quando diante dos fatos.
Diversos são os critérios de distinção entre regras e princípios
jurídicos, dentre eles a idéia de peso ou importância dos princípios, a identificação dos
princípios como mandados de otimização e os princípios entendidos como juízo de
concorrência
77
.
75
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999,
p. 748.
76
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 1999.
77
FARIAS, op. cit., pp. 26-34.
49
A idéia de peso ou de importância estaria presente nos princípios, ficando
evidente quando dois ou mais princípios entrassem em colisão, ou seja, o fator analisado seria
o de peso ou importância na escolha do melhor princípio a ser aplicado ao caso real, não
sendo possível essa aplicação às regras.
os princípios, como mandados de otimização, assevera que os princípios
são analisados proporcionalmente dentro do caso concreto, diferentemente das regras, que
sempre devem, ou não, ser aplicadas integralmente.
E finalmente, o princípio como juízo de concorrência, tem como diferença
básica, entre princípio e regra, o momento da interpretação e aplicação do direito.
2.2
A interpretação constitucional e seus métodos
Para que se possa interpretar uma Constituição, é necessário a interpretação
da norma constitucional, preocupar-se com o seu significado.
Para André Ramos Tavares
78
É viável admitir uma prática da hermenêutica especificamente constitucional. Isso
ocorre por força da presença de uma série de ocorrências particulares que exigem uma
consideração específica e própria no trato da norma constitucional. A postura exigida
do intérprete é diferenciada, já que a Constituição ocupa o grau último da ordem
jurídica. Assim, a supremacia da Constituição quanto às demais normas do Direito é
uma especificidade própria da qual decorre uma série de limitações a seu intérprete,
podendo-se citar a denominada ‘interpretação conforme a Constituição.
Canotilho79 dita três aspectos importantes para a interpretação da
Constituição
78
TAVARES, op. cit., pp. 74-75.
79
CANOTILHO, op.cit., pp. 1126-1127.
50
(1) interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas
constitucionais; (2) investigar o direito contido na lei constitucional implica uma
actividade actividade complexa que se traduz fundamentalmente na adscrição de
um significado a um enunciado ou disposição lingüística (“texto da norma”); (3) o
produto do acto de interpretar é o significado atribuído.
Para Barroso
80
,
A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujo objetivo é a
formulação e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito. A
interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de
uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto. A aplicação de
uma norma jurídica é o momento final do processo interpretativo, sua concretização,
pela efetiva incidência do preceito sobre a realidade do fato. Esses três conceitos são
marcos do itinerário intelectivo que leva à realização do direito. Cuidam eles de
apurar o conteúdo da norma, fazer a subsunção dos fatos e produzir a regra final,
concreta, que regerá a espécie.
Existem diversas maneiras ou métodos de como interpretar a Constituição.
Para que se possa fazer uma melhor interpretação, é necessário um conjunto de métodos, e
não um único método aplicado separadamente.
Para os direitos fundamentais e suas colisões, não é possível uma solução
adequada in abstrato, pois essa solução poderá ser feita quando estiverem todos os
elementos do caso concreto.
Norma Sueli Padilha
81
, sobre o assunto dita
Em busca da compreensão jurídica dos fenômenos sociais, o jurista moderno haverá
de lançar mão de todos os métodos de interpretação colocados à sua disposição, na
busca do alcance prático e do significado político, ético e cultural das leis que deverá
aplicar. Nesse sentido, a metodologia da interpretação busca a apreensão do sentido
das normas para a exata compreensão jurídica dos casos concretos, para o que não
pode prescindir da utilização dos diversos métodos de interpretação, muito embora
sem esperar que se resolva, definitivamente, a problemática que trava a luta das
teorias da interpretação jurídica.
80
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2001, p.103.
81
PADILHA, op. cit., p. 58.
51
Atualmente, é possível uma interpretação envolvendo o juízo discricionário
do intérprete, o qual, por sua vez, encontra limites nos princípios informadores da
Hermenêutica Constitucional, que servem como parâmetros para a ponderação de valores e
interesses.
Para Canotilho
82
existem cinco tipos de métodos que podem ser aplicados
para uma melhor interpretação constitucional.
O primeiro método citado, é o método-jurídico, que tem como base que
interpretar uma Constituição, é a mesma coisa que interpretar uma lei. Equipara uma
interpretação constitucional a uma interpretação legal.
O segundo método, é o método tópico-problemático, que consiste em
adequar a norma constitucional ao caso em concreto, há um pluralismo de intérpretes.
O método hermenêutico-concretizador diferencia-se do método acima, no
fato de que o intérprete aqui, concretiza primeiramente a norma para depois analisar o
problema.
o quarto método, o método científico-espiritual ou método valorativo, tem
como base a ordem de valores, e a interpretação não visa dar respostas aos conceitos
constitucionais. Tem um pensamento filosófico-jurídico não muito fácil.
O último método analisado pelo autor, é a metódica normativo-estruturante,
que está acoplada à resolução de casos objetivos, e tem como tarefa, investigar as muitas
funções do direito constitucional.
De acordo com Luis Roberto Barroso
83
, existem quatro tipos de métodos
para interpretação constitucional: a interpretação gramatical; a interpretação histórica; a
interpretação sistemática; e a interpretação teleológica.
82
CANOTILHO, op. cit., pp. 1136-1139.
83
BARROSO, op. cit., pp. 124 - 144.
52
O primeiro método de interpretação, consiste em que a análise da
Constituição deve ser feita através de suas palavras, do sentido estrito que suas palavras
trazem. O limite da interpretação, é o sentido comum das palavras encontradas no corpo da
Constituição.
A interpretação histórica é o segundo método analisado pelo autor, traz em si
uma retrospectiva de como foi elaborada a lei, qual a real intenção do legislador ao editar a
norma. Mas, também um limite para essa interpretação para que não ofendesse o
princípio democrático, pois não é possível que fique estática ao tempo e às mudanças trazidas
com ele.
Já a interpretação sistemática, prega por uma interpretação total das normas a
serem analisadas. Ele acredita, que uma norma ponderada, sozinha, pode perder o seu
verdadeiro significado, devido a unidade do ordenamento jurídico, e que a Constituição pode
perder a sua completa harmonia, caso isso ocorra.
O último todo interpretativo, a interpretação teleológica, preza a análise
da finalidade da norma, o seu verdadeiro valor. O ordenamento jurídico existe para amparar
algumas necessidades, e deve ser ponderado da melhor maneira para que acata a sua real
finalidade de criação.
2.3
Princípios de interpretação constitucional
É claro que os direitos fundamentais têm uma alta carga de valor, ficando
possível a colisão entre eles, porque esses valores estão sujeitos a variações conforme as
mudanças da sociedade e, precisam de uma interpretação caso a caso de um juízo
discricionário.
53
Para que o intérprete, diante da colisão de direitos fundamentais, possa ter
segurança na escolha de um direito fundamental, existem princípios específicos no auxílio da
interpretação constitucional. Eles servem como condições para esta interpretação.
O ponto de partida do intérprete que ser sempre os princípios constitucionais, que
são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados
básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as
normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da
ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve
começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado,
descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra
concreta que vai reger a espécie
84
.
Analisado na sua essência, os princípios constitucionais, são sem dúvida, um
resumo dos valores mais relevantes da ordem jurídica, constituindo a base de uma ordem
jurídica.
Para Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Barroso
85
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente
por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico....
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção
ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas
todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais....
Segundo Canotilho
86
, tem-se a verificação de alguns princípios.
O princípio da unidade da Constituição, motiva o exame do escrito
constitucional como um todo, como um sistema que precisa combinar cláusulas discrepantes,
brotando para o intérprete o gravame de detectar na Constituição as normas
84
BARROSO, op. cit., p. 149.
85
Ibidem, p. 151.
86
CANOTILHO, op. cit., pp. 1148-1151.
54
relacionadas ao caso, coligar eventuais conflitos entre elas e considerá-las em conjugado para
sua solução.
A concordância prática, ou princípio da harmonização, divulga uma
decorrência lógica do princípio da unidade da Constituição pois, idênticos aqueles, os valores
e direitos fundamentais carecem ser harmonizados, no caso palpável, por meio de cautela de
ajuizamento que vise consolidar ao máximo os direitos constitucionalmente resguardados, não
se necessitando, por meio de uma acelerada ponderação de bens ou valores in abstrato,
desamparar um direito a custa de prevalência do outro.
Também, muitas vezes anexado ao princípio da unidade da Constituição, está
o princípio do efeito integrador, que tem como acepção, que na solução dos embates, deve
dar-se prioridade aos discernimentos que beneficiam a relação política e social e o apoio da
integração política.
O princípio da máxima efetividade ou princípio da eficiência, ou ainda,
princípio da interpretação efetiva, consiste no fato de que tem que se dar a uma norma o
significado de maior eficácia que puder. É muito utilizado no caso de confronto entre os
direitos fundamentais.
E por última análise, cabe ressaltar o princípio da força normativa da
Constituição, que equivale dizer, que na resolução de problemas jurídicos, deve-se dar
preferência a interpretação que maior eficácia dará a uma lei fundamental.
2.4
As funções dos princípios constitucionais
Tem-se ciência que os princípios, juntamente com as regras, são normas
jurídicas. Os princípios, contudo, desempenham dentro do sistema normativo um papel
55
desigual ao das regras. Estas, por apresentarem casos hipotéticos, possuem o claro papel de
adequar, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se condizem nas molduras
peculiares por elas proporcionadas. Não é dessa maneira com os princípios, que são normas
genéricas dentro do sistema.
Para Canotilho87 os princípios são multifuncionais
Do discurso antecedente afigura-se legítima uma primeira ilação: aos direitos
fundamentais não poderá hoje assinalar uma única dimensão (subjectiva) e apenas
uma função (proteccção da esfera livre e individual do cidadão). Atribui-se aos
direitos fundamentais uma multifuncionalidade, para acentuar todas e cada uma das
funções que as teorias dos direitos fundamentais captavam unilateralmente.
José Albuquerque Rocha
88
, aponta pelo menos três funções aos princípios em
direito em geral: função fundamentadora; função orientadora da interpretação; e função de
fonte subsidiária.
Tem-se também, além dessas três funções mencionadas outras funções,
[...] qualificar, juridicamente, a própria realidade a que se referem, indicando qual a
posição que os agentes jurídicos devem tomar em relação a ela, ou seja, apontando
o rumo que deve seguir a regulamentação da realidade, de modo a não contravir aos
valores contidos no princípio e, tratando-se de princípio inserido na Constituição, a
de revogar as normas anteriores e invalidar as posteriores que lhes sejam
irredutivelmente incompatíveis.
89
Diz-se, assim, que os princípios têm eficácia positiva e negativa:
[...] por eficácia positiva dos princípios, entende-se a inspiração, a luz hermenêutica
e normativa lançadas no ato de aplicar o Direito, que conduz a determinadas
soluções em cada caso, segundo a finalidade perseguida pelos princípios incindíveis
no mesmo; por eficácia negativa dos princípios, entende-se que decisões, regras, ou
mesmo, sub princípios que se contraponham a princípios serão inválidos, por
contraste normativo.
90
87
CANOTILHO, op. cit., p. 1308.
88
ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros ,1999, p.46.
89
Ibidem, p.47.
90
ESPÍNOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999,
p. 55.
56
Dentre as funções do princípio, destaca-se que, eles são limitadores da
aspiração do aplicador do direito.
Além deles servirem como base para interpretação,
servem assim, para que a justiça seja feita ao caso concreto, dentro de uma razoabilidade, e
quanto mais o magistrado procurar torná-los eficazes, mais válida será sua decisão. Em
contra partida, carecerá de legitimidade a decisão que desrespeitar esses princípios
constitucionais.
O princípio, enquanto “mandamento nuclear de um sistema”
91
, desempenha
formidável função de fundamentar a ordem jurídica em que se fixa, fazendo com que as
relações jurídicas, que entram ao sistema, busquem nos princípios constitucionais sua base.
Os princípios, assim, enquanto valores, são “a pedra de toque ou o critério com que se afere
os conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada.”
92
Assim, José Albuquerque Rocha
93
,
[...] os princípios, até que por definição, constituem a raiz de onde deriva a validez do
conteúdo das normas jurídicas. Quando o legislador se apresta a normalizar a
realidade social, o faz, sempre, consciente ou inconsciente, a partir de algum
princípio. Portanto, os princípios são idéias básicas que servem de fundamento ao
direito positivo. Daí a importância de seu conhecimento para a interpretação do
direito e elemento integrador das lacunas legais...
Vê-se, dessa maneira, que os princípios são utilizados como base das
disposições políticas fundamentais adotadas pelo constituinte, e apregoam as importâncias
superiores, que geram a invenção ou reorganização de um Estado. Ao findar um princípio,
perde-se os alicerces e as linhas mestras das instituições.
Verdadeiramente, a função principal dos princípios, talvez, seja a de servir
de norte para aquele que interpreta o direito.
91
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1980, p. 230.
92
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 254.
93
ROCHA, op. cit., p. 46.
57
Essa função dos princípios, ou seja, a função orientadora da interpretação ou
função hermenêutica
94
, advém da necessidade de encontrar fundamentos para o direito. Nas
palavras de José Albuquerquer Rocha
95
,
[...] decorre logicamente de sua função fundamentadora do direito. Realmente, se as
leis informadas ou fundamentadas nos princípios, então devem ser interpretadas de
acordo com os mesmos, porque são eles que dão sentido às normas. Os princípios
servem, pois, de guia e orientação na busca de sentido e alcance das normas.
Nesse mesmo entendimento encontra-se Edilsom Pereira de Farias
96
Como cânone hermenêutico, os princípios são úteis em primeiro lugar para dirimir
dúvidas interpretativas ao ajudar a esclarecer o sentido de determinada disposição de
norma. Assim, os princípios orientam a interpretação, contudo, a singularidade dos
princípios no campo da interpretação é que eles servem de guia para a sua própria
aplicação. Isso acontece porque os próprios princípios carecem de interpretação, e o
agente jurídico terá que primeiramente interpretar os princípios retores de sua
interpretação.
Os princípios, servindo de bússola para a interpretação do direito, asseguram
à dupla interpretação da regra, uma interpretação que melhor se assemelhe com o princípio.
Servindo como fonte interpretativa, fica evidenciado sua função de limitação
à discricionariedade judicial, evitando que o magistrado evoque algo não baseado nas leis
existentes, pois tem-se que ter sempre como alicerce, um princípio para não fazer seu
julgamento de forma discricionária
97
.
Outra função dos princípios, é a de fonte subsidiária ou função regulativa.
Aprende-se que o ordenamento jurídico é completo, e que o juiz terá que
julgar a qualquer preço, nunca podendo alegar de que o é capaz de fazer um julgamento
justo, por não haver norma adequada para resolver a questão.
94
FARIAS, op. cit., p. 50.
95
ROCHA, op. cit., p. 47.
96
FARIAS, op. cit., p. 50.
97
FARIAS, op. cit., p. 51.
58
Dessa maneira, na categoria de fonte subsidiária do direito, os princípios
serviriam como componente integrador ou feitio de preenchimento de lacunas do
ordenamento jurídico, na presunção de deficiência da lei aplicável à condição típica.
Os princípios devem ser analisados, juntamente com a analogia e os
costumes. Se o juiz não encontra disposição legal capaz de resolver o caso concreto, deverá se
socorrer de outros meios que sejam eficazes para uma solução coerente.
Nos dizeres de José de Albuquerque Rocha
98
,
[...] nos casos de lacunas da lei, os princípios atuam como elemento integrador do
direito. A função de fonte subsidiária exercida pelos princípios não está em
contradição com sua função fundamentadora. Ao contrário, é decorrência dela. De
fato, a fonte formal do direito é a lei. Como, porém, a lei funda-se nos princípios,
estes servem como guia para a compreensão de seu sentido (interpretação), ou como
guia para o juiz suprir a lacuna da lei, isto é, como critério para o juiz formular a
norma ao caso concreto.
Mas, foi conferida normatividade aos princípios, tendo assim, um
aproveitamento obrigatório, afastando seu modo supletivo.
Foi explicitada, nesse capítulo, a força normativa dos princípios, não
podendo aceitar que o princípio seja reprimido à categoria de mero instrumento supletivo em
caso de lacuna da lei.
Também nesse entendimento, Edilsom Pereira de Farias
99
Além da função hermenêutica, os princípios são fonte de Direito no caso de
lacunas. Na ocorrência de omissão de lei (art. da Lei de Introdução ao Código
Civil), os princípios possibilitarão aos juízes a colmatação da lacuna,
conduzindo, assim, a integração e desenvolvimento do direito. Nessa hipótese, os
princípios são normas primárias que regulam imediatamente a conduta de seus
destinatários, além de constituírem premissa da argumentação jurídica utilizada na
aplicação dos mesmos.
98
ROCHA, op. cit., p. 47.
99
FARIAS, op. cit., pp. 51-52.
59
Em um caso concreto, havendo conflito entre lei e um princípio
constitucional, é claro que este último será aplicado, pois com a sua inserção na Constituição
Federal ficou demonstrada a sua força.
Conforme Paulo Bonavides
100
[...] de antiga fonte subsidiária em terceiro grau nos Códigos, os princípios gerais,
desde as derradeiras Constituições da segunda metade deste século, se tornaram fonte
primária de normatividade, corporificando do mesmo passo na ordem jurídica os
valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as
competências de uma sociedade constitucional.
Fica claro assim, que os princípios constitucionais são de suma importância
para o mundo do direito e resolução de seus problemas, pois atuam como normas de conduta e
não simplesmente como orientador para a aplicação de outras normas.
101
2.5
Existência ou não de hierarquia entre os princípios constitucionais
Assunto de muita polêmica, é o fato de os princípios encontrarem-se
escalonados de forma hierárquica ou não dentro do ordenamento jurídico.
Sabe-se que o ordenamento jurídico, está repleto de normas de diferentes
valores e diversos níveis normativos.
Como analisado, os princípios estão inseridos nas normas jurídicas e se
essas são hierarquicamente escalonadas, pode-se, assim aceitar, que existe hierarquia entre os
princípios.
Nesse diapasão, Geraldo Ataliba citado por Ruy Samuel Espínola
102
ressalta
que
100
BONAVIDES, op. cit., p. 254.
101
FARIAS, op. cit., p. 52.
102
ESPÌNOLA, op. cit., p. 165.
60
[...] o sistema jurídico [...] se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual
algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios
que, de seu lado, assentam-se em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia
decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam
os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem
outras [...].
E também, Norma Sueli Padilha
103
, mencionando Paulo Bonavides
E, à medida que os princípios foram colocados no topo da hierarquia constitucional
contemporânea, a importância jurídica do valor assumiu uma dimensão de
normatividade sem precedentes, já que ‘os princípios são valores e, sendo valores são
também normas, com uma dimensão de juridicidade máxima’. Dessa forma, o
reconhecimento dos princípios-valor enquanto norma, representa um grande avanço
da ciência constitucional, que durante muito tempo concedeu, por meio das
denominadas programáticas, um ‘salvo-conduto’ para as ‘omissões do
constitucionalismo liberal no campo da positividade social do Direito.
Todavia, o problema não é tão simples assim. É necessária uma apreciação
um pouco mais aprofundada sobre o assunto.
Se houver a existência de princípios constitucionais e princípios
infraconstitucionais, dúvida não restará em afirmar que os princípios constitucionais são, em
ordem hierárquica, superiores aos infraconstitucionais.
Nesse sentido, encontra-se Oscar Vilhena Vieira
104
, ao analisar o parágrafo
3°, do artigo 5°, da Constituição Federal, onde trata de possível conflito entre uma norma
constitucional e um tratado
Essa discussão remete necessariamente à questão das cláusulas superconstitucionais
ou pétreas de nosso ordenamento. Conforme disposto pelo art. 60, § 4°, IV, de nossa
CF, não poderão ser objeto de deliberação aqueles projetos de emenda que tendem a
abolir, entre outros valores, os direitos e garantias individuais. Neste sentido, parece
que os direitos originalmente reconhecidos pela Constituição não podem ser
suprimidos por direitos derivados de tratados, ainda que tenham sido aprovados com
quorum de emenda.
103
PADILHA, op. cit., pp. 127-128.
104
VIEIRA, op. cit.,p. 42.
61
Sobre o assunto, Maria Helena Diniz
105
se manifesta citando Hans Kelsen
Logo, se as normas conflitantes, total ou parcialmente, forem postas,
concomitantemente, com um ato do constituinte e pertencentes ao mesmo escalão,
os critérios lex superior derrogat legi inferiori e lex posteriori derrogat legi priori
não poderão ser aplicados: assim, se as normas forem totalmente antinômicas, dever-
se-á interpretar o fato no sentido de que se deixou ao órgão aplicador a opção entre
elas; se forem parcialmente conflitantes, deve-se entender que uma limita a eficácia
da outra; se impossível for qualquer uma dessas interpretações, deve-se concluir que o
constituinte prescreveu algo sem sentido.
Mas, a complicação advém, quando trata-se exclusivamente dos princípios
constitucionais. O citado Geraldo Ataliba
106
, ao abordar a propósito dos princípios
encontrados na Constituição assegura que
[...] mesmo no nível constitucional, uma ordem que faz com que as regras tenham
sua interpretação e eficácia condicionada pelos princípios. Estes harmonizam, em
função da hierarquia entre eles estabelecidas, de modo a assegurar plena coerência
interna ao sistema [...].
Aparentemente, produz-se um entendimento de que existe sim, uma
hierarquia entre os princípios constitucionais. Mas, não é evidente que seja desta maneira.
O que entende-se, é que em um mesmo plano constitucional, existem normas
cujo devaneio é mais intenso que as outras.
Citando novamente Oscar Vilhena Vieira
107
O que se pode dizer sem maior medo, no entanto, é que ao alertar para a existência de
direitos fundamentais decorrentes da Constituição, portanto não expressos em seu
texto, o constituinte originário buscou deixar uma porta aberta aos intérpretes da
Constituição para o alargamento dos direitos por ela defendidos.
Dessa forma, é possível haver ocorrências em que existam normas
constitucionais em visível conflito, cogitadas entre si, o que não, necessariamente, constitui
105
DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 63-64.
106
ESPÌNOLA, op. cit., p. 65.
107
VIEIRA, op. cit., p.44.
62
pronunciar, que uma ou outra, é hierarquicamente elevada quando encontradas em um mesmo
plano.
É sabido que um direito fundamental é reconhecido como tal, para
que ele tenha um grau de superioridade mais elevado que os outros direitos, não ditos
fundamentais.
Ficam esses direitos, no ápice de uma hierarquia, caso haja um conflito de
direitos, os mencionados direitos fundamentais estarão no topo das escolhas públicas.
Assim, toda vez que houver conflitos entre direitos, analisar-se-á, se entre eles, existe um
direito dito fundamental. Se assim houver, não restará dúvida de que esse é que deverá
prevalecer, pois existe sobre ele um manto, que o protege de todo e qualquer confronto entre
direitos.
Oscar Vilhena Vieira
108
sobre o assunto dita,
Ainda no que se refere à hierarquia das normas de direitos fundamentais, a CF
estabelece, por intermédio de seu art. 60, § 4°, IV, que não poderão ser objeto de
deliberação as emendas tendentes a abolir ‘os direitos e garantias individuais’. Deve
isto significar que as emendas, para efeito de abolição dos direitos fundamentais,
devem receber o mesmo tratamento das lei e demais atos normativos
infraconstitucionais? Se restringirem um direito fundamental, devem simplesmente
ser consideradas inválidas? Em outras palavras, deu-se aos direitos fundamentais
uma posição de supremacia não apenas frente às normas infraconstitucionais, mas
também sobre atos que se incorporariam à Constituição, com a mesma hierarquia das
demais normas constitucionais? Sim, o constituinte de 1988 parece ter criado uma
superesfera de proteção aos direitos fundamentais, entrincheirando-os contra os
ataques eventualmente perpetrados pelo legislador, seja ele ordinário ou reformador.
Sobre cláusulas pétreas André Ramos Tavares
109
dita
Inserem-se na mesma noção de normas de alta relevância, porque, nesse caso, foram
dotadas de uma garantia também especial: a imutabilidade. Quando a Constituição
preceitua que não poderá ser objeto de emenda constitucional a proposta tende a
abolir: “I - a forma federativa de Estado; II o voto direito, secreto, universal e
periódico; III a separação dos poderes; IV os direitos e garantias
individuais’(§4°do art. 60), ‘o que finalmente propicia é uma proteção agregada em
benefício de certas partes da Carta que o constituinte considerou credoras de um plus
108
VIEIRA, op. cit., pp. 48-49.
109
TAVARES, op. cit., p. 95.
63
de segurança. (...) Quer isto dizer que implicitamente se reconhece a estes uma certa
importância, a suficiente para endurecer seus mecanismos de garantia”.
Fica evidenciado, dessa maneira, que os direitos fundamentais, são
considerados limites diante de qualquer vontade, por serem consideradas cláusulas pétreas.
Mas, em alguns casos, poderá ocorrer um choque entre esses direitos
fundamentais, gerando assim, um grande impasse.
2.6 Colisão entre normas constitucionais e critérios que resolvem a colisão de regras
A palavra antinomia, tem como significado, o conflito advindo dentre
dois ou mais preceitos, quando estes se contrapõem ou se contrariam, e para que esses
conflitos sejam solucionados, é preciso um sistema jurídico capacitado para tal resolução.
Ao conflito entre duas normas, entre dois princípios ou entre uma norma
e um princípio, dá-se o nome de antinomia
110
.
Canotilho
111
dita que o fato de existirem “fenômenos de tensão” entre os
diversos princípios existentes, é porque a Constituição é um sistema aberto de princípios,
e esse fato se devido ao compromisso social das várias idéias diferentes e muitas vezes
antagônicas. E continua
A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros
originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente
destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o
reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e
a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de
conflito, a uma <lógica do tudo ou nada>, antes podem ser objecto de ponderação e
concordância prática, consoante o <seu peso> e as circunstâncias do caso.
112
110
DINIZ, op. cit., p. 15.
111
CANOTILHO, op. cit., pp. 1107-1108.
112
Ibidem, p. 1108.
64
Existem diferentes critérios encontrados para a solução dos conflitos de
regras.
O primeiro critério a ser analisado, é o da hierarquia, onde a lei superior
derroga a lei inferior. Sempre que existir um conflito entre duas normas constitucionais, será
analisado, independente de qualquer outro critério, o fator da superioridade da norma. Uma
norma de nível mais alto terá preferência à outra norma de nível inferior. Assim, a
Constituição sempre terá a preferência entre as demais leis.
O critério cronológico é o segundo critério adotado para resolução dessas
colisões, ou seja, lei posterior derroga lei anterior. Aqui, a lei que advém depois, tem
preferência à lei que veio primeiro. As normas têm que estar no mesmo patamar, ou ambas
estarão dentro da Constituição ou ambas estarão, por exemplo, dentro de leis, caso contrário
recairá sobre elas o primeiro critério analisado. Equivale a edição da norma, a última a ser
editada, fica predominante.
O último critério a ser analisado, se o da especialidade, onde a norma
especial terá preferência à norma geral. Uma norma é especial, quando traz consigo um algo a
mais que a norma geral não trouxe. Ela tem tudo o que a norma geral tem e um plus a mais,
traz detalhes da matéria analisada que a norma geral não traz.
Aplicando-se esses critérios caberá, provavelmente, uma solução ao caso
concreto, juntamente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
2.6.1
Princípio da razoabilidade
O princípio da razoabilidade não está claramente inserido, de forma
expressa, na Constituição Federal de 1988. Isto, entretanto, não consente se conclui, estar este
65
princípio distante do sistema constitucional nacional, pois, é admissível auferi-lo tacitamente
de alguns dispositivos constitucionais, como, além do mais, vem sendo reconhecido pela
jurisprudência dos tribunais brasileiros.
A redação final da Constituição de 1988, todavia, excluiu a menção expressa ao
princípio da razoabilidade. É certo, todavia, que se inscreveu, expressamente, no
inciso LIV do art. 5° do due process of law, com a dicção seguinte: ‘ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal
.
113
Este princípio, está intimamente ligado com a garantia do devido processo
legal, e o princípio da igualdade, e é uma decorrência do Estado Democrático de Direito,
tendo seu ápice na Constituição norte-americana. Para muitos autores, ele se funde com o
princípio da proporcionalidade, mas para uma melhor apreciação, ambos serão analisados
separadamente.
Não se pode confundir, de maneira alguma, razoabilidade com a garantia do
devido processo legal. A razoabilidade, é um princípio geral de interpretação, existente para a
segurança de todos os princípios e garantias constitucionais, e não somente do devido
processo legal.
O princípio da razoabilidade está densamente unido aos princípios da
interpretação constitucional. É base forte para que se tenha uma interpretação correta dos
escritos constitucionais, apresentando uma opção de ação do juiz para a produção do mais
perfeito resultado.
Suzana Toledo Barros
114
, enseja razoabilidade como sendo
Desde logo uma idéia de adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade,
eqüidade, traduz aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é admissível.
113
BARROSO, op. cit., p. 231.
114
BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 68.
66
Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como por exemplo, bom senso,
prudência e moderação.
Para Barroso
115
,
O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público
para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo
ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o
princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma
dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão,
supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o
que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou
lugar
.
A razoabilidade é um misto de valores a serem analisados na atuação do
Estado. Ela pode ser chamada de razoabilidade interna116, que é a avaliada dentro da lei e
traz um afinidade entre os motivos, os meios e os fins. É preciso uma relação coerente entre
os três, para que não se rompa o nexo de aplicação da razoabilidade.
também a razoabilidade externa
117
da norma, que consiste numa
adequação à Constituição Federal. Não basta a norma ter razoabilidade interna, ter nexo, é
preciso ter uma razoabilidade perante a Lei Maior. Se a lei desobedecer a valores anunciados
ou não, no texto constitucional, não será autêntica nem razoável à luz da Constituição, ainda
que o fosse internamente.
De fato, a aferição da razoabilidade importa em um juízo de mérito sobre os atos
editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamento mais comumente aceito
da discricionariedade do legislador. Ao examinar a compatibilidade entre meio e fim,
e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do
Judiciário transcede à do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento
convencional, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao administrador ou ao
legislador para fazer sobrepor a sua própria valoração subjetiva de dada matéria. A
verdade, contudo, é que, ao apreciar uma lei para verificar se ela é ou não arbitrária, o
juiz ou o tribunal estará, inevitavelmente, declinando o seu próprio ponto de vista do
que seja racional ou razoável.
118
115
BARROSO, op. cit., p. 219.
116
Ibidem, p. 221.
117
Ibidem, p. 221.
118
BARROSO, op. cit., p. 225.
67
No Brasil o princípio da razoabilidade é aplicado de forma ainda tímida,
pois é dado ao Poder Público muito espaço para que ele atue de forma discricionária.
Assim, comenta Paulo Bonavides
119
que a razoabilidade é axioma do direito constitucional
moderno, funcionando como regra que limita a ação do poder estatal na esfera da
juridicidade.
Assim,
[...] o princípio da razoabilidade é um mecanismo de controle da
discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciário
invalidar atos legislativos ou atos administrativos quando: (a) não haja
relação de adequação entre o fim visado e o meio empregado; (b) a medida
não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao
mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; (c) não haja
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é
de maior relevo do que aquilo que se ganha.
120
O princípio da razoabilidade está infimamente entrelaçado com o princípio
da isonomia, pois que para criar leis incide em discriminar, por demasiados discernimentos,
fatos e indivíduos. Desta maneira, a razoabilidade será o ponto chave para se verificar se a
diversificação é positiva e legítima.121
2.6.2
Princípio da proporcionalidade
Como mencionado no item anterior, a proporcionalidade e a razoabilidade,
para uma boa parte da doutrina e do Supremo Tribunal Federal, não podem ser consideradas
como sinônimos, mesmo pressupondo que ao falar em razoabilidade fala-se em
proporcionalidade.
119
BONAVIDES, op. cit., p. 436.
120
BARROSO, op. cit., p. 239.
121
Ibidem, p. 239.
68
Para Canotilho
122
também é evidente a diferença de conceitos
O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema da
limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições
administrativa de liberdade individual. É com este sentido que a teoria do estado o
considera, no séc. XVIII, como máxima suprapositiva, e que ele foi introduzido, no
séc. XIX, no direito administrativo como princípio geral do direito de polícia.
Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também
conhecido por princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de princípio
constitucional. Discutido é o seu fundamento constitucional, pois enquanto alguns
autores pretendem derivá-lo do princípio do estado de direito, outros acentuam que
ele está intimamente conexionado com os direitos fundamentais. Na qualidade de
regra de razoabilidade – desde cedo começou a influenciar a jurisprudência dos países
de Common Law. Através da regra da razoabilidade, o juiz tentava (tenta) avaliar caso
a caso as dimensões do comportamento razoável tendo em conta a situação de facto e
a regra do precedente. Hoje, assiste-se a uma nítida europeização do princípio da
proibição do excesso através do cruzamento das várias culturas jurídicas européias.
Tanto o princípio da proporcionalidade, quanto o princípio da razoabilidade,
têm como finalidade apresentar critérios à restrição da ação do Poder Público, dando base à
aplicação dos direitos fundamentais dos indivíduos.
No direito nacional é defendido a impossibilidade de se separar os dois
princípios mencionados, havendo até quem diga que a proporcionalidade é uma faceta do
princípio da razoabilidade
123
.
O Direito Administrativo aplicou o princípio da proporcionalidade como um
desenvolvimento do princípio da legalidade, ficando, o conceito de proporção unido
exclusivamente as penalidades. Após, passou-se a decretar que as ações administrativas
fossem adaptadas a execução dos desígnios da lei, e que os meios utilizados não arranhassem
em demasiado os direitos dos cidadãos
124
.
Para a autora ora mencionada, Suzana de Toledo Barros
125
,
[...] a expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois a
representação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: nela, a idéia
122
CANOTILHO, op. cit., pp. 261-262.
123
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 68.
124
BARROS, op. cit., p. 35.
125
Ibidem, p. 71.
69
implícita de relação harmônica entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade em
sentido amplo é mais do que isso, pois envolve também considerações sobre a
adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um
determinado direito.
Segundo Humberto Ávila
126
,
“...pode-se definir o dever da proporcionalidade como um postulado normativo
aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito
e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da
relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos
concretamente correlacionados.”
O princípio da proporcionalidade para os alemães, leva o nome de proibição
de excesso, e para os americanos de razoabilidade.
O princípio da proporcionalidade se divide em três outros subprincípios: da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, sendo os três aplicados
juntamente, conseguirão atingir o que procura o operador do direito.
O princípio da adequação, também conhecido como princípio da idoneidade,
é o primeiro a ser analisado dentro do princípio da proporcionalidade. Inicialmente, verifica-
se se o meio selecionado foi propício para o surgimento do resultado. Assim, leva-se em
consideração a eficácia do melhor meio para a obtenção do fim almejado.
Assim, Suzana de Toledo Barros
127
, cita sobre os princípios da adequação e
da proporcionalidade
Entendido o princípio da proporcionalidade como parâmetro a balizar a conduta do
legislador quando estejam em causa limitações aos direitos fundamentais, a
adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida
restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois, se não for
apta para tanto, há que ser considerada inconstitucional.
126
ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever da
proporcionalidade. Revista do Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 215, p. 175, jan/mar 1999.
127
BARROS, op. cit., p. 74.
70
Por esse princípio, pode-se perceber que necessitam ser adotados conceitos
adequados à abrangência da intenção calculada no preceito que pretende exercer. A avaliação
utilizada deve ser relacionada à consecução dos fins da lei. Segundo Canotilho
128
, a
adequação
Pressupõe a investigação e a prova de que o ato administrativo é apto para e
conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação
de adequação medida-fim. Este controlo, muito debatido relativamente ao poder
discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades
quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do
legislador.
Não necessidade de a adequação ser totalmente fiel ao meio e ao fim
desejado, podendo existir uma adequação parcial entre meio e fim, pois o juízo de adequação
se dará na presença do caso concreto e a lei é uma vontade de quem a criou, sendo apenas
abstrata, e somente o tempo dirá seus problemas
129
.
É conciso que as medidas abraçadas pelo Poder Público se desvendem capaz
de abranger os escopos almejados.
Canotilho
130
também reconhece o princípio da adequação como sendo
princípio da conformidade e dita que
[...] impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser
apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a
exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder
público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de
controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, muito debatido
relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece
maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade
de conformação do legislador.
128
CANOTILHO, op. cit., p. 264.
129
BARROS, op. cit., 75.
130
CANOTILHO, op. cit., p. 264.
71
Resumindo, o princípio da adequação parte da apreciação do nível de
eficácia dos meios disponíveis para abranger o fim desejado, verificando a sua
idoneidade.
Após avaliado o princípio acima, será a vez de analisar se o meio selecionado
é necessário. O princípio da necessidade consiste em verificar qual será o menor prejuízo para
o indivíduo, será aplicada a solução que for menos grave.
O princípio da proporcionalidade vida permitir um perfeito equilíbrio entre o
fim almejado e o meio empregado. No entendimento de Humberto Ávila a proporcionalidade,
então, “destina-se a estabelecer limites concreto-individuais à violação de um direito
fundamental – a dignidade da pessoa humana – cujo núcleo é inviolável.”
131
Esse princípio também é conhecido como princípio da exigibilidade ou
menor ingerência possível, pois exige a constatação de que para atingir determinada
finalidade não teria outra opção possível menos onerosa para o indivíduo.
132
Estabelece que o Poder Judiciário descubra se o meio empregado para atingir
a finalidade querida, é que lança menor detrimento aos indivíduos do caso concreto, que
dentre as medidas existentes foi sugerida a menos grave, e que menos reduzia os direitos
fundamentais do indivíduo.
Canotilho
133
acrescenta que
O princípio da exigibilidade não põe em crise, na maior parte dos casos, a adopção da
medida (necessidade absoluta) mas sim a necessidade relativa, ou seja, se o legislador
poderia ter adaptado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os
cidadãos.
131
ÁVILA, op. cit., p. 151.
132
CANOTILHO, op. cit., p. 264.
133
CANOTILHO, op. cit., p. 265.
72
Suzana de Toledo Barros
134
O pressuposto do princípio da necessidade é que a medida restritiva seja
indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que
não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. Assim,
explicam-se os dois núcleos (ou subprincípios) a que LERCHE referiu-se: o meio
mais idôneo e a menor restrição possível.
E menciona ainda
[...] se se puder afirmar a arbitrariedade da eleição de uma medida restritiva em face
da ausência de autorização para que o legislador possa efetivá-la, não se estará diante
de um caso de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da
proporcionalidade, mas de um caso de desrespeito à Constituição por violação do
princípio da reserva da lei. Um exame preliminar, para se certificar de que o
legislador está autorizado a impor restrições a determinado ou determinados direitos
fundamentais, revela-se indispensável. A sujeição de uma lei restritiva de direito ao
controle da proporcionalidade tem como pressuposto ter sido examinada a questão
dessa autorização.
135
Descobrindo-se que o meio utilizado não é o melhor para ser empregado,
ferindo claramente o princípio da proporcionalidade, é indispensável que se mencione outra
medida para ser aplicada. Não é cabível, a utilização de um meio qualquer, somente para
garantir um fim desejado. É necessário que não se afete os direitos fundamentais do cidadão, e
que se tenha pleno contentamento na intenção legal.
Dessa maneira,
A necessidade de uma medida restritiva, bem de ver, traduz-se por um juízo positivo,
pois não basta afirmar que o meio escolhido pelo legislador não é o que menor
lesividade causa. O juiz há de indicar qual o meio mais idôneo e por que
objetivamente produziria menos conseqüências gravosas, entre os vários meios
adequados ao fim colimado. ALEXY caracterizou-a da seguinte forma: para a
consecução de um fim F, exigido por um direito D1, existem, pelo menos, dois meios,
M1 e M2, que são igualmente adequados para promover F. M2 afeta menos
intensamente o titular D1, que M1 restringe um outro direito seu D2. Para atingir F
e realizar D1 é indiferente se eleja M1 ou M2, mas para o titular dos direitos D1 e D2
só M2 é exigível
136
134
BARROS, op. cit., p. 76.
135
BARROS, op. cit., p. 77.
136
Ibidem., p. 78.
73
Assim, verifica-se que nem sempre o que é adequado será necessário, mas
sempre o que for necessário será adequado, e que a necessidade de uma restrição de direito
fundamental deverá sempre vir acompanhada de provas.
O último princípio a ser analisado, dentro do princípio da proporcionalidade,
e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
É o complemento ao princípio da adequação e da necessidade, pois esses
dois muitas vezes não são capazes de decretar a justiça ao caso concreto.
Assim, o princípio da proporcionalidade strictu sensu, complementando os princípios
da adequação e da necessidade, é de suma importância para indicar se o meio
utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido. A idéia de valores
e bens é exalçada
137.
Dessa maneira, fica certo que o juiz, além de analisar a adequação e a
necessidade do meio para a obtenção de um fim, tem também que verificar se um
desequilíbrio nessa relação onde o enfoque é dado à preferência de um interesse ou bem sobre
outro.
Diferentemente dos princípios da adequação e da necessidade, é aqui que
será ponderada a inconstitucionalidade da lei, verificando que uma lei, ao dar um certo tipo de
garantia ao direito de um indivíduo, esbarra com outra lei, afetando outro direito, ocorrendo o
que se chama de colisão entre direitos.
Mais uma vez mencionando Suzana de Toledo Barros
138
,
Representando esta situação, ter-se-ia que, se o meio M1 propicia a melhor realização
do direito D1, mas impõe uma carga coativa exacerbada ao direito D2, está autorizada
uma ponderação entre as vantagens proporcionadas a D1 e o prejuízo a D2, de
maneira que o juiz pode concluir pela inviabilidade da medida adotada, em razão da
desproporção verificada entre o meio utilizado e o resultado obtido.
137
BARROS, op. cit., p. 80.
138
Ibidem., p. 81.
74
Em conformidade com o mencionado, Canotilho
139
explana
Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do
poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se o
resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coactiva da mesma. Está
aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como
princípio da ‘justa medida’. Meios e fim são colocados em equação mediante um
juízo de ponderação com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não
desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de medida ou
desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às
vantagens do fim.
Conforme o princípio da proporcionalidade strictu sensu, é almejado obter
parâmetros para a decisão dos conflitos ocorridos entre princípios constitucionais, onde o
Poder Judiciário é convocado a determinar pela prioridade de um princípio em prejuízo de
outro ou outros, perfilhados corretos pelo ordenamento constitucional. Esse princípio, percebe
os princípios, como preceito de otimização relacionado às possibilidade jurídicas, enquanto
que os princípio da adequação e da necessidade recorre-se às probabilidades de fato.
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, juntamente com os
princípios da adequação e da necessidade, forma o já estudado princípio da
proporcionalidade.
Após feita a análise dos caminhos percorridos para uma possível solução da
colisão de direitos fundamentais, passa-se a demonstrar algumas dessas colisões e suas
soluções.
139
CANOTILHO, op. cit., p. 265.
75
III. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E O DIREITO À
LIBERDADE
O direito à liberdade e o direito à vida, ambos analisados no primeiro
capítulo, inúmeras vezes colidem entre si. Não é possível afirmar, que sempre, o direito à
vida sobreporá qualquer outro direito fundamental, pois dessa maneira ficaria fácil a resolução
de colisões quando tivesse um direito à vida ameaçado por qualquer outro direito
fundamental.
Exemplo claro, é que, se o direito à vida fosse sempre superior aos demais
direitos, não seria aceito pelo Código Penal o aborto em caso de estupro, pois não existe risco
à vida da mãe em relação ao feto. Aqui, conflitam dois direitos fundamentais: o direito à vida
do feto e o direito à honra da mulher, que foi vitimada pela violência. O legislador, preferiu,
ao avaliar os interesses jurídicos avaliados, prestigiar a honra da mulher em prejuízo da vida
do feto, ou seja, prevalece o direito à dignidade da pessoa humana frente ao direito à vida.
A colisão se dará pelo simples fato de que os direitos fundamentais não são
ilimitados e absolutos, surgindo assim uma certa relatividade, que somente será solucionada
frente ao caso concreto.
Cada caso concreto tem peculiaridades que ao analisá-lo, individualmente
e isoladamente, é que poderá ter uma decisão acertada e única.
Será feito uma abordagem dos temas que conflitam direito à vida com a
liberdade religiosa, em particular com a religião Testemunhas de Jeová e sua opção por não
poder fazer transfusão de sangue; e também, a colisão ocorrida entre o direito à vida e o
direito à liberdade de opção da mãe pelo aborto, tanto de fetos normais quanto de fetos
anencefálicos.
76
3.1
O direito à vida em conflito com a liberdade de escolha religiosa pela religião
Testemunhas de Jeová
140
Inúmeras religiões foram criadas, devido ao fato dessa multiplicidade, que se
deu graças ao alargamento das opiniões da coletividade e da garantia à liberdade religiosa.
Assim, surge também, a obrigação de uma absorção das situações a elas intrínsecas, na
acepção de ter uma compreensão social.
Dessa maneira, surgiu a Religião Testemunhas de Jeová, conhecida por ser
um grupo religioso que atribui sua doutrina a uma revelação divina especial.
Encontra-se em evidência na mídia e no Judiciário, pelo fato de que essa
denominação não permite seus componentes a se submeterem a transfusões de sangue, total
ou parcial, ou seja, de seus componentes primários, glóbulos vermelhos e brancos, plaquetas e
plasma. Acredita ser proibido essa intervenção pela interpretação por parte de algumas
passagens bíblicas.
Dessa maneira, como em qualquer outra religião, diversos dogmas fazem
parte do ensinamento das Testemunhas de Jeová, sendo que o fato de não acolherem terapia
médica com transfusão de sangue é de saber público, e gerador de ampla polêmica no meio
médico e jurídico.
Os membros da Testemunhas de Jeová, crêem tão piamente em suas bases
religiosas, que receber sangue é proibido de qualquer forma, mesmo sendo uma emergência
que coloque em risco a vida do paciente, criando assim, um impasse jurídico, pois se a
transfusão não for realizada, a possibilidade de seqüelas irreversíveis ou até mesmo a
morte do paciente; ou, se houver a transfusão, o religioso poderá se sentir rejeitado por seu
grupo, perdendo até mesmo, parte de sua identidade, ficando caracterizado assim para sempre,
140
Jornal Tribuna do Brasil, 21 de junho de 2006. Disponível em: http://www.tribunadobrasil.com.br/
imprimir.php?ned+1719&ntc+21630 Acesso em: 08 maio 2007.
77
pois mesmo que se cure da doença física, a vida espiritual do paciente com Deus, ficará
possivelmente comprometida, conforme sua crença.
E, mais uma vez, é aqui que surge uma colisão de direito fundamental, pois
ambos são direitos assegurados pela Constituição Federal, em seu artigo 5°; a liberdade de
crença, de consciência e de culto e também o direito à vida.
Como mencionado, o direito à vida é a base de qualquer outro direito
humano. A Constituição Federal, dita que o direito à vida é fundamental e inviolável, devendo
ser protegido com prioridade, pois serve de suporte para o exercício dos demais direitos.
Para José Afonso da Silva
141
,
Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput) não será considerada apenas no seu
sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica,
mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de
difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem
perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura
com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua
identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte.
Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.
A vida não é somente considerada como um interesse individual, mas como
um interesse de toda uma comunidade, onde o Estado tem o empenho de preservá-la.
Ao indivíduo cabe fazer tudo que a lei não o proíba, ficando livre para fazer
suas escolhas pessoais, incluindo o direito à liberdade religiosa, pressupondo a sua livre
manifestação, que pode vir a colidir com o direito fundamental à vida.
Assim, que se entender que o direito à liberdade de consciência e de
crença, são importâncias desiguais, que se equiparam no grau que a Constituição abriga a
recusa à prática de alguns atos, devido à autonomia pessoal, que pode ou não ser de ordem
religiosa. Define-se, dessa forma, que a recusa dar-se-á por pretextos de foro pessoal,
141
SILVA, op. cit., p. 201.
78
consolidando em persuasões pessoais, e será garantida, desde que não contradiga a ordem
pública ou não ofenda outro valor que, considerando o caso concreto, imponha-se como
elevado e, assim, impere.
Atualmente, em muitos casos, devido ao avanço da medicina, não é
mais necessária a transfusão de sangue em algumas cirurgias. Existe hoje, um bisturi
que ao cortar, cauteriza os vasos sanguíneos, evitando uma grande perda de sangue. Nas
cirurgias de coração, existe a utilização de uma máquina parecida com as de hemodiálises,
que mantém o sangue do paciente circulando fora do corpo sem precisar passar pelo
coração
142
.
Mas, mesmo com toda essa nova tecnologia, nem sempre é possível evitar a
morte se não for feita uma transfusão sangüínea, e é esse conflito que deve ser resolvido.
Para Edílsom Pereira Farias
143
, ao tratar sobre a solução para colisão de
princípio, dita que
[...] não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do outro.
A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou importância relativa de
cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá
menos constrição do que o outro.
Analisado o caso concreto, e tendo em mente que nenhum direito
fundamental é tido como absoluto, deve-se ponderar os princípios envolvidos, para que a
conclusão final provoque o mínimo de prejuízo ao princípio não priorizado no caso real. Essa
colisão, não se demonstra totalmente sem definição, é perfeitamente possível na medida que
se utiliza mecanismos específicos da Interpretação Constitucional, analisados no capítulo
anterior, buscando-se harmonizar os valores envolvidos.
142
Jornal Tribuna do Brasil, 21 de junho de 2006. Disponível em: http://www.tribunadobrasil.com.br/imprimir.
php?ned+1719&ntc+21630. Acesso em: 08 maio 2007
143
FARIAS, op. cit., p. 208.
79
Nesse sentido, tem-se Norma Sueli Padilha
144
A metodologia da interpretação busca a apreensão do sentido das normas para a
exata compreensão jurídica dos casos concretos, para o que não pode prescindir da
utilização dos diversos métodos de interpretação, muito embora sem esperar que se
resolva, definitivamente, a problemática que trava a luta das teorias da interpretação
jurídica.
Ainda sobre interpretação, afirma Engisch, citado também por Norma
145
[...] que bem pode ter razão aqueles que dizem que a questão do correcto método
interpretativo, quer dizer, do escopo último da interpretação, não pode ser decidida de
uma vez por todas no sentido desta ou daquela doutrina, mas antes, está esse método
na dependência das particulares tarefas que lhe cumpra levar a cabo. Aplicado ao
Direito significa isto que depende da função jurídica da interpretação, da atitude do
intérprete perante a lei em cada caso e, em certas circunstâncias, mesmo da estrutura
da ordem jurídica e de regras legais positivas, a questão de saber qual dos métodos é o
correcto.
Dessa forma também, Farias
146
traz que para a saída da colisão é necessário
que se use a metodologia proposta pela doutrina
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, caberia inicialmente ao interprete-
aplicador, determinar o tatbestand (âmbito de proteção) dos direitos envolvidos, isto
é, aquelas situações de fato protegidas pela norma constitucional, com o escopo de
verificar a existência ou não de uma verdadeira colisão, porquanto esta primeira etapa
poderia excluir desde logo a hipótese de colisão, sendo esta apenas aparente
.
Nesse caso, de negativa de transfusão de sangue pelas Testemunhas de
Jeová, é evidente que a colisão não é somente aparente, ficando ultrapassada a fase de
verificação de conflito.
Assim, após certificada a existência de uma colisão de direitos fundamentais,
cabe ao intérprete-aplicador, de acordo com Edílsom Pereira de Farias
147
, solucionar o
conflito através da realização de uma ponderação dos bens envolvidos, apontando sempre o
144
PADILHA, op. cit., p. 58.
145
Idem.
146
FARIAS, op. cit., p. 121.
147
Ibidem, p. 122.
80
mínimo sacrifício dos interesses em jogo, podendo conduzir-se pelos princípios da unidade
da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, e outros, trazidos pela
doutrina.
É necessária a utilização da técnica da ponderação entre os valores em
conflito, na qual o intérprete, ao final, usa principalmente, da proporcionalidade, efetuando
opções, mas sempre vislumbrando consolidar ao máximo os direitos constitucionalmente
resguardados. Assim, cumpre averiguar o teor especial dos valores em embate em cada
hipótese do caso real.
E citando Alexy, o mesmo autor
148
continua
Conquanto o princípio da concordância prática não exija uma ponderação entre os
direitos colidentes “em termos matemáticos” ou “quantitativamente mensuráveis”,
todavia, o processo da ponderação é racional, isto é, podem ser fundamentados os
enunciados que estabelecem as condições de harmonização e, se for necessário, a
preferência de um direito sobre outro oposto num caso concreto de direitos
fundamentais. Uma fundamentação consiste, segundo R. Alexy, na ponderação, a
saber: a afetação de um direito é justificável pelo grau de importância de
satisfação de outros direito oposto.
Mais uma vez Alexy, agora citado por Canotilho
149
[...] necessidade as regras do direito constitucional de conflitos deverem construir-se
com base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na
prevalência ( ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro (D1
P D2). Todavia, uma eventual relação de prevalência em face das circunstâncias
concretas se poderá determinar, pois nestas condições é legítimo dizer que um
direito tem mais peso do que outro (D1 P D2)C, ou seja, um direito (D1) prefere (P)
outro (D2) em face das circunstâncias do caso (C).
Canotilho
150
cita que
A ponderação é um modelo de verificação e tipificação da ordenação de bens em
concreto. Não é, de modo algum, um modelo de abertura para uma justiça
“casuística”, impressionística” ou de sentimentos”. Precisamente por isso, é que o
método de balancing não dispensa uma cuidadosa topografia do conflito nem uma
justificação da solução do conflito através da ponderação.
148
FARIAS, op. cit., p. 124.
149
CANOTILHO, op. cit., p. 1194.
150
Ibidem, p. 1163.
81
Para Alexandre de Moraes
151
, “O direito à vida tem um conteúdo de proteção
positiva que impede configurá-lo como direito de liberdade que inclua o direito à própria
morte”.
Acredita-se ser o direito à vida um direito preponderante, e a transfusão
sangüínea deve ser feita, protegendo-se a vida em detrimento da liberdade religiosa.
Em 1995, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferiu a seguinte
decisão
152
:
Cautelar. Transfusão de sangue. Testemunhas de Jeová. Não cabe ao Poder Judiciário,
no sistema jurídico brasileiro, autorizar ou ordenar tratamento médico-cirúrgico e/ou
hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses
de menores. Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do médico empregar todos
os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade
deste, e de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada
por motivos religiosos. Importa ao médico e ao hospital demonstrar que utilizaram a
ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja divergências
quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os riscos da
profissão médica ou da atividade hospitalar. Se transfusão de sangue for tida como
imprescindível, conforme sólida literatura médico-científica (não importando naturais
divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra
a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente
de vida (art.146, §°3, inc.I, do Código Penal). Caso concreto que não se verificava tal
urgência. O direito à vida antecede o direito direito à liberdade, aqui incluída a
liberdade de religião. É falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois
se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou
lutar por sua liberdade. princípios gerais de ética e de direito, que aliás norteiam a
carta das Nações Unidas, que precisam se sobrepor às especificidades culturais e
religiosas; sob pena de se homologarem as maiores brutalidades; entre eles estão os
princípios que resguardam os direitos fundamentais relacionados com a vida e a
dignidade humanas. Religiões devem preservar a vida e não extermina-la [...] Abrir
mão de direitos fundamentais, em nome de tradições, culturas, religiões, costumes, é,
queiram ou não, preparar caminho para a relativização daqueles direitos e para que
venham a ser desrespeitados por outras fundamentações, inclusive políticas [...]. É o
voto.
Dessa maneira, as sentenças judiciais têm chegado à conclusão de que deve
priorizar o direito à vida, hipótese básica, como dito, a prática da liberdade religiosa.
Após a morte, não será admissível exercer algum tipo de liberdade, nem ao menos batalhar
por ela.
151
MORAES, op. cit., p. 320.
152
TJRGS. Apelação Cível n° 595000373. 6ª C.C. Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira. Julgada em 28.03.1995.
82
Assim foi a decisão, datada em 30 de julho do corrente ano, da juíza Luciana
Monteiro Amaral, autorizando os médicos do Hospital São Salvador a fazer transfusão
sangüínea no idoso José Paz da Silva sem necessidade de autorização de qualquer membro da
família.
Malgrado haja previsão constitucional acerca do direito à crença, insta salientar que
nenhum direito é absoluto, porquanto encontra limites nos demais direitos igualmente
consagrados na Constituição Federal. Assim, havendo conflito entre dois ou mais
direitos ou garantias fundamentais, deve ser utilizado o princípio da harmonização.
No presente, caso, resta evidente o conflito acima referido, haja vista que a CF
também garante o direito à vida, comentou a juíza, entendendo que, entre o direito à
vida e o direito à crença, deve prevalecer o primeiro
153
.
Outra determinação para que ocorresse a transfusão sangüínea foi da juíza
Jaqueline Teixeira, que também mandou prender pai e filha que impediram a transfusão em
Irani Barbosa, de 78 anos, mesmo já tendo sido determinada judicialmente.
Pai e filha foram presos, no sábado (3/7), no Rio de Janeiro, por ordem da juíza por
impedirem que médicos do Hospital Salgado Filho fizessem a transfusão de sangue
determinada por ordem judicial. A família é da seita Testemunhas de Jeová, que
condena transfusões. Irani, mãe de Marlene, foi internada no Hospital Salgado Filho
com anemia profunda e recusou-se a fazer transfusão de sangue. Os familiares foram
chamados pelos médicos para que autorizassem o procedimento, mas também não
permitiram que fosse feito. Como alternativa, os médicos recorreram à juíza
plantonista, que determinou a transfusão. Manuel e Marlene não permitiram mesmo
assim. A juíza, então, determinou a prisão dos familiares e a transfusão foi feita154.
Cezar Roberto Bitencourt
155
, sobre a questão da transfusão de sangue resistida,
trata da seguinte maneira
A transfusão determinada pelo médico, quando não houver outra forma de salvar o
paciente, está, igualmente amparada pelo disposto no artigo 146, § 3°, do CP.
Eventual violação da liberdade de consciência ou da liberdade religiosa cede ante um
bem jurídico superior que é a vida, na inevitável relação de proporcionalidade entre
bens jurídicos tutelados.
153
Consultor Jurídico Conflito de direitos Autorizada transfusão de sangue em testemunha de Jeová, 30 de
julho de 2007. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/58028? display-mode=print. Acesso em:
30 jul 2007.
154
Consultor Jurídico Testemunhas de Jeová Pai e filha são presos ao impedir transfusão de sangue, 08 de
julho de 2004. Disponível em 30/07/2007, http://conjur.estadao.com.br/ static/text/26215?display-mode=print.
Acesso em: 30 jul 2007.
155
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 134.
83
Na mesma linha de pensamento, sopesando o artigo 146 do Código Penal, tem-
se Damásio Evangelista de Jesus
156
Na primeira hipótese a vítima é constrangida a submeter-se a intervenção médica ou
cirúrgica. Para o CP, mesmo sem o consentimento da vítima ou de seu representante
legal, não tipicidade do constrangimento, desde que a intervenção ou a cirurgia
seja determinada por iminente perigo de vida. Trata-se de hipóteses de estado de
necessidade de terceiro, capitulado pelo CP como excludente de tipicidade
.
Existe também, o perigo do médico incorrer sua conduta omissiva no artigo
135 do Código Penal (crime de omissão de socorro), caso não socorra a vítima necessitada de
seus cuidados.
Outra enorme discussão, ainda sobre o assunto da transfusão sanguínea, ocorre
no caso que envolve menor de idade, onde seus pais são adeptos a religião Testemunhas de
Jeová, e não permitem que seus filhos menores de idade se submetam a esse feito. O Estatuto
da Criança e Adolescente, vislumbra que pelo poder familiar, é dever de todo pai zelar pela
saúde e vida dos filhos, e também encaminhá-los na vida religiosa, até que possam decidir
sozinhos que caminho irão tomar.
Neste caso, em especial, a opção de não fazer a transfusão de sangue envolve
a vida de terceiro menor de idade, que não pode responder por si só, e que muitas vezes ao
tornar-se maior, nem será adepto dessa convicção religiosa; e sendo-lhe negado essa
transfusão sangüínea, não chegará a vida adulta para poder ter a liberdade de decidir sobre sua
opção religiosa.
Atualmente, a posição entendida por parte dos Tribunais de Justiça e dos
Conselhos de Medicina, é de que no caso excepcional de risco iminente à vida de menores, é
dever do médico utilizar-se de todos os meios para salvar o paciente, mesmo que a vontade de
156
JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 250-251.
84
seus familiares seja contrária a essa decisão, motivada por preceitos religiosos, pois o direito à
vida é individual e não pertence aos pais.
O Tribunal de Justiça de Goiás também decidiu nesse mesmo sentido,
quando o juiz Itaney Francisco Campos, da 8ª Vara Cível de Goiânia, concedeu liminar
autorizando o Instituto de Hemoterapia de Goiânia a fazer uma transfusão sangüínea no
menor Marcos Ferreira de Araújo, que tem leucemia. O pai do menor, simpatizante da religião
Testemunhas de Jeová não tinha permitido o procedimento com o argumento de que sua
religião não permite.
O pedido à justiça foi feito pelo próprio Instituto de Hemoterapia. De acordo com o
juiz, negar a vida a uma criança de oito anos de idade em razão de convicções
religiosas contraria o Estado Democrático de Direito. As informações são do Tribunal
de Justiça de Goiás. Em seu despacho, o juiz Campos salientou tratar-se de um caso
caracterizado pelo conflito entre duas garantias fundamentais asseguradas pela
Constituição: o direito à vida e o direito à liberdade de crença. Mas apesar de
considerar que nessas situações a Justiça busca encontrar um ponto de equilíbrio e
harmonização dos princípios constitucionais, o juiz observou que no caso a harmonia
seria impossível, pois o reconhecimento de um dos direitos fatalmente excluiria o
outro.
“Assim, fulcrado em convicções pessoais e na busca pela pacificação social,
caracterizada pelo oferecimento de uma prestação jurisdicional revestida de sua
sempre almejada efetividade teleológica e concreta, ressalto que a vida, bem maior de
todos, deve prevalecer diante do citado direito de liberdade de crença”, decidiu
157
.
Alexandre de Moraes
158
dita que “tratando-se de pacientes menor ou incapaz,
eventual recusa dos pais ou responsáveis leva ao imediato suprimento do consentimento pelas
autoridades judiciárias.”
O artigo 227 da Carta Magna preceitua que
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação , à educação, ao
157
Consultor Jurídico Acima da crença juiz autoriza transfusão em filho de testemunha de Jeová, 29 de
setembro de 2005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/ 38309?display-mode+print. Acesso
em: 30 jul 2007
158
MORAES, op. cit., p. 125.
85
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ao analisar também esse artigo, fica evidenciado que é dever do Estado
intervir em favor do menor, quando sua família manifestar vontade contrária à vida ou ao seu
bem-estar.
Após uma análise de ponderação, no fato da transfusão se apontar
indispensável à conservação da vida do menor, não seria admissível deixar de fazê-la e,
baseada na religião dos pais, dispor exatamente daquela vida que necessita de muito cuidado
pelo ordenamento jurídico: o menor, criança, adolescente. Não se enxerga proporcionalidade
alguma em abdicar da vida de quem nem ao menos tem amadurecimento para escolher
determinada crença religiosa.
Em vista do analisado, fica sem sentido algum suprimir o direito à vida em
face do direito à liberdade religiosa de não aceitar uma transfusão sangüínea, pois do que
valeria ter uma liberdade se não se tem mais a vida para poder usufruir desse direito.
3.2
O direito à vida em conflito com a liberdade da mulher em abortar
Esse tema não pode ter início sem antes analisado onde é que tem começo a
vida. A análise do começo da vida é essencial no tema aborto.
É controversa a discussão sobre onde tem começo a vida humana
159
.
Muitos acreditam que a vida humana tem seu início a partir do momento que
o cérebro passa a funcionar e assim, as ondas cerebrais começam a ser notadas. Essa corrente,
159
VARGA, Andrew C. Problemas de bioética. Traduzido por Pe. Guido Edgar Wenzel. Rio Grande do Sul:
Editora Unisinos, 2001, p. 67-68.
86
tem por base, o fato de que a morte é registrada quando há falta dessas ondas cerebrais. O feto
passa a ter essas sinapses por volta da 18° semana de vida, e se a legislação brasileira prevê
que os órgãos podem ser extraídos e doados a partir do fim das ondas cerebrais, o mesmo
discernimento deveria ser considerado para os embriões.
Alguns, crêem que a vida humana se através do início dos movimentos
espontâneos do feto no útero materno, e é facilmente percebido pela mãe.
Para a Corte Suprema Americana, em 1973, o que divide um feto humano de
um feto não-humano é sua viabilidade de sobrevivência fora do ventre da mãe. A partir do
momento em que o feto poderia sobreviver sem o útero materno, este passaria a ser
considerado ser humano, antes disso não.
uma corrente que acredita que a humanidade começa após o nascimento
com vida, quando a criança se torna independente da mãe.
Outra forte corrente, é a que preserva a vida a partir do momento da
concepção ou fecundação. Para Ives Granda Martins
160
, em uma recente entrevista a revista
Época retratou que
Isso não foi colocado no texto da Constituição, mas era absolutamente
desnecessário. A vida pode começar num determinado momento. No momento
em que somos um zigoto, somos únicos. Se a vida não deve ser preservada, o
Projeto Tamar também não tem que proteger os ovos das tartarugas porque elas não
são tartarugas.
Também recentemente, e na mesma linha de pensamento, em uma
reportagem da Revista Consulex161 sobre o assunto, o Subprocurador-Geral da República,
Cláudio Fonteles, menciona que o direito à vida se dá com a fecundação. “A audiência
160
Revista Época, 16 de abril de 2007.
161
Revista Jurídica Consulex, 15 de junho de 2007.
87
pública evidenciou que à linha de argumentação jurídica que desenvolvi se une outra linha, de
motivação estritamente científica, à demonstração da tese posta: o início da vida se com a
fecundação.”
Como foi visto, inúmeras são as teorias de segmento para o começo da
vida; teoria da concepção, teoria da implementação do sistema nervoso, teoria dos sinais
eletroencefálicos, etc.
Pode-se, a princípio, afirmar que, pela permissão em nosso ordenamento
jurídico do uso dos contraceptivos DIU e pílula do dia seguinte, que não deixam que o ovo ou
zigoto se alojem no útero, é que a vida se com a nidação, processo em que o óvulo
fecundado se fixa no útero da mãe.
Melhor explicando, no Brasil é permitido o uso indiscriminado
dos métodos contraceptivos Dispositivo Intra-Uterino e da pílula do dia seguinte, este último
podendo ser tomado até setenta e duas horas após a relação sexual tendo seu eficaz efeito.
Ambos contraceptivos não deixam, exclusivamente, que o ovo se aloje no útero. Existe a
fecundação ou a concepção, o que não há é a sua fixação na parede do útero materno.
Se a teoria adotada fosse realmente a da fecundação, como reitera Ives
Granda Martins e Cláudio Fonteles, deveria ser imediatamente proibido esses dois tipos de
métodos contraceptivos no Brasil, passando a ser permitido apenas os métodos que não
deixassem ocorrer a fecundação, pois, para que o DIU e pílula do dia seguinte
tenham eficácia é por que ocorreu a fecundação e eles são utilizados para que a fixação
desse ovo não seja possível na parede do útero. Assim sendo, chega-se a conclusão que
para essa corrente, o DIU e pílula do dia seguinte são abortivos pelo simples fato desses
dois contraceptivos terem função apenas de inibir a nidação, e não de impossibilitar a
fecundação.
88
Após essa análise feita, é que se optou por utilizar a teoria da nidação
como a teoria mais aceita para o início da vida.
enorme discordância acerca de qual seria a objetividade jurídica e
quem seria o sujeito passivo do crime de aborto. Para Damásio Evangelista de Jesus
162
, o
objeto jurídico do aborto é a vida da pessoa humana e o sujeito passivo é o feto. Entretanto,
salienta o autor que, no caso do aborto provocado sem o consentimento da gestante,
existiriam dois objetos jurídicos, protegendo o Direito Penal também, a incolumidade física e
psíquica da gestante. Dessa maneira, há dois sujeitos passivos: o feto e a gestante.
Diversos seguidores, dessa opinião formada por Damásio, baseiam-se
pela posição do tipo legal dentro do Código Penal, pois esse artigo se encontra no capítulo
dos crimes contra a vida. Assim, se o Código Penal protege a vida do feto, ele é detentor de
bens jurídicos, e dessa forma, é sujeito passivo de delito.
Mirabete
163
afirma que “Sujeito passivo é o Estado, interessado no
nascimento, e não no feto, que é o produto da concepção, que não é titular de bens jurídicos,
embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro.”
A primeira corrente parece ser a mais acertada ao proteger piamente o
direito à vida do feto, considerando ele sujeito passivo do crime de aborto.
Tem-se como conceito de aborto “a interrupção dolosa da gravidez, com
expulsão do feto ou sem ela”
164
. O aborto, é a interrupção do processo da gravidez, com a
morte do feto. O Código Penal pune o abortamento, podendo ser apontados seis
procedimentos particulares: 1) provocado pela própria gestante ou auto-aborto (artigo 124,
162
JESUS, op. cit., p. 414.
163
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 685.
164
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio XXI: O dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
89
parte); 2) consentimento da gestante em que outrem lhe provoque o aborto (artigo
124, 2ª parte); 3) aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (artigo 125);
4) aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (artigo 126); 5)
aborto qualificado (artigo 127); e 6) aborto legal (artigo 128), que não é considerado
crime.
Os tipos de abortos contidos no artigo 128 do Código Penal são
conhecidos como aborto necessário e aborto sentimental. O primeiro, também conhecido
como terapêutico, é o aborto praticado quando não outro meio para salvar a vida da
gestante. Já o aborto sentimental, também denominado ético ou humanitário, é permitido no
caso de gravidez resultante do crime de estupro.
Para que ocorra os abortos permitidos pelo atual ordenamento jurídico, é
preciso verificar a sua justificativa.
Todos os argumentos comparam o valor da vida humana em desenvolvimento com
algum outro valor. O raciocínio é o seguinte: no caso de valores morais conflitantes,
quando apenas um valor pode ser respeitado, que a escolha gica e moral seja em
favor do valor maior.
165
Em diversos casos, o abortamento tem fácil explicação e entendimento
por parte das pessoas, pois ocorre quando o ovo não tem chance de se desenvolver, por
exemplo, ficou alojado nas trompas. Nesses casos, não dúvidas de que o feto
precisa ser retirado, pois não tem a mínima possibilidade de sobrevivência deste, e se
não for feito, a possibilidade de morte da gestante. Esse tipo de aborto é conhecido
como aborto necessário ou aborto terapêutico, e deve sempre ser praticado por médico,
165
VARGA, op. cit., p. 70.
90
tratando-se de exato estado de necessidade, aceito como justificativa legal ou exclusão de
ilicitude.
166
Aqui, na realidade, nem existe um verdadeiro conflito de direitos, pois é
evidenciado que o direito à vida da mãe deve preponderar sem sombra de dúvidas sobre o
direito à vida de um feto, que foi comprovado que não se desenvolverá em hipótese alguma, e
que causará, com certeza, a morte da gestante.
Na opção pelo aborto necessário, a possibilidade da perda de duas
vidas, e com ele tem-se a estimativa de salvar a vida da gestante, assim, pelo menos, um
direito à vida será preservado.
O outro tipo de aborto permitido pelo Código Penal, é quando a gravidez
é ocasionada por estupro.
A mulher cuja gravidez é causada por estupro é uma vítima de violência cruel e
desumana. Sua angústia mental e seu sofrimento psicológico são o resultado de uma
gravidez forçada, contra a sua vontade. Estupro, em sentido jurídico, é o termo legal
para uma relação sexual ilícita com uma mulher que consente e está abaixo da idade
legal para poder permitir um consentimento livre, mas ajudará a esclarecer nossa
avaliação moral, quando limitarmos nossa consideração ao estupro e ao incesto em
que a mulher é forçada, contra a sua vontade. Argumenta-se que, nestes casos
trágicos, o grande valor da saúde mental de uma mulher que engravida, em virtude de
um estupro ou incesto, pode ser assegurado melhor através do aborto. Também se diz
que a gravidez causada por estupro ou incesto é resultado de uma grave injustiça e
que a vítima não estaria obrigada a levar a gravidez até o fim. O feto
continuaria a recordar-lhe, durante nove meses, a violência cometida e apenas
aumentaria a sua angústia mental. Raciocina-se que o valor da saúde mental da
mulher é maior do que o da vida do feto. Além, do mais, sustenta-se que o feto é um
agressor contra a integridade da mulher e da sua vida pessoal; é justo e moralmente
defensável repelir um agressor, mesmo matando-o, quando este é o único meio de
defender valores humanos e pessoais. Conclui-se, então, que o aborto é justificável
nestes casos
.
167
Para que esse aborto seja possível de ser realizado, é necessário o
consentimento da gestante, ou então, de seu representante legal caso esta seja incapaz. Esse
166
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da vida. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12.
167
VARGAS, op. cit., p. 72.
91
consentimento, é requisito básico para que esse aborto seja realizado, pois vai do abalo que
esse crime causou à mãe. Algumas mulheres, por motivos aqui não relevantes, optam por
quererem levar essa gestação adiante.
Heleno Fragoso
168
ditava que
[...] justifica-se plenamente o aborto em tais circunstâncias, desde que praticado
por médico, com consentimento da gestante ou de seu representante legal, tendo-se
em vista a violência e a estupidez da fecundação. O estupro é em regra obra de
um anormal sexual, ébrio ou degenerado, cuja reprodução é altamente
indesejável: a proibição do aborto nesses casos não atenderia aos interesses da
sanidade da estirpe
.
A gravidez advinda de um estupro, é uma gravidez resultante de um
crime, e analisando friamente, não é a gestante que tem que pagar por esse crime pelo resto
da vida.
É uma violação ao direito à intimidade da mulher, que em muitos
casos chega ao suicídio por não agüentar a pressão de gerar um filho resultado de uma
afronta a sua liberdade, integridade e dignidade. Há, normalmente, uma morte psicológica
da gestante, e para que isso não aconteça é que o Código Penal permitiu esse tipo de
aborto.
Nesse caso de permissão de aborto, também a colisão de dois
direitos fundamentais. Mas diferente do primeiro, em que a gestante corre risco de
vida, e que colisão entre dois direitos à vida. Nos casos de abortamento de um feto
advindo do crime de estupro, tem-se que fazer uma escolha entre o direito à vida desse feto,
ou o direito à liberdade de escolha da mãe, e cabe a mulher ou seu representante legal,
decidir se opta pela vida do feto, ou pelo direito à liberdade de poder abortar. Assim, é de
168
NOGUEIRA, op. cit., p. 13.
92
suma relevância o fato desse feto ter sido fruto de um crime, punido pela legislação
brasileira.
Dessa forma, o Código Penal optou, nesses casos, pela prevalência do
direito fundamental à liberdade da gestante, como já dito no início deste capítulo.
Muito se tem discutido sobre uma possível alteração no Código Penal, Parte
Especial, para a inclusão de mais um tipo permissivo de aborto; o aborto eugênico ou
piedoso, que seria possível de ser realizado para se evitar o nascimento de crianças com
anomalias graves.
Para a corrente que visa esse novo tipo legal, o argumento é “É melhor para
a criança não nascer do que levar uma vida sobrecarregada de doenças geneticamente
mutilantes. O aborto é recomendado em casos em que certos defeitos são descobertos durante
o desenvolvimento do feto.”
169
Para a corrente contrária a esse novo tipo de aborto permissivo,
atestam a falta de conhecimento ou condições de detectar dados seguros sobre anomalias
fetais.
O Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, publicado pela Portaria n.
304, de 17 de julho de 1984, prevê essa nova modalidade de aborto legal praticado por
médico quando “há fundada probabilidade, atestada por outro médico, de o nascituro
apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais” (artigo 128, III).
O médico Thomaz Rafael Gollop, em artigo bastante esclarecedor sobre o assunto, e
com sua experiência de atendimento de mais de três mil casais em exames pré-natais
para um diagnóstico de malformação fetal, examina a questão do aborto eugênico sob
o prisma médico e informa que ‘na área de minha especialidade, a ultra-sonografia e
outros exames de alta precisão fornecem hoje dados muito mais seguros sobre a
saúde do feto nos casos de riscos, nos quais, dado um quadro adverso, o casal deveria
169
VARGAS, op. cit., p. 73.
93
ter o direito de escolher livremente pela continuação ou interrupção da gravidez
(Boletim do IBCCrim Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 12, jan.
1994)
170
Em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, obriga-se o médico a não
se calar ao descobrir a anomalia.
Argumenta-se que o aborto eugênico é feito, basicamente, por causa da criança e,
apenas secundariamente, por causa da mãe ou de ambos os genitores.
Regulamentações recentes da Corte de Apelação de Nova York e da Corte Suprema
de Nova Jersey responsabilizam, legalmente, os médicos por nascimentos anormais,
no caso de omissão em advertir a paciente de que ela talvez possa dar à luz uma
criança anormal. Se a negligência de um médico priva uma mulher do direito legal de
um aborto, pode ser obrigado a pagar os danos de um “nascimento falho
”.
171
Desde 1989 juízes brasileiros reconhecem aborto de fetos sem cérebro.
A primeira decisão judicial no Brasil autorizando uma gestante a interromper a
gravidez por anencefalia do bebê aconteceu em Rondônia, em 1989. A primeira em
São Paulo data de 1993. O ginecologista Thomaz Gollop, autor das informações e
diretor do Instituto de Medicina Fetal, disse que no Brasil já chegaram à Justiça cerca
de 3.000 casos de anencefalia. “Em 97% das ações, os juízes autorizaram a
interrupção da gravidez”, afirmou Gollop.
172
No Brasil, em 1992 e 1993, dois casos foram julgados pela interrupção da
gravidez.
Em dezembro de 1992, o Juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de Londrina, autorizou a
interrupção de uma gestação na qual havia sido diagnosticada anencefalia. Em
dezembro de 1993, entramos com ação em São Paulo e obtivemos do Juiz de Direto
Dr. Geraldo Francisco Pinheiro Franco autorização para interromper gravidez de 23
semanas em feto portador de acrania A nosso ver, são essas demonstrações claras
onde o avanço da ciência médica procurou e obteve apoio e sensibilidade da classe
jurídica
.
173
O Anteprojeto autoriza o aborto em caso de anomalias graves e irreversíveis,
tanto física quanto mental.
170
NOGUEIRA, op. cit., p. 15
171
VARGAS, op. cit., p. 73.
172
Folha Online Cotidiano – Juízes reconhecem aborto de feto sem cérebro desde 89 02/07/2004. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u96408.shtml. Acesso em: 04 julh 2007.
173
NOGUEIRA, op. cit., p. 16.
94
Esse anteprojeto, deveria somente viabilizar o aborto, em casos em que o
feto não teria sobrevida fora do útero materno, ou uma sobrevida ínfima, como aconteceram
nos julgados acima descritos, e não permitir o abortamento nos casos de anomalias graves e
irreversíveis.
Nos casos de impossibilidade de vida extra-uterina é que o aborto deveria
ser permitido, com a autorização da gestante ou de seu representante legal, feito por um
médico, e com a certeza dessa anomalia fornecida por outro especialista.
Não deveria prever a possibilidade de abortamento, pelo simples fato de o
feto desenvolver uma anomalia grave ou até mesmo irreversível, pois é assegurado o direito à
vida também desse feto imperfeito. A imperfeição não pode gerar um direito maior do que o
direito à vida.
Uma anomalia irreversível, que não prevê sobrevida fora do útero materno e
que está trazendo muita polêmica, é a anencefalia.
Como conceito de anencefalia tem-se
A anencefalia é definida na literatura médica como a -formação fetal congênita do
fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os
hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico.
Conhecida vulgarmente como ‘ausência de cérebro’, a anomalia importa a
inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central responsável
pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade.
Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração,
as funções vasomotoras e a medula espinhal. Como é intuitivo, a anencefalia é
incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatal em 100% dos casos. Não há
controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.
174
Para a corrente que acredita que a vida começa com a formação do sistema
neurológico (pois o fim da vida se com a morte cerebral), não haveria dúvida quanto ao
não cometimento do crime de aborto, caso seja praticado, pois sem a formação desse sistema
174
BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 45/DF.
95
neurológico não existe vida, e assim, não crime de aborto, porque este visa dar proteção à
vida do feto.
Mas, não é pacífico como visto, quando se o começo da vida. No
Brasil, a corrente que prepondera é a da nidação, devido ao fato mencionado, de ser
permitido o Dispositivo Intra Uterino e a pílula do dia seguinte, que não permitem a fixação
do ovo na parede do útero.
Para essa corrente, o é viável o abortamento, pois com o alojamento do
zigoto na parede do útero, já há vida, e assim estaria comento-se crime de aborto.
Especificamente no caso de fetos anencefálicos, que está mais que
comprovado que não têm sobrevida fora do útero materno, ou apenas instantes de vida fora
do ventre, a análise deveria ser feita de uma forma menos rigorosa com relação ao direito de
vida desse feto.
Aqui, na realidade, o haveria o porquê da análise de conflito entre dois
direito fundamentais, direito à vida e direito à liberdade da gestante em abortar, pois a vida
para esses fetos não passa de algo abstrato, irreal, sem possibilidade de ser alcançada. Sem
dúvidas, para o caso confirmado de anencefalia, o mais acertado seria prevalecer, pelo
princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, o direito à liberdade da mulher em poder
abortar, se quiser, pois não é justo fazer com que essa gestante suporte toda uma gravidez,
para ao final passar por um sepultamento.
O foco da atenção de voltar-se para o estado da gestante. O reconhecimento de
seus direitos fundamentais, a seguir analisados, não é a causa da lesão ou direito de
outrem por fatalidade, não viabilidade de uma outra vida, sequer um nascituro,
cujo interesse se possa eficazmente proteger. É até possível colocar a questão em
termos de ponderação de bens ou valores, mas a rigor técnico não esta
necessidade. A hipótese é de não-subsunção da situação fática relevante
aos dispositivos do Código Penal. A gestante portadora de feto anencefálico que
opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais
que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva.
175
175
BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.
96
Nos casos comprovados de anencefalia, o meio utilizado para pôr fim ao
sofrimento da mãe, seria uma antecipação terapêutica do parto e não um aborto, como
sopesado.
[...] a antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencefálico não caracteriza
aborto, tal como tipificado no Código Penal. O aborto pela doutrina especializada
como ‘a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da
concepção). Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo
imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida
extra-uterina do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto
anencefálico. Com efeito, a morte do feto nesses casos decorre da má-formação
congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os nove meses normais de
gestação. Falta a hipótese de suporte fático exigido pelo Código Penal.
176
Márcia Regina Machado Melaré177 em um artigo intitulado Livre Arbítrio –
A mulher deve decidir sobre aborto de feto sem cérebro, diz o seguinte
Pelo conceito de aborto legal, no Brasil, a interrupção da gravidez pode ocorrer em
fetos com total potencialidade de vida, mas, por terem sido gerados por estupro ou
em razão de a gestação causar risco de vida à mãe, a interrupção pode ser autorizada.
Ora, se a legislação brasileira já aceita o aborto de feto com potencialidade de vida,
deve permitir os procedimentos médicos para a interrupção das gestações de fetos
inviáveis. Não podemos, também, deixar de considerar a abordagem científico-
pragmática: se a legislação declara morto um paciente, após a constatação de sua
morte cerebral (inclusive para fins de transplante de órgãos), a interrupção da
gestação de um feto anencefálico se
compatibiliza com essas hipóteses legalmente
prevista.
Em agosto de 2004, foi concedida uma liminar possibilitando a antecipação
terapêutica do parto de fetos anencefálicos, em virtude do instrumento de Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 45/DF, argüida pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), por seu advogado Luis Roberto Barroso, mas
o Tribunal, dois meses depois, negou deferimento a essa liminar.
Consta dessa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
que os princípios violados são o da dignida
de da pessoa humana, da legalidade,
176
BARROSO, Luis Roberto. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 45/DF.
177
Consultor Jurídico Livre arbítrio A mulher deve decidir sobre aborto de feto sem cérebro, 18/01/2005.
Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/32456?display-mode=print. Acesso em: 30 julh 2007.
97
da liberdade, da autonomia da vontade, e o direito à saúde, todos de uma única pessoa, a
gestante.
Na mesma linha de pensamento encontra-se o desembargador Silvio Arruda
Beltrão
178
, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que acatou o pedido de
uma gestante em Mandado de Segurança, no início de 2004.
Cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade e, seu sentido maior, do direito à
preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade
da pessoa humana. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos
anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando
se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que
possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na
sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à
mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos
físicos reconhecidos no Âmbito da medicina.
Inviável fica a discussão de uma colisão de direitos fundamentais nos casos
de fetos anencefálicos, pois não existe realmente um conflito entre direito à vida do feto e o
direito à liberdade da gestante, como bem argumentado por Luis Roberto Barroso
179
na
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
Como exposto, na gestação de feto anencefálico não há vida humana viável em
formação. Vale dizer: não potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à
hipótese o suporte fático exigido pela norma. Com efeito, apenas o feto com
capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de aborto. Assim, não
como se imprimir à antecipação do parto nesses casos qualquer repercussão jurídico-
penal, de vez que somente a conduta que frusta o surgimento de uma pessoa ou que
causa danos à integridade física ou à vida da gestante tipifica o crime de aborto.
E continua, citando os escritos de Nelson Hungria, muito mesmo antes de se
conhecer a anencefalia.
Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir
normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se
resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracteriza o
aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico; se a gravidez se apresenta
como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma
intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não falar-se em aborto,
178
Jurid Gestação interrompida- Justiça de PE autoriza aborto de cérebro anencefálico, 2004. Disponível em:
https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913. Acesso em: 04 julh 2007.
179
BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.
98
para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do
feto.
180
De acordo com Edílsom Pereira de Farias
181
,
Haverá colisão entre os próprios direitos fundamentais (colisão entre os direitos
fundamentais em sentido estrito) ‘quando o exercício de um direito fundamental por
parte de um titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro
titular’. Noutras palavras, quando o tatbestand (pressuposto de fato) de um direito
interceptar o pressuposto de fato de outro direito fundamental.
Mais uma vez, nos casos de anencefalia, como verificado, a colisão do
direito à liberdade da gestante com o direito à vida do feto, deve ser analisado de uma forma
diferenciada, e até mesmo, regulamentada pelo ordenamento jurídico, em razão de não haver
um direito à vida, propriamente dito, a ser protegido.
Duas recentes decisões, entre outras, proferidas por dois Tribunais de Justiça
distintos, admitiram essa antecipação terapêutica do parto pelos mesmos motivos acima
mencionados.
O primeiro é o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que em data de 11 de
abril do corrente ano, concedeu permissão a uma gestante para interromper a gravidez de seis
meses e meio. A anencefalia foi comprovada após a realização de três exames de ultra-
sonografia. A permissão do aborto foi conferida porque o Tribunal de Justiça ponderou o
risco para a gestante e o irremediável comprometimento da vida do feto
182.
A outra decisão, mais atual ainda, datada em 29 de junho de 2007, da
Vara Criminal de Goiânia, dada pelo juiz-substituto André Avancini D’Ávila, também
intensifica a necessidade de regulamentação pelo ordenamento jurídico desse tipo de aborto.
180
BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.
181
FARIAS, op. cit., p. 117.
182
Jurid Justiça autoriza aborto de feto com anencefalia- Tribunal de Justiça de Minas levou em conta o risco
para a gestante. Parto será realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 12/04/2007. Disponível em:
https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913. Acesso em: 04 julh 2007.
99
Lembrando que a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, André
Avancini observou que este tipo de aborto chamado aborto eugênico é
considerado uma atitude piedosa, em que o feto é portador de anomalia grave e
incurável. Para o juiz, em 1940, quando foi regulamentado o aborto humanitário
autorizado nos casos em que a gestação resulta de estupro a medicina não dispunha
dos avanços tecnológicos de atualmente. “Se houvesse à época esses avanços para
diagnósticos atuais, com muito mais razão teria sido contemplado expressamente o
aborto eugênico”, comentou
183
.
Não restam dúvidas, de que o abortamento do feto com anencefalia,
cuidadosamente confirmado, não deveria ser considerado crime, pois é um caso de
atipicidade da conduta, pela simples ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo
penal aborto.
Essa regulamentação se daria no simples sentido da gestante optar por
prosseguir ou não com a gestação. Seria dada a essa geradora de um feto anencefálico, o
direito da liberdade de escolha de querer carregar, ou não, em seu ventre, um feto com nulas
possibilidades de sobrevivência fora de seu corpo.
183
Jurid Juiz autoriza aborto de feto anencefálico, 2007. Disponível em: <https://secure.jurid.com.br/new/
jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913.> Acesso em: 04 julh 2007.
100
CONCLUSÃO
Fora aqui analisado, um tema muito controverso e atual, sobre como
solucionar possíveis colisões entre direitos fundamentais, que estão no mesmo patamar de
hierarquia, dentro de um mesmo ordenamento jurídico.
O presente trabalho, tem como foco, a análise de somente dois desses
direitos fundamentais, ou seja, o direito à vida e o direito à liberdade; o que ocorre
quando esses dois direitos entram em choque em um caso concreto; como solucionar
esse problema; qual direito deve prevalecer; e o menor detrimento do direito que não
predominou.
Foi necessário para esse estudo verificar diferentes informações sobre os
direitos fundamentais propriamente ditos.
As divergências começam pela nomenclatura desses direitos. Há autores
que os chamam de direitos humanos, outros de direitos dos cidadãos, e alguns, ainda, de
direitos do homem. Mas, a mais ideal nomenclatura, após essa análise feita, é de direitos
fundamentais.
Inúmeras características são apontadas a esses direitos, mas somente algumas
delas, consideradas pertinentes, foram acopladas ao trabalho.
Quanto às dimensões dos direitos fundamentais, também foram encontradas
diferenças. Não somente à nomenclatura, dimensões ou gerações de direitos fundamentais,
tendo sido optado por dimensões dos direitos fundamentais, mas, inclusive, com relação à
quais direitos estariam dentro de qual dimensão.
101
Ao direito à vida e ao direito à liberdade foi dado um enfoque especial,
trazendo o possível sobre ambos, que pudesse, ao decorrer do trabalho, ajudar na solução de
uma colisão.
Ao verificar a interpretação constitucional, pode-se perceber, que seria
possível uma resolução de conflito, quando aplicados os princípios constitucionais de uma
maneira ponderada, dando ênfase aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Dentre outros princípios, esses dois citados, são de suma importância na apreciação do caso
concreto.
Quando se fala em colisão de direitos fundamentais, vem logo a mente algo
de difícil e minuciosa resolução, porque se trata de um confronto entre direitos essenciais à
pessoa humana, sendo inevitável o preterimento de um deles.
Foram discorridas, nesse trabalho, algumas colisões ocorridas entre o direito
à vida e o direito à liberdade, como nos casos dos adeptos à religião Testemunhas de Jeová e
nos casos de aborto.
Em ambos os conflitos, o direito à vida é que deve prevalecer, em razão do
simples fato, de que sem a vida de serventia alguma teria o direito à liberdade.
Para os seguidores da religião Testemunhas de Jeová, não a
possibilidade, em hipótese alguma, de ser feita uma transfusão de sangue. É preferível que a
pessoa humana venha a óbito, do que seja acometida a uma transfusão sangüínea.
Assim, inúmeras decisões judiciais foram e ainda estão sendo proferidas a favor dessas
transfusões.
Para as ocorrências de aborto, foram examinados os casos de abortamento
necessário e sentimental, já assegurados pelo artigo 128 do Código Penal.
102
Existe um anteprojeto para a mudança da parte especial desse Código, que
vigora desde 1940, na intenção de que seja incluído, no mesmo artigo citado, um terceiro
inciso que contenha permissão para o aborto eugênico, ou seja, para a possibilidade do
abortamento de fetos com anomalias graves ou irreversíveis.
Esse anteprojeto, deveria vislumbrar a possibilidade de aborto, somente nos
casos de fetos sem perspectiva alguma de vida fora do útero materno, ou ainda, com uma
sobrevida ínfima, como ocorre nos casos de fetos com anencefalia. Aqui, o direito à liberdade
de escolha da mãe deveria preponderar sobre o direito à vida do feto (um direito, na verdade,
não existente fora do útero materno); diferentemente do que trata o anteprojeto atual, que visa
o direito ao abortamento de fetos com anomalias, mas que têm uma possibilidade de vida e
inclusive de uma inclusão social.
Foi examinado, por fim, a Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 45/DF, argüida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde,
através do advogado Luis Roberto Barroso, que visa a possibilidade de aborto para os casos
de fetos portadores da anomalia de anencefalia.
Nos casos citados, fica demonstrado que o direito à vida é preponderante aos
demais direitos fundamentais, pois de que vale os demais direitos após a morte. E mais: que
toda a regra tem exceção, como por exemplo os casos de permissão do aborto de um feto
resultante de um crime de estupro, onde é estabelecido que o direito à intimidade, à saúde, à
liberdade de escolha, dentre outros, da gestante, deve ser priorizado; e também nos casos de
fetos anencefálicos, onde não possível de vida humana em formação, e que do mesmo
modo, todos esses direitos da gestante devem prevalecer.
É necessária uma modificação na parte especial do Código Penal,
principalmente relacionada aos casos de aborto, permitindo que a mulher possa optar pelo
103
prosseguimento ou não da gravidez, mas, somente nos casos em que o feto não tenha chances
de sobrevivência fora de seu ventre, e não pelo simples fato de nascer com deformidades, em
razão, mais uma vez frisando, de que a deficiência não pode determinar um direito maior do
que o direito à vida.
104
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