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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM
ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE
AARON: um experimento de co-autoria
desenvolvido pelo meta-artista Harold Cohen
Ligia da Silva
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte, para a obtenção do título de Mestre em
Estética e História da Arte.
Orientador: Prof. Dr. Artur Matuck
São Paulo
2007
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2
SUMÁRIO
RESUMO
.............................................................................................................................3
ABSTRACT
........................................................................................................................3
1 INTRODUÇÃO
...............................................................................................................4
2 A ARTE DE HAROLD COHEN ATRAVÉS DAS IMAGENS
..................................9
2.1
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
......................................................................................10
3 O ARTISTA E A MÁQUINA
......................................................................................26
3.1 O pintor abstracionista Harold Cohen...........................................................................27
3.2 A arte encontra a tecnologia..........................................................................................31
3.3 Na época de AARON....................................................................................................37
3.4 Percepção paralela.........................................................................................................40
4 PROGRAMAÇÃO COMO ARTE
..............................................................................44
4.1 Um programa de computador chamado AARON.........................................................45
4.2 Um manipulador de símbolos.......................................................................................51
4.3 A falsa dicotomia entre arte e ciência...........................................................................57
5 ARTE E TECNOLOGIA
.............................................................................................60
5.1 Um mundo efêmero......................................................................................................61
5.2 O objeto artístico...........................................................................................................64
5.3 Técnica e arte................................................................................................................68
5.4 As imagens de AARON................................................................................................71
6 CO-AUTORIA E A CULTURA DIGITAL.
...............................................................75
6.1 O código AARON.........................................................................................................76
6.2 Co-autoria no espo digital..........................................................................................79
6.3 Autoria e criatividade....................................................................................................82
6.4 Um autor imortal...........................................................................................................87
7 ARTE E ESTÉTICA DIGITAL
......................................................................89
7.1 O novo paradigma.............................................................................................90
7.2 Uma obra de meta-arte......................................................................................96
7.3 A arte como processo........................................................................................98
7.4 Uma estética digital.........................................................................................102
8
CONCLUSÃO
...............................................................................................105
REFERÊNCIAS BIBLIOGFICAS
..............................................................108
ANEXO..
..............................................................................................................111
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3
RESUMO
O programa AARON, trabalho pioneiro do artista britânico Harold Cohen é aqui analisado,
desde seu princípio em 1968 na Universidade da Califórnia em San Diego, até os dias de
hoje. A primeira aparição, numa galeria de arte, dessa máquina de desenhar controlada por
um computador ocorreu em Los Angeles no ano de 1972; estando atualmente ainda em
funcionamento, agora disponível na Internet no site da empresa
Kurzweil.net
. Ao discutir a
obra de Cohen podemos vislumbrar o potencial criativo do computador como nova forma
de expressão arstica. Nesse contexto, o artista se converte em meta-artista; enquanto o
sistema executa os desenhos e as pinturas, suas atividades são guiadas por um programa
escrito por Cohen e registrado na memória do computador. Com isso, discute-se também a
questão da co-autoria no meio digital.
Palavras-chave:
Harold Cohen, AARON, arte e tecnologia, estética digital, co-autoria, meta-arte
ABSTRACT
The software AARON, the work of the British artist Harold Cohen is here analysed, since
its very beginning in 1968 at the University of California in San Diego, to the present days.
The first appearance, at an art museum, of this computer-controlled drawing machine
occurred in the City of Los Angeles in 1972, and it is running until today, now online at
Kurzweil.net
. Discussing Cohens work we see the potential of computers as a new mode of
artistic expression. In the case in point the artist turns into a meta-artist. Though the system
does all the drawing and painting, its activities is guided by a program written by Cohen,
kept in its computer memory. In this fashion it brings also the question of co-authoring to
the digital environment.
Key words:
Harold Cohen, AARON, art and technology, digital aesthetics, co-authoring, meta-art
.
4
1. INTRODUÇÃO
I met my first computer in 1968, when I came from London to take up a
one-year visiting professorship at UC San Diego. Four years later I spent a
couple of years at the AI Lab at Stanford, and while I was there I started
work on a program designed to generate original art. I called it AARON
because I assumed Id be writing a series of programs and it seemed like a
good idea to start with a name from the beginning of the alphabet.
Harold Cohen
1
1
Entrevista com Harond Cohen, disponível no site: www.kuzweil.net, acessado em 04-02-04
5
O programa AARON projeto do artista britânico Harold Cohen constitui um
experimento de grande interesse para a pesquisa em arte; por várias razões às quais nos
estenderemos no decorrer desse trabalho. Entre essas, de início chamamos a atenção para
duas que o distinguem de outros trabalhos semelhantes: em primeiro lugar, o seu
incontestável pioneirismo, pois, Cohen comou a manipular a linguagem de computação
com fins artísticos já em 1968; em segundo lugar, mas de igual importância, pela sua
longevidade, uma vez que, o sistema computacional ainda se encontra em desenvolvimento
até o presente momento. Em breve, AARON deverá completar quarenta anos; que
coincidentemente, é a idade que tinha Cohen quando iniciou suas pesquisas com as
linguagens de programação computacional.
Com o desenvolvimento desse programa computacional inteligente, Harold Cohen
se antecipou ao advento das novas linguagens de base digital que hoje são utilizadas por
muitos artistas mediáticos, como suporte de seus trabalhos. Daí a pertinência do tema aqui
abordado, que vai muito além do interesse histórico. Aliás, esse recenssimo capítulo da
História da arte está sendo escrito por autores como Harold Cohen, habilmente capaz de
refletir sobre a seu próprio fazer arstico.
Por isso, sempre com base no discurso do próprio artista, procuramos reconstituir o quadro
histórico-cultural da época e discutir as relações que Harold Cohen estabeleceu com pessoas e
instituições do meio arstico e científico na Europa e nos Estados Unidos . Esses aspectos estão
concentrados principalmente no Capítulo 3: O artista e a máquina, onde descrevemos o encontro
do artista com seu objeto de pesquisa, iniciando uma perseverante busca que oscila entre a arte e as
novas linguagens computacionais.
Procurou-se durante a pesquisa esclarecer sobre o processo de criação e evolução do
programa AARON, analisando sua produção arstica e o impacto causado pela aplicação
do conceito de inteligência artificial na área de artes. Esse impacto se apresenta como mais
6
um momento, em que, a arte rompe com as estruturas tradicionais da academia. Trata-se de
uma ruptura necessária para que a arte acompanhe o passo da sociedade da informação;
apontando para caminhos pelos quais a arte nunca havia percorrido antes. Num certo
sentido, a proposta de Cohen vem dar continuidade a processos de superação das
linguagens arsticas que tiveram início com a antiarte e com a arte conceptual; propondo
novos paradigmas e formas de produção que se apresentam como uma alternativa ao
desgastado discurso das vanguardas.
Portanto, ao estudar as origens e o desenvolvimento da arte de Harold Cohen,
pretende-se compreender melhor o pensamento desse artista britânico, radicado nos Estados
Unidos, no contexto da Arte Contemporânea. Principiando como pintor abstracionista nos
anos 60, para depois vir a se dedicar à programação computacional, ele sinaliza as
transformações pelas quais viriam a passar as linguagens arsticas no período do final do
século XX. Sua incansável pesquisa deu origem a AARON, um sistema automático capaz
de gerar desenhos e pinturas originais, mesmo em grande escala. As características desse
sistema e o que está por detrás de sua programão é o assunto tratado no Capítulo 4:
Programação com arte.
A sociedade da informação está enfim instaurada; o que não significa que as
transformações tenham sido adequadamente assimiladas. As pessoas continuam
respondendo às infinitas possibilidades do meio digital de forma mecânica e repetitiva, isso
não é o que acontece no caso de Harold Cohen, com AARON. Esse artista-cientista buscou
uma mudança de paradigma, através de uma nova visão estética, tendo como estratégia a
união da ciência com a arte. É o que tratamos no Capítulo 5: Arte e tecnologia. Por se
tratar de um tema atual, apresentar este trabalho também poder abrir novas possibilidades
de pesquisa sobre temas como: a meta-arte e os direitos do autor no contexto das mídias
7
eletrônicas; temas esses que vêm despertando acaloradas discussões nos meio acadêmicos.
Esse é portanto o assunto do Capítulo 6: Co-autoria e a cultura digital
Desde seu início, o período da arte contemporânea é marcado pela investigação de
novas técnicas, diferenciando-se assim dos movimentos modernos anteriores. As situações
do cotidiano exercem um certo domínio sobre as criões arsticas, incentivando a busca
dos artistas por linguagens mais adequadas à expressão de suas idéias inovadoras Para tal
fim, vale tudo, qualquer linguagem será boa: do gesto primitivo aos complicados
algoritmos computacionais, como é o caso de Cohen. Uma das principais questões
abordada, discute a possibilidade de um programa computacional, como é o caso de
AARON, ganhar a aceitação do blico e o reconhecimento da crítica especializada, como
genuína obra de arte que é para a partir daí, avaliar as conseqüências que essa aceitação e
esse reconhecimento possam acarretar. Outra questão pertinente diz respeito ao fenômeno
da co-autoria, ou seja, a especulação sobre novas formas de autoria compartilhada que se
oferecem no meio digital. Esses são os assuntos tratados no Capítulo 7: Arte e estética
digital.
Em contrapartida, Esperamos que o presente estudo venha ajudar a suprir a pouca
informação em língua portuguesa, que existe sobre este tema tão atual; proporcionando
informões mais precisas sobre o controvertido experimento arstico de Harold Cohen,
considerado como um marco nas relões entre arte e tecnologia. Em nossa pesquisa
recorremos, em diversos momentos, a dois autores fundamentais para a fortuna crítica da
obra de Cohen: Pamela McCorduck e Steven R. Holtzman, cujos textos originais se
encontram em inglês, não havendo ainda disponíveis traduções para o português. Por isso,
realizamos traduções instrumentais de alguns trechos desses textos, ou fomos levados a
parafrasear outros, esperando sempre ser o mais fiel possível às idéias desses autores.
8
Cohen caminha no sentido oposto das propostas tradicionais das artes plásticas, e
sua invenção (AARON), causa grande discussão sobre as formas de produção da arte do
presente e do futuro, com a utilização de recursos computacionais; o que leva o artista a
trabalhar em parceria com técnicos e programadores de sistemas, construtores de
software.
Daí a introdução dos conceitos de co-autor e de meta-arte.
Infelizmente, em nosso país, muitas pessoas ainda não têm acesso à tecnologia
digital, ficando excluídas do benefício do manancial de conhecimento de nosso tempo e o
que é pior, sem compreenderem as transformações pelas quais estão passando as linguagens
e as formas de expressão arstica. Eu, como arte-educadora, sei da importância que isso
possa significar. Portanto, sabendo que esse estudo está longe de esgotar a demanda
suscitada sobre o tema, a minha expectativa é de que venha motivar outras pesquisas sobre
a criatividade humana no contexto digital.
9
2. A ARTE DE HAROLD COHEN ATRAVÉS DAS IMAGENS
*
Harold Cohen observando AARON em funcionamento
**
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
10
Figura 1.
Gamma Orionis
, 1961 óleo sobre tela 172,5 x 203 cm, Harold Cohen............11
Figura 2.
Factor
, 1962 óleo sobre tela 81,5 x 96,5 cm, Harold Cohen.............................11
Figura 3. Primeira fase..........................................................................................................12
Figura 4. Primeira fase..........................................................................................................12
Figura 5. AARON, em sua primeira fase: desenhos primitivos............................................13
Figura 6. Exibição do programa em funcionamento.............................................................13
Figura 7. Detalhe de desenho em estilo da arte tradicional africana.....................................14
Figura 8. Desenho inspirado nas cavernas de Lascaux e Altamira......................................14
Figura 9 .
Meeting on Gauguins Beach
realizado por AARON em 1989.......................15
Figura 10. AARON executando uma imagem......................................................................16
Figura 11. AARON troca a cor da tinta................................................................................16
Figura 12. Vista da impressão e potes de tinta......................................................................16
Figura 13. Mecanismo robótico, onde se encontra o programa AARON...........................17
Figura 14. Harold Cohen.......................................................................................................18
Figura 15. Retrato de Harold Cohen produzida por AARON...............................................18
Figura 16. Imagem de AARON, em computador pessoal em Santo André.........................19
Figura 17. Imagem em que AARON altera o tamanho da imagem na interface..................20
Figura 18. Uma imagem gerada em computador pessoal da autora em São Bernardo.........21
Figura 19. Início de uma seqüência, gerando primeiro os contornos do desenho................22
Figura 20. Continuação da seqüência do programa, colorindo o desenho............................22
Figura 21. Desenho gerado em 18 de julho de 2005, em computador pessoal.....................23
Figura 22. Finalização do trabalho, segundos depois...........................................................23
Figura 23. Ray Kurzweil and Harold Cohen diante do trabalho de AARON.......................24
Figura 24. Imagem gerada por AARON em 2007,
Cohen Aarons wood
........................24
Figura 25. Convite da exposição AARONs Garden, em San Diego...................................25
11
Figura 1. Harold Cohen
, Gamma Orionis
, 1961, óleo sobre tela,
172,5 x 203 cm
Figura 2. Harold Cohen
, Factor
, 1962, óleo sobre tela, 81,5 x 96,5 cm
12
Figura 3. AARON em sua primeira fase executa desenhos primitivos, 1979
Figura 4. AARON em sua primeira fase elaborou um desenho com tendencia figurativa
13
Figura 5. AARON, em sua primeira fase: desenhos primitivos
Figura 6. Exibição do programa em funcionamento, enquanto o blico acompanha a execução
dos desenhos
14
Figura 7. Detalhe de uma das primeiras versões de animal, desenho
em estilo da arte tradicional africana
Figura 8. Desenho inspirado nas cavernas de Lascaux e Altamira
15
Figura 9. AARON , Meeting on Gauguins Beach, 1989
16
Figura 10. Imagem criada por AARON sendo impressa
Figura 11. Seência da impressão
Figura 12. Vista da impressão e potes de tinta
17
Figura 13. Mecanismo robótico impressor acoplado ao computador executa imagem
criada pelo programa AARON
18
Figura 14. Harold Cohen
Figura 15. Retrato de Harold Cohen produzida por AARON
19
Figura 16. Imagem gerada pelo programa AARON, capturada em computador do estudante Dalton,
15 anos, aluno de ensino médio, as acessar o programa em sua casa em Santo André, São Paulo.
20
Figura 17. AARON altera o tamanho da imagem na interface
21
Figura 18. Uma imagem gerada em computador pessoal da autora em São Bernardo, São Paulo
22
Figura. 19. Início de uma seência do programa, gerando primeiro os
contornos do desenho
Figura 20. Continuação da seqüência do programa, colorindo o desenho
23
Figura 21. Desenho gerado em 18 de julho de 2005, 14:38:31, em
computador pessoal da autora
Figura 22. Finalizão do trabalho, segundos depois: em 18 de julho
de 2005, 14:38:55
24
Figura 23. Ray Kurzweil and Harold Cohen diante do trabalho de AARON
Figura 24. AARON, Cohen Aarons wood, 2007
25
Figura 25. Convite da exposição AARONs Garden, San Diego, inaugurada em 27 de maio de 2007
*
Referências das imagens:
Fig. 1, 2. Disponível em:<http://www.gulbenkian.org/> Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 3, 4, 7, 8, 9. Disponível em: <http://www.socialfiction.org/index.php> Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 5. Disponível em:<http://iaaa.nl/cursusAA&AI/gif/aaron/Cohen-Untitled-1979.GIF> Acesso
em: 1dez. 2007.
Fig. 6. Disponível em:<http://www.stanford.edu/group/SHR/4-> Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 10,11,12,13. Disponível em:<http://images.google.com.br/images?q=aaron+harold+cohen>
Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 14,15,16,17,18,19. AARON: Version 2.1. Disponível em:<http://www.kurzweilcyberart.com>
Fig. 23. Disponível em:<http://www.kurzweilcyberart.com> Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 24. Disponível em:<http://www.va-grad.ucsd.edu> Acesso em: 1dez. 2007.
Fig. 25. Disponível em:<http://www.sandiego.gov/public-library/services/> Acesso em:dez. 2007.
**
Disponível em:<http://www.tate.org.uk> Acesso em: 1dez. 2007.
26
3. O ARTISTA E A MÁQUINA
I believe that my behavior in programming the machine to simulate human
art-making behavior is, in itself, primarily art-making behavior.
Harold Cohen
i
27
3.1 O pintor abstracionista Harold Cohen
Harold Cohen, artista nascido em Londres no ano de 1928, decidiu ser artista
quando ainda era muito jovem; após servir na Força Aérea Britânica, ingressou na
renomada escola de arte
Slade School of Fine Arts
, pertencente à Universidade de Londres.
Como faziam os velhos mestres da pintura, ele viajou pela Itália em busca de inspiração.
Paralelamente, também tinha outros interesses, trabalhando como professor de arte na
mesma
Slade School
onde se formou e demonstrando seu espírito empreendedor ao montar
uma oficina para a fabricação de móveis. Porém, seguindo a tendência de sua época, ele se
deslocaria para o Estados Unidos, país que se consolidava como o novo pólo mundial da
arte contemporânea
.
Em 1966, perto de seus quarenta anos de idade, Cohen abandona a posição de
professor na
Slade School
e passa a concentrar-se em seu trabalho artístico. Neste mesmo
ano, foi escolhido como um dos cinco artistas britânicos, convidados para representar o
Reino Unido, na mais conceituada exposição de arte do mundo naquele momento: a 33
a
Bienal de Veneza.
Em seu brilhante livro,
AARON's Code
, sobre a vida e a obra de Harold Cohen, no
qual nos baseamos para traçar este levantamento biográfico relatado neste capítulo, Pamela
McCorduck descreve o artista como um homem de seu tempo:
Suas obras faziam parte da coleção de museus nacionais; periódicos
especializados em arte buscavam a sua opinião; sempre bem recebido em
saraus arsticos, juntamente com outras celebridades, (porque agora ele
também era uma celebridade um nome a ser lembrado com respeito por
conhecidos próximos e distantes). Aparecem propostas de relevante
importância. Era a agitada Londres dos anos 60: Beatles, Stones, Carnaby
Street, anarquia; ele, um pintor de um certo magnetismo exótico; capaz
de motivar paies entre as mulheres. (MCCORDUCK, 1991, p. 4)
28
Com o sucesso, vem também a recompensa econômica, seu marchand em Londres
lhe oferece um ótimo contrato, de modo que, a partir daí ele pode se dedicar
exclusivamente a suas pinturas abstratas em tempo integral. A
Tate Gallery
, referência da
arte contemporânea na Europa, torna-se a sua vitrina para o mundo; garantindo a venda de,
pelo menos, uma ou duas obras anualmente. Além disso, esse famoso centro de arte
organizou, em 1966, uma exposição retrospectiva de suas pinturas, o que lhe proporcionaria
grandes oportunidades e acesso a outros espos; chamando a atenção de colecionadores
particulares e de museus. Esses acontecimentos dariam impulso para a sua carreira como
artista, livrando-o finalmente dos trabalhos paralelos para garantir o sustento da família. O
reconhecimento em nível nacional, como artista plástico, acaba por chegar também a outros
segmentos da produção cultural, na medida em que, ele passa a ser convidado para elaborar
projetos cenográficos para produções teatrais e estampas para indústria da moda. A rede
pública de televisão BBC o convida, periodicamente, para proferir conferências.
A partir de então, sua obra passa a despertar interesse e ser adquirida por museus
nacionais; enquanto suas opiniões são procuradas pelos jornais especializados em arte.
Finalmente, Cohen chega ao status de celebridade do meio arstico, e consequentemente, é
admirado e respeitado pelos colegas artistas e críticos.
Entretanto, nem o reconhecimento público, nem o dinheiro bastariam para trazer
felicidade e paz de espírito para Cohen. Com o tempo, no apogeu da fama, quando seu
futuro parecia estar assegurado, resolve abandonar tudo, em favor da busca espiritual, com
o desejo de preencher o vazio que sentia interiormente; e que, a frivolidade do meio
arstico londrino e a bajulação dos críticos não conseguiam sanar.
29
O que realmente estava acontecendo com ele seria uma pica crise de meia idade?
Apesar do sucesso, Cohen se sentia inútil perante o mundo. Não faltavam os convites para
festas, jantares mas, sempre com o mesmo círculo de pessoas e as mesmas conversas
fúteis e vazias. Isso o deixava mal humorado, deprimido; fazendo com que ele se irritasse,
facilmente, com as pessoas ao seu redor. Com isso, ele estava se tornando uma pessoa
antipática, intolerável e de difícil convívio.
Além dessa crise interna, ele também estava insatisfeito com a economia britânica e
com sua própria geração de artistas. Para ele, a arte parecia ter atingido um grau de
esgotamento expressivo. Cansado desse ambiente, Cohen chegou à conclusão que seria
melhor reservar um tempo para se recompor e reinventar sua fonte de expressão. Precisava
de novos ares, a solução poderia vir de uma outra cultura que lhe trouxesse novos ânimos
para prosseguir. Surgiu então algo inusitado que realmente mudaria sua vida para sempre,
recebeu um convite para visitar os Estados Unidos. O que o deixou muito animado,
finalmente surgia algo novo.
Esse convite veio em 1967; partindo do pintor Paul Brach, a quem Cohen tinha
conhecido, anteriormente, durante uma estada em Nova Iorque. Desta vez, Brach o chama
para ir a San Diego, no Estado da Califórnia para uma visita de um ano, onde Brach era
chefe do Departamento de Artes Visuais, na nova Universidade da Califórnia em San
Diego, recentemente fundada.
Entretanto, pouco antes de Cohen chegar a San Diego, seu amigo foi chamado para
trabalhar no Instituto de Artes da Califórnia e decidiu abandonar o seu posto na
universidade em San Diego. Uma das últimas coisas que Brach fez, antes de partir, foi
apresentar Cohen a Jeff Raskin, um jovem estudante diplomado em música em San Diego,
que também tinha mestrado em informática pela Universidade da Pensilvânia. Raskin foi
30
um das pessoas que trabalhou no ambicioso projeto de Steve Jobs, que resultou na criação
do computador
Macintosh.
É importante salientar, que nesta época, existia uma competição
acirrada na busca de soluções para a melhoria dos computadores. Tudo ainda era muito
difícil, e as conquistas da informática eram segredos muito bem guardados. Somente
pessoas com um grande espírito aventureiro se enveredavam por esse caminho; mesmo
porque, na maioria das vezes, as tentativas não resultavam em nada; o que,
financeiramente, poderia significar uma catástrofe pessoal. Tudo era muito caro e a
tecnologia era inacessível. Na verdade, tudo estava por ser criado: hardware, software,
programação; enfim, tudo estava por ser inventado. As melhores equipes e os estrategistas
mais ousados geralmente seriam os vencedores desse embate. De repente, Cohen estava lá
naquele momento atuando artisticamente no cenário de inovações tecnológicas. Ele era
mais um pioneiro, cheio de coragem, pois queria escrever um programa capaz de simular a
inteligência humana.
Esse cenário foi muito bem reproduzido em
Piratas da informática
i
, um filme que
ilustra bem aquela época, e nos mostra os inventores de sistemas como Bill Gates e Steve
Jobs, sempre na busca de soluções para concretizar seus sonhos tecnológicos. Ainda não
existiam as interfaces computacionais amigáveis e nem computadores pessoais que hoje se
tornaram eletrodomésticos dos mais comuns. Vivia-se o prelúdio do que costumamos hoje
chamar da era digital.
Jeff Raskin foi uma pessoa chave na vida de Cohen, pois, ensinou-lhe os primeiros
passos da programação de computadores. Ele seria seu professor de programão de
sistemas durante todo o período de outono em San Diego. Enquanto isso, o aluno dedicado
e curioso conseguiu surpreender o mestre, pois, em breve já estava desenvolvendo
fluxogramas por conta própria.
31
Após seis semanas, decifrando e escrevendo programas, ele atingiu seu limite. Em
seguida, Raskin levou Cohen ao centro de computação onde naquele tempo havia um velho
computador CDC 3200; Raskin mostrou-lhe a máquina e presenteou-lhe com um novo
manual, desta vez, na linguagem
Fortran;
uma linguagem de programação de
computadores bastante complexa, principalmente para um artista plástico novato na
informática. Cohen ao se deparar com esse novo desafio temia o fracasso, mas nem por isso
desistiria de seus prositos.
3.2 A arte encontra a tecnologia
Com o manual de
Fortran
nas mãos e uma enorme esperança pela frente, havia
chegado o momento decisivo em que Cohen deveria seguir seu próprio caminho, e daí em
diante, tudo seria uma incógnita, como relata para Pamela McCorduck:
Olhei para aquele manual. Eu nunca tinha visto uma coisa tão bizarra em
minha vida. Pensei, eu vou entender isto mesmo que me mate, e assim,
fiquei debruçado sobre ele a noite inteira, lendo sentença por sentença, e
anotando o que dizia. Eu não me permitia passar para a próxima sentença,
até que, tivesse certeza sobre o significado da primeira. De fato, fiquei
das seis horas da tarde até as dez da manhã do dia seguinte. E então,
naquele momento pensei, talvez eu possa ganhar domínio sobre isto.
(Cohen opud: MCCORDUCK , 1991, p. 23)
E assim, ele passou noite toda em claro, uma das piores noites de sua vida. Mas, com a
linguagem
Fortran
mais ou menos dominada; Cohen agora seria capaz de encarar o centro
de computadores onde funcionava o CDC 3200. Entretanto, os recursos disponíveis ainda
eram bastante prerios:
32
o único suporte de armazenamento em grande escala era em fita, não
havia discos ou qualquer outro recurso. E o que se fazia era digitar o
programa em cartões perfurados, uma linha por cartão, e se terminava
com uma pilha deles não tão grande no como que você entregava
para um sujeito atrás de um balcão. Então, voia embora e voltava no
dia seguinte, para descobrir que tinha omitido um ponto-e-vírgula, tendo
que refazer tudo de novo. (Cohen citado em:
MCCORDUCK, 1991, p. 54)
Com todas essas dificuldades, que é um dos desafios do pioneirismo, finalmente o
programa comou a funcionar. Isso só podia acontecer à noite, quando ele e um ou dois
outros colegas tinham as máquinas disponíveis; e então, bastava esperar, de 15 minutos a
uma hora, pelos resultados do processamento; ao invés de ter de esperar por 24 horas. No
entanto, o trabalho terminaria lá pelas quatro da manhã, o que acarretava problemas para
agüentar em pé no dia seguinte.
Todo percurso de Cohen foi estritamente experimental e sempre em busca do
entendimento do processo criativo humano. Queria saber como o homem desenha e cria
formas, símbolos e signos. A simulão era uma forma de comprovar esse processo e o
computador era seu laboratório. Em 1968, ele escreveu seu primeiro programa de
computador; e com estas novas experiências, sentia que estava usando sua mente de modo
diferente do que havia feito em qualquer outro momento de sua vida como artista plástico.
Esse primeiro experimento se transformaria, mais tarde, num código algorítmico pictórico
com o nome de AARON.
Aquelas linhas escritas em forma de fluxogramas não tinham nada a ver com a arte no
sentido convencional. Entravam em conflito com a profissão que ele vinha praticando, com
muito sucesso, entre Londres e Nova York nos 15 anos antecedentes. Até que Cohen
recebeu uma proposta de um estudante que dizia ser capaz de ensinar algo novo ao
33
professor de arte, algo que acharia divertido e que poderia excitá-lo intelectualmente. Mais
uma vez, ele se encontra numa situão controvertida, porque se lançava por um caminho
muito diverso do que lhe era habitual:
Eu me lembro de ter dito para as pessoas que programação era uma
experiência genuinamente psicodélica. E, de fato é. Ela alonga suas
faculdades mentais. Não que eu soubesse de minha experiência pessoal,
mas eu sentia do mesmo modo que um atleta deveria sentir, quando
retoma o treinamento novamente, depois de um longo período de
inatividade. Eu sentia que comava a ter, em minha mente, um tipo de
forma que nunca tinha experimentado até então. Que eu estava
começando a desenvolver faculdades que estavam adormecidas. (Cohen
citado em: MCCORDUCK, 1991, p.23)
Cohen não tinha nenhuma pretensão de que todo aquele esforço pudesse conduzi-lo a
qualquer coisa diretamente associada com arte. Era uma espécie de passatempo, porém
levado a sério, pois ele estava completamente obcecado pelo desafio da crião. O que ele
estava vivenciando era uma nova possibilidade de se expressar, muito diferente de
manusear os pincéis e as tintas, como tinha feito em boa parte de sua vida. Isso colocava
em xeque toda uma tradição da história da arte, consistia numa mudança de suportes e de
ferramentas que renderia muitas discussões em tentativas de compreender, denominar e
teorizar o que nunca havia sido visto em tempos anteriores.
Na realidade, ainda teria que estudar programação por mais uns seis meses, talvez um
ano, antes de estar convencido de que pudesse um dia desenvolver uma relação com os
programas de computador, parecida com aquela que tinha com a pintura.
A mudança definitiva para San Diego também contribuiu para essa mudança de rumo.
Naqueles dias, esta cidade do sul da Califórnia era uma cidade entorpecida e conservadora.
Ele, que tinha vivido por 40 anos em Londres, cujo clima não era dos melhores, ficando
34
aliviado por estar longe do efervescente cenário cultural da metrópole, e percebeu que, este
isolamento voluntário permitiria que ele seguisse uma nova direção não somente em sua
vida, mas também em seu trabalho arstico.
Quando finalmente tomou a decisão de se estabelecer na Califórnia, foi muito
criticado pelos colegas de Londres, por escolher o sol e a vida mansa, justamente num
momento em que se viviam tempos difíceis na Inglaterra. Ele foi acusado de ter escolhido
a praia, o sol e o dinheiro; enquanto os colegas estavam lá, na cinzenta Londres dos difíceis
anos 70.
Mas, bem diferente da idéia errônea que faziam dele, Cohen passava a maior parte
do tempo ocupado com o trabalho artístico, ou então, com sua família; as duas únicas
coisas que importavam para ele naquele momento. Sua vida mais se assemelhava a um
retiro espiritual, dividido entre a pesquisa e a família.
De fato, o que poderia ser mais novo para um artista estabelecido, senão aprender uma
linguagem totalmente nova, a linguagem das máquinas, a tão complexa programação
computacional? Até então, Cohen era um artista plástico que sabia muito pouco sobre
computadores e muito menos como programá-los. Apesar do desafio que isso pudesse
representar, parecia ser uma pessoa feliz, principalmente quando seus programas
funcionavam.
Ao escrever seu primeiro programa computacional, mais por curiosidade e espírito
aventureiro, percebe que a programação de computadores nada mais era do que um
conjunto de representações: regras, instruções, procedimentos que conduziam a uma
determinada ação. Também estava claro para ele, pela própria experiência como artista, que
a representação era uma das características essenciais da arte. Como afirma Pamela
McCorduck: logo se tornou claro para ele que a linguagem de programação de
35
computadores era uma forma de representação - regras, instruções, procedimentos que
conduzem a ações. A representação era uma das coisas essenciais em se tratando de arte.
(MCCORDUCK, 1991, p. 5)
E nesse momento surgia a seguinte hipótese: se um programa de computador pode
representar um determinado conhecimento, esse poderia também, por meio de regras e
representações ser capaz de fazer arte. Mas, isso ainda não parecia assim tão fácil. Com o
tempo, no entanto, essa idéia persiste, mudando sua própria maneira de ver e de fazer arte.
Em seus primeiros tempos, o sistema se restringia a criar desenhos abstratos,
alusivos a formas primitivas de vida. No entanto, em meados da década de 80, conectada
por alguns cabos em um MicroVax II, um computador de médio porte de uso comum nos
escritórios naquele tempo; uma máquina de desenhar é acionada. A máquina de desenhar
era grande e tinha um bro com uma caneta que deslizava sobre o papel, produzindo um
desenho de figuras humanas coloridas e rodeadas por uma densa vegetão. O invento de
Cohen era capaz de fazer até cinco desenhos por dia e esse sistema processava mais rápido
do que conseguia reproduzir o desenho. A concepção e o planejamento podiam levar de 20
a 60 minutos no processamento dos dados, dependendo da complexidade do desenho. Na
verdade, o aparelho de desenhar de Cohen era um híbrido de altas e baixas tecnologias.
Hoje já podemos ver o funcionamento parcial de AARON disponível num sitio da Internet.
Seus desenhos elegantes, impcitos na sintaxe da programação, não foram precisamente
pré-planejadas, mas sim programadas de um modo muito genérico.
Para a época parecia uma grande magia; um programa de computador chamado
AARON, capaz de decidir autonomamente como as figuras humanas ou plantas aparecem
no desenho e em qual lugar. AARON é quem escolhe quais figuras estarão em primeiro ou
36
segundo planos e como elas serão apresentadas. AARON delibera sobre espo e a
imagem. O programa decide também quando deve finalizar o desenho.
Cada um dos desenhos do AARON pode ser considerado original e único; diferente
daqueles produzidos antes, e também diferente dos próximos; porém, todos são portadores
de um estilo peculiar, característico de AARON.
As marcantes linhas, sempre presentes nas imagens produzidas por AARON
contradizem toda a falta de inspiração geralmente associada com a arte produzida por
computadores. AARON se diferencia pelos detalhes, suas imagens possuem uma elegância
cibernética. Um artista humano provavelmente não seria capaz de produzir tantos desenhos
com tal complexidade.
AARON poderia ser considerado um programa semi-inteligente, ele cria e desenha
suas pinturas. Porém, não consegue discutir com críticos, proprietários de galeria, ou
mesmo com seu criador Harold Cohen. Além disso, ele não possui um mecanismo que
corresponda à percepção visual para ver o que produz. A máquina possui outras maneiras
diferentes de perceber que são implantadas na sua programão utilizando a técnica de
inteligência artificial. Enquanto os humanos percebem estruturas simbólicas internas
formadas pelas vivências culturais; AARON tem estas características humanas simuladas
em sua programação.
Essa é a maior dúvida: sem os olhos para ver e avaliar sua própria produção, será
que AARON pode realmente se assemelhar à inteligência humana? De fato, o programa
computacional AARON é uma tentativa de inteligência artificial. Entretanto, a inteligência
moldada em laboratório ainda não se aproxima do conjunto complexo do comportamento
inteligente característico dos seres humanos. A inteligência artificial pode ser uma
simulação de um determinado comportamento inteligente, sendo cultivada artificialmente
37
pelas mesmas razões que as lulas são cultivadas e estudadas em laboratórios: para
compreender as partes como um passo em direção ao entendimento do todo.
3.3 Na época de AARON
AARON se comporta, de certa forma, da mesma maneira que um animal com
relação ao meio ambiente. Porém, ele reage a um ambiente artificialmente criado através de
simulações. Harold Cohen atua, nesse contexto, como um ecologista de mundos digitais.
Por outro lado, entender o funcionamento do programa AARON nos ajuda a compreender
melhor a lógica da criatividade humana.
Embora AARON funcionasse em um computador serial e possuísse apenas um
processador, seu desempenho nas décadas de 70 e 80 era compatível com a época. AARON
levanta também questões de outra natureza, por exemplo: considere as circunstâncias como
se estivéssemos na primavera de 1988, quando três cópias do AARON estavam em
exposições em diferentes localidades dos Estados Unidos; as pinturas eram desenhadas
simultaneamente, cada máquina criava um desenho diferente, por volta de uns vinte, a cada
dia. Cohen, em parceria com AARON, produzia o que poderíamos denominar “arte
telemática”. Não havia a necessidade da presença de Cohen durante a performance de
AARON nas exposições. Mais recentemente, com as possibilidades que a rede mundial de
computadores nos oferece, é possível acompanhar a performance de AARON a partir de
qualquer parte do planeta.
Com esse desempenho, AARON consegue desafiar nosso entendimento, produzindo
arte em grande escala; causando também um incrível efeito psicológico sobre aqueles que
resistem ao computador. Pois, as peças produzidas são artefatos autênticos, uma
prerrogativa essencial da arte tradicional, que não tolera a produção em massa. Embora os
38
desenhos venham de um computador, com a velocidade que lhe é característica, eles
impressionam ao público e o convidam a uma profunda reflexão estética. Trata-se de uma
celebrão performática híbrida: humana e maquínica.
Poderíamos também nos perguntar como Walter Benjamin pensaria a arte do
nosso tempo; uma época dominada por máquinas que superaram os aspectos mecânicos;
uma época que não só reproduz objetos, mas também multiplica processos; uma época,
simultaneamente, de conexão e ruptura com a tradição; em que as transformações sociais se
sucedem tão rapidamente que as instituições mal conseguem acompanhar. Ao invés de
termos somente artefatos, temos máquinas, imagens ou idéias que se manifestam em vários
tipos de suportes. Temos, também, o desafio de estudar esses novos suportes e novas
linguagens emergentes, na esperança de melhor compreender uma cultura que se converte
em cibercultura.
Os desenhos feitos por AARON parecem se criar espontaneamente. O processo
criativo é remoto e virtual, possuindo também, aspectos materiais muito reais; conforme se
observa em seu desempenho. O observador pode ficar intrigado com o funcionamento da
máquina, quando essa começa a desenhar livremente. A imagem emerge espontaneamente,
ao mesmo tempo que dispensa a presença do artista humano. A máquina vem substituindo
o ser humano nos últimos tempos; mas agora, está substituindo também a mente humana
em uma série de tarefas. A máquina está fazendo arte, uma atividade que se considerava
exclusivamente humana. Se o artista humano aparecesse, ao lado da máquina, controlando-
a; não haveria motivo para estranhamento. Mas, no caso de AARON é diferente; pois este
dispensa seu idealizador, criando seus próprios desenhos e pinturas, como se fosse um
aluno que aprendeu bem sua lição. Na verdade, o programa coloca em xeque a noção
tradicional do gênio criador.
39
A sensação de quem vê a performance de AARON é de que a máquina está fazendo arte
sem a intervenção humana; produzindo desenhos e pinturas originais com sua própria mão
protética. Esse novo paradigma poderia ser visto como um sinal de profunda mudança
cultural. Como qualquer obra de arte de valor, o programa AARON faz pensar sobre o
significado da arte, questionando próprio processo de criação. AARON pode ser
enquadrado em um período da história da arte do século XX, permeado por especulões de
metalinguagem e crises de identidade. Mas, nesse caso, é uma máquina que coloca a
questão da maturação do ser humano, num espetáculo performático, cibernético e híbrido.
Pára chegar a esses resultados Harold Cohen teve que conviver com dificuldades
que qualquer pessoa que desejasse fazer uso de computadores teria naqueles tempos; ele
lutava incansavelmente contra o ceticismo e a perplexidade dos colegas. Mas, o mais grave
era a indiferença das pessoas que ele tinha deixado para trás. Sua mudança de rumo
significou, praticamente, o fim de uma carreira bem sucedida e estável como pintor
britânico internacionalmente conhecido.
Ao fazer uma proposta à Fundação Nacional de Ciência, esta seria recusada; no
entanto, ele é recomendado a Ed Feigenbaum do Laboratório de Inteligência Artificial de
Stanford. Esse contato seria fundamental para o sucesso de seu empreendimento futuro.
Feigenbaum o convidou imediatamente para trabalhar em Stanford. O que era para ser
uma visita curta, acabaria sendo uma permanência de dois anos, entre 1973 e 1975,
proporcionando-lhe uma excelente oportunidade para arejar a mente com novas idéias e
uma grande chance de avançar em suas pesquisas computacionais. Ele nos conta:
Eu estava apostando em algo que fazia sentido, em circunstâncias tais que,
não recebia nenhum retorno do meio artístico que isso pudesse fazer
sentido para eles. Eu mesmo estava muito longe de estar convencido de
que aquilo que eu pensava pudesse ser realmente feito. Essa situação
40
durou anos. Eu tinha aquela imagem mental do que seria possível, mas
havia um grande hiato, entre o que pudesse ser possível e o que de fato se
pode persuadir o computador a realizar. (Cohen citado por:
MCCORDUCK, 1991, p. 65)
3. 4 Percepção Paralela
Conforme notamos nos relatos que fez a Pamela
McCORDUCK
, Cohen se
encontrava muito desencorajado; não que achasse que sua meta fosse impossível, mas que
era incrivelmente difícil; por isso, se sentia um derrotado. Trocara uma carreira sólida e
próspera por um sonho aventureiro no qual nem havia suporte físico suficiente para dar
vida a seu experimento; ainda não existiam máquinas computacionais suficientemente
potentes para seus propósitos; e, naquele momento só haveria uma saída: continuar lutando
e divulgando suas idéias; para não por a perder os anos de dedicação, experimentos,
viagens, noites de estudos, toda a mudança de costumes e hábitos que teve que enfrentar
por ter mudado de país; e o pior: ser motivo de chacotas e por em dúvida sua própria
reputação como artista de peso. De fato, sua vida e seu nome estavam realmente em jogo.
Algo precisava acontecer depressa. Foi então que decidiu apresentar as conclusões a que
havia chegado até aquele momento, com seus estudos, à comunidade cienfica através de
um artigo. Então, com o intuito de compartilhar suas idéias, publicou Parallel to
Perception: Some Notes on the Problem of Machine-generated Art, onde revela seu grande
otimismo em relação às possibilidades que o computador poderia representar para a arte:
Se um fotógrafo tira uma foto com uma câmara, não dizemos que a
máquina fez a foto. Por outro lado, se um sujeito escrever um programa de
jogo de xadrez para computador; e perder para este, não pareceria
absurdo dizer que o sujeito foi vencido pelo computador. Ambos, a
41
máquina fotográfica e o computador podem ser vistos como ferramentas.
Mas, está claro que a gama de funções que possui o comutador é de uma
ordem diferente daquelas de uma máquina fotográfica. As ferramentas
servem, geralmente, para estender ou delimitar diversas funções humanas;
mas entre as muitas ferramentas inventadas pelo ser humano, somente o
computador tem o poder de desempenhar funções que se igualam àquelas
da mente, e a sua autonomia não é, portanto, nada ilusória. (COHEN,
1973, p. 1)
Cohen acreditava que o computador pudesse ser um valioso instrumento para a arte.
Deixando um pouco de lado a inteligência artificial, que parecia cada vez mais inatingível
para ele, Cohen defende a aplicação do processamento de dados na área das artes.
No mesmo artigo, que poderia ser considerado como um verdadeiro manifesto da
arte digital, coloca a questão que ele próprio tentará responder nos próximos trinta anos
com seu trabalho:
Se reconhecermos a autonomia da máquina nesse tipo de situão, não
seria razoável pensar na possibilidade de um comportamento arstico
autônomo, não no sentido trivial de controle do movimento de uma
caneta, mas no sentido de que, ele possa inventar tais movimentos? Seria
possível, por exemplo, que a máquina produzisse uma série de desenhos,
ao invés de apenas um único desenho, diferentes entre si, tanto quanto
seriam diferentes entre si os desenhos feitos por um artista humano, tão
imprevisíveis quanto pudessem ser, cambiantes quanto pudessem ser no
tempo? (COHEN, 1973, p. 1)
Felizmente, a história de Cohen e AARON não termina com essas interrogões.
Nos próximos anos, muita coisa aconteceria em termos de tecnologia computacional.
Cohen permanecerá sempre atento a cada novidade do setor da inteligência artificial,
42
enquanto isso, AARON irá se aprimorando em sua arte, aproximando-se cada vez mais dos
ideais de seu criador; que podemos vislumbrar em suas declarões:
Para muitas pessoas fora do meio arstico, provavelmente, a arte se
direciona, em primeira instância, à produção de belos objetos e imagens
interessantes; e quem discutiria o fato de que uma intrigante figura
Lissajou seja menos bela do que uma pintura de Elsworth Kelly ou
Jackson Pollock; ou que um simulacro de um quadro de Mondrian, feito
por uma máquina, seja menos interessante do que o original plagiado?
Falar de beleza ou de interesse é falar de gosto, e discutir questões de
gosto não costumam ser muito produtivas. O fato é que a arte não está,
nem nunca esteve, preocupada com a criação de coisas belas ou artefatos
interessantes. A verdadeira força, a verdadeira magia, a qual ainda
permanece nas mãos da elite, não repousa na fabricação de imagens, mas
na conjuração dos significados. (COHEN, 1973, p.2)
43
4. PROGRAMAÇÃO COMO ARTE
I have a creative family, and then I were to say that I have a creative
computer program, would I mean the same thing by the word creative?
Harold Cohen
i
44
4.1 Um Programa de Computador chamado AARON
Antes de começarmos a análise da extraordinária obra de arte que o
programa computacional chamado AARON realmente é; vamos
determinar o que ele não é, para evitar confusão de conceitos.
AARON não é um programa de computação gráfica, não tem a ver
com a modelagem de sólidos ou a representação da imagem como
faz a fotografia. Enquanto a computação gráfica está preocupada em
impressionar a retina, a arte de Cohen se preocupa com a
psicologia da percepção humana; e, com o que se passa na cabeça
do artista; como bem nos coloca Pamela McCorduck:
As imagens criadas pelo programa de computador de Harold Cohen,
chamado AARON, são as marcas não só do que é visto, porém, mais
importante que isso, do que é conhecido. Elas não são apenas imagens
fotográficas, superfícies que atingem o olho; elas são imagens que
incorporam algo do conhecimento que seu criador tem sobre os objetos,
menos obvio, mas igualmente essencial, as imagens de AARON também
incorporam uma tipo diverso de conhecimento: de como fazer
representações plausíveis de tais objetos. (MCCORDUCK, 1991, p. xi-
xii)
Nas longas conversas que Pamela McCorduck teve com Harold Cohen, ele
costumava dizer que considerava “[...]uma obra de arte como um sistema gerador de
significados e não um comunicador de significados.(Idem p. xiv) É isso que o programa
de computador AARON realmente é: uma obra de arte capaz de gerar significados
inusitados; que nos reporta ao que se passa na cabeça de seu criador Harold Cohen. Trata-
se, portanto, de um experimento pioneiro, que teve início nos anos 70, mas que antecipava
muito do que viria acontecer na área da computação dos anos 80 e 90, em formas de
sistemas contingentes e inteligência artificial.
45
Hervé Huitric e Monique Nahas nos falam da evolução pela qual passou a
tecnologia naquele período:
[...] a imagem numérica vem se impondo, pouco a pouco, como um
campo de pesquisa autônoma tendo como objetivo principal: a
visualizão e a simulação realista. Depois das primeiras visualizações de
objetos em facetas poligonais, os anos 80 foram marcados pelo
melhoramento das técnicas de visualização (
rendering
) e das texturas, e
também por um refinamento cada vez maior das qualidades da iluminação
simulando todas as espécies de situações naturais. Os artistas
acompanharam a emergência destas técnicas por motivos muito diversos.
[...] Mas a ausência de software facilmente utilizáveis de estações gráficas
tornaram o acesso a este campo bastante difícil, conduzindo os artistas a
trabalhar em simbiose com os cientistas e, às vezes, até mesmo, a se jogar
em experiências de programação. As preocupões artísticas uniam
algumas preocupações dos pesquisadores: variedade e leveza das formas e
dos movimentos, interface homem-máquina... (HUITRIC; NAHAS,
1997,
p. 109)
Se compararmos os princípios da máquina fotográfica analógica, que naquele tempo
ainda era a principal forma de captão de imagens; vamos notar que esses princípios
pouco tem a ver com os princípios da Inteligência Artificial, ou melhor: são objetivos
totalmente opostos; pois enquanto a fotografia analógica tenta eternizar um determinado
momento; a Inteligência Artificial transforma o momento em outros eventos. Na fotografia
analógica o orifício de uma mara escura captura raios refletidos nos objetos de forma
invertida, e os registra em uma superfície sensível. Por outro lado, os algoritmos da
programação computacional calculam o que fazer a partir de um determinado problema; os
lculos são elaborados apresentando novas possibilidades de respostas. No caso do
programa AARON essas respostas se apresentam através de novas imagens.
46
Blay Whithy define Inteligência Artificial da seguinte maneira:
Inteligência Artificial (IA) é o estudo do comportamento inteligente (em
homens, animais e máquinas) e a tentativa de encontrar formas pelas quais
esse comportamento possa ser transformado em qualquer tipo de artefato
por meio da engenharia. (WHITHY, 2004, p.19)
Como transparece nessa definição, um estudo desse teor, somente poderia ser
levado a cabo por equipes multidisciplinares, conforme o próprio Whithy nos alerta:
É tanto ciência quanto engenharia, uma vez que envolve o estudo e
a construção do comportamento inteligente. [...] A IA sempre foi
um empreendimento verdadeiramente interdisciplinar, sendo ao
mesmo tempo arte e ciência, engenharia e psicologia. Se essa
afirmação parece extravagante demais em nível abstrato, deve-se
lembrar que a IA já produziu programas que simularam o graus de
uma paranóia esquizofrênica, ou o nascimento, crião e a evolução
de criaturas sintéticas. Já produziu programas que descobriram
novos teoremas matemáticos e programas que podem detectar
transações financeiras fraudulentas e ros que podem retirar latas
de Coca-Cola de um laboratório. Há programas que pintam quadros,
realizam diagnósticos médico, há programas que ensinam e outros
que aprendem.
(WHITHY, 2004, pp. 20-21)
O conceito de inteligência artificial dos anos 70 tinha como modelo a inteligência
humana, portanto AARON também se enquadrou nesse referencial. Para que pudesse
ocorrer a simulação da inteligência, o programa de Cohen, ao passar para a fase figurativa,
criava uma série de modelos de figuras humanas plantas e objetos, sombras e outros
objetos; como paradigmas a partir dos quais AARON pudesse criar os seus próprios
desenhos.
47
Cohen comou programando a estrutura do sistema AARON em linguagem C;
depois passaria a se utilizar da linguagem LISP; linguagem avançada usada principalmente
no processamento de listas de instruções ou dados e em trabalhos de inteligência artificial.
Embora seu repertório seja pequeno, também é bastante complexo. A representação se
limita a figuras humanas masculinas e femininas, árvores, vasos de plantas, rochas, caixas
e decoração em ambientes internos. Talvez o contexto em que Cohen trabalhou seu
aplicativo fique mais claro se lembrarmos a definição que Pierre Lévy nos oferece de
programão computacional:
Um programa, ou software, é uma lista bastante organizada de instruções
codificadas, destinadas a fazer com que um ou mais processadores
executem uma tarefa. Através dos circuitos que comandam, os programas
interpretam dados, agem sobre informões, transformam outros
programas, fazem funcionar computadores e redes, acionam máquinas,
viajam, reproduzem-se etc. Os programas são escritos com auxílio de
linguagem de programação, códigos especializados para escrever
instruções para processadores de computadores. Há um grande número de
linguagens de programão com maior ou menor grau de especialização
em determinadas tarefas. Desde o início da informática, engenheiros,
matemáticos e linistas trabalham para tornar as linguagens de
programação o mais próximo possível da linguagem natural. Podemos
distinguir entre as linguagens de programação herméticas e muito
próximas da estrutura material do computador (linguagem de máquina,
assemblers) e as linguagens de programação “avançadas, menos
dependentes da estrutura do hardware e mais próximas do inglês tais
como Fortram LISP, Pascal, Prolog, C etc. (VY, 2003, pp. 41-42)
Para que AARON possa produzir os desenhos, precisa tomar decisões a partir do
que já conhece, então Cohen alimentou o programa com as características essenciais das
imagens, por exemplo, a figura humana é constituída de cabeça, tronco e membros, duas
48
pernas dois braços à direita e à esquerda, ombros direito e esquerdo. Dentro desse padrão
são criadas as imagens a partir de regras lógicas.
Cohen dá um exemplo dessas regras, que qualifica como bastante simples:
if (left-arm-posture is "hand-on-hip")
(add-upper-arm left -.3 .5 .65)
else if (left-arm-posture is "arms-folded")
Os três números representariam a rotação em torno do ombro nos três
eixos que colocariam o bro no ângulo correto, antes do braço ser
anexado ao torso na altura do ombro. Mas essa é uma descrição
simplificada, porque evidentemente não há apenas um angulo correto; e
a maneira que ele escolhe uma entre as três rotações irá influir, depois, em
como as outra duas serão escolhidas.
i
No entanto, a complexidade vem do movimento, pois a cada rotão de um
membro, por exemplo, a seência do processamento será diferente e como resultado
dessas pequenas alterações no posicionamento haverá a geração de uma nova imagem.
AARON é autônomo, no sentido de que pode fazer suas próprias escolhas a partir do seu
conhecimento básico programado por Cohen.
As pesquisa de Cohen na área da computação sempre caminhou no sentido oposto
das técnicas das artes plásticas tradicionais, ele não utilizava o computador como meio de
aprimorar a arte da pintura em telas, mas estava sempre em busca de novas ferramentas e
suportes em parceria com a máquina, fazendo uso da precisão e velocidade de cálculos que
o computador possui como característica, para criar uma nova condição de expressão
arstica.
Cohen desenvolveu a programação de AARON por conta própria nos heróicos anos
60 e 70, porém, recentemente firmou parceria com Ray Kurzweil
i
para a manutenção do
49
sistema e seu aperfeiçoamento, criando um site da Internet para a disseminação do
programa.
As opiniões sobre a questão de AARON ser ou não realmente um
programa de Inteligência artificial são divergentes. Segundo Pamela
McCorduck, AARON é um programa semi-inteligente, mas Ray Kurzweil
afirma sem constrangimentos, na página do programa da Internet, tratar-se
de um excelente exemplo de inteligência artificial em ação: Harold
passou quase trinta anos ensinando ao programa AARON como desenhar,
teorias da cor e os segredos da composição. Trata-se de um espetacular
exemplo de inteligência artificial em ação.
i
Na construção de AARON foi utilizado um programa chamado Franz,
uma versão Allegro CL. Como vimos, o programa utiliza a linguagem
LISP, porém com uma tecnologia própria, segundo o site, trata-se de um
sistema capaz de solucionar problemas complexos do mundo real.A
empresa norte-americana responsável pelo programa está localizada na
Califórnia, mas seu nome originou-se no MIT em 1978, com o nome de
Macsyma, e um de seus programadores foi o professor Richard Fateman.
Depois, já na década de 80, o programa seria distribuído gratuitamente
em universidades americanas. Até que, um estudante de pós graduação da
Universidade de Berkeley chamado Fritz Kunze enxergou a possibilidade
comercial do programa e no seu próprio quarto fundou a empresa Franz
Inc. (homenagem ao músico Franz Liszt). Mais tarde, seria criada a
Allegro CL. Gradativamente, a empresa prosperou e se estabeleceu no
ramo de software, hoje distribuído mundialmente.
4. 2 Um manipulador de símbolos
A pesquisa sobre inteligência artificial afirma que o computador é
um manipulador de símbolos e pode ser visto como funcionalmente
equivalente ao rebro humano, mas estes não foram os resultados
alcançados no início da pesquisa de Cohen, ao contrário, ele tinha muitas
dúvidas sobre a questão.
50
Ao longo de dois anos, ele trabalhou a programação, embora suas ambições fossem
modestas e a programação bastante simples em termos de conceito. Mesmo assim, o
trabalho de Cohen estava atraindo atenção pela novidade de aplicar à arte as novidades da
engenharia de sistemas.
Recapitulando a evolução de AARON, notemos que sua primeira
aparição foi durante uma conferência sobre computação que
aconteceu em 1971, sob patrocínio da Corporão Geral de Dados.
Logo no início de 1972, ele estaria em exibição no Los Angeles
County Museum of Art. As coisas pareciam estar começando a
caminhar no sentido que Cohen planejava para seu trabalho.
Os desenhos se assemelhavam a mapas, de três tipos diferentes, que
Cohen caracterizou como mapas de contorno, mapas territoriais e
labirintos. Porém, ele acreditava que todos eles compartilhavam
uma característica comum: todos envolviam a divisão do espaço da
tela, embora de modos distintos e com resultados diferentes do
ponto de vista das manipulões de cores.
Os desenhos ainda não eram satisfatórios até aquele momento. Ele sentia que,
mesmo com suas novas habilidades de programação, os desenhos pareciam rudimentares,
por causa da capacidade limitada da máquina que ele estava usando, um Data Nova Geral
com 8K de memória. Se compararmos com as máquinas computacionais dos dias de hoje
com configurações que ultrapassam 1 gygabyte teremos uma idéia do que isso significava.
Mas havia outra questão importante; o produto pictórico era real e o problema que
envolvia os espectadores no momento em que eles percebiam que este curioso desenho
tinha sido produzido, de fato, por uma máquina era questionar: como aquilo acontecia?
Afinal a máquina não sabia nada mais que algumas regras de programação elaboradas pelo
51
artista sobre como produzir desenhos; não conhecia nada sobre o mundo ou sobre o
espectador, nem tinha vivências para querer comunicar ou expressar qualquer coisa.
A exposição de arte se tornaria um espetáculo, com aquele computador que estava na
galeria controlando uma máquina robótica, fazendo desenhos sem parar. O computador na
década de 70 já era, em si só, uma grande novidade que despertava grande curiosidade;
suas possibilidades de cálculos eram bem conhecidas, mas naquele espaço organizado pelo
artista, essas possibilidades iam além de cálculos financeiros. Pois, ali Cohen estava
utilizando a máquina computacional de uma forma humanizada, numa espécie de subversão
do aparelho.
Eu queria que o blico soubesse que um computador estava produzindo
desenhos. As pessoas permaneceriam lá por um longo tempo, assistindo
ao computador produzir desenhos. A caneta fazia uma pausa e as pessoas
diriam: olhe ele está pensando sobre o que vai fazer em seguida. Então, a
caneta se deslocava para o outro lado do papel e alguém diria: 'Oh, está
fazendo alguma coisa para equilibrar o que foi feito do outro lado.' E eu
diria: 'Não, não, o programa apenas encontrou algum espo ali para
continuar o desenho.' E as pessoas pareciam ficar ofendidas com esta
resposta, como se elas pensassem que eu estivesse debochando delas... O
próprio desenho é somente a ponta do iceberg, em termos de conteúdo e
do que envolve sua produção. (Cohen in: MCCORDUCK, 1991)
As perguntas que os espectadores faziam sobre o significado daquilo tudo, e a
explicação dos desenhos, eram assim respondidas por Cohen:
Uma grande parte do que s avaliamos em arte não é a habilidade do
artista para comunicar significados especiais, mas sim a habilidade do
artista em apresentar ao espectador alguma coisa que o estimule à própria
tendência em gerar significado. (Cohen in: MCCORDUCK, 1991)
52
Em outubro de 1972, uma nova exposição foi organizada no Museu de Arte
Contemporânea, La Jolla, na Califórnia. Novamente, o computador e a máquina de
desenhar apareciam numa galeria de arte. Ao término de cada dia, um desenho era colocado
em um suporte previamente preparado para sua fixação, e ao final de vinte e seis dias a
exposição estaria completa. O encerramento se dava com os desenhos dispostos nas
paredes, mas isso não era tuto. "A exposição é o processo inteiro, [...] não apenas os
desenhos. Assim Cohem declara seus propósitos:
Eu não tenho grande interesse em dispositivos mecânicos e na realidade
eu acredito que há uma grande diferença entre desenhar à mão e desenhar
através de dispositivo mecânico.... Quando um artista desenha à mão você
pergunta o que ele tem em mente, não o que ele tem nos dedos. Já quando
ele desenha com a ajuda de dispositivos perguntamos o que ele tem em
mente e o que requer isto. A máquina de desenhar não executa melhor
nem pior necessariamente. A ação está com o computador. (Cohen in:
MCCORDUCK, 1991)
Todo esse processo, ao qual Cohen chamava de exposição, era a idéia da interão
do homem com a máquina, que implicava na simulação da mente humana que acionava a
mão robótica da máquina. O programa traduzia em imagens o que o artista havia
concebido; é como se alguém pedisse a outro, que nunca houvesse desenhado, como uma
criança por exemplo, indicando a direção de uma determinada linha, para que fosse para a
direita, esquerda, para cima ou abaixo; de acordo com o espo em branco do papel, e a
partir daí, ela começasse a desenhar seguindo essas prescrições rígidas. A máquina operava
os comandos que Cohen havia programado ou o que ele tinha em mente. Essa situação nos
53
remete ao que Lúcia Santaella chama de as reverberões do corpo biocibernético na
arte”:
De fato, a reconfiguração do corpo humano na sua fusão tecnológica e
extensões bioquímicas está criando a natureza híbrida de um organismo
protético, ciber, que está instaurando uma nova forma de relação ou
continuidade eletromagnética entre o ser humano e o espaço por meio de
máquinas. Esta paradigmática reversão de perspectiva em nosso horizonte
tornou essencial a superação da oposição entre o universo orgânico do
corpo e o universo mecânico da tecnologia em prol de uma nova lógica da
complexidade capaz de reconhecer que a vida do corpo e seus ambientes
externos e mesmo internos estão inextricavelmente mediados pelas
máquinas. (SANTAELLA, 2004, p. 75)
O conhecimento da máquina vinha de um programa que animava o computador, e
aquele conhecimento tinha sido extraído de textos de linguagem de programação de
máquinas computacionais, escritos pelo artista, um coisa dependia da outra: mente humana
e máquina. O programa computacional não funciona aí como uma ferramenta, mas como
uma interface ser humano máquina, no sentido que nos define também Santaella:
[...] uma interface ocorre quando duas ou mais fontes de informação se
encontram face-a-face, mesmo que seja o encontro da face de uma pessoa
com a face de uma tela. Um usuário humano conecta com o sistema e o
computador se torna interativo. Essa é a grande diferença que separa a
ferramenta de um programa (software). Ferramentas são feitas para serem
usadas. Elas não se ajustam aos nossos propósitos, a não ser num sentido
primitivo. Um programa, ao contrário, é um ponto de contato no qual
programas ligam o usuário humano aos processadores do computador e
estes intensificam e modificam nosso poder de pensamento.
(SANTAELLA, 2003, p. 91)
O que o artista tinha em mente acabaria se concretizando com a ajuda dos
computadores; contudo, ele não tinha em mente fazer desenhos pálidos naturalistas, não
54
que fosse difícil fazê-los, mas porque não estaria de acordo com a tendência da época e
nem dizia respeito ao seu estilo inovador do artista.
Mas, ele também não tinha em mente desenhar aquelas figuras geométricas monótonas,
popularmente identificadas no período como arte de computador. O que o fascinava
sobre o computador, em primeiro lugar, não era a precisão, nem a capacidade prodigiosa
para o trabalho; mas, o poder de decisão que o computador demonstrava, dentro da lógica
da linguagem de programação: se tal é o caso, fa isto[...] caso contrário faça aquilo;
e assim por diante, preenchendo espaços primeiramente com linhas e depois com cores. As
funções complexas carregam estranhas semelhanças com processos lógicos humanos. A
máquina em si não era importante para ele: mas seu uso tornava possível a formulação de
modos precisos e rigorosos de esclarecer esses processos, principalmente, aqueles
envolvidos nas atividades arsticas.
Cohen estava comando a exteriorizar um conhecimento que, até agora, tinha
conservado em seu interior. Mas para fazer isso ele dependia de uma máquina, sem a qual
não poderia exteriorizar o que tinha planejado em mente. Ele havia trocado os pinis e as
tintas por tecnologias mais arrojadas que não eram simples ferramentas, que funcionassem
como extensão do corpo, mas com interfaces capazes de exteriorizar processos da mente
humana. Sem saber, ele embarcava numa tendência que se tornaria amplamente difundida
nos anos subseqüentes. Como nos coloca Derrick Kerckhove se referindo às mídias como
interfaces:
As mídias funcionam como interfaces entre linguagem, corpo e mundo.
Elas posicionam a linguagem e o pensamento dentro e fora do corpo.
Quando sentimos alguma coisa, sentimos apenas dentro de nosso corpo,
ou isso é compartilhado entre interior e exterior? Na Antigüidade, os
gregos não acreditavam que as pessoas pensavam, mas que “respiravam
55
informão, nem mesmo que olhavam e ouviam, mas que as inspiravam e
expiravam. Isso faz sentido numa cultura que compara a respiração à
própria vida. Os corpos são reconhecidos como mortos; isto é, não sentem
mais nada, quando param de respirar. Assim, se respirar e saber estão
integrados na nossa percepção do que é saber, então é mais provável
sentirinformação, sentir conhecimento, ao contrário de ver, ouvir ou
pensar. Uma questão pertinente hoje é: o pensamento acontece dentro ou
fora da caba, ou em ambos? Já que cada vez mais a
inteligência está
fora de nossa cabeça, cada vez mais ela é compartilhada entre o
usuário e o mundo externo. (KERCKHOVE, 2003, p. 16)
4. 3 A
falsa dicotomia entre arte e ciência
A história das civilizações conta que os humanos primitivos iniciaram suas
manifestões artísticas nas paredes das cavernas; utilizando pedaços de ossos, terra,
sangue; enfim, com aquilo que estava disponível em seu meio ambiente. Em períodos
posteriores, as ferramentas e os materiais utilizados foram se modificando de acordo com a
evolução da espécie e as condições ambientais no qual estava inserido. Leonardo Da Vinci,
a seu tempo, foi um precursor na invenção da caixa preta, empregada como câmara escura,
para aumentar o realismo na representação de figura em desenhos e pinturas. De modo
semelhante, Cohen também se apropriou de aparatos de seu tempo para incrementar o seu
processo artístico.
Cohen, que durante quarenta anos trabalhou com materiais convencionais para a
produção de pinturas abstratas, trocou o pincel e os pigmentos pelo computador. Ao que
parece ele não estava satisfeito com aqueles recursos. O fato é que escolheu um caminho
56
sem retorno; e a partir de então, o computador passou a ser a ferramenta de trabalho, por
intermédio da qual se expressa e desenvolve seu processo artístico. Apesar de já ser um
homem de meia idade, essa passagem para ele parece ter sido aceita com grande
naturalidade. Gradativamente, o programa ia ganhando sofisticação de acordo com a
evolução das máquinas computacionais e o domínio de Cohen sobre programação.
No caso de Leonardo Da Vinci, a câmara escura estaria relacionada com a invenção
da câmara fotográfica em tempos futuros; enquanto que para Cohen seria a invenção e a
evolução do computador que exerceria influência sobre sua própria arte. Ambos os casos,
entretanto, demonstram como a arte e a ciência estão próximas; embora para a maioria das
pessoas, possam parecer distantes uma da outra. Para Blay Whitby, pesquisador de
inteligência artificial há mais de vinte anos, a fronteira entre arte e ciência na realidade não
existe:
Pode ser estranho a primeira vista pensar em criatividade baseada em
tecnologia, mas essa é uma das importantes idéias que fluem em ambas as
direções através da suposta fronteira entre arte e nessa área ciência ...a
motivão para esse trabalho não é substituir artistas humanos. Mais
freentemente, é uma maneira de explorar as regras complexas que estão
por traz da maneira como os humanos fazem isso. (WHITHY, 2004, p.
129)
Toda a pesquisa de Cohen se voltou para esse entendimento e para o aprimoramento de
seu programa computacional, desde o hardware até a veiculação do software na WWW. Ele
não vê contradição nenhuma em considerar a programação de um computador como uma
forma de manifestação arstica, ao contrário da mentalidade de sua época, que tendia a
segregar o conhecimento humano em departamentos:
57
Há no ocidente uma falsa dicotomia entre arte e ciência. As pessoas
tendem a ver essas duas maneiras de encarar o mundo como muito
diferentes quando, de fato, são muito semelhantes. A interação entre IA e
arte nos dá uma interessante ilustração disso. Há varias maneiras como as
idéias ( e tecnologias) se cruzam entre a IA e a arte. Primeiro, artistas
usam programas de IA e ros para gerar todos os tipos de obras-de-arte.
Segundo, muitos pesquisadores de IA buscam a arte para Ter uma melhor
compreensão de como a inteligência em geral opera. (WHITHY, 2004,
pp. 128-129)
As atitudes artísticas de Cohen demonstram que:
[...] o fato de termos, por exemplo, um relato cienfico da formação do
arco-íris não prejudica sua beleza. Se no futuro formos capazes de dar
uma explicação científica a respeito do funcionamento da criatividade
humana, isso não faria com que os produtos dessa criatividade ficassem
menos belos ou menos interessantes. Os maravilhosos produtos da mente
humana não são diminuídos pela sua explicação. (WHITHY, 2004, p. 20)
58
5. ARTE E TECNOLOGIA
[...] without the visual system upon which human beings rely and without
the full range of experiential knowledge which they bring to bear, in this
case to colouring. It is noteworthy also that the response its work is
capable of evoking in the viewer appears not to be too badly constrained
by the programs own lack of an emotional life. At the very least, these
facts should raise interesting questions that are clearly not being addressed
by those who concentrated only on whether the machine can be said to
have intelligence, or consciousness, or, in the final fallback position, a
soul.
Harold Cohen
i
59
5.1 Um mundo efêmero
Para Holtzman, em seu livro Digital mosaics, as artes digitais possuem características estéticas
diferentes, ou específicas, e uma dessas características está relacionada ao mundo atual, rápido e
volátil: Os mundos digitais são efêmeros. A experiência dos
bits
existe somente por um
instante...(HOLTZMAN, 1997, p.128)
A idéia de efêmero, vai de encontro ao ideal de Cohen, pois a efemeridade da produção de imagens
de AARON já se apresenta em sua interface; não existe uma justificativa maior para salvar ou
imprimir todas as imagens. O que é arte nesse caso é o processo de produção das imagens, pois elas
são geradas em alguns instantes e depois simplesmente desaparecem para, em seguida, gerar
outras. É verdade que existem dispositivos do programa que permitem ao usuário salvar ou
imprimir imagens mas isso é opcional.
Quando Cohen apresenta seu programa computacional, não está interessado em eternizar as
imagens, mas sim, em estabelecer relações entre o homem e a máquina; pesquisar novas
possibilidades de aprendizagem e simular a criatividade humana. Compreender os processos de
aprendizagem do desenho é de grande importância para educadores e aprendizes, mas não é
somente essa a questão abarcada pelo processo arstico envolvido na parceria Cohen-AARON.
Desenvolver novos padrões ou uma nova teoria estética para as expressões digitais arsticas já vem
sendo discutido por muitos estudiosos há algum tempo. Não é mais novidade para nós que os
multimeios eletrônicos fam parte de exposições reais ou virtuais; portanto, a necessidade de
elaboração de novas teorias é fundamental para o estudo e entendimento das expressões artísticas
que estão migrando para o digital.
Para a arte computacional ou infográfica, a informão é o meio, e a luz é
o material visual; nessa arte, a imagem é gerada a partir de uma programa
cuja linguagem algorítmica é decodificada na tela do monitor sob a forma
de pixels luminosos, num processo interativo desde a sua origem pois
acontece mediante uma íntima relação homem-máquina-programa. O
60
monitor é um órgãoconstituído pela luz e para revelá-la. [...] Ao
contrário do que acontecia com a
camera obscura
, o sistema
computacional se dá conta dos predicados do olho humano, do qual é mais
um prótese do que um substituto, aliando vista e visão a serviço do artista
para gerar novas realidades, novos registros de novos mundos; não é uma
visão isolada numa caixa, mas é visualizada através de uma caixa que
pode ser acessada pelo mundo. (BARROS, 2002, pp. 51-52)
Harold Cohen foi um dos artistas que migraram para essa nova forma de linguagem,
trocando seus pincéis por ferramentas digitais, dedicou-se a aprender a linguagem da
programação computacional e refletiu muito sobre o impacto que as novas tecnologias
digitais podem exercer sobre a arte. Na opinião de Couchot, o artista “Harold Cohen se
mantém sempre numa estética do processo que se estende a um conjunto de funções
inteligentes, projeto cibernético por excelência.(COUCHOT, p. 203)
Nos últimos 30 anos, as tecnologias digitais avançaram rapidamente e os sistemas
de interação estão mudando; tornando as interfaces muito mais amigáveis. Por esse motivo,
a arte e a tecnologia tendem a convergir cada vez mais. A união da computação gráfica e da
inteligência artificial já possibilita a produção de jogos eletrônicos bastante elaborados que
são considerados arte; em breve, não será mais necessário a utilização de dispositivos como
o mouse, o teclado e outros dispositivos do gênero. A questão de fundo é: se a tecnologia
condiciona ou não a sociedade e a cultura. Pierre Lévy responde da seguinte maneira a essa
questão:
Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade
encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada,
não determinada. Essa diferença é fundamental. A invenção do
estribo permitiu o desenvolvimento e uma nova forma de cavalaria
pesada, a partir da qual foram construídos o imaginário da cavalaria
61
e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No entanto, o
estribo, enquanto dispositivo material, não é a causa” do
feudalismo europeu. Não há uma causa” identificável para um
estado de fato social ou cultural, mas sim um conjunto de
infinitamente complexo e parcialmente indeterminado de processos
em interação que se auto-sustentam ou se inibem. Podemos dizer
em contrapartida que, sem o estribo, é difícil conceber como
cavaleiros com armadura ficariam sobre seus cavalos de batalha e
atacariam com lança em riste... O estribo condiciona efetivamente
toda a cavalaria e, indiretamente, todo o feudalismo, mas não os
determina. Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre
algumas possibilidades, que algumas opções culturais ou sociais
não poderiam se pensadas a sério sem sua presença. Mas muitas
possibilidades são abertas, nem todas serão aproveitadas. As
mesmas técnicas podem integrar-se a conjuntos culturais bastante
diferentes. [...] A prensa de Gutenberg não determinou a criação da
Reforma, nem o desenvolvimento da moderna ciência européia,
tampouco o crescimento dos ideais iluministas e a força crescente
da opinião blica no século XVIII apenas condicionou-as.
(LÉVY, 2003, p. 25)
As pesquisas de Cohen foram importantes para a transição da arte tradicional para a
arte digital. Sem dúvida, ele causou um certo mal estar entre os críticos e divide a opinião
pública de então, mas o que importa é ter sido capaz de responder às questões mais
controvertidas do seu tempo; compreendendo o que era preciso para que a arte se
desenvolvesse conforme as mudanças sociais trazidas pela avanço tecnológico. Afinal, o
artista sempre foi a antena das vanguardas, o artista está sempre à frente de seu tempo,
pressentindo as mudanças que pairam no ar, e como ser sensível e habilidoso, ele é capaz
de transformar sua introvisão em objetos de apreciação estética.
62
5.2 O objeto artístico
Walter Benjamim, Umberto Eco e Abrahan Moles são autores essenciais
para o entendimento das mudanças ocorridas nas produções arsticas na história recente;
motivadas pelo aparecimento de novos suportes tecnológicos e uma acelerada mudança de
comportamento. Eles foram capazes, em tempo, de refletir sobre essas mudanças que
resultaram na integração das máquinas em nosso dia-a-dia, na automação e na velocidade
da informação. A partir da Segunda Guerra Mundial, foi ficando cada vez mais difícil viver
sem o auxílio de máquinas. Conviver com esses mecanismos se tornou imprescindível ao
ser humano, principalmente nos grandes centros urbanos. Essa situão dominante não
pode deixar de atingir também o estatuto do objeto arstico. Segundo Abraham Moles:
Não há obra de arte que seja eterna, mesmo que a função arstica seja
inerente ao estado de humanidade. Vivemos numa sociedade de consumo:
o termo de consumotanto se aplica às máquinas de lavar como às
catedrais góticas. O que há de novo na sociedade de massas é que ela
consome obra de arte e que os monumentos dos séculos passados são
minados pelos turistas que levam consigo um pedo deles no caixotinho
de que se fazem acompanhar e que tornou célebre o nome da sociedade
Kodak. (MOLES, 1973, p.254)
Retrocedendo ainda mais no tempo, a informação que temos das sociedades
primitivas é de que o objeto artístico era parte integrante de rituais. Com grau elevado de
realismo, desenhos e pinturas eram realizadas no interior de cavernas escuras e de difícil
acesso. Nesse contexto, o importante era a realização do ritual mágico, tendo a arte como
elemento inerente ao processo. A razão de ser da arte rupestre era sobretudo produzir
efeitos mágicos, não havendo necessidade do artista torná-la pública, não era um objeto
63
destinado à apreciação pública. A reprodução artística começa com imagens a serviço da
magia. O que importa nessas imagens, é que existam, e não que sejam vistas.
(BENJAMIN, 1982 P.) Dentre os valores deste tipo de sociedade podemos perceber que o
mais importante não era o presgio do artista, e nem a divulgação de sua obra; mas o
objetivo era preservar a identidade cultural do grupo, fundada na religiosidade ou na
magia.
Nesse âmbito, o homem desenvolveu a idéia de que a arte deveria ser possuidora de
uma poderosa força espiritual e que facilitava a vida em grupo. Com o passar do tempo,
surgiram novas formas de civilizações, no entanto, a arte ainda conserva alguns de seus
aspectos misteriosos:
O valor de culto, como tal, quase obriga a manter secretas as obras de
arte: certas estátuas divinas somente são acessíveis ao sumo
sacerdote, na cela, certas madonas permanecem cobertas quase
o ano inteiro, certas esculturas em catedrais da Idade Média são
invisíveis , do solo, para o observador. (BENJAMIN, 1982)
Com este raciocínio, os artistas seguiam os interesses eclesiásticos e criavam suas
obras a partir de normas estéticas estabelecidas pelas necessidades religiosas e ritualísticas.
Mais tarde, num grau mais elevado de profissionalização, os artistas instalados em oficinas
cuidavam da produção da arte encomendada pelo clero e a burguesia. Esses, em
contrapartida, almejavam a posse da obra para aumentar o próprio presgio pessoal.
Enquanto isso, as massas só podiam usufruir das obras de arte em espaços religiosos.
No próximo período histórico, a arte começa a adquirir maior liberdade de ação;
independente de interesses eclesiásticos ou poticos. Os artistas passaram a adotar temas
mais flexível e criativos, buscando novas técnicas e valorizando o ser humano. As regras
64
rígidas da arte se aboliram e a temática já não estava comprometida com o repertório
tradicional religioso; ao passo que as exposições de obras de arte passaram a acontecer em
espos públicos.
O artista, por sua vez, passa a ser respeitado por seu próprio talento, possuidor de
dons divinos e das mais incríveis apties; considerado gênio da pintura e perito no manejo
das técnicas e materiais. Cada mestre se dedicava às pesquisas empíricas em sua oficina de
trabalho. Neste local, ele dividia conhecimentos com os aprendizes, que tinham uma
posição cobiçada por muitos, pois o ofício lhes podia garantir no futuro uma vida
confortável como recompensa de seus raros talentos.
A produção de obras de arte era cara e por esse motivo somente as classes
dominantes, a elite minoritária, podiam adquiri-las para o próprio proveito. Possuir um
objeto de arte trazia prestígio ao proprietário, por isso muitos mecenas sustentaram artistas
por longos períodos; apoiando seus processos criativos e dando-lhes ingresso na
aristocracia.
Porém, durante muito tempo, a arte ainda permaneceria distante e inacessível aos
olhos do povo, que tinha suas preocupões voltadas para o trabalho na busca do sustento
do corpo. Somente nas igrejas havia um contato, ainda que restrito, do público com as
obras de arte dos grandes mestres. Nas cidades italianas, na missa de domingo, aclamava-se
o conforto espiritual, sendo possível apreciar também as bessimas esculturas produzidas
pelos mestres renascentistas.
Com a chegada do século XX e o progresso tecnológico, a utilização das técnicas
industriais na arte possibilitou a reprodutibilidade ilimitada de obras de arte. A partir daí, o
objeto arstico perde seu potencial de originalidade, sua aura”, como diria Walter
Benjamin. No entanto, a arte passa a ser acessível aos olhos dos menos favorecidos,
65
motivando a fruição estética, condição permitida até então somente às classes privilegiadas.
Ainda assim, a versão original da obra de arte consegue reter uma fração de sua aura, sendo
conservadas em museus aguardando a visita do público pagante.
Com o advento da Revolução Industrial, as modernas técnicas possibilitaram
também as condições para que os artistas realizassem experimentos técnicos, questionando
os parâmetros da arte tradicional , explorando novos materiais e abrindo novas perspectivas
estéticas. A tendência natural desta manifestação de arte aliada à técnica é contemplar um
número cada vez maior de indivíduos apreciadores (usuários) da arte. Até chegar ao
momento atual, em que as mídias oferecem acesso universal à obra de arte que se converte
em uma arte popular, aparada pela cultura de massa.
Esse processo demandou algumas décadas, até a chegada das tecnologias
computacionais. A presença dos computadores ainda era discreta nos lares na década de 80,
e somente na década de 90, os eles se firmaram no mercado como eletrodoméstico
indispensável para qualquer lar de classe média. Vindo também a se estabelecer como
objeto de desejo das massas urbanas em seguida juntamente com a telefonia móvel. Então,
a telemática que vinha crescendo pausadamente, desde a década de 60, se consolidou no
mercado a partir da década de 90 de uma maneira avassaladora. É a partir daí que se pode
falar de uma convergência das mídias e de digitalização da cultura.
5.3 Técnica com arte
Sem a evolução das pesquisas na área da informática e o desenvolvimento das
linguagens de programação, a criação do programa computacional chamado AARON,
escrito por Harold Cohen em 1968, jamais seria possível. A criação do software e seu
desenvolvimento sempre estiveram vinculadas à disponibilidade de programas; Cohen
66
sempre fez questão de tirar proveito das tecnologias mais avançadas. O artista se beneficia
da predisposição que começava a existir, naquela época, para a convergência do
conhecimento cienfico com o conhecimento intuitivo, como observa Tânia Fraga:
[...] vemos surgir possibilidades de reconstruir a conexão rompida
voltando a arte a ter o papel de conector entre os conhecimentos lógico-
analógico e o intuitivo-sensorial, atuando através das poéticas
tecnológicas, a arte da programação de códigos computacionais é o campo
onde essas poéticas pode encontrar ferramentas técnicas para o seu
desabrochar; ela oferece possibilidades para a articulação dos horizontes
que se desvelam; ela funda-se na construção de programas; resulta de
processos pré-codificados; delineia um espaço-tempo próprio; e integra as
dimensões, sensível, social e comunicacional, com a ciência e técnica.
(FRAGA, 2003, p. 2)
Para se chegar às versões mais recentes do programa, quando AARON passa a ser
capaz de produzir imagens coloridas e diversificadas, foram necessários estudos e
pesquisas sobre algoritmos
i
de Inteligência Artificial. Pesquisa essa que teve início no
laboratório de Inteligência Artificial na Universidade de Stanford. Surge o programa
computacional que resultaria no AARON, assim chamado por iniciar com a letra A,
primeira letra do alfabeto, pensando seria o seu primeiro invento e que tinha em mente a
produção de muitos outros programas que designaria com diversos nomes diferentes. Mas
isso não veio a acontecer, pois AARON exigiu uma fase de ajuste que durou muito mais do
que o planejado por Harold Cohen.
Harold Cohen iniciou a trajetória de busca de soluções para seu trabalho pioneiro,
aliando arte e Inteligência Artificial. Na época, a técnica de IA ainda estava em seus
primórdios e o que Cohen fez, foi arriscar em uma área completamente nova para ele, no
início ele não tinha idéia de como conciliar a programação aos procedimentos artísticos.
67
Na realidade Cohen atualizava uma tendência da arte moderna que visa se apropriar
dos meios técnicos de produção, dando continuidade a um processo que tivera início já com
a fotografia, como afirma Santaella em Mídias e artes: os desafios da arte no início do
século XXI:
Desde a invenção da fotografia, a arte não foi mais a mesma. Aquilo que
hoje chamamos de meios audiovisuais teve início na fotografia, pois esta
foi o primeiro meio técnico de produção de imagens e, sem o progresso
das tecnologias mediáticas, os meios audiovisuais não poderiam ter
surgido. Mas o primeiro meio efetivamente audiovisual foi o cinema. O
desenvolvimento tecnológico deu, a seguir, origem à televisão, ao vídeo e,
hoje, às tecnologias hipermidiáticas. O cmax da galáxia hipermidiática
se encontra na perspectiva dos mundos virtuais. (SANTAELLA, 2002, p.
9)
Com sua atitude aberta com relação ao cruzamento de disciplinas: arte, tecnologia,
ciência; Cohen dava continuidade a uma linha evolutiva que havia iniciado com as
vanguardas modernistas que costumava relativizar o saber racional isolado. Como nos
coloca Claudia Giannetti:
No campo da arte, este relativismo se manifesta de diferentes maneiras:
no experimentalismo como parte essencial da produção da obra, praticado
desde as primeiras vanguardas; nas mudanças radicais com respeito à
recepção da obra; na tendência em estabelecer nexos, relões e
reciprocidades entre os diferentes campos artísticos substanciados nas
produções
intermedia
ou mídias mistas (
mixed media
), intervencionistas,
interdisciplinares, etc. e na potencializão dos vínculos entre arte,
ciência e tecnologia. (GIANNETTI, 2003, p. 11)
Harold Cohen pode ser visto como um exemplo de artista que não se intimidou com
a dicotomia entre arte e tecnologia; unindo as duas formas de conhecimento para
68
materializar seu ideal. Hoje em dia, temos muitos artistas que produzem arte com os
diversos meios tecnológicos disponíveis, porém na década de 60, quando os computadores
ainda eram muito raros, a idéia de uma arte digital ainda podia causar uma certa estranheza.
É de grande relevância salienta o fato de que Harold Cohen abriu muitas
possibilidades para que novos artistas também produzissem arte computacional e criassem
seus próprios programas. Ele sempre foi muito disposto para auxiliar outros pesquisadores,
independentemente da área que atuavam.
Blay Whitby esclarece em seu livro sobre Inteligência Artificial um pouco sobre
essa área da computação e inclusive algumas idéias sobre a interdisciplinaridade entre arte
e ciência, para ele:
Há no Ocidente, uma falsa dicotomia entre arte e ciência. As pessoas
tendem a ver essas duas maneiras de encarar o mundo como
muito diferentes quando, de fato, são muito semelhantes. A interação
entre I.A. e arte nos dá uma interessante ilustração disso [...] Primeiro,
artistas usam programas de IA e robôs para gerar todos os tipos de obras-
de-arte. Segundo, muitos pesquisadores de IA buscam a arte para ter uma
melhor compreensão de como a inteligência em geral opera.
(WHITBY,
2004, p.38.)
Diante dessa constatação, entendemos que existe uma necessidade mútua no
crescimento dessas áreas, e que, o computador pode ser visto como um gerador de
convergência, capaz de facilitar a produção do conhecimento de maneira associativa,
enquanto as redes digitais viabilizam a criação a distância, de maneira colaborativa.
5.4 As imagens de AARON
69
Atualmente, Harold Cohen disponibiliza, na Internet, uma amostra gratuita de
AARON, para testes e análises. Essa é uma forma de criar discussões e ampliar o alcance
do programa. Além disso, Harold Cohen também coloca à disposição do público alguns
ensaios de sua autoria, oferecendo-nos uma reflexão sobre seu próprio trabalho.
Uma visita ao site da Internet também serve para mostrar o grau de complexidade a
que chegaram as obras de AARON. No entanto, para chegar neste estágio de sofisticação
foram necessários por volta de trinta anos de trabalho. Quando pensamos no AARON, a
primeira impressão que temos, por ser uma máquina, é que ele irá reproduzir imagens a
partir de um banco de dados criado por Harold Cohen, mas esse pensamento é errôneo; o
modo de produção através da inteligência artificial não permite que AARON produza
imagens repetidas. As imagens produzidas por AARON são providas de originalidade,
podendo apresentar a hitese de serem obras de arte com suas auras preservadas, por
serem obras únicas; que se aproximam da idéia de obra de arte que se tem tradicionalmente
na estética ocidental, no entender do autor italiano Humberto Eco:
Em estética, diremos nós, essa constatação é bem mais antiga, pois a
relação entre intérprete e obra foi sempre uma relão de auteridade.
Ninguém duvida de que a arte seja um modo de estruturar certo material
(entendendo-se por material a própria personalidade do artista, a história,
uma linguagem, uma tradição, um tema específico, uma hitese formal,
uma mundo ideológico). (ECO, 2005, p. 33)
Com isto se confirmaria a hipótese de que as produções de AARON sejam
consideradas genuínas obras de arte, sem contrariar nem mesmo a estética tradicional. Pois,
AARON possui o potencial de criar um infinito número de obras que sempre originais;
exteriorizando com isso a personalidade do artista, sua história, sua tradição e ideologia.
70
De outro lado, AARON é o protótipo de um artista com característica imortal, pois,
hipoteticamente, enquanto houver suporte para a sua existência, e usuários para acionar seu
dispositivo performático, a obra de arte será sempre renovada, mantendo sua originalidade
e estando em contínuo crescimento.
Além disso, AARON tem seu estilo próprio de desenho e de pintura, o qual por sua
vez, não deixa de nos remeter ao estilo de seu co-autor Harold Cohen, sendo que, este é
também seu primeiro divulgador e crítico de seu próprio trabalho artístico.
Uma criação como AARON somente seria possível graças às transformações sociais
e inovões tecnológicas que ocorreram nos últimos 50 anos, como nos diz Lúcia Santaella:
[...] tenho utilizado uma divisão das eras culturais em seis tipos de
formões: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de
massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Antes de tudo, dever ser
declarado que essas divisões estão pautadas na convicção de que os meios
de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais atuais,
embora, efetivamente, não passem de meros canais para a transmissão de
informão, os tipos de signos que por eles circulam, os tipos de
mensagens que engendram e os tipos de comunicação que possibilitam
são capazes não só de moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres
humanos, mas também de propiciar o surgimento de novos ambientes
sócio-culturais. (SANTAELLA, 2003, p.13)
Não há mais como dizer que o computador seja apenas um meio de facilitar tarefas
repetitivas; pois a inteligência artificial proporciona possibilidades de criações que são
inéditas e imprevisíveis. Entretanto, para que essas criões sejam reconhecidas como
Arte, faz-se necessário uma urgente revisão dos conceitos estéticos elaborados em tempos
passados, em um momento em que a automação ainda era uma idéia remota. Abraham
71
Moles tenta conceituar esses novas modalidades artísticas emergentes, que darão origem a
uma nova estética
O que atualmente chamamos de Estética Informacional baseia-se na
observação de que toda obra de arte ou, mais genericamente, toda
expressão artística pode ser considerada como uma mensagem
transmitida por um indivíduo (ou um microgrupo criador) [...] a
Estética Informacional representa, portanto, uma atitude de espírito em
contraste bastante nítido com a Estética Filosofal tradicional, [...]
(MOLES, 1973, pp.12-13)
Para Moles, o interesse cada vez maior de artistas que utilizam o computador como
meio de expressão artística estaria de acordo com o modo de vida das sociedades atuais.
Consequentemente, as questões relacionadas com a natureza e a o conceito dessa nova arte
também devem ser fundamentadas em novos parâmetros estéticos. E no entender de Lúcia
Santaella não poderia ser diferente; pois:
A profusão de mídias é hoje de uma tal dimensão, sua participação
na vida social e individual tão onipresente que não há qualquer
campo de produção de linguagem que possa estar à margem de suas
influências. Muito menos a arte, pois os artistas são sempre os
primeiros a se apropriarem dos meios técnicos, colocando-os a
serviço de sua imaginão criadora e explorando as novas formas
de sensibilidade e percepção que neles podem ser corporificadas.
[...] O surgimento das mídias tecnológicas, desde a fotografia,
trouxe consigo a tendência, até hoje ainda renitente, de se localizar
a arte e a tecnologia em dois los opostos de uma escala que se
separa como duas formas de expressão irreconciliáveis. Walter
Benjamin, ao contrário, foi veemente ao chamar atenção para as
transformações que as novas tecnologias estavam fadadas na
72
produzir no próprio conceito de arte. Ele defendeu a tese da
historicidade dos meios de produção da arte, segundo a qual o
surgimento de novos suportes tecnológicos significam novas
possibilidades de produção e de expressão criativa para os artistas.
(SANTAELLA, 2002, p.9)
73
6. CO-AUTORIA E A CULTURA DIGITAL
Theres an old art world story about a man who has a Picasso original
hanging in his living room until one day a friend tells him that it isnt
an original, its a print; and he takes it out of the living room and
hangs it in the toilet. Less apocryphally and at the other extreme of
exclusivity, a Warhol print a print, not a painting sold at
Sothebys last year for four and a half million dollars, bringing to the
buyer the same aesthetic value had when it was first sold when the
artist was still alive and able to make more profitably for a couple
of a thousand. What was the buyer buying for the other four million
plus?
Harond Cohen
i
74
6.1 O Código AARON
Em 2001, numa Conferência sobre inteligência artificial Cohen manifesta suas
idéias de maneira um tanto conservadora no que diz respeito à autoria, na tentativa de
preservar o espo do artista que, cada vez mais, está sendo pressionado a abandonar o
circuito arstico tradicional. Na ocasião Cohen faz o seguinte comentário:
Para introduzir a questão, eu recebi uma correspondência enviada por e-
mail de alguém dizendo ser da opinião de que eu deveria disponibilizar o
código fonte de AARON. Eu respondi que eu nunca hesitei dizer a todos
qualquer coisa que quisessem saber sobre como o programa trabalha, de
maneira que, pudessem escrever seus próprios programas, mas que
AARON era minha propriedade intelectual e eu não poderia ver nenhuma
razão em disponibilizar seu código fonte. [...] (COHEN, 2004, S/n)
Sempre com base nesse mesmo artigo; sugere-se que se Cohen disponibilizasse o
código fonte, AARON poderia ser escolhido como referência por programadores do mundo
inteiro, e que assim, poderíamos ter gerões de AARONs produzindo arte original até um
futuro distante. Mas, se ele mantivesse seu código secreto como se encontra, AARON
estaria fadado a permanecer como quando ele deixou de trabalhar em seu código. Na
realidade, seu desejo era fazer com que AARON modificasse seu próprio desempenho, do
mesma maneira que um artista humano modifica seu próprio desempenho ao longo tempo;
de modo que o próprio AARON
pudesse gerar arte original no futuro.
No estágio em que se encontrava, AARON é capaz de gerar imagens originais
indefinidamente. Contudo, a questão pressupõe, não apenas essa possibilidade, mas um
outro estágio; o qual poderia ser atingido como acontece no caso de artistas humanos, com
modificões contínuas.
75
Existiria a possibilidade de rescrever o programa, de modo que, ele mudasse
aleatoriamente os valores atribuídos a algumas de suas variáveis freentemente? Com a
mudança das variáveis, isso deveria ampliar o espaço de busca consideravelmente, e
resultar em algumas possibilidades interessantes. Mas isso não era exatamente o que ele
queria dizer, ao se referir à mudança do seu próprio desempenho com o tempo, da mesma
maneira que um artista humano modifica o seu próprio desempenho ao longo do tempo. O
artista humano certamente não vagueia, cega e aleatoriamente, através de um espaço em
busca de possibilidades. Se vopensar no contexto da propriedade livre então há sempre
muitas coisas "interessantes" a fazer, que são ignoradas pelo artista, assim como muitos
dos movimentos possíveis em um jogo do xadrez são ignorados pelo mestre do xadrez.
Quando dizemos que Cohen tem uma atitude conservadora nos referimos, também,
à proteção do invento para que não se mude a proposta inicial da pesquisa. Na opinião de
seu autor, disponibilizar o código fonte, ou alterá-lo, implicaria em muitas perdas para
AARON e para as novas pesquisas que ainda estão por vir.
Está claro que AARON já é uma referência no campo da arte e da tecnologia.
Talvez, já não o fosse mais se seu código tivesse sido manipulado por programadores de
todo o mundo com objetivos os mais diversos. Entender a posição de Cohen parece-nos
difícil, quando vivemos em uma sociedade que por um lado visa lucrar com as vendas de
programas e por outro defende a idéia de que a quebra de patentes seria mais justo; mas em
sua opinião proteger o estudo e a pesquisa, neste momento, é melhor do que corromper os
objetivos originais.
Outro fator importante é saber quais são os conceitos envolvidos e como uma
pessoa desenvolve seu potencial arstico; procurando entender através de pesquisas, por
meio de simulações com auxílio do computador, os processos de aprendizagem do desenho
76
e da criatividade humana. Além disso, ele apresenta para o mundo o resultado de um estudo
que abre fronteiras para novas pesquisas, em favor da aprendizagem do desenho, da pintura
e de processos criativos que se desenvolvem naturalmente com o passar do tempo.
Ao escrever e desenvolver o programa computacional AARON, Cohen pretendia ir
além da técnica de programação, pretendia simular o processo cognitivo, criativo e arstico
humano; questionando sobre circulação da arte em meios reais como museus, espos e
galerias, assim como em espaços virtuais.
Evidentemente, haveria a possibilidade de alterar o código fonte de modo que
AARON se atualizasse, de tempos em tempos, mas isso comprometeria o significado da
pesquisa de tantos anos no desenvolvimento de um artista cibernético, com propriedades
similares a um artista humano. Dessa maneira os estudos da cognição, processos criativos, e
desenvolvimento de fases naturais que todo artista humano apresenta em sua trajetória se
perderia para dar lugar às técnicas de programação, a tentativa de aprimorar o programa
daria lugar à perda da essência do invento de Cohen. Pelo que podemos entender, desde o
princípio, Cohen possui objetivos mais humanos do que automatizados para AARON.
Disseminar o programa computacional na Internet não significa que esteja aberto
para modificações em seu código, pois esse não foi o objetivo primeiro de Cohen há trinta
anos, quando tomou a decisão de desenvolver a pesquisa com foco no estudo da cognição e
do processo criativo.
A disseminação e divulgação da arte e do artista são muito úteis no exercício de
suas funções na sociedade, alimentando a cultura. Utilizar os meios de divulgação é uma
das características da sociedade atual, quanto mais audiência tivermos para a arte mais será
notada e ficará disponível para possíveis leituras, questionamentos e possibilidades. Porém,
a divulgação da vida e da obra de um determinado artista não implica em ensinar as
77
técnicas que este desenvolveu em seus estudos; isso é uma prerrogativa pessoal de cada
artista. Se ele deseja ou não divulgar sua técnica é uma decisão que ele deve tomar
livremente, cada um terá sua própria opinião sobre esses aspectos e isto tem a ver com a
liberdade de pensamento e de expressão. Essa parece ser a posição de Harold Cohen com
relação ao tema da propriedade intelectual e artística.
6. 2 Co-autoria no espaço digital
No decorrer da História da Arte temos uma vasta produção de obras que são
estudadas em laboratório, na tentativa de descobrir as técnicas utilizadas, com diversos
interesses que vão desde a restauração até a falsificação. O artista em nossa sociedade está
em meio a uma mudança de valores. Um desses valores que estão sendo questionados diz
respeito à autoria. Até que ponto a autoria é importante para o artista ou para a obra de arte?
Cohen se encaixa numa corrente de pensamento que acredita na desvalorização ou no
desaparecimento do artista no momento em que o fim da autoria se estabelecer por
completo no meio arstico.
Irati Antonio, em Autoria e cultura na pós-modernidade” se manifesta sobre esse
tema:
O conceito de direito autoral diz respeito à propriedade intelectual
ou arstica sobre obras ou produtos. Basicamente, é o direito legal
do autor ou criador de uma obra a controlar a produção e a
distribuição dessa obra. Esse direito pode ser exclusivamente do
autor, que pode também vendê-lo ou licenciá-lo a editores e
outros. (ANTONIO, 1998, p.189)
78
Cohen defende que, sua obra e sua pesquisa têm objetivos maiores e diferentes de
um simples aprimoramento do programa. Sua posição em relação ao artista é de que este
deva manter a autoria para que a idéia principal não seja perdida; salientando que, se
alguém o desejar, deve criar seu próprio programa com os objetivos que achar mais
convenientes. Cohen continua trabalhando no aprimoramento do AARON, mas de sua
maneira; preservando a idéia principal da simulação do artista humano completo, desde a
aprendizagem do desenho, até um desenvolvimento próprio da técnica arstica; criando um
estilo de acordo com a evolução natural do processo.
Para Pierre Lévy ainda seria possível dar uma definição precisa de autor:
O autor é a condição de possibilidade de qualquer horizonte de sentido estável. Mas tornou-se
banal dizer que a cibercultura coloca muito em questão a importância e a função do signatário;
(...) o ato de criação por excelência consiste em criar um acontecimento, aqui e agora, para uma
comunidade, até mesmo construir o coletivo para qual o acontecimento advirá. (LÉVY, pp. 2000,
147-148)
É certo que o artista precisa de recursos financeiros para viver e o fim da autoria
tornaria ainda mais difícil a sobrevivência do artista como indivíduo. Mas por outro lado,
abrem-se com isso possibilidades de criões coletivas e multidisciplinares. A versão de
AARON disponível na World Wide Web se encontra protegida por Copyright, sendo que, o
usuário do programa deve aceitar o acordo (agreement) que estabelece as condições de uso
do produto (vide anexo).
Por outro lado, o conceito da co-autoria já vem sendo utilizado, há muito tempo, em
criões literárias e na própria arte. Com a convergência da arte e da tecnologia esse
modelo autoral vem sendo bastante praticado: em espaços reais, virtuais ou mistos.
79
Podemos observar, de tempos para cá, um sensível aumento dessa tendência em imeros
trabalhos de arte, em exposições coletivas, na Internet, ou mesmo através de celulares.
Exemplos dessa tendência são grupos de vdjs e artistas performáticos que dividem o
mesmo espo; apresentando suas criações multimídias; unindo moda, música eletrônica e
performances
high
ou
low-tech.
Pierre Lévy caracteriza “as artes do virtualda seguinte maneira:
[...] participão ativa dos intérpretes, criação coletiva, obra-
acontecimento, obra processo, interconexões e mistura dos limites, obra
emergente como uma Afrodite virtual de um oceano de signos digitais,
todas essas características convergem em direção ao declínio (mas não ao
simples desaparecimento puro e simples) das duas figuras que garantiram,
até o momento, a integridade, a substancialidade e a totalização possível
das obras: o autor e a gravação. Uma grande arte do virtual é possível e
desejável, mesmo se essas figuras passarem para o segundo plano. Mas a
ciberarte requer novos critérios de apreciação e de conservação que
entram muitas vezes em contradição com os hábitos atuais do mercado de
arte, que reencontra a tradição do jogo e do ritual, requer também a
invenção de novas formas de colaboração entre os artistas, os engenheiros
e os mecenas, tanto blicos como privados. (VY, 2003, pp. 136-137)
O caso é que, quando há trinta anos, Cohen tomou algumas decisões sobre o destino
que deseja dar a AARON a Internet ainda não podia sequer ser pensada e a sociedade
também era muito diferente. Jamais se imaginaria que as comunicões passariam por uma
revolução tão profunda; modificando o conceito de artista e de autor. Assim, quando Cohen
disponibiliza o seu programa na Internet, sua intenção seria apenas a divulgação de seu
trabalho. Do mesmo modo que um artista divulgaria suas pinturas em um determinado site,
com a finalidade de atingir um público mais amplo. Ele não esperava ser pressionado por
programadores, artistas e curiosos, para que disponibilizasse o código fonte do AARON.
80
Então, Cohen se encontra num beco sem saída, pois num mundo obcecado pelo espo
virtual, a arte sofre mudanças de paradigma e ganha outras funções, segundo Lévi:
A figura do autor emerge de uma ecologia das mídias e de uma
configuração ecomica, jurídica e social bem particular. Não é, portanto,
surpreendente que possa passar para segundo plano quando o sistema das
comunicações e das relações sociais se transformar, desestabilizando o
terreno cultural que viu crescer sua importância. Mas talvez nada disso
seja tão grave, visto que a proeminência do autor não condiciona nem o
alastramento da cultura nem a criatividade artística. (LÉVY, 2000,p.153)
6.3 Autoria e criatividade
Até que ponto a criatividade do artista ficará comprometida nesse contexto – ainda
não sabemos ao certo. Mas, a condição em que AARON se encontra nos faz pensar em
como Cohen poderia solucionar essa questão. Primeiramente, se pensarmos na
possibilidade da abertura do código, tornando-o de domínio público, a pesquisa certamente
tomaria rumos diferentes; o que não parece ser a vontade de Cohen. Por outro lado, temos
na contra mão das tendências atuais, o fato de AARON estar tentando se adaptar a um
espo novo, vinculado a conceitos diferenciados sobre arte e autoria. Pierre Lévy define a
função de co-produtor que assume o espectadorno contexto da cibercultura:
Uma das características mais constantes da ciberarte é a participação nas
obras daqueles que as provam, interpretam, exploram ou lêem. Nesse
caso, não se trata apenas de uma participação na construção do sentido,
mas sim uma co-produção da obra, já que o espectadoré chamado a
intervir diretamente na atualizão (a materialização, a exibição, a edição,
81
o desenrolar efetivo aqui e agora) de uma seqüência de signos ou de
acontecimentos. (LÉVY, 2003, pp. 135-136)
Pamela McCorduck, tocando nesta questão, apela para o conceito de meta-autoria.
No entanto, esse conceito, por mais inovador que seja, não livra Cohen de provocações; já
que, além da exigência do código fechado, existe a questão sobre a autoria da produção de
AARON; mediante o uso de diversos software da autoria de terceiros. Atualmente, o
programa computacional está licenciado pela empresa de software americana Kurzweil
Ciberart; enquanto que o software utilizado na produção de AARON, como propriedade
intelectual, pertencente a empresa Franz Inc. Nessas condições, fica difícil afirmar que
Harold Cohem é o único autor do programa AARON. Seria mais coerente dizer que Cohen
é co-autor do programa, em parceria com Ray Kurzweil; ou que Cohen é autor legítimo do
programa e a empresa Kurzweil Ciberart é sua produtora e distribuidora, com licença
exclusiva. Tal desdobramento se assemelha às polêmicas da indústria fonográfica e
cinematográfica, em constantes conflitos com a cultura da multiplicação das cópias.
Questões como estas fazem com que muitos estudiosos das leis sejam forçados a
rever conceitos de direitos autorais; principalmente as o fenômeno global da Internet.
Seguindo as normas tradicionais do Copyright, desde que Cohen escreveu o programa
AARON, consequentemente se reservaria os direitos sobre a produção e a reprodução desse
produto. Porém poderíamos perguntar: será que os autores dos software utilizados por
Cohen para escrever o seu aplicativo também não seriam co-autores do programa?
Além disso, AARON também levanta questões sobre identidade: a dele própria, a
do artista e sobre a natureza da própria arte. Em Arte e computador, Abraham Moles
afirma que: O artista não será substituído por máquinas como estão em vias de ser o
82
contabilista e o operário... pois a atividade artística é fundamentalmente criação e não
reprodução. (MOLES, 1973, p. 252) Até aqui estamos de acordo, mas no caso AARON,
o software não só reproduz, ele também interfere no processo criativo, como gerador de
significados, ou como instrumento utilizado na resolução de problemas arsticos. A
conclusão que chegamos é que AARON é diferente de uma publicação impressa, ou mesmo
de uma obra editada em suporte digital destinada ao consumo.
As técnicas computacionais tanto permitem a reprodução e aprimoramento de
linguagens tradicionais como a criação de novos formatos. De acordo com Pedro Barbosa:
Pode simular-se no computador uma grande variedade de estruturas
formais típicas da literatura tradicional: mas o florescimento da arte
permutacional ou combinatória, do texto virtual ou interativo, da arte
aleatória ou variacional, da poesia dinâmica ou do hipertexto ficcional, só
o computador é que os viria a tornar possíveis. [...] essas formas novas
surgidas com o advento da informática e sem cabimento possível nos
livros (do texto virtual aos geradores automáticos). A literatura Gerada
por Computador englobaria, portanto, essas duas grandes vertentes: uma
atitude de simulaçãoda literatura de feição clássica, na esteira do já
existente, e a “ciberliteratura”, abrangendo uma forma nova de produzir
literatura e uma atitude exploratória de novos processos comunicativos,
muitas vezes multimediáticos. (BARBOSA, pp. 20-21)
Como não poderia deixar de ser, a arte computacional tomada nesse segundo
enfoque, que envolve uma atitude exploratória de novos processo comunicativos, e
diríamos também, criativos, conduz a uma revisão de mentalidade:
[...] a autonomia relativa concedida à máquina e essa autonomia
depende evidentemente do algoritmo introduzido no programa vai
obrigar-nos a repensar na origem a própria noção de criação e
comitantemente a de obra de arte ou de objecto estético. Outrora não
havia uma visão parcelar do mundo como a que actualmente temos: arte,
83
religião e ciência (ou que então equivaleria ao que hoje denominamos
como tal...) surgiam aparentemente integradas numa visão global e
sincrética do universo. (BARBOSA, p. 21)
Portanto a convergência de formas de conhecimento pode ser vista, também, como uma
recuperação de uma unidade perdida durante a evolução do pensamento ocidental. Com o
seu poder de reintegração das linguagens a máquina é capaz de regenerar uma visão de
mundo que parecia para sempre perdida:
[...] após vários séculos de racionalismo intermitente (de Kant ao
Positivismo) em que arte e ciência se passaram a digladiar em campos
opostos, assistimos hoje ao desabrochar, tanto de uma nova noção de
ciência como de uma nova noção de arte, situão que as tende a fazer
convergir uma para a outra, integrando-as de novo num mundo unificado
o mundo da imaginação e da criatividade. Por outro lado, a ciência
moderna apresenta-se sem complexos como uma atividade imaginante
modelizadora da nossa visão do mundo (em muitos aspectos semelhante à
criação artística); e por outro lado, também a arte (desde o aparecimento
da fotografia, há um século atrás, até à explosão das artes electrónicas que
culminaram recentemente na arte por computador...) depende cada vez
mais de
conhecimentos técnicos e cienficos para se poder
concretizar. Tal como nos tempos da Renascença (basta lembrar
Leonardo da Vinci), arte e ciência parecem confluir de novo para o
terreno comum da criatividade. (
BARBOSA, p.21
)
Para sairmos um pouco do ciclo vicioso da cultura ocidental, podemos nos referir a
outras culturas milenares, como a arte tradicional africana, que possui uma noção de autoria
muito diferente da nossa, o que importa nesse caso é o objeto e sua função, não quem a
executa, a finalidade rituastica é o foco da produção dos artefatos. Para Chistine Mello
84
trata-se de Trabalhos produzidos sob domínio de espos fluídos, que denotam a
dissolução de fronteiras nas artes: em sua maioria produzidas coletivamente e realizadas a
partir da co-autoria do usuário...(MELLO, 2003, p. 117)
Em tais casos, a autoria não está atrelada ao conceito de propriedade, nem está
focada no artista como indivíduo, mas abre múltiplas possibilidades para a co-autoria, ou a
produção coletiva do conhecimento.
Por sua vez, Priscila Arantes comenta sobre o trabalho de Cohen:
[...] um dos casos mais paradoxais na cena artística contemporânea é o de
Harold Cohen, criador de AARON, um programa que torna o computador
capaz de pintar como um artista plástico. Atuando, portanto, na fronteira
mais indefinida entre arte e ciência, Cohen parece querer dizer que sua
obra é AARON e não as imagens que este permite conceber.
(ACTAMEDIA, MAC /USP, 2004).
Ao analisar a obra de Cohen percebemos o conceito de autoria aí presente,
parafraseando Priscila Arantes diríamos que, Harold Cohen parece assumir a autoria do
programa, porém, não a autoria da imagem. Em nenhum momento, Cohen se autodenomina
como autor das imagens produzidas por AARON. Em alguns momentos, a obra chega a ser
assinada pelo software; atitude essa que poderia ser interpretada como uma maneira de
Harold Cohen indicar AARON como autêntico autor das imagens produzidas.
Se observarmos atentamente as imagens obtidas, a questão de como um programa
computacional pode ser autor de uma imagem vem a tona. Sabemos que AARON foi
desenvolvido por Harold Cohen; o qual não abre mão das propriedades autorais (Copyright)
sobre o programa, uma vez que, as imagens criadas por AARON só poderiam ser geradas a
partir das regras preestabelecidas pelo artista Harold Cohen.
85
AARON não seria capaz de criar uma estética própria, independente do esquema
estabelecido por Cohen. A concepção do artista humano está implícita na imagem que
AARON produz: o estilo, as cores, o desenho; enfim, toda a imagem obedece padrões
previstos na programão escrita por Cohen. Então, podemos confirmar a hipótese de que
AARON seja realmente co-autor da imagem, já que, um equipamento computacional
(hardware) não tem autonomia suficiente para produzir obras de arte por sua própria conta.
6.4 Um autor imortal
A autoria de AARON pode estar garantida por meios legais; seu código fechado
pode estar protegido; no entanto, as imagens produzidas por AARON não são assinadas por
Harold Cohen (embora, algumas estejam assinadas por AARON). No entanto, qualquer
pessoa pode fazer o
download
de AARON disponível no sítio computacional da empresa
Kurzweil.net. Existe aí um
freeware
e o pagamento pelo programa é na base da confiança.
(vide anexo) Harold Cohen não exige do usuário a consumação da compra, mas oferece um
teste gratuito. A partir do
download,
as imagens originais que AARON produzir serão
reservadas para aquele usuário exclusivamente, em seguida, existe a opção de salvar ou não
a obra, sendo que a imagem é restrita ao espaço virtual. Portanto, não faz sentido que as
imagens retenham direitos especiais reservados, já que, a obra é o processo. Harold Cohen
é autor do dispositivo AARON gerador de signos, portanto ele é o meta-autor.
A lei dos direitos autorais estabelece que os herdeiros terão direitos sobre a obra
intelectual por 70 anos após a morte do autor. Depois desse período, a propriedade
intelectual passa a ser do domínio público. Na hipótese da morte de Harold Cohen, o
código original poderá morrer com ele, será o fim da possibilidade do usuário ter acesso a
86
ele. Porém, AARON continuará gerando os desenhos e pinturas, podendo ser considerado
um autor imortal. Harold Cohen criou não só um dispositivo de criação de imagens, mas
um artista imortal portador de direitos perpétuos. No Brasil o programa também foi
disponibilizado em um CD na revista GEEK, publicação especializada na cultura digital
que costuma fazer apologia do software livre. Isso poderia ser visto como uma
demonstração de que o programa se encontra amplamente difundido.
Nesse sentido Pierre Lévy é da seguinte opinião:
O gênero canônico da cibercultura é o
mundo virtual
. Não devemos
entender esse termo no sentido estrito da simulação computacional de um
universo tridimencional explorado com um capacete estereoscópio e
datagloves
. Vamos antes aprender o conceito mais geral de uma reserva
digital de virtualidades sensoriais e informacionais que só se atualizam na
interação com os seres humanos. De acordo com os dispositivos, essa
interação é mais ou menos inventiva, imprevisível, e deixa uma parte
variável para as iniciativas daqueles que nela mergulham. [...] O
engenheiro de mundos
surge, então, como o grande artista do século XXI.
Ele provê as virtualidades, arquiteta os espos de comunicação, organiza
os equipamentos coletivos da cognição e da memória, estrutura a
interação sensória-motora com o universo dos dados. (VY, p. 145,
2003)
Pierre Levy utiliza o termo: engenheiro de mundos, quando se refere ao artista do
século do século XXI. Esclarecendo que: o declínio da figura do autor [...] não dizem
respeito, portanto, à arte ou a cultura em geral, mas apenas às obras diretamente ligadas à
cibercultura. Mesmo off-line, a obra interativa requer a implicação daqueles que a
experimentam.(VY, 2000, p. 147). Mas, para que as promessas de uma cultura
cibernética verdadeiramente livre e criativa se concretize faz-se necessário uma maneira de
associar novas teorias estéticas com a cibercultura.
87
7. ARTE E ESTÉTICA DIGITAL
There is less chance of someone stumbling across one fifty million web
sites than there is of someone walking into a commercial art gallery
by mistake. But artists using the web as a medium rather than a new
mode of dissemination may face a similar predicament. What does it
mean to use a public medium without a public?
Harold Cohen
i
88
7.1 O novo paradigma
O programa AARON, pode ser definido como um sistema computacional que une
programação gráfica e inteligência artificial; produzindo como resultado imagens com
características artesanais: no traço, na utilização da paleta, e na composição. AARON foi
evoluindo, a partir de um programa gráfico, para um programa que simula tantas técnicas
pictóricas, quanto aquelas que os seu criador sintetizou, em sua programação.
Ao longo de mais de trinta anos, AARON foi integrando novas possibilidades e
desenvolvendo competências cada vez mais sofisticadas. Suas pinturas têm sido expostas
em diversas galerias e museus. Numa dessas exposição, em Tsukuba no Japão, AARON
criou mais de sete mil imagens diferentes; enquanto isso, Cohen se encontrava na
Califórnia. Além dessa fabulosa ubiqüidade, AARON também possui uma ilimitada
capacidade de produzir imagens, durante vinte e quatro horas por dia, sem repetir nenhuma
delas. Portanto, estamos diante de um novo modo de produção e circulão da arte. A
começar pelo objeto arstico em si, resultado da parceria ser humano-máquina, o processo
criativo e a recepção da obra; portanto, o caso requer novos critérios e parâmetros
conceituais para uma avaliação adequada de seu estatuto como objeto estético.
Como nos coloca Claudia Giannetti em Estética Digital: Sintopía del arte, la
ciencia y la tecnología:
A análise de determinados aspectos das teorias sistêmica e construtivista
nos deixa entrever os vínculos ou paralelismo existentes entre estas e os
novos paradigmas que emergem com as criações em media art. Em
consonância com esse embasamento, entendemos a estética como uma
categoria processual imersa no sistema social e no contexto da
comunicação; em outra palavras, como processo comunicativo, contextual
e relativista, que incide sobre um questionamento radical de nossa
89
compreensão da realidade, a objetividade (verdade) e o observador
(sujeito). Estas três concepções básicas são revistas, desmistificadas e
desconstruídas pela media art e pelas noções que se desenvolvem
paralelamente ao uso de determinadas tecnologias, processo manifestado
na emergência de novos paradigmas: plurimedialidade,
interdisciplinaridade, ubiidade, temporalidade, interatividade,
virtualidade, artificialidade, desmaterialização, multiplicidade, simulação,
variabilidade, indeterminação, hipertextualidade, meta-autoria, interator,
interface, etc. Uma considerável ampliação de nossos marcos conceituais,
como supõe a media art, implica mudanças substanciais em relação à
forma de percepção provocada por esse tipo de obras, e dá lugar a um
enfraquecimento, evasão e descaracterização radicais das idéias estéticas
centradas no objeto artístico, sua existência correa e permanente, a
originalidade, a autonomia, a verdade, a genialidade e o observador
passivo. (GIANNETTI, 2003, p. 186)
O interessante no sistema AARON não é somente o modo como este antecipa
tendência arsticas da
media arte
, mas também a sua longevidade, ou seja os paradigmas
nos quais ele se fundamenta são corrente até os nossos dias. Contando com quase 40 anos
de existência, AARON se aproxima hoje da idade que tinha o seu criador no final dos anos
60, quando iniciou sua construção. Nesse período, o programa assimilou quase todas as
transformações tecnológicas pertinentes que foram aparecendo, sensível às mudanças
qualitativas formais pelas quais passaram as tecnologias aplicadas, que nos aponta também
Claudia Gianetti, falando da estática digital:
[...] a interação com base na interface humano-máquina marca uma
mudança qualitativa das formas de comunicação mediante o
emprego dos meios tecnológicos. A estrutura aberta e contingente
da obra mina a concepção material, objetual y acabada característica
da estética ontológica, transformando o espo físico em
imaginário. Os processos interativos somente são analisáveis e
90
perceptíveis em relão a um determinado contexto, somente
podendo serem entendidas como processo comunicativo no interior
desse contexto. A interação supõe a expansão dos conceitos de
autor e observador aos de meta-autor e interator. Assim a
interatividade na arte é constituída por quatro elementos
idiosincráticos, a saber: a virtualidade, a variabilidade, a
permeabilidade e a contingência. Por outro lado, a interface
humano-máquina dá testemunho da transformação cultural baseada
nas estruturas narrativas logontricas, seenciais, em favor de
uma cultura “digitalorientada para o visual, sensorial, retroativo e
não linear (hipertextual). Isso demonstra a peculiar potencialidade
da tecnologia digital (incluindo a telemática) para superar as
fronteiras do puramente instrumental e transformar-se em recursos
do imaginário para a geração de ambientes (virtuais)
experimentáveis de forma cognitiva e sensorial. (GIANNETTI,
2003, p. 187)
Priscila Arantes, uma autora brasileira que também busca maneiras de conceituar
essa forma de manifestão arstica híbrida, ou cíbrida, fruto da parceria ser humano-
máquina, afirma que:
Com o aparecimento das técnicas eletrônicas de comunicação e do
tratamento automático da informação os olhares dos estudiosos, já em
princípios dos anos 60, irão se voltar para a cibernética e para a teoria da
informão tentando, a partir destas duas vertentes, delinear novas
propostas estéticas. A introdução da informática no mundo das artes
inicialmente através das criações em
computer art
nos anos 60,
posteriormente, por
meio dos trabalhos arsticos em mídias digitais
interativas levou alguns teóricos a pensar em uma estética voltada
especificamente para o digital que pudesse caminhar lado a lado às
descobertas e novas teorias cienficas da época. (ARANTES, 2004,
p.1)
91
Priscila Arantes também dá alguns exemplos de teóricos do período que se
preocupavam em discutir a tendência da estética informacional:
As estéticas informacionais, desenvolvidas por Abraham Moles e Max
Bense, são um bom exemplo nesse sentido. Influenciadas pela teoria da
informão e cibernética, elas partiam do pressuposto de que a arte já não
deveria ser mais definida em termos de beleza ou verdade, mas em termos
de informões estéticas, mensuráveis matematicamente. A
teoria da
informação e percepção estética
de Moles é sucedida, quatro anos mais
tarde, pela Obra Aberta” de Umberto Eco que, em sua teoria, retoma
alguns paradigmas de Abraham Moles, desenvolvendo-os e aplicando-os
em análises de obras de arte. (
ARANTES, 2004, p.1)
De maneira mais ampla, poderíamos dizer que pintores, escultores e arquitetos se
serviram, ao longo dos tempos, de ferramentas e materiais diversos, como pincéis, tintas,
pedra e metal; com a intenção de reproduzir a natureza através desses artifícios. Talvez a
pintura seja a modalidade arstica que atingiu um grau mais elevado de sofisticação, como
meio de expressar sentimentos e percepções do mundo. Assim, a pintura e seus grandes
mestres foram tomados como referência e critério de excelência durante séculos. No
entanto, revoluções sociais de um lado, e evoluções tecnológicas, de outro, conduziram o
mundo ocidental a uma total crise de valores.
Essas transformões não poderiam deixar de se refletir também no sistema das
artes. Na verdade, a contestão de valores na arte chegou ao ponto do questionamento da
própria identidade do artista e de seu objeto. A idéia ou o gesto passam a ser mais
importantes do que a realização da obra. Por outro lado, a tradição da pintura retiniana já
vinha sendo minada em suas bases por artista como Duchamp, sobre o qual Octavio Paz,
em Castelo da pureza”, afirma que “desde o princípio foi um pintor de idéias e que nunca
92
cedeu à falácia de conceber a pintura como uma arte puramente manual e visual.(PAZ,
1975, p.10) Posteriormente, na Factory de Andy Warhol, como comenta Raquel Greene,
tanto as pessoas quanto os métodos de produção e de distribuição faziam parte do
significado do projeto.(GREENE, 2000, S/n).
Entretanto, se por um lado, ainda estamos presos a antigos paradigmas culturais,
como nos afirma Umberto Eco;
[...] quando se fala em obra de arte nossa consciência estética ocidental
exige que por obra de “arte” se entenda uma produção pessoal que,
embora as fruições variem, mantenha uma fisionomia de organismo e
manifeste, qualquer que seja a forma pela qual for entendida ou
prolongada, a marca pessoal em virtude da qual consiste e comunica.
(ECO, 2005, p. 63)
Esses paradigmas estão mudando radicalmente, surgem novas atitudes com relação
à obra, possibilitando qualifi-la, como fez Umberto Eco como uma “obra aberta”:
[...] essa nova prática fruitiva abre, com efeito, um capítulo de cultura bem
mais amplo, e, nesse sentido, não pertence somente à problemática da
estética. A poética da
obra em movimento
(como em parte a poética da
obra “aberta”) instaura um novo tipo de relações entre artista e público,
uma nova mecânica da percepção estética, uma diferente posição do
produto artístico na sociedade; abre uma página de sociologia e de
pedagogia, além de abrir uma página da história da arte. Levanta novos
problemas práticos, criando situações comunicativas, instaura uma nova
relação entre
contemplação e uso
da obra de arte. (ECO, 2005, pp. 65-66)
O artista passa a ser um investigador e provocar, incitando o espectador para a
reflexão. O projeto pode ser a obra; o próprio corpo do artista pode ser o objeto da arte na
performance. Para artistas como Duchamp, até mesmo o espectador poderia ser parte da
obra ou ser o artista, já que a interação desencadeava um processo criativo.
93
Se na
body art
o artista toma seu próprio corpo como objeto artístico, na
media art
um novo elemento se intere entre o artista e o blico; como nos coloca Pedro Barbosa,
o tradicional circuito comunicativo auto-fruidor surge interceptado pela máquina.
.
(BARBOSA, 1996, p. 110).
Resultando em conseqüências de longo alcance para termos
estéticos:
A obra deixa assim de se apresentar como imediata em relação ao criador.
Este fornece a ideia geradora (ou o algoritmo de criação) ao computador,
o qual, mediante uma cadeia de tratamentos operacionais e semióticos, a
desenvolve e executa, fornecendo finalmente a obra (ou os múltiplos da
obra) à fruição do leitor. Sucede então que a relação arstica, que era uma
relação comunicativa directa entre um autor e um receptor, apenas
mediada pela obra, passa a ser uma relação comunicativa indireta onde o
mecanismo cibernético se intere, interceptando o circuito emissor-
receptor. A função desse mecanismo cibernético (enquanto máquina
aberta) não se limita a um mero acto passivo de transferência da
mensagem (como seria o caso de qualquer máquina fechada, que apenas
transmitiria ou registaria a informação sem qualquer manipulão
autônoma: telefone, rádio, televisão, audiogravador, videogravador, etc.).
O computador enquanto máquina de manipular a informação, possui um
papel activo, dotado de maior ou menor amplitude rerativa consoante o
programa nele introduzido. (BARBOSA, 1996, p. 110)
7.2 Uma obra de meta-arte
Em 1977, na Documenta de Kassel e na exposição em Amsterdam Cohen se utiliza
de um pequeno robô chamado
Turtle
(tartaruga), capaz de se movimentar sobre a
superfície plana do papel estendido no chão e desenhar imagens simples. O dispositivo é
conectado através de um cabo ao computador; funcionando como extensão de AARON. O
público assiste com interesse à performance, intuindo significados da obra que nem o
próprio Cohen havia previsto.
94
Pelo fato de se apresentar como um artista artificial, de grande apelo conceitual, o
trabalho de Cohen está na ordem do dia, sintonizado com os principais temas de discussão
que pairam no ar. O sucesso que Cohen tivera como artista plástico, em anos anteriores, é
transferido para o cientista; sendo visto como um mago da tecnologia. Mas, apesar das
afinidades que possam existir, ser um cientista é diferente de ser um artista. Nesse sentido,
podemos dizer então que, AARON é o artista e Harold Cohen é o cientista; ou melhor, ele é
um mediador entre a ciência e a arte, função que podemos chamar de meta-arstica.
O meta-artista estaria inserido no processo de crião do programa computacional
AARON. Mas Harold Cohen não pode deixar de ser o talentoso pintor abstracionista do
passado, sua sensibilidade arstica se reflete, inevitavelmente, nos programas que escreve.
Em diversos instantes, pode-se dizer que a figura do artista plástico abstracionista dos anos
60 chega a se confundir com o construtor de sistemas dos anos 70 e 80.
Não se trata de classificar o produto do trabalho arstico de Harold Cohen
(AARON) como boa ou má arte; mas ele deve ser visto como um novo formato de
produção e circulação de arte. Talvez fique mais fácil entender a proposta de Cohen se
tivermos como pano de fundo a arte conceitual, onde a ênfase recai sobre a idéia e não
sobre o produto final.
Em termos estilísticos o percurso de Harold Cohen é bastante peculiar: ele parte de
uma linguagem essencialmente abstrata para assumir, em parceria com AARON, uma
linguagem cada vez mais figurativa. Como vimos, Cohen foi um pintor abstracionista
reconhecido internacionalmente, num momento histórico em que o abstracionismo era uma
das principias tendências da arte (anos 50 e 60).
Se recapitularmos a evolução do programa desenvolvido por Cohen verificamos
que: a primeira fase de AARON (1973-1978) foi marcada por um abstracionismo alusivo;
95
já na segunda fase (1979-1984) começaram a aparecer formas de relativa complexidade que
lembram desenhos primitivos ou pinturas rupestres; na terceira fase (1985-1988) os
desenhos se tornam mais sofisticados, optando definitivamente por uma representação
figurativa; na quarta fase (1989) as imagens ganham tridimensionalidade e movimento,
ocupando todo o espo com representões pictóricas.
Essa tendência, na direção inversa da evolução das vanguardas históricas, faz pensar
se isso não teria a ver com uma eventual tendência naturalistada linguagem digital.
Preocupação revelada por Elyeser Szturm em seu artigo O fracasso de Narciso ou
aforismas digitais:
Se boa parte dos esforços da arte moderna, os abstracionismos, a Arte
Conceitual, a Performance, entre outros, procurava pôr em crise o
espaço ilusionista da representação, poderíamos nos perguntar se uma
parte da Arte Virtual de hoje não estaria promovendo uma regressão ao
buscar simular uma imagem do modo mais naturalista” possível,
promovendo assim um retorno da representação. Não estaríamos
assistindo a um retorno aos modelos confortáveis do acadêmico? Um
retorno ao trompe-loeil, ao retiniano? De fato, renderização, realismo,
imersão, são termos que indicam uma espécie de obsessão pela
representação verossímil, convincente ilusionista da percepção visual.
Neste caso a diferença residiria num deslocamento do real, abandonado
em proveito de cálculos, algoritmos abstratos e idealizados, de programas
cujos modelos de representação do real são meras convenções?
(SZTURM, 2002, p. 101)
Na realidade não sabemos, ao certo, o que teria levado Cohen a adotar uma
estilística figurativa, ancorada no real. No entanto, talvez Elyeser Szturm tenha uma certa
razão ao atribuir à realidade virtual uma tendência mimética:
96
Se antes a mímese era puramente ótica, retiniana, agora, com a realidade
virtual, o que se busca é uma mímese sinestésica que pretende simular
também, e simultaneamente, outros sentidos, o tato, a audição, etc. Mas
isto poderia, em suma, significar o retorno puro e simples a normas e
referências representacionais as mais retrógadas, sob o pretexto, ou álibi,
da interatividade. (SZTURM, 2002, p. 101)
7.3 Arte como processo
O artista tem em comum com o cientista a invenção. Curiosos que são, ambos estão
sempre experimentando novos materiais e processos. A pesquisa também é uma atividade
presente tanto no cotidiano da arte, quanto da ciência; estando sempre ancorada na
realidade e no tempo presente. A arte ou a ciência também podem ter como resultado final,
não um produto, mas uma descoberta ou um simples gesto. Por isso, até mesmo um jogo de
computador pode ser uma forma de manifestação arstica, desde que seja o fruto de um
gesto criativo. Podemos dizer que a arte não está somente nas mãos dos pintores ou
escultores e arquitetos; mas sim, em sublimes gestos criativos que podem ser ampliados em
redes ou rizomas.
Um dos aspectos que distingue a arte digital de outras formas de fazer arte
é prevalência do múltiplo em vez da cópia como nos coloca Pedro
Barbosa em A cibercultura, criação literária e computador:
O papel reprodutor do algoritmo combinatório e, em muitos casos, do
algoritmo aleatório, promove a execução quase infinita das variões
possíveis em torno de uma modelo principal. Cada idéia de composição
dá assim lugar a uma multiplicidade de obras novas, semelhantes na
estrutura mas diferentes no pormenor individual. Em vez de produzir uma
obra única, o artista passa a dar origem, para cada idéia de composição, a
uma
inumerável multiplicidade de realizações, os múltiplos. A obra
deixa então de constituir um único exemplar (suscetível de ser
97
reproduzido apenas por intermédio de cópias, reedição invariável do
original), para se configurar num modelo plural de rosto
polifacetado, múltiplos, que podem, eles mesmos, servir como
difusores directos do modelo matricial. (BARBOSA, 1996, p. 107)
Por outro lado, recursos de inteligência artificial podem simular processos arsticos,
mas não motivar a criatividade. Cohen comenta a esse respeito em um de seus artigos:
Criativo é uma palavra que eu acho melhor não usar, e sempre que possível, evitar.
(COHEN, 2003). O que ocorre, na verdade, é que imagens podem ser produzidas por mãos
mecânicas, capturadas por dispositivos digitais, como é o caso das câmaras fotográficas ou
do vídeo. Porém, a fonte da criatividade somente tem origem no elemento humano. O que
pode soar como romantismo, no entanto, também pode ocorrer nas aplicações da robótica
na indústria ou mesmo na medicina: a mão mecânica utilizada pelo engenheiro ou cirurgião
é uma extensão do corpo humano. Enquanto as decisões importantes são tomadas pelo ser
humano, a máquina é apenas um recurso utilizado na solução de problemas de tempo-
espo.
Da mesma maneira, a tecnologia aplicada à arte não pode prescindir do elemento
humano. A máquina é apenas a extensão do corpo, como o pincel já era a extensão da mão
do pintor. O pincel não origina o ato criativo, apenas o auxilia. Por isso, as novas técnicas
de pintura executadas com a ajuda da máquina não desautorizam a arte. No caso de
AARON não é muito diferente; o que o distingue é apenas a qualidade do gesto criativo. O
artista após escolher a ferramenta vai adequar seu gesto, seja ele por meio direto ou
indireto. Chamo de “meio direto, quando o corpo está totalmente conectado com a
ferramenta e meio indireto, quando a conexão com a ferramenta não está completamente
acoplada ao corpo. No caso de Harold Cohen, o meio utilizado seria o meio indireto
98
(interface) , pois a máquina se prevalece de uma certa autonomia ao produzir seus desenhos
e pinturas; enquanto o meta-artista predetermina, através do programa, as configurões
que a imagem deverá assumir. O que pode ser entendido como um gesto arstico. A
contribuição do meta-artrista é o software: as instruções, as regras, a gramática. (SIMON,
1984, p.219)
Harold Cohen construiu o software, instruindo AARON como pintar. Então, neste
caso, ele é o artista e o software o assistente. Assim como nas antigas academias da
renascença, o artista fornecia as instruções necessárias para o aprendiz, que executava com
grande habilidade partes da obra, mas sempre de acordo com as regras estabelecidas pelo
mestre. E, no entanto, Harold Cohen afirma compartilhar a autoria da obra com a máquina,
como vimos no capítulo anterior; ele não assina os desenhos, somente assina o programa
computacional.
O sonho da humanidade sempre foi se libertar do trabalho, delegando as atividades
mais penosas para a máquina. O que Cohen consegue é exatamente isso, ele dispõe de uma
máquina capaz de produzir obras de arte em seu lugar, continuamente, e sempre obras
originais; sendo que a originalidade é uma das prerrogativas essenciais da arte ocidental.
Também podemos pensar a obra de Cohen-AARON como performance. Nesse caso
vamos ver que ela cabe perfeitamente na idéia de “cena em progressoproposta pelo artista
brasileiro Renato Cohen: A cena contemporânea desdobra-se em contextos que incluem a
permeação com tecnologia, o uso de novos suportes da Rede (Arte Web), o contato com
virtualidades e maquinações e a utilização de dispositivos que viabilizam a sicronia e as
seqüências hipertextuais.
(R. COHEN, 2002, p. 242)
Nesse contexto, a performance mediada por suportes tecnológicos é a
marca do contemporâneo: Os procedimentos de mediação vão ser
99
emblemáticos do contemporâneo, agenciando-se outras relações entre
presença, espo, tempo e representação. À clássica alternância entre
presença (real time) e representação (ficcionalidade), ime-se o par
deleuziano memória e atualização.(Idem) A intermediação” é o
elemento chave das aparições performáticas de Cohen-AARON; tal qual
acontece na cena em progressoproposta por Renato Cohen:
A relação axiomática da cena: corpo-texto-audiência, enquanto rito,
totalização, implicando interões ao vivo é deslocada para eventos
intermediáticos onde a telepresença (on line) especializa a recepção. O
suporte redimensiona a presença, o texto alça-se ao hipertexto, a audiência
alcança a dimensão da globalidade. Instaura-se o topos da cena expandida:
a cena das vertigens, das simultaneidades, dos paradoxos na avolumação
do uso do suporte e da mediação nas intervenções com o real. [...] No
contemporâneo tecnologizado as alternâncias entre presença e
representação são amplificadas à sua hipérbole, ressoando o já clássico
paradigma derridariano da absence of presence. O aqui-agora”
ritualistico é deslocado às montagens disjuntivas proposta pela autoria. A
fala viva é mediatizada em sincronias de solilóquios, vozes fantasmáricas,
autorais que timbram uma galeria de personas e simultaneidades
atemporais. ((R. COHEN, 2002, p. 242))
7. 4 Uma estética digital
Quando Holtzman coloca a questão: Será o software a arte do futuro?
(HOLTZMAN, 1995, p.220) Sabemos que a resposta, inevitavelmente, será positiva se nos
basearmos no que vemos no presente; mesmo convivendo com conceitos de arte que ainda
não se adaptaram aos novos paradigmas da arte. De fato, temos que nos habituar com
objetos arsticos que remetem a conceitos criativos estabelecidos pela cultura digital, que
obedecem a outros parâmetros estéticos; como afirma Pedro Barbosa:
[...] a crião estética, se quiser recorrer aos sistemas de computação
electrónica, não poderá ser encarada pelo ângulo de uma ejaculação
100
descontrolada da mente. Ela exigirá do artista uma atitude radicalmente
oposta, especulativa e plenamente consciente dos processos que aplica:
pois ela requer, antes do mais, uma reflexão de implacável clarividência
sobre o processo criativo a modelizar no acto de programação da
máquina, ou seja, uma racionalizão exaustiva e rigorosa dos princípios
descobertos pela estética informacional com vista a produzir determinado
estado estético. (BARBOSA, 1996, pp. 111-112)
Em todo caso, se trabalhos tais como AARON estão sendo amplamente
reconhecidos como a arte de nosso tempo; então estamos caminhando para a consolidação
de uma estética digital. Temos, também, no cenário atual, um incrível potencial criativo
sendo aplicado na produção de jogos interativos que são verdadeiras obras de arte inseridas
em mundos virtuais.
Uma verdadeira teoria sobre a estética digital ainda está por ser escrita, entretanto,
alguns críticos já encaram o tema com naturalidade. Por outro lado, a possibilidade de
programas computacionais serem reconhecidos como autênticas obras de arte ainda pode
causar certo estranhamento em meios mais conservadores. Recordando a história recente da
fotografia e do cinema, que levaram um certo tempo até que fossem reconhecidos como
arte; e que acabaram por fazer merecer o respeito do público e da crítica, ao lado das
modalidades arstica mais tradicionais como a ópera e pintura; nos dias de hoje assistimos
a um fenômeno muito semelhante no caso da arte digital. Lúcia Santaella e Winfried Nöth
chamando atenção para o fenômeno de como as tecnologias que vão se sobrepondo, umas
às outras, incorporam o paradigma das tecnologias anteriores, colocam que:
A mistura entre paradigmas não se restringe, entretanto, ao universo das
artes. Embora aconteça nesse universo de modo privilegiado, faz também
parte natural do modo como as imagens se acasalam e se interpenetram no
cotidiano até o ponto de se poder afirmar que a mistura entre paradigmas
101
constituir-se no estatuto mesmo da imagem contemporânea. Se é verdade
que hoje a mistura se tornou uma constante, é também verdade que esses
processos já começaram a aparecer, de modo muito acentuado, desde a
invenção da fotografia, o que só vem demonstrar que, quando se dá o
aparecimento de um novo paradigma, via de regra, esse novo paradigma
traz para dentro de si o paradigma anterior, transformando-se e sendo
transformado por ele. Foi assim que a fotografia importou procedimentos
pictóricos, ao mesmo tempo que a pintura muitas vezes adquiriu tros
estilísticos que vinham da fotografia. Assim também a computação
gráfica herdou caracteres plásticos da pintura e evidentemente da
fotografia, ao mesmo tempo que veio produzir uma verdadeira revolução
no mundo da fotografia, através da manipulação que possibilita [...]
(SANTAELLA, 2005, p. 184)
Portanto, negar a possibilidade de um programa computacional ser
considerado como genuína obra de arte é uma atitude carregada de
preconceitos, típica de quem resiste à introdução de novas linguagens
artísticas; e que ignora as transformões do mundo atual; onde os meios
de comunicações sociais migraram para o espaço virtual já faz algum
tempo. E, ao que tudo indica, essa é uma viagem sem volta, não há como
evitar o convívio diário com essas tecnologias pervasivas e o artista deve
se adaptar ao ambiente eletrônico no qual está imerso.
Lúcia Santaellla propõe a existência de três paradigmas no processo evolutivo de
produção da imagem: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós fotográfico.(SANTAELLA,
1997 p.157) A partir dessa colocação, constatamos que o paradigma a ser atualmente
aplicado é o s-fotográfico, ou seja, o nosso parâmetro agora é o digital. Quanto ao objeto
arstico, a partir do momento em que o projeto físico for auxiliado por um duplo
eletrônico, será considerado cíbrido.Elemento que, conforme Anders:
[...] amplia aspectos do projeto físico para o Ciberespo. O princípio
Cíbrido amplia-se a muitos outros campos criativos. Os cíbridos são
102
simplesmente a evolução da relação entre os componentes materiais e
simlicos de um projeto. O aspecto concreto pode ser um edifício, um
quadro ou um livro. Na medida em que a computão for sendo cada vez
mais utilizada em diferentes campos, passaremos a encontrar cada vez
mais essa nova classe de artefato. (ANDERS, 2003, pp.18-19)
103
8. CONCLUSÃO
If you cannot draw without a computer and by drawing I mean the conjuring of meanings through
marks, not just the making of marks it seems unlikely that you can draw with one.
(Harold Cohen)
i
104
Em nenhum momento desse estudo notamos qualquer intenção da parte de Harold
Cohen em menosprezar o trabalho do artista humano. Ao contrário disso, seu propósito
sempre foi de experimentar novos suportes e meios disponíveis para melhor entender o
funcionamento da criatividade humana. Portanto, apesar de seu entusiasmo com a
computação, que o levaria a aprender programação para aplicar ao seu trabalho, podemos
dizer com segurança, que ele jamais se enquadraria entre os partidários do mito do
tecnicismo, ou da tecnologia pela tecnologia.
Porém, não podemos negar que havia uma arte antes do computador; que é muito
diferente da arte pós computador. A própria história de vida de Cohen é uma prova
disso. Ele, que teve suas pinturas abstratas nas grandes mostras internacionais de Paris e
Veneza, decidiu partir para a América para aprender a nova linguagem dos
bits
e
bytes
. Se
em momentos anteriores os artistas se orgulhavam em assinar suas telas; o artista da
media
art
já não faz questão desse detalhe. No caso, quando o artista Harold Cohen permitia que
o programa AARON assinasse em seu lugar, tinha o intuito de deixar claro que a obra se
tratava de uma co-autoria ser humano-máquina. De fato, o conceito de autoria mudou
bastante nesses últimos tempos.
Sem dúvida, aceitar a mudança de modelos e padrões, de tal ordem, demanda uma
mentalidade deveras flexível; como acontece no caso de Cohen, cujo espírito inovador
rompe com os nones da modernidade e parte para a experimentação com novas
linguagens, conquistando resultados estéticos imprevisíveis para uma história da arte que
ainda está para ser escrita.
Por outro lado, sua obra continua em evidência, na medida em que, ele se utiliza da
World Wide Web
para inserir AARON no contexto atual das comunicações. Num momento
em que, os rumos da arte estão se abrindo para processos colaborativos entre pessoas e
máquinas, a proposta do artista Harold Cohen parece ser mais atual do que nunca;
105
motivando discussões sobre as inter-relações entre: arte e tecnologia, criatividade e
automatismo, ciência pura e hibridismo. Discussões essas que somente podem conduzir a
um consenso, pois hoje o conhecimento tende a ser construído em parcerias envolvendo
comunidades cíbridas, radicadas em mundos virtuais.
Harold Cohen foi precursor de tudo isso. Foi um visionário de tendências arsticas
que hoje já são mais naturalmente aceitas; mas que talvez não existissem agora, se
pesquisas como o programa AARON não tivessem ultrapassado as fronteiras estabelecidas
entre arte e tecnologia; superando os preconceitos do meio arstico de sua época, que se
fazia passar por moderno, ou pós-moderno, sendo na verdade bastante conservador em
termos estéticos.
Essa pesquisa nos permitiu conhecer um pouco mais sobre um período importante
da história da arte; quando se pensava que todas as rupturas já haviam sido feitas então,
aparece Harold Cohen propondo a migração do pensamento artístico de um contexto
analógico para o digital. Para finalizar, gostaríamos de reconhecer, também, que
aprendemos muito com AARON; que apesar de ser um sistema cego, não sendo capaz de
enxergar nem mesmo os desenhos e pinturas que faz, ensinou para nós uma nova maneira
de ver a arte.
106
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109
ANEXO
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sell any printouts of paintings by AARON. You are permitted to create a backup and
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You are encouraged to inform your friends and associates about the Evaluation Edition of
AARON. You can do this by either (i) forwarding the email about AARON which includes
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