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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVO SOCIAL
RODRIGO MATEUS SILVA
CIDADANIA E MORADIA EM FRANCA:
A LUTA DE TRABALHADORES EM TEMPO DE DEMOCRACIA (1945-1960).
FRANCA
2007
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RODRIGO MATEUS SILVA
CIDADANIA E MORADIA EM FRANCA:
A LUTA DE TRABALHADORES EM TEMPO DE DEMOCRACIA (1945-1960).
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História da Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
História. Área de Concentração: História e
Cultura Social
Orientadora: Profa. Dra. Denise Aparecida
Soares de Moura
FRANCA
2007
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Silva, Rodrigo Mateus
Cidadania e moradia em Franca : a luta de trabalhadores em
tempo de democracia (1945-1960) / Rodrigo Mateus Silva.
–Franca : UNESP, 2007
Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História,
Direito e Serviço SocialUNESP.
1. Cidadania – Trabalho – História social – Franca (SP).
2. Trabalhadores urbanos – Franca (SP). 3. Franca (SP)
Desenvolvimento urbano, 1945-1960.
CDD – 981.552Fr
RODRIGO MATEUS SILVA
CIDADANIA E MORADIA EM FRANCA:
A LUTA DE TRABALHADORES EM TEMPO DE DEMOCRACIA (1945-1960).
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como
requisito para obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e
Cultura Social
BANCA EXAMINADORA
PRESIDENTE: .
Profa. Dra. Denise Aparecida Soares De Moura. UNESP/Franca
EXAMINADOR: .
PROF. DR. Antônio Luigi Negro UFBA
EXAMINADOR: .
Profa. Dra. Márcia Regina Capelari Naxara. UNESP/Franca
Franca, de de 2007
Dedico este trabalho
aos meus pais José e Rosane
e meu irmão Welton
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico CNPq pelo apoio financeiro concedido durante a realização deste
trabalho.
Igualmente, agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em
História, que direta ou indiretamente contribuíram com minha formação pessoal e
com o desenvolvimento da pesquisa. Especialmente, as professoras Márcia Regina
Capelari Naxara e Marisa Saenz Leme, pelos apontamentos apresentados no
Exame Geral de Qualificação, que contribuíram para a integralização do trabalho.
Especialmente estendo meus sinceros agradecimentos a Denise Moura, pelo
profissionalismo e empenho na orientação deste trabalho, demonstrando desde o
início confiança em seus resultados finais. Assim, pelo respeito a minha formação,
que sempre encontrei em suas orientações, dedico meus agradecimentos.
Aos funcionários do Arquivo Municipal de Franca, tamm o poderia deixar
de agradecer, sobretudo por proporcionar um ambiente agradável, no início deste
trabalho. Portanto, Grasiela, Maria Consuelo, Maria Inês, Meire e Maria, agradeço a
vocês pela receptividade. Também aos funcionários da biblioteca e da Pós-
Graduação os meus agradecimentos.
Aos amigos, que são estimados, também não poderia esquecer: Maicon,
César, Luciana, Soraia e Paulo, que estiveram presentes proporcionando apoio em
diversos momentos. Estendo ainda, aos colegas de trabalho, pelos diversos
momentos compartilhados no exercício diário de nossa profissão.
Por fim agradeço a minha família. Entre todos, especialmente, o meu irmão
Welton por seu companheirismo e amizade; minha mãe Rosane eu agradeço pelo
carinho e o apoio encontrados, transmitindo otimismo nos momentos difíceis; e ao
meu pai José pela compreensão permanente e o incentivo estendido na
concretização de projetos.
Desta forma, nesta nova etapa de minha vida, agradeço a todos que fizeram
deste dia uma realidade concreta. A todos meu muito obrigado.
Existe História na vida de todos os
homens.
William Shakespeare
RESUMO
Um vasto campo historiográfico aponta, atualmente, o caráter complexo do processo
de constituição da cidadania no Brasil. Desta forma, o presente trabalho procura
investigar o processo de constituição da cidadania dos trabalhadores urbanos de
Franca, cidade do interior paulista, que por meio do Poder Judiciário, lutaram pela
preservação dos direitos de moradia na cidade, entre os anos de 1945 e 1960.
Partindo dos avanços trazidos pela História Social do Trabalho e através da
investigação em processos de despejo, usucapião e reintegração de posse de
prédios urbanos, pretende-se analisar as práticas informais e concepções de direito
de moradia dos trabalhadores. Assim sendo, será levado em consideração a
existência de um contexto local de desenvolvimento industrial, ocasionado pela
composição do atual parque industrial calçadista o que levou consequentemente, ao
estímulo da urbanização na cidade. E, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da
democracia política no país proporcionou a ampliação das possibilidades de luta e
de participação para a classe trabalhadora no Brasil.
Palavras-chave: história do Brasil (1945-1960); cidadania; Franca (SP); história
social do trabalho.
ABSTRACT
A vast historiographical field currently points the complex character of the process of
formation of the citizenship in Brazil. In this way, the current work tries to investigate
the process of the formation of citizenship of the urban workers from Franca, a small
city in São Paulo- Brazil, that through the Judicial Power, fight for preservation of
home rights between 1945 and 1960. Starting from the advances brought by Social
History of Work and through the investigation into eviction, usucaption processes and
repossession of urban buildings, it is intended to analyze the informal practices and
the concept of home right of the workers. In this way, it will take into account, the
existence of a local context: the industrial development, originated from the current
industrial area for shoes industries that, consequently, stimulated the urbanization of
the city. And at the same time, the development of the political democracy in the
country provided the extension of possibilities of fight and participation for the
working class in Brazil.
Key words: history of Brazil (1945-1960); citizenship; Franca (SP); social history of
the work.
SUMÁRIO
IN
TRODUÇÃO......................................................................................................
10
CAPÍTULO 1 CIDADANIA, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO
URBANO-INDUSTRIAL. ......................................................................................
20
1.1 Dinâmica do contexto urbano
-
industrial no município de Franca. .........
21
1.2 Democratização no pós-Estado Novo. .......................................................
33
1.3 Cidadania aos trabalhadores. ..........
...........................................................
44
CAPÍTULO 2 MORADIA E TRABALHADORES EM FRANCA........................... 55
2.1 Urbanização e mercado imobiliário em Franca..........................................
57
2.2 Moderniza
ção e o mercado imobiliário: o caso de Júlio Tomas de
Mello.....................................................................................................................
67
2.3 O mercado municipal: modernização dos espaços públicos..............
.....
76
2.4 Inquilinos francanos.....................................................................................
89
CAPÍTULO 3 A CIDADANIA EM SUA FACE INFORMAL..................................
99
3.1 As categorias profissionais organizad
as e a luta pela moradia.............
..
104
3.2 A experiência de trabalho e a luta por moradia dos trabalhadores não
organizados e da economia informal................................................................
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONSOL
IDAÇÃO DE UMA CULTURA
REIVINDICATIVA.................................................................................................
146
REFERÊNCIAS.....................................................................................................
153
FONTES................................................................................................................
159
APÊNDICE............................................................................................................
161
APÊNDICE A Relação das fontes processuais................................................
162
ANEXOS...............................................................................................................
179
ANEXO A Fotos e plantas......
.............................................................................
180
ANEXO B Transcrição de lei..............................................................................
186
ANEXO C Transcrição de processo..........................
........................................
189
INTRODUÇÃO
11
No ano de 1940, João Consenza alugou um cômodo de comércio na Rua
Major Claudiano, número quinhentos e sessenta e quatro. Ao ocupar o cômodo, o
inquilino realizou algumas reformas, que segundo ele destinava-se acomodar sua
família. Subdividiu o cômodo em três aposentos, instalando no primeiro, que fazia
frente para rua, seu salão de cabeleireiro, nos demais instalou sua residência.
Depois de cinco anos residindo e trabalhando no local o proprietário vendeu o prédio
à firma Archetti & Latoraca no ano de 1945. Logo que comprou o imóvel, a nova
proprietária notificou João Consenza para que desocupasse o modo, pois dele
necessitava para realizar algumas reformas e depois instalar sua empresa de auto-
peças credenciada pela Chevrolet do Brasil S/A.
Ao transcorrer os três meses que o inquilino tinha direito de permanecer no
imóvel para providenciar sua mudança, a proprietária iniciou uma ação ordinária de
despejo, alegando que necessitava do prédio para uso próprio e o inquilino insistia
em permanecer no imóvel. Imediatamente, o Juiz Atugasmim Médice Filho expediu
um mandado de citação a João Consenza, colocando-o a par da situação e,
igualmente, requisitando ao inquilino que desocupasse o prédio ou contestasse a
ação de despejo.
Alguns dias depois Consenza apresentou norum sua contestação. Alegava
ser “um modesto profissional”, que instalou sua residência e ofício no imóvel mais
de cinco anos, e para tal utilização do prédio fizera reformas, que se fossem
abandonadas iria lhe causar falência. Alegou ainda não poder deixar o local, pois
não encontrou outro imóvel para alugar, em virtude da falta de prédios urbanos
disponíveis no mercado imobiliário local. Depois de alguns dias o Juiz declarou
saneado o processo e intimou as partes a comparecerem à audiência marcada no
fórum, a fim de prestarem depoimento, juntamente com suas respectivas
testemunhas.
Ao realizarem os depoimentos apoiados na palavra de suas testemunhas, a
proprietária e o inquilino reafirmaram suas proposições anteriores. A autora afirmou
precisar do prédio com urgência para iniciar as reformas que adequaria o espaço à
instalação de sua concessionária. o réu disse residir no local a mais de cinco
anos, que realizou reformas no prédio a fim de adequá-lo à dupla função de
residência e estabelecer seu ofício e que não havia encontrado outro imóvel que
12
pudesse acolhê-lo adequadamente. Por fim, entregaram ao Juiz um memorial
descritivo de seus argumentos.
Neste memorial a proprietária tentou desqualificar os argumentos do inquilino,
no entanto, trouxe alguns dados interessantes a análise sobre a concepção dos
direitos de moradia que o inquilino poderia estar expressando. Primeiramente a
proprietária afirmou que, ao inquilino não caberia contestar a ação de despejo para
exigir o ressarcimento pelas reformas. Acrescentou que as testemunhas
apresentadas por Consenza demonstraram sua busca por um novo imóvel, no
entanto, pela dificuldade de encontrar imóveis para locação na cidade, o inquilino
não estava obtendo sucesso. Mesmo assim, para a proprietária,
[...] a lei não prevê essa circunstância [falta de imóveis para locação]
excludente do despejo. Pedido o prédio, pelo proprietário, sob alegação de
necessidade do mesmo para uso próprio, resta ao inquilino desfrutar do
trimestre que lhe é concedido, e concedido precisamente para que possa
providenciar, sem atropelo, a sua mudança.
1
Já, o inquilino continuou afirmando que morou no imóvel a mais de cinco
anos, fez reformas no prédio para acomodar sua família e, desta forma, queria o
reembolso dos gastos e por fim não encontrou casa para alugar, por isso [...] o
pode lançar seus bens, embora modestos, na rua, conjuntamente com sua família”
2
.
O inquilino pediu ao juiz que condenasse a proprietária a pagar as custas do
processo, lhe indenizar pelos gastos das benfeitorias realizadas no prédio, e um
prazo de três meses para desocupar o imóvel. Pois, para o inquilino, se o juiz
procedesse desta forma não haveria a exorbitação
[...] dos quadros rígidos da lei, que deve ser aplicada com humanidade,
tendo-se em vista as condições atuais em matéria de casas de habitação,
que atingiu o ponto de uma verdadeira calamidade pública. Se isso
constituísse uma inovação seria inovação sadia, obedecendo a linha
ascendente da socialização do Direito que tem que se adaptar aos
prodromos [sic] da evolução social, para marchar paralelo com ela, e evitar
assim os entrechoques violentos que tendem a subverter a ordem social e
precipitar a sociedade nos vértices de uma luta inglória...
3
Depois de todo esse tramite, o Juiz Atugasmim Médice Filho julgou
procedente a ação de despejo movida por Archetti & Latorraca contra João
Consenza.
1
Archetti & Latorraca. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2934, 1945, f. 36.
2
João Consenza. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2934, 1945, f. 39
3
Ibid., f. 40.
13
Neste momento em que João Consenza teve seu despejo requerido e, nem
mesmo por falta de pagamento e sim na necessidade do prédio para uso próprio, a
economia local estava em processo de transformação. A base da economia agrária
gradativamente concedia espaço para o setor industrial, sobretudo na indústria do
couro e do calçado. Tais transformações causaram impacto no mercado imobiliário,
em função do elevado número de trabalhadores rurais, que buscavam a região
urbana com o objetivo de empregar-se na indústria couro-calçadista ou no setor de
serviços e comércio, que tamm estava em expansão. Assim, a expansão do
mercado imobiliário local tinha dificuldades em acompanhar o avanço da
urbanização, proporcionando a especulação imobiliária, que resultou em diversas
ações de despejo, as quais os proprietários moviam contra seus inquilinos.
No entanto, não era a economia que estava em processo de
transformação, pois as relações sociais tamm se envolveram no contexto de
transformações, somadas ao cenário de democratização política, na qual o país
atravessava, envolvendo o contexto local.
Com o fim do Estado Novo, ocorreu o desenvolvimento das instituições
democráticas no país, como os partidos políticos e eleições secretas. Mesmo
estando à participação política eleitoral restrita aos indivíduos alfabetizados, dentro
do jogo político criado no pós-Estado Novo, existiam mecanismos que possibilitavam
a atuação e participação dos trabalhadores na vida política nacional.
Com o aumento crescente da oposição ao Estado Novo, membros do regime
procuraram uma saída viável que permitisse a sustentação do projeto, colocado em
pratica no regime varguista, no entanto, dentro do regime democrático: seria assim,
montado e colocado em prática o sindicalismo corporativo. Mesmo que, ação
sindical sofresse constante intervenção do Estado e a ideologia trabalhista atuasse
na tentativa de apaziguar o movimento trabalhista, isso não significou que os
trabalhadores fossem influenciados a trocar submissão por direitos. Uma série de
estudos procurou demonstrar que, o governo recebia a adesão dos trabalhadores
até o ponto em que seus anseios estavam sendo atendidos. Mesmo que, pela via
eleitoral a maioria dos trabalhadores não estivesse participando ativamente, existiam
14
outros canais que os colocavam em contato com as instituições oficiais, com o
intuito de obter novos direitos e manter aqueles já conquistados
4
.
Os sindicatos, o sistema corporativo e amesmo a ideologia trabalhista o
restringiu totalmente a participação e a atuação dos trabalhadores neste contexto de
desenvolvimento das instituições democráticas que procurava manter alguns
mecanismos de controle sobre certos setores da sociedade civil, como o movimento
trabalhista.
Portanto, com o desenvolvimento da industrialização, trabalhadores rurais
migravam para a cidade de Franca na procura de empregos em curtumes, fábricas
de calçados, ou no setor de comércio e serviços, incentivando a urbanização no
município. Com o processo de democratização em curso no pós-1945, esse
contingente de trabalhadores recém formado tinha a possibilidade de promover um
constante exercício de luta por direitos.
Entre essa nova população urbana, a moradia era uma questão que
atualmente merece destaque, principalmente no que diz respeito a especulação, que
cercou o mercado imobiliário. Desta forma, entre os inquilinos do município de
Franca que tiveram ações de despejo movidas contra si, é possível perceber o
caráter da especulação imobiliária, neste novo contexto de transformações
econômicas, sociais e políticas e a atuação dos trabalhadores na defesa dos direitos
de moradia que julgavam possuir, como foi o caso o cabeleireiro João Consenza,
relatado no início deste trabalho.
Com um número cada vez crescente de trabalhadores rurais migrando para o
município é compreensível que a especulação imobiliária começasse a surgir, e o
despejo foi uma das formas encontradas por alguns proprietários para promover a
especulação. Como havia mais famílias procurando imóveis para alugar o número
4
As contribuições historiográficas mais relevantes para as pesquisas sobre cidadania e os direitos do
trabalhador brasileiro no século XX, está concentrada no campo de investigação da História Social do
Trabalho. À luz dos referenciais teórico-metodológicos propostos por Thompson, a História do
Trabalho alcançou uma nova visão sobre a aquisição de direitos pela classe trabalhadora, na qual o
processo de constituição da cidadania ocorreu “de baixo para cima” e não simplesmente segundo a
perspectiva da política de conceso de direitos por parte do Estado. Cf. BATALHA, Cláudio Henrique
de Moraes. A Historiografia da Classe Operária no Brasil: Trajetória e Tendências. In FREITAS,
Marcos Cezar de (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2000.
Ainda destacam-se os trabalhos de Jorge Ferreira, especialmente o trabalho “O imaginário
trabalhista”: FERREIRA, Jorge. O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular
1945-1960. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. E de Ângela de Castro Gomes “A invenção
do trabalhismo”: GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2005.
15
de prédios disponível no mercado imobiliário ficava cada vez mais próximo da
procura e, aos proprietários surgia a possibilidade de conseguir nas novas locações
valores maiores em comparação com aqueles que estavam sendo pagos pelos
inquilinos. No entanto, a lei do inquilinato estipulava os aumentos e, em certos
períodos, chegaram a ser congelados, então o despejo era um recurso largamente
utilizado pelo proprietário para desocupar o imóvel e contrair nova locação com um
valor acima daquele que receberia caso o inquilino permanecesse no local.
Quando um proprietário pretendia despejar o inquilino, ele tentava
fundamentar seu pedido em qualquer motivo presente na lei do inquilinato, que
autorizasse a rescisão da locação. Desta forma, o proprietário deveria procurar o
cartório local e fazer uma notificação ao inquilino solicitando a desocupação do
prédio, informando-lhe as razões que tornavam a desocupação necessária e
concedendo-lhe um prazo de três meses para que a mudança fosse providenciada.
Quando a reação do inquilino se caracterizava pelo não cumprimento do pedido,
isso levava o proprietário a iniciar a peleja judicialmente.
Assim, o proprietário constituía um advogado e apresentava ao juiz a certidão
do cartório comprovando que realizou o pedido formal, dentro dos prazos
estipulados pela lei, incluindo as razões que lhe fez solicitar a desocupação do
imóvel, declarando igualmente que o inquilino se recusava a desocupar o prédio de
sua propriedade. O juiz emitia, então, um mandado de citação ao inquilino, pedindo
que este desocupasse o prédio ou apresentasse uma contestação à ação de
despejo da qual era réu”. Na maioria dos casos o morador do imóvel procurava um
advogado e contestava a ação, desqualificando os argumentos de seu locador,
afirmando que suas razões não estavam previstas pela lei. Neste momento, a
utilização da Justiça gratuita foi largamente empregada, quando diversas pessoas
requisitavam que o Estado lhes garantisse a assessoria de um advogado.
Segundo a lei do inquilinato de 1946
5
a locação de prédios urbanos era
rescindida por falta de pagamento; se o locador precisasse do prédio para uso
próprio, ou para descendentes e ascendentes; quando rescindido contrato de
trabalho se o prédio fosse destinado à moradia de empregados; quando o
proprietário buscasse realizar uma nova construção, demolindo a existente; ou
5
BRASIL. Decreto-lei n. 9.669 – de 29 de Asto de 1946. Regula a locação de prédios urbanos.
Diário Oficial da União: República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 31 ago. 1946. Disponível em:
wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR.Filtro?tipo=DEL&secao=NJUILEGBRAS&numLei=009669...
Acesso em: 21 dez. 2004, p. 2.
16
quando alguma cláusula contratual fosse desrespeitada. No caso da lei de 1950
6
, as
mesmas disposições foram mantidas, apresentando melhor detalhamento para
casos específicos não previstos na lei anterior.
Portanto, as ações de despejo, usucapião e reintegração de posse de prédios
urbanos, que foram contestadas no município de Franca, entre os anos de 1945 e
1960, podem demonstrar a situação, na qual os inquilinos foram envolvidos. No
entanto, a partir da contestação, que os inquilinos realizaram, podemos perceber a
luta constante de trabalhadores para a preservação de suas respectivas moradias.
Assim, pretende-se no presente trabalho demonstrar as concepções de direito e
práticas informais de cidadania entre os trabalhadores-inquilinos de Franca, na luta
pela preservação dos direitos de moradia e, consequentemente, a afirmação da
cidadania.
Mesmo que, a população desprovida de moradia própria e, desta forma,
sujeita aos abusos de poder econômico dos proprietários, não tenha encontrado um
desfecho favorável para suas causas, concepções de cidadania e direitos podem ser
observadas nos depoimentos dos inquilinos. No momento em que recorrem às
instituições judiciais como forma de endossar essas concepções específicas a
respeito dos direitos de moradia e, consequentemente, obter a possibilidade de
permanecer nos imóveis, é possível perceber como algumas experiências concretas
tornam-se um esforço real de afirmação da cidadania.
Assim, a integração espontânea à justiça se consolidou em excelente canal
de aproximação ao Estado e, de acordo com José Murilo de Carvalho
7
a “[...]
investigação da expansão do Judiciário e do desenvolvimento das práticas judiciais
como instrumentos essenciais da garantia dos direitos civis” pode evidenciar a luta
na conquista de direitos.
Ao longo dos processos, torna-se perceptível que, aqueles inquilinos que se
encontravam em dia com os alugueis, se consideravam no direito de permanecer no
prédio e se punham diante de seus locadores para contestar ou questionar suas
6
BRASIL. Lei n. 1.300 – de 28 de Dezembro de 1950. Altera a Lei do inquilinato. Diário Oficial da
União: República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 28 dez. 1950. Disponível em:
wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR.Filtro?tipo=LEI&secao=NJUILEGBRAS&numLei=001300...
Acesso em: 21 dez. 2004, p. 1-2.
7
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
9, n. 18, 1996, p. 355.
17
reais intenções quanto ao futuro que pretendiam dar aos imóveis. Como concebiam
este direito de permanência, é algo que esta pesquisa procurará responder.
Inicialmente, este trabalho pretendia contribuir com a reflexão sobre a questão
do desenvolvimento da cidadania em um período específico da história da república
no Brasil. Principalmente, a partir da negação que a historiografia tem feito das teses
do populismo, esse trabalho buscava demonstrar, tendo como referência um vasto
campo de estudos consolidado, que a luta por direitos entre os segmentos
populares e a formação do cidadão não foram comprometidos com a constante
interferência que o Estado praticou. Desta forma, o presente trabalho teve como
ponto de partida a pretensão de pesquisar a luta por direitos entre trabalhadores, em
um contexto específico de transformações, econômicas, sociais, políticas e culturais,
mas que envolvessem uma situação próxima ao seu cotidiano. Neste contexto local
de transformações em que os habitantes de Franca estavam inseridos, foi priorizada
a luta pela preservação da moradia, no momento em que transformações
econômicas e sociais, dificultavam o acesso dos trabalhadores à moradia e o
desenvolvimento das instituições democráticas propiciava a criação de um ambiente
propício para a reivindicação de direitos.
Este estudo, sobre a relação entre os inquilinos e as instituições oficiais, ou
seja, o Judiciário, que serviu como recurso para tentar-se preservar direitos de
moradia, faz uso de um acervo de ações ordinárias de despejo, reintegração de
posse e usucapião. No entanto, esse conjunto de fontes e materiais chegaram,
atualmente, aos pesquisadores exprimindo indiretamente as concepções informais
de direitos dos inquilinos
8
, pois, a forma de contato do trabalhador com o mundo
legal e as opiniões por ele emitidas sobre sua situação e sobre os direitos, que
julgava possuir não foram transferidos aos processos com a exatidão de suas
declarações.
Os profissionais da lei, que procuraram empregar linguagem jurídica às
demandas dos trabalhadores, atuaram como filtros entre o trabalhador, objeto do
8
O historiador italiano Carlo Ginzburg, no prefácio de seu livro O queijo e os Vermes, destaca que os
estudos que se atém a cultura das sociedades ocidentais modernas que, desta forma, se intitulam
como civilizadas, existe uma atual preocupação com as classes populares, pois também seria ela
produtora de cultura. A intenção seria, assim, observar a relação entre a cultura erudita e a cultura
popular, no entanto isso causa o problema de aceso do historiador ao conteúdo de tais culturas, por
estar no donio da oralidade. Então, a solução possível seria a utilização de fontes que contam com
o testemunho indireto de sujeitos pertencentes aos setores populares da sociedade. GINZBURG,
Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 12-16.
18
presente estudo, e o pesquisador, no entanto, sem comprometer as informações e,
nem mesmo, desvirtuaram as concepções ou as práticas informais de direitos
presentes na cultura dos inquilinos. Pois, Ginzburg argumenta que, em pesquisas
relacionadas à cultura popular, “[...] substituir uma estratégia de pesquisa indireta
por outra direta, neste tipo de trabalho, é por demais difícil [...]”, no entanto, “[...] não
é preciso exagerar quando se fala em filtros e intermediários deformadores. O fato
de uma fonte não ser ‘objetiva’ (mas nem mesmo um inventário é ‘objetivo’) não
significa que seja inutilizável
9
”. Desta forma, depoimentos, impressões e a fala de
inquilinos, transcritas indiretamente aos processos, servem como meio para o
entendimento de concepções de direito de tais sujeitos.
O presente trabalho encontra-se disposto em três capítulos, sendo que o
primeiro, Cidadania, democracia e desenvolvimento urbano-industrial a intenção é
proporcionar um espaço para a discussão do contexto, no qual a pesquisa esta
sendo realizada. A partir de estudos de caráter historiográfico e com o uso da
bibliografia especializada, três aspectos são apresentados: o desenvolvimento da
industrialização local, que se encontrava, guardando as devidas proporções, em
condições parecidas com outros centros urbanos de maior porte, mas que, ao
mesmo, tempo possuía a singularidade de ocorrer em uma região distante dos
grandes centros econômicos e políticos. A industrialização, tamm, trouxe reflexos
na conformação da sociedade local pós-1945, como o incremento da urbanização e
o desenvolvimento de uma classe trabalhadora, de base operária e tamm
empregada no setor de comércio e serviços.
no segundo capítulo, Moradia e trabalhadores em Franca, a intenção é
demonstrar, por meio de apontamentos bibliográficos, como as alterações urbanas
foram adquirindo novos contornos com as transformações econômicas. Assim,
consequentemente com a presença de elementos característicos da economia
industrial, o discurso da modernização do espaço urbano, da racionalização
urbanística e das condutas, que deveriam ser preservadas na utilização dos espaços
públicos, foram adquirindo novos contornos. Neste capítulo, também se
evidenciada a situação profissional dos inquilinos, que contestaram a ação de
despejo, dividindo-os em grupos a partir da profissão que declararam possuir no
9
GINZBURG, op.cit., p. 15-16.
19
momento em que foram processados. E, assim, perceber qual a relação que cada
grupo profissional, declarada pelo inquilino alvo da ação de despejo, poderia ter com
o imóvel, sobretudo se a necessidade de permanecer no imóvel ia ao encontro de
sua atividade profissional.
Por fim, no último capítulo, A cidadania em sua face informal, pretende-se
reconstituir e analisar as trajetórias de trabalhadores do município de Franca
pertencentes a dois grandes grupos profissionais: em primeiro lugar, os
trabalhadores cujas categorias contavam com a representação sindical no município
de Franca e, assim, se a organização causou qualquer tipo de influência para
salvaguardar a moradia. Em segundo lugar, serão analisadas as trajetórias de
trabalhadores não organizados ou da economia informal, ou seja, como a
experiência de trabalho pôde ter influenciado os trabalhadores na luta pela
preservação de suas respectivas moradias.
Portanto, o presente trabalho busca reconstituir a trajetória de trabalhadores
do município de Franca, e analisar as concepções de direitos de moradia que se
manifestaram informalmente e permitiram a construção da cidadania.
CAPÍTULO 1 CIDADANIA, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO URBANO
INDUSTRIAL.
21
Para o período que se estende do ano de 1945, quando se encerrou o Estado
Novo, até 1964, que marca o início do Regime Militar no Brasil, existe um consenso
na historiografia de que o país passou por diversas transformações que redefiniram
grande parte da sociedade e, ao mesmo tempo, alteraram o panorama de diversas
cidades brasileiras. Em um período de democratização, que ampliou as
possibilidades de participação política para diversos grupos sociais, as cidades
viram-se transformadas com o processo de urbanização provocado pelo intenso
êxodo rural. Muitos trabalhadores deixavam o campo em busca dos empregos que o
acelerado processo de industrialização criava, e ao mesmo, tempo tinham a
possibilidade de participação ampliada, dentro do contínuo processo de
desenvolvimento da democracia no país
1
.
1.1 Dinâmica do contexto urbano-industrial no município de Franca.
Alguns pesquisadores procuraram compreender o surgimento da indústria
couro-calçadista de Franca, que transformou o panorama do município a partir da
segunda metade do século XX.
Além das pesquisas de caráter emrico, produzidas a partir de um sólido
corpo documental, na qual podemos citar as produções de Pedro Geraldo Tosi
2
e
Agnaldo de Sousa Barbosa
3
, ambas realizadas inicialmente a partir de pesquisas de
doutoramento, se iniciam alguns apontamentos historiográficos realizados a partir
dos trabalhos acadêmicos acima citados
4
.
1
NEGRO, Antonio Luigi, SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores, sindicato e política. In:
FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p 49-54.
2
TOSI, Pedro Geraldo. Capitais no interior: Franca e a história da indústria couro-calçadista (1860-
1945). 1998. 276 f. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia, Universidade de
Campinas, Campinas, 1998.
3
BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Empresário fabril e desenvolvimento econômico:
empreendedores, ideologia e capital na indústria do calçado (Franca, 1920-1990). 2004. 285 f. Tese
(Doutorado em Sociologia). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Araraquara, 2004.
4
Acerca de trabalhos historiográficos realizados sobre os fatores responsáveis pelo desenvolvimento
da indústria couro-calçadista de Franca, é necessário destacar que o surgimento de novos estudos
tais como de Pedro Tosi e Agnado Barbosa ocorreu a partir do final da década de 1990, o que, de
certa forma, inviabilizou o surgimento de análises de caráter historiográfico. Sobre o assunto
encontra-se o estudo de Vinícius Donizete de Rezende, que procura estabelecer um diálogo entre
estes dois trabalhos. REZENDE, Vinícius Donizete de. A formação do Complexo Calçadista em
Franca. Anônimas da história: relações de trabalho e atuação política de sapateiras entre as
décadas de 1950 e 1980 (Franca – SP). 2006. 252 f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade
de História, Direito e Serviço Social. “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2006, p. 28-40.
22
Desta forma, procura-se entender as especificidades da região e da economia
local, que teriam levado ao surgimento e ao desenvolvimento de uma indústria de
base local, mas que, em meados do Século XX, proporcionou ao município uma
situação específica de urbanização que o correspondia aos padrões encontrados
em regiões mais afastadas dos principais centros econômicos nacionais.
No intuito de perceber as singularidades presentes no desenvolvimento da
indústria couro-calçadista de Franca, responsável pela alta taxa de urbanização no
município, a partir dos anos cinqüenta, pretende-se remontar, brevemente, aos
primórdios da ocupação da região para tentar compreender as sucessivas
transformações econômicas ocorridas na cidade, que permitiram a instalação da
indústria local.
Assim, o objetivo dessa exposição das origens do município será entender as
peculiaridades da economia francana, que distinguiu a cidade das demais cidades
do interior, tanto no que tange à industrialização, como no que diz respeito à
urbanização. Deste modo, o objetivo com essa volta as origens não seria realizar um
estudo sobre a formação da indústria ou fazer apontamentos historiográficos sobre
tal questão, e sim levantar algumas características desse processo presentes na
bibliografia.
Originalmente, as primeiras ocupações de terras que compõem o Nordeste
Paulista, na qual o município de Franca encontra-se inserido, ocorreu segundo as
palavras de Pedro Tosi, [...] de modo disperso e pode ter oscilado ao sabor dos
movimentos em direção aos núcleos auríferos de Goiás”
5
, em pleno Século XVIII.
Entretanto, Muitas das sesmarias concedidas não passaram pelo processo de
demarcação e, abandonadas, acabaram permanecendo como de terras devolutas”
6
.
Assim, Tosi afirma embasado no estudo realizado por José Chiachiri Filho
7
,
que a ocupação da região, no início do Século XIX, não parece estar vinculada
exclusivamente ao esgotamento das atividades auríferas da Capitania de Minas,
numa migração de atividades econômicas da mineração para a agricultura. Segundo
o autor, a efetiva ocupação de toda a região e mais precisamente a localidade
próxima ao “Caminho de Goyaz”, na qual Franca fazia parte, esteve ligada a dois
5
TOSI, Pedro Geraldo. Capitais no Interior: Franca e a história da indústria couro-calçadista (1860-
1945). Franca: FHDSS, Unesp, 2003. p. 31.
6
BRIOSCHI, Lucila Reis et al Entrantes no sertão do Rio Pardo: o povoamento da freguesia de
Batatais – séculos XVIII e XIX. São Paulo: Ceru, 1991, p. 43.
7
CHIACHIRI FILHO, José. Do Sertão do Rio Pardo à vila Franca do imperador. Ribeirão Preto:
Ribeira Gráfica, 1986.
23
importantes acontecimentos que levou a dispersão populacional das regiões
auríferas:
[...] a vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e o fato de
ter havido em São Paulo no antigo oeste o surgimento de considerável
implantação da atividade canavieira. Foram, tamm, ocorrências decisivas
para a produção global de alimentos em todo o Centro-Sul
8
.
Desta forma, a ocupação das terras próximas ao Caminho de Goiás esteve, a
princípio, relacionada às necessidades de alimentos e à
[...] reprodução de um movimento de ocupação de terras férteis por meio de
desbravadores e pequenos roceiros, quer deslocados por fracionamento de
terras de antiga ocupação, quer por um mecanismo de expulsão que
atividade canavieira pode ter desencadeado [...]
9
.
Mesmo existindo a necessidade de produção de alimentos os proprietários de
terras que se fixavam na região, procuravam regimentar os braços necessários para
o cultivo de milho, cana-de-açúcar, arroz, feijão, mandioca, trigo, algodão e mamona
e ainda com uma concentração de criação de cavalos, porcos, cabras, ovelhas e
bois. As unidades produtoras estavam, portanto, estruturadas em pequenas
propriedades, pois o sucesso da ocupação dependia da quantidade de
trabalhadores que os proprietários conseguiam reunir em uma região de pequena
densidade demográfica. A produção era canalizada para subsistência das próprias
unidades e o excedente, eventualmente produzido, destinava-se ao mercado local
10
.
A estrutura fundiária e econômica da região era distante daquela apresentada
nas definições de plantation (latifúndio monocultor) diferenciando-se, inclusive, de
uma fazenda que produzia em escala, pois nas palavras de Pedro Tosi,
[...] a fazenda agrícola de produção em escala, diferente de uma plantation
propriamente dita – nunca semelhante à tipologia do latifúndio monocultor
chegou a região apenas com a cafeicultura, no ultimo quartel do século XIX
e adquiriu maior expressão com a chegada da ferrovia em 1886 em Batatais
e em 1887 em Franca. Até então, as comunicações e os transportes eram
executados por meio de tropeiros, com seus comboios de mulas, dos
boiadeiros, que tangiam rebanhos inteiros, e dos carreiros, com suas juntas
de bois
11
.
O cenário, portanto, vivido na região onde Franca se localizava era de uma
região vasta, pouco povoada, estruturada em pequenas propriedades, com uma
produção voltada para a subsistência e eventualmente para o mercado local.
8
TOSI, op.cit., p. 31.
9
Ibid., p. 31
10
Ibid., p. 33-34.
11
Ibid., p. 38.
24
No entanto, a existência do “O Caminho de Goyaz”, rota que ligava Moji Mirim
a Capitania de Gos, merece significativa atenção na compreensão da dinâmica de
povoamento da região. A presença da estrada na região criou um entreposto
comercial, permitindo o tráfego de pessoas e animais pelo interior do país e
incentivando o surgimento dos pousos, que posteriormente, constituiria a malha
urbana do município
12
.
Desta forma, a posição de entreposto comercial contribui para que a
localidade se integrasse ao comércio de abastecimento das regiões auríferas de
Goiás e, ao mesmo tempo, permitiu a presença de gado na região, que se deslocava
entre o Sul e o Centro-Oeste do país. A integração econômica da região fez com
que, surgisse em Franca o comércio de gado e sal, que representou a principal
atividade econômica da região durante parte do Século XIX. Assim, a pecuária
tornou possível a farta presença de couro, que servia de matéria-prima para os
curtumes e, consequentemente, o para surgimento das atividades artesanais de
couro, que futuramente seria a base para a indústria couro-calçadista de Franca
13
.
Nesse mesmo sentido Agnaldo Barbosa
14
afirma que, a possibilidade de
cortar com o couro em abundância e de curtumes locais, presentes em Franca
desde o final do Século XIX, ajudaram a consolidar em Franca uma tradição
manufatureira de fabricação de calçados, pois a disponibilidade de matéria-prima
nos locais de fabricação do calçado barateava o preço do produto final. Segundo o
autor tal situação pode ter contribuído para explicar a receptividade do calçado
produzido em Franca no mercado local a partir das décadas de 1930 e 1940. Desta
forma, no século XIX
[...] a economia local já apresentava características que favoreceram o
aparecimento do artesanato e manufatura do couro antes mesmo da
emergência da lavoura cafeeira como atividade hegemônica no município,
cujo período de maior vitalidade pode ser situado entre 1890 e 1920
15
.
No entanto, Rezende
16
aponta que Tosi [...] considerou insuficiente a
explicação centrada na idéia de uma transição direta entre o artesanato e a indústria
12
CHIACHIRI FILHO, op.cit., p. 50-51.
13
REZENDE, Anônimas da história: relações de trabalho e atuação política de sapateiras entre as
décadas de 1950 e 1980 (Franca – SP). 2006. 252 f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade
de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca,
p. 28-29.
14
BARBOSA, op.cit., p. 21
15
Ibid., p. 22.
16
REZENDE, op.cit., p. 29.
25
fabril. [... Buscou] compreender o processo de formação de capitais por meio da
mercantilização dos bens, da terra e da força de trabalho [...]”.
Tosi estaria pensando numa vinculação entre o capital industrial e o capital
cafeeiro, pois,
Dentre as transformações decorrentes da inserção de Franca no complexo
cafeeiro destaca-se o gradativo surgimento da cafeicultura de exportação; o
incremento da agricultura de alimentos; a significativa migração européia,
na maior parte destinada ao trabalho na lavoura; a mercantilização do solo;
com destaque para a venda de terras da Igreja; a intensificação do
crescimento urbano e a constituição de um mercado consumidor local mais
amplo. Em síntese, a inserção de Franca no complexo cafeeiro fez com que
se generalizassem as relações de caráter capitalista
17
.
Assim, o passo decisivo para a transformação das estruturas econômicas de
Franca foi a presença da ferrovia, pois com a chegada dos trilhos da Cia. Mogiana,
no último quartel do Século XIX, o município se integrou ao complexo cafeeiro, visto
que, até então a economia local “[...] ainda estava baseada na intermediação
mercantil de gado e sal, combinadas à produção de gêneros de subsistência. Diante
do exposto, Tosi concluiu que foi a ferrovia que trouxe a cafeicultura capitalista para
Franca.”
18
.
Ao se pensar na discussão sobre o povoamento da região onde Franca se
localiza, é necessário levantar a questão acerca da estrutura da propriedade local.
Sobre esse assunto Emília Viotti da Costa
19
procura realizar uma comparação sobre
a política de terras no Brasil e nos Estados Unidos, que mencioná-la aqui pode ser
interessante para o objetivo proposto.
Neste trabalho a autora procura fazer uma comparação entre a política de
terras no Brasil e nos Estados Unidos no período pós-independência, mas
destacando uma diferença significativa de visão sobre o assunto entre o Sul e Norte
dos Estados Unidos, sendo que o posicionamento dos senhores de terra do sul
estadunidense seria parecido com aquele encontrado no Brasil
20
.
A propriedade da terra estaria vinculada à concepção de trabalho e às
necessidades de recrutamento de braços para atuar nas propriedades agrícolas. No
caso dos Estados Unidos, mais precisamente na ocupação do oeste, priorizou-se o
predomínio da pequena propriedade, sendo os próprios proprietários responsáveis
17
REZENDE, op.cit., p. 30-31.
18
Ibid., p. 30.
19
COSTA, Emília Viotti. Política de terras no Brasil e nos Estados Unidos. In: ______. Da monarquia
à República: momentos decisivos. 7. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.
20
Ibid., p. 191.
26
pelo cultivo das lavouras, associando-se pequenas propriedades independentes ao
trabalho livre, o que se contrapunha aos interesses dos proprietários de terra do sul,
que baseavam sua produção no trabalho escravo
21
.
Segundo Viotti da Costa, nos estados do norte a valorização da pequena
propriedade estava presente nos valores culturais da sociedade puritana. O
estabelecimento de pequenas propriedades teria gerado o desenvolvimento do
mercado interno; a disponibilidade de capitais, que futuramente favoreceria o
desenvolvimento da indústria, e a diversificação da economia, segundo a
historiadora, mudou a estrutura social de forma a favorecer a industrialização e a
urbanização. os estados do sul procuraram manter a estrutura social colonial,
com o predomínio dos plantations e utilização da mão-de-obra escrava
22
.
Essa análise realizada por Emília Viotti da Costa, juntamente com a
bibliografia, pode ajudar a compreender a formação das condições que permitiram o
surgimento da indústria couro-calçadista em Franca.
Uma característica marcante da estrutura fundiária em Franca é a presença
da pequena propriedade. Durante a ocupação, ainda no Século XVIII, as condições
locais não permitiram a integração direta da região à economia agro-exportadora
colonial, pois as dificuldades de transporte e comunicação não permitiriam a
instalação de grandes propriedades monocultoras na região. Assim, a região acabou
sendo integrada ao comércio interno, tanto na produção agrícola destinada à
subsistência da própria região, como no comércio de gado e sal dentro do interior do
país. As dificuldades de transporte e de comunicação, a grande distância dos
principais centros de poder colonial, a baixa densidade populacional não criaram as
condições necessárias para a existência dos latifúndios monocultores, e sim de
pequenas propriedades, que contavam com pouca mão-de-obra
23
.
Desta forma, comparando as conclusões de Tosi com a análise de Emília
Viotti da Costa, que destaca para os Estados Unidos a presença da pequena
propriedade, em Franca, onde a pequena propriedade tamm estava presente,
estimulou-se a criação do mercado interno, a diversificação da produção econômica.
E, no caso específico da região, a integração ao mercado de abastecimento interno
21
Costa, Emília, op.cit., p. 182.
22
Ibid., p. 186, 189.
23
Cf. TOSI, op.cit., p. 33-34.
27
do comércio de gado favoreceu o surgimento das atividades artesanais em couro,
visto a farta presença da matéria-prima.
Deste modo, a manufatura de calçados em Franca apresentou-se como uma
realidade concreta no final do século XIX, com o beneficiamento de couro nas
indústrias de curtume e na produção de sapatos em proporções limitadas dentro de
pequenas oficinas
24
. No entanto, Tosi apontou que a transição das atividades
artesanais para a indústria não ocorreu de forma direta. Foi a integração de Franca
ao complexo cafeeiro e a chegada dos trilhos da Cia. Mogiana que trouxeram para a
cidade as estruturas da economia capitalista. Assim, as bases para o surgimento do
artesanato em Franca foram alcançadas a partir das condições em que o
povoamento ocorreu, principalmente, com o desenvolvimento da pequena
propriedade permitindo a diversificação da economia local. No entanto, a transição
do artesanato para a indústria couro-calçadista ocorreu a partir da estrutura
capitalista, que a cafeicultura trouxe para a região.
Mas, foi somente a partir de 1945 que “Os ventos da modernização capitalista
que sopravam no país desde a vitória, em 1930, do movimento político-militar de
oposição às velhas oligarquias regionais, finalmente chegava à cidade [...]”
25
. Assim,
depois de 1945, sob o impacto causado pela Segunda Guerra Mundial, as atividades
da cafeicultura e da pecuária começaram a perder terreno para a indústria de
calçados
26
, sendo que a cafeicultura já vinha sofrendo com os efeitos da crise de
1929
27
. As pequenas oficinas existentes na cidade buscavam, durante a guerra,
converter a produção de calçados rústicos, destinados a trabalhadores rurais, em
calçados de melhor trato, devido a ausência do produto no mercado interno
provocada pelo conflito internacional
28
. Desta forma, as oficinas acabaram superadas
por fábricas de médio e grande porte
29
, num ativo processo de mecanização da
produção.
Os capitais locais, até então envolvidos na atividade cafeeira, direcionaram-se
para o setor industrial, contribuindo com desenvolvimento do parque industrial
24
OLIVEIRA,lio Luiz de. Economia e história em Franca: século XIX. Franca: FHDSS, Unesp,
1997, p.66-67.
25
BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Política e modernização em Franca 1945-1964. Franca: FHDSS,
Unesp, 1998, p. 19.
26
Ibid., p. 34
27
TOSI, op.cit., p. 196.
28
Ibid., p. 145-147.
29
VILHENA, Maria Inês de Freitas. A Indústria de Calçados em Franca. Revista da FFF. Franca: p.
68, 1968.
28
calçadista. O complexo industrial francano contemplou, neste momento, diversos
ramos industriais, que serviam de suporte a atividade couro-calçadista, como a
indústria curtumeira, de solados de borracha e tamm de fabricação e assistência a
maquinários de calçados
30
.
Neste contexto de industrialização crescente e de grandes transformações
políticas ocasionadas pela queda do Estado Novo e pela reestruturação da
democracia política no país, a cidade de Franca, da mesma maneira que em outros
centros urbanos, passou a ser alvo das movimentações dos partidos políticos em
suas bases locais, que possuíam em suas fileiras pessoas ligadas a produção
industrial de calçados
31
.
A industrialização no Brasil conheceu um grande período de expansão a partir
da década de 1930, tendo o Estado como impulsionador deste processo. No
entanto, durante a Primeira República, o Brasil começava a se transformar com o
desenvolvimento da industrialização nos principais centros urbanos, o incremento da
urbanização, a formação de um contingente urbano, que empregava sua força de
trabalho em novas atividades econômicas como a indústria e o setor de serviços.
Consequentemente, ocorreu a formação do operariado urbano, que pouco a pouco,
diante do alto grau de exploração que o processo de acumulação de capitais exigia,
comou a reivindicar direitos, melhores condições de vida e maior participação nos
rumos políticos do país
32
. Coube assim, ao poder público incentivar as empresas
privadas, implementar as indústrias de base e intermediar as questões referentes à
expansão das lutas do movimento operário pela conquista de novos direitos
33
.
Com a intensificação da industrialização, no transcorrer da década de 1950, a
cidade de Franca percebeu-se envolvida em transformações radicais em seu perfil
urbano. Inicialmente, ocorreu um crescimento acelerado da população urbana,
30
TOSI, op.cit., p.242-247.
31
Cf. BARBOSA, op. cit.
32
Diversas interpretações que procuram entender a defesa dos princípios centralizadores e
intervencionistas marcaram o Brasil em debates, durante a década de 1920 e na prática política a
partir da Revolução de 1930. Cada uma dessas interpretações buscava analisar os diversos projetos
políticos que estavam em discussão naquela conjuntura. Resquícios dos ideais positivistas no Rio
Grande do Sul, a defesa do liberalismo por diversos políticos republicanos que viveram a
Proclamação, ainda há a defesa da continuidade dos poderes exercidos pelos caudilhos e, por fim, o
surgimento dos ideais de centralização, que permitiram o desenvolvimento do processo de
modernização do Brasil. E, entre os adeptos desta última vertente encontra-se Oliveira Vianna.
33
GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. Migrantes mineiros em Franca: memória e trabalho na
cidade industrial (1960-1980). Franca: FHDSS, Unesp, 1997. p. 21.
29
quando novos indivíduos de origem rural, sobretudo mineiros
34
, chegavam à cidade
em busca de empregos, os quais as fábricas ofereciam e, posteriormente, a
consolidação do operariado urbano, alterou a vida política e as relações sociais no
município
35
.
Deste modo, a partir de 1930 o país conheceu um período de
desenvolvimento industrial não circunscrito apenas em torno das cidades de São
Paulo e do Rio de Janeiro. Outros eixos de desenvolvimento industrial começaram a
surgir em rias regiões do interior do Brasil no decorrer das décadas de 1930 e
1940.
Apesar de afastada
[...] dos grandes centros urbanos de produção industrial e mesmo do poder,
a cidade de Franca apresentou um desenvolvimento urbano e industrial
considerável a partir da década de 1950. Sua indústria tradicional de couros
e calçados teve um papel muito importante nesse processo que modificou
essencialmente a paisagem urbana em poucas décadas.
36
O desenvolvimento da indústria couro-calçadista em Franca incentivou,
portanto, o desenvolvimento da urbanização no município, sobretudo com a chegada
expressiva de migrantes das regiões adjacentes e das demais áreas rurais de Minas
Gerais, que buscavam os postos de trabalho proporcionados pelo desenvolvimento
fabril
37
. A tabela 1 mostra o incremento quantitativo e percentual dos habitantes que
viviam na área urbana e rural do município de Franca entre os anos de 1940 e 1960.
Tabela 1: População urbana e rural do Município de Franca (1940-1960).
Município de Franca (1940-1960).
Censos Rural % Urbano % Total
1940 31.652 56,83 24.038 43,17 55.690
1950 24.575 45,94 28.910 54,06 53.485
1960 18.887 27,75 49.150 72,25 93.613
FONTE: F.I.B.G.E. (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos:
Série Regional São Paulo (1940-1980)
38
.
Obs.: Faziam parte do município de Franca as seguintes cidades: São José da Bela Vista (1948),
Cristais Paulista (1959), Restinga (1964) e Ribeirão Corrente (1964). As datas entre parênteses são
os anos de autonomia de cada uma delas.
34
GARCIA, op.cit., p.40.
35
BARBOSA, op.cit., p. 37.
36
GARCIA, op.cit., p. 34.
37
Ibid., p. 40
38
Ibid.
30
Analisando os dados fornecidos, percebe-se que no decorrer da década de
1940, o município de Franca inverte a sua estrutura habitacional. No Censo
Demográfico realizado pelo IBGE, em 1940 a população urbana de Franca contava
com 43,17% do total de habitantes que compunham o município. Já, no Censo de
1950, no momento em que, o município procurava estabelecer seu parque industrial
e a modernização da cidade entrava em curso
39
, a população do município se
caracterizava como essencialmente urbana (54,06% da população residiam na área
urbana e os demais 45,94% ainda se encontravam no campo). No entanto, no
decorrer da década de 1950 esse perfil urbano se intensificou, que, no final da
década, segundo o Censo de 1960, a taxa de habitantes que residiam na cidade
girava em torno dos 72,25% da população.
a partir de meados da cada de 1940, a cidade de Franca vivenciou o
desenvolvimento de sua indústria, que proporcionalmente colocava o município em
situação parecida com as grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de
Janeiro, que a partir de 1930 assistia a expansão industrial alterar de forma
significativa seu perfil. Assim, “De município que alicerçava sua economia à sombra
dos pés de café, possuindo na pecuária um forte componente de sustentação
financeira, Franca passou a ter na indústria, sobretudo a calçadista, o principal motor
de seu progresso [...]”
40
.
Esse incremento quantitativo pode ser explicado a partir do desenvolvimento
da atividade industrial, pois dos 53.485 habitantes que o município possuía, 36.688
habitantes se encontravam na faixa etária acima dos dez anos de idade e
responderam ao recenseador do IBGE
41
, que exerciam algum tipo de atividade
profissional. Deste total, descontando habitantes que exerciam atividades
domésticas não remuneradas, atividades escolares discentes e que estavam na
condição de inativos, 19.016 habitantes possuíam atividades profissionais
remuneradas. Dentro do quadro profissional do município, 3.842 moradores
afirmaram exercer, como atividade principal, alguma função industrial, o que
representa um total de 20,20% da população, que estava acima dos dez anos de
idade e exerciam atividade profissional remunerada.
39
Cf. BARBOSA, op.cit.
40
Ibid., p. 19.
41
IBGE. Censo demográfico: Série Regional de São Paulo (1950). Rio de Janeiro, 1954, p. 132-133,
197
31
Tabela 2: População urbana e rural da Cidade de Franca (1940-1960).
Cidade de Franca
Censos Rural % Urbano % Total
1940 9.070 30,60 20.568 69,40 29.638
1950 9.547 26,40 26.629 73,60 36.176
1960 9.743 17,09 47.244 82,91 56.987
FONTE: F.I.B.G.E. (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos:
Série Regional São Paulo (1940-1980).
42
Já, pelos dados da tabela 2, considerando-se apenas a cidade de Franca,
excluindo os atuais municípios de São José da Bela Vista, Cristais Paulista,
Restinga e Ribeirão Corrente, que no período se encontravam na jurisprudência do
município de Franca como distritos, podemos perceber um potencial urbano
despertando-se na década de 1940, quando mais de sessenta e nove por cento
da população da cidade residia na região urbana.
No entanto, na década de 1950 a população urbana da cidade de Franca
chegava a 26.629 habitantes, sendo que, de acordo com o Censo Industrial de
1950
43
, 2.015 pessoas estavam envolvidas em atividades industriais ou fabris na
cidade. Portanto, aproximadamente 7,5% da população estava empregada no setor
industrial, e destes 1.295 trabalhavam na indústria couro-calçadista (ou seja, 4,8%
da população urbana de Franca).
Ainda, é possível demonstrar por estes dados a força econômica que a
indústria calçadista possuía naquele contexto, pois do total de trabalhadores
empregados no setor industrial no ano de 1950 (2.015 empregados) 64,26%, ou
seja, 1.295 pessoas estavam vinculadas ao setor couro-calçadista, proporcionando a
Franca, desta maneira, segundo Barbosa
44
, o perfil de cidade operária, sendo tal
segmento agente de notável força política em Franca.
Em 1960 o número de habitantes que viviam na região urbana subia para
82,91 %, enquanto os demais 17,09 % continuavam no campo.
Portanto, a partir da Tabela 3 pode-se perceber como a cidade de Franca
mudava sua estrutura habitacional comparada com a média encontrada em São
Paulo e no interior do Estado, assim como no eixo industrial Rio - São Paulo no
mesmo período.
42
GARCIA, op.cit., p. 40.
43
IBGE. Censo industrial de 1950: municípios segundo grupos de indústria. Rio de Janeiro, 1950, p.
99.
44
BARBOSA, op.cit., p. 37-38.
32
Tabela 3: Porcentagem da população urbana e rural (1950-1960).
1950 1960
Região
Urbana Rural Urbana Rural
Município de Franca 54,06 45,94 72,25 27,75
Estado de São Paulo 52,50 47,50 62,81 37,19
Interior do Estado de São Paulo 39,68 60,32 52,73 47,27
Grande São Paulo 87,64 12,36 83,60 16,40
Capital do estado de São Paulo 93,36 6,64 88,00 12,00
Eixo Industrial RJ/SP/Guanabara 55,90 44,10 65,81 34,19
FONTE: F.I.B.G.E. (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos:
Série Regional São Paulo (1940-1980)
45
Fundação SEADE. Informe demográfico, n. 1, 1980
46
.
Censos Demográficos
47
.
Deste modo, em 1950 a concentração urbana em Franca ficava acima da
média do Estado de São Paulo e igualmente do interior paulista. Ficando abaixo da
cidade de São Paulo, de sua região metropolitana e do eixo industrial que
concentrava as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói. Porém, em 1960 a
cidade de Franca já possuía uma taxa de urbanização superior daquela encontrada
no eixo Rio – São Paulo.
No entanto, uma característica marcante do processo de industrialização local
não ficou restrita somente aos aspectos referentes à urbanização. O intenso êxodo
rural provocado pelo desenvolvimento industrial, que atraía o trabalhador do campo
para atuar como mão-de-obra fabril, alterou profundamente as relações sociais no
município, sobretudo com o surgimento de uma classe operária e o incremento dos
trabalhadores que atuavam nos setores do comércio e de prestação de serviços.
Então, o surgimento dessa classe de trabalhadores urbanos em Franca
coincidiu com o momento de desenvolvimento das instituições democráticas no
Brasil, com a desagregação do Estado Novo. Trabalhadores, que deixavam o campo
em busca de empregos na cidade, tinham a possibilidade de participação política e
social ampliadas nesse novo contexto político que o país atravessava.
45
GARCIA, op.cit., p. 40.
46
Ibid., p. 30.
47
PATARRA, Neide L. Dinâmica populacional e urbanização do Brasil: o período pós-30. In FAUSTO,
Boris (Org.) História Geral da Civilização Brasileira: o Brasil republicano. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995, t. 3. p. 263.
33
1. 2 Democratização no pós-Estado Novo.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos Estados Unidos sobre
os dois principais países do Eixo, que mantinham regimes totalitários Alemanha e
Itália anunciava-se no Brasil, que o Estado Novo estava próximo de seu fim
48
. O
Brasil, que havia lutado na guerra ao lado dos Aliados, defensores dos ideais
democráticos que, teoricamente faziam parte das doutrinas presentes no
Liberalismo, não poderia continuar sustentando a presença, pelo menos naquele
momento, de uma ditadura, sobretudo com as características da qual o Estado Novo
possuía.
Desta forma, com o fim da guerra não era mais possível continuar utilizando o
estado de guerra como pretexto para sustentar a permanecia do Estado Novo, assim
como de Vargas em seu governo. E, da mesma forma, diante das pressões
empreendidas pela oposição que exigiam o afastamento de Getúlio Vargas
49
do
poder e o estabelecimento da democracia, iniciou-se um processo de transição.
Desta forma, antes que Vargas deixasse o poder, os atores políticos que
compunham o Estado Novo, adotaram a estratégia que buscava transportar a
estrutura de caráter corporativista criada pelo regime para o interior de um partido
político e, desta forma, foi criado o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), sendo o ex-
ditador a sua principal figura eleitoral. Com a saída de Getúlio Vargas da presidência
e a realização de eleições tumultuadas, na qual diversas manifestações públicas
exigiam a eleição ou permanência do ex-ditador, o General Eurico Gaspar Dultra se
elegeu o primeiro presidente da democracia recém instalada com o apoio de Vargas.
Sobre este novo período que se abriu na História do Brasil, caracterizado na
historiografia como a República Democrática, na qual se verificou a realização de
eleições para presidente da República, que haviam sido descartadas do cenário
político nacional desde a instalação do Estado Novo em 1937, assim como a
deposição de seu ditador em 1945, é necessária a realização de sua
contextualização.
Nesta conjuntura, é comum se encontrar na documentação referente ao
período de declínio do Estado Novo alguns setores da sociedade civil, da sociedade
48
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e a cultura política popular 1945-
1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 21.
49
SKIDMORE, Tomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 72-
83.
34
política e até mesmo entre militares a exigência da “redemocratização” do país, ou à
volta das instituições de caráter democrático. Defendendo o fim do Estado Novo, tais
setores que se identificavam largamente com os ideais presentes no Liberalismo,
que naquele momento se reunião em peso nas esferas da UDN (União Democrática
Nacional), se referiam à redemocratizar” em uma clara alusão ao ideal de
democracia, que concebiam a partir da realidade vivida durante o regime liberal de
exclusão da Primeira República.
Pedro Estevam da Rocha Pomar
50
afirma que, o conceito de
“redemocratização”, largamente empregado no período pós-1945 deve ser
questionado pela historiografia, na medida em que a
[...] expressão reside, em primeiro lugar, na referência ao regime político
vigente antes do Estado Novo: a rigor, havia quase nenhuma liberdade
democrática na república Velha e mesmo nos primeiros anos da década de
trinta, o havendo sentido, pois, em falar em retorno à democracia ou
redemocratização
51
O período caracterizado como o tempo da “Democracia Brasileira”, é marcado
por diversos elementos que o torna complexo. Diferentemente, então, da Primeira
República, o Brasil passou a contar, no pós-Estado Novo, com o sufrágio universal,
embora excluindo desde direito àqueles que não eram alfabetizados, e os partidos
políticos de massa com caráter nacional passaram a existir. Alguns elementos novos
foram colocados em prática neste período, que caracterizava o momento como uma
democracia, muito embora diferente aos padrões estabelecido atualmente para esse
tipo de regime político. Assim, foi instituído o voto secreto e obrigatório para todos os
brasileiros alfabetizados e maiores de 18 anos, incluindo tamm o voto feminino
52
.
Apesar do regime instituído em 1945 excluir os analfabetos da participação política
pela ausência do direito de voto, uma característica marcante do regime, que o
difere da Primeira República foi a extensão da educação infantil gratuita, assegurada
pelo Estado para a população, diferentemente do período anterior a 1930, em que a
Constituição de 1891 isentava o Estado da responsabilidade com a educação
pública.
50
POMAR. Pedro Estevam da Rocha. A Democracia intolerante: Dultra, Adhemar e a repressão ao
Partido Comunista (1946-1950). São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, 2002, p. 19-26.
51
Ibid., p. 19.
52
CANDÊLO, Letícia Bicalho. Aprendendo a Votar. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi.
(Org.). História da cidadania. SÃO Paulo: Contexto, 2003. p. 537.
35
Neste período, o país contava com eleições regulares para presidente,
governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais e vereadores,
sendo que além
[...] das eleições para a Presidência da República e para o Congresso
Nacional em dezembro de 1945, foram realizadas, em âmbito nacional,
eleições para os governos e assembléia estaduais em janeiro de 1947,
eleições municipais para novembro do mesmo ano, e eleições presidenciais
em dezembro de 1950, além de muitos pleitos municipais isolados
53
.
Além da existência de eleições regulares, o pluripartidarismo também foi outro
aspecto que marcou este período. Neste momento o país assistia o nascimento de
partidos políticos nacionais, que se colocavam de forma a defender alguns
posicionamentos e interesses mais abrangentes da política brasileira,
diferentemente dos partidos políticos existentes na Primeira República, que atuavam
em torno dos interesses regionalistas. As instituições partidárias tornaram-se, assim,
canais que procuravam estreitar os laços entre os candidatos, que buscavam votos,
e os eleitores, que eram obrigados a votar. Os partidos possuíam desta forma, a
tarefa de promover a mobilização do eleitorado
54
.
De maneira genérica, pode-se afirmar que no momento em que o Brasil
trilhava o caminho da democracia foram criados cinco grandes partidos políticos com
caráter nacional: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Social Progressista
(PSP) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Originalmente, a UDN surgiu entre os segmentos sociais que se opunham ao
Estado Novo e tornou-se, desta forma, o principal partido de oposição a Getúlio
Vargas no jogo político partidário, que o novo regime sustentava. Compunham os
quadros políticos dessa agremiação partidária, principalmente, as antigas oligarquias
regionais, retiradas do poder pelo movimento realizado por Vargas em 1930, e os
industriais, nas localidades onde a indústria contava com largo desenvolvimento.
A inspiração buscada pela UDN repousou-se no Liberalismo, tendo-se, assim, “no
“golpismo”, na defesa do estado de exceção e na negação do princípio da
participação política às classes populares, importantes características de sua
atuação política, que marcaram a construção de uma imagem anti-popular e elitista
do partido”
55
.
53
POMAR, op.cit., p. 19.
54
CANDÊLO, op.cit., p. 538.
55
BARBOSA, op.cit., p. 89.
36
Agnaldo de Sousa Barbosa, baseado no estudo realizado por Maria Victória
Benevides
56
, acerca da UDN, afirma que, o liberalismo e o elitismo representavam
uma das principais características que compunham o perfil do partido. O liberalismo
anti-popular da UDN proporcionava-lhe uma imagem extremamente elitista.
Defendendo a supremacia política das elites, com a alegação da tese de que os
segmentos populares eram politicamente imaturos, contestava o resultado das urnas
e, consequentemente, apoiava o golpismo como forma de afastar do poder os
políticos que foram, segundo eles, erroneamente escolhidos pelas massas
despreparadas
57
.
o PTB, que em âmbito nacional foi o maior partido de oposição a UDN,
teve sua criação, de certa forma, relacionada com o desenvolvimento do PSD.
Diante das pressões pelo estabelecimento do regime democrático Vargas e os
teóricos do Estado Novo perceberam que a sobrevivência do regime estava
terminando e iniciaram, assim, o processo de transição política para a democracia.
Nesse cenário a comissão eleitoral estabeleceu que os partidos políticos deveriam
possuir caráter nacional, visto que, em virtude da “tradição regionalista da política
brasileira, as decisões sobre a questão partidária certamente tinham que passar pela
discussão das alternativas partidos regionais ou partidos nacionais”
58
, sendo que,
esta última foi adotada como melhor opção para reduzir os excessos do
regionalismo.
Entre os membros da comissão eleitoral nasceu, então, o projeto de criação
de um partido político situacionista, formado a partir da antiga estrutura burocrática
do Estado Novo
59
. Desta forma, foi criado o PSD que congregava, principalmente, os
interventores estaduais do regime e membros da aristocracia rural, simticos à
situação política do pós-1930 e ao Estado Novo
60
.
No entanto, a partir do ano de 1942 o Estado Novo vinha realizando um
grande esforço na tentativa de criação do sindicalismo corporativo: a formação de
uma base política para o regime dentro da classe trabalhadora, a partir da
sindicalização e formação doutrinária. Quando as articulações políticas começaram
56
A obra da autora na qual Barbosa analisou: BENEVIDES, Maria Victória. A UDN e o udenismo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
57
BARBOSA, op.cit., p. 89, 90.
58
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005, p.
281.
59
Ibid., p. 281.
60
BARBOSA, op.cit., p. 69, 120.
37
a se realizar com o objetivo de criar o PSD, os trabalhadores e as lideranças
sindicais acabaram de fora do partido. Ainda que, a idéia inicial fosse criar um
partido com todas as forças políticas que apoiavam Vargas, as elites políticas, as
quais estavam no PSD não queriam transformar a agremiação em um partido de
massas, mesmo sendo os trabalhadores a principal base de sustentação do
regime
61
. Desta forma, para reunir as lideranças sindicais e os trabalhadores que
ficaram impedidos de incorporarem-se ao partido, foi criado o PTB.
Entre as décadas de 1940 e 1960, havia no Brasil a crença de que a
modernização do país passava pelo apoio do governo na implementação da
industrialização e na aplicação de políticas públicas, que promovesse a distribuição
dos benefícios que o Brasil vinha alcançando. Desta forma, Lucília de Almeida
Neves
62
aponta que naquela conjuntura ideais como, a esperança, reformismo,
distributivismo e nacionalismo estavam presentes na sociedade brasileira.
Portanto, entre
[...] os diferentes partidos e segmentos sociais que participaram da
construção de um projeto político e social orientado de forma geral por tais
objetivos, destaca-se o Partido Trabalhista Brasileiro, que, identificado com
tais proposições peculiares à conjuntura conformada pelos anos 40, 50 e
60, apresentou-se um projeto específico para o Brasil: o trabalhismo
brasileiro.
63
O PTB surgiu desta forma, juntamente com o PSD, e foi resultado da
frustração do projeto de criação de um único partido de massas e herdeiro do
Estado Novo. Para Ângela de Castro Gomes
64
, segundo uma entrevista de Alzira
Vargas do Amaral Peixoto, o PTB foi pensado, pelos políticos e burocratas, com o
objetivo de
[...] funcionar como um contrapeso à força crescente e surpreendente do
Partido Comunista. Certamente o PTB foi criado como a melhor opção
partidária para o trabalhador brasileiro. Nesse sentido, era uma cunha entre
a classe trabalhadora e o comunismo, mas não um partido cujo móvel e o
sentido fossem o anticomunismo
65
.
O PTB foi formado com a intenção de canalizar a participação política dos
trabalhadores, de forma que esta proporcionasse a sustentação do governo já
dentro do regime de instituições democráticas. Relacionando a política sindical e a
61
GOMES, op.cit., p. 281.
62
NEVES, Lucília de Almeida. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimento: um projeto para o
Brasil (1945-1964) In Ferreira, Jorge. (Org.). O Populismo e sua história: debate e crítica. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 172. (grifo do autor).
63
Ibid., p. 172-173.
64
GOMES, op.cit., p.282.
65
Ibid., p. 282.
38
política eleitoral, os arquitetos do PTB tinham como objetivo central transformar o
partido em instrumento de prosseguimento do projeto trabalhista, que vinha sendo
colocado em prática desde a década de 1930. No entanto, apesar de se caracterizar
como um partido de massas e com um projeto de país específico, baseado na
proteção ao trabalhador, “organização” da cidadania e “interlocução do partido com
os trabalhadores”, neste momento inicial da democracia o partido não era concebido
como espaço direto de participação política dos trabalhadores. Organizado para ser
“[...] um partido não dos trabalhadores, mas para os trabalhadores”, o PTB seria o
espaço de luta dos interesses trabalhistas, mas pela atuação indireta dos
trabalhadores dentro dos sindicatos, pois, naquele momento, o partido buscava
estender sua influência sobre as instituições sindicais
66
.
o PSP foi formado a partir da composição política criada por Adhemar de
Barros, quando este foi indicado por Getúlio Vargas como interventor do Estado de
São Paulo. A intenção de Vargas ao nomear Adhemar de Barros para interventoria
paulista, repousava-se no objetivo de que este deveria enfraquecer o poder das
oligarquias rurais do Estado, as quais pertenciam ao antigo Partido Republicano
Paulista (PRP). Barros começou, então, a substituir as antigas lideranças ligadas a
aristocracia rural do interior paulista por novos políticos que não possuíam ligação
com o PRP. No entanto, Adhemar de Barros aproveitou o sucesso de sua trajetória
política em São Paulo e fundou o PSP. O partido se tornou, deste modo, a base para
o nascimento do adhemarismo e a principal força política no Estado de São Paulo
67
.
Por fim, o último grande partido formado no contexto de democratização do
Brasil no pós-guerra, que será aqui relatado, foi o PCB, muito embora sua trajetória
já houvesse marcado o contexto político brasileiro, antes mesmo da formação do
Estado Novo.
O PCB foi inicialmente fundado no ano de 1922, mas sua aproximação com o
líder tenentista Luís Carlos Prestes, que, por meio de sua personalidade, forneceu
durante décadas identidade ao partido iria acontecer somente em 1934. Prestes e
seus companheiros trouxeram ao partido ideais nacionalistas e anti-nazistas, mas
não possuíam qualquer afinidade com as causas trabalhistas e operárias. O partido
não encontrava nenhum empecilho legal, que impedisse o seu funcionamento até o
66
NEVES, op.cit., p. 176, 180, 183.
67
BARBOSA, op.cit., p. 110. A análise do autor sobre o PSP e o surgimento da força política do
adhemarismo em São Paulo foi pautada a partir da interpretação de Regina Sampaio. SAMPAIO,
Regina. Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global, 1982.
39
ano de 1935, quando o governo passou a persegui-lo em represália ao levante
armado organizado pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) – formada por membros
do PCB era “[...] uma frente democrática de massas, de programa antifascista,
nacionalista e antilatifundiário radical [...]”
68
.
A partir deste momento, o PCB passou a ser perseguido e funcionou na
ilegalidade até o ano de 1945, quando a institucionalização da democracia permitiu o
retorno dos partidos políticos, dentre eles o PCB obteve registro para o livre
funcionamento.
No entanto, a atuação livre do PCB não permaneceu por muito tempo. O
partido, operando na legalidade, começou a contar com grande apoio popular, o que
acabava se refletindo nos resultados eleitorais, que o PCB obtinha expressiva
votação. Então “Essa potência eleitoral apavorou as classes dominantes, fazendo-as
acelerar as manobras anticomunistas
69
”, e em 1947 o registro eleitoral do PCB foi
cassado. Voltou a atuar na clandestinidade por todo o período democrático, sofrendo
severa repressão, que se estendeu pelos anos do Regime Militar. Obteve a
possibilidade de retornar a legalidade somente com o restabelecimento do regime
democrático na década de 1980 e a Constituição de 1988.
A situação e a atuação política do PCB podem revelar algumas características
do Regime Democrático do pós-Estado Novo e, sobretudo, as condições políticas do
país durante o Governo de Eurico Gaspar Dultra, primeiro presidente eleito neste
período. Neste momento, apesar da existência de eleições regulares os mecanismos
de controle do Estado estiveram presentes coexistindo com direito de voto
70
.
De acordo com Pedro Estevam da Rocha Pomar, o Governo Dultra, que
adotou o Liberalismo, tanto econômico, quanto político como norteador da ação do
Estado, procurou, de forma autoritária, regular a liberdade individual com o objetivo
de impedir qualquer movimento ou manifestações de grandes proporções das
massas. Desta forma, a pedido da burguesia industrial, a ação operária foi
drasticamente reprimida, quando o governo proibiu o direito de greve e determinou a
punição rigorosa daqueles que às praticassem
71
.
68
POMAR op.cit., p. 35
69
Ibid., p. 36, 37.
70
Ibid., p. 21.
71
Ibid., p. 21.
40
Depois do ano de 1945 o PCB marcou presença no interior dos sindicatos,
contanto com larga influência entre o movimento operário
72
. Diante da política
econômica do Governo Dultra, que favorecia a concentração de renda o PCB vinha
se tornando uma alternativa política aos trabalhadores, que assistiam suas
condições de vida piorar em “[...] uma situação de crescente empobrecimento,
agravada pelo racionamento de produtos alimentícios”
73
. Assim, o PCB que
representava uma alternativa política aos trabalhadores, teve seu registro eleitoral
cassado, passando seus membros a atuar na clandestinidade, que juntamente com
trabalhadores grevistas, sofriam severas punições.
Como destacam Michel Hall e Marco Aurélio Garcia, mesmo com os apelos
contrários de várias lideranças do PCB, líderes sindicais ligados ao partido
participavam de greves, colocando a agremiação em uma situação delicada. Mesmo
com a proibição das greves, membros do PCB foram acusados de promover
sabotagem contra a unidade nacional”, na medida em que, patrocinavam greves e
movimentos de protesto
74
. Desta forma, a situação do movimento operário,
conjuntamente ao tratamento dispensado ao PCB neste momento, demonstra o
caráter que a democratização obtinha, pois, de acordo com os autores
[…] it did not take long for the limits of Brazil’s postwar redemocratization to
become visible. As in various countries of Europe and Spanish America, the
winds of the Cold War reached Brazil and carried off the fragile national
unity. As the economy adjusted to postwar trade conditions and as the rural-
urban migration enlarged the labor pool, competition for jobs increased while
living conditions deteriorated, provoking a steady increase in the number of
strikes. The Dultra government responded with a wave of interventions in
143 unions (of a total of 944). And it moved against the Communist Party by
lifting its legal registration and removing its deputies from Congress in 1947
and 1948.
75
Contudo, o presente cenário proporcionou a volta de Vargas à Presidência da
República em 1950
.
Foi eleito em uma aliança política com o PSP de Adhemar de
Barros, defendendo o desenvolvimento econômico e a proteção ao trabalhador. Com
um projeto de características nacionalistas, Vargas promoveu uma política
intervencionista, na qual o Estado atuava na regulamentação dos interesses
estrangeiros. Com a intervenção direta do Estado nos setores estratégicos da
72
AGGIO, Alberto; BARBOSA; Agnaldo de Sousa; COELHO, Hercídia Mara Facuri. Política e
sociedade no Brasil (1930-1964). São Paulo: Annablume, p. 53.
73
POMAR, op.cit., p. 37.
74
HALL, Michael M., Garcia, Marco Aurélio. Urban Labor. In CONNIFF, Michael L.; MCCANN, Frank
D. Modern Brazil: Elites and Masses in Historical Perspective. Lincon: University of Nebraska Press,
1989, p. 176.
75
Ibid., p. 176.
41
economia como energia, siderurgia e comunicações, o objetivo central, naquele
momento, era a defesa dos interesses nacionais. No entanto, setores liberais
ligados, principalmente, a UDN eram contrários ao projeto nacionalista de Vargas e
defendiam a livre iniciativa, o não intervencionismo estatal e a abertura da economia
brasileira ao capital estrangeiro para investimentos
76
.
O Segundo Governo de Vargas transcorreu, desta forma, com a oposição
intensa da UDN, mas com a adesão da classe trabalhadora, que mesmo apoiando o
ex-ditador se manteve independente
77
. De acordo com Antonio Luigi Negro e
Fernando Teixeira da Silva
78
, Vargas procurou retomar o projeto trabalhista, reforçar
seu carisma, exaltar a lei trabalhista e convocar a participação do trabalhador aliado
ao Estado, na promoção do desenvolvimento econômico. Neste contexto, o
Ministério do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC) teve atuação decisiva, não
somente em questões referentes à legislação e aos sindicatos, mas em “[...]
programas de habitação popular, controle de preços, distribuição de cestas básicas
e empresas de seguridade privadas, previdência social e planejamento do bem-estar
social
79
”.
No entanto, no início da década de 1950, o cenário econômico brasileiro era
de crise e além da oposição dos setores udenistas, Vargas foi alvo dos protestos
dos trabalhadores, que se mantiveram independentes e sofriam com os baixos
salários e o aumento da inflação
80
.
Com o número crescente de greves, João Goulart
é indicado para o Ministério do Trabalho, com o objetivo de apaziguar os
trabalhadores aproximando-os do governo. No entanto, a nomeação de João Goulart
levantou o descontentamento da classe média devido às ligações do novo ministro
com os meios sindicais
81
.
Em seu novo posto Goulart procurou reorganizar o PTB, aproximando-o dos
sindicatos e abriu diversos canais de negociação com os trabalhadores. Instituiu um
novo estilo de trabalho no Ministério buscando uma constante negociação com os
trabalhadores para impedir os avanços das ações grevistas
82
.
76
AGGIO; BARBOSA, COELHO; op.cit., p. 55-56.
77
NEGRO; SILVA, op.cit., p. 65.
78
.Ibid., p. 62-63.
79
Ibid., p. 62.
80
Ibid., 65.
81
AGGIO; BARBOSA; COELHO, op.cit., p. 57-58.
82
FERREIRA, op.cit., p. 102-106.
42
O setor patronal e a elite brasileira estavam receosos quando a questão era o
aumento do salário mínimo: especulava-se que, João Goulart concederia um
aumento no salário mínimo na ordem de cem por cento, o que causou diversas
pressões sobre Vargas pela demissão do ministro. Vargas acabou demitindo
Goulart, mas concedeu o aumento de cem por cento nos salários, proporcionando o
aumento da oposição sobre seu governo
83
.
Por fim, o Segundo Governo Vargas transcorreu em um cenário de muita
oposição e de diversas pressões, até que em 1954 Vargas encontra no suicídio a
solução para a crise de legitimidade de seu governo, na qual os políticos da
oposição exigiam constantemente sua renúncia.
Em 1955, pouco mais de um ano após o suicídio de Vargas, Juscelino
Kubitschek foi eleito presidente em uma aliança entre o PSD e o PTB, sendo João
Goulart tamm eleito vice-presidente. Portanto, iniciava-se com o pleito de 1955 o
governo de sucessão de Vargas.
No entanto, Kubitschek se elegeu com 36 por cento dos votos e a oposição
afirmou que ele não obtivera a maioria absoluta dos votos e queriam, desta forma,
impedir a sua posse. Neste contexto, sob forte tensão, o então Ministro da Guerra, o
General Teixeira Lott, realizou uma mobilização militar com o objetivo de garantir a
posse dos eleitos. Depois de vários golpes e contragolpes, presidente e vice-
presidente foram empossados com o país atravessando o estado de sítio
84
.
Durante as eleições presidenciais a maior parte da imprensa ligada à UDN, se
opôs a candidatura Kubitschek Goulart e viram-se frustrados com o resultado do
pleito. Mesmo com o final das eleições políticos oposicionistas, destacando-se
Carlos Lacerda, utilizaram dos meios de comunicação para impedir a posse dos
eleitos até no momento do contra-golpe e da decretação do estado de tio. Neste
momento a imprensa, principalmente escrita, foi a mais atingida pela censura,
estendendo-se, posteriormente, ao rádio e à televisão
85
.
Contudo, as restrições à imprensa e o caráter da democracia no Governo de
Juscelino Kubitschek ficariam evidentes a partir do ano de 1956, quando o executivo
procurou regulamentar a atividade da imprensa. O presidente “[...] ressaltava a
83
AGGIO; BARBOSA; COELHO, op.cit., p. 58.
84
Ibid., p. 60,61.
85
BIROLI, Flávia. Liberdade de Imprensa: margens e definições para a democracia durante o
governo de Juscelino Kubtschek [sic] (1956-1960). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24,
n. 47, p. 213-240, 2004, p. 219-220.
43
necessidade de atualização dos direitos e deveres da imprensa diante dos novos
tempos e das alegadas deficiências da lei anterior [...]”, no entanto, o objetivo
também era conter as “[...] críticas por parte da imprensa e da oposição [...]
86
”.
Os meios de comunicação afirmavam que, ação governamental contra a
liberdade de imprensa restringia a democracia, pois, a primeira era a condição para
existência da segunda. Já o governo garantia que pretendia conter somente a
imprensa má, que buscava a desordem e a subversão, e que não pretendia restringir
a liberdade de imprensa dos meios de comunicação, os quais não procuravam
abalar a ordem pública
87
.
Mesmo com essa tensa relação com a imprensa, Kubitschek chegou ao poder
e procurou emprestar legitimidade ao seu governo, buscando atender os diversos
interesses dos mais variados setores da sociedade brasileira. Com o abrandamento
da oposição, Kubitschek colocou em prática seu projeto de desenvolvimento
econômico. Conhecido como Nacional-desenvolvimentismo, o projeto
governamental conservou alguns aspectos presentes no nacionalismo de Vargas,
como, a forte atuação do Estado nos rumos da economia, combinado com a
abertura da economia à participação da iniciativa privada, inclusive do capital
internacional. Desta forma, com o apoio de variados setores da sociedade brasileira,
o governo investiu em setores essenciais da economia como energia, indústrias de
base, transporte, a construção de Brasília, alimentação e educação que,
combinados entre si proporcionaram, naquele momento, um acentuado
desenvolvimento da economia
88
.
No entanto, no final do governo de Juscelino Kubitschek a economia
enfrentava dificuldades. A construção de Brasília levou ao sério endividamento
público, e o aumento da inflação elevava o custo de vida, provocando alteração
política e social. Com as novas eleições em 1960, uma nova figura carismática
estava surgindo no cenário político nacional. Juntamente com a eleição de Jânio
Quadros estava nascendo uma nova fase, que provocou diversos desequilíbrios na
democracia brasileira
89
.
86
BIROLI, op.cit., p. 221.
87
Ibid., p. 222.
88
AGGIO; BARBOSA; COELHO, op.cit., p. 61, 62.
89
Ibid., p. 63, 64.
44
1. 3 Cidadania aos trabalhadores.
Neste contexto de transformações provocadas pelo incremento urbano-
industrial, muitos trabalhadores deixaram o campo, e de trabalhadores rurais
passaram a atuar na indústria e no setor de serviços. Com o desenvolvimento do
regime político democrático, esses trabalhadores migrantes puderam se constituir
em uma classe que, pouco a pouco, foi adquirindo força dentro do cenário político
nacional. No entanto, de acordo com Fernando Teixeira da Silva e Hélio da Costa,
muitos estudos posteriores, procuraram reduzir em suas análises o campo de
atuação política dos trabalhadores, destacando uma restrição participativa, diante da
atuação do Estado e de outras classes sociais, que criariam “[...] estratégias de
cooptação de classe e [das] relações antidemocráticas entre lideranças e bases
operárias”
90
.
Dentro de uma visão diferente desta destaca acima, Ângela de Castro
Gomes
91
demonstrou que, a tentativa de intervenção do Estado na organização dos
trabalhadores no s-30 que, durante muito tempo foi associado ao projeto
autoritário, responsável pela restrição política dos segmentos populares, seguiu
dinâmicas próprias dentro de conjunturas específicas. Em 1934, quando o país
constitucionalizava-se novamente, foi assegurado o direito de pluralidade e
autonomia sindical, embora com a existência de diversas restrições e intervenções.
Este período se caracterizou, segundo a autora, pela radicalização e mobilização
das massas, o que levou a um endurecimento das posições com relação ao
movimento sindical e, consequentemente, alterando as relações entre o Estado e a
classe trabalhadora.
Contudo, a partir de 1942, sinais claros de democracia começaram a apontar
no cenário político internacional, o que diretamente influenciava o panorama da
política interna e, consequentemente, exigia uma nova estratégia política, em que
um rearranjo de forças permitisse a sustentação daqueles que se encontravam no
poder: a solução encontrada foi a construção do trabalhismo. A estratégia colocada
em prática pelas elites políticas do Estado Novo procurava combinar um programa
90
COSTA, Hélio. , SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores urbanos e populismo: um balanço
dos estudos recentes. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O Populismo e sua história: debate e crítica. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 221.
91
GOMES, op.cit., p. 175-178.
45
de sindicalização em massa dos trabalhadores com a divulgação e difusão de
propagandas a respeito da legislação social e trabalhista, colocada em prática no
país depois de 1930
92
.
Assim, iniciou-se uma ampla campanha de divulgação radiofônica, em que o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio procurava conscientizar o trabalhador
sobre a existência da legislação social, mobilizando-o em torno do ideal do “cidadão
trabalhador”: receber os benefícios sociais, representava o reconhecimento da
nação por sua atuação na construção da pátria, mas em compensação o trabalhador
deveria retribuir ao país com seu trabalho ordeiro e obediente. No entanto, isso não
acabou com a resistência e a luta dos trabalhadores por seus direitos
93
.
O contato com as leis trabalhistas aproximou o trabalhador do Poder
Judiciário, permitindo que este viesse a se apropriar da legislação para garantir os
direitos existentes e usá-los na luta por novas demandas, transformando [...] um
discurso sobre a ‘lei’ em arma contra os empregadores”, sendo a intervenção estatal
utilizada como espaço para a organização e mobilização dos trabalhadores.
94
.
Assim, para John French que, analisou a luta dos operários na região do ABC
paulista, os trabalhadores foram
[...] capazes de utilizar o Estado para avançar em sua luta contra o inimigo
imediato. Neste contexto, podemos considerar que a “legalização” do
movimento sindical, quaisquer que fossem os motivos de seus arquitetos,
teve um impacto favorável sobre o seu processo de organização
95
.
Procurando relativizar a interpretação que afirma a existência de um novo
pacto social, em que o trabalhador se submetia politicamente ao Estado
corporativista em troca da legislação trabalhista, Castro Gomes
96
afirma que, a
intervenção estatal no mercado de trabalho era desde a Primeira República uma
reivindicação dos trabalhadores, que não queriam ficar exclusivamente a merdas
determinações do patronato.
92
GOMES, op.cit., p. 186
93
Ibid., p. 212 e 225.
94
FRENCH, John D. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 67, 33.
95
Ibid., p. 82.
96
GOMES, op.cit. p. 179.
46
Jorge Ferreira
97
também procura demonstrar que o ano de 1930 surgiu como
um [...] divisor de águas nas relações entre Estado e classe trabalhadora”. Para o
autor, os trabalhadores identificavam na atuação do Estado pós-30 uma garantia
para as possibilidades de luta por direitos sociais e trabalhistas.
Fernando Teixeira e Hélio da Costa
98
afirmam que, a legislação sindical e
trabalhista, como uma “via de mão dupla”, favoreceu a organização dos
trabalhadores, não limitou as oportunidades de ação operária e ao mesmo tempo
representava um [...] instrumento para mitigar o poder patronal sobre seus
empregados, o que de fato implicou o fortalecimento da organização dos
trabalhadores”.
Desta forma, segundo os autores,
[...] a CLT foi um poderoso substrato dos conflitos a partir do qual demandas
por justiça e a existência de injustas condições de trabalho combinavam-se
para criar uma poderosa “consciência legal”, ou seja, como os trabalhadores
pensavam a lei e como suas idéias se transformavam ao interagirem com
ela. [...] [A] CLT foi um instrumento utilizado pelos operários para
estruturarem suas exigências de justiça. Emergiu, assim, a noção de que as
relações de trabalho podiam ser reguladas por parâmetros publicamente
definidos
99
.
Desta forma, tanto a CLT como a Justiça do Trabalho permitiu que o
trabalhador pudesse realizar um constante exercício de desenvolvimento de sua
cultura jurídica. Quando o trabalhador procurava individualmente a Justiça,
respaldado pela CLT, ele aos poucos transformava sua “consciência legal”
100
.
Ainda que, os benefícios garantidos pela CLT estivessem restritos somente
aos trabalhadores que compunham o quadro dos sindicatos oficiais, o fato dos
direitos estarem garantidos pela lei, levou muitas lideranças trabalhistas
independentes para os sindicatos legais, para depois atuarem dentro dele. Mesmo
usufruindo dos benefícios presentes na legislação, os trabalhadores continuavam
resistindo, eliminando, desta forma, a possibilidade de benefícios serem trocados
por obediência política
101
.
97
FERREIRA, op.cit., p. 56.
98
COSTA, Hélio, SILVA, op.cit., p. 231-232.
99
Ibid., p. 233.
100
FRENCH, op.cit., p. 68.
101
GOMES, op.cit., 179-180.
47
Tal proposição pode ainda ser reforçada a partir de uma evidência
desenvolvida por John French
102
, de que os direitos trabalhistas previstos pela CLT
não teriam sido criados pelas elites políticas com a intenção real de serem
colocados inteiramente em prática. Para o autor, a retórica jurídica garantia a
existência dos direitos trabalhistas, mas a ineficncia da burocracia existente tanto
no Ministério, quanto na Justiça do Trabalho, não permitia que os direitos
assegurados legalmente chegassem à prática ao cotidiano dos trabalhadores.
Portanto, tal argumento pode demonstrar que, se os direitos foram
assegurados, mas a lei não possuía os mecanismos necessários para que a
legislação fosse integralmente cumprida pelo patronato, os trabalhadores buscaram
garantir sua integral aplicação por meio de ações na justiça o que estimulava sua
atuação e, ao mesmo tempo, vai à contra mão da tese de passividade política dos
trabalhadores.
Assim, para Fernando Teixeira a
Ordenação jurídica da sociedade e a ordenação do trabalho não foram
meras amarras diluidoras de sua ação, mas um elemento formador de sua
cultura e experiências que ameaçavam romper e ultrapassar a lógica de
interdependência entre governo e trabalhadores
103
.
Para John French, a CLT alterou a cultura política dos trabalhadores
104
.
Segundo o autor, no momento de criação da legislação trabalhista, foram grandes os
obstáculos que impediam sua aplicação de maneira prática, como a falta de
estrutura do Ministério do Trabalho que, impedia uma fiscalização rigorosa e a
ineficiência da Justiça do Trabalho, não contribuía para a reversão das demandas
trabalhistas em benefício para os trabalhadores. Desta forma, o autor destaca que a
CLT investiu um caráter público às demandas dos trabalhadores, na medida em que,
eram incorporadas à legislação, não ficando apenas no âmbito da pessoalidade. No
102
FRENCH, op.cit. Neste trabalho o autor defende a tese da existência de uma distância
considerável entre as leis trabalhistas e a realidade de sua aplicação, ou seja, entre o legal e o real.
Segundo John French, existia a omissão dos tribunais, o Ministério do Trabalho não conseguia impor
o cumprimento das leis e a fiscalização sobre o patronato era extremamente precária. No entanto, o
autor destaca que a luta dos trabalhadores, por reivindicação coletiva ou pelo caminho judicial, para
que a CLT fosse cumprida estimulou a formação de uma consciência jurídica na classe trabalhadora.
Rebatendo a tese da outorga e da aceitação passiva da CLT que afirma que, a legislação foi fruto de
um passado de lutas e reivindicações. Quando o trabalhador buscava colocar a lei em prática esta
mudaria seu caráter de outorga para o donio do direito legal estabelecido dentro da esfera pública,
sendo assim, diferenciado pela ausência da pessoalidade que caracterizaria a lei como outorga.
103
SILVA, Fernando Teixeira da. Direitos, política e trabalho no porto de Santos. In: FORTES,
Alexandre. et al Na luta por direitos: estudos recentes em História Social do Trabalho. Campinas:
Ed. Unicamp, 1999, p. 80.
104
Cf. FRENCH, op.cit.
48
entanto, a legislação, que era aplicada de forma ineficiente trouxe conhecimento dos
direitos trabalhistas entre a classe trabalhadora e para vê-la sendo aplicada
corretamente, insistia-se na Justiça do trabalho com ações individuais dos
trabalhadores contra seus patrões. Portanto, a CLT acabou se tornando uma arma,
tanto no incentivo dos trabalhadores na luta por direitos, pois era necessária a
constante reivindicação para ter sua aplicação garantida, quanto na formação da
cultura política com caráter reivindicativo, com o uso do Poder Judiciário na tentativa
de garantir direitos, ou seja, contribuía com a formação de sua cultura jurídica.
No entanto, a formação da cultura jurídica construída pela classe trabalhadora
pode ser observada pelo ponto de vista da circularidade entre as concepções de
direitos e práticas informais de cidadania que os segmentos populares possuíam,
muitas vezes alicerçadas em seus costumes e cotidiano, e a esfera institucional da
legislação vigente. De tal modo, é possível entender a formação da cultura jurídica e
a consciência legal dos trabalhadores a partir do conceito de Circularidade Cultural
desenvolvido por Carlo Ginzburg.
Segundo Ginzburg, o conceito de cultura popular pode ser definido como, “[...]
o conjunto de atitudes, crenças e códigos de comportamento próprios das classes
subalternas num certo período histórico [...]”
105
. Ronaldo Vainfas enfatiza que, de
acordo com Ginzburg, a cultura popular também “[...] se define antes de tudo pela
sua oposição à cultura letrada ou oficial das classes dominantes [...]”
106
. No entanto,
essa cultura associada às classes subalternas, quando entra em contato com a
cultura erudita, filtra algumas noções da cultura das classes dominantes “[...] de
acordo com seus próprios valores e condições de vida”
107
.
Na prática, essa teorização tenta demonstrar que os trabalhadores possuem
um código de conduta e concepções próprias de direitos fundamentados no
costume, e muitas vezes divergentes das formalidades da legislação. A formação da
cultura jurídica dos trabalhadores brasileiros durante e após o Estado Novo, pode
ser analisada a partir da inter-relação entre as concepções informais de direitos que
os trabalhadores possuíam no momento em que entravam em contato com o
universo da legislação social e trabalhista.
105
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 12
106
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion,
______. Domínios da história. Rio de janeiro: Câmpus, 1997, p. Ibid., p. 152.
107
Ibid., p. 152.
49
O contato com a CLT, largamente difundida pelas transmissões radiofônicas
realizadas pelo Ministério do Trabalho, e a luta por sua aplicação, possibilitou ao
trabalhador recorrer ao Poder Judiciário como forma de garantir direitos já existentes
ou reivindicar novos benefícios. Desta forma, lio da Costa e Fernando Teixeira da
Silva baseados em estudos de John French e Maria Célia Paoli afirmaram que, “[...]
a existência de injustas condições de trabalho combinavam-se para criar uma
poderosa ‘consciência legal’, ou seja, como os trabalhadores pensavam a lei e como
as suas idéias se interagiam com ela
108
.
Ao despertar sua “consciência legal” em questões referentes ao mundo do
trabalho ou nas demais esferas que envolvesse seu cotidiano, os trabalhadores
procurariam filtrar algumas noções da cultura formal e erudita presentes na
legislação, que somadas a sua própria cultura, permitia a formação de uma cultura
jurídica de caráter híbrido. Assim, o trabalhador procurava imprimir na legislação
formal valores e concepções informais de direito que viessem suprir suas reais
necessidades.
Quando utilizavam o Poder Judiciário na tentativa de salvaguardar direitos, os
trabalhadores procuravam as instituições oficiais portando uma “consciência legal”
formada por concepções informais de direito presentes em sua própria cultura
associada às noções jurídicas presentes na legislação, que foram filtradas de acordo
com suas necessidades. Ao buscar o Poder Público, os trabalhadores estavam
procurando que este endossasse sua cultura jurídica, ou seja, a maneira como eles
compreendiam as leis. Portanto, a respeito da apropriação que os trabalhadores
procuram fazer da lei, Hélio da Costa e Fernando Teixeira destacaram que
[...] injustiças difíceis de serem expressas em linguagem jurídica pelos
trabalhadores encontravam na lei e nos ‘profissionais da lei’ algo passível
de ser legalmente nomeado [...] Impostas ‘de cima’, [as leis] foram
apropriadas pelos ‘de baixo’, tomando rumos eventualmente inesperados e
divergentes do planejado
109
.
Assim, nesse contexto de formação da consciência legal dos trabalhadores e
diante do declínio do Estado Novo, as elites políticas nacionais procuraram uma
saída alternativa para o autoritarismo com a construção do sindicalismo de caráter
corporativo, que marcaria a organização dos trabalhadores durante todo o período
108
COSTA, Hélio, SILVA, op.cit., 233.
109
Ibid., p. 234.
50
que antecedeu o surgimento do novo sindicalismo no Brasil
110
. O corporativismo
tinha como objetivo realizar a inclusão econômica e social, e não política do
trabalhador por meio de sua adesão ao sindicato que, atrelado ao Estado permitia
ao trabalhador desfrutar dos benefícios presentes na legislação social e
trabalhista
111
. Portanto, diante da herança de um Estado expressivamente
interventor, na qual a autoridade presidencial confundia-se largamente com a
autoridade estatal, foi possível criar e executar o projeto que defendia a “democracia
social”: a representação do trabalhador estaria centrada nos interesses de classe,
respaldada pelos sindicatos oficiais, atrelados ao Estado, e não pelas vias da
democracia partidária
112
. Desta forma, a
[...] base do modelo era a ampliação da participação do “povo”, organizado
em associações profissionais, os sindicatos, que respondiam ao problema
da segura incorporação de novos atores à esfera pública o que era inviável
segundo as práticas liberais. [... No entanto,] tais associações precisavam
ser reconhecidas legalmente pelo Estado, para que então exercessem
funções efetivas de canalização e vocalização dos interesses de um
determinado grupo social.
113
De acordo com Ângela de Castro Gomes
114
, o trabalhador integrado ao
sindicato e mantendo uma relação direta com o chefe do executivo, sem a
intermediação de chefes ou partidos políticos, acabou se inserindo no cenário
político nacional. Os trabalhadores perceberam, desta forma, que diferentemente da
Primeira República, poderiam estabelecer uma via de comunicação com o Estado
por meio dos arranjos proporcionados pelo corporativismo sindical.
Mesmo que, os objetivos do corporativismo fossem realizar somente a
incorporação social e econômica dos trabalhadores, com o desenvolvimento da
democracia a classe trabalhadora tinha a percepção de que no governo Vargas
acabou politicamente reconhecida, o se tratando “[...] apenas de uma lógica
utilitarista, com troca de benefícios sociais por obediência e subordinação política”
115
.
110
Entende-se por Novo Sindicalismo o movimento que surgiu dentro dos sindicatos a partir do ano
de 1968, em pleno Regime Militar, com a intenção de alterar as relações estabelecidas entre o
Estado e as instituições sindicais, até então definidas pelos padrões do Sindicalismo Corporativo.
HALL, Michael M., Garcia, Marco Aurélio. Urban Labor. In CONNIFF, Michael L.; MCCANN, Frank D.
Modern Brazil: Elites and Masses in Historical Perspective. Lincon: University of Nebraska Press,
1989, p. 181-184.
111
GOMES, op.cit., p. 255-259.
112
Id., A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o privado. In:
SCHWARCZ, Lilia Mortz. História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 4, p. 514-518.
113
Ibid., p. 518-519.
114
Ibid., p. 522-525.
115
FERREIRA, p. 56, 59.
51
Percebendo as vantagens do sistema corporativista, temiam que sua eliminação
pudesse traduzir em real “[...] ameaça à manutenção dos direitos sociais adquiridos,
ainda que vissem, claramente, a distância que os separava dos ‘empregadores’ e o
enorme poder do Estado”
116
. Assim, segundo a autora,
Não havia, nesse sentido, mera submiso ou perda de identidade. Havia
um pacto, isto é, uma troca orientada por uma lógica que combinava os
ganhos materiais com os ganhos simbólicos da reciprocidade, sendo que
era essa segunda dimensão que funcionava como instrumento integrador
de todo o pacto.
117
.
Desta forma, o Estado pós-1930 iniciou um processo de valorização da figura
do trabalhador nacional, incorporando suas demandas e tradições culturais ao
discurso oficial, ao mesmo tempo em que trabalhava na construção da figura de
Vargas como chefe político, mantinha contato direto com a massa trabalhadora,
buscando seu bem-estar. Este processo se intensificou durante o Estado Novo,
permitindo a construção do sindicalismo corporativo que, buscava incluir o
trabalhador na vida econômica nacional, sem que isso significasse sua inclusão
política
118
.
No entanto, a partir de 1945, com o desenvolvimento das instituições
democráticas no país, sobretudo os partidos políticos, iniciou-se uma articulação
entre trabalhismo e corporativismo que resultou na transformação do trabalhador em
ator político de grande relevância
119
. Analisando a participação política dos
trabalhadores no momento da transição democrática, Jorge Ferreira destaca, “[...]
que a atuação e a intervenção dos trabalhadores, determinados e com vontade
política, impediram que a transição à democracia ficasse restrita a uma negociação,
pactuada pelo alto, entre as elites
120
.
Um dos primeiros eventos, que marcou a manifestação política dos
trabalhadores a partir de 1945, foi a campanha queremista: aclamação popular
com pedidos de “queremos Getúlio” ou “queremos Constituinte com Getúlio”.
O movimento queremista, isto é, o movimento de “querer” a permanência de
Vargas, primeiro como candidato à Presidência e, em seguida, como
116
GOMES, op.cit., p. 522.
117
Id., A Invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005, p. 180.
118
Ibid., p. 300-302.
119
Ibid., p.261.
120
FERREIRA, op.cit., p. 25.
52
condutor dos trabalhos constituintes previstos pata 1946, levou multidões às
ruas e surpreendeu as oposições reunidas no combate ao ditador.
121
Neste contexto, Jorge Ferreira
122
destaca que existe uma questão
fundamental, cuja compreensão se faz necessária: por que e para quê os
trabalhadores queriam a permanência de Vargas no poder e na condução dos
trabalhos constituintes?
Segundo o autor, as leis trabalhistas e a legislação social repercutiram de
maneira positiva entre os trabalhadores, que viam em Vargas uma garantia de
permanência dos direitos conquistados entre 1930 e 1945. Para os trabalhadores, a
permanência do ex-ditador representava uma garantia de manutenção da cidadania
social. Usaram desta forma, as prerrogativas existentes naquele momento de
democratização para eleger Getúlio Vargas como, seu representante visando à
consolidação de um regime democrático que pudesse, ao mesmo tempo, sustentar
os direitos sociais já alcançados. Os trabalhadores, ao priorizarem a permanência de
Getúlio à frente dos trabalhos da Constituinte, faziam uma escolha política que
viesse assegurar seus interesses.
123
No entanto, podemos destacar outro evento que permite entender a
manifestação política da massa trabalhadora durante os anos da experiência
democrática: as manifestações populares que marcaram o suicídio e o velório de
Vargas em agosto de 1954. Assim,
[...] quando Getúlio se suicida, em 1954, sua popularidade explode em raiva
e desespero popular, invertendo mais uma vez os rumos políticos traçados
e considerados certos por seus opositores. Na ocasião, o povo volta a sair
ás ruas, chora e ataca os “inimigos” do presidente, enterrando-o em seus
braços mas mantendo-o vivo na memória, como, aliás, ele havia
desejado.
124
Desta forma, a iniciativa popular diante do suicídio promoveu a desarticulação
das iniciativas golpistas da oposição que, pretendia, com o auxílio de algumas alas
das Forças Armadas, tomar o poder, destituindo Vargas da Presidência da
República. A entrada do povo em cena com a atuação direta dos trabalhadores
121
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o
público e o privado. História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 489-558, v. 4, p. 529-530.
122
FERREIRA, op.cit., p. 54.
123
Ibid., p. 23-69.
124
GOMES, op.cit., p. 531-532.
53
definiu o rumo político da nação, impedindo que a direita realizasse o golpe que
estava em curso nos dias que antecederam ao suicídio de Vargas
125
.
Portanto, as manifestações populares que marcaram o mês de agosto de
1954 demonstraram que, a atuação política da classe trabalhadora muitas vezes não
se restringiu aos canais tradicionais ou aos meios convencionais de atuação, como o
direito de voto ou a atuação na imprensa. Outros canais de participação direta e
informal foram usados pelos trabalhadores na tentativa de promover a participação
política, e neste caso às manifestações de rua tornaram-se a forma que a população
utilizou para pressionar as elites políticas nacionais
126
.
Mesmo no município de Franca, a atuação popular ficou clara no momento da
morte de Getúlio Vargas. Alguns dias depois, o jornal local Diário da Tarde
127
noticiou
os desdobramentos locais que marcaram o suicídio do ex-ditador. Na edição do dia
vinte e sete de agosto de 1954 foi publicada a seguinte manchete:
Tributas Homenagens a Getulio Vargas em Franca: O Povo saiu à rua
aclamando o nome do querido Chefe desaparecido Pequenos incidentes
registrados Gritos de “fecha, fecha!” Cartazes e faixas dos candidatos
locais da UDN rasgados pela massa popular – Sessão Especial da Camara
Municipal de Franca Decretado Luto Oficial por 7 Dias pela Prefeitura
Municipal de Franca
128
.
Segundo o jornal, mais de dois mil operários foram às ruas em passeata para
homenagear o presidente, levando sua fotografia e a bandeira nacional e obrigando
que, os estabelecimentos comerciais e as indústrias encerrassem suas atividades
em respeito ao falecimento de Vargas. Ainda, houve o destaque para os protestos
dos trabalhadores contra os opositores do regime, pois, “[...] indignados com os
últimos acontecimentos revoltados, os operários rasgaram e queimaram faixas dos
candidatos locais da UDN, cartazes e dísticos
129
.
A reação popular diante ao suicídio, ainda rendeu outras homenagens ao ex-
presidente. Em reunião extraordinária realizada pela Câmara Municipal, o vereador
Benedito Maniglia apresentou um abaixo-assinado que solicitava a mudança do
nome da Avenida Rio Branco para Presidente Vargas, o que foi aprovado pela
125
FERREIRA, op.cit., p. 167, 203.
126
Ibid., p. 197.
127
O Jornal “Diário da Tarde” de Franca era de propriedade do jornalista José Chiachiri, que fora
adepto do governo varguista. Portanto, as impressões acerca da reação popular descrita neste
momento vão exaltar a personalidade de Vargas com o qualitativo “querido Chefe desaparecido”.
Mesmo assim, os desdobramentos da reação popular foram significativos do ponto de vista da
mobilização popular, que buscava as ruas como forma de canalizar sua expressão e vio política.
128
Tributas Homenagens a Getulio Vargas em Franca. Diário da Tarde, 27 ago.1954, p. 1.
129
Ibid., p. 1.
54
mara
130
.
Em 1955, um ano após o suicídio os trabalhadores, com o objetivo de
guardar a data em homenagem a Vargas, “[...] suspenderam seu trabalho. No
Curtume Progresso S. A., os operários, depois de avisar aos seus diretores,
deixaram de comparecer ao serviço”
131
.
Desta forma, a partir dos novos estudos sobre a democracia que existiu no
Brasil entre 1945 e 1964, é possível o descarte da tese de que os trabalhadores
formavam apenas uma massa de manobra nas mãos de alguns políticos
demagogos. Com o resgate das experiências dos trabalhadores, é possível observar
como esses sujeitos tentaram garantir a cidadania, a partir da relação de elementos
informais, presentes em suas concepções de direitos, associados às formalidades
presentes na legislação e, desta forma, acabavam [...] participaram ativamente da
política brasileira naquele período”
132
.
No entanto essa condição dos trabalhadores pôde ser percebida somente
com mudanças metodológicas durante o desenvolvimento das pesquisas. Quando
as investigações referentes à História do Trabalho deixaram de privilegiar contextos
de proporções estruturais para valorizar algumas experiências de caráter um pouco
mais específicas, foi possível o resgate das lutas e das participações da classe
trabalhadora. Neste caso, foi possível a observação das estratégias comumente
usadas pela classe trabalhadora na tentativa de adquirir e preservar os direitos
conquistados. Podendo, desta forma, caracterizar a presente conjuntura a partir da
organização e a participação dos trabalhadores, da democracia e da cidadania,
valorizando suas respectivas experiências.
130
Tributas Homenagens a Getulio Vargas em Franca, op.cit., p. 1.
131
Grandes Homenagens a Getúlio em Franca. Diário da Tarde, 25 ago. 1955, p. 1
132
FERREIRA, op.cit., p. 10-13.
CAPÍTULO 2 MORADIA E TRABALHADORES EM FRANCA.
56
É comum encontrar na Historiografia sobre as transformações urbanas no
Brasil, trabalhos que se dedicaram às transformações na paisagem urbana no
período que correspondeu à Revolta da Vacina no Rio de Janeiro e o seu ideal de
transformação, visando à melhoria das condições de saúde pública e o
embelezamento da cidade. Para São Paulo, tanto capital quanto interior, algumas
pesquisas enfatizaram as mudanças ocorridas no período de apogeu, provocado
pelo desenvolvimento econômico trazido pelo café, conhecido como a Belle Époque
paulista
1
.
Segundo Fransérgio Follis
2
, a cafeicultura e a ferrovia trouxeram diversas
mudanças para a cidade de Franca, visto que, a primeira providenciou recursos
financeiros, responsáveis pelos melhoramentos urbanísticos, e a segunda
proporcionou a integração e um melhor contato de Franca com diversas cidades e
outras regiões do país. O acelerado desenvolvimento e enriquecimento dos
cafeicultores os levaram abandonar suas residências no campo, e transferirem-se
para a região urbana com o objetivo de empreender uma ação mais efetiva junto às
instituições e decisões políticas. Assim, deixando o campo para residir na região
central da cidade de Franca, essa aristocracia passou a reclamar por
melhoramentos na infra-estrutura urbana.
As transformações urbanísticas realizadas em Franca ficaram, em um
primeiro momento, restritas aos novos bairros, cuja ocupação passou a ser alvo
constante da fiscalização municipal que, procurava impedir que novas áreas fossem
desordenadamente ocupadas. Com relação aos bairros existentes, cujo traçado,
formara-se ainda no período colonial e durante o Império, somente o centro da
cidade, o qual recebeu maior atenção e as mudanças ocorreram de forma
gradativa
3
.
Desta forma, de acordo com o autor no início do século XX,
[...] Franca, ao contrário das grandes cidades, não sofreu a intervenção de
nenhum plano de remodelação urbana, a modernização da cidade se
processou de forma gradativa, fruto da ação contínua da Câmara e
prefeitura que, por meio da confecção e ampliação das leis municipais, aos
poucos foram transformando a antiga vila do século XIX, marcada por uma
1
Entre os diversos trabalhos e estudos, a maioria concentrado em pesquisas de programas de Pós-
Graduação, destaca-se para a cidade de Franca o estudo de Fransérgio Follis, que procurou analisar
em sua dissertação de mestrado as transformações que o município sofreu em seu momento de auge
da cafeicultura, entre o final do século XIX e início do XX, conhecido como a Belle Époque. FOLLIS,
Fransérgio. Modernização urbana na belle époque paulista. São Paulo: Ed. Unesp, 2003.
2
Ibid., p. 33-37.
3
Ibid., p. 49-55.
57
feição ainda colonial, em uma cidade de características tipicamente
modernas
4
.
Com relação aos novos bairros, os “[...] administradores municipais
[procuraram] organizar racionalmente o crescimento urbano de Franca, a fim de
dotar a cidade de uma maior funcionalidade [...]”
5
. No entanto, com a formação
destes novos bairros o “[...] Poder Público municipal então começou a agir para
promover a interligação das ruas e construir vias mais largas e mais retas [...]”, com
o intuito de fornecer acessibilidade dos novos bairros ao centro da cidade
6
.
Portanto, o trabalho de Follis procurou enfocar a existência de um discurso
local, parecido com aqueles encontrados nas grandes cidades brasileiras, que
sustentavam e colocaram em prática, várias das transformações urbanas realizadas.
No entanto, o discurso modernizador e progressista que, procurou modificar o
cenário urbano de Franca, não se restringiu ao período da Belle Époque, mas
continuou a circular já na segunda metade do século XX, momento em que, a cidade
se transformava em virtude do desenvolvimento industrial, que a indústria, sobretudo
do calçado, vinha causando.
2.1 Urbanização e mercado imobiliário em Franca.
Questões que envolvem o processo de urbanização e problemas de
moradias, decorrentes desse processo são comuns quando o assunto envolve a
expansão das cidades, que geralmente ocorrem em contextos de transformações
econômicas. Sidney Chalhoub
7
afirma, a partir do trabalho de Lia de Aquino
Carvalho
8
, que o acelerado crescimento populacional no Rio de Janeiro nas últimas
décadas do século XIX, ocasionou problemas em relação à moradia na cidade.
Desta forma com as transformações da economia, ocorreu uma mudança
significativa nas funções estabelecidas para o urbano
9
. No caso do Rio de Janeiro a
valorização do urbano proporcionou a reorganização da cidade, de tal modo que,
4
FOLLIS, op.cit., p. 38.
5
Ibid., p. 52
6
Ibid., p. 52.
7
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle époque. Campinas: Ed. Unicamp, 2005, p. 134
8
CARVALHO, Lia de Aquino. Contribuição ao estudo das habitações populares, 1980. 90 f.
Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro. Apud CHALHOUB, Ibid.
9
PATARRA, Neide L. Dinâmica Populacional e Urbanização do Brasil: o Período Pós-30. In
CARDOSO, Fernando Henrique et al. História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. t. 3, p. 247-268.
58
abria espaço para a especulação imobiliária, a destruição dos cortiços, com o
desalojamento de diversos moradores dessas habitações populares e, finalmente, o
estímulo da indústria da construção civil proporcionou, ao setor imobiliário, um
aumento considerável na acumulação de capitais
10
.
Na presente situação, grande parte da população que vivia nas reges
centrais do Rio de Janeiro ainda convivia com o discurso higienizador das
autoridades, que atribuíam às suas condições de vida a responsabilidade pelas
graves epidemias existentes na cidade, e usando mais esse fator como justificativa
para demolir cortiços e construções humildes, expulsando seus moradores do centro
da cidade
11
.
No caso da cidade do Rio de Janeiro, a partir das considerações de Patarra
acerca das mudanças na condição das cidades brasileiras, com o advento da
industrialização, e com a ajuda do estudo de Lia de Aquino Carvalho sobre tais
transformações que a cidade sofreu a partir do final do século XIX e início do XX, é
possível perceber como as transformações econômicas trouxeram novas feições ao
urbano. No entanto, é necessária a observação que, tanto as transformações de
caráter econômico, assim como no panorama urbano provocadas pelos efeitos da
economia, trouxeram graves implicações sociais, sobretudo com a expulsão dos
moradores de suas respectivas residências.
Mesmo que, a bibliografia aponte a larga ocorrência desse processo nos
grandes centros urbanos brasileiros no início do culo XX, tais implicações
ocorreram em cidades menores do interior, que passaram pelos processos de
industrialização e urbanização por volta das décadas de 1940 e 1950. Como foi o
caso do município de Franca.
Com o desenvolvimento da indústria de calçados local, a cidade de Franca
como revela os dados do IBGE, aumentou expressivamente o número de habitantes,
que passavam a residir na região urbana da cidade. Como conseqüência dessa
situação, a cidade precisava se adequar ao constante contingente de trabalhadores
rurais que chegavam à cidade.
Desta forma, o mercado imobiliário recebeu o impacto desse inchaço
populacional, que refletiu diretamente nas condições de habitação da população, no
10
CHALHOUB, op.cit., p. 134-137
11
Id., Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial.o Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p.42
59
entanto, sendo, principalmente os trabalhadores, os quais buscavam as novas
possibilidades de empregos que o processo de industrialização criava, os mais
afetados por essa nova realidade.
Para entender a nova dinâmica trazida pela inserção de Franca ao contexto
urbano-industrial, é necessária a prévia percepção que tais alterações provocaram,
em primeiro lugar, a possibilidade da criação e incremento da atividade imobiliária e,
conseqüentemente, seu caráter especulativo, tanto no mercado de compra e venda
de imóveis, quanto na locação de prédios urbanos comerciais e residenciais.
Em segundo lugar, é necessário lembrar que, durante o processo de
consolidação de atividades industriais foi comum, a necessidade de acumulação de
capitais para o êxito dos estabelecimentos fabris, que colaborava com o
agravamento das condições sociais, sobretudo com difíceis condições de trabalho e
de sobrevivência dos trabalhadores, sendo tamm refletida na situação de suas
moradias.
Por fim, as transformações econômicas que acompanharam o município com
o desenvolvimento industrial, trouxeram as mesmas projeções de melhoramento das
condições das habitações com reformas, demolições e reconstruções, que
marcaram a cidade do Rio de Janeiro na passagem para o século XX, e as
principais cidades paulistas com o advento da riqueza trazida pelo café, durante o
período da Belle Époque.
Nesse sentido, os processos de despejo servem como indicadores para
mapear a presente situação. Entre os inquilinos que sofreram ações de despejo no
município de Franca e, que contestaram a ação judicial entre os anos de 1945 e
1960, foi possível a identificação de três grandes razões que levam os proprietários
a solicitar a desocupação do imóvel: em primeiro lugar os proprietários que
solicitavam o prédio para uso próprio num total de 49,79%, sendo esta causa mais
freqüente encontrada nos processos para despejo de inquilinos, superior até mesmo
as ações por inadimplência, que ficavam bem abaixo deste valor; em segundo lugar
estava a falta de pagamento dos alugueis, representando 25,76% do total e, por fim,
a alegação de necessidade do prédio para a realização de grande reforma ou
demolir o prédio para reconstruí-lo novamente, que representavam 12,44% das
ações de despejo. Conforme demonstram os seguintes quadros:
60
1945 1946 1947 1948
Motivos dos Despejos
. % .
%
.
%
.
%
Alterações no imóvel
Consignação em
pagamento
Descumprimento
contratual
Falta de contrato
Falta de pagamento 2 11,8 2 25 2 15,4
Justiça gratuita
Nova construção 2 15,4
Rescisão do emprego
Sublocação 1 12,5 2 15,4
Uso desvirtuado 1 10
Uso próprio 9 90 15 88,2 5 62,5 7 53,8
Quadro 1 Relação dos motivos relatados pelos proprietários para requererem o despejo de
seus inquilinos entre os anos de 1945 e 1948.
Fonte: Processos de despejo requeridos no Fórum de Franca. Arquivo Municipal de Franca “Capitão
Hipólito Antônio Pinheiro”.
1949 1950 1951 1952
Motivos dos Despejos
. % .
%
.
%
.
%
Alterações no imóvel 1 11,1
Consignação em
pagamento
Descumprimento
contratual
Falta de contrato
Falta de pagamento 1 11,2 3
33,35
5 35,7 4 30,9
Justiça gratuita
Nova construção 1 11,1 2 14,3 3 23
Rescisão do emprego 1 11,1 1 7,1
Sublocação 1 7,8
Uso desvirtuado
Uso próprio 8 88,8 3
33,3
5 6 42,9 5 38,4
Quadro 2 Relação dos motivos relatados pelos proprietários para requererem o despejo de
seus inquilinos entre os anos de 1949 e 1952.
Fonte: Processos de despejo requeridos no Fórum de Franca. Arquivo Municipal de Franca “Capitão
Hipólito Antônio Pinheiro”.
61
1953 1954 1955 1956
Motivos dos Despejos
. % .
%
.
%
.
%
Alterações no imóvel
Consignação em
pagamento
Descumprimento
contratual
1 10 1 8,3
Falta de contrato 1 8,3
Falta de pagamento 3 30 2 100 6 50 10 30,4
Justiça gratuita
Nova construção 1 10 5 15,1
Rescisão do emprego
Sublocação 2 16,7 1 3
Uso desvirtuado
Uso próprio 5 50 2 16,7 17 51,5
Quadro 3 Relação dos motivos relatados pelos proprietários para requererem o despejo de
seus inquilinos entre os anos de 1953 e 1956.
Fonte: Processos de despejo requeridos no Fórum de Franca. Arquivo Municipal de Franca “Capitão
Hipólito Antônio Pinheiro”.
1957 1958 1959 1960
Motivos dos Despejos
. % .
%
.
%
.
%
Alterações no imóvel
Descumprimento
contratual
Consignação em
pagamento
1 5,3 2 6,3
Falta de contrato 4 30,8
Falta de pagamento 6 31,6
9 28,1
5 26,3
Justiça gratuita 1 5,3
Nova construção 4 21 8 25 1 5,3 2 15,4
Rescisão do emprego
Sublocação 3 9,3 2 10,5
1 7,7
Uso desvirtuado
Uso próprio 7 36,8
10 31,3
11 57,9
6 46,1
Quadro 4 Relação dos motivos relatados pelos proprietários para requere o despejo de seus
inquilinos entre os anos de 1957 e 1960.
Fonte: Processos de despejo requeridos no Fórum de Franca. Arquivo Municipal de Franca “Capitão
Hipólito Antônio Pinheiro”.
62
É possível, desta forma, dividir o período que se estende do ano de 1945 a
1960 em três fases, sendo a primeira fase compreendida entre os anos de 1945 e
1950, quando os sinais da transição de uma economia rural baseada na atividade
cafeeira para a urbana-industrial, era sentida no município de Franca. A segunda
fase se localiza na primeira metade da década de 1950, pois neste momento o setor
industrial se despontava com uma posição importante no novo contexto
econômico local. Em terceiro, encontra-se o período que compreende a segunda
metade dos anos 50, pois a atividade couro-calçadista encontrava-se devidamente
estabelecida.
Assim, a partir destes quadros é possível perceber que na segunda metade
da década de 1940, os principais motivos apresentados pelos proprietários eram o
uso próprio do prédio, a falta de pagamento dos alugueis e a necessidade de
realização de uma nova construção para dotar o prédio de maior capacidade de
utilização.
Com relação à solicitação dos prédios para uso próprio, é comum encontrar-
se nas contestações dos inquilinos e em seus depoimentos, reclamações quanto à
quantidade de imóveis disponíveis no mercado imobiliário de alugueis. Também, é
significativa a presença de inquilinos que acusam os proprietários de requerer o
prédio para uso próprio e posteriormente contrair novas locações
12
, visto que, pela
quantidade de migrantes que a cidade recebia na cada de 1950 existia uma
defasagem na quantidade de imóveis disponíveis para aluguel.
Segundo dados fornecidos pelo IBGE
13
, no censo demográfico realizado em
1950, o município de Franca possuía 10.293 domicílios, distribuídos na região
urbana, rural e no subúrbio, sendo que, a população total de Franca era estimada
em 53.485 habitantes, portanto em média 5,19 habitantes por domicílio. no censo
de 1960, foi registrado um aumento 73,4 por cento da população, que aumentou de
53.985 em 1950, para 93.613 habitantes em 1960, e os domicílios registraram um
aumento de 11,45 por cento, passando de 10.293 no ano de 1950 para 11.472 em
1960. Portanto, em 1960 existiam em média 8,16 habitantes por domicílio na cidade
de Franca. Desta forma, é justificável a queixa dos inquilinos quanto à falta de
moradia e a especulação promovida pelos proprietários, na medida em que, a média
12
As reclamações de inquilinos quanto à especulação imobiliária serão discutidos no terceiro capítulo
deste trabalho.
13
IBGE. Censo Demográfico: Série Regional de são Paulo. Rio de Janeiro, 1954, v. 25, t. 1, p. 66,
243.
63
de habitantes por domicilio subiu de 5,19 em 1950, para 8,16 habitantes em 1960,
um aumento de 57,22 por cento.
O número de processos, que foram contestados e justificados por uso próprio
está presente no gráfico 1. Pelo constante depoimento dos inquilinos nota-se, a
presença de especulação imobiliária, promovida pelos proprietários, pois o número
de habitantes crescia em taxa superior ao aumento do mero de domicílios. Com o
aumento da procura superior ao aumento da oferta de imóveis, a prática
especulativa representava uma excelente oportunidade de ganhos para os
proprietários. No entanto, o aumento nos preços dos alugueis não poderiam subir
além das taxas estipuladas pela lei do inquilinato, tornando-se assim, o despejo em
instrumento de desocupação dos imóveis para posteriormente alugá-los por um
valor superior.
47
18
51
0
10
20
30
40
50
60
1945-1950 1951-1955 1956-1960
Períodos
Números de Processos
Uso Próprio
Gráfico 1 Relação dos processos de despejo por uso próprio
Em segundo lugar, havia os despejos por falta de pagamento. De acordo com
as leis do inquilinato de 1946 e 1950, o proprietário poderia requerer o despejo dos
inquilinos por falta de pagamento a partir do dia 10 (dez) do mês seguinte ao atraso,
portanto, de forma implacável o despejo poderia ser requerido até mesmo com
menos de trinta dias de atraso no pagamento.
O aumento nas ações de despejo justificadas pela falta de pagamento pode
ser explicado a partir das transformações econômicas em um novo contexto urbano-
64
industrial. A partir do estudo de José de Sousa Martins
14
, sobre a participação do
setor agrário nacional na formação do complexo industrial no Brasil, existem
algumas considerações a serem levantadas.
Em primeiro lugar, o autor afirma que, o processo de acumulação de capitais
promovido durante a industrialização trouxe sérias dificuldades para a composição
da renda familiar dos trabalhadores. Em função disso, para explicar o presente
processo, o autor inseriu em seu estudo alguns dados para ilustrar que, o sucesso
do processo de industrialização do Brasil foi obtido à custa de prejuízos causados ao
setor agrário, visto que, na distribuição dos gastos da renda das famílias operárias a
alimentação era a principal preocupação entre os trabalhadores.
No entanto, o autor coloca que a habitação representava o segundo maior
gasto das famílias operárias em um levantamento realizado pela Prefeitura de São
Paulo em 1951, consumindo um quarto da renda familiar
15
. Desta forma, diante dos
baixos salários, que o processo de industrialização impunha aos trabalhadores e da
especulação imobiliária, promovida neste período, era comum que o número de
ações de despejo por falta de pagamento tenha aumentado consideravelmente.
O gráfico 2, a seguir, demonstra a situação dos processos contestados e
justificados por falta de pagamento:
10
20
30
0
5
10
15
20
25
30
35
1945-1950 1951-1955 1956-1960
Períodos
Números de processos
Falta de pagamento
Gráfico 2 Relação dos processos de despejo por falta de pagamento.
14
MARTINS, José de Sousa. Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre as condições da
sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975.
15
MARTINS, op.cit., p. 8.
65
Pelos dados fornecidos no gráfico, o número de ações de despejo aumentou
de dez para vinte entre o primeiro e o segundo período, representado um aumento
de cem por cento. Já do segundo período para o terceiro o aumento foi de cinqüenta
por cento, passando de vinte para trinta processos.
No entanto, existia o terceiro motivo, que era a realização de uma nova
construção, que tamm foi largamente usado neste período. A modernização e a
projeção do discurso de modernidade, que foi amplamente difundido em Franca
desde os meados da cada de 1940
16
refletiram-se, no entanto, nas concepções
urbanísticas e nas ações práticas dos proprietários a partir da primeira metade da
década de 1950, e prosseguiu durante o restante dos anos 50.
Já, a partir da primeira metade da década de 1950, os processos em que os
proprietários alegam necessidade de reconstrução ou reformas nos prédios,
comaram a aparecer, como demonstram os dados presentes nos quadros dois e
três. Por fim, no ultimo quadro, percebe-se que na segunda metade dos anos 50, a
expansão dessa modalidade de despejo cresceu acentuadamente.
Assim o gráfico que segue, ilustra a situação dos inquilinos que foram alvos
de ações de despejo, cuja alegação dos proprietários era realização de reformas nos
imóveis ou demolições seguidas de novas construções nos três períodos acima
destacados.
3
6
20
0
5
10
15
20
25
1945-1950 1951-1955 1956-1960
Períodos
Número de processos
Nova Construção
Gráfico 3 Relação dos processos de despejo por nova construção
16
BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Política e modernização em Franca 1945-1964. Franca: FHDSS,
Unesp, 1998, p. 56
66
Quantitativamente o aumento no número de ações de despejo justificadas a
partir de alterações físicas nos imóveis, aumentou em uma escala de cem por cento
entre os dois primeiros períodos destacados (inicialmente 1945-1950 foram 3
processos, passando para 6 processos entre 1951 e 1955). No entanto, o aumento
para a terceira fase 1956-1960 girou em torno de 233 por cento, chegando à
marca de 20 processos.
No entanto, qualitativamente, esses processos podem fornecer elementos
importantes para se entender como as transformações urbanas alteraram as
percepções de estilo urbanístico e arquitetônico em uma localidade, que aspirava
possuir o status de uma cidade moderna.
67
2.2 Modernização e mercado imobiliário: o caso de Júlio Tomas de Mello.
No geral, quando um proprietário buscava despejar o inquilino que estava no
prédio alugado, usava a alegação da necessidade de realizar reformas substanciais
no imóvel, ele tinha por objetivo dotar a propriedade de maior capacidade física e
trazer melhoramentos em suas instalações. Neste caso, a situação do motorista
Júlio Tomas de Mello demonstra, os interesses do proprietário em transformar as
estruturas do imóvel composto de diversas irregularidades, transformando o imóvel
em uma construção de caráter moderno, com maior racionalidade e funcionalidade
17
.
Júlio Tomas de Mello, conjuntamente com sua família, alugou em 1948 uma
casa de propriedade de Jerônimo de Paula Barbosa, situada à Avenida Major
Nicácio, número duzentos e vinte e sete, no bairro Cidade Nova. Depois de habitar o
imóvel por sete anos, o proprietário iniciou diversas obras no prédio que, segundo o
inquilino, nem todas foram realizadas com o seu consentimento.
Consta no processo, pelas palavras do inquilino, que o proprietário “[...] tomou
cerca da metade do quintal do prédio locado, por via de um muro de tijolos que
construiu, diminuindo consideravelmente o uso e goso dêsse imóvel”
18
, que foi
posteriormente confirmado pelo perito indicado pelo juiz, a fim de realizar uma
avaliação das reformas e das condições físicas do local.
Ainda de acordo com Júlio Tomas de Mello, a residência do proprietário
localizava-se aos fundos do prédio por ele alugado, e os quintais das duas
propriedades era dividido apenas por uma cerca de taipa. No entanto, segundo o
inquilino, o quintal era todo usado, [...] sendo que no fim deste havia uma casinha
para se guardar lenha; que encostado á taipa havia uma privada [...]
19
”. Com a
construção do muro, a referida “privada” foi reconstruída, conjuntamente com uma
caixa d’água e um tanque de lavar roupas ao lado. Ainda, construiu um muro na
frente do imóvel. Segundo o inquilino, nenhuma dessas reformas, realizadas na
região externa do imóvel, foram feitas com sua permissão.
Mas, pelos argumentos do proprietário e do pedreiro que realizou a obra, o
sanitário reconstruído passou a contar com a rede de esgoto. Aquela que foi
destruída não estava preparada para integrar a rede de esgoto do município, que
17
As informações e dados que seguem estão contidas em: lio Tomas de Mello, Jerônimo de Paula
Barbosa. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 461, Processo 3547, 1955.
18
Júlio Tomas de Mello. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 461, Processo 3547, 1955, f. 2
19
Ibid. f. 60.
68
estava prestes a ser instalada naquela rua, pois a antiga era somente uma fossa
sanitária, na qual o reservatório não contava com a eliminação de resíduos.
No entanto, quando o proprietário procurou realizar reformas no interior do
prédio, ele próprio afirmou em seu depoimento, que enviou o advogado Onofre
Gosuem à residência locada e propôs à esposa do inquilino, que se mudassem para
outra casa de sua propriedade. Mas, esse imóvel se localizava no bairro Nossa
Senhora das Graças, que ficava um pouco mais afastado da região central da
cidade, e Júlio Tomas de Mello se recusou a mudar e o proprietário propôs realizar
as reformas com os inquilinos ainda residindo no imóvel o que, no entanto, não
encontrou resistência.
Na reforma interna, que contou desta forma, com a aprovação do inquilino
estava prevista a retirada das infiltrações existentes na parede da cozinha. Segundo
informações levantadas nos depoimentos do inquilino, do proprietário e no laudo
técnico emitido pelo perito, uma das paredes da cozinha continha infiltrações, pois
do lado de dentro do cômodo havia uma pia, que proporcionava àquela parede,
considerável umidade e na mesma região, no entanto, pelo lado de fora do cômodo
estava localizado o tanque de lavar roupas.
Pelas intenções do proprietário, a reforma consistiria em eliminar as
infiltrações removendo o tanque e a pia de seus respectivos lugares. No caso do
tanque, este já havia sido trocado de lugar, quando a reforma no quintal do fundo foi
realizada. Com relação a pia, o proprietário tamm buscou retira-la do local e
recolocá-la em outra localização. No entanto, o inquilino se queixava que a torneira
foi removida para um novo local do cômodo, mas o proprietário abandonou a obra,
não transportando a pia para mesmo local, confirmado pelas palavras do perito: “[...]
os peritos disseram que houve uma mudança de uma torneira na cozinha, mas
esclarece que essa torneira o tem pia, não sabendo o perito se anteriormente
havia pia no lugar de onde foi retirada a torneira”
20
.
No entanto, mesmo com essa situação as reformas não pararam. Segundo os
inquilinos, o proprietário se apropriou novamente do quintal do imóvel, mas agora
construindo um novo cômodo, que se destinaria ao comércio no quintal da frente,
que fazia frente para a avenida (a planta do imóvel demonstrando as reformas foi
fornecida pelo proprietário, e encontra-se no anexo final do trabalho).
20
Mauro Alves Silveira. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 461, Processo 3547, 1955, f. 59.
69
Para realizar essa nova construção, fechou a única janela que existia no
quarto, a qual fazia frente à região frontal do terreno, com a promessa de transferir a
dita janela para a lateral do quarto, num corredor lateral ao imóvel. No entanto, esse
compromisso não se realizou e, ainda, retirou uma cobertura de zinco que existia na
frente do quarto e servia como proteção, impedindo que a chuva e o vento
entrassem no cômodo.
Diante desse cenário, o inquilino processou o proprietário com uma Ação de
Manutenção de Posse para impedir que, o proprietário continuasse a realizar
reformas que não terminavam e, que cada vez mais, diminuísse a área externa da
residência.
Segundo o proprietário, em sua contestação, as reformas e as novas
construções foram realizadas com a aprovação dos inquilinos, sobretudo de Elvira
Ferreira de Mello, esposa de lio Tomas de Mello, que naquele momento estava
ausente, trabalhando como motorista. No entanto, o proprietário acusou a esposa do
inquilino de embargar a obra pelos transtornos que a reforma estava lhe causando.
Ela, então propôs, na versão do proprietário, o término da construção domodo de
comércio, o qual estava sendo construído na frente da casa, para que se mudassem
para lá, e a reforma no interior da casa pudesse prosseguir. Assim, o proprietário
alegou, por fim, não poder terminar a obra em função do embargo realizado pela
esposa de Júlio Tomas de Melo.
O juiz determinou a convocação dos peritos indicados por ambas as partes
para realizar a vistoria no imóvel. Sendo que, os inquilinos e o proprietário enviaram
as questões para avaliação pericial.
Deste modo, fica evidente um choque entre os argumentos do inquilino e do
proprietário, principalmente em dois aspectos: o consentimento do inquilino para a
realização total da obra, e a causa para que as obras realizadas no imóvel não
fossem concluídas. Depois do depoimento prestado pelo inquilino, pelo proprietário e
pelas testemunhas, ambas as partes enviaram memoriais concluindo suas
respectivas argumentações.
O inquilino debateu o depoimento das testemunhas do proprietário na questão
do consentimento. Segundo o advogado nenhuma das testemunhas presenciaram a
aprovação dos inquilinos, que segundo ele, o suposto consentimento relatado pelas
testemunhas seria fruto de dedução” das testemunhas, pois se os inquilinos não
reclamaram, seria pelo fato de aprovar as reformas em curso.
70
Também havia a questão das reformas que não terminavam. Segundo o
inquilino, o proprietário simplesmente realizava reformas e não terminava, como no
caso da cozinha, que “[...] apenas mudou a torneira, mas não fez a mudança da pia,
razão pela qual a pia hoje está num lugar e a torneira em outro [...]”
21
. E também, no
caso da janela do quarto, que foi retirada para a construção do cômodo na frente do
imóvel e não foi recolocada no corredor externo, lateral ao imóvel, como indicava o
proprietário. Segundo o depoimento de Antonio Pedro Rodrigues, pedreiro que
realizou as reformas e que depôs como testemunha do proprietário, a mudança da
janela não se concretizou logo em seguida de sua retirada, pois estava combinado
que esse serviço seria feito posteriormente, uma vez que, o proprietário já estava
planejando fazer novas reformas no imóvel, contanto inclusive com diversos serviços
de acabamento.
Depois de analisar a situação e os argumentos propostos, tanto pelo inquilino,
quanto pelo proprietário, o juiz João Mendes concluiu que as reformas realizadas no
prédio trouxeram contribuições para a situação do imóvel e maior conforto para os
inquilinos, portanto, não foram prejudiciais para os moradores. Desta forma,
considerou que a melhor solução para a questão seria o término da obra para que
os inquilinos pudessem aproveitar as bem-feitorias que a reforma proporcionava,
não podendo, assim, julgar procedente a Ação de Manutenção de Posse movida por
Júlio Tomas de Mello.
Não se conformando com a sentença, os inquilinos Júlio Tomas de Mello e
Elvira Ferreira Mello entraram com recurso. Em primeiro lugar, contestaram o valor
da causa, pois já desde o início do processo havia sido reduzida. Depois, voltaram a
insistir na questão do consentimento, mais uma insistindo que as testemunhas não
possuíam condições de saber se ambos haviam consentido com a realização das
obras. Assim, o advogado do inquilino declarou na apelação que:
O consentimento do varão foi apenas para concertar a parede rachada da
casa e para mudar a torneira e a pia da cozinha. Não foi, assim, para
construir um muro tomando a metade do quintal e nem outro dividindo ao
meio a entrada comum da casa e muito menos para construir um comodo
na frente da casa, com arrancamento da unica janela do quarto de dormir
dos apelantes que está às escuras e sem vista para a avenida Major
Nicacio, como sempre tiveram [...]
22
21
Júlio Tomas de Melo., op.cit., f.60
22
Ibid., f.100
71
Julio Tomas de Mello destacou que as reformas proporcionaram melhorias
consideráveis ao imóvel, mas reclamou a perda dos terrenos no fundo e na frente da
casa, o fechamento da janela do quarto, a retirada da folha de zinco da fachada do
quarto, a construção de um modo de comércio na frente da casa e a perda da
visão que tinham da Avenida Major Nicácio. Acreditavam que, existia a necessidade
de reformas na casa, tanto que, de acordo com os inquilinos, o proprietário foi
intimado pelo fiscal da higiene a realizar tais reformas de melhoramento das
condições físicas do imóvel.
Os inquilinos pleiteavam, somente, a demolição do muro e do modo para a
recuperação do quintal original e a recolocação da janela e do beiral de zinco do
quarto. O objetivo tratava-se, portanto, em recuperar a janela que fazia frente à
avenida e, que permitia o contato direto dos moradores do imóvel ao quintal e,
consequentemente, à rua. Por fim, declararam que a intenção do proprietário era
“tornar a casa intolerável e, assim, forçar os apelantes a deixá-la”
23
.
o proprietário disse que, nada tinha a acrescentar, pois os argumentos que
havia realizado em primeira instância, foram suficientes para sustentar sua versão e
defesa. Logo após, uma nova sentença julgou improcedente a Ação de Manutenção
de Posse dos inquilinos. Um novo recurso foi realizado e também não obteve
sucesso. Portanto, no ano de 1957, dois anos depois que o inquilino iniciou a Ação
Possessória na justiça contra o proprietário, o processo terminou e os
melhoramentos realizados, as construções indesejadas do muro do fundo e do
cômodo da frente iriam permanecer, assim como, o prosseguimento das reformas.
No entanto, a trajetória Judicial de Júlio Tomas de Mello não parou neste
momento. Pouco tempo depois, ainda em 1957, o proprietário iniciou a ação de
despejo do inquilino, alegando necessitar do prédio para realizar ou terminar as
reformas que estavam em curso
24
. Mas, lio Tomas de Melo contestou a ação de
despejo, afirmando que esperava pelo pedido de desocupação do prédio, por
conta da ação de Manutenção de Posse. Afirmando ainda, que as reformas, que o
proprietário pretendia terminar, não dariam maior capacidade ao imóvel.
Novamente os peritos foram intimados para avaliação do prédio. Por parte do
inquilino, as questões se limitaram a questionar a real necessidade da reforma
23
Júlio Tomas de Melo., op.cit., f.103
24
Jerônimo de Paula Barbosa, Júlio Tomas de Mello. Processo de Despejo. Caixa 507, Processo 317,
1957.
72
proposta, para dotar o prédio de maior capacidade física, e se as reformas
realizadas anteriormente trouxeram algum incomodo para os inquilinos.
no caso do proprietário, as perguntas foram direcionadas para o estado de
conservação e estrutura do imóvel: quanto à conservação o proprietário solicitou
avaliação das condições do telhado do prédio e com relação à estrutura quis saber a
quantidade de cômodos, se o banheiro estava integrado ao corpo da casa, e a
situação do cômodo de comércio que existia na frente da casa. Perguntou por fim,
se as reformas aumentariam o espaço físico de imóvel, pois pretendia construir um
banheiro interno e mais um dormitório, solicitando que o perito avaliasse se depois
desta reforma a casa se adequaria à residência de uma família, visto que, a casa
contava com um dormitório e passaria a contar com dois depois da reforma.
Quanto aos quesitos do inquilino, os peritos responderam afirmativamente
que as reformas aumentariam a capacidade de utilização do imóvel, no entanto,
quanto aos transtornos das reformas anteriores, o perito indicado pelo proprietário
afirmou não existir transtornos, posto que as reformas trouxeram melhorias para o
prédio e melhor comodidade ao inquilino. No entanto, o outro perito afirmou que, a
reforma trouxe desconforto, pois deixou o quarto sem janela e a cozinha sem pia.
Com relação às perguntas do proprietário, ambos os peritos, relataram que o
estado de conservação da casa era regular, contando o imóvel com três modos,
sendo o banheiro localizado do lado de fora da casa e afirmaram que a reforma
proposta aumentaria a capacidade de utilização do imóvel. com relação à
possibilidade do imóvel abrigar uma família, o perito indicado pelo proprietário
afirmou que, a existência de apenas um dormitório inviabilizava a presença de uma
família na casa. o perito indicado pelo inquilino disse que, essa questão
dependeria da quantidade de filhos do casal.
Em seguida as partes envolvidas entregaram Memoriais descritivos para
finalizar suas respectivas argumentações. O proprietário disse que, o inquilino quis
tumultuar o processo com as declarações sobre a Ação Possessória, na qual os dois
anteriormente eram partes envolvidas. Afirmou ainda, que o perito de Júlio Tomas
de Mello foi evasivo e respondeu as questões de forma superficial. o inquilino
declarou, estava preparado para ação de despejo após o término da Possessória
e declarou o que vinha acontecendo com as reformas que o proprietário realizou.
73
Desta forma, o Juiz Ramiro Martins da Silva proferiu a sentença, julgando
procedente a ação de despejo, mas se sensibilizando com a situação de Júlio
Tomas de Mello, na medida em que, afirmou que
[...] os mais sérios incomodos a ponto de eliminar uma janela não
merece, infelizmente, apreciação na espécie. Nenhuma repercussão têm,
face a pretensão do A. que, dissimuladora ou não, reflete oficialmente, uma
situação que a lei (art. 15 nº VIII) ampara
25
.
Na sentença fica claro o posicionamento do juiz que, nada pôde fazer com
relação aos abusos, pois a decisão do proprietário era amparada pela lei. Mas,
determinou que o proprietário fosse multado se não iniciasse as reformas no prazo
de sessenta dias.
Júlio Tomas de Mello não se conformou e recorreu da sentença, afirmando
que, a obra somente aumentaria um dormitório, visto que, mesmo externo, a casa
possuía um banheiro e, que o único cômodo construído foi feito na frente do imóvel,
que não lhe trouxe nenhum benefício e ainda retirou a janela do quarto.
Já, o proprietário na apresentação de sua “contra razões da apelação”
afirmou, que o inquilino não apresentou nenhum novo argumento, insistindo
[...] em trazer para a presente causa, como elemento de defesa, fatos que
tiveram lugar ha anos e não ha meses, como pretende e alega, ocorridos
em outra ação, que não podem influir no presente Feito e, se pudessem,
seria em pról do recorrido, mesmo porque a ação em referência, foi
plenamente favoravel a êste
26
.
E por fim, disse que o inquilino persiste em afirmar erroneamente, que as reformas
não proporcionariam maior capacidade ao imóvel.
A sentença anterior foi mantida, e trinta dias depois lio Tomas de Mello e
sua família foi despejada. Os inquilinos alegaram que o proprietário contraiu nova
locação no imóvel e, por este fato, tentaram um novo processo contra o proprietário,
no entanto, vários advogados foram procurados, mas nenhum deles quisera
defendê-los, terminando a ação por falta de representante legal.
Apesar de todo o tempo e dilemas que esta ação envolveu, o discurso da
racionalização e higiene esteve presente na trajetória de Júlio Tomas de Mello e de
sua família, enquanto residiu na Avenida Major Nicácio e foi inquilino de Jerônimo de
Paula Barbosa. Em primeiro lugar, quando o proprietário trocou o muro dos fundos
de lugar, diminuindo o terreno da casa do inquilino e aumentando seu próprio
25
Ramiro Martins da Silva. Processo de Despejo. Caixa 507, Processo 317, 1957, f. 48. (Grifo
Nosso).
26
Jerônimo de Paula Barbosa, op.cit., f. 52.
74
quintal, o perito alegou que as duas propriedades ficaram com áreas de dimensões
parecidas, portando havendo uma padronização das medidas das duas
propriedades.
Depois ao que se refere às reformas, que contou com a demolição da latrina
existente e a edificação de um banheiro, mas desta vez ligado a rede de esgotos do
município, também demonstra a preocupação com a modernização das condições
sanitárias. A presença do agente de higiene tamm é revelador, pois várias vezes
as exigências do centro de saúde foram justificativas para as reformas. No entanto,
as reformas, ao que parece, foram realizadas sem planejamento, o que
proporcionou esse caráter tumultuado ao processo, que levou ao embargo da obra,
quando os inquilinos entraram com a Ação de Manutenção de Posse.
A preocupação modernizadora também estava presente na ação dos
inquilinos, pois aprovaram a construção do banheiro ligado à rede de esgotos e a
reforma, que visava retirar o vazamento da parede da cozinha. Mas, não foi possível
saber se reforma não terminou devido aos incômodos que causou à esposa delio
Tomas de Mello, e esta foi responsável pelo embargo à obra, ou foi a má do
proprietário, que queria causar transtornos aos inquilinos.
Por fim, até mesmo o juiz compartilhava com o ideal transformador das
melhorias urbanísticas, pois reconheceu na sentença que as reformas trouxeram
diversas melhorias ao imóvel, que consequentemente chagava ao inquilino e, que,
portanto, a melhor solução seria o rápido término das obras.
Com o segundo processo, pela descrição da intenção do proprietário, as
reformas estavam sendo direcionadas para a construção de outro quarto e a
edificação de um novo banheiro, mas ligado ao corpo da casa e à rede de esgotos.
Mostrava-se, desta forma, o ideal de transformações urbanísticas, que estavam em
formação e eram conclamadas como modernas. As casas tomavam padrões de
edificação diferentes do usual, com banheiros ligados ao restante do imóvel, o que
inegavelmente trazia maior conforto ao morador da casa, e que não comprometia a
salubridade do ambiente doméstico, pois o esgoto era direcionado a outro local
distante do imóvel.
A própria lei do inquilinato foi o recurso, que orientou os processos, não só de
Júlio Tomas de Mello, mas tamm de diversos outros inquilinos que foram
despejados e seus respectivos proprietários usaram como alegação dotar o imóvel
de maior capacidade. Assim, a legislação concebia a reforma dos imóveis como
75
argumento para do despejo, pois substituiria estruturas prediais ultrapassadas por
outras de características modernas:
LEI N. 1.300 – DE 28 DE DEZEMBRO DE 1950
(...) Art. 15. Durante a vigência desta lei não será concedido despejo, a não
ser: (...)
(...) VIII – se o proprietário pedir o prédio para demolição e edificação
licenciada ou reforma que dêem ao prédio maior capacidade de utilização
(...)
27
.
27
BRASIL. Lei n. 1.300 – de 28 de Dezembro de 1950. Altera a Lei do inquilinato. Diário Oficial da
União: República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 28 dez. 1950. Disponível em:
wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR.Filtro?tipo=LEI&secao=NJUILEGBRAS&numLei=001300...
Acesso em: 21 dez. 2004, p. 1-2.
76
2.3 O mercado municipal: modernização dos espaços públicos.
Outro caso que, demonstra o discurso da necessidade, de modernização
urbanística realizada por meio da racionalização do espaço urbano durante o
período de modernização e urbanização da cidade de Franca, na segunda metade
do século XX, foi o caso do Mercado Municipal. Mesmo que, toda a trajetória de
desocupação do prédio não tenha sido realizada por uma Ação Ordinária de
Despejo e sim por uma Ação de Reintegração de Posse, movida pela prefeitura
contra os pequenos comerciantes do mercado
28
, esse episódio pode demonstrar a
presença do discurso modernizador presente na cidade nesse período.
No ano de 1948, a Prefeitura Municipal de Franca recebeu um ofício do
Departamento de Saúde do Estado, solicitando que as autoridades municipais
adotassem algumas providências, com relação às condições sanitárias em que se
encontrava o prédio do Mercado Municipal. Naquele momento, o então prefeito
Antonio Barbosa Filho, enviou um projeto de lei à Câmara Municipal, a fim de se
realizar as reformas necessárias no Mercado, mas em virtude da falta de verbas a
obra não foi realizada.
Cinco anos depois, o Departamento de Saúde do Estado voltou a procurar a
prefeitura, pedindo providências com relação à situação higiênica do Mercado
Municipal, assim como das condições sicas da construção. O prefeito Ismael
Alonso y Alonso solicitou, ao Departamento de Saúde, prazo para que a reforma
fosse realizada, enviou um novo projeto à Câmara Municipal, que aprovou a
demolição e a construção de um novo espaço que abrigasse as dependências do
Mercado Municipal.
Lei N. 326, DE 2-7-1953
AUTORIZA A DEMOLIÇÃO DO MERCADO E INSTITUI FEIRAS
LIVRES NESTA CIDADE.
O DOUTOR ISMAEL ALONSO Y ALONSO, Prefeito Municipal de
Franca, Estado de o Paulo, faz saber que a Câmara Municipal decretou e
êle promulga a seguinte lei:
ARTIGO 1.º – Fica o Poder Executivo autorizado a demolir o Mercado
da Praça “João de Lima”, dentro de 90 (noventa) dias da vigência desta lei.
§ ÚNICO Aos atuais locatários do Mercado ficará reservada
preferência para ocupar seus cômodos, quando fôr construído de novo êsse
próprio municipal.
28
Prefeitura Municipal de Franca. Diogo Garcia Fernandes e outros. Processo de Reintegração de
Posse. Caixa 460, Processo 85, 1955.
77
ARTIGO 2.º Ficam instituídas feiras-livres a serem realizadas no
centro e nos bairros da cidade, cuja regulamentação se baixada pelo
Executivo.
§ Único – Ficam assegurados aos atuais locatários do Mercado,
preferências e regalias nas feiras-livres óra instituidas.
ARTIGO 3 As despesas com a execução da presente lei correrão
por conta de verba própria do orçamento vigente, suplementada
oportunamente.
ARTIGO 4.º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas, revogadas as disposições em contrario.
Prefeitura Municipal de Franca,
em 2 de Julho de 1953
DR. ISMAEL ALONSO Y ALONSO
Prefeito Municipal
29
Originalmente, a idealização de um Mercado Municipal em Franca data ao
final do século XIX, sendo construído, pela primeira vez, no ano de 1896. No
entanto, na primeira década do século XX a imprensa e os administradores do
município solicitavam a construção de um novo prédio, visto que, aquele construído
nos fins do culo XIX, havia se tornado insuficiente para a demanda local. Assim,
em 1921 foi reconstruído o Mercado Municipal, que no ano de 1953 estava sendo
alvo das exigências do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo
30
.
Com um novo projeto de lei aprovado pela mara Municipal, que previa a
demolição e a construção de um novo prédio para o Mercado, pressionado pelo
Departamento de Saúde e contanto com verbas, fruto de empréstimos, o prefeito
iniciou uma Ação Ordinária de Reintegração de Posse. O intuito da prefeitura era
retirar os comerciantes instalados nas dependências do Mercado, para que o prédio
pudesse, enfim, ser demolido.
A Ação foi movida coletivamente com a intenção de remover os comerciantes
de uma só vez. Desta forma, a prefeitura intimou os seguintes comerciantes:
1 Diogo Garcia Fernandes; brasileiro; casado; proprietário de bar e banca de
verduras e legumes;
2 – João Muniz; brasileiro; casado; proprietário de bar e banca de verduras e
legumes;
3 Santo Menegueti; brasileiro; casado; proprietário de banca de verduras e
legumes;
4 – Oswaldo Caréli; brasileiro; casado; proprietário de banca de verduras e legumes;
29
FRANCA, Prefeitura Municipal de. Lei N. 326, DE 2-7-1953. Autoriza a demolição do mercado e
institui feiras livres nesta cidade. Comércio da Franca, Franca, 12 jul. 1953.
30
FOLLIS, Fransérgio, op.cit., p. 76-78
78
5 – Diogo Garcia Oller; espanhol; casado; proprietário de banca de verduras e
legumes;
6 – Pedro Garcia Oller; espanhol; casado; proprietário de banca de verduras e
legumes;
7 Francisco Garcia Cortez; espanhol; casado; proprietário de banca de verduras e
legumes;
8 José Navarro Oller; espanhol; casado; proprietário de banca de verduras e
legumes;
9 – Patrício Águila; brasileiro; casado; proprietário de banca de verduras e legumes;
10 Geraldo Cristiano de Andrade; brasileiro; casado; proprietário de banca de
verduras e legumes;
11 – Joaquim Alves de Oliveira; brasileiro; casado; proprietário de bar;
12 – Heliodoro José Lopes; brasileiro; casado; proprietário de bar;
13 – Antonio Jacinto Muniz; brasileiro; solteiro; proprietário de bar;
14 – Antonio Fernandes Garcia; brasileiro; casado; proprietário de bar;
15 – Francisco Carrijo; brasileiro; casado; proprietário de bar;
16 – Teófilo do Nascimento brasileiro; casado; proprietário de açougue;
17 – Arlindo Galetti; brasileiro; casado; proprietário de bar;
18 – Dácio Fonseca; brasileiro; solteiro; proprietário de bar;
19 – Serginho Dias de Oliveira; brasileiro; casado; proprietário de açougue;
A prefeitura requereu o despejo destes comerciantes afirmando que, em seu
atual estado, o prédio do Mercado o atendia aos interesses blicos, existindo
uma lei municipal que regulamentava a demolição e reconstrução de um novo local,
que abrigasse o Mercado Municipal.
Afirmou-se, ainda, que esta lei garantia que quando o novo prédio viesse “[...]
a ser construído de novo
, será assegurada preferência na ocupação de seus
cômodos aos seus atuais ocupantes de compartimentos no prédio a ser demolido”
31
.
A Prefeitura defendeu a ação como necessária,
[...] diante do ssimo estado em que se encontre o prédio do Mercado
Municipal local, de construção arcáica, e já incompatível com as exigências
modernas para aquele fim, houve protestos gerais e pedidos de
providências emanados da Procuradoria Judicial do Departamento Jurídico
do estado, e bem assim do Centro de Saúde local, chegando-se, mesmo, a
31
Prefeitura Municipal de Franca. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85,
1955, f. 2 v. (Grifo no Original).
79
intolerância de propositura, pelo mencionado Departamento Jurídico do
Estado, de uma ação cominatória contra a Prefeitura Municipal [...]
32
.
A Prefeitura alegou que, concedeu noventa dias de prazo para os
comerciantes saírem, mas estes resolveram permanecer no local. Alegou que, a
presente ação deveria ser de Reintegração de Posse, na medida em que a relação
da Prefeitura com os comerciantes não se caracteriza por locação, e sim de
concessão do espaço para prestação de serviços públicos. A relação entre as
partes, segundo a visão da Prefeitura, não é regida pela Lei do Inquilinato, e que a
persistência dos comerciantes nas dependências do Mercado Municipal caracterizou
esbulho ou obstáculo à posse do local, que é de propriedade da Prefeitura. Desta
forma, a Prefeitura solicitou ao Judiciário um mandado de Reintegração de Posse
liminar, para retirar os comerciantes instalados nas dependências do Mercado.
O juiz indeferiu o pedido, negando o mandato liminar de Reintegração de
Posse, afirmando que, as “As questões de direito a ser discutidas são de alta
indagação. Não poderão autorizar a medida preliminar, de tão graves
conseqüências, com base apenas na sumaríssima inquirição de testemunhas”
33
.
Determinou, assim, o prosseguimento da ação.
os comerciantes do Mercado Municipal alegaram que, a Prefeitura não
incluiu no pedido inicial a comprovação de que era proprietária do prédio ou do
espaço em que o Mercado Municipal se encontrava, pois não apresentou “[...] o seu
título de domínio sobre o chamado “Mercado Municipal” e respectivo terreno, de
onde pretende “despejar” os contestantes, com seus pertences [...]”
34
. Apresentaram-
se como inquilinos da Prefeitura, pagando alugueis para a mesma, sem que esta
fosse a proprietária do prédio do Mercado, sendo assim, a ação seria de despejo e
não de reintegração de posse como queria a Prefeitura.
Disseram que, se saíssem do local teriam prejuízos, pois perderiam os
clientes, visto que, a Prefeitura removeria os comerciantes para bancas em feiras-
livres e não estabeleceu previsão para a entrega do novo prédio, que segundo os
contestantes, apesar da lei estabelecer a nova construção, nem projeto a Prefeitura
estabeleceu para o novo prédio.
32
Prefeitura Municipal de Franca, op.cit., f. 2 v-3. (Grifo no Original).
33
Carlos Dias. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85, 1955, f. 26 v.
34
Diogo Garcia Fernandes e outros. Processo de Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85,
1955, f. 35
80
Contestaram tamm a real necessidade da demolição e reconstrução do
prédio. Segundo eles, uma reforma resolveria as precariedades do prédio, pois o
Departamento de Saúde não iniciou uma ação contra a Prefeitura reivindicando a
demolição do prédio, mas somente a higienização e reformas. Disseram que, a
reconstrução não era necessária e iria contra os interesses do município e do povo
da cidade de Franca, pois causaria prejuízo para os cofres públicos.
Posteriormente à contestação a Prefeitura realizou uma apreciação quanto
aos argumentos dos comerciantes, solicitando a impugnação da contestação.
Afirmou ser “ridículo” e “impertinente” exigir-se a documentação que comprovava a
posse da Prefeitura sobre o Mercado Municipal, sendo que, o estabelecimento era
de uso público. Insistiu que, no caso do Mercado, não existia locação, portanto a
ação adequada era a de Reintegração de Posse e não a de despejo, o que
dispensava a prova de posse do prédio e o detalhamento das obras que seriam
realizadas.
De acordo com os argumentos da prefeitura os comerciantes estavam “[...]
cometendo evidente esbulho contra a mesma, com que estão, a um tempo,
entravando o progresso da cidade e cooperando maldosamente para o enfeiamento
da nossa urbe
, como se evidencia”
35
. Já com relação aos prejuízos aos cofres
públicos afirmou que, o Executivo e o Legislativo francano tomaram uma decisão de
natureza técnica, pois como representantes do povo agiam na busca da preservação
dos interesses do patrimônio municipal. A Prefeitura anexou ainda, algumas
certidões, que constavam em seus arquivos e a legislação acerca do Mercado
presente no “Código Municipal de Franca”.
Sobre a impugnação da contestação pedida pela Prefeitura, os ocupantes do
Mercado Municipal afirmaram que, o poder público não se isenta de providenciar os
documentos que comprovem a posse do prédio, pois na visão dos comerciantes do
Mercado Municipal se não “[...] transcrever no registro imobiliário da comarca, é claro
que NÃO TEM DOMÍNIO SOBRE ELES [...]”
36
. sobre o Código Municipal
afirmaram que não teria efeito, pois havia sido suplantado por outro código em 1930,
“[...] com a revolução que derrubou o velho regime então vigorado no paiz e
implantou o “governo provisório” chefiado pelo Sr. Getúlio Vargas [...]”
37
.
35
Prefeitura Municipal de Franca, op.cit., f. 43. (Grifo no original)
36
Diogo Garcia Fernandes e outros, op.cit., f. 57. (Destaque no original).
37
Ibid., f. 58
81
O juiz, por fim, julgou saneado o processo e solicitou que ambas as partes
indicassem os peritos para fazer a vistoria nas dependências do Mercado Municipal.
Os comerciantes propuseram aos peritos que avaliassem a conveniência de uma
possível reforma, em vez de demolir e reconstruir o prédio. Se a reforma poderia ser
realizada no prédio e como seria sua execução, qual a qualidade da construção alvo
do desejo de demolição da Prefeitura e dos materiais usados e, por fim, no caso de
demolição qual destino poderia ser dado aos materiais retirados do prédio.
A Prefeitura solicitou aos peritos que fizessem uma avaliação nas reformas
que estavam em curso nas ruas laterais do Mercado Municipal, que inclusive
estavam sendo alargadas e se o Mercado, no local em que estava, constituía algum
empecilho à continuidade do alargamento das ruas. Em caso afirmativo, qual
sugestão os peritos forneciam para prosseguimento do alargamento.
Continuando em seus quesitos a Prefeitura indagou:
Tratando-se de ruas centrais da cidade, e de acordo com os planos
modernos de urbanismo, as ruas fronteiriças ao Mercado Municipal
deverão ser alargadas ou não? [...] De acôrdo com o alinhamento das ruas
Marechal Deodoro e General Telles, o prédio do Mercado Municipal
existente permitirá o alargamento das ruas fronteiriças a êsse próprio
municipal? [...] Considerando o tempo decorrido da construção do Mercado
Municipal existente, até a presente data, e tendo-se em vista o acentuado
progresso da cidade, pode-se dizer que o referido próprio municipal está
presentemente satisfazendo às necessidades do povo francano? É êsse
prédio de construção arcáica? Encontra-se ou não o mesmo em péssimo
estado? [...] De acôrdo com as exigência atuais para a construção de
mercados, o atual Mercado Municipal desta cidade satisfaz a esses
exigências? Por que?
38
A prefeitura, também quis saber se a demolição o seria a melhor opção
diante da necessidade de alargamento das ruas laterais ao mercado. E, por fim, se
existia a possibilidade de reaproveitamento dos materiais retirados na demolição do
prédio do Mercado Municipal.
Neste processo é comum encontrar-se termos e conceitos que demonstram
os discursos de modernização, que as elites políticas adotaram num momento de
transformação econômica, causada pela transição da economia agrária cafeeira
para a indústria do calçado, e de transformações políticas com a instituição da
democracia no país.
No entanto, a questão do Mercado Municipal merece destaque, pois não ficou
restrito ao âmbito do discurso, mas atingiu o cotidiano do município. A primeira
questão que aparece é a preocupação do Centro de Saúde do Estado com as
38
Prefeitura Municipal de Franca, op.cit., f. 68, 68 v. (Grifo Nosso).
82
questões de caráter sanitário. Mesmo dentro da ótica modernizadora, em um
primeiro momento, as preocupações sanitárias parecem questões de natureza
técnica, mas que aos poucos foram tomando contornos políticos.
Esta situação é evidenciada a partir do primeiro ofício enviado pelo
Departamento Médico, na qual solicitava da Prefeitura providencias com relação à
situação em que o Mercado se encontrava. Esta preocupação pode ser encontrada
na historiografia sobre o crescimento urbano em algumas cidades brasileiras,
sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro, quando os técnicos sanitaristas investiram
contra os cortiços e as habitações populares, na virada do século XIX para o XX, em
nome da racionalização e modernização urbana, para evitar-se a proliferação de
doenças e moléstias.
Em Franca o foi diferente com a questão do Mercado Municipal, mas
ocorreu a partir dos anos quarenta, quando os sinais da transição econômica já
apareciam. No entanto, o que no início partiu de preocupação técnica tomou
proporções políticas alguns anos mais tarde, quando as transformações econômicas
estavam estabelecidas. Evidenciando essa hipótese, destaca-se o fato do primeiro
ofício não ter recebido atenção política suficiente para canalizar recursos para serem
investidos na obra. Só quando a transição havia passado e o processo de
modernização estava em curso, que as elites políticas empreenderam esforços para
realizar reformas urbanas, que não ficaram restritas às questões sanitárias do
Mercado, mas abarcaram ao alargamento de ruas do centro de uma cidade, que
iniciou sua formação no período colonial, mas estava, naquele momento, num
período de modernização.
Conforme o processo de Reintegração de Posse prosseguiu o discurso de
caráter político que foi tomando formas mais definidas, principalmente com a
utilização de termos como “exigência atuais” e “acentuado progresso da cidade”,
fazendo referência ao moderno e ao pregresso, “construção arcáica”, repudiando um
passado que deveria ser ignorado e descartado e, por fim, “planos modernos de
urbanismo”, sinalizando a existência de projetos novos para a cidade, que deveriam
contemplar a nova situação local. Ainda, destacando a postura dos comerciantes,
segundo a Prefeitura, a recusa em deixar o prédio do mercado estava
“[...] entravando o progresso da cidade e cooperando maldosamente para o
83
enfeiamento da nossa urbe [...]”
39
, portando em sintonia ao discurso na necessidade
de realizar-se o progresso.
Acima de tudo, a ação foi justificada a partir da necessidade de melhoria das
condições higiênicas, exigidas pelos técnicos do Centro de Saúde e, posteriormente,
pela ação que a Prefeitura, que vinha realizando o alargamento das ruas laterais
ao Mercado Municipal.
O perito indicado pela Prefeitura afirmou que, as ruas laterais ao Mercado
vinham sendo alargadas e, que para sua continuação seria necessário demolir o
prédio do Mercado, pois a construção não permitia a abertura das ruas. Segundo o
perito, “De acordo com os planos modernos de urbanismo as Ruas devem ser
largas a fim de permitirem a circulação sempre crescente de veículos”
40
. Defendeu
que, o prédio não atendia às necessidades do povo francano, pois a construção era
inadequada, na medida em que [...] Mercados modernos são construídos
amplos, com ventilação e iluminação adequadas, materiais apropriados, facilidade
de limpeza e outros problemas que surgem dado o tamanho e instalações que
pretende dotá-lo”
41
. Destacou que a demolição não causaria prejuízo, pois a
estrutura de metal, que foi usada para construir o mercado, poderia ser
reaproveitada em outra obra, como depósito ou garagem.
Aos comerciantes o perito disse que, uma reforma apoderia ser feita, mas
como deveria ser realizada em todo o prédio, ele recomendava a demolição e
reconstrução como forma de reduzir custos aos cofres públicos. Mas, destacou que
a planta do mercado era defeituosa, e que a reforma não poderia corrigir os defeitos
presentes no prédio.
o perito indicado pelos comerciantes do Mercado disse que, é possível
realizar uma reforma no prédio, pois o aumento das dependências do Mercado
Municipal, segundo ele, era necessário. No entanto, a expansão do mercado poderia
ser realizada sem prejudicar o alargamento que a Prefeitura estava realizando nas
ruas laterais ao prédio. Afirmou que, em caso de reconstrução do Mercado o
material da demolição poderia ser reaproveitado, mas que recomendava a reforma,
pois, custaria menos ao poder público local. A indicação da reforma esta presente no
projeto elaborado pelo perito, que se encontra no anexo do trabalho.
39
Prefeitura Municipal de Franca, op.cit., f. 43. (grifo no original).
40
Alberto Schirato, Processo de Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85, 1955, f. 69. (grifo
nosso).
41
Ibid. (grifo nosso)
84
Com relação às perguntas feitas pela Prefeitura, o perito indicado pelos
comerciantes afirmou que o alargamento das ruas vinha sendo realizado e que, para
seu prosseguimento era necessária a demolição de parte do Mercado. Mas, que em
seu atual estado o Mercado não satisfazia às necessidades do povo francano, pela
conservação, estrutura e higiene. Afirmou que, o estado de higiene já seria suficiente
para condenar o prédio e que a solução mais racional seria a demolição, mas a
saída mais econômica seria a reforma. Por fim, disse que a estrutura metálica
retirada com a demolição não seria desperdiçada, com a possibilidade de ser
utilizada para a construção do novo prédio ou ainda, poderia ser vendida por preço
razoável.
Mais uma vez, a modernização foi evocada naquele momento, mas dessa vez
pelo perito, ou seja, um profissional responsável por questões urbanísticas. Esse
discurso pode ser percebido a partir de expressões como: de [...] acordo com os
planos modernos de urbanismo as Ruas devem ser largas [...]” ou então “[...]
Mercados modernos são construídos amplos [...]”
42
.
Depois que os peritos entregaram os laudos realizados, a partir das vistorias
feitas no prédio do Mercado Municipal, o processo prosseguiu com os depoimentos
do Prefeito, dos comerciantes, de suas respectivas testemunhas e também com a
presença dos peritos.
O prefeito Ismael Alonso y Alonso afirmou que a medida era necessária, em
função do alargamento das ruas laterais ao Mercado Municipal e da ação movida
pelo Departamento de Saúde do Estado, por causa das condições sanitárias do
prédio.
o primeiro comerciante ouvido pelo juiz Diogo Garcia Fernandes afirmou
que, tinha conhecimento sobre a lei, que autorizava a demolição do Mercado, do
péssimo estado do prédio, que o Mercado impedia a continuidade dos alargamentos
das ruas laterais ao Mercado. Disse que foi notificado para deixar o prédio, e que em
seu estado atual o prédio afastava fregueses e, que por conta disso, achava que o
prédio deveria ser reformado ou reconstruído.
O segundo comerciante que prestou depoimento foi Antonio Fernandes
Garcia, que disse ter conhecimento da lei, que autoriza a Prefeitura demolir o prédio,
que recebeu a notificação para deixar o local, mas não saiu, pois, não tinha outro
42
Alberto Schirato, op.cit., f. 69.
85
local para se instalar. Declarou que trabalhava onze anos no prédio, apesar do
péssimo estado de conservação, e que não era necessária a reconstrução, pois,
segundo ele, uma reforma bastaria para aproveitar melhor o espaço interno do
prédio, melhorar suas condições físicas e retirando-se as laterais da construção o
alargamento das ruas poderia continuar sem empecilhos.
O terceiro e último comerciante do Mercado, que foi entre todos convocado
para depor foi João Muniz. Ele disse que não tinha conhecimento da lei que
determinava a demolição, mas que foi notificado para deixar o prédio, no entanto,
não o fez por o concordar com a demolição e achar que uma reforma resolveria a
precariedade do prédio. Disse que, não sabia do alargamento das ruas, mas se
existia a necessidade de alargá-las a reforma no prédio desobstruiria as ruas que
necessitavam ser ampliadas.
Posteriormente, foram colhidos os depoimentos dos peritos. No depoimento
de Mauro Alves Siqueira, perito indicado pelos comerciantes, a declaração dada no
laudo foi confirmada, na qual disse saber da lei que determinava a demolição, mas,
considerava que uma reforma com a diminuição das laterais e ampliações do prédio
para o fundo, possibilitaria a ampliação do prédio e permitiriam o alargamento das
ruas laterais ao Mercado. Entretanto, admitiu que a estrutura que o prédio possuía
não era própria para Mercado, pois era uma adaptação de um projeto realizado para
uma fábrica, não sendo recomendado para o fim que naquele momento era utilizado.
Mesmo sendo a reforma possível e até mais vantajosa, considerou que o prédio não
se adequaria às necessidades do povo francano.
Alberto Schirato, indicado como perito pela Prefeitura disse que, era
possível ampliar as ruas sem a demolição do prédio, mas que as reformas não
resolveriam os problemas existentes na estrutura do Mercado, que segundo ele, não
atendia às necessidades da população de Franca. Considerou que a reconstrução
era mais vantajosa, pois um novo prédio poderia ser construído com condições mais
satisfatórias.
Como testemunha a prefeitura indicou José Figueiredo, que era vereador na
legislatura anterior, mas que também havia aprovado o projeto de reforma da região
do Mercado, quando o Centro de Saúde do Estado notificou a Prefeitura, pela
primeira vez, para que tomasse providências quanto às condições estruturais e
higiênicas do prédio. Ele considerou que a estrutura do Mercado era satisfatória,
mas as condições sanitárias não eram boas. Disse que tinha conhecimento das
86
reformas realizadas pela Prefeitura nas ruas do centro da cidade, que resultariam no
alargamento das vias públicas laterais ao prédio do Mercado Municipal, mas a
demolição não seria necessária para o prosseguimento do alargamento, pois,
segundo ele, a retirada das laterais do prédio bastaria.
Também foi convocado, João Marques da Silva, que naquele momento,
ocupava o cargo de administrador do Mercado Municipal dezessete anos. Em
seu depoimento argumentou que o Mercado era pequeno e se encontrava em
péssimas condições higiênicas. Disse que sabia da lei, a qual determinava a
demolição do prédio e presenciou quando os comerciantes receberam as
notificações para que deixassem o prédio. Inclusive ouviu quando afirmaram que,
não deixariam o local e exigindo da Prefeitura o fornecimento das barracas até que o
novo prédio fosse construído. Afirmou saber do alargamento realizado nas ruas
laterais ao Mercado e, que o prédio interrompia seu prosseguimento. Destacou a
pontualidade dos comerciantes no pagamento dos alugueis e os considerou como
pessoas de bem.
Nestes depoimentos realizados, o tamanho ou a capacidade de utilização do
prédio foi por diversas vezes enfatizado, afirmando que, o prédio era insuficiente
para suprir as necessidades da população da cidade. Sendo assim, o discurso da
modernização urbanística tamm foi evocado na tentativa de realizarem-se as
ampliações, que julgavam necessárias nos prédios de caráter público, conforme a
população da cidade ia crescendo.
Antonio Della Torre foi chamado para depor como testemunha da Prefeitura,
pois era vizinho do prédio do Mercado. Disse que sua casa era
[...] situada bem na frente das instalações sanitárias do Mercado Municipal
local que por causa da sujeira aí reinante e das bandalheiras que
observavam nesse lugar, da casa do depoente, resolveu reclamar
contra êsse estado de coisas às autoridades municipal e sanitária desta
cidade; que a Autoridade Municipal alegou que nada podia fazer com
respeito a limpesa do prédio e das instalações sanitárias; que a Autoridade
Sanitária, entretanto, recomendou ao depoente que erguesse um muro na
frente de sua casa para isolá-la daquela parte do mercado; que o depoente
resolveu então fazer êsse muro alto, e disso obteve várias vantagens;
pois impediu deste êsse momento que seus filhos vissem as
bandalheiras que ocorriam na privada do mercado, impediu também
que os verdureiros e açougueiros do Mercado fossem utilizar-se das
instalações sanitárias do Mercado, e ainda impediu que sua família
ouvisse as conversas indecentes que por ali havia; que ainda tem a
dizer que êsse muro impediu que a sua casa fosse invadida por batatas,
ratos e gatos, que costumavam vier do Mercado [...]
43
43
Antonio Della Torre, Processo de Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85, 1955, f. 106
(grifo nosso).
87
Continuou dizendo, que sabia do alargamento que a Prefeitura estava
realizando nas ruas e da lei que determinava a demolição do Mercado, que
considerava o prédio pequeno e, segundo sua opinião, reformas não compensariam.
Insistiu no final do depoimento na questão sobre a conduta de alguns indivíduos na
parte externa do Mercado e nas instalações sanitárias. Afirmou que, por conta da
sujeira dentro do sanitário, muitos usuários faziam suas necessidades na entrada do
banheiro, com a porta aberta, à vista das pessoas que passavam, considerando o
fato “[...] imoral para todas as crianças daquela imediações [...]”
44
.
Segundo ele, amesmo era possível presenciar estados parciais de nudez
dos usuários das instalações sanitárias do Mercado, quando estes satisfaziam suas
necessidades fisiológicas do lado de fora do sanitário. Disse ainda, que à noite o
Mercado era usado para encontro de casais que praticavam “[...] imoralidades à
vista de quem por alí passavam [...]”
45
E por fim, prestaram depoimentos dois comerciantes da cidade, Ângelo
Leporaci e Guilherme Canil. Ambos disseram que, sabiam da lei que determinava a
demolição do Mercado e dos alargamentos nas ruas promovidos pela Prefeitura. No
entanto, Ângelo Leporaci defendeu a demolição do Mercado, enquanto Guilherme
Canil considerou que a reforma seria boa alternativa para os problemas sanitários e
estruturais do Mercado, assim como era solução para as obras nas ruas, que
estavam em curso naquela ocasião.
Pelo depoimento das testemunhas o aspecto da salubridade e, principalmente
a visão do visinho dos fundos do Mercado, Antonio Della Torre, a questão ética e
moral tamm foram destacadas em relação à modernização. Foram
constantemente enfatizadas as condições sanitárias, afirmando-se, que não eram
satisfatórias, afirmando inclusive, Antonio Della Torre, que sua casa era invadida por
animais nocivos à saúde, que vinham das dependências do Mercado.
Com relação aos assuntos que envolvem a dimensão moral, o testemunho de
Torre é de fundamental importância. Com o crescimento urbano a cidade recebia
constantemente um fluxo acentuado de pessoas e o desenvolvimento da atividade
industrial proporcionou a afirmação de um grupo de industriais. Com a formação da
sociedade industrial foi comum o aparecimento de uma nova racionalidade,
associada aos padrões éticos e morais impostos pelo ideal de privacidade presentes
44
Antonio Della Torre, op.cit., f. 106 v.
45
Ibid., f. 106.
88
entre os membros desta nova elite econômica, que despontava no contexto local.
Assim, conforme a cidade ia se expandindo, padrões de comportamento precisavam
ser alterados, a fim de se adequarem as novas condições impostas pelo ambiente
urbano. Com a privacidade, cada vez mais restrita a certos ambientes, o espaço
urbano proporcionava em regiões públicas, poucos espaços para comportamentos
de natureza privada.
Acerca das condições sanitárias do Mercado Municipal, pode-se afirmar que,
os ideais de limpeza e higiene foram surgindo conforme as elites procuravam seguir
um novo padrão de racionalização do espaço urbano, em uma perspectiva moderna.
Assim, verificam-se no discurso de políticos locais, preocupações com ampliações
de dependências e alargamentos de ruas e, tamm por parte das autoridades
sanitárias, questões sobre salubridade serem discutidas.
com relação ao comportamento dos usuários do Mercado e suas
imediações, e a indignação da testemunha Antonio Della Torre, que usou
expressões como “bandalheira”, conversas indecentes”, “imorale “imoralidades”, é
necessário ater-se ao fato, que juntamente com o surgimento da sociedade industrial
e o conseqüente aumento da população, um novo padrão de comportamento foi
surgindo com a modernização da cidade. Exigiam-se assim, novas formas de
conduta, que privilegiasse a privacidade e o combate àquilo que a testemunha
chamava de “bandalheiras” e “imoralidade”.
O processo prosseguiu com as partes envolvidas enviando seus respectivos
memoriais, confirmando seus argumentos e descrevendo suas avaliações sobre o
transcorrer do processo até aquele momento. Por fim, o juiz João Mendes fez uma
longa avaliação de todo o processo e julgou procedente a Ação de Reintegração de
Posse, movida pela Prefeitura de Franca contra os comerciantes que ocupavam o
Mercado Municipal, tendo estes que deixar o prédio e pagar custas e despesas do
processo.
Os comerciantes não se conformaram e apelaram da decisão julgada em
primeira instância. No segundo julgamento, a Reintegração de Posse foi mantida,
mas as cobranças foram negadas, pois se afirmou que neste tipo de ação não
caberia tais cobranças. Ambas as partes apelaram ao Supremo Tribunal Federal e a
Reintegração de Posse mais uma vez foi mantida e, por fim, ocorreu a saída dos
comerciantes do Mercado Municipal, que pôde enfim ser demolido.
89
2.4 Inquilinos francanos.
No processo de despejo movido por Jerônimo de Paula Barbosa contra lio
Tomas de Mello, que foi aqui relatado, o proprietário, quando queria que os
inquilinos deixassem o imóvel situado na divisa do Centro da cidade com o bairro
Cidade Nova, lhes ofereceu outro imóvel, tamm de sua propriedade, mas situado
no Bairro Nossa Senhora das Graças.
Naquele momento, os inquilinos se recusaram a deixar a casa, que residiam
para habitar outro imóvel, o qual se encontrava distante da região central da cidade.
Essa proposta feita pelo proprietário e rejeitada pelos inquilinos pode, no entanto,
demonstrar uma tendência existente no mercado imobiliário francano, que merece
consideração: os inquilinos davam prioridade por residir no Centro e o mercado
imobiliário de aluguéis tamm se concentrava nessa região da cidade.
De acordo com o Censo realizado pelo IBGE
46
, a cidade de Franca tinha no
ano de 1950, 10.292 domicílio. No entanto, segundo os dados do instituto entre o
total de domicílios existentes na cidade, 4.221 estavam concentrados na região
urbana de Franca, ou seja, aproximadamente 41 por cento. Deste total de domicílios
urbanos, 2.012 encontravam-se alugados (47,66 por cento dos domicílios urbanos),
1998 eram habitados por seus proprietários (47,33 por cento) e 211 encontravam-se
classificados como “em outras condições” (5,01 por cento): portanto o número de
domicílios alugados na região urbana era ligeiramente superior aos domicílios
próprios.
No entanto, mais significativo, para realizar a indicação dos bairros dos
inquilinos francanos, pode ser o mapeamento dos processos de despejo, usucapião
e reintegração de posse com relação ao endereço dos imóveis envolvidos nas
ações.
Partindo do pressuposto de que, a noção de espaço e distância dos
moradores de uma cidade, foram se alterando conforme a cidade ia se expandindo,
pois regiões que atualmente fazem parte do perímetro urbano central da cidade,
podem perfeitamente ter sido considerado periferia da cidade no passado.
Somando-se a esta questão, é necessário ter-se em mente que a preferência
habitacional de inquilinos em cidades menores tamm era regulada pela ausência
de transporte público, o que inviabilizava ao trabalhador morar distantemente do seu
46
IBGE, op.cit., 243.
90
local de trabalho. Assim, ao relacionar os bairros com as profissões dos inquilinos, é
possível perceber como a profissão que exerciam lhes exigia morar em um
determinado bairro.
Neste caso, o primeiro grupo a ser analisado foi o dos trabalhadores
pertencentes ao setor industrial. Entre os processos dessa categoria, que foram
alvos de contestações, foram levantadas as seguintes profissões: caldeireiro,
carpinteiro, eletricista, ferreiro, gráfico, industriário, marceneiro, mecânico, operário,
padeiro, pedreiro, sapateiro, seleiro, serralheiro. Os dados estão presentes no
quadro a seguir.
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Estação
São José da
Bela Vista
Sítios e
Chácaras
Vila Chico
Júlio
Vila Santo
Antônio
Vila Santos
Dumont
Total
Caldeireiro - 01 - - - - - - 01
Carpinteiro 02 01 - - - - - - 03
Eletricista 03 - - - - - - - 03
Ferreiro 02 - - - - - - - 02
Gráfico 01 - - - - - - - 01
Industriário 01 - - - - - - - 01
Marceneiro 01 - - - - - - - 01
Mecânico 02 - - - - - - - 02
Operário 08 01 02 - 01 01 01 02 16
Padeiro 01 - - - - - - - 01
Pedreiro 01 02 - 02 - - - - 05
Sapateiro 02 02 01 - - - - - 05
Seleiro - - - - - - - 01 01
Serralheiro 02 - - - - - - - 02
Total 26 07 03 02 01 01 01 03 44
Quadro 5: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
pertenciam ao setor industrial.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
91
Como o presente quadro demonstra, entre os 44 inquilinos que foram alvos
de ações de despejo ou possessórias, contestaram essas ações e declaram que
exerciam uma profissão ligada ao setor industrial, 36 se encontravam no Centro ou
em seus bairros adjacentes Cidade Nova ou Estação, representando
aproximadamente, oitenta e um por cento dos casos. Analisando os inquilinos do
Centro separadamente, 26 foram alvos de ações de despejo num total de cinqüenta
e nove por cento das ações de toda a categoria de trabalhadores do setor industrial.
Destacam-se, nessa relação, os trabalhadores que se identificaram como
industriário, operários e sapateiros, que somavam onze processos, representando
25 por cento do setor. Portanto, isso demonstraria a preferência dos trabalhadores
que, desempenhavam atividades profissionais dentro de fábricas, buscarem residir
próximo aos respectivos locais de trabalho. Essa preferência acontecia pelo fato das
fábricas, presentes na cidade, naquele momento, encontrarem-se nas proximidades
do Córrego Cubatão, ou seja, nos fundos do Centro da cidade, no bairro que
atualmente responde pelo mesmo nome do córrego.
26
7
3
8
0
5
10
15
20
25
30
Centro Cidade Nova Estação Demais
localidades
Bairros
Número de Processos
Gráfico 4 Relação dos trabalhadores do setor industrial por bairros
Em seqüência, estão os inquilinos classificados como empregados gerais: tais
como bancários, contadores, domésticas, funcionários públicos, hoteleiro, militar,
oficial de justiça, professores e servente escolar.
Já, entre os trabalhadores que eram empregados em diversas categorias
profissionais, cinqüenta e nove inquilinos contestaram as ações que foram movidas
contra si. Entretanto, deste total cinqüenta e três inquilinos residiam no Centro,
Cidade Nova ou Estação, representando oitenta e nove por centro das ações
judiciais.
92
Entretanto, neste grupo destacam-se os trabalhadores que se declaram
pertencentes ao serviço público, bancários, hoteleiro, contadores e domésticas, cuja
presença no centro contou com cinqüenta e sete por cento dos envolvidos nas
ações judiciais (dos 59 inquilinos totais do setor estes eram 34 trabalhadores).
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Estação
Vila Nicácio
Vila Santos
Dumont
Total
Bancário 02 01 - - - 03
Contabilista ou contador 03 - - - 01 04
Doméstica 12 07 - 01 - 20
Funcionário Público 10 05 - - 01 16
Hoteleiro 01 - - - - 01
Militar 01 - - - - 01
Motorista 04 01 01 01- 02 09
Oficial de Justiça 01 - - - - 01
Professor 03 - - - - 03
Servente escolar 01 - - - - 01
Total 38 14 01 02 04 59
Quadro 6: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
enquadravam-se como empregados gerais.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
Deste modo, os funcionários públicos, professores, militar, oficial de justiça e
servente escolar preferiam o Centro por estar a maioria das repartições públicas
concentradas no centro e imediações, naquele momento. os bancários,
contadores e hoteleiro trabalhavam em estabelecimentos que na sua maioria
também integravam a rego central da cidade, como os bancos, escritórios de
contabilidade e hotéis.
No caso das domésticas, havia uma maior flexibilidade, quanto os locais de
trabalho, pois as famílias que contratariam empregadas domésticas poderiam estar
mais bem distribuídas entre os vários bairros da cidade. Entretanto, sendo os
empregadores possuidores de maiores recursos, que poderiam optar por
93
permanecer no bairro central, visto que, na época era o bairro que contava com a
melhor infra-estrutura da cidade, exigindo assim, que as empregadas se fixassem
nessa região da cidade para facilitar o deslocamento diário ao emprego. Das vinte
empregadas domésticas que contestaram as ações judiciais, doze residiam no
Centro (sessenta por cento do total), existindo desta forma, uma maior concentração
de trabalhadoras no Centro da cidade.
38
14
1
6
0
10
20
30
40
Centro Cidade Nova Estação Demais
localidades
Bairros
mero de
Processos
Gráfico 5 Relação dos trabalhadores classificados como empregados gerais por bairros
Para o setor de comércio e serviços, foram indicadas pelos inquilinos as
seguintes profissões: açougueiro, alfaiate, barbeiro ou cabeleireiro, comerciante,
comerciário e tintureiro.
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Estação
Guapuã
Mercado
Municipal
São José da
Bela Vista
Vila Nicácio
Vila Santos
Dumont
Total
Açougueiro 01 - - 01 - - - - 02
Alfaiate 03 01 - - - - - - 04
Barbeiro e ou cabeleireiro
06 01 - - - 02 - - 09
Comerciante 19 03 02 - 19 - - - 43
Comerciário 22 04 01 - - - 02 01 30
Tintureiro 02 - - - - - - - 02
Total 53 09 03 01 19 02 02 01 90
Quadro 7: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
enquadravam-se no setor de comércio e serviços.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
94
Neste setor foram encontradas uma das maiores taxas de concentração de
trabalhadores na região central da cidade, e adjacências: dos noventa inquilinos
despejados, oitenta e quatro eram do Centro, Cidade Nova, Estação ou do Mercado
Municipal, que estava localizado à Praça “João de Lima”, também no Centro da
cidade. Representavam aproximadamente noventa e três por cento das ações de
despejo e possessórias.
Se considerarmos os trabalhadores que atuavam somente no centro, verifica-
se que, setenta e dois inquilinos, (cerca de oitenta por cento) estiveram dispostos a
pelejar judicialmente para defender não somente a residência, pois, o que se
encontrava em jogo para a maioria deles não era a habitação, mas tamm o
local de trabalho. Essa preocupação por parte desses trabalhadores justifica-se, no
caso dos comerciários, no desejo de residir tamm próximo ao local do trabalho.
No entanto, no caso dos comerciantes, do açougueiro, dos alfaiates, dos barbeiros e
tintureiros o propósito da contestação à ação de despejo ou possessória, era a
defesa do ponto comercial em uma cidade, em que a especulação imobiliária
disponibilizava poucos imóveis e dificultava o acesso aos que estavam disponíveis.
72
9
3
6
0
20
40
60
80
Centro Cidade Nova Estação Demais
localidades
Bairros
Número de
Processos
Gráfico 6 Relação dos trabalhadores do setor de comércio e serviços por bairros
A próxima categoria encontrada foi a dos trabalhadores que pertenciam à
economia informal: ambulantes, carroceiro e viajantes.
95
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Estação
Vila Santos
Dumont
Total
Ambulante/camelô 03 - - - 03
Carroceiro 01 - - 01 02
Costureira e ou lavadeira - 01 01 - 02
Vendedor de loteria - 01 - - 01
Viajante 02 - - - 02
Total 06 02 01 01 10
Quadro 8: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
enquadravam-se como trabalhadores da economia informal.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
Nesta classificação, também foi alta a taxa de inquilinos que moravam no
Centro, Cidade Nova e Estação, apesar do número absoluto de inquilinos ser
pequeno. Nesta condição profissional dos dez trabalhadores que contestaram a
ação de despejo, nove estavam no Centro e adjacências, portanto, noventa por
cento das ações judiciais.
Neste caso, os profissionais que merecem destaque são os que se declaram
ambulantes e camelôs, pois a profissão tamm lhes exigia locais públicos que
contasse com um tráfego considerável de pessoas, portanto a região central, que
contava com o comércio mais dinâmico em toda a cidade. Desta forma, dos dez
inquilinos classificados no setor informal da economia, três se declararam camelôs e
pleiteavam judicialmente sua permanência no Centro da cidade, assim trinta por
cento do setor.
Existe ainda, a categoria dos profissionais liberais: corretores, dentistas,
farmacêuticos, jornalista, médico e médico veterinário. Apesar de, não se
enquadrarem ao perfil de trabalhadores a princípio estabelecidos neste trabalho,
algumas considerações podem ser realizadas, pois também foram levantados como
inquilinos alvos de ações de despejo.
96
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Vila
Aparecida
Vila Monteiro
Não
identificado
Total
Corretor 01 - - 02 03 06
Dentista 03 01 - - - 04
Farmacêutico 01 - 01 - - 02
Jornalista 01 01
Médico 01 - - - - 01
Médico Veterinário 01 - - - - 01
Total 08 01 01 02 03 15
Quadro 9: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
enquadravam-se como profissionais liberais.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
No caso desses profissionais, observa-se também uma concentração de
ações localizadas no Centro, Cidade Nova e Estação, sendo dez processos nessas
localidades, num total de quinze ações (sessenta e seis por cento dos processos).
Havia da mesma forma, para essas profissões, preferência pelo centro, sendo que, o
sucesso desses profissionais dependia do acesso que dispensavam para sua
clientela, portanto entre os profissionais liberais, oito procuraram manter suas
residências ou estabelecimentos profissionais localizadas no Centro, representando
cerca de cinqüenta e três por cento do setor.
Entre os inquilinos que foram alvos de ações de despejo e contestaram essas
ações existem também, os profissionais que não se enquadram num setor ou em
uma determinada categoria: industrial, agricultores, dona de casa e proprietários;
processos que não descrevem a profissão do inquilino e até órgão governamental,
que não possuía sede própria e alugava residência para se instalar.
97
Bairros
Profissões
Centro
Cidade Nova
Chácaras e
Sítios
Estação
São José da
Bela Vista
Vila Nova
Vila Santos
Dumont
Total
Desconhecidos 04 02 01 01 08
Departamentos/órgãos públicos
01 01
Industrial 04 01 05
Lavrador/agricultor 13 02 02 01 01 19
Prendas domésticas 01 01
Proprietário 03 01 01 01 06
Total 26 06 03 01 02 01 01 40
Quadro 10: Relação dos inquilinos que contestaram as ações de despejo e possessórias, e
enquadrava-se em outras categorias profissionais.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro”.
Entre os inquilinos desses processos o Centro, Cidade Nova e Estação
também foram suas preferências, pois entre as quarenta ações que foram
contestadas por esses inquilinos, trinta eram dessa região da cidade (setenta e cinco
por cento) e vinte e seis referentes ao Centro da cidade, representando sessenta e
cinco por cento do total de ações.
Por fim, existiam ações que contavam com mais de um inquilino, que estão
presentes no quadro a seguir:
Bairros
Profissões
Centro
São José da
Bela Vista
Total
Doméstica/motorista 01 01
Comerciante/guarda-livros 01 01
Guarda Civil/operário 01 01
Lavrador/Funcionário Público 01 01
Total 03 01 04
Quadro 11: Relação das ações de despejo e possessórias, que contaram com mais dois
inquilinos de profissões diferentes.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal “Capitão Antonio Hipólito Pinheiro.
98
Entre esses trabalhadores existe o caso do motorista Júlio Tomas de Mello e
Elvira Ferreira de Mello, que eram casados e já foi relatado neste trabalho. E outros
três casos em que a casa foi alugada em parceria.
Nestes casos, o centro tamm foi uma prioridade para esses inquilinos, na
medida em que a doméstica, o comerciante e o guarda civil, desempenhavam
profissões já relatadas anteriormente, e precisavam residir no Centro. Entre os
quatro processos nessas condições, três eram de moradias localizadas no Centro,
portanto setenta e cinco por cento das ações de despejo.
Desta forma, a análise profissional desses inquilinos relacionada com os
bairros em que moravam, demonstrou que as ações de despejo e possessórias, na
qual foram contestadas pelos inquilinos, ficaram na sua maioria concentradas na
região central da cidade e adjacências. No entanto, as análises que foram descritas
demonstram que a atividade profissional desses inquilinos seria razão suficiente
para os trabalhadores que residiam na região central da cidade, lutassem pela
preservação dos direitos de moradia que julgavam possuir.
CAPÍTULO 3 A CIDADANIA EM SUA FACE INFORMAL.
100
O texto Cidadãos Inativos: a abstenção eleitoral
1
, de José Murilo de Carvalho,
foi pioneiro em lançar a reflexão sobre o tema específico da cidadania na História da
República no Brasil. Neste trabalho, a autor analisou a participação política do
“povo” [sic], que vivia na cidade do Rio de Janeiro logo após a instalação da
República, entre o final do século XIX e o início do XX. E concluiu que, os
seguimentos populares do Rio de Janeiro não se encontravam totalmente
descompromissados com a cidadania.
Carvalho considerou desta forma, que
O povo do Rio, quando participava politicamente, o fazia fora dos canais
oficiais, através de greves políticas, de arruaças, de quebra-quebras. Ou
mesmo de movimentos de natureza quase revolucionária, como a Revolta
da vacina. Mas na maior parte do tempo dedicava suas energias
participativas e sua capacidade de organização a outras atividades. Do
governo queria principalmente que os deixasse em paz
2
.
Maria Stela Martins Bresciani
3
afirma, no entanto, que ao fazer referência
acerca da condição da cidadania no Brasil, Carvalho também se valeu da tese “das
idéias fora do lugar”, usada por outros autores, como Sérgio Buarque de Holanda e
Oliveira Vianna, para explicar a passividade política das camadas populares
brasileira. Desta forma, a autora salienta que, para esta tradição de estudos, os
populares não foram incluídos no jogo político pelas elites e, ao mesmo tempo,
seriam retratados em uma situação parecida com a auto-exclusão da vida política
nacional, pois, por serem as idéias importadas, estas não faziam sentido com a
realidade nacional.
No entanto, essa visão da autora sobre a análise de José Murilo de Carvalho
acerca da relação popular com as instituições públicas merece melhor atenção
analisada à luz do contexto vivido no Brasil. Durante a passagem do Império para a
forma de governo republicana, no transcorrer da Primeira República e no período
posterior à Revolução de 1930, uma pergunta deve ser feita para se pensar a
questão da cidadania: qual era o significado que o Estado tinha na vida das
camadas populares?
No final do Império e durante a Primeira República, o Brasil se caracterizou
por sua população viver predominantemente na zona rural e o novo governo, de
1
CARVALHO, José Murilo de. Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral. In______. Os bestializados:
o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.66-90.
2
CARVALHO, op.cit., p. 90
3
BRESCIANI, Maria Stella Martins. O Charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira
Vianna entre interpretes do Brasil. São Paulo: Ed. Unesp. 2005, p. 306-308.
101
inclinação liberal, instalado a partir da Proclamação, que eliminou qualquer
possibilidade de extensão da participação econômica, social e política para toda a
sociedade brasileira. Desta forma, a relação econômica e social que predominava no
interior das fazendas e a segregação da participação eleitoral, restringida aos
alfabetizados, nortearam a vida das camadas populares.
Desta forma, no ambiente rural, durante a Primeira República, as relações
sociais foram realizadas a partir da proteção social, que a figura do coronel estendia
aos trabalhadores que viviam em suas terras. O sentimento de pertencimento a uma
determinada comunidade, formas de proteção social, ou o poder mais próximo
relacionado às instituições públicas que as camadas populares tiveram a
possibilidade de acessar, vieram da extensão do poder privado dos fazendeiros.
Portanto, o poder blico para os estratos inferiores da sociedade era
constantemente substituído pelo privatismo do coronel, que se apropriava do Estado
como extensão de seu poder privado
4
.
na região urbana, neste momento, a situação era diferente. Os segmentos
populares não podiam contar com os recursos privados dos fazendeiros, e a
configuração liberal dada ao governo fazia com que as instituições públicas se
tornassem um elemento estranho em seu cotidiano.
Então, em face dessa situação justifica-se a argumentação de JoMurilo de
Carvalho ao se referir à Proclamação e ao governo subseqüente instalado. As
camadas populares, quase sempre, não tinham acesso às instituições oficiais, o que
proporcionava ao Estado um papel pouco preponderante em sua vida. No campo
existia a proteção social do coronel, na região urbana o Estado era inexistente e, por
vezes, considerado uma ameaça, como na Revolta da Vacina.
Deste modo, como os segmentos populares possuem uma cultura que se
contrapõem a cultura oficial das classes dominantes, embasada em outra
racionalidade é razoável se afirmar que, o povo” “do governo queria principalmente
que os deixasse em paz”.
No entanto, ainda durante a Primeira República as transformações
econômicas redefiniram os grandes centros urbanos brasileiros. Principalmente, com
as alterações econômicas nessas cidades, o desenvolvimento da industrialização e
4
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o
público e o privado. História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 4.
102
a acentuada urbanização também contribuíram com a mudança da atuação das
camadas populares diante das instituições oficiais.
Em face da grande exploração que os trabalhadores urbanos se
encontravam, começavam a surgir, principalmente nos anos 20, pressões por parte
das camadas populares, no sentido de uma atuação mais eficaz dos poderes
públicos nas relações de trabalho
5
, na tentativa de diminuir o caráter de exploração
sobre os trabalhadores. A relação da classe trabalhadora com o Estado, aos poucos
foi se alterando, conforme o processo de industrialização e urbanização se
acentuava, mas foi somente a partir da década de 1930, que essas relações
ganharam dinâmicas novas.
Para a classe trabalhadora a mudança dos atores políticos, que derrubaram o
governo das oligarquias, foi de fundamental importância para a alteração em suas
relações com o Estado. Uma larga bibliografia, resultado de um esforço constante de
novas pesquisas aponta que, a partir desse momento foi possível aos trabalhadores
manter um espaço constante de negociações com as instituições oficiais, na
tentativa de estabelecer direitos.
A partir da década de 1930 até o colapso do Estado Novo em 1945, os
trabalhadores urbanos viveram um período de luta por novos direitos que os
incluíram dentro das esferas do poder público, alterando desta forma, as condições
da cidadania. Com o fim da ditadura varguista e o estabelecimento do regime
democrático, as possibilidades de incremento da cidadania se tornaram maiores,
mesmo com o direito de voto restrito aos eleitores alfabetizados.
Com a democratização, ocorrida a partir da desestabilização do Estado Novo,
o momento permitia não apenas lutar para a obtenção de novos direitos, mas buscar
a manutenção dos direitos existentes. Com a deposição de Vargas e o início dos
trabalhos constituintes, os trabalhadores percebiam a necessidade de defender os
direitos trabalhistas conquistados quando tinham o ex-ditador, como interlocutor
direto.
Diante da possibilidade de perder os direitos adquiridos, acreditavam que,
podiam continuar contando com Vargas como aliado, diante das pressões
promovidas pelo empresariado, na tentativa de cancelamento dos direitos
trabalhistas. Portanto, nesse momento os segmentos populares procuravam declarar
5
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro. Ed. FGV, 2005, p.
179.
103
Vargas como seu representante e interlocutor na tarefa de conduzir a
democratização do país e a Constituinte: surgia assim, o movimento queremista
6
.
No entanto, essa constante ampliação dos espaços de luta por direitos e
cidadania, contemplava apenas a realidade dos trabalhadores urbanos, pois os
benefícios o eram estendidos aos trabalhadores rurais. Desta forma, aos
trabalhadores do campo restava contar em grande medida com os mecanismos de
proteção social, fornecidos pelos empregadores, prevalecendo entre os camponeses
os traços da cultura tradicional, que caracterizavam as relações de trabalho na zona
rural.
Quando os trabalhadores rurais deixavam o campo, com a intensificação do
processo de urbanização, tinham a possibilidade de inclusão e participação
ampliadas, no entanto, portavam os elementos da cultura tradicional que traziam do
campo, como, os mecanismos de proteção social e o sentimento de pertencimento a
uma determinada comunidade.
No caso da presente pesquisa, a intenção é reconstituir a trajetória de
trabalhadores urbanos de Franca, que buscaram na justiça, a preservação dos
direitos de moradia, defendendo concepções informais de cidadania. Mas, é
necessário ter-se em mente, que tais trabalhadores foram envolvidos no processo
de urbanização e, portanto, eram portadores da cultura tradicional que trouxeram do
campo.
Quando eram inseridos nos espaços em que os trabalhadores urbanos tinham
a possibilidade de lutar pela ampliação de direitos, procuravam orientar suas ações
a partir das concepções de cidadania e práticas informais de direitos de moradia
herdadas de sua cultura rural, num processo de circularidade cultural
7
.
Nesta perspectiva, a cultura jurídica dos trabalhadores se encontrava em
constante formação. Ao trabalhador, que possuía concepções de direitos e práticas
informais de cidadania, quando entravam em contato com o universo da cultura
6
Cf. FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição
democrática de 1945. In: ______. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB a cultura política popular
1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
7
Conceito usado pelo historiador Carlo Ginzburg, que define as relações entre a cultura erudita das
classes dominantes e a cultura popular das classes populares da sociedade. Segundo o autor, a
cultura erudita não é imposta pelas classes dominantes às classes populares, numa relação unilateral
de “cima para baixo”, mas sim dentro de um processo de circularidade cultural. As classes populares,
segundo o autor, possuem uma cultura que lhe é própria e definida a partir de concepções e modos
de vida, mas quando entram em contato com a cultura erudita retiram alguns elementos de acordo
com suas reais necessidades. Mas, nesse processo as classes dominantes também se apropriam de
elementos pertencentes à cultura popular, que tamm é responsável pela redefinição de sua cultura.
104
erudita ou das instituições oficiais, procurava retirar elementos dessa cultura
segundo os seus costumes e cotidiano, contribuindo para a formação de sua cultura
jurídica.
Portanto, a análise das concepções de direitos dos inquilinos francanos será
realizada a partir da cultura jurídica formada entre os segmentos populares. Com a
apropriação de alguns elementos presentes no universo legal, que os segmentos
populares retiravam da legislação, os trabalhadores tentavam salvaguardar direitos,
procurando as instituições oficiais na tentativa de endossar suas concepções de
cidadania.
3.1 As categorias profissionais organizadas e a luta pela moradia.
Entre as primeiras trajetórias reconstituídas e analisadas serão daqueles
trabalhadores, que ao serem processados, se definiriam em categorias profissionais,
que naquele momento, possuíam organização sindical em Franca
8
. Entre essas
categorias, estão os seguintes sindicatos:
Sindicato Ano de Fundação
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias
da Região Mogiana
1932
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção
e do Mobiliário de Franca
1933
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos
de Couro de Franca
1937
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de calçados
de Franca
1940
Sindicato dos Condutores dos Veículos Rodoviários de
Franca
1943
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Gráficas de
Franca
1946
Sindicatos dos Condutores Autônomos de veículos
Rodoviários de Franca
1958
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de
Alimentação de Franca e Patrocínio Paulista
1959
Quadro 1 Relação dos Sindicatos de Franca entre 1945 e 1960.
8
ALVES, Elisabete Aparecida. Organização operária em Franca e o serviço social. 1983. 79 f.
Monografia (Graduação em de Serviço Social) – Instituto de História e Serviço Social, Universidade
Estadual Paulista, Franca, p. 50-52.
105
Entre esses trabalhadores, destaca-se a trajetória do serralheiro Nicolau
Gardelini, de nacionalidade italiana, casado e que no ano de 1946 foi processado
por Pio Severiano da Silva, proprietário do imóvel que residia, situado à Rua
Campos Sales, número novecentos e oitenta e três, centro de Franca
9
. De acordo
com o inquilino, a casa foi alugada no ano de 1935 e reformas foram realizadas no
imóvel, com a construção de um galpão, que serviu para a instalação da oficina de
serralheria que, segundo ele, foi a fonte para o seu sustento e para o pagamento
dos aluguéis, durante os onze anos que residiu no imóvel.
O proprietário iniciou, então, uma ação ordinária de despejo contra o inquilino
alegando que, apesar do aluguel estar em dia o inquilino não era pontual nos
pagamentos. No entanto, a ão de despejo foi justificada mediante a necessidade
que o proprietário afirmou de ter do imóvel para uso próprio. Disse que, juntamente
com sua esposa, possuía idade avançada e necessitava de freqüentes cuidados
médicos, sendo que a residência do médico Antonio Peixe e, genro do proprietário,
que lhes assistiam, se localizava ao lodo do prédio alvo do despejo.
Citado pelo Oficial de Justiça, o inquilino contestou a ação. Disse que, estava
com os alugueis pagos pontualmente, e que no pedido inicial o proprietário fez
referência da necessidade do prédio para uso próprio, mas na notificação para
desocupação do imóvel afirmou ser o prédio de necessidade para seu filho, portanto,
destacou que, ao proprietário faltou sinceridade quando realizou o pedido de
desocupação do prédio. Destacou ainda, que aos fundos da residência ocupada
pelo proprietário, naquele momento, residiam sua filha e genro, que poderiam
também assistir-lhe, já que, segundo o inquilino, eram farmacêuticos.
Continuou ainda, na contestação afirmando que, realizou construções
próprias no prédio alugado sem o auxílio do proprietário, onde mantém sua oficina,
sendo, portanto, inviável a realização de uma mudança rápida, em virtude da falta de
imóveis disponíveis para aluguel na cidade, e ainda com instalações que
permitissem abrigar sua oficina. Pelas reformas encontrava-se amparado pela
primeira parte do artigo 1.199 do digo Civil combinado com o § 3º do artigo 63. Os
artigos mencionados são os seguintes
10
:
9
Nicolau Gardelini,Pio Severiano da Silva. Ação Ordiria de Despejo. Caixa 301, Processo 2295,
1946.
10
As citações que seguem não foram colocadas no processo, somente foram mencionadas as leis.
106
”Art. 1.199. Não é cito ao locatário reter a coisa alugada, exceto no caso de
benfeitorias necessárias [...]”
11
. “Art. 63. As benfeitorias podem ser voluptárias, úteis
ou necessárias. [...] § São necessárias as que m por fim conservar a coisa ou
evitar que se deteriore”
12
.
No decorrer do processo defendeu ainda,
Que dada a dificuldade de prédios para a residência, o Magistrado poderá
julgar inoperante “qualquer notificação extra-judicial de locador a locatário,
ainda mesmo que a citação se apresente em forma de carta enviada por
intermédio de oficial de Registro de Títulos e Documentos.
13
Nicolau Gardelini fez assim, uma referência à notificação enviada pelo
proprietário, para que o prédio fosse desocupado, que foi realizada pelo cartório e
não por vias judiciais, ou seja, a notificação para a desocupação do imóvel era feita
por meios extra-oficiais.
Sobre a questão da citação extrajudicial, foi anexado ao processo um artigo
que trata do tema publicado pelo Diário da Noite
14
. O jornal, com sede na cidade do
Rio de Janeiro, noticia um caso parecido com a situação enfrentada pelo serralheiro,
apresentando o seguinte título:
Contra os gananciosos a Justiça do Distrito federal
“Não é possível expor os inquilinos ás burlas e manobras dos proprietários”
Inaceitáveis as notificações de despejo extra-oficiais –– O juiz fulminou
numa sentença, uma pratica abusiva e terrorista usada por certos
locadores
15
Portanto, esse artigo expõe a conclusão de uma ação de despejo realizada no
Rio de Janeiro, em que o juiz declarou improcedente a ação, pois, o proprietário
realizou uma notificação extrajudicial por meio do Cartório de Ofícios. Segundo o
artigo, uma citação extra-oficial não deveria ser aceita pelo Judiciário, como no caso
do magistrado carioca, ação específica que é comentada no artigo de jornal. Assim,
o inquilino Nicolau Gardelini, se utilizou das impressões que o jornalista apresentou
sobre o caso como reforço de sua argumentação: a aceitação de ações de despejo
por parte do Judiciário sem a notificação judicial não deveriam ser aceitas, pois [...]
não é possível expor o inquilino pontual às burlas e manobras do proprietário ou do
11
BRASIL. Código Civil. In: CAHALI, Yussef Said (Org.) Código Civil, Código de Processo Civil,
Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.353
12
Ibid., p. 226
13
Nicolau Gardelini, Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2295, 1946. f. 8v.
14
Cf. ABREU, Alzira Alves de. et al Dicionário histórico-bibliográfico brasileiro: Pós-1930. 2. ed.
Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001, v. 2, p. 1846-1847.
15
CONTRA os gananciosos a justiça do Distrito Federal. Diário da Tarde. Cf. Nicolau Gardelini, Pio
Severiano da Silva, op.cit., p. 19.
107
sub-locador de má a constante ameaça de ação de despejo temerária , e aos
vexames e incômodos de uma tal demanda [...]”
16
Em seguida, o proprietário fez uma apreciação da contestação. Afirmou que,
a intenção do inquilino em realizar a contestação seria ganhar tempo. Disse ainda,
que o inquilino não era pontual com o pagamento dos aluguéis, mas não havia como
demonstrar a falta de pontualidade, visto que os recibos eram fornecidos com a data
do vencimento do aluguel e não com a data de seu pagamento. Por fim, disse que
na notificação, pediu o prédio para o uso de seu filho, mas que no momento quem
realmente precisava do prédio era o proprietário, sendo o “[...] resultado de sua
conveniência [...]”
17
.
Ao terminar a apreciação que o proprietário realizou acerca da contestação, o
juiz emitiu o despacho saneador: disse que “A propositura de qualquer ação deve se
basear em interesse atual no início da mesma”
18
, o que não permite que o
proprietário notifique o inquilino a deixar o prédio para o uso de seu filho, e na inicial
reclame o prédio para o uso próprio. Ainda apontou que, a procuração fornecida pelo
proprietário ao seu advogado possuía irregularidades, pois não foi concedida para
esse processo específico, mas para outras questões anteriores.
Então, o Juiz Atugasmim Médice Filho afirmou, [...] não existir legítimo
interesse moral para a propositura da demanda de despejo em que é autor PIO
SEVERIANO DA SILVA E RÉU NICOLAU GARDELINI [...]”
19
, julgando ação de despejo
improcedente.
Mesmo que, naquele momento, Nicolau Gardelini o estivesse enquadrado
profissionalmente na condição de operário ou vinculado em alguma empresa, pois
trabalhava em uma oficina instalada em sua própria casa, o inquilino declarou-se
como serralheiro, categoria profissional que estava organizada no Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Franca. Apesar de,
não se encontrar pessoalmente vinculado à instituição sindical que representava sua
profissão, era possível que o inquilino Nicolau Gardelini sofresse certa influência em
suas concepções de direitos por parte do movimento trabalhista organizado,
estendendo-se até mesmo para toda a categoria, o estando o trabalhador
necessariamente na condição de empregado.
16
CONTRA, op.cit., p. 19.
17
Pio Severiano da Silva. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2295, 1946.
18
Atugasmim Médice Filho. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2295, 1946, f 22.
19
Ibid., f. 22v.
108
No momento em que Nicolau Gardelini se deparou com a notificação para que
deixasse o prédio alugado, que consistia em sua residência e oficina de trabalho
optou por descumprir o pedido do proprietário e tentar permanecer no imóvel,
mesmo que, sua atitude decorresse em uma ação de despejo.
Diante do risco de ter o despejo decretado, depois de onze anos estabelecido
naquela residência, quando Pio Severiano da Silva resolveu lhe processar, sua
argumentação orientou-se, em princípio, a questionar a real necessidade que o
proprietário tinha em residir no imóvel, destacando que a notificação não o definia
como beneficiário da desocupação, mas seu filho.
Dois fatores importantes estão presentes na argumentação do inquilino, que
nos permite entender a concepção dos direitos de moradia, que possuía naquele
momento. Em primeiro lugar, o destaque das construções realizadas, que lhe
permitiu alojar sua oficina, portanto, seu local de trabalho, lhe permitindo o amparo
reservado ao trabalhador, pois destacou que durante os onze anos que esteve no
imóvel retirou seu sustento e os pagamentos dos aluguéis do trabalho desenvolvido
naquela oficina. O amparo destinado ao trabalhador, esteve presente na ideologia
trabalhista, argumento defendido por Ângela de Castro Gomes. Segundo a autora, a
ideologia trabalhista defendeu o discurso de proteção ao trabalhador, pois este seria
o responsável pela grandeza e crescimento da nação e, portanto, o trabalhador
deveria ser gratificado. No entanto, a tarefa do trabalhador consistia no desempenho
ordeiro de seu trabalho
20
. Portanto, em seu entender a condição de trabalhador lhe
garantia direitos e, desta forma, seu local de trabalho deveria ser assegurado.
Associada a essa questão existe o segundo fator enfatizado por Nicolau
Gardelini, que era a falta de moradias para aluguel na cidade, inviabilizando uma
mudança rápida com sua oficina. Ao declarar ao juiz que possuía dificuldades para
encontrar outro imóvel que lhe permitisse deslocar sua residência e oficina, o
inquilino procurava o amparo do Judiciário, na tentativa que o magistrado se
tornasse solidário com seu problema, já que a situação transcendia sua vontade.
Para o inquilino, a mudança repentina poderia prejudicar o cumprimento de suas
obrigações profissionais, afastando-o de seu trabalho, até que um novo prédio fosse
encontrado e sua oficina instalada.
20
GOMES, op.cit., p. 2005, 226-233.
109
Ambos os fatores que, pertencem ao universo das concepções e práticas
informais de direitos do inquilino associadas às noções jurídicas que foram
apropriadas de acordo com suas necessidades, nos permitem perceber sua cultura
jurídica. Assim, a partir dessa cultura jurídica, o inquilino buscou preservar os direitos
de moradia: as concepções informais de direitos, que eram as construções
realizadas no prédio, associada com a impossibilidade de locomoção instantânea
para outro local, na tentativa de buscar a cidadania que a condição de trabalhador
lhe fornecia; e a dimensão formal emprestada à ão quando o inquilino invoca o
amparo que julgava possuir pela legislação, no caso era o Código Civil. Neste caso,
a dupla dimensão diz respeito à formação da cultura com o caráter brido, que
Carlo Ginzburg
21
atribuiu às classes populares.
Neste mesmo sentido, o artigo de jornal anexado, que retratava um caso de
despejo na cidade do Rio de Janeiro, apresentava semelhança com que Nicolau
Gardelini estava vivendo, demonstrando aspectos de sua cultura jurídica. Neste
recorte de jornal, integrado ao processo, destaca-se a opinião de que o Judicrio
deveria se prevenir contra as pretensões dos proprietários em burlar a lei do
inquilinato, e colocar a moradia dos inquilinos na situação de risco. A idéia exposta
seria de não permitir que proprietários motivados pela “má fé”, continuassem exercer
ameaças de despejos aos inquilinos, que seriam expostos nestes casos a situações
incomodas e vexatórias.
No entanto, Ângela de Castro Gomes reforça a idéia da constante difusão da
legislação trabalhista, a partir do início da década de 1940
22
, e John French
argumenta que a CLT proporcionou ao trabalhador o aprimoramento de sua cultura
política, quando estes buscavam reivindicar os direitos através do judiciário, ou com
a formação de uma cultura jurídica entre os trabalhadores
23
. Desta forma, esta
reportagem reforça o argumento, que a partir do final do Estado Novo, o trabalhador
estava em contato constante com o universo da legislação trabalhista, que o colocou
21
A proposição de Carlo Ginzburg acerca da Circularidade Cultural pode ser encontrada no livro O
Queijo e os Vermes, na qual é reconstituída, por meio do método da microanálise, a trajetória de um
sujeito histórico pertencente à classe popular. No entanto, tal indivíduo manteve contato com a cultura
erudita e formou uma nova visão de mundo a partir dos elementos filtrados da cultura própria dos
estratos superior da sociedade. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de
um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Cia. das Letras, 2006.
22
GOMES, op.cit., p. 211-216.
23
FRENCH, John D. Afogados em Leis: A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
110
em posição de lutar por seus direitos, mas que não se resumiram às questões que
envolvessem o mundo do trabalho, podendo chegar a outras esferas de sua vida.
A própria integração do inquilino ao judiciário, buscando nas instituições
oficiais meios para a preservação dos direitos de moradia, mostra em quais
condições a cidadania estava sendo alcançada. Merece destaque, a percepção de
que, a garantia dos direitos civis pode ser observada mediante a reivindicação de
direitos que o inquilino faz por meio da Justiça
24
.
Por fim, o juiz considerou não existir “interesse moral” na ação que era
movida por Pio Severiano da Silva contra Nicolau Gardelini, julgando que, o
processoo possuía condições de prosseguir. Portanto, as instituições oficiais
estavam endossando a visão do inquilino com relação aos seus direitos e,
principalmente, quando o inquilino afirma existir falta de sinceridade do proprietário
na realização do pedido de desocupação do prédio.
A decisão judicial que indeferiu o prosseguimento da ação de despejo movido
contra o inquilino Nicolau Gardelini, aconteceu em Julho de 1946, no entanto, o
proprietário não se conformou com o resultado alcançado nesta ação. Pio Severiano
da Silva enviou uma nova notificação ao inquilino, para que deixasse o imóvel em
três meses, prazo determinado pela lei do inquilinato, mas desta vez declarando
precisar do imóvel para uso próprio.
Novamente o inquilino decidiu continuar no imóvel e uma nova ação de
despejo foi iniciada em Novembro do mesmo ano
25
. O proprietário utilizou os
mesmos argumentos da ação de despejo anterior: alegou necessitar do prédio para
uso próprio em virtude da idade avançada, que tanto ele, como sua esposa
possuíam. Portanto, como precisavam de constantes cuidados médicos resolveram
se mudar para o imóvel ao lado da residência do médico Antonio Peixe e, genro do
casal proprietário, que lhes assistia.
Requereu, desta forma, que o inquilino fosse citado,
[...] a fim de que, se quizer, conteste o pedido, na forma legal, sendo certo
que não lhe assiste direito algum de retenção do imóvel, como já pretendeu
de outra feita, por isso que não tem ele benfeitoria alguma ali construída
com ou sem autorização do suplicante
26
.
24
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
9, n. 18, 1996, p. 355.
25
Nicolau Gardelini, Pio Severiano da Silva. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2328,
1946.
26
Pio Severiano da Silva. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2328, 1946 f. 2.
111
o inquilino, ao receber o mandato judicial para que desocupasse o imóvel
ou contestasse a ação de despejo, preferiu contestar a sair da residência alugada.
Na contestação, Nicolau Gardelini insistiu que, vivia a onze anos no imóvel,
mantinha sua oficina no local, e afirmou que o proprietário queria lhe despejar sem
motivos. Declarou ser verdade que o imóvel alvo do despejo se localizava ao lado da
residência de Antonio Peixe, médico e genro do proprietário. Mas, acentuou que o
proprietário possuía outra casa, localizada à Rua Monsenhor Rosa em frente à
Praça Nossa Senhora da Conceição, que ficava ao lado do consultório de Antonio
Peixe.
Na concepção do inquilino, Pio Severiano da Silva poderia continuar morando
no imóvel em que estava instalado, pois no momento que precisasse de cuidados
poderia contar com a assistência de se outro genro, que era farmacêutico e morava
aos fundos desta residência. Disse ainda que, Pio Severiano da Silva não estava
sem amparo médico, já que não era grande a distância entre a residência de Antonio
Peixe e o imóvel que estava habitando, que tamm era de sua propriedade.
Por fim, destacou que não poderia fazer sua mudança rapidamente, pois era
difícil encontrar outro imóvel com condições de abrigar sua oficina. Reclamou as
benfeitorias realizadas no prédio e solicitou a realização de uma perícia no prédio
para avaliar suas condições, assim como as benfeitorias construídas.
Depois da contestação o proprietário enviou uma petição solicitando que a
data da audiência fosse antecipada, pois seu estado de saúde não era bom e
precisava do imóvel no menor espaço de tempo possível. Solicitou ainda que, fosse
autorizada a nomeação do médico Alberto Ribeiro Conrado para realizar uma
avaliação médica, já que afirmou possuir um precário estado de saúde.
Com relação ao pedido de avaliação pericial no imóvel, o juiz determinou que
se achassem conveniente, ambas as partes poderiam indicar os peritos
responsáveis pela vistoria no imóvel e apresentar os quesitos para avaliação das
benfeitorias. Já, o pedido de nomeação do médico para realizar a perícia no estado
de saúde do proprietário foi indeferido, pois segundo o juiz a solicitão foi realizada
fora do prazo. A data da audiência não foi alterada, sendo realizada no dia
anteriormente indicado.
Somente Nicolau Gardelini enviou as questões para avaliação pericial e o
proprietário nem mesmo indicou o profissional para que respondesse aos quesitos
do inquilino. O perito indicado pelo inquilino foi o pedreiro Luiz Carrara, que havia
112
acompanhado parte das obras realizadas no imóvel. Ao perito o inquilino perguntou
se havia sido construído um barracão ao lado da casa, se posteriormente outra obra
foi feita no local com o objetivo de ampliá-lo e quem se responsabilizou pelo
pagamento dos serviços prestados.
Perguntou ainda, se a casa foi envidraçada, colocados os rodapés e
fechaduras, que estavam faltando, feitos os reparos na rede elétrica e nas
instalações hidráulicas e, por fim, construído um novo tanque. Pediu ainda que,
fosse arbitrado o preço destas benfeitorias, descontando-se o valor das escoras
para o telhado utilizadas na construção, que foram cedidas pelo proprietário.
No laudo fornecido pelo pedreiro Luiz Carrara, depois de feita a vistoria no
imóvel, encontra-se a afirmação de que as obras de construção e ampliação do
barracão foram arcadas pelo inquilino, com a exceção dos esteios fornecidos pelo
proprietário. Na questão dos vidros e rodapés disse que, foram colocados depois da
entrada do inquilino no imóvel, mas não tinha como saber se esses melhoramentos
foram pagos por Gardelini. com relação aos trincos e fechaduras, assim como as
lanternas e luminárias afirmou que, existiam indícios de terem sido feitos pelo
inquilino, pois eram de ferro batido, portanto, fabricados por profissional do mesmo
ofício de Nicolau Gardelini. Por fim, também afirmou serem as melhorias hidráulicas
posteriores ao início da locação e calculou o valor das melhorias, que segundo
consideração do perito, foram necessárias ao estado de conservação do prédio.
Depois que a vistoria foi concluída e o laudo pericial entregue iniciou-se os
trabalhos de audiência e julgamento da ação de despejo com o depoimento de Pio
Severiano da Silva, Nicolau Gardelini e Luiz Carrara.
O proprietário disse que, sofria de cataratas e sempre havia morado em
fazendas. Como estava, naquele momento, residindo na Fazenda Monte Alegre,
Antônio Peixe deixava constantemente seus afazeres para atendê-lo. Confirmou a
posse do imóvel situado à Rua Monsenhor Rosa, mas afirmou estar o imóvel, na
parte superior, ocupado com a residência de seu filho e no andar térreo estava
estabelecido o consultório de seu genro.
Com relação à locação, disse que em função da idade avançada não cuidava
mais pessoalmente de seus negócios, estando seu filho a cargo dessas questões.
Mas, que no início da locação a negociação foi feita diretamente com Angelina
Miglioranza, mulher de Gardelini, pois o casal encontrava-se separado.
Posteriormente o inquilino e sua esposa se reconciliaram e Gardelini tamm
113
passou a morar no imóvel, construindo o barrao para abrigar sua oficina de
serralheria. Destacou assim o proprietário, que a única benfeitoria realizada na casa
foi este barracão, afirmando que forneceu os materiais para a construção e pagou
pela mão de obra ao inquilino, com o desconto de três meses de aluguel.
Nicolau Gardelini confirmou a localização do imóvel ao lado da residência
do médico Antonio Peixe e admitiu estar em atraso com o pagamento dos aluguéis,
pois, o recebimento foi recusado pelo proprietário. Afirmou que, ao entrar no imóvel
colocou trincos e fechaduras nas portas, vidros, rodapés e trocou a instalação
elétrica. Com relação à construção do barracão o inquilino afirmou que, proprietário
descontou três meses de aluguel para pagamento da mão de obra e ajudou na
ampliação do espaço, fornecendo cinco esteios e onze caibros para o telhado do
barracão ampliado.
Antes das testemunhas, depôs o perito Luiz Carrara, designado pelo inquilino.
No depoimento disse não saber quem arcou com o pagamento da mão-de-obra na
construção do barracão e pelo fornecimento dos materiais, mas presume ter sido o
inquilino. Argumentou que as benfeitorias foram realizadas depois do início da
locação, e eram necessárias para a conservação do prédio, mas não estava interado
dos acordos entre proprietário e inquilino para construções e reformas.
Primeiramente, foram ouvidas as testemunhas do proprietário. Entre os
depoimentos foram levantadas as informações de que, o proprietário residia na
Fazenda Monte Alegre, mas a testemunha Higino Marcelino Gomes disse que o
proprietário “[...] costumava ficar arranchado numa casa nesta cidade na companhia
de seus filhos, numa casa situada em frente a igreja [...]”
27
, que segundo a
testemunha tamm era de propriedade de Pio Severiano da Silva. Posteriormente o
advogado do inquilino perguntou a testemunha, se o proprietário morava na fazenda
o que entendia por “arranchado”, respondendo que no seu entender significava
passar alguns dias na cidade em companhia dos filhos.
No geral as testemunhas consideravam necessária a mudança de Pio
Severiano da Silva para uma residência estabelecida na região urbana, pois no
estado em que se encontrava, achavam difícil a vida no campo, sendo mais
apropriado a casa vizinha ao médico Antonio Peixe, que estava proporcionando-lhe
27
Higino Marcelino Gomes. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2328, 1946, f. 35
114
assistência. Disseram saber que, o proprietário possuía outros imóveis na cidade,
mas não souberam se estava em litígio com algum outro inquilino.
Destacaram ainda que, a casa alvo do despejo havia sido reformada pelo
proprietário, antes de iniciada a locação com a mulher de Gardelini, que segundo a
testemunha João Constantino Junqueira não estava mais vivendo na casa, pois o
casal havia se separado novamente. Por fim, foi dito que na construção do barracão
houve a colaboração de Pio Severiano da Silva, com o fornecimento das estruturas
de madeira para a composição do telhado. Encerrou-se assim, o depoimento das
testemunhas do proprietário para começar em seguida as considerações
testemunhais do inquilino.
No geral as três testemunhas afirmaram que, Pio Severiano da Silva estava
morando na região urbana de Franca, pois confirmaram terem visto o proprietário
instalado no imóvel situado em frente à Praça Nossa Senhora da Conceição, que
segundo eles, era mais uma das residências que Severiano da Silva possuía na
cidade. Confirmaram saber da ação de despejo movida pelo proprietário contra
Gardelini, mas desconhecendo os motivos, com exceção da testemunha Romeu
Serafim, que afirmou saber que a causa do litígio era a alegação do proprietário de
precisar do imóvel para uso próprio.
Desta forma, destacou em seu depoimento que no seu “entender [...] Pio
Severiano da Silva não tem necessidade do prédio despejando porquanto é o dito
autor [da ação de despejo] proprietário de vários prédios nessa cidade [...]”
28
,
afirmando ainda, que presenciou a permanência do proprietário na cidade por conta
de serviços de reparação, realizados no prédio localizado na Praça central da
cidade. Disse que, além de presenciar a permanência de Pio Severiano da Silva,
neste outro imóvel de sua propriedade, poderia confirmar tê-lo visto transitando pela
cidade. No entanto, continuou apontando que, em função de uma construção
empreitada que vinha fazendo para o proprietário, poderia confirmar que por volta de
três meses Severiano da Silva havia voltado para a fazenda, vindo à cidade para
fiscalizar a obra, instalando-se na companhia do filho. As testemunhas disseram
ainda saber, das benfeitorias realizadas no imóvel e da construção do barracão,
julgando-as como necessárias.
28
Romeu Serafim. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2328, 1946, f. 41v.
115
No entanto, durante o depoimento das testemunhas o advogado de Severiano
da Silva procurou saber a condição civil de Nicolau Gardelini, ou seja, se ainda
estava casado com Angelina Miglioranza ou havia se separado novamente. Na
resposta as testemunhas afirmaram que o inquilino estava vivendo no imóvel sem
sua família, pois estava separado da mulher.
Depois do depoimento das testemunhas do proprietário e do inquilino foi
marcada uma nova audiência para o julgamento da ação de despejo movida por
Severiano da Silva contra Gardelini. Nesta audiência foi entregue ao juiz, por ambas
as partes, os respectivos memoriais descritivos de seus argumentos.
Em seu memorial o proprietário afirmou, ter notificado o inquilino e lhe movido
a presente ação de despejo, pois necessitava do prédio para uso próprio, no
entanto, apesar de todos os esforços e mesmo o inquilino morando sozinho, não
conseguiu reaver o imóvel. Reiterou que no seu estado de saúde precisava se
transferir da fazenda, onde estava morando, para a região urbana de Franca e
mesmo possuindo diversos prédios somente este vinha ao encontro de suas
necessidades médicas, pois estando ao lado da residência do médico Antonio Peixe
o imóvel era o que melhor lhe convinha.
O proprietário usou ainda o espaço do memorial para desqualificar o perito e
o laudo por ele emitido. Disse que, Luiz Carrara o poderia ter sido indicado para
perito na ação, pois não era brasileiro e sim italiano, exercia a profissão de pedreiro
e não tinha licença para tal. Segundo o memorial do proprietário a intenção do
inquilino com o laudo pericial era se valer das benfeitorias para conseguir a retenção
do imóvel até que os melhoramentos fossem pagos, portanto, usados de forma a
protelar a execução do despejo. Salientou que, apesar dos esforços de Gardelini e
Carrara para evidenciar as benfeitorias e impedir o despejo o perito foi contraditório,
com afirmações que se contrastavam no laudo pericial com o depoimento prestado
na audiência.
Por fim, Severiano da Silva passou a contrapor os argumentos utilizados pelo
inquilino para impedir o despejo: a retenção do imóvel pelas benfeitorias realizadas e
a atual residência do proprietário. Disse que, o direito de retenção do prédio,
requerido pelo inquilino por conta das benfeitorias, não procedia, pois o próprio
Gardelini teria reconhecido que o proprietário forneceu as madeiras utilizadas na
estrutura do telhado e concedeu desconto de três meses de aluguel para o
pagamento da mão-de-obra.
116
com relação à questão de sua residência, Pio Severiano da Silva destacou
que ter sido visto pelas testemunhas de Gardelini na casa de seu filho não provaria
que ali estivesse estabelecida sua moradia. Reafirmou que, sempre morou na região
rural e naquele momento residia na Fazenda Monte Alegre, mas quando foi visto na
região urbana, hospedado na casa de seu filho, foi deduzido pelas testemunhas que
ele o estaria mais na fazenda. O proprietário disse assim, que estava sendo
sincero no momento que requisitou a desocupação do prédio para uso próprio.
Nicolau Gardelini tamm enviou um memorial descritivo com os argumentos,
que julgou necessários para impedir o despejo. Inicialmente, o inquilino narrou os
antecedentes que envolveram a ação movida contra si por Severiano da Silva,
alegando ter alugado o imóvel quase doze anos antes do início do processo.
Continuou afirmando que, foi processado anteriormente pelo proprietário, que
também queria despejá-lo do imóvel, no entanto alegando o mesmo motivo, ou seja,
a necessidade do prédio para uso próprio. Mas, como notificou o inquilino para que
desocupasse o prédio para o uso de seu filho, a ação foi julgada improcedente pelo
juiz.
Portanto, Gardelini afirmou que o proprietário não conseguiu despejá-lo e, por
isso tentou novamente, entretanto, emitindo uma nova citação ao inquilino e
alegando ser ele próprio o beneficiário da desocupação do imóvel. Sua atenção
voltou-se para o argumento da ação ser fundamentada na necessidade que o
proprietário possuía de reaver o imóvel para uso próprio, no entanto, destacou que
Severiano da Silva estava instalado em outra residência, de sua propriedade situada
na praça central da cidade. Disse que, diante da intenção de despejar um inquilino,
que estava estabelecido quase doze anos naquela residência e com os aluguéis
pagos pontualmente, as provas de necessidade do imóvel para uso próprio foram
insuficientes, pois com auxílio de testemunhas foi dito que o proprietário sofria de
cegueira e possuía idade avançada. Assim, destacou a falta de sinceridade do
proprietário, pois [...] o Dr. Antonio Peixe não é médico oculista
e nem especialista
na cura dessa nova ‘doença’ ora apresentada sob o nome de ‘idade avançada
[...]”
29
.
com relação às benfeitorias realizadas no prédio, o memorial do inquilino
consta que seria desnecessário lhes fazer referência, pois o proprietário não havia
29
Nicolau Gardelini. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2328, 1946, f. 48v.
117
provado sua real necessidade na desocupação do prédio, no entanto, como elas
foram questionadas pelo proprietário sua existência seria ali provada. Assim,
esclareceu a situação da construção e ampliação do barracão, que serviu para a
instalação da oficina de serralheria. Segundo Nicolau Gardelini, o espaço foi
construído por sua iniciativa, no entanto, com o desconto de três meses de aluguel
para o pagamento da mão-de-obra empregada na construção. no momento em
que o espaço foi ampliado, o inquilino afirmou que a contribuição do proprietário se
restringiu no fornecimento dos materiais para a estrutura de madeira do telhado.
Nas demais benfeitorias, que segundo o perito foram realizadas
posteriormente ao início da locação, como os trincos, fechaduras, tanque, vidros,
rodapés, reformas no telhado e nas instalações elétricas, o inquilino alegou não ter
recebido nenhum tipo de ajuda do proprietário, solicitando desta forma, que as
reformas fossem consideradas e os valores estabelecidos na avaliação pericial
pagos. Desta forma, solicitou diante da falta de sinceridade que atribuiu ao pedido
do proprietário, que a ação fosse julgada improcedente, podendo o inquilino
permanecer no imóvel.
Por fim, após a apreciação do memorial o juiz proferiu a sentença: disse que,
as testemunhas do proprietário conseguiram provar o estabelecimento de sua
residência na Fazenda Monte Alegre, ao passo que quando foi visto na cidade
estava em visita ao seu filho. Por outro lado, as testemunhas do inquilino não
conseguiram determinar o local da residência de Severiano da Silva. Na questão das
benfeitorias, as julgou como úteis e não necessárias, não permitindo, desta forma, a
concessão do direito de retenção do imóvel, pois caso as benfeitorias fossem
consideradas necessárias o imóvel seria retido até que os gastos com a reforma
fossem ressarcidos. No entanto, o juiz considerou que o inquilino poderia requerer a
indenização pelos gastos nas construções e reformas em outra ação, que deveria
mover contra o proprietário. Assim, a ação de despejo movida por Pio Severiano da
Silva contra Nicolau Gardelini foi julgada procedente, determinado que o inquilino
desocupasse o prédio em trinta dias sob pena de realização do despejo caso o
deixasse o imóvel.
Neste novo processo, Nicolau Gardelini expôs suas concepções de direito de
moradia, quando afirmou não ter condições de providenciar sua mudança, que
não era possível remover sua oficina, que estava instalada naquele local há quase
doze anos, em um período de tempo restrito. Desta forma, o inquilino procurava
118
amparo legal baseando-se no tempo de duração da locação, pois acreditava contar
com direito de permanecer no imóvel, adquirido em função do largo espaço de
tempo que residia no local, pagando os aluguéis e ocupando o imóvel de maneira
útil.
Somada a esta questão, encontra-se a preocupação de Gardelini em
resguardar o local de trabalho, ou seja, sua oficina de serralheria, preservando
também os investimentos empregados na construção, ampliação e manutenção
desse espaço dedicado ao trabalho. Portanto, Gardelini estava defendendo a
preservação do trabalho e os direitos que a condição de trabalhador lhe conferia,
vindo assim, ao encontro do discurso presente na ideologia trabalhista.
As benfeitorias realizadas no prédio podem tamm indicar a pretensão do
inquilino em continuar no prédio alugado, pois no momento em que investiu na
melhoria das condições físicas do imóvel e não cobrou pelos gastos empreendidos,
Gardelini procurava maior conforto e investia em infra-estrutura para seu próprio
consumo e benefício. Mas, quando se viu ameaçado pela ação de despejo movida
por Pio Severiano da Silva, o inquilino tentou usar as benfeitorias como recurso para
permanecer no imóvel em duas circunstâncias.
A primeira, diz respeito à concepção informal de direito do inquilino, que
durante o espaço de aproximadamente doze anos viveu no imóvel, pagou os
aluguéis, e realizou as reformas necessárias, proporcionando desta forma,
condições ao imóvel que satisfizesse suas necessidades. Assim, Gardelini julgava
possuir condições de permanecer no imóvel e ter sua posição resguardada, pois o
tempo de permanência no imóvel com aluguéis pagos e as reformas lhe concederia
direitos.
No entanto, as benfeitorias contemplavam os elementos legais que foram
relacionados no processo e envolveram a segunda esfera da questão. Vindo ao
encontro das concepções informais de direito de Gardelini, as benfeitorias foram
investidas de justificativas legais, que buscavam a efetivação de um direito, que a
princípio estavam restritas a concepção do inquilino, mas que durante o processo
forma utilizadas para a obtenção do objetivo central da defesa de Gardelini, ou seja,
a continuidade da locação.
A integração da concepção de direito do inquilino aos elementos legais, que
foram usados pelo advogado, quando emprestou linguagem jurídica ao litígio,
contribuiu possivelmente para formação da cultura jurídica do inquilino. Gardelini,
119
que possuía noções de direitos fundamentadas na cultura, que era própria das
classes populares, baseada no cotidiano e nos costumes, entrou em contato com a
cultura oficial, formal e erudita, presente na legislação
30
. Consequentemente, o
inquilino retirou elementos da legislação para tentar garantir direitos, mas formando,
a partir de um processo de circularidade cultural, uma nova combinação, que
contribuiria com o aprimoramento de sua cultura jurídica e, portanto, com o exercício
da cidadania.
Desta forma, para Gardelini a afirmação do proprietário de necessitar do
prédio para uso próprio e seus argumentos para requerer o despejo, seriam
insuficientes para retirar um inquilino pontual, que viveu no imóvel por
aproximadamente doze anos, realizou benfeitorias, o que proporcionou mais
capacidade de utilização do prédio, conforto e condições ao exercício de sua
profissão.
Ainda, presente no processo, existe um elemento que merece destaque: a
indicação de Luiz Carrara para perito, que a princípio não teria os requisitos técnicos
para o exercício da função, como foi reclamado, até mesmo pelo proprietário. No
entanto, é necessário lembrar que, Carrara era de nacionalidade italiana, tal como
Gardelini, e exercia a profissão de pedreiro e, desta forma, é possível que a
indicação do perito pelo inquilino tivesse sido realizada, baseada nos laços de
solidariedade existentes entre os trabalhadores de procedência operária, ou
organizados em sindicatos e associações.
Mesmo que, Gardelini não estivesse exercendo uma atividade profissional
como empregado, naquele momento, e sim trabalhando em uma oficina própria nos
fundos de sua casa, verifica-se a presença dos laços de identidade entre
trabalhadores, pois o ramo profissional de Gardelini estava situado entre os
trabalhadores organizados em sindicatos.
Por fim, foi levantado no processo, mas por parte de Pio Severiano da Silva,
que o inquilino estava separado da mulher, e mesmo assim Gardelini ainda não
havia sido despejado. Essa conclusão aponta que, no entendimento do proprietário,
o fato de Gardelini não estar morando com a família facilitaria a desocupação,
mostrando, desta forma, o reconhecimento, até mesmo do proprietário, do discurso
de proteção à família existente na ideologia trabalhista.
30
Cf. GINZBURG, op.cit.
120
Desta forma, mesmo que Gardelini não tenha conseguido permanecer no
imóvel, suas práticas e concepções informais de direitos foram resguardadas e, de
certa maneira, aceitas pelas instituições oficiais. Assim, percebe-se em um
fragmento da trajetória de um inquilino, a afirmação de sua cidadania na luta pela
preservação da moradia e do local de trabalho.
Em outro processo, tamm neste período, o operário José Inocêncio da
Silva, que foi processado pela proprietária do imóvel no qual residia, Rosina Garcia
Linhares que, alegou precisar do prédio para realizar uma reforma que daria maior
capacidade de utilização. Com o mesmo objetivo de preservar a moradia, o inquilino
desta ação usou o Judiciário como forma de afirmação da cidadania, no entanto,
na década de 1950
31
.
Neste caso, a relação entre as partes se deu por meio da sublocação, ou
seja, a proprietária não alugou o prédio diretamente a José Inocêncio da Silva, mas
sim para outro inquilino, que sublocou o prédio. Segundo alguns dados fornecidos
no processo que dizem respeito aos antecedentes da ação de despejo, Rosina
Garcia Linhares alugou um imóvel, que possuía um único cômodo, situado aos
fundos do número mil quatrocentos e oitenta e um, da Rua Padre Anchieta, a “Higino
de Tal”, qualificação fornecida por não conhecer o sobrenome do inquilino.
Entretanto, esse inquilino de nome Higino sublocou o cômodo ao operário José
Inocêncio da Silva.
Ainda, envolvendo os antecedentes da ação de despejo, a proprietária teria,
segundo o inquilino, depois de algum tempo transcorrida a locação se recusado a
receber os aluguéis. Essa recusa era justificada por José Inocêncio da Silva na
intenção da proprietária reajustar o valor do aluguel acima, do percentual fixado na
lei do inquilinato e, diante da recusa do inquilino em pagar o aumento, a proprietária
não receberia mais os valores, o inquilino entraria em mora, e iniciar-se ia a ação de
despejo por falta de pagamento. Quando o despejo fosse efetivado, a proprietária
poderia contrair nova locação, na qual o valor do aluguel seria superior ao valor do
reajuste, que o inquilino pagaria a proprietária caso permanecesse no imóvel.
No momento em que a proprietária, de acordo com José Inocêncio da Silva,
se recusou a receber os aluguéis estes começaram a ser depositados na agência
dos correios local na forma de vales postais. No momento em que, o inquilino os
31
José Inocêncio da Silva, Rosina Garcia Linhares. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 534, Processo
970, 1953.
121
depositava a proprietária recebia uma notificação pelo correio para que fosse a
agência retirar o valor ali depositado.
Alguns meses depois, Rosina Garcia Linhares iniciou uma ação ordinária de
despejo contra José Inocêncio da Silva, alegando que necessitava do prédio para a
realização de reformas, que lhe daria maior capacidade de utilização. O Juiz Carlos
Dias emitiu então, um mandado de citação ao inquilino para que desocupasse o
imóvel ou, contestasse a ação de despejo movida pela proprietária.
Com o auxílio da Justiça gratuita, José Inocêncio da Silva contestou a ação
de despejo, afirmando que a proprietária,
[...] como de seu antigo veso, quando pretende aumentar os alugueres dos
seus prédios, encontra-se a azucrinar os seus inquilinos, com ameaças de
cortar-lhes a água, de cobrar-lhes taxas indevidas, de descobrir as casas ou
pretender reformá-las [...]
32
.
Continuou acusando a proprietária, de se recusar a receber os aluguéis na
tentativa de desacomodá-lo por falta de pagamento e, que neste caso o objetivo
seria despejá-lo para realizar reformas, sendo que, segundo José Inocêncio da
Silva, não existiria a necessidade de desocupação do prédio.
Depois de entregue a contestação o processo foi julgado saneado pelo juiz,
que determinou a indicação dos peritos que fariam as avaliações no imóvel alvo do
despejo, e a formulação dos quesitos para a análise pericial. A proprietária indicou o
engenheiro João Rocha de Freitas como perito, enviando as questões que deveriam
ser avaliadas: a reforma implicava demolições de paredes, a retirada do telhado e a
modificação de portas e janelas, e se seria possível a realização da obra estando a
casa ocupada pelo inquilino. , Jo Inocêncio da Silva indicou Mafaldo Cilurzo
como perito, perguntando-lhe: se a planta anexada ao processo por Rosina Garcia
Linhares era do imóvel alvo do despejo, quais eram as obras projetadas, e se elas
aumentariam a capacidade de utilização do prédio.
Diante da crescente chegada de novos trabalhadores, que vinham para o
município de Franca, com a intenção de serem absorvidos pelo mercado de trabalho
local, no setor couro-calçadista em expansão, a busca cada vez maior de moradias,
principalmente para aluguel, proporcionou o aumento da especulação imobiliária no
município. Desta forma, entre os processos de despejo, é comum encontrar
inquilinos, como JoInocêncio da Silva, argumentar na contestação, que o motivo
real para o despejo não seria o mesmo que o proprietário havia indicado. No
32
Jose Inocêncio da Silva. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 534, Processo 970, 1953, f. 13.
122
entanto, a intenção com a ação despejo, alicerçado em um motivo que a lei
contemplava seria, pressionar o inquilino a pagar um aumento superior àquele
estipulado na legislação ou, se não conseguisse tal objetivo, despejar o inquilino
para contrair uma nova locação.
No caso específico desta ação de despejo, o inquilino relatou as pressões,
que segundo ele, estava sofrendo naquele momento em que a proprietária buscava
reajustar o valor do aluguel. José Inocêncio da Silva destacou a recusa do
recebimento do aluguel, a cobrança de taxas com o objetivo de retirar o inquilino do
imóvel, e ameaça constante de colocar o prédio em reforma, o que acabou por
acontecer.
Para José Inocêncio da Silva o argumento proposto pela proprietária não
seria suficiente para requerer o despejo, pois por sua argumentação pode-se
perceber a concepção de direito de moradia, que possuía naquele momento. O
inquilino afirmou que, estava pagando os aluguéis regularmente e não pretendia
deixar o local, pois ele não aceitou deixar a casa, mesmo quando os obstáculos
impostos pela proprietária começaram a aparecer. Ao lutar para permanecer na
casa, o inquilino estava contestando a necessidade real da reforma, pois julgou ser
ele o principal interessado no conforto que o imóvel fornecia, apesar de haver
apenas um cômodo no imóvel e na comodidade que o prédio poderia fornecer, caso
viesse ser reformado, recusando essa segunda opção. Na situação em que estava
José Inocêncio da Silva recusava a reforma e, diante da pontualidade nos
pagamentos se considerava no direito de continuar habitando o imóvel aquando
precisasse ou quisesse, o que lhe proporcionava debater a viabilidade desta
reforma.
No entanto, durante o período destinado a avaliação que os peritos estavam
realizando no imóvel, Rosina Garcia Linhares iniciou uma nova ação de despejo
contra José Inocêncio da Silva, antes mesmo da apresentação do laudo, mas agora
por falta de pagamento. Nesta nova ação a proprietária afirmou que, por má fé o
inquilino deixou de pagar os aluguéis e, mesmo existindo outra ação de despejo,
resolveu processar o inquilino novamente
33
.
Já, na contestação, o inquilino afirmou que, a proprietária tentou
anteriormente reti-lo do imóvel quando se recusou a receber os aluguéis, o
33
José Inocêncio da Silva, Rosina Garcia Linhares. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 532, Processo
928, 1953.
123
obrigando a depositá-los em vales postais na Agência do Correio. Afirmou que,
Rosina Garcia Linhares, [...] com a presente ação, está pondo em execução um
plano a muito gisado e que visava o despejo do réu [inquilino], pela recusa em
receber os aluguéis vencidos, na percussão errônea de que o colocaria em mora
[...]”
34
.
Depois de entregue a contestação pelo inquilino, foi realizada a apreciação
pela proprietária que, afirmou que, no seu entender, o inquilino pretendia com a
contestação continuar morando na casa sem pagar. Em seu julgamento, José
Inocêncio da Silva deveria ter efetuado o pagamento em vez de contestar a ação de
despejo.
Assim, depois da avaliação da proprietária acerca da contestação e definida a
data da audiência da ação de despejo fundamentada na falta de pagamento, os
peritos entregaram os laudos periciais da ação que Rosina Garcia Linhares estava
movendo, por necessidade do prédio para realização das reformas.
O engenheiro João Rocha de Freitas, designado perito da proprietária,
afirmou, a partir dos quesitos propostos por Rosina Garcia Linhares, que as
reformas implicariam na retirada do telhado para aumentar a altura das paredes e a
modificação de portas e janelas. Portanto, julgando não ser possível a realização da
reforma com o inquilino habitando o imóvel. Já, aos quesitos do inquilino, o perito
afirmou que a planta anexada pela proprietária era do imóvel alvo do despejo, e nas
indicações que nela foram feitas, a reforma implicava na retirada do telhado para
aumentar a altura das paredes. Afirmou ainda que, a divisão do único cômodo
existente no imóvel permitiria a edificação de dois outros cômodos, ampliando-se a
capacidade de utilização do imóvel, que passaria a contar com quarto, sala, cozinha
e banheiro, em vez do único cômodo com banheiro.
Com relação ao laudo apresentado pelo perito indicado pelo inquilino, consta
na avaliação dos quesitos da proprietária, que a obra implicava na modificação das
paredes, sendo necessária a mudança do inquilino. Já, aos quesitos do inquilino, o
perito afirmou que pela indicação existente na planta, que era do imóvel alvo do
despejo, a construção das paredes transformaria o ambiente interno do imóvel, que
passaria a contar com várias dependências, mas não daria maior capacidade em
metros quadrados ao prédio.
34
José Inocêncio da Silva. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 532, Processo 928, 1953, f. 7.
124
Recebidos os laudos periciais foi marcada a audiência para o julgamento da
ação de despejo. Nessa audiência tanto o inquilino, quanto seu advogado, não
compareceram. O representante da proprietária afirmou que, o objetivo do inquilino
não era contestar a ação de despejo, mas ganhar tempo, e que ficou provada a
necessidade das reformas no prédio, portanto, a ação deveria ser julgada em favor
de Rosina Garcia Linhares.
Alguns dias depois foi marcada a audiência para publicação da sentença,
sendo que, o juiz Carlos Dias julgou procedente a ação de despejo movida por
Rosina Garcia Linhares contra José Inocêncio da Silva, determinando que fosse o
despejo efetuado, caso o inquilino não deixasse o prédio em quinze dias.
José Inocêncio da Silva não se conformou com a sentença e recorreu. Na
apelação apresentada disse que, no laudo de um dos peritos constava que não
haveria aumento da capacidade física do prédio, portanto, no seu ver era necessária
a avaliação de um perito desempatador. Também, o concordou com o pagamento
das custas do processo, determinada pelo juiz, pois afirmou ser beneficiário da
Justiça Gratuita. A proprietária ao tomar conhecimento da apelação afirmou mais
uma vez que, a intenção de José Inocêncio da Silva era ganhar tempo para protelar
o despejo, pois segundo os peritos a reforma daria maior capacidade de utilização
ao imóvel, e as obras obrigavam a retirada do inquilino da casa. No relatório,
realizado pelo juiz encarregado pelo caso na apelação à sentença inicial foi mantida.
Desta forma, inicialmente para José Inocêncio da Silva o objetivo era
preservar sua permanência no imóvel e evitar o despejo. A postura do inquilino
diante da ameaça de ter que deixar sua residência merece melhor avaliação. Mesmo
não sendo a contestação baseada no argumento de que as reformas não seriam do
seu interesse, para José Inocêncio da Silva não importava se o prédio possuía um
cômodo ou se passaria a três depois da reforma, pois se estava residindo ali e
pagando pontualmente o aluguel, o imóvel estava satisfazendo suas necessidades.
Assim, em um primeiro momento, a contestação da necessidade de reforma
no prédio pode ser entendida como pertencente aos domínios das concepções
informais de direito de José Inocêncio da Silva, pois o maior interessado na
ampliação da capacidade de utilização do imóvel, naquele momento em que a
locação ainda vigorava, era ele próprio.
Deste modo, a incompatibilidade da reforma com os interesses do inquilino
não foi utilizada no processo, mas estava presente em diversas passagens da ação
125
de despejo. Ambos os peritos indicaram que, de tal forma como a reforma estava
sendo planejada, com a retirada do telhado, o inquilino não poderia permanecer no
imóvel.
Deste modo, a estratégia usada com o objetivo de reafirmar a locação foi
embasada na lei do inquilinato, pois como a lei permitia a rescisão da locação, caso
uma obra fosse realizada para dar maior capacidade de utilização ao imóvel, o
inquilino tentou impedir a reforma. Usou o argumento de que, a reforma não traria
maior espaço ao prédio e o objetivo da proprietária seria despejá-lo por se recusar a
pagar o aumento por ela pretendido.
No entanto, a proprietária acusou o inquilino de pretender protelar o despejo,
quando este tentava usar o direito de contestar e, posteriormente recorrer da
decisão judicial presente na sentença do primeiro processo. Essa posição de Rosina
Garcia Linhares não deve ser desprezada, pois parece que em alguns momentos a
possibilidade de usar todos os recursos judiciais
35
como forma de protelação da
efetivação do despejo foi uma segunda opção utilizada pelo inquilino. Não com o
objetivo de impedir o despejo, mas em caso dele se concretizar, a protelação daria
tempo ao inquilino de procurar um novo imóvel para que pudesse realizar a
mudança, pois existiam grandes dificuldades em encontrar imóveis para alugar no
município, em função da especulação imobiliária existente na cidade. Nesse caso, a
segunda ação de despejo movida por Rosina Garcia Linhares contra José Inocêncio
da Silva, por falta de pagamento, evidencia a presente situação.
Na audiência marcada para julgamento da ação fundada na falta de
pagamento, Rosina Garcia Linhares afirmou ter movido outra ação de despejo em
1946, contra Amado de Souza, pois precisava do prédio em que o inquilino estava
instalado para uso próprio. Mas, que no caso de Inocêncio da Silva havia alugado o
prédio à “Higino de Tal”, que sublocou o imóvel sem sua autorização a José
Inocêncio da Silva, portanto afirmou não conhecer o inquilino. Disse ainda que,
sempre teve dificuldades para receber os aluguéis, mas
35
A utilização dos recursos legais para protelar o despejo mostra como os elementos presentes na
cultura erudita podem ser apropriados por membros das camadas populares como instrumento de
luta com o objetivo de assegurar direitos. Sobre a questão da inter-relação da cultura popular com
elementos da cultura erudita como forma de obtenção de recursos que atendam as suas
necessidades, é emblemática a análise de Carlo Ginzburg sobre o processo de Circularidade Cultural
Cf. GINZBURG, Carlo, op.cit. e VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion, ______. (Org.) Domínios da história. Rio de janeiro: Câmpus, 1997.
126
[...] que ultimamente o réu deixou de pagar o aluguel e sem mais nem
menos passou a depositá-los na Agência do Correio, sendo que ali a
depoente o recebia; que entretanto, no dia 21 do corrente se completaram
quatro meses de alugueres devidos [...]
36
Portanto, segundo a proprietária, fazia quatro meses que não recebia o aluguel,
coincidindo o início da inadimplência com o momento da abertura do processo
fundamentado na necessidade do prédio para a realização da reforma.
José Inocêncio da Silva não prestou depoimento, mas indicou duas
testemunhas, que eram funcionárias da Agência dos Correios. Depôs primeiro,
Ângelo Tornatore que, afirmou não conhecer nenhuma das partes que estavam em
litígio, no entanto, confirmou ser comum a prática de depósito de aluguéis em vales
postais por inquilinos no município. A segunda testemunha convocada, foi Josafá
Guimarães que disse ter assinado alguns vales postais e deduziu ser referente ao
pagamento de aluguéis. O inquilino, também incluiu o perito Mafaldo Cilurzo como
testemunha, que disse ter sido comunicado pelo inquilino a recusa da proprietária
em receber os aluguéis. E pela esposa de José Inocêncio da Silva, foi informado que
os pagamentos dos aluguéis estavam sendo depositados em vales postais, pois ela
própria ia até a Agência dos Correios para depositar o pagamento em função da
recusa da proprietária em receber os aluguéis.
Terminado os depoimentos foi marcada a audiência para julgamento da ação
de despejo. Neste dia, compareceram os respectivos advogados que representavam
o inquilino e a proprietária, e entregaram os memoriais com seus argumentos.
No memorial Rosina Garcia Linhares afirmou novamente o caráter protelatório
da contestação, pois, segundo ela, o inquilino pretendia ganhar tempo e ao mesmo
tempo morar de graça, pois parou de pagar no início da primeira ação de despejo e
se quisesse purgar a mora teria feito no início do processo. Já, José Inocêncio da
Silva afirmou que, deixou de pagar os aluguéis, pois a proprietária deixou de
procurar os valores em sua residência, mas não fez qualquer menção a
possibilidade de pagar os valores atrasados naquele momento.
Analisados os memoriais o juiz Carlos Dias julgou procedente a ação de
despejo movida por Rosina Garcia Linhares contra José Inocêncio da Silva,
afirmando que, para evitar a decretação do despejo o inquilino deveria ter efetuado o
pagamento dos valores referentes aos meses de aluguéis atrasados.
36
Rosina Garcia Linhares. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 532, Processo 928, 1953, f. 24
127
A segunda ação de despejo, que foi movida baseada na falta de pagamento,
demonstra a mudança da estratégia usada pelo inquilino. Na primeira ação, fundada
na necessidade do prédio para a realização das reformas, a tentativa do inquilino era
negar de maneira informal, a contribuição das reformas para seu conforto, e os
impactos que esta poderia oferecer no aumento da capacidade de utilização do
prédio. no segundo processo, a proprietária chama constantemente a atenção
para o caráter protelatório das ações do inquilino, o que não deve ser desprezado.
No caso específico da falta de pagamento, a contestação do inquilino foi
protelatória na tentativa de evitar a rápida decretação do despejo, pois pelo contexto
do mercado imobiliário local a dificuldade para encontrar um novo imóvel dificultaria
a mudança do inquilino em um curto espaço de tempo. Portanto, quando o inquilino
deixou de efetuar os pagamentos pela via postal esperava conseguir mais tempo
para encontrar um novo imóvel.
Desta forma, pretendendo o adiamento do despejo José Inocêncio da Silva
apelou da decisão de primeira instância. Disse na apelação, que a sentença
afirmava sua divida em não quitar a mora referente aos meses de aluguel atrasados,
no entanto, em seu ver, a proprietária se encontrava em dívida, pois como credora
Rosina Garcia Linhares deveria ter procurado o inquilino para receber, assim que os
vales postais deixaram de ser depositados.
Segundo José Inocêncio da Silva, a proprietária deveria procurar os aluguéis
na casa do inquilino, no entanto, quando Rosina Garcia Linhares não mais procurou
os pagamentos, resolveu por conta própria, mesmo não sendo de sua obrigação
fazer os depósitos na Agência dos Correios. No entanto, no momento em que, as
taxas do Correio estavam onerando seu orçamento resolveu desistir dos vales
postais e a proprietária continuou sem procurar os pagamentos em sua casa.
A proprietária ao tomar conhecimento do conteúdo da apelação, disse que
quando os vales postais deixaram de ser depositados procurou o inquilino, mas não
obteve sucesso no recebimento dos aluguéis, que a apelação não mereceria
apreciação, pois o inquilino já havia deixado o imóvel. Terminava assim, a ação de
despejo que Rosina Garcia Linhares estava movendo contra José Inocêncio da
Silva, e a mudança do inquilino colocava fim na relação de locação entre as partes.
A inadimplência do inquilino não foi um evento isolado na trajetória das ações
de despejo movidas pela proprietária. Primeiro, serviu para protelar a decretação
rápida do despejo, que já vinha correndo a partir da primeira ação movida por
128
Rosina Garcia Linhares, na qual pedia o prédio para reformas, que dariam ao imóvel
maior capacidade de utilização. No entanto, mesmo servindo para protelar o despejo
com o objetivo de encontrar um novo imóvel em um contexto de especulação
imobiliária a falta de pagamento tinha outros objetivos.
A inadimplência de José Inocêncio da Silva também pode ser justificada a
partir de outras questões, que até agora não foram analisadas, mas que merecem
ser consideradas. A ação de José Inocêncio da Silva em suspender os pagamentos
justifica-se no receio, que provavelmente lhe afligiu, de ser obrigado a deixar o
imóvel que estava habitando e, no contexto de especulação imobiliária sabia que
teria de pagar um valor maior em outro imóvel, caso fosse despejado. Ao contrair
uma nova locação, o inquilino não estaria mais sujeito aos parâmetros legais que
regiam os reajustes das locações, e sim os valores determinados pelo próprio
mercado imobiliário de aluguéis. Assim, os proprietários ao alugar os poucos imóveis
que estavam disponíveis no momento, cobrariam por prédios de padrões parecidos,
valores superiores, caso estes fossem reajustados em locações.
Desta forma, José Inocêncio da Silva, assim como outros inquilinos,
procuraram defender a moradia com recursos das instituições oficiais integradas a
concepções informais de direitos, que julgou possuir naquele momento. A partir de
concepções informais de direitos, alicerçadas em seu cotidiano e no costume, o
inquilino se utilizou das instituições oficiais e da legislação formal, que pertence ao
domínio da cultura erudita, para forjar ações concretas que resolvesse o conflito no
momento da desestabilização de sua moradia
37
.
Em um contexto de profundas transformações, sendo que localmente assistia-
se o desenvolvimento urbano-industrial modificar o modo de vida de uma população
de origem rural, que buscava no ambiente urbano trabalho no setor industrial, mas
ao mesmo tempo, não abandonava a cultura tradicional trazida do campo.
Ao mesmo tempo, nos finais do Estado Novo o trabalhador entrava em
contato com o universo legal, formal e erudito presente na legislação, quando surgiu
a CLT. A legislação trabalhista possivelmente contribuiu para a formação dacultura
jurídica” entre os trabalhadores, mas que não ficou restrita ao mundo do trabalho,
colocando o trabalhador em contato com o universo do Judiciário, permitindo a
37
Conceito de Circularidade Cultural do historiador italiano Carlo Ginzburg. Cf. GINZBURG, op.cit.
129
utilização da Justiça de forma mais ampliada, no intuito de salvaguardar direitos que
não estavam diretamente relacionados com questões trabalhistas.
Desta forma, entre os trabalhadores organizados que tiveram suas trajetórias
reconstituídas, o tráfego de informações difundidas a partir da legislação trabalhista,
possibilitaram a formação de uma cultura jurídica mais ampla, que contribuiu com a
afirmação da cidadania destes inquilinos, quando a estabilidade da residência foi
ameaçada.
130
3.2 A experiência de trabalho e a luta por moradia dos trabalhadores não
organizados e da economia informal.
A princípio, a CLT proporcionou a efetivação de direitos de natureza social e
trabalhista aos trabalhadores, cuja categoria profissional contava com a
representação sindical. No entanto, mesmo que tais benefícios estivessem restritos
aos trabalhadores filiados ao sindicato
38
, o impacto da difusão e propagação da
legislação trabalhista
39
não se restringiu somente a essa classe de trabalhadores.
Trabalhadores, que possuíam a categoria profissional representada por
organizações sindicais, mas que não se encontravam presentes nos sindicatos teve
suas vidas transformadas a partir da propaganda excessiva recebida sobre direitos e
aceso a Justiça do Trabalho.
A CLT e o Sindicalismo Corporativo, formado a partir de sua promulgação,
estimularam a luta de trabalhadores na busca de novos direitos. Como John French
40
salienta a necessidade de lutar constantemente para ver os direitos estabelecidos na
lei aplicados na prática, proporcionou ao movimento dos trabalhadores condições de
usar a legislação como instrumento de luta e aquisição de novos direitos.
Desta forma, a CLT incentivou os trabalhadores a lutar para ver os benefícios
garantidos, e contribuiu com o desenvolvimento do ato de reivindicar em sua cultura
política, mas pelas vias da Justiça do Trabalho. O incremento da “cultura jurídica”
poderia estimular a luta de trabalhadores no Judiciário para ver defendido outros
direitos, que não necessariamente trabalhistas. Portanto, a difusão da legislação
trabalhista e seus efeitos para a cultura dos trabalhadores de não ter se
restringido aos sindicalizados, como demonstra o novo caso de José Inocêncio da
Silva.
Como analisado aqui, JoInocêncio da Silva fora processado por Rosina
Garcia Linhares em 1953
41
e obrigado a deixar o imóvel, que residia aos fundos da
casa da proprietária, situado a Rua Padre Anchieta, no Centro do município de
Franca.
Alguns anos mais tarde, José Inocêncio da Silva vivia em outra residência de
fundos, mas agora na Avenida Presidente Vargas, no bairro Cidade Nova. No
38
GOMES, op.cit., p. 253.
39
Ibid., p. 211-216.
40
French, op.cit., p. 67.
41
José Inocêncio da Silva, Rosina Garcia Linhares. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 534, Processo
970, 1953.
131
entanto, em 1959, Sebastião Apolinário, que era marido e inventariante do espólio
da proprietária do imóvel requereu a devolução do prédio com o fundamento de
precisar do mesmo para uso próprio, pois queria residir nesses cômodos
42
.
Transcorrendo os trâmites regulares de um processo, ao receber o pedido de
despejo, o juiz Ramiro Martins Silva expediu mandado de citação ao inquilino para
que desocupasse o prédio ou contestasse a ação de despejo, o que foi prontamente
realizado. Na contestação Inocêncio da Silva afirmou ser “malicioso” o pedido, pois o
proprietário possuía outros imóveis e disse que este pedido do prédio estava sendo
realizado, pois havia se recusado a pagar o aumento exigido pelo proprietário.
No entanto, antes mesmo da realização da primeira audiência, Sebastião
Apolinário iniciou uma nova ação de despejo contra Inocêncio da Silva, mas por falta
de pagamento, tal como havia acontecido quando o inquilino estava sendo
processado em 1953, por Rosina Garcia Linhares. Porém, desta vez o proprietário
resolveu, assim que o despejo por falta de pagamento foi decretado, que geralmente
transcorria mais pido que uma ação por uso próprio, desistir da primeira ação, que
estava movendo contra o inquilino.
Na ação de despejo iniciada por falta de pagamento
43
Sebastião Apolinário
afirma que, o imóvel alvo de despejo foi deixado por sua esposa, quando esta veio a
falecer e, naquele momento, ele se encontrava como inventariante deste prédio.
Continuou afirmando que, nesta circunstância precisou deste imóvel para uso
próprio e, com tal fundamento, iniciou uma ação de despejo contra o inquilino. Mas,
em função dos atrasos nos pagamentos iniciava uma nova ação de despejo, agora
por falta de pagamento.
Novamente o juiz enviou o mandado de citação ao inquilino, que preferiu
contestar a ação de despejo a sair prontamente do imóvel. Nesta contestação o
inquilino afirmou, da mesma forma que no processo movido por Rosina Garcia
Linhares, que o proprietário deixou de procurar os aluguéis em sua casa, portanto
deixou de pagar, pois o proprietário não procurou receber.
Depois que a contestação foi recebida e o processo julgado saneado, a
audiência de julgamento da ação de despejo foi marcada, no entanto, José
Inocêncio da Silva, assim como seu advogado não compareceu na audiência.
42
José Inocêncio da Silva, Sebastião Apolinário. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 509, Processo
363, 1959.
43
Id. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 362, Processo 4941, 1959.
132
Sebastião Apolinário disse que procurou os valores na casa do inquilino e que, a
mora ainda não havia sido quitada, portanto solicitou que a decretação do despejo
fosse concedida. Na mesma audiência a ação de despejo movida por Sebastião
Apolinário contra José Inocêncio da Silva foi julgada procedente, restando ao
inquilino vinte dias para deixar o imóvel, sendo que, o juiz ainda destacou a ausência
do inquilino, que havia sido intimado para prestar seu depoimento sob pena de réu
confesso.
O inquilino não se conformou com a sentença e apelou da decisão em
primeira instância. Na contestação, disse que não poderia ter sido condenado sob
pena de réu confesso, pois não compareceu à audiência. José Inocêncio da Silva
justificou sua ausência, afirmando que o recebeu nenhuma intimação para prestar
seu depoimento, apenas uma notificação. Afirmou ainda que, Sebastião Apolinário
não estava na posse do imóvel, apenas era inventariante, e, portanto, não poderia
requerer o despejo. A apelação foi recebida, mas em caráter devolutivo, o que
significava que, o tempo para a desocupação do imóvel continuaria a transcorrer
normalmente e o inquilino deveria deixar o imóvel até a data anteriormente
estipulada.
Passados trinta dias da decretação da sentença o proprietário enviou uma
solicitação ao juiz perguntando os motivos pelos quais o despejo ainda o havia
sido realizado, visto que, o prazo para mudança havia se esgotado e Jo
Inocêncio da Silva continuava no imóvel. Disse que tinha conhecimento da apelação,
que em seu ver era com objetivo de protelar o despejo, mas como foi aceita em
caráter devolutivo, a sentença não havia sido anulada e o despejo deveria ter
acontecido. A apelação foi julgada improcedente e José Inocêncio da Silva foi
obrigado, mais uma vez, a deixar sua residência.
Esta nova ação de despejo que José Inocêncio foi envolvido não acrescenta
muito na análise de sua trajetória e da cultura de reivindicação adquirida, com
exceção do preparo que o inquilino possuía com relação aos trâmites judiciais e
de uma ação desta natureza. No entanto, esse novo processo demonstra uma
questão que precisa ser levada em consideração para o melhor entendimento da
relação da propaganda sobre a legislação social e trabalhista, e a própria relação
entre os trabalhadores com a CLT.
133
A princípio, como Ângela de Castro Gomes
44
e John French
45
demonstraram a
influência da legislação, tanto nos termos de propaganda, quanto no seu uso como
instrumento na obtenção de direitos estaria restrita aos trabalhadores urbanos com
categorias profissionais representadas pelas organizações sindicais. No entanto, a
trajetória de JoInocêncio da Silva demonstra como a aplicação de direitos não
estaria tão restrita aos trabalhadores organizados, podendo se estender a outras
categorias, pela constante permuta e troca de atividades profissionais. Quando foi
processado pela primeira vez, por Rosina Garcia Linhares, José Inocêncio da Silva
se declarou como operário, portanto, categoria profissional que contava com
representação sindical. Já no segundo processo, movido por Sebastião Apolinário, a
profissão declarada por Inocêncio da Silva foi Servidor Municipal, que naquele
momento, não contava com a representação sindical.
Assim, é relativa esta divisão que tenta estabelecer a influência da CLT
apenas para os trabalhadores urbanos e organizados. Apesar da legislação não
garantir direitos aos trabalhadores não organizados, estes não foram excluídos dos
impactos trazidos pela CLT. O raio de influência da formação da cultura jurídica,
proporcionadas pela legislação trabalhista, de ter atingido um mero
considerável de trabalhadores.
Outra questão a ser levantada foi a suspensão do pagamento dos aluguéis
quando a primeira ação de despejo iniciou. Essa situação se repetiu com os dois
proprietários. rias razões podem explicar essa suspensão, que pôde ser usada
como estratégia por parte do inquilino. Quando o proprietário iniciava uma ação por
uso próprio ou, com a justificativa de precisar do imóvel para reformá-lo a
possibilidade de continuar na casa seria pequena, pois a lei do inquilinato permitia
44
A extensiva propaganda realizada pelo Estado Novo em torno da CLT e a legislação social faziam
parte do projeto político de composição do sindicalismo de caráter corporativo no Brasil. A intenção
com os pronunciamentos realizados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio era promover a
divulgação da legislação com o intuído de tornar o trabalhador adepto do sindicalismo. No entanto,
queria-se, ao mesmo tempo, com o objetivo pedagógico contribuir com a formação do trabalhador,
com a tentativa de retirar de seu cotidiano as práticas que implicassem excessivas lutas trabalhistas.
GOMES, op.cit., p. 211-216.
45
O autor chama a atenção para a influência que a CLT despertou na cultura política dos
trabalhadores, sobretudo na regulamentação dos direitos em forma de legislação, contribuindo com o
reforço das reivindicações dentro da Justiça do Trabalho. Portanto, dentro das instituições oficiais os
trabalhadores utilizavam a legislação como instrumento para obtenção de direitos e de formação
constante de sua cultura jurídica, ou seja, como entendiam a lei relacionada ao seu cotidiano, mas
dentro do processo mais amplo de transformações que estavam em curso no Brasil. Cf. French,
op.cit.
134
tais argumentos para justificar o pedido de desocupação e, até mesmo o despejo,
como demonstra e lei a seguir:
LEI N. 1.300 – DE 28 DE DEZEMBRO DE 1950
O Presidente da República:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
[...] Art. 15. Durante a vigência desta lei não será concedido despejo, a não
ser:
[...] II se o proprietário, que residir ou utilizar prédio alheio, pedir, pela
primeira vez, o prédio locado para uso próprio;
[...] VIII – se o proprietário pedir o prédio para demolição e edificação
licenciada ou reforma que dêem ao prédio maior capacidade de utilização
46
:
Mas mesmo assim, os inquilinos resolviam defender sua moradia, por dois
motivos: achavam que tinham o direito de permanecer no prédio, e também por
questão de necessidade, precisavam continuar naquele imóvel. Em função do
contexto de especulação imobiliária e falta de imóveis no mercado de aluguéis, o
inquilino teria dificuldades para encontrar outro imóvel e quando outro fosse
providenciado o preço do aluguel seria superior, se comparado com o valor dos
reajustes de um imóvel, cuja locação ainda estivesse estabelecida. Desta forma, a
luta pela permanência no prédio para o inquilino seria a forma de evitar o
comprometimento da renda, com o pagamento do aluguel, cujo valor do novo prédio
seria superior ao imóvel que estava ocupando, prejudicando o cumprimento das
obrigações familiares.
Também, na questão do comprometimento da renda, a suspensão dos
pagamentos possibilitaria ao inquilino arcar com o novo valor da casa que precisaria
alugar, caso o despejo se confirmasse, inclusive com os pagamentos adiantados
que o novo senhorio possivelmente lhe cobraria. No entanto, além do novo aluguel,
o processo e a desocupação trariam um novo gasto ao inquilino, que certamente lhe
acarretaria dificuldades financeiras, que era o pagamento das custas do processo. A
suspensão dos pagamentos contribuiria com o inquilino na liquidação desse gasto
extra.
Com a difusão da legislação social e trabalhista, a classe trabalhadora entrou
em contato com o universo da lei e das instituições oficias, portanto, da cultura
erudita. Juntamente, com a possibilidade de apropriação da lei como forma de
alteração de sua cultura jurídica, a legislação se tornou, ao mesmo tempo,
46
BRASIL. Lei n. 1.300 – de 28 de Dezembro de 1950. Altera a Lei do inquilinato. Diário Oficial da
União: República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 28 dez. 1950. Disponível em:
wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR.Filtro?tipo=LEI&secao=NJUILEGBRAS&numLei=001300...
Acesso em: 21 dez. 2004.
135
instrumento de luta na conquista de direitos, apoiadas nas concepções informais de
direitos, que se julgava ter.
Desta forma, não apenas questões trabalhistas foram colocadas em
discussão para conquista de direitos, estendendo-se a luta para outras áreas de seu
cotidiano. E, igualmente, em função da amplitude da propaganda realizada,
trabalhadores que não estavam ligados aos setores organizados puderam ter suas
concepções informais de direitos influenciadas pela legislação. Assim, a partir do
processo de Circularidade Cultural
47
, ocorreu a possibilidade de formação de uma
cultura jurídica, apoiada em elementos de sua cultura associadas aos aspectos da
legislação formal. E, a partir dessa cultura jurídica, os trabalhadores puderam utilizar
o Judiciário como instrumento na defesa de direitos, como foi o caso do carroceiro
Virgílio Muzzetti, que teve seu despejo requerido no ano de 1956
48
.
Segundo a ação de despejo, Virgílio Muzzetti alugou de João Benedetti uma
casa localizada ao número quatrocentos e trinta, da Rua Alberto de Azevedo, no
distrito da Estação, denominação existente na época. A casa se encontrava próxima
às chácaras e propriedades rurais mais próximas dos limites do perímetro urbano.
Alugou esta casa em função de sua profissão de carroceiro, pois deveria manter os
animais que lhe auxiliava o mais próximo possível de sua residência. No entanto,
transcorridos aproximadamente três anos do início da locação, João Benedetti
vendeu o imóvel com outras duas casas adjacentes a Antonio Augusto da Rocha,
que no momento em que adquiriu o imóvel, passou a contestar a presença dos
animais do inquilino na região frontal do imóvel.
Como o inquilino não concordou em retirar seus animais, o proprietário iniciou
uma ação ordinária de despejo alegando que, a presença dos animais estava
destruindo o imóvel, perturbando os vizinhos e o “estrume” causava problemas para
a saúde pública. Disse que, o imóvel havia sido alugado para residência e o inquilino
estava desvirtuando seu uso com a presença dos animais, e a criação de um
depósito de madeiras e areia no local. Também reclamou que, o inquilino estava
atrasado com o pagamento do último aluguel.
Recebido o pedido inicial de despejo o juiz Vicente Mastrocolla emitiu o
mandado de citação ao inquilino, solicitando que desocupasse o prédio ou
47
Conceito de Circularidade Cultural formulado e utilizado pelo historiador Carlo Ginzburg. Cf.
GINZBURG, op.cit. e VAINFAS, op.cit.
48
Vergílio Muzzetti, João Augusto Rocha. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956.
136
contestasse a ação de despejo. O inquilino resolveu contestar, afirmando em
primeiro lugar, que não se encontrava em atraso com o pagamento do aluguel, pois
ao concretizar a venda do imóvel procurou o novo proprietário e este teria, segundo
o inquilino, se recusado a fornecer o recibo. Para não entrar em mora, o inquilino
resolveu depositar o valor referente ao pagamento de um mês de aluguel na
Agência do Correio em forma de vales postais.
Continuou afirmando que, residia no imóvel a trinta e sete meses e desde o
início da locação mantinha os animais próximos ao prédio, e João Benedetti, antigo
proprietário, nunca havia reclamado. Como esta situação era pré-existente,
considerava que o novo proprietário deveria respeitar a locação. Segundo a
contestação, os animais, que eram indispensáveis para seu ofício, não permaneciam
no pátio que existia na frente do imóvel, em tempo integral, somente durante o dia. E
a lenha presente no quintal, não estava depositada para comércio, mas servia ao
próprio consumo de Virgílio Muzzetti. Por fim, foi destacada a acusação de que, o
objetivo do proprietário era “[...] elevar os aluguéis e encontrando o óbice da lei que
os congelou, está procurando forçar a situação, agindo judicialmente contra o
humilde carroceiro [...]
49
.
Posteriormente ao envio da contestação, o advogado do proprietário enviou
um ofício afirmando que, o deposito do valor referente ao pagamento de aluguéis na
Agência do Correio não era a forma legal de realização de consignação em
pagamento”, que era o meio jurídico destinado aos pagamentos, que por qualquer
motivo não fossem feitos entre a parte pagante e a que recebe.
O advogado do inquilino afirmou, então, que o pagamento seria
disponibilizado durante a ação de despejo, pois o proprietário estava se recusando a
receber e, desta forma, seriam os pagamentos realizados em juízo. O advogado
disse que, a ação de despejo também não era o meio de realização de consignação.
A afirmação do advogado de João Augusto da Rocha, de que o inquilino
estava se valendo de meios incorretos para realizar a consignação em pagamento,
demonstra como os inquilinos se apropriavam de elementos legais associados a
práticas informais para garantir direitos. Depositando-se os valores dos aluguéis na
Agência do Correio, o que era comum na cidade, segundo Ângelo Tornatore, o
funcionário da instituição, que foi depor no caso de José Inocêncio da Silva, a
49
Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190, 1956, f. 9.
137
estratégia seria se valer de meios extra-oficiais para garantir o pagamento e evitar,
desta forma, que o proprietário viesse posteriormente requerer o despejo por falta de
pagamento. que, no intuito de se valer das possibilidades de lucro que o contexto
de especulação imobiliária possibilitava no município de Franca, muitos inquilinos
citavam que práticas parecidas eram utilizadas pelos proprietários para pressionar e
até despejar os inquilinos. E, juntamente com a afirmação da necessidade do prédio
para uso próprio, ou de reformas que aumentariam a capacidade de utilização do
imóvel os proprietários conseguiriam, segundo os inquilinos, valores maiores do que
aqueles permitidos pela lei do inquilinato, visto que, faltavam casas e os alugis
tinham os reajustes constantemente limitados e, até mesmo congelados
50
.
Posteriormente, após a reclamação do advogado do proprietário, os
pagamentos passam a ser realizados por meio de ação própria de consignação em
pagamento, na qual o aluguel era depositado no cartório e o proprietário era
intimado a comparecer para retirar o valor. O juiz julgou, saneado o processo,
indicou os peritos sugeridos pelas partes litigantes e determinou que fossem
enviados os quesitos para que ambos pudessem fazer suas respectivas avaliações.
Aos peritos, o advogado de Antonio Augusto da Rocha perguntou se haviam
carroças e animais no tio fronteiriço ao imóvel, e essa situação incomodava os
vizinhos. Perguntou ainda, se os animais “estrumavam no local, tornado o ambiente
desagradável e insalubre. E, por fim, quis saber se existia depósito de madeira,
lenha ou areia no local e se isso estava estragando o imóvel.
com relação aos quesitos, o advogado do inquilino solicitou que, os peritos
definissem se Virgílio Muzzetti era carroceiro, quanto tempo essa profissão era
exercida no local e em que momentos os animais, que utilizava em seu ofício,
permaneciam em frente ao imóvel. Qual o número de animais existente, e para qual
local são levados para passar a noite. Com relação à lenha madeira e areia, quis
saber a quantidade, e se a lenha era para seu próprio uso. Por fim, perguntou a
localização da casa dentro do perímetro urbano e se haviam muitos outros imóveis
nas adjacências ao prédio alvo do despejo.
50
O fato de aproximadamente quarenta e nove por cento das ações de despejo contestadas, no
período entre 1945 e 1960, serem justificadas na necessidade do prédio para uso próprio, comofoi
demonstrado no capítulo anterior, pode facilmente demonstrar essa situação de especulação
imobiliária, incentivando o uso da lei por parte dos proprietários para pressionar os inquilinos, ou
justificar o despejo.
138
Tanto o perito Jorge Cheade, indicado por Antonio Augusto da Rocha, quanto
José Augusto Garcia, indicado perito por Virgílio Muzzetti, apresentaram laudos
parecidos, sendo que, afirmaram que os animais permaneciam no pátio do imóvel
apenas durante o dia, ou seja, não passavam a noite no local. Sobre os incômodos,
que os animais provocavam nos vizinhos, disseram que entrevistaram quatro
moradores da região e apenas um reclamou da presença dos animais. Tamm
afirmaram que, existiam vestígios de “estrume”, mas em pequena quantidade, nada
que pudesse afetar os vizinhos e a saúde pública, e ambos disseram inexistir
qualquer depósito de areia ou madeira no local, apenas lenha, que estava distante
da parede do imóvel e, pela quantidade, servia ao uso próprio do inquilino.
Com relação aos quesitos do inquilino, os peritos reafirmaram o que já tinham
indicado nas indagações feitas pelo proprietário. De novidade apenas confirmaram a
profissão de Virgílio Muzzetti como carroceiro, e afirmaram que a casa, alvo do
despejo, situava-se em localidade distante da cidade e na região havia poucos
imóveis antigos e as construções novas no bairro estavam apenas iniciando.
Relacionados aos apontamentos técnicos dos peritos, ambas as partes
acabaram deslocando a análise da forma de ocupação do prédio relacionada com a
profissão exercida pelo inquilino. Portanto, a questão básica discutida era o ofício do
inquilino, e se o imóvel proporcionava as condições necessárias para a atividade de
carroceiro.
Para o proprietário, a casa estava com seu uso desvirtuado, pois não seria
destinada ao repouso de animais ou depósitos de mercadorias para serem
revendidas. No entanto, essa pode ter sido uma real preocupação do proprietário,
que estava interessado nas condições de conservação do prédio, ou uma estratégia
para requerer o despejo, reaver o imóvel e poder alugar a casa a outro inquilino.
Pois, no contexto de falta de moradias urbanas um novo inquilino poderia pagar
preço melhor que Virgílio Muzzetti, que estava amparado pela lei do inquilinato e não
poderia sofrer um aumento abusivo.
ao inquilino, a condição de carroceiro lhe exigia a presença dos animais,
pelo menos durante o dia, e o imóvel permitia facilmente essa situação por estar
distante da região central da cidade. Ainda, é notaria a concepção de direito que o
inquilino imaginava possuir e a tentativa de investi-la de elementos presentes na
legislação formal, pois se declarou pontual no pagamento dos aluguéis e, que em
função de sua profissão, necessitava permanecer naquele local. Portanto, a
139
condição de trabalhador lhe conferindo o direito de possuir uma moradia
51
, trabalhar
com a presença dos animais na propriedade, inclusive usar o quintal da propriedade
para armazenar e vender areia no momento em que as chuvas impediam o exercício
da atividade de carroceiro.
Depois de realizadas as vistorias e entregues os respectivos laudos
avaliativos por parte de ambos os peritos, o proprietário fotografou a propriedade por
sua própria conta e solicitou ao juiz que as fotografias fossem juntadas ao processo,
encontrando-se no anexo do presente trabalho. Na primeira fotografia, é mostrada a
cerca de arame erguida pelo inquilino para evitar a aproximação dos animais dos
prédios, onde ele e os outros inquilinos moravam. Na fotografia dois, é demonstrada
a presença dos animais no pátio, que faz frente ao imóvel, propriedade de Muzzetti,
encontra-se próximo a parede do imóvel, que segundo Antonio Augusto da Rocha
estava roendo a parede em busca de sal. As duas últimas fotografias retratam a
localização do depósito de lenha, que segundo o proprietário, era destinada a
comercialização e o inquilino contestou afirmando ser para uso próprio.
Tais fotografias demonstram as condições físicas do imóvel e, principalmente,
a simplicidade que cercava o local. Portanto, a partir do exame nesses recursos
visuais pode-se afirmar que, a tentativa de permanecer no imóvel não representava
ao inquilino a luta por um objeto, que lhe proporcionasse excessivo conforto, no
entanto, vinha ao encontro de suas necessidades reais. A permanência naquele
imóvel permitia ao inquilino a continuidade de certa estabilidade, sobretudo
profissional, pois seria difícil a Muzzetti encontrar outro imóvel naquelas condições,
ou seja, distante da região central da cidade, que pudesse se adequar à presença
de animais.
Depois que os laudos foram entregues, iniciou-se a audiência para colher os
depoimentos de Virgílio Muzzetti, Antonio Augusto da Rocha e das testemunhas.
Como os peritos não compareceram foi determinado pelo juiz, que fosse colhido
seus depoimentos em outra audiência, marcada exclusivamente para tal fim. O
proprietário, qualificado como autor da ação de despejo, afirmou ter comprado três
casas à Rua Alberto de Azevedo, no entanto desconhecia o inquilino e as condições
51
Neste caso, em que as concepções informais de direitos apontam para os direitos que o trabalho
confere Ângela de Castro Gomes indica a Lógica do “Quem tem ocio tem benefício”. Assim, se
desenvolveu a concepção do cidadão trabalhador, ou seja, como construtor da riqueza nacional com
seu trabalho ordeiro, seria digno e justo a garantia de direitos básicos como moradia e trabalho. Cf.
GOMES, op.cit. p. 175-188.
140
do contrato por ele estabelecido com o antigo proprietário, pois não havia vistoriado
os imóveis antes da compra. Mas, disse que, somente depois de efetuado o negócio
foi que percebeu a atividade profissional de Muzzetti e a situação do imóvel.
Afirmou ainda, que no momento em que pediu ao inquilino que retirasse os
animais do pátio do imóvel, o inquilino permitia que dormissem no local,
transferindo os animais para outro lugar depois desta reclamação. No entanto, em
virtude do descumprimento do pedido de retirar os animais, e também por estar
depositando madeiras e areia no local, solicitou a desocupação do prédio. Por fim,
disse que nunca foi procurado por Muzzetti para o pagamento dos aluguéis, apenas
recebeu uma notificação para receber, uma vez que estava sendo depositado, em
vez do inquilino pagar pessoalmente.
o inquilino Virgílio Muzzetti, qualificado como réu na ação de despejo,
afirmou que estava vivendo a quarenta e quatro meses no imóvel e, no momento de
realização da venda do prédio o comprador, agora proprietário, lhe disse que
poderia continuar como estava e depois de adquirido o prédio Antonio Augusto da
Rocha solicitou a retirada dos animais.
Sobre os pagamentos disse que, sempre pagou os aluguéis, mas que depois
da venda do imóvel vem depositando os valores em juízo, pois o proprietário estava
recusando os recibos. Na questão da locação afirmou que, em seu início pediu
autorização para o então proprietário, João Benedetti, para colocar seus animais no
espaço vago em frente o imóvel, em uma espécie de curral, que ele próprio
construiu. Na ocaso da ação de despejo, disse manter os animais no local,
somente durante o dia, sendo que à noite, os leva para um pasto em uma chácara
próxima, pertencente à Benedetti. No caso do depósito de madeira e areia, que o
proprietário chamou atenção, mantém constantemente no local lenha para seu
próprio uso. Mas, que no tempo das chuvas levava para o local areia para revender
e, assim, ganhar alguma coisa nos momentos em que as condições climáticas
dificultavam a realização de sua profissão.
No momento em que, foi colocar seus animais na frente do imóvel informou
aos vizinhos e solicitou, que se caso sofressem algum incômodo, por conta dos
animais, poderiam lhe comunicar, mas o teve reclamações. O inquilino
reconheceu nas fotografias os animais como sendo os de sua propriedade e o local
e a casa, cuja parede estava sendo roída, como de propriedade de Antonio Augusto
da Rocha. Disse ainda, que existia uma cerca que não permitia a chegada dos
141
animais próximo aos imóveis, mas que no dia em que as fotografias foram
realizadas a cerca estava aberta, pois os fios de arame foram retirados para a
construção de um cercado em outro local para retirar os animais da frente do prédio.
Assim, a vida do inquilino foi tomando novos contornos com o prosseguimento
da ação de despejo. Conforme o proprietário impunha restrições ao modo como o
imóvel estava sendo ocupado, o inquilino cedia às pressões do proprietário, pois não
queria e, em sua situação, nem podia deixar o imóvel. A reivindicação do inquilino
era pelo direito de continuar na moradia, que segundo ele, vivia a quase quatro
anos, pagando regularmente o aluguel e acima de tudo o direito de trabalhar no
local, que já havia sido adquirido desde o início da locação. Portanto, em sua
concepção, a situação em geral fornecia-lhe direitos, pois apesar das concessões
feitas ao proprietário, como deixar os animais na frente da casa somente no
momento da realização do serviço e não mais durante todo o dia, o inquilino o
abria mão da defesa de continuar no imóvel e exercendo ainda sua profissão.
Depois dos depoimentos do proprietário e do inquilino, passou-se para o
depoimento das testemunhas arroladas pelo proprietário. No geral, disseram que
iniciada a locação, o inquilino colocou os animais próximo ao imóvel, mas que ali
permaneciam apenas durante o dia. E que no pátio, perto ao imóvel, se encontra
depositada a lenha, que julgavam ser para o próprio consumo do inquilino.
Em particular, Miguel Manochio, vizinho de Muzzetti e tamm inquilino de
Antonio Augusto da Rocha, disse morar na casa que na fotografia estava sendo
“lambida pelo cavalo” de Virgílio Muzzetti, mas que depois das fotografias terem sido
realizadas o inquilino tirou os animais e os demais objetos ali existentes. Tamm
relatou a remoção da antiga cerca, construída por Muzzetti, que impedia o acesso
dos animais à proximidade das residências e, que no momento, outros animais não
pertencentes aos inquilinos estavam presentes no local. Disse ainda, que sabia do
pagamento que o inquilino estava realizando por intermédio do cartório, e que,
quando ia efetuar o pagamento, o proprietário tamm se recusava a fornecer os
recibos.
Outra testemunha chamada pelo proprietário foi João Benedetti, antigo
proprietário do imóvel alvo do despejo. Segundo o ex-proprietário, Antonio Augusto
da Rocha não indagou informações sobre os inquilinos que estavam morando nas
casas vendidas, e nem realizou perícia para saber a situação dos imóveis e as
condições de uso aplicadas pelos inquilinos. Com relação a Virgílio Muzzetti afirmou
142
que, a destinação dada ao imóvel foi por ele consentida e que o inquilino era pontual
no pagamento. Sabia ser o inquilino carroceiro e, que estava apenas trabalhando,
pois, conhecia outros carroceiros em bairros operários e a situação não era diferente
daquela vivida pelo inquilino.
Por fim, entre as testemunhas do proprietário prestou depoimento Manuel
Felix Martins, que afirmou presenciar o momento em que o proprietário procurou o
inquilino para receber o aluguel e Muzzetti exigiu o recibo, que lhe foi negado. Então,
segundo a testemunha, o inquilino o se recusou a pagar o aluguel, mas
condicionou o pagamento à emissão do recibo, que ainda continuou sendo negado.
Passou-se assim, para a testemunha indicada por Virgílio Muzzetti. Salvador
Posteraro afirmou que, o inquilino desde que locou o imóvel passou a colocar
animais durante o dia no quintal do imóvel, juntamente com madeiras e areia, e que
supunha ter Antonio Augusto da Rocha conhecimento do fato.
As declarações fornecidas pela testemunhas, inclusive do proprietário, em
ao encontro de algumas informações mencionadas. Quando Miguel Manochio
enfatizou que, depois de retirada da cerca, outros animais que o eram de
propriedade do inquilino estavam se aproximando das residências havia-se
justificado a possibilidade de um morador da região, que exercia a profissão de
carroceiro poder continuar mantendo seus animais no local. Pois, outros moradores
também mantinham animais, como cavalos e mulas na vizinhança, em função da
distância que a região possuía das áreas centrais da cidade.
Ainda, pode-se notar o empenho do inquilino em demonstrar a pontualidade
no pagamento dos aluguéis, em duas dimensões: em primeiro lugar, pontualidade
que envolve valores como a honestidade, presente em alguns setores dos
segmentos populares. Principalmente, entre moradores da zona rural, ou migrantes
dessa região, ainda detentores de concepções, não de direitos, mas também de
deveres alicerçados na cultura de sociedades tradicionais.
Outra questão associada ao pagamento está na restrição imposta pelo
proprietário em fornecer o recibo, o que acabava dificultando o recebimento. Ao
questionar, que seus direitos estavam sendo negados, o inquilino respondia ao
proprietário com o argumento de que era um trabalhador, residente no local por mais
de três anos e era pontual, portanto, não permitia que o proprietário contestasse o
143
destino dado por ele ao prédio
52
. Mas, a falta de pagamento, mesmo que imposta
pela recusa do proprietário em receber o aluguel, implicaria na requisição do despejo
por falta de pagamento, o que no início da ação foi usado pelo proprietário, mas
diante da emissão dos vales postais e consignação em pagamento a estratégia foi
abandonada.
Nos esclarecimentos sobre as avaliações feitas no prédio e apresentadas nos
laudos, os peritos disserem não se lembrar dos estragos existentes na parede
retratada pela fotografia, e que era comum os carroceiros viver em bairros afastados
do centro, onde poderiam manter seus animais perto das residências durante o dia.
Posteriormente, foi marcada a audiência para a entrega dos memoriais. Em
seu memorial Antonio Augusto da Rocha por meio de seu advogado alegou o mau
uso da propriedade. Mencionou no processo que estava
[...] provado [...] que o réu não tem sido leal para com o autor e muito
menos, para com os demais vizinhos do prédio despejando (anéxo a um
grupo de casas adquirido pelo autor) e além disso tem agido com evidente
fé, sem levar em conta que é dever seu zelar pela boa conservação do
imóvel locado, como se fosse seu, e de respeitar o direito dos seus vizinhos,
para que entre tais coexista fraternidade
53
.
Disse que o inquilino tentou propositadamente esconder dos peritos a
presença dos animais, mas foi pego de surpresa com as fotografias, que
demonstram o mau uso do prédio, na qual o animal estava roendo a parede. Por fim,
disse não ter obrigação de aceitar a presente situação que lhe era prejudicial e aos
vizinhos, somente por ser tal abuso anterior a aquisição do imóvel.
Já, Virgílio Muzzetti afirmou no memorial, por meio do advogado, que a
situação transcorria a partir do início da locação com o antigo proprietário e por ser
carroceiro, necessitava durante o dia manter os animais próximos do imóvel, em
local [...] situado quasi que na zona rural, nos limites máximos do perímetro
urbano”
54
. Acreditava ter o proprietário o dever de respeitar a antiga locação, que
pré-existia a compra do imóvel. O inquilino se comprometeu ainda, a reparar os
estragos existentes no imóvel, como o reboque que seu animal havia roído, o
52
Mais uma vez a lógica do “cidadão trabalhador” demonstrada por Ângela de Castro Gomes pode
ser observada nas ações do inquilino, que por ser trabalhador julgava possuir direitos, mesmo que
não estivessem, em um primeiro momento, devidamente expresso na legislação. Cf. GOMES, op.cit.,
p. 175-188.
53
Antonio Augusto da Rocha. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190, 1956, f. 44.
54
Vergílio Muzzetti, op.cit., f. 46.
144
sendo tal situação infração grave, que desse ao proprietário o direito de requerer o
despejo do inquilino, pois
[...] os carroceiros nésta cidade, têm por habito manter os seus animais de
serviço nos quintais de suas residências, animais esses que à noite são
empastados em sítios e chácaras da zona suburbana, e que o imóvel,
objeto da ação se encontra localizado em bairro pobre, onde os carroceiros
costumam residir em função do desempenho de suas funções de trabalho
de condição inferior, mas indispensáveis à comunidade
55
Na sentença, o juiz Vicente Mastrocolla disse que a venda do imóvel não
alterava o caráter da locação, assim aceitando os argumentos do inquilino a ação de
despejo movida por Antonio Augusto da Rocha conta Virgílio Muzzetti foi julgada
improcedente.
No entanto, o proprietário não se conformou com a sentença de primeira
instância e recorreu da decisão, que confirmava a presença do inquilino no imóvel,
afirmando que não era obrigado aceitar uma situação que atentava contra seus
interesses, pois os animais estavam destruindo o prédio.
Para o inquilino, o proprietário era obrigado a respeitar a locação pré-
existente à aquisição do imóvel. E, ao mesmo tempo, Antonio Augusto da Rocha
não conseguiu demonstrar a existência de alguma grave infração legal, que
justificasse a decretação do despejo. O juiz apontou que o existia o prejuízo
alegado pelo proprietário contra seu patrimônio, pois seria exagero que um animal
passasse a comer o reboque de uma casa antiga, o que o foi constatado pelos
peritos.
No acórdão, que é uma decisão judicial proveniente de recurso ou apelação,
a sentença de primeira instância foi mantida, sendo que, foi considerado o haver
prejuízo conta a propriedade de Antonio Augusto da Rocha na atividade profissional
de Virgílio Muzzetti e a presença da lenha, madeira ou areia não representaria
violação legal, ou que, o uso da propriedade estivesse sendo desvirtuado. Portanto,
confirmou-se a presença de Virgílio Muzzetti no imóvel que estava instalada sua
moradia.
Desta forma, a decisão final da ação de despejo movida por Antonio Augusto
da Rocha contra Virgílio Muzzetti, demonstra que a luta por direitos em um período
em que a legislação trabalhista estava sendo difundida, não ficou restrita aos
trabalhadores urbanos. As lutas por diretos entre os inquilinos eram ordenadas a
partir de elementos presentes na legislação, mas associadas às concepções
55
Vergílio Muzzetti, op.cit., f. 48.
145
informais de direitos, que estavam embasadas na cultura tradicional, que tais
inquilinos traziam do campo, ou no caso de Muzzetti, de trabalhadores de regiões
suburbanas e próximas à zona rural.
Levando-se em consideração
[...] que toda ação social é vista como o resultado de uma constante
negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma
realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas
possibilidades de interpretações e liberdades pessoais. A questão é,
portanto, como definir as margens – por mais estreitas que possam ser – da
liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos
sistemas normativos que os governam.
56
Neste caso, foi realizada a análise de trajetórias de alguns trabalhadores
urbanos, que vieram em sua maioria de ambientes rurais, ou de trabalhadores que
viviam em regiões próximas ao meio urbano. A intenção foi, valorizar em uma
dimensão micro analítica, as respectivas experiências individuais dos trabalhadores,
que permitisse, ao mesmo tempo, perceber como construíam a cidadania em um
contexto de lutas e expansão de direitos e da democracia.
No caso de trabalhadores não vinculados diretamente às organizações
sindicais, assim como os trabalhares organizados, concepções informais de direitos
baseadas em seu costume e cotidiano, foram associadas a elementos presentes na
legislação, ou seja, na cultura erudita. Desta forma, uma cultura política de
reivindicação por via do Judiciário, ou uma cultura jurídica
57
, poderia ser
constantemente formulada entre os trabalhadores-inquilinos na tentativa de
preservação dos direitos de moradia. Agindo dentro das instituições oficiais, tais
trabalhadores procuravam que o poder público endossasse suas respectivas
concepções de direito, ou práticas informais de cidadania.
56
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In BURKE, Peter (Org.) A escrita da história. São Paulo:
Ed. Unesp, 1991, p. 135.
57
A formação de uma cultura política de reivindicação entre os trabalhadores foi conquistada a partir
do momento em que a Justiça do Trabalho foi largamente usada com a intenção de colocar em
prática os direitos trabalhistas assegurados pela CLT. FRENCH, op.cit.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONSOLIDAÇÃO DE UMA CULTURA
REIVINDICATIVA.
147
Ao realizar o resgate da fala dos inquilinos, tentamos observar quais são os
motivos que os levaram a lutar na Justiça, pela preservação de suas moradias.
Quais os argumentos empregados para manter e sustentar a estabilidade da
moradia.
Assim, a cultura jurídica dos inquilinos pode ser analisada a partir da
combinação de suas concepções informais de direitos, e alguns elementos
presentes na lei do inquilinato, que era filtrada de acordo com suas próprias
necessidades. Desta forma, podemos avaliar a trajetória de João Consenza, como
que foi narrado na introdução do presente trabalho. Mesmo que, João Consenza não
tenha alcançado o objetivo de permanecer no imóvel, sua trajetória é significativa
para se observar alguns pontos importantes do processo de conquista e exercício de
sua cidadania.
Inicialmente, ao enfatizar que residia a mais de cinco anos no imóvel, o
inquilino procurava destacar uma concepção informal de direito que foi adquirido por
ele, em função do longo espaço de tempo em que esteve ocupando o imóvel.
Posteriormente, quando afirma ter feito reformas no prédio duas questões ficam
aparentes, e podem ser analisadas: em primeiro lugar, quando um inquilino realiza
reformas em um imóvel alugado, e não procura reembolso pelas benfeitorias, é um
sinal de que ele procura deixar o local habitável, de acordo com suas necessidades
e padrões de conforto, atitude, portanto, de quem não pretende deixar o local ou, no
mínimo, viver ali por um largo espaço de tempo. Em segundo lugar, a atitude de
Consenza pode demonstrar o posicionamento do inquilino frente ao local em que
habita. Ao realizar as reformas, deixando o imóvel pronto a satisfazer suas
necessidades familiares e profissionais, residido ali por mais de cinco anos e pagado
regularmente os aluguéis pode demonstrar uma atitude do inquilino, que segundo
sua concepção, passou a ter direitos sobre a propriedade. Esses direitos não
constituiriam o inquilino em co-proprietário do imóvel, mas lhe daria a posição de
respeito as suas necessidades, visto que as reformas agregaram valor ao imóvel.
Ao dizer que, o prédio locado servia-lhe como residência e local onde exercia
seu ofício, mais uma concepção informal de direitos pode ser destacada. A partir de
1930, iniciou-se no Brasil um processo de valorização da figura do trabalhador
nacional, o que consequentemente proporcionou a criação de um discurso em sua
defesa, visto que, por meio de seu trabalho a grandeza da nação era construída,
148
criando-se, desta forma, nas palavras de Ângela de Castro Gomes, “a lógica do
‘Quem Tem. Ofício, Tem Benefício
245
”. Ao usar como argumento que fez reformas no
imóvel para instalar seu salão de cabeleireiro e sua residência nos fundos do
cômodo, a gica da proteção ao trabalhador aparece como uma concepção informal
de direitos, principalmente quando se auto-qualifica como um modesto profissional”.
Portanto, existe um entendimento de que o trabalho fornece-lhe dignidade e, assim,
o direito de permanecer no local onde exerce sua profissão.
No entanto, o papel da residência ainda deve ser destacado. Para que o
trabalhador pudesse usufruir plenamente sua cidadania social, deveria lhe ser
preservado o direito de possuir endereço fixo, ou seja, uma residência que pudesse
procurar ao final de sua jornada de trabalho para descansar e, ao mesmo tempo,
acomodar sua família.
Quando Consenza destaca que não se mudou, pois não encontrou outro
imóvel revela que precisa de amparo, que acredita não poder se instalar na rua.
Esse argumento demonstrou, portanto, que a lógica do cidadão trabalhador aparece
como uma concepção informal de direito de moradia para o inquilino, que no
decorrer do processo foi reconhecida até mesmo pela proprietária do imóvel. Ao
afirmar que, “a lei não prevê essa circunstância excludente do despejo”, a
proprietária revela ser possuidora de uma concepção jurídica alicerçada somente na
esfera da legislação formal, mas mesmo desqualificando o argumento do inquilino,
ela admite essa proposição como elemento presente na cultura jurídica de seu
locatário.
A legislação permitia a rescisão contratual em caso de falta de pagamento, se
o proprietário precisasse do prédio para uso próprio ou, para fazer uma nova
construção, no caso de demissão, se o imóvel destinava-se a resincia de
empregados ou, com o descumprimento de qualquer cláusula do contrato. Ao
perceber que existiam critérios que regulavam as rescisões das locações, João
Consenza procurou filtrar a lei do inquilinato, fornecendo-lhe um novo significado a
partir de suas próprias noções de direito. Procurou, desta forma, retirar da legislação
um elemento que satisfaria sua necessidade, que neste caso, era a regulamentação
dos motivos que permitiam a rescisão contratual. Posteriormente, buscou imprimir na
legislação uma concepção informal de direito para assegurar sua permanência no
245
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005, p.
175-188.
149
local: era um modesto profissional que não encontrou outro imóvel e, portanto, não
podia desalojar sua família do imóvel para acomodá-la na rua.
Por fim, na contestação de João Consenza, está presente sua percepção a
respeito da situação social que o país estava atravessando. Para o inquilino, as
modificações trazidas pela legislação social e trabalhista do pós-1930, eram
benéficas, devendo, segundo ele, os demais ramos do Direito, atenderem às
necessidades da classe trabalhadora, principalmente quando destaca que legislação
deveria ser aplicada com humanidade”, “obedecendo a linha ascendente da
socialização do Direito que tem que se adaptar aos prodromos [sic] da evolução
social”.
Não existiam apenas, requerimentos de despejo fundamentados na
necessidade do prédio para uso próprio. A partir da verificação em processos de
despejo que, tramitaram em Franca no período de 1945 a 1960, apareceram com
maior freqüência três razões, as quais os proprietários usaram para justificar, a
necessidade de desocupação dos prédios. Entre os motivos destacados como
justificativa dos despejos, com o maior número de casos contestados, foi a
necessidade do prédio para uso próprio, seguido da falta de pagamento dos
aluguéis e, em terceiro lugar, a necessidade do prédio para a realização de
reformas, que lhe dariam maior capacidade de utilização.
No entanto, tais motivos apontados pelos proprietários, estão em
conformidade com o contexto, que se desenvolvia no município de Franca. A partir
de 1945, algumas transformações de caráter econômico, passaram a ser sentidas
no município de Franca, trazendo reflexos, principalmente na década seguinte,
quando gradativamente as indústrias do couro e do calçado passavam a se destacar
no conjunto da economia local
246
. Como reflexo do crescimento da industrialização, a
urbanização foi outro fenômeno, que se acentuou, no momento em que,
trabalhadores de origem rural passaram a viver na região urbana de Franca, na
tentativa de buscar colocação nas fábricas de médio e grande porte, que
comavam a surgir
247
.
Assim, como os inquilinos constantemente informavam nas ações de despejo
a falta de imóveis disponíveis para aluguel na cidade, percebe-se que o mercado
246
BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Política e modernização em Franca 1945-1964. Franca: FHDSS,
Unesp, 1998
247
Cf. GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. Migrantes mineiros em Franca: memória e trabalho na
cidade industrial (1960-1980). Franca: FHDSS, Unesp, 1997.
150
imobiliário, sobretudo de aluguéis, sofria considerável impacto, pois os imóveis
destinados à locação passaram a diminuir, abrindo espaço para a especulação dos
proprietários. Com um mero cada vez maior de habitantes, o mercado imobiliário
encontrou problemas para absorver a demanda, pois a oferta de imóveis passava a
diminuir, enquanto a procura se acentuava. Neste caso, o primeiro motivo, que foi a
requisição do imóvel para uso próprio, é justificado pela especulação imobiliária,
sobretudo, de migrantes que compravam um imóvel com a pretensão de estabelecer
no local sua moradia e, desta forma, requeria, ou até despejava o inquilino.
E, outro aspecto que envolveu essa justificativa, eram os proprietários que,
diante da possibilidade de adquirir melhor renda, exerciam pressão sob seus
inquilinos com a intenção de, reajustar o aluguel acima do percentual estipulado pela
lei do inquilinato. Quando tal objetivo não era alcançado, o proprietário requeria o
despejo, com o objetivo de desocupar o prédio e, assim, contrair nova locação com
valor superior, definido pelo mercado.
com relação à falta de pagamento, as transformações econômicas, que
marcavam o desenvolvimento do processo industrial, exigiam a contenção nos
preços dos salários, o que resultava no acentuado grau de exploração e, assim,
baixas condições salariais. Portanto, o processo de acumulação de capitais, que a
indústria procurava assegurar, com a intenção de promover a expansão industrial,
acabava comprometendo não os pagamentos referentes às moradias dos
operários, mas tamm, a sobrevivência de uma maneira geral.
Por fim, com o desenvolvimento da industrialização, discursos sobre a
racionalização do espaço urbano, e a necessidade de modernização nas estruturas
dos imóveis, levou vários proprietários a empreender reformas nos prédios, inclusive
naqueles que, se destinavam ao mercado imobiliário de aluguéis, o que quase
sempre, rendia ações de despejo, pois o inquilino não queria deixar sua residência.
Além das transformações locais, que constantemente modificava o cotidiano
dos trabalhadores no município de Franca, outras alterações, sobretudo na política
brasileira, tamm causaram impacto, como foi o caso da legislação social e
trabalhista, que foi inserida pouco a pouco a partir de 1930, culminando na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a democratização ocorrida a partir de
1945.
Assim nesta conjuntura, o trabalhador que deixava o campo e transferia-se
para a região urbana teve a possibilidade de participação econômica e social
151
ampliada. A partir da década de 1940, com a difusão da legislação trabalhista, por
meio do rádio e dos sindicatos os trabalhadores, puderam entrar em contato com o
universo legal e acima tudo com os direitos trabalhistas
248
. A CLT também foi
responsável pela criação de uma cultura política reivindicativa entre os
trabalhadores, que tentavam por via da Justiça do Trabalho, assegurar
cotidianamente os direitos trabalhistas estabelecidos na legislação, que nem sempre
eram cumpridos pelo patronato por conta da ineficiência dos órgãos de
fiscalização
249
. Desta forma, era possível aos trabalhadores aperfeiçoar
constantemente sua cultura jurídica, ou seja, a cultura política de reivindicação por
meio do Judiciário, na medida em que, os trabalhadores se colocavam a lutar por
direitos e, ao mesmo tempo, apropriavam a legislação, que passaria a fazer parte
sua cultura.
O estudo da luta dos trabalhadores na busca por direitos, pode ser realizado a
partir do conceito de Circularidade Cultural de Carlo Ginzburg. O autor afirma que, a
utilização do conceito de [...] cultura, para definir o conjunto de atitudes, crenças,
códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo período
histórico é relativamente tardio [...]”
250
.
Os trabalhadores que, pertenciam às classes subalternas, no momento em
que buscam reivindicar direitos, ou no caso daqueles, que viam a segurança de suas
moradias ameaçadas, procuraram defendê-las a partir de práticas informais ou
concepções de direitos, fundamentados em seu cotidiano e costume.
No entanto, Ginzburg chama a atenção para a relação entre a cultura popular
e a cultura das classes dominantes. E assim, o autor afirma que a partir “[...] de uma
concepção aristocrática de cultura [...]”
251
“[...] crenças originais o consideradas,
por definição, produtos das classes superiores, e sua difusão entre as classes
subalternas [seria] um fato mecânico [...]”
252
.
Desta forma, percebe-se que ao tentar defender suas respectivas residências
nas instituições oficiais, os trabalhadores, associavam concepções informais de
direito a elementos presentes na legislação, ou seja, que integravam a cultura das
classes dominantes, que eram filtradas, permitindo, desta forma, a criação de uma
248
GOMES, op.cit., 211-216.
249
FRENCH, John D. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
250
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 12.
251
Ibid.
252
Ibid.
152
cultura jurídica mais ampla, que não se restringia apenas ao âmbito da
informalidade.
Alguns inquilinos durante o processo ressaltavam, com recibos, notas fiscais
e outros documentos, que haviam feito reformas nos imóveis locados e não
procuraram receber pelos gastos, mas, diante da possibilidade de deixar o prédio,
queriam reaver seu dinheiro. Fica patente que, o morador ao realizar as reformas, e
não cobrá-las posteriormente, buscava um conforto maior, característico de quem
não pretendia deixar local. Apresentando este fato perante o juiz, além de requerer
as despesas, mostrava definitivamente, o desejo de continuar em sua residência. Ao
integrar às instituições oficiais como forma de obter a permanência em sua moradia,
o inquilino colocava membros das camadas superiores em contato com a cultura das
classes subalternas, permitindo a expansão do processo de Circularidade Cultural,
para além da cultura popular.
Neste contexto específico de conflitos no mercado imobiliário de uma cidade
em expansão urbano-industrial percebe-se, portanto, o contínuo processo de
formação de uma cultura, que de um lado, possuía para o inquilino, um caráter de
luta e reivindicação por direitos, e de outro, de integração e aceitação das demandas
por parte das autoridades e do poder público local.
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FONTES
160
AÇÕES DE DESPEJO
253
:
1. Estante 42: caixas: 501 (1945-1949); 531 (1951-1960).
2. Estante 43: caixas: 502 (1946-1950); 503 (1949-1953); 504 (1946-1956); 505
(1956); 506 (1956-1958); 507 (1956-1958); 532 (1953-1960); 534 (1952-
1960); 535 (1956-1960); 536 (1958-1960); 537 (1959-1960).
3. Estante 44: caixas: 508 (1957-1959); 509 (1957-1959); 510 (1957-1960); 511
(1958-1960), 512 (1959-1960); 513 (1960); 543 (1955-1960).
4. Estante 79: caixas: 355 (1951-1952); 356 (1952-1953); 357 (1953-1955);
358(1956); 359 (1956-1957); 360 (1957-1958).
5. Estante 80: caixas: 301 (1945-1946); 302 (1946-1949); 303 (1949-1950); 361
(1958-1959); 362 (1959); 363 (1959-1960).
AÇÕES POSSESSÓRIAS
254
:
1. Estante 76: caixa: 338 (1945-1950).
2. Estante 81: caixas: 460 (1951-1955); 461 (1955-1958); 462 (1958-1960).
DOCUMENTAÇÃO SINDICAL.
1. LIVRO DE REGISTRO DE SÓCIOS DO SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE
ARTEFATOS DE COURO DE FRANCA: relação de sócios entre 1945 e 1960.
2. SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE CALÇADO DE FRANCA: relação de
sócios entre 1945 e 1960.
3. SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DE
FRANCA: relação de sócios entre 1945 e 1960.
4. SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE ALIMENTAÇÃO DE FRANCA E
PATROCÍNIO PAULISTA: relação de sócios em 1959 e 1960.
JORNAL LOCAL
255
:
Diário da Tarde (1945-1960).
253
Arquivo Histórico Municipal “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro”.
254
Arquivo Histórico Municipal “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro”.
255
Biblioteca da Faculdade de História, Direito, Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”
APÊNDICE
162
APÊNDICE A Relação geral das fontes processuais
Processos de despejo e possessórios
Arquivo Histórico Municipal "Capitão Antônio Hipólito Pinheiro"
FRANCA (1945-1960)
163
LEVANTAMENTO DOS PROCESSOS − DESPEJOS
ANO CAIXA Nº. P LOCADOR LOCATÁRIO ENDEREÇO MOTIVO
1945 301 2261
Serafim Malta-prop.
Serafim Ribeiro Malta-prop.
Frederico Del Ponte-caldeireiro R. Frederico Moura, 488
Uso
próprio
1945 301 2934 Archetti & Latorraca-firma João Consenza-cabelereiro R.Major Claudiano, 564
Uso
próprio
1945 301 2935 Amím Melém Haber-lavrador Dolores Ramines- R. Comércio, 978
Uso
próprio
1945 301 2963 Guiomar Abranches-pren. domes. José Simaro-comerciário R. Padre Anchieta, 1076
Uso
próprio
1945 301 2980 Atilio Paulo-sapateiro Pedro Pióla-industriário R. Voluntários da Franca, 449
Uso
próprio
1945 301 2999 Manuel Ribeiro-encanador Antônia de Andrade - domés. R. Evangelista de Lima, 31 Us. Desv.
1945 501 48 Abelardo Domenes Rubio - com. Claricinda de Oliveira - domést. R. Francisco Barbosa, 294
Uso
próprio
1945 501 49 Alvaro Bonfim - marceneiro Túlio Palamoni - ferreiro R. Marechal Deodoro, 753
Uso
próprio
1945 501 63 Francisca Cassia Alves - prop. José Zacarias - serv. escolar R. Padre Anchieta, 505
Uso
próprio
1945 501 81 Candido Borges de Fraitas - lavr. Arlindo Reis - sapateiro R. Cel. Flores, 822
Uso
próprio
1946 301 2295 Pio Severino da Silva - prop. Nicolau Gardelin-serralheiro R. Campos Sales, 983
Uso
próprio
1946 301 2325 Jeronymo Gonçalves da Silva-pr. Hernestálio Costa- Av. Rio Branco, 628
Uso
próprio
1946 301 2328 Pio Severino da Silva - agricultor Nicolau Gardelin-serralheiro R. Campos Sales, 983
Uso
próprio
1946 301 2910 Angelo de Lima Guimarães-prop. José Paulino de Macedo-hoteleiro Pç. N.S. Conceição, 537
Uso
próprio
1946 301 2923 Amélia Schirato Cunha-domést. João Antônio Fonseca-Fun. Pu. Av. Major Nicácio. 189
Uso
próprio
1946 302 1152 Alfredo José-porp.
Nelson Deoclesiano Ribeiro-
lavrador
R. Campos Sales, 1400
Uso
próprio
164
1946 302 2293 Matusalém de Melo-prop. João Quirino Sobrinho-operário R. Couto Magalhães, 95
Uso
próprio
1946 302 2944 João Kazan-comerciante Osvaldo Ravagnani-industrial R. Voluntários da Franca, 469
Uso
próprio
1946 302 2945
Maria Aparecida de Lima
Ragazzini-Profa
Duvilio Bertoncini-operário R. Padre Anchieta, 1062
Uso
próprio
1946 501 52
Benedito Vieira - proprietário
(comerciário no Posto Archet)
Júlio Tomaz de Mello - motorista
Elvira Fereira de Mello - dom.
R. Comércio, 862
Uso
próprio
1946 501 54 Fiad Acari - comerciante Fernando Simões - Alfaiate R. Vol. Franca, 163
Uso
próprio
1946 501 56 João Marcelino Rodrigues-prop. José Júlio de Souza-sapateiro R. Capitão Anselmo, 166 Fal. Pag.
1946 501 57
Francisco Gaspar-prop.
Florinda Papacidera-prop.
Felipe Altaif-comerciário R. Prudente de Moraes, 225
Uso
próprio
1946 501 61 Antônio Rodrigues Neto - prop. Waldemar Ferreira Martins Av. Brasil, 405
Uso
próprio
1946 501 62 Lucinda Bernardes Fontoura - viu. Candido Pinheiro Dias - dentista R. João Mendes, 1439
Uso
próprio
1946 501 71 Maria Lucas Pereira - prop. Sec. Seg. Púb. Est. São Paulo R. Tomaz Gonzaga, 125 Fal. pag.
1946 501 82 Rosina Garcia Bastos - domést. Amado de Sousa - ambulante R. Marechal Deodoro, 696
Uso
próprio
1947 302 2354 Manuel Gargia Pereira-lavrador Domingos barcarolo-lavrador R. Padre Anchieta, 1045
Uso
próprio
1947 302 2356 Agostinho Lepiani-comerciante João Gomes Sobrinho-lavrador R. Voluntários da Franca, 456 Fal. Pag.
1947 302 2398 António Firmino Marques-Fun.p. Sebastião Marques-func. Mun. R. Alvaro Abranches, 162
Uso
próprio
1947 501 66 Luciano Beco - prop.
Orlando Melani - comerciante
Sebastião de Almeida-guarda-liv.
R. Major Claudiano, 1236 Sub. Loc
1947 501 67 Pedro de Oliveira Ramos-Fun pub. Maria Joaquina Barbosa - R. Couto Magalhães, 929
Uso
próprio
1947 501 69 Elias Naciff - prop. Emília Elias - doméstica
R. Dr. Júlio Card./Tomaz
Gonz.
Uso
próprio
1947 501 70 Antônio dos Santos - prop. Jorge Calisto - industrial R. Vol. Franca, 193 Fal. pag.
1947 502 84 Manuel Ferreiro Alves - lavrador João Alexandre Dias - farmaceut. Av. Brasil, 1091
Uso
próprio
165
1948 302 2382 Caio Silva-ourives Paulo Kelner-comerciante R. Comércio, 519
Uso
próprio
1948 302 2393
Braz Fernandes Oliveira-pedreiro
e prop.
Júlio Simei-pedreiro
R. São Sebastião, 301 - S. J.
Bela Vista
Sub. Loc
1948 302 2426
Braz Fernandes Oliveira-pedreiro
e prop.
Adão Isac
R. São Sebastião, 301 - S. J.
Bela Vista
Sub. Loc
1948 302 2433 Nicola Archetti-industrial
Eduardo Trevisani-comerciante
Carlos Guasti-comerciante
R. Major Claudiano, 666
Uso
próprio
1948 302 2924 Maria do Carmo de Freitas-prop. Joaquim Cubas de Oliveira-lavr. R. Major Claudiano, 1274
Uso
próprio
1948 302 2932 Jeronimo Alves Pereira-prop. José Fernandes Gimenes-lavr. R. Padre Anchieta, 1417 Nv. Cons.
1948 302 2979 Marina de Araujo Pavão-prop. Alípio Franco-viajante R. Monsenhor Rosa, 1263
Uso
próprio
1948 501 64 Pedro Piola-industriário José Comparini - motorista R. Cel. Tamarindo, 58
Uso
próprio
1948 501 68 Marina de Araujo Pavão-prop. Alípio Franco-viajante R. Libero Badaró, 1923 Nv. Cons.
1948 501 74 Benevenuto Barini - industrial Pedro Guido Pucci - comerciário R. Ouvidor Freire, 950 Fal. Pag.
1948 501 76 Maria Jacinta de Sousa - dom.
João Barbosa - guarda civil
Joaquim Benedito - operário
R. Silva Jardim, 703
Falta de
pagam.
1948 501 78 Gotardo Berteli - lavrador Aníbal de Sousa - lav./Fun. Púb.
João Anselmo Diniz,122, S. J.
Bela Vista
Uso
próprio
1948 501 86 José Garcia Gimenes - verdureiro Henrique de Castro Nunes-ven lot. R. Santos Pereira, 638
Uso
próprio
1949 302 126
Pedro Monteiro Paes Leme-
diamanteiro
Francisca Cintra Leite-domést. Av. Major Nicácio, 64
Uso
próprio
1949 302 2401 Amadeu Cursini-agricultor
Alcides Gera-alfaiate
Gustavo Forster
-
ñ cita
R. Comércio, 819 e 824
Uso
pró
prio
1949 302 2518 Maria Ribeiro de Jesus-domést.
Jeronimo Fortunato Barbosa-
comerciante
Av. Bom Jardim, 611
Uso
próprio
1949 303 31 Miguel Jorge-prop. Walter Antonio de Oliveira-contador R. Major Claudiano, 1088
Uso
próprio
1949 303 2946 Antonio de Paula e Silva-agricul. Antonio José Messias-agric. Sítio Madalena Fal. Pag.
166
1949 303 2953
Bacima Lutfala; Jamil Lutfala:
Emílio Lutfala: Tafida Lutfala:
Amali Lutfala-comerciantes
José Chiachiri-jornalista R. Comércio, 520
Uso
próprio
1949 502 91 Jacinto dos Santos - prop. Maria José dos santos - cost. R. Diogo Feijó, 216
Uso
próprio
1949 502 94
Nelo Melani - prop.
Leonor Melani - prop.
José Américo Melani - prop.
Jeronimo Teixeira - barbeiro R. Vol. Franca, 1068
Uso
próprio
1949 502 109 João Madureira-fun. Pub. Pedro Guido Pucci - comerciário R. Ouvidor Freire, 950
Uso
próprio
1950 303 15 Antonio Gaia Barreto-comerc. Wilson Teixeira-comerciante R. Campos Sales, 1198 Alt. Im.
1950 303 1563
Nassif & Cia-firma
Aniz Nassif-prop.
Oliveira Bento da Silva-pedreiro R. Pernambuco
Rec. Cont.
trab.
1950 303 2983 Antonio Cerqueira-comerciante João Leopoldino Mendes-sap. R. Gonçalves Dias, 89 Fal. Pag.
1950 502 108 José Paulino Filho-comercinte Maria Candida de Araujo-dom. R. General Osório, 947
Uso
próprio
1950 502 113
Ruth Bastos Ferreira-profa
João Paulo ferreira-Func.pub.
Glauco Vergilio Luz-eletricista R. Libero Badaró, 540 Fp/us. pr
1950 502 114
Ruth Bastos Ferreira-profa
João Paulo ferreira-Func.pub.
Glauco Vergilio Luz-eletricista R. Libero Badaró, 540
Uso
próprio
1950 502 118 Francisco Scichitano-prop. João Ferracioli-motorista R. Marechal Deodoro, 237 Fal. Pag.
1950 502 122 Araci Barbosa Sandoval-domést.
Humberto Torres Vilheana-
pedreiro
Av. Brasil, 695 Fal. Pag.
1950 502 123
Elias Mota-prop.
Ana de Oliveira Mota-prop.
José da Costa-lavrador R. Algusto Marques, 29 Nv. Cons.
1951 355 2530 Antonio Petraglia-médico José Américo Batista-comerciá. R. General Carneiro, 19 Fal. Pag.
1951 355 2535 José Conrado Nascimento-contador. Guerino Dal Sasso-motorista R. Capitão Canuto, 257 Fal. Pag.
1951 355 2537 Bertoldo Martins Alarcon-comerciante
Raimundo de Souza Lima-
proprietário
Av. Major Nicacio, 215
Fp/us. Pr
Sub. Loc.
167
1951 355 2798 José Corona - prop. Derval Mendonça-barbeiro
Rua Coronel José Esteves,
475 e 485
S. José B. Vista
Nv. Cons.
1951 355 2888
Diovana Lazara de Oliveira-domest.
Antonio de Oliveira Claro
José Moreira-motorista R. Coronel Tamarindo, 485 Fal. Pag.
1951 355 2901 Carlos Moroni-prop.
Luiz Augusto Diniz-prop.
Luiza de Mello Gomes-prop.
R. Comércio, 1099
Uso
próprio
1951 355 2941 Justina de Paula Silveira-domest. Miguel Algarte-lavrador R. Tiradentes, 595 Sub. Loc
1951 503 128 José Molina Sanches-lavrador
Alexandre de Mello Nogueira-
contad.
R. Joaquim Zeferino, 141 Fp/us. pr
1951 503 129
Luiza Mardoni de Andrade-prendas
doméstiacas
Antonio Luis Mamede-agricultor R. Líbero Badaró, 211
Uso
próprio
1951 503 131 José Sábio de Mello-prop. Ademar Polo-comerciante R. José Bonifácio, 422
Uso
próprio
1951 503 133 Márcio Bagueira Leal-Func. Publ. José Valente de Melo-func.munic. R. Comércio, 783 Fal. Pag.
1951 503 143 Anisio Daher-comerciário Joana Maria de Jesus-domest. R. Mário Mazini, sn Fal. Pag.
1951 503 156 Aldovandro Nogueira-prop. David Ewbank Jr. -médico R. Marechal Deodroro, 380 Nv. Cons.
1951 531 901 Caetano Peixe - farmaceutico Arlindo Haddad - comerciante R. Ouvidor Freire, 399
Uso
próprio
1952 355 2816 Benjamin Pagotti-lavrador Joaquim Isasc ferreira-lavrador R. Saldanha Marinho, 172
Uso
próprio
1952 355 2844 Nassif & Cia-firma Alcindo Cintra Coelho-lavrador R. Júlio Cardoso, 746
Uso
próprio
1952 355 2982 Clara Fernandes Garcia-doméstica João Senhorini-operário R. Gonçalves Dias, 26 Fal. Pag.
1952 356 2822 Alice Pereira Gilberto-prop. Antonio Rodrigues Padeiro R. Tomaz Gonzaga, 273 Nv. Cons.
1952 356 2863 Geraldo Alves Lelis-prop. Hortencia Duate-doméstica R. Padre Anchieta, 720 Fal. Pag.
1952 356 2874 Calixto Meliem-prop. Wahiba Latuf-prendas domést. R. Monsenhor Rosa, 1043 Nv. Cons.
1952 503 139 Elias Naciff - prop. José Capel Molina-camelô R. Padre Anchieta, 1247 Fal. Pag.
168
1952 503 144
Maria Ap. Tasso-domest, Júlio Tasso
Filho, Antonio Tasso-indust.
Pedro Bertolini-lavrador R. Comandante Salgado, 710
Uso
próprio
1952 503 145 Cesar Pereira da Silva-diamanteiro
Napier de Sousa Galvão-
comerciante
R. General Teles, 969
Uso
próprio
1952 503 147
Mario Latuf-comerciante
Lauro Latuf-comerciante
Artur Ewbank-prof. R. Julio Cardoso, 1191 Sub. Loc
1952 503 149 Jeronymo de Paula Barbosa-prop. Joaquim Caetano-tintureiro R. Estevam Leão Borroul, 963 Fal. Pag.
1952 503 151 Clara Fernandes Garcia-doméstica João Senhorini-operário R. Gonçalves Dias, 26
Uso
próprio
1952 504 164 José Corona - prop. Derval Mendonça-barbeiro
R. Coronel José Esteves, 475
e 485 S. José b. Vista
Nv. Cons.
1953 356 2817 Jeronymo de Paula Barbosa-prop. Hortencia Duate-doméstica R. Estevam Leão Borroul, 963 Fal. Pag.
1953 356 2850
Acácio de Lima-serventuário da
Justiça
Wilson Teixeira-comerciante R. Campos Sales, 1198
Uso
próprio
1953 356 2943 Miguel Diniz da Silva-médico Túlio Palamoni - ferreiro R. Floriano Peixoto, 26 Fal. Pag.
1953 356 3127
Luiz Geraldo Menezes-prop.
José Casas Sábio-prop.
Waldivino da Silva Campos-prop. Chacara Santa Terezinha Des. Cont.
1953 357 3231 Nazareth Baidarian-prop. Sebastião Carvalho-farmaceutico R. Major Claudiano, 720
Uso
próprio
1953 504 165 Marcio Bagueira Leal-Func. Pub. José Valente de Melo-func.munic. R. Comércio, 783
Uso
próprio
1953 504 170 Calixto Abrão Damiar-comerciante Eurípedes Donoltti-Func. Pub. R. Voluntários da Franca, 131
Uso
próprio
1953 532 928 Rosina Garcia Linhares-domést. José Inocencio da Silva-operário R. Padre Anchieta, sn Fal. Pag.
1953 534 964
Wilson Cunha-comerciate
Joaquim Firmino Junqueira-comercia.
Tomaz Pucci-comerciante R. Comércio, 408
Uso
próprio
1953 534 970 Rosina Garcia Linhares-domést. José Inocencio da Silva-operário R. Padre Anchieta, sn Nv. Cons.
1954 357 3116 Josefa Casas Sabio-doméstica
Sebastina Aparecida Leão-
doméstica
R. Capitão Anselmo, 371 Fal. Pag.
169
1954 357 3340 Torquato Rodrigues Alves-prop. Geraldo Vilhena de Almeida Paiva R. Comandante Salgado, 204 Fal. Pag.
1955 357 3126 Filipina Borges do Val-prop. Aracy Silva Machado-doméstica R. Comércio, 715 Fal. Pag.
1955 357 3223 Maria dos Santos Cabral Bartole- Nelson Japaulo-barbeiro R. Estevam Leão Borroul, 292
Uso
próprio
1955 357
3322 e
3323
Antonio Garcia-professor Guido Spirandelli-sapateiro R. Campos Sales, 220 Fal. Pag.
1955 357 3541
Oswaldo David-comerciante
Orlando David-alfaiate
José Martins de Souza-seleiro Av. Restinga, 2
F. Pag.
Sub. Loc.
1955 357 3991
Cláudio Junqueira-professor
Lázara Brasilino Barbosa
Gedeon Assunção Batista-
ambulante
R. Monsenhor Rosa, 1419 Fal. Pag.
1955 357 4302
Odone Masini-Fun. Publ.
Edmundo Masini-operário
Estone Masini-mecanico
Gibroni Elias-comerciário R. Comércio, 390 Sub. Loc
1955 504 175 Pedro Martins Alarcon-motorista Mario Barreiros-sapateiro R. Major Duate, 50 Fal. Pag.
1955 504 179 Maria dos Santos Cabral Bartole- Nelson Japaulo-barbeiro R. Estevam Leão Borroul, 292 Fal. Pag.
1955 504 181 Maria dos Santos Cabral Bartole- Nelson Japaulo-barbeiro R. Estevam Leão Borroul, 292 Fal. Pag.
1955 504 192 Roso Alves Pereira-prop.
Coriolano da Cunha Carvalho-
barbeiro
Av. Presidente Vargas, 223
Uso
próprio
1955 504 193
João Batista Costa Faggioni-
comerciário
Ivone Fernandes-doméstica R. Comércio, 948 Des. Cont.
1955 543 1207 Maria Tomazia Tita-prop. Afonso Alvarenga-tintureiro R. Comércio, 1046 Fim cont.
1956 357 3341 Torquato Rodrigues Alves-prop. Geraldo Vilhena de Almeida Paiva R. Comandante Salgado, 204 Fal. Pag.
1956 358 3271 Maria Conceição Costa-prop. Nuno de Barros-lavrador R. Alvaro Abranches, 42
Nov. Cons.
Us.pr.
1956 358 3291 Cyrilo de Paula Netto-fazendeiro Nadim Abrhão Nehemy-comerciário R. Tomaz Gonzaga, 361 Fal. Pag.
1956 358 3312 Maria Conceição Costa-prop. Nuno de Barros-lavrador R. Alvaro Abranches, 42
Nov. Cons.
Us.pr.
1956 358 3316 Helena Velucci Bachur-do lar Felipe Bittar-comerciante R. Coronel Flores, 222
Uso
próprio
170
1956 358 3350 Simão Rodrigues-prop.
Euclides Fortunato Miranda-
comerciante
R. Campos Sales, 1370, 1362,
366
Nv. Cons.
1956 358 3351 Calixto Jorge-prop. João Trocoli Filho-militar ref. R. Tomaz Gonzaga, 92 Fal. pag.
1956 358 3360
João Batista Costa Faggioni-
contador
Ivone Fernandes-cabelereira R. Comércio, 952
Uso
próprio
1956 358 3986 Clara Petinnati Rugna-prop Luiz Puglia Sobrino-industrial R. Comércio, 756
Uso
próprio
1956 358 4080 Gabriel Anawate-comerciate
Sebastião Mendes Garcia-
açougueiro
R. Marechal Deodoro, 709
Uso
próprio
1956 359 3318
João Berdú Garcia-comerciário
Joana Fernandes da Silva-pren. Dom.
Arnulfo Rodrigues damásio-corretor Largo São Benedito, 538 Fal. Pag.
1956 359 3319
João Berdú Garcia-comerciário
Joana Fernandes da Silva-pren. Dom.
Arnulfo Rodrigues damásio-corretor Largo São Benedito, 538 Fal. Pag.
1956 359 3454 Lumica Barbosa-prop. Onofre Antonio Pircio-Func. Pub. R. Comércio, 1077 Nv. Cons.
1956 359 3459 Delphina Alves de Almeida-domést. Jeferson Nogueira-Func. Pub. R. Prudente de Moraes, 90
Uso
próprio
1956 359 3488 Adélia Fernandes Leoncio-prop. Francisco Isler-comerciário R. Comércio, 1169
Uso
próprio
1956 359 3992 Torquato Rodrigues Alves-prop. João Albino Filho-lavrador R. Evangelista de Lima, 30 Fal. Pag.
1956 359 3997 Otacílio Soares de Souza-prop. José Baldoino da Silva-carpinteiro Av. Presidente Vargas, 902 Fal. Pag.
1956 505 203 Abrão Antonio Elias-comerciário Antonio Rubio Herreiro-comerciário R. Ouvidor Freire, 901
Uso
próprio
1956 505 205 Geraldo Nascimento Nogueira-agric. Arnaldo Pucci-comerciário R. Couto Magalhães, 383
Uso
próprio
1956 505 206 João Batista Izé-eletricista
Benedito Alves de Freitas-
comerciário
R. Estevam Leão Bourroul,
566
Uso
próprio
1956 505 213 Walter Vanini-ferreiro Daniel Fico-lavrador
R. Voluntário Adriano Cintra,
42
Fal. Pag.
1956 505 217 João Batista Izé-eletricista
Benedito Alves de Freitas-
comerciário
R. Estevam Leão Bourroul,
566
Fal. Pag.
1956 505 220 Hodvi de Paula Siqueira-comerciante Luis Schirato-marceneiro R. General Teles, 106 Fd.
Uso
próprio
171
1956 505 223
Nelson Rodrigues Nunes Oliveira-
agricultor
Sudário Ferreira-gráfico R. José Bonifácio, 38
Uso
próprio
1956 505 225 Arnaldo Pucci-comerciário
Gabriel Rodrigues da Silva-
comerciante
R. Voluntários da Franca, 985
Uso
próprio
1956 505 227 Cyrilo de Paula Netto-fazendeiro Nadim Abrhão Nehemy-comerciário R. Tomaz Gonzaga, 361 Nv. Cons.
1956 505 228
Arnaldo Tasso, José Tasso, João
Tasso, Mario Tasso-prop.
Miguel Maniglia Sobrinho-
comerciário
R. Campos Sales, 538
Uso
próprio
1956 505 229 Waldomiro dos Santos-comerciário Virgilio Clauco Luz-eletricista R. Floriano Peixoto, 81
1956 505 233 Carlos Gomides Ewbank-Fun. Pub. Messias Mendonça-bancário R. Saldanha Marinho, 15
Uso
próprio
1956 505 237 Bramante Careta-lavrador Paulo Guidoni-operário
Travessa 3, 171
Vl. Chico Júlio
Fal. Pag.
1956 505 241 Anisio Alves dos Santos-comerciante Miguel Aidar-comerciante R. Couto Magalhães, 306
Uso
próprio
1956 505 243 Serafim Borges do Val-prop. Maria de Andrade Marconi-profa R. General Carneiro, 1133 Sub. Loc
1956 535 991 Geraldo Nascimento Nogueira-agric. Arnaldo Pucci-comerciário R. Couto Magalhães, 383
Uso
próprio
1957 359 3408 Tomaz Boareto-pedreiro Fábio Lourenço-Func. Pub. R. Alberto Azevedo, 49 Fal. Pag.
1957 359 3458 Luiz Teixeira-comerciário Elias Motta-prop. R. Saldanha Marino, 653 Fal. Pag.
1957 359 4043 José Mozart Faleiros-comerciante Alberto Peracini-mecânico R. Saldanha Marinho, 776
Uso
próprio
1957 359 4057 Pedro Derminio-industriário Elzo Macarini-comerciário R. General Carneiro, 783 Com. Pag.
1957 359 4481
Angelica Ferro Lopes de Mello-
prendas domésticas
José João Abujamra-comerciário R. Ouvidor Freire, 689 Nv. Cons.
1957 359 4625 Agostinho Sanches Gimenes-prop.
Sebastião Prudêncio de Morais-
operário
Av. Santos Dumont, 762 Nv. Cons.
1957 359 5190 Antonio Augusto da Rocha-agricultor Virgilio Mezetti-carroceiro R. Alberto de Azevedo, 430 Fp/us. pr
1957 360 3475 José Carlos de Oliveira-prop. José Ribeiro da Silva-operário Travessa São José, 46 Nv. Cons.
172
1957 360 3489 Fortunato Lopes Vieira-prop. Jeronimo de Castro-carpinteiro R. Comandante Salgado, 799 Just. Gr.
1957 360 3490 Fortunato Lopes Vieira-prop. Jeronimo de Castro-carpinteiro R. Comandante Salgado, 799 Fp/us. Pr
1957 360 3499 Marciano de Paula Silveira-lavrador
Jeronimo de Freitas Menezes-
lavrad.
R. Estevam Leão Bourroul,
281
Fal. Pag.
1957 360 3509 Pio Severiano da Silva-prop. João Alexanre-pedreiro R. Saldanha Marinho, 245 Fal. Pag.
1957 506 256 Maria Cristina Taveira-domest.
Nilson Rodrigues de Souza-
bancário
Av. Major Nicácio, 143
Uso
próprio
1957 506 259 Felicio Piacezzi- João Marques da Silva-Func. Pub. R. General Teles, 247
Uso
próprio
1957 506 260 Olinto Pinto Coelho-comerciante José Cyrilo Goulart-contabilista R. Comandante Salgado, 82 Nv. Cons.
1957 506 273 Antonio Borges-comerciante Adelia Borges da Cunha-domestica R. Santos Pereira, 650 Fal. Pag.
1957 506 282 Adélia Albina Marques- João de Lima-operário R. Comércio, 1245 Fal. Pag.
1957 508 321 Antonio Domene Cortez-prop. João Batista Pires-comerciário R. Coronel Tamarindo, 82
Uso
próprio
1957 510 397 Nellusco Nalini Marino de Melo-bancário R. José Bonifácio, 303, 333
Uso
próprio
1958 360 3978 Calixto Mellem-prop. Mariano Barioni-industrial R. Monsenhor Rosa, 942 Nv. Cons.
1958 360 4016 Fiad Acari - prop. Henrique Simões-alfaiate
R. Voluntários da Franca, 169
e 173
Uso
próprio
1958 360 4029 Santo Villioni-prop. Olivério Narciso da Silva-motorista R. Bela Vista, 498 Com. Pag.
1958 360 5515 Nazareth Baidarian-prop. Arlindo Haddad - comerciante R. Ouvidor Freire, 375
ex locado
Fal. Pag
1958 361 3553 Isoldino Dias de Oliveira José Granero Padilha-comerciante Av. Brasil, 262 Com. Pag.
1958 361 4072 Rafael Púglia Filho-industrial Luis da Silva Lourenço-operário R. Água Santa, 123 Nv. Cons.
1958 361 4499 Deolinda Maria da Silva-prop. José Borges Rodrigues-comerciário
R. Campos Sales, 969
R. General Carneiro, 1427
Sub. Loc
173
1958 361 4546
Joaquim de Paula-operário
Osório Pereira-operário
João de Lima-operário R. Comércio, 1245 Fal. Pag.
1958 361 4570 Benedito Bernardes-prop. João Engracia de Faria-dentista R. José Marques Garcia, 63
Uso
próprio
1958 361 4927
Angelica Ferro Lopes de Mello-
prendas domésticas
Germano Fuentes-comerciário R. Voluntários da Franca, 907 Nv. Cons.
1958 506 274 Caetano Peixe - farmaceutico Arlindo Haddad - comerciante R. Ouvidor Freire, 399
Uso
próprio
1958 506 276 João Ferreira Nascimento-prop. Vicente Fico - corretor sem informação n inf.
1958 506 277 Amaro David
Oswaldo Rodrigues Pinheiro-
operário
Pç. João Mendes, 303 Nv. Cons.
1958 507 293 Napier de Souza Galvão-comerciante
Miguel Cordeiro-comerciário
Tarquinio Fabião Cordeiro -
comerciário.
R. Carlos de Vilhena, 182 Fal. Pag.
1958 507 294 Napier de Souza Galvão-comerciante
Miguel Cordeiro-comerciário
Tarquinio Fabião Cordeiro -
comerciário.
R. Carlos de Vilhena, 182 Fal. Pag.
1958 507 295 Arnaldo Tasso - contador Luiz de Paula - Func. Público R. Campos Sales, 512 Fal. Pag.
1958 507 299 Amaro David
José Rodrigues Pinheiro - Func.
Púb.
Pç. João Mendes, 303 Nv. Cons.
1958 507 304 Carlos Chiarico - prop. Benedito Ferrante - comerciante R. Voluntários da Franca, 181
Uso
próprio
1958 507 305 Cyrilo de Paula Netto-agricultor Dalva Alves - doméstica R. Capitão Anselmo, 260 Sub. Loc
1958 507 306 Alcides de Mello - alfaiate José Marques Caram, dentista R. Júlio Cardoso, 895
Uso
próprio
1958 507 315 Pio Severiano da Silva-prop. José Miguel dos Santos - operário Chacara N. S. Aparecida Fal. Pag.
1958 507 317 Jeronymo de Paula Barbosa-prop. Júlio Tomaz de Mello - comerciário Av Major Nicácio, 227 Nv. Cons.
1958 508 327 Castro Alarcon Fernandes-prop. João Bertolonni - motorista R. Estevão Leão Bourroul, 989
Ft. Pag.
Nv. Cons.
174
1958 508 332 Santo Villioni-prop. Olivério Narciso da Silva - motorista R. Bela Vista, 498
Uso
próprio
1958 508 339 Sebastião Mahalem - barbeiro Arlindo Tozzi - motorista R. Couto Magalhães, 1028
Uso
próprio
1958 508 340 José Ferreira Nascimento - operário Vicente Fico - corretor R. 3, 69 - Vila Monteiro Fal. Pag.
1958 509 347 Antônio Fernandes Garcia - barbeiro Ovídio Silva - comerciário Av. Brasil, 374
Uso
próprio
1958 509 349 Giacomo Breda - prop. Alberto Cabral - veterinário R. Couto Magalhães, 787 Nv. Cons.
1958 509 361 Caetano Peixe - farmaceutico Arlindo Haddad - comerciante R. Ouvidor Freire, 399
Uso
próprio
1958 510 368 Quirino Pereira da Costa - prop. José de Bulhões - comerciário R. Major Mendonça, 334
Uso
próprio
1958 536 1012 Cyrillo de Paula Netto - agricultor Dalva Alves - doméstica R. Capitão Anselmo, 260 Sub. Loc
1958 536 1014 José Ferreira Nascimento - operário Vicente Fico - corretor R. 3, 69 - Vila Monteiro Fal. Pag.
1959 361 4525 José Gonçalves - prop. José Lamberti - mecânico R. Marechal Caxias, 71
Uso
próprio
1959 362 4623 Farid Sleman Hagel - comerciante
Clarimundo Veríssimo -
comerciante
R. General Osório, 1055 Fal. pag.
1959 362 4637 Elvira Foroni Vieira -
Mario Damasceno Archetti -
contador
R. Voluntários da Franca, 401 Fal. pag.
1959 362 4879 Antonio Domene Gimenes - prop. Antonio Maranha - comerciante R. Coronel Tamarindo, 60
Uso
próprio
1959 362 4885 Ciriaco Lopes Fernandes - alfaiate Ageluro Pereira - operário R. Alvaro Abranches, 310
Uso
próprio
1959 362 4887 Namen Cury - comerciante Heliodoro José Lopes - comerciante R. Felisbino de Lima, 247 Sub. Loc
1959 362 4917 Arlindo Barini - Fuc. Público Francisco Tasso - carroceiro R. Estevão Leão Bourroul, 246
Sub. Loc
1959 362 4941 Sebastião Apolinário - lavrador
José Inocencio da Silva-Func.
Munic.
Av. Presidente Vargas, 894 fd.
Uso
próprio
1959 362 5182
Conceição Bueno de souza Gomes -
Funcionária Púbica
Antonio Vitor-empregado de
armazém
R. São Sebastião, 366 Fal. pag.
1959 509 341 Alcides Franchini - comerciário Braulino Franchini - comerciante Pç. D. Pedro II, 514
Uso
próprio
175
1959 509 352 Maria Barbara de Jesus - pren. dom. Candido Naves Ferreira - agricultor
R. Cascalho sn - S. J. Bela
Vista
Fal. pag.
1959 509 363 Sebastião Apolinário - lavrador
José Inocencio da Silva-Func.
Munic.
Av. Presidente Vargas, 894 fd.
Uso
próprio
1959 509 364 José Martinez Martinez - comerciário Abdala Abrão Dagher - comerciário R. General Osório, 341
Uso
próprio
1959 509 366 Aurelino Sebastião Antunes - alfaiate Carlos Eurípedes Menegheti-indust. Av. Presidente Vargas, 67 Nv. Cons.
1959 510 370 Pedro Faggioni - prop. Angelo Zanussi - prop. R. Francisco Tarsia, 525 Fal. pag.
1959 510 374 Alzira Rodrigues da Mata - prop. Maria Isabel da Silva - doméstica Av. Brasil, 194
Uso
próprio
1959 511 419 Saulo de Lima - estudante Mario Paulino Pinto - Func. Público R. Ouvidor Freire, 890
Uso
próprio
1959 512 428 Antônio Marcos Sampáio Conceição del Poente - doméstica R. Couto Magalhães, 805
Uso
próprio
1959 537 1034 Luis Albano Berghelli - industrial Dulvar Lima - comerciário
R. Estevão Leão Bourroul,
1019
Uso
próprio
1960 363 5220 Pedro Faggioni - prop. Mikail Ibrahim - comerciante R. Campos Sales, 1226
Uso
próprio
1960 510 390 Jamil Abdalla - comerciante Manoél Domene - corretor R. General Carneiro, 834 Fal. Pag.
1960 511 401 Pedro Spessoto - industrial Ulisses Batarra - professor
R. Voluntários da Franca,
1050,
1061
Fal. Pag.
1960 511 405 José Lourenço Mendes - prop.
Jorge Netto e Miguel Netto-
açougueiro
R. Prudente de Moraes, 518 -
Guapuã
Sub. Loc
1960 511 408 Amelio Heitor Alves - prop. Aurora Menezes - doméstica R. Padre Anchieta, 637 Fal. Pag.
1960 511 410 José Gonçalves - prop. Hernani Reis - comerciante R. Marechal Caxias, 79
Uso
próprio
1960 511 411 Jamil Bittar - comerciante Décio Pimentel - dentista R. General Osório, 1274
Uso
próprio
1960 511 413 Maria Silvana Zuanazzi - prend. dom. Lupércio Coelho - comerciário R. Voluntários da Franca, 961 Nv. Cons.
1960 511 424 Leandro Palermo - prop. Antônio Mota Junior - comerciário R. Voluntários da Franca, 879 Fal. Pag.
176
1960 512 435 Bertoldo Martins Alarcon-comerciante
João Benedito da Cunha -
comerciante
Av. Major Nicácio, 215
Uso
próprio
1960 512 437 Orestes Moretti - farmaceutico Joaquim Bordignon - Func. Púb. R. Dr. Júlio Cardoso, 1372
Uso
próprio
1960 513 460 Walter Duzzi - pintor
Alcides Galhardo - Estag. Of.
Justiça
R. Couto Magalhães, 1122
Uso
próprio
1960 535 994
Angelica Ferro Lopes de Mello-
prendas domésticas
Pedro Guido Pucci - comerciário R. Voluntários da Franca, 905 Nv. Cons.
177
LEVANTAMENTO DOS PROCESSOS − AÇÕES POSSESSÓRIAS
ANO CAIXA P LOCADOR LOCATÁRIO ENDEREÇO AÇÃO
1948 338 2442
Braz Fernandes Oliveira-pedreiro
e prop.
Júlio Simei-pedreiro
R. São Sebastião, 301 - S. J.
Bela Vista
Reinteg.
Posse
1950 338 4 Lazaro Pereira de Magalhães - prop. Francisco Tosatti - lavrador Sítio Ribeirão Corrente
Imissão
de Posse
1952 460 2875 Luciano Beco - prop. Orlando Latorraca - alfaiate Av. Major Nicácio, 253
Reinteg.
Posse
1953 460 3140 Maria Tomazia Tita-prop. Onofre Antonio Pircio-Func. Pub. R. Comércio, 1046
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Diogo Garcia Fernandes -
comerciante
Cômodo e banca - Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca João Miniz - comerciante
Cômodo e banca no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Santo Menegueti - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Osvaldo Caréli - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Diogo Garcia Olher - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Pedro Garcia Olher - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Francisco Garcia Cortez -
comerciante
Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca José Navarro Olher - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Patrício Águila - comerciante Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Geraldo Cristiano de Andrade -
comer.
Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Joaquim Alves de Oliveira -
comercia.
Banca no Mercado Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Heliodoro José Lopes - comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
178
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Antônio Jacinto Muniz -
comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Antônio Fernandes Garcia -
comerc.
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Francisco Carrijo - comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Tfilo do Nascimento - comerc.
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Arlindo Galéte - comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca Dácio Fonseca - comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 85 Prefeitura Municipal de Franca
Sergino Dias de Oliveira -
comerciante
Cômodo no Mercado
Municipal
Reinteg.
Posse
1955 460 3505 José Augusto Garcia - Func. Púb. Anna Sandoval Seabra - prop. R. General Teles, 346
Manut.
de Posse
1956 461 3547 Jeronymo de Paula Barbosa-prop. Júlio Tomaz de Mello - motorista Av. Major Nicácio, 227
Manut.
de Posse
1957 461 3980
Martinho Vitório da Silva, Camilo
Vitório da Silva Filho-mots.Jerônimo
Vitório da Silva-comerciário - Maria
Rita da Silva-Prend. Dom. - Gualter
de Almeida Cardoso - pedreiro
Paulina Maria Vitório - lavadeira Av. Major Nicácio, 556
Imissão
de Posse
1957 461 7234 Prefeitura Municipal de Franca Mario Mazza e outros- R. Coronel Tamarindo, 331
Reinteg.
Posse
1959 462 4486 Deolinda Maria da Silva-prop. José Firmino Godoi - operário R. Floriano Peixoto, 26
Reinteg.
Posse
1959 462 6394 Incerto
Maria Venina Valente - Prend.
Dom.
R. Couto Magalhães, 879 Usucapião
ANEXOS
ANEXO A Fotos e plantas
181
Planta 1 Planta do imóvel que residia Júlio Tomas de Mello
FONTE: lio Tomas de Mello, Jerônimo de Paula Barbosa. Processo de Reintegração de Posse.
Caixa 461, Processo 3547, 1955, f. 22.
182
Foto 1 Mercado Municipal de Franca
FONTE: Arquivo Municipal de Franca ”Capitão Antônio Hipólito Pinheiro”
Planta 2 Planta do Mercado Municipal de Franca
FONTE: Prefeitura Municipal de Franca. Diogo Garcia Fernandes e outros. Processo de
Reintegração de Posse. Caixa 460, Processo 85, 1955, f. 75.
183
Foto 2 Residência de Vergílio Muzzetti
FONTE: Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956, f. 28v.
Foto 3 Residência de Vergílio Muzzetti
FONTE: Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956, f. 28v.
184
Foto 4 Residência de Vergílio Muzzetti
FONTE: Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956, f. 28v.
Foto 5 Residência de Vergílio Muzzetti
FONTE: Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956, f. 28v.
185
Foto 6 Residência de Vergílio Muzzetti
FONTE: Vergílio Muzzetti. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 359, Processo 5190,
1956, f. 28v.
Foto 7 Concessionária da Chevrolet S/A e oficina
mecânica contruida pela firma Archetti e Latorraca.
FONTE: Comércio da Franca, Franca, 30 set. 2007.
Nossas letras. P. 2 fotofrafia
ANEXO B Transcrição de lei
187
CODIGO MUNICIPAL DE FRANCA
Lei n. 253 de 24 de Novembro de 1909
CAPITULO IV
Do Mercado
Art. 398 A praça do mercado é destinada a servir de centro à compra e venda de
generos alimenticios.
Art. 399 – O mercado ficará aberto das 6 horas da manhã ás 6 da tarde.
Art. 400 - Ninguem poderá vender generos alimenticios a varejo ou por atacado pelas
ruas e praças da cidade, sem ter pago os respectivos direitos e sem que sejam preenchidas
as condições seguintes:
§ 1.º 0s vendedores de hortaliças, fructas, peixes, aves, ovos e pequenos animaes
em geral, etc., são obrigados a ficar no mercado durante 2 horas, podendo, depois desse
praso, oferecer pelas ruas os generos restantes.
§ 2.º 0s carros, carrocinhas e cargueiros de generos,como milho, feijão, arroz,
farinha, deverão ficar no mercado até a venda do genero que trouxerem, podendo, depois
de 48 horas de estada, vende-lo por atacado.
§ 3.º Não será permittida a permanencia de bois e animaes de carga na praça do
mercado.
§ 4.º Exceptua-se das disposições deste artigo a venda de leite, pão e gênero
quitanda os quaes são isentos da praça do mercado, assim como o commercio das
carnes, que se fará pelo modo prescripto neste codigo.
Art. 401. 0s importadores que tiverem generos á venda no mercado conservarão os
quartos abertos, todos os artigos á mostra, para examinar-se a qualidade e evitar-se o
monopolio.
Art. 402. E' prohibido atravessar generos destinados á praça do mercado. Multa de
20$000.
Art. 403. No recinto do mercado se observará rigorosamente asseio escrupuloso,
fazendo-se para esse fim tantas varreduras diarias quantas sejam necessarias. O
administrador que não cumprir o disposto neste artigo será demittido e multado em 50$000.
Art. 404. Todo o locatario de commodos que deixar de observar nelles o regimen
hygienico recommendado por este codigo, que não os trouxer em completo estado de
limpeza e asseio, que não cumprir as determinações do Prefeito Municipal ou do
administrador do mercado, incorrerá na multa de 30$000 e, na reincidencia, além da multa,
ser-lhe-á cassada a licença.
Art. 405. Todos os commodos locados no interior do mercado, para os effeitos das
determinações deste codigo são equipados ás casas de commercio em geral.
Art. 406. Em dias determinados, a juizo da policia sanitaria municipal ou do
administrador do mercado, deverão todas as lojas ser evacuadas e rigorosamente lavadas.
Art. 407 – Os generos expostos á venda no mercado serão separados por suas
especies em sucções distinctas, não sendo permittida a accmnulação de especies em um só
commodo. O infractor incorrerá na multa de 30$000 e será obrigado a fazer a separação,
sob pena de serem inutilisados os generos.
Art. 408 As mercadorias humidas não deverão ser postas em contado com materias
188
permeaveis, nem depositadas ou conservadas em vasos de cobre, zinco, chumbo ou ferro
galvanisado. O infractor incorrerá nas penas do artigo anterior.
Art. 409 São prohibidos, no recinto do mercado, quaesquer depositos de aguas
construidos de madeira. O infractor incorrerá na multa de 20$000 e será obrigado a
substituir o deposito, sob pena de ser este inutilisado.
Art. 410 – E’ prohibido no mercado:
a) – ajuntamento de ociosos;
b) fazer algazarras ou de qualquer modo offender o socego e moralidade, com
palavras ou gestos;
c) a entrada de pessoas ébrias, turbulentas, vagabundas, ou affectadas de molestia
transmissivel ou asquerosa;
d) – sujar ou ele qualquer modo damnificar o edificio e dependencias;
e) – a entrada de bebidas alcoolicas.
§ U
NICO
– Para cada uma destas infracções, multa de 20$000.
Art. 411 0s generos offerecidos á venda por algum ébrio, serão apprehendidos pelo
administrador, diante de testemunhas, e por elle guardados para serem entregues ao dono
quando este estiver em estado normal.
Art. 412 Ficam dispensados de entrar no mercado os generos que vierem
consignados á pessoa determinada por meio de guia assignada pelo remettente.
Art. 413 0 mercado será dirigido por um administrador, que velará no recinto delle
pelo estricto cumprimento das disposições applicaveis deste codigo, especialmente as que
se contêm neste titulo, sobre a hygiene da alimentação.
§ U
NICO
– Ao administrador compete:
a) Fiscalisar todo o serviço da praça do mercado, conserval-a limpa e zelar do
edificio;
b) designar os logares para as differentes especies de generos, para melhor
orientação do publico;
c) expedir os talões respectivos dos impostos pagos, arrecadar todas as
importancias e entregal-as ao collector, prestando contas pela forma determinada pejo
Prefeito;
d) – apprehender os generos dos que não quizerem pagar imposto, aluguel ou multa;
e) – impôr as multas pelas infracções de qualquer disposição deste capitulo;
f) – informar minuciosamente ao Prefeito sobre todas as occurrencias que se derem na
praça do mercado, propondo medidas que a pratica aconselhar como boas.
256
256
FRANCA, Prefeitura Municipal de. CODIGO MUNICIPAL DE FRANCA, Lei n. 253 de 24 de
Novembro de 1909, CAPITULO IV Do Mercado. In: João Consenza, Archetti & Latorraca. Ação
Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2934, 1945, f. 50-55.
ANEXO C Transcrição de processo.
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
Transcrição da ação de despejo movida por Archetti e Latorraca contra João Consensa.
Fonte: João Consenza, Archetti & Latorraca. Ação Ordinária de Despejo. Caixa 301, Processo 2934,
1945.
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