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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
YURI MICHAEL PEREIRA COSTA
ATOS DE JUSTIÇA COLETIVA:
representações da violência na mídia
São Luís
2005
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2
YURI MICHAEL PEREIRA COSTA
ATOS DE JUSTIÇA COLETIVA:
representações da violência na mídia
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
em Ciências Sociais da Universidade Federal
do Maranhão para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. José O. Alcântara Jr.
São Luís
2005
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YURI MICHAEL PEREIRA COSTA
ATOS DE JUSTIÇA COLETIVA:
representações da violência na mídia
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
.
Aprovada em / / .
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. José O. Alcântara Jr. (Orientador)
Universidade Federal do Maranhão
________________________________________
Profª. Drª. Wivian J. Weller
Universidade de Brasília
________________________________________
Profª. Drª. Ednalva Maciel Neves
Universidade Federal do Maranhão
4
1
Para Zezé, Ítalo e Érica
5
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos a todos que, atuado de forma direta ou
indiretamente, possibilitaram a escrita deste trabalho. Em especial agradeço:
A minha família, nas pessoas de Zezé Costa, Ítalo Costa e Érica Costa, a quem
dedico esta dissertação;
À Amanda Barros Batista, pessoa sem a qual este trabalho não existiria, ou, caso
existisse, não teria a simplicidade e oportunismo de suas críticas e incentivo;
À Antônia de Castro Andrade, amiga que auxiliou de forma imprescindível na
coleta de informações no Jornal Pequeno;
Ao Prof. José Alcântara Jr., pela orientação, e às professoras Wivian Weller e
Ednalva Neves, por se disponibilizarem a compor a banca examinadora;
Aos professores e alunos da primeira turma do PPGCS/UFMA, em especial aos
amigos Inácio, Milena, Gabriel, Heitor, Cristiane, Adroaldo, Ronald, Creudecy e Roseana;
Aos professores Michel Misse, Peter Fry, Carmen Rial, Edísio Ferreira Jr.,
Alfredo Wagner Berno de Almeida e Sandra Nascimento, que em diferentes situações leram e
teceram comentários sobre textos que vieram a compor o presente trabalho;
À diretoria do Jornal Pequeno, na pessoa de Josilda Bogéa;
Aos amigos que, compartilhando de meu cotidiano, tornaram-se fonte de
incentivo ao desenvolvimento desta pesquisa. Em especial a Luís Eduardo, Hélio, Mário,
Fernando Eurico, Ellen Patrícia, Carla Tatiana, Adriano, Pablo, Kércio, Rosyane, Letícia,
Laura, Carlos Eduardo, Paulo, Alysson, Jairson e Wineton.
Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior/CAPES, pela bolsa de estudos que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa.
6
“Corifeu:
É lei que o sangue, uma vez derramado
Em plena terra, exija sangue novo.
Um assassínio clama em altos brados
Pelas divinas Fúrias vingadoras,
Para que em nome das primeiras vítimas
Elas provoquem implacavelmente
Nova desgraça em seguida à antiga.
Orestes:
Então a Força enfrentará agora a Força,
E se oporá o Direito ao Direito!”
1 Ésquilo
7
RESUMO
O objetivo do trabalho é analisar representações de aspectos relacionados à violência
presentes na página policial do Jornal Pequeno, periódico maranhense de circulação diária.
Especificamente, a pesquisa esteve voltada à análise de discursos de agentes sociais
responsáveis pela confecção de notícias no periódico, veiculadas entre 1993 e 2003, que
narram e interpretam acontecimentos que aqui identifiquei como atos de justiça coletiva,
comumente denominados de “linchamentos”. Os recortes cronológico e espacial foram,
respectivamente, o mencionado período de veiculação das notícias e o Município de São Luís
do Maranhão, no sentido de que os relatos de justiçamentos coletivos se referem
exclusivamente a fatos ocorridos nesta cidade. Além de reportagens, foram também utilizadas
como fontes de pesquisa fotografias publicadas no mesmo jornal e entrevistas com repórteres,
editores e fotógrafos do periódico.
Palavras-chave: Mídia. Representações. Violência. Jornal Pequeno
8
ABSTRACT
The aim of this work is to analyze representations of aspects related to the violence content in
the police page of “Jornal Pequeno”, newspaper from Maranhão of daily circulation.
Specifically, the research was directed to the analyzes of social agents’ speeches which are
responsible for the making of news over the periodical, diffused between 1993 and 2003,
which report and interpret occurrences that I have identified here as collective justice acts,
usually named “lynching”. The chronological and spatial pruning were, respectively, the
mentioned period of the news’ broadcast and the municipal district of São Luís Maranhão,
toward the sense that the reports of collective justice makings refer exclusively to facts
occurred in this city. Besides reports, were also used as research source photographs
published in the above mentioned newspaper and interviews with reporters, editors and
photographers of the periodical.
Keywords: Media. Representations. Violence. Jornal Pequeno
9
2 LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Composição de fotos sobre homicídio de duas crianças, veiculada na
primeira página do Jornal Pequeno ............................................................
44
Foto 2 – Destaque dado à faca cravada no pescoço de funcionária do Estado do
Maranhão, assassinada por indivíduo não identificado na reportagem ......
45
Foto 3 – Destaque dado ao rosto de jovem que se atirou de prédio no bairro
Renascença .................................................................................................
46
Gráfico 1 – Distribuição anual dos atos de justiça coletiva analisados no Jornal
Pequeno ......................................................................................................
83
Foto 4 – Página policial que destaca cinco homicídios ocorridos em São Luís,
cada um acompanhado de fotografia da vítima ..........................................
111
Foto 5 – Adolescente que teve braço amputado em atropelamento ..........................
114
Foto 6 – Criança encontrada em necrotério de hospital público com rosto
parcialmente deformado .............................................................................
116
Foto 7 – Dois jovens mortos em decorrência de choque ocasionado por cerca
elétrica ........................................................................................................
133
Foto 8 – Imagem do adolescente S. J. C. F., o “Piroquinha”, veiculada com
destaque no Jornal Pequeno ........................................................................
135
Foto 9 – Adolescente com tarja semitransparente nos olhos ....................................
136
10
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO............................................................................................
12
2
METODOLOGIA E ANÁLISE DAS FONTES ........................................
30
2.1
Reportagens ..................................................................................................
34
2.2
Fotografias ....................................................................................................
41
2.3
Entrevistas .....................................................................................................
48
3
A VIOLÊNCIA NÃO-ESTATAL ...............................................................
52
3.1
A visão dos “clássicos”................................................................................. 55
3.2
A violência como longa duração ................................................................. 64
3.3
A violência como ruptura paradigmática ................................................ 73
4
FORMAS DE JUSTIÇAMENTOS COLETIVOS ....................................
80
4.1
Critérios de classificação ..............................................................................
80
4.2
Os abrigos coletivos...................................................................................... 89
4.3
A multidão-violência ....................................................................................
94
4.4
Os “taxistas” ................................................................................................ 98
5
REPRESENTAÇÕES DA VIOLÊNCIA NO JORNAL PEQUENO ......
104
5.1
A mídia e o relato da violência ....................................................................
104
5.2
A fala do crime no Jornal Pequeno ........................................................... 109
5.2.1 A notícia enquanto “vitrine” ......................................................................... 109
5.2.2
História ficcional de São Luís ........................................................................
118
5.2.3
As causas dos “linchamentos” .......................................................................
124
5.2.4
O ciclo do crime e a criminalização necessária .............................................
126
6
A (RE)PRODUÇÃO DA ALTERIDADE E A NATURALIZAÇÃO DOS
ATOS DE JUSTIÇA COLETIVA .....................................................
130
6.1
Estereótipos dos agentes sociais envolvidos em justiçamentos .................
130
6.2
A naturalização dos “linchamentos” ..........................................................
139
11
7
CONCLUSÃO ..............................................................................................
148
REFERÊNCIAS..............................................................................................
156
APÊNDICES ..................................................................................................
167
12
INTRODUÇÃO
A presente dissertação estuda representações de aspectos relacionados a ações de
justiça coletiva eclodidas em São Luís do Maranhão. A pesquisa esteve voltada à análise de
discursos de agentes sociais responsáveis pela confecção de reportagens do periódico
maranhense Jornal Pequeno, veiculadas entre 1993 e 2003, que narram e interpretam
acontecimentos que identifiquei como justiçamentos coletivos.
O recorte espacial eleito para a realização da pesquisa foi o Município de São
Luís, no sentido de que os relatos de justiçamentos coletivos se referem exclusivamente a
fatos ocorridos nesta cidade.
São Luís é a Capital do Estado do Maranhão e, juntamente com os Municípios
de São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, forma a Ilha do Maranhão, comumente
denominada de Ilha de São Luís, compreendendo toda sua parte centro-oeste.
1
De acordo com Censo Demográfico Nacional de 2000 (IBGE, 2005), a cidade de
São Luís possui um total de 870.028 habitantes. O maior crescimento demográfico da história
do Município se deu entre os anos de 1970 e 1993, quando o número de seus moradores
passou, respectivamente, de 265.486 para 738.327, ou seja, mais do que triplicou.
As atuais características econômicas e urbanísticas de São Luís em grande parte
mantêm relação com transformações ocorridas desde a década de 1970. Ao comentar tais
transformações, priorizarei informações a respeito da constituição dos bairros da Capital, até
pelo fato destas unidades territoriais (bairros) terem sido eleitas na pesquisa como pontos de
referência na análise dos atos de justiça coletiva.
1
A Ilha de São Luís possui uma área total de 1.453,1 Km², sendo que mais da metade corresponde ao Município
de São Luís (831,7 Km²). São José de Ribamar tem 436,1 Km², Paço do Lumiar, 121,4 Km² e Raposa,
63,9Km² (IBGE, 2005).
13
Antes da década de 1970, a área urbana de São Luís era composta basicamente
pela faixa de terra localizada entre os rios Anil e Bacanga, localizada na zona noroeste da
Ilha. Nesse contexto, constituíam-se como principais bairros do Município o Centro (onde a
cidade principiou sua formação no séc. XVII), Desterro, Apeadouro, Monte Castelo (Areal),
Liberdade, Fátima, Alemanha e, como áreas limítrofes de expansão em direção à chamada
Vila do Anil (leste), os bairros do João Paulo, Caratatiua, Jordoa e Sacavém. A expansão
desordenada da Capital produziu, ainda na década de 1940, o aparecimento de bairros como a
Vila Palmeira, Barreto e Coroado (RIBEIRO JR., 2001, p. 86).
A inauguração de obras como a ponte José Sarney (sobre o rio Anil), ligando o
Centro às praias do norte da Ilha, e a edificação da barragem sobre o rio Bacanga, ambas
concluídas em 1970, possibilitou, segundo José Reinaldo Ribeiro Junior (2001, p. 89-90), a
abertura de duas importantes frentes de ocupação em São Luís: (a) uma ao Norte, onde se
localizaria o que é considerada, hoje, a área mais valorizada no comércio imobiliário,
composta pelos bairros do São Francisco, Renascença, Calhau, Ponta D’Areia, São Marcos e
Olho Dágua; e, (b) outra a sudoeste, região até então com fraca densidade demográfica, mas
que logo se tornaria zona de ocupação periférica da cidade, formada, inicialmente, pelos
bairros do Anjo da Guarda, Vila Nova, Fumacê, Vila Embratel e Viana. A ocupação dessa
segunda área de expansão se relaciona também com a possibilidade de interligação da parte
central da cidade com o complexo portuário do Itaqui, oficialmente inaugurado em 1971.
O crescimento demográfico dos anos 1960/1970 promoveu o surgimento de uma
série de conjuntos habitacionais no Município, alcançando, principalmente, setores da classe
média local. São eles: Cohab-Anil (I, II e III), Ipase, Maranhão Novo, Coheb, Radional,
Cohama, Parque Timbiras, Cohatrac I, Cohapam, Cohajap, Cohajoli, Cohaserma, Vinhais,
Bequimão, Turu, Angelim e Cohafuma.
14
Nos anos oitenta, na vigência do Plano Diretor de São Luís (1975), ocorreu a
implantação de projetos industriais como o Programa Grande Carajás (Companhia Vale do
Rio Doce) e o complexo de beneficiamento de alumínio ALUMAR, ambos no recém-
instalado Distrito Industrial de São Luís (1980). Além do impacto demográfico e ambiental
causado pela instalação de tais projetos, a redefinição da área industrial da Capital demandou
a criação de dois grandes conjuntos habitacionais (para população de baixa renda): “a Cidade
Operária (1987), com 7.500 unidades habitacionais, e o Maiobão (1982), com 4.770 unidades,
ambos distantes do núcleo central da cidade, sendo este último construído em área pertencente
ao Município de Paço do Lumiar” (RIBEIRO JR., 2001, p. 96).
O processo de remodelação urbana de São Luís na década de 1980 produziu
ainda a ocupação desordenada de diversas áreas da cidade, possibilitando o aparecimento de
aglomerações que mais tarde se constituiriam nos bairros do João de Deus, São Bernardo,
Vila Brasil, Divinéia, Vila Mauro Fecury (I e II), Vila Janaína e Vila Luisão.
Analisei na pesquisa relatos de ões de justiça coletiva ocorridas entre janeiro
de 1993 e dezembro de 2003, lapso de onze anos que talvez não corresponda,
necessariamente, ao período em que existiu uma maior ocorrência dessas ações
(justiçamentos) em São Luís, ou mesmo em que a imprensa maranhense destacou com maior
ênfase essas ocorrências.
Na verdade, o critério de delimitação cronológica derivou mais das condições de
realização da pesquisa do que da percepção de variações (crescimento, estagnação,
oscilação...) do objeto de estudo. Isto porque priorizei uma análise mais detida das notícias
coletadas à preocupação em se traçar uma longa duração das práticas de justiça coletiva nesta
Capital.
Por outro lado, influenciou no arbitramento dos universos espacial (São Luís) e
cronológico (1993-2003) as possibilidades de acesso às fontes pesquisadas, quer por ser a
15
cidade de São Luís o local no qual resido e onde se localiza a sede do Jornal Pequeno, quer
pela relativa contemporaneidade das reportagens pesquisadas.
O contato com a temática teve início com os trabalhos monográficos realizados
quando da conclusão dos cursos de História e Direito na Universidade Federal do Maranhão.
Nessas ocasiões, priorizei o estudo historiográfico da criminalidade envolvendo, ativa ou
passivamente, escravos no Maranhão do século XIX. Ao concluir o curso de História, elaborei
estudo sobre representações acerca das noções de “civilidade” e “barbárie” que perpassaram
práticas de punição a escravos “transgressores” no Maranhão oitocentista (COSTA, 2004a). A
monografia de conclusão do curso de Direito abrangeu uma análise de documentos do mesmo
período, porém, com a abordagem voltada a discursos de autoridades e legisladores sobre a
“criminalidade” escrava no contexto de estruturação da Justiça Pública neste Estado.
(COSTA, 2004d).
Em específico, o interesse pelo estudo das práticas de “linchamento” surgiu no
segundo semestre de 2003, quando participei do II Concurso Consulex de Monografias
Jurídicas, cuja temática geral foi “A Violência e sua repercussão no Direito”. No concurso,
que fez parte da Campanha Nacional de Combate à Violência, e foi promovido pelo Instituto
Jurídico Consulex Ltda. e pela Societè Internacionale de Crominologie, apresentei
monografia intitulada “A Naturalização da violência: um estudo sobre o silenciamento do
Estado e da comunidade ante os linchamentos ocorridos na Ilha do Maranhão (2000-2002)”.
Dessa forma, posso afirmar que o interesse pela pesquisa adveio das
mencionadas experiências acadêmicas. Ocasiões em que existiu, além da percepção da
complexidade e relevância de estudos sobre a criminalidade, a visão de que os “linchamentos”
se constituem enquanto práticas sociais ainda pouco abordadas em estudos científicos, o que,
a meu ver, influencia as próprias representações (re)produzidas sobre esse fenômeno.
16
Atualmente, oito jornais são editados diariamente em São Luís: O Estado do
Maranhão, O Imparcial, Jornal Pequeno, Debate, Atos e Fatos, Hoje, A Hora e Diário da
Manhã.
Ao menos no que se refere ao número de leitores, o Jornal Pequeno ocupa a
terceira colocação entre os periódicos que circulam no Maranhão, tendo a sua frente os jornais
O Estado Maranhão e O Imparcial.
2
A média da atual tiragem do Jornal Pequeno é de 5.000
exemplares ao dia, havendo oscilações para mais ou para menos (de acordo com as manchetes
publicadas), mas sempre com tendência a estar entre as margens de 4.000 (mínimo) e 6.000
(máximo) exemplares diários.
3
Na pesquisa realizada não me foi possível identificar o número
específico de leitores que o Jornal Pequeno possui na cidade de São Luís.
O Estado do Maranhão, fundado em de maio de 1959, e com sede à Av. Ana
Jansen, 400, São Francisco, possui uma tiragem média de 12.000 exemplares diários, entre
segunda-feira a sábado, e de 17.000, aos domingos. Desse total, 8.000 (de segunda-feira a
sábado) e 14.000 exemplares (aos domingos) circulam em São Luís.
Já O Imparcial (Empresa Pacotilha Ltda.), cuja primeira veiculação data de
01.05.1926, e que tem sede à Rua Assis Chateaubriand, s/n, Renascença II, publica uma
média de 10.000 (de segunda-feira a sábado) e 12.000 (aos domingos) exemplares por dia.
Desse total, uma média de 9.000 exemplares fica em São Luís.
Se comparado a estes jornais (O Estado do Maranhão e O Imparcial) o Jornal
Pequeno pode ser considerado como o único periódico de grande circulação no Estado
desvinculado de grandes empresas do ramo das comunicações. O Estado do Maranhão é
pertencente ao Sistema Mirante de Comunicação, formado também pela Rede Mirante de
2
O jornal diário Folha do Maranhão, pertencente ao Sistema Praia Grande de Comunicação, também possuía
tiragem superior à do Jornal Pequeno. No entanto, esse periódico teve uma efêmera publicação, uma vez que,
tendo sua veiculação iniciada em 2003, o jornal Folha do Maranhão deixou de circular nos primeiros meses
deste ano.
3
Severino Cadorin (2001, p. 19) observa que “a maior tiragem alcançada pelo Jornal Pequeno, em toda a sua
história, foi de 18.360 exemplares, quando noticiava, em grande manchete, a queda de uma moça do edifício
Caiçara [no Centro de São Luís]”.
17
Televisão, Rádio Mirante FM e pela Rádio Mirante AM. O Imparcial é propriedade do
Sistema Difusora de Comunicação, do qual também fazem parte a Rede Difusora de
Televisão, a Rádio Difusora FM e a Rádio Difusora AM.
O Jornal Pequeno é produzido pela firma H. M. Bogéa & Cia. Ltda., com sede
em São Luís do Maranhão. Seu proprietário-fundador foi o jornalista José Ribamar Bogéa,
nascido nesta Capital em 18 de setembro de 1921.
Filho de pai comerciante, José Ribamar Bogéa trabalhou desde os doze anos em
estabelecimentos comerciais de São Luís. Principiou seu trabalho na imprensa em 1939,
quando passou a escrever reportagens esportivas e policiais no jornal ludovicense O Globo, de
propriedade de Miécio Jorge. Nesse periódico, José Ribamar Bogéa assinou reportagens
durante oito anos, quando também colaborou na revisão e paginação de notícias produzidas
por outros jornalistas.
No entanto, “na ocasião da cobertura do jogo de futebol Moto [Moto Clube de
São Luís] e o Fluminense (carioca) em 1947 [...], reportagem produzida por Bogéa criticou
violentamente o juiz da partida, o ridicularizando mesmo” (CADORIN, 2001, p. 18). A recusa
de publicação da reportagem causou atrito entre o jornalista e a direção do jornal (O Globo), e
fez com que Ribamar Bogéa deixasse o periódico.
No mesmo ano, o jornalista começou a publicar o jornal O Esporte, que possuía
circulação semanal (aos domingos). O Esporte passou a ser publicado como diário vespertino
em 11 de abril de 1951 (CADORIN, 2001, p. 18).
O jornalista Alberico Carneiro, um dos editores do Jornal Pequeno, acredita que
O Esporte foi “o embrião e gérmen jornalístico do Jornal Pequeno”, pois teria sido através do
mesmo, e ao longo de cinco anos (1947-1951), que “o jornalista José Ribamar Bogéa
experimentou as possibilidades de sobrevivência de um jornal que se dedicasse com
exclusividade a um único assunto: o desporto” (CARNEIRO, 2001, p. 5).
18
Com o relativo sucesso do jornal O Esporte, Ribamar Bogéa optou por ir
mesclando ao conteúdo principal, progressivamente, outros assuntos e temas. A estratégia
teve como conseqüência a descaracterização do periódico como apenas de cunho esportivo, o
que, por sua vez, demandou a mudança de denominação do jornal.
Entre 22 de abril e 28 de maio de 1951, as edições apareceram com o título
“Jornal Pequeno: O Esporte”, “com o conteúdo redacional dividido em esportivo, ainda
predominante, e o restante de noticiário envolvendo, principalmente, matérias policiais e
políticas” (CADORIN, 2001, p. 18).
Somente a partir de 29 de maio de 1951 o periódico passou a estampar em sua
capa apenas o título “Jornal Pequeno”, dedicando a maior parte de suas matérias a questões
desvinculadas do esporte.
Ao completar 60 anos de idade, em 18.09.1981, José Ribamar Bogéa entregou a
direção do Jornal Pequeno ao filho Lourival Marques Bogéa, permanecendo colaborador na
parte editorial do periódico até 1996, quando faleceu. Dessa forma, desde o início da década
de 1980, a administração do jornal se encontra sob responsabilidade de seus filhos,
principalmente de Lourival Bogéa (Diretor-geral) e Josilda Bogéa (Coordenadora-geral).
O Jornal Pequeno recebeu esse nome pelas características que suas primeiras
edições possuíam, que eram “quase panfletárias” (SANTOS, 2001, p. 25). “Quando foi
lançado na rua, suas páginas mediam 30 por 22 cm. Era pequeno também no volume, apenas
4 páginas, isto é, uma folha dobrada ao meio. E era tudo” (CADORIN, 2001, p. 19). O
periódico veio a ter o tamanho padrão dos jornais impressos (58 por 38 cm) somente em 1983.
Se comparado à forma modesta como surgiu, o Jornal Pequeno conquistou
considerável desenvolvimento. Em 1962 adquiriria uma sede própria na rua Afonso Pena,
nº 171, no Centro de São Luís, local onde funciona até hoje.
19
Desde o início de sua publicação, a principal estratégia de promoção do Jornal
Pequeno está relacionada com o fato deste ser, pretensamente, o único jornal maranhense de
caráter “popular”, tanto pelo seu conteúdo quanto por seu preço de venda.
4
Nesse sentido, o
periódico possui o codinome “Órgão das multidões” impresso em sua primeira página, como
referência a sua suposta destinação ao “povão”.
A mesma característica é atribuída pelos jornalistas que atualmente produzem o
periódico.
A linha editorial do Jornal Pequeno se caracteriza por ser claramente definida,
objetiva, direta, que pode ser entendida pelo povo de maneira imediata, clara,
transparente, sem sofismas (paralelismos e trocadilhos) [...]. Um jornal
essencialmente popular, prático, de preço acessível ao bolso do povão, com
linguagem simples, direta, que consegue mesclar vida, morte e renascimento,
tragédia e comédia, sofrimento, futebol e carnaval, dor e humor (CARNEIRO,
2001, p. 5).
Outro atributo do Jornal Pequeno, ao menos segundo seus editores, é o de que
sempre possuiu uma independência com relação às lideranças políticas do Estado, posto que
“nunca sofreu com as vicissitudes do atrelamento a grupos políticos” (SANTOS, 2001, p. 25).
Ao contrário, o Jornal Pequeno teria se constituído historicamente como “instrumento de
resistência aos diferentes mandonismos políticos que imperaram no Maranhão” (SANTOS,
2001, p. 25-26).
Influenciou na escolha do Jornal Pequeno o fato deste ser um jornal impresso, o
que facilita o manuseio e catalogação de informações se comparado ao material da imprensa
televisiva ou de rádio.
5
Ressalto isso pelo fato de, em grande parte, a pesquisa ter consistido
na análise de notícias e fotografias reproduzidas (xerocopiadas) a partir das páginas do jornal.
4
Se comparado aos valores pelos quais os demais jornais maranhenses (de grande circulação) são
comercializados, não se pode, ao menos na atualidade, caracterizar o Jornal Pequeno como um periódico de
baixo custo. O jornal circula com o valor de R$ 1,00, de segunda-feira a sábado, e R$ 1,50, aos domingos; os
mesmos preços de compra do jornal O Imparcial. O Estado do Maranhão é veiculado, respectivamente, entre
segunda-feira e sábado e aos domingos, com os preços de R$ 1,00 e R$ 2,50. Levando-se em consideração a
qualidade da editoração e mesmo o tamanho dos jornais O Estado do Maranhão e O Imparcial, pode-se afirmar
que o Jornal Pequeno, de qualidade gráfica inferior e com menos páginas, acaba se constituindo como um
periódico de maior custo aos leitores.
5
Em trabalho intitulado As Condições do estudo sociológico dos linchamentos no Brasil, José de Sousa Martins
(1995) considera precárias as fontes de informação para o estudo dos “linchamentos” em nosso país. Haveria,
20
Outro motivo da opção foi o fato do Jornal Pequeno, dentre os demais jornais de
grande circulação em São Luís, ser o que maior ênfase a relatos de crimes, trazendo as
notícias policiais geralmente em sua primeira página.
A noção de justiçamentos coletivos (ou atos de justiça coletiva) empregada no
trabalho mantém estreita relação com as ações comumente denominadas de “linchamentos”.
O sociólogo José de Souza Martins, em estudo que dedica aos limites e
características do estudo sociológico dos “linchamentos” no Brasil, entende esses fenômenos
como espécies do gênero “protestos populares”. A terminologia é empregada no sentido de
discriminar os “linchamentos” de outras “manifestações coletivas despidas de organização” e
caracterizadas pelo emprego da violência contra pessoas ou patrimônio, como seriam os
“saques” e “quebra-quebras” (MARTINS, 1995, p. 295).
Da mesma forma, para Martins, os “linchamentos” não poderiam ser
confundidos com “movimentos sociais organizados”, caracterizados por possuírem
“finalidades políticas bem definidas” e uma estrutura organizacional prévia, por vezes
institucional, que compreenderiam manifestações como comícios ou passeatas.
Em outra ocasião, Martins (1996, p. 11-12) identifica os “linchamentos” como:
Atos que se baseiam em julgamentos freqüentemente súbitos, carregados da
emoção do ódio ou do medo, em que os acusadores são quase sempre anônimos,
que se sentem dispensados da necessidade de apresentação de provas que
fundamentam suas suspeitas, em que a vítima não tem nem tempo nem
oportunidade de provar sua inocência.
No entanto, preferi a utilização do termo justiçamentos à terminologia
linchamento. Fiz isso por crer que a expressão “linchamento”, ao menos nas fontes
pesquisadas, carece de um maior rigor conceitual, uma vez que, além de abranger ações
demasiadamente díspares entre si, em grande parte se encontra embebida de preconceitos, o
para o autor, apenas duas alternativas: o estudo de caso, ou seja, a análise aprofundada de alguma ocorrência
específica de “linchamento”, ou a sistematização de informações disponíveis em quadros informativos que
permitam o estudo comparado das ocorrências. Dentre esses “quadros informativos”, embora possuam
evidentes limitações, os jornais adquiririam peculiar importância. “No Brasil, o jornal é a única fonte
sistemática e, ainda assim, limitada pela casualidade do acesso do pesquisador a publicações que tenham
notícias sobre o assunto” (MARTINS, 1995, p. 303).
21
que dificulta um estudo pretensamente científico. Não por outro motivo, sempre que utilizei a
expressão (“linchamento”) o fiz com o emprego de aspas.
O termo justiçamento foi emprestado de Paulo Rogério Meira Menandro e Lídio
de Souza (2002). Os autores, com a finalidade de delimitar conceitualmente a análise do que
consideram ser “manifestações coletivas ligadas aos sentimentos de medo e insegurança”,
cunham o conceito de juridicidades (ou justiçamentos) alternativas(os). Abarcaria tal noção
“todos os meios de resolução dos conflitos cotidianos [...], de caráter preventivo ou punitivo,
alternativos ao Estado” (MENANDRO; SOUZA, 2002, p. 252-253). Os esquadrões da morte,
as milícias em bairros de periferia de grandes centros urbanos, a pistolagem e os
“linchamentos”, seriam exemplos, para os mesmos autores, desses justiçamentos alternativos.
Sobre o conceito de Menandro e Souza cabem três esclarecimentos. Em primeiro
lugar, discordo do adjetivo “alternativo” empregado pelos autores. A adjetivação se relaciona
com a idéia de que tais justiçamentos sempre aparecem alternativos à atividade estatal, no
sentido de que não mantém relação com as ações preventivas/repressivas do Estado no que
tange à criminalidade (como a atividade policial e jurisdicional), derivando justamente da
“ausência do Estado”. Acredito que mais do que “alternativos”, os justiçamentos podem ser
complementares às ações coercitivas do Estado, na medida em que mantém relação com
atividades oficiais de controle/repressão ao crime, por vezes servindo, inclusive, como
instrumentos de garantia da atuação estatal. Daí porque preferi retirar, de meu conceito, a
idéia de alternatividade.
Segundo. O conceito elaborado por Menandro e Souza (justiçamentos
alternativos) é mais abrangente que a noção de justiçamentos coletivos, aproximando-se do
que identifico neste trabalho como justiçamentos não-estatais. Este último conceito identifica
justamente manifestações de violência alternativa ou complementar à atuação repressiva e
oficial do Estado, como ações de pistoleiros, esquadrões da morte, “justiceiros”, grupos de
22
extermínio e “linchadores”. Seriam, pois, os atos de justiça coletiva, aqui priorizados, espécie
do gênero justiçamentos não-estatais.
A terceira observação se relaciona com a delimitação da terminologia utilizada
em minha pesquisa (justiçamentos coletivos). Os atos de justiça coletiva, como a própria
denominação sugere, mantêm relação apenas com práticas coletivas de justiçamento,
caracterizadas, pois, pela atuação de mais de um agente.
Dessa forma, por justiçamentos coletivos entendi mecanismos de coerção
operados por agentes sociais, desvinculados do aparelho oficial (estatal) de repressão, e que
atuam coletivamente. O que identifica tais condutas é o fato de se constituírem enquanto
agressão física (ou tentativa de agressão) a indivíduos aos quais foi atribuída violação a
normas de conduta social, não necessariamente identificadas como crimes pelo ordenamento
jurídico de nosso país.
Uma das premissas de que me vali para a pesquisa é a de que os atos de justiça
coletiva são ações que produzem (e, ao mesmo tempo, que derivam de) práticas e
representações sobre a legitimidade de punições aplicadas por particulares. É nesse sentido
que a preocupação central do trabalho mantém relação com representações sobre os
justiçamentos (re)produzidas por um grupo específico de agentes sociais, a saber,
profissionais ligados ao processo de produção das notícias veiculadas na página policial do
Jornal Pequeno.
O primeiro registro histórico do termo “representação” apareceu no Dictionaire
Universal Furetìeri, em edição que data de 1690. No dicionário, o conceito de representação
(représentation) aparece como “instrumento de um conhecimento mediato, que faz ver um
objecto ausente através de sua substituição por uma ‘imagem’ capaz de o reconstituir em
memória e de o figurar tal como ele é” (CHARTIER, 1990, p. 20).
23
A gênese da noção de representação aparece atrelada à ligação entre uma
“imagem presente” e um “objeto ausente”, valendo aquela por este. Por essa razão, para
Roger Chartier (1990, p. 20), “a ação de representação é, naquele contexto, confundida com a
própria ação de memorização”.
O estudo das representações como fenômenos ligados à memória marcou os
trabalhos da chamada Escola Psicofisiológica, de tradição francesa. Nesse sentido, as obras de
Willian James, Rabier, Leon Dumont e Pierre Janet, produzidas no final do culo XIX
(DURKHEIM, 1994, p. 11-15).
Para Émile Durkheim (1994, p. 15), a idéia central desenvolvida por tal Escola
foi a de que “representações seriam rastros deixados nos cérebros por experiências
anteriores”, ficando, nesse aspecto, sob exclusiva dependência de causas psíquicas e físicas.
O início da desarticulação entre as idéias de representação e memória adveio
com o trabalho de Émile Durkheim e Marcel Mauss (1981) sobre o que denominaram de
“formas primitivas de classificação”. Para esses autores, a “função classificadora”, inata a
qualquer sociedade, consiste na atividade de “ordenar coisas em grupos distintos entre si,
separados por linhas de marcação nitidamente determinadas” (DURKHEIM; MAUSS, 1981,
p. 400).
A “função classificadoraseria a principal conseqüência das representações, na
medida em que estas, ainda relacionadas à atividade de rememoração, possibilitariam
identificar pessoas, objetos e fenômenos da natureza, distinguindo-os uns dos outros, bem
como ensejariam a produção de “categorias do entendimento”, como as noções de tempo,
espaço, gênero, número, causa, substância e personalidade (DURKHEIM, 1996, p. XV-XVI).
Em outra obra, Durkheim (1994) tece comentários mais aprofundados sobre sua
concepção de representação, tendo como pano de fundo a crítica à Escola Psicofisiológica. O
autor concorda que o debate sobre representações deve passar pela idéia de associação, do
24
estabelecimento de “semelhanças” entre diferentes objetos. O centro de sua divergência com
os psicólogos estaria na identificação de quais seriam os critérios de definição dessas
semelhanças.
Como já destacado, para os psicofísicos do final do séc. XIX, a associação entre
coisas presentes e ausentes (“representação”) derivaria exclusivamente de impulsos físicos. A
representação nunca seria autônoma, uma vez que estaria atrelada ao funcionamento de
mecanismos orgânicos.
Contra tais argumentos, Durkheim (1994, p. 20-21) afirma que:
Não se pode afirmar que nossa atividade intelectual consiste somente em
reproduzir, sem mudanças, os estados de consciência anteriormente
experimentados. Mas, na verdade, para que tais estados de consciência possam ser
submetidos a uma elaboração verdadeiramente intelectual [...], se requer que
tenham uma existência relativamente independente de seu substrato natural.
A quebra do vínculo entre as representações e fenômenos meramente físicos,
para Durkheim, implica na crítica à “base atômica da representação”, ou seja, em reconhecer
que tal fenômeno “não é constituído por elementos previamente definidos, por espécies de
átomos que poderiam entrar, permanecendo idênticos a si mesmos, na contextura das mais
diversas representações” (DURKHEIM, 1994, p. 24). As representações não seriam
constituídas por elementos separados uns dos outros, mas, pelo contrário, por um “todo
contínuo”, no qual as diversas partes se interpenetram.
Do argumento de Durkheim (1994, p. 43) advém a noção de representação como
“fato social”.
Se é possível dizer, de certo modo, que as representações coletivas são exteriores às
consciências individuais, é porque elas não provém dos indivíduos tomados
isoladamente, mas em seu conjunto; e isso na verdade é bem diferente, Na
elaboração do resultado comum cada um contribui com sua parte; mas isso não
quer dizer, por exemplo, que os sentimentos privados dos indivíduos adquiram
categoria social, enquanto não combinem sua ação com as forças sui generis que a
associação desenvolve.
Assim, o estudo das representações não poderia, para Durkheim, dar-se de forma
individual, pois a própria representação seria a resultante do “conjunto de indivíduos”, sendo
exterior em relação a seus elementos particulares. Cada um desses elementos (indivíduos)
25
contribuiria com alguma coisa, “mas o todo não está em nenhum, a não ser em sua
totalidade”. “Não pode existir vida representativa a não ser no todo formado pela reunião de
elementos nervosos, do mesmo modo que a vida coletiva não existe a não ser no todo formado
pela reunião de indivíduos” (DURKHEIM, 1994, p. 45).
A obra de Durkheim tem como mérito conceber as representações como
fenômenos que não estão necessariamente condicionados à fisiologia dos indivíduos. No
entanto, a meu ver, o autor desvaloriza a ação desses mesmos indivíduos no processo de
(re)construção das representações sociais. A representação como “fato social” dificulta a
percepção do trabalho classificatório que os indivíduos constroem historicamente.
Não proponho que Durkheim despreze totalmente as ações dos indivíduos ou
mesmo que não conceba a existência de “representações individuais”. O que o autor acredita é
que essas representações (individuais) decorram das representações coletivas, e não o
contrário.
6
Ademais, como se verá logo em seguida, a noção de representação utilizada
neste trabalho mantém estreito contato com a idéia de conflito, no sentido de que
representações sociais seriam, no entendimento aqui adotado, instrumentos de disputa de
poder utilizados por diferentes agentes sociais. Na análise sociológica que tece, Émile
Durkheim confere pouca importância ao conflito, pois a harmonia (social) como
decorrência natural de uma sociedade moralmente sadia (DURKHEIM, 1995, p. 39-83). A
idéia da convergência de interesses entre “iguais” perpassa todo o seu pensamento. Ao
apontar para a naturalidade da paz (e não da guerra), o conflito aparece como exceção, em
contraposição à harmonia, que seria a regra social.
7
6
“O Homem é duplo. Há dois seres nele: um ser individual, que tem sua base no organismo e cujo círculo de
ações se acha, por isso mesmo, estruturalmente limitada, e um ser social, que representa entre nós a mais
elevada realidade, na ordem intelectual e moral, que podemos conhecer pela observação, quero dizer, a
sociedade” (DURKHEIM, 1996, p. XXIII).
7
A valorização da noção de conflito como objeto sociológico aparece com maior destaque nos trabalhos do
alemão Georg Simmel, para quem um fenômeno social só pode ser concebido como efeito da agregação dos
26
De um modo geral, essas foram as bases sobre as quais se ergueram as primeiras
(e mais tradicionais) discussões acerca da idéia de representação. No entanto, o conceito (de
representação) utilizado em minha pesquisa se aproxima de noções formuladas por outros
dois teóricos: Roger Chartier e Pierre Bourdieu.
O historiador Roger Chartier, quando da delimitação de seu conceito de História
Cultural (1990, p. 13-28), segue a tendência já principiada por Durkheim de se negar a idéia
de representação como conseqüência exclusiva de processos psicológicos. As representações
seriam, para o historiador francês, derivadas das “próprias divisões do mundo social”
(CHARTIER, 1990, p. 18).
Dessa forma, Chartier (1990, p. 18) entende por representações “esquemas de
classificação incorporados sob a forma de categorias mentais por cada grupo”. São “matrizes
de discursos e de práticas diferenciadas [...] que têm por objectivo a construção do mundo
social, e como tal a definição contraditória das identidades”.
Nessa perspectiva, representações seriam classificações, divisões, delimitações
que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e
apreciação do real. “Esquemas intelectuais” incorporados que criam figuras (significados)
graças às quais “o presente pode adquirir sentido, o outro se torna identificável e o espaço
decifrável” (CHARTIER, 1990, p. 17).
A importância das formulações de Chartier se encontra justamente na
potencialidade que seu conceito de representação tem de valorizar a ação classificatória dos
indivíduos, bem como de perceber que o estudo do trabalho de classificação implica na
própria análise dos conflitos sociais. Pois “a investigação sobre a representação supõe-nos
como sempre colocados num campo de concorrências e de competições cujos desafios se
enunciam em termos de poder e de dominação” (CHARTIER, 1990, p. 17).
interesses e comportamentos individuais, notadamente em relações conflituosas, pois “a sociedade, para
alcançar uma determinada configuração, precisa de quantidades proporcionais de harmonia e desarmonia, de
associação e competição, de tendências favoráveis e desfavoráveis” (SIMMEL, 1988, p. 124).
27
No mesmo sentido, Pierre Bourdieu (2002, p. 139-144) destaca que por
representações não se pode entender apenas a forma como os agentes sociais “lêem” o mundo
em que vivem, mas também a maneira como contribuem para a construção desse mundo. A
análise das representações sociais implicaria, assim, no estudo do “trabalho de representação”,
ou seja, dos “discursos e ações que os agentes sociais continuamente realizam para impor sua
visão de mundo e a visão da sua própria posição nesse mundo; enfim, da luta por imposição
do que consideram ser sua identidade social” (BOURDIEU, 2002, p. 140).
Na mesma direção, Chartier (2002, p. 72) afirma que a crítica das
representações:
Exige, primeiramente, considerar os esquemas geradores dos sistemas de
classificações e de percepção como verdadeiras “instituições sociais”, incorporando
sob a forma de representações coletivas as divisões da organização social [...]. Mas
também [exige] considerar; corolariamente, essas representações coletivas como as
matrizes de práticas que constroem o próprio mundo social.
Ocupar-se com o estudo de representações é, dessa forma, ocupar-se com
conflitos de classificação e com a identificação de instrumentos de enfrentamento social.
Nesse sentido, a análise de representações dos agentes sociais produtores de notícias no Jornal
Pequeno demanda a percepção da luta de representações travada por esses mesmos agentes,
na medida em que parto do pressuposto de que o que está em jogo nas opiniões/interpretações
veiculados no jornal é a própria ordenação e hierarquização da vida social, tendo como pano
de fundo a questão do crime violento.
Entendo que tais agentes sociais, ao narrarem/interpretarem questões correlatas à
violência, procuram, por diferentes estratégias representativas, dar uma eficácia simbólica a
suas opiniões, no sentido de imporem sua visão de mundo à opinião de seu público leitor
(BOURDIEU, 2002, p. 7-16). Os limites de tal imposição derivam diretamente da eficácia
que o discurso desses profissionais possua no processo de atribuição de sentido ao mundo
onde seus leitores se encontram inseridos.
28
Assim, parto da idéia, ainda com base nas teorizações de Pierre Bourdieu, de que
as opiniões dos comunicadores do Jornal Pequeno podem ser vistas enquanto “sistema
simbólico” que cumpre uma função política de instrumento de imposição ou de legitimação
da dominação [...] (violência simbólica), dando o reforço da sua própria força às relações de
força que as fundamentam” (BOURDIEU, 2002, p. 11).
Porém, Roger Chartier (1990, p. 19) adverte que, quando do estudo das
representações:
Não se pode considerar como ‘simbólicos’ todos os signos, actos ou objectos, todas
as figuras intelectuais [...] graças as quais os grupos fornecem uma organização
conceptual ao mundo social ou natural, construindo assim a sua realidade
apreendida e comunicada.
Por essa razão, faz-se necessário delimitar o universo de representações que o
presente trabalho visa estudar. Nesse sentido, detive-me apenas à análise de representações
relacionadas a atos de justiça coletiva. Para tal, priorizei o estudo das formas como repórteres,
redatores, editores e fotógrafos do Jornal Pequeno interpretam ações de “linchamento”, num
diálogo que perpassa as diferentes noções que esses agentes têm sobre questões relacionadas à
violência, crime, vingança, justiça, pena e impunidade.
O presente trabalho procurou estabelecer a seguinte sistematização:
O segundo capítulo foi destinado à análise das fontes utilizadas na pesquisa.
Reportagens jornalísticas, fotografias coletadas da página policial do Jornal Pequeno e
entrevistas realizadas com profissionais do periódico foram analisadas no sentido de se
estabelecer os limites encontrados na utilização dessas fontes. Nesse capítulo procurei
também apontar o referencial teórico através do qual busquei interpretar esse material, que
teve como base, principalmente, obras de Walter Benjamin, Peter Burke e Roland Barthes.
Em seguida (capítulo 3), priorizei uma revisão bibliográfica da discussão
acerca das formas de violência não-estatais, valendo-me, para tal, de pensadores tradicionais
nas Ciências Sociais (Émile Durkheim e Max Weber) e de autores mais recentes (Michel
29
Wieviorka, Michel Maffesoli, Bill Buford, Jean Baudrillard, Hans Magnus Enzensberger,
dentre outros), que, segundo entendo, contribuíram na “explicação” dessa modalidade de
violência ao longo do século XX.
A pretensão do capítulo 4 foi estabelecer uma classificação dos atos de justiça
coletiva através de seus relatos nas páginas do Jornal Pequeno. Na ocasião, agrupei os
“linchamentos” em tipologias a partir de elementos que estabelecessem similitudes entre os
mesmos. Tais elementos foram arbitrados se atentando para as peculiaridades que envolveram
cada ato de justiça coletiva e utilizando formulações de autores como Zygmunt Bauman e Bill
Buford.
Os capítulos 5 e 6 foram destinados ao objeto principal da pesquisa: analisar
representações acerca do crime violento, principalmente correlatas a “linchamentos”,
presentes na gina policial do Jornal Pequeno. Aqui voltei minha atenção à crítica da forma
como os profissionais do jornal se posicionam sobre ações violentas ocorridas em São Luís.
Para tal, vali-me, preponderantemente, do conceito de fala do crime da socióloga Teresa Pires
do Rio Caldeira. Num primeiro momento (capítulo 5), após comentar as características da
narrativa de crimes violentos pelo periódico, destaquei o que considerei serem os elementos
representativos (sobre a violência) recorrentes no material pesquisado.
O último capítulo analisou, inicialmente, representações específicas sobre os
agentes sociais envolvidos em ações criminosas e, ao fim, o fenômeno que denomino de
naturalização das ações de justiça coletiva, presente quando da narração/interpretação de
“linchamentos” no jornal pesquisado.
30
1 METODOLOGIA E ANÁLISE DAS FONTES
As fontes utilizadas como instrumento de aproximação do objeto de estudo se
constituíram, basicamente, de reportagens veiculadas na página policial do Jornal Pequeno, de
registros fotográficos constantes do periódico e de entrevistas com profissionais responsáveis
pela escrita (e estética) do jornal.
As reportagens impressas foram coletadas do acervo de periódicos da Biblioteca
Pública Benedito Leite (situada na Praça do Pantheon, s/nº, no Centro de São Luís/MA), no
período de outubro de 2003 a maio de 2004. As imagens foram obtidas através de fotografias
tiradas, com a utilização de máquina fotográfica digital, das edições impressas do jornal.
Trabalho este realizado na referida Biblioteca Pública entre agosto e setembro de 2004. As
entrevistas, cujo processo de realização semelhor detalhado nas próximas páginas, foram
feitas em novembro do mesmo ano.
Destaquei, da página policial do Jornal Pequeno, notícias de fatos interpretados
pelos redatores como práticas de “linchamento”. Isto por estar essa terminologia associada, de
um modo geral, ao que aqui denomino de atos de justiça coletiva.
Subsidiariamente, utilizei reportagens veiculadas no jornal O Imparcial. A coleta
desse material teve caráter excepcional restringindo-se a menos de uma dezena de casos e
se deu quando não foi encontrado algum exemplar diário do Jornal Pequeno no acervo da
Biblioteca Benedito Leite, ou quando, por variados motivos, desejei comparar as informações
trazidas no Jornal Pequeno com as veiculadas em outro periódico.
Ao todo foram coletadas 93 reportagens sobre “linchamentos”. No entanto, logo
percebi, pelos motivos expostos adiante, que as notícias não tratavam de ocorrências com
semelhanças facilmente identificáveis. Pelo contrário, por práticas de “linchamento” os
31
repórteres do jornal entendem uma pluralidade de atitudes que, por vezes, destoam
radicalmente.
Coletadas as notícias, procedi com a organização das mesmas. Para tal, construí
um quadro descritivo (Apêndice A) onde as reportagens estão expostas em numeração
crescente, obedecendo sua cronologia, e subdivididas nas seguintes categorias: data (da
ocorrência do ato de justiça coletiva); local (bairro onde ocorreu); descrição (do
acontecimento, onde procurei reproduzir os termos empregados no jornal); motivação (móvel
do ato de justiça); forma de agressão (tipo de agressão perpetrada contra o “linchado”);
agentes sociais envolvidos (sujeitos identificados pelas reportagens como “linchadores”); e,
fonte (referência do periódico onde a notícia foi coletada).
O quadro descritivo me possibilitou a tabulação das notícias através da
organização de tabelas temáticas com os dados de cada reportagem (Apêndice B). Para tal,
usei como base tabelas construídas pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da
Universidade de São Paulo (USP, 2004). As tabelas do NEV derivaram da pesquisa
“Monitoramento das graves violações de direitos humanos” e abarcam dados coletados entre
1980 e 2000. As fontes ali utilizadas foram os principais jornais de São Paulo e do Rio de
Janeiro.
8
Conforme destacado, a pesquisa nas fontes jornalísticas não se restringiu à
análise de textos e reportagens. A interpretação de registros fotográficos de páginas policiais e
a realização de entrevistas com profissionais diretamente ligados à confecção das notícias foi
de igual relevância.
8
As tabelas do NEV são as seguintes: “Linchamentos na Região do Município de São Paulo segundo o motivo
que desencadeou o linchamento”; “Linchamentos na Região do Município de São Paulo segundo o tipo de
delito”; “Linchamentos na Região do Município de São Paulo segundo a forma como a notícia se refere ao
agente”; “Linchamentos na Região do Município de São Paulo segundo presença policial”; “Linchamentos na
Região do Município de São Paulo segundo a atuação dos policiais presentes ao linchamento”. As temáticas e
a forma de organização das tabelas são as mesmas, adaptando-se, logicamente, por estar se tratando, nesta
pesquisa, de dados referentes ao Município de São Luís do Maranhão. As demais adaptações realizadas nas
tabelas do Núcleo serão descritas ainda neste capítulo.
32
Nesse aspecto, houve a coleta de 44 fotografias veiculadas no Jornal Pequeno no
período pesquisado (1993-2003). Aqui, não me detive à crítica de registros constantes de
notícias referentes a “linchamentos”. Como a pretensão foi verificar a forma do periódico
utilizar fotos em sua página policial, a coleta abrangeu casos desvinculados dessa temática
(“linchamentos”).
Procurei coletar imagens referentes a diferentes objetos de registros fotográficos
veiculados em notícias policiais como autores de delitos, vítimas, armas e cadáveres –, para
então perceber tendências ou preocupações dos fotógrafos e editores quando do relato de
crimes. A relação entre as fotografias e o conteúdo do texto com o qual elas dialogam foi de
grande importância.
Através de entrevistas, busquei manter contato com as diferentes fases de
produção das reportagens. Para tal, entrevistei três profissionais, respectivamente, com os
seguintes perfis:
(a) ENTREVISTADO 01: Editor-chefe da seção policial do Jornal Pequeno e
Assessor de Comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão. Sexo
masculino. Cinqüenta e nove anos. Trabalha mais de duas décadas como repórter, editor e
redator em diferentes jornais de grande circulação no Maranhão. É também Oficial Militar
reformado;
(b) ENTREVISTADO 02: Repórter da seção policial do Jornal Pequeno três
anos. Sexo masculino. Quarenta e um anos. Trabalha também como plantonista do periódico
nos fins de semana, cobrindo, nessas ocasiões, diferentes seções do jornal; e,
(c) ENTREVISTADO 03: Fotógrafo do Jornal Pequeno mais de sete anos.
Sexo masculino. Trinta e um anos. Não está vinculado à seção de notícias policiais, atuando
em diferentes áreas de reportagem.
33
Não citei no trabalho os nomes dos entrevistados, fazendo referência apenas a
dados como profissão, idade, sexo e tempo de serviço no jornal. Com isso, procurei
resguardar os profissionais, por acreditar que a autoria de suas opiniões, objeto de críticas
neste trabalho, deve ficar no anonimato.
As entrevistas foram realizadas com gravador-repórter (portátil), sendo as
gravações previamente autorizadas pelos entrevistados. O ambiente em que foram realizadas
foi o local de trabalho desses profissionais, não se constituindo as entrevistas enquanto
diálogos informais, mas como seqüência de questões por mim aplicadas e previamente
confeccionadas.
As perguntas que constituíram a base das entrevistas estiveram relacionadas às
seguintes temáticas: (a) atividade do profissional no jornal; (b) experiência em outros veículos
de comunicação ou mesmo em outras profissões; (c) características e dificuldades de se
trabalhar na seção policial; (d) técnicas e critérios de construção das notícias jornalísticas; e,
(e) opinião sobre questões relacionadas à criminalidade e violência, notadamente sobre as
práticas de “linchamento”.
A entrevista com o fotógrafo priorizou aspectos relacionados aos procedimentos
de confecção dos registros fotográficos. Ao longo de todas as entrevistas outros assuntos
eventualmente citados pelo entrevistado também foram explorados.
O material impresso e oral utilizado na pesquisa foi tomado como discurso de
agentes sociais que representam o veículo de comunicação em estudo (Jornal Pequeno). Para
tal, procurei extrair das fontes elementos que caracterizassem a forma como os profissionais
do jornal se posicionam sobre questões correlatas à violência e às práticas de justiça coletiva.
A noção de “discurso” aqui apresentada tenta se afastar de sua identificação
enquanto algo desligado das práticas sociais. Conforme noção de Michel Foucault (2003, p.
54), o discurso deve ser percebido, sobretudo, como acontecimento, ou seja, enquanto algo
34
que, mais do que mero reprodutor de uma experiência vivida pelo narrador, constitui-se
enquanto estratégia política de posicionamento deste dentro de embates sociais. “O
acontecimento não é nem substância nem acidente, nem qualidade, nem processo; o
acontecimento não é da ordem dos corpos. Entretanto, ele não é imaterial; é sempre no âmbito
da materialidade que ele se efetiva, que é efeito” (FOUCAULT, 2003, p. 57).
Tomar o discurso como acontecimento demanda a percepção de seu “conjunto”.
Do jogo de noções envolvendo regularidades, causalidades, descontinuidades, dependências e
transformações (FOUCAULT, 2003, p. 56-57). Dessa forma, é possível a crítica ao
discurso através da análise do contexto que lhe dá sentido.
O que procurei, com a análise das fontes pesquisadas, foi perceber as diferentes
formas de manifestação discursiva reportagens, fotografias e entrevistas enquanto
estratégias de comunicação que ensejam a percepção de como os agentes sociais produtores
das mesmas (formas discursivas) posicionam-se politicamente sobre a violência e, sobretudo,
sobre as ações de justiçamento coletivo.
2.1 Reportagens
A tentativa de analisar as reportagens coletadas no Jornal Pequeno como
discursos demanda o esclarecimento de como esse material foi utilizado na pesquisa.
Como manifestações discursivas, as notícias foram analisadas através do
conjunto formado pelos títulos das reportagens, o texto que as compõe, as fotografias que as
acompanham e a localização das mesmas (notícias) nas páginas do periódico.
9
9
O Jornal Pequeno prioriza o destaque a sua seção policial. As notícias referentes a crimes vêm geralmente em
sua primeira página, de forma resumida e com remissão à página policial. Esta (página policial) possui
tamanho variável de acordo com o número e conteúdo das reportagens veiculadas em cada dia. Desde a
metade da década de 1990, foi destinada à seção policial a última página do periódico, o que denota o destaque
dado à seção, pois a folha final acaba se constituindo enquanto a “costa” do jornal, facilmente visível ao leitor.
35
Essa preocupação deriva do fato de se estar trabalhando com fontes jornalísticas,
o que requer certos cuidados com o trato da linguagem, uma vez que:
A linguagem jornalística compõe-se de uma conjugação simultânea de diversas
linguagens: a língua verbal escrita, a linguagem fotográfica, a linguagem gráfica e a
linguagem diagramática (que se refere aos diagramas de distribuição de informação
no espaço da página) (DIAS, 2003, p. 41).
A prioridade foi destacar as principais representações que a análise deste
conjunto possibilitou perceber. Como já salientado, o universo representacional enfocado no
trabalho, atribuído aos agentes sociais responsáveis pelo processo de composição das
reportagens, relaciona-se a diferentes temáticas, ligadas de forma direta ou indireta a atos de
justiça coletiva.
Assim procedendo, não posso afirmar que as reportagens jornalísticas se
constituíram enquanto fonte a partir da qual priorizei a análise da fenomenologia dos
justiçamentos coletivos. A única parte do trabalho destinada ao estudo de eventuais
características, causas ou motivos dos justiçamentos foi o capítulo 4, quando procuro
identificar possíveis tipologias (classificação) dos atos de justiça coletiva.
Dessa forma, as tabelas e gráficos construídos ao longo do trabalho não
priorizam um estudo estatístico dos justiçamentos coletivos.
10
Aparecem,
preponderantemente, enquanto instrumentos de análise das fontes (jornais), demonstrando
como os redatores e repórteres expõem e interpretam as ocorrências por eles narradas.
Três principais características das reportagens devem ainda ser destacadas, pois,
a meu ver, impõem limites à própria análise dessas fontes.
10
Nesse aspecto, entendo ser bastante problemática a realização de uma análise estatística, ao menos com base
em dados de órgãos governamentais, tanto dos “linchamentos” quanto de qualquer modalidade de crime neste
Estado. Tais fontes são, em demasia, incompletas e com informações insuficientes. A Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Maranhão (Av. dos Franceses, s/n, Vila Palmeira, São Luís/MA) possui como único
sistema de informação sobre a criminalidade o registro que sua Corregedoria faz quando inquéritos policiais
são concluídos e vão para o Poder Judiciário. As estatísticas mantidas pela Secretaria são bastante genéricas. A
instituição se restringe, anualmente, a arrolar em planilhas os tipos de crimes mais freqüentes e o número de
inquéritos instaurados para apurar cada um.
36
Em primeiro lugar, as 93 notícias não abrangem todos, nem talvez a maioria, dos
atos de justiça coletiva eclodidos em São Luís no período estudado. Durante a pesquisa,
inúmeros relatos de casos de “linchamentos” me foram noticiados, através de outras fontes
(rádio, televisão, outros periódicos, conversas informais), não sendo, entretanto, reportados
nas ginas do Jornal Pequeno. Os casos de “linchamentos” aparecem no jornal de forma
fragmentada e sua presença varia de acordo com a eficiência e interesse da equipe de
reportagem.
Em segundo lugar, as informações constantes do material jornalístico se
caracterizaram por serem eminentemente incompletas. Nas mesmas, é recorrente a omissão de
dados como a idade da vítima ou do autor de crimes, sua “cor” ou mesmo a forma de
violência aplicada. Em grande parte, talvez essas omissões sejam propositais. Há informações
que não atendem aos interesses mercadológicos do jornal. Não são “atraentes” num mercado
onde o crime é exposto como algo a ser consumido” pelo público leitor. Por outras vezes, a
incompletude pode ter derivado das próprias circunstâncias nas quais ocorreram os fatos
noticiados.
Em terceiro e último lugar, o critério de seleção das reportagens policiais do
Jornal Pequeno – menção, nas notícias, a ações de “linchamento” – enseja algumas ressalvas.
Tradicionalmente se entende por “linchamentos” atos em que agentes sociais,
agindo coletivamente, reagem com violência ao cometimento de algum ato (anterior) tido
como socialmente injusto.
Nesse sentido, dois conceitos de “linchamento”:
11
11
Embora o presente trabalho não priorize, especificamente, a construção do conceito de “linchamento”, vale
destacar algumas noções colhidas na bibliografia pesquisada. Nesse sentido: Jacqueline Sinhoretto (2002, p.
40): “Os linchamentos são práticas coletivas de execução sumária de pessoas consideradas criminosas. Sua
característica diferenciadora dos outros tipos de execução sumária é o seu caráter de ação única, ou seja, o
grupo de linchadores se forma em torno de uma vítima ou grupo de vítimas, e após a ação, se dissolve”;
Helena Singer (2003, p. 24): “Entre os casos estudados, foram definidos como linchamentos casos de ação
coletiva, de grupo formado exclusivamente para realizá-lo, sendo todos os participantes autores diretos, com o
objetivo revelado por indícios observáveis – gritos de intenção, posse de instrumentos letais (instrumentos
contundentes e, às vezes, também, armas brancas), depredações – de executar sumariamente um ou mais
37
Qualquer ação pública em co-participação com o objetivo de executar
sumariamente um ou mais indivíduos supostamente responsáveis pela prática de
uma ação considerada inaceitável, sem qualquer julgamento prévio (MENANDRO;
SOUZA, 2002, p. 253).
“Fazer justiça com as próprias mãos”, vingando parentes, amigos ou membros de
uma comunidade, ou simplesmente extravasando sentimento de insegurança,
revolta e ódio contra criminosos reais ou imaginários, em iniciativas não
premeditadas (FAUSTO, 2001, p. 175).
A correlação entre esses conceitos e a referência a “linchamentos” nas
reportagens analisadas me possibilitou perceber algumas incompatibilidades.
Em uma notícia, por exemplo, a agressão perpetrada por uma única pessoa foi
adjetivada como “linchamento”, talvez por ter se dado em reação a ato do agredido
interpretado, na reportagem, como “injusto”. A notícia narra a ação de “comerciante da Vila
Maranhão” que, “após flagrar jovem tentando arrombar seu estabelecimento, o rende, amarra
num poste e espanca” (JOVEM, 2000, p. 12).
Outras vezes, foram enquadradas como “linchamentos” rixas entre indivíduos ou
grupos. Como exemplo, o caso ocorrido em setembro de 1996 no bairro Angelim, onde, “após
discussão durante a travessia de uma pequena ponte [...], quatro integrantes de uma família
agrediram o rival”. A ação foi identificada como “linchamento de homem por familiares”
(FAMÍLIA, 1996, p. 5).
Problemática também a identificação, através das noticias, do que diferenciaria
um “linchamento tentado” de um “linchamento consumado”. A tendência das reportagens foi
colocar a “consumação” como algo atrelado à morte do agredido (“linchado”). Todo e
qualquer outro tipo de conseqüência seria apenas “tentativa de linchamento”.
indivíduos supostamente responsáveis pela prática de uma ação determinada ou identificados como estigmas
sociais”; Alfredo Wagner Berno de Almeida (1997, p. 109): “Forma de violência realizada por uma
‘multidão’, que executa um presumível culpado, freqüentemente também mutilando-o o corpo, sob pretexto de
estar administrando a justiça”; José de Souza Martins (1996, p. 11-12): “Os linchamentos se baseiam em
julgamentos freqüentemente súbitos, carregados da emoção do ódio ou do medo, em que os acusadores são
quase sempre anônimos, que se sentem dispensados da necessidade de apresentação de provas que
fundamentem suas suspeitas, em que a vítima não tem nem tempo nem oportunidade de provar sua inocência.
Trata-se do julgamento sem a participação de um terceiro, isento e neutro, o juiz, que julga segundo critérios
objetivos e impessoais, segundo a razão e não segundo a paixão. Sobretudo, trata-se de julgamento sem
possibilidade de apelação”; e, Thales de Azevedo (1974, p. 948): “São formas de execução sumária e brutal de
delinqüentes, ou supostos culpados de determinados crimes, por parte de turbas ocasionalmente reunidas”.
38
Essa é a opinião do editor-chefe da seção policial do jornal:
Parece que houve um único caso de linchamento consumado este ano [2004], onde
a vítima morreu. Agora as tentativas são várias [...]. Linchamento é enforcar, é
matar sem julgamento. É um julgamento sumário, aliás (ENTREVISTADO 01,
grifei).
A interpretação sugere a idéia de que, em todos os casos de “linchamento”, o
intuito dos agressores é, necessariamente, executar sua vítima. No entanto, essa premissa não
mantém harmonia com casos em que, após deterem e agredirem o “linchado”, os agentes
sociais agressores o entregam a autoridades policias. Em 11.06.1999, por exemplo,
“moradores do bairro Anjo da Guarda flagraram jovem furtando objetos na feira”.
“perseguição, captura e agressão” ao suposto assaltante “com socos e pontapés”, porém, logo
em seguida, “os agressores se dirigiram ao Distrito Policial, no mesmo bairro, e o
entregaram a policiais” (POPULARES, 1999, p. 12).
Quando ocorreu intervenção policial nas práticas de justiçamento, predominou
nas reportagens a interpretação de que essas ações (intervenções) teriam sempre como
finalidade “salvar o agredido de seu inevitável homicídio” (SERESTA, 1996, p. 6;
ASSASSINATO, 1997, p. 8). Em uma reportagem, a notícia descreve uma dessas ocorrências
como um caso em que “o linchamento foi meramente ensaiado” (HOMENS, 2000, p. 12).
Expostas as intenções com as quais utilizei reportagens jornalísticas como fontes
da pesquisa, importante tecer alguns comentários sobre a utilização destas mesmas
reportagens para tabulação de dados sobre justiçamentos coletivos.
Conforme já destacado na parte introdutória deste capítulo, a montagem das
tabelas que compõem o Apêndice B teve por base trabalho realizado pelo Núcleo de Estudos
da Violência, da Universidade de São Paulo, sobre “linchamentos”.
Algumas modificações foram realizadas nas tabelas do NEV, principalmente no
que tange a categorias empregadas pelo Núcleo na tabulação de dados. As condições de
39
pesquisa encontradas quando da análise do Jornal Pequeno, e a não concordância com termos
ou critérios de classificação do NEV, foram os principais motivos das alterações realizadas.
Inicialmente, cumpre destacar que o cleo de Estudos paulista utiliza a
nomenclatura “linchamento” na organização de suas tabelas. Em meu trabalho, como frisado
na introdução, preferi o termo justiçamento coletivo (ou ato de justiça coletiva).
Na Tabela 1 do Apêndice B (“Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de
São Luís do Maranhão segundo o motivo que os desencadeou”) procurei expor o móvel da
agressão coletiva em cada caso. A atenção, aqui, está voltada para a conduta do “linchado”
que provocou a reação dos agentes sociais que o agrediram ou detiveram. Por isso a remição a
ações consideradas legalmente como crimes.
Nesse aspecto, as ocorrências de “crimes contra a vida” foram basicamente
homicídios e tentativas de homicídio; as de “crimes contra a propriedade”, furtos, roubos e
latrocínios (roubo seguido de morte); e, as de “crimes contra os costumes”, estupros,
atentados violentos ao pudor e atos obscenos. As categorias abarcam crimes tentados e
consumados.
Utilizei ainda a categoria “briga” pelo fato desta, embora não seja
necessariamente conduta penalmente tipificada, expressar situação algumas vezes presente
nas notícias analisadas e não estar comportada dentro das outras terminologias. A tabela
buscou ainda abarcar casos de “vários crimes” e ocorrências não abrangidas pelas categorias
anteriores (“outros”).
Na Tabela 2 do Apêndice B (“Atos de justiça coletiva no Município de São Luís
do Maranhão segundo a ação dos agressores”) as condutas enfocadas são as dos agentes
sociais que praticaram o justiçamento. Aqui, ainda priorizando a utilização de termos
jurídicos (tipos penais), classifiquei as ocorrências em “ameaça de ‘linchamento’” (que não
constitui, na verdade, tipo penal), tentativa de homicídio”, “homicídio”, “lesão corporal” e
40
“suicídio”. A partir dessa tabela passei a cruzar os dados levando em consideração o local da
ocorrência (bairro) e o período (ano).
Em “suicídio”, que não é encarado formalmente como crime, enquadrei
situações nas quais a ameaça de agressão coletiva ocasionou o suicídio da pessoa ameaçada,
geralmente por se encontrar enclausurada em ambiente no qual houve tentativa de invasão.
Por “ameaça de linchamento” entendi agressões coletivas não principiadas. Por
“tentativa de homicídio”, agressão principiada, mas, por motivo alheio à vontade dos
agressores, finda. Acrescentei ainda, por não constar das tabelas do NEV, o termo “lesão
corporal” para identificar casos em que existiu agressão à vítima (“linchado”), porém,
espontaneamente, os agressores entregaram a mesma a autoridades policiais ou cessaram a
agressão, demonstrando, segundo entendo, a pretensão em não consumar o homicídio, motivo
pelo qual preferi essa (“lesão corporal”) à terminologia “tentativa de homicídio”.
A Tabela 3 do Apêndice B (“Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de
São Luís do Maranhão segundo a forma como a reportagem denominou os agentes sociais”)
foi destinada à tabulação dos termos empregados pelos redatores do jornal para identificação
dos “linchadores”. Carece de explicação apenas o termo “profissão”, onde estão enquadrados
casos em que a notícia identifica os agressores pela ocupação dos mesmos.
Os Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de São Luís do Maranhão
segundo presença policial” foram colocados na Tabela 4 do Apêndice B. A pretensão foi
basicamente discriminar os casos em que é noticiada a presença da polícia, sua ausência, bem
como em que não consta a informação.
Ao fim, na Tabela 5 do Apêndice B (“Atos de justiça coletiva ocorridos no
Município de São Luís do Maranhão segundo a atuação dos policiais presentes”), estão
apenas as ocorrências onde existiu, direta ou indiretamente, intervenção policial, mesmo
quando não informado o tipo de atuação (“não informa”). Esta foi uma tabulação em que
41
percebi evidentes limites no emprego das categorias utilizadas pelo Núcleo de Estudos da
Violência.
O Núcleo classificou as notícias apenas em casos onde a polícia atuou
“reprimindo e evitando o linchamento” ou “não reprimindo o linchamento”. Ocorre que, a
partir da análise das reportagens do Jornal Pequeno, outras situações exigiram terminologias
próprias. Para tanto, acrescentei às categorias do NEV casos em que policiais agiram
“reprimindo, mas não evitando o ‘linchamento’”, “formalizando prisão de pessoa entregue por
‘linchadores’”, “intensificando a agressão (coletiva)”, ou mesmo em que (os policiais) foram
“vítimas de ‘linchamento’”.
2.2 Fotografias
Os registros fotográficos nasceram com um específico propósito: fixar imagens.
Para Walter Benjamin (1991, p. 219), as técnicas fotográficas desenvolvidas no séc. XIX
foram criadas com a função de “fazer perdurar”. No entanto, com o advento da imprensa
periódica, notadamente dos jornais, as fotografias passam a ser instrumento de “ilustração do
efêmero”.
Naquelas antigas imagens, tudo era feito para perdurar: não os inusitados
agrupamentos em que as pessoas se conjugavam e cujo desaparecimento
certamente era um dos mais precisos sintomas do que ocorria na sociedade da
segunda metade do século [XIX] mesmo as dobras que uma vestimenta apresenta
nesses retratos perduram por mais tempo (BENJAMIN, 1991, p. 224).
Agora se trata de “trazer as coisas para mais perto de si”, ou melhor, das massas,
uma tendência hodierna tão virulenta quanto a supressão do que é único em cada
situação mediante a sua reprodução multiplicadora. Diariamente se impõe de
maneira inelutável a necessidade de se conseguir apoderar do objeto, do modo mais
aproximado possível, em efígie, na imagem, ou melhor, na cópia dessa efígie, dessa
imagem. E, incontestavelmente, a pia diferencia-se da imagem, como o
demonstram jornais e revistas ilustradas (BENJAMIN, 1991, p. 228).
A massificação da imprensa ensejou a reprodução multiplicadora de imagens. O
historiador Peter Burke (2004, p. 25) acredita que a rápida reprodutibilidade que os registros
fotográficos adquiriram com os jornais é marca do realismo, uma vez que as ilustrações em
42
reportagens se converteram na tentativa de se tomar uma imagem pela realidade. As imagens
copiadas são tidas como evidência de autenticidade e as reportagens como documentos do
cotidiano.
12
O caráter documental do jornalismo impresso, cujas fotografias são apenas uma
faceta, aparece creditado pelo repórter do Jornal Pequeno entrevistado.
Acho que hoje, para quem trabalha com jornalismo impresso, um grande desafio é a
concorrência da mídia eletrônica, da Internet, da televisão. Eu, na minha vida
profissional, sei que o futuro que o jornalismo impresso tem é de ser este
[jornalismo] o que primeiro tem que procurar a informação de forma exclusiva,
porque o jornal vai sair no dia seguinte. Ele competindo com a televisão que vai
a notícia duas horas depois [da ocorrência] ou então com o rádio que está dando
a notícia “em cima da bucha”. Mas o que o jornal é a notícia de uma forma
documental [...] coisa que o rádio não vai fazer e a televisão também não [...]. O
jornal não. Vai ficar como registro para a posteridade [...]. Nesse ponto acho o
jornalismo impresso uma coisa genial. [É] a primeira coisa que fica. Se você quiser
pesquisar uma notícia você não vai atrás de notícias que saíram no rádio, na
televisão. Vovai correr atrás dos jornais. Vai à biblioteca pública, às sedes dos
jornais [...]. Então fica como um registro para a história, para o futuro
(ENTREVISTADO 02).
Para ajudar a compor um “documento”, as fotografias devem aparecer como
reproduções precisas, instantâneas, como imagens de um determinado modelo como ele
realmente era num momento específico. Devem produzir o “efeito de realidade”.
O efeito de realidade designa o efeito produzido no espectador pelo conjunto dos
índices de analogia em uma imagem representativa (quadro, foto ou filme,
indiferentemente) [...]. O espectador induz um “julgamento de existência” sobre as
figuras da representação e atribui-lhes um referente do real. Ou seja, o espectador
acredita não que o quê é o real propriamente, mas, que o quê vê existiu, ou pôde
existir, no real [...]. O efeito do real é também interpretável como regulagem, entre
outros possíveis, do investimento do espectador na imagem (AUMONT, 1993, p.
111, grifo do autor).
Porém, as posturas e gestos existentes nas fotografias, em especial quando são
feitas para serem reproduzidas em massa, como no caso dos jornais, não são nada mais do que
representações que seguem padrões, estando carregados de sentido simbólico.
12
Roland Barthes (1984, p. 123-130) atribui peculiar “poder de autenticidade” à fotografia, cujo
aparecimento/invenção consistiria verdadeiro paradigma das noções de presente e passado, uma vez que ela
(fotografia), ao mostrar um momento que “foi”, seria tão segura quanto o presente, pois “o que se vê no papel
é tão seguro quanto o que se toca”. Para Barthes, “a Fotografia não rememora o passado [...]. O efeito que ela
produz não é o de restituir o que é abolido (pelo tempo, pela distância), mas o de atestar que o que vejo de fato
existiu” (BARTHES, 1984, p. 123).
43
Mesmo que arrimadas em imagens aparentemente estáticas, visto que mantém
uma estreita relação com a noção de instante, na medida em que procuram extrair de maneira
imaginária, do fluxo temporal, um “ponto singular”, as fotografias emanam discursos
(AUMONT, 1993, p. 231). Nesse sentido, o retrato é uma forma simbólica.
A imagem produzida a partir do “instante” não é, em nenhum caso, um reflexo,
uma reprodução do objeto enfocado, mas algo novo em sua significação se comparado ao que
é/era no mundo fenomênico. A fotografia não é uma “imagem-em-espelho”, uma reprodução
do real, mas a própria produção do real (PIAULT, 1999, p. 27).
A estrutura discursiva das imagens adquire evidência quando de sua
manipulação, ou seja, quando o editor utiliza recursos auxiliares que “transformam” a imagem
enfocada. Nesse aspecto, destacam-se técnicas específicas de manuseio fotográfico, como
sobreposições, colorações, reduções e ampliações.
13
Os registros fotográficos analisados na pesquisa exemplificam a utilidade que
essas técnicas de transformação das imagens adquirem na montagem de reportagens. A
(re)formulação simbólica de fotografias, advinda de composições fotográficas, busca dar um
efeito de autenticidade e exclusividade à ocorrência noticiada.
Em 21 de fevereiro de 2004, por exemplo, o Jornal Pequeno trás como destaque
o homicídio de duas crianças (3 anos e 7 anos), por um adolescente (17 anos) (TIO, 2004, p.
10). Na página em que o homicídio é narrado com detalhes (p. 10), as cenas do crime são
distribuídas em seis diferentes fotografias, que enfocam, respectivamente: (a) o adolescente
infrator; (b) a arma utilizada no assassinato; (c) o garoto de 3 anos; (d) a menina de 7 anos; (e)
“vizinhos” aglomerados em frente ao local do crime; e, (f) o “casebre” onde o delito ocorreu.
A grande quantidade de fotografias, bem como os diferentes objetos/agentes enfocados,
13
Essas “manipulações da imagem” são denominadas por Walter Benjamin de “inconsciente ótico” (1991, p.
222); por Jacques Aumont de “dispositivos da imagem” (1993, p. 135-196); e, por Peter Burke de “processo
de distorção [da imagem]” (2004, p. 36-37).
44
inviabiliza sua colocação, em conjunto, na primeira página do jornal. A dispersão de imagens
demanda uma “imagem de síntese” (RODRIGUES, 1994, p. 126).
14
A estratégia utilizada pela edição do jornal para expor a ocorrência como
reportagem principal daquela data foi montar, através da junção de diferentes imagens, uma
composição fotográfica (Foto 1)
15
e, dessa maneira, constituir um “quadro” que pudesse,
numa imagem, atrair o interesse do leitor na ocorrência. A composição de imagens visou,
no meu entendimento, narrar” o crime como um conjunto, recompondo-o em uma única
cena.
Foto 1 – Composição de fotos sobre homicídio de duas crianças, veiculada na primeira página do Jornal
Pequeno.
Fonte: Jornal Pequeno (2004).
A fotografia (composição) foi montada se aproximando no tamanho e posição as
duas vítimas. A angulação de seus corpos forma um conjunto, como se ocupassem um mesmo
14
“Um dos processos de trucagem mais correntes consiste na montagem de imagens independentemente para
reconstruir uma nova imagem e denotar assim a existência de uma nova realidade. Isso se dá através de poses,
disposição (ou eliminação) de objetos, ângulo da tomada de vista, iluminação, encadeamento da seqüência de
imagens etc.” (RODRIGUES, 1994, p. 126).
15
As fotografias apresentadas no presente trabalho expõem vítimas e autores de delitos, por vezes, inclusive,
apresentando imagens de crianças e adolescentes. Embora a veiculação dessas imagens possa caracterizar a
exposição de agentes sociais, entendo necessária (a exposição) por ser didática à apresentação da pesquisa.
Ademais, as mesmas imagens já foram amplamente divulgadas quando de sua publicação nas páginas do
Jornal Pequeno.
45
espaço físico, perceptível num ângulo de visão. Entre as crianças, completando a “cena do
crime”, a arma utilizada, eqüidistante dos corpos, como que simbolizando ter tido igual
potencial de selar o destino de ambos.
A composição de fotografias no Jornal Pequeno visa também o destaque de
algum elemento da imagem tido pelo editor como importante. Nesses casos, o recurso
utilizado, além da justaposição de imagens, é a ampliação de algum detalhe.
Como exemplos, imagens trazidas no jornal em 23.11.2000 e 23.01.2002. Nas
notícias é relatado, respectivamente, o assassinato de funcionária do Governo do Estado do
Maranhão em sua residência (FARMACÊUTICA, 2000, p. 12) e o suicídio, por motivo não
identificado na reportagem, de universitário “que se atirou de prédio no bairro Renascença”
(UNIVERSITÁRIO, 2002, p. 12). Em ambos os casos houve ampliação de parte do corpo da
vítima. No primeiro, para mostrar uma faca cravada no pescoço da funcionária (Foto 2), e no
segundo para destacar o rosto do “suicida” (Foto 3).
Foto 2 – Destaque dado à faca cravada no pescoço de funcionária estadual, assassinada por indivíduo não
identificado na reportagem.
Fonte: Jornal Pequeno (2000).
46
Foto 3 – Destaque dado ao rosto de jovem que se atirou de prédio no bairro Renascença.
Fonte: Jornal Pequeno (2002).
Se a concepção da imagem como reprodução do real induz à preocupação com a
análise das condições de confecção da mesma, de igual forma, para ser criticada como
discurso, a fotografia deve ser entendida como algo que produz trocas, relações dialógicas e
conversações com seu observador (“receptor”). A imagem produz uma negociação, uma
transação entre os agentes de sua fabricação e de sua difusão (PIAULT, 1999, p. 24).
O discurso exteriorizado em fotografias de periódicos impressos mantém
conexão com as representações que seu blico leitor têm sobre a violência, impunidade,
vingança, criminalidade e justiça. A “forma” da imagem adquire acabamento ao interagir
com (pre)conceitos do receptor que possibilitem a interpretação daquilo que se vê.
A observação direta é uma exploração da mente que busca uma forma. Mas só pode
compreendê-la se a encaixar em modelos manipuláveis. O que o objeto pede não se
limita ao que atinge o olho, mas deriva de uma gama mais ampla da experiência.
Tanto a percepção quanto a reprodução de formas ambíguas são influenciadas pela
instrução verbal e os olhos organizam o material visual segundo leis psicológicas
definidas (LEITE, 1999, p. 107).
A percepção visual necessita de “tipos” que estabeleçam a base de formação de
conceitos. A associação entre aquilo que é visto e os valores do observador, que se formam
em sua experiência de vida, organiza a “leitura” da imagem.
47
O objeto principal deste trabalho, como destacado, não é entender o processo
de recepção do discurso encontrado no Jornal Pequeno por seus leitores. Não vislumbro
analisar o reflexo que representações sobre a violência, constantes do periódico, têm sobre a
sociedade.
O destaque ora dado ao caráter dialógico da imagem, ou seja, à interação entre
seu processo de confecção (composição) e sua recepção (re-apropriação), visa apenas evitar a
possível interpretação das fotografias como discurso unilateral, em que as características
dadas à imagem em sua produção determinariam, inevitavelmente, os limites de leitura do
observador.
Mesmo priorizando na pesquisa representações presentes no processo de feitura
das notícias jornalísticas, o que inclui seus registros fotográficos, não deixo de reconhecer que
o alcance dessas representações tem como um dos principais fatores a forma como os leitores
do jornal interpretam os textos e imagens das reportagens.
As fotografias compõem, junto com outros diferentes elementos da reportagem,
o conjunto discursivo presente na notícia. Dessa forma, afasto-me da idéia de que o texto e a
imagem são pares opostos de discursos. Ao contrário, são elementos que se conjugam no
estabelecimento da relação entre o imaginário e o mundo da linguagem. Nesse aspecto,
Adriano Duarte Rodrigues (1994, p. 123-124) questiona de onde adviria a idéia de que existe
uma oposição entre o “mundo do texto” e o “mundo das imagens”:
Podemos descortinar a existência de uma longa e arraigada tradição ocidental que
associa o texto escrito ao domínio racional da lucidez, das coisas sérias, e relega o
domínio das imagens para a esfera do irracional, do emotivo, para o domínio
confuso das coisas que escapam ao nosso controle consciente. Esta concepção
logocêntrica da experiência humana tem a sua razão de ser no divórcio operado
pela nossa cultura ocidental entre essas duas dimensões da experiência.
Assim, o trabalho com fotografia não significa o trabalho com a “esfera
irracional” do discurso, mas sim com aspectos subjetivos desse discurso. Subjetividade
também presente no texto das reportagens.
48
Outro fator que me levou à utilização de fotografias é o fato desse material
manter estreita relação com a idéia de representação. Nesse sentido, as teorizações de Roland
Barthes sobre a fotografia aproximam a noção de significado, inerente às representações, à
idéia de referente fotográfico, por entender ser a fotografia forma representacional peculiar:
O Referente da Fotografia não é o mesmo que o dos outros sistemas de
representação. Chamo de “referente fotográfico”, não a coisa facultativamente real
a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi
colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria fotografia. A pintura pode
simular a realidade sem a tê-la visto [...]. Ao contrário dessas imitações, na
Fotografia jamais posso negar que a coisa esteve lá (BARTHES, 1984, p. 115, grifo
do autor).
A análise dos registros fotográficos, como destacado, priorizará sua percepção
enquanto estratégia discursiva que, dialogando com outros elementos das reportagens
(legendas, textos e diagramação), interpreta acontecimentos relacionados ao crime violento,
exteriorizando, em tal processo, diferentes representação sobre a violência.
2.3 Entrevistas
O contato com os profissionais do Jornal Pequeno se deu da seguinte forma: o
editor-chefe foi indicado por funcionários do periódico quando, dirigindo-me à sede do jornal,
perguntei pelo responsável por sua seção policial. O primeiro entrevistado (editor-chefe)
indicou o nome do repórter jornalístico que, a seu ver, mantinha maior contato com a
produção de matérias policiais. Indicação importante, visto que muito raramente as
reportagens policiais vêm assinadas nas páginas do jornal, o que dificulta a identificação da
autoria. O fotógrafo entrevistado, que, como salientado, não trabalha somente na seção
policial do Jornal Pequeno, foi escolhido pelo fato de ter assinado a maioria das fotografias
constantes das notícias analisadas.
Dessa forma, o universo das entrevistas, que se resumiu ao contato com três
entrevistados, restringiu-se a profissionais do Jornal Pequeno. Cada entrevistado representou
49
o que considerei ser os três principais processos de confecção de reportagens: a coleta de
dados para a notícia no local da ocorrência; a fotografia de imagens que ilustram/interpretam
o crime narrado; e, a revisão e edição do texto jornalístico e dos registros fotográficos.
Parti do pressuposto de que cada um dos profissionais entrevistados, além de
representar a atividade jornalística (específica) na qual atua, pode ser tido como “porta-voz”
do Jornal Pequeno, na medida em que exterioriza, através de uma estratégia metonímica (a
parte pelo todo), o discurso do periódico de um modo geral.
16
A idéia não foi dar uma “subjetividade” ao Jornal Pequeno, torná-lo um “agente
social” que fala, opina e interpreta, ou mesmo creditar uma homogeneidade às opiniões dos
entrevistados. Apenas me vali dessa estratégia (metonímia) para, através das similitudes
percebidas na fala dos diferentes profissionais entrevistados, melhor vislumbrar a análise de
representações que perpassam as diferentes formas de manifestações discursivas presentes no
jornal.
Assim, os entrevistados foram por mim considerados portadores de certas noções
e representações que caracterizam a forma como as reportagens do Jornal Pequeno narram e
interpretam a violência e a criminalidade. Para tal, um dos pressupostos a que me ancorei foi
o de que as narrativas coletadas não foram construídas no momento das entrevistas. Nestas
(entrevistas), apenas foram criadas “situações indutoras” (FREITAS, 2003, p. 149) que
possibilitaram a emergência de discursos embebidos de valorações sobre os diferentes eixos
temáticos. Entendo que as opiniões se pautaram em (pre)conceitos que estavam presentes
no universo de representações dos entrevistados.
No entanto, a fala dos entrevistados não foi identificada apenas enquanto
transmissão de uma memória convertida em opinião. Conforme destacado no início deste
16
Os sujeitos entrevistados são tomados, literalmente, como representantes da opinião jornalística do Jornal
Pequeno sobre o crime violento. Assim, a ação de tais agentes sociais corresponderia a um dos conceitos de
representação formulados por Roger Chartier (2002, p. 165-166), para quem “representar é também ‘manter o
lugar de alguém, ter em mãos sua autoridade’. De onde advém, por sua vez, uma das definições de
representante: ‘aquele que, em uma função pública, representa uma pessoa ausente que lá deveria estar’”.
50
capítulo, o discurso aqui é tomado enquanto acontecimento. A fala, na entrevista, é um
evento, uma produção simbólica que contribui para dar forma e significado ao objeto da
narração, eficaz para o narrador na medida em que é utilizada para organizar o entendimento
de ações sociais concretas. É na experiência de vida e na busca de atribuição de significados a
cada ação experimentada que se a transformação da experiência narrada. A fala é um
processo de permanente (re)criação (FREITAS, 2003, p. 152).
O envolvimento profissional dos entrevistados com o principal objeto das
entrevistas (confecção de notícias do Jornal Pequeno), faz com que as críticas feitas ao
periódico se convertam em críticas ao próprio exercício de suas profissões. Daí as opiniões,
perceptivelmente, buscarem a “defesa” do jornal, no sentido, por exemplo, de sustentarem a
idéia de que o suposto caráter “apelativo” ou “popularesco” de sua seção policial é algo
superado, que “não tem mais lugar na atualidade”.
O Jornal Pequeno sempre foi visto como um jornal que sempre colocava imagens
muito fortes; hoje em dia quase não se imagens fortes no jornal, não se coloca
mais [...]. Hoje, não se coloca mais aquelas imagens, até porque não é mais
interessante (ENTREVISTADO 03).
Antigamente a gente sabia que tinha uma coisa muito viciada. A notícia policial já
vinha cheia de jargões, “elemento” e não sei o quê. Uma série de coisas que não se
usa mais. Hoje, de um modo geral, a preocupação é fazer um texto bem simples,
compreensivo e não deixar escapar as informações fundamentais [...]. Se você
pudesse, pegava um cara crivado de bala, cheio de faca. Isso era importante [...].
Hoje a concorrência entre televisões e jornais é tão grande que todo mundo procura
a notícia com informações mais exclusivas, mais completas, não se precisa mais
destas apelações baratas que não acrescentam nada (ENTREVISTADO 02).
A página policial também tinha isso [linguagem apelativa], mas de um certo tempo
pra cá, a gente vem procurando dinamizar a informação sem ser necessário usar
termos chulos, codinomes e tal. A gente só bota o apelido quando a pessoa é
realmente conhecida por aquele [apelido] (ENTREVISTADO 01).
A percepção da fala enquanto estratégia de ordenamento do mundo adquire
destaque quando do relato de crimes. As narrativas de crime são um tipo específico de
narrativa que engendram um tipo específico de conhecimento. Elas tentam estabelecer ordem
num universo que parece ter perdido o sentido” (CALDEIRA, 2000, p. 28).
51
Para a socióloga Teresa Pires do Rio Caldeira, a experiência do crime rompe o
significado e desorganiza a experiência de vida. Contra essa desorganização, a fala do crime
reorganiza simbolicamente o mundo, ao tentar restabelecer um quadro estático, onde as
causas e conseqüências (do crime) estão muito bem delimitadas.
17
Assim, as categorias criadas na narrativa de crimes não seriam feitas para
descrever o mundo de forma apurada, mas para organizá-lo e classificá-lo simbolicamente e,
assim, combater a ruptura da experiência ocasionada pelo delito violento.
Com base na noção de fala do crime, priorizei destacar nas entrevistas elementos
que pudessem exteriorizar a tentativa de (re)ordenação simbólica do mundo. Para tal,
valorizei repetições existentes na fala dos diferentes entrevistados ou mesmo a ênfase dada a
algum elemento por um mesmo profissional. Dessa forma, ao fazer uma triagem entre todas
as informações coletadas, observei que determinadas formas de discursos estavam
reiteradamente presentes.
Para induzir os entrevistados a opinarem sobre as mesmas questões, facilitando
uma possível repetição (ou discrepância) de idéias, utilizei como base das entrevistas as
mesmas perguntas, adaptando apenas, quando necessário, os eixos temáticos à área de atuação
de cada profissional.
Por outro lado, não só a reiteração de opiniões foi valorizada na interpretação das
entrevistas. Procurei também perceber uma “política do insignificante” (CAVALCANTE,
2003, p. 17-18), ou seja, detalhes dentro de uma narrativa que, mesmo aparentemente isolados
e destacados do restante da fala, podem exteriorizar a forma como o entrevistado valora os
elementos por ele narrados/interpretados.
17
Por fala do crime Teresa Caldeira (2000, p. 27-100) entende as diversas estratégias narrativas (conversas,
comentários, debates, piadas e brincadeiras) que têm como temática central o crime e o medo da
criminalidade, e que repetem, fragmentariamente, relatos sobre a violência cotidiana, buscando assim a
possibilidade do entendimento deste fenômeno. O aprofundamento de tal noção será desenvolvido no capítulo
5.
52
3 A VIOLÊNCIA NÃO-ESTATAL
Uma das principais noções que fundamentam o conceito de processo civilizador
de Norbert Elias (1993, p. 11) é a de que as modificações sofridas pela sociedade ocidental
nos últimos séculos possuem um “sentido”. A longa duração que constituiu a chamada
“civilidade”, para o autor, forma-se num processo que, não sendo inato à humanidade ou dado
por Deus, foi (e está sendo) produzido historicamente.
Dentre as conseqüências desse “processo” estaria a mudança na conduta e
sentimentos humanos rumo a sua “domesticação”, principalmente no sentido de se evitar a
utilização da violência na resolução de conflitos. Nesse aspecto, Elias acredita que o
“monopólio intra-estatal da força” se constituiu numa das importantes “invenções sociais” que
surgiu gradualmente, no transcurso de centenas de anos, como parte do processo social da
civilidade, na medida em que:
A pacificação do Estado, a coação imposta por outros, foi transformada em
autocoação. Somente quando a pessoa se torna consciente desse importante
refreamento auto-ativo dos violentos impulsos espontâneos, em sociedades-Estados
relativamente civilizados, é que o problema dos atos deliberados e premeditados de
violência é trazido à luz adequada (ELIAS, 1997, p. 162).
O emprego da violência nas sociedades “civilizadas” possuiria então um “lugar”
específico: a ação estatal. Onde não esse monopólio (estatal) da violência, imperaria o
barbarismo.
As formulações de Norbert Elias exteriorizam uma tradicional forma de se
interpretar a história moderna do Ocidente, onde o Estado adquire papel central, dentre outras
questões, no que respeita ao emprego da violência em sociedade. Tal interpretação criou, no
meu entendimento, uma clivagem ordenadora das diferentes manifestações da violência: ou
ela (violência) está “dentro” do Estado, ou está “fora”. A violência intra e interestatal aparece
como regra, a extra-estatal, como exceção.
53
Assim, segundo essa interpretação, a análise da violência passa necessariamente
pela “localização” do Estado dentro (ou fora) das relações conflituosas. O próprio Elias (1997,
p. 164) aponta para a existência de “duas regras da política e da civilização”: conflitos “intra”
e “extra-estatais”.
Uma das conseqüências advindas dessa interpretação é a confusão entre ação
estatal e política. A política, enquanto disputa de poder (conflito), mereceria essa
denominação se ligada, de alguma forma, a ações do Estado. Nesse sentido, Michel
Wieviorka (1997, p. 29-34) entende que as experiências da “política” podem se concentrar em
três diferentes “níveis”: um político, um infrapolítico e outro metapolítico, relacionados,
respectivamente, à violência “dentro”, “abaixo” ou “acima” do Estado. Os dois últimos
“níveis” “mantém o Estado à distância” e são exemplificados pelo autor através do tráfico de
drogas nas grandes cidades (infrapolítica) e da xenofobia (metapolítica).
O argumento principal a ser desenvolvido no presente capítulo é o de que a
tradição ocidental em se interpretar (classificar) manifestações violentas, tendo como pano de
fundo a ação estatal e a própria confusão entre Estado e política, fundou uma premissa
recorrentemente utilizada por autores em estudos sobre a violência: o surgimento da violência
não-estatal, e especificamente dos justiçamentos não-estatais, deriva da ausência da atuação
do Estado e de instituições como a polícia e o Judiciário. Em outros termos, é o “vazio
político” deixado pelo Estado, quando atua omissivamente, o que acarreta o surgimento de
tais fenômenos.
Essa mesma tendência interpretativa foi destacada por Jacqueline Sinhoretto
(2002, p. 25):
Existe a hipótese de que a ocorrência de linchamentos ganha legitimidade no seio
dos grupos sociais na medida em que a Justiça oficial não se faz acessível e não se
mostra eficiente para canalizar e oferecer soluções satisfatórias para os conflitos
que a todo instante se produzem no cotidiano. O terreno da solução dos conflitos
passaria então a ser ocupado por iniciativas privadas de resolução, como seriam os
linchamentos e toda sorte de mortes por encomenda, crimes de mando, “limpeza
social”, praticadas por pistoleiros profissionais, justiceiros, grupos de extermínio,
chacinas, esquadrões da morte.
54
Dessa forma, recorrendo mais uma vez à noção de Norbert Elias (1993) de
processo civilizador, o que estaria em jogo quando se manifestam na sociedade formas de
violência não-estatal, como os “linchamentos”, é o próprio “grau de civilidade” alcançado por
essa sociedade.
Comentando o crescimento de “linchamentos” que teria marcado o início da
década de 1970 no Brasil, Thales de Azevedo (1974, p. 948, grifei) afirma que “os
linchamentos preocupam tanto pela monstruosidade desse comportamento de massas como
por abalarem a crença na cordialidade, na mansidão de nosso povo, e no crescente nível de
‘civilização’ da gente brasileira”.
No mesmo sentido, Helena Singer (2003, p. 232) reconhece como uma das
conseqüências da interpretação “civilizadora” da violência a de que “se a própria população
apóia os linchamentos, então a barbárie não caracteriza apenas os linchadores, mas sim os
brasileiros em geral. Daí a urgência de uma cruzada civilizatória no país, realizada
principalmente pela Justiça e pela polícia”.
Passo a comentar o que considero serem as principais tradições acadêmicas que
procuraram (e ainda hoje procuram) explicar o surgimento, perpetuação e crescimento de
formas não-estatais de violência no Ocidente.
Inicialmente, destaco o pensamento de Émile Durkheim e Max Weber sobre a
temática, autores que fundaram importantes conceitos sociológicos, até hoje influenciando
interpretações sobre a violência não-estatal.
Em seguida analiso, com base na bibliografia lida, o que acredito serem as duas
principais vertentes que marcam o trabalho de autores contemporâneos na interpretação da
violência: uma preocupada em explicar esse fenômeno numa longa duração (histórica), outra
pautando sua interpretação na existência de uma ruptura paradigmática de manifestações da
55
violência, ocorrida nas últimas décadas do século XX.
18
Tendências que não são
necessariamente excludentes, que, por vezes, um mesmo autor fundamenta suas
interpretações através do recurso a ambas as vertentes.
3.1 A visão dos “clássicos”
O presente tópico busca analisar o pensamento de “clássicos” das Ciências
Sociais que facilitem a compreensão da problemática abordada, seja por ainda serem pontos
de referência comuns a diversos estudos, seja por terem escrito em um contexto histórico vital
para a Sociologia. Nesse sentido, destaco obras de Émile Durkheim (1858-1917) e Max
Weber (1864-1920), autores que contribuíram substancialmente para a sistematização da
Sociologia enquanto campo científico, bem como fundaram métodos e conceitos que até hoje
balizam grande parte da pesquisa sociológica.
Um dos conceitos desenvolvidos por Émile Durkheim (2002, p. 31-34) quando
de sua definição de fato social é a diferenciação entre normalidade e patologia. Nesse
sentido, o autor analisa o que poderia caracterizar a “sanidade” ou “doença” dentro de uma
sociedade.
Durkheim critica a idéia de que qualquer desvio do “tipo médio” poderia se
caracterizar como fenômeno de morbidez, enquanto algo que necessariamente prejudica a
18
A classificação está pautada, em grande parte, e embora Bill Buford não tenha aprofundado a questão, nos
seguintes comentários desse autor: “Há uma tendência, em qualquer análise da violência, de abordá-la segundo
um dos seguintes prismas: um desvio do passado ou uma perpetuação deste. Ou a violência de ‘hoje’ é
sintomática da podridão de nossos tempos (nossa degeneração urbana, nossa perda de fé, a desintegração de
nossas famílias, o desejo de disciplina em nossos lares) ou a violência de ‘hoje’ em nada difere,
fundamentalmente, daquilo que era ontem: sempre existe a violência, de uma forma ou de outra. A primeira
perspectiva, a mais obviamente sentimental – com a nostalgia de um período áureo implícita –, parece
especialmente dominante na Inglaterra, no mínimo porque a auto-imagem dos britânicos como civilizados e
cumpridores das leis é, ainda, extraordinariamente arraigada em sua cultura. É a perspectiva moderna e
modernista que enxerga a violência como um prolongamento: que ela é uma manifestação de padrões
essencialmente imutáveis – sociológicos, biológicos e psicológicos –, algo, de qualquer maneira, situado além
de nosso controle. A perspectiva moderna, modernista, ressalta que a Inglaterra foi sempre violenta, que sua
classe trabalhadora é particularmente violenta e que os tumultos estão associados ao futebol desde os tempos
primórdios” (BUFORD, 1992, p. 227, grifo do autor).
56
sociedade. Para o autor, “a doença nem sempre nos deixa desamorados [sic], num estado de
irremediável desadantação [sic]; obriga-nos simplesmente a nos adaptarmos de maneira
diferente da maior parte de nossos semelhantes” e conclui “quem nos diz até que não
doenças que afinal se revelam úteis? (DURKHEIM, 2002, p. 71). Para exemplificar tais
argumentos, Durkheim estuda a criminalidade, fenômeno sobre o qual imperaria o consenso
de ser sua natureza patológica, bem como de que o criminoso deve sempre ser tomada como
alvo de perseguição e eliminação.
Contrariando tal noção, Durkheim afirma ser o crime, por excelência, uma
normalidade; sendo mórbido em excesso. Dois principais argumentos levam o autor a tal
conclusão: a criminalidade existe em todas as sociedades de todos os tipos, ou seja, é comum
a qualquer forma de organização social conhecida na história da humanidade; e, o crime é
um fator de saúde pública, um elemento que contribui para tornar qualquer sociedade sã.
Ao se conceber o crime enquanto ato que ofende sentimentos coletivos dotados
de certa nitidez para uma sociedade, perceberia-se que não é a criminalidade em si que se
constitui enquanto fator de saúde pública, mas a sua reprovação. Nesse sentido, não existiria
outro fator, que não a punição de condutas criminosas, no qual a sociedade poderia buscar
forças para eliminar/dominar elementos que a ela fossem lesivos.
Apenas enquanto fator a ser negado/combatido/reprimido é que o crime
engendraria o respeito uniforme por determinados sentimentos e a possível
transformação/melhora desses valores. Pois “onde ele [o crime] existe, não os sentimentos
coletivos estão no estado de maleabilidade necessária para tomar uma nova forma, como
também contribui, por vezes, para predeterminar a forma que estas tomarão” (DURKHEIM,
2002, p. 86).
A punição do crime apareceria então em duas principais concepções: (a)
enquanto meio para prevenir a inobservância da regra, ou seja, como fator de intimidação
57
através da ameaça do castigo ao infrator; e, (b) enquanto elemento que teria a capacidade de,
através de sua natureza compensadora, eliminar o ato delituoso e suas conseqüências. “A
pena, entendida desse modo, é uma espécie de contradelito que anula o delito e que recoloca
as coisas na situação anterior” (DURKHEIM, 1972, p. 181, tradução minha).
A concepção de pena enquanto elemento consolidador de sentimentos coletivos
pode, à primeira vista, apontar para a idéia de que Émile Durkheim valorizou positivamente
formas de violência não-estatais, por se constituírem, em tese, em ações onde a própria
população, ferida em seus valores, ratifica a sanção enquanto fator de saúde pública,
constituidora da solidariedade. O próprio Durkheim (1995, p. 59) afirma que:
É um erro crer que a vingança seja apenas uma crueldade inútil [...]. Ela constitui,
pois, na realidade, um verdadeiro ato de defesa, conquanto instintivo e irrefletido.
nos vingamos do que nos faz mal, e o que nos faz mal é sempre um perigo. O
instinto de vingança nada mais é, em suma, do que o instinto de conservação
exasperado pelo perigo. Assim, a vingança está longe de ter tido, na história da
humanidade, o papel negativo e estéril que lhe é atribuído.
E, mais adiante:
Uma simples restauração da ordem perturbada não seria capaz de nos bastar:
precisamos de uma satisfação mais violenta. A força contra a qual o crime vem se
chocar é demasiada intensa para reagir com tanta moderação. Aliás, ela não poderia
fazê-lo sem se enfraquecer, porque é graças à intensidade da reação que ela se
recupera e se mantém no mesmo grau de energia (DURKHEIM, 1995, p. 72).
Porém, o pensamento de Durkheim se distancia da legitimação à vingança
privada dos justiçamentos não-estatais.
Os fatos sociais, para o autor, constituem-se como todo elemento existente na
sociedade suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou seja, “que é geral
no âmbito de uma dada sociedade, tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria,
independente das suas manifestações individuais(DURKHEIM, 2002, p. 40, grifei). Assim,
Durkheim aponta como as principais características dos fatos sociais serem externos e
coercitivos aos indivíduos. Os fatos sociais apenas “se repetiriamnestes (indivíduos) porque
a eles se impõe, e, ao mesmo tempo, engendrariam a repressão/controle/eliminação de todos
58
os atos que os ofendem, seja através da vigilância do comportamento que age sobre os
cidadãos, seja através das modalidades de punição aplicadas a estes (cidadãos).
De acordo ainda com a idéia de que todo fato social é, por excelência, moral,
Durkheim (1995, p. 38) busca um fato que pudesse medir o nível da moralidade de uma
sociedade. Ante a suposta inexistência de tal fato, o autor se prende a algo que possa ao
menos exteriorizar a “imoralidade coletiva”. É aqui que o crime e sua punição tomam lugar
no pensamento durkheimiano, pois o Direito, na medida em que substitui o fato interno/moral
(“que escapa a uma observação exata”) pelo fato externo, simbolizaria tal (i)moralidade.
19
Para Durkheim, as modalidades existentes de Direito exteriorizariam o nível de
moralidade e, por conseguinte, de solidariedade. Assim, o autor mais uma vez percebe a pena
não enquanto fator que constitui o crime, mas como elemento sensível que o revela
exteriormente.
O Direito repressivo, caracterizado por sanções (repressivas) que atingem o
infrator em seu patrimônio, liberdade ou mesmo vida, exterioriza a solidariedade mecânica
(ou por similitudes), ao passo que as demais modalidades de Direito (Civil, Administrativo,
Comercial etc.), com sanções que visam apenas a restituição de um estado anterior, equivalem
à solidariedade orgânica (ou devido à divisão do trabalho).
É justamente por ter essa noção do Direito Penal que Durkheim, longe de
entender os justiçamentos não-estatais como elementos que contribuem para a
integração/solidariedade da comunidade, caracteriza-os como manifestação de um estado de
anomia social.
19
Nesse aspecto, citação do autor sobre a concepção de pena como instrumento de defesa social, possuindo, ao
mesmo tempo, um caráter expiatório: “Mas hoje, dizem, a natureza da pena mudou; não é mais para se vingar
que a sociedade pune, é para se defender. A dor que ela infringe não é mais, em suas mãos, senão um
instrumento metódico de proteção. Ela pune, não porque o castigo lhe oferece, por si mesmo, alguma
satisfação, mas para que o temor da pena paralise as vontades malignas [...]. Supondo-se que a pena possa
realmente servir para nos proteger futuramente, estimamos que ela deve ser, antes de mais nada, uma expiação
do passado [...]. Ela [expiação] continua sendo, porém, a alma da penalidade. Podemos dizer, portanto, que a
pena consiste numa reação passional de intensidade graduada” (DURKHEIM, p. 57, 59, 60, grifo do autor).
59
Ao tomar o crime como todo ato que, num grau qualquer, determina contra seu
autor uma reação ao qual chamamos de pena, Durkheim (1995, p. 39) percebe que:
A unidade de efeito [pena] revela a unidade da causa [solidariedade]. Não entre
todos os crimes previstos pela legislação de uma única e mesma sociedade, mas
entre todos os que foram ou que são reconhecidos e punidos por diferentes tipos
sociais, existem seguramente semelhanças sociais.
O estabelecimento de uma analogia entre vida escolar e vida cotidiana que o
próprio Durkheim (1972) utiliza –, enseja a percepção de que a disciplina na escola possui um
papel eminentemente moral, uma vez que serve para inculcar nos estudantes o respeito a
regras impessoais e abstratas. A educação escolar habitua o aluno a se dominar e a se conter.
A moralidade escolar, enquanto “fato social”, não poderia derivar da própria consciência da
criança, mas sim de um fator externo. Esse fator seria a autoridade do mestre e o poder que
este tem de castigar as faltas de seus discípulos.
Para Durkheim, da mesma forma se com a sociedade. A disciplina existente
(Direito repressivo) tem como principal função a manutenção de um status de moralidade
(solidariedade mecânica) que deve ser instrumentalizado por sujeitos específicos (aparato
repressivo estatal) capaz de ministrar sanções a seus infratores (criminosos).
Nesse aspecto, ao contrário do que anteriormente suposto, a pena não teria sua
razão de ser em sua natureza intimidadora ou restitutiva. “A pena não serve, ou serve de
maneira muito secundária, para corrigir o culpado ou intimar seus possíveis imitadores [...].
Sua verdadeira função é manter intacta a coesão social, mantendo toda a vitalidade da
consciência comum” (DURKHEIM, 1995, p. 81, grifei).
A penalização da falta faz com que a lei/consciência violada continue tendo a
mesma autoridade. Até porque, para Durkheim, a diminuição da crença em uma autoridade é
a própria diminuição desta autoridade.
Ante as expostas concepções de crime, criminalidade e pena, Durkheim
conclui que “a vingança privada está longe de ser o protótipo da pena; ao contrário, ela nada
60
mais é do que uma pena imperfeita (DURKHEIM, 1995, p. 65, grifei). Desta forma, acredito
que o autor em análise condena as vinganças privadas, como são os justiçamentos não-
estatais, por três principais fatores:
a. Ao contrário da solidariedade mecânica, que se dá por similitudes na
medida que a vontade/necessidade de punir deriva da consciência comum e atinge
indistintamente a coletividade, as formas de violência não-estatais se converteriam em
sanções penais derivadas de partes restritas e especiais da sociedade (“minorias”);
b. Para a penalidade se converter em instrumento que leva ao respeito da
regra, é necessário que ela (penalidade) seja aplicada através de sujeitos que representem tal
regra, pois “se a criança [ou cidadão] acredita na regra é porque acredita no mestre. A respeita
porque o seu mestre diz que é respeitável e a respeita ele mesmo” (DURKHEIM, 1972, p.
184, tradução minha). O ente que sustenta o respeito à regra seria, em sociedade, o aparato
estatal responsável pela aplicação da lei, e não indivíduos agindo através de ações de vingança
privada; e,
c. Tudo que ultrapassa os limites de uma pena proporcional não ajuda a
afirmar uma moralidade coletiva, mas, pelo contrário, a enfraquecê-la. Até porque “a
consciência moral não poderia admitir que a faltas desiguais se aplicassem sanções iguais, ou
vice versa” (DURKHEIM, 1972, p. 180, tradução minha). A pena deve ser tomada como
reação que exteriorize uma energia proporcional à energia do ataque sofrido pelo delito. No
caso dos justiçamentos não-estatais, inexistindo a comparação de cada caso concreto com uma
idéia abstrata de justiça, cada ocorrência despertaria o desejo pelo extremo da punição.
Max Weber as ações e vontades do indivíduo enquanto principal elemento
que desencadeia a dinâmica social. Dessa forma, Weber, ao construir sua noção de ação
social, contraria em parte a perspectiva durkheimiana do fato social como algo coercitivo e
externo ao indivíduo.
61
Nessa interpretação (weberiana), “formações coletivas” como o Estado, a família
e a própria sociedade nada mais seriam do que o agrupamento de ações específicas de pessoas
individuais, pois só os agentes individualizados seriam portadores de ações orientadas por um
sentido.
O Estado aparece então, para Weber, enquanto representação de algo que em
parte existe e em parte pretende vigência, que se encontra na mente de pessoas reais e pelas
quais se orientam suas ações” (WEBER, 1991, p. 9, grifo do autor). Não sendo uma entidade
autônoma, o Estado converte-se num complexo de atividades específicas de indivíduos que
(re)orientam sua ações pela idéia de que ele (Estado) existe ou deva existir. O aparato estatal
nada mais seria do que o conjunto de regulamentações juridicamente orientadas que estão, ao
menos enquanto desejo, em vigor.
Assim, para que indivíduos possam orientar suas ações tomando como referência
uma ordem, é necessário que eles creiam na vigência da mesma, ou seja, que, pelo menos em
parte, ela (ordem) apareça como algo modelar e obrigatória. Quanto mais a obrigatoriedade
for percebida, maior a probabilidade de que por essa ordem se orientem as ações sociais.
No entanto, o próprio autor reconhece que “não dificuldade em reconhecer a
vigência paralela de diversas ordens, contraditórias entre si, no mesmo círculo de pessoas.
Pois o mesmo indivíduo pode orientar suas ações por diversas ordens contraditórias”
(WEBER, 1991, p. 20).
Assim, independente da forma moderna mais comum de ordenamento
legítimo/vigente ser o da legalidade, ou seja, da submissão a estatutos (leis) estabelecidos
pelo Estado, diferentes tipos de ordenamento orientam as ações dos indivíduos. Surge um
jogo de (re)adaptações em que diversas ordens podem ora estar em vigor, ora cair em total
descrédito. Até porque “quando a violação do sentido de uma ordem ou o ato de contorná-la
62
se converte em regra, então a ordem passa a ter vigência’ limitada ou, finalmente, deixa de
existir” (WEBER, 1991, p. 20, grifo do autor).
Diante do exposto, questiono se ações de violência não-estatal, como os
“linchamentos”, a pistolagem, os esquadrões da morte ou as ações de ”justiceiros”, não seriam
ordens “paralelas” de resolução de conflito legitimadas no pensamento weberiano, na medida
em que derivam, em tese, da atitude de indivíduos que orientam suas ações pela idéia de que
vigora em sociedade um ordenamento que não o prescrito nos códigos do Direito repressivo.
Poderia ratificar tais argumentos a noção de Weber de justiça do Cádi
20
: tipo de
ordem vigente que não possui necessariamente um caráter racional geral e abstrato, mas que
aparece enquanto ordem unicamente em determinadas situações concretas. Seria a “justiça
empírica”.
21
Ações como os “linchamentos” não seriam uma modalidade “empírica” de
justiça que orienta a ação de pessoas que, quando violadas em valores considerados
importantes para a vida em sociedade, voltam-se contra os respectivos violadores?
A comparação de outras formulações de Weber com os argumentos até agora
expostos não parece apontar para essa conclusão.
Embora por caminhos diferentes, Weber, assim como Durkheim, condena as
formas de organização repressivas/punitivas não-estatais. Condenação (weberiana) que se
pauta na premissa de que o Estado se constitui enquanto instituição que deve estar
necessariamente preenchida por um corpo específico de indivíduos ao qual Weber atribui
importância basilar na modernidade: a burocracia.
20
Por justiça do Cádi – termo emprestado de R. Schmidt – Weber entende todo sistema social onde os
julgamentos formais são feitos não pela suposição de conceitos racionais ou de regras abstratas pré-
estabelecidas, mas pelo recurso à analogia, encontrando-se dependente dos precedentes concretos de sua
interpretação. A justiça do Cádi derivaria da combinação e de formas de transição entre dois princípios: de um
lado a esfera do “tradicionalismo rigoroso” e, de outro, a esfera da “arbitrariedade livre”. Cf. WEBER, 1982,
p. 251-252.
21
Para aprofundamento da questão, Cf. COSTA, 2004b, p. 62-65.
63
Precisão, clareza, velocidade, conhecimento de arquivos, continuidade,
discrição, unidade, subordinação rigorosa, com tais características a “máquina burocrática”
moderna se constitui, no pensamento weberiano, enquanto forma otimizada de ordenamento
social.
Porém, não por uma questão organizacional e técnica a burocracia adquire tal
valoração na teoria de Weber. Ela também andaria em conjunto com a “democratização” e
com o nivelamento das diferenças sociais. Procurando sempre a “igualdade perante a lei” e
possuindo “horror ao privilégio”, “a burocracia [...] foi e é instrumento de poder de primeira
ordem” (WEBER, 1982, p. 264).
Desta forma, possuiria a burocracia superioridade sobre qualquer tipo de
“resistência de massa” e, logicamente, de qualquer modalidade de violência não-estatal.
Ao apontar os elementos que Max Weber elenca como sendo característicos da
dominação burocrática fica mais claramente demonstrado porque o autor condena os
justiçamentos não-estatais. A administração burocrática e, especificamente, a administração
da Justiça, baseia-se, para Weber, nas seguintes idéias: (a) que todo direito pode ser estatuído
de modo racional; (b) que todo direito é um cosmos de “regras abstratas” e que a Justiça
aplica tais regras a casos particulares, segundo princípios indicáveis de forma geral; e, (c) que
os sujeitos que preenchem tal administração são burocratas, funcionários que possuem
qualificação profissional, competência e impessoalidade.
Ante tais características, entendo que a teoria weberiana condena as práticas de
justiçamento não-estatal, ou seja, que escapam à administração burocrática, pois, ao contrário
desta (burocracia), aquelas práticas (justiçamentos) não possuem a objetividade, formalidade
e racionalidade necessárias para ir de encontro ao arbítrio. Para Weber, a partir do momento
em que “minorias violentas ou, pelo menos, mais enérgicas e inescrupulosas” começam a
64
impor ordens, adquirindo alguma forma de vigência, a orientação dos indivíduos começa a se
pautar em elementos irracionais, despida de qualquer forma abstrata e geral de justiça.
Weber, ao estabelecer uma analogia com o que chama de “opinião blica”,
conclui ser arbitrária qualquer modalidade de “justiça popular”:
Toda espécie de “justiça popular” que habitualmente não pergunta pelas razões e
normas – bem como toda espécie de influência instintiva sobre a administração pela
chamada opinião pública, cruza com o mesmo vigor o caminho racional da justiça e
administração [...]. Ou seja, sob as condições de democracia de massa, a opinião
pública é a conduta social nascida de “sentimentos” irracionais (WEBER, 1982, p.
256-257).
Da crítica aos conceitos de Durkheim e Weber aqui destacados pude perceber
que as ações de violência não-estatais, no contexto de estruturação científica da Sociologia,
adquiriram uma conotação negativa, no sentido de que a única forma “legítima” de emprego
da violência aparecia como a derivada de ações oficiais do Estado.
Manifestações violentas apartadas do aparelho repressivo estatal foram
interpretadas, nas teorizações desses autores, como formas de conflito que deveriam ser
controladas, ou mesmo eliminadas, para que se pudesse consolidar o Estado como elemento
de coesão social, quer por ser a violência não-estatal fenômeno que não deriva da consciência
geral (Durkheim), quer por manter-se distante do aparelho burocrático de organização
administrativa (Weber).
Entendo que as principais tendências interpretativas sobre violência
desenvolvidas no século XX, ao menos no âmbito acadêmico, sofreram influencia substancial
desse pensamento.
3.2 A violência como longa duração
A primeira vertente interpretativa da violência não-estatal concebe que as
manifestações contemporâneas de tal fenômeno aparecem enquanto perpetuação de um
65
passado longínquo. O método a ser empregado na “explicação” da violência apontaria para
uma longa duração, para a possibilidade de (re)construção da genealogia de práticas e
instituições que fundaram uma tradição na forma como entendemos relações conflituosas e
cotidianas. A violência aparece, nessa interpretação, como algo estrutural, como instituição
consolidada após um longo período de modelação.
A noção de tradição aqui empregada se aproxima do conceito elaborado por
Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997, p. 61, grifei):
Sociologicamente, o conceito de tradição seria de pouco interesse se tomado apenas
no sentido impreciso de transmissão, mediante o contacto entre gerações, de
elementos da vida social. O que diferencia a tradição do costume, do uso e do
hábito, e que faz com que possa se constituir como um princípio essencial de
regulamentação do comportamento em certos tipos de organização social, é que
implica um julgamento de valor sobre o elemento transmitido, na crença de seu
caráter sagrado e inquebrantável. Na esfera do tradicional, saímos daquilo que
existe faticamente, que foi de muito estabelecido e que é apenas reconhecido e
praticado de modo geral, para articular a noção de antigo e consensual à de valor.
Apenas nesses termos é que se pode reconhecer na tradição a força para cristalizar e
fazer um código realmente uniformizador da conduta, pela firme adesão das
consciências às suas prescrições.
Assim, entendo que a vertente interpretativa em comentário não emprega a idéia
de longa duração (de uma tradição) como algo que, contemporaneamente, reproduz-se
inconscientemente nos agentes sociais que com ela mantenham contato. Interpretar a
violência como tradição implica em perceber como ela (violência) é, hoje, objeto de valoração
de indivíduos que exercem práticas cotidianas (religiosas, educativas, laborais...) a colocando
como elemento de entendimento da dinâmica de seu mundo.
Com base na idéia de longa duração, o estudo da violência se deve afastar, para
autores como Norbert Elias, de análises conjunturais e localizadas. Se a civilidade construiu-
se como processo, a “brutalização” e a “descivilização” dos homens também podem ser
entendidas numa longa duração.
Na tentativa de entender o surgimento da violência nua e crua como objetivo social,
com ou sem legitimação estatal, as pessoas usam com muita freqüência
diagnósticos estatísticos e métodos de explicação a curto prazo. Pode haver certa
pertinência nisso quando não se está realmente interessado em encontrar
explicações, mas, antes, em questões de culpa. Nesse caso, é bastante difícil
descrever a barbarização, a descivilização, e também a própria reserva e o
comportamento civilizado de cada um como expressão de uma decisão pessoal
66
livremente escolhida. Mas tal diagnóstico e esclarecimento voluntarista não nos
leva longe (ELIAS, 1997, p. 180).
O que é colocado em questão é a própria legitimidade de métodos sociológicos
cujas constatações não derivem da análise histórica (genealógica) de seus objetos de estudo,
no caso, de manifestações de violência não-estatal.
Entendo que a vertente interpretativa da longa duração se manifestou na
literatura acadêmica brasileira através de autores que buscaram destacar, na história do país,
“capítulos” (períodos ou acontecimentos históricos) que explicariam, hoje, a perpetuação de
determinadas formas de violência. O que interessaria para esses autores seria perceber em
nossa historicidade elementos que expliquem”, através de tradições por eles fundadas, a
continuidade das ações violentas.
Dentre esses elementos, o principal seria a impossibilidade da esfera pública
(Estado) se impor sobre práticas privadas de resolução de conflitos. A violência não-estatal
estaria fundada num longo lapso de tempo caracterizado pela incapacidade do Estado
brasileiro monopolizar as ações coercitivas, ou seja, de tornar a utilização da violência algo
oficial. Mais uma vez, é o “vazio político” deixado por um Estado impotente o que ensejaria a
manifestação de formas de justiçamento não-estatais.
Historicamente, a questão da justiça privada no Brasil foi tratada a partir de
esquemas interpretativos que opunham a hipertrofia do poder privado à atrofia do
poder público. Nesses esquemas, a vingança privada é analisada como uma forma
de controle social (ALMEIDA, 1997, p. 91).
Os justiçamentos não-estatais, para essa vertente, apareceriam como forma de
repressão ao delito, e de defesa da ordem social, forçados a se manifestar ante a precária
presença de um poder estatal, incapaz de impor a “ordem pública”.
Enfraquecido desde sua constituição e herdeiro de um colonialismo que o
tornava dependente de outro Estado (Portugal), o Estado brasileiro não teria se feito presente
no “processo de formação de nosso povo”. No lugar de um Estado que impusesse regras de
conduta e procedimentos oficiais de punição/repressão à criminalidade, a modelação das
67
práticas e representações sobre a violência teria se dado através de experiências cotidianas
forjadas sob a premissa de que os conflitos devem ser resolvidos à margem da atuação estatal.
O que seria “institucional” não era o Estado, mas os justiçamentos privados.
Nesse aspecto, a historiadora Maria Sylvia de C. Franco (1997, p. 26), ao estudar
aspectos correlatos a vizinhança, trabalho, parentesco e moralidade em áreas rurais do Estado
de São Paulo de fins do séc. XIX, chega à conclusão de que os ajustes interpessoais violentos,
naquele contexto, não eram esporádicos, nem relacionados a situações de caráter excepcional.
Pelo contrário, eles apareceriam associados a circunstâncias banais “imersas na corrente do
cotidiano”. Assim, “o recurso à violência aparece institucionalizado, como padrão de
comportamento” (FRANCO, 1997, p. 39).
A não sujeição dos conflitos a procedimentos oficiais (estatais) de resolução teria
acarretado a intervenção direta dos litigantes na aplicação de punições. Sem a presença de
sanções (oficiais) como a privação da liberdade de um suposto criminoso, a alternativa de
punição difundida nessa longa duração teria sido a intervenção direta sobre o corpo do agente
social “delinqüente”.
Diante dessa constatação, Teresa Caldeira (2000, p. 343) formula a noção de
corpo incircunscrito. Para a autora, na longa tradição brasileira de resolução privativa de
conflitos, desenvolveu-se um sistema que usa a dor e a intervenção no corpo como modo de
criar a ordem. Predominaria, assim, em nossas práticas punitivas, uma grande tolerância à
intervenção no corpo. O corpo não seria algo “delimitado”, não possuiria uma
“circunscrição”, os limites de atuação violenta sobre ele não seriam bem definidos.
Sem a presença de um Estado que pudesse “educar” (“civilizar”) os brasileiros, e
com base na premissa de que o medo da dor gera obediência, provocar tal medo seria
considerado uma boa pedagogia. A atuação (dolorosa) sobre o corpo aparece como eficaz
linguagem pedagógica.
68
Duas características interligadas da cultura brasileira: a centralidade do corpo em
considerações sobre punição e a aceitação do uso da dor em práticas disciplinares
não só contra supostos criminosos, mas também contra todas as categorias de
pessoas que supostamente “precisam” de controle especial (crianças, mulheres,
pobres e loucos) (CALDEIRA, 2000, p. 36).
Seria justamente a noção de enfraquecimento estrutural da “ordem pública”,
somado ao desenvolvimento de formas privadas de resolução de conflitos, o principal
elemento que teria contribuído para o aparecimento, a longo prazo, de variadas modalidades
de justiçamentos não-estatais.
Destaco, nesse sentido, bibliografia referente ao cangaço, à pistolagem, aos
“justiceiros” e, ao fim, aos “linchamentos”, fenômenos, como destacado, aqui entendidos
como formas de justiçamentos não-estatais.
O Prof. Durval Muniz Albuquerque Jr., em sua obra Nordestino: uma invenção
do falo (2003), parte da idéia de que o tipo regional nordestino não existia antes das primeiras
décadas do séc. XX. Para o autor, foi o discurso das elites regionais, notadamente daquelas
ligadas a Pernambuco, desenvolvido nas décadas de 1920 e 1930, que teria construído
(inventado) a noção de Nordeste e a de identidade regional nordestina.
Na consolidação da idéia de que a “gente nordestina” possuiria peculiaridades
que a distinguiria dos demais “povos” do país, aparecem no discurso elitista diversos
elementos. Albuquerque Jr. destaca, nesse sentido, aspectos relacionados com a natureza
eugênica, telúrica e rústica do nordestino. É a conjugação desses elementos que teria
possibilitado o surgimento de tipos regionais do Nordeste
22
.
O “tipo nordestino” a que ora me atenho, por manter relação com a proposta
deste capítulo, é o cangaceiro ou jagunço, “um tipo popular dedicado a atividades criminosas,
o matador independente ou o matador profissional a soldo dos coronéis” (ALBUQUERQUE
JR., 2003, p. 219).
22
Durval Muniz Albuquerque Jr. (2003, p. 205-206) aponta como principais “tipos constitutivos do homem
nordestino” o brejeiro, o vaqueiro, o caboclo, o matuto, o cangaceiro (ou jagunço) e o beato.
69
Para o discurso das elites nordestinas pesquisado por Durval, a explicação do
cangaço não poderia derivar de uma análise a curto prazo. O cangaceiro é um homem
“produzido” numa longa duração, cujas ações mantém estreito contato com problemáticas
regionais, dentre as quais, o cotidiano violento e o mandonismo local, elementos derivados,
ainda segundo tal discurso, da enfraquecida atuação estatal.
As ações de banditismo social que caracterizaram o cangaço, nessa ótica,
derivariam diretamente da rusticidade imprimida ao homem nordestino, fruto da “falta de
auxílio dos governantes no sentido de se civilizar, ou seja, de ter as condições técnicas de
dominar e vencer a natureza, e de dispor da educação suficiente para compreender
racionalmente o mistério da natureza” (ALBUQUERQUE JR., 2003, p. 183).
Vivendo “sem a presença mais imediata da autoridade do Estado”, o nordestino
teria desenvolvido uma tendência à legitimação da violência, sempre explicada através de
uma longa duração.
A violência, a luta, o derramamento de sangue teria sido a tônica desse processo de
colonização e de constituição do homem nordestino. O Nordeste teria sido, no
passado, uma terra para quem não tinha medo de morrer e nem remorsos de matar.
A família nordestina muitas vezes teria se formado do encontro do fazendeiro
dominador com a cabocla caçada a patas de cavalo para os haréns. A casa-grande,
seja no litoral, seja no interior, surgiu como o centro polarizador. A necessidade de
defesa imediata contra o índio implacável, trucidando brancos, criou o uso
indispensável das armas, o emprego do desforço pessoal, a confiança em seus
próprios elementos de defesa, o orgulho das pontarias seguras e das armas brancas,
manejadas agilmente (ALBUQUERQUE JR., 2003, p. 192).
O cangaceiro aparece como elemento rebelde à ordem e a qualquer disciplina
social, fruto, inicialmente, da ausência do Estado e, posteriormente, de um Estado que se
consolida arrimado em disputas de parentela e no mandonismo local. Suas ações, ao menos
para o discurso elitista e regionalista do início do séc. XX, ganhariam sentido através das
próprias “características subjetivas” do nordestino: valentia, coragem, honra e destemor diante
das mais difíceis situações.
70
Outra modalidade de justiçamento não-estatal presente no Nordeste brasileiro, e
igualmente explicado através de uma longa trajetória através da qual teria se constituído o
“homem da região”, é a pistolagem.
Em Como se fabrica um pistoleiro, Peregrina Cavalcante atenta que a pistolagem
possui uma “genealogia” que deve ser imprescindível objeto de análise de seus estudiosos. A
autora funda o desenvolvimento da pistolagem numa “historicidade [que] mostra que o
exercício privado e organizado da violência é, ao longo da história brasileira, uma instituição
e não uma exceção” (CAVALCANTE, 2003, p. 19).
Assim como o aparecimento do cangaço, a pistolagem derivaria de um longo
processo atrelado a problemáticas regionalistas como a luta pela posse de terras, a política de
favores de fazendeiros e o conflito com povos indígenas. Para a autora, em tal processo “se
gesta uma forma peculiar de solidariedade, em que a justiça privada funciona como
mecanismo de coesão no enfrentamento do inimigo” (CAVALCANTE, 2003, p. 137).
Os valores de honra, destemor e coragem apareceriam também como elementos
que influenciam a “cultura da pistolagem”, na medida em que “a virilidade é associada à
potência de ser matador”.
O sociólogo Geovani Jacó de Freitas (2003, p. 68), ao analisar discursos de
agentes sociais envolvidos em relações de trabalho na zona da Mata Norte, em Alagoas, e
comentando especificamente representações sobre a pistolagem, também concebe um
processo de “institucionalização da violência” na região.
A referência aos atributos de pessoas boas parece fundamentar outra representação
que circula a respeito desses grupos [pistoleiros] e que caracteriza as ambigüidades
das versões populares sobre o fenômeno: a de que, embora sejam matadores de
aluguel, atuam exterminando os maus elementos, idéia essa que se complementa
com o entendimento de que com as pessoas de bem eles não mexem. Neste sentido,
a ação criminosa desses grupos é uma ação seletiva, recaindo sobre os indivíduos
de comportamento desviante [...]. Neste caso, emerge uma representação
legitimadora da ação desses grupos que termina por justificá-los e,
inconscientemente, legitimá-los (FREITAS, 2003, p. 87, grifo do autor).
71
Outra modalidade de atos de justiça não-estatal, presente na recente história
brasileira, e cujo aparecimento é também atribuído a uma longa duração, é a atuação dos
chamados “justiceiros”.
23
Nesse aspecto, José Fernando Siqueira da Silva (2004, p. 55) concebe a ação dos
“justiceiros” como prática derivada da tendência do uso indiscriminado da violência “presente
desde a origem deste país” e que se “metamorfoseou durante a história brasileira”.
A origem dessa espécie de justiçamento residiria no patriarcalismo e nos “laços
sócio-culturais que compuseram a fundação e consolidação da sociedade brasileira”,
exacerbados pelo regime militar que se instalou em 1964.
Não é possível explicar quem são os “justiceiros” sem considerar as origens da
sociedade brasileira sustentada no poder dos chefões locais, no autoritarismo e na
violência, parte integrante de uma cultura acostumada a solucionar as diferenças
pessoais “na faca” e a confundir as dimensões pública e privada (SILVA, 2004, p.
56).
No que tange especificamente aos “linchamentos”, é também perceptível que
parte de nossa literatura acadêmica funda suas origens (do “linchamento”) numa longa
duração, iniciada com as tensões presentes no regime escravista, e exacerbada com o
supostamente precário processo de estruturação do Estado brasileiro.
Hamilton de Mattos Monteiro (1974), discorrendo sobre os “linchamentos”
eclodidos na Província do Rio de Janeiro entre 1880 e 1888, aponta como causa desses
justiçamentos “a presença natural de um estado de tensão e a emergência de conflitos, que
opunha seus dois principais grupos sociais: os senhores e o ‘elemento servil’” (MONTEIRO,
1974, p. 13).
No mesmo sentido, José de Souza Martins (1989, p. 21) concebe o crescimento
dos casos de “linchamento” no Brasil, ocorrido nas últimas décadas do século XX, como
23
O conceito de “justiceiro” aqui utilizado é o empregado por José Fernando Siqueira da Silva (2004) e Heloísa
Rodrigues Fernandes (1997). Os autores usam essa denominação para identificar matadores, geralmente
policias ou ex-policiais, que, comprometidos com a “manutenção da ordem instituída” e influenciados pelo
princípio de que a sociedade deveria ser “higienizada” através da “eliminação de excedentes populacionais que
prejudicam o equilíbrio e a harmonia entre as classes sociais” (SILVA, 2004, p. 74), atuam desde a década de
1970 nos grandes centros urbanos do país, notadamente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
72
derivado da perpetuação de uma “mente conservadora” presente na população brasileira,
forjada num longo processo de desagregação das relações de propriedade e de trabalho, e da
ineficiência estatal em estruturar solidamente sua autoridade.
Os “linchamentos” seriam, nessa interpretação, a expressão de uma “crise social”
muito presente na sociedade brasileira, sendo “um capítulo da história da desagregação da
ordem social e política, da crise das instituições, como a polícia e a Justiça, no Brasil”
(MARTINS, 1989, p. 21).
Igual tendência é concebida por Mônica Hass (2003) em obra na qual estuda o
contexto político que teria ocasionado o assassinato (“linchamento”) de quatro pessoas, nos
dias de 17 e 18 de abril de 1950, em Chapecó, oeste de Santa Catarina.
A “explicação” que a autora constrói sobre o incidente se dá através dos
“mecanismos de poder e de dominação” da localidade, “resquícios do sistema coronelista que
teria predominado na região, especialmente durante a Primeira República”.
A análise de Hass aponta para a idéia de que ações de justiçamento, como o
“linchamento” ocorrido naquela cidade em 1950, derivariam “da violência [que] acompanha a
história do oeste catarinense [...]. A região foi marcada por conflitos políticos, étnicos,
econômicos e por disputas de fronteiras, levando à construção de um imaginário social que
remetia a uma região violenta” (HASS, 2003, p. 17). Apoiando seus argumentos na longa
duração de relações conflituosas na região, a autora chega a estabelecer como início dos
conflitos a disputa por terras na região que marcou a relação entre Portugal e Espanha ainda
no período colonial.
Exposta o que considerei como interpretação explicativa da violência não-estatal
arrimada na idéia de longa duração, resta analisar a vertente que funda sua interpretação na
noção de ruptura paradigmática, ocorrida nas últimas décadas do séc. XX, referente a
manifestações de violência.
73
3.3 A violência como ruptura paradigmática
A segunda vertente explicativa da violência contemporânea se sustenta na idéia
de ruptura. Mais do que os desdobramentos de uma longa duração marcada por formas
privadas de resolução de conflitos, e do complicado processo de estruturação do Estado em
países do Ocidente (como o Brasil), seriam as transformações advindas nas últimas décadas
do século XX o que “explicaria” a suposta proliferação de modalidades não-estatais de
violência.
Segundo essa interpretação, as últimas décadas desse culo teriam sido
marcadas por uma mudança radical de práticas e representações sobre a violência,
influenciando mesmo na relativização da idéia de que atos violentos representam,
necessariamente, o “mal” e que sempre se contrapõem à idéia de “bem”.
Manifestações de violência que o mundo conheceu na segunda metade do séc.
XX, como diferentes formas de fanatismo, terrorismo, crescimento da xenofobia, bem com
ações de skinheads, traficantes de drogas, esquadrões da morte, neonazistas, booligans e
serial killers, demonstrariam, para autores como Michel Mafessoli (2004, p. 13), “o fim de
um ciclo”: “o que foi inaugurado com a consagração do bem como valor absoluto”. No
mesmo sentido, Michel Wieviorka (1997, p. 5): “as transformações recentes, a partir dos anos
60 e 70, são tão consideráveis que elas justificam explorar a idéia da chegada de uma nova
era, e, assim, de um novo paradigma da violência, que caracterizaria o mundo
contemporâneo”.
Existiria, pois, hodiernamente, uma relativização dos valores de “bem” e “mal”.
A “vivência do mal” passaria então a ser admitida. A linha divisória entre os extremos do que
deve ser buscado (“bem”) e do que se deve afastar (“mal”) teria perdido sensivelmente sua
74
nitidez. O que é colocado em questão é a própria consistência ontológica da dual oposição
entre “bem” e “mal”, até então inquestionável.
24
Uma das explicações apontadas para a nova configuração (paradigma) da
violência seria o esvaziamento das ideologias”, o enfraquecimento, em todo o mundo, de
mobilizações como a marxista-leninista ou mesmo a de extrema direita
25
. A violência, antes
associada necessariamente à chamada “luta de classes”, agora perderia essa noção como
conceito explicativo.
Não é mais a luta contra a exploração, a sublevação contra um adversário que
mantém com os atores sociais uma relação de dominação, e sim a não-relação
social, a ausência de relação conflitual, a exclusão social; eventualmente carregada
de desprezo cultural ou racial, que alimentam hoje a violência em toda parte do
mundo (WIEVIORKA, 1997, p. 7).
Historicamente, a violência de grupos revolucionários ou de regimes nazi-
fascistas teria como fundamento reivindicações e projetos predeterminados, seriam, assim,
instrumentais, no sentido de apontarem para uma finalidade futura, para a história. O que
ocorre contemporaneamente seria a “perda de uma pretensão política abstrata”, de “uma razão
histórica pela qual lutar e, caso necessário, matar”. É a própria transfiguração do político
(MAFESSOLI, 2004, p. 19).
O “esvaziamento das ideologias”, para a vertente em comentário, significa a
própria impossibilidade de identificação de contra o que lutar. Significa não ter mais inimigos
declarados. Nesse estado, “o homem reina sozinho, mas sem uma razão final. Não tendo mais
inimigo, fabrica-o desde de dentro, do interior de si” (BAUDRILLARD, 2003, p. 56).
O arbítrio na eleição de “inimigos” a combater, e a ausência de fundamentação
ideológica da violência, gerariam, para essa vertente interpretativa, três principais
24
O conceito de banalidade do mal, cunhado por Hannah Arendt (1999, p. 37) se funda justamente na existência
de um crescente processo de indistinção entre os valores de “bem” e “mal”. Para a autora, o “bem” perderia,
no contexto por ela estudado (julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém), seu “peso ontológico”,
produzindo, como conseqüência, um “‘mal’ sem rosto específico”. Na interpretação de Marco Casanova
(2004, p. 330), surge, para Arendt, “um ‘mal’ banalizado não pela junção de institucionalização da morte e
fidelidade burocrática, mas pela supressão da singularidade em meio ao movimento desenfreado de
autonomização das relações objetivas no interior do mundo contemporâneo”.
25
Conceitos similares são formulados por Michel Mafessoli (2000, p. 111-115), quando trata do “vazio de
sentidos”, e por Jean Baudrillard (1994, p. 14-19), ao falar do “abismo de sentidos”.
75
conseqüências: (a) a pulverização das ações violentas; (b) a violência não-instrumental; e, (c)
o presenteísmo.
Como primeira implicação, grande parte das manifestações violentas hoje
presentes se encontraria pulverizada, fragmentada, perceptível apenas se observada em sua
“molecularidade”.
Nesse sentido, para analisar os contornos da política advindos no pós-Guerra
Fria, Hans Magnus Enzensberger (1995, p. 7-68) cunha a expressão guerra civil molecular.
26
A terminologia guerra civil é empregada com vistas a afastar o que o autor
entende como tradicional visão que possuímos da guerra, cunhada no séc. XIX e atrelada ao
conflito entre Estados, onde os adversários estão bem delimitados e identificados e as regras
do conflito preestabelecidas. Para Enzensberger, a guerra entre Estados se tornou a regra do
conflito. A guerra civil, ou seja, a guerra entre iguais, tornou-se exceção à regra; sendo
identificada como forma irregular de conflito.
O adjetivo molecular se relaciona ao espraiamento da violência em grandes
núcleos urbanos. Liga-se a formas microscópicas de conflito que se caracterizam pela
imprevisibilidade de eclosão e pela indeterminação de seus autores.
Dela [guerra civil molecular] não participam apenas terroristas e agentes secretos,
mafiosos e skinheads, traficantes de drogas e esquadrões da morte, neonazistas e
seguranças, mas também cidadãos discretos que à noite se transformam em
booligans, incendiários, dementes violentos e serial killers (ENZENSBERGER,
1995, p. 15).
Além de fragmentada, essa “guerra civil” seria imprevisível, pois ameaça
começar continuamente, a todo instante.
A segunda característica advinda do novo paradigma da violência deriva
principalmente do “esvaziamento das ideologias”. A violência deixaria de ser instrumento
para algo e passaria a ser não-instrumental
27
. Ocorreria a perda da necessidade de legitimação
26
Michel Wieviorka prefere o termo violência atomizada (1997, p. 19).
27
A concepção de que poderiam existir modalidades de violência não-instrumentais, ou seja, despidas de
quaisquer finalidades, parece ser, ao menos no âmbito terminológico, desacreditada por Hannah Arendt. Isso
76
de ações violentas, não se atribuindo mais o matar ou morrer a um ideal. Nessa interpretação,
“esvaziou-se a legitimidade. A violência libertou-se completamente de fundamentações
ideológicas” (ENZENSBERGER, 1995, p. 16). Haveria antes, para o mesmo autor, uma
“necessidade em justificar”; hoje, imperaria uma “ausência de convicção”.
O esvaziamento de motivos teria gerado o que Michel Wieviorka denomina de
violência pela violência. “Nos casos extremos, ela [violência] parece autonomizar-se, tornar-
se um fim em si, lúdica, puramente destruidora ou auto-destruidora” (WIEVIORKA, 1997, p.
12). E, mais adiante:
Sob vários aspectos, a violência gratuita, lúdica, eventualmente ligada ao gosto
do risco, a um desejo de aventura, ao esforço para produzir ou atingir um acréscimo
de sentido também relacionado com este nível, bem como aquele que constitui o
contrário da busca de sentido, e implica muito na abolição de qualquer tipo de
sentido no puro prazer de uma violência desenfreada (WIEVIORKA, 1997, p. 32).
A não-instrumentalidade da violência, para a mesma vertente, aproxima-se
demasiadamente da vontade de negação/destruição do outro, ou de si mesmo (autodestruição).
Há, para Hans Enzensberger (1995, p. 24), um caráter autista em tais comportamentos, onde
“viver ou morrer é a mesma coisa” e a “autodestruição não é um subproduto inevitável, e sim
o objetivo de fato”. Da mesma forma, Wieviorka (1997, p. 37) afirma que “a violência, em
lugar de expressar em vão aquilo que a pessoa ou o grupo aspiram afirmar, torna-se pura e
simples negação da alteridade e, ao mesmo tempo, da subjetividade daquele que a exerce”.
Como terceira conseqüência da transformação paradigmática da violência,
teríamos o presenteísmo, ou seja, a eleição do presente como único ponto de referência na
determinação das ações dos indivíduos, conforme conceituado por Mafessoli (2004, p. 166):
É neste laboratório que se forma um corpo social indiferente às grandes
maquinarias institucionais completamente voltadas para o futuro, mas atento ao
“interesse do presente” em todas as suas modulações [...]. O sentimento trágico da
porque, para a autora, o próprio conceito de violência passa, necessariamente, pela idéia de ser ela a mediação
para se alcançar alguma finalidade. Nesse aspecto, comentando o pensamento de Arendt, o Prof. André Duarte
destaca que “a violência seria puramente instrumental, ou seja, não é mais que um meio para atingir
determinado fim através da coerção. Em suma, enquanto o poder se exerce pelo estabelecimento de pactos e
consensos transitórios, que não eliminam a possibilidade de divergência e mesmo do conflito violento, a pura
violência enquanto tal se impõe de modo a calar os opositores de destruir a pluralidade dos participantes da
cena pública” (DUARTE, 2004, p. 36).
77
vida presenteísta nada tem de estático. Tampouco se trata, como queriam crer
certos espíritos apressados, de uma canonização do status quo, mas de um processo
ascendente a partir do vácuo.
À mesma conclusão chega Norbert Elias (1997) ao estudar manifestações
violentas de grupos guerrilheiros (nazistas) na Alemanha do período que antecede a Guerra
Mundial:
Um papel central é desempenhado pelo sentimento de que a sociedade em que se
vive é totalmente desprovida de significação e valor. A única esperança de uma
vida mais perfeita, mais significativa, reside na destruição dessa sociedade. Nessa
situação, a destruição pode facilmente tornar-se um fim em si. Deixa de se pensar
sobre o que deve realmente acontecer depois. O que só muito marginalmente
interessa é a questão de saber que aspecto teria uma outra sociedade, que prometa
dar à vida um vel mais elevado de significação. Todas as tramas e maquinações
giram em torno do presente, todo o planejamento do próximo ato de violência e a
constante necessidade de escapar às autoridades (ELIAS, 1997, p. 206).
O ponto de convergências das diferentes interpretações sobre a transfiguração da
violência nas últimas décadas é a idéia de que a mesma (violência) derivaria de uma “crise”,
que não necessariamente foi construída numa longa duração. Dessa forma, essa vertente
interpretativa diverge da anteriormente apresentada, que, como visto, fundava seus
argumentos num longo período de esfacelamento do Estado moderno.
Se ambas as vertentes concordam que a proliferação de formas de violência não-
estatal deriva do “vazio político” deixado por um Estado inoperante/impotente, as origens
deste “vazio” apontam para diferentes explicações.
O rompimento paradigmático da violência deriva da percepção de um suposto
esvaziamento político advindo com o fracasso do Estado moderno, que algum dia chegou a se
consolidar, mesmo que minimamente. Se a anterior explicação era estrutural, na medida em
que a fraqueza do atual Estado decorreria da longa presença de formas privadas de resolução
de conflitos, a ruptura (“crise”) tem como pressuposto a idéia de que o Estado (no molde
ocidental) conseguira impor algum tipo de ordem junto à sociedade. No caso analisado, no
que tange à estruturação de formas oficiais de repressão à violência.
Assim, o “fim das ideologias” seria resultado da própria impossibilidade de
instituições modernas, como o Estado, continuarem alimentando na sociedade valores por
78
algum tempo tidos como dignos de defesa. A “explosão da violência” apareceria como
negação de instituições despidas de sentido, que não mais conseguem propagar nexos para a
vida, notadamente para a juventude.
A ação de jovens que atuam nas mais diferentes formas de violência urbana é
explicada pela própria busca de sentidos do viver e pela negação de instituições modernas
como o Estado.
Se um considerável número de jovens teve sufocada suas oportunidades de
expressão [...], um potencial explosivo, sob condições favoráveis, encontrará
repercussão, repetidas vezes, em movimentos que se colocam em pronunciada
oposição às instituições políticas estabelecidas (ELIAS, 1997, p. 186).
Da mesma forma, Michel Wieviorka (1997, p. 23) entende que a violência como
“forma de produção do sentido”, converte-se na tentativa de “produzir por meios próprios
aquilo que antes lhe era dado pela cultura ou pelas instituições”.
A violência se aparta de projetos ideológicos dentre os quais o maior seria a
própria defesa de legitimidade do Estado – e converge para idéia de negação do Estado.
Os criminosos de hoje não necessitam de rituais, manifestações públicas,
uniformes, programas, incitamento ou juramento de fidelidade [...]. O ódio é
suficiente. Se o terror era um monopólio dos regimes totalitários, hoje ele reaparece
independente do Estado (ENZENSBERGER, 1995, p. 23).
A interpretação de que as manifestações hodiernas de violência derivam de um
rompimento histórico sem precedentes contribui, dentre outras coisas, para a consolidação da
idéia de que hoje atingimos um “grau de violência sem precedentes”, notadamente no que
respeita a justiçamentos não-estatais.
Como destacado, as vertentes interpretativas comentadas neste capítulo não
possuem concepções necessariamente excludentes sobre a violência. O “encaixe” dos autores
supracitados em uma ou outra vertente interpretativa pode acarretar a simplificação do
pensamento dos mesmos (autores), o que não foi a intenção deste capítulo.
As noções de longa duração e ruptura paradigmática foram utilizadas como
instrumento de sistematização da bibliografia lida, não apontando (essas noções) para a
79
existência de duas exclusivas formas de “explicação” da violência. Assim, comentei um
universo limitado de autores, de forma que o arbítrio de vertentes interpretativas sobre a
violência, notadamente ligadas a obras produzidas no séc. XX, possuem evidentes limitações.
Entendo que as duas principais vertentes analíticas (contemporâneas) apontadas
neste capítulo, mesmo que arrimadas em premissas distintas, contribuem substancialmente
para a interpretação de formas de manifestações violentas alternativas/complementares à
atuação estatal. Dessa forma, não posso afirmar que me “filio” a uma ou outra “explicação”
da violência não-estatal. Ao contrário, concebo que a análise de cada objeto de estudo, ligado
à temática (violência não-estatal), demanda uma forma peculiar de se trabalhar com a
bibliografia existente sobre a questão. Nessa perspectiva, esta pesquisa priorizou obras
relacionadas a ações de justiçamentos coletivos.
80
4 FORMAS DE JUSTIÇAMENTOS COLETIVOS
4.1 Critérios de classificação
A pretensão deste capítulo é, trabalhando com um universo fragmentado e
específico de casos noticiados no Jornal Pequeno (Apêndice A), situar os atos de justiça
coletiva dentro de determinados critérios de classificação. Dirijo minha análise à viabilidade
em se perceber tipologias das ações coletivas de justiçamento a partir das fontes jornalísticas.
Por tipologia entendi o agrupamento de casos de justiçamentos que possam ser
aproximados a partir de elementos que estabeleçam similitudes entre os mesmos
(justiçamentos). Tais elementos, como logo será detalhado, foram arbitrados se atentando para
as peculiaridades que envolveram cada ato de justiça coletiva.
A noção de tipologia aqui empregada se aproxima do conceito de tipo ideal de
Max Weber (2001, p. 138-144), que, para o autor, “tem o significado de um conceito-limite,
puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo
empírico de alguns dos seus elementos importantes” (WEBER, 2001, p. 140). O tipo ideal
não derivaria pura e simplesmente da “realidade histórica” ou da “realidade ‘autêntica’”,
seria, antes, um “quadro de pensamento produzido por nossa imaginação”.
A construção/utilização de tipos ideais teria sentido, ainda conforme o
pensamento weberiano, enquanto instrumento classificatório. Em outras palavras, a finalidade
da pesquisa sociológica não deve ser, por si só, construir tipologias. Ao contrário, a utilização
desses tipos só tem sentido quando serve à instrumentalização da análise do objeto estudado.
Assim, “a construção de tipos ideais abstratos não interessa como fim. Mas única e
exclusivamente como meio de conhecimento” (WEBER, 2001, p. 139).
81
Os tipos ideais seriam “conceitos meramente classificatórios”, importantes
porque, com a construção de tipologias, podemos analisar determinados fenômenos
(classificados) através do conjunto de elementos que acreditamos os caracterizar.
Nesta pesquisa, os critérios de tipificação dos justiçamentos foram construídos
com base na mescla entre três principais categorias de classificação: (a) local onde ocorreram
os atos de justiça coletiva; (b) agentes sociais que praticaram a agressão; e, (c) motivação da
violência coletiva.
Por local da ocorrência dos justiçamentos considerei os bairros onde a ação foi
executada. Assim procedi por ser esta (bairro) a unidade territorial a que predominantemente
as notícias do Jornal Pequeno fazem referência.
Os agentes sociais envolvidos ativamente nos justiçamentos foram identificados
através de elementos que lhes aproximassem entre si, como laços familiares, profissionais ou
comunitários. Mesmo sob o risco de diluir as individualidades desses agentes ao catalogá-los
em agrupamentos, vali-me desse critério por acreditar que ele enseja a análise de quais
relações influenciam a eclosão dos justiçamentos coletivos.
Nesse aspecto, seguindo as terminologias empregadas nas reportagens do Jornal
Pequeno para identificação dos “linchadores”, montei uma tabela demonstrativa (Tabela 1).
28
Com base nessas terminologias, predominaram justiçamentos coletivos atribuídos a
“moradores do local” (41,93%), ou seja, a pessoas residentes no bairro onde ocorreu o
“linchamento”. A segunda forma de identificação mais freqüente dos “linchadores” se deu
através de sua profissão/ocupação (22,58%), tendo maior destaque, nesses casos, a remissão a
“taxistas”. Em 19,35% de outros casos a equipe de reportagem adjetivou os agentes do
justiçamento coletivo meramente como “populares”, o que, como é evidente, corresponde a
28
Sobre o método de montagem da tabela, principalmente no que tange às terminologias empregadas, ver
observações feitas no capítulo 2 acerca da Tabela 3 do Apêndice B.
82
terminologia bastante fluída, uma vez que não possibilita, ao menos num primeiro momento,
a identificação de qualquer relação entre os “linchadores”.
Tabela 1 – Agentes sociais envolvidos em atos de justiça coletiva segundo terminologias empregadas nas
notícias do Jornal Pequeno
Grupo (terminologia) Casos %
“Familiares” 3 3,22
“Familiares e amigos” 2 2,15
“Freqüentadores do local” 8 8,6
“Moradores do Local” 39 41,93
“Passageiros” 1 1,07
“Populares” 18 19,35
“Presos” 1 1,07
Profissão 21 22,58
Total 93 100
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
Por motivação das ações de justiça coletiva entendi o fator que provocou, em
cada caso, a eclosão da agressão. É o motivo que levou os agentes sociais a principiar sua
atuação violenta. Com essa terminologia (motivação) não procurei me aproximar do elemento
que, durante toda a ação dos agressores, e de forma homogênea, deu uma teleologia a essas
práticas. Isso porque posteriormente ao início da agressão, ou mesmo antes, acredito haver
uma pluralidade de motivações para a atitude violenta, estas, apenas individualmente
identificáveis.
A motivação de justiçamentos coletivos esteve atrelada, com bastante destaque
sobre os outros móveis, a crimes contra o patrimônio (38,7%) e contra a vida (37,63%). Ou
seja, predominou nos casos examinados ações coletivas contra autores (ou suspeitos) de
roubos, furtos, latrocínios e homicídios, consumados ou tentados (Tabela 2).
29
Expostas as categorias utilizadas na tipificação dos justiçamentos, destaco outros
elementos caracterizadores dos atos de justiça coletiva analisados, que, no entanto, não foram
empregados na classificação aqui proposta.
29
Sobre o método de montagem da tabela, principalmente no que tange às terminologias empregadas, ver
observações feitas no capítulo 2 acerca da Tabela 1 do Apêndice B.
83
Tabela 2 – Motivação dos atos de justiça coletiva analisados nas notícias do Jornal Pequeno
Motivação Total %
Briga 4 4,30
Crimes contra a vida 35 37,63
Crimes contra o patrimônio 36 38,7
Crimes contra os costumes 6 6,45
Outros
30
3 3,22
Vários crimes 9 9,67
Total 93 100
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
Preliminarmente, a distribuição cronológica (anual) das ocorrências de
justiçamento não evidencia regularidades que possam, no meu entendimento, caracterizar um
aumento, estagnação ou diminuição linear das ocorrências no período investigado (Gráfico 1).
0
5
10
15
20
25
Casos
5 7 10 9 9 4 5 8 8 5 23
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Gráfico 1 – Distribuição anual dos atos de justiça coletiva analisados no Jornal Pequeno.
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
30
Situações não comportadas nas outras terminologias, como, por exemplo, a relatada em 07.04.2003, quando
um adolescente, por ter sido flagrado “pulando muros”, foi violentado por “moradores do bairro Redenção”
(JOVEM, 2003, p 10).
84
Dessa forma, não posso afirmar, ao menos com base nas fontes pesquisadas, e a
despeito do perceptível aumento das notícias sobre “linchamentos” em 2003, que o lapso
temporal de onze anos abrangido pela pesquisa se caracterizou pelo crescimento, diminuição
ou constância das ações de justiçamento. Da mesma forma, como já exposto, a análise dessa
longa duração não é o objetivo principal do trabalho.
Em segundo lugar, entendo inexistir uma proporcionalidade entre a atitude
censurada pelos agentes justiçadores e a violência aplicada a suas vítimas. De um modo geral,
os agentes executores da justiça coletiva não estabeleceram, no momento de execução da
violência, relações ponderadas entre a agressão coletiva e a ação (anterior) do “linchado”. Ao
contrário, foram bastante variáveis as formas de violência se comparado à ação que as
desencadeou.
A desproporção punitiva como marca de justiçamentos não-estatais foi destacada
por Michel Foucault (1982, p. 39-69) ao tecer comentários sobre os “atos de justiça popular”
contemporâneos à Revolução Francesa. Foucault acredita que essas ações se contrapõem ao
sistema judiciário moderno, onde estão nitidamente separadas as partes interessadas no litígio
e o juiz
31
. “No caso da justiça popular, não três elementos, há as massas e os seus
inimigos” (FOUCAULT, 1982, p. 45). Não existindo um agente (juiz) pretensamente neutro
na relação, não há a tentativa de se adequar o caso concreto a uma idéia abstrata de justiça, ou
seja, de se estabelecer uma proporcionalidade entre a ocorrência e a punição, pois:
As massas, quando reconhecem em alguém um inimigo, quando decidem castigar
esse inimigo ou reeducá-lo não se referem a uma idéia universal e abstrata de
justiça, referem-se somente a sua própria experiência; à dos danos que sofreram, da
maneira que foram lesados, como foram oprimidos (FOUCAULT, 1982, p. 45).
O conceito de “linchamento” formulado por José de Souza Martins (1989) leva
em consideração, dentre as características de tais ações, o elemento ora destacado. Para o
31
“O processo judicial se instaura sempre mediante provocação de uma das partes (o autor) que, por ser titular de
um interesse conflitante como o de outra parte (o réu), necessita da intervenção de uma terceira pessoa (o juiz),
o qual, atuando com imparcialidade, aplica a lei ao caso concreto, compondo a lide: a relação jurídica é
trilateral: as partes (autor e réu) e o juiz” (DI PIETRO, 2004, p. 529).
85
autor, “linchamento” é um “procedimento punitivo que nega à tima o direito de uma pena
relativa e restitutiva do delito eventualmente cometido. Todos os delitos são igualados – tanto
o pequeno roubo quanto o assassinato” (MARTINS, 1989, p. 24, grifei). E, em outra
oportunidade: ”trata-se [o “linchamento”] do julgamento sem a participação de um terceiro,
isento e neutro, o juiz, que julga segundo critérios objetivos e impessoais, segundo a razão e
não segundo a paixão” (MARTINS, 1996, p. 11-12).
Dois exemplos, nas notícias jornalísticas analisadas, podem ilustrar a
desproporcionalidade em comentário.
O primeiro caso ocorreu em maio de 2003, quando um adolescente (de
identidade desconhecida) foi espancado até a morte e “deixado amarrado em poste de
iluminação pública”. Conforme destacado pela reportagem, a causa da agressão teria sido o
fato de “moradores do bairro Redenção terem observado o jovem pulando muros”, o que
poderia significar que “se tratava de assaltante” (JOVEM, 2003, p. 10).
O outro caso ocorreu em 12.07.1996. Na ocasião, João Gonçalo Campos,
aparentemente “sob efeitos de entorpecentes”, e “sem motivação declarada”, “esfaqueou uma
mulher até a morte e feriu gravemente um homem”. A reação de moradores do bairro
Liberdade, local da ocorrência, foi “meramente render o homicida e o levar até a delegacia do
bairro” (PADEIRO, 1996, p. 8).
As duas ocorrências, considerando as respectivas “causas” e “conseqüências” da
agressão coletiva, exemplificam, em minha interpretação, a inexistência de proporcionalidade
entre o ato censurado por justiçadores e a violência aplicada por estes agentes.
Outra característica dos justiçamentos percebida na análise das reportagens,
embora não tenha sido considerada na classificação proposta, refere-se à exemplaridade das
punições aplicadas pela ação coletiva.
86
A ritualística dos “linchamentos” foi objeto de análise de autores como Helena
Singer e José de Souza Martins. Singer considera que tais ações podem se constituir em
“cenas de julgamento e punição públicos e de punição ao corpo de pessoas que [...]
cometeram atos considerados atrozes” (SINGER, 2003, p. 190).
Martins chega a adjetivar os “linchamentos” de “ritos sacrificais”, posto que
essas ações:
Sugerem que a prática da vingança se ligou a rituais de purificação, rituais através
dos quais a comunidade se purga do crime, especialmente do crime de sangue [...]
Trata-se de impor aos criminosos expiação e suplício reais ou, no caso do que
está morto, expiação e suplício simbólico, como é próprio dos ritos de vingança e
sacrifício; e, além disso, eliminá-lo simbolicamente como pessoa (MARTINS,
1996, p. 20).
As formulações de Michel Foucault (1987, p. 9-60) acerca das características dos
castigos (suplícios) aplicados a criminosos na Europa antes do séc. XIX pode ilustrar a idéia
de “exemplo” ora destacada. Para Foucault, “o suplício faz relacionar o tipo de sofrimento
físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a
pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas" (FOUCAULT, 1987, p. 31).
Em um dos casos analisados, foi possível perceber relação entre o ato cometido
pelo “linchado”, censurado pela justiça coletiva, e a agressão contra ele perpetrada. Em
25.12.2003, Marco Almeida Jansen ultrapassou um sinal vermelho na Av. Jerônimo de
Albuquerque (Curva do Noventa), colidindo com Marco Aurélio Froes Maranhão, “que vinha
em uma moto na via de sentido contrário”. Após socorrer o motociclista e render o motorista
do automóvel, existiu “depredação e incineração do veículo” (MOTOQUEIRO, 2003, p. 5).
O fato da ação dos agressores ter se voltado à destruição do bem através do qual
Marco Almeida Jansen provocou o acidente, ou seja, de seu veículo, talvez estabeleça uma
relação exemplar entre a agressão coletiva e o fato que a deflagrou (acidente).
Em quatro outros casos entendi que as práticas de justiçamento possam ser
caracterizadas como rituais cuja funcionalidade seria tornar a vítima da agressão marcada e
87
infame, bem como ser exemplar (“servir de exemplo”) a quem pretendesse agir de forma
similar ao “linchado”.
32
Em três dessas ocorrências a ação de justiça coletiva consistiu em amarrar o
agredido em poste de via pública, para em seguida o espancar. Em nenhum deles existiu a
execução do “linchado”, sendo o mesmo deixado exposto publicamente enquanto a polícia era
acionada (JOVEM, 2000, p. 12; JOVEM, 2003, p. 10; PADEIRO, 1996, p. 8).
O quarto caso possui algumas peculiaridades. Marcelo Araújo dos Santos, na
madrugada do dia 14.12.2003, “foi flagrado assaltando comércio no bairro Santa Clara”.
“Moradores vizinhos ao local do assalto ficaram revoltados pelo fato de Manoel, durante o
assalto, ter ferido gravemente o dono do estabelecimento”. A agressão ao “assaltante”
consistiu em “violento espancamento que ocasionou sua morte”. Após, “o corpo de Manoel
foi amarrado e arrastado por diversas ruas do bairro”. Segundo a reportagem, essa atitude se
deu como “sinal de aviso a pessoas que, porventura, pretendessem realizar assaltos na região”
(BANDIDO, 2003, p. 12).
Assim, considerei que a exposição pública do agente social agredido pela
coletividade, em poste ou pelas ruas de um bairro, evidencia casos em que existiu uma
ritualística nas ações de justiça coletiva. Assim interpretados, os “linchamentos” podem ser
entendidos como ações coletivas que buscam, de variadas formas, manifestar uma
“mensagem” destinada aos “criminosos”, ao restante da coletividade ou às autoridades
estatais, ou seja, que vislumbram ser instrumentos de comunicação, ordinariamente
relacionada à repulsa a atos delituosos que ocasionaram a agressão coletiva.
Da mesma forma, existiu a tendência das ações coletivas se darem em locais
públicos, principalmente ruas e praças. Poucas foram as ocorrências em que a agressão
32
Foucault entende que a aplicação do suplício (castigo) se dá na forma de um “duelo”, onde o corpo do
castigado é a “arena” da luta. "Ele [o corpo] constitui um elemento que, através de todo um jogo de rituais e de
provas, confessa que o crime aconteceu, que ele mesmo o cometeu, mostra que o leva inscrito em si e sobre si,
suporta a operação do castigo e manifesta os efeitos de maneira mais ostentosa" (FOUCAULT, 1987, p.39).
88
ocorreu no interior de imóvel ou veículo. Ao contrário, na maioria das ocasiões, a vítima da
agressão foi retirada de dentro de residência ou estabelecimento comercial e levada à rua, para
apenas depois ser iniciada a agressão.
Essa mesma tendência foi constatada por José de Sousa Martins (1989, p 27):
Os lugares mais rejeitados para linchamentos são [...] os veículos, as residências, os
hospitais e as casas comerciais. A vítima é, na maioria dos casos, retirada desses
lugares e levada para outro, de preferência rua ou praça [...] Isto é, a vítima é
transferida de recintos privados para lugares abertos e, de preferência, públicos.
Ainda no que tange às características das agressões perpetradas, destaco as
conseqüências das ações coletivas mais recorrentes (Tabela 3).
33
Tabela 3 – Atos de justiça coletiva segundo a conseqüência da ação dos agressores
Ação Total %
Ameaça de “linchamento” 25 26,88
Lesão corporal 9 9,67
Homicídio 12 12,9
Tentativa de homicídio 45 48,38
Suicídio 2 2,15
Total 93 100
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
Dessa forma, segundo a descrição/interpretação das ocorrências de justiçamentos
nas notícias do Jornal Pequeno, quase a metade dessas ações foram caracterizadas como
tentativa de execução do agente agredido (48,38%). Em 26,88% dos “linchamentos”
analisados sequer foi principiada a agressão. A execução (12,9%), lesão corporal (9,67%) e o
suicídio dos “linchados” (2,15%), foram, decrescentemente, as demais conseqüências dos
justiçamentos.
Com base nas categorias utilizadas para classificação dos justiçamentos coletivos
(local, agentes sociais e motivação), três tipologias foram encontradas, às quais dei os nomes
de abrigos coletivos, multidão-violência e “taxistas”.
34
33
Sobre o método de montagem da tabela, principalmente no que tange às terminologias empregadas, ver
observações feitas no capítulo 2 acerca da Tabela 2 do Apêndice B.
89
4.2 Os abrigos coletivos
A primeira tipologia dos justiçamentos advinda da análise do quadro descritivo
(Apêndice A) se liga a práticas que mantém relação com o que aqui chamo de abrigos
coletivos. São ações nas quais entendo ter existido influência de vínculos comunitários
existentes nos locais onde ocorreram as agressões coletivas.
35
Considerei como recorte
espacial, como já destacado, os bairros do Município de São Luís.
O termo “abrigo” foi emprestado da formulação de Zygmunt Bauman acerca dos
abrigos nucleares. Em recente estudo, Bauman (2003, p. 100-111) argumenta que o
fenômeno da “globalização” trouxe o aumento do valor do lugar em determinados
agrupamentos comunitários. Na contemporaneidade, a sociedade por si não mais seria
capaz de desenvolver o sentimento de vida em um “lugar seguro”. Não se esperaria mais do
Estado, quando provocado, que este faça algo palpável para mitigar a insegurança em
sociedade. O conforto de uma existência segura, segundo o sociólogo polonês, procura outros
meios, outras estratégias.
34
Mesmo não coincidindo com as terminologias aqui utilizadas, estudos de Maria Victoria Benevides (apud
SINHORETTO, 2002, p. 17-19) e José de Souza Martins (1996, p. 16-17) apontam para classificações de
“linchamentos” similares à apresentada neste trabalho. À categoria abrigos coletivos equivaleria o conceito de
Benevides de linchamentos comunitários, que “ocorrem quando há uma comunidade identificável por trás do
fato, diretamente vitimada pela ação do criminoso conhecido”, e os “linchamentos” identificados por Martins
como cometidos por “vizinhos e moradores da localidade de moradia de alguém que tenha sido vítima do
linchado”. À tipologia multidão-violência, equivaleria, em meu entendimento, o conceito de linchamentos
anônimos de Benevides, que seriam aqueles “cometidos por pessoas que não são diretamente atingidas pelo
suposto delinqüente, que se envolvem num tumulto mesmo sem conhecer a origem, motivados por apelos de
‘pega-ladrão’”, e ao que Martins identifica como grupos ocasionais, “especialmente multidões da rua,
transeuntes, passageiros de trens e de ônibus, torcedores de futebol”. A outra categoria que utilizo (“taxistas”)
não possui equivalente na classificação de Maria Benevides, correspondendo, em parte, no trabalho de José de
Souza Martins, aos “linchamentos” cometidos por grupos corporativos de trabalhadores, “especialmente
motoristas de táxi e trabalhadores da mesma empresa em que trabalha(va) alguém vitimado pelo linchado”.
35
O recorte temático realizado por Jacqueline Sinhoretto, em Os justiçadores e sua justiça, deu-se justamente
com vistas a analisar apenas “linchamentos comunitários”, ou seja, os ocorridos “em bairros onde se observa a
importância das redes de vizinhança [...], onde as redes de relacionamento são complexas e têm um grande
peso na vida dos habitantes, e onde os problemas da violência do bairro são vividos coletivamente e sua
resolução, embora em graus de intensividade diferente, envolve a coletividade” (SINHORETTO, 2002, p. 23).
90
Uma dessas estratégias de (re)construção da segurança estaria na criação de
abrigos nucleares. Comunidades que não mais derivariam da idéia de “comunas” ou
“societas”, mas, simplesmente, da busca por segurança. Para Bauman, a “defesa do lugar”,
visto como condição necessária de toda segurança, deve ser uma “questão de bairro”, um
“assunto comunitário”.
Nesse aspecto, os justiçamentos ocorridos em abrigos coletivos seriam
socializantes, no sentido empregado por Georg Simmel. Seriam formas de conflitos que,
mesmo se manifestando através do emprego da violência, “oferecem motivação subjetiva
como meio de produzir valores sociais objetivos” (SIMMEL, 1988, p. 132). A ocorrência de
ações de justiça coletiva em tais localidades demonstraria, a meu ver, uma forma de
solidariedade entre os moradores ali residentes, e mesmo a existência de uma “dimensão
ética” que move tais ações, conforme formulação de Michel Mafessoli:
Mesmo o espírito de vingança pode ser entendido como uma experiência de
“religação”, uma forma de solidariedade, de participação na comunidade. Alguma
coisa foi perturbada na ordem social, é preciso consertar. A vingança como “ato
reparador e salvador”, é algo que pode parecer paradoxal, mas, sem justificar seus
aspectos criminais, é preciso conhecer sua dimensão ética. Ela cimenta um corpo
social. E de uma forma mais sorrateira, e se escorando em justificações ou
legitimações de todos os tipos, não estaria operando igualmente nos “acertos de
contas”, estigmatização, marginalização, que vamos encontrar em nossas
sociedades policiadas em todos os níveis, e em todos os setores da vida social?
(MAFESSOLI, 2004, p. 124).
Quantitativamente, foram ocorrências envolvendo abrigos coletivos a
modalidade de justiçamento que predominou entre os casos analisados. Ao todo, identifiquei
50 casos, que correspondem a mais da metade das reportagens (53,77%).
36
Percebi que o
maior número de justiçamentos ocorreu nos bairros ludovicenses do Anjo da Guarda,
Sacavém, Cidade Operária, Desterro, Liberdade, Vila Mauro Fecury e Fátima (Tabela
2/Apêndice B).
37
36
Aqui incluí as notícias de nºs. 01, 02, 04, 05, 06, 07, 08, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 28, 29, 34, 35, 44,
47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 58, 59, 60, 63, 69, 70, 71, 73, 74, 75, 76, 80, 81, 82, 85, 87, 88, 89, 90 e 91
do Apêndice A.
37
Sobre as características e o processo de formação de tais bairros, Cf. p. 12-14.
91
Com base nos elementos aqui elencados para tipificar os atos de justiça coletiva
(local da ocorrência, agentes sociais envolvidos ativamente e motivação da ação coletiva),
percebi que as ações eclodidas em abrigos coletivos ocorreram em bairros residenciais (não
comerciais ou industriais). Os justiçamentos se deram em vias sem grande movimentação de
veículos ou pedestres, quando não no interior de residências ou estabelecimentos comerciais.
No mesmo sentido, predominaram, como autores da violência coletiva, agentes sociais
residentes nesses locais (bairros) (Tabela 3/Apêndice B).
Os motivos que desencadearam os justiçamentos foram principalmente ações
praticadas por sua tima (“linchado”) cometidas contra a integridade física ou patrimonial de
morador ou trabalhador desses bairros, e que, em minha interpretação, atingiram
potencialmente a idéia de segurança do local. Nesse aspecto, percebi a predominância da
repressão a atos atentatórios ao patrimônio de moradores (assalto e furto), à sua integridade
física (homicídio e lesões corporais) e sexual (estupro e atentado violento ao pudor) (Tabela
1/Apêndice B).
Nesses casos (abrigos coletivos), a aglomeração de agentes que executou a
violência não estava de antemão reunida. Contudo, entendo ser a conduta desses agentes
sociais dotada de certa pré-ordenação. A afirmação tem fundamento na percepção de que
existiram reiterados justiçamentos, com características similares, em uma mesma localidade, e
que, possivelmente, envolveram os mesmos agressores. Considero mesmo a existência de
uma “cultura local”, em tais abrigos, de se tomar a violência coletiva como fator de
resolução/controle de conflitos.
Exemplifica o argumento notícias referentes justiçamentos ocorridos na Vila
Mauro Fecury II, onde essas práticas adquiriam recorrência destacável. Apenas nos anos de
1994 e 1995, “moradores” desse bairro assassinaram cinco homens e feriram gravemente
92
outro. Todas as vítimas foram flagradas tentando assaltar residências do local (TRÊS, 1995, p.
6).
Entendo que alguns elementos aproximam os justiçamentos eclodidos naquele
bairro: (a) deram-se à noite; (b) a motivação da violência foi a mesma (tentativa de assalto);
(c) visaram a morte dos agredidos (o único sobrevivente “escapou da morte por se fingir de
morto”); (d) a agressão aplicada foi similar (tiros e golpes de facão); (e) ocorreram no mesmo
bairro (Vila Mauro Fecury II); e, (f) os corpos foram deixados no mesmo local (“salina entre
os bairros da Vila São Luís e Vila Mauro Fecury II”). Existiu também proximidade
cronológica entre os casos, uma vez que ocorreram entre outubro de 1994 e abril de 1995.
No entanto, o principal fator que creio identificar a Vila Mauro Fecury II como
localidade onde se desenvolveu, ao menos naquele contexto, a “cultura” dos justiçamentos é o
fato de ali ter existido, em meados da década de 1990, a atuação de um grupo de vigilância
comunitária”. O “grupo” era organizado por agentes sociais que residiam no bairro e sua
principal função era “guardar as residências à noite e punir quem fosse flagrado cometendo
algum crime nas ruas do bairro” (MARANHÃO, 1998, p. 14, grifei).
Nesse aspecto, os homicídios de Willian Henrique da Silva Macedo, Marco
Antônio Araújo Nascimento e Dulcilene Henrique da Silva Macedo, em 10.04.1995 (TRÊS,
1995, p. 6), foram atribuídos, em processo criminal que tramita na 1ª Vara do Tribunal do Júri
de São Luís (MARANHÃO, 1998), ao mencionado grupo de vigilância”.
38
O Promotor de
Justiça que denunciou os acusados caracterizou o “grupo” como “comissão de vigilância [...]
com o propósito de combater furtos, roubos e homicídios, praticados naquela vila, que,
segundo eles [“vigilantes”], ‘há muito vinham intranqüilizando os moradores daquele bairro,
sem nenhuma providência da Polícia’” (MARANHÃO, 1998, p. 4).
38
Foram denunciados no referido processo, como componentes do “grupo de vigilância”, José das Mercês
Pereira, José de Jesus Santos, João Silva Mendes, Amadeu Santos Viegas, Raimundo Cosme Mendes,
Francisco de Souza Lima, Valdivino Aguiar dos Santos e José do Egito Silva Almeida, todos residentes na
Vila Mauro Fecury II (MARANHÃO, 1998, p. 2-3).
93
O diferencial entre a categoria ora analisada (abrigos coletivos) e as outras duas
tipologias (multidão-violência e “taxistas”) deriva, também, da percepção de que alguns
casos de justiçamentos estiveram atrelados a problemáticas comunitárias, ou seja, a questões
que dizem respeito a peculiaridades do bairro em que ocorreram, principalmente conflitos
envolvendo drogas e gangues, ou mesmo a defesa de lideranças locais.
Três exemplos:
Em julho de 1993, após sepultamento de adolescente vítima de “conflito entre
gangues do bairro de Fátima”, “familiares e amigos do jovem assassinado se dirigiram à
residência de ‘Paulinho’”, suposto líder da gangue. Na ocasião, existiu “ato de protesto com a
exposição de faixas e cartazes clamando por paz no bairro e pela punição a membros de
gangues”. Em seguida, “a casa de ‘Paulinho’ foi depredada e invadida pelos manifestantes”.
Os familiares de “Paulinho” escaparam da agressão coletiva “fugindo pelos fundos da casa”
(MULTIDÃO, 1993, p. 8).
No ano seguinte, em 13.10.1994, Waldir dos Santos foi “assassinado na porta de
sua residência”, no bairro do Anjo da Guarda. Waldir teria recebido um tiro no peito
disparado por João Pereira da Silva, vulgo “Dente de Ouro”, quando este, “conhecido
traficante do local”, discutia com outros dois “traficantes”. Após o homicídio, “moradores
vizinhos ao local da ocorrência se reuniram e decidiram invadir a casa dos traficantes, [...]
começando pela de ‘Dente de Ouro’”. Segundo a reportagem, o “traficante” só não foi
executado pelos moradores devido à intervenção de policiais (NOVE, 1994, p. 1).
O terceiro caso foi noticiado pelo Jornal Pequeno em 13.09.1994. Na ocasião,
“líder comunitário da Vila Luisão”, que batizou o bairro com seu próprio nome, envolveu-se
em conflito “quando tentava invadir terreno no bairro do Araçagi”. Na tentativa de eliminar
seu rival, “Luisão” atira em ônibus no qual aquele tentava fugir. Policiais se dirigem à Vila
94
Luisão para tentar prender o “líder comunitário” e apreender o veículo utilizado em seu
deslocamento até o bairro. Porém, ao chegar:
São surpreendidos por dezenas de moradores que dão cobertura à evasão de
“Luisão” e retiraram os quatro pneus do veículo, para assim impedir a apreensão.
[...] Houve tumulto e, diante da agressão dos moradores que já se principiava, os
policiais acharam por bem deixar a Vila Luisão, antes efetuando cinco detenções
(TIROTEIO, 1994, p. 8).
Passo agora à descrição das outras duas classificações de justiçamentos
coletivos arbitradas.
4.3 A multidão-violência
A segunda tipologia dos justiçamentos coletivos se relaciona com a idéia de
multidão-violência. Nela incluí casos de agressões cometidas por agentes sociais que, sem
aparentes vínculos comunitários ou laços de vizinhança entre si, ocasionalmente ocupavam
(ou transitavam por) um mesmo local quando ocorreram os justiçamentos. São agentes que
“estavam nas ruas”, que ocupavam vias públicas de grande movimentação ou festas, comícios
e passeatas. O fator “local”, aqui, não identifica a existência de contatos anteriores, mas a
coincidência de espaço físico ocupado ou transitado pelos agressores.
A noção de “multidão” que tomei para a análise de atos de justiça coletiva possui
uma abrangência delimitada. Aproxima-se do que o jornalista americano Bill Buford (1992, p.
161-188) chama de multidão-violência.
Bill Buford procura analisar, através do estudo do comportamento de torcedores
ingleses (hooligans) em estádios de futebol, ações coletivas de violência. O que o autor
vislumbra entender é quais seriam os fatores que desencadeariam a ação violenta de
“multidões” reunidas, originariamente, com fins pacíficos, como passeatas, comícios,
espetáculos musicais ou desportivos, piquetes e procissões.
95
A diferenciação, para o autor, reside numa questão de “limites”. Limites não
relacionados, necessariamente, à finalidade da aglomeração de pessoas ou à delimitação do
espaço físico que ocupam ou podem ocupar. Para Buford, o surgimento da multidão-
violência, que pode se dar em qualquer tipo de aglomeração, independente de seus
componentes ou de sua finalidade, está relacionado com limites ligados a “atitudes” tomadas
por indivíduos quando se aglomeram.
A multidão-violência surge de ações (atitudes) que “rompam a linha
demarcatória do cotidiano” (BUFORD, 1992, p. 187). Surge com a transposição e o abandono
dos elementos que constituíram a originária motivação da aglomeração de pessoas. A
multidão transmuta-se em multidão-violência no instante em que os propósitos de esporte,
trabalho, religião, transporte ou organização política, são superados pela intenção de se
executar atos violentos.
No entanto, Buford não entende o surgimento da multidão-violência como um
momento de suspensão da racionalidade ou de “queda no barbarismo”. Com as práticas de
violência não se forma uma nova alma junto às massas”. A multidão-violência é apenas, e
principalmente, estratégia de (re)utilização da aglomeração humana para o alcance de
interesses momentâneos e díspares dos agentes sociais que a compõe. Interesses
momentâneos e díspares, mas cronológica e situacionalmente coincidentes.
Destaco as formulações de Bill Buford justamente por perceber a preocupação
do autor em distanciar sua idéia de multidão-violência de representações que, historicamente,
atrelaram o conceito de “multidão” às idéias de descontrole, insegurança, desordem,
irracionalidade e mesmo infantilidade.
Buford (1992, p. 169) entende que os vários inconvenientes provocados pelas
aglomerações humanas nas grandes cidades européias do séc. XIX de sobremaneira tiveram
reflexo na forma como a elite letrada percebia (e escrevia sobre) tais acontecimentos. Para o
96
autor, a história das multidões é uma “história do medo”, pois escrita por suas “vítimas”, ou
seja, por intelectuais que temiam perder bens materiais ou sentiam ameaçada (pela ação das
“massas”) sua integridade física. Por isso é uma história em que se tenta, sob o manto da
cientificidade moderna, dar um nome e uma razão às massas. Em que, racionalizando a
suposta “irracionalidade” da multidão, procura-se entendê-la.
Assim, as primeiras décadas do séc. XX conheceram o surgimento do que a
socióloga Helena Singer (2003, p. 288-289) denomina de “psicologia das multidões” um
conjunto de pensadores que priorizaram em seus estudos interpretações sobre a multidão e sua
atuação em diferentes esferas do social. Dentre eles: Scipio Sighele, na Itália, Gabriel Tarde e
Gustave Le Bon, na França, e Sigmund Freud, na Alemanha.
Norbert Elias (1994, p. 15) crê que esses autores elegeram como um de seus
principais postulados a idéia de que as massas possuem uma “alma própria”. Uma alma que
transcende as “almas individuais” dos sujeitos que a compõe; uma “alma coletiva”; uma
“mentalidade grupal”. Quando não chegaram a ir tão longe, ainda para Elias, tais pensadores
se contentaram em tratar os atos políticos da multidão como a soma ou a média das
manifestações psicológicas dos indivíduos nela envolvidos.
Dessa forma, com o recurso à obra de Buford, procuro condições para a
utilização do conceito de “multidão” sem o colocar nos extremos do “irracional” ou do
“planejado”. Ao menos ao se relacionar com atos de justiça coletiva, a multidão-violência, em
minha interpretação, aparece como algo que emerge sem planejamento, porém comportando
propósitos que a movem, mesmo que momentâneos e que não se constituam necessariamente
enquanto finalidades bem definidas e homogêneas.
97
Considerei, com base no Apêndice A (quadro descritivo das notícias coletadas),
que 28 notícias analisadas no Jornal Pequeno descrevem justiçamentos relacionados com atos
de multidão-violência, ou seja, 30,1% dos casos relacionados.
39
Atentando para os critérios de classificação dos justiçamentos coletivos
escolhidos (local, agentes e móvel), pude, inicialmente, caracterizar as ações da multidão-
violência como aquelas que ocorrem em locais de grande circulação de pessoas, como vias ou
praças blicas (17 casos), casas de show (7 casos) ou mesmo em jogo de futebol (1 caso) e
feira (1 caso) (Tabela 4). Destacaram-se também dois casos em que as ações ocorreram no
interior de ônibus, quando passageiros renderam agentes sociais que assaltavam o coletivo.
Tabela 4 – Locais de ocorrência de justiçamentos envolvendo multidão-violência
Local Total %
Campo de futebol 1 3,57
Casa de show 7 25
Feira 1 3,57
Ônibus 2 7,14
Via ou praça pública 17 60,72
Total 28 100
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
Os agentes sociais que participaram dos justiçamentos envolvendo multidão-
violência não mantinham aparentes laços comunitários entre si. As próprias circunstâncias e
locais nos quais os justiçamentos ocorreram levam a crer que tais agentes sequer se
conheciam. Conforme destacado, o espaço físico onde ocorreram essas ações identifica
apenas a coincidência situacional, não determinando relações afetivas/comunitárias.
Nessas ações, existiriam apenas “vínculos situacionais” entre os agentes
(agressores), conforme noção de José de Souza Martins (1996, p. 17) sobre o comportamento
de grupos ocasionais de “linchadores”, que reuniria:
39
Aqui incluí as notícias de nºs. 03, 09, 12, 19, 25, 27, 30, 31, 39, 41, 42, 45, 55, 57, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68,
77, 78, 83, 84, 86, 92 e 93 do Apêndice A.
98
Pessoas que não têm entre si outro vínculo que não seja o vínculo ocasional,
fortuito e acidental derivado de ação orientada por um objetivo passageiro, embora
compartilhado através de um fugaz sentimento de identificação e companheirismo,
uma espécie de comunidade breve e transitória.
A coincidência de pretensões, que não pode, a meu ver, ser identificada como
algo homogêneo, parece ser efêmera. Advém das circunstâncias que envolveram a ação
(primeira) do “linchado” e da possibilidade da aglomeração humana se voltar contra ele.
As principais motivações que provocaram a eclosão dessas ocorrências (ações da
multidão-violência) foram assaltos e atropelamentos de pessoas que se encontravam no (ou
transitavam pelo) local onde existia grande aglomeração humana. Assim, acredito que o
móvel desses justiçamentos aponta para a repressão a ações que tenham atingido interesses
efemeramente coincidentes, como a integridade física e patrimonial de transeuntes de via ou
praça pública ou de freqüentadores de estabelecimentos de diversão (Tabela 1/Apêndice B).
4.4 Os “taxistas”
A terceira e última classificação diz respeito a um grupo específico de
profissionais, os “taxistas”.
40
A tipologia diverge das classificações apresentadas pelo fato
da ação destes profissionais estar atrelada a fatores específicos que possibilitam sua
denominação enquanto grupo. Terminologia que não utilizei nas outras tipologias
apresentadas.
Na verdade, considero que essa terceira classificação (dos justiçamentos) é
composta por um grupo flutuante, uma vez que, nos atos de justiçamento analisados, os
“taxistas” não constituem um agrupamento coeso e fisicamente identificável, porém, um
40
Preferi utilizar o substantivo “taxista” sempre com o emprego de aspas para ressaltar a idéia de que, embora
tenham aqui sido identificados como um conjunto de agentes que, de diferentes maneiras, praticam atos de
justiça coletiva, essas ações não podem ser atribuídas a todos os profissionais desse ramo, sendo tomadas
como estratégia, muito provavelmente, por apenas parte deles. A idéia é não criar um sujeito ideal (“o
taxista”), ou um grupo ideal (“os taxistas”), ao qual seja atribuído as ações de justiçamento analisadas ou que
abranja todos esses profissionais. O recurso (aspas) só será utilizado quando da referência a um conjunto de
taxistas, será dispensado ao me referir apenas à profissão de um motorista em específico.
99
conjunto de agentes que, atuando em situações díspares e em quantidade de aglomeração
variável, tem um interesse comum e específico: praticar ações que inibam ou reprimam atos
que, concreta ou pretensamente, coloquem em risco esses profissionais.
As ações envolvendo os “taxistas” também aparecem enquanto estratégias
preordenadas de justiçamento. Da análise das notícias jornalísticas, percebi que a produção
dessas estratégias visa atingir diferentes finalidades: prevenir o início da ação de supostos
assaltantes; perseguir taxistas que estejam sendo vítimas de assalto; e, desenvolver ações de
protesto/vingança em estabelecimentos onde foram detidos supostos assaltantes, seja através
de manifestação pública, seja por invasões a delegacias e hospitais. Assim, posso afirmar que
há premeditação em determinadas formas e locais de aplicação dos justiçamentos.
É reiterada nas noticias menção a taxistas” que, após renderem seus
“adversários”, encaminharam-nos na mala de veículo a locais específicos de “desova”,
principalmente matagais da zona rural da cidade (CONFUNDIDOS, 1997, p. 8;
LINCHAMENTO, 1997, p. 8; POLÍCIA, 1995, p. 6).
Outra ação utilizada por esses agentes é a aglomeração de motoristas em frente a
delegacias ou plantões policiais quando da prisão de suspeito de ser assaltante/homicida de
taxista. Por vezes, a ão é seguida pela tentativa de se invadir a delegacia para agredir o
detido.
Em pelo menos quatro notícias analisadas ocorreram essas ações. Em
09.08.1997, o taxista Oliveira Sousa Teles “foi assaltado e baleado por um adolescente” de 16
anos identificado na reportagem como A. S. C.. Preso, o jovem é dirigido ao Plantão Central
da Secretaria Estadual de Justiça, Segurança e Proteção ao Cidadão (SEJUSPC), na Beira-
Mar, onde “houve aglomeração de motoristas e tentativa de invadir a delegacia”
(MOTORISTA, 1997, p. 8). No terceiro dia do mês seguinte, Francisco Gomes de Andrade e
Antônio Carlos Soares, após “espancamento cometido por taxistas que os identificaram como
100
assaltantes”, foram detidos pela polícia e dirigidos ao mesmo plantão policial, onde ocorreu
“nova tentativa de invasão por taxistas” (CONFUNDIDOS, 1997, p. 8).
Outros dois casos, ocorridos, respectivamente, em janeiro e maio de 2003,
narram “tentativa de invasão a delegacias”. O primeiro se deu no mesmo Plantão Central,
quando Jefferson de Sales Paulino foi detido no bairro do São Francisco após assaltar o taxista
Gonçalo Pacheco (REVOLTADOS, 2003, p. 2). No segundo caso, foi a Delegacia de Roubos
e Furtos que sofreu a “ação de taxistas” após a detenção de Naldinho”, “tido pelos taxistas
como assaltante de motoristas” (TAXISTAS, 2003, p. 12).
Destaque-se, ainda, a tentativa de invasão, por “taxistas”, do Hospital Djalma
Marques (“Socorrão I”), onde “um jovem conhecido como ‘Pacato’ [...], após ser baleado pela
polícia quando tentou [em 20.03.1996] assaltar o taxista João Machado Moura, foi internado”
(ASSALTANTE, 1996, p. 10).
Houve um caso em que a ação de “taxistas” consistiu na “perseguição” de
viaturas da polícia quando da transferência de preso. Em 22.10.1995, “um casal assaltou
taxista nas proximidades do bairro da Liberdade”. Ambos foram detidos por policiais que
“passavam pelo local e levados ao Distrito Policial”, no mesmo bairro. A transferência do
casal para o Plantão Central da SEJUSPC foi “bastante tumultuosa”, uma vez que “taxistas
seguiram viaturas policias e tentaram interceptá-las, a fim de agredir os assaltantes”
(TAXISTAS, 1995, p. 6).
Não obstante os exemplos citados, entendo que duas notícias veiculadas no
Jornal Pequeno, em junho de 1997, bem exemplificam as estratégias de organização de
“taxistas”, seja por evidenciarem os motivos da eclosão de justiçamentos, seja por
proporcionarem uma percepção dos limites dessas ações, posto que, no segundo caso, os
“taxistas” chegaram a invadir estabelecimento policial.
101
No último dia do mês de maio do referido ano, quatro adolescentes assaltaram e
balearam o taxista Fernando César Silva de Sousa, 37 anos, conhecido como “Cachorrão”.
Segundo a reportagem, assim que a ocorrência foi divulgada no rádio, “um número razoável
de taxistas se reuniu em frente ao Hospital Djalma Marques” (“Socorrão I”), onde tentaram,
“sem sucesso”, reanimar “Cachorrão”. Momentos após o crime, dois dos adolescentes,
identificados na reportagem como G. A. M. (16 anos) e L. F. C. (17 anos), foram presos e
encaminhados ao Plantão Central da SEJUSPC, na Beira-Mar. Nova aglomeração de
motoristas em frente ao estabelecimento policial. A polícia “impediu a invasão”.
O enterro de “Cachorrãofoi marcado por manifestação de taxistas, contando,
inclusive, segundo a reportagem, com a “organização do respectivo sindicato”. Após o
sepultamento, houve “perseguição, por motoristas, de viaturas da polícia durante a
transferência dos adolescentes detidos do Plantão Central à Delegacia de Proteção à Criança e
ao Adolescente”, no bairro da Madre Deus (CLIMA, 1997, p. 8).
Duas semanas depois do ocorrido, outro “grupo de adolescentes” promoveu
roubo e assassinato de taxista, desta vez na localidade da Ilhinha, bairro do São Francisco. A
notícia de que José Antônio dos Santos Barbosa, taxista de 30 anos, foi assassinado,
ocasionou o que o repórter adjetivou de “audaciosa operação”.
Ao tomarem conhecimento do assassinato de mais um taxista, vários motoristas
chegaram rapidamente ao local do crime e, revoltados, promoveram várias buscas
na área visando localizar os assaltantes. Como não encontraram, por volta das
quatro horas da manhã, um grupo de motoristas encapuzados chegou ao prédio
onde funcionam a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e o Juizado da
Infância, na Madre Deus, e desligaram o sistema elétrico, deixando o prédio às
escuras. Em seguida, entraram rendendo os três policiais que estavam de plantão.
Para evitar que os mesmos pedissem ajuda, o grupo danificou também as linhas
telefônicas e destruiu várias dependências do prédio, inclusive a janela da sala da
delegada e o portão principal que acesso às celas. Os taxistas procuravam os
menores G. A. M. e L. F. C. que mataram o taxista “Cachorrão” e estavam presos
naquela delegacia [...]. Em função do local estar escuro, os taxistas não
reconheceram os menores e acabaram fugindo do local (BANDIDOS, 1997, p. 12).
As estratégias de atuação de “taxistas” acima expostas foram as que adquiriram
reiteração nas notícias. No entanto, os exemplos não afastam a possibilidade de identificação
102
de outros casos que, mesmo como ocorrências isoladas, ensejam a percepção da variedade que
esses atos de justiça coletiva puderam adquirir.
Em janeiro de 1995, no Terminal Rodoviário de São Luís, no bairro do Santo
Antônio, uma “discussão” entre Luís Carlos Guimarães Sousa e o taxista identificado como
“Zezinho”, sobre o “justo preço da corrida”, fez com que o taxista pedisse, por rádio, “ajuda
de outros motoristas”. Luís Carlos, após ser “violentamente espancado”, é detido por policiais
que, segundo noticiado, “continuaram a agressão”. Os ferimentos ocasionaram, dias depois, o
falecimento de Luís Carlos em hospital da cidade. O caso desperta a idéia de que a
funcionalidade dos justiçamentos está atrelada à defesa de interesses de motoristas, mas que,
não necessariamente, mantém ligação com o risco da profissão, por vezes servindo de
estratégia à consecução de outras pretensões, como, no caso, derivadas de desentendimento
sobre o valor da corrida (DESCOBERTOS, 1995, p. 8).
Chamou-me atenção a ação de “taxistas”, em outro caso específico, por ter se
constituído numa espécie de contra-estratégia a atos de justiça coletiva. O Jornal Pequeno de
19.05.2003 noticiou atropelamento cometido pelo taxista Eronildo Monteiro na Av. Ana
Jansen, na Ponta D’Areia. Foram vítimas do abalroamento uma senhora de 33 anos, que
faleceu no local, e sua filha, adolescente de 15 anos que “foi levada com graves ferimentos a
hospital”. O “acidente provocou a aglomeração de parentes e amigos das vítimas”. “Diante da
multidão que tentava violentar o motorista, outros taxistas estabelecem um cordão de
isolamento que o protegeu da agressão até a chega de viatura da polícia” (MAIS, 2003, p. 6).
Das 93 notícias analisadas, 15 (16,13%) delas tiveram a atuação dos
“taxistas”.
41
O sociólogo José de Sousa Martins (1989, p. 22), com base em notícias coletadas
em jornais de diversas capitais do país, identificou o percentual de 9,2% dos casos de
41
Aqui incluí as notícias de nº. 13, 20, 21, 22, 26, 32, 33, 36, 37, 38, 40, 43, 46, 72 e 79 do Apêndice A.
103
“linchamentos” por ele pesquisados como tendo sido provocados por “motoristas de táxi”.
Dada a amplitude de seu trabalho, vislumbro a possibilidade de haver uma tendência, não
somente restrita à cidade de São Luís, de existir um razoável número de “linchamentos”
relacionadas a ação desses profissionais.
Abrigos coletivos, multidão-violência e “taxistas”, estas foram as três tipologias
de justiçamentos encontradas/arbitradas em minha pesquisa, atribuídas, como destacado, a
ações de agentes sociais cujas peculiaridades obedeceram diferentes tendências.
A classificação aponta, a meu ver, para a complexidade que norteia a
conceituação de “linchamento”. Isso porque as tipologias, arbitradas com a intenção de
abarcar as diversas ações noticiadas, e por mais que tenham tido como base a relação entre
local, “linchadores” e motivação, demandaram outros critérios de interpretação.
A necessidade de, durante cada uma das tipologias, ir tecendo comentários a
casos em espécie, mostra, em minha opinião, que a classificação dos linchamentos” em
tipologias que procurem, de forma abstrata, dar conta das diferentes ações que podem
caracterizar os justiçamentos, é viável, porém, com a ressalva de que não se pode perder de
vista as variações que cada uma dessas classificações comporta, uma vez que as diferentes
ocorrências, mais do que “exemplares” de uma tipologia, possuem uma relativa autonomia, no
sentido de que podem (e devem) também serem analisadas isoladamente.
Além de tentar dar maior sistematicidade à interpretação dos casos de
justiçamento analisados na pesquisa, a classificação apresentada neste capítulo serve como
estratégia de descrição dos fenômenos narrados por repórteres, editores e fotógrafos do Jornal
Pequeno nas páginas do periódico.
As representações sobre os atos de justiça coletiva, presentes na página policial
do jornal, é o objeto dos próximos capítulos.
104
5 REPRESENTAÇÕES DA VIOLÊNCIA NO JORNAL PEQUENO
5.1 A mídia e o relato da violência
A conversão do relato da violência em objeto de consumo pelos meios de
comunicação, e a conseqüente especialização de parte do público letrado nessa área, pode ser
localizada historicamente no início do século passado. O primeiro caso a ensejar uma reflexão
sobre os limites de interação entre os meios de comunicação e a criminalidade surgiu em
bairros periféricos de Londres nas últimas décadas do séc. XIX, quando a pequena imprensa
inglesa divulgou, com amplitude sem precedentes, o assassinato de cinco prostitutas, cuja
autoria foi atribuída a “Jack, o estripador” (BARATA, 2000, p. 256).
No entanto, somente após o findar da Guerra Mundial ocorre a massificação
do relato da violência, “o massacre torna-se diversão de massa” (ENZENSBERGER, 1995, p.
49). Com o aumento do acesso à televisão em meados do século passado, o cinema e o vídeo
passam a ter grande parte de sua produção voltada a histórias de assassinos profissionais,
seqüestradores e serial killers. O relato da criminalidade torna-se sucesso de público.
A opinião pública, notadamente através da imprensa televisiva, não se
preocupava com a exposição dos “bastidores” da criminalidade antes da década de 1950. A
partir de então, entrevistar autores de crimes e estar presente na hora e no local dos delitos
passa a ser a prioridade de profissionais dos meios de comunicação de massa. É nesse
contexto que surgem os repórteres policiais.
Com a especialidade e o aprimoramento da mídia policial, “a guerra civil
molecular se torna uma série de televisão” (ENZENSBERGER, 1995, p. 50).
42
O relato
42
Sobre o conceito de guerra civil molecular em Hans Magnus Enzensberger, Cf. p. 75.
105
cotidiano da violência urbana deixa de ter contornos informativos, ou seja, não mais tem
como prioridade dar ciência à população de acontecimentos do “mundo do crime”. Passa a se
constituir em verdadeira atividade de entretenimento.
A massificação do relato da violência mantém contato com a idéia desenvolvida
por Teresa Caldeira (2000) de fala do crime.
Para a autora, uma das características do cotidiano das metrópoles é a
intensidade do ritmo de vida de seus habitantes. A quantidade de símbolos colocada
diariamente à interpretação dos moradores da cidade faz com que estes busquem elementos
que sintetizem a realidade urbana e proporcionem, mesmo que aparentemente, sua
articulação. “Num ambiente em que tudo parece escapar ao controle e à inteligibilidade [...],
seus habitantes [da cidade] precisam de instrumentos eficazes que tornem sua visão e
compreensão de mundo mais abrangentes, ou pelo menos mais organizadas” (COSTA, 2004c,
p. 84).
Dentre os fatores que induzem à crença de que as grandes cidades são espaços
que não possuem um ordenamento racional, e que, por conseguinte, geram uma demanda por
estratégias de (re)ordenação simbólica do cotidiano, estariam os crimes violentos.
A criminalidade urbana reforçaria a idéia de que a vida na cidade é uma
existência caótica em um lugar perigoso. A “experiência desconcertante” e a “natureza
arbitrária e inusitada da violência” perpetuariam, segundo Caldeira, a sensação de que a vida
urbana não possui um ordenamento. “O crime violento cria uma desordem na experiência
vivida e provoca uma desestruturação do mundo, um rompimento” (CALDEIRA, 2000, p.
28).
106
Para o entendimento dessa problemática, Teresa Caldeira, estudando a
criminalidade e a segregação urbana que marcaram o Município de São Paulo nas últimas
duas décadas do séc. XX, cunha a noção de fala do crime.
43
A fala do crime apareceria como estratégia que, atuando através da análise
ininterrupta e infindável de ações violentas, poderia ordenar a normalidade social abalada por
esta mesma violência; poderia estabelecer uma ordem num universo que parece ter perdido o
sentido. Ela (a fala) é fragmentada e repetitiva. Surge no meio das mais variadas interações,
repetindo a mesma história ou variações da mesma história, na medida em que (re)produz
certos tipos de interpretação e explicações dos acontecimentos, organizando a paisagem
urbana e o espaço público, moldando o cenário para interações sociais que adquirem um novo
sentido (CALDEIRA, 2000, p. 27).
Apesar da repetição, as pessoas não se cansariam de perpetuar essa “fala”:
Ao contrário, parecem compelidas a continuar falando sobre o crime, como se as
infindáveis análises de casos pudessem ajudá-las a encontrar um meio de lidar com
suas experiências desconcertantes ou com a natureza arbitrária e inusitada da
violência [...]. A fala do crime alimenta um círculo em que o medo é trabalhado e
reproduzido, e no qual a violência é a um tempo combatida e ampliada
(CALDEIRA, 2000, p. 27).
Argumento que me vali para interpretar as fontes de pesquisa é justamente o de
que meios de comunicação de massa, como o Jornal Pequeno, ao relatar notícias sobre crimes
violentos, manifestam o que Teresa Caldeira chama de fala do crime. Até porque, “se a vida
na cidade não é apreensível com facilidade, os meios de comunicação de massa são nossos
olhos e ouvidos, permitindo um contato com o mundo dos acontecimentos” (MELLO, 1998,
p. 193).
O diferencial entre a mídia e outras estratégias pelas quais o crime “fala” é que
aquela consegue “amplificar” o relato sobre a violência. Se a fala do crime pode se difundir
através de conversas, comentários, brincadeiras, ou outras manifestações microscópicas, a
43
Cf. nota de rodapé n. 17, na p. 51.
107
difusão considerável que os meios de comunicação podem dar a narrativas de crimes
violentos lhe atribui um caráter macroscópico.
O repórter entrevistado na pesquisa parece acreditar nesse poder de amplificação
que os meios de comunicação adquiriram na contemporaneidade:
A mídia está se massificando hoje. Aliás, de um modo geral, hoje se você pegar um
fato assim de repercussão nacional, digamos que Roberto Carlos morresse hoje,
uma figura conhecida, você ia ver o bombardeio [de notícias] que ia ter na Internet,
em tudo quanto é rádio, televisão. Se fosse antigamente talvez não tivesse essa
repercussão. Getúlio Vargas quando morreu? teve a Rádio Nacional. Não tinha
televisão na época, em agosto de 1954. Mas se um Presidente cometesse suicídio
hoje você ia ver que a repercussão ia ser muito maior em função dos jornais e
televisões, da mídia que se tem hoje (ENTREVISTADO 02).
No entanto, o custo do pretenso ordenamento dado ao mundo fragmentado”
pelo crime violento é a simplificação radical da realidade narrada. Preenchendo tais narrativas
com preconceitos e estereótipos, a fala do crime promove um acelerado e ambíguo processo
de classificação e organização simbólica. “Essas narrativas e práticas impõem superações,
constroem muros, delineiam e encerram espaços, estabelecem distâncias, segregam,
diferenciam, impõem proibições, multiplicam regras de exclusão e de evitação, e restringem
movimentos” (CALDEIRA, 2000, p. 28).
As reportagens do periódico pesquisado foram entendidas como relatos que
radicalizam e monopolizam o processo de classificação dos acontecimentos sociais. Que
encaixam as ações dos agentes sociais, envolvidos de diferentes maneiras com o crime, em
um esquema preconcebido de ordenamento. Isto porque os meios de comunicação “simulam a
realidade”, “sabendo que quanto maior for a perfeição com que seus técnicos dupliquem os
objetos empíricos, mais fácil se torna obter a ilusão de que o mundo exterior é o
prolongamento sem ruptura do que é apresentado pela mídia” (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 119).
Entendo que a mídia, através de mensagens explícitas ou implícitas, diz que o
terror é a regra e que a explosão violenta pode se dar a qualquer momento e em qualquer
lugar.
108
Os discursos dos meios de comunicações de massa são então marcados por uma
ambigüidade: tentam contrabalançar a quebra de significados gerada pelo crime
violento e, ao mesmo tempo, alimentam a idéia de terror e insegurança,
proliferando, dessa forma, esta mesma violência (COSTA, 2004c, p. 86).
Assim, tomo as diferentes representações sobre a violência e a criminalidade,
presentes na gina policial do Jornal Pequeno, como estratégias de “fala” através da qual
editores, repórteres e fotógrafos do periódico procuram ordenar o cotidiano da violência em
São Luís.
Nesse sentido, a análise específica de ações de “linchamento” possibilita a
percepção de como se a (re)construção simbólica, na fala do crime, da legitimidade (ou
reprovação) da violência aplicada por particulares.
Outra idéia-chave utilizada na interpretação de notícias policiais do Jornal
Pequeno é a de que tais relatos seriam espetaculares. A noção de espetáculo mantém relação
com a teorizada pelo filósofo e diretor de cinema Guy Debord (1997) em A Sociedade do
espetáculo.
Debord acredita que a “teoria do espetáculo” funciona como teoria crítica da
sociedade ocidental do pós-2ª Guerra Mundial, onde “o espetáculo imperaria”, na medida
“tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p. 13).
Para Debord, o espetáculo não consiste simplesmente no acúmulo de imagens
que caracteriza a comunicação de hoje, mas em relações sociais entre pessoas, mediada por
imagens. Daí a mídia ter lugar de destaque em sua teoria.
Espetáculo significa “mercadorização de tudo”, não apenas de objetos, mas de
vontades, de desejos e de insatisfações. Seu império (do espetáculo) se quando as pessoas
não mais conseguem se entender no mundo senão por intermédio da mercadoria.
As notícias policiais do Jornal Pequeno seriam espetaculares na medida em que
produzem uma verdadeira mercadorização daquilo que nela se narra/interpreta. Parto da idéia
de que as imagens e opiniões ali colocadas fabricam, jogando com os anseios e medos de seu
109
público leitor, representações sociais da violência e da criminalidade,
44
pois, “a mídia age
sobre o momento e fabrica coletivamente representações sociais [...] porque ela nada mais faz,
na maioria das vezes, que reforçar as interpretações espontâneas e mobiliza, portanto, os
prejulgados e tende, por isso, a redobrá-los” (CHAMPAGNE, 1997, p. 64).
O próximo tópico tem como pretensão destacar, em espécie, os elementos pelos
quais o discurso presente na página policial do Jornal Pequeno se manifesta como fala do
crime e, ao mesmo tempo, como espetáculo.
O destaque de elementos discursivos presentes no periódico teve como base a
idéia de Chartier de que representar “é fazer conhecer as coisas mediatamente ‘pela pintura
de um objeto’, ‘pelas palavras e pelos gestos’, ‘por algumas figuras, por algumas marcas’
como os enigmas, os emblemas, as fábulas, as alegorias” (CHARTIER, 2002, p. 165).
Os elementos a seguir destacados são formas indiretas através das quais a equipe
de reportagem e editoração do Jornal Pequeno, em meu entendimento, utiliza símbolos,
marcas, alegorias, enigmas e emblemas para “fazer (seu público leitor) conhecer” idéias e
valores sobre a violência em São Luís, especificamente correlatos aos “linchamentos”.
5.2 A fala do crime no Jornal Pequeno
5.2.1 A notícia enquanto “vitrine”
“A gente vende, e a mercadoria é a notícia. Então a que tiver mais bem exposta
na vitrine, que é a primeira página, é a que vende mais” (ENTREVISTADO 01). O principal
44
Roger Chartier (2002, p. 165) entende que uma dupla função é atribuída à idéia de “representação” desde o
primeiro emprego desta expressão: tornar presente uma ausência (relação signo – significado) e “exibir sua
própria presença enquanto imagem e, assim, constituir aquele que olha como sujeito que olha”. Assim, desde o
Dictionnaire Universal Furetièri, de 1690, o termo tem também uma segunda significação: a representação é a
“demonstração de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa”. É, pois, nessa
acepção, e desde sua origem, exibição e publicização de imagens, enfim, espetáculo. Essa seria a dimensão
reflexiva da representação, pois toda representação “apresenta-se representando alguma coisa” (CHARTIER,
2002, p. 167, grifo do autor).
110
componente da “vitrine” do Jornal Pequeno são reportagens policiais. Predominam em sua
primeira página notícias de crimes que ocorreram em São Luís e no interior do Maranhão. Em
específico, são destacados delitos cometidos com o emprego de violência contra a pessoa.
No jornal pesquisado, a notícia é tratada como texto que deve ser tornado
“atraente” ao consumo através de seu processo editorial. A proposital aproximação da linha
do periódico com as “classes populares”, somada à relativa deficiência de formação de seus
profissionais, faz com que a linguagem empregada nas reportagens não possua grande
rebuscamento. Tal linguagem é, como regra, coloquial, popular, possuindo evidentes “marcas
da oralidade” (DIAS, 2003, p. 47). Em outras palavras, visando satisfazer às “expectativas
lingüísticas” de seus leitores, o Jornal Pequeno aproveita elementos do léxico falado e, por
vezes, vocabulários específicos, como gírias correntes no meio policial.
Desde o título das notícias, predomina no Jornal Pequeno a utilização de frases
de impacto, principalmente relacionadas a atos praticados com emprego de violência ou
mesmo de forma cruel.
45
Como exemplos:
“Estuprador assassinado com 161 facadas na Liberdade” (04.05.1993, p. 1); “Três
jovens mutilados a golpes de facão e pau” (11.04.1995, p. 6); “Criança de 4 meses
morta a pauladas na Vila Luisão” (30.12.1998, p. 10); “Pescador tarado atrai
criança para praticar atos libidinosos” (07.10.1999, p. 12); “Preso o homicida que
enterrou vivo o inimigo na Praia da Guia” (14.09.2000, p. 12); “Menor é violentada
sexualmente e afogada em um riacho na V. Maranhão” (29.03.2001, p. 12); e,
“Jovem corta pênis e joga no vaso sanitário” (23.05.2003, p. 12).
O editor-chefe da seção policial do jornal reconhece o caráter “chamativo” dos
títulos das notícias.
Eu cito, como exemplo, três ou quatro dias atrás, matéria policial: um policial, de
serviço, emprestou o carro, liberou o preso, o preso foi e matou outro policial da
Polícia Militar. E, se você ver as manchetes, é “Agente solta preso” e tal. Mas a
[manchete] do Jornal Pequeno é mais chamativa, entendeu? A força de expressão
do título é mais direta para o povão. E são essas as diferenças. Enquanto no jornal
O Estado do Maranhão, saiu só, por exemplo, “Policial é morto no Maiobão”,
45
Os Profs. Edísio Ferreira Jr. e Kátia Medeiros, em recente trabalho sobre a Folha de Pernambuco (2005, p. 23-
28), reconhecem, naquele jornal, a existência de um “padrão perceptivo da representação do grotesco”, ao qual
dão o nome de “estética do trash”. Marcaria essa estética o privilegio e destaque a detalhes ligados à violência,
veiculados através de uma linguagem que prima pelo exagero e onde “o detalhe é sobre-valorizado e tornado
elemento constituinte da imagem na estandartização da violência apresentada” (FERREIRA JR.; MEDEIROS,
2005, p. 20).
111
depois é que vai explicar, a do Pequeno escandaliza logo na manchete
(ENTREVISTADO 01).
Da mesma forma, o acúmulo de fotografias de vítimas de crimes, principalmente
de cadáveres, torna a notícia “atraente” pelo destaque dado à violência (Foto 4).
Foto 4 – Página policial que destaca cinco homicídios ocorridos em São Luís, cada um acompanhado de
fotografia da vítima.
Fonte: Jornal Pequeno (1995).
Conjugando-se ao caráter “apelativo” da exposição textual de crimes violentos, a
página policial do jornal traz outros elementos. Se a pretensão dos repórteres e redatores é
construir “vitrines” que atraiam, de imediato, a atenção do leitor, também ganham destaque,
no periódico, títulos que aproximam as notícias do cotidiano das pessoas, dando um ar de
familiaridade ao relacionamento entre vítimas e autores de delitos e, por vezes, aproximando
o relato do cômico. Dá-se ênfase ao que Edísio Ferreira Jr. (2004, p. 131), estudando a Folha
de Pernambuco, chamou de “importância da rotina e do detalhe”.
Alguns exemplos de títulos relacionados ao cotidiano e ao familiar.
“Irmãos matam açougueiro a pauladas e facadas” (08.03.1994, p. 6); “Assassinato
do bandido que estuprou a mãe é investigado” (29.02.2000, p. 12); “Homicida deu
112
uma paulada na prima e a arrastou para o manguezal” (13.06.2001, p. 12); “Criança
morre asfixiada e seus pais são presos no PC: vizinhos tentam linchar a mãe e a
babá da garotinha” (06.05.2003, p. 10); “Garimpeiro mata a mulher, a tia, e é morto
na Vila Kiola” (03.07.2003, p. 12); “Operário é assassinato a tiros na porta de sua
casa” (08.09.2003, p. 16); e, “Vendedora de roupas é estuprada e assassinada pelo
ex-companheiro” (01.11.2003, p. 10).
O importante (diferencial) seria flagrar o “não corriqueiro”, crimes que “atraem”
por suas peculiaridades. Nesse aspecto, percebi o esforço da equipe de reportagem do Jornal
Pequeno em elencar critérios que pudessem identificar as reportagens “dignas de ir parar nas
páginas do jornal”.
Com base nas entrevistas e nas reportagens analisadas, pude perceber ao menos
três desses critérios. Um deles é estabelecer um escalonamento dos diferentes delitos pelo
grau de violência empregada ou pelas conseqüências ocasionadas à vítima. Dessa forma, os
homicídios adquirem destaque sobre outros crimes.
Entre um assalto e um homicídio, qual deve ir para as páginas policiais?
Naturalmente que um homicídio, pela própria circunstância que o rodeia. Foi uma
vida que se perdeu. Pois o assalto tornou-se uma coisa corriqueira e, portanto,
quase já não é notícia, de tanto se ver já se banalizou (ENTREVISTADO 02).
Outro critério é a aproximação da notícia com pessoas que ocupem profissões
tidas como de destaque na sociedade. Caracteriza as reportagens pesquisadas o destaque a
ocupações ou profissões, quando as mesmas atribuem, aos olhos dos repórteres, um “status” à
vítima ou ao infrator.
Quando morre uma pessoa pública, da classe média, que tem uma profissão
importante, ela sempre chama mais atenção. Entre cobrir a morte de um lavrador no
Cujupi [localidade da zona rural de São Luís] e a morte de um estudante do
CEUMA [Centro de Ensino Universitário do Maranhão] ou de um a professora da
UFMA [Universidade Federal do Maranhão], claro que estes últimos chamam mais
a atenção, pelas ligações que eles têm com a classe média [...] e pela posição social
que eles têm (ENTREVISTADO 03).
Exemplos de títulos que fazem a remissão em destaque:
“Estudante é morto quando se divertia com os familiares” (18.09.2000, p. 5);
“Farmacêutica e funcionária do Estado são assassinadas barbaramente em São
Luís” (23.09.2000, p. 12); “Advogado desfere dois balaços em mototaxista no
xirizal
46
do Oscar Frota” (23.06.2001, p. 12); “Universitário morre ao se atirar de
prédio no Renascença” (23.01.2002, p. 12); “Dono de loja é atingido a tiros por
46
Termo utilizado em linguagem coloquial para denominar casa de prostituição.
113
assaltantes na ‘Africanos’” (01.01.2003, p. 16); e, “Sargento reformado comete
assassinado e provoca revolta no Bairro de Fátima” (22.10.2003, p. 10),
O terceiro critério (de identificação de notícias “atraentes”) se relaciona a
detalhes considerados pela equipe de reportagem como “curiosos”. Deve-se narrar/fotografar
o que, sendo “inusitado”, distinga do rotineiramente veiculado no jornal. Nesse aspecto, a
capacidade do repórter em distinguir aquilo que “é notícia” acaba adquirindo destaque.
Anteontem eu saí com um repórter para a gente fazer uma matéria na Universidade
Estadual do Maranhão sobre o calendário universitário [...]. Na volta, a gente
escutava o rádio. o foi nem eu, e sim o repórter, que viu a reporticidade quando
saiu uma notícia falando que a polícia havia apreendido um homem com maconha
em balde. Quer dizer, maconha não é noticia, todo mundo sabe que o tráfico de
maconha. Em uma quantidade tão pequena não é notícia. Mas o que é interessante é
que foi no balde, uma coisa inusitada, hilária [...]. Então acabou sendo notícia. Saiu
na primeira página do jornal (ENTREVISTADO 03).
A utilização de fotografias é de suma importância na capitação do “inusitado”. O
destaque de elementos considerados “atrativos”, através de registros fotográficos, esteve
presente em algumas notícias. Em 9 de outubro de 1995, por exemplo, o Jornal Pequeno narra
acidente ocorrido com um adolescente de 16 anos que foi atropelado durante um “pega” na
estrada da Raposa. Desde o título da reportagem (“Jovem tem braço arrancado por veículo
participante de pega”) (grifei), fica evidente que o fator “diferencial” da notícia consistiu em
ter o jovem seu braço amputado com o abalroamento. Na fotografia (Foto 5), é mostrado à
câmera o detalhe do braço arrancado, sendo ele mesmo o objeto enfocado de forma
centralizada.
Dessa forma, a utilização de fotografias funciona como estratégia complementar
(ou mesmo principal) na transformação de cenas e detalhes específicos em emblemas daquilo
que está sendo representado, conforme teorizado por Adriano Duarte Rodrigues (1994, p.
125):
A fotografia jornalística converte o acontecimento fotográfico em acontecimento
notável, em cenas emblemáticas. O amontoado de destroços de um acidente
particular, uma vez representado nas páginas de um jornal ou telejornal, é por
autonomásia a representação da categoria ontológica do acidente, é o acidente por
excelência, fazendo com que passemos a representar todo e qualquer acidente como
aquele que a fotografia impressa representou.
114
A editoração que torna a notícia “atraente” ao consumo, além de lhe conferir
títulos e imagens chamativas, influencia a escrita de seu texto. Percebi que as reportagens do
Jornal Pequeno tendem a narrar e interpretar os acontecimentos de forma dramatizada,
transformando o crime em uma história com personagens, locais e enredos característicos.
Foto 5 – Adolescente que teve braço amputado em atropelamento.
Fonte: Jornal Pequeno (1995).
A reiteração de estereótipos, clichês” e formato das reportagens possibilita ao
leitor, desde o início do relato, prever o desenrolar dos acontecimentos, uma vez que se
amoldam a modelos narrativos diariamente repetidos na página policial.
Três reportagens me chamaram atenção quanto ao grau de dramaticidade.
A primeira narra um homicídio ocorrido durante “show de forró” em casa de
espetáculos localizada no bairro do Turu. “Após uma discussão entre um policial e um jovem,
[...] o agente de polícia acaba atirando e matando seu rival”. tumulto e “freqüentadores do
show rendem e iniciam agressão ao policial”, sendo detidos pelos seguranças do
estabelecimento (POLICIAL, 1999, p. 8).
O que destaco na notícia é a forma dramática com que a narrativa é construída. É
perceptível como seu redator, através do emprego de diversas adjetivações e comentários,
115
busca relatar acontecimentos nos quais os fatos seriam explicados pela “inexperiência do
policial”, “recém lotado na Polícia Militar deste Estado”. Para dar verossimilhança a sua
opinião, o repórter chega a reproduz, passo a passo, o diálogo que teria ocorrido entre o
policial e o jovem.
Assim a reportagem se refere aos acontecimentos: “foram minutos de muito
pavor dentro do recinto. O que era festa virou um verdadeiro inferno. Gritos, correria e
choro na hora da confusão” (POLICIAL, 1999, p. 8).
O segundo exemplo deriva de reportagem veiculada em novembro de 2000,
quando o Jornal Pequeno noticia o assassinato de uma servidora da Secretaria de Educação do
Estado do Maranhão, quando, em tese, o homicida a tentava estuprar em sua casa.
Além do impacto visual o jornal apresenta uma foto da vítima, nua, toda
ensangüentada e (no detalhe) com uma faca encravada no pescoço (Foto 2) –, é evidente
como o repórter constrói sua narrativa transformando a sucessão de acontecimentos do crime
em um drama. Chega inclusive a levantar inúmeras suposições, numa espécie de novela
policial, sobre a possível ligação passional do assassino com sua vítima, bem como sobre a
forma como o mesmo haveria fugido, visto que “até as duas da madrugada a polícia tentava
desvendar o mistério da fuga do assassino” (EXAME, 2000, p. 12).
Como terceiro exemplo, destaco notícia veiculada no jornal em 30.01.2000. Na
reportagem, consta a impactante imagem de um bebê de dois anos de idade que faleceu de
insuficiência cardíaca na Santa Casa de Misericórdia, em São Luís (Foto 6).
No espaço de tempo em que “familiares providenciavam a compra do caixão”, a
criança teve seu rosto parcialmente dilacerado, “com parte da pele da testa retirada, lábios
feridos e um globo ocular arrancado”.
A margem de interpretação dada aos acontecimentos pela incerteza quanto às
causas da deformação é preenchida por suposições do repórter. Três hipóteses são levantadas,
116
respaldadas pela “opinião de policiais e médicos [...] presentes no hospital”: que o olho do
bebê fora retirado “para estudo”, sendo os demais ferimentos provocados para “despistar a
polícia”; que tratava-se de um caso de “tráfico de órgãos”; ou, que a deformação teria sido
ocasionada por um “roedor” (rato).
Foto 6 – Criança encontrada em necrotério de hospital público com rosto parcialmente deformado.
Fonte: Jornal Pequeno (2000).
É evidente na reportagem que as suposições não vislumbram dar um acabamento
à notícia, atribuindo uma explicação aos acontecimentos e identificando sua autoria. Mas do
que isso, para que o caso continue sendo “escabroso”, “de arrepiar”, suas verdadeiras causas
devem continuar indeterminadas, possibilitando ao leitor a participação no jogo investigativo
que o relato (“envolto de mistério”) enseja. “Ninguém sabe explicar o que aconteceu em 1
hora e meia no necrotério do Hospital” (DE ARREPIAR, 2000, p. 12).
Outro elemento que caracteriza o apelo das notícias do Jornal Pequeno à
dramatização dos acontecimentos é o fato de, em algumas delas, quando restam indefinidas
informações, a interpretação que as “complementam” estar voltada para fenômenos
sobrenaturais.
Dois casos em que o autor de delito demonstrou algum tipo de descontrole no
momento do crime exemplificam a afirmação. Nesses casos, a equipe de reportagem do Jornal
117
Pequeno, de imediato, associou a conduta à “possessão demoníaca” ou de “espírito mau”
(PADEIRO, 1996, p. 8; HOMEM, 1999, p. 12).
Outro exemplo da evidência de que a associação a questões místicas constitui
exagero/apelo da equipe do Jornal Pequeno foi percebido através da comparação de relatos
entre este periódico e O Imparcial no tocante a um homicídio ocorrido em 12.09.1997. Na
ocasião, um adolescente matou “a golpes de enxada” José Orlando Pereira Reis, que “invadiu
sua casa e esfaqueou a mãe do jovem”. O Jornal Pequeno descreve o estado de José Orlando
como “possuído por um demônio” (NOITE, 1997, p. 8). Dias depois, quando o jovem (que foi
preso em flagrante) foi solto, o repórter de O Imparcial faz remissão a José Orlando apenas
como alguém com “sintomas de consumo de drogas” (SOLTO, 1997, p. 12).
Entendo que a estratégia (do Jornal Pequeno) consiste justamente em narrar
elementos do real projetando-os sobre formas metaforizadas. As “metáforas do real”
(FREITAS, 2003, p. 179), ora exemplificadas através do apelo ao sobrenatural, são mais uma
tentativa de tornar a narrativa atrativa. O relato dos acontecimentos, valendo-se de
simbologias que extrapolam o real, procura dialogar com elementos do imaginário coletivo
com o qual os leitores do jornal mantêm contato.
Ao fim, destaco que não concordância dos profissionais entrevistados com a
caracterização das notícias do Jornal Pequeno como apelativas ou dramáticas. As
características dos textos e fotografias do periódico derivariam de seu “caráter popular” e do
comprometimento com a “verdade dos fatos”.
Veja bem, cada jornal adota uma linha editorial. A mesma notícia que sai no Jornal
Pequeno sai n’O Estado do Maranhão, sai n’O Imparcial. O senhor pode atentar
para o texto que há conotações diferentes. Por que? Porque a linha do Jornal
Pequeno, não é que seja aquele sensacionalismo barato, mas é de mostrar, em
manchetes, o que realmente aconteceu (ENTREVISTADO 01, grifei).
Da mesma forma, a linguagem simples, e por vezes com erros ortográficos e de
concordância, é atribuída à dificuldade em se trabalhar na seção policial, o que demandaria
sempre a rapidez na confecção das reportagens e mantém estreito contato com imprevistos.
118
A principal dificuldade da reportagem policial consiste no fato de a gente não
poder apurar a notícia com maior precisão. Porque, veja bem, nós temos quatro
ou cinco horas pra trabalhar uma notícia diariamente, pra trabalhar uma página
com quatro, cinco ou seis matérias que vão ser impressas no dia seguinte. E a
gente sente a dificuldade de dar continuidade ao trabalho e de fazer um trabalho
mais apurado. É diferente da editoria de cidade, porque essa editoria vai fazer
uma matéria, vai fazer uma entrevista, pra fechar, coletar dados, pra ilustrar. Se
não deu pra hoje deixa pra amanhã. “Ah, não deu pra fechar hoje, falta falar com
Fulano pra fechar a matéria”. Na área policial não, você vai passando aqui, houve
um acidente, alguém morreu, ta no chão, você tem que fazer a reportagem
(ENTREVISTADO 01).
O repórter policial, diferente dos demais repórteres, trabalha com coisas
absolutamente imprevistas. Por exemplo, o repórter de política sabe que na
Assembléia Legislativa vai ter uma sessão que vai começar tal hora, tal dia e em
determinado local; o repórter de esporte sabe que vai ter uma partida de futebol
que foi previamente marcada, tem a hora da partida, o local e tal; na área policial
não tem, ninguém vai saber a hora que vai acontecer um crime, um assassinato,
um acidente de trânsito... Essas coisas são absolutamente imprevistas
(ENTREVISTADO 02).
As características das reportagens do Jornal Pequeno até agora apresentadas,
relacionadas principalmente a estratégias de narração de crimes violentos, apontam para uma
preocupação em se “vitrinizar” as reportagens, no sentido de destacar elementos que possam
atrair, de imediato, a atenção do leitor. A essa peculiar forma de exposição textual e visual se
somam representações específicas sobre questões envolvendo a criminalidade. Nesse sentido,
a apresentação espetacular das notícias serve como estratégia expositiva através da qual outras
noções sobre a violência são interpretadas no periódico. Os próximos tópicos se voltam para
os outros aspectos representacionais (da violência) presentes na página policial do jornal.
5.2.2 História ficcional de São Luís
a tendência, nas reportagens jornalísticas analisadas, em se criar uma história
da cidade de São Luís do Maranhão tendo como pano de fundo o problema da criminalidade.
Predominou nas reportagens manifestações do saudosismo de um espaço urbano pacífico e
organizado que “há algum tempo atrás” caracterizaria essa Capital.
Antes ou depois de narrarem a ocorrência de crimes violentos, os repórteres
lamentam “já ter passado o tempo” em que o cotidiano de São Luís era marcado pela paz e
119
pela tranqüilidade. Tais relatos passam a idéia de linearidade nas transformações da violência
urbana, colocando o presente sempre como um tempo marcado pelo auge dos crimes
violentos, que “chocam a sociedade”.
No entanto, a (re)construção da história de São Luís como lugar marcado por um
passado ordeiro tem bases ficcionais. Os repórteres se restringem à caracterização do tempo
presente como marcado pelo “caos” (desordem) e do passado pela “tranqüilidade” (ordem).
Quando levados a apontar em que época imperou em São Luís a “paz” e a “tranqüilidade”,
nada dizem. A idéia de que esse discurso é ficcional deriva da percepção de que as narrativas
nunca delimitam, e nem parecem ter essa delimitação como objetivo, de que época (“ordeira”)
está se falando.
Entendo que a visão de um presente caracterizado pelo crescimento desenfreado
da violência mantém ligação com a noção de cultura do medo desenvolvida por Débora
Rodrigues Pastana (2003, p. 40-48). Para a autora, o período de derrocada da ditadura militar
no Brasil foi marcado, dentre outras questões, pela deflagração e consolidação, no imaginário
deste país, da violência urbana como principal problemática nacional. Essa “cultura” seria
caracterizada pela crença de que vivemos em um momento particularmente perigoso. As
razões do perigo residiriam justamente no aumento da criminalidade violenta.
A cultura do medo, conforme anunciada por discursos oficiais e pela imprensa,
ainda para Pastana, caracteriza a contemporaneidade como marcada pela “escalada da
criminalidade” e demanda a segurança pública (estatal) como a única forma de proteção aos
“cidadãos de bem”. Tudo isso forjado num contexto em que:
Tornava-se oportuno para a elite dominante criar um clima de neurose coletiva e
social em relação à segurança da população. Uma postura severa, autoritária,
brutalizada, num primeiro momento, poderia servir para impressionar e atemorizar
os criminosos, funcionando assim como atitude tranqüilizadora da sociedade,
porém, num segundo momento, funcionaria para calar qualquer oposição política
democrática (PASTANA, 2003, p. 45).
120
A relação entre temporalidade e o relato da violência adquire no Jornal Pequeno
uma dupla perspectiva. As notícias policiais, como espetáculo, estão inseridas num tempo
espetacular de consumo e, ao mesmo tempo, produzem uma peculiar consciência de tempo.
Na primeira acepção, elas (notícias) se encaixam num “tempo pseudocíclico”
(DEBORD, 1997, p. 105), num tempo repetitivo no qual é alimentado no espectador (leitor) o
interesse periódico pelo consumo do espetáculo. No caso do Jornal Pequeno, o “ciclo” do
consumo seria diário.
Na segunda perspectiva, mais diretamente relacionada com o que aqui denomino
de história ficcional de São Luís, as representações sobre o tempo, ou melhor, sobre a relação
presente-passado-futuro, buscam a própria organização da vida social, através,
principalmente, do apagamento da memória e da construção de um sentido para a história da
cidade. Conseqüência, para Guy Debord, inerente à sociedade moderna: “o espetáculo, como
organização social da paralisia da história e da memória, do abandono da história que se erige
sobre a base do tempo histórico, é a falsa consciência do tempo(DEBORD, 1997, p. 108,
grifo do autor).
Assim, nessa (re)organização da história de São Luís, tendo como parâmetro a
questão da criminalidade violenta, ganham sentido presente, passado e futuro. O primeiro
entendido como paz, como tempo-ordem. O segundo como explosão da violência, como
tempo-convulsão. O terceiro como época em que aparecerão as conseqüências da violência
desenfreada, principalmente, como a seguir será explicitado, através do juízo divino de nossas
ações (violentas). Nessa perspectiva, o futuro seria o tempo-julgamento.
Percebi a utilização de diferentes estratégias, pelos jornalistas do Jornal Pequeno,
para dar impressão de que o tempo presente é caracterizado pelo crescimento da violência,
quer quantitativo (número de crimes), quer qualitativo (crimes “violentos e cruéis”).
121
A principal (estratégia) é a junção, em uma mesma reportagem, de distintos
relatos de crimes, dando à notícia título que faça crer existir uma estreita relação entre as
mesmas.
Alguns desses títulos:
“Tio mata o sobrinho em São Luís e sobrinho mata o tio em Rosário” (28.02.2000,
p. 12); “IML registra cinco casos de mortes violentas” (01.05.2002, p. 12); “Mais
um fim de semana violento na Grande São Luís” (19.05.2003, p. 6); “Explode a
violência pelo MA” (03.07.2003, p. 12); e, “Noite sangrenta em São Luís: 4 mortes
violentas” (18.11.2003, p. 10).
No entanto, a aproximação entre diferentes relatos de violência, narrados em
uma mesma reportagem, faz-se com o emprego de relações bastante tênues entre as
ocorrências, quando o inexistentes. Em notícia veiculada em 28.02.2000, o próprio
subtítulo indica a forma como os repórteres procederam a essa aproximação: “os dois casos
aconteceram domingo à noite e no mesmo horário” (TIO, 2000, p. 12). Uma mais consistente
identificação de elementos que pudessem estabelecer relações entre os delitos, que, no
exemplo, ocorreram em municípios diferentes, é suplantada pelo interesse primordial em se
formar “mosaicos” de relatos de violência, a serem expostos em uma mesma oportunidade.
Outra forma de exteriorização desse discurso se através da remissão, quando
da narrativa de um crime “atual”, a delitos anteriormente ocorridos. A seção policial do Jornal
Pequeno possui um pequeno quadro, denominado memória policial, cuja função é justamente
estabelecer relações entre crimes ocorridos em diferentes épocas e locais.
A utilização dessa “memória” acaba fortalecendo, a meu ver, a idéia de que São
Luís passa por periódicas “ondas de violência”, caracterizadas pela reiteração de crimes que
poderiam, sem muita dificuldade, serem aproximados pelo local onde ocorreram ou por suas
características.
Notícia publicada em dezembro de 2003 relata o assassinato de jovem no bairro
Santa Clara por “moradores do local”. O relato dos fatos não ocupa sequer a metade da
reportagem. A maior parte da notícia é destinada à tentativa de se ligar a ocorrência a “outra
122
tentativa de linchamento, [...] ocorrida na semana anterior, no bairro da Cidade Operária”.
Para o repórter, as ocorrências manteriam “estreita aproximação” e teriam sido “motivadas
pelos mesmos fatos” (BANDIDO, 2003, p. 12).
A idéia do presente como ápice da violência é corroborada através da referência
a citações bíblicas, relacionadas, em sua maioria, a elementos que identificariam o “fim dos
tempos”, que sinalizariam o futuro como tempo-julgamento. Nesse aspecto, algumas
narrativas de crimes foram seguidas de trechos de capítulos da Bíblia com remissão direta ao
Juízo Final, quando os homens seriam julgados por seus atos.
Após narrar tumulto na Av. Jerônimo de Albuquerque, “ocasionado por acidente
automobilístico ocorrido no trecho denominado Curva do Noventa”, o editor do Jornal
Pequeno destacou a seguinte citação:
Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a luz não dará a sua
claridade, as estrelas cairão do firmamento e os poderes dos céus serão abalados.
Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da Terra se
lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e
muita glória.
E ele enviará os seus anjos, com grande clangor [sic] de trombetas; os quais
reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade do céu.
Mas a respeito do dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho,
senão somente o Pai.
Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem /
MATEUS 24:29, 30, 31, 36 e 37 (MOTOQUEIRO, 2003, p. 5).
A forma como essas notícias e citações são veiculadas estabelece uma direta
relação entre a violência atual (tempo-convulsão) e as conseqüências desse estado “caótico”
para a humanidade. Assim, os redatores do Jornal Pequeno passam a idéia de que a
diminuição da violência, em seu juízo descontrolada hodiernamente, seria a única estratégia
de salvação dos homens do castigo divino.
Duas reportagens ilustram a afirmação:
Em agosto de 2002, o Jornal Pequeno noticiou a história de uma “jovem” (não
identificada) que, “incentivada por promessas de dinheiro, [...] migra do interior do Estado
para a Capital e se submete ao assédio sexual de Joaquim Gonçalves”, de 50 anos. Segundo a
123
notícia, “as promessas aos poucos se convertem em violência”. Após alguns meses de
“reiterados espancamentos”, a jovem é expulsa de casa por Joaquim. Ao lado da reportagem é
destacada a seguinte citação: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo / Atos
2:38” (PROMESSA, 2002, p. 10).
Em outra notícia, datada de 7 de maio de 2003, um homem não identificado pela
equipe de reportagem é “encontrado pela polícia desfalecido e amarrado a um poste no bairro
da Redenção”. Em seguida à notícia, é colocado o seguinte trecho bíblico: “Convertei-vos
pela minha repreensão; abundantemente derramarei sobre vós o meu espírito e vos farei saber
as minhas palavras. O que me der ouvidos habitará seguro / Provérbios 1:23 e 33” (JOVEM,
2003, p. 10).
O crescimento da criminalidade, mesmo que não datado (ficcional), liga-se à
idéia de que a cidade passa por “ciclos de violência”. A história da violência em São Luís,
nessa interpretação, far-se-ia através da identificação desses “ciclos”.
Acho que a criminalidade tem crescido bastante. [...] É uma coisa que sempre está
se modificando. Hoje o crime acontece em determinada área [...] vamos supor, nas
festas de reggae. a policia começa a intensificar a vigilância. os criminosos
mudam. O crime cresceu muito, que como eu te falei, sempre muda de alvo,
nunca é o mesmo [...]. ele elege determinado alvo. a polícia bate em cima e
ameniza. Mas os criminosos sempre ficam se espalhando, procurando outros ramos
(ENTREVISTADO 03).
Se a “explicação” da criminalidade está arrimada em sua “historicidade”, essa
história, por sua vez, teria como principal característica ser linear. “Ordem” e “desordem”
identificariam, respectivamente, o passado e o presente de São Luís.
A referida linearidade, como visto, possibilitaria a especulação das
conseqüências futuras dessa “explosão da violência”. Nesse sentido, o destino da humanidade
estaria relacionado, para o discurso ora enfocado, a atitudes de controle aos crimes violentos.
124
5.2.3 As causas dos “linchamentos”
A conotação que repórteres e redatores do Jornal Pequeno dão à palavra
“linchamento” adquire variedade. Além de ser utilizada para abarcar uma pluralidade de
fenômenos, conforme destacado no capítulo 2, as valorações atribuídas à terminologia estão
embebidas de preconceitos.
Uma tendência percebida no discurso dos repórteres, comentada no referido
capítulo, é a de dar uma espécie de teleologia às ações de justiçamento coletivo. A execução
do linchado” aparece como única finalidade das agressões. A própria utilização da palavra
“linchamento” seria cabível quando do assassinato de sua vítima. Os demais casos seriam,
para esses profissionais, apenas “tentados”.
O esquema de simplificações que procura tornar inteligível o fenômeno dos
justiçamentos coletivos (fala do crime) atrela-se a aspectos sociais. Nesse sentido, as causas
dos “linchamentos” estariam ligadas principalmente a problemas gerados pela deficiente
atuação estatal. O precário oferecimento de serviços como saúde, segurança, moradia e
educação, geraria, para os profissionais entrevistados, uma insatisfação e, por conseguinte, a
eclosão dos justiçamentos.
Esse esquema de explicação é recorrente na fala do editor-chefe:
Acho que os linchamentos são mais uma insatisfação popular. É uma manifestação
daquilo que a pessoa, o grupo, a comunidade, tava querendo acabar. Então ela não
teve respaldo [...], não teve a viatura da polícia no canto, não teve como coibir o
abuso, o roubo ou coisa assim. E o quê que se faz: juntam-se três, quatro, cinco,
seis [...]. A partir do momento que se dá uma voz de comando, em uma área dessas,
“pega, pega...” corre todo mundo [...]. A insatisfação da sociedade é que levando
a esse tipo de atitude, querer fazer justiça com as próprias mãos, pois ela se sente
desprotegida pelo poder público, que tinha obrigação de dar essa segurança, essa
proteção. É a CEMAR [Companhia Energética do Maranhão] que não bota luz, é a
falta de infra-estrutura, rua mal iluminada, sem calçamento, áreas desertas, locais
ermos, tudo isso facilita a ação dos marginais.
[...]
O linchamento decorre da falta do Poder Público, não é mais do que isso. A
comunidade se sente desprotegida porque não tem a polícia perto para lhe dar
proteção [...]. A comunidade quer tomar as leis nas mãos porque sente a ausência
do Poder Público, da polícia, do Estado, da CAEMA [Companhia de Águas e
Esgotos do Estado do Maranhão], de infra-estrutura (ENTREVISTADO 01, grifei).
125
Reproduz-se, na fala dos agentes sociais envolvidos na produção de notícias do
Jornal Pequeno, a idéia da violência como uma “questão de autoridade” (CALDEIRA, 2000,
p. 90). Esses profissionais acham que o crescimento de fenômenos como os “linchamentos” é
um sinal de uma “autoridade fraca”. Seja ela da escola, da família, da Igreja, do Governo, da
polícia ou do Poder Judiciário.
A violência é tida como algo dotado do poder de se espalhar facilmente,
espraiando-se e impregnando-se onde as autoridades responsáveis pela “contensão do mal”
sejam fracas. Nessa acepção, o estabelecimento da analogia entre violência e uma doença
contagiosa. Ela (a violência) seria “viral”, pois “opera por contágio, por reação em cadeia, e
destrói pouco a pouco todas as nossas imunidades e a nossa capacidade de resistência”
(BAUDRILLARD, 2003, p. 56-57).
A legitimidade dos justiçamentos, no discurso dos profissionais do periódico,
passaria então pela problemática do “contagio do mal”.
Uma conseqüência importante dessa teoria do contágio e do fracasso das
autoridades em controlar o mal é que as pessoas intensificam suas próprias medidas
de encerramento e controle, de separação e construção de barreiras, tanto
simbólicas [...] como materiais [...]. Além disso, eles tendem a apoiar medidas
privativas de proteção que são violentas, ilegais, tais como a ação de justiceiros e os
abusos da polícia (CALDEIRA, 2000, p. 90).
Nessa lógica, pessoas em uma “posição enfraquecida” (leia-se “pobres”), que
não podem lutar adequadamente contra as conseqüências ocasionadas pela atuação deficiente
do Estado, correm o risco de serem “contaminadas pelo mal”, e de principiarem atuações
violentas como reação à própria violência.
A tentativa de se atrelar o “sentido” dos “linchamentos” ao enfraquecimento da
autoridade estatal, definindo-os mesmo como reação à deficiente atuação (ou mesmo
omissão) do Estado, fundou, em meu entendimento, a tradição de se interpretar tais ações
como uma forma de punição que não difere, mas que se opõe à ação repressiva estatal. Os
126
justiçamentos coletivos não seriam nada além de um sintoma da crítica à ordem oficial. Nessa
perspectiva, os trabalhos de Jacqueline Sinhoretto e José de Sousa Martins:
Ele [“linchamento”] denuncia a existência de um grupo social que está descontente
com o funcionamento do sistema de justiça e com a condução das políticas públicas
de segurança, instauradoras de desigualdade. A pouca legitimidade do Judiciário e
dos canais oficiais de contestação pode ser lida como um dissenso em relação aos
valores cristalizados nas instituições (SINHORETTO, 2002, p. 67).
A violência dos linchamentos só pode ser compreendida nessa perspectiva, na
medida em que se trata de uma segunda violência e não de uma primeira, isto é,
trata-se de uma violência-resposta à violência urbana. Nesse sentido, os
linchamentos encerram uma crítica prática às instituições e à lei, que se expressa na
associação entre o comunitarismo dos grupos de linchadores com o ataque às
delegacias para seqüestrar presos e executá-los (MARTINS, 1996, p. 22-23).
Dessa forma, a principal causa da eclosão dos “linchamentos”, nos discursos
analisados no Jornal Pequeno, esteve relacionada à “ausência do Estado”, ou a sua presença
enfraquecida.
Como derivação gica dessa idéia, a única solução da problemática
(“linchamentos”) estaria no fortalecimento do aparelho repressivo estatal e na melhora de sua
atuação cotidiana no combate à criminalidade.
5.2.4 O ciclo do crime e a criminalização necessária
Duas representações que perpassam o discurso presente no Jornal Pequeno se
ligam às idéias de que a punição do criminoso é algo vital ao ciclo do crime e à de que a
criminalização (oficial) de condutas sociais produz imediatas conseqüências no mundo
fenomênico.
Os esquemas simplificados de “explicação” do crime o insere dentro de um
“ciclo”. Na interpretação cíclica da violência, as causas e conseqüências dos delitos poderiam
ser de antemão identificadas (MELLO, 1998, p. 90). Dentre os elementos que possibilitariam
o “fechamento” desse ciclo está a punição do criminoso.
127
A impunidade, ou seja, a ausência de punição ao criminoso, deixa o ciclo “em
aberto”, o que gera, por sua vez, a propagação (“contágio”) da violência através de outros
delitos. A pena aparece, portanto, como algo sagrado, que tem a capacidade de pôr fim ao
espraiamento da violência, pondo termo a uma série de acontecimentos (criminosos).
47
Assim, a criminalização de condutas, ou seja, seu reconhecimento enquanto
delito pelo Direito Penal, possibilitaria a punição de indivíduos que executam ações
criminosas. A tipificação penal aparece como algo provedor, pois é fator essencial ao
aparecimento (necessário) da pena.
Na mesma interpretação, qualquer elemento que ocasione a descriminalização e,
por conseguinte, o enfraquecimento do poder punitivo do Estado, deve ser prontamente
combatido. A confecção de projetos de lei com vistas a extinguir a tipificação de determinada
conduta, por exemplo, apareceria sempre como ação desarrazoada, despida de qualquer
lógica.
A gente fica até calado, porque querem tirar o seqüestro seguido de morte do rol
de crimes hediondos [...]. Agora veja bem a cabeça desses parlamentares: como é
que pode reduzir a pena [ênfase]?! Transformar um crime que foi criado por eles
mesmos em um crime mais ameno? (ENTREVISTADO 01, grifei).
Não só a descriminalização, mas qualquer atuação estatal que afaste a pena como
conseqüência necessária do ato criminoso, deve, segundo esse discurso, ser criticada. Nesse
aspecto, a opinião do editor-chefe do Jornal Pequeno sobre os recursos judiciais
(“facilidades”) disponibilizados a acusados de delitos:
Às vezes a gente vê reclamações erradas: “Ah, Fulano matou o outro e o outro todo
tempo passa na porta dele”, se eles são vizinhos. Vai ver que ele não foi preso em
flagrante. Ele só pode ser preso por uma determinação judicial. Aí vai o advogado e
diz “não, ele trabalha no Estado, trabalha não sei aonde... mora lá, não vai se
mudar, não vai prejudicar, pois não tem poder para prejudicar as investigações, nem
47
A idéia de que os justiçamentos não-estatais produzem “ciclos de violência”, bem como de que a autoridade
estatal possibilitaria o término deste ciclo, está presente em trabalhos como o de Teresa Caldeira (2000, p.
205), para quem as “formas privadas de lidar com o crime [...] inauguram um ciclo de vingança privada na
qual se responde à violência com mais violência e no qual não há mais uma autoridade legítima que possa
conter essa reprodução da violência”, bem como no de Jacqueline Sinhoretto (2002, p. 189), ao conceber que
“a assunção por parte do Estado da execução da vingança impossibilita a retaliação por parte do grupo do
agressor [...] e trás um freio à sucessão interminável de execuções privadas motivadas por vingança. Quando o
Estado executa a punição de alguém, põe um ponto final no conflito”.
128
para corromper as testemunhas”. Então pronto, o juiz não decreta [a prisão].
Entendeu? E o vizinho “não, a culpa é da polícia que não prendeu [...]”. E por
vai... essas histórias são inúmeras (ENTREVISTADO 01).
Ações alternativas ou complementares à atuação estatal, que de alguma forma
acarretem a punição de criminosos, deveriam ser creditadas. Os “linchamentos”, em
particular, são interpretados positivamente. Não são identificados como atos de injustiça, pois
não seriam nada além do que “julgamentos sumários”, imediatos, de condutas sociais
reprováveis. Não se confundindo com a ausência de julgamento.
A idéia dos atos de justiça coletiva como “julgamentos”, como condenação e
execução de uma “pena popular”, ganha forma no texto das reportagens pesquisadas através
de expressões que aproximam essas ações (“linchamentos”) de um acordo coletivo de
vontades, pronto a decidir qual a “justa” conseqüência de um ato tido como reprovável.
O relato dado pelo jornal ao homicídio do eletricista Waldemar Batista Mendes
pelo policial militar João Francisco Lima, na Vila Passos, exemplifica a idéia: “o crime
revoltou os moradores do bairro, que condenaram a forma estúpida e brutal pela qual foi
morto o eletricista, [...] após uma rápida e ríspida discussão. O linchamento foi inevitável
(ASSASSINATO, 2002, p. 10, grifei).
Assim, a “autoridade” conferida aos “linchamentos”, no discurso aqui analisado,
passa pela noção de que tais práticas asseguram a punição de “criminosos” e, por conseguinte,
“fecham o ciclo do crime”, tão necessário ao restabelecimento da harmonia social.
Diante do exposto, e como destacado na parte introdutória do trabalho, as
formas discursivas que perpassam, na gina policial do Jornal Pequeno, a idéia de
“linchamento”, relacionam-se diretamente com representações acerca de outros fenômenos.
Crime, justiça, pena, violência, vingança, nesse sentido, são noções que vão
possibilitar a valoração dos justiçamentos coletivos, uma vez que tais fenômenos
(justiçamentos) não se encontram desencaixados de outras “imagens” cuja dinâmica
possibilita a construção de “opiniões sobre algo”.
129
Para narrarem/interpretarem os “linchamentos”, os profissionais responsáveis
pelas notícias do Jornal Pequeno devem, antes de qualquer coisa, relacionar tais práticas com
a própria forma como concebem a “ordenação social” em que vivem, notadamente no que
tange à violência.
As implicações de tal discurso, a meu ver, são inúmeras. O que priorizarei no
próximo capítulo é a relação existente entre as diversas representações sobre o crime e a
violência e o processo de naturalização dos justiçamentos coletivos na fala dos profissionais
do Jornal Pequeno. Antes, aprofundarei ainda a interpretação que tais agentes sociais
conferem às ações dos diferentes sujeitos envolvidos nos “linchamentos”.
130
6 A (RE)PRODUÇÃO DA ALTERIDADE E A NATURALIZAÇÃO DOS ATOS DE
JUSTIÇA COLETIVA
6.1 Estereótipos dos agentes sociais envolvidos em justiçamentos
Destaco na primeira parte deste capítulo a forma como os repórteres, editores e
fotógrafos do Jornal Pequeno, através de notícias veiculadas no periódico, e mediante o
emprego de representações sobre o crime e a violência, preenchem de significados as
condutas de agentes sociais por eles narradas.
Inicialmente, cabe enfatizar que os repórteres tendem a assumir a postura de
investigadores dos fatos (criminosos) relatados. Portam-se como responsáveis por rastrear os
“elementos” que envolveram o delito e pela coleta e interpretação das diferentes versões sobre
o ocorrido
48
. Essa seria, inclusive, uma das marcas de identificação da imprensa jornalística.
É inadmissível quando você me faz uma notícia de alguém ou de algum lugar e não
ouve as pessoas que estejam sendo atingidas. A notícia sempre tem dois lados, tem
sempre duas versões, os prós e os contras. Se você ouviu A, você tem que também
ouvir B. Se B está acusando A [...], pergunte à A porque B está lhe acusando. Você
tem que fazer este jogo, não pode fazer uma “jogada”. Não é simplesmente
“jogar” a notícia, enlamear os outros. Acontece muito isso em programa de rádio,
“nego” briga, fala no radio sem se identificar, sem deixar sua identidade, telefone,
sem saber se o nome está correto [...]. Eu sou contra esse tipo de procedimento [...]
(ENTREVISTADO 01).
A ação investigativa desses profissionais, mesmo que sempre apareça em seus
discursos como a busca pela “verdade dos fatos”, culmina com uma atividade classificatória
dos agentes sociais envolvidos nos acontecimentos narrados.
Percebi nas notícias analisadas um constante jogo de encaixe e desencaixe de
sujeitos sociais dentro de estereótipos previamente estipulados. A principal característica
48
“A investigação jornalística se parece com a investigação judiciária: a objetividade consiste, como em um
processo, em dar a palavra a todas as partes envolvidas, os jornalistas buscando explicitamente, em cada caso,
representantes da defesa e da acusação, o ‘pró’ e o ‘contra’, a versão oficial de um incidente e das
testemunhas” (CHAMPAGNE, 1997, p. 70).
131
desse “jogo classificatório” é o fato dele sempre se dar através da colocação dos agentes
sociais dentro de extremos.
A interpretação das ações narradas induz a que, necessariamente, estas (ações)
sejam valoradas como “boas” ou “más”. “Bem” e “mal” aparecem como categorias de
classificação excludentes, posto que não são passíveis de convivência em uma mesma ação.
Nenhuma conduta poderia ser, ao mesmo tempo, “boa” e “má”. Não existiria meio termo
entre esses extremos.
Ao assim agir, os autores (e revisores) das reportagens exteriorizam a idéia de
que uma estrutura binária perpassa a sociedade (FOUCAULT, 1999, p. 59). De que se é
possível entender (e explicar) a dinâmica da sociedade através da identificação de indivíduos
e grupos que se enfrentam como forças rivais. Tais forças seriam sempre duais. Uma
representa a bondade, a outra, o mal.
49
As denominações e adjetivações dadas aos agentes sociais presentes nos relatos
policias do Jornal Pequeno ilustram os argumentos até agora destacados.
De um modo geral, os agentes que sofrem a agressão de “bandidos” são
identificados como “cidadãos” ou “vítimas”. Porém, nos relatos de justiçamentos coletivos, os
agredido (“linchados”), em nenhum caso, foram denominados como “vítimas” da agressão.
Sobre eles recaem adjetivos pejorativos.
Entendo que a preocupação em não “vitimizar” o agente que sofreu a agressão
coletiva advém do fato de que a visão binária dos agentes sociais coloca a “vítima” sempre
em oposição ao “bandido”. Aquele que sofreu a ação de um agente pertencente ao universo
49
Michel Foucault (1999, p. 49-73) dedicou algumas de suas conferências inaugurais no Collège de France à
análise da guerra como enfrentamento de forças. Ao tecer comentários sobre o que considera ser a genealogia
do conceito de guerra no Ocidente, o autor expõe teorias que sustentam as diferentes noções que possuímos,
hoje, sobre esse fenômeno. Dentre essas teorias, está o pensamento academicamente sistematizado por escolas
jurídicas da Inglaterra do séc. XIX. A tradição inglesa oitocentista, para Foucault, advogou a idéia de que a
existência de mecanismos de repressão estatal é legítima e necessária por se constituir numa atividade de
“reação”. A ação repressiva do Estado nada mais seria do que o revide natural ao “estado de guerra
permanente que caracteriza a sociedade”. Imperaria em nosso cotidiano uma onipresente pseudopaz. Daí a
demanda pela permanente ação dos mecanismos coercitivos oficiais derivar da constante necessidade de se
identificar, no ceio da sociedade, os “bons” e os “maus” indivíduos.
132
“mau” da sociedade (“criminosos”) pode pertencer ao outro lado. A vítima é sempre um
sujeito “bom”. Como conseqüência, adjetivar a ação da vítima de um “linchamento” como
“boa”, seria atribuir a este agente o pertencimento à esfera “benigna” da sociedade e, ao
mesmo tempo, dar às ações de seus agressores (“linchadores”) um caráter pejorativo.
Os mais recorrentes substantivos empregados para identificação de autores ou
suspeitos de atos delituosos (ou de “vítimas de ‘linchamentos’”) são “bandido”, “marginal”,
“elemento”, “desocupado” e “vagabundo”.
Matéria veiculada em junho de 2001 extravasa contradição que, segundo
concebo, demonstra a forma como a denominação desses agentes é tomada como estratégia de
classificação social. Nela, Paulo Ouvídio Pacheco, suposto “assaltante de taxistas”, é
inicialmente identificado como “desocupado”. No parágrafo seguinte o repórter narra que
Paulo foi capturado em um ferro velho, local onde trabalha algum tempo(POLÍCIA,
2001, p. 12, grifei).
No que respeita a denominações dadas a policiais envolvidos, ativa ou
passivamente, nos atos de justiçamento analisados, não percebi grande variação. De um modo
geral, são tratados meramente como “agentes” ou “policiais”.
A representação de crianças e adolescentes constante da página policial do Jornal
Pequeno demonstra a tendência em clivar os agentes sociais entre extremos (“bem” e “mal”).
As ações de jovens, quando da ocorrência de delitos, sempre se situam entre os estereótipos
do “jovem-vítima” e do “jovem-bandido”.
50
Enquanto “jovens-vítimas”, crianças e adolescentes adquirem uma feição
impotente. São incapazes de qualquer defesa, pois suas ações cotidianas não manteriam
relação direta com o “mundo da violência”. Por isso são sempre “vítimas em potencial”.
50
Para uma análise mais pormenorizada da questão, Cf. COSTA, 2005, p. 102-106.
133
A experiência que possuem do risco, quando relacionado a crimes ou acidentes,
dar-se-ia sempre através do lúdico. Assim, ganha destaque, desde os títulos de reportagens
veiculadas na página policial do periódico, narrativas que aproximam a morte violenta de
jovens a brincadeiras ou atitudes inocentes, principalmente situações de divertimento de
crianças e adolescentes.
51
A imagem de dois adolescentes mortos após tocarem numa cerca eletrificada é
exemplo de como as fotografias contribuem para realçar a relação entre o “jovem-vítima” e o
lúdico (Foto 7). Na legenda, lê-se “M. caiu sobre o corpo do companheiro(grifei).
52
Mas
companheiro de quê? Na notícia, a resposta. Não obstante a incerteza do que os jovens faziam
no quintal rodeado de cercas elétricas, a versão do repórter é de que “brincavam nas
redondezas” (DOIS, 2000, p. 4). A posição dos corpos e o ângulo da fotografia realçam a
união (“inocente”) dos jovens no momento do acidente.
Foto 7 – Dois jovens mortos em decorrência de choque ocasionado por cerca elétrica.
Fonte: Jornal Pequeno (2000).
51
Exemplos: “Criança morre afogada ao nadar no rio” (03.10.1993, p. 6); “Polícia investiga morte de criança em
piscina do Araçagi Praia Clube” (10.01.1996, p. 12); “Menino morto na fiação ao brincar” (12.09.1997, p. 10);
“Criança morre eletrocutada após colocar o dedo na tomada de um ventilador” (24.11.1998, p. 12); “Menor
brincando mata a irmã com um tiro de revólver na cabeça” (24.11.1998, p. 12); e, “Bebê tem morte trágica ao
brincar” (25.06.2003, p. 12).
52
Nesse caso, a legenda funciona como o “suporte lingüístico” (RODRIGUES, 1994, p. 125) da fotografia, no
sentido de que possibilita um enquadramento interpretativo da imagem, ou seja, produz uma redução das
significações potenciais que a imagem poderia trazer.
134
Por outro lado, o estereótipo do “jovem-bandido” toma forma através da
inversão da imagem do “jovem-vítima”. Distanciando-se do que seria a “normalidade” para a
juventude, aqueles (“jovens-bandidos”) podem ser adjetivados pejorativamente.
O critério utilizado para fazer tal distinção, ao menos nas notícias analisadas,
consistiu na identificação, pela equipe de reportagem, do grau de envolvimento que a criança
ou o adolescente possui com o “mundo do crime”, ou seja, é a “fama do menor”.
Está presente, nas páginas do Jornal Pequeno, o que Edísio Ferreira Jr. (2004, p.
130) identificou como construção discursiva de “dois mundos”: “um da ordem e outro da
desordem, um de pureza e o outro de poluição”.
Comentando recomendação do Ministério Público Estadual em não se expor
nomes e fotografias de crianças e adolescentes no Jornal Pequeno
53
, o fotógrafo entrevistado
teve a seguinte opinião:
Acho que dependendo do caso a exposição de fotos de menores ajuda [...]. Mas,
quando a pessoa for vítima, aquilo frustra. “Não, aquele foi visto fazendo isto,
aquilo e tal”. Isso acho que é chato para a criança. Agora, quando ele é o acusado,
é outro departamento. Quando for acusado teria que responder como adulto,
porque a pessoa chegou a esse ponto. o são todos os casos, casos em que às
vezes acontece um deslize qualquer, mas tem jovens que tem um livro feito, uma
carreira na vida do crime (ENTREVISTADO 03, grifei).
A autoria de uma única infração não confere a condição de “criminoso” ao
jovem, pois pode ter consistido apenas em um “deslize qualquer”. O que importa, para a
tipificação como “jovem-bandido”, é a reiteração de infrações.
Em 31 de julho de 2001, o Jornal Pequeno noticiou a prisão de “dois
adolescentes ao tentarem efetuar assalto a coletivo no bairro do São Antônio”, em São Luís. O
tratamento dado aos jovens na reportagem divergiu bastante. O menor S. J. C. F., vulgo
“Piroquinha”, foi identificado pelo nome completo, apelido, endereço e fotografia sem
53
O Ministério Público do Estado do Maranhão, através da Promotoria da Infância e da Juventude, recomendou
à direção do Jornal Pequeno, em outubro de 2004, que não fossem mais colocadas referências a crianças e
adolescentes em reportagens policiais. A recomendação ainda requisitava cuidados com a utilização de
fotografias, iniciais, endereço ou apelidos que pudessem, indiretamente, identificar jovens infratores. A base
do ato ministerial foi o art. 247 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
135
qualquer tarja (Foto 8), sendo ainda qualificado de “marginal truculento e audacioso”. O outro
infrator, “o menor H. G. U. F.”, não teve qualquer outro tipo de identificação. Depreende-se
da notícia que o tratamento divergiu pelo fato de S. J. C. F. “ter várias passagens pela
Delegacia do Adolescente Infrator”, ao passo que o outro adolescente era “marinheiro de
primeira viagem” (“PIROQUINHA”, 2001, p. 12.).
Foto 8 – Imagem do adolescente S. J. C. F., o “Piroquinha”, veiculada com destaque no Jornal Pequeno.
Fonte: Jornal Pequeno (2001).
Para o discurso sob enfoque, o “jovem-bandido” deveria ser mostrado, exposto,
pois, mesmo quando criança ou adolescente, o pode ser confundido com os “cidadãos de
bem”, com os “jovens-vítimas”. A identificação dos jovens “infratores” ganha, no discurso
dos profissionais entrevistados, uma funcionalidade preventiva.
Com a proibição do Ministério Público fica a notícia “capenga”. Fica difícil até
mesmo para a pessoa que foi vítima identificar o menor amanhã ou depois [...].
Como é que você tem um vizinho e não sabe que ele é um marginal? Amanhã ele
lhe rouba, lhe mata, lhe assalta, protegido pelo ECA (ENTREVISTADO 01).
Para que a identificação de “jovens-bandidos” seja realizada mesmo diante das
restrições legais, a editoração do Jornal Pequeno produz diferentes estratégias. A principal é a
136
identificação “indireta”, ou seja, ainda quando não há citação do nome do “infrator”, é
noticiado seu apelido, endereço ou nome de familiares.
Outra dessas estratégias dá-se com a utilização de recursos fotográficos, como,
por exemplo, colocar tarja semitransparente nos olhos de adolescentes infratores, para que
assim, embora com a aparente censura, haja a possibilidade de se ver o rosto do jovem.
Fotografia veiculada no Jornal Pequeno em novembro de 2000 mostra um
adolescente que teria “assassinado dois sobrinhos seus”, ambos menores de 10 anos (TIO,
2004, p. 10). É perceptível que a tarja colocada sobre seus olhos não evita a identificação do
rosto do adolescente (Foto 9).
Foto 9 – Adolescente com tarja semitransparente nos olhos.
Fonte: Jornal Pequeno (2000).
De um modo geral, as notícias analisadas, quer através de terminologias
empregadas na identificação dos agentes sociais envolvidos em crimes, quer por meio das
interpretações dadas aos fatos narrados, exteriorizam a crença na existência de uma
permanente tensão entre “grupos” nitidamente identificáveis.
137
A delimitação de tais “agrupamentos” é realizada com o emprego de imagens
ideais, de noções estereotipadas dos agentes sociais. De um lado “o criminoso” e, de outro, “o
cidadão” (ou “a vítima”).
Nesse sentido, o discurso analisado nas reportagens do Jornal Pequeno extravasa
a criação (invenção) de sujeitos que encarnam abstratamente as diversas características do
fenômeno social que representam, ou seja, da “criminalidade” ou da “cidadania”, convertendo
a individualidade de homens e mulheres com específicas experiências históricas em
estereótipos de uma coletividade que seriam capazes de representar.
A constante tensão entre “bem” e “mal”, longe de ser superada, adquire nas
páginas do Jornal Pequeno sucessivas estratégias de perpetuação. A principal se através da
idéia de que cada caso, diariamente noticiado, constitui-se em mais um exemplo da
criminalidade enquanto regra.
Da mesma forma, o contínuo processo de classificação binária dos agentes
sociais tem como uma de suas conseqüências a construção da alteridade, ou seja, a
identificação do “criminoso” como o outro. Esse “outro” não poderia de nenhuma forma ser
confundido com o “cidadão de bem”, uma vez que possuiria “nítidas distinções”.
Percebi, nesse aspecto, o esforço dos repórteres do Jornal Pequeno em, logo no
início da notícia, estabelecer uma clara e rigorosa clivagem entre o “criminoso/malfeitor” e o
“cidadão/vítima”.
Os repórteres do periódico chegam a conferir adjetivos aos autores/suspeitos de
delitos que se confundem com o próprio prenome do agente. Exemplo disso se deu quando da
narrativa do assassinato, por “ação coletiva de moradores da Liberdade”, de um jovem de 18
anos no ano de 2000. Nesse caso, o repórter assim principia a notícia: “iniciado ontem, por
policiais do Distrito, as investigações em torno do assassinato do assaltante, arrombador,
138
desordeiro e estuprador Suedson Anastácio Santos, 18 anos...” (ASSASSINATO, 2000, p.
12, grifei).
A alteridade não é estabelecida com o intento apenas de separar os homens
“bons” dos “maus”. A própria humanização dos autores/suspeitos de crimes é colocada em
questão, principalmente quando sua conduta é entendida pelos repórteres como de extrema
crueldade.
54
Em reportagem veiculada em 27 de novembro de 1996, é narrado “o
espancamento de um epilético por morador do Centro de São Luís” (ambos sem
identificação). A desumanização do agressor é iniciada no título da notícia (“Cenas
animalescas na Rua Afonso Pena”) (grifei). No corpo do texto:
Foi uma atitude típica de um criminoso frio [...]. O elemento, o moleque, penetrou
no galpão simplesmente para fazer o mal [...]. O imbecil, para satisfazer seus
instintos animalescos, espancou covardemente o epilético [...]. s não revelamos
o nome, mas a Polícia sabe quem foi o autor da palhaçada (CENAS, 1996, p. 8,
grifei).
No entanto, por vezes a desumanização de agentes “criminosos” é substituída
por um tratamento mais “ameno” por parte dos repórteres e redatores, no sentido de que a
identificação desses agentes é feita por outras terminologias que não os supracitados
substantivos/adjetivos pejorativos. A razão dessa “mudança de tratamento”, a meu ver, liga-se
diretamente às ações tomadas pelos “criminosos” após o cometimento de delitos e, nos casos
analisados, estiveram atreladas preponderantemente à demonstração de arrependimento da
infração.
54
Para Helena Singer, a relação entre violência e desumanização tem como base o discurso iluminista
inaugurado por John Locke no Segundo tratado de Governo, de 1690, e se arrima na lógica de que “todos os
homens são dotados de razão, nascem livres e têm direito à vida; entretanto, após um julgamento realizado em
parâmetros bem definidos, uma pessoa pode ser considerada culpada. Uma vez culpada, perde direito à
liberdade e [...] mesmo à vida. Por quê? Talvez a única resposta adequada seja que ela deixou de ser humana,
não se conduziu sob os auspícios da razão e igualou-se aos animais” (SINGER, 2003, p. 245). A mesma idéia
de desumanização aproxima-se do conceito de Michel Misse de sujeição criminal, ou seja, do “processo
através do qual um cidadão incriminado é transformado num não-homem, em que um criminoso é
transformado em ‘bandido’” (MISSE, 2005, p. 12). No mesmo sentido, José de Sousa Martins, ao tecer
comentários sobre os “linchamentos”: “nos linchamentos, está envolvido o julgamento de que quem não
consegue refrear o desejo, o ódio e a ambição, e não vê limites para os desejos, o odiar e o ter, não pode
conviver com os demais nem tem direito a uma punição restitutiva que o devolva à sociedade depois de algum
tempo. Simplesmente, nega-se como humano” (MARTINS, 1989, p. 24).
139
Em duas notícias existiu substituição de denominações pejorativas pela ocupação
dos supostos criminosos. A coincidência dos casos reside no fato de, em ambos, os agentes
terem tomado alguma atitude (posterior ao delito) tida pelos repórteres como louvável.
No primeiro caso, um motociclista (não identificado) se evadiu do bairro Canto
dos Valois, onde “atropelou fatalmente uma adolescente”. “Minutos depois”, apresentou-se no
Plantão Central da SEJUSPC, localizado na Beira-Mar, para “confessar sua ação e expor as
razões pelas quais teve que fugir do local”. Na reportagem, a única remissão ao agente foi
como “motoqueiro” (MOTOQUEIRO, 1993, p. 12).
Na segunda reportagem, detido em flagrante, o agente confessa (“com
exclusividade”) à equipe de reportagem do Jornal Pequeno que “exagerou em sua conduta”
(homicídio), pois apenas queria “defender uma jovem de homem que, possivelmente, a
desejava agredir”. Nesse caso, a referência ao agente foi feita sempre com o emprego de seu
nome ou pela profissão que exercia (ADVOGADO, 2001, p. 12).
Assim, o processo de confecção de notícias veiculadas no Jornal Pequeno, ao
menos no que tange à narração e valoração das ações de sujeitos que participam, ativa ou
passivamente, de crimes, está fundado no que Michel Foucault (1999, p. 59) denominou de
“estrutura binária da sociedade”. Toda e qualquer atitude tomada, seja pela “vítima”, seja pelo
“criminoso”, deve se encaixar dentro de extremos (“bem” e “mal”). A noção de naturalização
dos justiçamentos tem como uma de suas principais bases as contradições advindas dessa
concepção dual de classificação de agentes sociais envolvidos em ações criminosas.
6.2 A naturalização dos “linchamentos”
As reportagens analisadas reproduzem, a meu ver, o que aqui denomino de
naturalização dos atos de justiça coletiva.
140
O termo “naturalização, da forma que é empregado, não quer significar que
existe um desinteresse pelas práticas de justiçamento, que elas estariam se tornando
irrelevantes ou que “passam em branco” aos olhos dos profissionais do Jornal Pequeno.
A afirmação de que os agentes sociais responsáveis pela seção policial do
periódico concebem os justiçamentos coletivos como naturais se liga à idéia de que eles
encaram tais ações como componente integral (“natural”) do cotidiano da criminalidade em
São Luís do Maranhão.
As regularidades constatadas nas narrativas sobre “linchamentos” evidenciam
como os jornalistas do periódico percebem a violência coletiva como conseqüência natural, e
mesmo previsível, a alguma afronta, desde que pareça (a afronta) relevante.
Assim, mesmo que de forma implícita, o discurso presente no Jornal Pequeno
pugna cotidianamente pela descriminalização dos atos coletivos de justiça. A ambivalência
que caracteriza os justiçamentos que seriam um misto de “violência” e “justiça” acaba
dotando essas práticas de uma espécie de autoridade. Autoridade que surge,
preponderantemente, através da re-significação das idéias de crime, violência, segurança e
justiça, quando do relato de ações de justiça coletiva.
Quando a narrativa de atos de justiçamento é comparada ao já apresentado
esquema binário (“bem” e “mal”) de classificação dos agentes sociais, o jogo de estereótipos
parece entrar em desarmonia. Se predomina na fala dos comunicadores uma delimitação clara
entre “cidadãos” e “bandidos”, ao se tratar de justiçamentos coletivos a figura dos
“linchadores” se mostra desencaixada. Surge como uma espécie de terceiro ente, estranho à
classificação dual entre o “bem” e o “mal”.
55
55
Uma das idéias-base do trabalho de Helena Singer (2003) é justamente a de que os discursos sobre os
“linchamentos” seriam desconcertantes, e mesmo sui generis. Embora predomine nas recorrentes
interpretações sobre a violência no Brasil “pares” que se opõe (“patológicos”/“normais”,
“culpados”/“inocentes”, “irracionais”/“racionais”, “conservadores”/“modernos”,
“autoritários”/“democráticos”), “os linchamentos desconcertam os discursos que se valem destes pares: a
quem cabe a atribuições negativas – à vítima ou ao agressor? Ao desconcertar os discursos e antagonizar
141
Ao contrário do que ocorre no trato de ”criminosos”, a equipe de reportagem
emprega termos mais amenos ao interpretar as ações de agentes sociais envolvidos ativamente
em atos de justiça coletiva, como “cidadãos”, pessoas enfurecidas”, “autores de tentativa de
linchamento”, “população”, “justiceiros” ou “curiosos”. Termos que afastam a caracterização
dessas ações enquanto delitos.
Assim, quando da narrativa de ações de “linchadores”, predominou nas notícias
analisadas a exposição do ocorrido sem que constantemente fosse acompanhada de
adjetivações claramente depreciativas ou valorativas das ações; não encaixando os atos dos
“linchadores” nos limites do “bem” e do “mal”.
Duas notícias podem exemplificar a questão, principalmente no que respeita à
distinção do tratamento (substantivos e adjetivos) dado aos diversos agentes sociais
envolvidos nos fatos:
PROFESSORA É ASSASSINADA POR DESORDEIRO[...] Antônio Edmilson
Silva estava em uma seresta e em determinado momento passou a brigar com uma
pessoa e, embriagado, sacou o revólver e passou a efetuar disparos, acabando por
atingir a professora Orlandina [...]. Depois que ficou sem munição, o desordeiro foi
agarrado por populares que lhe tomaram o revólver e lhe aplicaram violenta surra.
O espancamento não seguiu devido à intervenção de uma guarnição da PM, que
o conduziu para o hospital em estado grave (PROFESSORA, 2002, p. 9, grifei).
[...] O elemento estava acompanhado de um outro parceiro e depois de tomar uma
bolsa de sua vítima correu e foi seguido primeiro por um cidadão que se encontrava
em um veículo. Em seguida populares começaram a correr atrás do elemento que
para não ser linchado se escondeu no prédio da COCOMA ao lado do Posto
Texaco. A Polícia Militar chegou a tempo e conseguiu prender em flagrante o
bandido (FUNCIONÁRIOS, 2002, p. 16, grifei).
Nas notícias jornalísticas pesquisadas, o relato dos fatos se centra nas ações do
“bandido”, no caso, do “linchado”. São essas ações que adquirem destaque nos textos do
jornal.
As práticas de justiçamento, ou seja, as ações dos “linchadores”, são
coadjuvantes na narrativa do periódico, são colocadas como uma ocorrência de menor
posições que pareciam politicamente coerentes, os linchamentos trazem à tona, por um lado, as
descontinuidades presentes na suposta linha evolutiva que estaria guiando o progresso da humanidade desde
que esta se deixou iluminar pela razão e, por outro, explicitam também as continuidades entre o pensamento
iluminado e o pensamento das massas” (SINGER, 2003, p. 31).
142
relevância. Prova disso é que não parece ser importante a identificação dos agressores,
geralmente não constando, nas reportagens, qualquer remissão a pessoas envolvidas
ativamente nas ações de justiçamento.
Creio que a “coadjuvância” das ações de “linchadores” nas notícias deriva da
dificuldade que os profissionais do Jornal Pequeno têm em “catalogar” tais agentes dentro da
estrutura binária (da sociedade) seguida, como regra, pelo jornal.
Afastando os “linchadores” do jogo binário de (des)encaixes dentro dos
extremos do “bem” e do “mal”, os repórteres passam a encarar suas ações, senão como uma
coisa “boa”, ao menos como algo natural.
Independente de inúmeras reportagens trazerem casos de “linchadores” que
dificultaram ou mesmo inviabilizaram o trabalho de policias quando da “captura/perseguição”
a supostos autores de delitos,
56
os repórteres do Jornal Pequeno tendem a interpretar os atos
de justiça coletiva como “complemento imprescindível” ao trabalho da polícia.
Em algumas reportagens mesmo a idéia de que essas ações (justiçamentos)
otimizam a atuação repressiva do Estado. Creio ser este um elemento que reafirma a
interpretação de que o discurso de tais profissionais exterioriza a crença na naturalização dos
atos de justiça coletiva.
Em notícia publicada em 01.10.1998, por exemplo, o repórter narra o que
considerou ser um “primoroso ato de presteza e organização” de taxistas em auxílio à polícia.
A ação dos taxistas decorreu, segundo a reportagem, de tentativa de assalto ocorrido no bairro
do Araçagi.
Em poucos minutos um grande número de taxistas e guarnições da PM estava na
caçada aos assaltantes e tentando localizar o veículo [roubado] [...]. Por volta das
22:30hs, em meio à perseguição, a Polícia foi informada por alguns taxistas de que
os elementos estavam no interior de um coletivo [...]. O ônibus foi seguido e
abordado no Anil onde após uma rápida acareação com a tima foi constatado que
não se tratava dos assaltantes [...]. Os próprios taxistas acabaram pegando um dos
56
Nesse sentido: ASSALTANTE, 1996, p. 10; CLIMA, 1997, p. 8; CONFUNDIDOS, 1997, p. 8;
MOTORISTA, 1997, p. 12; POLÌCIA, 2001, p. 12; POVO,1996, p. 8; REVOLTADOS, 2003, p. 2; e,
TAXISTAS, 1995, p. 6.
143
assaltantes. O bandido foi entregue ao pessoal da Polícia Militar que também
estava na Cohab (ASSALTO, 1998, p. 8).
Em outra ocasião, é noticiado caso em que “populares” fazem “varredura” para
“auxiliar policiais na captura de assaltante”:
O assaltante Luís Rodolfo Silva Rodrigues [...] foi preso e autuado em flagrante no
Plantão Central da Vila Embratel após ter praticado um assalto e disparado vários
tiros no bairro Vila dos Nobres [...]. Após o roubo os ladrões foram perseguidos por
populares e dispararam vários tiros contra um salão de beleza.
Em seguida, várias viaturas da Polícia Militar foram para a área e conseguiram
cercar o acusado em uma casa em construção. Com a ajuda de moradores, os
policiais fizeram uma varredura em toda a área à procura do ladrão
(MORADORES, 2003, p. 2).
Uma notícia, em especial, chamou-me atenção quanto ao grau de naturalização
dado às ações coletivas de justiçamento nas páginas do Jornal Pequeno.
Na verdade, a reportagem sequer narra a ocorrência de um “linchamento”; cuida
apenas em noticiar que, em 19.10.1994, “um homem conhecido como Índio’ foi encontrado
morto com um tiro e várias facadas no bairro o Raimundo”. Mesmo diante da ausência de
informações sobre os eventuais motivos e autores do homicídio, o repórter conclui que a
vítima deve ter sido assassinada por alguns moradores tentando arrombar uma residência”
(JOVEM, 1994, p. 6).
A reportagem demonstra como a violência coletiva contra ações tidas como
“transgressoras” torna-se, aos olhos dos repórteres do periódico, algo tão automático (natural)
a ponto de ser presumível que um homem encontrado com indícios de violento assassinato
tenha sido vítima da agressão coletiva.
Dentro dessa gica, para se tornar plausível a hipótese levantada pelo repórter
(da ocorrência de “linchamento”), necessária também foi a presunção de que o homem morto
se tratava de “assaltante” e que tivesse sido “flagrado” em situação que legitimasse, ou ao
menos “explicasse”, a ação de violência contra ele efetuada.
Os limites da influência do discurso da naturalização dos justiçamentos sobre os
leitores do Jornal Pequeno não é, em específico, meu objeto de estudo. No entanto, importante
144
destacar que uma das características desse discurso é a exigência de que os leitores reflitam
sobre a questão em comentário (naturalização dos “linchamentos”).
Nesse aspecto, friso que o limite da influência dos meios de comunicação sobre
os espectadores/leitores/ouvintes residiria, para Hans Enzensberger (1995, p. 55), na
“autoridade moral” que conseguem (os meios de comunicação) obter. Em outras palavras, é
no potencial de construir/atribuir valores, de conduzir julgamentos morais, que se encontra a
capacidade de influência da mídia.
No que tange à problemática da violência, os meios de comunicação de massa
trazem, travestidas de opiniões, exigências de que deveria ser feita alguma coisa para
amenizar o “estado de violência em que vivemos”. Ante tal fenómeno:
O espectador [leitor/ouvinte] sente-se incompetente e impotente. Ele se fecha em
uma redoma e se desliga. As mensagens recebidas passam a ser repelidas ou
simplesmente negadas. Essa forma de defesa interior não é apenas compreensível,
ela é também inevitável. Ninguém saberia dizer como se deve reagir corretamente à
diária carnificina em massa (ENZENSBERGER, 1995, p. 55).
Entendo que, em meio a esse “ataque moralista”, o Jornal Pequeno se converte
em instrumento de (re)produção da percepção natural dos justiçamentos coletivos,
principalmente ao expandir a idéia de que o Estado muito se esvaziou enquanto
instituição eficaz no controle social. Legitima assim, tal discurso, reações privadas e à
margem da legalidade.
As reportagens pesquisadas, de diferentes maneiras, procuraram veicular a idéia
de inércia e ineficácia estatal, e, por conseguinte, de que a reação de agentes situados “fora do
Estado” seria algo necessário, natural.
A citação de frases de agentes sociais que, sendo timas da violência, clamam
por justiça, é uma das formas de exteriorização desse discurso. Como exemplo, cito o caso de
Senhorina Fernandes Brandão, moradora do bairro São Bernardo, que, “após ter seu sobrinho
assassinado [em sua casa], [...] arregimentou populares no sentido de linchar o homicida”,
porém “foi impedida por policias” que acabaram propiciando a fuga do “assassino”. Na
145
reprodução de sua fala, veiculada no jornal com destaque, evidencia-se a descrença no Estado
enquanto agente mantenedor da ordem: “não tem justiça, não vai ter justiça, a única justiça
que pode ter é os familiares correr atrás” (SERESTA, 1996, p. 6).
No mesmo sentido, as reportagens do Jornal Pequeno procuram dialogar com os
leitores no sentido de provocar a reflexão sobre a passividade da sociedade diante da violência
cotidiana.
Uma forma de instrumentalizar tal diálogo é a transmissão de mensagens que
alimentam a idéia de ineficácia estatal. Destacam-se, nesse aspecto, citações bíblicas em meio
a relatos de crimes violentos. Após narrar a notícia de um assassinato ocorrido em janeiro de
2001, na Madre Deus, o repórter coloca a seguinte passagem bíblica:
Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritarei: Violência! E não
me salvarás? / Por que me mostras a iniqüidade, e me fazer ver a opressão? Pois a
destruição e a violência estão diante de mim; contendas, e o litígio se suscita. /
Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, porque o perverso
cerca o justo, a justiça é torcida. / Habacuque: 1:2,3,4 (POLÍCIA, 2001, p. 12).
Ao fim, destaco outro elemento que, segundo entendo, caracteriza a
interpretação dos justiçamentos como acontecimentos naturais ao cotidiano da criminalidade
em São Luís. Para tal, enfatizo a noção que Geovani Jacó de Freitas (2003, p. 153) tem de
não-memória.
O autor acredita que a análise crítica da fala de qualquer entrevistado deve, além
de destacar as narrativas recorrentes em diferentes relatos, perceber os “vazios” existentes em
seu discurso. O que caracterizaria tais “vazios” é a dificuldade em se pronunciar (manifestar)
sobre algo, de emitir opiniões sobre algum acontecimento. Nesse prisma, a não lembrança de
elementos com os quais o entrevistado possui contato cotidiano é bastante sugestiva.
Nas entrevistas realizadas com profissionais do Jornal Pequeno, percebi uma
não-memória de relatos sobre atos de justiça coletiva. Não é que os entrevistados não
lembrassem que tinham confeccionado reportagens sobre “linchamentos”, porém,
146
acreditavam o ter feito tão poucas vezes que emitir opinião sobre tais ocorrências, ou mesmo
descrever algumas delas, seria algo complicado.
A gente lida muito pouco com casos de linchamento aqui [...]. Os assassinatos que
acontecem aqui [em São Luís] são provocados em festas, brigas de gangues, casos
de adolescentes. Mas não há aquilo que pudesse se configurar como uma ocorrência
excessiva de tais casos [“linchamentos”] (ENTREVISTADO 02).
Linchamento... não tenho memória [...]. Já teve casos aqui em São Luís, mas que eu
me lembre bem, não. [...] Teve um caso, um tempo atrás, que a população do bairro
do João Paulo linchou um cara que roubou o supermercado, mas eu não me lembro
de detalhes (ENTREVISTADO 03).
Considero sugestivo o fato de que em entrevistas realizadas em 2004, ou seja, no
ano subseqüente ao relato, pelo Jornal Pequeno, de nada menos que vinte e três casos de
“linchamento” (Gráfico 1), os profissionais do periódico tenham tido dificuldade em
pronunciar-se sobre os justiçamentos.
A meu ver, a não-memória dos atos de justiça coletiva é mais um indício de que
há obstáculos em se “encaixar” os justiçamentos dentro das categorias discursivas empregadas
no Jornal Pequeno para narração de crimes. A naturalização dos “linchamentos” gera, além do
esquecimento de casos específicos, a dificuldade na construção de discursos que opinem sobre
tais acontecimentos.
Expostas as representações sobre a criminalidade (e, especificamente, sobre os
justiçamentos coletivos) analisadas na pesquisa, posso afirmar que, de um modo geral, tais
representações apontam para a idéia de que a violência estaria presente onde não existe a
“autoridade” estatal.
Nessa interpretação, os “vazios” deixados pela atuação do Estado no combate ao
crime teriam que ser, naturalmente, preenchidos por outras estratégias de justiçamento, que,
por sua vez, estariam pautadas na idéia da necessidade de punição ao criminoso”, vital ao
fechamento do “ciclo do crime”. Dentre as estratégias, os “linchamentos”.
147
Os justiçamentos coletivos, no discurso jornalístico enfocado, seriam um
fenômeno alternativo e, ao mesmo tempo, complementar à atuação estatal, pois
possibilitariam o afastamento da impunidade.
Conforme destacado, outras características das notícias pesquisadas, a meu ver,
apontam para a naturalização dos atos de justiça coletiva. Dentre elas, a exigência moralista
das reportagens no sentido de que os leitores reajam à “passividade” da sociedade ante a
“explosão da violência” que caracterizaria o presente. Considerei como outro indício (da
naturalização) a não-memória dos entrevistados sobre notícias de “linchamentos” por eles
mesmos confeccionadas.
Entendo que a idéia de naturalização dos justiçamentos coletivos deriva ainda da
dificuldade que os profissionais do Jornal Pequeno têm em catalogar os “linchamentos”
dentro de estereótipos e classificações preconcebidas (estrutura binária da sociedade), o que,
por sua vez, tem arrimo na própria representação que esses agentes sociais têm sobre a
funcionalidade dos justiçamentos.
Os “linchamentos”, nas notícias analisadas no Jornal Pequeno, são interpretados
como ações que se fazem num misto de “violência” e “justiça”. A naturalidade dessas ações
tem por base o fato de serem valoradas como conseqüência lógica, inevitável, dos limites do
controle estatal à criminalidade.
148
7 CONCLUSÃO
Mais do que simples narrativas sobre acontecimentos relacionados à
criminalidade, as reportagens coletadas na página policial do Jornal Pequeno se convertem em
opiniões e interpretações de repórteres, fotógrafos e redatores sobre o crime, estando
preenchidas por representações sobre ações de violência ocorridas em São Luís do Maranhão.
As notícias veiculadas no jornal exteriorizam uma peculiar forma de ordenação e
hierarquização da vida social. Tendo como pano de fundo a questão do crime violento, os
profissionais do periódico publicam diariamente esquemas simplificados de classificação de
aspectos direta ou indiretamente relacionados à violência. Nessa classificação, noções como
tempo, espaço e diferenças sociais são (re)definidas para “explicarem”, sem muita
dificuldade, o fenômeno da criminalidade.
Nesse aspecto, representar a violência significa estabelecer uma mediação entre
elementos textuais e visuais, expostos no jornal, e noções peculiares acerca das causas e
conseqüências do crime. Palavras, figuras, metáforas e alegorias, diariamente publicadas no
jornal, convertem-se em instrumentos de mediação de idéias e valores sobre a violência em
São Luís.
O estabelecimento dessa mediação advém, dentre outras coisas, da linguagem
jornalística empregada. Daí os profissionais do Jornal Pequeno elegerem elementos que
tornem o relato da criminalidade “atraente” a seu público leitor. Conforme analogia recorrente
entre estes profissionais, a primeira página do jornal, que prima pelo destaque de notícias
policiais, é entendida como “vitrine” onde é exposta a principal “mercadoria” do periódico: as
reportagens sobre crimes violentos.
149
A “vitrinização” das reportagens implica na utilização de estratégias de
exposição das notícias que perpassa diferentes elementos textuais e ilustrativos presentes no
jornal. Os títulos são “chamativos”; expõem de forma direta, e com o recurso a um
vocabulário popular, textos que destacam ações (crimes) com o emprego de violência e
mesmo cometidas com crueldade. A “ilustração da violência” é complementada com a
veiculação de fotografias com exposição de vítimas de crimes, notadamente de cadáveres.
Outras vezes, os títulos fazem remissão ao cotidiano urbano e a relações
familiares existentes entre os agentes sociais envolvidos no crime. O apelo ao “familiar”
denota uma tentativa de consolidar a idéia de que a violência está intrinsecamente relacionada
com o cotidiano da cidade. As reiteradas narrativas de delitos envolvendo amigos, vizinhos e
parentes demonstraria a imprevisibilidade das ações criminosas e a proximidade desses atos
(crimes) com as relações sociais corriqueiras de trabalho, lazer e vizinhança.
Além dos títulos das reportagens, a própria seleção das ocorrências que devem
“virar notícia” aparece como estratégia de “vitrinização” do jornal. Nesse aspecto, os
profissionais do Jornal Pequeno estabelecem uma hierarquia entre as diferentes modalidades
de delitos. Os homicídios, em especial, adquirem destaque sobre os demais crimes. No mesmo
sentido, ocorrências que envolvem agentes sociais com profissão ou ocupação “de destaque”
na sociedade são priorizadas.
A página policial do Jornal Pequeno também valoriza detalhes que possam
chamar a atenção do leitor por suas peculiaridades, ou seja, por destoarem do
corriqueiramente veiculado no jornal. Crimes ocorridos em circunstâncias “inusitadas”, ou
mesmo cômicas, seriam mais “atraentes”, sendo publicados com destaque sobre as demais
notícias. A valorização de outros “detalhes”, como partes do corpo de vítimas ou objetos
utilizados na execução do crime, é feita por meio de ampliações e destaques em fotografias.
150
A estrutura textual das reportagens também aparece como elemento que torna o
relato da violência “atraente”. Nesse aspecto, o “estilo” de escrita das notícias aproxima a
narrativa das ocorrências de um drama, com personagens previamente delimitados, cujas
ações são transformadas em papéis sociais claramente distintos: a “vítima” (do crime)
representa o “bem” e a cidadania; e, o “criminoso”, o “mal” e a criminalidade.
A própria história de São Luís é (re)inventada para que se possa “esclarecer”
questões correlatas ao crime. O tempo passado, que nunca é especificamente datado, aparece
como época ordeira e pacífica, na qual a cidade e a criminalidade eram inteligíveis.
O tempo presente faz-se enquanto caos. A violência desenfreada seria a marca da
contemporaneidade e a imprevisibilidade do crime tornaria a vida urbana algo perigoso. A
desordem do presente “explica”, sem pormenores, o crescimento da criminalidade e o
aparecimento cada vez maior de crimes “violentos e cruéis”. Dentre as estratégias de
ratificação dessa interpretação, percebidas na pesquisa, está a remissão a diferentes crimes
numa mesma reportagem, passando a idéia de que os delitos se (inter)relacionam e
comprovam o caos hodierno.
O futuro também adquire sentido nesse discurso. Se o cotidiano atual é
caracterizado pela “violência sem limites”, o porvir colherá as conseqüências desse caos.
Nesse aspecto, a remissão a um julgamento divino (“Juízo Final”), em que provavelmente a
humanidade será condenada pelos atos (violentos) de hoje, é a principal previsão constante
das reportagens do Jornal Pequeno. Valendo-se de estratégias discursivas como a exposição
de citações bíblicas, os jornalistas do periódico expressam a idéia de que a única forma de
salvação do “castigo divino” seria a diminuição de atos violentos, da criminalidade.
As notícias policiais do Jornal Pequeno são expostas como espetáculo. Os textos
e imagens veiculados nas reportagens buscam interagir diretamente com medos e desejos de
seu blico leitor, relacionados à violência e à criminalidade. O que é “vendido” nas edições
151
do periódico não são somente informações, mas, principalmente, o reforço de interpretações
sobre a violência cotidiana. O espectador encontra nas páginas do jornal a ratificação de
esquemas preconcebidos de “explicação” da criminalidade.
Uma das implicações das representações sobre a violência presentes no periódico
é a definição das “identidades” dos agentes sociais cujas práticas, de alguma forma
relacionadas com a criminalidade, são ali interpretadas. A simplificação radical da realidade
narrada promove um acelerado e ambíguo processo de organização simbólica dos indivíduos.
Assim, a análise diária de ações violentas, com o reiterado recurso a estereótipos e
preconceitos, estabelece um processo classificatório dos agentes sociais dentro de um sentido
dado à violência.
Nesse aspecto, um jogo de encaixes e desencaixes das ações relacionadas
ativa ou passivamente com a criminalidade, no sentido de que o discurso de repórteres e
editores do jornal separa os agentes sociais em dois extremos. O “bem” e o “mal” são
representados, respectivamente, pela “vítima” (ou “cidadão”) e pelo “criminoso”. Esses
extremos são excludentes, uma vez que seria impossível “encaixar” uma ação, ao mesmo
tempo, em ambos.
Os elementos textuais e visuais empregados na veiculação das reportagens se
constituem na principal forma através da qual a separação entre “criminosos” e “vítimas” é
realizada. As terminologias e adjetivações empregadas para identificar “bandidos e
“cidadãos” é evidente. Como destacado, os indivíduos envolvidos no crime são convertidos
em representantes de dois (opostos) fenômenos sociais: a “cidadania” e a “criminalidade”.
Esse processo de classificação dos agentes sociais prima pelo estabelecimento de
uma alteridade. O “outro”, a ser identificado, perseguido e punido, é o “criminoso”,
contrapondo-se ao “nós” (cidadãos), que corresponderia à normalidade. Existe mesmo um
processo de desumanização do infrator, no sentido de que o “criminoso” é identificado como
152
um não-homem, alguém a quem deve ser negado um tratamento similar aos homens de
bem”.
Relatos sobre ocorrências de “linchamentos” adquirem características específicas
na página policial do Jornal Pequeno. Suas causas (dos justiçamentos coletivos) são atreladas
à insatisfação popular derivada do mau funcionamento do Estado. Os “vazios” deixados pela
atuação estatal no que tange à segurança, saúde, educação e infraestrutura urbana são
preenchidos, no discurso dos profissionais do periódico, por manifestações privadas de
violência, dentre as quais ações de justiça coletiva.
Nessa concepção, a violência aparece como algo contagioso, capaz de se espraiar
onde não exista uma autoridade que imponha a ordem. Os atos de justiça coletiva, em
especial, convergem-se numa “segunda violência”, em manifestações de insatisfação que não
são autônomas, pois derivam de uma “primeira violência”, no caso, da criminalidade. O
enrijecimento do aparelho repressivo estatal apareceria como única estratégia de contenção da
violência.
Dessa forma, o crime violento, no discurso jornalístico enfocado, é dotado de
uma dinâmica, pois pode se espalhar. Mais do que isso, a criminalidade possuiria um
movimento pré-estabelecido. Daria-se num “ciclo”, com início, meio e fim predeterminados.
O “vazio político” deixado por um Estado sem autoridade principia as ações criminosas. A
parte intermediária (meio) da criminalidade é o próprio cometimento do crime. O fechamento
do “ciclo” do crime se daria com a penalização (punição) do criminoso.
A punição aparece então como algo provedor, pois possibilita o fim do
espraiamento da violência na sociedade. No entanto, as representações da violência constantes
das notícias policiais estudadas não atribuem a possibilidade de “fechamento do ciclo do
crime” (através da punição) apenas às sanções estatais (oficiais). Qualquer modalidade de
153
resolução de conflitos que possa garantir que o criminoso seja penalizado deve ser objeto de
valorização.
Nessa interpretação, os “linchamentos” adquiririam peculiar importância, pois
não seriam nada além da aplicação de uma pena pelos indivíduos mais diretamente
vitimizados pelo crime. Longe de se constituírem numa ausência de julgamento, os
justiçamentos coletivos aparecem como julgamentos sumários; como condenações
(populares) seguidas da imediata execução da pena imposta, tão rápida quanto a demanda pela
resolução da problemática da violência urbana.
Ante esse simplificado sistema explicativo da origem e dinâmica da violência, os
“linchamentos” emergem como fenômeno natural ao cotidiano. Os atos de justiça coletiva
seriam conseqüências normais à criminalidade; seriam uma reação esperável à lesão
ocasionada por suas vítimas (“linchados”). O discurso jornalístico sob enfoque defende,
mesmo que de maneira indireta, a descriminalização dos atos coletivos de justiça.
Entendo que o principal ponto de sustentação da idéia de naturalização dos
“linchamentos” é a atribuição de uma natureza ambivalente a tal fenômeno. Os justiçamentos,
em tal discurso, se fazem num misto de “violência” e “justiça”.
O jogo classificatório há pouco comentado, que simplifica as causas da violência
e estereotipa os agentes sociais que com ela mantêm contato, entra em desconcerto quando do
relato de justiçamentos coletivos. Os sujeitos neles envolvidos, notadamente os “linchadores”,
não parecem ser facilmente “encaixados” dentro dos extremos do “bem” e do “mal”. Da
mesma forma, mesmo tendo sofrido a agressão coletiva, o “linchado” nunca aparece enquanto
“vítima”; a ele são reservadas adjetivações pejorativas, aproximando-o da esfera “maligna” da
sociedade.
Outros elementos foram apontados no que tange à naturalização dos
justiçamentos:
154
a. A não prioridade em se detalhar informações sobre a ação dos
“linchadores”, aparecendo sempre de forma coadjuvante e sem identificação de autoria;
b. A presunção, em casos onde foi encontrada vítima de crime violento e
cujas circunstâncias do assassinato não estiveram definidas, de que se tratava de pessoa
“linchada”;
c. A exigência moral dos jornalistas no sentido de que seus leitores se
posicionem de alguma forma sobre a violência, o que, no entendimento adotado neste
trabalho, passa a idéia de naturalidade de ações (justiceiras) privadas contra a criminalidade;
d. A valorização positiva dessas ações (justiçamentos) em casos nos quais,
segundo a interpretação da equipe de reportagem do Jornal Pequeno, a população auxiliou no
trabalho de policiais; e, ao fim,
e. A dificuldade dos profissionais entrevistados de se pronunciarem sobre a
temática (“linchamentos”), através tanto do esquecimento de casos específicos de
“linchamentos” quanto da dificuldade na construção de discursos que opinem sobre tais ações,
demonstrando, segundo entendo, o quanto seus discursos não trazem bem definidas
valorações acerca de tais acontecimentos.
O trabalho realizado na página policial do Jornal Pequeno procurou se
concentrar na análise do discurso de um grupo específico de profissionais que, através de
opiniões (jornalísticas) diariamente veiculadas, mantém estreito contato com representações
sobre a violência e a criminalidade.
Nessa perspectiva, a interpretação de atos de justiça coletiva adquire
peculiaridades na medida em que se relaciona às noções de justiça, pena, impunidade e
legitimidade de resoluções privadas de conflitos, utilizadas pelos profissionais do Jornal
Pequeno para se posicionarem criticamente sobre essas ações.
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Os discursos sobre atos de justiça coletiva demandam a valoração de aspectos
que ordenam o mundo em que vivemos. A interpretação de tais ações (“linchamentos”) passa
pela própria (re)ordenação do cotidiano da cidade de São Luís.
O trato do relato de crimes como “mercadoria”, que, como citado, constitui a
prioridade de trabalho do discurso jornalístico estudado, pouco contribui para um
entendimento crítico da violência em São Luís. Os elementos elencados nas páginas do Jornal
Pequeno para “explicação” da criminalidade reduzem a complexidade de relações sociais que
influenciam na eclosão da violência. Aspectos correlatos a relações (conflituosas)
econômicas, políticas, de discriminação social e de gênero são, em regra, colocadas num
plano secundário se comparado aos (pré)conceitos e estereótipos (das ações de agentes sociais
envolvidos em crimes) utilizados pelos profissionais do jornal na interpretação da violência
urbana.
As peculiaridades que envolvem o tratamento dado pelo periódico ao relato da
violência, a meu ver, têm reflexo direto nas possibilidades de pesquisa sobre essa temática
(violência) no Maranhão. As entidades governamentais que mantém mais estreito contato com
a problemática da segurança pública, notadamente órgãos estaduais do Judiciário e do
Executivo, possuem (quando possuem) um precário sistema de coleta e organização de
informações, restringindo-se, na maioria das vezes, ao acúmulo de dados genéricos sobre
ocorrências de delitos e sobre os inquéritos policiais ou processos-crime instaurados para sua
averiguação.
Esse quadro deixa a pesquisa sobre o crime em São Luís a mercê de outras
fontes, que não as governamentais. Uma dessas principais fontes “alternativas” é a mídia
impressa, como os jornais. Assim, a crítica ao discurso presente na gina policial do Jornal
Pequeno, indiretamente, possibilita a reflexão sobre os limites da pesquisa sociológica acerca
de manifestações ligadas a violência em São Luís e no Maranhão.
156
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ENTREVISTADO 01: Editor-chefe da seção policial do Jornal Pequeno e Assessor de
Comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão. Sexo masculino.
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Cinqüenta e nove anos. Entrevista concedida a Yuri Michael Pereira Costa, em 04.11.2004, na
sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão.
ENTREVISTADO 02: Repórter da seção policial do Jornal Pequeno. Sexo masculino.
Quarenta e um anos. Entrevista concedida a Yuri Michael Pereira Costa, em 08.11.2004, na
sede do Jornal Pequeno.
ENTREVISTADO 03: Fotógrafo do Jornal Pequeno. Sexo masculino. Trinta e um anos.
Entrevista concedida a Yuri Michael Pereira Costa, em 18.11.2004, na sede do Jornal
Pequeno.
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ASSALTANTE é preso após ferir pastor a facadas. Jornal Pequeno, São Luís, 4 jul. 2003.
ASSALTO a taxista, perseguição e prisão no final da noite. Jornal Pequeno, São Luís, 1º
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Luís, 23 ago. 1998.
BANDIDO é linchado depois de um assalto: moradores do Santa Clara impõem “lei do
silêncio” no bairro. Jornal Pequeno, São Luís, 15 dez. 2003.
162
BANDIDO estupra e mata menina de dois anos na Vila Maranhão. Jornal Pequeno, São
Luís, 25 jun. 2002.
BANDIDO invade restaurante, estupra empregada e é linchado. Jornal Pequeno, São Luís,
10 set. 1995.
BANDIDO tenta roubar carro de policial, é perseguido e baleado. Jornal Pequeno. São Luís,
31 ago. 2001.
BANDIDOS matam taxista com quatro tiros. Jornal Pequeno, São Luís, 16 jun. 1997.
BEBEDEIRA entre amigos acabou em morte ontem à tarde na Vila Riod. Jornal Pequeno,
São Luís, 13 out. 1996.
CAPOTEIRO é linchado em briga. Jornal Pequeno, São Luís, 3 nov. 1994.
CENAS animalescas na rua Afonso Pena. Jornal Pequeno, São Luís, 27 nov. 1996.
CINCO assassinatos em São Luís. Jornal Pequeno, São Luís, 21 abr. 2001.
CLIMA bastante tenso. Jornal Pequeno, São Luís, 1º jun. 1997.
CONFUNDIDOS com assaltantes, cabeleireiro e lavrador são linchados por taxistas. Jornal
Pequeno, São Luís, 4 nov. 1997.
CRIANÇA de 4 meses morta a pauladas na Vila Luisão. Jornal Pequeno, São Luís, 30 dez.
1998.
CRIANÇA morre afogada. Jornal Pequeno, São Luís, 3 out. 1993.
CRIANÇA morre asfixiada e seus pais são presos no PC: vizinhos tentam linchar a mãe e a
babá da garotinha. Jornal Pequeno, São Luís, 6 maio 2003.
CRIME na Vila dos Nobres. Jornal Pequeno, São Luís, 24 dez. 2001.
CRIME no desterro. O Imparcial, São Luís, 2 jan. 2003.
DE ARREPIAR: criança aparece com o rosto comido e o olho arrancado. Jornal Pequeno,
São Luís, 30 nov. 2000.
DESCOBERTOS taxistas e PM que mataram na rodoviária. Jornal Pequeno, São Luís, 14
jan. 1995.
DESEMPREGADA abandona criança morta em construção após o parto na Areinha. Jornal
Pequeno, São Luís, 25 jun. 2003.
DOIS jovens morrem grudados numa cerca elétrica. Jornal Pequeno, São Luís, 26 nov. 2000.
DONO de loja é atingido a tiros por assaltantes na “Africanos”. Jornal Pequeno, São Luís, 1º
jan. 2003.
ESTUDANTE é morto quando se divertia com os familiares. Jornal Pequeno, São Luís, 18
set. 2000.
163
ESTUPRADOR assassinado com 161 facadas na Liberdade. Jornal Pequeno, São Luís, 4
maio 1993.
EXAME comprova que assassino violentou a vítima. Jornal Pequeno, São Luís, 23 nov.
2000.
EXPLODE a violência pelo MA. Jornal Pequeno, São Luís, 3 jul. 2003.
FAMÍLIA tenta linchamento no Angelim. Jornal Pequeno, São Luís, 9 set. 1996.
FARMACÊUTICA e funcionária do Estado são assassinadas barbaramente em São Luís.
Jornal Pequeno, São Luís, 23 nov. 2000.
FESTA de bumba-meu-boi acaba em assassinato no Renascença: vigia mata estudante e
depois morre ao ser linchado. Jornal Pequeno, São Luís, 12 maio 2003.
FILHO de policial mata vigilante a tiros. Jornal Pequeno, São Luís, 14 out. 1995.
FUNCIONÁRIOS ficaram trancados no escritório. Jornal Pequeno, São Luís, 1º jan. 2002.
FUSCA mata três pessoas em ponto de ônibus na Cohab. Jornal Pequeno, São Luís, 17 jan.
1996.
GARIMPEIRO mata mulher, a tia e é morto na Vila Kiola: assassino foi linchado a golpes de
facão e pauladas. Jornal Pequeno, São Luís, 3 jul. 2003.
HOMEM é linchado até a morte após matar vendedor de caranguejo. Jornal Pequeno, São
Luís, 18 nov. 2003.
HOMEM possuído por espírito mau suicida-se no Anjo da Guarda. Jornal Pequeno, São
Luís, 28 jul. 1999.
HOMENS embriagados são acusados de assalto, presos e espancados na M. Deus. Jornal
Pequeno, São Luís, 28 dez. 2000.
IML registra cinco casos de mortes violentas. Jornal Pequeno, São Luís, 1º maio 2002.
IRMÃOS matam açougueiro a pauladas e facadas. Jornal Pequeno, São Luís, 8 mar. 1994.
JOVEM abatido a tiros na feira do João Paulo. Jornal Pequeno, São Luís, 15 jan. 1996.
JOVEM é amarrado no poste, espancado e preso. Jornal Pequeno, São Luís, 18 jan. 2000.
JOVEM é linchado por populares e deixado amarrado num poste. Jornal Pequeno, São Luís,
7 maio 2003.
JOVEM morto a tiros e puladas no Anjo da Guarda. Jornal Pequeno, São Luís, 21 out. 1994.
JOVEM rouba bicicleta e quase é linchado. Jornal Pequeno, São Luís, 30 ago. 2002.
LINCHAMENTO no Desterro. Jornal Pequeno, São Luís, 30 abr. 1993.
164
LINCHAMENTO praticado por taxistas é apurado pela polícia. Jornal Pequeno, São Luís,
30 set. 1997.
LOJA é assaltada em shopping da Cohama. Jornal Pequeno, São Luís, 5 ago. 2002.
MAIS um fim de semana violento na Grande São Luís. Jornal Pequeno, São Luís, 19 maio
2003.
MENOR é violentado sexualmente e afogada em um riacho na V. Maranhão. Jornal
Pequeno, São Luís, 29 mar. 2001.
MORADORES também tentam linchar assaltante preso. Jornal Pequeno, São Luís, 27 jan.
2003.
MORRE no Socorrão menor atropelado. O Imparcial, São Luís, 11 fev. 1998.
MOTOQUEIRO é linchado após um acidente no “Canto do Valois”. Jornal Pequeno, São
Luís, 14 jun. 1993.
MOTOQUEIRO morre após acidente na Av. Jerônimo de Albuquerque. Jornal Pequeno, São
Luís, 27 dez. 2003.
MOTORISTA de táxi assaltado e baleado na cabeça por menor. Jornal Pequeno, São Luís, 9
ago. 1997.
MOTORISTA é assassinado barbaramente no Anel Viário. Jornal Pequeno, São Luís, 20
dez. 1996.
MULHER alvejada com um tiro de espingarda morre no Socorrão. Jornal Pequeno, São
Luís, 9 fev. 2000.
MULTIDÃO tenta linchar familiares de pichador. Jornal Pequeno, São Luís, 30 jul. 1993.
NOITE de terror. Jornal Pequeno, São Luís, 12 set. 1997.
NOITE sangrenta em São Luís: 4 mortes violentas. Jornal Pequeno, São Luís, 18 nov. 2003.
NOVE mortos no final de semana. Jornal Pequeno, São Luís, 13 set. 1994.
ÔNIBUS mata senhora. Jornal Pequeno, São Luís, 5 out.1994.
OPERÁRIO é assassinato a tiros na porta de sua casa. Jornal Pequeno, São Luís, 8 set. 2003.
PADEIRO com demônio no corpo mata mulher e esfaqueia pedreiro. Jornal Pequeno, São
Luís, 19 jul. 1996.
PESCADOR tarado atrai criança para praticar atos libidinosos. Jornal Pequeno, São Luís, 7
out. 1999.
“PIROQUINHA” é preso depois de assaltar ônibus no Santo Antônio. Jornal Pequeno, São
Luís, 31 jul. 2001.
165
PMS acusados de espancamento. Pedreiro nega assassinato. Jornal Pequeno, São Luís, 26
set. 1995.
POLÍCIA caça taxistas que promoveram linchamento. Jornal Pequeno, São Luís, 11 dez.
1995.
POLÍCIA captura elemento que assaltava taxistas. Jornal Pequeno, São Luís, 14 jun. 1996.
POLÍCIA começa a ouvir testemunhas que presenciaram cruel assassinato na Madre Deus.
Jornal Pequeno, São Luís, 7 fev. 2001.
POLÍCIA não identificável. Jornal Pequeno, São Luís, 20 jan. 2000.
POLÍCIA tenta prender outro envolvido na morte de jovem. Jornal Pequeno, São Luís, 1º
maio 2002.
POLICIAL atira em estudante e é linchado por populares. Jornal Pequeno, São Luís, 18 ago.
1999.
POPULAÇÃO tenta linchar dono de veículo que matou senhora. Jornal Pequeno, São Luís,
8 ago. 2002.
POPULARES amarram e tentam linchar assaltante na Cohab. Jornal Pequeno, São Luís, 26
mar. 2000.
POPULARES prendem bandido na feira do Anjo da Guarda. Jornal Pequeno, São Luís, 12
jun. 1999.
POVO tenta invadir delegacia para linchar matador de amante. Jornal Pequeno, São Luís, 10
jan. 1996.
PROFESSORA é assassinada por desordeiro na Raposa. Jornal Pequeno, São Luís, 25 mar.
2002.
PROMESSA em troca de sexo acaba mal. Jornal Pequeno, São Luís, 5 ago. 2002.
PUXADOR de veículos é morto em troca de tiros com PM’s: comparsa dele, espancado por
populares, está no Socorrão. Jornal Pequeno, São Luís, 21 out. 2003.
REVOLTADOS, taxistas tentam linchar assaltante. O Imparcial, São Luís, 27 jan. 2003.
SARGENTO reformado comete assassinato e provoca revolta no Bairro de Fátima. Jornal
Pequeno, São Luís, 22 out. 2003.
SERESTA termina em assassinato no Araçagi. Jornal Pequeno, São Luís, 22 abr. 1996.
SOLTO jovem que matou em legítima defesa da mãe. O Imparcial, São Luís, 19 set. 1997.
TAXISTA assassinado com 3 tiros no Itaqui. Jornal Pequeno, São Luís, 15 nov. 1995.
TAXISTAS e bandidos vivem noite tensa na Vila Maranhão. Jornal Pequeno, São Luís, 28
nov. 1996.
166
TAXISTAS fazem movimento para linchar assaltante. Jornal Pequeno, São Luís, 25 maio
2003.
TAXISTAS lincham bandido após assalto. Jornal Pequeno, São Luís, 23 set. 1997.
TAXISTAS tentam linchar assaltantes. Jornal Pequeno, São Luís, 23 out. 1995.
TIO mata casal de sobrinhos a pauladas dentro de um barraco. Jornal Pequeno. São Luís, 21
fev. 2004.
TIO mata o sobrinho em São Luís e sobrinho mata o tio em Rosário. Jornal Pequeno, São
Luís, 28 fev. 2000.
TIROTEIO e pânico na Vila Luisão. Jornal Pequeno, São Luís, 14 out. 1994.
TRAGÉDIA no Turu. Jornal Pequeno, São Luís, 25 maio 1994.
TRAGÉDIA. Jornal Pequeno, São Luís, 14 fev. 1995.
TRÊS jovens mutilados a golpes de facão e pau. Jornal Pequeno, São Luís, 11 abr. 1995.
UNIVERSITÁRIO morre ao se atirar de prédio no Renascença. Jornal Pequeno, São Luís,
23 jan. 2002.
VENDEDORA de roupas é estuprada e assassinada pelo ex-companheiro. Jornal Pequeno,
São Luís, 1º nov. 2003.
ZELADOR do Mercado Central é preso após molestar menino. Jornal Pequeno, São Luís, 1º
abr. 2003.
PROCESSO CRIMINAL
MARANHÃO. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Primeira Câmara Criminal.
Apelação Criminal n. 010863/1998. Apelante: A Justiça Pública. Apelados: José de Jesus
Santos e outro. Paginado. In. Cartório da Primeira Vara do Tribunal do Júri da Comarca
de São Luís. São Luís, 1998. 3 v.
167
APÊNDICES
168
APÊNDICE A – Quadro descritivo de notícias coletadas no Jornal Pequeno
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
01
29.04.93 Desterro Dois homens “tentaram roubar a bolsa
de uma moradora do Desterro, quando
foram surpreendidos por populares”.
Um deles conseguiu escapar, o outro
“sofreu a violência da população e
não foi assassinado em decorrência de
intervenção policial”.
Tentativa de
furto de bolsa de
“moradora” do
bairro do
Desterro.
“Pauladas” e “golpes
de facão”, que,
segundo a
reportagem,
ocasionariam a morte
não fosse intervenção
policial.
“Peixeiros” e
“pescadores”.
JP
57
30.04.93,
p. 1.
02
03.05.93 Liberdade Após tentar estuprar “moradora da
Liberdade”, a vítima foi perseguida e
assassinada por dois “moradores”, “um
deles irmão da mulher”.
Tentativa de
estupro de
“moradora da
Liberdade”.
“161 facadas”, que
ocasionaram a morte
da “vítima”.
“Dois moradores da
Liberdade”, um deles
irmão da mulher cuja
vítima do
“linchamento” tentou
“estuprar”.
JP de
04.05.93,
p. 1.
03
13.06.93 Monte
Castelo
“Motociclista”, após atropelar uma
“transeunte” na Av. Getúlio Vargas, é
perseguido “por populares [que] o
tentam linchar”.
Atropelamento
de jovem em via
pública.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Transeuntes” da Av.
Getúlio Vargas.
JP de
14.06.93,
p. 12.
04
28.07.93 Fátima No retorno do enterro de “menor
assassinado por gangue de pichadores”,
ocasião em que existiu “manifestação
por justiça, [...] várias pessoas
apedrejaram a residência de um dos
acusados pelo homicídio” e tentaram
“linchar” os “familiares” deste.
Homicídio de
“jovem”,
supostamente
por membros de
gangue de
pichadores”.
“Pedradas”. “Populares” que
participavam do
enterro de “jovem”
assassinado.
JP de
29.07.93,
p. 8.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
05
02.10.93 Aurora Homem que esperava namorada” na
residência desta, “chamou uma menor”
e, supostamente, a tentou molestar
sexualmente. “Diante dos gritos da
jovem, vizinhos se reuniram e o
tentaram linchar”, sendo impedidos
pela polícia.
Suposta tentativa
de abuso sexual
de “menor”.
“Socos e pontapés.” “Moradores vizinhos
à casa” em que
ocorreu a suposta
tentativa de abuso
sexual.
JP de
03.10.93,
p. 1.
06
07.03.94 Vila
Esperança
.
“Dois irmãos, [...] aparentemente
drogados”, “violentaram vários
moradores da Vila Esperança”, e, ao
fim, “mataram um açougueiro”, que ali
também residia, com “pauladas e
facadas”. Tais agressões “geraram a
revolta de populares que tentaram
linchar os agressores”, sendo
“impedidos pela polícia”.
Seqüência de
agressões a
“transeuntes” e
“homicídio” de
“morador da Vila
Esperança”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores
vizinhos” ao local
onde ocorreu o
“homicídio”.
JP de
08.03.94,
p. 6.
07
24.05.94 Turu Após estrangular até a morte sua
“namorada”, “morador do Turu tem
sua casa “cercada por populares que o
tentam linchar”. “Sem saber o que
fazer, ele se enforca”.
Assassinato de
“namorada” por
estrangulamento.
Inexistiu agressão
física direta, tendo
em vista que,
“quando cercavam
sua residência, o
“Moradores
vizinhos” ao local
onde residia o
“homicida”.
JP de
25.05.94,
p. 8.
57
JP – Jornal Pequeno.
169
homicida se
enforcou”.
08
12.08.94 Anjo da
Guarda
Em meio a uma “briga entre dois
traficantes [...], o comparsa de um
deles, ao tentar defendê-lo, atingiu com
um tiro fatalmente morador do bairro”.
Os “vizinhos, revoltados, invadiram a
casa do homicida para linchá-lo”. A
polícia “fez cessar a agressão”.
Assassinato de
“morador do
bairro [que] [...]
saía de casa para
ver a briga entre
dois traficantes”.
“Pauladas e golpes de
facão”, que, não fosse
intervenção policial,
“certamente
ocasionariam a
morte” do agredido.
“Moradores do
bairro” onde residia
homem assassinado
durante “briga entre
dois traficantes”.
JP de
13.08.94,
p. 1.
09
04.10.94 Outeiro da
Cruz
“Motorista de ônibus [...] atropela e
mata senhora que levava filha para a
escola”. É perseguido por “populares
que o tentam linchar”, mas consegue
escapar.
Atropelamento e
morte de
“transeunte”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Transeuntes” do
Outeiro da Cruz.
JP d
04.10.94,
p. 1.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
10
13.10.94 Vila
Luisão
“Luisão”, “líder comunitário que
batizou bairro com o próprio nome”,
após “desentendimento com vigia de
terra que tentava invadir”, persegue
este em coletivo que acaba interceptado
e baleado várias vezes. Momentos
depois, “a polícia dirige-se à Vila
Luizão para apreender o carro guiado
por ‘Luisão’” no acontecimento. “Ao
tentar executar a apreensão, os policiais
sofrem tentativa de linchamento por
populares”.
Tentativa, pela
polícia, de
apreender carro
pertencente a
‘Luisão’” (“líder
comunitário”).
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores da Vila
Luisão”.
JP de
13.10.94,
p. 8.
11.
20.10.94 São
Raimundo
.
“Homem” que, “na companhia de mais
duas pessoas”, tentava “assaltar
residência no Bairro São Raimundo
[...], foi surpreendido por populares que
o espancam violentamente até o
matarem”.
Tentativa de
assalto à “casa
localizada no
São Raimundo”.
“Pauladas e tiros”. “Moradores vizinhos
à casa onde foi
tentado o assalto”.
JP de
21.10.94,
p. 6.
12.
02.11.94 Sacavém Após “desentendimento entre
participantes de um jogo de futebol”, a
“briga se generaliza e os envolvidos
acabam se voltando contra um dos
jogadores, [que] [...] é perseguido e
morto”.
Desentendimento
entre
“participantes de
jogo de futebol”.
“Pauladas, pedradas e
facadas”.
“Participantes de
partida de futebol” no
Bairro do Sacavém.
OI
58
13.11.94,
p. 8
13.
06.01.95 Santo
Antônio
“Briga entre taxista e passageiro [...]
após discussão acerca do justo valor da
corrida”, acaba gerando a “revolta de
taxistas”. Preso por policiais “durante a
confusão” [...], o passageiro teria
reagido à intervenção de policiais que
igualmente o espancaram”. Em
“decorrência dos ferimentos, a vítima,
dias depois, veio a falecer”.
Discussão
iniciada por
“desentendiment
o acerca da
corrida cobrada
pelo taxista”.
“Socos e pontapés”. “Taxistas e Policiais
Militares que se
encontravam no
Terminal Rodoviário
de São Luís”.
JP de
14.01.
p. 8.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
14.
13.02.95 Retiro
Natal
“Indivíduo”, invade casa de ex-
namorada, a mata a facadas” e, “após se
ver cercado por populares, corta os
pulsos e esfaqueia o próprio peito”.
Ainda existiu intervenção policial, mas,
“já no hospital, vem a falecer”.
Assassinato de
“ex-namorada”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores vizinhos
à casa onde mulher
foi morta” por ex-
namorado.
JP de
14.02.95,
p.
6.
58
OI – O Imparcial.
170
15.
10.04.95 Vila
Mauro
Fecury II
“Três jovens”, na tentativa de assalto à
residência, são “surpreendidos por
populares” que os assassinam.
Tentativa de
assalto à
residência.
“Pauladas e golpes de
facão”.
Moradores “vizinhos
à casa” onde ocorreu
tentativa de assalto.
JP de
11.04.95,
p. 6.
16.
17.07.95 Areinha “Homem assassina morador da
Areinha” após discussão em bar.
Perseguido e espancado por
“populares”, é salvo pela polícia.
Assassinato de
“morador da
localidade” após
briga.
Forma de agressão
não identificada.
“Vizinhos” do
“morador da
Areinha”
assassinado.
JP de
18.05.95,
p. 6.
17.
09.09.95 Maiobão “Rapaz [...] assalta residência e estupra
empregada que ali dormia”. È
“perseguido e espancado por
populares”, sendo salvo por “policial
que morava nas proximidades”.
“Assalto à
residência” e
“estupro” de
“empregada
doméstica”.
“Socos e pontapés”. “Vizinhos à
residência onde foi
estuprada [...]
empregada
doméstica”.
JP de
10.09.95,
p. 1.
18.
25.09.95 Vila Ivar
Saldanha
“Homem” é acusado por “populares”
de ser “responsável por assassinato
ocorrido dias antes”. “Após agressão da
multidão é preso e levado à delegacia”.
Suspeita de
assassinato de
“morador do
bairro”.
Forma de agressão
não identificada.
“Moradores vizinhos
ao local” onde
morava a pessoa
assassinada.
JP de
26.09.95,
p. 1.
19.
13.10.95 Cidade
Operária
“Motorista de carro” discute com
“populares” acerca de passagem por rua
interditada, “dispara tiros na multidão,
vitimando um homem” e é perseguido
por “populares” que o tentam “linchar”.
Assassinato de
homem após
discussão sobre
“passagem em
rua interditada”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Pessoas presentes”
no momento em que
ocorreu discussão em
via pública.
JP de
14.10.95,
p. 8.
20.
22.10.95 Liberdade “Casal”, após prisão durante “tentativa
de assalto à taxista”, é transferido da
Delegacia da Liberdade para o Plantão
Central da SEJUSPC
59
. No trajeto, as
viaturas “são interceptadas por dezenas
de taxistas que os tentam linchar”.
Tentativa de
assalto a taxista.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Taxistas”.
JP de
23.10.95,
p. 6.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
21.
14.11.95 Vila
Maranhão
Homem “assassina cunhado taxista”, é
perseguido por “taxistas” que o
interceptam e o “violentam”, sendo
impedidos por policias.
Assassinato de
“taxista”.
“Golpes de facão”. “Taxistas”.
JP de
15.11.95,
p. 6.
22.
10.12.95 Parque
Vitória
Suspeito de “assaltar taxista é retirado
de sua casa” por “taxistas” que o levam
a “matagal [...], o espancam e atiram”.
“Só escapa após ter fingido de morto”.
Acusação de
“assalto a
taxista”.
“Espancamento e
tiro”.
“Taxistas”.
JP de
11.12.95,
p. 6.
23.
09.01.96 Liberdade “Moradores da Liberdade” tentam
invadir delegacia onde estava preso
“assassino de amante” para “linchá-lo”.
São impedidos por policias.
“Assassinato de
amante”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores da
Liberdade que
conheciam” a
“amante” assassinada
JP de
10.01.96,
p. 8.
24.
13.01.96 Liberdade “Jovem”, após “ferir outro a golpes de
facão”, é perseguido e espancado por
“moradores da Liberdade”, acabando
parar no hospital.
Agressão a
“jovem” com
“golpes de
facão”.
“Socos e pontapés”. “Moradores que
presenciaram a
agressão ao jovem”.
JP de
14.01.96,
p. 8.
25.
14.01.96 Cohab “Motorista atropela e mata três pessoas
que estavam em ponto de ônibus”, é
cercado por “populares” que o tentam
“linchar” e foge do local.
Atropelamento
de “três pessoas
que aguardavam
ônibus”.
“Socos e pontapés”. “Transeuntes que
passavam no
momento do
atropelamento”.
JP de
17.01.96,
p. 8.
26.
20.03.96 Centro Homem tenta assaltar taxista no bairro
do João Paulo, “leva tiro da polícia e,
após ser encaminhado a hospital, sofre
tentativa de linchamento por taxistas”,
que são “impedidos pela polícia”.
“Tentativa de
assalto a táxi”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Taxistas”.
JP de
21.06.96,
p. 10.
27.
01.04.96 Araçagi Após “assassinato de homem durante
briga em uma seresta”, a “população”
investe contra o “homicida” e “só não o
executa devido à intervenção policial”.
“Assassinato de
homem durante
briga em
seresta”.
“Espancamento” que
foi cessado “devido à
intervenção policial”.
“Pessoas que
freqüentavam a
seresta no momento
da briga”.
JP de
02.04.96,
p. 6.
59
Secretaria de Justiça, Segurança Pública e Proteção ao Cidadão.
171
28.
11.07.96 Liberdade Homem, “dizendo-se possuído por
espírito maligno [...], mata uma mulher
e fere um homem que transitavam na
rua”, sendo “amarrado e espancado por
moradores”. Ao fim, é entregue à
guarnição da polícia.
Assassinato de
mulher e
tentativa de
assassinato a
“transeunte”.
“Amarraram o
homicida,
espancaram-no e, em
seguida”,
entregaram-no à
polícia.
“Moradores vizinhos
ao local” das
agressões.
JP de
12.07.96,
p. 8.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
29.
08.09.96 Angelim “Quatro integrantes de uma família
espancaram homem que tinha se
desentendido momentos antes” com um
dos “familiares”, durante travessia de
ponte que “dá acesso ao bairro”.
Desentendimento
“por conta de
travessia de
ponte”.
“Espancamento” e
“golpes de facão”.
“Quatro integrantes
de uma família”.
JP de
09.09.96,
p. 5.
30.
12.10.96 Vila Riod “Após bebedeira”, “jovem” é
assassinado com golpes de faca
“desferidos por desconhecido”. A
“população” segue o “homicida com o
fito de linchá-lo”, mas não o alcança.
Assassinato de
“jovem”, “após
bebedeira”, por
“desconhecido”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Pessoas que se
divertiam no local”
onde ocorreu o
homicídio.
JP de
13.10.96,
p. 8.
31.
19.12.96 Desterro Após “discussão com motorista de
ônibus”, “jovem mata o condutor”.
“Populares o espancam”, somente
parando com “intervenção da polícia”.
“Assassinato de
motorista de
ônibus”.
“Meios diversos de
agressão”.
“Passageiros e
populares” que se
encontravam próximo
ao ônibus.
JP de
20.12.96,
p.
8.
32.
30.06.97 Beira-Mar “Dezenas de taxistas cercaram o
Plantão Central [da SEJUSPC]” e
“tentaram invadir para linchar menores
que assassinaram taxista”. A mesma
tentativa se deu “na transferência dos
menores para a DPCA
60
”.
Assassinato de
“taxista” durante
“assalto ocorrido
no Portinho”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Taxistas”.
JP de
01.07.97,
p. 8.
33.
09.08.97 Vila Sol e
Mar
“Vários taxistas” tentam “linchar
menor que baleara taxista após
tentativa de assalto”. Foram impedidos
pela polícia.
Tentativa de
assalto a “taxista
[...] ferido com
arma de fogo”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Taxistas”.
JP de
10.08.97,
p. 8.
34.
11.09.97 Fátima Homem “invade residência e tenta
assassinar a proprietária”. “Um de seus
filhos” chama a “vizinhança” que “o
consegue dominar e matar”.
Tentativa de
“assassinato de
dona-de-casa [...]
por invasor”.
“Pedradas, pauladas e
golpes de enxada”.
“Filho da agredida” e
“moradores vizinhos
a sua residência”.
JP de
12.09.97,
p. 8.
35.
11.09.97 Cidade
Olímpica
“Policial, após discussão com
carroceiro por motivo fútil”, assassina-
o a tiros. “Moradores do bairro o
cercam e tentam linchá-lo”, sendo
impedidos por policiais.
Assassinato de
“carroceiro” por
policial.
“Socos e pontapés”. “Moradores vizinhos
ao local” onde foi
assassinado o
“carroceiro”.
OI de
12.09.97,
p. 7.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
36.
22.09.97 Sacavém “Três jovens tentam assaltar taxista”,
este reage e consegue “fazer com que
dois imprimissem fuga”. O “terceiro
fica preso no carro”. “As chamar
outros taxistas, inicia-se linchamento
do jovem que é salvo ainda com vida
pela polícia”.
Tentativa de
assalto a
“taxista”.
“Socos e pontapés”. “Taxistas”.
JP de
23.09.97,
p. 8.
37.
29.09.97 Vila
Maranhão
“Taxistas seqüestram suspeitos de
assalto na área do Anel Viário” e os
levam para “matagal”. Porém, “após
espancamento, são presos pela polícia”.
Suspeita de
assalto a
“taxistas”.
“Espancamento”. “Taxistas”.
JP de
30.09.97,
p.
8.
38.
03.11.97 Cidade
Operária
“Taxista [...] confunde lavrador e
cabeleireiro com assaltantes” e “chama
outros companheiros”. Os taxistas
Suspeita de
assalto a
“taxista”.
“Socos e pontapés”. “Taxistas”.
JP de
04.11.97,
p. 8.
60
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
172
tentam linchá-los”, mas os agredidos
são salvos “por cunhado de um deles”.
39.
17.11.97 São
Francisco
“Homem [...] confunde jovem com
assaltante que pouco o teria roubado
tênis”, mata-o “com paulada e [...] é
linchado por populares”.
Assassinato de
“jovem com
paulada”.
“Espancamento”. “Transeuntes que
passavam no local
onde ocorreu
assassinato de
jovem”.
JP de
18.11.97,
p. 8.
40.
27.11.97 Vila
Maranhão
“Três jovens” tentam assaltar “taxistas”
que, socorrido por outros “motoristas”,
consegue rendê-los. Após
espancamento, “os jovens são
resgatados pela polícia”.
Tentativa de
assalto a
“taxistas”.
“Socos e pontapés” “Taxistas”.
JP de
28.11.07,
p. 8.
41.
09.02.98 Estiva “Motorista” atropela e “mata
acidentalmente jovem” na BR-135 e
foge após a população “tentar linchá-
lo”.
Atropelamento
de “jovem”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Pessoas que se
encontravam próximo
ao local do
atropelamento”.
OI de
11.02.98,
p. 6.
42.
22.08.98 Fátima Após “tentar assaltar supermercado”
[...], jovem é rendido e espancado por
populares”. “Minutos depois”, a polícia
chega e o prende.
“Tentativa de
assalto a
supermercado”.
“Socos e pontapés”. “Pessoas que, no
momento do assalto,
estavam no
supermercado”.
JP de
23.08.98,
p. 12.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
43.
30.09.98 Cohab “Acusado de assalto a táxi” é
“interceptado por taxista quando
imprimia fuga em coletivo”. Após
espancamento, é “salvo por policiais”.
“Assalto a
taxista”.
“Espancamento”. “Taxistas”.
JP de
01.10.98,
p. 8
44.
29.12.98 Vila
Luisão
“Menor”, suspeito de ser “deficiente
mental” [...], mata a pauladas uma
criança de quatro meses”. A
“população se aglomera e o persegue”,
porém, não o consegue alcançar.
“Assassinato de
criança a
pauladas”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores
vizinhos” ao “local
onde a criança foi
assassinada”.
JP de
30.12.98,
p. 10.
45.
17.01.99 Turu Após “discussão entre civil e policial
em casa de espetáculo”, este desfere
tiro naquele. A “população inicia
agressão ao policial”, que é contida
com a “intervenção de seguranças da
casa”.
Agressão, com
arma de fogo”,
“durante
espetáculo”.
“Espancamento”. “Populares que
freqüentavam a casa
de espetáculos”.
JP de
18.01.99,
p. 8.
46.
13.04.99 Cidade
Operária
“Menor” tenta “assaltar taxista” é
“rendido por outros motoristas que
iniciam linchamento”, cessando a
agressão com “intervenção policial”.
Tentativa de
assalto a
“taxista”.
“Espancamento”. “Taxistas”.
JP de
14.04.99,
p. 12.
47.
11.06.99 Anjo da
Guarda
Após cometer “furto em feira [...],
homem é cercado por populares que
não o agridem”, mas o levam a “posto
da polícia”.
Assalto à
“senhora” em
feira pública.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Populares e
feirantes”.
JP de
12.06.99,
p. 12.
48.
27.07.99 Caratatiua
.
Após “arrombar casa, homem é
perseguido por multidão” que o “agride
violentamente”.
“Assalto a
residência”.
“Socos e pontapés”. “Moradores de perto
da casa arrombada”.
JP de
28.07.99,
p. 12.
49.
06.10.99 São
Francisco
“Morador”, após ser “flagrado
abusando sexualmente de vizinha
menor”, é “detido por populares que
chamam a polícia e [...] lhe ameaçam,
caso volte ao bairro, linchá-lo”.
“Abuso sexual
de vizinha
menor”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Vizinhos ao local
onde o homem
abusou da criança”.
JP de
07.10.99,
p.12.
50.
15.01.00 Anjo da
Guarda
“Comerciante [...] flagra jovem
assaltando sua sorveteria, [...] o rende e
amarra em poste”, e, em seguida,
aplica-lhe “violenta surra”.
“Tentativa de
assalto à
sorveteria”.
“Surra com ‘umbigo
de boi’”.
“Dono do
estabelecimento”.
JP de
18.01.00,
p. 12.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
173
51.
08.02.00 Cidade
Olímpica
“Jovem atira com espingarda e mata
mulher que se encontrava na frente de
casa”. “Dias depois, quando a vítima
morreu no hospital, [...] populares
procuram e espancam violentamente” o
homicida.
“Assassinato de
mulher”.
“Espancamento [...]
que deixou a vítima
em estado
deplorável”.
“Familiares da
mulher assassinada”
e “vizinhos” da
mesma.
JP de
09.02.00,
p. 14.
52.
25.03.00 Cohab “Jovem, após assaltar transeunte [...], é
perseguido, rendido e amarrado por
populares” que lhe aplicam “surra”.
Assalto à
“mulher que
transitava em rua
do bairro”.
“Espancamento”. “Moradores
vizinhos” e
“transeuntes”.
JP de
26.03.00,
p. 12.
53.
28.02.00 Liberdade “Jovem é [...] assassinado por
familiares e vizinhos” após “suspeita de
ter estuprado a própria mãe”.
Suspeita de
“estupro da
própria mãe”.
“26 golpes de faca e
facão e 2 tiros”.
“Familiares e
vizinhos do
agredido”.
JP de
29.02.00,
p. 12.
54.
17.09.00 São
Bernardo
“Homem armado com faca invade
seresta e agride três pessoas”, matando
uma. “Foge [e] [...] se esconde em
hospital”. “Familiares do jovem morto”
e “populares tentam pegar o homicida”,
mas são impedidos por “segurança do
hospital”.
Assassinato de
“jovem” e lesão
a outras duas
pessoas.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Familiares” e
“vizinhos”.
OI de
18.09.00,
p. 5.
55.
29.10.00 São
Francisco
“Homem”, sob “ameaça de arremessá-
las da ponte”, “assalta duas mulheres
que ali passavam”. É perseguido por
“populares” que, “após aplicar-lhe
surra [...], entregam-no à polícia”.
Assalto a
“mulheres que
passavam na
ponte”.
“Socos e pontapés”. “Transeuntes que
passavam pela ponte
no momento do
assalto”.
JP de
30.10.00,
p. 8.
56.
12 e
22.11.00
Cohatrac. Tentativas de “populares” em invadir
delegacia “durante o período em que
ficou preso réu confesso de estupro e
assassinato de mulher”.
“Estupro e
assassinato de
mulher”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores vizinhos
à delegacia”.
JP de
20.11.00,
p. 12.
57.
27.12.00 Anjo da
Guarda
“Dois homens”, “bêbados”, tentam
assaltar “senhora em via pública”. São
“rendidos e espancados por populares
[...] que só não o executam devido à
intervenção da polícia”.
Tentativa de
“assalto à
senhora”.
“Espancamento” “Populares” que “se
encontravam na via
pública [...] no
momento do assalto”.
JP de
28.12.00,
p. 12.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
58.
04 e
06.02.01.
Madre
Deus
Tentativas de “populares de invadir
delegacia durante o período em que
ficou preso homem que assassinou a
tiros um percussionista”.
Assassinato de
“conhecido
percussionista do
bairro”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores do bairro
da Madre Deus”.
JP de
07.02.01,
p. 12.
59.
28.03.01 Vila
Maranhão
“Menor [...] estupra e mata vizinha de
oito anos”. Após “recolhimento em
viatura da polícia, forma-se
aglomeração que o tenta linchar”.
“Estupro e
assassinato de
menor”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores vizinhos
ao local onde se
efetuou a prisão do
homicida”.
JP de
29.03.01,
p.12.
60.
13.06.01 Calhau “Assaltantes de taxistas sofrem ameaça
de linchamento de outros presos dentro
de delegacia”.
“Assaltos a
taxistas”.
“Espancamento”. “Presos” da mesma
delegacia”.
JP de
14.06.01,
p. 12.
61.
22.06.01 Desterro Após “atirar em homem durante briga
em cabaré”, “advogado é perseguido
por populares que o tentam linchar”,
conseguindo escapar.
Tentativa de
assassinato de
“homem durante
briga”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Amigos da vítima” e
“populares que se
encontravam no
cabaré”.
JP de
23.06.01,
p. 12.
62.
30.07.01 Santo
Antônio
Dois “menores invadem e tentam
assaltar ônibus”. Os “passageiros os
imobilizam e iniciam espancamento”.
“Tentativa de
assalto a
ônibus”.
“Espancamento”. “Passageiros do
ônibus assaltado”.
JP de
31.07.01,
p. 12.
63.
23.12.01 Vila dos
Nobres
“Homem [...] tenta separar briga de
casal vizinho” e é “morto a facadas”.
“Moradores do bairro rendem o
agressor”, amarram-no e “imprimem
violenta surra”. O “homicida” é levado
Assassinato de
“vizinho [que]
[...] tentava
separar briga de
casal”.
“Socos e pontapés”. “Vizinhos ao local
onde ocorreu o
homicídio”.
JP de
24.12.01,
p. 10.
174
por “populares” à delegacia.
64.
23.12.01 Coroado “Jovem”, após “assaltar transeunte”, é
perseguido e “assassinado [...] por
populares a golpes de faca”.
“Assalto à
mulher”.
“Espancamento e
golpes de faca”.
“Transeuntes e
moradores vizinhos
ao local do assalto”.
JP de
24.12.01,
p. 10.
65.
31.12.01 Vila
Passos
“Jovem” assalta “mulher [...], é
espancado por populares”, conseguindo
“se refugiar até a chegada da polícia”.
“Assalto à
mulher em via
pública”.
“Socos e pontapés”. “Pessoas que
passavam no local do
assalto”.
JP de
01.01.02,
p. 16.
66.
26.04.02 Cidade
Olímpica
“Dois homens [...], [após] roubo de
bicicleta” que acarretou “morte de um
jovem e ferimento de outro”, são
perseguidos, rendidos e “espancados
por populares”.
“Roubo de
bicicleta” e
“assassinato de
jovens”.
“Espancamento”. “Transeuntes que
passavam no local do
latrocínio”.
JP de
27.04.02,
p. 12.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
67.
07.08.02 Cidade
Operária
“Motorista [...] atropela dois pedestres,
deixa um homem gravemente ferido e
mata uma senhora”. È “espancado por
populares”. Ao fim, houve intervenção
policial e prisão do “motorista”.
“Atropelamento
de duas
pessoas”, sendo
que uma morreu.
“Espancamento”. “Populares que
transitavam na via”
onde ocorreu o
atropelamento.
JP de
08.08.02,
p. 12.
68.
29.08.02 Cohatrac Homem “rouba bicicleta de jovem, [...]
é perseguido e espancado por
populares”. A agressão “cessa com
intervenção da polícia”.
“Roubo de
bicicleta”.
“Socos e pontapés”. “Transeuntes da
avenida” onde
ocorreu o roubo.
JP de
30.08.02,
p. 12.
69.
03.08.02 Cohama “Indivíduo [...] assalta loja de
conveniências e [em seguida] é
perseguido e espancado por populares”.
O dono da loja assaltada “impede a
continuidade da agressão e leva o
assaltante à polícia”.
“Roubo a loja de
conveniências”.
“Socos e pontapés”. “Moradores vizinhos
à loja assaltada”.
JP de
04.08.02,
p. 10.
70.
31.12.02 Sacavém “Populares perseguem, rendem e
espancam um dos homens que baleou”,
momentos antes, “comerciante durante
assalto”. Em seguida, os “populares”
“entregaram o agredido à polícia”.
“Assalto a
comércio” em
que o dono do
estabelecimento
foi baleado.
“Espancamento”. “Vizinhos ao
estabelecimento”
assaltado.
JP de
01.01.03,
p. 16.
71.
01.01.03 Desterro Durante “discussão entre dois homens”,
um “esfaqueia o outro”. O “agressor é
perseguido e espancado por populares”.
“Agressão
durante
discussão”.
“Espancamento”. “Populares que se
encontravam no local
da discussão”.
OI de
02.
p. 8.
72.
26.01.03 São
Francisco
“Sujeito rouba carro de taxista, é
perseguido por viatura da polícia” (que
acaba capotando) e “bate o carro em
poste”. “Populares o espancam no local
do acidente”. A polícia, impedindo a
agressão, “dirige o assaltante para o
Plantão Central da SEJUSPC, onde
nova tentativa de linchamento”.
“Roubo do carro
de taxista”.
“Socos e pontapés”. “Populares” e
“taxistas que se
encontravam no local
do acidente”.
OI de
27.01.03,
p. 2.
73.
26.01.03 Vila dos
Nobres
Dois “homens assaltam uma casa de
frios e pescados e disparam tiros contra
outros estabelecimentos”. “Já em mãos
da polícia, populares os tentam
agredir”.
“Assalto a
comércio”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores do local
onde ocorreu o
assalto”.
OI de
27.01.03,
p. 2.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
74.
31.03.03 Madre
Deus
Após ser reconhecido por “criança da
qual teria abusado sexualmente dias
antes”, “morador é “violentamente
espancado por populares”. “A execução
não se consumou por intervenção da
polícia”.
Suspeita “de
abuso sexual de
menor”.
“Espancamento”. “Populares” que
moram “próximo à
residência do menino
violentado”.
JP de
01.04.03,
p. 12.
75.
05.05.03 Coroado “Mãe e babá de criança estrangulada
[...] sofrem tentativa de linchamento
“Assassinato de
bebê de sete
Tentativa que não
principiou agressão
“Moradores de perto
da residência onde a
JP de
06.05.03,
175
por moradores vizinhos”. A agressão é
impedida por “intervenção de
policiais”.
meses” por
estrangulamento.
física. criança foi morta”.
p. 10.
76.
06.05.03 Redenção Homem é pego “pulando muros no
bairro, [...] é amarrado num poste por
populares que o espancam até a morte”.
Suspeita de
“assalto a
residências do
bairro”.
Forma de agressão
não identificada.
“Vizinhos do local”.
JP de
07.05.03,
p. 10.
77.
11.05.03 Renascenç
a
“Vigilante de arraial, [após] matar
estudante durante discussão”, é
perseguido e “executado por
populares”.
“Assassinato de
jovem” durante
“discussão em
arraial”.
“Socos e pontapés”. “Populares que
participavam do
arraial”.
JP de
12.05.03,
p. 10.
78.
18.05.03 São
Francisco
“Motorista de xi [é] [...] fechado
durante ultrapassagem”, sobe em
canteiro e atinge “mãe e filha”, vindo
aquela a falecer. Em seguida,
“aglomeram-se populares que tentam
linchar o motorista”. Protegido
temporariamente “por outros taxistas,
[...] o motorista é entregue à polícia”.
“Atropelamento”
e morte de
mulher por
“taxista”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Curiosos que se
encontravam no local
do acidente”.
JP de
19.05.03,
p. 6.
79.
24.05.03 Liberdade Após “anúncio de prisão de assaltante
[...], taxistas se aglomeram em frente à
delegacia”, onde “ameaçam
linchamento”. A polícia “impediu a
agressão”.
Assaltos a
“taxistas”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Taxistas”.
JP de
25.05.03,
p. 12.
80.
22.06.03 Vila
Maranhão
Homem “estupra e mata criança de dois
anos”. É “perseguido e espancado por
populares” que “só não o executam por
conta de intervenção policial”.
“Estupro e morte
de criança de
dois anos”.
“Espancamento”. “Familiares” e
“moradores vizinhos
à residência da
criança”.
JP de
23.06.03,
p. 10.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
81.
24.06.03 Areinha “Mãe mata criança logo após o parto e
a abandona em matagal”. Após
descoberta do “cadáver”, “vizinhos
tentam linchá-la”, mas a mesma é
“salva pela polícia”.
Assassinato de
“criança pela
mãe [...] logo
após o parto”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores [...] perto
de onde a homicida
morava”.
JP de
25.06.93,
p. 10.
82.
02.07.03 Vila Kiola
II
“Homem”, por “suposta questão
passional, [...] mata a mulher e a tia
com tiros”. A “vizinhança” o persegue
e o “espanca até a morte”.
“Assassinato de
mulher e tia [...]
por homem”.
“Golpes de pau, faca
e facão” que
ocasionaram a “morte
do agredido”.
“Vizinho que moram
no local” do
assassinato.
JP de
03.07.03,
p. 12.
83.
03.07.03 Cidade
Operária
Após “assaltar ciclista [...], homem é
perseguido por populares e se esconde
em matagal”. Durante sua prisão,
“populares ainda o tentam linchar”.
“Assalto a
ciclista” em “via
pública”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Transeuntes que
estavam na rua em
que ocorreu o
assalto”.
JP de
04.07.03,
p. 8.
84.
30.08.03 Monte
Castelo
“Homem [...] assalta carro em avenida
do Monte Castelo”, é perseguido por
“multidão e se esconde em padaria”,
após “tumulto, [...] leva tiro de popular
e é preso pela polícia”.
“Assalto a [...]
carro em via
pública”.
“Tiro”. “Transeuntes” que
passavam na via
“onde ocorreu o
assalto”.
JP de
31.08.03,
p. 12.
85.
07.09.03 Sá Viana Durante acerto de contas entre dois
adversários”, um deles “atira e mata o
outro”. O “homicida é perseguido por
populares”, mas consegue escapar.
Assassinato de
homem “durante
acerto de
contas”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores do local
do assassinato”.
JP de
08.09.03,
p. 16.
86.
20.10.03 Juçatuba Após “realizarem assalto a motos [...],
dois homens são surpreendidos pela
polícia”. “Um, após troca de tiros com
policiais, acaba morto”. “O outro é
perseguido, dominado e espancado por
populares”, indo parar “gravemente
ferido” em hospital.
“Roubo de
motos”.
“Espancamento”. “Populares que
passavam no local da
abordagem policial
aos assaltantes”.
JP de
21.10.03,
p. 10.
176
87.
21.10.03 Fátima “Militar reformado assassina vizinho a
tiros e [...] tem sua casa cercada e
apedrejada por populares”. A polícia
impede a invasão.
“Assassinato de
vizinho a tiros”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Moradores vizinhos
ao local do
assassinato”.
JP de
22.10.03,
p. 10.
N. Data Local
(bairro)
Descrição Motivação Forma de agressão Agentes sociais
envolvidos
Fonte
88.
31.10.03 João
Paulo
“Homem” “estupra e mata ex-
companheira”. “Vizinhos descobrem o
crime [...], perseguem o homicida”,
mas este consegue “pegar ônibus e
escapar”.
“Estupro e
assassinato [...]
de mulher por
ex-
companheiro”.
Tentativa que não
principiou agressão
física.
“Vizinhos ao local do
assassinato”.
JP de
01.11.03,
p. 10
89.
17.11.03 Vila
Maranhão
Durante “assalto a vendedor de
caranguejo”, o assaltante “o acaba
matando”. “Populares o dominam e o
espancam até a morte”.
“Assassinato de
vendedor de
caranguejo [...]
durante assalto”.
“Golpes de pau e
pedradas” que
ocasionaram a “morte
do agredido”.
“Moradores do
bairro”.
JP de
18.11.03,
p. 10.
90.
07.12.03 Santa
Clara.
Dois “menores” são “surpreendidos por
populares quando tentavam assaltar
idoso”. A “execução dos menores” foi
impedida pela polícia.
Tentativa de
assalto a “idoso”
por “menores”.
“Espancamento”. “Moradores vizinhos
ao local do assalto”.
JP de
15.12.03,
p. 12.
91.
14.12.03 Santa
Clara
“Três homens invadem estabelecimento
para assaltá-lo [...] e ferem a tiros
comerciante”. A “população os
persegue e consegue pegar um
assaltante”, que é “linchado até a
morte”.
Assalto e
“agressão a
comerciante”.
“Golpes de pau, faca
e pedradas” que
ocasionaram a “morte
do bandido”.
“Vizinhos” ao local
do assalto.
JP de
15.12.03,
p. 12.
92.
24.12.03 Desterro “Pela manhã [...], assaltante, após
roubo frustrado, é espancado por
populares e levado por policial a
hospital”. “À tarde [...], foge do
hospital”, tenta “novo assalto” e é
novamente “espancado por populares
[...], retornando dessa vez ao hospital
em estado mais grave”.
“Duas tentativas
de assalto”.
“Socos, pauladas e
pedradas”.
“Pessoas que
transitavam” nos
locais onde
ocorreram as
“tentativas de
assalto”.
JP de
25.12.03,
p. 8.
93.
26.12.03 Vinhais “Motorista atropela e mata motoqueiro
em cruzamento de sinal”. “Populares se
reúnem [...], destroem o carro do
motorista, espancam [e] [...] o entregam
à polícia”.
Morte de
“motoqueiro em
acidente
automobilístico”.
“Socos e pontapés”. “Pessoas que
transitavam no local
onde ocorreu o
acidente”.
JP de
27.12.03,
p. 8.
177
APÊNDICE B – Tabelas temáticas referentes a atos de justiça coletiva
61
Tabela 1
Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de São Luís do Maranhão
segundo o motivo que os desencadeou
Motivo
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Briga
4
0 1 0 1 0 0 0 0 0 1 1
Crimes contra a vida
35
2 3 5 6 4 2 1 1 3 0 8
Crimes contra o patrimônio
36
1 1 3 1 5 2 3 4 4 2 10
Crimes contra os costumes
6
2 0 1 0 0 0 1 1 0 0 1
Outros
3
0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Vários crimes
9
0 1 0 1 0 0 0 2 1 2 2
Tabela 2
Atos de justiça coletiva no Município de São Luís do Maranhão
segundo a ação dos agressores
Bairro Tipo de delito
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Angelim Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Anjo da
Guarda
Tentativa de
homicídio
2
0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Anjo da
Guarda
Lesão corporal
2
0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0
Araçagi Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Areinha Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Areinha Tentativa de
homicídio
2
0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0
61
Fonte: Jornal Pequeno (1993-2003).
178
Aurora Ameaça de
“linchamento”
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Beira-Mar Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Calhau Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Caratatiua Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Centro Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Olímpica
Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Cidade
Olímpica
Tentativa de
homicídio
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0
Cidade
Operária
Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Operária
Tentativa de
homicídio
4
0 0 0 0 1 0 1 0 0 1 1
Cohab Tentativa de
homicídio
3
0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0
Cohama Lesão corporal
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Cohatrac Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cohatrac Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Coroado Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Coroado Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Desterro Tentativa de
homicídio
4
1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 2
Estiva Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Fátima Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Forquilha Tentativa de
homicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Fátima Tentativa de
homicídio
3
1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0
Bairro Tipo de ação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
João Paulo Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Juçatuba Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Liberdade Ameaça de
“linchamento”
3
0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1
Liberdade Lesão corporal
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Liberdade Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Liberdade Homicídio
2
1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Madre Deus Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Madre Deus Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Monte Castelo Ameaça de
“linchamento”
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
179
Monte Castelo Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Outeiro da
Cruz
Ameaça de
“linchamento”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Parque Vitória Tentativa de
homicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Redenção Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Renascença Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Retiro Natal Suicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Sá Viana Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Sacavém Homicídio
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Sacavém Lesão corporal
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Sacavém Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Santa Clara Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Santa Clara Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Santo Antônio Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Santo Antônio Homicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
São Bernardo Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
São Francisco Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
São Francisco Lesão corporal
2
0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0
São Francisco Tentativa de
homicídio
2
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1
São Raimundo Homicídio
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Turu Suicídio
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Turu Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Vila dos
Nobres
Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila dos
Nobres
Lesão corporal
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Bairro Tipo de ação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Vila
Esperança
Tentativa de
homicídio
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Ivar
Saldanha
Tentativa de
homicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Kiola II Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila Luisão Ameaça de
“linchamento”
2
0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Vila Maranhão Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila Maranhão Tentativa de
homicídio
4
0 0 1 0 2 0 0 0 0 0 1
Vila Maranhão Homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila Mauro
Fecury II
Homicídio
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Passos Tentativa de
homicídio
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila Riod Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
180
Vila Sol e Mar Ameaça de
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Vinhais Lesão corporal
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Tabela 3
Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de São Luís do Maranhão
segundo a forma como a reportagem denominou os agentes sociais
Bairro Denominação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Angelim “Familiares”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Anjo da
Guarda
“Moradores do
local”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Anjo da
Guarda
“Populares”
2
0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0
Anjo da
Guarda
Profissão
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Araçagi “Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Areinha “Moradores do
local”
2
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Areinha “Passageiros”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Aurora “Freqüentadores do
local”
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Beira-Mar Profissão
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Calhau “Presos”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Caratatiua “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Centro Profissão
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Olímpica
“Familiares e
amigos”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cidade
Olímpica
“Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Cidade Profissão
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
181
Olímpica
Cidade
Operária
“Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Cidade
Operária
“Populares”
2
0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0
Cidade
Operária
Profissão
2
0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0
Cohab “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cohab “Populares”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cohab Profissão
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Cohama “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Cohatrac “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cohatrac “Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Coroado “Moradores do
local”
2
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Desterro “Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Desterro “Populares”
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Bairro Denominação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Desterro Profissão
2
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Estiva “Populares”
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Fátima “Moradores do
local”
2
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Fátima “Populares”
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Fátima Profissão
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Forquilha “Moradores do
local”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
João Paulo “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Juçatuba Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Liberdade “Familiares”
2
1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Liberdade “Moradores do
local”
3
0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0
Liberdade Profissão
2
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Madre Deus “Moradores do
local”
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Monte
Castelo
“Populares”
2
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Outeiro da
Cruz
“Populares”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Parque
Vitória
Profissão
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Redenção “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Renascença Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Retiro Natal “Moradores do
local”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Sá Viana “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Sacavém “Freqüentadores do
local”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
182
Sacavém “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Sacavém Profissão
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Santa Clara “Moradores do
local”
2
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Santo
Antônio
“Passageiros”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Santo
Antônio
Profissão
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
São Bernardo “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
São Francisco “Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
São Francisco “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
São Francisco “Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
São Francisco Profissão
2
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
São
Raimundo
“Moradores do
local”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Turu “Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Bairro Denominação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Turu “Moradores do
local”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila dos
Nobres
“Moradores do
local”
2
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Vila
Esperança
“Moradores do
local”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Ivar
Saldanha
“Moradores do
local”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Kiola II “Moradores do
local”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila Luisão “Moradores do
local”
2
0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Vila
Maranhão
“Moradores do
local”
2
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Vila
Maranhão
“Familiares e
amigos”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila
Maranhão
Profissão
3
0 0 1 0 2 0 0 0 0 0 0
Vila Mauro
Fecury II
“Moradores do
local”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Passos “Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila Riod “Freqüentadores do
local”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Vila Sol e
Mar
Profissão
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Vinhais “Populares”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
183
Tabela 4
Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de São Luís do Maranhão
segundo presença policial
Bairro Presença
policial
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Angelim Polícia ausente
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Anjo da
Guarda
Polícia presente
3
0 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0
Anjo da
Guarda
Não informa
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Araçagi Polícia presente
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Areinha Polícia presente
3
0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1
Aurora Polícia presente
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Beira-Mar Polícia presente
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Calhau Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Caratatiua Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Centro Polícia presente
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Olímpica
Não informa
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cidade
Olímpica
Polícia presente
2
0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0
Cidade
Operária
Não informa
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Operária
Polícia presente
4
0 0 0 0 1 0 1 0 0 1 1
Cohab Polícia ausente
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cohab Polícia presente
2
0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0
Cohama Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Cohatrac Polícia presente
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0
Coroado Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Coroado Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Desterro Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Desterro Polícia presente
3
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Estiva Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Fátima Polícia presente
4
1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 1
Forquilha Polícia presente
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
João Paulo Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
184
Bairro Presença
policial
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Juçatuba Não informa
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Liberdade Não informa
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Liberdade Polícia ausente
2
1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Liberdade Polícia presente
4
0 0 1 2 0 0 0 0 0 0 1
Madre Deus Polícia presente
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Monte Castelo Polícia ausente
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Monte Castelo Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Outeiro da
Cruz
Polícia ausente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Parque Vitória Polícia ausente
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Redenção Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Renascença Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Retiro Natal Polícia presente
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Sá Viana Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Sacavém Polícia ausente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Sacavém Polícia presente
2
0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0
Santa Clara Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Santa Clara Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Santo Antônio Polícia presente
2
0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0
São Bernardo Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
São Francisco Polícia presente
5
0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 2
São Raimundo Polícia ausente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Turu Polícia ausente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Turu Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Vila dos
Nobres
Polícia presente
2
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Vila Esperança Polícia presente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Ivar
Saldanha
Polícia presente
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Kiola II Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila Luisão Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Vila Luisão Polícia presente
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Maranhão Polícia ausente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila Maranhão Polícia presente
5
0 0 1 0 2 0 0 0 1 0 1
Vila Mauro
Fecury II
Polícia ausente
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Bairro Presença
policial
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Vila Passos Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila Riod Polícia ausente
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Vila Sol e Mar Polícia presente
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Vinhais Polícia presente
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
185
Tabela 5
Atos de justiça coletiva ocorridos no Município de São Luís do Maranhão
segundo a atuação dos policiais presentes
Bairro Forma de
atuação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Anjo da
Guarda
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
2
0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Anjo da
Guarda
Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Anjo da
Guarda
Não informa
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Araçagi Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Areinha Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
3
0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1
Aurora Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Beira-Mar Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Calhau Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Caratatiua Reprimindo e
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
186
evitando o
“linchamento”
Centro Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Olímpica
Não informa
1
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Cidade
Olímpica
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
2
0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0
Cidade
Operária
Não informa
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Cidade
Operária
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
4
0 0 0 0 1 0 1 0 0 1 1
Cohab Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
2
0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0
Bairro Forma de
atuação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Cohama Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Cohatrac Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0
Coroado Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Desterro Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
3
1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Fátima Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
4
1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 1
Forquilha Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Liberdade Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
3
0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1
Liberdade Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Madre Deus Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
2
0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Monte Castelo Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Renascença Reprimindo, mas
não evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Retiro Natal Não informa
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
187
Sacavém Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Sacavém Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Santa Clara Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Santo Antônio Intensificando a
agressão
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Santo Antônio Reprimindo o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Bairro Forma de
atuação
Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
São Francisco Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
3
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 2
São Francisco Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
2
0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0
Turu Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Vila dos
Nobres
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Vila dos
Nobres
Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila
Esperança
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Ivar
Saldanha
Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Luisão Sendo vítimas de
“linchamento”
1
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Vila Maranhão Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
5
0 0 1 0 2 0 0 0 1 0 1
Vila Passos Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Vila Sol e Mar Reprimindo e
evitando o
“linchamento”
1
0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Vinhais Formalizando
prisão de pessoa
entregue por
“linchadores”
1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
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