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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO
PUC
FÁTIMA DALTRO DE CASTRO CORREIA
CORPO SITIADO... , A COMUNICAÇÃO INVISÍVEL.
DANÇA, RODAS E POÉTICAS.
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SALVADOR
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2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO
PUC
FÁTIMA DALTRO DE CASTRO CORREIA
CORPO SITIADO... , A COMUNICAÇÃO INVISÍVEL.
DANÇA, RODAS E POÉTICAS.
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em
Comunicação e Semiótica sob a orientação da Profa. Doutora Helena Tânia
Katz
Salvador
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2007
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
TERMO DE APROVAÇÃO
FÁTIMA DALTRO DE CASTRO CORREIA
CORPO SITIADO... A COMUNICAÇÃO INVISÍVEL
DANÇA, RODAS E POÉTICAS
Doutorado em Comunicação e Semiótica
Banca Examinadora
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2007
A todos aqueles que puderam ter acesso ao conhecimento através da
arte. Que suas idéias possam se espalhar como um vírus esburacando
corpos, contaminando a tudo e a todos.
“O tempo é a referência com base na qual todas as ações são
julgadas. O tempo é a clareza para ver o certo e o errado”.
(LIGHTMAN, 2005, p.35)
RESUMO
O aumento da exposição midiática de imagens de corpos cadeirantes promove a impressão de
colaborar para a inclusão social do corpo que nomeamos de deficiente. Todavia, a ação das
nomeações consagradas pela imprensa, como a de pcd (pessoa com deficiência), opera
justamente no sentido contrário, midiatizando a deficiência, transformando-a em um estigma.
As imagens de corpos cadeirantes que ganham divulgação estão sempre associadas à questão
da superação de limites, vinculando aqueles corpos somente aos valores em circulação no
mundo do desporto. O destaque que a Paraolimpíada ocupa na mídia se insere aí, na
consolidação da abordagem desses corpos com imagens que se congelam em torno de uma
uniformização das deficiências em um nicho único, delimitado pelo conceito de
eficiência/produtividade adotado. Faz-se necessária uma reflexão crítica a respeito dessa
situação para poder tratar da dança que esse corpo pratica fora dos estreitos limites impostos
por esse mecanismo estigmatizador. Para isso, aqui se adota a Teoria Corpomídia (Katz &
Greiner), com a qual se apresenta a hipótese de que o corpo do dançarino cadeirante é um
sistema complexo e apto a romper com o discurso perverso que as imagens congeladas
produzem. O conceito de corpomídia, formulado a partir do estudo da comunicação entre
corpo, e seus ambientes, favorece o entendimento do papel que a exploração midiática tem
quando congela as imagens que produz em torno da deficiência e não do deficiente com suas
singularidades.
A metodologia contempla um Estudo de Caso, o do espetáculo Judite quer chorar, mas não
consegue! , criado pelo dançarino cadeirante Edu Oliveira; entrevistas com fins de pesquisa
qualitativa; análise crítica dessas entrevistas, realizadas após a apresentação do espetáculo em
duas cidades diferentes (Salvador e Votorantim); revisão bibliográfica do tema do corpo
deficiente; registros em vídeo. A pesquisa bibliográfica permitiu um breve esboço
panorâmico/ histórico do acesso dos cadeirantes ao mundo da dança e suas implicações
sociais. Concluíu-se que o dançarino cadeirante é cultural e biologicamente implicado em um
sistema de construção de imagens que o associam ao ‘corpo coitadinho’ e que são elas que o
alimentam cognitivamente, com conseqüências nefastas para o processo de sua inclusão
social. Daí a urgência em promover ações que possam romper com a acão midiática em curso.
É esse o papel que a dança em cadeira de rodas tem e, para desempenhá-lo, não pode se
manter pautada pelos critérios do desporto. A dança em cadeira de rodas precisa descobrir as
suas poéticas, pois são elas que potencializam uma inserção social efetiva.
Palavras-chave: corpomídia, dança em cadeira de rodas, midiatização do estigma, corpo
portador de deficiência (pcd), Judite quer chorar, mas não consegue, imagens congeladas.
ABSTRACT
The increase of the images media exposition of “wheels chair” bodies promotes the
impression to collaborate for the social inclusion of the body that we nominate deficient.
However, the action of the nominations consecrated for the press, as of pcd (person with
deficiency), operates exactly in the contrary direction, exposing the deficiency, transforming
it into a stigma. The images of “wheels chair” bodies that are spreadon media are always
associates to the question of the overcoming of limits, tying those bodies only to the values in
circulation in the sport world.
The prominence that the Paraolimpics Games occupies in the media inserts there, in the
consolidation of the boarding of these bodies with images that congeal around an uniform
way of the deficiencies in an only niche, delimited for the adopted concept of
efficiency/productivity. A critical reflection regarding this situation becomes necessary to be
able to deal with the dance that this body practises outside the narrow limits imposed for this
stigma mechanism. For this, we here adopt the Theory Corpomedia (Katz & Greiner), with
which if it presents the hypothesis of that the “wheels chair” body dancer is a complex system
and able to breach with the perverse speech that the frozen images produce. The concept of
corpomedia, formulated from the study of the communication between body, and its
environments, favor the agreement of the paper that the media exploration has when it
congeals the images that produce around the deficiency and not of the deficient one with its
singularities.
The methodology contemplates a Study of Case, Judite wants to cry, but it does not get it! ,
created for the “wheels chair” dancer Edu Oliveira; interviews aiming qualitative research;
critical analysis of these interviews, carried through after the presentation of the spectacle in
two different cities (Salvador and Votorantim); bibliographical revision of the subject of the
deficient body; video registers. The bibliographical research allowed a brief historical
panoramic sketch of the access of the “wheels chair” bodies to the world of dance and its
social implications. Conclusion is that that the “wheels chair” dancer is cultural and
biologically implied in a system of construction of images that associates him with a ‘poor
body’ and that they feed who it cognitivaly, with ominous consequences for the process of its
social inclusion. From there the urgency in promoting actions that can breach with the media
action in course. This is the role for the dance in wheels chair has and, to accomplish it,
cannot be remained based in the criteria of the sport. The dance in wheels chair needs to
discover its poetical, therefore they are who potencializes an effective social insertion.
Key-words: corpomedia, dance in wheels chair, mediatization of the stigma, carrying body of
deficiency (pcd), Judite wants to cry, but it does not get it, frozen images.
LISTA DE FIGURAS
Fotos Célia Aguiar – Espetáculo “Judite quer chorar, mas não
consegue!”
Imagens da exposição Espetáculo Judite – criação e execução Fafá Daltro
Recados para Judite escritos pelo público espectador.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
VER... PARA NÃO VER. A POÉTICA (IN)VISÍVEL. 12
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 27
CAPÍTULO 1. CORPO SITIADO, NOS PASSOS QUE DOU... O
COM-PASSO DO MEU CORAÇÃO. 27
Poéticas Silenciosas 31
O corpo coitadinho... fazendo dança.O bom argumento? 33
A construção do falso passaporte do corpo cadeirante. 40
CAPÍTULO 2. A IMAGEM QUE INTERESSA VER... 53
As Tentativas em passos lentos... 72
CAPÍTULO 3. A IMPOSSÍVEL INVISIBILIDADE...
O CORPO IMEDIATO! 73
Os espaços que o corpo ocupa silenciosamente... a poética 87
O coitadinho... que se dá a ver à meia luz 89
3 HORIZONTE METODOLÓGICO 97
4 A SITUAÇÃO LIMÍTROFE NOS ESPAÇOS PREENCHIDOS 100
A IDÉIA “JUDITE QUER CHORAR, MAS, NÃO CONSEGUE!” 108
RECADINHOS PARA JUDITE... 110
5 CONCLUSÃO 119
REFERÊNCIAS 122
ANEXO 1 – ENTREVISTAS E COMENTÁRIOS 126
O OLHAR SOBRE O CORPO
ANEXO 2 – RESUMO CURRICULAR EDU O 139
ANEXO 3 - DVD ESPETÁCULO JUDITE 140
12
1 Introdução
Ver... para não ver. A poética (in) visível.
O corpo do dançarino cadeirante... a voz silenciosa.
“É incoerente. É um mundo muito rápido e sem memória. Um mundo em
que as opiniões soam extremamente móveis e extremamente frágeis.
Sustentar uma lógica do pensamento é muito difícil”.
(BADIOU, 1994, p.13).
Esta tese nasceu de estudos desenvolvidos no mestrado, defendido em 2004 na
Escola de Dança da UFBA, com o título “O Sentido Poético da Dança Espontânea entre
Corpos Diferentes”. A sua proposta era a de um programa de preparação técnico-artística
que tomava como espaço discursivo de observação a dança chamada de ‘comunicação por
contato’ (Contact Improvisation
1
) no corpo de pessoas com deficiências físicas (pcd´s).
Os resultados encontrados naquela ocasião levantaram questionamentos que se
tornaram pontos chave para a pesquisa que resultou na presente tese. Reflexões a partir da
constatação de que há um modo comum perspassando a dança que é construída no corpo do
1
Steve Paxton, um dos criadores do Contact Improvisation (contato improvisação) na década de 70, enfatiza
que um ponto principal desse sistema é simplesmente o prazer de se movimentar, de dançar com alguém de
um modo não planejado, espontaneamente, e que cada pessoa está livre para inventar. É uma forma social e
prazeirosa de dançar social prazerosa.
13
dançarino cadeirante
2
, e que esse modo geral pode ser encontrado nas performances dos
Grupos de Dança com Cadeira de Rodas: elas traduzem certa tendência em difundir
imagens que chamam a atenção para a deficiência do corpo em detrimento das suas
capacidades corporais. Ou seja, trata-se de uma dança da deficiência, não do deficiente.
Tais performances, além de revelarem imagens de corpos subutilizados,
comungam na sua predisposição à vitimização. Nesse sentido, a fisioterapeuta Ruth
Eugenia Cidade, em Desafiando as Diferenças, (2004, p. 31), considera que a diferença é
revelada como um sinal, como fonte de tristeza e infelicidade, como invalidez permanente.
Visão distorcida, que estimula e difunde a idéia de que a pessoa com deficiência é uma
coitadinha, uma vítima e, por isto mesmo, intocável. Os resultados encontrados na pesquisa
do mestrado contradisseram cabalmente essa visão do assunto. A tese de doutorado nasce,
antes de tudo, para opor-se, em alguma medida, ao crescente pensamento hegemônico que
utiliza o aproveitamento dos sinais do corpo como meios para alcançar espaços de
representatividade. E se propõe como uma tentativa de romper com o paradigma do estigma
do corpo deficiente, vítima e coitadinho que é inscrito a partir do olhar do outro, e pode, a
depender das circunstâncias (SEMPRIME, 1991), se transformar em uma experiência
desestruturante.
Ora, sabe-se que existem muitos discursos eficazes na arte de persuadir. E os
discursos da inclusão que vêm embutidos nas políticas públicas e nos encontros
realizados por instituições, (especialmente aquelas que apóiam grupos de dança com
2
Cadeirante (paraplégicos) são pessoas que não têm mobilidade nos membros inferiores, impedimento
decorrente de algumas seqüelas provocadas por acidentes internos ou externos (traumatismo raquimedular).
Locomovem-se em cadeiras de rodas e têm sua cognição preservada.
14
cadeirante), dedicam-se a construir modelos destinados a obter ou reforçar a adesão
àquele tipo de entendimento. De maneira convincente, as performances desses corpos e a
veiculação de suas imagens na mídia despertam a crença de que está, realmente,
acontecendo o exercício da inclusão. Mas o que, em realidade, ocorre, é justamente o
exercício perverso da exclusão. Ele é sutil, pois se faz pelo mecanismo nomeado de
‘exclusão pela inclusão’
3
. É ele que permite a aparição camuflada, mimetizada do corpo.
(AGABEM, 2002, BHABHA, 2003). Ou seja, um estado de exceção permanente, um
arranjo que semelhante ao Estado de Sítio captura os direitos da livre expressão desses
artistas. O incluir excluindo se revela na exigência da contrapartida. Para obter o
passaporte da acessibilidade, para ter representatividade midiática é necessário concordar
com a situação do corpo coitadinho fazendo arte e negar o corpo estrutural, biológico e
culturalmente apto para construir conhecimentos. Essa forma de inclusão exige
singularidade excluída. A norma aplicada é a invisibilidade poética, o estar presente mas,
ausente de si. Aos corpos dançarinos cadeirantes é vedado o direito da livre expressão, o
direito de vivenciar experiências vitais. Porque corpo que foge e fere as normas vigentes,
não apenas no universo da dança, mas, em todo âmbito da sociedade. A norma aplicada
serve para incluir o expulso (AGANBEM, 2002).
Dentro dessa perspectiva, a tese reúne algumas reflexões desenvolvidas na área
da dança sobre as relações estreitas entre corpo, ambiente e comunicação. Focaliza a
construção da dança do corpo do dançarino cadeirante na sociedade contemporânea e tem
como um de seus objetivos identificar os modos equivocados de criação de dança para estes
3
“A exceção é uma espécie de exclusão. É um caso singular , que é excluído da norma geral. Mas o que
caracteriza propriamente a exceção é que aquilo que é excluído não está, por causa disto absolutamente fora
da relação com a norma; ao contrário, esta se mantém em relação com aquela na forma de suspensão”.
(AGANBEM, 2002,p.25)
15
corpos. É necessário saber identificar as tendências que seguem padrões pré-determinados,
modelos impostos e alheios à singularidade desses corpos. E, para tal, aqui se propõe uma
reflexão sobre a implicação da proliferação de imagens na construção de sentidos, tanto do
corpo do dançarino cadeirante quanto no imaginário da sociedade.
O discurso hegemônico e equivocado que difunde a idéia do corpo deficiente
que dança como fonte de tristeza, de improdutividade e de invalidez permanente é o que
irriga os métodos que trabalham a construção da dança no corpo do dançarino cadeirante.
Discursos que, materializados como dança, se impõem como categorias paralisantes,
transformando a sociedade e deslocando estes sujeitos para territórios estritamente
excludentes (BAUMAN, 1997).
As mídias vêm ocupando um papel cada vez mais importante, no cenário
contemporâneo, pela sua crescente capacidade de produzir verdadeiras epidemias
informacionais. É notável, hoje, por exemplo, o crescente apelo competitivo que
diariamente envolve a todos. Importa apenas divulgar os fatos de fácil assimilação e em
tempos recordes. Por isso mesmo, a contaminação é imediata. As imagens são manipuladas
e organizadas para tornar visível apenas aquilo que interessa ser mostrado. No caso da
dança para cadeirantes, o que interessa, tanto para o dançarino quanto para o espectador, é a
certeza da inclusão. A repetição de modelos redutores que não exploram a realidade
daqueles corpos resulta em performances tendenciosas e astutamente estruturadas para
surpreender o espectador, estimulando nele o sentimento de dó e de piedade.
Nesses espetáculos, geralmente ouve-se um roteiro musical que desencadeia a
tristeza, vê-se um roteiro coreográfico pobre, tanto em pesquisa de movimento, quanto na
“Chamemos relação de exceção a esta forma extrema da relação que inclui alguma coisa unicamente através
16
escolha temática (sentidos transmitidos), que sinalizam e exploram a imagem do corpo
coitadinho. Essas imagens provocam determinada cegueira, acompanhada de frases clichês
ao fim de cada espetáculo. O espectador, sensibilizado, principalmente quando são
familiares dos dançarinos cadeirantes, chora e dá seu depoimento emocionado e
incontestável, que se soma ao do próprio cadeirante. “- estão dançando, graças a Deus! –
apesar da deficiência, consigo dançar! – foi Deus que me deu esta força!– a dança é a
minha vida, não sei o que faria sem ela! – muita luz estar dançando! - a dança é universal,
todos podem dançar! – estou sendo reconhecido, estou na mídia. Obrigado meu Deus! –
etc, etc, etc....” Neles, a dança é sempre entendida como inexplicável, algo do inefável,
uma dádiva do divino, universal.
A teórica Helena Katz (2005), explica que o mundo, quando entendido sob a
ótica da dinâmica mecanicista do físico Isaac Newton, acreditava que a natureza podia se
expressar formalmente em matemática, pois o mundo era entendido como obediente a um
número de leis simples e imutáveis. Conhecendo-se as condições iniciais de qualquer
fenômeno, seria possível explicar os eventos que dele resultariam e aqueles dos quais ele já
é um resultado também. Esse tipo de dinamismo mecanicista é justamente o que permite
que pense que o conhecimento é universal.
“A dança tem sido apresentada como um conhecimento desta ordem.
Agrada a muitos enunciar que a dança é a língua universal do homem,
uma vez que todos os homens dançam desde que se entende por homens,
em todas as regiões deste planeta”. (KATZ, 2005, p.43)
da sua exclusão”. (AGAMBEM, 2002, p. 26)
17
Entender a dança dessa forma é se acomodar às situações, aceitar os discursos
redutores que têm como função calar as vozes dissonantes e torná-las invisíveis. Nesse
sentido, Milton Santos, em Por uma outra globalização (2005) - observa que a necessidade
de competir é legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em
que a desobediência de suas regras implica em perder posição e, até mesmo, desaparecer do
cenário. É bom chamar a atenção que a obediência irrestrita ás regras é um sistema
largamente utilizado em diversas competições e, a dança em cadeiras de rodas é parte dela.
Como enfatiza Katz (2005, p.43), “Mas quem se detiver nesta justificativa da dança como
língua universal, perceberá o quanto ela é simplória, como acontece aos frutos da
convicção e não de descobertas”.
O conceito de corpo aqui utilizado é aquele em permanente troca de informação
com o ambiente (corpomídia
4
). Um pensamento de corpo dotado de uma natureza
cognitiva, que se constrói junto, co-evolutivamente à história de sua vida, em acordos com
o ambiente ao seu redor. Fala-se do corpo cultural e biologicamente implicado, com um
sistema sensóriomotor hábil para escolher e selecionar aquilo que é mais importante dentro
do acessível, como explicam Greiner e Katz (2005, p.8) “o corpo é resultado de contínuas
negociações de informações com o ambiente e carrega este seu modo de existir para outras
instâncias de seu funcionamento”. Logo, um modo de existir do corpo que cria
interconexões com outras relações, implementando e sendo responsável por transformações
incessantes.
O interesse em aplicar este entendimento de corpomídia na estruturação da
hipótese é que o corpo, por ser um sistema complexo, pode ser capaz de romper com o
18
paradigma do estigma do corpo coitadinho fazendo arte, e pode também livrar-se da
dependência aos modelos e padrões impostos por serem hegemônicos (redutores), que
distorcem algumas descrições de corpo. Entende-se que o dançarino, ao se apropriar do seu
corpo entendendo-o como uma coleção de informações, torna-se menos vulnerável aos
discursos de poder e mais engajado politicamente. Aumenta a sua predisposição em romper
com os discursos hegemônicos que o cercam. O tipo de visibilidade que o corpo conquista,
portanto, tem uma enorme importância, pois possibilita um determinado rumo político para
a sua própria permanência no mundo. Se o corpo é mesmo uma coleção de informações, a
difusão de uma imagem sua estará disseminando as informações nela contidas. E essas
informações, sejam quais forem, de alguma maneira estarão fomentando, para um lado ou
para outro, políticas sociais, culturais e biológicas. Elas se relacionarão com as informações
que o corpo encarna.
O tratamento do corpo como corpomídia permitirá trazer à tona a complexidade
que se estabelece na relação entre o corpo do dançarino cadeirante e suas potencialidades.
Uma tentativa é detectar as limitações sociais, culturais e históricas que o imobilizam e o
aprisionam a idéias equivocadas tais como a de que ser especial é bom, seguir certo padrão
é eficaz em termos de retornos financeiros, copiar as cores do outro é um salto para o
podium.
Serão abordados aspectos sobre o modo como se constroem as redes de inter-
relações entre dançarinos, coreógrafos e os meios de comunicação. Ações que expõem uma
regulação subordinada e destinada a favorecer atores hegemônicos e em função de seus
objetos particulares. O que reporta, mesmo que resignificado, ao passado do povo
4
O conceito de corpomídia vem sendo desenvolvido por Helena Katz e Christine Greiner na série de artigos e
livros que vêm publicando em conjunto, e que consta da bibliografia.
19
brasileiro. Às idéias do espírito dominador que vem atravessando os séculos e,
infelizmente, até os dias de hoje, ainda encontra espaço de atuação. Uma dependência a
valores externos e alheios ao corpo. A insistência em colorir as identidades com aquilo que
o outro diz impondo a continuidade da pobreza de espírito que são patrocinadas por esses
agentes.
É importante chamar a atenção para o fato de que os discursos poéticos que
emergem do corpo do dançarino cadeirante serem historicamente produzidos e
correspondentes às suas experiências, ou seja, ao modo como a dança vem sendo construída
no seu corpo, ao longo de sua vida e diante de todas as interferências que o cerceiam. A
dança, como um lugar por onde circulam sentidos sócio-históricos de produção, envolvida
com sua própria materialidade, aquela que se produz no corpo, incrustada no corpo, como
relata Helena Katz (2005). O corpo que dança traz as características que são propriedades
deste corpo. Ele inscreve em si mesmo todos os embates das práticas a que é submetido e
que permitem a sua identificação como um corpo dançarino. Propõe-se uma reflexão sobre
um trabalho mais complexo que abrange a construção da dança no corpo do dançarino
cadeirante a partir do entendimento de que o corpo é sempre mídia de si mesmo, Katz
(2005), um local onde se dá o trânsito de informação que nunca cessa.
Uma reflexão como esta propõe deslocamentos teóricos necessários para as
pesquisas com a dança dos cadeirantes. O corpo, como um discurso poético em
funcionamento e construído a partir dele próprio; os processos sensoriais que acontecem
entre ele (o corpo), o ambiente, a cultura, o cheiro, a voz, o modo de agir, de se vestir, de
gesticular, de poetizar e... tudo simultaneamente, tudo em ação, misturado, imbricado e
implicado com o que se quer significar.
Parte-se do princípio de que o fato de não ter a mesma capacidade motora que o
corpo dito ideal para a dança, não impede ao dançarino cadeirante de utilizar o seu corpo
20
com expressividade, explorando-o poeticamente e comunicando-se de acordo com suas
capacidades corporais – exatamente o mesmo que se pede do corpo não cadeirante, em um
espetáculo de dança. O que os diferenciará é o mesmo que diferencia os corpos dos não
cadeirantes: as capacidades corporais de cada qual.
Isso pode ser confirmado nos estudos desenvolvidos pelo cientista cognitivo
Antonio Damásio em Os Mistérios da Consciência (2002), quando diz que as imagens que
se constroem na mente são resultados de interações entre cada corpo e os objetos que o
rodeiam. Interações que são mapeadas em padrões neurais, de acordo com as capacidades
do organismo. Significa dizer que qualquer ação do corpo no mundo, a mais simples que
for, é informação. As informações alimentam um processo de encadeamento de
aprendizagem organizado pelo cérebro, e cada nova aprendizagem serve de pré-requisito
para outras, similares e mais complexas. Trata-se de um processo que opera em rede, e se
apóia tanto no corpo como em suas características evolutivas.
Quanto à cultura e o conhecimento, o cérebro dispõe de uma memória
hereditária, bem como de princípios inatos de organização de conhecimento, que estão
diretamente relacionados ao corpo histórico de cada pessoa. As experiências corporificadas
se revelam de formas diferenciadas em todas as ações implementadas pelo corpo. Uma vez
que cada informação existe para o corpo na medida em que é corporalmente vivenciada, e
cada corpo a vivencia de acordo com as sua possibilidades e características pessoais,
sempre em troca com o ambiente. As relações de troca vão construindo os ajustes
adaptativos entre corpo e ambiente, que favorecem a sua permanência no mundo,
impulsionando-o em direção à conquista da autonomia (Albuquerque, 2006). Interferências
que estão enredadas firmemente em um processo ininterrupto de reconhecimento, como um
anel bio-antropo (cérebro-psico-cultural, Morin (2002)).
21
O resultado exposto sempre revela e situa o nível de conhecimento do
dançarino, pois seu corpo é sempre corpomídia de si mesmo, seja cadeirante ou não
cadeirante. E esse corpomídia pode comunicar modos de ser visível e invisível, estará
sempre contaminando e sendo contaminado. Basta um olhar, um sutil olhar, um aceno,
qualquer imagem. Todas as informações que entram em contato com um corpo agem nele
de alguma forma; e ele age no mundo, mudando-se e mudando o mundo. O que se confirma
nas palavras de Greiner e Katz:
“Apresentar o corpo como uma experiência desta ordem significa
assumir um trânsito permanente entre biologia e cultura, uma vez que a
habilidade de dançar se constrói através do sensório motor do corpo,
que, como qualquer outro organismo se transforma pela informação que
agrega”. (2003, p.85).
Esse entendimento vem reforçar que a deficiência é um estado de corpo (Eliana,
2005) criado pela interação entre a limitação física e os diversos obstáculos inscritos nos
discursos hegemônicos do corpo perfeito, sempre pautado por rendimento e eficácia. Essa
discursividade impede ou dificulta a participação do corpo deficiente
nas atividades da vida cotidiana. O embate está em torno de idéias onde o culto do corpo
perfeito, ideal, treinado e virtuoso não se transforma em uma imagem de semelhança para o
corpo de pcd´s.
5
5
Segundo esses autores (NEGRINE, 1998; KOLB, WISHAW, 2003; GHORAYEB, BARROS, 1999;
SOUZA, 1994), entende-se como pessoa portadora de deficiência física Pcd’s, aquele que apresenta, em
comparação à maioria das pessoas, significativas diferenças físicas, sensoriais e/ou intelectuais, decorrentes
de fatores inatos ou adquiridos, que acarretam dificuldades em sua interação com o meio ambiente. Comporta
subdivisões, que os reagrupam ou por características das seqüelas ou pelos equipamentos (órtese ou prótese)
utilizados. Para operacionalizar e instrumentalizar o entendimento e demais questões pertinentes, é que se
pode falar em “pessoas portadoras de deficiência”. Mesmo assim é necessário que se faça uma especificação
prática: a divisão por grandes áreas de deficiência, agrupando desta forma lesões que, ou pela origem
orgânica, ou pelo equipamento utilizado, identificam situações semelhantes.
22
A difusão de um ideal de corpo alimenta o estigma do corpo coitadinho. A
dificuldade básica está na não aceitação das diferenças. Iniciam-se processos de
marginalização que vão constituindo grupos e limitando os seus espaços de atuação. O que
se difunde no ambiente social, cerca o dançarino cadeirante e com ele estabelece as rotinas
das relações. Rotinas que definem fronteiras de separação territorial e de funcionalidade
desses sujeitos, armas poderosas na manutenção rigorosa da segregação. Como bem explica
Bauman (1995, p.76),
“Estritas proibições, comércio e convívio são os métodos mais comuns de
isolamento cultural e limitação de contato. Aplicado isoladamente ou em
conjunto, eles marcam o estranho como o outro e impedem que a
ambigüidade da sua situação polua a limpidez da identidade nativa”.
Neste contexto, será que a produção da imagem que o corpo do dançarino
cadeirante faz de si e expõe no mundo é um bom argumento para sua representatividade?
Em que medida o evidenciar de suas características exteriores, visíveis, fáceis de
identificação e, principalmente, consumíveis, garante o acesso a novos espaços? As danças
construídas no corpo de pcd´s valorizam a diferença desses corpos, mas não a sua
singularidade, produzindo uma identificação com o corpo estranho, improdutivo, vítima,
coitadinho.
O foco de atenção é aqui, portanto, o processo por meio do qual o discurso do
corpo especial passa a existir como objeto de interesse. Há uma certa tendência em utilizar
a desvantagem física (cadeirante/paraplégico) como uma forma de proteção contra a
responsabilidade social, as frustrações pessoais ou interesses de mercado. Os sinais
estigmatizados do corpo passam a exercer discursos potenciais na interação e nas relações
sociais. De acordo com Foucault (2002), são estratégias que revelam os discursos de poder
23
que se inscrevem no corpo e no modo como conseguem se articular (consciente ou
inconscientemente) com o mundo. Qualquer ação é uma forma de coerção, de desejo de
poder, em proporções variáveis. São interdições que acompanham os discursos e a
cumplicidade dos sujeitos envolvidos. São construídos em combinações de interesses
mútuos e têm como finalidade a manutenção do controle, da exclusão, favorecendo uma
tendência à homogeneidade.
A luta pelo reconhecimento faz parte do processo de realização de todo ser
humano. Ser aceito no grupo ou na comunidade é ponto fundamental para a sobrevivência.
Mas, para fazer parte de um grupo, deve-se aceitar as regras ou normas que são
categorizadas pelos seus membros. A busca do reconhecimento, diz Semprini (1999), está
em grande parte no olhar do outro. Todo julgamento que se faz sobre alguém, interfere
nesse alguém e essa interferência pode afetar profundamente a pessoa e as inter-relações
que se estabelecem.
O discurso do corpo que dança com cadeiras de rodas constrói uma imagem
confiável de sua própria pessoa, mesmo que inferior às suas capacidades, em função das
crenças e valores recebidos e compartilhados com a platéia que o assiste no palco. Uma
atitude que efetivamente reduz as suas chances de se revelar poeticamente. Vale recorrer a
Barbero (2002), que pontua que, para se entender as formas de exclusão, de limitação, da
apropriação e de estigmatização é importante compreender o que é que no dominado
trabalha a favor do dominador e que o dominado não é somente passivo.
Diferenças e deficiências se defrontam com barreiras distintas, que devem ser
superadas de maneiras singulares, e de acordo com a peculiaridade de cada situação, como
pontua Semprini (1999 p. 11): “A diferença é, antes de tudo, uma realidade concreta, um
24
processo humano social que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-
se inserida no processo histórico”.
A tese mapeia a sociedade por este viés, através de uma leitura crítica das
condições que facilitaram a transição histórico-social-cultural que pautou a inserção do
corpo do dançarino cadeirante no cotidiano. E busca consolidar o discurso de sua
valorização enquanto corpo capaz de poetizar, entendendo-o dentro da perspectiva co-
evolutiva entre corpo biológico e cultural. Aqui se advoga a expansão de novos espaços de
comunicação para as iniciativas que respeitam as limitações de cada corpo e estimulam a
exploração do seu potencial.
O cenário atual e o projetado levam ás seguintes reflexões:
- até que ponto o aproveitamento da deficiência como estratégia de
sobrevivência estaria abrindo espaços de acessibilidade e eliminando as fronteiras entre
corpo deficiente/corpo ideal?
- a forma como o corpo do dançarino cadeirante se impõe no mundo,
evidenciando suas características exteriores, visíveis, fáceis de identificação e,
principalmente, consumíveis constitui um bom argumento para sua representatividade?
- há entre coreógrafos e dançarinos alguma preocupação/desconforto quanto a
esta questão, a da diferença revelada como sinal?
- por que colorir o corpo com as cores e as idéias do outro?
25
Para pesquisar com propriedade a forma como o corpo do dançarino cadeirante
é requisitado no contexto atual, e sem deixar de lado o modo como ele constituiu sua
história, os fundamentos teóricos se apóiam na Teoria Corpomídia, desenvolvido por
Christine Greiner e Helena Katz, que cria uma interface entre as ciências onde o corpo é
objeto de estudo. Para tanto, utiliza-se da ciência da cognição o olhar de Antonio Damásio,
Rudolf Llinás e Churchland, juntamente com os estudos do sociológo Zygman Bauman
para lidar com o modo como o corpo se constrói junto ao domínio das múltiplas linguagens
no contexto atual. Suas contribuições são importantes no entendimento das questões das
diferenças culturais, na capacidade de relacionar o heterogêneo, no aproveitamento das
brechas para a construção do novo, e nos modos de organizações onde a incerteza e a busca
da tolerância são fontes para a emancipação.
Dentro desta perspectiva, o primeiro capítulo, intitulado: Corpo sitiado, nos
passos que dou.... o com-passo do meu coração, trará uma panorâmica de como o corpo
de pessoas com deficiência teve acesso à dança, descrevendo os principais aspectos
dessa inserção, suas raízes históricas e culturais. Esta apresentação permitirá situar e
comentar as principais controvérsias multiculturais, especialmente no campo da dança
com cadeirantes, as relações interpessoais, e as reivindicações identitárias desses grupos;
o peso dos fatores socioculturais e a importância da circulação do sentido no espaço
social; o conceito de diferença e qual o seu papel dentro do sistema social e sua relação
com o universo da dança com cadeirante.
A intenção é clarear os pontos relevantes que cercam a mobilidade dessas
pessoas para entender porque é importante ser especial, qual o interesse em ser minoria,
porque a aceitação do discurso hegemônico em vista de interesses particulares. E daí o
26
porquê do não aproveitamento do corpo dançarino cadeirante como uma possibilidade de
mudança, da continuidade na dependência de idéias coloniais ainda vigentes.
O segundo capitulo intitulado, A imagem que interessa ver..., serão
discutidas as questões que envolvem as possibilidades e capacidades do corpo no
mundo, enquanto corpo poético. Sob a luz da neurociência, especificamente nos estudos
de Antonio Damásio, em sua relação com a Teoria Corpomídia, de Katz & Greiner, e
sem se distanciar das idéias que se identificam com a multiplicidade cultural e as
dinâmicas socioculturais que foram abordadas no capítulo anterior. A temática a ser
explorada gira em torno das potencialidades e dos limites do corpo em tempo presente,
do corpo situado no mundo, fator de importância relevante na emancipação poética do
dançarino cadeirante.
O terceiro capítulo – A impossível inVIsibilidade... o corpo imediato!, trata
das característica do corpomídia mais diretamente na dança. Discute as propriedades do
corpo dançarino e as potencialidades emergentes do corpo que dança como fonte de
conhecimento.
Finalizando, este Horizonte Metodológico, apresentando os passos da
pesquisa. A metodologia e estratégia utilizadas reúne todo o material de arquivo que foi
explorado, seguido da argumentação sobre o corpo e suas possibilidades de poetizar
construída a partir de entendimento de corpomídia. Traz imagens em vídeo, fotografias e
entrevistas com professores, coreógrafos, dançarinos que estão no âmbito da dança em
cadeira de rodas, e a apresentação pública do espetáculo – Judite quer chorar, mas, não
consegue! .
27
2 Fundamentos Teóricos
Capítulo 1
Corpo Sitiado, nos passos que dou..., o com-passo do meu coração.
O que quer que seja que está cruzando o corpo não somente o modifica
como também está sendo modificado por sua ação. Isto ocorre como uma
balança entre o absorver e o agir no ambiente.” (MARINHO, 2004, p.
25)
Há diversos caminhos para responder a perguntas sobre como se dá a
construção da dança no corpo. A reflexão que aqui se propõe trata da dança que é
construída no corpo do dançarino cadeirante, buscando focar a invisibilidade poética que
cerca seus corpos. Pretende-se examinar porque suas performances tomam rumos que os
distanciam de suas capacidades de poetizar.
Para compreender tal fenômeno de forma mais ampla, é importante conhecer o
contexto histórico que conduziu o acesso destas pessoas ao universo da dança e, a partir
28
desta perspectiva, identificar as etapas evolutivas que gestaram o entendimento de corpo
coitadinho que se tornou hegemônico nesse contexto específico de dança. A predisposição
à “vitimização” e a tendência a explorar as marcas do corpo deficiente são as que surgem
na maioria dos trabalhos coreográficos que vêm sendo produzidos. Será também necessário
investigar o argumento que estimula a idéia de que “ser especial é bom”, em que momento
tal comportamento tomou força e com que intento.
Entendendo que as configurações de dança são os resultados materializados de
cada uma das idéias que as produzem, sendo cada qual um caso particular dentre muitas
outras possibilidades, vale questionar qual o processo social que as produz. Por que essas
imagens congeladas e não quaisquer outras, dentre tantas outras, mais interessantes, que se
pode conceber? Por que as relações de cumplicidade que se instalam entre coreógrafos,
dançarinos cadeirantes e a mídia resultam na produção e difusão dessas imagens congeladas
desses corpos? Os sinais estigmatizados do corpo em desvantagem física
(cadeirante/paraplégico) são os traços que se impõem à atenção. E passam a ser os
discursos nas relações sociais desses dançarinos.
Recorrendo a Foucault (2002), aprende-se que qualquer ação é uma forma de
coerção, de desejo de poder – e o que varia são as proporções da coerção. São interdições
que acompanham os discursos e a cumplicidade dos sujeitos envolvidos, e como tal,
constroem combinações de interesses mútuos. Torna-se necessário compreender as
estratégias dos discursos de poder que se inscrevem no corpo e os modos como conseguem
se articular (consciente ou inconscientemente) com o mundo. A finalidade desses discursos,
que se estruturam na tendência à homogeneidade e à normalização, é a manutenção do
controle e da exclusão.
Cidade explica que (2006, p. 21),
29
“A invenção da categoria de deficiente e a designação dela como um
problema é produto de uma construção social em que a sociedade
estabelece atributos considerados como comuns, característicos e
pertencentes ao grupo e a cada membro”.
Os humanos apresentam múltiplas variações de expressão, e todas elas se
desenvolvem de acordo com as relações e as expectativas do contexto social em que se
inserem. No mundo dos ‘normais’, o corpo deficiente, não é aceito e não é pensado em
relação de igualdade. O olhar do outro identifica, imediatamente, a diferença, tanto no
sentido da fisicalidade, quanto em relação às expectativas o que é ser normal e ser
deficiente. Uma série de termos específicos (aleijado, doente, retardado, mongol,
improdutivo, pobre coitado, abestalhado) os identifica a uma ineficiência, tanto física
quanto intelectual. A ineficiência será incorporada dentro do ambiente familiar, entre
amigos, e nas clínicas especializadas em ensinar-lhes como se comportar adequadamente
(já que irão depender de alguém o resto de suas vidas). Em outras palavras: aceite seus
defeitos, seja sempre bonzinho e não provoque aborrecimentos àqueles que o estão
ajudando, ou se poderia dizer... tolerando. Para Cidade, (2006, p.18), “A questão do
estigma surge no momento em que há alguma expectativa não realizada, objetivos não
alcançados, falhas ou erro”. E, por estarem lado a lado, estigma e expectativa, são eles que
irão determinar as diferenças entre pessoas deficientes e não deficientes, tomando como
foco aquilo que se destaca como imperfeição. Os seus traços, seus corpos imperfeitos, suas
presenças e atitudes fora do contexto de normalização. Em relação à dança, inadequados.
Goldman (1988) identifica três tipos de estigma: um trata das abominações do
corpo, das várias deformidades físicas; outro traz culpas de caráter individual (vício,
alcoolismo, homossexualismo, desemprego); e um terceiro, diz respeito a questões tribais
30
de raça, nação e religião. Os estranhamentos que se apresentam ficam mais graves quando
se está diante de tais situações humanas que, embora se possa observar (MORAIS, 2006),
não se pode conhecer existencialmente, pois apenas é delineado. Pode-se apenas ter uma
opinião surgida da perplexidade. Isso ocorre, por exemplo, no modo como são estruturadas
as temáticas coreográficas da dança em cadeira de rodas que buscam, em sua grande
maioria, músicas que estimulam o lamento, cenas inteligentemente organizadas para induzir
o sentimento de tristeza, de dó e compaixão. Um empreendimento que assalta o espectador
desprevenido, contaminando-o pela tão importante e grande façanha alcançada. A façanha
de dançar, apesar de! A valorização exacerbada da diferença dos corpos, não em sua
singularidade, mas, na identificação do corpo estranho, vítima, o coitadinho fazendo arte.
Para Morais (2006), tratando-se do corpo deficiente, há certa tendência à noção
de normose, que diz respeito aos modos de pensar, agir, de se vestir, de espetacularizar a
vida. Conceitos, valores, estereótipo que, aprovados por consenso ou pela maioria, são em
realidade preconceitos, que se revelam de forma cruel nos modos como essas pessoas são
tratadas. O estigma é assim usado como referência a um atributo profundamente
depreciativo. Por isso mesmo, é importante discutir se a produção da imagem que o corpo
do dançarino cadeirante faz de si e expõe no mundo se constitui como uma boa
representação da sua situação.
A estigmatização contribui para a estagnação da vida nesses corpos, resultando
numa certa estrutura e/ou num certo comportamento que impõe a condição de um corpo
como que em “Estado de Sitio
6
”. O corpo como que vigiado, cercado e colonizado, que tem
6
Na Constituição Brasileira, o Estado de Sítio é uma situação de anormalidade e, em tais condições é preciso
tomar medidas excepcionais para restauração da ordem pública. A situação atípica amplia o poder repressivo
do estado, possibilitando, inclusive, a suspensão de determinadas garantias constitucionais, como o direito de
propriedade, manifestação do pensamento e criação de informação em lugar específico e em certo tempo, até
31
suspensos os seus direitos de expressão e de liberdade em favor de um tipo de discurso que,
além de impedir ou dificultar a sua participação nas atividades da vida diária, também
exerce seu poder na vida artística.
Poéticas silenciosas
É no cume que o percurso começa. Suplício especial, a descida
prudente demanda um manejo de retenção contra o peso, exige que
nos lancemos audaciosamente em direção ao atraente vazio, mas que
dominemos suas leis, que invertamos os trabalhos dos músculos, que
coloquemos o dorso em lugar da face, flexionemos o joelho, fixemos os
olhos sobre os artelhos que façamos o corpo todo dobrar-se em
quiasma, da frente para trás, do alto para baixo e da esquerda para a
direita, que alonguemos, desdobremos, a descida requer enfim, que,
em lugar da de conduzir a forca em nossa direção, que tentemos
desenvolvê-la mais em extensão do que em tração.” (SERRES, 2002,
p.22).
O entendimento de corpo nos tempos recentes se modificou, trazendo ângulos
de visão diversificados. A partir de estudo dos processos evolutivos, pode-se compreender
onde o corpo como fazendo parte do ambiente e, como tal, sofrendo e produzindo
interferências, modificando-se, ao mesmo tempo em que interfere e modifica o ambiente.
Nessas transformações de mão dupla, os alvos precisam ser sempre móveis para se
manterem adaptados ao ambiente em que vivem. Sendo assim, o corpo se modifica o tempo
todo, característica que favorece e aumenta as suas chances de sobrevivência. Tal
explicação das ações que são inerentes ao corpo, e, portanto, também ao corpo de pessoas
com deficiência física (pcd’s), foi formulada na Teoria Corpomídia (KATZ & GREINER),
e abre novas frentes de discussões. Com ela, fica claro que é o modo como cada corpo se
torna corpo, que interfere diretamente em suas escolhas e tomadas de decisão e o corpo que
dança, parte integrante dessa aventura.
Inevitavelmente, o corpo, é um organismo em processo e imerso em formas de
vida que o atravessam. Evolutivamente, as próprias metas de cada espécie, incluindo o ser
humano, passam por mudanças tanto culturais quanto genéticas. O corpo, como um sistema
que a crise seja superada e o retorno do estado de direito, seja evidente. Exige irrestrito cumprimento de todas
as hipóteses e requisitos constitucionais, sob pena de responsabilização política.
32
cognitivo postural é complexo e está apto a se organizar de forma que possa trocar
informações. A vida inteligente não apresenta descontinuidade (CHURCHLAND, 2004),
todo sistema que explora tanto as informações que ele próprio já contem, quanto o fluxo de
energia que o atravessa trabalham de forma a aumentar as informações que já existem. Há a
ocorrência de grande intensidade na criação de alianças estruturais especialmente entre
ordem interna (cognitivo), e as condições externas. No entendimento de Albuquerque
(2007), imperativo para poder permanecer no sistema psicosocial, isto é, o ser humano é
sistema complexo, e, por ser assim, todo o seu exercício é expresso em sistemas de
naturezas diversas. A viabilidade da sua permanência (no sistema) exige diálogos coerentes
com o ambiente ao redor que atendam à lógica do empreendimento, do viver no mundo.
Para permanecer precisa desenvolver estratégias de sobrevivência que dialoguem com suas
possibilidades fisiológicas, características pessoais e ambientais. Tecer redes de conexão
em níveis hierárquicos com a complexidade do seu viver e estendê-lo à cotidianidade. Criar
interações eficazes.
O corpo biológico, com incisiva presença no mundo, se faz como sistema
aberto. A mobilidade é característica singular. Constitui-se como corpo do simultâneo, da
instabilidade, do caótico. As interferências que o atravessam com entradas múltiplas e com
funções complementares direcionadas para a aquisição de novos hábitos, estão em trânsito.
Vive-se nos instantes, como enfatiza Katz (2005, p.8), “O próprio corpo resulta de
contínuas negociações de informações com o seu ambiente e carrega seu modo de existir
para outras instâncias do seu funcionamento”.
Tudo aquilo que o corpo está apto para receber, ele não recusa, e sim entra em
processo de negociação. Um exemplo é como o corpo equaciona o equilíbrio, pois, para
manter-se de pé ou sentado, precisa lutar contra a ação da gravidade, opor-se a forças
externas, situar-se no espaço-tempo que o envolve, guiar, reforçar e equilibrar-se durante o
movimento, enfim, uma infinidade de ações que provocam modificações no corpo.
E o que dizer do corpo que dança, da complexidade sistêmica envolvida na
montagem de uma obra coreográfica? Um sistema que envolve pessoas: um elenco de
bailarinos que sejam adequados à estrutura coreográfica, o público, o diretor, os técnicos,
etc., e envolve também o ambiente do palco que, em alguns casos, significa todo um
aparato de iluminação, cenografia, figurino e composição musical. São diversos sistemas
33
que se organizam e se relacionam sistemicamente para o bem da obra que será apresentada.
Todos os elementos têm um papel a cumprir dentro do sistema (Albuquerque, 2006). Eles
estão relacionados e limitados territorialmente pelo que se quer desenvolver. São contínuas
negociações de informações dentro do sistema que agem no mundo, e o mundo age no
sistema. Corpo e ambiente, em fluxo.
“Neste corpo, as perguntas permanentes do homem sobre o mundo
constituem a massa com a qual ele se molda. Perguntas/respostas da
filogênese (estudo científico da evolução das espécies). Corpo-vitirine dos
entendimentos que estabelecemos com a natureza. Cardápios onde a
natureza se oferece culturalizada. Corpo: trânsito permanente entre
natureza e cultura”. (KATZ, 2005, p.16)
Corpomídia, corpo da transitoriedade e da tendencialidade. Munido de
sistemas que predispõem a construir conhecimentos. No que se segue, se aplicará esse
conceito como instrumento para analisar as dimensões estéticas e os processos de
configuração da dança no corpo do dançarino cadeirante. A questão é complexa, e não se
pretende aqui explorá-la em todas as dimensões, e sim, em fazer um recorte nos modos
de representatividade desses corpos na mídia para escapar/romper com o paradigma do
corpo vítima e coitadinho que é explorado na arte. É como se a da dança do cadeirante
estivesse na contramão da vida, tentando se desvencilhar da inconstância e da
imprevisibilidade que acompanham a construção do corpo/sujeito do mundo para
ressaltar as velhas descrições estabelecidas, aquelas que vêem o corpo como uma
moldura da cultura, um instrumento do determinismo social (GREINER, 2004).
O corpo coitadinho fazendo dança... O bom argumento?
“A mente está cheia de imagens do interior do corpo e das sondas
especializadas do corpo”. (DAMÁSIO, 2004, p. 144)
“O fato é que, quando você concentra sua atenção sobre os conteúdos da
sua consciência, não aprende claramente uma rede neural pulsando com
34
atividade eletroquímica: você aprende um fluxo de pensamentos,
sensações, desejos e emoções”. (CHURCHLAND, 1998, p.35)
A prática, origem e estruturação da Dança em Cadeira de Rodas (DCR) se
deram a partir do desporto adaptado, na década de 70 (FEREIRA, TOLOCKA, org.
RODRIGUES, 2006), e, desde então, a DCR vem se estabelecendo como atividade
motora voltada para a demonstração artística em competições, em congressos, festival e,
principalmente, na paraolimpíada·. Essa última se constitui em uma arena de esportes de
alto nível, com a participação crescente de profissionais das áreas de Fisiologia de
Exercício e do Desporto Adaptado. Por representar um evento de grande porte, envolve
patrocinadores poderosos, e dentre eles, a mídia ocupa especial destaque, colaborando
com a divulgação do evento no contexto mundial.
Historicamente, a atividade física voltada para a prática desportiva com
pessoas que apresentavam deficiências físicas é comprovada desde a Grécia antiga
(SOUZA, 1994). Sua estruturação no Brasil (ARAUJO, 2004, p.83), “tem sua origem a
partir de serviços implementados na busca de reabilitação de pessoas acometidas por
traumatismo raquimedulares na década de 1940”. Foram serviços desenvolvidos em
busca de novas técnicas de reabilitação de soldados feridos em combates.
Esses autores (SOUZA, 1994, SILVA, 1999), explicam que o movimento se
iniciou na década de 50, impulsionado por brasileiros que passaram pela experiência da
reabilitação em hospitais americanos com a prática do desporto em cadeira de rodas,
culminando com a criação de equipes de basquetebol sobre rodas, no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Tudo nascia com o objetivo de melhoria das condições de reabilitação e
reinserção social. Tal fato cultural impulsionou a participação do Brasil na
35
paraolimpíada de 1972, na Alemanha. Desde então, a delegação brasileira vem
conquistando medalhas e o reconhecimento da sociedade.
Dentre os diversos eventos que surgiram voltados para a prática da atividade
física, o projeto Esporte para Todos, em 1971, em Itapera, SP, (SILVA, 1999), foi um dos
precursores, e tinha como finalidade propiciar e incentivar a prática do exercício físico a
céu aberto. As pessoas podiam exercitar o corpo nas diversas modalidades esportivas tais
como correr, jogar, andar de bicicleta, ou ginástica localizada, dentre outras atividades nas
ruas, avenidas, praias e parques. Tais projetos foram de grande contribuição para o
surgimento do Congresso Brasileiro de Esportes em 1983, 1984 e 1986 (ARAÚJO, 2004),
culminando com a institucionalização e regulamentação do desporto adaptado. Locais onde
as discussões e apresentações dos trabalhos tinham o propósito de estabelecer um plano de
ação voltado para a integração social de pessoas com deficiências. Surgiram a Associação
de Desporto para Amputados (ABDA), Associação em Desporto para Cadeira de Rodas
(ABRADECAR), Atividade Motora Adaptada (AMA), Organização Internacional de
Esportes para Deficientes (ISOD), a Confederação Brasileira de Dança em Cadeiras de
Rodas (CBDCR), entre outros. Esta última tem impulsionado trabalhos voltados para um
outro tipo de dança, a Dança de Salão em Cadeira de Rodas, tratando-a como uma
modalidade esportiva do Desporto Adaptado.
Com efeito, esses acontecimentos foram os pontos de partida para a
estruturação do Desporto Adaptado no contexto mundial, e serviram para a sociedade se
dar conta de que enfrentava uma nova conformação social. Ficava cada vez mais
evidente que seria preciso mudar o comportamento até então utilizado, trocando-o por
outro, sem fechar os olhos, como era de hábito, para a presença do deficiente. Tal
transformação pode ser vista na participação efetiva e crescente de pcd’s no esporte e na
36
arte, áreas onde antes existia uma espécie de tabu que impedia a sua participação.
Evidentemente, nesses locais o corpo da pcd’s vem encontrando mais condições para a
sua mobilidade. Já é possível, por exemplo, perceber a amplitude da adesão ao
entendimento de que cuidar das necessidades especiais do corpo de pcd’s pertence às
discussões sobre cidadania. E tudo o que favorece a sua participação na sociedade
proporciona momentos de significância onde espaços psicológicos e afetivos são
despertados. Aos poucos, conquistam-se as condições iniciais de transformações do
ambiente.
Rodrigues, (2006, p.44), identifica que,
“Hoje, ouve-se menos dizer que “um paraplégico tem um problema de
não conseguir entrar num auditório” (com barreiras arquitetônicas,
óbvio), e ouve–se mais dizer “aquele auditório tem o problema de não
ser capaz de receber pessoas paraplégicas””.
Todavia, e apesar de todas as iniciativas e transformações decorrentes dessas
mudanças, não se identificou, em sua estrutura organizacional, formas inclusivas de
participação. Araújo (2004, p.84) supõe que, “embora o esporte para todos não exclua os
deficientes, suas justificativas e diretrizes também não o incluem”. Tal crítica diz respeito
ao fato das situações especiais de adaptação existentes até os dias atuais continuarem a
funcionar como arranjos em projetos que não levam em conta a existência do corpo
deficiente com suas características, o que, de fato, dificulta o seu acesso aos espaços. E
porque dificulta, acaba contribuindo para a segregação e para a discriminação desses
grupos sociais. Rodrigues (2006, p.44), chama a atenção para o fato de que “continua ser
comum pensar e, sobretudo atuar entendendo que a adaptação é uma competência
individual e não fruto da relação entre o indivíduo e o(s) seu(s) envolvimento(s).”, o corpo
37
preso aos princípios das leis mecanicistas, como se as ocorrências que lhe acontece não
tivesse nenhuma inferência sobre o ambiente e vice versa. Como explica Katz (2005, p.09),
“O corpo da física clássica seria como o mundo nela descrito, isto é, uma espécie de
máquina. O corpo simétrico regular como um relógio preciso”.
A adaptação, no modo de pensar evolutivo (PINKER, 2004, CHURCHLAND,
2004, MEYER, EL-HANI, 2005), entende que as condições ambientais que estabelecem os
desafios aos quais os organismos responderão estão continuamente mudando, em
decorrência das ações dos próprios organismos. O corpo histórico, resultante das diversas
experiências vivenciadas no mundo, o tempo todo está aprendendo e se modificando.
(KATZ, 2005, p.16), “Corpo, trânsito permanente entre natureza e cultura”. As
experiências, por sua vez corporificadas, se revelam de formas diferenciadas em todas as
ações implementadas pelo corpo. Considerando a dinamicidade e o fluxo de informações
que acontecem no mundo, qualquer pessoa pode conhecer coisas mais do que o outro e de
modos muitos diversos. No corpo que dança, por exemplo, é possível aplicar uma variedade
de tarefas motoras que podem ser manipuladas para facilitar o alcance de maior ou menor
complexidade. Tarefas que permitirão encontrar um nível de exigência que capacite para o
aprendizado e a participação. Portanto, o corpo precisa de formas legíveis e adequadas aos
seus níveis de entendimento para que possa construir conhecimentos.
Sob o ponto de vista da acessibilidade implementada pelo Desporto Adaptado,
é evidente o processo evolutivo da Dança em Cadeira de Rodas. Vale notar que o poder de
penetração deste movimento em vários setores da sociedade – no qual a mídia ocupa papel
central – deu lugar a discussões sobre o corpo de pcd’s, que vêm conquistando crescente
importância. Um trabalho desse só consegue se estabelecer quando as condições ambientais
se tornam capazes de recebê-lo. Nesse caso, foi necessário que a sociedade se desse conta
38
de que é também formada por pcd’s, e, portanto, que precisa abrigá-las em suas ações – e
foi com a proliferação de certa imagem de pcd’s que a mídia foi operando tal
transformação.
Embora o valor e a importância dos projetos desenvolvidos e dirigidos por
profissionais de diversas áreas da educação do movimento tenham alcançado boa
penetração, é importante não se iludir. Há que se refletir e tentar compreender o crescente
processo de valorização dos discursos que cercam o corpo do deficiente físico, no caso em
questão, o corpo do dançarino cadeirante na área da dança. Faz-se necessário perceber que,
em sua maioria, são discursos com tendências conservadoras, embora elas não sejam
aparentes. Um dos traços que mais podem ser notados é o uso da concepção de que existe
uma identidade fixa e dada a priori, e é ela quem mascara os modos de construção de suas
danças. Os corpos, apesar das suas singularidades, são tratados como uma massa formada
por iguais, onde todos são vítimas iguais com corpos igualmente incapacitados e estranhos.
Na arte, esse é o corpo que encarna a ineficiência total. Logo, a associação se faz a uma
pessoa doente, fragilizada e digna de pena, caracteristicamente, o coitadinho.
A luta pelo reconhecimento é parte do processo de realização de todo ser
humano. Ser aceito no grupo ou comunidade é ponto fundamental de segurança. Mas, fazer
parte de um grupo exige a elaboração de determinadas regras ou normas que são
categorizadas pela sociedade como comuns e naturais aos seus membros. Em busca desse
reconhecimento uma significativa parte da identidade de uma pessoa, (SEMPRIME, 1999),
está em grande parte no olhar do outro, isto porque é o olhar do outro que me devolve a
imagem que projeto nele. E se todos são tratados iguais, a tendência à homogeneização
apaga as marcas das diferenças, da pluralidade de origem e da diversidade na procedência
cultural. O relato obstruído estanca a permeabilidade dos contextos.
39
É certo que toda estigmatização impede a identificação do corpo como uma
organização de processos que não se estancam, por conta das trocas em mão dupla
permanentes entre corpo e ambiente (teoria corpomídia). O corpo do cadeirante, tal como
qualquer outro corpo, precisa ser desestigmatizado para ser percebido como implicado em
uma complexa rede de comunicação. Ele não se restringe apenas às suas marcas (estigmas),
mas sim a um vasto campo de outras possibilidades, que vai muito além delas. Neste
sentido, Christine Greiner (2003, p.141), em seus estudos contemporâneos sobre o corpo,
pontua que,
ler o corpo passou a ser identificar a organização de alguns processos
de representação e reconhecer a emergência de estruturas coerentes de
comunicação a partir do reconhecimento da fisicalidade, da imaginação,
da consciência e da relação co-evolutiva processada entre corpo e
ambiente”.
O corpo biológico pode apresentar, de forma branda ou mais acentuada,
características físicas e comportamentais que dificultam/ facilitam a sua ação no mundo. E,
apesar de todos os comportamentos terem uma causa e uma função, eles variam em
complexidade. Cada corpo tem seu próprio tempo, precisa viver um conjunto de
experiências sensoriais e motoras contínuas que o capacitem a manter uma atividade
inteligente. Atos, palavras, gestos, eventos odores, sensações, amores, alegrias, dores, tudo
precisa ser experimentado em sua fisicalidade, nem que seja por apenas um olhar ou por um
toque sutil, para tecer as suas redes de inter-relações, estas, sempre móveis. (KATZ, 2005,
p. 22), “Nada permanece, tudo pertence ao trânsito das traduções incessantes”. Portanto,
o corpo que dança, se deficiente físico ou não, é corpo vivo no mundo, corpo mediador,
exige e impõe novas leituras sobre os modos de construção da dança.
40
A construção do falso passaporte do corpo cadeirante.
“De todos os lugares, por intermédio de todos os meios de comunicação,
a mensagem surge forte e clara: não existem modelos, exceto os de
apoderar-se de mais, e não existem normas, exceto do imperativo de
saber aproveitar bem as cartas que se dispõe”. (BAUMAN, 1997, p.56)
Dançarinos Cadeirantes (paraplégicos) não têm mobilidade nos membros
inferiores, o que pode ter decorrido por algumas seqüelas provocadas por acidentes internos
ou externos (traumatismo raquimedular). Locomovem-se em cadeiras de rodas e têm a
cognição (mental-cerebral) preservada. Enfrentam uma questão crucial: como conquistar
uma autonomia que permita a criação de suas próprias regras e escolhas de por onde devem
andar ou de quais desafios desejam encontrar no seu trajeto de vida.
As dificuldades são muitas, e não basta apenas eliminar as barreiras
arquitetônicas para facilitar o deslocamento da cadeira de rodas nos espaços de circulação.
Como chegar ao andar superior de locais de ensaio cujo acesso é somente via escada?
Deslocar o dançarino (carregando nas costas ou no colo) e a cadeira de rodas (também no
colo) exige a boa vontade e a disponibilidade de amigos, familiares, porteiros, taxistas, até
do passante anônimo a quem se pedirá ajuda imediata. E ele reparará na inadequada largura
das portas, na escassez de rampas ou na altura dos telefones públicos - detalhes que ganham
muita importância quando se trata da vida de um cadeirante.
Não é preciso muito esforço para se notar que a topografia dos lugares e seus
desenhos exigem nova leitura. Mas, não é apenas de espaço para locomoção que esses
dançarinos necessitam. Por exemplo, na prática da dança, fazer carregas com o corpo do
dançarino e/ou com a sua cadeira é uma atividade explorada intensamente. Mas se tem as
funções cognitivas do corpo preservadas, o dançarino cadeirante está apto a explorar as
41
condições para construir conhecimentos. Por que, então, aceita ficar confinado a certos
espaços? Seria a acomodação produzida pelo processo de vitimização a responsável?
Mesmo que se tenha conhecimento das queixas justas e, às vezes, bastantes
complacentes, sobre as privações de experiências motoras a que são submetidos em seu
cotidiano, vale lembrar que não é apenas o dançarino cadeirante que se locomove nos
ambientes, mas, também os que não enxergam, os que não ouvem, os obesos, os idosos, e
uma gama de outros tipos de singularidades que fazem parte da paisagem urbana e nela
também esperam encontrar facilidades para sua autonomia. A Dança em Cadeira de Rodas,
ao ser impulsionada pelos resultados positivos encontrados na reabilitação, alimentou a
idéia de que a sua prática poderia proporcionar ao corpo as condições para merecer um
destaque especial. Não à toa, a dança é oferecida como mais uma opção de lazer em centros
esportivos, associações e clubes de pessoas com deficiências e, atualmente (BERNABÉ,
2004) está incluída em alguns currículos tais como: educação física, fisioterapia,
arteterapia.
Hoje, estão registrados mais de 60 grupos de dança na Confederação Brasileira
de Dança em Cadeira de Roda (CBDCR), sob a responsabilidade da Professora Doutora
Eliana Lucia Ferreira, da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais - Faculdade
de Educação Física, site, www.cbdcr.org.br , e-mail, [email protected] ou
[email protected] . De acordo com Ferreira, a dança em cadeira de rodas teve suas
raízes na Dança Moderna, terapêutica de salão, impulsionada por uma proposta de inovação
e descoberta do movimento corporal como meio de expressão. Para ela, as possibilidades
de movimentos corporais não vinculado aos padrões de corpos perfeitos permitiu o acesso
de pessoas com deficiência a praticarem esta modalidade.
42
Na cidade de Salvador, se encontram até o presente momento, o Grupo X de
Improvisação em Dança, www.grupox.ufba.br, fundado em 1998 e dirigido pela coreógrafa
e professora mestra Fafá Daltro. O projeto de extensão da referida professora da Escola de
Dança - UFBA, objetiva a criação de poéticas em dança em múltiplos corpos. Há ainda a
Companhia de Dança em Cadeira de Rodas, fundada em 2002, - Rodas no Salão, Cabral
(cadeirante) e Anete (andante), site www.rodasnosalao.com.br
, e-mail,
[email protected], seus fundadores, tem o propósito de estudar, apropriar,
fomentar e competir na modalidade “Dança Esportiva em Cadeira de Rodas”, bem como
participar de apresentações e mostras de Dança Artística. Essa mesma companhia fomentou
e oficializou, em 2006, a criação da ABDCR - Associação Baiana de Dança em Cadeira de
Rodas, com ênfase na inclusão social do portador de deficiência física, por meio da dança e
do esporte, tendo como objetivo a redução do preconceito e discriminação social.
Considerando as áreas de conhecimento (Educação Física, o Desporto
Adaptado, a Dança, a Fisioterapia, a Psicologia, a Medicina, Antropologia, a Matemática),
todas elas, mesmo que atravessadas umas pelas outras, perseguem princípios e
procedimentos organizacionais específicos à singularidade de seu objeto. E o objeto, seja
ele qual for, será recortado pelo observador, de acordo com a coleção de informações que
forma o seu corpo a cada momento da sua vida. Coisas que não encontram ressonância no
corpo, não têm representatividade, portanto, não podem ser incorporados, internalizados,
sentidos. Como afirma Katz (2005, p.25), “O real, contudo, não nos permite acesso direto.
Nós, humanos, sabemos dele através do modo como se oferece após nossos sentidos, isto é,
através de suas representações”.
As fontes de conhecimentos sobre movimento e corpo são inesgotáveis. Se, se
pretende estudar o movimento sob o olhar da física clássica, esta-se seguindo princípios de
43
inércia, causas e efeitos do movimento. Se o olhar é voltado para a saúde, se busca ver
quais as prováveis causas das pandemias para desenvolver vacinas apropriadas. Se, no
Desporto Adaptado, a empreitada é buscar meios para melhorar as disfunções decorrentes
de traumatismo e dar o retorno à vida cotidiana, uma série de atividades são elaboradas para
reinserção do indivíduo. E a Fisioterapia? O nome já a antecipa, ciência da saúde que
previne e trata distúrbios cinéticos funcionais em órgãos e sistema do corpo humano. No
sistema músculo esquelético, observa disfunções do movimento buscando alternativas para
desenvolver a função muscular perdida e corrigir, na medida do possível, os desequilíbrios
musculares. A Dança, por sua vez, se na mira do coreógrafo ou do intérprete, vai perseguir
condições onde o movimento e seus significados se vejam representados no corpo como
forma de pensamento, ou seja, (KATZ, 2005, p.26), “Olhar a dança como resultado entre
as condições neuronais do movimento e a sua correspondência muscular. Pois que, quando
a dança lá está, ela está sendo dançada no e pelo corpo”. A dança e o corpo que dança,
construídos simultaneamente, no aqui e agora do corpo presente na ação. No fazer
transparente seu objeto de referência.
O passeio entre as diversas áreas de conhecimento (transdisciplinar e
complementarmente), trará sempre novas leituras e acesso a uma maior compreensão sobre
os modos como o corpo dança. Ao desencadear o trânsito de informação, as trocas se fazem
realidade.
Embora os resultados obtidos na prática no desporto tenham melhorado a saúde
e a qualidade de vida de seus praticantes, e, recebido, como tem acontecido, o
reconhecimento da sociedade, é preciso observar, com olhar crítico que, neste contexto, se
continua a pensar a dança na moldura da competição ou de uma arte reabilitadora. Tal
entendimento tem dado margem a conhecimentos equivocados e capengas sobre a dança e
44
o corpo que dança. Como dito anteriormente, ele favorece o corpo coitadinho. Reflexo de
suas próprias impropriedades/representações.
Para maior compreensão dessa questão importante, vale trazer alguns
depoimentos publicados recentemente (2005) nos Anais do IV Simpósio Internacional de
Dança em Cadeiras de Rodas – Arte, Educação e Reabilitação em Cadeira de Rodas,
realizado em Juiz de Fora, Minas Gerais. Fundamentalmente, esses encontros têm o
propósito de difundir a importância da Dança Esportiva em Cadeira de Rodas aplicada às
pessoas com deficiência física.
A Dança em Cadeira de Rodas (DECR) é entendida como uma modalidade
Esportiva e Artística Recreativa com regras bem definidas para a participação dos grupos
em competições, principalmente no seu objetivo maior, a paraolimpíada.
Paula e Novo Junior (2005, p.92) entendem que,
A Dança em Cadeiras de Rodas refere-se a quaisquer estilos de dança
que possam ser realizadas incluindo pessoas com cadeira de rodas.
Podendo-se se expressar em caráter recreativo (artístico) ou como
modalidade competitiva”.
Já Ferreira e Tavares (2005, p.118), chamam a atenção para o fato que, “A
Dança em Cadeira de Rodas foi implantada há pouco tempo no Brasil (desde 2002),
apesar de ser reconhecida Internacionalmente como um esporte, desde 1989”. Ou seja,
existe há 17 anos e foi reconhecida há 13.
Ferreira, Poloni, Tavares (2005, p.54), identificam que,
“em uma pesquisa realizada com coreógrafos observou-se que não existe
uma sistematização quanto ao perfil deste profissional, muitas vezes as
atividades se desenvolvem com caráter filantrópico, empregando até o
voluntário sem uma prévia analise curricular”.
45
Quanto ao entendimento do ensino da dança que propõem (2005, p.57), “há a
consciência desenvolvida entre os professores de que o estímulo essencial do eu é ponto
inicial das demais experiências corporais”;
Barros, Celestino e Tolocka (2005, p.85), explicam que,
”aliando o progresso da Educação Física na área de trabalho com as
novas possibilidades estéticas da dança contemporânea, criou-se o
espaço para o surgimento de uma atividade que mistura dança e esporte,
isto é a Dança Esportiva em Cadeiras de Rodas, (DECR)”.
Os três autores (2005, p.86) também chamam a atenção para o fato que,
”a dança em cadeiras de rodas, como outro esporte adaptado no Brasil,
tem ganhado inúmeros adeptos nos últimos anos, mas carece de estudos
que embasem o trabalho realizado”.
Tais depoimentos podem identificar o equívoco que vem atravessando a prática
da dança e do corpo que dança com cadeira de rodas no âmbito do desporto e seus reflexos
na dança propriamente dita. Um entendimento de dança que fala de rendimento, equilíbrio,
potência, performance, superação de limites, controle, modelos, e normas bem definidas,
onde a habilidade do manuseio da cadeira é um fator crucial e mensurado
quantitativamente, em detrimento das outras capacidades do corpo. Dar voltas inteiras e
meias voltas com precisão e clareza são metas a serem alcançadas em manobras
meticulosamente medidas.
Esse é o corpo claramente revelado e que vem se especializando nos encontros
e festivais realizados fora do circuito artístico, reunindo criações pobres, tanto em pesquisa
de movimento, quanto na exploração de espaço cênico, do roteiro musical. Com tratamento
temático bem distante do que vem ocorrendo em toda a dança hoje no mundo. São obras
onde a elaboração coreográfica busca atingir, emocionar e convencer público alvo. Levam
46
o espectador à identificação imediata com o outro-coitadinho. O corpo coitadinho do
dançarino cadeirante em sua incapacidade, vencendo as barreiras (ostensivamente criadas
por eles próprios), se expondo e se superando, mesmo subutilizados. A poética de ser um
cenário móvel e, a poética de ser um apoio para o dançarino andante encontram
representatividade entre seus pares, logo, o fomento ao sentimento de vítima encontra
território fértil e adubado. O bem intencionado e perverso argumento “ser especial é bom”,
ganha o mundo impondo idéias curtas aproveitando-se das crenças e da circularidade de
informações de fácil convencimento.
Cidade (2004, p.31) chama a atenção para o fato que,
“A deficiência como um sinal, mostrada como fonte de tristeza e
infelicidade, como invalidez permanente, faz com que a sociedade
(incluindo os próprios deficientes) veja a pessoa com deficiência como
coitadinho, como vitima”.
Zoboli e Barreto, (2006, org. RODRIGUES), considera que os atributos
definidos dentro das comunidades dos deficientes físicos e construídos ao longo da história
dentro de fronteiras estanques, impossibilitam o intercâmbio e o acesso a diversas relações
de cunho social. Para ele, isso se dá, porque o parâmetro de identificação se relaciona com
a normalidade, corpos não deficientes, mas, eficientes. (RODRIGUES, 2006, p.05),
“Normalmente, todos falamos do deficiente como se estivéssemos do outro lado, este
estritamente marcado pelo êxito de eficiência”. O que se confirma nos estudos de Golfman
(1998), sobre o estigma
7
. Para ele, o estigmatizado apreende as coisas do mundo a partir da
visão daquele que é considerado normal; imediatamente ele identifica o que significa ser
7
”Estigma, marca ou impressão. Desde os gregos empregava-se como indicativo de uma degenerescência: os
estigmas do mal, da loucura, da doença. Na antiguidade clássica, através do estigma, procurava-se tornar
visível qualquer coisa de extraordinário, mau, sobre o status de quem o apresentasse. O estigma avisava a
existência de um escravo, de um criminoso, de um a pessoa cujo contato deveria se evitado”. (GOLFMAM,
1988, p.12.)
47
um corpo com defeito incorporando-o. E Cidade (2006, p.23), por sua vez, considera que
existe a tendência de que, “muitos casos estão associados com a admissão a uma
instituição/associação, na qual o indivíduo encontrará quem compartilhe o seu estigma,
outros companheiros do infortúnio”.
Pedrinelli (org. RODRIGUES, 2006), explica que é comum, ao se referir às
pessoas com deficiência, exagerar a carga emocional, o que perpetua a imagem do
coitadinho. Essa observação é facilmente identificada na realidade complexa das
nomeações/expressões, especialmente aquelas com as quais se identificam. Todas
focalizam e valorizam as diferenças físicas, sejam elas sensoriais e ou intelectuais. Chamam
a atenção para o corpo com defeito e sem conserto. Pessoas com Necessidades Especiais
(PNE), Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (PPNE), Dança em Cadeira de Rodas
(DCR), Pessoas com Deficiências Físicas (pcd’s). Nomeações que eficazmente, antecipam
e estabelecem modos de organizar espaços de atuação e asseguram determinados tipos de
comportamentos.
Uma vez supervalorizadas, acolhidas e em íntima solidariedade, as nomeações
revelam a ambigüidade que cerceiam o mundo dos dançarinos cadeirantes. Por um lado,
práticas que visam enfraquecer o corpo, ampliando e congelando os transtornos
comportamentais típicos, como o estigma do corpo coitadinho e, por outro, configuram os
meios eficazes para camuflar espaços de territorialização (BAUMAN, 1999). Ou seja, já
que não é possível eliminar dos espaços suas presenças marcantes, o slogan ser especial é
bom, corpo deficiente eficiente, corpos eficientes entre outros, vão colhendo vantagens, e
configuram mecanismos astutamente organizados para expor, ao mesmo tempo em que
colaboram para congelar a imagem do corpo sem conserto. Apesar da impermeabilidade
das fronteiras, o ‘projeto ser especial’ se mostra eficaz, e, temporariamente cala as vozes e
48
estabelece as fronteiras da exclusão em acordos mútuos. O corpo com defeito antecipa, cria
por si só, e instala a sua própria situação de exceção (AGABEN, 2002).
Trata-se de uma cegueira no modo de ver/perceber o corpo. A habitualidade do
ouvir e do agir em consenso, imediatamente instaura a predisposição de elaboração de
princípios organizacionais que se alimentam, se sustentam e se adaptam à própria
deficiência. Como todos estão dentro do ambiente, compartilham em comunhão, todos são
cúmplices. E por ser assim, é difícil deslocar a visão para outro campo de ação. No caso da
dança, o discurso cênico e seus respectivos elementos constitutivos, (figurino, luz, música,
deslocamento no espaço cênico, movimento, temática) estão intrinsecamente relacionados a
esse contexto. Isto porque todos estão satisfeitos com suas performances. Disso, não se tem
dúvida.
Amossy (2005, p.126), considera que,
“O orador adapta sua representação de si aos esquemas coletivos que ele
crer interiorizado e valorizados por seu publico alvo, {...}, o discurso lhe
oferece todos os elementos de que tem necessidade para compor o retrato
do locutor, mas, ele apresenta de forma indireta, dispersa frequentemente
lacunar ou implícita”.
O conhecimento é um dos bens mais precioso, o meio eficaz para a
emancipação, mas passa pelas condições do acesso á educação e permanece vinculado aos
processos de exclusão. Pode-se avaliar o quão perversa é a inacessibilidade à informação.
Pois que o viver diário dos cadeirantes os expõe ao papel de presas da mídia – e, para lidar
com tal situação, há que aprender a identificá-la e conquistar os instrumentos necessários
para refletir sobre ela. A dificuldade na compreensão das coisas do mundo é fomentada
pela ausência de experiências provocadoras, o que predispõe à imobilização do pensamento
49
e inviabiliza o afloramento de temáticas mais profundas e politicamente mais engajadas.
Tal fato pode ser verificado nas performances que produzem.
Quando o entorno se apresenta impregnado de suportes e de artifícios
preestabelecidos, continuamente reprocessados e articulados em circularidade, deslocar o
pensamento no sentido de uma experiência ampliada e fundamentada em processos
múltiplos, torna-se mais difícil. A circularidade da idéia do corpo-vítima, do corpo-
coitadinho, das nomeações como a de corpo portador de necessidades especiais, vende
bem e traz bons lucros. Além disso, amplia e valoriza o entendimento de corpo como
objeto, mas objeto no sentido daquilo que pode ficar exposto nas prateleiras do recorte
midiático como mercadoria para a devida apreciação e negociação dos investidores.
Característica fundamental da desenfreada sociedade contemporânea do consumismo e da
mercantilização da vida.
Santos (2005), explica que a distinção entre sujeito e objeto foi facilitada pelo
desenvolvimento da ciência moderna e da sociedade de consumo assente na tecnologia. A
produtividade infinita de objetos e sua subjetivação conferiram a esses objetos eficácia e
competência na sedução e na facilidade de venda. E o corpo, presente nesse mundo pobre
de comunicação, precisa romper as barreiras e eliminar a distinção entre sujeito e objeto.
Para esse autor, a dificuldade está na tradução. Uma vez que não há um princípio de
transformação social, bem como não há agentes históricos únicos, nem uma única forma de
dominação, e, sendo múltiplas as resistências e os agentes que as protagonizam, não é
possível reuni-las sob a alçada de um princípio único. O que se espreita sorrateiramente são
modos de se desvencilhar daquilo que incomoda, daquilo que fere as normas e suja o
ambiente, explica Bauman (2002).
50
Há múltiplas correntes e formas de pensamentos que compõem esse universo,
mas, dentre todas as que se apresentam as mais fortes ainda são aquelas que pensam a
realidade do corpo por meio de representações culturais preexistentes. Assim, formam os
padrões corporais e as regras de composição que, em sua grande maioria, se inspiram na
repetição do movimento alheio e, principalmente, nos modelos que deram certo. Regulam,
delineiam e definem os modos de coreografar, de agir e de dançar percorrendo caminhos
sem saída.
Os corpos que dançam são múltiplos. Cada um é um, e não têm identidade
fixa, uma vez que o que existe em cada corpo (Katz, 2005) também compartilha, em
alguma medida, com algo do outro. Suas idéias e as inspirações que os animam se
encontram impregnadas por todas as coisas, pessoas, objetos, idéias, odores do seu entorno.
Ou seja, não há nada no mundo do vivo que esteja fora desse processo de troca de
informação e o corpo é parte desse processo inestancável. Ele é corpomídia de si mesmo
(KATZ, 2005) e, portanto, construirá conhecimentos vinculados aos tipos de
dificuldade/facilidade que enfrenta (e que elas sejam bem vindas). Como enfatiza Bauman,
(1997), todo corpo tem aptidão para atender às suas demandas enquanto sujeito situado no
mundo, e à sua evidente e inalienável responsabilidade individual de escolha. Escolhas e
responsabilidades não apenas no sentido restrito, aquelas que tratam dos desejos, das
paixões de cada um num dado momento, mas, no sentido mais amplo, daquelas que se
estendem em relação às outras pessoas, às gerações futuras. É justamente aí que se inscreve
o corpo dançarino que foge ao modelo pré-construído e definido culturalmente pela dança
do coitadinho.
No mundo, as possibilidades de rompimento e de deslocamentos são latentes e
estão fadadas a acontecerem. A dança e o corpo que dança pertencem ao mundo da
51
transitoriedade, da estabilidade sutil, semelhante à do corpo do equilibrista quando passeia
sobre o fio desafiando a gravidade e impondo ao corpo um movimento intenso entre ajuste
e desajustes do equilíbrio. Um suspense que invade o espaço do espectador até que se
conclua a travessia.
Qualquer ação do corpo no estar no mundo provoca deslocamentos no entorno
da ação. No exemplo acima citado, percebe-se isso, quando o ambiente é cercado por um
silêncio profundo de espera, os olhares focalizando um corpo agora redimensionado no
ponto de vista de cada espectador, e percebido, sentido no ritmo acelerado dos corações e
nos suspiros aliviados ao fim do trajeto. Processo semelhante quando o conhecimento toma
posse do corpo e instala a predisposição à instabilidade, ao desnudamento dos complexos
mecanismos do pensamento linear. Enfatiza Katz (2005, p.15), “Uma dança que vive na e
pela tensão da dualidade lei/evento. Lei enquanto continuidade que tudo o que acontece
traz algo da arbitrariedade, com descontinuidade e probabilidades”. Modos de ser de um
corpo que materializa a dança no trânsito entre a natureza e a cultura, no corpo dado ao
mundo. Singular, fugaz, transitório, que se apresenta nas redes dos diálogos possíveis.
Configurações construídas como pensamentos poéticos girando em torno das possibilidades
e do aproveitamento das propriedades do corpo dançarino, sejam quais forem.
Embora o positivo do discurso da dança em cadeiras de rodas esteja no fato de
que com ele cai por terra o entendimento da dança como um direito exclusivo do corpo
virtuoso, há que perceber que as suas justificativas não se distanciam dos discursos
historicamente cristalizados que circulam até os dias atuais. Discursos que pensam e
relacionam o corpo deficiente à inércia, à ausência de movimento e, principalmente, à
impossibilidade poética. As coisas postas no mundo fazem o seu caminho. Na medida em
que se propaga a prática da Dança em Cadeiras de Rodas em locais onde as discussões se
52
inflamam, tais como os simpósios e congressos específicos, dá-se oportunidade para que
essa discussão ganhe também outros mundos, e neles encontrem outras discursividades.
Isso exige deslocamentos e, evidentemente, uma nova epistemologia do corpo. É
justamente aí que se inscreve o corpo dançarino que foge ao modelo pré-construído e
definido culturalmente pela dança do coitadinho.
Nas palavras de Katz (2005, p.46),
Como toda ciência, hoje, o caráter absoluto de qualquer enunciado não
lhe afiança a universalidade, no sentido de anulação de toda ou qualquer
possível particularidade. A natureza que acolhe a diversidade
necessariamente produz descrições plurais”.
Ora, o dançarino cadeirante é, literal e irrestritamente, corpo com
propriedade diferente do padrão estabelecido para atuar como dançarino e exige uma
epistemologia própria para seu entendimento e não uma epistemologia adaptada. Ou
seja, as idéias sobre o corpo do cadeirante precisam se ajustar ao corpo do cadeirante e
não ao corpo do andante. É uma maneira de pensar o problema do corpo em regra
conceitual e eficácia prática. A mimese do modelo emprestado que deu certo, tais como
padrão de beleza, desempenho físico, alto rendimento e superação dos limites têm
enorme circularidade entre eles, e, evidentemente, limita suas ações e impede-os de
fazerem acontecer a sua vontade. O importante é ver o modo como estes corpos se
relacionam com as diversas intensidades que os atravessam, as forças diferentes que lhe
sustentam e lhe dão voz, e entender que o corpo como mídia, se profere a si mesmo
(KATZ, 2005).
53
Capítulo 2
A imagem que interessa ver...
“A informação deve poder circular. A sociedade da informação só pode
existir sob a condição de troca sem barreiras. Ela é por definição
incompatível com o embargo ou com a prática do segredo, com as
desigualdades de acesso à informação e sua transformação em
mercadoria” (MATTELART, 2004, p.66)
As questões a cerca da relação entre o corpo artista e o seu contexto histórico
passam pelas esferas de valores que as políticas culturais põem em curso. Do ponto de vista
da mobilização e da circulação das coisas no mundo, as teletecnologias e todos os outros
tipos de mídia ocupam papel central, inclusive na proliferação de entendimentos múltiplos
e equivocados.
Tem sido possível perceber que aquilo que provoca oportunidade de melhoria
na qualidade de vida, em termos de moradia, transporte, alimentação, lazer,
satisfação/realização profissional, vida sexual e amorosa, aceso à informação,
relacionamentos com outras pessoas, liberdade, autonomia e segurança financeira (SILVA,
1999, ALBUQUERQUE, 2006), vem sendo gradativamente deteriorado e cada vez mais
impregnado por um fluxo intenso de informações midiatizadas (BAUMAN, 1997, SODRÉ,
54
2002 MATTELART, 2004,), que hoje integra quase tudo em um plano sistêmico de
estrutura de poder.
Do ponto de vista de Sodré (2004, p.12), o processo informacional, “indiferente
a tudo que não seja a velocidade de seu processo distributivo de capitais e mensagens”,
produz efeitos sociais através da criação de notícias convenientemente editadas,
relacionadas às constantes renovações promovidas pelo mercado consumidor.
Pautado pelo súbito despertar e pela rápida extinção dos impulsos, estimula o
modismo, impulsiona a competição e seduz o espectador ao consumo abundante. Trata-se
de possuir e descartar o mais rápido possível, o que termina por induzir modos de agir
distantes da reflexão e sem vínculos profundos. Monta-se um ambiente que, para favorecer
a eficiência da manipulação do coletivo, precisa fazer desaparecer as diferenças.
Inevitavelmente, as ofertas de sentidos oferecidas pela excessiva exposição das
imagens midiatizadas, acabam provocando, pela sua visibilidade imposta, a identificação
do espectador com o tipo de consumo que divulgam, principalmente em ambientes onde a
circulação de informação é mais precária. As escolhas acabam se vinculando à tendência
em circulação da imagem (do político, do artista, do corpo, da dança) que está sendo
valorizada pela mídia (SODRÉ, 2004) e legitimado pelo regime de visibilidade pública. Em
sendo assim, aparecer na mídia significa ocupar um status, ter uma posição de destaque e
de prestígio. Diz Bauman (1998, p.55): “O consumo abundante, é-lhes dito e mostrado, é a
marca do sucesso, a estrada que conduz ao aplauso público e à fama”. Trazendo a questão
da competividade para dentro desse contexto de consumo, Milton Santos, em seu livro Por
uma outra globalização (2005), observa que a necessidade de competir é legitimada por
uma ideologia largamente aceita e difundida e, na medida em que há desobediência de suas
regras, o infrator pode perder a posição de prestígio e até mesmo desaparecer do cenário.
55
Tais arranjos, construídos e transmitidos em redes de comunicação, revelam o
exercício da persuasão e definem a normalização dos comportamentos. O que, para
Bauman (1997), constituem os métodos mais comuns de isolamento cultural e limitação de
contato.
Imagens do corpo deficiente, insistentemente veiculadas em todas as mídias,
bloqueiam a emergência da reflexão sobre os sentidos que elas produzem. E são elas que
deságuam no corpo do cadeirante na dança. E que podem ser detectadas já nas próprias
nomeações desse corpo como deficiente. A chuva de imagens do corpo ideal para a dança,
ao se associar ao estigma da deficiência (afinal, esses corpos se distanciam muito daqueles,
os ideais) induz ao reconhecimento de que existe neles uma ineficiência. Daí se passa logo
ao entendimento do corpo cadeirante como o de um corpo inerte, pregado a uma cadeira de
roda. Afinal, ele tem mesmo dificuldades de locomoção e, geralmente, desenvolve
dependência para o exercício do seu dia a dia.
O corpo inválido superando seus limites na paraolimpíada, por exemplo, parece
colaborar com uma boa aceitação desse corpo, e, no entanto, apenas reforça, pelo uso dos
critérios de desempenho, representações dos modelos que deram certo, face aos quais esse
corpo sempre se apresentará como ineficiente/deficiente. Assim, deficiência e ineficiência
quase se tornam sinônimos. E é essa associação indevida e nefasta que passa a ser associada
e a impregnar o corpo do próprio cadeirante. Como todo corpo é a coleção de informações
proveniente do trânsito dentro/fora do corpo (teoria corpomídia), essa associação como que
o coloniza.
O corpo é sempre mediação e toda mediação é uma tradução, o que implica em
uma margem de redução. Isso significa que algum aspecto do objeto pode não ser revelado,
56
e aquilo que se vê do objeto é sempre parcial, aproximado, não sendo jamais a realidade
dada tal qual. Isto se dá em todas as instâncias da vida.
Ações do corpo que envolvem processos cognitivos de construção de
pensamento, como é o caso da percepção de imagens, estão intrinsecamente relacionadas
com as possibilidades de cada estado do corpo. A cada etapa de nossa vida somos uma
coleção de informações que vai se modificando. Assim, em cada momento, interagimos de
modos específicos com o ambiente. Lembrando sempre que o que o corpo consegue
perceber do fluxo informacional no qual está envolvido, seja lá qual for a sua percepção,
nunca é a realidade dada, apenas uma parte dela.
“O real, contudo, não nos permite acesso direto. Nós, humanos, sabemos
dele apenas através dos modos como se oferece aos nossos sentidos, isto
é, através das suas representações no nosso corpo”. (KATZ, 2005, p.25)
Para melhor compreensão desses acontecimentos comportamentais, e na
tentativa de elucidar alguns dos equívocos que cercam a representação do corpo do
dançarino cadeirante, torna-se necessário recorrer aos estudos contemporâneos em
neurociência sobre o comportamento humano, pois muito têm contribuído nessa área.
No entendimento do neurocientista Antonio Damásio (2002), o corpo percebe e
representa as coisas do mundo através de imagens construídas como padrões mentais, que
são provenientes dos sentidos perceptivos (visual, gustativo, olfativo, auditivo, sômato-
sensitivo). Para ele, a imagem mental é dependente do padrão neural e está
consistentemente relacionada a tudo aquilo que o corpo humano consegue perceber
(objetos, ações, idéias, alegrias, notícias, imagens, dores e sabores). Imagens, todavia, não
são fotografias do mundo. O que o sujeito percebe não são cópias exatas dos objetos, mas
57
sim, imagens das interações que são possíveis entre ele e o ambiente ao redor. As imagens
sinalizam aspectos do estado do corpo (DAMÁSIO, 2002, LILLINÁS, 2003,
CHURCHLAND, 2004), que podem ser os mais variados possíveis.
Os mecanismos sinalizadores do corpo que ajudam a construir padrões que
mapeiam e selecionam a interação momentânea do organismo com o objeto, estão ali para
serem manipulados. Obrigam o cérebro a construir imagens onde ele encontra referências.
Caso haja ausência de identificação, o cérebro procura uma saída com aquilo que dispõe
(certa margem de flexibilidade, que é própria do cérebro), faz as interações que são
possíveis (das mais simples às mais complexas), geradas do conjunto de correspondências
entre as características físicas do objeto e os modos de reação do organismo.
“Não tenho idéia de quanto os padrões neurais e as imagens mentais são
fiéis em relação aos objetos aos quais se referem. Ademais seja qual for o
grau de fidelidade, os padrões neurais e as imagens mentais
correspondentes são criações do cérebro tanto quanto produtos da
realidade externa que levou na criação”.
(DAMÁSIO, 2002, p.405)
A posição sustentada pelo neurocientista Rodolfo Llinás sobre a atribuição
dos estados mentais, encontra similaridade com as observações acima descritas. Do ponto
de vista cientifico, considera que a mente é um estado mental, parte dos grandes estados
funcionais gerados pelo cérebro, local onde é elaborada a imagem cognitiva
sensóriomotora. Mente e cérebro, eventos inseparáveis.
“Os estados mentais conscientes pertencem a uma classe de estados
funcionais do cérebro onde se geram imagens cognitivas sensomotoras,
não só me refiro as visuais, sim a conjunção, o enlace de toda informação
sensorial capaz de produzir um estado que pode resultar em uma ação”.
(LLINÁS, 2003, p. 2)
8
58
Qualquer informação que provoque uma resposta corporal (imagem) está
relacionada às atividades do cérebro, a um estado funcional do cérebro. E toda imagem
sensóriomotora (interação das informações sensoriais que resultam numa ação) pede uma
imagem cognitiva. Tais ações (estados da mente) se dão a ver quando suas representações
coincidem com os elementos do mundo externo, criando novos espaços de representação,
mas, apenas com aquele estado de mundo que o rodeia e com o qual se identifica. Para
Llinás (2003, p.4), a geração de imagens que o corpo representa é engendrada
cognitivamente através da percepção. O que ele considera que é apenas “a validação das
imagens sensomotoras geradas internamente por meio da informação sensorial, que se
processa em tempo real, e que chega do entorno que rodeia o animal
9
.
Llinás propõe que o ato de antecipar é preditivo. O corpo, ao perceber,
antecipa, se prepara por antecipação para a ação que ainda vai acontecer. Trata-se de uma
função cerebral vital, que permite ao corpo se mover eficientemente, e faz isso porque o
cérebro já possui os instrumentos, herdados geneticamente na escala evolutiva, que geram
imagens internas do mundo externo. E essas imagens podem ser capturadas através dos
sentidos (tato, visão, audição, odor, sabor). No processo evolutivo, esta capacidade de
prever, de antecipar o que está por vir, tinha importância fundamental na procura do
alimento ou do refúgio, e também para evitar ser alimento de outros, considerando o
ambiente predatório em que se vivia.
8
Los estados mentales conscientes pertenecem a una clase de estados funcionales del cerebro en los que se
generan imágenes sensomotoras, no solo me refiro a las visuales, sino a la
conjucion o enlace de toda
informacion sensorial capaz de producir un estado que pueda resultar e una acción. (LLINÁS, 2003, p.2)
9
La validacion de las imágines sensomotoras generadas internamente por medio de la información sensorial
que se processa em tiempo real y que llega desde el entorno que rodea al animal. (LLINÁS, 2003,p.4)
59
“O termo “inteligente” implica no mínimo, uma estratégia rudimentar
que se baseia em regras táticas, relacionadas com as propriedades do
entorno no qual se move o animal”. (LLINÁS, 2003, p.23)
10
Assim, movimentos ativos e dirigidos necessitam de um cérebro preditivo que
possa antecipar o futuro, para a própria segurança do corpo. Mesmo em estado de vigília
(STEMBERG, 2002, CHURCHLAND, 2003), o corpo antecipa. Essa informação tem
relevância quando o assunto é dança, pois durante a execução de uma coreografia, o
deslocamento no espaço cênico exige do corpo certas habilidades para que, durante a
performance, não seja surpreendido por movimentos não desejados, tais como impactos
corporais, quedas inesperadas, ou lesões durante a realização de algum movimento mais
complexo, para citar algumas das possibilidades. É preciso estar perceptivo em relação à
sua própria localização e à localização dos outros corpos no espaço de atuação. Interna e
externamente ativo e ampliado (olhar periférico e olhar interno expandido), através das
possibilidades perceptivas e com base em informações que o corpo coleciona a cada
momento, para construir conexões com os acontecimentos do próprio corpo e os
acontecimentos daquele momento no espaço cênico e expressar sua dança com qualidade.
O corpo habilidoso dosa energia, antecipa os deslocamentos, aciona os esforços necessários
á demanda da ação. Antecipar é fundamental para realizar movimentos.
Importante lembrar que, mesmo com os olhos bem abertos e com os poros da
pele dilatados, o cérebro/mente não representa todas as possibilidades dos acontecimentos
ao mesmo tempo. Responde apenas àquelas que coincidem com a reapresentação do mundo
que o rodeia e no qual encontra ressonância. Mesmo assim, a capacidade de julgar,
antecipar é função vital e presente em todos os corpos.
10
El término “inteligente”, implica, como minimo, una estrategia rudimentaria que se basea en reglas tácticas,
60
“Nesse âmbito é claro que a predição se formula a partir de uma imagem
sensomotora – de uma contextualização do mundo externo. O marco de
referência da imagem interna, prémotora do que vai acontecer, se
constrói com bases nas propriedades do mundo externo, seguindo o que
nos transmitem os sentidos da audição, visão e tato. O resultado de
comparar o mundo forjado internamente com a informação que chega do
mudo externo gera ordens para empreender uma ação motora
apropriada. Mediante este procedimento se dá uma transferência
espetacular: a imagem interna do que há de suceder ascende de nível e
adquire realidade no mundo externo”.(LLINÁS, 2003, p.44)
Llinás pontua que os processos de atividade cerebral não são paralelos à
realidade, são descontínuos, o que reforça a idéia de que não seria possível ao cérebro
captar todas as mensagens vindas do exterior e dar respostas rápidas e precisas. O cérebro
precisa de tempo para tomar decisões e trocá-las o mais rápido possível com o ambiente
com coerência. (LLINÁS, 2003, p.30), “O cérebro não pode deter-se fazendo uma coisa
quando deve passar para a seguinte”.
11
Durante a execução de uma dança, se acaso ocorre algum deslocamento do
dançarino para uma outra direção não prevista coreograficamente, ele não pode voltar a
ponto do equívoco para resolver a situação criada; precisa seguir adiante e tentar resolver o
inesperado no próprio fluxo da dança. Da mesma forma que não se volta no tempo, dada
sua irreversibilidade, coreograficamente isso também acontece.
“Não se volta no tempo da dança, não se recupera o movimento já
executado. O movimento jamais se entrega em nudez. Este sempre
incorporado - ou seja, tem sempre uma feição. E o corporal é sempre
particular, temporalizado. (KATZ, 2005, p.48)
Para Churchland (2003), o que a percepção exige cognitivamente é que a
capacidade de julgar esteja sistematicamente ligada ao domínio a ser percebido, de modo
relacionadas con las propriedades del entorno en el cual se mueve el animal. LLINÁS, 2003, p. 23).
61
que o corpo aprenda continuamente a fazer julgamentos espontâneos e apropriados sobre as
informações que se impõem. O cérebro, apesar de ter certa margem de flexibilidade, diante
da imediatez (tempo reduzido) e intensidade do fluxo de informação, não consegue capturar
tudo. Apenas capta coisas onde encontra identificação, e não está impune às falsas
interpretações. Algumas sensações podem induzir identificações não confiáveis.
(Churchland, 2003, p.127), “Nossa percepção do mundo exterior é sempre mediada por
sensações ou impressões de algum tipo, e o mundo exterior é, dessa forma, conhecido
apenas de modo indireto e problemático”.
As imagens forjadas podem deixar muitas coisas despercebidas, invisíveis ao
olhar e à percepção humana. Algumas podem ser completamente arbitrárias, e outras,
simplesmente não podem ser controladas ou desaparecem totalmente. Portanto, são estados
de coisas que tendem ao aproximativo e se fundam em explicações com as quais o corpo
está familiarizado. Para Churchland (2004), há um arcabouço teórico vindo do que chama
de ‘folk psychology’ (psicologia do senso comum), geralmente apreendido no ambiente
familiar, sobre crenças e desejos, dores, esperanças e medo. São conhecimentos gerais que
explicam e fazem previsões dos estados das coisas de acordo com os hábitos de cada
ambiente. Vão constituindo o modo como o corpo funciona a partir do lugar comum, do
senso comum. (CHURCHLAND, 2003, p.101), “A maioria das explicações que emitimos
são esboços de explicação. Ao ouvinte é deixada a tarefa de completá-los com o que se
deixou de dizer”.
As generalizações, esses lugares-comuns relativos aos comportamentos das
pessoas (estados mentais), são o suporte que dá ao ser humano a capacidade de explicar e
prever comportamentos sobre si mesmo e sobre o outro. Evidentemente, o que se vê e o que
11
El cérebro, no puede detenerse haciendo uma cosa cuando debe pasar a la seguinte. (LLINÁS, 2003, p.30).
62
se explica, é sempre parcial e especulativo. Mais ainda: há que se considerar que uma parte
do que o corpo percebe fica manifesto nele, sem possibilidade de generalização. O
comportamento que se vê, é a exposição para fora de algo que foi construído dentro,
portanto, singular. As semelhanças são apenas semelhanças, e não invalidam as
singularidades de cada corpo. Não é possível expor para o mundo como a rede de neurônios
resolveu as conexões para resultar naquilo que está sendo visto, sentido, percebido. Não se
tem acesso aos acontecimentos dos corpos das pessoas, a como cada corpo age com as
informações que percebe. Isso é invisível ao olhar e à percepção do outro, e, muitas vezes,
também não se torna consciente.
O dançarino, quando em performance, por exemplo, talvez não saiba o quanto a
sua imagem, ou um gesto em determinado momento da cena, atinge o espectador, podendo
arrebatá-lo ou levá-lo a se levantar e ir embora. É comum, apesar dos aplausos calorosos,
que dançarinos se queixem, achando que poderia ter sido melhor, que não alcançou o
objetivo pretendido. O inverso também é uma possibilidade: achar que se saiu muito bem,
quando a performance foi, simplesmente, algo imperdoável. Isso sugere, de acordo com
Churchland (2003), que nas questões de autoconsciência, além de envolver o conhecimento
do próprio estado físico, está implicado também o conhecimento específico dos próprios
estados mentais - o que pode variar de pessoa para pessoa, dependendo de que áreas de
discriminação foram dominadas. Evidentemente, o deslocamento no espaço/tempo do
corpo dançarino é mais eficiente do que o daquele corpo que a maior parte do tempo está
sentado diante de um computador. Nesse sentido, quanto maior a experiência, mais
ampliadas ficam as capacidades do corpo fazer discriminações e (CHURCHLAND, 2003,
p.125), “quaisquer que sejam os mecanismos de discriminação que se encontrem em
operação, eles estão ajustados a condições internas, e não a condições externas”.
63
Condições internas das possibilidades fisiológicas que o corpo apresenta, mas, diretamente
vinculadas ao processo de desenvolvimento conceitual e de discriminação pelo qual o corpo
apreende o mundo de fora. Segundo Llinás (2003, p.224), “os circuitos cerebrais básicos
para estas funções não se adquirem por aprendizagem”, isto porque sua arquitetura
funcional vem determinada pela filogenia, desde o nascimento.
De acordo com Churchland (2004), pode-se atribuir o que se encontra na nossa
própria mente na relação com as outras pessoas (mentes/corpos). E, mesmo que justificadas
pelas redes de pressuposições gerais (‘folk psychology’)
12
, com termos que se identificam
aos outros estados mentais, com circunstâncias externas e comportamentos observáveis, é
difícil afirmar que esse ou aquele comportamento engendrado traduz a realidade da coisa
dada.
Ao que parece, a compreensão do dançarino cadeirante como um coitadinho
passa por esse tipo de senso comum, dentro de um arcabouço de explicação especulativo e
aproximado. Todavia, a possibilidade de erro é um fato. (CHURCHLAND, 2004, p.134),
“Nossos julgamentos introspectivos não são incorrigíveis. Não apenas eles podem estar às
vezes errados, um a um, como eles todos podem ser distorcidos”.
Se o que cada pessoa pode perceber é parcial, cada um vê apenas uma
possibilidade do objeto, uma impressão incompleta. Isso implica no movimento parcial de
significados de um texto para o outro em pequena e grande escala (GREINER, 2005).
Pode-se inferir, então, que as informações midiatizadas estão na categoria do parcial do
parcial, ou da impressão da impressão, estando, pois, sujeitas a equívocos.
12
Para Churchland (2003), a Psicologia do Senso Comum (Folk Psychology) consiste de leis gerais ou
enunciados tendendo para o aproximativo, que apresentam explicações e previsões feitas habitualmente pelo
senso comum. No conjunto, elas constituem uma teoria que postula uma série de estados interiores, cujas
64
As observações sobre como a percepção atua ajudam a explicar os modos de
representação do dançarino cadeirante. Isto sugere que, especificamente, a imagem
equivocada do corpo coitadinho que é forjada no intercâmbio cotidiano, considerando
inclusive a parcialidade da tradução, não se aproxima do que aquele corpo é capaz de
evocar, a complexidade da qual aquele corpo é corpomídia. Ao invés disso, a sua
representação fica restrita ao mundo das aparências que subordina os dançarinos
cadeirantes e a dança construída em seus corpos. É com esse viés que se trabalha a sua
mobilidade, e ocorrem as tentativas de imitação dos modelos (padrões da dança) que deram
certo. Recorrer a eles são estratégias corriqueiras dentro desse âmbito.
Copiar o movimento alheio como processo de aprendizagem motora é um dos
recursos utilizados na prática da dança, mas a continuidade dessa repetição congela o corpo
e inviabiliza o despertar de novas idéias. (KATZ, 2005, p.43), “Porque conhecer dança
exige uma descrença básica em formas definitivas. Sendo dança semiose
13
permanente, o
que nos cabe é a tarefa de empreender séries de séries de séries de aproximações”.
Copiar e/ou mimetizar o outro como ação de representação é um procedimento,
um estado do corpo se assemelhar, ficar parecido com o outro. No processo evolutivo, a
mímica (cópia) foi uma das estratégias que o animal desenvolveu em seu habitat para se
defender do predador. Constitui assim, uma aptidão biológica e pode ou não, no caso
humano, se apresentar como ferramenta poderosa na estratégia de resistência frente aos
sistemas de relações. Mimetizar é uma estratégia de sobrevivência para animais que vivem
relações causais são descritas pelas leis da teoria. Todas as pessoas aprendem esse arcabouço teórico e, ao
fazê-lo, adquirem a concepção do senso comum sobre o que é a inteligência consciente.
13
O corpo biológico, contudo, se constitui com também com um outro modo de ser: como corpo do
simultâneo, da instabilidade, do caótico. Onde leis da natureza se instalam como tendencialidade, no sentido
peirceano, isto é, como uma espécie de afinidade direcionada á aquisição de hábitos novos. Tendencialidade
parceira da genealidade, da mudança, de evolução, do tempo, da continuidade
.
65
em habitat sob ameaça do predador. E o animal humano não está fora dessa perspectiva;
para nós, mimetizar significa e pode ser a possibilidade de continuar a viver.
A mimese do corpo coitadinho dançando passa por relações de poder, mas
relações de poder implicadas em processos de desvalorização e de dominação
(ALBUQUERQUE, 2006, BHABHA, 2003). Ao mimetizar, o corpo reproduz o existente
de forma a ficar parecido com ele, cria padrões que reproduzem as propriedades do outro.
O exercício da cópia de modelos que deram certo cumpre a sua obrigação:
imprime o espírito colonialista tão importante para assegurar e manter a normalização das
coisas. (BHABHA, 2003, p.130), “A mímica é assim o signo de uma articulação dupla,
uma estratégia complexa de reforma, regulação e disciplina que se apropria do outro ao
visualizar o poder”. É um tipo de comportamento hábil e o mundo está preenchido por
essas formas de pensamento
. O corpo cadeirante que dança, ao buscar a normalização, faz e
crer ao outro e a si próprio que a imagem na qual se vê espelhado é a que está à venda e diz
o que eles são: dançarinos coitadinhos satisfeitos, dependentes, mas muito favorecidos,
porque estão dançando. Ser especial é bom, diz esse corpo colonizado.
Como explica Bhabha, (2003, p.111),
“O objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado como uma
população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a
justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e
instrução”.
Tal justificativa cabe perfeitamente ao corpo cadeirante. Coitadinho,
aleijadinho e doentinho, portanto improdutivo, tem a oportunidade de se expressar, de
dançar e, inclusive, ter representatividade midiática. Foi-lhe dada uma grande oportunidade
de legitimidade, mas, essa legitimidade fica congelada. Suas danças precisam e devem
66
estabelecer padrões que valorizem as suas dependências, que mostrem o drama da vida em
seus corpos sem conserto.
Procurar alternativas certamente representa uma escolha para aliviar as tensões
sofridas. Em ambiente predatório (CHURCHLAND, 2004, GREINER, 2005,
ALBUQUERQUE, 2006), quando as dificuldades inviabilizam o viver, os modos de
camuflagem podem ser utilizados como opção e estratégia de sobrevivência. Como explica
Albuquerque (2006, p.23), “Se um sistema cognitivo, potencialmente com certa
complexidade, não encontra complexidade coerente em seu ambiente, torna-se ameaçado
de extinção”. Como todo corpo é corpomídia, pois sempre apresenta a coleção de
informações que está trocando com o ambiente, quando ocorre um desajuste entre corpo e
ambiente, porque os níveis de complexidade ficaram incompatíveis, há possibilidade do
corpo desaparecer, se não encontrar formas de manter as suas trocas. Explica Greiner
(2005, p.104),
“A questão é que para apostar na estabilidade sistêmica de uma cultura,
sobretudo em ambiente predatório, é preciso criar táticas de
sobrevivência que garantam um mínimo de preservação e de
adaptabilidade evolutiva. Neste universo em que a historia e a memória
são construções sígnicas e a cultura é processo, vale apostar na
estabilidade das relações e na continuidade dos processos cognitivos, ao
invés de investir todos os esforços na durabilidade das coisas”.
Albuquerque (2006), considera que, para um sistema aberto permanecer no
tempo, ter autonomia e permanecer, precisa possuir sensibilidade – para conseguir reagir
com coerência aos fluxos de informação que ocorrem no mundo, encontrar meios para reter
as informações como função memória (modo de conectar o passado relacionando-o com o
presente transiente e possíveis futuros), e ter capacidade de elaborar as informações na
medida das suas necessidades, para conseguir ser eficiente no tempo. Ou seja, são as
67
estratégias de adaptabilidade que definem a permanência do animal humano no ambiente.
O darwinismo aponta que, na luta pela sobrevivência engendrada pelo animal humano,
biologicamente “as diferenças fazem a diferença” e inscrevem o corpo na história da vida.
Sob esta perspectiva, os mais aptos (o que significa os melhores adaptados, e não os mais
fortes, como divulga o senso comum) são capazes de sobreviver, reproduzir e transmitir as
suas características. A permanência do ser humano no mundo, com esse corpo que é
resultado de milhões de anos na escala evolutiva, se funda nas capacidades adaptativas que
foram engendradas durante os processos de negociação das informações e das experiências
vivenciadas.
No corpo dançarino cadeirante, ser e ter um corpo com contornos diferentes do
que é propagado como corpo ideal, constitui um fato. O corpo é, e se apresenta como um
estranho porque no ambiente em que vive, não encontra imagem de semelhança com as
coisas que lá se dispõem. Tudo parece ignorar as suas necessidades, da arquitetura dos
prédios, às ruas da cidade. E quando a mobilidade fica limitada, com ela se produz também
maior dificuldade de acesso aos lugares onde se produz conhecimento. A dependência
passa a ser o lema desse corpo, como já explicado nas páginas 43 a 64. Questões difíceis,
mas, necessário enfrentar com as armas que estão ao alcance.
Dissimular as dificuldades e mimetizar passam a ser armas importantes. No
pensamento de Greiner (2005, p.105), “Atada à “estrangeiridade” aparece,
inevitavelmente, a estratégia de imitação como possibilidade de aproximação”. A mimese
do modelo padrão do que deu certo é comprada e vende bem; ser especial é bom, na
realidade, revela um sujeito com cores esmaecidas.
O passaporte que passa a ambicionar é o que traz estampado que “teve assim
superados os limites da incapacidade através da dança mimética”. Com ele, conquista o
68
direito de transitar veladamente. O corpo, contudo, como um sistema aberto é complexo, e
no trânsito da vida, desconhece meias medidas. O corpo organiza e reorganiza sua práticas
a cada instante do fluxo de trocas incessantes com os ambientes. Mas, se tais ambientes
estão sempre recheados pelas imagens dos corpos perfeitos e neles os outros corpos
aparecem sempre como “imperfeitos”, é essa imagem que acaba sendo encarnada pelo
corpo cadeirante e é com ela que passa a dançar.
As tentativas, em passos lentos...
“Nada permanece, tudo pertence ao trânsito das traduções incessantes.
Não apenas o tolo eu do intérprete, mas também a coisa, todas elas, tudo
aquilo que povoa o mundo”. (KATZ, 2005, p.22)
A
origem da dança em cadeira de rodas e dos trabalhos implementados pelo
desporto adaptado para o seu desenvolvimento foi tratada nas páginas 43 a 48. Não se pode
fechar os olhos ao avanço promovido por essas ações diante das circunstâncias iniciais de
dependência e de desfavorecimento que constituíam o entorno do cadeirante. Mesmo
porque, os modos de relação são históricos, e eles se dão a ver quando encontram o
ambiente propício ao seu florescimento (ALBUQUERQUE, 2006). E podem florescer tanto
para promover o bem estar, investindo no conhecimento, quanto para o mal estar. Os
acontecimentos de agora apontam para novas questões em torno desse mal estar.
Sem tirar o mérito dos trabalhos valorativos realizado pelos profissionais do
desporto adaptado, pode-se refletir sobre suas ações na contemporaneidade,
especificamente no que toca a dança em cadeira de rodas e os modos de construir a dança
nesses corpos.
69
Com o tempo, entendimentos mudam, conceitos são abandonados,
transformações ocorrem. Acompanhar os avanços nos estudos sobre o corpo e acompanhar
as discussões sobre o papel das mídias na sociedade é indispensável para investigar o corpo
cadeirante. Para poder identificar os discursos de poder que se associam às imagens geradas
e difundidas. Para poder perceber o discurso do corpo especial, como ele é veiculado na
mídia, e como é falado pelo próprio cadeirante. Sem isso, não se torna viável entender a
necessidade de resistência para uma emancipação. E a resistência começa com o
entendimento de que é necessário criar a partir de suas próprias capacidades. Aquele corpo
cadeirante é corpomídia de uma coleção específica de informações, de tudo o que lhe
aconteceu desde que foi formado. É isso que o corpo nos mostra – o estado atual desse
percurso de trocas com o mundo. ‘Faço dança, graças a deus’, expressão muito comum
entre cadeirantes, talvez indique a questão central: a singularidade daquele corpo não está
em primeiro plano, não é ela que aparece. Mas, a dança que qualquer corpo faz, e o
cadeirante também se inclui nisso, é resultado de combinações possíveis a seu corpo. Toda
dança acontece assim, por acordos e ajustes entre um corpo (uma coleção de informações
específica) e as informações trazidas pela dança que esse corpo se propõe a dançar. Não se
dança graças a Deus, se dança graças a possibilidades desses ajustes.
Albuquerque (2006) aponta como preocupante, em relação ao fluxo de
informação que se tem hoje em dia, a sua qualidade. Para ele, muitas vezes, as informações
são oferecidas a pessoas que ainda não desenvolveram a capacidade de entendê-las. É
sempre preciso tempo para o corpo se apropriar das informações e transformá-las em corpo.
O treinamento específico e direcionado cuida desse processo, que favorece ao corpo, pouco
a pouco, um diálogo com as dificuldades. A contaminação entre informação e corpo é
imediata, mas cada tipo de informação tem seu tempo para se transformar em corpo. E na
70
dança, esse tempo geralmente é extenso, pois não se faz dança da noite para o dia e nem tão
pouco entre um noticiário e outro.
“A realidade está ai, em todos os seus níveis. Mas de qual ambiente
dispomos? Como anda a qualidade de nossas vizinhanças, em todos os
seus aspectos tênues e sutis, ocultos e pervertidos, ignorados e
esquecidos?”. (ALBUQUERQUE, 2006, p.23)
No mundo de hoje, fala-se de possibilidades, de processos imprevisíveis que
criam novas rotas em busca de alternativas de sobrevivência (ALBUQUERQUE, 2006),
todas elas interdependentes e enredadas numa grande rede de conexão. Tudo nesse mundo
trabalha com possibilidades, com idéias que se criam e recriam, sempre acrescentadas de
novos entendimentos.
Na medida em que pensamentos hegemônicos (idéias pré-estabelecidas, pacotes
prontos) se expandem, incitam também o surgimento de significados, idéias, agrupamentos
e rebeliões contraditórias às suas idéias. A questão é saber como se articular para produzir
um ambiente adequado as estratégias que produzam autonomia.
Vista assim, a vida passa a ser um exercício constante em busca da coerência.
Coerência nos modos de tecer relações, de criar as possibilidades diante do emaranhado de
informações recorrentes. Se as ações se voltam para a normalização, para a continuidade da
dependência, a chance do pensamento hegemônico passar a ser visto como ‘verdade oficial’
passa a ser inevitável.
Em diversos âmbitos da sociedade é possível detectar situações em que o outro
é considera como um objeto, não reconhecido como sujeito capaz de produzir
conhecimentos. E as mídias não estimulam, no que diz respeito ao corpo do dançarino
cadeirante, qualquer outra curiosidade com relação a eles e suas danças. O seu corpo nunca
71
é tratado como um corpo que constrói conhecimentos, tal como sucede com os outros
corpos que dançam.
A convicção de que aqueles corpos não possuem os padrões apropriados para
dançar sustentam o apartheid que interdita a possibilidade de que a sua dança seja encarada
como a outra dança, aquela que produz conhecimentos. A exploração de certa imagem do
corpo deficiente mostra a tendência em reduzir o seu discurso às infindáveis queixas sobre
a acessibilidade aos espaços públicos. De forma eficaz e segura, consegue impossibilitar a
circulação da informação.
O uso abusivo de imagens que exploram as marcas (estigmas) que trazem os
dançarinos cadeirantes, é um prato cheio, se não, transbordando. Não interessa produzir
nenhum questionamento crítico sobre a natureza dos problemas que causam seus
desconfortos e nem como tais discursos não colaboram na busca de alternativas
emancipatórias (SANTOS, 2005). O dançarino cadeirante (ou seu coreógrafo),
impulsionado pelo desejo de aparecer na mídia, além de comprar de bom grado o
passaporte oferecido (a imagem do coitadinho), se subordina a realizar performances
pobres em pesquisa de movimento e de qualidade técnica.
Com grande força de persuasão e simulação, imagens carregam um juízo de
valor. O corpo trabalha com atenção seletiva (STEMBERG, 2002), ele precisa escolher
prestar a atenção a alguns estímulos e eliminar outros, precisa dirigir o olhar para aquilo
que pretende conhecer. Diante do fluxo de informações, a atenção humana absorve muitas
ao mesmo tempo. Não se sabe de tudo que o corpo percebe, pois não dá tempo para que
cada uma delas assome à consciência.
No processo de perceber o entorno, o tempo é fator primordial e, por isto
mesmo, os mecanismos utilizados na forma de controle da informação buscam ser de fácil
72
assimilação, tipo bater no olho e seduzir imediatamente pela imagem. Não dá tempo ao
espectador de transformar o que viu em compreensão, entender com profundidade o que se
passa á sua volta. Na lógica da vida moderna, essa é uma estratégia largamente utilizada.
A pessoa se adapta ao mundo, que se adapta às pessoas que o fazem existir. O
viver cotidiano, a cada instante, apresenta um conjunto de desafios para o corpo. Tudo isso
se dá por um processo de transdução (PINKER, 2004), que é o processo de transformação
dos estímulos físicos vindo do mundo externo, em estruturas de dados no cérebro e por
programas motores por meios dos quais, o cérebro controla os músculos e impulsiona as
ações. Essas experiências corporificadas se revelam de formas diferenciadas em todas as
ações implementadas pelo corpo.
Cada estímulo existe na medida em que ele é corporalmente vivenciado, e cada
corpo o vivencia de acordo com as sua possibilidades fisiológicas, características pessoais e
ambientais. Isso vale para tudo. Como o sujeito se organiza em suas relações cotidianas,
com quem troca idéias, seus comportamentos diante das dificuldades, seus desejos e
paixões, suas danças, alegrias e amores.
A preocupação é saber como lidar com as informações (MATTELART, 2004)
que circulam. Os recortes midiáticos de grupos de dança em cadeira de rodas enfatizam
imagens que conferem a seus corpos (e em comum acordo) o passaporte do coitadinho que,
apesar da deficiência/ineficiência, consegue dançar.
Por que não produzir outras imagens para esse corpo? Imagens das suas
qualidades?
73
Capítulo 3
A impossível inVIsibilidade... o corpo imediato!
Quanto mais eu sinta
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro afora.
Fernando Pessoa
Na Teoria Corpomídia, o corpo é um sistema vivo sempre em processo, apto a
construir-se e ao ambiente, no incessante fluxo de trocas entre ambos. Tudo que vira corpo
depende da mediação da percepção daquilo que acontece no trânsito entre o dentro e o fora
do corpo.
Sendo o corpo singular, cada qual desenvolve os seus próprios critérios, mas
tudo do corpo é mutante, pois ele está sempre em constante transformação. Um corpo
sempre se diferencia dos demais, e nessa diferenciação não precisa ser entendido como
corpo produto, algo dado a priori, como bem explica Katz, (2005, p.131),
74
O corpo não é o meio onde a informação simplesmente passa, pois toda
informação que chega entra em negociação com as que estão. O corpo é
o resultado deste cruzamento, e não um lugar onde as informações são
abrigadas. É com essa noção de corpo mídia de si mesmo que o
corpomídia lida, e não com a idéia de mídia pensada como veiculo de
transmissão. A mídia a qual o corpomídia se refere diz respeito ao
processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o
corpo. A informação se transmite em processo de contaminação”.
As regularidades ambientais com as quais lida resultam de uma historia co-
evoluitva. Ao mesmo tempo, o organismo é sujeito e objeto da evolução, contexto e
conteúdo, (LLINÁS, 2003). O lugar do corpo no mundo é o lugar que ele constrói como
corpo vivo em cada momento presente, transformando e sendo transformado pelas
experiências vivificadas, sempre no fluxo. Por isso, é próprio do corpo ser um estado de
corpo (DAMÁSIO, 2002, LLINÁS, 2003, CHURCHLAND, 2004, KATZ, 2005) em
contínuo fluxo, construído e fruto transitório das inter-relações com o ambiente, cultura,
idéias, com as idéias do outro, o corpo do outro, as coisas imbricadas, as fronteiras que se
movem, fruto transitório das trocas com as culturas misturadas e atravessadas umas pelas
outras. Das brechas que se abrem a cada encontro inesperado, desejado, abandonado, não
almejado. Corpos de características móveis e em constante construção de diferenças que
dialogam, criam redes de interação com suas experiências e com o mundo.
O corpo que dança existe para anunciar a diferença e antecipar aquilo que ainda
não se encontra representado. O movimento que não foi dito e que ainda não foi dançado se
instala no corpo poético, que exala odores diferentes a partir das suas próprias experiências
com o mundo.
“As experiências são fruto de nossos corpos (aparato motor e perceptual,
capacidades mentais, fluxo emocional), de nossas interações com o nosso
ambiente através das ações de mover, manipular objetos, comer, e de
nossas ações com outras pessoas dentro da cultura (em termos sociais,
políticos, econômicos e religiosos), e fora dela". (KATZ, in GREINER,
2005, p.132)
75
É possível identificar esses acontecimentos no corpo habilidoso quando ele
dança. O movimento habilidoso tece os laços que constroem a dança numa ligação entre
conhecimento interior e a ação. Nas palavras de Nachmanovicth (1993, p.38), “a perícia
nasce da prática: a prática nasce da experimentação compulsiva, mas prazerosa, e de uma
sensação de deslumbramento”.
A ilusão de que o corpo não está fazendo nenhum esforço físico enquanto
dança, é abandonada quando se lembra das forças (principalmente a força da gravidade e a
força motriz dos músculos) que agem para controlar e manter a postura, exigindo do corpo
correções constantes e adequações fisiológicas em suas atitudes, posições, deslocamentos,
saltos, giros, quedas, impulsões e poesia. (KATZ, 2005, p.57), “A forma aparentemente
final de um passo de dança resulta de um acomodamento entre proporções”. A posição
estática inexiste no corpo, pois sempre e sempre há margem de ajustamentos corporais para
superar os desafios impostos pelas forças que atuam no corpo. Ajustamentos comandados
pelos sistemas neurais sinalizam os tendões, músculos, tecidos moles e ósseos, indicando
como fazer para manter o equilíbrio. O tempo todo a estabilidade e a instabilidade estão
presentes. Instante a instante, e, instantaneamente, o corpo está gerando seqüências de
idéias, construindo pensamentos, muito deles novos. O modo como o corpo se expressa, o
modo como dança sua dança, o modo como ele se dá a ver revela os pensamentos
construídos por ele. Essa é uma característica do pensar humano, como explica Kolb e
Wishaw, (2002, p.532),
“Uma característica crítica da seqüência motora humana é que nós
somos capazes de criar seqüências novas com facilidade. Nós produzimos
constantemente novas sentenças e os compositores e coreógrafos vivem a
criar novas seqüências na música e na dança”.
76
Esses comportamentos pensamentos são governados e inter-relacionados a tudo
o que o corpo aprendeu no passado, ao que pretende no futuro, bem como às percepções
atuais momentâneas (CHURCHLAND, 2004), e, tem importância fundamental para a
construção do pensamento.
O corpo que dança, ou a dança do corpo que dança é uma forma de pensamento
(KATZ, 1994, 2005). O aqui no qual a dança se constrói nos corpos é um agora atravessado
pela comunicação sígnica dos corpos envolvidos na ação (GREINER, 2005), e, na medida
em que se constrói o conhecimento, a dança seria um fluxo contínuo de movimento e
idéias, uma interconexão visível daquilo que se expõe e invisível daquilo que se dá no
dentro do corpo.
A aplicação do conceito de corpomídia
14
na dança do dançarino cadeirante
permite trazer à tona a complexidade que se estabelece na relação dessas pessoas e suas
potencialidades. Permite que se considere essa dança como a tradução visível dos
pensamentos daquele corpo
15
, (KATZ, 2005), e se torna um excelente argumento para
esclarecer os equívocos que cercam a construção da subjetividade destes sujeitos. Havários
aspectos que precisam ser sublinhados: 1) os processos de comunicação se dão por
contaminação num incessante fluxo entre o dentro e o fora do corpo; 2) as percepções
invadem sem pedir licença, deixando um rastro de modificações internas e externas, mesmo
que inicialmente não se possa percebê-las.
Assim, em relação a um corpo que dança, a apropriação de determinada técnica
provoca deslocamentos e esses ocorrem gradativamente, num tempo relativamente lento e,
14
O conceito de corpomídia vem sendo desenvolvido por Helena Katz e Christine Greiner na série de artigos
que vêm publicando em conjunto e que consta da bibliografia.
77
em desempenho sempre crescente. Uma simples presença, seja de que ordem for, pode
desencadear uma série de acontecimentos imprevisíveis.
Se todo corpo é corpomídia, isto é, mídia do seu estado, de cada momento do
seu estado, os discursos poéticos que emergem do corpo do dançarino cadeirante são
entendidos como historicamente produzidos e correspondentes às experiências que
constituem o seu corpo. A dança, como um lugar por onde circulam sentidos sócio-
históricos de produção, uma vez que ela encontra-se envolvida com sua própria
materialidade, aquela que se produz no corpo, incrustada no corpo (KATZ, 2005), e,
diretamente relacionada a processos de construção do movimento que são definidos no, e
pelo copo que dança.
A dança, quando se instala, induz a uma organização constante em diversos
sistemas do corpo humano, mexe e remexe, provocando saltos, acelerando o coração. Ela é
tanto da ordem da invisibilidade, porque processo interno cognitivo de criação de
pensamento (LLINÁS, 2003, CHURCHLAND, 2004, KATZ, 2005), como da
exterioridade, visível quando o corpo que dança estabelece, em sua transitoriedade, sentidos
que arrebatam a si próprio e ao espectador. Desorganiza ao mesmo tempo em que organiza,
colorindo a vida de novas experiências. O corpo se modificou, e ele, como entidade
cognitiva, vai encontrar o seu jeito de orquestrar as nuances que se apresentam.
No ato de criação coreográfica, a cada passo dado, o coreógrafo levanta
hipóteses testando-as permanentemente num processo contínuo que modifica e aumenta a
complexidade daquilo que pretende dar forma. A dança se dá com este mesmo olhar no
15
A dança como pensamento de corpo se diz de um processo sensorial que associa a sensação à ação. O
movimento é entendido como signo que molda o corpo promovendo um ajuste contínuo e infindável entre o
seu padrão e o padrão que estava no corpo antes do movimento se iniciar. (KATZ, 2005).
78
corpo do cadeirante
16
, entendendo-o como mídia de si mesmo e, portanto, cognitivamente
apto para dançar os pensamentos do seu corpo. Como bem explica Katz (in GREINER,
2005, p.131),
“O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois
toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O
corpo é o resultado deste cruzamento, e não o lugar onde as informações
são apenas abrigadas”.
O corpo como contexto/conteúdo (LLINÁS, 2003, KATZ, 2005) é
contaminado por sua própria ação. Dançar é contaminar. Contaminar pelo fato de fazer
relações, interpretações que provocam deslocamentos e novos entendimentos. O corpo
dançarino e sua dança estão embebidos um pelo outro. Tudo aquilo que se mostra responde
às condições de possibilidade do campo de ação desse corpo, às práticas em que está
imerso. Responde ao que o fez nascer, à relação com o entorno, com as práticas sociais ao
longo da sua vida, com as designações, as divisões, as formas de controle e de resistência.
O corpo, sempre contextualizado, constrói diferentes modos de ser. Para Greiner (2004,
p.143), “o corpo se metamorfoseia nos espaços que ocupa e assim transforma o ambiente
em um movimento de mão dupla. Como processo, nunca está pronto”.
O corpo do dançarino cadeirante, se entendido como mídia de si mesmo, passa
a ser tratado como um organismo em autoconstrução e indissociável das relações
permanentes entre a pessoa e o seu entorno. Conseqüentemente, propõe deslocamentos,
ultrapassa fronteiras e cria interconexões em outras esferas relacionais, melhorando e sendo
responsável por novas construções de conhecimentos. Portanto, corpo como sistema aberto
e sensível às coisas do ambiente, corpo em constante mudança, a todo instante e, ao mesmo
16
Cadeirante (paraplégicos) são pessoas que não tem mobilidade nos membros inferiores decorrentes de
algumas seqüelas provocadas por acidentes internos ou externos (traumatismo raquimedular). Locomovem-se
79
tempo em que elabora informação com aquilo possível de dialogar. Neste contínuo de
trocas se constroem, gradativamente, novos vocabulários. (SALLES, 2004, p.26), “Um
movimento feito de sensações, ações e pensamentos, sofrendo intervenções do consciente e
do inconsciente”.
Quando se traz esses pensamentos para com eles investigar os modos de
construção da dança no corpo do dançarino cadeirante, fica evidente o processo de
desvalorização que vem adulterando suas iniciativas na tentativa de encontrar espaços de
legitimidade. É um mundo aportado em atitudes preconceituosas, que estimula a exposição
das características desse corpo sem chamar a atenção, pois o mais comum são as idéias que
difundem o corpo cadeirante como fonte de tristeza e de invalidez permanente.
As práticas largamente divulgadas os mantêm atados a espaços de atuação
reservados, e com metas que se distanciam da propriedade do corpo como um processo
vivo, cognitivo e auto-organizador. Por isso, tendem a ser corpomídia dessa outra situação e
não daquela que propõe a sua autonomia. E, surpreendentemente, a arte, e aqui, mais
especificamente a dança, têm um papel muito importante na construção da abordagem do
senso comum, hoje hegemônica, ou da que aqui se propõe, tratando a dança como resultado
de hipóteses motoras (KATZ, 2005), construída no corpo, cognitivamente articulada. O
corpo e a dança como uma forma de raciocínio lógico e resultado das diversas
interferências e relações com o outro. Das possibilidades de formular conceitos sobre si
mesmo e sobre as coisas que surgem na condição do encontro com o outro. Corpos-danças
com características resultantes das experiências com as diferenças. Katz (2005, p.43),
em cadeiras de rodas e tem sua cognição preservada.
80
“Porque conhecer dança exige uma descrença básica das formas definitivas. Sendo dança
semiose permanente, o que nos cabe e fazer séries de séries de aproximações”.
Se complicado o deslocamento nos lugares (barreiras arquitetônicas), se
inacessível os meios de informação (barreiras culturais), se difícil os meios de
representatividades, (corpo fora do padrão da dança), surge a tendência das escolhas se
deslocarem para o que é de fácil assimilação. Daí a repetição do lugar comum, do modelo
que deu certo. O corpo precisa impor suas diferenças como formas de resistência, e deixar
de expor na mídia a imagens do corpo coitadinho dançando como sendo um objeto de fácil
comercialização em uma prateleira.
É preciso confrontar o outro e o valorizar sem negar os próprios valores.
Fechados em torno de si mesmo, os dançarinos cadeirantes sofrem da falta de
reconhecimento de si mesmos, de seus corpos, talvez por não encontrarem conectividade
entre o seu corpo e o do modelo padrão que a mídia divulga para a dança. O corpo
coitadinho fazendo arte se torna o falso passaporte que muitos deles, infelizmente,
compram de bom grado.
Mas fazer dança implica em se apropriar do corpo enquanto sentido poético, o
que sozinho já significa um não à repetição, uma recusa ao lugar comum. A dança lida com
o corpo transitório e de repostas imediatas, corpos que vivem a liberdade de criar e de
interpretar. Corpos que se fundam na experiência artística caracterizadas pelo envolvimento
das dimensões emocionais, motoras e cognitivas. Corpos que se dedicam a elaborar
sentidos estimulados por princípios criados no momento e na ação de atuar. A dança no
corpo e o corpo se dão no processo. Como pontua Salles (2004, p.37), “São princípios
envoltos pela aura do artista; estamos, portanto, no campo da unicidade do indivíduo. São
gostos e crenças que regem o seu modo de ação: um projeto pessoal, singular e único”.
81
Na prática da dança, o corpo é exposto repetidamente a novos modelos
perceptuais desafiadores. O tempo todo está em sintonia com os sentidos e acordado com a
habilidade de escutar e responder ao que está acontecendo no momento presente. Seu eixo
principal é o domínio do movimento, adquirido através de treinamentos que contemplem
artisticamente as diversas possibilidades do corpo.
Inicialmente, o treinamento da dança é dedicado a capacitar o corpo a perceber
os estímulos vindos do movimento, de forma que a cada ação organizada e realizada, ele se
sinta seguro. O corpo precisa desenvolver uma escuta sensível, que diz respeito às atitudes
que o corpo adota para receber os estímulos vindos do ambiente externo e do seu próprio
ambiente. (KATZ, 2005, p.53), “Experiência: oportunidade de eliminação das, mas
escolhas”. Modos de expandir o olhar periférico e o olhar interno. O primeiro se entende
pelo uso da visão perspectiva com a atenção voltada para a observação do espaço
circundante, define o que está perto, o que está longe, à frente ou atrás, em baixo e em
cima. O segundo diz respeito à posição, localização do próprio corpo no espaço e suas
relações espaciais. A atenção se volta para a percepção da dinâmica espacial.
O corpo, ambiente onde se dá o trânsito da informação o tempo todo em estado
de alerta, prevê e se prepara antecipadamente para a ação que está por vir (LLINÁS, 2003).
Segundo Stemberg (2002, p. 87), a habituação que sustenta o nosso sistema de atenção tem
quatro funções principais: (1) Atenção Seletiva: na qual escolhemos prestar atenção a
alguns estímulos e ignorar outros; (2) Vigilância: no qual esperamos atentamente detectar o
aparecimento de um estímulo específico; (3) Sondagem: na qual procuramos ativamente
estímulos particulares; (4) Atenção Dividida: na qual distribuímos nossos recursos de
atenção disponíveis para coordenar nosso desempenho de mais de uma tarefa ao mesmo
tempo. Quando o corpo dança, elabora significados centrados em suas próprias capacidades
82
em cruzar elementos (estímulos) vindos do ambiente interno e externo. Assim se delineia o
modo singular de lidar com o movimento, que envolve o sentido de percepção de uma
situação imaginária. O corpo poetiza.
O aprendizado decorrente dessas informações é traduzido em forma de corpo e
corporificado através da organização de sentidos. O corpo interpreta o que esta acontecendo
naquele momento, criando perspectivas para resolver e dar soluções aos problemas que
surgem no decorrer das ações quando está dançando. Perguntas e respostas se dão
continuamente, num fluxo inestancável. Nesse contínuo de informações, as redes de ações
recíprocas que modificam o comportamento dos corpos e dos movimentos vão tecendo
gradativamente as condições, o ambiente propício para a construção dos significados que se
quer transmitir. Damásio, em seu livro Mistérios da Consciência, (2002, p. 85) nos diz que,
quando o organismo se ocupa de um objeto, intensifica-se a sua capacidade de processar
sensorialmente este objeto, aumentando a possibilidade de ele vir a se ocupar de outros
objetos – o organismo vai ficando mais preparado para encontros com outros objetos, mais
complexos. Se não dispõe de subsídios para a harmonia de seus movimentos, o corpo
temporariamente responde de modo desorganizado até dispor de meios necessários para
resolver as situações a que é exposto. O silêncio, muitas vezes, são respirações profundas e
cúmplices na construção dos momentos sutis, guarda um grande poder de persuasão poético
durante a dança.
Todas essas ações de acomodação corporal são regidas por solicitações que
põem em jogo diversas valências do movimento (força, flexibilidade, velocidade, atitude,
equilíbrio, postura, experiência, desejos, etc.), possibilitando ao corpo responder com
sensibilidade. Entra em ação uma série de estímulos e de intenções estabelecendo jogos que
se organizam entre os dançarinos, suas cadeiras, as rodas que giram, o espaço cênico, o
83
tempo, o movimento, tudo envolvido na trama da dramaturgia do corpo. Fisiologicamente,
modos que o corpo articula para construir conhecimentos implicados no aprendizado motor,
solidificando conhecimentos sobre os seus próprios movimentos e sobre a suas estruturas
corporais. Katz (2005, p.56), “qualquer programa de movimento bem realizado não torna
visível a ligação entre dada um dos seus componentes. Tudo parece fluir sem a
demarcação clara do início nem do fim de cada um deles".
O aprendizado motor age de modo regulador, preparando e antecipando no
corpo, diminuindo as tensões e o stress para o que está por vir. Neste estado de ser, a
capacidade de captar, modular e aproveitar as sensações vindas dos estímulos aumenta
consideravelmente, desencadeando o fluxo de movimento e despertando áreas de
sensibilidades latentes, aspectos desconhecidos do corpo. Pode acontecer, algumas vezes,
do corpo recusar ou aceitar e, até mesmo entrar em choque com as informações que
surgem, por não dispor, naquele momento, de um conhecimento mais aprimorado que dê
suporte ás interpelações a que é submetido. Mas, à medida que vivencia novas experiências,
gradativamente, vai familiarizando-se com o que lhe era estranho. Como pontua Negrine,
(1987, p.14), “A freqüência com que os gestos motores são realizados é determinante para
a eliminação paulatina dos movimentos parasitas, passando a coordenação e domínio do
movimento proposto". Uma ponte entre a compreensão de sua mobilidade, o planejamento
e a expressão criativa de seu próprio movimento.
Comunicações sensíveis e singulares são marcadas por percepções
materializadas a cada instante em que o movimento é vivenciado. Katz, (2005, p.57), “o
processamento sensorial associa sensação à ação”. A atenção está voltada para o que
está acontecendo naquele momento, para as impressões que o corpo está recebendo.
84
Uma estratégia que facilita a identificação física com sua própria natureza e a natureza
das coisas do entorno.
O corpo precisa ser entendido como um sistema complexo, aberto e
disponível a novas idéias e realidades. Um estado de ser de disponibilidade corporal e de
identificação que renova e dá margem à exploração, instigando formas diferentes de lidar
com o movimento. Neste esquema de casualidade e sincronicidade se estabelece a rede
de intercomunicação que desencadeia o fluxo onde, sucessivamente, o movimento
sensível gera o seguinte, e o seguinte e...assim, dá forma à composição, organizando
sorrateiramente um sentido.
Qualquer tensão muscular resultante do que foi visto e/ou vivenciado, é fator
significativo que pode ou não limitar a percepção do corpo em toda a sua totalidade. Na
condição de corpo cadeirante, os efeitos podem tomar dimensões difíceis de serem
resolvidas. Sabe-se que, quando o corpo apresenta ausência de representações sensitivas
encontra dificuldades em lidar com o senso de discernimento que nasce com a própria
pessoa. Ele se mostra inacessível, impenetrável, não se constroem os espaços à
comunicação sensível, não há um senso de preferência. A coordenação motora encontra-
se em dissonância com o ritmo interno, por tensões musculares e/ou bloqueios
emocionais próprios das disfunções. De acordo com Damásio (2002, p.20),
“A consciência, de fato, é a chave para que se coloque em escrutínio
uma vida, seja isso bom ou mau, é o bilhete de ingresso, nossa
iniciação em saber tudo de fome, sede, sexo, lágrimas, riso, prazer,
intuição, o fluxo de imagens que denominamos pensamento, os
sentimentos, as palavras, as histórias, as crenças, a música e a poesia,
a felicidade e o êxtase”.
85
Nesse sentido, busca-se evidenciar o quanto é importante mover-se,
comunicar-se, independente de qualquer situação, estimulando o corpo a descobrir
naturalmente a sua própria linguagem, encorajando-o a descobrir o seu modo de lidar
com o movimento. Na medida em que os bloqueios musculares e emocionais são
trabalhados, observa-se que as informações que chegam e se transformam em corpo vão,
gradativamente, sutilmente, tornando o corpo mais hábil. Aos poucos, ele vai
coordenando melhor os movimentos, o ritmo deles. Com a continuidade, o corpo,
também pouco a pouco, vai se apropriando do sabor de misturar o que já tem com a
informação que está chegando. É assim que o corpo vai dominando a dinâmica dos
movimentos. O que se confirma na observação de Damásio, (2004, p.211),
“As imagens que temos na nossa mente, portanto são resultados de
interações entre cada um de nós e os objetos que rodeiam o nosso
organismo, interações essas que são mapeadas em padrões neurais
construídos de acordo com as capacidades do organismo”.
É um processo de encadeamento de aprendizagens, no qual cada nova
aprendizagem vai favorecendo aprendizagens similares e mais complexas. Katz (2005,
p.57), “Nenhum passo de dança tem um único número como correspondente da sua
medida. No corpo tudo acontece em relação a algo com algo no espaço”. Envolve o
desenvolvimento de habilidades motoras perceptuais implicadas em preparar o corpo
para o confrontamento que está por vir. O conflito e o imprevisível são desafios que dão
um colorido diferente ás atuações do corpo.
O corpo quando dança está realizando uma ação que tem a natureza neural do
pensamento. Tem certa margem de previsão e, ao mesmo tempo, está aberto aos desafios a
que vai ser submetido durante o ato criativo ou durante o espetáculo. A imprevisibilidade
86
sempre estará presente no tecido da dança, e ela se torna uma desencadeadora de outras
possibilidades. É a partir do desvelamento do imprevisível que são construídos os laços
sutis da dança.
Muitas vezes, no entrelaçar dos movimentos, as conexões/ identificações se
apresentam de forma tão intricada, diante do fluxo de movimento que se instaura, que não é
possível identificar como se achou a solução mais adequada para a situação não prevista.
São várias interferências, elementos múltiplos, tanto espaciais quanto temporais, que se
relacionam sincronicamente com os movimentos do corpo e que, pouco a pouco, vão
produzindo novas conexões. Rede invisível de interconexões que conspira em favor da
poética, como bem explica Parente (2004, p.31), “A rede é uma interconexão instável,
composta de elemento em interação e cuja variabilidade obedece a uma regra em
funcionamento”.
Por sua vez, Katz diz que (2005, p.130) “A gestação do movimento no cérebro
do homem se assemelha ao tecer uma teia. Não linear, caótico, sem princípio nem fim
determinado/determinável”. Enfim, um emaranhado de situações previsíveis e não
previsíveis que se cruzam e se interconectam de diversas maneiras, tecendo os fios e os nós
da rede. As possibilidades que se dispõem pressionam por uma contextualização cênica,
mas com um caráter eminentemente não linear, pois tanto o corpo quanto as possibilidades
do enredamento mudam a todo instante. São dependentes da intervenção do imprevisto.
Estados de corpo, movimentos em fluxo contínuo e comportamentos imprevisíveis
– uma combinação que promove as representações de dança que aquele corpo consegue
produzir. Para Salles (2004, p.53), “Esse processo de dar formas a sonhos ou de suprir
necessidades realiza-se por intermédio da sensibilidade, da concretude da materialização e
da ação do conhecimento e da vontade”. Seguir pistas para ordenar as idéias constitui
87
um processo metodológico. A disciplina e o rigor das escolhas das idéias operam como um
mecanismo de controle. Esse mecanismo de controle se aplica e também está localizado no
corpo que dança. Para conquistar eficácia, o corpo precisa aprender a lidar com ele próprio
e com as coisas do seu entorno para desenvolver as habilidades motoras que o capacitam.
Explorar certas aptidões corporais faz parte do treinamento do dançarino para que possa, no
âmbito de suas experiências com o movimento, desenvolver reflexos eficientes, de forma
que a se sentir seguro em cada ação realizada. A tomada de decisão numa performance
exige que essa habilidade tenha sido conquistada.
O espaço que o corpo ocupa silenciosamente... a poética.
“A criação parte de e caminha para sensações e, nesse trajeto, alimenta-
se delas”. (SALLES, 2004, p.520).
No corpo, a dança gira em torno de processos que vão variando no tempo do
seu acontecimento. É instável dentro de regras bem definidas. O fascinante de tudo isso é a
maneira como o corpo apreende as diversas situações do momento, respondendo com
prontidão e inteligência. (KATZ, 2005, p.87), “Dominantemente cinética, nela, a ação
condiciona a existência, uma vez que para ser dança, a dança precisa estar sendo feita”.
Vínculos inscritos na poética do corpo e materializados através das trajetórias dos
movimentos dos dançarinos no espaço cênico. A dança, como uma poética, se manifesta no
corpo de acordo com aquilo que o dançarino tem (o seu conjunto de informações daquele
momento) para dar êxito à sua criação. Como enfatiza Katz (2005, p. 197),
“A dança em um corpo resulta de uma série orquestrada de eventos em
simultaneidade, da ligação fenomênica deste corpo com o que o envolve,
via percepção, até a aprendizagem, a memória muscular, e aquilo que
resulta em arte”.
88
O corpo, via córtex motor, se coloca em alerta, estimula a propriocepção e se
prepara para a ação que está por vir. Responde com delicadeza, com rapidez, com energia,
ou simplesmente com o silêncio. O maravilhoso silêncio dançado que põe tudo em
suspensão, e expande todos os olhares.
A organização perceptual das respostas positivas e desafiadoras organiza um
contexto que estimula respostas ampliadas. Nesta troca de sentidos, o desempenho de cada
dançarino/corpo vai se modificando, acrescentando outro estímulos e outras respostas que,
pouco a pouco, materializam a troca e a fluência do movimento que estabelecem os laços
da dança. No momento da troca de ações, cada momento particular não define o que virá a
seguir, mas a mente conhece o que foi feito anteriormente e que deixou vestígio na
memória. É o treinamento que estimula a construção das habilidades do corpo, que se
tornam a sua memória. O corpo se apropria deste conhecimento adaptando-se, criando
estratégias ao que lhe é proposto, para responder com o movimento adequado diante do
inesperado. Fatores sinestésicos entram em jogo, produzindo, sob certas condições, a
sensação do movimento. É a partir dessas sensações, sentidas em seus músculos, tendões e
articulações, que o corpo dançarino estabelece as relações de tensão, relaxamento e sentido
de equilíbrio durante as suas ações. Ações surgidas dentro de um contexto de imaginação e
de realidade, levando a um estado de atenção ampliado.
“Percebo o mundo como se ele estivesse lá fora. A percepção me atinge
na forma de um percepto (percepto: aquilo que vem de fora e é colhido
pela percepção). Este percepto será traduzido pelo meu equipamento
perceptivo como um percipuum (percipuum, é o percepto dentro do
corpo), o exterior ao corpo agora encarnado, agora transformado em
corpo.”
. (KATZ, 2005, p.89)
89
O desejo do artista na realização de sua obra o impele para o desbravamento
daquilo que parece ao primeiro momento impossível de realizar. São modos que o corpo
articula para materializar a dança, mesmo com os obstáculos que surgem durante suas
performances.
O coitadinho... que se dá a ver à meia luz.
“A percepção é sempre uma invasora obediente à nossa vontade”.
(KATZ, 2005, p.90).
A maior parte das intervenções da mídia regula e consagra o falso passaporte,
aquele que parece possibilitar mais espaços de acessibilidade para o dançarino cadeirante.
O fluxo do conjunto de imagens congeladas que são veiculadas passam a representar o
trampolim para uma vida mais consistente em valores e emoção. A dança em cadeira de
rodas, o corpo vitimado à meia luz, o apesar de tudo, dançando, a insistência no ‘ser
especial é bom’, definem espaços de atuação miméticos. Seus disfarces pautados no modelo
que deu certo buscam atingir o nível máximo de habilidade em todos os aspectos possíveis,
sempre dentro do padrão da uniformidade e do da ordem.
É evidente que o surgimento de dançarinos com deficiência física mexeu com o
universo da dança. Tornar compreensível e aceitável tal desafio de corpo com marcas
expostas e sem conserto, trouxe, sem sombra de dúvida, um alargamento de padrões. O
estigma revelado usurpa os contornos físicos e estéticos do belo que é historicamente
consagrado e que, até os dias de hoje, vive no imaginário da sociedade de um modo geral.
São produzidos discursos bem engendrados que traçam as fronteiras para dentro das quais o
(corpo) indesejado deve ser empurrado. Um bom exemplo de intimidação e exploração da
excelência do corpo está na modalidade Dança de Salão com Cadeira de Rodas. Há um
90
rigor olímpico já estabelecido para a execução de giros, paradas, com rigorosa marcação do
tempo das manobras que o dançarino faz com a cadeira de rodas. Assim, se vê a repetição
de acordos estabelecidos fora desse ambiente e que são importados tal e qual, configurando
processos culturais de reprodução mimética em favor da repetição do modelo que deu certo
no corpo do outro, naquele outro ambiente, e assim, perpetuando modos de conhecimentos
que violentam a especificidade do corpo cadeirante.
O que se mede e valoriza são os movimentos equilibrados, ágeis, precisos e
vigorosos na manipulação da cadeira. Para que sejam medidos, precisam ser iguais uns aos
outros, seja na aparência física, seja na gestualidade. Não pode haver preocupação com a
construção de pensamentos face aos acontecimentos. E se houver, deve ser seja
naturalizada, (banalizada), para anular as singularidades (BAUMAN, 1977). As voltas e
meias voltas devem ser programadas e realizadas conforme o regulamento. E, se por sorte
ou azar, a cadeira virar numa manobra mais ousada, impulsionada por um movimento
interno que, em muitas ocasiões toma posse do corpo? A probabilidade, o inesperado, não
são aceitos dentro do universo de competição. O dançarino poderá perder ponto e até ser
desclassificado. A competição é o lugar da norma, dos padrões, das uniformizações.
Mas, como o universo é movido a troca de informação, o corpo sempre
encontrará novidades em cada uma das suas performances, descobrirá meios de solucionar
os impasses, e essas soluções muitas vezes serão resultados surpreendentes. Isso é parte da
imprevisibilidade do corpo vivo, especialmente quando em um fazer poético – que prioriza
justamente a singularidade. Como a dança, uma forma de arte que não aceita meias medidas
ou classificações. (KATZ, 2005, p.91), “No mundo ventam perceptos. Do corpo, jorram
juízos de percepção – nossas primeiras alianças cognitivas com o que nos envolve”. Na
dança, como no corpo, se entrelaçam as singularidades dos instantes no movimento.
91
O modo de construção da dança competição, imperativo, ordenado,
classificatório, eliminatório, segue leis mecanicista, a previsibilidade e o controle. Não são
considerados o tempo próprio dos movimentos do corpo que dança, e menos ainda o tempo
próprio de deslocamentos sutis da cadeira de rodas. Sua apropriação enquanto objeto
cênico, que guarda em si uma riqueza de sentidos, também é muito pouco explorada. O que
conta é o corpo do artista cadeirante no deslocamento em cadeira de rodas. A propriedade
do seu corpo é reduzida a ser um corpo cadeirante, que tem limitações de deslocamento.
Todavia, como qualquer corpo, esse também produz muitos sentidos. (KATZ, 2005, p.04),
“A natureza que acolhe a diversidade naturalmente produz descrições plurais”. E, como
qualquer corpo, também está realizando traduções contínuas das coisas do mundo, sendo
corpomídia dessas traduções, isto é, sendo modificado e modificando os seus ambientes.
No entanto, o pertencimento ao mundo da dança ainda não se efetivou. O corpo
cadeirante ainda passa pelos processos de invisibilidade. Interpretar, representar, pensar o
problema do corpo do cadeirante em regra conceitual e eficácia prática a partir de seu
próprio contexto/ambiente exige mudança de rotas e contradiz o que o dia a dia deles vem
consensuando. Os modelos impostos pela repetição de padrões e pela indiferenciação nos
quais são naturalizados e estruturados socialmente limitam suas ações e os impedem de
implantar as suas vontades no mundo.
As regras do jogo já articuladas objetivam a aparência, permitem ver e
potencializam apenas aquilo que interessa mostrar sem tirar o véu. Pois que a sombra não
define os traços da identificação. Tal fato pode ser observado na notória cultura da
cumplicidade que se instala entre e através das políticas culturais e sociais que são
mediadas nas trocas de favores e exercitadas nos grupos de dança, seus coreógrafos e
dançarinos cadeirantes e a mídia, poderosa, na circulação das imagens. Um modo perverso
92
de dar continuidade ao empobrecimento de suas performances está na busca da
uniformidade dentro de uma estética de corpo colonizado, que fecha os olhos ao mudo lá de
fora. Abdica-se da possibilidade de reverter e mostrar que esse corpo, como entidade
cognitiva e situada no mundo, é capaz de uma ação poética e de posicionamento político.
(KATZ, 2005, p.07), “Estamos inscritos num fluxo de transformações que altera o mundo
e a nós mesmos. Somos corpos que se deslocam num cosmos que não estaciona”.
Os acontecimentos visíveis e invisíveis durante a construção do movimento no
corpo que dança são similares aos acontecimentos das coisas no mundo. Eles se dão dentro
de um processo temporal, por isto mesmo não se deixam revelar e interpretar no momento
exato de seu acontecimento.
Perceber, ver e interpretar para entender porque tais acontecimentos se
construíram da maneira como se construíram, para onde estão se encaminhando, como e se
estão se transformando. Esse é o trabalho contínuo de reinterpretação e de ressignificação
sempre e a cada vez, renovado, porque transitoriedade é aquilo que o pauta. O corpo é o
tempo todo assaltado por interrogações e novas experiências são acrescentadas às
precedentes. (LLINÁS, 2003, CURCHLAND, 2004, KATZ, 2005).
É comum e necessário à prática da dança a repetição de movimentos. Essas
repetições vão deixando pistas por onde o corpo pode transitar, vão encontrando
ressonância nos processos de equilíbrio em seus músculos, tendões, articulações a partir dos
desafios a que é submetido. Um trabalho sem fim de significados nasce junto, no mesmo
processo de transformações. (KATZ, 2005, p.16), “Nesse corpo, as perguntas permanentes
do homem constituem a massa com a qual se molda”. Movimentos e danças sempre serão
repetidos, reelaborados, ressignificados, decodificados e, a cada uma dessas ações, são
93
transformados, transformando também os significados que, portanto, são também
múltiplos. (KATZ, 2005, p.09), “quando o corpo dança, objetiva um ajuste”.
No dançarino cadeirante, a dificuldade se concentra na questão da sua
locomoção. Suas capacidades de escolha e de construção de sentidos estão habilitadas para
gerar em seu campo de ação, (como em todo e qualquer corpo humano), as possibilidades
de intervenção (próprias do corpo) necessárias à sua vida. Os desafios e as dificuldades
com que se depara em seu momento social e histórico podem e, muitas vezes, são um fator
predominante no seu enfraquecimento. Por isso mesmo, a cultura do corpo dançarino
cadeirante coitadinho tem sido usada como argumento nos seus pedidos para obter mais
mobilidade.
A propaganda do corpo vítima, portando intocável, atinge e persuade um
grande número de pessoas, principalmente o espectador de um espetáculo com cadeirantes.
As performances, voltadas para um público cativo (geralmente, se realizam entre eles
mesmos), buscam convencer e tornar visível apenas o que tem potencial para atingir
emocionalmente o espectador, e a imagem de um corpo superando seus limites, é imbatível.
(MORIN, 2002, p.31), “As crenças se impõem, reproduzem pela fé que suscitam”. Poucos
cadeirantes se dão conta de que desconhecem a dança dos tempos de agora. Poucos
percebem que suas marcas expostas, suas pernas sem movimentos, com músculos inativos,
sem desenho, guardam significados próprios. Se a dança é o pensamento do corpo (KATZ,
2005), um corpo que se pensa somente via estigma só poderá fazer uma dança que explicite
essas informações. Esses corpos estranhos e seus estigmas violando as regras, os mapas
cognitivos, a ética e a estética em circulação no mundo da dança. Corpos, que, como muitos
outros, com marcas ou não, podem se recusar a levar, cravado no corpo, a marca de um
processo falido. O mundo de hoje é cercado de instabilidade e das incertezas, e é nesse
94
ambiente transitório que se instala o corpo do cadeirante, é desse mundo que ele deve e
pode ser mídia.
O corpomídia do dançarino cadeirante, provocativamente deslizando pelo chão
ou deixando o rastro do seu deslocamento porque tece um fio imaginário que faz da cadeira
uma extensão de seus movimentos. Da ponta dos pés que se arrastam pelo chão como um
grande rabo, como na “Lagarta Judite”, até as pontas dos dedos. Do desenho imaginado das
asas de uma grande águia, ou poderia ser borboleta, já que Judite é uma lagarta que se
pretende borboleta. E também águia, na força que emana da trajetória do seu movimento no
espaço cênico. A peculiaridade e a sensibilidade se fazem perceber no rastro que o corpo
vai desenhando, na sensualidade do balanceio dos quadris, no olhar insinuante que percorre
e invade os outros olhares. Tem um sabor envolvente e surpreendente, quando seu corpo
leve e pesado se aconchega no corpo do espectador envolvido na ação. Suas queixas,
gargalhadas e rodas despertam, chamam a atenção por onde passam. Os olhares
acompanham Judite/águia/borboleta por onde ela passa, seu corpo é poesia, não pela sua
deficiência, mas, pela sua propriedade de corpo singular, cultural e biológico, corpomídia
do fluxo de informações que constituem o seu corpo, que, e por força das suas próprias
contingências, são dinamizados e impulsionados a colorir a vida, tornando a sua própria
dança vivificada, incorporada, temporal, singular. Do corpo, basta a sua presença para já ser
corpomídia das informações que o constituem.
Com um olhar mais cuidadoso, ver-se-á a que existe um fluxo, um contínuo de
ações que apontam que o “outro” será sempre outro, usando as palavras de Bauman (1999),
aquele sujeito estranho e diferente que solapa a organização espacial. É importante que seja
assim. O outro, contextualizado no cenário social e político, representa o meio de
resistência, um modo de impulsionar para adiante, abrigando e forçando sempre novos
95
acontecimentos – o que constitui uma ameaça constante às fronteiras dos grupos que tentam
delimitar suas identidades. Mas, que identidade se pode buscar uma vez que se está em um
fluxo?
O cenário político-social desenhado pelo viver na contemporaneidade se supõe
o que se propõe adiante. No corpo, as coisas também se dão por antecipação. Algo
percebido ou a iniciativa de algum movimento corporal desencadeiam vários sistemas que
atuam sinergicamente. Tudo dentro das possibilidades do corpo para resultar em
movimentos adequados, coordenados e fluidos. Sempre transitórios e preenchidos de
acontecimentos, como explica Llinás, (2003, p.31),
“Isto é, a combinação de músculos que o sujeito ativa em um momento
dado numa seqüência de movimentos se efetua em resposta e estímulos
perceptivos (estímulos gerados a certa distancia que se processam em sua
maioria mediante os sentidos de audição e visão), e retroalimentação
cinética (sensação de movimento do próprio corpo) em resposta ao
pensamento”.
O corpo emana transitoriedade, o tempo todo e sempre, é cúmplice na rede que
tece a vida corriqueira em um processo constante de incorporação e contaminação. A
incerteza impera em todos os setores, não há um padrão base; deve-se, o tempo todo, saber
lidar com o desequilíbrio e achar maneiras de estabilidades móveis. Se a poética do copo é
legitimada no contexto da supervalorização da boa forma (forma enquanto desempenho –
produtividade), qualquer outro corpo será estranho, se não se ajustar a esse padrão
escolhido. De acordo com Churchland (2004), não podemos generalizar o que vemos nos
outros, pois tudo o que podemos observar são apenas os seus comportamentos sociais.
Contamos somente com as atitudes para delas fazermos alguma inferência.
96
A informação está no mundo. O que está vivo, vive no trânsito dentro-fora do
corpo. E se o que se tem são processos, não há porque investir em imagens congeladas. O
corpo coitadinho não se justifica. Trazendo o pensamento de Katz, a dança implica um
outro modo de construção, semelhante ao modo como o corpo constrói seus pensamentos.
Mesmo que os valores e julgamentos sobre o corpo sejam culturais e, portanto
constituam matrizes de referência que organizam, dentro de uma determinada lógica, o
universo perceptível, não são estanques. Seguem o fluxo da vida, propondo deslocamentos.
Para Albuquerque (2006), a construção do conhecimento tendo a arte como
suporte pode ser um meio eficaz contra a abrangência perniciosa da trivialidade que cerca o
mundo contemporâneo. Para ele, o exercício da coerência abrange as capacidades emotivas
e afetivas dos humanos envolvidos e é o mais difícil de elaboração. Ao debruçar o olhar
sobre o corpo do dançarino cadeirante, não se está isento dos filtros simbólicos elaborados
pela cultura, tais como a disputa de poder e legitimidade resultada de processos históricos.
Mas há que se interpretar a realidade do corpo como um contínuo de processos em que se
encontram representadas as relações resultantes de interações com o entorno.
O corpo como contexto e ambiente, sempre móvel e no fluxo das informações.
Corpo vivo, mídia de si mesmo, seja cadeirante ou não. Apto cognitivamente a exercer seu
lugar instável no mundo rico de possibilidades.
(KATZ, 2005, p.40).
“A dança no corpo é como uma rajada de vento concentrada. A
dança não tem proporção para episódios: ela e o rumor do
movimento”.
97
3 HORIZONTE METODOLÓGICO
“Quem fica preso no tempo, fica lá sozinho”
(Katz, 2005, p.208)
A pesquisa teve como objetivo, a partir do conceito de corpomídia, propor
uma reflexão crítica sobre os modos de construção da dança no corpo do dançarino
cadeirante, apontando o papel que a exploração midiática de um corpo coitadinho
fazendo arte tem quando congela as imagens que produz.
Com a Teoria Corpomídia, foi possível formular a hipótese de que o corpo
dançarino que usa cadeiras de rodas é um sistema complexo apto a romper com o
discurso perverso as imagens congeladas produzem.
A pesquisa foi metodologicamente constituída por:
1. Pesquisa bibliográfica;
2. Entrevistas;
3. Espetáculo Judite quer chorar, mas, não consegue!
4. Registro através de vídeo e fotografia;
98
A pesquisa bibliográfica permitiu um breve esboço panorâmico/ histórico do
acesso dos cadeirantes ao mundo da dança e suas implicações sociais. Favoreceu
também a apresentação de conceitos como Corpomídia, Diferença, Deficiência,
Identidade, Corpo como sistema complexo, Dança em Cadeira de Rodas. Foram
também realizadas entrevistas com grupos de dança, coreógrafos, professores e
dançarinos.
Com o objetivo de recolher informação para o estudo experimental, durante os
meses de Abril, Maio e Junho de 2007, foram realizadas entrevistas com profissionais e
estudantes da área da dança para cadeirantes e não cadeirantes, e com o público espectador,
após a apresentação do espetáculo – Judite quer chorar, mas, não consegue! , acontecida
no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia; no Teatro do Movimento, da Escola de Dança
da UFBA; no Pública Dança, evento anual em Votorantim, São Paulo. Foram também
registradas imagens de ensaios do espetáculo em vídeo e em fotografia. (Anexos 1, 2 , 3 e
4).
As entrevistas
Foram realizadas entrevistas escritas e orais, acompanhadas do respectivo termo
de consentimento para transcrição e publicação; foram estabelecidos critérios de inclusão,
exclusão e eliminação e foi apresentado, filmado e fotografado o espetáculo de dança
“Judite quer chorar, mas não consegue!”.
As entrevistas foram realizadas com o público espectador do espetáculo
Judite. Quer Chorar, mas, não consegue!”, com profissionais da área da dança que
99
trabalham com dançarinos cadeirantes e não cadeirantes, e dançarinos cadeirantes que
assistiram às apresentações do espetáculo em Salvador, BA; em Votorantim, SP;
A sistemática operacional do projeto ocorreu em três etapas:
1) Distribuição e realização de entrevista oral e escrita.
2) Apresentação do espetáculo Judite quer chorar, mas não consegue!
3) Análise Metodológica dos Dados.
A pesquisa se desenvolveu nas seguintes etapas:
- As formas de contato previstas foram pessoais, por telefone e
Internet via e-mail.
- Levantamento bibliográfico para clarificação dos conceitos
envolvidos.
- Identificação e descrição dos grupos de dança presentes na cidade
de Salvador.
- Identificação das principais tendências das danças construídas
por esses grupos e sua relação com o coreógrafo.
- Identificação e análise de pesquisas (nacionais e
internacionais) que visam dar acessibilidade a grupos de pcd´s
e seu impacto na sociedade.
100
- Estudos de caso utilizando entrevistas fins de pesquisa
qualitativa.
4 A SITUAÇÃO LIMÍTROFE NOS ESPAÇOS PREENCHIDOS.
“O que são passos da dança senão existentes como nevoas de possibilidades que uma ação presentifica?”
(Katz, 2005, p. 250)
O público da temporada no Teatro Vila Velha, com lotação esgotada todas as
noites, (cerca de 550 pessoas) registrou apenas 02 (dois) cadeirantes não dançarinos. Foi
formado por crianças do Colégio Marista, de Salvador, a convite da sua professora de
dança, Jamiller Antunes; por alunos do Centro Estadual de Prevenção de Deficientes
Físicos (CEPREDE), e do Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR), a convite da professora
de dança Eleonora Santos, que desenvolve o projeto de extensão na Escola de Dança da
UFBA, “O Corpo Diferente!”; por amigos e familiares do dançarino Edu Oliveira, e por
freqüentadores habituais.
101
No Teatro do Movimento, Escola de Dança - UFBA, dia 14 de Maio ás 12h, o
público foi formado por cerca de 90 alunos de graduação e pós-graduação em dança,
professores, alunos do Curso Profissionalizante em Dança da Escola de Dança da Fundação
Cultural da Bahia – FUNCEBA, e convidados. Não houve registro de cadeirantes.
E em Votorantim, a convite do Quadra Pessoas e Idéias, o público reuniu em
torno de 120 pessoas, entre dançarinos e convidados. Foi registrada a presença de 01 (um)
dançarino cadeirante.
Ao debruçar o olhar sobre os “Recadinhos da Judite”, e sobre as entrevista,
observou-se que muitos se diziam ser tamm Judite, de já ter algum dia na vida
experimentado os seus medos. Há recados para o dançarino, e há recados para o
personagem. Alguns, inclusive, combinaram seus nomes: Edite, Edujite.
17
17
Edu! Adorei Judite , ela retrata um pouco de cada nós, os medos e as dificuldades de vida. Beijos . Aninha.
102
Tudo aquilo que é acessível ao corpo, através dos órgãos dos sentidos, promove
uma determinada possibilidade de organização que, por sua vez, produzirá um significado,
um sentido. Tudo o que é construído no corpo e pelo corpo é vivido em sua experiência
com o mundo. Se boa ou má... é vivido. O corpo aprende a todo instante e troca com o
mundo através da ação perceptiva, o que lhe permite alimentar-se de aspectos do real que o
cerca e nele interferir. O corpo, face a face com os estímulos do mundo, sempre
transformando o que foi aprendido na comunidade a qual pertence.
Nas palavras de Katz (2005, p.145), “Para se interpretar algo, enfrenta-se
antes a decodificação. Quem decodifica, decodifica a mensagem (sinal enquanto
fisicalidade), e seu contexto”. Albuquerque (2007, p.112), “A história de um sistema vivo é
a história do ambiente por ele elaborado”, já em Kemp (2005, p.30), “Dentro de
determinados contextos e em relação a algo (alguém), é que percebemos uma identidade,
que é ao mesmo tempo coletiva e individual”. Corpo vivo em permanente mobilidade,
incorporado.
O corpo do dançarino é sempre um corpomídia dele mesmo, daquela coleção de
informações que constitui o seu corpo naquele momento. O corpo é sempre corpomídia da
cena que faz. Não existe possibilidade de negar expressividade ao corpo.
Face a face com os acontecimentos da cena, o corpo do público recebe aquelas
informações, que vão ser transformadas nos seus corpos. Os contornos, as fronteiras entre
eles, espectador e cena, agora se encontram enredados, encontram-se estilhaçados,
perfurados pela contaminação perceptiva. Mesmo que fechando os olhos para não ver,
ainda se ouvem os suspiros, se sente os cheiros e é possível imaginar um mundo
envolvente, metaforicamente tocando e penetrando o corpo, como explica poeticamente
Katz (2005, p.91),
103
“A percepção é sempre uma invasora, não obediente a nossa vontade. Como se
faz para evitar perceber os ruídos de fundo deste ambiente onde estou,
exatamente agora, suas inflexões de calor e luminosidade, e também esse
desagradável desajustamento da meia ponta do meu pé esquerdo? Como não
identificar a tristeza do olhar?No mundo ventam perceptos. Do corpo, jorram
juízos de percepção – nossas primeiras alianças cognitivas com o que nos
envolve”. (KATZ, 2005, p.91)
Nesse campo, onde o corpo é visto através do estigma do corpo coitadinho, as
percepções lidam com um determinado tipo de complexo organizacional. As falas tendem a
ser veladas pela emoção, parece existir um consenso sobre esse tipo de corpo, que dispensa
o mesmo tipo de conhecimento específico que qualquer outro corpo pede para ser
abordado. Quando esse corpo dança, como que se autoriza a dançar sem precisar conhecer
o que acontece no mundo da dança, quais as discussões que andam acontecendo nele. O
corpo coitadinho se mantém fora do que acontece na dança, e assim, a dificuldade que
enfrenta por conta da inacessibilidade da maior parte dos equipamentos da cidade passa a se
estender também a uma inacessibilidade ao conhecimento específico da dança,
Para Albuquerque (2006), o ambiente elaborado pelos sistemas vivos é
dependente de fatores que estão contidos no próprio ambiente. A interface resultante desse
ambiente é que vai dimensionar (se maior ou menor) o nível de complexidade do sistema.
Ou seja, o corpo, considerado como um sistema complexo, dialoga e troca informações
com o mundo segundo possibilidades que se dispõem. Para ele (2006, p.112), “sob esse
ponto de vista, o sistema “vê” o mundo de uma certa maneira; percebe um Universo que
não é o real, mas o que é permitido por sua complexidade”. O que o corpo elabora está
relacionado com as formas de conhecimento que adquire em sua relação de troca com o
mundo e no contexto em que está inserido.
104
Nos depoimentos recolhidos, torna-se evidente o processo de desvalorização
que cerca esses corpos. Os Recadinhos da Judite mostram, valorizam e aprofundam a
necessidade de reflexão sobre as molduras existentes que encapsulam as marcas do ‘corpo
sem conserto’.
18
No entanto, mesmo que não seja possível eliminar o filtro dos padrões
dominantes a que são submetidos os corpos cadeirantes, seu congelamento nas imagens
midiáticas inviabiliza que seja pensado como sendo um sujeito contemporâneo, de
estabilidade móvel, transitória e vazada.
A acessibilidade se dá mediada pelos órgãos dos sentidos. Aquilo que o corpo
consegue perceber do fluxo informacional no qual está envolvido nunca é a realidade dada,
apenas uma parte dela. O corpo “vê” o parcial. Se o momento de conhecimento que o
18
Judite, Você me surpreende como a vida, a superação dos limites! Siga em frente. Marisa
105
espectador e o dançarino compartilham é a leitura do corpo coitadinho, todos os processos
cognitivos se darão a partir dessa proposição. Talvez, a tendência do corpo coitadinho
fazendo arte seja uma estratégia de sobrevivência adotada (mesmo que inadequadamente),
como forma de resistência.
106
19
De acordo com os evolucionistas, o corpo internaliza aquilo com o que entra
em contato, e sofre ajustes dentro de um processo de estratégias de sobrevivência que se dá
no tempo. Alguma coisa nasce com o corpo e se transforma, ou seja, nasce-se com
estruturas organizadas e bem definidas no corpo. Há uma lenta graduação da transferência
de características que faz parte da evolução. (KATZ, 2005, p.140), “No corpo, a dança se
instala através de um processo fisiológico de formação de hábitos. [...], enquanto
combinatória de evolução, experiência e informação, nosso corpo pode ser remexido e
reordenado de várias maneiras”.
O corpo cadeirante ainda não faz parte dos currículos do ensino superior de
dança, e continua na área do Desporto Adaptado. A dança, contudo, faz parte de programas
de reabilitação e forma Grupos de Dança de Salão em Cadeira de Rodas. Seus projetos, na
maioria, impulsionam a prática da dança que transita entre a modalidade esportiva e a
artística. As metas restringem-se a apresentações em concursos onde é escolhido um grupo
para representar o Brasil na Paraolimpíada e mostras artísticas, cujos objetivos são sempre
o de implementar uma política voltada para a acessibilidade.
Os professores e coreógrafos, em sua maioria, também estão ligados ao
desporto adaptado, o que significa que têm um entendimento sobre a prática do movimento
que não se aproxima da dança enquanto forma de conhecimento. Talvez isso explique o
tratamento do movimento que dão às performances, nas quais o dançarino cadeirante,
muitas vezes, faz o papel de cenário móvel e/ou de apoio para o parceiro – um corpo
coitadinho. Não propõem nenhum avanço, apenas repetem os mesmos modelos pois, na
19
Judite, gostei muito do seu trabalho. Você é um exemplo de vida, principalmente para aqueles são perfeitos
e não fazem nada. Diva ”.
107
verdade, não detêm, em seus próprios corpos (os professores, dançarinos e coreógrafos), as
necessárias referências sobre a prática e o ensino da dança que possibilitariam descobertas e
ajustes.
108
20
É preciso pensar criticamente sobre essa situação para que novas ações possam
reverter ou, pelo menos, minimizar suas conseqüências danosas. Recorrer ao entendimento
de corpo que a Teoria Corpomídia propõe (Katz & Greiner) se dá nessa direção, pois
permite que se rompa com o paradigma do corpo coitadinho e se mostre que também o
corpo cadeirante é biológica, cultural e politicamente implicado com todos os ambientes
por onde esteve. O corpo que dança constrói sua dança na relação espaçotemporal. É
comprovadamente aceito que privar o corpo de experiências traz conseqüências
devastadoras nos comportamentos. O lugar do corpo no mundo é o lugar que ele constrói
como corpo vivo no momento presente, transformando e transformados pelas experiências
vivificadas.
20
Judite, você é um exemplo de superação! Quanta emoção! Adorei Edu! Velha chata, digo Roseta
05/04/2007.
109
21
Nos relatos, todos se aproximam e se identificam com a temática do espetáculo.
O espectador envolvido pelos acontecimentos do espaço cênico torna-se sempre co-autor e
parte do ambiente.
21
Cheguei ao teatro “enlagartado” e me emocionei com a singeleza das palavras de Judith. Saí aborboletado,
atordoado com tanta poesia. Parabéns Edu!!!. Caio Muniz.
110
22
A idéia “Judite quer chorar, mas, não consegue!”.
Por Edu O.
“Judite quer chorar, mas, não consegue!” é um quadro coreográfico solo
interpretado e criado por mim. Aborda temas como transformação, perda e superação, de
forma lírica e poética, trazendo representações simbólicas que refletem essas questões. A
temática coreográfica narra a vida de uma lagarta que se recusa a virar borboleta e, dentro
111
do processo coreográfico, relaciona e mistura a vida da lagarta com a vida do
dançarino/narrador. É um trabalho que traz imagens surreais, do imaginário de contos
infantis como Alice no país das maravilhas e imagens autobiográficas. Foi concebido a
partir de elementos autobiográficos. “Judite quer chorar...” retrata a resistência às
transformações, metaforicamente fala sobre o conformismo frente ao cotidiano e de uma
vida pacata de uma lagarta que não quer ser borboleta e escolheu a posição de passividade
diante do mundo, o qual tem medo e não consegue se relacionar. Aprisionou-se numa folha
de comigo-ninguém-pode, que é uma planta venenosa e, apesar de alimentar-se do veneno,
não sofre nenhuma conseqüência por isso. Ela confunde-se com a própria planta, passa o
dia quieta, tomando chá de frutas vermelhas e olhando para o nada. Judite cansou das
rosas... Vive a dor da perda. O marido virou borboleta e preferiu viver num canto mais
florido; um dos três filhos também escolheu voar e um dos dois restantes vive a
ambigüidade de permanecer rastejando ou partir em vôos mais altos. “Judite quer chorar...”
fala sobre os hiatos da vida. Qual o exato momento da transformação? A borboleta deixou
de ser lagarta? O adulto de hoje nega a criança que foi? Qual o espaço preciso que
determina o atravessar da fronteira? O choro só começa quando a lágrima cai?
A vida não deu escolhas a Judite e esta, por sua vez, não lutou para tê-las. Hoje
vive uma dor que não consegue identificar. É uma dor de vida! Vida que será representada
pela mandala, com símbolos referentes à existência de Judite.
O dançarino “não” representará Judite, ele passeará pela vida da lagarta por
total identificação, o que permite confundir-se com a mesma. Portanto, após revisitar o
ciclo de vida de Judite, a coreografia parte para a explosão, é a veia que, cansada de pulsar,
estoura, é o momento em que os conteúdos internos emergem e saltam para o consciente, e
tudo que estava aprisionado tem necessidade de expandir-se, expressar-se. Movimentos
fortes, viris, rápidos, másculos, contrapondo à fragilidade e feminilidade de Judite. Esse
instante é o do equilíbrio na balança, é o momento em que se sente a necessidade de
experimentar o outro lado, o oposto, de adquirir a posição ativa e viva, antes anulada e
esquecida. Movimentos de auto-mutilação, nenhuma auto-compaixão como representação
da morte simbólica. Instante de catarse e exaustão física.
22
Ju,,Du, Hoje em especial Judite precisava borboletar em minha vida (...). Na verdade , a luz tá linda, o som
ta lindo e sua dança me encanta demais! Sucesso... Liu.. 12/09/07
112
A lagarta, então, permite-se ser casulo. Vai subindo, pendurada, os degraus da
escada; embaixo, tem um jardim de comigo-ninguém-pode. Judite fica um tempo
pendurada e não se sabe porque se solta do alto e desaparece no ar”.
A TURMA DE “JUDITE...
Um espetáculo idealizado, escrito e interpretado por Edu O.
Colaboração de Fafá Daltro, Paloma Gioli, Andréa Daltro e Ricardo Bordini.
Uma produção da ONG Roda Baiana
Produção Executiva de Flávia Motta
Música de Marcela Bellas
Concepção de cenário de Edu O.
Colaboração de Valter Ornelas
Concepção de figurino Edu O., Nei Lima e Dinorah Oliveira.
Fotografia : Célia Aguiar
Recadinhos para Judite...
“Corpo que faz o movimento e, ao mesmo tempo, resulta dele. (Katz, 2005).
113
23
Local: Barzinho Leonardo da Vince – Barra, SSA/BA
Sei não, esse corpo, se ele não pode dançar, por que não procura
algo que ele possa realizar, ser ator, por exemplo! Não entendi
nada!
Sem identificação
Local: Quincas Berro D’Água/Projeto Pelourinho Dia e Noite. SSA/BA
“Menino, você é doente, mas é legal”!
Público espectador
Local : Cabaré dos Novos - Teatro Vila Velha - Abril/2007
Capturadas em imagem de vídeo.
23
Judite , Como mundo mundo, como todos nós.
114
Estou tentando elaborar, porque foram tantas coisas! Foi maravilhoso, ele se
revela demais como artista. A movimentação linda. Eu vi várias vezes ele
voando, achei maravilhoso.
Sem identificação
Judite ensina a plasticidade da vida, não tem forma, não tem tamanho, não
tem sexo. É vida, é fazer voar. Acho que ela, Judite é isso, viver e querer
voar basta querer.
Eleonora Santos, professora Escola de Dança da UFBA
O momento de chão com a saia. Tem momentos das coisas que só ele pode
fazer. Na escada e no chão! E a saia só roda daquele jeito porque a perna é
daquele jeito. É exatamente, essas são as pérolas.
Clara Trigo, professora de dança e coreógrafa.
Eu já fui Judite em vários momentos da minha vida. Sinto um sentimento
forte das pontas da unha aos fios de cabelo. Muito emocionante o trabalho
desse rapaz, merece um lugar de destaque. Estou toda misturada! Cheia de
Judite dentro de mim, vou sonhar Judite, vou acordar Judite por muito
tempo.
Sem identificação.
Ë lindo demais, nos leva a pensar em se reciclar, rever conceitos e voar, ir
em busca dos sonhos.
Sem identificação.
Vontade danada de chorar, mas, não consegui também! Porque a emoção de
ver é muito mais intraduzível do que as lágrimas.
Deni , coreógrafo e professor de dança
115
Eu senti tristeza, senti força profundamente, porque eu acho que a Judite está
presente em todos nós, no nosso momento de questionamentos, o que estou
fazendo aqui, o que eu sou, o que gostaria de ser.[...], eu chorei muito!
Cadeirante
Leveza , apesar do espetáculo ter um tom, digamos assim, bem pesado ,
forte no sentido de peso.
Ator
Eu estou assim, espantada e ao mesmo tempo feliz em ver como Edu, como
ele extrapola. Os movimentos , o que ele faz no palco, como as pequenas
coisas colocadas no palco, ele faz bem!. Eu fiquei muito encantada em ver
Edu !
Sem identificação
Lindo, lindo, foi perfeito! A gente com tanto, com tudo, e ele, com tanta
limitação consegue fazer tanto. (o corpo coitadinho) Perfeito!
Sem identificação
Muito lindo! É tudo que tem dentro de nós. Ele faz a gente olhar para a
Judite da gente e...e dá vontade de voar, saltar. Perfeito!
Sem identificação
Espero que o espetáculo ganhe proporção e aumente. Corra o Brasil, vamos
lá.
Sem identificação
116
Quando ele abriu as asas. E depois a gente se acabou de rir quando ele
entrou porque estava muito engraçado, mas acho muito bonito.
Sem identificação
Judite é muito especial! Aprendi que a vida tem limites. Judite é
emocionante, vale a pena ver! Já fui Judite ! Judite mexe em todos!
Sem identificação
24
24
As vezes acho que me pareço um pouco com Judite, porque sinto vontade de chorar mas acabo não
chorando. Parabéns Judite
.
117
25
Se a contaminação que percorre os corpos vestir formas novas de pensar e agir
no mundo, os deslocamentos por eles provocados abrem a possibilidade de novas leituras.
O espectador, envolvido, inserido no contexto, é também co-autor da trama. Seu corpo, seu
olhar, seu modo de pensar ocupam o espaço/ambiente onde a encenação vai acontecer.
Corpo contaminado pelo mundo imagético que se delineia. O encantamento, a sensação de
leveza, de peso, de tristeza, emoção, alegria e indiferença é experiência percebida
fisicamente e modifica os acordos do corpo com o mundo.
Quando o espectador tece comentários sobre os acontecimentos da cena, o
modo como verbaliza sua percepção do fenômeno com o qual entrou em contato, seu texto
tende a valorizar os feitos maravilhosos do espetáculo - seja por causa da dramaturgia
empregada, pela qualidade e sutileza dos movimentos nos corpos projetados no espaço
cênico, ou por causa de um breve silêncio construtor de significados. Até um pequenino
25
O que dizer de um espetáculo tão belo? Você está de parabéns pelo amor , dedicação e desenvoltura
mostrada. Todos temos limitações , mas você mostrou que pode superá-las. Que deus abençoe sua vida e lhe
conceda tudo que quer. c/carinho. Sheila Morais.
118
movimento pode exercer sobre o observador uma experiência sensorial profunda. Por outro
lado, e de igual pertinência, o inverso pode ocorrer. A experiência vivificada pode não ser
provocativa e o espectador, muitas vezes indignado, verbaliza “isso é dança?”.
Nesse espetáculo e, especificamente no corpo que o dança, sucede o mesmo. O
que o diferencia dos demais é que o encantamento se debruça sobre os feitos do corpo do
dançarino deficiente físico no sentido do corpo coitadinho superando seus limites. O corpo
desencaixado e visto em seu contorno que incomoda. O corpo estigmatizado. No entanto,
um corpomídia como qualquer corpo o é. Ou seja, um corpomídia de si mesmo, do estado
das coleções de informações que o constituem naquele momento. Corpo co-evolutivo,
sistema complexo munido de uma estrutura cognitiva e com função memória como os
outros corpos. Como os outros, apto a dialogar, a construir conhecimentos no cenário aonde
pretende atuar. Pontua Albuquerque (2006, p.02), “É na classe dos sistemas vivos que a
função conhecimento apresenta seu ápice de complexidade, função essa que depende
diretamente de embates evolutivos entre sistema e seu ambiente imediato e mediato”.
O treinamento de habilidades se dá no contato com o outro. Esse conhecimento
vai se transformando em corpo, que vai inventando as estratégias para conseguir responder
com o movimento adequado diante do inesperado. São fatores sinestésicos que entram em
jogo, produzindo, sob certas condições, a sensação do movimento. É a partir dessas
sensações, sentidas em seus músculos, ossos, tendões e articulações, que o dançarino cria as
relações de tensão, relaxamento e sentido de equilíbrio durante as ações que o corpo faz,
por exemplo, num passo de dança rasteiro ou num grande salto.
A natureza dinâmica desta experiência, que reúne a relação espaçotemporal, as
variações de velocidade, peso, direção, etc, necessárias ao deslocamento do corpo, a força e
o vigor dos movimentos, o que é sempre construído no corpo, é a chave da correspondência
119
surpreendente, que articula e tece os significados da dança – que são sempre móveis e
transitórios. Para Katz (2005), a dança está sempre no futuro. É de se estranhar o poder que
vem mantendo as velhas imagens do corpo coitadinho na arte.
Seguindo as pistas dos “Recadinhos da Judite”, alguns fatores chamaram a
atenção. Vejamos a seguir, e já fica registrada antecipadamente a seguinte indagação: por
que não se emprega a nomeação de corpo dançarino? A quem interessa manter a nomeação
de corpo dançarino cadeirante?
O contexto social/cultural/político de onde surgiram os dançarinos
cadeirantes está estreitamente relacionado ao pensamento do Desporto
Adaptado. Isto é, a funcionalidade e a superação dos limites, espelhados no
modelo que deu certo, são as metas a serem cumpridas. Na Dança em
Cadeira de Rodas, por exemplo, a meta é a Paraolimpíada,
conseqüentemente, o podium. Esse olhar encontra eco no pensamento
construído pelo público espectador do espetáculo Judite quer chorar, mas,
não consegue!
É evidente a importância que é dada às nomeações desse corpo - Portador de
Necessidades Especiais, Corpo Deficiente, Corpo “Chumbadas” (entre eles).
São aceitas e acolhidas, e, por si só, tornam-se verdadeiros demarcadores de
território. A nomeação concorda, aceita e pratica a exclusão, instalando
esses corpos em guetos, que a mídia divulga escolhendo certas imagens para
representá-lo.
120
Não são reconhecidos como dançarinos, mas sim, como pessoas que estão
superando os limites do corpo, uma vez que têm corpos incapazes e
improdutivos.
Os locais onde acontecem seus encontros não são freqüentados pelo público
de dança, mas pelo público do desporto adaptado.
O ambiente/contexto construído estimula a emoção, a perplexidade. Muitos
vão embora sem tecer nenhum comentário, outros choram, e outros
(principalmente do círculo de amizade), abraçam, beijam, expressam seu
encantamento com o esforço do dançarino.
O olhar para o corpo que dança buscando nele as poéticas que emergem são,
geralmente, de alguns estudantes e profissionais da área da dança.
121
5 Conclusão
“O conhecimento é o fio que ata”. Katz (2005, p.138),
O desenvolvimento do cérebro se completa com a atividade neuronial.
Dentro de certos limites, um sistema nervoso em amadurecimento pode ser alterado e
estabelecer uma sintonia fina, através da experiência. Para Katz (2005), quando o corpo
aprende o movimento que se transforma em dança, pratica essa química. Passos que são
registro de traços neuroniais numa cadeia incessante de tradução/associação de formas.
Portanto, é necessário buscar novas leituras para as molduras existentes sobre os modos
de construção da dança nos corpos dos cadeirantes, para com elas abrir espaços para
novos conhecimentos. A Teoria Corpomídia (Katz & Greiner) rompe com a idéia do
corpo de identidade imóvel e revela que o corpo, seja ele qual for, é sempre um processo
de construção.
O lugar da arte é o lugar das perguntas e das escolhas. Não há margem para
acomodação, para uma atitude passiva contemplativa. O passado é sempre re-iventado, o
momento presente é sempre um entre outros relatos possíveis. No corpo que dança, a
fisicalidade atrai os olhares, provoca reflexões, suspense, raiva, desassossego, etc..
Os padrões do arcabouço comum aprendido no dia a dia (CHURCHLAND,
2003), como por exemplo, a imagem do estigma do corpo vítima e coitadinho do deficiente
122
físico, estimula a crença no corpo incapaz. Na possibilidade de tratar a dança como área de
conhecimento, o corpomídia se apresenta como uma possibilidade de romper com o
pensamento hegemônico, que valoriza a capacidade de planejamento, ordem e
racionalização através do controle. Assim, abre espaço para o entendimento que o que
acontece, acontece por conta de acordos, nos quais é o corpo, nas suas trocas com os
ambientes, que traça seus caminhos. Que podem resultar em danças que podem ser
surpreendentes, fora da moldura do corpo coitadinho.
A sugestão é que se faz necessário maior divulgação e circulação de espetáculos
de dança comprometidos com a pesquisa de movimento e com treinamentos eficazes para
transformar em corpo o que precisa ser nele representado. Se todo corpo é corpomídia,
deve-se zelar para que o treinamento colabore com a proposta de dança escolhida, pois o
treinamento transformará em corpo as suas informações.. Assim, se o treinamento diário
estiver imbuído de aspectos que estimulem o corpo a experimentar e a questionar, o corpo
será corpomídia disso.
No corpo, a dança se instala através de um
processo fisiológico indutivo de formação de
hábitos. O objetivo desses processos
indutivos racionais e autocontrolado é o
aperfeiçoamento de cada possibilidade que se
atualiza, de acordo com a lei biológica que a governa. E como
os processos indutivos também se auto-corrigem, cabe ao
corpo que quer dançar inscrever-se nesse fluxo
contínuo, onde qualquer atividade cognitiva
envolve um hábito anterior de um dado
sistema cognitivo. Onde não há originais,
nem primeiros planos. Neste onde, o frescor
das estréias jamais desaparece”.
Katz (2005, p.140)
123
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2004.
127
ANEXO 1
ENTREVISTAS e COMENTÁRIOS
O olhar sobre o CORPO
128
Programa de Pesquisa e Qualificação Institucional PQI
Projeto de Doutorado em Comunicação e Semiótica
Orientadora: Professora Doutora Helena Katz.
Doutoranda: Fátima Daltro de Castro Correia
Título: O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visível.
Entrevista
Judite quer chorar, mas não consegue!
1. Nome: Ninfa Cunha de Santana
2. Idade: 38 anos Sexo M ( x ) F ( ) Grau de Instrução: Superior completo
3. Profissão Atual: Relações Públicas e Dançarina Telefone: (71) 3356.9789 / 8150.2091
4.
Você costuma assistir espetáculos de dança com cadeirantes? Sim ( x ) Não ( )
5. Acompanha o trabalho de alguma companhia? Sim (x ) Não ( ) Cite aquelas das quais tem
alguma referência. Opaxorô (BA) / Grupo X (BA) / Gira Dança (RN) / Pulsar (RJ) / Rodas
no Salão (BA) / Portadores da Alegria (RJ) .
____________________________________________________________
6. O assunto 'dança e de portadores de deficiência' lhe interessa? Sim ( x ) Não ( )
7. Você assiste trabalhos artísticos com portadores de outros tipos de deficiência?
Sim ( x ) , Não ( ) De quais lembra?_
Como faço parte desse mundo, participei de vários festivais do Programa Artes sem Barreiras
da Funarte que me possibilitou asistir e, conviver com vários artistas com deficiência na
dança, na música, no teatro, na literatura, nas artes plásticas, enfim com vários tipos de
deficiência. Gostei muito de uma companhia de dança de BH, denominada Crepúsculo mas,
não me lembro o nome do espetáculo; gostei tb de Sente – se da Ekilíbrio; assistir agora Bulas
Perdidas da Gira Dança, etc.
______________________________________________
8. Em que seu olhar se ocupa ao dirigir sua atenção à dança construída no corpo dançarino cadeirante?
Presto muita atenção ao que ele (o corpo) quer me dizer. Dança prá mim é a comunicação de corpos,
então um corpo como esse tem muito a nos ensinar, a nos transmitir, a persuadir certos sentimentos:
alegria, tristeza, raiva, beleza, sensualidade, sofrimento, enfim numa dança tudo pode acontecer, tudo
pode rolar, são questionamentos o tempo inteiro.
__________________________________________________________________________________
9. Como você percebe a presença desses corpos na dança?
Como qualquer outro corpo que tem algo a falar, algo a se expressar, algo a construir.
A dança é um momento mágico que permite-nos viajar na busca de movimentos perfeitos e
expressivos que tem muito a nos dizer. Deficiente ou não, com cadeira de rodas ou sem, são pessoas
com sentimentos e, com corpos que, se estimulados tem muito a nos oferecer.
__________________________________________________________________________________
10. Algum comentário sobre o que vivenciou?
Como sou dançarina cadeirante já há oito anos, o que ainda vivencio, constantemente, é a visão que a
sociedade tem do artista com deficiência. As pessoas já vão com pena, se acabam de chorar e, ainda
nos vêem como exemplo de vida. Não se leva em conta o trabalho artístico e, sim a deficiência.
Outra questão ainda muito forte é a remuneração desse artista, não são vistos como profissionais da
dança. O que faço, quando estou em cena, não é encarado como um trabalho e; quando se paga um
cachê, parece que estão me dando esmolas. É uma total falta de respeito.
__________________________________________________________________________________
11. Apenas para professores, coreógrafos que trabalham com dançarinos cadeirantes e, dançarinos
cadeirantes. Relate um pouco sobre a sua experiência com a dança. Qual foi o impulso inicial? Como
se deu seu processo de formação? e o que faz atualmente?
Como também sou diabética, procurei uma atividade física para fazer e, aí comecei a fazer aulas de
dança no Hospital Sarah, com a coreógrafa Márcia Abreu, logo depois já estava participando de um
129
Festival de dança, o Dança Bahia e, ficando em 2º lugar na categoria que fui inscrita. Pronto, fui
batizada, o “bichinho da dança” me mordeu, fiquei impressionada com o meu corpo, descobri que ele
sabia falar e, que tinha muito a me dizer. Fiz um mergulho interno, percebi muitas coisas no meu
interior que não tinha noção que havia. Modifiquei meu olhar com relação a minha cadeira de rodas,
ao meu corpo, a minha sexualidade, ao movimento social de deficientes, enfim, tudo mudou.
Já participei de duas companhias de dança: o Rodança e a Rodart (essa última, parada por falta de
verba). Já cursei como aluna especial a Faculdade de Dança da UFBA (sou formada em Comunicação
Social pela FACS).
Hoje faço um trabalho de dança com um parceiro, o Déo Carvalho. Devido a alguns problemas de
saúde, que atingem diretamente o meu corpo, tenho dançado menos. E, junto com Déo, Marcus Welby
(músico – deficiente visual), Rose Bock e, Mariene de Castro (cantora), criamos o projeto “Tão da
Arte”, que consiste em misturar música e dança com artistas com e sem deficiência. O palco
transformá-se num espaço de alegria e harmonia.
__________________________________________________________________________________
Obrigado por contribuir com o seu depoimento
Programa de Qualificação Interisntitucional – PQI -
Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia e Programa de Estudos Pós-
Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC
Consentimento de Aprovação
Autorizo a utilização desta entrevista como material de registro para a pesquisa da tese de
doutorado intitulada, O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visível - da professora Fátima
Daltro de Castro Correia .
Ninfa Cunha, Salvador, 12/ 06/2007
Confirmo que expliquei a natureza do presente estudo à pessoa citada acima e de haver
obtido seu consentimento.
Fátima Daltro de Castro Correia , Salvador 12/06/2007
1
Fatima Daltro de Castro Correia é Professora Mestra da Escola de Dança da UFBA. Coreógrafa,
dirige o Grupo X de Improvisação em Dança. Doutoranda em Comunicação e Semiótica – PUC -
Programa PQI. Tem como objeto a construção da dança no corpo do dançarino cadeirante, sua
invisibilidade poética.
Contato: [email protected] Site: www.grupox.ufba.br Tel.: (071) 3331-1781 / 9106-4842
Rua Cônego José de Loreto , N. 73, Térreo, Canela, CEP .40.110.190 , Salvador /BA
Programa de Pesquisa e Qualificação Institucional PQI
Projeto de Doutorado em Comunicação e Semiótica
130
Orientadora: Professora Doutora Helena Katz.
Doutoranda: Fátima Daltro de Castro Correia
Título: O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visível.
Entrevista
Judite quer chorar, mas não consegue!
1. Nome: Ana Carolina B Teixeira
2. Idade: 27 Sexo M ( ) F ( x ) Grau de Instrução: _Superior
3. Profissão Atual: Professora Telefone: ______________________
4.
Você costuma assistir espetáculos de dança com cadeirantes? Sim (x ) Não ( )
5. Acompanha o trabalho de alguma companhia? Sim (x ) Não ( ) Cite aquelas das quais tem
alguma referência. Roda Viva Cia de Dança, Gira Dança, Can do Co, Dançando com a
Diferença .
6. O assunto 'dança e de portadores de deficiência' lhe interessa? Sim (x ) Não ( )
7. Você assiste trabalhos artísticos com portadores de outros tipos de deficiência?
Sim (x ) , Não ( ) De quais lembra? visuais, auditivos
8. Em que seu olhar se ocupa ao dirigir sua atenção à dança construída no corpo dançarino cadeirante?
Na sua dança pessoal
9. Como você percebe a presença desses corpos na dança?
Sinto a necessidade de termos mais autonomia nos processos de criação cênica. Ainda nos
deparamos como muitos trabalhos onde a presença do artista deficiente ora é decorativa, ora é
maquiada negligenciando a deficiência corporal, na busca de uma estética “menos feia” em
cena.
10. Algum comentário sobre o que vivenciou?
O trabalho junto a companhias de dança despertou-me para a necessidade de buscar bases
autorais de pesquisa, considerando as impossibilidades enquanto elemento criativo.Busquei
sempre ouvir os bailarinos e dialogar sobre esse surgimento da própria dança no corpo.A
participação dele é primordial para a concepção das criações considerando que só ele sabe de
sua dificuldades reais e através deste saber e autor de sua própria escrita de movimento.
11. Apenas para professores, coreógrafos que trabalham com dançarinos cadeirantes e,, dançarinos
cadeirantes.. Relate um pouco sobre a sua experiência com a dança. Qual foi o impulso inicial? como
se deu seu processo de formação? e o que faz atualmente?
Minha experiência artística com a dança deu-se com a Cia. Roda Viva-Natal/RN em 1996. Neste
grupo atuei como bailarina, coreógrafa, professora e diretora até o presente ano. O trabalho com as
artes sempre esteve presente incluindo áreas como cinema, animação, quadrinhos, musica.Obtive a
graduação em Artes Cênicas-Licenciatura em 2004 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
atuando em Projetos de Extensão dos Departamentos de Educação, Letras, Artes, atuando como arte
educadora, artista, pesquisadora. Atualmente resido na cidade de Salvador, trabalhando como
coreógrafa e produtora free-lancer e pesquisadora.
Obrigado por contribuir com o seu depoimento
131
Programa de Qualificação Interisntitucional – PQI -
Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia e Programa de Estudos Pós-
Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC
Consentimento de Aprovação
Autorizo a utilização desta entrevista como material de registro para a pesquisa da tese de
doutorado intitulada, O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visíve - da professora Fátima
Daltro de Castro Correia .
Ana Carolina B. Teixeira, Salvador, 25 /05 /2007
Confirmo que expliquei a natureza do presente estudo à pessoa citada acima e de haver
obtido seu consentimento.
Fátima Daltro de Castro Correia, Salvador, 25/05/2007.
.
1
Fatima Daltro de Castro Correia é Professora Mestra da Escola de Dança da UFBA. Coreógrafa,
dirige o Grupo X de Improvisação em Dança. Doutoranda em Comunicação e Semiótica – PUC -
Programa PQI. Tem como objeto a construção da dança no corpo do dançarino cadeirante, sua
invisibilidade poética.
Contato: fa[email protected] Site: www.grupox.ufba.br Tel.: (071) 3331-1781 / 9106-4842
Rua Conego José de Loreto , N. 73, Térreo, Canela, CEP . 40.110.190 , Salvador /BA
132
Programa de Pesquisa e Qualificação Institucional PQI
Projeto de Doutorado em Comunicação e Semiótica
Orientadora: Professora Doutora Helena Katz.
Doutoranda: Fátima Daltro de Castro Correia
Título: O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visível.
Entrevista
Judite quer chorar, mas não consegue!
1. Nome: Carlos Eduardo Oliveira do Carmo
2. Idade: 30 Sexo M ( x ) F ( ) Grau de Instrução: Pós-Graduação em Arteterapia
3. Profissão Atual: Dançarino / Arteterapeuta Telefone: 71 32645068
4.
Você costuma assistir espetáculos de dança com cadeirantes? Sim ( ) Não (x ) pq não tem
5.Acompanha o trabalho de alguma companhia? Sim (x ) Não ( ) Cite aquelas das quais tem
alguma referência. Candoco e Roda Viva
6. O assunto 'dança e de portadores de deficiência' lhe interessa? Sim (x ) Não ( )
7. Você assiste trabalhos artísticos com portadores de outros tipos de deficiência?
Sim ( ) , Não ( x ) De quais lembra? Só tenho acesso a companhias de dança com deficientes
quando participo de algum evento específico para essa linha de pesquisa, mas geralmente não
produzem em nível profissional espetáculos com defs.
8. Em que seu olhar se ocupa ao dirigir sua atenção à dança construída no corpo dançarino cadeirante?
De que forma esse corpo é trabalhado para a dança, a qualidade do trabalho artístico, a pesquisa e o
discurso inserido nessa dança. Percebo q a temática não varia e recai sempre no discurso das
possibilidades ou impossibilidades do corpo do cadeirante. Há outros assuntos para tratarmos.
9. Como você percebe a presença desses corpos na dança?
A grande maioria não é de profissionais e nem os grupos trabalham esses dançarinos para garantir-lhes
uma qualidade melhor. Raríssimos casos existem e são eles que me fascinam, porque nos traz novas
possibilidades de reflexão sobre a dança. Com os corpos padronizados é uma leitura mais linear, mais
comum, já os corpos que nos possibilitam uma nova imagem isso me encanta.
10. Algum comentário sobre o que vivenciou?
Judite é um projeto fascinante para mim porque me deu a oportunidade de vivenciar experiências
inéditas com a dança, além de ser uma proposta pioneira por se ser assinada, criada e interpretada
exclusivamente por uma pessoa deficiente, que assume sua carreira de forma profissional e conseguiu
provar a qualidade artística desse trabalho, sem precisar utilizar o discurso de coitadinho ou superação
de seus limites.
11. Apenas para professores, coreógrafos que trabalham com dançarinos cadeirantes e,, dançarinos
cadeirantes. Relate um pouco sobre a sua experiência com a dança. Qual foi o impulso inicial? como
se deu seu processo de formação? e o que faz atualmente?
Sou artista plástico e arteterapeuta além de dançarino. Comecei em 1998 participando do Grupo Sobre
Rodas...?que assumia o discurso da Dança inclusiva e em 1999 já fazia parte do Grupo X de
Improvisação em Dança, que traz uma perspectiva diferenciada e me acolheu pelo trabalho artístico e
não pela deficiência.
Obrigado por contribuir com o seu depoimento
133
Programa de Qualificação Interisntitucional – PQI -
Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia e Programa de Estudos Pós-
Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC
Consentimento de Aprovação
Autorizo a utilização desta entrevista como material de registro para a pesquisa da tese de
doutorado intitulada, O corpo Sitiado. A Comunicação (In)visível - da professora Fátima
Daltro de Castro Correia .
Edu Oliveira, Salvador 30/ 07/2007.
Confirmo que expliquei a natureza do presente estudo à pessoa citada acima e de haver
obtido seu consentimento.
Fátima Daltro de Castro Correia, Salvador 30/07/2007
.
1
Fatima Daltro de Castro Correia é Professora Mestra da Escola de Dança da UFBA. Coreógrafa,
dirige o Grupo X de Improvisação em Dança. Doutoranda em Comunicação e Semiótica – PUC -
Programa PQI. Tem como objeto a construção da dança no corpo do dançarino cadeirante, sua
invisibilidade poética.
Contato: fadaltro@ufba.br Site: www.grupox.ufba.br Tel.: (071) 3331-1781 / 9106-4842 Endereço: Rua
Conego José de Loreto , N. 73, Térreo, Canela, CEP . 40.110.190 , Salvador /BA
134
Material cedido por Edu Oliveira.
Tenho certeza de que Judith Quer Chorar Mais Não Consegue é um momento de grande
inspiração neste começo de milênio: é imprescindível, como nos diz Garaudy, não apenas
viver a vida, mas, sobretudo, ter a ousadia de dançá-la com uma força tal capaz de fazer crer
que há sim um outro mundo possível, um mundo mais forte e justo, muito mais belo e
verdadeiro e mais: que é possível vivenciá-lo em toda a sua plenitude.
Edu é, ele mesmo um testemunho vivo, decisivo para a compreensão desta equação: a sua
capacidade expressiva é tal que não consigo vê-lo de fora do anuncio de um novo tempo!
14.07.07
Saja (Filósofo/UFBA)
X
É tudo indissociável.
Tem mais uma coisa, Edu: "Judite..." é uma obra literária. A riqueza do texto e o alcance que
sua linguagem tem no público são notáveis. Nem preciso falar da sua abordagem corporal
perfeita e do artista que é, você já disse. E, a sua limitação física é sua especialidade.
"Emoção...
Confesso que fui tocada pela coragem de Judite...
Sensibilidade,leveza,poesia,plasticidade, música linda e vc amigo mais uma
vez...SURPREENDENTE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Criei esse poeminha para sua Judite,ou melhor,agora "nossa Judite".
Boa sorte hj e que seu espetáculo tenha vida longa!!!!!!!!!!!!
135
Era uma lagarta,
Que a caminhar,
No verde galhinho,
Foi procurar,
Um bom lugarzinho,
Para descansar,
Dormir muito tempo,
E assim fabricar,
Um fio bem longo,
Onde se enrolou,
E quando acordou,
Que bela surpresa,
Virou borboleta,
Foi uma beleza!
Nina Gouveia
X
Judite nos conduz às profundezas de nossos sentimentos, mas principalmente daqueles aos
quais não conseguimos definir... É um mergulho no submundo pessoal de sensações que
somos obrigados a marginalizar e até esquecer, um encontro daqueles sentimentos fortes e
oponentes, que nos angustiam de uma maneira que deles fugimos... Queremos chorar e não
conseguimos por que não nos damos este direito, queremos voar e não nos permitimos por
que muitas vezes duvidamos de nós mesmos... Enfim, assistir a este "experimento" é
participar de uma metamorfose sentimental. É forte, é denso, é memorável.
Fernando Souza, Pedagogo
136
"Com sua arte sensível e inteligente - e não h
á forma mais sublime de falar ao outro, Edu O. conta sua trajetória e mostra sua dança num
excelente trabalho de expressão corporal.
....este espetáculo me remete às minhas Judites... até mesmo as mais
inconscientes gritam querendo sair! Um encontro com conflitos mais íntimos, que incomoda e
seduz com ousadia e beleza, num convite à vida que se deseja viver..."
Lívia Rocha, Pedagoga,
X
Oi, querido!!! Desculpe a demora de te escrever!!!
Eu adorei o seu solo!! Vc é fascinane, prende a atenção do público o tempo inteiro, o que é
tarefa mais difícil pra um solista. Acho que vc estava muito nervoso na estréia mas, faz parte
da expectativa de quem esta ali pra te ver. Acho que em algumas partes a idéia do movimento
não se concretiza (movimentos circulares de mãos e braços que vc faz que repete mas, ás
vezes sem definição de desenho-talvez, a própria indefinição de desenho precise ficar clara,
entende? ; quando vc está no chão e começa a fazer movimentos mais cortados e, no dia da
estréia, não desenvolveu... fiquei com vontade de ver aquela parte explodir mais!!!). Linda a
parte que a saia roda no chão... poderia variar a maneira de chegar no público - poderia talvez
aproveitar os movimentos que vc faz no tapete verde no palco e repetí-los nas pessoas... eu sei
que a parte do público é a mais delicada pois, nem todo mundo está aberto, né???
O trabalho deve estar mais desenvolvido, eu não pude mais assistir de novo... tudo que coloco
aqui é entre aspas pois, precisaria ver novamente... a parte musical é linda!!!
Sou sua fã, viu?? Me retorne pra dizer se leu, tá?? Parabéns!
Líria Morais, dançarina/coreógrafa.
137
Só prá você Edu/Judite
Edu/Judite
vocês se confundem num só
corpo e mente
o corpo, veículo da mente, responde Presente
aos comandos, aos estímulos
e desmente
limites, limitações
estreitas conceituações
de quem não entende
de quem não alcança
o que é voar
o que é ir mais além
do dito “possível.”
E você vai Edu/Judite
criando, falando, dançando, gargalhando, encantando
barbarizando
deixando perplexos
aqueles estreitos que não percebem
que você sabe voar como ninguém...
voar, voar, voar.
Judite voa e chora de alegria
porque se sabe capaz de nos brindar com este verdadeiro ESPETÁCULO.
Bravos Edu O. !!!
Fatima Gaudenzi
23/04/2007
138
Edu O.
Rua Marquês de Caravelas, 560, AP 301, Barra Avenida,
Salvador-Ba CEP 40140-240 tel.: 71 3264 5068
RELEASE CURRICULAR
EDU O. graduou-se no curso de Bacharelado em Artes Plásticas em 2001 pela
Escola de Belas Artes da UFBA e concluiu sua Especialização em Arteterapia em nível de
pós-graduação pela UCSal no ano de 2004.
Estreou sua carreira de dançarino com o Grupo Sobre Rodas...? no ano de 1998 e
em 1999 começa, em paralelo ao primeiro grupo, suas pesquisas junto ao Grupo X de
Improvisação em Dança, no âmbito da técnica de Contact Improvisation, apresentando-se
no SBPC de 2003, na Bienal Nacional de 2002 no Rio de Janeiro; e entre os inúmeros
espetáculos realizados pelo Grupo X destaca-se “O Canto de Cada Um” premiado no ano
de 2003 pelo edital da Fundação Gregório de Matos.
Desde de 2004 participa do intercâmbio cultural Euphorico, projeto do Grupo X
com o grupo francês Artmacadam que culminou nos espetáculos: Apero Impro Dance,
Euphorico-Poetic Dance Inclusive, realizados nas cidades de Le Pradet e La Seyne-sur-
mer-França e Euphorico-Lá Veritá em Salvador e Santo Amaro-Ba.
Ainda em 2004 fez uma turnê entre os meses de Maio a Agosto em alguns países da
Europa, onde participou do Festival de Arte, Criatividade e Recreação realizado na Ilha da
Madeira-Portugal apresentando o espetáculo O Canto de Cada Um, e ministrando
workshops de dança; foi convidado a realizar oficinas de Ccontact Improvisation na
Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa-Portugal; realizou performance na Feira de
Arte de Munster-Alemanha;
Edu O. estreou seu primeiro projeto coreográfico solo “Judite quer chorar, mas não
consegue!” em Outubro de 2006, dando continuidade em Novembro e Dezembro do
mesmo ano e com temporada em Abril de 2007, no projeto “O Que Cabe Neste Palco do
Teatro Vila Velha”, integrando as comemorações do Mês da Dança. Foi convidado a
apresentar este solo em Maio de 2007 no Projeto Pública Dança em Votorantim-SP, onde já
havia se apresentado em 2006. Em Junho de 2007 Rio de Janeiro a personagem Judite foi
139
convidada a inserir-se no espetáculo teatral Urbanos dentro do projeto Centro de Estudo
Artístico e Experimental de Ana Kfouri.
Foi aprovado para participar em São Paulo do Projeto Danceablity Brasil 2007, do
coreógrafo americano Alito Alessi, apresentando-se no projeto Sob Um Novo Olhar no
SESC Santana.
Junto ao Grupo Rodart participou do 1° Festival Arte Sem Barreiras em Belo
Horizinte-MG, no ano de 2002, apresentando o vídeo-dança “Marcas”, quando teve a
oportunidade de dividir a noite com o grupo inglês Candoco, com quem fez workshop de
dança contemporânea durante um fim de semana em Juiz de Fora.
Escreveu textos teatrais para as apresentações Aguarrás, Sem Açúcar e Monólogos na
Madrugada, tendo atuado como ator em todos esses eventos; no Rio de Janeiro teve textos
inseridos na peça Estação Limite em 2007.
Como arteterapeuta inaugurou o NAKOR-Núcleo de Arteterapia da Korpus e
realizou o projeto Contato Sutil em Governador Valadares-MG, Sto. Amaro e Salvador-Ba.
140
Metamorfose Ambulante
Composição: Raul Seixas
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
É chato chegar a um objetivo num instante
Eu quero viver essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou
Hoje eu sou estrela amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor
141
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
Eu vou lhes dizer aquilo tudo que eu lhes disse antes
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
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