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Ivan Luiz Gonçalves Pinto
O Progresso da Ciência e o Anarquismo
Epistemológico de Karl Paul Feyerabend
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
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Ivan Luiz Gonçalves Pinto
O progresso de Ciência e o Anarquismo
Epistemológico de Karl Paul Feyerabend
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Filosofia da PUC-
Rio como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Filosofia.
Orientador: Prof. Carlos Alberto Gomes
dos Santos
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
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Ivan Luiz Gonçalves Pinto
O Progresso da Ciência e o Anarquismo
Epistemológico de Karl Paul Feyerabend
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo Programa
de Pós-graduação em Filosofia da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Carlos Alberto Gomes dos Santos
Orientador
Departamento de Filosofia - PUC- Rio
Prof. Filipe Ceppas de Carvalho e Faria
Departamento de Filosofia - PUC- Rio
Prof. Norman Roland Madarasz
UGF
Prof. Paulo Fernando Carneiro de
Andrade Coordenador Setorial
do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da – PUC – RIO.
Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 20007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
Todos os direitos reservados. È proibida reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor
e do orientador.
Ivan Luiz Gonçalves Pinto
Graduou-se em Matemática na Universidade Federal do Rio de
Janeiro em 1985. Especializou-se Orientação Educacional em
1994. Especializou-se em Filosofia Contemporânea na UERJ em
2005.
Ficha Catalográfica
Pinto, Ivan Luiz Gonçalves.
O progresso de ciência e o anarquismo epistemológico de
Karl Paul Feyerabend / Ivan Luiz Gonçalves Pinto; orientador:
Carlos Alberto Gomes dos Santos. – 2007.
97 f.; 30 cm
1. Dissertação (Mestrado em Filosofia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Filosofia Teses. 2. Progresso. 3. Ciência. 4.
Epistemologia. 5. Pluralismo. 6. Anarquismo. I. Santos, Carlos
Alberto Gomes dos. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título.
CDD: 100
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
Para minha mãe Arilda e para meus
filhos Ivan, Bernardo e Clara.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
Agradecimentos
Ao meu orientador Professor Carlos Alberto Gomes dos Santos pelo apoio e
estímulo para a realização deste trabalho.
À PUC - Rio, seus professores e funcionários sempre muito zelosos e gentis, em
especial ao Departamento de Filosofia.
Aos Professores Filipe Ceppas e Norman Madarasz que participaram da Comissão
Examinadora.
Aos colegas do Mestrado, em especial ao Gaspar pelo apoio.
Ao amigo Alfredo pelo exemplo moral e pela ajuda espiritual.
A todos que colaboraram para a realização deste trabalho.
Agradeço, especialmente, à minha companheira Glória pela certeza de que sem
ela eu nada teria realizado.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0511058/CA
Resumo
Pinto, Ivan Luiz Gonçalves. Santos, Carlos Alberto Gomes dos. O
Progresso da Ciência e o Anarquismo Epistemológico de Karl Paul
Feyerabend. Rio de Janeiro, 2007. 97p. Dissertação de Mestrado
Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Esta dissertação apresenta um panorama da epistemologia contemporânea
e mostra as idéias do filósofo Karl Paul Feyerabend em relação ao progresso da
ciência. O nosso texto procura responder, principalmente, à seguinte questão:
como um filósofo que a ciência como um empreendimento anárquico e sem
fundamento pensa sobre o progresso científico? Para isso fazemos uma
reconstrução histórica do ambiente cultural com o qual Feyerabend esteve
envolvido e da sua carreira filosófica. Esta reconstrução procura mostrar as
condições que produziram o Círculo de Viena que, por sua vez, influenciou
muitos pensadores preocupados com as questões da ciência e seu progresso, como
Popper, Kuhn, Lakatos e Laudan. Estes filósofos terão suas epistemologias
brevemente analisadas, pois foram importantes na formação do pensamento
feyerabendiano. Concluímos com uma defesa do anarquismo epistemológico, pois
consideramos que a questão do progresso da ciência em Feyerabend deve ser
entendida a partir das bases desta doutrina.
Palavras-chave
Progresso; ciência; epistemologia; pluralismo; anarquismo.
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Abstract
Pinto, Ivan Luiz Gonçalves. Santos, Carlos Alberto Gomes dos (Adviser)
The Progress of Science and Karl Paul Feyerabend’s Epistemological
Anarchism. Rio de Janeiro, 2007. 97p. Dissertação de Mestrado
Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
This dissertation gives a panorama of contemporary epistemology and
present philosopher Karl Paul Feyerabend’s ideas on the progress of science. We
attempt to address mainly the following topic: what are the thoughts of a
philosopher on scientific progress who sees science as an enterprise of anarchy
and without a foundation? In our attempt at providing an answer, we make a
historical reconstruction of the cultural atmosphere in which Feyerabend was
involved and of his philosophical career. This reconstruction shows the conditions
that produced the Vienna Circle, which influenced many thinkers at the time who
were concerned with the subjects of science and progress, like Popper, Kuhn,
Lakatos and Laudan. These philosophers will have their epistemologies briefly
analyzed since they were important in the formation of Feyerabendian thought.
We conclude with a defense of epistemological anarchism as we contend that the
subject of science’s progress in Feyerabend should be understood from the bases
of this doctrine.
Keywords
Progress; science; epistemology; pluralism; anarchism.
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Sumário
1. Introdução 9
2. A Viena do Círculo 12
3. O Círculo de Viena 14
4. Os Principais Interlocutores 18
4.1. Popper (O Progresso Racional) 18
4. 2. Kuhn (Progresso x Revoluções) 28
4.3. Lakatos (Progresso e Programas de Pesquisa) 38
4.4. Laudan (Progresso como Solução de Problemas) 44
5. Feyerabend 53
5.1. A Trajetória 53
5.2. Progresso Relativo 71
5.3. A Arte 73
5.4. A Filosofia 75
5.5. A Ciência 79
6. Conclusão 88
7. Referências bibliográficas 95
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1
Introdução
O objetivo deste trabalho é aprofundar a noção de progresso da ciência na
visão de Karl Paul Feyerabend. A maioria dos epistemólogos contemporâneos
trata deste assunto como parte fundamental do seu trabalho e, diga-se a bem da
verdade, não podemos afirmar a existência de um consenso quanto ao resultado de
suas investigações. Não temos dúvida em afirmar que, entre esses pensadores,
muitos considerariam o progresso da ciência como algo indubitável, natural e
necessário. Entretanto, como conciliar a idéia de um saber sem fundamento e
anárquico, como é o caso da ciência para Feyerabend, com a de seu progresso?
Como justificaria este autor, uma resposta para esta questão? Como o anarquismo
e o anarquista epistemológico que não acreditam na existência de um método
universalmente válido para a ciência trabalham com o conceito de progresso? São
perguntas que procuraremos responder neste trabalho.
Na obra de Feyerabend, percebemos sua preocupação em explicitar a
natureza da ciência e a função que esta deve ter numa sociedade livre e
democrática. O autor coloca em questão não a própria ciência, mas também a
idéia de que ela possa ser um saber superior a outras formas de conhecimento:
mostra que a idéia errônea da superioridade do saber científico está baseada,
principalmente, na pressuposição de que ciência e racionalidade são termos,
“obviamente”, indissociáveis. As “verdades” consideradas absolutamente óbvias
são colocadas em causa por Feyerabend, não por um niilismo inconseqüente,
como entende uma leitura apressada e desatenta de sua obra, mas com o objetivo
de estabelecer a verdadeira natureza do saber científico, tentando afastar as
mistificações e ideologias, que em geral, decorrem de certas concepções
epistemológicas.
Feyerabend, ao examinar as questões de caráter metodológico, conclui que
uma única metodologia não explica inteiramente os diversos aspectos da ciência,
abrindo caminho para o relativismo e para o pluralismo. Entretanto, considera seu
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10
relativismo apenas “uma aproximação bastante útil e, sobretudo mais humana”
1
,
quer dizer, uma melhor maneira de ver as coisas. Explica seu pluralismo pelo
saudável confronto entre teorias rivais e pela impossibilidade de se excluir as
variadas formas de saber como colaboradoras das descobertas científicas e do
progresso da ciência. Neste sentido aproxima a arte, a filosofia, os mitos, a
astronomia e a ciência, na medida em que todas também são construções humanas
como quaisquer outras (diferentes entre si sem dúvida), onde subjetividade e
objetividade se misturam e que em alguns momentos é difícil separá-las em
função da interação que exercem entre si. No posfácio de um dos livros de
Feyerabend, Roberta Corvi, escreve:
O pensamento, quando é autêntica reflexão sobre o mundo que existe, existe no
interior e no exterior do ser humano, não se cristaliza em compartimentos
estanques [...] Filosofia, ciência e arte estão assim, muitas vezes interligadas para
tornar ridículas as barreiras com que são mantidas artificialmente separadas.
2
Para Feyerabend, as pessoas devem ser incentivadas a pensar, a tomar
iniciativas a partir do confronto de diferentes tradições e, nesse sentido, a
educação e a cultura de uma forma geral, têm certamente, muito a ver e muito a
ganhar com isso. Assim, escreve Feyerabend:
Quero que as pessoas descubram por si próprias seu caminho; tudo o que faço é
afastar os obstáculos que os intelectuais disseminam no caminho. [...] uma
educação apropriada é um tipo de instrução que informa as pessoas sobre o que
sucede, procurando ao mesmo tempo protegê-las da força esmagadora desta
narração.
3
Entendemos esta citação como a que melhor traduz a obra de Feyerabend,
uma das passagens onde fica clara a preocupação com a derrubada das
mistificações e preconceitos em relação à ciência, seu ensino e seu progresso.
Para nos aprofundarmos no estudo do caráter progressivo da ciência na
visão de Feyerabend apresentaremos um primeiro capítulo onde mostraremos a
influência do ambiente cultural da Viena “fin de siècle” na formação dos filósofos
que, de uma forma ou de outra, interagiram com Feyerabend. No capítulo seguinte
mostraremos as propostas do Círculo de Viena e quanto essas idéias afetaram, não
1
Paul Feyerabend, Diálogo Sobre o Método, p.113.
2
Roberta Corvi, apud Diálogo Sobre o Método, Posfácio, p. 134.
3
Paul Feyerabend, Diálogo Sobre o Método, p.113. Idem, p. 37.
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11
os pensadores da época, mas mais especificamente nosso autor. No capítulo
seguinte mostraremos como os principais interlocutores de Feyerabend se
colocam em relação ao tema do progresso da ciência. A seguir apresentaremos a
trajetória intelectual de Feyerabend na sua formação de epistemólogo e como os
conceitos filosóficos e as idéias mais polêmicas foram se formando e se
reformulando em seu espírito. No capítulo seguinte mostraremos o pensamento do
autor em relação, especificamente, à questão do progresso do conhecimento
científico com o objetivo de responder às perguntas que fizemos inicialmente e
concluiremos com uma defesa do anarquismo epistemológico, visto que essa é a
doutrina que sustenta sua obra e a nosso ver não é possível separar, na obra de
Feyerabend, a questão do conhecimento científico do anarquismo epistemológico.
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12
2
A Viena do Círculo
Na arquitetura, na arte, no jornalismo, na jurisprudência, na filosofia, na
poesia, na música, no teatro e na escultura vienense do culo XIX se produziram
modificações críticas e inovações importantes. Certamente, a característica mais
marcante destas alterações radicais não era o fato de que estavam apenas
ocorrendo no mesmo lugar e ao mesmo tempo, não era uma mera coincidência. A
tese principal de Allan Janik e Stephen Toulmin em “A Viena de Wittgenstein”
afirma que a maioria destas inovações no período entre 1880 e 1919 tinha relação
com o fato de que “para se ser um artista ou um intelectual na Viena ‘fin-de-
siècle’, “[...] tinha-se que enfrentar o problema da natureza e limites da
linguagem, da expressão e da comunicação”.
4
O contexto era, na visão dos
autores, propício para isso: tratava-se de uma sociedade profundamente dividida e
contraditória (a mesma Viena que para uns era considerada como a Cidade dos
Sonhos, para outros era descrita como “O campo de Provas para a Destruição do
Mundo”
5
). Os valores mais fomentados eram: a “razão, a ordem, o progresso, a
perseverança, a autoconfiança, disciplina [...] Devia-se evitar, a todo custo, o
irracional, o caótico, o apaixonado”.
6
Era uma sociedade dentro do “espaço
cultural alemão” que durante muito tempo havia feito da disciplina, do rigor e da
obediência verdadeiros ideais coletivos, que construiu uma portentosa máquina
civil e militar e que nas últimas décadas do século XIX foi considerada a
referência mundial em medicina, artes e cncias. Ao mesmo tempo, uma
sociedade onde também estavam presentes valores culturais importantes como
espiritualidade, idealismo, subjetividade, em resumo, o romantismo. Assim,
poder-se-ia considerar, como querem Janik e Toulmin, esta dupla presença como a
origem de uma tensão entre racionalidades opostas produzindo uma rebelião
contra a hegemonia da razão, rebelião que acaba por ser a catalisadora da intensa
produção cultural. Afirmam os autores que foi a exploração dos limites e
4
Allan Janik e Stephen Toulmin , A Viena de Wittgenstein, p. 127.
5
Robert Musil, in An Introduction to His Work, p.40, apud A Viena de Wittgenstein, p.8.
6
Idem, p.36.
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insuficiências da poderosa ordem conceitual constituída pelo cartesianismo e pela
física newtoniana que permitiu avanços significativos na ciência e ao mesmo
tempo contribuiu para debilitar a hegemonia da própria ciência e da razão no
interior da cultura vienense no final do século XIX. Um dos exemplos mais
marcantes é, certamente, a Teoria da Relatividade de Einstein ao mostrar que o
sistema newtoniano podia ser superado, que a ciência o era infalível, que a
razão não era absoluta, que nem uma nem outra era o ápice da experiência
humana.
A física relativística abala definitivamente os alicerces da tradição clássica
e passa a ser vista como uma estrutura na qual os procedimentos metodológicos e
racionais até então estabelecidos deixam de ocupar um lugar privilegiado. Poucos
anos após a publicação da teoria da relatividade, Heisenberg formula o princípio
da incerteza. De acordo com este princípio (que descrevo aqui numa forma
simplificada), no plano subatômico nunca se pode estar seguro a respeito da
posição e da velocidade de uma partícula; quanto mais exatamente se conhece
uma destas variáveis, com menor precisão se conhece a outra. Certamente é uma
mudança radical no modo de ver o mundo, pois solapa os pressupostos
fundamentais da ciência moderna e da razão colocando em causa o sonho
cientificista de um universo determinístico e abrindo espaço para o
aprofundamento dos estudos epistemológicos. É neste espaço que surge o Círculo
de Viena, um dos movimentos mais importante nesta época.
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14
3
O Círculo de Viena
O Círculo de Viena, enquanto movimento cultural deixou marcas
profundas e indeléveis no pensamento ocidental. Tanto Popper, quanto Kuhn,
Lakatos e Feyerabend foram, dentre os principais pensadores do século XX, de
uma maneira ou de outra, fortemente influenciados pelos temas ali tratados.
Ainda que Kant tenha insistido sobre a impossibilidade do conhecimento
derivar dos dados sensíveis, não estabelece com isso o fim do ideal da filosofia
clássica de uma ciência baseada na possibilidade de acesso à realidade, “fonte
segura do nosso conhecimento”, pelos sentidos. O positivismo lógico do Círculo
de Viena foi uma tentativa (mutatis mutandis) de retomar o ideal clássico de
buscar a origem do conhecimento numa base empírica, mas não só.
Formado no início da década de 20 por um grupo de pensadores, como
reação à filosofia idealista e especulativa que, como acreditavam seus membros
(Philipp Frank, Otto Neurath, Hans Hahn, Moritz Schilick e Rudolf Carnap, Hans
Reichenbach), era praticada nos centros de estudos da Alemanha naquela época, o
Círculo de Viena (Wiener Kreis) teve como principais influências as idéias dos
positivistas Ernst Mach e Auguste Comte, a lógica de Russell, Whitehead, Peano
e Frege, bem como os novos paradigmas da física contemporânea, especialmente
as descobertas de Einstein. A leitura do Tractatus Logico-Phylosophicus de
Wittgenstein permitiu ao grupo elevar ao máximo o alcance filosófico de uma
nova lógica, possibilitando, assim, incorporá-la a uma interpretação empírica dos
fundamentos do conhecimento.
O positivismo lógico ou neopositivismo tinha em seu programa três pontos
principais:
1. A ciência deve poder ser unificada na sua linguagem e nos fatos que a
fundamentam, bem como todo conhecimento científico vem da
experiência e do caráter tautológico do pensamento.
2. A filosofia, quer seja ou o considerada como uma verdadeira ciência,
se reduz a uma elucidação das proposições científicas e estas se referem
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direta ou indiretamente à experiência. A ciência tem por tarefa verificar
tais proposições. A filosofia será, antes de tudo, filosofia da ciência e,
ocupando-se assim deste aspecto positivo do conhecimento humano, estará
na direção de uma efetiva objetividade. O simbolismo lógico de Frege e de
Russel será utilizado para tornar clara a linguagem da ciência.
3. O sucesso de tal filosofia porá fim à metafísica, pois não será mais
necessário tratar “questões filosóficas”, que toda questão se tratada,
agora, em uma linguagem provida de sentido. As questões tradicionais da
metafísica serão questões que falarão apenas sobre termos dos quais o
sentido o foi suficientemente esclarecido ou sobre proposições
inverificáveis.
O objetivo do Círculo era desenvolver uma nova filosofia da
ciência dentro de um espírito rigoroso, por intermédio de uma linguagem lógica, e
fundamentar na lógica uma ciência empírico-formal da natureza empregando
procedimentos lógicos e rigor científico. Tendo como tema central a formulação
de um critério que permitiria distinguir entre proposições com ou sem
significação, os pensadores do Círculo consideram a ciência empírica (a Física)
como modelo e propõe que apenas os enunciados científicos que descrevem
observações, poderiam ser considerados verdadeiros ou falsos pela verificação
empírica. Esta marca distintiva das ciências empíricas seria o traço característico
das proposições que têm significação.
Podemos dizer que estamos diante de uma proposta “semântico-
verificacionista”, ou seja, conhece-se o sentido de uma proposição se for possível
conhecer as circunstâncias pelas quais ela é verdadeira ou falsa. Por exemplo, a
proposição “existem seres vivos em Plutão”, pode ser verdadeira ou falsa e tem
uma significação, pois, em princípio, é possível de ser verificada ainda que, no
momento, não tenhamos condição de fazê-lo. O mesmo não poderia ser dito de
enunciados do tipo “Deus é perfeito” ou “A alma é imortal”, pois o sendo
suscetíveis de verificação, são, em conseqüência, sem significação. Apesar do fato
de estarem gramaticalmente corretos são pseudo-enunciados, pois se situam fora
do domínio do conhecimento, não têm valor cognitivo, ainda que possuam valor
poético, estético ou emocional. Assim, as proposições metafísico-especulativas
deveriam ser afastadas, não porque fossem falsas, mas porque nada significavam,
eram desprovidas de sentido. Fora, portanto, do pensamento racional. As
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proposições lógicas e matemáticas seriam proposições analíticas, quer dizer,
verdadeiras ou falsas graças, apenas, a sua significação. Seu valor de verdade
pode ser estabelecido apenas pela razão e independente de qualquer experncia.
Se forem verdadeiras, são tautologias, se forem falsas, são contradições. De
acordo com os neopositivistas, as proposições lógico-matemáticas, enquanto
meios para organizar nossos conhecimentos empíricos não têm significação e, em
conseqüência, não têm valor de verdade.
A partir dessas idéias, o conhecimento começa então pelas “proposições de
base” ou “enunciados protocolares” (as “proposições de base” devem ter a forma
de protocolos, relatórios de uma experiência em um laboratório) que são um
reflexo da experiência, do observável, expressam uma linguagem factual. Esses
enunciados descrevem casos particulares de fenômenos observáveis num
determinado lugar e num determinado momento, são suscetíveis de verificação
imediata e exprimem as impressões sensoriais que recebemos do mundo.
Tomando-se as “proposições de base” como ponto de partida, emprega-se o
método de indução na construção de uma teoria científica: apoiando-se num
grande número de enunciados protocolares é possível estabelecer uma proposição
geral, e uma teoria científica nada mais é do que um sistema lógico de
proposições gerais. A indução não é apenas um método para se obter proposições
gerais, mas é também um meio para a justificação, quer dizer, uma teoria
científica está justificada na medida em que existam proposições de base,
deduzidas das proposições gerais que a confirmam. E vale também dizer que um
grande número de proposições de base pode justificar a indução que se faz para
uma proposição geral. Consideremos como exemplo a proposição geral “Todos os
corvos são negros”, dela pode-se deduzir a predição “O próximo corvo que
encontrarmos será negro”. Esta última proposição pode ser confirmada ou
refutada pela experiência sensorial. Se a experiência confirma um grande número
de tais proposições, a proposição geral em questão é confirmada pela experiência
e justificada. Assim, as teorias científicas permitem conceber experiências
científicas e deduzir proposições que predizem os resultados das experiências, e as
proposições de base, se confirmadas pelas observações dos resultados das
experiências confirmam, de maneira indutiva, as teorias científicas.
Até meados dos anos 30, a filosofia do Círculo de Viena exerceu uma
profunda influência na cena cultural européia. Mas, com a ascensão do nazismo e
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a conseqüente mudança para os Estados Unidos de Carnap e outros membros,
aliada às mortes de Hahn, Schlick e Neurath, bem como uma série de contradições
internas, o movimento começou a se dispersar, mas suas teses, até hoje, são
discutidas. Esta concepção da filosofia da ciência, uma combinação de um
formalismo extremado com um empirismo radical, não demoraria a ser contestada
e seu projeto colocado em questão por diversos pensadores, entre eles Karl
Popper.
Muitos autores tratam da questão do progresso da ciência em diferentes
abordagens. Com o objetivo de construir um painel da filosofia da ciência que nos
permita compreender melhor os pontos de vista feyerabendianos, apresentaremos
a seguir, as idéias principais de alguns epistemólogos contemporâneos que, de
uma maneira ou de outra influenciaram as idéias de Feyerabend.
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4
Os Principais Interlocutores.
4.1
Karl Popper
O Progresso Racional
O termo "Racionalismo Crítico" com que Popper designa sua filosofia é
também a marca da posição do autor contrária ao empirismo clássico (indutivista)
da ciência. Por isso mesmo, a crítica que dirige ao indutivismo do Círculo de
Viena é tão importante, a ponto de se dizer que “a obra de Popper é
incompreensível sem sua oposição ao positivismo lógico”.
7
Dessa oposição surge
sua obra mais importante, A Lógica da Pesquisa Científica”, na qual a questão
inicial é a da demarcação, ou seja, como demarcar a ciência da pseudociência,
questão central também para os pensadores do Círculo.
Popper não concorda com a idéia do positivismo lógico de que uma teoria
científica ou uma lei universal é estabelecida a partir de um grande número de
observações. Hume havia se colocado contra esta idéia afirmando que, de um
ponto de vista lógico, o raciocínio indutivo não se justifica. Para Popper é preciso
aceitar que a indução não é válida, que não é possível uma justificação racional
para a indução. Não aceitar a indução só traria problemas para aqueles que
acreditam que ela faça parte de uma racionalidade indispensável à ciência, que
esta teria por objetivo as regras gerais e apenas a indução permitiria a passagem
das observações singulares para as leis gerais. Entretanto, como afirma o autor:
7
Jean-Claude Schotte, La Science des Philosophes, p. 88.
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19
[...] está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no
inferir enunciados universais de enunciados singulares, independente de quão
numerosos sejam estes, com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo
sempre pode revelar-se falsa [...´]
8
A incapacidade da indução de gerar leis universais implica a
impossibilidade da experiência justificar definitivamente uma teoria, pois apenas a
observação de todos os corvos existentes (o que seria obviamente impossível)
poderia verificar a proposição geral “Todos os corvos são negros”. Como não
outro meio de se confirmar uma teoria, a o ser pela experiência, segue-se que é
impossível verificar uma teoria científica, no sentido de estabelecer uma verdade.
Para Popper, as regularidades universais são conjecturas que os cientistas
inventam, e o caráter científico de uma conjectura universal se na medida em
que ela é falseável, ou seja, quando existem experiências possíveis e bem
determinadas que possam mostrar a falsidade da conjectura em questão. A
falseabilidade popperiana nos indica que a única maneira de adquirirmos
conhecimento científico é agir criticamente usando testes severos, na tentativa de
mostrar a falsidade das nossas conjecturas, sua contingência. Uma conjectura
pode ser considerada melhor do que outra quanto mais falseável for, pois o grau
de falseabilidade ou de testabilidade é, segundo Popper, proporcional ao seu
maior ou menor conteúdo informativo.
No entender de Popper, o critério de demarcação introduzido pelos neo-
positivistas com o objetivo de separar a ciência da metafísica tem sentido apenas
se admitirmos uma linguagem de base fenomenalista ou fisicalista, isto é, uma
linguagem observacional pura e livre de toda teoria. Popper se opõe a este critério
de demarcação e propõe como alternativa seu critério de falseabilidade, que não
tira da metafísica seu estatuto cognitivo, considerando a existência de verdadeiros
problemas filosóficos, problemas genuínos e não apenas um jogo de palavras. Diz
Popper:
8
Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica, p.28.
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20
Em poucas palavras, minha tese é a seguinte: falharam todas as tentativas de
Rudolf Carnap para demonstrar que a linha fronteiriça entre a ciência e a
metasica coincide com a que separa o que tem sentido e o que não tem. A razão
é que o conceito positivista de “significado” ou “sentido” (ou de verificabilidade,
conformidade indutiva, etc.) não é apropriado para realizar tal demarcação,
simplesmente porque a metafísica não é necessariamente carente de sentido,
embora não seja uma ciência. Em todas as suas variantes, a demarcação pelo
critério da falta de sentido resultou sempre simultaneamente muito estreita e
ampla demais; a despeito das intenções e pretensões confessadas, tendeu sempre
a excluir algumas teorias científicas, dadas como sem sentido, embora deixasse
de excluir até mesmo a parte da metafísica conhecida como “teologia racional”.
9
Para Popper, as idéias metafísicas continuavam sendo indispensáveis na
pesquisa científica e não necessariamente obstáculos ao progresso da ciência.
Popper afirma que
[...] as descobertas científicas não poderiam ser feitas sem em idéias de cunho
puramente especulativo e, por vezes, assaz nebulosas, fé que, sob o ponto de vista
científico, é completamente destituída de base e em tal medida é metafísica.
10
Quando afirmaram a tese da existência de uma linguagem factual, reflexo
da experiência, os neopositivistas sustentaram a possibilidade de uma linguagem
que não é hipotética e que não daria lugar a nenhuma dúvida possível. Entretanto,
esta idéia começa a ruir dentro mesmo do próprio Círculo, pois Neurath
assegurava que as “sentenças protocolares” não são invioláveis [...] admitem
revisão”.
11
Popper nega a existência de uma linguagem estritamente factual e
afirma que mesmo os enunciados mais concretos, os menos universais que se
possa encontrar em um sistema teórico, o sempre hipotéticos; nenhuma
descrição de um fato é definitiva, pois “não pode haver, em Ciência, enunciados
insuscetíveis de teste intersubjetivo, [...] que o admita, em princípio, refutação
pelo falseamento”
12
, e como conseqüência, nenhuma explicação também pode
ser definitiva, podendo-se sempre modificá-la ou melhorá-la.
Mas, se não certeza absoluta, como entender o trabalho dos cientistas
cuja atividade efetiva seria o conhecimento do real? Com o objetivo “de
estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, a
Matemática e a Lógica de uma parte, bem como os sistemas metafísicos de outra
9
Karl Popper, Conjecturas e Refutações, p. 281.
10
Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica, p. 40.
11
Idem, p.103.
12
Idem. p.49.
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21
(o problema da demarcação popperiano)”
13
, Popper, como dissemos, propõe a
falseabilidade para o reconhecimento de um sistema científico: qualquer hipótese
ou lei que integre um sistema científico, e em decorrência o próprio sistema, deve
ser falseável, testável, contraditável. Sua formulação o deve imunizá-lo de todo
desmentido possível. Diz Popper:
[...] não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como
válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma
lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas
empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar pela experiência, um
sistema científico empírico.
14
Isso nos leva à conclusão de que uma das tarefas primordiais do trabalho
científico é a formulação e o teste de hipóteses falseáveis. Para testar a validade de
enunciados universais, é preciso entender que estes nunca são deriváveis dos
“enunciados básicos” menos universais. Chamamos atenção que esses enunciados
básicos popperianos nada têm de fundamental, de originário ou definitivo e
diferem radicalmente dos “enunciados elementares”, das “sentenças protocolares”
ou das proposições atômicas, conceitos derivados das teses do Círculo de Viena.
Popper os separa em duas classes mutuamente exclusivas, a saber, a classe dos
“falseadores potenciais” e a classe das “instâncias corroboradoras”. Desses
enunciados básicos que o autor define no modo material da expressão como
enunciados asseveradores de que um evento observável está ocorrendo em certa
região individual do espaço e do tempo”
15
, exige-se que devam “ser testados
intersubjetivamente através da submissão ao teste experimental dos enunciados
deles logicamente deduzidos”.
16
Para Popper, a adoção de uma teoria não é devida a uma redução lógica da
teoria à experiência, pois nenhuma teoria pode ser verificada, no sentido empirista
do termo, nem mesmo no futuro, pois ninguém poderia viver tanto para
inventariar todos os casos que são pertinentes a uma lei universal válida para tudo
e para sempre, sem restrição espaço-temporal. Nenhum número de casos positivos
ou de proposições singulares julgadas verdadeiras é tão grande que permita julgar,
por indução, a veracidade de uma lei. Entretanto, bastaria um único caso negativo,
13
Idem, p. 35.
14
Idem, p. 42.
15
Idem, p.10.
16
Carlos Alberto Gomes dos Santos, Desenvolvimento do Conhecimento Científico: Progresso ou
Mudança?,Tese de Doutorado, PUC –RJ, 1993, p .29.
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22
uma única proposição singular julgada verdadeira que contradiga a lei presumida
para colocá-la em dúvida. Assim, uma outra tarefa primordial da comunidade
científica deveria consistir em estabelecer a verdade das proposições singulares,
capazes de falsear uma lei universal, dedutivamente, lembrando-se que não
falamos aqui em verdade no sentido empirista ou positivista.
Popper concordaria que uma outra tarefa importante da qual deveria se
incumbir a comunidade científica deveria ser a avaliação das discrepâncias entre
os falsificadores potenciais de uma lei e o real que a lei em questão pretende
explicar, pois o que esta comunidade precisa decidir é se a lei deve ser rejeitada
ou admitida, sem jamais ter certeza de que sua decisão, cedo ou tarde o seja
revogada. A comunidade científica tem a responsabilidade profissional de avaliar
a capacidade que uma teoria possui para resistir às tentativas de falsificação.
Além do apelo à falseabilidade, Popper mostra a possibilidade de a ciência
empírica ser definida pelo uso de regras metodológicas. Essas regras que diferem
das regras da Lógica, podem ser exemplificadas:
O jogo da ciência é, em princípio, interminável. Quem decida, um dia, que os
enunciados científicos não mais exigem prova, e podem ser vistos como
definitivamente verificados, retira-se do jogo. [...] Coloca-se, de início, uma regra
suprema, que serve como uma espécie de norma para decidir a propósito das
demais regras e que é, por isso, uma regra de tipo superior. É a regra que afirma
que as demais regras do processo científico devem ser elaboradas de maneira a
não proteger contra o falseamento qualquer enunciado científico.
17
Assim, a comunidade científica pode sempre decidir rejeitar uma hipótese
a partir de informações experimentais, o que torna, também, a avaliação crítica de
teorias que resistem a testes uma tarefa importante na prática científica. Mas, esta
tarefa não é tão simples quanto parece por vários motivos: a comunidade
científica não rejeita uma hipótese antes que reconheça a veracidade de um dos
seus “falseadores potenciais”; nunca trabalha sobre um único problema e sobre
uma única hipótese, está sempre envolvida com vários problemas e várias
hipóteses concorrentes pertencendo a teorias complexas (corroboradas ou ainda a
corroborar) que serviriam para resolver tais problemas; uma hipótese aceita é a
que sobreviveu à competição com as hipóteses que a precederam ou que lhe são
contemporâneas, é a que mais resistiu às tentativas de falsificação; uma hipótese é
julgada interessante não porque responda a um determinado problema, mas
17
Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica, p.56.
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23
porque responde melhor a determinado problema, porque é mais falseável que as
outras hipóteses ou ainda porque parece melhorar os conhecimentos já
conquistados.
Assim, rejeitar uma hipótese é realmente uma tarefa complicada, na
medida em que ela se daria como conseqüência da prática científica de formular
hipóteses (as mais improváveis, as mais falseáveis, as que mais se arriscariam em
serem suplantadas na competição) e de, sobretudo, submeter todas as hipótese ao
crivo dos testes mais severos. Pode-se concluir que para Popper, a formulação de
hipóteses e a submissão destas hipóteses aos mais severos testes são condições
indispensáveis para o progresso das ciências e, as prescrições metodológicas que
adota são regras para garantir que essas ciências continuem a progredir.
Popper afirma que graças à introdução da idéia de falseamento e
corroboração, e do estatuto convencional dos enunciados de base, “é possível
evitar o emprego dos conceitos “verdadeiro” e “falso” na lógica da ciência”.
18
De
uma teoria falseada, é suficiente dizer que ela está em contradição com certo
conjunto de enunciados de base aceitos, e de uma teoria corroborada não se
poderá dizer que ela é verdadeira e sim que é corroborada com respeito a algum
sistema de enunciados básicos, num determinado momento. A corroboração que
uma teoria recebeu até ontem não é logicamente igual à “corroboração que uma
teoria recebe hoje”.
19
Mas Popper assegura que pode utilizar o conceito de
verdade em seus trabalhos sem perigo de contradição, pois recorre à teoria
semântica da verdade de Alfred Tarski. Refere-se, em suas palavras,
[...] à idéia de que a verdade é correspondência com os fatos (ou com a realidade).
Que poderemos, entretanto, querer dizer se afirmamos, de um enunciado, que ele
corresponde aos fatos (ou à realidade)? Uma vez que nos demos conta de que
essa correspondência não pode referir-se a similaridade estrutural, parece tornar-
se impossível a tarefa de elucidar a correspondência. [...] Tarski (com respeito às
linguagens formalizadas) resolveu esse problema aparentemente insolúvel,
recorrendo a certa metalinguagem semântica, reduzindo a idéia de
correspondência à de “satisfatoriedade” ou de “preenchimento”.
20
18
Idem, p. 300.
19
Idem, p. 302.
20
Idem, p. 300 nota *1.
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24
Popper justifica a utilização do conceito, considerando que a idéia de
verdade nos permite falar de maneira sensata sobre os erros e a crítica racional”.
21
Mas, ainda que considere a ciência como busca da verdade, explica que:
[...] a mera verdade não basta, [...] queremos verdades novas, [...] procuramos a
verdade com alto grau de capacidade explicativa, [...] no sentido de logicamente
improvável, [...] a verdade não é o único objetivo da ciência.
22
Assim, na tentativa de superar os problemas pelo uso do conceito de
verdade, Popper recorre à idéia de “grau de correspondência com a verdade” e
utiliza uma combinação das idéias de verdade e conteúdo numa única noção, o
conceito de “(graus) de verossimilhança”
23
. Neste sentido, a superioridade de
uma teoria sobre outra pode ser expressa em termos de aproximação com a
verdade, de comparação entre graus de verossimilhança entre diferentes teorias.
Popper faz questão de ressaltar a diferença entre verossimilhança e probabilidade
que ambas têm sido motivo de muita confusão na medida em que
24
se
relacionam com a idéia de verdade. Diz Popper: “a primeira, a probabilidade
lógica, representa a noção de aproximação de certeza lógica, ou verdade
tautológica, por meio da diminuição gradual do conteúdo informativo”
25
; a
segunda, “representa a idéia de aproximação da verdade compreensiva. Combina,
portanto, a verdade com o conteúdo, enquanto a probabilidade combina a verdade
com a falta de conteúdo”.
26
A verdade, “aquela com V” maiúsculo, que
podemos escrever da forma ordinária sem problemas de consciência”
27
é uma
idéia importante, na medida em que, como explica Popper: “permite exprimir [...]
em relação ao real, a concepção intuitiva segundo a qual uma teoria é melhor que
outra”
28
, na prática, esta idéia seria determinada qualitativamente, não
numericamente. O que interessa ao autor é a aproximação com a verdade, a
maximização da potência explicativa, o aumento do grau de falseabilidade e o
aumento do grau de verossimilhança de nossas teorias para descrever o
crescimento do conhecimento em termos de verdade.
21
Karl Popper, Conjecturas e Refutações, p. 255.
22
Idem, p. 255.
23
Idem, p. 258.
24
Idem, p. 263.
25
Idem, p.263.
26
Idem, p. 263.
27
Idem, p. 257.
28
Renée Bouveresse, Karl Popper ou Le Rationalisme Critique, p. 79.
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25
Popper assevera que não é só por refutações que o conhecimento científico
progride, mas também por meio de êxitos positivos: “todas as grandes teorias da
ciência significaram uma nova conquista do desconhecido, a previsão de algo
nunca antes imaginado.”
29
Isso quer dizer que, por um lado, a teoria deve
fornecer novas previsões, “especialmente de novos efeitos, conseqüências novas e
testáveis sugeridas pela teoria e nunca antes imaginadas”
30
, e por outro lado que a
teoria não seja refutada muito cedo. A ciência precisa tanto do sucesso das teorias
quanto das refutações para não perder seu caráter científico, pois uma seqüência
ininterrupta de teorias refutadas nos deixaria confusos e desesperançados”
31
,
que não estaríamos nos aproximando da verdade. Neste sentido, afirma Popper:
“sustento que neste caso, diríamos estar produzindo uma seqüência de teorias que,
a despeito do seu crescente grau de testabilidade, poderiam de fato ser ad hoc”.
32
Com isso Popper reconhece a necessidade do pesquisador em defender suas
teorias, ainda que seu principal objetivo seja o de testá-las rigorosamente. E mais,
assegura que a racionalidade refutacionista consiste na atitude crítica de buscar
teorias (ainda que falíveis) que permitam progredir superando as teorias
antecessoras, ou seja, avaliadas com maior severidade e conseguindo resistir a
alguns dos testes a que foi exposta. A racionalidade refutacionista se expressa
também, no fato de que podemos preferir uma teoria porque é melhor que suas
antecessoras, “porque podemos sujeitá-la a testes mais rigorosos – testes que
talvez o consigam refutá-la, se tivermos sorte. Enfim porque pode levar-nos a
chegar mais perto da verdade”.
33
A partir do desenvolvimento de uma abordagem evolucionista onde “o
darwinismo representa um tipo de modelo para a teoria do crescimento da
ciência”
34
, Popper pretende esclarecer algumas questões relevantes. Este ponto de
vista explicaria tanto a continuidade quanto a descontinuidade entre o
conhecimento animal e humano, considerando que todo ser vivo aprende por
ensaio e erro e que a vida evolui por mutação e seleção. Diferentemente do
animal, o homem pode, usando o método crítico, submeter seus erros à pesquisa e
refutar suas próprias hipóteses, o animal, diante de uma situação de fracasso
29
Karl Popper, Conjecturas e Refutações, p. 269.
30
Idem, p. 269.
31
Idem, p. 269.
32
Idem, p. 269.
33
Idem,p. 274.
34
Renée Bouveresse, Karl Popper ou Le Rationalisme Critique, p.136.
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26
coloca sua vida em risco. Assim, quando afirma que a linguagem é o primeiro e o
mais perfeito produto humano, permitindo o desenvolvimento da humanidade e da
razão e que o desenvolvimento das funções superiores da linguagem, com a
emergência de uma linguagem descritiva e argumentativa, está na origem da nossa
capacidade de discussão crítica da ciência, Popper conclui que o progresso da
ciência nada mais seria do que o resultado do processo da eliminação de erros.
Podemos dizer então que a ciência progrediria não havendo nada que a
pudesse impedir? Não, Popper relaciona algumas forças externas à ciência que
ameaçam este progresso: psicológicas (falta de imaginação teórica),
metodológicas (o excesso de importância na precisão e na formalização); sociais
(a ciência necessita de condições econômicas favoráveis); culturais (modas,
espírito sectário, excesso de especialização, submissão excessiva a imperativos
tecnológicos podem ameaçar o espírito crítico e enfraquecer o rigor); políticas (o
autoritarismo).
Sem dúvida, temos no falseacionismo, uma metodologia onde se percebe
aspectos mais humanos, liberais e flexíveis do que nas metodologias inspiradas
nas idéias do Círculo de Viena, pois ela tenta levar em conta características
verdadeiramente antropológicas de um conhecimento que não é fundamentado
nos dados, mas que evolui e deles se aproxima.
35
Percebe-se também na obra de Popper, um pano de fundo ideológico, uma
forte presença das teses liberais, geradas pela sua divergência das idéias
defendidas por nazistas, fascistas e marxistas. Contra esses, defende uma
democracia parlamentar, uma “sociedade aberta”. Aberta à livre discussão, à livre
concorrência de opiniões, à divergência de pontos de vista como garantia do
progresso da humanidade e conseqüentemente da ciência como produção humana.
Ao contrário do que pensam alguns autores, como Hannah Arendt, para quem o
fenômeno do totalitarismo nasce com a modernidade, Popper acredita que ele já se
instaura ancestralmente nas sociedades fechadas, do mito, das crenças mágicas e
tabus. O progresso da humanidade se faria então pelo embate permanente entre o
pensamento totalitário e aquele que pressupõe uma sociedade aberta, onde
vigoraria a liberdade de opinião que caracteriza e é necessária ao julgamento
crítico.
35
Jean – Claude Schotte, La Science des Philosophes, p. 82.
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27
Podemos dizer que as concepções popperianas, tanto éticas-políticas
quanto epistemológicas estão o estreitamente ligadas que nos parecem
indispensáveis para o entendimento do conjunto de sua filosofia e daquilo que está
no cerne dessa filosofia normativa: o racionalismo crítico. Racionalismo, pois a
razão tem um papel determinante como princípio de unidade; crítico, pois
somente com a detecção e a conseqüente eliminação do erro é que se torna
possível o desenvolvimento do conhecimento.
As bases desse racionalismo não nos parecem se assentar apenas numa
escolha lógico-epistemológica, mas também tem um fundamento moral.
Chegamos mesmo a entender que não seria difícil estabelecer sua filosofia ética-
política como extensão da sua filosofia da ciência, ou vice-versa, visto que, nas
palavras do autor:
[...] um paralelismo entre esta maneira de considerar o problema ético e a
metodologia científica [...]. A expressão que reivindicamos sob uma forma
negativa: redução do sofrimento no lugar do crescimento da felicidade simplifica
tanto as coisas quanto considerar que a tarefa da metodologia científica é a de
eliminar as teorias errôneas e não a de estabelecer a verdade.
36
É lícito então afirmar que a tematização do método científico introduzida
por Popper é solidária a uma imagem da ciência que foi se consolidando desde o
século XVIII e que tende a identificar a cientificidade com a racionalidade - a
idéia generalizada de que em ciência se procura uma adequação entre o intelecto e
as coisas (conceito de verdade). Popper o supera essa idéia da teoria clássica da
ciência. O seu falsificacionismo é como um espaço de transição entre uma visão
clássica e uma nova visão de ciência, um dos últimos expoentes de uma
concepção de ciência regulada pelo conceito de verdade.
Esta concepção e a conseqüente distinção entre o grau de certeza das
"ciências naturais e exatas" e a subjetividade das "ciências humanas e sociais"
adotadas por Popper, foram postas em questão pela introdução da noção de
“paradigma” (em se tratando da epistemologia) e do conceito de revolução
científica (em se tratando da história das ciências). Isto se deve à obra de T. S.
Kuhn, “A Estrutura das Revoluções Científicas”, que não desautoriza, mas abala
definitivamente as concepções popperianas.
36
Popper, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, p.240, vol.II: Hegel e Marx, Paris, Seuil, apud. in
Cahier D’Epistemologie (De l’epistemologie au politique: l’unité de la pensée de Karl Popper),
n
o
9807, Université du Québec á Montréal, Canadá.
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28
4.2
Thomas Kuhn
Progresso Irracional
Na “Lógica da Descoberta ou Psicologia da Pesquisa?”
37
, Thomas Kuhn
afirma que o foco principal de sua pesquisa em ciência é mais dirigido ao
“processo dinâmico pelo qual se adquire o conhecimento científico”
38
e menos à
estrutura lógica dos processos da pesquisa científica. A partir desta perspectiva,
opta por buscar na história os eventos e as idéias que permeiam aquilo que
entende por vida científica real. É uma tentativa de compreender a ciência sem
deixar de levar em consideração sua historicidade, principalmente nos momentos
de ruptura que a história da ciência oferece. Essas rupturas ou revoluções
científicas não são compreendidas como acréscimos cumulativos de
conhecimentos a partir de conhecimentos já adquiridos e não se sustentam sobre
uma base empírica inalterável, como queriam os positivistas. Ao contrário, ocorre
um processo onde uma teoria é rejeitada e substituída por uma nova teoria
incompatível com a anterior. Thomas Kuhn opõe-se também ao positivismo em
relação a qualquer tentativa de estabelecer uma linguagem observacional neutra
que descreva a observação que enfatiza o embricamento íntimo e inevitável da
observação com a teoria científica. Defende a tese de que nenhuma teoria é uma
pura descrição dos fatos, que as incongruências entre teoria e experiência são
inevitáveis, e, em conseqüência, no domínio da experiência, anomalias existem
sempre em relação às hipóteses teóricas.
Kuhn reconhece que tem concordâncias importantes com Karl Popper,
como a oposição de ambos ao neopositivismo e a preocupação com o
desenvolvimento e o futuro da ciência, chegando mesmo a afirmar que “em quase
todas as ocasiões em que nos voltamos explicitamente para os mesmos problemas,
37
Thomas Kuhn, Lógica da Descoberta ou Psicologia da Pesquisa? in A Crítica e o
Desenvolvimento do Conhecimento, Lakatos, Imre e Musgrave Alann, p. 6.
38
Idem, p. 6.
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29
nossas opiniões sobre ciência são quase idênticas”.
39
Entretanto esta afirmativa
nos parece irônica que há muitas dissensões entre os dois, dissensões radicais e
irreconciliáveis.
Kuhn se coloca radicalmente contra a idéia popperiana de que a atividade
científica é motivada por uma atitude crítica (no caso, falseacionista): os cientistas
não são profissionais cuja prática é passar o tempo tentando falsear hipóteses com
o objetivo de fazer a ciência avançar por rupturas produzidas pela crítica de uma
teoria à outra. A atitude “crítico-falseacionista” não é a característica do cotidiano
da pesquisa, ou como diz Kuhn, não é a característica da “ciência normal” ou da
ciência baseada em paradigma
40
. O que os pesquisadores fazem no seu trabalho
cotidiano é, segundo Kuhn, testar sua própria engenhosidade experimental, seu
poder de articulação teórico e sua capacidade de concretizar idéias gerais para
relacioná-las com os fatos. No trabalho dos cientistas é colocada à prova sua
capacidade de executar o tipo de pesquisa que sua comunidade aceita como
suscetível de ser realizada dentro de determinadas circunstâncias. No período de
ciência normal, o cientista não põe em risco suas referências teóricas, ao contrário,
o que faz é tentar reduzir a discordância entre os fatos e aquilo que ainda não é,
mas que ele precisa transformar em uma teoria sistemática, desenvolvendo-a tanto
em extensão quanto em compreensão. Assim, o cientista, durante este período,
não descarta teorias, mas desenvolve técnicas experimentais a fim de examinar
com máxima precisão fatos considerados significativos, clarificando conceitos
importantes, reformulando-os, e também articulando hipóteses ainda dispersas.
Em oposição ao espírito revolucionário e aventureiro (uma visão estereotipada
segundo Kuhn), o pesquisador, durante o período de ciência normal, partilha da
convicção dogmática de que aquela teoria que está sistematizando e que vai
explorar é correta, e assim o tenta repensar seu campo de investigação, não
procura fazer descobertas experimentais inusitadas, não quer encontrar problemas
que possam provocar uma crise em toda comunidade científica ou em parte dela.
O que faz é resolver “quebra-cabeças” (problemas) que possam solidificar a
pesquisa em curso.
39
Idem, p. 7.
40
Por paradigma deve-se entender, matriz disciplinar, um modelo, uma visão de mundo” ou
mesmo um conjunto de realizações científicas passadas, sucessos científicos exemplares.
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30
Com o termo “quebra-cabeça” Kuhn quer designar uma categoria de
problemas ou anomalias que surgem na aplicação do paradigma, mas que
testariam apenas a habilidade dos cientistas em resolvê-los. Este tipo de problema
não é qualificado como bom ou mau em função do seu resultado ser mais ou
menos importante para a pesquisa, mas como afirma o autor: “o valor intrínseco
não é critério para o “quebra-cabeça”, a certeza de que este tem uma resposta
pode ser considerado como tal”.
41
O critério que a comunidade usa para a escolha
de problemas é fornecido pelo paradigma: os problemas são aceitos quando
dotados de solução possível e rejeitados quando considerados metafísicos ou
demasiadamente complicados para merecerem que os cientistas desperdicem seu
tempo com eles. Essa é uma das causas por que a ciência normal progride
exponencialmente. Entretanto a certeza da solução não é suficiente para garantir a
classificação de um problema como “quebra-cabeça”; tão importante quanto ter
solução, o quebra-cabeças” deve obedecer a um conjunto de “regras que limitam
a natureza das soluções aceitáveis e os passos necessários para obtê-las”
42
, por
exemplo, os resultados experimentais devem ser correlacionados inequivocamente
com a teoria, caso contrário não se considera o problema resolvido.
O cientista, no período de ciência normal, trabalha amparado por um
paradigma, acumulando e aumentando conhecimento, mas sem abandoná-lo.
Mesmo porque o objetivo da ciência normal não consiste em descobrir novidades
substantivas de importância capital
43
e “até mesmo o projeto cujo objetivo é a
articulação de um paradigma não visa produzir uma novidade inesperada”.
44
Pode acontecer que um cientista fracasse em resolver um “quebra-cabeça”.
Se outros também fracassam tentando solucioná-lo, aparentemente o se está
mais diante de um problema de competência individual. Se a dificuldade resiste
também ao tempo, ao talento dos cientistas ou aos recursos a ela dedicados, pode-
se estar em presença de um “quebra–cabeça” que pode passar a ser percebido
como um contra-exemplo (anomalia). O fracasso pessoal do cientista passa a ser
um fracasso de toda comunidade que, não sem resistir, acaba acedendo que uma
convicção fundamental foi abalada, que algo de novo aconteceu; algo que o
tinha sido previsto rompeu com a estabilidade do trabalho do cientista. O
41
Thomas Kuhn, Estrutura das revoluções Científicas, p. 60.
42
Idem, p. 61
43
Idem, p. 58.
44
Idem, p.58
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31
desapontamento e a falta de esperanças levam a comunidade a reconhecer que as
expectativas paradigmáticas que governavam a pesquisa foram subvertidas.
Entretanto, este sentimento de derrota é, ao mesmo tempo, construtivo e
destrutivo. A obstinação dogmática, a paciência e a confiança dão lugar à dúvida
crítica e a especulação passional e, até mesmo a especulação metafísica. Passam a
proliferar teorias alternativas, surgem “questões de ordem” fundamentais, fatos
que eram significativos são agora banalidades, sucessos antes paradigmáticos a
ninguém mais inspiram, a multiplicação de ajustamentos ad hoc é motivo de
muito desconforto, passa-se a pesquisar ambigüidades que até então tinham estado
sem solução ou que tinham sido afastadas, disciplinas até então ignoradas passam
a ser descobertas, fazem-se reformas teóricas drásticas e a renovação da
aparelhagem técnica. Em suma, é um momento de crise, o fim da pesquisa
normal. A ciência precisará de um novo paradigma e, em geral, vários candidatos
se apresentam até que se efetive a mudança e se consolide a revolução.
Precisamos chamar atenção aqui para o fato de que, durante o período (de
ciência extraordinária denominação de Kuhn) instável em que a comunidade de
pensadores luta pelo estabelecimento de um novo paradigma, as epistemologias
kuhniana e popperiana compartilham dois aspectos importantes: existência de
situações críticas na pesquisa e ainda a importância das refutações experimentais
de deduções ou predições a partir de uma teoria quando ocorrem mudanças.
Entretanto, Kuhn constata, ao contrário de Popper, que uma nova teoria poderia
falar de eventos e conceitos dos quais nenhuma teoria tenha, ainda, se referido, de
tal maneira que ela não contradiria a teoria substituída, mas instalaria um novo
saber no lugar da anterior ignorância.
[...] uma nova teoria não precisa entrar necessariamente em conflito com qualquer
das suas predecessoras. Pode tratar exclusivamente de fenômenos antes
desconhecidos, como a teoria quântica, que examina fenômenos subatômicos
desconhecidos até o século XX.
45
Kuhn também ressalta que revoluções científicas aconteceram sem que as
teorias que foram abandonadas tenham sido refutadas por testes rigorosos; “em
45
Kuhn, Thomas, A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 129.
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32
algumas ocasiões, pelo menos, os testes não são imprescindíveis às revoluções
através das quais progride a ciência”.
46
Ele recusa completamente a idéia de que uma mudança de paradigma e,
portanto uma escolha entre diversos paradigmas concorrentes, possa ser dada por
terminada sem que haja ambigüidades, exclusivamente em função de argumentos
lógicos ou empíricos.
47
Em oposição a Popper, Kuhn não concorda que uma revolução científica
seja apenas a escolha de uma teoria após a avaliação comparativa entre distintas
teorias, escolha esta determinada por um grau de falseabilidade maior ou menor,
logicamente determinável e por uma maior ou menor aptidão, empiricamente
determinável, em resistir às tentativas de falsificação. Para se comparar, pela
lógica, o grau de falseabilidade das teorias concorrentes, seria preciso, no entender
de Kuhn, que cada uma das teorias estivesse: em primeiro lugar, inteiramente
articulada para que pudesse exprimir todas as suas conseqüências possíveis, e em
segundo lugar, que os termos pelos quais cada uma das teorias é colocada em
relação à natureza fossem suficientemente definidos para determinar cada uma de
suas aplicações possíveis. Ao contrário disso, na prática nenhuma teoria
científica satisfaz a essas exigências”
48
e, em conseqüência, é impossível para o
cientista “determinar antecipadamente se cada caso imaginável se ajustará à sua
teoria ou a falseará”.
49
É certo que se pode decidir à luz de uma prova experimental se as
conclusões que se tira de uma teoria são verdadeiras ou falsas, se essas conclusões
correspondem às expectativas induzidas pela teoria, que, de uma alguma
maneira, a própria teoria constrói a visão que temos do universo. Mas, no que diz
respeito à confrontação (adequação) de teorias em relação à natureza, seria
necessário uma linguagem observacional neutra que descrevesse esta natureza. E,
como não existe tal linguagem (tese que Popper compartilha), a comparação do
sucesso empírico efetivo das teorias não pode jamais ser critério definitivo na
escolha de uma teoria e na eliminação de outras.
46
Kuhn, Thomas, Lógica da Descoberta ou Psicologia da Pesquisa? in A Crítica e o
Desenvolvimento do Conhecimento, Lakatos, Imre e Musgrave Alann, p. 16.
47
Kuhn, Thomas, A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 128.
48
Kuhn, Thomas, Lógica da Descoberta ou Psicologia da Pesquisa? in A Crítica e o
Desenvolvimento do Conhecimento, Lakatos, Imre e Musgrave Alann, p. 23.
49
Idem, p. 27.
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33
Ainda que se tenham teorias inteiramente formalizadas das quais as
aplicações possíveis sejam previstas e, ainda que se disponha de uma linguagem
observacional neutra, universalmente partilhada, sempre será possível distinguir
se um “quebra–cabeça” é uma anomalia que irá ser resolvida sem grandes
alterações teóricas ou, ao contrário, se é realmente um contra-exemplo para esta
teoria? A resposta de Kuhn é não. Ainda que os cientistas usem um critério como
a falseabilidade popperiana, devem tomar uma decisão em relação àquelas
dificuldades que perdurem e que deixam de ser simples “quebra-cabeça”. Como
afirma Kuhn, os cientistas têm sempre a possibilidade de colocar em causa a
precisão e a pertinência de uma prova experimental, ou o talento individual do
experimentador, ou de denunciar a falta temporária de aparelhos eficazes; nada os
torna capazes de decretar antecipadamente se as hipóteses suplementares ou ad
hoc”, que algum cientista introduz para preservar os fundamentos teóricos de suas
investigações, modificarão (ou não) o sentido da teoria que a comunidade
científica adota e defende.
50
O que Thomas Kuhn quer afirmar é que a
testabilidade de uma teoria é algo diferente de seu teste efetivo, e a “a fortiori”
diferente do teste comparativo entre diversas teorias concorrentes.
Popper, como vimos no capítulo anterior, afirma que “não podem existir
enunciados definitivos em ciência”
51
, que mesmo os menos universais ou os mais
descritivos não têm fundamento nos dados da experiência, ou seja, que toda
proposição, mesmo as particulares, guardam elementos teóricos, que não existe
uma linguagem puramente observacional e que em conseqüência os enunciados de
base que devem permitir manter ou rejeitar uma teoria não podem ser confundidos
com as proposições atômicas dos neo-positivistas e que uma das tarefas principais
da comunidade científica é avaliar as discrepâncias entre os falseadores
potenciais
52
de uma lei e o real que a lei em questão supostamente explica. Assim,
para decidir (mas sem garantia que esteja certa) se a lei deve ser rejeitada ou
admitida Popper coloca em evidência o caráter intersubjetivo da pesquisa.
Entretanto, afirma Kuhn, Popper não explica como esta comunidade faz
concretamente para avaliar e até mesmo suprimir estas discrepâncias. Para
resolver esta dívida” popperiana, Kuhn introduz o conceito de paradigma
50
Idem, p. 20-23.
51
Karl Popper, Lógica da Pesquisa Científica, p.49.
52
Idem, p.90. Enunciados básicos com os quais a teoria é incompatível.
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34
também com o sentido de “sucessos científicos exemplares”. Os paradigmas
criam uma unanimidade profissional que mobiliza os pesquisadores na direção de
produzir soluções, delimita o campo de investigação e, sobretudo avalia e suprime
a discrepância entre teoria e natureza. O paradigma é analisado em todas as suas
dimensões (cognitiva, normativa, técnica, afetiva, etc.), avalia-se também como o
paradigma colapsa e como dá lugar a um novo, em outras palavras, como acontece
a manutenção ou a transformação das comunidades científicas.
Mesmo que Kuhn não tenha apresentado “uma crítica ou uma metodologia
das ciências, mas sim estudos historiográficos, uma sociologia e uma psicologia
das práticas científicas”
53
, suas idéias alteraram de maneira definitiva a visão que
se tinha da própria ciência e, em particular, dos cientistas. Por exemplo, para
Kuhn, a idéia do cientista como alguém de espírito arrojado não é adequada, pois
o que deve caracterizar a atitude do cientista, na maior parte do tempo, é a
obstinação. Diz Kuhn:
[...] a transferência de adesão de um paradigma a outro é uma experiência de
conversão que não pode ser forçada. A resistência de toda uma vida,
especialmente por parte daqueles cujas carreiras produtivas comprometeram-nos
com uma tradição mais antiga da ciência normal, não é uma violação dos padrões
científicos, mas um índice da própria natureza da pesquisa científica. A fonte
dessa resistência é a certeza de que o paradigma antigo acabará resolvendo todos
os seus problemas e de que a natureza pode ser enquadrada na estrutura
proporcionada pelo modelo paradigmático. Inevitavelmente em períodos de
revolução, tal certeza parece ser obstinação ou teimosia e em alguns casos chega
realmente a sê-lo. Mas é também algo mais. É essa mesma certeza que torna
possível a ciência normal ou solucionadora de quebra-cabeças. É somente através
da ciência normal que a comunidade profissional de cientistas obtém sucesso;
primeiro, explorando o alcance potencial e a precisão do velho paradigma e então
isolando a dificuldade cujo estudo permite a emergência de um novo
paradigma.
54
A idéia por trás das palavras de Kuhn é a de que mesmo a pesquisa
destinada a revolucionar o saber se desenvolve e é possível com a condição de
que os indivíduos agrupados em uma comunidade científica o adotem uma
atitude crítica: não é possível o racionalismo crítico. Também não se pode afirmar
que uma prática científica seja racional ou não, e nenhuma inovação científica
pode ser considerada um acontecimento isolado que o paradigma pressupõe a
53
Jean- Claude Schotte, La Science dês Philosophes, p.123.
54
Kuhn, Thomas, A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 191-192.
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35
aceitação tácita de uma extensa base de conhecimentos. E mais, os riscos da
pesquisa devem ser divididos entre os membros da comunidade científica, pois
nenhuma pesquisa chegaria a lugar nenhum se os membros desta comunidade
expusessem seus valores, a todo o momento, a uma crítica radical.
A ocorrência (rara e crítica) da substituição de um paradigma por outro
pode desencadear todo tipo de situações que não são mais da ordem do
pensamento legislador, da coerência lógica ou da prova experimental: a
racionalidade da comunidade é alterada, motivos estéticos podem ser levados em
consideração, um sentimento de crise e de fraqueza ou uma necessidade quase
afetiva de mudança provoca entusiasmo pela potência heurística das novas idéias,
todo tipo de idiossincrasia de ordem biográfica ou o uso de técnicas de persuasão
podem acontecer. Tudo isso mostra, em primeiro lugar, que os cientistas não
participam da comunidade científica apenas formulando leis, desenvolvendo
teorias “axiomatizadas” para comparar seus graus de falseabilidade, imaginando e
aplicando provas experimentais com o objetivo de aceitar ou rejeitar estas teorias;
em segundo lugar, mostram o caráter radical das rupturas quando da mudança de
paradigma.
Entretanto, a compatibilidade lógica de uma antiga com uma nova teoria é
possível. Rara, de fato improvável em princípio
55
, afirma Thomas Kuhn: “uma
teoria de um nível superior pode integrar teorias de níveis inferiores, relações de
inclusão lógica podem ser instauradas entre o antigo e o novo saber”.
56
Estaria o autor falando, neste caso, de acumulação de conhecimento? Não,
Kuhn afirma que se pode falar em acumulação de conhecimento no período de
ciência normal, não no caso de uma revolução, pois aqui temos a seguinte
situação:
[...] novas teorias são chamadas para resolver as anomalias presentes na relação
entre uma teoria existente e a natureza, então a nova teoria bem sucedida deve,
em algum ponto, permitir predições diferentes daquelas derivadas de sua
predecessora. Essa diferença não poderia ocorrer se as duas teorias fossem
logicamente compatíveis. No processo de sua assimilação, a nova teoria deve
ocupar o lugar da anterior.
57
55
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 130.
56
Idem, p. 129.
57
Idem, p. 131-132.
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36
A aquisição de novidades não esperadas é uma exceção, muito raramente
acontece e, em princípio, é também improvável. Ainda que se possa conceber, sob
o plano lógico, uma relação (por exemplo, a inclusão) entre duas teorias
científicas sucessivas, existe uma improbabilidade sob o ponto de vista
histórico.
58
Precisamos então entender, com mais clareza, o que é a substituição de
uma teoria antiga por uma nova, em que esta nova teoria é diferente, ou mais
globalmente, em que o novo paradigma representa uma ruptura com o antigo
paradigma. Kuhn explica que existem diferenças entre os paradigmas e elas são de
ordem substancial e de ordem não substancial. Em relação às primeiras diz que os
objetos do universo são outros e se comportam de outra maneira, e em relação às
segundas afirma que velhos problemas são relegados para outras disciplinas, ou
julgados não científicos, questões que não existiam ou eram dadas como triviais
se tornam arquetípicas. Na medida em que as questões colocadas não são mais as
mesmas e não se referem aos mesmos objetos, mudam também os critérios que
distinguem uma solução realmente científica de uma especulação metafísica, de
um mero jogo de palavras ou matemático. De um paradigma para outro, uma nova
visão do mundo se instala: a percepção deve ser reeducada, é preciso reaprender a
pensar a natureza usando uma nova linguagem que não se pode adquirir sem
deixar intacta a antiga linguagem, novos exemplo devem ser apresentados e novas
similaridades e diferenças entre os fatos devem ser percebidas.
Kuhn é acusado de pretender que a história da ciência seja irracional, que o
relativismo histórico domine a história das ciências e se a ciência se processar
como afirma Kuhn, nenhuma comparação (e consequentemente nenhuma
avaliação comparativa) possa ser efetivada de uma época histórica para outra. Não
concordamos. Se fosse assim a idéia de progresso da ciência não seria um tema
importante em sua obra. Kuhn, não faz apologia ao irracionalismo, não sugere ao
pesquisador que abandone a prática de um pensamento que o leve a formular leis,
regras e princípios, a abandonar a coerência lógica ou mesmo a idéia de se fazer a
prova experimental das hipóteses. Por que a mudança de um paradigma não pode
ser feita a partir de um único ponto de vista lógico ou de um único ponto de vista
empírico, o significa que a lógica ou a experiência não exerçam nenhum papel
58
Idem p. 132.
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37
efetivo nesta mudança. Mais ainda, não significa que a lógica ou a experiência não
participem essencialmente no aparecimento de uma crise, não atuem durante a
revolução ou na confirmação do novo paradigma. Entretanto, deve-se entender
que os cientistas afirmam ou negam suas próprias teorias ou as teorias de seus
pares por acharem que têm boas razões, mas em muitos casos, essas boas razões
nem sempre são baseadas na lógica ou na prova.
Precisamos ressaltar que, pelo fato de ter reconhecido que a atividade
científica é, na realidade, a atividade de uma comunidade científica, não implica
que a decisão de aceitar ou rejeitar teorias seja apenas uma questão de poder ou de
maioria numérica, ou seja, a busca (e a conseqüente existência) de um acordo
intersubjetivo não implica a dominação de um grupo por outro, dentro da
comunidade. Não implica também que a comunidade dos cientistas possa se
colocar em um “plano superior” em relação aos outros grupos sociais.
Autônomas, formadas por profissionais ocupados com problemas cognitivos,
essas comunidades escolhem (orientadas pelo paradigma) num determinado
momento da sua história tratar de certas questões e ignorar outras. Comunidades
pesquisam a novidade não pela novidade, mas trabalham pelo progresso do saber
por intermédio das revoluções científicas.
O progresso Para Thomas Kuhn não é privilégio da “ciência normal”, ele
caracteriza também a história das ciências de um período para outro. Não é um
conhecimento cumulativo, não é um caminho em direção a uma verdade fixada
como objetivo. É antes, uma espécie de seleção darwiniana entre diversas formas
concorrentes de praticar a ciência, seleção de onde emerge a melhor forma de
praticar a ciência futura, a mais apta a resistir a uma realidade física que nunca é
dada. Darwiniana porque, como na Origem das Espécies, o progresso não
reconhece “nenhum objetivo posto de antemão por Deus ou pela natureza”
59
e
ainda porque, pelas palavras do autor:
O processo de desenvolvimento [...] é um processo de evolução a partir de um
início primitivo - processos cujos estágios sucessivos caracterizam-se por uma
compreensão sempre mais refinada e detalhada da natureza. Mas nada do que foi
ou será dito transforma-o num processo de evolução em direção a algo.
60
59
Idem, p.215.
60
Idem, p.213.
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38
Como diz Chalmers, “o progresso através de revoluções científicas é a
alternativa de Kuhn para o progresso cumulativo característico dos relatos
indutivistas da ciência”.
61
4.3
Lakatos
Progresso e Programas de Pesquisa
A proposta epistemológica de Imre Lakatos nasce da reflexão crítica
sobre a leitura de Popper e de Kuhn. Lakatos é um filósofo de orientação
popperiana que, percebendo a complexidade da problemática do avanço científico,
constrói sua epistemologia como uma tentativa de superar as objeções e aprimorar
o falseacionismo do mestre, e chega mesmo a afirmar: “quando propus minha
teoria do crescimento baseado na idéia de programas de pesquisa concorrentes,
“tentei melhorar a tradição popperiana”.
62
Realmente, Lakatos modificou e ampliou algumas teses de Popper,
principalmente aquelas que dizem respeito a dois aspectos importantes, a saber: o
critério de demarcação entre ciência e não ciência e o falseacionismo.
Na sua crítica ao critério popperiano de demarcação, Lakatos afirma que o
positivismo lógico (indutivo-probabístico) fornece, em escala contínua, desde
teorias de baixa probabilidade (pobres) até teorias de alta probabilidade. Esta
afirmação que vem da interpretação da teoria popperiana, quando mostra que uma
teoria para ser científica deve ter probabilidade zero, levou a que se concluísse
que uma teoria científica, além de não ser verificável”, é também improvável.
Como conseqüência, passa a ser necessário um critério de demarcação na medida
em que existe a possibilidade de que qualquer teoria possa ser improvável.
61
A.F.Chalmers, O que é Ciência Afinal? , p. 135.
62
Imre Lakatos, O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, in A
Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, p. 227.
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39
Popper, afirma Lakatos, separa as teorias na medida em que elas apresentam (no
caso das teorias científicas), de início, um falseador potencial (uma observação ou
uma experiência), caso contrário são pseudocientíficas. Lakatos sustenta que este
critério não resolve o problema da demarcação, pois Popper ignorou a obstinação
em relação às teorias científicas, ou seja, a idéia de que os cientistas não
abandonam uma teoria apenas porque algum teste a contradiz, mas inventam
hipóteses auxiliares que expliquem as anomalias ou ignorem-nas. Chega mesmo a
dizer que os relatos históricos sobre teorias destruídas por experiências “são
forjados muito depois das teorias terem sido abandonadas”.
63
Nas objeções ao falseacionismo popperiano, reprovando a falta de
realismo das reflexões filosóficas de Popper sobre as ciências, Lakatos afirma
que, contrariamente ao que supõe o modelo popperiano de resolução de problemas
por conjecturas e refutações, a história mostra que a experimentação visa mais
frequentemente a confirmação de uma hipótese do que a falsificação de um
enunciado.
Quando Lakatos defende sua “metodologia dos programas de investigação
científica que, em sua opinião, resolve alguns problemas que tanto Popper quanto
Kuhn não conseguiram solucionar”
64
, está se referindo às dificuldades que
detecta na “ingenuidade” do falseacionismo popperiano e na descrição das
revoluções científicas feita por Kuhn: a idéia de se reduzir as revoluções
científicas a conversões irracionais, coletivas e sob o poder da persuasão -
reconhecer a irracionalidade das revoluções científicas seria o mesmo que colocar
por terra a idéia de progresso da ciência.
Baseando sua metodologia na distinção entre progresso e decadência de
teorias, afirma que uma hipótese isolada não é suficiente para descrever uma
realização científica e a ciência não é apenas “ensaio e erro” ou “conjecturas e
refutações”, mas sim um “programa de investigação”. Lança mão de exemplos
históricos para constatar que a gravitação newtoniana, a relatividade de Einstein, a
mecânica quântica, o marxismo ou o freudismo, apesar de já terem apresentado,
num determinado momento de seu desenvolvimento, anomalias e problemas sem
solução, são programas de investigação”, pois a diferença entre um programa
63
Imre Lakatos, A História das Ciências e suas Reconstruções Racionais, p. 15.
64
Idem, p. 31.
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40
científico de um pseudocientífico não pode ser aquela de uns já terem sido
refutados e outros não.
Mas o que é um “programa de investigação científica”? Esta proposta
epistemológica está baseada na idéia de que nesta metodologia, como afirma
Lakatos:
[...] as grandes realizações científicas são programas de investigação que podem
avaliar-se em termos de alterações progressivas e degenerativas de problemas; e as
revoluções científicas consistem na substituição (ultrapassagem no progresso) de um
programa de investigação por outro. Esta metodologia oferece uma nova reconstrução
racional da ciência.
65
Um programa de pesquisa é um conjunto de teorias, portanto “a própria
ciência como um todo pode ser considerada um imenso programa de pesquisa
com a suprema regra heurística de Popper: arquitetar conjecturas que tenham
maior conteúdo empírico do que as predecessoras”.
66
Este programa deve possuir um núcleo duro” que o caracteriza e que é
aceito convencionalmente, ou como diz Lakatos, “irrefutável por decisão
metodológica dos seus protagonistas”
67
, constituído pelas proposições
fundamentais do programa. Possui também uma heurística negativa, ou seja, um
conjunto parcialmente articulado de sugestões, onde está estipulado que as
proposições fundamentais do programa não devem ser modificadas, que o núcleo
deve permanecer intacto durante o desenvolvimento do programa. Este núcleo
está protegido por um cinto protetor, formado por hipóteses auxiliares, condições
iniciais, proposições de observação; deve “suportar o impacto dos testes e ir se
ajustando e reajustando, ou mesmo ser completamente substituído, para defender
o núcleo assim fortalecido”.
68
Possui ainda uma heurística positiva que por se
constituir numa lista de problemas básicos ou numa cadeia de modelos simulando
a realidade, aponta os caminhos que devem ser percorridos para impedir que o
cientista se perca num mar de anomalias; mostra a possibilidade de se sofisticar o
sistema teórico e assim robustecer o cinturão protetor, bem como suplementar o
núcleo para que este possa explicar e prever fenômenos.
65
Idem, p. 16.
66
Imre Lakatos, O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, in A
Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, p. 162.
67
Idem, p. 165.
68
Idem, p. 163.
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41
Os programas de pesquisa, para serem programas de pesquisa científica,
devem possuir duas propriedades primordiais: 1) um grau de coerência que
permita estabelecer um outro programa para pesquisa futura (dado pela heurística
negativa); 2) a possibilidade de levar à descoberta de novos fenômenos (dada pela
heurística positiva).
Depois de explicar seu programa de pesquisa, Lakatos pode então
estabelecer a distinção entre programas de pesquisa, que ele classifica como
progressivos e degenerativos. Num programa progressivo a teoria conduz a
descoberta de novos fatos, as hipóteses acrescentadas abrem novos campos de
pesquisa e se supõe a existência de fatos desconhecidos que serão corroborados
pela experimentação. Num programa degenerativo as teorias são fabricadas
apenas para enquadrar fatos conhecidos”
69
e uma inaptidão absoluta para se
gerar hipóteses progressivas.
A base racional da escolha entre programas de investigações científicas
estaria no fato de que os cientistas, diante de dois programas rivais, um
progressivo e o outro degenerativo, escolhem o programa progressivo. Mas, essa
escolha não se faz por meio de uma crítica contundente. Como afirma Lakatos:
[...] não se faz por um golpe de misericórdia popperiano, por refutação. Mesmo em
face de um fracasso experimental em relação a outro sistema teórico, um programa
pode retomar a competição, basta que os pesquisadores tenham sucesso em
modificar a maneira de explicar o resultado de uma experiência. A crítica
importante é sempre construtiva: não há refutação sem uma teoria melhor.
70
Um programa de pesquisa pode ser abandonado por outro que explique
mais em detalhe o progresso do conhecimento. Ao contrário do que acreditava
Kuhn, a existência de programas de pesquisa concorrentes não é o indício de uma
crise. Para Lakatos as crises acontecem quando pesquisadores de um mesmo
programa transgridem a heurística negativa para resolver uma anomalia, quando
adotam hipóteses que vão de encontro ao núcleo do programa. E se acontece uma
revisão neste núcleo, ocorre uma revolução. A competição entre programas é um
incentivo ao progresso, incrementa as observações a serem explicadas forçando o
desenvolvimento dos sistemas teóricos, pois aqueles sistemas que o conseguem
interpretar as observações de um competidor podem ser abandonados. Daí
69
Imre Lakatos, História das Ciências e suas Reconstruções Racionais, p. 18.
70
Idem, p. 19.
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42
conclui-se que as revoluções científicas não podem ser súbitas como queria
Popper e muito menos irracionais como queria Kuhn. A história da ciência mostra
que programas de pesquisa podem levar muito tempo até se tornarem
empiricamente progressivos e, consequentemente, é a própria história que refuta
tanto Popper quanto Kuhn. No entender de Lakatos, tanto as experiências cruciais
popperianas quanto as revoluções kuhnianas não passam de mitos: “o que
geralmente acontece é que os programas de investigação progressivos substituem
os degenerativos”.
71
Voltamos aqui às críticas de Lakatos ao critério de demarcação popperiano
para ressaltar que esta crítica não chega ao ponto de negar a importância de tal
critério ou sua impossibilidade. Demarcar objetivamente a ciência de outras
formas de saber (das pseudociências e da metafísica principalmente) é, tanto para
Popper quanto para Lakatos, um dos problemas principais da epistemologia.
Lakatos justifica sua posição afirmando que:
[...] a teoria de Copérnico foi banida pela Igreja Católica em 1616, porque era tida
como pseudociência [...] e retirada do Index em 1820. O Comitê Central do Partido
Comunista Soviético, em 1949, declarou a genética mendeliana pseudocientífica e
assassinou Vavilov. Todos esses juízos se basearam inevitavelmente num qualquer
critério de demarcação. É por esse motivo que o problema da demarcação entre
ciência e não-ciência não é um mero problema de filosofia de salão: é de vital
relevância social e política.
72
Mas a metodologia popperiana que impõe regras gerais “a priori” e “a
autoridade de um decreto parlamentar imutável (estabelecida no seu critério de
demarcação)... para permitir a distinção entre boa e ciência”
73
se revelou
equivocada à luz dos veredictos dos cientistas. Para Lakatos, sua metodologia é
uma teoria sobre a racionalidade científica que serve como critério de
demarcação, como orientação para a atividade científica, como um código de
honestidade intelectual e, que serve também para explicar o progresso da ciência.
Podemos dizer que Lakatos tenta “depurar” as noções de Popper e Kuhn
com o auxílio da história as ciências. “Onde Kuhn paradigmas, também vejo
programas de pesquisa racionais”.
74
O núcleo duro de Lakatos corresponde às
71
Idem, p. 19.
72
Idem p. 11 e 20.
73
Imre Lakatos, História das Ciências e suas Reconstruções Racionais, p. 60.
74
Imre Lakatos, O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, in A
Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, p. 220.
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idéias metafísicas de Kuhn e Popper. Os programas de pesquisa também têm um
período de ciência normal orientado por uma heurística positiva que os permite
progredir por resolução de problemas teóricos e que justifica o abandono de
anomalias explicadas anteriormente. Onde Kuhn unanimidade disciplinar
Lakatos vê uma heurística.
A análise da história da ciência concebida por Lakatos, parte de uma
metodologia admitida para reconstruir racionalmente os episódios históricos
estudados, dividindo-os entre dois domínios: a história interna pode explicar como
um programa de pesquisa é abandonado ou pode explicar como o acréscimo de
uma hipótese progressiva abre um novo campo de pesquisa; aquilo que a
metodologia não pode explicar racionalmente pertence ao domínio da psicologia e
da sociologia, ou seja, da história externa - fatores sociais ou psicológicos podem
identificar o que motivou ou atrapalhou a pesquisa.
O progresso do conhecimento objetivo se explica pela racionalidade dos
cientistas, a história externa explica seus erros e não pode negar a racionalidade da
ciência. Fatos aparentemente irracionais, ou são erros explicáveis ou atos ainda
não explicados. Assim, quando Lakatos propõe (pela via das reconstruções
racionais) um método “histórico” para a apreciação de metodologias rivais, quer
que os filósofos aprendam com os historiadores e que os historiadores aprendam
com os filósofos que a “metodologia servirá de base à sua história interna”.
75
A
história revelaria que o progresso da ciência o apresenta uma estrutura
compatível com as posições filosóficas aprioristas (indutivistas e
falsificacionistas). Neste sentido podemos entender Lakatos quando escreve:
Não será insolência exigir que, suponhamos, se a ciência newtoniana ou
einsteiniana tiver como resultado a violação das regras a priori” do jogo de
Bacon, Carnap ou Popper, toda a ciência seja refeita de novo?
76
Assim, em Lakatos, o problema da avaliação do crescimento científico é
discutido tendo por base as “transferências progressivas e degenerativas de
problemas em séries de teorias científicas”
77
no interior de um programa de
75
Imre Lakatos, História das Ciências e suas Reconstruções Racionais, p. 61.
76
Idem, p. 60.
77
Imre Lakatos, O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, in A
Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, p. 162.
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44
pesquisa, já que a própria ciência, como já disse, Lakatos pode ser considerada
como um imenso programa de pesquisa.
4.4
Larry Laudan
Progresso e Solução de Problemas
Dada por superada a maioria das questões de cunho positivista na década
1970, os filósofos da ciência passam a dar ênfase à pesquisa histórico-sociológica
do processo de crescimento da ciência e da comunidade científica. Tanto quanto
Kuhn, Feyerabend e Lakatos, Laudan também pôde compreender a importância da
história, da psicologia e da sociologia na análise da ciência. A crítica que fazem
aos positivistas é no sentido de que estes buscaram, apenas, um esquema lógico
para o entendimento da natureza do conhecimento científico ignorando a história
da ciência. Laudan critica Kuhn e Feyerabend pelo irracionalismo que identifica
na obra desses autores, por o interpretarem corretamente a racionalidade e a
progressividade em ciência e por não apresentarem uma filosofia da ciência que
especificasse os objetivos da atividade científica e os meios efetivos para alcançá-
los.
78
Laudan quer repensar a racionalidade da ciência sem levar em conta
conceitos como confirmação e corroboração, mas também não quer cair no
relativismo khuniano nem no anarquismo feyerabendiano. No dizer de Laudan
78
Larry Laudan, Progress and its Problems, p. 58.
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45
[...] existem certas características muito gerais de uma teoria da racionalidade
científica, transtemporais e transculturais, que são aplicáveis tanto ao pensamento pré-
socrático, quanto ao desenvolvimento das idéias da idade média e até a mais recente
história da ciência.
79
Estas palavras de Laudan podem nos levar à conclusão de que há uma
pressuposição essencialista na sua concepção de ciência, mas não há. A partir de
sua proposta de um novo modelo (reticulado) de racionalidade, considera que a
avaliação epistêmica, como afirma este modelo, é sempre feita dentro de uma
rede, um amplo sistema de crenças factuais, metodológicas e valorativas, que
dependem umas das outras e podem sofrer mudanças ao longo do tempo. Desse
modo, pelo “reconhecimento do fato de que os valores e objetivos da ciência
mudam, em nada impede nosso uso de uma noção robusta de progresso científico
cognitivo"
80
. Laudan atribui ao desenvolvimento da ciência a racionalidade que
considera inerente a esse processo.
Para Laudan a ciência é antes de tudo uma atividade de resolução de
problemas (um ponto que Kuhn também salientou), e, progride quando as teorias
sucessivas resolvem mais problemas que as teorias anteriores, problemas estes
que não são apenas empíricos, mas também conceituais.
Laudan também defende a tese de que não se deve admitir um modelo de
racionalidade e de progressividade “a priori” ao estudo da história, pois não raras
vezes a história revela que episódios cuja racionalidade não era tão evidente, ou
que eram até mesmo que eram considerados irracionais, foram decisivos para a
tomada de decisão na escolha ou proposição de teorias. O que Laudan pretende é
questionar o conceito de racionalidade do falseacionismo e substituí-lo, mas não
quer fazer isso tendo que impor um esquema interpretativo da história que negue a
racionalidade na escolha de teorias caindo num relativismo radical, como fizeram
em sua opinião, Kuhn e Feyerabend. Poder, prestígio, persuasão ou propaganda
não podem decidir o conflito entre teorias. O relativismo não pode avaliar o
progresso da ciência e não é a única opção epistemológica para os que negam a
79
Larry Laudan, idem, p 130.
80
Larry Laudan, Science and Values, p. 65.
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solução positivista ou popperiana para o problema da racionalidade do
conhecimento científico.
Na tentativa de superar as dificuldades que no positivismo, no
falseacionismo e no relativismo, Laudan propõe um novo modelo de
racionalidade com base em outros pressupostos: acredita que uma investigação
que não priorize a natureza da ciência, mas sim o objetivo de suas práticas é o
primeiro passo na construção de um novo modelo de racionalidade mais rico e
capaz de propor uma epistemologia que supere as dificuldades não resolvidas
pelas anteriores. Nas palavras do próprio autor, o que pretende é: “virar a visão
atual de cabeça para baixo, fazendo a racionalidade parasitária da
progressividade”.
81
Laudan lança mão da história da ciência para entender como se deram as
mudanças do objetivo da prática científica: em Aristóteles o objetivo
preponderante é a demonstração da verdade a partir das causas primeiras; o
objetivo principal de Bacon é a interpretação da natureza; o objetivo da prática
científica em Descartes é conseguir chegar à certeza pelo uso metódico da razão.
No início do século XX, os positivistas lógicos investiram na significância dos
enunciados, com objetivo de construir uma ciência isenta de ambigüidades, os
empiristas na explicação e predição, Popper a ciência perseguindo o objetivo
de procurar a verdade. Kuhn e Lakatos colocam a ciência em relação de
dependência com os valores compartilhados pelos que seguem determinados
paradigmas ou programas de pesquisa. Laudan propõe uma visão do objetivo da
ciência e da sua prática apoiada na definição de ciência como uma atividade de
solucionar problemas, acreditando que, se pensarmos assim a ciência, teremos
uma perspectiva renovada em sua história, perspectiva que determinará a
racionalidade e o progresso das teorias.
Diferentemente da proposta de Lakatos que afirma o progresso científico
como uma projeção no tempo dos efeitos de uma série de escolhas individuais
racionais, ou seja, a definição do progresso a partir da racionalidade, Laudan
considera que a separação desses conceitos (progresso científico e racionalidade)
81
Larry Laudan, Progress and its Problems, p. 125.
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47
é problemática por estarem intimamente relacionados e propõe uma inversão: a
racionalidade definida em termos de progresso científico, o que significa em se
fazer a opção mais progressiva na escolha de teorias. Mas, como ocorre na prática
da ciência a avaliação de teorias? A proposta de Laudan é que a unidade de
análise não seja a teoria individual, mas sim uma tradição de pesquisa, ou seja, o
sistema de teorias interligadas e de crenças mais gerais (visões de mundo) e, que a
racionalidade e o progresso das teorias estão em relação com a eficiência destas
teorias em resolver problemas.
Laudan classifica os problemas em empíricos, conceituais e anomalias. No
caso dos problemas empíricos, problemas enfrentados no dia a dia da prática
científica, a ciência deve procurar resolvê-los e, uma teoria nada mais seria do que
o resultado final da busca de solução desses problemas, que são classificados pelo
autor em três tipos: 1) Problemas não resolvidos por alguma teoria, mas que
suscitam pesquisas para futura investigação; 2) problemas considerados resolvidos
adequadamente por alguma teoria (esta teoria reforça a convicção na relevância do
problema); 3) problemas anômalos que são aqueles que não foram solucionados
por uma determinada teoria, mas que foram resolvidos por uma teoria rival. Os
problemas anômalos fornecem evidências contra a teoria aceita e reforçam a
confiança dos pesquisadores em sua importância. Para Laudan os problemas
empíricos não são mais importantes que os conceituais e os historiadores
praticamente ignoram estes últimos. No entanto, para ele, os debates mais
importantes em ciência dizem respeito a questões não-empíricas.
No modelo das tradições de pesquisa de Laudan, as teorias também podem
ser avaliadas com base em critérios que nada tem a ver com sua capacidade de
resolver problemas empíricos. Isto porque muitas vezes, uma escolha teórica
envolve teorias que resolvem os mesmos problemas factuais. Nesse caso, o único
critério relevante é a maior ou menor capacidade de resolverem as questões
conceituais. Além disso, problemas empíricos aparecem entrelaçados aos
problemas conceituais.
Assim, é útil analisar os problemas conceituais separadamente para maior
clareza. Problemas conceituais não existem independentemente das teorias, pelo
contrário, dizem respeito ao fundamento das estruturas conceituais e Laudan os
caracteriza como problemas conceituais internos e problemas conceituais
externos. Problemas conceituais internos são os que ocorrem quando, por
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exemplo, a teoria exibe inconsistências internas ou quando as categorias sicas
de análise, por ela empregada, são vagas ou ambíguas. Quando é detectada uma
inconsistência lógica interna, a teoria é recusada pelos cientistas até que seja
resolvido o erro lógico. Não se descarta, porém, que as regras lógicas de
inferência dedutiva sejam abandonadas a fim de se salvar a teoria. Com mais
freqüência, o problema conceitual interno reside na ambigüidade conceitual da
teoria, mas dependendo da gravidade do problema, a ambigüidade poderá ser
removida. Para Laudan, o esclarecimento conceitual da teoria, pela especificação
cuidadosa dos significados e da explicação de conceitos, constitui-se numa das
principais vias para o progresso da ciência. Problemas conceituais externos são os
que ocorrem quando uma teoria está em conflito com outra teoria do mesmo
domínio, sendo que os proponentes da teoria em questão também acreditam que a
outra esteja bem fundamentada. São os problemas mais importantes na avaliação
de teorias.
São três os tipos de dificuldades conceituais que emergem na comparação
de teorias: a) o caso drástico em que incompatibilidade lógica entre teorias
aceitas (a história mostra que é um caso pouco freqüente); b) o caso em que a
tensão conceitual entre teorias ocorre porque duas teorias logicamente
consistentes entre si o conjuntamente implausíveis - a aceitação de uma delas
torna menos plausível a aceitação da outra; c) um terceiro tipo de tensão
conceitual emerge na situação em que a teoria de um campo deixa de reforçar
outra teoria de outro campo de conhecimento, ela é apenas compatível com a
outra. Ora, tendo-se em conta a natureza interdisciplinar da ciência, espera-se que,
por exemplo, as teorias da física reforcem as teorias da química, que por sua vez
deveriam reforçar as da biologia. Em cada época, uma teoria deve idealmente
emprestar algo para outra, em outro domínio, e reforçar esta e outras teorias.
Laudan acredita que um bom indicativo do progresso científico é a
capacidade das novas teorias propostas em transformar problemas o resolvidos
e anomalias em problemas resolvidos. Mas, se este é um critério que pode ser
utilizado na avaliação comparativa de teorias é preciso então aprofundar o estudo
da dinâmica dos problemas. Problemas não resolvidos mantêm-se como ameaça
potencial enquanto não tiverem sido resolvidos por outra teoria rival do mesmo
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domínio de conhecimento. A partir do momento em que forem resolvidos, se
transformam em anomalias para todas as teorias que não os resolveram.
Aparece então, outra questão: como saber se um problema é da alçada de
determinada teoria? Esta resposta advém com sua solução. quando uma
teoria resolve o problema, ele se torna uma anomalia para as outras teorias que
não o resolveram.
Transformar anomalias em problemas resolvidos pode ser um indicativo
importante de progresso empírico das teorias. Por outro lado, a não-solução não
representa um descrédito para a teoria a não ser que o problema tenha sido
resolvido por teorias antecessoras ou ainda por teorias rivais do mesmo domínio.
Para Laudan, apenas problemas resolvidos por alguma teoria contam para avaliá-
las, avaliação que se mostra como um processo competitivo, pois para o autor,
avaliar uma teoria é conhecer as rivais que competem no mesmo domínio de
conhecimento.
Para garantir a certeza da solução de um problema, Laudan também
estabelece que uma solução não se dá, apenas, pela explicação científica de um
acontecimento, já que fato e problema empírico são coisas distintas. Um
acontecimento é um problema empírico quando resolvido, quando possuímos
boas razões para não mais considerar tal problema uma questão não respondida,
quando, com base em teorias, se considera se, acredita e se compreende saber por
que a situação ocorre de determinada maneira. Resolver um problema é
estabelecer uma relação entre fato e teoria. Questões de verdade, confirmação,
etc., são irrelevantes. O que deve ser considerado é a resposta proporcionada pela
teoria enquanto solução do problema. Historicamente, a solução de um problema
depende do padrão de expectativas que se forma em cada época, pois a solução
adequada pode tornar-se inadequada de uma época para outra. O próprio critério
sobre o que conta como solução evolui com o tempo.
A questão das anomalias merece uma atenção especial para Laudan que
pensa, inicialmente, o problema em relação a uma epistemologia mais tradicional,
onde a anomalia é vista como um dado empírico inconsistente ou uma
inconsistência entre predição teórica e dados experimentais. Popper chega mesmo
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a denominá-la de contra-exemplo e afirma seu poder de obrigar o pesquisador a
abandonar a teoria; Kuhn, Lakatos e Feyerabend admitem que, embora as
anomalias lancem dúvidas, elas não obrigam, necessariamente, que se abandonem
teorias. Laudan chama a atenção para a classe das anomalias não refutadoras,
aquelas que não são contra-exemplo. Ainda que não represente um caso refutador
de uma teoria em particular, a anomalia pode lançar dúvidas quando a teoria falha
em dizer algo a respeito de um tipo de problema que teorias rivais e do mesmo
domínio tenham resolvido. Esquematicamente, se um problema empírico p é
resolvido por alguma teoria, então p constitui-se em anomalia para toda e
qualquer teoria no domínio relevante que não resolveu p, mesmo que todas elas
sejam logicamente consistentes com p. Assim, ser anomalia não é argumento
final, mas apenas um dos aspectos que, ao lado de outros, determinam a aceitação
ou não da teoria, pois em certos casos, ela pode até ser inócua, como em contra-
exemplos não resolvidos por nenhuma teoria no domínio relevante. Afirma o
autor que converter anomalias reconhecidas em problemas resolvidos é mais
importante do que resolver novos problemas, pois ao mesmo tempo em que se
exibe a capacidade da teoria de solucionar problemas também se elimina
dificuldades cognitivas que a então a confrontavam.
No que diz respeito a importância dos problemas, Laudan assinala que
nem todos têm a mesma importância e que alguns problemas empíricos resolvidos
contam mais que outros. Na competição entre teorias, a que resolve problemas
empíricos de elevada prioridade ganha maior aceitação da comunidade científica.
Neste ambiente de concorrência, o problema torna-se mais relevante na medida
em que uma teoria o resolve, e a solução reforça o seu reconhecimento como
problema genuíno. Transformar problemas anômalos em resolvidos também
confere grande importância ao problema. Mas, afirma o autor, um problema pode
também perder importância quando acontece o fenômeno da dissolução”.
Fenômeno que se quando se perde a confiança em certos pressupostos
pertencentes a uma determinada visão de mundo, ou por “modificação de
domínio”, quer dizer, quando um problema é apropriado por outro domínio, ou
ainda por “modificação arquetípica”, que é quando as teorias que conferem
importância ao problema são recusadas.
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51
Usando inicialmente, argumentos plausíveis e racionais na construção de
critérios de mensuração do grau de importância dos problemas, Laudan nos
lembra que também, na prática científica, a comunidade leva em conta toda uma
gama de crenças, algumas até não racionais, na elaboração de uma escala de
avaliação dos problemas. Até mesmo a metafísica da tradição de pesquisa afeta a
maneira como os problemas são vistos e avaliados. A importância relativa das
anomalias é, para Laudan, decorrente do grau de dificuldade epistemológica que a
anomalia representa para a teoria. Como já dissemos um problema não resolvido é
importante para a teoria T1 se ele tiver sido resolvido por T2. Neste caso, pode-se
argumentar, trata-se de anomalia genuína. A importância da anomalia muda com o
tempo e com as diferentes circunstâncias, mas o grau de discrepância entre o
resultado empírico observado e a predição teórica é fundamental na aferição da
importância da anomalia, pois com o avanço e a conseqüente sofisticação da
teoria, a comunidade científica torna-se mais exigente na precisão dos resultados.
Por fim, é óbvio que o tempo de resistência de uma anomalia lhe confere um
maior grau de importância.
Tendo examinado a natureza dos problemas científicos pela ótica de Larry
Laudan, podemos agora entender que o autor concebe sua própria metodologia
científica como uma disciplina empírica que não pode escapar aos métodos de
pesquisa dos quais ela estuda a validade”
82
e explicita sua teoria do progresso
científico, ou seja, seu modelo de progresso da ciência como solução de
problemas, em três pontos fundamentais:
1) o progresso científico se expressa pela solução de problemas empíricos
e conceituais;
2) O progresso ocorre pela maximização dos problemas empíricos
resolvidos, enquanto se minimiza a presença de anomalias e problemas
conceituais;
3) Se uma teoria pode resolver mais problemas significativos que sua
competidora então ela deve ser preferível.
82
Larry, Laudan, Progress or Rationality? The Prospects for Normative Naturalism, American
Philosophical Quaterly 24/1, p.19-31, apud La Philosophie des Sciences au XX
e
Siècle, p.177.
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52
Assim, o processo de desenvolvimento do progresso ocorre na medida em
que a sucessão de teorias, em certo domínio da ciência, mostra um grau crescente
de eficácia na solução de problemas empíricos e conceituais, e a racionalidade
deste processo está na possibilidade de se escolher teorias que solucionem mais
problemas empíricos que as antecessoras e que, ao mesmo tempo, gerem menos
anomalias e problemas conceituais, em outras palavras, que são mais efetivas na
solução de problemas. Segundo Laudan, pelo seu modelo (de inversão do eixo
racionalidade-progresso) é possível decidir se o desenvolvimento científico
acontece de forma progressiva e racional. Nas palavras do autor:
Se aceitarmos [...] a perspectiva de que a ciência é um sistema de investigação
para a solução de problemas, se nós tomarmos a visão de que o progresso
científico consiste na solução de um crescente número de problemas importantes,
se nós aceitarmos a proposta de que a racionalidade consiste em fazer escolhas
que maximizem o progresso da ciência, então nós podemos estar aptos para
mostrar se, e em que extensão, a ciência em geral, e as ciências específicas em
particular, constituem um sistema racional e progressivo.
83
83
Larry Laudan, Progress and its Problems, p. 126.
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53
5
Feyerabend
5.1
A Trajetória
Do Positivismo Lógico ao Anarquismo Epistemológico
É na Viena que abrigou tantos pensadores, artistas e movimentos culturais
que nasce Feyerabend (1924) herdando muito do que ainda restava do caldeirão
cultural vienense, do muito que sobrara após a primeira guerra mundial. É nesta
Viena que se educa e é para onde volta no final da segunda guerra mundial, depois
do tempo passado no exército alemão, para estudar na universidade de sua cidade,
reconstruir a vida e, literalmente, curar as feridas da guerra.
No início da carreira se considera um positivista lógico, um herdeiro das
idéias do Círculo de Viena, e chega mesmo a fazer afirmações que o identificam
claramente com esta doutrina: “a ciência é a base do conhecimento, que a ciência
é empírica, e que empreendimentos não empíricos são ou lógicos ou sem
sentido.”
84
As suas atividades, enquanto secretário das reuniões do Seminário de Verão
patrocinado pela Sociedade do Colégio Austríaco em Alpbach, o colocam em
contacto com diversos pensadores como Paul Dirac
85
e Arthur Koestler
86
, mas
confessa ter recebido uma profunda influência, nesta época, na sua concepção
filosófica de ciência, de Walter Hollitscher
87
que foi seu professor e amigo, pelas
idéias marxistas, pela oposição ao instrumentalismo
88
e pelos argumentos em
84
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p.77.
85
Matemático e Físico com contribuições para a física quântica (1902 – 1984).
86
Jornalista, filósofo, ativista político (1905 – 1983).
87
Filósofo e psicanalista com intensa atividade política e intelectual. (1911 – 1988)
88
Concepção segundo a qual as teorias científicas são apenas instrumentos para se tratar um
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54
favor do realismo
89
e de Karl Popper pela liberdade de pensar e agir, pelo
falsificacionismo e pela oposição às idéias de Neurath.
90
As atividades e as relações entre Feyerabend e os intelectuais da época se
intensificam no “Círculo Kraft” (uma versão estudantil do Círculo de Viena)
fundado por Feyerabend, Vitor Kraft e um grupo de estudantes de ciências e
engenharia interessados em problemas filosóficos relativos às bases da ciência.
Uma série de encontros foi promovida e, entre outros, compareceram Popper,
Hollister e Wittgenstein. Feyerabend afirma que “o tópico mais discutido era o
problema da existência de um mundo exterior”
91
(realismo versus
instrumentalismo) e “alguns dos meus primeiros escritos são dirigidos para estes
debates”.
92
Enquanto aluno de Popper, Feyerabend é convencido da pertinência das
críticas do mestre ao indutivismo, isto é, a idéia de que teorias não podem derivar
de fatos e nem serem estabelecidas com base neles; aprendeu com Popper que
sustentar as teorias pelos fatos significa procurar ser o mais ad hoc possível, mas
esta característica deve ser descartada em função da exigência de se ir sempre
mais além da evidência. Como ele mesmo diz:
A metafísica, de fato, vai além dos fatos conhecidos e os contradiz. Isto significa
que ciência é metafísica? Não, pois hipóteses científicas podem ser refutadas,
sistemas metafísicos não. [...] a indução era uma impostura. O falsificacionismo
parecia agora uma opção real e eu o aceitei
93
Feyerabend fez um condensado das “Investigações Filosóficas”
94
e dedica
especial atenção à crítica que Wittgenstein dirige à teoria positivista da
significação
95
. Confessa em sua autobiografia que sua “sistematização fazia o
fenômeno e o uma tentativa de se chegar ao conhecimento da realidade em si mesma, devendo,
em conseqüência, serem consideradas do ponto de vista de seus resultados e não de sua verdade ou
falsidade.
89
Concepção filosófica da existência de uma realidade exterior, determinada, autônoma,
independente do conhecimento que se pode ter sobre ela.
90
Tentativa aplicar os ideais do positivismo lógico aos problemas sociais (movimento para a
ciência unificada).
91
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p.77. , Idem,
Matando o Tempo, p.77. , Idem,
92
Karl Paul Feyerabend ,Against Method, p. 254-255.
93
Idem, p. 97.
94
Publicado em The Philosophical Review, 1955.
95
Teoria segundo a qual uma palavra tem seu sentido a partir da observação do objeto que ela
designa. (1: observo um objeto. 2: designo este objeto com a ajuda de uma palavra. 3: a
significação desta palavra resulta, portanto, da minha experiência com o objeto).
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55
texto falar como uma teoria e adulterava as intenções de Wittgenstein”
96
e afirma
ter se identificado com a Teoria Contextual da Significação
97
deste autor. Este
trabalho exercerá uma importância central em sua obra, pois assumirá algumas
posições em confronto com Wittgenstein, preferindo, no lugar da filosofia
analítica, uma filosofia menos “científica” e, a seus olhos, conseqüentemente
menos “estéril”.
O realismo é um tema importante na obra de Feyerabend desde os
primeiros trabalhos (principalmente pela influência inicial de Herbert Feigl
98
).
Entretanto, as posições que assume em relação a este tema são, muitas vezes,
conflitantes. Como resultado da influência de Feigl surgem os primeiros artigos
publicados sobre a filosofia da mecânica quântica. Neles, como Popper, combate
as interpretações de Copenhague
99
, defendendo a tese dos parâmetros ocultos”
de Bohm. No ataque que desfere contra Bohr e Heisenberg num artigo de 1964
100
afirma, inicialmente, que esses dois teóricos têm razões (físicas, científicas e
factuais) para pensar que a visão de mundo que admitem seja única e compatível
com o resultado das observações de suas experiências. Mas logo depois pergunta
se seus resultados o deveriam ser confrontados com outros gerados por um
ponto de vista concorrente, pois apenas esta confrontação poderia revelar a
verdade ou a falsidade. Neste mesmo texto em que afirma ser o realismo sempre
preferível ao instrumentalismo afirma também que os adeptos do
instrumentalismo devem ter boas razões científicas para a escolha que fazem. No
caso da mecânica quântica, assegura Feyerabend, a adoção, pela Escola de
Copenhague, da interpretação instrumentalista é justificável, pois, apesar das
96
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p.101.
97
Teoria que identifica o sentido de um termo com o papel exercido por este termo no contexto
teórico em que é formulado.
98
Herbert Feigl (1882 – 1936). Filósofo do Círculo de Viena.
99
Pode ser condensada em três teses principais: 1) As previsões probabilísticas feitas pela
mecânica quântica são irredutíveis, quer dizer, não o apenas um reflexo da falta de
conhecimento de hipotéticas variáveis escondidas. As probabilidades são utilizadas para completar
o nosso conhecimento pois, em Mecânica Quântica, os resultados são indeterminísticos. 2) Não faz
sentido especular para além do que pode ser medido, para além do escopo da própria Física. 3) A
observação provoca o "colapso da função de onda": ainda que antes da medição o estado do
sistema permitisse diversas possibilidades, apenas uma delas foi escolhida aleatoriamente pelo
processo de medição, e a função de onda modifica-se imediatamente para refletir essa escolha. A
interpretação de Bohm afirma que, onda e partícula o reais, o estado do universo evolui
suavemente por meio do tempo sem o colapso da função de onda quando a medição ocorre como
na interpretação de Copenhague. Contudo, deve-se assumir a existência de um grande número de
variáveis ocultas, as quais nunca podem ser diretamente medidas.
100
Realism and Instrumentalism. Coments on the Logic of Factual Support.
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56
dificuldades físicas encontradas, os resultados positivos o tão importantes que
não valeria a pena uma tentativa de impor uma interpretação realista.
Feyerabend afirma que o que “é tecnicamente conhecido como”
101
sua
carreira, começa em Bristol, e que sua aceitação se em função do inusitado
“discurso” aos professores que o entrevistaram, no qual sua posição em relação ao
diálogo entre ciência e filosofia, que mais tarde aparecerá claramente em sua obra,
já se estabelece. Nas palavras do autor:
Vocês são cientistas. Isto não significa que vocês sabem tudo. De fato, vocês com
freqüência cometem erros, especialmente em áreas como a filosofia, que vocês
olham com desprezo e, no entanto usam constantemente, embora de maneira
desavisada. Mas os erros podem ser evitados, pois há pessoas que podem ajudá-los
– referia-me a mim mesmo. [...] Fui aceito. Popper deve ter dado uma mão.
102
Dois encontros são marcantes para as futuras posições que Feyerabend
assumirá em relação ao estudo da história das ciências: um com Philipp Frank
103
e
outro com Thomas Kuhn
104
. Em relação ao primeiro, confessa que os capítulos
sobre Galileu em “Contra o Método”, escritos alguns anos mais tarde, são
tributários da afirmação de Frank de que diante da alternativa de escolher entre a
História e um argumento analítico para elucidar uma questão difícil, afirma que
quase sempre optava pela História, apesar do descontentamento de alguns
filósofos que “ignoravam que a ciência é uma história, não um problema
lógico”.
105
Num encontro com Kuhn (em Berkeley-Califórnia), Feyerabend as
provas da “Estrutura das Revoluções Científicas” e, ainda que não tenha
percebido, de imediato, a importância desta abordagem histórico-descritiva,
confessa, mais tarde, que ela, de alguma maneira permanecera em seu espírito.
Um dos princípios que fundamenta toda sua epistemologia aparece na sua
obra, pele primeira vez, no texto da palestra proferida no “Colston Researrch
Symposium” sobre a mensuração na teoria quântica. Tal princípio afirma que a
linguagem de observação é apenas parte da linguagem teórica. Em dois artigos
posteriores, enquanto professor visitante em Berkeley critica as posições do
positivismo lógico, principalmente sobre a análise da relação entre teoria e
observação (repete-se a problemática instrumentalismo versus realismo), em
101
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p. 107.
102
Idem, p. 110.
103
Philipp Frank, físico austríaco que pertencera ao Círculo de Viena, (1885 – 1966)
104
Filósofo e físico americano, (1922 – 1996)
105
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p. 111.
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57
defesa de uma interpretação realística e sob a ótica do falsificacionismo
popperiano.
A sua crítica à teoria positivista da significação afirma que aceitá-la
implicaria também na aceitação de que a interpretação dos termos e dos
enunciados de observação não depende do estado do avanço em que se encontra
nosso conhecimento. Isto levaria a pensar, acredita ele, que mesmo as maiores
mudanças teóricas não podem afetar a significação da linguagem científica (tese
da estabilidade). Contra esta posição defende a aplicação da sua Tese I.
“A interpretação de uma linguagem de observação é determinada pelas
teorias que usamos para explicar aquilo que observamos, e a linguagem muda
assim como muda a teoria”.
106
Esta tese é o resultado da fusão de duas outras que
Feyerabend assume como premissas de sua epistemologia: a Teoria Contextual da
Significação de Wittgenstein e a tese da indistinção semântica entre linguagem de
observação e linguagem teórica.
A Tese I afirma que a significação não deriva da observação: a experiência
recebe seu significado da teoria. As observações, os resultados experimentais e
outros enunciados ditos “factuais”, ou contém hipóteses teóricas, ou as afirmam
pela maneira como são utilizadas. Assim, uma teoria produz suas próprias
observações e lhes confere significado, o que implica o poder ser contraditada
pelas observações.
Notemos que esta circularidade elimina o valor do conteúdo empírico de
uma teoria baseada na indução, pois uma observação errônea produziria uma
teoria errônea que passaria no teste da experiência. Assim, uma teoria não pode
ser testada apenas pelas observações que ela engendra e às quais ela própria
sentido. Apenas outra teoria, incompatível com aquela a ser testada, pode fornecer
elementos suscetíveis para falsificá-la (lembremos que, nesta época, Feyerabend é
um falsificacionista que erige o princípio da testabilidade
107
em máxima
metodológica).
Como conseqüência da Tese I, nosso autor é levado, em um dos seus
artigos, a enunciar a possível incomensurabilidade das teorias concorrentes.
Utiliza o conceito pela primeira vez, quase no mesmo momento em que Thomas
Kuhn o emprega em “A Estrutura das Revoluções científicas”. Com esse conceito
106
Karl Paul Feyerabend, Philosophical Papers, Vol.1, p 31.
107
Todas as teorias devem poder ser testadas – falseadas.
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pretende afirmar que se a significação de um termo é determinada por seu
contexto teórico, os termos de teorias incompatíveis não poderiam possuir um
mesmo sentido, ainda que idênticos (a massa” em Newton não tem nada em
comum com a “massa” em Einstein). Em conseqüência, as teorias não podem ser
comparadas tendo por base seus conteúdos (como queriam os racionalistas), pois
são incomensuráveis. Mais adiante, entraremos em detalhe sobre a
incomensurabilidade.
Um encontro com o físico von Weiszäcker durante um seminário em
Hamburgo se transforma em outra influência importante. Feyerabend e von
Weiszäcker discutem os fundamentos da teoria quântica. Esta discussão o afetou
de tal modo, a ponto de afirmar:
Weiszäcker me mostrou como a mecânica quântica surgiu de pesquisa concreta
enquanto eu argumentava, em bases metodológicas, que tinham sido omitidas
alternativas importantes. Ainda que os argumentos que apoiavam minha
reclamação fossem bastante bons, ficou claro para mim que eram apenas regras
impostas sem levar em consideração as circunstâncias, os fundamentos eram
obstáculos em lugar de uma ajuda: uma pessoa que tenta resolver um problema,
seja em ciência ou outro lugar qualquer, deve ter liberdade completa e não pode ser
restringido por nenhuma demanda ou normas, ainda que pareçam plausíveis ao
lógico ou ao filósofo que as tenham idealizado em seus estudos privados. Normas e
demandas devem ser testadas em cada pesquisa e não serem impostas por teorias
de racionalidade. Em um artigo longo expliquei como Bohr tinha usado esta
filosofia e como ela difere de procedimentos mais abstratos. Assim, o professor
Weiszäcker tem a responsabilidade principal por minha mudança para o
“anarquismo metodológico” entretanto, ele não ficou contente quando lhe falei
sobre isso em 1977.
108
A partir de então passa a defender a idéia de que a experiência não é de
nenhuma maneira necessária para a construção, compreensão e para os testes das
teorias científicas. De agora em diante, renuncia a se identificar com qualquer tipo
de empirismo, tornando-se um crítico mordaz de qualquer metodologia empirista
e as classifica de puro dogmatismo. Assim, para o curso que ministra em Berkeley
escolhe como tema a história do dogma eclesiástico e justifica a escolha
afirmando que “o dogma da Igreja compartilha de muitas características com o
desenvolvimento do pensamento científico”.
109
Desenvolverá essas idéias em um
artigo publicado em 1970 e intitulado de Empirismo Clássico, no qual sustenta
que o empirismo, indutivista ou falsificacionista, compartilham traços comuns
108
Karl Paul Feyerabend, Science in a Free Society, 1978, p.117.
109
Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p. 145.
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com, por exemplo, o puritanismo. Publica também um artigo intitulado “Contra o
Método” (Minnesota Studies) onde sugere que “a teoria e a observação não o
entidades independentes, vinculadas por uma regra de correspondência, mas
formam um todo individual”.
110
Dois episódios são marcantes na vida intelectual de Feyerabend. O
primeiro foi o seu encontro, na London School of Economics, com Imre Lakatos,
do qual decorreu uma grande amizade e um intenso debate intelectual. Classifica o
amigo como um “racionalista sofrível, [...] um cruzado da Razão, da lei e da
Ordem”.
111
Enquanto prepara seu livro mais conhecido, “Contra o Método”, onde
Lakatos deveria endossar a posição racionalista (certamente contrária a sua), este
morre.
Como pôde fazer isso comigo, gritei para sua sombra. [...] o racionalismo de
Lakatos não era uma questão de convicção pessoal, mas um instrumento político
que ele usava ou punha de lado, conforme a situação. Sinto falta até hoje deste
indivíduo indignado, sensível, impiedoso, auto-irônico, mas muito humano.
112
Um outro episódio suscita uma importante afirmação de Feyerabend,
afirmação que pode explicar com clareza a posição do autor em relação à razão,
um tema, em geral, mal interpretado por seus críticos: num curso em Yale,
assistido por diversos pensadores e por um grupo de sociólogos confusos e
“relinchantes”, aborreceu-se até as lagrimas. Assim relata o autor:
Isto é culpa sua, disseram meus amigos. “Primeiro você denigre a razão e depois
espera que as pessoas digam algo interessante?” [..] Nunca denegri a razão [...]
apenas algumas de suas versões petrificadas e tirânicas. Tampouco eu supunha que
minha crítica pudesse ser o fim da questão. Era um começo, um começo muito
difícil do quê? De uma melhor compreensão das ciências, de uma melhor
organização da sociedade, de melhor relação entre os indivíduos, de um teatro
melhor, de filmes melhores e assim por diante. Artaud
113
desprezava a ordem
estabelecida, inclusive na linguagem, e, no entanto, sugeriu novas formas que
inspiram dramaturgos, produtores, filósofos, até hoje.
114
“Contra o método”, sua obra mais conhecida é publicada sem a parte que
deveria ter sido escrita por Lakatos e para este é dedicada. Feyerabend descreve a
110 Idem, p. 148.
111 Idem, p. 137.
112 Idem, p. 138.
113 Antonin Artaud, escritor francês (1896 – 1948) que influenciou profundamente a literatura e o
teatro.
114 Karl Paul Feyerabend, Matando o Tempo, p. 142.
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obra como uma colagem, um ensaio que não contém propriamente uma hipótese
nem um grande número de postulados. Como diz Feyerabend:
[...] contém descrições, análises, discussões que publiquei, quase com as mesmas
palavras, dez, quinze, até vinte anos antes. [...] Organizei-as numa ordem adequada,
acrescentei transições, substituí passagens moderadas por outras mais violentas e
chamei o resultado de “anarquismo”. Eu adorava chocar as pessoas [...].
115
Um tema para o qual o autor grande atenção em “Contra o Método” é a
educação científica que, sob a égide dos métodos empiristas, inculcaria nos
pesquisadores um conjunto de regras de “boa conduta”, universais e atemporais.
Para Feyerabend, pela maneira com que os professores ensinam ciência, levam-na
à uniformização, e “é possível, assim, criar uma tradição que se mantém una, ou
intacta, graças à observância de regras estritas, e que, até certo ponto, alcança
êxito.”
116
Em busca de “objetividade e de racionalidade”, esta educação, na
visão do autor, embotaria a imaginação, o senso de humor e as crenças pessoais
dos jovens pesquisadores. Fabricaria clones em rie, operários especializados,
máquinas que pensam “bem”, padronizadores dos produtos de uma ciência que se
transformou em indústria.
Ainda que concorde que esta pedagogia, de certo modo, permita algum
sucesso, questiona se é desejável sustentá-la, na medida em que os mecanismos
que dela derivam conduziriam à negação de todo senso crítico. Esta prática
dogmática deveria, na visão do autor, ser “exorcizada”, pelo menos, por dois
motivos básicos. Primeiro: em confronto com um mundo a explorar, complexo e
desconhecido, nossos métodos podem, no máximo, nos permitir descobrir alguns
fatos isolados, mas o os mistérios mais profundos da natureza. Segundo: o
ensinamento por “castração” e massificação em nossas melhores escolas impede
que se cultive um “individualismo” que favoreça o surgimento de seres humanos
bem desenvolvidos. Portanto, o apoio à tradição, ao direito exclusivo dela de
manipular o conhecimento e ter como conseqüência que todo resultado obtido por
outros métodos seja prontamente eliminado, deve ser colocado em questão. A
resposta que o autor para esta questão é “um firme e vibrante o”.
117
o se
deveria apoiar esta tradição, na medida em que, na sua concepção, ela não nos no
115
Idem, p. 147-150.
116
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p. 21
117
Idem, p. 21-22
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61
colocaria “abertos para as opções, sem restringi-las de antemão, [...] não pode ser
conciliada com uma atitude humanista”
118
. A possibilidade de se descobrir os
mistérios da natureza exigiria, assim, a rejeição de padrões universais e
metodologias rígidas.
Feyerabend se opõe aos epistemólogos indutivistas e falsificacionistas
afirmando que, cada um a sua maneira, se esforça para determinar um método
universal e atemporal que garanta o avanço do conhecimento científico.
Entretanto o exame do processo histórico revela o caráter simplista de suas
análises e do perigo de suas pretensões normativas. A história da ciência
mostraria, segundo o autor, que a riqueza da ciência, sua fecundidade e seu
desenvolvimento, dependem muito mais da inventividade daqueles que
efetivamente a produzem do que dos teóricos que tentam amarrá-la com as regras
de uma metodologia “absolutista” e “doutrinal”.
Contra as metodologias “doutrinais”, o autor propõe uma teoria anarquista
do conhecimento: o anarquismo teórico ou epistemológico que difere não do
seu homônimo político, mas também do ceticismo. Difere do anarquismo político,
por exemplo, na medida em que este, afirma Feyerabend, possui uma “ingênua e
quase infantil confiança na ciência”
119
. Os céticos, na visão do autor, preferem
não tomar posição, os anarquistas políticos, apesar de detestarem as instituições e
o poder, veneram, paradoxalmente, as regras estabelecidas para guiar a prática
científica e não fazem nada que enalteça a pessoa humana. O anarquista teórico
(ou como Feyerabend prefere, o dadaísta) pode sustentar a afirmação mais
absurda e ao mesmo tempo defender o ponto de vista mais ortodoxo. O dadaísta
ou o anarquista epistemológico, diferentemente do anarquista político e do cético,
“não apenas não tem um programa como pode ser contra todos os programas, [...]
para ser um verdadeiro dadaísta que ser também um antidadaísta”.
120
E, mais
radicalmente ainda, o dadaísta, escreve Feyerabend:
Não tem ele objeção a ver, na textura do mundo, tal como descrito pela ciência e
revelado por seus próprios sentidos, uma quimera, por trás da qual se oculta uma
realidade mais profunda e, talvez, espiritual, ou simples teia de sonhos, que nada
revela e nada esconde.
121
118
Idem, p. 22.
119
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p. 291.
120
Hans Richter, in Dada-Art na Anti-Art, apud Contra o Método, p. 293.
121 Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p. 293.
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62
Por princípio, o anarquista epistemológico execra as leis ou idéias
universais, pode agir por interesse, pelo amor de uma mulher, para ganhar uma
aposta ou motivado por suas convicções momentâneas. Uma vez definido seu
objetivo, ele deve se conduzir como um oportunista, sem escrúpulos. Apenas lhe
interessa chegar a seus fins. Seu método (ou seu anti-método) deve ser mais eficaz
que qualquer outro. Respondendo a críticas, Feyerabend garante que não
nenhuma razão para se pensar que o anarquismo teórico conduza ao caos. Na
verdade afirma que “o sistema nervoso humano é demasiado bem organizado para
que isso venha a ocorrer”.
122
E para escapar á sua própria crítica afirma:
[...] poderá, é claro, vir um tempo em que se faça necessário conceder à razão uma
vantagem temporária e será sábio defender suas regras, afastando tudo o mais. Não
creio que estejamos vivendo esse tempo.
123
Em seus primeiros trabalhos, Feyerabend apresentava alguns argumentos
em favor do pluralismo teórico e contra uma idéia de ciência que, a seus olhos,
não passa de uma caricatura e que ele denomina de “empirismo radical”, uma
doutrina monística que afirma que apenas se pode usar em ciência, um conjunto
de teorias mutuamente consistentes. A característica principal do empirismo
radical, aos olhos de Feyerabend, seria a idéia de que uma teoria científica
altamente confirmada possa ser mantida até ser refutada, enquanto teorias
alternativas do mesmo domínio deveriam ter sua consideração postergada aque
uma refutação abra espaço para elas. Feyerabend argumenta que o efeito de seguir
esta prescrição é aparentemente benigno, mas na verdade, isto significa proteger
teorias aceitas de uma evidência que possa refutá-la, deixando de expor assim suas
limitações. Contra esta idéia monística, Feyerabend argumenta que o pluralismo
teórico é uma característica essencial de todo conhecimento que se diga
objetivo”.
124
Para Feyerabend, o empirismo radical pressupõe duas idéias às
quais se opõe: a condição de coerência e ao princípio da invariância do
significado.
A condição de coerência afirma que novas teorias não devem ser
incompatíveis com outras teorias já aceitas, enquanto o princípio da invariância do
122 Idem, p. 23.
123 Idem, p. 23.
132 Idem, p. 149.
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significado afirma que, num mesmo domínio, o significado de conceitos em novas
teorias devem ser invariante com o significado dos mesmos conceitos em teorias
aceitas. A partir da pressuposição destas duas idéias, o empirismo radical
sugere que uma nova teoria para ser aceita deve ser introduzida com o propósito
de explicar também o sucesso de teorias já existentes. Feyerabend faz uma precisa
caracterização do empirismo radical:
Novas teorias só são admissíveis num dado domínio quando, ou subsumem
teorias que estão naquele domínio, ou quando, pelo menos, são consistentes
com as teorias do domínio. Assim o significado terá que ser invariante no que diz
respeito ao progresso científico, isto é, as futuras teorias deverão ser articuladas
de uma maneira que seu uso nas explicações não afeta o que é dito pelas teorias
do domínio a qual pertence ou por descrições factuais.
125
É dessa maneira que o empirismo radical encararia o progresso “racional”
da ciência, quer dizer, teorias são construídas a partir das suas antecessoras.
Para demonstrar a pobreza do monismo teórico, mostraremos os
argumentos de Feyerabend contra esses dois princípios pressupostos pelo
empirismo radical.
Contra a condição de coerência Feyerabend afirma que é uma prescrição
restritiva e que alimenta o dogmatismo. Explica que no “núcleo razoável” da
condição de coerência está a idéia de que teorias não devem ser alteradas a menos
que haja motivos prementes para a modificação, e a única razão premente para se
alterar uma teoria é o desacordo com os fatos. Sinteticamente, o exame de fatos
incompatíveis com a teoria conduz ao progresso, o exame de hipóteses
incompatíveis não leva ao mesmo resultado.
126
O resumo do argumento contra
esta prescrição está assim resumido, nas palavras do autor:
125 Feyerabend, Karl Paul, Problems of Empiricism, p.164, in Beyond the Edge of
Certainty: Essays in Contemporary Science and Philosophy, University of Pittsburgh
Series in Philosophy of Science, Vol. 2, apud Jonathan Y. Tsou, Reconsidering
Feyerabend’s “Anarchism”, p.211, in Perspectives on Science 2003, vol. 2, The
Massachusetts of Tecnology.
126 Feyerabend, Paul, Contra o Método, p.45.
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A condição de coerência, por força da qual se exige que as hipóteses novas se
ajustem a teorias aceitas é desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a
melhor. Hipóteses que contradizem teorias bem assentadas proporcionam-nos
evidência impossível de obter por outra forma. A proliferação de teorias é
benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder
crítico.
127
Feyerabend chama a atenção para dois aspectos que estimulam uma
tomada de posição contrária à condição de coerência: 1) argumento da condição
de coerência é fraco, pois sua validez pressupõe ou a verdade ou a precisão de
teorias aceitas; 2) a condição de coerência é prejudicial à ciência porque funciona
como proteção para teorias aceitas a partir de uma potencial evidência que poderia
rejeitá-las. Para o autor, o primeiro argumento contra a condição de coerência é o
seu caráter arbitrário, já que um conjunto de teorias aceitas é a unidade de medida
para a introdução de novas teorias e, a única diferença entre as teorias aceitas e a
nova teoria nova é a idade das mesmas. Feyerabend escreve:
A condição de coerência [...] elimina uma teoria ou uma hipótese não porque ela
está em desacordo com os fatos; elimina-a quando ela se põe em desacordo com
outra teoria [...] e dessa maneira transforma em medida de validade uma parte da
teoria existente que ainda não foi submetida a teste.
128
A conseqüência de se adotar a condição de coerência é que no caso de
duas teorias, T
1
e T
2
, ambas consistentes com os fatos, mas inconsistentes entre si,
T
1
pode ser rejeitada se T
2
tiver nascido antes de T
1,
porém, T
1
pode ser aceita se
tiver nascido antes de T
2
. Assim, esta condição resulta na absurda conseqüência
de que teorias científicas antigas e familiares o preservadas o em função de
alguma vantagem intrínseca, mas simplesmente porque são antigas ou familiares.
Na prática, a função da condição de coerência é a de proteger uma teoria
aceita a partir de uma evidência potencial que pode levá-la a rejeição. Como para
Feyerabend todos os fatos estão impregnados de teorias, ou o que é o mesmo, a
observação dos fatos requer uma teoria a priori, alguns fatos que são relevantes
para a precisão de uma teoria podem ser validados por teorias alternativas (que
podem ser factualmente adequadas, mas inconsistentes com a teoria em questão).
Deste ponto de vista, a condição de coerência tem a função de omitir fatos que
podem ser relevantes para validar uma teoria aceita. Feyerabend explica:
127 Idem, p.45.
128 Idem, p. 48.
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65
Não apenas ocorre que a descrição de cada fato singular depende de alguma
teoria [...] como também ocorre existirem fatos que são desvelados apenas com o
auxílio de alternativas da teoria a ser submetida a teste e que se tornam
inacessíveis tão logo essas alternativas se vêm excluídas. E isso leva a sugerir que
a unidade metodológica a que devemos referir-nos, ao discutir questões relativas
a testes e a conteúdo empírico, se constitui um conjunto de teorias parcialmente
superpostas, factualmente adequadas, mas mutuamente inconsistentes [...] isto
sugere o pluralismo como base de todo procedimento de teste.
129
Feyerabend afirma que se a descrição de algum fato científico depende de
uma teoria, então existem fatos relevantes para validar a teoria que podem ser
explicados por teorias alternativas e o pela teoria a ser testada. Assim, o
pluralismo teórico é benéfico, pois neste caso, obviamente, teorias alternativas
fornecem a crítica para uma teoria aceita e isto não poderia acontecer de outra
maneira.
De acordo com Feyerabend, a crítica fornecida por teorias alternativas é
mais eficiente do que a crítica fornecida pela comparação das teorias com os fatos.
Para apoiar seus argumentos contra a condição de coerência, Feyerabend
apela para a história do desenvolvimento de uma questão da física: o movimento
(perpétuo) browniano das partículas viola a segunda lei fenomenológica, isto é, a
segunda lei da termodinâmica que afirma que o calor não pode ser transformado
em trabalho enquanto em equilíbrio térmico, ou ainda, não há motor perfeito. Está
em jogo aqui o fato de que a existência da partícula browniana (máquina de
movimento perpétuo) não refuta diretamente a segunda lei fenomenológica, isto é,
tal refutação o poder ser feita diretamente, empiricamente demonstrada, mas
apenas indiretamente via a teoria cinética e pela maneira com que Einstein usou,
mais tarde, esta teoria no cálculo de propriedades estatísticas do movimento
browniano. A segunda lei deve então passar a ser vista como uma lei estatística e
não como uma lei universal, como era. A refutação dessa lei, vista como um
experimento crucial, foi possível depois que uma teoria fenomenológica foi
incorporada (ou o que no mesmo, reinterpretada) no domínio, mais amplo, da
física estatística, violando assim o princípio de coerência. Feyerabend afirma:
129 Idem, p. 51.
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[...] esse é o exemplo típico da relação que se estabeleceu entre as teorias ou os
pontos de vista muito gerais e os fatos. A relevância e o caráter refutador dos
fatos decisivos podem ser verificados com o auxílio de outras teorias que,
embora factualmente adequadas, não estão em concordância com a concepção a
ser submetida a teste. [...] a invenção e a articulação de alternativas talvez tenham
de preceder a apresentação dos fatos refutadores. O empirismo [...] exige que o
conteúdo empírico de todo conhecimento [...] seja aumentado o quanto possível.
Consequentemente, a invenção de alternativas [...] constitui parte essencial do
método empírico. Inversamente, a circunstância de a condição de coerência
eliminar alternativas mostra, agora, que ela está em discordância, não com a
prática científica, mas também com o empirismo.
130
Afastando testes importantes, a condição de coerência diminui o conteúdo
empírico das teorias e, o que é extremamente importante, reduz a quantidade de
fatos que comprovam as limitações daquelas teorias. A conseqüência da aplicação
da condição de coerência não será outra a não ser a decorrente de um determinado
ponto de vista petrificado, transformado em dogma, “em nome da experiência, em
posição inteiramente inacessível a qualquer crítica”.
131
Contra o princípio da invariância do significado (o significado de
conceitos em novas teorias deve ser invariante com aqueles em teorias aceitas no
mesmo domínio) Feyerabend assevera, da mesma maneira que fez com a condição
de coerência, que princípios que encorajam a uniformidade têm o efeito, muitas
vezes, de preservar o “status quo” em vez de encorajar o legítimo progresso da
ciência, que qualquer argumento a favor de um método que encoraje a
uniformidade, seja ele empírico ou não, é um apoio ao conformismo, promove a
deterioração das capacidades intelectuais, destrói o [...] tremendo poder de
imaginação.”
132
Feyerabend recorre, mais uma vez, à história da ciência para mostrar que,
em geral, o novo em ciência acontece também quando princípios rígidos são
violados. Por exemplo, consideremos a mudança de significado da lei da inércia,
na transição da teoria do “ímpetus”
133
para a mecânica newtoniana. Em cada uma
dessas teorias, as leis da inércia concordam quantitativamente na medida em que
130 Feyerabend, Karl Paul, Contra o método p.53.
131 Idem, p.53.
132 Feyerabend, Karl Paul, Problems of Empiricism, p.179, in Beyond the Edge of
Certainty: Essays in Contemporary Science and Philosophy, University of Pittsburgh
Series in Philosophy of Science, Vol. 2, apud Reconsidering Feyerabend’s “Anarchism”,
p.211, in Perspectives on Science 2003, vol. 2, The Massachusetts of Tecnology.
133
Teoria escolástica do século XIV e considerada a primeira crítica ao princípio aristotélico da
inércia.
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67
ambas afirmam que um objeto, que o está sob a influencia de nenhuma força
externa, se deslocará ao longo de uma linha reta em velocidade constante. Na
teoria do “impetus”, porém, a lei da inércia é formulada assumindo-se que
velocidades são determinadas por forças, enquanto que na teoria de Newton o
significado do “impetus” é revisto de acordo com a lei que estabelece a
possibilidade do movimento sem força, e coloca repouso e movimento uniforme
em um mesmo nível ontológico. Para Feyerabend, o que chama a atenção neste
exemplo é que mudou o significado do conceito, o que houvesse alguma
incorreção no aspecto quantitativo na lei do “impetus”, mas porque a teoria de
Newton consegue fazer predições corretas de um conceito inadequado.
Feyerabend afirma que melhorias no conhecimento científico, frequentemente,
dependem de revisões conceituais, nas quais nenhuma evidência observacional
está disponível, e o resultado dessas revisões é a mudança no significado de
conceitos empregados em teorias anteriores àquela revisada. O que podemos tirar
de mais importante, neste caso, é que se deve adotar uma atitude mais tolerante
em relação ao significado de conceitos em teorias científicas. Escreve o autor:
Não devemos dar uma importância muito grande ao que queremos dizer com uma
frase, mas devemos estar preparados para mudar qualquer coisa que dissermos
em relação a um significado assim que surja necessidade [...] uma grande
preocupação com significados pode levar somente a dogmatismo e
esterilidade.
134
Para o autor, tanto a idéia de oposição à condição de coerência, quanto à
de oposição ao princípio da invariância do significado são idéias puramente
negativas. O princípio da proliferação é um princípio positivo que conflita com os
princípios anteriores, encoraja a pluralidade e a proliferação de teorias científicas,
tem o efeito de possibilitar a crítica de teorias já aceitas e encorajar descobertas de
novas teorias que são potencialmente melhores do que teorias já aceitas.
Feyerabend parte do pressuposto de que não há método científico uniforme
que possa trazer benefício para a ciência. O princípio meta-científico que pode ser
defendido sob todas as circunstâncias é o que encoraja a pluralidade e a
proliferação de métodos e teorias científicas. Em “Contra o Método” esta idéia
134 Feyerabend, Karl Paul, Problems of Empiricism, p.181, in Beyond the Edge of Certainty:
Essays in Contemporary Science and Philosophy, University of Pittsburgh Series in Philosophy of
Science, Vol. 2, apud Reconsidering Feyerabend’s “Anarchism”, p.211, in Perspectives on Science
2003, vol. 2, The Massachusetts of Tecnology.
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68
está expressa na proposta de que o único princípio que pode ser defendido em
qualquer circunstância é o “tudo vale”.
O princípio do “tudo vale”, em geral, entendido como uma proposta
metodológica positiva é assim explicado por seu autor:
Tudo vale não expressa nenhuma convicção que eu tenha, é um resumo jocoso do
dilema do racionalista: se você deseja um padrão universal [...] se você não pode
viver sem princípios que funcionam independentemente da situação, que moldam
o mundo, que são uma exigência da pesquisa, [...] então eu posso te dar este
princípio. Ele deverá ser vazio, inútil e ridículo, mas ele será um princípio. Ele
será o ‘princípio’ ‘tudo vale’.
135
Vemos então que o ‘tudo valeé apenas um dispositivo retórico usado por
Feyerabend, um “argumento” que tem por objetivo a oposição a certo tipo de
racionalismo. Tudo vale” é apenas um modo de lembrar aos cientistas e aos
filósofos da ciência o valor da proliferação de métodos científicos e da tolerância
que se deve ter cada vez que surge um novo método.
Feyerabend então argumenta contra o método afirmando que a ciência se
beneficiada pela proliferação detodos e teorias porque apenas neste contexto é
possível encorajar a descoberta de novas evidências para aceitar ou não novas
teorias científicas e consequentemente o genuíno progresso científico. Feyerabend
invoca o exemplo histórico de Galileu que oferece um argumento decisivo na
questão da torre.
136
De acordo com Feyerabend, a resposta ao argumento da torre
consiste em providenciar uma nova ‘interpretação natural’ para o fenômeno. O
que se aceitava, na época, tendo por base que a pedra cai em linha reta, era que se
a Terra se movesse a pedra deveria cair numa distância razoável (e atrás) da torre.
Isto contradiz o que realmente se observa e a predição de Copérnico. Galileu
remove a contradição providenciando uma nova base empírica para a
interpretação do resultado do fenômeno, alterando a suposição teórica de que
‘movimento é movimento observado (operacional)’: faz a distinção entre
movimento observado e movimento real, adicionando um componente não
observado (Feyerabend nomeia de ‘inércia circular’ que ‘compartilha o
movimento com a Terra) ao movimento real. Assim, na visão de Galileu, a pedra
135 Feyerabend, Karl Paul, Ciência em uma Sociedade Livre, p.188.
136 O argumento da física aristotélica de que se a Terra se movesse, os objetos que se deixassem
cair do alto da torre, cairiam atrás, a uma distância razoável e não na frente e ao da torre como
realmente acontece.
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não cai em linha reta da torre (movimento real), ela apenas parece fazer isso. O
que Feyerabend encontra de significante neste caso é que Galileu usa uma teoria
refutada por uma experiência. Mais ainda, o argumento de Galileu ganha força
pelo procedimento contra-indutivo e explica a oposição a um fato, até então,
incontestável. Feyerabend escreve:
Assim, uma teoria do movimento, de caráter empírico e amplo, é substituída por
uma teoria muito mais acanhada, que se acompanha da metafísica do movimento,
exatamente como se dá na substituição de experiência ‘empírica’ por uma
experiência que abrange elementos especulativos. Percebe-se, porém, que, agora,
a contra-indução passa a desempenhar importante papel vis-à-vis teoria e vis-à-
vis os fatos. E favorece, indiscutivelmente, o avanço da ciência.
137
O argumento de Galileu se opõe, explicitamente, ao fato de que a pedra cai
em linha reta e ao cânone metodológico clássico que não admite qualquer
inferência que vá além da observação da experiência. Para o autor, o que houve de
mais importante na realização científica de Galileu, foi a abordagem contra-
indutiva em relação a um fato empírico e a uma regra metodológica, ambos dados
como indubitáveis.
Para defender suas posições, Feyerabend utiliza o mesmo oportunismo e
algumas técnicas de persuasão e propaganda que diz ter encontrado na obra de
Galileu. Este aplica a filosofia da ciência que prescreve aos cientistas, defende
uma posição teórica que contradiz as teorias bem estabelecidas de sua época e
também pratica o anarquismo metodológico. Afirma Feyerabend que seu
anarquismo “favorece a concretização do progresso em qualquer dos sentidos que
a ele se decida emprestar”
138
. Os “avanços científicos” acontecem diariamente: as
viagens a Lua e os “progressos” da medicina são provas irrefutáveis da excelência
da ciência. Quase ninguém duvidaria disso. Entretanto, quem garante que não
poderíamos melhorar a pesquisa pela introdução de elementos de fora da ciência?
É verdade que não se pode garantir também que a união de elementos científicos e
não científicos possa sempre se mostrar profícuo, mas o que dizer da ciência
“pura” que registra inúmeros fracassos? E mais, os critérios de demarcação, a
separação entre ciência e “não-ciência”, a institucionalização dessa separação são
tão artificiais quanto nocivos ao avanço do conhecimento, trazendo, inclusive
137 Feyerabend, Karl Paul, Conta o Método, p. 154.
138 Idem, p. 34.
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prejuízos às liberdades individuais. Para remediar esta situação, Feyerabend
propõe que livremos a sociedade do embotamento por uma ciência
ideologicamente petrificada, assim como nossos “ancestrais nos livraram da
ditadura da idéia e das conseqüências de uma Religião Verdadeira e Única”.
139
Em uma sociedade livre, tal como o concebe Feyerabend, a ciência não deve ser
privilegiada em relação a outras formas de saber ou tradições. Pois a seu ver,
como diz o autor:
Um cidadão amadurecido, em tal sociedade, é uma pessoa que aprendeu a tomar
decisões e que decidiu em favor daquilo que mais lhe convém. [...] estuda a
ciência como fenômeno histórico e não como único e sensato meio de enfrentar um
problema. Estudaa ciência a par de outros contos de fadas, tais como os mitos
das sociedades primitivas, de sorte a contar com as informações necessárias para
chegar a uma decisão livre.
140
Nesta sociedade ideal, O Estado deve ser
ideologicamente neutro. Sua função é a de orquestrar a luta entre ideologias (a
ciência é uma delas), a fim de garantir aos indivíduos a liberdade de escolha que
lhes é devida. Assim, a racionalidade de nossas crenças se verá consideravelmente
acentuada.
141
Com as idéias expostas em “Contra o todo” Feyerabend estabelece
definitivamente as bases de sua epistemologia. O anarquismo epistemológico é,
para seu autor, um esforço no sentido de promover uma ciência melhor e de uma
nova perspectiva para o entendimento da natureza do conhecimento científico. A
tese que Feyerabend defende em toda sua obra e que é a tese principal de “Contra
o Método” afirma que: “Ciência é um empreendimento essencialmente anárquico:
o anarquismo teorético é mais humanitário e mais suscetível de estimular o
progresso do que suas alternativas representadas por ordem e lei”.
142
Em obras posteriores, entre as quais destacamos “Ciência em Uma
Sociedade Livre”, “Adeus á Razão”, nas diversas reedições de Contra o Método e
Matando o Tempo, esta última, uma autobiografia lançada após a sua morte,
embora altere significativamente sua adesão ao relativismo e sua concepção de
incomensurabilidade, não há outras mudanças em suas posições filosóficas.
Mais do que apenas um relato histórico, nossa pretensão com a apresentação
da trajetória epistemológica de Feyerabend é a reconstrução da sua filosofia da
139 Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p. 464.
140 Idem, p. 465.
141 Idem, p. 466.
142 Idem, p. 9.
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ciência para, com ela, prosseguirmos na análise que este autor faz do progresso da
ciência.
5.2
Progresso Relativo.
A opção de Feyerabend pelo anarquismo epistemológico está fundamentada,
como vimos, na tese de que este anarquismo favorece a concretização do
progresso em qualquer dos sentidos que a ele (progresso) se decida emprestar”.
Nesta afirmação, a relativização do significado de progresso é tão hiperbólica que
pode até mesmo fazer supor não haver na obra do autor uma pesquisa mais
aprofundada em relação a este tema. Ao contrário.
Feyerabend admite haver dois conceitos de progresso, os dois
absolutamente diferentes e aplicáveis a diferentes domínios. O primeiro, que ele
designa por quantitativo ou adicional, serviria como pano de fundo para o
entendimento da ciência (da arte ou da filosofia) por suas invenções, descobertas
ou revoluções. As invenções, descobertas ou revoluções, são entendidas, neste
caso, como eventos bem definidos e catalisadores do progresso. Esta é uma idéia
de progresso bastante difundida, nos dias de hoje, “tanto entre os cientistas quanto
entre o grande público”
143
, mas que será colocada em questão no decorrer do
nosso trabalho.
O segundo, que ele chama de qualitativo, estaria por trás de uma descrição
que não se apresentaria apenas como multiplicativa ou acumulativa como a
anterior, mas nos falaria das qualidades e características dos acontecimentos. Uma
concepção que teria, segundo o autor, exercido um papelo importante na
história das ciências, a ponto de se poder afirmar que as discussões científicas
consideradas notáveis e reveladoras dizem respeito, muito mais “sobre a presença
ou a falta de certas características gerais do que sobre o número de predições”.
144
143 Karl Paul Feyerabend, La Science en Tant Qu’art, p.86.
144 Idem, p.86.
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72
Para explicar essas afirmações Feyerabend considera que desde a idade
média, o mundo científico subdividiu-se em duas correntes opostas: aqueles que
querem compreender a natureza a partir de modelos e os que dão importância ao
modo de se considerar os acontecimentos na natureza. Neste segundo caso
estariam vinculados os pensadores que afirmam a importância da ciência moderna
não pela abundância de novos fatos, predições ou descobertas, mas pela nova
concepção de universo e do lugar que o homem nele ocupa. A opção por uma ou
outra alternativa tendo como fundamento os fatos não é simples que aquilo que
uma corrente admite como um simples fato, para a outra é um problema que deve
ser aprofundado. Exemplificando, escreve:
Copérnico não criticou a astronomia de sua época pela pobreza de suas predições,
ao contrário, ele mesmo reconheceu que todos os modelos astronômicos
concordavam com os dados. Criticou algumas deficiências sobre o plano
qualitativo, por exemplo, o fato desses modelos se referirem à movimentos
circulares não centrados
145
e que Einstein pouco se importava com a verificação
de pequenos efeitos tão caros a seus contemporâneos, lhes opondo a coesão interna
de suas hipóteses fundamentais.
146
O autor considera também que o conceito quantitativo de progresso pode ser
visto como um conceito objetivo ou absoluto, ou seja, ninguém discordará que a
contagem da quantidade de objetos que pertencem a certa categoria pode
determinar se houve uma mudança ou não em relação a uma contagem anterior.
Por outro lado, se o que importa não é o número, mas o valor” dos eventos
considerados. Podemos dizer que o conceito qualitativo é um conceito relativo,
isto significando que as peculiaridades pelas quais uma manifestação é
considerada como progresso adquirem valor, apenas, quando percebidas em
relação a alguma tradição.
145 Idem, p.87 [...] nenhum outro motivo me levou a pensar num método diferente de calcular os
movimentos das esferas do Universo senão o fato de ter verificado que os matemáticos não estão
de acordo consigo próprios na investigação de tais movimentos. É que em primeiro lugar eles se
encontram de tal maneira inseguros quanto ao movimento do Sol e da Lua que nem a duração
regular do ano corrente eles são capazes de explicar e formular. Em segundo lugar, ao
determinarem os movimentos das esferas do Universo e dos cinco planetas não usam a dos
mesmos princípios e premissas que nas demonstrações dos movimentos e revoluções aparentes.
Com efeito, uns apenas se servem de círculos concêntricos e outros de círculos excêntricos e de
epiciclos com os quais, porém, não atingem completamente o que pretendem. (Copérnico, N. As
Revoluções dos Orbes Celestes. Trad. de A. D. Gomes e G.Domingues. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1984. Évora, F. R. R. Copérnico, 1984, p. 8)
146 Idem, p.88.
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73
Como Feyerabend não vê nenhuma razão para privilegiar a ciência em
relação a outros saberes, usa como estratégia abordar dois outros domínios, a arte
e a filosofia para exemplificar sua idéia de progresso.
5.3
A Arte
No caso da arte, mais especificamente da pintura (durante o
Renascimento) eram levadas em consideração algumas características plásticas,
tais como a naturalidade, a perspectiva (que se iniciava) e a delicadeza das cores
como características de progresso. Mas, essas características só indicam realmente
progresso “para uma concepção bem particular de natureza e de pintura”
147
, uma
concepção que requer que um quadro deva mostrar exatamente o que um
observador a partir de uma dada posição. É assim que concebe a pintura Leon
Batista Alberti, arquiteto, historiador e crítico de arte inteiramente integrado ao
paradigma renascentista, ao escrever:
[...] o trabalho do pintor é de escrever e pintar em uma superfície através de
linhas e cores todos os corpos, de tal maneira que a uma distância determinada e a
certa posição de um raio de visão central, tudo o que se pintado apresenta o
mesmo relevo e o mesmo aspecto que os corpos dados.
148
A pintura assim considerada era uma disciplina cumulativa por excelência,
permitindo a Vasari, registrar, respeitar e acatar as invenções que, do escorço ao
claro-escuro, haviam tornado possível as mais perfeitas representações da
natureza.
149
Na crítica que Vasari faz a “Tintoretto”
150
observa a execução
displicente e o fraco acabamento, pois a técnica atingira um padrão tão alto que
qualquer artista dotado de alguma aptidão mecânica podia dominar vários dos
147
Karl Paul Feyerabend, A Ciência Como Arte , p 88.
148
Alberti, Della Pinttura, livro III, apud Karl Paul Feyerabend, A Ciência Como Arte, p. 88-89.
149
Gombriche, E. H., Art and Ilusion: A Study in the Psicology of Pictorial Representation, Nova
York,1960, apud A Estrutura das Revoluções Científicas, Thomas Kuhn, p.203.
150
Jacopo Robusti Tintoretto, pintor (1518-1594).
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74
seus artifícios.”
151
Vasari não podia imaginar que o objetivo de Tintoretto não era
uma execução nem um acabamento primorosos, ao contrário, o pintor considerava
que a atenção daqueles que observam a obra poderia ser desviada dos eventos
dramáticos do quadro se seu autor estivesse muito preocupado com acabamento e
demais outros artifícios artísticos.
Os mesmos elementos que para uns representavam progresso,
representavam obstáculos para outros, notadamente para os artistas que, ainda no
Renascimento, pretendiam um estilo mais pessoal, ou para aqueles que, “desejam
representar o poder ou a grandeza espiritual do seu modelo”.
152
Estes artistas
acabaram desenvolvendo outros meios, afastando-se de um realismo visual e
substituindo o naturalismo pelo formalismo. Entretanto deve-se notar que as
técnicas naturalistas não foram esquecidas, não se deixou de utilizá-las nas cenas
da vida cotidiana, em “naturezas mortas” ou nos retratos, que eram consideradas
verdadeiras “especialidades” na Alemanha e nos Países Baixos no início do século
XVI.
A história da arte mostra a existência de diferentes modos de representação,
todos intimamente ligados a diferentes objetivos. Seria “estúpida”, afirma
Feyerabend, a tentativa de descobrir um progresso nas artes em função destes tão
variados objetivos. Seria o mesmo que tentar analisar, de um mesmo ponto de
vista, os diagramas da física ótica de Descartes e um crucifixo produzido por um
artesão. Se os estilos e os métodos de representação mudam com a intenção e com
a concepção das obras de arte, não é possível pensar no progresso da arte sem se
levar em consideração a tradição a que se está vinculado.
151
Gombrich E. H., A História da Arte, p. 371.
152
Karl Paul Feyerabend, A Ciência Como Arte , p. 89.
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75
5.4
A Filosofia
Feyerabend afirma que aquilo que se disse para as artes parece, num
primeiro momento, não se aplicar à filosofia, pois “a filosofia é o teatro de
mudanças qualitativas, com a diferença que essas mudanças colocam em cena
pensamentos e não objetos físicos” (quadros, estátuas, igrejas, etc.)
153
.
Pensamentos são objetivos? Não são dependentes de estilos, de impressões e
sentimentos? Não, o é uma evidência que pensamentos sejam objetivos e que
não dependam de estilos, impressões e sentimentos, ainda que pareçam ser
objetivos para alguns filósofos de orientação científica. A motivação para esta
resposta, Feyerabend encontra tanto no pensamento de Kierkegaard quanto no de
Nietzsche, filósofos que afirmam a estreita ligação entre pensamento e
subjetividade e que também postulam ser a verdade subjetiva, pois o que é
realmente importante é pessoal. Para ambos, a objetividade não é o ponto de
partida para o conhecimento científico, artístico ou filosófico, mas o indivíduo. É
também no inicio da filosofia, mais especificamente, na passagem da visão
homérica do mundo para a visão pré-socrática que Feyerabend (como fazem
Kierkegaard e Nietzsche) busca a base teórica para sua tese do caráter relativo do
progresso em filosofia. Os conceitos épicos não são objetivos, definidos, seu
conteúdo muda em função do contexto histórico no qual é narrado, dependem da
situação, são histórias pontuais em vez de definições, como diz Feyerabend:
153
Idem, p.93.
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76
[...] não sacerdotes, não dogma, não enunciados categóricos acerca dos
deuses, do homem, do mundo.
154
As Musas da Ilíada, 2.84 e ss., têm
conhecimento porque estão próximas das coisas. [...] A quantidade e não a
intensidade é o padrão de julgamento de Homero e do conhecimento.
155
[...]
Interesse e desejo de compreender muitas coisas surpreendentes (terremotos,
eclipses do Sol e da Lua, as paradoxais cheias e vazantes do Nilo), cada qual
explicada de maneira particular e sem recurso a princípios universais, persistem
nas descrições dos séculos VIII e VII A.C. [...] até mesmo um pensador do porte
de Tales se satisfaz em apresentar observações curiosas e propor explicações
várias, sem tentar juntá-las de forma sistemática.
156
O primeiro pensador a
elaborar um ‘sistema’ foi Anaximandro, que sucedeu Hesíodo.
157
Já os conceitos com os quais trabalhavam Parmênides e Zenão são objetivos,
estavam mais ligados à lógica, conceitos determinados por provas, com sua
autoridade determinada interiormente, pela lógica interior aos sistemas.
Entretanto, durante a transição não era possível estabelecer uma prioridade no uso
desses conceitos. A prática, e em particular a prática médica, permanecia atrelada
aos conceitos mais tradicionais, concretos; os modelos explicativos mais
informais eram freqüentemente privilegiados em detrimentos dos novos. Mas, de
maneira geral, os mitos se enfraquecem no embate entre as muitas culturas
presentes nas colônias jônicas, como diz Danilo Marcondes esta é: “uma hipótese
que parece razoável, de um ponto de vista histórico e sociológico, e mesmo
geográfico e econômico, para a explicação do surgimento do novo tipo de
pensamento [...]”.
158
Os novos pensadores participam de disputas intelectuais:
surgem novos objetivos e novas práticas, e decorrente dessas novas práticas surge
a filosofia. Feyerabend afirma que não se pode identificar esta mudança como
progresso, pois, guardada as devidas proporções, os “nazistas também falaram de
um grande progresso quando tomaram o poder, entendendo justamente por
progresso que sua “filosofia” iria por fim ser entendida”.
159
Muitos autores consideram progresso a transição da filosofia de Parmênides
para a de Aristóteles. A crítica que se faz a Parmênides é, de maneira geral, que
ele elabora uma visão ingênua da realidade, uma visão que nega o movimento,
movimento que, no pensamento aristotélico, significa a mudança de certo tipo de
154
Wilamowitz - Moellendorf, Der Glaube der Hellenen, I, 1955, p.17, apud Contra o Método, p.
370, n 72
155
Snell, The Discovery of Mind, p.18, apud Contra o Método, CM, p. 371
156
F. Kraft, in Geschichte der Naturwissenschaften, I, Freiburg, 1971, cap.3, apud Contra o
Método, p.371, n. 77.
157
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, pp 371.
158
Danilo Marcondes,, Iniciação à História da Filosofia (dos Pré-Socráticos à Wittgenstein), p.22.
159
Karl Paul Feyerabend, A Ciência Como Arte, p. 94.
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77
substância para outra. Na filosofia de Parmênides isso seria impossível que
afirma a existência de apenas um tipo de substância. Esta idéia, muitas pessoas
acreditam, “progrediria” para a teoria aristotélica que pretende dar conta não só do
movimento pelo recurso à potencialidade e à atualidade, mas também das causas
de todo movimento possível. Critica-se ainda Parmênides, afirma Feyerabend,
pelo uso abusivo da linguagem, sua filosofia elementar se reduziria ao termo “ser”
(estin), enquanto Aristóteles usaria uma terminologia mais convincente, uma
análise superior que levaria á compreensão da natureza da linguagem, do
pensamento e ainda do próprio ser. Mas, se o critério para se estabelecer o
progresso for a transformação do pensamento mítico em objetivo, qual dos dois
mais se aproxima da realidade? O apelo à unidade do ser ou o pluralismo
aristotélico? O pensamento de Parmênides estaria muito próximo, segundo
Feyerabend, de representar um estado psíquico real, aquele estado que também
teria sido descrito por Mach
160
que escreveu:
Com freqüência se diz que os números são criações livres da mente humana. A
admiração que desperta a mente humana, e que estas palavras expressam, é uma
conseqüência natural quando se contempla o edifício imponente e acabado da
aritmética. É claro que a nossa compreensão destas criações avançam mais quando
tentamos rastrear seus começos instintivos e levamos em consideração a
necessidade que motivou tais criações. É possível então compreender as primeiras
estruturas biológicas inconscientes que nos foram tiradas por circunstâncias
materiais e que seu valor só se pode apreciar depois que tenham aparecido.
161
Para Mach, os acontecimentos psíquicos comportam ingredientes materiais
e vice versa: “os limites entre as coisas obscurecem, não é mais possível distinguir
o Eu daquilo que me cerca, o tempo parece suspenso”.
162
A filosofia de
Parmênides seria adequada para exprimir esta realidade. Mas, esta realidade não é
a mesma que interessa a Aristóteles (que criticou Parmênides por afastar-se do
senso comum), motivado pela aspiração de aproximar a teoria da vida na cidade.
São palavras do próprio Aristóteles:
160
Ernest Mach (1838-1916).
161
Ernest Mach, Erkenntnis und Irrtum, p.327, Leipzig, Barth, 1917, apud Conquest of
Abundance p. 269.
162
Idem, p.95.
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78
[...] mesmo que ainda exista um bem único que seja universalmente predicável dos
bens ou capaz de existência separada e independente, é claro que ele não poderia
ser realizado nem alcançado pelo homem; mas o que nós buscamos aqui é algo de
atingível. [...] Não se compreende, [...] a vantagem que possa trazer a um tecelão
ou a um carpinteiro esse conhecimento do “bem em sino que toca à sua arte, ou
que o homem que tenha considerado a Idéia em si venha a ser, por isso mesmo,
melhor médico ou general. Porque o médico nem sequer parece estudar a saúde
desse ponto de vista, mas sim a saúde do homem, ou talvez seja mais exato dizer a
saúde de um indivíduo em particular, pois é aos indivíduos que ele cura.
163
Aristóteles quer encontrar o sentido do mundo no próprio mundo, quer
mostrar que o movimento pode ser explicado universalmente, quer explicar e
conhecer a Polis (e nesse caso, um bem universal deve ser o reflexo da realidade
dos benefícios individuais), quer colocar outras questões e dar respostas para
antigos problemas, pois tem uma outra concepção do que seja realidade: é real
aquilo que exerce um papel importante, tanto para o pensador quanto para uma
dada tradição. Realidade é um conceito relativo.
Feyerabend pretende que entendamos que mesmo os conceitos mais
fundamentais, dizem respeito às tradições que os criaram. Quando se fala em
progresso, tanto nas artes quanto em filosofia, se adota o ponto de vista de um
observador ou de uma tradição que não são, necessariamente, os mais lúcidos ou
os únicos. Se a escultura trabalha com a pedra ou com o metal e a pintura com as
cores e a luz, a matéria prima da filosofia são os pensamentos. Feyerabend afirma:
[...] ela os molda, os articula, os abrevia e constrói fantásticos castelos na
Espanha a partir deste leve material. Assim como nas artes, seria absurdo
classificar as filosofias colocando-as sobre uma única linha de progresso”.
164
163
Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1097 – 8 e seq.
164
Feyerabend Karl Paul, Le Progrès em Philosophie, dans ls Sciences et dans les Arts, in Adieu la
Raison,p.179-180.
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79
5.5
A ciência
A noção de progresso quantitativo (que o é relativa em si mesma) e a
noção de progresso qualitativo (que seria sempre relativa) que foram usadas na
análise do progresso das artes e da filosofia serão usadas também na análise do
progresso da ciência. Será possível, na análise do progresso da ciência, chegar a
conclusão da sua não relatividade, ao contrário do que aconteceu nas artes e na
filosofia? Em princípio parece que sim, mas, entretanto, Feyerabend adverte:
[...] o mito do progresso foi introduzido pelos filósofos; estes insistem sobre a
precisão, eles devem admitir que o desenvolvimento da ciência contenha
numerosas descontinuidades.
165
É preciso ressaltar que as ciências reais, aquelas
que são praticadas pelos cientistas, têm pouco a ver com o monstro monolítico
“Ciência” que subentende a pretensão ao progresso.
166
Partindo da suposição de que a ciência seja o conhecimento que faz a
ligação entre progresso qualitativo e o progresso quantitativo (como querem
muitos), isto é, subjugando as apreciações qualitativas às regras do progresso
quantitativo, Feyerabend argumenta que o progresso científico eliminaria o
relativismo, pois as idéias que permitiriam obter uma ampla quantidade de
predições seriam as melhores idéias, as mais objetivas. Assim, a ciência criaria
progresso real, absoluto, objetivo, com o que Feyerabend não concorda e propõe
uma crítica dividida em quatro pontos. O primeiro diz respeito a esta idéia de
ligação entre qualidade e quantidade que caracterizaria a ciência. Uma idéia
qualitativa e, portanto, de nenhuma maneira absoluta. Esta afirmativa é justificada
pela idéia de que certas culturas tratam a natureza de maneira respeitosa e
benevolente, recusando-se a substituir o que sabem do mundo por um
conhecimento dito “objetivo”, e vivendo suas vidas, em função e em
conseqüência dos seus pressupostos. Em muitos casos, afirma o autor, não se pode
mesmo dizer que essas culturas tenham uma vida ruim e o adianta alegar que o
165 Idem, p. 184.
166 Idem, p.181.
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80
conhecimento objetivo obteve mais sucesso que qualquer outro; este argumento
apenas reforça a idéia de qualidade aliada à quantidade. As chamadas medicinas
alternativas e muitas terapias ditas paralelas, que são ainda muito mal
compreendidas, apresentaram resultados impressionantes em muitas situações e
pode-se mesmo dizer em mais conformidade com o próprio espírito da ciência.
Não se pode negar que procedimentos intrusivos (na procura insana de resultados
objetivos) em relação à natureza não sejam “responsáveis, pelo menos em parte,
por problemas ecológicos e por uma sensação de alienação que nos invade”.
167
Assim, o argumento de que o conhecimento objetivo em relação à natureza obteve
grande sucesso o traz nenhuma contribuição para esclarecer aquela pretensa
ligação entre qualidade e quantidade, pois ele é, propriamente, um exemplo
daquilo que pretende explicar, ou seja, é circular. Assim, a transição entre o-
ciência e ciência, poderia ser considerada como progresso se avaliada a partir
de uma maneira particular de viver e ver as coisas. Feyerabend afirma também
que a descrição da ciência como o saber que proporciona a ligação entre
qualidades e quantidades não é correta na medida em que o progresso quantitativo
englobaria uma pequena parte dos conhecimentos anteriores: a física
aristotélica era muito mais abrangente (descrevia e ordenava um número maior de
fatos) que a de Galileu e a de Newton.
Os historiadores têm demonstrado que as idéias científicas de Aristóteles foram
utilizadas e renderam frutos, mesmo depois do triunfo das teorias de Copérnico. Os
cientistas, compreendendo a esterilidade de uma atitude toscamente reducionista,
olham de maneira favorável o caráter holístico da teoria aristotélica. A
interpretação de Aristóteles do contínuo como um todo, cujas partes se criam
mediante cortes (temporais, no caso do movimento) e de que nada se pode dizer
antes que um corte se produza, significa que um lugar e um estado de movimento
bem definidos se excluem um ao outro, o que antecipa um importante resultado da
física moderna.
168
O segundo ponto da crítica de Feyerabend se refere a uma questão
epistemológica importantíssima: ainda que exerçam um papel importante, tanto na
aquisição quanto no controle da pesquisa, sentimentos e sensações devem estar
afastados das considerações sobre as ciências naturais? A resposta é positiva para
a epistemologia empirista, uma condição basilar para o progresso científico, para
167
Feyerabend, Karl Paul, Adieu la Raison, p 180-181.
168
Karl Paul Feyerabend, Conquest of Abundance, p.259. Trata-se da Interpretação de
Copenhague” da física quântica, onde se afirma que, no vel quântico, o momento e a posição de
uma partícula não podem ser determinados com certeza, mas apenas em termos probabilísticos.
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o progresso quantitativo, de mais conteúdo empírico e mais predições. Entretanto,
o progresso quantitativo pode acarretar problemas que colocam em questão suas
implicações qualitativas, pondo em dúvida, mais uma vez, a pretendida existência
da ligação entre progresso quantitativo e qualitativo. A mesma epistemologia que
rejeita as qualidades (sentimentos e sensações), confia em enunciados de
observação que estão intimamente ligados ao problema da relação corpo-mente
(ainda sem solução), problema que afeta a natureza da investigação científica,
pois, como afirma o autor:
Todo enunciado formulado a partir de uma observação faz a passagem de um
mundo objetivo, do qual a materialidade é mensurável para um mundo da
percepção que obedece a leis completamente diferentes (e em grande parte
desconhecidas).
169
Alguns pensadores levaram a sério esta questão, outros a negligenciaram,
afastando-a como a um enigma filosófico sem importância. Estes,
autoritariamente, limitaram o domínio do conhecimento, definiram o que era e o
que não era importante, a partir de suas visões particulares e do interior de seus
próprios limites. Assim, a integração quantidade-qualidade em ciência não é um
fato evidente, mas uma presunção, uma redução, uma aproximação grosseira.
O terceiro ponto diz respeito à questão da incomensurabilidade. Questão que
examinaremos agora, detalhadamente, com a precisão devida a um conceito, ao
mesmo tempo o contraditório e tão importante na epistemologia feyerabendiana
para a questão do progresso da ciência. Este terceiro ponto da crítica colocará em
questão a própria idéia de existência de progresso quantitativo. Começaremos
descrevendo o conceito de incomensurabilidade, de forma simplificada, nas
palavras do próprio autor:
A passagem de uma teoria para a outra acarreta às vezes (mas nem sempre) uma
alteração fundamental da totalidade dos fatos, de tal forma que não é mais possível
estabelecer uma comparação sensata entre os objetos considerados por cada uma
das duas teorias.
170
Como exemplos, Feyerabend oferece as oposições entre: mecânica clássica
e teoria da relatividade restrita de Einstein; entre teoria do impetus e mecânica
169
Karl Paul Feyerabend , A Ciência como Arte, p. 98.
170
Karl Paul Feyerabend, A Ciência como Arte, p. 98 / Adeus à Razão, p. 181. Esta definição é
comum a Feyerabend e Thomas Kuhn, introdutores do conceito para estes casos.
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newtoniana. A teoria da relatividade restrita não adiciona apenas novos fatos,
fatos “não-clássicos” no que diz respeito ao espaço ou ao tempo, ela não é mais
capaz de estabelecer, na sua linguagem, os fatos clássicos; o conceito de impetus
não pode ser definido no âmbito da teoria newtoniana. Sua utilização envolve leis
que são inconsistentes com a física newtoniana
171
. Assim, como se pode falar em
progresso quantitativo na medida em que progresso supõe continuidade?
O conceito de incomensurabilidade nasce dos estudos de Feyerabend sobre
o positivismo vienense, no que diz respeito aos enunciados protocolares, tema de
uma tese sua de 1951. O autor propõe uma interpretação de incomensurabilidade,
no sentido de que uma teoria seja incomensurável com uma outra em função das
conseqüências ontológicas de uma e as conseqüências ontológicas da outra.
172
Não é sempre o caso de haver incomensurabilidade na sucessão de uma teoria
para outra. Por outro lado, são possíveis casos extremos onde uma teoria (com
seus enunciados de observação) seja ontologicamente incompatível com a teoria
que a sucede. Por exemplo, a questão da velocidade absoluta da Terra não faz
sentido na teoria da relatividade que nega, por princípio, as velocidades absolutas.
Uma filosofia das ciências que Feyerabend classifica como “tradicional”
não teria como lidar com o problema da incomensurabilidade em função da sua
ideologia que pressupõe o progresso contínuo e cumulativo. Mas chamamos a
atenção para a afirmação do autor de que nem todas as teorias que se seguem são
incomensuráveis, e, além disso, incomensurabilidade não é incomparabilidade. Ao
contrário, Feyerabend afirma que sempre se podem ter critérios formais de
comparação, tal como o “caráter linear” ou a “coerência”, e mesmo critérios não
formais como o da “conformidade” com a teoria de base. Entretanto, desde que
uma diferença ontológica importante tenha sido introduzida, a comparação será
superficial, que se fala de coisas diferentes. O impetus aristotélico não é
redutível ao momento newtoniano, pois as concepções subentendidas são
profundamente diferentes. A análise lingüística é inoperante, o conhecimento se
modifica e com ele as significações, as concepções em uso se integram a novos
elementos e, com o tempo, as antigas concepções podem ser destruídas. As
alterações conceituais podem acontecer em algum momento e em algum lugar do
171
Idem, p.66.
172
Karl Paul Feyerabend, Realism, Rationalism & Scientific Method, p .xi, in Philosophical
Papers, vol. 1
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sistema empregado e não em todo o sistema. Mas, ainda que se considerem as
similaridades estruturais entre dois sistemas, isso “não afasta o fato de que os
princípios universais de um são sustados pelo outro. É esse o fato que define a
incomensurabilidade, a despeito de todas as similaridades que seja possível
descobrirem.”
173
Não há diálogo.
Este conceito pretende manifestar também, como quer seu autor, a oposição
frontal ao dogma da invariabilidade da significação dos termos observacionais por
duas razões: primeiro, porque a significação seria imposta pela falível observação
e segundo porque seria fixada imutavelmente pela própria teoria que lhe serve de
base. A crítica a este dogma tem por objetivo permitir a introdução de novas
concepções, interpretações concorrentes, enfim novas maneiras de ver o mundo.
“O fenômeno da incomensurabilidade, [...] cria problemas para todas as
teorias da racionalidade”
174
, como por exemplo, para o falseamento de Popper e
para a metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos. Este considera ser
sempre possível a comparação entre teorias e programas de pesquisa no que diz
respeito ao conteúdo, mas o fenômeno da incomensurabilidade parece sugerir
que assim não se dá.”
175
. Aquele considera a comparação entre uma teoria
suplantada e a nova teoria adotada como um aspecto fundamental para sua
epistemologia na avaliação do progresso da ciência, no progresso por acumulação.
Idéia que o conceito de incomensurabilidade também coloca em questão. Outras
hipóteses, como a de que uma teoria antiga possa ser a aproximação de uma nova
ou a possibilidade de experiências cruciais
176
como critério para decidir entre
teorias concorrentes, entre outras, estariam eliminadas pela tese da
incomensurabilidade, pois “nenhuma das relações lógicas habituais (inclusão,
exclusão, interseção) pode ser estabelecida”.
177
Entretanto, a incomensurabilidade, afirma Feyerabend, representa uma
dificuldade para concepções filosóficas simplistas, aliás, ela é problema para
filósofos, não para cientistas, pois como afirma o autor:
173
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p. 404, 405.
174
Idem, p. 319-320.
175
Idem, p. 320.
176
Experimentos que permitiriam eleger, entre várias hipóteses possíveis, a explicação verdadeira
de um fenômeno.
177
Idem, p. 346.
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Os filósofos insistem na fixação da significação através de um raciocínio, enquanto
que os cientistas, conscientes do fato que falar uma língua ou explicar uma
situação, quer dizer, ao mesmo tempo, seguir regras e mudá-las são experts na arte
de raciocinar entre linhas, linhas que os filósofos consideram como limites
intransponíveis do discurso.
178
Além disso, a incomensurabilidade o impediria a colaboração entre os
cientistas pelo fato de não se ter que obedecer a uma ideologia comum, ao
contrário, isto implica na possibilidade de se poderem utilizar os conceitos de
maneira “aberta, ambígua e frequentemente contra-indutiva”
179
.
Entretanto, o conceito de incomensurabilidade sofre críticas importantes, e
entre elas destacamos duas: uma primeira é sobre a idéia de que o
desenvolvimento conceitual pode implicar na impossibilidade de certas
explicações e indagações, por exemplo, se estivermos atuando no paradigma
relativístico, não podemos perguntar sobre velocidade absoluta, conceito próprio
da física newtoniana. Tal crítica é rebatida por Feyerabend considerando-se que a
perda, neste caso não é considerável, não se constitui em nenhum mal, que
como afirma este autor:
[...] o progresso foi conseguido exatamente pelo ‘vaguear por diferentes campos’,
cuja feição hesitante, agora tanto perturba ao crítico: Aristóteles viu o mundo
como um superorganismo, como entidade biológica, ao passo que um elemento
essencial da ciência nova de Descartes, Galileu seguidores em medicina e biologia,
é o caráter exclusivamente mecanicista. Devem esses desenvolvimentos ser
proibidos?
180
A outra crítica, estreitamente ligada à primeira, defende a noção de
explicação ou redução, no sentido de que tal noção pressupõe a continuidade dos
conceitos. Feyerabend responde afirmando que nada obriga a física relativista
explicar as partes válidas da física clássica e que apenas podemos exigir que uma
teoria deva proporcionar uma “correta visão do mundo, ou seja, a totalidade de
fatos, tal como constituídos por seus próprios conceitos básicos,”
181
; e mais, que a
noção de explicação é tão precária, a ponto de ter sido ampliada para abranger
conexões estatísticas.
A conclusão que se tira é queo é possível a aplicação de nenhum método
que racionalize o progresso da ciência. Nas palavras do autor:
178
Karl Paul Feyerabend, Adeus à Razão, p. 310.
179
Karl Paul Feyerabend, Against Method, p. 211.
180
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p.410-411.
181
Karl Paul Feyerabend, Contra o Método, p.411.
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85
[...] o que permanece são os juízos estéticos, os juízos de gosto, os preconceitos
metafísicos, as aspirações religiosas, em suma, o que resta são nossos desejos
subjetivos: a ciência, no que tem de mais avançado e geral, devolve ao indivíduo
uma liberdade que ele parece perder quando penetra em partes mais vulgares da
mesma ciência.
182
Mais uma vez, es afastada a hipótese de a ciência ser a ligação entre
progresso quantitativo e qualitativo, na medida em que, não a idéia de
progresso quantitativo foi posta em questão, bem como tal ligação exigiria a
noção de continuidade, o que não pode ser garantido no caso da admissão de
teorias incomensuráveis.
O quarto ponto da crítica se dirige contra a pretensa univocidade da
determinação das concepções qualitativas (teorias) pelos elementos da noção
quantitativa (pelos fatos). Não está em jogo aqui, apenas, a possibilidade de que
um mesmo fato comporte diferentes e contraditórias concepções, além disso, o
que o autor quer ressaltar é que “mesmo uma teoria que contradiga totalmente
fatos evidentes e princípios largamente confirmados o é necessariamente
inferior a uma teoria rival, corroborada pela evidência e por outros princípios”
183
.
É possível ainda, afirma Feyerabend, durante a pesquisa, transferir-se de uma
teoria um fato evidente e atribuí-lo à outra teoria rival. A teoria de que os pesos
atômicos dos elementos o múltiplos do peso atômico do hidrogênio mostrou-se
mais adequada, embora estivesse num determinado momento em contradição com
numerosas experiências e com o princípio da continuidade das massas atômicas.
O movimento da Terra era negado pelos partidários da física de Aristóteles. Esta
física assegurava que, caso a Terra se movesse, as nuvens, os pássaros no ar ou
mesmo os objetos em queda livre seriam deixados para trás. Galileu, como
vimos, se colocou contra essa idéia, afirmando que, se uma pedra fosse
abandonada do alto do mastro de um navio um observador a bordo sempre a veria
cair na vertical, estando ou não o navio em movimento. Um observador situado na
margem veria, com a passagem da embarcação, a pedra descrever uma curva
descendente porque, enquanto cai, ela acompanha o deslocamento horizontal do
navio. Tanto um observador quanto o outro constataria que a pedra chega ao
convés exatamente no mesmo lugar, isto é, ao do mastro. Ela o é deixada
para trás quando o barco se desloca. Da mesma forma, se fosse abandonada do
182
Idem, p.412.
183
Karl Paul Feyerabend, A Ciência como Arte, p. 98-99.
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86
alto de uma torre, a pedra cairia sempre ao da mesma ainda que a Terra se
mova. Galileu, ao estudar a queda livre dos corpos que durante muito tempo foi
considerada como a prova irrefutável da imobilidade da Terra, substituiu a idéia
aristotélica de movimento baseada em “fatos evidentes” por suas próprias idéias,
aliás, pela sua própria idéia de movimento. Para isso, a cada evidência exposta
pelos aristotélicos, apresentou uma evidência equivalente, de acordo com sua
nova concepção e os mesmos argumentos que foram utilizados antes para
corroborar as posições aristotélicas foram transferidos para a concepção
copernicana. Os exemplos expostos acima, afirma Feyerabend, mostrariam a
justeza da crítica neste quarto ponto.
Feyerabend ainda considera um outro aspecto desta questão, a idéia (a seu
ver equivocada) de que é correto rejeitar uma hipótese quando ela contradiz uma
teoria confirmada. Afirma que os dois mais fortes argumentos que tentam dar
apoio a esta idéia, como a tese da falta de coerência e a falta de base empírica,
podem ser facilmente derrotadas se considerarmos que as mais importantes
“teorias que temos hoje, foram, inicialmente contraditórias, sem base empírica e
discrepantes com os fatos julgados fundamentais na época da sua criação.”
184
(A
própria teoria da relatividade de Einstein serve como exemplo). Para Feyerabend,
estas exigências seriam, na realidade, produtos da pesquisa e não suas condições,
portanto “rejeitar uma hipótese porque ela contradiz uma teoria largamente
confirmada é como colocar a carroça adiante dos bois”.
185
E, num confronto
direto com a maioria dos epistemólogos de sua época, Feyerabend afirma que os
erros passageiros de uma teoria, de uma concepção, de uma ideologia não podem
ser suficientes para rejeitá-la definitivamente. Se a ciência pretende multiplicar as
descobertas importantes deveria estar pronta para utilizar qualquer idéia, seja ela
proveniente da história das idéias, da história dos mitos, das lendas, da literatura,
etc. Quer dizer, essas idéias (e todas as idéias originárias de qualquer tradição)
passam a ser consideradas também como componentes da pesquisa científica.
Assim, mais uma vez, o conceito de que a ciência seja o saber que promova
a ligação entre progresso quantitativo e qualitativo, subordinando o segundo as
leis do primeiro, com o objetivo de garantir que as idéias que implicam um grande
número de predições corretas sejam as melhores idéias está definitivamente
184
Karl Paul Feyerabend, A Ciência como Arte, p. 149.
185
Idem 150
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87
abalado. Podemos então garantir que, para Feyerabend, o progresso da ciência
também não consegue ultrapassar o relativismo, ou seja, se pode mesmo falar
em progresso da ciência a partir de cada tradição, de cada cultura, de cada
comunidade e em função de suas necessidades e expectativas.
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88
6
Conclusão
Quando optamos por expor, problematizar e defender as posições de
Feyerabend em relação ao progresso da ciência optamos também pela defesa da
epistemologia deste autor, que é a partir dela que entendemos a questão do
progresso da ciência. É a partir da epistemologia feyerabendiana que podemos
compreender que não se pode falar em progresso da ciência de maneira absoluta,
linear, contínua e fora de uma determinada tradição. Na medida em que, nos
parece, deixamos clara esta posição e como o anarquismo epistemológico é a
doutrina que lastreia a epistemologia de Feyerabend, iremos de agora em diante,
procurar expor, problematizar e defender o anarquismo epistemológico, onde a
questão do progresso é parte integrante e fundamental.
O anarquismo epistemológico é uma tentativa radical de enfrentar o
processo de erosão, o descrédito e o desgaste progressivo das regulamentações
metodológicas clássicas pela adoção do ponto de vista de que uma única regra e
uma racionalidade imutável são inúteis e castradoras quando está em jogo um
processo o criativo quanto a ciência, no interior do qual existem diversas vias
interpretativas e cujas diferenças não podem ser arbitradas a partir de uma base
comum compartilhada. Nas palavras de Feyerabend:
Existindo a ciência, a razão não pode reinar universalmente, nem a desrazão pode
ver-se excluída. Esse traço da ciência pede uma epistemologia anárquica. A
compreensão de que o debate entre ciência e mito se encerrou sem vitória para
qualquer dos lados empresta maior força ao anarquismo.
186
Sem freqüente
renúncia à razão não progresso (...) Temos, portanto, de concluir que, mesmo
no campo da ciência, não se deve e não se pode permitir que a razão seja
exclusiva, devendo ela, freqüentes vezes, ser posta de lado ou eliminada em prol
de outras entidades.
187
As argumentações de Feyerabend que colocam em causa o método
científico são frequentemente entendidas como anti-científicas, pois alterna
momentos em que critica o cientificismo clássico com momentos em que acusa a
186
Feyerabend, Karl Paul, Contra o Método, p. 447.
187
Idem, p. 279.
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filosofia da ciência de se dedicar a um objeto que, na realidade, não existe (o
método científico):
[..] a ciência continua soberana. Reina soberana porque seus praticantes são
incapazes de compreender e não se dispõem a tolerar ideologias diferentes,
porque têm força para impor seus desejos. [...] Combinando essa informação
com a percepção de que a ciência não dispõe de método especial, chegamos à
conclusão de que a separação entre ciência e não-ciência não é apenas
artificial, mas perniciosa para o avanço do saber. Se desejarmos compreender
a natureza, se desejarmos dominar a circunstância física deveremos recorrer a
todas as idéias, todos os métodos e não apenas a reduzido número deles.
188
O anarquismo de Feyerabend se configura num esforço no sentido de
promover uma ciência melhor e de uma nova perspectiva para o entendimento da
natureza do conhecimento científico. A tese que Feyerabend defende em toda sua
obra e que é a tese principal de “Contra o Método” afirma: “Ciência é um
empreendimento essencialmente anárquico, o anarquismo teorético é mais
humanitário e mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas
representadas por ordem e lei”.
189
O anarquismo de Feyerabend pode ser
considerado, a partir de duas de suas afirmações fundamentais: (1) a ciência é
mais bem caracterizada se vista como um empreendimento anárquico, e (2) a
ciência é um empreendimento anárquico. A primeira afirmação é descritiva e diz
respeito à história da ciência, enquanto a segunda é prescritiva e afirma como a
ciência deve proceder. Estas duas afirmações estão alicerçadas, principalmente, no
estudo da evolução das teorias da física.
Nossa defesa do anarquismo de Feyerabend no contexto da filosofia da
ciência contemporânea tem seu foco principal na sua afirmação prescritiva de que
a ciência é um empreendimento anárquico. As bases para este argumento
aparecem em seu trabalho “Problemas do Empirismo” I e II de 1965 e 1970,
respectivamente, embora também estejam em “Contra O Método”. Temos a
convicção que por trás do estilo provocador, existem sérios e relevantes
argumentos que se opõem à metodologia científica contemporânea e que devem
ser considerados. Para evitar mal-entendidos, Feyerabend deve ser lido levando-se
em consideração seu estilo e sua maneira de argumentar, bem como uma
tendência para o exagero. Feyerabend escreve: “alguns leitores tiveram
188 Feyerabend, Karl Paul. Contra o Método, p. 453.
189, p. 9.
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dificuldades com meu estilo. Eles liam insinuações como afirmações de fato e
piadas como argumentos sérios”.
190
Ao prescrever o anarquismo como um
princípio que se deve seguir para se defender o progresso da ciência, Feyerabend
está também prescrevendo uma ciência que siga o princípio teórico do pluralismo.
Especificamente, Feyerabend pensa numa ciência que siga o princípio de
proliferação, isto é, uma ciência que requeira uma contínua geração de
alternativas. Esta perspectiva está baseada na idéia de que o único processo de
mudança científica que pode produzir conhecimento genuinamente objetivo
requer um contexto que encoraje uma pluralidade de teorias e métodos. O
pesquisador não avançará em seu trabalho apenas confrontando teorias e fatos,
mas operando com um amplo conjunto de teorias alternativas. Assim, a riqueza
explicativa ou mesmo os resultados mais significativos não resultarão somente da
convergência com a realidade, mas também da pluralidade de visões sobre ela e
até porque, como mostramos, realidade é apenas um conceito que depende da
tradição a que está atrelado. Ainda que empírico, um estudo será tão fecundo
quanto maior for o número de alternativas rivais em competição. O monismo
teórico, ao contrário, promove o dogmatismo ou a implementação acrítica de uma
única perspectiva.
Um dos objetivos mais importantes de Feyerabend ao apresentar
argumentos em favor do pluralismo e contra uma imagem idealizada de ciência
racional é, certamente, despertar a consciência crítica de cientistas e filósofos da
ciência.
É importante reconhecer que o anarquismo metodológico de Feyerabend
não rejeita métodos e muito menos nenhum tipo de racionalidade, o que afirma é
que tais métodos ou racionalidades não são absolutos, nenhuma regra em ciência é
absoluta. aqueles muito ingênuos, ou de vontade, interpretarão o ‘tudo
vale’ como uma proposta hedonista. estes interpretarão a afirmação de que
todos os saberes são legítimos com a idéia de que é a mesma coisa se tomar uma
decisão na “cara-ou-coroa” ou a partir de uma teoria deduzida por observações de
experimentos. É preciso que se entenda o “tudo vale” como uma maneira
iconoclasta de Feyerabend enfatizar que aceitar críticas e mudanças de rotas
quando se aceitam regras propostas por teorias científicas é absolutamente
190 Feyerabend, Karl Paul, Matando Tempo, p.153.
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necessário para o progresso da ciência, portanto quanto mais regras (teorias)
melhor para a ciência. As vantagens proporcionadas pelo pluralismo teórico e
metodológico ficam evidenciadas em se tratando, como chama Kuhn, do período
de ciência revolucionária pelo benéfico confronto entre paradigmas.
Apesar da defesa que fazemos, e em função desta própria defesa, queremos
agora levantar uma objeção mais contundente ao anarquismo epistemológico. A
objeção vem em forma de dilema para o anarquista: se o anarquismo for uma
proposta verdadeiramente radical, como sugerem algumas leituras da obra do seu
autor, então é absurdo; se o anarquismo se parece mais com a leitura que fizemos
em nosso trabalho, então é uma proposta superficial, já que o que propõe é
normalmente feito em ciência. Certamente nos interessará analisar a segunda
parte do dilema já que a primeira foi inteiramente descartada por nós neste
trabalho.
Se aceitarmos, inicialmente, assumir como uma grave objeção que o
anarquismo seja uma proposta trivial, somos então obrigados a aceitar também
que o anarquismo não tem relevância na filosofia da ciência contemporânea.
Entretanto, se assim for, como explicar que esta doutrina “superficial”
(constituída, basicamente, pelas afirmações: o fato do conhecimento científico ser
falível é importante para a crítica do conhecimento científico, conhecimento
empírico está baseado em alguma teoria, seguir métodos e regras fixas pode ter
efeitos negativos na prática científica, o significado de conceitos pode mudar na
medida em que a teoria muda, o conhecimento científico pode também se
desenvolver por contra-indução) seja rejeitada pela maioria dos filósofos
contemporâneos da ciência?
Contra a trivialidade, oferecemos também a resposta positiva de
Feyerabend para a questão: pode o pluralismo oferecer mais para o avanço do
conhecimento do que o monismo? Esta é a afirmação de uma perspectiva,
verdadeiramente inovadora no que se refere à natureza do conhecimento
científico. É a afirmação de que a unidade de análise da ciência não é mais uma
simples teoria e seus fatos, mas um conjunto incontável de teorias e fatos, ou até
mesmo um conjunto de teorias incomensuráveis e os fatos.
Na caracterização de Feyerabend, teorias e suas interações
proporcionariam diferentes observações, cada uma capturando diferentes aspectos
da realidade em cada domínio de investigação. Assim, a ciência que é sustentada
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pela proliferação será mais promissora do que aquela sustentada pela
uniformidade. Dessa maneira a ciência assim constituída testará teorias aceitas
continuamente e incentivará as alterações nas teorias em função de novos dados.
Por outro lado, a ciência que é sustentada pela uniformidade tende a suprimir
evidências que podem trazer problemas para as teorias aceitas e assim reforçaria a
idéia de aceitar teorias sem uma crítica mais abrangente.
O que está pressuposto nos argumentos de Feyerabend pelo anarquismo é
sua inflexível proposta de que o conhecimento científico é sempre provisório e
hipotético, independentemente da verdade que ele possa conter. E desses
argumentos, talvez, nenhum filósofo contemporâneo discordaria.
Julgamos que a relevância maior, a não superficialidade e a novidade do
trabalho de Feyerabend é a de demonstrar a desvantagem de se seguir os
princípios monísticos em ciência em comparação com a atitude de se seguir os
argumentos e as conseqüências positivas do pluralismo. Ao responder também
positivamente se a ciência pode ser melhor sem o princípio da coerência
Feyerabend é motivado pelo interesse em prevenir que teorias se transformem em
dogmas e segue o argumento que, em algum momento, a ciência necessita da
pluralidade de diferentes métodos e teorias para ter verdadeiramente
conhecimento objetivo e progresso.
Na nossa análise do anarquismo, pudemos demonstrar que o problema da
incompreensão do trabalho de Feyerabend pode também ser atribuído a ele
mesmo, embora não seja responsável pelas mudanças nos seus textos ou por
leituras ingênuas ou preconceituosas em relação ao seu estilo argumentativo,
quando emprega, intencionalmente, os argumentos dos seus adversários ou
argumentos baseados em reductio ad absurdum”. O autor é o responsável pelos
exageros, e às vezes, fica extremamente difícil saber quando está falando
seriamente ou não. Entretanto é um erro classificar o anarquismo como uma
doutrina radical ou superficial. O anarquismo oferece muitos elementos preciosos
e sutis para o entendimento do progresso do conhecimento científico. O valor da
diversidade (é bom que se diga, não só como proposta de uma metodologia
científica) que permanece uma idéia pouco valorizada entre muitos filósofos e
cientistas, é adotada por Feyerabend como uma medida preventiva contra o
dogmatismo para a ciência e para a filosofia da ciência. Embora Feyerabend
mude, algumas vezes, de posão, indo de um relativismo radical a um
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relativismo mitigado nos últimos trabalhos, existem temas relevantes e recorrentes
desde que começa a desenvolver o seu anarquismo: primeiro, a promoção de uma
melhor ciência por intermédio de uma proposta de revisão nos mecanismos que,
aos seus olhos, promovem o dogmatismo é certamente o tema mais consistente
que se pode encontrar em seus trabalhos; segundo, a visão de que toda linguagem
e todo conhecimento é hipotético e provisório, e conseqüentemente exposto à
crítica e à mudança, é outro tema recorrente na obra deste autor; terceiro, a idéia
de que padrões universais, tais como verdade, racionalidade e realismo não são
noções tão claras e podem ser alteradas, moldadas pela prática científica é outro
tema que marca a obra do autor. E finalmente um outro tema que é uma
preocupação constante na obra de Feyerabend diz respeito às conseqüências éticas
advindas das relações com a ciência e da tentativa de dar-lhe mais atenção e
privilegiá-la em relação aos outros saberes. Como esses temas recorrentes e
consistentes são, de fato, os temas que constroem as bases do anarquismo
epistemológico, não porque laar a esta doutrina e ao seu autor a pecha da
superficialidade, da incoerência e da radicalidade.
Podemos constatar com Feyerabend que muitas escolas (desde as séries
iniciais até as universidades) ainda ensinam ciência como se fosse esta a única
possibilidade de se ler” o mundo de forma correta e indubitável, a “mídia”
difunde esta idéia e toda sociedade é a vítima maior da propaganda mal informada
e tendenciosa. Adora-se a ciência como se adora um Deus, e, muitos cientistas,
ainda que bem preparados”, conformam-se com este culto. Feyerabend
empreende a dessacralização da ciência em nome do progresso do conhecimento
científico e da humanidade, pois a idéia de que a ciência é superior a outras
formas de saber impediriam seu próprio progresso. Somos levados, cada vez mais
a concordar com Feyerabend, quando afirma que não nenhuma razão objetiva
para se preferir a ciência entre outras tradições, nenhum argumento, nada que
possa sustentar a posição da superioridade científica. O ataque a essas idéias
provoca reações corporativistas, e em conseqüência, toda concepção que não se
integra a um sistema de categorias científicas bem estabelecido, ou é esquecida
ou é simplesmente ignorada.
O anarquismo, como diz Feyerabend é necessário tanto para o progresso
da ciência, quanto para a cultura, de uma forma geral, pois cada modo de se
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abordar a realidade pelos diversos saberes é, de uma forma ou de outra, um
enriquecimento e uma ampliação do horizonte explicativo.
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95
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