76
[...] não há sacerdotes, não há dogma, não há enunciados categóricos acerca dos
deuses, do homem, do mundo.
154
As Musas da Ilíada, 2.84 e ss., têm
conhecimento porque estão próximas das coisas. [...] A quantidade e não a
intensidade é o padrão de julgamento de Homero e do conhecimento.
155
[...]
Interesse e desejo de compreender muitas coisas surpreendentes (terremotos,
eclipses do Sol e da Lua, as paradoxais cheias e vazantes do Nilo), cada qual
explicada de maneira particular e sem recurso a princípios universais, persistem
nas descrições dos séculos VIII e VII A.C. [...] até mesmo um pensador do porte
de Tales se satisfaz em apresentar observações curiosas e propor explicações
várias, sem tentar juntá-las de forma sistemática.
156
O primeiro pensador a
elaborar um ‘sistema’ foi Anaximandro, que sucedeu Hesíodo.
157
Já os conceitos com os quais trabalhavam Parmênides e Zenão são objetivos,
estavam mais ligados à lógica, conceitos determinados por provas, com sua
autoridade determinada interiormente, pela lógica interior aos sistemas.
Entretanto, durante a transição não era possível estabelecer uma prioridade no uso
desses conceitos. A prática, e em particular a prática médica, permanecia atrelada
aos conceitos mais tradicionais, concretos; os modelos explicativos mais
informais eram freqüentemente privilegiados em detrimentos dos novos. Mas, de
maneira geral, os mitos se enfraquecem no embate entre as muitas culturas
presentes nas colônias jônicas, como diz Danilo Marcondes esta é: “uma hipótese
que parece razoável, de um ponto de vista histórico e sociológico, e mesmo
geográfico e econômico, para a explicação do surgimento do novo tipo de
pensamento [...]”.
158
Os novos pensadores participam de disputas intelectuais:
surgem novos objetivos e novas práticas, e decorrente dessas novas práticas surge
a filosofia. Feyerabend afirma que não se pode identificar esta mudança como
progresso, pois, guardada as devidas proporções, os “nazistas também falaram de
um grande progresso quando tomaram o poder, entendendo justamente por
progresso que sua “filosofia” iria por fim ser entendida”.
159
Muitos autores consideram progresso a transição da filosofia de Parmênides
para a de Aristóteles. A crítica que se faz a Parmênides é, de maneira geral, que
ele elabora uma visão ingênua da realidade, uma visão que nega o movimento,
movimento que, no pensamento aristotélico, significa a mudança de certo tipo de
154
Wilamowitz - Moellendorf, Der Glaube der Hellenen, I, 1955, p.17, apud Contra o Método, p.
370, n 72
155
Snell, The Discovery of Mind, p.18, apud Contra o Método, CM, p. 371
156
F. Kraft, in Geschichte der Naturwissenschaften, I, Freiburg, 1971, cap.3, apud Contra o
Método, p.371, n. 77.
157
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, pp 371.
158
Danilo Marcondes,, Iniciação à História da Filosofia (dos Pré-Socráticos à Wittgenstein), p.22.
159
Karl Paul Feyerabend, A Ciência Como Arte, p. 94.
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