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CHRISTIANE MARIA CRUZ DE SOUZA
A GRIPE ESPANHOLA NA BAHIA: saúde, política e medicina
em tempos de epidemia
Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde
da Casa de Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), como requisito para
obtenção do Grau de Doutor.
Orientador: Professor Doutor Gilberto Hochman
Rio de Janeiro
2007
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S729d Souza, Christiane Maria Cruz de
A Gripe Espanhola na Bahia: saúde, política e medicina
em tempos de epidemia/ Christiane Maria Cruz de Souza.
-- Rio de Janeiro, 2007.
387 fls. : il; 30 cm.
Tese (Doutorado em História das Ciências da Saúde) –
Casa de Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz, 2007.
Bibliografia: f. 355-383.
1. História da medicina. 2. Epidemias 3.História
4.Bahia 5.Século XX 6. Brasil. 7.Gripe Espanhola I. Título
CDD 610.9
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CHRISTIANE MARIA CRUZ DE SOUZA
A GRIPE ESPANHOLA NA BAHIA: saúde, política e medicina em tempos
de epidemia.
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em História
das Ciências e da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, como
requisito para obtenção do Grau de Doutor.
Aprovada em 02 de julho de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof
a.
Dr.
a
Lina Maria Brandão de Aras
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/UFBA
_______________________________________________________________
Prof. Dr Luís Antônio de Castro Santos
Instituto de Medicina Social/UERJ
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Coelho Edler
Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ
_______________________________________________________________
Prof. Dr.
Luís Antônio Teixeira
Casa de Oswaldo Cruz /FIOCRUZ
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Hochman – Orientador
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
_______________________________________________________________
Prof. Dr.
André Vieira Campos
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Maria Raquel Froes da Fonseca
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
Rio de Janeiro
2007
2
Aos meus pais
(in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Uma vida nunca é obra de uma pessoa só. Da sua construção,
desconstrução e reconstrução cotidiana participam todos os que de algum modo
se cruzam nos caminhos do mundo. Cabe-nos absorver os seus ensinamentos e
agradecer-lhes por contribuírem para que nos tornemos pessoas melhores.
Assim, começo essa declaração pública de gratidão reconhecendo o papel
fundamental de minha mãe no meu encantamento permanente com as narrativas.
As histórias que embalaram a minha infância, desde os contos de fadas à
mitologia grega, certamente criaram base fértil para a minha escolha profissional.
Minha avó Angelina também representou importante papel na minha formação,
sempre alimentando minha sede de conhecimento, sempre aplainando caminhos,
criando oportunidades quando as coisas pareciam impossíveis. Meu pai, músico e
poeta autodidata, com os desafios e padrões de qualidade que sempre me
apresentou, ensinou-me a não temer lutar por meus sonhos e a nunca me
acomodar, buscando sempre galgar patamares mais elevados.
Meus irmãos, companheiros de jornada, que sempre me estimularam,
apoiaram e participaram das minhas aventuras pelo mundo acadêmico lendo e
criticando meus textos, abrindo-me portas para alcançar as fontes de pesquisa,
realizando cálculos matemáticos e oferecendo o ombro confortador quando as
coisas ficavam difíceis também merecem a minha gratidão. Agradeço também a
4
meus sobrinhos pelo afeto, acolhimento e pelo apoio logístico na área da
informática, campo no qual, “tecnofóbica” como sou, sempre encontrei dificuldade
para compreender e transitar.
Agradeço muito a Renilda – irmã de alma que Deus colocou em meu
caminho com quem sempre posso contar, tanto no plano pessoal, quanto na
vida profissional. Agradeço também a essa amiga tão querida por ter-nos trazido
Izidro, alma generosa sempre pronta a ajudar de homem dos cálculos a quase
historiador, de tanto que participa do processo de construção dos nossos objetos
de pesquisa.
Quero agradecer também a Luís Otávio Magalhães e a Lina Brandão de
Aras, por confiarem no meu potencial de trabalho e me recomendarem à Casa de
Oswaldo Cruz. À Lina, dedico especial gratidão pelas contribuições à minha
formação profissional e por sua presença constante e positiva em meus ritos de
passagem no mundo acadêmico.
Nesta minha caminhada, tive a sorte de ter por orientador Gilberto
Hochman, que sempre demonstrou respeito pelo meu trabalho. Gilberto, mais que
um orientador, tornou-se um amigo atento e cuidadoso apresentando críticas
pertinentes e apontando caminhos que me ajudaram a suplantar os limites
iniciais.
Em especial, desejo agradecer a toda a equipe da Casa de Oswaldo Cruz
aos pesquisadores e professores, pela receptividade e significativas
contribuições ao meu trabalho; aos dirigentes e aos funcionários da Biblioteca e
do Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz, bem como à querida e sorridente Maria
Cláudia, pelo profissionalismo e empenho em atender às minhas solicitações.
Não posso deixar de agradecer também a André Vieira Campos, do
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF, e a Luiz Antônio de Castro
Santos, do Instituto de Medicina Social da UERJ, pelo ambiente afetivo e
enriquecedor das suas aulas, cujas discussões e leituras propostas contribuíram
para enriquecer as minhas reflexões.
Agradeço também aos dirigentes e aos funcionários da Biblioteca e Arquivo
da Casa de Oswaldo Cruz; do Arquivo Público do Estado da Bahia; da Biblioteca
Pública do Estado da Bahia; do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia;
do Memorial da Faculdade de Medicina da Bahia; Academia Nacional de
5
Medicina; da Fundação Clemente Mariani; do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia; do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro e da Bahia;
Arquivo Nacional; da Biblioteca Nacional; da Biblioteca de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA; da Biblioteca Nacional de
Lisboa os quais contribuíram de modo eficiente e cuidadoso para que
tivéssemos acesso a tão variada gama de informações. Quero agradecer também
aos dirigentes e aos funcionários do Arquivo Municipal de Vitória da Conquista; do
Arquivo Municipal da Cidade de Nazaré; do Arquivo da Câmara de Vereadores de
Feira de Santana; do Cartório de Amargosa; bem como à Editoria da Folha do
Norte pelo acesso à documentação sob sua guarda. Nesse sentido, quero
parabenizar Carlos Melo pelo esforço e eficiência em preservar a memória
feirense e baiana, através do jornal Folha do Norte, e agradecer-lhe a atenção
dispensada no período da minha investigação. Não posso deixar de agradecer
também ao professor Oscar Damião, que tão gentilmente nos recebeu na
Academia de Letras e Artes de Feira de Santana. Agradeço também a
colaboração do Dr. Rodolfo Teixeira e da equipe responsável pelo Serviço de
Arquivo Médico e Estatística (SAME) do Hospital Português, que cuidam de
preservar uma documentação importante para o estudo da história da medicina
baiana. Quero agradecer também a Marilza Elizardo Britto e a Liliana Cordeiro de
Mello do Acervo Memória da Eletricidade pela gentileza e presteza com as quais
atenderam a minha solicitação.
Sou grata também aos meus colegas da COC, com quem partilhei as
agruras e delícias do curso de Pós-Graduação. Com alunos das turmas anteriores
formei uma fraternidade, que inclui desde a formação de um grupo de pesquisa
até a minha invasão na sua vida familiar. Gisele e Martha abriram os seus
corações e a suas casas para me acolher; além de partilharem comigo suas
vidas, garimparam textos e documentos para minha pesquisa, e não se furtaram a
oferecer cérebros e ouvidos às minhas reflexões. Agradeço, também, a Maria
Regina, por socializar informações importantes para o meu trabalho.
E “as meninas do André”? Queridíssimas Nikelen, Maria Teresa e Dilma! A
troca de informações e as discussões entabuladas com esse grupo de
pesquisadoras de doenças tão terríveis quanto a gripe espanhola certamente
contribuíram para enriquecer a análise do meu objeto. Agradeço, sobretudo, pela
6
convivência alegre e pelo apoio afetivo que esse grupo, do qual participam o
próprio André e também o Guto, me proporcionou durante a minha estadia na
“Corte” e em “terras de Araribóia”.
Aproveito o momento para agradecer também às “espanholadas” Adriana,
que generosamente partilhou comigo as suas fontes, e Anny, sempre gentil e
disposta a compartir indagações e informações.
Por fim, agradeço também à Vera Natália e à Luciana, que me ajudaram a
identificar as fontes para o projeto de pesquisa, bem como à querida revisora
deste texto, Anna Maria, que além do trabalho cuidadoso, o se furtou a
estabelecer uma convivência bem-humorada e afetiva pela Internet.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS -----------------------------------------------------------
11
LISTA DE GRÁFICOS ---------------------------------------------------------
14
LISTA DE MAPAS --------------------------------------------------------------
15
LISTA DE TABELAS ----------------------------------------------------------
16
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ----------------
17
RESUMO --------------------------------------------------------------------------
18
ABSTRACT -----------------------------------------------------------------------
19
RESUMÉ ---------------------------------------------------------------------------
20
INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------
21
8
1. SOB O IMPÉRIO DA DOENÇA SANEAR E MODERNIZAR A
CIDADE DA BAHIA -----------------------------------------------------------------
1.1. SALVADOR NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
CIDADE DE BECOS E CORTIÇOS ---------------------------------------------
1.2. A CIDADE DO SALVADOR PORTAL DE ENTRADA DAS
EPIDEMIAS ----------------------------------------------------------------------------
1.3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UM APARATO DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE ----------------------------------------------------------
1.4 A ASSISTÊNCIA À SAÚDE NOS TEMPOS DA “ESPANHOLA
1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------
41
42
54
61
73
89
2. “A INFLUENZA NA BAHIA É... POLÍTICA!” -----------------------------
2.1. O CENÁRIO POLÍTICO DA BAHIA ---------------------------------------
2.2. “A INFLUENZA NA BAHIA É... POLÍTICA!” -----------------------------
2.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS -------------------------------------------------
91
92
102
128
3. A GRIPE ESPANHOLA: UM DESAFIO À MEDICINA -----------------
3.1. AS MÚLTIPLAS PERCEPÇÕES DA DOENÇA ------------------------
3.2. BACTÉRIA OU VÍRUS? A MEDICINA BAIANA E O DEBATE
INTERNACIONAL -------------------------------------------------------------------
3.3. OS MÉDICOS BAIANOS DIANTE DA GRIPE -------------------------
3.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS -------------------------------------------------
130
131
139
155
172
4. A “ESPANHOLA” EM SALVADOR O COTIDIANO DA CIDADE
DOENTE -------------------------------------------------------------------------------
4.1. A INFLUÊNCIA DA GRIPE NO QUADRO SANITÁRIO DA BAHIA
4.2. A CIDADE DOENTE AS RUPTURAS IMPOSTAS À VIDA
COTIDIANA ---------------------------------------------------------------------------
4.3. QUEM ERAM OS ESPANHOLADOS’? CARACTERIZAÇÃO
173
173
177
9
DOS INDIVÍDUOS OU GRUPOS SOCIAIS ATINGIDOS PELA GRIPE
4.4. “CRESCE A MORTANDADE!” A INFLUÊNCIA DA EPIDEMIA
NO QUADRO NOSOLÓGICO DE SALVADOR ------------------------------
4.5. A TRAJETÓRIA DA GRIPE -------------------------------------------------
4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------
184
194
205
215
5. ENFRENTANDO A “ESPANHOLA A PROFILAXIA E AS
PRÁTICAS DE CURA DA GRIPE ----------------------------------------------
5.1 “E O POVO CRUZA OS BRAÇOS?” A SOCIEDADE SE
MOBILIZA PARA ENFRENTAR A “ESPANHOLA” -------------------------
5.2. O PODER PÚBLICO ASSUME A DIREÇÃO A DEFESA
SANITÁRIA DE SALVADOR ------------------------------------------------------
5.3. O ATENDIMENTO NOSOCOMIAL AOS “ESPANHOLADOS” -----
5.4. BAHIA DE TODOS OS SANTOS O CONFORTO DA E AS
PRÁTICAS DE CURA INFORMADAS PELA RELIGIÃO ------------------
5.5. A TERAPÊUTICA PANACÉIA PARA AS DOENÇAS SEM
REMÉDIO ------------------------------------------------------------------------------
5.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------
217
219
225
240
249
258
269
6. A VIAGEM DA “ESPANHOLA” PELOS SERTÕES DA BAHIA ----
6.1. “DOLOROSA E INCÔMODA” A REALIDADE DOS SERTÕES
DA BAHIA ------------------------------------------------------------------------------
6.2. PELOS CAMINHOS DOS TRENS E DOS RIOS – A INFLUENZA
MALIGNA ASSOLA O VALE DO SÃO FRANCISCO -----------------------
6.2.1. De Alagoinhas a Juazeiro; de Januária a Chorrochó a
“espanhola” palmilha os caminhos do sertão ---------------------------------
6.2.2. De Alagoinhas ao Timbó o nordeste da Bahia dominado pela
“espanhola” ----------------------------------------------------------------------------
6.3 DO RECÔNCAVO À CHAPADA A GRIPE VIAJA PELA
ESTRADA DE FERRO CENTRAL DA BAHIA --------------------------------
6.3.1. A ação da “espanhola” no Sertão do Orobó --------------------------
6.3.2. A epidemia se propaga em Feira de Santana ------------------------
272
274
285
285
295
297
299
302
10
6.4. PELOS CAMINHOS DE TERRA, DE FERRO E DAS ÁGUAS A
“ESPANHOLA” ESPRAIA-SE PELO RECÔNCAVO ------------------------
6.4.1. Subindo o Paraguaçu – a “espanhola” visita Cachoeira -----------
6.4.2. A gripe acomete os santamarenses ------------------------------------
6.4.3. A gripe infesta o povoado de Candeias --------------------------------
6.4.4. Viajando nas lanchas e saveiros – a “espanhola” chega à
contracosta da Baía de Todos os Santos -------------------------------------
6.4.5. A “espanhola” avança pela Estrada de Ferro Tram-Road de
Nazareth -------------------------------------------------------------------------------
6.5. A “ESPANHOLA” INVADE AS “TERRAS DO SEM-FIM” ------------
6.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS -------------------------------------------------
315
316
320
326
327
329
332
339
CONCLUSÃO ------------------------------------------------------------------------
343
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -------------------------------------------
355
ANEXOS ------------------------------------------------------------------------------
384
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Vista parcial da Cidade do Salvador em 1917 42
Figura 2 Vista parcial do porto e do Comércio em 1917 43
Figura 3
Plano Inclinado Gonçalves em 1909, um dos diversos
acessos à Cidade Alta
44
Figura 4 Diretoria Geral da Saúde (organograma) 74
Figura 5 Farmácia e laboratório bacteriológico 80
Figura 6 Pavilhão de Pensionistas Gonçalo Moniz 81
Figura 7 Pavilhão de Indigentes Pedreira Franco 81
Figura 8 Instituto Oswaldo Cruz da Bahia 85
Figura 9 Instituto Oswaldo Cruz da Bahia 86
Figura 10 A configuração do poder na Bahia em 1918 (1) 97
Figura 11 A configuração do poder na Bahia em 1918 (2) 98
Figura 12 A influenza na Bahia é... política! 105
Figura 13 O sono da “Saúde Pública” e a ceifa da “Espanhola” 110
Figura 14 Socorrei o Povo! 119
Figura 15 A nota científica 151
Figura 16 A influenza alarma a cidade! 156
Figura 17 Prado Valladares 159
Figura 18 Pacífico Pereira 160
Figura 19 Obituário 180
12
Figura 20 Doentes nas corporações militares 187
Figura 21 Interior de uma fábrica de roupas em 1918 187
Figura 22 Fechamento de escola 188
Figura 23 Acadêmicos e enfermeiros gripados 190
Figura 24 Doença de Luiz Vianna 192
Figura 25 Rodrigues Alves adoece 193
Figura 26 Cresce a mortandade! 197
Figura 27 O medo se espalha 221
Figura 28 Carro que fazia a irrigação das ruas em 1918 234
Figura 29 Campanha de vacinação 235
Figura 30 Conselhos à população 239
Figura 31 Hospital Português 242
Figura 32 O Hospital Santa Isabel em 1918 245
Figura 33 O grupo de enfermeiras do Hospital Santa Isabel em 1918 246
Figura 34 O corpo clínico do Hospital Santa Isabel em 1918 247
Figura 35 A proteção do Senhor do Bonfim 251
Figura 36 A fé não morre! 252
Figura 37 A terapêutica dos feiticeiros e charlatães 254
Figura 38 Cura de Moléstias do Peito 264
Figura 39 Bebida que cura 265
Figura 40 Solução para doenças antigas e recentes 265
Figura 41 Cura certa! 266
Figura 42 Para prevenir ou curar 266
Figura 43 Cura-se a gripe ao ar livre 267
Figura 44 A gripe é o chamariz 268
Figura 45 Reconstituinte por excelência 269
Figura 46 Assédio nefasto 275
Figura 47 A gripe dissemina-se pela cidade 304
Figura 48 Conselhos para evitar a gripe 305
Figura 49 O intendente adoece 306
Figura 50 Necrologia 307
Figura 51 Avaliação da epidemia 309
Figura 52 Número de enterramentos 310
13
Figura 53 O número de infectados pela gripe 311
Figura 54 Para restabelecer as forças na convalescença 314
Figura 55 A gripe irrompe na cidade de Valença 334
Figura 56 A gripe em Caravelas 336
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Mortalidade por Moléstias Transmissíveis 175
Gráfico 2 A Gripe Espanhola em Salvador 185
Gráfico 3 Mortalidade em Salvador (set-nov 1918) 194
Gráfico 4 Óbitos por faixa etária 200
Gráfico 5 Óbitos por sexo 201
Gráfico 6 Óbitos por profissão 203
Gráfico 7 Óbitos por distrito 217
Gráfico 8 Óbitos por local 241
Gráfico 9 Hospital Santa Isabel Doenças do aparelho respiratório
(1917-1918)
244
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Salvador: Distritos Civis (1918) 206
Mapa 2 Vias Férreas e Fluviais da Bahia em 1918 273
Mapa 3 A Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco 286
Mapa 4 Detalhe da hidrovia do São Francisco 293
Mapa 5 Estrada de Ferro Central da Bahia 298
Mapa 6 Recôncavo 316
Mapa 7 Estrada de ferro de Nazareth 329
Mapa 8 Companhia de Navegação Bahiana navegação de barra de
fora
333
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Mortalidade por Moléstias Transmissíveis (1908-1912) 55
Tabela 2 Mortalidade por Moléstias Transmissíveis (1912-1919) 55
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
APEBA – Arquivo Público do Estado da Bahia.
DGSPB – Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia.
SCMBA – Santa Casa da Misericórdia da Bahia.
UFBA – Universidade Federal da Bahia.
DSEEB - Diretoria do Serviço de Estatística do Estado da Bahia.
PRC – Partido Republicano Constitucional
PRB – Partido Republicano da Bahia.
PRD – Partido Republicano Democrata.
FMBA – Faculdade de Medicina da Bahia.
IMLNR – Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues.
AMFMB – Arquivo do Memorial da Faculdade de Medicina da Bahia.
SAME – Serviço de Arquivo Médico e Estatística
RESUMO
O objetivo desta tese é compreender como a doença se infiltra na vida das
pessoas, as reações que provoca, e a maneira pela qual expressão a valores
sociais, culturais e políticos. Ao estudarmos a epidemia de gripe espanhola que
atingiu Salvador e o interior do Estado da Bahia no período compreendido entre
os anos de 1918 e 1919 pretendemos analisar diferentes aspectos de uma
sociedade complexa e desigual, revelados sob o impacto da doença: a tessitura
das relações sociais e da configuração do poder; o uso político da epidemia e os
conflitos gerados pelas facções que disputavam o governo do estado; o
conhecimento e a tecnologia médica; o lugar ocupado pelos profissionais da
medicina naquela sociedade; bem como a relação entre as condições materiais
de sobrevivência da população, o quadro sanitário do estado, as fragilidades e
exigências do sistema econômico e as formas de assistência à saúde.
ABSTRACT
The aim of this thesis is to understand how disease is introduced into
people’s life, what reactions it causes and how it influences social, cultural and
political values. Through the study of the Spanish Flu Epidemic that affects
Salvador and the inside of State of Bahia between 1918 and 1919, we intent to
analyze different aspects of a complex and unequal society that has been
revealed under impact of the disease: the social relationships texture and the
power configuration; the political use of the epidemic and the conflicts generated
by factions that compete for State government; the medical knowledge and
technology; the place taken by medicine professionals in that society; and the
relationship between survival conditions of the population, the State sanitary
situation, the fragilities and exigencies of the economic system and the health
assistance methods.
RESUMÉ
Cette thèse a pour but comprendre la façon dont la maladie s´infiltre dans la
vie des gens, les réactions qu´elle provoque, et de quelle manière elle permet
l´expression des valeurs sociales, culturelles et politiques. Dans notre étude sur
l´épidémie de grippe espagnole qui a atteint Salvador et l´intérieur de l´Etat de
Bahia entre les années de 1918 et 1919, nous avons eu le propos analyser les
différents aspects d´une société complexe et inégale, qui se sont dévoilés sous
l´impact de la maladie la tissure des relatins sociales et de la configuration du
pouvoir; l´usage politique de l´épidémie et les conflits engendrés par les factions
qui disputaient le gouvernement de l´Etat de Bahia; le savoir et la technologie
médicale; le rang occupé par les professionnels de la médecine dans cette société
–, examinant, en outre, le rapport entre les conditions matérielles de subsistance
de la population, le panneau sanitaire de l´Etat de Bahia, les fragilités et les
exigences du système économique, et les moyens d´assistance à la santé.
INTRODUÇÃO
A Bahia teve, naturalmente, de pagar o
seu tributo à tremenda pandemia da gripe, que
por toda a parte manifestou intensidade e
expansibilidade nunca vistas.
A moléstia, que, o sei com que razão,
foi vulgarmente apelidada “influenza hespanhola”,
causou, no seu acometimento mundial, a morte
de um número tão elevado de pessoas como
jamais fora registrado em todas as anteriores
pandemias, não só da mesma natureza, senão
também dos morbos mais temíveis pela sua
gravidade, tais como a cólera morbus, a peste
bubônica, etc, (...) metade, ou mais, da
população na maior parte das localidades
assaltadas, que, embora fosse pequena a
letalidade, isto é, a percentagem dos casos de
terminação funesta, foi assaz considerável o
número absoluto destes (Moniz de Aragão, 1919,
p. 51).
A presente narrativa versa sobre a epidemia de gripe espanhola que
irrompeu em Salvador, em meados de setembro de 1918, e dali, seguindo os
caminhos dos trens, dos rios e do mar, avançou pelo interior do estado, em
percurso que durou até os primeiros meses de 1919. Escolhemos tal objeto de
estudo no intuito de deslindar a trama do tecido histórico que constituía a
sociedade baiana nos primeiros decênios do século XX.
22
Ao pensarmos na Bahia da Republica Velha sob o impacto de tal epidemia,
diversas questões afloraram à nossa mente: Em que contexto a doença se
inseriu? De que maneira a gripe espanhola chegou até a Bahia, e como se
infiltrou na vida do povo baiano? Como a invasão e os efeitos do flagelo foram
explicados pelos médicos, políticos, religiosos e pelas pessoas comuns? Como
essa sociedade reagiu à doença? Quais as medidas adotadas para conter a
epidemia? Que atos das autoridades e da população, que valores ou concepções
socioculturais mostraram-se marcantes durante o surto epidêmico? Essas e
outras questões nos acompanharam durante a investigação, conduzida no sentido
de analisar os diversos aspectos dessa sociedade, revelados a partir da crise
epidêmica.
Todavia, antes de discorrermos sobre o nosso trabalho, consideramos
importante definir epidemia, visto que nas sociedades contemporâneas o termo é
freqüentemente utilizado de forma metafórica, para conferir a certos fenômenos
um caráter indesejável e de urgência, ou para designar o uso generalizado de
algum objeto, aspecto, método ou costume (Rosenberg, 1992; Sontag, 1989). Na
verdade, o uso do termo em tais situações está atrelado a objetivos políticos e de
retórica. No âmbito da medicina, o termo define “a manifestação, em uma
coletividade ou região, de um grupo de casos de alguma enfermidade que excede
claramente a incidência prevista” (Barbosa, 1993, p. 495).
Dentre as doenças que afligem as sociedades humanas, os flagelos
epidêmicos são as que adquirem caráter de maior dramaticidade. As doenças
epidêmicas surgem inesperadamente em lugar e tempo específicos, apresentam
trajetória temporal e espacial e somem quase tão repentinamente quanto
aparecem. Contudo, apesar da transitoriedade do evento epidêmico, o medo e a
ansiedade, gerados pela súbita intensificação das experiências de morte,
determinam a necessidade de entender o fenômeno, assim como o caráter de
espetáculo público exige respostas visíveis e imediatas.
Cada sociedade em particular constrói sua resposta a uma epidemia. De
formas diversas, em períodos históricos e espaços geográficos específicos,
indivíduos e grupos humanos utilizaram-se de signos, práticas e preceitos para
racionalizar, administrar e combater as doenças. Dessa maneira, produziram seus
próprios modos de definir a etiologia, a transmissão, a terapia apropriada e os
23
significados de uma enfermidade, utilizando-se, para tanto, das ferramentas
intelectuais da época.
Assim, a incidência de uma doença em determinado espaço de tempo e
específico meio social torna-se, para o historiador, objeto de estudo
extremamente fértil, por se constituir numa seção transversal da sociedade e,
dessa forma, refletir uma configuração particular dos seus valores sociais,
concepções culturais e práticas institucionais (Rosenberg, op. cit.).
Contudo temas como medicina, saúde e doença permaneceram, por longo
período, restritos aos domínios dos médicos; estes, por sua vez, interessados em
historicizar o passado de sua profissão, construíram uma narrativa que celebrava
a ciência médica, heroicizava o papel do médico e projetava uma visão otimista
do progresso científico. Os historiadores profissionais não consideravam tal
temática relevante, preferindo dedicar-se a outros objetos política, guerras e
diplomacia, por exemplo, constituíam temas recorrentes.
Progressivamente, esse cenário começou a mudar, e os historiadores
voltaram sua atenção também para o estudo dos antigos sistemas de medicina e
práticas de cura; a construção do corpo e seus simbolismos; os aspectos sociais
e institucionais da medicina e suas relações com valores culturais e realidades
socioestruturais. O quotidiano das pessoas comuns torna-se igualmente objeto da
História e da Demografia, que passaram a investigar como se vive e se morre; as
representações do corpo, da saúde e da doença; a sexualidade; o nascimento; a
infância; etc.
Todavia, ao eleger tal temática, os historiadores propunham novo olhar
sobre a medicina, a saúde e a doença, afastando-se das abordagens que
apresentavam visão heróica, otimista e linear da medicina e do progresso
científico. Nas décadas de 1970, observa-se crescente tendência desse campo da
história em destacar a relação entre conhecimento, profissão e poder, inspirada
nas análises de Michel Foucault.
A partir das décadas de 1980 e 1990, em meio a um contexto de vitórias e
derrotas da medicina,
1
despontaram trabalhos inovadores no campo da
1
Em 1980, o importante êxito alcançado com a erradicação da varíola, fez com que a comunidade
científica internacional acreditasse na possibilidade de eliminação das mais terríveis moléstias que
têm assolado a humanidade por séculos. Entretanto, o surgimento da Síndrome da
24
historiografia, os quais ressaltaram que as implicações das causas morbígenas
sobre a vida ultrapassam o biológico, transformando-se em eventos sociais. Nesta
última linha estão os trabalhos de Charles Rosenberg (op. cit.), que elabora o
conceito de framing, segundo o qual as doenças não podem ser examinadas fora
da estrutura social em que estão inseridas.
Para Rosenberg a doença constitui um processo biossocial de negociação
e consenso e, em sua percepção e definição, interferem variáveis como as teorias
médico-científicas, valores culturais e interesses dos atores sociais. O processo
de reconhecimento e racionalização de tal fenômeno biológico inclui elementos
cognitivos e disciplinares que estruturam o cuidado médico, assim como políticas
públicas que regulamentam o comportamento coletivo e individual.
Essa definição
reflete não mudança do conhecimento e das tecnologias médicas, mas
também influências mais amplas, tais como os valores sociais e as concepções
culturais, além de políticas e responsabilidades estatais. Assim, o esforço de
cognição do processo saúde-doença sofre influência do contexto em que a
enfermidade emerge, mas pode provocar também respostas políticas, científicas,
tecnológicas, econômicas e socioculturais que interferem em tal contexto.
Nesta perspectiva se insere o nosso estudo sobre a gripe espanhola na
Bahia. O objetivo da presente tese é analisar como a doença se infiltra na vida
das pessoas, as reações que provoca, e a maneira pela qual expressão a
valores sociais, culturais e políticos. Ao estudarmos a epidemia de gripe
espanhola que atingiu Salvador e o interior do Estado da Bahia no período
compreendido entre os anos de 1918 e 1919, pretendemos analisar diferentes
Imunodeficiência Adquirida, AIDS, nas últimas décadas do século XX, provocou impacto social e
psicológico numa sociedade fascinada pelo progresso técnico-científico alcançado no período. Em
paralelo a esse fato, doenças tidas como erradicadas voltaram a assombrar o planeta. Surtos de
cólera, malária, peste bubônica, tuberculose, febre amarela, gripe e difteria têm irrompido com
força surpreendente em países africanos, sul-americanos e do sudeste asiático, afetando
negativamente o panorama sanitário mundial. Nos últimos tempos, a ameaça de uma pandemia
nos moldes da ocorrida em 1918-1919 voltou a assombrar o planeta desde 1997, quando o vírus
influenza aviário FLU A/H5N1 infectou 18 pessoas em Hong Kong, vitimando 6 (Brasília-DF,
Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde, 2004, p. 8). Nesse período, descobriu-se
que o vírus, cuja circulação se dava apenas entre humanos e suínos, passou a ser transmitido
diretamente da ave para o homem, sem passar pelo suíno, como até então havia acontecido
(ibid.). O fato se repetiu em 2003, quando se iniciou a mais recente epidemia de influenza aviária
na Ásia. Desde então, explosões de surtos de gripe em aves domésticas, causadores de grande
letalidade entre humanos, têm sido observadas em vários países dos continentes asiático, africano
e europeu, o que acentua a probabilidade de transmissão inter-humana, tal como ocorreu durante
a pandemia de gripe espanhola, em 1918-1919 (ibid.). Tal possibilidade assusta o mundo e tem
mantido em estado de alerta a Organização Mundial da Saúde.
25
aspectos de uma sociedade complexa e desigual, revelados sob o impacto da
doença: a tessitura das relações sociais e da configuração do poder; o uso
político da epidemia e os conflitos gerados pelas facções que disputavam o
governo do estado; o conhecimento e a tecnologia médica; o lugar ocupado pelos
profissionais da medicina naquela sociedade; bem como a relação entre as
condições materiais de sobrevivência da população; o quadro sanitário do estado;
as fragilidades e exigências do sistema econômico; e a formação de uma rede de
assistência à saúde.
Nosso trabalho pretende contribuir para o preenchimento de uma lacuna
historiográfica são poucos os textos historiográficos publicados sobre doenças
epidêmicas na Bahia; dentre estes, grande parte concentra-se no século XIX e
tem as epidemias de cólera-morbo e febre amarela por objeto de discussão.
2
Dentre esses trabalhos, destacamos o livro de Onildo Reis David (1996), O
inimigo invisível: epidemia na Bahia do século XIX, o qual, fundamentado em
ampla documentação, reconstitui a epidemia de cólera que assolou a Bahia entre
1855 e 1856. David acompanha a insidiosa ação da doença naquela sociedade,
apresentando narrativa que entrelaça questões como o impacto socioeconômico e
demográfico da epidemia; a insegurança e o medo suscitados pela peste; o
confronto entre o discurso médico e a concepção religiosa; o posicionamento das
autoridades públicas e sanitárias ante a disseminação do morbo, assim como as
respostas das pessoas comuns.
Entretanto, não conhecemos nenhum trabalho historiográfico produzido na
Bahia que apresente estudo aprofundado sobre a passagem da gripe espanhola
pelo estado. O livro recentemente organizado por Howard Philips & David
Killingray (2003), The Spanish Influenza Pandemic of 1918-19: new perspectives,
pretende mapear os trabalhos produzidos acerca da pandemia de gripe
2
Cf.: ATHAYDE, Johildo Lopes de. Salvador e a grande epidemia de 1855. Salvador: CEB/UFBA,
1985. 41 p.; CHAVES, Cleide de Lima. Embarcações, germes e notícias: circuitos epidêmicos na
Bahia e no Rio da Prata (1872). POLITEIA: Hist. e Soc., Vitória da Conquista, v. 3, n. 1, p. 133-
151, 2003; MATTOSO, Kátia M. de Queirós e ATHAYDE, Johildo Lopes. Epidemias e flutuações
de preços na Bahia no século XIX”. In: Colloques internationaux du CNRS. Paris: CNRS, 1973, p.
183-202. NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. O cólera morbus como fator de involução
populacional da cidade do Salvador. In: Anais do Arquivo blico da Bahia. Salvador: Imprensa
Oficial da Bahia, 1981, v. 45, p. 263-289; NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Dez Freguesias da
Cidade do Salvador: aspectos sociais e urbanos do século XIX. Salvador: Fundação Cultural do
Estado da Bahia, 1986. 204 p; TEIXEIRA, Rodolfo. O ciclo recidivante das epidemias na Bahia.
Revista de Cultura da Bahia, Salvador, 18 v., p. 13-22, 1999/2000.
26
espanhola, sob uma perspectiva multidisciplinar. O trabalho resultou de uma
conferência realizada em Cape Town, África do Sul, em setembro de 1998, a qual
reuniu estudiosos de várias áreas do conhecimento virologistas, patologistas,
epidemiologistas, demografistas, historiadores, antropólogos, geógrafos, etc. –
com a finalidade de discutir a pandemia de 1918-1919. Assim, os dezesseis
capítulos desse livro apresentam a experiência da epidemia em diferentes
contextos e sob enfoques disciplinares diversos. A obra é organizada em torno de
seis temas principais: virologia e perspectivas patológicas
3
; as perspectivas da
enfermagem e da medicina contemporânea
4
; as respostas oficiais à pandemia
5
; o
impacto demográfico
6
; as conseqüências em longo prazo e recordações
7
; e as
lições epidemiológicas que derivaram da pandemia
8
. Segundo os seus
organizadores, esse arranjo temático ressalta a carência de uma caracterização
mais ampla da pandemia, não apenas em nível nacional e local, mas de forma
comparativa e global. Philips e Killingray acreditam que sem essa abordagem
abrangente o impacto da pandemia pode não ser compreendido adequadamente.
Os organizadores tiveram o cuidado de oferecer, ao final do livro, extensa
bibliografia,
9
planejada com a finalidade de servir de guia da literatura existente,
3
A virologist’s perspective on the 1918-19 pandemic, de Edwin D. Kilbourne; Genetic
characterisation of the 1918’Spanish’ influenza virus, de Jefrey K. Taubenberger.
4
The plague that was not allowed to happen: German medicine and the influenza epidemic of
1918-19 in Baden, de Wilfried Witte; ‘You can’t do anything for influenza’: doctors, nurses and the
power of gender during the influenza pandemic in the United States, de Nancy K. Bristow.
5
Japan and New Zealand in the 1918 influenza pandemic: comparative perspectives on official
responses and crisis management, de Geoffrey W. Rice; Coping with the influenza pandemic: the
Bombay experience, Mridula Ramana.
6
Spanish influenza in China, 1918-20: a preliminary probe, de Wataru Iijima; Flu downunder: a
demographic analysis of the 1919 epidemic in Sydney, Australia, de Kevin McCracken e Peter
Curson; The overshadowed killer: influenza in Britain in 1918-19, de N. P. A. S. Johnson; Death in
winter: Spanish flu in the Canadian subartic, de D. Ann Herring e Lisa Sattenspiel; Spanish
influenza seen from Spain, de Beatriz Echeverri; A holocaust in a holocaust: the Great War and the
1918 ‘Spanish’ influenza epidemic in France, de Patrick Zylberman; Long-term effects of the 1918
‘Spanishinfluenza epidemic on Sex differentials of mortality in the USA: exploratory findings from
historical data, de Andrew Noymer e Michel Garenne.
7
‘A fierce hunger’: tracing impacts of the 1918-19 influenza epidemic in southwest Tanzania, de
James G. Ellison; ‘The dog that did not bark’: memory and the 1918 influenza epidemic in Senegal,
de Myron Echenberg.
8
Transmission of, and protection against, influenza: epidemiologic observations beginning with the
1918 pandemic and their implicatons, Stephen C. Schoenbaum.
9
Os títulos foram compilados por Jürgen Müller. Todavia, os autores advertem que existem duas
bibliografias anteriores à que apresentam: Influenza Bibliography de D. e T. Thomson (Baltimore, 2
volumes, 1933-1934), com 4.500 referências sobre a gripe espanhola; e International Bibliography
of Influenza 1930-1959, de C. G. Loosly, Bernard Portnoy e Edna Myers (Los Angeles, 1978), que
somou por volta de 8.000 títulos à anterior. Sucessivas bibliografias nacionais; livros e; também
proveram referências adicionais.
27
além de indicarem as áreas onde a pesquisa foi empreendida de forma
significante e as áreas onde pouco se produziu.
10
Duas publicações bibliográficas
anteriores à apresentada por Philips e Killingray somaram cerca de 8.000 títulos
ao tema. Como resultado da conferência em Cape Town, foram acrescidas outras
referências, aumentando a cota de documentos, diários médicos, obras
historiográficas e artigos recentemente publicados, além de teses inéditas sobre o
assunto. Entretanto, não referência a estudos sobre a gripe espanhola na
Bahia, atestando a existência dessa lacuna historiográfica.
O livro organizado por Fred R. van Hartesveldt (1993), The 1918-1919
pandemic of influenza: the urban impact in the western world, tem por proposta
apresentar uma análise comparativa da pandemia no Mundo Ocidental. O livro
divide-se em três partes: a Parte I diz respeito à Europa; a Parte II, à América do
Norte; e a Parte III, à América Latina. Cada parte é composta por capítulos que
trazem por tulo os nomes das cidades selecionadas pelo organizador,
perfazendo um total de 10 capítulos, incluindo a Introdução, escrita pelo
organizador.
11
O cenário urbano foi escolhido por viabilizar maior controle das
variáveis, bem como pelo fato de que concentrações de população representam
focos naturais de doenças infecciosas. O critério de seleção das cidades
obedeceu a uma combinação de considerações geográficas, econômicas e
demográficas. Segundo van Hartesveldt (ibid., p. 8-9), tais cidades deveriam
apresentar alguma significação dentro dos seus países, mas o era necessário
que se incluíssem na condição de capitais.
12
Para o organizador, era mais
importante observar as variadas experiências da epidemia. As manifestações e
10
De acordo com Philips e Killingray, muito poucos estudos sobre o tema na Europa oriental,
na maioria dos países da Ásia, e em vários países latino-americanos.
No que se refere ao Brasil, a bibliografia cita os trabalhos de Abrão (1998); Adamo (1992); Bertolli
Filho (1986; 1989); Brito (1997); Campos (1919); Meyer (1920); Olinto (1993); e Pinto (1919)
(Philips & Killingray, op. cit, p. 315-16).
11
Assim, temos na primeira parte: Frankfurt, de Stephan G. Fritz (capítulo 2); Lyon e Marseille, de
Martha L. Hildreth (capítulo 3); Paris, de Diane A. Puklin (capítulo 4); Manchester, de Fred R. van
Hartesveldt (capítulo 5). A segunda parte traz: Atlanta, de Francine King (capítulo 6); Chicago, de
Paul Buelow (capítulo 7); San Diego, de Richard Peterson (capítulo 8). A terceira parte tem apenas
dois capítulos: Guatemala City, escrito por David McCrery (capítulo 9); e Rio de Janeiro, de autoria
do brasilianista Sam Adamo (capítulo 10). Os autores deveriam situar a catástrofe no contexto
socioeconômico local.
12
De acordo com van Hartesveldt cidades como Londres, por exemplo, foram excluídas porque
sua área metropolitana se dividia em vários distritos pequenos, que operavam de forma quase
independente em assuntos de saúde (op. cit., p. 9). Os espaços disponíveis eram muito pequenos
para se lidar adequadamente com todas as variações. No que se refere aos Estados Unidos,
foram escolhidas cidades onde não haviam sido feitos estudos anteriores sobre o tema (ibid.).
28
resultados da pandemia foram bem piores em alguns lugares, como Frankfurt e
Manchester, e mais moderados em outros, como San Diego e Atlanta (ibid., p. 9).
Para assegurar uma análise comparativa da pandemia na área geográfica
escolhida, os autores incluíram, até onde permitiam os recursos locais, alguns
pontos em comum. Assim, foi conferida atenção especial aos dados estatísticos
de morbidez e mortalidade, buscando-se estabelecer um padrão por idade. Cada
ensaio contém uma descrição da vida naquelas cidades durante o período da
pandemia, evidenciando os esforços dos serviços de saúde pública para lidar com
os problemas enfrentados, bem como o impacto econômico da doença em cada
sociedade.
No capítulo sobre a passagem da gripe espanhola pelo Rio de Janeiro, o
historiador Samuel C. Adamo (ibid., p. 185-200) examina os efeitos da epidemia
na vida social e econômica da cidade, enfatizando as conseqüências nefastas da
doença entre negros e mulatos. Adamo mostrou que a taxa de mortalidade era
mais severa entre estes grupos étnicos do que entre os brancos, em razão das
precárias condições de vida observadas nesta camada da sociedade durante os
trinta anos que sucederam à abolição da escravatura – subempregos, baixos
salários, dieta pobre, péssimas condições de moradia (ibid.). Para fundamentar
sua argumentação, o autor utilizou como fontes primárias o jornal carioca Correio
da Manhã entre setembro e novembro de 1918 –, e os números de 1 a 12 do
Boletim mensal de estatística demografo-sanitária da cidade do Rio de Janeiro,
publicado pela Diretoria Geral de Saúde, em 1918.
No Brasil, a gripe espanhola vai sendo progressivamente mapeada através
de dissertações de mestrado e teses de doutorado que estudam a epidemia em
diversas partes do país.
13
Muitos desses trabalhos geraram artigos e livros.
14
13
Cf.: BERTOLLI FILHO, Cláudio. Epidemia e sociedade: A gripe Espanhola no município de o
Paulo. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade de São Paulo, em 1986; ABRÃO,
Janete S. A “espanhola” em Porto Alegre, 1918. Dissertação de mestrado apresentada à Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1995; OLINTO, Beatriz Anselmo. Uma cidade em
tempo de epidemia. Rio Grande e a gripe Espanhola (RS – 1918). Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, em 1996; FERREIRA, Renata B.
Epidemia e drama: a Gripe espanhola em Pelotas – 1918. Dissertação de mestrado apresentada à
Universidade Federal do Rio Grande, em 2001; BERTUCCI, Liane Maria Influenza. A medicina
enferma. Tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual de Campinas, em 2002;
GOULART, Adriana da C. Um cenário mefistofélico: a gripe espanhola no Rio de Janeiro.
Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal Fluminense em 2003; SILVEIRA,
29
Contudo, essa literatura tem as cidades das regiões Sul e Sudeste como cenário
privilegiado da sua produção.
15
Ainda que possamos perceber algumas similitudes na forma pela qual se
desenrolam os fatos sob o impacto de uma epidemia, é preciso considerar que a
complexidade das negociações acerca da definição e da resposta à doença
envolveu ações e atores diversos, em contextos por vezes multidimensionais.
Partindo desse pressuposto, acreditamos que o nosso trabalho possa contribuir
para ampliar os estudos sobre a temática, apresentando um contexto diferente do
até então estudado. Para tanto, usamos como campo privilegiado de reflexão a
cidade do Salvador, tendo em vista não só a sua condição de capital, mas
também o fato de se constituir no pólo político, socioeconômico e cultural do
estado e da Região Norte, sem mencionar sua tradição nos estudos da medicina.
Contudo, fugindo um pouco dos relatos da experiência da epidemia nos grandes
centros urbanos, consideramos também importante analisar a emergência do
surto epidêmico no interior do estado e, assim, revelar as múltiplas faces da
Bahia.
O recorte temporal refere-se ao período de incidência da moléstia, que
aportou em Salvador na segunda quinzena do mês de setembro de 1918 e se
espalhou pelo restante do estado até o ano seguinte. Vale ressaltar que não nos
Anny J. Torres. A influenza espanhola e a cidade planejada Belo Horizonte, 1918. Tese de
doutorado apresentada à Universidade Federal Fluminense em 2004.
14
Dentre os artigos publicados podemos citar os de Ricardo Augusto dos Santos (2006), O
Carnaval, a peste e a ‘espanhola’; Anny Jackeline Torres Silveira (2005), A medicina e a influenza
espanhola de 1918; Liane Maria Bertucci (2005), Entre doutores e para os leigos: fragmentos do
discuros médico na influenza de 1918; Christiane Maria Cruz de Souza (2005), A gripe espanhola
em Salvador, 1918: cidade de becos e cortiços; Adriana da Costa Goulart (2005), Revisitando a
espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro; Luiz Antônio Teixeira (1993), Medo e
Morte: Sobre a Epidemia de Gripe Espanhola de 1918; e Nara Azevedo de Brito (1997), La
dansarina: a gripe espanhola e o cotidiano na cidade do Rio de Janeiro. Os livros que tratam
especificamente do assunto são os de Janete Silveira Abrão (1998), Banalização da morte na
cidade calada: a hespanhola em Porto Alegre, 1918; Renata Brauner Ferreira (2001), Epidemia e
drama: a Gripe Espanhola em Pelotas 1918; Cláudio Bertolli Filho (2003), A gripe espanhola em
São Paulo, 1918: epidemia e sociedade; Liane Maria Bertucci (2004), Influenza, a medicina
enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo. também a
participação desses autores, em forma de capítulos escritos em livros. Cf.: SILVEIRA, Anny
Jackeline Torres. A crônica da espanhola em Belo Horizonte. In: Uma história brasileira das
doenças. Dilene Raimundo do Nascimento; Diana Maul. (org.). Brasília: Paralelo 15, 2004, v. 1, p.
145-164; BERTUCCI, Liane Maria. “Remédios, charlatanices... e curandeirices. Práticas de cura
no período da gripe espanhola em São Paulo”. In: Artes e ofícios de curar no Brasil. Chalhoub et
al. (org.). Campinas: Editora UNICAMP, 2003, p. 197-227.
15
A exceção do nosso artigo publicado na revista Manguinhos em 2005, citado no corpo deste
texto.
30
restringimos apenas a esse espaço de tempo. Por vezes nos reportamos ao
século anterior ou nos estendemos até 1920, manobra narrativa
necessária para
acompanharmos as transformações ocorridas no cenário e na medicina baiana.
Para identificar e localizar a documentação necessária à realização desta
tese, percorremos as mais diversas instituições dos convencionais arquivos e
bibliotecas públicas, aos cartórios, editoras de jornais, departamentos de
documentação de hospitais privados, entre outros. Dessa maneira, para
compormos o quadro da Bahia sob o flagelo da epidemia, utilizamos variado
leque de fontes, em grande parte inéditas. Os jornais editados no estado
mostraram-se fontes valiosas para o nosso estudo, ao nos desvelar conflitos
políticos, questões econômicas, valores sociais e culturais, bem como o cotidiano
das cidades onde a epidemia irrompeu. Ademais, durante a passagem da
epidemia pela Bahia a imprensa local apresentou ao seu público leitor um arsenal
de informações sobre as condições sanitárias do estado; o número de pessoas
infectadas e/ou vítimas da influenza; o discurso médico sobre a etiologia e o
diagnóstico da doença; a profilaxia adotada pelas autoridades sanitárias para
conter a disseminação da moléstia; as práticas de cura da medicina doméstica e
as informadas pela religião, etc.
Nesse período, havia grande número de jornais em circulação na Bahia, e
raras eram as cidades que não contavam com seus órgãos de imprensa.
Contudo, grande parte dos periódicos editados no interior do estado se perdeu no
tempo; assim, tivemos acesso a alguns. Dentre os jornais da capital,
escolhemos trabalhar com os representativos das facções reinantes no cenário
político baiano daquele decênio, por acreditar que estes nos revelariam as
diferentes facetas da realidade estudada.
Além da imprensa leiga, os periódicos médicos, assim como as teses, os
artigos, entre outras publicações especializadas, contribuíram para ampliar a
nossa compreensão do processo de definição da doença e do aporte científico
utilizado para explicá-la. Ao mesmo tempo, essas fontes nos forneceram
informações importantes sobre o conhecimento, a tecnologia e a prática médica.
Os boletins sanitários, as cartas e relatórios de médicos, inspetores
sanitários, provedores e diretores de hospitais; os registros de entrada e saída de
pacientes; os livros de registros de enterramentos vieram ampliar o leque de
31
informações sobre diferentes aspectos: a forma pela qual a medicina acadêmica
se inseriu nas discussões sobre a epidemia; as condições sanitárias do estado; as
medidas profiláticas e terapêuticas preconizadas pela medicina acadêmica; o
número de mortos e de infectados; bem como a estrutura de saúde
disponibilizada para fazer frente à “espanhola”.
As mensagens anualmente enviadas à Assembléia pelos governadores,
bem como os discursos e textos publicados por políticos, médicos e engenheiros,
contribuíram para ampliar nosso conhecimento acerca das relações de poder e
suas implicações no processo de formação de uma rede de assistência pública à
saúde. Nesse sentido, foi de fundamental importância estudar a legislação que
regulamentou as políticas de saúde pública no Brasil, e a forma pela qual o
Estado, valendo-se das prerrogativas federalistas, conduziu a questão na Bahia.
De outro lado, as mensagens e os discursos proferidos pelo governador
Moniz de Aragão nos forneceram a versão oficial dos fatos, uma vez que
compreendem dados estatísticos da epidemia e de outras doenças que afligiam
os soteropolitanos, além de discorrerem sobre as condições sanitárias do estado
e os serviços de saúde oferecidos à população.
As informações obtidas na consulta às fontes acima citadas foram
confrontadas com as fornecidas por outras fontes, primárias e secundárias. A
literatura produzida sobre a Bahia contribuiu para ampliar nossa compreensão
dessa sociedade. Da mesma forma, os trabalhos no campo da história da
medicina, da saúde e das doenças, juntamente com as narrativas sobre a gripe
espanhola no Brasil e no mundo, ajudaram a enriquecer nossa análise sobre a
passagem da epidemia pelo Estado da Bahia.
No Brasil, Cláudio Bertolli Filho foi o primeiro a eleger essa temática como
objeto de investigação, ao escrever a dissertação intitulada Epidemia e
Sociedade. A gripe espanhola no município de São Paulo, em 1986. Com esse
texto o autor colocou em evidência um assunto ainda pouco estudado no Brasil e
no mundo, apesar de se tratar da catástrofe demográfica mais importante do
século XX.
16
16
Os estudiosos do assunto estimam que mais de 30 milhões de pessoas em todo o mundo foram
vitimadas pela gripe (Philips e Killingray, op. cit.).
32
Em 2003, Bertolli Filho publicou o livro A gripe espanhola em São Paulo,
1918: epidemia e sociedade, pela Editora Paz e Terra. Nesse texto, o autor
compõe uma análise da organização sanitária e da ciência médica em São Paulo
no período de acometimento da influenza, construindo a história da cidade sob o
ângulo da devastação provocada pela epidemia. O pesquisador traça o perfil
patológico da cidade, relacionando-o com o nível da realidade distrital
(beneficiamentos públicos e privados e modalidades de habitações), e com o
grupo ou grupos sociais predominantes em cada local. Ao estudar a distribuição
da doença nos diferentes espaços econômicos e sociais da Paulicéia, Bertolli
Filho procura retratar a condição de saúde coletiva, relacionando-a com as
condições materiais de existência. Ao apresentar a distribuição da doença nos
diferentes espaços geoeconômicos e sociais da Paulicéia, o autor busca
desconstruir o mito da mortalidade democrática, demonstrando que a maior parte
dos óbitos por gripe ocorreu entre as camadas mais pobres daquela sociedade.
Tal como Bertolli Filho, Beatriz Anselmo Olinto (1995) organiza uma
geografia social da gripe, destacando que os excluídos do processo de
modernização da cidade de Rio Grande foram as grandes timas da pandemia
que se abateu sobre aquela sociedade. A autora penetra no universo feminino
para desvendar as percepções, as práticas de cura e as relações de solidariedade
que se estabelecem em razão da impotência da medicina acadêmica diante da
disseminação da gripe.
Janete Silveira Abrão (1998), ao investigar a ocorrência da gripe em Porto
Alegre, analisa as suas implicações na economia, na política, nos conhecimentos
médicos, nas atividades cotidianas, e nos comportamentos coletivos daquela
sociedade. O trabalho de Abrão focaliza os limites da medicina acadêmica diante
do evento epidêmico, bem como o crescimento de outras terapêuticas. A autora
discute o oportunismo e a avidez por lucros demonstrados em determinados
setores da sociedade no período de vigência da epidemia, destacando o fato de
que a indústria de medicamentos, a de chocolates e a de cigarros fizeram uso da
gripe para atrair os consumidores e obter ganhos financeiros.
Renata Brauner Ferreira (2001) analisa as implicações da epidemia de
gripe espanhola no cotidiano da cidade de Pelotas. Assim, discute os hábitos,
práticas e comportamentos suscitados pela crise epidêmica, assim como o
33
posicionamento dos profissionais da medicina, das autoridades públicas e
sanitárias e das pessoas comuns em face de tal fenômeno. Ferreira explora o viés
político do evento epidêmico ocorrido na ‘Princesa do Sul’ epíteto atribuído à
cidade de Pelotas –, ressaltando o uso político da epidemia e a censura sofrida
pela imprensa no período. Segundo a autora, a emergência da epidemia colocou
em cheque a posição de prestígio ocupada por essa cidade no cenário estadual,
evidenciando as tensões políticas que agitavam o Rio Grande do Sul, na Primeira
República.
Adriana da Costa Goulart (2003) discute o impacto da epidemia de gripe na
então capital federal, reconstituindo memória da epidemia e o cotidiano da cidade
por meio de rica documentação. Em seu trabalho, Goulart apresenta o argumento
da crise da bacteriologia, decorrente, segundo a autora, do insucesso das
pesquisas no sentido de determinar o agente etiológico da gripe. Maior destaque
é prestado à ascensão e queda de atores sociais e políticos diante da devastação
provocada pela epidemia de influenza maligna no Rio de Janeiro. A autora sugere
que a ascensão de Carlos Chagas e do grupo de higienistas que lhe era ligado
decorreu da falta de respostas, tanto da ciência médica quanto das instituições,
diante dos impactos sociais desencadeados pela epidemia.
Liane Maria Bertucci (2004), ao estudar a gripe espanhola em São Paulo,
discute o que denominou “medicina enferma”. Nessa perspectiva, a historiadora
destaca a impotência da medicina acadêmica em face da gripe epidêmica que
assolava a cidade, evidenciando outras práticas de cura. A autora focaliza a luta
da chamada “medicina científica” para se distinguir e se distanciar desses outros
saberes, no intuito de assegurar a autoridade da ciência médica em questões de
higiene e saúde no período de crise desencadeado pela epidemia de influenza.
Segundo Bertucci, a preocupação da classe médica com o refinamento e a
especialização do discurso sobre a doença representava uma forma de
diferenciação de outras artes de curar.
Anny Jackeline Torres Silveira (2004) discute a emergência da epidemia de
gripe espanhola em uma cidade recém-fundada sob o signo da higiene e da
salubridade. Ao mesmo tempo, a autora traça um paralelo entre a experiência da
crise epidêmica em Belo Horizonte e a ocorrida em outros lugares onde a gripe
irrompeu, evidenciando as especificidades locais. Para além da caracterização da
34
experiência belo-horizontina em relação à pandemia, a historiadora preocupou-se
em discutir o posicionamento dos cientistas e dos médicos brasileiros diante dos
debates e pesquisas realizadas sobre a gripe. Silveira confere destaque especial
ao que denomina “processo de refinamento conceitual da moléstia”, analisando o
processo de construção do conhecimento sobre a doença, e as transformações
observadas no discurso médico, no decorrer e após a pandemia.
Além dos livros, teses e dissertações supracitados, destacamos também os
artigos de Ricardo Augusto dos Santos (2006), Nara Azevedo de Brito (1997) e
Luiz Antônio Teixeira (1993), que focalizam atitudes, sentimentos e
representações da população ante a disseminação da epidemia e a ameaça
iminente da morte, à luz das obras de Michel Vovelle (1987), Philippe Ariès (1989)
e Jean Delumeau (1989). No texto O Carnaval, a peste e a 'espanhola', Ricardo
Augusto dos Santos (2006) destaca as similaridades entre eventos epidêmicos
em diferentes contextos históricos e sociais. Apresentando imagens (fotografias,
pinturas) e letras de músicas populares, relativas às epidemias de Peste e Gripe
Espanhola, Santos discute a invariabilidade das manifestações simbólicas
coletivas próprias das crises epidêmicas. Sob um enfoque sociocultural, Brito
reflete a respeito do impacto psicossocial provocado pela epidemia na capital da
República. Para reconstituir o cotidiano da cidade, a autora utiliza os jornais em
circulação na capital da República à época da epidemia, e analisa as rupturas, as
ações, os sentimentos, as representações e os discursos construídos e
experimentados coletivamente sob a tensão dos tempos de peste. Teixeira (1993)
trabalha com viés semelhante, ao analisar o sentimento de pânico e o medo
ancestral da peste, suscitados pela epidemia de gripe que assolou as cidades do
Rio de Janeiro e de São Paulo.
A literatura internacional sobre o tema também contribuiu para
fundamentar nossas reflexões sobre o assunto. Além dos já citados livros de
Howard Philips & David Killingray (2003) e Fred R. van Hartesveldt (1993),
destacamos a seguir outros autores e os respectivos trabalhos. Alfred Crosby
(2003/1990), em America’s Forgotten Pandemic: The Influenza of 1918, enfatiza
os aspectos biológicos e ecológicos da epidemia, associando a propagação, a
virulência, as mutações genéticas e a atuação do vírus no organismo humano,
tanto às condições físicas individuais, como aos fatores ambientais e
35
socioculturais. Gina Kolata, em seu livro editado no Brasil, em 2002, intitulado
Gripe: a história da pandemia de 1918,
17
focaliza as incertezas e inseguranças da
medicina em relação à doença causas, terapêutica e prevenção –, e a luta dos
cientistas para desvendar o agente etiológico e desenvolver uma profilaxia eficaz.
Beatriz Echeverri Dávila (1993), em La gripe española. La pandemia de 1918-
1919, traça um panorama das epidemias de gripe desde a Antiguidade,
enfatizando os aspectos epidemiológicos e demográficos da pandemia de 1918-
19. K. D. Patterson e Gerald F. Pyle (1991), no artigo The geography and mortality
of the 1918 influenza pandemic, efetuam cuidadoso levantamento dos dados
estatísticos relativos à incidência da doença em várias partes do mundo. Edwin D.
Kilbourne (1987), em Influenza, preocupa-se em discutir a etiologia, a patologia, a
diagnose, a profilaxia e a terapêutica da doença. William I. B. Beveridge (1977),
em Influenza: the last great plague, apresenta a cronologia das epidemias de
influenza que acometeram a humanidade no decorrer dos séculos, destacando os
aspectos relativos à virologia e à epidemiologia. Robert Katz (1974), em Influenza
1918-1919: a study in mortality, empresta ênfase à questão demográfica,
associando o alto grau de mortalidade a fatores biológicos, geográficos, políticos
e socioeconômicos.
18
Contudo, no referente à literatura produzida internacionalmente, o enfoque
escolhido por María Isabel Porras Gallo para retratar a experiência da gripe
espanhola na cidade de Madri é o que mais se aproxima do nosso. Em seu livro
Um reto para la sociedad madrileña: la epidemia de gripe de 1918-19, a autora
oferece um panorama das condições sociais e sanitárias da cidade de Madri por
ocasião da irrupção da gripe, e analisa o posicionamento de quatro personagens
que emergem da cena de crise engendrada pela epidemia os políticos, os
médicos, os farmacêuticos e a população em geral. Especial destaque mereceu
17
O livro foi publicado originalmente, em 1999, com o título de Flu: the history of the great
influenza pandemic of 1918 and the search for the virus that caused it.
18
Veja também os seguintes trabalhos sobre o assunto: AFKHAMI, Amir (2003), Compromised
Constitutions: The Iranian Experience with the 1918 Influenza Pandemic; AYORA-TALAVERA,
Guadalupe (1999), Influenza: Historia de uma enfermedad; GALISHOFF, Stuart (1969), Newark
and the great influenza pandemic of 1918; LAVAL R., Enrique (2003), Chile 1918: Las dos
epidemias; LOEB, Lori (2005), Beating the Flu: Orthodox and Commercial Responses to Influenza
in Britain, 1889–1919. MAMELUND, Svenn-Erik (2003), Spanish Influenza Mortality of Ethinic
Minorities in Norway 1918-1919; MARTÍNEZ PONS, M. (1999) València al limit. La ciudad de
València devant l’epidèmia de grip de 1918; NICHOLSON, K. G. et al. (1998). Textbook of
Influenza; POTTER, C.W. (2001), A history of influenza.
36
em seu trabalho o papel da imprensa durante a crise epidêmica, como veículo de
informação e formador de opinião.
Em sua análise sobre a sociedade madrilenha abatida pelo flagelo da
epidemia, Porras Gallo não perde de vista “la interación entre incidente,
percepción, interpretación y respuesta” (Porras Gallo, 1997, p. 17). Percebe-se aí
a influência do modelo narrativo proposto por Rosenberg (1992); o autor,
inspirado na obra de Camus (2002) A peste , considera que as epidemias se
desenrolam seguindo o padrão arquetípico das histórias de peste: a epidemia
começa como um evento discreto, mas de progressão contínua entre o incidente,
a percepção, a interpretação e a resposta.
19
Na Bahia, a maneira pela qual se desenrolaram os fatos se assemelha ao
modelo proposto por Rosenberg (ibid.) as autoridades públicas e sanitárias
admitiram a existência da epidemia quando o reconhecimento se tornou
inevitável; buscaram, então, construir uma base cognitiva para apreender o
evento; o desenrolar da epidemia demandou a realização de rituais de matrizes
científicas e religiosas, realizados no intuito de conferir concretude e visibilidade
às ações defensivas; a extinção da epidemia deu lugar a uma avaliação
retrospectiva do evento, ainda que na Bahia tal reflexão não tenha motivado
nenhuma ação concreta no âmbito da medicina e da saúde blica. Mas essa
dramaturgia somente define a estrutura do evento epidêmico não consegue
abarcar a diversidade do contexto nem a complexidade da sociedade na qual a
doença se manifesta.
Nosso trabalho está organizado em seis capítulos. No primeiro capítulo, o
foco está na Cidade do Salvador, capital do estado, palco de acirradas disputas
entre as facções políticas, movimentado pólo comercial e portal de entrada das
19
Inspirando-se em tal obra, Rosenberg (1992) cria um modelo interpretativo para as epidemias,
baseado em padrões repetitivos passados, ou seja, apresentando a estrutura narrativa de uma
epidemia como algo historicamente experimentado. De acordo com tal modelo explicativo, os
eventos de uma epidemia clássica, à semelhança dos atos de uma peça, ocorrem como numa
seqüência narrativa, que se desenrola em quatro atos – no primeiro ato, a admissão da existência
de uma epidemia sucede quando se torna inevitável, ou seja, após inexorável acúmulo de
mortos e doentes. No segundo ato, inicia-se o processo de aceitação da existência de uma
epidemia, e se constrói uma base explicativa para lidar com a sua arbitrariedade. No terceiro ato,
há a adoção e administração de medidas de saúde pública: isolamento; quarentena; desinfecções;
interrupção do comércio e das comunicações. O quarto ato caracteriza-se pelo abrandamento
paulatino do surto e posterior retrospecção. Cf.: Rosenberg em “What is in epidemic? AIDS in
historical perspective”, in Explaining Epidemics and other studies in the History of Medicine,
Cambridge, Cambridge University Press, 1992, Capítulo XIII, p. 279-287.
37
mais diversas epidemias. Nesse capítulo, voltaremos nossa atenção para o que
se configurava, aos olhos das elites, como atraso em relação ao mundo civilizado
o analfabetismo, a pobreza e os péssimos hábitos de higiene de grande parte
da população, o aspecto colonial e a insalubridade da capital do estado. Contudo,
ao contrapormos o almejado modelo de sociedade com a realidade vivida pelos
soteropolitanos, interessa-nos evidenciar a relação entre as condições materiais
de vida da população, o quadro sanitário da cidade, o conhecimento médico, e as
exigências do sistema econômico, na tentativa de compreender como o Estado,
valendo-se das prerrogativas federalistas, conduziu a questão sanitária na Bahia.
A variada gama de fontes primárias nos ajudará a compor o quadro em que
a gripe se instala: os discursos dos políticos; os relatórios, pareceres e livros
elaborados por médicos e engenheiros; os jornais em circulação na capital do
estado; os anuários estatísticos; assim como a legislação que regulamentou as
ações no âmbito da saúde. A par dessas fontes, a recente literatura especializada
em história da Bahia nos ajudará a compor o cenário em que eclode a epidemia.
No segundo capítulo, analisaremos o impacto causado pela erupção da
epidemia de gripe espanhola em Salvador, evidenciando o sentimento de
familiaridade em relação à doença. Ressaltaremos também a idéia de
benignidade que impregnava os discursos e orientava as ações ou a inação
das autoridades políticas e sanitárias, em contraposição ao sentimento de
perplexidade da sociedade diante de uma doença que se espalhava com
surpreendente rapidez e virulência.
Nesse capítulo, traçaremos breve panorama político do estado, analisando
a tessitura política de uma sociedade complexa e multifacetada. Destacaremos o
uso político da epidemia e o papel da imprensa leiga não como veículo de
informação e de formação de opiniões, mas como palco das acirradas disputas
entre as facções políticas. Para tanto, utilizaremos como fonte privilegiada alguns
dos jornais em circulação em Salvador, muitos dos quais não escondiam os
vínculos com os grupos políticos que se digladiavam pelo poder. Na tentativa de
ampliar a nossa visão sobre o assunto discutido nesse capítulo, dialogamos com
outras fontes primárias e secundárias.
O terceiro capítulo focaliza o momento em que, sob o impacto da epidemia,
as autoridades médicas e sanitárias da Bahia foram desafiadas a entrar em ação.
38
Nesse capítulo, pretendemos evidenciar o modo pelo qual a medicina baiana se
inseriu nas discussões sobre a epidemia, analisando o aporte científico utilizado
pelos médicos para explicar o fenômeno epidêmico e adotar estratégias de
convencimento, no intuito de que os diversos atores envolvidos incorporassem
aquele esforço explicativo como verdadeiro, passando a assumir e administrar as
medidas de saúde preconizadas.
As teses de doutoramento defendidas na Faculdade de Medicina da Bahia,
os artigos e ensaios publicados nos periódicos médicos, tais como a Gazeta
Médica da Bahia, o Brazil-Médico, o bi-mensário Saúde, o Boletim da Academia
Nacional de Medicina, a Revue D’Hygiène, assim como as notas veiculadas na
imprensa leiga, nos forneceram informações sobre determinado aspecto: o
momento em que um conhecimento, até então detentor de pretensa estabilidade,
é subitamente abalado, inaugurando-se um período de incertezas, controvérsias,
questionamentos, experimentação e negociação, durante o qual se buscou
estabelecer a etiologia, a terapêutica e profilaxia acertadas para aquela doença.
Tal como nos capítulos anteriores, as informações obtidas no exame dessas
fontes serão enriquecidas e confrontadas com outras fontes primárias, e com a
recente literatura especializada no assunto.
No quarto capítulo apresentaremos a trajetória da epidemia em Salvador,
analisando as condições que favoreceram a sua erupção e propagação. Dessa
maneira, destacaremos os indivíduos ou grupos sociais atingidos pela doença,
inserindo-os nos espaços sociais e geoeconômicos da cidade. Interessa-nos,
também, discutir o modo pelo qual a doença se infiltrou nas vidas das pessoas, e
sua repercussão no cotidiano da cidade. Nesse sentido, vamos analisar as
atitudes dos habitantes em face da invasão da doença e da ameaça da morte,
bem como a sua reação diante das medidas sanitárias adotadas.
Nesse capítulo, utilizamos como fontes os jornais diários, que durante a
epidemia apresentaram ao seu público leitor um arsenal de informações sobre a
gripe que assolava Salvador. Tais periódicos abordaram as condições sanitárias
da capital do estado; o número de pessoas infectadas e/ou vítimas da influenza;
as impressões e sentimentos suscitados pela disseminação da moléstia, etc.
Além dessas, outras fontes nos forneceram os subsídios necessários para
compor a cena da cidade tomada pela gripe as mensagens do governador, os
39
relatórios dos dicos, do diretor da saúde pública e do Secretário do Interior e
da Justiça e Instrução Pública, bem como a historiografia sobre a Bahia e sobre
mentalidades.
No quinto capítulo partiremos do princípio de que as epidemias, por seu
caráter de espetáculo, demandam maior visibilidade e ecletismo das ações
defensivas as respostas à crise desencadeada pela doença epidêmica
abrangem desde rituais religiosos até medidas políticas e sanitárias. Nesta
perspectiva, discutiremos as medidas profiláticas e terapêuticas adotadas pela
Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia DGSPB –, assim como os recursos
utilizados pelas pessoas comuns para enfrentar a crise. Assim, ao tempo em que
refletimos sobre as medidas profiláticas e terapêuticas informadas pela medicina
acadêmica e pela medicina doméstica, abordaremos, também, as práticas de cura
informadas pela religião.
No sexto capítulo nos propomos acompanhar a trajetória da “espanhola”
pelo interior do estado, como contraponto à realidade apresentada nos grandes
centros urbanos. No decorrer da nossa exposição, pretendemos destacar as
múltiplas faces da Bahia, evidenciadas sob o impacto dos surtos epidêmicos ao
longo das rotas de comércio e de trânsito de passageiros que cortavam o estado.
Interessa-nos abordar nesse capítulo algumas questões reveladas pela epidemia
– as condições materiais de vida; os problemas sanitários; os estratagemas
utilizados pelos sertanejos para garantir a própria sobrevivência ante as
adversidades e a omissão dos poderes públicos; a malha política e a rede de
relações sociais, cujos elos se fortaleciam em momentos de crise; e as medidas
tomadas pelas autoridades locais e pela população em geral para conter a
epidemia.
O Anuário Estatístico da Bahia 1923 e o Anuário Estatístico da Bahia,
anno de 1924 nos “guiaram” nessa trajetória, fornecendo informações sobre a
população desses municípios (censo de 1920), sobre os meios de transporte e
vias de comunicação disponíveis e sua distância em relação à capital. Contamos
também com dissertações de mestrado, artigos e livros publicados sobre a Bahia,
os quais nos forneceram os subsídios necessários à compreensão desse
universo.
40
O Guia dos Arquivos das Santas Casas de Misericórdia do Brasil nos
forneceu informações sobre as instituições voltadas para a assistência à saúde
nos municípios abordados. Também os jornais em circulação na capital e no
interior do estado, bem como as Cartas e Relatórios enviados à Diretoria Geral da
Saúde blica da Bahia sobre a epidemia de gripe e outros assuntos, servirão
para nos expor a extensão da epidemia no interior, e para demonstrar a
mobilização da população e das autoridades médicas e sanitárias em presença
da gripe espanhola na Bahia.
Durante a nossa narrativa ressaltaremos o caráter multidimensional e
diverso dessa sociedade, evidenciado sob o impacto da epidemia. De outro lado,
pretendemos também mostrar que o povo baiano não se deixou abater pelo
sofrimento advindo da fragilidade física conseqüente à doença, nem pela
intensificação das experiências de morte mesmo em condições adversas, usou
todos os meios de que dispunha para vencer a “espanhola”.
CAPÍTULO I
SOB O IMPÉRIO DA DOENÇA – SANEAR E MODERNIZAR
A CIDADE DA BAHIA
Sulcada de vales profundos e mal drenados,
na parte alta, rodeada de alagadiços e
mangues em grande extensão na parte baixa,
com um clima quente e úmido, as ruas mal
alinhadas, com um calçamento, no geral,
péssimo, e má edificação em que nem a
higiene nem a estética colaboram, a cidade da
Bahia não é positivamente um sanatório
(Theodoro Sampaio apud Brito, 1928).
Como fenômeno social, a epidemia apresenta uma forma dramatúrgica
característica e intensa de mobilização pública, dentro de uma unidade de espaço
e tempo (Rosenberg, 1992, p. 305-318). Existe certa semelhança na forma pela
qual os fatos se desenrolam sob a tensão de uma epidemia a epidemia é
aceita e reconhecida tardiamente, e necessidade de explicá-la; a crise
epidêmica força uma reação comunitária visível e decisiva; o fim da epidemia
motiva uma avaliação retrospectiva do evento (ibid., p. 279-287). Contudo, essa
dramaturgia comum, em seu âmago, somente padroniza a estrutura do evento
epidêmico, mas não conta da amplitude e complexidade das negociações, das
respostas à epidemia, nem da diversidade dos atores envolvidos no processo,
nem da multidimensionalidade do contexto em que tal fato ocorre.
42
Neste capítulo, pretendemos descortinar o cenário no qual a epidemia de
gripe espanhola aportou a configuração da cidade de Salvador nas primeiras
décadas do século XX, a sua condição sanitária, e os elementos de que dispunha
para combater a epidemia que ali irrompeu e se alastrou, a partir de setembro de
1918. O destaque dispensado à cidade de Salvador deve-se não à sua
condição de pólo econômico, político e administrativo do estado, mas também
pela percepção que se tinha na época desse porto como porta de entrada das
mais diversas enfermidades. No decorrer da nossa narrativa, buscaremos a inter-
relação entre as questões econômicas, a condição sanitária da capital, as
condições materiais de sobrevivência do soteropolitano e as tentativas de
organização sanitária do estado.
1.1. SALVADOR NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO CULO XX CIDADE DE
BECOS E CORTIÇOS
Nos primeiros anos do século XX, o viajante que chegasse a Salvador por
via marítima se encantaria com a belíssima visão da cidade, espraiada ao longo
da falha geológica que a dividia em Cidade Alta e Cidade Baixa:
Figura 1
Vista parcial da Cidade do Salvador em 1917
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, Ano I, n.º 1, Dezembro de 1917, [c.a., p. 10].
43
Ao desembarcar na estreita faixa de terra que se espremia entre o mar e a
montanha, o visitante ingressava na principal zona de comércio da cidade. Nesse
espaço heterogêneo e tumultuado estavam instalados desde vendedores
ambulantes, pequenas lojas, bodegas, etc., até os grandes mercados, trapiches,
depósitos de mercadorias e prédios elegantes os consulados, a Alfândega, o
Arsenal da Marinha, a Associação Comercial, entre outros, como se pode verificar
na figura abaixo:
Figura 2
Vista parcial do porto e do Comércio em 1917.
Fonte: Bahia Illustrada, op. cit., [c.a., p.9].
Para se dirigir à parte alta da cidade, onde estava assentado o centro
administrativo e religioso de Salvador, o visitante poderia subir uma das ladeiras
que circundavam a montanha, tomar os elevadores hidráulicos, ou utilizar um dos
‘planos inclinados’ que ligavam a Cidade Baixa à Cidade Alta.
1
A fotografia exibida
logo a seguir, tirada em 1909, retrata um dos meios utilizados pelo transeunte
para se locomover entre os dois níveis da cidade:
1
A partir do século XIX, este espaço da cidade passou a concentrar também um comércio
varejista, até então desenvolvido na Cidade Baixa (Pinheiro, 2002, p. 193-220).
44
Figura 3
Plano Inclinado Gonçalves em 1909, um dos diversos acessos à Cidade Alta.
Fonte: Acervo Memória da Eletricidade.
O terreno acidentado que abrigava a capital da Bahia sulcado na parte
alta por vales profundos e mal drenados, e rodeado de alagadiços e mangues em
grande extensão na parte baixa – determinava o traçado irregular das ruas, becos
e vielas que serpeavam paralelas ao mar
(Theodoro Sampaio, 1906, apud Brito,
1928, p. 18).
Ao circular pela capital da Bahia, o transeunte seguia por ruas
tortuosas, desalinhadas, estreitas, com calçamento precário, pouca luminosidade
e ventilação, pontuadas por terrenos baldios, de vegetação vigorosa, onde se
acumulavam lixo e excrementos.
2
Velhos solares e pequenas casas térreas em
precário estado de conservação espremiam-se ao longo das ruas, becos e vielas.
3
Em algumas áreas da cidade, as águas servidas detritos e dejetos produzidos
por seus habitantes –iam diretamente para as ruas, em “sistema” de esgoto a céu
aberto, ou para as fossas cavadas nos fundos das casas.
4
O abastecimento de
2
Cf.: Theodoro Sampaio, op. cit., p. 18; Fonseca, 1907, p. 37; APEBA, DGSPB, Inspetoria do 5º
Distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço 1028, s/p; APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito,
Relatório..., 1918, Caixa 3696, Maço 1028, s/p.
3
Ibid.
4
Ibid.
45
água era insuficiente, e sua qualidade nem sempre saudável; em alguns pontos
da cidade, as pessoas tinham de recorrer aos chafarizes e fontes, ou aos
“aguadeiros” que traziam a água até as suas casas.
5
O aumento da população verificado na virada do século contribuiu para
agravar as condições de moradia e trabalho, bem como os problemas infra-
estruturais urbanos, influenciando negativamente a qualidade de vida na capital
baiana.
6
Nesse período, a carência de imóveis para abrigar 205.813 habitantes
provocou aumento dos aluguéis e ocupação desordenada do espaço.
7
Em alguns
distritos, famílias aglomeravam-se em imóveis de baixo aluguel, disputando
espaço em compartimentos de capacidade insuficiente, mal arejados, úmidos,
escuros, situados em becos e ruelas que careciam de limpeza e pavimentação,
bem como de serviço regular de água e esgoto.
8
Para Theodoro Sampaio, o distrito da Sé tornou-se o mais perfeito exemplo
da insalubridade de Salvador. Incomodado com as condições de vida observadas
no centro nervoso da cidade, o engenheiro levantava o seguinte questionamento:
Pode alguém considerar saudável uma parte tão considerável da
cidade, como por exemplo, a freguesia da Sé, com suas edificações
velhíssimas, os seus feios sobrados em forma de caixão, com
escassas aberturas para o ar e para a luz nos pavimentos superiores,
e exibindo no rés do chão essas horrendas espeluncas mais baixas do
5
Cf.: APEBA, DGSPB, Sugestões sobre serviços..., 1924, Caixa 3696, Maço 1029, p. 5-8.
6
Em 1890, a população de Salvador era de 174.412 habitantes; em 1900, aumenta para 205.813
habitantes; em 1910, passa a ser de 318.931 habitantes; em 1912, o recenseamento computou
348.130 habitantes; e em 1920, o censo registra uma queda para 283.422 habitantes. Vide:
Recenseamento do Brazil. Realizado em 1 de Setembro de 1920. (4º censo geral da população e
1º da agricultura e das indústrias). Rio de Janeiro: Typ. da Estatistica, vol. IV, 1ª Parte, 1926.
7
As transformações observadas na zona central da cidade começaram a ocorrer a partir do século
XIX, quando as camadas mais abastadas da população, em busca de novo estilo de vida,
migraram do centro, passando a ocupar os elegantes, iluminados e arejados solares construídos
na freguesia de Nossa Senhora da Vitória (Pinheiro, op.cit., p. 194). Assim, as residências da e
do Pilar vieram a ser ocupadas por pessoas com poder aquisitivo cada vez menor. Ex-escravos e
pessoas vindas do campo ali se aglomeravam em busca de oportunidades de trabalho (ibid., p.
193-220). Nos distritos centrais, os belos sobrados de outrora foram subdivididos, e passaram a
ser habitados por várias famílias que repartiam um espaço exíguo, mal conservado e sem higiene.
8
Desde 1855 discute-se a necessidade da implantação de uma rede de esgoto em Salvador, e
apesar de várias propostas, negociações e contratos, o projeto não se concretiza (Pinheiro, op.
cit., p. 205). Em 1905, Theodoro Sampaio projetou ambicioso sistema de esgotamento sanitário
para a capital (Leite, 1996, p. 30). Esse sistema deveria atender a uma vasta área da Barra a
Itapagipe mas em sua execução, muitos distritos foram preteridos (ibid.). No mesmo período, o
engenheiro conseguiu incluir no projeto a ampliação da rede de distribuição de água (Pinheiro, op.
cit., p. 205). Em 1907, havia em Salvador uma rede de distribuição de água com a extensão de 89
km, a qual, entretanto, não era suficiente para atender à demanda da população (Leite, op. cit., p.
30).
46
que a rua, onde pulula uma população promíscua, empobrecida, no
moral como no organismo, devorada pela tísica, arruinada pela sífilis e
perseguida pela miséria? (Theodoro Sampaio, 1906, apud Brito, 1928,
p. 19).
O Distrito Sanitário, que abrangia ampla região de Salvador Piedade,
Tororó e Barris –, também não fugia à regra.
9
Segundo Aristides Novis, recém-
nomeado Inspetor Sanitário daquela área, a maioria das habitações do Distrito
não dispunha de água canalizada, nem da devida impermeabilização do solo
(APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço
1028, s/p). Como não havia esgotos, os moradores recorriam a um “sistema
deplorável [de] fossas fixas”, muitas das quais expostas (ibid.). Novis o
escondia a sua comoção diante da condição miserável em que vivia a população
desse Distrito:
Situados [os porões e lojas], em geral, em becos estreitíssimos,
estranhos sempre à influência salutar da luz direta, deixei-os, muita
vez, desolado, após o triste espetáculo da visita, compungido do
quadro de pobres famílias, infelizes crianças, asfixiadas na falsa
atmosfera desses focos de miséria orgânica, desvendados, às
vezes, à luz artificial (ibid.).
Aristides Novis ponderava se não seria preferível empreender uma
campanha de desocupação dos porões e lojas da cidade, pois acreditava que
aqueles “antros abjetos”, onde imperavam “a umidade, a treva e o calor”,
abrigavam, “junto com a população pobre da Bahia, os agentes da sua própria
destruição” (APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito, Relatório..., 1912, Caixa
3696, Maço 1028, s/p). Contudo, apesar de defender a desocupação desse tipo
de moradia, Novis reconhecia a dificuldade de tal empreendimento “em face da
verdadeira crise de habitação por que atravessa a Bahia, em sua fase de
remodelação” (ibid.). A “remodelação” da cidade a que se referia Novis foi
orquestrada no primeiro governo de José Joaquim Seabra (1912-1916). As
intervenções no espaço urbano constituíam, à época, fato comum em outras
9
Neste período, Salvador era dividida em 17 distritos sanitários, conforme explicitaremos mais
adiante. O 5º Distrito Sanitário abrangia os atuais bairros do Tororó e dos Barris.
47
capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Porto Alegre,
Fortaleza e Recife.
10
Do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX, a
necessidade de intervenção no espaço urbano torna-se evidente as epidemias
passam a ser associadas à vida urbana, particularmente às grandes cidades, e
tanto o saneamento quanto as intervenções na estrutura e infra-estrutura urbanas
começam a fazer parte do projeto político das elites brasileiras.
11
O crescimento
rápido e desordenado das cidades, o surgimento de novas tecnologias, além do
assédio constante das epidemias, justificaram a ordenação desse espaço
(Pinheiro, op. cit., p. 44-52).
Seabra adquirira experiência na política purificadora da urbe”, pois havia
sido ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo Rodrigues Alves (1902-
1906), participando do suporte político recebido por Oswaldo Cruz e Pereira
Passos em suas ações no Rio de Janeiro. A proposta urbanística planejada pelo
governador visava à higienização e ao saneamento da cidade, através da
eliminação dos quarteirões insalubres repletos de velhos sobrados, becos escuros
e fétidos, calçadas repletas de ambulantes e seus tabuleiros. Dessa maneira,
Seabra pretendia purificar e ordenar o espaço público, inclusive o portuário,
proporcionando maior fluidez à malha viária e adaptando a antiga estrutura
urbana às novas necessidades de deslocamento e às novas tecnologias
(Pinheiro, op. cit., p. 253).
O projeto de Seabra atendia às aspirações das elites baianas. Para estas,
uma possibilidade de reverter
o quadro de doença e atraso em que se encontrava
a capital da Bahia consistia em empreender um projeto higienizador tanto do
espaço público quanto do privado, saneando “desde o domicílio até a via pública,
desde a água que se bebe, até o ar que se respira, desde o esgoto [...] até a luz
que nos alumia” (Theodoro Sampaio, op. cit., p. 20). Assim a Bahia poderia
elevar-se ao nível dos povos mais policiados e ricos”, aspiração legítima de um
“povo novo e inteligente” (ibid.). Para tanto, tornava-se necessário ampliar as vias
de circulação, instalar equipamentos de água, esgoto e iluminação, sanear os
10
Cf.: Benchimol, 1992; Pinheiro, op. cit.; Leite, op. cit.; Ferreira Filho, 1993.
11
Cf.: Benchimol, op. cit.; Cabral, 1995; Chaloub, 1996; Castro Santos & Faria, 2003; Pinheiro, op.
cit.; Leite, op. cit.
48
espaços públicos e as habitações, demolir as moradias inabitáveis, construir
novas, etc. (ibid.).
Para realizar seu projeto, Seabra contou com o apoio do prefeito de Salvador,
Júlio Brano, e do arcebispo, D. Jenimo Thomé da Silva (ibid., p. 224). Ao mesmo
tempo, foi estabelecido um acordo o governo do estado financiaria uma parte das
obras e se responsabilizaria por captar alguns recursos com o governo federal, ficando
outras obras a cargo do munipio (ibid.).
O engenheiro Arlindo Coelho Fragoso foi responvel pela execução da reforma,
orquestrando um tipo de intervenção denominado urbanismo demolidor excluía-se
tudo o que destoasse da sonhada civilização e significasse atraso e vergonha para uma
sociedade que se pretendia moderna (Pinheiro, op. cit.; Leite, op. cit.). Nessa
perspectiva, foram derrubados os velhos sobrados e as igrejas ao longo dos trechos
que inclam as ruas da Misericórdia, do Rosário e das Mercês, Chile, São Bento, São
Pedro, a fim de abrir a moderna Avenida Sete de Setembro (Tavares, 2001, p. 333).
12
Na Cidade Baixa, muitas construções do século XIX foram demolidas, iniciando-se
também o avanço da cidade sobre o mar (ibid.).
13
Contudo, a dificuldade em se obter financiamento para a finalisação do
projeto fez com que a reforma almejada por Seabra não fosse concluída
(Pinheiro, op. cit., p. 267). Assim, apesar dos esforços empreendidos naquele
período com propósito de oferecer uma face moderna e civilizada à capital da
Bahia, o estado sanitário da cidade e a condição em que viviam seus habitantes
continuavam precários.
Segundo artigo publicado no Diário da Bahia, Salvador era uma cidade
insalubre (Diário da Bahia, 06.10.1918, p. 1). Para o articulista responsável pela
matéria, o asfalto que revestia algumas das propaladas avenidas abertas por J. J.
Seabra escondia e mal disfarçava “aos olhos ingênuos, a miséria, a imundície
reinante” (ibid., p. 1). Tal opinião era endossada por artigos publicados em outros
periódicos que circulavam na cidade em 1918; de acordo com o relato de um
desses jornais, em Salvador, “cidade de becos e cortiços”, não havia preocupação
com a higiene, seja a das ruas, seja a das casas, em muitas das quais os seus
12
Com vistas, também, ao embelezamento da cidade, construiu-se novo palácio do governo,
iniciou-se a construção da nova Biblioteca Pública, do prédio da Imprensa Oficial, do Fórum, da
Secretaria da Fazenda e do Hospício São João de Deus (Tavares, op. cit., p. 333).
13
O aterramento do mar constituía obra indispensável para a construção do novo porto (ibid.).
49
proprietários não [faziam] a menor pintura ou o mais ligeiro reparo” (Diário de
Notícias, 18.10.1918, p. 1). A reforma não dotou a cidade de estrutura sanitária
satisfatória persistiram os problemas de abastecimento de água e a ineficiência
do sistema de esgotamento sanitário.
Os relatórios enviados pelos inspetores sanitários corroboravam as
denúncias feitas no Senado e publicadas nos jornais. Collatino de Borborema,
inspetor do Distrito Sanitário em 1918, em seu relatório semestral dirigido à
Diretoria Geral de Saúde Pública –DGSPB, traçava um quadro semelhante àquele
pintado por seu antecessor, Aristides Novis, antes da reforma empreendida por
Seabra. Segundo o inspetor sanitário, a população daquela área continuava a
sofrer com a falta de redes de esgotos, de canalização de água, de calçamento, e
com a vegetação crescente em muitas ruas (APEBA, DGSPB, Inspetoria do
Distrito, Relatório..., 10.06.1918, Caixa 3696, Maço 1028, s/p). Na região, além do
Dique, havia uma série de “alagadiços”, pântanos” e córregos, onde grassava a
malária; sem falar no valado dos Coqueiros dos Barris, que funcionava como um
canal onde eram despejadas as águas servidas, dejetos e detritos de várias casas
dos Barris e do Portão da Piedade (ibid.). Esse grande esgoto a céu aberto era
limpo nos períodos das chuvas torrenciais que caíam sobre a cidade. Em
períodos de estio, permanecia sem limpeza, acumulando toda a sorte de
imundícies e infectando as cercanias (ibid.). Diante de tal quadro, Borborema
solicitava ao diretor da DGSPB que interviesse junto ao poder municipal no
sentido de sanar os problemas detectados naquele Distrito (ibid.).
Por sua vez, o inspetor sanitário responsável pelo 17º Distrito, Candido
Figueiredo, denunciava a situação dos distritos fabris da Penha e dos Mares,
onde o operariado vivia em pontos reconhecidamente insalubres”, densamente
povoados, ocupando prédios condenados pela inspetoria sanitária (APEBA,
DGSPB, Inspetoria do 17º Distrito, Relatório..., 23.01.1921, Caixa 3696, Maço
1028, s/p).
Figueiredo lamentava que as fábricas não edificassem “vilas operárias,
ou de preferência pequenos grupos de habitações singelas, dentro das normas
higiênicas”, para abrigar o grande número de trabalhadores ali concentrados.
14
O
14
O 17º Distrito Sanitário abrangia extensa área que começava na Calçada, passava pelos Mares,
por Roma, Monte Serrat, Luís Tarquínio, Boa Viagem, Bonfim e Largo do Papagaio, chegando até
Massaranduba (Seabra, Mensagem..., 1921, p. 384). Naquela região estavam localizadas
50
inspetor se surpreendia com o fato da tuberculose não causar mais vítimas que as
constatadas, dada a situação de promiscuidade em que era obrigada a viver
aquela camada da população.
Conforme o exposto anteriormente, nesse decênio desencadeiou-se uma
crise no setor imobiliário, agravada não pelo aumento da população, como
também pela demolição dos velhos casarões e o conseqüente desalojamento de
um número significativo de pessoas pobres que ali habitavam, sem que o estado
ou o município lhes oferecessem alternativa de moradia (Pinheiro, op. cit.; Leite,
op. cit.; Cardoso, op. cit.). Havia grande carência de imóveis para alugar, e alguns
grupos – comerciantes, companhias industriais, ordens religiosas, sociedades
filantrópicas, etc. monopolizavam o setor, o que favorecia a especulação
imobiliária (Castellucci, 2001, p. 40-54).
Além dos problemas de moradia e de infra-estrutura urbana, os
soteropolitanos conviviam, nesse período, com o alto
preço dos gêneros de
primeira necessidade. A carestia que imperava em Salvador levou um jornalista
de A Tarde a clamar: “Apiedai-vos do povo, já na iminência da fome! Pão,
bacalhau, charque e açúcar. Urge baixar-lhes os preços proibitivos para a
pobreza. A crise alimentícia torna-se intolerável” (A Tarde, 13.09.1918, p. 1). Esse
estado de coisas era tão preocupante, que comerciantes, representantes do
poder público e membros da diretoria do Centro Operário reuniram-se na
Intendência Municipal para tentar resolver o problema (A Tarde, 14.09.1918, p. 1).
Segundo a imprensa, o objetivo do encontro era conciliar as tabelas de
preço do comércio atacadista e varejista, no intuito de oferecer algum alívio à
população. Entretanto, apesar da tentativa de acordo e de redução de preços, a
carestia continuou a oprimir o orçamento do povo baiano, ‘justificada’ pela carga
tributária imposta ao comércio do estado. Na verdade, a alta desenfreada dos
preços dos gêneros de primeira necessidade era conseqüência do
desabastecimento interno provocado pelo incremento das exportações de
produtos alimentícios durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) (Castellucci,
op. cit., p. 43).
inúmeras bricas de bebidas, tecidos, calçados e cigarros, bem como as “residências” do
operariado (Almanak..., 1919-1920, vol. 10, p. 278-282).
51
A crise também alcançou o mercado de trabalho. Na primeira década do
século XX, o aumento da população não foi acompanhado de correspondente
oferta de empregos a oferta de mão-de-obra era superior à capacidade de
absorção pelos
setores industrial e de serviços, o que levava considerável parcela
da população de Salvador a viver de biscates ou à custa de serviços temporários
(Cardoso, 1991, p. 7).
15
Para as elites de Salvador, tratava-se de uma situação perigosa, pois a
incapacidade dessa camada da população em prover os meios da própria
sobrevivência fazia com que a pobreza representasse uma ameaça à higiene
social e ao meio urbano.
16
O trabalho moralizava e integrava o indivíduo à ordem
social, engajando-o na luta pelo bem comum. O tempo ocioso resultava em
desregramento e desordem social, os quais por sua vez geravam miséria, doença
e morte, inserindo o indivíduo num ciclo vicioso. As palavras do engenheiro
baiano Theodoro Sampaio
17
refletem o pensamento da época:
Por este motivo, a população pobre, na cidade, definha e enfraquece
sem a tonificação do trabalho moralizador e regular que lhe garanta a
subsistência, sem o auxílio da instrução que lhe faça compreender a
vida dentro dos limites da Higiene, sem a qual ela não pode ter a
resistência precisa para a luta bendita do trabalho (Theodoro Sampaio,
1906, apud Brito, 1928, p. 19).
Além do problema do desemprego, os trabalhadores conviviam naquele
decênio com a defasagem dos salários em relação ao custo de vida. Os
15
Para Cardoso, apesar do crescimento da indústria têxtil observado a partir da segunda metade
do século XIX, esta atividade involuiu no século seguinte, em razão do pequeno porte do mercado
consumidor regional e da falta de investimentos no sentido de modernizar o setor e torná-lo
competitivo (Cardoso, op. cit., p. 105). Ademais, entre os anos de 1897 e 1905, a cidade enfrentou
grave crise econômica motivada por um período de seca, pela flutuação dos preços do cacau, e
pelas dificuldades enfrentadas na produção e comercialização do açúcar, agravadas pela política
financeira nacional e pela crise econômica européia (Matoso, 1978, p. 350-351; Santos, p. 33-37).
16
Dilma Cabral (1995), em sua dissertação de mestrado, aponta a mesma preocupação entre as
elites do Rio de Janeiro, em finais do século XIX. Cf.: Cabral, Dilma. Da barbárie à civilização: a
cidade do Rio de Janeiro no discurso da Academia Imperial de Medicina (1870-1890). Dissertação
de Mestrado em História. UFRJ. Rio de Janeiro, 1995.
17
Nascido em Santo Amaro, na Bahia, Theodoro Sampaio (07.01.1855 15.10.1937) graduou-se
em engenharia civil. Em 1879, fez parte da “Comissão Hidráulica” e projetou melhoramentos para
os portos de Santos e os do rio São Francisco (Souza, 1949, p. 172-173). Em 1905, assumiu a
Companhia do Queimado, responsável pelo abastecimento de água em Salvador. Nesse período,
elaborou e executou projetos de ampliação da rede de distribuição de água e de esgotamento
sanitário para a capital baiana (ibid.).
52
funcionários públicos, além de sofrerem com os atrasos de salário, não recebiam
reajustes desde 1896, e a classe operária, a par da compressão salarial, lidava
com a questão da instabilidade no emprego (Castellucci, op. cit., p. 46-47).
Nesse período, o senador Rui Barbosa, que empreendia ferrenha oposição
à Seabra e ao seu grupo político, pronunciou-se no Senado da República,
denunciando as condições em que viviam os soteropolitanos (Seabra, 1918).
18
Para o senador, a capital da Bahia, cidade de quase trezentos mil habitantes,
encontrava-se em estado lastimável: sem água, sem luz, sem escolas, e sem
pagar ao professorado.
Em face das acusações feitas por Rui Barbosa, personagem de vulto no
cenário nacional, o então senador J. J. Seabra saiu em defesa da Bahia e do
grupo que a governava. Em discurso proferido no Senado da República, em 3 de
junho de 1918, Seabra admitiu que a situação do município mostrava-se difícil,
mas não tão desesperadora quanto queria fazer crer Rui Barbosa:
Estão a cargo do município os serviços de abastecimento de água e
luz. S. Ex
a
. diz que não há água, nem luz.
Não haverá água em abundância, acrescentarei eu; não haverá luz em
abundância também; mas, por isso a Bahia não chegou ainda ao
ponto de viver às escuras a sua população ou de padecer as torturas
da sede. O fornecimento de água pode não ser satisfatório, mas
existe. O serviço de distribuição de luz é feito, além do município, pela
casa Guinle. Como, pois, afirmar-se que vive a cidade mergulhada nas
trevas? (Seabra, 1918, p. 79).
J. J. Seabra reconhecia a precariedade dos serviços de distribuição de
água e energia. Entretanto, procura amenizar a sua responsabilidade, bem como
a de seus aliados o governo estadual e o intendente à época no poder em
relação a tal estado de coisas. Segundo o senador, a situação precária que o
município atravessava era motivada por desmandos de administrações passadas,
cujos intendentes não haviam sido nomeados por ordem sua.
19
Vejamos um
trecho do discurso:
18
Em seu discurso no Senado Federal em defesa do Governo da Bahia, Seabra cita as acusações
levantadas pelo também senador, Rui Barbosa (Seabra, op. cit., p. 78).
19
Durante seu primeiro governo (1912-1916), J.J. Seabra desentendeu-se com o Intendente de
Salvador, Júlio Viveiros Brandão, processando-o criminalmente por malversação dos recursos
públicos. Segundo Seabra, o Intendente, “eleito por indicação de elementos do comércio da
53
Na Bahia, senhores, há, em matéria de administração, duas situações
distintas: a situação do município e a situação do Estado.
A situação do município é precária, foi de desmandos, foi levada e
arrastada a esse estado por faltas sucessivas e por erros acumulados.
[...]
Ora, Sr. Presidente, como não seria precária a situação do município
com uma dívida superior à do Estado, e podendo seus impostos ser
recebidos, como são, em letras passadas pelo Intendente, de modo
que nem mesmo na sua arrecadação de rendas ordinárias podia haver
dinheiro, pois que esses impostos são pagos em letras!
[...]
Portanto, Sr. Presidente, esse estado de cousas relativamente ao
município da Bahia, é resultante dos fatos que aludi e dos erros
administrativos de intendentes cujas culpas não podem recair sobre a
situação ora dominante na Bahia (Seabra, op. cit., p. 77-79).
Em meio a esse contexto de crise nas finanças públicas, corrosão salarial e
carestia generalizada, os professores da rede municipal, juntamente com um
grupo de operários da Fábrica Nossa Senhora da Conceição
20
, de propriedade da
Companhia União Fabril da Bahia, entraram em greve os primeiros
reivindicavam o pagamento de salários atrasados, e os últimos, um aumento
salarial.
21
Sobre a greve dos operários, notícia publicada no jornal A Tarde
informava que a reivindicação de aumento nos salários se devia à “alta clamorosa
dos gêneros de primeira necessidade” (A Tarde, 24.09.1918, p.1).
22
Pelo exposto até aqui, podemos concluir que os indivíduos que integravam
as camadas mais desfavorecidas da população trabalhavam em excesso e eram
pessimamente remunerados. Tais condições resultavam em uma série de
privações e conseqüências funestas. Além do esgotamento físico, a camada mais
pobre tinha uma alimentação deficiente em nutrientes e abrigava-se em moradias
de condições precárias, situadas em áreas insalubres.
Bahia”, tomou “empréstimos levianos”, contrários aos interesses do município (Seabra, op. cit., p.
78). A fim de impedir que tal situação se repetisse, Seabra trabalhou com o Poder Legislativo, para
a criação do Tribunal de Contas (ibid.).
20
A brica Nossa Senhora da Conceição, voltada para a fabricação de têxteis, empregava 850
operários (Annuario Estatistico da Bahia - 1923. Bahia, Imprensa Official do Estado, 1924, p. 277).
21
Os professores entraram em greve no dia 12 de março de 1918 (Tavares, 2001, p. 335), e os
operários paralisaram suas atividades no dia 23 de setembro do mesmo ano (A Tarde, 24.9.1918,
p. 1). Cf. Santos, 2001; Castellucci, op. cit.
22
Cf.: Santos, op. cit.; Castellucci, op. cit.
54
Para o inspetor do Distrito Sanitário, Álvaro da Franca Rocha, a miséria
representava uma porta aberta à infecção, tendo em vista que o organismo
enfraquecido não poderia resistir às doenças (APEBA, DGSPB, Inspetoria do
Distrito, Relatório..., 1913, Caixa 3696, Maço 1028, s/p). Franca Rocha ponderava
que era necessário tirar o povo da condição miserável em que vivia: “entregue
aos vícios, ao alcoolismo, mal alimentado, habitando verdadeiros antros, sem ar e
sem luz” (ibid.).
O projeto higienizador das elites, voltado inicialmente para as intervenções
no espaço urbano, foi-se ampliando no decorrer do tempo, alcançando também
dimensão social (Leite, op. cit., p.11). Nessa perspectiva, buscava-se atingir três
esferas da vida em sociedade: o espaço público, o privado e o modo de vida
(ibid.). No período, os engenheiros e, principalmente, os médicos
desempenharam papel decisivo: modernizaram instalações urbanas coletivas,
criaram redes institucionais de assistência pública, promoveram reformas e
controle social, agindo quase como uma burocracia especializada juntamente com
outros profissionais e agentes políticos, religiosos ou governamentais.
23
1.2. A CIDADE DO SALVADOR – PORTAL DE ENTRADA DAS EPIDEMIAS
Nas primeiras décadas do século XX, Salvador era uma cidade enferma,
com taxas de morbidade e mortalidade muito elevadas. Doenças como a
disenteria, a difteria, a febre tifóide, o beribéri, a febre amarela, a peste, a malária,
a tuberculose, entre outras, acometiam os soteropolitanos com freqüência
desesperadora, assumindo caráter quase endêmico, conforme podemos observar
nas tabelas que se sucedem:
24
23
Ibid.
24
As tabelas estão separadas porque as fontes são diferentes, embora devam ter origem comum,
tendo em vista que a maior parte dos dados coincide. Apenas o item outras apresenta-se
diferente.
55
Tabela 1
Mortalidade por Moléstias Transmissíveis (1908-1912)
Moléstias
1908
1909
1910
1911
1912
Febre amarela
14
93
8
-
13
Peste
52
114
124
52
59
Varíola
85
328
835
5
-
Sarampo
8
21
7
17
8
Escarlatina
-
-
1
-
-
Coqueluche
-
1
16
20
7
Difteria
2
3
6
3
6
Gripe
8
17
16
15
17
Febre tifóide
24
13
14
18
10
Disenteria
479
177
93
90
81
Beribéri
25
115
47
39
43
38
Lepra
1
7
7
4
1
Impaludismo
384
388
344
375
381
Tuberculose
756
795
781
762
782
Outras
39
26
27
22
19
Fonte: ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL 1908-1912. Rio de Janeiro:
Diretoria Geral de Estatística, v. 1-3, 1916-1927.
Tabela 2
Mortalidade por Moléstias Transmissíveis (1912-1919)
Moléstias
1912
1913
1914
1915
1916
1917
1918
1919
Febre
amarela
13
54
68
5
-
1
18
48
Peste
59
111
81
52
14
29
7
2
Varíola
-
1
-
-
1
-
-
2804
Sarampo
8
-
86
5
1
2
1
4
Escarlatina
-
-
-
-
1
-
-
-
Coqueluche
7
33
36
9
2
7
28
13
Difteria
6
7
4
1
1
4
3
8
Gripe
17
18
16
10
28
17
386
49
Febre tifóide
10
16
8
12
12
10
12
21
Disenteria
81
176
62
63
26
23
18
51
Beribéri
38
34
68
27
26
22
17
27
Lepra
1
3
3
3
2
7
10
3
Impaludismo
381
327
439
319
355
277
479
532
Tuberculose
782
843
854
949
932
965
1153
1065
Outras
1
1
-
-
2
-
-
-
Fonte: ARAGÃO, Antonio F. Moniz de. Exposição... Bahia: 1920, p. 98.
25
No período estudado, o beribéri ainda era considerado doença transmissível. Cf.: Seabra,
Mensagem...., 1921, p. 430-431.
56
De acordo com os relatos dos inspetores sanitários citados no item
anterior, a capital da Bahia representava o cenário ideal para a propagação de
doenças como a peste, a febre amarela, a malária, a disenteria e a tuberculose.
Nos velhos sobrados semeados por toda a área central da cidade, com
seus sótãos, porões, vãos sob o telhado e sob os pisos de tabuado, óculos para a
ventilação, bicas para escoar a água da chuva, e toda a sorte de dependências
ociosas e esquecidas, além do lixo doméstico e outros resíduos acumulados em
ruas, pátios e quintais, proliferavam os ratos, que abrigavam as pulgas
transmissoras da peste, entre outras doenças.
Ao mesmo tempo, a conformação telúrica e topográfica da cidade
contribuía para o surgimento e proliferação de doenças como a febre amarela e a
malária. Por toda a área urbana e periférica de Salvador abundavam córregos,
charcos, valas, brejos, sem falar no Dique, em cujas margens mal drenadas e
cobertas de vegetação pululava uma fauna variada de insetos, dentre os quais os
transmissores dessas doenças.
26
O sistema de distribuição de água na cidade era insuficiente boa parte
dos moradores precisava recorrer às fontes e aos aguadeiros para abastecerem
as suas casas. Geralmente, a água distribuída pelos aguadeiros era proveniente
de córregos e fontes, onde também eram lavadas as roupas, as pessoas se
banhavam, e os animais saciavam a sede.
27
Ao chegar aos domicílios, a água
nem sempre era armazenada de forma conveniente, sendo colocada em tonéis
sem cobertura, expostos a todo o tipo de ação danosa.
28
Ademais, a falta de
esgotamento sanitário permitia que detritos e esgotos domésticos fossem
escoados de maneira inadequada, geralmente a céu aberto, contaminando o solo,
as águas e os alimentos.
29
Assim, o soteropolitano consumia água de
procedência e qualidade duvidosas, bem como alimentos contaminados, o que
contribuía para o alto índice de febres, verminoses e doenças disentéricas entre a
população.
30
26
Cf.: APEBA, DGSPB, Inspetoria do 5º Distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço 1028;
APEBA, Departamento de Saúde, Relatório..., 1913, Caixa 9695, Maço 1029; APEBA, DGSPB,
Inspetoria do 5º Distrito, Relatório..., 10.06.1918, Caixa 3696, Maço 1028.
27
Cf.: APEBA, DGSPB, Sugestões sobre serviços..., 1924, Caixa 3696, Maço 1029.
28
Cf.: APEBA, DGSPB, Inspetoria do 5º Distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço 1028.
29
Cf.: APEBA, DGSPB, Sugestões sobre serviços..., 1924, Caixa 3696, Maço 1029.
30
Ibid.
57
Os dados das tabelas 1 e 2 demonstram que, até 1918, doenças como a
malária e a disenteria, além de fazerem muitas vítimas, eram quase endêmicas no
estado. Havia a noção de que a malária e a disenteria grassavam entre as
camadas mais pobres da população e, portanto, não repercutiam
escandalosamente nos negócios. Entretanto, as elites começavam a associar
as doenças ao atraso e à barbárie, e a perceber que a falta de braços para o
trabalho e a ameaça constante de contágio também constituíam fatores que
afetavam a sociedade como um todo.
Contudo, a erradicação de doenças como a disenteria e a malária
demandava maior investimento em obras de saneamento, bem como, no caso da
primeira, uma campanha educativa para estimular a adoção de hábitos de higiene
pessoal e doméstica. De acordo com o relatório do inspetor sanitário, Collatino de
Borborema, a profilaxia da malária, que previa “obras de entulhamentos,
drenagens e limpeza de valados, rios e riachos”, estava sob a responsabilidade
do município (APEBA, DGSPB, Inspetoria do distrito, Relatório..., 10.06.1918,
Caixa 3696, Maço 1028, s/p).
Considerando o conteúdo dos relatórios médicos e os depoimentos das
autoridades públicas até aqui apresentados, bem como o número oficial de
vítimas exposto nas tabelas acima, percebemos que o município não estava
cumprindo a sua parte. A prefeitura de Salvador, mergulhada em dívidas, não
possuía recursos financeiros para empreender tais melhoramentos, ainda que
estes se mostrassem simples e necessários (Seabra, 1918, p. 77-9).
O estado não se encontrava em melhor condição financeira que a
prefeitura. De acordo com exposição anterior, ainda que no primeiro governo de
J.J.Seabra (1912-1916) tivesse sido empreendida uma reforma da cidade do
Salvador, as ações implementadas não contemplaram os necessários
melhoramentos do sistema de abastecimento de água e de saneamento da
cidade. Segundo Gonçalo Moniz:
[...] os poderes públicos deixam de fazer tantas obras indispensáveis à
higiene da coletividade e à salubridade do meio urbano, tais como
redes de esgotos sanitários, pavimentação de vias públicas,
abastecimento de água suficiente e perfeito, supressão de charcos,
pântanos e valas imundas, etc., porque as más condições financeiras
não lhes permitem realizá-las [...] (Gonçalo Moniz, op. cit., p. 369).
58
Para os médicos, era preciso higienizar as casas e ruas, evitando, por
exemplo, a cadeia perversa o lixo alimentava os ratos, que por sua vez
albergavam as pulgas, que transmitiam, entre outras doenças, a peste. Era
necessário purificar a água de consumo e melhorar o seu sistema de distribuição,
implementar um sistema de esgotamento sanitário eficiente, impedir a formação
de áreas de água estagnada, para evitar a propagação de males como a cólera, a
disenteria e as febres de mal caráter’
31
. A vacinação, a higienização dos objetos
usados pelos enfermos, bem como a restrição à aglomeração e ao convívio de
pessoas doentes com as sãs, também constituíam medidas de prevenção de
doenças infecto-contagiosas cuja transmissão se fazia de indivíduo para
indivíduo, tais como a varíola, a gripe e a tuberculose.
Contudo vimos que, além das questões de saneamento, a população pobre
de Salvador enfrentava o desemprego ou as longas e pesadas jornadas de
trabalho, a corrosão salarial, a escassez e a má qualidade da alimentação, a
insalubridade e a superlotação das moradias. Esse quadro socioeconômico
favorecia a incidência e a propagação de doenças transmissíveis e/ou carenciais,
como a tuberculose, a pneumonia, a varíola, a gripe e o beribéri.
Dentre as doenças acima, a que mais contribuía para aumentar as cifras de
mortalidade entre os baianos era a tuberculose pulmonar. Segundo Álvaro da
Franca Rocha, Inspetor Sanitário do Distrito, a doença atingia mais os
indivíduos cujas precárias condições materiais de vida enfraqueciam os seus
organismos e facilitavam a infecção (APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito,
Relatório..., 1913, Caixa 3696, Maço 1028, s/p). No período, a desinfecção das
habitações, praticada em caso de óbito, constituía medida profilática largamente
utilizada no combate à propagação dessa doença.
Franca Rocha achava até “extravagante” a desinfecção realizada nas “lojas
subterrâneas e lúgubres” e nas “choupanas miserabilíssimas, sem ar e sem luz”,
nas quais viviam em total promiscuidade as camadas mais desfavorecidas da
população (ibid.). Rocha acreditava que a utilização desse método em “casas da
pior espécie” não representava “um elemento capaz de combater a tuberculose”
31
Ao utilizarmos aqui a denominação ‘febres de mal caráter’, queremos nos referir à febre
palustre, à febre amarela e à febre tifóide.
59
(ibid.). Aristides Novis, também não acreditava na eficácia dessa medida.
Entretanto, reconhecia as dificuldades de se lançar mãos de meios mais eficazes
(APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço
1028, s/p). Novis ponderava que em razão de não ser comum isolar o
tuberculoso, quando este morria havia “plantado na família o gérmen da
moléstia, que mais tarde explodirá[ia]” (ibid.).
Como isolar um paciente tuberculoso, se aquela era uma doença de lenta
evolução? O estado, certamente, não possuía recursos para tal. Ademais, os
médicos questionavam-se sobre a eficácia da desinfecção em moradias onde,
após a aplicação da medida, as pessoas voltavam a dormir todas juntas num
cubículo úmido, sem ventilação, respirando o mesmo ar corrompido. Franca
Rocha argumentava que para vencer a tuberculose, além de combater o micróbio,
fazia-se necessário “preparar os organismos” dos indivíduos, para que estes
oferecessem enérgica resistência aos elementos invasores” (APEBA, DGSPB,
Inspetoria do 9º Distrito, Relatório..., 1913, Caixa 3696, Maço 1028, s/p). Os
médicos reconheciam que as condições materiais de existência constituíam
fatores importantes a considerar, quando se tratava da resistência do organismo
humano às infecções. Apesar do conhecimento a respeito dos agentes
etiológicos, dos hospedeiros e dos vetores das doenças, não se ignorava que
outras variáveis podiam interferir no processo de adoecimento, ou seja, o
conhecimento da casualidade específica de cada doença dialogava com os
determinantes sociais da saúde e da doença.
Não era de espantar, portanto, que a precariedade da coleta de lixo e dos
sistemas de abastecimento de água e saneamento; as condições miseráveis das
habitações; os hábitos morais e de higiene diária; as condições do ambiente de
trabalho; a dieta e a pobreza; e as perigosas aglomerações das cidades,
figurassem nas agendas ou nos discursos das elites baianas, já conscientes de
que estes e outros fatores contribuíam para a incidência e propagação de males
endêmicos e epidêmicos entre a população daquele centro urbano.
Para o Dr. Luiz Anselmo da Fonseca, professor da Faculdade de Medicina
e membro do Conselho Sanitário do Estado da Bahia
32
, a saúde coletiva
32
Criado em 1838, sob a denominação de Conselho de Salubridade, este órgão passou por várias
denominações, até passar a chamar-se Conselho Geral da Saúde Pública, no governo de Seabra
60
constituía assunto merecedor da consideração e do empenho daqueles que, em
virtude das funções exercidas e dos cargos ocupados, eram direta ou
indiretamente responsáveis pela oferta e gestão de serviços públicos de saúde
(Fonseca, 1909, p. 6). Fonseca chamava a atenção para “a importância da
questão da saúde pública e a necessária dependência em que dela esta[va] a
saúde individual” (ibid.).
Aos poucos as elites começavam a perceber que, em um centro populoso
como Salvador, com conexões econômicas diversificadas, as epidemias de
doenças infecto-contagiosas eram males que atingiam tanto os pobres quanto os
ricos. Assim, era preciso apresentar um leque de medidas que atingisse o
problema de forma ampla, compulsória, permanente e coletiva. A advertência do
conselheiro evidencia a percepção da interdependência social por parte das elites
baianas, e a conseqüente discussão em torno da necessária centralização dos
cuidados com a saúde.
33
Todavia, tal percepção não era suficiente para mobilizar
as autoridades e as elites no sentido de promover mudanças efetivas nos serviços
sanitários do estado, capazes de atingir a população como um todo. Salvo
naqueles estados política e economicamente fortes, comoo Paulo (enriquecido
pelo café), poucos eram os que possuíam recursos materiais e financeiros para
implementar políticas de saúde pública realmente eficazes (Azevedo Sodré, 1918,
p. 39-41).
Na impossibilidade de se empreenderem políticas públicas de saúde
permanentes que abrangessem todo o estado, a prioridade recaía sobre as
epidemias periodicamente incidentes sobre Salvador. As elites locais
argumentavam que o saneamento da cidade ao mesmo tempo porto e capital
do estado – traria benefícios para a Bahia como um todo, tendo em vista não só o
seu papel de pólo de escoamento da produção estadual, mas também o risco que
(Leis do Estado da Bahia, Leis e Decretos do ano de 1912, [...] Lei n.º 921 de 29 de novembro de
1912, Art. 10º e 11º, p. 113). Apesar das diferentes denominações, o órgão conservou suas
características e funções originais corporação consultiva, cujos membros (médicos e
farmacêuticos, ligados ao serviço público e à faculdade de Medicina) eram nomeados pelo
governo estadual, e detinham a função de formular e propor leis e regulamentos sobre qualquer
assunto de higiene, medicina ou salubridade pública (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei
n.º 1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 9º, p. 44-45).
33
Seguindo Swaan (1988), Hochman (1998) discute como essa conscientização se processa no
Brasil nas primeiras décadas do século XX.
61
oferecia aquele porto, como disseminador de doenças para outras cidades do
interior do estado e do Brasil.
Contudo, mesmo em Salvador, o combate efetivo e eficaz das doenças
transmissíveis enfrentava uma série de dificuldades, dentre estas a incapacidade
financeira do estado e do município para promover obras de saneamento e
drenagem dos mangues, valados, riachos e rios, melhorar a qualidade e ampliar o
sistema de abastecimento de água, pavimentar as ruas, e prover a cidade de
nova rede de esgotos. As autoridades sanitárias queixavam-se de que a
interdição ou demolição dos velhos casarões inabitáveis, assim como as
conseqüentes indenizações aos proprietários e realojamento dos moradores em
habitações consideradas mais higiênicas eram inviabilizados por falta de recursos
financeiros (Gonçalo Moniz, op. cit., p. 422-27). Apontavam, também, como
obstáculo a falta de colaboração dos próprios habitantes da cidade, os quais,
fosse por ignorância, fosse por falta de recursos financeiros, ou mesmo pela
conjugação de ambas as situações, não concorriam para a higiene pública nem
privada (ibid.).
1.3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UM APARATO DE ASSISTÊNCIA À
SAÚDE
Em discurso pronunciado na sessão solene de abertura do Quinto
Congresso Brasileiro de Geografia, ocorrido em 7 de setembro de 1916, na Bahia,
o então deputado federal Antônio Ferrão Moniz de Aragão afirmou que “em
matéria de higiene a República encontrou a Bahia inteiramente desprovida dos
elementos necessários para o preenchimento dos seus fins”, tendo em vista que
“o poder público olhava sempre com certo descaso para tal serviço” (Moniz de
Aragão, 1916, p. 29).
O discurso de Moniz de Aragão valoriza os feitos da República,
principalmente quando anos depois o próprio deputado afirmou, no Senado, que a
organização sanitária do estado fora preocupação sua e de todos os
governadores antecedentes, cabendo a Rodrigues Lima (primeiro governador
62
eleito por sufrágio popular) a iniciativa de organizar o serviço de saúde no estado
(Moniz de Aragão, 1926, p. 30).
Entretanto, durante todo o século XIX, observou-se por parte dos
governantes daquela urbe um real esforço em dotá-la de melhores condições e
qualidade de vida fosse por meio de regulamentos e códigos de postura, fosse
pela introdução de novos equipamentos urbanos, ou mesmo por projetos de
saneamento, os quais, por vezes, a falta de recursos impedia que saíssem do
papel (Pinheiro, op. cit., p. 181-223).
Em 1838, a criação do Conselho de Salubridade, pelo então Presidente da
Província Thomaz Xavier Garcia d’Almeida, pode ser considerada o primeiro
passo na direção da organização sanitária da Bahia (Santiago, 1956, p. 42-44).
34
Esse órgão tinha por finalidade orientar o Poder Público no sentido de coibir o
exercício ilegal da medicina, bem como de implantar medidas para o combate às
epidemias. Entre as preocupações dos conselheiros figurava a luta contra a
varíola, e muitos médicos eram designados pelo Conselho para proceder à
vacinação da população, ainda que no período esta medida ficasse restrita ao
Recôncavo Baiano (Santiago, op. cit., p.44).
O ato que criou o Conselho de Salubridade estabelecia que só “médicos,
cirurgiões, farmacêuticos e mais pessoas versadas nas ciências sicas ou
naturais” poderiam fazer parte deste órgão (Santiago, op. cit., p. 43). Tal premissa
inseria-se no contexto de luta pela supremacia da medicina acadêmica em
relação a outras formas de cura, e denotava a necessidade de afirmação do
conhecimento obtido na academia como o único capaz de oferecer soluções aos
problemas de saúde enfrentados pela sociedade. Dessa forma, os médicos
baianos, paulatinamente, iam se firmando como protagonistas do processo de
implantação de um modelo de administração da cidade fundamentado no
conhecimento médico-científico. Essa nova classe de profissionais proveu as
autoridades públicas das informações necessárias à gestão científica da cidade,
orientando-as quanto às intervenções necessárias à promoção da saúde do corpo
social.
34
O Conselho de Salubridade foi criado em 15 de junho de 1838, através do Ato n.° 75.
63
Os médicos ligados às questões da saúde pública propunham a
regulamentação de hábitos, costumes e estilo de vida, recomendando ainda o
exercício de constante vigilância sobre a qualidade do ar, da água e do solo, bem
como a reordenação dos espaços urbanos, a fim de facilitar a distribuição da luz e
a circulação do ar, de pessoas e de mercadorias. Tais providências evitariam que
condições de insalubridade diversas viessem a contribuir para a proliferação de
doenças.
A necessidade do combate às epidemias que assolavam os centros
urbanos constituiu a motivação das iniciativas da saúde pública ocorridas durante
o século XIX. A Bahia não fugia à regra, buscando mecanismos para combater as
constantes ondas epidêmicas que assolavam a população, em especial os
soteropolitanos, expostos à intensa circulação de pessoas das mais diversas
nacionalidades, em seu porto comercial. Nesse sentido, as elites governantes
envidaram esforços para promover a salubridade da sua capital. A fim de legitimar
tais ações foram editadas sucessivas leis pelos presidentes de província e
governadores que se sucederam no governo da Bahia.
Em 1850, foram criadas em todas as províncias as Juntas de Higiene
Pública, subordinadas à Junta Central de Higiene Pública, sediada no Rio de
Janeiro (Santiago, op. cit., p. 44-5).
35
Apesar dessa deliberação do governo
imperial, o Conselho de Salubridade continuou a funcionar na Bahia, adquirindo
caráter mais opinativo no que dizia respeito à saúde pública (ibid.).
36
Naquele período, as epidemias de febre amarela (1849-50) e de cólera
(1855) assolaram Salvador, provocando grande número de mortes,
desabastecimento da capital e crise na economia (Pinheiro, 2002, p. 210; David,
1996; Cardoso, 1991, p. 36-38; Nascimento, 1986, p. 151-171). Os surtos
epidêmicos abalaram a sociedade baiana e motivaram intervenções no sentido de
purificar e ordenar o espaço urbano, tais como as desinfecções em locais de
aglomeração (hospitais, prisões, pensões, igrejas, teatros, etc.); o saneamento
dos matadouros; o deslocamento do cemitério para área externa ao perímetro
35
As Juntas de Higiene Pública foram criadas por meio do Decreto Imperial n.º 598, de 14 de
setembro de 1850.
36
Determinação da Resolução provincial nº. 482, de 28 de maio de 1853.
64
urbano; a vigilância sanitária dos navios; e o estabelecimento de um serviço de
limpeza pública.
As medidas eram informadas por uma concepção médico-científica
baseada no que se convencionou denominar teoria dos miasmas, segundo a qual
as epidemias eram resultantes tanto de fatores ambientais, tais como as
condições climáticas e atmosféricas, quanto da deficiência na distribuição e no
tratamento de água, esgoto, lixo, etc. (Barreto, 2005, p. 58-67). Ao relacionar as
moléstias epidêmicas às condições de vida nos centros urbanos, tal concepção
contribuiu para o desenvolvimento de serviços até então negligenciados, como a
vigilância sobre o fabrico e venda de produtos alimentícios e as primeiras medidas
de saneamento urbano.
37
À época, a questão social também constituía um fator associado ao
processo saúde-doença. Se a situação de miséria predispunha os indivíduos à
doença, era preciso evitar que estes fossem acometidos por moléstias,
recolhendo-os a espaços onde, teoricamente, encontrariam abrigo contra as
intempéries, passariam a receber alimentação, assistência médica, e o
representariam um risco à população sadia.
Assim, era comum que os nosocômios, tais como o Asilo de Mendicidade e
o Asilo São João de Deus, funcionassem mais como abrigos de indigentes e de
doentes mentais do que na condição de hospitais propriamente ditos. Ademais, a
ideologia vigente preconizava a desobstrução do espaço urbano, evitando, entre
outras coisas, a presença embaraçosa de vadios, loucos e mendigos nas ruas de
Salvador (Fraga Filho, 1996). A existência de indivíduos perambulando pelas ruas
nessa condição de miséria humana emprestava à cidade uma fisionomia que
contrariava o impulso civilizador verificado a partir da segunda metade do século
XIX.
37
Após as epidemias de febre amarela (1849/50) e de cólera (1855) houve melhoria nos
transportes e nos serviços, tais como o implemento de bondes e ascensores para facilitar o
deslocamento de pessoas e mercadorias, a instalação de telefones, o abastecimento de água e
iluminação. Com a implantação desses serviços, as ruas também sofreram intervenções: foram
alargadas e pavimentadas com paralelepípedos, receberam trilhos para os bondes e tubulações
para o abastecimento de água, rede de esgoto e iluminação. Assim, não se pode afirmar que
houvesse, por parte do poder blico, desinteresse em mudar o quadro de insalubridade que
caracterizava a capital da província. Contudo, tais benefícios ficaram restritos às áreas nobres da
cidade, fosse para atender aos requisitos da atividade comercial ou para servir aos anseios de
modernidade e civilização das elites (Pinheiro, op. cit., p. 216-217).
65
Durante as quadras epidêmicas de 1849-50 e 1855, foram montadas
enfermarias e nosocômios para atender os indigentes e estrangeiros aportados
em Salvador, tais como a enfermaria do Baluarte e o Isolamento, situado em
Monte Serrat. Este último deveria oferecer assistência permanente aos
acometidos pela febre amarela (Nascimento, 1986, p. 166). Contudo, esses
espaços não tinham um funcionamento regular – fechavam suas portas assim que
a epidemia cessava, reabrindo-as sempre que necessário (David, 1993, p. 30;
Nascimento, op. cit., p. 166-167).
38
A criação de tais instituições denota a preocupação em impedir a difusão
das doenças infecciosas. Informadas pela concepção médico-científica baseada
no conceito de transmissão, medidas como o isolamento e a quarentena eram
práticas constantemente utilizadas com finalidade de evitar que o enfermo
entrasse em contato com a população sadia, disseminando, assim, a doença.
Entretanto, havia na Bahia hospitais que funcionavam de forma constante,
independentemente das quadras epidêmicas. Dentre estes, figuravam o Hospital
da Santa Casa da Misericórdia (o São Cristóvão) e o Hospital Militar (reservado
ao atendimento da guarnição). Tais hospitais eram vistos com desconfiança pela
população, e com desgosto por parte dos médicos que ali trabalhavam (Souza
Junior, 1886, p. 77-85). O povo pobre acreditava que esses espaços eram antes
de morte que de cura, e os médicos criticavam as péssimas condições de higiene
do ambiente e da alimentação hospitalar, as quais predispunham os enfermos a
outras moléstias, acelerando a sua morte (ibid.).
Além dos mencionados, havia também o Hospital Português, construído
pela Real Sociedade Portuguesa Dezesseis de Setembro em um sítio no alto do
Bonfim (Boccanera Junior, 1926, p. 338). Inaugurado em 16 de setembro de
1866, o hospital abrigava dois pavimentos: entre outras instalações, no térreo
havia 1 enfermaria com 6 leitos, e no andar superior estavam instalados 6 quartos
para pensionistas e 2 enfermarias com 5 leitos cada (Souza Junior, op. cit., p. 82-
83). A instituição prestava assistência à comunidade portuguesa residente na
Bahia, bem como aos patrícios de passagem pelo estado (Boccanera Junior, op.
38
Por falta de doentes de febre amarela, o Isolamento de Monte Serrat foi fechado em 1853,
reaberto em março do ano seguinte, foi novamente fechado em novembro de 1854, reabrindo, por
fim, em janeiro de 1855 (Nascimento, op. cit., p. 166-167).
66
cit., p. 338). Segundo as concepções que à época orientavam a construção dos
hospitais, aquele era considerado um nosocômio regular, em virtude de seu
asseio, do abastecimento de água próprio (dispunha de uma cisterna), da boa
orientação e situação no alto de um terreno, ainda que apresentasse alguns
“defeitos na técnica hospitalar”, como o “mau sistema de janelas” (Souza Junior,
op. cit., p. 83).
Contudo, desde o início do século XIX a Santa Casa da Misericórdia
reconhecia o péssimo local e as deploráveis condições higiênicas do seu hospital.
Assim, na década de 20 daquele século, a instituição procurou um local onde
pudesse construir um nosocômio com condições de substituir o antigo Hospital de
S. Cristóvão. Para tal fim, em 19 de maio de 1828, o Visconde do Rio Vermelho,
Provedor da Santa Casa, adquiriu um terreno no bairro de Nazaré (Souza Junior,
op. cit., p.13-14). Em julho do mesmo ano, foi colocada a pedra inaugural do novo
hospital, que passaria a se chamar Hospital Santa Isabel. Após inúmeras
interrupções, a obra foi finalmente inaugurada em 1893 (ibid.). Tratava-se de um
dos hospitais mais importantes da Bahia, principalmente pelo fato de ser em suas
enfermarias que dicos e estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia
estabeleciam quadros nosográficos, experimentavam formas e instrumentos
cirúrgicos, recolhiam casos clínicos e, mais tarde, publicavam nos jornais e nos
periódicos especializados os resultados da prática médica ali realizada (Barreto e
Aras, 2003).
Em finais do século XIX, a Bahia deu mais um passo em direção à
organização sanitária. Joaquim Manoel Rodrigues Lima, médico formado pela
Faculdade de Medicina, eleito para governar a Bahia no período de 1892 a 1896,
sancionou uma Lei Estadual que previa a organização sanitária do estado. Entre
outras disposições, a legislação determinava a criação da Inspetoria de Higiene e
do Instituto Vacínico, e prescrevia que o Conselho de Salubridade passasse a se
chamar Conselho Geral de Saúde Pública (Constituição e Leis do Estado da
Bahia, Lei n.º 30, de 29 de agosto de 1892). Ao Conselho competia opinar sobre
questões de higiene, salubridade geral e assistência pública, elaborar o código
farmacêutico, estabelecer e divulgar instruções gerais sobre questões de saúde,
orientar a estatística demográfico-sanitária, bem como propor a nomeação dos
delegados de higiene para cada município do estado (ibid., p. 164-177).
67
A citada Lei também previa a criação de Conselhos Locais de Saúde,
instituídos nos municípios e compostos de acordo com a orientação do governo,
que se resguardava o direito de nomear os delegados de higiene municipais
(Art.25, §1 a 13, p. 172-173). As atribuições dos Conselhos Locais eram
praticamente as mesmas do Conselho Geral, mantidas as devidas proporções,
destacando-se a atuação conjunta de estado e município na organização dos
serviços de socorro público em épocas de epidemias ou por ocasião de algum
tipo de calamidade pública (Art.25, § 9
0
, p. 173). Não se pode negar que a Lei
sancionada por Rodrigues Lima representou avanço no processo de montagem
da estrutura de saúde para atender à população do estado. Todavia, segundo
Moniz de Aragão (1916, p. 29-30), além de legislar sobre o assunto, pouca coisa
fora realizada durante aquele governo.
O governador seguinte, Luiz Vianna, que ocupou o poder entre 1896 e
1900, também se preocupou em legislar. A Lei sancionada por Vianna
discriminava as atribuições do município e as do estado.
39
Na execução dessa
legislação, cabia ao município a responsabilidade de promover o saneamento
local (através de medidas como canalização dos esgotos e águas pluviais,
drenagem do solo, abastecimento de água, iluminação pública, pavimentação das
ruas, incineração do lixo, etc.); a fiscalização dos gêneros alimentícios expostos
ao consumo público; além da organização e direção dos serviços de assistência
pública (oferta de socorros a acidentes, extinção de incêndios, matadouros,
lavanderias e fontes públicas, asilos, creches, etc., bem como a organização e
direção do serviço de vacinação local). Em cada município deveria haver médicos
municipais encarregados da vacinação e revacinação. Na ausência desses
médicos, a Lei previa que o serviço ficaria sob incumbência dos delegados de
higiene.
Sob a tutela do estado ficariam as medidas de tratamento e prevenção de
moléstias transmissíveis, como também o combate às epidemias; a supervisão
dos serviços sanitários municipais; a fiscalização do exercício da medicina e da
farmácia; a organização da estatística demográfico-sanitária; a pesquisa científica
de questões relativas à higiene, além da pesquisa bacteriológica, química e
39
Cf.: Lei n.º 213, de 23 de agosto de 1897.
68
bromatológica. As repartições de saúde pública do estado estariam
imediatamente subordinadas ao inspetor geral de higiene, o qual se encontrava,
em termos hierárquicos, sob as ordens do Secretário do Interior e da Justiça
este último subordinado exclusivamente ao governador.
Diante da ameaça do mal levantino
40
que despontara na Europa e no
Brasil, incidindo sobre São Paulo e Santos, o governador Luiz Vianna formou uma
comissão, composta pelos médicos Silva Lima, Alfredo de Britto e Nina
Rodrigues, para estudar e propor os meios de impedir a invasão e posterior
expansão da peste na Bahia. Seguindo a orientação da comissão, os médicos
Gonçalo Moniz e Lydio de Mesquita ficaram encarregados de instalar um modesto
gabinete de pesquisas bacteriológicas (Moniz de Aragão, 1916, p. 30). Ademais, o
governo do estado solicitou à União autorização para estabelecer um serviço de
desinfecção direcionado aos passageiros, bagagens e mercadorias provindos de
portos suspeitos. Paralelamente, foi instituído um serviço de verificação de óbitos
e de visitas domiciliárias (ibid.).
Todavia, para o bacharel em Direito e ex-juiz Severino Vieira, apesar da
importância das disposições previstas nas leis sucessivamente editadas, e das
medidas adotadas para tentar conter e evitar os surtos epidêmicos, a resolução
dos problemas referentes ao estado sanitário da Bahia “não era [...] uma
necessidade de ocasião [...]. Era [...] uma necessidade permanente, uma
condição essencial de vida e progresso da sociedade” (Vieira, Mensagem...,
1904, p. 12). Nesse sentido, a saúde pública se revestiria de importância não só
em épocas de calamitosas epidemias, mas deveria ser alvo da atenção
permanente dos governantes comprometidos, em virtude da função que
exerciam, com a integridade física dos cidadãos e com o progresso da sociedade
que tinham por responsabilidade gerir e representar. A preservação da saúde
pública como fator preponderante para o progresso social e como forma de
manutenção do próprio estado incorporava-se, aos poucos, ao ideário das elites
baianas.
Portanto, assim que tomou posse do governo da Bahia para o período de
1901 a 1904, Severino Vieira requisitou à comissão formada por seu antecessor
40
Denominação no período atribuída à peste bubônica, também chamada de peste do Levante,
em referência à sua provável origem oriental.
69
um relatório das condições em que se encontrava o serviço sanitário do estado.
Por meio dessa exposição o governador ficou ciente de que “o Estado estava
quase de todo desprovido dos meios mais elementares para uma defesa, ainda
que medíocre, da sua população” (Vieira, op. cit., p. 7). De acordo com o
documento em questão, era lamentável a carência material e instrumental da
repartição de saúde pública; portanto, era “de necessidade indeclinável a criação
de um serviço regular de assistência pública para as moléstias contagiosas, que
seria uma vergonha, se não fosse um crime, não possuí-lo ainda uma cidade de
importância e na situação da Bahia” (ibid., p. 12-13).
Convencido da legitimidade dessas constatações, Vieira empreendeu
esforços para estabelecer os moldes dentro dos quais, a seu ver, deveria ser
organizado o serviço sanitário, tendo em vista o fato de este ser “regido apenas,
no que lhe era aplicável, pelas disposições lacunosas e deficientes de um
regulamento, outrora estatuído pelo Governo Federal para serviço desta natureza,
a seu cargo, no perímetro da Capital da República” (ibid., p. 13).
41
Na concepção do governador, ainda que a legislação em vigor procurasse
estabelecer melhores bases para a organização do serviço de saúde, tal medida
pouco atendeu à necessidade de “sistematizar e concatenar, subordinando a uma
direção técnica, a ação dos diversos órgãos da administração sanitária” (ibid., p.
12).
42
Vieira afirmava que a confusão a que se viam submetidas as esferas de
competência do estado e do município impossibilitava a organização racional e
proveitosa de um serviço público de saúde. Nesse sentido, o governador
estabeleceu o Regulamento do Serviço Sanitário, que efetivava a reforma
empreendida por Luiz Vianna e implementava as modificações introduzidas e
41
No governo de Prudente de Morais foi criada pelo decreto n.º 2.449 de fevereiro de 1897 a
Diretoria Geral de Saúde Pública, com a função de unificar os serviços de higiene da República
à DGSP competia o tratamento e a profilaxia das doenças transmissíveis em todo território
nacional (com prioridade para os estados carentes de recursos materiais e/ou de organização em
seus serviços de saúde), bem como a responsabilidade pela produção e distribuição de soros e
vacinas e pela organização e direção do serviço sanitário dos portos (Castro Santos & Faria, op.
cit., p. 24). O Artigo 16 do regulamento da DGSP previa que os socorros médicos e de higiene
prestados pela União aos estados teriam sempre caráter excepcional, e seriam motivados
unicamente por caso de calamidade pública. Os serviços ficavam restritos ao âmbito da
assistência pública, de socorro aos enfermos em enfermarias (durante epidemias), sendo sua
participação quase nula em termos de higiene (idem).
42
Vieira referia-se à Lei n.º 213, de 23 de agosto de 1897, sancionada no governo de Luiz Vianna.
70
autorizadas por legislação anterior (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º
443 de 29 de agosto de 1901, p. 60-63).
43
Dentre outras resoluções, o Regulamento sancionado por Vieira e
elaborado por Pacífico Pereira estabelecia que, para viabilizar a execução dos
serviços da sua alçada, o estado contaria com a Inspetoria Geral de Higiene, com
uma seção demográfico-sanitária, além das seguintes seções sob a sua gerência:
o Instituto Bacteriológico; o Instituto Vacinogênico; o Laboratório de Análises
Químicas e Bromatológicas; o Serviço Geral de Desinfecção; o Hospital de
Isolamento (Art. 13, p. 372). Além dos serviços a seu cargo, o estado, em épocas
de crise epidêmica, poderia se responsabilizar pelos serviços de higiene que por
Lei pertenciam aos municípios, bem como criar serviços sanitários em municípios
onde estes ainda eram inexistentes (Art. 3º, p. 369).
A fim de atender às demandas suscitadas pelas doenças epidêmicas que
assolavam com freqüência a Bahia, Severino Vieira cuidou de adquirir dois
edifícios situados em São Lázaro. No primeiro passou a funcionar o isolamento de
variolosos, composto por uma enfermaria e um desinfetório para expurgo com
estufa a vapor, além de se realizarem “desinfecções químicas e gasosas” (Vieira.
Mensagem..., 1904, p. 17). No segundo prédio foi instalada uma enfermaria para
o isolamento de doentes de febre amarela e um posto de observação para os
casos suspeitos desta moléstia (ibid., p. 15). Em Monte Serrat funcionava o
desinfetório e o posto de observação marítimo.
No entanto, nenhuma dessas medidas pôde impedir que a Bahia fosse
invadida pela peste bubônica, em 1904. De acordo com o conselheiro Luiz
Anselmo da Fonseca (1909, p. 9), a culpa daquela situação cabia à União, que
não cumprira, ou executara mal, a tarefa de proteger o porto de Salvador da
invasão de doenças exógenas. Além de não desempenhar o seu papel, o governo
federal cassara, em abril de 1904, a autorização concedida ao estado desde o
governo de Luís Vianna, para que aquela instância procedesse à fiscalização e à
43
O Regulamento do Serviço Sanitário foi estabelecido por meio do Decreto n.º 106, de 14 de
novembro de 1901. Para Luiz Anselmo da Fonseca, médico da Faculdade de Medicina da Bahia e
membro do Conselho Sanitário Estadual, o Regulamento do Serviço Sanitário elaborado por
Pacífico Pereira estava “de acordo com os mais sólidos e adiantados princípios da ciência da
saúde” (Fonseca, 1909, p. 3). Entretanto, segundo Fonseca, aquele Regulamento estava longe de
ser executado de forma satisfatória, ocorrendo a seu respeito o que geralmente acontecia com as
leis no Brasil – tornavam-se letra morta (ibid., p. 4).
71
desinfecção dos navios que tocassem o porto de Salvador. A partir de então,
navios de várias procedências tocavam livremente os portos brasileiros, trazendo
todo o tipo de doença.
Quando o mal do Levante chegou à Bahia, encontrava-se no governo José
Marcelino de Souza (1904-1908). Imediatamente, o governador encarregou o Dr.
Gonçalo Moniz de organizar um hospital provisório para o isolamento e
tratamento dos pestosos em Monte Serrat (Moniz de Aragão, op. cit. p. 31). Além
dessa medida, o estado implementou o serviço de desinfecção dos prédios da
cidade – disposição esta, de acordo com o conselheiro Luiz Anselmo da Fonseca,
pertencente à alçada do governo municipal (que não cuidava nem ao menos do
asseio das ruas) (Fonseca, op. cit., p. 9-48).
Ao lado dessas providências de cunho imediato, Marcelino sancionou lei
que estabelecia a criação do Instituto Bacteriológico, Anti-Rábico e Vacinogênico
(Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 628, de 14 de setembro de 1905).
Contudo, apesar de os governadores da Bahia reconhecerem a necessidade de
um instituto de pesquisas bacteriológicas na Bahia, editando sucessivas leis que
previam a sua criação, somente no governo de Araújo Pinho (1908-1911) foi
construído um edifício próprio para a instalação daquela repartição (Moniz de
Aragão, 1916, p. 31). As instalações, porém, foram inauguradas no governo do
seu sucessor – J.J. Seabra (1912-1916).
Além da ordenação do espaço urbano, Seabra,
assim como seus
antecessores, cuidou de legislar e
reorganizar o serviço sanitário da Bahia.
44
Para
tanto, baseou-se em normas de higiene implantadas na capital federal durante a
sua atuação como ministro do governo Rodrigues Alves. Dentre os pontos
estabelecidos, destacamos a criação da Diretoria Geral da Saúde Pública que
teria sob sua superintendência direta a Secretaria Geral da Saúde Pública; as
Inspetorias Sanitárias
45
e as Delegacias Sanitárias do Interior; o Serviço de
Verificação de Óbitos; as Comissões Sanitárias; e a Secção de Engenharia
Sanitária (Art. 2º, Lei n.° 921, de 29 de novembro de 1912, p. 117-118).
44
Cf.: Leis do Estado da Bahia, [...], Lei n.º 921, de 29 de novembro de 1912.
45
Segundo o Art. 2º da Lei n.º 921, de 29 de novembro de 1912, haveria uma Inspetoria para cada
um dos dezessete distritos em que seria dividida a cidade de Salvador, além de duas para cada
município do estado.
72
Afora tais disposições, Seabra restaurou o serviço de verificação de óbitos,
extinto no governo de Araújo Pinho, tornando-o independente dos demais
serviços de saúde, e elevou a seção de estatística demográfica à condição de
diretoria, no intuito de obter informações mais precisas sobre o obituário do
estado (Lei n.° 921, de 29 de novembro de 1912).
46
A nova legislação também determinava as atribuições do estado e do
município, porém, apesar da divisão de atribuições, na prática tudo ficava a cargo
do estado, em razão da situação de indigência das finanças municipais e da
submissão do município ao caráter centralizador do governo seabrista (Seabra,
1916, p. 14-15). Para intensificar o controle sanitário da urbe, o governo do estado
estabeleceu o serviço de vigilância da engenharia sanitária; aumentou o pessoal,
inclusive o técnico, nos serviços de desinfecção; instituiu um serviço especial para
a profilaxia da febre amarela; regularizou a situação dos funcionários, bem como
os trabalhos realizados no Instituto Vacinogênico, Anti-Rábico e Bacteriológico e
no Hospital de Isolamento
47
; e criou, ainda, o Juízo dos Feitos da Saúde Pública
48
(ibid.).
Conforme se pode observar na Tabela 2, reproduzida no início deste
capítulo, apesar da “modernização” dos serviços de saúde observada no governo
de Seabra, doenças como a peste, o impaludismo e a tuberculose continuaram a
vitimar a população de Salvador. No entanto, ocorreu declínio de doenças como a
varíola e a febre amarela. No caso da varíola, não se sabe se tal redução de
incidência sucedeu em virtude do incremento das vacinações e revacinações
antivariólicas naquele período a cargo do estado ou decorreu, como no caso
da febre amarela, da intensificação das medidas profiláticas à época
administradas por departamento especial. O fato é que o decréscimo de casos de
febre amarela na Bahia deve ter rendido no cenário nacional alguns dividendos
políticos ao poderoso Seabra, tendo em vista que se tratava de assunto
extremamente preocupante para o país, naquele período.
46
A Lei n.º 840, de 24 de agosto de 1910, sancionada no governo de Araújo Pinho previa a
extinção do serviço de verificação de óbitos.
47
A Lei previa que este fosse “devidamente montado, com um diretor-médico, dois médicos
auxiliares, um farmacêutico, um enfermeiro-mor, seis enfermeiros e pessoal inferior, podendo ser
esse pessoal aumentado em caso de necessidade” (Art. da Lei n.º 921, de 29 de novembro de
1912. p. 111).
48
Cabia ao Juízo dos Feitos da Saúde Pública conhecer e julgar todas as ações, processos civis e
criminais referentes à higiene e salubridade pública (ibid.).
73
1.4. A ASSISTÊNCIA À SAÚDE NOS TEMPOS DA “ESPANHOLA”
Interessado em imprimir marca própria ao seu governo, o sucessor de
Seabra Antonio Ferrão Moniz de Aragão empreendeu também a reformulação
das repartições públicas estaduais. Nesse sentido, o governador centralizou todos
os serviços de saúde, subordinando-os à Diretoria Geral da Saúde Pública da
Bahia (Moniz de Aragão, 1920, p. 80).
49
A partir de então, o Hospício São João de
Deus
50
, o Hospital dos Lázaros
51
e o Cemitério das Quintas ficariam subordinados
àquela Diretoria (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 1151, de 15 de
julho de 1916).
O governo do estado havia também anexado o Serviço de Assistência
Pública da Bahia, cuja realização fora projetada pelo governo municipal; este
último, porém, vira-se impossibilitado de dar prosseguimento à obra por falta de
recursos financeiros. No Posto Central da Assistência Pública, inaugurado em
1916 no governo Seabra, eram praticadas intervenções cirúrgicas (cura de
hérnias estranguladas, laparotomias, suturas de órgãos, ligaduras de artérias,
amputações etc.), bem como socorros médicos em casos urgentes de
envenenamentos, tentativas de suicídios, acidentes, etc. (Torres, 1923). Durante
49
Conforme veremos mais detalhadamente no capítulo subseqüente, Antônio Ferrão Moniz de
Aragão governa a Bahia no período de 1916 a 1920.
50
O Hospício São João de Deus, para recolhimento dos alienados, também estava a cargo do
estado, e era dirigido pelo Dr. Antonio Barreto Praguer. No ano de 1918, havia 408 doentes
asilados no São João de Deus. Com a finalidade de “suavizar o mais possível a sorte dos infelizes
que [eram] acolhidos e [...] contribuir para a melhora ou a cura de tão deplorável enfermidade” o
governo do estado empreendeu obras de construção (pavilhões Charcot e Victor Soares) bem
como de reparação e adaptação do prédio, assim como a aquisição de material de consumo
(remédios, roupas, utensílios, etc.) (Moniz de Aragão, 1918, p. 70; 1919, pp. 65-66). Com o
mesmo objetivo, o decreto nº. 1764, de 16 de janeiro de 1918, determinava que os dicos e
internos que prestassem serviço nesse hospital fossem obrigados a cumprir plantão e a pernoitar
no estabelecimento, a fim de encontrarem-se sempre ali presentes um dico e um interno. Em
1918, o governador projetava o funcionamento de uma colônia agrícola no terreno anexo ao
hospício, para que os “doentes crônicos tranqüilos” pudessem exercer atividades agrícolas, bem
como a instalação de oficinas de artes e ofícios (Moniz de Aragão, 1918, p. 70). Entretanto, na
exposição do governador à Assembléia, realizada na passagem de cargo ao seu sucessor,
verificamos que tais projetos não foram realizados.
51
O Hospital dos Lázaros, onde estavam recolhidos os leprosos, situava-se na Baixa de Quintas,
num antigo casarão que deixava muito a desejar quanto às suas condições materiais (Moniz de
Aragão, 1918, p. 68). Entretanto, o governador não investia na remodelação do prédio porque
tinha planos de instalar um anexo no Isolamento de Monte Serrat, com a finalidade de abrigar os
acometidos pela lepra. Conforme Moniz de Aragão, a lepra era moléstia rara em Salvador, e
poucos eram os óbitos anuais dela decorrentes. (ibid.). Havia naquele período 28 doentes
internados no hospital, o que, segundo o governador, correspondia à média de internações anuais
(ibid.).
74
o ano de 1918, 4.297 pessoas recorreram aos socorros de urgência prestados
pelo Posto 2.456 submeteram-se a operações de pequena e alta cirurgia, 1.285
receberam tratamentos médicos, e 556 foram transportadas para hospitais e
maternidades pelas ‘auto-ambulâncias’ disponíveis no posto (em número de três)
(Moniz de Aragão, 1919, p. 68).
o serviço de verificação de óbitos deixava de ser uma seção
independente, passando a subordinar-se à Diretoria do Serviço Médico Legal
(ibid., p. 81). De acordo com a legislação em vigor, o serviço sanitário da Bahia
encontrava-se assim configurado:
Figura 4
Fonte: Art. 17º, Lei n.º 1151, de 15 de julho de 1918.
52
No ano seguinte, o governador editou nova lei, sob o pretexto de conferir
outra feição ao serviço sanitário estadual. Entretanto, fora o ato político de
considerar efetivo o cargo de Diretor Geral da Saúde Pública, não foi realizada
nenhuma modificação digna de nota (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei
52
Veja também a Lei n.º 1129, de 23 de março de 1916, Art. 7º, e o Decreto n.º 1650, de 14 de
abril de 1917.
SERVIÇO ESPECIAL
DE SANEAMENTO
(Profilaxia da Febre
Amarela)
INSTITUTO
OSWALDO CRUZ
(Bacteriológico, Anti-
rábico e Vacinogênico)
HOSPITAL DE
ISOLAMENTO
ESTATÍSTICA
DEMOGRAFO-
SANITÁRIA
DESINFECTÓRIO
CENTRAL
INSPETORIAS
SANITÁRIAS
HOSPITAL
DOS LÁZAROS
ASSISTÊNCIA
PÚBLICA
HOSPÍCIO SÃO
JOÃO DE
DEUS
CEMITÉRIO DAS QUINTAS
DOS LÁZAROS
ENGENHARIA SANITÁRIA
DELEGACIAS DE HIGIENE DO
INTERIOR
SECRETARIA DO INTERIOR, JUSTIÇA E INSTRUÇÃO
DIRETORIA GERAL DA SAÚDE
75
n.º 1231, de 31 de agosto de 1917). Basicamente, preservaram-se as disposições
da legislação em vigor desde 1905, segundo as quais ficava a cargo do estado o
serviço de profilaxia geral e específica das moléstias transmissíveis.
53
Assim como no resto do Brasil, o governo estadual ainda concentrava
suas forças no combate às epidemias de doenças infecto-contagiosas que
assolavam Salvador e influenciavam negativamente a economia local. Nesse
sentido, foram privilegiadas algumas ações que ainda se restringiam ao âmbito da
capital do estado e suas cercanias.
No intuito de estabelecer um diagnóstico da situação sanitária de
Salvador e delinear o quadro nosológico da cidade, o governo atribuía grande
importância ao Serviço de Estatística Demografo-sanitária
54
, dirigido por Euvaldo
Diniz Gonçalves. Para garantir o funcionamento desse órgão, o diretor contava
com a atuação de dois médicos ajudantes Octavio Torres e Claudelino
Sepúlveda – além do cartógrafo Enoch Torres (Reis, 1919-1920, p. 154).
55
Os Inspetores Sanitários e o Serviço de Verificação de Óbitos à época
subordinados ao Serviço Médico Legal figuravam como importantes
coadjuvantes dessa seção da Diretoria Geral da Saúde Pública. Todavia, Moniz
de Aragão lamentava o atraso nas publicações dos boletins hebdomadário,
mensal e anuário, realizadas pelo Serviço de Estatística Demografo-sanitária
(Moniz de Aragão, 1918, p. 78). O governador imputava a responsabilidade dessa
demora na divulgação das informações aos “muitos estabelecimentos,
autoridades ou serviços” que retardavam a entrega dos dados àquela repartição
(ibid.). Para Moniz de Aragão:
53
Cf.: Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 628, de 14 de setembro de 1905.
54
Assim era grafada, na época, a denominação dessa repartição.
55
O Dr. Octavio Torres (1885-1922) foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia, assumiu o
cargo de diretor interino do Serviço de Estatística Demografo-Sanitária da Bahia; foi membro da
Sociedade Médica dos Hospitais da Bahia e da Sociedade de Medicina da Bahia. O Dr. Enoch
Torres era um estudioso da Estatística Demográfico-sanitária. O periódico Brazil-Médico, de 20 de
dezembro de 1919, trazia uma resenha na qual se enaltecia o estudo apresentado por Enoch
Torres, por ocasião de sua defesa de tese com o fim de obter o grau de Doutor em Medicina. A
publicação recomendava que o trabalho fosse “manuseado freqüentemente pelas Repartições de
Estatística Demográfica”, pois nele seriam encontradas “as principais noções aos que se iniciam
em serviços desta natureza” (Torres, Enoch. Estudo Estatístico da Mortalidade. Mortalidade na
cidade de S. Salvador”. In: Brazil-Médico, Anno XXXIII, 20.12.1919, 5, p. 409-410). Estava,
assim, bem assessorado o diretor do serviço de estatística do Estado, por sua vez demografista e
professor da Faculdade de Medicina da Bahia.
76
Ainda a maioria da nossa população não se compenetrou do alto valor
das estatísticas para ajuizar-se do verdadeiro estado de um povo sob
seus múltiplos aspectos e para a orientação dos encargos da direção
dos seus destinos nas medidas a tomar para assegurar-lhe o bem
estar e promover-lhe a prosperidade (Moniz de Aragão, 1918, p. 78).
A estrutura de registros era fundamental, embora nesse período ainda se
mostrasse incipiente. Durante a epidemia de gripe, o Diretor Geral da Saúde
Pública sentiu necessidade de intensificar tal prática entre os médicos
comissionados para tratamento dos ‘espanholados’, solicitando que os dados
estatísticos colhidos fossem enviados semanalmente àquele órgão (Democrata,
30.10.1918, p. 1).
Moniz de Aragão manteve o serviço de vigilância sanitária. Ficava a cargo
dos inspetores sanitários a realização de visitas médicas aos domicílios e
estabelecimentos, em especial, àqueles onde existia alguma concentração de
pessoas em grandes ou pequenos espaços escolas, fábricas, asilos, quartéis,
etc. (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 1231, de 31 de agosto de
1917). Para viabilizar o serviço dos inspetores, Salvador foi dividida em 17
distritos sanitários (ibid.). Cada distrito ficava a cargo de um médico, que tinha por
função colher dados sobre a existência de doenças e óbitos, bem como prestar
assistência médica, verificar as condições sanitárias das habitações, realizar as
medidas sanitárias necessárias e proceder à vacinação e à revacinação (ibid.). As
medidas implementadas pelos médicos responsáveis por esses distritos
consistiam, no que diz respeito à peste, por exemplo, na supressão de quaisquer
espaços subterrâneos onde os ratos pudessem penetrar, esconder-se e proliferar.
Os inspetores sanitários sabiam que os ratos abrigavam as pulgas, vetores por
excelência do vírus específico; portanto, para o cumprimento das medidas, era
promovido o saneamento das casas, dos prédios, quintais, ruas, terrenos baldios,
etc. (Gonçalo Moniz, 1921, p. 422-427).
A lei determinava a notificação compulsória de doenças infecto-
contagiosas, como a cólera e moléstias coleriformes, a peste, a febre amarela, a
varíola, a tuberculose, a escarlatina, o sarampo, a difteria, a febre tífica, a
77
disenteria e a lepra (ibid., Art. 62).
56
Em parágrafo único, a lei determinava: “É
facultativo para os médicos a notificação de qualquer outra moléstia transmissível
e obrigatória para as parteiras a notificação dos casos de febre puerperal e de
oftalmia nos recém-nascidos” (ibid.).
Verificada a ocorrência de doença infecto-contagiosa, a ação imediata seria
o isolamento do enfermo (domiciliário ou nosocomial). Conforme a legislação
vigente, cabia à autoridade sanitária determinar a medida a ser adotada.
Geralmente, optava-se pelo isolamento domiciliar. Exceção feita a casos em que
o enfermo morasse em habitação coletiva (pensões, cortiços, etc.), ou em casa
situada em zona populosa, ou ainda não dispusesse de recursos para prover o
próprio tratamento. Depois de providenciar o isolamento do doente, expurgava-se
sua habitação e os objetos de seu uso, e realizava-se um exame bacteriológico
para confirmar o diagnóstico (APEBA, DGSPB, Inspetoria do 1 Distrito,
Relatório..., 31.12.1916, Caixa 3696, Maço 1028, p. 11-12).
Em casos de enfermidade ou de morte provocada por doença infecto-
contagiosa, cabia ao Desinfetório Central a responsabilidade de proceder à
desinfecção dos objetos de uso do enfermo e do domicílio onde se deu a
ocorrência da moléstia.
57
Vejamos como se processava essa medida:
Na rua da Lapa, considerada foco, deu-se um caso de peste
bubônica na pessoa de um estudante do Ginásio da Bahia. Feita a
devida remoção para o Isolamento, fizemos um expurgo rigoroso no
prédio infectado, assim como nos vizinhos, fazendo-lhes três
desinfecções consecutivas à lisol, creolina, sublimado e, finalmente,
uma grande carga de formol, tendo o cuidado de arrancar previamente
algumas tábuas do soalho da sala de visitas, donde, dias antes,
exalara mau cheiro, devido aos ratos que aí morreram. Estas medidas,
de par com a vigilância observada em 10 dias consecutivos,
paralisaram o mal, não se registrando mais um caso nestas
proximidades.
O combate aos ratos foi dado pelos venenos e pela impermeabilização
do solo, pois que a falta de esgotos nesta cidade nos inibe de uma
agressão mais eficaz aos porta-veículos da peste (APEBA, DGSPB,
Inspetoria do distrito, Relatório..., 1912, Caixa 3696, Maço 1028,
s/p).
56
A escarlatina e o sarampo se tornavam doenças de notificação obrigatória quando incidiam
em colégios, asilos ou habitações coletivas.
57
Em alguns casos, as roupas e os objetos de uso pessoal eram incinerados.
78
Além de proceder à desinfecção do local cabia a essa repartição
providenciar a remoção do doente para o isolamento ou, na ocorrência de óbito,
para o cemitério. Verificada a morte por doença transmissível, o enterramento
tinha de ser feito com a máxima urgência, sendo proibido o acompanhamento do
defunto por parte de amigos e familiares os funcionários do desinfetório central
se encarregariam de efetuar o sepultamento do corpo. Para o serviço de
transporte, essa seção contava com carros puxados por muares, os quais, em
tempo de grandes epidemias, se mostravam insuficientes, o que impunha a
contratação dos serviços de bondes da Linha Circular (Moniz de Aragão, 1920, p.
93).
Em época de crise epidêmica, o número de profissionais de saúde e as
instalações hospitalares o bastavam para atender a quantidade extraordinária
de doentes. Assim, tornava-se necessário ao estado comissionar médicos e
improvisar enfermarias e nosocômios, para atender os indigentes. Conforme
veremos no Capítulo V, por ocasião da gripe espanhola, em 1918, foi montada
uma enfermaria no Hospital de Isolamento de Monte Serrat (Moniz de Aragão,
Exposição..., p. 85-95). Em 1919, durante a epidemia de varíola, as enfermarias
do Hospital de Isolamento de Monte Serrat foram insuficientes para abrigar o
grande número de enfermos, o que determinou a organização de enfermarias
provisórias em um prédio situado na ladeira do Baluarte e outras em São Lázaro
(ibid.).
As enfermarias fechavam suas portas assim que o surto se interrompia, e
seus funcionários eram dispensados (ibid., p. 93-94). Conforme podemos verificar
na nota citada abaixo:
Foram dispensados da comissão para a qual foram nomeados por
portaria de 9 do mês passado, o médico Dr. Edmundo Araújo Oliveira,
os enfermeiros João Fernandes dos Santos e Demetrio Freire de Lima
e os serventes Innocencio Pacheco de Brito e Antonio Marques e o
cozinheiro, necessária à enfermaria para os doentes de gripe,
instalada em Monte Serrat (Diário de Notícias, 05.12.1918, p. 2).
Quando irrompeu a gripe espanhola na Bahia, o Hospital de Isolamento de
Monte Serrat, destinado aos portadores de moléstias infecto-contagiosas,
79
encontrava-se sob a direção do Dr. Augusto Couto Maia
58
. Ocupavam o cargo de
Médico Adjunto os doutores Agripino Barbosa e Eduardo Lins Ferreira de Araújo.
Além destes, o hospital contava com dois internos, um farmacêutico, seis
enfermeiros (três do sexo masculino e três do sexo feminino), um almoxarife, um
escriturário, um conservador, um maquinista e um carteiro (Reis, 1919-1920, p.
152).
Naquele período, o hospital ainda funcionava em suas antigas instalações,
apesar de se encontrarem em construção “edifícios modernos, construídos
conforme as regras da estética, da arquitetura e da higiene atinentes à espécie”
(Moniz de Aragão, 1919, p. 64-65). O projeto e as plantas do hospital, elaborados
pelo engenheiro sanitário Archimedes Gonçalves, pressupunham a construção de
sete pavilhões: o pavilhão central da administração, com acomodações para o
diretor do hospital, médicos, internos e demais funcionários residentes no
estabelecimento; um grande pavilhão para isolamento individual, análogo ao
sistema do Hospital Pasteur de Paris
59
, para os pensionistas; dois pavilhões com
enfermarias comuns, subdivididas por sexo; um pavilhão subdividido em três,
para abrigar a farmácia, o laboratório de pesquisas químicas, microbiológicas e
anatomopatológicas e o necrotério; além de um grande pavilhão para abrigar os
leprosos
60
(Moniz de Aragão, 1920, p. 106-107).
O governador lamentava que as obras não estivessem concluídas no
segundo ano do seu mandato, como gostaria, mas afirmava que “o serviço [...]
58
O médico baiano Augusto Couto Maia (1876-1944) graduou-se pela Faculdade de Medicina da
Bahia, em 14.12.1898, onde foi preparador interino de Bacteriologia (de 1902 a 1903); tornou-se
professor extraordinário efetivo da cadeira de Microbiologia, (de 1911 e 1915); foi vice-diretor da
Faculdade (em 1925); e ocupou a cátedra de Microbiologia, de 1933 a 1937, quando se
aposentou. Couto Maia dirigiu o Hospital de Isolamento de Monte Serrat, desde o ano de 1911.
Fez cursos de aperfeiçoamento na Europa, em microbiologia e técnicas de laboratório. Para obter
maiores informações, consultar: Oliveira, Eduardo de . Memória Histórica da Faculdade de
Medicina da Bahia Concernente ao Ano de 1942. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA,
1992, p. 379-380.
59
O Hospital de Isolamento de Monte Serrat era composto de quartos separados, com instalações
sanitárias próprias, o que permitia isolar em um mesmo espaço doentes de moléstias diversas,
sem que houvesse comunicação direta de uns com os outros (Moniz de Aragão, 1920, p. 107).
Para saber mais sobre as características da construção hospitalar nesse período, consulte:
Sanglard, Gisele P. e Costa, Rento da Gama-Rosa. “Direções e traçados da assistência hospitalar
no Rio de Janeiro (1923-31)”. In: História, Ciências, Saúde Manguinhos. Rio de Janeiro: vol. 11,
nº 1, jan./abr., 2004, p. 107-141.
60
Havia intenção da Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia no sentido de suprimir o Hospital
dos Lázaros, transferindo os doentes ali instalados para esta enfermaria do Hospital de Isolamento
(ibid.).
80
continuou, todavia a ser bem desempenhado, satisfazendo-se todas as
exigências médicas e higiênicas” (Moniz de Aragão, 1919, p. 65). Assim, mesmo
com o serviço sendo exercido nas antigas instalações – cujos prédios haviam sido
edificados com fins diversos daqueles em funcionamento –, durante o ano de
1918 foram recolhidos às enfermarias do estabelecimento 43 doentes portadores
de várias moléstias transmissíveis, tais como: gripe ou influenza (22); febre
amarela (18); varíola (16); difteria (4) e peste (3) (Moniz de Aragão, 1919, p. 65;
Ibid., 1920, p. 106). Ademais, deram entrada, no posto de observação anexo ao
hospital, suspeitos de febre amarela (24); disenteria (5); beribéri; polineurite vária
(5); peste (2); sarampo (1); tétano (1); e difteria (1) (Moniz de Aragão, 1919, p.
65).
Somente em 25 de março de 1920, prestes a entregar o governo ao seu
sucessor, Moniz de Aragão conseguiu inaugurar cinco dos sete pavilhões. Uma
das enfermarias e o pavilhão dos leprosos continuaram no papel, por falta de
recursos financeiros (Moniz de Aragão, 1920, p. 107). Abaixo, poderemos ver
alguns dos pavilhões concluídos na gestão de Moniz de Aragão:
Figura 5
Farmácia e laboratório bacteriológico
Fonte: Moniz de Aragão, 1920, s/p.
81
Figura 6
Pavilhão de Pensionistas Gonçalo Moniz
Fonte: Moniz de Aragão, op. cit., s/p.
Figura 7
Pavilhão de Indigentes Pedreira Franco
Fonte: Moniz de Aragão, op. cit., s/p.
82
Além dos hospitais públicos, o estado também destinava recursos para
subsidiar o Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Em contrapartida, a
Instituição seria obrigada a instalar duzentos leitos para doentes pobres, além dos
quatrocentos existentes (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 1.287, de
27 de agosto de 1918, Capítulo III, Disposições Gerais, Art. 32, p. 64-68). Tais
doentes seriam encaminhados ao Hospital da Santa Casa pela DGSPB (ibid.).
O combate à tuberculose ficava a cargo da Liga Bahiana contra a
Tuberculose, que oferecia aos doentes assistência ambulatorial. Nos casos em
que era necessário o atendimento hospitalar, os doentes recorriam às enfermarias
do hospital da Santa Casa da Misericórdia. O governo destinava algum recurso a
esta associação, o que pode ter auxiliado na construção do Dispensário
pertencente à Liga, inaugurado em 1916 (Moniz de Aragão, 1918, p. 78-9). Sobre
qualquer ação efetiva de combate à doença, o governador assim se manifestava:
“como já tive ocasião de dizer, a profilaxia dessa terrível praga, pelas suas
especiais condições, não pode ser convenientemente realizada pela ação das
autoridades sanitárias, tornando-se indispensável a cooperação particular para
que se torne eficaz” (ibid.).
Como a febre amarela figurava no topo da lista das doenças infecto-
contagiosas que mais preocupavam o governo, o Serviço Especial de
Saneamento, instituído na primeira gestão de J.J. Seabra e voltado para
prevenção desta doença, foi mantido por Moniz de Aragão no início do seu
governo.
61
O serviço de profilaxia da febre amarela consistia basicamente em
duas ações: extinguir o mosquito transmissor e suas larvas, e proceder à
vigilância médica dos passageiros provenientes de portos suspeitos. Todavia a lei
previa que, extinta a doença, esse serviço poderia ser dissolvido pelo governo,
com anuência do Diretor Geral da Saúde Pública (Leis e Resoluções do Estado
da Bahia, Lei n.º 921, de 29.11.1912, Art. 54).
61
Desde que aportara em Salvador, em 1849, a doença havia se tornado praticamente endêmica
entre os baianos. Todavia, os estrangeiros que chegavam à Baía de Todos os Santos eram os
mais afetados, e esse fato refletia-se negativamente no comércio que a Bahia mantinha com
outros estados da federação e com o exterior. Veja o discurso sobre a febre amarela, pronunciado
por Azevedo Sodré na sessão do Congresso Nacional de 9 de junho de 1919, e publicado no
periódico Brazil-Médico, Ano XXXIII, 14.06.1919, nº 24, p. 185-189.
83
Nos dois primeiros anos do governo de Moniz de Aragão quase não foram
registrados casos de febre amarela em Salvador.
62
Diante desse fato e por
medida de economia, o governador promoveu um corte de pessoal, em
decorrência do qual se evidenciou certo relaxamento nos serviços realizados até
então (Moniz de Aragão, 1920, p. 86). Tal medida mostrou-se contraproducente,
uma vez que, em março de 1918, irrompeu novo surto da moléstia, sendo
registrados 49 casos, dos quais 18 foram fatais (ibid., p. 86-87).
Entretanto, tão logo declinou a epidemia, o diretor geral da Saúde Pública
“resolveu considerar extinta a comissão em que se achavam sete dos drs.
inspetores sanitários, em serviço especial de febre amarela” (Diário de Notícias,
02.12.1918, p.1). Tal ação mostrou-se igualmente desastrosa, tendo em vista que,
no início do ano de 1919, a epidemia recrudesceu – foram registradas 129
notificações, das quais 48 resultaram em óbito (Moniz de Aragão, op. cit., p. 87).
Até 1919, o serviço especial de profilaxia contra a febre amarela funcionou
exclusivamente a expensas do estado (Gonçalo Moniz, 1921, p. 416). Diante da
ameaça de a moléstia se espalhar por todo o território nacional, o governo federal
resolveu envidar esforços para combater a doença em todos os estados do Norte,
incluindo-se, então, a Bahia no campo de sua ação (ibid.). Assim, após acordo
com os respectivos governadores, a União passou a custear quase que
inteiramente esse serviço, enviando à região comissões chefiadas por médicos
vinculados à Diretoria Geral da Saúde Pública Federal (Gonçalo Moniz, op. cit., p.
416; Moniz de Aragão, op. cit., p. 88). Todavia, segundo Moniz de Aragão, por
considerar satisfatório o serviço realizado na Bahia, o Ministro da Justiça e
Negócios Interiores julgou desnecessário o envio de médicos da capital federal,
conservando apenas os que exerciam aquelas funções no estado (ibid.). A
administração do serviço cargo federal ficou sob a responsabilidade de
Curiacio de Azevedo, e a “parte técnica e científica [...] continuou sob a direção do
Dr. Francisco Soares Senna, [...] subordinado à Diretoria Geral da Saúde Pública
Estadual” (ibid., p. 88-89).
62
Segundo Moniz de Aragão (1920, p. 86), em 1916 não houve ocorrência da moléstia; em 1917
foi registrado apenas 1 caso, possivelmente importado da cidade de Estância, em Sergipe.
84
Quando de sua ascensão ao cargo de Diretor Geral da Saúde Pública
Federal, Carlos Chagas deliberou a reforma e uniformização dos serviços de
profilaxia da febre amarela nos estados do Norte, submetendo-os todos à direção
de autoridades sanitárias federais (Gonçalo Moniz, op. cit., p. 417). Para dirigir
essa repartição na Bahia, foi nomeado o médico e cientista baiano Clementino
Fraga (Moniz de Aragão, op. cit., p. 90).
63
Após entendimento de Fraga com o
governo do estado, o serviço de profilaxia da febre amarela foi desligado
completamente da DGSPB, passando, a partir de 24 de novembro de 1919, à
superintendência e responsabilidade da repartição sanitária federal (Gonçalo
Moniz, op. cit., p. 417).
Para auxiliá-lo no combate às epidemias, o estado contava também com o
Instituto Oswaldo Cruz da Bahia Instituto Bacteriológico, Anti-rábico e
Vacinogênico –, dirigido por Augusto Cezar Vianna.
64
O Instituto dispunha de uma
seção voltada para as pesquisas bacteriológicas, de microbiologia e parasitologia,
no sentido de favorecer a elucidação da etiologia e profilaxia das epidemias,
endemias, epizootias, enzootias, bem como de quaisquer outras moléstias
63
Clementino Rocha Fraga Jr. (1880-1971) diplomou-se médico na Faculdade de Medicina da
Bahia, tornando-se, logo após a sua graduação, professor assistente desta Instituição. Em 1906,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, passando a trabalhar com Oswaldo Cruz na campanha contra
a febre amarela. Retornou à Bahia em 1910 (COC, Coleção Clementino Fraga, CF). Sabemos
que, até 1918, Clementino Fraga ocupava a Cátedra de Clínica Médica na Faculdade de Medicina
da Bahia, presidia a Associação Médica dos Hospitais e possuía consultório especializado em
doenças do pulmão, coração e rins, situado à Rua Chile, n.º 26, andar, Centro, Salvador (Reis,
1919-1920, vol. 10, p. 231). Além dessas atividades, Fraga fazia parte do corpo clínico do hospital
da Santa Isabel, da Santa Casa da Misericórdia da Bahia (ibid., p. 252; SCMBA, Relatório..., 1914-
1918), ocupando-se da direção deste hospital até 2 de abril de 1918, quando entrou em licença,
sendo substituído pelo Dr. Octaviano Pimenta (SCMBA, Relatório..., 1914-1918). Em 1918, no
período da epidemia de gripe espanhola encontrava-se no Rio de Janeiro para participar do
Congresso de Medicina, juntamente com outros médicos da delegação da Faculdade de Medicina
da Bahia (Octavio Torres, Armindo Fraga e Cesario de Andrade), e trabalhou no combate à
epidemia naquela cidade, dirigindo o hospital São Sebastião (Diário da Bahia, 29.10.1918, p. 2; O
Democrata, 10.12.1918, p. 1).
64
O médico baiano Augusto Cezar Vianna (1868-1933) diplomou-se pela Faculdade de Medicina
da Bahia, em 1890. No mesmo ano, exerceu o cargo de Inspetor do Laboratório de Higiene. Entre
1901 a 1911, foi professor catedrático de Bacteriologia na Faculdade de Medicina da Bahia
cadeira mais tarde denominada Microbiologia lugar que ocupou até a sua morte, em 1933. Além
de dirigir o Instituto Oswaldo Cruz, Vianna foi também diretor da Faculdade de Medicina da Bahia
nos períodos compreendidos entre 1908 a 1912; 1915 a 1930; e 1933. Realizou cursos de
especialização em bacteriologia e microbiologia na Europa, nos anos de 1891 e 1914. Escreveu a
Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia do ano de 1908, publicada em 1910. Para
mais detalhes, consulte Oliveira, Eduardo de . Memória Histórica da Faculdade de Medicina da
Bahia Concernente ao Ano de 1942. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1992, p. 421-
422.
85
transmissíveis. A essa repartição pública caberia também a responsabilidade de
preparar e inocular as vacinas antivariólica e anti-rábica.
Compunham a equipe de Augusto Cezar Vianna, o médico bacteriologista
Horácio Martins, Elysio de Moura Medrado (Médico Ajudante), Manoel Bayma de
Moraes (Médico Ajudante), Genésio de Seixas Salles (Médico Ajudante) e
Fernando Didier (Médico Ajudante) (Reis, 1919-1920, p. 151-152). O Instituto
contava ainda com dois auxiliares acadêmicos, um oficial, um veterinário e um
conservador (ibid., p. 152).
O Instituto Oswaldo Cruz da Bahia estava instalado em prédios construídos
especialmente para as finalidades acima citadas
65
, conforme poderemos ver nas
imagens que se seguem:
Figura 8
Instituto Oswaldo Cruz da Bahia
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, Ano II, n.º 6, Maio de 1918, [c.a. p. 15].
65
Apesar de ter sido construído no governo de Araújo Pinho (1908-1911), o Instituto Oswaldo Cruz
foi inaugurado no governo de J.J. Seabra (1912-1916) (Moniz de Aragão, 1926, p. 31; Seabra,
1916, p. 15). Em abril de 1916, inaugurou-se o pavilhão do Biotério, construção subdividida em
seções especiais como a coelheira, o pombal, etc. (Moniz de Aragão, 1920, p. 116).
86
Figura 9
Instituto Oswaldo Cruz da Bahia
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, Ano II, n.º 6, Maio de 1918, [c.a., p. 16].
Apesar das novas
instalações, havia algumas deficiências de material
técnico a serem suplantadas, tal como a aquisição de um aparelho frigorífico para
conservação dos produtos e matéria orgânica necessários às seções anti-rábica e
vacinogênica daquele Instituto (Moniz de Aragão, 1920, p. 115-116). A transação
para adquirir o equipamento na Europa fora prejudicada pela Primeira Guerra
Mundial, mas o conflito chegou ao fim sem que houvesse sido adquirido o
frigorífico, tornando-se necessário refazer o pedido a uma fábrica de Paris (ibid.).
É possível que essa deficiência de material técnico tenha contribuído para
limitar a produção de vacina e soro anti-rábico no Instituto Oswaldo Cruz da
Bahia. Entretanto, apesar das dificuldades enfrentadas, em 1918 foram
realizadas, na seção anti-rábica, inoculações preventivas em 48 pessoas (30
homens e 18 mulheres), alcançando-se êxito no tratamento dos casos (Moniz de
Aragão, Mensagem..., 1919, p. 64). Na seção vacinogênica procedeu-se à
inoculação de vacinas em 42 vitelos, das quais 37 foram proveitosas (ibid.). A
partir daí, foram preparados 11.948 tubos de polpa vacínica, dos quais 1.661
foram aplicados pelos funcionários do próprio Instituto; 3.450 seguiram para a
Diretoria Geral da Saúde Pública; e 6.733 foram distribuídos a pessoas que
solicitaram (ibid.).
87
Na capital, o serviço de vacinação e revacinação deveria ser realizado
pelos Inspetores Sanitários (Leis e Resoluções do Estado da Bahia, Lei n.º 921 de
29 de novembro de 1912). No interior do estado, esse serviço era organizado
pelos Intendentes, auxiliados pelos Delegados de Higiene. Todavia, em caso de
necessidade, outros vacinadores poderiam ser designados para exercer a função,
com remuneração correspondente ao serviço (ibid., Art. 60 a 62). Ao mesmo
tempo, para empreender uma campanha de vacinação, os poderes públicos
buscavam a colaboração e a anuência da sociedade civil, conforme podemos
depreender após a leitura da nota abaixo:
O Sr. Dr. Diretor Geral interino da Saúde Pública solicitou dos Srs. Drs.
Inspetores Sanitários que se entendessem pessoalmente com os
responsáveis das coletividades de seus distritos, no sentido de ser
feita a vacinação ou a revacinação das respectivas corporações de
seus distritos, e combinando o meio mais fácil e pronto de ser
executada essa medida. (Diário de Notícias, 12.11.1918, p.2, grifo
nosso).
Por meio de anúncio divulgado em vários órgãos de imprensa de
Salvador, a DGSPB convocava a população a se vacinar, como se pode verificar
ao examinar o texto a seguir:
A Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia tem todo empenho
porque se façam nesta Capital o maior número de vacinações e
revacinações, para o que estabeleceu, já de muitos dias, diversos
postos por toda a cidade, a cargo dos Drs. Inspetores Sanitários, e
além dos que existem permanentemente, conforme aviso que está
publicado em todos os jornais.
A mesma diretoria deseja intensificar essa salutar medida profilática e
assim solicita da imprensa a máxima propaganda nesse sentido, como
está à inteira disposição dos diretores de fábricas e oficinas, de
colégios e escolas, e de outras quaisquer corporações para lhes
fornecer linfa vacínica ou mandar proceder à vacinação, pelos
médicos da Saúde Pública, nos próprios estabelecimentos.
(O Democrata, 09.11.1918, p. 1, grifo nosso).
Contudo, ainda que nos últimos meses de 1918 a vacinação contra a
varíola tenha se intensificado, esse fato não impediu que no ano seguinte, 1919,
irrompesse uma epidemia da doença no estado. Será que a quantidade de
88
vacinas produzidas pelo Instituto era suficiente para suprir as necessidades do
estado? Qual a relação da população baiana com o serviço de vacinação
oferecido pelo estado?
Calcula-se que a população de Salvador girasse em torno de 10% dos
habitantes do Estado da Bahia, que teria aproximadamente 3.000.000 habitantes
(Recenseamento do Brazil..., vol. IV, Parte, 1926). No decorrer da epidemia, o
Instituto produziu 183.858 tubos de linfa vacínica, mas este número não era
suficiente para imunizar toda a população (Moniz de Aragão, 1920, p. 92). O
estado foi obrigado a comprar a vacina em outras instituições do país e do
exterior, como o Instituto Pasteur de Lisboa (ibid.). Naquele período de crise
epidêmica, novamente o governo contou com a colaboração da sociedade para
promover a vacinação da população. Sobre esse ponto, Moniz Aragão nos
informa o seguinte:
Auxiliei a vários postos de vacinação estabelecidos por sociedades e
particulares, num louvável auxílio à ação dos poderes públicos,
devendo salientar a Loja Força e União 2ª, de que é esforçado mestre
o Dr. Manoel Dias de Moraes e a Sociedade dos Estivadores, para
cujo posto indiquei um auxiliar acadêmico, comparecendo às suas
inaugurações (Moniz de Aragão, 1920, p. 92-93, grifo nosso).
Para Gonçalo Moniz, as explosões epidêmicas” dessa doença, que ainda
assumiam grandes proporções na Bahia, deviam-se “à insuficiência da vacinação
a que muitos não se submetem[tiam], e outros o fazem[ziam] sem a necessária
regularidade” (Gonçalo Moniz, 1921, p. 348-349).
Conforme o exposto, as autoridades sanitárias, nesse período, queixavam-
se bastante da falta de colaboração dos habitantes da cidade, que não
concorriam para a manutenção da própria saúde nem da higiene do meio em que
viviam (Gonçalo Moniz, op. cit., p. 422-427). Para modificar essa realidade, os
médicos preconizavam a utilidade de se levantar “o nível moral e intelectual do
povo por meio da instrução, de modo a que ele, o povo, possa apreender e
compreender os perigos da infecção [...], as causas que predispõem ao contágio
e favorecem a eclosão da moléstia” (APEBA, DGSPB, Inspetoria do Distrito,
Relatório..., 1913, Caixa 3696, Maço 1028, s/p). Como as políticas públicas ainda
eram incipientes, a educação também constituía privilégio de uma minoria.
89
1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Bahia da República Velha, as elites pregavam a necessidade de
modernização, moralização dos costumes, normatização e regulamentação do
uso do espaço público, implementação de medidas de saúde pública, além de
intervenções, transformações, reordenações do espaço urbano, como forma de
atingir o ideal de civilização e progresso social.
Engenheiros e médicos, em especial, amparados pelos aparelhos de
estado, desempenharam papel decisivo naquele período, legislando, promovendo
reformas e modernizando as instalações urbanas coletivas e as redes
institucionais de assistência pública. Todavia tratava-se de tarefa hercúlea, que
precisava de tempo e do envolvimento de toda a sociedade para transformar a
cidade real na cidade ideal.
Contudo, apesar dos esforços em tornar Salvador uma cidade moderna e
civilizada, o cenário no qual irrompe a gripe espanhola não era dos mais
favoráveis. A epidemia se propaga num período marcado pela crise financeira do
estado, pela carestia e pela pobreza generalizada, pelas greves, pelas epidemias
de febre amarela e palustre e, finalmente, pelos transtornos subseqüentes às
transformações urbanas.
As epidemias colocavam em cheque a estrutura e a eficiência do serviço
sanitário da Bahia. Por ocasião da irrupção da epidemia de gripe espanhola em
Salvador, a estrutura vigente, do ponto de vista assistencial, vinha se
modernizando ao longo dos anos. Ainda assim, o esforço empreendido no
combate às doenças epidêmicas canalizava os parcos recursos do estado,
inviabilizando talvez ações mais amplas e efetivas de saúde.
Como veremos no capítulo II, durante a passagem da epidemia por
Salvador, os órgãos de imprensa de oposição aproveitaram-se do evento para
denunciar a precária condição sanitária da Bahia, bem como a miséria e o
abandono a que estava submetida a sua população naquele período. Se de um
lado a oposição, com as suas críticas e denúncias, desejava desacreditar e
desestabilizar o grupo concentrado no poder, de outro lado percebia-se que, em
um populoso centro urbano como Salvador, com crescentes e diversificadas
90
conexões econômicas, não adiantava apenas criar mecanismos de segregação
dos despossuídos, abandoná-los à própria sorte ou deixá-los aos cuidados de
organizações de caridade e/ou de auxílio mútuo.
66
66
Hochman (op.cit.) enfoca esta questão na obra A era do saneamento [...]. Para o autor, a luta
pelo saneamento urbano e rural foi encampada por uma elite cada vez mais consciente do
processo de interdependência sanitária e territorial.
CAPÍTULO II
A INFLUENZA NA BAHIA É... POLÍTICA!”
No capítulo anterior traçamos o cenário no qual irrompeu a epidemia de
gripe. A imagem da cidade moderna, fluida, higiênica, civilizada, construída por
Seabra através da política de ordenação do espaço urbano, não condizia com a
realidade. A capital da Bahia ainda era uma cidade que convivia com precárias
condições de saneamento, carência de serviços de água, esgoto, transporte, e
altas taxas de mortalidade provocadas por males epidêmicos e endêmicos.
Naquele período, reinava em Salvador um clima de insatisfação gerado
pela carestia e pela pobreza generalizada, pelas greves e pelas transformações
urbanas que desalojaram grupos sociais inteiros, sem, no entanto, dotar a cidade
de infra-estrutura satisfatória. A chegada da “espanhola” na capital da Bahia
constituiu-se em mais um fator de agravamento da conjuntura desfavorável na
qual viviam os soteropolitanos.
Neste capítulo discutiremos o impacto causado pela erupção da epidemia
de gripe espanhola na cidade do Salvador, e o posicionamento das autoridades
políticas e sanitárias diante do fato. Interessa-nos analisar as relações de poder
dentro dessa sociedade, o uso político da epidemia, e os conflitos gerados por
aqueles que disputavam o governo do estado.
92
Para realizar nosso intento, utilizaremos como fontes privilegiadas alguns
dos jornais que circulavam na capital da Bahia no período de erupção da
“espanhola”. Elegemos aqueles que no exercício das suas funções não omitiam
suas vinculações político-partidárias, o Diário da Bahia, A Tarde, O Democrata,
bem como os proclamados apartidários, como o Diário de Notícias, o Jornal de
Notícias, O Imparcial, tendo em vista que tais periódicos refletiam diferentes
facetas da realidade estudada, expressando a opinião das diversas facções que
dominavam o cenário político baiano. Dessa maneira, traremos à baila as
acaloradas discussões travadas, por meio da imprensa, entre os grupos
situacionistas e oposicionistas, cujo mote era a pandemia de gripe que aportara
na Baía de Todos os Santos.
2.1. O CENÁRIO POLÍTICO DA BAHIA
A passagem da Monarquia para a República pouco alterou a configuração
política no Estado da Bahia. As camadas populares eram excluídas do processo
político-partidário e a elite política baiana, que num primeiro momento repudiara a
mudança do sistema político, aderiu por fim a este, amoldando-se às suas
instituições e ajustando-as aos seus tradicionais padrões de comportamento.
Até a primeira década do século XX, líderes políticos como Luiz Vianna
1
,
Severino Vieira
2
e José Marcelino
3
monarquistas conservadores continuaram
1
Luiz Vianna nasceu em 30 de outubro de 1846, na cidade de São José do Riacho da Casa Nova,
Bahia. Cursou a Faculdade de Direito, em Recife, bacharelando-se em 1869. Em 1870, filiou-se ao
Partido Conservador da Bahia, sob a licença do Barão de Cotegipe, e participou ativamente da
política na região do São Francisco, onde atuava como Juiz de Direito. Foi Deputado Provincial
por dois períodos (1872-73 e 1874-75). Com a República, tornou-se Juiz Federal da Bahia, em
1890, e a seguir, Desembargador do Tribunal de Apelação e Revista, por nomeação do
governador Rodrigues Lima. Foi presidente da Assembléia Constituinte do Estado (1891), e
Senador Estadual (1891-96). Em 1894, disputou com José Gonçalves a liderança do Partido
Republicano Federalista da Bahia sua base política –, passando a chefiar o partido. Assume o
governo em 28 de maio de 1896, tornando-se o oitavo governador do Estado da Bahia. Enfrentou
vários focos de oposição no interior do estado, mas procurou realizar uma política de
apaziguamento. Em 28 de maio de 1900, Luíz Vianna passou o governo ao seu sucessor. Afastou-
se da política durante dez anos. Em 1911 foi eleito Senador Federal. Ainda senador, faleceu em 6
de julho de 1920.
Cf.:
http://www.fpc.ba.gov.br/arquivo_cmemo_memgovs_governadores_biografia.asp. Acesso em
19/09/2006; Pang, 1979, p. 78-80.
93
a conduzir a política partidária do estado. Nesse período, o panorama político era
dominado por forte personalismo e incipiente organização partidária. Coexistiam
na Bahia 13 partidos, ao sabor dos interesses pessoais daqueles que não
queriam se ver apartados do poder (Sampaio, 1999).
Em 1901, foi fundado o Partido Republicano da Bahia – PRB – no intuito de
agregar os “elementos representativos” daquela sociedade (ibid., p. 79). Sob a
égide do PRB reuniu-se a burguesia agromercantil do estado fossem
conservadores, liberais, federalistas ou constitucionalistas. O partido seria o
elemento centralizador dessas forças, tendo em vista sua pretensão de
representar os interesses daquele setor da sociedade baiana.
No entanto, a pretensa unidade partidária durou pouco. Apesar da
semelhança de origem social, formação profissional e condição econômica, que
propiciava aos seus integrantes uma consciência de classe, a elite baiana não se
constituía um bloco coeso, havendo antagonismos e conflitos internos motivados
pelo desejo de controle do poder por grupos desejosos de obter vantagens
econômicas e privilégios sociais (Sampaio, op.cit., p. 39-40). Aqueles que
2
Severino dos Santos Vieira nasceu em 8 de junho de 1849, na antiga Vila da Ribeira do Conde,
Bahia. Concluiu o curso de Direito em São Paulo, em 1874. Em 1879, abandonou a magistratura e
dedicou-se a advocacia, ingressando no Partido Conservador, do Império, e elegendo-se
Deputado Provincial para a legislatura de 1882-83. Proclamada a República, foi eleito para a
Assembléia Constituinte Federal. o conseguiu se reeleger, mas foi indicado para substituir, no
Senado Federal, Manuel Vitorino, este último eleito ao mesmo tempo Senador e Vice-Presidente
da República. Vieira permaneceu no Senado até 1898, quando foi chamado pelo presidente
Campos Sales para a pasta da Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas, desta se retirando
para tomar posse no governo do estado. Em 28 de maio de 1900, tornou-se o nono governador do
Estado da Bahia. Seu governo não transcorreu placidamente. Além de sérias perturbações da
ordem no interior do estado, entra em luta com o poder judiciário e com o comércio. Passou o
cargo ao seu sucessor, em 28 de maio de 1904. Severino Vieira morreu em Salvador, no dia 23 de
setembro de 1917 (Souza, 1949, p.164-165; Pang, op. cit., p. 84-88).
3
José Marcelino de Souza nasceu a 15 de outubro de 1848, em São Felipe, Bahia. Formado em
Direito, em 1870, pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Recife, iniciou a sua carreira
profissional como promotor público (1871) em Salvador. Em 1878, ingressou no Partido
Conservador, abandonando a magistratura pela política. Foi eleito Deputado Geral do Império para
a legislatura de 1886-1889, defendendo a abolição do trabalho escravo e o federalismo. Com a
República, foi eleito para a Assembléia Constituinte do Estado, destacando-se como um dos
relatores da Constituição de 1891. Presidiu a primeira comissão executiva do Partido Republicano
da Bahia, fundado no governo de Severino Vieira. Legítimo representante dos interesses
açucareiros do litoral, Marcelino de Souza foi indicado pela convenção do PRB como o nome de
equilíbrio para substituir Vieira. Governou a Bahia no quadriênio de 1904 a 1908. Foi eleito
Senador Federal em 1909. Participou da campanha civilista, apoiando a candidatura de Rui
Barbosa à presidência da República contra Hermes da Fonseca. Faleceu no Rio de Janeiro, em
26 de abril de 1917.
Cf.:
http://www.fpc.ba.gov.br/arquivo_cmemo_memgovs_governadores_biografia.asp. Acesso em
19/09/2006; Pang, op. cit., p. 89-98.
94
ascendiam por meio de disputa eleitoral tinham um projeto pessoal e tratavam de
promover a “privatização do estado” (Pinheiro, 1999, p.62). Cada grupo girava em
torno de uma figura carismática cujo nome era mais representativo do que a sigla
partidária, visto que, na Bahia da República Velha, o personagem era mais
importante que o partido, o indivíduo mais que o estatuto e a relação pessoal mais
que a institucional (ibid.). Assim, logo se tornou insustentável a convivência, sob a
mesma sigla, de líderes personalistas como José Marcelino e Severino Vieira.
4
Ademais, ao final do século XIX, emergiu uma nova geração de políticos
muito mais propensos à liderança de uma forte personalidade do que ao comando
de um partido (Pang, 1979, p. 93). Dentre os jovens que ingressaram no cenário
político baiano a partir de 1889, alguns se integraram às duas alas que
compunham o PRB. Ao se filiarem a esse partido, os irmãos Miguel e Antônio
Calmon, por exemplo, colocaram-se sob a direção de José Marcelino, der de
uma das duas facções (ibid.). A figura carismática de Severino Vieira, outra
liderança forte do mesmo partido, atraiu jovens como Pedro Lago e João
Mangabeira (ibid.). À parte do PRB, compondo o emergente grupo de oposição
encabeçado por J.J.Seabra, encontravam-se Moniz de Aragão e Moniz Sodré,
assim como Ernesto Simões Filho (Sampaio, op. cit., 101). Essa nova geração,
ainda que ligada a grupos tradicionais e a interesses regionais, representava
também os setores urbanos de Salvador, o que aumentava a complexidade do
cenário político da Bahia na República Velha, contribuindo para dificultar o
processo de coesão política no estado.
O golpe final desfechado contra o PRB como partido único da Bahia
ocorreu com a campanha para a sucessão presidencial em 1910, uma vez que
esta dividiu a Bahia entre partidários de Rui Barbosa/Albuquerque Lins, civilistas,
e partidários de Hermes da Fonseca/Wenceslau Brás, hermistas.
5
A vitória de
Hermes da Fonseca resultou no enfraquecimento do PRB, cujos integrantes
haviam apoiado Rui Barbosa. Após a vitória, Hermes da Fonseca demonstrou o
interesse em enfraquecer as oligarquias tradicionais, fundando um partido ligado
4
À época, José Marcelino, então governador do estado, e o senador federal Severino Vieira
mediam forças para definir quem tinha mais poder. Assim, na prática, o PRB tinha duas facções,
cada uma delas liderada por esses chefes políticos (Pang, op. cit., p. 92).
5
A partir desse momento, Rui Barbosa passou a empreender ferrenha campanha de oposição à
Seabra, que apoiara Hermes da Fonseca em detrimento da sua candidatura.
95
à nova feição do poder republicano. Na Bahia, a incumbência recaiu sobre J.J.
Seabra
6
, ex-ministro da Justiça e Negócios Interiores do governo Rodrigues Alves
(1902-1906), líder da campanha em prol de Hermes da Fonseca para o governo
federal.
Aliado a elementos da nova geração de políticos anteriormente agrupados
em torno da campanha hermista, Seabra fundou, em 1910, o Partido Republicano
Democrata na Bahia. O PRD era um partido urbano
7
que, alimentado pelo
carisma pessoal de J. J. Seabra, assumiu papel de liderança na política da Bahia
por um período de doze anos de 1912 a 1924 (Pang, op. cit., p. 127). Para
garantir seu domínio sobre a política estadual, Seabra articulou cuidadosamente
um papel convergente para o referido partido. Ao assumir o governo da Bahia
para o período de 1912 a 1916, promoveu a Reforma Constitucional do estado e a
promulgação da Lei de Organização Municipal, Lei 1.102, de 11 de agosto de
1915, a qual conferia ao governador o direito de nomear os intendentes
municipais (Sampaio, op. cit., p. 130-131; Pang, op. cit., p. 123-124). Estreitava-
se, assim, a dependência dos intendentes em relação ao governo estadual, que
intensificou esse nculo, distribuindo cargos blicos nos municípios e
centralizando as ações assistencialistas.
Dessa maneira, na cada de 1920, poucos eram os políticos baianos que
não rezavam pela cartilha seabrista. O próprio Seabra fazia questão de propalar o
papel de liderança do PRD na política da Bahia. Em 1918, em discurso
pronunciado no Senado, Seabra afirmou que as oposições na Bahia haviam sido
aniquiladas desde a morte de seus principais líderes – José Marcelino e Severino
6
JoJoaquim Seabra nasceu em Salvador, em 1855. Em 1877, bacharelou-se em Direito pela
Faculdade do Recife. Ingressou na carreira política em 1889, concorrendo à mara dos
Deputados como candidato conservador. Entretanto, durante a presidência de Floriano Peixoto, foi
forçado a exilar-se, em conseqüência de sua oposição ao governo, em defesa dos princípios
democráticos. De volta ao Brasil, foi nomeado, em 1902, Ministro da Justiça e Negócios Interiores,
no governo Rodrigues Alves (1902-1906). Ministro da Viação e Obras Públicas, no governo
Hermes da Fonseca (1910-1914), J.J. Seabra deixou o cargo para exercer o mandato de
Governador da Bahia, entre 1912 e 1916. No período subseqüente (1916 e 1920), exerceu o
mandato de Deputado Federal pela Bahia e, entre 1920 e 1924, voltou a ocupar o cargo de
governador do estado. Faleceu em 1942. Cf.: Pang, op. cit., p. 112-126; Sampaio, 1999, p. 125-
135; Souza, 1949, p. 174-175).
7
Segundo Pang (op. cit., p. 127), ainda que representantes das diversas regiões do estado
integrassem o PRD, a elite principal do partido era formada por políticos profissionais e por
representantes dos grupos urbanos de Salvador.
96
Vieira –, ocorrida no ano anterior (Seabra, 1918, p. 18).
8
Segundo o governador, o
PRD “se desenvolveu, prosperou e venceu”, tornando-se o único partido da Bahia
que poderia ser considerado “forte, organizado, coeso” (ibid.).
Tal coesão política era importante para o restabelecimento da autoridade
do estado, fortemente abalada pelo sistema coronelista vigente, que estorvava a
execução de leis e políticas públicas. A existência de um partido forte, cujo líder
ocupava as mais
altas esferas do poder estadual e nacional, não modificara
radicalmente a estrutura político-social da Bahia, durante a República Velha. Nas
primeiras décadas do século XX, a ausência da administração pública em áreas
fundamentais como a Saúde fortalecia o poder local, com a distribuição de
favores à população pelas mãos dos “coronéis”.
Contudo, ao controlar os chefes políticos municipais, o governador passou
a monopolizar os processos eleitorais no estado, aumentando o próprio prestígio
em âmbito estadual e federal (Pang, op. cit., p.124). Para garantir a continuidade
do seu domínio sobre a política estadual, tornava-se necessário escolher um
sucessor que lhe permitisse voltar ao poder, decorrido o prazo regulamentar. Para
tanto, Seabra escolheu o Deputado Federal Antonio Ferrão Moniz de Aragão
9
,
político que o ajudou a fundar o Partido Republicano Democrata (PRD).
Aproveitando-se das vantagens da Lei 1.102, Seabra nomeou, entre
dezembro e março de 1916, 135 intendentes (Sampaio, op. cit., p. 131; Pang, op.
cit., p. 124).
10
Segundo Pang, a maioria dos novos intendentes mostrou-se fiel ao
8
Segundo Seabra, restava apenas o Senador Luiz Vianna que, tendo pertencido à mesma facção,
passara a lhe fazer oposição (Seabra, op. cit., p. 18). Entretanto, a morte do ex-governador
Severino Vieira não enfraqueceu a oposição aos seabristas. Ainda que seu partido tivesse
desaparecido, o severinismo manteve-se ativo na pessoa de Pedro Lago.
9
Antonio Ferrão Moniz de Aragão nasceu na Bahia, em 30 de maio de 1875. Formado pela Escola
de Direito da Bahia, Moniz de Aragão exerceu as funções de jornalista e professor da cadeira de
Economia Política na Escola Politécnica da Bahia. Ingressou na carreira política em 1909, como
Deputado Estadual. Na década de 1910, juntamente com Seabra, fundou o Partido Republicano
Democrata. Em 1912, foi eleito Deputado Federal, sendo reeleito em 1915, deixando a Assembléia
para exercer o mandato de governador do Estado da Bahia para o período de 1916-1920. Em
1921, exerceu o cargo de Senador. Faleceu no Rio de Janeiro, em 05 de janeiro de 1931 (Pang,
1979, p. 126-133; Souza, 1949, p. 174-175).
10
Segundo o censo de 1920, a Bahia tinha 136 municípios e 406 distritos. Entretanto, Pang (op.
cit.) e Sampaio (op. cit.) informam que a Bahia tinha, no período, 141 municípios. Os citados
autores não informam sua fonte. O Annuario Estatistico da Bahia, traz o mesmo número de
municípios. Confirmado esse mero, vemos que Seabra conseguiu nomear quase a totalidade
dos intendentes, dos quais apenas um permaneceu fora do seu domínio. Cf.: Diretoria do Serviço
de Estatística do Estado da Bahia - DSEEB. Anuário Estatístico. Anno de 1924. Território e
População. Vol. I, 1926, p. II-XI; Recenseamento do Brazil. Realizado em 1 de Setembro de 1920.
97
grupo seabrista, garantindo a eleição de Moniz de Aragão (Pang, op. cit., p. 127).
Apadrinhado por Seabra, Antonio Ferrão Moniz de Aragão foi eleito para um
mandato de quatro anos(1916-1920), e tomou posse em abril de 1916. Após a
eleição de Moniz de Aragão, Seabra assumiu o mandato no Senado Federal, bem
como a presidência da comissão executiva do partido, responsável pela tomada
das decisões (ibid.). Consolidava-se, assim, a preponderância política de Seabra
e do PRD.
Fotografia publicada na revista Bahia Illustrada, por ocasião da
inauguração do Palácio da Aclamação, mostra-se representativa da organização
do poder naquele período a figura de J.J.Seabra precede a do governador e de
seu secretariado, inserindo-se no quadro do governo. Vejamos:
Figura 10
A configuração do poder na Bahia em 1918 (1)
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, Anno II, nº 4, Março de 1918, [c.a., p. 11].
À esquerda, o então Deputado Federal, JoJoaquim Seabra; ao centro, o governador
Antônio Moniz Ferrão de Aragão e, à sua direita, Joaquim Arthur Pedreira Franco,
Secretário da Agricultura, Indústria, Viação, Comércio e Obras Públicas.
(4º censo geral da população e 1º da agricultura e das indústrias). Rio de Janeiro: Typ. da
Estatistica, vol. IV, 1ª Parte, 1926.
98
Figura 11
A configuração do poder na Bahia em 1918 (2)
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, Ano II, nº 4, Março de 1918, [c.a., p. 11].
O Secretário da Fazenda e Tesouro, João Gonçalves Tourinho, à esquerda; o
Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, Gonçalo Moniz Sodré de Aragão, ao
centro; e na extrema direita, José Álvaro Cova, o Chefe da Polícia e Segurança Pública.
De outro lado, o processo de eleição presidencial, em andamento no ano
de 1918, motivou a união dos grupos de oposição ao governo do estado. Os
líderes oposicionistas assim se fortaleciam para lutar por uma fatia do poder no
novo governo presidencial. Dessa forma, além do desagrado dentro do próprio
partido, Moniz passou a enfrentar o recrudescimento da oposição, promovido
pelos líderes das oligarquias tradicionais da Bahia, bem como por parte dos
coronéis que não se dobraram ao domínio seabrista.
11
À oposição desses representantes do poder político, adicionou-se o
crescente desagrado da classe comercial do estado, inconformada com os
prejuízos econômicos provocados pela Primeira Guerra Mundial, os quais não
puderam ser reparados pelo governador. Durante o conflito, a Inglaterra impôs
11
Segundo Pang, desde o governo de Seabra, as tradicionais oligarquias os Calmon; os Araújo
Pinho; os Prisco Paraíso; assim como os coronéis Marcionílio Antonio de Souza, de Maracás;
Anfilófio Castelo Branco e Francisco Leóbas, de Remanso; José Novis, de Xique-Xique; Franklin
Lins, de Pilão Arcado; João Duarte, de Carinhanha; César e Monsenhor Hermelino Leão, em
Lavras; Douca Medrado, de Mucugê; Aureliano Gondim, de Andaraí; e Horácio de Matos, de
Chapada Velha – haviam se recusado a aderir ao PRD (Pang, op. cit., p. 118).
99
restrições ao comércio do Brasil com a Áustria e a Alemanha. No período entre
1915 e 1916, navios brasileiros com carregamentos destinados à Copenhague
foram apreendidos pela Marinha britânica (Portugal também esteve envolvido
nesse processo), o que prejudicou diretamente o comércio de exportação da
Bahia (Pang, op. cit., p. 129). Instado a resolver a questão, o governador o
demonstrou poder para tanto, ainda que recorresse aos altos escalões da
República. Por conta dessa circunstância, além da coalizão das forças de
oposição, ocorrida na primeira metade do seu mandato, Moniz de Aragão
enfrentou também crescente oposição dos setores ligados ao comércio.
Assim, a gripe espanhola chegou a Salvador em época de intensa disputa
política. Naquele período, apesar da preponderância do PRD, o havia
unanimidade política na Bahia. Os representantes das oligarquias tradicionais
empreendiam ferrenha oposição à nova geração de políticos que, liderados por
Seabra, exerciam o poder local. Quatro facções faziam oposição ao grupo
seabrista: os marcelinistas (partidários do ex-governador José Marcelino) e
severinistas (partidários do ex-governador Severino Vieira), originários das alas
tradicionais do PRB; os vianistas (liderados pelo ex-governador Luiz Vianna),
procedentes do antigo PRC da Bahia; além dos seguidores de Rui Barbosa,
dissidentes do PRD (Pang, op. cit., p. 128-129). Tal conjuntura revelou-se propícia
para que a epidemia se tornasse instrumento político dos grupos diversos que
disputavam o controle do poder.
A imprensa era o fórum privilegiado para os debates que então se
instauraram. Nas primeiras décadas do século XX, era grande o número de
jornais em circulação na Bahia. Raras as cidades ou vilas do interior que não
dispunham de seus órgãos de imprensa (Moniz de Aragão, 1916, p. 28). Na
capital circulavam o Diário de Notícias, o Diário da Bahia, o Jornal de Notícias, A
Tarde, o Jornal Moderno, O Democrata, A Cidade, O Imparcial, A Hora e o Diário
Oficial (ibid.). Esses veículos de comunicação eram criados, atuavam e se
extinguiam conforme os interesses das facções reinantes no cenário político
baiano (Sampaio, op. cit., p. 24). Para os políticos, os jornais constituíam-se um
meio importante para divulgarem seus ideais, angariarem simpatizantes,
construírem candidaturas, destruírem outras, ainda que o público leitor fosse
100
restrito, tendo em vista que grande parte da população baiana era analfabeta
12
.
Assim, os jornais eram dirigidos à elite letrada que, apesar de minoria, detinha a
supremacia política e cultural daquela sociedade.
No desempenho de suas funções, os jornalistas baianos das primeiras
décadas do século XX não omitiam as próprias vinculações político-partidárias.
Na verdade, para aqueles que militavam na imprensa, a neutralidade denotava
indiferença, falta de iniciativa e de atividade (Reis, 2000, p. 24). Segundo a visão
daqueles jornalistas, o meio de comunicação que assumisse a posição de
neutralidade perderia as funções capitais de instruir, fiscalizar e conscientizar
(ibid).
Em períodos de crise desencadeada por epidemias, era comum que os
órgãos de imprensa de oposição procurassem desacreditar o grupo representante
do poder no estado. No debate instaurado na imprensa baiana durante o período
de incidência da “espanhola”, os governistas procuraram passar uma imagem de
tranqüila competência na escolha e gestão das ações de saúde pública. Por sua
vez, a oposição buscou destruir essa imagem, denunciando a crise financeira do
estado, o nepotismo que conspurcava as instâncias da administração pública, e
as fragilidades do serviço de saúde pública.
Conforme atestava Moniz de Aragão, nessas disputas não faltaram “o
jornalista que aborda[va] as questões com firmeza e conhecimento de causa”,
nem tampouco “o escritor cáustico, exaltado, apaixonado, sempre pronto para a
agressão virulenta”, o qual não media as conseqüências a que poderia “chegar
com os seus excessos” (Moniz de Aragão, 1916, p. 28). Na análise desse político,
que iniciara sua vida profissional atuando também como jornalista, na imprensa
baiana daquele período encontravam-se “escritores para todos os neros” (ibid.,
p. 27). Havia o jornalista moderno, objetivo, sintético, bem como “belos
representantes da velha imprensa”, os quais elaboravam “artigos de légua e meia,
em linguagem arrevesada, repletos de palavrões ocos e de chapões muito gastos,
mas vazios de idéias” (ibid., p. 28). Figuravam também, naquele cenário “o
cronista ameno e chistoso, o repórter exagerado e espetaculoso” e o noticiarista
minudente, a quem nada escapa” (ibid.).
12
Segundo Sampaio em 1920, 81,6% da população era analfabeta (Sampaio, op. cit., p. 51).
101
Dentre os jornais em circulação em Salvador, naquele ano de 1918, o
Diário da Bahia, O Democrata e A Tarde eram os mais representativos das
facções que se digladiavam pelo poder quando da irrupção da gripe. Periódicos
como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e O Imparcial, por exemplo,
propalavam-se isentos de compromisso partidário, mas certamente pendiam para
as posições defendidas pelos seus proprietários.
Apesar da pretensa neutralidade do Diário de Notícias, era notório que se
tratava de um órgão de imprensa vianista e, portanto, exercia oposição ao
governo. O Jornal de Notícias também se proclamava independente, mas havia
momentos em que demonstrava alguma simpatia ao grupo seabrista (Celestino,
2006, p. 5).
O Imparcial, apesar do nome, fazia questão de trazer estampada na
primeira página sua condição de veículo de comunicação das classes
conservadoras do estado. O periódico fora fundado por Lemos Brito, em 1918,
para promover a candidatura de Rui Barbosa à Presidência da República, na
conhecida segunda campanha civilista (Celestino, op.cit., p. 7). Para Seabra,
tratava-se de um jornal oposicionista, que em vários editoriais vinha levantando
questões sobre as finanças do estado, no
intuito de promover a desordem pública e a
conseqüente intervenção federal na Bahia
(Seabra, 1918
, p. 38-39).
Dentre os periódicos declaradamente oposicionistas, figurava o Diário da
Bahia. Em 1918 o jornal pertencia aos herdeiros do ex-governador Severino
Vieira. As relações entre Vieira e Seabra deterioraram-se desde o ingresso deste
último no ministério de Rodrigues Alves, em 1902 (Sampaio, op. cit., p. 82).
Entretanto, mesmo após a morte de seu proprietário, o Diário manteve a oposição
a Seabra, tornando-se verdadeiro “pelourinho” para o seabrismo (Seabra, op. cit.,
p. 33.). Suas páginas eram recheadas de críticas corrosivas ao grupo que
comandava o governo do estado.
A Tarde, em 1918, o jornal de maior circulação no estado, era considerado
por Seabra como o “mais terrível adversário do governo” (ibid.). No editorial
inaugural do periódico, em 15 de outubro de 1912, seu fundador, Ernesto Simões
Filho, propunha-se a “praticar a honra, a franqueza, a liberdade mais livre no uso
da palavra escrita” (A Tarde, 1912, p. 1). Naquela oportunidade, o condutor de A
Tarde prometia também “distribuir” os “louros” ou a “censura” [...] “desde o último
102
dos miseráveis até o chefe do Estado” (ibid.). Dessa maneira, pretendia mostrar-
se “imparcial”, ainda que não restasse “indiferente aos embates do direito”;
neutro, sem se esquivar “das controvérsias partidárias quando interessarem ao
bem-estar coletivo”; ponderado, evitando suscitar “rixas pessoais ao paladar de
escândalos, afeitas a barrear a honra alheia”, mas também disposto a não ceder
“um passo na reação pronta, enérgica e viril” (ibid.).
Contudo, A Tarde não se apresentava infensa ao facciosimo político. No
período da sua fundação, o periódico era porta-voz do governo seabrista
(Spannenberg, 2006, [c.a., p. 9]). Após o expurgo de Luiz Vianna do PRC, em
1913, Simões Filho rompeu com Seabra; a partir de então, o periódico editado
pelo primeiro tornou-se um dos maiores opositores do seabrismo (Seabra, op. cit.,
p. 23).
O Democrata foi um periódico criado pelo PRD, em 1916, para ser o porta-
voz do partido. Portanto, tratava-se de um órgão de imprensa abertamente
vinculado à situação. Suas páginas sempre traziam a versão das notícias mais
favorável ao grupo seabrista.
Essa era a configuração da imprensa baiana quando a “espanhola” aportou
em Salvador. Conforme o exposto, as matérias veiculadas em periódicos como o
Diário da Bahia, O Imparcial, O Democrata, o Diário de Notícias e A Tarde
revelam-nos as diferentes facetas da realidade estudada, uma vez que
expressavam a opinião das diversas facções que dominavam o cenário político
baiano na Bahia da República Velha.
2.2. “A INFLUENZA NA BAHIA É... POLÍTICA!”
Em meio às cinzas da Primeira Guerra Mundial brotou uma doença
misteriosa, a qual, com a movimentação das tropas envolvidas no conflito, logo se
propagou pelo mundo. O mal manifestou-se em três ondas a primeira, irrompeu
em março de 1918, com uma taxa de mortalidade bastante baixa, não
ocasionando preocupação excessiva; a segunda, altamente virulenta, disseminou-
se pelos quatro continentes – Américas, Europa, Ásia e África – a partir de agosto
103
do mesmo ano; a terceira, menos virulenta, sobreveio em janeiro de 1919 (Philips
& Killingray, 2003, p. 3).
13
A origem da pandemia é controvertida; alguns estudos revelam que a gripe
surgiu simultaneamente na América do Norte, na Rússia e na China (ibid., p. 5).
Contudo, segundo Crosby, os primeiros registros da doença apareceram nos
Estados Unidos (Crosby, 2003). Em março de 1918, mais de 1.000 operários da
Ford Motor Company, em Detroit, e muitos soldados da base militar Camp
Funston/Fort Riley, no Kansas, foram hospitalizados, apresentando sintomas
semelhantes aos da gripe (ibid., p. 18-9). Todavia, na maioria dos casos, a
doença se mostrara benigna a cura era alcançada depois de três ou quatro dias
da manifestação dos primeiros sinais (ibid., p. 19).
Portanto, logo os combatentes americanos estavam prontos para a batalha,
e embarcavam para a Europa sem saber que levavam consigo o vírus de uma
doença gravíssima. Assim que as forças expedicionárias americanas pisaram em
costas francesas, o mal se alastrou, atacando tanto aliados quanto alemães
(Crosby, op. cit.; Tognotti, 2003; Philips & Killingray, 2003). Grande parte do
efetivo dos exércitos e as populações dos países envolvidos no conflito
contraíram a doença.
O Brasil acompanhava a tragédia à distância, através das reportagens que
descreviam a trajetória da doença na Europa, publicadas nos periódicos de
circulação diária em diversos estados da Federação. Em agosto de 1918, uma
pequena nota publicada no Diário de Notícias informava que a “influenza
espanhola”, originária da Áustria e da Alemanha, estava provocando “terríveis
estragos na Suíça, matando famílias inteiras”, cujos funerais e enterramentos
eram realizados à noite, “sendo proibido aos parentes acompanharem o enterro”
(Diário de Notícias, 07.08.1918, p. 1).
Notícias como essas comoviam o público leitor, mas até então os
brasileiros consideravam-se imunes a uma doença que grassava em países o
longínquos da Europa. Contudo, a movimentação de tropas, num período de
13
Veja também Taubenberger, Reid & Fanning, (2005); Alfred Crosby (2003); Tognotti (2003);
Gina Kolata (2002); Ann H. Reid at all (2001); Martínez (1999); Karl G Nicholson at all (1998);
María Isabel Porras Gallo (1997); Fred R. van Hartesveldt (1993); Beatriz Echeverri Dávila (1993);
William I. B. Beveridge (1977); K. D. Patterson e Gerald F. Pyle (1991).
104
conflito bélico que envolvia pessoas de várias partes do mundo, abalaria essa
crença.
Na primeira quinzena de setembro de 1918, as autoridades brasileiras
divulgaram a informação de que os brasileiros envolvidos nas operações da
Primeira Guerra Mundial, integrantes das missões dico-militares Frontin e
Nabuco Gouveia, após atracarem em Freetown, Serra Leoa, e em Dakar, no
Senegal, foram vitimados pela gripe que assolava estes portos africanos, antes
mesmo que participassem das operações de combate das forças aliadas (Diário
de Notícias, 23.09.1918, p. 1).
14
Não demorou muito para que os jornais estampassem a notícia de que a
“espanhola” já havia chegado ao Brasil. Segundo reportagem publicada em O
Imparcial, o vapor Demerara, proveniente da cidade inglesa de Liverpool, o qual
havia tocado os portos do Recife, de Salvador e do Rio de Janeiro na primeira
quinzena de setembro, trouxera passageiros infectados, tendo sido registrados a
bordo daquela embarcação cerca de cinco óbitos atribuídos à doença (O
Imparcial, 24.09.1918, p. 1). Acrescentava-se que, no dia 11 de setembro daquele
ano, desembarcaram na Bahia vários passageiros do paquete inglês (ibid.).
Dias depois da chegada do Demerara, o jornal A Tarde informava que a
epidemia desconhecida” assolava a Bahia, tendo sido verificados “cerca de
setecentos enfermos nos quartéis, nos hospitais, em casas particulares e em
todos os centros de aglomeração de operários” (A Tarde, 25.09.1918, p. 1). Para
a imprensa, a moléstia se espalhava com rapidez surpreendente; da mesma
forma que a gripe, as críticas ao imobilismo das autoridades diante da epidemia
reinante vinham ‘a galope’. As matérias sobre o assunto continham um misto de
indignação e ironia diante da paralisia que dominava a Diretoria Geral da Saúde
Pública da Bahia. Um articulista do jornal A Tarde traduzia a perplexidade da
população, ao afirmar que não compreendia por que a direção da DGSPB não
procurava inteirar-se do caso e providenciar a adoção de medidas profiláticas
14
Em meados de setembro, informações oficiais divulgadas pela imprensa davam conta da morte
de 55 dos brasileiros integrantes das missões médico-militares denominadas Frontin e Nabuco de
Gouveia (Diário de Notícias, 23.09.1918, p. 1). Em princípios de outubro, o número de mortos na
esquadra brasileira ancorada em Dacar subiu para 80 (Diário de Notícias, 03.10.1918, p. 1). A
morte daqueles brasileiros causara comoção pública, não só pelo número de vítimas, mas também
pela constatação de que estas haviam sido atingidas, não pelos embates da Primeira Guerra,
como seria de esperar, mas por uma moléstia desconhecida.
105
(ibid.). De acordo com a matéria, a postura do governador era de indiferença
“diante da percentagem assombrosa de enfermos na capital” (ibid.).
A polêmica em torno da epidemia de gripe espanhola teve início desde o
momento da sua incursão na Bahia. Nota veiculada no O Imparcial informava que
as autoridades brasileiras sabiam que a gripe grassava na frota nacional, mas tal
fato havia permanecido em sigilo até aquela data (O Imparcial, 24.09.1918, p.
3).
15
Em outra edição, o periódico estampou na primeira página a seguinte
manchete:
Figura 12
Fonte: O Imparcial, 28.09.1918, p. 1.
A nota seguinte à manchete informava que, caso verificada a ocorrência de
epidemia, a Bahia seria considerada um porto sujo; tal fato inviabilizaria a
atracação de navios, principalmente os do Lloyd Brasileiro, que teriam de
descarregar ao largo, a cerca de mil metros do cais do porto. Semelhante
15
Seguindo Rosenberg (1992), Porras Gallo chama atenção para o fato de que “cada vez que una
epidemia irrumpe em una población transcorre siempre um tiempo, más o menos largo, desde la
aparición de los primeros casos hasta que se reconoce oficialmente su presencia” (Porras Gallo,
1997, p. 71-2). Tal aconteceu em todos os lugares onde irrompeu a epidemia de gripe. Contudo,
em Madri, tão logo o surto epidêmico atingiu certa gravidade, e a imprensa começou a divulgar
informações sobre o assunto, as autoridades não demoraram a reconhecer que incidia sobre a
população madrilenha “una enfermedad de muy escasa duración, que no ofrece gravedad alguna”
(Porras Gallo, op. cit., p. 72).
106
situação traria grandes dificuldades e prejuízos ao comércio de exportação,
abalado pelos transtornos provocados pela Primeira Guerra Mundial.
Ademais, em casos como esse, pairava sobre as cabeças das autoridades
locais a ameaça de uma intervenção da União.
16
Nessas condições, as
autoridades baianas preferiam negar veementemente a existência de uma
epidemia, ainda que o estado não contasse com recursos financeiros suficientes
para combatê-la.
Questionados pela imprensa da capital federal, tanto o deputado Arlindo
Leone, partidário de J. J. Seabra e do governador em exercício, quanto Gonçalo
Moniz, Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública do Estado da Bahia,
trataram logo de minimizar os fatos tratava-se apenas de mais um surto da
enfermidade, que até então não vinha apresentando conseqüências graves.
Leone, político da situação, bem como as autoridades médicas e sanitárias em
questão, atribuíram à imprensa de oposição a responsabilidade pelo caráter
alarmista assumido pela notícia de um simples surto de gripe.
Para Arlindo Leone, a epidemia de gripe não passava de invenção de
oposicionistas sem escrúpulos, que faziam de tudo para desmoralizar a Bahia
(Diário de Notícias, 30.09.1918, p. 1). Gonçalo Moniz também descartou qualquer
possibilidade de epidemia de gripe na Bahia, argumentando que, caso houvesse
ocorrido algo de anormal, o fato lhe teria sido imediatamente avisado pelas
autoridades sanitárias.
17
Portanto, não acreditava na “devastação anunciada” pela
imprensa de oposição (A Tarde, 30.09.1918, p. 1).
Divulgadas pela imprensa local, as declarações dos políticos baianos foram
imediatamente rechaçadas pelos jornalistas que faziam oposição ao governo do
estado. Os oposicionistas não pouparam de sua crítica mordaz, nem Arlindo
Leone, nem Gonçalo Moniz. Para um articulista do jornal A Tarde, ao ignorar a
16
Uma intervenção federal afetaria o principio da autonomia, próprio do sistema federalista,
estabelecido pela Constituição de 1891.
17
Gonçalo Moniz (28.01.1870 - 01.6.1939) era considerado por seus pares um dos maiores
expoentes da medicina baseada no conhecimento etiológico de suporte experimental. Ingressou
como professor da Faculdade de Medicina em 1895, apresentando a tese de concurso intitulada
Da imunidade mórbida (Estudo Geral). Inaugurou então carreira voltada para estudos no campo
da microbiologia. Em 1899, montou e dirigiu o Gabinete de Análises e Pesquisas Bacteriológicas
da Bahia. Publicou vários estudos e observações sobre a peste bubônica e a tuberculose. Gonçalo
Moniz ocupou a Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública em 1916, no governo de Antonio
Ferrão Moniz de Aragão. Cf.: Souza, 1949, p. 192-193.
107
existência da epidemia de gripe em Salvador, o Dr. Gonçalo Moniz perdera a
compostura própria de suas poses de sábio indígena”, fazendo jus ao apelido de
“mentira” (A Tarde, op. cit., p. 1).
18
Por sua vez, o jornalista do Diário da Bahia
tachava-os de “próceres da mentira”, acrescentando que os responsáveis por
negar a existência da moléstia em Salvador eram aqueles que viviam na capital
da República, “parasitariamente, sugando, em pura perda, os cofres públicos”
(Diário da Bahia, 05.10.1918, p. 1).
Enquanto os políticos se digladiavam na imprensa, o mal se alastrava pela
cidade. “E não há epidemia na Bahia...!”, ironizava o artigo estampado na primeira
página de A Tarde, no dia 1
o
de outubro de 1918. A matéria jornalística informava
os últimos números e a localização dos acometidos pela influenza:
A fábrica Stella não trabalhou hoje. A maioria dos operários adoeceu
de “influenza”.
[...]
Na Escola de Aprendizes a Marinheiros, do tenente Arthur Seabra
ao suboficial Biavati, caíram enfermos 35 aprendizes. Dos três
cozinheiros, resta apenas de pé, um, esse mesmo sob ameaça do
mal.
No 11º Regimento do Exército, foram notificados cerca de 300 casos;
na polícia, na guarda civil, no corpo de bombeiros, a epidemia
manifestou-se também assustadoramente.
De carregadores a estivadores, a percentagem é assombrosa de
enfermos (A Tarde, 01.10.1918, p. 1).
Com o passar dos dias, o raio de ação da epidemia alargou-se, e a
imprensa registrou a paralisação de fábricas e a diminuição do tráfego da Linha
Circular. O Diário da Bahia noticiou que “operários e trabalhadores, às centenas”
eram presas da moléstia, “altamente contagiosa” (Diário da Bahia, 05.10.1918, p.
1). Na matéria em questão, o jornalista argumentava que, por mais benigna que
parecesse a doença, não deixavam de impressionar as suas conseqüências, de
18
Segundo o jornal A Tarde, o governo do estado declarou extinta por decreto a febre amarela na
Bahia, atribuindo o feito ao Dr. Gonçalo Moniz, aclamado na Academia Nacional de Medicina por
seu experimento com os vapores de creolina na eliminação do mosquito transmissor da moléstia
(A Tarde, 27.05.1918, p. 1). Com a recrudescência do mal, caiu por terra o que a imprensa de
oposição chamou de ‘embuste’, e o governo federal, decepcionado com a dissimulação das
autoridades da Bahia, tomou as devidas providências para evitar que a doença se alastrasse para
outros portos do país (ibid.).
108
forma nenhuma semelhantes às de uma “simples influenza, passageira e rápida”
(ibid.).
Nessas circunstâncias, a reportagem publicada no Diário destacava um
problema mais amplo o da saúde pública para o qual “ainda não lançaram
suas vistas os donos da situação” (ibid.). De acordo com a matéria, a Bahia era
uma terra em que se negligenciavam as medidas de higiene; por conseqüência,
seus habitantes estavam sujeitos “às agressões dos morbos mais violentos”, sem
qualquer “meio de defesa senão a própria resistência orgânica” (ibid.). Assim, era
justo que a população, “batida pela fome e pela miséria”, atormentada pela febre
amarela, pela malária e pelo mal epidêmico em curso, se mostrasse presa de
“uma série infinita de apreensões, de dúvidas e desgostos” (ibid.).
A resposta às críticas foi imediata. O Democrata, órgão da imprensa
seabrista, estampou em sua primeira página a manchete intitulada “Campanha
amaldiçoada”, na qual o jornalista afirmava que “a grita” contra as condições
sanitárias da Bahia se dava “em vista de um certo número de casos de influenza
benigna” que vinha ocorrendo na cidade, como era de costume acontecer todos
os anos (O Democrata, 06.10.1918, p. 1). O texto minimizava o raio de ação e a
gravidade da doença, com amparo na opinião dos “mais notáveis e ilustres
clínicos” baianos, e sugeria que o verdadeiro intuito da oposição era
desestabilizar a população, conferindo gravidade a uma doença simples e
corriqueira (ibid.).
Acusada de explorar os fatos para comprometer a imagem da Bahia, a
facção política severinista que dirigia o Diário reagiu de imediato.
19
Publicou uma
nota em que se justificava diante dos leitores, afirmando que, ao colocar “a nu as
chagas miseráveis da Bahia”, sua intenção era promover “uma transformação
absoluta dos costumes, das práticas usadas” naquele período pelo grupo atuante
à frente do governo estadual (Diário da Bahia, 06.10.1918, p. 1).
Para a oposição, a Bahia era comandada por um “bando aventureiro”,
indiferente a qualquer outra coisa que não os interesses pessoais, a ponto de ter
arrastado o estado ao desastre financeiro, provocando o abandono de “vários
ramos da administração blica” (ibid.). Para arrematar a composição do quadro
19
O Diário da Bahia pertencia aos herdeiros do ex-governador Severino Vieira, franco opositor do
grupo político liderado por J. J. Seabra, que exercia o poder na Bahia.
109
desastroso do governo baiano, a matéria destacava o problema da saúde pública,
“em favor do qual o Sr. Moniz não destina[va] algumas horas de lazer”. E
ironizava: “Felizes de nós se pudéssemos, conscientemente, tecer louvores à
ação governamental...” (ibid.).
O grupo oposicionista à frente desse órgão de imprensa se negava a
compactuar com o silêncio tecido em torno da epidemia. De acordo com a visão
dos fatos defendida pela facção severinista, o verdadeiro propósito de tal omissão
seria evitar que “a Bahia viesse a aparecer, perante a nação, diminuída no seu
valor, na sua dignidade, como uma terra de bugres governada por gente indigna”
(ibid.). Segundo o articulista do Diário, as autoridades baianas o desejavam se
responsabilizar por um sistema sanitário em crise, nem por uma cidade “atrasada,
bárbara e insalubre” (ibid.). Insinuando o significado subjacente à questão, o
redator indagava: “Qual seria o resultado desta situação covarde?” Ao que ele
mesmo respondia: “A melhor possível para o governismo” (ibid.). E arrematava
mais adiante, afirmando que o próprio silêncio contribuiria para perpetuar a
“oligarquia feroz” que dominava o estado (ibid.). Para aquele jornalista, calar-se
seria o mesmo que reconhecer o valor e os méritos dos politiqueiros
açambarcadores” (ibid.).
O grupo que dirigia o Diário da Bahia era um dos mais ferrenhos opositores
do seabrismo. Incansável em sua campanha, no dia 12 de outubro de 1918, mais
uma vez a página principal do Diário da Bahia estampava uma crítica ao estado
sanitário de Salvador e à qualidade de vida dos soteropolitanos. O articulista
admoestava o governo para que tomasse posição diante da doença em
propagação, pois “ainda que surgisse com caráter benigno a célebre influenza,
não era este motivo sobejo para se desusar de uma ação profilática enérgica,
uma vez que os casos se multiplicavam com rapidez vertiginosa” (Diário da Bahia,
12.10.1918, p.1). Prosseguindo em sua argumentação, o jornalista do Diário
ponderava:
Demais, vivendo nós numa cidade em completo abandono, em que a
higiene é uma figura de retórica; a população exausta pela fome e pela
miséria, grande parte vivendo sem o necessário conforto, em
casebres, onde a luz do sol não penetra, bebendo lodo, em vez de
água, em tais circunstâncias incumbia ao governo a máxima solicitude
no propósito de combater um mal que, ainda que em si não fosse
110
grave, contudo, poderia trazer conseqüências perigosíssimas (ibid.,
grifo nosso).
Na mesma linha de crítica às autoridades locais, o jornal O Imparcial
publicava no período uma charge que ironizava aquela situação. Conforme
poderemos verificar a seguir, o desenho em questão mostrava a Saúde Pública
embalando-se em uma rede, à sombra dos coqueiros, enquanto a Espanhola
prosseguia em sua funesta tarefa de ceifar vidas. Vejamos a charge:
Figura 13
O sono da “Saúde Pública” e a ceifa da “Espanhola”.
Fonte: O Imparcial, 15.10.1918, p. 1
Sob a ilustração havia a legenda: “Enquanto a Saúde Pública embalada ao
sopro de virações patrícias dorme o sono da inocência, a ‘espanhola’, benéfica,
vai dando o seu contingente, e diariamente, à povoação das necrópoles” (ibid.).
Em conjunto com a imagem, a reprovação e a ironia contidas na frase reforçavam
111
a visão da inércia e irresponsabilidade das autoridades baianas ante a ação
nefasta da epidemia. Essa era a imagem que vinha sendo construída na mídia.
Tal representação encontrava respaldo no próprio posicionamento das
autoridades políticas e sanitárias baianas, as quais, ao tentarem minimizar o
alcance da epidemia, acabavam por afigurar-se omissas diante da população.
Contudo, o real “contingente” que alimentava diariamente as necrópoles
parecia ser desconhecido por parte das autoridades sanitárias. Vejamos o que
diziam sobre esse aspecto os jornais da época:
Ainda ontem, a respeito da epidemia que ora nos atinge,
interrogávamos:
_ “Por que não considerou para melhores estudos, esta doença como
de notificação obrigatória dada a extensão que vai tomando?”
É bem de se ver que o Dr. Antonio Moniz não o consentiria, mesmo
porque o governo entende que reverte em acusação gravíssima ao
situacionismo o fato de se não reputar de somenos importância o mal
que, assustadoramente, vai progredindo, a despeito do que bradam a
plenos pulmões os turiferários do governador cretino.
[...]
A mortandade tem aumentado nesses últimos dias; devido,
exclusivamente, à gripe ou influenza.
É certo que nos documentos oficiais não se registra a moléstia com a
freqüência exata e verdadeira.
Por quê?
[...]
[...] a higiene estadual não na exige... porque a lei, tratando do
assunto, não arrolou e nem recomenda aquela medida de alto valor.
Nunca se viu tanto apego às leis, ainda que isso demonstre
conveniência subalterna de um governo beócio.
Terra infeliz... (Diário da Bahia, 12.10.1918, p. 1).
Diante das críticas que se multiplicavam, o órgão de imprensa governista O
Democrata saiu em defesa da DGSPB. Nota publicada naquele jornal informava
que a DGSPB não estava de braços cruzados diante da situação: fora nomeada
uma comissão de médicos para estudar o evento epidêmico, e estes haviam
constatado que se tratava da gripe de sempre, benigna, embora apresentasse
naquela feita virulência bem maior. Para o articulista, “a benignidade geralmente
112
reconhecida na gripe, não justifica o terror que por vezes se apodera de algumas
pessoas” (O Democrata, 17.10.1918, p. 1).
Em prosseguimento à sua campanha para desacreditar O Democrata
partidário do situacionismo e, por conseqüência, o governo, uma nota publicada
no Diário da Bahia evidenciava a parcialidade do periódico concorrente, e
denunciava a mudança no discurso oficial. Perpassado por fina ironia, o artigo
veiculado no Diário afirmava:
A higiene estadual, em verdade, não se movimenta e tanto isto é certo
que O Democrata, querendo mencionar as benemerências do
governador, apenas disse que ele “procurou agir, nomeando uma
comissão de ilustrados médicos, quase todos os clínicos e professores
eminentes, incumbindo-os especialmente do estudo da moléstia QUE
TANTO TEM ALARMADO GRANDE PARTE DO MUNDO”.
Lendo-se o que ficou transcrito, de logo, notamos a mudança
completa de opinião dos homens que nos desgovernam.
A principio, quando clamávamos, pedindo providências que
minorassem o estado desesperador da população, os situacionistas
replicavam, cheios de arrogância, que não havia a peste, não
passando as nossas censuras e as nossas queixas amargas de
“expedientes, malévolos, do oposicionismo”.
Mais tarde se não negava a existência da gripe, mas era de caráter
benigno, sem importância.
Agora, porém, a “moléstia tem alarmado grande parte do mundo”.
Com o que, então, confessa o governador que nos assistiam razões
sobejas para temer as funestas conseqüências da epidemia, que,
infelizmente, vai, com celeridade, ceifando vidas inúmeras.
O noticiário da imprensa, todos os dias registra os casos fatais,
produzidos pela influenza benigna do Sr. Moniz.
O mais interessante é que, de conformidade com a doutrina expedida
ontem, pelo jornal da Aclamação, ao governo não incumbe tomar
providências.
Por quê? (Diário da Bahia, 18.10.1918, p. 1).
Para o articulista de A Tarde, a epidemia era assustadora “meia cidade
ou mais” tinha sido contagiada pela gripe, e havia notícia de lares em que famílias
inteiras desapareciam (A Tarde, 18.10.1918, p. 1). A reportagem prosseguia,
informando o seguinte:
113
Os colégios e as escolas continuam abertas, com grandes
aglomerações de crianças, e é nelas que se dá o maior contágio.
Ainda esta manhã dizia-nos um professor que no colégio em que
leciona a percentagem de gripadas é apavorante.
Bem. Numa terra sem governo, o indivíduo para defender-se, deve
tomar medidas de salvação.
E no momento aconselhamos a todos os pais que evitem a freqüência
de seus filhos às aulas ( ibid.).
Segundo o jornalista, a virulência do mal era tanta que nem o governador
escapara à epidemia reinante. Contudo, ressaltava o artigo, a DGSPB
permanecia omissa, nada fazendo além de “informar, em exaustiva publicidade,
quais os postos e os médicos encarregados da vacinação contra a varíola” (ibid.).
O repórter concluía a nota, advertindo os soteropolitanos: “Acautelai-vos que o
governo continua a mistificar a opinião fora do Estado, afirmando pela palavra
desescrupulosa do sr. Gonçalo Moniz, que a Bahia é uma estação de saúde,
apesar da febre amarela, da bubônica e da espanhola” (ibid.).
No Diário de Notícias também foi publicada matéria que censurava o
posicionamento das autoridades diante da ameaça da epidemia. Segundo o
argumento do redator, tendo em vista que o micróbio da influenza existia no ar, os
lugares onde este já era impuro deveriam ser saneados (Diário de Notícias,
18.10.1918, p. 1). De acordo com a matéria jornalística, vários pontos onde havia
aglomeração de pessoas (teatros, casas de espetáculo, cinemas, escolas, etc.)
muitos dos quais não obedeciam aos preceitos básicos de higiene deveriam ser
fechados para evitar que o mal se propagasse (ibid.).
Para o jornalista do Diário de Notícias, apesar de a moléstia ter se
apresentado de início em sua forma benigna, “não era por isso que deveria
merecer menos cuidado” (ibid.). O articulista clamava por providências, pois além
da população se encontrar aterrorizada diante do crescimento da mortandade, o
grau de morbidade da doença afetava as atividades produtivas, causando “falta
de energia” e de “braços em todas as repartições de trabalho” (ibid.).
Para combater os oponentes e conferir maior credibilidade à sua
argumentação, não bastava ao jornalista de O Democrata recorrer à reconhecida
autoridade dos médicos baianos. Assim, para compor seu arrazoado, o articulista
utilizou-se também da comunicação pronunciada por Carlos Seidl, Diretor Geral
114
da Saúde Pública, em sessão da Academia Nacional de Medicina, na capital
federal. (O Democrata, 17.10.1918, p. 1).
Naquela ocasião, Seidl afirmara que a doença reinante, conhecida por
“influenza espanhola”, nada mais era senão a “simples influenza, sinonímia da
gripe”, que naquele momento, entretanto, apresentava maior difusibilidade,
contagiosidade e morbilidade (ibid.). Para o médico, a doença em questão o
tinha origem específica demonstrada, mas sem dúvida era “de causa microbiana
única ou múltipla, sobre a qual atuam influências meteorológicas morbígenas”
(ibid.).
Uma vez definido o diagnóstico, o prognóstico do Dr. Carlos Seidl não foi
dos mais otimistas. Seidl acreditava que, contra tal moléstia, não havia profilaxia
internacional ou remédio específico eficazes. O isolamento, argumentava o
médico, medida que se mostrara eficaz em casos de doenças contagiosas, era
impraticável na pandemia de gripe, a não ser que fossem interrompidas todas as
relações sociais e todos os contatos decorrentes (ibid.).
De acordo com Seidl, nos países em que incidira a epidemia não havia sido
contida nem por regulamentos, nem por medidas administrativas, nem mesmo por
quarentenas (ibid.). Portanto, a seu ver, tentar impedir que uma doença como
aquela invadisse uma região ou uma cidade era “procurar resolver um problema
[...] insolúvel; e[ra] um sonho, uma utopia científica” (ibid.). Dessa maneira,
concluía Seidl, a única medida que restava às autoridades sanitárias era
“preservar limitados agrupamentos humanos, como enfermarias, prisões,
colégios, etc.”, e promover a profilaxia individual. Por fim, o médico recomendava
que as pessoas não se deixassem tomar pelo terror, pois este poderia diminuir-
lhes a resistência, abrindo as portas à infecção (ibid.).
Amparados em tais argumentos, os partidários do governo compuseram da
seguinte forma a defesa da posição das autoridades políticas e sanitárias:
É um mau processo, é um processo até desumano esse de que
lançam mão os jornais da oposição, a propósito da influenza entre
nós, visando, sobretudo, alarmar a população. É um mau processo,
porque sem resultados benéficos consegue levar o terror à “certas
pessoas, diminuindo-lhe a resistência orgânica e abrindo-lhes as
portas à infecção”, como diz o eminente higienista Dr. Carlos Seidl,
diretor da Saúde Pública do País (O Democrata, 17.10.1918, p. 1).
115
Assim, o grupo governista praticamente eximia-se de qualquer
responsabilidade, imputando ao grupo oposicionista a culpa por incutir o “terror” à
população, o que, segundo o próprio Seidl, poderia contribuir para diminuir a
resistência e favorecer a infecção no organismo daqueles que se deixassem
influenciar pela virulência daquelas matérias jornalísticas.
Imediatamente, o Diário da Bahia publicou nota em que acusava o
situacionismo de “acobertar-se com a autoridade do Dr. Carlos Seidl”,
desvirtuando-lhe as palavras no intuito de justificar a própria inação (Diário da
Bahia, 18.10.1918, p. 1). Para o articulista do Diário, não era pelo fato de Seidl
haver afirmado que a moléstia em questão desafiava todas as medidas e
regulamentos que o governo baiano deveria ficar de braços cruzados, sem
implementar nenhuma medida profilática, esperando que a moléstia dizimasse a
população e desaparecesse quando lhe fosse oportuno (ibid.).
Em prosseguimento àquele debate público, o articulista de O Democrata
mais uma vez saiu em socorro das autoridades locais, com o seguinte
comentário:
[...] que havemos de fazer se o “Diário” está de privilégio concedido
para ele ser verdadeiro, ele ser sério, ele ter conhecimento
das coisas e só ele saber discutir?
[...]
[...] Valemo-nos do dr. Carlos Seidl, que, às suas responsabilidades de
sumidade médica, reúne a circunstância de ser o diretor geral da
Saúde Pública no Rio e mostramos as dificuldades de ação por parte
da Higiene. Entretanto, não dissemos que o diretor geral da Saúde
Pública do Estado estivesse de braços cruzados, esperando que o mal
se fosse embora quando quisesse... (O Democrata, 19.10.1918, p. 1)
Para o articulista de O Democrata, a moléstia mais perigosa, a mais terrível
epidemia que grassava na Bahia naquele momento, era “a falta de patriotismo de
uma oposição desassisada que procura[va], por todos os meios e por todos os
processos, desacreditar o Estado” (ibid.). O jornalista prosseguia atacando os
grupos de oposição exatamente no ponto que, naquele momento, representava
para as elites o “calcanhar de Aquiles” a falta de patriotismo. Em suas palavras,
“o grande mal da Bahia” era “ter o descrédito feito por seus próprios filhos, numa
116
ânsia desesperada e doentia de malsiná-la em tudo na sua cultura, no seu
governo na sua honra e até no seu clima” (ibid.).
Naquele período em que as elites brasileiras estavam empenhadas no
projeto de construção da nação e, neste processo, também buscavam uma
posição de destaque para a Bahia no cenário nacional, não era de modo algum
confortável ser acusado de falta de amor à terra natal. Vejamos como o articulista
de O Diário defendeu-se de semelhante acusação:
Ora, o jornal do situacionismo bradara, ontem, que nos agarramos a
uma “idéia fixa” combater o governo pela invasão da influenza
espanhola.
Esta afirmativa demonstra a má com que argumentam nossos
adversários, que se não pejam de adulterar os fatos menos
sofismáveis, os argumentos mais claros e iniludíveis.
[...]
O que verberamos é o descaso da higiene estadual, no pertinente à
matéria.
É certo que, em grande parte do mundo, grassa a terrível epidemia,
mal grado considerá-la benigna o sr. Antonio Moniz.
Mas onde quer que haja conhecimentos rudimentares de higiene,
todas as medidas possíveis são postas em prática, no intuito muito
humano de combater a moléstia.
[...]
Mas na Bahia, o diretor da Saúde Pública nada promove, não pensa
em outra cousa que não seja a escala musical.
Nomeou uma comissão de médicos para estudar a moléstia?
Ah! Fez muito, certamente. O povo baiano não merece tanto, no
conceito dos mandões.
Que bandeira portanto é esta benfazeja que defraudaram os seabras e
monizes; de que modo vieram eles arrancar a Bahia do “marasmo
para levá-la ao caminho do progresso”?
Não; o que eles hastearam foi a bandeira fúnebre da morte (Diário da
Bahia, 19.10.1918, p. 1).
O debate entre a imprensa governista e oposicionista prosseguiu em todo o
transcorrer da epidemia, mas as críticas veiculadas nos principais jornais da
Bahia não se dirigiam apenas ao governo do estado. No período da irrupção da
“espanhola”, uma nota veiculada no Jornal de Notícias informava a presença de
seis vapores retidos no porto da Bahia, em razão da epidemia de gripe (Jornal de
117
Notícias, 20.10.1918, p. 1). Para o repórter do Jornal de Notícias, aquele
embaraço contribuía para agravar as dificuldades de transporte observadas
naquela conjuntura.
Dentre aquelas embarcações, uma se dirigia à Europa o paquete
brasileiro “Ásia”, do Loyd Nacional; as demais faziam a navegação entre as
cidades do litoral brasileiro (ibid.). Enquanto os navios se encontravam
paralisados e despovoados, conforme informava a nota, a agência do Loyd na
Bahia contratava médicos para trabalhar a bordo. Os doentes em estado grave
eram encaminhados para o Isolamento de Monte Serrat. Na ocasião, haviam sido
removidos para o Isolamento 26 pessoas acometidas pela gripe, dentre as quais,
duas não sobreviveram (ibid.).
Na coluna intitulada “Medicina e Higiene”, um colaborador do mesmo jornal
afirmava que a invasão da epidemia de gripe constituía prova indiscutível de que
a Bahia não dispunha de defesa marítima (Jornal de Notícias, 04.11.1918, p. 2).
Segundo o articulista, o governo central, como era do seu dever, não vinha
cuidando de “aparelhar a Saúde do Porto com os meios necessários às suas
atribuições e fins” (ibid.).
Em nota publicada no O Imparcial também se deixava entrever a
insatisfação com a ão da União no sentido de proteger o porto de Salvador da
invasão de doenças exógenas:
De vários pontos do país, e notadamente do estrangeiro, e dessa
procedência vindos de centros suspeitíssimos, chegam-nos ao nosso
porto navios e principalmente veleiros, conduzindo enfermos.
Essas embarcações, entretanto, sem que o governo federal as mande
expurgar convenientemente, atracam no cais das Docas, despejam-se
de suas grandes cargas, enchendo os armazéns do porto, venham ou
não de zonas perigosas (O Imparcial, 19.10.1918, p. 1).
A questão do porto de Salvador como via de entrada das mais diversas
doenças epidêmicas era largamente discutida na época. Muitas autoridades
médicas, a exemplo de Lydio de Mesquita, afirmavam categoricamente que as
moléstias pestilenciais exóticas” que flagelavam a Bahia “tiveram sempre entrada
pela sua porta marítima” (Gazeta Médica da Bahia, 1919, 50: p. 384).
118
Pela legislação vigente, a Saúde do Porto era de responsabilidade da
União, porém este serviço vinha se mostrando ineficiente. Para Anselmo
Fonseca, membro do Conselho Sanitário Estadual, a ineficiência dos poderes
públicos na prestação de serviços de saúde era conseqüência da repartição de
responsabilidades e serviços entre União, Estado e Município (Fonseca, 1909, p.
6-8). A pulverização de atribuições entre tais instâncias, segundo o médico,
esbarrava em divergências de concepções, de objetivo e de meios, além do que
promovia rivalidades e irritava suscetibilidades, enfraquecendo e tornando nula
qualquer ação (ibid.).
No caso da epidemia em questão, o articulista de O Imparcial (O Imparcial,
19.10.1918, p. 1) criticava a omissão da União, afirmando ser de bom alvitre que
a Bahia pudesse contar com o auxílio do governo federal a fim de que fossem
implementadas as medidas de profilaxia recomendadas para casos como aquele.
Na opinião do jornalista, “mau não seria que o Sr. Wenceslau Braz” desse ao
porto da Bahia “um pouco de sua atenção superior” (ibid.).
De outro lado, a mesma reportagem ressaltava que, de acordo com os
fatos, o governo do estado, mesmo quando enfrentava períodos agudos de crise
epidêmica, evitava solicitar o auxílio da União na profilaxia das doenças
infectocontagiosas (ibid.). Segundo o articulista, semelhante atitude talvez se
devesse ao fato de o estado se achar competente para tratar de tais assuntos
sozinho. Entretanto, argumentava o jornalista de O Imparcial, por melhores que
fossem as intenções do Diretor Geral da Saúde Pública da Bahia, o estado o
possuía recursos suficientes para conter a epidemia que recrudescia, afetando
“os mais valiosos interesses” dos soteropolitanos (ibid.).
Em 1918, um artigo veiculado na primeira edição da revista Saúde, órgão
de divulgação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, trazia crítica ao posicionamento
dos governos estaduais em situações de crise sanitária. Segundo um dos
colaboradores da revista, Dr. Mauricio de Abreu, em casos como aquele, os
governadores não requisitavam intervenção federal; em primeiro lugar, por
vaidade e desinformação, pois acreditavam que os “seus territórios, beneficiados
por um clima admirável, banhados pela luz purificadora de um sol tropical não
119
estavam suscetíveis à incidência de doenças (Revista Saúde, 1918)
20
. Em
segundo lugar, por considerarem que uma ação dessa natureza representaria um
golpe contra a autonomia garantida pela Constituição aos estados.
Ademais, acrescentava o articulista, os médicos locais dificultavam esse
ato, por acreditarem que o dever de zelar pela salubridade pública não podia ser
outorgado a outrem. Concordar com tal atitude seria fornecer um atestado de
incompetência às elites médicas e lideranças políticas estaduais. Contudo, Abreu
afirmava que tais obstáculos o deveriam representar empecilho para a ação da
União, tendo em vista que o regime federativo previa o envio de auxílio aos
estados, em casos de calamidade pública ou se o solicitassem os seus
governadores.
Um artigo publicado no jornal O Imparcial, em 23 de outubro de 1918, veio
reforçar essa discussão. A nota vinha precedida da seguinte manchete:
Figura 14
Fonte: O Imparcial, 23.10.1918, p. 1.
O texto que acompanhava a manchete reclamava do governador uma
atitude diante da “situação difícil, pungentíssima e incomportável da população
pobre da capital” (ibid.). O articulista fazia questão de destacar que não colocava
em dúvida a “sabedoria a serviço da Diretoria Geral de Saúde Pública”, mas
20
Documento fotocopiado cedido pelo Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz, s/p.
120
acreditava que àquela seção administrativa faltavam “recursos de ordem material
capazes de contribuir, eficaz e eficientemente, para a organização de uma
campanha séria contra a epidemia” (ibid.). Entretanto, alertava o artigo, as classes
pobres precisavam de socorro, e cumpria ao “Sr. Dr. Governador do Estado
encarar com precisa gravidade o problema [...] e resolvê-lo, incontinente, a bem
dos grandes interesses do povo” (ibid.).
Tratava-se de ponto de discussão permanente naquele período a
capacidade financeira, técnica e administrativa dos estados para fazer frente aos
problemas e questões de saúde. As elites começavam a questionar se o seria
mais eficaz uma ação centralizada para resolver os graves problemas sanitários
do país. Os círculos médicos, científicos, políticos e profissionais debatiam a
responsabilidade do Estado Nacional com a salubridade do território e a saúde da
sua população (Hochman, 1998; Castro Santos; 2003).
Ao mesmo tempo, a epidemia de gripe evoluía, e na Bahia a oposição não
dava trégua aos governantes. Prosseguia cada vez mais acirrado o debate
político entre as facções serverinista e seabrista. Acusados de acovardarem-se
diante da eficiência demonstrada pela DGSPB no combate à epidemia, os
severinistas, após curto período de silêncio, voltaram à carga:
Os jornalistas do governo estão, não há dúvida, treslendo.
A propósito das nossas editorais sobre a influenza e em geral o estado
sanitário da capital, escreveram eles que batemos em retirada.
Ainda não compreendemos as razões que assistem ao governo para
fazer uma afirmativa dessa natureza.
Como, porém, eles prometem, hoje um artigo substancioso que nos
de destroçar, esperamos a palavra árgula e sábia do sr. Antonio
Moniz.
O que, desde logo, está assente e fora de dúvida é, que não sendo o
governo responsável pela invasão da influenza, o é todavia pelo
desenvolvimento assustador que vai tomando, porquanto, até agora,
nenhuma medida tomou de caráter profilático.
A população, pois, está entregue aos azares do destino (Diário da
Bahia, 22.10.1918, p. 1).
Mesmo forçada, diante dos fatos, a admitir a dificuldade de evitar a entrada
daquele morbo no porto da Bahia, a facção severinista não perdia a oportunidade
121
de desmoralizar o grupo governista. Se os situacionistas não eram responsáveis
pela invasão, respondiam ao menos pela evolução e permanência do mal entre os
soteropolitanos. Mais uma vez, a DGSPB era acusada de omissão ante o
desenrolar da epidemia.
Imediatamente, o jornalista do Democrata revidou à provocação, conforme
podemos observar em trechos da nota, reproduzidos a seguir:
Quando o órgão que as diz representante da facção política composta
dos ex-severinistas, ao explodir da epidemia de influenza nesta
Capital, iniciou a arremetida violenta e injusta contra os poderes
públicos deste Estado, acusava-os com a virulência de linguagem que,
no seu despeito incontido, adotou, de serem os mesmos responsáveis
pela invasão do mal, de julgarem-no de natureza benigna e de não
tomarem as providências profiláticas que se faziam necessárias para a
sua debelação.
[...]
Incapazes de reconhecer, obcecados como estão [...] os que no
“Diário” escrevem entendem levar adiante essa campanha de
difamação e de injuria, certos embora, de que o povo desta terra, que
os lançou do poder, e os castigou com o seu desprezo, não se
deixa de maneira alguma embair por esses falsos apóstolos, que para
conseguirem o seu ideal político não se pejam de descer às mais
torpes explorações [...].
[...]
Pouco depois invasão do mal, quando o “Diário”, na sua faina inglória,
pretendia [...] provocar o pânico na população, procurando convencê-
la de que a moléstia que reinava, outra não era senão a influenza
hespanhola, [...] o ilustre dr. Diretor da higiene baiana [...] nomeou
uma comissão composta de distintos e ilustres médicos para que,
após o estudo minuncioso da moléstia, concluísse pelo seu real
diagnóstico e pela indicação de meios profiláticos que se deveriam
empregar para combater o mal reinante.
Dias depois, a douta comissão, finalizando os seus estudos,
apresentou um bem elaborado relatório em que concluía que se
tratava não do dengue, como queria o escritor do Diário”, mas da
nossa já bastante conhecida influenza comum.
Não houve uma só voz que se erguesse, a protestar contra essa
conclusão.
Numa cidade como a nossa, que se orgulha de possuir verdadeiras
sumidades médicas, não houve um profissional que discordasse do
parecer do ilustre comissão.
Graças à iniciativa do digno diretor da higiene, ficou de vez firmado o
diagnóstico verdadeiro (O Democrata, 23.10.1918, p. 1).
122
Em resposta às acusações do Diário, os políticos da situação procuravam
desqualificar os acusadores, bem como o teor das suas denúncias. Nesse
sentido, os situacionistas caracterizaram os políticos da oposição como “falsos
apóstolos, que para conseguirem o seu ideal político não se peja[va]m de descer
às mais torpes explorações” (ibid.). O jornal O Democrata acusava-os de cega
“obsessão” e “despeito incontido”, pois o povo já os havia lançado para fora do
poder, castigando-os com o seu desprezo, nada restando aos derrotados, senão
lançar uma “campanha de difamação e de injúria” contra aqueles eleitos pela
população para zelar pelo bem-estar de todos (ibid.).
Em sua argumentação, os situacionistas procuravam demonstrar que as
críticas tecidas pelo jornal de oposição eram infundadas, amparando-se, para
tanto, no discurso da autoridade. Assim, enfatizavam o prestígio e a competência
dos médicos escolhidos para estabelecer o diagnóstico, bem como as medidas
profiláticas para combater o mal. Era importante ressaltar que a determinação do
agente etiológico representava o primeiro passo na campanha contra a epidemia.
Por não querer se indispor com a classe médica, ou talvez por reconhecer-
lhe a competência, o Diário acusava o governo de ineficiente, uma vez que nada
mais fazia para conter o mal epidêmico, além de nomear a referida comissão de
médicos para estudar o caso. O jornal da oposição ressaltava que tal postura era
irresponsável e nefasta, porquanto a gripe continuava a se espalhar pela cidade,
causando inúmeras vítimas. Sem se furtar à ironia, o articulista afirmava entender
que o imobilismo do governo era coerente na defesa do diagnóstico de influenza
benigna, pois se era benigna, para que se preocupar? Vejamos, a seguir, um
trecho da resposta apresentada pela imprensa severinista ao redator de O
Democrata:
Os notáveis escritores do jornal do governo vieram, ontem, como
sempre ridículos.
Procurando enaltecer a ação benéfica do sr. Antonio Moniz, no intuito
de debelar a epidemia reinante, o órgão do situacionismo não se peja
de afirmar fatos inexistentes, as mentiras mais irritantes e deslavadas.
[...]
Enganam-se ou pretendem enganar os demais, os foliculares, os
aduladores do sr. Moniz.
[...]
123
O governo da Bahia não cogita de providenciar a respeito de mal
epidêmico, que vai, infelizmente, vitimando a população.
Até certo ponto ele está coerente, porquanto não lhe pode merecer
cuidado algum a influenza, dado seu caráter “benigno”!!!
Apesar do número avultado de óbitos e do pânico de que se acha
apoderada a população, o que o sr. Moniz afirma tem foros de certeza
absoluta.
No entanto se o governador é lógico sob esse ponto de vista é
contraditório na sua gazeta, ele declara que, não obstante, a batuta do
diretor de Higiene não cansa...
Que fez, porém, o maestro?
Nomeou uma comissão (Diário da Bahia, 24.10.1918, p. 1).
Conforme podemos perceber pelos trechos até aqui apresentados, a
discussão que se estabeleceu na imprensa foi acalorada, e a epidemia contribuiu
para alimentar as disputas locais. Enquanto as facções oposicionistas reforçavam
a inoperância do governo nas questões relativas à saúde pública, o discurso
oficial reforçou o caráter relativamente brando assumido pela epidemia em
Salvador, respaldando-se na opinião de autoridades médicas de projeção na
sociedade baiana e no cenário nacional.
Durante a crise epidêmica, os problemas sanitários, socioeconômicos e
infra-estruturais a que estava submetida a população baiana vieram à tona,
evidenciados principalmente por aqueles que aspiravam ao controle do poder na
Bahia. Poderíamos julgar que as críticas fossem sem fundamento, calúnias
dirigidas àqueles que assumiam o governo do estado, no intuito de desacreditá-
los perante a população e conseguir paralelamente uma intervenção federal.
21
Entretanto, no capítulo anterior percebemos pelo depoimento dos inspetores
sanitários membros da máquina estatal que a situação sanitária da Bahia
naquelas primeiras décadas do século XX mostrava-se realmente precária.
21
Naquele período, as epidemias eram comumente utilizadas pela imprensa de oposição para
conseguir a intervenção federal, desestabilizando, assim, o poder local. A intervenção federal feria
o princípio da autonomia estabelecido pelo artigo n
o
5 da Constituição de 1891, próprio do sistema
federalista e tão caro às oligarquias brasileiras. Segundo o estabelecido no artigo, cabia a cada
“Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração”
(
http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Brazil/brazil1891.html. Capturado em 23.02.2007). Em
caso de calamidade pública, a União poderia prestar socorro ao estado que o solicitasse (ibid.).
Cf.: Azevedo Sodré, 1918, p. 39-47.
124
Ademais, as condições de vida na capital do estado eram extremamente
difíceis: não havia demanda de trabalho; a carestia restringia a cesta básica e a
aquisição de remédios; as habitações eram insalubres e superlotadas; havia
carência de serviço regular de água e esgoto; e a assistência pública à saúde
ainda era incipiente. O quadro de carências em áreas básicas como alimentação,
trabalho, saúde e moradia contribuía para aumentar o espectro da pobreza em
Salvador. Trabalhadores de diversas categorias, inclusive os que atuavam na
informalidade, assim como os mendigos e vadios, encontravam-se no degrau
mais baixo daquela sociedade.
22
De maioria analfabeta, esse estrato social não
participava de forma significativa do processo eleitoral não podia votar, nem se
candidatar a cargos eletivos, ainda que se registrasse nesse período alguma
mobilização por parte da classe operária em torno de questões salariais.
23
Entre a povo pobre que constiuía a base da pirâmide social e o ápice, onde
se situava a diminuta elite agro-mercantil, havia uma camada média que, segundo
o censo de 1920, correspondia a 20% da população (Sampaio, op. cit., p. 41).
Longe de ser homogêneo, esse estrato da sociedade dividia-se em dois
segmentos: próximos à base da pirâmide, encontravam-se os funcionários
públicos das instâncias estadual e municipal e os que integravam o setor de
serviços; no patamar mais alto, encontravam-se os profissionais liberais
24
, assim
como indivíduos envolvidos em atividades relacionadas ao “complexo agro-
comercial-industrial”
25
e à burocracia estadual.
Os baixos e incertos salários e as difíceis condições de vida dos indivíduos
que compunham o estrato inferior da camada média, composta por professores
de escolas públicas, empregados de repartições públicas, telefonistas, etc., os
aproximavam da camada mais pobre da sociedade (ibid.). Contudo, quem
pertencia a esse estrato social não se identificava com os operários da indústria,
22
Trabalhadores da indústria, do comércio (caixeiros), domésticos, pedreiros, carpinteiros,
sapateiros, pescadores, pequenos agricultores, quituteiras, modistas, alfaiates, bordadeiras,
chapeleiras, estivadores, ambulantes, etc. Para saber mais sobre o assunto veja A População e
suas Ocupações”. In: SANTOS, Mário Augusto da Silva. A República do povo: sobrevivência e
tensão – Salvador, (1890/1930). Salvador: EDUFBA, 2001, p. 13-41.
23
Sobre os movimentos populares ocorridos na Bahia durante a Primeira República, confira:
Sampaio, op. cit.; SANTOS, op. cit.; CASTELUCCI, 2001.
24
Nos referimos aqueles que ostentavam o título de “doutor” ou “bacharel” médicos, advogados,
engenheiros, dentistas e farmacêuticos – , cujas rendas provinham da própria profissão. Cf:
Santos, op. cit., p. 44.
25
Expressão cunhada por Consuelo Novais Sampaio (op. cit., p. 56).
125
com os trabalhadores do comércio e os domésticos, tampouco com os artífices,
marítimos, biscateiros, etc., considerando-se em status superior a esses.
Por sua vez, a parcela mais alta da camada média identificava-se com a
elite, com a qual possuía laços de parentesco ou compadrio, mantinha relações
de trabalho ou sociais. Sempre desejosos de alcançarem status mais alto, os
indivíduos desse estrato social dividiam sua fidelidade entre o grupo que estava
no poder e os que lhes faziam oposição (ibid.). Dependentes economicamente da
elite e temerosos de perderem cargos e salários, os integrantes desta camada da
sociedade eram passíveis de manobras políticas e eram alvos fáceis da política
de distribuição de “favores” e benefícios. Para Kátia Mattoso, esse tipo de relação
se dava em todos os escalões da vida social:
26
O comerciário que quisesse progredir em seu ramo punha-se sob a
proteção do patrão; o funcionário, para ascender no serviço público,
dependia dos favores de alguém de posição mais elevada, que
retribuía com sua fidelidade; [...] o político que dava as cartas no seu
distrito sentia-se muito mais comprometido com outros políticos os
que participavam das tomadas de decisão, na capital que com seu
eleitorado (Mattoso, 1992, p. 218).
Para compreendermos a complexidade e a dinâmica da sociedade baiana
nas duas primeiras décadas do século XX, precisamos considerar que cada um
dos níveis das hierarquias sociais produz suas próprias elites, havendo diversos
escalões de autoridade, onde indivíduos ligavam-se uns aos outros por um modo
específico de dependências recíprocas (Mattoso, 1992, p. 178). Essa era uma
sociedade em que cada família tinha os seus protegidos e as solidariedades se
consolidavam, especialmente, nas horas de dificuldade (ibid.). Diante das
dificuldades para prover sua própria sobrevivência, face ao desemprego e à falta
de oportunidades, restava aos despossuídos recorrer à proteção daqueles que se
encontravam em melhor condição socioeconômica. Assim, fosse para progredir
26
Mesmo se tratando de estudos que focalizam o século XIX, consideramos a análise de tia
Mattoso pertinente no que se refere às primeiras décadas da Bahia Republicana, admitindo-se que
as relações naquela sociedade não se modificaram “por decreto”, como a abolição da escravatura,
nem por meio de um movimento da elite militar, como a passagem do Império à República. A
própria autora adverte que “a vida no seu cotidiano e, sobretudo, as relações sociais, demonstram
certa estabilidade, ou melhor, uma real resistência à violência dos fatos históricos dessa época”
(Mattoso, 2002, p. 147).
126
na vida, fosse para enfrentar a morte, os integrantes das camadas mais
desfavorecidas buscavam o apoio daqueles que naquela sociedade
representassem algum tipo de amparo. Estes, por sua vez, buscavam suprir de
alguma forma as necessidades de sobrevivência de seus dependentes e
protegidos, captando recursos com os que se encontravam em patamar superior.
Além dos deveres caritativos e de solidariedade, que perpassavam todas
as camadas da sociedade baiana, os benefícios e favores prestados conferiam
prestígio e autoridade a quem os distribuía. O favorecido ficava reconhecido e em
dívida com o seu ‘benfeitor’, pronto a servi-lo sempre que requisitado.
Fortaleciam-se, assim, os escalões de interdependência entre os que
requisitavam auxílio e os que o ofereciam, formando uma cadeia que garantia o
equilíbrio das tensões assíduas no jogo do poder.
O governo de Moniz de Aragão estava perfeitamente inserido nesse
sistema de barganha e reciprocidade, característico da República Velha: o
nepotismo, o apadrinhamento, o clientelismo perpassavam todas as instâncias
administrativas do estado, afetando diretamente a gestão das instituições
públicas.
Na Bahia da Primeira República, a organização e reorganização do serviço
público tornaram-se medidas recorrentes toda vez que nova facção política
assumia o governo. Ao ascenderem ao poder, os políticos, além de mudarem as
leis e a organização dos serviços, colocavam seus apaniguados nos postos
públicos. Entretanto, nem sempre tais indivíduos eram qualificados para ocupar
as funções que lhes eram confiadas, e mesmo quando atendiam a este requisito,
corriam o risco de se tornarem meros títeres daqueles que os haviam nomeado,
cuidando mais de favorecê-los do que ao público em geral. O número de
nomeações nem sempre correspondia a um efetivo que as finanças públicas
pudessem suportar naquela conjuntura. Segundo a oposição, a situação de
penúria financeira que a Bahia atravessava no período era, em parte, resultante
dessa distribuição de favores e de cargos públicos. A esse respeito, o Diário da
Bahia, órgão de imprensa da facção severinista, assim se pronunciava:
O assunto que, hoje, nos detém é o importante problema da saúde
publica, em favor do qual o Sr. Moniz não destina algumas horas de
lazer.
127
Sabemos que suas preocupações são múltiplas.
Enquanto houver um parente em condições de merecer o auxílio dos
cofres, o governador não tem tempo de curar de outros misteres, de
menor importância no seu modo de entender (Diário da Bahia,
06.10.1918, p. 1).
Entretanto, não era esse o único fator a contribuir para sangrar os cofres
públicos e debilitar a economia. As rendas do estado eram baseadas na
arrecadação de impostos sobre a exportação de mercadorias para o exterior ou
para dentro do país; sobre bens imóveis urbanos e rurais; sobre transmissão de
propriedades e sobre indústrias e profissões (Bahia, Secretaria da Fazenda, 1985,
p. 15).
Em 1917, enquanto a exportação compreendeu 50% da receita ordinária,
as rendas das coletorias atingiram pouco mais de 12% (ibid., p. 16). Contudo, as
rendas obtidas com o comércio de exportação eram afetadas pela dependência
estrutural que este tipo de atividade conservava em relação a firmas e capitais
estrangeiros (Sampaio, op. cit., p. 35). Considerável quinhão do “excedente
gerado pela exportação era transferido para a Europa, através de importações, de
remessas de lucros, pagamentos de juros e amortizações da dívida externa”
(ibid., p. 35).
De outro lado, com o facciosismo imperante no cenário político de então, o
pagamento de impostos era tido não como obrigação cívica, mas como punição
aplicada aos inimigos políticos (Bahia, Secretaria da Fazenda, op. cit., p. 15).
Para agravar o desequilíbrio orçamentário do estado, o imposto territorial,
importante fonte de receita nos grandes estados da Federação, não pôde ser
implantado na Bahia, em razão da oposição das oligarquias agrárias (ibid.).
Dessa maneira, o estado se via sem recursos financeiros para executar ou
consolidar políticas públicas. Enquanto as ações em prol da saúde coletiva
sofriam os efeitos de uma economia dependente do capital estrangeiro e da
ingerência do erário público, a economia, por sua vez, era afetada pelo precário
estado sanitário da Bahia.
Quando a febre amarela irrompeu em Salvador, em março de 1918, o
articulista do jornal A Tarde aventou a probabilidade de intervenção da União na
Bahia, tendo em vista que “o Tesouro só” não poderia “comportar as despesas de
128
uma larga, completa profilaxia, do ataque radical violento à epidemia” (A Tarde,
24.5.1918, p. 1).
27
A matéria em questão versava também sobre os riscos e
implicações de uma epidemia sobre as atividades econômicas, uma vez que
“diversos estrangeiros, com importantes negócios no estado”, ficaram
“visivelmente alarmados” com a possibilidade da erupção de uma epidemia da
doença na cidade (ibid.).
Os surtos epidêmicos prejudicavam a
economia baiana, baseada no
comércio de exportação café, tabaco, cacau, açúcar e algodão e, portanto,
dependente do mercado externo. Qualquer ameaça ao comércio repercutia nos
setores dominantes daquela sociedade. Era preciso preservar a cidade, local das
transações comerciais, provendo aos negociantes um porto “limpo”, por meio do
combate às doenças que alarmavam ou espantavam os estrangeiros.
A Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914, havia diminuído a
freqüência de navios mercantes ao porto de Salvador, criando sérias dificuldades
para a circulação de mercadorias e de passageiros; pior seria a situação em caso
de epidemia.
28
De acordo com o mesmo artigo do jornal A Tarde, a situação
poderia se agravar até o ponto de “calamidade pública”, e a Bahia ficaria
“seqüestrada do resto do mundo, de todo o Brasil”, se não fossem “postas em
prática medidas urgentíssimas de saneamento” (ibid.).
2.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto no decorrer deste capítulo, a passagem da epidemia
por Salvador contribuiu para alimentar as disputas locais. Facções contrárias ao
27
Uma intervenção federal afetaria o princípio da autonomia, próprio do sistema federalista,
estabelecido pelo artigo n
o
50 da Constituição de 1891. As epidemias eram comumente utilizadas
pela imprensa de oposição para conseguir a intervenção federal, desacreditando, assim, os
representantes de determinada facção política que se encontrava no poder.
28
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra impôs restrições ao comércio do Brasil com a
Áustria e com a Alemanha. No período entre 1915 e 1916, navios brasileiros com carregamentos
supostamente destinados à Alemanha foram apreendidos pela Marinha britânica (Portugal
também esteve envolvido neste processo), prejudicando diretamente o comércio de exportação da
Bahia (Pang, 1979, p. 129). Instado a resolver a questão, o governador não demonstrou poder
para tanto, ainda que recorresse aos altos escalões da República. Por conta desse fato, como
também da coalizão das forças de oposição, ocorrida na primeira metade do seu mandato, Moniz
de Aragão enfrentou ainda crescente oposição dos setores ligados ao comércio.
129
governo do estado buscaram desacreditar o grupo que se encontrava no poder,
denunciando, entre outros problemas, o precário estado sanitário de Salvador.
Colocando-se na defensiva, as autoridades públicas e sanitárias baianas
procuraram passar uma imagem de controle e competência para gerir a crise, ao
tempo em que acusavam a oposição de superdimensionar os fatos em proveito
próprio.
Sob o impacto da epidemia, o movimento inicial das autoridades públicas
da Bahia foi negar o fato, ou não lhe atribuir a importância conferida pela
imprensa, em especial os jornais de oposição. Conhecendo a conjuntura baiana,
podemos supor que as autoridades procuraram negar a ocorrência da epidemia
não por conta das intrincadas relações no âmbito do poder público, como
também em razão da necessidade de preservação de uma imagem de
‘salubridade’ daquele porto agroexportador, aliada à falta de recursos financeiros
para implementar ações de saúde coletivas, permanentes e eficazes.
Além desses problemas conjunturais, necessitava-se de algum tempo para
a assimilação do evento e, mais ainda, para oferecer-lhe resposta adequada. Em
muitos dos lugares onde irrompeu a gripe espanhola, observou-se algo
semelhante – transcorreu certo tempo até que a sociedade atingida reconhecesse
oficialmente a crise epidêmica.
29
Geralmente, esse reconhecimento acontecia
depois que a doença se espalhava, atingindo boa parte da população, e o evento
adquiria, portanto, alguma gravidade.
Na Bahia, não foi diferente. No intervalo de tempo transcorrido entre o
registro dos primeiros casos e a adoção de medidas efetivas em relação à crise
epidêmica, enquanto os políticos procuravam os culpados da invasão e
disseminação da doença em Salvador, os médicos e autoridades sanitárias
discutiam o diagnóstico, a gravidade da epidemia, e quais medidas deveriam ser
tomadas para prevenir e conter um mal que se alastrava com rapidez
impressionante. Neste capítulo, apresentamos a posição dos políticos; no capítulo
a seguir, veremos como a comunidade médica lidou com a doença.
29
Cf.: Goulart, 2003; Brauner, 2001; Silveira, 2004; Porras Gallo, 1997.
CATULO III
A GRIPE ESPANHOLA: UM DESAFIO À MEDICINA
A chegada da “espanhola”, além de acirrar a disputa política, suscitou
acalorado debate em torno dos problemas de higiene e saúde que afetavam a
população baiana naquele período. A erupção da epidemia contribuía para
agravar o quadro de insalubridade, miséria e analfabetismo no qual se
configurava aquela sociedade, afastando-a do status de civilizada e moderna
almejado pelas elites locais.
1
Pressionadas por esse contexto, as autoridades
médicas e sanitárias da Bahia precisavam oferecer à população uma resposta à
gripe espanhola.
Neste capítulo, colocaremos em evidência o momento em que as
autoridades médicas e sanitárias da Bahia, sob o impacto da epidemia, foram
desafiadas a entrar em ação. Utilizando-se das ferramentas intelectuais
disponíveis na época, os médicos buscaram explicar a doença e adotaram
estratégias de convencimento para que os diversos atores envolvidos
1
Ainda hoje, segundo Bourdelais (2003, p. 12), no quadro comparativo das situações nacionais, o
controle das grandes epidemias figura em primeiro plano, ao lado da renda dia da população,
do nível da mortalidade infantil e da esperança de vida, como fatores que determinam os índices
de desenvolvimento e a distribuição hierárquica dos países.
131
incorporassem aquele esforço explicativo como verdadeiro, passando a assumir e
administrar as medidas de saúde preconizadas.
2
Inicialmente, nosso olhar se voltará para o momento em que cientistas e
autoridades médicas e sanitárias de várias partes do mundo buscaram resposta
para a crise epidêmica. Veremos então que, nesse processo, um conhecimento
que havia alcançado situação de pretensa estabilidade é subitamente abalado,
inaugurando-se período de incertezas, controvérsias, questionamentos,
experimentação e negociação, a fim de se estabelecerem um diagnóstico e uma
terapia acertada para aquela doença.
3
O objetivo de dirigir o foco para uma dimensão maior é, na verdade,
ampliar a compreensão do modo pelo qual a medicina baiana se inseriu nas
discussões sobre a epidemia, bem como do aporte científico utilizado pelos
médicos para explicar o fenômeno epidêmico e recomendar as medidas
profiláticas. Pretendemos demonstrar que, apesar da conjuntura mundial, a larga
tradição clínica e higienista orientou a medicina baiana no sentido de privilegiar a
investigação clínica e epidemiológica. Os médicos consideraram a gripe como um
problema sanitário e defenderam a adoção de medidas de saúde pública para
conter o mal que se disseminava com inesperada virulência na Bahia,
contribuindo para o agravamento das suas mazelas.
3.1. AS MÚLTIPLAS PERCEPÇÕES DA DOENÇA
Quando a gripe surgiu, em 1918, era primavera no hemisfério norte,
período incomum para a incidência da doença; pelos sintomas e sinais
apresentados, parecia tratar-se de enfermidade benigna, que sazonalmente
acometia as pessoas em diversos lugares do mundo. Todavia, a variabilidade e
2
Em seu trabalho sobre a epidemia de gripe espanhola na cidade salubérrima de Belo Horizonte,
Anny Jackeline Torres Silveira (2004) confere destaque especial ao que denominou “processo de
refinamento conceitual da moléstia”, analisando a construção e as transformações observadas no
discurso médico durante e após a pandemia.
3
Para Liane Bertucci (2002; 2004) a ciência médica do período era uma “medicina enferma”,
tendo em vista que o conseguiu responder aos desafios apresentados pela epidemia de gripe
espanhola. Adriana da Costa Goulart (2003) também ressalta a crise da bacteriologia, sugerindo
que a queda de Carlos Seidl e a ascensão de Carlos Chagas e do grupo de higienistas que lhe
eram ligados decorreu da falta de respostas da ciência médica e das instituições diante dos
impactos sociais ocorridos durante a epidemia.
132
gravidade dos sintomas, bem como a calamidade que se configurou quase
simultaneamente em vários quadrantes do mundo, confundiram a comunidade
médica internacional e a ciência médica passou a acreditar que o quadro em
questão poderia significar uma doença nova.
O mal se manifestou em três ondas a primeira irrompeu em março de
1918, apresentando taxa de mortalidade bastante baixa e, portanto, não motivou
preocupação excessiva; a segunda, altamente virulenta, espalhou-se pelo resto
do mundo, a partir de agosto do mesmo ano; a terceira, menos virulenta, emerge
em janeiro de 1919 (Philips & Killingray, 2003, p. 3).
4
Nos vários países em que incidiu, a gripe recebeu diferentes
denominações: entre os americanos ficou conhecida como febre dos três dias ou
morte púrpura; os franceses chamavam-na de bronquite purulenta; os italianos
sofriam com a febre das moscas de areia e os alemães foram assaltados pela
febre de Flandres ou Blitzkatarrh (Crosby, op. cit., p. 25-7). Na Espanha, foi
apelidada de La dançarina, em Portugal ficou conhecida por a pneumónica,
porém, no restante do mundo, passou a ser denominada gripe ou influenza
espanhola (Diário de Notícias, 23.09.1918, p. 1).
5
Conforme vimos no capítulo anterior, a epidemia reinante na Europa
começou a despertar maior atenção dos brasileiros a partir do momento em que a
doença atingiu o porto africano de Dacar, vitimando os integrantes das missões
médico-militares brasileiras, cujos navios ali se encontravam ancorados (Diário de
Notícias, 23.09.1918, p. 1). Desde então os órgãos de imprensa de Salvador
passaram a divulgar com maior destaque informações sobre a epidemia que
4
Considera-se que em alguns lugares do mundo a epidemia estendeu-se até 1920.
Cf.:Taubenberger, Reid & Fanning,(2005), Alfred Crosby (2003), Tognotti (2003), Gina Kolata
(2002), Ann H. Reid et al. (2001), Martínez (1999), Karl G. Nicholson et al. (1998), María Isabel
Porras Gallo (1997), Fred R. van Hartesveldt (1993), Beatriz Echeverri Dávila (1993), William I. B.
Beveridge (1977), K. D. Patterson e Gerald F. Pyle (1991).
5
Quando o surto de gripe irrompeu na Espanha, a notícia foi fartamente veiculada pela imprensa
espanhola e mundial, e logo as autoridades admitiram a sua existência (Porras Gallo, 1997, p. 71-
2). Tal não ocorreu nos outros países da Europa em que a doença incidiu. Diferentemente da
Espanha, esses países encontravam-se envolvidos nos conflitos deflagrados pela Primeira Guerra
Mundial, e em decorrência dessa conjuntura, seus órgãos de imprensa mostravam-se fortemente
censurados, além de voltados para os assuntos da guerra (Echeverri Dávila, 1992). Assim, como a
Espanha dera o primeiro alarma, pareceu a todos que a epidemia tivera origem neste país (ibid.).
Desde então, a doença passou a ser conhecida como “gripe espanhola”. Na época, Pacífico
Pereira declarou ao Diário da Bahia que a denominação pela qual ficou conhecida aquela gripe
“espanhola” – devia-se à “neutralidade da Espanha na grande conflagração mundial”, o que
favoreceu o seu “acesso e penetração na Península Ibérica, de onde partiu a invasão à África, ao
Brasil e provavelmente a toda a América do Sul” (Diário da Bahia, 29.10.1918, p. 1).
133
assolava a Europa. As páginas dos jornais encheram-se de entrevistas com os
mais reputados médicos, que, por sua vez, segundo nota publicada no jornal A
Tarde, evitavam emitir algum parecer sobre a doença, pois não sabiam precisar
as suas causas (A Tarde, 24.09.1918, p. 2).
Naquele primeiro momento, os personagens com lugar de destaque no
cenário nacional principalmente aqueles que ocupavam cargos políticos,
administrativos ou integravam instituições de renome pareciam querer evitar
uma exposição desnecessária e um tanto quanto arriscada. Tais personalidades
revestiam-se de cautela ao emitir qualquer opinião sobre o assunto, porque o
queriam parecer desinformadas diante de seus pares, nem da opinião pública e,
ao mesmo tempo, temiam formular uma hipótese que não se comprovasse mais
tarde, colocando em cheque a competência que precisavam ostentar. Assim,
muitos recorriam ao discurso da autoridade, amparando-se em cientistas
consagrados no exterior, em especial na Europa, a fim de evitar ou adiar maiores
responsabilidades sobre o posicionamento que, cedo ou tarde, por força das
circunstâncias, teriam de assumir.
Dentre esses personagens, Carlos Seidl, Diretor Geral da Saúde Pública
na capital federal, mostrou-se particularmente cauteloso, recusando-se a fornecer
declarações mais precisas aos jornalistas. Seidl argumentou que, se havia falta
de homogeneidade nas opiniões dos médicos europeus que estavam lidando
diretamente com os casos epidêmicos, não lhe caberia, pelo fato de não haver
mantido contato direto com a epidemia, tecer nenhuma formulação (Diário de
Notícias, 01.10.1918, p. 1). Todavia, Olympio Fonseca, Secretário Geral da
Academia Nacional de Medicina, não se esquivou de assumir posição diante do
caso para aquele médico, a moléstia reinante nada mais era que a influenza ou
gripe, um “mal ordinariamente esporádico e benigno”, familiar até demais aos
brasileiros (Diário de Notícias, 01.10.1918, p. 1).
Para Ribeiro da Silva, médico do Hospital do Rosário em São João Del Rei,
Minas Gerais, “a pandemia em causa oferecia particularidades, que entravam em
134
franco conflito com todos os ensinamentos clássicos respeitantes à velha e
conhecida gripe” (Brazil-Médico, 01.02.1919, p. 44).
6
Os atingidos pela epidemia quase não apresentavam sintomas
prodrômicos a doença instalava-se bruscamente, com grande elevação da
temperatura; prostração; cefalalgia; catarro nas vias aéreas superiores;
intolerância à luz; dores pelo corpo; olhos injetados; conjuntivas tumefactas; e, por
vezes, perturbações digestivas (Diário da Bahia, 26.09.1918, p. 3; 23.10.1918, p.
2). Esses incômodos persistiam por um prazo pouco superior a três dias,
estendendo-se a uma semana o período de convalescença (ibid., p. 3).
Tais sintomas eram por demais conhecidos da medicina e os médicos não
encontraram dificuldade em diagnosticar a doença, sobre a qual existia vasta
experiência clínica.
7
Baseando-se nesse quadro sintomático, a Delegação da
Saúde do Porto, “conquanto não pudesse ter sido estabelecido o diagnóstico
bacteriológico”, qualificara de “gripe epidêmica e ligeira” o mal que grassava na
Europa (ibid.).
8
Entretanto, no desenrolar da epidemia, observou-se significativo aumento
do número de infectados que apresentavam quadro clínico bastante severo os
sinais gerais de manifestações respiratórias constantes eram seguidos por
distúrbios nervosos e graves complicações pleuropulmonares, digestivas e/ou
cardiovasculares (Diário da Bahia, 26.09.1918, p. 3; Diário de Notícias,
05.10.1918, p. 2). Era durante a recaída que apareciam as complicações
problemáticas, especialmente no sistema respiratório, tais como a
6
A existência de percepções divergentes como a de Ribeiro era decorrente das diferenças
encontradas por médicos e pesquisadores de muitos países, ao compararem a epidemia em
questão àquela ocorrida em 1889-1890 (Netter, Revue D’Hygiène ..., 17.05.1918, p. 549).
7
Em 1890, uma pandemia de gripe motivou a veiculação, na Gazeta Médica da Bahia, de uma
aula de Patologia Interna, proferida na Faculdade de Medicina de Coimbra pelo professor
Epiphanio Marques, e publicada anteriormente no periódico português Coimbra Medica (Gazeta
Médica da Bahia, 1890, 21: p.354-73). Segundo Marques, a gripe ou influenza era produzida por
infecção que afetava as funções vitais, e apresentava por caracteres específicos alguns sintomas
locais importantes: irritação ou inflamação das mucosas nasal, faríngica e brônquica, bem como
determinações catarrais constantes, de intensidade variável, nas vias aéreas (ibid., p. 355-59).
Apesar de ser observada alguma constância nesses sinais, ao ser analisado o quadro clínico da
doença, constatava-se “que esta não se revela[va] por manifestações idênticas em todos os
doentes” (ibid., p. 361). Os acometidos pela influenza apresentavam complicações ou sintomas
prevalentes em outros aparelhos orgânicos além do respiratório – o aparelho digestivo ou o
sistema cérebro espinhal também poderiam ser afetados (ibid., p. 359).
8
Tal diagnóstico foi publicado no periódico português A Medicina Moderna, em circulação em
junho daquele ano, e reproduzido posteriormente pelo Diário da Bahia (Diário da Bahia,
26.09.1918, p. 3).
135
broncopneumonia e a pneumonia, bem como os colapsos cardíacos, os quais em
poucos dias levavam à morte (Diário de Notícias, op. cit., p. 2).
9
Esse quadro
causou alarma e desnorteou grande parte da comunidade médica; à maioria dos
médicos impressionou também o fato de indivíduos aparentemente recuperados
voltarem a manifestar seriamente a doença, como se em seu organismo não
subsistisse nenhum elemento capaz de desencadear o processo biológico de
imunização (Brazil-Médico, 01.02.1919, p. 44).
Outro aspecto considerado surpreendente pelos médicos foi a incidência
da doença entre os adultos jovens. Era de domínio público a idéia de que a gripe
vitimava os indivíduos de idade avançada, daí derivando a denominação popular
“limpa-velhos” (Brazil-Médico, op. cit., p. 44). Contrariando essa tese, a gripe de
1918-1919 foi benigna com os velhos – a maioria alcançou a cura –, e severa com
os indivíduos na faixa etária entre 15 e 40 anos. Segundo Ribeiro, os adultos
jovens eram vitimados pelo mal, que se “manifestava com toda a sua intensidade,
como a desafiar as energias vitais, de que eles se encontravam na mais inteira
posse” (ibid.). Para Ribeiro da Silva:
Realmente consistia uma das curiosidades da “espanhola” na
benignidade com que acometia os velhos, ainda portadores das mais
pesadas taras orgânicas, aos quais em regra apenas acarretava
moderadas elevações térmicas e catarro leve das vias respiratórias
superficiais, ausentes as complicações bronco-pulmonares, a que a
miúdo sucumbiam os adultos jovens (ibid., p. 44-5).
Ao mesmo tempo, os exames anatomopatológicos revelavam a existência
de lesões anatômicas diversas que apontavam a ação conjunta de vários
microorganismos. O patologista norte-americano Bowman C. Crowell, chefe da
seção de Anatomia Patológica do Instituto Oswaldo Cruz, e sua equipe, composta
por Oscar D’Utra e Silva, Magarinos Torres e Cássio Miranda, realizaram o exame
anatomopatológico em quarenta cadáveres de “espanholados”, encontrando
lesões como bronquite, broncopneumonia, pneumonia lobar, pleurite, nefrite
9
Segundo o relato dos médicos, os cadáveres das vítimas apresentavam “a cor plúmbea dos
asfixiados” (Diário de Notícias, 05.10.1918, p. 2). Ao submeter os cadáveres à necropsia, os
anatomopatologistas descobriram que a cianose era sinal do sufocamento do doente pelos fluídos
e sangue que inundavam os alvéolos pulmonares, os pulmões e a pleura (Taubenberger, Reid &
Fanning, op.cit., p.1; Tognotti, op. cit., p. 100).
136
aguda, edema cerebral e hiperemia, entre outras (Boletim da Academia de
Medicina, Sessão de 21.11.1918, p. 668). Para Crowell, “o pneumococo e o
streptococo desempenharam a parte principal na produção das lesões
anatômicas encontradas” (ibid., p. 669).
O médico mineiro Ribeiro da Silva verificara que “nos atacados de
broncopneumonia tipo pandêmico encontra[va]-se uma flora variada,
constituída principalmente por grandes amontoados de estafilococos, longas
cadeias de estreptococos, raros diplococos capsulados e alguns outros germens
de natureza indeterminada” (Brazil-Médico, op. cit., p. 45). A incidência de outros
microorganismos no sangue, nas secreções e nos tecidos das vítimas contrariava
a crença vigente de que um agente específico era o responsável por aquela
entidade mórbida, alimentando o debate em torno do agente etiológico da
pandemia de 1918-1919.
Desde que Richard Pfeiffer, em 1892, anunciou a descoberta do
Haemophilus influenzae, posteriormente conhecido por bacilo de Pfeiffer, passou
a ser quase consenso o fato de que se tratava do agente etiológico da doença.
10
A partir de então, os bacteriologistas limitaram-se a comprovar a ocorrência desse
microorganismo nas secreções dos enfermos e nos tecidos do aparelho
respiratório das vítimas (Porras Gallo, 1994, p. 313).
Segundo Arthur Moses
11
, muitos foram os pesquisadores a confirmar a
descoberta de Pfeiffer, “chegando Wassermann em 1900 a afirmar que não havia
10
Em 1892, a Gazeta veiculou os resultados preliminares de algumas pesquisas realizadas em
Berlim, na Alemanha, no sentido de isolar o patógeno da influenza. Uma destas notas relatava a
experiência realizada por Richard Pfeiffer, chefe da seção científica do Instituto de Berlim para
doenças infecciosas (Gazeta Médica da Bahia, 1892, 23: p. 73-76). Pfeiffer examinou 31 casos de
influenza, em 6 dos quais procedeu à autópsia. Em todos os casos examinados o cientista
encontrou “um bacilo d’uma espécie definida na secreção brônquica característica”, assim como
no “tecido peri-brônquico” e na “superfície da pleura (ibid., p. 374). Tal como na pesquisa de
Seifert, os exames de contraprova constataram a ausência do bacilo no catarro brônquico
ordinário, na pneumonia e na tísica” (ibid.). De outro lado, a presença de tais bacilos no organismo
do gripado ocorria apenas enquanto havia secreção brônquica purulenta (ibid.). Atendendo aos
postulados de Koch, Pfeiffer inoculou diferentes animais macacos, coelhos, porcos da Índia,
ratos, pombos, etc. –,verificando, entretanto, que apenas os coelhos e os macacos contraíram a
doença (ibid., p. 375). As outras espécies mostraram-se refratárias à gripe; porém os resultados
obtidos através da inoculação de coelhos e macacos levaram Pfeiffer a concluir que aquele
patógeno era a “causa excitante da influenza” (ibid.).
11
O médico carioca Artur Moses (1886-1967) formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, em 1908. Foi assistente no Instituto Oswaldo Cruz no período entre 1908 e 1917,
biologista do Ministério da Agricultura a partir de 1917, e membro titular da Academia Brasileira de
Ciências, cuja presidência ocupou por vários mandatos eletivos. Moses publicou mais de uma
137
influenza sem o bacilo de Pfeiffer, mas muitos eram aqueles que não podiam
confirmar os mesmos trabalhos ou então os confirmaram em parte” (Boletim da
Academia de Medicina, 1918, p. 681). De acordo com o chefe da seção de
Anatomia Patológica do Instituto Oswaldo Cruz, Bowman C. Crowell, não foi
possível apontar o papel desempenhado pelo bacilo da influenza na irrupção da
doença ou das infecções oportunistas, durante o exame anatomopatológico,
realizado em 40 cadáveres de “espanholados” (Boletim da Academia de Medicina,
Sessão de 21.11.1918, p. 668).
O anatomopatologista francês Arnold Netter, que vivenciava igual situação
de debate na Europa, ressaltava que a ausência do bacilo de Pfeiffer nas
autópsias realizadas em vítimas da gripe devia-se a uma insuficiência técnica
(Revue D’Hygiène..., op. cit., p. 551).
12
De acordo com o médico, muitas dessas
verificações haviam sido realizadas na seqüência de autópsias dos casos em que
a morte sucedera em conseqüência a infecções secundárias (ibid., p. 548). Netter
destacava que tal não ocorrera entre os observadores mais avisados de países
como a Espanha, Itália, França, Inglaterra e Alemanha, onde a técnica
corretamente aplicada apontara a presença de um único agente o bacilo de
Pfeiffer (ibid., p. 551).
Ribeiro da Silva refutava as acusações de deficiência cnica
participando, de modo um tanto irônico, a “quem, acaso, faça ainda questão do
bacilo de Pfeiffer”, jamais havê-lo encontrado nas dezenas de esputos a cujo
exame bacterioscópico procedera (Brazil-Médico, op. cit., p.45). Para evitar
qualquer dúvida sobre a validade dos métodos de pesquisa empregados, Ribeiro
fez questão de salientar que as técnicas utilizadas em sua investigação eram as
já estabelecidas por meio de pesquisas realizadas e legitimadas pela comunidade
científica internacional (ibid.).
13
centena de trabalhos em revistas nacionais e internacionais. Cf.:
www.ioc.fiocruz.br/personalidades/ArthurMoses.htm. Capturado em 23.09.2006.
12
Netter havia conseguido isolar o bacilo de Pfeiffer em 16 de cada 26 vezes em que foram
examinados os produtos da expectoração; em 5 de cada 7 vezes em que observou o conteúdo
dos brônquios, mediante autópsia; 4 de cada 8 vezes, no suco pulmonar retirado ainda durante a
vida; 2 de cada 12 vezes, em hemoculturas; 1 em cada 10 vezes no líquido purulento extravasado
pela pleura (ibid.).
13
Segundo Löwi (2006, p. 35), “a prática da pesquisa na área da microbiologia foi codificada e
difundida em escala internacional, nos anos 1880-1890”. Os periódicos especializados em
assuntos médicos constituíam importante fonte de informação para os pesquisadores. A Gazeta
Médica da Bahia, por exemplo, publicou a partir de 1890 o resultado das pesquisas realizadas
138
Enfim, o aparecimento da epidemia na estação mais quente do ano
(geralmente a gripe irrompia na estação mais fria); a incidência da gripe numa
faixa etária incomum; a reincidência da doença em indivíduos anteriormente
acometidos pelo mal; a ocorrência de microorganismos diversos no sangue, nas
secreções e nos quidos tissulares dos enfermos e vítimas da doença,
contrariando a hipótese de um agente específico; assim como a inconstância do
bacilo de Pfeiffer – foram fatores que provocaram inquietude na comunidade
médica e alimentaram o debate nas academias. As dúvidas a respeito daquela
doença pandêmica vieram a transbordar até as páginas dos jornais diários,
envolvendo também outros setores da sociedade.
O que vinha a ser a espanhola?
A enfermidade em curso naquele período
era a febre catarral meteórica, a febre dengue, a gripe pneumônica, a febre dos
três dias ou papataci,
14
ou simplesmente a influenza ou gripe sazonal, que
naquele período se apresentava de forma mais virulenta? A doença em questão
era tão contagiosa quanto parecia? Se a transmissão era feita por contato direto,
como ocorria a sua disseminação no mundo inteiro, de forma quase simultânea?
Como estava sendo transmitida? Qual era o agente etiológico vivo que estava
causando o mal?
Responder a tais questões, estabelecendo um diagnóstico da doença que
afligia a população mundial no ano de 1918, era crucial para a determinação de
medidas de contenção e combate. Cientistas e autoridades médicas e sanitárias
dos países onde irrompeu a epidemia foram desafiados a entrar em ação: atribuir
uma denominação e desenvolver um esquema explicativo para aquele conjunto
de sinais; apresentar uma resposta àquela doença; persuadir da gravidade da
situação atores de espaços sociais diversos e, com estes, negociar a implantação
das medidas necessárias para tratar a enfermidade e conter a epidemia.
sobre a gripe em várias partes do mundo. Alguns textos traziam relatos dos próprios
pesquisadores, nos quais se revelavam todos os passos do processo de investigação. Além dos
periódicos, os manuais, os cursos, os fóruns e conferências internacionais, assim como firmas
comerciais especializadas em produção e venda de equipamentos de laboratório, contribuíram
para homogeneizar os métodos de investigação bacteriológica, padronizando desde a organização
espacial do laboratório, até as cnicas e o material utilizados no processo de investigação (Löwi,
op. cit., p. 35-36).
14
Doença provocada por um agente invisível e filtrável, tal como o da dengue e o da febre
amarela, cuja transmissão se dava por meio da picada da fêmea de uma espécie de mosquito o
Phlebotomus papatassi (Diário de Notícias, 01.10.1918, p. 1).
139
3.2. BACTÉRIA OU VÍRUS? A MEDICINA BAIANA E O DEBATE
INTERNACIONAL
No século XIX, após sucessivas epidemias e pandemias de gripe, vários
cientistas se debruçaram sobre o assunto, na tentativa de determinar a natureza
da doença e explicar suas causas.
15
Assim, muitas das questões levantadas pela
medicina no decorrer da epidemia de gripe espanhola já haviam sido
consideradas como respondidas pela ciência.
A partir da pandemia de 1889-1890, os resultados das pesquisas
realizadas em torno da gripe passaram a ser divulgados pela Gazeta Médica da
Bahia, periódico especializado em assuntos médicos, em circulação desde
1866.
16
Além das pesquisas, os editores da Gazeta reproduziam e publicavam as
aulas ministradas, bem como as conferências proferidas em academias e
associações de médicos de vários países.
17
Tais publicações representavam um dos meios pelos quais os médicos
baianos se informavam das novidades tecnológicas e dos estudos e experimentos
em desenvolvimento nos centros científicos da América do Norte e do Velho
Mundo. Havia, contudo, outras maneiras de a classe médica conservar-se a par
dessas inovações – as viagens de estudo e a visita periódica aos pólos de
15
Ao longo do século XIX, a gripe se manifesta em várias ocasiões. Entre 1830 a 1833, a doença
incide de forma pandêmica os primeiros casos são registrados na Ásia, daí migrando para
Rússia no inverno de 1830-31, atingindo toda a Europa na primavera de 1831, e as Américas, no
outono seguinte (Mordant, 2005, p. 25). Em 1847-48, mais uma onda pandêmica percorre o
mundo, chegando também ao Brasil (Beveridge, 1977, p. 29). A devastação provocada por esta
última pandemia foi superior à da epidemia de cólera, sucedida em 1832 (ibid.). Contudo, dentre
as ondas epidêmicas que ocorreram durante o século XIX, a de 1889-1890 merece destaque.
Acredita-se que nessa ocasião a pandemia tenha se originado na Europa, difundindo-se
rapidamente por todo o mundo – entre 1889 e 1890, a gripe assolou a Índia, a Austrália, a América
do Norte e a do Sul, chegando até o Brasil (Beveridge, op.cit., p. 30).
16
Criada por um grupo de médicos radicados em Salvador, e em circulação desde 1866, a Gazeta
Médica da Bahia representava importante instrumento de divulgação do conhecimento e da
tecnologia médica. No que diz respeito à gripe, foram publicados os resultados de pesquisas
clínicas e bacteriológicas, as aulas ministradas, e as conferências sobre o assunto, nas seguintes
edições desse periódico: Gazeta Médica da Bahia, 1890, 21: p. 433-434; Gazeta Médica da Bahia,
1890, 21: p. 354-73; Gazeta Médica da Bahia, 1890, 21: p. 334-338; Gazeta Médica da Bahia,
1891, 22: p. 548-57; Gazeta Médica da Bahia, 1892, 23: p. 92; Gazeta Médica da Bahia, 1892, 23:
p. 459-61; Gazeta Médica da Bahia, 1895, 27: p. 234-7, 257-272; Gazeta Médica da Bahia, 1896,
27: p. 325-329.
17
Ibid.
140
produção do conhecimento e da tecnologia médica; o contato com especialistas e
pesquisadores de diversos lugares do mundo, por meio de uma correspondência
regular; a participação em fóruns e congressos internacionais; assim como os
debates e resultados de estudos e experimentos veiculados pela imprensa leiga.
18
Desde a sua fundação, em 1808, como Escola de Cirurgia da Bahia, a
Faculdade de Medicina da Bahia precisou conviver com parcos recursos; suas
instalações e condições de ensino só melhoraram a partir da terceira década do
século XIX.
19
Durante esse século, o ensino perpetrado por tal instituição sofreu
forte influência européia, fundamentando-se inicialmente no modelo francês e
adotando o modelo germânico a partir da reforma do ensino, ocorrida em 1879
(Edler, 1996; Barreto e Aras, 2003).
Na primeira metade do século XIX, a medicina acadêmica lutava para
garantir o monopólio da prática curativa e conquistar uma posição de autoridade
na sociedade, buscando atuar como um sistema consultivo especializado, capaz
de gerir ações de saúde pública e privada (Edler, 1999, p. 118-119). Havia
crescente movimento desses médicos no sentido de firmar tanto o conhecimento
especializado quanto a prática da medicina, confrontando-os não só com aqueles
exercidos em outras regiões, mas também com os relacionados a outras
categorias de curadores barbeiros, sangradores, práticos, curandeiros, etc.
(ibid., p. 130).
18
Tal aconteceu, por exemplo, com o médico baiano Gustavo dos Santos, que foi à Europa a
expensas próprias estudar o método de Koch para o tratamento da tuberculose; de volta à Bahia,
o médico levou a exposição dos seus estudos à Sociedade Médica da Bahia, no intuito de obter o
apoio daquela associação à implantação do método no estado. Cf.: Gazeta Médica da Bahia, 22:
529-32, 1891. Foi assim que chegou à Bahia, em 1897, uma tecnologia médica de ponta os
raios X, descobertos na Alemanha, pelo sico Wilhelm Conrad Roentgen, em 1895. Alfredo Britto,
médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, ao voltar de uma viagem à Europa, trouxe
e instalou um aparelho de radioscopia no Hospital Santa Isabel, o qual passou a ser utilizado para
auxiliar o diagnóstico em cirurgia. Cf.: Gazeta Médica da Bahia, 29: p. 395-406, 1898.
19
Até 1829, a Faculdade de Medicina da Bahia (FMBA) funcionava precariamente nas instalações
do hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Observou-se certo progresso na FMBA a
partir de 1833, quando José Lino Coutinho assumiu a direção para o período de 1833 a 1836.
Durante a sua administração, a FMBA foi transferida para o Terreiro de Jesus, ocupando o prédio
do antigo Colégio dos Jesuítas, e passou a utilizar-se das enfermarias da Santa Casa para as
aulas práticas. No último ano dessa gestão (1836), foram introduzidas mais melhorias, tais como a
criação da biblioteca, a implementação de um laboratório de química e do gabinete de anatomia.
Até meados do século XIX, em administrações subseqüentes, foram montados os gabinetes de
matéria médica e de física. Em finais desse século, foram instalados os laboratórios de química
orgânica e biologia; fisiologia experimental; física médica e terapêutica experimental; histologia;
além de um museu de anatomia e um museu patológico. Cf.: Dicionário Histórico-Biográfico das
Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930): Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
(
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br. Capturado em 17.03.2007).
141
Desde o final da cada de 1820, as elites médicas formadas pelas
faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia passaram a empreender pesquisas no
campo da anatomoclínica e da higiene, com relação a ramos das ciências
naturais, como a botânica, a meteorologia e a topografia (Edler, 2001). Na
segunda metade do século XIX, os estudiosos destacam as pesquisas
desenvolvidas por um grupo de médicos radicados em Salvador denominado
posteriormente Escola Tropicalista Baiana –, cujo trabalho contribuiu para
reformular a nosologia brasileira, por meio das descobertas relacionadas à
ancilostomíase, ao ainhum, à filariose, além de fomentar o debate em torno de
doenças como o beribéri, a lepra, a tuberculose, etc. (ibid).
20
Na Bahia, embora nas décadas finais do século XIX os adeptos da
medicina experimental já apregoassem os progressos alcançados por essa nova
forma de produção do conhecimento médico fundamentado e validado no
laboratório –, o hospital ainda representava o espaço por excelência não para
a prática, como para a construção do saber médico.
21
De acordo com o parecer dos clínicos que exerciam a medicina no final do
século XIX e início do XX, o uso dos sentidos e o conhecimento adquirido através
da observação contínua à cabeceira do leito do doente proporcionavam-lhes
discernimento para diagnosticar a doença, se o pelas causas, pelos seus
efeitos (Lawrence, 1985, p. 510-511). Para conhecer o histórico do paciente,
determinar a natureza da doença, estabelecer o diagnóstico e a terapêutica
acertada, bastava ao médico submeter o doente a um interrogatório minucioso e a
uma investigação clínica sistemática e rigorosa, registrando os sinais e sintomas
manifestados no decorrer da doença.
20
O núcleo inicial de pesquisadores foi constituído por Otto Edward Henry Wucherer, John
Ligertwood Paterson e José Francisco da Silva Lima, em 1866. A esses médicos, juntaram-se logo
depois Manuel Maria Pires Caldas; Ludgero Ferreira; Antônio José Alves; Antônio Januário de
Faria; Thomas Wright Hall; e Alexander Ligertwood Paterson. Posteriormente, ingressaram
também no grupo Pacífico Pereira, Manuel Victorino e Nina Rodrigues. Esses médicos reuniam-se
periodicamente para discutir o andamento de suas pesquisas e estudar a literatura médica em
circulação. Para divulgar os próprios trabalhos, além de outros, produzidos nacional e
internacionalmente, o grupo fundou a Gazeta Médica da Bahia, em 1866. Cf: Coni, 1952; Peard,
1997; Edler, 2001; Barreto, 2005.
21
Para Edler (2002, p. 359), a medicina acadêmica oitocentista foi marcada pela disputa entre três
distintas correntes sociocognitivas a anatomoclínica, cujo espaço institucional era o hospital; a
topografia médica, ligada aos métodos estatísticos, e por isso pejorativamente denominada
medicina de gabinete; e a medicina experimental, cujo cenário era o laboratório. Edler ressalta,
contudo, que apesar da predominância de uma ou de outra corrente em períodos determinados, o
que prevaleceu foi a interpenetração destes saberes (ibid.).
142
Em caso de suspeita de gripe, a investigação clínica seguia os seguintes
procedimentos: anamnese (histórico dos sintomas, baseado no relato descritivo
do paciente); percussão e auscultação da região torácica; apalpação do abdômen
(para perceber o volume e a eventual sensibilidade em algum órgão); atenção ao
funcionamento dos intestinos e das funções digestivas; exame da urina e das
secreções brônquicas; auscultação do coração; medição da temperatura e da
pulsação; observação do estado geral do paciente (ânimo, apetite, sono, reflexos,
tônus muscular, etc.) (Gazeta Médica da Bahia, 1895, 27: p. 260 ).
Além de traçar o painel sintomático da doença, os médicos também
lançavam mão de critérios epidemiológicos na hora de estabelecer o diagnóstico.
Para tanto, observavam a distribuição da doença na população neste processo
levavam em consideração a prevalência da doença durante determinado período
do ano, assim como o número de casos novos (incidência). Se a incidência
aumentava, concluía-se que se tratava de uma epidemia.
22
Em 1890, quando “febres de caráter suspeito” começaram a grassar na rua
Carlos Gomes, em Salvador, os médicos utilizaram os métodos da pesquisa
clínica e epidemiológica para estabelecer o diagnóstico (Gazeta Médica da Bahia,
1891, 22: p. 550). O médico Gustavo dos Santos foi o primeiro a detectar a
doença (ibid.). Ao comparar os sinais e sintomas apresentados por seus
pacientes, com os casos de influenza observados em passageiros de um paquete
proveniente de Hamburgo e aportado em Salvador, Santos concluiu que se
tratava da mesma doença (ibid.). A disseminação rápida, partindo dos focos
iniciais para pontos de aglomeração de pessoas e, em seguida, para toda a
cidade, levou o médico a constatar que se encontrava em confronto com a
mesma doença epidêmica que grassava na Europa, desde 1889 (ibid., 550-552).
A hipótese apresentada por Gustavo Santos não foi imediatamente aceita
por seus pares, criando-se polêmica entre os clínicos da cidade, muitos dos quais
22
Segundo Porras Gallo, desde o século XVIII, quando a gripe adquiriu entidade própria como
espécie morbosa, os critérios clínicos e epidemiológicos presidiam o seu diagnóstico (Porras
Gallo, 1994, p. 331-2). A autora esclarece as “bases do diagnóstico” segundo a concepção do
médico espanhol Codina, apresentadas durante a erupção da pandemia de 1918-19 em Madri
“etiologia general, forma de comenzar el proceso, difusibilidad de la enfermedad, caracteres
clínicos, localización, curso seguido y terminación que ha tenido” (ibid., p. 297).
143
ainda presos a teorias anticontagionistas (ibid.).
23
Entretanto, a própria evolução
da doença, cujos casos tornaram-se muito numerosos, acabou por convencer a
todos da presença de uma epidemia de gripe em Salvador (ibid., p. 551-552).
Na Bahia, as enfermarias do hospital da Santa Casa da Misericórdia da
Bahia se constituiram em importante espaço para a investigação clínica e
anatomopatológica.
24
A observação acurada da evolução da doença, seus
sintomas e sinais aliados às lesões patológicas produzidas, permitiu que a gripe
fosse diagnosticada e reconhecida como entidade distinta, muito antes que a
bacteriologia determinasse o seu agente específico.
Em 1890, o médico Nina Rodrigues
25
teve oportunidade de acompanhar
alguns casos de gripe nas enfermarias do Hospital Santa Isabel. Apesar da
variabilidade dos sintomas e sinais observados em seus pacientes, Nina
Rodrigues de reconhecer e descrever as formas clínicas clássicas da doença,
manifestadas durante aquela epidemia.
26
Segundo o médico, as formas
23
Tal como veio a ocorrer anos mais tarde durante a epidemia de 1918-1919, não houve
consenso em torno do diagnóstico de gripe apresentado por Gustavo dos Santos. Criou-se então
polêmica entre os clínicos da cidade enquanto uns corroboravam a opinião de Santos, outros se
empenhavam em negar a existência de uma epidemia de influenza em Salvador (Gazeta Médica
da Bahia, 1891, p. 550). Alguns buscavam no revolvimento do solo urbano as causas dessas
febres endêmicas que sazonalmente irrompiam na Bahia (ibid.). Diante do clima de incerteza, a
Junta de Higiene achou necessário consultar os clínicos em atividade na cidade, e buscar apoio
no julgamento destes para opinar desfavoravelmente à hipótese de incidência de gripe ou
influenza epidêmica (ibid., p. 551). Os que negavam a existência de uma epidemia argumentavam
tratar-se apenas de “uma afecção catarral ligada às condições locais e causas meteorológicas
gerais que atuaram ao mesmo tempo sobre um grande número de indivíduos” (ibid.). À época,
apesar de o quadro sintomático apontar o diagnóstico de gripe ou influenza, a ocorrência
esporádica de erupções escarlatiniformes ou morbiliformes alimentou a suspeita de dengue ou a
hipótese de que esta doença estivesse associada à gripe, durante aquela epidemia (ibid., p. 553).
A questão das semelhanças e/ou diferenças entre a gripe e a dengue vai ser o tema de muitos
debates, artigos e estudos, estendendo-se até a pandemia de 1918-1919.
24
Cf.: Barreto, op. cit.
25
Raimundo Nina Rodrigues (Maranhão, 1862 França, 1906) prestou concurso para a
Faculdade de Medicina da Bahia em 1889, ocupando o lugar de adjunto da Cadeira de Clínica
Médica. Em 1891 passou a ministrar a disciplina de Medicina Legal. Com a aposentadoria de
Virgilio Damásio em 1895, Nina Rodrigues tornou-se catedrático em Medicina Pública, fundando
naquele período, juntamente com Alfredo Britto, Juliano Moreira, Pacheco Mendes e outros
médicos, a Sociedade de Medicina Legal da Bahia e a Revista Médico Legal da Bahia. Nina
destacou-se por sua adesão às idéias científicas vigentes em sua época, e pela posição de
pioneiro nos estudos de etnografia e de psicologia social no país. Cf.: Queiroz, Maria Isaura
Pereira de. Identidade Cultural, Identidade Nacional no Brasil”. In: Tempo Social; Rev. Sociol.
USP, S. Paulo, 1(1): 29-46, 1. sem. 1989.
http://www.fflch.usp.br/sociologia/revistas/tempo-
social/v1-1/queiroz.html. Acesso em 22.11.2006.
26
O processo de diagnose da gripe sempre foi bastante dificultado pela variabilidade do conjunto
de sintomas apresentados por aqueles que contraíam a doença. Alguns dos sintomas da gripe
eram comuns a outras moléstias, podendo provocar equívocos na hora de se estabelecer o
diagnóstico. Mesmo algumas anomalias apresentadas em seu quadro sintomático confundiam-se
144
observadas foram: a catarral (apresentando um quadro de laringite, traqueíte,
bronquite ou broncopneumonia); a gastrintestinal (com catarro gastrintestinal
febril, língua saburrosa, inapetência absoluta, náuseas, vômitos, cólicas intestinais
e diarréia); e a nervosa (mal-estar, displicência e prostração extrema, insônias,
cefalalgias, nevralgias faciais, fortes mialgias, vertigens, etc., sintomas associados
a “fenômenos catarrais”) (ibid., p. 552-553).
27
Contudo pelo que lhe foi possível
observar nas enfermarias desse hospital, e pelas informações obtidas de outros
clínicos da cidade, chegou à conclusão de que, na maioria dos casos, a gripe se
manifestara na sua forma catarral (ibid., 552).
Quanto aos óbitos, registrou-se apenas um de “meningite gripal” a maior
parte foi provocada pela broncopneumonia (ibid., p. 555-556). À ocasião, Nina
Rodrigues pôde constatar alguns casos em que uma moléstia anterior fora
complicada pela gripe (ibid., p. 556). A doença concorrera para agravar quadros
de lesão cardíaca e tuberculose pulmonar, apressando a morte do paciente (ibid.).
Além da observação do quadro clínico, e “da filiação” desses casos “aos da
epidemia reinante”, o médico também autopsiou um cadáver a fim de confirmar o
seu diagnóstico por meio do estudo das lesões apresentadas (ibid., p. 555).
A investigação clínica realizada por Nina Rodrigues, repetida por Alfredo
Britto durante a epidemia de 1895, estava em consonância com as pesquisas
empreendidas em outros lugares do mundo, cujos resultados eram publicados na
com outras, o que podia contribuir para aumentar a confusão naquele momento. Em sua tese
doutoral intitulada Ligeira contribuição para o estudo da grippe, apresentada à Faculdade de
Medicina da Bahia e publicada em 1900, Nicanor J. Ferreira enumerou as doenças cujos sintomas
semelhantes poderiam gerar confusão no primeiro instante do exame clínico: febre tifóide, tendo
em vista a “prostração de forças”, o estado do pulso e os frios repetidos”; reumatismo, pela
ocorrência das dores articulares; varíola, em razão da dor lombar e da febre intensa; escarlatina,
quando esta de início apresenta coriza, tosse ou uma angina violenta com erupção cutânea; e
febre dengue, que se distingue da gripe pela dor nos joelhos, violenta, mas de curta duração, e
pela erupção escarlatiniforme ou rubeólica, acompanhada de prurido intenso (Ferreira, 1900, s/p.).
Contudo, quando comparou os sintomas da gripe de forma gastrintestinal com os da cólera,
Ferreira admitiu as semelhanças iniciais entre estas duas doenças, embora acreditasse que, no
desenrolar da enfermidade, as dúvidas seriam suprimidas.
27
Esta era a classificação recorrente, com base nos sintomas e sinais predominantes (Cf.: Gazeta
Médica da Bahia, 1895, 27: p. 260), embora houvesse outras formas de classificação, conforme
nos informa o médico e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra, Epiphanio Marques:
inflamatória, nervosa e biliosa; abdominal, torácica e encefálica; convulsiva; sincopal; hemoptóica;
delirante; eruptiva; paralítica; epilética; reumatismal; etc.; leve, comum e grave (Gazeta Médica da
Bahia, 1890, 21: p. 359). Uma nota de O Imparcial, publicada no período de incidência da gripe
espanhola, destacava “as formas clínicas da epidemia” apresentadas pelo acadêmico Hernández
à Academia Medico Quirurgica de Madri, conforme o quadro de sintomas predominantes,
minuciosamente descritos pelo médico espanhol: “febris e respiratórias, gástricas e nervosas”
(29.09.1918, p. 1).
145
Gazeta Médica da Bahia.
28
De acordo com essas pesquisas, tanto a evolução da
enfermidade quanto o grau de intensidade da sua manifestação eram variáveis
embora a gripe, por si mesma, não fosse considerada maligna, a benignidade ou
gravidade da doença parecia determinada por condições individuais, bem como
por complicações e acidentes fortuitos que poderiam acometer o gripado no
decurso da enfermidade (ibid., p. 359-360).
Outro ponto esclarecido pelos pesquisadores, e também confirmado por
Nina naquela ocasião, foi o fato de que a gripe poderia predispor a doenças
graves, como a tuberculose, bem como agravar as condições mórbidas e
precipitar a morte, ao incidir em indivíduos acometidos por doenças preexistentes,
tais como as cardíacas, a asma e a tuberculose (ibid., p. 360). Adultos debilitados
por doenças precedentes, pelo estilo de vida desregrado ou pela exposição
contínua a condições insalubres também poderiam sucumbir mais facilmente à
gripe (ibid.).
As pesquisas comprovaram, entretanto, que alguns indivíduos, mesmo os
de idade avançada e previamente acometidos por doenças respiratórias,
alcançavam a cura, enquanto outros, que apresentavam excelente condição de
saúde, vinham a falecer (ibid., p. 360-370). Neste último caso, a morte poderia ter
sido provocada por complicações advindas no decurso da enfermidade.
Nina Rodrigues verificara esse fato, ao tratar de um “homem adulto, moço,
forte, que não tivera tempo de emagrecer”, dado o curto espaço de tempo
transcorrido entre o acometimento da doença e a sua morte (ibid., p. 555).
Segundo o médico, a ocorrência explicava-se por não terem sido dispensados ao
paciente, quando este ainda se encontrava em seu domicílio, “os cuidados que o
seu estado exigia” (ibid., 554). Assim, as condições do rapaz, de apenas 25 anos
e “boa constituição”, sofreram progressivo agravamento, evoluindo para uma
28
Em 1895, a Gazeta publicou artigo do dico baiano Alfredo Britto, intitulado Contribuição para
o estudo da grippe-influenza” em 1895 (Gazeta Médica da Bahia, 1895, 27: p. 257-72). Nessa
matéria, Britto apresenta minucioso relato de três casos acompanhados por ele nas enfermarias
do Hospital Santa Isabel. Um dos casos estudados mereceu atenção especial do médico “por ser
eminentemente característico” e valer por si toda uma discussão diagnóstica”, tendo em vista
que exibia “em suas diferentes fases, localizações diferentes do mesmo agente infeccioso em
ordem a patentear à evidência sua natureza manifestamente gripal” (ibid., p. 261). Tal como Nina
Rodrigues, além da observação clínica, Britto também recorreu ao exame anatomopatológico,
para confirmação do diagnóstico.
146
broncopneumonia, com suspeita de comprometimento das meninges cerebrais, e
vindo, por fim, a resultar em morte (ibid., 554-555).
Os demais casos acompanhados por Nina Rodrigues também
demonstraram que a gripe “não respeitou idade, sexo, nem raças, manifestando-
se com intensidade [...] igual em velhos e crianças, em indivíduos de ambos os
sexos e em representantes de todas as raças” que constituíam a população
baiana (ibid., p. 556).
29
O modo de propagação da doença, que se espalhara rapidamente pela
cidade de Salvador, atingindo várias famílias, tomando ruas inteiras e invadindo
fábricas e oficinas, levou Nina Rodrigues a concluir que a gripe era doença de
grande contagiosidade e rápida disseminação, e sua incidência não estava
subordinada à influência dos climas nem das estações (ibid., p. 550-556).
Ao relatar um estudo de caso realizado no período, Nina Rodrigues
confessou que várias vezes fora obrigado a reajustar seu diagnóstico, em razão
das alterações apresentadas no quadro sintomático do paciente. Ademais,
alegava que o desconhecimento do agente etiológico da gripe fizera com que a
medicação ministrada durante o tratamento fosse toda sintomática (ibid., p. 555).
Diante dessas circunstâncias, o médico chegou à conclusão que a adoção
exclusiva da observação clínica proporcionava conhecimento incompleto e
superficial dos fatos, limitando a prática médica (ibid., p. 548).
Nina Rodrigues lamentava que a medicina professada no Brasil não
estivesse suficientemente aparelhada para fazer frente às exigências da
“medicina do século” (ibid.).
30
A seu ver, a medicina ocidental já havia entrado
29
Outros estudos em vigor no período, além de listar estes mesmos aspectos, concluíram também
que a gripe não respeitava “temperamento, constituição ou condição social” (Gazeta Médica da
Bahia, 1890, 21: p. 355-359). As pesquisas destacavam o fato de que a gripe epidêmica, ou
moléstia análoga, podia incidir nos cavalos domésticos em forma de epizootia, e a erupção da
doença nestes animais poderia preceder ou agir concomitantemente à epidemia humana (ibid., p.
359).
30
Esse tipo de discurso era recorrente entre os médicos da época. Para Löwi (2006, p. 18), os
médicos brasileiros oscilavam entre o desejo de “civilizar” o Brasil, por meio da transplantação do
conhecimento científico e de novas tecnologias dos centros mais avançados, e o de produzir um
conhecimento original, que promovesse aproximação científica com estes los. Dessa maneira,
ao tempo em que almejavam relativizar a importância da ciência praticada e produzida nos
grandes centros de pesquisa do mundo, em contraposição à autóctone, esses profissionais
acabavam por conferir autoridade à primeira, na medida em que buscavam a legitimação dos seus
trabalhos por parte desta mesma comunidade científica ocidental (ibid.).
147
“definitivamente na trilha segura das ciências positivas, rica de métodos
experimentais de valor incontestável” (ibid.).
31
Prosseguindo na sua argumentação em favor da medicina praticada em
laboratório, o médico destacava o fato de que os resultados oferecidos pela
bacteriologia, embora não tivessem alcançado unanimidade, apontavam avanços
importantes, seja na maior compreensão da individualidade nosológica da
doença, seja na interpretação dos seus sinais ou mesmo nas exigências da sua
terapêutica (ibid.).
32
A tendência de que a investigação experimental de laboratório constituísse
a principal fonte da ciência médica e o fundamento da prática clínica também se
estendeu ao terreno da etiologia (López Piñero, 1985, p. 137). No último decênio
do século XIX, observou-se mudança de foco perdia-se o interesse pelo doente
em si, manifestava-se progressiva desvalorização da observação clínica
individualizada, e os fenômenos clínicos passaram a ser unificados e
subordinados a um agente específico (ibid, p. 140-141). A constituição biológica
de cada indivíduo, a herança patológica, os fenômenos psíquicos e as condições
sociais eram fatores que também perdiam força na constituição da etiologia
durante essa fase triunfalista da medicina de laboratório (ibid.).
31
Na verdade, o que está embutido no discurso de Nina Rodrigues é o desejo de incorporar à
prática médica baiana os métodos experimentais e a investigação de laboratório, em curso nos
centros mais desenvolvidos da Europa. Conforme o exposto anteriormente, vários estudiosos
realizaram pesquisas experimentais de laboratório, no intuito de estabelecer o agente etiológico da
gripe. Dentre estes, Seifert conseguiu algum sucesso, ao isolar coccus no muco nasal e nos
produtos da expectoração” (Gazeta Médica da Bahia, 1890, 21: p. 354). Todavia, não foi possível
isolar o mesmo microorganismo no sangue, nem inoculá-lo positivamente em animais (ibid.). Em
1892, a Gazeta veiculou os resultados preliminares da experiência realizada por Richard Pfeiffer.
O médico e bacteriologista alemão inoculou diferentes animais macacos, coelhos, porcos da
Índia, ratos, pombos, etc. No entanto, verificou que os coelhos e os macacos haviam contraído
a doença, e não fora possível reproduzi-la também nas outras cobaias, conforme preconizava
Koch (Gazeta Médica da Bahia, 1892, 23: p. 375). Além dessa informação, outro pequeno artigo
reproduzido naquele periódico dava conta de uma investigação desenvolvida por P. Cânon,
médico da seção de medicina interna do Hospital Municipal Moabit, situado também em Berlim, no
intuito de isolar o patógeno da gripe no sangue dos acometidos por aquela doença. Esses textos
contribuíam para informar os médicos e cientistas baianos acerca dos métodos utilizados nos mais
avançados laboratórios de pesquisas bacteriológicas no sentido de estabelecer o agente etiológico
da gripe, ainda que nem sempre se alcançassem os resultados esperados.
32
Segundo o médico e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra, Epiphanio Marques,
ainda que clinicamente o diagnóstico pudesse parecer claro, a ignorância sobre o agente
específico impedia que se estabelecesse o mecanismo de ação da doença, e se identificasse
também qual a alteração primitiva provocada por aquele agente” (Gazeta Médica da Bahia, 1890,
21: p. 354).
148
Todavia, no que diz respeito à gripe, as pesquisas de laboratório realizadas
no século XIX levantaram mais dúvidas que certezas sobre o micróbio específico
da gripe. Apesar de grande parte da comunidade científica considerar o bacilo de
Pfeiffer como o agente específico da gripe, as investigações realizadas por este
cientista não atenderam inteiramente aos postulados de Koch. Pfeiffer não
conseguira reproduzir a doença em animais, conforme preconizava Koch (Gazeta
Médica da Bahia, 1892, 23: p. 375). Ademais, a inconstância da presença do
bacilo de Pfeiffer nas secreções e tecidos das timas da doença gerava
controvérsias entre os pesquisadores.
Assim, durante a pandemia de 1918-1919, a necessidade de explicar a
natureza e a causa da gripe voltou a fazer parte da agenda de médicos e
pesquisadores. Segundo as notícias veiculadas na imprensa baiana, três
correntes divergentes agitavam a comunidade dico-científica, nacional e
internacional, no início da crise pandêmica: a primeira acreditava tratar-se de uma
gripe que tivera início de forma benigna, porém assumira feição mais grave,
tornando-se mortal; a segunda admitia o diagnóstico de gripe, mas estranhava as
circunstâncias e sintomas anômalos que aquela epidemia vinha apresentando;
por fim, a terceira, que desde o princípio havia negado o diagnóstico de gripe,
afirmava que a doença reinante era a febre dos três dias ou febre papataci,
provocada por agente etiológico invisível e filtrável, como o da dengue e da febre
amarela (Diário de Notícias, 01.10.1918, p. 1).
33
33
Em junho daquele ano fatídico, quando a epidemia grassava na Europa, o professor e médico
italiano Ferdinando de Napoli, reunindo as próprias observações às de outros estudiosos do
assunto, concluíra que aquela doença revelava identidade com as febres efetivais e com as febres
de trincheiras (Diário da Bahia, 23.10.1918, p. 2). Em artigo publicado no British Medical Journal e
reproduzido pelo Diário da Bahia, qualificava-se aquela epidemia de misteriosa”, pois parecia ser
provocada por uma “doença nova estranha” (Diário da Bahia, 26.09.1918, p. 3). Contudo,
acreditava-se que sintomas como febre alta, vômitos, dores torácicas e diarréia poderiam ser
atribuídos à gripe abdominal (ibid.). Na mesma reportagem do Diário veiculava-se a informação de
que, em Portugal, a Delegação da Saúde do Porto, “conquanto o pudesse ter sido estabelecido
o diagnóstico bacteriológico”, qualificara de “gripe epidêmica e ligeira” o mal que grassava na
Europa. (ibid.). O Diretor da Saúde Pública de Portugal, Ricardo Jorge, defendia o diagnóstico de
influenza; segundo o médico português, a diferença entre aquela gripe e a que comumente
acometia as pessoas na estação invernosa residia no fato de que naquele período a doença se
apresentara mais grave, “atacando de preferência, os quartéis” (Diário de Notícias, 27.09.1918, p.
2). Em conferência realizada na Associação dica Lusitana, Américo Pires de Lima, professor da
Universidade do Porto, destacou que o quadro sintomático apresentado pela epidemia divergia de
uma simples infecção das vias respiratórias, assumindo todos os caracteres de uma infecção geral
(Diário de Notícias, op. cit., p. 1). Entretanto, para Pires de Lima, não havia doença descrita na
patologia (relativa ou não às vias respiratórias) que apresentasse um conjunto de sintomas
semelhantes, a não ser a gripe ou influenza agravada e mortal, mas gripe sempre (ibid.). O
149
Os clínicos e os bacteriologistas assumiam posições divergentes. Olympio
Fonseca Filho relembra que os médicos mais antigos, como haviam assistido à
pandemia de gripe anterior (1889-1890), de pronto reconheceram naquele mal,
tão rapidamente disseminado pelo mundo, “a mesma influenza pandêmica que,
como uma onda, periodicamente se estende por todo o mundo civilizado”
(Fonseca Filho, 1974, p. 58). Ademais, muitos médicos consideraram que o
problema da etiologia havia sido resolvido após a última pandemia o
patógeno responsável pela gripe era o bacilo de Pfeiffer.
À época, o médico carioca Artur Moses ponderou que, se na área da
clínica o havia muito a acrescentar às observações acumuladas no decorrer
das epidemias e pandemias de gripe que afligiam a humanidade desde 1387, no
campo das pesquisas de laboratório muito ainda havia por fazer (Boletim da
Academia de Medicina, 1918, p. 681). Para Moses, apesar de o bacilo de Pfeiffer
ser considerado por muitos como o agente específico da influenza, “o problema
da etiologia não estava de forma alguma resolvido” (ibid.).
Segundo López Piñero, a “medicina de laboratório” aspirava a um
conhecimento científico pleno, do qual uma das características centrais era a
explicação causal; portanto não era estranho que seus seguidores voltassem a
situar o problema etiológico em primeiro plano (López Piñero, op. cit., p. 137-8). O
painel sintomático variável, a inconstância do bacilo de Pfeiffer, e a incidência de
outros microorganismos nas secreções e nos tecidos do aparelho respiratório das
vítimas da gripe espanhola, levaram a comunidade científica a desconfiar da
médico português Antonio de Azevedo, que estranhara a erupção de uma “epidemia de gripe no
verão, precisamente na época em que os casos daquela doença costumam ser menos
numerosos”, destacava também o fato de os sintomas daquela doença divergirem daqueles
habitualmente observados nos casos de gripe. Azevedo, porém, embora refutasse o diagnóstico
de febre dos três dias, porquanto não havia notícia da existência do flebótomo na Espanha, onde a
epidemia prosperava, não se arriscava a emitir outro diagnóstico em face das circunstâncias
anormais e da singularidade dos caracteres clínicos apresentados pela epidemia reinante (ibid.).
Na Espanha, dicos como Pittaluga e Grinda, membros da Real Academia Nacional de
Medicina, consideravam indiscutível o diagnóstico de gripe. Pittaluga descartou a possibilidade de
a epidemia em questão ser provocada pela dengue ou pela febre dos três dias, com base no
quadro sintomático apresentado e na inexistência, em Madri, do agente transmissor da febre dos
três dias (ibid.). Por sua vez, Grinda considerava que o caráter diverso apresentado por aquela
epidemia em relação à ocorrida em 1989-90 devia-se à variabilidade do agente da influenza no
espaço de menos de trinta anos, resultante, entre outras razões, da evolução natural de todos os
seres vivos, da qual também não podiam escapar os micróbios (ibid.). Para saber mais sobre a
discussão em torno do diagnóstico e etiologia da doença entre os médicos espanhóis, consultar
Porras Gallo (1997; 1994).
150
teoria que postulava a presença de uma bactéria como agente etiológico daquela
doença.
34
Em outubro de 1918, nota publicada no Diário da Bahia informava que, em
estudos realizados no estado, o bacilo de Pfeiffer também não havia sido
encontrado (Diário da Bahia. 17.10.1918, p. 1). O documento em questão, porém,
não revelava a natureza desses estudos. De acordo com a relação de trabalhos
apresentada à Sociedade Médica dos Hospitais da Bahia, não havia nenhuma
pesquisa sobre o agente etiológico da gripe sendo realizada naquele período por
qualquer médico baiano (Brazil-Médico, 21.06.1919, p. 25).
Durante a passagem da gripe espanhola pela Bahia, a Gazeta Médica não
publicou nenhum trabalho acerca do assunto. O único texto sobre a gripe
veiculado por esse periódico foi o relatório da comissão incumbida pela DGSPB
de estudar a epidemia (Gazeta Médica da Bahia, 1918, 50: p 151-153). Nessa
ocasião, quem assumiu o papel de fazer circular as informações sobre a doença
foi a imprensa leiga. Matérias que abordavam a questão da etiologia, da evolução,
da forma de propagação e contágio, das medidas profiláticas e terapêuticas da
gripe, lotavam as páginas dos jornais diários.
Em setembro de 1918, A Tarde informava que Arthur Neiva estava
desenvolvendo um trabalho em seu laboratório, “com o intuito de descobrir o
bacilo da influenza espanhola”. Segundo a nota publicada nesse
jornal, a
pesquisa de Neiva era realizada “em várias culturas retiradas das mucosidades
de doentes atacados em Lisboa e que lhe foram remetidas pelo Dr. Carlos
França” (A Tarde, 30.09.1918, p. 2). Por sua vez, outra matéria jornalística,
veiculada pelo Diário da Bahia, revelava que Arthur Neiva havia contribuído para
a pesquisa sobre a febre dos três dias ou febre papataci, realizada pelo médico e
pesquisador português Carlos França. Segundo a matéria, Neiva identificara
34
O estudo da categoria de agentes patogênicos conhecidos como vírus filtráveis ou
ultramicroscópicos iniciou-se na cada de 1890, tomando impulso entre os anos de 1904 e 1914
(Rosen, 1994; Benchimol, op. cit.; Porras Gallo, op. cit.). Prowazek e Lipschütz, mediante a
utilização de uma técnica delicada, conseguiram isolar os vírus da categoria dos clamidozoários e
dos estrongiloplasmas (Brazil-Médico, op. cit., p. 353). Por sua vez, Noguchi e Flexener
conseguiram cultivar os agentes da poliomielite e do tracoma (ibid.).
Segundo Henrique Aragão,
naquele período quase ninguém mais acreditava que bactérias propriamente ditas” fossem os
agentes etiológicos de doenças infectocontagiosas como a escarlatina, a varíola, a varicela, o
sarampo, a paralisia infantil e a febre aftosa (Brazil-Médico, 09.11.1918, p. 353). Aragão afirmava
que estas doenças tinham por agentes causais micróbios muito diversos das bactérias eram
provocadas por espiroquetas ou vírus (ibid.).
151
amostras de mosquitos suspeitos de serem os vetores dessa doença o
Phlebotomus papatassi , as quais lhe haviam sido enviadas pelo autor da
pesquisa. (Diário da Bahia, 26.09.1918, p. 3). Além dessas notícias publicadas
pela imprensa baiana, nada se sabe, pois a documentação consultada o
informa sobre a realização de qualquer estudo sobre a gripe, por parte desse
médico baiano o qual, no período, encontrava-se à frente do Serviço Sanitário
da cidade de São Paulo.
35
Figura 15
Fonte: O Imparcial, 22.10.1918, p. 1.
Periodicamente, manchetes estampadas nos jornais anunciavam que
pesquisadores haviam isolado o agente etiológico da gripe. Logo, porém, outras
vozes se erguiam para colocar em dúvida o produto de tais descobertas. Em 23
de outubro de 1918, o Diário da Bahia, por considerar “ser de grande utilidade e
oportuno”, transcrevia artigo do Dr. Nicolau Clancio, no qual o médico refutava a
“propalada descoberta do micróbio produtor da terrível moléstia”. Em sua
contestação, o médico levava em conta o exíguo espaço de tempo de que
35
Não também nenhuma informação sobre o assunto, na literatura produzida sobre a gripe em
São Paulo. Cf.: Bertucci, 2004; Bertolli Filho, 2003; Teixeira, 1993.
152
dispusera o pesquisador, além das diversas dificuldades que este teria enfrentado
para a realização de todos os procedimentos necessários a uma investigação
científica. Para determinar se um microrganismo específico era o causador de
uma doença, o pesquisador deveria obedecer a uma série de procedimentos.
Essas exigências demandavam tempo. Segundo o Nicolau Clancio:
[...] quem entende um pouco de microbiologia não ignora que é
preciso em geral, um espaço de tempo muito maior do que esse para
se descobrir um micróbio: uma semana, pelo menos para o alarma
clínico; depois, surgem as dúvidas, as idéias das várias pesquisas, as
inoculações em animais de laboratório, a morte destes, as autópsias, o
exame ao microscópio, etc, etc. E, ainda assim, feliz o pesquisador
que descobrir um micróbio novo (Diário da Bahia, 23.10.1918, p. 2).
Ainda assim, muitos médicos empenhavam-se em descobrir o agente
etiológico da gripe. Em novembro de 1918, A Tarde divulgou nota intitulada “À
procura do micróbio da ‘espanhola’”, na qual constava a informação de que
“Henrique Beaurepaire de Aragão, do Instituto Oswaldo Cruz, diz[ia] ter
encontrado minúsculos micróbios, que lhe parecem[iam] ser do rol daqueles
produzidos por vírus filtráveis” (A Tarde, 06.11.1918, p. 2). Na verdade, Henrique
Aragão
36
, um dos mais competentes protozoologistas brasileiros do seu tempo,
suspeitava que a gripe fosse causada por outro micróbio que não o bacilo de
Pfeiffer, bem antes da erupção daquela pandemia. Para o pesquisador, tanto a
gripe pandêmica quanto o resfriado comum eram causados por um vírus
filtrável
37
, e pertenciam ao grupo de doenças que, para sua transmissão, não
precisavam de hospedeiros intermediários (Saúde, jan.-fev. de 1919, p. 48; Brazil-
Médico, op. cit., p. 355).
38
36
O carioca Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão (1879-1956) ingressou no Instituto de
Manguinhos, em meados de 1903, quando ainda era estudante da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro e preparava a tese de doutoramento que apresentaria em 1905, na conclusão do curso
de médico. A produção científica de Aragão foi extensa e variada, abrangendo os campos da
biologia, da sistemática, da epidemiologia e da profilaxia de doenças parasitárias do homem e dos
animais. Cf.:
http://www.prossiga.br/Chagas/traj/links/textos/aragao.html. Acesso em 10.11.2006.
37
Aragão descreveu o vírus como um dos menores organismos conhecidos a aquele
momento (Brazil-Médico, 09.11.1918, p. 353). Segundo a descrição, esses microorganismos
mediam de 0,05 a 0,1 micra de diâmetro, eram redondos, filtráveis, e multiplicavam-se
rapidamente por divisão binária (ibid.).
38
A hipótese de que a gripe ou influenza fosse provocada por rus filtrável já havia sido cogitada
por Aléxis Carrel (1910), Kruse (1914) e Foster (1915-16) (Brazil-Médico, 01.02.1919, p. 38;
Porras Gallo, op. cit., p. 323). Dentre os inúmeros pesquisadores que investigavam a etiologia da
153
Ademais, Aragão considerava que, sob o ponto de vista clínico e
epidemiológico, a gripe em nada se assemelhava a uma moléstia de origem
bacteriana (Brazil-Médico, op. cit., p. 354). Na análise do cientista, as doenças
que tinham por agentes vírus filtráveis apresentavam curto período de incubação,
além de extrema difusibilidade e contagiosidade (Saúde, op. cit., p. 49). Contra a
hipótese de que a doença fosse provocada pelo bacilo de Pfeiffer, o médico
levantava outro argumento: a forte intoxicação observada no organismo dos
acometidos pela moléstia, responsável por minar-lhes as defesas, facilitando a
ocorrência de infecções secundárias, constituía quadro característico de doença
de origem viral (ibid.). Aragão afirmava que ao vírus da gripe associavam-se
secundariamente outros microorganismos, tais como o bacilo de Pfeiffer,
estreptococos, estafilococos, pneumococos, etc., os quais eram indefectivelmente
encontrados na corrente sangüínea dos doentes (ibid., p. 354-355).
Durante a investigação que realizou no intuito de determinar o agente
etiológico da gripe, Aragão conseguiu isolar diminutos corpos de forma
arredondada, provavelmente um estrongiloplasma semelhante ao vírus da varíola,
do tracoma e do epitelioma das aves (ibid., p. 355). Contudo, o cientista não se
mostrou convencido de que se tratasse do patógeno responsável pela doença,
embora considerasse a possibilidade de pesquisas posteriores conseguirem
determinar o agente específico (ibid.).
39
influenza durante a pandemia de 1918-19, figuravam os franceses Violle, Charles Nicolle e Lebailly
(Fonseca Filho, 1974, p. 60). Os dois últimos, médicos do Instituto Pasteur de Túnis, anunciaram,
na sessão de 1918 da Academia de Medicina de Paris, a constatação de grande virulência da
expectoração brônquica, a probabilidade de não-virulência do sangue dos indivíduos acometidos
pelo mal, e a filtrabilidade do agente etiológico (Saúde, jan.-fev. de 1919, p. 49). Na Alemanha, os
experimentos realizados por Selter caminharam no mesmo sentido (ibid.). No Japão, Yamanouchi,
Iwashima e Sakakami também conduziam a sua investigação no intuito de comprovar que aquela
enfermidade era causada por um agente invisível e filtrável (Porras Gallo, op. cit, p. 324; Fonseca
Filho, 1974, p. 60).
39
Além de Aragão, Artur Moses desenvolveu estudos sobre a etiologia da doença no período de
incidência da epidemia (Boletim da Academia de Medicina, Sessão de 21.11.1918, pp. 681-686).
Depois de diversificadas experiências, o médico concluiu que o patógeno responsável pela
influenza era um vírus filtrável, conquanto não tenha conseguido efetuar ensaios em anima nobili,
visto que as pessoas consultadas, temerosas das conseqüências, não consentiram em participar
do experimento (ibid., p. 684-687). Para proceder à sua investigação, o cientista utilizou como
material de estudo esputos de doentes da sua clínica particular e do Hospital Pro Matre, no Rio de
Janeiro. Ao longo da sua pesquisa, Moses efetuou uma série de experimentações: substituiu o
escarro dos doentes por secreção nasal; as filtrações passaram a ser feitas em velas de poros os
mais finos possíveis, como Garros, Reichel, Chamberland, F e B (anteriormente era utilizada a
vela de Berkefeld); e o filtrado foi semeado em agar-sangue humano (ibid., p. 685-686). A equipe
formada pelos pesquisadores Aristides Marques da Cunha, Olympio da Fonseca Filho e Octavio
154
Apesar de reconhecer que a pesquisa sobre o agente etiológico das
doenças infectocontagiosas havia avançado bastante, Aragão acreditava que
muitos dos micróbios da categoria dos vírus jamais seriam conhecidos, pois em
razão do seu tamanho minúsculo talvez nunca pudessem ser visualizados (ibid.).
Tal previsão mostrou-se correta no que diz respeito ao agente etiológico da gripe
espanhola, no período da incidência desta pandemia. Não obstante as
investigações em curso nos laboratórios e centros de pesquisas de várias partes
do mundo, a descoberta da verdadeira causa viral veio a ocorrer ao final dos
anos 20, quando uma cepa do vírus foi isolada pela primeira vez em suínos
(Beveridge, 1977, p. 4 -5). Somente em 1933, conseguiu-se isolar em paciente
humano uma cepa relacionada àquela encontrada nos suínos (ibid.).
40
Assim, durante a pandemia de gripe espanhola, a grande meta da
bacteriologia não pôde ser alcançada. A moderna microbiologia, capaz de
demonstrar que a causa externa das doenças infectocontagiosas reside em
microorganismos específicos, não logrou determinar o agente etiológico da
doença.
de Magalhães também procedeu a criteriosa investigação sobre a etiologia da influenza
pandêmica de 1918-19. Esses cientistas duvidavam que o bacilo de Pfeiffer fosse o patógeno
responsável pela gripe, e pretendiam comprovar a etiologia viral daquela doença (Fonseca Filho,
1974, p. 59). Para demonstrar sua hipótese, inocularam o Haemophilus influenzae em dois
voluntários, os quais posteriormente não apresentaram nenhum sinal de gripe (ibid., p. 60). Em
seguida, a equipe demonstrou que os filtrados de sangue e de escarro dos doentes recém-
infectados pela gripe “provocavam em animais de laboratório reações febris queo eram obtidas
com material análogo de outras proveniências” (Fonseca Filho, op. cit., p. 61; Brazil-Médico,
30.11.1918, p. 377). Com base em tais experimentos, os pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz
concluíram que o bacilo de Pfeiffer não era senão um germe de associação secundária na
evolução do mal; o agente etiológico responsável pela gripe era um vírus filtrável. Dando
prosseguimento às suas pesquisas, os investigadores procederam à reinoculação de um dos
macacos que servira à experiência anterior, e observaram que este não manifestara nenhum dos
sinais da doença (Brazil-Médico, op. cit., p. 378). A equipe concluiu então que o animal havia
adquirido imunidade após a primeira inoculação e, a partir de tal experimento, decidiu desenvolver
um tratamento para a moléstia baseado em vacina produzida com filtrado de escarro (ibid.).
Entretanto, a experiência ficou restrita aos animais de laboratório, visto que era considerada muito
arriscada a inoculação em seres humanos (ibid.).
40
Depois de amplas investigações sobre a transmissibilidade da influenza entre os suínos,
Richard E. Shope, do Instituto Rockefeller de Patología Comparativa, Princeton, Nova Jersey, foi
capaz de demonstrar que o vírus podia ser transmitido entre suínos, por meio de material filtrado
(Beveridge, op. cit., p.5-7). Depois de adquirir notoriedade na Inglaterra, o trabalho de Shope foi
continuado por Wilson Smith e Christopher Howard Andrewes e P. P. Laidlaw, do Instituto
Nacional para a Investigação Médica em Londres, os quais realizaram experimentos semelhantes
com doninhas inocularam material filtrado de secreções retiradas da traquéia de pessoas
infectadas durante a epidemia de influenza humana em 1933 –, conseguindo reproduzir a doença
nestes animais (ibid., p. 7-9).
155
3.3. OS MÉDICOS BAIANOS DIANTE DA GRIPE
Em 25 de setembro de 1918, o jornal A Tarde divulgou a notícia de que a
“epidemia desconhecida que vitimou oficiais combatentes marinheiros e médicos
na divisão Frontin e na Missão Nabuco de Gouveia” já assolava a Bahia (A Tarde,
25.09.1918, p. 1). A nota trazia a alarmante informação de que em Salvador
havia ruas e quarteirões com enfermos em todas as habitações. Registravam-se
também muitos casos em locais onde trabalhava e convivia grande número de
pessoas, tais como as Docas, os quartéis, as casas de comércio, as oficinas de
jornais, o setor de transportes urbanos, as fábricas, etc. (ibid.). Aqueles que
haviam contraído a moléstia queixavam-se de calafrios e febre alta (mais de 39°),
fortes dores na cabeça e na região lombar, prostração, ficando obrigados ao
repouso por três, quatro ou mais dias (ibid.).
“Influenza? Gripe espanhola?” questionava um jornalista do Diário da
Bahia (Diário da Bahia, 03.10.1918, p. 1). Não se sabia, segundo o articulista,
pois a diretoria interina da DGSPB ainda não havia considerado o problema, nem
tomado nenhuma medida profilática para barrar o mal (ibid.).
A partir do século XIX, o processo de nominação de um conjunto de
sintomas e sinais começou a tornar-se central, tanto no pensamento social quanto
no pensamento médico (Rosenberg, 1992, p. 306). Na cultura, uma doença não
existe como fenômeno social até que se adimita que ela existe até que seja
nominada (ibid.). Contudo, a doença é entidade difícil de ser enquadrada numa
simples definição: apresenta-se ao mesmo tempo como um evento biológico
imediato portador de um repertório de práticas e construções verbais
específicas –, que reflete a história institucional e intelectual da medicina; uma
ocasião potencial de desenvolvimento e legitimação de políticas públicas; um
aspecto do papel social e individual da identidade; uma sanção para valores
culturais; e um elemento estruturante nas interações médico-paciente (ibid., p.
305).
Para aqueles sob a ameaça da epidemia, o reconhecimento de que se
tratava de uma doença maligna era emocionalmente mais fácil de lidar do que
156
aquela misteriosa e insondável aflição.
41
A busca do sofredor por uma explicação
para o seu drama, por um conselho que o cure do mal, constitui as origens
históricas da medicina e do papel do dico (ibid., p. 310). O aspecto essencial
desse papel reside na capacidade do profissional para dar nome à dor e ao
desconforto do paciente.
Figura 16
Fonte: O Imparcial, 26.09.1918, p. 1.
No intuito de informar seu público leitor acerca da doença que grassava na
cidade, um jornalista de O Imparcial consultou alguns dicos baianos. Para
tanto, recorreu a professores da Faculdade de Medicina da Bahia, que atendiam
também a vasta clientela em prestigiosos consultórios particulares (O Imparcial,
26.09.1918, p. 1). Ainda sob o primeiro impacto da epidemia, os médicos
entrevistados mostraram-se bastante cautelosos ao emitir opinião sobre o
assunto. A maioria absoluta relutou em relacionar a enfermidade que acometia os
soteropolitanos à doença pandêmica em curso na Europa, mas ao mesmo tempo
não se furtou a classificar a doença reinante na Bahia como a mesma gripe
benigna responsável por atacar a população nos períodos mais frios do ano.
41
Rosemberg discute esse tipo de situação, no capítulo Framing disease: Illness, society, and
history”, do livro Explaining epidemics and other studies in the history of medicine (1992, pp. 310-
318).
157
Dentre os entrevistados, Frederico Koch descartava a hipótese de que a
gripe em curso na cidade fosse a influenza espanhola. Embora ressaltasse que
não tivera condições de apreender o fenômeno epidêmico em toda a sua
extensão, desde o mês anterior (agosto) o médico vinha tratando de pessoas
atingidas pela doença e verificara que esta se manifestava de forma benigna,
como ocorria sazonalmente na Bahia (ibid.).
42
Para Koch, não havia razão para
preocupação, tendo em vista que, apesar da sua característica contagiosidade, a
gripe não assumia nos trópicos o mesmo caráter de gravidade com o qual se
manifestava em climas frios como os da Europa (ibid.).
Entretanto, segundo nota publicada no Diário da Bahia, a população
mostrava-se apreensiva em face do caráter indiscutivelmente epidêmico”
assumido por “um mal [...] cuja [...] índole clínica” até aquele momento era
desconhecida (Diário da Bahia, 03.10.1918, p. 1). Para o articulista esse mal
estava sendo erroneamente confundido, em sua feição epidemiológica, com a
doença que os antigos denominavam peitorréia ou febre catarral (ibid.). Contudo,
na visão do jornalista, a fisionomia clínica desta última diferia, completamente, da
moléstia que naquele momento prostrava 50%, ou mais, da população (ibid.).
Interrogado sobre o assunto, o clínico Edgar Barros informou ao jornalista
de O Imparcial que havia atendido muitos doentes daquela moléstia, tanto no
próprio consultório quanto nos respectivos domicílios. Em vista do grande número
de acometidos (em menos de dois dias, foram atendidas mais de cinqüenta
pessoas, só na sua clínica particular), o médico acreditava tratar-se de mais um
surto de gripe, que embora sem gravidade mostrava-se como sempre muito
contagiosa (ibid.). Para reforçar o caráter contagioso da doença, Barros fez
questão de informar que nem ele mesmo escapara da ação da influenza,
encontrando-se em estado febril no momento daquela entrevista (ibid.).
42
Esse panorama denota que a doença estava presente na Bahia bem antes do fato ter sido
registrado pelos órgãos de imprensa ou pela Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia. Tal
hipótese não é desprovida de lógica, considerando-se a intensa movimentação de navios
estrangeiros no porto de Salvador. A demora do registro do fato pela classe dica, bem como
pela DGSPB, deve-se talvez ao período de incubação e de transmissibilidade da doença
intervalo de tempo necessário para que os seus primeiros sinais se manifestassem em um número
significativo de pessoas, chamando a atenção dos órgãos competentes. Ademais, não se tratava
de uma doença de notificação obrigatória, portanto chamaria atenção das autoridades
sanitárias em caso de epidemia.
158
Na mesma reportagem jornalística, Martagão Gesteira, médico e professor
catedrático de Clínica Pediátrica Médica da Faculdade de Medicina da Bahia,
informava que a gripe incidia com mais intensidade em locais onde havia
ajuntamento de pessoas, tal como observado nos quartéis e agremiações de
operários (ibid.). Sobre a natureza da doença, o médico concordava com seus
pares quanto a tratar-se da gripe de costumeira benignidade que incidia
periodicamente sobre a Bahia, ressaltando, porém, que os médicos responsáveis
pelos serviços de saúde dos estabelecimentos mais afetados apresentavam maior
competência para discorrer sobre a questão (ibid.). Entretanto, talvez na intenção
de tranqüilizar os leitores de O Imparcial, Martagão Gesteira acrescentava que
comumente a gripe não resultava em óbito; as mortes observadas entre os
acometidos por aquela doença ocorriam quando estes apresentavam algum tipo
de debilidade orgânica provocada por afecções anteriores (ibid.).
Médico e professor catedrático de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina da Bahia, Antonio do Prado Valladares
43
também foi procurado por
repórter do Diário da Bahia para fornecer à população sua informação
especializada sobre a epidemia reinante (Diário da Bahia, 03.10.1918, p. 1).
Questionado sobre a natureza daquela enfermidade, Prado Valladares advertiu o
jornalista de que naquele momento não poderia emitir opinião definitiva porquanto
observara poucos doentes, mas arriscou-se a considerar a hipótese de a doença
ser mais grave do que se estava a supor (ibid.). Para o médico, o mal em questão
não apresentava relação com a “febre catarral meteórica”, comumente
denominada influenza. Tal conjectura considerava a freqüência de manifestações
eruptivas nos enfermos acometidos pela doença, em muito semelhantes àquelas
presentes em caso de dengue (ibid.).
43
Antonio do Prado Valladares (13.6.1882 8.1.1938) ingressou na Faculdade de Medicina da
Bahia com apenas 14 anos de idade. Concluiu o curso como aluno laureado com o prêmio de
viagem de estudos à Europa, e seu retrato passou a figurar no panteão da Faculdade. Interno da
cadeira de clínica propedêutica, em pouco tempo tornou-se assistente. Depois de ocupar o cargo
de professor extraordinário e efetivo de patologia geral, foi transferido, em 1915, para a cátedra de
clínica médica, e em 1925, para a cátedra de clínica médica propedêutica, funções que exerceu
até a morte (Souza, 1949).
159
Figura 17
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, nº 3, jan.
1918, [c.a., p. 11]
Prado Valladares suspeitava embora sem muita convicção que a
epidemia reinante na Bahia era a mesma em propagação na África e na Europa.
Cauteloso, uma vez que não detinha conhecimento preciso do agente mórbido, o
médico via naquela questão excelente temática para pesquisa e recomendava
que se debruçassem sobre o assunto, aqueles que tivessem o ânimo pesquisador
e se interessassem pelo estudo das “coisas clínicas” (ibid.).
160
O médico e cientista baiano Pacífico Pereira não alimentava dúvidas sobre
a natureza da moléstia: tratava-se de gripe ou influenza. Na opinião do
especialista não havia doença conhecida que apresentasse tal capacidade de
propagação e velocidade de transmissão facilmente transportados pelos
homens e pelas coisas, os germens da gripe tinham o poder de invadir todos os
países através de suas vias de comunicação marítimas e terrestres (Diário da
Bahia, 29.10.1918, p. 1).
Figura 18
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, 3,
Fev. 1918, [c.a., p. 11]
Para Pacífico Pereira, como se tratava de doença microbiana
infectocontagiosa, cada indivíduo atacado constituía-se em foco de infecção,
espalhando no ambiente, ao tossir ou espirrar, os germens que proliferam nas
161
fossas nasais e na cavidade bucal (ibid.). Assim, o médico recomendava que
fossem efetuadas freqüentes desinfecções da boca e do nariz, não para evitar
a infecção geral do organismo, como para obstar a propagação da infecção local
pelos canais do crânio e da orelha média (ibid.).
Pacífico acrescentava que a assistência aos doentes pobres em domicílio e
a desinfecção das habitações representavam medidas de saúde blica de largo
alcance, porquanto concorreriam para extinguir os inúmeros focos da doença em
que se constituíam as habitações dos pobres e miseráveis; estes, ao morrerem
em abandono, deixavam plantados, entre os que compartilhavam daqueles antros
de miséria, os germens da infecção, que ali cresciam em virulência e em potencial
de propagação (ibid.).
Por sua vez, Antonio do Prado Valladares não estava convencido de que
aquela moléstia fosse gripe, tampouco que fosse provocada pelo bacilo de
Pfeiffer. Ainda que não tivesse empreendido estudo acurado sobre o assunto,
contestando a crença de que aquele bacilo fosse o agente etiológico responsável
pela epidemia reinante, Valladares destacava um aspecto a ser considerado a
questão do contágio (Diário da Bahia, 5.11.1918, p. 1). Para o médico, a hipótese
de o bacilo de Pfeiffer ser o agente causador da influenza apenas se justificaria se
o indivíduo infectado tivesse mantido contato direto com “doentes deste mal”;
porém quando era contaminado também aquele “com quem de tais enfermos
jamais se avizinhou [...] tal hipótese se desconchava[va]” (ibid.).
Prado Valladares argumentava que, na ocorrência de contágio distal
(transmissão à distância), o germe da influenza teria de fazer “a sua migração
pelo ar, ao desfavor da excitação, da luminosidade, da radiação ultravioleta e
quanto outra condição atmosférica que felizmente há, microbicida” (ibid.). Nesses
casos, o médico acreditava ser necessária a presença de um vetor, tendo em
vista que, “na afirmativa geral dos bacteriólogos, o micróbio de Pfeiffer é de
extrema fragilidade e nem em meio úmido oferece vantajosa resistência” (ibid.).
Em favor da sua argumentação, Valladares acrescentava que “a noção
falsa de veiculação direta pelo ar”, defendida pela medicina miasmática, fora
substituída pelo conceito preciso e positivado de um hospedeiro transmissor,
162
pertinente no mais dos casos ao mundo dos insetos” (ibid.).
44
Na verdade, o que o
médico tencionava era chamar a atenção de seus pares para a possibilidade da
veiculação culicidiana, aspecto que, a seu ver, ninguém investigava nem levava
em conta (ibid.). Caso fosse comprovada esta última hipótese,
45
Prado Valladares
recomendava a adoção das seguintes medidas: “a) que os quartos ou as
enfermarias de influenzados fossem todos postos à prova de mosquitos; b) que às
desinfecções praticadas nos prédios e nos navios se juntassem sempre o expurgo
anticulicidiano” (ibid.). O médico arrematava o seu discurso com as seguintes
palavras:
Também não seria dislate incomportável que se empreendesse, de
logo, a campanha integral, complexa, do extermínio a quantos
mosquitos, de todo o gênero, infestam nosso país. Das que isso em
nada aproveitasse à defesa contra a influenza, lucrariam com livrarmo-
nos certamente do paludismo, do tifo amaril, da filariose, e talvez que
de lepra e do beribéri: coorte temerosa de pragas a evitar... (Diário da
Bahia, 5.11.1918, p. 1).
O posicionamento desses dicos Pacífico Pereira e Prado Valladares
era representativo das discussões que agitavam os centros acadêmicos e
científicos da época. Conforme o exposto anteriormente, a observação do quadro
clínico da doença reinante, realizada por aqueles que vivenciaram a epidemia de
1989-1890, imediatamente conduziu alguns médicos à convicção de que se
tratava da gripe, doença infecto-contagiosa que periodicamente disseminava-se
pelo mundo.
46
Outros médicos, como Prado Valladares, postularam hipótese
44
Desde o século XIX, várias investigações em andamento apontavam a possibilidade de certas
enfermidades serem provocadas por um vírus invisível e filtrável, transmitido de forma mecânica
por insetos, agentes passivos ou hospedeiros do gérmen (Benchimol, 1999, p. 396; Porras Gallo,
op. cit., p. 323).
45
Apesar da proposição apresentada à imprensa, nada consta, na documentação consultada,
sobre o fato de Prado Valladares ter desenvolvido algum tipo de investigação no sentido de validar
a sua formulação.
46
Conforme o exposto anteriormente, Pacífico Pereira não foi o único a afirmar que a epidemia
reinante era de gripe. Seu diagnóstico era defendido por médicos de vários países. Em Portugal,
os dicos que compunham a Delegação da Saúde do Porto, bem como o Diretor da Saúde
Pública de Portugal, Ricardo Jorge, também defendiam essa posição (Diário da Bahia,
26.09.1918, p. 3). Na Espanha, ao longo das discussões entabuladas em sessão da Academia de
Medicina de Madrid predominou o diagnóstico de gripe, ainda que a sua etiologia permanecesse
ponto permanente de polêmica (ibid.). Na França o anatomopatologista Arnold Netter afirmava que
a epidemia de gripe de 1918 estava sob a dependência do bacilo de Pfeiffer, tanto quanto a de
1989-90 (ibid., p. 548).
163
diferente, considerando a possibilidade de o agente etiológico ser um rus
filtrável, transmitido por um vetor culicidiano.
47
Entretanto, de modo geral as
discussões em torno da gripe na Bahia concentraram-se mais nas questões
concernentes ao diagnóstico e profilaxia do que na etiologia da doença, como
ocorreu em outros lugares onde a epidemia incidiu. Contudo, enquanto a
medicina não chegava a consenso em torno do diagnóstico, a gripe espalhava-se
pela cidade.
No início de outubro, nota publicada no jornal A Tarde advertia que a
população da capital se encontrava sob ameaça de uma epidemia que, em razão
de sua virulência e da rapidez de sua propagação, vinha causando sérios
prejuízos (A Tarde, 05.10.1918, p. 1). Segundo a reportagem, o raio de ação da
epidemia alargara-se a ponto de paralisar fábricas e diminuir o tráfego da Linha
Circular, tendo em vista o grande número de operários atingidos pela doença, que
47
A hipótese defendida por Prado Valladares mostrava-se em conformidade com a apresentada
por Américo Pires de Lima, professor da Universidade do Porto, e pelo pesquisador português
Carlos França, os quais defendiam o diagnóstico de febre dos três dias, provocada pelo
Phlebotomus papatassi (Diário da Bahia, 26.09.1918, p. 3).
Em conferência realizada na
Associação Médica Lusitana, Américo Pires de Lima afirmou que a epidemia reinante era
provocada por um agente invisível e filtrável, encontrado no sangue (ibid.). Tal proposição
amparava-se em estudos anteriores, segundo os quais “a inoculação de sangue, mesmo filtrado,
dum doente feita num são é seguida dum ataque característico” (ibid.). Carlos França estudava a
febre dos três dias desde inícios da cada de 1910, e no período de incidência da gripe
espanhola em Portugal comparou o quadro de sintomas da febre estudada com os apresentados
no decorrer da pandemia (Diário de Notícias, 01.10.1918, p. 1). Para o pesquisador, aquela
moléstia era provocada por um agente invisível e filtrável, tal como o da dengue e o da febre
amarela, e era transmitida pela fêmea de uma espécie de mosquito o Phlebotomus papatassi
(ibid.). Para comprovar sua hipótese, Carlos França procedeu à reprodução experimental da
doença nas condições em que esta havia ocorrido pela primeira vez, tendo o cuidado de coletar,
no local de sua manifestação, o provável transmissor (ibid.). Para classificar este último, o cientista
enviou amostras ao médico baiano, Dr. Arthur Neiva, então pesquisador do Instituto Oswaldo
Cruz, do Rio de Janeiro, o qual as identificou como flebótomos. Em 1912, o pesquisador
considerou comprovada a sua tese e tratou de submetê-la ao julgamento dos seus pares,
apresentando-a na Société de Pathologie Exotique de Paris, no ano seguinte (ibid.). Entretanto, ao
final das suas experimentações, o Dr. França admitiu que o quadro sintomático da febre dos três
dias apresentava algumas divergências com o da gripe: o doente acometido por aquela febre não
apresentava catarro nasofaríngeo, nem lesões broncopulmonares, como em casos de gripe, e a
temperatura do corpo permanecia elevada apenas por três dias (ibid.). De acordo com o médico, a
duração do estado febril na gripe era de oito dias, muito maior que na “febre dos três dias” (ibid.).
A suposição de que o agente etiológico da gripe espanhola fosse transmitido por um inseto,
particularmente pelo Phlebotomus papatassi, foi contestada por cientistas e médicos de vários
países. O médico espanhol, Pittaluga, descartou a possibilidade de febre dos três dias, tendo em
vista o fato de não ter sido encontrado em Madri nenhum exemplar do papataci (Diário da Bahia,
op. cit., p. 3). Para Pittaluga, a inexistência do agente transmissor inviabilizava aquela proposição
(ibid.). Em Paris, o anatomopatologista Arnold Netter também contestava a hipótese de febre
papataci ou dengue Levante, argumentando que, conquanto tal flebótomo fosse encontrado em
Portugal, Espanha Itália e em parte da França, não se podia constatar a sua presença em abril,
período em que ocorreu a erupção da epidemia (Revue D’Hygiène..., op. cit., p. 550).
164
se mostrara altamente contagiosa (ibid.). Para o articulista, por mais benigna que
parecesse a doença não deixava de impressionar, não só pelos efeitos verificados
até aquele momento, mas também “pelas suas conseqüências ulteriores” (ibid.).
Diante dos fatos, o repórter duvidava que se tratasse de “simples influenza
passageira e rápida” (ibid.).
Uma vez que se acentuava a interferência da doença na vida cotidiana,
aumentando a apreensão, a sociedade cobrava uma resposta da medicina e das
autoridades baianas (Diário da Bahia, 03.10.1918, p. 1). Para a imprensa de
oposição, o governo encontrava-se paralisado: nada fazia além de aguardar que
os médicos determinassem a etiologia da doença (ibid.).
Para a população afetada pelo mal, ainda que não tivesse sido definido o
patógeno responsável por aquela doença, urgia que fossem tomadas as medidas
necessárias para combatê-la. Matéria publicada no Diário da Bahia revelava a
inquietação da população, e clamava impacientemente: “influenza espanhola ou
brasileira; a febre dengue, ou de papataci, qualquer que seja o mal que nos
agride, deve de ser combatido” (Diário da Bahia, 11.10.1918, p. 1).
Mesmo sob pressão da imprensa, a Diretoria Geral da Saúde Pública da
Bahia (DGSPB), antes de qualquer medida, nomeou uma comissão de médicos
para estudar a doença epidêmica. De acordo com aquela seção governamental,
era preciso determinar primeiro se na Cidade da Bahia
48
grassava a gripe,
identificada como doença benigna e sazonal,
49
ou se o mal que invadira Salvador
48
Esta era designação corrente de Salvador, na primeira metade do século XX.
49
A gripe é velha conhecida do homem. Sucedem-se na história relatos sobre a incidência de
doenças cujas características se enquadram no que hoje concebemos como uma epidemia de
gripe intempestiva aparição de enfermidade respiratória aguda, altamente contagiosa, que
persiste por poucas semanas e, subitamente, desaparece (Beveridge, 1977, p. 25-6; Ayora-
Talavera, 1999, p. 58). Em 412 a.C., Hipócrates descreveu a síndrome que hoje reconhecemos
como aquela originada pelo vírus influenza; também existem registros de epidemias de doenças
semelhantes durante a Idade Média.
Desde o século XV, epidemias e pandemias de gripe incidem sobre o continente americano. Para
Roy Porter, a gripe foi trazida ao Novo Mundo pelos europeus, em conseqüência do transporte de
suínos contaminados a bordo dos navios do Velho Continente que aportavam no território a ser
conquistado (Roy Porter, 2004, p. 27). Entretanto, Valdez Aguilar afirma que a gripe já se
encontrava presente no continente americano antes mesmo da chegada dos europeus – há
relatos de que uma doença, denominada pelos cronistas astecas “catarro pestilencial”, incidiu de
forma epidêmica, entre 1450 e 1456, na parte central do território atualmente conhecido por
México, produzindo grande número de vítimas (Valdez Aguilar, 2002, p. 40). A partir do século
XVI, inúmeras epidemias e pandemias se sucederam, atingindo territórios cada vez mais vastos,
ainda que apresentassem severidade variável.
Contudo, Beveridge adverte que os registros realizados antes do século XVIII são muito
irregulares para permitir a elaboração de uma crônica completa das pandemias de gripe
165
era o mesmo que assolava o cenário da Primeira Guerra Mundial. Tal
conhecimento nortearia as ações daquele órgão do governo estadual no combate
à epidemia.
O posicionamento adotado pelas autoridades, bem como as críticas e
reivindicações veiculadas na imprensa, revelam-nos quanto se tornara importante
o processo de determinação da doença. A idéia da doença como um ontos real,
um princípio racionalmente organizado, presidia o raciocínio das autoridades
médicas e sanitárias da época e embasava as tarefas socialmente
indispensáveis, como o diagnóstico e o prognóstico, bem como a racionalização
da profilaxia e da prática terapêutica.
50
Os médicos Frederico Koch, Dyonisio Pereira e Aristides Novis, nomeados
pelo Diretor Geral da Saúde Pública da Bahia para estudar a epidemia, eram
representantes da elite médica estadual
51
, profissionais com grande credibilidade
não entre seus pares, como em toda a sociedade baiana.
O objetivo da
comissão era averiguar “a natureza, difusão e gravidade da moléstia” e apresentar
um parecer, com a brevidade que as circunstâncias exigiam (Gazeta Médica da
Bahia, 1918, 50: p. 150). Assim, esses médicos optaram pela investigação clínica,
elegendo por campo de pesquisa diversas corporações e instituições públicas e
privadas de Salvador, locais onde havia aglomeração humana (Anexo I).
(Beveridge, op. cit., p. 27). Desse período em diante, os relatos dos eventos foram ficando cada
vez mais sistemáticos e detalhados, permitindo conhecimento mais preciso sobre o assunto (ibid.).
No que se refere especificamente ao Brasil, os registros sobre a incidência de epidemias e
pandemias tornam-se mais precisos a partir do século XIX (Beveridge, op. cit., p. 29-30).
Provavelmente, tais pandemias atingiram Salvador, tendo em vista que se tratava de uma cidade
em cujo porto ancoravam navios de variadas procedências. Contudo, dentre as ondas epidêmicas
que incidiram sobre a Bahia durante o século XIX, a de 1889-1890 recebeu destaque em artigos
publicados nos periódicos leigos ou especializados, bem como em teses de final de curso
apresentadas à Faculdade de Medicina da Bahia.
50
Segundo Porter, na primeira metade do culo XIX, estudos realizados por Laënnec e Pierre
Louis ajudaram a consolidar o conceito de que as doenças eram entidades específicas, “coisas
reais” (Porter 2004, p. 100). Rosenberg afirma que o acesso aos cuidados de saúde está
estruturado em torno da construção da legitimidade dentro de uma diagnose consensual.
Conceitos de doença implicam constrangimento e legitimação de comportamentos individuais e de
políticas públicas (Rosenberg, 1992, p. 306).
51
Tais médicos, além de comporem o quadro da Inspetoria Sanitária, subordinada à Diretoria
Geral da Saúde Pública da Bahia, clinicavam na cidade e exerciam a atividade de professores da
Faculdade de Medicina da Bahia. Frederico Koch era inspetor sanitário do 15º distrito e professor
da Faculdade de Medicina da Bahia, ocupando a cadeira de farmacologia e arte de formular, no
período de 1917 a 1919; Aristides Novis lecionou na mesma instituição e, no ano de 1919, ocupou
a cadeira de fisiologia, atuando também como inspetor sanitário do distrito; Dyonisio Pereira
também exerceu a função de inspetor sanitário do 4º distrito. Para saber mais, ver Eduardo de
Oliveira em Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia, concernente ao ano de 1942
(Salvador, Centro Editorial e Didático da UFBA, 1992, p. 431-435).
166
A comissão examinou um número superior a 500 doentes, e após a
observação dos sintomas e sinais manifestados pelos infectados, concluiu que
não se tratava de nenhuma doença nova, apavorante pela “novidade ou pelos
efeitos, mas sim de gripe ou influenza, suficientemente caracterizada na sua
fisionomia clínica, [...] periodicamente observada na Bahia, com a sua costumada
benignidade”, embora se desenvolvesse, naquele período, “num raio mórbido de
alcance muito maior” (ibid., p. 151, grifo nosso).
Para a comissão tratava-se de doença sazonal, clinicamente caracterizada.
Para os médicos, os estudos até então realizados nos grandes e prestigiados
centros de pesquisa científica do mundo davam conta de questões-chave, como a
etiologia, a patogenia, a sintomatologia, etc. Assim, os inspetores sanitários não
tiveram dúvidas sobre o patógeno com o qual estavam lidando o Haemophilus
influenzae descoberto por Pfeiffer desde 1892 e reiteradas vezes confirmado por
renomados cientistas (ibid., p. 153). Essa também havia sido a opção das
autoridades médicas e sanitárias de vários países onde a gripe irrompeu.
Os médicos observaram que na Bahia a gripe manifestara-se na sua forma
clínica mais comum a respiratória –revelando, algumas vezes, ligeiros distúrbios
gastrintestinais (ibid.). Segundo a comissão, a doença instalava-se rapidamente e,
em geral, os acometidos apresentavam elevação da temperatura numa escala
variável de 38 a 40 graus, inflamação nas vias respiratórias superiores, mialgia,
cefaléia e lassidão; tais manifestações mórbidas poderiam se intensificar, mas sob
tratamento se atenuariam, tendendo a desaparecer num prazo médio de três ou
quatro dias (ibid., p. 151-152).
Para os médicos, a disseminação da moléstia por toda a cidade devia-se
ao caráter de extrema contagiosidade e difusibilidade da doença. Naquele
período, o que contribuía para aumentar sua capacidade de propagação e
velocidade de transmissão, conferindo maior vulto à epidemia, era “a superlotação
de várias habitações coletivas, por isso constituídas em núcleos evidentes de
irradiação epidêmica” (ibid., p. 152). A comissão também considerava importante
a instabilidade das condições meteorológicas apresentadas naquela quadra as
bruscas oscilações de temperatura, pressão e umidade atmosféricas
predispunham o organismo à ação do patógeno e favoreciam a proliferação da
doença (Anexos II e III) (ibid.).
167
Apesar de os estudos estabelecerem que a incidência daquela doença
ocorria independentemente de climas ou estações, sabia-se que determinadas
condições de temperatura e umidade favoreciam a proliferação do patógeno e a
propagação da moléstia baixas temperaturas, umidade relativa alta, ou a
combinação das duas condições, ajudavam a propagar a infecção (Philips &
Killingray, op. cit., p. 5). Embasados nesse conhecimento, os médicos baianos
afirmaram que ali a doença não tomaria “outro caráter de virulência”, tendo em
vista que o clima da Bahia era “impróprio às calamitosas façanhas do diplo-bacilo
de Pfeiffer” (Gazeta Médica da Bahia, op. cit., p. 153).
Conforme o exposto, os médicos integrantes da comissão eram
profissionais de larga experiência, com lugar de destaque na sociedade
soteropolitana, ocupavam cargos no serviço público de saúde do estado e
integravam uma instituição tradicional e de renome como a Faculdade de
Medicina da Bahia. Além de tais credenciais, amparavam-se em teorias já
consagradas no meio científico e acadêmico nacional e internacional. Ainda
assim, ao emitirem o próprio parecer, fizeram questão de ressalvar que tanto o
seu diagnóstico quanto o seu prognóstico eram fundamentados nos elementos
clínicos que lhes foi possível reunir nos limites da brevidade de tempo exigida
pelo caso (Gazeta Médica da Bahia, 1918, 50: p. 151).
A ressalva apresentada pela comissão justificava-se, pois se de um lado a
capacidade de distinguir, definir e dar nome a um conjunto de sintomas e sinais
confere legitimidade à pratica curativa e ao status alcançado pelo médico, de
outro, o constrange, não pela circunstancialidade desse conhecimento, como
também pelo crescente e necessário ajuste do diagnóstico e das diretrizes de
tratamento (Rosenberg, 2002, p. 253).
Todavia, apesar da perplexidade geral diante da virulência de uma doença
até então manifestada de forma benigna, a opinião pública não ousava colocar
em dúvida a capacidade daqueles homens da ciência para desvendar o mistério
que envolvia o agente causal da moléstia. Ainda que criticasse a lentidão do
processo, posto que a vida e a morte urgiam, a imprensa baiana fazia questão de
ressaltar: “Não se pense, contudo, que sejamos capazes de pôr em duvida as
aptidões e comprovada competência dos ilustres médicos [...] que se acham
168
incumbidos dos estudos clínicos sobre a epidemia(Diário da Bahia, 03.10.1918,
p. 1).
52
Segundo Álvaro de Carvalho, nesse período se havia instaurado na
Bahia “uma evolução progressiva da clínica, tendo por ponto de partida o
aperfeiçoamento e a ampliação de sua base fundamental físico-química, tanto
para os recursos de pesquisa, de indagação diagnóstica, como para os seus
processos curativos” (Gazeta Médica da Bahia, 1916, 48: p. 213). A clínica
tomava para si tudo o que encontrava – os clínicos colocavam a serviço do
diagnóstico o termômetro, o microscópio, o laringoscópio, o oftalmoscópio, assim
como os exames de sangue, de urina e outros meios de contraprova e análises,
recorrendo também às investigações bacteriológicas e experimentais (Lopes
Piñero, op. cit., p. 111). Para tanto, concorria a formação acadêmica dos
profissionais de medicina, que desde os primeiros anos de ingresso na Faculdade
de Medicina da Bahia iniciavam as aulas práticas nas enfermarias dos hospitais e
nos laboratórios anexos, onde praticavam os exames elucidativos dos casos
clínicos estudados (Gazeta Médica da Bahia, op. cit., p. 218). Esses casos eram
apresentados às associações médicas, discutidos entre os seus pares e, em
seguida, publicados em periódicos especializados, divulgando-se assim o saber
produzido na época.
Quando a espanhola” irrompeu na Bahia, o estado contava com um
instituto (Instituto Oswaldo Cruz da Bahia) voltado para as pesquisas
bacteriológicas, de microbiologia e parasitologia (Moniz de Aragão, 1920, p. 116).
De acordo com o relato do governador Moniz de Aragão, em 1918 foram
realizados “156 exames microscópicos e bacteriológicos diversos, para
52
O prestígio alcançado pelos médicos baianos fazia com que estes profissionais fossem
solicitados a prestar seus serviços em outras localidades devastadas pela gripe espanhola. Assim
ocorreu com o grupo de médicos que participou do 8º Congresso Médico realizado naquele ano no
Rio de Janeiro. Em face da calamidade que se abatera sobre aquela cidade, os doutores
Clementino Fraga, Octávio Torres, Cesario de Andrade e Armindo Fraga não hesitaram em se
colocar a serviço da população da Capital Federal. Quando declinou a epidemia, Carlos Chagas
fez questão de telegrafar ao governador da Bahia, bem como àqueles médicos, elogiando-os, em
nome do governo da Republica, pela assistência prestada aos enfermos nos hospitais onde
serviram (Diário de Notícias, 12.11.1918, p. 2; O Democrata, 07.12.1918, p. 1). O Diretor de
Higiene do Estado de Minas Gerais, Samuel Libânio, também fez questão de oficiar a Alberto
Muylaert, elogiando os serviços prestados naquele estado pelo médico baiano Augusto Gonçalves
de Castro Cerqueira (Diretoria da Saúde Pública da Bahia, Ofícios recebidos..., 1918).
169
elucidação de diagnósticos”, atendendo a solicitações não só de médicos da
saúde pública, mas também de outros clínicos (Mensagem..., 1919, p. 64).
Além desses mecanismos elucidativos, a investigação anatomopatológica
constituía prática comum entre os médicos baianos.
53
No período de incidência da
epidemia, Mario Andréa dos Santos
54
, inspetor sanitário do estado, realizou o
exame anatomopatológico em pulmões de sete pessoas vitimadas pela gripe.
Após proceder à sua investigação, o médico concluiu que as alterações
encontradas no aparelho respiratório das timas eram resultantes do processo
inflamatório observado na broncopneumonia e pneumonia, o que confirmava os
exames macroscópicos criteriosamente realizados no Instituto Nina Rodrigues
55
(Diário de Notícias, 26.10.1918, p.1).
Prática recorrente também entre médicos e pesquisadores de diversos
lugares do mundo, os exames anatomopatológicos foram utilizados com a
finalidade de desvendar o agente específico da gripe espanhola. As lesões
encontradas eram praticamente as mesmas. Contudo, tais exames pouco ou
nada contribuíram para a elucidação do patógeno responsável pela doença. Tanto
os resultados obtidos por meio de autópsia dos cadáveres dos “espanholados”
quanto aqueles provenientes das análises bacteriológicas apontavam alguns
caminhos; estes, entretanto, já traziam em seu bojo os germens da dúvida.
53
Em 1891, Nina Rodrigues publicou na Gazeta Médica da Bahia seu estudo de caso realizado
nas enfermarias do Hospital Santa Isabel durante a pandemia de gripe de 1890 –, cujo diagnóstico
sofrera vários reajustes no decorrer da doença, que redundou em morte (Gazeta Médica da Bahia,
1891, 22: p. 548-57). Para comprovar o diagnóstico final, Nina procedeu à necropsia do cadáver,
observando que as lesões encontradas correspondiam às causadas pela gripe reinante na cidade
(ibid., p. 555-6). Durante a epidemia de 1895, Alfredo Britto utilizou-se do mesmo recurso de
confirmação diagnóstica, relatando também o seu estudo de caso na Gazeta Médica da Bahia
(Gazeta Médica da Bahia, 1895, 27: p. 260 ).
54
Além de compor o quadro da Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia na função de inspetor
sanitário, o Dr. Mário Andréa também era Professor da Faculdade de Medicina da Bahia,
ocupando, no período de 1916 a 1925, a cadeira de Anatomia e Fisiologia Patológica.
55
O Instituto dico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR), criado em 1906 pelo Prof. Oscar Freire, e
intitulado Nina Rodrigues pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, passou mais de
sessenta anos funcionando junto ao prédio desta tradicional escola, na época localizada no
Terreiro de Jesus. O nome Nina Rodrigues deve-se à homenagem prestada pela congregação da
faculdade a Raimundo Nina Rodrigues, professor catedrático de Medicina-Legal, falecido naquele
mesmo ano, aos 44 anos de idade. O IMLNR passou a funcionar de forma conveniada com a
União, após acordo firmado em 31 de dezembro de 1907. Em dezembro de 1911, um decreto
determina a reorganização do serviço de perícias oficiais, e Oscar Freire torna-se o primeiro
diretor do IMLNR. Destacam-se, entre as atribuições do instituto, as atividades periciais em mortos
Tanatologia (necropsia e exumação), Identificação de Cadáveres e Antropologia Física, além da
realização de exames complementares de interesse da prova pericial.
170
Todavia, conforme informamos anteriormente, era do conhecimento da
classe médica baiana que a gripe constituía doença de grande contagiosidade,
capacidade de propagação e velocidade de transmissão. Os médicos sabiam
também que os indivíduos infectados tornavam-se agentes disseminadores do
gérmen, pois expeliam em seu ambiente esputos ou perdigotos contaminados, os
quais vinham a ser inalados pelos que se encontravam na circunvizinhança
(Diário da Bahia, 29.10.1918, p. 1).
Assim, a comissão designada para estudar o evento epidêmico sugeriu que
os lugares ou eventos onde ocorria maior proximidade entre as pessoas deveriam
tornar-se alvo da atenção médica e da ação sanitária – casas de diversões,
teatros, cinemas, mercados, ascensores, bondes, templos, internatos, quartéis,
etc., precisariam sofrer desinfecções sistemáticas; as ruas teriam de ser
constantemente irrigadas para evitar que as poeiras irritassem as vias
respiratórias; e as reuniões seriam necessariamente desestimuladas (Gazeta
Médica da Bahia, 1918, 50: p. 153). Além dos espaços de convívio social, como
os locais de diversão ou de culto religioso, e dos ambientes de trabalho e de
confinamento, também as habitações coletivas
56
eram vistas como focos
importantes de propagação da doença (ibid.).
Vale relembrar que, nas duas primeiras cadas do século XX, a pouca
oferta de moradia, aliada à falta de poder aquisitivo da maioria da população,
fazia com que os cortiços, as casas de cômodo, os porões e sobrelojas,
superlotados de gente, se multiplicassem em Salvador.
57
Para a comissão
incumbida de estudar a epidemia, esse era um dos fatores responsáveis pelo fato
de a doença se propagar numa velocidade tão acelerada e num raio de ação tão
abrangente.
Segundo as notícias veiculadas nos jornais, a cidade se transformara em
verdadeiro hospital, com quarteirões inteiros invadidos pela gripe. Nota veiculada
em O Imparcial, por exemplo, informava que não havia casa em Salvador onde o
mal não tivesse penetrado, com maior ou menor virulência (O Imparcial,
16.10.1918, p. 1).
58
56
Casas de cômodo, cortiços, pensões, internatos, conventos, hotéis, etc.
57
Este assunto foi mais amplamente discutido no Capítulo I.
58
Ver também a notícia publicada no jornal A Tarde, apresentada no início deste item.
171
As autoridades médicas sabiam que as medidas defensivas e restritivas
pouco ou nada adiantavam – só funcionariam se fossem proibidas todas as
relações sociais e comerciais, interdição praticamente impossível numa cidade
portuária, cuja economia girava em torno do comércio de exportação e
importação. Assim, além da profilaxia de caráter geral, aqueles médicos
consideravam importante que as pessoas cuidassem da sua higiene pessoal:
evitassem aglomerações de pessoas e espaços confinados, e por precaução
fizessem “uso de desinfetantes nas vias respiratórias superiores” nariz e
garganta por meio de aplicações de vaselina mentolada ou gomenolada nas
narinas e de gargarejos com fenosalil ou com água oxigenada” (Gazeta Médica
da Bahia, 1918, 50: p. 153).
Os médicos, portanto, não ignoravam a fragilidade das medidas
recomendadas; argumentavam, porém, que embora estas não jugulassem o mal,
teriam certamente a valia de restringir seu desenvolvimento, em virtude da relativa
proteção que acarretavam (ibid., p. 153). Ao mesmo tempo, tais medidas
procuravam atacar os elementos que afetavam correntemente o quadro sanitário
geral e, naquele momento, influenciavam negativamente o curso da epidemia em
Salvador.
Ao examinarmos os relatórios elaborados pelos médicos encarregados de
atender aos distritos sanitários de Salvador nas primeiras décadas do século XX,
verificamos que dentre as medidas de saúde recomendadas figurava a melhoria
da qualidade de vida da população de baixa renda. Esses profissionais faziam
questão de salientar que o indivíduo mal-alimentado, extenuado pelo trabalho
excessivo, enfraquecido pelo álcool, vivendo em condições insalubres, exposto
constantemente às intempéries do tempo, seria presa fácil das doenças,
principalmente as infectocontagiosas.
Conforme referido em capítulos anteriores, na Bahia da República Velha, o
olhar das elites de modo geral, e dos médicos integrantes do serviço de saúde
pública da Bahia em particular, voltava-se aos poucos para a saúde e as
condições de vida dos despossuídos. Saturada de idéias originárias do
evolucionismo, da higiene social e das teorias de degeneração e herança
genética, a classe médica assumiu papel fundamental nas ações de saúde
pública, preocupando-se não com assuntos de medicina, mas com a
172
implementação de ações defensivas e de controle social, além de preconizar
intervenções na vida privada e no meio ambiente, relacionando-as ao ideário de
progresso, civilização e modernidade em vigor naquele período. Os médicos que
integravam o serviço público de saúde deveriam controlar a venda de alimentos,
inspecionar as moradias e o meio urbano, monitorar os hábitos de saúde da
população – incluindo-se neste aspecto a higiene pessoal e doméstica, a nutrição,
os níveis de alcoolismo e alfabetização –, além de apontar as condutas
consideradas imorais.
3.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Rosenberg, uma epidemia exige respostas imediatas da sociedade, e
estas respostas são balizadas pelo contexto de pressão moral e política, comum
às crises epidêmicas (Rosenberg, 1992, p. 285).
No período de incidência da
gripe espanhola, a atuação dos médicos baianos esteve condicionada não à
própria crise epidêmica em si, como também ao contexto profissional,
sociocultural e político em que se achavam inseridos. Em meio às disputas
políticas e às dissonâncias dominantes no meio acadêmico e científico
internacional, os profissionais que integravam o quadro do serviço público de
saúde precisavam demonstrar segurança, competência e agilidade diante da
população em geral, não só estabelecendo o diagnóstico, como administrando a
profilaxia e a terapêutica de praxe, conforme veremos no capítulo que se segue.
A comissão nomeada para estudar o evento epidêmico na Bahia
considerou que o problema da etiologia já havia sido resolvido por Pfiffer em
1892. Valendo-se de critérios clínicos e epidemiológicos, os médicos
estabeleceram o diagnóstico de gripe e, conscientes da sua extrema difusibilidade
e contagiosidade da doença, sugeriram medidas de saúde pública no sentido de
tentar conter o seu avanço na cidade. Entretanto, as medidas para proteger a
população e controlar a disseminação da doença foram implementadas depois
que o evento epidêmico foi assimilado pelas autoridades políticas e sanitárias. No
capítulo que se segue, veremos que, enquanto isso, a espanhola” espalhava-se
por Salvador, prosseguindo a sua ceifa de vidas humanas.
CATULO IV
AESPANHOLA” EM SALVADOR – O COTIDIANO DA
CIDADE DOENTE
Neste capítulo, traçaremos a trajetória da epidemia de gripe em Salvador,
analisando as condições que favoreceram a sua disseminação. Nesse sentido,
daremos visibilidade aos indivíduos ou grupos sociais atingidos pela doença, bem
como aos espaços sociais e geoeconômicos nos quais estes estavam inseridos.
Revelaremos, também, o modo pelo qual a doença se infiltrou nas vidas
das pessoas, e a sua repercussão no cotidiano da cidade – as atitudes dos
habitantes diante da invasão da doença e da ameaça da morte, assim como a
resistência pacífica às medidas sanitárias contrárias às práticas culturais relativas
aos ritos que acompanhavam o adoecimento, o morrer e a morte.
4.1. A INFLUÊNCIA DA GRIPE NO QUADRO SANITÁRIO DA BAHIA
A Baía de Todos os Santos era definida como o portal de entrada das
doenças mais diversas. A gripe figurava entre as moléstias que periodicamente
faziam visita a esse porto sem que o fato provocasse grandes transtornos à rotina
da cidade exceção feita à pandemia que atingiu a Bahia em janeiro de 1890,
174
trazida por um paquete procedente de Hamburgo, na Alemanha (Diário da Bahia,
29.10.1918, p. 1).
Naquela ocasião, as primeiras manifestações da doença, ocorridas na rua
Carlos Gomes, foram registradas pelo médico Gustavo dos Santos (Gazeta
Médica da Bahia, 1891, 22: p. 550). Em fevereiro daquele ano, a moléstia
propagou-se pelo restante da cidade: atacou a colônia alemã,
1
os empregados do
setor de serviços, os operários das fábricas e corporações diversas (ibid., p. 550-
551). Embora benignos em sua maioria, os casos tornaram-se muito numerosos,
chegando a atingir quase metade da população (ibid., p. 552-556).
Em 1895, nova onda de gripe incidiu sobre Salvador. Dessa vez, o foco
primitivo foi o quartel do corpo do regimento policial (Gazeta Médica da Bahia,
1895, 27: p. 234-237, 257-272). Em razão da capacidade de propagação e da
velocidade de transmissão característica da moléstia, verificou-se, também dessa
vez, seu rápido progresso por toda a cidade. Entretanto, ainda que não houvesse
na época maior precisão e constância das estatísticas nosológicas, o depoimento
dos médicos apontavam baixa taxa de mortalidade (ibid.).
Depois de anos de relativa calmaria, nos quais a gripe acometia os baianos
sazonalmente e de forma branda, em 1918 a doença voltou a atingir a Bahia,
manifestando-se na sua forma mais virulenta. Todavia, os primeiros rumores
sobre a existência de uma epidemia de gripe em Salvador não provocaram
alarme, nem entre os médicos, nem entre as autoridades políticas e sanitárias
baianas acreditavam tratar-se de mais um surto da gripe benigna que visitava
periodicamente a Bahia.
Consultados pela imprensa leiga sobre a natureza da doença em curso em
Salvador, os médicos mostraram-se cautelosos ao emitir sua opinião. Tal cuidado
se justificava, não só pelo contexto de controvérsias e incertezas que dominava o
cenário acadêmico-científico mundial, como também pelo curto espaço de tempo
de que dispunham, naquele primeiro momento, para observar o conjunto de
1
Barreto e Aras (op. cit.) discorrem sobre a colônia alemã na Bahia durante o século XIX.
Segundo as autoras, os alemães começaram a se fixar na Bahia a partir da abertura do Consulado
de Hamburgo em 1820 (ibid., p. 152- 153). Com a intensificação das relações comerciais entre
esta província e as cidades hanseáticas de Lübeck, Bremen e Hamburgo, o fluxo de germânicos
aumentou, e o envolvimento destes em atividades relativas ao agrocomércio de exportação
justificou a sua fixação na província, bem como a criação de determinada estrutura para atender
às necessidades da comunidade que se formava assistência médica, escolas, clubes e até um
cemitério (ibid., p. 153).
175
sintomas e sinais dos acometidos pela doença. Contudo, a maioria optou pelo
diagnóstico de gripe, ressaltando que como sempre a doença se manifestava de
forma benigna. No entender da comissão de médicos designada para estudar o
assunto, a epidemia reinante era de gripe, doença benigna, com quadro clínico
suficientemente caracterizado, a qual na ocasião incidia de forma mais virulenta.
De outro lado, a presença de doenças mais preocupantes que a gripe
diminuía a importância desta última aos olhos das autoridades competentes. Ao
considerarmos apenas o período imediatamente anterior à incursão da
“espanhola” de 1912 a 1917 verificaremos que a gripe sempre esteve
presente nas estatísticas nosológicas de Salvador. No entanto, os óbitos
derivados dessa doença eram em número insignificante diante daqueles
causados por outras enfermidades, conforme se pode observar no gráfico a
seguir
2
:
Gráfico 1
Mortalidade por Moléstias Transmissíveis
Fonte: ARAGÃO, Moniz de (1920)
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919
Tuberculose
Impaludismo
Gripe
Disenteria
Varíola
Febre amarela
Fonte: Moniz de Aragão, 1920, p. 98.
2
Optamos por este intervalo de tempo, considerando apenas como fonte para esta análise os
dados informados por Moniz de Aragão, governador entre 1916 e 1920, período no qual a
epidemia de gripe espanhola irrompeu na Bahia. Nota-se que durante o tempo em que o grupo
seabrista esteve à frente do Governo do Estado, dá-se maior importância às estatísticas
nosológicas. Vide os pronunciamentos dos governadores na Biblioteca do Arquivo Público do
Estado da Bahia ou no site:
www.crl.uchicago.edu/info/brazil. Último acesso em 27.02.2007.
176
De acordo com os dados demonstrados no Gráfico 1, nos seis anos que
precederam a epidemia de gripe, a taxa de mortalidade provocada por doenças
como a disenteria e, sobretudo, a tuberculose e o impaludismo manteve-se mais
alta não em relação à gripe, como também a doenças como a peste, a varíola
e a febre amarela. Vale lembrar que, no período estudado, estas últimas recebiam
atenção especial tanto do governo federal, quanto do estadual, ainda que se
mostrassem incipientes as medidas profiláticas e os recursos destinados à sua
implementação.
O que dizer então da gripe, que nem mesmo era considerada uma doença
de notificação compulsória?
3
O tratamento dado à gripe dificultava, por parte das
autoridades sanitárias, a percepção da incidência desta doença como um evento
epidêmico. Esse fator, aliado à familiaridade com a moléstia e à crença inicial na
sua benignidade, à necessidade de se estabelecer o diagnóstico, às dificuldades
financeiras enfrentadas pelo estado e pelo município, assim como à lentidão
característica dos trâmites burocráticos, próprios do serviço público tudo
contribuiu para postergar a tomada de decisões.
Todavia, além da complexidade que esses elementos conferem ao
processo de aceitação e reconhecimento da epidemia, precisamos considerar
também o fator tempo. O período de incidência da gripe em Salvador foi curto.
Tomando por base a versão oficial, verificamos que a “espanhola” permanece em
Salvador por um período aproximado de 96 dias – em finais de setembro de 1918
são registrados os primeiros casos da doença; a partir de novembro esta começa
a declinar, extinguindo-se, finalmente, no mês de dezembro do mesmo ano (ibid.).
A gripe se propagou a uma velocidade inversamente proporcional ao tempo
necessário para o estabelecimento do diagnóstico e das cabíveis medidas
profiláticas e terapêuticas. Enquanto a sociedade discutia a natureza e as causas
3
As moléstias de notificação compulsória eram as seguintes: cólera e moléstias coleriformes;
peste; febre amarela; varíola; tuberculose; escarlatina e sarampo, quando ocorriam em colégios,
asilos ou habitações coletivas; difteria; febre tifóide; disenteria; lepra (Leis do Estado da Bahia do
Anno de 1917. Lei nº. 1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 62). De acordo com esse artigo, era
facultativa a notificação de qualquer outra doença transmissível.
177
da doença, bem como a melhor maneira de barrar o seu avanço, a “espanhola”
espalhava-se pela cidade.
4.2. A CIDADE DOENTE – AS RUPTURAS IMPOSTAS À VIDA COTIDIANA
É difícil precisar o momento da entrada da “espanhola” em Salvador. Vale
relembrar que, a partir do dia 24 de setembro de 1918, a imprensa passou a
denunciar a presença da “espanhola” na cidade, relacionando-a ao paquete inglês
Demerara, que atracara ao porto de Salvador no dia 11 daquele mês,
transportando passageiros infectados (O Imparcial, 23.10.1918, p.1/ 24.09.1918,
p. 1; A Tarde, 25.09.1918, p. 01). Reportagem publicada, algum tempo depois, no
Diário de Notícias informava que a bordo daquela embarcação haviam ocorrido
seis óbitos, e dentre os doentes desembarcados em Salvador tinham sido
registrados dois óbitos, sem que a DGSPB tomasse conhecimento desses fatos
(Diário de Notícias, 02.10.1918, p. 1). Segundo o repórter: “o primeiro foi de um
passageiro de terceira classe, que faleceu na Santa Casa dois dias depois, e o
outro, de uma moça [...] que [...] morreu no dia seguinte a ter desembarcado, na
casa onde fora residir à rua do Santo Cristo” (ibid.).
Se considerarmos, entretanto, o intenso movimento do porto de Salvador e
suas conexões comerciais com outros países, assim como o intervalo de tempo
necessário para que o patógeno infectasse os indivíduos e nestes se instalasse, a
doença se propagasse pela cidade, e a circunstância fosse percebida e registrada
pela imprensa e pelos médicos, poderemos inferir que o mal estivesse entre os
baianos muito antes das datas assinaladas.
O fato é que, ao final daquele mês de setembro, a gripe já estava
“grassando e cada vez mais violentamente” impressionando os soteropolitanos
pelo “extraordinário número de casos” (O Imparcial, 30.09.1918, p. 1). A doença
invadiu lares, corporações, oficinas e bricas, interferindo na rotina destes
estabelecimentos, e transtornando o cotidiano das pessoas (O Imparcial,
29.09.1918, p. 1). O tráfego dos bondes das companhias Linha Circular e Trilhos
Centrais foi seriamente prejudicado, uma vez que, acometidos pela gripe,
deixaram de comparecer ao trabalho mais de duzentos dos seus funcionários (A
Tarde, 30.09.1918, p. 1; O Imparcial, 30.09.1918, p. 1).
178
Em outubro, não havia “uma única casa” em Salvador, “onde o mal não
tenha penetrado com maior ou menor violência” (O Imparcial, 16.10.1918, p. 1).
“A cidade inteira está[va] transformada num hospital”, afirmava um jornalista, em
outra reportagem (O Imparcial, 23.10.1918, p. 1). No curto período de uma
semana de 27 de outubro a 2 de novembro –, 225 pessoas acometidas pela
gripe recorreram ao serviço público de saúde (O Democrata, 10.11.1918, p. 1). A
gripe invadia as casas, tomando quarteirões inteiros, despovoava os quartéis,
interferia na rotina dos serviços públicos, dos colégios e das fábricas, imiscuindo-
se até na redação e nas oficinas do jornal O Imparcial (O Imparcial, 16.10.1918, p.
1, A Tarde, 25.09.1918, p. 1).
Artigo publicado no O Imparcial informava que “um estado de pânico”
começava a tomar a cidade (O Imparcial, 24.10.1918, p. 1). O articulista o
médico Plácido Barbosa queria evitar a disseminação desse sentimento. Em
sua opinião, o pânico devia ser combatido em razão dos prejuízos que causava a
todos doentes e sãos (ibid.). Barbosa advertia que “a desordem dos espíritos
gera a desordem das coisas”, afetando as atividades necessárias (ibid.).
Entretanto, os temores do médico não se confirmaram. A passagem da
“espanhola” pela Bahia não provocou as reações próprias do pânico histeria
coletiva, fuga dos lugares infectados, distúrbios sociais, etc.
A partir da análise dos registros dos acontecimentos pela imprensa,
percebemos que o assédio da morte, as perdas, bem como as transformações
que uma crise epidêmica acarreta na vida dos indivíduos atingidos pela doença,
engendraram um medo próprio da necessidade natural de autopreservação. A
doença espalhava-se rapidamente, a morte subtraía pessoas da família, da rua,
do bairro e da cidade; em semelhantes situações temia-se perder as referências
próximas e longínquas.
4
As rupturas brutais impostas pela doença epidêmica à
vida cotidiana e às relações sociais disseminaram entre os soteropolitanos a
inquietude e a angústia próprias dos tempos de peste.
5
Nesse período, muitos dos eventos e atividades recreativas já
programados receberam a interdição da DGSPB. Conforme veremos no capítulo
4
Cf.: Delumeau, op. cit.
5
Ibid.
179
que se segue, com tal medida o órgão procurava evitar as aglomerações em
razão da oportunidade de contágio que estas ofereciam.
Assim, foi proibido o passeio às Salinas das Margaridas, planejado pela
irmandade de S. Bom Jesus da Redenção (Democrata, 25.10.1918, p. 1). O Liceu
Salesiano também não pôde realizar um passeio à cidade de Itaparica (Diário de
Notícias, 30.10.1918, p. 1). A DGSPB também solicitou à Sociedade Auxiliadora
do Conservatório que adiasse o festival em prol do Instituto de Música da Bahia, o
qual seria realizado no Polytheama Bahiano, no dia 27 de outubro (O Democrata,
25.10.1918, p. 1).
Inicialmente não foram proibidos os cultos e festejos religiosos. A DGSPB
recomendava apenas ao inspetor daquele distrito sanitário que procedesse à
desinfecção preventiva do local (Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1). Tal ocorrera
durante os atos festivos realizados na Catedral e na capela dos Aflitos, nos dia 26
e 27 de outubro (ibid.). Por fim, a DGSPB resolveu suspender as festas da Matriz
de Brotas, que previam a realização da procissão e de outros atos externos
(Diário de Notícias, 30.10.1918, p. 1).
Os ritos fúnebres também sofreram a interferência da autoridade pública. A
diretoria da higiene municipal baixou um edital que proibia às crianças
acompanharem enterros de anjos” e adultos, estabelecendo multa de 20$000
para aqueles que infringissem tal determinação (A Tarde, 10.10.1918, p. 1). À
época, era comum que as crianças também participassem dos ritos fúnebres,
principalmente em se tratando de velórios e enterros de “anjos” ou “anjinhos”,
como eram vulgarmente denominados os pequenos mortos (Leite, 1996, p. 126).
Na ocorrência de óbito por doença infectocontagiosa, independentemente da faixa
etária da vítima, os ritos que acompanhavam a passagem para a outra vida
deveriam ser abandonados, o sepultamento deveria ser feito com rapidez e
discrição, sendo proibido o acompanhamento do defunto por parte de amigos e
familiares.
Para essas ocasiões, a lei previa que o transporte e o enterramento deviam
ser feitos com as “devidas precauções [...] pela possibilidade [destes cadáveres]
de transmitirem ou dispersarem germens ativos de moléstias contagiosas” (Leis
do Estado da Bahia. Lei n.º 1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 52, p. 55). Para o
serviço de transporte do féretro até o cemitério, o Desinfectório Central
180
disponibilizava um dos seus carros puxados por muares; caso houvesse
necessidade, poderiam ser contratados os serviços dos bondes da Linha Circular
(Moniz de Aragão, 1920, p. 93). No entanto, as determinações da lei não eram
cumpridas à risca. As pessoas continuavam a acompanhar seus mortos até à sua
última morada, de outra forma não haveria necessidade de a prefeitura baixar o
edital mencionado na nota publicada pelo jornal A Tarde, tampouco de ameaçar
com multa os desobedientes.
Figura 19
Obituário
Fonte: Jornal de Notícias, 19.10.1918, p. 2.
Até a romaria aos cemitérios no Dia de Finados foi proibida, “em virtude do
estado sanitário desta capital” (Diário de Notícias, 28.10.1918, p. 1). Dessa
maneira, os soteropolitanos ficaram impedidos de prestar a tradicional
homenagem aos mortos.
6
A medida era impopular, visto que vinha de encontro a
um costume arraigado no seio da sociedade baiana. A supressão da liturgia
fúnebre, dessacralizava a morte, tornando-a ainda muito mais temível (Delumeau,
1989).
6
O tema da morte adquiriu relevância para os historiadores das mentalidades, na medida em que
revela a sociedade e as criações do imaginário coletivo para lidar com esse desfecho fatal. Cf.:
Delumeau, op. cit.; Philippe Ariès, 1989; Vovelle, 1987. João José Reis (1991), estudou as
representações da morte, o significado e as transformações ocorridas nos rituais funerários na
Bahia no decorrer do século XIX.
181
A privação de determinados ritos, que conferiam algum conforto, segurança
e identidade àqueles que perderam seus entes queridos, poderia não ser aceita
com tranqüilidade.
Todavia, o Diretor Geral da Saúde Pública apelava à “ordeira
população” que atendesse a essa disposição, tomada “em benefício da
coletividade” (O Democrata, 01.11.1918). Temendo alguma insurgência, “o sr.
Secretário da Policia mandou para os cemitérios oficiais policiadores com as
respectivas patrulhas” (A Tarde, 01.11.1918, p. 2).
A necessidade de se recorrer à força policial denota que a população de
Salvador não era tão submissa quanto desejava a autoridade pública.
7
Tratava-se
de um momento de grande tensão a cidade vivia sob a pressão da crise da
habitação, da alta constante dos gêneros de primeira necessidade e dos aluguéis,
do desemprego, e da ameaça de doenças epidêmicas como a gripe, a febre
amarela, a peste e o impaludismo.
Em razão da epidemia em curso, também foi suspenso, pelas autoridades
competentes, o desfile militar de 15 de novembro (Jornal de Notícias, 06.11.1918,
p. 3). A aglomeração de pessoas em eventos como esse contribuíria para a
disseminação da doença.
Nota veiculada no jornal A Tarde acrescentava que, além da cidade
enferma, “no mar, quase todos os navios estão[vam] convertidos em hospitais” (A
Tarde, 21.10.1918, p.1).
8
Dos nove navios ancorados na Baía de Todos os
Santos, sete traziam a bordo um número significativo de gripados média de
vinte tripulantes por embarcação (O Imparcial, 16.10.1918, p. 1; id., 19.10.1918, p.
1). No sentido de evitar que os baianos fossem contaminados por doentes vindos
de outras localidades, a Diretoria de Saúde Pública proibiu as visitas a bordo dos
navios que atracavam ao porto de Salvador (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 01;
O Democrata, 25.10.1918, p. 01). Esse tipo de atividade era comum entre os
7
Em 1835 explodiu uma revolta na Bahia a Cemiterada motivada pelas alterações dos rituais
funerários, impostas pelas autoridades sanitárias. Cf.: Reis, op. cit.
8
A metáfora do hospital era sempre utilizada para caracterizar lugares ou situações em que o
quadro sanitário fosse precário “o Brasil é um grande hospital”; “a cidade inteira está
transformada num hospital”; “todos os navios estão convertidos em hospitais”; etc. Cf.: Azevedo
Sodré. Saneamento do Brazil – Discursos. Rio de Janeiro: Tipografia Bernard Fréres, 1918;
Pereira, Miguel. “O Brasil ainda é um imenso Hospital discurso pronunciado por ocasião do
retorno do Prof. Aloysio de Castro da república da Argentina”. In: Revista de medicina do Centro
Acadêmico Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. N. 22, vol. 3,1922,
p. 3-7.
182
soteropolitanos, fosse para embarcar os que viajavam ou recepcionar os que
chegavam, fosse para conhecer a beleza, o conforto e os avanços tecnológicos
introduzidos nas embarcações que ali aportavam. Assim, a chegada de um
grande navio ao porto constituía-se, àquela época, em uma atração, pela
oportunidade de lazer ou mesmo de sociabilização entre as pessoas que
transitavam a bordo.
Em momentos de surtos epidêmicos, o medo do contágio e da morte
conseqüente pode vir a desestruturar costumes arraigados no seio de uma
sociedade.
9
A gripe, ainda que reportada pelas autoridades públicas como
benigna, gradualmente interferia nos hábitos e costumes dos soteropolitanos,
modificando-lhes também o humor levava ao isolamento e suscitava, entre os
que se sentiam ameaçados pelo mal, sentimentos característicos dos períodos de
crise epidêmica, como a tristeza, o abatimento, a apreensão e a incerteza. Até a
cordialidade natural do baiano pode ter sido afetada, se este seguiu os conselhos
abaixo:
O aperto de mão...
Nestes perigosos tempos de epidemia, quando a transmissão do
micróbio da “influenza espanhola” anda à espreita do cidadão incauto,
é preciso tomar muito cuidado com o aperto de mão. Um médico, com
quem tive a honra de palestrar, ontem disse-nos que pelo contacto das
mãos é que muita gente por anda “espanholada”... e não
“espanholada” como vítima, também, de outras moléstias.
Enfim, numa época em que procuramos pôr em prática as medidas
profiláticas possíveis é preciso não esquecer o aperto de mão, esse
perigoso transmissor de moléstias.
[...]
Ora, esse péssimo costume deve ser abolido numa época destas.
[...]
Cuidado com o aperto de mão!
(Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1)
9
Delumeau (op. cit.), ao estudar as sociedades atingidas por epidemias nos períodos medieval e
moderno, percebeu que as epidemias geram uma estética própria e uma sensibilidade especial
“o medo das pestes” –, resultante da “ruptura inumana” da sociabilidade, e da subversão dos ritos
que envolvem a morte. Brito (1997) e Teixeira (1993) exploram a temática em relação à epidemia
de gripe espanhola nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
183
Além da própria doença, que invadia os lares e prostrava ou vitimava
pessoas queridas, a quebra na rotina e as interdições da DGSPB contribuíram
para reforçar o sentimento de consternação que acompanhava a insidiosa
disseminação da “espanhola” pela cidade. Um artigo publicado no Jornal de
Notícias, intitulado “A cidade doente”, falava de modificações ocorridas nas
“fisionomias das cidades quando algum mal-estar, físico ou moral, lhes conturba o
organismo” (Jornal de Notícias, 08.10.1918, p. 2). Nesse período era recorrente a
utilização de metáforas recolhidas do discurso médico e da biologia. O paralelo
estabelecido entre a cidade e o corpo humano era empregado com freqüência, ao
se discutirem questões referentes ao planejamento urbano e a salubridade da
urbe.
10
De acordo com o conteúdo da matéria, tal se passava com Salvador,
atingida por uma gripe “benigna em seus efeitos, mas martirizante nos seus
surtos” a doença disseminava-se “enormemente por toda a gente, que é um
espetáculo já ver a tossir, a tossir, a tossir uma população” (ibid.). “Mas é de ver
como se fazem tristes, apesar do temperamento alegre de nossa cidade, os seus
ares cheios de poeira do verão”, lamentava o articulista, ampliando a sensação de
desolação que o quadro doentio pintado no texto imprimia no espírito do leitor
(ibid.).
Para o autor do artigo, esses “estados efêmeros de morbidez” tinham
alguma “utilidade” “fazem[ziam] refletir na igualdade da sorte de todos os
homens diante das hostilidades naturais do mundo, isto é, de como qualquer de
nós está sujeito, sem apelos nem agravos, a apanhar um simples defluxozinho,
para não dizer o resto...” (Jornal de Notícias, 08.10.1918, p. 2).
Além de evocar a fragilidade humana diante dos fenômenos naturais, o
articulista evidenciava o caráter igualitário da epidemia. A gripe, como as demais
doenças infectocontagiosas, não é socialmente seletiva ou concentrada;
representa, portanto, uma ameaça perceptível de atingir a todos,
indiscriminadamente. Na Cidade da Bahia, pessoas de idades, cores, sexo e
10
VALLADARES, Licia. A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais. In:
Revista brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 15, n.º 44, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69092000000300001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 abr. 2007. Pré-publicação.
184
condição social diferentes foram atingidas pela epidemia de gripe (O Imparcial,
23.10.1918, p. 1).
4.3. QUEM ERAM OS ‘ESPANHOLADOS’? CARACTERIZAÇÃO DOS
INDIVÍDUOS OU GRUPOS SOCIAIS ATINGIDOS PELA GRIPE
No período de 20 a 26 de outubro os inspetores sanitários visitaram 119
estabelecimentos públicos e privados – escolas, conventos, corporações militares,
fábricas, oficinas, hospitais, companhias de transportes urbanos, gás e
eletricidade, trapiches, docas, etc. examinando um contingente de 12.311
pessoas (O Democrata, 06.11.1918, p. 2).
11
Os médicos selecionaram esses
espaços utilizando como critério para a inspeção o agrupamento de pessoas em
espaços limitados, por acreditarem que tais condições favoreciam a disseminação
da doença. Os dados coletados pelos inspetores sanitários, publicados no órgão
11
O número de estabelecimentos visitado pelos médicos da Inspetoria é significativo,
principalmente se considerarmos que esta inspeção foi realizada num espaço de seis dias. Vale
ressaltar, no entanto, que a quantidade de unidades inspecionadas pelos médicos da Inspetoria
Sanitária é inferior à existente em Salvador neste período, considerando que, das 104 unidades
produtivas caracterizadas como companhias industriais, fábricas e oficinas existentes em Salvador
em 1918, 24 fábricas e oficinas foram visitadas pelos inspetores (Reis, Almanak Indicador
Comercial..., 1919-1920, vol. 10, p. 278-282; O Democrata, 06.11.1918, p. 2). Além das grandes
firmas dedicadas ao comércio exportador e das usinas de açúcar, as companhias do ramo têxtil
destacavam-se no cenário econômico baiano, por sua produção, estrutura sica e número de
operários empregados (Reis, Almanak Indicador Comercial ..., 1919-1920, vol. 10, p. 278-282). A
Companhia União Fabril da Bahia possuía a brica Nossa Senhora da Conceição (fiação e
tecelagem), que empregava 850 operários, a Fábrica Nossa Senhora da Penha (tecidos tintos,
crus e fiação), que empregava 100 operários, e a Fábrica São Salvador (panos crus, peças e
sacos), que empregava 120 operários; a Companhia Progresso Industrial da Bahia possuía a
Fábrica São Braz (tecidos), que empregava 1.300 operários, a Fábrica Paraguaçu, que empregava
520 operários, e a Fábrica Bomfim, que empregava 535 operários; a Companhia Empório
Industrial do Norte (tecidos) possuía a brica Boa Viagem, que empregava 1.400; a Companhia
Fabril dos Fiaes (tecidos de juta), possuía a Fábrica dos Fiaes, que empregava 150 operários
(Annuário Estatistico da Bahia - 1923, 1924, Anexos). Nem todas as fábricas das companhias
têxteis foram visitadas (O Democrata, op. cit. p. 2). Permaneceram fora da relação, também, as
usinas de açúcar, como a Usina São Carlos, e as fábricas de bebidas, como a Companhia
Cervejaria Brahma e a Fratelli & Vita (ibid.). Havia sete indústrias e fábricas de bebidas situadas
em Salvador (Reis, op. cit., p. 278-80). As usinas de açúcar existentes na Bahia entre 1910 e 1920
eram a Aliança, a Terra Nova, a São Bento, a São Carlos, a Aratu, a Passagem, a Paranaguá, a
Colônia, a São Lourenço, a Itapetingui, a São João e a São Paulo (Tavares, 2001, p. 365). Das
cinco bricas de cigarros, apenas a Cruz & Ruas foi visitada (O Democrata, op. cit. p. 2). As de
calçados foram privilegiadas: de três, duas foram inspecionadas – a Cia. de Calçados Trocadero e
a Fábrica Stella (ibid.).
185
de imprensa governista O Democrata, pela DGSPB, constituem uma amostra
importante de como, por que, com qual intensidade e em quais espaços se
propagou a ‘espanhola’.
12
Consideremos o gráfico abaixo:
Gráfico 2
Fonte: O Democrata, 06.11.1918, p. 2.
Das 12.311 pessoas que integravam os estabelecimentos inspecionados
nesse período, 44% contraíram a doença; até o dia da visita do Inspetor Sanitário,
o número de óbitos foi pequeno apenas 12 pessoas haviam sido vitimadas pela
“espanhola” (O Democrata, op. cit., p. 2).
O índice de contaminação foi maior entre os portuários 99% foram
acometidos pela gripe (ibid.). As desfavoráveis condições de trabalho e de
sobrevivência, além do contato contínuo com pessoas oriundas de lugares
12
No decorrer da epidemia de gripe espanhola, o Serviço de Estatística Demógrafo-Sanitária
publicava regularmente seus relatórios no órgão de imprensa governista O Democrata.
A GRIPE ESPANHOLA EM SALVADOR
MORBIDADE POR TIPO DE ESTABELECIMENTO
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
Porto
Penitenciária
Repartições públicas
Fábricas/Oficinas
Comércio
Quartéis
Escolas
Hospícios/Asilos
Transportes públicos
Internatos
Conventos
Total estabelecimento
Casos de gripe
186
assolados pela epidemia, tornavam esses trabalhadores alvo fácil da doença. As
embarcações que atracavam ao movimentado porto de Salvador freqüentemente
traziam a bordo tripulantes e/ou passageiros infectados, conforme podemos
verificar na nota a seguir:
Dois óbitos no “Macahuan”
A cidade continua com o mesmo aspecto de hospital, sendo bem
elevado o número de convalescentes da gripe. No porto, a epidemia
não diminuiu de intensidade. No Hospital de Isolamento, em Monte
Serrat entraram ontem, 16 doentes, dos vapores Itapuhy”, “Itassucê”
e “Rio Macahuan”.
Deste último faleceram dois tripulantes, sendo um na enfermaria
desse hospital.
(A Tarde, 18.10.1918, p. 1)
Entre os presidiários o número de adoecimentos também foi alto 82%
contraíram a gripe (O Democrata, op. cit., p. 2). Nas penitenciárias, apesar da
condição de confinamento dos presos, havia contato com pessoas advindas do
meio externo não só os recém-aprisionados, mas também os funcionários e
visitantes –, o que favorecia a introdução da doença e sua disseminação no
espaço prisional. A aglomeração de pessoas em espaços exíguos, onde as
condições sanitárias eram insalubres e a alimentação ruim, também constituíam
fatores que concorriam para predispor este grupo à doença.
Outra categoria fortemente atingida pela gripe foi a de funcionários das
repartições públicas correios, companhias de gás e eletricidade –, 76% dos
quais adoeceram (ibid.). Dentre estes, destacamos os funcionários dos correios,
cuja contaminação atingiu mais de 86% do efetivo (ibid.). No caso dos carteiros, o
contato freqüente com o público e o trabalho ao ar livre que os expunha ao frio,
à chuva, às mudanças bruscas de temperatura, etc. contribuíam para que estes
trabalhadores se infectassem mais facilmente que os demais.
Nos estabelecimentos em que as pessoas conviviam ou trabalhavam muito
próximas entre si, por vezes em espaços limitados e por período considerável de
tempo, como no caso das fábricas, oficinas, escolas, quartéis e estabelecimentos
comerciais, a contaminação oscilou entre 42% e 45% (ibid.).
187
Figura 20
Doentes nas corporações militares
Fonte: O Imparcial, 29.09.1918, p. 1
Desse grupo, os estabelecimentos mais atingidos foram as fábricas,
principalmente as de roupas, de acessórios do vestuário, de cigarros e de
embalagens, cujo número de adoecimentos variou de 100% a 80% (ibid.). Em
muitos desses espaços, a disseminação da doença era facilitada pela
proximidade entre os funcionários, que trabalhavam lado a lado e vis-à-vis, em
fileiras que se contrapunham, conforme podemos observar na fotografia abaixo:
Figura 21
Interior de uma fábrica de roupas em 1918
Fonte: Bahia Illustrada. Anno II. Nº 6. Maio de 1918, [c.a., p. 50].
188
De modo geral nas escolas, onde o tempo de permanência e de exposição
à contaminação era menor que o requerido nas fábricas, o número de gripados foi
inferior, mas ainda assim bastante alto 42% da comunidade escolar foi atingida
pela gripe (O Democrata, op. cit., p. 2).
Os colégios e as escolas continuam abertos, com grandes
aglomerações de crianças, e é nelas que se dá o maior contágio.
Ainda esta manhã dizia-nos um professor que no colégio em que
leciona a percentagem de gripadas é apavorante.
(A Tarde, 18.10.1918, p. 1)
Apesar de o serviço de Estatística não especificar o número de alunos,
professores e funcionários doentes, o jornal A Tarde informava que “professores
[foram] contagiados, alguns dos quais gravemente” (A Tarde, 19.11.1918, p. 2). O
grande número de gripados nas instituições de ensino alunos, professores e
funcionários – levou a DGSPB a ordenar o fechamento de algumas escolas,
conforme podemos verificar na nota abaixo:
Figura 22
Fechamento de escola
Fonte: Jornal de Notícias, 30.10.1918, p. 2.
O Ginásio da Bahia, a Escola Normal e o educandário dos Perdões
também foram fechados (id., 01.11.1918, p. 2). Diante de tal medida, os exames
189
previstos para o mês de novembro foram adiados para janeiro, quando
certamente se esperava que a epidemia estivesse debelada. Entretanto, ao
Ginásio, foi concedida a opção de realizar os exames no período previsto, o que
provocou reação dos alunos de outros estabelecimentos (ibid.). Diante do fato, os
alunos da Escola Normal e dos Perdões se mobilizaram, recorrendo ao
governador para que lhes fosse facultado o mesmo direito (ibid.).
Os alunos dos cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia da Faculdade
de Medicina da Bahia formaram uma comissão para solicitar à Congregação
daquela faculdade que os exames de 1ª Época fossem adiados para 20 de
novembro, tendo em vista o fato de a epidemia de gripe estar “assumindo
proporções de uma verdadeira calamidade pública” (Arquivo do Memorial da
Faculdade de Medicina da Bahia - AMFMB, Ata..., 23.10.1918). Como se verificou
a mesma situação em outros estados, a petição chegou ao Senado, conforme
podemos conferir na nota abaixo:
No Senado Federal está em discussão um projeto isentando de
exames finais os acadêmicos que tiveram médias garantidoras do ano
letivo nas provas já feitas de acordo com o regulamento de Ensino.
A promoção explicitou-se pelo motivo superior de calamidade publica.
[...]
Isto posto, o que resolveram ontem os acadêmicos das faculdades
superiores, em assembléia na Escola de Direito, deve merecer dos
representantes da Bahia e de todo o Congresso Federal um justo
apoio.
(A Tarde, 19.10.1918, p. 2)
Nos centros educacionais em que funcionava o regime de internato ou
semi-internato, o número de adoecimentos foi alto. Mesmo quando esporádico, o
contato com pessoas externas à instituição, seguido da convivência próxima entre
internos, por tempo integral e num espaço limitado, constituía fator que propiciava
a disseminação da doença nestes espaços. Tal era o caso do Colégio do Sagrado
Coração de Jesus, onde o número de adoecimentos atingiu 76%, e do Colégio da
Providência, com 86% das pessoas acometidas pela gripe (O Democrata, op. cit.,
p. 2).
13
13
O Colégio das Órfãs do Sagrado Coração de Jesus e Colégio da Providência eram instituições
assistenciais, fundadas ainda no século XIX, com o objetivo de amparar e educar meninas órfãs e
190
Nos conventos, a contaminação foi muito pequena. Provavelmente a gripe
atingiu apenas os indivíduos que mantinham eventual comunicação com o meio
exterior. Nos mosteiros onde estes contatos não eram permitidos em razão de um
sistema rigoroso de clausura, o se observou nenhum caso da doença.
Ademais, a vida regrada, a boa alimentação e o repouso observados nesses
espaços contribuíam para obstar a invasão e o desenvolvimento da doença no
organismo de seus residentes. No Convento da Lapa, por exemplo, os inspetores
sanitários constataram que nenhuma das noventa freiras foi atingida pela gripe
espanhola (ibid.).
Médicos e enfermeiros também não escaparam à infecção. Em visita ao
Isolamento de Monte Serrat para uma reportagem sobre as doenças que
grassavam na cidade, um jornalista de O Imparcial verificou que os seis
enfermeiros que serviam neste hospital, bem como um dos dois médicos adjuntos
e um dos dois internos, todos haviam sido acometidos pela gripe (o Imparcial,
15.10.1918, p. 1).
14
Só haviam escapado da doença, até aquele momento, o
interno Albino Campello e o médico adjunto Eduardo Lins Ferreira de Araújo,
conforme podemos verificar neste extrato da notícia, a seguir:
Figura 23
Acadêmicos e enfermeiros gripados
Fonte: O Imparcial, 15.10.1918, p. 1.
sem recursos financeiros. Cf. CHAVES, Antonio Marcos et al . Means of protection to poor girls in
Bahia in the 19th century. Psicol. estud., Maringá, v. 8, n. spe, 2003. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722003000300011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 26 fev. 2007. Pré-publicação. doi:
10.1590/S1413-73722003000300011.
14
A reportagem o informa o número de dicos adjuntos, internos e enfermeiros que serviam
no hospital durante o período. Estas informações foram retiradas de Reis, op. cit., p. 152.
191
No dia em que foi realizada essa matéria, encontravam-se internados no
hospital 8 tripulantes do vapor Rio Macahuan, 5 do Itassucê e 3 do Itapuhy (ibid.).
Além destes, uma operária da Fábrica Conceição encontrava-se hospitalizada,
atingida pela peste bubônica, também em atividade nesse período (ibid.).
Na semana de 27 de outubro a 2 de novembro, 215 “espanholados” foram
atendidos pelo serviço especial de assistência médica e farmacêutica instituído
pela DGSPB, o que apresenta média de 30,7 casos por dia (ibid.). O Serviço de
Estatística Demografo-Sanitária teve o cuidado de registrar as características
gerais dos acometidos pela doença, publicando mais uma vez o relatório
detalhado, no jornal O Democrata. Assim, podemos traçar um perfil dessas
pessoas na condição de usuárias do serviço público de assistência, e também
ampliar o nosso conhecimento sobre o assunto.
Nesse universo, apenas 17% dos doentes tinham profissão declarada
11% eram “operários e trabalhadores”; 8% eram artistas e 1% se declarou
marítimo e lavrador (ibid.).
15
Ignorava-se a profissão de 8% das pessoas
atendidas; 26% foram computadas como “menores de 10 anos”, portanto não
deviam exercer nenhuma atividade remunerada (ibid.).Ademais, em 49% dos
atendimentos, em lugar de constar a profissão, foi registrado apenas “mulheres”
(ibid.).
16
As mulheres constituíam a maioria dos doentes atendidos pelo serviço de
assistência pública o Serviço de Estatística contabilizou um total de 131,
durante aquela semana (ibid.). Desse conjunto, 19% contavam menos de 10 anos
e 81% não tinham nenhuma atividade profissional definida (ibid.). Supondo-se que
essas mulheres não exercessem nenhuma atividade remunerada, e as profissões
declaradas fossem de baixa remuneração, chegamos à seguinte conclusão: as
que haviam recorrido ao serviço de assistência pública no período eram, na sua
maioria, pessoas sem recursos financeiros; adultas, na faixa dos 20 a 60 anos
15
Segundo Castellucci, nesta categoria estavam incluídos “desde os carregadores que buscavam
trabalho cotidianamente na zona portuária da Cidade Baixa [...] até operários e aprendizes de
fábricas e oficinas” (Castellucci, 2001, p. 19-20).
16
Contudo, sabemos que nesse período a indústria baiana recrutou mero significativo de
mulheres e de menores de idade como força de trabalho, o que definiu um padrão salarial
consideravelmente baixo (ibid., p. 28).
192
(51%); pardas (47%); solteiras (82%); do sexo feminino (61%); residentes no
bairro da Penha (23%) (ibid.).
Mas nem todos os acometidos pela gripe eram trabalhadores pobres.
Como para confirmar o assédio indiscriminado da espanhola”, o jornal O
Imparcial destacava na sua primeira página a seguinte notícia:
Figura 24
Doença de Luiz Vianna
Fonte: O Imparcial, 22.10.1918, p. 1
A nota em destaque no jornal informava que as sessões do Congresso
mostravam-se esvaziadas, visto que grande parte dos deputados e senadores, tal
como ocorrera com Luís Vianna, estavam atacados de gripe. Outra notícia,
publicada no jornal A Tarde, informava que o próprio sr. Governador”, Moniz de
Aragão, havia sido acometido pela doença reinante (A Tarde, 18.10.1918, p. 1).
Nesse período, a imprensa deu destaque à notícia de que a gripe não poupara
nem o futuro presidente do País, conforme podemos ver a seguir:
Cons. Rodrigues Alves
O futuro presidente também foi atacado
Rio, 25 “A Tarde” Acha-se atacado de gripe, em Guaratinguetá o
cons. Rodrigues Alves, futuro presidente da República.
O Sr. Rodrigues Alves Filho telegrafou para aqui, dizendo que o seu
pai acha-se doente, dias, de gripe benigna, tendo a temperatura
subido durante a noite, a 37,5º, sem outra complicação, acrescentando
que em sua casa tinha caído o seu genro Dr. Cardoso de Mello e
uma sua filha, que já se acham em convalescença.
(A Tarde, 28.10.1918, p. 2)
193
A notícia de que o conselheiro Rodrigues Alves havia contraído a gripe
causou comoção nacional. Os versos de Lulu Parola
17
, publicados no Jornal de
Notícias, referiam-se ao fato, reforçando o caráter democrático da gripe e
estabelecendo um paralelo com o ideário republicano:
Figura 25
Rodrigues Alves adoece
Fonte: Jornal de Notícias, 30.10.1918, p. 2
.
Contudo, a igualdade dos indivíduos diante da doença era relativa, tanto
que os jornais da época ora reforçavam este caráter igualitário, ora o
contradiziam. De fato, a doença acometia a todos; entretanto, alguns se
encontravam em situação que os deixava mais vulneráveis à sua invasão. Em
semelhantes notícias ficava implícito que a epidemia representava ameaça
também para as elites, visto que não poupava nem as figuras importantes do
cenário político local e nacional. O discurso tecido em torno da democracia da
17
Aloysio de Carvalho, sob o pseudônimo de Lulu Parola, foi responsável pela coluna humorística
criada no Jornal de Notícias, chamada “Cantando e rindo”. Mais de 6 mil colunas foram publicadas
sob este pseudônimo. Carvalho inspirava-se em fatos do cotidiano para compor seus versos,
sempre temperados com uma pitada de humor e ironia. Depois de anos publicada pelo JN, a
coluna foi transferida para o jornal A Tarde, a convite do jornalista Ernesto Simões Filho. Cf.:
CARVALHO, Aloysio de. A Imprensa na Bahia em 100 Anos.” In: TAVARES, Luis Guilherme
(org.). Apontamentos para a História da Imprensa na Bahia. Salvador: Academia de Letras da
Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2005, p. 85.
194
doença contribuía para sensibilizar e conscientizar as elites em relação aos
problemas sanitários revelados pelo mal.
4.4. “CRESCE A MORTANDADE!A INFLUÊNCIA DA EPIDEMIA NO QUADRO
NOSOLÓGICO DE SALVADOR
No início de outubro, manchete estampada na primeira página de O
Imparcial chamava a atenção para o aumento da mortalidade em Salvador.
“Cresce a mortandade!”, clamava o jornalista, que visitara os três cemitérios da
cidade, no intuito de investigar os resultados nefastos da epidemia (O Imparcial,
11.10.1918, p. 1). Os dados demonstrados no gráfico a seguir, confirmam a
versão do repórter:
Gráfico 3
MORTALIDADE EM SALVADOR
(set./nov. 1918)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1/set
6/set
11/set
16/set
21/set
26/set
1/out
6/out
11/out
16/out
21/out
26/out
31/out
5/nov
10/nov
15/nov
20/nov
25/nov
30/nov
geral
gripe
Fonte: Moniz de Aragão, 1919, p. 53.
Conforme podemos verificar, ocorreu a elevação nas taxas da mortalidade
geral, de meados de setembro a outubro de 1918, justamente o período de pico
da epidemia de gripe. Segundo Gonçalo Moniz, tal ocorreu porque doenças
195
“fortemente debilitantes”, como a gripe, agravavam “estados mórbidos crônicos
anteriores”, aumentando o número de mortes por outras enfermidades (Gonçalo
Moniz, 1921, p. 415). Esse médico chamava a atenção para a “influência
agravante da gripe” sobre doenças ou “afecções latentes”, como a tuberculose
pulmonar, as cardiopatias, as nefropatias, etc., “de que sofriam muitos dos
acometidos do mal epidêmico, e cuja existência é assim abreviada” (ibid.). Se
observarmos também o Gráfico 1, perceberemos que o número de mortes por
tuberculose, por exemplo, cresceu significativamente nesse período. Para
Gonçalo Moniz:
Raros não são, de fato, os que assim sucumbem a enfermidades de
lenta evolução, a que vinham resistindo, cujo desfecho funesto foi
apressado pela moléstia aguda intercorrente, e isso muitas vezes na
convalescença ou após a terminação desta [...].
Só depois de feita a natural seleção, com a eliminação dos mais fracos
e sobrevivência dos mais resistentes, é que voltam os fatos à normal e
se restabelece o novo equilíbrio (id., p. 416).
Contudo, a reportagem veiculada no jornal O Imparcial chamava a atenção
para os registros dos atestados de óbito, nos quais predominavam como causa
mortis as doenças do aparelho digestivo, a tuberculose, a arteriosclerose e a
meningite (O Imparcial, op. cit., p. 1). Segundo o jornalista que investigou a
questão em três dos cemitérios existentes na cidade Campo Santo, Quintas dos
Lázaros e Brotas –, “raros eram os casos de gripe atestados”, ainda que fosse
“comum ouvir-se, das próprias famílias das timas, a declaração de que os seus
entes sucumbiram à gripe, à influenza” (ibid.).
18
Talvez contribuísse para que o diagnóstico fosse mascarado o fato de a
gripe não figurar como doença de notificação obrigatória, além das restrições
impostas e dos problemas adjacentes ao registro de óbito por doença
infectocontagiosa os familiares não podiam velar o corpo nem acompanhar o
18
O Almanak Indicador Comercial e Administrativo do Estado da Bahia para 1919-1920 informa-
nos que, no período estudado, havia em Salvador 6 cemitérios. Além dos citados acima Campo
Santo, Quintas e Brotas havia o de Plataforma, o Inglês e o Alemão (Reis, op. cit., p. 197). A
escolha do repórter deve ter sido baseada em critérios de localização e representatividade. O
cemitério de Plataforma situava-se em um subúrbio da Capital, e ali eram enterrados apenas os
habitantes do lugar. Os cemitérios Inglês e Alemão, como a própria denominação denuncia,
atendiam apenas às respectivas comunidades destas nacionalidades, fixadas em Salvador.
196
féretro; a casa devia ser expurgada, e os objetos de uso pessoal do enfermo,
queimados, segundo determinava a legislação vigente.
19
De outro lado, a variabilidade do seu quadro sintomático dificultava o
diagnóstico. Os sinais gerais e característicos de uma afecção respiratória
poderiam ser seguidos por distúrbios nervosos, graves complicações
pleuropulmonares, digestivas, renais e/ou cardiovasculares, o que propiciava a
diversidade de registros nos atestados de óbitos.
As formas diversificadas de registro observadas nos relatórios do Serviço
de Verificação de Óbitos “bronquite gripal”; “broncopneumonia gripal”; “gripe
intestinal”; pneumonia gripal’; “gripe no curso de afecções orgânicas”; “pela sua
forma grave ou maligna”; “meningite gripal”; “outra forma nervosa”; “rinolaringite
gripal’; “nefrite gripal” podem sugerir que os médicos consideravam as doenças
oportunistas manifestadas nas vítimas no decurso da doença, como a real causa
do desfecho fatal (O Democrata, 10.11.1918, p. 2).
20
Dessa maneira, não podemos contar com a exatidão na análise dos
números de infectados e vítimas da gripe na Bahia. Todavia, o cruzamento das
fontes nos permite traçar a trajetória da epidemia na cidade do Salvador, e
ampliar o nosso conhecimento sobre as vítimas da doença. A reportagem
veiculada no jornal O Imparcial, além de denunciar o sub-registro nos atestados
de óbito, contabilizava o número de sepultamentos em três cemitérios da cidade,
classificando-os conforme a condição socioeconômica dos que ali eram
enterrados (O Imparcial, op. cit., p. 1).
Já citada no início deste texto, a matéria jornalística encabeçada pela
manchete fazia o mapeamento das mortes provocadas pela gripe em Salvador,
apresentando inicialmente o resultado da investigação realizada no Campo Santo,
cemitério da Santa Casa de Misericórdia. Segundo o repórter, comparando-se o
período de de janeiro a 10 de outubro de 1918 com o mesmo período do ano
19
Este assunto foi mais amplamente discutido no Capítulo I.
20
Os diagnósticos de gripe ou influenza também eram registrados nos atestados de óbito do
Serviço de Verificação de Óbitos (O Democrata, 10.11.1918, p. 2). Vale ressaltar que no Livro de
Registro de Enterramentos do cemitério da Santa Casa de Misericórdia, o Campo Santo, verificou-
se a mesma variação nas formas de registro da causa mortis (SCMBA; H/Base/1331; 7.12.1915 a
26.8.1923).
197
anterior, verificava-se decréscimo do número de sepultamentos realizados no
Campo Santo, cemitério “dos ricos e dos abandonados na morgue” (ibid.).
21
Figura 26
Cresce a mortandade
Fonte: O Imparcial, 11.10.1918, p. 1
No que se refere à gripe, o Livro de Registro de Enterramentos desse
cemitério informa-nos que, durante o mês de setembro de 1918, registrou-se
apenas a morte de uma menina de cinco anos, constando do seu atestado de
óbito o diagnóstico de gripe intestinal (SCM-BA, Registro dos Enterramentos
feitos no Campo Santo, Livro n.º 6, H/Base/1331, 7.12.1915 a 26.8.1923, p. 88).
Todavia, no mês de outubro foram realizados 41 sepultamentos, obedecendo a
uma média diária de 2,2 enterramentos (ibid., p. 89). A maioria desses mortos,
entretanto, não se encaixava no perfil “dos ricos” ou “dos abandonados na
morgue”, conforme a caracterização da “clientela” daquela necrópole, proposta
pelo repórter de O Imparcial (ibid.).
O livro de Registro de Enterramentos informa-nos que, nesse mês, dos
mortos sepultados no Campo Santo, apenas 22% eram brancos e mestiços,
residentes nos distritos da Vitória, Nazaré e São Pedro, endereço das camadas
21
Morgue é o mesmo que necrotério. Cf. Ferreira (1986, p. 1160).
198
mais abastadas de Salvador (ibid.).
22
Dentre esses, 80% eram mulheres, casadas
(50 %), cuja profissão não fora registrada (ibid.). O trabalho feminino nas
camadas mais altas da sociedade era sinal de desprestígio ou mesmo de
dificuldade financeiras na família.
23
Consta nos registros que grande parte dos corpos ali enterrados 41%
era constituída por pessoas de poucos recursos, enviadas ao Campo Santo pelo
hospital da própria Santa Casa de Misericórdia, o Santa Isabel (ibid.). A maioria,
94%, contava entre 20 a 46 anos. As profissões registradas eram as mais
variadas: “roceiro”[s] e “lavrador”[es] constituíam 29% dos mortos; aqueles que se
dedicaram ao “serviço doméstico ou foram registrados como “copeiro”[s]
representavam 24% do total; a atividade de “ganhador” representava 12% do
contingente desses mortos. Outras atividades computadas foram as de “operário”
(5,9%), “pescador” (5,9%) e “ambulante” (5,9%) (ibid.).
24
Ao contrário do hospital, a administração do cemitério não se preocupou
em registrar a profissão dos que ali foram sepultados. Dessa maneira não se
pode precisar a sua condição social; infere-se, entretanto, que os demais também
não eram pessoas ricas, tendo em vista que das seis crianças ali enterradas
naquele mês, duas foram enviadas pelo Asilo dos Expostos da Santa Casa de
Misericórdia (ibid.). Entre os adultos, 12% eram negros, residentes em Nazaré,
Vitória e Brotas, e 10% eram brancos, residentes em bairros populares como
Pilar, Mares e Penha (ibid.).
Segundo a mesma reportagem publicada no Imparcial, no cemitério da
Quinta dos Lázaros, onde eram sepultados “os remediados”, a média de
inumações vinha crescendo de forma considerável de 4 a 5 diárias, observadas
até meados do ano de 1918, chegara a 15 por dia, a partir de setembro do
mesmo ano, perfazendo um total de 145 sepultamentos (O Imparcial, 11.10.1918,
p. 1). Até o dia 9 de outubro, data em que foi realizada a reportagem, o número já
havia aumentado para 186 (ibid.). O jornalista destacava os dias desse mês em
que foi registrado o maior número de sepultamentos – no dia 5, 21 sepultamentos;
22
Cf. Pinheiro, op. cit., p. 257.
23
Cf. Ferreira Filho, 1994.
24
Dos que vieram do hospital, apenas não se registrou a profissão de três pessoas – um
português, branco, casado, 40 anos; um baiano, branco, solteiro, 35 anos de idade, e uma mulher,
cearense, mestiça, 40 anos (ibid.).
199
no dia 7, 30 sepultamentos; no dia 8, 21 sepultamentos; no dia 9, até o meio-dia,
haviam dado entrada nesse cemitério, 16 cadáveres (ibid.). Com base nesses
dados, o articulista concluía ser justamente na classe média que mais grassava a
epidemia de gripe espanhola.
Após outra incursão aos cemitérios, um repórter do Imparcial denunciou a
ausência do administrador, e a irregularidade com que eram realizados os
registros de enterramento (O Imparcial, 20.10.1918, p. 1). Entretanto, ao
entrevistar um funcionário presente num dos carros do Instituto Nina Rodrigues e
alguns trabalhadores que cavavam as sepulturas, foi informado que esse
necrotério diariamente enviava cadáveres para aquele cemitério. De acordo com
os entrevistados, certo dia foram enviados 18 mortos, dos quais 8 tiveram a
inumação transferida para o dia seguinte (ibid.). Por vezes ocorria também de ser
sepultado na mesma cova mais de um cadáver (ibid.). Por conta das
irregularidades observadas, o funcionário do Nina afirmou ao repórter que só
deixaria o cemitério depois que todos os corpos fossem enterrados (ibid.).
Confirmando a versão acima, uma nota publicada no jornal A Tarde
informava que, na Quinta dos zaros, “levas e levas de cadáveres” ficaram “à
míngua de sepultura, porque não eram suficientes os coveiros” (A Tarde,
21.10.1918, p. 1). Somente no dia 24 de outubro, 23 cadáveres deram entrada
para serem sepultados naquele cemitério (A Tarde, 25.10.1918, p. 3).
No cemitério de Brotas, “onde quase se sepultam os mortos do distrito”,
e no qual por longo período não se realizava um enterro, as cifras também
aumentaram: verificou-se em setembro um número de 14 sepultamentos, e até o
dia 9 de outubro, já haviam sido sepultados 5 cadáveres (O Imparcial, 11.10.1918,
p. 1). Segundo o repórter do jornal O Imparcial, anteriormente era de 4 a 5 a
média mensal de enterramentos naquele cemitério (ibid.).
Por sua vez, o Serviço de Estatística Demografo-Sanitária computou 216
óbitos por gripe ou influenza, entre 27 de setembro e 31 de outubro de 1918 (O
Democrata, 10.11.1918, p. 2). A publicação dos resultados apurados pelo Serviço
de Estatística, entretanto, não era contínua; para o mês seguinte, dispomos de
informações do período de 3 a 16 de novembro. Possivelmente as autoridades
sanitárias consideravam esse espaço de tempo como o período de declínio da
200
epidemia, resultando desse fato menor cobrança por parte da DGSPB e
irregularidade dos registros.
O Serviço de Verificação de Óbitos tinha o cuidado de registrar as
características gerais das vítimas, informando ao Serviço de Estatística
Demografo-Sanitária a nacionalidade, o estado civil, a idade, a profissão e o
endereço. Com base em tais informações construímos os gráficos a seguir, no
intuito de nos aproximarmos o mais possível do perfil dos vitimados pela doença.
O Gráfico 4 demonstra que a faixa etária considerada pelo Serviço de
Estatística é muito abrangente, principalmente no que se refere à classificação de
adolescentes e adultos de 10 a 20 e de 20 a 60 anos. Contudo, apesar de sua
amplitude, esses dados corroboram as informações recolhidas no livro de
Registro de Enterramentos feitos no Campo Santo, cemitério da Santa Casa de
Misericórdia – a “espanhola” escolhia sua vítimas entre os jovens e adultos,
poupando os muito velhos e atingindo poucos adolescentes e crianças.
Gráfico 4
Gripe Espanhola em Salvador
Óbitos por faixa etária
52
12
137
15
8
0
17
6
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Crianças (0 a 10
anos)
Adolescentes (10 a
20 anos)
Adultos (20 a 60
anos)
Velhos (Mais de 60
anos)
27.09 a 31.10.1918 03.11 a 16.11.1918
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; 17.11.1918, p. 2; 01.12.1918, p. 1.
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; ibid., 17.11.1918, p.2; ibid., 01.12.1918, p. 1
201
No que diz respeito ao sexo das vítimas, mais uma vez as informações se
mostram coincidentes morreram mais homens que mulheres –, conforme
demonstra o gráfico abaixo:
Gráfico 5
Gripe Espanhola em Salvador
Óbitos por sexo
126
90
14
17
0
20
40
60
80
100
120
140
Homens Mulheres
27.09 a 31.10.1918 03.11 a 16.11.1918
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; 17.11.1918, p. 2; 01.12.1918, p. 1.
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; 17.11.1918, p.2; 01.12.1918, p. 1
Digno de nota é o dado registrado em exposição anterior, segundo o qual,
no mesmo período, o número de mulheres atendidas pelo serviço público de
saúde foi superior ao de homens. Entretanto, o número de óbitos entre os homens
foi maior. Seriam as mulheres mais resistentes, ou o estilo de vida dos homens da
época os colocava em desvantagem em relação às mulheres?
Mencionamos anteriormente o fato de que, nesse período, além das
funções tradicionalmente exercidas por mulheres, como o magistério, a mão-de-
obra feminina havia sido absorvida pelo mercado formal de trabalho, tornando-
se importante contingente, principalmente no setor fabril (Castelluci, op. cit., p. 28-
31). As mulheres também concorriam para o próprio sustento ou mesmo da sua
família, atuando no mercado informal como lavadeiras, quituteiras, empregadas
202
domésticas, bordadeiras, rendeiras, costureiras, agricultoras, quitandeiras,
feirantes, etc (Almeida, 1986, p. 44; Ferreira Filho, 1994, p. 32-33).
Dessa maneira, à exceção das mulheres das classes mais abastadas,
obrigadas a se resguardarem no interior dos lares, a maioria das mulheres
baianas estava exposta, tanto quanto os homens, a uma carga de trabalho
extenuante, à alimentação e às precárias condições de vida. Talvez, para
aquelas que constituíam arrimo de família, a situação fosse ainda pior, em face da
remuneração que recebiam a metade, ou menos que a metade, da
remuneração dos homens (Castellucci, op. cit., p. 67).
25
A dupla jornada de trabalho das mulheres, pois que a estas – fossem mães
ou apenas avós, tias ou irmãs eram também atribuídas as tarefas domésticas e
os cuidados com as crianças. Às mulheres de famílias pobres, ocupadas em
tarefas pesadas que lhes consumiam tempo e energia, certamente não lhes
sobrava tempo para exporem-se à rua, em noites mal dormidas, sujeitas às
intempéries do tempo, etc., como certamente o faziam os homens. Não que essas
mulheres fossem infensas a tal estilo de vida; entretanto, estudos demonstram
que, para esse período, o comportamento masculino ainda era um tanto diferente
do feminino.
26
Envolvidos com o jogo, entregues à bebida, ao “samba” e às serenatas
atividades que se prolongavam noite adentro com vida sexual promíscua, os
homens, principalmente os solteiros, estavam sujeitos a uma série de doenças,
notadamente as venéreas, como a sífilis, a blenorragia, a herpes, etc.
27
O
alcoolismo e o desregramento, somados à precariedade das condições materiais
de vida, eram apontados pelos dicos da época como causas predisponentes à
infecção (APEBA, DGSPB, Inspetoria do 9º Distrito, Relatório..., 1913, s/p).
Contudo, ainda que as mulheres baianas buscassem uma fonte que
garantisse a sua sobrevivência; fosse na informalidade, fosse submetendo-se a
25
A classe dos professores municipais, constituída predominantemente por mulheres, era
remunerada com baixos salários e enfrentava o constante atraso de pagamento (Diário da Bahia,
15.02.1918, p. 1).
26
Cf. Leite, 1996; Ferreira Filho, op. cit. .
27
Para saber mais sobre as doenças que acometiam os homens neste período, veja: SCMBA,
Relatório..., 1914-1918. Diretoria do Hospital Santa Isabel. Registro Nosográfico, 1917-1918;
SAME. Hospital Português. Diagnósticos, 1913-1935. Diagnósticos 003. 1918-1920, p. 8-12. Em
relação ao comportamento dos homens das classes populares, consultar: Leite, op. cit, p. 110-
141.
203
salários miseráveis e péssimas condições de trabalho, havia, na Bahia da
Primeira República, grande número de donas de casa e crianças de todas as
idades vivendo em condição de extrema pobreza (Castellucci, op. cit., p. 17). Vale
lembrar também o grande contingente de prostitutas que, em sua lida diária, eram
obrigadas a perambular pelas ruas, expostas às mudanças de temperatura, não
raramente presas do alcoolismo, vítimas constantes da tuberculose, das doenças
venéreas, sem falar da fome e das péssimas condições de moradia.
28
Seriam
estas as donas de casa, as adolescentes e as prostitutas que o Serviço de
Verificação de Óbitos registrou em lugar da profissão apenas a palavra
“mulheres”? Vejamos o gráfico abaixo:
Gráfico 6
Ope
rios e
t
rabalh
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Corcio
Arti
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Lavradores
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16
52
8
0
10
20
30
40
50
60
70
Gripe Espanhola em Salvador
Óbitos por profissão
27.09 a 31.10.1918 03.11 a 16.11.1918
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; 17.11.1918, p. 2; 01.12.1918, p. 1.
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; ibid., 17.11.1918, p. 2; ibid., 01.12.1918, p. 1
28
Ibid., p. 114.
204
Apesar das difíceis condições em que vivia grande parte das
soteropolitanas, o cruzamento dos dados fornecidos pelas fontes consultadas nos
leva a concluir que a maior parte das vítimas da gripe eram homens brasileiros,
adultos, solteiros, trabalhadores – operários, comerciários, artistas, lavradores,
militares e funcionários públicos com jornada de trabalho extenuante, vivendo
em condição miserável, dada à carestia do preço dos alimentos e da moradia, em
contraposição à baixa remuneração destas funções, e/ou à defasagem e atraso
de salários, no caso dos funcionários públicos e militares.
No período estudado, havia ainda grande massa de trabalhadores
desempregada ou subempregada em algum tipo de trabalho temporário
registrado pelo serviço público como função ignorada (18%).
29
Nessa conjuntura,
muitos recorriam à mendicância, em cujo exercício tornavam-se alvo fácil para a
“espanhola”, conforme podemos verificar na nota a seguir:
Não haja ilusões
Não nos devemos, entretanto, iludir.
A gripe continua sorrateira, dizimando a população, e especialmente
os desvalidos que diariamente sucumbem às dezenas, à mingua de
socorros públicos. As portas das igrejas, dos teatros e os bancos dos
passeios públicos estão empilhados de indigentes prostrados pela
fome e pelas trágicas manifestações da moléstia impiedosa.
É de sensibilizar o mais frio coração vê-los ao desamparo, estendidos
nas calçadas, fitando ao longo o céu com os olhos embaciados de
agonizantes, onde chora a última lágrima e morre a esperança
derradeira.
(A Tarde, 26.10.1918, p. 1)
As fontes não explicitam se estes que morriam ao abandono eram
contabilizados pela estatística oficial. Inferimos que os corpos recolhidos nas ruas
e enviados para a “morgue” eram aqueles computados como de profissão
ignorada. Todavia, caso a DGSPB não tomasse conhecimento dessas mortes, os
jornais faziam questão de denunciá-las, listando os nomes dos mortos e os
distritos de origem, conforme podemos constatar na nota a seguir:
O Democrata, 10.11.1918, p. 2; ibid., 17.11.1918, p. 2; ibid., 01.12.1918, p. 1.
29
Cf. O Democrata, 10.11.1918, p. 2; ibid., 17.11.1918, p. 2; ibid., 01.12.1918, p. 1. Veja também
Castellucci, op. cit., p. 46-48.
205
Os cadáveres entrados na “morgue” nas últimas 48 horas
[...] só este mês já foram inumados no cemitério das Quintas dos
Lázaros, saídos da “morgue”, 168 indigentes.
Os carros para transporte de cadáveres não são suficientes e por isso
a toda hora se com o triste espetáculo de ver passar pelas ruas,
sobre uma tábua apenas, amarrados com cordas e arames, os mortos,
coletados nos passeios e nas praças públicas, à caminho da “morgue”.
nas ultimas 48 horas, foram remetidas pelas diversas autoridades
policiais, para o “Nina Rodrigues”, os seguintes cadáveres:
Apollinario Peixoto, do Cabula;
João de tal, do Pilar;
Maria do Carmo, do S. Caetano;
Hildebrando Coelho, da Penha;
Gregório de Nascimento, da Lapinha;
Manoel Estanislao Negreiros, da Amaralina;
Bernardo José de Souza, da Lapinha;
João Pereira, do Cabula;
José de tal, de “Caetano”;
Maria Margarida de Jesus, da Amaralina;
Maria Primitiva Pires, de Pernambués;
Manoel Passos dos Santos, do Bonfim;
Maria Damásia dos Santos, da cujos nomes ignoramos [sic.].
(A Tarde, 31.10.1918, p. 2)
Situar esses óbitos no lugar de sua ocorrência era importante, pois fornecia
pistas da origem social e econômica do morto. A lista acima informa que os
corpos recolhidos “nos passeios e nas praças públicas, a caminho da ‘morgue’ [...]
sobre uma bua apenas”, pertenciam a indigentes que habitavam nos bairros
populares de Salvador.
4.5. A TRAJETÓRIA DA GRIPE
O Serviço de Estatística cuidou também de registrar os locais onde
ocorreram os óbitos por gripe (O Democrata, 10.11.1918, p. 2; ibid., 17.11.1918,
p. 2; ibid., 01.12.1918, p. 1.). As informações recolhidas por esse órgão diziam
respeito aos 12 distritos civis existentes na zona urbana de Salvador – Sé,
Santana, Passo, São Pedro, Vitória, Nazaré, Brotas, Santo Antônio, Conceição da
206
Praia, Pilar, Mares e Penha (ibid.). À exceção do distrito de Pirajá, não foram
computados casos ocorridos na zona suburbana (ibid.).
30
Os distritos acima citados correspondiam às antigas divisões em freguesias
e abrangiam desde aéreas densamente povoadas até áreas com características
quase rurais. É difícil precisar as áreas correspondentes a esses distritos nas
primeiras duas décadas do século XX, mas tentaremos fazer uma delimitação
aproximada do respectivo espaço geográfico. Para ampliar a nossa compreensão,
consideremos a seguinte representação da distribuição espacial desses distritos
na Cidade do Salvador:
Mapa 1
Fonte: adaptado de www.praticus.com/ssa.8.htm . Capturado em 12.02.2007.
30
Os subúrbios de Paripe, Passé, Maré, Itapoan, Matoim e Cotegipe ficaram ausentes da agenda
do Serviço de Verificação de Óbitos. As informações sobre os distritos existentes em Salvador na
época estudada foram extraídas de Reis, op. cit., p. 197.
PENHA
PIRAJÁ
MARES
PILAR
SANTO ANTÔNIO
PASSO
NAZARÉ
SANTANA
BROTAS
CONCEIÇÃO DA PRAIA
S. PEDRO
VITÓRIA
SALVADOR
:
DISTRITOS
CIVIS (1918)
207
Durante epidemia de gripe, a DGSPB dividiu Salvador em 6 zonas
sanitárias: a primeira agrupava os distritos da Sé, Santana e Passo; a segunda,
Nazaré e Brotas; a terceira, S. Pedro e Vitória; a quarta restringia-se apenas ao
distrito de Santo Antônio; a quinta reunia os distritos da Conceição da Praia e do
Pilar e a sexta, os distritos fabris de Mares e Penha (Diário da Bahia, 25.10.1918,
p. 2). De posse dessas informações, visualizemos o gráfico a seguir, que
apresenta a distribuição dos óbitos na cidade de Salvador:
Gráfico 7
Gripe espanhola em Salvador
Óbitos por distrito
51
27
26
21
17
16
13 13
10
7
6
5
44
6
1
2
1
7
1 1
2
5
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0
10
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30
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27.09 a 31.10.1918 03.11 a 16.11.1918
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2; 17.11.1918, p.2; 01.12.1918, p. 1
Os distritos de Brotas e Nazaré, que compunham a 2ª zona sanitária,
apareceram nas estatísticas com uma concentração significativa de óbitos 60%
no total. Brotas concentrou 33% dos óbitos por gripe, e Nazaré, aproximadamente
27%. Distritos de configuração bastante distinta entre si, cada qual
208
separadamente abrangia vasto território, com realidades geográficas e
socioeconômicas diversas.
No distrito de Brotas havia desde zonas urbanizadas até localidades
distantes do Centro, com características quase rurais, em virtude da proliferação
de hortas, roças, chácaras, etc., nas quais se fixaram aqueles que viviam das
atividades agropastoris voltadas para o mercado de Salvador (Cardoso, op. cit., p.
140; Pinheiro, op. cit., p. 127-194). Esse distrito abrangia o Matatu, o Engenho
Velho de Brotas, o Cabula e Pernambués. Pertenciam também a Brotas, alguns
dos terrenos situados na orla marítima Rio Vermelho, Amaralina e Pituba.
31
De
modo geral, tais arrabaldes eram reservados para balneários e casas de veraneio
da burguesia soteropolitana (Cardoso, op. cit., p. 140). Todavia, observava-se
também nessas localidades, principalmente no Rio Vermelho, a presença das
tradicionais comunidades de pescadores (ibid.). Nos limites do Rio Vermelho com
Nazaré, concentravam-se os trabalhadores pobres das fábricas e oficinas
instaladas na Cidade Alta (ibid.). Nas Pitangueiras erguia-se o Hospital Militar (O
Imparcial, 26.10.1918, p. 1).
O distrito de Nazaré também não apresentava ocupação uniforme além
de trabalhadores pobres, a região abrigava uma camada média da sociedade
profissionais liberais e funcionários blicos (Pinheiro, op. cit., p. 257; Castellucci,
op. cit., p. 40). O distrito compreendia, além do próprio território, os atuais bairros
da Saúde e do Tororó, em cujas “descidas”, “ladeiras” e avenidas”, 85% dos
moradores eram inquilinos pobres (Castellucci, op. cit., p. 40-41). A relativa
proximidade desses bairros em relação ao centro comercial e administrativo da
cidade fazia com que ali se instalassem os trabalhadores com função no setor de
serviços públicos e privados ou nas fábricas e oficinas, assim como os que viviam
na informalidade. Na atual rua Djalma Dutra, região da Fonte Nova, estavam
situadas a fábrica de tecidos São Salvador e a respectiva vila operária, com 54
casas (Cardoso, op. cit., p. 140).
32
31
A ocupação da Pituba ocorreu de forma organizada, mediante um grande loteamento projetado
por Theodoro Sampaio em 1919 (Cardoso, 1991, p. 125).
32
Em 1918, a Fábrica São Salvador, pertencente à Companhia União Fabril da Bahia, empregava
120 operários. A vila foi construída em 1893 ( DSEEB. Annuario Estatistico da Bahia 1923.
Movimento Industrial..., 1924, p. 277).
209
O Hospital Santa Isabel, da Santa Casa da Misericórdia, para onde eram
levadas as pessoas acometidas pela doença, principalmente os “doentes de
bordo”, também se situava no distrito de Nazaré (O Democrata, 10.11.1918, p. 2).
Conforme pudemos verificar no livro de Registro de Enterramentos do Campo
Santo, citado neste texto, o endereço do hospital aparecia como o daqueles que
ali morriam (SCMBA, Registro dos Enterramentos feitos no Campo Santo, op. cit.,
p. 88-90).
Os dados apontados no Gráfico 7 revelam que grande parte dos óbitos
registrados pelo Serviço de Verificação de Óbitos ocorreu no distrito de Santo
Antônio Além do Carmo aproximadamente 55%. Tratava-se de uma área
heterogênea, cujas características variavam de grande concentração urbana a
terrenos de aspecto rural (Cardoso, 1991, p. 127). À época, o distrito abrangia
extensa área, correspondente aos atuais bairros do Barbalho, da Baixa de
Quintas, Lapinha, Liberdade, São Caetano, Fazenda Grande e imediações (ibid.,
p. 128-135). Heterogênea também era a condição social dos seus habitantes. Ali
habitavam desde elementos das camadas médias, tais como profissionais liberais
e funcionários públicos, até os segmentos mais empobrecidos da população
empregados dos estabelecimentos comerciais e das companhias dos serviços
urbanos, operários de fábricas e oficinas de Salvador, além daqueles que viviam
do mercado informal de trabalho (Castellucci, op. cit., p. 40-41; Pinheiro, op. cit.,
p. 257; Cardoso, op. cit., p. 135).
Próximo às fábricas ou ao centro administrativo e comercial da cidade
fixaram-se os trabalhadores que, em face dos baixos salários, da carestia e da
ineficiência do sistema de transporte em vigor, procuravam evitar a distância, a
perda de tempo e os altos custos do deslocamento até o local de trabalho
(Castellucci, op. cit., p. 37). Esse parecia ser o caso de cerca 90 empregados da
Fábrica Santo Antônio do Queimado pertencente à Companhia União Fabril da
Bahia –, localizada no Largo do Queimado, onde havia também pequena vila
operária (Castellucci, op. cit., p. 38; Cardoso, op. cit., p. 169). Nas imediações, no
Largo do Barbalho, estava instalada a fábrica de calçados Stella, que empregava
100 operários, provavelmente moradores nas proximidades desse
estabelecimento industrial (Reis, op. cit., p. 280; Annuario Estatistico da Bahia -
1923. Bahia, Imprensa Official do Estado, 1924, p. 277). A Liberdade e São
210
Caetano aos poucos também vão se firmando como áreas proletárias (Pinheiro,
op. cit., p. 256-257). Para essas localidades dirigiu-se grande parte dos
desalojados pela reforma urbana promovida por Seabra (1912-1916) (ibid.).
Do ponto de vista imobiliário, o distrito de Santo Antônio aparecia como
uma das áreas mais desvalorizadas de Salvador. 74% dos seus habitantes o
possuíam casa própria; viviam em casas de cômodos, em grupos ou “correr de
casas” conjugadas, onde ocupavam apenas um quarto e não contavam com
instalações sanitárias próprias – um cubículo nos fundos do terreno servia a todas
as casas (Castellucci, op. cit., p. 37; Cardoso, op. cit. , p. 151-152). A julgar pelas
listas de endereço fornecidas pelos jornais da época, eram os moradores desse
distrito desempregados e trabalhadores pobres e suas famílias que
engrossavam o contingente de vítimas da “espanhola” (O Imparcial, 16.10.1918,
p. 1; A Tarde, 31.10.1918, p. 2).
Com um total de 41% das mortes por gripe ou complicações decorrentes
da doença, a zona compreendia os distritos da Sé, Santana e Passo. Ali se
concentravam os que viviam no mercado informal, os artesãos, as prostitutas,
bem como os trabalhadores do comércio.
33
O distrito da Sé, que figurou na estatística oficial com 23% dos óbitos
ocorridos em Salvador, apesar da reforma sofrida, ainda constituía área de
grande densidade populacional. Após a reforma urbana promovida por Seabra
(1912-1916), esse distrito passou a apresentar zonas distintas: a Rua Chile
abrigava comércio refinado, com bonitas confeitarias e luxuosas lojas de moda,
bem como escritórios de profissionais; a Rua J. J. Seabra, conhecida como Baixa
dos Sapateiros, oferecia lojas mais simples e o serviço das oficinas dos artesãos;
as ruas do Pelourinho, além de abrigarem pequeno comércio e oficinas de
artesãos, formavam o reduto da prostituição (Pinheiro, op. cit., 256).
Apesar de apresentarem a maior parte dos seus edifícios ocupada por
negócios ou serviços, 58% dos prédios dessa área ainda eram residenciais; 94%
destes abrigavam inquilinos de poucos recursos os que viviam de biscates, os
artesãos e as prostitutas (Castellucci, op. cit., p. 40; Pinheiro, op. cit., p. 256-260).
33
No documento que registra o movimento do Hospital Português (SAME. Hospital Português.
Diagnósticos 003- 1913/35, pp. 08-12) verificamos que a grande maioria dos empregados do
comércio morava nesta zona sanitária.
211
Em alguns trechos, como no Pelourinho, famílias inteiras se espremiam nas
sobrelojas das casas comerciais, em ‘avenidas’ ou em sobrados subdivididos,
quer para estarem próximas ao seu local de trabalho, quer na esperança de ali
encontrarem alguma oportunidade de serviço (Pinheiro, op. cit., p. 256-260). Os
mendigos também transitavam pela Sé, prostrando-se nos átrios e portas das
igrejas ou em locais de maior trânsito de pessoas, como as entradas dos cafés e
restaurantes, do Elevador Lacerda, do Plano Inclinado, as paradas dos bondes,
etc., na esperança de arrancar alguma esmola aos transeuntes (Leite, op. cit., p.
135).
Nos distritos de Santana e do Passo o percentual de mortes atingiu,
respectivamente, 14% e 4% do total. Nesses distritos, como na maioria, não havia
um corte expressivo entre a camada média e a camada pobre da sociedade
baiana. Em Santana, 88% dos moradores não possuíam casa própria, vivendo em
imóveis alugados (Castellucci, op. cit., p. 40). No pequeno distrito do Passo,
espremido entre a Sé, Santo Antônio e Nazaré, 74% dos prédios ainda eram
residenciais, 96% das pessoas eram inquilinos de poucos recursos financeiros,
que viviam em condições semelhantes à dos moradores da Sé; ali proliferavam
casas de cômodo, sobrados subdivididos e casebres colados uns aos outros
imóveis de baixo aluguel, cujas condições nem sempre eram as mais
recomendáveis (Castellucci, op. cit., p. 40; Pinheiro, op. cit., p. 256-260). Na
ladeira do Taboão agrupavam-se os indigentes, na esperança de receber uma
esmola que lhes remediasse a miséria (Leite, op. cit., p. 135).
Apresentando 37% do total de mortes por gripe, os distritos dos Mares e da
Penha compunham a zona sanitária. Conforme verificamos no Gráfico 7, o
distrito da Penha concentrou 23% de mortes em conseqüência da gripe ou de
complicações desta doença, e o distrito dos Mares figurou nas estatísticas oficiais
com 14% de óbitos. Localizados na Cidade Baixa, ambos os distritos abrigavam
as principais indústrias de Salvador.
O distrito da Penha situava-se na Península de Itapagipe e englobava os
atuais bairros da Ribeira, Bonfim, Monte Serrat, Massaranduba e Boa Viagem. O
distrito abarcava um importante contingente das fábricas e dos operários de
Salvador. Ali estava instalado o pólo têxtil de Salvador: a Fábrica Boa Viagem,
212
que empregava 1.400 operários, localizada na Avenida Luiz Tarquínio; a Fábrica
Bonfim, com 535 operários, no Largo do Bonfim; a Fábrica Paraguaçu, com seus
520 operários, implantada no Largo do Papagaio; a Fábrica São João, com 165
trabalhadores, instalada no Porto dos Tainheiros; e a Fábrica Nossa Senhora da
Penha, com 100 operários, na Ribeira (Reis, op. cit., p. 281; Annuário Estatistico
da Bahia 1923; Annuário Estatistico da Bahia - anno 1924). Além da indústria
têxtil, a Penha contava com duas fábricas de calçados: a Gama & Gama, que
empregava 100 operários, e a Trocadero, com 120 operários, localizada na
Avenida Luiz Tarquínio (ibid.).
Os operários dessas fábricas moravam nas imediações, o que lhes
facilitava o acesso e barateava ou eliminava os custos com transporte. Segundo o
inspetor sanitário desse distrito fabril, como as fábricas vinham ampliando os seus
quadros de pessoal, muitos habitantes de outros distritos haviam se deslocado
para aquele local, a fim de estarem próximos ao local de trabalho (APEBA, Seção
Republicana, DGSPB, Inspetoria do 17º distrito, Relatório...,23.01.1921, s/p).
A Fábrica Boa Viagem abrigava uma vila operária. A construção de
unidades habitacionais ou vilas para operários não era, entretanto, um fato
comum a todas as fábricas e companhias industriais de Salvador.
34
O Dr. Américo
D. Ferreira (ibid.), lamentava que a maioria do operariado se visse “compelido
pela necessidade a residir em prédios [...] condenados, sitos em pontos
reconhecidamente insalubres”. E acrescentava:
É precisamente este pessoal das fábricas de tecidos e outras que
constitui a maior cifra de moradores dos becos e vilas e avenidas
35
da
Massaranduba, Barreira, etc., dificultando, senão impedindo, pelo seu
vulto e penosíssimo deslocamento [...] a ação sanitária nos bairros
aludidos (ibid.).
34
A vila operária da Fábrica da Boa Viagem pertencente à Companhia Empório Industrial do
Norte –, inaugurada na última cada do século XIX, possuía 258 unidades habitacionais,
distribuídas em oito blocosparalelos, perpendiculares e ligados à avenida principal por vielas que
davam acesso às casas, vedadas por portões (Cardoso, 1991, p. 155-161). Além das casas, a vila
contava com uma escola, uma biblioteca, um gabinete dico, uma farmácia, uma creche, uma
loja e um açougue, todos funcionando em regime de cooperativa (ibid., p. 164). A vila dispunha de
energia elétrica, água encanada e rede de esgoto (ibid.).
35
Grupo de casas geminadas, alinhadas em ruas preexistentes (Cardoso, 1991, p. 142).
213
Considerando as palavras do Dr. Ferreira, concluímos que o Serviço de
Verificação de Óbitos não manteve total controle sobre o mero de óbitos
ocorridos nessa zona sanitária possivelmente superior ao apontado pela
estatística oficial. Nota veiculada pelo jornal O Imparcial descortina o cenário
mórbido do bairro popular de Massaranduba:
A influenza tem feito uma limpa, no lugar “Massaranduba”. de sábado
para domingo, foram dali retirados 6 cadáveres de indigentes!
Nos fundos de umas casas, onde em cubículos esconsos, vivem em
promiscuidade indivíduos de toda espécie, a influenza reinante se
aposentou, e destarte, o mal vai se propagando, de modo assustador.
Cousa pavorosa!
Urge ou não sobre o caso uma providência eficaz?...
(O Imparcial, 15.10.1918, p. 1)
Nos Mares apresentava-se a mais alta concentração de imóveis por
proprietário registrada em Salvador, sinal de que a maior parte dos habitantes
daquele distrito eram pessoas de baixa renda, que moravam de aluguel cerca
de 85% (Cardoso, op. cit., p. 187; Castellucci, op. cit., p. 40). Juntamente com a
Penha, representava o principal endereço de várias fábricas de Salvador e de
seus operários. No Largo dos Mares situava-se a Fábrica Nossa Senhora da
Conceição, com 850 operários (Reis, op. cit., p. 281; Annuário Estatistico da
Bahia, op. cit.). Ali estavam instaladas as fábricas de cigarros A. Guimarães &
Cia., com 170 operários, localizada na Travessa dos Mares; a Leite & Alves, com
500 operários, e a Martins Fernandes & Cia., com aproximadamente 90
funcionários, ambas na Calçada do Bonfim (Castellucci, op. cit., p. 37).
A realidade dos trabalhadores pobres do distrito operário dos Mares não
devia ser diversa da observada nos outros distritos o alto preço dos aluguéis
praticado na década de 1910 fez com que a camada mais pobre da população se
submetesse a morar em imóveis condenados, em casas de cômodos, cortiços,
e em “avenidas” ou “correr de casas” geminadas (Castellucci, op. cit., p. 54).
Conceição da Praia e Pilar integravam a zona sanitária; nesta região
ocorreram 23% das mortes provocadas pela epidemia. Situados na Cidade Baixa,
Conceição da Praia e Pilar constituíam, no século XIX, o reduto dos comerciantes,
principalmente os de origem portuguesa.
214
O distrito da Conceição da Praia era uma estreita nesga de terra que
margeava o mar ia da Praça do Comércio às imediações do Solar do Unhão.
Nessa freguesia haviam sido construídos prédios de três ou quatro andares, que
abrigavam, ao mesmo tempo, o negócio, que funcionava no térreo, a família, que
residia no segundo pavimento, a mercadoria, os empregados e/ou escravos
domésticos, que ocupavam o último andar da edificação (Pinheiro, op. cit., p. 193-
194). Com o tempo os negociantes foram se mudando para os bairros mais
distantes e mais bem urbanizados, como a Vitória, e ali ficaram apenas os
funcionários que não queriam ou não podiam se afastar do trabalho (Pinheiro, op.
cit., p. 256-260). Neste local estavam instaladas, também, pequenas fábricas do
ramo do vestuário (Reis, op. cit., p. 275-282; DSEEB. Annuário Estatistico da
Bahia – 1923, op. cit.).
Na Conceição, proliferavam os vendedores ambulantes com suas bancas,
cestas e tabuleiros, sobretudo em torno do Mercado Modelo (Leite, op. cit., p.
130-131). Para a rampa do Mercado, convergiam os saveiros que traziam os mais
variados produtos de diversas regiões do Recôncavo. Tal como ocorria na Sé, por
ali também havia grande quantidade de mendicantes (ibid., p. 135). Como nem
sempre estes conseguiam obter qualquer quantia que garantisse o seu sustento,
além da fome, vinham a ser alvo de doenças, e era freqüente ocorrer naquela
região a morte de grande número de indigentes (ibid., p. 136).
O distrito do Pilar figurou nas estatísticas com 18% das mortes ocorridas
em Salvador. Situado na Cidade Baixa, em uma estreita faixa litorânea que ia do
Cais Dourado até o Forte da Jequitaia, esse distrito abrigava o Porto, os grandes
estabelecimentos comerciais, as firmas de importação e exportação, os bancos,
os trapiches, mercados, armazéns, depósitos, etc. (Reis, op. cit., p. 194). Ainda
assim, aproximadamente 59% dos prédios dessa área eram residenciais, e 92%
estavam ocupados por inquilinos de poucas posses, instalados nas imediações do
complexo comercial e infra-estrutural que caracterizava essa parte da cidade
(Castellucci, op. cit., p. 40). Nos antigos sobrados encortiçados agrupavam-se
aqueles que buscavam trabalho como carregadores na zona portuária (ibid., p.
41). Ali também proliferava a mendicância, e perambulavam os doidos (Leite, op.
cit., p. 135).
215
A zona, que abrangia os distritos de S. Pedro e Vitória, foi a menos
atingida pela gripe. Talvez porque ali, especialmente na Vitória, vivessem as
camadas mais abastadas da população pessoas bem nutridas, que habitavam
em elegantes, iluminados e arejados solares, situados em avenida larga,
pavimentada, iluminada e arborizada (Pinheiro, op. cit., p. 194). Em São Pedro
freguesia próxima ao Centro e valorizada pelas obras de modernização
empreendidas por Seabra –, residia parte da elite intelectual e social da cidade
(ibid.). Contudo, nesses bairros persistiam “guetos” de pobreza, localizados nas
áreas não reformadas, cujos habitantes prestavam algum tipo de serviço
doméstico às vizinhas elites (ibid.). Na Vitória, as habitações proletárias
concentravam-se em especial nas áreas do Garcia, Fazenda Garcia, Federação e
imediações do Porto da Barra, originariamente zona de moradia de pescadores
(ibid.).
Para um articulista do jornal O Imparcial, entre as camadas mais pobres da
população, na falta de recursos pecuniários, restava apenas às pessoas a
alternativa de assistir “à corrente dos estragos nos seus lares, que se
despovoam[vam], varridos pela fatalidade, sem assistência médica e sem um
socorro de um medicamento sequer” (O Imparcial, 23.10.1918, p. 1). O jornalista
ressaltava que a situação “precária do povo” reclamava do governo do estado a
organização de um amplo serviço de assistência médica e de distribuição de
medicamentos à pobreza (ibid.).
4.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante sua passagem pela Capital da Bahia, a epidemia de gripe
espanhola, ainda que não tenha assumido as proporções de calamidade pública
observadas em outras capitais do país, tais como São Paulo e Rio de Janeiro
36
,
interferiu no cotidiano da cidade.
Em pouco mais que três meses a doença atingiu, aproximadamente, 43%
da população da capital, não respeitando sexo, idade, cor ou condição social.
Entretanto, segundo as estatísticas oficiais, observou-se maior número de
36
Cf. Bertucci, 2004; Bertolli Filho, 2003; Goulart, 2003; Brito, 1997; Teixeira, 1993.
216
adoecimentos nos lugares onde havia muito trânsito e grande concentração de
pessoas, ambiente desejável para a disseminação do gérmen. Assim, os quartéis,
as repartições blicas, as fábricas, as escolas e os distritos que apresentavam
grande densidade populacional, com moradores aglomerados em casas de
cômodo, cortiços, sobrelojas, casebres geminados, etc., foram os lugares mais
atingidos pelo mal epidêmico. Em algumas unidades produtivas o trabalho foi
completamente paralisado, tendo em vista que, se não todos, pelo menos a
maioria dos trabalhadores havia sido acometida pela doença, cujos sintomas
levavam três, quatro ou mais dias para desaparecer, quando não resultavam em
óbito.
Embora a gripe não escolhesse suas vítimas, houve maior número de
óbitos entre aqueles cujo organismo se encontrava enfraquecido – fosse por
doenças preexistentes ou crônicas, fosse em razão das precárias condições
materiais de existência –, os quais viviam em total indigência ou subalimentados,
extenuados pela jornada de trabalho excessiva e por sua condição de trabalho e
moradia, expostos às bruscas mudanças climáticas.
No capítulo seguinte veremos que essa camada da população veio a se
tornar o alvo do serviço de assistência implantado pela DGSPB, após uma série
de discussões e denúncias promovidas pela imprensa.
CATULO V
ENFRENTANDO A “ESPANHOLA” – A PROFILAXIA E AS
PRÁTICAS DE CURA DA GRIPE
A carga de dramaticidade inerente a um evento epidêmico demanda
resposta pública e imediata, em razão do sentido de crise que evoca (Rosenberg,
1992, p. 285). Todavia, os valores culturais, o conhecimento e as tecnologias
disponíveis, bem como as questões econômicas e políticas e os interesses de
classe, são apenas alguns dos fatores que conferem complexidade ao fenômeno
epidêmico, interferindo no processo de reconhecimento e de racionalização das
medidas de saúde pública (ibid., p. 305-318). Assim, as escolhas políticas
constituem os veredictos possíveis, e a resposta a uma epidemia só é dada
quando a crise se torna evidente, e passa a afetar a vida da sociedade em que
incide (ibid., p. 285).
O intervalo de tempo transcorrido entre os primeiros registros da doença e
a resposta à epidemia pode parecer uma eternidade para os que se encontram
sob a ameaça de um mal epidêmico. O movimento inicial das autoridades
públicas e sanitárias foi negar a existência de uma epidemia de gripe em
Salvador. Enquanto a sociedade tentava assimilar o fato, as facções políticas
218
promoviam acalorado debate na imprensa em busca de culpados a oposição
buscava responsabilizar o governo pela invasão e disseminação da doença e o
grupo governista acusava os oposicionitas de supervalorizarem o evento em
causa própria. Nesse ínterim, o patógeno, extremamente contagioso, foi
infectando famílias, invadindo ruas, quarteirões, bairros e, enfim, a cidade se viu
doente, obrigada a lidar com o assalto repentino da “espanhola” e com a
intensificação das experiências de morte. Diante das evidências, não havia
alternativa a não ser aceitar a existência da epidemia e, em resposta, construir
uma base explicativa.
Uma epidemia, pelo fato de apresentar conteúdo dramático e caráter de
espetáculo, exige, também, visibilidade das ações defensivas. As respostas a um
evento epidêmiaco são ecléticas e representam importante papel em meio à crise,
visto que se constituem em ato concreto de autodefesa e solidariedade
(Rosenberg, op. cit., p. 285).
Tais mecanismos de defesa contêm elementos cognitivos e emocionais, e
podem ser informados tanto por concepções científicas quanto religiosas,
resultando em ritos individuais ou coletivos que abrangem desde medidas
sanitárias como as quarentenas, o isolamento dos casos suspeitos, o expurgo da
casa e dos objetos do enfermo, etc., até rituais religiosos como reuniões de
oração, jejuns, benzeduras, procissões, dentre outros (ibid.). A análise desses
ritos permite a percepção dos valores sociais da época e, da mesma forma, os
conflitos que os separam evidenciam as crenças e estruturas de autoridade.
A seguir, discutiremos as tentativas de controle da epidemia por parte dos
poderes públicos, bem como as respostas das pessoas comuns. Interessa-nos
conhecer o significado que certos grupos sociais deram à experiência da
epidemia e as estratégias e recursos utilizados para combatê-la. Nesse sentido,
além das medidas profiláticas, analisaremos também a terapêutica aplicada não
pela medicina acadêmica, como também pela medicina doméstica e pelas
práticas de cura informadas pela religião.
219
5.1. “E O POVO CRUZA OS BRAÇOS?” A SOCIEDADE SE MOBILIZA PARA
ENFRENTAR A “ESPANHOLA”
havia transcorrido cerca de um mês desde que a gripe irrompera em
Salvador e, nesse período, além de nomear uma comissão de médicos para
estudar o evento, nenhuma outra medida fora tomada por parte da DGSPB. A
imprensa, naturalmente, criticava a omissão dos poderes públicos diante da
doença, que se propagava em velocidade espantosa. Nas últimas semanas de
outubro, a epidemia de gripe já havia se espalhado por toda a cidade, atingindo
pessoas de todas as camadas da sociedade – “das mais elevadas às mais
humildes” (O Imparcial, 25.10.1918, p. 1). Segundo um articulista do jornal O
Imparcial, “as farmácias não davam vazão a tantas fórmulas e os facultativos,
todos eles tiveram que consagrar grande parte de sua atividade aos inúmeros
chamados de cada momento” (ibid.). Diante de tal quadro, o medo se espalhou
pela cidade “não houve [...] quem não tivesse os seus temores, as suas
apreensões, ante a assustadora cifra de vítimas e de atacados pela devastadora
pandemia” (ibid.).
Alberto Muylaert, diretor da DGSPB, defensor da idéia da benignidade da
infecção, procurou desfazer a imagem catastrófica da epidemia, que circulava
pela imprensa baiana no período. Nesse sentido, o médico enviou carta ao Diário
de Notícias, contestando a notícia veiculada no jornal, segundo a qual a gripe
continuava a se disseminar “pavorosamente” pela cidade. O intuito do diretor da
DGSPB era acalmar a população sobressaltada, demonstrando que se mantinha
informado e no controle da situação. O conteúdo da carta era o seguinte:
Bahia, 21 de Outubro de 1918. Ilmo Sr. redator do “Diário de
Notícias” – A notícia, publicada hoje em vosso conceituado jornal,
“pela cidade, a epidemia continua se alastrando pavorosamente” não
está de acordo com os dados colhidos pelos inspetores sanitários por
solicitação minha, em colégios, quartéis, e demais casas coletivas e
informes das principais farmácias, no que se refere ao receituário, pois
verifica-se o decrescimento sensível da gripe.
Espero que fareis a necessária retificação, para tranqüilidade da
população, com que muito obsequiareis o vosso leitor. A Muylaert,
(Diário de Notícias, 23.10.1918, p. 1).
220
Todavia, fosse por manobra política, fosse por compromisso ético com o
público leitor, os jornais continuavam denunciando a dissonância entre os
números oficiais e a realidade vivida pela população baiana. Segundo um
articulista do Diário de Notícias:
Esses funcionários, porém, não deram conta do número de doentes,
que não procuram médicos nem farmacêuticos, e que se curam por
meio de folhas e receitas caseiras, mero este que, parece-nos, o
havia decrescido até o dia em que escrevemos a afirmativa
contestada.
Demais, grande parte do povo julga d’outro modo a epidemia reinante
e, no caso, descrê da palavra oficial; e, assim, a existência de grande
número de enfermos infensos à visita médica que se lhe tornará
pesada atualmente, pela carestia dos medicamentos (Diário de
Notícias, 23.10.1918, p. 1, grifo nosso).
Não podemos deixar de considerar que muitos soteropolitanos não
procuraram logo o médico, não por falta de recursos, mas porque a princípio
se acreditava ser aquela uma doença benigna, facilmente curável com repouso e
mezinhas caseiras; sem falar naqueles que, embrutecidos pela miséria absoluta,
não sabiam a quem recorrer e nem recebiam nenhum tipo de assistência,
morrendo à míngua, sem o conhecimento das autoridades.
Outros fatores também contribuíam para mascarar essa realidade aos
olhos da autoridade sanitária aquela não era uma doença de notificação
obrigatória, e nem sempre o serviço da Inspetoria de Saúde era levado a termo de
forma satisfatória. Nos populosos distritos fabris, o elevado número de moradores
concentrados em becos, vilas e avenidas, além do “penosíssimo deslocamento”
até estes locais, dificultavam ou mesmo impediam a ação sanitária dos inspetores
(APEBA, DGSP, Inspetoria do 17º Distrito, Relatório..., 23.01.1921, Caixa 3696,
Maço 1028, s/p).
Assim, enquanto as autoridades se convenciam de que a epidemia
declinava, a gripe se espalhava pela cidade, e muitas eram as pessoas que
morriam sem que o serviço público tomasse conhecimento ou mesmo lhes
prestasse algum tipo de assistência. Temendo que o pânico e a desordem se
221
espalhassem pela cidade, o médico Plácido Barbosa publicou nota no jornal O
Imparcial, na qual procurava tranqüilizar a população.
Figura 27
O medo se espalha
Fonte: O Imparcial, 24.10.1918, p. 1
No artigo cujo trecho reproduzimos acima, Barbosa tentava evitar os efeitos
negativos do que denominava “influenzafobia”, argumentando que as pessoas
não precisavam temer desmesuradamente a doença pandêmica que visitava
Salvador nesse período, porquanto a sua gravidade não consistia na mortalidade,
até aquele momento pequena, mas no fato de a gripe prostrar, subitamente,
grande parte da população, desorganizando os serviços e causando sofrimento a
todos (ibid.). Para conferir autoridade às suas palavras, o médico recorria ao
“maior tratadista da influenza, o professor Leishtenstern”, o qual durante a
epidemia de 1889-1890 observara baixa taxa de mortalidade nas cidades suíças
afetadas pela gripe (ibid.). Segundo Barbosa, Leishtenstern ensinava que a
influenza simples, não complicada, raríssimamente punha em perigo a vida de um
doente” (ibid.).
222
Contudo, o cessavam as críticas às autoridades sanitárias e a pressão
da imprensa. Incomodado com a inércia das autoridades, um jornalista do jornal A
Tarde listava uma série de medidas que deveriam ser assumidas pela DGSPB,
além da já mencionada nomeação da comissão de médicos para estudar a
doença epidêmica, tal como podemos observar a seguir:
Urge que se tome [sic] outras providências
Não bastam, porém, essas, providências.
É mister se ponham em prática outras mais enérgicas e eficazes, para
que nos livremos quanto antes do flagelo da epidemia.
As regras mais comezinhas de profilaxia estão indicando a criação de
uma enfermaria, contendo nunca menos de cem leitos para se
isolarem os doentes que cheguem de fora a bordo de navios.
Deve-se, outrossim, criar um posto de observação em que
permaneçam durante 48 horas os passageiros vindos de portos como
o Recife e Rio de Janeiro, onde a influenza está grassando com toda a
malignidade.
Embora a gripe exista aqui, e o seu germe específico, como era de
esperar, vá ganhando em virulência, devemos envidar esforços para
que não o importemos com a virulência exacerbada. Lembremo-nos
do exemplo de Bordéus, que acaba de ser reinfectada, tomando a
epidemia proporções apavorantes.
Ao governo é fácil aproveitar o antigo isolamento de imigrantes em
Monte Serrat, adaptando-o às necessidades da enfermaria, a que nos
referimos, em que se seqüestrem dos lares, evitando-lhes o contágio,
os viajantes gripados.
Deve, ainda, o governo criar uma outra enfermaria destinada
exclusivamente a recolher os indigentes que penam ao abandono.
Desinfecções diárias
Desinfetar, diariamente, os teatros, igrejas, cinemas, cafés, açougues
etc, bem como os trens e os navios da Companhia da Navegação
Bahiana.
Varredura das ruas
Convém proibir a varredura das ruas durante o dia, para que não
sejam inspiradas as poeiras com os seus milhões e milhões de
micróbios patogênicos. Tal serviço cumpre ser feito pela madrugada,
isto é, quando de todo se acalmou a vida ativa da população.
Profilaxia individual
Deve finalmente a diretoria da S.P.B. organizar instruções sobre
medidas de profilaxia individual e sob a forma de folhetos, distribuía-
las com o povo, afim de que cada indivíduo por si mesmo aprenda a
evitar a propagação e contágio da moléstia.
(A Tarde, 26.10.1918, p. 1).
223
Conforme se pode observar, entre as elites que liam e escreviam os artigos
de jornais havia consciência das medidas que deveriam ser implantadas, no
sentido de conter a disseminação da doença e proteger os sãos. Medidas
defensivas e de controle levantamento regular do número de infectados e de
vítimas da doença; limitação do livre acesso a alguns lugares e do contato entre
as pessoas; vigilância dos que chegavam à cidade, isolamento dos doentes,
criação de enfermarias provisórias para os gripados eram básicas e, conforme
expusemos no terceiro capítulo, remontavam às grandes epidemias do passado,
tais como a peste e o cólera.
Sentindo-se ameaçadas ao perceber que a epidemia atingia
indiscriminadamente a toda a população, as elites procuravam, por meio da
imprensa, incitar uma reação da sociedade e pressionar as autoridades para que
estas tomassem as medidas cabíveis, conforme podemos observar no texto
abaixo:
E o povo cruza os braços?
mais de um mês, que a “gripe” espanhola está grassando nesta
cidade, fazendo vitimas em grande número, pelos diversos casos
fatais, que se sucederam, sendo as pessoas acometidas do mal em
número tão extraordinário, que determinaram o estorvo no serviço das
companhias e empresas particulares, e até no das forças públicas
estadual e federal.
[...]
Mantendo-se impassíveis, porém, os governos do Estado e do
Município, a imprensa cansou de chamá-los ao cumprimento desse
seu dever, citando até as providências tomadas pelo governo Federal
em relação a Capital do País, onde a epidemia, também, se tinha
manifestado com violência.
[...]
Mas a culpa é deste povo cordeiro, para não lhe dar o verdadeiro
qualificativo, que se submete ao mais humilhante servilismo, sem a
mínima reação!
(Diário de Notícias, 04.11.1918, p. 1)
É importante notar que os soteropolitanos não permaneceram paralisados
à espera do socorro do poder blico. Como o governo custava a se organizar
para oferecer auxílio aos mais necessitados, a sociedade cuidou de preencher tal
lacuna. A Drogaria América ofereceu à Associação das Senhoras de Caridade
224
uma doação de rícino e quinino, juntamente com a quantia de 50$000, para que
esse grupo pudesse prestar alguma assistência aos pobres acometidos pela gripe
(A Tarde, 23.10.1918, p. 1). Se pensarmos no grande número de pobres e
miseráveis que compunham a população de Salvador, e no fato de a inflação
observada nesse período encarecer os preços dos alimentos e dos remédios,
veremos que pouca coisa podia ser feita com essa quantia.
1
De outro ângulo,
entretanto, esta se torna significativa quando pensamos que se tratava da
iniciativa de uma única empresa privada. Ademais, vale ressaltar que a doação de
rícino e quinino havia sido feita por um estabelecimento comercial, cujo interesse
maior seria a venda, e não a doação desses remédios.
O Serviço Médico da Compagnie Chemins de Fer Fédéraux de LEst
Brésilien também deu sua parcela de contribuição; além de promover a
desinfecção dos carros que compunham a rede ferroviária, prestou também os
necessários cuidados aos homens que trabalhavam na reconstrução do ramal
Centro-Oeste. Muitos desses trabalhadores, alguns atacados de impaludismo,
foram acometidos pela gripe (O Democrata, 27.10.1918, p. 1-2). Ciente do fato, a
superintendência da Chemins de Fer fez seguir para a localidade uma
ambulância com medicamentos para debelar o mal (Diário de Notícias,
24.10.1918, p. 1).
Em meados de outubro, a Congregação da Faculdade de Medicina da
Bahia reuniu-se em seção extraordinária para deliberar acerca de determinada
proposta apresentada pelo professor de Higiene, Josino Cotias. Esse médico
propunha que os integrantes daquela Instituição disponibilizassem os seus
serviços ao governo do estado, tendo em vista o momento “de crise pavorosa,
determinada pela presença [...] da influenza, que vinha se alastrando
rapidamente, fazendo “várias vítimas” (Memorial da Faculdade de Medicina da
Bahia, Ata..., 23.10.1918, s/p.). Tal proposta apresentada por Cotias a seus pares
inspirava-se em medidas semelhantes assumidas pela Congregação nos
períodos em que a Bahia esteve devastada pelas sucessivas epidemias de
cólera, febre amarela e varíola, bem como no decorrer da Guerra de Canudos
1
No interior do estado, 1kg de carne com osso custava 1$000; o arroz custava 1$000, o quilo; o
feijão, 400 is; a farinha de mandioca, 200 is, e 1kg de pão 1$300 (O Imparcial, 27.09.1918, p.
2).
225
(ibid.). Submetida à votação, a proposta foi aprovada e imediatamente divulgada
pelos jornais (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 1).
Outros médicos também ofereceram seus serviços, sensibilizados com o
estado de pobreza de grande parte da população baiana. O Dr. Demócrito
Calazans foi um dos que se prontificaram a atender os indigentes que o
procurassem em sua residência. Para tanto, o médico solicitava ao diretor de
Saúde Pública que designasse uma farmácia em seu distrito, na qual fossem
aviadas as receitas, pois o estado de miséria daqueles que buscavam a sua
assistência não permitia a compra dos remédios necessários, cujos custos, à
época, estavam bastante elevados (Diário da Bahia, 01.11.1918, p. 1).
Apesar de todo esse movimento por parte da iniciativa privada, a sociedade
cobrava uma resposta das autoridades públicas. Nota veiculada no jornal A Tarde
criticava a paralisia do poder público, denunciando a omissão da direção da
DGSPB, que permanecia de braços cruzados” enquanto a epidemia se alastrava
e contagiava mais da metade da população da cidade havia notícias de lares
em que desapareciam famílias inteiras (A Tarde, 18.10.1918, p. 1). Para a cidade
doente, o intervalo de tempo transcorrido entre os primeiros registros da doença,
o reconhecimento, e a reação oficial à epidemia parecia interminável.
5.2. O PODER PÚBLICO ASSUME A DIREÇÃO A DEFESA SANITÁRIA DE
SALVADOR
O sentimento de familiaridade em relação à doença e a crença em sua
benignidade interferiram na resposta das autoridades blicas e sanitárias em
relação à epidemia, fazendo com que inicialmente a gravidade desta fosse
ignorada ou minimizada. Tal circunstância pode ter ocorrido não pelo fato de
que sazonalidade da doença a tornava menos extraordinária e surpreendente
entre os soteropolitanos, mas também porque o contexto político e
socioeconômico não permitia que tal evento se convertesse de imediato em
226
assunto público e político. Questionava-se, à época, a capacidade financeira do
estado para fazer frente àquela epidemia.
2
Ademais, outras doenças transmissíveis, mais graves e/ou persistentes
que a gripe, encabeçavam a lista de prioridades das autoridades sanitárias.
Conforme o exposto no capítulo anterior, a peste, a varíola e, principalmente, a
febre amarela ocupavam lugar de destaque na agenda de políticos e autoridades
sanitárias interesse movido por pressões políticas e econômicas, nacionais e
internacionais. Nota-se nesse período grande preocupação com o reaparecimento
da febre amarela apesar de sua erradicação ter sido sustentada pelas
autoridades baianas e com uma possível invasão da cólera, temor relacionado
ao conflito bélico mundial em curso no continente europeu. Várias reportagens
sobre o assunto foram veiculadas na imprensa, o que nos permitiu observar maior
atenção dispensada a essas doenças, em contraste com a gripe.
3
Slack (1992, p.8-9) chama a atenção para o fato de que histórias do
passado podem moldar as percepções do presente. Assim, o que poderia tornar
essas doenças mais ou menos temidas que outras era a memória que evocavam
(ibid.). A epidemia de gripe ocorrida na Bahia em 1890, apesar da extrema
morbidade, não provocara muitas mortes, nem grandes transtornos aos baianos.
Todavia, a ameaça de invasão da cólera trazia à lembrança a epidemia que se
abatera sobre o estado em 1855, cujos efeitos negativos provocaram
transformações importantes nessa sociedade.
4
Ao serem indagadas sobre a
possibilidade de nova epidemia de cólera, as autoridades médicas demonstravam
apreensão em grau superior à que deixavam transparecer em relação à epidemia
de gripe.
5
De outro lado, vimos que os sinais diversos e incomuns, bem como a
violência com que a gripe se manifestou em 1918, resultaram em múltiplas
percepções da doença, motivando debates e pesquisas que envolveram médicos
2
Esta questão foi amplamente discutida no capítulo II.
3
Cf. A Tarde, 27.05.1918, p. 1, id., 05.11.1918, p. 2; O Imparcial, 13.09.1918, p. 1; id., 11.11.1918,
p. 1.
4
Cf. David, op. cit.
5
Slack (1992, p. 8-9), chama a atenção para o fato de que histórias do passado podem moldar as
percepções do presente. O que torna essas doenças mais temidas que outras é a memória que
evocam (ibid.). As imagens construídas pelos homens em relação a determinadas doenças
interferem nas respostas que lhes serão dadas, não importa quão racional ou acurada seja a
percepção do fenômeno biológico (ibid.).
227
do mundo todo, no objetivo de determinar a natureza, as causas e os
mecanismos de infecção. Enquanto os clínicos estabeleceram o diagnóstico e a
profilaxia da doença com base menos em suas causas que em seus efeitos, para
os bacteriologistas, o problema não estava de modo algum resolvido. Segundo o
médico carioca Arthur Moses, o desconhecimento da etiologia “dificultava
bastante a defesa sanitária do país, porque a base de toda a profilaxia racional é
o conhecimento do germe, das propriedades biológicas da imunidade conferida
por este, e das condições em que se mantém no organismo e no meio externo”
(Boletim da Academia de Medicina, 1918, p. 681-2).
6
O contexto de incertezas e dissonâncias que dominavam o mundo
científico e acadêmico mundial reforçou, entre as autoridades médicas e
sanitárias da Bahia, a necessidade de se estabelecer o diagnóstico, o que
concorreu também para postergar a tomada de decisões. Entretanto, após estudo
clínico e epidemiológico realizado em diversas coletividades, as autoridades
médicas e sanitárias baianas optaram pelo diagnóstico de gripe, considerando o
bacilo de Pfeiffer como agente específico da doença. Para a comissão
encarregada de estudar o caso, esse patógeno perdia força nos trópicos, e o
resultado de sua ação na Bahia não seria tão nefasto quanto nos lugares de clima
frio. Entretanto os médicos que integravam o serviço público de saúde deveriam
usar de competência e agilidade para controlar uma doença altamente
contagiosa, com grande capacidade de disseminação e velocidade de
transmissão.
Informada dos resultados do estudo clínico e epidemiológico, e
pressionada pelo número crescente de enfermos, a DGSPB começou por fim a
tomar as providências reclamadas pela sociedade. Para tanto, conclamou a
participação de todos médicos e população no esforço para conter a
epidemia, na seguinte nota veiculada nos jornais:
6
A Microbiologia, que tinha como cenário único o laboratório, revolucionou também a Higiene, na
medida em que propunha uma intervenção mais racional no processo saúde-doença-saúde.
Nesse sentido, o ataque aos vetores e a aplicação de vacinas passaram a representar armas
importantes no combate às doenças. No período da incidência da pandemia de gripe de 1918,
foram realizadas algumas experiências no sentido de se criar uma vacina para a gripe, mas o
procedimento foi dificultado pelo desconhecimento do agente específico.
228
Informa a Diretoria Geral de Saúde Pública:
O sr. dr. Alberto Muylaert, diretor Geral interino da Saúde Pública,
dirige todos os seus esforços no sentido de ser evitada a
recrudescência ou uma nova invasão de “gripe” nesta capital, para o
que conta com a dedicação dos seus auxiliares, como espera a
cooperação eficaz da Inspetoria da Saúde do Porto e da Diretoria da
Higiene e Assistência Pública Municipal, também confiando que os
habitantes desta cidade cuidem da sua profilaxia individual, todos
cooperando nessa patriótica ação, a que o Governo do Estado dedica
todo interesse (Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1).
Assim, para combater a “espanhola”, deveriam ser mobilizadas as três
esferas do poder a federal, a estadual e a municipal –, e as pessoas comuns
também deveriam cooperar, cuidando da sua higiene pessoal. Partiu do diretor da
DGSPB a iniciativa de convocar os representantes das demais instâncias a
Diretoria de Higiene e Assistência Pública Municipal e a Inspetoria da Saúde do
Porto –, pois a lei previa que o combate às epidemias era da responsabilidade do
estado.
7
Após reunião para estabelecer a parceria e determinar as atribuições das
partes envolvidas no processo, ficou decidido que todos os lugares onde pudesse
suceder a aglomeração de pessoas deveriam ser saneados. Os médicos estavam
informados de que os indivíduos infectados tornavam-se agentes disseminadores
da doença, ao espalhar o patógeno no ambiente quando espirravam, tossiam ou
tocavam com mãos contaminadas as pessoas e os objetos (Diário da Bahia,
29.10.1918, p. 1). Conscientes do processo de contágio e difusão da gripe, os
médicos recomendavam a adoção de algumas práticas de higiene individual e
coletiva, dirigindo o foco para os lugares que promoviam maior convívio ou
proximidade entre as pessoas.
Para Gonçalo Moniz, “a mais ante-higiênica de todas as condições de uma
habitação é a aglomeração, de onde resulta a promiscuidade, o contato íntimo
dos indivíduos” (Gonçalo Moniz, op. cit., p. 371). Esse discurso era representativo
do pensamento dico na Bahia da Primeira República. Naquele período se
havia adquirido a noção de que a maior parte das doenças infectocontagiosas se
propagava por contágio direto. Segundo Gonçalo Moniz:
7
Vide capítulo I.
229
Os [...] germens morbíficos [...] dificilmente e só por pouco tempo
podem viver no meio exterior. Dest’arte, os focos principais dos
agentes produtores das moléstias infectuosas e os habitats e meios
naturais de cultura desses microorganismos, são os próprios homens,
os doentes, os convalescentes ou portadores sãos de tais seres
animados. E assim, havendo em qualquer domicílio uma pessoa
acometida de qualquer dessas doenças, aguda ou crônica, ou vetora,
será o morbo tanto mais facilmente transmitido e a número tanto maior
de pessoas, quanto maior for a promiscuidade das mesmas (ibid.).
Com base nessa concepção, tornaram-se alvo da ação sanitária as
habitações coletivas cortiços, casas de cômodo, asilos, internatos, pensões,
hotéis, etc. –; os mercados; os templos religiosos; os quartéis; os hospitais; as
escolas; as fábricas; os cinemas, teatros, cafés e casas de diversões, assim como
os transportes coletivos (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 1).
Os médicos atribuíam a velocidade com que a epidemia se propagava em
Salvador à superlotação das habitações, bastante intensificada naquele decênio
(Gazeta dica da Bahia, 1918, p. 152).
8
Assim, a DGSPB implementaria nesses
locais uma sistemática de desinfecção preventiva, acreditando que com tal
medida poderia contribuir para abreviar o tempo de vida do patógeno e limitar a
sua disseminação.
No intuito de incrementar essa medida, a direção da saúde pública
estadual divulgou nota em que comunicava aos clínicos da rede privada sua
disposição de atender a qualquer pedido de desinfecção que estes lhe
apresentassem. (O Democrata, 27.10.1918, p. 1). Para tanto, os casos
simultâneos de gripe ocorridos num mesmo domicílio, bem como aqueles que
oferecessem gravidade “sob o ponto de vista sanitário geral”, deveriam ser
notificados a essa repartição da saúde pública estadual (ibid.).
A direção da DGSPB solicitou também aos médicos responsáveis pelo
Serviço de Verificação de Óbitos seção pertencente ao Serviço Médico Legal
que fizessem a notificação dos óbitos por gripe ao Desinfetório Central, na maior
8
Chalhoub (1996, p. 29) informa que, a partir da última metade do século XIX, os intelectuais-
médicos” passaram a considerar que as condições de moradia dos pobres nos grandes centros
urbanos representavam risco à sociedade em geral, tendo em vista que, sendo em sua maioria
habitações coletivas, constituíam-se em focos de propagação de vícios e irradiação de doenças
epidêmicas.
230
brevidade de tempo possível, a fim de que os domicílios das timas pudessem
ser expurgados (Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1).
Em paralelo a tais providências, os Inspetores de Saúde foram instados a
continuar fazendo a sua parte. A DGSPB recomendou-lhes que intensificassem
as visitas aos estabelecimentos comerciais e industriais, corporações e serviços
diversos, registrando com especial atenção e minúcia os dados estatísticos
referentes à gripe. Conforme o exposto no capítulo anterior, no período de 20 a 26
de outubro de 1918 os Inspetores de Saúde visitaram 119 estabelecimentos,
examinando um total de 12.311 pessoas, segundo os registros do Serviço de
Estatística Demografo-Sanitária, publicados pelo O Democrata, órgão de
imprensa governista (O Democrata, 06.11.1918, p. 2). No espectro de
estabelecimentos inspecionados, 39 correspondiam a corporações militares e
civis, incluindo regimentos, batalhões, brigadas, milícias, casas comerciais,
fábricas, oficinas e serviços diversos; 11 eram constituídos por espaços
relativamente confinados como a penitenciária, hospitais, asilos e conventos; e 69
eram estabelecimentos de ensino (ibid.).
9
Às pessoas reconhecidamente indigentes, o Estado ofereceu assistência
médica e remédios. Os pobres e miseráveis tornaram-se o público alvo das ações
planejadas pela DGSPB, em virtude da percepção de que seriam mais facilmente
atingidos pela gripe, tendo em vista as precárias condições materiais de vida a
que estavam submetidos.
10
A medicina baiana considerava que a exaustão
provocada pelo excesso de trabalho; a dieta pobre; os hábitos de higiene
inadequados; o alcoolismo; a insalubridade das habitações; a exposição às
intempéries, no caso dos desabrigados; e a ação de outras doenças todos
representavam fatores que contribuíam para enfraquecer o organismo,
predispondo aqueles indivíduos a contrair a doença. Essa situação representava
grande risco para a saúde coletiva, pois um indivíduo doente poderia constituir-se
em foco de infecção para os sãos.
9
Veja o gráfico 3, apresentado no capítulo anterior.
10
Segundo Chalhoub (op. cit., p. 29), desde fins do culo XIX as classes pobres passaram a ser
vistas pelas elites médicos, políticos e intelectuais como classes perigosas. Os pobres eram
fonte de problemas, não em relação à organização do trabalho e à manutenção da ordem
pública, como também porque ofereciam perigo de contágio (ibid.).
231
Para viabilizar e otimizar o programa de assistência pública, a cidade foi
dividida em seis zonas, e um médico foi designado para cada uma. Contudo,
apesar de tal serviço de assistência abranger toda a área urbana de Salvador, um
articulista do jornal A Tarde reclamava que uma única farmácia na zona populosa
da Penha e dos Mares não era suficiente para atender a imensa quantidade de
operários que se aglomeravam do Tanque da Conceição à Fábrica da Boa
Viagem (A Tarde, 31.10.1918, p. 2). O jornalista argumentava que, para atender
satisfatoriamente à população desses distritos fabris, seria necessária a
contratação de mais uma farmácia, mesmo porque a da Penha ficava muito
distante das vilas onde residia o operariado (ibid.). Entretanto, essa reivindicação
não foi atendida, e o posto de assistência da Zona Sanitária funcionou apenas
na farmácia contratada pela DGSPB.
As pessoas atingidas pela gripe não deveriam procurar pessoalmente os
médicos, mas solicitarem-lhes as visitas ao domicilio, apresentando a requisição
nas farmácias cadastradas para tal, no período das 8 às 17 horas (O Democrata,
25.10.1918, p. 1). As receitas prescritas deveriam ser claras e precisas, escritas
em papel timbrado do serviço de assistência pública, e aviadas nas farmácias
contratadas pelo governo (ibid.). No intuito de divulgar tal medida, a DGSPB
publicou informe nos jornais, no qual explicitava os locais e a forma de
funcionamento dos serviços, estabelecendo também quem poderia fazer uso
destes.. Vejamos, a seguir, como estavam distribuídos os pontos de atendimento:
AVISO
A Diretoria Geral de Saúde Pública avisa que as pessoas
reconhecidamente indigentes atacadas de gripe, podem solicitar os
cuidados médicos para seu tratamento, que será feito por conta do
Governo do Estado, devendo dirigir-se aos médicos abaixo
relacionados de 8 às 17 horas nos locais indicados.
As pessoas doentes de gripe devem pedir a visita do médico ao seu
domicilio.
1ª ZONA
Sé, Santana e Rua do Paço – Dr. Eutychio da P. Z. Bahia – Chamados
para a Farmácia Americana, sita à Praça dos Veteranos. Aviará as
receitas na Farmácia Jutuca, sita à rua do Colégio.
2ª ZONA
Nazaré e Brotas Dr. Francisco Soares Senna Chamados para a
Farmácia Silvany, sita à rua Dr. J. J. Seabra, que aviará as receitas.
232
3ª ZONA
S. Pedro e Vitória Dr. Alfredo Britto Chamados para a Farmácia
Caldas, sita à Avenida 7 de Setembro (S. Pedro), que aviará as
receitas.
4ª ZONA
Santo Antônio Dr. Odilon Machado do Araújo Chamados para a
Farmácia Galeno, sita à Rua Direita de Santo Antônio, que aviará as
receitas.
5ª ZONA
Conceição da Praia e Pilar – Dr. Armando Rabello Vieira Lima –
Chamados para a Farmácia Meirelles, sita à rua dos Droguistas, que
aviará as receitas.
6ª ZONA
Mares e Penha Dr. Adroaldo Pires de Carvalho Chamados para a
Farmácia Penha, sita à rua do Rosário (Itapagipe), que aviará as
receitas.
Secretaria da Diretoria Geral de Saúde Publica do Estado da Bahia,
em 24 de Outubro de 1918.
O secretario interino – Mario Menna Barreto
(Diário da Bahia, 25.10.1918, p. 2).
Os médicos comissionados para prestar assistência aos indigentes
atacados de gripe pertenciam aos quadros do funcionalismo público alguns
integravam o serviço de Profilaxia da Febre Amarela.
11
Ainda assim, o estado
pagaria a esses funcionários gratificação extraordinária no valor de 200$000,
além de fornecer passes de bonde para que se deslocassem até o local de
trabalho para o qual haviam sido designados (Diário de Notícias, 24.10.1918, p.1;
29.10.1918, p.1).
12
Para conscientizar e motivar os inspetores e médicos comissionados, o
diretor geral da DGSPB realizava reuniões periódicas, durante as quais lhes
expunha as vantagens das medidas profiláticas utilizadas e solicitava-lhes “a
colaboração eficaz na defesa e conservação das condições higiênicas” da
11
Para tal serviço, o governo do estado designou o inspetor adido Eutychio da Paz Bahia, assim
como os médicos do Serviço Especial de Profilaxia da Febre Amarela: Francisco Soares Senna,
Alfredo do Couto Britto, Odilon Machado de Araújo, Adroaldo Pires de Carvalho e Armando
Rabello Vieira Lima (O Democrata, 24.10.1918, p. 1).
12
Segundo o Diário de Notícias, os gastos com a remuneração extraordinária desse pessoal
médico oneraria o tesouro do estado, sobrecarregando-o com uma despesa mensal de um conto
e quatro mil réis(Diário de Notícias, 04.11.1918, p. 1). Tal quantia era extremamente alta, tendo
em vista que o governo desprendera “1.200 contos para a debelação da epidemia de gripena
Capital Federal, cidade muito maior que Salvador, e bem mais vitimada pelo flagelo da doença
(Diário de Notícias, 28.12.1918, p. 1).
233
“salubérrima Cidade do Salvador” (O Democrata, 31. 10.1918, p. 1). Os médicos
deveriam intensificar o policiamento sanitário e a aplicação das ações
preventivas, fornecendo àquela repartição estadual informações diárias a respeito
da epidemia (ibid.). A atitude do diretor evidenciava o status alcançado pela
profissão médica na Bahia, a qual trabalhava em cooperação íntima e não
subordinada à política governamental.
Apesar dessa deferência pública, a DGSPB controlava as ações dos
inspetores e médicos por meio dos mapas remetidos por estes. Esses gráficos
apresentavam a relação semanal das pessoas assistidas em cada zona sanitária,
e continham o nome, o sexo, a idade, a profissão, o estado civil, a cor, a
nacionalidade, o diagnóstico, o local do socorro e o endereço do enfermo (O
Democrata, 26.10.1918, p. 1). Tais informações ofereciam às autoridades
sanitárias o panorama da doença, funcionando como um mecanismo interno
destinado a regular o trabalho médico e as medidas implementadas.
Paralelamente, a direção da DGSPB entrou em entendimento com os
responsáveis pelas linhas de bondes e ascensores, para que procedessem à
varredura, lavagem e desinfecção diária das cabines dos elevadores, dos pontos
de parada e dos carros dos bondes, principalmente dos carros mortuários, bem
como a irrigação do leito das linhas (Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1).
13
Além
dessas medidas, estabeleceu-se acordo com o Serviço Médico da Compagnie
Chemins de Fer Fédéraux de L’Est Brésilien para que se fizesse a desinfecção
diária dos carros, das estações e das demais dependências daquele serviço (O
Democrata, 27.10.1918, p.1).
Coube ao município proceder às lavagens periódicas de ruas e praças,
além da desinfecção dos mercados públicos (Diário de Notícias, 26.10.1918, p. 1).
A cota de responsabilidades do município era bastante reduzida, não porque
esta esfera do poder público não dispunha de recursos financeiros para fazer
frente a uma epidemia, como também porque a lei previa que o combate às
epidemias era de responsabilidade do estado e da União.
13
Nas desinfecções eram utilizados produtos como o Florosan e a creolina (Diário de Notícias,
26.10.1918, p. 1).
234
Figura 28
Carro que fazia a irrigação das ruas em 1918
Fonte: O Imparcial, 22.09.1918, p. 1
Ao Inspetor da Saúde do Porto foi solicitado que proibisse as visitas aos
navios. Nas embarcações que tocavam o porto de Salvador trazendo gripados a
bordo, foram implantadas algumas ações preventivas. Quando o navio italiano
Tomaso de Savoia chegou a Salvador contando entre os passageiros alguns
infectados, o médico da Saúde do Porto, Elysio de Albuquerque, adotou as
seguintes medidas: restringiu a circulação dos passageiros à classe em que
estavam acomodados, evitando assim o contato daqueles da classe com os da
e 3ª classes, e vice-versa; ordenou a desinfecção rigorosa do hospital de
bordo, dos banheiros e outras dependências; recomendou aos passageiros que
fizessem a higiene diária da garganta e das fossas nasais; afixou na classe
cartazes com instruções de higiene; e proibiu visitas a bordo, mesmo as de
fornecedores (A Tarde, 29.10.1918, p. 20).
Durante o expurgo de uma embarcação, a tripulação ficava proibida de
desembarcar no cais, devendo para tanto ser utilizado o forte de São Marcelo,
construído num banco de areia em plena Baía de Todos os Santos (Diário de
235
Notícias, 08.10.1918, p. 1). Além da desinfecção, aquela repartição federal
deveria medicar os gripados, e providenciar para que os casos mais graves
fossem internados no Hospital de Isolamento ou no hospital da Santa Casa de
Misericórdia (Diário de Notícias, 16.10.1918, p. 1; O Democrata, 24.10.1918, p. 1).
Nos casos de passageiros provenientes de navios infectados, cujo destino final
fosse Salvador, a Inspetoria da Saúde do Porto se encarregaria de registrar o
endereço da residência ou o lugar da hospedagem, a fim de que pudessem ficar
sob vigilância médica (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 1).
Sob a diligência de Carlos Seidl, Diretor Geral da Saúde blica na Capital
Federal, foi instalado na Inspetoria da Saúde do Porto um posto para aplicação da
vacina jeneriana, a ser utilizada também como medida preventiva contra a
influenza (A Tarde, 30.09.1918, p. 2). O fato foi fartamente noticiado pelos jornais,
conforme podemos ver a seguir:
Figura 29
Campanha de vacinação
Fonte: O Imparcial, 06.10.1918, p. 1
236
Naquele período suspeitava-se que as pessoas vacinadas contra a varíola
adquiriam alguma imunidade contra a gripe. A DGSPB encampou a idéia e
reforçou a campanha de vacinação contra a varíola, associando a vacina
antivariólica à prevenção da gripe epidêmica. Vejamos a nota abaixo:
Como quem afirme ter observado que as pessoas recentemente
vacinadas contra a varíola têm uma certa imunidade para a gripe
epidêmica, a repartição da higiene, no seu louvável afã de proteger a
saúde do povo da Bahia, de pô-lo ao abrigo da moléstia,
imediatamente instituiu por toda a cidade vários pontos vacínicos, em
número de 17, além dos que existem ininterruptamente funcionando a
horas diferentes aos cuidados médicos competentes e dedicados.
(Diário da Bahia, 24.10.1918, p. 1, grifo nosso)
Através dos jornais e de cartazes afixados em lugares estratégicos, a
DGSPB procurava estimular a população a vacinar-se ou revacinar-se,
responsabilizando também o indivíduo pelos cuidados com a própria saúde e a da
sua família, conforme podemos observar a seguir:
A vacina evita a varíola
“Vacinai-vos, bem como aos vossos filhos e a todos de vossa casa”.
“Velareis assim pela vossa saúde, de vossa família e de vossos
semelhantes”.
(O Democrata, 09.11.1918, p. 1)
Além da propaganda e da implantação dos postos de atendimento, a
DGSPB enviou médicos do serviço de saúde pública às escolas, colocando-os
também à disposição para proceder à vacinação em fábricas, oficinas e quaisquer
outras corporações que os solicitassem. No interior do estado o serviço deveria
ser organizado pelos Intendentes, auxiliados pelos Delegados de Higiene ou
pelas pessoas mais proeminentes nas respectivas cidades. Mesmo assim, certa
nota veiculada no jornal A Tarde informava que os moradores de Brotas
suplicavam em vão por um posto de vacinação (A Tarde, 23.10.1918, p. 1).
Apesar do empenho da repartição estadual de saúde, não se pode afirmar
que o Diretor Geral da Saúde Pública da Bahia, Alberto Muylaert, acreditasse, ou
237
não, nos benefícios da vacina antivariólica na imunização contra a gripe.
14
Contudo, a notícia da utilização dessa medida na capital federal pode ter
estimulado a campanha de vacinação deflagrada no período.
15
Os jornais
convocavam todos para a vacinação, enfatizando o fato de a providência ter sido
recomendada por Carlos Seidl, diretor da saúde blica no Rio de Janeiro
capital federal e modelo de modernidade, civilização e progresso para os baianos
dessa época. Segundo o jornal A Tarde, nos dois dias subseqüentes à
implantação do posto de vacinação na Inspetoria da Saúde do Porto, 20 pessoas
já haviam sido vacinadas (A Tarde, 10.10.1918, p.1).
Além das medidas defensivas e de controle, a DGSPB julgou oportuno
promover a educação sanitária do povo, estimulando a adoção de hábitos de
higiene por meio de conselhos e avisos publicados nos jornais e distribuídos nos
lugares freqüentados pelo público. Um desses panfletos advertia a população a
respeito dos perigos do hábito de escarrar e cuspir no chão, sugerindo que nestas
circunstâncias as pessoas utilizassem o lenço ou os escarradores instalados em
vários lugares blicos (O Democrata, 05.11.1918, p. 1). Dessa maneira,
procurava-se evitar que os germens se propagassem no ambiente ao serem
expelidos juntamente com os esputos dos gripados.
14
No período da incidência da pandemia, o grande trunfo da bacteriologia o pôde ser
empregado a imunização da população mediante vacina específica. Contudo, foram realizadas
algumas experiências no sentido de se criar uma vacina para a gripe. O dico e professor de
microbiologia da Faculdade de Medicina de São Paulo, Ulisses Paranhos, desenvolveu estudos
referentes à “esputo-vacinação anti-gripal” com o material patológico recolhido no Hospital da
Força blica, proveniente de empregados do Laboratório Paulista de Biologia (Brazil-Medico,
18.01.1919, p. 20). Paranhos optou por fazer, em vez de uma vacina polimicrobiana, uma pan-
vacina (esputo-vacina) que aproveitasse as diversas espécies de germes isolados nos escarros,
considerando que tais micróbios poderiam se constituir apenas emsatélites do verdadeiro agente
da gripe” um vírus filtrável (ibid.). Segundo o pesquisador, na pan-vacina o vírus em questão
poderia ser conservado mais facilmente do que nas emulsões multibacterianas (ibid.). Foram
inoculadas com tal vacina 116 pessoas, das quais 18 não contraíram a gripe; 1 manifestou a forma
ambulatorial (não se recolheu ao leito); 96 apresentaram a forma benigna; e somente 1 pessoa
contraiu a forma grave, pneumônica, restabelecendo-se em seguida (ibid., p. 21). Paranhos
chamou atenção para o fato de que, dentre os acometidos pela gripe benigna, 2 abandonaram as
inoculações logo após a primeira aplicação, e 10 adquiriram a gripe no decorrer do processo
(ibid.). Todavia, apesar dos inúmeros esforços em se desenvolver uma vacina, a epidemia se
extinguiu antes que os cientistas obtivessem êxito.
15
Em pronunciamento na Academia Nacional de Medicina, o Diretor Geral da Saúde Pública na
Capital Federal, Carlos Seidl, sugeriu a aplicação de tal medida no combate à gripe, ainda que seu
prognóstico em relação à doença não fosse dos mais otimistas (Brazil-Medico, 14.12.1918, p.
399).
Para o médico, contra tal moléstia não havia profilaxia internacional ou remédio específico
eficazes, só funcionando satisfatoriamente a profilaxia individual (ibid).
238
Nesse período, a DGSPB também empreendeu campanha contra as
moscas. Os inspetores sanitários deveriam intensificar as visitas aos domicílios,
“hotéis e pensões, casas de pasto e cafés, estábulos e cocheiras e mais pontos
onde de preferência se encontram[vam] aqueles insetos” (O Democrata,
07.11.1918, p. 1). Cabia a tais inspetores providenciar a “perfeita instalação dos
aparelhos sanitários”, assim como a “limpeza dos quintais e dependências de
todos estes edifícios, de modo a evitar os cisqueiros, as esterqueiras e outros
acúmulos de imundícies” (ibid.). Procurando conscientizar a população do perigo
representado por esses insetos, a DGSPB divulgou o seguinte aviso:
Evitai e temei as moscas
Elas podem propagar várias doenças
Combatei as moscas por todos os meios
Protegei delas os vossos alimentos (ibid.).
Uma nota publicada no jornal A Tarde não economizou críticas a
semelhante medida do governo. Segundo o articulista, enquanto nas cidades do
Sul as autoridades sanitárias fizeram afixar em todos os lugares públicos
panfletos com “conselhos ao povo” instruções sobre a profilaxia e a terapêutica
da gripe na Bahia, “o curto saber de coisas de medicina não lhe alvitrou mais
nada”, que “‘paquetes’ contra as moscas e a inconveniência de cuspir no chão” (A
Tarde, 25.11.1918, p. 3).
Na intenção de preencher a lacuna deixada pela repartição blica, os
jornais traziam seções específicas, voltadas para a informação da população
sobre a natureza da doença e sobre o procedimento a ser adotado para evitá-la.
16
Nesse período, proliferavam na imprensa anúncios contendo “conselhos à
população”, tais como o reproduzido a seguir:
16
Segundo Bertucci-Martins (2003, p. 103-117), em São Paulo os “Conselhos ao Povo” foram
publicados na imprensa por iniciativa do serviço sanitário do estado. Elaborados pela diretoria de
saúde, os textos (reeditados e resumidos), veiculados nos jornais diários, faziam apelo à adoção
de medidas de higiene pessoal e coletiva (ibid.).
239
Figura 30
Conselhos à população
Fonte: O Imparcial, 24 de outubro de
1918, p. 1
Com tal expediente, a imprensa contribuía para a educação higiênica da
população.
17
Além das medidas preventivas, circulavam nos jornais instruções
sobre a medicação, a dieta e os cuidados a serem adotados por aqueles que
contraíam a gripe.
18
Na verdade, a campanha educativa de combate às moscas desencadeada
pela DGSPB em ação conjunta com o saneamento de quintais e terrenos baldios
tinha sido provocada pela ameaça de eclosão de uma epidemia de cólera (O
17
Cf.: Jornal de Notícias, 03.11.1918, p. 2; Diário da Bahia, 31.10.1918, p. 1; Diário de Notícias,
14.10.1918, p. 2; A Tarde, 25 de novembro de 1918, p. 3.
18
Ibid.
240
Imparcial, 11.11.1918, p. 1). Conforme dissemos anteriormente, as autoridades
médicas e sanitárias da Bahia pareciam temer mais o cólera que a gripe, e
aproveitaram a motivação suscitada pela epidemia reinante para tentar evitar a
invasão de mais uma doença epidêmica.
5.3. O ATENDIMENTO NOSOCOMIAL AOS “ESPANHOLADOS”
Dentre as reivindicações apresentadas a DGSPB durante a epidemia de
gripe espanhola em Salvador, constava a criação de uma enfermaria para atender
os indigentes e os doentes dos navios que aportavam a Salvador. A criação de
enfermarias provisórias constituía prática recorrente em episódios epidêmicos,
quando se precisava ampliar o atendimento nosocomial. Os hospitais em
funcionamento em Salvador nesse período não apresentavam condições de
oferecer um número satisfatório de leitos para atender às demandas da
população.
A legislação sanitária vigente dava sustentáculo a essa realidade
determinava que os acometidos por doenças infecto-contagiosas deveriam ser
assistidos no próprio domicílio.
19
O isolamento nosocomial seria recomendado
nos casos em que fosse comprovada a falta absoluta de assistência e de recursos
pecuniários para prover o próprio tratamento ou por impropriedade quer da
habitação, quer do local onde esta estivesse situada.
20
A rede de atendimento montada pela DGSPB, com postos nas 6 zonas
sanitárias em que foi dividida a cidade, previa assistência médica domiciliar aos
indigentes. As pessoas das camadas mais favorecidas da população recorriam ao
médico de família ou se dirigiam aos consultórios particulares para serem
19
Tratamos desse assunto no primeiro capítulo.
20
O isolamento em domicílio não era considerado apropriado quando a residência estava situada
em zona populosa, ou quando se tratava de moradia coletiva (internatos, hotéis, hospedarias,
casas de pensão e de cômodos, cortiços, etc.). Contudo, é interessante destacar que em
princípios do século XX, a “promiscuidade da doença”, o peso dos cuidados, os odores, as
secreções e o drama cotidiano, todos esses problemas que faziam parte da rotina do doente,
começavam a ser pouco tolerados pelos ocupantes da casa família e serviçais (Philippe Áries,
op. cit., p. 623). Ainda assim, a transferência das responsabilidades para com o doente e também
a “morte escondida no hospital” só começaram a se generalizar a partir da década de 1950 (ibid.).
241
examinadas (O Imparcial, 26.09.1918, p. 1). Poucos foram os que na Bahia
receberam atendimento hospitalar por ocasião da epidemia de gripe espanhola. O
gráfico abaixo demonstra que o número daqueles recolhidos aos hospitais era
insignificante diante dos que eram tratados no próprio domicílio:
Gráfico 8
Óbitos por local
Domicílio
Hospitais
Via pública
A bordo
183
30
2
1
0
50
100
150
200
Gripe Espanhola em Salvador
Óbitos por local
27.09 a 31.10.1918
Fonte: O Democrata, 10.11.1918, p. 2.
Apesar da internação hospitalar não ser recorrente, nessa época os
hospitais abriram vagas para receber os “espanholados”. Em finais de setembro,
matéria publicada no jornal A Tarde informava que não havia um leito vazio no
Hospital Militar, acrescentando que no momento em que estava sendo realizada a
reportagem chegaram mais doentes para hospitalização (A Tarde, 25.09.1918, p.
1).
21
Para acomodar os 234 militares doentes que se encontravam internados
naquele nosocômio, os enfermeiros improvisaram leitos no chão e pelos
corredores, prova de que a demanda era superior a estrutura disponível nesse
hospital (ibid.).
21
Esse hospital prestava atendimento ao contingente de militares em serviço na Bahia.
242
O Hospital da Real Sociedade de Beneficência Dezesseis de Setembro,
apesar de a maioria dos seus leitos apresentar-se ocupada por doentes
acometidos por doenças venéreas, malária, tuberculose e febre amarela, também
abriu espaço para acolher os “espanholados” (SAME. Hospital Português.
Diagnósticos 1913-1935. Diagnósticos 003. p. 08-12).
22
No período de 10 a 21
de outubro de 1918 deram entrada no hospital 6 doentes de “influenza espanhola”
(ibid.). No ano seguinte, 1919, foram registradas 7 ocorrências de gripe, 1 de
broncopneumonia e 4 de bronquite (ibid.). No ano de 1920, foram internados no
hospital 3 doentes de gripe, 1 de pleuropneumonia, 1 de broncopneumonia e 5 de
bronquite. Não houve óbito em nenhum desses casos (ibid.).
Figura 31
Hospital Português
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, nº5, Abr. 1918, [c.a., p. 11]
22
Esse hospital prestava assistência aos integrantes da comunidade portuguesa e a seus
descendentes, residentes ou de passagem pela Bahia.
243
O hospital da Santa Casa de Misericórdia – o Santa Isabel – também
reabriu uma enfermaria especificamente para receber os ‘espanholados’. Na
enfermaria São Roque seriam isolados os doentes do próprio hospital,
acometidos pela gripe, e aqueles advindos de embarcações que tocavam o porto
de Salvador (SCMBA, Diretoria do Hospital Santa Isabel, Relatório da Santa Casa
de Misericórdia. 1914-918, 01.01.1919, p. 130). Essa enfermaria foi fechada
assim que cessou a epidemia (ibid.).
Verificamos algumas discrepâncias na parte do Relatório que registra o
movimento geral de doentes, no Hospital Santa Isabel. O relatório do ano de 1918
informa-nos que se tratava de uma enfermaria masculina, onde ficaram
internados 31 doentes, dos quais 28 receberam alta, e 3 faleceram (SCMBA.
Diretoria do Hospital Santa Isabel. Relatório da Santa Casa de Misericórdia. 1914-
918. Movimento geral de doentes. Anexo. s/p).
Contudo, muitas questões surgiram ao nos defrontarmos com tais
informações: Será que a Santa Casa só prestou atendimento hospitalar aos
homens? E as mulheres que não possuíam recursos para tratar-se em seus
próprios domicílios, para onde se dirigiram? Será que, contrariando as normas, a
enfermaria era mista? Será que esse hospital internou apenas 31 doentes, num
universo de aproximadamente 130.000 pessoas atingidas pela epidemia em
Salvador, durante os mais de noventa dias em que esta durou? Por quê?
Apesar de os documentos produzidos no Hospital não informarem sobre o
atendimento prestado pelo Santa Isabel às “espanholadas”, outras fontes
informam que tais mulheres foram ali atendidas. Segundo nota publicada no
Diário de Notícias, Mônica da Silva, de 25 anos de idade, solteira, residente na
rua do Paraíso”, acometida pela gripe, veio a falecer nesse hospital (Diário de
Notícias, 24.10.1918, p. 1). No livro de registro dos sepultamentos realizados no
cemitério do Campo Santo, consta que ali foram enterrados os corpos de quatro
mulheres, provenientes desse hospital (SCMBA, Registro dos Enterramentos...,
Livro n.º 6, H/Base/1331, 7.12.1915 a 26.8.1923).
Outras incongruências foram observadas ao compararmos os registros da
enfermaria São Roque aos do Campo Santo. Verificamos que nesse cemitério
foram enterradas 17 pessoas provenientes do Santa Isabel, enquanto o hospital
informou a ocorrência de apenas 3 óbitos naquela enfermaria (ibid.).
244
Na seção de registro nosográfico de 1918 consta que, além de gripados e
“influenzados”
23
, ali foram atendidos doentes com bronquite, broncopneumonia e
pneumonia (SCMBA, Diretoria do Hospital Santa Isabel, Relatório da Santa Casa
de Misericórdia.1914-918. Registro nosográfico. Moléstias Ano de 1918. Anexo.
s/p.).
24
Muitas dessas doenças são oportunistas ou decorrentes de complicações
da gripe; o documento, entretanto, não informa em que meses do ano se deu o
atendimento dos pacientes. Para estabelecer alguma relação de tais
enfermidades com a epidemia reinante entre setembro e dezembro de 1918,
podemos comparar os registros do ano em questão com os do ano anterior.
Vejamos o gráfico abaixo:
Gráfico 9
0 20 40 60 80 100
broncopneumonia
bronquite
gripe
influenza
pneumonia
Hospital Santa Isabel
Registro de doenças do aparelho respiratório
(1917-1918)
1917
1918
Fonte: SCMBA, Diretoria do Hospital Santa Isabel, Relatório da Santa Casa de
Misericórdia. 1914-918. Registro nosográfico. Moléstias – Ano de 1918. Anexo. s/p.
23
Consta o registro diferenciado dessas doenças no quadro nosográfico desse hospital.
24
Para a nossa análise, optamos por considerar apenas essas doenças do aparelho respiratório,
em detrimento de outras presentes nos registros do Santa Isabel, tais como congestão e edema
pulmonar, pleurisia, pneumonia bastarda, rinite, sinusite, tuberculose, etc., porque constituem as
relacionadas à epidemia nos registros de óbito, relatórios e estatísticas da época.
245
Ao relacionarmos os casos de doenças do aparelho respiratório atendidos
nesse hospital durante o ano de 1917 aos registrados em 1918, percebemos que,
entre 1917 e 1918, o número de atendimentos aumentou de 100 para 206 (ibid.).
Dentre esses, a bronquite manteve a média de 49 casos por ano, havendo
aumento significativo apenas em relação aos casos de broncopneumonia dos
16 registrados em 1917, passaram a 39, em 1918 (ibid.). Em 1917 não houve
registros de casos de influenza, enquanto no ano seguinte foram registrados 34
casos (ibid.). No que diz respeito à gripe, foram registrados 84 casos em 1918
(ibid.). Ao somarmos o número de registros de gripe e influenza realizados em
1918, concluímos que houve importante aumento em comparação com o ano
anterior de 26 para 118 número muito superior ao de internos na enfermaria
São Roque (ibid.).
Figura 32
O Hospital Santa Isabel em 1918
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, nº4, Mar. 1918, [c.a., p. 29].
Segundo Sílio Boccanera Junior (1926, p.362), nesse período, o Hospital
Santa Isabel era o de maior importância da Bahia, não pela excelência do seu
246
corpo clínico, pela “magnificência do seu edifício e pelo incomparável serviço que
presta[va] ao povo”, como também por sua capacidade de internar 600 doentes.
Todavia, durante o ano de 1918, em conseqüência da carestia de medicamentos
e víveres, o hospital pôde acolher a média mensal de 340 doentes, número
considerado pequeno pelo diretor interino desse estabelecimento, Dr. Octaviano
Pimenta, tendo em vista os cerca de 300.000 habitantes de Salvador e o grande
número de indigentes dentre estes (SCMBA, Diretoria do Hospital Santa Isabel,
Relatório..., 1919, p. 130).
Figura 33
O grupo de enfermeiras do Hospital Santa Isabel em 1918
Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, nº4, Mar. 1918, [c.a., p. 29].
Corpo de enfermeiras do Hospital Santa Isabel, vendo-se, ao centro, a enfermeira-chefe
Miss Agness Berry.
247
Figura 34
O corpo clínico do Hospital Santa Isabel em 1918
Fonte: Fonte: Bahia Illustrada, Rio de Janeiro: Anno II, nº4, Mar. 1918, [c.a., p. 29].
Corpo clínico do Hospital Santa Isabel, vendo-se, na fileira da frente, da esquerda para a direita,
Dario Peixoto, Octaviano Pimenta, Lydio de Mesquita, Clementino Fraga, Brás do Amaral e Antonio
Borja; e por trás, sempre da esquerda para a direita, os médicos Glz Martins, Heráclito Menezes,
Durvaltecio Aguiar, José Olympio da Silva, Eduardo Bittencourt, Aristides Maltez, Boaventura
Cajueiro, dentre outros.
Assim, enquanto alguns eram acolhidos, muitos eram os indigentes que,
atacados pela gripe, morriam ao abandono nas ruas, em razão do número
reduzido de leitos disponibilizados por esse hospital (A Tarde, 31.10.1918, p. 2).
As notícias em circulação na imprensa nos levam a crer que apenas as pessoas
identificadas e integradas de alguma forma àquela sociedade com nome,
idade, trabalho e endereço conhecidos obtinham algum tipo de atendimento de
saúde. Os anônimos, aqueles que viviam na mais absoluta miséria, à margem da
sociedade, morriam ao relento e, certamente, não eram computados pela
estatística oficial. Segundo nota publicada no Diário de Notícias, na porta do
Hospital Santa Isabel, “à chuva e ao sol, em miserável abandono, morreu vítima
da gripe, uma infeliz preta, de 32 anos presumíveis” (Diário de Notícias,
24.10.1918, p. 1). Tais fatos eram explorados pela imprensa, no intuito de
248
pressionar o governo para que oferecesse assistência a essa camada miserável
da população.
Comovido diante “da situação angustiosa desses desprotegidos da sorte”,
e ciente dos “sérios embaraços” que o diretor da Saúde Pública estava
enfrentando para acomodar os indigentes atingidos pela epidemia, o abade do
Mosteiro de São Bento, D. Rupperto Remdolf, pôs à disposição do estado as
instalações do Mosteirinho de Monte Serrat, para que ali pudesse ser criada uma
enfermaria (A Tarde, 31.10.1918, p. 2; APEBA, Seção republicana, Cartas
Recebidas pelo diretor-geral de Saúde..., 1917-18). O Mosteirinho funcionava
como sanatório para os religiosos, portanto não seria difícil estabelecer um
serviço de assistência aos “espanholados”.
Em vista do crescente número de pessoas acometidas pela gripe, o diretor
da DGSPB foi autorizado a aceitar o oferecimento de D. Rupperto (A Tarde,
01.11.1918, p. 2). Assim, partir do dia de novembro, passou a funcionar no
Mosteirinho uma enfermaria para receber exclusivamente gripados indigentes”
(ibid.). O estado arcaria com os custos da internação e do tratamento (ibid.).
Tais espaços não eram suficientes para atender os doentes dos navios que
aportavam em Salvador, nem os indigentes gravemente atacados pela moléstia.
Assim, o estado improvisou uma enfermaria no Hospital de Isolamento de Monte
Serrat, que funcionaria em um dos antigos pavilhões do hospital, que naquele
período se encontrava em processo de construção (Diário de Notícias,
28.10.1918, p. 1). Em 31 de outubro de 1918, o Inspetor da Saúde do Porto
recebeu da DGSPB um ofício comunicando a instalação dessa enfermaria, para a
qual, uma vez ciente da informação, aquela instituição pudesse enviar os doentes
que ali aportavam (O Democrata, 07.11.1918, p. 1).
Segundo Moniz de Aragão (1919, p. 65), no decorrer da epidemia foram
recolhidas ao Hospital de Isolamento 22 pessoas acometidas pela espanhola’;
dentre estas, 18 se curaram, e 4 faleceram em razão do agravamento de doenças
precedentes, ou em conseqüência de complicações decorrentes da gripe 1 por
tuberculose e 3 por pneumonia.
Contudo, há desencontro de informações entre os dados fornecidos pela
fonte oficial e as notícias que circulavam na imprensa durante a passagem da
“espanhola” por Salvador. Matéria veiculada no Jornal de Notícias, em 20 de
249
outubro de 1918, noticiava que haviam sido encaminhados para o Isolamento de
Monte Serrat 26 doentes, procedentes dos navios que se encontravam ancorados
em Salvador, todos em estado grave, 2 dos quais vieram a falecer (Jornal de
Notícias, 20.10.1918, p. 1).
Não dispomos, entretanto, do relatório do próprio hospital, o que
certamente contribuiria para elucidar essa questão. No Arquivo Público do Estado
da Bahia só constam dois relatórios elaborados nesse decênio um de 1912 e
outro de 1921 (referente ao ano anterior).
25
Esbarramos mais uma vez na
imprecisão dos registros observada nesse período, mas como o quantitativo não
representa propriamente o nosso foco, importa-nos realmente saber que durante
essa epidemia a sociedade organizou-se no sentido de oferecer uma estrutura
mínima de assistência ao “espanholado”.
5.4. BAHIA DE TODOS OS SANTOS O CONFORTO DA E AS PRÁTICAS
DE CURA INFORMADAS PELA RELIGIÃO
A tensão desencadeada por uma crise epidêmica promove exacerbação da
religiosidade. Desde os tempos mais remotos, as pessoas procuram encontrar na
religião explicação e consolo para o flagelo da doença.
26
As práticas religiosas
também se repetiram no decorrer do tempo. Por meio de sacrifícios auto-
impostos, como os jejuns, as pessoas tentavam expiar as faltas cometidas, que
poderiam ser a causa da adversidade. Ao mesmo tempo buscavam conforto nas
preces e na participação de rituais coletivos, como as procissões, as missas e
cultos extáticos, os quais ofereciam a promessa de ação efetiva, até mesmo
quando a aglomeração de pessoas em tais ritos representava prática contraditória
em relação às medidas de defesa contra as epidemias.
25
Cf.: APEBA. Seção Republicana. Secretaria do Interior e Justiça. DGSPB. Relatório do Hospital
de Isolamento do Monte Serrat. Datas-limite: 1898/1926. Caixa: 3694. Maço: 1025.
26
Cf.: Rosenberg, op. cit.; Delumeau, op. cit.; Ranger e Slack, 1992.
250
Durante a passagem da gripe espanhola pela Bahia, o Arcebispo Primaz
do Brasil, D. Jerônimo Thomé da Silva, ordenou que em todas as igrejas da Bahia
fosse rezada uma oração específica para tempos de peste e mortalidade,
semelhantes aos vividos pelos soteropolitanos nesse período (Revista
Ecclesiastica da Archidiocese da Bahia. Câmara Eclesiástica da Bahia. Nova
oração imperada. 20.10.1918, 10: p. 270).
27
Como outubro foi o mês em que a
epidemia recrudesceu, o arcebispo achou prudente aumentar a carga de orações.
Segundo nota veiculada na imprensa, D. Jerônimo recomendava que até o dia
de novembro, em todas as igrejas da capital e do interior, inclusive as das ordens
religiosas, fosse rezado um tríduo de preces públicas, do qual constava a
recitação do terço, a ladainha à Nossa Senhora, o Tantum ergo,
28
e a benção do
Santíssimo Sacramento, entoando-se ao final o cântico “Senhor Deus
misericórdia” (Diário de Notícias, 29.10.1918, p. 1).
Em tempos de calamidade, os soteropolitanos apelavam ao Senhor Bom
Jesus do Bonfim para que Ele aplacasse os horrores da fome, da seca ou da
peste. A devoção ao Senhor do Bonfim é uma das mais antigas; foi introduzida na
Bahia pelo capitão português Theodozio Rodrigues, que trouxe a imagem da
cidade portuguesa de Setúbal, em 1745. A imagem de Jesus crucificado domina o
altar-mor da igreja, construída no local onde Rodrigues erigira a primeira capela,
em 1751, na colina de Itapagipe (Verger, 1999, p. 78). Desde então, quando se
sentem ameaçados, os devotos de todas as camadas da sociedade suplicam ao
Senhor do Bonfim a Sua miraculosa intervenção. Em tempos de epidemia,
quando todas as preces não pareciam ser suficientes, e a gravidade do momento
exigia um contato mais próximo com o sagrado, a imagem descia do seu trono e
era colocada no corpo da igreja, aproximando-se mais da adoração e das súplicas
dos fiéis (Jornal de Notícias, 06.10.1918, p. 3).
29
Quando eclodiu a epidemia de gripe espanhola, os jornais noticiaram a
descida da imagem do Seu trono no altar-mor, tal como ocorrera durante o flagelo
27
Através da oração Pro vitanda mortalitate vel tempore pestilentiae os fiéis imploravam à
Deus o final da epidemia; “livrai-nos da morte e de mais pestilência” seria uma tradução livre e
aproximada da frase que dá título à oração.
28
Cântico que precede a bênção do Santíssimo Sacramento, no rito católico
(
http://www.agencia.ecclesia.pt/catolicopedia/artigo.asp?id_entrada=1849. Acesso em
03.04.2007).
29
Cf.: David, op. cit., p. 92.
251
da cólera, em 1855 (ibid.).
30
Apesar dos rumores na imprensa traduzirem o desejo
dos fiéis, a mesa administrativa da devoção custou a decidir o translado da
imagem. Interpelado sobre o assunto, o tesoureiro perpétuo da mesa, José
Eduardo Freire de Carvalho Filho, informou que “a descida da imagem, que tem
cerca de 200 anos, é[ra] difícil, e deve[ria] ser feita com muito cuidado, para evitar
estragos” (ibid.). Segundo o tesoureiro, caso se verificasse agravamento da
epidemia, a mesa certamente autorizaria a descida da imagem (ibid.). Até então,
entretanto, do alto onde se encontrava, “descortinando a cidade e o mar”, Ele
velaria pelos soteropolitanos, aliviando as suas penas (ibid.).
Figura 35
A proteção do Senhor do Bonfim
Fonte: Jornal de Notícias, 06.10.1918, p. 3
Enquanto isso, a epidemia se alastrava pela cidade; sensível aos apelos
dos fiéis, a mesa da devoção achou por bem transladar a imagem para a nave da
igreja, onde ficou exposta à adoração dos devotos. Segundo o articulista do
Jornal de Notícias, era extraordinário o número de pessoas que acorriam ao
templo e se prostravam aos pés da imagem, beijando-a, implorando ao Senhor
que fizesse cessar o mal que os afligia (Jornal de Notícias, 29.10.1918, p. 2).
30
Ibid.
252
Figura 36
A fé não morre!
Fonte: Jornal de Notícias, 29.10.1918, p. 2.
Vimos no capítulo anterior que até finais de outubro a DGSPB não cuidara
de proibir as procissões, nem os cultos e festejos religiosos da Igreja Católica em
andamento naquele período, o que contrariava a profilaxia adotada em tais casos.
Quando essa repartição se deu conta do agravamento da epidemia e do perigo de
contágio que semelhantes eventos propiciavam, resolveu suspender as festas da
Matriz de Brotas. As missas, romarias e outros ritos católicos realizados ao
mesmo período, no objetivo de suplicar a misericórdia divina diante da ameaça da
epidemia, não foram proibidos pela DGSPB, e seguiram reunindo muitos fiéis nas
igrejas. As costumeiras romarias à Igreja do Bonfim continuaram a ser realizadas
toda sexta-feira, atraindo mais devotos nesse período, e o “beija-pé” da imagem
sagrada denotava que os fiéis estavam tão seguros da proteção divina, que o
temiam o risco de contaminação.
31
Além do conforto espiritual, a religião oferecia proteção e cura para o corpo
físico. Segundo alguns historiadores da gripe espanhola no Brasil, a impotência
31
Cf.: Jornal de Notícias, 06.10.1918, p. 3; ibid., 29.10.1918, p. 2; Diário de Notícias, 29.10.1918,
p. 1.
253
da medicina acadêmica diante da gripe epidêmica colocou em destaque outras
práticas de cura.
32
Os autores focalizam a luta da chamada “medicina científica”
para se distinguir e se distanciar desses outros saberes – os graduados em
escolas de medicina oficiais buscavam garantir um status diferenciado nessas
sociedades, procurando coibir as outras práticas de cura e firmar-se como o único
saber legítimo para os cuidados com a saúde.
Na Bahia, apesar do prestígio alcançado pela medicina acadêmica, a
população contava com outras soluções de prevenção e cura das doenças,
algumas das quais informadas pela religião. Segundo Nikelen Witter (2001), a
recorrência a tais práticas não representou um fenômeno construído para
preencher os espaços deixados pela medicina acadêmica, ou mesmo em
oposição a esta, mas se estabeleceu pelo fato de essas alternativas
representarem um conjunto de saberes criados pela experiência e preservados
pela tradição. De acordo com Witter, a população recorria ao curandeirismo ou à
medicina doméstica não pela falta de médicos, mas porque se tratava de prática
cultural ancestral, muito anterior aos conhecimentos da medicina acadêmica.
Em finais de outubro, impressionado com o grande número de gripados
que acorriam às farmácias e aos médicos em busca de alívio para os seus
padecimentos, um repórter do jornal O Imparcial resolveu investigar o tipo de
lenitivo ou proteção que os “feiticeiros e charlatães” estavam oferecendo ao povo
(O Imparcial, 25.10.1918, p. 1). Ao realizar tal reportagem, o jornalista pretendia
desmistificar e desqualificar tais práticas, qualificadas de quejandas velhacarias
com que um não pequeno número de exploradores vai, vivendo à tripa forra,
graças à ingênua credulidade do povo, que eles extorquem sem piedade” (ibid.).
No intuito de desmascarar os indivíduos que se utilizavam das crenças místicas
de ingênuos e iletrados em benefício próprio, o repórter resolveu visitar um
terreiro de candomblé, um centro espírita e a casa de uma curandeira (O
Imparcial, op. cit., p. 1).
32
Cf.: Bertolli Filho, op. cit.; Bertucci, op. cit.; Abrão, op. cit.
254
Figura 37
A terapêutica dos feiticeiros e charlatães
Fonte: O Imparcial, 25.10.1918, p. 1.
O primeiro lugar a ser visitado foi um terreiro de candomblé, situado na
localidade de Mata Escura, em “uma casa ampla, arejada e confortável” (ibid.). O
terreiro era dirigido por Pai Nicácio; segundo o jornalista, um criolo moço ainda,
fisionomia reveladora de ignorância e despreocupação” (ibid.).
33
Sem se
identificar, portando-se como um crente que ali se encontrava em busca de ajuda,
o repórter solicitou ao pai-de-santo que o livrasse da influenza (ibid.).
Pai Nicácio começou por tentar explicar ao consulente a natureza e as
causas daquela doença a seu ver, os doutores não sabiam que doença era
aquela. “Isso é castigo de Pai Grande”, sentenciou o pai-de-santo,
33
Nota-se a atitude preconceituosa do repórter nessa sua descrição do pai-de-santo. A
preocupação em descrever os traços fisionômicos do curador, identificando-o à sua origem étnica,
revela a ideologia vigente, segundo a qual os negros seriam biologicamente inferiores,
fundamentada nos estudos médico-legais, etnográficos e psicossociais desenvolvidos por Nina
Rodrigues. Cf.: CORRÊA, Mariza. As Ilusões da Liberdade: A Escola de Nina Rodrigues e a
Antropologia no Brasil. 2ª. Ed. Rev. Bragança Paulista: Editora da Universidade o Francisco,
2001.
255
acrescentando que todo aquele malefício advinha do final da guerra, e piorara
depois que um homem fora enterrado vivo (ibid.).
34
Para o repórter, a explicação oferecida por Pai Nicácio não passava de
“disparates” (ibid.). Contudo, a forma pela qual um indivíduo explica o episódio da
doença causas, sintomas, medidas profiláticas, formas de tratamento, etc.
relaciona-se com a sua visão de mundo, ou seja, com um sistema de crenças,
atitudes e valores culturalmente construídos, sejam estes considerados científicos
ou não (Leite e Vasconcelos, 2006, p. 115).
Assim, após oferecer uma explicação para a doença, o pai-de-santo deu
início ao ritual de proteção solicitado. Pai Nicácio principiou com a devida
saudação aos santos Bojô
35
e Bonokô
36
, cujas representações (imagens) são
qualificadas de “hilariantes”, pelo repórter (O Imparcial, op. cit., p.1). Alcançada a
permissão dos santos, o sacerdote colocou “uma torcida de algodão” no pescoço
do repórter, instruindo-o a usá-la por “sete dias e, após, lançá-la na maré de
vazante” (ibid.). Depois de mais uma reverência diante do altar das divindades,
onde pronunciou as palavras sagradas do ritual, o babalorixá fez a prescrição de
34
Segundo Slack (op. cit., p. 4), desde os tempos mais remotos, as pessoas procuram na religião
encontrar explicação e consolo para o flagelo da doença. Nesse sentido, sempre existiu a visão de
que Deus enviava a peste como um castigo ou martírio aos que não puderam resistir às tentações.
Tratava-se de atitude que andava de mãos dadas com certo fatalismo popular em face do
desastre.
35
Nas nossas pesquisas não achamos nada sobre Bojô. Acreditamos que a grafia esteja errada, e
em vez de Bo seja Bêje, o mesmo que Ìbejì ou Ìgbejì (Nava, 2003, p. 194). Ibeji ou Igbeji são
divindades gêmeas, costumeiramente sincretizadas, no Brasil, com os santos gêmeos católicos
Cosme e Damião
(ibid.). Segundo a reportagem supracitada, havia duas imagens juntas e iguais
no altar de Pai Nicácio, isto reforça a nossa hipótese de que se tratasse de Bêje ou Ibeji no
sincretismo religioso São Cosme e São Damião, santos associados à prática da medicina e à cura
das doenças. Cf.:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3%A3o. Acesso em 19.04.2007.
36
Bonokô, anteriormente Gunokô, corruptela de Igunnukô. Babá Igunnuko ou egunokô, é um
Egungun africano, ou seja, um espírito ancestral, pertencente à Mitologia Yoruba. Os nagôs
cultuam de diversas formas os espíritos dos mais velhos, de acordo com a posição hierárquica
que ocuparam dentro da comunidade e com a sua atuação em prol da preservação e da
transmissão dos valores culturais. os espíritos especialmente preparados para serem
invocados e materializados recebem o nome Egun, Egungun, Babá Egun ou simplesmente Babá
(pai), e são objeto desse culto todo especial. Porque o objetivo principal do cultos dos Egun é
tornar visíveis os espíritos dos ancestrais, agindo como uma ponte, um veículo, um elo entre os
vivos e seus antepassados. E ao mesmo tempo que mantém a continuidade entre a vida e a
morte, o culto guarda estrito controle das relações entre os vivos e mortos, estabelecendo
distinção bem clara entre os dois mundos: o dos vivos e o dos mortos (os dois níveis da
existência). O culto aos Egungun é uma das mais importantes instituições, e tem por finalidade
preservar e assegurar a continuidade do processo civilizatório africano no Brasil. Trata-se do culto
aos ancestrais masculinos originário de Oyo, capital do império Nagô implantado no Brasil no
inicio do século XIX. Cf.:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gunuco e http://pt.wikipedia.org/wiki/Egungun .
Acesso em 08.04.2007.
256
um procedimento “para [...] fechar o corpo contra todos os malefícios” – “conta de
pipoca e feijão preto e uma moeda de vintém; após três dias de guardado
embaixo da cama, tirar o vintém, esfregar pelo corpo e lançar numa encruzilhada”
–, advertindo ao consulente que não passasse por cima do ebó, para que o seu
efeito não se perdesse (ibid.). O ritual foi concluído com uma última reverência
diante do altar (ibid.).
Após a consulta com o pai-de-santo, pela qual despendeu a quantia de
5$000, o repórter dirigiu-se à casa do espírita Manoel Lourenço da Conceição, a
qual qualificou de “banca dos charlatães” (O Imparcial, op. cit., p. 1). O dono da
casa o conduziu, “com ares misteriosos”, à mesa em torno da qual teria lugar a
sessão (ibid.). Segundo o jornalista, Lourenço não o “maçou por muito tempo”;
sentando-se à cabeceira da mesa, adotou atitude concentrada e, por meio de
orações e “frases desconexas”, convocou um “guia poderoso”, que daí por diante
protegeria o consulente do assédio da doença (ibid.).
Finda a consulta, acrescentava ironicamente o articulista, “o bom do
homem”, certo de que ele havia acreditado “em tão grotesca charlatanice”,
cobrou-lhe 2$000 pelo atendimento (ibid.). Nas palavras do repórter, o preço “fora
cômodo, por isso, talvez, o ‘águia’ não” o tenha aborrecido por muito tempo (ibid.).
Saindo dali, o jornalista resolveu prosseguir em sua pesquisa, pois, em
suas palavras, eram “inúmeros e variadíssimos os processos adaptados pelos
malandros que vivem manhosamente explorando o suor do povo” (ibid.). Certa
moça, que havia sido curada da gripe pela curandeira Gertrudes, indicou ao
repórter a casa desta última, situada no Alto do Sobradinho, na Mata Escura
(ibid.).
Ao chegar ao local, o jornalista alegou à dona da casa ter sido acometido
pela gripe, e sabedor de que quem ali chegava saía curado, resolvera também
pedir o seu auxílio (ibid.). Gertrudes lhe informou que estava sendo muito
procurada por conta dessa doença, e a toda hora tinha gente à sua porta (ibid.).
A curandeira não demorou a prescrever os remédios além da mesma
torcida de algodão ao pescoço, indicada também por Pai Nicácio, trouxe um feixe
de folhagens para um “lambedor” e para o gargarejo (ibid.). A receita do lambedor
era a seguinte: cozinhar em uma panela de água um pedaço de rapadura,
deitando nesta capim-santo, folha-da-costa, musgo, folhas e flores de vinde-cá,
257
semente de capim-santo, fumo bravo e costa-branca (ibid.). Para o gargarejo, que
deveria ser feito na hora de dormir, o cliente deveria cozinhar velame branco,
fumo branco, capim-santo e vinde-cá. Segundo Gertrudes, esse remédio fazia
milagres, tendo “livrado muita gente da morte” (ibid.).
Nas culturas indígenas e africanas, a doença e a cura são concebidas
como elementos sujeitos à ão das forças sobrenaturais; assim, não havia
distinção no emprego de substâncias naturais e simbólicas (Ribeiro, 1997, p. 85).
Tais culturas utilizavam-se de rios recursos no processo de cura das
enfermidades desde poções compostas com ingredientes retirados da natureza,
como folhas, raízes, caules das plantas, pedras, animais, etc., até os rituais em
que eram pronunciadas palavras e fórmulas sagradas (ibid.).
Vale lembrar que, desde finais do século XIX, os intelectuais brasileiros
tomavam a presença negra e indígena no país como obstáculo à realização das
suas aspirações e idealizações de progresso, modernidade e civilização.
Conforme o exposto no primeiro capítulo, as elites baianas queriam vencer o
atraso representado por uma cidade insalubre, de aspecto colonial, e fortemente
africanizada. Nesse sentido, buscavam coibir ou desqualificar as práticas
religiosas alternativas à fé católica esta última identificada como manifestação
religiosa superior, própria da cultura européia. Naquele decênio, as manifestações
da cultura africana sofriam severa repressão por parte da polícia, e os
candomblés haviam sido proibidos na cidade (A Tarde, 06.09.1913, p.1).
Conforme pudemos observar pelo relato do repórter do jornal O Imparcial,
a intolerância não se restringia ao candomblé, mas se estendia a outras
manifestações fundadas em rituais mágicos ou na incorporação de entidades,
como a doutrina espírita, por exemplo. Vistos como charlatães e feiticeiros, os
curadores ligados a essas expressões religiosas eram acusados de exercer
ilegalmente a medicina ao pretender realizar curas milagrosas, locupletando-se
com a exploração da credulidade alheia. Entretanto, a proibição não impedia que
tais espaços continuassem a resistir à perseguição e atraíssem pessoas de
diversas camadas da sociedade, as quais em épocas de extrema dificuldade
buscavam o auxílio das forças sobrenaturais.
258
5.5. A TERAPÊUTICA – PANACÉIA PARA AS DOENÇAS SEM REMÉDIO
Conforme afirmou a comissão de médicos nomeada para estudar a
epidemia, a gripe era uma doença que atacava a população baiana
sazonalmente. Portanto, uma moléstia familiar, cujos sintomas febrícula,
coriza, dor de cabeça e pelo corpo causavam incômodo, sem trazer, na maior
parte dos casos, graves conseqüências. Assim, quando acometidos pela moléstia,
raramente os soteropolitanos recorriam aos médicos. Cuidavam das suas
mazelas com receitas caseiras, passadas de geração a geração. Sob os cuidados
domésticos, os sintomas desapareciam num prazo de três a quatro dias.
Segundo a folclorista baiana Hildegardes Vianna, os espirros e o defluxo
de nariz escorrendo” eram comuns nas épocas frias que começavam no “mês de
Maria, atravessava o São João, alcançavam o auge por Sant’Ana, melhorando em
meados de agosto com São Lourenço (o Barbas-de-vento) e Santa Clara”
(Vianna, 1994, p. 220).
37
Os transtornos provocados pela estação fria eram
denominados defluxo, constipação, resfriado ou influenza a palavra gripe era
usada com cautela, pois vinha associada a uma doença seriíssima, “doença que
matava ou conduzia a complicações pulmonares se maltratada” (ibid., p. 212-
220).
É possível que, de início, acreditando tratar-se daquela gripe costumeira,
muitos tenham empregado o tratamento convencional. Além do mais, não era
comum recorrer ao médico por causa de “simples” resfriado, tampouco era fácil
obter assistência médica na capital da Bahia. Nas primeiras décadas do século
XX, as camadas mais pobres da sociedade não tinham fácil acesso aos serviços
médicos, muito caros para aqueles que não podiam garantir as mínimas
condições materiais de existência.
Até a década de 1940
38
era muito comum o uso de xaropes e chás
preparados em casa. Hildegardes Vianna cita uma série de receitas caseiras
37
Festas do calendário religioso da Igreja Católica. A autora se refere ao período do inverno
baiano, que vai de maio (mês de Maria) a agosto (Vianna, op. cit.,p. 220).
38
Segundo a autora, os usos e costumes do final do século XIX perduraram, com pequenas
modificações, até a década de 1940, quando a Segunda Guerra Mundial provocou verdadeira
revolução no cotidiano das pessoas. Para Vianna, até então “as inovações não eram vistas com
259
utilizadas para combater as “defluxeiras” por exemplo, o chá de chicória, muito
utilizado por suas propriedades purgativas (Vianna, op. cit., pp. 211-218). Para
Vianna, aquele era o “tempo em que se acreditava que intestino limpo era meio
caminho para a cura de qualquer doença” (ibid.).
Na terapêutica doméstica, os xaropes entravam como complemento aos
chás.
“O xarope feito com formigas de mandioca impedia que o pulmão fosse
atingido durante o curso de uma bronquite”; outros xaropes eram feitos com folha-
da-costa, agrião, folha de laranjeira, angico, carqueja, alcatrão, entre outros (ibid.,
p. 213).
39
Além dessas mezinhas, constava na farmacopéia doméstica o
“lambedor”.
40
Preparava-se lambedor de banana madura de são-tomé, de agrião
e breu, de “engaço” de bananeira, de “jasmim”
41
de cachorro, de estrume de vaca
preta
42
, de fel de boi, etc. Para aliviar as dores de garganta, mascava-se gengibre
ou pau de alcaçuz. E para soltar o catarro faziam-se massagens no peito com a
“enxúndia de galinha”.
43
O suadouro constituía terapêutica muito utilizada, na época. De acordo
com Vianna, acreditava-se que pelo suor eram expelidas mais depressa as
toxinas (ibid., p. 224).
44
O suadouro mais simples de aplicar era o “escalda-pés”
45
,
bons olhos. A vida do filho teria de ser como a do pai, assim como a do neto teria de ser como a
do avô. A mesma casa, os mesmos móveis, tudo com variações imperceptíveis, surgidas
naturalmente com o passar dos tempos” (Vianna, op. cit., p. 19).
39
Geralmente, um ou mais desses ingredientes acima citados eram colocados em camadas
alternadas com açúcar mascavo ou rapadura (dependendo da consistência desejada), e levados
ao fogo numa panela de barro tampada para cozinhar no próprio quido que se desprendia da
mistura (Vianna, op. cit., p. 215-218). Após o período estabelecido para o cozimento, o xarope
podia ser engarrafado e utilizado. Algumas receitas acrescentavam aguardente macerada; depois
de engarrafada, a mistura era posta ao sereno ou era enterrada de cabeça para baixo. Segundo
Hildegardes Vianna (ibid., p. 214), “tais medicações eram olhadas com certo respeito, obedecendo
a uma contagem rigorosa de dias. Alguns tinham de ser usados com pausas estratégicas, na base
de 21 dias de uso para sete de descanso, ou no equilíbrio de sete semanas de tratamento para
sete semanas de espera, para ver no que tinha dado”.
40
Hildegardes Vianna (op. cit., p. 213) explica que o povo estabelecia diferença entre xarope e
“lambedor”. Enquanto o xarope era mais líquido, ou fluído, o lambedor era “quase em ponto de
pasta, caramelado, grosso, custava a sair da garrafa, e a colher servida, para ficar limpa,
precisava ser lambida a fim de não ficar incompleta a dose prescrita” (ibid.).
41
“Jasmim” era um eufemismo para as fezes de cachorro pequeno. O xarope de jasmim” de
cachorro era muito utilizado em casos de pleurisia, bronquite com escarro de sangue ou coisa
semelhante (Vianna, op. cit., p. 216-217).
42
Considerado ótimo remédio contra a tuberculose (Vianna, op. cit., p. 217).
43
A gordura ou banha da galinha. Aplicava-se friccionando a pele até a sua completa absorção;
em seguida cobria-se o enfermo com um pano (geralmente, uma flanela) para aquecê-lo (Vianna,
op. cit., p. 221).
44
O sabugueiro era muito usado em casos de sarampo; a tília servia para a tosse e para as
mucosidades dos pulmões e dos brônquios (Vianna, op. cit., p. 224).
260
mas nos casos de “defluxos fortes, influenzas, gripes e doenças parecidas, se não
houvesse melhora com o suadouro, recorria-se ao cáustico ou vesicatório, cujo
representante mais em voga era o sinapismo” (ibid., p. 224-25). O sinapismo era
uma cataplasma à base de mostarda, capaz de queimar a pele até às bolhas; tal
fato, porém, era considerado positivo, “porque todo o mal estaria saindo por ali”
(ibid., p. 226). A autora conclui que, com todos esses procedimentos, associados
à “bons alimentos, muito ‘vinho de sustança’, uma mudança de ares, se o caso
não era de morte”, conseguia-se ficar curado (ibid.).
Entretanto, o agravamento da doença fez com que as pessoas
recorressem à assistência médica oferecida pelo governo. Para Accacio Pires, a
eficácia da terapêutica preconizada pelos médicos era tão questionável quanto a
utilizada pelos leigos (Saúde, 1919, p. 2). Segundo o médico, apesar do avanço
da indústria farmacêutica observado nesse período, raros eram os males contra
os quais havia medicamento específico realmente eficiente, e dentre estes não
figurava a gripe.
Em sua tese de final de curso apresentada à Faculdade de Medicina da
Bahia, em 1900, Nicanor J. Ferreira também fez questão de afirmar que os
autores eram “unânimes em afirmar a não existência de um tratamento próprio da
gripe” (Ferreira, op. cit., s/p). De acordo com o autor, alguns médicos insistiam
bastante no emprego da quinina como específico à gripe, por acreditar que a
presença daquela substância no sangue tornava-o um “meio pouco favorável à
vida e ao desenvolvimento da virulência do micróbio de Pffeifer” (ibid.).
46
Entretanto, Ferreira destacava que a atuação terapêutica de tal substância
45
Os pés do doente eram mergulhados em um balde de água bem quente, constantemente
renovada para não deixar cair a temperatura; quando o doente começava a suar, era-lhe
administrado um chá bem forte ou uma bebida alcoólica; logo após, seus s eram retirados da
água e envoltos num tecido grosso de ou algodão, e seu corpo era agasalhado por inúmeras
camadas de cobertores; depois de o doente suar a ponto de molhar as roupas do corpo e as da
cama, os cobertores eram retirados vagarosamente, para evitar mudança brusca de temperatura;
a seguir, o enfermo despia-se das roupas suadas, e seu corpo era friccionado com álcool
canforado, vestido e aquecido com roupas de cama limpas; tomava então um chá ou mingau
morno e ia dormir (Vianna, op. cit., p. 225).
46
Para o Dr. Joseph Chalier, Chefe de Clínica Médica da Faculdade de Lyon, “a quinina é[ra]
quase um específico da gripe” (Brazil-Medico, 28.06.1919, p. 212). No tratamento da “gripe
simples”, o médico recomendava repouso e a administração de 1a 1,5 grama de quinina por um
período consecutivo de três dias (ibid.). Segundo Chalier, tais doses poderiam provocar alguns
distúrbios auditivos, mas valia pena passar por tal incômodo, tendo em vista dos benefícios
terapêuticos e profiláticos daquele remédio (ibid.).
261
constituía assunto polêmico, tendo em vista que tal bacilo não era encontrado,
senão excepcionalmente, no sangue dos acometidos por aquela doença (ibid.).
47
Pires considerava a existência de um tipo de terapêutica para os casos
simples, e outro para os mais complicados (Saúde, op. cit., p. 4). Nos casos
simples, visava-se tonificar o organismo, principalmente o coração, e combater
alguns sintomas (vômitos, dores, hipertermia, etc.) (ibid.).
48
Nos casos graves e
complicados, a medicação era ministrada de acordo com a natureza dos
distúrbios, que poderiam ser: nervosos, circulatórios, pulmonares e gastro-
intestinais (ibid.).
49
O mesmo pensava Plácido Barbosa. Esse médico publicou no jornal O
Imparcial um artigo em que discorria sobre a terapêutica da gripe. Embora
ressaltasse que as páginas de um jornal dirigido a um público heterogêneo talvez
não fosse lugar adequado para explicar, em minúcias, o tratamento da doença, o
médico julgava conveniente orientar a população, por acreditar que, “em rigor,
somente as formas graves da influenza exigem[iam] a presença de um médico”
(O Imparcial, 24.10.1918, p. 1).
No tratamento dos casos simples da gripe, Barbosa recomendava repouso,
“num quarto arejado, de temperatura constante, sem corrente de ar” e dieta
47
De outro lado, argumentava Ferreira, se a quinina não representava um medicamento específico
da gripe, podia-se afirmar que este agente terapêutico auxiliava na cura desta doença, pois atuava
como “anti-fluxionário, tônico, vaso-constritor e hipertensor, em uma moléstia onde o elemento
congestivo, a vasodilatação e a hipotensão arterial representam um papel importante” (ibid.).
Segundo Pires, até a epidemia de 1918-19, era de uso recorrente entre os médicos alopatas o uso
da quinina, tanto na profilaxia como na terapia da gripe (Saúde, op. cit., p. 3). Além dos sais de
quinino, utilizavam-se também a aspirina, o piramido, o salofeno, e seus congêneres (ibid.).
48
Pires destaca em seu texto um dos medicamentos mais utilizados pelos médicos – os tônicos. O
autor os classifica como os gerais (álcool, cola, canela e quina), os cardíacos (óleo canforado,
cafeína, esparteína e digitale) e os nervinos (estricnina, glicerofosfatos, e arsenicais) (Saúde, op.
cit., p. 4). Para o médico, entretanto, a denominação de nico não era apropriada tendo em vista
que tônico é o que forças ao organismo, e nenhuma daquelas substâncias tinha o poder de
revigorar; o que realmente faziam era excitar, estimular o organismo de modo que este utilizasse
as suas próprias reservas (ibid.). Os verdadeiros tônicos eram os alimentos, estes sim realmente
proporcionavam energia vital. O autor critica a utilização abusiva dos tônicos. Em suas palavras:
“para combater a astenia característica da doença, devida, provavelmente à ação das toxinas
sobre o sistema nervoso”, os médicos empregaram altas doses de óleo canforado e de adrenalina
(ibid.). Pires acrescenta que “como os médicos não tinham um critério seguro para medir as forças
dos doentes”, os analéticos tornaram-se, então, a panacéia do momento (ibid.).
49
Segundo Accacio Pires, as complicações nervosas consistiam em confusões mentais e ataque
às meninges (meningites), aos centros nervosos (mielites e encefalites) e aos nervos periféricos
(ibid., p. 4-5). As complicações circulatórias mais freqüentemente observadas eram a insuficiência
cardíaca e as hemorragias (uterinas, nasais, enterorragias, hemateses e hemotises) (ibid., p. 5).
As complicações pulmonares mais freqüentes eram as broncopneumonias e as pneumonias (ibid.,
p. 5-6). E por fim, havia as complicações gastro-intestinais (ibid., p. 6).
262
líquida e leve (ibid.). Caso houvesse “prisão de ventre ou língua saburosa”,
deveria ser ministrado um purgante de sal amargo, de óleo de rícino ou de
calomelanos, o que, na concepção do médico, poderia contribuir para fazer
abortar a doença (ibid.). O doente precisava fazer anti-sepsia das mucosas
lavar a boca e a garganta três vezes ao dia
50
e pulverizar ou instilar nas narinas
vaselina líquida, adicionada de um antiséptico (eucaliptol, cloretona, salol, etc.)
(ibid.). Se o doente fosse acometido por calafrios, deveriam ser aplicadas
medidas para aliviá-lo e favorecer a reação cobri-lo suficientemente e
administrar-lhe bebidas quentes (ibid.). Nesses casos, Barbosa aconselhava que
não se abusasse dos febrífugos, tendo em vista que “a febre na influenza não tem
os mesmos perigos que nas outras infecções, e merece ser combatida quando
excessiva”. Plácido Barbosa aconselhava moderação no uso dos analgésicos
antipirina, fenacetina, aspirina, etc. –; utilizá-los quando as dores no corpo ou
na cabeça fossem “fortes ou insuportáveis” (ibid.).
51
Ferreira (op. cit., s/p) discorreu sobre a medicação utilizada nos casos
complicados contra a astenia nervosa fazia-se uso da estricnina e dos
glicerofosfatos; contra as complicações pulmonares eram utilizados os revulsivos,
os expectorantes e os vomitivos; em casos de congestão pulmonar empregava-se
o cloridrato de amoníaco; para a forma gastro-intestinal eram utilizados o ópio, o
subnitrato de bismuto, o salol e o benzonafitol;
52
para os sintomas de prostração,
adinamia, neutralização e toxemia ministrava-se uma medicação láctea; a cafeína
era indicada para regularizar o estado do coração e do pulso; em casos de
neurastenia e de fraqueza recomendava-se tratamento hidroterápico metódico.
50
Barbosa orientava que a boca e a garganta deveriam ser lavadas com água fenicada a 1%, ou
com água e ácido salicílico a 1 por mil, podendo ser também utilizado outro antiséptico (o
Imparcial, 24.10.1918, p. 1). Em 1900, Ferreira recomendava que fosse feita a anti-sepsia e a
assepsia da boca e do nariz utilizando-se substâncias como o licor de Van Switen em meio copo
d’agua, e uma solução de formol, mentol ou solução fenicada para os gargarejos e lavagens da
boca (Ferreira, op. cit., s/p).
51
No que dizia respeito ao emprego da antipirina, esta poderia ser empregada para atenuar a dor
e baixar a temperatura (Saúde, op. cit., p. 3-4). Contudo, Ferreira advertia que não se devia
abusar dessa substância, “porque ela tem a propriedade de diminuir a excreção renal, o que é um
inconveniente, porque o organismo não pode desembaraçar-se das toxinas elaboradas por ele
mesmo” (Ferreira, op. cit., s/p).
52
Outras fontes citam também a utilização de outros purgantes, como calomelanos e anidiol
(Saúde, op. cit., p. 6; APEBA, Seção Republicana, Cartas Recebidas pelo Diretor do Serviço
Sanitário..., 1912-1918, maco 3697/1032).
263
Apesar de a terapia acima ter sido descrita dezoito anos antes da
pandemia de gripe espanhola, continuou a ser largamente utilizada pelos médicos
no período em que durou esta doença. Em artigo escrito em 1919, Accacio Pires
citava os mesmos medicamentos, acrescentando apenas alguns poucos
procedimentos utilizados nas complicações pulmonares, tais como o uso do balão
de oxigênio e da emetina, nos casos graves de pneumonia com dispnéia; e dos
tônicos de cabelo, para tratar a alopecia verificada após uma forte infecção
(Saúde, op. cit., p. 6).
Pires constatou que a medicação utilizada no tratamento da gripe era toda
sintomática, servindo apenas para aliviar o doente (ibid., p. 3).
53
A quinina, tida
como específico da gripe, tanto quanto do impaludismo, mostrou-se ineficaz
(ibid.). Largamente utilizados, a ponto de ter o seu preço aumentado e escassear
no mercado, os compostos de quinino, por exemplo panacéia das doenças sem
remédio, conforme afirmava o próprio médico mostraram-se ineficientes, tanto
como profiláticos quanto como agentes curativos da “espanhola” (ibid.). De tal
forma que, na Bahia, foi tema do poeta popular Lulu Parola, que atribuía à
“impureza do remédio” o insucesso da quina. Vejamos:
CANTANDO E RINDO
- 6590-
27-OUTUBRO-1918
Leio num telegrama
Que no Rio o quinino receitado
Contra a gripe não teve resultado,
Não levantou doente algum da cama...
A respeito o amigo o que é que pensa?
– Penso primeiro na dificuldade
De achar a rima natural em edio...
Segundo: muitas vezes na doença,
Mesmo de gravidade,
O que mata é a impureza do remédio...
Lulu Parola
(Jornal de Notícias, 25.10.1918, p. 2)
Além dos compostos do quinino, remédios como a aspirina, o piramido, o
salofeno, utilizados com a pretensão de eliminar o micróbio, mostraram-se meros
53
Bertolli Filho (2003) e Bertucci (2004) discutem minuciosamente o assunto em trabalhos
referentes à epidemia em São Paulo.
264
paliativos para a dor e a hipertermia (Saúde, op. cit., p. 3). Os tonificantes à base
de álcool, cola, canela e quina, destinavam-se a restaurar as forças dos enfermos
(ibid., p.4). Os estimulantes como a estriquinina, a adrenalina, a cafeína, o óleo
canforado, entre outros, foram utilizados com a finalidade de regularizar as
funções do coração e combater a astenia (ibid.). Os purgativos, como o
calomelanos, o salol, benzanofitol, etc., cuja pretensão era aliviar as complicações
gastrointestinais, de nada serviram (ibid., p. 6).
Accacio Pires afirmava que, na impossibilidade de combater o micróbio
responsável pelo mal em questão, a medicina alopática viu-se limitada a auxiliar o
organismo na luta contra o patógeno (Saúde, op. cit., p. 6). Segundo Pires, o
desconhecimento do agente etiológico restringia ao alívio dos sintomas as opções
de tratamento daquela doença, juntamente com o repouso absoluto, à dieta
regulada e à administração de purgantes, fortificantes e/ou de alguma panacéia
em voga (de ordinário, um preparado fitoquímico elaborado pelo próprio médico)
(ibid.). A crítica do médico era ácida: os clínicos exploravam como bem entendiam
a convicção dos doentes de que as drogas os curavam (ibid.).
Não podemos afirmar que os clínicos se beneficiassem explorando a
credulidade dos doentes, mas a indústria farmacêutica e a de bebidas
aproveitaram-se da crise epidêmica para vender seus produtos. Alguns desses
preparados prometiam curas milagrosas, outros se propunham apenas a revigorar
as forças ou aliviar os sintomas. Conforme se pode verificar pelos anúncios
apresentados abaixo:
Figura 38
Cura de Moléstias do Peito
Fonte: Jornal de Notícias, 14.10.1918, p. 6
265
Figura 39
Bebida que cura
Fonte: O Imparcial, 02.10.1918, p. 2.
Figura 40
Solução para doenças antigas e recentes
Fonte: Jornal de Notícias, 11.10.1918, p. 1.
266
Figura 41
Cura certa!
Fonte: Jornal de Notícias, 14.10.1918, p. 4.
Figura 42
Para prevenir ou curar
Fonte: O Jornal de Notícias, 03.10.1918, p. 5.
267
Até os donos de um bar se aproveitaram da onda de epidemia para
promover seu negócio. Como era do senso comum que a moléstia se propagava
mais facilmente em ambientes fechados, o seguinte anúncio procurava atrair a
clientela, oferecendo atividades ao ar livre:
Figura 43
Cura-se a gripe ao ar livre
Fonte: O Imparcial: 30.10.1918, p. 2
Na mesma linha do X.P.T.O., certo estabelecimento comercial apelou para
a influenza a fim de promover a recém-montada oficina de consertos de máquinas
de datilografar, de calcular, etc., conforme podemos contatar, pelo anúncio
reproduzido a seguir:
268
Figura 44
A gripe é o chamariz
Fonte: O Imparcial, 02.10.1918, p. 2
Havia também inúmeros produtos a serem utilizados depois da gripe –
tônicos para ajudar o convalescente a restabelecer as forças, tais como a
Emulsão de Scott e o Triphol. Este último, fabricado pelo Dr. Machado, prometia
remineralizar o organismo que sofrera grandes perdas com a infecção, levantando
as forças, tonificando o sistema nervoso abatido e varrendo os restos da doença
(Diário da Notícias, 28.10.1918, p. 2).
Além desses, a cerveja Malzbier, da Brahma, era proclamada em um
reclame de jornal como o “reconstituinte por excelência”, conforme ilustração
reproduzida a seguir:
269
Figura 45
Reconstituinte por excelência
Fonte: Jornal de Notícias, 11.10.1918, p. 1
Para Accacio Pires, não importava que a população continuasse com a
reconfortante convicção de que as medidas profiláticas e terapêuticas
empregadas se mostravam eficazes no combate à epidemia. Em sua opinião, o
que de fato poupou a população de uma “hecatombe foi o fato de ser a gripe
doença altamente contagiosa para o homem e de grande mortalidade para as
galinhas” (Saúde, op. cit., p. 6).
5.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Qualquer fato excepcional poderia vir a abalar o frágil e transitório equilíbrio
de cidades como Salvador, palco de tensões e conflitos próprios do convívio
social. A epidemia interferia no cotidiano da cidade e constituía-se em fator de
desequilíbrio nessa sociedade, podendo provocar reações inesperadas, derivadas
do pânico. Ademais, o caráter de espetáculo, a dramaticidade, próprios do evento
epidêmico exigiam maior visibilidade das ações defensivas.
270
A sociedade, então, viu-se compelida pela iminência dos fatos a assumir
posição diante da doença que se alastrava com inusitada virulência, por meio de
atos concretos de autodefesa e de solidariedade. Vimos que os mecanismos
adotados pela sociedade baiana durante a passagem da gripe espanhola por
Salvador constituíram-se em rituais coletivos e individuais, informados por
concepções tanto científicas quanto religiosas. O exame de tais rituais contribuiu
para nos revelar os valores sociais da época, bem como a coexistência de
crenças e estruturas de autoridade em permanente tensão.
Na abordagem do assunto, procuramos fugir à tentação de estabelecer
uma hierarquia de saberes. Nosso intuito foi demonstrar que cada resposta tem a
sua própria racionalidade, e a maneira pela qual as pessoas reagem à doença
está relacionada à conjuntura social, política, econômica e cultural em que estão
inseridas, bem como à memória coletiva da história da doença em particular.
O sentimento de familiaridade em relação à gripe; a preocupação com
outras doenças, mais presentes e ameaçadoras do que esta; a falta de consenso
a respeito da etiologia nos meios científicos e acadêmicos nacionais e
internacionais; assim como o tempo necessário para se assimilar a crise e montar
um aparato capaz de fazer frente à epidemia foram fatores que contribuíram
para que o poder público não respondesse à crise epidêmica com a urgência
desejada pela sociedade ameaçada pelo mal.
Diante do perigo representado por uma doença que acometia e às vezes
vitimava parentes, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, pessoas de diversas
camadas da sociedade, buscaram o auxílio das forças sobrenaturais.
Observamos que houve, nesse período, a opção por práticas de cura informadas
pela religião, como também a intensificação da fé, traduzida nos rituais religiosos
– orações, missas, adorações de imagens, etc.
Convencida da extrema contagiosidade da doença e consciente da
velocidade com que esta se propagava, a direção da DGSPB montou um
programa para enfrentar o mal, no qual se previam medidas defensivas e de
controle adotadas em casos de epidemias de doenças infecto-contagiosas,
semelhantes àquelas utilizadas em outros lugares onde incidiu a gripe espanhola.
As autoridades públicas precisavam demonstrar sua posição no controle da
situação, para que a tensão fosse atenuada, a ordem fosse mantida, e a vida
271
voltasse à normalidade. Ainda que não acreditassem na completa eficácia dos
meios empregados, os médicos e autoridades sanitárias tinham de demonstrar
competência e tranqüilidade na gestão do evento epidêmico.
CATULO VI
A VIAGEM DA “ESPANHOLAPELOS SERTÕES DA
BAHIA
A gripe segue sempre uma marcha interessante. A
principio os grandes centros colocados nas grandes
linhas de comunicação são invadidos e de cada um
destes pontos ela espalha-se, formando focos
secundários para as aglomerações humanas de
menor importância, para ganhar finalmente, as
localidades mais isoladas. Outros, porém, afirmam,
que a moléstia mostra-se muito caprichosa na sua
propagação, ora marcha de uma a outra povoação,
ora aparece sucessiva ou simultaneamente sobre
localidades mais ou menos afastadas, respeitando
ao menos momentaneamente as regiões
intermediárias (Nicanor José Ferreira, 1900).
Neste capítulo, propomo-nos acompanhar a trajetória da “espanhola” pelo
interior do estado, no intuito de apresentar um contexto diverso daqueles
estudados até então pela literatura especializada, que, de modo geral, tem
privilegiado os grandes centros urbanos. Ao estudarmos a inserção do evento
epidêmico na vida das cidades do interior e das pequenas comunidades rurais,
pretendemos desvelar as múltiplas faces da Bahia, refletindo sobre a realidade
que a epidemia nos revela a rede de relações sociais e de poderes cujos elos
se fortaleciam em momentos de crise; as condições materiais de vida e as
estratégias de sobrevivência do sertanejo, em face da omissão dos poderes
públicos; os problemas sanitários e os expedientes e recursos utilizados pelas
autoridades locais e pela população em geral para enfrentar os tempos de
273
epidemias.
O sistema de transportes ferroviários, fluviais e marítimos facilitou a
propagação da doença pelo interior do estado, e a gripe seguiu as rotas de
comércio e de trânsito de passageiros. Ainda que nas duas primeiras décadas do
século XX a Bahia enfrentasse falta de infra-estrutura para escoar a produção do
interior do estado, apenas pouco mais da metade dos municípios baianos se
comunicavam com a capital e com as cidades circunvizinhas por vias férreas,
marítimas ou fluviais. O mapa a seguir adaptado de mapa elaborado por
Theodoro Sampaio em 1925 – nos mostra a malha viária e fluvial que interligava o
Estado da Bahia:
1
Mapa 2
Vias Férreas e Fluviais da Bahia em 1918
Fonte: Adaptado de mapa extraído de SAMPAIO, Theodoro. O
Estado da Bahia. Agricultura, Criação de Gado, Indústria e
Commercio. Bahia, Imprensa Official, 1925, imagem cedida pela
Biblioteca Nacional. Encarte.
1
As ferrovias estão destacadas em vermelho. Para traçar a rota das estradas de ferro baseamo-
nos nas informações encontradas nas seguintes fontes: DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia
1923. Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 229-300; Cunha, Ernesto Antonio
Lassance. Estudo Descriptivo da Viação Férrea do Brazil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,
1909, p. 59-129; Estradas de Ferro do Brasil 1946. Suplemento da revista Ferroviária. Rio de
Janeiro: Revista Ferroviária, 1946, p. 60-71.
274
Assim, tal como a “espanhola”, percorreremos os caminhos de ferro e
seguiremos o curso das águas, viajando de porto em porto, ao longo da extensa
via fluvial e marítima que corta e recorta o território baiano.
2
Todavia, não vamos
parar em todos os portos e estações, como o vapor ou o trem. Privilegiaremos
algumas cidades ou comunidades rurais, não pelo grau de importância que
assumiram no cenário estadual, mas também por conta da ocorrência da
epidemia de gripe evidenciada na documentação encontrada.
6.1. “DOLOROSA E INCÔMODA” – A REALIDADE DOS SERTÕES DA BAHIA
Após ter aportado na Baía de Todos os Santos, a epidemia de gripe
espanhola espalhou-se pelos sertões baianos.
3
As notícias da epidemia
engrossaram as páginas dos jornais da capital e dos demais municípios, fazendo
com que autoridades médicas, políticas, e o povo em geral se mobilizassem na
tentativa de conter o avanço do morbo.
Segundo nota publicada no periódico A Ordem, editado no município
baiano de Cachoeira, a epidemia de gripe viera juntar-se à de febre amarela e à
2
Neste período, as linhas férreas federais percorriam 1.450.561 km: Bahia a Juazeiro, 575.440
km; Alagoinhas a Sergipe, 142.893 km; S. Félix a Bandeira de Mello, 254.600 km; Ramal de Feira
de Sant’Anna, 45.060 km; Ramal de Machado Portella, 13.400 km; Bahia a Minas (de Caravelas a
Aymorés) 142.400; Bonfim a Sítio Novo e ramais, 127.905 km; Machado Portella, 72.000 km;
Bandeira de Mello a Brotas, 25.000 km; Centro Oeste, 51.863 km. As linhas férreas estaduais
perfaziam um total de 404.309 km: Estrada de Ferro de Nazareth, 221.662 km; Estrada de Ferro
de Santo Amaro, 99.807 km; Estrada de Ferro de Ilhéus a Conquista, 82.840 km. Ambas
somavam um total de 1.854.870 km. Cf.: DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia 1923. Meios de
Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 229-300.
3
A obra de Euclides da Cunha, Os Sertões, publicada nos primeiros anos da República (1902),
colocou em pauta a visão bifronte da realidade brasileira cindida entre uma civilização tomada
de empréstimo, voltada para o Atlântico, europeizada, e outra, considerada autêntica, isolada no
interior do Brasil (Hochman, 1998b; Castro Santos, 1985; Lima, 1999). Da capital da República,
nas duas primeiras décadas do século XX, disseminava-se a idéia de que o sertão começava ao
final da Avenida Central, no Rio de Janeiro (Hochman, op. cit., p. 218). Adotando por modelo tal
idéia, consideramos que para as elites baianas o sertão começava para além da Avenida Sete de
Setembro, símbolo do progresso, da civilidade e da modernidade pretendida por J. J. Seabra
(1912-1916), ao tempo em que este empreendeu o processo de reforma e embelezamento da
Soterópolis. Dentro desta perspectiva, a idéia de sertão (interior) em oposição a litoral
ultrapassava o caráter puramente espacial. No que dizia respeito à Bahia, vemos que a cidade de
Salvador, capital do estado, era tida pelas elites locais como parâmetro de modernidade,
progresso e civilização, em contraposição ao que se revelava ser o interior do estado: espaços
pouco povoados, habitados por uma gente mestiça, rude, indolente, bárbara, analfabeta, de
hábitos arcaicos, acometida por doenças variadas, cuja falta de saúde, bem como sua condição
de miséria e de atraso eram provocadas pelo próprio comodismo, conservadorismo, ignorância e
primitivismo.
275
de peste bubônica, formando, então, a “terrível trilogia de devastação” que
abarrotava de cadáveres os cemitérios das cidades do interior (A Ordem,
19.10.1918, p. 1). Vale lembrar que, nesse período, o impaludismo grassava de
forma quase endêmica por todo o estado, e a oposição criticava a inércia do
governo diante da “inutilização” e do “extermínio” do homem do campo (A Tarde,
08.05.1918, p. 01).
A lei responsabilizava a instância estadual pela execução de medidas
“agressivas” ou “defensivas” em todo o território baiano, para “impedir a
introdução de moléstias transmissíveis, bem como obstar a disseminação das
existentes ou extingui-las” (Lei n.º 231, de 31 de agosto de 1917, Art. 2º, alínea d).
Contudo, segundo relato de médicos e cientistas que percorreram o interior do
Estado da Bahia na década de 1910, a população que vivia na zona rural do
estado estava no mais completo abandono, vítima do rodízio das epidemias e de
flagelos endêmicos como a doença de Chagas, a ancilostomíase e a sífilis
(Vellozo, 1912; Penna e Neiva, 1916; Penna, 1918).
Figura 46
Assédio nefasto
Fonte: O Imparcial, 03.10.1918, p. 1.
276
Além das doenças supracitadas, a tuberculose e a pneumonia também
ceifavam muitas vidas no interior do estado. O regime alimentar deficiente, a
inobservância de regras elementares de higiene pessoal, domiciliar e pública,
juntamente com o alcoolismo, eram fatores que concorriam para abreviar a vida
do sertanejo.
Integrante de uma comissão federal de combate à malária e febre palustre
no interior da Bahia, o Dr. Eduardo Mendes Vellozo assim descreveu as
condições materiais de vida no sertão baiano:
[...] as febres [...] para as matas onde existe o trabalhador sem meios
pecuniário e rústico, aí, ela campeia [...].
[...] as habitações [...] feitas de taipa, pessimamente construídas, a
ponto de não chegar à altura da coberta a tapanagem ou parede,
ficando mesmo no barro depois de seco, fendas, por onde passam
perfeitamente insetos de tamanho regular.
A cobertura é sempre feita de pindoba ou ouricuri, raramente de
telhas, de forma que, em uma residência como esta, tendo por
assoalho o solo frio e úmido, principalmente na estação chuvosa, por
cobertura, palhas, e as paredes verdadeiras venezianas; junto a isto, a
maca de varas ou a rede sem o conforto necessário para dar calor ao
corpo, além da péssima alimentação em hidratos de carbono e os
gordurosos, o corolário é fácil de deduzir-se.
Ao lado disto, a água apanhada no primeiro ribeiro ou fonte próxima e
bebida na mesma hora, os banhos, as noites ao relento até tarde, o
álcool, a sífilis, o fumo, coadjutores dessa intoxicação lenta, e como
conseqüência o enfraquecimento orgânico até o esgotamento,
resultando a vitória do hematozoário.
4
(APEB. DGSPB. Relatório da Comissão Federal do Estado da Bahia
relativo à saúde pública no município de Itaberaba, caixa: 3694, maço:
1023, 1912, s/p).
Por sua vez, Oswino Álvares Penna, membro da expedição científica
promovida pelo Instituto Oswaldo Cruz e chefiada por Adolpho Lutz,
5
ficou
4
Termo de classificação taxonômica, em desuso (datado de 1873), empregado para designar
os seres protistas parasitas do sangue (Dicionário eletrônico Houais da língua portuguesa 1.0).
5
Oswino Álvares Penna publicou estas Notas sobre a comissão do Professor Lutz no Norte do
Brazil na coluna Trabalhos do Instituto Oswaldo Cruz do periódico Brazil-Medico (Brazil-Medico,
277
horrorizado com o quadro de miséria humana com o qual se deparou. Diante da
realidade encontrada no interior do país, o cientista indignava-se com o destino
das verbas públicas dissipadas na construção de “palacetes e praças
pretensiosas”, sem que se despendesse nenhum recurso nem se empreendesse
“trabalho algum de profilaxia ou outro qualquer de higiene pública” nos estados
por onde passou (ibid.).
Para o Dr. Álvares Penna, não se adotava nenhuma providência para
minorar o sofrimento das populações rurais porque as autoridades competentes
desconheciam a real situação (Penna, 1918, p. 130). O médico atribuía a culpa de
tal ignorância aos chefes locais que, preocupados em agradar aos altos escalões
da política estadual e federal, omitiam “a verdade dolorosa e incômoda” (ibid.). O
acesso do cientista a essa realidade foi possível em virtude da natureza do
trabalho desenvolvido pela expedição que pretendia estudar os portadores da
verminose investigada por Lutz (ibid.).
6
Todavia, as fontes que consultamos contrariam a teoria da “ignorância das
autoridades”, sugerida por Álvares Penna, concernente às precárias condições de
vida e às doenças que acometiam a população do interior do estado. Em cartas e
relatórios destinados à Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia, os Inspetores
Sanitários, bem como os médicos comissionados para atender os indigentes em
períodos de epidemias, denunciavam a situação de miséria a que estava
submetida a maioria da população baiana.
7
Ao mesmo tempo, os órgãos de
Anno XXXII, n.º 17, 27.04.1918, p. 129-132). Segundo Álvares Penna, esta expedição atravessou
o interior dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia
(p. 130).
6
Para Lima (1999), as viagens técnicas e médico-científicas e as missões militares, realizadas nas
primeiras décadas da República, foram reveladoras destes sertões para uma elite que até então
ignorava a realidade dos habitantes do interior do Brasil. Realizadas por engenheiros, geólogos,
cientistas dicos e militares, tais viagens ao interior do país permitiram a realização de estudos
etnográficos, a revisão de mapas cartográficos e o conhecimento da fauna e da flora local, além
da conseqüente divulgação das condições de vida no interior do país (ibid., p. 55-89). Dentre estas
viagens, as missões requisitadas pela Inspetoria de Obras Contra as Secas, ao Instituto Oswaldo
Cruz, na cada de 1910, tinham como objetivo fazer um levantamento das condições de saúde
dos habitantes da região do Rio São Francisco e outras partes do Nordeste e do Centro-Oeste
(ibid., p.84). Destacamos, aqui, as viagens chefiadas por Adolfo Lutz e Astrogildo Machado, que,
em 1912, exploraram o São Francisco, de Pirapora (MG) a Juazeiro (BA).
7
Cf.: APEBA. Seção Republicana. Secretaria do Interior e da Justiça. DGSPB: Boletins de
notificação do Posto Médico de Serrinha, caixa: 3688, maço: 1982, 1918; Relatório da Comissão
Sanitária de Vitória da Conquista. caixa: 3694, maço: 1023, s/d; Relatório da comissão para tratar
dos indigentes atacados de disenterias e febres de mal caráter no município de Santo Amaro,
caixa: 3694, maço: 1023, 1912; Relatório da Comissão Federal do Estado da Bahia relativo à
278
imprensa contrários ao governo do estado faziam questão de alardear a situação
desfavorável em que se encontrava o homem do campo.
Contudo, nessas primeiras décadas da República, a própria oposição
reconhecia a dificuldade do estado para fazer frente àquela situação. Faltavam à
Bahia recursos financeiros para a implementação de políticas públicas de saúde
realmente eficazes. Assim, na maioria das vezes, propunham-se medidas
paliativas para impedir que indivíduos pobres e doentes se tornassem
“sementeiras” de doenças, disseminando-as entre as “pessoas sãs”, conforme
poderemos observar no trecho a seguir:
Na dificuldade em que nos achamos para levar avante o momentoso
problema do saneamento da Bahia,
lembramos que desde já, se
poderia fazer alguma cousa no tocante ao impaludismo: a vendagem
do quinino a preços módicos, entrando nesse serviço a fiscalização do
Estado, não quanto aos preços elevados, como quanto às
falsificações.
Não ignoram os que conhecem o interior, a impossibilidade em que se
acham as populações pobres de obter o quinino.
[...]
Esses infelizes doentes, maltratados, são outras tantas sementeiras
onde o mosquito vai colher e disseminar pelas pessoas sãs,
inoculando-lhes no sangue, os germes do impaludismo (A Tarde,
08.05.1918, p. 1, grifos nossos).
De acordo com o médico Eduardo Mendes Vellozo, as condições de vida
do sertanejo, a extensão da área a ser saneada, e a falta de recursos financeiros
dos municípios, que mal davam conta das suas despesas, eram fatores que
contribuíam para dificultar a ação do governo nesse sentido (APEB. DGSPB.
Relatório da Comissão Federal do Estado da Bahia relativo à saúde pública no
município de Itaberaba. Caixa 3694, Maço 1023, 1912, s/p).
Pela lei, era da competência do município a “fundação de hospitais,
maternidades, asilos, hospícios [...] e instituições congêneres”, ainda que estas
estivessem submetidas à fiscalização da instância estadual (Lei n.º 1231, Art. 4º,
saúde pública no município de Itaberaba, caixa: 3694, maço: 1023, 1912; entre outros, que serão
citados ao longo desta narrativa.
279
alínea g). Entretanto, em situações excepcionais e de forma provisória, nos casos
em que o município não tivesse recursos para criar ou manter serviços sanitários
e de assistência pública, o estado poderia tomar a si esta responsabilidade (ibid.,
Art.3º). Como de ordinário os municípios não possuíam as condições necessárias
e/ou muitas vezes os chefes políticos locais não consideravam importante a
criação e manutenção de serviços de assistência à saúde da população, estes
ficavam submetidos ao arbítrio do estado ou, como ocorria comumente, sob a
tutela das Santas Casas da Misericórdia.
8
A ausência e/ou debilidade do estado em áreas distantes do centro político-
administrativo do estado contribuiu para que tais regiões fossem dominadas por
poderosos comerciantes e proprietários de terra. Para proverem as suas
necessidades e as de seus dependentes, bem como para se defenderem de
intervenções externas, os habitantes do sertão entrincheiraram-se em clãs ou
famílias extensas, sob o comando de um chefe ou patriarca (Pang, op. cit., p.
122).
9
No interior, o chefe político local controlava, à custa da distribuição de
“favores” e benefícios, ou mesmo por coerção, aqueles que se qualificavam como
votantes.
10
A sua autoridade sobre os seus dependentes e sua supremacia sobre
8
As cidades baianas que possuíam Hospitais fundados e administrados por irmandades da Santa
Casa da Misericórdia no período estudado eram: Amargosa, cujo Hospital da Santa Casa de
Misericórdia foi fundado em 1892; Cachoeira, cujo Hospital São João de Deus foi elevado à
categoria de Santa Casa de Misericórdia em 20 de abril de 1826; Feira de Santana, cujo Hospital
D. Pedro de Alcântara foi inaugurado em 1865; Ilhéus, cujo Hospital São José, foi instituído em
1913, por iniciativa do Intendente Municipal Antônio Pessoa da Costa e Silva; Juazeiro, cujo
hospital, construído em 1892, recebeu o nome do seu idealizador, Doutor José Inácio da Silva;
Nazaré, cujo hospital foi inaugurado em 1831, por iniciativa do Magistrado Dr. José Gonçalves
Martins; Santo Amaro, cujo Hospital Nossa Senhora da Natividade, após sucessivas etapas de
construção, reformas e ampliação, foi definitivamente inaugurado em 1854; Valença, cujo Hospital
da Santa Casa foi criado em 1860 por Isidro de Sena Madureira, que foi também seu mantenedor
(Guia dos Arquivos das Santas Casas de Misericórdia do Brasil. Yara A. Koury (coord.). São
Paulo: CEDIC, PUC-SP/Imprensa Oficial, 2004, Vol.1, p.77-149). Veja também: Laurinda Abreu,
“Misericórdias: patrimonialização e controle régio (séculos XVI e XVII)”, Ler História, nº 44, Lisboa,
2003, p. 5-24; Gisele Sanglard, “Assistência hospitalar: da salvação ao controle social”. In: Entre
os salões e o laboratório: filantropia, mecenato e práticas cientíticas. Rio de Janeiro, 1920-1940.
Tese de Doutorado em História das Ciências da Saúde. Casa de Oswaldo Cruz . FIOCRUZ, 2005,
p. 12-47.
9
O clã ou a família extensa baiana é constituído por indivíduos unidos por laços de parentesco.
Tais laços não se restringem à consangüinidade, mas podem ser definidos por alianças espirituais
(afilhados), por meio de casamentos, incluindo, também, os dependentes socioeconômicos (Pang,
op. cit., p. 121-122).
10
O chefe de cada clã – os coronéis – organizava milícias privadas, cujos membros eram
recrutados entre seus dependentes sócio-econômicos (ibid., p. 122). Em questões de terras, rixas
280
os rivais eram legitimadas pelo governo estadual, que lhe concedia a prerrogativa
de indicar pessoas para exercerem cargos públicos no município, favorecendo-
lhe, também, os recursos necessários para manter-se no poder e atender às
demandas de seus dependentes. Para o chefe político, o grau de prestígio
alcançado junto às autoridades estaduais era proporcional à quantidade de votos
conseguidos no seu município, ou mesmo, conforme ocorria em alguns casos, na
região.
Ao mesmo tempo, os votos hipotecados pelos diversos chefes políticos ao
governo estadual conferiam a esta instância maior representatividade, autoridade
e influência junto ao governo federal, cujos representantes, por sua vez, também
se sustentavam no poder alimentados por sua base eleitoral. Para fortalecer e
prestigiar o governo estadual, o próprio presidente da República distribuía cargos
e, às vezes, liberava alguma verba para os melhoramentos necessários ao estado
em questão.
11
O sistema de barganhas se fortaleceu durante as gestões do grupo
seabrista. Conforme vimos, Seabra procurou submeter os coronéis à sua
liderança. A coesão política era importante para o restabelecimento da autoridade
do estado, fortemente abalada pelo sistema coronelista vigente, que estorvava a
execução de leis e políticas públicas.
12
Para garantir o seu domínio sobre a
política estadual, durante a gestão de 1912-1916, Seabra promulgou uma lei que
permitia ao governador o direito de nomear os intendentes municipais criava
assim um forte nculo de dependência dos intendentes em relação ao
pessoais, disputas pelo uso ou controle dos mananciais hidráulicos, para resolver querelas
eleitorais, mesmo contra um governo organizado, a força-tarefa dos jagunços era acionada (ibid.).
11
Tal configuração do poder era próprio do sistema oligárquico que vigorava no Brasil da Primeira
República. O sistema federalista implantado com a República propiciou a descentralização do
poder e o fortalecimento das oligarquias estaduais e locais. Neste sentido, estabeleceu-se uma
complexa rede de poder cujas relações de reciprocidade e sistema de barganha envolviam todos
os escalões: dos chefes políticos municipais até às instâncias superiores do Estado republicano
(Leal, 1975).
12
Muitos coronéis estabeleceram alianças interestaduais. Estas alianças se davam em função de
interesses econômicos e se formavam por meio da celebração de casamentos (ibid., p. 52-53). Os
laços econômicos e de parentesco estabelecidos por chefes locais, proprietários de terras e
comerciantes, com chefes políticos de estados vizinhos, como Minas, Goiás, Pernambuco, Piauí,
Maranhão, levaram à formação de poderosas oligarquias, que desconheciam as fronteiras
geopolíticas e a autoridade do Estado (ibid.). Tais alianças garantiam ajuda mútua, necessária
quando estes clãs se encontravam sobre pressão ou ameaça externa e se constituíam numa
ameaça ao poder constituído para governar o estado, que por vezes era obrigado a reconhecer e
legitimar a liderança política destes chefes do interior (ibid., p. 53).
281
governador (Sampaio, op. cit., p.130-131; Pang, op. cit., p.123-124). Tal política
foi seguida pelo seu sucessor, Antonio Moniz de Aragão, que durante o seu
governo procurou reforçar esses laços de dependência, reduzindo o mandato dos
intendentes de quatro para dois anos. No mesmo intuito, e com ainda mais
liberalidade que Seabra, Moniz de Aragão distribuiu favores políticos,
intensificando a centralização das ações assistencialistas e a distribuição de
cargos públicos nos municípios.
Entretanto, a existência de um partido forte, cujo líder era o governador do
estado, não modificara radicalmente a estrutura político-social da Bahia durante a
República Velha. Nas primeiras décadas do século XX, a ausência da
administração pública em áreas fundamentais como a saúde, permitia ao poder
local fortalecer-se através da distribuição de favores à população pelos “coronéis”
ou correlatos. Em momentos de crise, os elos de interdependência se
configuravam nos seus diversos escalões de autoridade, ao tempo em que a
articulação e a hierarquização das categorias sociais e políticas se evidenciavam.
As camadas mais pobres da população sabiam não poder contar com os
serviços de uma infra-estrutura institucional; portanto restava-lhes recorrer aos
poderosos locais em busca de auxílio. Em decorrência do ‘favor’ recebido, a
família do doente ficava eternamente reconhecida e em dívida com seu ‘benfeitor’.
Comumente, os favores prestados eram pagos em forma de fidelidade política por
aqueles que se qualificavam como votantes.
13
Assim, a inexistência de políticas
públicas de saúde nesses primeiros anos da República contribuiu para fortalecer
o poder local.
Desvalido da assistência do estado, o sertanejo criava suas próprias
estratégias de sobrevivência na maioria das vezes, enfrentava a doença
valendo-se dos recursos da medicina doméstica, dos conselhos do farmacêutico
local ou dos serviços de um curandeiro. Confrontado com tal realidade, o Dr.
13
Para Vítor Nunes Leal (1975), o coronelismo é um sistema político, que envolve uma complexa
rede de poder que vai desde o chefe político local até o presidente da República, numa relação de
reciprocidade. Na visão de Leal, este sistema vicejou no contexto da Primeira República, cujo
sistema federalista propiciou descentralização do poder e o fortalecimento das oligarquias
estaduais e locais. Nessa concepção, o coronelismo é, então, um sistema político nacional,
baseado em barganhas entre o governo e os coronéis.
282
Eduardo Mendes Vellozo, em relatório enviado à Diretoria Geral da Saúde Pública
da Bahia, chamava a atenção da autoridade sanitária para o assunto:
Outro ponto de importância que peço vênia para observar, são os
curandeiros, que infestam o nosso sertão, praticando as maiores
depredações, junto a inumeráveis crimes, pois nestes 74 dias em que
estive, dariam para encher folhas de papel os envenenamentos
praticados que chegaram ao meu conhecimento, inclusive
infanticídios!!! (APEB. DGSPB. Relatório da Comissão Federal do
Estado da Bahia relativo à saúde pública no município de Itaberaba.
caixa: 3694, maço: 1023, 1912, s/p).
Em sua qualidade de médico, Vellozo, reivindicava o direito ao exercício da
arte de curar para os profissionais com igual formação acadêmica. Como forma de
reprimir o exercício ilegal da medicina, o médico defendia a cobrança de multas,
além da nomeação de delegados de higiene regionais, bem remunerados, de
comprovada idoneidade profissional e devidamente equipados com uma boa
ambulância (ibid.). Segundo Vellozo, essa ação da DGSPB contribuiria não
para inibir a prática do curandeirismo, como também para educar o sertanejo,
habituando-o a recorrer ao médico (ibid.).
A lei previa que os municípios contassem com um delegado de higiene,
subordinado à Diretoria Geral da Saúde Pública.
14
Caso não houvesse um
profissional para exercer o cargo em determinada localidade, o delegado do
município vizinho deveria estender sua jurisdição até aquela área (Lei 1231 de
31 de agosto de 1917, Art. 20).
Ao delegado de higiene cabia, entre outras funções, organizar o serviço de
higiene do município, realizar a estatística demografo-sanitária, e prestar
assistência, por meio de visitação periódica, a toda a área sob sua
responsabilidade. Era também da alçada do delegado de higiene proceder à
vacinação e revacinação antivariólica da população nos municípios sob sua
jurisdição (Art. 42, Lei n.º 1231, de 31 de agosto de 1917). Seria, assim, da
competência dessa autoridade o estabelecimento de medidas profiláticas que
14
Veja Leis e Resoluções do Estado da Bahia, anos de 1902; 1905; 1910; 1912; 1917.
283
evitassem o aparecimento de moléstias transmissíveis, como também a execução
de medidas agressivas que extinguissem os focos epidêmicos (Lei 454 de 16
de junho de 1902, Secção I, Art. 40). Nesse sentido, poderia emitir pareceres e
prestar consultoria aos intendentes e conselhos municipais referentes à saúde
pública e do município (ibid., Art. 41, itens 2º, 3º, 4º e 6º).
Poucos eram, entretanto, os médicos dispostos a se estabelecer nos
municípios e povoados distribuídos pelos mais longínquos e atrasados recantos
do vasto território baiano. A maioria preferia residir na capital do estado, onde,
além da medicina poderia dedicar-se à política, exercer algum cargo ou função
pública remunerada (como professor na Faculdade de Medicina ou médico do
serviço público de saúde), manter consultório particular para atender as camadas
mais abastadas da sociedade, cultivar as Letras, além de usufruir as benesses de
um centro urbano mais adiantado (Reis, 1919-1920, p. 144-271). Feira de
Santana, próspera cidade do interior da Bahia, em 1920 contava apenas com 30
médicos para atender uma população de 77.600 habitantes (Poppino, 1968, 267-
268; DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia – 1923. População da Bahia por
Municípios, 1924, p. 390).
Além de tudo, a função de delegado de higiene não era remunerada (Lei
1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 21). Para prover o seu sustento, esse
profissional exercia a medicina em hospital ou clínica particular, e atendia a
população em geral, em épocas de calamidade pública ou campanha de
vacinação. Contudo, o cargo conferia prestígio, ao lado do fato de que, em caso
de nomeação para integrar ou chefiar comissões especiais nas respectivas
circunscrições (função remunerada), o delegado de higiene contava com a
preferência do governo (ibid). Muitos dos médicos comissionados em período de
epidemia para atender no interior da Bahia vieram a assumir, mais tarde,
importantes cargos políticos, como os de intendente municipal da localidade onde
haviam servido.
Nessa conjuntura, os transtornos causados pelas epidemias de doenças
infecto-contagiosas, mais visíveis e mais intensos que os das doenças
endêmicas, eram os que mobilizavam as autoridades municipais e estaduais.
Além dos fatores de ordem econômica e política, temia-se que indivíduos
284
infectados por tais doenças, ao tornarem-se portadores do morbo, o propagassem
entre as pessoas sãs. Assim, em épocas de crises epidêmicas, o estado cuidava
de nomear um médico ou comissões de médicos para dirigir as ações de saúde
capazes de obstar a disseminação do mal.
Foi assim em Juazeiro, durante a epidemia de peste bubônica (1916-1917).
Nesse período, foi instalado na cidade um hospital provisório para isolar e tratar
os enfermos. Além dessa medida, o governo do estado nomeou uma comissão,
chefiada pelo Dr. Eduardo Lins, médico do Hospital de Isolamento, em Salvador,
para “verificar a natureza do mal, fazendo o diagnóstico bacteriológico e para
tomar as primeiras providências médicas e higiênicas apropriadas ao caso”
(Moniz de Aragão, 1918, p. 80).
15
O município também concorreu com parte das
despesas necessárias à profilaxia e extinção da moléstia. Em mensagem dirigida
à Assembléia Legislativa, o governador Moniz de Aragão, fez questão de ressaltar
a colaboração do Intendente de Juazeiro, Cel. Aprígio Duarte Filho certamente
um preposto seu naquela localidade (ibid.).
Debelada a crise, a comissão foi reduzida, permanecendo apenas um dos
médicos, o Dr. Antonio Serafim Junior, e três auxiliares. Serafim Jr. continuou a
servir no hospital dos pestosos, de outubro de 1916 a abril de 1918
16
(APEB.
DGSPB. Relatório dos trabalhos de profilaxia contra a peste bubônica em
Juazeiro, 1919, caixa: 3684, maço: 1020, p. 4). Para Moniz de Aragão (op. cit., p.
81), a ocorrência da peste em Juazeiro trouxe conseqüência positiva para aquela
municipalidade, tendo em vista que motivou a implementação de algumas obras
de saneamento com vistas à higiene urbana e domiciliar.
Entretanto, essa realidade não se repetira nos rincões da Bahia da
República Velha. Nos povoados pobres e longínquos as doenças proliferavam, e
o trabalhador rural, vivendo em condições adversas, nem sempre conseguia
retirar de tal situação algum saldo positivo. Subalimentados, vivendo de maneira
15
Após o Dr. Eduardo Lins de Araujo, o posto de chefe da comissão foi assumido pelo Dr. Antonio
Contreiras, médico do Desinfectório Central (Moniz de Aragão, op. cit., p. 80). Passada a crise, a
comissão foi reduzida, ficando apenas um dos médicos, o Dr. Antonio Serafim Junior, e três
auxiliares.
16
Paralelo ao seu serviço na comissão, o Dr. Serafim exercia a função de Delegado de Higiene
daquela cidade (APEBAA. DGSPB. Relatório dos trabalhos de profilaxia contra a peste bubônica
em Juazeiro, 1919, caixa: 3684, maço: 1020, p. 1).
285
precária em casebres que mal os abrigavam das intempéries e do ataque de
animais nocivos, sem água de boa qualidade suficiente para o consumo e para
prover as necessidades da higiene individual e da habitação; extenuado pelo
trabalho, o sertanejo não tinha como resistir às doenças que campeavam no
interior da Bahia. É neste ‘sertão’, varrido pelas doenças endêmicas e
epidêmicas, enfraquecido pela miséria e abandonado pelas autoridades blicas
que a “espanhola” se disseminou.
6.2. PELOS CAMINHOS DOS TRENS E DOS RIOS A INFLUENZA MALIGNA
ASSOLA O VALE DO SÃO FRANCISCO
6.2.1. De Alagoinhas a Juazeiro; de Januária a Chorrochó a espanhola”
palmilha os caminhos do sertão
Iniciaremos nossa jornada a bordo dos trens da Estrada de Ferro Bahia ao
São Francisco, a primeira ferrovia a ser construída no estado.
17
Tratava-se da
linha férrea federal que ligava a capital do estado a Juazeiro cidade situada às
margens do o Francisco –, ramificando-se também no sentido Bahia-Sergipe,
conforme poderemos observar no mapa a seguir:
17
Via férrea federal que ligava a capital do estado a Juazeiro, cidade situada às margens do São
Francisco, além do ramal que ligava Alagoinhas (BA) a Propriá (SE) (Cunha, 1909; Santurian,
1991; Zorzo, 2000). Em 1853 foi outorgada a um particular (Joaquim Francisco Alves Branco
Muniz Barreto) a concessão para a construção da ferrovia. Em 1887 inaugurou-se um ramal
ligando Alagoinhas a Timbó mais tarde, em 1909, prolongado até a cidade de Propriá, em
Sergipe (Santurian, 1991, p. 1). Em 24 de fevereiro de 1896, sob a responsabilidade da Bahia and
San Francisco Railway Company, a ferrovia alcançou a cidade de Juazeiro. Em 1917, iniciou-se a
construção de outros dois trechos: o ramal de Campo Formoso, inaugurado neste mesmo ano, e o
de Senhor do Bonfim a Iaçu, que em 1920 consegue alcançar a cidade de Jacobina, e chega a
Iaçu, vinte anos depois (1937).
Essa linha férrea federal efetuava um percurso de 718.333 km: da
Bahia a Juazeiro, 575.440 km; e de Alagoinhas a Sergipe, 142.893 km. Cf.: DSEEB, Anuário
Estatístico da Bahia – 1923. Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 229.
286
Mapa 3
A Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco
Fonte: Detalhe. Adaptado de mapa extraído de SAMPAIO, Theodoro. O Estado da
Bahia. Agricultura, Criação de Gado, Indústria e Commercio. Bahia, Imprensa
Official, 1925, imagem cedida pela Biblioteca Nacional. Encarte.
Essa era a artéria ferroviária mais extensa e movimentada da Bahia
18
.
Partindo de Salvador em direção a Juazeiro, o trem parava em 35 estações
ferroviárias. No trecho Salvador-Alagoinhas, destacavam-se, pelo movimento de
transeuntes, a Estação da Calçada, a de Alagoinhas, a de Mata de São João, a
de Pitanga e a de Pojuca (Cunha, op. cit., p. 69). De Alagoinhas a Juazeiro, as
estações mais movimentadas eram as de Juazeiro, Bonfim, Queimadas e
18
Essa ferrovia perfazia um total de 718.333 km – 575.440 km no trecho correspondente a
Salvador/Juazeiro, e 142.893 km, de Alagoinhas a Sergipe (DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia
1923. Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 229). Na década de 1910, por ali
transitavam diariamente 38.763 passageiros (Cunha, op. cit., p. 67-89).
287
Serrinha (ibid., p. 92-98). O trânsito intenso e constante de pessoas favoreceu a
propagação da doença nas localidades situadas no trajeto do trem.
Contudo, o viajante que partisse de Alagoinhas em direção a Sergipe faria
viagem menos extensa, com menor número de paradas. Das sete estações por
onde o trem passava, as de maior movimentação eram em primeiro lugar a de
Timbó, em seguida as de Sítio do Meio, Lagoa Redonda e, finalmente, Entre Rios
(ibid., p. 74).
Partindo da Estação da Calçada, em Salvador, em direção a Juazeiro,
chegava-se a uma das mais movimentadas estações daquele trecho a Estação
de Pojuca.
19
Ali a epidemia se alastrou, e para o tratamento dos “espanholados”
foi enviada ao delegado de higiene do município, Dr. Francisco Tavares, uma
ambulância com os remédios necessários (O Democrata, 22.11.1918, p. 1).
Saindo do vale do rio Pojuca, o trem atravessava a região fumageira
formada pelos municípios de Mata de São João, Sant’Anna do Catu e Alagoinhas
(Cunha, op cit., p. 71).
20
A “espanhola” também não poupou essa região. O
município de Alagoinhas, o mais populoso desse trecho, foi igualmente atingido
pela epidemia. A cidade possuía uma estação férrea muito movimentada por ali
passavam os trens que faziam o percurso Salvador-Juazeiro-Salvador, bem como
aqueles que iam e vinham de Propriá, no Estado de Sergipe, com destino à
capital da Bahia. Segundo Cunha (op. cit., p.67-71), em 1909, entre Alagoinhas e
Juazeiro, transitaram 1.078.212 passageiros por quilômetro.
Quando a gripe chegou a Alagoinhas, os habitantes deste município já
conviviam com o impaludismo em suas mais diversas formas clínicas (APEB.
DGSPB, Relatório dos trabalhos de profilaxia contra a febre amarela na cidade de
Alagoinhas, caixa: 3693, maço: 1023, 1919, p. 2). Aquela região de vale era
cercada de pântanos por todos os lados, e como o município o dispunha de
19
Saindo de Salvador, no primeiro trecho da ferrovia, o trem atravessava uma região fértil,
banhada pelos rios Joanes, Jacuípe e Pojuca, e própria para o cultivo da cana-de-açúcar. A cana
ali cultivada abastecia as usinas de Aratu, Pitanga, Pojuca Central e São Miguel, situadas à
margem da estrada de ferro.
Assim, apesar de o município de Pojuca não ser dos mais populosos
da Bahia, registrando apenas 9.058 habitantes, as usinas de açúcar e aguardente situadas na
região concorriam para o movimento naquela estação. Cf.: DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia
1923. População da Bahia por Municípios, 1924, p. 390; Cunha, op cit., p. 59-73.
20
O município de Alagoinhas era o mais populoso da região, possuindo 36.621 habitantes (Cf.:
DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia 1923. População da Bahia por Municípios, 1924, p. 389).
Mata de São João registrava 17.870 hab., e Sant’Anna do Catu, 16.525 hab. (ibid.).
288
serviço de água encanada, multiplicavam-se cisternas e barris de água por todas
as casas da cidade, sem a proteção necessária, o que favorecia a proliferação
dos mosquitos transmissores da febre palustre e da febre amarela entre os
habitantes do município (ibid., p. 2-6).
A cidade também não contava com um serviço de saúde voltado para as
camadas mais desfavorecidas da sociedade, e era elevado o número de pessoas
que não possuíam os meios materiais necessários para sobreviver. Entretanto ali
clinicavam, em consultórios particulares, os médicos José Ferreira Neto, João
Deoclécio Ramos e Maurillio Pinto da Silva. Este último, além da função de
médico, acumulava as de Delegado de Higiene e Intendente Municipal (ibid., p. 3-
7).
Desaparelhados para enfrentar o flagelo, tanto os munícipes quanto a
autoridade sanitária local mobilizaram-se para solicitar ao governo do estado os
medicamentos necessários para o tratamento dos acometidos pela doença (O
Democrata, 17.11.1918, p. 2). A pressão exercida produziu resultado; a imprensa
governista fez questão de divulgar que fora enviada ao Delegado de Higiene da
cidade uma ambulância com remédios para o tratamento dos “espanholados”
(ibid.).
Ali a gripe não escolheu apenas os pobres, os muito velhos ou os recém-
nascidos. A morte de mulheres jovens, com filhos pequenos por criar, e
pertencentes a famílias eminentes naquela sociedade, era notícia constante nos
jornais da região, e objeto de consternação geral (Folha do Norte, 16.11.1918,
p.2). Todavia as vítimas anônimas, pessoas das classes menos favorecidas, cuja
morte fora precipitada por doenças precedentes ou por carência alimentar, não
figuravam no obituário dos jornais, em cujo necrológico eram pranteados apenas
os personagens mais eminentes da sociedade (ibid.).
Saindo de Alagoinhas em direção a Juazeiro, o trem passava pelo
município de Serrinha.
21
Em carta enviada ao diretor da DGSPB no dia 19 de
21
O censo de 1920 apurou que o município de Serrinha composto pela sede, com 15.307
habitantes, e pelos distritos de Pedras (3.926 habitantes), Lamarão (3.756 habitantes) e Beritingas
(6.016 habitantes) apresentava população de 29.005 indivíduos (DSEEB. Anuário Estatístico.
Anno de 1924. Território e População. Vol. I, 1926, p. 578). Serrinha estava situada numa região
fértil, produtora de farinha de mandioca, feijão, milho e outros neros de primeira necessidade
(Cunha, op. cit., p. 93). A estação férrea da localidade era de grande porte, dispondo de edifícios
para abrigar carros e locomotivas (ibid.).
289
outubro de 1918, Antonio Contreiras
22
, médico designado para assistir os
“espanholados”, informava que na sede desse município, apesar da intensidade
de propagação da epidemia, que chegou a atingir famílias inteiras, na maioria dos
casos a gripe se manifestara de forma benigna (APEB. DGSPB. Cartas
Recebidas pelo Diretor do Serviço Sanitário sobre Ataques de gripe e outros
assuntos, caixa: 3697, maço: 1032, 19.10.1918, s/p).
Entretanto, na localidade de Lamarão, distrito de Serrinha, a situação era
mais grave a dia de óbitos era de seis por dia, e os medicamentos levados
por Contreiras não foram suficientes para tratar tão grande número de enfermos
(APEB. DGSPB. Cartas referentes ao combate ao mosquito, peste bubônica,
gripe e outros, caixa: 3688, maço: 984, 17.11.1918, s/p).
Em outra missiva, enviada ao diretor da DGSPB um mês após a primeira,
Contreiras mostrava-se bastante abalado com o que presenciara. Segundo o seu
depoimento, o pequeno povoado, com população estimada em 1.200 habitantes,
estava “transformado numa grande enfermaria, sem uma única pessoa em bom
estado de saúde” (APEB. DGSPB. Cartas Recebidas pelo Diretor do Serviço
Sanitário sobre Ataques de gripe e outros assuntos, caixa: 3697, maço: 1032,
20.11.1918, s/p). O médico deixava entrever, em seu relato, a fragilidade da
situação:
Passei dois dias e duas noites em uma casa onde existiam oito
doentes: a melhor que encontrei.
Corri grande risco, mas naquele momento julguei a minha saúde muito
inferior ao sofrimento de tanta gente.
Felizmente a Providência Divina, tem me feito passar incólume por
todos esses perigos (ibid.).
Nesse povoado, a doença associou-se à extrema pobreza dos habitantes,
e a falta de recursos suficientes para prover o seu tratamento concorreu para a
grande cifra de óbitos que em curto espaço de tempo atingira aquela pequena
povoação (ibid.). Para Contreiras, era aterradora a visão de “famílias inteiras de
homens do povo [...] atirados para aqui e para ali, sem o menor conforto, sem o
22
O médico Antonio Castro Contreiras integrava a equipe de médicos do Desinfectório Central,
sediado em Salvador. Foi por mais de uma vez diretor interino desse órgão, durante o governo
Moniz de Aragão (Moniz de Aragão, 1920, p. 113). Chefiou a comissão enviada para combater a
peste em Juazeiro (1916-1917) (Moniz de Aragão, 1918, p. 80).
290
mínimo tratamento, sem o próprio alimento”, e a população mostrava-se
apavorada com o curso seguido pela epidemia (ibid.). Diante da gravidade da
situação, o médico considerava uma felicidade ainda existirem, naquela
comunidade, pessoas que, mesmo em estado de convalescença, encarregavam-
se de realizar regularmente o enterramento das vítimas (ibid.).
Vale destacar que, apesar da sua condição de médico comissionado pelo
poder blico, Antonio Contreiras não se furtou a denunciar as precárias
condições materiais de vida a que estava submetida a população, nem a falta de
uma estrutura mínima de serviços de saúde pública para prestar atendimento aos
enfermos daquela municipalidade. Conforme afirmamos anteriormente, o estado
enviava médicos à região em casos de ameaça de crise epidêmica. Contreiras
havia estado nesse município em setembro do mesmo ano, quando ali
irrompera a peste (APEB. DGSPB. Cartas referentes ao combate ao mosquito,
peste bubônica, gripe e outros, caixa: 3688, maço: 984, 17.11.1918, s/p).
Em Serrinha, os munícipes não se mantinham passivos; procuraram
expressar sua insatisfação com a omissão das autoridades, através de críticas
veiculadas no jornal local –“Jornal de Serrinha chegando mesmo a ensaiar
manifestação pública de desagrado, com direito a vaias, quando da chegada do
médico comissionado (APEB. DGSPB. Cartas Recebidas pelo Diretor do Serviço
Sanitário sobre Ataques de gripe e outros assuntos, caixa: 3697, maço: 1032,
20.11.1918, s/p). Contudo, diante do risco que corriam, e em face do
comprometimento e da dedicação evidenciados pelo médico, as demonstrações
de desagrado foram esquecidas (ibid.).
Antes de chegar a Juazeiro, o trem passava por Vila Nova da Rainha
como era denominada a cidade de Senhor do Bonfim –, cidade que registrava
37.517 habitantes (DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia 1923. População da
Bahia por Municípios, 1924, p. 389). Dali partiam outros ramais da via férrea, em
direção a Mundo Novo; portanto, tratava-se de uma estação bastante
movimentada (DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia 1923. Meios de Transporte
e Vias de Comunicação, 1924, p. 229). Naturalmente, a gripe também se
propagou por essa localidade. Notícias veiculadas no Jornal de Notícias
informavam que a doença grassava com bastante intensidade no município
(Jornal de Notícias, 04.11.1918, p. 3). O intendente não esperou pela ajuda do
291
estado; mandou instalar, a expensas do município, um posto médico para atender
os “espanholados”, sob a direção do Dr. João Lessa, um dos clínicos locais (ibid.).
Em questões de saúde, esse município guardava certa independência em
relação ao governo estadual no período, a população de Bonfim estava
mobilizada em torno da construção de um hospital, cujas obras se mostravam
bastante adiantadas (ibid., 10.11.1918, p. 2). O edifício seria composto por duas
enfermarias uma masculina e outra feminina com 12 leitos cada; salão nobre;
capela; farmácia; sala de banco; sala de operações; e necrotério (a ser instalado
em pavilhão próprio) (ibid.). Os clínicos locais – Eduardo Britto, João Lessa e José
Satyro de Oliveira se haviam oferecido para prestar serviços gratuitos no
hospital (ibid.).
Chegando ao ponto final da Ferrovia Bahia ao São Francisco, percebemos
que a população da cidade de Juazeiro também o escapou de sofrer os efeitos
da gripe espanhola.
23
Ali a epidemia durou quarenta dias, atingindo maior
intensidade entre 6 de outubro e 26 de novembro de 1918 (APEB. DGSPB.
Relatório dos trabalhos de profilaxia contra a peste bubônica em Juazeiro, 1919,
caixa: 3684, maço: 1020, p. 5). Situada às margens do Rio São Francisco, essa
cidade portuária, também ponto final da estrada férrea que ligava o sertão da
Bahia à capital, era comumente bombardeada por doenças epidêmicas e
endêmicas – a peste, o impaludismo, as “febres de mal caráter”, a ancilostomíase,
a enterite, a angina, a sífilis e a tuberculose –, que atormentavam os seus
moradores (ibid., p. 7-8).
Mais branda que a devastadora peste abatida sobre a cidade nos anos
anteriores (entre 1916-1917), a epidemia de gripe em Juazeiro adquiriu caráter
benigno, apesar de ter atingido mais de dois terços da população (ibid., p. 5). De
acordo com José Serafim Júnior, Delegado de Higiene daquele município, a
doença manifestou-se na sua forma brônquica, e os 15 óbitos registrados
referiam-se a pessoas oriundas do Alto São Francisco, onde a epidemia assumira
a forma pneumônica, a mais letal (ibid.).
O médico atribuía o resultado satisfatório obtido em Juazeiro às medidas
sanitárias que havia estabelecido. À época, contudo, era do conhecimento da
23
Segundo o censo de 1920, a cidade de Juazeiro registrava 24.255 habitantes (Anuário
Estatístico da Bahia..., 1924, p. 391).
292
classe médica que pouco se podia fazer para evitar e curar aquela doença.
Todavia, ainda que compartilhassem dessa visão, os médicos defendiam a
adoção de medidas de higiene coletivas e individuais, pois que estas medidas,
mesmo não extinguindo o mal, contribuiriam para barrar o seu desenvolvimento.
Serafim Jr.especifica, mas as providências tomadas possivelmente eram as
mesmas que ministrara na ocorrência da peste bubônica naquela cidade
medidas comuns em casos de epidemia de doenças transmissíveis, tais como o
isolamento do enfermo; as desinfecções dos domicílios e de pontos onde havia
aglomeração de pessoas (igrejas, escolas, etc.); a verificação de óbitos; e o
exame “bacterioscópico” dos cadáveres suspeitos (ibid., p. 4).
Juazeiro ocupava posição estratégica naquela região – era ao mesmo
tempo ponto final da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, e porto fluvial de
onde partiam as embarcações que percorriam a mais importante hidrovia baiana,
constituída pelo rio São Francisco e seus afluentes. Os vapores e lanchas da
Viação do São Francisco empreendiam viagens mensais entre as diversas
cidades interligadas por essa grande bacia fluvial (DSEEB. Anuário Estatístico da
Bahia – 1923. Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 302).
24
Em outubro de 1918, o diretor da Viação do São Francisco enviou
telegrama ao secretário da Agricultura, no qual comunicava que a “influenza
hespanhola”, surgida no trecho mineiro do São Francisco, havia prostrado quase
toda a tripulação do vapor “Rio Branco”, do que resultara a morte de um foguista,
em Januária (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 1). O diretor informava que na
24
A Linha do Baixo S. Francisco, que ligava Juazeiro a Boa Vista, perfazendo 150 km, tinha
escala em Curaçá (ibid.). A Linha do Alto S. Francisco que percorria 1.369 km, entre Juazeiro
(BA) e Pirapora (MG), fazia escalas em escala em Santana, Casa Nova, Sento Sé, Oliveira, Pilão
Arcado, Xique-Xique, Icatu, Barra, Morporá, Riacho de Canoas, Bom Jardim, Extrema do Urubu,
Rio Branco, Sítio do Mato, Lapa, Carinhanha, Malhada, Manga, Morrinhos, Jacaré, Januária,
Pedra Maria da Cruz, S. Francisco, S. Romão, Barra do Paracatu, Extrema e Guaicuhy (ibid.). A
Linha do Rio Grande, com 789 km, ligava Juazeiro e Barreiras, com escalas em Santana, Casa
Nova, Sento Sé, Oliveira, Queimadas, Remanso, Pilão Arcado, Boa Vista das Esteiras, Marrecas,
Xique-Xique, Icatu, Barra, Muricy, Combate, Boqueirão, Poço Redondo, Campo Largo, Porteiras e
Santa Luzia (ibid.). A Linha do Rio Preto, com uma extensão de 819 km, unia Juazeiro à São
Marcelo, com escalas em Santana, Casa Nova, Sento Sé, Oliveira, Queimadas, Remanso, Pilão
Arcado, Boa Vista das Esteiras, Marrecas, Xique-Xique, Icatu, Barra, Muricy, Combate, Boqueirão,
Santa Rita e Formosa (ibid.). A Linha do Rio Corrente, com 896 km, stabelecia a conexão entre
Juazeiro e Santa Maria, com escalas em Santana, Casa Nova, Sento Sé, Oliveira, Queimadas,
Remanso, Pilão Arcado, Boa Vista das Esteiras, Marrecas, Xique-Xique, Icatu, Barra, Morporá,
Riacho de Canoas, Bom Jardim, Extrema do Urubu, Rio Branco, Sítio do Mato, Lapa e Porto Novo
(ibid.).
293
ocasião havia providenciado assistência médica para os doentes, além de
desinfecção da embarcação.
Assim como o vapor Rio Branco, a gripe subiu o rio, propagando-se pelas
cidades ribeirinhas e atingindo também municípios e povoados circunvizinhos. Os
jornais de Salvador informavam que Bom Jesus da Lapa, Rio Branco, Barreiras,
Remanso, Juazeiro, Curaçá, Abaré, Chorrochó e Santo Antonio da Glória haviam
sido atingidos pela gripe.
25
Mapa 4
Detalhe da hidrovia do São Francisco
Fonte: Detalhe. Adaptado de mapa extraído de Sampaio, op. cit.. Encarte
25
Cf.: Diário de Notícias, 25.11.1918, p. 2; ibid, 30.11.1918, p. 1; Diário da Bahia, 28.12.1918, p. 1;
ibid., 11.01.1919, p. 1; O Democrata, 22.11.1918, p. 1.
294
A DGSPB designou médicos comissionados para tratarem dos indigentes
atacados de gripe nesses municípios. Para as cidades de Rio Branco e Bom
Jesus da Lapa foi nomeado João Cupertino da Silva (Diário da Notícias,
30.11.1918, p. 1). Victal Cardoso do Rego, percebendo a gratificação mensal de
400$000, foi designado para assistir os acometidos pela gripe na cidade do
Remanso, onde já assumia a função de delegado de higiene (ibid.). Para o
mesmo município, foi enviada também uma remessa de remédios destinados ao
tratamento dos indigentes (O Democrata, 22.11.1918, p. 1).
Para as cidades de Curaçá e Barreiras, a DGSPB enviou igualmente aos
intendentes os remédios necessários ao socorro dos enfermos indigentes (Diário
da Bahia, 11.01.1919, p. 1). Já para Chorrochó, Santo Antonio da Glória e Abaré,
a DGSPB comissionou um médico – José Maria Monteiro para atender os
“espanholados” (ibid.).
Em Santo Antônio da Glória ocorreu fato bastante inusitado. Uma das
vítimas da gripe – Antonio Lino não pôde ser enterrada no cemitério local,
porque o vigário, Emilio Ferreira, lhe negara sepultura, alegando que o morto fora
casado apenas no civil (Diário da Bahia, 28.12.1918, p. 1). À redação do Diário da
Bahia chegou telegrama procedente de Quixabá, pedindo providências em
relação àquela situação (ibid.). O remetente, assinado Antonio Teixeira, informava
que a necrópole de Santo Antônio da Glória era de propriedade privada do
vigário, que dela auferia vultosos rendimentos, ainda que não se preocupasse
com a conservação do local, encontrado em péssimo estado, sem as mínimas
condições higiênicas (ibid.).
Esse relato revela a importância dos ritos fúnebres para a sociedade
baiana. Nessa localidade, além da ação nefasta da epidemia, que vitimava e
aterrorizava as pessoas, os habitantes do lugar defrontaram-se com violenta
quebra dos costumes. Ademais, negar sepultura ao morto sob tal alegação era o
mesmo que excomungar aquela pessoa em vida, banindo-a do seio da
comunidade; provocava na família enlutada a sensação de não-pertencimento.
295
6.2.2. De Alagoinhas ao Timbó – o nordeste da Bahia dominado pela “espanhola”
Da Estação Férrea de Alagoinhas partiam também os trens que faziam
linha para Propriá, em Sergipe. O traçado da ferrovia desenvolvia-se pelos
municípios de Entre Rios, passando pelo povoado de Esplanada e pelo arraial do
Timbó, ambos pertencentes ao município do Conde; havia também um ramal que
interligava os municípios de Inhambupe e Barracão à Estação de Cajueiro.
Ao chegar a Entre Rios,
26
movimentada estação do ramal do Timbó, a gripe
agiu com presteza, espalhando-se por toda a região. Carta enviada ao Diário de
Notícias relatava o fato de que, em Maracangalhas, povoação anexa a Entre Rios,
morria diariamente grande numero de pessoas; havia dias em que chegavam a
ser realizados três enterros (30.11.1918, p. 1). As usinas São Paulo e Entre Rios
muitas vezes tiveram de suspender suas atividades por falta de pessoal para
executar o trabalho (ibid.).
O jornalista que publicara a carta repudiava a posição do governo. Em sua
opinião, a DGSPB deveria enviar àquela localidade um médico e remédios para
tratar os doentes; o articulista indignava-se com os políticos locais, que não
reclamavam providências por parte das autoridades estaduais (ibid.). Conforme a
teoria de Oswino Penna (op. cit., p.130), os chefes locais não queriam desagradar
às autoridades, expondo-lhes à incômoda realidade.
Assim, sem que nada fosse feito para obstar sua marcha, a gripe chegava
também a Inhambupe. A cidade dispunha de comércio desenvolvido, e
comunicava-se com os municípios vizinhos por estradas denominadas reais,
exportando as safras de fumo pela linha férrea que passava por Alagoinhas
(Barros, 1920, p. 1065).
Em novembro de 1918, o Diário de Notícias publicava na primeira página a
notícia de que o major Cosme de Farias reivindicava do governador a remessa de
remédios e a nomeação de um médico para essa localidade, a fim de tratar a
26
O município de Entre Rios registrava 22.910 habitantes e situava-se em região cuja colonização
e povoamento seguira o curso dos rios Joanes, Itapicuru, Inhambupe, Subahuma e Rio Real
(Barros, op. cit., p. 931). Limitava-se com os municípios de Inhambupe, Conde, Alagoinhas e Mata
de São João. Distava 4 léguas de Timbó; 12 léguas, de Conde; 7 léguas, de Inhambupe; 16
léguas, de Abadia; 25 léguas, de Feira de Santana; 54 léguas, de Geremoabo; 16 léguas, de
Itapicuru; 32 léguas, de Pombal; 33 léguas, de Cachoeira. Comunicava-se com a capital pelo
ramal do Timbó (ibid.).
296
grande quantidade de pessoas pobres acometidas pela gripe (Diário de Notícias,
06.11.1918, p. 1). Na ocasião, o jornalista opinou que o pleito daquele chefe
político “era justo e digno de ser atendido” (ibid.). Três dias depois, o periódico
governista O Democrata anunciava que fora expedida uma ambulância, a fim de
que o Delegado de Higiene daquele município, Dr. Cesário da Rocha, pudesse
socorrer os indigentes (O Democrata, 09.11.1918, p. 1).
Os esforços empreendidos na tentativa de conter a ação nefasta do morbo
mostraram-se os, e a “espanhola” prosseguia em sua marcha, aportando em
Esplanada.
27
O povoado era ponto de parada da via férrea do Timbó a Propriá, e
a epidemia se alastrou, atacando famílias inteiras (APEB. DGSPB. Relatório
sobre o tratamento dos indigentes atacados de grippe e febre palustres, em Villa
do Conde, Cajueiro e Barracão, Caixa 3695, Maço 1029, 1919, s/p). A Diretoria da
Saúde Pública designou Antonio Contreiras para tratar dos atacados pela
epidemia de gripe naquela vila. Para viabilizar o trabalho do médico, a Diretoria
remeteu-lhe uma ambulância com os remédios necessários ao tratamento da
doença (Diário de Notícias, 12.11.1918, p. 2).
No ano seguinte à erupção da gripe em Esplanada, em 1919, a
“espanhola” seguia em franca atividade na região (APEB. DGSPB. Relatório
sobre o tratamento dos indigentes atacados de grippe e febre palustres, em Villa
do Conde, Cajueiro e Barracão, Caixa 3695, Maço 1029, 1919). Como o número
de infectados continuava alto, a diretoria da DGSPB nomeou Joaquim Veridiano
Araújo Lopes para exercer a função de Delegado de Higiene do Conde e assumir
a profilaxia e tratamento da gripe e da febre palustre que também ali grassavam,
manifestando-se da mesma forma nesses municípios, assim como em Barracão e
no povoado de Cajueiro (O Democrata, 17.11.1918, p. 2).
28
O município de Barracão
29
registrava apenas 12.491 habitantes (DSEEB.
Anuário Estatístico. Anno de 1924. Território e População. Vol. I, 1926, p. 487).
27
Esplanada era sede da Comarca do Conde (Barros, 1920, p. 932). O povoado foi elevado à
categoria de vila pela Lei n.º 762, de 17 de agosto de 1909 (ibid.).
28
Como médico comissionado pelo estado, Veridiano Lopes recebeu a quantia de quatrocentos
mil réis, referente ao trabalho realizado (ibid.).
29
Localizado próximo a Barracão, o município de Itapicuru também foi atingido pela epidemia.
Para atender as pessoas acometidas pela gripe naquele município, o estado nomeou em
comissão o médico João Gualberto Dantas Fontes, com a gratificação de 300$000 mensais, para
tratar dos “espanholados” (Diário de Notícias, 23.12.1918, p. 1). Além dessa atribuição, João
Gualberto assumiria o cargo de Delegado de Higiene no município (ibid.).
297
Localizava-se em região de terras férteis, produtora de cana-de-açúcar e cereais,
além da pecuária de gado bovino (Barros, op. cit., p. 1065). Cajueiro era uma
estação do Ramal do Timbó e, ao mesmo tempo, ponto inicial da estrada de
rodagem com destino a Cipó (Barros, 1920, p.739). Por sua vez, Timbó era a
última estação situada em território baiano, e pertencia à linha férrea que ligava
Alagoinhas a Propriá, uma das mais movimentadas daquele trecho (ibid.).
Tal como ocorrera em Esplanada, os casos de gripe em Barracão, Cajueiro
e Timbó resultaram, em sua maioria, na cura do doente (APEB. DGSPB. Relatório
sobre o tratamento dos indigentes atacados de grippe e febre palustres, em Villa
do Conde, Cajueiro e Barracão, Caixa 3695, Maço 1029, 1919, s/p). Segundo os
registros de Veridiano Lopes, nessas localidades a maioria dos atingidos pela
doença pertencia ao sexo masculino, e se encontrava na fase adulta (ibid.). Esses
indivíduos certamente estavam engajados em atividades produtivas de onde
tiravam o próprio sustento e o de suas famílias. Seu forçoso afastamento do
trabalho por um período de quatro ou cinco dias, prazo em que o indivíduo sofria
os efeitos da doença, pode ter-lhes causado algum prejuízo econômico, tendo em
vista que, nessas comunidades, as pessoas dependiam da lida diária travada no
campo.
Assim encerramos a nossa trajetória pelo rio São Francisco e pela estrada
férrea que ligava Juazeiro a Salvador, e esta última a Própria. Seguiremos agora
para a região dominada pelo rio Paraguaçu, partindo em direção à sua nascente.
6.3. DO RECÔNCAVO À CHAPADA A GRIPE VIAJA PELA ESTRADA DE
FERRO CENTRAL DA BAHIA
A Estrada de Ferro Central da Bahia era uma das ferrovias mais antigas do
estado (Cunha, op. cit., p. 106).
30
Conforme podemos observar no mapa a seguir,
30
Em 1875 começou a funcionar o trecho Cachoeira – Feira de Santana; dois anos depois
inaugurou-se a linha principal São Félix a Bandeira de Mello que, prolongando-se para o sul,
atingiu Contendas, em 1928 (Santurian, op. cit., pp. 2-3).
298
essa via férrea (traçada em laranja) ligava a região do Recôncavo à Chapada
Diamantina.
A linha principal da Estrada de Ferro Central da Bahia partia da cidade de
São Félix em direção à Chapada, e chegava até a Estação Bandeira de Mello,
(DSEEB, Anuário Estatístico da Bahia 1923. Meios de Transporte e Vias de
Comunicação, 1924, p. 299). Havia ainda o ramal de Machado Portella, e um
segundo ramal que ia de Cachoeira à cidade de Feira de Santana (ibid.).
Mapa 5
Estrada de Ferro Central da Bahia
Fonte: Detalhe. Adaptado de mapa extraído de Sampaio, op. cit.. Encarte
A ferrovia fora inicialmente concebida para servir à Chapada Diamantina,
cujas jazidas de ouro e diamantes alimentavam próspero comércio (Cunha, op.
cit., p. 109). Contudo, essa linha férrea cortava uma área de terras férteis,
caracterizada pela diversidade e variedade das atividades produtivas: cultivos do
fumo, da cana-de-açúcar, de cereais, do café e da mandioca, bem como a criação
de gado (ibid., p. 106-109). A Estrada de Ferro Central da Bahia tornou-se, assim,
uma via de grande importância para o escoamento da produção (agropecuária e
mineração), do ‘alto sertão’ da Bahia em direção aos importantes portos fluviais e
marítimos do Recôncavo (Zorzo, op. cit., p. 102).
299
Mantendo nosso critério anterior, não nos deteremos apenas nas cidades
que margeiam a ferrovia; visitaremos também as cidades próximas, que se
ligavam às primeiras por estradas vicinais. Nosso intuito é revelar como a
epidemia de gripe adentra o sertão, irradiando-se a partir dos caminhos dos trens
– estes, por sua vez, encontravam-se em estreita conexão com os rios que
cortavam o território baiano.
Nossa trajetória, da mesma forma que a ferrovia, acompanhará o curso do
Paraguaçu no sentido da foz à nascente, ou seja, desde o Recôncavo até a
região próxima à Chapada Diamantina. Em seguida percorremos também os
ramais de Machado Portella e de Feira de Santana. Todavia não nos deteremos
em todas as estações; dentre as muitas cidades ligadas pela ferrovia, ou
próximas a esta, destacaremos algumas, em cuja história a “espanhola” deixou as
suas marcas.
6.3.1. A ação da “espanhola” no Sertão do Orobó
A linha principal da Estrada de Ferro Central da Bahia margeava o rio
Paraguaçu. Saindo da cidade de São Félix, no Recôncavo baiano, a ferrovia
estendia-se no sentido da nascente do rio, em direção à Chapada Diamantina
(Estação de Bandeira de Mello), ramificando-se em direção ao sudoeste, região
entre os rios Paraguaçu e Contas (Estação de Machado Portella).
Entre Serra Grande, no quilômetro 95, e a estação Bandeira de Mello,
ponto final da ferrovia, estendiam-se vastos campos, apropriados à criação de
gado bovino, suíno e caprino (Cunha, op. cit., p. 108). Ao longo da ferrovia,
avistavam-se numerosas fazendas de criação desses animais, em produção de
larga escala (ibid.).
No quilômetro 165, chegava-se à Estação Ferroviária de Sítio Novo. A
trinta e seis quilômetros à direita de Sítio Novo, as pastagens espraiavam-se até a
região denominada Mata do Orobó, fartamente irrigada pelos afluentes do
Paraguaçu – os rios Capivari e Água Branca (ibid.). Ali estava situada a cidade de
Itaberaba, cuja população embarcava na Estação Ferroviária de tio Novo, rumo
300
às cidades do Recôncavo e à capital, além de utilizar a ferrovia para escoar a
produção.
31
Tratava-se de região onde as febres campeavam, e o trabalhador rural,
vivendo em condições adversas, nem sempre conseguia afrontar esse mal.
Habitando casas de chão batido, cobertas com palhas, cujas paredes de taipa
davam passagem ao vento e à friagem do inverno, além de oferecer abrigo a todo
tipo de inseto, alimentando-se mal, consumindo água contaminada (quando havia
água) e banhando-se em rios poluídos, fazendo largo uso do álcool e do fumo, e
trabalhando de sol a sol esses homens e mulheres acabavam por esgotar o
organismo, sucumbindo às mais diferentes moléstias (APEB. DGSPB. Relatório
da Comissão Federal do Estado da Bahia relativo à saúde pública no município
de Itaberaba. caixa: 3694, maço: 1023, 1912, s/p).
Nessas condições, a gripe, como as demais moléstias que ali grassavam,
achou campo para expandir-se. Quando a “espanhola” irrompeu em Itaberaba, o
coronel Joaquim Sampaio, presidente do Conselho Municipal, acionou o seu
representante no Senado estadual, o coronel Abrahão Cohim, para que este
intermediasse junto ao governador do estado a designação de um médico e o
envio de remédios para tratar os “espanholados” daquela municipalidade (O
Democrata, 10.12.1918, p. 2). Endossada por um senador do estado, a solicitação
foi prontamente atendida, sendo designado o Dr. Adalberto Visco, que perceberia
a gratificação mensal de 400$000, para tratar dos doentes acometidos pela
doença (Diário de Notícias, 06.12.1918, p.1). Além do médico, a Diretoria Geral
da Saúde Pública cuidou de enviar também uma ambulância com os remédios
necessários ao tratamento da moléstia (O Democrata, op. cit., p. 2).
Aos primeiros sinais de declínio do mal, o coronel Joaquim Sampaio enviou
carta ao senador, incumbindo-o de apresentar ao governador e ao diretor da
DGSPB o reconhecimento dos munícipes pelos serviços prestados àquela cidade,
na emergência da epidemia (O Democrata, 10.12.1918, p. 2). A carta foi
divulgada pelo jornal O Democrata, órgão de imprensa ligado ao grupo político
que detinha o poder no estado era do interesse do periódico tornar pública a
31
A cidade de Itaberaba registrava 22.861 habitantes e ligava-se a Sítio Novo por meio de estrada
comum (DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia 1923. Meios de Transporte e Vias de
Comunicação, 1924, p. 380-390).
301
notícia, que evidenciava não o prestígio dos chefes políticos locais, como a
eficiência do estado no combate à epidemia.
De Itaberaba, a “espanhola” espalhou-se pelas povoações circunvizinhas.
A localidade de Capivary foi atingida no ápice da sua pirâmide social. Ignorando
todos os esforços da medicina, bem como os recursos proporcionados por uma
boa condição social, a influenza maligna arrebatou a vida da esposa do
intendente local, fato imediatamente noticiado num dos mais prestigiosos jornais
da região (Folha do Norte, 21.12.1918, p. 2).
É interessante notar os laços que uniam as famílias baianas atuantes nas
diferentes escalas do poder. Para além de sua condição de esposa do chefe
político daquela localidade, o prestígio da falecida situava-se também no fato de
esta pertencer aos círculos de amizade de poderosa família da região, os
Sampaio. A família Sampaio gozava de grande projeção social, econômica e
política em Feira de Santana. Em 1890, o Cel. Joaquim de Melo Sampaio fora
nomeado intendente daquele município (Almeida, 2002, p. 123). Daí, talvez, a
preocupação do editor de um jornal de Feira de Santana em veicular a funesta
notícia e prestar à morta uma última homenagem. Quanto aos cidadãos comuns
que certamente foram atingidos pelo mesmo mal, nada ficou registrado.
Ingressando em território baiano, na região compreendida entre o
Paraguaçu e o Rio de Contas, chegava-se à Estação de Machado Portella, por
onde era escoada a produção daquela região, bem como a de alguns lugares de
Minas Gerais. Ali a ferrovia havia deixado o leito do Paraguaçu, inflectindo em
direção ao sudoeste do estado, chegando até um lugarejo, à época designado
como Almas.
Nessa povoação a epidemia acometeu a muitos. Ao contrário do que
ocorreu em Itaberaba, para Almas não foi enviado nenhum médico, nem
tampouco medicamentos, talvez por falta de prestígio ou mesmo por omissão dos
políticos locais. Felizmente, não houve vítimas (Diário de Notícias, 30 de
novembro de 1918, p. 1).
Aqui se evidencia a importância das relações de clientelismo político,
intensificadas nos períodos de doença e morte. Nesses momentos, configuravam-
302
se os elos de interdependência, em seus diversos escalões de autoridade, e
desvelavam-se as articulações sociais e políticas.
Em municípios com forte representatividade política, como Itaberaba, as
reivindicações dos cidadãos foram prontamente atendidas pelo governo. As
demonstrações públicas de gratidão por parte dos chefes locais, bem como os
compromissos embutidos neste processo, capitalizavam vantagens políticas para
o grupo que governava o estado. Já ao lugarejo de Almas, cujos chefes locais não
pareciam dotados de nenhuma representatividade no cenário político baiano, o
socorro não chegou, ainda que toda a população tivesse sido acometida pela
doença.
6.3.2. A epidemia se propaga em Feira de Santana
Em novembro de 1918, o jornal da cidade de Cachoeira, A Ordem,
publicava a notícia de que em Feira de Santana a gripe grassava
assustadoramente, registrando-se um número aproximado de mil pessoas
infectadas pelo micróbio da doença (A Ordem, 09.11.1918, p. 1). Apesar do
assustador número de doentes, o articulista procurava tranqüilizar os leitores,
informando que os casos manifestos eram todos de caráter benigno (ibid.).
Feira de Santana era o ponto final do ramal que partia de Cachoeira.
Segundo Cunha (op. cit., p. 110), tratava-se de uma das melhores cidades do
estado, “não pela excelência das terras, [...] amenidade do clima e movimento
do comércio, como também pelas célebres feiras [...] nas quais são [...] vendidas
mais de dez mil cabeças de gado”. Na década de 1910, a cidade contava com
várias fábricas e armazéns de enfardar fumo, e para concorriam os produtos de
várias cidades do norte da Bahia (ibid.).
Apesar da prosperidade observada na sede do município, a ignorância, a
pobreza e as precárias condições de vida da maioria dos seus habitantes
resultavam em sérios problemas de saúde pública (Poppino, 1968, p. 264). Além
das doenças venéreas e das infecciosas, como a varíola, a malária, a febre
303
amarela, o tifo e o paratifo, grassavam em Feira de Santana moléstias como a
tuberculose e a pneumonia, bem como as provocadas por parasitas intestinais
(ibid., p. 264-267).
A tuberculose, a pneumonia e as parasitoses intestinais eram as maiores
responsáveis pela mortalidade infanto-juvenil naquela localidade (ibid., p. 267).
Além dessas, as doenças venéreas também contribuíam para aumentar o
obituário no município (ibid.). Contudo, apesar do número de mortes que
provocavam, dificilmente tais moléstias se revestiam da característica de
espetáculo público, própria de uma epidemia. Dessa maneira, demandavam
pouca atenção por parte das autoridades municipais.
A malária e as doenças designadas pelos feirenses como “febres
perniciosas” (febre amarela, tifo e paratifo) eram quase endêmicas no município
(ibid., p. 264-265). Grande parte da população rural padecia de malária, ainda que
esta se manifestasse, na maioria das vezes, em sua forma benigna (ibid., p. 265).
Entretanto, no período que estamos examinando, registrou-se epidemia dessa
doença em Feira de Santana (ibid.).
Além das doenças supracitadas, a precariedade da alimentação e das
condições materiais de vida compunha o quadro ideal para o desenvolvimento e a
propagação da epidemia de gripe espanhola. Assim, antecipando-se à incidência
do mal, começou a circular na imprensa feirense um informe publicitário que
recomendava a ingestão de um preventivo da influenza” – o Tonipeitoral de
Eucalyptus Glóbulos Agrário (Folha do Norte, 26.10.1918, p.1). Tratava-se do
mesmo remédio cuja propaganda fora veiculada no jornal de Cachoeira. Não se
divulgava a sua composição, mas era muito comum, à época, o uso de tônicos e
fortificantes preparados à base de ferro e fosfato, aos quais se agregavam
extratos vegetais de eucalipto, canela, limão, agrião, etc. (Vianna, op. cit., p. 211-
218; Bertucci, op. cit., p. 173-220). Tal precaução, se adotada, pouco efeito
produziu sobre a população. No mês seguinte já circulava outro comentário no
jornal da cidade, trazendo a seguinte notícia:
304
Figura 47
A gripe dissemina-se pela cidade
Fonte: Folha do Norte, 02.11.1918, p. 1.
Nessa mesma data divulgou-se no jornal uma nota intitulada “Conselhos
para evitar a gripe ou influenza” (Folha do Norte, 02.11.1918, p. 1). Na matéria
aconselhava-se que fossem evitadas as aglomerações, “principalmente à noite”
(ibid.). Tal recomendação amparava-se no conhecimento prévio de que o micróbio
era transmitido no contato direto entre os indivíduos, por meio dos perdigotos
expelidos pelo doente, e se propagava mais facilmente em lugares onde havia
aglomeração de pessoas.
Ademais, sabia-se que a doença penetrava no organismo por meio das
vias respiratórias, daí o cuidado em manter medidas regulares de higiene do
nariz, da boca e da garganta, as quais além de tudo, contribuíam para aliviar os
sintomas da moléstia, tais como inflamação da garganta, febre e
congestionamento das fossas nasais. Para tanto, deveriam ser utilizadas
substâncias para inalação (vaselina mentolada) e para gargarejos (água iodada,
ácido cítrico e tanino) (ibid.).
32
É interessante notar que, para evitar qualquer
dificuldade de acesso ao tanino, sugeria-se o uso de folhas de goiabeira (vegetal
rico nesta substância) em infusão (ibid.). O quinino figurava entre essas
recomendações como um preventivo a ser ingerido diariamente, em doses de 25
a 50 centigramas, durante as refeições (ibid.).
32
Segundo Bertucci (op. cit., p.178) observavam-se as mesmas prescrições em São Paulo, no
período da epidemia.
305
Figura 48
Conselhos para evitar a gripe
Fonte: Folha do Norte, 02.11.1918, p. 1.
Desaconselhava-se também o uso abusivo de bebidas alcoólicas, bem
como todo tipo de excesso físico ou psíquico, a fim de impedir que o organismo
se esgotasse (ibid.). Desestimulava-se o convívio social; as visitas sociais, prática
costumeira entre os baianos de então, também deveriam ser evitadas nesse
período de epidemia, ao tempo em que se prescrevia o repouso e o recolhimento
para evitar a fadiga, o contágio, e a exposição às variações de temperatura (ibid.).
Tais cuidados deveriam ser redobrados nos casos de pessoas idosas, pois se
acreditava que estas eram mais vulneráveis à moléstia (ibid.).
Contudo, tais conselhos só seriam de alguma valia para aqueles que
tinham acesso a tais informações. Como a maioria da população era analfabeta e
não tinha condições financeiras para comprar jornais, tais orientações
poderiam ser aproveitadas pela minoria letrada e com dinheiro suficiente para
gastar com algo mais que não a própria subsistência. É possível, porém, que
alguma parte do que estava escrito nos jornais chegasse até as outras camadas
da população, por meio da divulgação oral.
306
Apesar das constantes advertências veiculadas na imprensa no sentido de
serem evitadas situações que favorecessem a aglomeração de pessoas,
publicou-se a notícia de que fora marcada para o dia 24 daquele mesmo mês a
data dos festejos de Sant’Ana (Folha do Norte, op. cit., p. 1). A nota publicada na
Folha do Norte convocava toda a “população católica” a participar do “imponente
bando” que abriria a festa com uma caminhada pela cidade (ibid.). O fato também
nos sugere que até então a epidemia transcorria de forma benigna naquele
município, do contrário não haveria motivação para festejar.
Mas esse clima de leveza e despreocupação não durou muito. Começaram
a aparecer, na imprensa local, notícias de que haviam sido acometidas pela gripe
pessoas ilustres daquela comunidade. Até o intendente, Cel. Agostinho Fróes da
Motta (1856-1922), em viagem à capital, voltara contaminado pelo mal ali
reinante. Vejamos:
Figura 49
O intendente adoece
Fonte: Folha do Norte, 23.11.1918, p. 1.
Além da enfermidade do intendente, o jornal local noticiou que o Cel. José
Silvany Sampaio havia sido atingido pela espanhola” (ibid.). A par desses e de
outros figurões locais, o Dr. Auto Reis, Delegado de Higiene e conceituado clínico
naquela cidade, também foi acometido pela gripe. O jornal, porém, noticiou o
fato quando o médico se havia restabelecido e se encontrava em franca
atividade (ibid.). Assim, podemos verificar que nem os dicos escaparam à
epidemia. Submetidos muitas vezes a esfalfante rotina, e por lhes ser necessário
307
manter contato direto com os pacientes em ambientes fechados, sem fazer uso
de nenhuma medida profilática realmente eficaz, era natural que esses
profissionais também fossem acometidos pelo mal.
Para aquela população, aos poucos ia ficando evidente que a epidemia
também atingia pessoas em vantajosa situação financeira, cujos recursos
poderiam prover boa alimentação, repouso, medicação adequada e atendimento
médico. É de esperar que notícias como essa comovessem aquela sociedade,
causando pesar e medo e transtornando o cotidiano das pessoas, pois deixava
visível que poderiam ser baldados todos os recursos utilizados contra aquela
doença.
Contudo, a imprensa deixava entrever que, entre as pessoas de melhores
recursos financeiros, os que tinham o organismo enfraquecido por moléstias
precedentes eram vitimados pela gripe, conforme podemos verificar no extrato da
coluna de necrologia da Folha do Norte:
Figura 50
Necrologia
Fonte: Folha do Norte, 23.11.1918, p. 2.
308
A lei determinava a obrigatoriedade de as timas de doenças pestilenciais
serem sepultadas em caixão lacrado, além de proibir a realização das exéquias,
como mandava a tradição (Lei 1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 52 a 55).
Todavia, de uma forma ou de outra os baianos acabavam por burlar essas
determinações, sobretudo no interior do estado, onde os valores culturais, os
sentimentos de solidariedade e o status do morto e de sua família contavam mais
que qualquer determinação legal. Se examinarmos o necrológico acima citado,
poderemos observar que o féretro foi acompanhado por “concorrido” cortejo até o
cemitério, fato que contrariava de forma terminante a orientação legal para os
casos de epidemia (Folha do Norte, op. cit., p. 2).
Ainda assim, a epidemia não deixava de afetar até as manifestações mais
singelas daquela comunidade o final da guerra e a capitulação da Alemanha
não puderam ser festejados conforme o desejo dos habitantes da cidade; as
escolas encerraram seu ano letivo sem a costumeira solenidade; se chegava a
cogitar em transferir a data dos festejos à Padroeira (Folha do Norte, 23.11.1918,
p. 2).
Em nota destacada nessa mesma edição de 23 de novembro de 1918,
comunicava-se o adiamento, sem data prevista, do “bando anunciador da festa de
Nossa Senhora Sant’Anna”, em razão do “mau estado sanitário” observado
naquela cidade (ibid., p.2). Nesse clima de apreensão e tristeza, a impressão era
de que o mal se apresentava muito maior do que na realidade.
Apesar de benigna, a influenza em Feira de Santana assumia caráter cada
vez mais virulento. Na edição de 23 de novembro, a Folha do Norte publicou
reportagem sobre a situação da epidemia naquela cidade, na qual se informava
que a gripe, denominada “a peste da guerra”, atingira cerca de três mil pessoas
(ibid.). Essa cifra interferia no cotidiano da cidade, uma vez que dentre os
acometidos pela doença, muitos restavam presos ao leito (ibid.).
309
Figura 51
Avaliação da epidemia
Fonte: Folha do Norte, 23.11.1918, p. 2.
Segundo a Folha do Norte, a epidemia causou sensível abalo no cotidiano
da cidade, prejudicando especialmente o comércio (Folha do Norte, 23.11.1918,
p. 2). Para uma cidade cuja própria origem e desenvolvimento são associados a
essa atividade econômica, a queda no movimento comercial causava sérios
prejuízos e grande preocupação. Em períodos históricos diversos, uma ameaça
dessa natureza mobilizava os administradores e a sociedade em geral, no intuito
de combater seus efeitos (Morais Silva, 2000). Talvez esse aspecto tenha
motivado o jornalista da Folha do Norte a verificar no cemitério local o número de
sepultamentos realizados no período. Vejamos:
310
Figura 52
Número de enterramentos
Fonte: Folha do Norte, 23.11.1918, p. 2.
Apesar de figurarem dissociadas da epidemia nos registros de óbito, as
mortes por pneumonia e broncopneumonia observadas nesse período eram
decorrentes de complicações gripais, como também a tuberculose pode ter sido
agravada pela gripe. A “espanhola” apresentou-se de forma tão diferente daquela
influenza que acometia os baianos durante a estação fria, que muitos resistiram
em designar como gripe aquele conjunto de sintomas tão estranhos. Dessa
maneira, podemos observar, nos diagnósticos ou registros de óbitos da época,
variadas denominações para o mesmo mal: febre, gripe, influenza, bronquite
gripal, gripe intestinal, pneumonia gripal, meningite gripal, nefrite gripal,
broncopneumonia gripal, etc. (O Democrata, 10.11.1918, p. 2).
Quanto aos 11 sepultamentos cuja moléstia não foi declarada, tal lacuna se
deve ao fato de que muitas doenças, inclusive a gripe, não eram de notificação
obrigatória. Ademais, por vezes, a omissão da declaração da doença era
propositada, para burlar o rigor da lei que previa restrições aos rituais fúnebres, o
311
expurgo da residência, e a destruição dos objetos de uso pessoal das vítimas das
doenças (Lei nº 1231, de 31 de agosto de 1917, Art. 52 a 55).
33
Contudo, ainda que tenha sido pequeno o número de mortes computadas
no cemitério da sede do município, a soma de acometidos pelo mal foi
relativamente grande. Nota veiculada no jornal local apresentava considerável
cifra de adoecimentos e informava que os poucos óbitos ocorridos haviam
atingido, em sua maioria, as camadas mais pobres da sociedade, entregues,
segundo o jornalista, totalmente ao desamparo” (Folha do Norte, 30.11.1918, p.
1). O articulista reclamava que o poder público não havia prestado assistência às
classes desprivilegiadas de recursos, às quais não foram distribuídos remédios e
alimentos, como ocorrera em outros lugares (ibid.).
Figura 53
O número de infectados pela gripe
Fonte: Folha do Norte, 30.11.1918, p. 1.
33
A experiência nos ensina que leis como estas, embora pudessem ser flexibilizadas em caso de
morte de pessoas eminentes na sociedade, vinham a ser aplicadas com rigor às camadas mais
pobres da sociedade.
312
Apesar de Feira de Santana ter contribuído, no exercício de 1917, com a
renda de 66:735$063, ocupando o 10º lugar entre as 15 cidades de maior
arrecadação do estado, esses recursos não foram revertidos em políticas eficazes
de saúde pública para o município (Bahia Illustrada, 1917, I: [c.a., p. 23]). Até a
segunda década do século XX, não havia sido realizado nenhum tipo de ão
para dotar o município dos necessários recursos de saúde (Poppino, op. cit., p.
269). No período estudado, havia apenas um médico contratado pelo serviço
municipal de saúde, para atender uma população de 77.600 habitantes (ibid., p.
268-269). Ocasionalmente, esse médico era auxiliado por um colega no processo
de vacinação e revacinação das pessoas do município (ibid.). Ambos residiam e
clinicavam na sede do município, restringindo também os seus serviços à área
urbana, o que deixava a descoberto as áreas suburbanas e distritais (ibid.).
No setor privado havia cerca de 30 profissionais, porém poucas pessoas
podiam pagar pela assistência médica (ibid., p. 268). Assim, grande parte da
população rural do município padecia das mais diversas moléstias, sem acesso a
qualquer tipo de assistência médica (ibid., p. 265). A situação do único hospital da
cidade era crítica: o número de leitos oferecidos pela Santa Casa da Misericórdia
mostrava-se insuficiente para atender aquela população (ibid., p. 269).
Durante o mês de outubro, o movimento das enfermarias da Santa Casa da
Misericórdia de Feira de Santana registrou a entrada de apenas 20 doentes, dos
quais 6 saíram curados, 9 “melhorados”, e apenas 1 faleceu (Folha do Norte,
09.11.1918, p. 2). Ainda que a nota não informasse quais as enfermidades
tratadas naquela casa de saúde, pode-se inferir que por ali não havia ocorrência
de nenhuma calamidade pública. Segundo a Irmã S. Ephrem, signatária da nota,
durante o mês de novembro passaram pelo hospital apenas 24 doentes (ibid.).
Para um município que registrava 77.600 habitantes
34
e contava apenas com
aquele hospital, tratava-se de um mero irrisório, principalmente se
considerarmos que grassavam na cidade outras moléstias igualmente graves.
34
Cf.: DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia 1923. População da Bahia por Municípios, 1924, p.
390.
313
Em finais de novembro o jornal local anunciou que cerca de 10.000
pessoas foram infectadas pelo micróbio da gripe (Folha do Norte, 30.11.1918, p.
1). A soma revelada pelo jornal era bastante alta, se considerarmos que na sede
do município, designado pelo jornalista como o “distrito da cidade”, habitavam
apenas 12.000 pessoas (DSEEB. Anuário Estatístico. Anno de 1924. Território e
População. Vol. I, 1926, p. 517-518).
Observamos que o s de novembro representou o ápice da epidemia em
Feira de Santana. Rollie Poppino (op. cit., p. 266) informa que, de meados de
outubro de 1918, quando se registrou o primeiro caso, até o início de novembro, a
doença se mostrara pouco agressiva. Entretanto, após de três semanas, a
virulência aumentou, e os casos se tornaram tão numerosos que todos os
médicos foram convocados para assistir os doentes (ibid.).
Em tais circunstâncias, aqueles que podiam contar com o auxílio de um
médico e logravam escapar às “garras da morte”, faziam questão de tornar
pública a sua gratidão (Folha do Norte, 21.12.1918, p. 2). Tal ocorreu com Aurélio
Vasconcellos, que em carta enviada à redação do jornal local expressou o “seu
eterno reconhecimento e gratidão” ao médico Macário Gomes da Cerqueira,
“abalizado, competente e humanitário clínico” da cidade, responsável por curar da
gripe epidêmica o seu filho Carlos (Folha do Norte, 21.12.1918, p. 2).
Além da sede do município, a influenza grassou nos arredores de Feira
(Folha do Norte, 30.11.1918, p. 1). Ao início de dezembro, circulou a notícia de
que em Feira de Santana, além da gripe, grassava certa doença desconhecida,
capaz de matar crianças em 24 horas (O Democrata, 10.12.1918, p. 1). O
Delegado de Higiene daquele município, Dr. Auto Reis, apressou-se em
desmentir a notícia, declarando-a totalmente infundada nenhum dos médicos
locais reconhecia a existência de tal doença em Feira (ibid.). Tratava-se da gripe,
quase extinta na sede do município, que ainda devastava os distritos (ibid.).
Corroborando a opinião de Reis, o periódico cachoeirano A Ordem publicou
a notícia de que em Bonfim, distrito de Feira de Santana, era grande o número de
vítimas da gripe, principalmente entre as “classes menos favorecidas da fortuna”
(A Ordem, 11.12.1918, p. 1). Para a imprensa, os despossuídos, abandonados à
314
própria sorte pelo aparelho de estado, sem recursos financeiros para recorrer à
assistência médica necessária, subalimentados e subalojados em casebres que
mal os abrigava do frio e da chuva, debilitados por doenças precedentes
formavam as vítimas preferenciais da “espanhola”.
Contudo, a “espanhola” o escolhia as suas vítimas; dessa forma, a lei
previa, e era comum mesmo entre as classes mais abastadas, que o doente fosse
tratado no próprio domicílio (Lei nº 628, Art. 111-114). Assim procedeu a família de
D. Ricarda Alves de Freitas, esposa do Sr. Tibúrcio Neves Amorim e filha do Cel.
Antonio Alves de Freitas Borja (A Folha do Norte, 21.12.1918, p. 2). A vítima
residia na Fazenda Pindoba, situada no distrito de São José, e fora acometida
pela gripe em pleno puerpério (ibid.). Infelizmente, com o organismo debilitado
pelo parto, D. Ricarda não resistiu, e acabou abatida pela doença, aos 31 anos de
idade, deixando órfão o filho (ibid.).
Em finais de dezembro, a epidemia começou a declinar em Feira de
Santana, assim como ocorrera em outros lugares da Bahia. Para aqueles que
convalesciam do mal, aconselhava-se:
Figura 54
Para restabelecer as forças na convalescença
Fonte: Folha do Norte, 30.11.1918, p. 1.
315
6.4. PELOS CAMINHOS DE TERRA, DE FERRO E DAS ÁGUAS A
“ESPANHOLA” ESPRAIA-SE PELO RECÔNCAVO
O entorno da Baía de Todos os Santos, que chamamos de Recôncavo,
35
era bem servido de meios de transportes interligava-se por meio de malha
ferroviária, marítima e fluvial. Nesse espaço, Salvador figurava como ponto de
convergência e irradiação. Por ali transitavam trens, automóveis e embarcações
de todos os tipos, que transportavam homens e mercadorias, percorrendo os
caminhos de terra, de ferro e das águas, abundantes na região.
A Companhia de Navegação Bahiana interligava a capital e as cidades de
Cachoeira, Nazareth, Santo Amaro, Itaparica e a ilha de Madre de Deus (DSEEB,
Anuário Estatístico da Bahia 1923. Meios de Transporte e Vias de
Comunicação, 1924, p. 229-303). Embarcações de pequeno porte, como lanchas
e saveiros, aportavam continuamente em Água de Meninos e na Rampa do
Mercado, trazendo pessoas e produtos diversos, desde as ilhas, cidades e
povoados que margeavam a Baía de Todos os Santos até à Cidade da Bahia.
35
Pela divisão socioeconômica e geoambiental proposta pela Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia SEI, a região hoje denominada Recôncavo Sul compreende os
municípios de Saubara, Santo Amaro, Cachoeira, São lix, Muritiba, Governador Mangabeira,
Cabaceiras do Paraguaçu, Cruz das Almas, Sapeaçu, Conceição do Almeida, São Felipe,
Maragogipe, Salinas das Margarida, Jaguaripe, Aratuípe, Nazaré, Muniz Ferreira, Dom Macedo
Costa, Santo Antônio de Jesus, Varzedo, São Miguel das Matas, Elísio Medrado, Amargosa,
Milagres, Itatim, Santa Terezinha, Castro Alves, Nova Itarana, Brejões, Ubaíra, Jequiriçá, Mutuípe,
Lage. Outra parte do que situaremos nesse trabalho como Recôncavo, pertence hoje à chamada
Região Metropolitana de Salvador Lauro de Freitas, Salvador, Simões Filho, Camaçari, Dias
D’Ávila, Candieas, Madre de Deus, São Francisco do Conde, Itaparica e Vera Cruz. Cf.:
http:
www.sei.ba.gov.br/geoambientais/cartogramas/regioes_eco/ regioes_eco.htm . Acesso em
17.11.2005.
316
Mapa 6
Recôncavo
Fonte: Adaptado de www. praticus.com . Acesso em 17.11.2005
A Estrada de Ferro Central da Bahia ligava importantes portos fluviais do
Recôncavo, como o Félix e Cachoeira ao ‘alto sertão’ (Região do Paraguaçu),
assim como os trens da Estrada de Ferro Centro-Oeste da Bahia e a de Santo
Amaro. Os trens da Tram Road Nazareth partiam do Recôncavo em direção ao
sudoeste do estado.
6.4.1. Subindo o Paraguaçu – a “espanhola” visita Cachoeira
Antes de abordarmos a cidade de Cachoeira, vale ressaltar que outros
municípios da região foram visitados pela gripe. Próximo à Salvador e ao estuário
do rio Paraguaçu, o município de Salinas da Margarida foi um dos primeiros a ser
317
atingidos. Os jornais da capital informavam que o médico Antonio Gil de
Cerqueira havia sido nomeado em comissão para atender aos gripados de
Salinas (Diário de Notícias, 25.11.1918, p. 1). O número de adoecimentos
naquele município foi grande, tendo em vista que a DGSPB precisou enviar nova
remessa de remédios e um auxiliar-sanitário”, que, como o nome diz, deveria
ajudar o médico naquela emergência (ibid.).
De Salinas, a gripe migrou para Maragogipe, navegando pelo rio
Paraguaçu. O delegado de higiene cuidou de informar ao diretor da DGSPB que a
gripe naquele município transcorria “sem gravidade epidêmica” (O Democrata,
31.10.1918, p. 1). Todavia, telegramas enviados ao Diário de Notícias, assinados
por eminentes figuras do lugar, pintavam quadro bastante diferente daquele
apresentado pelo delegado de higiene. As mensagens informavam que a gripe se
propagava entre os desvalidos, registrando-se algumas mortes entre estes (Diário
de Notícias, 04.11.1918, p. 2).
Assim, os juízes, o promotor, professores, conselheiros municipais e outros
notáveis da cidade dirigiam-se àquele periódico, no intuito de que este tornasse
público o seu apelo às autoridades competentes –todos esperavam que a
diretoria da DGSPB se sensibilizasse diante da situação de pobreza dos
acometidos pela gripe, e enviasse um médico a Maragogipe, além dos remédios
necessários para o tratamento dos gripados, visto que o preço exorbitante dos
medicamentos não permitia a sua aquisição pelas camadas mais pobres daquela
sociedade (ibid.).
Intimado publicamente a agir, o diretor da DGSPB não nomeou o
médico Gil de Cerqueira para prestar socorro àquela localidade, como
providenciou, também, o envio de uma ambulância (Diário de Notícias,
04.11.1918, p. 2). O número de acometidos pela gripe foi tão grande que a
DGSPB precisou enviar àquele município mais uma remessa de remédios (O
Democrata, 10.11.1918, p. 1).
Adentrando um pouco mais o território, em direção à nascente do rio
Paraguaçu, chega-se à cidade de Cachoeira. Situada sobre a margem esquerda
desse rio, a cidade de Cachoeira era servida pela Companhia Bahiana de
Navegação, cujos vapores saíam diariamente da capital em direção a esse
município. Ao mesmo tempo, a cidade ligava-se por uma ponte de ferro a São
318
Félix, e seus munícipes tinham acesso aos trens que transitavam pela Estrada de
Ferro Central da Bahia (Barros, op. cit., p. 733).
Cachoeira fora uma das mais prósperas e influentes cidades do estado;
entretanto, na época estudada, seu comércio vinha decaindo, em razão da
concorrência com outras cidades da região, beneficiadas com a abertura de vias
férreas. Contudo, de acordo com Barros (op. cit., p. 733), ainda florescia no
município a indústria do fumo, na qual se realizavam o enfardamento e a enrola
do produto para exportação, além de uma grande fábrica de tecidos.
No dia 12 de outubro de 1918, o periódico A Ordem, editado naquele
município, registrava que a “espanhola” ali exercia sua danosa atividade havia
uma quinzena; conheciam-se “casos de família numerosa em que não se
encontra[va] uma única pessoa que não fosse atacada do morbus reinante” (A
Ordem, 12.10.1918, p. 1). Em conseqüência dessa atuação nefasta, no dia 10
daquele mesmo mês foram computadas duas vítimas fatais (ibid.). Dez dias
depois, um jornal da capital informava a ocorrência de quatro casos fatais,
acrescentando que a epidemia havia irrompido violentamente naquela cidade
(Diário de Notícias, 22.10.1918, p. 1).
Diante de tal flagelo, uma figura eminente naquela sociedade resolveu
entrar em ação. O engenheiro Gratulino Mello, Inspetor Agrícola do município,
ofereceu os serviços da Inspetoria sob sua direção, para proceder à desinfecção
de todos os estabelecimentos de ensino do município (O Democrata, 09.11.1918,
p. 2). Para tanto, entrou em contato com a diretora do Prédio Escolar de
Cachoeira, professora Adelaide Victoriana Almeida Reys, bem como com duas
religiosas de um asilo da cidade, agendando com estas a desinfecção dos
respectivos estabelecimentos (ibid.).
O jornal local também fez a sua parte, divulgando para ciência do povo,
duas receitas, uma para prevenir e a outra para combater a epidemia reinante” (A
Ordem, 19.10.1918, p. 1). A receita preventiva aconselhava que fosse adicionado
enxofre à água de beber e de cozinhar, recomendando também a ingestão, duas
vezes ao dia, de um cálice de água com seis gotas do seguinte preparado: 1 litro
de álcool, cascas de dois limões, uma colher de chá de erva-doce e uma colher
de sopa de tintura de briônia (ibid.).
319
As orientações para curar a doença prescreviam purgativos e lavagens
intestinais. O purgativo (água vienense) deveria ser ingerido logo que se
manifestassem os primeiros sintomas (ibid.). As lavagens intestinais deveriam ser
feitas duas horas depois da ingestão do purgante, adicionando-se a 1 litro de
água morna, ou ao cozimento de pimenta d’água, uma colher de sopa de glicerina
(ibid.). No dia posterior a esse tratamento, o doente deveria tomar, de duas em
duas horas, uma colher de sopa da seguinte mistura: um vidro de magnésia
fluida, 20 gotas de tintura de briônia, 10 gotas de tintura verde, 10 gotas de tintura
de beladona (ibid.). Aliada a essa medicação deveria ser ministrada uma lavagem
intestinal com meio litro de água e meia colher de sopa de glicerina (ibid.). O
anônimo autor da prescrição advertia que esta deveria ser reduzida à metade
quando aplicada a crianças (ibid.).
A tintura de briônia era substância utilizada pela homeopatia para curar o
tifo pulmonar, com catarro pleuris (Bertucci, 2004, p. 204).
36
A beladona
37
,
segundo Pedro Nava (2003, p. 110), era uma erva “consoladora”, que ajudava a
“estancar os suores dos tísicos e a desvanecer as cólicas do ventre”. Rica em
atropina, a beladona possui propriedades anticolinérgicas
38
e antiespasmódicas,
contribuindo para aliviar os espasmos provocados pela evacuação contínua e
forçada, e para acalmar a tosse.
Grande panacéia da época, segundo Bertolli (2003, p. 110), a ampla
utilização dos purgativos no tratamento da gripe amparava-se na crença pré-
pasteuriana, segundo a qual a estimulação artificial das funções intestinais era
necessária à eliminação das toxinas produzidas pelo micróbio da influenza.
39
Para
a folclorista baiana Hildegardes Vianna (1994, p. 211-18), até a década de 1940,
36
A briônia é uma planta herbácea, originária da Europa, de cujas raízes pode ser extraída a
brionina, substância tóxica e purgativa (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, 2001,
Versão 1.0; Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986).
37
A beladona (Atropa belladonna) é uma erva ereta e ramosa da família das solanáceas, de
origem eurasiática; é altamente venenosa em razão da atropina, alcalóide presente em toda a
planta, especialmente nas raízes, folhas e sementes (Dicionário eletrônico Houaiss da língua
portuguesa, 2001, Versão 1.0).
38
Diz-se de agente que se opõe ou bloqueia a ação fisiológica da acetilcolina, molécula
neurotransmissora que atua na passagem do impulso nervoso dos neurônios para as células
musculares (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, 2001, Versão 1.0)
39
De acordo com Bertolli Filho, na época da epidemia de gripe espanhola, o uso de purgativos foi
tão exagerado que na cidade de São Paulo (SP) era comum ocorrer a hospitalização de indivíduos
enfraquecidos pela diarréia contínua (ibid.). Nesses casos, ministrava-se um antidiarréico para
conter os desarranjos intestinais e as cólicas que os acompanhavam (ibid.).
320
na Bahia, “se acreditava que intestino limpo era meio caminho para a cura de
qualquer doença”.
40
Um anúncio comercial publicado em A Ordem (06.11.1918, p. 2)
preconizava o uso do Tonipeitoral de Eucalyptus Glóbulos Agrário, não como
preventivo da gripe, como também para o tratamento da doença em pessoas
atacadas pelo mal. Tais publicações estimulavam a automedicação numa
sociedade em que nem todos tinham o hábito de valer-se da medicina acadêmica
ou, para tanto, dispunham de recursos. A familiaridade com a doença fazia com
que se lançasse mão da terapêutica doméstica, cujas práticas simples,
normalmente, curavam o doente. Os acometidos pela gripe procuravam um
médico quando o quadro se complicava.
Apesar da virulência do morbo, em meados de novembro o jornal de
Cachoeira anunciava que já se poderia considerar extinta a epidemia de gripe
naquela cidade, tendo em vista que não havia sido verificado, no período, nenhum
caso da doença (A Ordem, 15.11.1918, p. 1).
6.4.2. A gripe acomete os santamarenses
A cidade de Santo Amaro era importante porto fluvial do Recôncavo, e
ponto de partida da estrada de ferro que a ligava ao distrito de Bom Jardim. O
município de Santo Amaro, com 84.930 habitantes, era o segundo mais populoso
da Bahia, ultrapassado apenas pela capital do estado (DSEEB. Anuário
Estatístico. Anno de 1924. Território e População. Vol. I, 1926, p. 570-571). A
maior parte da população 72.053 habitantes estava distribuída nos 6 distritos
rurais que compunham o município (ibid.).
Nessa região desenvolvia-se a lavoura de cana-de-açúcar. Ainda que
atravessasse período de decadência, a lavoura canavieira pontilhava de usinas o
40
Segundo a autora, os usos e costumes do final do século XIX perduraram, com pequenas
modificações, até a década de 1940, quando a Segunda Guerra Mundial provocou verdadeira
revolução no cotidiano das pessoas. Para Vianna, até então “as inovações não eram vistas com
bons olhos. A vida do filho teria de ser como a do pai, da mesma forma que a do neto teria de ser
como a do avô. A mesma casa, os mesmos móveis, tudo com variações imperceptíveis, surgidas
naturalmente com o passar dos tempos” (Vianna, op. cit., p. 19).
321
município, nas quais se empregava grande soma de trabalhadores. Na usina São
Bento do Iuhatá, por exemplo, havia uma espécie de vila operária, habitada por
considerável número de empregados e trabalhadores (APEBA. DGSPB. Relatório
da comissão para tratar dos indigentes[...] no município de Santo Amaro, caixa:
3694, maço: 1023, 1912, s/p.). Contudo, as condições materiais de vida de tais
trabalhadores estavam muito longe das ideais, e os habitantes da zona rural de
Santo Amaro eram presas de doenças diversas, que os acometiam em surtos
freqüentes, algumas das quais vinham a se tornar endêmicas (ibid.).
Durante um surto de disenteria e de ‘febres de mau caráter’ ocorrido em
1912, o governo do estado nomeou em comissão o Dr. Januário Costa, para tratar
dos acometidos por tais doenças naquele município. Além da disenteria, o médico
constatou que a hipoemia intertropical, conhecida popularmente como “cansaço”,
era endêmica em todos os distritos rurais do município (ibid.).
41
Para o dico,
eram os seguintes os fatores que contribuíam para que semelhantes doenças se
tornassem endêmicas naquela região:
[...] os alimentos de péssima qualidade, o abuso de bebidas alcoólicas,
a aglomeração nas habitações pequenas e em más condições
higiênicas (muito comuns nestes lugares), preparam, não só a
receptividade ao germe disentérico, mas ainda ajudaram a sua
disseminação, auxiliados por fatores outros de máxima importância,
especialmente pelo uso de águas impuras, pelos despejos e dejeções
feitas nas ruas, pela criação de porcos soltos, tudo revolvendo e
procurando as fontes (que são sem proteção alguma), pela grande
quantidade de moscas que existem nesses lugares contaminados e,
finalmente, pela falta absoluta dos preceitos profiláticos, aconselhados
em tais casos (ibid.).
Na concepção do médico, tal situação era gerada pelo descaso do próprio
trabalhador rural. Costa alçava “o roceiro” à condição de seu próprio algoz, tendo
em vista que, fosse por “temperamento ou educação”, este último
“menosprezava” as regras mais básicas de higiene.
41
Naquele período se sabia que a doença designada pelo Dr. Januário como hipoemia
intertropical nada mais era do que a ancilostomíase, infecção parasitária que acometia a
população rural de todo o território baiano, incapacitando-a para o trabalho.
322
[...] o roceiro, em geral, pouco se preocupa com o que lhe pode
prejudicar a saúde, e por educação e temperamento descrê e
menospreza as prescrições higiênicas, vendo-se por isso, pelo interior,
uma população doentia, de ventres desenvolvidos e cores fanadas
pela hipoemia, principalmente crianças e mulheres, devido ao descaso
na escolha das águas, quando não, ao [?] de utilizarem-se das
empoçadas (ibid.).
Entretanto, esse médico, talvez por sua origem sociocultural, não tinha
condições de perceber o fato de que “o roceiro” era vítima da falta de acesso à
educação, da ausência de infra-estruturas e de recursos básicos a escassez de
oferta e a péssima qualidade das águas consumidas, bem como a falta de um
sistema eficiente de esgotamento sanitário, tanto na capital como no interior,
constituíam problemas ainda não superados pelo poder público.
Em Santo Amaro, como em algumas cidades da Bahia, a população pobre
contava apenas com o auxílio do Hospital da Santa Casa da Misericórdia
42
e com
os serviços prestados por médicos comissionados pelo município ou pelo estado,
em épocas de epidemias.
Como na maioria das cidades do Recôncavo interligadas por vias fluviais e
ferrovias, a gripe também se instalou naquele município quase que
simultaneamente à capital do estado. Em 19 de outubro de 1918, o jornal local
anunciava a chegada de uma estranha doença que, pelo crescente número de
vítimas, estava “levando [...] o pânico ao seio da família santamarense” (O
Município, 19.10.1918, p. 1). Segundo o articulista daquele periódico, “de modo
assustador a terrível epidemia, que hora se acoberta[va] com o nome de gripe,
hora, com o de influenza espanhola”, seguia “roubando” àquela sociedade
“preciosas existências” (ibid.).
Contudo, considerava o autor, pouco importava a denominação da
doença, em face dos seus terríveis efeitos” (ibid.). O que interessava naquele
momento era apelar para a imediata e efetiva intervenção do poder público em
favor da população (ibid.). E arrematava, confiante, o jornalista: “em face do
42
A construção do Hospital Nossa Senhora da Natividade, promovida pela Irmandade da Santa
Casa da Misericórdia de Santo Amaro, foi iniciada em 1814. Parcialmente inaugurado em 1829, o
hospital só ficou definitivamente pronto em 1854 (Guia dos Arquivos das Santas Casas de
Misericórdia do Brasil, op. cit., p. 151-53).
323
flagelo de tal natureza nutrimos a convicção de que S. Ex.ª, o Sr. Cel. Intendente
agirá decididamente e na altura do mal a combater-se” (ibid.).
Na mesma edição foram publicadas notas fúnebres, comunicando o
falecimento de um artista caldeireiro, ocorrido no dia 15 daquele mês, e da “Ex.
ma
Sra. D. Anna Álvares Pinto viúva do Major reformado do exército José Álvares
Pinto, irmão do falecido Brigadeiro Álvares Pinto” –, cuja morte ocorrera no dia
16 daquele mês (ibid., p. 3). Conforme podemos observar, o jornal de Santo
Amaro não era tão elitista quanto o de Feira, pois publicava também notas de
pesar pela morte de pessoas oriundas das camadas mais desfavorecidas
daquela sociedade, no mesmo espaço em que era divulgado o falecimento
daqueles pertencentes à classe abastada. O fato nos demonstra também que
em Santo Amaro, como em outros lugares, a espanhola” não escolheu suas
vítimas apenas entre os menos afortunados.
Diante do avolumado número de pessoas acometidas pelo mal, o poder
municipal nomeou em comissão os dicos Copello e Teixeira Assis para
prestar assistência aos desvalidos (O Município, 23.11.1918, p. 1). Segundo a
nota veiculada no jornal local, esses médicos dedicaram-se ao máximo à tarefa
para a qual foram designados, de tal maneira que quase não dispunham de
tempo para o exercício da clínica particular, tão grande era o número de
atendimentos prestados (ibid.). Tal conduta não parecia ser a esperada ou
mesmo a comumente adotada pelos médicos comissionados em geral, tendo em
vista que o jornal achou importante destacar-lhes a “solicitude e interesse” no
exercício dos serviços, “de modo a tornarem-se dignos de louvores” (ibid.).
Conforme se observou em diferentes lugares do Brasil, no decorrer da
epidemia a imprensa cuidou de publicar todo o tipo de informação sobre aquele
mal que afligia a população, desde discussões científicas até receitas e
mezinhas de autores anônimos. Em Santo Amaro, o periódico local também se
preocupou em apresentar uma série de medicamentos a serem tomados no
decorrer da epidemia, conforme podemos observar na nota reproduzida a seguir:
Entre os muitos remédios geralmente indicados para essa moléstia
epidêmica, é do mais salutar efeito o uso do chá da erva de S.
324
Caetano
43
, que atua contra a febre, como sucedâneo do quinino, sem
os efeitos inconvenientes deste grande antiflogístico
44
, dando, ao
mesmo tempo, ao paciente, o levantamento das suas forças vitais
seriamente abatidas e tonificando conjunta e especialmente o peito, de
preferência, alvejado pela terrível espanhola (ibid.).
É interessante notar que essa receita apresenta um substituto para o
quinino, antipirético (apresentado também como antiinflamatório, segundo a nota
acima reproduzida), largamente utilizado pela farmacopéia da época. Por muito
preconizado, o quinino encontrava-se em falta, o que, muitas vezes, dava lugar a
falsificações ou a abusivas elevações do seu custo (A Tarde, 08.05.1918, p. 1).
Nessas condições, para as populações pobres do interior, constantemente
abatidas por doenças transmissíveis e infecciosas em cuja terapêutica este
medicamento era largamente utilizado, era muito difícil obter os sais de quinino
(ibid.).
A Primeira Guerra contribuiu para elevar o preço do quinino, importado do
Peru (Barros, op. cit., p. 740).
45
No entanto, Barros (ibid.) nos informa que a quina
representava uma das grandes riquezas da Bahia, florescendo “no desconhecido
das matas, abandonada pelo descaso de um povo que quer achar tudo pronto no
mercado, mesmo a um preço exorbitante” (ibid.). Segundo o autor, a quina
brasileira havia sido “estudada várias vezes nos tempos da colônia e o Dr.
Vandelli, Diretor do Jardim Botânico de Lisboa, recebeu da Bahia várias
amostras”, ainda que até 1920 esta planta não tivesse sido explorada (ibid.).
46
43
Erva-de-são-caetano ou apenas são-caetano é o mesmo que balsamina-longa, caramelo, erva-
de-lavadeira, melão-de-são-caetano, erva-de-são-vicente, fruto-de-cobra, fruto-de-negro, meloeiro-
de-são-caetano, quiabeiro-de-angola. Planta trepadeira de bagas comestíveis, cultivada pelos
frutos, para vários usos medicinais e especialmente para extração de substância com efeitos
semelhantes aos da insulina (Dicioniário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0). É sugerida
como substituto do quinino por possuir propriedades antipiréticas.
44
O mesmo que antiinflamatório (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0).
45
De acordo com Barros (ibid.), a quina era encontrada por toda a América do Sul, e dela se
extraía a substância denominada quinino. Até princípios do século XIX, a casca da quina era
utilizada em bruto, sendo apenas pulverizada. Em 1815, um químico russo, Reuss, conseguiu
levar a efeito uma boa análise dessas cascas, ao mesmo tempo em que o Dr. Duncan, de
Edimburgo, declarava que a casca de quina continha um princípio ativo e verdadeiramente
febrífugo. Foi o Dr. Gomes, dico da Armada Real Portuguesa, quem logrou isolar, em 1816,
esse princípio febrífugo, ao qual chamou de chinchonina (ibid.).
46
No candomblé, a erva conhecida como agoniada faz parte de todas as obrigações de Obaluaiê
ou Omolu orixá das endemias e epidemias. Segundo o dicionário Houaiss, trata-se de
planta,arbusto ou árvore pequena (Himatanthus lanceifolius) da família das apocináceas, de
grandes flores brancas, campanuladas, e folículos fusiformes; conhecida como arapuê, quina-
branca, quina-mole, sucumba, tapuoca. Encontra-se no Brasil nos Estados de Minas Gerais,
325
Para o caso da gripe epidêmica, os sais de quinina eram considerados,
pela maioria dos médicos, o remédio específico contra a doença (Pires, op. cit., p.
3). Até a epidemia de 1918, constituía medicamento imprescindível no tratamento
e na profilaxia da gripe (ibid.). Contudo, a nota publicada no jornal santamarense
alertava para a toxidade dessa substância (O Município, 23.11.1918, p. 1).
47
Além dos sais de quinino, outros medicamentos eram sugeridos nos
comentários sobre o assunto, publicados no jornal local. Dentre esses figuravam
as “pílulas de velamina de Eugenio M. de Hollanda” (O Município, 23.11.1918, p.
1). Segundo a matéria publicitária, quando a Bahia foi visitada por semelhante
epidemia, em 1893, utilizou-se esse remédio foi utilizado com sucesso (ibid.).
Em finais de novembro de 1918, a gripe começou a declinar na sede do
município. Para o jornalista, a situação na cidade não se mostrava mais grave,
porque a administração local adotara as acertadas providências” (O Município,
30.11.1918, p. 1). Todavia, a epidemia não cessara de todo naquela região nota
veiculada no jornal O Município informava que, infelizmente, enquanto a epidemia
cedia em alguns pontos, irrompia em outros (ibid.). A notícia prosseguia,
informando que a gripe havia invadido o distrito de Bom Jardim, ponto final da
Estrada de Ferro de Santo Amaro, vindo ali a causar grande mero de óbitos
(ibid.). Segundo o articulista, um dos médicos comissionados pelo município para
atender os pobres, Teixeira de Assis, prestou assistência a mais de cem doentes,
em apenas um dia de trabalho (ibid.).
Em dezembro, a gripe extinguiu-se finalmente em Santo Amaro, e
cessaram as notícias sobre o assunto no jornal local.
Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Goiás. A planta tem inúmeros usos em medicina popular,
especialmente a seiva lactescente, que substitui a quinina, embora seja venenosa (Dicionário
eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0).
47
Bertolli Filho (op. cit., p. 110) refere-se à toxidade do quinino, quando trata do assunto no seu
estudo sobre a gripe espanhola em São Paulo. Naquela cidade, observou-se grande número de
indivíduos debilitados não pela gripe, mas por intoxicação provocada por alta dosagem dessa
substância (ibid.). Segundo Chernoviz: "O sulfato de quinina, sobretudo quando administrado em
grande dose, produz, às vezes, a diminuição do sentido do ouvido, que vai em alguns casos até a
surdez: parece aos doentes que ouvem de muito longe; mas este estado é passageiro, e dissipa-
se espontaneamente. Quanto às obstruções do fígado e do baço, que alguns observadores dizem
resultar da ingestão do sulfato de quinina, esta acusação caiu ante a observação mais exata, que
provou dependerem estas obstruções da duração das febres intermitentes, e não do remédio
administrado contra elas" (Chernoviz, P. L. N. Dicionário de Medicina Popular , ed. Paris: Casa
do Autor. 1878, 2º vol., p. 825-826.).
326
6.4.3. A gripe infesta o povoado de Candeias
Próximo a Santo Amaro, na região do Recôncavo baiano, situava-se o
povoado de Candeias. Naquele período, tratava-se de um povoado florescente,
animado pelas romarias à Igreja de Nossa Senhora das Candeias, ao lado da
qual se encontrava uma fonte cujas águas eram tidas como milagrosas (Barros,
op. cit., p. 743). Por ali passava o trem da Estrada de Ferro Centro-Oeste da
Bahia
48
, que saía da Calçada, passando por Água Comprida, Candeias, com
destino a Buranhém (Revista Ferroviária, 1946, p. 61-62; Barros, 1920, p. 743;
Ferrovias da Bahia, 1991, p. 3).
A epidemia rapidamente se alastra na pequena povoação. Em 23 de
novembro de 1918, nota publicada em jornal da capital informava que a “terrível
gripe” grassava fortemente naquela localidade (Diário de Notícias, 23.11.1918, p.
1). Até aquela data haviam morrido 11 pessoas, e 200 encontravam-se doentes
(ibid.).
A virulência com que a gripe atingiu Candeias fez adoecer até o médico em
exercício na localidade. Contudo, mesmo adoentado, João Anastácio da Costa,
não se furtou a atender aos doentes (ibid.).
Apesar de contar com a dedicação do dico, os habitantes de Candeias
padeciam com a falta de medicamentos (ibid.). Sensibilizada com a situação, a
editoria do jornal dirigiu apelo ao poder público a fim de que fosse solucionado o
problema (ibid.).
Na mesma edição, o jornal anunciava que o Major Cosme de Farias,
conhecido como o “advogado dos pobres”, havia intercedido junto ao governador,
no sentido de que fosse enviada uma ambulância com remédios para o
tratamento dos indigentes atacados de gripe naquele povoado (ibid.). Segundo a
nota, o pedido do major fora prontamente atendido. Entretanto, apesar das
providências tomadas, o mal se alastrava pela região.
48
Essa ferrovia estava sob a administração da Compagnie des Chemins de Fer Fédéraux de l’Est
Brésilien, de capital franco-belga, criada em 1912 para operar as principais linhas do Estado
(Ferrovias da Bahia, 1991, p. 3).
327
A gripe atingiu também o arraial de São Sebastião (Diário de Notícias,
30.11.1918, p. 1). Nota publicada nesse jornal nos informa que para o arraial de
São Sebastião não foram enviados nem médicos, nem remédios (ibid.).
Abandonados pelo poder público, os habitantes do povoado ficaram à mercê da
“espanhola” – houve dias em que morrerem 12 pessoas (ibid.).
O descaso demonstrado em relação os habitantes do lugar denota a falta
de prestígio político ou mesmo a omissão dos chefes locais. O jornalista do Diário
de Notícias mostrava-se perplexo diante de tal situação: “O governo devia mandar
um médico e ambulância; não sei mesmo porque os chefes não os reclamam”
(ibid.).
6.4.4. Viajando nas lanchas e saveiros a “espanhola” chega à contracosta da
Baía de Todos os Santos
A gripe alcançou o município de Jaguaribe, em outubro. Em 18 de outubro
de 1918, jornal da capital informava que “uma praga maligna” atingira esse
município a cidade encontrava-se infestada pela terrível influenza, que no
espaço de 8 dias provocara 12 mortes (O Imparcial, 18.10.1918, p. 1). Chegou-se
a aventar a hipótese de que se tratava de outra doença, pois as pessoas
acometidas queixavam-se de febre alta, dores pelo corpo e diarréia, quadro
sintomático pouco característico (ibid.). Entretanto, a continuidade dos casos fez
que aquela comunidade percebesse estar lidando com a gripe que, de forma
epidêmica, invadia todo o estado (ibid.).
Sob o império da doença, a cidade adquiriu aspecto triste e desolador
(ibid.). Jaguaripe era um lugar pequeno o elevado número de óbitos em tão
poucos dias causava grande impacto sobre a população. Ademais, tratava-se de
um município pobre, sem farmácias e sem médicos; dessa forma, a população se
via desprotegida, sem ter a quem recorrer (ibid.).
Assim, quando os casos começaram a se multiplicar, o intendente solicitou
o auxílio do governo do estado para conter a epidemia que se propagava no
município os distritos de Cações, Mutá e Pirajuia estavam infestados pela
doença (O Democrata, 26.10.1918, p. 1).
328
A resposta do governo estadual foi rápida a direção da DGSPB informou
ao intendente que o médico comissionado pelo estado, Vitorino Arthur Pereira,
encontrava-se em Cações já havia oito dias, provido de remédios e acompanhado
por uma turma de desinfetadores (ibid.). Nesse distrito foram atendidos pelo
médico 83 doentes de gripe, que o registrou nenhum óbito provocado pela
doença (ibid., 09.11.1918, p. 1). Além de Cações, Vitorino Pereira prestou
atendimento aos distritos de Mutá, Pirajuia e Matarandiba (ibid.).
A presença de Vitorino Pereira no município de Jaguaripe mostrou-se
bastante proveitosa para os munícipes. O intendente e alguns negociantes e
proprietários do lugar aproveitaram a ocasião para discutir com o médico os
meios de se extinguirem os pântanos existentes na praia de Mutá providência
que consideravam imprescindível ao saneamento daquele balneário (O
Democrata, 22.11.1918, p. 1).
Vitorino Pereira aproveitou também para vacinar a população contra a
varíola, medida recomendada na época, por se acreditar que a vacina
antivariólica contribuía para evitar também a gripe. Na ocasião, entre adultos e
crianças, foram vacinadas 194 pessoas, assim distribuídas nos seguintes distritos:
23 em Cações, 25 em Mutá, 63 em Pirajunhia, e 83 em Matarandiba (Diário de
Notícias, 09.11.1918, p. 1).
A lei determinava que o serviço de vacinação e revacinação nas cidades do
interior do estado fosse organizado pelos intendentes ou pelos delegados de
higiene.
49
Em caso de necessidade, outros vacinadores poderiam ser designados
para exercer a função, com remuneração correspondente ao serviço. Entretanto,
para implementar com sucesso essa medida, os poderes públicos sempre
buscavam a colaboração e a anuência da sociedade civil.
Em Jaguaripe, para proceder à vacinação, Vitorino Pereira contou com a
colaboração das professoras do lugar. Ao final do trabalho, o diretor geral da
DGSPB teve o cuidado de enviar ofício à professora de Cações, Maria Izabel da
Silva, e à professora de Matarandiba, Germana Emilia da Costa, “agradecendo-
lhes a gentil recepção e os valiosos auxílios prestados” (Diário de Notícias,
08.11.1918, p. 2).
49
Cf.: Leis e Resoluções do Estado da Bahia, anos de 1912 e 1917.
329
6.4.5. A “espanhola” avança pela Estrada de Ferro Tram-Road de Nazareth
A Estrada de Ferro de Nazaré, ou Tram Road of Nazareth, partia do
município de Nazaré porto fluvial do rio Jaguaribe e atravessava o vale do rio
Jequiriçá, em direção à região sudoeste do estado
50
. No período estudado, essa
linha férrea estadual interligava as cidades de Nazaré, Santo Antônio de Jesus,
São Miguel das Matas, Amargosa, Lage, Jequiriçá e Areia, perfazendo 221.662
km. São encontrados registros da epidemia em três dos municípios dessa região
– Amargosa, Lage e Jequiriçá.
Mapa 7
Estrada de ferro de Nazareth
Fonte: Detalhe. Adaptado de mapa extraído de Sampaio, op. cit.. Encarte.
50
Essa estrada seguia um antigo caminho de boiadas; atingiu o seu ponto extremo, em 1927, na
cidade de Jequié, situada no meio do rio de Contas, cumprindo um percurso de 290 km. Cf.:
ZORZO, op. cit., p. 102-103.
330
O município de Amargosa possuía 42.227 habitantes (DSEEB. Anuário
Estatístico da Bahia 1923. População da Bahia por Municípios, 1924, p. 389).
Tratava-se de cidade próspera, produtora de café, fumo, mandioca e, em
pequena quantidade, cana-de-açúcar (Barros, op. cit., p. 222). Situada a 400
metros acima do nível do mar, a cidade tinha clima seco e temperado, cuja
temperatura esfriava um pouco no período do inverno (Cunha, op. cit., p. 124).
A partir de novembro de 1918 começaram a aparecer registros de óbitos
por febre, influenza, gripe, pneumonia e tuberculose (Amargosa. Registro de
Óbitos. Livro n.º C 14/ n.º Registro 171, 1918, p. 84). Até dezembro fora notificada
a morte de 12 pessoas, a maioria residente na região rural do município
Barreiros, Ribeirão, Córrego, Mata das Covas, Tabuleiro dos Coelhos e Palmeira.
Todos os óbitos foram registrados por um farmacêutico da cidade, Gracindo Brito
Filho; o fato denota que nas ocasiões de doença e morte nem sempre as pessoas
recorriam ao médico. Nesse período, clinicavam em Amargosa os médicos Paulo
Queiroz e Lourival Monte.
51
Assim, não era por falta de médico que as pessoas
recorriam ao farmacêutico.
Em janeiro do ano seguinte (1919) a gripe continuava a grassar,
registrando-se 15 óbitos nesse período – 1 por influenza, 1 por gripe, 1 por
fimatose pulmonar, 1 por pneumonia gripal, 2 por febre e 10 por gripe epidêmica
(ibid.).A essa altura, a maioria dos atestados de óbitos era assinada pelos
médicos, ainda que o farmacêutico continuasse sendo procurado para tal (ibid.).
Ao contrário do que ocorrera nos meses de novembro e dezembro, a gripe
epidêmica incidiu em janeiro com maior virulência na sede do município,
adquirindo dessa forma maior visibilidade perante as autoridades públicas. Assim,
a DGSPB resolveu comissionar Lourival Monte com a gratificação mensal de
400$000, para que este médico atendesse os doentes de gripe naquela cidade
(Diário da Bahia, 14.02.1919, p. 2). Segundo o jornalista do Diário da Bahia, “o
interessante desta nomeação é que a comissão deve durar 2 meses sabendo
assim o governo que neste prazo a moléstia será debelada” (ibid.).
51
Os nomes desses médicos aparecem no supracitado livro de Registro de Óbitos, que se
encontra no cartório da cidade (ibid.).
331
A epidemia começou a declinar em março, embora em abril ainda
houvesse registro de um óbito por gripe (Amargosa. Registro de Óbitos. Livro n.º
C 15/ n.º Registro 76, 1919, p. 18). Pelos serviços prestados no período de 11 de
fevereiro a 18 de março de 1919, o médico acima mencionado recebeu a quantia
de 489$384 (APEBA. Secretaria da Fazenda e Thesouro do Estado da Bahia,
Secção, 30.04.1919).
O município de Lage era grande produtor e exportador de fumo (85.000
arrobas anuais), de café (100.000 arrobas anuais), e de cacau (3.000 arrobas
anuais) (Barros, op. cit., p. 1317). Ainda assim, o município possuía apenas
14.710 habitantes (DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia 1923. População da
Bahia por Municípios, 1924, p. 391).
Em janeiro de 1919, o Diário da Bahia informava que o município de Lage
estava “sendo assolado pelo terrível mal” (Diário da Bahia, 11.01.1919, p. 1). Para
atender os indigentes desse município, a DGSPB nomeou o Dr. Vitorino Pereira
(ibid.).
O município de Jequiriçá, que registrava 24.397 habitantes, também foi
atingido pela gripe (DSEEB. Annuario Estatístico da Bahia. Anno de 1924.
Território e População. Vol. I, 1926, p. 533). Para tratar os gripados dessa
localidade, a DGSPB designou o médico Oscar Marques de Freitas, que havia
prestado serviços ao estado em setembro daquele mesmo ano, quando fora
designado para esse município a fim de atender os doentes acometidos por
“febres de mal caráter” (APEBA. Secretaria da Fazenda e Thesouro do Estado da
Bahia. Socorros Públicos, 4ª Secção, 38.10.1918).
Em 26 de outubro de 1918, o médico enviou carta ao Dr. Alberto Müylaert,
Diretor de Saúde, informando que a gripe se propagava de forma assustadora na
cidade, atingindo de 60% a 70% da população, e alguns casos haviam se
mostrado muito graves (APEBA. DGSPB. Cartas Recebidas pelo Diretor Geral de
Saúde sobre: combate ao mosquito, peste bubônica, gripes e outros, caixa: 3688,
maço: 984, 26.10.1918, s/p). Freitas observou que ali a gripe vinha se
manifestando de três formas: “a forma mais comum é a pneumônica, havendo
também a intestinal e a nervosa, sendo estas em pequeno número” (ibid.).
332
Dado o avultado número de doentes, o dico que assinara a missiva
apenas como Oscar, denotando intimidade com o diretor da DGSPB –, solicitava
que lhe fosse enviada com urgência mais uma ambulância, pois os remédios que
trouxera se haviam esgotado, restando apenas os purgativos calomelanos e
benzanofitol (ibid.).
A DGSPB providenciou para que nova remessa de remédios fosse enviada
ao médico, cuidando também de divulgar, no periódico O Democrata, a
providência adotada (O Democrata, 09.11.1918, p. 1).
6.5. A “ESPANHOLA” INVADE AS “TERRAS DO SEM-FIM”
O litoral sul do estado concentrava os municípios produtores de cacau, os
quais contribuíam com mais da metade da receita estadual (Pang, op. cit., p. 73-
74).
Os vapores da Companhia de Navegação Bahiana ligavam à capital os
municípios de Valença, Ilhéus, Canavieiras, Porto Seguro, Prado, Alcobaça,
Ponta de Areia, Viçosa e Mucuri (DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia 1923.
Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 301). No rico município de
Ilhéus, aportavam também os navios de passageiros que faziam a linha Aracaju
Rio de Janeiro, com escala em Salvador (Jornal de Ilhéus, 16.02.1916, p. 4). A
cidade de Itabuna, situada mais ao interior, ligava-se ao porto de Ilhéus pela
Estrada de Ferro Ilhéus a Conquista (DSEEB. Anuário Estatístico da Bahia
1923. Meios de Transporte e Vias de Comunicação, 1924, p. 299).
Assim a “espanhola” não encontrou dificuldade para penetrar no território
que margeava as águas do Oceano Atlântico. A bordo de trens ou das variadas
embarcações que interligavam esses portos, a doença infestou o litoral sul da
Bahia, conforme podemos verificar no mapa abaixo:
333
Mapa 8
Companhia de Navegação Bahiana:
navegação de barra de fora
Fonte: Detalhe. Adaptado de mapa extraído de
Sampaio, op. cit.. Encarte.
Em princípios de novembro, um jornal de Salvador informava que a gripe
irrompera em Valença. O redator da nota informava que a população mostrava-se
apreensiva com a possibilidade de a gripe se manifestar naquela cidade com a
intensidade e virulência observada em outras localidades da Bahia (O Imparcial,
12.11.1918, p. 1).
334
Figura 55
A gripe irrompe na cidade de Valença
Fonte: O Imparcial, 12.11.1918, p. 1
Apesar de sediar uma unidade do parque têxtil da Bahia a Companhia
Valença Industrial –, a municipalidade alegava que, onerada por compromissos
antigos, não dispunha de recursos para assistir convenientemente a população
em caso de calamidade pública (ibid.).
Felizmente, segundo informação do intendente da cidade, ali a epidemia
não causou muitos estragos (O Democrata, 17.11.1918, p. 2). A gripe se
manifestou de forma benigna; não houve grande disparidade entre o obituário de
novembro, que apresentou 20 mortos, e o do mês anterior, com 14 óbitos (ibid.).
Próximas a Valença, as cidades de Taperoá e Santarém também foram
atingidas pela epidemia. Para Taperoá, a DGSPB enviou ao intendente uma
ambulância para o tratamento dos espanholados” (Diário da Bahia, 11.01.1919,
p. 1). Em Santarém, o próprio município cuidou de prover a assistência médica e
farmacêutica dos indigentes atacados pela gripe (O Democrata, 22.11.1918, p. 1).
Em Barra do Rio de Contas, o surto foi brando. O delegado de higiene,
Francisco Xavier de Oliveira, tranqüilizou o diretor da DGSPB, comunicando-lhe
que os poucos casos de gripe ali existentes eram benignos (O Democrata,
09.11.1918, p. 1).
335
No movimentado porto de Ilhéus, a todo o momento chegavam
embarcações trazendo passageiros infectados. A 21 de outubro de 1918, o vapor
nacional Atlântico, vindo do Rio de Janeiro, aportou em Ilhéus, trazendo a bordo
um tripulante acometido pela gripe (Diário de Notícias, 21.10.1918, p. 1). Assim,
era inevitável que a cidade fosse invadida pela epidemia.
A gripe ali se alastrou com muita intensidade. Em vista da grande virulência
da doença, a intendência adotou providências enérgicas votou um crédito de 10
contos de réis para financiar o socorro público (O Imparcial, 24.10.1918, p. 1). O
município criou um serviço regular de assistência, nomeando o médico
Demósthenes Vinhaes para atender os “espanholados” (ibid.).
Em Itabuna, a população vivia situação dramática o número de casos
fatais era elevado; parte do comércio fechou as portas; os farmacêuticos
adoeceram; e os remédios esgotaram-se (Diário da Bahia, 29.10.1918, p. 1). O
município adotara providências para assistir a população, mas os seus recursos
não foram suficientes (ibid.). Diante das circunstâncias, os membros da
Associação Comercial de Itabuna resolveram enviar aos jornais, para que fosse
publicado, um telegrama em que expunham a situação da cidade e solicitavam o
auxílio do governo estadual (ibid.).
Segundo o Diário da Bahia, o governo estadual não atendeu ao pedido de
socorro da população da cidade, e os senhores A. Patena e F. Scheidegger,
respectivamente presidente e secretário da Associação Comercial de Itabuna,
expediram outro telegrama à redação do jornal, expondo a situação calamitosa do
município:
A epidemia recrudesce. Sobe a oitenta o número de óbitos. O mal
assolando o interior prejudica seriamente a lavoura de cacau.
Consideramos perdidas as futuras colheitas em conseqüência da falta
de braços, acrescida com as chuvas excessivas. O comércio continua
na sua maior parte fechado. Até o momento ignoramos quaisquer
providências tomadas pelo governador. Nosso apelo não mereceu do
sr. Moniz nenhuma atenção?!
(Diário da Bahia, 05.11.1918, p. 1)
Vale relembrar que já havia, por parte da classe comercial da Bahia,
grande descontentamento em relação ao governo de Moniz de Aragão; a
oposição a este último recrudesceu desde que um carregamento de cacau foi
336
apreendido pela Marinha britânica, e o governo baiano nada pôde fazer para
resolver a questão.
52
Em paralelo, fazia-se notar a tensão entre Moniz de Aragão
e os coronéis do cacau, em especial Antonio Pessoa, além da divergência entre
o governador e o presidente do senado, Frederico Costa, em razão da
nomeação dos intendentes dos municípios de Una e Belmonte, a qual não
contou com a aprovação das elites locais.
53
Contudo, mesmo sem contar com a ajuda do governo estadual, o
intendente de Itabuna, Adelpho Leite, providenciou para que durante a epidemia
fossem distribuídos remédios e alimentos aos indigentes que tivessem contraído a
gripe (O Democrata, 17.11.1918, p. 2). A partir de meados de novembro a
epidemia começou a declinar, não havendo notificação de novos casos na cidade
(ibid.).
Para o município de Belmonte, cujo intendente era sobrinho do
governador
54
, a DGSPB nomeou um delegado de higiene, José Ferreira de
Freitas, comissionando-o para que tomasse as medidas necessárias no sentido
de debelar a epidemia nessa cidade (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 2).
A gripe também atingiu Caravelas. Em 23 de outubro de 1918, um jornal da
capital estampava a seguinte manchete:
Figura 56
A gripe em Caravelas
Fonte: O Imparcial, 23.11.1918, p. 1.
52
Expusemos essa questão no Capítulo II a oposição da classe comercial recrudesceu a partir
de uma questão o resolvida pelo governador, relativa a um carregamento cacau para
Copenhague, apreendido pela Marinha britânica (Cf.: Pang, op. cit., p. 129).
53
Para saber mais, ver Pang, op. cit., p. 130.
54
Cf.: Pang, op. cit., 130.
337
Segundo a nota que seguia a manchete, a gripe vinha se mostrando
bastante virulenta naquela cidade, chegando a ocorrer casos quase fulminantes
alguns indivíduos infectados morreram após decorridas 48 horas a partir da
manifestação da doença (O Imparcial, 23.11.1918, p. 1).
Alarmado com tal notícia, o diretor geral da DGSPB telegrafou ao
Intendente do Município e ao delegado de higiene, solicitando maiores
informações sobre o assunto (Diário de Notícias, 25.10.1918, p. 1).
Imediatamente o delegado de higiene respondeu ao telegrama, tranqüilizando o
diretor daquele órgão estadual sobre o estado sanitário de Caravelas
considerado excelente, uma vez que ali não se registrara nenhum caso de gripe.
Como medida preventiva, a autoridade sanitária local envidava esforços para que
se procedesse à desinfecção das embarcações antes que estas atracassem
naquele porto (ibid.).
Em Canavieiras, o estado sanitário era o pior possível, afirmava um
articulista do jornal local O Progressista:
O impaludismo, a catapora, a influenza e a tuberculose imperam
desassombrosamente, dizimando umas e outras atrofiando a população,
que mais parece internados de um hospital do que gentes laboriosas,
lutando pela vida com satisfação e coragem (O Progressista, 12.10.1918, p.
1).
O jornalista denunciava que as verbas destinadas às questões de
saneamento público figuravam no orçamento apenas para justificar o desvio
criminoso do dinheiro público (ibid.). Para o autor da matéria, “os magnatas da
terra”, conheciam da arte de administrar apenas “as execuções e recebimentos
dos ordenados, comendo à tripa forra sem um único melhoramento causar aos
seus munícipes” (ibid.). O articulista acrescentava que, acostumada à miséria, a
população se submetia a tal situação quase com indiferença (O Progressista,
26.10.1918, p. 1).
Na esfera estadual também nada se fazia, porque o delegado de higiene,
tido como de oposição, tinha a sua ação restrita pelo grupo que dominava o poder
local (ibid.). Dessa maneira, a população de Canavieiras se via abandonada, sem
ter quem velasse por sua saúde – direito do cidadão e dever do executivo (ibid.).
338
Prevalecendo-se do péssimo estado sanitário da cidade, a epidemia de
gripe mostrou-se em toda sua intensidade desde a primeira semana, dezenas
de pessoas permaneceram acamadas; este número foi aumentando nos dias
subseqüentes, atingindo percentagem assustadora (O Progressista, 19.10.1918,
p. 1). Raras eram as casas em que não fossem acometidas pela doença de três a
quatro pessoas (ibid.). Apesar de benigna, a gripe depauperava o organismo,
dando lugar a outras doenças.
O Juiz de Direito, que exercia também a função de Delegado Escolar, e o
Delegado de Higiene, Otto Marques de Freitas, solicitaram do intendente a
suspensão das aulas nas escolas municipais por um período de vinte dias (ibid.).
Com tal medida visavam restringir o contágio e a propagação da doença, que se
intensificava com as aglomerações (ibid.).
Em nota publicada no jornal local, aconselhava-se à população precaver-
se, fazendo uso de limonadas, quinino, aspirina e piramidon, evitando contato
com os doentes. A limonada era prescrita em virtude do teor de vitamina C
contido no limão, o que podia contribuir para aumentar a imunidade. O quinino era
tido em todo país como preventivo da gripe, ainda que durante a epidemia tenha
se mostrado totalmente ineficaz; os outros remédios eram analgésicos e
febrífugos, que teriam valia para atenuar os sintomas dos acometidos pela
doença. Tratavam-se de medidas recomendadas e veiculadas nos jornais de
várias cidades do país onde a gripe irrompera, o que ressalta o poder de
circulação da informação, que alcançava até aquela pequena cidade do interior da
Bahia.
Apesar das críticas veiculadas pelo O Progressista, ou mesmo por causa
destas, a intendência publicou no Jornal Official o balancete da Receita e da
Despesa da Intendência, no qual constava, em 23 de outubro de 1918, a dotação
de verba adicional, no valor de 2:522$00, para a distribuição de remédios aos
indigentes acometidos pela gripe (Jornal Official, Dezembro de 1918, p. 567).
Contudo, O Progressista voltou à carga, publicando nota que informava
haver Manoel Vitorino Correa reclamado o pagamento da quantia de 1:979$800,
referente aos remédios distribuídos aos indigentes por ordem da intendência, no
período em que durou a epidemia de gripe espanhola naquela cidade (O
Progressista, 20.12.1918, p. 1).
339
Com tal notícia, o articulista buscava desmoralizar os políticos da situação,
os quais, a seu ver, se lembravam do contribuinte para extorquir-lhe o “último
vintém”, adicionado aos demais para financiar os esbanjamentos da politicalha,
ou para encher as algibeiras dos fraldiqueiros que os acompanham” (O
Progressista, 30.11.1918, p. 1). E acrescentava à sua crítica a seguinte ameaça:
E pensam os senhores da situação que o povo isso ignora?
Não. Resigna-se, cala-se, engole o travo do desgosto...
Mas, aí de vós quando começar a grita!...
E os murmúrios já se ouvem... (ibid.)
Contudo, em outro momento, o articulista se refere à ameaça que pairava
sobre as cabeças daqueles que ousavam desafiar as oligarquias e criticar os seus
desmandos:
Fiquemos calados. Não exerçamos o direito de crítica que nos é
facultado por todas as leis do país, porque então teremos os nossos
pingues bens penhorados e as nossas vidas ameaçadas... A bolsa e a
vida.
Que beleza!...
(O Progressista, 12.10.1918, p. 1)
6.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando a epidemia de gripe espanhola chegou aos sertões, a população
estava completamente desprotegida para enfrentar o flagelo além da extrema
pobreza, uma fatia significativa desta população não tinha acesso a serviços
básicos, como água encanada e esgotamento sanitário, vivendo em precárias
condições sanitárias. Na maioria das cidades do interior baiano, a assistência
pública à saúde se restringia às situações contingenciais. Dessa maneira, a
ininterrupta ação de parasitoses, doenças infecto-contagiosas e venéreas era um
quadro que se repetia na grande maioria das localidades onde incidiu a gripe.
Tais elementos concorreram para ação nefasta da “espanhola” em algumas
regiões, observando-se nesses casos uma mortalidade inusitada em surtos de
gripe.
340
As fontes consultadas nos informam que as autoridades públicas tinham
conhecimento das difíceis condições de vida e das doenças que acometiam a
população do interior do estado. Os chefes locais e as associações corporativas;
os inspetores sanitários, quando contratados pelo estado para empreenderem
ações de saúde específicas; e os médicos comissionados para atender os
indigentes em períodos de epidemias todos denunciavam por cartas ou
relatórios destinados à DGSPB a situação de miséria a que estava submetida a
maioria da população baiana. Ademais, os órgãos de imprensa em circulação nas
cidades alardeavam, para quem soubesse ler, a situação desfavorável em que se
encontrava o homem do campo.
Vale lembrar que se tratava de um período de crescente mobilização das
elites nacionais em torno do saneamento das áreas urbanas e rurais. As elites
baianas não ignoravam e nem eram completamente indiferentes ao grave quadro
sanitário do interior da Bahia. As discussões travadas em vários fóruns nos
meios acadêmicos, políticos, na imprensa, etc. demonstram o conhecimento
geral em relação às difíceis condições de vida e de saúde, não só das populações
rurais, como também das camadas mais pobres de Salvador.
Contudo esta consciência não era suficiente para mobilizar recursos no
sentido de promover políticas de saúde que atingissem todo o estado, de maneira
ampla e eficaz a incapacidade financeira do estado fazia com que o poder
público concentrasse seus esforços na formação de uma estrutura de assistência
à saúde na capital, empreendendo apenas algumas medidas no sentido de
controlar as doenças epidêmicas que periodicamente atingiam a Bahia.
Nesse contexto, a população do interior da Bahia teve de lançar mãos de
vários estratagemas para enfrentar a epidemia de gripe, e a crise da “espanhola”
nos revela a rede de relações sociais e de poder, deslindando os elos de
interdependência nos seus diversos níveis de autoridade.
A ameaça de contágio e o medo da morte – comuns em períodos de
epidemias podem contribuir para transformar, ao menos momentaneamente, os
costumes de uma sociedade. Entretanto, observamos que apesar de a epidemia
interferir no cotidiano das cidades, mudando alguns hábitos e restringindo o
convívio social, o medo e a doença não afastaram as pessoas dos habituais
deveres políticos, caritativos e de solidária vizinhança.
341
Ao incidir sobre o interior do estado, além de agravar o precário quadro
sanitário da Bahia, a epidemia evidenciou a estrutura do poder, bem como a
tessitura das relações sociais. Na Bahia da República Velha, cada um dos níveis
socieconômicos produzia suas próprias elites, e cada família tinha os seus
próprios protegidos quem estava no topo de qualquer um destes níveis
precisava demonstrar capacidade para proteger e apoiar os despossuídos nas
horas de dificuldade.
55
Nas cidades, aqueles que ocupavam posição de destaque não se furtaram
a oferecer seus préstimos, fosse para promover ou colaborar com a execução de
medidas profiláticas, fosse para denunciar o descaso e solicitar aos poderes
públicos auxílio para os desvalidos. Vale ressaltar que, para prover a população
da assistência não fornecida pelo estado, em alguns municípios as elites se
haviam organizado, sob a égide da Santa Casa da Misericórdia, para criar e
manter hospitais cuja assistência pública não se restringisse aos tempos de
epidemias.
Nas pequenas comunidades rurais, mesmo quando ainda convalesciam da
gripe, as pessoas não se furtavam a cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Nos
momentos de dor e de perda, a solidariedade era demonstrada com a presença
nos velórios e enterros, mesmo sendo esta prática desaconselhada pelas
autoridades sanitárias.
Em algumas cidades onde a gripe irrompeu, os chefes políticos locais, com
o apoio explícito da população, exigiram das autoridades públicas estaduais o
estabelecimento de medidas para conter e debelar o mal. Em outros municípios, o
chefe local recorreu à mediação do representante político regional, que acessou o
governo em busca de providências. Contudo, quando o chefe local se omitia, a
própria população tomava a iniciativa de recorrer a uma figura de
representatividade no cenário estadual tal como o Major Cosme de Farias,
conhecido então como o “advogado dos pobres” – ou de denunciar o descaso dos
poderes públicos em jornais de grande circulação no estado.
Nos municípios com forte representatividade política, as reivindicações dos
munícipes eram prontamente atendidas pelo governo as demonstrações
55
Cf.: Mattoso, op. cit.
342
públicas de gratidão por parte dos políticos locais, bem como os compromissos
embutidos neste processo, capitalizavam vantagens políticas para o grupo que
governava o estado. nos municípios cujos políticos faziam oposição ao grupo
seabrista ou tinham pouca representatividade no cenário político baiano, o
socorro não chegou, ainda que grande parte da população tivesse sido acometida
pela doença. Os municípios com mais recursos prescindiram da ajuda do governo
estadual. Em outros, apesar da tentativa de fazer frente à crise com recursos
próprios, estes recursos não se mostraram suficientes para atender ao grande
número de infectados; contudo o auxílio solicitado à DGSPB não foi oferecido, em
razão das questões políticas que envolviam as elites locais e o governo de Moniz
de Aragão.
Os jornais editados tanto em Salvador quanto nos municípios funcionaram
não como órgãos de oposição ao governo local ou porta-vozes dos municípios
empestados, como também exerceram importante função informativa e educativa,
divulgando medidas profiláticas e terapêuticas sintonizadas com aquelas
veiculadas nos órgãos de imprensa dos grandes centros urbanos do país. Além
da própria epidemia, transportada pelas rotas comerciais e de passageiros, a
circulação da informação em pontos geograficamente distantes da capital do
estado, demonstra que parte dos habitantes do interior da Bahia não se
encontrava tão isolada quanto pensavam os intelectuais brasileiros, naquele
decênio. As elites locais constituídas por aqueles que sabiam ler e escrever,
que viajavam, e portanto, não estavam restritos àquele universo –, tinham acesso
à informação e a um padrão de vida semelhante aos das elites e das camadas
médias da capital. Entretanto, a vida do povo pobre do interior do estado se
assemelhava à dos despossuídos que viviam nos subúrbios, bairros operários e
áreas degradadas de Salvador – muito poucos tinham acesso a bens como
educação e saúde; a maioria era analfabeta e tinha acesso a serviços públicos
de saúde durante as crises epidêmicas; viviam em situação de extrema pobreza,
e as péssimas condições de existência eram uma porta aberta às doenças.
CONCLUSÃO
A gripe, como qualquer outra doença, não apresenta, em si mesma,
nenhum significado – trata-se de um evento biológico que adquire significado e
significação dentro de um contexto humano, nos diversos modos pelos quais se
infiltra nas vidas das pessoas, nas reações que provoca, e na maneira pela qual
expressão a valores sociais, culturais e políticos. Nessa perspectiva
construímos nossa narrativa sobre a passagem da gripe espanhola pela Bahia –,
focalizando os aspectos de uma sociedade complexa e desigual, revelados sob o
impacto da crise epidêmica.
A “espanhola” aportou na Cidade da Bahia, por onde se disseminou em um
período tumultuado por vários fatores: disputas políticas; crise financeira do
estado e do município; greves de professores e operários. Ao mesmo tempo, a
carestia, a corrosão salarial, o desemprego e a crise de moradia, contribuíam para
alargar o espectro da pobreza, favorecendo tanto a incidência de doenças
carenciais, como o beribéri, quanto a ação de doenças transmissíveis e
infecciosas, como a tuberculose, a gripe, a varíola, a febre amarela, a malária e a
peste bubônica.
Nesse período, as elites nacionais estavam mobilizadas em torno do
saneamento das áreas urbanas e rurais do Brasil. Na Bahia da República Velha,
344
as elites se esforçavam para imprimir uma face moderna e civilizada a Salvador.
Nesse sentido, tanto os políticos quanto, em particular, os engenheiros e médicos,
amparados por uma estrutura institucional, protagonizavam diversas ações que
visavam reordenar e embelezar o espaço urbano; regulamentar e normatizar o
uso do espaço público, intervindo no âmbito do privado; modernizar os
equipamentos urbanos; e formar uma rede de assistência pública à saúde.
Contudo, a erupção da epidemia de gripe espanhola evidenciou o caráter
incipiente das ações empreendidas incapazes de resolver a questão do
saneamento urbano, e de aparelhar o estado para oferecer à população políticas
públicas de saúde amplas, compulsórias, permanentes e eficazes. Em 1918, a
população de Salvador ainda estava submetida às precárias condições de
saneamento, à carência de serviços de água, esgoto, transporte, e às altas taxas
de mortalidade provocadas por males endêmicos e epidêmicos.
As elites baianas não ignoravam e nem eram completamente indiferentes
às condições de vida e de saúde, não das camadas mais pobres de Salvador,
como também da população do interior do estado. Assim, questões como a
limpeza do espaço urbano; as condições de moradia; os sistemas de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário; as condições de trabalho; a
venda e a manipulação de alimentos; a dieta e a pobreza; bem como os hábitos
morais e de higiene diária figuravam nas agendas e nos discursos das elites
baianas, já conscientes de que estes e outros fatores contribuíam para a
incidência e propagação de doenças, tanto nos centros urbanos, quanto nas
áreas rurais.
Os médicos, em especial, apesar de reconhecerem a causalidade
específica de cada doença, ponderavam que as condições materiais de existência
constituíam fatores importantes a considerar, quando se tratava da resistência do
organismo humano às infecções. Nesse sentido, chamavam a atenção para a
relevância da questão da saúde pública, tendo em vista que, além do fato de a
doença roubar braços ao trabalho, as péssimas condições de saúde e de
existência poderiam transformar um indivíduo em “sementeira” de doenças que
facilmente poderiam contaminar os sãos.
A par dessa realidade e das fragilidades do poder público, os grupos que
exerciam oposição ao governo do estado severinistas, marcelinistas, vianistas e
345
ruístas –, usando a imprensa como fórum privilegiado, aproveitaram-se da
eclosão da epidemia de gripe espanhola para discutir as condições de vida da
população e denunciar o grave quadro sanitário da Bahia. Se de um lado, com
suas críticas, denúncias e acusações, a oposição pretendia desacreditar e
desestabilizar o grupo severinista que detinha o poder naquela ocasião, de outro
lado tal posicionamento, entre as elites, denotava a crescente percepção da
importância de se oferecer à população uma eficaz estrutura de saúde pública,
como condição para superar o atraso e a “barbárie” a que estava submetida a
sociedade baiana.
Além da imprensa, as discussões travadas nos meios acadêmicos e
políticos, bem como as cartas, relatórios e pareceres de engenheiros e médicos,
levavam a questão ao conhecimento das autoridades públicas e da camada
letrada da sociedade. Entretanto, a própria oposição reconhecia as dificuldades
enfrentadas pelo estado para efetivar tal tarefa – não só faltavam ao poder público
estadual os recursos técnicos e financeiros necessários, como também a
pulverização de competências e de atribuições entre as instâncias federal,
estadual e municipal dificultava as ações no âmbito da saúde pública.
Na falta de recursos financeiros, o estado concentrou seus esforços em
minimizar os transtornos produzidos pelas epidemias – mais espetaculares e
intensos que os provocados pelas doenças que sorrateiramente minavam as
energias e a vida da maior parte da população baiana. Ainda assim, o raio de
ação do poder público pouco avançou em direção ao interior do estado as
medidas implementadas visavam fornecer uma estrutura mínima de saúde à
população de Salvador, em vista de sua condição de capital do estado, pólo
econômico e porto agroexportador. Contudo, mesmo no que se refere a Salvador,
a rede de assistência pública era incipiente, e a oferta de serviços era
ampliada em tempos de epidemias.
Nessa conjuntura, quando a presença da epidemia de gripe em Salvador
foi denunciada pela imprensa, as autoridades públicas apressaram-se a negar o
fato ou a minimizar-lhe os riscos. O sentimento de familiaridade em relação à
doença, a crença em seu caráter de benignidade e o fato de a gripe não ser
doença de notificação compulsória, aliados à debilidade econômica do estado e
do município, às disputas políticas que agitavam a Bahia, e à necessidade de
346
resguardar a imagem de salubridade daquele porto agroexportador foram
fatores que concorreram para dificultar a percepção e o reconhecimento da
incidência desta doença como um evento epidêmico, postergando a tomada de
decisões.
Ademais, a ação contínua de doenças mais preocupantes que a gripe
diminuía a importância desta última aos olhos das autoridades competentes.
Ainda que a gripe estivesse sempre presente nas estatísticas nosológicas de
Salvador, os óbitos decorrentes dessa doença desde a epidemia de 1895 eram
em número insignificante diante da taxa de mortalidade provocada por doenças
como a disenteria, o impaludismo, a peste, a varíola, a febre amarela e,
sobretudo, a tuberculose. Vale destacar que, no período estudado, o controle de
doenças como a varíola e a febre amarela era de especial interesse tanto do
governo federal, quanto do estadual, ainda que se mostrasse incipiente o aparato
montado para combatê-las.
Além da complexidade que esses elementos conferem ao processo de
aceitação e reconhecimento da epidemia, precisamos considerar também o fator
tempo a gripe propagava-se a uma velocidade inversamente proporcional ao
tempo necessário para que a sociedade absorvesse o fato e tomasse as medidas
cabíveis para o seu controle.
Tal como aconteceu em muitos dos lugares onde eclodiu a epidemia de
gripe, transcorreu certo tempo até que a sociedade atingida reconhecesse
oficialmente a existência de uma crise epidêmica. Nesse intervalo, os políticos
procuravam os culpados por mais uma invasão e disseminação de doença
infecto-contagiosa em Salvador: Seria a União, responsável pela preservação da
saúde nos portos? Seria o estado, que não oferecia à população uma estrutura de
assistência à saúde? Seria o município, que não promovia ações para garantir a
salubridade do espaço urbano?
Diante do inegável avanço da gripe sobre a cidade, as autoridades não
tiveram mais como negar o fato, nem como se eximir das suas obrigações.
Entretanto, durante a epidemia de gripe espanhola, as divergências e incertezas
acerca da etiologia e do diagnóstico da doença ocupavam as páginas dos jornais
baianos. Assim, antes de assumir qualquer posição, a direção da DGSPB achou
necessário nomear uma comissão de médicos para estudar aquele surto
347
epidêmico e determinar a natureza e a gravidade da doença, na expectativa de
que tal disposição traria ao órgão estadual em questão instrumentos para a
adoção de medidas de controle mais adequadas e eficazes.
Ao analisarmos a postura assumida pelas autoridades sanitárias, bem
como as reivindicações da sociedade, que através da imprensa buscava uma
explicação para o mal que a afligia, percebemos o quanto se tornou importante
atribuir uma denominação e desenvolver um esquema explicativo para
determinado conjunto de sintomas e sinais. A idéia da doença como entidade
específica era um princípio que presidia o raciocínio das autoridades dicas e
sanitárias da época, fundamentando tarefas como o diagnóstico e o prognóstico e
estabelecendo a racionalização da profilaxia e da prática terapêutica.
Enquanto a comissão incumbida de estudar a epidemia não oferecia o
parecer oficial, a imprensa buscou esclarecimento entre médicos de renome
naquela sociedade, tais como Pacífico Pereira, Prado Valladares, Martagão
Gesteira, entre outros. As concepções desses médicos eram representativas das
questões que agitavam os centros acadêmicos e científicos, nacionais e
internacionais. Para uns, a observação do quadro clínico da doença confirmava a
suspeita de que se tratava da gripe, doença infecto-contagiosa que
periodicamente propagava-se pelo mundo, cujo agente etiológico era o
Haemophilus influenzae, bacilo isolado por Pfeiffer em 1892. De outro lado, havia
quem discordasse de tal pressuposto, e considerasse a hipótese de que o agente
causal fosse um vírus filtrável, transmitido por um vetor culicidiano.
Contudo, enquanto em outros centros os bacteriologistas se preocupavam
em determinar o agente específico da gripe, e assim desenvolver a grande arma
da bacteriologia a vacina –, a larga tradição clínica e higienista orientava a
medicina baiana no sentido de privilegiar a investigação clínica e epidemiológica.
Vale destacar o fato de que os médicos tinham consciência da complexidade na
determinação de um microrganismo específico como o causador de uma doença,
a qual exigia do pesquisador o cumprimento de uma rie de exigências e
procedimentos que demandavam tempo. Além das diversas dificuldades para a
realização de todas as etapas e procedimentos necessários a semelhante
investigação científica, tempo era uma condição de que os médicos não
dispunham. Assim, a comissão nomeada para estudar a epidemia partiu do
348
pressuposto de que se tratava de gripe, doença cujo quadro clínico já estava
suficientemente caracterizado por estudos anteriores, muitos dos quais realizados
nos mais renomados centros de pesquisa do mundo.
Para os clínicos baianos, não havia doença conhecida que apresentasse tal
capacidade de propagação e velocidade de transmissão. Os resultados da
pesquisa clínica e epidemiológica realizada pela comissão confirmaram as
suspeitas iniciais de que se tratava da gripe, doença benigna e sazonal, cuja
irrupção se dera, àquela ocasião, com maior virulência, amplitude e velocidade de
transmissão que o habitual.
Cientes de estarem lidando com uma doença microbiana de grande
contagiosidade, os médicos elegeram os espaços de convívio social como objeto
da sua ação. Era do conhecimento da medicina que, ao falar, tossir ou espirrar,
um indivíduo infectado tornava-se agente disseminador daquele mal, pois lançava
no ambiente secreções ou perdigotos contaminados com o gérmen, os quais
poderiam ser inalados pelos que se encontravam na circunvizinhança. Assim, os
ambientes de trabalho e de confinamento, os locais de diversão ou de culto
religioso e, sobretudo, as habitações coletivas, em grande proliferação na capital
do estado, naquele decênio, eram vistos como importantes focos de disseminação
da gripe, considerando-se as suas formas de contágio e propagação tornaram-
se, portanto, alvo da ação médica e sanitária. Para os médicos, as condições de
moradia das camadas mais pobres de Salvador, espremidas em porões,
sobrelojas, casas de cômodo, cortiços, etc., favoreciam a propagação da doença
em velocidade inusitada e num raio de ação o abrangente. Em pouco mais de
três meses a doença atingiu aproximadamente 1/3 da população da capital do
estado.
As medidas de saúde blica implementadas pela DGSPB durante a
erupção da “espanhola” em Salvador remontavam às grandes epidemias do
passado, tais como a de peste e a de cólera, e foram adotadas na maioria dos
lugares onde a gripe irrompeu. As autoridades médicas e sanitárias tinham
consciência das limitações de tais medidas – sabiam que contra a gripe o havia
profilaxia ou terapêutica específica e eficaz. A indeterminação do agente
etiológico impossibilitava o desenvolvimento e a aplicação de vacina, bem como a
utilização de remédio específico. Contudo, ao defenderam a adoção de medidas
349
de profilaxia geral e de higiene pessoal, os médicos esperavam fortalecer o
organismo e proteger o indivíduo da invasão da doença, e restringir o
desenvolvimento da epidemia no interior da cidade.
Ademais, por seu caráter de espetáculo blico, a epidemia demandava
resposta imediata, de grande visibilidade. Na Bahia de Todos os Santos, as
respostas da sociedade à epidemia foram ecléticas incluíam desde rituais
religiosos até medidas sanitárias. Os ritos informados por concepções científicas,
tanto quanto por concepções religiosas, constituíram-se em atos visíveis e
concretos de autodefesa e solidariedade, representando importante papel em
meio à crise. Cada resposta tinha a própria racionalidade, e as reações à doença
eram pertinentes ao contexto no qual se inseriam as pessoas, relacionando-se
também à memória que a doença evocava.
O posicionamento dos médicos e autoridades sanitárias da Bahia esteve
condicionado não pela extrema contagiosidade e pela velocidade com que a
doença epidêmica se propagava, como também pelo contexto de pressão social e
política os profissionais que integravam o quadro do serviço público de saúde
precisavam demonstrar conhecimento, competência, segurança, tranqüilidade e
eficiência, em meio ao cenário tumultuado pelas críticas e denúncias dos grupos
de oposição ao governo do estado, pelas incertezas e dissonâncias que
dominavam a ciência médica, e pelas cobranças da população em geral.
A passagem da gripe espanhola por Salvador, ainda que o tenha
assumido as proporções de calamidade pública observadas em outras capitais do
país, como São Paulo e Rio de Janeiro, interferiu no cotidiano da cidade. Além da
quebra na rotina e das interdições da DGSPB, a insidiosa ação da doença, que
prostrava, quando não muitas vezes vitimava, pessoas da família, da rua, do
bairro e da cidade, contribuiu para reforçar na população a inquietude e o
sentimento de consternação e angústia, próprios dos tempos de peste.
A tensão desencadeada pela crise epidêmica aumentou as expressões de
religiosidade as pessoas buscavam na religião explicação e consolo para o
castigo da doença. Durante a passagem da epidemia de gripe pela Bahia, as
missas, romarias, a adoração de imagens e os “beija-pés” dos santos, dentre
outros ritos católicos, eram realizados no intuito suplicar a misericórdia divina. Os
rituais reuniam muitos fiéis, ainda que tal confluência de indivíduos nos espaços
350
confinados das igrejas fosse desaconselhada pelas autoridades sanitárias.
Semelhante comportamento por parte da população católica nos informa que os
fiéis estavam tão seguros da proteção divina no espaço sagrado das igrejas, que
não temiam o risco de contaminação.
Além da Igreja Católica, outras religiões ofereciam conforto espiritual,
proteção e cura para o corpo sico. Naquele decênio, a religião católica era tida
como manifestação religiosa superior, própria da cultura européia, e as
alternativas à católica eram vistas com intolerância pelas elites as
manifestações da cultura africana sofriam severa repressão por parte da polícia, e
os candomblés haviam sido proibidos na cidade. Contudo, ainda que as elites
buscassem coibir ou desqualificar as outras formas de fé, o candomblé e a
doutrina espírita atraíram pessoas de diversas camadas da sociedade, também
em busca do auxílio das forças sobrenaturais para vencer aquele período de
dificuldades.
Os curadores ligados a essas crenças eram designados pejorativamente
como charlatães e feiticeiros, e acusados de explorar os crédulos, oferecendo-
lhes curas milagrosas. Os médicos, em especial, procuravam proibir essas
práticas de cura, argumentando que o único saber legítimo para os cuidados com
a saúde era aquele adquirido nos bancos da Faculdade de Medicina.
Todavia, apesar do prestígio que a medicina acadêmica alcançara na
Bahia, a população recorria naturalmente às práticas culturais ancestrais,
conhecimentos mais antigos e mais fortemente enraizados do que os da medicina
acadêmica. A medicina doméstica e as práticas informadas pela religião eram
outras soluções encontradas para prevenção e cura das doenças.
Ademais, durante a epidemia de gripe espanhola, muitos acadêmicos
alegavam que a eficácia da terapêutica utilizada pela ciência dica pouco ou
nada diferia daquela alcançada por meio de outras práticas de cura a
inexistência de um remédio específico fazia com que a medicação ministrada se
restringisse ao alívio dos sintomas e à tonificação do organismo.
Contudo, quando os males se agravavam, muitos baianos recorriam ao
auxílio da medicina acadêmica, ainda que o tratamento prescrito pelos médicos
fosse administrado pela família ou por pessoas próximas ao doente. Naquele
período, a doença permanecia restrita ao âmbito doméstico de ordinário as
351
pessoas só recorriam aos hospitais quando lhes faltavam a assistência familiar ou
os recursos financeiros para prover o tratamento. Assim, durante a incidência da
epidemia de gripe na capital, os leitos disponibilizados nos hospitais existentes
eram, na sua maioria, ocupados por indigentes ou por tripulantes das
embarcações que aportavam na Bahia.
Os jornais, tanto os que circulavam em Salvador, quanto os editados nas
cidades do interior baiano, desempenharam importante papel durante a passagem
da “espanhola” pela Bahia. Além de se tornarem fórum dos debates sobre as
condições de vida e de saúde da população, e veículo das reivindicações dos
municípios atingidos pela gripe, exerceram também importante função informativa
e educativa, divulgando medidas profiláticas e terapêuticas sintonizadas com
aquelas veiculadas nos órgãos de imprensa dos grandes centros urbanos do país.
Assim, de par com a própria epidemia, que invadiu os sertões da Bahia levada
pelos meios de transporte que interligavam o estado, a informação também
circulou, atingindo os pontos mais distantes do estado.
Percebemos, então, que parte dos habitantes do interior da Bahia não
estava tão isolada quanto pensavam, naquele decênio, os intelectuais brasileiros.
Em muitas cidades do interior do estado, aqueles que viajavam, e principalmente
os que sabiam ler e escrever, tinham acesso ao conhecimento e apresentavam
padrão de vida semelhante ao das elites e das camadas médias da capital. De
outro lado, a vida do povo pobre do sertão pouco diferia daquela levada pelas
camadas mais pobres de Salvador segregadas em subúrbios, bairros operários
e áreas decadentes da cidade, sem acesso a bens como educação e saúde –,
cujas péssimas condições de existência representavam uma porta aberta às
doenças.
O avanço da epidemia sobre os sertões descortinou um deprimente cenário
de miséria, doença e descaso por parte dos poderes públicos. Além da extrema
pobreza, significativa fatia da população não tinha acesso a serviços básicos,
como água encanada e esgotamento sanitário, vivendo em precárias condições
sanitárias. A gripe juntou-se às parasitoses, às doenças venéreas, à tuberculose,
às doenças disentéricas, ao impaludismo e aos surtos de febre amarela e peste
bubônica, contribuindo para aumentar o quadro de desolação. Por sua vez, tais
352
elementos concorreram para agravar a ação da “espanhola”, observando-se em
algumas regiões mortalidade inusitada em surtos de gripe.
A maioria das cidades atingidas pela gripe estava completamente
desaparelhada para enfrentar o flagelo fora dos tempos de epidemias, raro era
o município que contava com uma estrutura mínima de assistência à saúde, e
mesmo assim esta assistência ficava a cargo da Santa Casa de Misericórdia. A
presença de um delegado de higiene em parte dos municípios não garantia
assistência prestada fora dos tempos de peste. O posto não era remunerado e
conferia somente prestígio; ao delegado cabia apenas visitar periodicamente as
áreas sob sua responsabilidade, e proceder à vacinação e revacinação
antivariólica. Em épocas de epidemia, esse profissional recebia remuneração e
remédios para prestar assistência aos indigentes. Para os municípios que não
contavam com delegados de higiene, o estado comissionava médicos pelo
período de duração do surto epidêmico. Assim, na maioria das cidades do interior
baiano, a assistência pública à saúde restringia-se a questões específicas e
situações contingenciais.
Em períodos de crise, como os tempos de epidemias, os elos de
interdependência se configuravam nos mais diversos escalões de autoridade, e a
rede de relações sociais e políticas era prontamente acionada. O estudo da
epidemia de gripe espanhola evidencia que, na Bahia da República Velha,
aqueles que tinham alguma proeminência na sociedade precisavam demonstrar
capacidade para proteger e apoiar os desvalidos nas horas de necessidade.
Embora a ameaça de contágio e o medo da morte companheiros
constantes das crises epidêmicas – pudessem interferir no cotidiano de uma
sociedade, modificando-lhe os hábitos e os costumes, durante a passagem da
“espanhola” pelo interior da Bahia, o medo do contágio e da morte não impediu
que as pessoas exercessem seus deveres políticos e demonstrassem sua
solidariedade para com os atingidos pela doença. Nas cidades do interior do
estado, os que ocupavam posição de destaque, ou mesmo os cidadãos comuns,
não se furtaram a oferecer seus préstimos, fosse no sentido de promover a
execução de medidas profiláticas ou colaborar na sua efetivação, fosse para
denunciar a situação aos poderes públicos e solicitar auxílio aos desvalidos, ou
mesmo para cuidar dos vivos e enterrar os mortos.
353
A crise desencadeada pelos surtos epidêmicos colocava em cheque o
poder e o prestígio das oligarquias dominantes nos municípios e regiões do
interior do estado. Em casos de doença ou de morte, sem poder contar com a
assistência do estado, o sertanejo recorria aos poderosos locais em busca de
auxílio. Tratava-se, entretanto, de uma via de mão dupla em decorrência do
“favor” recebido, o doente e sua família precisavam garantir fidelidade política a
seu “benfeitor”. Assim, na maioria dos municípios sob a ação da epidemia, além
de estarem movidos pelos naturais deveres caritativos e de solidariedade,
comuns às pequenas comunidades do interior, as elites e os políticos locais
buscaram oferecer alguma resposta à população aflita, também pelo fato de tal
atitude lhes acarretar compromissos e vantagens políticas.
Os chefes locais que não possuíam prestígio pessoal para solicitar do
governo auxílio aos indigentes atingidos pela “espanhola” recorreram à mediação
do representante político regional. Quando os poderes públicos se omitiam, as
elites locais denunciavam o fato aos jornais ou apelavam para figuras de
representatividade no cenário estadual. Nos municípios com mais recursos a
população pôde prescindir do auxílio do governo estadual. Em outros, apesar da
tentativa de fazer frente à crise, os recursos mobilizados se revelaram
insuficientes para atender ao grande número de infectados, e o estado não enviou
nenhum tipo de auxílio, porque as oligarquias locais faziam oposição ao grupo
seabrista. Nas pequenas localidades cujos chefes não gozavam de prestígio nem
contavam com nenhum tipo de acesso ao governo do estado, o socorro não
chegou, ainda que grande parte da população fosse acometida pela doença.
Contudo, os municípios cujos chefes dispunham de prestígio pessoal e
capacidade de barganha foram prontamente atendidos pelo governo, que enviou
médicos e remédios para o tratamento dos indigentes.
Em sua passagem pela Bahia, a “espanhola” não respeitou sexo, idade, cor
ou condição social. Contudo, embora a gripe não escolhesse suas vítimas,
observou-se maior número de óbitos entre aqueles cujo organismo se encontrava
enfraquecido fosse por estado puerperal, doenças preexistentes ou crônicas,
fosse em razão das precárias condições materiais de existência. As fontes nos
informam que durante a passagem da “espanhola” por Salvador houve elevação
nas taxas da mortalidade geral muitos dos portadores de doenças cardíacas,
354
renais e, sobretudo, de tuberculose, morreram ao serem acometidos do mal
epidêmico, visto que o organismo depauperado não resistia à influência
debilitante da gripe. Aqueles que viviam em total indigência ou subalimentados,
extenuados pela jornada de trabalho excessiva e por sua condição de trabalho e
moradia, e expostos às intempéries do tempo e às bruscas mudanças climáticas,
também apresentaram menos condição de oferecer resistência à invasão da
doença.
Contudo, tal como previam os médicos, ainda que o número de infectados
tenha se revelado grande, a taxa de mortalidade específica da gripe foi
relativamente pequena na capital do estado as estatísticas oficiais registraram
386 óbitos. O avanço da gripe sobre o sertão durou até os primeiros meses de
1919, mas o número de óbitos e de infectados não foi contabilizado pelos órgãos
do governo.
Ao incidir sobre a Bahia, a epidemia de gripe espanhola provocou os
transtornos característicos da erupção de um surto epidêmico mortes,
isolamento, vigilância domiciliária e portuária, paralisação de fábricas e serviços –,
mobilizando, para o seu controle, diversos setores da sociedade. O impacto do
surto epidêmico colocou em evidência as fragilidades da sociedade baiana na
República Velha: o clientelismo e o nepotismo que corrompiam a máquina estatal;
o facciosismo político e os conflitos daí decorrentes; a ausência de políticas
públicas de saúde abrangentes, contínuas e eficazes; a relação entre as questões
econômicas e a condição sanitária da capital do estado; as práticas institucionais
e a legislação que as presidia; e as precárias condições de vida e de saúde do
povo baiano.
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Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional de Lisboa
Biblioteca Pública do Estado da Bahia
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Biblioteca de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
UFBA
Cartório de Amargosa
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Fundação Clemente Mariani
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de Farmácias, Dentistas, Tratamento de Doentes e outros. caixa: 3688, maço:
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APEBA. DGSPB. Ofícios Recebidos pelo Diretor de Saúde Pública sobre Surto de
Gripe, Vacina contra Varíola e outros. caixa: 3689 maço: 993, 1912-1924.
APEBA. DGSPB. Petições Recebidas pelo Diretor Geral de Saúde Pública. caixa:
3689 maço: 995, 1912-1932.
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maço: 996, 1914-1921.
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Aristides Novis. caixa: 3696, maço: 1028, 1912.
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Inspetor Sanitário do Distrito. semestre de 1912. caixa: 3696, maço: 1028,
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1916. caixa: 3696, maço: 1028, 1916.
APEBA, DGSPB, Inspetoria Sanitária do Distrito. Relatório apresentado pelo
Dr. Collatino de Borborema. Inspetor Sanitário. 1918. caixa: 3696, maço: 1028,
1918.
APEBA. DGSP. Relatório apresentado pelo Dr. Candido Figueiredo sobre o
serviço sanitário da Inspetoria durante o anno de 1920. caixa: 3696, maço:
1028, 1921.
APEBA, DGSPB, Relatório apresentado pelo Dr. Américo D. Ferreira sobre o
serviço sanitário da Inspetoria do 17º distrito durante o anno de 1920. caixa: 3696,
maço: 1028, 1921.
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Juazeiro, caixa: 3684, maço: 1020, 1919.
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febres palustres, em Villa do Conde, Cajueiro e Barracão. caixa: 3695, maço:
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ANEXOS
385
ANEXO I
386
ANEXO II
387
ANEXO III
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