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explicação baseada nas leis da natureza
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. São aqui denominados também de coisas em
si. Deus, a imortalidade da alma e a liberdade são seus exemplos primordiais. Segundo
Kant, “Deverá ressalvar-se e ficar bem entendido que devemos, pelo menos, poder
pensar esses objectos como coisas em si embora os não possamos conhecer” (Kant,
[1781] 2001, BXXVII). Poder pensá-los, sabendo-se que não se trata de dar a eles o
mesmo status dos objetos passíveis de serem conhecidos através de suas causas
naturais, é uma tarefa da metafísica.
Sem essa distinção entre os objetos da experiência, fenomênicos, e os objetos
noumênicos (que, como vimos, Kant denomina de coisas em si aqui), não haveria
espaço para um pensamento consistente dos objetos não causados e, logo, não haveria
espaço para pensarmos a liberdade, que é, para a filosofia kantiana, necessariamente
incondicionada e fundamental para podermos pensar a ética.
A citação a seguir trata da distinção entre aquilo que está submetido às leis da
natureza (causado ou condicionado) e aquilo que pode ser considerado livre de causas
naturais (não causado ou incondicionado). Interessante notar que Kant difere não apenas
um objeto fenomênico de um noumênico, mas chama atenção para o fato de que o
mesmo objeto pode encerrar aspectos condicionados e incondicionados.
Assim, de um mesmo ser, por exemplo, a alma humana, não se poderia afirmar que a sua
vontade era livre e ao mesmo tempo sujeita à necessidade natural, isto é, não livre, sem
incorrermos em manifesta contradição, visto que em ambas as proposições tomei a alma
no mesmo sentido, ou seja, como coisa em geral e nem de outro modo podia proceder
sem uma crítica prévia. Se, porém, a crítica não errou, ensinando a tomar o objecto em
dois sentidos diferentes, isto é, como fenômeno e como coisa em si; se estiver certa a
dedução dos seus conceitos do entendimento e se, por conseguinte, o princípio da
causalidade se referir tão somente às coisas tomadas no primeiro sentido, isto é, enquanto
objecto da experiência e se as mesmas coisas, tomadas no segundo sentido, lhe não
estiverem sujeitas, então essa mesma vontade pode, por um lado, na ordem dos
fenômenos (das acções visíveis), pensar-se necessariamente sujeita às leis da natureza, ou
seja, como não livre; por outro lado, enquanto pertencente a uma coisa em si, não sujeita
a essa lei e, portanto, livre, sem que desse modo haja contradição. (Kant, [1781] 2001,
BXXVIII)
Tendo feito essa importante divisão, Kant vincula, ainda no segundo prefácio da
CRP, a moral à liberdade. Isso porque, para ele, a moral
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“Desta dedução da nossa capacidade de conhecimento a priori, na primeira parte da Metafísica, extrai-
se um resultado insólito e aparentemente muito desfavorável à sua finalidade, da qual trata a segunda
parte; ou seja, que deste modo não podemos nunca ultrapassar os limites da experiência possível, o que é
precisamente a questão mais essencial desta ciência. Porém, a verdade do resultado que obtemos nesta
primeira apreciação do nosso conhecimento racional a priori é-nos dada pela contra-prova da
experimentação, pelo facto desse conhecimento apenas se referir a fenômenos e não às coisa em si que,
embora em si mesmas reais, se mantêm para nós incognoscíveis.” (Kant, [1781] 2001, BXX)
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