uma outra forma e, segundo nosso entendimento, contrária a Heidegger.
Com relação à frase final de O Crepúsculo dos Ídolos, em que Nietzsche
afirma ser o “mestre do eterno retorno”, Montinari escreve que
Esta posição, no fim, do pensamento do eterno retorno do mesmo, não me
parece ocasional. Este é um pensamento que está na conclusão de toda uma
história de vida e paixão. Através de sua afirmação, a vida torna-se
justificada, o mundo redimido, quando toda a dura realidade da vida for
percorrida por uma vontade de potência múltipla. Este pensamento não se
deixa compreender por fórmulas, ou melhor, todas as suas formulações são
provisórias e superáveis, na medida em que abarca num todo a vida, o
mundo e o tempo, mas não de forma transcendental, porque ele já expressa a
totalidade. Através dele acontece a confirmação da imanência após a morte
de Deus. (…) Por conseguinte, existe uma tensão no pensamento do eterno
retorno, considerado por um lado como fundamento especulativo último,
como inocência do vir-a-ser, como redenção do mundo, como a mais elevada
forma de afirmação da vida, e por outro lado, como confrontação com
situações particulares, seja a filosofia até então, ou a modernidade, o
niilismo e a décadence, a moral ou a religião, uma tensão que não é
superada, que por princípio não deve ser superada. Uma sistematização geral
da vontade de potência como princípio eliminaria, por um lado, a resolução
da luta necessária ao perspectivismo e, por outro, se igualaria à construção
de uma metafísica da vontade de potência (análoga à metafísica
schopenhauriana da vontade de vida). Mas, a presença do pensamento do
eterno retorno impede toda sistematização. (…). O sentido filosófico do
Crepúsculo dos Ídolos não é uma sistemática da vontade de potência, mas
sua superação no pensamento do eterno retorno mesmo.
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A vontade de poder, múltipla, tão essencial quanto existente, é
absolutamente afirmada no eterno retorno do mesmo. Esta conexão não se
dá como determinação, como afirmou Heidegger, pois não há possibilidade
de que o eterno retorno possa sistematizar a vontade de poder. Montinari
chama atenção para o fato de que o eterno retorno na obra de Nietzsche
impede toda “sistematização”, quer dizer: a “coisa em si”, que na história da
metafísica ocidental possibilitaria a constituição e cristalização da verdade e
da essência do mundo, não pode ser afirmada senão enquanto valor, isto é,
enquanto produto da mente humana. A superação da sistemática da vontade
de poder se dá no mesmo passo que a superação do pensamento do eterno
retorno, mas isto não significa um voltar atrás, nem um ir à frente, mas a
assunção absoluta da existência em toda sua plenitude. Não nos esqueçamos
que, se uma ontologia emerge em Nietzsche é porque seu pensamento busca
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Montinari, op. cit., p. 89.
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