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Uma dessas estratégias de (re)construção da segurança estaria na criação de
abrigos nucleares. Comunidades que não mais derivariam da idéia de “comunas” ou
“societas”, mas, simplesmente, da busca por segurança. Para Bauman, a “defesa do lugar”,
visto como condição necessária de toda segurança, deve ser uma “questão de bairro”, um
“assunto comunitário”.
Nesse aspecto, os justiçamentos ocorridos em abrigos coletivos seriam
socializantes, no sentido empregado por Georg Simmel. Seriam formas de conflitos que,
mesmo se manifestando através do emprego da violência, “oferecem motivação subjetiva
como meio de produzir valores sociais objetivos” (SIMMEL, 1988, p. 132). A ocorrência de
ações de justiça coletiva em tais localidades demonstraria, a meu ver, uma forma de
solidariedade entre os moradores ali residentes, e mesmo a existência de uma “dimensão
ética” que move tais ações, conforme formulação de Michel Mafessoli:
Mesmo o espírito de vingança pode ser entendido como uma experiência de
“religação”, uma forma de solidariedade, de participação na comunidade. Alguma
coisa foi perturbada na ordem social, é preciso consertar. A vingança como “ato
reparador e salvador”, é algo que pode parecer paradoxal, mas, sem justificar seus
aspectos criminais, é preciso conhecer sua dimensão ética. Ela cimenta um corpo
social. E de uma forma mais sorrateira, e se escorando em justificações ou
legitimações de todos os tipos, não estaria operando igualmente nos “acertos de
contas”, estigmatização, marginalização, que vamos encontrar em nossas
sociedades policiadas em todos os níveis, e em todos os setores da vida social?
(MAFESSOLI, 2004, p. 124).
Quantitativamente, foram ocorrências envolvendo abrigos coletivos a
modalidade de justiçamento que predominou entre os casos analisados. Ao todo, identifiquei
50 casos, que correspondem a mais da metade das reportagens (53,77%).
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Percebi que o
maior número de justiçamentos ocorreu nos bairros ludovicenses do Anjo da Guarda,
Sacavém, Cidade Operária, Desterro, Liberdade, Vila Mauro Fecury e Fátima (Tabela
2/Apêndice B).
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Aqui incluí as notícias de nºs. 01, 02, 04, 05, 06, 07, 08, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 28, 29, 34, 35, 44,
47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 58, 59, 60, 63, 69, 70, 71, 73, 74, 75, 76, 80, 81, 82, 85, 87, 88, 89, 90 e 91
do Apêndice A.
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Sobre as características e o processo de formação de tais bairros, Cf. p. 12-14.