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Casa de Oswaldo Cruz
Fundação Oswaldo Cruz
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
RÔMULO DE PAULA ANDRADE
A AMAZÔNIA VAI RESSURGIR!
SAÚDE E SANEAMENTO NA AMAZÔNIA
NO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1945)
Rio de Janeiro
2007
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RÔMULO DE PAULA ANDRADE
A AMAZÔNIA VAI RESSURGIR!
SAÚDE E SANEAMENTO NA AMAZÔNIA
NO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1945)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História das Ciências e da
Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obtenção do Grau de
Mestre. Área de Concentração: História das
Ciências
Orientador: Prof. Dr. GILBERTO HOCHMAN.
Rio de Janeiro
2007
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RÔMULO DE PAULA ANDRADE
A AMAZÔNIA VAI RESSURGIR!
SAÚDE E SANEAMENTO NA AMAZÔNIA
NO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS (1930-1945)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História das Ciências e da
Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obtenção do Grau de
Mestre. Área de Concentração: História das
Ciências
Orientador: Prof. Dr. GILBERTO HOCHMAN.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Hochman (Orientador)
Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz
____________________________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Vieira de Campos
Departamento de História/Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Sérgio Dumas dos Santos
Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro
2007
RESUMO
A dissertação trata das ões de saúde e saneamento na Amazônia durante o
Primeiro Governo Vargas (1930-1945) e tem como foco compreender de que forma a
região se localiza nos discursos da época sobre a integração nacional. No período,
ocorreu a criação de instituições científicas que tinham como foco a saúde e saneamento
da região amazônica, como o Instituto de Patologia Experimental (IPEN), e o Serviço
de Estudo das Grandes Endemias (SEGE), capitaneados por Evandro Chagas, cuja
trajetória foi interrompida por um acidente. As duas instituições se envolveram na
formulação de um plano de saneamento para a Amazônia, mas o contexto internacional
interferiu, culminando na implantação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP),
em 1942, fruto do acordo bi-lateral entre Estados Unidos da América e Brasil. Além de
Evandro Chagas, destacados quadros da saúde pública da época, como Fred Soper,
dirigente da International Health Division (IHD) e João de Barros Barreto, diretor do
Departamento Nacional de Saúde (DNS) se envolveram, de diferentes maneiras, no
plano de saneamento da Amazônia. Por fim, o escopo do trabalho será a saúde da
região, relacionando-a ao discurso construído sobre a Amazônia no governo Vargas, em
especial, a partir da instauração de Estado Novo (1937).
ABSTRACT
This dissertation is about the sanitation and health actions
during the first Vargas Government (1930-1945) and focus on
understanding in which form the region is located in the speeches of
that time. In that period, it occurred the creation of scientific
institutions that emphasizes health and sanitation of the Amazonic
region, such as the Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN), the
Serviço de Estudos das Grandes Endemias (SEGE), which had Evandro
Chagas as the person in charge, whose trajectory was interrupted by an
accident. The two institutions were involved in formulate a plan of
sanitation for the region, but the international context intervened,
culminating on the implantation of the Special Service of Saúde
Pública (SESP), in 1942, fruit of the bilateral agreement between
United States of America and Brazil. Beyond Evandro Chagas,
professionals of the public health of the time who stood out, as Fred
Soper, controller of International Health Division (IHD) and João de
Barros Barreto, director of the Departamento Nacional de Saúde (DNS)
were involved, in different ways, in the plan of sanitation of the
Amazon. Finally, the main goal of the work will be the health of the
region, relating it to the speech constructed about the Amazon in the
Vargas government, specially, since the instauration of the Estado
Novo (1937).
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), pelo financiamento que tornou possível realizar o presente trabalho.
A Gilberto Hochman, pela orientação presente e reuniões, que resultaram em
correções e sugestões que enriqueceram de forma significativa, contribuindo no
direcionamento da análise.
Aos pesquisadores e professores da Casa de Oswaldo Cruz, que sempre se
mostraram dispostos a esclarecer dúvidas e contribuir com a pesquisa. Em especial,
destaco as aulas de Luiz Antônio Teixeira, Nísia Trindade Lima, Dominichi Miranda de
Sá, Robert Wegner e Ângela Porto. As valiosas contribuições da banca de qualificação,
formada pelos profs. Drs. Marcos Chor Maio e Fernando Sérgio Dumas dos Santos e as
sugestões de pesquisa de Simone Kropf. Por fim, agradeço ao Departamento de Arquivo
e Documentação que gentilmente me deu acesso aos documentos de Evandro Chagas,
que se encontram atualmente em fase de tratamento.
Ao Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil
(CPDOC), pela cessão das imagens utilizadas na dissertação.
À minha família, importante suporte para os momentos difíceis que percorreram
esses dois anos de incessantes leituras e pesquisas: minha mãe, Marísia Maria Adão de
Andrade, que contribuiu nas correções ortográficas da dissertação; meu pai, Rômulo
Garcia de Andrade, pelas sugestões de leitura; meu irmão, Francisco Adão de Paula
Andrade, que sempre foi solícito em explicar que seu irmão estava ocupado,
“escrevendo cartas pro Getúlio Vargas”; minha irmã, Luciana Adão de Paula Andrade
Richards, pelo carinho e Margarida Rosa Martins, pelos cafés feitos em horários nada
convencionais e pela compreensão pelos textos, páginas e livros espalhados pelo quarto,
além do constante carinho.
À Caroline Cantanhede Lopes e seus pais, Sinval de Almeida Lopes e Clélia
Cantanhede Lopes, pela boa companhia e pelas prazerosas conversas. Carol,
companheira nas horas boas e difíceis, obrigado pela paciência e constante amor.
Aos amigos que estão juntos desde antes do ingresso no curso de História, até os
que conheci posteriormente, na Pós Graduação. Aos colegas da turma de 2005, desejo
sorte nesta profissão que escolhemos, cheia de percalços, porém extremamente
enriquecedora e gratificante.
Índice
Siglas 1
INTRODUÇÃO 2
1 – Apresentação 2
2 - História da Saúde Pública: História e Historiografia 4
3 – História da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil 5
4 –Estudos de Saúde internacional: o caso do Serviço
Especial de Saúde Pública 9
5 - Uma bela adormecida à margem da História:
Visões da Amazônia no Primeiro Governo Vargas 12
6 – Apresentação das Fontes e estrutura da dissertação 17
CAPÍTULO I: LOCALIDADES EM QUE SE NASCE, SE MORRE, MAS NÃO SE
VIVE: IDÉIAS DE SAÚDE E SANEAMENTO PARA
A AMAZÔNIA (1930-1941) 20
1.1 – Da Plataforma da Aliança Liberal à viagem de 1933:
Vargas e as promessas para a Amazônia 22
1.2 – “Um Sinistro Carnaval” e a “Ameaça Vermelha”: Álvaro Maia
Discursa na constituinte 32
1.3 – A saúde do amazônida sob cuidado das missões religiosas 35
1.4 - Reforma Capanema e as endemias da Amazônia 39
1.5 - O Estado Novo e a Amazônia 43
1.5.1 – Antecedentes da viagem presidencial: reclamações
de um cidadão amazonense 45
1.6 - A segunda viagem de Vargas à Amazônia
e o “Discurso do Rio Amazonas” 47
1.7 - A história da Amazônia reescrita por intelectuais nas páginas da
Cultura Política (1940-1941) 55
CAPÍTULO II : EVANDRO CHAGAS E AS INSTITUIÇÕES
CIENTÍFICAS DE SAÚDE E SANEAMENTO
DA AMAZÔNIA (1934-1942) 66
2.1 - Evandro Chagas e o Serviço de Estudo
das Grandes Endemias (1935-1940) 67
2.2 - O Instituto de Patologia Experimental do Norte:
primeiros passos para o saneamento da Amazônia 72
2.3 – Projetos de Evandro Chagas: da Amazônia para o Brasil 78
2.4 – Reformas na Saúde Pública (1941-1942) 83
2.4.1 - O futuro do SEGE e do IPEN pós-reformas de 1941 88
2.5 - O Plano de Saneamento da Amazônia (1941-1942) 91
CAPÍTULO III : FRED L. SOPER, JOÃO DE BARROS BARRETO E
O SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚE PÚBLICA:CONTEXTOS EM
MOVIMENTO (1942-1945) 100
3.1 - Contextos nacionais e internacionais: mudanças em curso 101
3.2 - Fred L. Soper: novos planos para o
Serviço de Malária do Nordeste 103
3.3 - João de Barros Barreto e os “Acordos de Washington” 110
3.4 – A Amazônia e os Acordos de Washington 121
3.5 – O Serviço Especial Saúde Pública (1942-1945) 124
3.6 – “Um dos mais felizes capítulos da história do Amazonas”
ou a Batalha da Borracha 134
CONSIDERAÇÕES FINAIS 148
ANEXO I – CADERNO DE IMAGENS: MEMÓRIA ICONOGRÁFICA
DA SAÚDE NA AMAZÔNIA (1930-1945) 154
I – Instituições 155
II – Personagens 158
III – Fotos de Alan Fisher na Amazônia 160
ANEXO II – “O Discurso do Rio Amazonas” 164
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 169
1 – Fontes 170
2 – Bibliografia 173
1
Siglas
ACA – Associação Comercial do Amazonas
CAETA – Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a
Amazônia
DEIP – Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda
DEE – Divisão de Estudo de Endemias
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
DNS – Departamento Nacional de Saúde
IAN – Instituto Agronômico do Norte
IHD – International Health Division
IOC – Instituto Oswaldo Cruz
IPEEC – Instituto de Patologia Experimental Evandro Chagas
IPEN – Instituto de Patologia Experimental do Norte
MES – Ministério da Educação e Saúde
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
RDC – Rubber Development Company
RRC – Rubber Reserve Company
SAVA – Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico
SEGE – Serviço de Estudo das Grandes Endemias
SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
SES – Serviço de Educação Sanitária
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SFA – Serviço de Febre Amarela
SMNE – Serviço de Malária do Nordeste
SNES – Serviço Nacional de Educação Sanitária
SNL – Serviço Nacional de Lepra
UCN – União Cívica Nacional
2
Introdução
1 – Apresentação:
“Homem que nasceste à beira do Amazonas
e do Rio Mar não tens a grandeza
tão apegado e tão raquítico que és;
Homem que detesta o mais belo sol do mundo
porque o sol te queima doudamente;
ao te ver,
homem que te perdes em seringais
e que pareces inferior ao inseto pernilongo
que patina sobre as águas paradas,
ao te ver
comovo-me até as lágrimas....
É que tu representas o Amazonas!
- tu sabes que o Amazonas
é uns dos braços que embalam a criança da Pátria?
Mas tu lá sabes o que é pátria?
(se outros mais civilizados não o sabem)
Tu só conhece e amas a terra
Que é mais ou menos a mesma cousa!
Vendo-me, sem que eu o faça,
Tu me dizes “adeus”!
Um adeus de quem tem a certeza
de que quando eu voltar
já não te encontrarei mais
pois o rio, sem dúvida,
já te engoliu
ou a terra já te devorou!”
1
O poema de Lúcio Marianni retrata a imagem que intelectuais do sudeste
imprimiam à região amazônica: um lugar onde o homem era devorado pela natureza, o
ambiente regia a vida humana e, de certa forma, a escravizava a esta condição. No curso
dos anos 30 e, especialmente no limiar dos anos 40, ocorrem mudanças nesta visão, que
devido a interesses governamentais passa a valorizar o homem por trás da selva: o
1
Marianni, Lúcio. Poemas Amazônicos nº1. Rio de Janeiro, Flamma Pensamento Crítica combate,
ano I nº4, 16 de julho e 1931, Acervo Paschoal Carlos Magno, Documento 7.0.20, p.5. Este acervo
encontra-se sob guarda do Centro de Documentação a Funarte (CEDOC/FUNARTE).
3
caboclo. A resposta para a redenção dos amazônidas estaria na combinação entre
colonização racional e prévio saneamento. Desta forma, o objetivo da dissertação é
analisar as políticas de saúde e saneamento para a Amazônia no Primeiro Governo
Vargas (1930-1945), tomando como ponto de partida a “Plataforma da Aliança Liberal”
e como ponto final, os primeiros anos de atuação do Serviço Especial de Saúde Pública
na Amazônia (1942-1945).
2
Como veremos adiante, o programa de governo derrotado
nas eleições de 1930 e vitorioso através do movimento revolucionário de outubro do
mesmo ano tinha como uma de suas promessas a colonização da região.
No curso dos anos 30, e em especial a partir do Estado Novo, o governo, através
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), construiu uma retórica sobre a
região, com o objetivo de reconfigurar a relação discursiva com a Amazônia. A saúde
pública foi uma das esferas deste discurso. A criação de instituições científicas voltadas
para a saúde e saneamento, como o Instituto de Patologia Experimental do Norte
(IPEN) e o Serviço de Estudo das Grandes Endemias (SEGE) representaram, mesmo
sem resultados substanciais, a presença do poder público na região. As diferentes
conjunturas internas e externas do recorte temporal interviram na formulação de um
plano de saneamento para a Amazônia. O resultado foi a interferência nas ações e
manobras políticas de dois destacados profissionais dos quadros de saúde pública da
época: João de Barros Barreto, diretor do Departamento Nacional de Saúde (DNS) e
Fred Soper, principal interlocutor da International Health Division (IHD) no Brasil. A
implantação do SESP na Amazônia alterou os planos originais para a região, mas foi
incorporada pelo discurso varguista, como iremos demonstrar.
Fundamentalmente aqui se trata de uma história da Amazônia entrecruzando-se
a uma história institucional de saúde pública. Para tal, uma revisão bibliográfica de
estudos sobre a história da saúde pública, o Primeiro Governo Vargas e por fim, sobre a
Amazônia serão importantes para realizar essa integração.
2
A “Plataforma da Aliança Liberal” foi publicada em 1929 e lida publicamente em 2/1/1930
4
2 –História da Saúde Pública: História e Historiografia
A História da Saúde Pública passou a questionar paradigmas teóricos que a
marcaram até fins dos anos 80, em especial as perspectivas “heróicas” e “anti-heróicas”
de, respectivamente, George Rosen e Michel Foucault.
3
De acordo com Porter, a
primeira veria as políticas de saúde pública como conseqüência inevitável dos estados
democráticos, enquanto a segunda consistiria em associar a temática da medicina e da
implementação de políticas de saúde coletiva no país à configuração de um poder
disciplinador da sociedade.
4
Dorothy Porter chama atenção para o período que estas
perspectivas foram criadas. History of Public Health, de George Rosen, publicado em
1958, foi escrito em uma época que a saúde pública aparentemente se revelava
triunfante frente às endemias, atingindo grandes índices de redução da mortalidade no
ocidente.
5
Os trabalhos influenciados pelas obras de Michel Foucault , que deram
origem à perspectiva anti-heróica” foram formulados nas últimas décadas do século
XX, em meio a debates que questionavam as ambigüidades do iluminismo, a ascensão
da burocracia estatal e as bases normativas da racionalidade científica e sua lógica de
dominação.
6
Segundo a autora, ambas as perspectivas (“heróica” e “anti-heróica”)
adotaram um modelo monolítico de poder dos conhecimentos científicos e tecnológicos
que tem limites quando postos à prova através de análises comparativas em diferentes
épocas e lugares:
Heroic accounts of the triumphant emancipation of modern society from the primitive
bondage of ignorance can no longer be sustained in a world which many voices
contribute to iddentify within it. History writing is no longer dominated by one
ideological vantage point even within Western societies where a new multicultural
mix ensures that a huge variety of historical perspectives has been able to gain
legitimate authority (grifo meu).
7
3
Porter, Dorothy (org.). The History of Public Health and the Modern State. Clio Medica/ The Welcome
Institute Series In the History of Medicine, 1994, pp. 1-5.
4
Ver Porter, op.cit., 1994; Campos, André Luiz Vieira. Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas
- O Serviço Especial de Saúde Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2006 e Lima, Nísia
Verônica Trindade e Maria Alice Rezende de Carvalho. “O Argumento histórico nas análises de Saúde
Coletiva”. Fleury, Sonia (org.) Saúde: Coletiva? Questionando a onipotência do social. Rio de Janeiro,
1992.
5
Porter, op.cit., pp.1-5.
6
Idem.
7
Porter, Dorothy. The History of Public Health: Current themes and approaches”. Hygiea International
– An interdisciplinary journal for the History of Public health, Volume 1, Nº1, 1999, p.13.
5
Porter aponta que a história da saúde, medicina e das doenças refletiu as
diferentes direções intelectuais e historiográficas entre os anos 1960-1990, período que
cresceu de forma significativa publicações sobre o tema.
8
Com a crescente inserção de
historiadores no campo de estudo das políticas de saúde pública e sua história, tem
ocorrido um esforço em explorar as múltiplas variáveis que esse campo oferece.
Hochman e Armus mapearam estudos históricos sobre saúde e doenças oriundos de
críticas à tradicional história da medicina, centrada nos grandes médicos, grandes idéias
e grandes descobertas.
9
Os autores organizaram estes trabalhos em três estilos
narrativos.
10
Em primeiro lugar, uma história biomédica que se propõe a compreender
as tensões entre a história natural da doença e algumas dimensões de seu impacto social,
além de enfocar atores, agendas e problemas esquecidos, desqualificados e derrotados,
que ficaram à margem da tradicional história da medicina. Um segundo estilo diz
respeito a uma história da saúde pública, que tem como foco o poder, o Estado, as
políticas, as instituições e os profissionais de saúde, além das instituições de saúde e
estruturas econômicas, sociais e políticas. Segundo os autores, o mais recente é o estilo
centrado em uma história sociocultural das doenças, que investiga os processos de
profissionalização e burocratização, as dimensões culturais e sociais da doença em um
sentido amplo, suas representações e metáforas sociais, as condições de vida e seus
efeitos na morbidade e mortalidade e as respostas estatais e sociais às endemias.
11
3 – História da institucionalização da Saúde Pública no Brasil
Concordando com trabalhos recentes, compreendo a institucionalização da saúde
pública no Brasil como um processo macro-histórico que se iniciou na Primeira
República.
12
Nas primeiras décadas do século XX, disseminaram-se, concomitante a
questões sanitárias, idéias em torno da construção de uma identidade nacional para o
Brasil. Um dos impedimentos para esta nacionalidade seria a situação de saúde em
8
Idem
9
Outro importante panorama dos estudos de história da saúde está em Armus, Diego. Disease in the
historiography of Modern latin America”. Armus, Diego (org.) Disease in the History of Latin America:
From Malaria to Aids, Duke University Press, 2003, pp1-24.
10
Os autores encampam mais estudos, mas escolhemos destacar os pontos que se relacionam à temática
que será desenvolvida no trabalho.
11
Hochman e Armus, op.cit., pp.13-15.
12
Ver Hochman, Gilberto. “Cambio político y reformas de la salud pública en Brasil. El primer gobierno
Vargas (1930-1945)”. Dynamis 2005, nº25, pp.199-226; Fonseca, Cristina. Local e Nacional: Dualidades
da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil (1930-1945). IUPERJ, Rio de Janeiro, 2005 e Campos,
André Luiz Vieira. Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas - O Serviço Especial de Saúde
Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2006.
6
que se encontrava grande parte da população e, em especial, a do sertão. A criação de
um movimento em prol do saneamento foi um reflexo dessa visão e se manifestou no
combate às epidemias de febre amarela, peste e varíola, além da realização de
expedições científicas ao interior do Brasil para o combate a endemias rurais, como a
malária e a doença de Chagas. Com Euclides da Cunha em Os Sertões, começou a haver
um resgate dos sertões e do sertanejo, que se impunha como tarefa de construção da
nação, ao contrário de correntes ideológicas da época, que viam nesta população rural
um impedimento a essa nacionalidade.
13
A partir da década de 20, ocorreu um aprofundamento do ideário sanitarista
através de políticas intervencionistas. Segundo Castro Santos, a relevância política do
movimento sanitarista residia justamente em seu aspecto ideológico e não em suas
realizações práticas, que não resultaram na erradicação das endemias rurais.
14
A saúde
pública do período subseqüente manteve continuidades e rupturas destas idéias. Mas a
apropriação ocorreu através de adaptações frente à nova realidade política, que procurou
ver os anos anteriores como uma época de retrocesso para o país.
Segundo Luiz Werneck Vianna, a Revolução de 30 refunda a República
brasileira, impondo o predomínio da União sobre a federação, das corporações sobre o
indivíduo e a precedência do Estado sobre a sociedade civil.
15
Getúlio Vargas e as
forças tenentistas, segundo o autor foram os principais responsáveis pela reestruturação
no papel do Estado, pois passaram a entendê-lo como condutor da modernização, em
dissídio com o liberalismo que predominara na Primeira República. Durante o Governo
Provisório (1930-34), houve investimentos significativos na área social.
16
Em novembro
de 1930 foram criados o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da
Educação e Saúde Pública. No curso deste período, ocorreram diversos conflitos entre
forças decaídas do governo, que tinham o intuito de recuperar o federalismo contra as
forças revolucionárias, que buscavam seguir o plano de centralização. As incertezas dos
primeiros anos de Vargas no poder interferiram neste contexto. Como exemplo
13
Ver Castro Santos, Luiz Antônio de. “O Pensamento Sanitarista na Primeira República: uma ideologia
de construção da nacionalidade”. Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.28, n.2, pp.193-
210; Lima, Nísia Trindade. Um Sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro, Editora Revan, IUPERJ-UCAM,
1999.
14
Castro Santos, op.cit., p.209.
15
Vianna, Luiz Werneck. “O Estado Novo e a ‘ampliação autoritáriada República.”, Carvalho, Maria
Alice Rezende de (org.). República no Catete, Rio de Janeiro, Museu da República, 2001, p.114.
16
Pandolfi, Dulce. “Os anos 30: Incertezas do regime”, Delgado, Lucília; Ferreira, Jorge. O Brasil
Republicano – 2 o Tempo de nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p.19.
7
podemos apontar para os tumultuados debates sobre o modelo institucional para o
MESP entre 1936 e 1937.
17
Segundo Hochman, um esboço de política nacional de saúde pública só foi
possível a partir do encontro das elites com seus interesses, e suas bases foram
estabelecidas a partir de uma negociação entre os estados e o poder central.
18
Este
encontro foi promovido pelo movimento sanitarista brasileiro que buscou redefinir,
entre 1919 e 1920, as fronteiras entre os sertões e o litoral, entre o Brasil rural e urbano
em função do que considerava o principal problema nacional: a saúde pública.
19
Para o
autor, o período que se iniciou em 1930 herdou o processo de criação do poder público
que se vinha forjando nas décadas anteriores. O foco das políticas sanitárias continuaria
sendo, mesmo que em menor importância, as grandes endemias rurais e atenção às
populações incorporadas ao mundo do trabalho regulado pelo Estado.
O principal argumento de autores que trabalharam o tema é a ênfase no papel
das políticas sanitárias como indicadores do fortalecimento do poder público, através da
expansão da autoridade estatal nas diversas localidades.
20
Este processo teve como
impulso os investimentos do Estado no saneamento dos sertões na Primeira República.
Desta forma, estariam lançadas as bases de uma concentração e centralização de poder e
de um ativismo estatal não previsto pelas elites no momento do cálculo e da decisão de
transferir atividades para o poder central.
21
A bandeira do saneamento, presente na
Primeira República, fora incorporada ao projeto político do governo Vargas, atendendo
o interesse do Estado em garantir presença no interior do país.
22
Estes trabalhos demonstram que ocorre no período um intenso processo de
profissionalização dos sanitaristas, com cursos oferecidos pelo Instituto Oswaldo Cruz
em todo o Brasil, assim como a criação de Centros de Saúde em diversas regiões. Nesse
período o vemos figuras simbólicas como Belisário Penna e Carlos Chagas, mas sim
diversos sanitaristas incorporados à burocracia estatal, vista como um lócus necessário
para a formulação de políticas de saúde e saneamento. As reformas de 1937 e 1941
17
Ver Fonseca, op.cit., Capítulo 1.
18
Ver Hochman, Gilberto, A Era do Saneamento As bases da política de saúde pública no Brasil.
Editora HUCITEC – ANPOCS, São Paulo, 1998, p.16.
19
Hochman, 1998, p.236.
20
Ver Campos, op.cit., 25
21
Hochman, 1998, p.242.
22
Fonseca, Cristina. Local e Nacional: Dualidades da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil
(1930-1945). IUPERJ, Rio de Janeiro, 2005, p.20.
8
demonstram a intenção do poder central em atuar nas diversas regiões do país. Podemos
citar como exemplo Evandro Chagas, que através de acordos com autoridades estaduais
e particulares, criou instituições que colaboraram com o projeto de constituição do
poder público na região amazônica, como o Instituto de Patologia Experimental do
Norte, no Pará, e o Serviço de Estudos das Grandes Endemias, mesmo que tal processo
não ocorresse de forma mecânica e consciente. Diante da formação de um Estado
burocrático, com poder normativo e interventor, a outra questão para o governo Vargas,
em especial após o golpe o Estado Novo, era como transformar a sociedade brasileira
em uma nação integrada aos interesses do poder central. A proposição de Elias é
esclarecedora neste sentido:
As sociedades se fazem nações quando a interdependência funcional entre suas regiões
e seus estratos sociais, bem como entre seus níveis hierárquicos de autoridade e
subordinação, torna-se suficientemente grande e recíproca para que nenhum desses
grupos possa desconsiderar completamente o que os outros pensam, sentem ou desejam
(...) a adoção de ideologias elaboradas para convencer a massa da população de que se
pretende a melhoria das suas condições e o avanço do bem-estar da nação são sinais da
pronunciada mudança [de Estados dinásticos a Estados-nação] no equilíbrio de poder
entre governantes e governados.
23
Getúlio Vargas, após o golpe do Estado Novo, justificou a promulgação da nova
Constituição com o argumento de que o país necessitava de uma identidade entre o
Estado e a nação, que seria construída a partir de uma organização político-social
baseada na representação profissional. Estado e sociedade, articulados em conjunto,
realizariam uma unidade sob o imperativo da vontade nacional.
24
Para o governo
Vargas, os planos de construção de uma unidade nacional passariam pela integração
econômica e política do território brasileiro. Segundo Pádua, a situação de abandono das
fronteiras geográficas do Centro-Oeste e da Amazônia transformou-se em um “espectro
geopolítico” que rondou o Estado brasileiro ao longo do século XX, especialmente após
23
Elias, Processos de formação de Estados e construção de nações. In: Escritos & Ensaios 1 Estado,
Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2006, p.164.
24
Vianna, op.cit., p.117
9
a Revolução de 30.
25
De acordo com Cabreira, a questão da integração nacional no
governo Vargas perpassa vários pontos, como a preocupação política no que se refere
aos problemas com regionalismos encontrados quando assumiu o governo.
26
A política
migratória Marcha para o Oeste é um exemplo dessa discussão, pois nos discursos de
lançamento, Vargas acentuou constantemente a necessidade de preencher o vazio
existente na federação nacional, fruto da distribuição demográfica. A Amazônia
passou a ser alvo de ações do governo federal. De acordo com Cabreira, a incorporação
da Amazônia ao território nacional expressava a intenção de tentar recuperar o tempo
perdido.
27
Para a autora, no discurso de Vargas, a conquista da Amazônia seria uma
dura crítica aos antigos homens de Estado ou intelectuais brasileiros que tinham os
olhos voltados somente para o litoral.
28
Outra política migratória foi a dos “soldados da
borracha”, que se relacionava diretamente ao contexto internacional da época.
4 - Estudos de saúde internacional: o caso do Serviço Especial de Saúde Pública
Nos últimos anos, o campo da saúde internacional tornou-se sujeito e objeto de
um renascimento acadêmico, atraindo a atenção para o tema de modo muito mais
abrangente do que acontecia anteriormente. Eles apontam a centralidade do campo de
estudos para relações internacionais atuais e passadas, para a compreensão das
condições de saúde em nível local e nacional, e para as políticas públicas. Estudos
recentes apontam que no decorrer do século XX , atores locais, autoridades nacionais,
pesquisadores e especialistas em políticas públicas, profissionais transnacionais e
agências internacionais interagem, modelam-se e remodelam-se uns aos outros. Como
apontam Hochman e Birn:
As experiências da América Latina com a saúde internacional abrangem desde o antigo
relacionamento entre América Central e Estados Unidos através da ajuda, intervenção e
absorção de modelos de saúde pública desse país, até as ligações mais estreitas do sul do
25
O autor insere neste referencial a construção de Brasília, na década de 60, da rodovia Belém-Brasíla,
nos anos 70, além da reforma das instituições de desenvolvimento regional, com a criação da
Superintendência de desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), do banco da Amazônia e da
Superintendência da Zona Franca de Manaus. Contudo, foi a partir do Programa de Integração Nacional
de 1970, que a ocupação massiva, a qualquer preço, da Amazônia, começaria a ser deslanchada. Ver
Pádua, José Augusto.Biosfera, história e conjuntura na análise da questão amazônica”. História,
Ciências, Saúde, Manguinhos, vol.VI (suplemento), setembro, 2000, p.803.
26
Cabreira, Márcia Maria. Vargas e o rearranjo espacial do Brasil: a Amazônia Brasileira Um estudo
de caso. Dissertação de Mestrado, o Paulo, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana da
USP, 1996, p.23
27
Cabreira, op.cit., p.34.
28
Ide.
10
continente com abordagens e tradições da França, passando pelos cenários mais amplos
do México e do Brasil, com variadas influências internacionais e domésticas se
entrelaçando ou chocando. Muitos países da região não apenas adaptaram criativamente
os programas internacionais às necessidades locais, como ofereceram inovações ao
sistema de saúde internacional. Entretanto, até o presente conhecemos muito pouco
sobre essas interações e, especialmente, sobre como a saúde internacional foi
configurada por esforços locais.
29
Segundo os autores, o papel da América Latina na saúde internacional tem sido,
por vezes, central e, por vezes, marginal aos esforços globais, porém permanece sempre
engajado com tópicos, ideologias e principais atores do campo. Esta interação e
adaptação entre agências internacionais e a realidade local ocorreu durante o período de
atuação do Serviço Especial de Saúde Pública na Amazônia, que será exposto a seguir.
Entre 1939 e 1942, a política externa do governo Vargas caracterizou-se por uma
política de aproximações alternadas e simultâneas com os Estados Unidos e
Alemanha.
30
Com esta política de barganha, o governo conseguiu a promessa de
financiamento para a construção, em 1940, da primeira usina siderúrgica nacional, Volta
Redonda. Mas como aponta Pinheiro, cada vitória alcançada pelo Brasil representava na
prática, um elemento a menos na barganha com os Estados Unidos.
31
A partir da entrada
dos norte-americanos na II Guerra Mundial, em 1941, a eqüidistância pragmática que
tinha guiado os negócios exteriores brasileiros a aquele ano foi completamente
abandonada, devido a fatores externos e pressões internas.
32
Um dos acontecimentos
mais importantes para a mudança do paradigma pragmático que guiava a política
externa brasileira até então foi a assinatura de acordos econômicos e militares com o
governo norte-americano, chamados Acordos de Washington. Entre as cláusulas, existia
uma que previa o combate às doenças que grassavam na região amazônica, que neste
contexto de guerra tornara-se estratégica para a produção de borracha para a fabricação
de manufaturados. Desta forma, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) foi criado.
Os pormenores deste contexto serão aprofundados posteriormente. Por ora, nos
29
Hochman, Gilberto; Birn, Anne Emanuelle. “Carta dos Editores convidados”, Hist. cienc. saude-
Manguinhos vol.13 no.3 Rio de Janeiro, julho/setembro 2006.
30
Nas palavras de Gerson Moura, este período caracterizou-se por uma eqüidistância pragmática. Ver
Moura, Gerson. Autonomia na dependência A política Externa Brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro, editora Nova Fronteira, 1980
31
Pinheiro, Letícia de Abreu. Política Externa Brasileira, 1889-2002. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editora, 2004, p.24.
32
Moura, op.cit., p.8.
11
interessa expor as proposições de Campos para direcionarmos a análise desta
conjuntura.
O argumento do autor é que as políticas de saúde realizadas pelo SESP estavam
plenamente integradas à agenda sanitária do Primeiro Governo Vargas, em especial
durante a gestão de Gustavo Capanema frente ao Ministério da Educação e Saúde
Pública (MESP), entre 1934-1945.
33
Dessa forma, também serviram ao projeto de
expansão da autoridade central sobre o território brasileiro.
34
Segundo Campos, o estudo
das origens do SESP e de sua história fornece auxílio para compreender como as
políticas internacionais de saúde do século XX interagiram com as políticas nacionais e
fomentaram instituições que balizaram as ações de saúde no século passado.
35
Estudos como o de Campos demonstram os conflitos existentes entre os
profissionais de saúde do Brasil e Estados Unidos.
36
Como veremos, os embates em sua
maioria situavam-se no campo político, mas existiam muitos pontos em comum entre os
‘modelos’ de administração sanitárias Como demonstra Fonseca, as conferências
internacionais dos anos 30 pautaram as diretrizes dos Estados latino-americanos no
campo da saúde pública e, no Brasil em especial, observa-se uma comunhão entre os
indicativos dos fóruns internacionais e as prioridades políticas definidas para as
instituições do Ministério da Educação e Saúde, particularmente a partir de 1936.
37
Segundo a autora, outro fator para a convergência entre a política implementada no país
e as diretrizes internacionais foi a crescente participação de instituições norte-
americanas no combate a doenças e na formação profissional em saúde.
38
Um exemplo
é a Fundação Rockefeller, que desde o início do século atuava no país.
39
Campos afirma
que apesar do caráter internacional e do modelo de administração sanitária inspirada em
padrões norte-americanos, as políticas do SESP no Brasil nunca constituíram uma via
de mão única, mas foram marcadas por conflitos, negociações e adaptações.
33
Campos, op.cit., p.27
34
Ide.
35
Ibide.
36
Campos, op.cit., p.26
37
Fonseca, op.cit., p.190.
38
Idem.
39
diversos estudos que demonstram a importância da Fundação Rockefeller para as intenções de
Vargas em atuar nas localidades mais distantes do país. Ver: Löwy, Ilana. Vírus, mosquitos e
modernidade a febre amarela no Brasil entre a ciência e a política. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
2006; Faria, Lina Rodrigues e Luiz Antônio de Castro Santos. A Reforma Sanitária no Brasil: Ecos da
Primeira República . Bragança Paulista, EDUSF, 2003.
12
A região amazônica, foco do trabalho do SESP, não passou despercebida às
mudanças conjunturais no Primeiro Governo Vargas. A questão do saneamento da
região é um desdobramento da preocupação em ocupar os grandes “espaços vazios” da
selva. No curso dos anos 30, mas em especial a partir do Estado Novo, ocorre uma
maior atenção à localidade, a partir da visita presidencial à região e com artigos de
intelectuais que tinham a preocupação em empreender uma nova análise da formação
histórica e social da Amazônia. Nosso argumento é que houve uma reescrita da história
da região, ação feita com o apoio do Estado e se fundamentava em estudos anteriores
que trouxeram à luz dois “heróis” na luta contra a selva: o amazônida e o imigrante
nordestino. Neste ponto, uma revisão bibliográfica é necessária, para que possamos
empreender uma análise de como a região será estudada.
5 - Uma bela adormecida à margem da História: Visões da Amazônia no Primeiro
Governo Vargas
Os ensaios amazônicos de Euclides da Cunha datam do início do século XX e
influenciaram a criação de um imaginário social sobre a região durante o Primeiro
Governo Vargas. Ao longo do trabalho, interessa-nos compreender a adaptação de seus
escritos dentro de um contexto específico, a fim de entender as políticas de saúde e
saneamento para a região. As referências aos escritos de Euclides da Cunha são várias,
tanto para exaltá-los, quanto para questioná-los. Ainda que de forma breve, sua análise é
importante para que possamos entender os discursos dos anos 30 e 40 sobre a região.
duas chaves interpretativas para os escritos de Euclides sobre a Amazônia:
uma seria a “redentora”, que inovações e rupturas na maneira pela qual o escritor
retratou a região; e outra determinista”, que analisa os escritos como reprodução das
leituras prévias do autor. Primeiro, vamos expor a visão que condenaria Euclides da
Cunha.
Segundo esta linha de estudos, quando Euclides da Cunha chegou à Amazônia,
estava carregado de expectativas criadas por suas leituras. Para Lourival Holanda, o
autor inventa uma Amazônia há muito tempo prefigurada. Assim, na obra há uma
oscilação entre a admiração prévia e um desapontamento. Neste trecho, o autor expõe
suas leituras:
13
De Humboldt a Emilio Goeldi do alvorar do século passado aos nossos dias,
perquirem-na, ansiosos, todos os eleitos. Pois bem, lê-de-os. Vereis que nenhum deixou
a calha principal do grande vale; e que ali mesmo cada um se acolheu, deslumbrado, no
recanto de uma especialidade. Wallace, Mawe, W.Edwards, d’Orbigny, Martius, Bates,
Agassiz, para citar os que me acodem na primeira linha, reduziram-se a geniais
escrevedores de monografias.
40
Elas teriam dado ao autor uma visão prévia da Amazônia e no momento em que
ele se confronta com a realidade, ocorre um misto de temor e desencantamento. Quando
Euclides ressalta o fato de a Amazônia não ter história e viver à margem dela, haveria a
convicção de que aquela seria a região mais nova do mundo. Devido às condições
naturais, o homem, ao invés de senhorear a terra, escravizava-se ao rio. Segundo esta
visão determinista” as concepções de Euclides da Cunha sobre a Amazônia refletiram,
em grande parte, os trabalhos de cientistas e viajantes que percorreram o local
previamente, e por mais que o autor dirija críticas aos escritos anteriores, as descrições
preliminares destes se encaixaram perfeitamente com seu trabalho. Assim, o autor criou
a metáfora do brasileiro que é estrangeiro em sua própria terra e cujo processo histórico
corre à margem da história nacional. Um lugar virgem, novo, com um rio “enjeitado”, o
Purus, que necessitaria ser integrado ao Brasil para que,enfim, lá tivesse história.
Mas uma corrente que traça um panorama diferente dos escritos de Euclides
da Cunha. Enxerga neles uma superação da imagem de Amazônia impressa pelos
viajantes do século XIX. A inovação estaria na inclusão do homem, mas não da maneira
eurocêntrica que era feita a então, mas sim de forma propositiva. As críticas eram
formuladas em prol da inserção deste homem o caboclo na sociedade nacional.
Além do caboclo, Euclides também veria no nordestino uma alma redentora, como
demonstra no texto Judas-Ashverus, onde descreve o ritual de malhação de Judas num
sábado de Aleluia, entre alguns seringueiros:
No sábado de Aleluia os seringueiros do Alto Purus desforram-se de seus dias tristes.
(...) os seringueiros vingam-se, ruidosamente, dos seus dias tristes. Não tiveram missas
solenes, nem procissões luxuosas, nem lava-pés tocantes, nem prédicas comovidas.
Toda a semana santa correu-lhes na mesmice torturante daquela existência imóvel, feita
de idênticos dias de penúrias, de meios-jejuns permanentes, de tristezas e de pesares,
40
Cunha, Euclides da. Paraíso Perdido Reunião de Ensaios Amazônicos. Coleção Brasil 500 anos.
Brasília, Editora do Senado Federal, 2000, p.117.
14
que lhes parecem uma interminável sexta-feira da Paixão, a estirar-se, angustiosamente,
indefinida, pelo ano todo afora. (...) o redentor universal não os redimiu; esqueceu-os
para sempre, ou não os viu talvez, tão relegados se acham à borda do rio solitário, que
no próprio volver das suas águas é o primeiro a fugir, eternamente, àqueles tristes e
desfreqüentados rincões. Mas não se rebelam, ou blasfemam. O seringueiro rude, ao
revés do italiano artista, não abusa da bondade de seu deus desmandando-se em
convícios. É mais forte; é mais digno. Resignou-se à desdita. Não murmura. Não
reza. (...) Repentinamente o bronco estatuário tem um gesto mais comovedor do que o
parla! ansiosíssimo, de Miguel Ângelo; arranca o seu próprio sombreiro; atira-o à
cabeça de Judas; e os filhinhos todos recuam, num grito, vendo retratar-se na figura
desengonçada e sinistra do seu próprio pai. É um doloroso triunfo. O sertanejo esculpiu
o maldito à sua imagem. Vinga-se de si mesmo: pune-se, afinal, da ambição maldita que
o levou àquela terra (...) (grifo meu).
41
No trecho destacado, haveria a reafirmação do seringueiro, contribuindo assim,
para uma visão mais positiva, tanto do nordestino quanto do caboclo: dois elementos
que poderiam perfeitamente se integrar à nação, mas para isso, o poder público deveria
chegar até eles.
42
Um entusiasta de Euclides da Cunha foi Leandro Tocantins, que
afirmou que o autor teria sido o primeiro a despertar um sentimento de “brasileirismo-
amazônico”:
É na Amazônia que Euclides da Cunha viu um novo Brasil: um Brasil em que a
mestiçagem étnica afirmava a presença do homem na terra e sua vitória sobre o meio.
Que, afinal, o meio não se sobrepunha ao homem.
43
Arthur zar Ferreira Reis também foi admirador de Euclides da Cunha em sua
viagem à região amazônica, como demonstrado no prefácio ao livro de Leandro
Tocantins:
[este livro] revela um Euclides da Cunha que se completa como homem de ação política
na hinterlânia amazônica, a enfrentar não apenas a natureza em formação (...) mas com
um sentido de pátria admirável (...)
44
41
Cunha, op. cit., pp. 164-166
42
Bueno, Magali Franco. O imaginário brasileiro sobre a Amazônia: uma leitura por meio dos discursos
dos viajantes, do Estado, dos livros didáticos e da dia impressa. Dissertação de Mestrado. USP, o
Paulo, 2002, p.56.
43
Tocantins, Leandro. Euclides da Cunha e o Paraíso Perdido. Editora Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1978, p.17
15
Estudiosos da expedição do autor à Amazônia, como José Carlos Santana e
Franklin de Oliveira acham possível que os ensaios de Euclides da Cunha sobre a
região tivessem a mesma ambição do diário da expedição feita em Canudos, ou seja,
realizar um segundo “livro vingador”, que nunca foi cumprida devido ao seu
falecimento.
45
Para estes autores, assim como em Os Sertões, o traçado das condições
físicas precederia o quadro antropológico e cultural. Ratificando ou retificando a
impressão de viajantes anteriores, as idéias de Euclides da Cunha influenciaram a visão
de intelectuais dos anos 30 e 40 sobre a região. Tanto a visão “determinista” quanto a
visão redentora” foram utilizadas nas concepções de políticos e intelectuais daquele
período, sobre a Amazônia. Longe de haver um consenso, a obra de Euclides da Cunha
sobre a região é até hoje ponto de discussão devido às contradições de seus escritos.
Mas em um detalhe as duas “correntes” concordam: a leitura de viajantes do
século XIX influenciou de forma decisiva os escritos de Euclides. Segundo Santos o
deslumbramento presente nos relatos que de viagens científicas passadas contribuíram
para a construção de uma visão naturalista da Amazônia, que se misturou com as
diversas tentativas de desvendamento dos processos históricos ocorridos na região. Essa
visão naturalista foi ratificada ao longo dos anos por autores que trabalharam tanto a
história regional quanto por estudos sobre Euclides da Cunha, como o supracitado livro
de Leandro Tocantins.
46
Sugiro que este imaginário construído ao longo dos séculos
influiu diretamente nas políticas governamentais para a região amazônica, mas se
amalgamou com as idéias sanitaristas
em voga à época, resultando numa política que
procurava, antes de ocupar a “terra virgem”, saneá-la, para recuperar a vocação
extrativa da Amazônia e recolocá-la na ponta da produção mundial de borracha.
A historiadora Barbara Weinstein afirma que uma de suas maiores dificuldades
em estudar a Amazônia era o fato de o local ser tratado como uma região ‘sem história’,
tanto pela historiografia estrangeira, quanto pela brasileira: uma bela adormecida em
quem a história deixava apenas pálidos traços.
47
Assim a tendência dos poucos estudos
44
Tocantins, op.cit., p.13
45
Santana, José Carlos Barreto. “Euclides da Cunha e Amazônia: visão mediada pela ciência.”. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, vol.VI (suplemento), setembro 2000, p.915.
46
Ver Santos, Fernando Sérgio Dumas. Os caboclos das águas pretas: Saúde, ambiente e trabalho no
Século XX. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2003, pp. 18-21
47
Weinstein, Bárbara. “Experiência de pesquisa em uma região periférica: a Amazônia”. História,
Ciências, Saúde, Manguinhos, vol.9 (2), 261-272, mai-ago.2002, p.262.
16
a que a autora recorreu era tratar o ciclo da borracha como uma anomalia dentro do
processo histórico local. Segundo Weinstein, “a bela adormecida fora brevemente
acordada pelo beijo do capital estrangeiro, para voltar a dormir”, e “logo que o
príncipe achou outro lugar mais lindo e lucrativo para fazer seus investimentos, foi
embora”.
48
Sendo o objetivo desta dissertação analisar políticas de saúde e saneamento em
uma região tida como periférica, cabe a inclusão de determinado modelo, ou
“arcabouço” teórico? Podemos tomar as proposições de Elias a respeito de
nomenclaturas classificatórias para regiões ditas “atrasadas”:
Expressões como “países subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”(...) apontam
para uma peculiaridade da perspectiva dos representantes da parcela mais rica e mais
desenvolvida do mundo (...) Seu uso implica que as sociedades mais industrializadas
não estão no curso de um processo: o patamar no qual se encontram é percebido como
um etapa sem futuro, um estágio final.
49
Pensando a Amazônia dos anos 30 e sua relação com o nation-building, não
podemos tratar a região como uma espécie de anomalia dentro de um sistema que, no
curso da narrativa, se integraria ao Estado de uma maneira gradual até a incorporação
definitiva à nação, quase como uma teleologia. As descontinuidades deste processo e as
particularidades expostas terão destaque na dissertação. Desta forma, analisarei o
processo vivido pela Amazônia localizando-o de modo específico, mas sem aliená-lo da
conjuntura política vigente. Assim, buscarei integrá-lo ao processo histórico nacional,
tendo em vista os fatos relevantes, tanto para a história política do período, quanto para
a estruturação da saúde pública no país.
6 – Apresentação das fontes e estrutura da dissertação
O levantamento documental atendeu a questionamentos prévios: primeiro,
compreender como a Amazônia se inseria nos discursos do Primeiro Governo Vargas;
segundo, entender de que forma o governo tentou levar a cabo a integração da
localidade ao território brasileiro, e, por fim, quais ações foram feitas para a saúde e
48
Weinstein, 2002, p.263.
49
Elias, Norbert. “Processos de formação de Estados e construção de nações”. Escritos & Ensaios 1
Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2006, p.154.
17
saneamento da população, quem, realizou e quais objetivos estavam de acordo com a
conjuntura política da época. No trabalho de levantamento de fontes, recorri às
referentes à institucionalização de saúde pública do Primeiro Governo Vargas e àquelas
que inseriam a Amazônia no rol de preocupações do governo federal.
No trabalho, fontes oriundas dos acervos Gabinete Civil da Presidência da
República (GCPR) e do Ministério a Educação e Saúde Pública (MESP), ambos
localizados no Arquivo Nacional. Percorrendo o recorte temporal proposto, utilizei o
periódico do Departamento Nacional de Saúde chamado Arquivos de Higiene que conta
com dados e estudos importantes sobre a saúde pública da região amazônica e do resto
do país no período, localizado na biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP). No Centro de Documentação e História Contemporânea do Brasil (CPDOC)
foram pesquisados os discursos de Getúlio Vargas, localizados no Arquivo Getúlio
Vargas (AGV), além de documentos do Arquivo Gustavo Capanema (AGC), utilizados
para compreender o funcionamento do Ministério da Educação e Saúde na época e sua
relação com a região amazônica. Na Biblioteca Mário Henrique Simonsen, localizada
na Fundação Getúlio Vargas, levantei artigos do periódico Cultura Política, que através
de escritos de intelectuais ligados ou não ao governo Vargas, dedicou seções aos
problemas e soluções da região amazônica.
Pesquisamos também no setor de Periódicos da Biblioteca Nacional, que tem
sob guarda os boletins dos Departamentos Estaduais de Propaganda (DEIP) e os
boletins da Associação Comercial do Amazonas, além de jornais da época, como o
Correio da Manhã e o Diário e Notícias. Pesquisamos nos seguintes acervos da Casa de
Oswaldo Cruz: Fundo Leônidas Deane (LD), Coleção Fundação Rockefeller (CFR) e no
Fundo Família Chagas (Documentos de Evandro Chagas). Na mesma instituição,
pesquisamos dois acervos que se encontram em fase de organização, mas cujo acesso
nos foi permitido gentilmente pelo Departamento de Arquivo e Documentação (DAD):
Arquivo Histórico Fundação Serviços de Saúde Pública I e II (AHFSSP) e em estágio
preliminar de arranjo, os novos documentos referentes à atuação de Evandro Chagas no
Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN) e no Serviço de Estudo das
Grandes Endemias (SEGE).
50
Por fim, utilizamos documentos do Rockefeller Archive
50
Os documentos de Evandro Chagas que estão em tratamento foram identificados da seguinte forma:
Fundo Família Chagas, Documentos de Evandro Chagas (em tratamento), doravante FFC/DEC (em
tratamento). Assim que o novo acervo for catalogado, farei uma revisão da localização destas fontes.
18
Center (RAC), cedidos gentilmente por Gilberto Hochman. O pesquisador que tem
como objeto de estudo a Amazônia esbarra em várias dificuldades: notações erradas,
desorganização das fontes e dispersão os documentos. Mas ao mesmo tempo, estes
fatores revelam a riqueza do acervo documental do Rio de Janeiro. Acredito que um
mapeamento destas “fontes amazônicas” de forma completa poderá ampliar as
possibilidades de pesquisadores que têm como tema o estudo da região.
A dissertação está dividida em três capítulos. O escopo temporal proposto
(1930-1945) não seguirá uma ordem cronológica sucessiva no curso dos capítulos. A
linha narrativa seguirá primeiro as idéias que orientaram as ações de saúde e
saneamento. O conjunto documental abrange discursos, relatórios e artigos que
buscavam apontar caminhos para a recuperação da Amazônia, assim como sinalizar
contextos catastróficos. Nos capítulos seguintes, a análise se aprofundará sobre
instituições, personagens e políticas que interviram na saúde da região, as alterações nas
conjunturas nacionais e internacionais, como o período de guerra (1939-1945), que
alteraram planejamentos abortados em virtude de diversas variáveis que serão
contempladas ao longo do trabalho.
No primeiro, busco compreender como se desenrolaram ações de saúde pública
em uma região onde o poder constituído não se fazia presente e dependia da atuação de
organizações privadas. Discursos da época que delineavam um quadro desesperador
serão expostos, a fim de acompanhar a construção de idéias que refletiam a visão
governamental sobre a Amazônia, que exerceu influência sobre as formulações de
políticas de saúde e saneamento para a região. Outro aspecto o menos importante é a
construção de uma retórica do governo varguista sobre a região, que no limiar dos anos
40, reorganizou a relação de Getúlio Vargas com a Amazônia, tendo em vista os
projetos de integração nacional que procuravam recuperar a vocação extrativista dos
estados amazônicos.
No segundo capítulo, acompanho o desenvolvimento gradual de instituições
voltadas para a pesquisa científica e o combate a endemias. Outro objetivo importante
neste capítulo é compreender o envolvimento de Evandro Chagas com a região
amazônica, assim como as instituições criadas a partir de acordos deste com poderes
públicos estaduais. Também abordarei a formulação do “Plano de Saneamento da
Amazônia”, que não foi adiante, mas é um importante ponto de partida para
19
compreendermos a ação do poder central sobre a região. Promessa de Getúlio Vargas
durante sua viagem à região amazônica em 1940, o plano de saneamento para a região
mobilizou profissionais e instituições, buscando atender, assim, uma das promessas
feitas pelo presidente, que era a melhoria das condições locais de saúde. A elaboração
desse plano envolveu os principais quadros da saúde pública da época, como Evandro
Chagas, diretor do Serviço de Estudos das Grandes Endemias (SEGE) e João de Barros
Barreto, diretor do Departamento Nacional de Saúde (DNS), principal órgão formulador
e executor das políticas de saúde e saneamento da época.
No terceiro capítulo, será analisado o impacto da criação do Serviço Especial de
Saúde Pública para dois profissionais que se envolveram, mesmo que de maneiras
diferentes, com o “Plano de Saneamento da Amazônia”: João de Barros Barreto, diretor
do Departamento Nacional de Saúde (DNS) e Fred L. Soper, dirigente da International
Health Division (IHD) no Brasil. Um importante fator que interviu de forma decisiva
nos acontecimentos foi o contexto internacional, que sob um período e guerra, viu
aumentar as pressões sobre o Brasil, culminando na assinatura de acordos econômicos
com os Estados Unidos da América. Por fim, vamos contemplar os primeiros anos de
atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) no Brasil (1942-1945), discutindo
a conjuntura de sua implantação e, por conseguinte, suas ações.
20
CAPÍTULO I:
LOCALIDADES EM QUE SE NASCE, SE MORRE,
MAS NÃO SE VIVE: IDÉIAS DE SAÚDE E SANEAMENTO PARA A
AMAZÔNIA (1930-1941)
Introdução
Quantas maravilhas, Aiúna, vão por esta terra, prodigamente fecunda, mas em razão
de nossa incúria – criminosamente inexplorada! Diante desta milionária, permanecemos
como usuários desprezíveis, sem o ânimo de usufruí-la (...) Entretanto, com um pouco
de iniciativa, talvez não invejássemos a incontável riqueza de outros países, em cujos
domínios, para maior vexame nosso, não há, sequer, uma nesga de terra semelhante a
essa que desprezamos. Propícia a todas as culturas e capaz de alimentar continentes
inteiros, a Amazônia é certamente, a única região do mundo onde os povos
empreendedores poderiam melhormente estabelecer a mais proveitosa conjugação do
braço com o capital (...) Pela nossa ruína respondem também passadas administrações,
recidivas pecadoras pela imprevidência dos seus programas, e delas, mui especialmente,
as do poder central, cujo desamor a esta região faz pensar que ela é ainda uma terra
estrangeira na consciência nacional. O extremo norte nunca existiu, Aiuva, e, quem
sabe? Jamais existirá, talvez, para os estadistas do sul.
1
Arianda e seu interlocutor Aiúna conversam sobre a situação de abandono da
Amazônia. Os dois são personagens do romance Terra Imatura, de Alfredo Ladislau, e
consideravam a região como estrangeira dentro de seu próprio país. O autor
provavelmente teve influência dos escritos incompletos de Euclides da Cunha, que por
sua vez, enxergava o habitante da região como um “estrangeiro em sua própria terra”.
2
O romance de Alfredo Ladislau foi escolhido como ponto de partida para o capítulo
1
Ladislau, Alfredo. Terra imatura. Coleção Literatura Paraense, Série “Inglês de Sousa”. Belém,
Conselho Estadual de Cultura, 1971, p.14.
2
Cunha, Euclides da. “Paraíso Perdido Reunião de Ensaios Amazônicos”. Coleção Brasil 500 anos.
Brasília, Editora do Senado Federal, 2000, p.113.
21
devido ao contraponto posterior feito à obra pelos intelectuais do Estado Novo. Segundo
o escritor paraense Raymundo Pinheiro, o governo Getúlio Vargas refutou a
personagem Arianda, à medida que o Norte teria passado a existir para os estadistas do
sul.
3
Para ele, esta atenção maior à região teria ocorrido pelas sucessivas ações de
colonização e saneamento no curso dos anos 30 e início os 40, e representaria assim a
integração definitiva da região amazônica ao território brasileiro.
4
O objetivo deste capítulo é descrever as primeiras intervenções governamentais
e privadas na saúde pública da Amazônia durante a primeira década do governo Vargas.
Vamos tomar como ponto inicial a “Plataforma da Aliança Liberal”, programa de
governo no qual Vargas acenava com promessas à região. Carente de serviços de saúde
pública, organizações particulares atuaram na região. Concomitante a estas ações, os
diferentes contextos nacionais do período serão contemplados, tendo em vista dois fatos
relevantes à história política da Amazônia: as viagens de Getúlio Vargas à região em
1933 e em 1940. A especificidade de cada uma das excursões será um importante
aspecto a ser analisado.
5
Entre 30-37, os estados do norte ocuparam um papel
importante no apoio ao governo, fato que influiu diretamente na viagem do presidente à
região. Em 1940, ano-chave para nossa análise, foi proferido o Discurso do Rio
Amazonas, que obteve considerável repercussão na imprensa dos estados do sudeste.
Um segundo objetivo é analisar como o governo Vargas se relacionou com uma
certa visão constituída da Amazônia: um lugar onde havia uma eterna luta entre homem
e natureza, e, principalmente, como a propaganda política do Estado buscou reescrever
a história da região a partir de críticas ao período anterior. A política migratória Marcha
para o Oeste (1938) e suas consequências fornecerão dados analíticos para a
compreensão deste contexto. Esta reescrita ocorreu nos anos 1940 e 1941, quando
artigos sobre problemas que a Amazônia enfrentava foram publicados na Cultura
Política, periódico oficial do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Os
autores destes escritos eram intelectuais ligados ou não ao Estado Novo, mas
comprometidos com o projeto de lançar um novo olhar sobre a história da região.
3
Pinheiro, Raymundo. “A Margem do Discurso do Rio Amazonas”. Cultura Política – revista de estudos
brasileiros, v.1, nº9, 1941, p.162
4
Idem
5
O termo “excursão” é utilizado pelo próprio presidente e pela mídia impressa da época para definir essas
viagens.
22
1.1 Da Plataforma da Aliança Liberal à viagem de 1933: Vargas e as promessas
para a Amazônia
Então candidato pela Aliança Liberal, Getúlio Vargas lançou a Plataforma da
Aliança Liberal”, lida publicamente na Esplanada do Castelo em dois de janeiro de
1930. Entre tópicos relativos ao funcionalismo público, desenvolvimento econômico e
financeiro estava o de instrução, povoamento e saneamento onde a principal meta seria
alcançar zonas do interior do país. As conseqüências seriam as obras contra as secas no
nordeste e a colonização da Amazônia, buscando recuperar, acima de tudo os frutos que
a borracha já dera anteriormente ao Brasil. Segundo Vargas,
[a recuperação econômica da Amazônia] é um dos mais graves e complexos problemas
da atualidade. Da sua solução efetiva dependerá a reconquista da nossa posição, que tão
relevante foi nos mercados mundiais. Só as crescentes vantagens que esse produto
assegura, no globo todo, justificariam a execução do projeto de saneamento da vasta e
exuberante região amazônica(...) É necessário (além da exportação), a industrialização
do produto dentro do país. Uma das muitas dificuldades que tropeçamos, agora na
Amazônia, é a escassez de braços. Urge encaminhar para ali correntes imigratórias. Mas
isso afinal será um crime (...) se não procedermos ao saneamento da região, se esta não
for convenientemente preparada para receber o elemento alienígena.
6
A partir de 1930 passaram a ser vistas como competência do Estado a integração
econômica do país, com o intuito de sedimentar um mercado interno ativo, respeitando
a vocação econômica de cada região.
7
A Amazônia, desta forma, teria uma vocação
extrativista, contribuindo em conjunto, com as outras regiões para a construção da nação
brasileira.
8
Em 1931, Álvaro Maia, interventor federal do Amazonas, enviou ao governo
federal um relatório sobre a situação do estado. O interventor expôs o quadro local após
o último ciclo da borracha, onde tornou-se evidente um estado falido. O discurso de
Maia e de outros políticos e médicos deste período trazem imagens perturbadoras do
quadro nosológico da região. O grau de precisão dos dados apresentados é duvidoso,
pois artigos de cunho científico feito por médicos do Departamento Nacional de Saúde
6
Vargas, Getúlio. “A Plataforma da Aliança Liberal”, A Nova Política do Brasil, Vol.I, Rio de Janeiro,
Ed. José Olympio, 1938, p.43.
7
Cabreira, Márcia Maria. Vargas e o rearranjo espacial do Brasil: a Amazônia Brasileira – Um estudo
de caso. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana da
USP, 1996, pp.19-20
8
Idem.
23
neste período (1930-1937) apontam à precariedade dos dados. Estes discursos
“desesperados” que se reproduziram nestes anos, tinham mais a função de despertar a
atenção das autoridades do sudeste para uma região até 1930 tinha pouca capacidade de
barganha com o poder central.
...os seringais dos altos rios, atingi-o-eis na quadra invernosa, devido ás cachoeiras, são
os maiores produtores. Habitam-nos milhares de homens. Cada um dos extratores
representa um soldado, um desbravador, um propulsor do progresso nacional. O inverno
prolonga-se até maio, e o comércio aviador não poderá enviar mercadorias para os
pontos habitados. Ficarão aqueles homens no isolamento das florestas, á borda de
igapós e barrancos, sem alimento, sem remédio e sem roupa. Dar-se-á, fatalmente, a
fuga em canoas, em balsas, em jangadas, correnteza abaixo. Teremos o despovoamento
dos seringais, o abandono das fronteiras, a acumulação dos sem trabalho nos povoados e
nas cidades, e, apesar da índole ordeira, pacífica de nosso povo, o saque em vários
lugares. Apenas os habitantes dos baixos rios, onde a produção é menor, poderão
resistir, apoiados a rudimentar agricultura.... Os comandantes dos vapores, que trafegam
o Juruá e outros rios, afirmaram-me ter visto, aqui e ali, canoas tripuladas, ao léu da
correnteza. São os primeiros fugitivos, os vedetes das legiões que se arremessarão
depois. Vêm magros, doentes, quase nus, os anos sucessivos de crise enfraqueceram e
despiram a população. É mister alimentá-la e vestí-la pela vagabundagem no homem
válido. Enquanto descem isolados, infundem piedades. E se apelarem para o saque,
como, em situações menos graves, sucedido no Amazonas? Em janeiro deste ano,
tivemos um arremedo de invasão na Labrea, felizmente subjugado em tempo,... trata-se
de um estado falido e de uma população profundamente atingida pela necessidade.
9
O relatório retrata um quadro de pauperização da população local, sem
perspectivas e decepcionada com a queda de produção e desilusão na corrida para a
borracha. Recuando um pouco no tempo, após o fim da I Guerra Mundial, os países do
extremo oriente superaram a produção brasileira. A superprodução mundial após os
anos de guerra decresceu gradualmente a extração do látex brasileiro, caindo a produção
de 30.790 toneladas em 1920 para 17.137 em 1930, culminando com 8.681 toneladas
em 1932.
10
Mas antes de qualquer conclusão preliminar, é importante ressaltar que o
discurso de Álvaro Maia refletia a insatisfação da elite amazonense frente à derrocada
9
Gabinete Civil da Presidência da República, doravante GCPR, Lata 14, caixa 27481. Este arquivo
encontra-se sob guarda do Arquivo Nacional.
10
Ver Carone, Edgard. O Estado Novo, S.Paulo, Difel, 1976, p.46.
24
da atividade comercial da borracha.
11
Como afirma Weinstein, o colapso em si do
comércio da borracha não é o principal questionamento para uma análise do período,
mas sim porque a expansão do comércio da hévea brasiliensis não conseguiu provocar o
aparecimento de setores econômicos alternativos que pudessem amenizar o impacto da
crise. E, segundo a autora, isso se deveu a pouca atenção dada pelos seringalistas e
aviadores à realidade local, mas também foi fruto da resistência dos seringueiros, que
quando enganados, tinham meios de negligenciar o trabalho.
12
Weinstein aponta que
devido à redução no nível e ritmo comercial da Amazônia ocorreu uma diversificação
na economia local, produzindo uma maior flexibilidade nas relações econômicas e
sociais.
13
Desta forma, para muitos habitantes rurais os efeitos da derrocada do comércio
da borracha foi salutar, pois passaram a desfrutar de maior liberdade de movimento e
um acesso mais fácil aos meios de subsistência.
14
Ao mesmo tempo, os remanescentes
da elite regional voltaram-se para cargos burocráticos, empreendimentos urbanos, ou
passaram a negociar castanha-do-pará. Para Weinstein, a elite amazônica falhou, nos
piores momentos da crise, em apoiar programas que visavam combater as altas
variações do preço da borracha.
15
Esta omissão, segundo Weinstein, se deveu a pouca
expressão política no âmbito nacional que essas elites possuíam.
16
Como consequência,
todos os apelos por ajuda de emergência logo após o colapso econômico foram
sumariamente ignorados pelo governo federal.
17
Com os novos contextos e atores que
11
Flávio Heinz admite que não exista consenso sobre o que se entende por elites, sobre quem são e sobre
o que as caracteriza, mas indica um ponto de partida para a definição do termo, dada por Giovanni
Busino, cujo entendimento faz referência à palavra “elite” como “minoria que dispõe, em uma sociedade
determinada, em um dado momento, de privilégios decorrentes de qualidades naturais valorizadas
socialmente (por exemplo, a raça, o sangue, etc.) ou de qualidades adquiridas (culturas, méritos, aptidões,
etc.). O termo pode designar tanto o conjunto ou o meio onde se origina a elite (...), quanto os indivíduos
que a compõem, ou ainda a área que ela manifesta sua preeminência. No plural, a palavra ‘elites’
qualifica todos aqueles que compõem o grupo minoritário que ocupa a parte superior da hierarquia social
e que se arrogam, em virtude da sua origem, de seus méritos, de sua cultura ou de sua riqueza, o direito de
dirigir e negociar as questões de interesse da coletividade”. Busino, Giovanni. Elites e élitisme. Paris:
Presses Universitaires de France, 1992, p.4, Apud Heinz, Flávio M. (org.) Por outra História das Elites,
Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006, p.7.
12
Weinstein, Barbara. A Borracha na Amazônia: Expansão e decadência. HUCITEC, São Paulo, 1993,
p.296. Uma inovação desta pesquisa está no tratamento dado à questão dos seringueiros, vistos pela
autora não mais como seres semi-escravizados, e sim como trabalhadores que, mesmo sob um duro
regime de esforço, estabeleceram estratégias de resistência frente à exploração de seringalistas e
aviadores.
13
14
Weinstein, op.cit., p.300.
15
Idem.
16
Ibidem.
17
Weinstein, op.cit., p.299.
25
surgiram na Revolução de 30, o Amazonas, em conjunto com outros estados do Norte,
viu a possibilidade de aumentar seu poder de barganha junto ao governo federal. Este é
o assunto que iremos abordar a seguir.
Os anos 1930-37 foram de grande instabilidade e imprevisibilidade política, mas
ao mesmo tempo, de diversidade de projetos e interesses envolvidos nos conflitos entre
determinados setores sociais.
18
Camargo identifica um conflito como o elemento
ordenador da lógica e sucessão que percorrem esses anos: o confronto entre as
tendências regionais e as tendências centralizadoras.
19
Mais que um embate fechado
entre as duas vertentes, no período a busca pragmática de um equilíbrio. Tal busca
pela equivalência de forças antagônicas ecoou um esforço conciliador frente aos
imperativos da modernidade, que impôs ao país um Estado centralizado para confrontar
uma ordem internacional em crise e com a função de conduzir o processo de
industrialização.
20
Neste período também ocorreu grande parte do processo de discussão sobre a
definição do formato institucional no campo de saúde pública, a partir da criação do
Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) em 1930. Apesar de uma série de atos
legislativos normativos para a criação e extinção de órgãos, o momento de instabilidade
política do país refletiu no MESP, que em menos de quatro anos, teve três titulares :
Francisco Campos, Belisário Penna e Washington Pires.
21
Ainda em 1930, o médico Vicente Licínio Cardoso apontou que os dados e
censos realizados na Amazônia para doenças e saneamento básico nos estados eram
imprecisos, sem cobrir a região de forma uniforme, evidenciado a dificuldade do poder
central em tomar conhecimento sobre as condições de vida local. Os serviços de
18
Gomes, Ângela de Castro. Introdução”, Gomes, Ângela de Castro et alii (coord.), Regionalismo e
centralização política: partidos e constituintes nos anos 30, Gomes, Ângela de Castro et alii (coord.), Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p.25
19
Camargo, Aspásia. “Prefácio à edição”, Gomes, Ângela de Castro et alii (coord.), Regionalismo e
centralização política: partidos e constituintes nos anos 30, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p.16.
20
Idem. Entre os fatores que contribuíram para a crise na ordem internacional, podemos citar o crack da
Bolsa de Valores de Nova York (1929), que afetou economias do mundo inteiro, incluindo o Brasil.
Ver Arruda, José Jobson de Andrade. “A crise do capitalismo liberal”. Filho, Daniel Aarão Reis; Jorge
Ferreira e Celeste Zenha (orgs.). O Século XX O tempo das crises Revoluções, Fascismos e guerras.
Civilização Brasileira, 2000, pp.11-34.
21
Fonseca, Cristina. Local e Nacional: Dualidades da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil
(1930-1945). Tese de doutorado. Rio de Janeiro, IUPERJ, 2005, p.109
26
bioestatística estavam precários para a região, assim como os recenseamentos.
22
Afora a
questão sanitária, a conjuntura política dos estados do Norte também era efervescente e
dinâmica, frente a posição assumida por grande parte dos políticos da região no apoio a
Revolução de 30 e ao governo provisório.
Retornando de forma concisa no tempo, a Primeira República viu o poder de
barganha dos estados do Norte diminuir, principalmente a partir da “política dos
governadores”, instituída no governo Campos Sales (1889-1902). Esta fórmula política,
ao representar um compromisso de manutenção do poder político estadual, exigia em
contrapartida a lealdade ao poder central. Tal fidelidade se manifestaria principalmente
através do voto, assim, nessa troca de favores, os estados do Norte tinham reduzida
margem de barganha frente ao poder central e consequentemente, as classes dominantes
desta região ficaram subordinadas às do Sul.
23
A crise e situação de dependência em que
estes estados se encontravam criaram um terreno fértil para o fortalecimento das
oposições e para a boa recepção que a Revolução de 30 teve nestes lugares.
24
Para o
Norte, a nova conjuntura política que resultou dos acontecimentos de 1930 poderia
possibilitar uma participação mais expressiva em âmbito nacional.
25
Assim, uma
atuação conjunta dos estados marcaria, neste contexto, a história política da região. O
apoio dos políticos nortistas ao projeto de centralização proposto pelos revolucionários
de 30 e críticas ao federalismo da Primeira República transformaram estes estados em
importantes aliados do governo.
Segundo Pandolfi, a região era aliada natural do governo, pois, comparando ao
restante do país, foi nela que o movimento revolucionário obteve maior apoio, inclusive
com manifestações populares.
26
Medidas que beneficiavam os estados nortistas foram
tomadas, como a criação da Delegacia do Norte em 12 de dezembro de 1930. A
Delegacia tinha o objetivo de construir um elo entre as interventorias nortistas e o chefe
22
Cardoso, Vicente Licínio. “O Estado actual do problema das águas de esgoto nos centros de população
do Brasil”,. Archivos de Hygiene, v.4, nº1, 1930.
23
Pandolfi, Dulce Chaves. “A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político”, Regionalismo e
centralização política: partidos e constituintes nos anos 30, Gomes, Ângela de Castro et alii (coord.), Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p.341.
24
Idem.
25
Importante assinalar que na época, as citações referentes aos “estados do Norte”, compreendiam na
verdade, a totalidade dos estados do Norte e Nordeste. Dessa forma, a análise se prenderá na medida do
possível aos estados que constituíam a Amazônia (Amazonas, Pará e Território do Acre).
26
Pandolfi, op.cit., p.345
27
do Governo Provisório.
27
Segundo a autora, tal atitude significava uma medida
intervencionista e centralizadora, mas que poderia representar uma maior autonomia e
projeção à região.
28
Devido a crises nas interventorias, a Delegacia foi extinta em
fevereiro de 1931, mas, segundo Pandolfi cumpriu seu principal objetivo: consolidar
“ideais centralizadores” na região. Dentro da perspectiva de reunir forças até então
dispersas para conquistar um espaço maior junto ao Governo Provisório, foi constituído
o Bloco do Norte, no início de 1931. Diferente da Delegacia do Norte, que foi um
instrumento político criado pelo próprio Vargas, o Bloco do Norte foi articulado pelos
próprios políticos nortistas, com vista a defender os interesses da região frente ao poder
central.
29
Segundo Pandolfi, estava implícita na criação do bloco a oposição Norte-Sul:
“Essa oposição, objeto de discursos tanto antes como após 30, acentuava as diferenças
regionais, cujas causas eram fruto do próprio desenvolvimento econômico da sociedade
brasileira.”
30
Entre as tarefas políticas dos articuladores do bloco, estava a oposição à
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que, segundo eles, traria o país e
principalmente o Norte de volta ao regime político anterior.
Concomitante às idéias formuladas pelo Bloco, uma agitação política ganhava
força no Sudeste e até mesmo no Norte: o movimento constitucionalista de 1932, que de
certa forma, ofuscou as ações do Bloco do Norte à medida que ações do movimento
sulista começaram a se expandir pelo país. Em pouco tempo, haviam em todo o
território nacional diversos núcleos constitucionalistas, principalmente em Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. No Pará, uma conspiração fora abortada em
Belém, resultando na morte de um estudante. Em Óbidos, no mesmo estado, os
constitucionalistas venceram algumas batalhas, chegando inclusive a ocupar a prefeitura
da cidade e do município de Parintins, mas foram vencidos pelas tropas do governo
27
A criação da Delegacia do Norte foi recebido pela imprensa do sul como um reconhecimento ao poder
do movimento tenentista, um dos articuladores do projeto de centralização federal. O novo órgão foi
chamado por jornalistas e políticos do sul de “Vice-Reinado do Norte” e o Delegado, Juarez Távora, seu
“vice-rei”. Ver s/autor, “Vice-Reinado do Norte”, Abreu, Alzira Aves de et alii. Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, 2000, versão CD-ROM.
28
Pandolfi, op.cit., p.347.
29
Pandolfi, op.cit., p.349.
30
Pandolfi, op.cit., p.349.
28
quando estavam prestes a invadir o município de Itacoatiara.
31
À medida que se
acentuava o constitucionalismo no país, os estados do Norte realizavam manifestações
públicas de apoio ao Governo Provisório, com a participação de todos os estados da
região. Em 1932, durante uma passeata popular em Pernambuco que contou com apoio
de todos os interventores nortistas, foi criado o Comitê Revolucionário, dando início a
“Campanha Cívica Pró-Revolução e Contra os inimigos da República”. Estes esforços
tinham o objetivo de fortalecer o Governo Provisório frente ao avanço dos
constitucionalistas, chegando ao ponto de no dia 1º de julho do mesmo ano serem
enviadas a São Paulo brigadas nortistas para lutar contra a Revolução Constitucionalista
que tomava conta do estado.
32
Estas mobilizações em defesa do governo de Vargas ocorreram exclusivamente
nos estados do Norte e com a participação de setores significativos da população.
33
Mesmo derrotados militarmente em São Paulo, os constitucionalistas conseguiram
acelerar o processo de convocação da Assembléia Constituinte, principal objetivo do
movimento. Mais uma vez os nortistas saíram derrotados politicamente, mas
continuaram vendo no apoio ao presidente uma possibilidade de ascensão no âmbito
federal.
34
Os três primeiros anos do Governo Provisório (1930-1933) representaram a
consolidação dos estados Norte como importantes suportes políticos de Getúlio Vargas.
O contexto nacional mudara novamente.
35
De apoio à manutenção do sistema
provisório, os nortistas passaram a defender posições favoráveis ao governo na
Assembléia Constituinte.
36
Através da criação da União Cívica Nacional (UCN), estes estados estavam
coesos para, em conjunto com o presidente, enfrentar a oposição na Assembléia
Nacional. O objetivo da coligação naquele momento era garantir a adoção de suas idéias
em um possível “pacto fundamental pela ordem”.
37
No dia 3 de maio de 1933, as
31
Ver Coimbra, Creso. A Revolução de 30 no Pará: Análise, crítica e interpretação da história. Conselho
Estadual de Cultura, Belém, 198, pp.321-329. Segundo o autor, a Revolução Constitucionalista do Pará
teria relação com as críticas de trabalhadores liberais e estudantes à interventoria de Magalhães Barata,
que sofria forte oposição destes setores. Para Coimbra, “A Revolução de 32 é um marco, um divisor de
águas, que veio definir o relacionamento do interventor com a sociedade civil e o corpo político do
Estado, além de ser um momento afirmativo da consciência democrática dos paraenses” (p.329).
32
Pandolfi, op.cit., p.356.
33
Pandolfi, op.cit., p.357.
34
Idem.
35
Ibidem
36
Idem.
37
Ver s/autor, “União Cívica Nacional”, Abreu, op.cit.
29
eleições se processaram em todo o país, opondo os interventores filiados à UCN e os
partidos de oposição. Os partidos da situação colocaram a serviço de seus candidatos
toda a máquina político-administrativa dos estados. Consequentemente a oposição
sofreu uma grande derrota no pleito daquele ano.
38
Sob este instável e dinâmico
contexto político, ocorreu a primeira viagem de Getúlio Vargas às federações nortistas,
aguardada pelos líderes locais e prometida pelo presidente desde ano anterior.
39
Para Getúlio Vargas, a questão principal que enfrentaria na Assembléia Nacional
Constituinte era a escolha do futuro presidente da República. Tal situação colocava em
cheque sua continuidade no poder. Para prosseguir no cargo, o apoio das federações do
Norte mais uma vez seriam de suma importância. Em 1933, o presidente viajou para
todos os estados do Norte do país, e discursou em Belém.
40
Vargas, ao tratar das
condições de vida dos amazônidas, reafirmou a idéia de uma eterna luta entre o homem
e a natureza.
O grandioso na natureza, inicialmente, assombra amesquinhado o homem. Depois vem
a reação. Faz-se a análise retrospectiva do que representa a civilização como vitória da
humanidade contra as forças brutais da natureza e adquire a consciência de que o
homem vencerá a Amazônia, terra virgem a emergir do caos primitivo, único pedaço do
planeta cuja conformação final ainda se processa..
41
A visão constituída da Amazônia como um ambiente selvagem aponta para
possíveis influências da vasta literatura anterior de viajantes como Humboldt e Agassiz
e leituras de contemporâneos. O deslumbramento presente nos relatos que se originaram
das viagens científicas de séculos anteriores contribuiu para a construção de uma visão
38
Posteriormente, a UCN defendeu na Assembléia Nacional Constituinte medidas como a eleição indireta
para presidente da República, a representação classista e a formação de um conselho supremo da
República. No entanto, em lugar de tornar-se um partido nacional, a UCN desarticulou-se gradativamente,
desaparecendo algum tempo depois da instalação da Constituinte. Ver s/autor, “União Cívica Nacional”,
Abreu, op.cit.
39
A viagem de Vargas ao Norte do país estava prometida desde 1932, ano que Juarezvora, importante
liderança nortista, esteve na região a mando do presidente e foi recebido com grande aceitação popular
por significativa parcela da população. Ver Pandolfi, op.cit., p.356.
40
A viagem de Getúlio Vargas em 1933 teve considerável importância no contexo do Governo
Provisório. Desta forma, discordamos da análise de Cabreira, que estabelece uma comparação entre as
viagens de 1933 e 1940, concluindo que “a segunda [viagem] teve um alcance bem maior que a primeira”
(p.2). Este “alcance maior” se deve principalmente à conjuntura específica do Estado Novo: propaganda
e divulgação massivas patrocinadas pelo governo. Mas estabelecer uma simples comparação entre as duas
viagens é perigoso, pois são dois contextos distintos. O primeiro, um governo provisório tentando obter
apoio (1933) o segundo, uma ditadura já consolidada, em busca de legitimação (1940).
41
Vargas, Getúlio. “A Borracha e o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia”, A Nova Política
do Brasil, Vol.II. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1938, p.177.
30
naturalista, que se misturou com as diversas tentativas de desvendamento dos processos
históricos ocorridos na região.
42
Em sua pesquisa, Weinstein afirma que o cenário físico não determinou a
estrutura do negócio da borracha, mas colocou certos limites à ação do homem:
A complexidade e a vastidão do ambiente natural da Amazônia não apenas atuou no
sentido de frustrar os esforços de inovação técnica e de racionalização da produção,
como ainda agiu profundamente sobre as atitudes da população da região em relação à
exploração dos recursos materiais. Não se sugere, com isso, que o cenário físico tenha
determinado a estrutura do negócio da borracha; contudo, de fato colocou certos limites
ao empreendimento humano.
43
No discurso, Vargas também externou os projetos do governo em relação à
Amazônia, além de culpar o nomadismo aventureiro que teria caracterizado a ação do
homem na vida amazônica resultando na semelhante ação do poder público:
Se o indivíduo, ofuscado pela ambição de enriquecer, veloz e facilmente, se atirava,
sôfrego e imprevidente, em um mundo que lhe era desconhecido (...) o Estado, por sua
vez, imitava-o, envolvendo-se no mesmo surto de desacertos e imprevidências.
44
Prometendo novos tempos para a população local, Vargas discorre sobre os
principais problemas da Amazônia:
O problema capital da Amazônia consiste em transformar a exploração nômade em
exploração sedentária. Para isso, é preciso povoá-la, colonizando-a, fixando o homem
ao solo. Mas o solo da Amazônia, exuberante em flora e fauna, com a sua fertilidade
impetuosa e hostil à atividade humana, é conquista, certamente, rude e difícil. Em
verdade, o problema é mais complexo do que em qualquer outra região do país, visto
exigir saneamento prévio das zonas mais favoráveis ao trabalho do homem. Além de
facilitarmos o encaminhamento de correntes imigratórias economicamente aparelhadas
e produtivas, devemos começar localizando os elementos nacionais dispersos, mediante
42
Santos, Fernando Sérgio Dumas. Os caboclos das águas pretas: Saúde, ambiente e trabalho no Século
XX. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2003, p.18.
43
Weinstein, op.cit, p.17.
44
Vargas, Getúlio. “A Borracha e o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia”, A Nova Política
do Brasil, Vol.II. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1938, p.178.
31
auxílio eficiente e assistência sanitária, em condições de aproveitar as suas energias e
espírito de sacrifício.
45
Vargas sinalizou para os métodos colonizadores que pretendia seguir, através
dos resultados obtidos pela empresa Ford no Tapajós e de núcleos japoneses localizados
no estado do Pará.
46
Os americanos, devido aos amplos recursos financeiros que
possuíam, se fixaram à margem das grandes vias fluviais, sistematizando a exploração
da borracha.
47
Construíram colônias de trabalho racional e progressivo, com
aparelhagens completas de defesa sanitária e de meios de adaptação econômica,
transformando “a floresta inóspita em centro promissor de riqueza agrícola e
industrial”.
48
De forma diferente, os japoneses centraram-se no esforço individual,
constituindo agrupamentos sob vigilância higiênica e técnica.
49
Dessa forma, para
Vargas, a região estaria em condições ideais para sua recuperação.
50
O discurso de Getúlio Vargas explicita a preocupação do governo em relação à
região: a colonização destas localidades, seguindo métodos que foram adotados
anteriormente por colônias estrangeiras. Porém o governo ainda não tinha autonomia
suficiente para levar à prática suas reformas. Em junho de 1934, Vargas pronunciou um
discurso à nação na Assembléia Nacional Constituinte apontando três metas para o
progresso do país: sanear, educar e povoar. Afirmou também que uma das maiores
diretrizes das “evidentes aspirações nacionais” seria o estudo metódico da colonização
da Amazônia.
51
Este também foi o período em que a Constituição foi promulgada, e, a
despeito dos desejos do presidente, propôs um modelo de Estado mais liberal e menos
centralizador.
52
Em 17 de julho de 1934, a Constituinte elegeu Getúlio presidente.
45
Vargas, op.cit., p.179.
46
Idem
47
Ibidem.
48
Idem.
49
Ibidem
50
Idem.
51
Vargas, Getúlio. “O Brasil em 1930 e as realizações do Governo Provisório”, A Nova Política do
Brasil, Vol. III, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1938, p.245.
52
Pandolfi, Dulce Chaves. “Os anos 1930: as incertezas do regime”, Delgado, Lucília e Jorge Ferreira. O
Brasil Republicano- o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p.29
32
1.2 “Um sinistro carnaval” e a “ameaça vermelha”: Álvaro Maia discursa na
Constituinte.
No mesmo ano, Álvaro Maia, então deputado federal, proferiu na Assembléia
Constituinte um discurso contundente sobre a situação de seu estado.
53
De início,
Álvaro Maia saudou a Revolução de 30 , que
acendera um estopim em cada trabalhador brasileiro, tem propiciado reais favores aos
que se agitam nos grandes centros urbanos, porém, pelo espaço curto de três anos, ou
pela intensidade territorial em que vivemos, não foi possível irradiar benefícios aos
obreiros sitiados nas florestas, sendo no Amazonas mais de 200.00.
54
O deputado traçou um panorama dos trabalhadores locais, comparando-os com
os trabalhadores estrangeiros, que Vargas mencionara em seu discurso no Pará:
O operário estrangeiro daquelas regiões, subordinado a horas certas de atividade, nutre-
se bem, defende-se melhor, e opera em casas abrigadas. O seringueiro, o balateiro, o
castanheiro, sustentando-se irregularmente, passam dias e noites expostos às
intempéries, com sentidos alertas ante as ameaças que os rondam, comuns a natureza
inviolada. Obedece o estrangeiro à mortabilidade de labor em que se especializou: o
nacional violentando selvas sem caminhos, confundindo-se com as próprias águas,
enfrenta obstáculos inesperados, vários num dia, e improvisa e domina todas as
profissões. Pode ser indomesticado, rebelde até à barbaria, mas nunca indolente e
fraco esse homem que se considera abandonado pela sua tria, mas é o maior
defensor dessa mesma pátria. Não blasona, o bravateia, o quixoteia: age na
oportunidade, feroz e indomável. Limpa, destoca a vereda por onde os mais felizes
avançaram depois. Walcott, cientista norte-americano, que dirigia o hospital
Candelária, em Porto-Velho, combateu essa apregoada fraqueza. Verifique-se o inverso
- o organismo mais atlético, mais hematosado, sob a sucção dos ancilóstomos, sob a
dança dos hematozórios, sob os cintos de aço das polinevrites, e veja-se o molambo que
daí sairá, incapaz do menor esforço. E o falecido presidente Teodoro Roosewelt, ao
53
Álvaro Maia foi interventor federal do Amazonas no período de 1930-33, deputado federal em 1933-
35, governador do Amazonas entre 1935-37 e por fim, interventor federal entre 1937-45. Em conjunto
com a política, Maia desenvolveu carreira na Literatura. Fundou a poltrona número 7 da Academia
Amazonense de Letras, sendo reconhecido escritor e poeta. Publicou diversas obras. Ver s/autor, “Álvaro
Maia”, Abreu, op.cit.
54
Maia, Álvaro. Panorama real do Amazonas. Manaus : Tipografia Phenix, 1934, p.1
33
observar a tenacidade dos canoeiros na passagem do rio das Dúvidas não se conteve
falou: e dizem que os brasileiros são indolentes... Um país que possui filhos como estes
(...) está destinado a ir muito longe (grifo meu).
55
A explanação traz visões comuns à época, que posteriormente serão sujeitas a
uma análise mais ampla. Por ora, é suficiente indicar algumas impressões que o discurso
traz acerca do habitante do Amazonas. Partindo desta construção proposta, a alcunha de
“indomada” o se aplicava apenas à natureza, mas também aos trabalhadores
retratados. Neste trabalho de “domesticação”, o saneamento ocuparia um espaço se não
principal, importante, pois estaria provado que os cuidados médicos significariam a
redenção destes habitantes, que sadios, trariam benefícios ao desenvolvimento da
região. O contexto político é diferente, mas é impossível não apontar certas semelhanças
com a “descoberta” dos sertões promovidas por médicos e intelectuais durante a
Primeira República.
56
Outro aspecto importante é a crença na medicina “oficial” e a
ausência de citação às terapêuticas populares desenvolvidas por estes habitantes nos
cursos dos séculos. Em um momento de afirmação da profissão médica, muitas destas
práticas seriam consideradas falsas e charlatãs.
57
Álvaro Maia ressaltou também que o
Amazonas viveu relegado ao abandono pelos governos centrais, incluindo o abandono
social, porque
em certas regiões fronteiriças, as crianças brasileiras atravessam o território pátrio, para
ir freqüentar as escolas dos países vizinhos, aprendendo uma língua diferente da dos
seus pais!.
58
Mostrou-se preocupado também com a “influência vermelha” nesses povos
flagelados, pois
55
Maia, op.cit, p.12
56
Diversos trabalhos têm se dedicado a este tema. Nesta linha de estudos podemos destacar dois: Lima,
Nísia Trindade. Um Sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro, Editora Revan, IUPERJ-UCAM, 1999 e
Lima, Nísia Trindade e Hochman, Gilberto. Pouca Saúde e Muita Saúva: sanitarismo, interpretações do
país e ciências sociais”. Hochman, Gilberto e Diego Armus (Orgs.). Cuidar, Controlar, Curar: ensaios
histórico sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp.
493-532.
57
Sobre o uso de terapêutica popular por parte das populações da Amazônia, ver Santos, Fernando Sérgio
Dumas dos. “Tradições populares de uso de plantas medicinais na Amazônia”. História, Ciências, Saúde
– Manguinhos, vol.VI (suplemento), setembro 2000, pp.919-939 e também Santos, op.cit., 2003.
58
Maia, op.cit., p.13
34
o abandono possibilitará a essa gente, cujo desespero transborda pela amargura, cujas
intenções aproam a outros rumos, sob a influência das doutrinas vermelhas que
subvertem até sociedades antigas e conservadoras.
59
Chamou a atenção para o abandono histórico do Amazonas, que teria
possibilitado o surgimento de propaganda comunista, através de folhetos e cartazes.
60
Expôs também a situação em que se encontrava o estado:
Ora, em face a essa propaganda, que me abstenho de comentar, com tantos homens
desempregados por falta de trabalho ou especialização técnica, não digo de terra, porque
esta, pela imensidade inexplorada, inexplica o chômage. Com famílias inúmeras sem
assistência hospitalar e medicamentosa, ninguém pode impedir a influência daquelas
doutrinas, que prometem desescravizar o homem rural. Em mais de um ponto do Brasil,
as tangas substituem o vestuário mais rudimentar; crianças, em bandos errantes, sem
escola, perdem-se pelas estradas; hansenianos, doentes de Chagas, verminóticos,
paludados formam um sinistro carnaval.
61
A mortalidade infantil, resultante da falta de
educação, enche os quadros estatísticos, 50%, 60%! Assombroso num país que suplica
por braços de todas as cores, todas as raças! E, por falta de assistência, localidades,
(...) em que se nasce, se morre, mas não se vive.
62
O discurso teve repercussão nos periódicos da época: O Jornal do Brasil
chamou atenção ao “sadio patriotismo” de Maia e desejava que “a palavra de Álvaro
Maia, recebida pela imprensa com os mais entusiásticos louvores, reflita na consciência
dos guieiros do Brasil.” O Jornal abordou o discurso pelo prisma das leis sociais, que
estariam sendo cumpridas somente nos grandes centros, e que até o momento não
teriam penetrado nos sertões. O Diário Carioca tinha como título para o discurso de
Maia “Uma oração brilhante” e afirmou que A situação no Amazonas, no plano de
nossas realidades, e as suas possibilidades infinitas, ouviram ao bosquejo de um quadro
que o Sr. Álvaro Maia soube traçar modelarmente”.
63
Álvaro Maia elogiou a atuação das missões católicas atuantes no estado,
chamando atenção especial aos missionários salesianos, que foram responsáveis por
59
Maia, op.cit., p.14.
60
Maia, op.cit., p.14.
61
Paludados termo referente aos doentes de malária, também chamada na época de impaludismo,
paludismo ou febre palúdica.
62
Maia, op.cit., p.14.
63
As notícias foram publicadas em Maia, op.cit., pp 3-5
35
milhares de índios catequizados, alguns até especializados em profissões técnicas.
Segundo o deputado, organizações particulares como estas preenchiam uma lacuna
deixada pela ausência do Estado nos cuidados à população, além de realizarem um
trabalho importante com a demarcação de fronteiras.
64
A seguir, vamos analisar as ações
destas organizações particulares na década de 30, enfocando a atuação das missões
salesianas, e também as alterações na estrutura da saúde pública a partir da atuação de
Gustavo Capanema frente ao ministério.
1.3 – A saúde do amazônida sob cuidado de Missões Religiosas
Com o advento da República, o Brasil tornou-se um país laico e ao assegurar a
liberdade de culto, sinalizou também à independência para o trabalho missionário, que
se expandiu pelo país.
65
As missões chegadas ao Brasil no início do culo XX
estabeleceram práticas de atuação que tinham como base as sedes municipais,
inicialmente através da instalação das prefeituras apostólicas, posteriormente
transformadas em dioceses e prelazias. As ações missionárias se desenvolveram nas
cidades e tinham como principais objetivos a catequese indígena, a evangelização e a
educação para o trabalho, através de seminários de ensino de artes e ofícios voltados
para o universo masculino e educação feminina. Como visto anteriormente, Álvaro
Maia atribuía as Missões Salesianas papel de extrema importância para a catequização
dos índios, vista como “redentora”. No “sinistro carnaval” prefigurado pelo interventor,
os cuidados com as doenças se tornariam de vital importância para estes missionários.
Um dado relevante é que os Salesianos foram os únicos a construir hospitais em suas
área de atuação.
66
Os Salesianos viam a população camponesa do Amazonas como “perdida” e sem
rumo. Pedro Massa, chefe da prelazia do rio Negro, definiu que sua função principal era
arrancar os pobres caboclos” de sua vida errante pela borracha e fixá-los ao solo e,
assim procurar livrar os índios da quase escravidão” dos contratos onerosos.
67
Massa
culpava as doenças, como a malária, que seria a “entidade mórbida de índice endêmico
64
Maia, op.cit., p.15.
65
Pires Menezes, M.L. Trabalho e Território: as missões católicas no interior do estado do Amazonas,
Brasil”. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona,
vol. VI, nº 119 (11), 2002, p.2. Disponível no sítio http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-11.htm, último
acesso: 22/02/2007, 3:30
66
Pires Menezes, op.cit., p.3.
67
Massa, Monsenhor Pedro. Pelo Rio Mar: As Missões Salesianas no Amazonas. Rio de Janeiro,
Estabelecimento de Artes Gráficas C. Mendes Junior, 1933, p.26.
36
mais elevado, podendo-se dizer sem exagero serem infectados quase todos os habitantes
do rio negro” e a ancilostomose pela “morbidez total de seus habitantes e essa
indolência e esse aspecto de profunda decadência.
68
Pode-se afirmar que os
missionários seguiam orientação parecida com os médicos do governo ao se deparar
com o quadro local: uma região que não teria nada, cujos medicamentos se resumiam à
“feitiçarias”.
69
Para os missionários, não haveria espaço para a terapêutica popular e
hábitos que não eram reconhecidos como usuais. A resistência à imposição de outros
hábitos era igualmente mal vista. Um exemplo foi a aplicação de quinino, medicação
utilizada no combate à malária, que fora recebido com desconfiança pela população
local. Segundo Pedro Massa, os habitantes preferiam curar-se através de
“curandeirismos”:
70
Custou muito vencer esse ambiente de repugnância e de abandono, vendo no começo
maldados completamente seus esforços na distribuição de remédios, que eram
recusados, ou aceitos, às vezes, para serem, logo atirados ao rio, num gesto de
desconfiança e desprezo. Os primeiros dois quilos de quinina duraram mais de um ano e
em geral os outros remédios iam se estragando lamentavelmente no longo abandono das
prateleiras. Mas também essa dificuldade foi cedendo à lenta e vitoriosa ação
penetradora: funcionam agora vários dispensários e farmácias, para as quais o ilustre e
generoso americano dr. Hamilton Rice ofereceu completos laboratórios bacteriológicos;
tem sido intensa e constante nestes últimos anos a distribuição de remédios.
71
(...) Na
realização lenta, mas perseverante de uma tarefa, cuja benemerência social e cujo
alcance higiênico não se podem diminuir, principalmente depois que os trabalhos de
Miguel Pereira e Belisário Penna expuseram o quadro sinistro da miséria fisiológica das
populações sertanejas do Brasil.
72
No curso dos anos 30, Pedro Massa, o chefe desta prelazia, solicitou ajuda
financeira através de missivas diretamente ao presidente ou aos ministros, como
podemos ver na correspondência abaixo, datada de 1933.
68
Massa, op.cit., p.27.
69
Massa, op.cit., p.29
70
Idem.
71
Hamilton Rice: médico e explorador norte-americano que empreendeu entre 1924-25 uma expedição à
Amazônia brasileira. Tinha o objetivo de pesquisar a oncocercose, doença causada por verme parasita que
pode levar à ceguera. Realizou levantamentos geográficos e médicos na bacia do rio Branco até a
nascente de seu afluente Uraricoera, na serra Parima. Ver Sá, Magali Romero e Maia-Herzog, Marilza.
“Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África”, História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, 2003, vol. 10, no. 1, pp. 251-258.
72
Massa, op.cit., p.35
37
(...) Venho, por meio desta , agradecer em primeiro lugar a concessão bondosamente
feita para V. Excia o quinino para combate aos surtos epidêmicos do Rio negro e
Madeira (...) o fim principal porém pelo qual havia solicitado nova audiência (...) diz
respeito ao desdobramento da subvenção bondosamente concedido às duas prelazias
do Rio Negro e Porto Velho, responsáveis separadamente pelas obras de assistência
fundadas e mantidas pelas Missões Salesianas no Amazonas. É um assunto da maior
relevância para s, pois, conforme tive a honra de conversar pessoalmente com V.
Excia, estancaram-se neste ano, as fontes de receita extraordinária com que contei até
fins de 1932. (...) V. Excia, conhecendo as condições a que ficamos reduzidos neste ano,
se digne determinar os auxílios, que nos permitam continuar aquelas obras, (...).
73
Durante o governo Vargas, todas as correspondências enviadas ao presidente
passavam pela Secretaria da República. A Secretaria foi instituída no início dos anos
1930 e tinha o objetivo e funcionar como canal de comunicação entre o governo central
e as diversas camadas da sociedade. Sua função, de caráter predominantemente
administrativo, caracterizava-se, todavia, por intensa atividade política. Segundo
Ferreira, a Secretaria possuía um certo grau de autonomia administrativa, atuando e
trocando informações com diversas instituições estatais, desde grandes ministérios até
pequenas prefeituras, além de ser responsável por toda a correspondência endereçada ao
presidente, tanto a de um chefe de estado estrangeiro quanto a de outros setores da
sociedade.
74
Ao receber essas correspondências, a secretaria as transformava em
processos administrativos e, de acordo com o assunto, enviava-os a órgãos estatais que
pudessem dar um parecer a uma possível resposta.
75
As correspondências de Pedro Massa a Getúlio Vargas eram constantes e com
certo padrão: agradecia as boas ões do governo federal para a Missão, porém, ao
longo da missiva, evidenciava os problemas enfrentados pela prelazia. No fim,
terminava agradecendo ao governo, como veremos a seguir nesta correspondência
datada de 1935.
Como V. Excia conhece, estas missões o consideradas obras de assistência pública,
não somente pelo número de instititutos assistenciais que mantém (...) como também
(...) na defesa indireta de fronteiras, com ensino da língua nacional, história pátria,
73
Fundo Ministério da Educação e Saúde Pública, doravante MESP, Lata 33 , Pacote 4. Este acervo
encontra-se sob guarda do Arquivo Nacional.
74
Ferreira, Jorge. Trabalhadores do Brasil: O imaginário popular. Rio de Janeiro, FGV, 1997, p.149.
75
Ferreira, op.cit., p.150.
3
8
alfabetização dos índios, sua fixação ao solo, sua defesa sanitária e ensino agrícola e
profissional, incorporando-os assim à vida civilizada do País: nestes últimos anos tem-
se gasto perto de 1.000$000 anualmente e, no ano passado, pelos balancetes que , junto,
pode V. Excia constatar a despesa realizada 956:813$540 na prelazia do Rio Negro (...)
Do outro lado, as despesas das missões estão em contínuo aumento, dado o
encarecimento de vida, o número elevadíssimo de alunos e de doentes, que devemos
sustentar, a pobreza extrema de milhares de caboclos que vivem abandonados, quase
nus e flagelados pelas febres, juntando-se a tudo isto os novos trabalhos de assistência a
se iniciarem nas tribos indígenas, que, pelos novos limites com a Colômbia, passaram a
pertencer ao Brasil, e as quais devemos também assistência e proteção, afim de que
permaneçam em território nacional (...) Recorri á Rockefeller Foundation de New York,
que me havia dado relevante auxílio, tendo-me porém comunicado ultimamente que lhe
não ser mais possível atender ao meu apelo. O congresso nacional votou em
discussão a subvenção de 200:000$000 para as povoações indígenas do Rio negro. (...)
Esses auxílios porém dependem da nossa lei de Subvenções, em discussão no congresso
nacional, e, da alta aprovação de vossa excelência, motiva este de fundada esperança
para mim, pois V. Excia se tem dignado olhar sempre com particular simpatia e carinho
para essas obras assistenciais do Amazonas, o que de coração penhoradíssimo,
agradeço. Dados porém as circunstâncias acimas expostas, a diminuição sensível de
socorros particulares, a falta de auxílio por parte do estado do Amazonas a se debater
em pavorosa crise (...) insuficientes as subvenções que nos são concedidas, pelo que
ouso dirigir a v. Excia que tem tido conosco repetidos gestos de proteção e amparo,
que penhoram imenso minha gratidão- solicitando de sua benevolência queira
conservar as subvenções votadas(...)”
76
Como exposto na missiva, a prelazia já havia recebido apoio financeiro da
Fundação Rockefeller, que atuava na região desde 1923. Este dado mostra a rede de
relações que a missão procurava estabelecer.
77
Cueto assinala que a Fundação
estabeleceu suas atividades de forma independente a qualquer outro serviço de saúde
pública brasileiro, pois faltaria confiança com as instituições locais.
78
Esta missiva é um
exemplo de como as relações entre as agências de saúde internacionais não
76
GCPR, Lata 121, Pacote 2.
77
A Fundação Rockefeller ficou responsável em 1923, pela administração do Serviço de Febre Amarela
no norte do país. Um posto foi instalado em Manaus para o combate à endemia, que em 1925, teve sua
incidência demonstrado considerável queda em 1925. Ver Cueto, Marcos. Los ciclos de Irradicación: la
Fundación Rockefeller y la salud pública latinoamericana, 1918-1940”.Cueto, Marcos. Salud, Cultura y
Sociedad en America Latina.Lima: Instituto de Estudios Peruanos/Organización Panamericana de la
Salud, 1996, p.191.
78
Cueto, op.cit., p.191.
39
funcionavam de forma tão monolítica. A necessidade de estabelecer vínculos de
confiança resultou em processos de adaptação destas agências às localidades onde
realizaram atividades médicas.
79
O canal aberto pela Secretaria da Presidência da República promovia uma nova
relação com o poder, devido à confiança de que as cartas chegariam ao presidente,
assim como a certeza de uma resposta. Como aponta Ferreira, esse mecanismo foi
amplamente usado e explorado.
80
O trabalho destes missionários desempenhou
importante papel na afirmação da soberania territorial estatal, na nacionalização da
população e no processo de urbanização nas bordas fronteiriças.
81
1.4 – Reforma Capanema e as endemias da Amazônia.
Mesmo com a boa receptividade do discurso de Álvaro Maia, o Departamento
Nacional de Saúde (DNS) ainda não tinha um plano formado para o combate à malária.
O médico Genserico de Souza Pinto, em artigo publicado nos Arquivos de Higiene,
publicação oficial do DNS, mencionou a pouca atenção recebida pela doença:
Das doenças que assolam as vastas regiões dos campos, é a malária a única que causa
prejuízos muitas vezes em massas, pelo abandono forçado do trabalho, pela interrupção
integral das atividades(...) Mas esse quadro impressiona a uma pequena classe: aos
sanitaristas, aos epidemiologistas, aos tropicalistas (...) porque o impaludismo não é
doença de mortalidade elevada, como o cólera, a varíola, a peste e o vômito negro.
82
Em 26 de julho de 1934, Gustavo Capanema assumiu a direção do MESP, que, a
partir daquele momento, começou a ter sua estrutura consolidada gradualmente.
83
Um
ano e meio após sua posse, o ministro encaminhou a Vargas uma proposta de
reformulação estrutural e institucional do ministério.
84
Segundo Capanema, a
reorganização era de caráter urgente, pois o MESP passara por diversas reformas
79
Um autor que trabalha sob esta perspectiva é Steven Palmer, que analisou as adaptações que a
Fundação Rockefeller teve de passar na Costa Rica. Ver Palmer, Steven. “Saúde Imperial e Educação
Popular: a Fundação Rockefeller na Costa Rica em uma perspectiva centro-americana”. Hochman,
Gilberto e Diego Armus (Orgs.). Cuidar, Controlar, Curar: ensaios histórico sobre saúde e doença na
América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp. 217-248.
80
Ferreira, op.cit., p.151.
81
Pires Menezes, op.cit., p.20.
82
Pinto, Genserico de Souza, “Como encarar o problema da Malária”. Arquivos de Higiene, v.5, nº2,
1936, p.35.
83
Fonseca, op.cit., p.137.
84
Ide.
40
parcias que não tinham resultaram em uma estrutura sólida.
85
Em dezembro de 1936, o
ministro apresentou à câmara legislativa o plano de reestruturação do ministério. Uma
das principais orientação da reforma seria a expansão dos serviços públicos de saúde
para diferente regiões do país.
86
Segundo Capanema, isso possibilitaria o aumento da
presença do MESP nas federações, mas o projeto o foi aprovado por falta de
quórum.
87
O processo de votação foi transferido para a legislatura seguinte e, em janeiro
de 1937 o projeto foi sancionado, através da lei nº378.
88
Segundo Fonseca, a lei tinha de
forma implícita estratégias que tornassem possíveis ações coordenadas e centralizadas,
com o objetivo de ampliar a abrangência do poder público em todo o território
nacional.
89
A lei afetou o ministério, que teve seu nome mudado para Ministério da
Educação e Saúde (MES). Para efeitos administrativos, o território nacional foi dividido
em oito regiões, contando cada uma delas com uma Delegacia Federal de Saúde. As
delegacias tinham como função supervisionar as atividades necessárias realizando uma
ponte entre a União e os serviços locais de saúde pública e assistência dico-social,
além da inspeção dos serviços federais.
90
De acordo com Fonseca, as delegacias federais
de saúde representaram o primeiro passo para a sistematização, organização e expansão
do poder público federal para outras regiões, funcionando como importantes órgãos
intermediários entre o governo federal e os estados.
91
Mesmo se efetivando antes da instauração do Estado Novo, a reforma estava
alinhada às orientações centralizadoras do Governo, estabelecendo hierarquias de
comando e iniciando um intenso processo de normatização na saúde pública. Mas atos
administrativos não representam mudanças imediatas nas condições de saúde das
localidades mais afastadas. Doenças como lepra e malária continuavam atingindo a
Amazônia. Médicos do período interpretavam estas endemias como estorvo ao
desenvolvimento do país. A lepra, por exemplo, era vista como a “doença que nos avilta
aos olhos do mundo civilizado e que incapacita para o trabalho milhares de
85
Ibide.
86
Fonseca, op.cit., p.138.
87
Fonseca, op.cit., p.140
88
Lei nº 378 de 13/01/1937. Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância Sanitária)
http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19560&word= último acesso:12/03/2007, 17:37.
89
Fonseca, op.cit., p.152.
90
Lei 378 de 13/01/1937. No próximo capítulo, uma análise mais detida sobre a distribuição das
Delegacias Federais de Saúde será feita.
91
Fonseca, op.cit., p.163.
41
brasileiros”.
92
A orientação à profilaxia moderna da doença necessitaria se impor,
através do fim do isolamento e a inevitável criação de dispensários, vista como urgente,
adequando o país às avançadas medicinas ocidentais.
93
Mesmo reconhecendo a
imprecisão dos dados estatísticos, o DNS divulgou dados preliminares:
94
1) No Território do Acre o cálculo seria de 234 casos, admitindo-se 400. E havia
apenas um leprosário, cuja capacidade de atendimento era de 55 pacientes.
2) No Amazonas, as estatísticas preliminares apontavam 1250 casos, sendo que
30% (375) destes portariam a manifestação contagiante da lepra. O estado contava com
o leprosário em Paricatuba, cuja capacidade era de 300 pacientes.
3) O Pará teria cerca de 4.000 doentes de lepra. Destes, apenas 555 estariam
isolados. Para acrescentar mais um dado alarmante, 50% destes portariam a forma
contagiante da doença.
95
A malária também era vista como obstáculo ao crescimento de populações
distantes. O diagnóstico da doença apresentado para a região amazônica era igualmente
alarmante. O médico Genserico de Souza Pinto descreveu a incidência de malária na
Amazônia, expondo a especificidade da endemia em cada federação. De maneira geral,
o médico conclui que a vida naquelas localidades seria sombria, pois a malária “a
serviço da morte, parece ter assentado seu reino”.
96
A seguir, suas considerações sobre
cada estado da região Amazônica:
1 – Pará:
O estado do Pará é intensamente invadido pelo impaludismo e, praticamente, nada
escapa de seu vasto território, desde Bragança a Belém, de Iguape-Mirim a Cametá, de
92
“Ante-projeto do Regulamento Sanitário – Elaborado pela Seção Técnica de Saúde Pública da Diretoria
Nacional de Saúde e Assistência, com a cooperação de comissões de especialistas, dentro do prazo fixado
no artigo 15 do decreto 24.814, de 14/7/1934, e entregue ao exmo. Sr. Ministro da Educação e Saúde.”,
Arquivos de Higiene, vol.5, nº 2, 1935, pp.137-141.
93
Idem.
94
Neste período, a Amazônia era considerada como a união do Território do Acre, Amazonas e Pará.
Apenas em 1943, quando os territórios do Guaporé, Amapá e Rio Branco foram criados através do
decreto lei nº5812 que novos estados se incorporaram à extensão territorial total da região.
95
“Ante-Projeto do Regulamento Sanitário – Elaborado pela Seção Técnica de Saúde Pública da Diretoria
Nacional de Saúde e Assistência, com a cooperação de comissões de especialistas, dentro do prazo fixado
no artigo 15 do decreto 24.814, de 14/7/1934, e entregue ao exmo. Sr. Ministro da Educação e Saúde.”,
Arquivos de Higiene, vol.5, nº 2, 1935, p.120
96
Pinto, op.cit., p.41.
42
Macajuba e Bicão a Alcobaça, até aos pontos extremos do estado. Na Ilha de Marajó,
devem ser apontados Claves, Afuá, Ananaz, Saue. Os vales do Tocantins, do Oiapoque,
do Tapajós, (...) merecem especial menção.
97
2 Território do Acre: “O Acre oferece o mesmo quadro desolados, onde as
margens do Xapury, do Abunã, do Acre e outros são fontes de doenças e morte”.
98
3 – Amazonas:
Na zona periférica de Manaus notam-se efeitos da endemia que está por todos os lados,
em São Raimundo, Girão, Cachoeirinha, Vila municipal. Longa e exaustiva seria a
enumeração dos pontos do estado do Amazonas onde a fertilidade e a exuberância do
solo correm parelhas com os calafrios, a anemia e a morte (...) Do Madeira, a parte alta
é horrivelmente castigada (...) Na parte alta, está situada a famosa estrada de ferro de
tétrica memória, onde ainda as febres devoram os homens. No Baixo Amazonas,
localidades onde o índice epidêmico não é elevado (...) é-o, porém, nas regiões dos
Solimões e do Javari, do Juruá e do rio Negro, do Purus e Mamoré.
99
Retomando um argumento inicial, estes discursos o se apoiavam em dados
precisos. Dessa forma, as falas teriam o intuito de chamar a atenção do governo federal
às condições destas localidades. Como visto, esta estratégia discursiva encontrou
ressonância em políticos e médicos.
Em 1936, Manuel Monteiro, interventor interino do Amazonas, pediu a Gustavo
Capanema ajuda devido a um surto de malária que afetou diversos municípios do
estado:
Irrompendo surto palúdico Parintins, Barreirinha a Maués caráter calamidade pública,
índice mortandade elevado, onde médicos Departamento Saúde Estado só pequena zona
primeiro dos referidos municípios prestaram assistência médica, medicamentos a dois
mil oitocentos doentes. Esgotados recursos inclusive verbas extraordinárias votadas
assembléia legislativa exclusivamente este fim, apelo elevado espírito patriotismo
vossencia sentido, providenciar união. Conceda este fim Estado, urgente socorro
97
Pinto, op.cit., p.41
98
Pinto, op.cit., p.41
99
Pinto, op.cit., p.41
43
áquelas populações baixo Amazonas que se encontram situação aflitiva. Certo apoio:
ilustre presidente apresento-lhe agradecimentos e atenciosas saudações.”
100
O Amazonas, neste período constitui um caso a parte, pois os dirigentes locais
alegavam em repostas aos inquéritos promovidos pelo MESP, extrema dificuldade em
abranger todos os habitantes, espalhados pela grande extensão territorial.
101
Os poucos
hospitais que o estado possuía se fixavam na capital e não eram do poder público. Para
atender a população mais pobre, estes hospitais recebiam subvenções estaduais e
federais. A alegação dos dirigentes era a falta de verba para estas obras. Assim, desde o
início do século, organizações particulares ocupavam o papel que seria concernente ao
Estado: prestar assistência às populações rurais.
Em discurso de 1936 avaliando os primeiros anos de governo, Vargas discutiu as
soluções dos problemas brasileiros. Um detalhe importante é que, em relação à
Amazônia, não falou mais de sua recuperação econômica e sanitária. Este é o quadro
que podemos traçar de políticas de saúde e saneamento para a Amazônia nos primeiros
anos de governo Vargas. Podemos destacar a instabilidade política do período como
uma das causas, onde após a promulgação da constituição de 1934, o caráter
centralizador do regime perdeu força. No plano local, vimos que a ausência do Estado
em relação à assistência às populações da região amazônica resultou na ação de missões
religiosas e organizações particulares. O Estado Novo, instaurado em 1937, propiciou o
aumento de possibilidades da intervenção estatal em algumas áreas, como a saúde
pública. O tema do saneamento da Amazônia retornará com mais força no curso do
regime ditatorial.
1.5 - O Estado Novo e a Amazônia
Em 10 de novembro de 1937, Vargas inaugurava o Estado Novo e um período
ditatorial de 8 anos. Com o poder centralizado, ações de caráter nacional na área de
saúde pública tornar-se-iam potencialmente mais viáveis. Com a criação das Delegacias
Federais de Saúde, em 1937, e fazendo da região delimitada pelo território do Acre,
100
GCPR, Lata 121, Pacote 2.
101
Este inquéritos contendo as respostas dos estados estão no Arquivo Gustavo Capanema, doravante
AGC. Este arquivo encontra-se sob guarda do Centro de Documentação em História Contemporânea do
Brasil, doravante CPDOC.
Notação dos documentos: AGC, 1938.00.00/1 i e AGC, 1940.10.13 i.
44
Amazonas e Pará a Delegacia ocorre a normatização do que seriam os Centros de
Saúde:
vem de unidade sanitária que tiver, no mínimo, além de pequeno laboratório e serviço
de visitadoras as seguintes atividades: Tuberculose (tisiólogos), higiene da criança
(pediatra), pré-natal (parteiro), doenças transmissíveis agudas (epidemiologista, médico
sanitarista), saneamento e polícia sanitária (médico sanitarista ou engenheiro sanitário),
higiene do trabalho e da alimentação (médico sanitarista).
102
E dentro desses preceitos derivados da experiência norte-americana, João de
Barros Barreto apontava que na 2ª Delegacia Federal de Saúde havia apenas um,
localizado em Manaus e outro ainda em construção, em Belém. No relatório, Barros
Barreto afirmava que era regra quase geral um descaso grande pelas sortes da
população do interior na maioria dos estados, bastante deficientes no aparelhamento”.
103
No discurso intitulado “No limiar do ano de 1938”, no Rio de Janeiro, Vargas lançou a
Marcha para o Oeste. Segundo o presidente, seria através desta marcha que o Brasil
buscaria nos “vales férteis e vastos” e da terra o metal que iria forjar os instrumentos de
defesa e o progresso industrial brasileiro.
104
A idéia inicial da Marcha para o Oeste tinha identificação clara com uma corrida
ao ouro, onde os elementos importantes para a indústria enriqueceriam o país. Mas o
discurso ampliaria seu foco poucos meses depois, quando Vargas definiu o que seria “O
imperialismo brasileiro”, em que as propostas de integração econômica, características
do Estado Novo, ganhariam contorno definitivo. Este imperialismo seria uma expansão
demográfica e econômica dentro do próprio território brasileiro, fazendo a “conquista de
si mesmo” e integrando estas áreas ao Estado, tornando-o de dimensões tão vastas
quanto o país.
105
Segundo Vargas, apesar do grande território, o país havia prosperado
somente na região litoral, enquanto a maior parte da nação continuava estagnada e
esquecida no interior.
106
Os únicos inimigos temíveis para a integração do país seriam o
102
Barreto, João Barros. “Saúde Pública no Brasil”. Arquivos de Higiene, v.8, nº1, 1938, p.159
103
Barreto, João Barros. “Saúde Pública no Brasil”. Arquivos de Higiene, v.8, nº1, 1938, p.160.
104
Vargas, Getúlio. “No limiar do ano de 1938”, A Nova Política do Brasil, Vol. V, 1938, p.124.
105
Vargas, Getúlio. “No limiar do ano de 1938”, A Nova Política do Brasil, Vol. V, 1938, p.124.
106
Vargas, Getúlio. “Problemas e realizações do Estado Novo”, A Nova Política do Brasil, Vol. V, 1938,
pp.163-164.
45
sertão, o isolamento e a falta de contato. As incertezas viriam da existência de “dois
Brasis – um político e o outro econômico, que não coincidiam”.
107
Ao invés de simplesmente lançar o programa, Vargas buscou legitimá-lo através
de viagens a diversas regiões do país. Em 1938, ao voltar de uma excursão realizada em
Minas Gerais e São Paulo, o presidente declarou a importância de suas viagens:
As excursões, como a que acabo de efetuar e da qual regresso encantado, representam
felizes oportunidades de comunicação entre o governo e o povo. Um chefe de Estado
não pode ser uma abstração na paisagem da nação; necessita desses contatos
freqüentes com o sentimento público, através de todas as classes sociais (grifo
meu).
108
É neste contexto político que se insere a segunda viagem de Vargas ao norte do
país. um aspecto alegórico nesta excursão, haja vista periódicos de diversas regiões,
cujas notícias afirmavam que, após a viagem do presidente, a Amazônia estaria
definitivamente incorporada à Marcha para o Oeste.
109
Veremos a seguir que iéias
inseridas na viagem de 1933 estavam nesta segunda excursão ao norte, porém o
contexto político era completamente diverso. Em 1933, buscava apoio político em meio
a contestações e, em 1940, viajava com plenos poderes e sem limites para seu mandato.
1.5.1 - Antecedentes da viagem presidencial: reclamações de um cidadão
amazonense
Um pouco antes da viagem à Amazônia, Vargas recebeu uma carta de um
cidadão de Maués, município do Amazonas, em que traça um quadro das condições
locais:
107
Vargas, Getúlio. “Problemas e realizações do Estado Novo”. A nova política do Brasil, 1938, p.163
108
“Estado de o Paulo”, 15/10/1940. Ver A visita do Presidente Vargas e as esperanças de
ressurgimento do Amazonas, Imprensa Pública Manaus, 1940. Obs: todas as notícias citadas a partir
desta nota até o fim deste capítulo estão nesta revista comemorativa à viagem de Vargas à Manaus, daí a
falta de informações mais precisas sobre a seção do jornal e página que as notícias estariam inseridas.
109
A recepção da visita de Vargas nos jornais está em duas publicações dos Departamentos Estaduais de
Propaganda do Amazonas e do Pará:
1) A Amazônia vai ressurgir a visita do presidente Getúlio Vargas à Amazônia, da qual resultou um
vasto plano de saneamento e de empreendimentos gerais no setentrião brasileiro. Serviço de Publicidade
e Propaganda da prefeitura municipal de Belém, 1940.
2) A visita do Presidente Vargas e as esperanças de ressurgimento do Amazonas, Imprensa Pública
Manaus, 1940
46
Em passados regimes, que tanto entorpeceram e debilitaram a nacionalidade, eram
quase impossíveis gestos como o meu. Não havia crença, confiança. O povo vivia
divorciado do governo, isolado dos administradores. Hoje, porém, graças á providência,
todos os brasileiros sabem que os seus reclamos, as suas queixas e as suas sugestões,
quando razoáveis e justas, têm acolhida favorável da parte de V. Exª. Senhor Presidente.
Sou amazonense e há quatro meses estou em São Paulo. Fui obrigado a deixar a minha
cidade natal, Maués, para fugir da morte certa. Aquela cidade e o município de mesmo
nome, tão salubres e prósperos até há pouco tempo, tornaram-se agora verdadeira terra
de maldição. Grassam ali, em caráter alarmante, febres arrasadoras. Tudo se despovoa e
desaparece: povoados, vilas, sítios, lavouras e comércio. Julgam alguns tratar-se da
febre amarela; outros acreditam ser o paludismo africano. Certo é, eminente Doutor
Getúlio Vargas, que dela não escapam nem os cães. Os municípios vizinhos ao meu
também sofrem as conseqüências do surto pestoso. Tudo está ameaçado. As
providências que as autoridades estaduais do Amazonas têm tomado são insuficientes e
até agora não deram qualquer resultado. Por esse motivo, senhor Presidente, dirijo o
meu apelo a V. Excelência, convicto de que serão tomadas sem demora as providências
reclamadas pelo grandíssimo caso.
110
A carta data de 26 de agosto de 1940, dois meses antes da viagem de Vargas à
região amazônica. As queixas de João Valente Doce, autor da carta, são comuns
também aos políticos a região. Mas esta missiva oferece um outro ponto de análise.
Segundo Ferreira, o ato de escrever ao presidente foi estimulado pelo Getúlio Vargas,
em 1938, afirmou que não existiriam intermediários entre o governo e o povo. Ao se
referir a essa supressão de intermediários, Vargas procurava legitimar seu regime, o
fechamento das instâncias políticas representativas da sociedade, assim como também o
objetivo político de se firmar perante os trabalhadores.
111
Em grande parte destas
correspondências, os missivistas, logo após o começo otimista, iniciavam um relato da
situação precária que se encontravam.
112
Essa intimidade foi incentivada por Vargas,
abrindo este canal amplo de comunicação com as pessoas oriundas dos mais diversos
estratos sociais. Porém os apelos de João Valente Doce não surtiram efeito. A resposta
foi emitida pelo DNS:
Grassa realmente o paludismo na região de Maués, como, aliás, todos os anos durante
este período de vasante dos rios, em toda região Amazônica. O surto deste ano, por
110
GCPR, lata 194, pacote 1.
111
Ferreira, op.cit., p.153
112
Ferreira, op.cit., p.154.
47
motivos ainda desconhecidos, será mais grave que a dos outros anos talvez. Exatamente
para conhecer esses motivos, a Delegacia Federal de Saúde se dispôs a realização de um
inquérito sobre malária em 50 cidades do Vale, virando um trabalho de saneamento em
1941. Quanto a auxiliar a população de Maués, a DFS não poderá faze-lo, pois para isso
não dispõe de verba.
113
Concomitante aos preparativos para a excursão presidencial, estava sendo
elaborado um inquérito sobre as condições de saúde da Amazônia com um objetivo: a
formulação de um plano de saneamento para a região amazônica. Não à toa, o projeto
viria a ser divulgado por Vargas durante sua viagem à localidade. Analisaremos a seguir
dois aspectos relevantes para uma análise preliminar da Amazônia no Estado Novo:
primeiro, a viagem do presidente à região, em busca de legitimação do regime ditatorial
frente às populações de localidades mais distantes e segundo, a visão de Amazônia que
intelectuais ligados ao Estado Novo imprimiram à região, através de artigos no
periódico oficial do Departamento de Imprensa e Proganda (DIP), a Cultura Política.
1.6 – A segunda viagem de Vargas à Amazônia e o “Discurso do Rio Amazonas”
Entre os dias 6 e 14 de outubro de 1940 Vargas excursionou no Pará e no
Amazonas, com a estratégia de legitimar seu regime junto às populações e elites locais.
Em anos anteriores, havia visitado diversos estados, dos mais distantes, além de
vizinhos regionais, como a Argentina e Uruguai. O trajeto consistiu na ida à cidade de
Belém, depois Belterra (concessão da empresa Ford), Manaus e Porto Velho. Cada
aspecto e efemérides da viagem foram amplamente divulgados pelas imprensas locais e
do resto do Brasil.
Depois de sete anos, Vargas retornava ao Pará, repetindo o argumento de que era
necessário ordenar a exploração da borracha e afirmando que toda a Amazônia não
conseguiu adaptar os seus métodos de trabalho a uma renovação dos processos de
aproveitamento dos recursos naturais.
114
Propôs também, neste discurso, a criação do
Instituto Agronômico do Norte, que sistematizaria o plantio de espécies naturais e que,
mais uma vez, tomaria o trabalho da empresa Ford como exemplo de trabalho
113
GCPR, lata 194, pacote 1.
114
A Amazônia vai ressurgir – a visita do presidente Getúlio Vargas à Amazônia, da qual resultou um
vasto plano de saneamento e de empreendimentos gerais no setentrião brasileiro. Serviço de Publicidade e
Propaganda da Prefeitura Municipal de Belém, 1940, p.4
48
sistemático.
115
Em Belém, o prefeito Abelardo Candurú, discursou agradecendo
primeiramente a ajuda que o governo federal tinha dado à região. O prefeito, porém,
alertou sobre a necessidade de saneamento.
116
Segundo Carandirú, para a realização
completa do Pará, faltaria apenas acudir ao homem caboclo humilde que estava sendo
corroído pelas endemias.
117
Após a visita à prefeitura, Vargas compareceu a uma
cerimônia no destacamento militar de Belém, onde Edgard Facó, comandante da
região, repetiu a necessidade de saneamento quando falou sobre um batalhão recém-
construído que estava tendo dificuldades de ocupar:
Esse quartel não poderá ser ocupado pela tropa, sem que previamente se proceda o
saneamento do bairro em que foi edificado. Nele grassa o impaludismo com o elevado
coeficiente de 65%, de caráter maligno (...) Hoje, devo apresentar ao ilustre chefe da
nação sobre as principais necessidades da região militar (...) O problema principal é a
falta de saneamento.
118
A introdução da revista comemorativa explicita o caráter simbólico da visita de
Vargas:
A visita do presidente à Amazônia vem dar a “Marcha para o Oeste” o caráter definitivo
de sua exeqüibilidade, mediante a fixação dos aspectos essenciais do início da investida,
nova bandeira do Brasil do século XX, que de transformar a Amazônia lendária dos
guerreiros de Orellana num capítulo da história da civilização. [Getúlio Vargas] tem a
certeza de que a “Marcha para o Oeste” representa e significa ânsia de nacionalidade,
determinação histórica desta idade de crescimento do Brasil como potência civilizadora,
que se expande dentro do seu próprio território.
119
Após Belém, Vargas visitou as terras da Ford, concessão de nome “Belterra”, a
convite de Henry Ford, dono da empresa. Como visto, o presidente se utilizou da
concessão como o melhor exemplo de racionalização da cultura a ser seguido. Em
115
A Amazônia vai ressurgir – a visita do presidente Getúlio Vargas à Amazônia, da qual resultou um
vasto plano de saneamento e de empreendimentos gerais no setentrião brasileiro. Serviço de Publicidade e
Propaganda da Prefeitura Municipal de Belém, 1940, p.7.
116
A Amazônia vai ressurgir a visita do presidente Getúlio Vargas à Amazônia, da qual resultou um
vasto plano de saneamento e de empreendimentos gerais no setentrião brasileiro. Serviço de Publicidade e
Propaganda da Prefeitura Municipal de Belém, 1940, p.5.
117
Idem
118
A Amazônia vai ressurgir a visita do presidente Getúlio Vargas à Amazônia, da qual resultou um
vasto plano de saneamento e de empreendimentos gerais no setentrião brasileiro. Serviço de Publicidade e
Propaganda da Prefeitura Municipal de Belém, 1940, p.6
119
A Amazônia..., p.3
49
Belterra viviam 2.500 trabalhadores, cujo objetivo era a plantação e extração racional da
borracha para a produção dos produtos da empresa. Com hospitais, grupos escolares,
cinemas e luz própria, a concessão seria a maior inspiração de Vargas para o plano de
ocupação, saneamento e a implantação de uma cultura racional. Em despedida, o
presidente afirmou que Um dos problemas que mais preocupam o governo já es
sendo resolvido em Belterra: o saneamento”.
120
Na seqüência da viagem, Vargas esteve
em uma colônia japonesa, já citada por ele como um bom exemplo de racionalização da
cultura, na primeira visita ao Pará, em 1933. A colônia, fundada em 1930 na cidade de
Parintins produzia cerca de mil toneladas de juta. Conheceu o chefe da colônia e elogiou
o trabalho de agricultura racional empreendido.
121
Alguns fatos ocorridos durante a
viagem ao Pará foram divulgados pela imprensa do sudeste.
122
Ampliando brevemente o escopo da análise e estabelecendo um panorama geral
das preocupações do governo, foi neste período que se realizaria efetivamente a
primeira tentativa de dar um sentido mítico ao Estado, a partir da figura do chefe. Este
passaria a encarnar o destino nacional porque traduziria os verdadeiros anseios de toda a
coletividade. Segundo Velloso, o mito em torno de Vargas se construiria à base de “um
múltiplo jogo de imagens que o mostram ora como homem comum, identificado com o
povo, ora como político eficiente, realizador de inúmeras reformas na ordem social, ora
como verdadeiro líder, investido de dotes especiais.”
123
A propaganda do governo estava inteiramente voltada para este culto à imagem
de Vargas, assim como parte da imprensa, pois editores de jornais da época, por
exemplo, eram ligados ao Estado, tanto em cargos de confiança, quanto em termos
ideológicos.
120
“A Noite”, 10/10/1940
121
“O Globo”, 10/10/1940
122
Em passeata por Belém, Vargas recebeu Maria Perpétua, que havia lhe enviado uma correspondência
com o objetivo de conseguir auxílio financeiro para se matricular no curso Normal, pois sonhava em ser
professora. Teve seu pedido atendido e foi ao encontro do presidente para agradecer-lhe a dádiva
concedida, estendendo-lhe a mão. Assim, nas palavras do periódico A Tarde, povo e governo dão-se as
mãos, unem-se para confiar mutamente”. Na celebração feita por trabalhadores onde Vargas discursou em
primeira o sobre o plano de saneamento, o operário que realizou o discurso, Hemetério Cabrinha, teve
a oportunidade de tomar champanhe com o presidente durante uma manifestação popular em Belém. Em
Belterra, um menino pediu uma arma a Vargas para poder caçar e foi prontamente atendido pelo
presidente. Ver: A visita do presidente Vargas e as esperanças de ressurgimento do Amazonas, Imprensa
Pública, Manaus, 1940, p.5.
123
Velloso, Mônica Pimenta. Cultura e Poder Político: Uma configuração do campo intelectual”,
Gomes, Ângela Castro; Oliveira, Lúcia Lippi e Velloso, Mônica Pimenta. Estado Novo: Ideologia e
Poder. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editora, 1982, p.95.
50
Em 10 de dezembro, Vargas chegou à Manaus, com muita comemoração dos
populares, além de manifestações dos estudantes. A introdução do encarte
comemorativo à sua visita à cidade expõe o uso político da viagem presidencial, pois
Vargas passou a ser visto como o “moderno descobridor do Amazonas”:
Haverá, talvez aqui e ali, algum exagero, quando, por exemplo, se quer dar por
descoberto agora o Amazonas com a excursão presidencial, ou quando vêm a exame os
palpitantes problemas do vale (...) Se houvesse em verdadeiro um moderno descobridor
do Amazonas (...) seria, no caso, Getúlio Vargas, não agora (...) mas em 1930, quando
em sua plataforma, apontou decisivamente as nossas necessidades, pondo-as no quadro
de preocupações que deveriam tornar-se nacionais.
124
A idéia que o encarte buscava divulgar era que Vargas, enquanto candidato,
candidato a presidência estava comprometido com a região amazônica. Porém, após
o “golpe refundador”, poderia dar conta de suas promessas. A estratégia de divulgação
era clara: a reconstituição da relação do presidente com a região amazônica, passando
pelo programa de governo de 1930 e a viagem do Pará de 1933. Mas, na prática,
podemos demarcar três marcos neste percurso: em 1930, entre as promessas da
“Plataforma” estava o reaproveitamento econômico da região; em 1933, viajou para o
Pará em busca de apoio político para as eleições. Mas, em 1936, Vargas não fazia
menção à recuperação econômica da Amazônia. A estratégia de divulgação foi encadear
as iéias contidas na “Plataforma da Aliança Liberal” com a visita de 1933 e desta forma,
estabelecer uma relação de Vargas com a região, de forma que o presidente sempre teve
como uma de suas metas o ressurgimento da Amazônia. Na visita à Manaus, Vargas
pronunciou um discurso de grande impacto, que ficou conhecido posteriormente como o
“Discurso do Rio Amazonas”.
125
O discurso foi distribuído pelo DIP.
126
Entre 1941 e 1945, comemorou-se o
aniversário da palestra com festas e explanações de líderes locais.
127
Na oração, Vargas
apontou novamente que o grande inimigo do progresso amazonense era o espaço
imenso e despovoado, que seria o grande entrave da integração da economia amazônica
124
A visita do presidente Vargas e as esperanças de Ressurgimento do Amazonas, Imprensa Pública,
Manaus, 1940, p.9.
125
Para transcrição completa do “Discurso do Rio Amazonas”, Ver Anexo II, p.154.
126
Na seção de Periódicos da Biblioteca Nacional e no Arquivo Getúlio Vargas (AGV), encontram-se
algumas cópias de divulgação do “Discurso”. Este acervo encontra-se sob guarda do CPDOC.
127
Não foram encontrados registros de comemorações ao “Discurso do Rio Amazonas” posteriores a
1945.
51
à economia nacional. As alegorias faziam referência ao futuro que estaria reservado à
região, tendo como um novo marco histórico o dia 10 de novembro de 1940. Segundo
Vargas, a partir daquele momento o país inteiro teria os olhos voltados para a
Amazônia:
O empolgante movimento de reconstrução nacional consubstanciado no advento do
regime de 10 de novembro não podia esquecer-vos, porque sois a terra do futuro, o vale
da promissão na vida do Brasil de amanhã. O vosso ingresso definitivo no corpo
econômico da nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito sem
demora. Vim para ver e observar, de perto, as condições de realização do plano de
reerguimento da Amazônia. Todo o Brasil tem os olhos voltados para o Norte, com o
desejo patriótico de auxiliar o surto de seu desenvolvimento. E não somente os
brasileiros; também estrangeiros, técnicos e homens de negócio, virão colaborar nessa
obra, aplicando-lhe a sua experiência e os seus capitais, com o objetivo de aumentar o
comércio e as indústrias e não, como acontecia antes, visando formar latifúndios e
absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo brasileiro.
128
O povoamento da região, nas palavras de Vargas, fazia-se extremamente
necessário e naquele momento que encontraria as condições naturais de fazê-lo. Para o
presidente, os tipos que constituíam a população amazônida (o nordestino, seringueiro e
os ribeirinhos) deveriam encontrar suas redenção na racionalização de culturas e pelo
saneamento das localidades:
É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. Nos
aspectos atuais o seu quadro ainda é o da dispersão. O nordestino, com o seu instinto de
pioneiro, embrenhou-se pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a
seringueira silvestre para deslocar-se logo, segundo as exigências da própria atividade
nômade. E ao seu lado, em contato apenas superficial com esse gênero de vida,
permaneceram os naturais à margem dos rios, com a sua atividade limitada à caça, à
pesca e à lavoura de vazante para consumo doméstico. não podem constituir esses
homens de resistência indobrável e de serena coragem, como nos templos heróicos da
nossa integração territorial, sob o comando de Plácido de Castro e a proteção
diplomática de Rio Branco, os elementos capitais do progresso da terra, numa hora em
que o esforço humano, para ser socialmente útil, precisa concentrar-se técnica e
disciplinadamente. O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos
128
Vargas, Getúlio. O Discurso do Rio Amazonas, Cultura Política revista de estudos brasileiros,
vol.1, nº8, 1941, pp.228-229.
52
povoadores ribeirinhos devem dar lugar a cleos de cultura agrária, onde o colono
nacional, recebendo gratuitamente a terra desbravada, saneada e lotada, se fixe e
estabeleça a família com saúde e conforto.
129
Alguns conceitos e visões da região amazônica nesta explanação são de certa
forma semelhantes ao discurso realizado em 1933 no Pará. Porém a diferença
fundamental entre as duas orações reside no contexto político desta visita, agora sob a
égide de um regime centralizado e ditatorial.
Como visto, a Marcha para o Oeste continha aspectos simbólicos importantes,
pois nenhum presidente havia feito o mesmo trajeto de Vargas pelas regiões mais
remotas do país. O primeiro movimento de ocupação e legitimação de áreas mais
afastadas estava sendo feita pelo próprio líder da nação. Ao andar nas regiões mais
afastadas do Brasil, o presidente estaria dando o primeiro passo para a ocupação destes
territórios. A questão da imigração e colonização no governo Vargas tinha muita
importância, basta ver o espaço dedicado no periódico Cultura Política a esta questão,
com uma série de dez artigos de Arthur Neiva sobre o histórico da ocupação no Brasil.
Segundo Velho, a Marcha para o Oeste serviu para evitar a reforma estrutural do
coronelismo nas áreas rurais brasileiras.
130
Para o autor, não parece que Vargas
imaginasse Marcha para o Oeste como um movimento de massa que ocuparia e
desenvolveria metade do país em curto espaço de tempo.
131
Complementando, Velho
afirma que:
Quando falava em termos concretos, Vargas parecia ter em mente, em termos de
política governamental, sobretudo as “medidas elementares”, tais como saneamento,
educação e transportes, que constituiriam os pré-requisitos e o suporte para a ocupação.
Os recursos que os Estado Brasileiro tinha a seu dispor na época eram relativamente
poucos e a dificuldade para a análise está em que (...) de certa maneira a retórica por
vezes não refletia a política estatal, mas ela era mesma parte desta política, como um
substituto de medidas concretas.
132
Autores como Cabreira assinalam que a Marcha para o Oeste desempenhou um
importante papel no Estado Novo, o de construção da nação. A imigração, segundo a
129
Idem, p.229
130
Velho, Otávio. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo, Difel, 1976, p.148
131
Velho, op.cit., p.150.
132
Velho, op.cit., pp.150-151.
53
autora, provocaria um desenraizamento do homem, servindo para acalmar quaisquer
tentativas de conflitos sociais internos, indo assim de encontro com o ideal de harmonia
social amplamente difundida pelo governo central.
133
No tocante à questão sanitária,
Castro Santos afirma que o oeste da ideologia varguista simbolizava a fronteira política
em expansão e nas áreas de antiga dominação coronelista, Vargas praticou uma política
de acomodação, concessões e barganhas.
134
Consequentemente, essa ação teria
impedido o avanço de médicos sanitaristas nas terras sob domínio oligárquico.
135
Essas conclusões concordam que o programa teve um forte caráter simbólico e,
embora no sentido prático não resultasse em grandes ocupações, serviu para o governo
se fazer presente nestas regiões, pois como afirmou o editorial do jornal A Vanguarda,
“Os seus habitantes conheciam mais de perto as coisas dos países limítrofes e próximos
do que os nossos”.
136
Como dito anteriormente, houve uma expressiva divulgação pela imprensa de
grande parte do país da excursão do presidente.
137
Um dos principais meios de
divulgação foi através da mídia impressa. Durante o mês de novembro, diversos
editoriais foram escritos em jornais dos mais importantes, como O Estado de São Paulo,
Correio da Manhã, O Globo, além de reportagens relatando as efemérides da visita.
Jornais nordestinos também convocaram trabalhadores cearenses para povoar a
Amazônia.
138
133
Cabreira, Márcia Maria. Vargas e o rearranjo espacial do Brasil: a Amazônia Brasileira – Um estudo
de caso. Dissertação de Mestrado, o Paulo, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana da
USP, 1996, p. 32.
134
Castro Santos, Luiz Antônio de. “O Pensamento Sanitarista na Primeira República: uma ideologia de
construção da nacionalidade”, Santos, Luiz Antônio de. O Pensamento Social no Brasil, Campinas,
Edicamp, 2003, pp.247-248.
135
Idem. Críticas ao argumento de Castro Santos têm sido formuladas por pesquisas recentes que
trabalharam o período, como a tese de Fonseca:
“A política de saúde pública implementada no decorrer do governo Vargas constituiu também
instrumento do processo de construção do Estado e sua capacidade administrativa, além de não ter
ocorrido o deslocamento proferido por Castro Santos. A bandeira do saneamento foi incorporada e
reelaborada no projeto político-ideológico do governo e, independentemente da existência ou não de
mobilização social, atendeu o governo federal em seu interesse de garantir presença no interior do país.
Não houve rompimento com o que vinha sendo realizado na área de saúde pública, mas sim a
incorporação tanto das suas instituições como de seus atores/agentes ao novo processo de state building
definido para o país, empreendido por meio da normatização, centralização, formação e especialização
profissional.” Fonseca, op.cit., p.20.
136
“A Vanguarda”, 15/10/40, Rio de Janeiro.
137
relembrando que o termo “excursão” é usado pelo próprio presidente quando se refere à viagem.
138
“A República”, 1/10/40
54
Uma palavra de ordem nos editoriais era a superação da “Amazônia ilusória” e
do “Inferno Verde”, como o editorial intitulado “Ação, não poesias!”, que afirmava que
a região nada tinha sido até o momento, apenas um lugar lendário, desprezado pela
civilização.
139
Os periódicos comemorativos também revelam uma estratégia de
legitimação dos estados amazônicos em relação ao país. Aparentemente, o
“termômetro” desta crescente importância que os estados teriam passavam pela
divulgação de notícias em periódicos do Sudeste. Esse conjunto de fatores demonstra
que a Marcha para o Oeste atendeu aos objetivos iniciais do governo, de construir em
cada região, mesmo nas mais afastadas do país, cultos ao presidente. Em Porto Velho,
Vargas afirmou que tinha a intenção de convocar uma “conferência das nações
amazônicas” para firmar um acordo pan-americano de valorização da região, além de
ter dado mais detalhes sobre o plano anunciado aos operários em Belém:
O plano compreende duas partes: saneamento e colonização. O saneamento será feito
com uma organização técnica de execução progressiva, até conseguirmos extinguir o
impaludismo. A política povoadora será iniciada com grupos de nacionais que se fixem
e prosperem.
140
Em recepção a Vargas, Álvaro Maia discursou sobre a “íntima relação” que o
presidente teria com a região, pois aos vinte anos, acampou com o exército na região do
Mato Grosso, em Corumbá, onde refletiu sobre a questão do Acre. Ou seja, a Amazônia
e o Amazonas estariam nos pensamentos de Vargas desde infante. Álvaro Maia deu o
primeiro passo em seu discurso para a construção de um conceito Estado-novista sobre
a Amazônia:
No ciclo dos seringueiros e castanheiros, sucedendo ao dos sertanistas e bandeirantes,
queremos produzir racionalmente, sadiamente. Éramos apenas a lenda florestal. Hoje,
ao impulso das novas gerações, apresentamos o início de uma racionalização
produtiva, que necessita de amparo compensador (grifo meu).
141
No período seguinte, o Estado Novo procurou reescrever a história regional do
país a partir de um novo descobridor: o próprio presidente, que, através de suas visitas,
139
“Diário da Manhã”, 16/10/40, Ribeirão Preto.
140
A visita do presidente Vargas e as esperanças de ressurgimento do Amazonas, Imprensa Pública,
Manaus, 1940, p.88.
141
A visita do presidente Vargas e as esperanças de ressurgimento do Amazonas, Imprensa Pública,
Manaus, 1940, p.21
55
expandiu e se fez presente em todo o país, em especial para os estados ditos
abandonados, como Amazonas, Pará, território do Acre, Goiás e Mato Grosso. E em
cada um destes lugares os Departamentos de Propaganda, através de jornais e folhetos
buscaram valorizar os elementos regionais. A questão amazônida era o caboclo, que de
inpotente frente à natureza para vencer a natureza, passou a ser o responsável pela
existência da região. A partir do periódico Cultura Política e dos intelectuais que
escreviam na revista, podemos perceber o esforço integrado em ressaltar o papel
refundador do governo.
1.7 A História da Amazônia reescrita por intelectuais nas páginas da Cultura
Política (1940-1941)
Segundo Capelato, o Estado Novo se caracterizou por significativas mudanças
promovidas pelo governo.
142
Elas ocorreram em vários níveis: reorganização do Estado,
reordenamento da economia, novo direcionamento das esferas públicas e privada, nova
relação do Estado com a sociedade, do poder com a cultura, das classes sociais com o
poder, do líder com as massas. Porém necessitava expandir-se para outros segmentos,
como a produção cultural, uma vez que se entendia que “o progresso social de um povo
era material, mas também era de ‘civilização’”.
143
Assim, foi elaborada nesse período a
montagem de uma propaganda do governo Vargas destinada a difundir e popularizar a
ideologia do regime junto às diferentes camadas sociais. Com a intenção de materializar
esse empreendimento foi criado um órgão ligado diretamente ao executivo: o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
O Departamento construiu uma ideologia que atingiu amplos aspectos da vida
cultural e política do país, podendo-se, inclusive, afirmar que nenhum governo anterior
teve tanto empenho em se legitimar nem recorreu a aparatos de propaganda tão
sofisticados como fez o Estado Novo.
144
O DIP possuía órgãos afiliados, os
Departamentos estaduais de Imprensa e Propaganda (DEIPS), que eram subordinados
ao Rio de Janeiro. Um exemplo da ação de divulgação dos DEIPS foi a divulgação da
142
Capelato, Maria Helena. “O Estado Novo: o que trouxe de novo?”, Delgado, Lucília e Jorge Ferreira.
O Brasil Republicano- o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003,
p.113.
143
Gomes, Ângela de Castro. História e historiadores, Rio de Janeiro, Editora FGV, p.137.
144
Velloso, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado novo”, Delgado, Lucília e
Jorge Ferreira. O Brasil Republicano- o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, p. 146.
56
viagem de Vargas ao Pará e ao Amazonas, por parte dos órgãos nos respectivos estados,
logo após a visita do presidente.
145
Interessa-nos destacar como se constituiu um discurso sobre a Amazônia neste
período que, como vimos se ampliou de forma significativa após a excursão de Getúlio
Vargas ao local. No âmbito ideológico, o periódico Cultura Política difundiu o
pensamento político do Estado Novo, com ampla participação de intelectuais, que, além
de contribuírem para os artigos da revista, também ocupavam cargos no poder, como
Almir da Andrade, diretor da publicação e Cassiano Ricardo, diretor do Departamento
estadual de Imprensa e Propaganda de São Paulo, diretor do Departamento Cultural da
Rádio Nacional e do jornal A Manhã.
Importante ressaltar que a abordagem que se segue tem por objetivo
compreender e localizar a Amazônia nas páginas do periódico, contextualizando-a e
inserindo-a no projeto nacional. Um aspecto específico na revista será destacado: a
importância da Amazônia como parte do projeto ideológico do Estado Novo, através de
temas como a redenção do caboclo, saneamento e colonização da região, sem pretender
uma análise ampla sobre a publicação, mas se apoiando na literatura sobre o tema.
146
Os
artigos específicos sobre a questão da Amazônia para o Estado Novo procuravam
produzir um discurso integrado, sempre partindo dos conceitos inseridos no “Discurso
do Rio Amazonas”, em especial a superação do passado da região, onde as elites
políticas anteriores, ao não conseguirem dar o tratamento adequado às questões como o
povoamento e saneamento da região, deram margem aos conflitos natureza versus
homem, tão caros à história da Amazônia.
Nestes artigos, o passado sempre aparece como um fantasma a ser enfrentado,
mas também visto como fonte de inspiração, pois se tratava de interpretar a história para
145
As publicações datam de novembro de 1940, ou seja, menos de um mês depois das visitas de Vargas à
região.
146
Ver Velloso, Mônica Pimenta. “Os intelectuais e a política cultural do Estado novo”, Delgado, Lucília
e Jorge Ferreira. O Brasil Republicano- o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, pp.145-180; Gomes, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo edição. Rio de
Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 2005; Gomes, Ângela de Castro. História e historiadores a
política cultural do Estado Novo, Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996; Gomes,
Ângela de Castro; Oliveira, Lúcia Lippi; Velloso, Mônica Pimenta. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar editora, 1982
57
encontrar nela um novo sentido, distante da utopia, fatalismo ou imobilismo.
147
A
proposição de Gomes fornece argumentos para a análise deste período:
Se o presente permanece ancorado no passado como tradição, durante os anos do Estado
Novo faz-se um esforço consciente e avultado para redescobrir o passado histórico
enquanto realidade antecedente e passível de compreensão. Um passado histórico que
não podia, como tradição, coexistir com o presente, mas que era fonte de explicação
para o novo.
148
Nas seções dedicadas a temáticas regionais, os artigos eram escritos geralmente,
por intelectuais locais, ou que ocupavam cargos importantes no Estado. As escritas
sobre a problemática da Amazônia eram de políticos locais ou romancistas que se
dedicaram à região. Os artigos explicitam alguns pontos, como a valorização e o
ressurgimento do caboclo, assim como uma reação à literatura da época, a qual chamava
mais atenção à natureza que ao homem. Mas a operação histórica nos artigos que
tinham como base o “Discurso do Rio Amazonas” era outra: uma reescrita da história da
Amazônia a partir da valorização do elemento que sempre ficava em segundo plano: o
caboclo. Gomes afirma que
O povo que estava hibernando deveria ser acordado e, acima de tudo, o Estado tinha os
meios e as soluções para esta revalorização e redescoberta do Brasil e de suas regiões no
ideário Estado-novista. Tinha-se também uma certa alteração nas relações dialéticas
entre passado, presente e futuro. Uma linha de continuidade na história do povo, os
vínculos com um passado de tradições, permaneceriam inalterados.
149
Dessa forma, a história da Amazônia não seria mais a da natureza e dos rios
bravios, mas sim uma história de superação das doenças, principalmente a malária. Por
fim, uma história de sobrevivência heróica. Mas o pensamento “anti-naturalista” do
Estado Novo caía em uma armadilha: por mais que tentasse fugir de uma visão
naturalista, a culpa acabava recaindo sobre a natureza. As condições naturais (clima,
natureza, etc.) continuariam sendo culpadas pelo subdesenvolvimento amazônico.
Sugiro que a partir desta ótica as políticas foram formuladas. Mesmo tentando fugir
desse paradigma, característico dos trabalhos de intelectuais da região, os escritores
147
Gomes, op.cit., 1996, p.144
148
Gomes, op.cit, 1996, p.145
149
Gomes, op.cit., 1996, p.152
58
acabaram ratificando a idéia de que o ambiente e a natureza foram os grandes
impedimentos a uma ocupação racional da região, como veremos adiante.
150
O passado vivo, ou seja, as imagens comuns aos colaboradores da revista, era o
homem em constante guerra contra a natureza e não mais um indolente que não
conseguia resistir às agruras da vida na selva. Este homem caboclo não era mais o
culpado do subdesenvolvimento do local, mas sim as elites ausentes que durante vários
séculos não deram a devida atenção à região. A valorização do habitante rural é uma
característica comum aos artigos que, claro, sem perder as especificidades de cada
autor, dão o crédito pela sobrevivência da região justamente ao habitante local, que fora
esquecido durante tanto tempo. Cabe ressaltar um último aspecto relevante à análise que
ronda a Cultura Política: o aspecto refundador do Estado Novo. A partir de um marco
zero, a Revolução de 30, e da plenitude desse processo, em 37, estaria retomando a
vocação histórica do Brasil e a continuação da construção desta nacionalidade que fora
interrompida especialmente na Primeira República e seu liberalismo, como um
momento de verdadeira decomposição do país.
151
Na ideologia do Estado Novo, o
período liberal no poder da república tornou-se um dos principais fatores que levou a
Amazônia a virar um sorvedouro de vidas, pois tratavam a região como um país de
lendas.
Francisco Galvão, ex-deputado estadual do Amazonas, jornalista, escritor e
romancista, publicou no primeiro número do periódico um artigo sobre os problemas da
região e sobre a redenção amazônica que o governo Vargas viria proporcionar,
soterrando de vez a vitória dos rios bravios sobre a ocupação humana, além da
valorização do elemento regional, agora um herói por ter anexado o Acre ao território
brasileiro no início do século:
Muito tempo perdemos como o messianismo fagueiro do espanto humboldtiano, quando
nos admirávamos com a visão apocalíptica das águas barrentas de envolta com a
maravilha da paisagem fascinante da Canaan que ainda espera seu povo (...) mostramos
150
O aspecto heróico destes artigos encontra eco em estudos históricos sobre a região, que viam nesta
superação, a esperança de que um dia a natureza seria vencida. Para mais observações sobre a
“historiografia amazônica” ver Santos, Fernando Sérgio Dumas. Os caboclos das águas pretas: Saúde,
ambiente e trabalho no Século XX. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas,
2003, pp. 18-21.
151
Gomes, op.cit., 2005, p.190
59
aos homens o grave erro em que incorríamos, tecendo louvaminhas à paisagem
dramática que assombrava nossos sentidos, sem ver a tragédia tristíssima do homem.
(nossa obra) ‘Terra de Ninguém’ trouxe ao país a afirmação desnorteadora de que, nos
centro palúdicos dos seringais amazônicos, o trabalhador nacional perdido na selva era
ainda escravizado, lutando bravamente contra a inclemência dos elementos sem
resultados compensadores, de vez que a indústria nativa abandonada, desprotegida, o
arrastava insensivelmente para a miséria. A ‘Jungle’ o encarcerava entre as mais
temíveis surpresas, ao redor de todos os perigos, arriscando a existência numa indústria
que lhe exigia mais que a própria vida – a renúncia de si mesmo. E ele, estóico, branco,
obscuro, realizaria o milagre da anexação do Acre ao território brasileiro, com as balas
de sua winchester.
152
Mas, para Francisco Galvão, as lembranças não serviriam apenas para apontar as
mazelas locais, e sim meios para o ressurgimento da Amazônia, que, como o autor
aponta, “ressurgirá de si mesma”, pois o governo, a partir de estudos cuidadosos, já teria
noção do coeficiente de suas necessidades. O primeiro passo teria sido dado, com a
chegada das leis sociais aos seringais, “alforriando o seringueiro”.
153
A redenção da Amazônia, segundo Galvão, se daria principalmente, pela “fome
de hévea” e, como afirmou Vargas a partir da racionalização da agricultura, tendo como
principal inspiração a Fordlândia, pois passaria de um período rudimentar de cultura
para a cultura intensiva. E, óbvio, tece comentários sobre a viagem de Vargas:
A viagem do presidente Getúlio Vargas à região amazônica, embrenhando-se pelo
hinterland à cata de analisar os rebanhos humanos, deu-nos a certeza de que estão sendo
estudados todos esses problemas ao lado da imprescindível proteção ao seringueiro. O
saneamento da região, a criação de campos experimentais de plantio, a fundação de
escolas especializadas, a preparação de técnicos, a redução dos impostos tirarão os
resultados da incógnita econômica do complexo amazônico, sem o perigo das
improvisações desnorteantes. A borracha amazônica deixou de ser um problema
regional para ser um problema nacional. Todos o sabem.
154
Partindo do pressuposto que a região encontraria por si só a saída dos problemas,
Galvão afirma que o havia a necessidade de braços estrangeiros, mostrando-se
152
Galvão, Francisco. “O sentido social da Amazônia”, In: Cultura Política revista de estudos
brasileiros, vol.1, nº1, 1941, p.150.
153
Galvão, op.cit, p.153
154
Galvão, op.cit., p.154
60
afinado com o discurso varguista, que controlava a imigração de forma severa. O
próprio amazônida seria capaz de povoar o grande deserto, e, segundo Francisco
Galvão, para explorar “brasileiramente” a região, bastava sanear os rios, drenar os
paranás e educar agricolamente o lavrador daquela região para o milagre ser operado,
pois os rios amazônicos continham em suas margens palustres uma história
“estrangulante” de grandes heroísmos.
155
Em outro artigo, Galvão empreendeu um estudo para entender o porquê do
despovoamento da região, que na primeira metade do século XX, o sul aumentou o
coeficiente populacional de 48 para 56%, enquanto a região amazônica aumentou de 3,3
para 4,4%.
156
O autor chama o problema de “desnatalidade”, e dois fatores para o
acontecimento seriam a negligência sexual dos índios e o pouco apego à terra natal,
que, segundo Galvão, grande parte dos índios e caboclos emigravam para os grandes
centros, abandonando suas terras.
157
Uma discussão importante no artigo é sobre a
“indolência cabocla”, relembrando um tema caro aos intelectuais do primeiro triênio do
século XX. Para o autor, a redenção do homem do interior se daria no país como um
todo, ampliando a alcunha de “sertanejo” ao habitante da Amazônia:
A decantada ociosidade do caboclo, perfeitamente analisada de perto pela inteligência
clara do Presidente Getúlio Vargas, revela-se puramente mórbida, por ser ele um
espoliado dos parasitas que infestam as populações rurais. Verifica-se a redução do seu
equilíbrio hemático, em admirável acordo com o empobrecimento natural do sangue
corroído pela malária. Daí precisamente o seu retardamento, aquela sua lassidão, o
atrofiamento lento e perceptível do seu potencial econômico, ajudado pela insuficiência
alimentar (...) Alimenta-se ele pouco porque não tem o que comer além do chibé,
produto escasso de vitaminas, ou do pacu arpoado ligeiramente no lago fronteiro à
barraca de palha em que vive.
158
Relembrando Monteiro Lobato, o caboclo não era assim, estava assim. Mas
mesmo combalido, o caboclo em conjunto com o índio e o nordestino venceriam a
155
Galvão, op.cit., p.155.
156
Dados apresentados pelo autor.
157
Galvão, Francisco. “O homem e o deserto amazônico”. Cultura Política revista de estudos
brasileiros, 1941, vol.1, nº4, p.43
158
Galvão, Francisco. “O homem e o deserto amazônico”. Cultura Política revista de estudos
brasileiros, 1941, vol.1, nº4, p.45
61
natureza. Bastaria o Estado Novo ajudá-lo que, assim, ele conseguiria cumprir seu
destino redentor. Galvão aponta outras razões para a indolência cabocla:
A existência fácil na selva, onde se revela um operário útil e trabalhador,
paradoxalmente, desassocia-o e isola-o. Não se anima a produzir mais que a sua
subsistência. Nada aspira e deseja senão o que a terra, a água e as árvores lhe fornece
com invejável prodigalidade. Essa é a sua doce filosofia nativa, perfeitamente ao revés
da que vence o mundo moderno onde o egoísmo ergueu as suas altíssimas ameias. Do
exame insignificante feito aqui sobre a tenacidade do homem que povoa a planície (...),
surgiu o milagre verde da Amazônia a desmentir o receio euclidiano de que o elemento
humano seria fatalmente esmagado pela natureza. Ele venceu a terra corajosamente,
tanto o índio prestes a se civilizar, o caboclo astucioso, tardo de movimentos, como o
nordestino afoito e perseverante. Demonstramos neste estudo a vitória absoluta do
homem na hiléia.
159
O caboclo, o nordestino e o índio estariam assim, incorporados ao repertório
ideológico do governo Vargas. No número seguinte, Azevedo Lima, chefe do distrito
médico pedagógico na Secretaria Geral de Educação e Cultura, escreveu um artigo que
buscava esclarecer questões sobre o saneamento da Amazônia. O escrito trata da
viabilidade de um plano de saneamento para a região. Imagens humboldtianas
recorrentes desde o discurso de Vargas, de que a Amazônia poderia ser o celeiro do
mundo, são constantes no texto de Azevedo Lima. Ressaltando o argumento aferido no
início da sessão, a lógica da narrativa destes artigos é peculiar, pois, ao mesmo tempo
em que renegam a alcunha de “Inferno Verde” e as agruras climáticas do local,
reforçam a inviabilidade de colonização a partir da natureza, porém, com novos
culpados, em especial, as elites políticas anteriores.
160
A idéia compartilhada pelas
viagens de Vargas e formulada pelos intelectuais era que a Amazônia continuava sendo
uma terra virgem, nas palavras de Euclides da Cunha, “a mais nova do mundo”, e que
sendo uma localidade incipiente, se tornou “um dos campos mais ricos de possibilidades
para o futuro brasileiro”.
161
Neste artigo, Azevedo Lima concentrou na questão sanitária
159
Galvão, op.cit., p.46.
160
Este argumento em relação às “elites anteriores” faz referência à negação do passado pré-30. Mas a
incongruência nesta fala é que, em muitos casos, não houve alteração nestas elites locais. Assim, estes
escritos tendem a chamar de elites” os regimes políticos anteriores. A meu ver, ocorreu a apropriação de
uma retórica proferida nos discursos (negação às classes políticas anteriores) a nível local, pois nenhum
membro destas “elites” é citado.
161
Lima, Azevedo. “O Saneamento do Amazonas”, Cultura Política revista de estudos brasileiros,
Vol.1, nº3, 1941. p.98.
62
e buscou apontar os culpados e as providências que seriam tomadas para a região
cumprir seu destino. A crítica à literatura ficcional também seria necessária:
“Multiplicou-se em literatura de gênero meio afetado, meio bucólico, que cheira a
poemas campestres de algum teócrito passadista para desagravar o celeiro do mundo”.
162
Mas o autor reconhecia que, mesmo entre os apologistas, a “verdade
involuntária” despontava, citando inclusive Euclides da Cunha, que, ao cobrar mais
atenção das instituições governamentais à região, acabou recaindo no erro de culpar o
clima e a natureza.
163
A superação das imagens euclideanas era necessária, pois o
saneamento da região seria a principal missão do Estado Novo. Azevedo Lima cita
como exemplo o saneamento promovido na Baixada Fluminense, onde vegetava uma
“população de opilados” e que o principal medo dos sanitaristas em relação à região
amazônica não seria em relação ao clima, mas à “hostilidade do habitat”, que deveria
ser corrigido. Com a intenção de fazer um estudo objetivo da realidade, o autor traçou
um quadro das doenças que afligiam a região, assim como o histórico da chegada delas:
O certo é que, no quadro nosológico da antiga província amazônica, não figuram
enfermidades autóctones. As infecciosas e transmissíveis são, até, de importação
relativamente recente. A febre amarela denunciou-se, pela primeira vez, no Amazonas
em 1856, quase sete anos depois da data em que explodiu na capital essa terrível
epidemia. (...) a cólera desembarcou, no Amazonas, de bordo do vapor Marajó, em
1855, e fez-lhe nova visita em 1856, procedente do Pará, no bojo do Tapajós. O
impaludismo (...) se instalou no Brasil, pela primeira vez, em 1829, na cidade de
Macacú, província do Rio de Janeiro, não é por certo originário dos trópicos, nem o
conhecia o Amazonas antes que acometesse as ilhas da Guanabara e alcançasse terra
firme (...) As leishmanioses amazonenses, ou os vários aspectos clínicos da mesma
enfermidade parasitária, reconhecem como agente patogênico um protozoário de
procedência oriental. O beri-beri nem é doença tropical, nem é mal infeccioso. Pela
perpetuação dele, não responde, também, o clima do extremo norte. Assiste, portanto,
aos amazonenses razão para que se rebelem contra os que irrogam ao seu estado natal a
pecha de insalubre. Entretanto(...) as cifras de morbilidade e obituário, no Amazonas
alcançam, proporções assustadoras (...) o fato social é que não corresponde a densidade
162
Lima, op.cit., p.100.
163
Lima, op.cit., p.101.
63
da população dispersa pelos latifúndios da Amazônia às incalculáveis riquezas em
potencial.
164
Como uma região que não tinha um clima que contribuía para a difusão destas
doenças se encontrava em estado tão alarmante? Porque a “terra virgem” continuava a
ser um sorvedouro de vidas”? Estas eram as questões de Azevedo Lima. A resposta
continha duas linhas-mestras que, segundo o autor, se interligavam: o saneamento da
região para sua colonização. Porém, outra pergunta era pertinente: como sanear uma
localidade despovoada? A questão estava sendo respondida pelo próprio presidente: as
duas caminhariam juntas para educar o homem da selva a cultivar racionalmente.
165
Para Azevedo Lima, após os discursos nos remotos sertões do oeste”, Vargas, a partir
de 10 de Novembro de 1940, estava efetivando a emancipação econômica daquelas
regiões “malsinadas” com a proteção sanitária ao caboclo e com o amparo oficial que
estava começando a ser realizado pela comissão de sanitaristas, a qual faria uma
detalhada pesquisa técnica a fim de compreender os fatores que enfraqueciam os
trabalhadores.
166
Assim, a primeira parte do plano de saneamento da Amazônia estava
sendo realizada. Segundo Lima, a revitalização da região deveria ocorrer em conjunto
com a restauração sanitária dos trabalhadores.
167
Azevedo Lima assim conclui, com planos extremamente ambiciosos para as
localidades amazônicas:
Durante meio século de administração republicana, a grandeza cósmica do Amazonas
nunca figurou nos cálculos dos alquimistas liberais. Sabia-se, vagamente, da existência
desse país de lendas fantásticas e depravações republicanas (...) vivia a margem da
civilização, sugado o povo pelas ventosas dos hematófagos, roído em suas energias
pelos hematozoários de Laveran, esporiado pela praga social dos regatões e
atravessadores (...) Concluída essa obra benemérita de patriotismo, não seria exagero
adiantar que a nossa civilização se deslocará para o extremo setentrional do Brasil.
O Norte marcará, então, o ritmo do nosso progresso. Oferecerá hospitalidade a
cerca de 150.000.000 de homens (grifo meu).
168
164
Lima, op.cit, p.102
165
Lima, op.cit., p.108
166
Lima, op.cit., p.109
167
Idem.
168
Lima, op.cit., p.110.
64
Considerações finais
No curso do capítulo, percorremos onze anos de discursos e idéias que tinham
em vista problemas e possíveis soluções para a região amazônica. Alguns pontos devem
ser reconsiderados para o andamento investigativo. O primeiro é a formulação de
discursos “desesperados” que não tinham dados analíticos precisos, mas possuíam o
objetivo e chamar a atenção do poder público frente à situação das localidades, atingidas
por endemias como a lepra e a malária. Devido à ausência do Estado, organizações
particulares, como as Missões Salesianas atuaram nos cuidados médicos à população.
Mas, como visto, os habitantes rurais resistiram à medicação imposta pelos religiosos,
que por sua vez, enxergavam a terapêutica popular desenvolvia pelos amazônidas como
“primitiva”. Importante ressaltar a rede de relações construída por estas missões, que na
década de 30 tentou obter benefícios estatais a partir do canal de comunicação aberto
pela Secretaria da Presidência da República. O segundo ponto a ser levantado é a nova
posição dos estados que constituíam a Amazônia (Amazonas, Pará e Território do Acre)
na conjuntura política dos anos após a Revolução de 30, que, ao se tornarem bases
aliadas dos primeiros anos de Vargas no poder, receberam uma razoável atenção
governamental, representada nas viagens do presidente à região.
Estes pontos têm relação direta com o terceiro a ser considerado, que foi a
formulação de idéias sobre a Amazônia, com o objetivo de inserir a região na
propaganda ideológica do Estado Novo e na Marcha para o Oeste, cujo alcance ocorreu
mais no âmbito discursivo do que em práticas voltadas para o desenvolvimento da
região. A partir da viagem de 1940, Vargas reconstituiu sua trajetória na região
amazônica, sendo que na prática tivemos duas viagens sob diferentes contextos e com
diferentes objetivos. Outro ponto importante foram os artigos sobre a história local, que
tinham o objetivo de reescrevê-la, trazendo à luz novos protagonistas da formação
histórica e social da Amazônia. Os escritos valorizaram os elementos locais. A negação
do “passado liberal” serviu de principal mote para o projeto capitaneado e incentivado
pelo Estado, que se efetivou nas páginas do principal periódico formulador do
Departamento de Imprensa e Propaganda: a Cultura Política.
Prosseguindo com a proposta apresentada, vamos considerar no próximo
capítulo a atuação de personagens e instituições do poder público na região, tendo em
vista o crescente interesse que a Amazônia despertou para o governo federal e a
65
proximidade dos anos de guerra, que afetariam de forma decisiva os planos de saúde e
saneamento formulados para a localidade.
66
CAPÍTULO II:
EVANDRO CHAGAS E AS INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS DE
SAÚDE E SANEAMENTO NA AMAZÔNIA (1934-1942)
Introdução
Em 3 de Março de 1942 o governo brasileiro firmou os chamados Acordos de
Washington”, acordos militares que, entre suas cláusulas, previam a fixação de preços
para a compra de uma série de produtos brasileiros. Interessava aos norte-americanos
aumentar a produção de matérias-primas de importância estratégica na situação de
guerra vigente. A borracha adquiriu este status porque os grandes centros produtores de
látex estavam ocupados pelos países que constituíam o chamado Eixo do Mal” (Itália,
Japão e Alemanha).
1
Segundo o acordo, para o aumento de produção da borracha
deveria ser feito um prévio saneamento da região a ser explorada, o vale do Amazonas.
Assim, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) foi criado com o objetivo de
controlar doenças (principalmente a malária) e dar assistência aos trabalhadores que
chegariam à região.
Tal idéia estava longe de constituir uma novidade, pois outras instituições
científicas voltadas para saúde e saneamento, como o Instituto de Patologia
Experimental do Norte (IPEN), já trabalhavam na região desde os anos 30. Como
resultado da viagem de Getúlio Vargas à Amazônia, no período de 7 a 11 de outubro de
1940, houve a mobilização de profissionais e instituições para formular um plano de
saneamento com grandes proporções, atendendo assim, uma das promessas feitas pelo
presidente, que era a melhoria das condições locais de saúde. A elaboração desse plano
envolveu profissionais da saúde pública, como Evandro Chagas, diretor do Serviço de
1
Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo, Cia das Letras, 1995,
p.46.
67
Estudos das Grandes Endemias (SEGE), sessão do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e João
de Barros Barreto, diretor do Departamento Nacional de Saúde (DNS), principal órgão
formulador e executor das políticas de saúde e saneamento da época no âmbito do
Ministério da Educação Saúde. Evandro, como veremos, tinha o intuito de primeiro
realizar o plano de saneamento para a região, para depois formar um plano de combate à
endemia em caráter nacional.
O objetivo deste capítulo é analisar a formulação do “Plano de Saneamento da
Amazônia”, contemplando a atuação dos órgãos e os principais personagens envolvidos
na sua elaboração. Seguindo as sugestões de Fonseca, busco compreender as medidas
adotadas para a saúde pública durante o primeiro governo Vargas como iniciativas
governamentais, formuladas em um processo de decisão política, que envolveriam mais
diretamente a negociação entre os interesses dos representantes do governo central e
aqueles identificados com os grupos locais de poder.
2
Antes de um estudo aprofundado
sobre o plano arquitetado pelo DNS para a Amazônia, é necessário entender como
ocorreu o envolvimento do principal articulador do plano, Evandro Chagas, com a
região amazônica.
2.1 - Evandro Chagas e o Serviço de Estudo das Grandes Endemias (1935-1940)
Evandro Chagas desenvolveu sua carreira científica no Instituto Oswaldo Cruz
(IOC), onde realizou investigações epidemiológicas sobre a Doença de Chagas.
3
Em
1935, então diretor do Hospital Oswaldo Cruz, colaborou na criação do Serviço de
Estudo das Grandes Endemias (SEGE). O SEGE foi criado em 1934, durante a gestão
de Carlos Chagas no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) com o objetivo de estudar a
possibilidade de ocorrência da leishmaniose visceral americana no Brasil.
4
Em
2
Ver Fonseca, Cristina. Local e Nacional: Dualidades da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil
(1930-1945). Tese de doutorado. Rio de Janeiro, IUPERJ, 2005, p.190.
3
As referências biográficas foram retiradas dos seguintes documentos: Silva Júnior, Marcelo. “Evandro
Chagas (Esboço Biográfico)”, 1940. Fundo Família Chagas/Documento Evandro Chagas, doravante
FFC(DEC), Série Produção Intelectual/Trabalho de Terceiros, 19402040; Romaña, Cecílio. “Vida e Obra
de Evandro Chagas”, 10 de novembro de 1940. FFC(DEC), Série Trajetória Profissional/Trabalho de
Terceiros, 19401110. Este arquivo encontra-se sob guarda da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Para mais
informações de Evandro Chagas , família Chagas e o SEGE ver também Kropf, Simone Petraglia.
Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação. Tese de doutorado. Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2006.
4
Doença transmitida pelo inseto Lutzomyia longipalpis, que afeta animais e homens. Atinge vísceras,
como o fígado e o baço, podendo ocasionar aumento de volume abdominal. Informação do sítio do
Ministério da Saúde: http://portal.saude.gov.br/portal/svs/visualizar_texto.cfm?idtxt=22141, último
acesso: 21/10/2006, às 01:09
68
decorrência da morte de Carlos Chagas, as investigações se efetivaram somente no final
de 1935.
5
Chefiadas por Evandro Chagas, foram realizadas várias viagens ao norte e
nordeste do país e no exterior. Dessa forma, Evandro estabeleceu uma ampla
cooperação para estudar a leishmaniose em outros estados do país e também na
Argentina, possibilitando assim ampliar o foco de seu programa de pesquisas ao
incorporar o estudo de outras doenças como malária e esquistossomose.
Em 1937, Cardoso Fontes (diretor do IOC) enviou uma correspondência a
Chagas, que estava no Amazonas, pedindo que continuasse “o bom trabalho”, sugerindo
que ordenasse os trabalhos em conjunto com o governo amazonense e as organizações
particulares.
6
Na correspondência, Cardoso Fontes revelava que Getúlio Vargas havia
comentado sobre a possível elaboração de um plano de saneamento para a Amazônia,
aproveitando o trabalho que estava sendo feito pelos sanitaristas do SEGE. A
colaboração com os grupos locais vinha ao encontro da estratégia do governo federal
para se impor nas mais diversas regiões do país.
7
A configuração de uma política de saúde pública que abrangesse os mais
diversos territórios do país passava necessariamente por uma centralização
administrativa, por parte do governo federal, e uma descentralização executiva, por
parte dos departamentos estaduais. Tais medidas foram tomadas devido à falta de
orientação dos dirigentes estaduais e à carência de recursos financeiros.
8
A conformação
desta política ocorreria através de uma negociação entre governo central e instâncias
políticas estaduais, como os interventores e as organizações particulares.
Segundo Kropf , o SEGE possuía uma clara filiação ao ideário de Carlos Chagas
e dos sanitaristas da Primeira República, pois as muitas viagens empreendidas pelo
órgão reeditavam, em certa medida, as expedições científicas do IOC na década de
1910.
9
Segundo Kropf, a apresentação do SEGE como uma continuidade à tradição de
Oswaldo Cruz e Carlos Chagas tornou-se uma constante nos pronunciamentos de
Evandro Chagas.
10
Além da pesquisa, outro objetivo do serviço era a realização de
5
Kropf, op. cit., p.263
6
Correspondência de Evandro Chagas a Cardoso Fontes, 1937, FFC(DEC), Série Correspondência,
19361202, carta 116.
7
Idem.
8
Fonseca, op.cit., p.190
9
Kropf, op.cit., p.263.
10
Kropf, op.cit., p.264.
69
cursos de especialização em doenças tropicais e infecciosas, para treinar quem
pretendesse direcionar seus conhecimentos científicos nesse campo.
11
Em 1940, Djalma Batista, reconhecido médico local, presidia a Liga
Amazonense Anti Tuberculose e solicitou auxílio financeiro do governo, através da
Secretaria da Presidência da República, em uma missiva contundente:
(...) entre os problemas sanitários que mais nos inquietam, avulta o da peste branca,
mais sério talvez nestes confins. Na cidade de Manaus, corporações como a Polícia
Militar em que a incidência de tuberculose é de 30%. A mortalidade é assustadora : o
obituário registra números aproximados para a fimatose e o paludismo, e é,
proporcionalmente mais elevado , - quanto á primeira, que o do Rio, - constatando-se,
em média, a morte de um tuberculoso por dia. Isso na capital. No interior, empobrecido
e desvalido de assistência médica, é forçosamente larga a seara da doença de koch, nas
suas associações á Malária, à Lepra, e às verminoses. Para enfrentar situações de
tamanha angústia, existe, em Manaus, o hospital São Sebastião, que a Santa Casa
misericordiosamente custeia insuficiente, desprovido de material indispensável, mal
localizado, - mais um recolhimento de incuráveis que organização hospitalar. (...) A
Liga contra a Tuberculose, fundada em 1932, se propôs a contribuir para o
solucionamento da questão sanitária de tal monta, empregando, para isto, todos os
recursos científicos a seu alcance, no intuito de amparar, assistir e tratar os pectários
desfavorecidos. (...) Temos, desde 30 de Julho de 39, um dispensário, com o nome de
nosso sábio Cardoso Fontes, instalados á Rua Barroso, 121, dispondo de consultórios
médicos, aparelhos de raio x, sala de ambulatório, aparelho de pneumotórax e
laboratório de análises clínicas. (...) O mais pobre, o mais triste, o mais idealista dos
brasileiros é o amazônida. Ele se algemado pela selva, vencido pelo sistema
arcaico e economia regional, atazanado pela instabilidade desconcertante da
produção e das transações, assaltado impiedosamente pelos germes de Koch,
11
Kropf, op. cit., p.264.
70
Laveran, Eberth e Hansen.
12
Mas no meio de tantas agruras espera, confiante, a
hora da redenção (grifo meu).
13
Ao longo de sua carreira, Djalma Batista escreveu diversos estudos sobre a
história da região, daí pode-se compreender o caráter “heróico” da correspondência.
14
Em resposta à missiva, a Secretaria da Presidência da República divulgou que nada
poderia fazer, mas as boas relações de Evandro Chagas com Getúlio Vargas e Gustavo
Capanema propiciaram a continuação dos estudos na região.
15
Em 1938, o governo federal concedeu ao SEGE dotação orçamentária
extraordinária, possibilitando a ampliação do leque de doenças estudadas.
16
Até os anos
40, Evandro Chagas, com o apoio de profissionais recém-formados, como Felipe Nery
Guimarães e Leônidas Deane realizou viagens de investigação e de inspeção em
municípios do Pará, como Igarapé-Mirim e Urubupuata. Evandro procurou administrar
o SEGE como um órgão autônomo dentro da estrutura do IOC. Para compreender este
fato, é necessário apontar a grave crise financeira que a instituição atravessou nos anos
30, em especial, durante a administração de Cardoso Fontes (1934-1941). Nesta época,
Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, incorporou a renda do IOC à receita
12
Identificaram os seguintes agentes patogênicos:
a) R.Koch – Identificou o germe patogênico da tuberculose (Alemanha/1882).
b) Laveran – Identificou o germe patogênico da malária (França/1880).
c) Eberth – Identificou o germe patogênico da febre tifóide (Alemanha/1880).
d) Hansen – Identificou o agente causador da lepra. (Noruega/1873).
Fonte: Kiple, Frederik (Editor). The Cambridge World History of Human Disease. Cambridge,
Cambridge University Press, 1999.
13
GCPR, lata 276, pacote 1.
14
Djalma da Cunha Batista nasceu em Tarauacá, no Estado do Acre, no dia 20 de fevereiro de 1916. Filho
de Gualter Marques Batista e D. Francisca Acioli da Cunha Batista, fez o curso primário no Grupo
Escolar João Ribeiro e Colégio São José em Tarauacá, e o secundário em Manaus, no Colégio Dom
Bosco. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1935. Voltou a Manaus em
1939, abrindo, no ano seguinte seu consultório de patologia clínica. Foi médico assistente da Santa Casa
de Misericórdia, analista da Casa Dr. Fajardo, tisiólogo do Dispensário Cardoso Fontes, da Liga
Amazonense contra a Tuberculose, médico da Escola Técnica de Manaus, capitão comissionado da
Polícia Militar do Amazonas. Foi também diretor do Sanatório Adriano Jorge; do Departamento de
Educação e Cultura do Amazonas, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Foi eleito
em 18 de janeiro de 1942 para a Academia Amazonense de Letras, cadeira 11, de José Veríssimo, vaga de
Coriolano Durand, tendo sido empossado somente em 1948, sendo recebido na Academia pelo imortal
André Araújo. Presidiu a Academia três vezes, a última no período de 1972 a 1973. Publicou os seguintes
livros: O Complexo da Amazônia, Paludismo na Amazônia, Codajás Comunidade Amazônica, Letras
da Amazônia, Da Habitabilidade da Amazônia. Faleceu em Manaus, no dia 20 de agosto de 1979.
Fonte: Fundação Djalma Batista:
http://www.manausnet.com.br/fdb/patrono.asp. Último acesso: 27/10/2006 20:56
15
Para relação Entre Evandro Chagas e Getúlio Vargas, ver Romaña, op. cit., p.3; para relação entre
Evandro Chagas e Gustavo Capanema ver Paraense, Wladimir Lobato. (depoimentos, 1987, 1988, 1989).
Rio de Janeiro, Fiocruz/COC, Programa de História Oral, 1991; Chagas Filho, Carlos. Depoimento Rio
de Janeiro, Fiocruz/COC Programa de História Oral, 1991.
16
Kropf, op.cit., p.270.
71
geral da União, passando todos os seus serviços a serem custeados por dotações do
orçamento do ministério.
17
Diante da situação, Evandro Chagas, para levar a cabo o
SEGE, teve de formular um grande sistema de parcerias que envolviam tanto a
iniciativa privada quanto os governos dos Estados e da União.
18
A própria dinâmica do
trabalho de Evandro e sua equipe exigiram esta configuração. Outro fator não menos
importante era a “Verba Guinle”, generosa doação de Guilherme Guinle, que mantinha
boas relações com toda a família Chagas.
19
Esta doação era usada em sua maioria para a
contratação de pessoal, permitindo ao SEGE grande liberdade de ação, além de uma boa
margem de independência relativamente à burocracia da administração do IOC.
Em 1940, Evandro Chagas solicitou a Gustavo Capanema que o SEGE se
desligasse formalmente do IOC.
20
A partir da ampliação de suas instalações, recursos,
quadros de pessoal e de escopo, o Serviço deveria se transformar em Instituto Nacional
de Doenças Tropicais, subordinado diretamente ao Ministério da Educação e Saúde.
Segundo Kropf, mesmo com a proposta não se concretizando, a perspectiva de
rearticular pesquisa biomédica e saúde pública configurou-se como um projeto de
Evandro Chagas e o como uma diretriz institucional do IOC.
21
De acordo com a
autora, os esforços de Evandro Chagas em vincular o SEGE diretamente ao Ministério
da Educação e Saúde (MES) estavam ligados a um contexto internacional em que se
intensificavam os interesses em vencer a luta contra as doenças endêmicas, vistas como
ameaça não ao desenvolvimento econômico e social das nações, mas também à
possibilidade de se combater o nazi-fascismo, que, então, tentava estender
mundialmente seus tentáculos.
22
Na próxima sessão, iremos analisar outra instituição
17
Benchimol, Jaime Larry. Origens e evolução do Instituto Oswaldo Cruz no período 1889-1937”,
Benchimol, Jaime Larry (org.) Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro:
Fiocruz. Casa de Oswaldo Cruz, 1990, p.57
18
Sanglard, Gisele Porto. Entre os salões e o laboratório: mecenato e práticas científicas Rio de
Janeiro, 1920-1940. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde, 2005, p.241
19
Guilherme Guinle possuía boas relações com Carlos Chagas e suas doações foram decisivas tanto para o
sustento do SEGE, chefiado por Evandro, quanto para o funcionamento do Instituto de Biofísica, chefiado
por Carlos Chagas Filho. Ver Sanglard, op.cit, p.243.
20
Kropf, op.cit., p.279
21
Kropf, op.cit., p.280
22
Idem. Em março de 1939, começou a II Guerra Mundial, quando a Alemanha invadiu a
Tchecoslováquia e Polônia e no início de 1940, a França e o norte da África também foram ocupados. Ver
Gonçalves, Williams da Silva. “A Segunda Guerra Mundial”. Filho, Daniel Aarão Reis; Ferreira, Jorge;
Zenha, Celeste (orgs.).O Século XX – O tempo das crises Revoluções, Fascismos e guerras. Civilização
Brasileira, 2000, p.172
72
voltada para a saúde e saneamento da região, o Instituto de Patologia Experimental do
Norte (IPEN).
2.2 O Instituto de Patologia Experimental do Norte: primeiros passos para o
saneamento da Amazônia
O Instituto Oswaldo Cruz tem a seu cargo o estudo dos principais problemas da
nosologia rural. Este trabalho que está sendo concretizado no S.E.G.E, antiga Seção de
Doenças Tropicais do instituto, tem investigado numerosas doenças do interior do país,
tais como a Leishmaniose visceral norte-americana e a tripanosomíase americana,
schistossomose, a filariose, a malária, a anemia helmíntica, etc. Com o fim de facilitar a
tarefa do Serviço de Estudo das Grandes Endemias, foi criado em 1936 o IPEN, em
Belém, Pará, e mais recentemente em outras unidades.
23
Em 1936, Evandro visitou as regiões norte e nordeste com o intuito de investigar
os processos patogênicos e a epidemiologia da leishmaniose. Para estudar melhor a
doença, tentou junto às autoridades do Cea - com grande incidência de malária à
época - incentivos para a montagem de uma base de operações, porém só obteve apoio
do governo do Pará.
24
No mesmo ano, através da lei nº59 de 10/11/1936, foi criado o
Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN), cujo objetivo era estudar os
problemas médico-rurais da região e orientar a profilaxia e a assistência médica, em
conjunto com os serviços sanitários estaduais e federais. Como o trecho transcrito acima
afirma, o IPEN auxiliava o SEGE na tarefa de interiorizar as pesquisas científicas.
Segundo os depoimentos de Wladimir Lobato Paraense e Carlos Chagas Filho, a
intenção de Evandro era formar uma rede de “IPENs” em cada canto do país.
23
“Meio – Dia”, Pará, 10/8/1938, FFC (DEC - em tratamento), caixa 02, p.3
24
Löwy, Ilana. Vírus, mosquitos e modernidade a febre amarela no Brasil entre a ciência e a política.
Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2006, p.272.
73
Em 4/09/1937, Bichat de Almeida Rodrigues, assistente técnico do IPEN,
redigiu o Estatuto do IPEN”, que revelava as preocupações dos profissionais
envolvidos em torno da atuação do instituto e suas limitações frente à realidade local:
25
Tivemos a preocupação de torná-lo independente de influências políticas, sentimentais e
de estrabismos administrativos de futuros governantes. (...) A admissão de assistentes
efetivos, por exemplo, dependerá do Instituto Oswaldo Cruz, onde se procederá o
concurso.
26
Desta forma, os dirigentes buscavam profissionalizar o Instituto através da
burocratização, como medida preventiva de preservação de independência frente às
realidades que os profissionais enfrentariam nas regiões. Almeida Rodrigues
complementou que
O Instituto tem por finalidade o estudo da patologia regional e dos problemas médicos
rurais por meio de pesquisas e investigações para orientar a profilaxia e assistência
médica de acordo com os interesses dos serviços sanitários municipais, estaduais e
federais.
27
No estatuto, o IPEN também se comprometia a obedecer obrigatoriamente à
orientação técnica do Instituto Oswaldo Cruz, que por sua vez, forneceria ao estado os
técnicos necessários à instrução do pessoal e à realização dos trabalhos. Entre novembro
e dezembro de 1936, o instituto organizou duas excursões ao interior, escolhendo para
sede e estudos rurais o município de Abaeté, no Pará, devido à alta incidência de
leishmaniose visceral diagnosticada pelo serviço de Viscerotomia da Fundação
25
Bichat de Almeida Rodrigues nasceu em 7 de agosto de 1912, em Teresina (PI). formou-se em 1936
pela Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. Seu primeiro trabalho depois de formado foi
como médico da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites do Setor Oeste,de 1937 a 1939. Neste ano
foi convidado por Evandro Chagas para trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no Serviço de
Estudos das Grandes Endemias (SEGE). Em 1940 passou a ser assistente técnico do Instituto de Patologia
Experimental do Norte (IPEN), situado em Belém (PA). Foi ainda médico da Delegacia Federal de Saúde
da 3a Região, que reunia Pará e Maranhão em 1941-1942. ver: Fonseca, Cristina. Trabalhando em saúde
pública pelo interior do Brasil: lembranças de uma geração de sanitaristas (1930-1970)”. Ciência e Saúde
Coletiva, 5(2): p.404, 2000.
26
“Estatuto do IPEN – Leis e Regulamentos do IPEN”, 04/09/1937 FFC (DEC - em tratamento, caixa 4.
27
Idem
74
Rockefeller.
28
Através de excursões feitas aos rios Castanhal, Itauassú, Caruperê, entre
outros, foram realizados exames nas populações ribeirinhas, contabilizando um total e
412 doentes.
29
Nos trabalhos com estes habitantes foram diagnosticadas diversas
doenças como malária, helmintose, disenteria amebiana, tuberculose, lepra, câncer,
sífilis, tracoma e úlcera fuso-espiralar. Também foi diagnosticado o segundo caso
humano de leishmaniose visceral. Estas excursões foram úteis às pesquisas de Evandro
Chagas, pois ajudaram-no a confirmar constatações relativas à epidemiologia da doença,
assim como novas conclusões sobre a incidência de anemia em populações rurais, que
teria forte relação com a alimentação. Desta forma, novas metodologias de políticas de
saúde pública puderam ser testadas no atendimento a essas populações. O IPEN também
desenvolveu pesquisas sobre a incidência do mal das cadeiras”, doença que atinge os
eqüinos, causando transtornos à economia da região.
30
A preocupação dos profissionais
do Instituto transcendiam a questão sanitária, como visto na ênfase dada nos relatórios
enviados à Evandro sobre a enfermidade de eqüinos, grande preocupação dos políticos
do Pará.
31
Em 1937, a precária situação financeira do Pará interferiu diretamente no
funcionamento do IPEN, obrigando Evandro Chagas a pedir ajuda a Gustavo
Capanema, para que este intercedesse contra a redução de orçamento do instituto.
32
Em
telegrama a Leoberto Cardoso, membro da direção do IOC, Evandro reclamou da falta
de verbas para a compra de material, além de denunciar as dificuldades do Instituto com
as lideranças locais:
Leoberto,
A respeito da aquisição de novo material no momento, o seguinte: a situação do
estado é financeiramente precária; muitos elementos do próprio governo não
28
Processo que consiste na remoção de pedaços de fígado dos cadávares, por intermédio de um
instrumento chamado viscerótomo. Começou a ser usado no Brasil pela Fundação Rockefeller, no Serviço
de Febre Amarela. “Instruções para Representantes do Serviço de Febre Amarella em postos de
Viscerotomia”, Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Febre Amarela. Disponível no sítio da
National Library of Medicine Profiles in Science,
http://profiles.nlm.nih.gov/VV/B/B/K/Q/_/vvbbkq.pdf , último acesso, 18/02/2007, 3:45.
29
Relatório de atividades desenvolvidas pelo Instituto de Patologia Experimental do Norte em 1936, s/d,
FFC (DEC-em tratamento, caixa 2)
30
Tripanossomíase, conhecida popularmente como “mal das cadeiras”. Causada pelo Trypanosoma
evansi. Os sintomas mais conhecidos são: anemia, inchaço das partes ventrais do corpo e paralisia dos
membros posteriores.
31
Relatórios do IPEN à Evandro Chagas (1936-1940), CCF(DEC – em tratamento), caixas 1-8
32
CCF/ Documentos Evandro Chagas (em tratamento), caixa 2
75
conseguiram ainda penetrar as vantagens da existência do Instituto de pesquisas, mesmo
aqueles que, inicialmente ou não, se opuseram à criação ou para ela contribuíram,
julgavam-se a fazer um instituto para o fabrico de vacinas e soros, ou uma repartição
para tratamento e profilaxia de doenças regionais; e os mais otimistas, achavam mesmo
que seria mais um elemento para a colocação de amigos e correligionários. Todos os
que pensavam desse jeito estão evidentemente decepcionados e afirmam não haver
vantagem em gastar tanto dinheiro para tirar sangue, furar barriga de cachorro e pegar
mosquito. sérias ameaças de redução de verbas, principalmente nos cem contos da
verba material.
33
Mesmo com dificuldades, os trabalhos do IPEN prosseguiram nos anos
seguintes. No primeiro semestre de 1940, Evandro Chagas recebeu instruções do
Ministério da Educação e Saúde para auxiliar na verificação do problema de malária nos
estados do Amazonas e Pará.
34
Se tudo corresse bem, haveria a possibilidade de o
trabalho receber dotação orçamentária própria. Evandro pretendia iniciar os trabalhos no
decorrer do ano, fazendo um estudo geral da incidência de malária através de inquéritos
que deveriam ser realizados nas cidades situadas às margens do rio Amazonas e seus
principais afluentes. As equipes seriam compostas, de modo geral, por três membros: 1
médico, 1 microscopista e 2 guardas sanitários.
35
Antes de iniciar os trabalhos, foi
assinado um acordo entre a Delegacia Federal de Saúde e o IPEN (representado no
acordo pela Diretoria Geral de Saúde Pública do Estado do Pará) que previa a cessão
dos empregados do instituto para os inquéritos de malária na Amazônia.
36
O termo
firmado entre as duas partes previa uma constante fiscalização:
8) A chefia dos trabalhos de rotina da execução desse plano fica entregue à Delegacia
Federal de Saúde da Região, obrigando-se a esta o fornecimento de um boletim
mensal com o resumo dos trabalhos realizados à Diretoria Geral de Saúde.
9) os médicos pertencentes ao quadro da Diretoria Geral não poderão ser afastados do
serviço de combate à malária sem consentimento do Diretor Geral de Saúde Pública do
33
Correspondência de Evandro Chagas a Leoberto Cardoso, Belém, 22/11/1937, FFC (DEC em
tratamento), caixa 4
34
Não há uma data precisa para a convocação de Evandro Chagas à Comissão de Saneamento da
Amazônia. O documento com a data mais adiantada é um relatório entregue ao IOC pelo médico
Francisco Cerqueira, datado de 6/6/1940, em que este avisa ao Instituto da convocação de Evandro à
Comissão. FFC(DEC - em tratamento), caixa 8
35
FFC (DEC - em tratamento), caixa 8
36
“Bases do Acordo que entre si firmam a Diretoria Geral de Saúde Pública do Estado do Pará, a
Delegacia Federal de Saúde da Região e o Instituto de Patologia Experimental do Norte, para o fim
expresso e uma ação conjunta para o combate à Malária”. FFC(DEC - em tratamento), caixa 2.
76
Estado do Pará, mediante informação circunstanciada da chefia do serviço propondo
esse afastamento, assim o Diretor Geral de Saúde Pública não poderá retirá-los do
serviço sem prévio aviso à Delegacia Federal de Saúde.
37
Valério Konder, delegado federal de saúde da região, também foi convocado
para as averiguações.
38
Escreveu correspondência para Evandro em nove de julho
propondo uma colaboração com o ministério da guerra e anexou cópia da carta que
enviou ao general Lobato, do Pará. Era interesse de Konder conseguir apoio do exército
devido às más condições de saneamento de áreas onde seriam instalados batalhões
militares:
Caro Lobato
Quero pedir-lhe, para orientação melhor dos serviços sanitários que a mim são
atribuídos por força do cargo que ocupo, sua opinião sobre a impressão que teria
causado no Ministério da guerra a descrição feita das condições onde se encontram os
futuros quartéis do 24º e do 26º batalhão do ponto de vista sanitário (...) É que estamos
dispostos agora a iniciar um largo inquérito preliminar sobre a malária na Amazônia,
abrangendo quarenta e cinco cidades, a fim de apresentarmos, para 1941, o plano de
saneamento dessas localidades, o que representará, (...) usando um pensamento seu, a
“conquista”, feita por nós, brasileiros, dessa região. Assim sendo, teríamos o mais
vigoroso estímulo para este trabalho no fato de sabermos que, desde já, a sua realização
interessaria a classe que representa o maior fator de unidade nacional: o exército. Se
houver uma ação conjunta do Ministério da Guerra e da Saúde, então essa ação conjunta
prolongar-se-ia, sem dúvida, no decurso dos trabalhos de saneamento que iremos
37
“Bases do Acordo que entre si firmam a Diretoria Geral de Saúde Pública o Estado do Pará, a
Delegacia Federal de Saúde da Região e o Instituto de Patologia Experimental do Norte, para o fim
expresso e uma ação conjunta para o combate à Malária”. FFC (DEC - em tratamento), caixa 2, p.1
38
Valério Régis Konder nasceu em Itajaí (SC) em 28/02/1911. Seu pai foi prefeito de Itajaí e seus tios,
Vítor e Arno foram deputados federais por Santa Catarina. Valério fez os estudos primário e secundário
em sua cidade natal, transferindo-se depois para o Rio de Janeiro, onde concluiu a Faculdade Nacional e
Medicina em 1931. Em 1934 ingressou no PCB e filiou-se à Aliança Nacional Libertadora. Foi um dos
oradores da assembléia realizada pelo Clube da Cultura Moderna, em cinco de julho de 1935, em apoio à
ANL, que resultou numa tentativa frustrada da deposição de Getúlio Vargas. Foi preso no mesmo ano e
permaneceu na prisão durante um ano e meio, onde conviveu com Graciliano Ramos, tornando-se um dos
personagens de seu romance As Memórias do rcere. Absolvido em julho de 1937 pelo Tribunal de
Segurança Nacional, trabalhou de 1938 a 1944 como médico sanitarista do Ministério da Educação e
Saúde nas regiões norte e nordeste, onde realizou pesquisas sobre o mosquito Anopheles Gambiae e sobre
o combate à malária. Em 1945, trabalhou na África para o governo brasileiro, fazendo controle das
condições sanitárias os aviões militares norte-americanos que vinham para o nordeste do Brasil. Depois
de ocupar cargos administrativos em entidades vinculadas á Organização das Nações Unidas, voltou ao
Brasil, tornando-se membro consultivo do Centro de Estudos e Defesa do petróleo e da Economia
Nacional (CEDPEN). Ver s/autor. “Valério Konder”. Abreu, op.cit.
77
planejar. Devo esclarecer que incluímos nessa lista aquelas cidades de territórios de
fronteira que tenham características e postos estratégicos (...) baseando-se exatamente
naqueles conceitos que o General Lobato nos deu a honra de referir, sobre “saneamento
e defesa do território nacional”.
39
Em correspondências posteriores, Valério Konder não citou mais a possível
colaboração com exército local.
40
As notícias corriam entre as instituições do norte e
nordeste. Em 23 de julho, o Delegado Federal de Saúde da região, Alfredo Bica,
enviou telegrama a Evandro Chagas, averiguando a possibilidade de inclusão do Recife
no inquérito sobre malária, mas recebeu resposta negativa.
41
O planejamento para os inquéritos continuou. Em 30 de agosto, Evandro enviou
telegrama ao interventor federal do Amazonas, Álvaro Maia, marcando para o quinto
dia do próximo mês o início os trabalhos de cooperação de malária.
42
No estágio de
preparação para os inquéritos, houve rusgas entre os profissionais convocados para o
serviço. Evandro Chagas e Bichat de Almeida Rodrigues chamavam Valério Konder de
“messias”, pois ele estaria capitaneando para si a responsabilidade do plano:
O “Messias” continua em grande atividade. O nosso amigo continua com altos planos e
projetos e diz que vai levar todo o programa de saneamento ao presidente esta semana.
Entretanto, estive com [Carlos] Drumond [de Andrade] sexta-feira, e este me disse que
está ciente das atividades do Konder e não haverá nenhuma possibilidade e qualquer
trabalho ser feito, sem que sobre o assunto sejam ouvidos o ministro e o departamento.
43
Esta correspondência de 4 de outubro reportava-se à tentativa de Konder para se
associar a profissionais de outros ministérios (Guerra e Educação) sem consultar os
demais integrantes do projeto. As declarações e entrevistas de Konder a jornais
continuaram repercutindo mal entre Bichat Rodrigues e Evandro Chagas, basta ler a
carta do primeiro ao segundo, em 14 de outubro:
39
CCF/ Documentos Evandro Chagas (em tratamento), caixa 6
40
Nos documentos averiguados, não foi detectada menção a respeito desse assunto.
41
Correspondência de Evandro Chagas para Alfredo Bica, 23/07/1940, FFC (DEC em tratamento),
caixa 3
42
Correspondência de Evandro Chagas para Álvaro Maia, 30/08/1940, FFC (DEC - em tratamento), caixa
2
43
Correspondência de Evandro Chagas para Bichat de Almeida Rodrigues, 4/10/1940, FFC (DEC - em
tratamento), caixa 6
78
Novamente como tem acontecido ultimamente, os jornais continuam na propaganda do
Konder, chegando a coisa cada vez mais ao cabotinismo. Em todos os locais onde se
encontra, não perde ele oportunidade de fazer-se “o messias” (...) Nós do instituto
continuamos a manter com ele a mesma atitude de cortesia que foi mantida aqui pelo
senhor. Não deixo porém de achar muito desagradável a situação atual, principalmente
porque podem surgir comentários em roda que freqüentamos e isto tornaria a situação
precária. (...) Acho mesmo que será contraproducente uma questão pública neste
assunto de chamar a si a idéia e execução do plano.
44
Causava mal estar entre os profissionais envolvidos no planejamento do
inquérito o fato de Valério Konder chamar para si toda a autoria intelectual do trabalho.
Passados mais de 60 anos, as referências biográficas lhe atribuem todos os créditos da
elaboração de um certo plano de saneamento da Amazônia”.
45
Em 5 de novembro foi
oficialmente divulgada aquela que seria a “Comissão de Saneamento da Amazônia”, da
qual fariam parte Felipe Nery Guimarães, Evandro Chagas, Ernani Agrícola, João de
Barros Barreto e Valério Konder.
46
Evandro Chagas apenas aceitou Valério Konder na
comissão devido a pressões de João de Barros Barreto, como ele informou a Bichat de
Almeida Rodrigues.
47
2.3 – Projetos de Evandro Chagas: da Amazônia para o Brasil
João de Barros Barreto convocou diversos profissionais do SEGE para
empreender os inquéritos epidemiológicos na região amazônica. Entre os envolvidos
podemos destacar Felipe Nery Guimarães, Alberto Carreira da Silva e o próprio
Evandro Chagas, para liderar a comissão. Evandro, inclusive, viajaria à Amazônia
acompanhando a visita presidencial, mas a data mudou e não pôde ir (a viagem seria 26
44
Correspondência de Bichat Rodrigues para Evandro Chagas, 14/10/1940, FFC (DEC - em tratamento),
caixa 1.
45
Embora tendo se passados mais de 60 anos, as referências biográficas lhe atribuem todos os créditos da
elaboração de um certo “plano de saneamento da Amazônia”:
“Como delegado na região, Valério Konder elaborou um plano de saneamento da Amazônia, e em
1943 apresentou ao presidente Getúlio Vargas. Getúlio gostou do plano, mas disse que o poderia
executá-lo porque o Brasil entrara na guerra”. Ver Escorel, Sarah. Saúde Pública: Utopia do Brasil, Rio
de Janeiro, Relume-Dumará, 2000, pp.68-69
“[Valério Konder] trabalhou de 1938 a 1944 como médico sanitarista do MES nas regiões norte e
nordeste (...) nessa época, elaborou um plano de saneamento para mais de 50 cidades do Pará, cuja
execução foi suspensa devido à entrada do Brasil na II Guerra Mundial em 1942.” Ver s/autor. Valério
Konder”. Abreu, op.cit.
46
FFC (DEC), Série Correspondências, 1940092/nº49
47
FFC (DEC - em tratamento), caixa 4
79
setembro, mas foi transferida para 7 de outubro). As viagens de inspeção antecederam a
ida de Vargas e se estenderam por cerca de três meses após a visita.
O roteiro para as viagens foi feito da seguinte forma: Felipe Nery Guimarães
ficou responsável pelas regiões próximas ao Acre, contando com o apoio do interventor
no território, Epaminondas Martins; a Alberto Carreira da Silva destinaram-se as
regiões do Rio Madeira, Rio Negro e Rio Solimões. Outros profissionais do SEGE e do
IPEN também foram mobilizados, como Bichat de Almeida Rodrigues, Wladimir
Lobato Paraense e Eurico Vilela para realizar o inquérito. O levantamento
epidemiológico tinha o objetivo de apontar os casos de malária na região, considerada
pelos profissionais de saúde e intelectuais da época o principal entrave ao ressurgimento
da Amazônia, em especial depois da viagem do presidente à região. Em poucos meses,
o inquérito reproduziu 20.000 fichas de doentes, envolvendo 48 cidades do vale
amazônico.
Tendo como base esses inquéritos, foram levantadas informações sobre as
condições de ocorrência da doença, incluindo características dos domicílios,
características ambientais da área domiciliar, existência de focos de transmissão e, por
fim, um mapeamento de áreas endêmicas. Os médicos se correspondiam através de
telegramas para conseguirem mais equipamentos ou dar conta de possíveis problemas.
48
Durante sua viagem á Amazônia em 1940, Getúlio Vargas visitou o IPEN e declarou
apoio ao projeto de saneamento da Amazônia do Ministério da Educação e Saúde em
conjunto com os profissionais ligados ao IOC.
49
Segundo relatos da época, Getúlio
Vargas se interessava muito pelo projeto chefiado pelo superintendente do SEGE.
50
O
presidente escutava atentamente as palavras sobre o principal objetivo de Chagas: o
saneamento palúdico do Amazonas, para dar continuidade à obra de seu pai, Carlos
48
Felipe Nery Guimarães, por exemplo, esperava um material que viria por lancha, mas se extraviou e
Alberto Carreira Rodrigues ficou preso em Itacoatiara (Amazonas), pois a verba para a passagem de avião
não havia sido liberada. FFC (DEC), Série Produção Intelectual/Trabalho de Terceiros
49
Correspondência de Cardoso Fontes a Evandro Chagas, 10/10/1940. FFC(DEC em tratamento), caixa
8.
50
Romaña, Cecílio. “Vida e Obra de Evandro Chagas”, 10 de novembro de 1940. FFC(DEC), Série
Trajetória Profissional/Trabalho de Terceiros, 19401110, p.3
80
Chagas, que estudara a região no início do século XX.
51
Em palestras e congressos,
Evandro apontava o inquérito na Amazônia como continuidade da obra de seu pai que
realizara, em 1913, trabalho similar na região.
52
Em entrevista ao Correio da Manhã,
Evandro deu maiores detalhes sobre a função de cada órgão envolvido na empreitada:
A maior atividade do S.E.G.E. está sendo dirigida no momento para a malária, que
continua a ser o fator primordial de degradação física do homem e o maior empecilho
ao desenvolvimento econômico do Vale (...) Ficará o D.N.S. por intermédio da
D.F.S. encarregado da execução de todas as medidas de profilaxia e assistência. Ao
SEGE caberá também a organização e a divisão de uma Escola de malariologia, onde
serão formados especialistas de diversos padrões.
53
O cargo ocupado por Evandro permitia-lhe viajar e estabelecer contatos com
médicos de diversas nacionalidades. Em 29 de outubro de 1940, apresentando-se como
dirigente principal do SEGE, enviou correspondência a L.L. Williams Jr, médico do
National Institute of Health, em Maryland, na qual abordava o trabalho de campo que
ele e sua equipe desenvolviam. O conteúdo da missiva revela que todo esse processo
prospectivo englobava duas metas, uma regional e outra mais ampla: de imediato,
estabelecer um plano de combate à malária na Amazônia para, no futuro, criar um
serviço nacional dedicado à doença.
Dear Dr. Williams,
(...) It is the intention of our government to create a national service against malaria and
we have been requested to draw up the general program for this service.
51
O primeiro “Plano de Saneamento da Amazônia” foi feito por Carlos Chagas, em 1913. Comissionado
pela Superintendência de Defesa da Borracha, Chagas propôs um plano de profilaxia para a região, a
partir de dados obtidos durante a verificação de saúde dos seringueiros. Durante cinco meses, Chagas e os
pesquisadores Pacheco Leão e João Pedroso percorreram cidades, vilas e seringais, procurando uma saída
para a queda de produtividade da borracha através da melhoria das condições de saúde dos seringueiros.
Para Chagas, a malária era considerada o principal inimigo desta atividade, e se conseguisse acabar ou
pelo menos controlá-la, a produção cresceria de novo e reocuparia a ponta do mercado mundial. As
condições de saúde das populações visitadas eram determinadas pelas enfermidades que existiam, pela
inexistência de assistência médica, pelo tipo de trabalho que executavam e pela alimentação. Seu “Plano
geral da campanha Sanitária a se empreender no Vale do Amazonas” nunca foi posto em prática. Ver
Chagas, Carlos; Oswaldo Cruz e Afrânio Peixoto. Relatório sobre as condições médico-sanitárias do vale
do Amazonas. In: Sobre o Saneamento da Amazônia. Manaus: P.Daou, 1972
52
Kropf, op.cit., p.264
53
Correio da Manhã, 16.10.1940, p.3. Este documento se encontra sob guarda da seção de periódicos da
Biblioteca Nacional.
81
Our opinion was that nothing of permanent value could be done while we did not know
the real condition of malaria in Brazil. We, therefore, told our minister of Public Health
that no executive service should be stabilished before a preliminary investigation of two
years carried out.
We have already since last year been working in two of our field stations and two
months ago, reconnaissance work has begun. We think that before the end of next
year, a fairly efficient program can be made for our northern states, and in two
years, we shall probably have the plans outlined for the whole country (grifo
meu).
54
O cronograma de trabalho do sanitarista estava pronto: no final de 1941,
implementar-se-iam as ações de saúde e saneamento nos estados do norte , para, em
1942, iniciar um plano de combate à malária que cobrisse o território nacional inteiro.
Como veremos adiante, o Ministério da Educação e Saúde passava por um processo de
reforma para a criação dos Serviços Nacionais, dedicados á doenças específicas. O que
Evandro revela na missiva é que provavelmente ele próprio seria o responsável pela
direção do Serviço Nacional de Malária. Em 8 de novembro de 1940, porém, a trajetória
do diretor do SEGE foi tragicamente interrompida por um desastre reo que resultou
em sua morte, que gerou graves preocupações aos seus colegas. Bichat de Almeida
Rodrigues enviou a Souza Castro, então médico do IPEN, correspondência sobre o
assunto:
Peço que mantenha o maior sigilo sobre tudo o que vamos referir nesta carta. (...) Neste
meio tempo, ferve Manguinhos. A situação ainda é bastante nebulosa. Fomos a
princípio encarregados pelo dr. Leocádio, do Hospital. Logo no dia imediato soubemos
porém que o Dr. Eurico Vilela aceitaria a diretoria interina do serviço, designação esta
feita aqui diretamente por Manguinhos e à revelia do ministro.(...) Esteve no hospital o
dr. Vilela, dizendo-nos que prosseguíssemos todas as atividades do SEGE como se a
situação atual não passasse de uma viagem mais demorada do dr. Evandro. Disse que
mantivéssemos todos os trabalhos em andamento, com a mesma orientação que vinham
tendo (...) Há agora uma questão desagradável que procurarei solucionar se estiver
dentro das minhas possibilidades: peço que o senhor comunique aos assistentes que no
momento de incerteza que atravessamos, deverão ficar suspensas as gratificações que
54
Correspondência de Evandro Chagas para L.L. Williams, 29/10/1940, CCF (DEC - em tratamento),
caixa 7.
82
eram fornecidas pela verba “especial”. Farei o possível para manter, mas no momento,
deverão ser consideradas cortadas.
55
Preocupado com a situação, Bichat Rodrigues entrou em contato com Carlos
Chagas Filho no intuito de convencê-lo a assumir o cargo de superintendente do SEGE,
pois em conversa com Leocádio Chaves, da diretoria do IOC, foi-lhe revelada a
intenção de diminuir progressivamente as atividades do serviço, sob o argumento de que
Evandro teria extrapolado demasiadamente suas atribuições.
56
No mesmo dia, Bichat,
Ruy Pondé e Chagas Filho se reuniram com Gustavo Capanema que demonstrou
simpatia pela continuidade do SEGE.
57
Assim, Carlos Chagas Filho foi levado a Getúlio
Vargas que o nomeou superintendente do Serviço de Estudo das Grandes Endemias. Em
depoimento à Casa de Oswaldo Cruz, Chagas Filho narrou o encontro:
Quando ele [Evandro] morreu, o Leocádio [Chaves] disse: “A única pessoa que pode
ocupar o cargo do Evandro é você.” E me levaram ao Getúlio e o Getúlio me nomeou.
(...) E o serviço passou a ter uma verba que não tinha. Porque até o Evandro morrer,
todo o tostão que o serviço de Endemias tinha era dado pelo Guinle. Que no último ano
estava dando 400 contos por ano.
58
De acordo com o depoimento de Wladimir Lobato Paraense, na época médico do
Serviço, o SEGE existia exclusivamente devido à liderança de Evandro Chagas:
A equipe do Evandro acabou quando ele morreu, não é? Porque ficou o Jansen, ficou o
Nery Guimarães e eu, que estava aqui... Quem mais? Ah! O Mangabeira que também
trabalhava assim... mas avulso, ele acabou... ficou no grupo. Mas ficou por pouco
tempo, Otávio Mangabeira Filho que era um bom entomologista.
59
Carlos Chagas Filho assumiu o cargo de direção do SEGE e, a partir de um
acordo entre o Instituto de Patologia Evandro Chagas e a 2ª Delegacia Federal de Saúde,
pôde-se concretizar os inquéritos sobre a incidência de malária no Vale do Amazonas.
Desta forma, os funcionários retomaram os trabalhos, pois na época o SEGE estava
55
Correspondência de Bichat Rodrigues para Sousa Castro, 14/11/1940, CCF (DEC - em tratamento),
caixa 4.
56
Na época, Carlos Chagas Filho era o responsável pelo Instituto de Biofísica da UFRJ. FFC (DEC - em
tratamento), caixa 4
57
FFC (DEC - em tratamento), caixa 4
58
Carlos Chagas Filho. Rio de Janeiro, Fiocruz/COC Programa de História Oral, 1991, Fita 7, Lado A.
59
Wladimir Lobato Paraense (depoimento, 1987, 1988, 1989). Rio de Janeiro, Fiocruz/COC, Programa
de História Oral, 1991, Fita 14, Lado A.
83
totalmente envolvido nas atividades de campo e inquéritos epidemiológicos. Além da
Amazônia, atuava também no Ceará e Minas Gerais. Todos os resultados eram
processados no IPEN (na época mudou o nome para Instituto de Patologia Experimental
Evandro Chagas) e no Hospital Evandro Chagas.
60
Segundo Chagas Filho, o inquérito
no Vale Amazônico terminou quase dentro do tempo previsto. Para sua apuração foram
examinadas mais de 22.000 lâminas, além de “incontáveis” fichas individuais.
61
Em
4/1/1941 o SEGE enviou à Comissão de Saneamento da Amazônia os dados
preliminares do inquérito epidemiológico.
62
Em 1941, João de Barros Barreto recebeu
os reconhecimentos preliminares feitos em Capanema, Vigia, Santarém, Borba, Maués,
Parintins, Porto Velho e Guarajá-Mirim para avaliar os dados que embasariam o “Plano
de Saneamento da Amazônia”. Houve, à época, uma reformulação no Departamento
Nacional de Saúde, que indica o aumento de importância da região amazônica para o
órgão. Antes do plano em si, vamos expor que mudanças foram essas.
2.4 – Reformas na Saúde Pública (1941-1942)
Em abril de 1941 foi aprovada a reorganização do Departamento Nacional de
Saúde. Segundo Fonseca, a nova estrutura fortaleceu os organismos que desenvolviam
atividades de controle e supervisão das ações a serem desenvolvidas em todos os
estados brasileiros.
63
O objetivo político era controlar a execução das políticas de saúde
em todo o país. Sete meses depois, realizou-se a Conferência Nacional de Saúde,
importante fórum de discussão que resultou em ações que fortaleceram a organização e
supervisão do Departamento Nacional de Saúde (DNS).
A I Conferência Nacional de Saúde durou seis dias e foi composta por
representações estaduais, mais Distrito Federal e Acre, totalizando vinte e dois
delegados com direito a voto, além de vinte e sete técnicos de saúde convidados. A
expectativa de Capanema era realizar uma discussão entre os técnicos e representantes
dos estados e do governo federal com o objetivo de estabelecer diretrizes nacionais para
60
Relatório de Carlos Chagas Filho ao Ministro da Educação e Saúde, 27/08/1942, FFC (DEC - em
tratamento), caixa 8, p.3.
61
Relatório de Carlos Chagas Filho ao Ministro da Educação e Saúde, 27/08/1942, FFC (DEC - em
tratamento), caixa 8, p.4.
62
Correspondência ao MÊS, 04/01/1941, FFC (DEC – em tratamento), caixa 8.
63
Fonseca, op.cit., p.197
84
a política de saúde e assistência médica com um viés centralizador.
64
O ministro
também pretendia organizar os serviços nacionais, em especial os da tuberculose e
lepra.
65
Como preparativo da Conferência o governo federal enviara aos governos
estaduais , no ano anterior, um questionário com cento e seis perguntas divididas em
temas amplos. Segundo Hochman e Fonseca, mesmo sob o autoritarismo do Estado
Novo, a I CNS foi um fórum de discussões técnicas e políticas razoavelmente livres
entre representantes dos estados e do governo federal e especialistas.
66
Essa estratégia
foi fundamental para Gustavo Capanema obter adesão às suas reformulações e pactuar
com os dirigentes estaduais os rumos da política de saúde.
67
Algumas propostas aprovadas na conferência revelam a combinação do esquema
de acordo dos sanitaristas da Primeira República com as características do governo
Vargas. Por um lado, reafirmavam a necessidade de normatização legal e administrativa
das ações de saúde pública. Por outro, mantinham a possibilidade de ajustes entre
estados e governo federal para que as ões se desenvolvessem diretamente e,
sobretudo, no ataque às endemias rurais. Tendo como base um forte apelo ideológico,
havia um projeto de construção nacional através da centralização política, e a melhoria
destes serviços acentuava a intenção do Ministério de estender seus limites de atuação
no país.
A reforma de 1941 alterou a estrutura definida em 1937, modificando a
distribuição espacial e fortalecendo a presença do governo federal nas regiões norte e
nordeste, como mostram os mapas nas páginas subseqüentes:
68
64
Hochman, Gilberto e Cristina Fonseca. A I conferência Nacional de Saúde: reformas políticas e saúde
pública em debate no Estado Novo”, Capanema: o ministro e seu ministério. Gomes, Ângela Castro
(org.). Editora FGV 1ª Edição – 2000, p.182
65
CPDOC/AGC, GC 1936.05.26 f, rolo fot. 491 ao rolo 21 fot.436.
66
Hochman e Fonseca, op.cit., p.187.
67
Hochman e Fonseca, op. cit., p.185
68
As leis que alteraram a estrutura pré-definida de organização da saúde pública nacional são as
seguintes:
1) lei nº378 de 13/01/1937, Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância Sanitária)
http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19650&mode=PRINT_VERSION último acesso:
10/01/2007, 12:20
2) Lei N. 3.171 de 2/04/1941, Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância
Sanitária) http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19560&word= último acesso: 10/01/2007,
12:20;
85
Mapa 1 - Distribuição das Delegacias Federais de Saúde em 1937
Fonte: adaptado do mapa de evolução política e administrativa das divisões regionais do Brasil,
disponível no sítio do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartogramas/evolucao.html ,
último acesso: 12/01/2007, 14:00 h.
Área abrangida:
1ª DFS: Distrito Federal e Rio de Janeiro
Sede: Rio de Janeiro
2ª DFS: Território do Acre, Amazonas e Pará
Sede: Belém
3ª DFS: Maranhão, Piauí e Ceará
Sede: Fortaleza
4ª DFS: Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas
Sede: Recife
DFS: Sergipe, Bahia e Espírito Santo
Sede: Salvador
6ª DFS: São Paulo e Mato Grosso
Sede: São Paulo
7ª DFS: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Sede: Porto Alegre
8ª DFS: Minas Gerais e Goiás
Sede: Belo Horizonte
86
Mapa 2 - Distribuição das Delegacias Federais de Saúde em 1941
Fonte: adaptado do mapa de evolução política e administrativa das divisões regionais do Brasil,
disponível no sítio do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartogramas/evolucao.html ,
último acesso: 12/01/2007, 14:00 h.
Área abrangida:
1ª DFS: Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo
Sede: Rio de Janeiro
2ª DFS: Território do Acre e Amazonas
Sede: Manaus
3ª DFS: Pará e Maranhão
Sede: Belém
4ª DFS: Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte
Sede: Fortaleza
5ª DFS: Paraíba, Pernambuco e Alagoas
Sede: Recife
6ª DFS: Sergipe, Bahia e Espírito Santo
Sede: Salvador
7ª DFS: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Sede: Porto Alegre
8ª DFS: Minas Gerais e Mato Grosso; Sede: Cuiabá
87
Como demonstram os mapas 1 e 2, ocorreu uma redistribuição espacial que
poder ser interpretada como um indício de que o governo federal procurava fortalecer
sua presença junto às regiões norte e nordeste. O agrupamento de determinados estados
e o desmembramento de algumas delegacias federais (em especial a e a 3ª) indicam
que a nova estrutura da reforma promovida pelo ministério procurava agraciar os
estados “abandonados” como o Amazonas e o Pará. A redivisão das DFS foi
acompanhada de normas mais rígidas para a nomeação dos responsáveis (os delegados
federais). Determinou-se no novo regimento de 1942 que os delegados seriam
escolhidos entre funcionários que compunham o quadro de médicos sanitaristas e que
estes não poderiam ficar na mesma região durante dois anos. A medida pretendia
dificultar a consolidação de vínculos com a população local, impedindo possíveis
interferências políticas regionais na execução dos serviços.
69
Assim como a redistribuição das DFS, a criação dos serviços nacionais de saúde
fez parte das medidas implantadas com o objetivo de centralizar a organização do
sistema público de saúde. Com os serviços, o combate a diversas doenças passou a ser
desenvolvido por estruturas específicas e nacionais. Os serviços criados foram: Serviço
Nacional de Peste, Serviço Nacional de Tuberculose, Serviço Nacional de Febre
Amarela, Serviço Nacional de Câncer, Serviço Nacional de Lepra, Serviço Nacional de
Malária, Serviço Nacional de Doenças Mentais, Serviço Nacional de Educação
Sanitária, Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina, Serviço Nacional de Saúde
dos portos, Serviço Federal de Bioestatística e Serviço Federal de Águas e Esgotos.
70
O Serviço de Febre Amarela existia, através de contratos entre o governo
federal e a Fundação Rockefeller. A organização e o modelo de funcionamento desse
serviço e de outros, como o Serviço de Malária do Nordeste, influenciou as estratégias
de centralização administrativa do Departamento Nacional de Saúde. Por ora, cabe
ressaltar a importância dessa reformas para os acontecimentos a seguir. Dessa forma, as
bases foram lançadas para possíveis planos de combate a determinadas doenças em
qualquer local do país. Esses planos poderiam ser organizados de forma centralizada
pelo DNS através do controle dos médicos indicados para delegados federais de saúde.
69
Fonseca, Cristina. Local e Nacional: Dualidades da Institucionalização da Saúde Pública no Brasil
(1930-1945). IUPERJ, Rio de Janeiro, 2005, p.197
70
Criados pela lei nº 3.171 de 2/04/1941.
Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância Sanitária) http://e-
legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19560&word= último acesso: 10/01/2007, 12:20;
88
Dentro do desenho institucional moldado por João de Barros Barreto, um serviço fora
da alçada do DNS certamente o desagradaria, como de fato ocorreu. As alterações
organizacionais também afetaram a estrutura do SEGE, dando origem a Divisão de
Estudo de Endemias.
2.4.1 – O futuro do SEGE e do IPEN pós-reformas de 1941
Em 28/8/1942, Carlos Chagas Filho enviou a Gustavo Capanema o relatório de
atividades do SEGE durante sua gestão. O superintendente traçou um quadro difícil da
administração do órgão:
Administrativamente era precária a situação do Serviço de Estudo de Grandes Endemias
que nenhum dispositivo legal autorizava a sua existência e parte do seu pessoal era
mantido graças à benemerência de Guilherme Guinle. Procurei desde logo resolver esta
dupla situação, do mesmo tempo que mantinha em plena atividade os trabalhos em
andamento. (...) Quanto à estabilidade do SEGE, foi ela assegurada com a criação da
Divisão do Estudo de Endemias do Instituto Oswaldo Cruz, constante do regimento
assinado por V.Excia.
71
A maior preocupação de Carlos Chagas Filho quando assumiu o serviço era dar-
lhe autonomia financeira, sem depender de verbas complementares. Os contextos eram
diferentes: Quando Evandro Chagas criou o serviço, fez questão de mantê-lo fora da
hierarquia funcional do Instituto Oswaldo Cruz. A crise financeira da Instituição durante
os anos de Antônio Cardoso Fontes à frente levou o médico a formular um sistema de
parcerias extra-oficiais que sustentassem o serviço. Chagas Filho e João de Barros
Barreto, ao contrário de Evandro, sugeriram a Capanema que o SEGE fizesse parte do
Instituto Oswaldo Cruz.
72
Dessa forma, o serviço integrar-se-ia ao orçamento da união.
Assim, com base no decreto 10.252 de 14/08/1942 foi criada a Divisão de Estudos de
Endemias (DEE), composta pelo Hospital Evandro Chagas, pela Seção de Estatística e
Epidemiologia e pela seção de Inquéritos e Trabalhos de Campo. As funções da DEE
seriam
71
Relatório de Carlos Chagas Filho ao Ministro da Educação e Saúde, 27/08/1942, FFC (DEC - em
tratamento), caixa 8, p.1
72
Relatório de Carlos Chagas Filho ao Ministro da Educação e Saúde, 27/08/1942, FFC (DEC em
tratamento), caixa 8, p.2
89
a) Realizar estudos sobre doenças endêmicas e endemo-epidêmicas que grassam no
país, para esclarecimento de problemas de etiopatologias, da profilaxia e do tratamento
respectivo;
b) Organizar e manter, por si ou com a colaboração de outros órgãos técnicos-
científicos, em particular do DNS, centros regionais de pesquisas, neles realizando os
necessários reconhecimentos, inquéritos e investigações;
c) Colaborar na confecção do mapa nosográfico brasileiro, na parte referente às
endemias que grassam no país.
73
Em consequência desta mudança organizacional, o SEGE deixaria de ser um
serviço autônomo e se transformaria em uma divisão oficial do IOC. Mesmo sendo um
dos articuladores da mudança de status do serviço, Carlos Chagas Filho ressaltou a
importância da autonomia científica para a recém-criada divisão:
Antes de terminar, desejo fazer algumas ponderações sobre a vida futura do SEGE,
agora transformado em Divisão de Estudos de Endemias do IOC. É de meu alvitre que o
mesmo deverá seguir sempre dentro das normas com que Evandro dirigiu o SEGE, isto
é: máxima autonomia científica, administrativa e financeira. Com isto só poderá lucrar o
IOC porque a DEE se tornará assim o melhor elemento de sua integração no estudo dos
principais problemas sanitários do país, e poderá a mesma realizar plenamente as suas
finalidade, porque terá a sua ação facilitada.
74
Os inquéritos epidemiológicos no vale amazônico também alteraram a vida do
IPEN, que após a morte de Evandro Chagas, passou a se chamar Instituto de Patologia
Experimental Evandro Chagas (IPEEC). Como veremos na próxima sessão, os
“convênios amazônicos”, contratos firmados entre os governos do Pará e Amazonas
com o MES, forçaram o instituto a se aparelhar para que pudesse cumprir o trabalho a
ele destinado: auxílio aos serviços de saneamento a Amazônia. Desde 1938 o Instituto
promovia cursos regulares de malariologia, como programa oficial de extensão
universitária. Em 1941, o curso foi interrompido pelo DNS que passou a ministrar uma
cadeira intensiva, com o intuito de formar técnicos para o serviço de saneamento da
73
Decreto nº10.252 de 14/08/1942. Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância
Sanitária) http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19560&word= último acesso: 25/01/2007,
2:35
74
Relatório de Carlos Chagas Filho ao Ministro da Educação e Saúde, 27/08/1942, p.8 CCF/ Documentos
Evandro Chagas (em tratamento), caixa 8
90
Amazônia.
75
Sousa Castro, diretor do Instituto, reclamou melhores condições para que o
IPEEC pudesse abarcar a execução do saneamento da Amazônia, pois as instalações
estariam muito precárias.
76
Segundo Castro, duas causas motivaram a alteração do ritmo
de trabalho do IPEEC em 1941:
Uma a fatalidade da morte, por desastre, do dr. Evandro Chagas, determinando, de
pronto, a quase paralisação destas atividades, que ele com tanto brilho dirigia;
Outra a utilização integral do IPEEC pelo Departamento Nacional de Saúde, em
virtude do “Convênio” estabelecido entre o estado e o governo federal, para o
saneamento da Amazônia.
77
Segundo o diretor do Instituto, a morte de Evandro Chagas deu origem a uma
série de “embarcações burocráticas” que teriam adiado a retomada da execução dos
serviços do IPEEC, que veio a receber a verba destinada no segundo semestre de
1941. E mesmo assim, os trabalhos não prosseguiram da melhor maneira possível, pois
todos os esforços e verbas do Instituto estiveram voltados para os inquéritos no vale
amazônico.
78
O IPEN e o SEGE foram criados a partir de contatos estabelecidos por Evandro
Chagas, com intenções explícitas de se tornarem órgãos autônomos, não subordinados
ao IOC. Desta forma, é importante destacar que a atribuição original dos dois “braços”
de Evandro passou por um processo de ressignificação junto aos médicos dos órgãos
federais, que os modificaram para que servissem aos planos de saúde e saneamento para
a região amazônica.
2.5 - O Plano de Saneamento da Amazônia (1941-1942)
Como visto anteriormente, diversas excursões estavam sendo feitas por
profissionais ligados ao SEGE e aos departamentos estaduais de saúde, como Aquiles
75
Relatório a Carlos Chagas Filho sobre as atividades do Instituto de Patologia Experimental Evandro
Chagas em 1941, do diretor Sousa Castro, 9/02/1942, FFC (DEC - em tratamento), caixa 7, pp.1-3
76
Relatório a Carlos Chagas Filho sobre as atividades do Instituto de Patologia Experimental Evandro
Chagas em 1941, do diretor Sousa Castro, 9/02/1942, FFC (DEC - em tratamento), caixa 7, p.4
77
Relatório à Carlos Chagas Filho sobre as atividades do Instituto de Patologia Experimental Evandro
Chagas em 1941, do diretor Sousa Castro, 9/02/1942, FFC (DEC - em tratamento), caixa 7, p.5
78
Idem.
91
Scorzelli Júnior. Este escreveu um relatório que expõe a preocupação com a malária nos
locais, que era considerada o grande entrave para a recuperação econômica e social da
Amazônia:
O aproveitamento econômico de tão rica região exigirá primordialmente que se
disponha de braços suficientes, tornando-se fundamentalmente, uma questão
demográfica e a base mais importante dessa questão vem a ser dada pela presença da
malária. Esta é extremamente difundida pelo imenso território, constituindo a mais
freqüente causa do óbito ao mesmo tempo que invalidando periodicamente (março a
julho), considerável número de braços de impaludosos.
79
A fase inicial dessa recuperação consistiria em realizar os processos de
hidrografia sanitária nos maiores núcleos populacionais que apresentavam condições
econômicas razoáveis para essas obras. Caso necessário, far-se-ia a integração da
atividade do serviço anti-malária com os organismos técnicos de produção nos lugares
de maior destaque econômico. Nos núcleos menores deveria ser feita apenas a
medicação, para se conseguir uma imediata redução da morbidade.
80
Devido à
gravidade da situação, Scorzelli recomendou a transferência da 2ªsede da Delegacia
Federal de Saúde para o Amazonas, ocorrendo assim a divisão do estado em setores,
tendo fixado em Manaus a sede dos estudos. Para o médico, era importante também a
cooperação econômica da União, pois o estado não conseguira romper o “círculo
vicioso que acorrenta sua economia à malária, em função dos recursos estaduais
insuficientes”.
81
Mas o quadro nosológico não se limitava apenas ao impaludismo,
reconhecidamente o maior problema da região. Lepra, tuberculose e sífilis também
estavam na agenda de preocupações. As maiores dificuldades encontradas pelos
médicos que percorriam a região eram os precários serviços de bioestatítica, que
impediam uma maior compreensão da incidência destas doenças.
Após a morte de Evandro Chagas, a Comissão de Saneamento da Amazônia foi
reformulada, passando a ser composta por João de Barros Barreto, Ernani Agrícola,
Manuel J. Ferreira e Valério Konder. O posto ocupado por cada membro da equipe é um
79
Júnior, Aquiles Scorzelli. “A Saúde Pública do Amazonas, Arquivos de Higiene, V.10, n.1, 1940, p.98
80
Scorzelli não especificou o tipo de medicação que seria utilizado, mas provavelmente se referia ao
tratamento a base de quinina.
81
Júnior, Aquiles Scorzelli. “A Saúde Pública do Amazonas, Arquivos de Higiene, V.10, n.1, 1940, p.98
92
fator importante: João de Barros Barreto era o diretor do principal órgão formulador de
saúde pública o país, o DNS; Ernani Agrícola foi nomeado em 1941 o diretor do
Serviço Nacional de Lepra; Manuel José Ferreira era médico com especialidade em
malariologia e Valério Konder era o responsável pela Delegacia Federal de Saúde.
Dessa forma, cada membro escolhido para a comissão contribuiria com a sua posição na
hierarquia do poder público (Barros Barreto), com o estudo e conhecimento em
enfermidades que grassavam na região (Ernani Agrícola e Manuel Ferreira), assim
como o conhecimento sobre a região que seria estudada (Valério Konder).
A primeira exposição do Plano de Saneamento da Amazônia foi publicada em
dezembro de 1941, no periódico Arquivos de Higiene. Segundo o relatório, a
recomendação federal à comissão foi a de criar um plano especialmente ligado à
questão da malária. Porém, João de Barros Barreto, relator da comissão, afirmou que
O entrelaçamento e a interdependência dos vários problemas de saúde e de assistência
nesse vasto território e alguns dos quais se focalizam na presente exposição, decorrem
da finalidade una de todos eles.
82
O conceito de “Saneamento” por parte de João de Barros Barreto também é um
ponto importante para a compreensão dos esforços que seriam empreendidos e da
própria configuração do plano:
Pela expressão Saneamento” compreendeu a comissão o conjunto de atividades
destinadas a melhorar as condições de vida e de saúde dos habitantes da Amazônia.
Essas atividades podem ser resumidas em:
1) medidas visando o beneficiamento do meio, e atinentes em especial a serviços de
abastecimento de água e remoção de dejetos (tarefa de saneamento propriamente dito) e
2) medidas de proteção de vida e da saúde a serem empreendidas por organizações
sanitárias e de assistência médica (higiene, medicina preventiva, cuidado com os
doentes).
83
Ao contrário de Aquiles Scorzelli, que concentrou a questão da saúde pública da
Amazônia nos problemas decorrentes da malária, Barros Barreto e a comissão
82
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene.V.11, nº1, 1941, p.192
83
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene.V.11, nº1, 1941, p.193
93
entendiam a questão de forma mais ampla, cujos laços de interdependência entre os
problemas excluiríam uma ação delimitada a apenas uma endemia ou a algum aspecto
estrutural da região. Barros Barreto complementou que visar exclusivamente o combate
à malária seria fazer uma obra incompleta de saneamento e apontou outros problemas
de saúde que grassavam na região. O chefe da comissão também ressaltou a necessidade
de melhorar os serviços de bioestatística, tidos como imprecisos, assim como promover
a instalação de uma rede efetiva de Centros de Saúde e Postos de Higiene, já
ineficientes na capital, sem contar o interior.
84
Para Barreto, o DNS precisaria ser dotado de meios e poderes plenos, devido à
amplitude do raio de ação. A carência de técnicos também foi discutida e, para este
propósito, uma saída seria a formação de quadros técnicos através de cursos de
malariologia, que seguiriam o padrão do D.N.S. No primeiro relatório da comissão
preocupações principalmente em torno do saneamento básico dos lares, considerados
bastante precários pelos sanitaristas:
Precisam ser sem demora atendidos serviços básicos de saneamento, sem os quais não é
possível qualquer obra completa de saúde pública; primordialmente os de águas e
esgotos ao menos para os núcleos de 2.000 habitantes.
85
Em relação à malária, a comissão afirmou:
Afastada a idéia de se atender de logo o problema com igual intensidades em todo o
vale do Amazonas, impôs-se a diretriz de pensar num saneamento ganglionar
específico, conduzido diretamente pelo governo federal, ou seja, cuidar da redução e
quiçá da erradicação da malária por zonas, escolhendo nelas um certo número de
cidades ou mesmo núcleos menores, com valor econômico atual, significação
estratégica ou perspectivas de progresso. As condições de muitos desses centros
poderão ser bastante melhoradas; far-se-á, mesmo, uma verdadeira conquista
sanitária de territórios agora praticamente inabitáveis, ou que com grande
esforços estão sendo impulsionados ‘apesar da malária’, pagando a esta endemia
um tributo injustificável (grifo meu).
86
84
Idem
85
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene.V.11, nº1, 1941, p.194
86
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene.V.11, nº1, 1941, p.196
94
O relatório se mostra alinhado à concepção do Estado Novo sobre a região: uma
área inabitada e, além disso, inabitável, justamente por causa da malária. A conquista,
além de física, deveria ser sanitária. Segundo essa premissa, os povos amazônicos enfim
encontrariam a redenção após afastar esses problemas. De início a comissão planejava
implantar quatro setores regionais, abrangendo 12 cidades ao todo: Núcleo Belém
(Belém, Capanema, Vigia, Soure-Salvaterra), Núcleo Manaus (Manaus, Maués e
Parintins), Núcleo Santarém (Santarém, Óbidos e Alenquer)e Núcleo Porto Velho
(Porto Velho e Guarajá-Mirim). A partir do Mapa 3, podemos perceber a abrangência
destes núcleos, mas que mesmo assim ainda cobriria de forma mida a região
amazônica.
Mapa 3 – Distribuição dos núcleos propostos pelo Plano de Saneamento da
Amazônia
Fonte: adaptado do mapa de Evolução política e administrativa das divisões regionais do Brasil,
disponível no sítio do IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartogramas/evolucao.html ,
último acesso: 12/01/2007, 14:00 h.
Área abrangida
1 – Núcleo Belém (Belém, Capanema, Vigia, Salvaterra)
2 – Núcleo Manaus (Manaus, Maués e Parintins)
3 – Núcleo Santarém (Santarém, Óbidos e Alenquer)
4 – Núcleo Porto Velho (Porto Velho e Guarajá-Mirim)
95
Saneamento básico e rede de esgotos também foram detectados como carências
estruturais da região. Posto à parte, Gustavo Capanema assinou em 19 de novembro de
1941, com os interventores do Pará e do Amazonas, respectivamente, José Carneiro da
Gama Malcher e Álvaro Maia, os “convênios amazônicos” que previam os seguintes
termos:
1) O plano de saneamento da Amazônia seria executado pelos respectivos
departamentos estaduais de saúde, sob direção e fiscalização das DFS da 2ª e 3ª regiões;
2) Os Departamentos de saúde dos estados do Amazonas e Pará passariam a ter os
postos de direção e chefia a critério do direto do DNS;
3) O pagamento do plano de convênio ficaria a cargo dos Departamentos estaduais de
saúde, que a partir do plano nacional formulado pelo DNS, poderia reestruturar seus
serviços de saúde;
4) os convênios amazônicos terão a duração mínima de dois anos.
87
A segunda exposição da Comissão de Saneamento da Amazônia foi publicada
em abril de 1942. Ao conhecer o plano que estava sendo desenvolvido, Getúlio Vargas
fez críticas às propostas de saneamento para a região. Barros Barreto publicou as
críticas feitas pelo presidente à comissão:
O plano de que dá conta este relatório, embora bem lançado, não obedeceu exatamente
ao que pretendo fazer pelo Saneamento da Amazônia. Não convém criar larga
aparelhagem federal para isso, com numeroso pessoal e as conseqüentes obrigações,
quando findo o trabalho. Será melhor ordenar a matéria, partindo dos serviços estaduais
de saúde, que temporariamente passavam a ser, nesse particular, dirigidos por
especialistas dos quadros federais e pelo governo federal subvencionados.
Naturalmente, esse plano deve ser estudado em conjunto com os governos amazônicos e
estabelecido, em forma de convênios de cooperação.
88
87
Barreto, João de Barros. “O Saneamento da Amazônia”. Arquivos de higiene, v.12, nº1, 1942, p.56
Obs: Os “convênios amazônicos”, mesmo tendo sido assinados em novembro de 1941, foram publicados
apenas posteriormente, no relatório de 1942. Mas este dado nos fornece subsídios para compreender o
tempo de publicação dos artigos da Comissão de Saneamento da Amazônia. Se tomarmos a publicação
dos “convênios amazônicos” (abril/1942) e subtrairmos a data da assinatura (19/11/1941) como base,
teremos em média 4 meses entre a escrita do artigo e sua publicação.
88
Barreto, op.cit., p.39.
96
A partir das observações do presidente, a comissão apressou em firmar os
convênios com os interventores federais dos estados amazônicos, propiciando uma
maior participação dos departamentos estaduais de saúde na execução do plano. As
ações para seu prosseguimento foram efetuadas, convocando para a Amazônia 584
antigos guardas sanitários do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE).
89
Foi instituido em Belém um curso de malariologia e outro para visitadoras. O
primeiro aprovou 31 dos 43 médicos matriculados e o segundo aprovou 32 das 57
candidatas a cargo de visitadoras. Ademais, promoveram-se expedições para avaliar as
condições de saúde dos habitantes. Os esforços foram todos direcionados para a
profilaxia da malária, não sendo citadas mais outras morbidades locais.
90
Profissionais
como Ayroza Galvão e Alberto Carreira da Silva, responsáveis por relatórios na região
de Manaus e Belém, a pedido de João de Barros Barreto, conquistaram cargos de
coordenação nos respectivos departamentos estaduais de saúde.
91
Em abril de 1943, foi publicado mais um relatório da Comissão de Saneamento
da Amazônia, dizendo, que desde o início de 1942, o plano sofreu um hiato, devido à
falta de recursos que permitissem prosseguir o programa traçado. Se estipularmos uma
média de quatro meses entre escrita e publicação dos relatórios, podemos delimitar a
escrita desta exposição em dezembro de 1942.
92
Ou seja, entre a segunda e terceira
publicação da comissão transcorreu cerca de um ano, bastante diferente do intervalo
entre o primeiro e o segundo (dezembro 1941/abril 1942). A escrita em dezembro de
1942 denota a preocupação em publicar as atividades de toda a Comissão de
Saneamento no ano, pois a escassez de verbas praticamente paralisara suas ações. O
contexto internacional onde o plano foi elaborado é de suma importância, pois este foi o
ano que o Brasil declarou guerra e rompeu relações com os países do Eixo, fato que
influenciou nos planos para a Amazônia, como veremos no capítulo seguinte. A falta de
recursos afetou também trabalhos como o de Ayroza Galvão, do Instituto de Patologia
89
Barreto, João de Barros. “O Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene, v.12, nº1, 1942, p.40
90
Barreto, João de Barros. “O Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene, v.12, nº1, 1942, p.41
91
Os relatórios são:
1) Silva, Alberto Careira da. Inspeção realizada em Borba, 1938. Disponível em “Biblioteca
Virtual do Amazonas”, www.bv.am.gov.br , último acesso, 31/11/2006, 14:25
2) Galvão, A.L. Ayroza. Relatório das pesquisas entomológicas realizadas na Amazônia,
apresentado ao Ilmo. Sr. Prof. Dr. João de Barros Barreto, Diretor do Departamento Nacional de
Saúde”. Arquivos de Higiene, v,12, nº12, 1942.
92
Tendo como base o tempo entre a assinatura dos “convênios amazônicos” e de sua publicação.
97
Experimental Evandro Chagas (IPEEC).
93
O IPEEC, durante o ano de 1941, ainda não
havia sido integrado diretamente no plano de saneamento, mas estava pronto para
realizar os trabalhos. Com a assinatura do convênio entre a União e os governos do
Pará, Amazonas e Acre, o prédio do IPEEC foi reformado a fim de atender as pesquisas
entomológicas necessárias à captura dos anofelinos. Devido a dificuldades financeiras
oriundas do atraso de verba do saneamento e denúncias ao convênio firmado entre o
Governo Federal os Estados Amazônicos, o trabalho teve de ser interrompido em
1942.
94
O Plano de Saneamento da Amazônia mobilizou diversos profissionais ligados
aos departamentos estaduais de saúde da Amazônia e a institutos de pesquisas, porém,
não foi adiante. A execução do saneamento da Amazônia foi entregue ao Serviço
Especial de Saúde Pública, órgão criado a partir dos “Acordos de Washington” em 3 de
março de 1942. Como Barreto afirmou, o “Plano de Saneamento da Amazônia” sofreu
corte de verbas no início do mesmo ano.
95
E este foi exatamente o período das
negociações entre o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Sousa Costa e o sub-
secretário de Estado norte-americano, Sumner Welles. Uma análise preliminar poderia
concluir que houve simplesmente a entrega da execução de uma instituição nacional a
outra bilateral. No próximo capítulo vamos aprofundar essa discussão, focalizando a
Amazônia e as intenções norte americanas de acordo com o contexto de guerra que o
mundo vivia à época e sua influência sobre as ações de saúde e saneamento na região.
93
Antigo Instituto de Patologia Experimental do Norte, renomeado em homenagem ao fundador, e
atualmente, Instituto Evandro Chagas.
94
Ayroza Galvão não especificou que denúncia foi essa, mas suas consequências foram graves: segundo
ele, o IPEEC foi desligado do Departamento Nacional de Saúde e ficou diretamente ligado ao governo do
Pará. Assim, grande parte da verba oriunda do DNS destinada ao Instituto não pôde ser utilizada,
interrompendo outras pesquisas. Galvão, A.L. Ayroza. “Relatório das pesquisas entomológicas realizadas
na Amazônia, apresentado ao Ilmo. Sr. Prof. Dr. João de Barros Barreto, Diretor do Departamento
Nacional de Saúde”. Arquivos de Higiene, v,12, nº12, 1942., p.236
95
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene, v.13, nº1, abril 1943, p.23
98
Considerações finais
O capitulo teve o objetivo de estudar as ações de saúde e saneamento
implementadas por instituições científicas que atuaram na região amazônica no curso os
anos 30 e início dos anos 40, como o IPEN e o SEGE. Mais importante foi compreender
como ocorreu o crescente interesse governamental pela Amazônia. No capítulo
anterior, vimos idéias sociais da época a respeito da região e como, a partir do início dos
anos 40, em especial com a viagem de Vargas, essa porção do território nacional
tornou-se estratégica para o governo federal. As ões de saúde e saneamento
relacionam-se totalmente com este período, basta vermos os incentivos do poder
executivo para a elaboração do plano de saneamento. Personagens notórios da história
da saúde pública da época envolveram-se nesta formulação que contou com momentos
tensos e reviravoltas, como o falecimento de Evandro Chagas, em novembro de 1940. O
fato lançou incertezas sobre o futuro do SEGE e dos inquéritos de reconhecimento de
malária. Mas as pesquisas continuaram até a divulgação do Plano de Saneamento da
Amazônia, em 1941. A partir de 1942, a Comissão de Saneamento sofreu cortes de
verba em função de fatores externos, como as negociações Brasil-EUA para a assinatura
dos Acordos de Washington. Interesses do governo brasileiro e pressões norte
americanas levaram os dois países a assinarem o tratado bilateral, fatores decisivos para
o fim do Plano de Saneamento da Amazônia, que iremos aprofundar no próximo
capítulo.
99
CAPÍTULO III :
FRED L. SOPER, JOÃO DE BARROS BARRETO E O SERVIÇO
ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA: CONTEXTOS EM
MOVIMENTO (1942-1945)
Introdução
No capítulo anterior, analisamos personagens e instituições que participaram
ativamente na elaboração do plano de saneamento para a região amazônica. E, como o
próprio nome diz, foi um plano, não saiu do papel. Porém sua relevância se justifica
pelo processo histórico da região amazônica no curso dos anos 30 e 40, que passou a ser
vista como um lugar a ser conquistado pelo programa de governo Marcha para o Oeste.
Ao longo do trabalho, vimos que intelectuais do período, militantes ou não do governo,
ressaltaram a importância do binômio saneamento-colonização como aspectos
fundamentais a serem seguidos em qualquer política de povoamento implementada pelo
governo. Assim, o plano de saneamento não se relacionava apenas com os médicos e
sanitaristas que trabalharam em instituições científicas atuantes na região, como o
Serviço de Estudo de Grandes Endemias (SEGE) e o Instituto de Patologia
Experimental do Norte (IPEN), mas também com o próprio discurso da época
formulado sobre a Amazônia.
1
A construção desse discurso teve a participação de profissionais de diversas
áreas, resultando em uma linha de raciocínio semelhante: colonizar a região
despovoada. O plano de saneamento para a localidade não foi simplesmente uma ação
conseqüente das idéias políticas do período, senão mais uma variável deste contexto de
1
Neste contexto, a conceituação de Foucault sobre “discurso” é pertinente, pois coloca os indivíduos e
grupos diversos integrados em uma mesma especificidade de prática discursiva:
“se esses planos [de fala em comum entre os diversos personagens] estão ligados por um sistema de
relações , este não é estabelecido pela atividade sintética de uma consciência idêntica a si, muda e anterior
a qualquer palavra, mas pela especificidade de uma prática discursiva (...) o discurso, assim concebido,
é um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos” (grifo meu). Ver
Foucault, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária, 2007, p.61.
100
reescrita da história e da formação social da Amazônia, capitaneado pelo governo
federal a partir de interesses e usos específicos desse processo. O contexto externo
interferiu diretamente nesta ão, a partir da situação de guerra e de pressões norte-
americanas para a assinatura de acordos econômicos. O resultado foi o abandono do
plano de saneamento original devido à criação do Serviço Especial de Saúde Pública,
órgão responsável pelas ações de saúde e saneamento no Vale do Amazonas. Mas dar
importância ao contexto internacional para esta ruptura não significa que a história da
região tem relevância apenas a partir de uma ação externa, mas sim reconhecer estas
interferências como elementos que contribuem para o resgate do período. A idéia de
uma simples “ruptura” entre o Plano de Saneamento da Amazônia e o SESP é falsa,
pois, pesquisas feitas pelo SEGE foram utilizadas como dados preliminares pelo SESP,
mostrando que os trabalhos continuaram, só que com outros escopos e dirigentes.
O objetivo do presente capítulo é analisar a atuação de João de Barros Barreto e
Fred L. Soper, dois personagens importantes da saúde pública num período de transição
entre uma ação governamental, ligada a um ministério específico, e uma ação bilateral,
entre dois países com interesses e apropriações distintas do processo. E, por fim,
analisar o Serviço Especial de Saúde Pública, tendo como foco principal sua atuação no
período de guerra, e reconhecendo-o como mais um órgão frente à multiplicidade de
objetivos que os convênios assinados entre Brasil e EUA tinham. Ou seja, para
compreender o papel do SESP na época é fundamental realizar uma análise localizando-
o no espaço-tempo entre 1942-45: um órgão que servia à situação de guerra. Antes, é
necessário realizar a intersecção entre as relações internacionais e contextos nacionais
para que possamos ter subsídios analíticos que permitam localizar os objetos de estudo
deste capítulo.
3.1 - Contextos nacionais e internacionais: mudanças em curso
Nos anos 30, o governo brasileiro adotou uma política de “eqüidistância
pragmática” relativamente às duas maiores potências (Alemanha e Estados Unidos da
América), tanto nas questões comerciais, quanto nas políticas e militares. Essa política
conduziu à declaração de neutralidade em julho de 1939, aumentando o poder de
barganha do Brasil nos anos seguintes.
2
Porém, no ano de 1942, a neutralidade perdeu
2
Moura, Gerson. Autonomia na dependência A política Externa Brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro, editora Nova Fronteira, 1980, p. 64.
10
1
força entre seus seguidores. Em um espaço de oito meses a política externa brasileira
mudou de posição: meras declarações de solidariedade se transformaram em uma
aliança com os EUA.
3
Essa mudança resultou de fatores externos, como o bombardeio à
base militar norte americana de Pearl Harbor em dezembro de 1941, em conjunto com
pressões internas resultantes de acontecimentos capitais, como o bombardeio a navios
brasileiros no nordeste.
4
Um evento decisivo no redirecionamento do processo
decisório da política externa foi a Conferência do Rio de Janeiro, em janeiro de 1942, na
qual o Brasil rompeu relações com Alemanha, Itália e Japão; na mesma ocasião, o
ministro da fazenda Souza Costa foi enviado a Washington, com a missão de assinar
acordos militares e econômicos.
Como demonstra Moura, por mais que as negociações ocorressem de forma
pacífica, as pressões para a formalização do acordo foram grandes.
5
Como exemplo
podemos citar a assinatura do Serviço Especial de Saúde Pública: em correspondência a
Gustavo Capanema, George Dunham, encarregado norte-americano para as negociações
com o Brasil, pediu em 13 de maio de 1942, que as atividades do serviço se iniciassem
com urgência, mesmo que no momento o presidente não pudesse assinar o acordo.
6
Além das urgências de uma diplomacia de guerra, outros fatores contribuíram
para a criação desta agência de cooperação bi-lateral de saúde pública: a necessidade de
borracha, ferro e outras matérias primas brasileiras por parte do exército aliado; os
soldados norte americanos precisavam de proteção contra as doenças tropicais e, por
fim, os trabalhadores brasileiros que trabalhariam na produçaõ de borracha e minerais
estratégicos, que necessitavam de prevenção e cuidados contra a malária e outras
doenças infecciosas.
7
Como demonstra Campos, as guerras reforçaram, na primeira
metade do século XX, o interesse pela medicina tropical e pela cooperação sanitária por
intermédios de agências internacionais:
A Segunda Guerra Mundial, particularmente, alertou o governo norte-americano para a
ameaça das doenças transmissíveis, doravante interpretadas como um problema
3
Moura, op.cit., p.65.
4
Moura, Gerson. “O Brasil na Segunda Guerra Mundial (1942-1945)”, Albuquerque, J.A. Sessenta anos
de política externa brasileira (1930-1990) - Crescimento, modernização e política externa. São Paulo,
NUPRI-USP/Cultura Editores Associados, 1995, p.22.
5
Idem.
6
CPDOC/AGC/ AGC 1936.10.21h, fotograma 497.
7
Campos, op.cit., p.35
102
estratégico a ser enfrentado nos campos de batalha, nas suas áreas de influência e
mesmo no próprio território, depois do retorno das áreas tropicais.
8
O acordo de saúde e saneamento com o Brasil fez parte de uma série de
convênios assinados com países da América Latina que tinham objetivos diversos.
9
O
Brasil enquadrava-se na criação de campanhas contra doenças específicas, em especial a
malária, voltada para países como Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Haiti, Peru,
Venezuela e América Central.
10
De acordo com Gerson Moura, a maioria dessas
resoluções era coerente com as iniciativas norte-americanas anteriores sobre a definição
do papel a ser desempenhado pelas nações latino-americanas na parceria com os EUA.
11
Desde 1940, com a criação do Office of Comercial and Cultural Relations between the
American Republics, posteriormente Institute of Inter-American Affairs (IAIA), havia
uma crescente aproximação com os povos latino-americanos. A própria região
amazônica tinha importância para esta aproximação. Em 1941, Alan Fisher, fotógrafo
da divisão de Saúde Pública e Higiene do Office foi enviado à Amazônia para registrar
imagens positivas da região, como forma de propaganda nacional e internacional. Fisher
se concentrou nas instalações médicas e militares da região.
12
Segundo Campos, a
assinatura do acordo de saúde e saneamento tinha significados diferentes para as partes
envolvidas:
Os Estados Unidos tinham um objetivo militar imediato a utilização das bases
militares no nordeste do Brasil e o acesso á borracha e outras matérias primas para a
indústria bélica. Entretanto, para o Brasil, o tratado corroborava com os planos de
desenvolvimento e integração econômica e da expansão da autoridade federal sobre o
território do país, em pauta no Governo Vargas.
13
O plano de saneamento da Amazônia ocorreu antes e durante o período das
negociações entre o governo brasileiro e o Institute, fato que influiu de forma decisiva
na configuração do projeto para o saneamento do vale amazônico. A breve participação
de Fred L. Soper, dirigente da Fundação Rockefeller no período, ilustra esse processo.
8
Campos, op.cit., p.35.
9
Campos, op.cit., p.49
10
Idem.
11
Moura, op.cit. p.23.
12
Mauad, Ana Maria. Genevieve Naylor, fotógrafa: impressões de viagem (Brasil, 1941-1942)”, Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 25, 49, 2005. p. 46. Algumas fotos de Alan Fisher estão no
Caderno de Imagens desta dissertação. Ver Anexo I – Caderno de Imagens, p.155.
13
Campos, op.cit., p.45.
103
3.2 – Fred L. Soper: novos planos para o Serviço de Malária do Nordeste
Fred L. Soper presidia no Rio de Janeiro a International Health Division (IHD),
órgão da Fundação Rockefeller, desde 1927. Atuou em diversas campanhas importantes
no país, através do Serviço de Febre Amarela e do Serviço de Malária do Nordeste,
onde chefiou uma controversa, mas vitoriosa luta contra o Anopheles Gambiae, um dos
principais vetores responsáveis pela transmissão de malária.
14
Devido ao longo tempo
de estadia no Brasil, conheceu os principais dirigentes de saúde do país, como Evandro
Chagas e João de Barros Barreto. Com a aprovação do Plano de Saneamento da
Amazônia, Soper, que era o principal representante local da Fundação Rockefeller,
manifestou a intenção de colaborar com o Departamento Nacional de Saúde. Em
correspondência à Wilbur A. Sawyer, diretor da IHD em Nova York, Soper relata um
encontro seu com Samuel Libânio, diretor do Departamento Nacional de Saúde.
15
(...) Doctor Libânio informed us that the government had appointed a committee of five
people (now four since the death of Doctor Evandro Chagas) for the purpose of drawing
up a plan of sanitating the Amazon Valley with respect particularly to malaria. For this
amount, it was estimated that the principal cities of Belém and Manaus would be
cleaned, as well as 48 or 50 other widely scattered points in the valley (...) I can say that
Doctor Libanio inquired us to the possibility of getting our organization here interested
in malaria beyond the gambiae program. Doctor Libanio explained that he had no
authorization from the minister of the President to sound or the situation and I assured
him that I had no authorization to answer his questions.
16
Soper classificou a conversa com Libânio como preliminar, pois nem ele ou
Libânio poderiam representar oficialmente suas instituições. Na época, a estratégia
planejada por Soper de erradicação dos mosquitos vetores da malária no nordeste estava
tendo sucesso. O que a missiva explana é a tentativa do diretor em expandir a atuação
14
Ver Löwy, Ilana. Vírus, mosquitos e modernidade a febre amarela no Brasil entre a ciência e a
política. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2006 e Gadelha, Paulo Ernani, Randall Packard. “Uma terra
invadida por mosquitos: Fred L. Soper, a Fundação Rockefeller e a invasão do Anopheles Gambiae no
Brasil”, Gadelha, Paulo Ernani. História da doenças: Ponto de encontros e dispersões. Vol.II. Tese de
Doutorado apresentada a Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro, março de 1995.
15
João de Barros Barreto foi diretor do DNS em duas época (1937-39) e (1941-45). Neste ínterim,
Samuel Libânio que foi o responsável pelo órgão. Ver Hochman, Gilberto. “João de Barros Barreto”,
Bynum Bill; Bynum, Helen (eds.), Dictionary of medical biography, Wesport, Greenwood Press,
forthcoming, 2006.
16
Correspondência de Fred L. Soper à Wilbur Sawyer, 1940, November 20, 1940. RAC, RF, Series 305 –
I, box 16, folder 140.
104
da Fundação Rockefeller para outras regiões do país, através de contatos e pequenas
colaborações:
[if] the gambiae situation continue to improve, we should have sufficient funds and
personnel to begin a small control project at some points to be selected for working out
methods which might be applicable in the solution of the problem in the Amazon Valley
(...) I [also] had received a letter from the director of the Yellow Fever Service in Belém
advising me, unofficially, that the state authorities here were planning to urge the
Federal Government to attempt to interest the Foundation in handling his proposed
project for malaria control in that region. I believe we can expect an invitation from the
Government to expand our activities in malaria control.
17
Para isso, Soper pediu à Sawyer maiores investimentos para o projeto Gambiae.
Assim, ele conseguiria expandir o escopo do projeto anti-malária que chefiava.
Consequentemente, a Fundação Rockefeller conseguiria participar mais do
desenvolvimento de outras áreas de controle em conjunto com o governo brasileiro.
18
Sawyer recebeu as propostas de Soper com cautela, pois o orçamento do ano seguinte já
estava fechado. O diretor apenas concordou com gastos extras caso a verba destinada ao
SMNE não fosse inteiramente gasta. Dessa forma, o resto do erário poderia ser
investido em outros projetos.
19
Your letter of November 20 suggests that we may find ourselves very far into somewhat
doubtful malaria projects unless we proceed wtih great caution. All I am able to say now
is that it seems premature to give definite approval to the expansion of our malaria
projects in the direction suggested. We have, however, made no plans for expending
outside of Brazil any funds which might be liberated from the gambiae project and we
shall keep in mind the possibility that you may be recomending a specific and attractive
project either in the malaria field or in some other outside it. At the moment, I feel that
it would be best not to complicate the present gambiae project. (...) As you are probably
aware, we have already made provision in our budget estimates for the gambiae project
and the budget as a whole hás been approved by the trustees. We therefore would prefer
17
Idem.
18
Ibidem.
19
Correspondência de Wilbur Sawyer a Fred L. Soper. December 5, 1940. RAC, RF, Series 305 I, box
6, folder 140.
105
to go on an already planned and make adjustments after there has been a decision to go
into some new project.
20
Mais que a possibilidade de expansão das atividades do SMNE, as
correspondências ilustram os movimentos de Soper, defendendo seus interesses na
região. Isso demonstra que, mesmo fazendo parte de uma instituição, o dirigente possuía
liberdade de ação junto aos seus contatos. As ordens que tinha que seguir não anulava
possíveis margens de manobra.
Dois anos depois, o dirigente manifestou novamente interesse, em colaborar com
o plano de ação que estava sendo formulado pelo DNS. Mas a conjuntura mudara. Desta
vez, Soper tinha ressalvas:
The President of Brazil is very much interested in the control of malaria in the Amazon
Valley and has been personally responsible for preliminary studies and some initial
activity on the problem. The present plan is to spend federal money under the
direction of the Federal Delegates of Health, under contract between the Ministry
of Health and the State Governments, whereby the Ministry takes over the
administration of the State health services. This sounds rather complicated but is a
means of avoiding difficult Federal restrictions on local administrative practices
and at the same time avoids the organization of a strictly Federal service with a
large budget which might become a permanent drain on the Federal treasury
(grifo meu).
21
A idéia do dirigente era fazer a mesma operação realizada em anos anteriores: a
transferência de mão de obra de um serviço da Fundação Rockefeller para outro. No
início do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE), Soper transferiu boa parte do
pessoal e dos recursos do Serviço de Febre Amarela (SFA) para o então recém-criado
serviço, onde organizou um grupo de 4.000 empregados. A correspondência de Soper a
Sawyer fornece recursos para a compreensão das intenções do governo federal em criar
uma rede de contratos entre os governos estaduais. Assim, a organização do plano
ficaria a cargo do ministério da saúde e a execução ficaria por conta dos departamentos
estaduais de saúde. E, expandindo o argumento, ilustra também as estratégias do
20
idem
21
Correspondência de Fred L. Soper à Wilbur Sawyer, March 7, 1942, COC, Coleção Fundação
Rockefeller, doc. 209. Este acervo se encontra sob guarda da Casa de Oswaldo Cruz.
106
governo federal de assegurar sua presença nas mais diversas áreas do país. Soper propôs
uma possível colaboração com o governo brasileiro:
The present war situation justifies a reconsideration at least of our previous attitude on
the problem of malaria control in the Amazon Valley. As you know from previous
discussions, I have no peace-time ambitions to tackle this problem, but the present
situation and the existence of the SMNE which is on the eve of dissolution obliges us, I
believe, to consider the possibility of collaboration on this problem during the coming
critical years. I have not discussed the situation with any of the brazilian authorities
but in considring the possibility it has occurred to me that the Foundation might
act as government representative and pool its resources with the coordinator's
office regarding the ratio of Coordinator's contribution to a combined government
and Foundation budget, the whole to be administered by the Foundation operating
as a government service as in the past. I am assuming that there would be no
difficulty in using the unexpected portions of the SMNE budget for the first six months
in 1942, the government's 2.400 contos allocated to the SMNE for the second six
months of 1942, and a good chunk of the $50,000 unofficially requested form the
Foundation for possible collaboration in the Federal District (grifo meu).
22
Soper sugeriu a criação de um Serviço especial nos moldes do Serviço de
Malária do Nordeste, que se configurava como uma parceria entre o governo brasileiro e
a Fundação Rockefeller. Também assinalou que a situação de guerra justificava essa
ação, mas reconhecia que esta empreitada daria tanto ao governo brasileiro quanto ao
Coordinator's Sanitary Section uma considerável dor de cabeça e anteciparia sua morte
em pelo menos dez anos, como diz seu próprio texto: would probably put me in my
grave some ten years before my time”.
23
A correspondência de Soper é de 7 de março, poucos dias depois da assinatura
dos “Acordos de Washington”. Mesmo assim, seu pedido repercutiu na Fundação: uma
correspondência interna, chamada de “Inter-office correspondence”, reconhecia que o
grandioso esforço de guerra requeria expressiva ajuda técnica do corpo médico da
International Health Division (IHD), mas também implicava substancial aporte
financeiro. Sugeria, então, que o IHD colaborasse apenas na administração e direção da
22
Idem.
23
Ibidem.
107
empreitada, pois assim a ajuda financeira se daria um escala muito menor.
24
Em anexo a
esta correspondência havia uma reportagem do New York Times, divulgando o acordo
realizado entre os governos brasileiro e americano, dando conta do Plano de
Saneamento do Vale do Amazonas, que seria chefiado por G.M. Saunders, da Divisão
de Saúde Pública do Institute. Por fim, Wilbur Sawyer enviou o veredito final a Soper.
Mesmo sendo grande, é necessária a transcrição da missva pois revela - além da posição
do IHD sobre a questão - a preocupação da Fundação Rockefeller em ser independente,
não se identificando com o governo dos EUA:
Dr. Soper's suggestion about malaria control in the Amazon Valley raises several
questions:
1 The question of the policy of our staff in foreign countries not becoming identified
with U.S government. - The established policy of remaining aloof has been very wise
and successful. Can we render a greater service now by continuing this policy or by
modifying it due to the war? (...) I am of the opinion that if we once modify it we will
increase our difficulties of administration. It will also bem more difficult to resis
pressure from other official and semi-official organizations.
2 The question of developing another expensive and extensive special service, highly
centralized in the Federal government. - Probably Dr. Soper has in mind some scheme
that would leave behind some sort of permanent local organizations.
3 – It is my impression that the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs has
a transitory program and interest, with indefinite resources. If this is correct, we and the
Brazilian government might be left with a very expensive “bag to hold”. At the moment
they have plenty of money to spend and I see no reason why we should contirubute
financially. This would be a safeguard to some extent against any moral obligation on
our part to step into the breach in case the Coordinator of Inter-American Affairs should
for any reason fail.
24
As duas correspondências do “Inter-office correspondence” não tinham remetente, apenas siglas. Esta se
designava da seguinte forma: From: GKS To: WAS. WAS provavelmente se refere às iniciais de Wilbur
A. Sawyer, diretor da International Health Division da Fundação Rockefeller e GKS, George King
Strode, diretor associado do IHD. Dessa forma, a notação se: Correspondência de George King Strode
a Wilbur Sawyer, march 18, 1942, COC, Coleção Fundação Rockefeller, doc.210
108
4 – The question of administrative authority will arise but could be more easily disposed
of than the other three questions.
25
A correspondência ilustra também que a criação do Serviço Especial de Saúde
Pública passou por cima do Plano de Saneamento da Amazônia, pois a primeira
correspondência de Soper se referia obviamente ao “Plano” do DNS, enquanto a
missiva final tinha como base a criação do SESP, pois afirmava que o Office e o
governo brasileiro estavam com “muito dinheiro” para gastar. A independência em
relação ao governo americano que a Fundação Rockefeller buscava ter seria
comprometida por uma possível associação com o Office e o governo brasileiro.
Até 8 de maio de 1942, Fred Soper ainda não havia recebido resposta de sua
missiva anterior e, em 5 e 8 do mesmo mês, enviou mais duas correspondências à
Fundação Rockefeller: a primeira, a George K. Strode, e a segunda a Wilbur Sawyer.
Nesta primeira correspondência, o médico propôs que todo o montante do material
médico do SMNE fosse colocado à disposição do Cooperative Health and Sanitation
Service que estava sendo organizado pelo Office em conjunto com o Ministério da
Educação e Saúde.
26
Mas três dias depois, Soper mudou de opinião, como demonstra o
trecho a seguir:
I have not yet received any answer to my letter of march 7th in which I outlined
possibilities for continuation of R.F. activities in the general field of malaria in Brazil.
However, with the organization of the Cooperative Health and Sanitation Service in
which the Ministry of Education and Health and the Institute of Inter-American Affairs
are collaborating, the whole aspect of the situtation has changed and any suggestions I
may have made in my letter are now without effect. Doctors Saunders and Sérvulo Lima
are already up in north on a reconnaisace trip and General Dunham is very active in
Rio.
27
Soper conseguiu que Wilbur Sawyer colocasse no orçamento para 1942 uma
verba de US$50.000, para uma possível participação da Rockefeller, novamente nos
25
From WAS to FLS. Correspondência de Wilbur Sawyer à Fred Soper, March 20, 1942, COC, Coleção
Fundação Rockefeller, doc.211.
26
Correspondência de Fred Soper a George King Strode, May 5, 1942. RAC, RF, Series 305 I, box 16,
folder 142.
27
Correspondência de Fred Soper a Wilbur Sayer, May 8, 1942. RAC, RF, Series 305 I, box 16, folder
142.
109
moldes do SMNE, que desta vez no distrito federal.
28
Mesmo a área de atuação do
possível novo “Serviço” não atingindo a Amazônia, Soper preferiu não levá-lo adiante.
Talvez também por orientação da diretoria da IHD, o médico, em conversa com
Gustavo Capanema, desistiu da criação de um serviço anti-malária no Distrito Federal:
I had an opportunity on June 17th to discuss the malaria situation in the Federal District
with the Ministry of Education and Health and I took the initiative to suggest that since
the malaria problem of the Amazon Valley had been turned over to the Institute of Inter-
American affairs it may not be politic to turn the malaria problem of the Federal
District over the Rockefeller Foundation at this time, and that I am willing to consider
this possible collaboration as terminated (...) therefore, I wish to release the $50,000
earmarked by the Foundation for this project in the 1942 budgets for use in the other
fields.
29
No Brasil, a Fundação Rockefeller teve papel decisivo na criação de bases para
uma política de saúde pública, através de campanhas para doenças específicas,
englobando tanto os governos da Primeira República quanto o governo Vargas.
30
O
balanço de sua atuação no governo Vargas apresenta resultados positivos, como a
eliminação do Aedes Aegypti em grande parte do território brasileiro, a eliminação do
Anopheles Gambiae no nordeste e a produção e distribuição maciça de uma vacina
contra a febre amarela. A intenção de Soper era continuar o trabalho no Brasil, desta vez
transferindo-se do nordeste para a Amazônia, e, posteriormente, para o distrito federal.
Como visto, seus projetos não foram adiante. Durante a II Guerra Mundial, Fred Soper
esforçou-se em dois projetos de eliminação dos vetores de doenças: a introdução do
DDT na luta contra a malária e na prevenção contra o tifo. Após a guerra, Soper ocupou
cargos importantes em organizações internacionais: foi diretor da Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS, 1947-1959) e, depois, quando da integração da OPAS à
Organização Mundial de Saúde (OMS, 1949), foi nomeado diretor regional da
Organização Mundial de Saúde para as Américas, cargo que exerceu até se aposentar,
28
Como afirma a missiva: (...) an item of $50.000 was included in the 1942 estimates to provide for
possible participation of malaria control techniques in the Federal District of Brazil.
Correspondência de Fred Soper a Wilbur Sayer, May 8, 1942. RAC, RF, Series 305 I, box 16, folder
142
29
Correspondência de Fred Soper a Wilbur Sayer, June 23, 1942. RAC, RF, Series 305 – I, box 16, folder
142.
30
Faria, Lina Rodrigues e Luiz Antônio de Castro Santos. A Reforma Sanitária no Brasil: Ecos da
Primeira República . Bragança Paulista, EDUSF, 2003, p.99.
110
em 1949.
31
Após o encerramento do SMNE, a Fundação se retirou das obras contra a
malária no Brasil, deixando o programa de controle da doença aos dirigentes brasileiros
e ao SESP.
3.3 - João de Barros Barreto e os “Acordos de Washington”
O acordo assinado em 1942 assemelhava-se aos anteriormente firmados pelos
Estados Unidos com outros países produtores de borracha no ocidente. O Brasil deveria
exportar sua borracha exclusivamente para os Estados Unidos durante o período de
cinco anos, a um preço mínimo fixado em 39 centavos de dólar a libra-peso para
entregas acima de 10.000 toneladas. Os brasileiros remeteriam o que excedesse as
suas necessidades e receberiam assistência financeira e material para proporcionar a
infra-estrutura necessária à expansão do comércio.
Os contratos e a exploração da borracha tiveram recepção variada na imprensa,
como mostram artigos nos periódicos da época. O Diário de Notícias, em editorial de 3
de março, afirmou que “temos fé, a maior fé na valorização econômica da
Amazônia!”.
32
O Correio da Manhã
se aprofundou na questão.
33
No período de
negociação entre Souza Costas e governo americano, o periódico expôs questões e
problemas sobre o acordo. Francisco Chermont de Miranda, articulista do jornal,
afirmou que as expectativas estavam muito elevadas, pois alguns jornalistas cogitavam
a possibilidade de 600 mil toneladas de borracha serem produzidas. Tinha opinião
contrária ao uso de técnicos estrangeiros no Brasil, afirmando que “não precisamos de
técnicos estrangeiros, sem nenhum conhecimento prático dos nossos processos de corte
dos seringueiros, nem do regime local” e sugerindo que, para ter efeito prático, deveria
ser feito um plano de saneamento que seria uma verdadeira “obra de Sísifo”.
34
Na seção
“Tópicos e Notícias” foram escritos dois artigos anônimos que tratavam da questão: em
6 de março de 1942, o articulista chamou atenção às mudanças nos “Acordos”, pois
antes da assinatura, as negociações davam a entender que a garantia do preço tabelado
31
Löwy, op.cit, pp.303 – 306.
32
“Diário de Notícias”. 03/03/1942, p. 5. Este acervo encontra-se sob guarda da Biblioteca Nacional, na
seção de periódicos.
33
O “Correio da Manhã” sofreu forte censura durante o governo Vargas. Em especial, devido à sua
postura opositora, ao denunciar o golpe de 1937 ver Sodré, Nelson werneck . História da Imprensa no
Brasil. Editora Mauad, Rio de Janeiro, 1999, pp.383-384.
34
Correio da Manhã. 26/02/1942, p.3. A data do artigo é de antes da assinatura dos “Acordos”, mas
demonstra como o tema estava em pauta na imprensa. Este acervo encontra-se sob guarda da Biblioteca
Nacional, na seção de periódicos.
111
da borracha seria de cinco anos após o fim do conflito. Mas depois de firmado o
contrato, a garantia passou a ser de cinco anos após a assinatura dos convênios.
Em 13 de março do mesmo ano, dez dias depois da divulgação dos “Acordos”,
um artigo anônimo de título “Convém Distinguir” foi publicado no Correio da Manhã.
De início, o texto informa que, na reunião de consulta dos chanceleres americanos
ocorrida no início do ano, ficou decidido que um grande número de médicos
especialistas seriam envolvidos em uma ação ampla de saneamento para as regiões
produtoras de borracha que, óbvio, estariam localizadas na Amazônia. E complementou:
É pois o Brasil para saneá-los que se dirige os técnicos do Sr. Rockefeller. Para nós,
que sempre sustentamos as vantagens da colaboração, não o coordenador dos
negócios inter-americanos, mas da Fundação Rockefeller no saneamento do Brasil,
a anunciada resolução pode causar satisfação. Mas convém entrar no íntimo da
questão (...) O telégrafo nos anuncia a vinda de homens para planejar e dirigir. Que
quer isso dizer senão que os nossos conhecedores do problema sanitário da
Amazônia terão que se eclipsar, reduzidos talvez a colaboradores desses dirigentes.
Ora, quem conhece o valor dos nossos técnicos e sabe que eles, no vasto cenário
nacional já tem dado sobejas provas de sua competência, fica realmente apreensivo
quanto ao papel de subordinação que lhes ficaria reservado (grifos meus).
35
O autor atentou para a qualificação dos técnicos brasileiros, discordando da
presença de outros especialistas norte-americanos, considerando tal fato um desperdício
de força, que os especialistas estrangeiros poderiam ser aproveitados pelos próprios
Estados Unidos, que também teriam necessidades. Questionou também a autoridade que
os americanos teriam, pois não eram especialistas em doenças tropicais. Para justificar a
excelência brasileira no assunto, traçou um histórico da malária no Brasil e do pouco
conhecimento estrangeiro sobre o assunto:
O Brasil sempre foi um país onde os estudos de medicina tropical tiveram grande
desenvolvimento. E será fácil compreendê-lo. Desde que a imigração africana trouxe
para a Bahia as enfermidades tropicais reinantes no continente negro, a atenção dos
médicos baianos se voltou para o problema. (...) O paludismo, doença tropical por
excelência e que extensa a quase totalidade do problema amazônico possui inúmeros
35
Correio da Manhã, 13/3/1942, p.13. Este acervo encontra-se sob guarda da Biblioteca Nacional, na
seção de periódicos.
112
conhecedores (...) que tem sido objeto de pesquisa e de campanhas profiláticas coroadas
de êxito. Havendo nenhuma dela no [rio] madeira em que um técnico brasileiro foi
quem salvou do naufrágio importante empreendimento que estava sendo sacrificado
pela orientação de um dico inglês.
36
Com tudo isso, parece que a vinda de
homens para “planejar e dirigir” o saneamento zonas de cultura e de borracha
representa pelo menos, na mais otimista das hipóteses e interpretações, uma
dispersão de valores, num momento em que a capacidade individual pode ser fator
decisivo para o êxito na guerra (grifo meu).
37
Segundo Campos, os americanos descobriram ter sido João de Barros Barreto o
autor do artigo.
38
De acordo com o autor, tratava-se mais de uma disputa de poder
dentro do Ministério da Educação e Saúde do que uma diferença em relação a
concepções de sanitarismo. Barros Barreto fazia parte do grupo de “jovens turcos”:
funcionários da área de saúde pública que foram bolsistas da Johns Hopkins School of
Public Health, da Fundação Rockefeller, sendo consideravelmente influenciados pelo
modelo de gestão de saúde e saneamento dos norte americanos.
39
Lá, foram treinados no
planejamento e na implementação de campanhas de saúde pública. E, claro, a
convivência com profissionais estrangeiros da Fundação influenciou o modelo de
políticas públicas implementado pelo governo Vargas. Segundo Fonseca, as políticas de
saúde pública no Brasil se desenvolveram concomitante às regulações e debates
internacionais em fóruns especializados, como as Conferências Sanitárias
Panamericanas.
40
Barros Barretos tinha demonstrado insatisfação em outros casos
anteriores, afastando-se, inclusive, do Ministério da Educação e Saúde. A seguir,
faremos um breve histórico dos desentendimentos e reclames, a fim de entender como
seu projeto de construção de políticas de saúde pública passou por momentos
conturbados.
36
Provavelmente a referência é à construção da Ferrovia Madeira-Mamoré., na Primeira República.
37
Correio da Manhã, 13/3/1942, p.13. Este acervo encontra-se sob guarda da Biblioteca Nacional, na
seção de periódicos.
38
Campos, André Luiz Vieira. Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas - O Serviço Especial de
Saúde Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2006, p. 57
39
Gadelha e Packard, op.cit., p.10
40
Fonseca, op.cit., p.177
113
Em 1938, pediu afastamento da Comissão de Eficiência do Ministério da
Educação e Saúde (MES).
41
havia solicitado anteriormente, mas dessa vez, a razão
era “mais viva”: que se colocasse na comissão alguém que pudesse “mais compreensiva
e eficientemente” se adaptar às intransigências do Conselho Federal. Segundo Barreto, o
conselho requeria os melhores funcionários, o que acarretava enorme prejuízo aos
serviços de saúde. Mas, principalmente, segundo o dirigente, suas sugestões não eram
sequer ouvidas, muito menos atendidas. Entre os pontos de desentendimento estava a
fusão do quadro dos médicos sanitaristas, grande equiívoco do ponto de vista da
administração sanitária, segundo Barreto.
42
Em 1939 se demitiu, desta vez da direção
do DNS, devido à assinatura de um acordo que passou para a prefeitura do distrito
federal os serviços de saúde pública da localidade:
(...) Lamento deixar em meio a obra verdadeiramente nacional de Saúde Pública, que
vem se realizando, em grande parte, pela atuação direta do DNS junto às organizações
estaduais, obra que vim dedicando todo o meu esforço e o meu entusiasmo e em que
não é possível prosseguir, ante a decisão do governo, que priva o Departamento de
elementos indispensáveis à execução, não só daquela tarefa, como de outras.
43
No mesmo ano, Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde pede a João
de Barros Barreto que volte à direção do DNS. Para que voltasse, Barreto faz uma série
de exigências:
1) Que ele nomeasse os diretores estaduais dos departamentos de saúde
2) Que se reabrisse o curso de Saúde Pública, para que se obtivesse um número maior
de sanitaristas formados.
3) Que ficassem, na dependência do DNS, todos os serviços de saúde, criados ou por
criar
4) Que aumentasse o número de Delegacias Federais de Saúde e que todas estivessem
subordinadas ao DNS
5) A criação de um laboratório nacional de Saúde Pública
41
A lei n. º 284, de 20 de outubro de 1936, criou o Conselho Federal do Serviço Público Civil (CFSPC),
embrião do futuro Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). A mesma Lei n.º 284/1936,
que criou o CFSPC, instituiu também as Comissões de Eficiência. Cada ministério de Estado teria a sua
Comissão de Eficiência e uma de suas competências seria justamente apresentar propostas que ajudassem
na racionalização dos seus serviços.
42
Uma das principais bandeiras levantadas por João de Barros Barreto foi a profissionalização e
aprimoramento da carreira dos médicos sanitaristas . Fonseca, op.cit., p.163
43
CPDOC/AGC, GC, Barreto, J. b, rolo 2, fotograma 47
114
6) A criação de um Centro de Saúde modelo
7) Que se decidisse de vez a relação do ministério com as prefeituras, sobre a cessão de
prédios e de pessoal, para que o DNS soubesse com quem iria trabalhar
8) Que o serviço de saúde não se fragmentasse
9) Que não houvesse mais obstáculos para a publicação dos “Arquivos de Higiene”.
44
Barros Barreto estava nos Estados Unidos quando enviou esta missiva e, se
Capanema não o atendesse em todas as exigências, sua única alternativa seria retornar
ao Brasil e ao Instituto Oswaldo Cruz, onde trabalhava. No fim da carta, fez críticas à
gestão de saúde do governo:
Procurarei esclarecer a sua excelência sobre a absoluta coerência da minha atitude e a
triste situação a que o Brasil, preocupado principalmente com construções, está
chegando em matéria de saúde (grifo meu): é o que estou vendo aqui em
Washington.
45
Nas exigências de Barreto, ficam claras suas pretensões ao retornar para o
comando do DNS. Barreto voltou, mas, em 1940, durante a X Conferência da
Repartição Sanitária Panamericana, relatou sua insatisfação com o Serviço de Malária
do Nordeste, criado em 1939 e comandado pela Fundação Rockefeller, fora da alçada de
poder do DNS:
Tenho a lamentar e faço porque é a nota que alude a este ponto- que fosse meu
amigo o Dr. Fred Soper, olhando apenas unilateralemente o problema de Saúde blica
no Brasil, quem tenha tido a iniciativa de induzir o governo à criação de um serviço
autônomo de saúde pública, independente do Departamento Nacional de Saúde, abrindo
assim, um precedente de conseqüências imprevisíveis.
46
Após a XI Conferência Sanitária Panamericana, Manoel de Abreu enviou uma
correspondência a Gustavo Capanema reclamando da ausência, no discurso de João de
Barros Barreto, do recenseamento toráxico feito naquele ano, que teria causado mal
44
Publicação do Departamento Nacional de Saúde. Os “Arquivos de Higiene” começaram a ser
publicados antes de 1930 e continuaram sendo publicados posteriormente ao governo de Getúlio Vargas.
45
CPDOC/AGC, GC, Barreto, J. b, rolo 2, fotograma 48
46
Barreto, João de Barros. “Saúde Pública no Brasil”. Arquivos de Higiene, v.8, nº1, 1938, p.183
115
estar nos membros da delegação brasileira e sul-americana.
47
Segundo Abreu, o
responsável pelo DNS omitiu de propósito.
48
O discurso de Barros Barreto também não
agradou a um anônimo que enviou a Capanema um telegrama que começa com a
seguinte frase: “Eis o canalha que vocês sustentam” e tem como título “Herr João de
Barros”:
O modo grosseiro e truculento que reserva aos seus subordinados (inclusive os chefes
de serviços) encontra paralelo na maneira servil que mostra aos poderosos (...) o
desprezo com que é tratado pelas pessoas dignas é um sinal evidente do próximo fim
desse sujeito com insolubilidade moral.
49
E encerra com um poema:
Adão foi feito de barro
de barro bom e batuta
mas esse João de Barros...
que barro filho da ...
As opiniões acima não são nada favoráveis ao antigo diretor do DNS, porém os
sanitaristas que trabalharam com ele emitiam normalmente um parecer favorável.
Segundo Celso Arcoverde de Freitas, sanitarista que trabalhou com João de Barros
Barreto, o diretor do DNS foi o “grande namo para dotar o país de moderno
instrumentos de Saúde Pública” e era rigoroso com seus subordinados:
50
Dr. Barreto era duro em serviço. Chegava a ser áspero quando procurava defender seus
pontos de vista. Mesmo com seus mais chegados auxiliares não raro tinha turras
homéricas por algum detalhe técnico. Era hábil e de trato ameno quando ia convencer
47
Criador da abreugrafia, aparelho mais econômico e tão eficiente quanto os aparelhos normais de Raios
X da época, e que podia radiografar em menor espaço de tempo um maior número de indivíduos. Em
1936 foi construído o primeiro aparelho de abreugrafia pelos técnicos da casa Lohner, instalado no
Hospital Alemão do Rio de Janeiro em maio do mesmo ano. Em março de 1937, era instalado no um
novo aparelho de radiografia idealizado por Manoel de Abreu , sendo este o primeiro posto de cadastro
torácico do Rio de Janeiro. Informações retiradas do sítio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro,http://www.saude.rio.rj.gov.br/servidor/cgi/public/cgilua.exe/web/templates/htm/v2/view.ht
m?user=reader&infoid=1282&editionsectionid=110. Último acesso: 28/10/2006, 04:03.
48
CPDOC/AGC, GC, Abreu, M. b, rolo 1, fotograma 530
49
CPDOC/AGC, GC, Barreto, J. b, rolo 2, fotograma 48
50
Freitas, Celso Arcoverde. Histórias da Peste e de outras Endemias. Rio de Janeiro, PEC/ENSP, 1988,
p.146.
116
autoridades dos Estados à estrita observância das normas estabelecidas no regulamento
do DNS.
51
Mais que expor um personagem polêmico, este histórico teve o objetivo de
mostrar de que modo João de Barros Barreto procurou conduzir o projeto de criar uma
política de saúde pública verdadeiramente nacional, apoiada em todos os redutos do
país, através da centralização administrativa e contando com o apoio das DFS.
Em 1943, no último relatório da Comissão de Saneamento da Amazônia, Barros
Barreto afirmou que o plano de saneamento sofreu uma “primeira e única” crítica de
Hildebrando de Góis, diretor do Departamento de Obras e Saneamento do Ministério da
Viação e Obras Públicas; crítica de que a comissão exorbitara, dando encargos ao DNS
fora de sua competência. A seguir, a resposta de João Barros Barreto à crítica de que o
DNS queria centralizar o serviço:
Disse a comissão, é fato, que a tarefa do saneamento deve ficar sob o comando deste
departamento. Isto foi dito, assim , enfaticamente convem frisar, como justificativa, em
uma época em que várias atividades de saúde escapavam de sua alçada. Mas
apontou, logo abaixo, no seu relatório, a Comissão, que reputava necessária a
cooperação de outros órgãos do Governo Federal. Ora, cooperação não implica
subordinação; indica, dizem os léxicos, trabalho em conjunto. De fato, não há, em todo
o relatório, nem na atuação posterior do D.N.S, uma palavra, uma única providência
que traduzam intromissão na esfera de ação, que sempre traçou o D.N.O.S., o seu
diretor. Cuidou, ao contrário, o D.N.S., repetidas vezes, de obter a cooperação desse
outro departamento para os trabalhos na Amazônia; e o fiz em nome do D.N.S. com a
maior insistência em encontros pessoais e por correspondência oficial. Mas sempre em
pura perda (grifo meu).
52
As críticas de Hildebrando de Góis se referiam aos objetivos da Comissão, que
teriam entrado na alçada de outros ministérios ao sugerir uma melhor organização
econômica da região e trabalhos de hidrografia sanitária, que estariam a cargo do
DNOS. Dentro da lógica de ação construída por Barros Barreto ao longo de sua gestão
no DNS, o “Plano” estabeleceu que as medidas executivas ficariam a cargo dos
departamentos estaduais de saúde, intermediando através das DFS da região, mas sob a
51
Idem.
52
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de higiene.V.13, nº1, 1943, p.23
117
rigorosa supervisão do DNS. Sem mencionar os Acordos de Washington ou o Serviço
Especial de Saúde Pública, Barros Barreto criticou a grande recepção do plano feito em
convênio com os norte-americanos:
Do exposto resulta não dever ser elaborado um novo plano pelo DNS. Ficou provado
que os serviços de saúde projetados estavam dentro das suas próprias atribuições. (...) O
que se sugere, pomposamente como grande novidade, foi o princípio estabelecido
pela comissão: realizar trabalho desenvolvido de saúde pública nos núcleos
habitados, dar sobretudo assistência ao restante da população (grifo meu).
53
O Plano de Saneamento da Amazônia foi a última tentativa de João Barros
Barreto de recuperar o espaço perdido pela atuação estrangeira crescente na região
amazônica, assim como pelos trabalhos da Fundação Rockefeller no Nordeste. Porém,
mais do que sua rejeição ou substituição pelo SESP, o “Plano” serve como base para
demonstrar como ocorreu a expansão dos serviços de saúde e saneamento para outras
regiões que não a sudeste.
Lançamento do Plano de Saneamento da Amazônia
nos Arquivos de Higiene
(Vol.11, nº1, 1941, p.192)
53
Barreto, João de Barros. “Saneamento da Amazônia”. Arquivos de Higiene.V.13, nº1, 1943, p. 29
118
O último relatório do Plano de Saneamento da Amazônia nos
Arquivos de Higiene, dando conta de seu fim.
(V.13, nº1, 1943, p.23)
Em 17 de julho de 1942, o acordo para o saneamento do vale do Amazonas a
cargo do SESP foi assinado. O contrato firmado entre o governo brasileiro e americano
tinha três linhas mestras:
1. O Saneamento do Vale do Amazonas, especialmente a profilaxia e os estudos da
malária no vale do Amazonas e a assistência médico-sanitária aos trabalhadores
ligados ao desenvolvimento econômico da região.
2. O preparo de profissionais para trabalhos de saúde pública, compreendendo o
aperfeiçoamento de médicos e engenheiros-sanitaristas a formação de enfermeiras de
saúde pública e o treinamento de outros técnicos.
3. A colaboração com o Serviço Nacional de Lepra e, por intermédio deste, com as
repartições sanitárias estaduais para o combate a lepra.
54
54
CPDOC/AGC, GC 1936.10.21 h, rolo 65, fotograma 505.
119
Dessa forma, ficaram estipuladas as ações do SESP no vale do Amazonas.
Diferente do “Plano de Saneamento da Amazônia”, o Serviço foi criado com uma
função específica: dar apoio médico-sanitário aos seringueiros que trabalhariam na
região. De acordo com Gustavo Capanema, o trabalho do SESP era efetuado em zonas
não abrangidas pelos departamentos estaduais ou territoriais de saúde.
Em relação ao corpo técnico, o SESP recrutou mão de obra brasileira, ao
contrário do que os artigos no “Correio da Manhã” temiam, como mostra a tabela
abaixo:
55
TABELA 1
PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NO SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA,
SEGUNDO A NACIONALIDADE, 1943
Profissão Brasileiros Americanos Total
Médicos 74
9
83
Engenheiros 16
15
31
Arquitetos e desenhistas 8
0
8
Contadores e administradores 5
1
6
Técnicos 49
0
49
Escriturários 453
2
455
Enfermeiras 3
0
3
Guardas e praticantes 747
0
747
Trabalhadores 945
0
945
Total
2300
27
2327
FONTE: CPDOC/AGC, GC 1936.10.21 h, rolo 65, fotograma 599-600, junho de 1943
55
As tabelas e quadros foram elaborados com base nas Normas de Apresentação Tabular do IBGE.
(IBGE, 1993)
120
Em setembro de 1942, o responsável pelo SESP no Brasil, coronel George
Dunham, reconheceu que teve valioso subsídio às suas finalidades na Amazônia, pois o
serviço aproveitou-se dos inquéritos promovidos no ano de 1940 pelo departamento das
DFS localizadas na região amazônica. Ou seja, o SESP em seu primeiro momento de
atividade, utilizou o levantamento médico promovido pelo SEGE, mas nenhuma palavra
sobre o “Plano” foi encontrada. O mapa elaborado pelo SESP sobre os municípios onde
havia incidência de malária provavelmente teve como base os inquéritos preliminares
feito pelo SEGE, pois foi elaborado em dezembro de 1942, menos de seis meses depois
da assinatura do contrato:
Atividades ligadas à pesquisa científica na área de Saúde na região amazônica
(1934-45). Manaus
(CPDOC/FGV/ Foto 779)
56
56
Devido à má qualidade da imagem, segue a tradução e identificação das cidades:
Vale do Amazonas
Distribuição de cidades avaliadas por incidência de malária em dezembro de 1942
1 – Belém; 2 – Santa Isabel; 3 – Castanhal; 4 - Igarapé – Assú; 5 – Capanema; 6 – Bragança; 7 – Vigia; 8
– Abaeté; 9 – Cametá; 10 – Baião; 11 – Aloebaça; 12 – Marabá; 13 – Curralinho; 14 – Jurupá;
15 Alcobaça; 16 Parintins; 17 Itacoatiara; 18 Manaus; 19 Tefé; 20 Fonte Boa; 21 Tabtinga;
22 Boa Vista do Rio Branco; 23 Manicoré; 24 Porto Velho; 25 Lábrea; 26 Boca do Acre; 27
Rio Branco.
121
A abrangência e a pretensão do “Plano de Saneamento da Amazônia” superavam
os do SESP em alguns pontos, como a organização e aperfeiçoamento de bio-estatística
para a região e o fornecimento de serviços básicos de saneamento e esgoto às
populações da quase totalidade de municípios da Amazônia. Mas em relação a outros
pontos, os programas se assemelhavam. Como dito anteriormente, o Brasil no curso dos
anos 30 participava e conhecia as discussões internacionais sobre saúde pública. Junte-
se a isso, o fato de João de Barros Barreto e outros sanitaristas terem sido bolsistas da
escola de sanitaristas Johns Hopkins. Uma comparação entre a agenda sanitária do
SESP e a que o DNS pretendia implementar na região mostra que ambas se alinhavam
ao projeto do governo de ampliar sua atuação no interior. O SESP, assim como
pretendia o DNS, montou unidades sanitárias, construiu e administrou escolas de
enfermagem, hospitais , centros e postos de saúde, normatizou procedimentos através de
seus manuais, estabeleceu convênios com estados e municípios, preocupou-se em
formar mão de obra qualificada e promoveu a educação sanitária.
57
A principal diferença entre os dois projetos de saneamento para o vale
amazônico era o foco: enquanto o “Plano de Saneamento da Amazônia” buscava
estabelecer a presença dos serviços de saúde e saneamento na Amazônia, o SESP tinha
uma preocupação mais atrelada à produção de borracha. É óbvio que o aumento da
produção de borracha preocupava Getúlio Vargas, pois naquele momento, os postos
orientais tinham sido ocupados pelos países que constituíam o “Eixo” . Deste ponto
talvez tenha surgido o descontentamento do presidente, ao receber um plano de grandes
proporções que requeria também vultoso empreendimento financeiro. Hipótese mais
sustentável é a de que a situação de guerra suplantou o “Plano”, cujos convênios com os
estados amazônicos tinham sido assinados entre Gustavo Capanema e os respectivos
interventores. João de Barros Barreto, ao que tudo indica, pretendia integrar o plano de
saneamento do Vale Amazônico à área de atuação dos Serviços Nacionais, em especial
o de malária, mas segundo Campos, o contexto internacional da época não permitia ao
Brasil negar o acordo de saneamento firmado com Washington.
58
A configuração do
projeto implicou a perda de poder de João de Barros Barreto frente ao seu projeto de
57
Campos, op.cit., pp. 55-56
58
Com o fechamento dos mercados europeus, o Brasil viu-se obrigado a procurar o mercado norte-
americano”. Fonte: Campos, André. “Políticas internacionais de saúde na era Vargas: o Serviço Especial
de Saúde blica”, Gomes, Ângela de Castro. (org.) Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de
Janeiro, Editora FGV 1ª Edição, 2000, p.204
122
forte centralização administrativa, além de ter envolvido também Fred L. Soper e a
Fundação Rockefeller. Para o governo brasileiro a participação de mais uma agência
internacional no país não trazia constrangimento algum, pois Getúlio Vargas e o
Ministério da Educação e Saúde tinham bom relacionamento com a Fundação, que
trabalhava no país desde a Primeira República. Como demonstram Löwy e Campos, o
governo brasileiro deste período via as agências internacionais como forma de expandir
sua atuação nas mais distantes regiões do país, fortalecendo o projeto de construção e
identidade nacional.
3.4 – A Amazônia e os Acordos de Washington
Como dito anteriormente, a criação do Serviço Especial de Saúde Pública estava
diretamente relacionada ao contexto econômico e político da época. A deflagração da
Segunda Guerra Mundial na Europa, em 1939, trouxe problemas à economia norte-
americana, em especial no tocante ao fornecimento de borracha, pois sua produção de
borracha sintética não atendia a demanda. Dessa forma, no início da década de 40, o
país começou a buscar novas possibilidades de fornecimento e, então, “subitamente” se
lembrou dos seringais da Ford no Brasil (Belterra e Fordlândia) que estavam em
condições de serem explorados.
59
Em 28 de junho de 1940 foi criada a Rubber Reserve
Company (RRC), destinada à compra de borracha, com um capital de US$ 140
milhões.
60
O Instituto Agronômico do Norte teve grande importância nesse processo,
pois, em 1940, Elmer Brandes, funcionário da RRC, assinou com o Ministério da
Agricultura um acordo que autorizava a atividade de uma equipe de estudos no Brasil e
a plantação de viveiros experimentais (doados pelos seringais da Ford) no Instituto
Agronômico do Norte (IAN), com a colaboração de Felisberto Camargo, diretor do
instituto. A atividade foi intensa, pois em 5 de fevereiro de 1941, a empresa levou ao
instituto 204.000 sementes e duzentos troncos. Mas começaram a ocorrer distúrbios
depois dessa data: autoridades norte-americanas queixavam-se de insubordinações dos
brasileiros, pois o trabalhavam direito, além de reclamações do próprio governo
Vargas em relação ao trato com seus empregados.
59
Dean, Warren. A Luta pela Borracha no Brasil – um estudo de história ecológica. São Paulo, Nobel,
1989, p.130.
60
Dean, op.cit., p.131.
123
Segundo Dean
Os brasileiros competentes eram vítimas da indiferença de seu governo e até mesmo da
negligência médica, de modo que todos os que acompanharam uma equipe norte-
americana contraíram malária e tifo, sendo obrigados a abandoná-la.
61
Com a entrada dos Estados Unidos na guerra em 7 de dezembro de 1941 e os
ataques às colônias inglesas, os planos de novas fontes e testes de cultivo foram
substituídos pela necessidade imediata de conseguir borracha.
62
A primeira idéia era
conseguir fabricar borracha sintética, mas pelas características frágeis do produto, a
busca pela borracha natural foi a única opção.
63
A atenção voltou-se para os seringais
nativos. Mas antes da assinatura dos Acordos de Washington, a Rubber Development
Corporation (antiga RRC) estava receosa do grande investimento que deveria ser feito.
Uma equipe de estudos da companhia estimava que o vale do Amazonas tinha potencial
para extrair 667.000 toneladas, mas na prática, poderia extrair apenas 100.000
toneladas. De acordo com os cálculos do estudo, cerca de 100.000 seringueiros
deveriam ser levados para a região e para que tal fluxo ocorresse, grandes investimentos
nos transportes e serviços médicos teriam de ser feitos.
64
Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações com Alemanha, Itália e
Japão e depois de negociações, assinou os acordos em 3 de março de 1942. Como visto,
o governo Vargas já tinha planos e projetos para a Amazônia e o acordo vinha ao
encontro de suas pretensões. Como afirma Campos, mesmo considerando a conjuntura
externa e o limitado espaço de manobra, o governo brasileiro se beneficou do Acordos
de Washington e o ponto que nos interessa, os acordos de saúde e saneamento para
dar continuidade à sua agenda para a região amazônica.
65
As políticas internacionais do
Office e a criação do SESP foram concebidas e realizadas em conseqüência de uma
transação entre um movimento internacional conjugado com o interesse local de
fortalecer a ampliar a presença do Estado no interior do país. Álvaro Maia, interventor
do Amazonas, celebrou a assinatura do contrato:
61
Dean, op.cit., p.136.
62
Dean, op.cit., p.137.
63
Idem.
64
Dean, op.cit., p.138.
65
Campos, op.cit., p.28.
124
Da alvorada do “Discurso do Rio Amazonas”, tal como vossa excelência vaticinara,
radiou toda essa maravilha de organização técnica e de labor vertiginoso, convergindo
para a empresa titânica de nosso renascimento. Graças aos Acordos de Washington,
inspirados e baseados nos grandes planos de vossa excelência, aqui se aparelham e
projetam o sistema de transporte mais eficientes e adequados á fisionomia da região.
66
A adequação dos “Acordos” aos planos, tanto na esfera nacional quanto local
para a região, torna-se clara. Para estimular a produção de borracha, foram criadas
organizações como o Banco de Crédito da Borracha. O banco exerceria um monopólio
no financiamento e na operação do comércio e outros organismos governamentais
cuidariam do transporte e recrutamento de seringueiros.
Os preparativos para o esforço de guerra aumentavam. Em abril, os seringueiros
jovens foram considerados reservistas por decreto-lei nacional.
67
Segundo Álvaro Maia,
“[Há] um exército de trabalhadores na selva, cooperando com o Brasil e a América
porque a borracha produzida i fortificar a aviação e a moto-mecanização”.
68
Mas
mesmo assim, medidas de segurança foram tomadas:
Apesar da medida tomada, há instruções militares, com os chefes de repartição federais,
para a máxima preparação da nossa gente e vigilância dos inimigos. Para os municípios
de Parintins, onde vivem agricultores japoneses e de Boa vista do Rio Branco, com os
seus campos e seus modos de garimpagem, foram nomeados prefeitos militares. No
intuito de isolar eixistas perturbadores, a Interventoria destinou a antiga fazenda Nova
Hamburgo, ora convertida em fazenda Baependí, no município de Manacapurú, para um
campo de concentração. Tornou-se desnecessário, até agora, porque na penintenciária
apenas três alemães. Quanto aos agricultores japoneses, espalhados em Parintins e
outros municípios do baixo Amazonas, estão sob vigilância policial. Os italianos,
antigos residentes no Amazonas, não oferecem o menor perigo.
69
As políticas de vigilância aos habitantes oriundos dos países do Eixo” também
se fizeram presentes na Amazônia. O acordo com os Estados Unidos levou ao imediato
controle desses habitantes. Podemos citar em especial os japoneses que visitados por
66
Maia, Álvaro. Exposição da Interventoria Federal no Amazonas/Relatório 05/1942 a 05/1943, p.4
67
Maia, Álvaro. Exposição da Interventoria Federal no Amazonas/Relatório 05/1942 a 05/1943, p.98
68
Idem.
69
Maia, op.cit., p.100.
125
Vargas em 1940 e citados como modelo de agricultura racional em 1934 - passaram a
ser vistos com reservas:
uns anos passados, agitou-se a opinião pública nacional e o assunto foi amplamente
debatido no Senado, na Câmara e nas Assembléias interessadas. Tratava-se de defender
ou negar viabilidade à vultuosas pretensões nipônicas, cujos agentes se propunham a
instalar na Amazônia um núcleo de povoamento racional, na base de uma concessão
territorial que abrangia uma área imensa. A concessão não foi realizada. Todavia,
enquanto a questão era debatida, em Parintins, um grupo de japoneses realizava uma
experiência de colonização, que seria ao que parece, o fundamento matriz de uma
penetração imperialista em grande escala (grifo meu).
70
Através da leitura das fontes, torna-se evidente o uso dos acordos como mais um
meio de se construir o Estado nacional em escala regional. Álvaro Maia, em editorial ao
“Boletim do DEIP” reforçou a noção dos acordos enquanto um processo histórico maior
que o esforço de guerra. O interventor enxergava uma continuidade que teria como
marco zero o “Discurso do Rio Amazonas”, em 1940:
Abriram-se, com o novo regime, as fontes de uma era cíclica para a Amazônia numa
linda noite de outubro de 1940. Saneamento, fixação de preços, melhoria de transportes,
encaminhamento de trabalhadores, navegação aérea., leis sociais, tudo em obediência
ao plano de exploração intensiva do maior vale tropical do mundo (grifo meu).
71
Segundo Maia, os americanos, que gozavam de bom prestígio, passaram a ser
vistos como companheiros na retomada do vale do Amazonas:
As relações entre os brasileiros e norte americanos sempre decorreram na maior
harmonia: técnicos e simples operários de ambas as nacionalidades fraternizando para o
cumprimento da missão que lhes foi atribuída, alicerçam mais fortemente a amizade
entre os dois grandes povos. (...) nenhum incidente se verificou até este momento, o que
redunda em elogio à índole do nosso povo e do norte-americano.
72
Na próxima sessão veremos que as relações entre brasileiros e americanos não se
deram de forma tão pacíficas. A dinâmica deste processo serão relevantes para
compreendermos de forma clara como se deu a ação do SESP no vale amazônico.
70
Boletim do DEIP – Amazonas - 1943, p.14
71
Boletim do DEIP – Amazonas – 1943, p.37
72
Maia, Álvaro. Exposição da Interventoria Federal no Amazonas/Relatório 05/1942 a 05/1943, p.99
126
3.5 – O Serviço Especial de Saúde Pública (1942-1945)
Com as relações entre brasileiros e americanos previamente festejadas pelo
interventor, os trabalhos estavam prontos para começar. Uma das primeiras ações pós-
assinatura dos acordos foi a incorporação do Instituto Evandro Chagas ao SESP,
passando a contar com maiores verbas e mais pessoal qualificado. Em depoimento, o
sanitarista Leônidas Deane, que trabalhou no Serviço Especial de Saúde Pública e era
egresso do Instituto de Patologia Experimental do Norte, afirmou que a “improvisação
que caracterizou os primeiros anos (do IPEN) foi substituída por uma programação
cuidadosa, que aumentou a eficiência no trabalho”.
73
Entre as cláusulas do acordo de
saneamento, estava a colaboração com o Serviço Nacional de Lepra (SNL). Ernani
Agrícola, diretor do serviço, assinou, em conjunto com Ernani Braga, diretor de saúde
do Pará, o acordo relativo à ajuda do Serviço Especial de Saúde Pública. O SESP doou
ao SNL uma lancha, denominada “Uberaba”. O objetivo era auxiliar o transporte de
leprosos oriundos do vale do Amazonas até as colônias de leprosos nos Estados do Pará
e Amazonas. Segundo o acordo assinado, o transporte de leprosos no interior era
dificultado devido à tradição popular de que o doente o podia viajar nas barcas
comuns, o que tornava a locomoção muito difícil. Como resultado, grande parte dos
leprosos continuava em suas comunidades.
74
Segundo Maciel, Ernani Agrícola
preocupava-se com a região. Considerava a Amazônia uma localidade especial devido
ao grande número de enfermos ali existentes e pelo fato de guardar diversas
características que a tornavam uma localidade delicada, com a qual se deveria ter
atenção redobrada por sua própria geogrrafia diferenciada, além do fato do estado do
Amazonas inteiro só ter um leprologista para atender toda sua extensão territorial.
75
Os primeiros tratados assinados em 1942 foram renovados em 18 de junho de
1943. O novo contrato previa sua duração até 1948 e manteve as bases do primeiro
acordo. Uma possível interpretação da tabela abaixo é que com a conjuntura
internacional favorável aos aliados e prevendo um possível fim do conflito, o acordo
73
Deane, Leônidas. A História da evolução do conhecimento sobre a malária Depoimento à FioCruz
em 1986 Fundo Leônidas Deane, doravante LD, série Produção Intelectual, subsérie Trajetória
Profissional, 19861111. Este acervo encontra-se sob guarda da Casa de Oswaldo Cruz.
74
Brazilian Field Party/Serviço Especial de Saúde blica. Colaboração com o Serviço nacional de
Lepra. COC/Fundo Serviços de Saúde Pública II, Caixa 8, doc.74
75
Maciel, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade’: uma história das políticas
públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962), Tese de doutorado, UFF, 2007, p.119.
127
projetava que, a partir de 1945, o governo brasileiro seria responsável pela maior
parte do investimento no convênio.
76
TABELA 2
PROJEÇÃO DE GASTOS COM O SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA,
1944-1948
Ano Gastos do governo norte
americano (em Cr$)
77
Gastos do governo
brasileiro (em Cr$)
1944 24.500.000,00 10.000.000,00
1945 9.800.000,00 20.000.000,00
1946 9.800.000,00 20.000.000,00
1947 9.800.000,00 20.000.000,00
1948 4.900.000,00 30.000.000,00
FONTE: Renovação do contrato do SESP. COC/AHFSSPII – Caixa 6, doc. 53. (em tratamento)
Entre 1942 e 1945 o SESP construiu nove Postos de Higiene” no Estado do
Pará.
78
A primeira idéia era edificar postos médicos e paulatinamente, transformá-los
em Postos de Higiene, mas devido à urgência e necessidade das localidades, essa idéia
foi abandonada, partindo-se para a execução direta dos Postos de Higiene, em
detrimento dos Postos Médicos.
79
Segundo o relatório do SESP ao governo brasileiro,
os postos de higiene eram para a comunidade o mesmo que as escolas públicas e
representavam, na realidade, a descentralização dos serviços de saúde pública,
trazendo-os diretamente para a população.
80
O relatório expõe como o SESP procurou
se adaptar ao Brasil, pois em muitas localidades do vale Amazônico, tais postos
76
No início de 1943 a conjuntura de guerra se encontrava favorável aos aliados, pois em junho de 1942,
os americanos obtiveram importante vitória sobre os japoneses na ilha de Midway no pacífico; Em
outubro de 1942, a Inglaterra começou a expulsar as forças do Eixo do norte da África e em fevereiro de
1943 chegou ao fim a batalha de Stalingrado, iniciada três meses antes, com a vitória do exército
soviético. Ver Gonçalves, Williams. “A Segunda Guerra Mundial”. Filho, Daniel Aarão Reis; Jorge
Ferreira e Celeste Zenha (orgs.). O Século XX O tempo das crises Revoluções, Fascismos e guerras.
Civilização Brasileira, 2000, p.184.
77
Foi feita a conversão de dólar para cruzeiro, tendo como base a taxa de câmbio da moeda nacional em
1943 , quando 1US$ =19,6 Cr$. (IBGE, 2003).
78
“Postos de Higiene construídos pelo SESP no Estado do Pará1942 1945/ Relatório do Serviço
Especial de Saúde Pública ao MES, Jul- Set. 1945. COC/ AHFSSP II, caixa 9 (em tratamento).
79
Idem.
80
Ibidem.
128
constituíam os únicos recursos médicos da região. Dessa forma, foi necessário lhes dar
uma função mista de gestão da saúde pública e de assistência às populações.
81
Álvaro Maia considerava o SESP como um dos mais ativos e úteis órgãos
criados no desenvolvimento do programa de cooperação. O programa dividiu a região
amazônica em vinte distritos e cinco subdistritos sanitários: O estado do Amazonas
ficou com doze, o território do Acre com cinco, o território do Guaporé com dois e o
território do Rio Branco com um. O SESP, a exemplo do DNS, normatizou como
seriam os distritos sanitários. Cada distrito deveria conter:
a) 1 médico
b) 1 médico assistente
c) 1 guarda-chefe
d) 1 contador-secretário
e) 1 datilógrafo
f) Guardas medicadores
g) Guardas anti-larvários.
82
O esforço em normatizar os serviços prestados à população expõe novamente os
pontos em comum do projeto do SESP e do DNS, vide a regulamentação dos “Centros
de Saúde”. As fontes demonstram que o órgão responsável pela saúde e saneamento na
Amazônia durante os anos da Segunda Guerra Mundial teve que, em muitos casos,
adaptar-se à realidade local, ao invés de realizar uma ação direta. Havia uma
proximidade das políticas nacionais do período com diretrizes e debates internacionais,
o que o significa necessariamente uma pronta adoção das normas internacionais de
saúde pública. Cada instituição criada pelo país ou por órgaos internacionais passou por
adaptações, tendo mesmo que interferir, às vezes, na estrutura local. Um exemplo desta
interferência foi a construção da maior obra de engenharia do SESP nos anos 1942-
1945: o dique de Belém. Para controlar a transmissão de malária na localidade, os
engenheiros do SESP fizeram um estudo para proteger a cidade das marés, além de
possibilitar a drenagem de terrenos baixos. Foi feito um extenso programa de
engenharia e um complexo sistema de diques, canais e portões para prover o controle
de água. Paralelamente às obras de saneamento, o SESP intensificou a distribuição de
81
Idem.
82
Boletim do DEIP – Amazonas – 1944, p.31.
129
atebrina aos soldados, além da aspersão de larvicidas.
83
Belém, um dos principais
lugares onde as tropas americanas permaneciam, apresentou, entre julho de 1944 e
agosto de 1945, grande queda nos casos de malária.
84
Campos aponta as dificuldades
pelas quais passou a distribuição de atebrina, como o transporte até os seringais e a
distribuição à população.
85
Segundo o autor, entre as dificuldades enfrentadas estava o
fato de muitos seringalistas venderem a substância, que era gratuita. A estratégia inicial
era a distribuição do medicamento nos centros de saúde do órgão, mas logo se percebeu
que a estratégia não atingia os seringueiros das áreas mais remotas. Dessa forma, foi
montada uma grande rede de distribuição que envolvia firmas comerciais, seringalistas,
padres católicos, pequenos proprietários e mascates, com a expectativa de se atingir os
seringais mais distantes.
Construção do Dique de Belém (entre 1934-45). Belém
(CPDOC/AGC/ Foto 823)
A malária era a principal enfermidade a ser combatida. Segundo o médico Leônidas
Deane, em 1940, o Brasil possuía cinco a seis milhões de casos de malária, que
atingiam aproximadamente 15% da população total (cerca de quarenta a cinqüenta
83
Campos, op.cit., p.96
84
Campos, op.cit., p.93
85
Atebrina foi o medicamento mais usado para o controle de malária no vale do Amazonas. Após a
primeira guerra mundial, ocorreram grandes investimentos na pesquisa de uma substância química que
pudesse substituir o quinino, dando origem, na década de 20 à atebrina. Ver Campos, 2006, p.119.
130
milhões de habitantes).
86
Através, principalmente do advento do uso do DDT, ocorreu a
erradicação de malária em quase todas as partes do território, à exceção da Amazônia.
As primeiras experiências com o tratamento a base de DDT foram feitas em Breves,
município do estado do Pará, em maio e julho de 1945. Mesmo com problemas no
transporte e o elevado custo de manutenção dos aspersores (máquinas que espalhavam o
DDT), a experiência foi considerada vitoriosa.
87
As pesquisas científicas empreendidas
por Leônidas Deane representaram grande avanço no entendimento de como a malária
atingia determinadas localidades. Chefiados por Deane, diversos sanitaristas realizaram
um amplo estudo em 35 localidades da Amazônia onde
capturou-se mosquitos obtendo desovas que se enviavam juntamente com as fêmeas
correspondentes ao laboratório em belém, onde essas posturas eram criadas
individualmente o que permitiu correlacionar ovos, larvas, pupas e adultos machos e
fêmeas de cada exemplar, facultando sua correta identificação. Com isso se aprendeu a
distribuição geográfica de cada espécie de anofelino e comparativos feitas dentro e fora
de casas e diferentes horas e em diferentes iscas, bem como a dissecção sistemárica de
fêmeas.
88
Dessa forma, concluiu-se que os espécimes que mais atingiam a região eram o
Anopheles darlingi (no interior) e o Anopheles Aquasalis (no litoral). O principal ponto
destas pesquisas foi a demonstração de que a prevalência de malária na Amazônia não
era uniforme, pois se concentrava em determinadas áreas, excluindo muitas outras.
Assim, pôde-se economizar na aspersão do D.D.T e estabelecer melhor coordenação dos
focos da doença. O mapa da página seguinte mostra a distribuição de Anofelinos pelo
Vale do Amazonas no período de atuação do SESP na região:
86
Deane, Leônidas. A História da evolução do conhecimento sobre a malária – Depoimento à FioCruz
em 1986 - Fundo Leônidas Deane/ LD/PI/TP/19861111, pp.5-6
87
“Experiências com o DDT em Breves”. Relatório do SESP ao MES Julho/Agosto/Setembro de 1945.
COC/AHFSSP II/ Caixa 9 (em tratamento)
88
Deane, Leônidas. A História da evolução do conhecimento sobre a malária Depoimento à FioCruz
em 1986 - Fundo Leônidas Deane/ LD/PI/TP/19861111, p.3.
131
Atividades ligadas à pesquisa científica na área de Saúde na região amazônica
(1934-45). Manaus.
(CPDOC/AGC/ Foto 779)
89
Outra importante ação do SESP foi a criação, em 1944, do Serviço de Educação
Sanitária. Segundo o diretor do Serviço em 1960, ano que o SESP se tornava fundação,
O trabalho desenvolvido pelo SESP no setor de educação sanitária foi, desde o
princípio, diferente dos de outros órgãos congêneres das esferas federal ou estadual,
onde a única preocupação era concentrar os esforços em trabalho de pura propaganda
sanitária, sem qualquer planejamento, de maneira dispersa e sem integração com outras
atividades paralelas.
90
Percebe-se acima uma valorização excessiva do Serviço de Educação Sanitária
(SES), pois as atuações do órgão criado pelo SESP e do órgão criado pelo DNS
89
Devido a má qualidade da imagem, segue tradução e identificação das espécies de Anopheles:
Vale do Amazonas
Distribuição de mosquitos anofelinos :
(de cima para baixo) 1) Aquasalis; 2) Goeldii; 3) Rangeli; 4) Oswaldoi; 5) Konderi; 6) Capanemai; 7)
Benarrechi; 8) Triannulatus
90
“Termo de encerramento geral e sumário final do Serviço de Saúde Pública” p. 137. COC/ AHFSSP,
Série Administração Sanitária, pasta 55, caixa 6.
132
(Serviço Nacional de Educação Sanitária) mostram mais semelhanças organizacionais e
estruturais do que diferenças, como iremos apontar a seguir.
91
O Serviço Nacional de Educação Sanitária (SNES) criado em 1942 tinha como
principal objetivo “vulgarizar preceitos de higiene e saúde pública”, com o intuito de
“infundir, informar e desenvolver a consciência sanitária do povo”.
92
Ações do SNES
foram elaboradas com base em um programa de trabalho abrangente, a partir de
diferentes tipos de atividades. Com o apoio do Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP), o serviço se dedicou à publicação de folhetos, livros e catálogos, palestras
radiofônicas, conferências em colégios, como também à produção e distribuição de
discos e filmes.
Recomendações sobre educação sanitária foram veiculadas em jornais e revistas
de todo o país. Colaram-se cartazes em restaurantes e bares. As publicações foram
distribuídas entre profissionais de saúde pública e de entidades públicas, como serviços
de higiene, prefeituras, sindicatos, escolas, bibliotecas e associações científicas. Os
conteúdos veiculados em diversos meios de comunicação abordavam temas
relacionados a doenças específicas e combate a questões importantes, como o
tabagismo. A estrutura e organização das atividades do SNES demonstram uma das
vertentes da atuação do governo na saúde pública.
93
A política educativa de forte cunho
ideológico se alinhava aos princípios do governo Vargas para a área. A educação
sanitária buscou alterar aspectos fundamentais como a aquisição de novos hábitos de
higiene e melhoria das condições de saúde da população.
O Serviço de Educação Sanitária (SES) do SESP realizou treinamento de seus
quadros, enviando-os aos Estados Unidos. A mudança de hábitos higiênicos das
populações amazônicas também estava na agenda do SES e, em 1945, o SESP
comemorava o fato de as populações começarem a mudar seus hábitos e passarem,
como exemplo, a ferver água. O SES criou uma comissão de líderes comunitários no
intuito de incentivar os hábitos de saúde pública. A criação de filmes educativos e
91
Criado pela lei nº 3.171 de 2/04/1941.
Disponível para consulta em Visa Legis (Legislação em Vigilância Sanitária) http://e-
legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=19560&word= último acesso: 10/01/2007, 12:20
92
Fonseca, op.cit., p.251.
93
Fonseca, op.cit., pp. 252-253.
133
programas de rádio também foram importantes meios para alcançar as populações do
interior. Cada filme e programa de rádio tinha um objetivo:
94
Filme (título) Objetivo
Tuberculose Prevenção da Tuberculose
Sentinas higiênicas Conscientização da população para
mudanças de hábitos higiênicos
Futura mamãezinha Cuidados Pré-natal
Fortalezas da saúde Divulgação dos trabalhos de saúde
pública que estavam sendo realizados na
Amazônia
Os filmes educativos do SESP foram transmitidos em postos de saúde do distrito
federal, em localidades do Programa do Rio Doce, da Amazônia e nos Estados de São
Paulo, Paraná e Santa Catarina.
95
A maior parte dos investimentos foi direcionada para a
criação dos programas de rádio, provavelmente, por ser um meio de comunicação mais
acessível:
Programa (título) Objetivo
História do tio João Prevenção da tuberculose
O drama de uma família Cuidados com a malária
Uma história no rancho fundo Cuidados com a opilação
O segredo do João jardineiro Sobre a importância da vacina contra a
varíola
O Sítio da Alegria Cuidados com o tétano
Doutor Roberto janta conosco Sobre mortalidade infantil
94
“Serviço de Educação Sanitária”. Relatório do Serviço Especial de Saúde Pública ao MÊS, Jul-
Set.1945. COC/AHFSSPII, caixa 9, p.244 (em tratamento)
95
Com a renovação do contrato do SESP em 1943, o serviço passou a atuar no Vale do Rio Doce, em
Minas Gerais, dando origem ao “Programa do Rio Doce”.
134
O caminho do Seu Lisboa Cuidados com a água
História da madrinha Celeste Cuidados com a difteria
A volta do expedicionário Conhecer os guardas sanitários
A grande amiga Conscientização sobre o papel das
enfermeiras de saúde pública
Doutor, salve o meu netinho! Cuidados com a lepra
A divulgação dos programas era feita através de anúncios em jornais locais.
Além dos programas de rádio e cinema, eram realizadas palestras para grupos
organizados - gestantes, mães, adolescentes - nas unidades sanitárias do SESP, por
médicos, enfermeiras, visitadoras sanitárias e auxiliares de saneamento. Nas escolas
foram criados os Clubes de Saúde, com o objetivo de conscientizar os alunos para a
educação sanitária.
96
A análise do programa de educação sanitária promovido pelo SESP aponta mais
semelhança que diferenças do programa do DNS. Ambos estavam relacionados às
discussões nos fóruns especializados internacionais que procuravam ver meios de
expandir e popularizar a saúde pública nas populações de regiões mais distantes.
Empreendendo um estudo sobre as ações do SESP, mesmo em um curto período,
mostra-se evidente que suas atividades superaram as previstas no contrato, tornando-o,
inclusive, um órgão que sobreviveu depois da guerra e, como aponta Campos, teve
participação decisiva na formatação dos serviços de saúde pública nos anos seguintes.
97
Em 1945, o SESP fez a primeira avaliação do trabalho de controle à malária. Entre as
principais dificuldades apontadas pelos profissionais estavam a complexidade do meio
ambiente e a baixa densidade populacional da região que, combinadas, acarretavam um
custo maior que o resultado obtido.
98
Insuficiências de estudos, além de problemas de
planejamento e coordenação foram as principais razões apontadas para o pouco sucesso
do programa.
99
96
“Serviço de Educação Sanitária”. Relatório do Serviço Especial de Saúde Pública ao MÊS, Jul-
Set.1945. Fundo Fundação Serviços de Saúde Pública II, caixa 9, p.246.
97
Ver Campos, 2006, pp.193-272.
98
Campos, 2006, p.128.
99
Idem.
135
Djalma Batista critica duramente o programa do SESP, tendo como base as
pesquisas empreendidas por Oswaldo Cruz, Afrânio Peixoto e Evandro Chagas.
100
O
médico condenou o abandono do plano formulado pelo DNS em detrimento do acordo
com o governo norte-americano.
101
Na opinião de Batista, não é possível sanear, nos
moldes clássicos, a Amazônia e assim, enumera os erros cometidos em passar para
organizações estrangeiras as ações de saneamento no Brasil:
A comissão nomeada pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1941, para estudar projeto,
definiu a questão: saneamento, na Amazônia, é uma melhoria das condições sanitárias,
de modo a permitir a fixação dos novos contingentes migratórios. (...) Certamente não
pensaram assim os criadores do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), ao qual foi
acometida a empresa, em consequência dos ‘Acordos de Washington’. (O Departamento
Nacional de Saúde, que ensaiara os primeiros passos para o ‘Saneamento da Amazônia’,
foi mais uma vez posto à margem: sucedeu o mesmo nas grandes campanhas sanitárias
da Baixada Fluminense, da erradicação do Gambiae no Nordeste e do saneamento do
Vale do Rio Doce. O fato não pode passar despercebido: atesta quanto andam
malparados os destinos da higiene pública no Brasil).
102
Para Batista, a descontinuidade nos projetos de saneamento é fatal para o
andamento das ações, e cita como exemplo as investigações de Ayroza Galvão, que
tiveram de ser interrompidas exatamente no período em que havia o maior
desenvolvimento do Anopheles darlingi (entre julho e setembro), porque a instituição
que Galvão fazia parte (IPEN) passara á direção do Estado do Pará, e hove recursos,
obtidos por meio de empréstimos, até junho de 1942.
103
O médico reconheceu os méritos do SESP, mas criticou a falta de unidade da
direção do serviço, que teriam trazido soluções norte-americanas para problemas
regionais:
Sei que o SESP contratou médicos e engenheiros vem treinando enfermeiros e guardas;
tem feito, em 30 localidades do vale, inspeções preliminares, luta antilarvária, drenagem
dos pântanos, medicação preventiva e curativa (...) construiu centros de saúde em
algumas cidades e dois hospitais, em Santarém e Breves; promoveu a educação sanitária
100
Batista, Djalma. O Paludismo na Amazônia. Rio de Janeiro, 1946, p.190.
101
Batista, op.cit., p.191.
102
Batista, op.cit., pp.191-192.
103
Batista, op.citi., p.193.
136
(...) Julgo, porém, que a tudo tem faltado unidade de pontos de vista na direção (já
foram vários os dirigentes dos setores paraense e amazonense). Houve também choques
inevitáveis, entre técnicos brasileiros e americanos. A direção-geral, até meados de
1944, entregue a sanitaristas americanos (...) não foi feliz: procurou trazer, para
problemas especificamente regionais, as soluções obtidas nos Estados Unidos. Ainda
hoje é um sério problema esse da cooperação (...) Esses fatos, no seu conjunto, têm
entravado grandemente o desenvolvimento das atividades saneadoras na Amazônia
(...).
104
Além das ressalvas contundentes de Djalma Batista ao Serviço Especial de
Saúde Pública, foram formuladas críticas ao programa da Amazônia, que focalizaram
principalmente o fracasso das ações de imigração e das expectativas de produção de
borracha.
3.6 “Um dos mais felizes capítulos da história do Amazonas” ou a Batalha da
Borracha
Transporte de trabalhadores para a Amazônia (1934-45)
(CPDOC/ AGC, foto nº7, filme 653)
104
Batista, op.cit., p.192.
137
Cerca de 2 mil pessoas crianças, mulheres, velhos, homens inválidos, longa fila de
caminhões. Surgem de improviso, na clareira da mata. (...) Não são tropas de invasão,
não são prisioneiros de guerra. São os prisioneiros da fome – nordestinos – libertados do
círculo de chamas dos sertões queimados (...) As fisionomias são profundamente
abatidas, todas. Roupas sórdidas. Descalços (...) Os velhos chegam taciturnos e
sombrios, relembrados da terra sertaneja, que não verão jamais. Os jovens espalham-se
pela praça, mulheres gritam e gesticulam à procura de bagagens, com os filhos
agarrados ao colo.
105
Carlos Mendonça, repórter da imprensa pública de Manaus, escreveu uma
reportagem a respeito do repovoamento do Amazonas que seria feito, segundo ele,
basicamente, pelo fluxo de imigrantes nordestinos. Ao contrário do que o trecho
transcrito acima aparenta, o repórter fez uma defesa da nova política de imigração
através de um recurso comum aos escritores e articulistas ligados ao Estado Novo: a
comparação com a Primeira República, para demonstrar como os políticos teriam
melhorado nos cuidados à população:
Os dois processos de povoamento do Amazonas demarcam dois períodos fortemente
distintos. O primeiro assinala a fase do escravagismo branco, o ganho fácil dos
“patrões e “aviadores”. Assegurava o fortalecimento das fortunas capitalistas (...)
destinadas às expansões alegres nos cabarés de Paris, ou na compra de suntuosas
“quintasnas terras de Luzitânia (...) o de agora [1942] verifica-se que melhoraram as
condições de transporte, hospedagem, alimentação e locação de trabalho (...) 40 ou
50 anos atrás (...) não se levava em conta que esses trabalhadores “moribundos” viriam
desempenhar mais tarde uma vultuosa missão civilizadora. Agora, mercê do espírito
social dos homens do governo, elas [as populações] vêm assistidas de cuidados
administrativos que se articulam nas esferas de poderes federal e estadual
objetivando o seu bem estar, a sua aclimatação e o posterior encaminhamento a regiões
saneadas, continuamente seguidas de perto pelos agentes oficiais que lhe distribuem
assistência e conforto (...).
106
Segundo o repórter, a principal diferença dos dois períodos residia no preparo
técnico dos órgãos ligado ao governo. Desta forma, os futuros soldados estariam se
105
Mendonça, Carlos. Gente do Nordeste no Amazonas (Reportagem em torno do repovoamento do
Amazonas em 1942). 1943, Manaus, Imprensa Pública do Amazonas, pp. 5-6.
106
Mendonça, Carlos. Gente do Nordeste no Amazonas (Reportagem em torno do repovoamento do
Amazonas em 1942). 1943, Manaus, Imprensa Pública do Amazonas, pp.15-16
138
dirigindo a rumos pré-estabelecidos, resultando em uma imigração dirigida. Outras
diferenças apontadas são os censos e estatísticas previamente levantados dos boletins
climáticos de cada zona a povoar, das possibilidades econômicas de cada seringal, dos
transportes e das comunicações. Mas como ocorreram tais transformações? A resposta
para Carlos Mendonça estava na presença do poder público na região que depois de
relegada ao abandono, teria encontrado em Vargas um novo descobridor:
(...) Fizeram-se leis de proteção e amparo ao trabalho (...) os trabalhadores do
Amazonas usufruem as vantagens dessas leis. (...) Assistência ao homem que produz, ao
homem enfermo, à mulher, à gestante, à criança. Assistência por igual para todos. O
poder público se reveste das roupagens da divindade. A sua autoridade não é somente a
do mando; é também da orientação, de sociabilidade, de conselho, de consulta, de
partilha (...) Desta maneira, o deslocamento das massas nordestinas se inscreve
como um dos mais felizes capítulo da história do Amazonas (grifo meu).
107
Desde o “Discurso do Rio Amazonas”, em 1940, jornais e anúncios convocavam
nordestinos para trabalhar na Amazônia. Em 1942, Álvaro Maia apontava a “rareza de
imigração nordestina” para a região, mas mesmo assim
Levou-se a efeito o desbravamento do solo em dez lotes, somando 17 hectares à área
beneficiada. Desses lotes, apenas dois foram efetivamente ocupados, pois das nove
famílias nordestinas que neles chegaram a instalar-se, sete procuraram outros rumos,
carregando utensílios para o trabalho.
108
Em abril do mesmo ano, o interventor federal do Ceará, Menezes Pimentel,
enviou a Álvaro Maia um telegrama sobre a seca que assolava o Estado, apontando para
o fato de todas as plantações e pastagens estarem perdidas devido à ausência de
chuvas.
109
Pimentel queria saber se o interventor do Amazonas precisava de
trabalhadores e se poderia providenciar passagens. Álvaro Maia nomeou uma comissão
para receber e levar as famílias nordestinas aos seringais, a fim de que pudessem
participar do “renascimento econômico” da Amazônia.
110
Desta forma, percebemos que
a aprovação dos Acordos de Washington” estava em consonância com o interesse das
autoridades locais, pois o trabalho pôde ser intensificado.
107
Mendonça, op.cit., pp. 19-20.
108
Maia, Álvaro. Exposição da Interventoria Federal – 05/1941 a 05/1942, p.67.
109
Maia, Álvaro. Exposição da Interventoria Federal – 05/1941 a 05/1942, p.65.
110
Idem.
139
Na ocasião, o governo federal e os governos estaduais divulgaram o projeto
denominado “Batalha da Borracha”, que – através de decreto-lei nacional - transformou
todos os seringueiros que trabalhariam na região em ‘soldados da borracha’. Segundo
Campos, a política de transferir grupos familiares para o Amazonas relacionava-se mais
à preocupação em providenciar socorro aos retirantes da seca do que prover mão de
obra para a “Batalha”.
111
Em agosto de 1942, após uma reunião no Departamento
Nacional de Imigração, ficou tratado a organização do Programa de Migração do SESP,
quando a agência internacional e o departamento assinaram um acordo que divida a
responsabilidade no recrutamento e no posterior encaminhamento dos trabalhadores: o
DNI recrutaria os imigrantes, enquanto o SESP selecionaria aqueles fisicamente capazes
e proveria assistência médica nos postos do DNI.
112
Em novembro de 1942, outro
acordo foi assinado, desta vez com a Rubber Development Corporation (RDC), que
financiou a criação de dois órgãos: o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores
para a Amazônia (SEMTA), responsável por levar homens, mulheres e crianças para o
povoamento da Amazônia e a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico
(SAVA), que receberia os recrutados em Belém e os distribuiria pelas áreas produtoras
de borracha do vale.
113
Diferentemente do acordo anterior assinado com o DNI, o SESP
não ficaria mais responsável pelas condições de saúde dos recrutados, que desta vez,
estaria a cargo de um grupo de médicos do SEMTA.
114
Desta forma, o SESP ficaria
responsável pela saúde dos trabalhadores enquanto eles estivessem em trânsito.
Segundo Campos, as fronteiras de responsabilidades ficaram mal definidas, pois
documentos em que a avaliação médica de imigrantes aparece compartilhada por uma
junta de médicos do SESP e do SEMTA.
115
A maior parte dessa leva de imigrantes era nordestina. Na verdade, o fluxo
migratório começara antes mesmo da criação do SEMTA e do SAVA. A emigração
para o Norte havia se iniciado em anos anteriores, sob a coordenação do Conselho de
Imigração e Colonização do Brasil em cooperação com a Delegacia Regional do
Trabalho.
116
Um esquema de transportes foi montado para receber e transladar os
111
Campos, 2006, p.140.
112
Idem.
113
Campos, 2006, p.141.
114
Ibidem.
115
Ibidem.
116
Neves, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas”. Revista
Brasileira de História, vol.21, nº40, São Paulo, 2001, p.119.
140
retirantes para Belém e Manaus. O Lloyd Brasileiro, empresa de navegação do
Amazonas colocou um de seus navios à disposição para fazer a linha de Fortaleza a
Belém . Os embarques, porém, foram suspensos após os torpedeamentos dos navios
mercantes na Bahia.
117
A mobilização dos trabalhadores foi feita principalmente através de
propagandas. Em Fortaleza, ocorreram passeatas de ‘soldados da borracha’, além da
distribuição de diversos folhetos, cartazes e anúncios em rádios e jornais. A burocracia
excessiva e a quantidade de órgãos criados contribuem para a compreensão do posterior
fracasso do programa. Pelo acordo, os trabalhadores receberiam uma diária com direito
à assistência dica. O contrato de trabalho previa a seguinte divisão nos lucros: 60%
destinava-se aos seringueiros, 7% aos donos da terra e 33% aos seringalistas. As
principais promessas se referiam à garantia de emprego para as populações atacadas
pela seca.
Transporte de trabalhadores para a Amazônia (1934-45)
(CPDOC/ AGC, foto nº7, filme 653)
Foram feitas críticas sobre a falta de unidade de comando, e, em resposta, foi
criada a Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a
Amazônia (CAETA) em setembro de 1943, com o objetivo de unificar todas as etapas
do processo. Mas diversos problemas aconteciam. Trabalhadores solicitaram a presença
117
Idem.
141
do SESP na viagem realizada ao longo dos rios Sena-Madureira, pelo rio Purus.
Segundo o relatório
É impraticável qualquer assistência médica a bordo dos navios que fazem essa linha.
Viajam superlotados de cargas e passageiros. O desconforto e a falta de higiene
imperam em todas as dependências das embarcações. Os nordestinos, tais como
verdadeiros animais, são alojados em condições horripilantes. As crianças viajam em
completa promiscuidade. A alimentação de bordo compõe-se de alimentos deteriorados
e também de gênero de péssima qualidade. A carne na maioria das vezes provém de
animais que sucumbem de cansaço e fome, sangrados à pressa a fim de serem
aproveitados para a alimentação. Houve um caso de morte de uma criança causado pelo
estado de desidratação que chegou devido à intoxicação alimentar.
118
Dean e Campos informam que uma das razões para o fracasso do Programa da
Amazônia foi o número de instituições criadas para realizar tarefas distintas. Outro
índice preocupante dizia respeito ao número de trabalhadores que voltavam doentes dos
seringais, os chamados “retornados”.
119
Assustada com o direcionamento total da produção para a borracha, a
Associação Comercial do Amazonas lançou a “Campanha da Produção”:
Trabalhadores do Amazonas!
Antes de produzir para vender, é preciso produzir para comer!
A guerra ameaça dificultar as importações de gêneros alimentícios. Devemos estar
preparados para esta eventualidade perigos, e esse preparo consiste em produzir para o
próprio consumo e produzir para as necessidades coletivas da cidade e do interior!
120
As condições de vida dos seringueiros na Amazônia repercutiam no sudeste.
João Alberto, coordenador de mobilização econômica, garantia que o governo estava
tirando dos seringueiros a condição de escravizados dos proprietários de terra, os
seringalistas.
121
Em março de 1943, Reynaldo A. Reis redigiu um relatório tratando da
118
Relatório do Serviço Especial de Saúde Pública ao MES Jul/Set. 1945, p.17. Fundo Fundação
Serviços de Saúde Pública, caixa 9.
119
Termo usado nos relatórios do SESP ao Ministério da Educação e Saúde Pública
120
Boletim da Associação Comercial do Amazonas, nº7, fevereiro de 1943, contracapa.
121
“O combate ao deserto e os trabalho nos seringais da Amazônia”. Cultura Política, v.3, nº25, março de
1943.
142
exploração, comercialização e contrabando da borracha, além de abordar a situação dos
seringueiros.
122
Segundo o relatório, em um período inferior a seis meses, mais de
10.000 homens tinham se encaminhado aos seringais, porém com uma ressalva: do
total, apenas 2.119 tinham sido entregues pelo SEMTA e pelo SAVA. A maioria tinha
chegado através de iniciativas particulares, sem controle dos órgãos.
123
Reis assinala
que excluindo os 715 trabalhadores que foram encaminhados pelo SEMTA, nenhum
dos restantes teve firmado contrato de locação de serviços:
Interrogados pessoalmente, vários desses homens, na presença de funcionários do
Ministério do Trabalho informaram não saber para onde iam, nem quanto deveriam
ganhar. Negaram que suas famílias estivessem sendo auxiliadas na terra natal. Nenhuma
noção possuíam do decreto que fixa a porcentagem sobre o preço da borracha. A
assistência do M.T. limitava-se a comida e dormida. Isso explica o grande trabalho das
polícias locais.
124
Segundo o relatório, era praticamente impossível saber a quantidade de
reservistas mobilizados para a borracha. A falta de contrato de trabalho resultava na
incidência de “brabos”, seringueiros que, sem fiscalização, recebiam adiantamento de
salário de diversos seringalistas ao mesmo tempo, sem se fixar em nenhum seringal.
Para Reis, a falta destes contratos fazia com que tudo retornasse ao anterior e primitivo
estado de coisas:
a) Outros seringueiros, interrogados entre um lote de “brabos” em Porto Velho, revelou
[sic] o seguinte:
b) que não tinham sido contratados senão pelo agenciador, em Belém e Manaus;
c) que nada lhes foi dito sobre a propriedade de 1 hectare de terra, nem instrumentos
agrários lhes haviam sido fornecidos;
Por outro lado, seringalistas interrogados em Porto Velho e Abunã, disseram
taxativamente o seguinte:
1) que iam pagar a borracha de acordo com eles mesmos
122
Não foram encontradas referências biográficas sobre Reynaldo A. Reis, nem a quem se destinava o
relatório.
123
Arquivo Getúlio Vargas, doravante AGV, GV 1943.04.24 c, p.5. Este arquivo encontra-se sob guarda
do CPDOC.
124
CPDOC/AGV, GV 1943.04.24 c, p.6
143
2) que o armazém do seringal tinha que dar lucro suficiente para cobrir as despesas de
exploração do seringal.
3) Que os juros de 7% do empréstimo feito pelo Banco da Borracha tinha de ser
computado como “despesa de exploração”.
125
A desorganização do programa era evidente desde o início. O relatório critica
também a distribuição de seringueiros que eram contados “como bois e como bois
conduzidos”.
126
Mas para Reis, o único órgão que prestava bons serviços era o SESP, pois
contava com profissionais entusiastas: médicos e auxiliares que percorriam os igarapés
e rios, distribuindo preventivos e medicando enfermos. Mas mesmo assim sofria boicote
das autoridades locais:
Ressente-se o SESP de hospitais e dispensários, cuja construção, entretanto, está
sendo, de fato, bem encaminhada. Prefeitos e Governos Estaduais deveriam ser
instruídos para que não sabotassem, com burocracias perniciosas, esse magnífico
serviço. Se o SESP precisa de um terreno, é dá-lo em seguida, sem hesitações. Um
médico norte-americano e um engenheiro, também americano, disseram pessoalmente
que suas maiores dificuldades eram quatro palavras: “Amanhã” e “Não pode ser”.
127
O relatório indica tensões entre brasileiros e americanos. Para Reynaldo Reis, a
principal culpada pela situação era a RDC que fazia muitas promessas aos dirigentes
locais e o o cumprimento estaria levando a quinta coluna” a inflamar a população
contra os americanos.
128
Para provar seu argumento, Reis transcreveu três depoimentos
de moradores a respeito dos americanos:
Autoridades e povo de qualquer cidade estão imaginando que a RDC é assim como
santa milagrosa. Isso porque alguns dos seus membros (...) prometeram construir
hospitais, estradas e hospedarias. Isso ainda não se verificou e a quinta-coluna (que
125
CPDOC/AGV, GV 1943.04.24 c, p. 7
126
Idem.
127
CPDOC/AGV, GV 1943.04.24 c, p.8
128
Durante a Segunda Guerra Mundial, o termo quinta-coluna” foi utilizado para referir-se àqueles que
agiam sub-repticiamente num país em guerra, ou em vias de entrar na guerra, preparando ajuda em caso
de invasão ou fazendo espionagem e propaganda em favor do Eixo. Na Europa esses indivíduos também
eram chamados de colaboracionistas. Fonte: Glossário do CPDOC, In:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/glossario/ev_gl_quintacoluna.htm, último acesso: 22/01/2007,
13:15
144
constitui na região força bastante eficiente) explora imediatamente o assunto,
apresentando os norte-americanos como exploradores e aproveitadores:
“Os americanos são como doutor em casa de pobre: pela honra da visita come todas
as galinhas” (palavras do major Aluísio Ferreira)
“Tomaram as nossas casas e nelas se instalaram e não pensam em sair” (palavras do
engenheiro Araújo Lima, da E.F. Madeira Mamoré)
“Pensam que são donos disto e vamos ter trabalho para tirá-los depois daqui” (palavras
do engenheiro Camará, da E.F. Madeira Mamoré).
129
Cerca de seis meses depois do acordo entre Brasil e Estados Unidos a situação já
se encontrava tensa. A situação de guerra desestabilizara a sociedade amazônida,
alterando a dinâmica das relações e provocando grave crise financeira devido ao pouco
controle promovido pelo governo e, em especial, a pouca atenção dada pelos
americanos exceção do SESP) à realidade local.
130
O alto capital que circulava entre
os seringalistas e o descontrole financeiro promovido pelos “brabos” provocou um
aumento considerável de papel-moeda na região, encarecendo o preço de ítens básicos
como arroz e feijão.
131
Os trabalhos conjuntos começaram mal.
Compreendendo o SESP como um serviço ligado aos demais, basta ampliarmos
o foco para perceber que o órgão também teve problemas neste período. Como aponta
Campos, o SESP ao no curso dos anos 1942-45 forneceu cerca de 17,7 milhões de
cápsulas de atebrina, porém, a distribuição da droga enfrentou muitos problemas:
Podemos imaginar as dificuldades dos profissionais do SESP no transporte do
medicamento até a população, devido aos obstáculos interpostos pela natureza e aos
abusos dos aproveitadores de ocasião. Muitos integrantes da rede distribuidora,
aproveitando-se das lacunas no controle da mercadoria, vendiam a droga, que era pra
ser gratuita. Ao passo que o SESP inclui entre os seringalistas na sua rede de
129
CPDOC/AGV/GV 1943.04.24 c, p. 9
130
Importante ressaltar que o SESP empregou no quadro de funcionários muitos sanitaristas egressos do
SEGE, como Leônidas Deane e Wladimir Lobato Paraense, que tinham bastante experiência na região.
Esse fator, de certa forma, ajudou na adaptação do serviço à localidade.
131
CPDOC/AGV, GV 1943.04.24 c, p. 11
145
distribuição, torna-se quase impossível saber se o medicamento é fornecido
gratuitamente ou vendido nos barracões.
132
Enquanto isso, Vargas, em discurso, proclamava julho de 1943 o “mês da
borracha”:
(...) uma tarefa urgente nos aguarda: temos de ganhar a batalha de produção (...) as
armas aliadas precisam de mais borracha, dessa borracha que existe, não no extenso
vale amazônico, mas em Mato Grosso, nesse rumo ao oeste e em vários outros pontos
do território nacional.
133
Para estimular a produção e como parte das comemorações do “mês da
borracha”, a Associação Comercial do Amazonas lançou um concurso que daria a vinte
e oito seringueiros um prêmio de 4.000 Cr$ para quem trouxesse a maior e melhor
quantidade de borracha. O DIP produziu um filme intitulado “A Batalha da Borracha”,
que serviria também de incentivo para que outras pessoas fossem à Amazônia.
Em 1944, começaram a surgir críticas da Associação Comercial do Amazonas
(ACA) , que apoiou o programa desde o início. Cosme Ferreira Filho, sócio benemérito
da organização, fez criticas fortes à RDC:
Desde que se iniciou na Amazônia a execução do programa de borracha surgiram
dúvidas sobre o seu êxito (...) sua planificação [foi] feita à revelia dos elementos do
comércio, da indústria, da produção e da administração pública regionais, íntimos
conhecedores das condições que regem a produção de nossa borracha (...) as usinas de
beneficiamento de borracha foram submetidas a um regime de intervenção de seus
processos de trabalho ; proibiu-se a fabricação de essência de pau-rosa; extinguiu-se a
produção de castanha, negando-se-lhe transporte; impunha-se, de modo geral a
limitação das restantes indústrias extrativas da Amazônia, para que todos os braços se
voltassem para a colheita do látex e, por, fim, estabeleceu-se a consignação obrigatória
de borracha ao banco [de crédito da borracha].
134
A ACA calculou que o custo de vida entre 1939 e 1943 crescera 103% e que,
considerando somente o período entre 03/1942 a 10/1943 o custo crescera 42,6 %. As
132
Campos, 2006, p. 120.
133
Vargas, Getúlio. “Mês Nacional da Borracha 01/06/1943”, A Nova Política do Brasil X, 1943,
p.80.
134
Boletim da ACA, ano II, nº31, fev.1944 , p.5.
146
críticas da ACA se ressentem principalmente da maneira que a RDC se impôs, pois no
ano anterior, assim como no início do programa, o órgão recebeu de forma bastante
positiva a ação norte-americana na Amazônia. A proximidade com o fim da guerra
levou o governo a extinguir o CAETA em dezembro de 1944, mantendo alguns postos
funcionando até 1948, quando ocorreu o fim definitivo. Campos avalia que uma das
primeiras conseqüências do fim do programa foi o desrespeito às famílias envolvidas.
135
Os números divergem em relação ao total de mortos, mas ao menos uma
estimativa do número total de ‘soldados’ demonstra as trágicas consequências do
programa de migração para a Amazônia : 39.995 (estimativa) pessoas foram enviadas à
região e grande parte permaneceu lá. Samuel Benchimol, que esteve em contato durante
dois anos com os imigrantes, afirmou que “a história das imigrações humanas jamais
registrou um drama de igual proporção, somente comparável com os judeus no
êxodo”.
136
Complementando sua avaliação, prosseguiu:
As seringueiras vão ser sangradas, e de seu choro e de seu látex surgirão os pneus das
fábricas para os aviões de guerra combaterem muitas batalhas. Os aliados ganharam a
guerra, mas o seringueiro ficou sozinho, na solidão da mata e nos ermos da floresta, sem
poder comemorar a vitória, porque a sua a Batalha da Borracha não teve para ele,
nem começo nem fim.
137
Um editorial de Costa Rêgo (editor do “Correio da Manhã”) no Boletim da
Associação Comercial do Amazonas traçou um triste histórico para a região:
E se foi a missão chefiada pelo Sr. Sousa Costa rumo a Washington (...) Incluía um
técnico em algodão, outro em finanças, além do próprio Sr. Sousa Costa (...) Apenas
não incluía ninguém que entendesse do assunto gomífero, ninguém portanto capaz de
defender os interesses da Amazônia e com eles a própria sobrevivência de dois milhões
de brasileiros (...) Organizaram serviços oficiais de alto custo, com pessoal numeroso e
incompetente, sem direção adequada e cujo fracasso se traduziu pela inutilidade que
lhes caracterizou a ação durante dois anos consecutivos. Aí está a comprová-lo o
inglorioso destino da defunta S.E.M.T.A e da moribunda S.A.V.A. (...) destruíram a
ordem econômica da Amazônia e seu aparelho de produção, por efeito de intervenção
135
Campos, 2006, p.159
136
Benchimol, Samuel. Amazônia um pouco antes e além depois. Editora Umberto Calderaro, Manaus,
1977, p.257.
137
Benchimol, op.cit., p.309.
147
direta numa e noutra, desprezando tudo o que existia (...) tudo foi em vão (...) Provam-
no de sobra os dois anos decorridos entre o primeiro e segundo convênio de
Washington, sem que haja sido alcançado num um dos objetivos do primeiro. (...) E
o pior é tudo isso, ainda assim, se reveste de importância secundária, ante a gravidade
infinitamente maior da circunstância de não se ter aproveitado de uma oportunidade que
jamais se repetirá, de transformar a mísera Amazônia numa fonte colossal e inesgotável
de riqueza e prosperidade para a nação brasileira. Não se esquecea História, quando
sobre o caso for chamada a pronunciar seu veredito.
138
Em termos econômicos, a “batalha da borracha” foi um grande fracasso. A
expectativa era exportar 50.000 toneladas/ano para o exterior. Entre 1942 e 1944 o
máximo de exportação atingiu 21.192 toneladas no último ano. Segundo Dean, os
americanos não consideraram as diferenças locais, além de se integrarem ao comércio
dos aviadores (donos dos seringais) da região, que submetiam os seringueiros a um
regime de quase escravidão.
139
Tal situação ocorria devido à proibição para o
trabalhador de vender sua borracha a outros negociantes, e o patrão muitas vezes
empregava capangas para reforçar o acordo e desencorajar quem quisesse desertar.
140
Agnello Bittencourt, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Amazonense
criticou os ‘soldados’ escolhidos:
Não foi um pessoal selecionado, para o fim que o destinou o empreendimento. Boa
parte não passou desta capital (Manaus). Vagabundos e inadaptáveis vieram misturados
a homens honestos e dispostos a trabalhar, causando sérias inquietações à polícia e
despesas para os cofres públicos.
141
É importante a contextualização destas opiniões. A guerra acabara (7/9/1945) e o
Estado Novo enfrentava forte oposição interna, levando o governo a marcar eleições
gerais em dois de dezembro de 1945. No mesmo ano, durante as comemorações do
quinto aniversário do “Discurso do Rio Amazonas”, Ruy Mário de Medeiros, ex-
presidente do Banco de Crédito da Borracha, discursou para a Sociedade Paraense de
Estudos Econômicos. O tom de seu discurso foi pessimista, afirmando que a exploração
da Amazônia até o momento desprezara totalmente a economia regional. Relembrou
também as desilusões do último período de queda da borracha, no início de século. E,
138
Boletim da ACA – ano III – nº33, - 04/1944, ano 3, nº33
139
Dean, op.cit., p.147
140
Idem.
141
Boletim da ACA – ano IV – nº48 – 07/1945, p.34
148
por fim, propôs a expansão de negócio das culturas amazonenses, plantando cana, milho
e feijão. Como assinala Edgard Carone: “O mais trágico é, contudo, a persistência de
um sistema de trabalho e de extração de tex, que vem desde o século XIX e não se
renova até os dias atuais”.
142
Em relação às políticas de saúde e saneamento para os soldados da borracha,
podemos perceber que, mesmo com o SESP formando uma rede de 34 unidades
sanitárias no Vale do Amazonas, o excesso de burocracia e a multiplicidade de órgãos
criados tornou o atendimento se não precário, insuficente às demandas dos seringueiros.
Entre as doenças e morbidades que atingiam os imigrantes, estavam, além da malária,
infecções respiratórias, sarampo, caxumba, disenterias e catapora.
143
Devido à alta
incidência de enfermidades nas habitações do SEMTA, muitos seringueiros, os
chamados retornados”, voltavam às suas cidades de origem ou ao posto do SESP em
Fortaleza.
Eventualmente, epidemias atingiam os campos de migrantes: uma das mais
devastadora foi a de meningite. Mas também ocorreram surtos epidêmicos de sarampo e
tifóide. As doenças que eram transmitidas pelas vias respiratórias tinham mais
facilidade de infeccionar os trabalhadores, pois os alojamentos onde residiam
apresentavam, no geral, más condições de saúde. Com o final da guerra, as denúncias
que corriam nos altos escalões dos ministérios tomaram conta dos meios de
comunicação, pois muitos trabalhadores haviam sumido. Como aponta Campos,
levantar um número exatos de trabalhadores é difícil, pois os índices oficiais do
SEMTA e CAETA não o conta de todos os imigrantes. Lembremos de que muitos
vieram fora da alçada de controle dos órgãos criados pelos “Acordos de Washington”.
A conclusão possível é que definitivamente a “Batalha da Borracha” o
resultou nos dias mais felizes da história da Amazônia, mas sim, em mais um período de
falta de planejamento. A culpa do fracasso não foi a escassez de verbas, mas sim o
descontrole gerencial sobre os órgãos e falta de unidade e de comunicação entre eles.
Por mais que o SESP tenha resistido ao fim da guerra, vindo a se tornar um dos
responsáveis pela implementação de políticas de saúde pública no Brasil no período
estudado, ele se integra ao fracasso do programa do Amazonas. A dubiedade das classes
142
Carone, Edgard. O Estado Novo, S.Paulo, Difel, 1976, p.35.
143
Campos, op.cit., p.154.
149
conservadoras em relação ao programa também contribuiu para o ambiente de
instabilidade e tensão provocado na região. Com o fim próximo do governo de Getúlio
Vargas, os membros da elite amazônida e antigos apoiadores do programa resolveram
voltar-se contra o mesmo, devido ao fracasso iminente.
150
Considerações Finais
O capítulo teve como finalidade a análise das política públicas de saúde que,
incipientes nos anos 30, passaram a ter fundamental importância na consolidação da
estratégia de intervenção e presença do Estado na região amazônica, a partir dos anos
40. Um dos caminhos para levar a efeito tal objetivo foi o estudo do “Plano de
Saneamento da Amazônia”, que nunca saiu do papel. Porém, mais que apontar se o
plano foi posto em prática ou não, sua análise expôs de que forma João de Barros
Barreto, através do Departamento Nacional de Saúde pretendia atingir as populações
rurais e mais afastadas. Os personagens envolvidos na elaboração deste plano
demonstram e justificam sua importância. Sua “substituição” pelo Serviço Especial de
Saúde Pública não se deu de forma simples, como podemos perceber no artigo de
Barros Barreto ao “Correio da Manhã”.
Todo o processo de elaboração do Plano de Saneamento da Amazônia, desde o
anúncio feito por Vargas em sua visita à região a as reuniões e relatórios da
“Comissão de Saneamento da Amazônia”, foi suprimido pela situação de guerra em que
o país estava envolvido, culminando com a adoção do SESP através dos “Acordos de
Washington”. O “Plano de Saneamento da Amazônia” seria feita a partir dos convênios
amazônicos, mas sob supervisão do DNS, enquanto o SESP era um órgão autônomo,
sob supervisão apenas do Ministério da Educação e Saúde. As discussões e
constrangimentos em relação ao Serviço Especial de Saúde Pública se restringiram à
esfera do Departamento Nacional de Saúde, com João de Barros Barreto e Fred Soper,
pois o governo federal e o ministério da saúde viam no programa uma oportunidade de
fortalecer seu poder na região amazônica, através de uma prometida política de
imigração de populações para lá, a fim de colaborar na proclamada “Batalha da
Borracha”. Mas a Amazônia não teve significativo crescimento mesmo com toda a
verba que recebeu. Muito dinheiro circulou, mas pouco ficou na região. Como herança
dos “Acordos de Washington”, tivemos o Serviço Especial de Saúde Pública, que
sobreviveu ao fim da guerra e ao fim do governo Vargas, tornando-se um importante
órgão para a implementação de um modelo de saúde pública nos anos posteriores a
seu fim, em 1990.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 1995, uma expedição realizada pela Fiocruz refez, nos meses de agosto e
setembro, o mesmo percurso realizado por Carlos Chagas nos rios Negro e Branco, em
1913, parando nos mesmos locais visitados por ele. Procedeu-se uma comparação
histórica entre as condições de vida, saúde trabalho na população ribeirinha de finais do
século XX, com a realidade encontrada no princípio do século. Tomando como base o
“Relatório sobre as condições médico-sanitárias do Vale do Amazonas” de Carlos
Chagas, pôde-se dizer, que, de modo geral, das doenças encontradas no começo do
século XX, a malária e as verminoses permaneciam entre os principais problemas de
saúde da região, oitenta anos depois. Quando o caminho foi percorrido novamente, além
de focos de malária, a investigação clínica detectou problemas respiratórios,
hipertensão, doenças cardiovasculares e obesidade, tuberculose DST, além das
hepatites, que surgem em virtude da falta de educação sanitária e saneamento básico.
Como visto anteriormente, essa “longínqua” parte do Brasil começou a ser
descoberta por intelectuais no início do século passado que, orientados por um
nacionalismo que tinha como um de seus alicerces livrar o país dos males representados
pelas doenças, sinalizando o olhar para as mazelas das populações que haviam se fixado
longe dos grandes centros político-econômicos do país. Além dos médicos, homens
como Euclides da Cunha trouxeram para o litoral notícias de um país desconhecido,
abandonado e doente.
No recorte temporal analisado (1930-1945), não ocorreram melhoras
significativas nas condições de saúde e saneamento da Amazônia em grande escala, pois
endemias da época, ou até anteriores ao governo Vargas, ainda atingem a população.
Porém, o trabalho de profissionais da área médica, como so trabalhos realizados por
Evandro Chagas e sua equipe do IPEN e do SEGE concomitante a posição estratégica
dos estados do norte no início dos anos 30 resultou num olhar mais atento do governo
federal em relação à região, mesmo que os discursos fossem maior que as práticas. As
ações de saúde e saneamento não se deram de forma isoladas, mas fizeram parte e um
ideário da época sobre a região. Esta percepção da Amazônia, vista como um imenso
152
vazio, resultou em ações que desconsideravam as práticas estabelecidas por habitantes
locais, malvistas pelos profissionais que agiam na região, como os salesianos e médicos.
A Amazônia constitui um caso especial no período devido às descontinuidades
destas ações. O DNS formulou, em conjunto com instituições que atuavam na região
(IPEN e SEGE) um plano de considerável abrangência para a região. Mas fatores
externos, como a conjuntura de guerra mundial, em conjunto com interrupções, como a
morte de Evandro Chagas, resultaram no abandono deste plano. E, a partir de um acordo
bi-lateral entre o governo americano e brasileiro, o Serviço Especial de Saúde Pública
iniciou o trabalho que deveria ter sido entregue ao DNS.
Esta substituição não se deu de forma simples e automática. O SESP representou
para um dos principais dirigentes de saúde pública à época, João de Barros Barreto, a
perda de espaço de ação para ações de médicos americanos. Representou também, a
interrupção dos planos de Fred L. Soper, diretor da Fundação Rockefeller no Brasil. O
caso de Soper é interessante, pois revela que os personagens não seguem um roteiro pré-
determinado pela conjuntura que os cerca, mas sim demonstra a liberdade de manobra
que ele possuía, mesmo fazendo parte de uma instituição com o porte da Fundação
Rockefeller. Dos planos às práticas, procurei abordar o Serviço Especial de Saúde
Pública relacionando-o principalmente ao seu objetivo nos anos 1942-45,
obrigatoriamente fazendo uma diferenciação da atuação do órgão nesses anos do papel
que ele exerceu em tempos posteriores. Como resultado prático, vimos que, para o
SESP, não houve falta de dinheiro, mas sim, de organização em conjunto com os outros
serviços criados pelo acordo bi-lateral. O estudo da atuação de agências de saúde
internacionais demonstra a superação de uma visão unilateral, ou de constante
resistência dos lugares que elas atuam. Ocorre, como no caso do SESP, uma adaptação,
mesmo que forçada, à realidade local e os habitantes não se resignam a aceitar de
maneira complacente as ões. Oferecem resistência, mas também se adaptam e
relacionam-se com os estrangeiros.
Por fim, acredito que o estudo da história da saúde e saneamento da Amazônia
dentro do recorte temporal proposto fornece recursos para que pesquisadores caminhem
para uma nova direção comum às pesquisas históricas: depois de estudos abrangentes,
cobrindo o território nacional por completo, acredito que o próximo passo seria
153
regionalizar a discussão e debates do tema, claro, sempre em constante diálogo com o
contexto nacional em questão.
154
ANEXO I
Caderno de Imagens
Memória iconográfica
da saúde na Amazônia (1930-1945)
155
I – Instituições
Santa Casa de Misericórdia (1934-45). Manaus
(CPDOC/AGC/ Foto 745)
Departamento de Saúde Pública do Amazonas (1934-45). Manaus
(CPDOC/AGC/ Foto 821)
156
Prédio do Serviço Especial de Saúde Pública (1934-45). Manaus
(CPDOC /AGC/ Foto 821)
Posto Médico em Belém (1934-45)
(CPDOC/AGC/ Foto 754)
157
Grupo de mulheres que trabalhavam na assistência pública (1934-45). Belém.
(CPDOC/ AGC/ Foto 754)
158
II – Personagens
Evandro Chagas
(Acervo iconográfico da Casa de Oswaldo Cruz, cd001, FOC(P) Chagas, E-1)
Fred L. Soper (roupa clara à direita) com Getúlio Vargas (Outubro/1940)
“Profiles In Science – National Library of Medicine” - http://profiles.nlm.nih.gov/
159
João de Barros Barreto
(Acervo iconográfico da Casa de Oswaldo Cruz, cd001, IOC(P), João de Barros Barreto)
160
III – Fotos de Alan Fisher na Amazônia
População rural do Vale do Amazonas (1942-45)
(CPDOC/ AGC/ Foto 825)
Médico do SESP em atividade (1942-45)
(CPDOC/ AGC/ Foto 824)
161
População rural do Vale do Amazonas (1942-45)
(CPDOC/ AGC/ Foto 825)
Leopoldo Silva (paciente com malária e sarna infecciosa) – (1942-45)
(CPDOC/AGC/ Foto 825)
162
Criança subnutrida (1942-45)
(CPDOC/AGC/ Foto 825)
Médico visita localidade não identificada (1942-45)
(CPDOC/AGC/ Foto 824)
163
Funcionário confere remessa de medicamentos e instrumentos médicos (1942-45)
(CPDOC/AGC/Foto 824)
Trabalhadores rurais da fazenda-cooperativa de Manaquiri-AM (1942-45)
(CPDOC/AGC/ Foto 825)
164
ANEXO II
“O Discurso do Rio Amazonas”
165
Senhores:
Ver a Amazônia é um desejo de coração na mocidade de todos os brasileiros.
Com os primeiros conhecimentos da Pátria maior, este vale maravilhoso aparece ao
espírito jovem, simbolizando a grandeza territorial a feracidade inigualável, os
fenômenos peculiares à vida primitiva e à luta pela existência em toda a sua pitoresca e
perigosa extensão. É natural que uma imagem tão forte e dramática da natureza
brasileira seduza e povoe as imaginações moças, prolongando-se em duradouras
ressonâncias pela existência afora, através dos estudos dos sábios, das impressões do
viajante e dos artistas, igualmente presos aos seus múltiplos e indizíveis encantamentos.
As lendas da Amazônia mergulham raízes profundas na alma da raça e a sua história,
feita de heroísmo e viril audácia, reflete a majestade trágica dos prélios travados
contra o destino. Conquistar a terra, dominar a água, sujeitar a floresta foram nossas
tarefas. E, nessa luta, que já se estende por séculos, vamos obtendo vitória sobre
vitória. A cidade de Manaus não é a menor delas. Outras muitas nos reserva a
constância do esforço e a persistente coragem de realizar.
Do mesmo modo que a imagem do rio-mar é para os brasileiros a medida da grandeza
do Brasil, os vossos problemas são, em síntese de todo o país. Necessitais adensar o
povoamento, acrescer o rendimento das culturas, aparelhar os transportes.
Até agora o clima caluniado impediu que de outras regiões com excesso demográfico
viessem os contingentes humanos de que carece a Amazônia. Vulgarizou-se a noção,
hoje desautorizada, de que as terras equatoriais são impróprias à civilização. Os fatos
e as conquistas de técnica provam o contrário e mostram, com o nosso próprio
exemplo, como é possível, às margens do grande rio, implantar uma civilização única e
peculiar de elementos vitais e apta a crescer e prosperar.
Apenas é necessário dizê-lo corajosamente- tudo quanto se tem feito seja
agricultura ou indústria extrativa constitui realização empírica e precisa
transformar-se em exploração racional. O que a natureza oferece é uma dádiva
magnífica a exigir o trato e o cultivo da mão do homem. Da colonização esparsa, ao
sabor de interesses eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento,
devemos passar à concentração e fixação do potencial humano. A coragem
166
empreendedora e a resistência do homem brasileiro se revelaram admiravelmente,
nas “entradas e bandeiras do ouro e negro e da castanha”, que consumiam tantas
vidas preciosas. Com elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta, mas
concentrados e metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada
desbravadora e vencer pouco a pouco o grande inimigo do progresso amazonense, que
é o espaço imenso e despovoado.
É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. Nos
aspectos atuais o seu quadro ainda é o da dispersão. O nordestino, com o seu instinto
de pioneiro, embrenhou-se pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a
seringueira silvestre para deslocar-se logo, segundo as exigências da própria atividade
nômade. E ao seu lado, em contato apenas superficial com esse gênero de vida,
permaneceram os naturais à margem dos rios, com a sua atividade limitada à caça, à
pesca e à lavoura de vazante para consumo doméstico. não podem constituir esses
homens de resistência indobrável e de serena coragem, como nos templos heróicos da
nossa integração territorial, sob o comando de Plácido de Castro e a proteção
diplomática de Rio Branco, os elementos capitais do progresso da terra, numa hora em
que o esforço humano, para ser socialmente útil, precisa concentrar-se técnica e
disciplinadamente. O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos
povoadores ribeirinhos devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono
nacional, recebendo gratuitamente a terra desbravada, saneada e lotada, se fixe e
estabeleça a família com saúde e conforto.
O empolgante movimento de reconstrução nacional consubstanciado no advento do
regime de 10 de novembro não podia esquecer-vos, porque sois a terra do futuro, o vale
da promissão na vida do Brasil de amanhã. O vosso ingresso definitivo no corpo
econômico da nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito
sem demora.
Vim para ver e observar, de perto, as condições de realização do plano de
reerguimento da Amazônia. Todo o Brasil tem os olhos voltados para o Norte, com o
desejo patriótico de auxiliar o surto de seu desenvolvimento. E não somente os
brasileiros; também estrangeiros, técnicos e homens de negócio, virão colaborar nessa
obra, aplicando-lhe a sua experiência e os seus capitais, com o objetivo de aumentar o
167
comércio e as indústrias e não, como acontecia antes, visando formar latifúndios e
absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo brasileiro.
O vosso governo, tendo á frente o interventor Álvaro Maia, homem de lúcida
inteligência e devotado amor à terra natal, há de aproveitar a oportunidade para
reerguer o Estado e preparar os alicerces da sua prosperidade.
O período conturbado que o mundo atravessa exige de todos os brasileiros grandes
sacrifícios. Sei que estais prontos a concorrer com o vosso quinhão de esforço, com a
vossa admirável audácia de desbravadores, para a obra de reconstrução iniciada. Não
vos faltará o apoio do Governo Central para qualquer empreendimento que beneficie a
coletividade. Nada nos deterá nesta arrancada que é, no século XX, a mais alta tarefa
do homem civilizado: - conquistar e dominar os vales das grandes torrentes
equatoriais, transformando a sua força cega e a sua fertilidade extraordinária em
energia disciplinada. O Amazonas, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso
trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e, equiparado
aos outros grandes rios, tornar-se-à um capítulo da história da civilização.
As águas do Amazonas são continentais. Antes de chegarem ao oceano, arrastam no
seu leito degelos dos Andes, águas quentes da planície central e correntes
encachoeiradas das serranias do Norte. É, portanto, um rio tipicamente americano,
pela extensão da sua bacia hidrográfica e pela origem das suas nascentes e
caudatários, provindos de várias nações vizinhas. E, assim, obedecendo ao seu próprio
signo de confraternização, aqui poderemos reunir essas nações irmãs para deliberar e
assentar as bases de um convênio em que se ajustem os interesses comuns e se
mostresm, mais uma vez, como dignificante exemplo, o espírito de solidariedade que
preside às relações dos povos americanos, sempre prontos à cooperação e ao
entendimento pacífico.
Senhores:
O acolhimento afetuoso que tenho encontrado entre vós não me toca o coração,
porque vos sabia leais e hospitaleiros, como fortalece, ainda mais, o meu sentimento
de brasilidade.
168
Passou a época em que substituíamos pelo fácil deslumbramento, repleto de imagens
ricas e metáforas preciosas, o estudo objetivo da realidade. Ao homem moderno, está
interdita a contemplação, o esforço sem finalidade, E a nós, povo jovem, impõe-se a
enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados. Aqui,
na extremidade setentrional do território pátrio, sentindo essa riqueza potencial
imensa, que atrai cobiças e desperta apetites de absorção, cresce a impressão de
responsabilidade a que não é possível fugir nem iludir.
Sois brasileiros e aos brasileiros cumpre ter consciência dos seus deveres nesta hora
que vai definir os nossos destinos de nação. E, por isso, concito-vos a ter fé e a
trabalhar confiantes e resolutos pelo engrandecimento da pátria.
1
1
Vargas, Getúlio. O Discurso do Rio Amazonas. Cultura Política revista de estudos brasileiros,
vol.1, nº8, 1941, pp.227-230
169
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174
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