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ANA CRISTINA DA MOTTA GESSI
A OMC ENQUANTO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO - 2007
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2
ANA CRISTINA DA MOTTA GESSI
A
OMC ENQUANTO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Direito das Relações
Econômicas Internacionais, sob a orientação do
Professor Doutor Cláudio Finkelstein.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO - 2007
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3
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me deu fôlego, disposição e sabedoria.
Aos meus pais, Ildefonso Lucas Gessi e Maria da Graça da Motta Gessi, que me
proporcionaram o custoso acesso à educação particular acreditando no meu potencial,
sempre com muito amor.
Às minhas irmãs, Sílvia, Daniela e Maria Alice, pela amizade, auxílio e carinho
que sempre me dedicaram.
Ao meu querido Carlos Antônio Côrrea de Viana Bandeira, que com muita
paciência esteve ao meu lado, inclusive nas horas infindáveis de pesquisa, fazendo
críticas e elogios, incentivando-me a cumprir este desafio.
Ao Dr. Luiz Cláudio Bonassini da Silva, Juiz da 3ª Vara de Família de Campo
Grande – MS, pela compreensão e apoio.
Ao meu competente e talentoso orientador Cláudio Finkelstein que acreditou no
meu potencial e compartilhou obras literárias e reflexões instigando-me ao raciocínio.
Às famílias Bertolla e Orlando Gomes de Souza que abriram as portas de seus
lares para receberem-me nas inúmeras vezes que precisei estar em São Paulo para
concluir este mestrado.
Aos Professores da Puc-SP que desde as primeiras aulas da graduação me
incentivaram ao raciocínio humanista e solidário, levando-me a uma paixão irresistível
pelo Direito.
5
RESUMO
O presente estudo pretende demonstrar que nos direitos econômicos, sociais e
culturais estão implícitas as exigências dos valores da dignidade, igualdade e de
solidariedade humana. Busca-se evidenciar que com a efetividade destes direitos supera-
se as desigualdades sociais, gerando aos indivíduos o direito de participar nos benefícios
da vida social, através de direitos e prestações brindadas direta ou indiretamente pelos
poderes, órgãos e organizações públicas, todos os quais constituem meio da atividade
estatal e internacional.
Nesse sentido, ao passo que o comércio internacional é considerado instrumento
fundamental para o desenvolvimento da economia mundial e para a redução da
desigualdade e do desequilíbrio desta economia, assume um papel essencial de garantir a
eficácia dos direitos humanos, representados, nesta seara, como já foi dito, pelos Pactos
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e Políticos
reconhecidos como direito ao desenvolvimento humano.
Desse modo, considerando que os cidadãos estão inseridos em um sistema
econômico sendo alvo das normas internacionais de comércio que o regem, buscamos
evidenciar que o seu bem-estar depende diretamente das relações de causa e efeito
desencadeadas pelo comércio internacional, mais precisamente pela OMC, que será
abordada como sendo uma das ferramentas possíveis de fomento ao direito ao
desenvolvimento humano.
No desenvolvimento do tema o estudo utilizará particularmente dois
métodos tradicionais para o alcance dos objetivos traçados no projeto de pesquisa: o
histórico e o indutivo.
Empregar-se-á, inicialmente, o método histórico para reconstrução do panorama
evolutivo das relações econômicas internacionais que culminou na criação do sistema
multilateral de comércio atual e, em seguida faz-se o mesmo com a matéria de direitos
humanos, demonstrando o seu processo histórico de internacionalização e a evolução
para o direito ao desenvolvimento humano. Ênfase é dada à doutrina estrangeira, uma
vez que poucos são os estudos nacionais sobre o tema.
6
ABSTRACT
This thesis intends to demonstrate that the demands of values of dignity, equality
and human solidarity are implicit in the economic, social and cultural rights.
Furthermore, it intends to prove that with the effectiveness of these rights social
inequality can be overcome, giving the individuals the right to participate in the benefits
of social life, through the rights and benefits given directly or indirectly by the powers,
institutions and public organizations, which constitute the environment of state and
international activity.
Keeping this mind, we know that while international trade is considered an
essential instrument to the development of world economy and to the reduction of the
inequality and unbalance of this economy, it has a relevant role in guaranteeing the
effectiveness of human rights. These are represented by the Pacts of Economic, Social
and Cultural Rights and by the Civil and Political Rights, recognized as a human
development right.
In the same fashion, considering that the citizens are inserted in an economic
system, being targets of the international trade rules that direct this system, we seek to
make evident that their well-being depends directly on the cause and effect relations
unleashed by international trade, more precisely by the WTO, which will be approached
as one of the possible tools for fomentation of the right to human development.
In order to develop the subject, this study will specifically use two traditional
methods to achieve the goals established in the research project: the historical and the
inductive methods.
First, the historical method will be applied to reconstruct the gradual
development of the international economic relations that resulted in the creation of the
current system of multilateral trade. Next, the same is done with the human rights
matter, demonstrating its historical process of internacionalization and the evolution to
the right to human development. The emphasis is on the foreign doctrine, once there are
few national studies on this theme.
Keywords: WTO, human rights; development rights; international trade
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................10
PRIMEIRA PARTE – PERSPECTIVA HISTÓRICA E PRINCÍPIOS QUE REGEM AS
RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS E OS DIREITOS HUMANOS
INTERNACIONAIS
CAPÍTULO I – A APLICAÇÃO DO DIREITO SOBRE AS RELAÇÕES ECONÔMICAS
INTERNACIONAIS
I. 1.1 A Ciência do Direito e a evolução das relações interpessoais...........................................13
I. 1.2 A vontade dominante como inspiração para a formação do ordenamento jurídico...........17
I. 1.3 Fundamentos históricos do surgimento do Direito Econômico.........................................19
I. 1.4 Aspectos da Nova Ordem Econômica Internacional e o Direito Econômico
Internacional..................................................................................................................................24
CAPÍTULO II – OS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
II. 1.1 Definição de direitos humanos..........................................................................................43
II. 1.2 A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos........................................48
II. 1.3 Características dos direitos humanos................................................................................53
II 1.4 A valorização da dignidade humana e dos direitos humanos como princípio norteador das
Relações Econômicas Internacionais............................................................................................56
II. 1.5 Histórico e Internacionalização dos direitos humanos.....................................................59
1.5.1 Humanismo............................................................................................................59
1.5.2 Principais correntes humanistas..............................................................................61
1.5.2.1 humanismo marxista................................................................................62
1.5.2.2 humanismo cristão...................................................................................62
1.5.2.3 humanismo secular..................................................................................63
1.5.2.4 novo humanismo......................................................................................64
1.5.3 Humanismo Jurídico...............................................................................................64
1.5.4 O Pós-II Guerra Mundial........................................................................................68
1.5.5 O Direito Humanitário............................................................................................71
II. 1.6 A Liga das Nações Unidas................................................................................................72
II. 1.7 A Organização Internacional do Trabalho (OIT).............................................................73
8
II. 1.8 A Carta das Nações Unidas (ONU)..................................................................................77
II. 1.9 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)................................................82
SEGUNDA PARTE – A CRIAÇÃO DA OMC E OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DO
SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
RELEVANTES A ORDEM ECONÔMICA.
CAPÍTULO I – OMC – CRIAÇÃO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
I. 1.1 O Contexto Histórico da Formação da OMC....................................................................86
I. 1.2 Função e Estrutura da OMC.............................................................................................100
I. 1.3 Relação de membros da OMC.........................................................................................103
I. 1.4 Relação de observadores da OMC...................................................................................106
I. 1.5 Organograma da estrutura da OMC.................................................................................107
I. 1.6 Sistema de Solução de Controvérsias – O Órgão de solução de controvérsias (OSC) e o
Órgão de Apelação – sob o prisma da promoção do direito ao desenvolvimento humano.........108
I. 1.7 Princípios básicos da OMC com vistas a assegurar a igualdade de tratamento aos estados-
membros – uma interpretação à luz do direito ao desenvolvimento humano.............................114
1.7.1 A não discriminação: Cláusula da Nação Mais Favorecida e Obrigação do
Tratamento Nacional......................................................................................................114
1.7.1.1 A Cláusula da Nação Mais Favorecida..............................................................114
1.7.1.2 A Cláusula da obrigação do Tratamento Nacional............................................118
1.7.2 Os Princípios da Vigilância, Transparência e Cooperação Internacional.............119
CAPÍTULO II – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS INTERNACIONAIS NO CENÁRIO ECONÔMICO GLOBALIZADO - O
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
II. 1.1 Principais Instrumentos do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos
Internacionais que influenciam a ordem economica...................................................................122
1.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.................................................123
1.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.......................124
1.1.3 Os Direitos Civis e Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais configurados como
o Direito ao Desenvolvimento Humano......................................................................................131
9
TERCEIRA PARTE – A OMC COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO.
CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA OMC FACE AO DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
I. 1.1 A atuação da OMC e o direito ao desenvolvimento humano..................................137
1.1.1 Considerações sobre sujeitos do Direito Internacional Público............................137
1.1.2 A atuação da ONU e da OMC no cenário internacional.......................................139
1.1.3 Reflexões conclusivas sobre a OMC enquanto instrumento de fomento ao direito
ao desenvolvimento humano..........................................................................................144
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................150
10
INTRODUÇÃO
A internacionalização das relações econômicas no mundo atual suscita
questionamentos importantes sobre suas conseqüências e seu destino, pois as profundas
mudanças socioeconômicas e as múltiplas transformações tecnológicas projetam uma
realidade mundial e um período histórico cada vez mais diversificado, fragmentado e
globalizado.
Com isso, a noção de direitos humanos deve ser reavaliada, mais precisamente na
vertente da dignidade do ser humano sintetizada nos seus direitos econômicos, sociais e
culturais. Nesse través, as relações internacionais e a acepção do direito internacional
como instrumento de cooperação também são pautadas pelos direitos humanos.
Em meio a guerras e profundas modificações históricas a humanidade viu-se
impelida de construir organizações internacionais visando a sua proteção. Entre muitas,
criou-se a Organização das Nações Unidas, que modificou significativamente as relações
internacionais, inclusive o paradigma de atribuição e proteção de direitos.
É dentro dessa lógica, e da complexidade de matérias legadas à regulamentação
do direito internacional público, que surge o direito das relações econômicas
internacionais, que abarca a atual Organização Mundial do Comércio, apontada nesse
estudo como meio de promoção dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais.
Note-se, no entanto, que a despeito do tema do presente estudo, é necessário
deixar claro que a OMC é um dos instrumentos de fomento do direito ao
desenvolvimento humano, de forma que a nossa intenção não é dizer que a OMC pode
funcionar como o único instrumento para tal fim.
A institucionalização das relações internacionais munida da ousadia de promover
o livre comércio e dar fim às barreiras comerciais criadas durante a grande depressão de
1930, concebeu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT, que constitui a primeira
tentativa histórica de regulamentação jurídica das relações de comércio entre Estados em
termos multilaterais, tendo sido firmado como um tratado provisório.
11
Após várias rodadas de negociações para aprimorar o GATT, surgiu a
Organização Mundial do Comércio, a OMC, que derivou da Rodada Uruguai, a mais
longa, com duração de oito anos, e que teve mais de cem participantes que oficializaram,
em 1994, através dos Acordos assinados na cidade marroquina de Marraqueche, a
conversão do sistema mundial de comércio coordenado pelo secretariado do GATT, em
OMC.
Nesse contexto, a regulamentação das trocas e políticas comerciais internacionais
assumem função e responsabilidade de, ao mesmo tempo, criar mecanismos que
promovam o desenvolvimento sustentado e, consequentemente, a melhoria do padrão de
vida dos cidadãos.
Visualizando esse cenário internacional deparamo-nos com uma nova concepção
integral das necessidades da pessoa humana e com uma nova ordem mundial, que deve
estruturar-se a fim de criar alternativas para a erradicação da pobreza e para o
melhoramento das condições socioeconômicas do sujeito central dos direitos humanos, o
homem.
O viés dos direitos humanos que analisamos no presente estudo é o direito ao
desenvolvimento, este identificado como o modo de construção dos valores e direitos
econômicos, sociais, civis e culturais, todos indispensáveis à propagação do bem-estar
do indivíduo.
Nessa ótica, como parte do direito internacional público, o direito econômico
internacional, utilizando suas regulamentações, não pode mitigar a coerência do sistema
a que pertence desrespeitando o direito humano ao desenvolvimento.
Procuramos demonstrar que a OMC pode e deve ser considerada como
instrumento da promoção e garantia desse direito, à medida que sua razão de ser é
manter o equilíbrio - não no sentido de igualdade - da ordem econômica e do comércio
internacional, o principal gerador desses direitos.
12
Essa afirmação será verificada ao estudarmos os princípios declarados no acordo
constitutivo da Organização Mundial do Comércio, que prevêem o desenvolvimento
sustentado, a preservação do meio ambiente e a melhoria das condições de vida como
ideais a serem buscados, e o órgão de solução de controvérsias, que pode funcionar
como uma ferramenta na diminuição das assimetrias norte-sul, e promover melhorias na
condição de vida dos seres humanos em geral.
Assim, como o ordenamento da OMC está inserido ao direito internacional
público, deve manter-se coerente a este e às demais organizações e organismos
especializados do sistema das Nações Unidas.
13
PRIMEIRA PARTE – PERSPECTIVA HISTÓRICA E PRINCÍPIOS JURÍDICOS
DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS E DOS DIREITOS
HUMANOS INTERNACIONAIS
CAPÍTULO I. - A APLICAÇÃO DO DIREITO SOBRE AS RELAÇÕES
ECONÔMICAS INTERNACIONAIS
1.1 A Ciência do Direito e a evolução das relações interpessoais.
O objeto do estudo do Direito compreende, em sua essência, a relação humana,
isto é, a relação entre seres humanos que se comunicam. Como ciência, perfaz a análise,
sob o aspecto normativo, das relações intersubjetivas.
O resultado da ação humana em seu relacionamento interpessoal gera
repercussões no campo político, social e econômico, e pode ser analisado sob vários
prismas científicos.
Há estudos aplicáveis ao exame dos relacionamentos humanos, por exemplo, o
sociológico ou o ético. Por outro lado, os valores corolários desse tipo de ação mostram-
se relevantes para a ciência que estuda as normas que regem os atos e o
desencadeamento das conseqüências que lhe são próprias, caracterizando,
especificamente, a “juridicidade nas relações humanas.”
1
Ao discorrer sobre a expressão em referência, o jurista JOÃO BOSCO LEOPOLDINO
DA
FONSECA destaca que “A análise jurídica das relações humanas se apresenta num
plano diferente das demais, pois ou cria um dever-ser, no plano da linguagem, ou estuda
o dever-ser já criado no plano da metalinguagem.”
2
1
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5
a
ed., 2005, p. 2.
2
Op.cit., p. 2.
14
A seguir, complementa o autor, dizendo que “A juridicidade é a categoria que
faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica. É uma relação
intersubjetiva, pois é-lhe essencial a existência de dois seres humanos que se relacionam
intercomplementarmente; regulada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o
conteúdo através dos quais aquela relação é válida e aceita.”
3
.
O relacionamento entre seres humanos é qualificado por seu constante
desenvolvimento ao longo do tempo, à medida que sofre evoluções substanciais de
caráter político, econômico e social.
A relação humana não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo
conteúdo no evolver-se dos tempos. Daí dizer-se que ela apresenta um aspecto estático e
um aspecto dinâmico. Basta uma retrospectiva dos fatos humanos, para se ver que as
relações humanas aconteceram diferentemente, quanto à forma e conteúdo. As relações
humanas no âmbito familiar, no pertinente ao trabalho, no que diz respeito à organização
do Estado, sempre se manifestaram, através da história, com formas e conteúdos
diferentes.
4
Sempre acompanhando as mudanças seculares, através das idades que marcaram
a sociedade mundial, o Direito vem se adaptando a seus determinados locais e épocas,
tendo como foco os fatores de regulamentação das relações interpessoais, sejam elas dos
particulares em relação ao Estado, entre os próprios particulares de um mesmo território
3
O autor descreve (op.cit. p. 2) que a “valoração jurídica não se interessa pela ofelimidade ou pela
bondade do comportamento em si mesmo, mas tem em mira a relação humana na medida em que o
comportamento de um indivíduo se defronta com os comportamentos intercomplementares de outros
indivíduos”, e que essa “análise jurídica não consiste em distinguir no mundo relacional humano aspectos
meramente informativos ou descritivos, mas prescritivos.” Em nota de rodapé, ao assunto, cita a distinção
de G. H
ENRIK VON WRIGHT entre as leis descritivas e as prescritivas: “As leis da natureza são descritivas.
Descrevem regularidades que o homem crê ter descoberto no curso da natureza. São ou verdadeiras ou
falsas. A natureza não obedece, senão num sentido metafórico, a estas leis”. ... As Leis dos Estado são
prescritivas. Estabelecem regulamentos para a conduta e intercâmbio humanos. Não têm valor veritativo.
Sua finalidade é influenciar a conduta. Quando os homens desobedecem às leis, a autoridade que as
garante trata, imediatamente, de corrigir a conduta dos homens. Em algumas ocasiões, contudo, a
autoridade muda as leis; talvez para fazê-las mais conformes com as capacidades e exigências da
“natureza humana”. ... “Pode-se utilizar o contraste para distinguir as normas do que não são normas. As
leis da natureza são descritivas e não prescritivas; por conseguinte, não são normas” (Norma y acción –
Uma investigación lógica, p. 22-23). L
OURIVAL VILANOVA adota a denominação de discurso apofântico
para aquele que inclui as proposições descritivas, em que se encontram os valores verdade/falsidade, e de
discurso não-apofântico ou discurso prescritivo, que carece dos valores de verdade e falsidade, cujos
enunciados exprimem regras técnicas, regras de usos-e-costumes, regras morais e jurídicas (As estruturas
lógicas e o sistema do direito positivo, p. 3).”
15
nacional, ou mesmo nas diversas relações que se estabelecem além das fronteiras
definidoras da soberania territorial de um país, constituindo essas as chamadas relações
jurídicas internacionais.
IRINEU STRENGER leciona que “Há uma universalidade dos problemas humanos.
Historicamente a convivência sempre surgiu como imperativo da própria natureza
humana, traduzido no empenho de promover as relações e intercâmbios, tanto no aspecto
social como comercial. Não é característica do homem viver segregado ou isolado de
seus semelhantes, mas, ao contrário, a humanidade sempre revelou como tendência
espontânea a necessidade de constituir comunidades”
5
.
Por isso, observa que “vida em comum em função de vários motivos, traz
divergências porque as contradições fazem parte inevitável desse processo de relações”
6
.
A síntese a seguir transcrita, de autoria do Professor VALERIO DE OLIVEIRA
MAZZUOLI, descreve com proficiência o potencial humano de viver socialmente, e as
transformações jurídico-sociais advindas, com o passar do tempo, na história da
humanidade, culminando na concepção do Direito Internacional Público
7
:
“O agrupamento de seres humanos pelas várias regiões do
planeta fomentou a criação de blocos de indivíduos com características
(sociais, culturais, políticas, etc.) em quase tudo comuns. Desse
agrupamento humano (cuja origem primitiva é a família) nasce sempre
uma comunidade ligada por um laço espontâneo e subjetivo de
identidade. Na medida em que essa dada comunidade humana (assim
como tudo o que caracterizava a vida na pólis, no sentido aristotélico)
passa a ultrapassar os impedimentos físicos que o planeta lhe impõe
(montanhas, florestas, desertos, mares etc.), descobrindo a existência de
outras comunidades espalhadas pelos quatro cantos da Terra, surge a
necessidade a coexistência entre elas. A civilização passa a ter por
característica a luta contra as dificuldades dessa coexistência. Entre
comunidades humanas com características tão diferentes não se
4
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Op.cit., p. 3.
5
STRENGER, IRINEU. Direito Internacional Privado. Ed. RT. São Paulo, 1986.
6
STRENGER, IRINEU. Direito Internacional Privado. Ed. RT. São Paulo, 1986.
16
vislumbra um vínculo espontâneo e subjetivo de identidade entre os
sujeitos que as compõem. O que passa a existir é uma relação de
suportabilidade entre elas, como que numa relação contratual, em que
se desprezam as características sociais, culturais, econômicas e
políticas de cada uma das partes, para dar lugar a uma relação
negocial entre elas.
Por isso, desde o momento em que o homem passou a conviver
em sociedade, com todas as implicações que esta lhe impõe, tornou-se
necessária a criação de determinadas normas de conduta a fim de reger
a vida em grupo lembre-se da afirmação de Aristóteles de que o
homem é um ser social harmonizando e regulamentando os interesses
mútuos.
O Direito, entretanto, em decorrência de sua evolução, passa a
não mais se contentar em reger situações limitadas às fronteiras
territoriais da sociedade que, modernamente, é representada pela figura
do Estado. Assim, como comunidades de indivíduos não são iguais, o
mesmo acontece com os Estados, cujas características variam segundo
vários fatores (econômicos, sociais, políticos, culturais, comerciais,
religiosos, geográficos etc.). À medida que estes se multiplicam e na
medida em que crescem os intercâmbios internacionais, nos diversos e
mais variados setores da vida humana, o Direito transcende os limites
territoriais da soberania estatal rumo à criação de um sistema de
normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses estatais
simultâneos, de forma a que possam os Estados, em seu conjunto,
alcançar suas finalidades e interesses recíprocos.
Verifica-se com este fenômeno que o Direito vai deixando de
somente regular questões internas para também disciplinar atividades
que transcendem os limites físicos do Estado, criando um conjunto de
normas capazes de realizar esse mister. Esse sistema de normas
jurídicas (dinâmico por excelência) que visa disciplinar e regulamentar
as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também,
modernamente, das Organizações Internacionais e dos próprios
7
MAZZUOLI, VALERIO DE OLIVEIRA. Curso de Direito Internacional Público, Editora RT, SP, 2006, p. 25.
17
indivíduos) é o que se chama de Direito Internacional Público o Direito
das Gentes. Mas, (...), o estudo do Direito Internacional Público
apresenta questões por demais embaraçosas, que somente podem ser
resolvidas com uma parcela de boa vontade dos Estados aos quais,
prioritariamente, esse sistema de normas jurídicas é destinado.”
Nessas condições, é de se concluir que a sociedade em geral é carecedora de um
estabelecimento de normas, visando ao disciplinamento de suas relações, em suas mais
variadas formas, cuja origem é examinada no tópico seguinte.
1.2 A vontade dominante como inspiração para a formação do ordenamento
jurídico.
Os elementos de formação da evolução do Direito originam-se dos fatores
políticos, sociais e econômicos, como dito, concebidos em forma de poder exercido
sobre a sociedade, à medida que exercem, efetivamente, influência e o domínio sobre o
conjunto de normas que disciplinam as relações humanas interpessoais.
Como a observação da prática demonstra, a concepção de modelo normativo
insculpido dentro de um ordenamento jurídico é conseqüência da representação do
pensamento dominante local em determinada época.
Em outras palavras, a regulação das variadas formas de situação em que as
relações humanas significam em termos de relação jurídica são fruto “daquilo que a
classe dominante apresenta como o melhor, o mais adequado, o mais justo.”
8
O momento da codificação dos direitos civis serve de paradigma relevante, visto
que atuou como “tentativa de traduzir um conjunto de normas racionais, e por isso
naturais e eternas, em leis positivas”, afirma JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA.
9
8
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5
a
ed., 2005. p. 3.
9
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, Direito Econômico, Editora Forense, SP, 5
a
ed., 2005. p. 3..
18
Traduz o mesmo autor que tal codificação seria uma “tentativa de valorizar o
indivíduo, idealizando-o como cidadão, para atingir o objetivo político da destruição do
regime antigo do poder absoluto dos monarcas.
Frisa, ainda, que “Os direitos individuais se centralizam em torno do direito de
propriedade.”
10
Acerca da codificação dos direitos civis, JOHN GILISSEN discorre nas seguintes
palavras: “O Código Civil traduz o Estado social e político do seu tempo. Redigido e
discutido no momento em que Bonaparte consolida o seu poder pessoal, o Código reflete
a tendência para conciliar as conquistas civis e políticas da Revolução com o desejo da
estabilidade econômica e social, baseada na família e na propriedade. Mantém-se a
abolição dos direitos feudais; é garantida a liberdade civil de todos os indivíduos:
liberdade de contratar, de testar, etc.”
11
Como já foi dito acima, as mudanças do ordenamento jurídico são fruto de
acontecimentos históricos, atendendo a fatores de poder. Assim é que, evidenciando-se a
mutabilidade das relações humanas no tempo, a chamada “atomização” dos
relacionamentos vai perdendo lugar ao movimento relacionado com a preponderância do
interesse da comunidade como um todo, surgindo o confronto entre o direito civil e o
interesse social.
Com propriedade, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA descreve a respeito do
assunto: “Concebido como resultante de uma razão humana imutável, participante da
natureza eterna, o Código Civil foi visto como uma obra perfeita e acabada. Perdeu-se de
vista sua estreita vinculação com uma ideologia imperante num determinado momento”
— e, prosseguindo, assevera — “A força de redução dos indivíduos a átomos
componentes de uma sociedade, mas sempre isolados, cedeu, com o passar do tempo, ao
impulso dos interesses vitais da comunidade como um todo.”
12
10
Op.cit., p. 4.
11
GILISSEN, JOHN. In “Introdução histórica ao direito”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.
454.
12
Op.cit., p. 4. Ainda sobre o tema, diz o autor: “O confronto entre o interesse do indivíduo, cristalizado
nos direitos privados, e o interesse social levou a G. RIPERT a profetizar que era preciso apagar a chama
da soberania do direito individual: "O direito subjetivo é a lembrança de uma época em que a doutrina
19
Diante desse contexto elucidativo, é imperioso avaliar a existência dos fatores
que mais preponderantemente derivaram a formação do Direito Econômico, conforme
será adiante observado.
1.3 Fundamentos históricos do surgimento do Direito Econômico.
O fenômeno econômico é um dos principais aspectos que determinam os fatores
de poder no seio de qualquer sociedade, e, como tal, possui o condão de influenciar a
existência de um ordenamento jurídico, que aplicada ao desenvolvimento configura o
direito ao desenvolvimento como um direito de síntese integrador, atuando na qualidade
de instrumento de meio para a realização do ser humano.
Sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que o Direito Econômico tem sua gênese
detectada a partir de episódios de natureza econômica. E os fatos marcantes ocorridos no
mundo que contribuíram para o surgimento desse ramo jurídico, derivam,
principalmente, a partir do século XIX.
Nesse momento histórico, ocorre o realinhamento de relação entre o Estado e os
indivíduos, atomisticamente considerados, mediante a formação dos grupos capitalistas,
gerando, por via de conseqüência, aquilo que se denomina por capitalismo de grupo ou
concentração capitalista.
Na lição de J
OÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, isso gerou “profundas
influências no Direito, fazendo surgir um novo ramo, direcionado justamente a reger o
novo fato econômico.”
13
individualista era erguida como uma resistência à força política. O povo, que se apoderou do poder
político não tolera mais os poderes privados. Os direitos individuais devem portanto desaparecer. Com
eles, aliás, desaparecerá talvez o direito privado todo inteiro. Todo homem, ocupando um lugar no
mecanismo social, será considerado como exercente de uma função social e todas as relações entre os
homens serão relações de direito público. No dia em que esta doutrina tiver triunfado completamente, o
direito civil não terá somente transformado, como o queria Diguit: ela terá desaparecido."” (op.cit, pp.4-
5).
13
Op.cit., p. 6.
20
Segundo o citado autor, “Não se tratava mais de indivíduos a serem protegidos
contra o monarca absoluto, e que se relacionavam atomisticamente entre si” — e, a
propósito, destaca que — “As empresas, no intuito de liberar-se das incertezas do
mercado, procuram maximizar seus ganhos, formando grupamentos destinados a
fortalecer-se. Nessa luta, os mais hábeis e mais organizados levam vantagem sobre os
mais fracos e desestruturados. Surge o poder econômico privado a rivalizar com o poder
estatal.”
14
No século XX, destacam-se significantes alterações: (i) necessidade de
modernização do Direito calcado no pensamento iluminista, em face dos problemas
criados pela crise social decorrente da revolução industrial; (ii) mudanças econômicas,
políticas e sociais advindas da Primeira Guerra Mundial, com a destruição da “velha
ordem mundial”.
“As crises com que se deparou a crença na ordem natural do liberalismo levaram
à convicção de que o Estado deveria conduzir o fenômeno econômico e social com
novos instrumentos mais adaptados à realidade”
15
, observa JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA
FONSECA, ensejando-se assim, críticas e reformas que marcaram nova transição nos
ordenamentos jurídicos
16
.
Como distintivo dessas modificações, chegou-se à conclusão de que o Estado
teria que passar a intervir na economia, vez que “O Estado não podia mais permitir que a
crença na ordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos.”
17
14
Op.cit., p. 6.
15
Op.cit., p. 8.
16
Para ilustrar o problema da necessidade de readequações de natureza jurídica no Brasil, colacionam-se
as palavras de RUY BARBOSA:
“Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que com
seriedade atentam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limites
descritos do nosso direito constitucional?
Ante os nossos princípios constitucionais, a liberdades dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial,
o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde ela iria buscar, legitimamente,
autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar horas ao trabalho? Veja-
se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a tais reclamações têm ido
esbarrar, por vezes, a título de inconstitucionalidade, em sentenças de tribunais superiores.
Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes mais
numerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas em
prejuízo da legalidade constitucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No outro, a Constituição
que se desprestigia.” (in Comentários à Constituição Federal Brasileira, 1932-1934, p. 472).
17
In Direito Econômico, p. 9.
21
Na obra “Filosofia do Direito”, tomando-se como marco histórico o fim da
Primeira Guerra Mundial, que ocasionou o desmoronamento econômico da economia
alemã, GUSTAV RADBRUCH afirma o surgimento de novos ramos do Direito, nas palavras
a seguir transcritas
18
:
A liberdade contratual do direito converte-se, portanto, em
escravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito, é
liberdade, volve-se, na ordem dos fatos sociais, em servidão. Daí, para
a lei, a missão de ter de inverter de novo as coisas e de, por meio de
certas limitações impostas à liberdade, restabelecer a liberdade social
de contratar. Mas estas limitações podem apresentar-se sob as mais
diversas formas, como se tem visto já no direito positivo. Como
exemplos de tais limitações, poderiam-se citar: os preceitos que ferem
de nulidade certas convenções entre as partes; a competência
reconhecida a certas autoridades para rescindir certos atos; a certas
determinações legais obrigatórias para a vontade dos contratantes,
como os contratos coletivos e ainda alguns casos em que um certo e
determinado contrato é imposto a alguém.
É nesse sentido que se poder dizer que alguns dos mais
importantes domínios novos do direito, como os do direito do trabalho e
do direito econômico, nos surgem precisamente, hoje, como verdadeiros
sistemas dessas e outras semelhantes limitações impostas à liberdade
contratual.
JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, com bastante proficiência, leciona ainda
que “A segunda Guerra Mundial foi um novo marco da evolução do Direito. Surgem
realidades que exigem a cada passo que o Estado se dedique a dirigir a economia. Essa
nova tarefa do Estado exige que tenha ele um instrumento jurídico adequado. Assim é
que, quer no bloco socialista, quer no ocidente, surge e se impõe cada vez mais um
conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno
econômico. Se assim ocorre no plano da linguagem jurídica, no da metalinguagem surge
22
uma ciência que tem por conteúdo e por finalidade justamente estudar esse conjunto de
normas. É o surgir e o afirmar-se de um ramo do Direito.”
19
Conforme assinala CLAUDE CHAMPAUD, entre os autores há duas tendências para
definir o novo ramo: (i) os que defendem um conceito estrito, vêem no Direito
Econômico uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas
colocados pela intervenção do Estado na Economia; (ii) os que preferem um conceito
amplo, afirma que uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas
propriamente econômicas. A seguir transcreve-se o pensamento do citado autor francês
acerca do fenômeno em voga
20
:
Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e
na vida das grandes unidades de produção e de distribuição de massa, o
Direito Econômico é essencialmente composto de regras que regem as
relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um
Direito Público. Se sua criação e sua animação é, no essencial, deixada
à iniciativa privada, o Direito Econômico é quase exclusivamente
formado de regras que regem relações entre ‘particulares’. Apresenta-
se então como um Direito Privado. Nos países em que o sistema
econômico-político se acha a meio caminho entre o direito privado e o
direito público e é justamente este o caso da França , a sua
natureza não se manifesta com clareza... Será necessário, parece,
admitir que o direito econômico não é privatista nem publicista. Situa-se
precisamente fora dessas antigas categorias ...
Assim, se se segue esta opinião, o Direito Econômico se
apresenta como o direito da organização e do desenvolvimento
econômico, quer estes se originem do Estado, da iniciativa privada, ou
do concerto de um e de outro.
Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é
uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma
18
RADBRUCH, GUSTAV. In “Filosofia do Direito”, tradução portuguesa: Luís Cabral de Moncada, 5
a
ed.
revista e acrescida, Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 289.
19
Op.cit., pp. 10 e 11.
20
CHAMPAUD, CLAUDE. Contrubution à la Définition du droit économique, in Il Diritto dell´Économia –
Rivista de Dottrina e di Giurisprudenza, ano XIII, n
o
2, 1967, pp. 141-154.
23
civilização ainda em via de formação. Se se adotar este ponto de vista,
dever-se-á admitir que o Direito Econômico não é um novo ramo do
Direito, mas um Direito novo que coexiste com o corpo das regras
jurídicas tradicionais da mesma maneira que a ordem social industrial
que se elabora coabita com as instituições da ordem social precedente...
Considerado como um direito original mas de vocação geral, o
Direito Econômico se apresenta portanto como um espírito jurídico
particular aplicado a um corpo de regras diversas. Somente o espírito é
verdadeiramente novo...
É a Empresa, unidade de decisão econômica e célula da base do
sistema econômico e social como quadro para nossa civilização
industrial, em seu estado atual, que se apresente como o objeto
fundamental de nosso Direito Econômico. Num tipo de economia,
chamado precisamente de ‘Economia de Empresa’, é a esta noção
fundamental que será necessário erigir o critério do Direito Econômico,
a pedra de toque de seu espírito e o revelador de sua substância.
O Direito Econômico, numa Economia de Empresa, se acha em
presença de três interesses que concorrem para sua realização: O
Interesse Geral, o interesse peculiar a cada empresa e os interesses
particulares dos indivíduos.
É um equilíbrio triangular que ele deve realizar ...
O problema dos equilíbrios que o Direito Econômico deve
realizar é portanto singularmente mais complicado para ser resolvido
do que aqueles com que se defrontam os direitos públicos e os direitos
privados tradicionais ...
... numa ‘economia industrial’ a sobrevivência das empresas
está ligada à sua capacidade de inovação e de adaptação. O espírito do
Direito Econômico é profundamente influenciado por essa exigência. É
um espírito de movimento e de progresso. Todavia, o direito tem uma
função estabilizadora e ordenadora de que esse espírito deve também
24
inspirar-se. O Direito Econômico deve assegurar o movimento e o
Progresso na ordem e na estabilidade dos equilíbrios realizados.
21
É de se conceber, a propósito, que a disciplina do Direito econômico não se
limita aos assuntos internos de uma determinada nação. Sua inserção, sob o prisma das
relações internacionais, é inevitável, em conformidade com as anotações doravante
assinaladas, diante do evento da Nova Ordem Internacional, inspirando a existência do
complexo de regras que formam o Direito Econômico Internacional.
Adiante, destacam-se relevantes fatores históricos que redundam essa
constatação, a partir da doutrina jurídica.
1.4 Aspectos da Nova Ordem Econômica Internacional e o Direito Econômico
Internacional.
A sucessão de acontecimentos econômicos que marcaram a humanidade, desde o
século XIX, nitidamente propiciaram para que a sociedade internacional se adequasse a
um novo sistema, marcado por novas formas de relações inter-pessoais e o evidente
surgimento do interesse estatal na economia, que foi redefinido em sua atuação nesse
setor, não mais se limitando a agir de maneira meramente política, cujos aspectos são
relevantes para a abordagem da ciência jurídica, no âmbito do Direito Econômico, a
nível internacional.
Para destacar a importância do fenômeno econômico nesse processo, KJELD
JAKOBSEN disserta que “O comércio é um fenômeno importante das relações
internacionais. Muitas rotas de comércio da Antiguidade ajudaram a definir a geopolítica
do mundo atual, bem como influenciaram a ascensão e a queda de impérios. Muitos
conflitos entre nações deram-se em função de disputas comerciais. Mesmo hoje dá-se
25
mais atenção aos aspectos comerciais das relações internacionais do que propriamente às
relações políticas dos países.”
22
Para esse autor, o progresso dos meios de transporte e comunicação iniciado
ainda no século XIX com a invenção do telégrafo e dos trens e navios a vapor
possibilitou uma integração maior do mercado mundial, e este tornou-se sem dúvida
ainda mais relevante no século seguinte, com o desenvolvimento das telecomunicações,
da informática e dos transporte aéreo
23
.
De acordo com as constatações assinaladas na obra de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO
DA
FONSECA, tem-se que “O século XIX apresentou uma perspectiva de ordem
econômica internacional privada, decorrente justamente dos cânones do liberalismo
econômico, que atribuía aos indivíduos a atividade econômica, enquanto permanecia
como atribuição do Estado a atividade política.”
24
KJELD JAKOBSEN diz que “Na prática o que ocorreu até o início do século XX foi
uma disputa extremamente acirrada por conquista de mercados e aplicação de uma
mescla de mercantilismo e nacionalismo econômico com livre-comércio e liberalismo.
Nessa disputa valia tudo: medidas protecionistas, ações bélicas, disputar colônias,
ignorar patentes, entre outras ações, até que a própria disputa provocou a Primeira
Guerra Mundial.”
25
22
JAKOBSEN, KJELD. In Comércio Internacional e Desenvolvimento, Ed. Fundação Perseu Abramo, São
Paulo. 2005. p. 6.
23
Op. cit., p. 17.
24
Op.cit., p.
25
JAKOBSEN leciona que “O debate sobre o livre-comércio começou a ganhar corpo teórico quando
ADAM SMITH, o pai do liberalismo econômico, em sua famosa obra A riqueza das nações, de 1776,
desenvolveu a tese de vantagem absoluta ao defender que o crescimento econômico era uma função da
divisão internacional do trabalho, que por sua vez dependia da escala do mercado, interno e externo.
Quanto maior a escala, maior seria a possibilidade do crescimento, que por sua vez traria riqueza e poder
para as nações que assim agissem. A escala estava ligada à produção dos bens em que cada país tinha
maior especialização e, portanto, maior produtividade. Segundo Adam Smith, o livre-comércio era
fundamental para manter esse princípio. Assim, os países mercantilistas que levantassem barreiras contra o
intercâmbio de bens e a ampliação de mercados estariam na verdade impedindo seu próprio crescimento
econômico e agindo contra seus interesses” (op.cit., p. 12).
E — acrescenta o mesmo autor — “Vários anos depois, um discípulo de Adam Smith, chamado David
Ricardo, aprofundou a reflexão sobre essa divisão internacional do trabalho, analisando a especialização
defendida por Smith como "vantagens comparativas" nos termos de troca de uma nação em relação à
outra. Textualmente:
“Sob um regime de comércio perfeitamente livre, cada país dedica naturalmente seu capital e trabalho às
atividades mais vantajosas para ambos. Essa busca da vantagem individual articula-se admiravelmente
26
Já JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA afirma que, “A partir, contudo, do
início do século XX, três fenômenos vieram mostrar a necessidade de o Estado se
interessar pelos fenômenos econômicos: A Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise
do capitalismo (1930) e a Segunda Grande Guerra (1939-1945).”
26
Assim, “As relações econômicas deixam o plano meramente individual ou
privado, para inserir-se no contexto das relações entre nações, operando-se uma
verdadeira "publicização". Passa-se a pensar na instituição de uma sociedade
internacional com a finalidade de eliminar os conflitos, fundamentalmente de origem
econômica, e com o objetivo de alcançar a paz universal.”
27
com o bem universal do conjunto. Ao estimular a indústria, recompensar o engenho e empregar de modo
mais eficiente os poderes peculiares pela natureza, ela distribui o trabalho de forma mais eficiente os
poderes peculiares oferecidos pela natureza, ela distribui o trabalho da forma mais eficiente e mais
econômica; ao mesmo tempo, ao aumentar a massa geral da produção, difunde os benefícios gerais e une,
por um laço comum de interesse e intercâmbio, a sociedade universal das nações em todo o mundo
civilizado. É esse o princípio que determina que a França e Portugal fabricarão vinho, que o milho será
cultivado na América e na Polônia, e que máquinas e outros produtos serão manufaturados na Inglaterra”
(Ricardo, 1817 apud GIPLIN 2002).
E, com propriedade, KJELD JAKOBSEN descreve problema ocorrido na América Latina:
“No caso dos países da América Latina, estes assumiram enormes empréstimos externos na primeira
metade do século XIX para pagar a conta de suas guerras de independência e dar início às suas novas
vidas como nações livres. Os acordos bilaterais assinados, quase sempre com a Inglaterra, geralmente
incluíam cláusulas de redução de tarifas externas para manufaturas inglesas como condição para a
concessão de empréstimos. Com isso, o país credor ganhava um mercado cativo e a produção local de
manufaturas não era estimulada. Assim, os recursos para pagar a dívida dos países latino-americanos
ficavam dependentes de suas exportações de commodities, extremamente vulneráveis à quantidade que os
países centrais compravam e aos valores que estavam dispostos a pagar. Quando havia retrações
econômicas na Europa nessa época, o que levava seus países a diminuírem as importações, o efeito
negativo era imediato na América Latina e nas colônias. Foi o que ocorreu durante a primeira metade do
século XIX, que coincidiu com o período da independência dos países latino-americanos, introduzindo
ainda maiores dificuldades para consolidá-la, embora na segunda metade do século houvesse uma
importante recuperação devido à ampliação dos mercados das grandes potências.
Apesar da redução tarifária concedida ao credor nesse esquema, ainda assim a garantia dada em troca dos
empréstimos, até o início do século XX, costumava ser a renda remanescente das alfândegas, isto é, a
receita proveniente das tarifas externas cobradas dos outros países. Houve várias situações de
inadimplência de alguns países latino-americanos e caribenhos em que as Forças Armadas dos países
credores intervieram, bloqueando seus principais portos e assumindo a administração da alfândega local
até que a dívida fosse quitada. Foi o que fizeram a Alemanha e Inglaterra na Nicarágua, em 1895, e
posteriormente tentaram fazer, junto com a Itália, na Venezuela em 1902. Os Estados Unidos
reproduziram essas medidas na República Dominicana em 1904 e 1916, na Nicarágua em 1912, no
México em 1914 e no Haiti em 1916.” (pp. 7 e 8)
Frisa o autor que “Esta foi a última tentativa de potências européias de intervir militarmente na América
Latina, pois os Estados Unidos invocaram os princípios da Doutrina Monroe para ameaçá-las com guerra
caso não retirassem a armada. O acordo feito implicou levar a discussão da dívida venezuelana para a
apreciação do Tribunal de Haia.” (p. 8)
26
Op.cit., p. 149.
27
Op.cit., p. 149.
27
Com isso, assevera: “O Direito Econômico Internacional passa a situar-se no
âmbito de um direito da paz.”
28
É inegável que, hodiernamente, o ambiente econômico é deveras modernizado,
tendo sido fortemente modificado pelas benesses e avanços da Revolução Tecnológica,
que influencia o dia-a-dia da humanidade em suas relações interpessoais.
Anota KJELD JAKOBSEN que “Atualmente, cerca de dois terços do comércio
mundial é realizado por empresas transnacionais, sendo metade entre elas mesmas e suas
subsidiárias e filiais”
29
.
A moderna compreensão do alcance dos meios de comunicação e sistemas, a
nível mundial, que são perfeitamente aptos para superar com facilidade as antigas
limitações de tempo e distância impostos ao homem, funcionam, na atualidade, como
poderes capazes de gerar profundas modificações nos ordenamentos jurídicos das
nações.
Portanto, bem verdade é também que o fato da globalização
30
que permeia a
atualidade mundial tornou bem mais ampla e complexa a tarefa de identificação dos
fatores de poder que retratam a existência do ordenamento jurídico aplicável em termos
de relacionamentos humanos, sob o prisma econômico, a nível internacional,
concebendo o próprio conceito presente do Direito Econômico Internacional.
R
AYMOND ARON assinala contradição fundamental entre a existência de
convenções internacionais cada vez mais numerosas, uma legalização cada vez mais
ampla, o respeito às leis por um número cada vez mais crescente de Estados e, por outro
28
Op.cit., p. 149.
29
Op.cit.. 152.
30
Definição extraída do Relatório “Cancillería del Siglo 21 (Bases para uma Reforma)” (Santiago do
Chile, março de 2006): “Entendemos por globalização o conjunto de fenômenos de alcance planetário que
tendem a acrescentar a interdependência e a interconexão de fluxos de pessoas, bens, serviços,
informação, tecnologia, capital, à formação de um mercado de dimensões mundiais, ao aumento do
comércio e à produção em rede.”
28
lado, a inegável realidade internacional dos fatos das rivalidades de poder, das
contradições de interesses e das incompatibilidades ideológicas.
31
Leciona-se JOÃO BOSCO que “O Direito Econômico Internacional surge com a
finalidade precípua de estabelecer o enquadramento para a adoção, por todos os sujeitos
internacionais, de políticas econômicas destinadas a um aprimoramento constante do
nível de desenvolvimento. Hoje, os agentes encarregados da adoção de tais políticas não
se restringem mais aos Estados nacionais, abrangendo tamm as instituições
internacionais e as empresas multinacionais. Todos esses sujeitos contribuem para a
criação e para o funcionamento da organização internacional da economia.”
32
Na conceituação de DOMINIQUE CARREAU, PATRICK JULLARD e THIÉBAUT
FLORY, contida na obra Droit Internacional Économique”, o Direito Econômico
Internacional “É o ramo do direito internacional que regulamenta, de um lado a
instalação sobre o território dos estados de diversos fatores de produção (pessoas e
capitais) de proveniência estrangeira e, por outro lado, as transações internacionais
relativas a bens, serviços e capitais.”
33
Para esses juristas, o Direito Econômico Internacional “apresenta caracteres
originais bastantes para lhe assegurar uma especificidade qualitativa perante o direito
internacional público clássico.”
34
Discorrem, na mesma obra, que “Os Estados, instruídos pela experiência das
duas guerras mundiais, reconheceram o caráter indivisível da paz; eles tiraram algumas
conseqüências jurídicas desse fato: a saber, sua interdependência diante da paz ou da
31
Discorre, referindo-se ao tema: “Mas será possível uma sociedade internacional homogênea, sem
corrida armamentista, sem conflitos territoriais e ideológicos? A resposta é sim, num plano abstrato,
sujeita a diversas condições. O fim da corrida armamentista exigirá não apenas que os Estados não
alimentem suspeitas mútuas, mas também que não queiram mais usar a força para impor sua vontade. As
vontades de potências coletivas precisariam desaparecer — ou antes, transformar-se. Quanto aos conflitos
de natureza econômica, que no passado não foram causa direta ou principal das guerras, as que tornam
inteligíveis, a nosso espírito utilitarista, as guerras das civilizações tradicionais, eles em nossos dias têm
diminuído de importância autonomamente: todas as sociedades modernas podem crescer em intensidade
melhor ainda do que em extensão” A
RON, RAYMOND. Paz e Guerra entre as Nações, trad. De Sérgio Bath,
1979.
32
Op.cit., p. 150.
33
In Droit Internacional Économique 2
a
ed., Paris, LGDG, 1980, p. 11.
34
Op.cit., p. 15.
29
guerra. Sobretudo, não teria toda cooperação internacional sua explicação pelo
funcionamento dessa noção? Entretanto, é conveniente afirmar que a soberania estatal
permanece o fundamento central do direito internacional, restando à interdependência
um papel secundário, supletivo. A situação é exatamente inversa em direito internacional
econômico. A interdependência econômica é um fato que se impõe a todos os países,
tanto desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, capitalistas e socialistas.”
35
ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE assegura “que o conceito de soberania
permanente dos Estados (de conteúdo econômico, distintamente do conceito anterior de
soberania, pura e ingenuamente político) passou a formar-se no seio da ONU, com a
adoção de uma resolução em 1952 sobre o direito de se explorar livremente os recursos e
riquezas naturais”, e que, “Nessa época já se prenunciava a emergência política do
terceiro mundo, com o comunicado final da Conferência de Bandung (abril de 1955). Na
década seguinte verificou-se uma mudança básica na terminologia adotada pelas
resoluções da ONU: já não se falava mais de "direito de explorar livremente os
recursos" mas antes de "soberania permanente sobre os recursos".
36
Para o citado professor, a mudança conceitual foi de grande importância por suas
inúmeras implicações. Observa ainda que um marco nessa evolução foi a adoção pela
Assembléia Geral da ONU, em 14 de dezembro de 1062, da famosa Resolução 1.803
(XVII) sobre "Soberania Permanente sobre Recursos Naturais", ponto de partida para
resoluções subseqüentes a respeito.
Por oportuno, transcritas são adiante as declarações contidas no preâmbulo da
Nova Ordem Econômica Internacional – NOEI:
“Solenemente proclamamos nossa determinação de trabalhar
urgentemente para o estabelecimento de uma nova ordem econômica
internacional, baseada na eqüidade, na soberania, na igualdade, na
interdependência, no prevalecimento do interesse comum e na
cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas
econômicos ou sociais, no sentido de reparar desigualdades e injustiças,
35
Op.cit, p. 16.
30
eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento social, baseada ainda na paz e na justiça para as
presentes e futuras gerações.”
Conforme a doutrina de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA
37
, “As normas de
Direito Econômico, quer as de Direito interno quer as de Direito Internacional, têm suas
características marcadas pelo relacionamento com o fenômeno econômico, que é
essencialmente mutável e maleável” — e, adiciona, dizendo ainda o seguinte — “A
norma de Direito Econômico está sempre aderida à realidade flutuante, aliando essa
característica à generalidade inerente a toda norma jurídica.”
Observa o autor brasileiro que tais normas se caracterizam como obrigações de
comportamento, sendo formuladas no condicional ou tamm com expressões que
indicam um esforço ou uma tentativa por parte do agente.
E compila, sobre o problema da sanção a nível internacional, os seguintes
ensinamentos
38
:
“Correlato com o problema da caracterização das normas do
Direito Econômico Internacional está o de sua sanção. Deve-se
salientar desde logo que as questões jurídicas de conteúdo econômico
sentem uma rejeição pela solução judicial, normalmente formalista e
demorada. Por outro lado, a composição harmônica que se busca na
solução dessas questões repudia a decisão de que decorra uma figura
de vencedor e outra de vencido. Como assinala Reuter, a sanção do
mundo dos negócios se emparelha com a que a Igreja impõe: a
excomunhão é uma pena de exclusão, de não-participação. Nem por
isso essa sanção, que se caracteriza por uma pressão de caráter
psicológico e econômico, se torna menos eficaz.
36
TRINDADE, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO. Artigo “As Nações Unidas e a Nova Ordem Econômica
Internacional”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 21, n
o
81, pp. 213-132, jan./mar. 1984.”
37
Op.cit., 152.
38
Op.cit., 152 e 153.
31
Por outro lado, a sanção, no campo do Direito Econômico
Internacional, procura assegurar a continuidade da cooperação, ou
seja, não quer excluir, mas encontrar condições que possibilitem a
perenidade da interdependência econômica pacífica.
Como observa Carreau, "alergia ao juiz, procura de um
compromisso mutuamente vantajoso, não participação gradual dos
recalcitrantes, constituem as características da sanção das normas de
DEI."”
A seguir, o autor descreve, outrossim, acerca da inevitabilidade, sob o prisma
econômico, da interdependência internacional e a aplicação do Direito Econômico
39
:
“Quando se fala em ordem econômica internacional, faz-se
referência a dois aspectos: o institucional e o pessoal. O primeiro é
representado pelo ordenamento, pelo conjunto coerente de regras
jurídicas, que tem, como função concretizar os ideais políticos,
econômicos e sociais. Já o segundo focaliza as pessoas que atuam na
formação e concretização de tais normas.
A ordem econômica internacional tem como finalidade precípua
a constituição de uma unidade que leve em conta a heterogeneidade, a
diversificação dos ordenamentos nacionais. Esta superação da
diversidade centrífuga tem como finalidade demonstrar que
interdependência econômica é irrefragrável e que a coexistência
pacífica é uma condição irrecusável de sobrevivência.
Os sujeitos que atuam nesse domínio devem ter consciência
profunda dessa irrecusabilidade da ordem econômica internacional. Os
Estados, os organismos internacionais e as empresas multinacionais
devem procurar, não somente submeter-se às normas jurídicas de
caráter internacional, mas efetivamente enquadrar-se na perspectiva
prospectiva e criadora do ordenamento jurídico-econômico
internacional, na certeza de que um novo mito se projeta no mundo
moderno.”
39
Op.cit., p. 153.
32
Especialmente a partir do término da Segunda Guerra Mundial tem-se o conjunto
de acontecimentos que inspiraram a caracterização da atual “Nova Ordem
Internacional”.
Nas palavras de KJELD JAKOBSEN, “O período entreguerras foi consumido na
recuperação dos prejuízos causados pela Primeira Guerra Mundial e, em seguida, dos
danos provocados pela forte retração do comércio mundial decorrente da crise de 1929.
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, as potências capitalistas vencedoras
estavam convencidas de que seria necessário estabelecer uma série de instituições de
nível mundial para criar regras e monitorá-las no que tangia ao sistema monetário,
investimentos e comércio mundial. Daí nasceram as instituições de Bretton Woods
40
e o
GATT.”
41
A propósito, colaciona-se também a visão de JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA
FONSECA a respeito da Nova Ordem Internacional
42
:
“O final da Segunda Grande Guerra (1939-1945) deixou
fundamentalmente debilitadas ou mesmo destruídas as grandes
potências do passado recente (Alemanha Japão, França, Itália e
Inglaterra). Surgiram em seu lugar duas grandes potências, os Estados
Unidos e A União Soviética, que constituíram os dois grandes pólos de
atração mundial. A bipolariazação que se formou, levou cada um desses
países a procurar consolidar seus respectivos blocos, com finalidades
políticas e econômicas. Esta bipolarização levou o mundo a situações
radicalmente conflitivas e violentas, e ao mesmo tempo, à descoberta de
que esta tendência não resolvia os problemas mundiais. Partiu-se então
para a busca da harmonização dos conflitos humanos através da
reforma do sistema internacional e também dos sistemas internos, num
esforço para superar o etnocentrismo até então imperante, caminhando-
40
As instituições de Bretton Woods são o Fundo Monetário Nacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD), que
entraram em vigor em 1947, e serão tratados em topico especifico.
41
Op.cit., p. 9.
42
. Op.cit., pp. 154-160.
33
se para a construção de uma política mundial, principalmente em nível
econômico.”
A queda do ritmo de crescimento, o baixo nível de produção das
nações industrializadas e seus efeitos, o desemprego, a inflação e o
déficit, tiveram como conseqüência uma tomada de consciência no
sentido de que os problemas econômicos internacionais não poderiam
mais ser resolvidos em nível nacional, mas deveriam buscar soluções
me decisões ao nível internacional.
O período posterior à Segunda Grande Guerra, veio dar
continuidade a um esforço que já se iniciara a partir de 1914-1918 e
também implementar novas idéias e novos direcionamentos nas relações
internacionais.
(...).
A partir da Primeira Guerra Mundial, e mais fortemente a
partir da segunda, introduzem-se critérios que se aplicam também aos
países antigamente colônias. Consagraram-se o princípio da
autodeterminação dos povos e o da justiça e progresso social para
todos os países da nova comunidade universal.
(...).
A necessidade de criar uma nova ordem econômica intensifica,
para os países capitalistas, a busca de uma solução nos aspectos
monetários da crise, enquanto que os países em desenvolvimento se
preocupam com a reformulação das estruturas profundas da economia,
reivindicando o rompimento dos quadros do imperialismo obstruidor do
desenvolvimento.
43
43
Nas palavras de MAURICE B: “Pode-se compreender que os dirigentes dos países capitalistas
avançados procurem de imediato as soluções nos aspectos monetários da crise: eles procuram assim evitar
de tocar nas estruturas profundas da economia; seus teóricos são mais sensíveis aos aspectos monetários
da economia do que ao seu fundamento na produção; achava-se desde mais de um quarto de século que os
Estados tinham a gestão dos meios de pagamentos internacionais. Os responsáveis pelos países em
desenvolvimento são, pelo contrário, sensíveis primeiramente às realidades do desenvolvimento, isto é,
resumidamente não da produção em si mas de uma organização da produção que assegure a médio e a
longo prazo uma elevável e do grau de satisfação das necessidades do conjunto de sua população, o que
34
Pode-se dizer que o Direito Econômico Internacional surgido
depois da Segunda Grande Guerra foi um direito codificador, porque se
limitou a cristalizar as concepções até então predominantes. Já o
Direito Econômico Internacional surgido com a Nova Ordem
Econômica Internacional é direito reformador ou transformador,
porque pretende estabelecer critérios concretizadores de um
desenvolvimento satisfatório para todas as nações, eliminando o grave
hiato que as separa.”
Como acentuam CARREAU, JUILLARD E FLORY, “a concretização de uma nova
ordem internacional econômica pressupõe uma concepção do direito totalmente
diferente. Este se torna agora um instrumento de transformação da sociedade econômica
internacional em função do objetivo fundamental perseguido por esta nova ordem:
reduzir o hiato de desenvolvimento, corrigir o desequilíbrio econômico entre países
industrializados e nações do Terceiro Mundo. Segundo essa missão, o direito
internacional econômico ‘novo` deverá ser dirigista, intervencionista. Sua ideologia
dominante será de inspiração terceiro-mundista.”
44
Segundo RAYMOND ARON, “O direito internacional que se transformou no direito
do sistema mundial é, essencialmente, o jus europeaum. Sua aplicação estava limitada,
inicialmente, às nações cristãs, depois às européias, estendendo-se em seguida às nações
civilizadas mais tarde, nações amantes da paz. Hoje, a igualdade soberana, que em
outros tempos era reservada aos privilegiados, isto é, aos grandes da sociedade
internacional (cujo centro era a Europa), é concedida explicitamente a todos os Estados,
pequenos ou grandes, que resultaram da desagregação dos impérios coloniais. Os
Estados que assumem responsabilidade pelas populações não autônomas precisam agora
agir em função do seu bem-estar e desenvolvimento. Já passou o tempo em que um
deputado, na Câmara dos Comuns, em Londres, podia declarar francamente, sem
qualquer vergonha, que a Inglaterra só procurava lucro na administração da Índia. A
ideologia do dever que têm os países ricos e civilizados, com relação aos povos que não
alcançaram ainda os níveis da civilização moderna, é mais do que uma homenagem
implica de inicia uma dinâmica das condições objetivas da acumulação” (Relations Économiques
Internacionales: I – Échanges Internacionaux, apud, p. 159).
44
Op.cit., p. 87.
35
prestada pelo vício à virtude, é a tomada de consciência de um fato histórico: a extensão
mundial do sistema interestatal. Contudo, além desses fatos, não há qualquer indicação
de progresso que os Estados renunciem ao aplicar sua própria justiça, que os cidadãos e
os governantes acreditem que a sujeição dos Estados a um juiz imparcial é moralmente
recomendável.”
45
A respeito da antiga ordem econômica internacional, HECTOR CUADRA disserta
que “A ordem econômica internacional aos olhos da imensa maioria da espécie humana
se apresenta como uma ordem que tão injusta e tão superada como a ordem colonial que
retira sua origem e substância. Porque se sustenta, se consolida e prospera segundo uma
dinâmica que sem cessar empobrece aos pobres e enriquece aos ricos, esta ordem
econômica constitui um obstáculo maior a toda oportunidade de desenvolvimento e de
progresso para o conjunto de países do Terceiro Mundo.”
46
Por meio de uma leitura comparativa do Pacto Social das Nações, de 1918, e da
Carta das Nações Unidas, revela-se mudança substancial de objetivos, notadamente, em
relação ao prisma econômico mundial.
Veja-se, senão, o que se descreve no preâmbulo do Pacto Social das Nações:
“As Altas Partes Contratantes
CONSIDERANDO que, para desenvolver a cooperação entre as
Nações e para lhes garantir paz e segurança, é necessário aceitar certos
compromissos tendentes a evitar a guerra, manter publicamente
relações internacionais fundadas na justiça e na honra, observar
rigorosamente as prescrições do direito internacional, reconhecidas, de
hoje em diante, como regra de procedimento efetivo dos Governos, fazer
imperar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos
tratados nas recíprocas relações entre os povos organizados;
Adotam o presente Pacto, que cria a Sociedade das Nações.”
45
ARON, RAYMOND. Paz e Guerra entre as Nações, 1979, p. 670, p. 155.
46
CUADRA, HECTOR. Aspectos Jurídicos del Nuevo Orden Económico Internacional, Estúdios de Derecho
Económico, III, 1979, p. 168.
36
Por sua vez, a Carta das Nações Unidas, como bem observa JOÃO BOSCO
LEOPOLDINO DA FONSECA, “aponta condições de uma cooperação mais concreta, no
plano econômico, com a finalidade de promover o progresso econômico e social, de tal
sorte a propiciar a todos melhores condições de vida. Os seguintes tópicos demonstram a
nova postura ideológica”
47
:
“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:
A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por
duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos
indizíveis à humanidade;
A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas;
A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça
e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes
do direito internacional;
A promover o progresso social e melhores condições de vida
dentro de um conceito mais amplo de liberdade;
e para tais fins:
A empregar mecanismos internacionais para promover o
progresso econômico e social de todos os povos.” (p. 156)
Anota ainda o citado jurista que, “Explicitadas as finalidades pelas quais foi
criada a nova sociedade de todas as nações, grandes e pequenas, a Carta expõe os
objetivos e princípios que deverão nortear as ações:
“Os objetivos das Nações Unidas são:
37
1) Manter a paz e segurança internacional e para esse fim:
tomar medidas coletivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz
...
2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas
no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação
dos povos ...
3) Realizar a cooperação internacional resolvendo os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do
homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de
raça, sexo, língua e religião;
4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações
para a consecução desses objetivos comuns”.
Destaca, outrossim, que, “Para dar concretitude a tais objetivos e princípios,
deverá a Assembléia-Geral, como dispõe o art. 13 da Carta, "fomentar a cooperação
internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer
o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os
povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.
48
Estabelece o art. 55, da Carta das Nações Unidas:
“Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar,
necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas
no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação
dos povos, as Nações Unidas promoverão:
a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições
de progresso e desenvolvimento econômico e social;
47
Op.cit., p. 156.
48
Op.cit., p. 157.
38
b) A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais,
de saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de caráter
cultural e educacional;
c) O respeito universal e efetivo aos direitos do homem e das
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua
ou religião”.
Apesar de tais expressões, a realidade mostrou que se passou de um direito
internacional de concepção européia para um direito das grandes potências, deixando de
lado os parâmetros de uma colonização política para adotar os de uma colonização e
dominação econômica.
Em breve síntese, VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI demonstra “As tendências
evolutivas do Direito Internacional
49
, contemplando em evidência a questão econômica
por que vive o cenário mundial e os direitos humanos sob a ótica internacional:
“O Direito Internacional Público moderno é fruto de um
desenvolvimento histórico que abrange atualmente algumas tendências,
umas positivas e outras já nem tanto. Tais tendências podem ser
agrupadas, segundo Jorge Miranda (em quem iremos nos fundamentar
em todo este tópico, com alguns acréscimos), em oito momentos
distintos: a universalização; a regionalização; a institucionalização; a
humanização; a objetivação; a codificação; e, finalmente, a
jurisdicionalização.
50
A primeira dessas tendências, chamada de universalização, tem
o seu foco voltado para autodeterminação dos povos, decorrente,
segundo Jorge Miranda, da desagregação, primeiramente dos impérios
marítimos europeus, depois do império continental soviético e, mais
recentemente, a alguns movimentos de independência, como foi o caso
49
Op.cit., pp. 33-36.
39
de Timor Leste. A universalização então significa que o Direito
Internacional não é mais (nem poderia continuar sendo) um Direito
euro-americano, mas sim um Direito Internacional universal.
À universalização segue-se a regionalização, com a conseqüente
criação de espaços regionais por razões econômicas, políticas,
estratégicas ou culturais, dentro dos quais as várias comunidades
políticas e os vários Estados encontram formas de solidariedade e de
cooperação bem mais qualificadas, de cujo exemplo mais avançado é a
União Européia.
Em terceiro lugar aparece a institucionalização, segundo a qual
o Direito Internacional deixa de ser um direito das relações bilaterais
ou multilaterais entre os Estados para se tornar um direito cada vez
mais presente nos organismos internacionais, na Organização das
Nações Unidas, bem como em suas agências especializadas, podendo
até mesmo chegar à criação de um órgão supranacional com poderes
decisórios, como é o caso da União Européia.
A funcionalização, em quarto lugar, aparece, segundo Jorge
Miranda, relacionada com a institucionalização, num duplo sentido.
Primeiro porque o Direito Internacional passa a extravasar cada vez
mais o âmbito das meras relações externas e entre os Estados e penetra,
cada vez mais, em quaisquer matérias relativas tanto ao Direito interno
como ao próprio contexto das relações internacionais. No plano do
Direito interno assume tarefas de regulamentação e de solução de
problemas, como a saúde, o trabalho, o ambiente etc. Em segundo
lugar, essa funcionalização acompanha a criação de organismos
internacionais capazes de permitir essa solução, uma espécie de
ministérios internacionais que fazem o complemento dos ministérios
nacionais.
Em quinto lugar aparece a humanização. O Direito
Internacional ganha uma face humanizadora com o nascimento do
50
MIRANDA, JORGE. A incorporação ao direito interno de instrumentos jurídicos de direito internacional
humanitário e direito internacional dos direitos humanos, in Revista CEJ, n
o
11, Brasília: CJF, 2000, pp.
23-26.
40
Direito Internacional dos Direito Humanos, notadamente com a
arquitetura normativa de proteção de direitos nascida no pós-Segunda
Guerra, desde a Carta das Nações Unidas (1945), desenvolvendo-se
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e com os
inúmeros tratados internacionais de proteção dos direitos humanos
surgidos no cenário internacional após esse período.
Esta Tendência de humanização do Direito Internacional
provém, como destaca Jorge Miranda, de três momentos históricos
conexos. O primeiro nasce com a definição internacional ou a
consagração internacional dos direitos humanos. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, passa a ser considerada
como um código de ética universal de direitos humanos, que fomenta a
criação de grandes pactos e convenções internacionais, de documentos
e de textos especializados das Nações Unidas e de suas agências
especializadas. O segundo, que tem o seu início com a Convenção
Européia dos Direitos do Homem (1950) passando para a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (1969), é a consagração de um
direito de queixa, ou de um direito de recurso, ou de comunicação dos
cidadãos contra o seu Estado perante as instâncias internacionais;
trata-se da necessária sujeição dos órgãos do Estado às decisões
provenientes de órgãos jurisdicionais internacionais ainda crescentes,
criados por tratados também ratificados pelos mesmos Estados de que
são cidadãos as pessoas queixosas. Por fim, o terceiro momento é a
criação da Justiça Penal Internacional com origem nos Tribunais de
Nuremberg e Tóquio, e mais recentemente nos Tribunais para crimes
cometidos no território da Ex-Iugoslávia e de Ruanda. Com a criação
do Tribunal Penal Internacional, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos se desenvolve, se concretiza e se enriquece, alargando-se
cada vez mais o seu âmbito de proteção.
Uma sexta tendência do Direito Internacional colocada por
Jorge Miranda é a objetivação, ou seja, a superação definitiva do
dogma "voluntarista", segundo o qual a vontade dos atores
internacionais é o fundamento único da existência do Direito
Internacional Público. Neste momento histórico pelo qual passa a
humanidade, presencia-se cada vez mais a formação de regras
41
internacionais livres e independentes da vontade dos Estados desde a
positivação da norma pacta sunt servanda pela Convenção de Viena
sobre Direitos dos Tratados de 1969 , justificando e fortalecendo a
existência e validade de inúmeros tratados internacionais de proteção
dos direitos humanos presentes na atualidade. Para Jorge Miranda, o
papel crescente dos tratados multilaterais passa a dar suporte ao
desenvolvimento de um verdadeiro regime de tratados, principalmente
no que tange às reservas, em que a vontade dos Estados tem cada vez
menos importância perante a função objetiva das normas do moderno
Direito Internacional.
Uma sétima característica desse desenvolvimento histórico é a
codificação do Direito Internacional, merecendo destaque o que
prescreve art. 13, § 1º, alínea a, da Carta das Nações Unidas, de 1945,
segundo o qual um dos propósitos da Assembléia Geral da ONU é o de
"incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e
sua codificação". Para a realização de tais finalidades, a ONU tem
impulsionado os trabalhos das suas Comissões de Direito Internacional
e de Direitos Humanos. Foram vários os textos internacionais
contemporâneos concluídos sob os auspícios de tais comissões, como as
grandes convenções modernas de Direito Internacional Público e de
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Por último, como oitava tendência do Direito Internacional
contemporâneo colocada pelo constitucionalista português, tem-se a
jurisdicionalização, que passa a ser conseqüência lógica da acumulação
de todas essas tendências vistas anteriormente. Na medida em que se
desenvolvem as regras de proteção internacional dos direitos humanos,
avulta de importância a criação de tribunais internacionais de variada
natureza para decidirem sobre as mais diversas questões envolvendo
aspectos ligados a violações de direitos humanos. Procura-se, cada vez
mais, superar os regimes das cláusulas facultativas, rumo à
institucionalização e imposição da jurisdição internacional
obrigatória.”
42
A nosso ver, as idéias acima explanadas emergem para a consolidação da
humanização do direito econômico internacional, de modo que o objeto do direito
econômico internacional corresponde aos direitos humanos econômicos, civis e sociais
como valores fundamentais, a fim de assegurar a dignidade humana garantindo aos
Estados e seus cidadãos um padrão econômico adequado de vida econômica.
Vale ressaltar, ainda, que no âmbito do comércio e das relações econômicas
internacionais, a proteção aos direitos humanos econômicos, civis e sociais garantem o
desenvolvimento, podendo estes serem compreendidos como direito ao
desenvolvimento.
Ainda que cedo para ousar, arriscamo-nos a afirmar que a Organização Mundial
do Comércio, como órgão regulador do comércio internacional, é o meio capaz de
garantir aos cidadãos o direito ao desenvolvimento.
Explanadas as considerações propedêuticas em epígrafe, cumpre, ainda, como
escopo deste estudo, discorrer sobre as principais características dos direitos humanos
internacionais e do direito ao desenvolvimento humano, visando, posteriormente, à
respectiva análise sob o prisma da atuação da ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
(OMC).
43
CAPÍTULO II. OS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
1.1 Definição de direitos humanos.
Antes de tratarmos da evolução dos direitos humanos, é fundamental
esclarecermos que há uma polêmica acerca da definição e natureza desses direitos, se
são direitos positivos, históricos, naturais ou até mesmo morais. Apesar da discussão que
envolve o tema, é certo que são direitos inerentes ao homem, que já nascem com ele,
independente de sua origem, nacionalidade, sexo e religião, e que estão implícitos à
condição de ser humano.
A idéia de direitos humanos é relativamente nova na história mundial, que foi
sendo conquistada pelo esforço em afirmar os direitos inerentes à condição de ser
humano, com vistas a assegurar a sua dignidade.
O conceito de direitos humanos no contexto contemporâneo reserva-se para
denominar os direitos da pessoa reconhecidos e garantidos pelo direito internacional,
seja este consuetudinário ou convencional.
O verdadeiro direito é aquele inerente à condição humana e não o direito
positivo, o qual considera ser uma mera degradação da idéia de direito da classe
dominante. Devem ser reconhecidos os direitos humanos como fundamentais e supra-
estatais vez que são inerentes à condição humana, pressupondo sua legitimidade em face
das legislações positivas
51
.
51
DOS REIS, Henrique Marcelo. Globalização: A inter-relação entre os Direitos Humanos e o Direito das
Relações Econômicas Internacionais. p.42.
44
A expressão direitos humanos supõe, no dizer de CHAIN PERELMAN, que toda
pessoa merece respeito como sujeito moral, livre, autônomo e responsável
52
. Sobre o
conceito de direitos humanos afirma LOUIS HENKIN
53
: “Direitos Humanos constituem
um termo de uso comum, mas não categoricamente definido. Esses direitos são
concebidos de forma a incluir aquelas "reivindicações morais e políticas que, no
consenso contemporâneo, todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou
governo", reivindicações estas reconhecidas como "de direito" e não apenas por amor,
graça ou caridade.”
Interessante também é ressaltar a definição de PÉREZ LUÑO
54
sobre direitos
humanos: “Os direitos humanos constituem a expressão mais direta e imediata da
dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos ou direitos essenciais são os
componentes estruturais básicos, tanto do conjunto da ordem jurídica como de cada um
dos ramos que a integram, em razão de que são a expressão jurídica de um sistema de
valores que, por decisão do constituinte, há de informar o conjunto da organização
jurídica e política, constituindo o fundamento da ordem jurídica”.
O pleonasmo da expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é assim
justificado porque se trata de exigências de comportamento fundadas essencialmente na
participação de todos os indivíduos no gênero humano, sem atenção às diferenças
concretas de ordem individual ou social, inerentes a cada homem.
A Declaração Universal de 1948, das Nações Unidas, sublinha esse caráter de
igualdade fundamental dos direitos humanos, ao dispor, em seu art. 2
o
, que cada qual
pode se prevalecer de todos os direitos e todas as liberdades proclamadas na presente
Declaração, sem distinção de espécie alguma, notadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião pública ou de qualquer outra opinião, de origem nacional
ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação
55
.
52
PERELMAN, CHAIN. Ética e Direito.
53
HENKIN, LOUIS. The rights of man today, New York, Columbia University Press, 1988, pp. 1-3.
54
LUÑO, Antonio Henrique Pérez. Derechos Humanos, Estado de derecho y Constitucion, 4 ed. Madrid,
Tecnos, 1991. p. 48.
55
COMPARATO. Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. Revista e Ampliada. São
Paulo: Saraiva. 2003. p.74.
45
Percebe-se, pois, que o fato sobre o qual se funda a titularidade dos direitos
humanos é, pura e simplesmente, a existência do homem, sem necessidade alguma de
qualquer outra precisão ou concretização. É que os direitos humanos são direitos
próprios de todos os homens, à diferença dos demais direitos, que só existem e são
reconhecidos em função de particularidades individuais ou sociais do sujeito. Estes
direitos representam a decisão básica do constituinte através da qual os valores reitores
éticos e políticos da sociedade alcançam expressão jurídica.
Em análise do conceito de direitos humanos em uma ordem globalizada,
EDUARDO C. B. BITTAR
56
discorre que “os direitos humanos são elementos desafiadores
da composição da ordem mundial, porque sua compreensão gera atritos e divergências.
Contudo, deve-se reconhecer que, sua presença na vida social é de indispensável
necessidade, na medida em que representam formas de proteção da pessoa humana dos
abusos do poder, modos de inserção da idéia de respeito da identidade individual dentro
da sociedade, bem como mecanismos de afirmação da idéia de dignidade da pessoa
humana, consagrada no art. 1
o
da Declaração de Direitos Humanos”.
E continua, “se não forem tomados no sentido universalista a eles atribuído pelo
Ocidente, mas em seu sentido multicultural, podem servir de cultura contra-hegemônica
em face dos desvarios dominadores dos ocidentais expansionistas de suas ideologias, de
seus mercados, de seus imperialismos. Os direitos humanos não podem provocar o
choque de civilizações, caso contrário, seu discurso servirá para a opressão cultural. Não
podem ser a ancoragem legitimadora do avanço do capital em direção aos seus focos de
interesse”.
No entanto, as concepções tradicionais de direitos humanos albergam em si
concepções caracteristicamente liberais, quais sejam: universalidade do indivíduo, certa
forma de organização do Estado, dignidade absoluta, superioridade da natureza
humana
57
.
56
Globalização da discriminação e insegurança mundial. Artigo publicado na revista de Política Externa.
A Complexidade do momento global. Vol.15, n. 2 Setembro/Outubro/Novembro de 2006.
57
SANTOS, Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural, 2003. p. 439.
46
Assim, para que a afirmação dos direitos humanos no plano internacional
realmente corresponda a um projeto cosmopolita, é necessário o respeito a uma dinâmica
multicultural, o que implica as idéias de diálogo e de tolerância recíproca entre os povos,
aliás, conditio sine qua non para a sobrevivência do próprio globo, em tempos em que as
notícias somente nos trazem fatos que remetem o pensamento à sensação de que as
fontes de energia se esgotam, o ambiente dá demonstrações de rebeldia e exaustão, e a
concorrência por mercados gera atritos e disputas das mais variadas dimensões. É, por
isso, imperioso que se pense em um projeto alternativo à mera globalização
econômica
58
.
Frise-se que a “irrecusabilidade da ordem econômica internacional” e a
globalização são fenômenos que ocorrem na sociedade mundial e requerem
consideráveis e profundas reflexões, em especial, concernente aos direitos humanos,
como é a seguir destacado
59
:
“É possível universalizar paradigmas por vezes ocidentais e
regionais de direitos humanos? Como não adentrar no universo interno
das culturas sem romper com seus paradigmas e dogmas tradicionais?
Como respeitar culturas e implantar desenvolvimento, democracia e
liberdades fundamentais? Para o que é que tem servido os direitos
humanos no processo de expansão do contato entre as nações e os
povos? Assim:
Os direitos humanos são o desafio mais coerente e poderoso à
ideologia da globalização. A globalização é orientada para o indivíduo,
glorifica a cobiça e os incentivos aos indivíduos, ao mesmo tempo em
que trata as pessoas como mercadorias (trabalho) ou como
consumidores, que é guiada pelo lucro, fragmenta e destrói
comunidades, apropria-se de bens comuns, produz vulnerabilidade e
insegurança sem valores comuns. A globalização baseia-se em
monopólios e hierarquias. Por outro lado, o regime de direitos humanos
enfatiza a democracia e a participação, a solidariedade, a ação coletiva
58
Conforme longo trecho de reflexões em SANTOS, op.cit. p. 438-443.
59
Texto de BITTAR, Eduardo C. In Artigo: Globalização da discriminação e insegurança mundial.
Revista Política Externa. Vol. 15 n. 2 Setembro/outubro/novembro 2006. A Complexidade do Momento
Global.
47
e a responsabilidade, e procura assegurar as necessidades básicas, a
dignidade, o reconhecimento social e a segurança. Oferece uma visão
alternativa da globalização, em que a justiça social e solidariedade são
enfatizadas. Na realidade, os direitos humanos são por vezes as únicas
armas à disposição dos fracos e das vítimas de diferentes tipos de
opressão e violência. Porém, na sua versão hegemônica, o regime de
direitos humanos é um instrumento de homogeneização e, por isso,
tende a suprimir culturas que não sejam dominantes na emergência da
teoria moderna de direitos; existe, no entanto, a possibilidade de ser
entendido a outros valores e a outras culturas. O quadro dos direitos
humanos também oferece opções ao individualismo contrario aos
valores comunitários, um tipo de cosmopolitismo, de liberdade de
associação para comunidades que permite-lhes a escolha, dentro de
certos limites, de retirar-se parcialmente da cultura dominante e
desenvolver a sua própria cultura, de procurar o reconhecimento da sua
identidade e os objetivos coletivos. SANTOS, Boaventura de Souza.
Reconhecer para Libertar: Os caminhos do Cosmopolitismo
multicultural. São Paulo: ed. Difel., 2003.”
Enquanto o afluxo dos valores que medram no cenário das relações
internacionais continuar situado no âmbito das diferenças, certamente, as oposições
serão maiores que os motivos da integração, o que trará a desagregação, a discriminação
e a exploração, entre outros fatores de exclusão.
É por isso que para
HABERMAS a compreensão dos direitos humanos deve-se
livrar-se do fardo metafísico da suposição de um indivíduo existente antes de qualquer
socialização, e que vem ao mundo com direitos naturais. Juntamente com essa tese
“ocidental” é descartada também a necessidade de uma antítese “oriental” segundo a
qual as reivindicações da comunidade merecem precedência diante das reivindicações de
direitos individuais. A alternativa “individualista” versus “coletivista” torna-se vazia
quando se incorpora aos conceitos fundamentais do direito a unidade dos processos
opostos de individuação e de socialização. Porque também as pessoas jurídicas
individuais só são individuadas no caminho da socialização, a integridade da pessoa
particular só pode ser protegida juntamente com acesso livre àquelas relações
48
interpessoais e às tradições culturais nas quais ela pode manter sua identidade. O
individualismo compreendido de modo correto permanece incompleto sem essa dose de
“comunitarismo”
60
.
1.2 A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos.
Os direitos humanos surgem como um conjunto de faculdades e instituições que,
em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e
igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos
jurídicos, nos planos nacional e internacional
61
.
Note-se que a crise do liberalismo e suas conseqüências demonstram a
necessidade da relativização dos direitos individuais, na verdade da visão individualista,
em prol dos valores sociais.
Interessante a observação de BOBBIO
62
no sentido de que se verificou a passagem
dos direitos de liberdade — liberdade de religião, de opinião, de imprensa, etc. — para
os direitos políticos e sociais, que requerem a intervenção direta do Estado.
Relativamente ao segundo processo, ocorreu a passagem do indivíduo humano para
sujeitos diferentes do indivíduo, de que são exemplos a família, as minorias étnicas e
religiosas, e mesmo toda a humanidade. Quanto ao terceiro processo, houve a passagem
do homem genérico para o homem específico, classificado com base em múltiplos
critérios de diferenciação (sexo, idade, condições físicas). E conclui lecionando que os
direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como
direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de
Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos
universais.
60
HABERMAS, Jurgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Seligman-Silva.
São Paulo: Littera-Mundi, 2001.
61
LUÑO, Antonio Henrique Pérez. Op.cit. p. 48.
62
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Campos. Rio de Janeiro. 1992. p. 30.
49
Neste sentido, FLÁVIA PIOVESAN defende a historicidade dos direitos humanos,
de modo que afirma que estes não são um dado, mas um construído, uma invenção
humana, em constante processo de construção e reconstrução
63
.
Na concepção contemporânea de direitos humanos entende-se que eles são
compreendidos como uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na
qual os valores da igualdade e liberdade se conjugam e se completam. Tal concepção é
demarcada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Inicialmente, a natureza dos direitos do homem se identificava com determinadas
liberdades do indivíduo face e contra o Estado. Esta concepção é contemporânea de uma
desconfiança em relação ao poder, compartilhada com o marxismo, mas que ao contrário
deste, prega a limitação do Estado, entendendo-o como mal necessário.
Ora, em países como os latino-americanos onde a sociedade, ela mesma, é em
muitos casos autoritária e injusta, o poder do Estado, enquanto tal, pode-se revestir de
um aspecto positivo. Esta colocação é contemporânea da intervenção do Estado no
domínio do que antes se convencionou chamar de privado, a qual, alterando o quadro
das suas funções tradicionais estabelecidas pela ideologia liberal, oferece as coordenadas
para uma reelaboração dos direitos do homem.
É o resultado, já, da afirmação de uma nova geração de direitos (greve,
sindicalização, reunião, educação, etc.) e, mais do que nunca, de seu gozo reiterado. O
nascimento de um conjunto de direitos de crédito frente ao Estado (saúde, alimentação,
habitação, etc.) altera profundamente a natureza dos direitos humanos. Estes agora serão,
a um tempo, liberdades e créditos do indivíduo (ou grupo) frente ao Estado.
Se as liberdades se manifestavam através de uma prestação prevalentemente
negativa do poder público (abstenção do Estado), os créditos exigem uma prestação
prevalentemente positiva, ou seja, a disposição de medidas públicas dirigidas à solução
das demandas tipificadas como direitos.
63
PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo, Max
50
A concepção dos direitos fundamentais como liberdades e créditos, além de
manter implícita uma teoria do Estado (mais precisamente uma teoria do exercício do
poder do Estado), identificada com o que hoje chamamos democracia, opera a fusão de
duas noções até há pouco dissociadas: liberdade e capacidade.
Os direitos de crédito são o solo sobre o qual floresce a capacidade, complemento
indispensável das liberdades no e contra o Estado. E estas, como numa cadeia contínua,
são o terreno a partir do qual novas liberdades, ou seja, outras gerações de direitos serão
possíveis. (...) Tudo se passa como se os direitos do homem fossem um espaço único.
Mais do que isso, um espaço histórico, um processo, um caminho de invenção
permanente, onde o que mais importa é o homem, cidadão e sujeito de seu tempo e
lugar, em face do que um certo tipo de organização de poder (e não outro) não pode
faltar
64
.
Uma das tendências marcantes do pensamento moderno é a convicção
generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade — do Direito em geral e dos
direitos humanos em particular — já não deve ser procurado na esfera sobrenatural da
revelação religiosa, nem tampouco numa abstração metafísica — a natureza como
essência imutável de todos os entes no mundo. Se o direito é uma criação humana, o seu
valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é
outro senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa,
diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias
65
.
O objetivo primeiro do direito é servir ao homem, com a finalidade de proteger a
sua dignidade. Sendo assim, os direitos humanos existem para resguardar o valor da
dignidade humana, e a tem como seu fundamento. Assim é porque a dignidade humana
precede ao próprio direito já que esta nasce juntamente com o homem.
Limonad, 5 ed. p. 123-124.
64
CLÈVE, CLÉMERSON MERLIN. Sobre os Direitos do Homem, in: Temas de Direito Constitucional e de
Teoria do Direito, São Paulo, Acadêmica, 1993, p. 125-127.
65
COMPARATO, FABIO KONDER. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. Revista e Ampliada.
São Paulo: Saraiva. 2003. p. 60.
51
Note-se que a dignidade da pessoa emana da sua natureza de ser moral, livre e
racional, e da necessidade que o homem tem de viver socialmente, inserido em um
contexto econômico, com seus direitos humanos fundamentais protegidos.
A dignidade humana consiste nos valores básicos necessários ao bem-estar da
pessoa, que exprimem tudo aquilo que o homem necessita para viver dignamente, de
modo que deve funcionar como fundamento e princípio basilar do Estado de Direito e do
ordenamento jurídico, tendo valor jurídico supraconstitucional.
GONZÁLEZ PÉREZ, acertadamente, ressalta que o princípio da dignidade da pessoa
cumpre uma quádrupla função: primeiro, de fundamentar a ordem jurídica; segundo,
orientar a interpretação desta; terceiro, servir como base ao labor integrador no caso de
lacunas, e determinar uma norma de conduta; e quarto, eventualmente, um limite a certas
formas de exercício dos direitos fundamentais
66
.
O respeito à dignidade humana é, portanto, a condição necessária para elaborar
uma concepção jurídica dos direitos humanos. Esta, por seu turno, realiza-se apenas
mediante um sistema jurídico que imponha a cada ser humano, seja em relação a si
próprio, seja no tocante aos outros homens e ao poder incumbido de proteger tais
direitos, a obrigação de respeitar a dignidade humana.
Acerca das diversas teorias atuais sobre o fundamento e a natureza dos direitos
humanos, afirma JEROME J. SHESTACK
67
que tais teorias apresentam muitas
características em comum.
Primeiramente, elas são ecléticas, beneficiam-se uma das outras, o que torna
impreciso caracterizar tais teorias como puramente utilitárias, de direito natural,
intuitivas e comportamentais. Em segundo lugar, as teorias modernas reconhecem e
tentam solucionar, usando diversas concepções, a tensão entre liberdade e igualdade.
66
GONZÁLEZ PEREZ, J. La dignidad de la persona. Madrid: Civitas, 1.986, p. 87-94.
67
The jurisprudence of human rights, in: Theodor Meron, Human rights in International law: legal and
policy issues. Oxford, Clarendon Press, 1984. p. 85-98.
52
Algumas teorias constroem argumentos no sentido de provar que esses objetivos
são conciliáveis e alcançáveis em uma mesma ordem social. Outras teorias sustentam
que a tensão é inconciliável e buscam resolver o dilema elencando hierarquicamente
esses objetivos. Outras ainda elaboram sofisticados argumentos para aceitar a relação
entre liberdade e igualdade, caracterizada como em dinâmica interação. Em terceiro
lugar, muitos teóricos acentuam a necessidade de criar um verdadeiro sistema de
direitos.
O mesmo autor destaca as teorias mais significativas nas sociedades
contemporâneas: (i) teorias baseadas em direitos naturais, direitos fundamentais; (ii)
teorias baseadas no valor da utilidade; (iii) teorias baseadas na justiça; (iv) teorias
baseadas na revisão do Estado da natureza e do Estado mínimo; (v) teorias baseadas na
dignidade e; (vi) teorias baseadas nos direitos de respeito e consideração.
No entanto, a nosso ver, nenhuma teoria é independente da outra, todas se
completam. Os direitos e valores nelas apontados guardam uma relação direta com a
dignidade humana, servindo uma a uma, igualmente, como fundamento dos direitos
humanos.
Ao tratar acerca da indivisibilidade dos direitos humanos, com acerto afirma
LOUIS HENKIN: Os direitos considerados fundamentais incluem não apenas limitações
que inibem a interferência dos governos nos direitos civis e políticos, mas envolvem
obrigações governamentais de cunho positivo em prol da promoção do bem-estar
econômico e social, pressupondo um Governo que seja ativo, interventor, planejador e
comprometido com os programas econômico-sociais da sociedade que, por sua vez, os
transforma em direitos econômicos e sociais para os indivíduos
68
.
68
HENKIN, LOUIS. The age of rights, p. 6-7. New York, Columbia University Press, 1990. Também sobre a
indivisibilidade dos direitos humanos, interessante é a visão de Richard Pierre Claude e Burns H. Weston,
citada por Flavia Piovesan, quando afirmam que estes direitos expressam demandas sobre os seguintes
valores: 1- respeito (insistindo, por exemplo, na não-discriminação); 2-poder (clamando por uma ampla
participação política); 3- recursos materiais; 4- enlightenment (envolvendo o conhecimento e a
informação); 5- bem-estar (garantias de sobrevivência do indivíduo e de grupos sociais); 6- habilidades
(otimizando talentos e auxiliando nas deficiências); 7- affection (ex: liberdade de dar contribuições e
recebê-las de grupos da sua própria escolha); 8- integridade moral (requerendo uma ordem pública na qual
os indivíduos possam agir com responsabilidade, orientados pelo interesse comum). Direitos humanos,
53
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os
direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a
realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida
em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais, e culturais carecem de
verdadeira significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça
social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em
suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível,
em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são
interdependentes entre si
69
.
A afirmação dos direitos humanos não constitui somente uma garantia que
protege as pessoas contra vexames e ofensas de todo tipo, mas que protege também o
pleno desenvolvimento de cada ser humano.
Considerando o ser humano como cidadão inserido em um sistema econômico e
alvo das normas internacionais de comércio que regem esse sistema, é que se torna
viável analisarmos o seu bem-estar mediante as relações de causa e efeito desencadeadas
pelo comércio internacional.
Segundo E
DUARDO GIANNETTI, o bem estar humano possui duas “dimensões”,
uma objetiva e outra subjetiva. A subjetiva refere-se à percepção do indivíduo do mundo
e de como este absorve a realidade. Sua versão objetiva seria medida e refletiria nas
condições e padrões de vida levando em consideração “indicadores numéricos de
nutrição, saúde, moradia, uso do tempo, renda per capita, desigualdade, criminalidade e
poluição”
70
.
A compreensão objetiva de bem-estar de G
IANNETTI consagra os direitos
humanos a serem protegidos pelas normas que regulam o mercado, e é adequada para o
desenvolvimento do tema em pauta uma vez que vai ao encontro das diretrizes da
Organização Mundial do Comércio.
concebidos em termos destes 8 valores, envolvem a preocupação em criar uma ordem pública mundial
fundada no respeito à dignidade humana. (Human Rights in the world community... op.cit., p.5).
69
Op.cit. p. 151.
54
1.3 Características dos direitos humanos.
No que tange às características dos direitos humanos, é imperativo ressaltar a
classificação ponderada por VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI
71
, que bem concretiza
todas as suas características. O autor as apresenta relativamente à sua titularidade,
natureza e aos princípios, da seguinte forma:
“a) Historicidade — os direitos humanos são históricos, isto é,
são direitos que se vão construindo com o decorrer do tempo. Foi tão-
somente a partir de 1945 (com o fim da Segunda Guerra e com o
nascimento da Organização das Nações Unidas) que os direitos
começaram a, efetivamente, desenvolver-se no plano internacional, não
obstante a Organização Internacional do Trabalho já existir desde 1919
(garantindo-se desde então os direitos humanos – direitos sociais – dos
trabalhadores desde o pós-Primeira Guerra). Falando em termos de
direitos fundamentais, tem-se a revolução burguesa como gênese da
proteção desses direitos, os quais vieram posteriormente desenvolver-se
com o Estado social até chegar aos tempos atuais, com ampliada
proteção para outros âmbitos do conhecimento humano (para além dos
direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais),
como na garantia do direito ao desenvolvimento, do meio ambiente, da
paz etc. Essa ótica da historicidade dos direitos humanos parece então
retirar do fundamento de validade destes os direitos naturais ou inatos
do homem, dando-se a entender que os direitos humanos são direitos
sempre expressos e que encontram sua fundamentação no mundo
jurídico e não no campo da moral.
b) Universalidade — o titulares dos direitos humanos todas as
pessoas, o que significa que basta ter a condição de ser humano para se
poder invocar a proteção desses mesmos direitos, tanto no plano interno
como no plano internacional, independentemente de circunstâncias de
sexo, raça, credo religioso, afinidade política, status social, econômico,
cultural, etc. Dizer que os direitos humanos são universais significa que
70
GIANNETTI, Eduardo. Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 61.
71
Curso de Direito Internacional Público. Ed.RT, 2006. p.482-484.
55
não se requer outra condição além da de ser pessoa humana para que
se possam ter assegurados todos os direitos que as ordens interna e
internacional asseguram a todos os indivíduos indiscriminadamente.
c) Essencialidade — os direitos humanos são essenciais por
natureza, tendo por conteúdo os valores supremos do ser humano e a
prevalência da dignidade humana (conteúdo material), revelando-se
essencial também pela sua especial posição normativa (conteúdo
formal), permitindo-se a revelação de outros direitos fundamentais fora
do rol de direitos expressos nos textos constitucionais.
d) Irrenunciabilidade — diferentemente do que ocorre com os
direitos subjetivos em geral, os direitos humanos têm, como
característica básica, a irrenunciabilidade, que se traduz na idéia de
que a autorização de seu titular não justifica ou convalida qualquer
violação do seu conteúdo.
e) Inalienabilidade — os direitos humanos são também
inalienáveis, na medida em que não permitem a sua desinvestidura por
parte de seu titular. Ainda por força da inalienabilidade, tem-se que eu
o exercício dos direitos humanos é imprescritível, não se perdendo ou
divagando no tempo, salvo as limitações expressamente impostas por
tratados internacionais que prevêem procedimentos perante cortes ou
instâncias internacionais.
f) Inexauribilidade — são os direitos humanos inexauríveis, no
sentido de que têm a possibilidade de expansão, a eles podendo ser
sempre acrescidos novos direitos, a qualquer tempo, exatamente na
forma apregoada pelo parágrafo 2 do art. 5, da Constituição brasileira
de 1988.
g) Imprescritibilidade — são os direitos humanos
imprescritíveis, não se esgotando com o passar do tempo e podendo ser
a qualquer tempo vindicados, não se justificando a perda do seu
exercício pelo advento da prescrição.
56
h) Inalienabilidade — os direitos humanos são ainda
inalienáveis, no sentido de não poderem ser transferidos ou cedidos
(onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consentimento
do seu titular, sendo indisponíveis e inegociáveis.
i) Vedação do retrocesso — por fim, os direitos humanos devem
sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano,
não podendo jamais retroceder na proteção de direitos. Ou seja, os
Estados estão proibidos de proteger menos do que já protegem, estando
os tratados internacionais por eles concluídos impedidos de impor
restrições que diminuam ou nulifiquem direitos anteriormente já
assegurados tanto no plano interno quanto no plano internacional.”
Além dessas características dos direitos humanos, pode-se modernamente
agregar ainda outras, provenientes de declarações e resoluções internacionais discutidas
em conferências especializadas com a presença de grande número de Estados. Tratam-se
das características contemporâneas dos direitos humanos, que podem ser apresentadas
como sendo a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-
relacionariedade.
1.4 A valorização da dignidade humana e dos direitos humanos como princípio
norteador das Relações Econômicas Internacionais.
Segundo HEGEL, “o ser humano sem relação com outras pessoas não é uma
pessoa real, e que assim, também o estado sem relação com outros estados não é um
indivíduo real”
72
.
Esta máxima hegeliana reflete a realidade da atual conjuntura política e
econômica internacional, em que os estados necessitam relacionar-se para
desenvolverem-se economicamente. A associação dos indivíduos é natural, buscam
72
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). Princípios da filosofia do direito. Tradução Norberto de
Paula Lima. São Paulo. Ícone. 1997. p. 268.
57
associar-se para melhorar a situação que se encontram, a qual deve ser revestida de
legitimidade e ser benéfica para todos os envolvidos.
Dispondo de parte de sua autonomia, o homem confere poderes ao estado para
que este atue de forma a garantir a proteção dos seus próprios interesses. Percebe-se,
assim, que o estado foi criado para o benefício do homem e não para o seu martírio.
O estado surge como forma de associação humana, o direito é instrumento que
viabiliza essa associação, e o direito das relações econômicas internacionais é o que
viabilizou a associação dos estados para interagirem no âmbito internacional do
comércio.
O estado foi criado e existe para atender aos interesses do homem. Quando o
homem vivia em seu estado natural, percebeu que não poderia viver em sociedade se não
houvesse uma efetiva proteção de seus interesses contra os outros indivíduos da
sociedade.
O princípio da dignidade humana tem íntima relação com o direito natural.
Considerando-se que o direito natural é aquele que nasce com o homem, a dignidade
humana faz parte dele. Haja vista que o homem detém capacidades próprias e poder de
raciocínio, já ao nascer, o que o diferencia dos demais seres. Todos os homens, ao
nascerem, são iguais em dignidade. O que os diferencia, em um momento posterior, é o
contexto sócio-cultural e econômico que estão inseridos.
A
RISTÓTELES vincula, pela primeira vez, a idéia de fim e objetivo das associações
humanas, ou política, com o bem-estar da coletividade. Na ética, A
RISTÓTELES define
bem-viver, bem-estar ou felicidade como o “bem supremo”, cujo alcance é possível
apenas em sociedade, visto que o homem é, por natureza, um animal político
73
. Na
política, defende ARISTÓTELES que as associações humanas se dão não apenas para
conservar a existência (do homem), mas tamm para buscar o bem-estar (do homem)
74
.
73
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1 ed. Tradução de Edson Bini. São Paulo. Edipro, 2002. p. 39-44.
74
ARISTÓTELES. Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira a partir da versão francesa de Marcel Prelot.
São Paulo: Martins Fontes, 1991. Livro I. p. 03.
58
À luz dessa concepção a busca do bem-estar do homem, como ser político que é,
está relacionada à valorização dos direitos humanos no âmbito comercial e econômico
que o cerca e influencia seu desenvolvimento proporcionando-lhe bem-estar.
Os direitos humanos e a dignidade humana desempenham, hoje, um papel
fundamental na vida social e econômica. A construção jurídica dos direitos humanos
econômicos encontra um conteúdo axiológico pautado na dignidade da pessoa humana,
para o fim de equilibrar a relação entre desenvolvimento e justiça social.
Advinda do direito natural, a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos
são princípios informadores do direito que, apesar do desprezo por ela dispensado,
precede ao próprio direito, que nasceu juntamente com o homem.
Levando-se em consideração o objetivo do direito, conclui-se que sua finalidade
é servir ao homem, assim como a do estado. O direito é um meio de se alcançar o bem-
estar do homem e proteger sua dignidade da ação dos demais indivíduos, de si mesmo e
do estado.
Posteriormente a ARISTÓTELES, a noção de bem-estar voltaria a ter significado
político relevante com S. TOMÁS DE AQUINO, que retoma o pensamento Aristotélico, em
que as instituições da vida social assumem, substancialmente, significado de “uma busca
coletiva do bem comum” e, instrumentalmente, fator organizacional decisivo para que o
indivíduo seja levado ao bem-estar.
D
ANTE ALIGHIERI sofreu profunda influência desta visão, em que o homem é
visto como animal destinado a viver em sociedade, sob uma ordem e um governo. Essas
condições levaram Dante a deduzir que o fim das instituições políticas, de todo aparato
que mantém a sociedade unida e pacífica, inclusive e principalmente o direito, é o bem
comum
75
.
75
ALIGHIERI, Dante. Da monarquia. Tradução de Jean Melville. São Paulo. Martim Claret, 2003. p. 40-44.
59
A partir de meados do século XVIII essa teoria atinge seu ápice com a concepção
do “welfare state”, estado do bem-estar social, cujas bases são lançadas pelo utilitarista
JEREMY BENTHAM e seus seguidores.
Há todo um sistema de organizações internacionais intergovernamentais que
estrutura o direito das relações econômicas internacionais. Face ao contexto
demonstrado, as relações internacionais do comércio são de extrema importância para o
desenvolvimento dos estados e, conseqüentemente, dos indivíduos.
Em outras palavras, a construção jurídica dos direitos humanos econômicos
encontra um conteúdo axiológico pautado na dignidade da pessoa humana, para o fim de
equilibrar a relação entre desenvolvimento e justiça social.
1.5 Histórico e Internacionalização dos direitos humanos.
Antes de tecermos acerca do histórico e da internacionalização dos direitos
humanos, é fundamental fazermos breves comentários sobre a corrente filosófica do
humanismo e do humanismo jurídico.
1.5.1 Humanismo.
O Humanismo foi um movimento intelectual que teve início na Itália na segunda
metade do Século XIV, alcançando seu apogeu nos séculos XV e XVI. Os humanistas
estavam convencidos da grandeza e capacidade do homem, tendo-o como fim de tudo e
nunca como um simples meio.
Neste momento, buscavam-se respostas para as questões do momento e para isso
recorreram tanto ao Cristianismo como à Filosofia Greco-Latina. Criaram, assim, um
sistema intelectual caracterizado pela supremacia do homem sobre a natureza e pela
rejeição das estruturas mentais impostas pela religião medieval.
60
A intenção do humanismo era desenvolver no homem o espírito crítico e a plena
confiança em suas possibilidades, condições que lhe haviam sido proibidas durante a
época medieval. O anseio pelo conhecimento e o espírito científico do homem
renascentista provocaram uma verdadeira revolução.
O humanismo, que demarca o fim do pensamento medieval na Europa, de forma
a abrir caminho para o posterior desenvolvimento capitalista do continente, é um
movimento histórico que surge concomitantemente ao renascimento, constituindo-se na
consciência da Renascença, estando intimamente relacionado ao processo de ascensão
da burguesia como classe social dominante.
Embora no renascimento o padrão cultural e intelectual ainda seja aquele
sinalizado pela nobreza e pelos setores eclesiásticos, é a classe média quem financia a
cultura e a vida urbana que fornece seus temas. Assim, a conformação psicológica do
burguês, mais centrada na observação e no raciocínio, assume um papel importante na
produção cultural.
Como movimento elitista o renascimento foi a afirmação dos valores da classe
emergente. Os humanistas ditam a racionalização do mundo, a individualidade do
homem como o centro de tudo, afirmando que o ser humano é o valor mais importante e
central do sistema (antropocentrismo) e não Deus (teocentrismo) como pregava a Igreja.
O “conhecer pela observação” substitui gradativamente o “conhecer pela fé”.
Deus lentamente desloca-se do centro da atenção do homem, que começa a prestar
atenção em si mesmo.
É o movimento humanista que prepara uma definitiva transformação na
concepção do mundo: o antropocentrismo que se concretizará nos séculos seguintes.
Nesta fase o homem era incentivado a buscar soluções racionais para todas as
questões que o cercavam, não contam com Deus ou outras forças sobrenaturais para
solucionar seus problemas ou obter orientação para sua conduta. Eles contam por sua
vez com a aplicação da razão, das lições da história, e das experiências pessoais para
61
formar um alicerce ético/moral e para criar sentido na vida. A livre pesquisa na área
científica começa a ser valorizada.
Os Humanistas encaram a metodologia científica como a mais confiável fonte de
informação sobre o que é factual ou verdadeiro em relação ao universo que todos
compartilhamos, reconhecendo que as novas descobertas irão sempre alterar e expandir
nossa compreensão sobre esse mesmo universo e talvez mudar nosso entendimento,
inclusive, para questões éticas.
No entanto, o conceito de humanismo é em sua essência ambíguo, pois ainda que
de forma implícita, no seu discurso os humanistas comportam uma definição ou imagem
da natureza ou da essência humana.
No que tange à imagem do ser humano, há pontos comuns que aparecem no
início da época renascentista e que permanecem ao longo do seu desenvolvimento, como
a exaltação da dignidade e liberdade do ser humano; o reconhecimento da essência de
uma natureza estável e definida, no sentido do homem estar em eterna evolução, como
homem livre que é, não sendo sua natureza um ponto imutável; e por último, a
concepção do homem como um grande milagre, que enquanto microcosmo reflete em si
todas as propriedades do universo.
Contudo, o declínio do humanismo como visão filosófica que reivindica uma
especificidade ou uma centralidade para o ser humano, no mundo da natureza, inicia no
final do Renascimento, com o surgimento da ciência experimental e o desenvolvimento
da filosofia racionalista e mecanicista, quando o ser humano começa a ser interpretado
como um fenômeno puramente natural.
O vocábulo humanismo foi usado em diversos sentidos, referindo-se a muitas
ideologias. No século XIX, com o idealismo e o positivismo, o termo humanismo
começa a ser utilizado de modo rigoroso dentro de uma interpretação do ser humano
como puro e simples ser natural.
1.5.2 Principais correntes humanistas.
62
Em síntese, as correntes filosóficas que se definem como humanistas são a
marxista, a cristã, a existencialista, o humanismo secular e o novo humanismo. Acerca
de cada corrente faremos breves comentários.
1.5.2.1 Humanismo marxista.
KARL MARX detectou a alienação do ser humano no interior do sistema
capitalista, tendo demonstrado a falta de autonomia e de independência desse ser, e
assim sua teoria faz todo um percurso humanista pela libertação. Por um lado o ser
humano é tido como um ser natural, por outro, possui uma característica que o identifica
como humano diferente de todos os outros seres naturais, a necessidade de associar-se
(sociabilidade). Para MARX o homem cessa sua capacidade de ser humano quando esta
característica lhe é negada, por tal fator prega a libertação. Indiscutivelmente, seus
trabalhos contribuíram para o desenvolvimento de uma sociologia crítica da luta de
classes.
Não obstante, um comentário possível sobre os seus trabalhos, ao atribuírem as
possíveis saídas para o homem à vitória de uma classe sobre a outra, é a de que o
conceito de classe é vago e ambíguo, permitindo fazer-se uma ilação sobre a falta de
condições de um homem individual de poder lutar pela sua libertação, levando mesmo a
um descrédito desse homem em si próprio. Inclusive, hoje em dia, está cada vez mais
difícil falar-se em classe quando se defende direitos, porque mais que sociais e coletivos,
os interesses e os direitos são difusos. Uma interessante leitura de sua obra, feita por
LOUIS ALTHUSSER, procurou demonstrar também que as instituições são meros aparelhos
ideológicos do estado, seja a escola, o direito, a religião etc., e assim não possibilitariam
nunca a libertação ao homem
76
.
76
OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades. Revista Juris Poiesis. Direito e Humanismo. Revista 3. Artigo 6.
63
1.5.2.2 Humanismo cristão.
É definido em dicionários como sendo “uma filosofia que defende a auto-
realização humana dentro da estrutura dos princípios cristãos”. Esta fé com maior
direcionamento humano é em grande parte produto da Renascença e representa um
aspecto daquilo que produziu o humanismo da Renascença.
Tem como precursor J
ACQUES MARITAIN, ideólogo do início do século passado,
que pregou que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, “Disse Deus:
Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Criou Deus, pois, o
homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou”. (Bíblia
Sagrada Gn.1:26-27), e depende exclusivamente Dele (teocentrismo), a quem o ser
humano criado deve ser grato e pedir direção para tomar decisões.
A humanidade é considerada e definida a partir do ponto de vista de seus limites
em relação a Deus. O homem é humano porque é filho de Deus, porque está imerso na
história cristã da salvação. “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em
teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o
coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Todo
aquele que nele crê não será confundido” (Bíblia Sagrada Rm. 10:9-11).
1.5.2.3 Humanismo secular.
Os humanistas seculares tipicamente se auto descrevem como ateístas (sem uma
crença em um deus e muito cético sobre a possibilidade) ou agnósticos (sem uma crença
em um deus e incertos sobre a possibilidade). Não contam com Deus ou outras forças
sobrenaturais para solucionar seus problemas ou obter orientação para sua conduta.
Seus fundamentos podem ser encontrados nas idéias dos filósofos clássicos
Gregos tais como os Estóicos e Epicuristas bem como também no Confucionismo
chinês. Estas visões filosóficas procuram mais pelos seres humanos do que pelos deuses
para solucionar os problemas humanos. Aqueles que rejeitam o supranaturalismo como
64
um perfil filosófico viável adotaram o termo “humanismo secular” para descrever sua
atitude de vida não-religiosa.
Sustentam que as questões relativas à ética, condutas sociais e legais apropriadas
e as metodologias da ciência são filosóficas e não fazem parte do domínio da religião,
que lida com o sobrenatural, místico e transcendental. O humanismo Secular é uma
filosofia e visão do mundo centrada nas preocupações humanas e emprega métodos
racionais e científicos para lidar com o amplo espectro de questões importantes para
todos nós.
Enquanto o humanismo secular está em desacordo com sistemas religiosos
baseados na fé em muitas questões, ele está dedicado à realização do indivíduo e da
humanidade em geral. Para atingir esse objetivo, o humanismo secular estimula um
compromisso com um conjunto de princípios que promovem o desenvolvimento da
tolerância e compaixão e o entendimento dos métodos da ciência, análise crítica e
reflexão filosófica.
1.5.2.4 Novo Humanismo.
As idéias principais do novo humanismo estão associadas às necessidades da
vida humana, de forma que considera o homem como valor central. No entanto, a busca
para uma solução de problemas que envolvem o ser humano independe de teorias sobre
Deus, da sua natureza, da sociedade em que vive e tampouco de sua história. Os novos
humanistas crêem em uma transformação radical das estruturas políticas e econômicas
que regem os atuais problemas do homem para trazer-lhes benefícios.
1.5.3 Humanismo jurídico.
O Humanismo jurídico é o momento em que os filósofos do direito suscitam a
importância da filosofia para o mundo jurídico. Inicia-se uma preocupação com os
direitos do homem, considerando-o como valor-fonte de todos os valores, e a
conscientização da necessidade do direito enquanto instrumento de organização social.
65
Valendo-se do conceito de homem como ser espiritual e cristão, fundado nos princípios
de lealdade, fraternidade e igualdade do ser humano, começa-se a falar em direitos
humanos.
Neste sentido, destaca-se IMMANUEL KANT, considerado um dos maiores teóricos
do humanismo. Na teoria desenvolvida por KANT, o homem figura como único ser no
mundo que se apresenta como um fim em si mesmo, de maneira tal que ele desenvolve
um novo imperativo categórico, no qual define: “Age de modo que consideres a
humanidade tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, e sempre como objetivo,
nunca como um simples meio
77
.
Essa definição constitui a base moral da sua doutrina política dos direitos
humanos. Nesse sentido, molda também o princípio supremo de igualdade, da qual se
estabelece o sistema contemporâneo de direitos humanos. Ao enunciar a necessidade da
dignidade como um direito de todos, proclama que todo e qualquer ser humano é
insubstituível.
Através do reconhecimento e da proteção dos direitos humanos o direito recupera
seu sentido humanista e restabelece o vínculo do direito com a justiça. Em razão disso,
apesar de a questão do significado do termo direitos humanos e sua definição ser tratada
em tópico próprio, é imperioso aqui tecermos alguns comentários acerca desses direitos.
O que na linguagem contemporânea se nomeia como “direitos humanos” são as
faculdades e possibilidades que decorrem da condição humana e das necessidades
fundamentais de toda pessoa. Tais faculdades e possibilidades são inerentes à natureza
humana e se referem à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos e à
plena realização de sua personalidade e do seu desenvolvimento com vistas ao seu bem-
estar.
Por essas características fica evidente que a ordem jurídica positiva não pode ser
contrária aos direitos humanos, não se admitindo que uma norma legal, sua interpretação
e aplicação contrariem as exigências éticas da dignidade humana. Precisamente por se
77
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edicoes 70, 1995. Segunda
Seção, p. 205.
66
tratar de faculdades e possibilidades que nascem com a pessoa humana, elas devem ter
na ordem jurídica positiva sua proteção e a garantia da possibilidade de sua satisfação e
expansão.
Pode-se dizer que os diretos humanos são os equivalentes das necessidades
humanas fundamentais, aquelas que devem ser atendidas para que se preserve o mínimo
compatível com a dignidade humana e para que todos tenham a possibilidade de se
desenvolver nos planos material, psíquico e espiritual. Por isso mesmo são universais,
pois se referem às características de todos os seres humanos, de todas as épocas e de
todos os lugares.
Há cinqüenta anos a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) proclamou a
Declaração dos Direitos Humanos, não criando um direito novo mas despertando a
consciência da humanidade para a necessidade de repor nas relações humanas o Direito
antigo, que nasceu com a própria humanidade e que o egoísmo, a ambição desmedida
por riqueza, poder e prestígio político e social de alguns havia sufocado, deixando o
caminho aberto à injustiça, à violência e à degradação de milhões de seres humanos.
Um ponto fundamental, que deve ser sempre ressaltado, é a afirmação contida no
artigo primeiro da Declaração: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos”.
Note-se que como fonte geradora desses direitos, a proclamação da ONU surtiu
efeitos na história da humanidade que resultou em um mundo mais justo apesar das
resistências dos privilegiados e dos que tradicionalmente usam sua força econômica,
política ou militar para manter privilégios.
No ano de 1966 a própria ONU deu um passo avante, aprovando os Pactos de
Direitos Humanos — o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais — dotados de plena eficácia jurídica e já incorporados
ao direito positivo de quase todos os povos do mundo, inclusive ao do Brasil.
Além disso, os preceitos dos direitos humanos penetraram também nas
Constituições, inclusive na brasileira, o que significa que qualquer interpretação ou
67
aplicação de uma norma jurídica que contrarie os direitos humanos será antijurídica e
inconstitucional.
A presente concepção humanista de direito defende os valores da dignidade
humana, os quais nascem junto com o próprio homem, de forma que se pode afirmar que
é ele próprio, como sendo absolutos e superiores a qualquer outro. Partindo daí é que
será possível preservar a igualdade de direitos entre os povos, diminuindo as injustiças
geradas pelo sistema econômico e cultural em que estão inseridos.
MIGUEL REALE, em sua obra Filosofia do Direito
78
, bem sintetiza o assunto,
verbis:
“Eis aí por que motivo a concepção culturalista do direito deve
ser a concepção humanista do direito. Partimos dessa idéia, a nosso ver
básica, de que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores. O homem,
como ser natural biopsíquico, é apenas um indivíduo entre outros
indivíduos, um ente animal entre os demais da mesma espécie. O
homem, considerado na sua objetividade espiritual, enquanto ser que só
se realiza no sentido de seu dever ser, é o que chamamos de pessoa. Só
o homem possui a dignidade originária de ser enquanto deve ser,
pondo-se essencialmente como razão determinante do processo
histórico. A idéia de valor, para nós, encontra na pessoa humana a sua
origem primeira, como valor-fonte de todo o mundo das estimativas, ou
mundo histórico-cultural. Quando Kant dizia: “Sê uma pessoa e
respeita os demais como pessoas”, dando ao mandamento a força de um
imperativo categórico, de máxima fundamental de sua ética, estava
reconhecendo na pessoa o valor por excelência. É nesse sentido que
podemos concordar com Francisco Romero, quando diz que “ser é
transcender”.
Por fim, o humanismo jurídico incentiva os operadores do direito a intensificar
seu trabalho em favor do direito e da justiça, sem acomodações e transigências, com
otimismo, coragem e determinação, para assim chegar a uma nova sociedade, fundada
78
Op.cit. p. 220-221.
68
no reconhecimento e na efetividade dos direitos humanos. Por esse caminho é que a
humanidade poderá ser conduzida a uma era de respeito pela liberdade e pela dignidade
de todos os seres humanos, de solidariedade, de justiça e de paz.
1.5.4 O Pós-II Guerra Mundial.
De tudo que analisamos até aqui, verifica-se ser de suma importância o histórico
dos direitos humanos já que estes representam a evolução e construção do ser humano
como ser social, isto é, vivem em perpétua transformação, pela memória do passado e o
projeto do futuro, erguendo-se no sentido de resguardar o valor da dignidade humana,
constatada como seu fundamento.
O processo de universalização e internacionalização dos direitos humanos situa-
se como um movimento extremamente recente na história do direito, apresentando
delineamentos mais concretos apenas após a Segunda Guerra Mundial, momento em que
diante das atrocidades ocorridas nesta época, face à crueldade exercida pelo nazismo e
pelo absurdo do genocídio ter sido pregado como projeto político e industrial do Estado.
Nesse momento histórico a comunidade internacional reconhece a importância da
proteção global da dignidade humana, independente das barreiras culturais e jurídicas
enfrentadas pelos Estados. No dizer da Professora F
LÁVIA PIOVESAN, “se a Segunda
Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a
sua reconstrução”.
Como explica L
OUIS HENKIN
79
: “Após a Segunda Guerra Mundial os acordos
internacionais de direitos humanos têm criado obrigações e responsabilidades para os
Estados, com respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição, e um direito costumeiro
internacional tem se desenvolvido. O emergente Direito Internacional dos Direitos
79
International law: cases and materials, 3 ed., Minessota, West Publishing, 1.993, p. 375-376.
69
Humanos institui obrigações aos Estados para com todas as pessoas humanas, e não
apenas para com estrangeiros. Esse direito reflete a aceitação geral de que todo indivíduo
deve ter direitos, os quais todos os Estados devem respeitar e proteger. Logo, a
observância dos direitos humanos é não apenas um assunto de interesse particular do
Estado (e relacionado à jurisdição doméstica), mas é matéria de interesse internacional e
objeto próprio de regulação do Direito Internacional”.
Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os direitos humanos
transcendem e extrapolam o domínio reservado do Estado ou a competência nacional
exclusiva. São criados parâmetros globais de ação estatal, que compõem um código
comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que diz respeito à promoção
e proteção dos direitos humanos. Consolida-se o movimento do Direito Internacional dos
Direitos Humanos que, nas palavras de THOMAS BUERGENTHAL, “tem humanizado o
direito internacional contemporâneo e internacionalizado os direitos humanos”
80
.
No mesmo sentido, pode-se citar o entendimento de ANTONIO AUGUSTO
CANÇADO TRINDADE, quando conclui que “o desenvolvimento histórico da proteção
internacional dos direitos humanos gradualmente superou barreiras do passado:
compreendeu-se pouco a pouco que a proteção dos direitos básicos da pessoa humana
não se esgora, como não poderia esgotar-se, na atuação do Estado, na pretensa e
indemonstrável competência nacional exclusiva
81
”.
Neste contexto o Estado é considerado o próprio agressor e o violador dos
direitos humanos e o conceito tradicional que arquitetava o direito internacional começa
a sofrer alterações, como na questão da soberania estatal e na redefinição dos seus
sujeitos. A questão da soberania nacional absoluta é questionada em razão de o Estado
ser considerado o próprio agressor e violador dos direitos humanos, de modo que os
regulamentos que surgem passam a estabelecer limites a uma comunidade internacional,
impondo-se sanções aos estados que violem suas obrigações, relativizando a sua
soberania.
80
BUERGHENTAL. Thomas. Prólogo do livro de Antonio Augusto Cançado Trindade, A proteção
Internacional dos Direitos Humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, São Paulo, Saraiva,
1991, p.31.
81
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamento e
instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p.4.
70
Quanto ao segundo ponto, o Estado passa a não ser mais o único sujeito do
direito internacional, o indivíduo já é o alvo direto das normas reguladoras deste direito,
posto que tais normas não mais visam garantir uma relação estritamente governamental
entre os Estados, mas transcendem seus interesses voltando-se à salvaguarda dos direitos
do ser humano.
Ao comentar o enfoque tradicional do Direito Internacional, explica THOMAS
BUERGENTHAL: “O Direito Internacional tradicional é definido como o Direito que
regula exclusivamente relações entre Estados-nações. Logo, sob este enfoque, apenas
Estados eram sujeitos de Direito Internacional e apenas Estados podiam possuir direitos
legais à luz deste Direito. Era inconcebível que os indivíduos detivessem direitos
internacionais. Eles eram vistos como objetos, e não como sujeitos do Direito
Internacional. Conseqüentemente, os direitos humanos eram concebidos como matéria
concernente apenas à jurisdição doméstica de cada Estado. Este princípio negava aos
outros Estados o direito de interceder ou intervir em hipóteses em que nacionais de um
Estado tinham seus direitos por ele violados”
82
.
Este advento foi marcado basicamente por três componentes de direitos humanos
que precederam a Segunda Guerra Mundial: o Direito Humanitário ou Direito
Internacional da Guerra, a Liga das Nações Unidas e a Organização Internacional do
Trabalho, que surgiram concomitantemente logo após a Primeira Guerra Mundial.
No que tange ao aspecto histórico da internacionalização e positivação dos
direitos humanos, é imperativo ressaltar a afirmação da ilustre professora citada, que
sintetiza o acima exposto com muita objetividade:
“Vale dizer, o advento da Organização Internacional do
Trabalho, da Liga das Nações Unidas e do Direito Humanitário registra
o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras
exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito
estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se
visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados.
82
Op.cit. p. 2-3.
71
Visava-se sim ao alcance de obrigações internacionais a serem
garantidas ou implementadas coletivamente que, por sua natureza,
transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Estas
obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser
humano e não das prerrogativas dos Estados. Estes institutos rompem,
assim, com o conceito tradicional que concebia o Direito Internacional
apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que
sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional.
Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta, na medida
em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção
dos direitos humanos. Prenuncia-se o fim da era em que a forma pela
qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema
de jurisdição doméstica, restrito ao domínio reservado do Estado,
decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. Aos poucos,
emerge a idéia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas também
sujeito de direito internacional. A partir desta perspectiva, começa a se
consolidar a capacidade processual internacional dos indivíduos, bem
como a concepção de que os direitos humanos não mais se limitam à
exclusiva jurisdição doméstica, mas constituem matéria de legítimo
interesse internacional. Neste cenário, os primeiros delineamentos do
Direito Internacional dos Direitos Humanos começavam a se revelar
83
”.
NORBERTO BOBBIO, ao analisar o problema da efetivação dos direitos humanos,
torna clara sua opção por um debate aprofundado acerca da necessidade de se procurar
elementos direcionados ao desenvolvimento conjunto da civilização humana,
independentemente da nacionalidade, credo e outras concepções meramente
individualistas, e afirma que: “É um problema cuja solução depende de um certo
desenvolvimento da sociedade e, como tal, desafia até mesmo a Constituição mais
evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica
84
”.
1.5.5 O Direito Humanitário.
83
Op.cit. p. 128-130
84
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit. p. 45.
72
O Direito Humanitário ou internacional da guerra, como o próprio nome já
revela, constitui o artefato de direitos humanos da guerra (the human rights component
of the law of war). É o direito que se aplica na hipótese de guerra com o objetivo de fixar
limites e sanções aos Estados com vistas à proteção dos direitos humanos. Foi criado
com o intuito de regulamentar a violência no âmbito internacional.
Esta proteção humanitária está intimamente associada à ação da Cruz Vermelha,
estando destinada a proteger militares postos fora de combate como feridos, doentes,
náufragos e prisioneiros, além da população civil. C
ELSO LAFER assevera que este direito
trata de um tema clássico de Direito Internacional Público — a paz e a guerra. Baseia-se
numa ampliação do jus in bello, voltada para o tratamento na guerra de combatentes e de
sua diferenciação em relação a não combatentes, e faz parte da regulamentação jurídica
do emprego da violência no plano internacional, suscitado pelos horrores da batalha de
Solferino, que levou à criação da Cruz Vermelha
85
.
Nesse sentido, ainda que em hipótese específica, o direito humanitário expressou
a necessidade de impor limites à liberdade e à autonomia dos Estados, dando início à
evolução da definição de soberania estatal acima relatada.
1.6 A Liga das Nações Unidas.
Por sua vez, à medida que também tinha como objetivo promover a paz, a
cooperação e a segurança internacional, condenando agressões externas contra a
integridade territorial e independência política dos seus membros, a Convenção da Liga
das Nações também reforça a relativização da soberania estatal.
Fundada em 1920 a Liga das Nações continha previsões genéricas relativas aos
direitos humanos, destacando-se as voltadas aos sistemas das minorias e aos parâmetros
internacionais do direito do trabalho, que se comprometia a assegurar condições justas e
dignas de trabalho aos homens e mulheres. Como medida repressiva ao desrespeito a
85
Prefácio ao livro “Os direitos humanos como tema global”, p. 24-25.
73
estes parâmetros a Convenção da Liga das Nações estabelecia sanções econômicas e
militares impostas pela comunidade internacional.
O preâmbulo da Convenção da Liga das Nações consagrava: As partes
contratantes, no sentido de promover a cooperação internacional e alcançar a paz e a
segurança internacionais, com a aceitação da obrigação de não recorrer à guerra, com o
propósito de estabelecer relações amistosas entre as nações, pela manutenção da justiça e
com extremo respeito para com todas as obrigações decorrentes dos tratados, no que
tange à relação entre povos organizados uns com os outros, concordam em firmar este
Convênio da Liga das Nações.
1.7 A Organização Internacional do Trabalho.
Atualmente denominada International Labour Organization, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) foi criada imediatamente após a Primeira Guerra
Mundial para estabelecer padrões mínimos de condições de trabalho no âmbito
internacional, pautados na garantia do bem estar do trabalhador e na igualdade da
remuneração entre homem e mulher.
Em um lapso de sessenta anos a OIT promulgou mais de cem Convenções que de
forma extraordinária contribuiu para a internacionalização dos direitos humanos, pois
foram aderidas por um imenso número de países. A Organização Internacional do
Trabalho se tornou um efetivo instrumento para a fixação de condições de trabalho no
plano internacional, demonstrando que organizações relacionadas com áreas
especializadas de interesse podiam exercer uma considerável influência
86
.
Sobre esta Organização ANTONIO CASSESSE comenta:
“Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada e um de seus
objetivos foi o de regular a condição dos trabalhadores no âmbito
mundial. Os Estados foram encorajados a não apenas elaborar e
74
aceitar as convenções internacionais (relativas à igualdade de
remuneração no emprego para mulheres e menores, à jornada de
trabalho noturno, à liberdade de associação, dentre outras), mas
também a cumprir estas novas obrigações internacionais”
87
.
No mesmo sentido vale citar os dizeres de LOUIS HENKIN, que aduz acerca da
importância da OIT como instrumento fundamental para a internacionalização dos
direitos humanos.
“Após a Primeira Guerra Mundial, a preocupação com o
indivíduo foi refletida em vários dos programas da Liga das Nações.
Pautando-se em precedentes estabelecidos no século XIX, os Estados
dominantes pressionaram outros Estados a aderirem a ‘tratados de
minorias’ garantidos pela Liga, nos quais os Estados-partes assumiram
obrigações de respeitarem os direitos de minorias étnicas, nacionais ou
religiosas que habitassem em seu território... Os anos que se seguiram a
Primeira Guerra Mundial também viram um considerável
desenvolvimento na preocupação internacional com o bem estar
individual, um desenvolvimento que é usualmente desconsiderado e
comumente subestimado: O International Labour Office (hoje a
Organização Internacional do Trabalho – OIT) foi estabelecido e
lançou uma variedade de programas, incluindo uma série de
convenções que estabeleceram padrões mínimos de condições de
trabalho, dentre outras medidas”
88
.
No entanto, conforme já acentuamos, a verdadeira consolidação dos Direitos
Humanos ocorreu em meados do século XX em decorrência da Segunda Guerra
Mundial, em um tempo em que o valor do ser humano se reduzia ao nada e a
necessidade da busca da ética, do direito e da moral torna-se primordial face ao cenário
totalitarista da era Hitler que balizava para a lógica da destruição do homem e dos
86
KIRGIS. International Organizations in their legal setting, 1977, p. 6.
87
CASSESSE, Antonio. Philadelphia, Temple University Press, 1990. Human Rights in a changing world.
p. 172.
88
LOUIS HENKIN in Henry J. Steiner e Philip Alston, International Human Rights in Context – Law,
Politics and Morals, Oxford, Clarendon Press, 2000, p. 128.
75
paradigmas dos direitos humanos. Nesse ínterim, busca-se, então, a reconstrução desses
paradigmas.
Nesse panorama de ruptura dos direitos humanos a comunidade internacional
constata que as instituições nacionais se mostram falhas e omissas no exercício da
proteção dos direitos humanos, de modo que se busca uma ação internacional mais
eficaz desses direitos. A partir daí não poder-se-ía mais dizer que o Estado pode tratar
seus cidadãos como quiser, sem sofrer qualquer responsabilização na arena
internacional.
Sob este prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como
uma questão doméstica do Estado, mas deve ser concebida como um problema de
relevância internacional, como uma legítima preocupação da comunidade
internacional
89
.
Com o advento das Nações Unidas, em 1945, e com a adoção da Declaração
Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, os direitos
humanos passam a ocupar um lugar essencial nas agendas das instituições
internacionais. Em um item específico trataremos da Carta das Nações Unidas e da
Declaração mencionada.
Entre esse tempo, em 1945 e 1946, através do Acordo de Londres, estabeleceu-se
um Tribunal Militar Internacional, o denominado Tribunal de Nuremberg, para julgar os
responsáveis pelas barbáries do holocausto e demais crimes cometidos no período de
guerra, os chamados “crimes de guerra” e “crimes contra a paz”. Este Tribunal foi um
notável estímulo ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.
Em 8 de agosto de 1945, os Governos do Reino Unido, dos Estados Unidos,
Provisório da República Francesa e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
celebraram um acordo estabelecendo este Tribunal para o julgamento dos crimes de
guerra, cujas ofensas não tivessem uma particular localização geográfica. De acordo
com o art. 5, os seguintes Estados das Nações Unidas expressamente aderiram ao
89
PIOVESAN, Flavia. Op.cit. 132.
76
acordo: Grécia, Dinamarca, Iugoslávia, Países Baixos, Checoslováquia, Polônia,
Bélgica, Etiópia, Austrália, Honduras, Noruega, Panamá, Luxemburgo, Haiti, Nova
Zelândia, Índia, Venezuela, Uruguai e Paraguai.
O Tribunal foi investido do poder de processar e punir as pessoas responsáveis
pela prática de crime contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como
definido pela Carta
90
.
A competência deste Tribunal era de julgar os crimes cometidos ao longo do
Nazismo, seja pelos líderes nazistas, alemães ou pelos oficiais militares. Quanto a
competência do Tribunal de Nuremberg, HENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON observam
que ao definir os crimes que seriam abarcados pela jurisdição do Tribunal, a Carta
(anexada ao Acordo de Londres de 1945) foi além dos tradicionais “crimes de guerra”
(parágrafo “b” do art. 6
o
) em dois aspectos. Primeiro, a Carta incluiu os “crimes contra a
paz” — os denominados jus ad bellum, que contrastavam com a categoria de direitos de
guerra ou jus in bello. Segundo, a expressão “crimes contra a humanidade” poderia ter
sido lida (não o foi) de modo a incluir a totalidade do programa do governo nazista de
exterminação dos judeus e de outros grupos civis, dentro e fora da Alemanha, “antes ou
durante a guerra”, e a incluir, conseqüentemente, não apenas o Holocausto, mas também
a elaboração dos planos e a perseguição inicial dos judeus e de outros grupos em um
momento anterior ao Holocausto
91
.
Ainda a respeito do Tribunal de Nuremberg, vale citar a explicação de HANS
KELSEN:
“Se indivíduos são diretamente obrigados pelo Direito
Internacional, tais obrigações não invocam sanções específicas do
Direito Internacional (represálias ou guerras) ao comportamento dos
indivíduos. A obrigação diretamente imposta aos indivíduos é
constituída por sanções próprias do Direito Interno, nominalmente a
punição e a execução civil. O Direito Internacional pode deixar a
determinação e a execução dessas sanções a critério da ordem jurídica
90
HENKIN, Louis. Op.cit. (International Law…) p. 381.
77
nacional, como no caso do delito internacional de pirataria. As sanções
podem ser determinadas por um tratado internacional e sua aplicação a
casos concretos pode ser efetuada por uma Corte Internacional criada
pelo tratado internacional; isto ocorreu, por exemplo, no caso do
julgamento de crimes de guerra, de acordo o com o Acordo de Londres,
de 8 de agosto de 1.945”
92
.
1.8 A Carta das Nações Unidas (criação da ONU).
Em 26 de junho de 1945, em São Francisco, nos EUA, foi assinada a Carta das
Nações Unidas. O Brasil a ratificou em 21 de setembro do mesmo ano. Após a Segunda
Guerra Mundial assuntos como a segurança e a paz dos cidadãos passam a ser de
interesse internacional e não mais local. Assim, os Estados rompem as barreiras jurídicas
de limitação para contribuírem com os cidadãos independentemente de suas origens.
Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais vem a ser uma
problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito
internacional. Para tanto, surge no sistema organizações internacionais com finalidades
de cooperação internacional.
Neste sentido, arremata a professora FLAVIA PIOVESAN:
“A criação das Nações Unidas, com suas agências
especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional
que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais,
com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança
internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os
Estados, o alcance da cooperação internacional no plano econômico,
social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde, a
proteção do meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica
internacional e a proteção internacional dos direitos humanos. (...)
Deste modo, a coexistência pacífica entre os Estados, combinada com a
91
HENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON. International Human Right in Context – Law, politics and morals.
Oxford, Clarendon Press, 2000, p. 114, 115 e 123.
78
busca de inéditas formas de cooperação econômica e social e de
promoção universal dos direitos humanos, caracterizam a nova
configuração da agenda da comunidade internacional”
93
.
Nos termos do art. 1
o
(3) um dos propósitos das Nações Unidas é alcançar a
cooperação internacional para solucionar problemas econômicos, sociais, culturais ou de
caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Embora a Carta das Nações seja enfática em defender e proteger os direitos
humanos, ela não define o alcance do significado da expressão, o que vem acontecer três
anos mais tarde com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No
entanto, cabe elucidar os artigos da Carta das Nações que transmitem tal entendimento.
O art. 55 promove o respeito aos direitos humanos ao determinar que “Com
vistas à criação de condições de estabilidade e bem estar, necessárias para a pacífica e
amistosa relação entre as Nações, e baseada nos princípios da igualdade de direitos e da
auto-determinação dos povos, as Nações Unidas promoverão: c) o respeito universal e a
observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção
de raça, sexo, língua ou religião”.
O art. 56 assevera que todos os membros das Nações Unidas devem exercer
ações conjugadas ou separadas em cooperação com a própria Organização, para o
alcance dos propósitos lançados no art. 55.
A Organização das Nações Unidas constituiu-se em diversos órgãos a fim de
atingir seus objetivos.
Nos termos do art. 7
o
da Carta da ONU seis são os seus principais órgãos: A
Assembléia Geral, O Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o
92
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1976. p. 327.
93
PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 139-140.
79
Conselho Econômico e Social, O Conselho de Tutela e o Secretariado. O mesmo artigo
adiciona que havendo necessidade, órgãos subsidiários podem ser criados.
Sucintamente, relataremos as características e funções básicas de cada um:
Assembléia Geral: Todos os membros das Nações Unidas são membros com
direito a um voto. Cabe à Assembléia iniciar estudos, discuti-los e fazer recomendações
acerca de qualquer assunto no sentido de promover a solução dos problemas
internacionais, com vistas a atingir os propósitos principais das Nações Unidas, nos
termos do art. 13.
Acerca da performance e desempenho atual desta Assembléia, o Embaixador
CELSO LUIZ NUNES AMORIM, Ministro de Estado das Relações Exteriores, em artigo
publicado na Folha de São Paulo em 17 de dezembro de 2006, acentuou que:
“(...) o papel político da Assembléia Geral, único órgão a
congregar a totalidade dos Estados-membros, necessita ser revitalizado.
Como já ficou demonstrado no passado, a exemplo da crise de Suez, em
1956, mesmo em temas ligados à segurança internacional a Assembléia
Geral tem e deve ter um papel a desempenhar. Mas ela precisa se
concentrar em assuntos prioritários para os países em desenvolvimento,
como o cumprimento das Metas do Milênio. Temas como a não-
proliferação e o desarmamento também devem estar na agenda da
assembléia”.
A Assembléia Geral da ONU pode, dentro das Resoluções que ela adotar,
designar uma de suas instâncias para receber reclamações. Assim, pela Resolução 1503,
de 27 de maio de 1970, designou o Conselho Econômico e Social, sobre o qual
trataremos detalhadamente mais adiante, para ser o encarregado de receber as
comunicações contendo alegações acerca dos direitos internacionais da pessoa que vêm
sendo sistematicamente violados por um Estado.
Considerando-se o comércio internacional como instrumento fundamental para o
desenvolvimento da economia mundial e para a redução da desigualdade e do
80
desequilíbrio desta economia, em 1964, criou-se a Conferência das Nações Unidas para
o Comércio e o Desenvolvimento, órgão permanente da Assembléia Geral das Nações
Unidas.
Os trabalhos da Conferência têm especial incidência nas seguintes áreas: análise
do impacto dos acordos da OMC relacionados com o comércio e o desenvolvimento
econômico, especialmente nos Países em via de desenvolvimento, e contribuição para a
expansão do comércio internacional, sobretudo entre os Países em via de
desenvolvimento, e outros países com níveis mais baixos de desenvolvimento.
A Conferência ocupa-se com matérias de política comercial que envolve tanto a
concorrência comercial como os negócios acerca dos produtos de base e ainda da
eficácia comercial, além das questões macroeconômicas e financeiras. Como exemplo de
negociações que foram realizadas no âmbito da Conferência, podemos citar a adoção,
em 1971, do Sistema de Preferências Generalizadas, através do qual os países
desenvolvidos concedem aos países em vias de desenvolvimento um tratamento
preferencial para as suas exportações. Um acordo relevante realizado pela Conferência
entre os Países em vias de desenvolvimento foi o acordo que aventava sobre o Sistema
Global de Preferências Comerciais.
Conselho de Segurança: Conforme prevê o art. 14 da Carta, é o órgão com a
principal responsabilidade na manutenção da paz e segurança internacionais. É
composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Os membros
permanentes são a China, a França, o Reino Unido, os Estados Unidos, e desde 1992, a
Rússia. Os não permanentes são eleitos pela Assembléia Geral, para um mandato de dois
anos, considerando a contribuição dos membros para os propósitos das Nações Unidas e
a distribuição geográfica eqüitativa (art. 23 (1)).
Corte Internacional de Justiça: Nos termos do art. 92, é o principal órgão judicial
das Nações Unidas, composto por quinze juízes. O funcionamento da Corte é
disciplinado por seu Estatuto, que foi anexado à Carta. Dispõe a Corte de competência
contenciosa e consultiva. Contudo, somente os Estados são partes em questões perante a
Corte (art. 34 do Estatuto da Corte).
81
Conselho Econômico e Social: É composto por vinte e sete membros, tem a
competência de promover a cooperação em questões econômicas, sociais e culturais,
incluindo os direitos humanos (art. 62). Cabe a este Conselho fazer recomendações
destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos, bem como
elaborar projetos de convenções a serem submetidos à Assembléia Geral. No entanto, na
prática, sua função é burocrática e meramente de supervisão.
No mesmo artigo citado acima, do Embaixador CELSO LUIZ NUNES AMORIM,
Ministro de Estado das Relações Exteriores, publicado na Folha de São Paulo em 17 de
dezembro de 2006, ele demonstra a importância deste Conselho na proteção dos direitos
humanos por meio do cenário econômico. Veja-se:
“Os trabalhos do Ecosoc (Conselho Econômico e Social)
precisam ser reforçados para torná-los mais relevantes. O órgão
deveria ser liberado de suas atribuições de mera supervisão burocrática
para poder tratar do essencial: como promover o desenvolvimento. No
momento em que o G8 busca dialogar com economias ditas emergentes,
o Ecosoc poderá aumentar sua interlocução com o próprio G8, o Banco
Mundial, o FMI e a OMC. Isso permitirá debate genuíno sobre temas
econômicos e sociais. Mesmo quando não possa tomar decisões de
caráter operativo, os debates no Ecosoc serão fonte de inspiração para
outros organismos”.
Ainda, conforme o art. 68 prescreve, o Conselho Econômico e Social poderá
criar comissões que forem necessárias ao desempenho de suas funções. Neste sentido foi
criada a Comissão de Direitos Humanos da ONU
94
.
94
Ao tratar da Comissão de Direitos Humanos, afirma THOMAS BUERGENTHAL: “Esta Comissão deve
submeter ao Conselho Econômico e Social propostas, recomendações e relatórios relativos aos
instrumentos internacionais de direitos humanos, à proteção das minorias, à prevenção da discriminação e
demais questões relacionadas aos direitos humanos. A Declaração Universal, os Pactos, as Convenções e
muitos outros instrumentos de direitos humanos adotados pela ONU foram regidos pela Comissão”. Esta
Comissão é o mecanismo não convencional, isto é, mecanismo decorrente de resoluções elaboradas por
órgãos criados pela Carta das Nações Unidas, mais importante de proteção dos direitos humanos.
82
Secretariado: É chefiado pelo Secretário Geral, que é o principal funcionário
administrativo da ONU, indicado para um mandato de cinco anos pela Assembléia
Geral, a partir de recomendação do Conselho de Segurança (art. 97).
A propósito da importância e repercussão da Carta para a internacionalização dos
direitos humanos analisa THOMAS BUERGENTHAL:
“A Carta das Nações Unidas internacionalizou os direitos
humanos. Ao aderir à Carta, que é um tratado multilateral, os Estados-
partes reconhecem que os direitos humanos, a que ela faz menção, são
objetos de legítima preocupação internacional, e nesta medida, não
mais de sua exclusiva jurisdição doméstica. No sentido de definir o
significado de direitos humanos e liberdades fundamentais e esclarecer
e codificar as obrigações impostas pelos arts. 55. e 56 da Carta, um
vasto universo de normas jurídicas foi elaborado. Este esforço é
simbolizado na adoção da International Bill of Human Rights e em
inúmeros outros instrumentos de direitos humanos que existem hoje. A
Organização tem, ao longo dos anos, conseguido tornar claro o escopo
da obrigação dos Estados-membros em promover os direitos humanos,
expandindo estes e criando instituições, com base na Carta da ONU,
designadas a assegurar o cumprimento desses direitos pelos Estados. A
ONU tem buscado assegurar o cumprimento dessas obrigações
mediante resoluções que exigem dos Estados que cessem com as
violações a esses direitos, especialmente, quando configurar “um
consistente padrão de grave violações” (consistent pattern of gross
violations), fortalecendo a Comissão de Direitos Humanos da ONU e
seus órgãos subsidiários para que estabeleçam procedimentos para
apreciar as denúncias de violações”
95
.
1.9 A Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em 10 de dezembro de 1.948 foi adotada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela aprovação unânime de 48
95
Op.cit. p. 21-24.
83
Estados, sob a forma de resolução que, por sua vez, não apresenta força de lei. Assim,
como acentuou Roosevelt, a Declaração não é um tratado e tampouco um acordo
internacional, e sim uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e
liberdades.
Contudo, como a Declaração foi concebida como selo da interpretação da
expressão “direitos humanos”, após larga discussão sobre qual seria a maneira mais
eficaz em assegurar o reconhecimento universal dos direitos nela previstos, firmou-se o
entendimento de que ela tem força jurídica vinculante integrando o direito costumeiro
internacional e os princípios gerais de direito, devendo ser jurisdicizada sob a forma de
tratado internacional obrigatório e vinculante no âmbito internacional.
Ademais, como aponta a Professora FLÁVIA PIOVESAN, a natureza jurídica
vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de — na qualidade de um dos
mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX — ter se transformado,
ao longo de mais de cinqüenta anos de sua adoção, em Direito costumeiro internacional
e princípio geral do Direito Internacional
96
.
O processo de jurisdicização da Declaração foi finalizado com a elaboração de
dois tratados internacionais que passam a integrar os direitos constantes da Declaração
Universal, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que serão tratados à parte.
À luz da Carta das Nações Unidas, com o advento da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, os Estados assumem a obrigação de protestar pelo respeito universal
e efetivo dos direitos humanos. Tal Declaração consagra um consenso sobre valores
universais a serem seguidos pelos Estados, e tem como propósito promover o
reconhecimento universal dos direitos humanos e liberdades fundamentais, propondo
uma ordem pública mundial constituída no respeito à dignidade humana.
Desde o seu preâmbulo já se afirma a dignidade como valor inerente a toda
pessoa humana. É nesse sentido que se assegura que a dignidade humana é o
96
Op.cit. p. 154-155.
84
fundamento dos direitos humanos. Pela Declaração Universal é que os direitos humanos
foram decifrados, sendo esta reconhecida como um código comum a ser seguido por
todos os Estados.
A Declaração também introduz a indivisibilidade dos direitos humanos, uma vez
que conjuga os direitos civis e políticos em conjunto dos direitos econômicos, sociais e
culturais, introduzindo uma linguagem de direito até então inédita, demarcando a
concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser
concebidos como uma unidade interdependente e indivisível.
De fato, concebida como a interpretação autorizada dos arts. 1
o
(3) e 55 da Carta
da ONU, no sentido de definir a expressão direitos humanos e liberdades fundamentais,
a Declaração de 1948 estabelece duas categorias de direitos: os direitos civis e políticos
e os direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o
discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os
direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a
realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida
em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de
verdadeira significação.
Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como
também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade.
Em suma, todos os direitos humanos constituem em complexo integral, único e
indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são
interdependentes entre si
97
.
A partir da elaboração dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais forma-se a Carta Internacional dos Direitos
97
PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 146-151.
85
Humanos, International Bill of Rights, integrada por ambos os Pactos, que serão
analisados no capítulo que trata dos instrumentos dos Direitos Humanos.
Por oportuno, acrescente-se a reflexão de ANTONIO CASSESSE:
“Qual é o real valor da Declaração? Eu pretendi até agora
demonstrar que a Declaração tem, quase que imperceptivelmente,
produzido muitos efeitos práticos – a maior parte deles visível apenas a
longo prazo. O mais importante é o efeito que eu devo definir em termos
essencialmente negativos: a Declaração é um dos parâmetros
fundamentais pelos quais a comunidade internacional “deslegitima” os
Estados. Um Estado que sistematicamente viola a Declaração não é
merecedor de aprovação por parte da comunidade mundial”
98
.
Com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, HENRY STEINER
99
afirmou que os direitos humanos se tornaram um componente inafastável do cenário
internacional.
98
CASSESSE, Antonio. Human Rights in a changing world, op.cit. p. 46-47.
99
STEINER, Henry J. In Political Participation as a Human Right. Harc. Hum. Rts. Y. B. 77, 79, 1, 1988.
86
SEGUNDA PARTE – A CRIAÇÃO DA OMC E OS PRINCIPAIS
INSTRUMENTOS DO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS INTERNACIONAIS RELEVANTES A ORDEM ECONÔMICA.
CAPÍTULO I – OMC – CRIAÇÃO, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
1.1 O Contexto Histórico da Formação da OMC.
O Estado primitivo, em forma de associação de pessoas agrupadas convivendo
em cooperação mútua para garantir sua sobrevivência, existe desde a criação do homem,
enquanto que o Estado moderno, organizado, tem origem histórica identificada. A troca
de bens era prática usual que variava de acordo com as condições e necessidades dos
homens, até que se evoluiu para uma relação comercial, vez utilizada como fonte de
sobrevivência e vez como fonte de poder econômico, sempre aproveitada para garantir o
desenvolvimento dos homens.
Independente do momento histórico da sociedade verifica-se que esta sempre
esquadrinha a aplicação de um modelo de comércio que garanta o desenvolvimento
econômico dos homens e do Estado.
No entanto, enquanto não há crises de crescimento, a estrutura do modelo
aplicado não é modificada.
87
Assim, desde os primórdios, as crises econômicas e comerciais geram
modificações estruturais dos modelos, que são fundamentais para o desenvolvimento da
sociedade e das relações econômicas interestatais.
Nesse sentido, as decisões econômicas e de interferência comercial adquirem
valorização extrema no cenário econômico internacional e, por conseqüência, na
preservação dos direitos humanos.
Ao longo da história os modelos econômicos aprimoraram-se passando por
diversas fases. Na grande maioria dessas fases o comércio apresentava-se em posição de
formação da organização social, já demonstrando o seu poder direto de influência nesta e
indireto na qualidade de vida dos cidadãos.
Até mesmo no modelo feudal o comércio já era elemento presente, tendo sido
considerado o fator principal da mitigação do feudalismo. O período determinante para o
desenvolvimento do comércio foi o denominado Renascimento Comercial
100
, que
delimitou um novo rumo para o modelo produtivo de até então.
Com o descobrimento de novos continentes, as navegações como meio de
expansão comercial começam a surgir e em oposição ao sistema feudal nasce o sistema
colonial, que se utiliza do Mercantilismo
101
como sistema de política econômica. O
Estado passa a intervir na economia através de regulamentações, tarifas alfandegárias,
controle sobre salários, preços e qualidade de mercadorias.
100
O Renascimento comercial nada mais foi que a generalização do comércio por toda a Europa que, até
então, era praticado em nível local e entre os feudos, com exceção das cidades de Lund, no Mar Báltico, e
Veneza, no Mediterrâneo, que já tinham um fluxo comercial respeitável desde o Século IX. Esta
generalização do comércio foi incrementada com a comercialização de artigos de luxo e dos produtos
oriundos do oriente e, mais tarde, oriundos do novo mundo econômico do Atlântico e vendidos a preços
altíssimos. Logo em seguida, surgiu uma produção local que barateou o custo do transporte e dos
produtos, formando assim as grandes oficinas urbanas. Com a explosão demográfica do Século X, a
produção feudal já não supria as necessidades dos servos que migraram para as cidades e para outras terras
criando novas profissões e trabalhando de forma livre, o que propiciou uma produção excedente que, em
última análise, também fomentava o comércio.
101
O mercantilismo foi, em poucas palavras, um sistema colonial de política econômica baseado no
acúmulo de pedras preciosas e metais, incentivando a exportação destas e a redução máxima de
importação.
88
Em seguida, ainda adotando o sistema Mercantilista, o Estado organizou-se em
monarquias nacionais e logo veio o absolutismo. É nesse contexto, no século XVI, que
se identifica o nascimento do Estado Moderno, caracterizado pelo aparecimento de uma
burocracia estatal, um exército nacional, impostos nacionais, substituição da moeda
feudal pela nacional e substituição do direito consuetudinário pelo direito nacional.
Em oposição ao Mercantilismo aparece a criação de escolas que pregavam o
Liberalismo Econômico, o qual serviu de fonte para a Revolução Industrial. Após uma
avalanche de revoluções
102
, no século XVIII, instituiu-se um novo modelo de Estado e
de economia política, o que propiciou o entendimento de uma ordem econômica
internacional necessitada de equilíbrio.
Todavia, cumpre lembrar que o liberalismo, que teve como marco teórico a
famosa obra de A
DAM SMITH de 1776 intitulada A riqueza das nações
103
, baseada nos
princípios do iluminismo e do utilitarismo, prega, ainda que não explicitamente, a não
intervenção do Estado na economia, haja vista que essa atuação seria desnecessária, à
medida que o mercado naturalmente se encarregaria disso, trazendo assim paz social e
desenvolvimento. Assim, SMITH defendia que a economia não era (e não deveria ser)
guiada por atuação do Estado, e sim pela mão invisível do mercado, ou seja, pelas leis
naturais que regem os mercados
104
.
A primeira tentativa em manter o equilíbrio comercial entre os países atuantes e
dominantes no cenário político e econômico internacionais, através da aplicação de
normas, deu-se pelo Congresso de Viena em 1814.
102
Revolução Industrial Inglesa, Revolução Francesa, Revolução Intelectual e a Independência dos EUA.
103
De acordo com ADAM SMITH: Cada indivíduo esforça-se continuamente para encontrar o emprego mais
vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio
benefício e não o da sociedade. Mas, o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor,
necessariamente, a preferiri o emprego mais vantajoso para a sociedade (Inquérito sobre a natureza e as
causas da riqueza das nações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. v. 2, p. 757)
104
Nesse sentido, afirma ADAM SMITH: “Na verdade, ele não pretende, normalmente, promover o bem
público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez de externa, só
está a pensar na sua segurança, e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo
de valor, não está a pensar no seu próprio ganho, e neste como um muitos outros casos, está a ser guiado
por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções (...) Inquérito sobre a
natureza e as causas da riqueza das nações, op. cit., p. 758.
89
Nesse contexto os países europeus já aplicavam as regras de livre comércio entre
si, excluindo os estrangeiros por meio de regras rígidas em relação a estes. Em meio ao
cânone do livre comércio, alguns países aumentaram drasticamente suas tarifas
colocando-se em oposição ao livre comércio europeu.
Note-se que o sentimento de rejeição da Alemanha pelos países inseridos no
contexto comercial internacional foi um dos fatores que desencadeou a Primeira Guerra
Mundial (1.914 a 1.918). Com a Primeira Grande Guerra, o fluxo do mercado
internacional foi alterado e os Estados Unidos se estabeleceram como potência.
A Conferência Econômica Mundial de 1927 resultou num grande acordo
multilateral de comércio. Foi o precursor do GATT/47 e ficou sem efeito até a assinatura
deste. Isso se deu em razão da crise econômica da década de trinta, em que revigorou as
práticas estatais protecionistas.
Neste quadro internacional a verdadeira ordem econômica internacional é
instaurada pelo liberalismo econômico através do comércio, dos investimentos e do
sistema monetário. No entanto, após a Primeira Guerra Mundial veio a crise do
capitalismo que culminou em uma nova modificação do modelo de economia política
internacional, reconhecida como padrão ouro que, em apertada síntese, vinte anos mais
tarde fomentou os problemas sociais e econômicos dos países europeus que geraram a
Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945).
Com o fim da Segunda Guerra os países se encontram em estado de
miserabilidade e se deparam com a necessidade de cooperação mútua a fim de se
reestruturarem e manter-se financeiramente estabilizados.
Em 1947, houve a regulamentação e institucionalização dos subsídios
governamentais europeus, pois foram estabelecidas linhas oficiais de crédito para o setor
agrícola local. Nesse caso a gênese dos subsídios europeus foi legítima e plenamente
justificável no quadro de destruição e economia de guerra
105
.
105
REZENDE, Ana Carla Figueroa. Aspectos do comércio internacional e de institutos de defesa comercial,
com especial enfoque nos subsídios – uma análise das normas nacionais e das normas da OMC.
Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – 2002, p.52-53.
90
Os Estados passam, então, a compreender a importância de se regular o comércio
financeiro internacional para garantir um nível de vida adequado aos seus indivíduos, já
se atentando, superficialmente, à observância dos direitos humanos. Diante desta
consciência internacional é que surge a Organização das Nações Unidas, tratada em
tópico específico, e os Acordos de Bretton Woods.
Os Acordos de Bretton Woods visavam regulamentar o sistema comercial e
financeiro do momento. A fim de garantir a regulamentação internacional os acordos
criaram três organizações que formavam o chamado tripé econômico e que passariam a
exercer papel fundamental na nova ordem: O Fundo Monetário Internacional (FMI), o
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), atualmente o
Banco Mundial, e a Organização Internacional do Comércio (OIC), criada pela Carta de
Havana, em 1948.
WELBER BARRAL se refere à função destas organizações dizendo:
“A primeira delas seria o Fundo Monetário Internacional,
incumbido de manter a estabilidade cambial e assistir a países que
atravessassem crises financeiras através de acesso a direitos especiais
de financiamento. A segunda organização seria o Banco Internacional
para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), cujo objetivo inicial
era prover financiamentos para a reconstrução dos países devastados
pela guerra. E, finalmente, a criação da Organização Internacional do
Comércio, objetivando promover a negociação de novos acordos
multilaterais, para liberalizar o comércio mundial
106
”.
Especificamente acerca da OIC, REZENDE destaca:
“Entre 1946 e 1948 foram promovidas três grandes
conferências de ordem econômica. Ao final da última, em 1948, em
Havana, foi prevista a Organização Internacional do Comércio, cujo
objetivo era alcançar o pleno emprego por meio do comércio
91
internacional. Para tanto, privilegiava: 1) o desenvolvimento econômico
e a reconstrução dos países no Pós Guerra; 2) o acesso de todos os
países aos mercados existentes, às fontes de matéria prima e aos meios
de produção; 3) a redução de obstáculos ao comércio”
107
.
A OIC fracassou, pois não obteve a aprovação dos países que a negociaram, a
começar pelos Estados Unidos, o parceiro mais importante. Os historiadores dizem que
era um documento cheio de contradições, complexo e muito difícil
108
.
O aborto da OIC conferiu prestígio a outros órgãos regulatórios que surgiram a
fim de discutir a ordem econômica internacional, como à UNCTAD, United Nations
Conference on Trade and Development (Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e Desenvolvimento), e à OCDE, Organization for Economic Cooperation and
Development (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento).
Apesar do empenho dispensado, estas organizações não foram satisfatórias para
deliberar a crise mundial estabelecida nas relações comerciais internacionais.
Face à essa insatisfação, e diante da necessidade da OIC ser substituída, nasceu
precariamente o GATT
109
, que não tinha pretensão de ser uma organização
internacional, de modo que foi firmado como tratado provisório.
O Acordo Geral de Tarifas e Comércio constitui a primeira tentativa histórica de
regulamentação jurídica das relações de comércio entre Estados em termos multilaterais.
Como visto, até então o papel dos Estados no comércio era limitado ao plano interno,
com algumas exceções, com o estabelecimento de tarifas alfandegárias.
106
BARRAL, Welber. 2000. p.78-79.
107
REZENDE, 2002, p. 60-64.
108
BAPTISTA, Luiz Olavo. A Organização Mundial do Comércio e suas Repercussões sobre o
Ordenamento Jurídico Interno. Conjur – Conselho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa da
Fiesp/Ciesp. 1996.
109
Os países signatários do GATT foram: Austrália, Bélgica, Birmânia, Brasil, Canadá, Ceilão, Cuba,
Checolosváquia (atuais República Checa e Eslováquia), Chile, China, EUA, França, Índia, Líbano,
Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Paquistão, Reino Unido, Irlanda do Norte, Rodésia
do Sul, Síria e África do Sul.
92
A história da criação do GATT tem ligação estreita com os fatos que precederam
a criação da Organização Internacional do Comércio. Dos quatro encontros preparatórios
para a formação da OIC, o último, realizado em Genebra, de abril a novembro de 1947,
teve seu grupo de trabalho dividido em três grandes subgrupos: (i) o grupo preparatório
da carta final da OIC; (ii) o grupo que cuidou da promoção de um acordo multilateral de
comércio sobre a redução tarifária recíproca entre os participantes; e (iii) o grupo
responsável pela assinatura das cláusulas gerais relacionadas a obrigações tarifárias.
Ocorre que, independentemente da conclusão da Carta da OIC (1948), os resultados dos
trabalhos do primeiro e segundo grupos foram unificados e constituíram o que seria
posteriormente chamado de Acordo Geral de Tarifas e Comércio/GATT (1947)
110
.
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio nasceu na Conferência Internacional
sobre Comércio e Emprego, encerrada em 1947, momento em que os estados
participantes retomaram as negociações aduaneiras multilaterais e, antes mesmo da
entrada em vigor da Carta de Havana, firmaram o referido Acordo, cujo objetivo central
era, em princípio, liberalizar o comércio internacional, reduzindo substancialmente,
mediante negociações multilaterais e sob o princípio da reciprocidade e mútuas
vantagens, as alíquotas dos tributos no comércio internacional e as barreiras não
tributárias que o obstaculizavam
111
. O GATT era um conjunto de Acordos e não uma
instituição.
Acerca de sua forma, L
UIZ OLAVO BAPTISTA
112
assevera:
“Não era um tratado constitutivo de organização internacional,
não tinha membros contratantes, mas partes contratantes, expressão
que ressalta seu caráter normativo e contratual. Dependia, portanto, da
vontade constante de todo o mundo para ser cumprido e mantinha-se
pelo respeito a uma regra de natureza moral de Direito Internacional, a
pacta sunt servandae. Como tratado, o GATT permitiu a adesão entre os
coobrigados de algumas entidades heterodoxas: os territórios
aduaneiros, que têm autonomia econômica e administrativa para se
110
JACKSON, John H. The World Trading System – Law and Policy of International Economic Relations.
Second Edition. Massachussetts: MIT Press, 1999, p.37.
111
Tradução livre do original em espanhol Manffer (1994, p.734). Mais sobre origens do GATT e da
OMC J
ACKSON (1999, p.31-77), LOWENFELD (1983, p.5-28) e TREBILOCK; HOWSE (2000, p.17-24).
93
regularem em matéria aduaneira e econômica, mas não contam com o
reconhecimento internacional de sua personalidade. Dois exemplos são
Hong Kong e Taiwan, dois territórios aduaneiros que fazem parte,
desde o início, das obrigações do tratado”.
O GATT tinha muitas insuficiências, mais exceções do que regras, e uma
estrutura institucional quase inexistente. Foi originariamente concebido visando: (i)
manter um sistema geral de preferências, no qual qualquer Estado poderia eximir-se do
cumprimento das regras específicas de áreas preferenciais; (ii) atender obrigatoriamente
ao princípio da nação mais favorecida (NMF); (iii) regulamentar cortes nas alíquotas de
tributos aduaneiros; (iv) instituir um sistema de tomada de decisões, que privilegiasse a
negociação multilateral em reuniões periódicas (rodadas de negociação), que ocorreram
de 1948 a 1995, em número de oito, compondo o corpo normativo do GATT/47.
No GATT, consagrava-se um mecanismo de que os resultados conseguidos entre
partes contratantes interessadas num assunto principal seriam automaticamente
estendidas para o universo de todas as partes contratantes. Era a aplicação da regra mais
favorecida (ou cláusula de mais favor), segundo a qual um favor tarifário ou outro
qualquer relacionado ao comércio internacional concedido por uma Parte Contratante a
um seu principal parceiro, seriam estendidos para todas as demais partes contratantes
que integravam o GATT.
É notória a fragilidade dos quadros normativos do GATT. As tentativas de
combate às cláusulas de tratamento preferencial recíproco, deixam de ter qualquer
eficácia, a partir do momento que os Estados-Parte obrigavam-se aos acordos consoante
sua convivência. Atendendo a interesses econômicos politicamente bem amparados, os
países desenvolvidos escolhiam rigorosamente os tratados de que seriam signatários.
Note-se que os países em desenvolvimento, carentes de mobilização do seu setor
produtivo junto às missões diplomáticas, foram apenas favorecidos com o tratamento
especial na segunda metade da década de sessenta, aproximadamente vinte anos após a
concepção do GATT.
112
Op.cit. p.06.
94
O sistema de solução de controvérsias, examinado em tópico mais adiante,
quando deliberava sobre determinado assunto, tinha a implementação de seu relatório
facilmente bloqueada pela parte infratora, amparada pela regra de consenso positivo
daquele mecanismo. Por óbvio, regras que não possuíam eficácia automática, expostas
ao resultado de barganhas políticas, à unilateralidade defensiva e arrazoada dos Estados-
Parte, e que não eram capazes de estabelecer bases de segurança e previsibilidade para o
desenvolvimento do sistema multilateral de comércio
113
.
Na tentativa de adaptar e preencher as imperfeições do tratado, os Estados
membros reuniam-se para tomar decisões que eram baseadas em entendimentos a partir
de um consenso. Note-se que a criação da OMC institucionalizou os mecanismos de
negociação multilateral de comércio e ocasionou a transição da expressão “rodada de
negociação” para “agenda negociadora”, que é adotada para anunciar as metas a serem
alcançadas, bem como os compromissos com datas prévias de conclusão.
Na seqüência dessas reuniões houve uma série de rounds a partir do Dillon
Round: Kennedy Round (1964-1967), Tokyo Round (1973-1979) e Uruguay Round
(1986-1994), o mais amplo de todos. Foi durante a Rodada de Negociação do Uruguay
que a OMC foi gerada e oficializada.
A Rodada Tóquio instituiu a Parte IV do GATT, de consagração da desigualdade
existente entre países industrializados e países em desenvolvimento, clara derrogação do
princípio da igualdade das partes contratantes nas negociações tarifárias.
Devido aos grandes avanços a Rodada Tóquio foi considerada a mais importante
e teve seus reflexos sentidos na Rodada Uruguay que foi a mais longa, com duração de
oito anos, e teve mais de cem participantes que oficializaram, em 1994, através dos
Acordos assinados na cidade marroquina de Marraqueche, a conversão do sistema
mundial de comércio coordenado pelo secretariado do GATT, em OMC.
Sinteticamente, foram os seguintes os principais resultados da Rodada Uruguai:
113
LAFER. Celso. A OMC e a regulamentação do Comércio Internacional... p.120. CARREAU, Dominique;
JUILLARD, Patrick. Droit International économique... p.54.
95
a) Corte médio de 37% das tarifas de importação internacionais. Em relação aos
produtos industrializados, os países desenvolvidos assumiram o compromisso de reduzir
suas tarifas em 49% - ou seja, de uma média de 6,3% para 3,8% - e de aumentar o valor
das importações isentas de tarifa de importação - de 20% para 44%. Após o período de
transição de cinco anos para os diversos países (prazo estabelecido para que pratiquem
as tarifas que registraram junto à OMC), apenas 5% dos produtos por eles importados
terão tarifas superiores a 15% [OMC (1995, p. 6)].
b) Reincorporação dos produtos agropecuários ao sistema multilateral de
comércio. Originariamente, o comércio de produtos agrícolas estava coberto pelas regras
do GATT, mas com o tempo a Comunidade Européia (sobretudo) e os Estados Unidos
foram conseguindo uma série de isenções quanto à utilização de medidas não-tarifárias e
de subsídios à sua produção e exportação [Lampreia (1994, p. 8) e OMC (1995, p. 20)].
Nenhuma das tentativas anteriores de trazer o setor agrícola de volta às disciplinas do
GATT logrou êxito.
A liberalização propiciada pela Rodada Uruguai ficou aquém daquela esperada
pelos países em desenvolvimento, mas não se pode negar que ocorreram alguns avanços
importantes nesta área. Um deles foi a “tarificação” de todas as restrições não-tarifárias,
que atingiam mais de 30% da produção agrícola. As tarifas resultantes serão reduzidas
em 36% para os países desenvolvidos e em 24% para aqueles em desenvolvimento,
respectivamente, em um período de seis e 10 anos, contados a partir de janeiro de 1995.
Além disso, o Acordo sobre Agricultura estabeleceu normas e novos
compromissos em matéria de acesso a mercados, ajuda interna e subsídios às
exportações. Novas negociações sobre o setor agrícola deverão começar antes do
término do quinto ano de aplicação do Acordo, ou seja, 1999.
c) Incorporação dos produtos têxteis ao sistema multilateral de comércio. O
comércio de produtos têxteis estava sujeito a regras especiais estabelecidas pelos países
desenvolvidos desde a década de 60. Em 1974, entrou em vigor o Acordo Mutifibras,
através do qual esses países passaram a fixar, negociada ou unilateralmente, cotas para a
importação de têxteis e confecções provenientes de países em desenvolvimento. O
96
Acordo Multifibras deve ser eliminado em 10 anos contados a partir de janeiro de 1995,
obedecendo a um cronograma previamente estabelecido.
d) Aumento percentual das linhas de produtos consolidadas (registradas na
OMC) de 78% para 99% do total das linhas alfandegárias no caso dos países
desenvolvidos, de 21% para 73% com relação àqueles em desenvolvimento e de 73%
para 98% para as economias em transição.
A ampliação da lista de tarifas consolidadas por parte dos países em
desenvolvimento refletiu, em boa medida, os processos unilaterais de liberalização
comercial por eles promovidos a partir do final dos anos 80, assim como a percepção de
que teriam mais a ganhar (ou menos a perder) participando mais ativamente do sistema
multilateral de comércio. Muitos desses países consolidaram suas tarifas em níveis
superiores àqueles que efetivamente praticam ou que pretendem praticar em um futuro
próximo. O Brasil, por exemplo, consolidou sua tarifa em 35% para produtos
industrializados e em 55% para os agropecuários a partir do ano 2000, enquanto definiu
com os seus parceiros do Mercosul uma Tarifa Externa Comum (TEC) máxima de 20%.
e) Inclusão do setor serviços no sistema multilateral de comércio. Foram
negociados um código de conduta para o setor - Acordo Geral sobre o Comércio de
Serviços (Gats) - e compromissos em termos de acesso a mercados, os quais fazem parte
das listas nacionais vinculantes e devem ser ampliados em negociações em curso ou
futuras.
Pode-se dizer que os entendimentos (ou desentendimentos) sobre o setor apenas
começaram, e entre as negociações mais difíceis estão aquelas referentes a assuntos
financeiros.
f) Garantia de proteção aos direitos de propriedade intelectual relacionados com
o comércio - Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o
Comércio (Trips).
97
g) Aperfeiçoamento dos instrumentos de defesa comercial, com a negociação de
um acordo sobre salvaguardas e o aperfeiçoamento dos códigos sobre subsídios e
medidas antidumping.
h) Criação de um novo sistema de solução de disputas comerciais.
Além disso, quatro compromissos fundamentais foram assumidos na ata final da
Rodada Uruguay: (i) o compromisso de os participantes submeterem a apreciação das
suas respectivas autoridades competentes, os acordos, com a finalidade de aprovar os
instrumentos negociados que fazem parte, na condição de anexos, da ata final; (ii) o
compromisso de aceitar os instrumentos negociados, devendo entrar em vigor no mais
tardar em 1 de janeiro de 1995; (iii) o compromisso de estabelecer a Organização
Mundial do Comércio provendo de adequada estrutura administrativa para a aplicação
internacional dos resultados da Rodada Uruguai; e (iv) o compromisso de aplicar o
Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio em caráter definitivo e não
provisório
114
.
O fim da Guerra Fria e conseqüentemente de um mundo estruturado em torno de
polaridades definidas levou à diluição — embora não à eliminação — de conflitos de
concepção sobre como organizar a vida econômica mundial. O novo macro contexto
político permitiu a conclusão da Rodada Uruguay e a criação da OMC. Num certo
sentido, poder-se-ia dizer que a OMC constitui a primeira organização internacional pós-
Guerra Fria
115
.
A OMC é fruto do desejo dos participantes da Rodada Uruguay em criar uma
base econômica mundial para regulamentar o processo de internacionalização do
comércio, visto que o mercado econômico e financeiro já contava com o FMI e o BIRD
(Banco Mundial). Destina-se a superar os defeitos do GATT, dando maior amplitude à
liberdade no intercâmbio internacional.
114
REZENDE, Ana Carla Figueiroa. Op.cit. p.63/64.
115
LAFER, Celso. A OMC e a Regulamentação do Comércio Internacional. Uma visão Brasileira. Ed.
Livraria do Advogado, POA. 1998. p.22.
98
A OMC
116
é uma organização internacional intergovernamental, isto é, uma
instituição com sua própria personalidade jurídica, com uma competência ratione
materiae mais extensa que o antigo GATT. A sua sede localiza-se em Genebra, Suíça. O
seu diretor-geral atual, eleito em 2005, é PASCAL LAMY.
Iniciou formalmente suas atividades em janeiro de 1995.
117
. Os acordos da OMC
englobam o GATT de 1947 e os resultados da Rodada Uruguai
118
. Contém 29 textos
jurídicos individuais e 25 entendimentos, decisões e declarações ministeriais, onde estão
especificados compromissos e obrigações adicionais dos seus membros que devem
observar os parâmetros básicos desses acordos ao definirem suas políticas comerciais.
As normas do GATT restringiam-se ao intercâmbio de mercadorias, ao passo que
as normas da OMC abrangem setores mais sofisticados, não só o comércio de bens
116
O site eletrônico oficial da OMC, http://www.wto.org, conceitua e aponta os objetivos e estrutura da
Organização. Na íntegra:
“There are a number of ways of looking at the WTO. It’s an organization for liberalizing trade. It’s a
forum for governments to negotiate trade agreements. It’s a place for them to settle trade disputes. It
operates a system of trade rules. (But it’s not Superman, just in case anyone thought it could solve — or
cause — all the world’s problems!).
Above all, it’s a negotiating forum … Essentially, the WTO is a place where member governments
go, to try to sort out the trade problems they face with each other. The first step is to talk. The WTO was
born out of negotiations, and everything the WTO does is the result of negotiations. The bulk of the
WTO's current work comes from the 1986-94 negotiations called the Uruguay Round and earlier
negotiations under the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). The WTO is currently the host
to new negotiations, under the “Doha Development Agenda” launched in 2001.
Where countries have faced trade barriers and wanted them lowered, the negotiations have helped to
liberalize trade. But the WTO is not just about liberalizing trade, and in some circumstances its rules
support maintaining trade barriers — for example to protect consumers or prevent the spread of disease.
It’s a set of rules … At its heart are the WTO agreements, negotiated and signed by the bulk of the
world’s trading nations. These documents provide the legal ground-rules for international commerce. They
are essentially contracts, binding governments to keep their trade policies within agreed limits. Although
negotiated and signed by governments, the goal is to help producers of goods and services, exporters, and
importers conduct their business, while allowing governments to meet social and environmental
objectives.
The system’s overriding purpose is to help trade flow as freely as possible — so long as there are no
undesirable side-effects. That partly means removing obstacles. It also means ensuring that individuals,
companies and governments know what the trade rules are around the world, and giving them the
confidence that there will be no sudden changes of policy. In other words, the rules have to be
“transparent” and predictable.
And it helps to settle disputes … This is a third important side to the WTO’s work. Trade relations
often involve conflicting interests. Agreements, including those painstakingly negotiated in the WTO
system, often need interpreting. The most harmonious way to settle these differences is through some
neutral procedure based on an agreed legal foundation. That is the purpose behind the dispute settlement
process written into the WTO agreements.
117
No final de 1995 já contava com cento e vinte e nove membros, além dos Estados observadores que
visavam aderir aos acordos da Organização.
99
tangíveis ou corpóreos, mas de serviços, de direitos de propriedade intelectual e medidas
de investimentos relacionados com o comércio (TRIMS), além de contemplar
agricultura e têxteis, setores que não estavam efetivamente incluídos na jurisdição do
GATT.
O GATT possuía muitos acordos de caráter plurilateral (os chamados “códigos”),
dado que muitas das regras negociadas nos anos 70 (Rodada Tóquio) não foram
subscritas por todos os países. Já os acordos da OMC são praticamente todos
multilaterais, ou seja, subscritos integralmente pelos membros. As únicas exceções
ficam por conta dos acordos sobre carne bovina, produtos lácteos, aeronaves civis e
compras governamentais, que são denominados plurilaterais e cuja adesão é voluntária.
As normas da OMC representam o que deve ser um direito internacional
econômico. São fomentadas pela globalização e formam uma espécie de código do
comércio internacional, consolidando um significativo desenvolvimento progressivo do
direito internacional de cooperação econômica.
Tendo em vista a dimensão institucional da OMC, o seu sistema de normas é
composto, além de normas de comportamento, por normas de organização, isto é,
normas que conduzem juridicamente à convergência dos Estados para promoção de
propósitos comuns.
Essas normas são destinadas a conectar economias nacionais distintas num
mercado globalizado. Essas normas são essenciais, pois o mercado não opera no vazio.
A ordem econômica internacional de um mundo globalizado exige normas jurídicas
nacionais ou internacionais.
Daí a criação da OMC e o estabelecimento de um sistema multilateral de
comércio regido por normas. Essas normas têm por objetivo promover interesses
comuns através da expansão da produção e comércio de bens e serviços.
100
Discorre CELSO LAFER que essa expansão, contemplada no preâmbulo do Acordo
de Marrequeche, foi concebida como propícia a criar o bem-estar geral visto, nesse
sentido, como um bem público internacional. A relevância do comércio para a paz é um
ingrediente que amplia o âmbito desse bem público internacional e consequentemente o
interesse comum. Para lembrar MONTESQUIEU
119
, o doux commerce reprime o ímpeto de
preconceitos e promove uma interdependência positiva entre as Nações. É por isso que,
para KANT
120
, uma das garantias da paz é o “espírito do comércio”, que não pode
coexistir com a guerra.
A nosso ver, a OMC possui capacidade para alcançar esse bem-estar a medida
que seu objetivo é garantir o desenvolvimento do comércio internacional com a maior
eliminação possível das tarifas aduaneiras e demais entraves que dificultam as operações
comerciais no plano internacional. Estas manobras são objetivas
As obrigações assumidas no âmbito da OMC são vinculantes, enquanto que o
GATT era aplicado como compromisso, com muitas possibilidades de exceção, como já
foi falado neste trabalho.
Os acordos da OMC, que englobam o GATT de 1947 e os resultados da Rodada
Uruguai, contêm 29 textos jurídicos individuais e 25 entendimentos, decisões e
declarações ministeriais, onde estão especificados compromissos e obrigações adicionais
dos seus membros que devem observar os parâmetros básicos desses acordos ao
definirem suas políticas comerciais.
Fixam, portanto, as regras que devem ser observadas no jogo do comércio
internacional, de modo a garantir condições gerais de competição aos produtores
estrangeiros nos mercados externos. Assim, o viés dos acordos da OMC é rule-oriented
e não results-oriented
121
.
119
MONTESQUIEU, De l’esprit des Lois, Paris: GE. Flammarion, 1979, 2-XX, 1/XX, 2, pp. 9-10, cf.
Claudet Morilhat, Montesquieu, Politique et Richesses, Paris: PUF, 1996.
120
KANT, “Eternal Peace”, in The Philosophy of Kant, ed. By Carl J. Friederich, N. York, Modern
Library, 1977, p. 455.
121
HOEKMAN, B. Kostecki, M. The political economy of the world trading system. Oxford: Oxford
University Press, 2.000. p.24.
101
1.2 Função e Estrutura da OMC.
As funções da OMC estão inscritas no Artigo III do Acordo de Marraqueche, que
contemplam a competência para “- facilitar a implementação, administração e operação
e aprofundamento dos objetivos deste Acordo e dos Acordos Multilaterais de Comércio
(III:1)”. “- Ser o foro para negociações entre seus membros com respeito a relações
multilaterais de comércio em matérias tratadas em acordos constantes dos Anexos deste
Acordo. A OMC pode, também, prover um foro para negociações posteriores entre seus
membros com respeito a suas relações comerciais multilaterais. Também provê marco
para a implementação dos resultados de negociações que forem decididas pela
Conferência Ministerial (III:2)”. “- Administrar o Entendimento sobre Soluções de
Controvérsias – anexo 2 deste Acordo.”
Sendo assim, conclui-se que à OMC compete fixar, aplicar e controlar normas
comuns de relações comerciais internacionais, com vistas a assegurar a máxima
facilidade nas transações comerciais, previsibilidade e liberdades possíveis.
Compromete-se, em suma, a institucionalizar os mecanismos de negociação e a
solucionar conflitos comerciais internacionais, o
Para lograr esse objetivo a OMC se encarrega de
122
:
a) administrar os acordos comerciais;
b) servir de foro para as negociações comerciais;
c) resolver as controvérsias comerciais levadas à Organização
pelos Membros;
d) fornecer assistência técnica e cursos de formação para os
países em desenvolvimento;
122
Fontes: Página oficial da OMC na internet (tradução não-oficial) e Divisão de Política Comercial do
Itamaraty.
102
e) promover cooperação com outras organizações
internacionais.
O internacionalista LUIZ OLAVO BAPTISTA, em reunião na sede da FIESP
realizada logo após a criação e início das atividades da OMC, de forma muito prática
explica as funções e a estrutura da Organização.
“As funções que a organização vai assumir dentro do novo
contexto serão: de um lado, as de centro de negociações ligadas ao
comércio internacional – centro no sentido do local, mas, também, do
agente que provoca a negociação, que afixa, levanta os temas e a
conduz; do outro, as de organizar os acordos que compõem a OMC.
(Portanto, quando falo da OMC, trato não só da organização, mas,
também, do conjunto dos acordos). Desses acordos, os principais são: o
GATT revisto e corrigido; o GATTS, Acordo Geral sobre o Comércio de
Serviços; o TRIPS, Acordo Geral sobre a Propriedade Intelectual, e o
TRIMS, Acordo Geral sobre as Medidas de Investimento Relacionadas
com o Comércio. Além desses, há uma série de acordos setoriais, sobre
aeronaves civis, compras públicas, carne bovina, leite e laticínios,
têxteis e muitos outros. A estrutura da OMC é relativamente simples:
formada por um conselho ministerial, que se reúne a cada dois anos e
tem a obrigação de rever o estado da organização e faze-la prosperar;
um conselho, uma espécie de curador, que a administra; um órgão de
solução de disputas (atual órgão de solução de controvérsias); e um
órgão de exame das políticas comerciais. Esses dois órgãos são
subdivididos em conselhos específicos: o das mercadorias, o dos
serviços e o da propriedade intelectual. A organização dispõe, também,
de um “código de processo”, chamado procedimento de solução de
disputas, contido no anexo II do tratado. Essa rede de tratados será
sempre interpretada e aplicada pela OMC, por intermédio de seus
mecanismos de solução de disputas ou controvérsias e dos pareceres de
seus conselhos. No que implicar modificação do tratado, as decisões são
tomadas por consenso; no que for interpretação, por maioria dos votos.
Cada país tem um voto, independentemente do peso econômico ou da
103
população, e as decisões, todas, se aplicam automática e imediatamente
após sua aprovação.
1.3 Relação de membros da OMC
123
.
PAÍS-MEMBRO DATA DE INGRESSO
África do Sul 1º de janeiro de 1995
Albânia 8 de setembro de 2000
Alemanha 1º de janeiro de 1995
Angola 23 de novembro de 1996
Antígua e Barbuda 1º de janeiro de 1995
Arábia Saudita 11 de dezembro de 2005
Argentina 1º de janeiro de 1995
Armênia 5 de fevereiro de 2003
Austrália 1º de janeiro de 1995
Áustria 1º de janeiro de 1995
Bahrein 1º de janeiro de 1995
Bangladesh 1º de janeiro de 1995
Barbados 1º de janeiro de 1995
Bélgica 1º de janeiro de 1995
Belice 1º de janeiro de 1995
Benin 22 de fevereiro de 1996
Bolívia 12 de setembro de 1995
Botsuana 31 de maio de 1995
Brasil 1º de janeiro de 1995
Brunei 1º de janeiro de 1995
Bulgária 1°de dezembro de 1996
123
Todos os Membros da OMC podem participar de todos os conselhos, comitês, etc., com exceção do
Órgão de Apelação, dos grupos especiais de solução de controvérsias e dos comitês estabelecidos no
marco dos acordos plurilaterais.
104
Burkina Fasso 3 de junho de 1995
Burundi 23 de julho de 1995
Camarões 13 de dezembro de 1995
Cambodja 13 de outubro de 2004
Canadá 1º de janeiro de 1995
Chade 19 de outubro de 1996
Chile 1º de janeiro de 1995
China 11 de dezembro de 2001
Chipre 30 de julho de 1995
Colômbia 30 de abril de 1995
Comunidade Européia 1º de janeiro de 1995
Congo 27 de março de 1997
Coréia 1º de janeiro de 1995
Costa do Marfim 1º de janeiro de 1995
Costa Rica 1º de janeiro de 1995
Croácia 30 de novembro de 2000
Cuba 20 de abril de 1995
Dinamarca 1º de janeiro de 1995
Djibouti 31 de maio de 1995
Dominica 1º de janeiro de 1995
Egito 30 de junho de 1995
El Salvador 7 de maio de 1995
Emirados Árabes Unidos 10 de abril de 1996
Equador 21 de janeiro de 1996
Eslováquia 1º de janeiro de 1995
Eslovênia 30 de julho de 1995
Espanha 1º de janeiro de 1995
Estados Unidos da América 1º de janeiro de 1995
Estônia 13 de novembro de 1999
Ex-República Yugoslava da Macedônia
(ERYM)
4 de abril de 2003
Fiji 14 de janeiro de 1996
105
Filipinas 1º de janeiro de 1995
Finlândia 1º de janeiro de 1995
França 1º de janeiro de 1995
Gabão 1º de janeiro de 1995
Gâmbia 23 de outubro de 1996
Gana 1º de janeiro de 1995
Geórgia 14 de junho de 2000
Granada 22 de fevereiro de 1996
Grécia 1º de janeiro de 1995
Guatemala 21 de julho de 1995
Guiana 1º de janeiro de 1995
Guiné 25 de outubro de 1995
Guiné-Bissau 31 de maio de 1995
Haití 30 de janeiro de 1996
Holanda 1º de janeiro de 1995
Honduras 1º de janeiro de 1995
Hong Kong 1º de janeiro de 1995
Hungria 1º de janeiro de 1995
Ilhas de Salomão 26 de julho de 1996
Índia 1º de janeiro de 1995
Indonésia 1º de janeiro de 1995
Irlanda 1º de janeiro de 1995
Islândia 1º de janeiro de 1995
Israel 21 de abril de 1995
Itália 1º de janeiro de 1995
Jamaica 9 de março de 1995
Japão 1º de janeiro de 1995
Jordânia 11 de abril de 2000
Kwait 1º de janeiro de 1995
Lesoto 31 de maio de 1995
Letônia 10 de fevereiro de 1999
106
Liechtenstein 1º de setembro de 1995
Lituânia 31 de maio de 2001
Luxemburgo 1º de janeiro de 1995
Macau 1º de janeiro de 1995
Madagascar 17 de novembro de 1995
Malásia 1º de janeiro de 1995
Malauí 31 de maio de 1995
Maldivas 31 de maio de 1995
Malí 31 de maio de 1995
Malta 1º de janeiro de 1995
Matsu 1º de janeiro de 2002
Marrocos 1º de janeiro de 1995
Maurício 1º de janeiro de 1995
Mauritânia 31 de maio de 1995
México 1º de janeiro de 1995
Moçambique 26 de agosto de 1995
Mongólia 29 de janeiro de 1997
Moldova 26 de julho de 2001
Myanmar 1º de janeiro de 1995
Namíbia 1º de janeiro de 1995
Nepal 23 de abril de 2004
Nicarágua 3 de setembro de 1995
Níger 13 de dezembro de 1996
Nigéria 1º de janeiro de 1995
Noruega 1º de janeiro de 1995
Nova Zelândia 1º de janeiro de 1995
Oman 9 de novembro de 2000
Panamá 6 de setembro de 1997
Papua Nova Guiné 9 de junho de 1996
Paquistão 1º de janeiro de 1995
Paraguai 1º de janeiro de 1995
107
Peru 1º de janeiro de 1995
Polônia 1º de julho de 1995
Portugal 1º de janeiro de 1995
Qatar 13 de janeiro de 1996
Quênia 1º de janeiro de 1995
Reino Unido 1º de janeiro de 1995
República Centro Africana 31 de maio de 1995
República Democrática do Congo 1º de janeiro de 1997
República Dominicana 9 de março de 1995
República Kirguisa 20 de dezembro de 1998
República Tcheca 1° de janeiro de 1995
Romênia 1º de janeiro de 1995
Ruanda 22 de maio de 1996
Santa Lúcia 1º de janeiro de 1995
São Cristóvão e Nevis 21 de fevereiro de 1996
São Vicente e Granadinas 1º de janeiro de 1995
Senegal 1º de janeiro de 1995
Serra Leoa 23 de julho de 1995
Singapura 1º de janeiro de 1995
Sri Lanka 1º de janeiro de 1995
Suazilândia 1º de janeiro de 1995
Suécia 1º de janeiro de 1995
Suíça 1º de julho de 1995
Suriname 1º de janeiro de 1995
Tailândia 1º de janeiro de 1995
Tanzânia 1º de janeiro de 1995
Togo 31 de maio de 1995
Trinidad e Tobago 1º de março de 1995
Tunísia 29 de março de 1995
Turquia 26 de março de 1995
Uganda 1º de janeiro de 1995
108
Uruguai 1º de janeiro de 1995
Venezuela 1º de janeiro de 1995
Vietnã 11 de janeiro de 2007
Zâmbia 1º de janeiro de 1995
Zimbábue 5 de março de 1995
1.4 Relação de observadores da OMC
124
.
PAÍS OBSERVADOR
Andorra
Argélia
Azerbaijão
Bahamas
Belarus
Butão
Bósnia e Herzegovina
Cabo Verde
Etiópia
Guiné Equatorial
Irã
Iraqeu
Kazaquistão
Líbia
124
Com exceção do Vaticano, os observadores devem iniciar as negociações de adesão no prazo de cinco
anos depois de obter a condição de observador.
109
Montenegro
Rep. Dem. Popular Lao
República Libanesa
Rússia
Samoa
Vaticano
São Tomé e Príncipe
Sérvia
Seychelles
Sudão
Tajequistão
Tonga
Ucrânia
Uzbequistão
Vanuatu
Yemen
1.5 Organograma da estrutura da OMC.
110
1.6 Sistema de Solução de Controvérsias - O Órgão de solução de
controvérsias (OSC) e o Órgão de Apelação
125
- sob o prisma da promoção
do direito ao desenvolvimento humano.
125
Fontes: Página oficial da OMC na internet (tradução não-oficial) e Divisão de Política Comercial do
Itamaraty.
Reunião do
Conselho Geral
como Ó
RGÃO DE
SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
Reunião do
Conselho Geral
como M
ECANISMO
DE
EXAME DE
POLÍTICAS
COMERCIAIS
CONSELHO
GERAL
CONSELHO DE
MERCADORIA
S
ACORDOS
PLURILATERAIS
CONSELHO
DE SERVIÇOS
CONSELHO
PARA
TRIPS
CONFERÊNCIA
MINISTERIAL
Órgão de
Apelação
Grupos Especiais
de Solução de
Controvérsias
Comitê de Comércio de
Aeronaves Civis
Comitê de Compras
Governamentais
Comitês sobre:
Serviços Financeiros e
Acordos Específicos.
Grupos de trabalho
sobre:
Serviços Profissionais
e Regras do GATS.
Comitês sobre:
Acesso ao Mercado; Agricultura. Medidas Sanitárias e
Fitossanitárias. Barreiras Técnicas para o Comércio; Subsídios
e Medidas Compensatórias; Práticas Anti-Dumping. Valor
Aduaneiro; Regras de Origem; Licenças de Importação;
Medidas de Investimentos Comerciais; Salvaguardas;
Tecnologia da Informação.
Comitês sobre:
Comércio e Meio Ambiente; Comércio e Desenvolvimento;
Sub-comitê sobre Países Menos Desenvolvidos; Acordos
sobre Comércio Regional; Balança de Pagamentos;
Orçamento, Finanças e Administração; Grupos de Trabalho
para novos Acessos; Grupos de Trabalho sobre as Relações
entre Comércio e Investimento; A Interação entre Comércio
e Políticas de Concorrência; Transparência em Compras
Governamentais.
Acordo Plurilateral
Comitê de Tecnologia
da Informação
111
Não há, em todo o sistema das Nações Unidas, organização que possua jurisdição
semelhante à de um Estado, ou mesmo sistema de solução de controvérsias tão
complexo e amplo quanto o da Organização Mundial do Comércio.
Considerado por muitos especialistas como o resultado mais significativo – do
ponto de vista institucional – da Rodada Uruguai, o sistema de solução de controvérsias
da OMC diferencia-se do mecanismo vigente no âmbito do GATT em vários aspectos.
O primeiro método usado para esse fim consistia em opinião expressa
interpretativa do acordo pelo chairman de determinado Grupo de Trabalho, em reunião
com os Estados-Partes do GATT
126
.
JACKSON aponta que a segunda forma de solução de controvérsias nos primórdios
do GATT foi a mediação realizada por Grupos de Trabalho, que formavam fóruns de
negociação das partes em litígio e terceiros eventualmente interessados
127
.
A substituição do Grupo de Trabalho pelo Grupo Especial (panel) ocorreu na
septagésima reunião das Partes-Contratantes quando a Noruega apresentou reclamação
contra a Alemanha Ocidental
128
.
Os procedimentos gerenciados pelos Grupos Especiais se desenvolveram e
sedimentaram como “costume”. Para J
ACKSON, esta transição significou um
adensamento de juridicidade nos procedimentos para solução de controvérsias, uma vez
que os Grupos Especiais agiam de forma rule-oriented e os Grupos de Trabalho não
arbitravam, apenas conciliavam benefícios de maneira informal
129
.
No sistema do GATT, os "panels", que levaram a denominação de Grupos
Especiais constituem referência obrigatória.
126
JACKSON, Jhon H. The World Trading System – Law and Policy of International Economic Relations.
Second Edition. Massachussetts: MIT Press, 1999, p.173.
127
JACKSON, Jhon H. The World Trading System… p.174.
128
JACKSON, Jhon H. The World Trading System…p.95.
129
JACKSON, Jhon H. The World Trading System…p.95.
112
Um painel é um grupo de peritos, normalmente em número de três, constituído
para examinar controvérsias específicas quando a controvérsia não é resolvida por meio
de consultas entre as partes em disputa e uma das partes continua insatisfeita. Os
relatórios dos painéis, com recomendações sobre como resolver as controvérsias, são
aprovados pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), onde todos os membros são
representados.
O relatório do painel só não será aprovado pelo OSC caso haja o chamado
"consenso negativo", ou seja, caso todos os Membros presentes (inclusive o eventual
"ganhador" da disputa) desaprovem o relatório. Houve, assim, um inversão em relação
ao que ocorria sob o GATT, antes da OMC, quando a parte julgada inadimplente em
relação às suas obrigações podia, sozinha, obstaculizar o consenso.
À diferença do mecanismo de solução de controvérsias do GATT, o sistema da
OMC é dotado de um Órgão de Apelação, com a função de verificar, a pedido de
qualquer parte em disputa, os fundamentos legais do relatório do painel e de suas
conclusões.
O objetivo do sistema é reforçar a observância das normas comerciais
multilaterais e a adoção de práticas compatíveis com os acordos negociados. Não há o
propósito de punir membros pela adoção de práticas consideradas inconsistentes com as
regras da OMC. O sistema permite, a qualquer momento, a solução do conflito por meio
de um acordo entre as partes em contenda.
Com o aumento da juridicidade diminuiu-se a interferência política na solução de
disputas, e o sistema ganha segurança e previsibilidade.
Caso um relatório de painel aprovado pelo OSC conclua pela inconformidade da
prática de um Membro com as regras da OMC, a parte afetada deve modificar aquela
prática, de modo a recompor o equilíbrio entre direitos e obrigações. Apenas em caso de
recusa por parte do Membro derrotado em recompor tal equilíbrio é que a OMC poderá
autorizar retaliações.
113
O sistema de solução de controvérsias contempla várias etapas sucessivas, assim
resumidas (para maiores detalhes, consultar o "Entendimento relativo às Normas e
Procedimentos sobre Solução de Controvérsias", DSU
130
):
01 - Consultas;
02 - Se as Consultas: a) não são realizadas dentro do prazo
131
(30 dias,
ou conforme decidido de comum acordo); ou b) não levam a solução
mutuamente aceitável, a parte demandante pode solicitar o
Estabelecimento de painel;
03 - O painel será estabelecido o mais tardar na reunião do OSC
seguinte à reunião em que a solicitação constou pela primeira vez da
agenda do Órgão;
04 - O painel será composto, normalmente, por 3 peritos, após consultas
às partes em disputa. As partes em litígio, de comum acordo, podem
solicitar que o painel seja integrado por 5 peritos. As deliberações dos
painéis serão confidenciais;
05 - O painel terá 6, ou, no máximo, 9 meses, em condições habituais,
para apresentar seu relatório, a contar da data de seu estabelecimento e
da determinação de seus termos de referência;
06 - A parte demandante poderá solicitar a suspensão dos trabalhos do
painel, a qual não poderá exceder a 12 meses, sob pena de caducar a
autoridade para estabelecimento do painel;
07 - Etapa Intermediária de Exame: após a apresentação de réplicas e
argumentação oral das partes, o painel deve submeter as seções
130
As regras de solução de controvérsias do DSU são utilizadas em combinação com as regras e
procedimentos do(s) acordo(s) que guardam relação com o contencioso. As regras específicas dos acordos
ou entendimentos prevalecem sobre as regras gerais do DSU. Existe, ainda, o caminho alternativo de
solucionar o contencioso por meio de arbitragem. Tal expediente deverá resultar de acordo entre as partes
em litígio.
131
Os prazos relacionados à conclusão dos diversos painéis variam muito em função da dinâmica do
processo negociador e da natureza da questão envolvida. Somente a título de exemplo, o painel sobre a
gasolina venezuelana (Brasil e Venezuela x EUA) durou 2 anos e 7 meses desde seu início até a reversão
das medidas adotadas pelos EUA.
114
descritivas do projeto de relatório, para comentários das partes.
Ultrapassada essa fase, o painel deve elaborar um relatório provisório,
ao qual as partes podem oferecer comentários. O relatório provisório,
já com as conclusões do painel, será considerado o relatório final,
pronto para a circulação entre todos os membros, se não houver
comentários;
08 - Adoção do relatório do painel: salvo em casos de apelação, o
relatório deverá ser adotado pelo OSC dentro de 60 dias, a contar da
data de circulação do documento entre os membros. Os relatórios não
serão examinados para efeito de aceitação pelo OSC até 20 dias após a
data de distribuição aos Membros;
09 - Apelação: o Órgão de Apelação (OA) – composto por sete
integrantes (nomeados para mandato de quatro anos, renovável), três
dos quais atuarão em cada caso – terá, como regra geral, 60 dias
contados a partir da data da notificação formal da decisão de apelar
para distribuir seu relatório. O procedimento não deverá exceder 90
dias. Apenas as partes em controvérsia, excluindo-se terceiros
interessados, poderão recorrer do relatório do painel;
10 - Adoção do relatório do OA: dentro do prazo de 30 dias a contar da
distribuição do documento aos membros, a menos que o OSC decida por
consenso não adotar o relatório do OA;
11 - Implementação das Recomendações do OSC: em reunião do OSC
dentro de 30 dias após a data de adoção do relatório do Painel ou do
OA, o membro interessado deverá informar ao OSC suas intenções com
relação à implementação das decisões e recomendações daquele Órgão.
Não sendo possível a implementação imediata, o membro interessado
deverá dispor de prazo razoável;
12 - Compensações: se a parte afetada não implementar as decisões e
recomendações do OSC dentro do prazo razoável estabelecido, deverá,
se solicitada, negociar com a(s) outra(s) parte(s) compensações
mutuamente satisfatórias;
115
13 - Suspensão da Aplicação de Concessões ("retaliação"): Se dentro
dos 20 dias seguintes à data da expiração do prazo razoável
determinado não se houver acordado uma compensação satisfatória,
quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução
de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC para suspender a
aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos
acordos abrangidos à parte interessada.
14 - Os princípios definidores da suspensão da aplicação de concessões
e a determinação de seu valor são objeto de arbitragem;
15 - Após a determinação, pelo comitê de arbitragem, de que maneira e
em que valor incidirá a suspensão da aplicação de concessões, a parte
interessada deve solicitar autorização ao OSC para poder aplicar
aquela suspensão.
A atividade interpretativa é inerente ao processo de julgar. O julgador inicia o
processo com a análise dos dispositivos legais para então aplicá-los às circunstâncias
fáticas geradoras da controvérsia. Cada sistema jurídico privilegia um ou outro método
interpretativo (princípio da subsunção dos fatos à norma).
Como visto, no âmbito dos tratados da OMC não é diferente. Com o intuito de
restringir a criatividade dos grupos especiais, o artigo 3 (2) do ESC, apresenta as bases
que deverão ser obedecidas na interpretação dos acordos da Organização. Esse artigo
estabelece que as disposições existentes nos acordos da OMC devem ser vistas sob o
prisma das regras de interpretação do direito internacional público costumeiro, de
maneira a não adicionar ou diminuir direitos e obrigações de seus membros.
As recomendações e decisões dos Grupos Especiais e do Órgão de Apelação
devem ser feitas de modo a promover “solução satisfatória” nos termos da OMC. No
entanto, não há qualquer previsão do que deve ser entendido por “solução satisfatória”.
Meras recomendações sugerindo que a parte infratora restabeleça seu cumprimento com
as regras do sistema podem ser ineficazes se os membros não possuírem os mesmos
116
paradigmas interpretativos quanto à própria dimensão de seus deveres e obrigações
dentro da OMC
132
.
Deveras a diversidade das normas reguladoras da OMC, o termo “solução
satisfatória” deve ser entendido com vistas a promover o direito ao desenvolvimento,
pois o comércio é instrumento de desenvolvimento econômico e social, e
consequentemente papel fundamental na garantia da dignidade humana.
Ocorre, na realidade, que a prática vigente da OMC de eliminar quaisquer
paradigmas interpretativos que não estejam nos acordos e compromissos assumidos,
prejudica o alcance dos fins de desenvolvimento sustentado e do bem-estar social. O
julgador deveria pautar seu entendimento consoante os efeitos que sua decisão pode
gerar. Destaca CARLOS MAXIMILIANO: “desapareceu nas trevas do passado o método
lógico, rígido, imobilizador do direito: tratava todas as questões como se foram
problemas de geometria. O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal
resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e
alcance do texto; todavia este alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo
com o fim colimado pela legislação – o bem social.
133
Com tudo, verifica-se que os relatórios dos grupos especiais são importante fonte
interpretativa e de aplicação das normas da OMC, tanto para o Órgão de Solução de
Controvérsias, quanto para os membros da Organização. O respeito pelos precedentes e
a atenção dispensada às controvérsias contribuem para a formação de um complexo de
decisões que adquirem força de costume internacional
134
.
132
PETERSMANN, Ernst-Ulrich. The GATT/WTO dispute settlement system. International law,
international organizations and dispute settlement. (S.l.: s.n), 1997. p.136-137.
133
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
p.157.
134
“Les recommendation et suggestions des Groupes Spéciaux et de l’Orange d’appel vont orienter les
pratiques des members – et, par consequent, fomer la consuetude indispensabile à l’émergence de
coutumes générales em matieère commerciale internationale. L’opinio júris, ne fera pas défaut dès lors
qu’em se conformant à ces pratiques, lês members auront lê sentiment de respecter les príncipes et règles
conventionnelles qui em constituent le fondement. Il y a donc fort à parier que le dépassement des
Accords de Marrakesch s’effectue grace à um détour par la coutume international”. C
ARREAU,
Dominique; J
UILLARD, Patrick. Droit International économique. Paris: Librairie Génerale de Droit et de
Jurisprudence, EJA, 1998. p. 91.
117
O fim da OMC não pode ser outro a não ser promover o direito ao
desenvolvimento dos cidadãos, garantindo-lhes um nível de vida adequado.
1.7 Princípios básicos da OMC com vistas a assegurar a igualdade de tratamento
aos estados-membros – uma interpretação à luz da promoção do direito ao
desenvolvimento humano.
Note-se que os objetivos mais amplos das novas normas, além da maior
previsibilidade das condições em que operam o comércio internacional, são a garantia de
acesso aos mercados e a competição justa. Por trás destes dois objetivos estão dois
princípios básicos: a não discriminação e a reciprocidade, que muitas vezes parecem
entrar em contradição, e que, ainda que de forma superficial, promovem as vertentes dos
direitos humanos uma vez que concernem em maneiras de estabelecer a igualdade entre
os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
1.7.1 A não discriminação: Cláusula da Nação Mais Favorecida e Obrigação do
Tratamento Nacional.
A não discriminação é o princípio basilar do sistema multilateral do comércio,
previsto desde o GATT (1947) e expresso em duas regras: as cláusulas de nação mais
favorecida (artigo I) e de tratamento nacional (artigo III). Assim, conclui-se que ambos
são decorrentes do princípio da não discriminação.
1.7.1.1 A Cláusula da Nação Mais Favorecida.
A cláusula da nação mais favorecida, que proíbe regras de importação
discriminatórias entre os países membros, estabelece que qualquer vantagem atribuída a
um determinado país deve ser automaticamente atribuída a todos os membros
pertencentes à OMC, exceto quando as regras de importação baseiam-se numa cláusula
que garante tratamento preferencial aos países em desenvolvimento.
118
O comércio deve ser conduzido sem qualquer discriminação, pois todas as partes
contratantes são obrigadas a se conceder, mutuamente, tratamento tão favorável quanto
aquele dado a qualquer país, na aplicação e administração dos direitos e impostos de
importação e exportação.
Seu alcance compreende qualquer benefício relacionado ao comércio, que exerça
influência sobre importações e exportações como, por exemplo, regras e formalidades
para importação e exportação, ou mesmo medidas que afetam compra, venda, uso,
transporte ou distribuição de mercadorias
135
.
Como esclarecido, há algumas exceções à cláusula da nação mais favorecida.
Nesse regime de exceções há as que são necessárias à lógica do sistema multilateral de
comércio e, no entanto, as que prejudicam os objetivos de liberalização comercial.
J
ACKSON chega a afirmar que cerca de 25% do comércio internacional flui sob alguma
forma de regime discriminatório
136
.
Os Artigos XXIV 3 (a) e XXIV 5 do GATT 1994 são exemplos de cláusulas que
garantem tratamento preferencial aos países em desenvolvimento. O Artigo XXIV 5
possibilita aos membros da OMC particularizar tratamento preferencial em zonas de
livre comércio e uniões aduaneiras. Utilizando-se da prerrogativa do Artigo XXIV 3 (a)
os Estados podem estabelecer concessões maiores do que as pactuadas multilateralmente
sob o argumento de facilitar o tráfego na fronteira.
Dispostas no GATT 1994, existem, ainda, as exceções dos Artigos XX e XXI. O
primeiro prevê a possibilidade de imposição de medidas restritivas a importações
originárias de fontes específicas, por razões sanitárias, morais, ambientais e etc. O Art.
XXI estende a legalidade dessas mesmas medidas por razões de segurança.
Com base nessa cláusula de tratamento preferencial, os Estados Unidos criaram o
Sistema Geral de Preferências – SGP (Generalized System of Preference - GSP),
definido no primeiro encontro da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
135
DAS, BHAGIRATH LAL. An introduction to the WTO agreements. New York: Zed Books, 1998. p. 11.
136
JACKSON, JHON H. Op.cit. p. 163.
119
Desenvolvimento - UNCTAD, em 1964. Atualmente, além dos Estados Unidos, vinte e
seis países industrializados mantêm programas pelo SGP
137
.
O Sistema Generalizado de Preferências regula a possibilidade da concessão de
preferências tarifárias por países desenvolvidos àqueles em desenvolvimento, ou mesmo
entre países em desenvolvimento.
137
Esse sistema prevê a importação, sem taxas, de todos os produtos enquadrados no programa e
provenientes de determinados beneficiários e territórios (países em desenvolvimento). Com a autorização
do Congresso dos EUA, ele foi criado em primeiro de janeiro de 1976, por um período de dez anos, com
base no capítulo V do Acordo de Comércio de 1974 ("Trade Act of 1974"). O Congresso americano tem
renovado a autorização do SGP por prazos variáveis. Quando da sua renovação em 1984, foram
apresentadas, dentre outras, as seguintes finalidades para o seu funcionamento:
1. promover o crescimento dos países em desenvolvimento;
2. mostrar que o comércio, ao contrário da ajuda, é um meio mais eficaz e menos oneroso
de promover o crescimento auto-sustentado;
3. usufruir a vantagem de os países em desenvolvimento potencialmente representarem
mercados com taxas mais elevadas de crescimento para as exportações norte-
americanas;
4. reconhecer que os países em desenvolvimento necessitam de divisas para honrar os seus
compromissos financeiros internacionais.
O programa é administrado pela Comissão de Comércio Internacional dos EUA (U.S. International Trade
Commission – USITC), que publica a nomenclatura harmonizada da tarifa dos EUA (Harmonized Tariff
Schedule of the United States – HTSUS), onde se encontram listados os produtos enquadrados no SGP e
os países beneficiários. Em parte, o produto da lista é elegível para o tratamento especial se três condições
que definem a Regra de Origem forem satisfeitas:
a. ter sido produzido no país beneficiário;
b. ter sido importado pelos EUA diretamente do país beneficiário;
c. ter custo operacional no país beneficiário não inferior a 35% do preço de exportação.
O esquema é revisado anualmente para atender aos interesses dos importadores norte-americanos, dos
exportadores estrangeiros e dos países beneficiários, que formalizaram petição para incluir novos produtos
na lista. De outra parte, a retirada de produtos ou a exclusão de um país beneficiário é competência
exclusiva do presidente dos EUA, que notifica o Congresso. Em determinadas circunstâncias, o presidente
norte-americano pode também dispensar o cumprimento de certas exigências ("waiver") como, por
exemplo, o Limite de Exclusão ou de Competitividade (Competitive-Need Limitation – CNL). O CNL
caracteriza o início da fase em que um país passa a ser suficientemente competitivo no mercado americano
para não mais merecer o tratamento preferencial. Uma referência importante para o detalhamento
atualizado do programa norte-americano é o manual da UNCTAD - Generalized System of Preferences
Handbook on the Scheme of the United States of America (UNCTAD/ITCD/TSB/Misc.58 May 2003). No
Brasil, a Circular nº3/01 da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, de 19 de janeiro de 2001,
publicada no DOU de 24/01/2001, é o principal instrumento que torna públicas as informações sobre o
Sistema Geral de Preferências dos EUA, incluindo, no Anexo II, a lista de produtos cujo beneficiário é o
Brasil. Fonte: site da Secretaria da Receita Federal www.receita.fazenda.gov.br
120
Por fim, a cláusula da nação mais favorecida pode ser desconsiderada para
aplicação de medidas corretivas à prática imediata de dumping, subsídio, ou quando se
concluir, por meio dos procedimentos previstos para solução de controvérsias, que um
membro violou o ordenamento do sistema causando anulação ou prejuízo de benefício a
pelo menos um Estado-Membro.
As vantagens teóricas da cláusula de nação mais favorecida, de que todos os
Estados gozarão da liberalização do comércio em bases igualitárias, não resistem à
realidade do comércio internacional de que os Estados possuem diferenças em termos de
desenvolvimento.
LAFER
138
observa que um dos pressupostos da cláusula, de que a liberalização do
comércio internacional traz reais vantagens econômicas para todos os países envolvidos,
não é correto do ponto-de-vista dos países subdesenvolvidos, que acabaram na periferia
do sistema por não serem grandes produtores nem grandes consumidores dos itens
negociados no GATT.
Em verdade, o tratamento de nação mais favorecida, ao garantir tão-somente a
igualdade formal dos Estados, não satisfaz as necessidades dos países menos
desenvolvidos, que têm buscado desde o advento do GATT a inclusão de normas que
compensem as suas desvantagens, promovendo a igualdade real
139
.
Ainda assim, não podemos deixar de esclarecer que, como afirmou CARREAU e
J
UILLARD sobre tais mecanismos, estes agem no estabelecimento de condições
igualitárias para que países de potencial econômico diferenciados possam argüir seus
interesses e para que políticas e parâmetros humanitários não sejam prejudicas às
expensas do comércio
140
.
138
LAFER, Celso. Comércio e Relações Internacionais. São Paulo: Perspectiva, 1997, pp. 15-16.
139
LAWSON, Michael Nunes. Do princípio da não-discriminação no comércio internacional: a cláusula
de nação mais favorecida e a obrigação de tratamento nacional. Jus Vigilantibus, Vitória, 13 jul. 2005.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/16394>. Acesso em: 20 fev. 2007.
140
“Le droit international économique ne traite pas de façon identique les pays développés et le pays em
developpement. Il aménage sés régles em sorte que, dans lês relations internationales économiques, le
pays em développement reçoivent um traitement plus favorable que lês pays développés, afin qu’á terme,
soientent compensées lês inégalités de développement entre lês uns et les autres. Les régles ainsi
aménagées accusent une forte originalité, au point qu’ellesfont désormais l’objet d’une systématisation
particuliére; il ságit du droit international du developpement dans lê lê lequel l’idée d’igualité réelle prend
121
1.7.1.2 A cláusula da obrigação do Tratamento Nacional.
O princípio do tratamento nacional estipula que não deve haver discriminação
entre produtos, de modo que, uma vez no mercado do país importador, o produto
importado não esteja sujeito às condições que o coloquem numa posição de desvantagem
competitiva. Ou, como a própria denominação do princípio deixa claro, que o tratamento
dispensado ao produto importado seja o mesmo dispensado ao produto nacional.
Assim, não pode estar sujeito a qualquer limite diferente daqueles que recaem
sobre bens produzidos internamente, seja por meio de tributação, medidas que dificultem
sua circulação e comércio, ou mesmo imposição de quotas restringindo importações e/ou
venda.
A respeito da aplicação da cláusula do Tratamento Nacional também cabem
exceções, dentre as quais destacam as compras governamentais, situação em que um
governo, na aquisição de bens para seu próprio consumo, pode preferir o bem nacional
ao importado. Também cabe menção ao cenário em que o governo esteja incentivando
determinada indústria doméstica por meio do pagamento de subsídios permitidos pela
OMC.
Disposições quanto ao tratamento não-discriminatório também estão contidas em
outros acordos da OMC, como regras de origem, inspeção prévia à expedição, medidas
de investimentos relacionadas ao comércio (TRIMS) e aplicação de medidas sanitárias e
fitossanitárias
141
.
Enquanto a cláusula da nação mais favorecida tem por escopo promover a não-
discriminação entre parceiros comerciais, bem como propiciar a liberalização
generalizada do comércio, a cláusula do tratamento nacional promove a não-
discriminação entre produtos nacionais e importados. Conforme observado, na sua
le pás sur l’idée d’égualité formelle”. Carreau. Dominique; Juillard, Patrick. Droit international
économique. Paris: Libraire Génerale de Droit et de Jurisprudence. EJA, 1998. p. 22.
141
Fonte: site BNDES. www.bndes.gov.br. Acesso em 20 de fevereiro de 2007.
122
aplicação as duas regras têm dado azo a manipulação por parte dos governos como meio
de legitimar interesses protecionistas.
Para ELBA CRISTINA LIMA REGO
142
o princípio da reciprocidade nas negociações
complementa a cláusula da nação mais favorecida, limitando o incentivo por ela
conferido à concorrência de free-riding. As negociações realizam-se por meio da troca
de concessões em termos de acesso a mercados e cada negociador procura obter
contrapartidas para quilo que está disposto a oferecer. Na verdade, é a reciprocidade que
torna possível a realização de uma liberalização mais ampla e o estabelecimento de um
código de conduta multilateral. O equilíbrio resultante entre direitos e obrigações vai
depender do poder de barganha de cada país na negociação.
1.7.2 Os Princípios da Vigilância, Transparência e Cooperação Internacional.
A vigilância quanto ao cumprimento dos acordos multilaterais e dos
compromissos assumidos é exercida pelos próprios membros da OMC. Para isso, a
transparência é fundamental. Assim, os diversos acordos possuem inúmeras disposições
em matéria de transparência - leis, regulamentos e práticas nacionais devem ser tornados
públicos tanto em nível nacional (publicações oficiais e serviços de informação) quanto
multilateral.
Do ponto de vista multilateral, isto é feito através do mecanismo criado para
examinar as políticas comerciais e da obrigação de notificação à Secretaria da OMC das
práticas comerciais adotadas.
O Órgão de Exame das Políticas Comerciais (TPRB) da OMC realiza
periodicamente avaliações das políticas comerciais de todos os membros, com base em
dois documentos: uma declaração das políticas adotadas apresentada pelo governo do
país sujeito ao exame e um informe pormenorizado preparado de maneira independente
pela Secretaria da OMC. Após este exame, chamado de Trade Policy Review Mechanism
(TPRM), os dois informes são publicados, juntamente com a Ata da reunião do TPRM.
142
Do Gatt à OMC: O que Mudou, como Funciona e para onde Caminha o Sistema Multilateral de
Comércio in http://www.bndes.gov.br/conhecimento/revista/gatt.pdf . Acesso em 20 de fevereiro de 2007.
123
Em seu documento, o Secretariado faz uma apresentação pormenorizada das
práticas e políticas nacionais que afetam direta ou indiretamente o comércio e, com isso,
aumenta a transparência dos regimes comerciais dos membros da OMC, permitindo
maior vigilância mútua. Vale destacar que a Organização não examina a compatibilidade
entre tais regimes e as disciplinas multilaterais que estão sob seus auspícios, o que é
exercido, repita-se, pelos próprios membros, utilizando como referência, entre outros, os
TPRMs.
Em 1996, foram programados TPRMs para 10 países, entre eles Brasil, Canadá,
Estados Unidos e Coréia. A periodicidade do exame depende da participação do país no
comércio internacional. Os quatro maiores traders mundiais têm suas políticas
examinadas a cada dois anos, enquanto os 16 seguintes (entre os quais o Brasil) a cada
quatro anos e o restante dos países a cada seis anos, com possibilidade de fixação de um
prazo maior para os de menor nível de desenvolvimento.
Quanto às notificações, destaque-se que os membros têm de fazê-las quando
ocorrer qualquer alteração quanto às medidas antidumping ou medidas compensatórias,
novas normas técnicas que tenham impactos sobre o comércio, novos regulamentos que
afetem o comércio de serviços etc.
Considerando que os princípios da vigilância, transparência e cooperação
internacional obrigam os acordos possuírem disposições em matéria de transparência, e
permitem a constatação da prática desregrada de políticas comerciais dos Estados-
membros, esses indiretamente podem contribuir profundamente na observação e
proteção do direito ao desenvolvimento humano.
É certo que esta contribuição somente será possível se os próprios membros da
OMC analisarem as políticas e práticas comerciais à luz dos direitos humanos, visando a
sua qualidade e desenvolvimento, o que, acreditamos, só será viável à medida que a
idéia de comércio como importante instrumento do desenvolvimento do ser humano for
incorporada por este órgão.
124
CAPÍTULO II – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS NO CENÁRIO ECONÔMICO
GLOBALIZADO – O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO
125
1.1 Principais Instrumentos do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos
Internacionais que Influenciam a Ordem Econômica.
A partir do advento da Declaração Universal de Direitos Humanos, outras
inúmeras Declarações e Convenções foram elaboradas com o objetivo de atualizar a
regulamentação dos direitos humanos internacionais. Algumas tratam de novos direitos,
outras da proteção de direitos e, ainda, outras da proteção dos direitos de indivíduos que
merecem tratamento especial, particularmente vulneráveis.
Essa evolução, denominada por BOBBIO como processo de “multiplicação de
direitos”, ampliou o rol dos bens merecedores de tutela e a extensão da titularidade de
direitos, tendo implicado, ainda, a especificação dos sujeitos.
A internacionalização dos Direitos Humanos conjugada com a multiplicação
desses direitos resultou em dois sistemas de proteção: o global ou geral e o especial de
proteção de direitos humanos, que se complementam. O sujeito de direito do primeiro é
o indivíduo em sua especificidade enquanto que do segundo é todo e qualquer indivíduo,
genericamente concebido.
O objeto desta análise são os principais instrumentos do sistema global de
proteção dos direitos humanos, os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a partir dos quais forma-se a Carta
Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of Rights.
1.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Como dito anteriormente, este Pacto faz parte da Carta Internacional de Direitos
Humanos, International Bill of Rights, e embora aprovado pela Assembléia Geral das
126
Nações Unidas em 1966, entrou em vigor dez anos depois, em 1976, ao alcançar o
número necessário de adesões para a sua ratificação.
O Pacto dos Direitos Civis e Políticos proclama em seus primeiros artigos o
dever dos Estados-partes em assegurar os direitos nele elencados a todos os indivíduos
que estejam sob a jurisdição, adotando todas as medidas necessárias para este fim. Esta
obrigação do Estado inclui também o dever de proteger os indivíduos contra a violação
de seus direitos perpetrada por entes privados.
Isto é, cabe ao Estado-parte estabelecer um sistema legal capaz de responder com
eficácia às violações de direitos civis e políticos.
Nesse sentido, o Pacto estabelece direitos endereçados aos indivíduos, que devem
ser assegurados pelos Estados. As obrigações dos Estados-partes são tanto de natureza
negativa (ex: não torturar), como positiva (ex: prover um sistema legal capaz de
responder às violações de direitos).
Ao impor aos Estados-partes a obrigação imediata de respeitar e assegurar os
direitos nele previstos, os direitos civis e políticos podem ser auto-aplicáveis.
Quanto ao catálogo de direitos civis e políticos propriamente dito, o Pacto não só
incorpora inúmeros dispositivos da Declaração, com maior detalhamento (basta
comparar os arts. 10 e 11 da Declaração com os arts. 14 e 15 do Pacto), como ainda
estende o elenco desses direitos.
Os principais direitos e liberdades cobertos pelo Pacto dos Direitos Civis e
Políticos são: o direito à vida; o direito de não ser submetido a tortura ou a tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes; o direito a não ser escravizado, nem submetido a
servidão; os direitos à liberdade e à segurança pessoal e a não ser sujeito a prisão ou
detenção arbitrárias; o direito a um julgamento justo; a igualdade perante a lei; a
proteção contra a interferência arbitrária na vida privada; a liberdade de movimento; o
direito a uma nacionalidade; o direito de casar e de formar família; as liberdades de
pensamento, consciência e religião; as liberdades de opinião e de expressão; o direito à
127
reunião pacífica; a liberdade de associação; o direito de aderir a sindicatos e o direitos de
votar e tomar parte no Governo
143
.
Além desses direitos, o Pacto adota outros direitos e garantias não previstos na
Declaração Universal, como o direito de não ser preso em razão de descumprimento de
obrigação contratual (art. 11); o direito da criança ao nome e à nacionalidade (art. 24); a
proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e lingüística (art. 27); o
direito à auto-determinação (art. 1), dentre outros.
Há, ainda, outros direitos que foram inseridos pelo Segundo Protocolo ao Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, como a vedação contra a pena de morte.
Excepcionalmente o Pacto admite a derrogação temporária dos direitos e garantias que
enuncia, estando esta condicionada aos limites impostos pela decretação de estado de
emergência, ficando proibida qualquer medida discriminatória baseada em raça, cor,
sexo, língua, religião ou origem social. Por outro lado, há direitos inderrogáveis, como o
direito à vida e proibição de tratamento cruel.
No intuito de assegurar a observância e efetividade dos direitos apresentados pelo
Pacto, ele obriga que os Estados-partes encaminhem relatórios sobre as medidas
legislativas, administrativas e judiciárias adotadas para implementar os direitos por ele
previstos.
1.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Da mesma forma que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, este
também foi adotado em 1966, por meio da Resolução 2200 (XXI), tendo entrado em
vigor dez anos mais tarde, vez que as ratificações dependiam das emulações do Leste-
Oeste. O Pacto encontra-se no centro do sistema de proteção dos direitos humanos da
Organização das Nações Unidas.
143
PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p.167-168.
128
O intuito do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi
incorporar os preceitos da Declaração Universal sob a forma de direitos juridicamente
obrigatórios e vinculantes no plano internacional, mediante a sistemática da
international accountability, gerando responsabilização internacional em caso de
violação. Como pontua THOMAS BUERGHENTAL, esse Pacto contém um catálogo de
direitos econômicos, sociais e culturais mais extenso e elaborado se comparado ao
catálogo da Declaração Universal
144
.
O catálogo de direitos que este pacto enuncia inclui o direito ao trabalho e à justa
remuneração, o direito a formar e associar-se a sindicatos, o direito a um nível de vida
adequado, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à previdência social, o
direito à saúde e o direito à participação na vida cultural da comunidade.
A família, como núcleo fundamental da sociedade, é reconhecida pelo art. 10,
parágrafo 1, corolário do direito “de toda pessoa ter um nível de vida adequado para si
próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,
assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida” (art.11, parágrafo 1), e
do direito “de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental” (art.
12, parágrafo 1).
Ao reconhecer o direito à educação, concordam em que a educação “deverá visar
ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a
fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (art. 13, parágrafo
1).
Os direitos econômicos, sociais e culturais explicitam as exigências dos valores
da dignidade, igualdade e de solidariedade humana, buscando superar as desigualdades
sociais, gerando o direito de participar nos benefícios da vida social, através de direitos e
prestações brindadas direta ou indiretamente pelos poderes públicos, todos os quais
constituem fins da atividade estatal e internacional.
144
Op.cit. p. 42.
129
Em outras palavras, são direitos humanos que constituem prestações positivas
estatais, asseguradas por normas constitucionais ou do direito internacional, que
possibilitam uma melhor realização da dignidade humana e da igualdade substancial das
pessoas, constituindo pressupostos e complementos do gozo dos direitos individuais, ao
constituir condições materiais que possibilitam um melhor e mais efetivo exercício das
liberdades.
Os direitos humanos econômicos, marcados pelas características assinaladas,
pontuam suas formulações pela igualdade de oportunidades jurídicas e materiais ao
desenvolvimento dos indivíduos e dos Estados, no que tange à busca de bens necessários
às suas respectivas satisfações, respeitando sempre a concepção de vida digna.
A realização de tais direitos depende da atuação do Estado, tanto é assim que o
preâmbulo do Pacto inicia afirmando que “os Estados-partes reconhecem o direito de
cada uma...”. É o Estado que deve adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e
através da assistência e cooperação internacionais, até o máximo de seus recursos
disponíveis, para alcançar progressivamente a completa realização dos direitos previstos
pelo Pacto (art. 2, parágrafo 1 do Pacto).
Como os direitos previstos neste Pacto estão condicionados à atuação do Estado,
afirma-se que apresentam realização progressiva. Isto é, ao ratificar este Pacto, os
Estados não se comprometem a atribuir efeitos imediatos aos direitos nele enumerados.
Em sua maioria
145
, não são direitos auto-aplicáveis como os previstos pelo Pacto de
Direitos Civis e Políticos, e sim programáticos, que dependem de um mínimo de
cooperação econômica internacional, de forma que a realização integral e completa
desses direitos não se faz possível em um curto período de tempo.
Por este Pacto, os Estados reconhecem direitos aos cidadãos, não estando desde
já garantidos. Como destaca a doutrina, a capacidade de garantir os direitos econômicos,
sociais e culturais proclamados pelo Pacto pressupõe a existência de recursos
145
Usa-se o termo genericamente em razão de existir exceção, pois o Pacto impõe algumas obrigações de
aplicação imediata, como a obrigação de que os direitos devem ser exercidos de forma não
discriminatória.
130
econômicos bem assim de outra índole, que infelizmente não se encontram ao alcance de
todos os Estados.
Da obrigação da progressividade na implementação dos direitos econômicos,
sociais e culturais decorre a chamada cláusula de proibição do retrocesso social, na
medida em que é vedado aos Estados retrocederem no campo da implementação destes
direitos. Vale dizer, a progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais proíbe
o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à garantia destes direitos
146
.
Os direitos econômicos, sociais e culturais são direitos verdadeiramente
fundamentais, que estão integrados a muitos outros tratados internacionais. A
implementação desses direitos deve ser compreendida à luz do princípio da
indivisibilidade dos direitos humanos, apresentando-se como a dimensão atual do direito
ao desenvolvimento.
Os direitos sociais a que se refere o Pacto de direitos econômicos, sociais e
culturais são os direitos às necessidades básicas para o desenvolvimento econômico dos
indivíduos, representados pelo chamado direito ao desenvolvimento. Ressalte-se que em
seu aspecto privado o direito ao desenvolvimento atua na consagração de princípios e
regras jurídicas que possibilitem ao indivíduo o pleno acesso aos recursos suficientes à
sua subsistência, como educação, moradia, alimentação, saúde, emprego e cultura, entre
outros, os quais lhe proporcionarão condições mínimas para uma existência adequada às
necessidades constantes do mundo globalizado.
Esses direitos humanos econômicos expressam o direito de cada indivíduo dispor
de rendas e bens suficientes para o seu desenvolvimento e estabilidade econômica, a fim
de atingir um padrão de vida digno, configurados no denominado direito ao
desenvolvimento humano.
Nesse contexto, a regulamentação das trocas e políticas comerciais internacionais
assume função e responsabilidade de criar mecanismos que promovam o
desenvolvimento sustentado e, consequentemente, a melhoria do padrão de vida, tudo
146
PIOVESAN, Flavia. Op.cit. p. 183.
131
com vistas a garantir o bem-estar social e econômico do homem, reconhecidos no direito
ao desenvolvimento humano
147
.
Direitos ao desenvolvimento (aqui tratados como direitos sociais e econômicos)
diferem dos direitos clássicos à vida, à liberdade e à propriedade na natureza da
demanda que abarcam. A diferença primordial é de conteúdo. Os direitos clássicos são
direitos à liberdade de ação, enquanto que os direitos ao desenvolvimento são direitos
para obter bens. Essa distinção tem frequentemente sido descrita como a diferença entre
“liberdade de” e “liberdade para”.
Os direitos clássicos garantem a liberdade da interferência de outros, enquanto os
direitos ao bem-estar garantem a liberdade para ter coisas variadas que são vistas como
necessárias. Isso significa, em essência, que os direitos clássicos de liberdade (liberty
rights) estão preocupados com processos, enquanto os direitos ao desenvolvimento estão
preocupados com resultados. Note-se que o direito ao bem-estar relatado pela doutrina é,
a nosso ver, o direito humano ao desenvolvimento, posto que a efetividade de um
implica na do outro. (...) O Estado de bem-estar social envolve tipicamente programas de
transferência em larga escala
148
.
Na percepção de DAVID M. TRUBECK:
“Os direitos sociais, enquanto social welfare right invocam o
que é o mais básico e universal acerca desta dimensão do direito
internacional. Por trás dos direitos específicos consagrados nos
documentos internacionais e acolhidos pela comunidade internacional,
repousa uma visão social do bem-estar individual. Isto é, a idéia de
proteção a estes direitos envolve a crença de que o bem-estar individual
resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e culturais, nas
quais todos nós vivemos, bem como envolve a visão de que o Governo
tem a obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos
147
A respeito, afirma DAVID TRUBEK: Eu acredito que o Direito Internacional está se orientando no
sentido de criar obrigações que exijam dos Estados a adoção de programas capazes de garantir um mínimo
nível de bem-estar econômico, social e cultural para todos os cidadãos do planeta, de forma a
progressivamente melhorar esse bem-estar.
132
os indivíduos. A idéia de que o welfare state é uma construção social e
de que as condições de welfare são em parte uma responsabilidade
governamental, repousa nos direitos enumerados pelos diversos
instrumentos internacionais. Ela também expressa o que é universal
neste campo. Trata-se de uma idéia acolhida, ao menos no âmbito geral,
por todas as nações, ainda que exista uma grande discórdia acerca do
escopo apropriado da ação e responsabilidade governamental e da
forma pela qual o social welfare pode ser alcançado em sistemas
econômicos e políticos específicos. É porque os proponentes do liberal
welfare state e do Estado socialista, bem como das variações e
permutações entre estas estruturas, concordam na importância da ação
estatal para a promoção do bem-estar individual, que esses direitos têm
sido acolhidos pelo direito internacional.”
Nesse raciocínio está implícita a idéia de que a preservação das condições
econômicas e sociais resulta na promulgação da dignidade humana e do direito ao bem-
estar que preferimos chamar de direito ao desenvolvimento. Apesar de suscitar a questão
da responsabilidade e ação governamental quanto a estes direitos, há o reconhecimento
de uma inter-relação entre os direitos econômicos internacionais e os direitos
humanos
149
.
148
DAVID KELLEY, A life of one’s own: individual rights and the welfare state (1998), citado em HENRY J.
S
TEINER e PHILIP ALSTON, International Human Rights in context, Oxford: Oxford University Press, 2000,
p. 257-258.
149
A título de ilustração, ressalta-se que no âmbito do direito interno já se faz relação do principio da
dignidade humana com os direitos econômicos, sociais e culturais. Humberto Nogueira Alcalá, em artigo
publicado na Revista de Direito Privado, relaciona este princípio aos direitos econômicos, sociais e
culturais no âmbito do direito interno classificando esses direitos em categorias constitucionais. Veja sua
observação, na íntegra: “Theodor Tomandl distingue quatro formas de aproximação aos direitos
econômicos e sociais como categorias constitucionais
149
Uma primeira aproximação é a de normas
programáticas, constituindo-as em normas orientadoras da ação do Estado e dos operadores jurídicos,
porém priva de eficácia direta a seu conteúdo, não estabelecendo verdadeiros direitos ou faculdades das
pessoas nem obrigações para os órgãos estatais, nem tuteláveis juridicamente, são normas de caráter
essencialmente políticas com o fim de que a ação dos governantes se canalize no sentido de satisfazer, na
medida das possibilidades econômicas do Estado, as pretensões materiais da comunidade que levam a uma
sociedade mais igualitária e justa (Hernandez Valle Crisafulli), tais diretrizes de legislação somente
implicam uma proibição para o parlamento e para a administração de agir desconhecendo o conteúdo da
diretriz, porém não um mandamento vinculante para o legislador que tenha efeitos jurídicos concretos em
caso de não ser atuado (Rubio Llorente). Uma segunda perspectiva é a de entendê-los como normas de
organização, as quais estabelecem mandados aos poderes públicos, sob a forma de atribuição de
competências para garantir mediante normas jurídicas o desenvolvimento econômico e social da
coletividade. Nesta perspectiva, os direitos econômicos, sociais e culturais saem da parte dogmática da
Constituição e dos instrumentos que os prevêem e são situados no âmbito orgânico constitucional
considerados somente como instrumentos que regem o funcionamento dos poderes estatais. Um terceiro
133
Os direitos incluídos neste Pacto refletem nas condições econômicas mundiais,
de modo que a violação aos direitos econômicos, sociais e culturais resulta em um
disparate social e econômico global, aprofundando as desigualdades sociais, a miséria e
a fome.
A globalização econômica assimétrica em conjunto com o relapso das
comunidades internacionais ao respeito a esses direitos, e a ausência de regulamentação
das políticas comerciais internacionais com vistas ao direito ao desenvolvimento
humano, só vem contribuindo para esse cenário mundial.
Face às circunstâncias apontadas, os direitos previstos pelo Pacto de direitos
econômicos sociais e culturais merecem maior reconhecimento da comunidade
internacional, devendo ser considerados verdadeiros direitos fundamentais. Face ao
status de direitos humanos internacionais que levam estes direitos, eles são inerentes aos
homens e devem ser protegidos pela ordem econômica internacional, pois garantem o
nível adequado de vida dos sujeitos internacionalmente considerados.
Assim, os instrumentos internacionais de política comercial, bem como sua
aplicação, não podem violar os direitos previstos por este Pacto, sob pena de infringirem
normas internacionais de direitos humanos.
Conforme alertado no Statement to the World Conference on Human Rights on
Behalf of the Committee on Economic, Social and Cultural Rights: Democracia,
estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria e
negligência. Além disso, essa insatisfação criará grandes e renovadas escalas de
movimentos de pessoas, incluindo fluxos adicionais de refugiados e migrantes,
denominados “refugiados econômicos”, com todas as suas tragédias e problemas.
Direitos sociais, econômicos e culturais devem ser reivindicados como direitos e não
como caridade ou generosidade.
enfoque é o de entendê-los como direitos públicos subjetivos, considerando-se como verdadeiras
faculdades das pessoas e obrigações prestacionais do Estado. Uma quarta aproximação é considerá-los
como mecanismos de garantia, como garantias institucionais que estabelecem deveres de atuação para os
poderes públicos no âmbito econômico social a fim de respeitar a essência de determinadas instituições ou
corpos intermediários da sociedade como são a família, os sindicatos, as organizações profissionais e etc.
134
Por fim, quanto ao mecanismo de proteção dos direitos econômicos, sociais e
culturais note-se que não há um comitê próprio como órgão de monitoramento, nem um
mecanismo de comunicação inter-estatal e tampouco um Protocolo Facultativo. O real
mecanismo de proteção restringe-se à sistemática dos relatórios.
Alguns instrumentos de direito internacional recomendam outros critérios de
comunicação
150
e o esforço para o reconhecimento desses direitos nos planos nacional,
regional e internacional.
1.1.3 Os Direitos Civis e Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais configurados
como o Direito ao Desenvolvimento humano.
Recentemente muitos adjetivos têm sido utilizados na tentativa de empregar o
termo desenvolvimento no aspecto jurídico. A discussão envolvendo desenvolvimento
como direito, acrescentando aos Direitos Humanos um novo direito, teve início em 1972
tendo como precursor o jurista Senegalês Keba M’Baye, tendo tornado uma ferramenta
de análise para determinação de políticas pela Organização das Nações Unidas
151
.
No entanto, no âmbito da Organização das Nações Unidas, sua Assembléia
Geral, em 26 de novembro de 1957, já havia declarado que “um desenvolvimento
econômico e social equilibrado e integrado contribuiria para fomentar e manter a paz e a
segurança, o progresso social e um melhor nível de vida, assim como a observância e o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos”
152
.
Em 1968, na Conferência Internacional de Direitos Humanos, celebrada em
Teerã, nos dias 22 de abril a 13 de maio, considerou-se que “o gozo dos direitos
econômicos e sociais está inerentemente vinculado a um verdadeiro exercício dos
150
A Declaração de Viena recomendou a incorporação do direito de petição mediante a adoção de
Protocolo Adicional. A Conferência de Viena de 1993 recomendou a aplicação de um sistema de
indicadores, para medir o progresso alcançado na realização dos direitos previstos no Pacto.
151
PETER UVIN. Human Rights and Development. USA: Kumarian Press, 2004.
152
Assembléia Geral Resolução 1161 (XII).
135
direitos civis e políticos, e que entre a realização dos direitos humanos e o
desenvolvimento econômico existe uma estreita relação, ou seja, reconhece-se que recai
sobre a comunidade internacional a responsabilidade coletiva de assegurar a todos os
seres humanos a consecução de um nível de vida mínimo necessário para que se possam
gozar os direitos humanos e as liberdades fundamentais
153
.
Na seqüência, a Assembléia Geral, em 1969, aprovou a Declaração sobre o
Progresso e o Desenvolvimento Social, na qual se afirma que “o progresso e o
desenvolvimento social devem se encaminhar à contínua elevação do nível de vida, tanto
material, como espiritual a todos os membros da sociedade, dentro do respeito e do
cumprimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”
154
.
VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA
155
lembra que em 1977 o direito ao
desenvolvimento humano foi incorporado e consagrado pela Comissão dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, que decidiu prestar especial atenção à reflexão sobre os
obstáculos que se opõem à plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais,
particularmente, nos países em desenvolvimento, como também em relação às medidas
adotadas, tanto no plano nacional como internacional, para assegurar o desfrute desses
direitos.
Nesse sentido, a Comissão de Direitos Humanos reconheceu o desenvolvimento
como direito humano e recomendou ao Conselho Econômico e Social que sugerisse ao
Secretário Geral a elaboração de um estudo sobre o tema: “As dimensões internacionais
do direito ao desenvolvimento, como direito humano, em relação aos outros direitos
humanos, baseados na cooperação internacional, incluído o direito à paz e tendo em
conta as exigências da nova ordem econômica internacional e as necessidades humanas
fundamentais”
156
.
Em resposta ao estudo apresentado pelo Secretário Geral, a Comissão de Direitos
Humanos determinou um novo estudo, que considerasse o direito ao desenvolvimento
153
SILVEIRA. Vladmir Oliveira. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do Direito
Econômico. Tese de Doutorado – Puc-SP. 2006.
154
Resolução 2542 (XXIV), de 11 de dezembro de 1969.
155
Op. cit. p.200.
156
Resolução 4 (XXXIII) de 21 de fevereiro de 1977.
136
como direito humano e apontasse os obstáculos que impedem que os países em
desenvolvimento gozem desse direito.
Em conseqüência, em 1981 a Assembléia Geral instaurou um Grupo de Trabalho
de Especialistas Governamentais para adotarem medidas para a promoção do direito ao
desenvolvimento como direito humano, cujo principal objetivo era a apresentação de
propostas para um instrumento internacional sobre a matéria
157
.
Na realidade, a Resolução
158
formada para este propósito tratou de questões de
como colocar em prática, em todos os países, os direitos econômicos, sociais e culturais
que figuram na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e apresentou um estudo dos problemas
especiais, como os que enfrentam os países em desenvolvimento, em seus esforços para
a realização desses direitos humanos.
A despeito das observações acima, em 14 de dezembro de 1986 foi aprovada a
Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento. Entretanto, como acentua V
LADMIR
OLIVEIRA DA SILVEIRA, esta foi uma declaração que, no decorrer das suas negociações e
na aspiração de lograr um forte consenso, perdeu muito, inclusive frente a outros
documentos, como a Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Âmbito
Social, que é considerada como um de seus antecedentes imediatos
159
.
Muito embora as perdas ocorridas durante as negociações, foi a partir desse
documento que o direito ao desenvolvimento se configurou como um direito humano
inalienável e passou a ser entendido como um processo global econômico, social,
cultural e político, que tende ao melhoramento constante de toda a condição e qualidade
de vida da população e dos indivíduos, sob a base de sua participação ativa, livre e
157
O Grupo de Trabalho, estabelecido de acordo com a resolução da Comissão 36 (XXXVII), de 11 de
março de 1981, era integrado por 15 especialistas escolhidos pelos governos e nomeados pelo Presidente
da Comissão de Direitos Humanos, sob a base de uma representação geográfica eqüitativa. (Assembléia
Geral, Alternative approaches and ways and means within the Unites Nations sustem for improving the
effective enjoyment of human rights and fundamental freedoms, Resolution 35-174, de 15 de dezembro de
1980).
158
Resolução 36 (XXXVII), de 11.03.81.
159
Ob. cit. p. 202.
137
significativa no processo de desenvolvimento e na distribuição dos benefícios de que
dele derivam
160
.
Observe-se que esse direito foi fundamentado no entendimento acerca da
interdependência dos países e na indivisibilidade dos direitos humanos e liberdades
fundamentais, assentado ainda na base da cooperação internacional, consagrada na Carta
das Nações Unidas.
Na literatura de A
MARTYA SEN, Desenvolvimento como liberdade
161
, o autor
busca identificar o conceito de desenvolvimento com a idéia de liberdade. S
EN menciona
três liberdades fundamentais: a econômica, ou seja, a idéia de que o acesso ao mercado
deve ser garantido; a política, refletida principalmente nas garantias democráticas e as
denominadas liberdades instrumentais, aquelas que são fundamentais, inclusive, para
garantir que as demais sejam usufruídas. Tem-se aí a liberdade política, o direito de
acesso ao mercado, as oportunidades sociais, as transparências e garantias mínimas de
seguridade social, contra a intolerância, exclusão e preconceito.
Na visão do autor o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades
reais. Ainda que as análises acima destacadas sejam de cunho economicista, o autor
identifica validade econômica à questão dos direitos humanos e afirma que a prioridade
deverá ser o ser humano, e o critério deve ser a maior liberdade do ser humano.
O conceito de desenvolvimento como liberdade coloca o ser humano no centro
das preocupações econômicas, por buscar consolidar valores que hoje são muito caros,
como os direitos humanos e os valores culturais
162
.
Acerca do debate que envolve o desenvolvimento, W
ELBER BARRAL chama
atenção para esclarecer que “o debate sobre as relações entre direito e desenvolvimento
não é novo. Mas a crítica que se pode fazer é que, durante muito tempo, esse debate foi
160
Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Parágrafo 2º , artigos 1.1 e 2.1
161
SEN, AMARTYA. Development as freedom, New York: Alfred A. Knopf, 1999, p.297.
162
No âmbito do direito interno encontra-se consagrado o reconhecimento ao direito ao desenvolvimento.
A CF/88 faz menção ao desenvolvimento em seu próprio preâmbulo, enunciando que o Estado
democrático brasileiro que se institui a partir desta Carta é destinado a assegurar o desenvolvimento da
sociedade brasileira. Art. 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)
II – garantir o desenvolvimento nacional”. (...).
138
matizado por limites extremamente formais, caracterizados pela Declaração do Direito
ao Desenvolvimento. (...) O direito ao desenvolvimento, já estipulado em diversos
instrumentos normativos internacionais, enfrenta o problema inarredável do pólo
passivo, ou seja, de quem esse direito pode ser exigido”
163
.
O ponto levantado pelo autor que se destaca é em relação ao sujeito passivo deste
direito, e que vai de encontro com o nosso estudo, pois o que se pretende é enfatizar que
a OMC é um dos instrumentos passivos para a efetivação do direito ao desenvolvimento
humano.
Para a análise deste estudo interessa o conceito de desenvolvimento como objeto
do direito econômico internacional correspondente aos direitos humanos econômicos e
sociais como valores fundamentais que tenham por fim assegurar igualdade de
oportunidades econômicas para todos, em relação ao acesso aos recursos básicos,
educação, serviços de saúde, alimentação, moradia, emprego, distribuição de renda,
entre outros.
Ao definir o direito ao desenvolvimento como sendo direito humano, ANTONIO
CARLOS E MARIA DE FÁTIMA WOLKMER apontam os dois ângulos que a visão humanista
do direito ao desenvolvimento deve considerar: “Em sua potencialidade, o direito ao
desenvolvimento traz para o cenário institucional novos valores e novas formas de inter-
relações que instauram uma nova dinâmica entre o Direito e o desenvolvimento humano.
Por certo, uma correta discussão paradigmática no novo século, envolvendo Direito e
desenvolvimento, de um lado não pode prescindir de apontar as insuficiências do
sistema jurídico internacional identificado com o Estado-nação para captar o universo da
globalização e das interdependências complexas; de outro, deve expressar, mais do que
nunca, formas alternativas de desenvolvimento que considerem a construção específica
de direitos econômicos, sociais e culturais pautados em valores e implementados em
práticas autênticas de uma política voltada para os direitos humanos
164
.
163
Direito e Desenvolvimento: Um modelo de análise, p.47-48. Artigo publicado na obra de organização
de W
ELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005.
139
Assim, o direito ao desenvolvimento está fundado na solidariedade, na superação
da miséria, na melhoria das condições socioeconômicas, na força criadora do poder
comunitário e no favorecimento de realização integral da pessoa humana como
dignidade.
Naturalmente, o direito ao desenvolvimento como direito humano individual e
interdependente não só é produto de uma nova ordem mundial, resultante de mudanças
em escala planetária, como, sobretudo, vincula-se diferentemente com a própria
humanidade, ou seja, passa a ser um Direito enquanto sujeito de obrigações para com a
comunidade mundial
165
.
A importância do Direito ao desenvolvimento está, no dizer de CAROL PRONER,
em pressupor “o respeito a todos os demais direitos humanos como parte integrante do
desenvolvimento humano. Supõe-se a interdisciplinaridade e a interdependência entre
todos os direitos humanos”
166
.
O que deve ficar claro é que a busca de alternativas econômicas, sociais e
políticas só reforça a obrigatoriedade do direito ao desenvolvimento humano como
processo de luta direcionado contra uma ordem internacional antidemocrática,
excludente e colonizadora.
164
WOLKMER, Antonio Carlos e Maria de Fátima. in Direitos Humanos e Desenvolvimento. Artigo
publicado na obra de organização de W
ELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordem
jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 61-62.
165
WOLKMER, Antonio Carlos e Maria de Fátima. in Direitos Humanos e Desenvolvimento. Artigo
publicado na obra de organização de W
ELBER BARRAL: Direito e Desenvolvimento – Análise da ordem
jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 71.
140
TERCEIRA PARTE – A OMC COMO INSTRUMENTO DE FOMENTO AO
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO.
CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA OMC FACE AO
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO
1.1 A atuação da OMC e o direito ao desenvolvimento humano.
Desenvolvidas as premissas antecedentes, cumpre explorar nesta parte do estudo
a relação existente entre a atividade da OMC e o direito ao desenvolvimento humano.
1.1.1 Considerações sobre sujeitos do Direito Internacional Público.
Maiores considerações sobre a caracterização dos sujeitos do Direito
Internacional Público consistem em pressuposto para qualquer conclusão sobre a
efetividade da atuação da OMC no que tange aos direitos humanos.
Acerca do tema, esclarece VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI
167
que o
reconhecimento do Direito Internacional é classicamente caracterizado pelo “critério dos
sujeitos intervenientes”:
“Estatisticamente, o critério dos sujeitos intervenientes é ainda
o mais utilizado doutrinariamente na conceituação do Direito
Internacional Público. Não é de hoje que essa disciplina vem sendo
conceituada como o conjunto de regras e princípios que regem apenas
as relações interestatais, ou seja, um complexo de normas que regulam
tão-somente a conduta recíproca dos Estados. Tome-se como exemplo a
definição de Rousseau, para quem o Direito Internacional "é o ramo do
166
PRONER. Carol. Os direitos humanos sem Paradoxos: análise do sistema americano de proteção. POA:
Sergio A. Fabris. 2002. p.54.
167
Pp. 38-39.
141
direito que rege os Estados nas suas relações respectivas". Trata-se do
conceito clássico (positivista e restrito) de Direito Internacional
Público, baseado na chamada corrente estatal, segundo a qual somente
os Estados podem ser sujeitos de Direito Internacional, de modo que
somente eles são capazes de contrair direitos e obrigações estabelecidos
pela ordem jurídica internacional."
Essa doutrina, baseando-se nas premissas teóricas do dualismo
de Carl Heinrich Triepel, nega que os indivíduos possam ser sujeitos de
Direito Internacional, sob o fundamento de que o direito das gentes
somente regula as relações entre os Estados, jamais podendo chegar até
os indivíduos, sem que haja uma prévia transformação de suas normas
em Direito interno. Assim, dentro desta definição tradicional, os
benefícios ou obrigações porventura reconhecidos ou impostos a outras
instituições, que não o Estado, são considerados como sendo meramente
derivativos, visto terem sido adquiridos em virtude de relação ou
dependência que tiveram com o Estado respectivo, este sim o único
sujeito internacionalmente válido.”
O mencionado autor descreve, conquanto, que tal concepção jurídica é
ultrapassada, enfatizando, na espécie, a situação dos direitos humanos
168
:
“Tal concepção tradicional do Direito Internacional Público
deve ser hodiernamente afastada, por não mais corresponder à
realidade atual das relações internacionais. Na atualidade, o Direito
Internacional não mais se circunscreve às relações entre os Estados,
exclusivamente, e tampouco regula matérias da alçada unicamente
exterior dos Estados. Tem ele, hoje, um alcance muito mais amplo, visto
que se ocupa da conduta dos Estados e dos organismos internacionais e
de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com
as pessoas naturais (vejam-se, por exemplo, os aspectos ligados "à
proteção da pessoa humana") ou jurídicas, regulando matérias externas
e internas de interesse da sociedade internacional. É dizer, figura o
Direito Internacional Público, num primeiro momento, como um
168
Op.cit., pp. 38-39.
142
conjunto de regras e princípios que disciplinam tanto as relações
jurídicas dos Estados entre si, bem como destes e outras entidades
internacionais, como também em relação aos indivíduos. Assim também
podem ser considerados sujeitos de Direito Internacional Público na
atualidade, além dos Estados soberanos, as organizações internacionais
intergovernamentais (por exemplo, as Nações Unidas, que têm
capacidade jurídica para celebrar tratados de caráter obrigatório,
regidos pelo Direito Internacional, com os Estados e com outros
organismos internacionais), bem como os indivíduos, embora o campo
de atuação destes últimos seja mais limitado, sem, contudo, perder ou
restar diminuída sua importância. Num segundo momento, o Direito
Internacional Público (composto por estes sujeitos) disciplina e
regulamenta assuntos que não se circunscrevem ao âmbito
propriamente exterior dos Estados, tratando atualmente de matérias
que, até então, eram consideradas de competência da sua exclusiva
jurisdição doméstica (como direitos humanos e meio ambiente), o que,
nos dias atuais, não tem mais razão de ser.”
1.2.2 A atuação da ONU e da OMC no cenário internacional.
Após toda a evolução apresentada neste estudo, podemos afirmar que a ONU e a
OMC são deveras importantes no cenário da Nova Ordem Internacional vigente,
notadamente e respectivamente: (i) em face da previsão dos direitos humanos, com
hierarquia normativa privilegiada, (ii) e diante da “irrecusabilidade da ordem econômica
internacional”.
Em matéria de direitos humanos, tem-se que são expressamente preconizados, na
Carta das Nações Unidas, como princípios, “o aumento do nível de vida, o pleno
emprego e condições de progresso e desenvolvimento na ordem econômica e social”
(art. 55, “a”), bem assim “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, de sexo, de língua ou de
religião”. (art. 55, “c”)
143
Por outro lado, em virtude do art. 56, da própria Carta, os Estados-Membros se
obrigam a “agir, tanto conjuntamente como separadamente, em cooperação com a
Organização, no objetivo de promover os direitos humanos”. Ademais, os membros das
Nações Unidas afirmaram, em preâmbulo, sua “fé nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres, assim como das nações, grandes ou pequenas”. (art. 56, preâmbulo)
Bem verdade, outrossim, que a ONU tem, como um de seus objetivos,
expressamente insculpido no art. 1 (3), da Carta das Nações Unidas, o de “realizar a
cooperação internacional, solucionar os problemas internacionais de ordem econômica,
social, intelectual ou humanitária, desenvolver e encorajar o respeito dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião.”
Cabe aqui lembrar que em 1993 a Assembléia Geral da ONU criou o cargo de
Alto Comissariado para os Direitos Humanos, reconhecendo a importância da promoção
de um desenvolvimento equilibrado e sustentável para todos, ao mesmo tempo que
assumiu como uma de suas funções a promoção e proteção do direito ao
desenvolvimento humano, ampliando o apoio aos órgãos competentes do sistema das
Nações Unidas.
Na tentativa de promulgar a importância desse direito, várias sessões
169
foram
realizadas contendo propostas concretas para a aplicação do direito ao desenvolvimento,
tanto no âmbito nacional como internacional, das quais se destaca a necessidade de que a
comunidade internacional considere que o exercício desse direito é um trabalho
preventivo para a redução da violência e dos conflitos.
Como se vê, a participação no âmbito da ONU, quanto à preocupação e
efetivação desse direito foi ampla, tanto que sua Assembléia Geral, o Conselho
Econômico e Social e a Comissão de Direitos Humanos aprovaram uma série de
169
Ver: Questão do exercício do Direito ao desenvolvimento. Informe do Grupo Intergovernamental de
Especialistas sobre o Direito ao Desenvolvimento, sobre seu primeiro período de sessões, E-CN. 4-1997-
22,de 21.01.1997; e GTEIG, do Direito ao desenvolvimento. Informe do Grupo Intergovernamental de
Especialistas sobre o Direito ao Desenvolvimento, sobre seu segundo período de sessões, E-CN. 4-1998-
29,de 07.11.1998.
144
resoluções e manifestações sobre o tema, em particular durante o mandato do Alto
Comissariado para os Direitos Humanos.
VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA destaca sobre a importância da efetividade deste
direito afirmando que “se é certo que se tornou fundamental implementar no plano da
efetividade o direito ao desenvolvimento no âmbito supranacional, à medida que ele
passou a ser considerado como uma das questões mais urgentes, demandando inclusive a
cooperação internacional, é também essencial superar o debate teórico, no sentido de
aplicar nos Estados-nações as medidas práticas indutoras da garantia do efetivo exercício
do direito ao desenvolvimento”
170
.
Depreende-se também, por outro lado, que a complexidade das relações
internacionais tem exigido também a participação efetiva da OMC como mecanismo
apaziguador e garantidor de direitos precípuos da humanidade em função da extrema
relevância do fenômeno econômico.
Vale dizer que a valoração da atuação da OMC em relação à efetividade dos
direitos humanos, internacionalmente reconhecidos, reside na compreensão do papel
importante do fenômeno econômico como fator de poder no seio de uma sociedade e a
relevância dos procedimentos da Organização Mundial aplicáveis nos mercados
internacionais.
Para destacar a efetividade de atuação no processo peculiar da OMC, com
relação aos direitos humanos, afirmam R
OBERT HOWSE e MAKAU MUTUA:
“(...) prevê certas disposições que permitem aos Estados
proteger e promover os direitos humanos por intermédio do comércio,
autorizando, para este efeito, a tomada de algumas medidas contra os
Estados que violam os direitos humanos. A disposição fundamental para
esse entendimento é o precitado artigo XX, o qual enuncia uma série de
exceções em virtude das quais um membro da OMC pode proteger e
promover os direitos humanos sem contrariar as disposições do GATT.
Nos termos do referido artigo, não constituiriam um meio de
170
Op. cit. p.208.
145
discriminação arbitrária, injustificável, tampouco uma atitude
protecionista disfarçada ao comércio internacional, as medidas
necessárias à proteção da moralidade pública, da saúde e da vida das
pessoas e dos animais, ou ainda à preservação dos vegetais, bem como
as medidas relacionadas aos produtos fabricados pelos detentos.”
Veja-se, ademais, que o art. 103 da Carta das Nações Unidas preconiza que, “em
caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas decorrentes da
presente Carta e das obrigações oriundas de qualquer outro acordo internacional, as
primeiras deverão prevalecer”.
Nessa esteira de entendimento é a visão de LUCIE LAMARCHE e DIANA BRONSON,
no caso de conflito entre uma obrigação em matéria de direitos humanos —
particularmente uma obrigação universalmente conhecida — e um engajamento oriundo
do direito internacional dos tratados, no sentido de que a primeira deve prevalecer ou a
segunda deve ser interpretada em conformidade com a primeira.
171
As referências ao direito ao desenvolvimento humano no texto da Carta das
Nações Unidas são esparsas, mas denotam importância de fundamental observação para
os Estados-Membros, à medida que implicam obrigações a serem cumpridas em matéria
de promoção e proteção aos direitos humanos.
Para R
OBERT HOWSE e MAKAU MUTUA, ao tecer comentários sobre “As Relações
entre o Direito Comercial e os Direitos Humanos”, discorre que, “no caso de conflito
entre um direito humano universalmente reconhecido e uma obrigação oriunda de um
tratado, como, por exemplo, de um tratado comercial, a segunda deve ser interpretada de
conformidade com o primeiro.”
Não obstante essas afirmativas G
UIDO F. S. SOARES
172
reconhece que, “Mesmo
após terem as Partes Contratantes do antigo GATT reformado o sistema, após os oito
anos que duraram as Rodadas Uruguai, das quais resultou a instituição da OMC, para
171
In Cadre de référence dês droits humains pour lê commerce dans lês Amériques, site eletrônico
http://www.ichrdd.ca.
146
incluir nesta organização, ademais do comércio de materiais, os bens imateriais
(propriedade intelectual), os serviços e os investimentos internacionais, mesmo assim, o
tema da proteção dos direitos humanos não ganhou qualquer temática da nova
organização. O que se tem antes verificado é a inclusão, na agenda das discussões na
OMC, da denominada “cláusula social”, ou seja, a situação privilegiada de que os países
em desenvolvimento poderiam eventualmente desfrutar, pelo fato de contarem com o
custo final mais baixo no preço das mercadorias transacionadas em nível internacional,
devido aos custos do fator trabalho (...).”
172
SOARES, Guido F.S. União Européia, Mercosul e a Proteção dos Direitos Humanos, pp. 132, in Direitos
Humanos, Globalização Econômica e a Integração Regional — Desafios do Direito Constitucional
Internacional, editora Max Limonad, 2002, coord. F
LÁVIA PIOVESAN.
147
1.1.3 Reflexões conclusivas sobre a OMC enquanto instrumento de fomento ao
direito ao desenvolvimento humano.
Para atender as expectativas de um novo direito ao desenvolvimento humano a
lógica do capitalismo deverá ser alterada, definindo, como conclama FRANÇOIS
HOUTART, as novas regras do jogo que implicam “a substituição da noção de lucro por
aquela de necessidade; a consideração da maneira social de produzir no processo de
produção e no desenvolvimento das tecnologias; o controle democrático não somente do
campo político, mas tamm das atividades econômicas; o consumo como meio e não
como objetivo; o Estado como órgão técnico e não como instrumento de opressão
etc”
173
.
Note-se que ainda que a estrutura de direitos e obrigações da OMC não possua
normas específicas que tutele o direito ao desenvolvimento humano, esses princípios
devem ser invocados nesse sentido.
Como visto, o preâmbulo do Acordo que constituiu a OMC fixou alguns
objetivos, os quais podem ser associados a certas obrigações em matéria de direito ao
desenvolvimento humano. Na prática a OMC, como órgão de regulamento de comércio
mundial, não passa de um fórum de discussões, e neste sentido, deve aproveitar dessa
constituição para discutir meios de garantir o desenvolvimento humano através de si
própria, como, por exemplo, utilizando o órgão de solução de disputas e as cláusulas
especiais direcionadas a este sentido.
173
Houtart, François. Alternativas Plausíveis ao Capitalismo Globalizado. In: Cattani, Antonio David
(Org.) Fórum Social Mundial. A Construção de um mundo melhor. POA/Petrópolis: UFRGS/Vozes, 2001.
148
A propósito, com base no que se denomina a “Era dos Direitos”, LOUIS
HENKIN
174
afirma que os direitos humanos são a “única idéia político-moral
universalmente aceita”, sendo que PHILIP ALSTON
175
defende que o “fato de se
caracterizar um objetivo comum específico de direito humano o eleva acima dos outros
objetivos sociais, o imuniza contra toda eventual contestação e o envolve de uma aura de
intemporariedade, de absolutismo e de validade universal.”
A despeito de todo o demonstrado, o direito ao desenvolvimento ainda é uma
categoria de direitos que está em constante evolução. Destaca F
REI BETO
176
, a seu turno,
que “A Declaração Universal dos Direitos Humanos precisa ser enriquecida, somando-
se, aos direitos de liberdade (proclamados pelas revoluções burguesas do século 18), os
direitos de igualdade (exigidos pelas conquistas sociais dos séculos 19 e 20) e os direitos
de solidariedade (reconhecidos no século 20 a partir da Segunda Guerra). Entre estes
últimos, destacam-se o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação, ao
ambiente natural ecologicamente equilibrado, à paridade nas relações comerciais entre
países e à utilização do patrimônio comum da humanidade”.
Ainda os autores H
ENRY J. STEINER e PHILIP ALSTON, ao discorrer sobre a
importância fundamental dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos,
afirmam que, após a Segunda Guerra Mundial, a forma pela qual um Estado trata seus
próprios cidadãos não pode ser extraída somente de seu direito interno.
177
Discorre DANIEL GRISWOLD
178
sobre a estreita conexão que existe entre o
comércio, regulamentado pela OMC, e o direito ao desenvolvimento humano, da
seguinte forma:
“Quando se discutem comércio e globalização no Congresso
dos EUA ou na mídia americana, o foco é quase totalmente voltado
para o impacto econômico interno – na indústria, nos empregos e nos
salários. Entretanto, comércio é algo mais do que exportar soja e
174
In The Age of Rights, op.cit.
175
ALSTON, Philip. Making Space for New Human Rights: the Case of the Right to Development.
176
BETO, Frei. Fonte: site, visitado em 21 de fevereiro de 2007, http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios.
Artigo: Globalização e Direitos Humanos.
177
Op.cit.
149
máquinas-ferramentas. Significa também exportar liberdade e
democracia.
O comércio e a globalização podem incentivar a reforma
política aumentando a liberdade do povo para exercer maior controle
sobre seu cotidiano. Em países menos desenvolvidos, a expansão de
mercados significa que as pessoas já não precisam subornar
funcionários do governo ou lhes pedir permissão para importar uma TV
ou peças para seu trator. Controles de intercâmbio externo já não
limitam sua liberdade de viajar ao exterior. Elas podem adquirir com
mais facilidade equipamentos de comunicação como telefones celulares,
acesso à internet, TVs via satélite e aparelhos de fax.
Trabalhadores e produtores que vivem em países mais abertos
são menos dependentes das autoridades para sua subsistência. Em uma
economia direcionada para o mercado, por exemplo, o governo não
pode mais proibir a publicação de jornais independentes, mesmo que
suas matérias desagradem às autoridades governantes. Em economias e
sociedades mais abertas, o "efeito CNN" da mídia global e a atenção do
consumidor expõem e desencorajam abusos contra os trabalhadores.
Nos países em desenvolvimento mais globalizados, as multinacionais
têm mais estímulo para oferecer benefícios e salários competitivos do
que nos países fechados.
Liberdade econômica e rendas crescentes, por sua vez, ajudam
a criar uma classe média mais educada e com mais consciência política.
Uma classe empresarial em ascensão e uma sociedade civil mais
próspera geram líderes e centros de influência fora do governo. Com o
passar do tempo, as pessoas economicamente livres também querem e
esperam exercer seus direitos políticos e civis. Por outro lado, um
governo que isola seus cidadãos do resto do mundo pode controlar as
pessoas com mais facilidade e privá-las de recursos e informações que
elas poderiam usar para contestar a autoridade governamental.
178
Fonte: site http://usinfo.state.gov/journals visitado em 21 de fevereiro de 2007. GRISWOLD, Daniel, em
artigo: Globalização, Direitos Humanos e Democracia.
150
Em âmbito multilateral, um acordo bem-sucedido na
Organização Mundial do Comércio (OMC) criaria no mundo inteiro um
clima mais propício à democracia e aos direitos humanos. Os países
menos desenvolvidos, com a abertura de seus mercados relativamente
fechados e a conquista de mais acesso aos mercados dos países ricos,
poderiam atingir taxas de crescimento mais elevadas e desenvolver a
crescente classe média que forma a base da maioria das democracias.
Uma conclusão satisfatória das negociações comerciais da Rodada de
Desenvolvimento Doha, da OMC, reforçaria a globalização e a
expansão das liberdades políticas e civis, duas tendências que
caminham juntas e marcaram os últimos 30 anos. O fracasso poderá
retardar e frustrar o avanço nas duas frentes para milhares de pessoas.
Nas três últimas décadas, globalização, direitos humanos e
democracia têm avançado juntos de forma vacilante nem sempre e
nem sempre no mesmo ritmo em todos os lugares, mas de modo a não
deixar dúvidas de que estão interligados. Ao incentivar a globalização
em países menos desenvolvidos, não estamos apenas contribuindo para
aumentar as taxas de crescimento e de renda, promover padrões mais
elevados e alimentar, vestir e abrigar os pobres; estamos também
disseminando liberdades políticas e sociais”.
Em suma, em razão da indivisibilidade dos direitos humanos, a violação ao
direito ao desenvolvimento humano propicia a violação a todos os demais direitos
fundamentais, eis que a vulnerabilidade econômica-social leva à vulnerabilidade dos
direitos civis e políticos. No dizer de A
MARTYA SEN
179
: “A negação da liberdade
econômica, sob a forma da pobreza extrema, torna a pessoa vulnerável a violações de
outras formas de liberdade. (...) A negação da liberdade econômica implica a negação da
liberdade social e política”.
Como leciona JACK DONNELY, “se os direitos humanos são os que civilizam a
democracia, o Estado do Bem-estar Social é o que civiliza os mercados
180
. Se os direitos
179
SEN, AMARTYA. Development as freedom, New York: Alfred A. Knopf, 1999, p. 8.
180
DONNELY. Jack, International Human Rights, Boulder: Westview Press, 1998, p. 160.
151
civis e políticos mantêm a democracia dentro de limites razoáveis, o direito ao
desenvolvimento humano estabelece os limites adequados aos mercados.
Com efeito, é de se concluir, usando as palavras de ANTONIO AUGUSTO
CANÇADO TRINDADE
181
, que “Os direitos humanos se impõem e obrigam os Estados e,
em igual medida, os organismos internacionais e as entidades ou grupos detentores do
poder econômico, particularmente aqueles cujas decisões repercutem no quotidiano da
vida de milhões de humanos”, tendo em vista que “Os direitos humanos, em razão de
sua universalidade nos planos tanto normativo quanto operacional, acarretam obrigações
erga omnes”.
Se o instrumento de maior relevância e adensamento de matérias que regula o
sistema multilateral de comércio é a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO (OMC), os
termos normativos prescritos pela OMC influenciam qualquer percepção apriorística de
bem-estar humano e da dignidade humana.
O direito ao desenvolvimento humano compõe-se de direitos que podem ser
legitimamente reivindicados pela OMC, visto que, num mundo capitalista e globalizado,
a sua efetividade depende diretamente das condições econômicas que cercam o
indivíduo.
As diretrizes da OMC determinadas já no preâmbulo do seu Acordo Constitutivo
vão ao encontro da preservação da dignidade humana e do direito ao desenvolvimento,
veja-se:
“As partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e
atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos
padrões de vida e, assegurando o pleno emprego e um crescimento
amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e
expandindo a produção e o comércio de bens e serviços ao mesmo
tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com
os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e
preservar o ambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira
152
consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de
desenvolvimento econômico.”
A verdade é que nos parece que existe uma hipocrisia, que necessita
urgentemente ser confrontada, ao se prever na OMC a valorização do direito ao
desenvolvimento humano, quando esta na verdade é colocada em segundo plano ao ser
deparada com interesses puramente econômicos.
É indiscutível a interdependência entre o direito ao desenvolvimento e o direito
das relações econômicas internacionais, em especial os acordos que disciplinam o
comércio, e considerando que de fato e de direito isto não acontecerá espontaneamente,
mas sim por intermédio de muito esforço político, é que concluímos propondo a sua
realização por intermédio de um órgão político com poder o suficiente para interferir
nesta seara, a OMC.
É certo que para atingir tal fim deve haver uma maior inter-relação entre as
instituições encarregadas de proteger o direito ao desenvolvimento humano e a OMC.
Por fim, entendemos que o equilíbrio das relações econômicas internacionais
entre os países é a razão da formação da OMC, e este papel deve ser exercido por meio
das suas normas com vistas a respeitar e promover o direito ao desenvolvimento
humano, que deve ser reconhecido como princípio basilar de sua aplicação. Um
princípio jurídico é um instrumento de interpretação e integração do direito, devendo o
intérprete analisar o caso concreto a partir deste.
181
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Memória da Conferência Mundial de Direitos Humanos
(Viena, 1993), Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 80. p. 222, jan. 1995.
153
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