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PAULO MORGADO RODRIGUES
Manoel de Barros:
Confluência entre Poesia e Crônica
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo
2007
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PAULO MORGADO RODRIGUES
Manoel de Barros:
Confluência entre Poesia e Crônica
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE em Comunicação e
Semiótica - Signo e Significação nas mídias, sob
a orientação do Prof. Doutor Amálio Pinheiro.
São Paulo
2007
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RESUMO
Essa pesquisa tem como problema as possibilidades comunicativas e
tradutórias que resultam das relações entre crônica jornalística e poesia. Para
tanto, tomamos, como estudo de caso, alguns poemas de Manoel de Barros, na
tentativa de localizar, na construção de sua obra poética, a utilização de elementos
próprios à crônica jornalística. Esse trabalho assume o método da pesquisa
bibliográfica, de modo a obter dados acerca do poetar de Manoel, da estrutura da
crônica jornalística e da dinâmica semiótica da cultura, especificamente no que diz
respeito aos processos sígnicos operados na América Latina. Tomando como ponto
de partida a teoria dos fatores e funções da linguagem, conforme proposta por
Roman Jakobson, demarcamos as diferenças existentes entre as mesmas, em
especial entre a função referencial (tendencialmente ligada à crônica) e a função
poética. Por outro lado, vislumbramos suas possíveis relações, munidos do conceito
de texto e da noção semiótica de fronteira de Iuri Lotman e suas permeabilidades
possibilitadoras de trocas, diálogos e mestiçagens entre textos distintos. A partir de
autores como Lezama Lima, Severo Sarduy, Serge Gruzinsky, Amálio Pinheiro e
Haroldo de Campos, cartografamos as especificidades culturais da América
Latina, intensificadoras das conexões entre textos e séries culturais advindos de
diversos tempos/espaços. A paisagem cultural latino-americana vem sendo
estudada justamente por sua alta dinamicidade relacional e por sua complexidade
aberta e migrante, geradora de novas formas e procedimentos comunicativos.
Como corpus analisamos um poema de cada um dos dezoito livros de Manoel de
Barros. O critério utilizado para a eleição desses poemas foi escolher aqueles que
mais nos pareceram estarem imbuídos de elementos da crônica. Por fim, Manoel
de Barros se revela não apenas um poeta bastante sensível a seu contexto cultural,
mas, sobretudo, tão bom cronista quanto poeta.
Palavras-chave: Semiótica, Poesia, Crônica, Manoel de Barros, América
Latina.
ABSTRACT
This research aims at the communicative and translation possibilities that
result from journalistic chronicles and poetry. To do so, we have brought the
poetic construction of some poems of Manoel de Barros as an attempt to locate the
use of elements that are peculiar of the journalistic chronicle, as a case study. The
methodology of this work is that of a bibliographic enquiry, in order to obtain data
about the way in which Manoel makes poetry, and about the structure of
journalistic chronicle. Strictly concerning the signic processes operated in Latin
America, we also have studied the semiotic dynamics of culture. Starting from the
theory of factor and language functions by Roman Jakobson, we have pointed out
the differences between them, specially between the referential function (usually
linked with chronicle), and the poetic function. On the other hand, we have
visualized their possible relationships based on the text concept and on the semiotic
notion of boarders by Iuri Lotman, and their permeability, which makes it possible
to have exchanges, dialogues and hybridism between distinct texts. Authors such as
Lezama Lima, Severo Sarduy, Serge Gruzinsky, Amálio Pinheiro and Haroldo de
Campos help us to map cultural features of Latin América which intensify
connections between texts and cultural series from several points of time/space.
The Latin American cultural environment has been studied for its high relational
dynamism and for its open and migrant complexity which generates new ways of
communicative procedures. We have analyzed one of each of Manoel de Barros’ 18
books as theoretical corpus. The criterion used for the selection of the poems was to
choose the ones that seemed to incorporate most chronicle elements. Finally,
Manoel de Barros shows to be not only a very sensitive poet to his cultural context
but also, and above all, as good a chronicler as a poet, in that chronicle and poetry
supplement each other in his work.
Key words: Semiotics, Poetry, Chronicle, Manoel de Barros, Latin America.
SUMÁRIO
Introdução, 09
I - O Poeta Manoel de Barros, 16
1.1 - Manoel de Barros: vida e obra, 16
II - A crônica, a poesia e suas relações, 34
2.1 - Os diferentes fatores e funções da linguagem presentes na poesia e
na crônica, 34
2.2 - Crônica, 38
2.3 - Poesia, 43
2.4 - Dialogismo, 48
2.5 - Complexidade, 52
III - Confluência entre poesia e crônica, 56
3.1 - O dinamismo da cultura, 56
3.2 - O dinamismo cultural na América Latina: Neo-barroco, 66
3.3 - Processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira, 79
3.4 - Confluência entre poesia e crônica em Manoel de Barros, 82
Conclusão, 120
Bibliografia, 123
Gleba Expositiva Manoel de Barros, 129
7
Algumas considerações pescadas na canoa crítica sobre as
águas poéticas do pantaneiro Manoel de Barros
"Este Manoel de Barros, mistura monumental de construtor subversivo, bandido,
anjo e São Francisco de Assis, poeta talvez concebido sem pecado ou com todos
eles..., é o maior poeta brasileiro vivo".
João Antônio, escritor
"Manoel de Barros retira seu vocabulário, sua sintaxe, seu idioma do cerne da
matéria, da realidade mais profunda do corpo aquoso da terra. Ele se trabalha
quando trabalha um texto e a natureza trabalha nele o ócio e o prazer da vida em
germinação".
Reynaldo Jardim, Diretor Executivo da Fundação Culturtal - DF
"Custa crer que tanta inventiva, tanta força verbal, tanto colorido brasileiro tenham
jazido tanto tempo no escuro!"
Ismael Cardim
"Manoel de Barros não é um divisor de águas porque antes dele não houve
absolutamente nada".
Sérgio Medeiros, crítico
"Ele está para a poesia brasileira, talvez mais do que Guimarães Rosa possa estar
para a prosa e a ficção. Ele é o próprio espanto".
Sérgio Rubens Sossélia
"A caminhar em direção ao coleante, ao úmido, ao viscoso, elementos mediadores
que produzem impressões sensoriais ambíguas e não se ajustam sensorialmente
a um sistema, a poética de Manoel de Barros incorpora o ambíguo, o difuso, o
descentrado; desconcerta e arrebata o leitor."
Lúcia Castello Branco
"Acreditamos que o novo, em Manoel de Barros, não está na alça de mira: está na
própria mão que aciona o gatilho".
Paulinho Assunção
"...este grande poeta chamado Manoel de Barros, que conhece a língua dos
bichos do Pantanal e nada faz para atrapalhar a harmonia pré-homo sapiens.
Como homo ludens, vem à Cidade para rir e volta ao mato para anotar".
Fausto Wolff
"Sobre essa realidade brasileira, mato-grossense e distante, vibra o super-real
desse poeta, seus valores desvairados, um universo de puro destemor à memória
a ao seu cruel encantamento".
Ismael Cardim
"Se você se detiver e analisar folhas, pelos, plumas, escamas, cristais e
madrepérolas - o modo como se resolvem em si mesmos e se imbricam com seus
pares - , você vai entender a poesia de Manoel de Barros. Um verbo orgânico que
obedece ao mesmo plano diretor que orienta as teias de aranha, as cadeias de
enzimas, as barreiras de coral."
Jamil Snege
8
"Manoel de Barros extrai música do coração do chão rejeitado, pisado e mijado da
civilização ocidental. Extrai música das lesmas, dos líquenes, das moscas e das
formigas. Extrai música dos besouros, dos ciscos e das garças. Manoel de Barros
passou de poeta. Como aquele cristal de Vallejo passou de animal. Como aquela
flor que passou de borboleta. Como a minha mulher, que passou de orquídea."
Douglas Diegues
"Acompanho a poesia de Manoel de Barros humildemente: recebo-a como se em
estado de graça, me comprazo com ela e - por instantes graças a ela - me
comprazo com o mundo e até comigo."
Antônio Houaisss, filólogo
que Manoel de Barros é um usuário ou utente ou utilizante ou criante de
palavras - havidas , haventes, havíveis - que sangram, sorriem, safadeiam,
macaqueiam, lirizam, luziluminam, que convida o leitor a gozar - na bruteza da
vida que corre - a infinita graça da disponibilidade mental para o gratuito absoluto -
a nós, bichos da terra atarefadíssimos, que perdemos cada vez mais o dom do
dado, a buscar macabramente o conquistado, o barganhado, o comprado, o
negociado, o crocitado, o propagandeado: a pureza poética de Manoel de Barros
acena-nos (dá-nos) a utopia da felicidade mental e verbal".
Antônio Houaisss, filólogo
"... confesso que sobre mim a ação, a influência, a percepção da obra de Manoel
de Barros, transcende o cotidiano, o ordinário, o regular. Trata-se, repito, na minha
opinião, de um dos grandes poetas que a língua portuguesa produziu, e um dos
grandes poetas que o mundo no momento tem."
Antônio Houaisss, filólogo
"A poesia de Manoel de Barros, nesta nossa conjuntura, nacional e humana em
geral, é um maravilhoso filtro contra a arrogância, a exploração, a estupidez, a
cobiça, a burrice - não se propondo, ao mesmo tempo, ensinar nada a ninguém,
senão que à vida."
Antônio Houaisss, filólogo
"seu manejo das palavras reserva surpresas até mesmo para quem está
acostumado a lidar com elas. Sua originalidade sem par é dificilmente encontrada
na poesia universal."
Antônio Houaisss, filólogo
"O poeta Manoel de Barros é único em sua obra, não merece, e sua obra não
aceita, qualquer rótulo de classificação ou agrupamento forçado sob o ponto de
vista de características comuns."
Pe. Afonso de Castro
"...é a poesia que abre seu lugar próprio em seu próprio território, sob sol próprio e
sua própria paisagem física e moral, verbal e estética, em que um humilde (e
sábio) demiurgo"
Antônio Houaisss, filólogo
9
INTRODUÇÃO
Como toda introdução, esta também se pretende como alinhavo do texto
que se segue. Mas, igualmente, como toda introdução, foi confeccionada após
o término do texto em questão. Portanto, tal introdução funciona mais como
resumo ou panorama (talvez, com algumas alterações, até como um artigo) do
texto principal.
Desse modo, através dessa tessitura, pretendemos abordar o problema
das possibilidades comunicativas que resultam das relações entre a poesia e a
crônica. Para tanto, a semiótica se revela como extremamente adequada para
analisar as texturas de cada uma delas, bem como os virtuais entrelaçamentos
entre esses dois universos sígnicos distintos; pois quando se pretende captar
processos e mobilidades, o real se torna sobretudo devir, ainda que seja
congelado a todo momento em uma estrutura que é a sua atualização.
Essa dissertação assume, portanto, a técnica da bricolagem como
proposta de composição. A partir da junção ou encaixe de fragmentos, frases,
citações, traduções, advindas de diversas teorias pertinentes, pretendemos
alcançar o objetivo proposto, sem, contudo, esgotá-lo. Desse modo, o que
10
aspiramos não é forjar uma verdade única e inquestionável, mas fazer emergir
circularidades e interações entre verdades possíveis.
No primeiro capítulo, tomaremos como referência o poeta pantaneiro
Manoel de Barros e sua poesia. Manoel, no alto de seus noventa anos, é
considerado, hoje, senão o maior, um dos maiores poetas brasileiros vivos da
atualidade. Sua poesia vigorosa, simples, orgânica e extremamente inovadora
vem ganhando prêmios e conquistando espaço entre leitores do Brasil e do
estrangeiro.
Através de uma breve biografia, baseada em alguns livros, artigos e
entrevistas concedidas pelo poeta, disponíveis no acervo da "Gleba Expositiva
Manoel de Barros" (cf. Bibliografia), abordaremos sua infância entre os seres
ínfimos do pantanal matogrossense; passaremos por sua adolescência e
juventude perambulando pelo Rio de Janeiro e outras cidades no exterior;
revelaremos suas influências, tanto em relação à literatura quanto à outras
artes e; chegaremos em seus procedimentos poéticos e em sua temática
repleta de insetos, aves, sapos, rios, pedras, lodos, trastes, latas, vagabundos,
andarilhos e toda sorte de gente que permearam sua infância e, para os quais,
Manoel de Barros empresta sua voz em incansável exercício de subversão da
gramática e da lógica instrumentalista. Pelas memórias inventa(ria)das de sua
infância, o poeta exprime a exuberante natureza do pantanal, a cosmovisão do
homem pantaneiro, a impórtância dos seres e coisas desimportantes e,
metalingüisticamente, seu próprio exercício de poetar.
No segundo capítulo, como toda aproximação demanda antes
delimitação, inicialmente, vislumbraremos as particularidades tanto da crônica
11
quanto da poesia. Para então, verificarmos as possibilidades relacionais de
ambas.
No âmbito das distinções, para compreendermos os diversos fatores e
funções presentes em toda linguagem, abordaremos, de modo resumido, a
teoria de Roman Jakobson, em especial a função referencial, comumente
atribuída à crônica, e a função poética, obviamente ligada à poesia.
No que se refere às possibilidades comunicativas, apresentaremos a
noção de dialogismo forjada por Mikhail Bakhtin. Formulado a partir dos modos
de utilização da linguagem, do diálogo entre o "eu" e o "outro", das interações
dialógicas entre gêneros discursivos, enunciados e contextos sociais, das
polifonias no interior de um mesmo texto tramado em fios de vozes que
polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras, o dialogismo
se mostra como um excelente recurso para procurar vestígios relacionais entre
a poesia e a crônica em Manoel de Barros. Dado que, por esse prisma, uma
linguagem pode se insurgir dentro de outra e vice-versa, de modo a que os
discursos e processos de transmissão das mensagens se deixem contaminar,
permitindo o surgimento de híbridos ou mestiços.
Abordaremos, ainda, a noção de complexidade, conforme proposta por
Edgar Morin. Esse método, que é na verdade, mais um modo de ver do que
propriamente um método estruturado e fechado, tem por princípio distinguir
sem separar e associar sem reduzir, a fim de descobrir possíveis ligações,
contatos, relações, envolvimentos, solidariedades, sugestões, imbricações,
interdependências, complexidades, entre distintas esferas do conhecimento
humano. Desse modo, revela-se como uma importante mirada para vislumbrar,
12
em Manoel de Barros, as possíveis articulações organizacionais entre poesia e
crônica.
No terceiro e último capítulo, trataremos mais detidamente do dinamismo
da cultura, entendida, segundo o semioticista russo Iuri Lotman, como um
sistema sígnico composto por diversos elementos em vários níveis, que atuam
em interações uns com os outros, de modo que, no interior da cultura, existem
estruturas diferentemente organizadas em diferentes graus de organização.
Nesse sentido, devido às características de formação próprias a cada
cultura, esta pode ter uma maior ou menor abertura e, conseqüentemente, uma
maior ou menor dinamicidade em seu interior. Assim, toda cultura viva se
caracteriza por uma contradição gerada pela constante luta entre a aspiração a
levar o sistema até seus limites e o automatismo gerado como resultado disso.
O sistema ou a cultura, por sua vez, é entendida como um texto (no seu
sentido etimológico: tecido, entrelaçamento), onde, segundo Lotman, se
interatuam, se interferem e se auto-organizam hierarquicamente as linguagens.
Entendemos, portanto, na trilha de Lotman, que cultura-é-um-texto-tramado-
em-entrelaçamentos-de-textos.
Cultura, desse modo, é pensada como um texto organizado
complexamente, como um meio semiótico, chamado por Lotman de
semiosfera, onde diversos textos se organizam hierárquica e tradutoriamente.
Isso acontece porque a semiosfera possui fronteiras e é muitas vezes
atravessada por fronteiras internas. Essas fronteiras não são totalmente rígidas
e, em alguns casos, chegam a ser permeáveis ou, ainda, até mesmo fluidas.
A semiosfera pode, portanto, ser considerada sob uma perspectiva
fundamentada essencialmente na noção de sistemas complexos, nos quais o
13
conjunto de distintos textos e linguagens relacionam-se uns com os outros,
interpenetrando-se e intercambiando-se em novos universos semióticos, o que,
assim como na língua natural, aumenta ainda mais a complexidade do sistema,
o que, por sua vez, possibilita outras novas relações ad infinitum.
Nesse sentido, regiões como a América Latina, que devido a sua
formação sócio-histórica tornou-se palco de diversas mesclas culturais,
exercem a mesma função da semiosfera, mas de maneira exacerbada. Isso
levou o sistema a tal grau de complexidade que ocasionou um rompimento com
os processos civilizatórios clássicos, vindo a desenvolver um outro processo
chamado Barroco ou Neo-barroco. Diferente do barroco europeu, no nosso
barroco há, segundo Lezama Lima, tensão, plutonismo e plenitude
1
. E isso se
dimensionalmente em todos os textos e séries da cultura: na culinária, na
ourivesaria, no vestuário, na arquitetura, no corpo, no jornal, na literatura etc.
Dito de outra forma, nosso barroco é proliferante, é uma ciência dos
encaixes por bordadura, é construção contínua de mosaicos móveis. Por isso,
a relação entre dois textos culturais cria fricções entre sistemas semióticos
distintos, podendo ou não resolver-se em sintaxes mais ou menos elaboradas,
de melhor “encaixe” ou não tão bem encaixadas.
Esses "encaixes" podem vir a gerar mestiçagens entre distintos textos
da cultura, pois, conforme Serge Gruzinsky, a mestiçagem ou hibridismo não
se refere às raças, mas a um modo de superar as fronteiras entre áreas,
linguagens e textos, pois a mestiçagem bem feita é um modo de resolver o
heterogêneo sem cair na fusão, mas de modo que aquilo sobreviva como
inclusão e como criação.
1
No livro "A expressão americana", pág. 79-80, Lezama Lima diz que o barroco americano é "plenário".
Entretanto, para proporcionar uma leitura mais ágil e agradável, optamos pelo termo "plenitude". Cremos
que essa troca não altera o significado proposto pelo autor.
14
Assim, conforme Pinheiro, uma mestiçagem bem feita é aquela que se
dá quando uma linguagem insemina e é inseminada pela outra, de tal sorte que
uma remeta a outra, estabelecendo uma relação complementar entre ambas.
Nesse sentido, no que se refere à prática literária na América Latina,
Severo Sarduy afirma que o barroco faz da escrita uma prática de
artificialização, de modo que uma escrita contenha, comente, carnavalize
outras escritas. Como espaço do diálogo, o barroco realiza na escrita literária
um teatro citacional e paródico.
Existem, portanto, misturas entre os diversos gêneros literários, que por
sua vez, criam certa propensão à ruptura e, consequentemente, geram
dificuldades de classificação no que diz respeito à Literatura desenvolvida na
América Latina.
Esses processos de ruptura, que estão presentes desde a “invenção”
de nossa América, por meio da descrição do choque entre culturas, precipitam-
se através das veias abertas pelos movimentos modernistas da Arte, que se
sucederam, um após outro, com pequenas diferenças de tempo, em toda
América Latina.
No Brasil, desde os descobridores até os contemporâneos, existe uma
tradição de autores que estabelecem uma ligação com os fatos, com o
cotidiano, com a história, com o jornal e com a poesia para tornarem-se
cronistas da história. E foi justamente o exercício da crônica, verdadeiro
laboratório experimental para os poetas e escritores modernistas, que
funcionou como estopim para as revoluções formais e temáticas empreendidas
pelos mesmos. E não poderia ter sido de outra forma, pois a crônica, através
da apropriação eclética de campos culturais e de gêneros díspares, próxima ao
15
modo barroco que nos funda, embora tenha uma origem estrangeira,
aclimatou-se bem a nossa terra, adquirindo inclusive nosso(s) sotaque(s).
Desse modo, aproximar a crônica da poesia é, de saída uma tentativa de
entrever os meandros estruturais das culturas latino-americanas e brasileira.
Destarte, abordamos um poeta tão complexo quanto original como
Manoel de Barros para buscar possíveis confluências entre poesia e crônica.
Tomando como exemplo ou amostragem um poema de cada um de seus livros
publicados, esquadrinhamos as estruturas e as temáticas dos mesmos
procurando, neles, indícios da presença da crônica.
16
I - O POETA MANOEL DE BARROS
1.1 - Manoel de Barros: vida e obra
Se ganhar prêmios for mesmo referência para avaliar um bom poeta,
Manoel de Barros é o maior poeta em atividade no Brasil, pois conquistou
todos os prêmios de poesia, incluindo dois Jabutis. (MARTINS, 12/2006)
Apesar de tudo, continua praticamente desconhecido ante o grande público e
parte da crítica. Entretanto, o parco reconhecimento vem, aos poucos, se
ampliando. "Descoberto" pelo público quando em idade avançada e tendo
então publicado vários livros, a crítica (como vimos acima) tempos vem
cultuando sua poesia espelhada na fluida paisagem pantaneira e permeada da
beleza das inúteis pequenezas das coisas-insetos-plantas-aves. Poesia da
plasticidade, poesia dos restos, poesia da substantivação que revela uma
carga de comoção nascida de uma fonte objectual e não subjetiva, poesia do
chão. Estas são algumas definições que podem ser aplicadas à obra de
Manoel de Barros. (NETO, 1997 : 41)
Nascido em Cuiabá a 19 de Dezembro de 1916, Manoel Wenceslau
Leite de Barros, neto de bugres e de portugueses, logo foi levado para o
17
pantanal de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde cresceu rente às cercas
que seu pai fazia, descobrindo o mundo ao brincar em árvores e com aquelas
coisinhas do chão, aqueles bichinhos, como ele mesmo afirma em uma
entrevista (COUTO, 14/11/93). Aos oito anos de idade vai estudar em Campo
Grande. Logo mais, aos 13, vai para o Rio de Janeiro estudar em colégio
interno, como ele mesmo diz (BORGES & TURIBA, 1990 : 323): estudei dez
(10) anos em colégio interno. Interno é preso. Se você prende uma água, ela
escapará pelas frinchas. Se você tirar de um ser a liberdade, ele escapará por
metáforas.
Talvez tenha sido por isso que, Manoel de Barros, depois de conhecer
Camões, Camilo, Bernardes e todo Antônio Vieira, descobriu que o que lhe
dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
(BARROS, 2000a : 87). Principalmente com Vieira, a quem considera um
pregador da palavra e não da divindade, percebeu seu dom para gostar de
frases, para admirar as sintaxes, conforme sustenta em entrevista (CASTELLO,
18/10/97): Lendo o Vieira, descobri que qualquer palavra pode tornar-se
poética, desde que você a coloque no lugar certo. Com o Vieira aprendi o valor
da construção na poesia.
Foi também nessa época que o poeta, conforme afirma numa entrevista
(GUIZZO, 1979), percebeu sua timidez, manifestada através de um bloqueio,
uma barreira, um tremuleio para falar, pelo qual as conversas acabavam sendo
cortadas no meio, o que lhe deixava um saldo mortal de angústia. Diz que é
um bom escutador e um vedor melhor. Mas trancado e sozinho é que
consegue se expressar. Mas, assim mesmo, sem linearidade, por trancos,
sugestões, ambíguo - como requer a poesia.
18
Essa timidez acompanhou-o por toda vida e ainda hoje está presente.
Certa feita, por volta dos 23 anos, formado em Direito - carreira que, salvo
algumas tentativas frustradas, nunca exerceu - diante de um juiz togado,
quando se preparava para começar uma defesa, vomitou em cima do
processo. (...) Tempos depois, convidado para ler uns versos de Louis Aragon
em um estúdio de rádio, o poeta desmaiou sobre o microfone. (CASTELLO,
1999 : 123) Seus limites começavam a aparecer, Manoel a se conhecer e a
poesia a se impor.
Aos 31 anos, após abandonar a militância do Partido Comunista, decide
"vagabundear em Nova Iorque", onde morou mais de um ano. Em suas
andanças correu boa parte do mundo, desde pequenas cidades da América
Latina, alcançando a Itália, Portugal e Paris. (CORREIA, 01/12/90) Essas
viagens lhe trouxeram, conforme afirma em uma entrevista (BORGES &
TURIBA, 1990 : 329), além do contato com a produção de outros artistas,
principalmente ligados ao cinema e às artes plásticas, a percepção de que os
meus viveres citadinos, ou civitantes, estão sempre cheios de um ver
envesgado, cheio de vozes de rios e de rãs em minha boca.
De volta ao Rio, casou-se e teve filhos. Desde 1960, após herdar uma
fazenda de gado em Corumbá, vive entre a mesma e Campo Grande, onde
mantém uma vida simples e com poucas extravagâncias. Além de cumprir,
anualmente, o ritual quase religioso de voltar ao Rio de Janeiro, onde
permanece um a dois meses, para rever amigos e se abastecer de livros
(CORREIA, 01/12/90), no seu dia-a-dia, em seu ancoradouro pantaneiro,
afirma que tem uma rotina quase militar:
19
Acordo às 5 horas, tomo um copinho de guaraná em pó,
caminho 25 minutos, tomo café com leite, subo para o meu
escritório de ser inútil. Desço meio dia, tomo dois uísques,
almoço e sesteio. O resto é pra ouvir música. E ver o dia
morrer. (MARTINS, 12/2006)
Entretanto, é perfeccionista. No seu inusitado "escritório", munido de um
dicionário do século XVIII - organizado em cinco volumes, que ostenta
extensos verbetes de uma página inteira - e de outros livros de filologia, Manoel
de Barros passa horas consultando, lendo, averiguando, anotando coisas. Nos
pequenos cadernos que ele mesmo prepara, caprichando nas capas que
exibem reproduções de obras de arte, chega a reescrever duzentas vezes um
mesmo poema, até alcançar a forma desejada. (CORREIA, 01/12/89) O que o
leva a atingir um alto grau de originalidade. Aliás, originalidade e inovação são
características marcantes desse poeta sul-mato-grossesnse. Como numa
brincadeira de criança, o poeta cria e transforma a linguagem, dando realce e
tornando mágicos seus versos. (SPIRONELLI & ISQUERDO, 2003 : 180)
Embora cronologicamente pertença à geração de 45, Manoel de Barros,
numa entrevista à André Luis Barros (24/08/96), sustenta que nunca na minha
vida fui de participar muito de grupo. Acho que em poesia também não
pertenço a nenhuma geração, a tal geração de 1945 não é a minha.
Entretanto, a obra de Manoel de Barros apresenta uma evolução
temática e estrutural que perfaz, grosso modo, todas as fases do modernismo.
(FERNANDES, 1987 : 87). É ele mesmo quem afirma que depois que me vi
livre do internato, com 17 anos, talvez, foi que conheci o Oswald de Andrade e
Rimbaud. O primeiro me confirmou que o trabalho poético consiste em
20
modificar a língua. (BORGES & TURIBA, 1990 : 325). Outro autor importante
para Manoel de Barros foi outro Manuel: o Bandeira. Poeta
que trouxe para a lírica nacional uma nova maneira de
escrever e viver a poesia, vista como a descoberta do sublime
nas pequenas coisas do dia-a-dia. Poeta do cotidiano e da
humildade, Bandeira fundou uma maneira específica de poetar.
Barros desenvolveu este fazer poético, levando-o às últimas
conseqüências. (NETO, 1997 : 44)
Daí pode-se entender de onde vem sua outra fonte poética: o linguajar
popular. Como o próprio Manoel de Barros diz em entrevista (COUTO,
14/11/93), O que o povo diz é, para a gente, tão importante quanto ler Vieira.
Eu passo metade do meu dia conversando com gente pobre, com pessoas
ignorantes que sabem falar coisas diferentes. Ou ainda, em outra entrevista
(NAME, 02/03/96), Povo, criança, bêbados, psicóticos e primitivos renovam as
linguagens. Inventam maneiras de falar que me entusiasmam. Sou muito
abastecido por esses falares.
Suas influências passam também por outros caminhos. Na literatura,
passeou por Ovídio, Kafka, Gógol, Dostoiévski, Baudelaire, Mallarmé, Valéry,
Erza Pound, T. S. Eliot, Tinguely, Apollinaire, Guimarães Rosa, Fernando
Pessoa, Cesário Verde, Mário Carneiro, Mário de Andrade, Jorge de Lima,
Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto, Antonio Nobre, Dalton, Machado de
Assis, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Clarice Lispector. Do cinema e
das artes plásticas, onde muitas vezes sua poesia foi tomar soluções, bebeu
em Buñuel, Fellini, Kurosawa, Charles Chaplin, Bosch, Brueghel, Utamaro,
Hokusai, Picasso, Braque, Paul Klee, Joan Miró, Magrite, Modigliani, Giuseppe
21
Arcimboldo, Chagall, Van Gogh. E na filosofia, dialoga com Heidegger, Sartre,
Benjamim, Barthes. Além disso, é ouvinte atento de Chopin, Bach, Beethoven e
igualmente de Cartola, Lupicínio Rodrigues e Bezerra da Silva. Enfim, Manoel
de Barros é um observador atento dos movimentos estéticos desse e de outros
séculos. Em seus poemas é possível encontrar variações que vão desde a
elegância seiscentinta de um soneto camoniano aos mais provocadores efeitos
formais e semânticos que se ligam, de certa forma, aos idos de 22. (SILVEIRA
In BARROS, 2000a) Além disso e, também por isso, as palpitações e as
inquietações artísticas de nossa época transparecem em seus livros.
(CAMARGO, 1999 : 70) Acresce ainda que nenhum outro poeta brasileiro
transubstancia com igual intensidade a realidade e os significados das palavras
(FERNANDES, 1987 : 83). Assim, com uma dicção bastante pessoal, um
comportamento diverso do da maioria dos poetas, que inaugura novos
caminhos, desvela novas percepções e instaura novos mundos, Manoel de
Barros pôde, antropofagicamente, ter usado técnicas que outros poetas, ou
pintores, ou cineastas usaram. Apropriou-se delas e transformou-as ao
pantanalizá-las. (CASTRO, 1991 : 58)
Desse modo, Manoel de Barros é um autor extremamente sensível ao
seu cotidiano universo regional, repleto de ciscos, trastes, insetos, bichos,
aves, plantas, loucos, gentes e paisagens, sem, contudo, deixar de
transcender, através do trato com a palavra, para os grandes temas da
realidade universal humana. Pois como ele mesmo sustenta (CASTELLO, 1999
: 115/116), há sempre um lastro de ancestralidades que nos situam no espaço.
Mas não importa muito onde o artista tenha nascido. O que marca um estilo é a
maneira de mexer com as palavras. Poesia é um fenômeno de linguagem. E
22
continua, de minha parte, confesso que fujo do regionalismo que não em
arte, que só quer fazer registro.
Por conseguinte, sua temática perpassa a natureza e o pantanal mato-
grossense com o cotidiano de suas gentes, causos, anedotas, adivinhas,
histórias-da-carochinha, mitos e lendas, muitas vezes expressos através de
seus vários personagens; avança para tudo aquilo que a nossa civilização
rejeita, pisa e mija em cima (BARROS, 1990 : 180); resgata memórias de sua
infância - ao rés do chão - para melhor errar a língua e empoemar o sentido
das palavras; roça a incompletude humana, a vida e a morte, propondo uma
comunhão com a paisagem, uma transubstanciação recíproca entre homem,
terra, natureza, restos e outros seres e; como um caramujo, desliza
metalinguisticamente sobre a própria poesia, a arte de escrever, deixando
como rastro sua profunda interpretação da mesma. Manoel de Barros funda,
assim, sua poética da ordinariedade e leva a cabo seu objetivo de reinventar
sempre a linguagem.
Por fim, tudo pode ser eleito para matéria de sua poesia, como ele
afirma, em uma entrevista (TRIGO, 07/89): Elejo a palavra, o ser, o ente, a
coisa. Qualquer pedacinho de parede onde os caracóis escurecem de chuva.
Elejo o guspal e o vergel. Um homem de segurando um buquê de moscas.
Tudo.
Todavia, para Tudo ressalvas! Em diversas circunstâncias, foi o
próprio Manoel de Barros quem delimitou melhor a matéria-prima de sua
poesia ao dizer que a infância que passou, entre gentes e bichos, no pantanal
deixou nele um lastro, que com certeza, aliado ao seu instinto lingüístico, veio a
configurar sua poesia. Afirma, ainda, que não busca o sublime e o espiritual no
23
seu poetar, mas ao escrever com o corpo (BARROS, 1990 : 212), busca as
coisas ínfimas, inúteis, insignificantes colhidas do chão; o que está em estado
de putrefação, de metamorfose, de renascimento.
Pode-se, portanto, conceber a matéria-prima de sua poesia como
intimamente relacionada à exuberante natureza do pantanal; às memórias
inventa(ria)das de sua meninice; à complexa cosmovisão do homem
pantaneiro; às coisas e seres desimportantes, bem como às insólitas relações -
geralmente, desvalorizadas pela sociedade - entre elas e os seres humanos e,
por fim; ao próprio exercício de construir poesia com tais materiais, o que inclui
ainda o poeta e a palavra.
Por outro lado, (agora sim!) Tudo: o universo, o homem, a natureza, as
relações, a alegria, a liberdade, os grandes temas da humanidade, as
reminiscências passam a ser reinventadas sob o filtro da poesia. (CASTRO,
1991 : 19) Pois, através da poesia, Manoel de Barros descobriu que poderia
intervir na realidade, recriando-a a seu modo.
Dessa maneira, o pantanal se apresenta como microcosmo elevado a
macrocosmo na produção poética de Manoel de Barros. (SILVA, 2003 : 137)
Da efervescente natureza do pantanal, que segundo Manoel (CASTELLO,
18/10/97) é um lugar primário, não terminado, sem feições definitivas, onde
não se pode passar a régua. Desse universo composto por caramujos, lemas,
formigas, lagartixas, cupins, cigarras, jacarés e outros seres insignificantes aos
olhos do atarefado homem urbano (RAMIRES & MARINHO, 2002 : 29), o
poeta incessantemente tira novas matizes. Deslumbrado com os devaneios da
mata, Manoel de Barros colhe do pantanal os seus andarilhos, os loucos, os
seres que vivem em promiscuidade com a natureza, a forte presença da água,
24
da árvore, dos animais do úmido (...), que dão ao poeta a lição de um viver
rasteiro, colado ao chão. (NETO, 1997 : 21) Mesmo quando se refere a
máquinas ou objetos artificiais o faz de modo que o mesmo se mescle à própria
poesia e à natureza (alicate cremoso, chevrolé gosmento, pregos primaveris).
Assim, sem deixar que sua poesia se reduza ao referente e ao pitoresco,
articula de forma insólita e tensa os elementos fornecidos pela natureza a uma
pesquisa lingüística intensa, a uma busca de formulações novas e engenhosas
(BARBOSA, 01/12/90). Desse modo, a sujeira que envolve os poemas de
Manoel de Barros não é obra da natureza; é, sim, o resultado de uma longa e
difícil depuração. (CASTELLO, 1999 : 117)
A natureza, portanto, para Manoel de Barros, não é apenas cenário,
mas, como dissemos acima, é matéria-prima para seus poemas. Afinal, a partir
dela, o poeta
busca ultrapassar os limites do que é possível ser dito; e busca
fazê-lo através de termos resgatados de sua infância e
modificados através de prefixos, sufixos e de todos os
possíveis processos de formação e derivação de palavras que
a língua portuguesa oferece, para assim expressar sua
particular cosmovisão. (RAMIRES & MARINHO, 2002 : 42)
Desse modo, o poeta utiliza-se de seus minadouros, i.e., das memórias
de sua infância, junto a outros procedimentos, para incidir na língua como
expressão; de modo que as palavras, como que encantadas, reclassifiquem o
mundo e todos os seres que o compõem e digam, de modo inaugural, o ínfimo,
o gratuito, o lúdico. Como ele mesmo afirma em entrevista (MARTINS,
TRIMARCO & DIEGUES, 12/2006), o que sei e o que uso para a poesia vêm
25
de minhas percepções infantis. Por isso, o pantanal - e suas águas, bichos,
trastes, gentes - é tão freqüente nos poemas de Manoel de Barros. Pois, na
mesma entrevista, ele diz que o
Pantanal é o lugar da minha infância. Recebi as primeiras
percepções do mundo no Pantanal. Meu olhar viu primeiro as
coisas no Pantanal. Minhas ouças ouviram primeiro os ruídos
do mato. Meu olfato sentiu primeiro as emanações do campo.
E assim com os outros sentidos.
De vêm também seus inúmeros personagens: oriundos do universo
biográfico de Manoel de Barros ou baseados em histórias e/ou pessoas reais,
que permearam sua infância e semearam no poeta o amor por aquilo que
comunga com o chão, que o chão é um ensino. (BARROS, 1990 : 217) Tais
personagens, contaminados de natureza por aderências, vivem no limite entre
o natural e o humano. Além disso, como vivem à margem da produção e do
mercado, instauram por reentrâncias um outro mundo: o poético.
Desse modo, seus personagens - Bernardo, portador de referências
vegetais, que vive sem as químicas do civilizado e transfaz natureza, que um
dia apareceu na casa do avô de Manoel, pedindo emprego; Polina, menina de
8 anos que não sabe dizer Paulina, seu nome "correto"; Maria-Pelego-Preto,
tão abundante de pelos no pente que o pessoal pagava pra ver; Mário-pega-
sapo, freqüentador assíduo de velórios que esfola sapos a canivete para ver,
nas entranhas do bufo, seu futuro; Gedeão ou Gidian, que se inventou e gosta
de saber o que tem da pessoa na máscara; Andaleço, andarilho com feitio de
Homem do Saco, cuja função é ter a doce independência de não escolher;
Catre-Velho, traste pessoal que presta para tocar violão e cantar com sua
26
voz de harpas destroçadas; Apuleio, de vulgo Seo Adejunto, por de dantes
cabo-adjunto por servimentos em quartéis; Sebastião, diz-que louco que
apostava corrida com peixes montado de sela em jacaré; Zezinho-Margens-
Plácidas, célebre fazedor de discursos patrióticos, hoje aposentado; Antoninha-
me-leva, que toda noite recebe três e até quatro comitivas de boiadeiros;
Salustiano, índio guató que ensina o saber que tem força de fontes; Claúdio,
que de tão só e sujo acabou por se irmanar com um jacaré; o Avô, que vivia em
cima de uma árvore e que, antes de morrer, deixou ao neto um "caderno de
apontamentos"; e muitos outros - são máscaras de um mesmo eu lírico que
quer interferir na realidade, estabelecendo uma ética poética, um pensar sobre
as coisas a partir do chão, do pequeno, do inútil. (CAMARGO, 1999 : 72)
Para tanto, Manoel de Barros precisa minar o terreno da lógica
utilitarista. Por isso, a eleição da pobreza, dos objetos que não têm valor de
troca, dos homens desligados da produção (loucos andarilhos, vagabundos,
idiotas de estrada, formam um conjunto residual que é sobra da sociedade
capitalista (WALDMAN apud. NETO, 1997 : 42).
Associado ao seu singular tratamento para com as palavras - que o
poeta arroga-se o direito de errar e inventar a língua para poder dizer o
inefável, a excessividade de seu mundo (CASTRO, 1991 : 214); que ele diz
que ama arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-
las (BARROS, 1990 : 206) - , a partir do qual seu objetivo é, como se as coisas
não tivessem nome, batizá-las, forçá-las a aceitarem o dizer inaugural das
coisas e do mundo, a dizer com precisão o impreciso, a desarrumar a cartilha,
a se contaminarem dele e da força do chão para instaurar um outro mundo.
Enfim, seu objetivo é empreender uma espécie de síntese entre o nome e o
27
objeto, é burlar a racionalidade numérica, é problematizar a linguagem, como
ele mesmo diz em entrevista (CANÇADO, 06/87): Para mim, escrever é
aprender a errar a língua. Um desvio da linguagem. As evidências não
importam. Eu estou sempre escrevendo uma espécie de guia de cego.
Assim, comprometido com um lirismo às avessas, Manoel de Barros põe
em evidência a necessidade de se reconhecer tudo aquilo que não se quer
reconhecer, porque são realidades que revelam aspectos desagradáveis da
condição humana. (NOGUEIRA & VALLEZI, s/d) E revela através do delírio do
verbo, pelo qual Manoel de Barros coisifica-se, incorpora-se ao mundo das
coisas para que elas se expressem pela sua voz. Inaugurando um mundo
onde, nos vôos da imaginação, articulam-se de modo ambíguo palavras e
erros, aproximam-se em comunhão realidades distantes, diversificam-se
dissonantemente falas populares e eruditas, desencadeam-se caoticamente
novos entendimentos, sem se preocuparem com as amarras das normas
gramaticais e da ordem estabelecida pelo pensamento lógico. Nesse mundo,
em que são constantes negativas que se renegam ao modo de afirmativas, o
homem aparece descentrado de seu papel de dominação sobre os seres da
natureza, nivelado à condição de coisa, submetendo-se a uma ordem geral
válida para todos os seres, os quais continuamente transformam-se. (CRUZ,
www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/metapoesia>,
25/06/2006)
Desse modo, Manoel de Barros subverte a linguagem ao poetizá-la, pois
uma
linguagem conceptualizante não tem o vigor da vida, não fala
aos sentidos. (...) Quer ele uma linguagem voluptosa, rica de
28
imagens, cores, sons, incasta, corrompida e relacionada ao
sensível, livre, impregnada da luxúria da terra, do limo, do lodo,
de sangue e de putrefações férteis. Um linguajar que floresce
no agroval, no quente mundo da fermentação das
metamorfoses. (CASTRO, 1991 : 144)
Assim, Manoel de Barros, contesta o convencional e aproveita as
virtualidades da língua para melhor errá-la e, desse modo, desconstruir sua
codificação usual. Através de sua radical liberdade de criar sobre aquilo que a
sensibilidade lhe oferece, prefere as surpresas do sensível à iluminação e a
certeza da reflexão rotineira. (CASTRO, 1991 : 165)
E isso garante aos seus poemas uma feição de inocência poética, como
estado de ser (sendo as coisas), um estágio de vida nascente, onde a
ludicidade da vida expressar-se-ia numa linguagem inaugural, virgem enquanto
nascente. (CASTRO, 1991 : 61)
Entretanto, embora possam parecer simples, seus procedimentos
poéticos são bastante complexos: Com habilidade, Manoel de Barros,
emprega, em seus poemas, vocábulos provenientes de diversas áreas:
comunga palavras da fala cotidiana (sesso, pente em alusão a sexo, corgo em
vez de córrego) com outras da tradição clássica; absorve palavras cujas raízes
advêm de outros idiomas, como o inglês, o espanhol, o árabe; incorpora
palavras ouvidas na região do pantanal ou pesquisadas na língua regional
arcaica (ensaruou, bundura, avino) e; pare palavras inventadas, em níveis
vocabulares, sintáticos e semânticos, através dos processos comuns
oferecidos pela língua, como o emprego de sufixos (olhoso, pedral, areiento,
nadeiras), prefixos (desútil, desconformada, transpedregoso), substantivação
29
de verbos (uma me pedra, um passarinho me árvore), sinestesias (ver com
os ouvidos, escutar com a boca), variações fonéticas (taligrama, vãobora),
justaposições (nadifúndios, amareluz), onomatopéias (tibum, pispinicar),
metaplasmos (garampos, teriscos), derivações (estrelamente, vesúvios), entre
outros procedimentos. E que o poeta não gosta de palavra acostumada,
soma-se isso a um incansável exercício de descascar as palavras, através do
qual ele limpa o lodo da civilização, areja as palavras, revivifica-as na terra,
enverba as insânias, busca contigüidades anômalas e moleca o idioma, numa
profusão de metáforas, metonímias e oxímoros.
Outro fator importante nas composições poéticas de Manoel de Barros
se em seus obscenos esfregamentos da poesia com a prosa. A recorrência
a personagens e coisas que se desenvolvem num tempo e num espaço quase
que narrativo, meio que descritivo ainda que altamente acometido da mais
singular manifestação de poeticidade (ROSSONI, 2003 : 59), associados a
versos que se equiparam a frases curtas, quase sem rimas, com ritmos
permeados de pausas bruscas e freios ligados à respiração e
pronunciamentos, dão aos poemas o feitio de contos, encadeados por imagens
poéticas. Na verdade, o que o poeta faz em sua faina é atravessar o outro
lado da linguagem, tentando, através do jogo sintático-semântico, construir o
equilíbrio incerto que separa o prosaico do poético. (NOGUEIRA & VALLEZI,
s/d)
Nesse sentido, os poemas de Manoel de Barros, como recorrência à sua
própria poética, são construídos por conexões de fragmentos, como um
brinquedo de montar, passível de decomposição e recomposição. (NETO, 1997
30
: 76). É ele mesmo quem expõe seu processo compositivo em uma entrevista
(VASSALLO, 1996 : 08):
Tenho um caderno de ter infância. Nele escrevo as minhas
fantasias. Anoto coisas desgualepadas. Boto frases dementes.
Depois de obter umas 300 frases ou versos, começo a montar
o poema. As frases no caderno estão esparsas, solteiras; mas
fazem parte de uma experiência minha e de meus
desentendimentos daquele período. Então, monto, remonto e
desmonto as frases. Depois que consigo ler o poema de baixo
para cima e de cima para baixo, dou por concluído o que não
tentei explicar. Ao gosto barroco.
Essa técnica de colagem fica ainda mais complexa quando Manoel de
Barros faz uso, em seus poemas, da intertextualidade. As filiações às palavras
de outros poetas e escritores, as referências, as epígrafes, as citações, as
notas de rodapé que permeiam seus poemas, como que faz pulular, nas
entrelinhas paratextuais, o desnome desse poeta que, como a lesma que lhe
agrada tanto, vai escrevendo com a gosma de seu corpo, os interstícios de sua
poética.
Há, ainda, nos poemas de Manoel de Barros, a utilização da
metalinguagem como processo crítico de sua própria obra artística, que leva,
concomitantemente, a um entendimento e a uma teorização metafórica de sua
proposta poética. Ao mesmo tempo em que se reflete sobre sua obra, o poeta
vai tecendo uma nova maneira de se fazer poesia.
Desse modo, Manoel de Barros, pratica uma verdadeira alquimia que
plasticiza a linguagem, fazendo-a soar estranhamente cristalina e humilde, sem
31
imponência. (WALDMAN, 27/05/89). Mas que, como um espelho, logra mostrar
o mundo do ponto de vista imagético, sem conceituá-las. (SILVA, 1998 : 10)
Entretanto, para Manoel de Barros, o mundo - assim como a natureza e
os seres e coisas excluídos dele - devem projetar-se uns sobre os outros de
modo a fermentarem-se e fundirem-se na retração das imagens. Por
conseguinte, sua poesia pode ser entendida como um ritual que depura e
elimina as disparidades da natureza, transformando-as em harmonia polifônica
e policrômica da fala expressiva das imagens. (FERNANDES, 1987 : 27)
Diferente do pensamento racional, onde as coisas são essencializadas
individualmente, ao poeta cabe voltar a confundi-las. Pois, pela poesia as
diferenças entre as coisas se desfazem. Desse modo, o poético não se
encontra no objeto real, nem tampouco na palavra denotativa, mas na
transubstanciação a que os mesmos são submetidos ao serem colocados em
um poema. Nesse sentido, o tido como feio, grotesco, caótico pode ser poético
a partir do momento em que, ao se transformar em linguagem, seus
significados referenciais cedam lugar ao poético. (PINHEIRO, 2000 : 26)
Assim, Manoel de Barros, sem obedecer as leis que regem as espécies,
desdenhando das fronteiras entre os reinos, ignorando a distância entre o
orgânico e o inorgânico, instaura um mundo de metamorfoses e transfaz a
natureza e a palavra equalizando-as em uma terceira realidade, porosa, sem
limites claros, onde os atributos humano, animal, vegetal, mineral e o próprio
poeta contagiam-se mutuamente e a linguagem se impregna de matéria viva.
Nesse universo em ebulição, onde homens que arvoram, pedras que
cheiram água e galhos que ficam empassarados de sol, os sentidos se
embaralham, Manoel de Barros adoece dele suas palavras, inundadas pela
32
paisagem pantaneira, transmigra as essências das coisas e promove a
consubstanciação da realidade e das palavras, em busca da eucarística
transubstanciação dos seres para, epifanicamente, transfigurar o real.
Por outro lado, nesse processo, tem-se, por vezes, a sensação de que o
poeta Manoel de Barros também se transubstancia em cronista, pois as
narrativas imagéticas da paisagem pantaneira, dos animais e insetos, das
árvores e plantas, das pedras e rios e, principalmente, das histórias, costumes,
lendas, causos, personagens, vividas ou ouvidas da boca do povo, que
permeiam frequentemente seus poemas, fazem brotar a suspeita de que
Manoel de Barros, através de sua aglutinante poética, represa no texto, de
modo quase referencial, a realidade circundante.
Embora metamorfoseada pelos metabolismos lingüísticos e imagéticos,
a realidade, geralmente presente nos poemas de Manoel de Barros, reflete,
nas entrelinhas da poesia, o homem fincado em suas origens, em seu chão.
Com a ressalva de que o engendramento poético ao referencializar o mundo
por meio da imagem mostra-se mais belo que a própria realidade. (SILVA,
1998 : 12)
Assim, através do procedimento operado por Manoel de Barros, em que
o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê (BARROS, 1997 : 75), o
universo pantaneiro inunda a voz do poeta que, com seu estilo criador de
amálgamas, pinta com palavras uma tela do real. (SILVA, 1998 : 12)
Nesse sentido,
para retratar a vida pacata da cidade de Corumbá do início do
século, para descrever os personagens característicos que
conheceu na infância, Manoel de Barros recorreu ao poema-
33
retrato, ao poema-crônica. Os primeiros livros contêm o que a
memória conservou sobre a vida corumbaense, sobre o porto,
e sobre o pantanal. (CASTRO, 1991 : 11)
Vejamos, portanto, como se processa em Manoel de Barros a relação
entre poesia e crônica
2
. Como adiantado acima, ele utiliza elementos relativos
à crônica em seus primeiros livros. Entretanto, a suspeita de que esse
procedimento se estenda a outros livros e, talvez, apareça na quase totalidade
de sua obra.
Mas, antes, para melhor entendimento da questão, vamos avaliar quais
são as possibilidades relacionais entre a poesia e a crônica, bem como as
diferenças entre elas. Além disso, abordaremos como se a dinamicidade
compositiva da cultura, principalmente na América Latina e, por conseguinte,
no Brasil; assim como, vislumbraremos de que modo se deram esses
processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira.
2
Segundo Castro (1991 : 19-20), o próprio poeta afirma, em sua autobiografia oficial, que seus primeiros
escritos publicados foram uma crônica intitulada Mano e um soneto de nome Bugrinha, publicados em
1932 no boletim da Nhecolândia, região onde se situa a fazenda de Manoel de Barros. Entretanto,
oficialmente permanece Poemas Concebidos sem Pecado como o primeiro livro de Manoel de Barros.
Infelizmente, não chegou a nossas mãos essas primeiras publicações do poeta, nem tampouco a
autobiografia citada.
34
II - A CRÔNICA, A POESIA E SUAS RELAÇÕES
2.1 - Os diferentes fatores e funções da linguagem presentes na poesia e
na crônica
A linguagem verbal humana, assim como a consciência, se apoiada
numa enigmática e complexa trama de fatores. Mudanças e alterações em
diversos níveis, de modo ao mesmo tempo complementar, concorrente e
antagônico, que ocorreram desde os primatas e nos ambientes em que estes
viviam, se engancharam de tal maneira que o homem pôde lançar-se na
aventura da consciência do mundo e de si e da articulação da linguagem verbal
para exprimi-lo e exprimir-se. (MORIN, s/d.) Muito provavelmente, sua
motivação se deve à necessidade de se auto-conservar. O homem precisava,
como o animal mais ameaçado, de auxílio, de proteção, ele precisava de seu
semelhante, ele tinha de exprimir sua indigência, de saber tornar-se inteligível
(NIETZSCHE, 1996 : 201). Assim, por necessidade, ao longo de seu processo
evolutivo, o homem cria meios ou signos para participar a outrem e a si mesmo
seus anseios, temores, esperanças etc.
3
3
Embora tratemos aqui somente da linguagem verbal, os signos não se resumem à mesma.
35
Para isso, articula os dois modos básicos de arranjo utilizados no
comportamento verbal, seleção e combinação. (JAKOBSON, 1995 : 129) O
primeiro seleciona os termos dentro das possibilidades da língua, que, por isso,
podem ser substituídos e; o segundo trata de combinar em frase, os termos
selecionados.
Desse modo,
para toda comunidade lingüística para toda pessoa que fala,
existe uma unidade de língua, mas esse código global
representa um sistema de subcódigos relacionados entre si;
toda língua encerra diversos tipos simultâneos, cada um dos
quais é caracterizado por uma função diferente. (JAKOBSON,
1995 : 122)
Assim, para transmitir uma mensagem o homem necessita de alguns
fatores que arquitetam, de maneira inalienável, o processo comunicativo. Em
primeiro lugar, requer um remetente que emita a mensagem e um destinatário
para onde a mesma se encaminhe. Para que ela chegue ao seu destino é
necessário que se estabeleça um contato, tanto através de um canal físico (que
servirá de suporte aos sinais concretos da mensagem), quanto de uma
conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a
ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. (JAKOBSON, 1995 :
123) Os sinais, ainda, devem ser articulados de acordo com um código pré-
convencionado, aceito pelo remetente e pelo destinatário. Desse modo,
mensagem quando os sinais são convertidos em regras; isto é,
mensagem quando houver codificação. (CHALUB, 1988 : 12) O código é,
portanto, a língua ou dialeto sobre o qual a mensagem é formada. Resta ainda,
36
para completar o rol de fatores estruturantes de todo ato de comunicação
verbal, demarcar o tema ao qual a mensagem se refere, isto é, fixar o contexto:
este nada mais é do que o assunto sobre o qual a mensagem está organizada.
Todos esses fatores estão envolvidos em toda e qualquer mensagem.
São fatores constitutivos de todo processo lingüístico, de todo ato de
comunicação verbal. (JAKOBSON, 1995 : 122-3).
Igualmente, a cada um desses fatores corresponde uma função de
linguagem. A saber, a função EMOTIVA, centrada no remetente, produz
mensagens de caráter confessional, em 1ª pessoa, auto-biográfica, sentimental
(a carta de amor é um exemplo de mensagem elaborada a partir da função
emotiva). A CONATIVA busca convencer, induzir o destinatário a agir ou a
pensar de determinado modo (esta é a função utilizada na mensagem
publicitária, que tem como objetivo levar o destinatário a aceitar uma idéia
como verdadeira ou a consumir o produto anunciado). A FÁTICA expõe o fator
contato e tem como objetivo, ou apenas testar o canal físico (quando, ao
telefone, digo: Alô! Está me ouvindo?) ou para atrair a atenção do interlocutor,
ou ainda, para enfatizar o próprio contato para transmitir outras mensagens (se
usar como suporte um pergaminho darei a impressão de que esta mensagem é
mais antiga do que ela realmente é). A METALINGUÍSTICA enfatiza a própria
língua, isto é, o código, pois fornece informação apenas a respeito do código
lexical do idioma (JAKOBSON, 1995 : 127) (quando procuro no dicionário o
significado de uma palavra o resultado é metalinguagem, que este está
expresso em outras palavras). A REFERENCIAL produz mensagens com a
finalidade de informar, seu fator predominante é o contexto (a linguagem
científica e a jornalística são exemplos de mensagens organizadas a partir da
37
função referencial). Enfim, a função POÉTICA pende para a mensagem como
tal. É o enfoque da mensagem por ela própria. Ou seja, a mensagem dobra-se
sobre si. Desse modo – e por ser a mensagem o lugar onde se pode apreender
o perfil da linguagem – a mensagem poética torna-se topos privilegiado para se
delimitar o fator estético da linguagem, presente em maior ou menor grau em
toda e qualquer mensagem.
Entretanto, é importante abrirmos um parêntese para salientar que tais
características estruturais da linguagem têm desenvolvimentos e
aplicabilidades irregulares em decorrência das diversas culturas nas quais as
mesmas se encontram, pois
as culturas cuja memória se satura fundamentalmente com
textos criados por elas mesmas, a maioria das vezes se
caracterizam por um desenvolvimento gradual e demorado; ao
contrário, as culturas cuja memória converte-se periodicamente
em objeto de uma saturação massiva com textos elaborados
em outra tradição, tendem a um "desenvolvimento acelerado"
(LOTMAN, 1996 : 161).
4
Nesse caso, culturas como a latino-americana, que no seu interior
abrigam textos advindos de diversas outras culturas, possibilitam radicais
reorganizações dos fatores e funções da linguagem conforme proposto por
Jakobson. Desse modo, como veremos adiante, aqui se geram textos que,
tendencialmente, rompem com as estruturas estanques do modelo
4
las culturas cuya memoria se satura en lo fundamental con textos creados po ellas mismas, la mayoría
de las veces se caracterizam por un desarollo gradual y retardado; en cambio, las culturas cuya
memoria deviene periódicamente objeto de una saturación masiva con textos elaborados en otra
tradición, tiendem a un "desarollo acelerado". No artigo: "La memoria a la luz de la culturología".
38
jakobsoniano através de uma proliferante assimilação estrutural mútua entre
textos, fatores e funções.
Contudo, isso é assunto para logo mais. Por ora, o fundamental é
delimitarmos que dessas seis funções da linguagem, aqui nos interessa
sobretudo a função REFERENCIAL por estar tendencialmente relacionada à
crônica, com seus temas de modo geral calcados na vida social, na política,
nos costumes, no cotidiano imediato etc. ou até mesmo em trazer o
excepcional para o cotidiano; e a função POÉTICA, por, obviamente,
relacionar-se com a poesia, embora nem a poesia seja totalmente submissa à
função poética, nem a função poética se esgote estritamente na poesia. Pelo
contrário, as particularidades dos diversos gêneros poéticos implicam uma
participação, em ordem hierárquica variável, das outras funções verbais a par
da função poética dominante. (JAKOBSON, 1995 : 129).
Desse modo, faz-se necessário uma delimitação mais apurada do que
vem a ser crônica e, igualmente, do que caracteriza poesia.
2.2 - Crônica
Derivada da palavra grega chronos, o que a relaciona com a idéia de
tempo, a crônica ocupou-se, ao longo das eras, de acontecimentos temporais:
históricos e cotidianos. Em sua evolução, seu sentido se alterou. Foi desde
descrições em ordem cronológica da vida e história de reis, padres, reinos,
abadias e até do mundo, que abrangiam desde a Criação até os próprios dias
do cronista (LOYN, 1997 : 109)
5
, na Idade Média, até nossos dias onde o estilo
ficou mais leve no que diz respeito à estrita fidelidade aos fatos, porém, tornou-
se mais complexo quanto a seus assuntos e quanto a sua estrutura. Entretanto,
5
Verbete “crônicas”.
39
de maneira geral, a crônica nunca perdeu os vínculos com o sentido
etimológico que lhe é inerente e que está em sua formação. (BENDER &
LAURITO, 1993: 11)
Modernamente, o termo é usado de modo constante para designar um
texto jornalístico que aborda os mais diversos assuntos, que se dedica aos
fatos menores e cujo interesse principal não é informar, mas divertir. (ROTKER,
1993 : 11)
6
Fazendo parte do jornal impresso, surgiu no século XIX, na França,
como folhetim de variedades: um espaço livre no rodapé do jornal, destinado a
entreter o leitor e dar-lhe uma pausa de descanso em meio à enxurrada de
notícias graves e pesadas que ocupavam (...) as páginas dos periódicos.
(BENDER & LAURITO, 1993: 15) Com o passar do tempo, popularizou-se e
tornou-se um chamariz para atrair leitores e, claro, assinaturas, para os jornais,
onde os fatos contavam, porém entreter era tão importante quanto informar.
(ROTKER, 1993 : 15)
7
Embora esteja diretamente ligada à idéia de tempo, seus principais
assuntos geralmente não são os grandes fatos, as comemorações de datas
importantes etc., mas sim a própria vida com seus
pequenos acontecimentos de todo dia, envolvendo o calo, a
dor de dente, a árvore que cortaram na minha rua, a própria
rua, as crianças, os velhos, os animais de estimação, os
aniversários, (...) a conversa fiada, os pequenos sentimentos,
as coisinhas, nossas ou alheias. (BENDER & LAURITO, 1993:
42-43)
6
Que se dedica a los hechos menudos y cuyo interés central no es informar, sino divertir.
7
(Los) hechos contaban, pero entretener era tan importante como informar.
40
Enfim, por tudo isso, como disse Antonio Candido, professor e crítico
literário,
a crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma
literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho
universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas.
Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por
melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica é um
gênero menor.
“Graças a Deus”, seria o caso de dizer, porque sendo assim
ela fica perto de nós. (CÂNDIDO, 1992 : 13)
Isso acontece porque crônicas não têm pretensões de durar (embora
muitas sejam publicadas em livros e dessa forma perdurem), que nasceram
com o jornal – que, depois de lido, geralmente adquire funções menos nobres –
e com a era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Entretanto, como
arqueologia do presente, tornar o transitório definitivo é a essência da crônica.
(BENDER & LAURITO, 1993: 59)
Nesse sentido, o fato jornalístico pode ser um mero pretexto para o
cronista, que dele se apropria para tratar de outros assuntos, que podem ser
mais gerais ou, até mesmo, quase completamente fictícios. E é justamente
que reside a maior grandeza da crônica, pois
o espaço em que acontece o fato analisado pelo cronista não
fica no mundo real que nos rodeia. Mesmo quando verdade
inquestionável no que diz, as entrelinhas e as analogias é que
interessam. (BENDER & LAURITO, 1993: 44)
41
Entretanto, embora a crônica seja um gênero do disfarce, não é, todavia,
totalmente ficcional, que sua intrínseca relação com a realidade cotidiana é
evidente. Por isso, a crônica se caracteriza por uma ambigüidade,que existe
no limiar entre Jornalismo e Literatura. O que, por sua vez, lhe imprime alguns
traços distintivos, tais como, a utilização do humor e da simplicidade; de leveza
e tom coloquial, casual, descontraído no trato com a linguagem; de crítica de
arte, teatro, filme, música, livro etc. e de autocrítica em relação ao cronista e
sobre a própria arte de cronicar; o aproveitamento do espaço textual para tecer
considerações literárias, bem como para propor debates sobre questões
sociais; a freqüente utilização de um narrador que narra o assunto da crônica e
o costumaz uso de recursos vocativos que chamam o leitor a participar da
mesma; outras vezes, as crônicas são escritas como cartas ou epístolas
endereçadas a alguns ou a muitos ou até como respostas a cartas recebidas
pelo autor; há também uma certa brevidade e a utilização de frases telegráficas
em decorrência do pouco espaço disponibilizado na página do jornal; a
utilização de “tipos” e “tipas”, personagens que representam papéis sociais
como o professor, o boêmio etc., parentes de longe, amigos, amigo do amigo,
animais e que, em alguns cronistas, acabam se tornado constantes; a
descrição, muitas vezes pormenorizada, de objetos banais, tornando-os
importantes; o dizer sobre o tempo, seja um dia de semana ou um domingo,
seja o que passa depressa ou o que nunca passa, seja uma recordação de
infância do tempo perdido, que não volta mais ou um exercício de
futurologia ou até de ficção científica; o caráter de flagrante do cotidiano e, no
âmbito formal, a agilidade textual imprimida por esse cotidiano; e um ecletismo
42
de gêneros literários com a freqüente inclusão da oralidade no texto,
reproduzindo, no mesmo, o burburinho das ruas.
Assim, o cronista goza de uma liberdade, tanto em relação ao assunto
abordado quanto no diz respeito à estrutura utilizada em sua crônica, que
acaba permitindo que, às vezes, ele transcenda o meramente fatual e faça um
texto de alto teor literário. (BENDER & LAURITO, 1993: 49) Pois, em relação à
Literatura, podem
ser encontrados na crônica os mesmos recursos estilísticos
dos outros gêneros. Linguagem metafórica, alegorias,
repetições, antíteses, paradoxos, gradação, metonímia,
hipérbole, eufemismo, ironia, diminutivos afetivos,
aumentativos depreciativos, suspense... (BENDER &
LAURITO, 1993: 76)
Tudo que a elaboração literária possibilita pode estar na crônica, sem,
contudo, deixar de ser um texto jornalístico. Portanto,
a estrutura da crônica é uma desestrutura; a ambigüidade é a
sua lei. A crônica tanto pode ser um conto, como um poema
em prosa, um pequeno ensaio, como as três coisas
simultaneamente. Os gêneros literários não se excluem:
incluem-se. (PORTELLA apud BENDER & LAURITO, 1993: 53)
Mesmo porque, conforme Pinheiro (2004), desde os relatos dos nossos
primeiros cronistas, dos primeiros padres e dos viajantes estrangeiros, que, nos
limiares da formação sociológica brasileira, perante o assombro em face de um
mundo novo e desconhecido, caprichosa extensão de terras povoada de
imagens, e a busca de termos apropriados numa curiosa mescla de histórias,
43
mitos e lendas, ensaios de prosa e poesia, onde a linguagem, cheia de
angústias, de frutos estranhos e saborosos, retorce-se em orações
desordenadas e em contrastes de imagens e de idéias (VARGAS, 1979 : 459),
indicavam uma capacidade de se aproximar e apreender o movimento vivo
do cotidiano seja na descrição de relações, amigáveis ou não, entre as
diferentes populações que aqui viviam e se entrecruzavam, seja nas tentativas
de cartografar as paisagens mutantes que por aqui encontraram, seja nas
descrições relativas às exuberantes e, ao mesmo tempo, aterradoras fauna e
flora americanas, seja nos olhares relatados sobre a variação de luz e refração
num espaço tão solar ou, ainda, seja nos tormentos provocados pelas
distâncias ou pelos massacres promovidos ou assistidos –, a crônica
jornalística
atualiza estética e socialmente a relação absolutamente
indispensável, neste continente, entre a tecnologia do jornal e
uma escritura migrante e do aberto, que viria a contribuir
decisivamente para a reinvenção da prosa e do verso
(PINHEIRO, 2004 : 22).
2.3 - Poesia
A poesia, por sua vez, se volta para o aspecto material dos signos
lingüísticos. foi dito antes que selecionar e combinar são os dois pilares de
organização de toda e qualquer linguagem. Assim, o poeta também seleciona,
escolhe, exclui, dentro das possibilidades do código ou paradigma o eixo
metafórico, que diz respeito às relações de similaridade –, os signos que vai
utilizar para compor a combinatória, o sintagma o eixo metonímico, que diz
44
respeito às relações de contigüidade. Desse modo, a função poética projeta o
princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação.
(JAKOBSON, 1995 : 130) Pois, a seleção e a recusa de signos, operada pelo
poeta, é feita baseada nas relações de semelhança entre eles.
Isto é, a seqüência de uma frase é determinada pela equivalência de
seus termos. Assim, como numa vitrine em que peças soltas de vestuário
conformam o corpo definido do manequim, os termos escolhidos no paradigma
moldam o realce preciso do sintagma. Esse arranjo se porque a lógica da
poesia é a da atração analógica. (CHALUB, 1988 : 26) Por isso que uma
mensagem poética acarreta diversos problemas tradutórios: pois ela cria e
fixa – seu próprio contexto.
Assim, o que marca a diferença entre uma mensagem cujo fim é,
predominantemente, apenas comunicar e uma mensagem poética, é a forma
de arquitetar, de organizar os signos com o intuito de expor um modo de
construção, o aspecto sensível, material, significante, para então propor
significado(s). É fazer viver uma relação intensa e indissociável entre Som &
Sentido.
Mesmo porque, um poema criativo é
um poema no qual cada parte constitutiva, e todo o conjunto,
mostra um fato novo, independente do mundo externo,
desligado de qualquer outra realidade que não seja a própria,
pois toma seu lugar no mundo como um fenômeno singular,
separado e distinto dos demais fenômenos. (HUIDOBRO apud
CAMPOS, 1979 : 291)
8
8
(Poema creado) es un poema en el que cada parte constitutiva, y todo el conjunto, muestra un hecho
nuevo, independente del mundo externo, desligado de cualquiera outra realidad que no sea la propia,
pues toma su puesto en el mundo como un fenómeno singular, aparte y distinto de los demás fenómenos.
45
Nesse aspecto, a
linguagem poética revela a existência de dois elementos que
agem no agenciamento fônico: a escolha e a constelação dos
fonemas e de seus componentes; o poder evocador destes
dois fatores, ainda que fique escondido, existe entretanto de
maneira implícita no nosso comportamento verbal habitual.
(JAKOBSON, 1995 : 114)
Entretanto,
a “composição não-versificada” (verselles composition),
conforme Hopkins chamou a variedade prosaica da arte verbal
em que os paralelismos não são tão estritamente marcados
ou tão estritamente regulares quanto o “paralelismo contínuo” e
em que não existe nenhuma figura de som dominante ,
apresenta problemas mais complicados para a Poética, da
mesma forma que qualquer domínio lingüístico de transição.
Neste caso a transição se situa entre a linguagem estritamente
poética e a linguagem estritamente referencial. (JAKOBSON,
1995 : 156)
Acresce ainda que, segundo Oswald de Andrade na abertura de seu
“Manifesto da Poesia Pau-Brasil” a poesia está nos fatos (ANDRADE, 1978 :
05), o que corrobora com a posição do poeta russo Boris Pasternak, para quem
a poesia está nas coisas, está no mundo. (CAMPOS & CAMPOS &
SCHNAIDERMAN, 1985 : 136-137)
9
Desse modo, no que se refere ao poeta, no domínio da inspiração, sua
liberdade não pode ser menor que a de um jornal cotidiano que trata numa
9
Cf. em especial os poemas “Definição de poesia” e “Poesia”.
46
mesma página de matérias tão diversas, percorre os países mais distanciados.
(APOLLINAIRE apud CAMPOS, 1999 : 28)
Assim, como foi sugerido, embora distingamos seis aspectos básicos
da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens que
preenchessem uma única função. (JAKOBSON, 1995 : 123) Desse modo, a
diversidade dos tipos de mensagens se nas várias possibilidades de jogar,
de graduar, de hierarquizar as funções da linguagem. A estrutura verbal de
uma mensagem insinua uma função dominante, que, entretanto, não é
exclusiva. Como em toda mensagem está presente os seis fatores da
linguagem verbal, toda mensagem exercerá também, em maior ou menor grau,
as seis funções correspondentes.
Nesse sentido, é possível estabelecer relações entre quaisquer funções
em qualquer mensagem, tal como acontece durante uma partida de futebol,
quando as atenções se voltam para quem está com a bola em determinado
momento, embora os demais jogadores (e até mesmo a torcida) também
influenciem no jogo.
Desse modo, mesmo que a poesia seja predominantemente baseada na
função poética, e a crônica seja tendencialmente atribuída à função referencial,
uma sempre poderá projetar-se na outra, poderá conter em si, em diversos
graus, elementos da outra; assim como elementos de outras funções. Esses
processos relacionais são o que garantem a dinamicidade da linguagem verbal,
sua constante transformação e, no caso da função poética, a capacidade de
fazer-falar a própria língua, de tratar a palavra pelo seu devir, de estar sempre
desautomatizando a linguagem, sem o que a poesia perde sua poeticidade,
sua “literariedade”, e acaba por submeter-se a outras funções. Pois como o
47
próprio Jakobson comenta, a linguagem poética se desgasta de tempos em
tempos, e então se torna preciso absorver do linguajar cotidiano outras formas
e construções. (JAKOBSON apud TOLEDO, 1971 : xiv).
Nesse sentido, essas relações entre funções distintas podem acarretar
diversas situações que deverão ser examinadas que vão desde a perda
gradativa ou total da especificidade de uma das funções presentes, baseada
numa hierarquia entre elas; até, como já sugerimos a respeito de culturas como
a latino-americana, o estabelecimento de dialogismos, de migrações, entre
todas. Podendo, ainda, inaugurar novas formas comunicativas ou até mesmo
uma outra função de tipo híbrida ou mestiça.
A primeira hipótese é, de pronto, eliminada por Jakobson, que, para
ele, a
adaptação dos meios poéticos a algum outro propósito
heterogêneo não lhes esconde a essência primeira, assim
como elementos da linguagem emotiva, quando utilizados em
poesia, conservam ainda sua nuança emotiva. (JAKOBSON,
1995 : 131)
Desse modo, numa determinada mensagem, por maior que seja a
preponderância de uma das funções da comunicação verbal sobre as outras,
estas ainda conservam suas “essências”, que se expressam através de
“nuanças”, matizes, sutilezas, presentes em dada mensagem. Isso ocorre,
obviamente, como foi dito acima, pela presença inalienável em toda e
qualquer mensagem, dos seis fatores básicos estruturantes da comunicação
verbal. Aos que são correspondentes as seis funções da linguagem. Assim, o
mesmo deve ocorrer nas possíveis relações entre a poesia e a crônica, onde a
48
supremacia da função poética sobre a função referencial não
oblitera a referência, mas torna-a ambígua. A mensagem de
duplo sentido encontra correspondência num remetente
cindido, num destinatário cindido e, além disso, numa
referência cindida (JAKOBSON, 1995 : 150).
Nesse caso, fica patente a possibilidade do estabelecimento de
dialogismos entre as diversas funções da linguagem, o que, por seu turno,
pode vir a gerar mestiçagens entre as mesmas. Senão, vejamos...
2.4 - Dialogismo
O conceito de dialogismo
10
é proposto por Bakhtin a partir dos modos
de utilização da linguagem, do diálogo entre o eu e o outro, das interações
dialógicas entre gêneros discursivos, enunciados e contextos sociais, das
polifonias no interior de um mesmo texto tramado em fios de vozes que
polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras como
característica essencial da linguagem e princípio constitutivo, muitas vezes
mascarado, de todo discurso. O dialogismo é a condição do sentido do
discurso. (PESSOA de BARROS, 1994 : 02)
11
Desse modo, como princípio constitutivo da linguagem, a noção de
dialogismo propõe
que toda a vida da linguagem, em qualquer campo, está
impregnada de relações dialógicas. A concepção dialógica
10
Esse conceito é muito mais complexo e abrangente do que será exposto adiante. Porém, nosso objetivo
é vislumbrar a hipótese da possibilidade de dialogismos entre a poesia e a crônica. Desse modo, outros
conceitos importantes à teoria de Bakhtin, como Polifonia, Intertextualização, Carnavalização etc., serão
deixados de lado ou tratados de modo implícito.
11
Essa autora é comumente citada apenas como “BARROS”. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa
que tem por objeto poemas de Manoel de Barros, optamos por essa denominação de modo a evitar
eventuais enganos.
49
contém a idéia de relatividade da autoria individual e
conseqüentemente o destaque do caráter coletivo, social da
produção de idéias e textos. (LUKIANCHUKI,
<www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2>, 17/12/2006)
Nesse sentido, o dialogismo rege a produção e a compreensão dos
sentidos, enquanto fronteira em que eu/outro se interdefinem, se
interpenetram, sem se fundirem ou se confudirem. (BRAIT, 2005 : 80)
Assim, por uma articulação sempre fluida, derivada de uma tensão
permanente entre os diversos diálogos que compõem um determinado texto, o
dialogismo
consiste em propor que há entre o particular e o geral, o prático
e o teórico, a vida e a arte uma reação de interconstituição
dialógica que não privilegia nenhum desses termos, mas os
integra na produção de atos, de enunciados, de obras de arte
etc. (SOBRAL, 2005 : 105)
Desse modo, o dialogismo se mostra como um excelente recurso para
“radiografar” o hibridismo, a heteroglossia e a pluralidade de sistemas de
signos na cultura. (MACHADO, 2005 : 153). E, é claro, para procurar vestígios
relacionais entre a poesia de Manoel de Barros e a crônica. Dado que, por esse
prisma, uma linguagem pode se insurgir dentro de outra e vice-versa, de modo
a que os discursos e processos de transmissão das mensagens se deixem
contaminar, permitindo o surgimento de híbridos ou mestiços.
Mesmo porque, a palavra de um texto se transfigura num contexto novo.
(BAKHTIN, 2000 : 408) Assim, um diálogo perde sua relação com o contexto
da comunicação ordinária quando entra, por exemplo, para um texto artístico,
50
uma entrevista jornalística, um romance ou uma crônica. (MACHADO, 2005 :
155-6) E, por que não, para um poema?
Essa pergunta é bastante pertinente, que, é atribuída a Bakhtin a
concepção de que o dialogismo funciona plenamente no romance, mas não no
teatro nem na poesia. (SCHNAIDERMAN,
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-40141998000100007>
: 17/12/2006) Segundo ele, a poesia, ao contrário de dialógica, seria
monológica, já que o lirismo presente na poesia estaria centrado no eu-lírico do
poeta.
Entretanto,
para Bakhtin, não existem afirmativas categóricas e definitivas.
Ele sempre muda, sempre vai mudando. Então, depois de ter
falado tanto sobre o monológico da poesia, que a poesia é
monológica e tal, num outro escrito, num texto... É verdade que
não é um texto que tenha sido publicado. É um texto que foi
encontrado entre os papéis dele. Grande parte de sua obra é
constituída de anotações que ele não chegou a trabalhar para
publicação. Então, ele tem um texto sobre Maiakóvski em que
ele o apresenta como a expressão da multiplicidade da vozes,
como um poeta que tinha a polifonia ligada a sua obra. Então,
Bakhtin não pode ser encarado apenas pelo que ele escreveu
num determinado texto. Ele é múltiplo. Ele hoje diz uma coisa e
depois vai dizer o contrário. Mas é que isso está ligado à
própria visão que ele tem do mundo, da literatura e das artes.
51
Quer dizer, é a multiplicidade, é o polifônico, é o entrechoque
das vozes.
12
Desse modo, que, conforme vimos acima, para Oswald, Pasternak e,
também, para Manoel de Barros a poesia está nos fatos, nas coisas, no
mundo, como então, excluí-la do grande diálogo universal para o qual Bakhtin
aponta? A cor, o palpável dos objetos, todo o mundo que nos rodeia, a prosa, a
poesia, tudo isso faz parte do imenso simpósio a que sua obra nos convida.
(SCHNAIDERMAN, <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-
40141998000100007> : 17/12/2006)
Além disso, contrariando a distinção estabelecida pelo próprio Bakhtin,
as categorias por ele estudadas com relação à prosa de ficção funcionam
admiravelmente, no exame de um texto poético. (SCHNAIDERMAN,
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-40141998000100007>
: 17/12/2006)
E isso atende também ao estudo das possíveis relações entre a poesia
de Manoel de Barros e a crônica. Pois, o
diálogo das linguagens não é somente o diálogo das forças
sociais na estática de suas coexistências, mas é também o
diálogo dos tempos, das épocas, dos dias, daquilo que morre,
vive, nasce; aqui a coexistência e a evolução se fundem
conjuntamente na unidade concreta e indissolúvel de uma
diversidade contraditória e de linguagens diversas (BAKHTIN
apud REGIS, <www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/dialogismo> :
17/12/2006)
Acresce, ainda, o fato de que as
12
Excerto de entrevista concedida a mim por Bóris Schnaiderman em 07/12/2006.
52
relações transtextuais estão a evidenciar que o texto literário
não se esgota em si mesmo: pluraliza seu espaço nos
paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se em outros
textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se
em alusões, plágios, paródias e citações. (GENETTE apud
REGIS, <www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/dialogismo> :
17/12/2006)
Desse modo, por tudo isso, a questão do dialogismo aqui deve ser
entendida em relação à palavra diálogo, pois, além do seu sentido estrito o
ato de fala entre duas ou mais pessoas —, pode-se tomá-la também em seu
sentido amplo, a saber, qualquer tipo de comunicação verbal, oral ou escrita,
exterior ou interior, manifestada ou não. (LUKIANCHUKI,
<www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2> : 17/12/2006)
Assim, entre vários, um dos aspectos do dialogismo a ser considerado (e
o que aqui nos interessa) é o do diálogo entre os muitos textos da cultura, que
se instala no interior de cada texto e o define. (PESSOA de BARROS, 1994 :
04)
2.5 - Complexidade
Nesse sentido, para que possamos apreender as relações entre os
diversos textos, bem como entre as diversas funções da comunicação verbal
e então, podermos vislumbrar possibilidades relacionais entre a poesia de
Manoel de Barros e a crônica –, faz-se necessário uma mirada, um método,
que não dissocie, não fragmente, não atomatize tais funções. Mas que, pelo
contrário, tente captá-las em movimento, em processo, em comércio. Enfim,
53
que seja menos substancial e mais relacional, que as aborde menos pelas suas
unidades e mais pelas suas complexidades.
Para Morin, complexo é um conhecimento em que se busca distinguir
sem separar, associar sem reduzir, a fim de compreender a complexidade do
real, que qualquer conhecimento contém em si componentes biológicos,
cerebrais, culturais, sociais, históricos etc. Complexidade é, portanto, uma
relação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e
hologramática entre estas instâncias co-geradoras do conhecimento. (MORIN,
1992 : 19)
13
Assim, baseado nos novos “achados” da física quântica e da biologia
molecular, sem, contudo, abandonar plenamente os conhecimentos
estabelecidos, Morin desenvolve sua reflexão tendo em vista a emergência de
um novo paradigma capaz de articular os conhecimentos que se encontram,
academicamente, isolados nas diferentes disciplinas das diversas ciências e
em outros variados saberes como a arte, o mito, a religião etc.. Pois, a
limitação trazida pela física quântica ao conhecimento determinista/mecanicista
se transforma num alargamento complexifixador do conhecimento e adquire
um sentido plenamente epistemológico. (MORIN, 1992 : 167)
Sua busca, entretanto, não é por um conhecimento geral ou por uma
teoria unitária, mas a de um método que possa articular o que, até então, está
separado, que possa religar o que está desarticulado. Um método que, longe
de desprezar ou ocultar, descubra possíveis ligações, contatos, relações,
envolvimentos, solidariedades, sugestões, imbricações, interdependências,
complexidades, partindo de uma nova consciência da ignorância, da incerteza,
13
Por essa ser uma edição portuguesa, nas citações alguns termos podem apresentar grafia diferente da
brasileira.
54
da confusão. Assim, Morin procura não ceder aos determinismos e aos
reducionismos simplificantes e mutilantes do real, ao mesmo tempo em que
desenvolve um pensamento, de partida, potencialmente relativista e relacional,
que aborda e respeita o objeto estudado em sua riqueza e em suas múltiplas
dimensões, sempre numa dialógica ininterrupta de
ordem/desordem/organização, que não se pauta pela busca da certeza
absoluta, que agora é substituída por uma plausibilidade ou por uma
probabilidade.
Entretanto, Morin não pretende esgotar o assunto: a complexidade pela
sua própria maneira de olhar o real, promove desafio e motivação para pensar,
pois toda vontade não mutilante ou não mutiladora do real faz com que
apareçam incertezas, ambigüidades, paradoxos, ou mesmo contradições.
(MORIN, 1992 : 170) O que, por seu turno, garante um conhecimento aberto e
integrador acerca do real, por comportar, em seu interior, um princípio de
incompletude.
Assim, noções como organização recursiva (organização cujos efeitos e
produtos são necessários à sua própria causação e à sua própria produção),
princípio hologramático (em que não apenas a parte está no todo, mas o todo
está na parte), sistemas circulares (retroativos), dialógica, são fundamentais
para a complexidade, onde se busca entender o real a partir de uma integração
complexa: ao mesmo tempo, complementar, concorrente e antagônica. Pois, o
que se procura são os conhecimentos cruciais, as contradições lógicas, os
pontos estratégicos, os nós de comunicação, as articulações organizacionais
entre esferas distintas. São as tramas dos fios que se entrecruzam e se
entrelaçam para tecer o entendimento do real.
55
Assim, para a complexidade, as teorias e a lógica de que se serve mais
o método, que é a própria atividade pensante do sujeito, são centrais e vitais.
Contudo, o método somente pode se formar durante a pesquisa, levando
sempre em conta a consciência do inacabamento de toda obra, assim como o
direito à reflexão.
56
III - CONFLUÊNCIA ENTRE POESIA E CRÔNICA
3.1 - O dinamismo da cultura
Uma relação de proximidade e diferença, e não de igualdade, é o que
torna a pesquisa necessária, que são as diferenças que geram as
aproximações. Por isso, investigar as semelhanças e disparidades entre dois
textos de universos comunicativos distintos como a crônica jornalística e a
poesia de Manoel de Barros é, de saída, uma tentativa em entrever os
meandros culturais e seus desdobramentos, que, no interior da cultura, todo
texto está em contato contínuo com outros textos e, assim, os mesmos sempre
estão numa situação de expansão textual. Ou seja, continuamente um
estado potencial de relações e interações entre todos os textos da cultura.
Com efeito, tradição, educação, linguagem são os constituintes
nucleares da cultura (MORIN, 1992 : 13) e perfazem, em conjunto, as
determinações socioculturais que influenciam todo o conhecimento. Desse
modo, são possíveis várias e diversas configurações culturais, que variam no
espaço e ao longo do tempo, pois cada cultura historicamente determinada
57
gera um modelo de cultura determinado, inerente a ela. (LOTMAN, 2000 :
168)
14
Assim, de modo geral, a cultura, como característica da sociedade
humana,
é organizada/organizadora via o veículo cognitivo que é a
linguagem, a partir do capital cognitivo coletivo dos
conhecimentos adquiridos, das aptidões aprendidas, das
experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas
de uma sociedade. (MORIN, 1992 : 17)
Dessa forma, na base de todas as definições está colocada a convicção
de que a cultura tem peculiaridades. (LOTMAN, 2000 : 168)
15
Ou seja, a cultura
nunca é um conjunto universal, mas somente um subconjunto organizado de
determinada maneira. (LOTMAN, 2000 : 169)
16
Entretanto, cada subconjunto,
i.e., cada cultura particular tende a se auto-reconhecer como universal e acaba
por negar as outras culturas, percebendo-as como não-cultura. Contudo, essa
é a condição para que uma cultura possa se auto-reconhecer.
Sendo assim, dentro da oposição cultura/não-cultura, todas as
diferentes delimitações da cultura em relação com a não-cultura, na realidade,
se resumem a uma: sobre o fundo da não-cultura, a cultura se apresenta como
sistema sígnico. (LOTMAN, 2000 : 169)
17
14
cada cultura históricamente dada genera um modelo de cultura determinado, inherente a ella. No
artigo “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”
15
en la base de todas las definiciones está colocada la convicción de que la cultura tiene rasgos. No
artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”
16
nunca es un conjunto universal, sino solamente un subconjunto organizado de determinada manera.
No artigo: “Sobre el mecanismo semiótico de la cultura.”
17
todas las variadas delimitaciones de la cultura respecto de la no-cultura, em realidad, se reducen a
uma: sobre el fondo de la no-cultura la cultura se presenta como sistema sígnico. No artigo: “Sobre el
mecanismo semiótico de la cultura.”
58
Contudo, esse sistema sígnico que é a cultura é composto por
diversos elementos em vários níveis, que atuam em interações uns com os
outros. estruturas diferentemente organizadas em diferentes graus de
organização. Assim, na cultura,
o aumento da ambivalência interna corresponde ao momento
da passagem do sistema a um estado dinâmico, no curso do
qual a indefinição se redistribui estruturalmente e recebe, no
âmbito de uma nova organização, um novo sentido unívoco.
(LOTMAN, 1998 : 75)
18
Desse modo, a necessidade de auto-renovação constante, de, sem
deixar de ser ela mesma, tornar-se outra, constitui um dos mecanismos de
trabalho fundamentais da cultura. (LOTMAN, 2000 : 189)
19
Entretanto, devido às características de formação próprias a cada
cultura, esta pode ter uma maior ou menor abertura e, conseqüentemente, uma
maior ou menor dinamicidade em seu interior. Assim, toda cultura viva se
caracteriza por uma contradição gerada pela constante luta entre a aspiração a
levar o sistema até seus limites e o automatismo gerado como resultado disso.
E é justamente nas condições de dialógica aberta (...) que os desvios podem
enraizar-se e transformar-se depois, eventualmente, em tendências. (MORIN,
1992 : 30)
Por isso, dentro de um amplo universo de informações que perpassam
todos os tempos e todos os espaços, cada cultura tem especificidades
18
el aumento de la ambivalencia interna corresponde al momento del paso del sistema a un estado
dinámico, en el curso del cual la indefinición se redistribuye estructuralmente y recibe, ya en el marco de
una nueva organización, un nuevo sentido unívoco. No artigo: “Un modelo dinámico del sistema
semiótico.
19
(La) necesidad de autorrenovación constante, de, sin dejar de ser uno mismo, devenir otro, constituye
uno de los mecanismos de trabajo fundamentales de la cultura. No artigo: “Sobre el mecanismo
semiótico de la cultura.”
59
sígnicas. Dessa forma, carregam algo como texturas, que existem como linhas-
de-força não identificáveis de modo explícito, mas que lhe servem de substrato
e de base para seu próprio porvir.
Pois, a cultura,
em correspondência com o tipo de memória inerente a ela,
seleciona em toda essa massa de informações o que, desde
seu ponto de vista, são “textos”, isto é, está sujeito a inclusão
na memória coletiva. (LOTMAN, 1996 : 85)
20
Nesse sentido, podemos dizer que a cultura é um conjunto de textos ou
um texto construído de maneira complexa. (LOTMAN, 1998 : 167)
21
Ou, cultura
é em princípio poliglota, e seus textos se realizam no espaço de pelo menos
dois sistemas semióticos. (LOTMAN, 1996 : 85)
22
Ou, ainda, conjuntamente,
cultura-é-um-texto-tramado-em-entrelaçamentos-de-textos.
Por sua vez, texto é um espaço semiótico no qual se interatuam, se
interferem e se auto-organizam hierarquicamente as linguagens. (LOTMAN,
1996 : 97)
23
Assim, é legítimo afirmar que a
cultura em sua totalidade pode ser considerada como um texto.
Porém, é extraordinariamente importante sublinhar que é um
texto complexamente organizado que se decompõe em uma
hierarquia de “textos nos textos” e que forma complexos
20
(La cultura,) en correrspondencia con el tipo de memória inherente a ella, selecciona en toda esa masa
de comunicados lo que, desde su punto de vista, son “textos”, es decir, está sujeto a inclusión en la
memoria colectiva. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.
21
podemos decir que la cultura es un conjunto de textos o un texto construído de manera compleja. No
artigo: “El texto y la función.”
22
(La) cultura es em principio políglota, y sus textos se realizan en el espacio de por lo menos dos
sistemas semióticos. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”
23
(El) texto es un espacio semiótico en el que interactúan, se interfieren y se autoorganizan los
lenguajes. No artigo: “El texto en el texto.
60
entrelaçamentos de textos. Posto que a própria palavra “texto”
encerra em sua etimologia o significado de entrelaçamento.
(LOTMAN, 1996 : 109)
24
Dessa forma,
o texto se apresenta a nós não como a realização de uma
mensagem em uma linguagem qualquer, mas como um
complexo dispositivo que guarda diferentes códigos, capaz de
transformar as mensagens recebidas e de gerar novas
mensagens. (LOTMAN, 1996 : 82)
25
Assim, as complexas correlações dialógicas e lúdicas entre as diferentes
subestruturas do texto, que constituem o poliglotismo interno do mesmo, são
mecanismos de formação de sentido. (LOTMAN, 1996 : 88-89)
26
Entretanto, o que aquece ainda mais o sistema semiótico, garante ainda
mais complexidade e promove novas linguagens e novos sentidos são as
fricções, os contatos de um texto com outros textos, que o mínimo gerador
textual operante não é um texto isolado, mas um texto em um contexto, um
texto em interação com outros textos e com o meio semiótico. (LOTMAN, 1996
: 90)
27
24
(La) cultura en su totalidad puede ser considerada como un texto. Pero es extraordinariamente
importante subrayar que es un texto complejamente organizado que se descompone en una jerarquía de
“textos en los textos” y que forma complejas entretejuras de textos. Puesto que la propia palabra
“texto” encierra en su etimología el significado de entretejura. No artigo: “El texto en el texto.
25
el texto se presenta ante nosotros no como la realización de un mensaje en un solo lenguaje
qualquiera, sino como un complejo dispositivo que guarda variados códigos, capaz de transformar los
mensajes recicidos y de generar nuevos mensajes. No artigo: “La semiótica de la cultura y el concepto de
texto.”
26
(Las) complejas correlaciones dialógicas y lúdicras entre las variadas subestructuras Del texto que
constituyen el poliglotismo interno de éste, son mecanismos de formación de sentido. No artigo: “El texto
y el poliglotismo de la cultura.”
27
el mínimo generador textual operante no es un texto aislado, sino um texto en un contexto, un texto en
interacción con otros textos y con el medio semiotico. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la
cultura.
61
Esse meio ou espaço semiótico recebe o nome de semiosfera.
Considerada como um mecanismo único ou como um organismo, a semiosfera
é o espaço semiótico fora do qual é impossível a existência mesma da
semiose. (LOTMAN, 1996 : 24)
28
Pode, portanto, ser considerada sob uma
perspectiva fundamentada essencialmente na noção de sistemas complexos,
nos quais o conjunto de distintos textos e linguagens relacionam-se uns com os
outros, interpenetrando-se e intercambiando-se em novos universos
semióticos, o que, assim como na língua natural, aumenta ainda mais a
complexidade do sistema, o que, por sua vez, possibilita outras novas relações.
Por esse complexo mecanismo de seleção e combinação, a semiosfera
põe em processo as relações entre os diversos sistemas ou séries culturais,
que se dão pelo facto da omnipresença potencial de todas as funções, o de
cada acto vir acompanhado de todo um conjunto delas (MUKAROVSKY, 1990 :
102).
29
Isso acontece porque a semiosfera possui fronteiras e é muitas vezes
atravessada por fronteiras internas. Essas fronteiras não são totalmente rígidas
e, em alguns casos, chegam a ser permeáveis ou, ainda, até mesmo fluidas.
Sendo que cada uma delas é um mecanismo bilíngüe que traduz as
mensagens externas para a linguagem interna da semiosfera e vice-versa.
(LOTMAN, 1996 : 26)
30
Esses contatos, essas traduções não apenas garantem
como promovem relações entre textos distintos, sendo que texto é entendido
28
(La semiosfera) es el espacio semiótico fuera del cual es imposible la existencia misma de la semiosis.
No artigo: “Acerca de la Semiosfera.”
29
Por se tratar de uma edição portuguesa, a grafia dos termos foi mantida.
30
(La frontera) es un mecanismo bilingüe que traduce los mensajes externos al lenguaje interno de la
semiosfera y a la inversa. No artigo: “Acerca de la semiosfera”
62
aqui como um espaço semiótico no qual interatuam, interferem e se auto-
organizam hierarquicamente as linguagens. (LOTMAN, 1996 : 97)
31
Lembrando que a função poética não é a única função da arte verbal,
mas tão somente a função dominante, determinante, ao passo que, em todas
as outras atividades verbais ela funciona como um constituinte acessório,
subsidiário (JAKOBSON, 1995 : 128), o que, como vimos acima, pode ser
estendido às outras seis funções básicas da comunicação verbal, podemos, em
certa medida, se acatarmos o princípio de não-rigidez das fronteiras, aceitar a
definição de texto de Lotman como próxima não às funções jakobsonianas
como tais e muito menos ao estabelecimento de hierarquias inflexíveis entre
elas, mas às complexas relações que estão a todo tempo se processando entre
as mesmas. Relações essas que, sob determinadas circunstâncias, são
exacerbadas a ponto de se expandirem para todos os lados, favorecendo o
surgimento de novos textos ou universos semióticos.
Desse modo, todo texto pertence a duas ou várias linguagens
simultaneamente, podendo vir a gerar sintaxes, mestiçagens, entre essas
linguagens, o que, por sua vez, constituem novos textos. Ou seja, textos
independentes e fronteiriços postos em relação mútua, podem promover o
surgimento de nova informação, quando se interpenetram, se “contaminam” e
adquirem estruturas, funcionamentos e sentidos outros, que, contudo,
existem enquanto relações que funcionam em conjunto, o que gera uma
especificidade, uma nova fronteira deste texto em relação aos demais.
31
(El) texto es un espacio semiótico en el que interactúan, se interfieren y se autoorganizan los
lenguajes. No artigo: “El texto en el texto”.
63
Assim, nenhum mecanismo semiótico pode funcionar como um sistema
isolado, imerso num vazio. Uma condição inevitável de seu trabalho é ele estar
imerso na semiosfera. (LOTMAN, 1998 : 144)
32
Contudo, a semiosfera não se confunde com um caldeirão onde tudo
que nele entra se funde numa mesma massa uniforme. A mescla existe, mas
não se de maneira homogênea. Funciona antes como esse texto que você
tem em mãos. É óbvio que o mesmo é apenas um texto dentro de um contexto
muito mais amplo e complexo. Entretanto, ele serve como ilustração. Se
considerarmos cada palavra nele contida como um texto em particular, com
estruturas, funcionamentos e sentidos próprios, o conjunto de todas elas,
dispostas em frases, parágrafos, pontos, linhas, citações e traduções, podem
ser comparados, numa escala metaforicamente microscópica, à
semiosfera. Ou seja, como textos independentes e fronteiriços que postos em
relação uns com os outros, promovem o surgimento de nova informação, se
interpenetram, se “contaminam” e adquirem estruturas, funcionamentos e
sentidos outros, que, contudo, existem enquanto relações que funcionam
em conjunto, o que, por sua vez, gera uma especificidade, uma fronteira, deste
texto em relação a outros.
Desse modo, entendendo cada texto como uma mônada, a semiosfera
se apresenta para nós como intersecção, coincidência,
inclusão de uma dentro de outra, de um número enorme de
mônadas, cada uma das quais é capaz de operações
32
ningún mecanismo semiótico puede funcionar como un sistema aislado, inmerso en un vacío. Uma
condición ineludible de su trabajo es el estar inmerso en la semiosfera. No artigo: “La cultura como
sujeto y objeto para sí misma.
64
geradoras de sentido. É um enorme organismo de organismos.
(LOTMAN, 1998 : 147)
33
Nessa direção, em que contatos entre textos distintos se dão nos
interstícios de fronteiras internas e externas, podemos afirmar que
todos os mecanismos de tradução que estão a serviço dos
contatos externos pertencem à estrutura da fronteira da
semiosfera. A fronteira geral da semiosfera se intersecta com
as fronteiras dos espaços culturais particulares. (LOTMAN,
1996 : 26)
34
Nesse sentido, as relações existentes nas fronteiras da semiosfera,
responsáveis pelos estados dinâmicos dos sistemas semióticos, se alteram em
determinados momentos, pois
no curso de um lento e gradual desenvolvimento, o sistema
incorpora a si, textos próximos e facilmente traduzíveis para
sua linguagem. Em momentos de “explosões culturais (ou, em
geral, semióticas)”, são incorporados os textos que, desde o
ponto de vista de determinado sistema, são os mais distantes e
intraduzíveis (ou seja, “incompreensíveis”). (LOTMAN, 1996 :
101)
35
33
(la semiosfera) se presenta ante nosotros como intersección, coincidência, inclusión de una dentro de
outra, de un enorme número de mónadas, cada una de las cuales es capaz de operaciones generadoras
de sentido. Es un enorme organismo de organismos. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para
misma.”
34
todos los mecanismos de traducción que están al servicio de los contactos externos pertenecen a la
estructura de la frontera de la semiosfera. La frontera general de la semiosfera se interseca con las
fronteras de los espacios culturales particulares. No artigo “Acerca de la Semiosfera.”
35
en el curso de un lento y gradual desarollo el sistema incorpora a mismo textos cercanos y
fácilmente traducibles a su lenguaje. En momentos de “explosiones culturalres (o, en general,
semióticas)”, son incrporados los textos que, desde el punto de vista del sistema dado, son los más
lejanos e intraducibles (o sea, “incommprensibles”). No artigo: “El texto en el texto.”
65
E não necessariamente a cultura do conquistador desempenhará o
papel de estimulante frente a cultura do conquistado. O contrário também pode
acontecer. Pois, o
texto tirado do estado de equilíbrio semiótico, torna-se capaz
de um auto-desenvolvimento. As poderosas invasões textuais
externas na cultura considerada como um grande texto, não
conduzem à adaptação das mensagens externas e à
introdução destes na memória da cultura, mas também servem
de estímulos para o auto-desenvolvimento da cultura, que
resultados imprevisíveis. (LOTMAN, 1996 : 100)
36
Isso ocorre porque a
fronteira da semiosfera é um domínio de atividade semiótica
elevada, na que trabalham numerosos mecanismos de
”tradução metafórica”, onde “trafegam”, em ambas direções, os
textos correspondentemente transformados. Aqui se geram
intensivamente novos textos. (LOTMAN, 1998 : 150)
37
Assim, o momento do encontro entre dois ou mais textos é um momento
de libertação e de resgate do entorpecimento e do transe que eles costumam
impor aos nossos sentidos. (CAMPOS, 1979 : 286)
Entretanto,
36
(El) texto sacado del estado de equilíbrio semiótico, resulta capaz de un autodesarollo. Las poderosas
irrupciones textuales externas en la cultura considerada como un gran texto, no sólo conducen a la
adaptación de los mensajes externos y a la introducción de éstos en la memoria de la cultura, sino que
también sirven de estímulos del autodesarollo de la cultura, que da resultados impredecibles. No artigo:
“El texto en el texto.”
37
(La) frontera de la semiosfera es un domínio de actividad semiótica elevada, en la que trabajan
numerosos mecanismos de “traducción metafórica”, que “trasiegan” en ambas direcciones los textos
correspondientemente transformados. Aquí se generan intensivamente nuevos textos. No artigo: “La
cultura como sujeto y objeto para sí misma.”
66
os estudos teóricos e análises concretas sobre as culturas e
seus textos se complicam quando se trata de regiões ou
processos civilizatórios (Península Ibérica, América Latina)
onde não vigora o conceito progressivo e linear de sucessão,
esta que tornaria qualquer produto uma variante
hierarquicamente determinada pela suposta influência de algo
anterior e pretensamente mais acabado. (PINHEIRO,
<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio> : 26/04/2006)
3.2 - O dinamismo cultural na América Latina: Neo-barroco
Regiões como a América Latina, palco de diversas mesclas culturais,
desempenham essa mesma função de fronteira da semiosfera, mas com uma
exacerbada mobilidade. Acontece que, entre nós – conforme Pinheiro
(26/04/2006), por aquilo que Lezama Lima chama de “arribada de
confluências”, i.e., pelo choque súbito ou encontro excessivo entre várias
culturas diversas em um mesmo espaço-tempo deu-se um rompimento com
os chamados processos civilizatórios clássicos, que, por sua vez, veio a
desenvolver um outro processo chamado de Barroco ou Neo-barroco. Por isso,
alguns
medievalistas afirmam que foi uma Idade Média tardia a que
passou pela América, e podemos acrescentar que com a
incorporação de uma técnica e com o espírito fragmentário de
uma civilização que incorporamos pela metade, esse
medievalismo continuou sendo a raiz da América Latina.
(LIMA,1979 : 481)
67
Entretanto, como afirma Pinheiro (26/04/2006), aqui o Barroco obteve
um desenvolvimento ímpar e, por isso, não foi meramente um movimento
reacionário ibérico frente ao Renascimento cultural europeu como se deu na
velha Europa, mas um modo fundante de percepção e escrituração do mundo,
que aqui se aclimatou muito bem e prosperou viçosamente em textos
movediços e proliferantes. que, o americano não recebe uma tradição
verbal, mas a coloca em atividade, com desconfiança, com encantamento, com
atraente puerícia (LIMA, 1988a : 135). Suas palavras, continua Lezama Lima,
foram reunidas a partir das exigências da paisagem, em incessantes trocas
culturais. Pois o barroco na paisagem das Américas é a natureza,
é o festejo da algazarra excessiva da fruta, o barroco é o
opulento sujeito defrutante, prezo ao corpanzil das delícias,
que nas miniaturas da Pérsia ou Arábia eram vaidosos
escarlates, gema dos dedos, penugenzinhas. (LIMA, 1981 :
134)
38
Por isso, dos sucessivos encontros entre as diversas culturas que
habitavam a terra e as diferentes culturas que por aqui passaram a aportar,
produz-se a Conquista e cria-se aquilo que poderia ser a base
do homem latino-americano: uma superposição e um
entrecruzar-se de possibilidades que forjam uma consciência
determinada, muito diferente daquela do peninsular espanhol
ou português. (VARGAS, 1979 : 460)
Desse modo, diferentemente do homem clássico, renascentista, com
sua repressão moral e seu endeusamento da razão,
38
(Lo barroco, en lo americano nuestro,) es el fiestón de la alharaca excesiva de la fruta, lo barroco es
el opulento sujeto disfrutante, prendido al corpachón de unas delicias, que em las miniaturas de la
Persia o Arabia, eran sopladas escarlatas, yema de los dedos, o pelusillas. Tradução de Amálio Pinheiro.
68
a viagem do homem barroco é entre a luz e a sombra. O seu
quotidiano é um deserto de desassossego dominado pela
desmedida importância de todos os pormenores, uma ponte
para a transcendência. (...) que (...) implica um outro corpo:
ágil, leve, esculpido pela tentação, em tensão permanente. Um
corpo em festa, animado pela paixão. (VASCONCELOS, 1988 :
15-16)
39
No que se refere à Literatura, por ser um modo específico de utilizar a
linguagem, de dispor a frase, conferindo ao texto um sentido que é o da sua
premeditada teatralização (VASCONCELOS, 1988 : 08), a atitude barroca faz
com que a escrita seja
uma prática de ‘artificialização’. Cada escrita contém uma
outra, comenta-a, ‘carnavaliza-a’, torna-se o seu duplo
pintalgado; a página, enxertada de diferentes texturas, de
múltiplos estratos lingüísticos, tornou-se espaço de um diálogo:
como um teatro em que os actores fossem os textos. E esse
teatro é por excelência cultural, ‘citacional’, paródico. (SARDUY
apud VASCONCELOS, 1988 : 08)
Através desse estalido que provoca uma falha no pensamento, na
episteme, na ideologia renascentista e que inaugura um espaço novo,
do dialogismo, da polifonia, da carnavalização, da paródia e da
intertextualidade, o barroco se apresentaria, pois, como uma
rede de conexões, de sucessivas filigranas, cuja expressão
gráfica não seria linear, bidimensional, plana, mas em volume,
espacial e dinâmica. Na carnavalização do barroco insere-se,
39
Essa é uma edição portuguesa. Porisso, existem diferenças na grafia que foram mantidas.
69
traço específico, mescla de gêneros, a intrusão de um tipo de
discurso em outro. (SARDUY, 1979 : 170)
Assim,
o policulturalismo combinatório e lúdico, a transmutação
paródica de sentido e valores, a hibridização aberta e
multilingüe, são os dispositivos que respondem pela
alimentação e realimentação constantes desse almagesto
barroquista: a transenciclopédia carnavalizada dos novos
bárbaros, onde tudo pode coexistir com tudo. (CAMPOS, 1983
: 122)
Portanto, por tudo isso e sobretudo por isso, uma possível relação entre
textos presentes na América Latina, como entre a crônica jornalística e a
poesia de Manoel de Barros, deve levar em consideração a dinâmica de uma
atitude barroca de produção de linguagem, na qual a imaginação e a realidade
se entrelaçam, os confins entre a fabulação e o imediato se apagam.(LIMA,
1988b : 101)
40
e novos textos se formam. Pois, o encontro abrupto entre
diversas culturas, como ocorreu aqui, explicitou até ao máximo a fratura
existente na relação entre os símbolos e as coisas. Tornando perante as
“trocas” e “apresentações” de seres, objetos e condutas até aquele momento
ignorados sem serventia os signos então conhecidos. E isso vale para todas
as várias culturas envolvidas. Desse modo,
a tarefa de renomear o mundo, encontrar uma nova adequação
dos signos às coisas é própria de todos os habitantes de um
continente que irrompeu no desconhecido a partir da
40
la imaginación y la realidad se entrelazan, los confines entre la fabulación y lo inmediato se borran.
Tradução de Amálio Pinheiro.
70
confluência mágico-épica do alheio e do diverso (PINHEIRO,
2002 : 334).
Assim, na luta por expressar todo um mundo novo e desconhecido, na
tentativa sempre reiterada de superar o abismo existente entre o signo e a
coisa, o falar barroco se desdobra em analogias, aproximações e reversões
que se resolvem em eróticas e erosivas invenções e inversões tropicais.
que,
desde a descrição de uma fruta à de uma igreja, os signos se
agigantam luminosos na direção das coisas que nunca
poderão ser, porém degustam suas comissuras; e as palavras
desdobram seu arsenal mestiço-migrante numa sintaxe
descentrada, proliferante e amplificante, em que se perde o fio
e o fôlego. Por isso que o continente americano nasceu
barroco nas formas produtivas de base, os gestos e grafismos,
da curva e suas variantes, na luz, no ouro, na água e na fruta,
que migram para versos ou igrejas. (PINHEIRO, 2002 : 334)
Ou então, frente às necessidades tradutórias operadas, como um beijo
ardente e sôfrego, entre as diversas línguas que aqui se encostaram e
sortiram palavras como quem prepara salada-de-frutas, pois a
palavra traduzida adquire uma nova andadura, em virtude,
como diria Lezama, desse novo cruzamento entre paisagem e
distância nas terras americanas, propiciador de uma nova
espécie de mobilidade cultural impressa nas linguagens.
(PINHEIRO, 1993 : 24)
É por isso que a
71
imagem poética entre nós, e essa é sua característica mais
reiterada, habita não só essa suspensão e essa refração, como
que adquire algo como um primeiro plano, desprendida como
uma flecha pelo azul do ar. A atmosfera reluzente nos permite
ver o distante com uma voluptuosidade táctil (LIMA, 1988b :
115)
41
Desse modo, luminosamente, concordamos que
nossa arte sempre foi barroca, desde a esplêndida escultura
pré-colombiana e a arte dos códigos, até a melhor novelística
atual da América, passando pelas catedrais e mosteiros
coloniais de nosso continente. Até o amor físico se faz barroco
na encrespada obscenidade do guaco peruano. Portanto, não
temamos o barroquismo no estilo, na visão dos contextos, na
visão da figura humana enlaçada pelas trepadeiras do verbo...
o barroquismo nosso, nascido de árvores, de lenhos, de
retábulos e altares, de talhas decadentes e retratos caligráficos
até neoclassicismos tardios; barroquismo criado pela
necessidade de nomear as coisas... (CARPENTIER apud
VARGAS, 1979: 475)
Assim, por ser nódulo geológico, construção móvel e lamacenta, de
barro, pauta da dedução ou pérola, dessa aglutinação, dessa proliferação
incontrolada de significantes (SARDUY, 1979 : 161), o barroco, acompanhando
Sarduy, opera através do artifício e suas substituições, proliferações e
41
(La) imagen poética entre nosotros, y ésa es su característica más reiterada, habita no sólo esa
suspensión y esa refracción, sino que adquiere como un primer plano, desprendida como una saeta por el
azul del aire. La atmósfera espejeante nos permite ver lo lejano con una voluptuosidad táctil.
72
condensações de termos e sentidos e da paródia ou procedimentos de
intertextualidades e intratextualidades entre textos distintos.
Nesse sentido, as fronteiras que separam dentro / fora, antigo / novo,
centro / periferia dão lugar a modos barroquizantes de organização da cultura
na tentativa em combinar elementos díspares: dobras-e-curvas espelham as
mestiçagens que por aqui se sucederam e sucedem e permitem entrever que a
maioria dos sistemas mestiços manifesta comportamentos flutuantes entre
diversos estados de equilíbrio, sem que exista necessariamente um
mecanismo de retorno à "normalidade”. (GRUZINSKY, 2002 : 59) E isso
aparece na arquitetura, no corpo, na culinária, no jornal, na poesia etc. E,
nesse caso, nas possíveis relações entre a poesia de Manoel de Barros e a
crônica.
Contudo, parafraseando Gruzinsky (2002), a mestiçagem ou hibridismo
não se refere às raças, mas a um modo de superar as fronteiras entre áreas,
linguagens e textos, pois a mestiçagem bem feita é um modo de resolver o
heterogêneo sem cair na fusão, mas de modo que aquilo sobreviva como
inclusão e como criação.
Dessa forma, não
os elementos pertencentes a diferentes tradições culturais,
históricas e étnicas, mas também os constantes diálogos intra-
textuais entre gêneros e ordens estruturais de diferente
orientação, formam esse jogo interno de recursos semióticos,
que, manifestando-se com a maior nitidez nos textos artísticos,
deriva, na realidade, uma propriedade de todo texto complexo.
Precisamente essa propriedade faz do texto um gerador de
73
sentido, e não somente um recipiente passivo de sentidos
colocados nele desde fora. (LOTMAN, 1996 : 86)
42
Assim, dentro de unidades semióticas mestiças e, portanto, complexas,
o surgimento de áreas culturais,
por um lado, está ligado ao fato de que diferentes culturas (...)
criam mecanismos de convivência intercultural, reforçam as
linhas da unidade recíproca. Entretanto, por outro lado, o
interesse de um no outro se nutre precisamente da
especificidade intraduzível de cada um. (LOTMAN, 1998 :
145)
43
Nesse caso, culturas como as latino-americanas
que no seu interior abrigam um número maior e crescente de
culturas têm de aumentar sua capacidade de tradução,
acelerar a imbricação entre códigos, textos, séries e sistemas,
afinar a complexidade estrutural, a sintaxe combinatória das
intersemioses. (PINHEIRO,
<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>:26/4/2006)
Assim, não se pode pensar a crônica jornalística, nem tampouco a
poesia de Manoel de Barros e, ainda, uma possível conexão entre ambas, sem
levar em conta outros textos decorrentes de processos tradutórios que
imbricam cultura cotidiana, jornal, folhetim, paisagem, culinária, ourivesaria,
42
(No) solo los elementos pertenecientes a diferentes tradiciones culturales históricas y étnicas, sino
también los constantes diálogos intra-textuales entre gêneros y ordenamientos de diversa orientación,
forman esse juego interno de recursos semióticos, que, manifestándose con la mayor claridad en los
textos artísticos, resulta, en realidad, una propiedad de todo texto complejo. Precisamente esa propiedad
hace al texto un generador de sentido, y no sólo un recipiente pasivo de sentidos colocados en él desde
afuera. No artigo: “El texto y el poliglotismo de la cultura.”
43
(El surgimiento de áreas culturales) por una parte, está ligado al hecho de que diferentes culturas (...)
crean mecanismos de trato intercultural, refuerzan los rasgos de la unidad recíproca. Sin embargo, por
otra parte, el interés de uno en el otro se nutre precisamente de la especificidad intraducible de cada
uno. No artigo: “La cultura como sujeto y objeto para sí misma”.
74
literatura etc., pois a aceleração dos dispositivos tradutórios inscritos nos
mecanismos produtivos das culturas plurais intensifica reticularmente o pendor
para a incorporação material do alheio. (PINHEIRO,
<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio> : 26/04/2006)
Dito de outra forma, o barroco é proliferante, é uma ciência dos encaixes
por bordadura, é construção contínua de mosaicos móveis. Por isso, a relação
entre dois textos culturais cria fricções entre sistemas semióticos distintos,
podendo ou não resolver-se em sintaxes mais ou menos elaboradas, de melhor
“encaixe” ou não tão bem encaixadas.
Numa sintaxe bem feita,
as subestruturas que participam nela não têm que ser
isomorfas uma em relação a outra, mas devem ser, cada uma
por seu turno, isomorfas a um terceiro elemento de um nível
mais alto, de cujo sistema elas fazem parte. (LOTMAN, 1996 :
32)
44
Assim, conforme Pinheiro (1995), uma mestiçagem bem feita é aquela
que se quando uma linguagem insemina e é inseminada pela outra, de tal
sorte que uma remeta a outra, estabelecendo uma relação complementar entre
ambas.
Ocorre, portanto, a perda da supremacia, no sentido jakobsoniano, de
uma função da linguagem sobre outra, sem, contudo, acarretar no
aniquilamento das “essências”, das nuanças, dos matizes, das sutilezas
próprios a cada uma delas, pois o encontro dialógico entre elas não lhes
acarreta a fusão, a confusão; cada uma delas conserva sua própria unidade e
44
las subestructuras que participan en ella no tienen que ser isomorfas uma respecto a la outra, sino que
deben ser, cada una por separado, isomorfas a un tercer elemento de un nivel más alto, de cuyo sistema
ellas forman parte. No artigo “Acerca de la Semiosfera.”
75
sua totalidade aberta, mas se enriquecem mutuamente (BAKHTIN, 2000 : 368).
Tal como se deu entre nós pela mistura de arroz e de feijão num mesmo prato.
O que, ao longo do tempo, em decorrência de processos assimilatórios, tornou-
se arrozefeijão. Pois, a mestiçagem enfatiza, mistura e combina
particularidades e elementos de universos distintos de modo a inserir novos
procedimentos comunicacionais na cultura.
Desse modo, o processo de mestiçagem não gera apenas o produto da
mestiçagem, mas influencia todo o material que o compõe, de modo a tornar
possível uma nova linguagem. Em relação ao texto, não transmite a
informação depositada, de fora, nele, mas também transforma mensagens e
produz novas mensagens. (LOTMAN, 1996 : 80)
45
Assim, a complexidade e a relevância das ações recíprocas entre mídia,
séries culturais e processos criativos ampliam-se largamente, pois os
elementos de uma linguagem, ao misturar-se com elementos de outra, criam
uma situação móvel. Por exemplo, uma
pesquisa das relações entre jornal e livro, por exemplo,
mostrará os intercâmbios entre marcas culturais (espaços
performáticos multi-informacionais, conjunções urbano-
arquitetônicas) e séries jornalísticas (diagramações de páginas,
simultaneísmo das crônicas) que viriam a redundar nos foto-
poemas de um Oswald ("Abro a janela / como jornal") e depois
na modificação do próprio formato físico-táctil do livro, como
em "Último Round", de Cortázar: jornal-livro composto de dois
45
no sólo transmite la información depositada em él desde afuera, sino que también transforma mensajes
y produce nuevos mensajes. No artigo “La semiótica de la cultura y el concepto de texto.”
76
andares (primeiro e térreo). (PINHEIRO,
<revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>26/04/2006)
Nesse processo, a comunicação é fundamental, pois ser significa
comunicar-se dialogicamente. Quando o diálogo termina, tudo termina. (CLARK
& HOLQUIST, 1998 : 108) que tudo se em combinações de séries
culturais que são séries de linguagem. E é justamente dessa forma, como
afirma Kristeva (1974), que os processos de apropriação e reutilização são
possíveis nas práticas criativas, onde as atividades de “absorção e
transformação” de conteúdos são capazes de transformar um sistema de
signos em outro sistema de signos.
E isso se complica quando,
a semiosfera do mundo contemporâneo, que, dilatando-se
constantemente no espaço ao longo dos séculos, tendo
adquirido na atualidade um caráter global, inclui dentro de si
tanto os sinais dos satélites quanto os versos dos poetas e os
gritos dos animais. A interconexão de todos os elementos do
espaço semiótico não é uma metáfora, mas uma realidade.
(LOTMAN, 1996 : 35)
46
Desse modo, entre nós, latino-americanos, pela nossa condição histórica
de formação, que veio a gerar aquilo que Oswald de Andrade (1978) chamou
de Antropofagia, inaugura-se
um outro tipo de tradição que risonhamente digere o passado,
ao mesmo tempo em que engasta as mais variadas linguagens
46
la semiosfera del mundo contemporâneo, que, ensanchándose constantemente en el espacio a lo largo
de los siglos, adquirido en la actualidad un carácter global, incluye dentro de tanto las senãles de
los satélites como los versos de los poetas y los gritos de los animales. La inter-conexión de todos los
elementos del espacio semiótico no es una metáfora, sino una realidad. No artigo “Acerca de la
Semiosfera.”
77
do enorme arquivo da cultura nativa nos procedimentos
construtivos provenientes do jornal, das artes visuais etc,
sempre privilegiando associações descontinuamente
intercomplementares, combinações entre séries próximas e
distantes (Tynianov), que deixam à mostra, para quem sabe
ver, a treliça das operações tradutórias postas em ação.
(PINHEIRO, <revista.cisc.org.br/ghrebh6/artigos/06amalio>:
26/4/2006)
Nesse sentido, existem misturas entre os diversos gêneros literários, que
por sua vez, criam certa propensão à ruptura e, consequentemente, geram
dificuldades de classificação no que diz respeito à literatura desenvolvida na
América Latina. Mesmo porque, a mestiçagem é por natureza barroquizante,
enquanto que a tendência à estrita delimitação literária dos gêneros, à precisa
elaboração de um cânon dos gêneros, é um corolário natural da concepção
reguladora e normativa da linguagem característica do Classicismo. (CAMPOS,
1979 : 281)
Desse modo, aqui,
o gênero é despojado de seus atributos normativos e mesmo
de suas prerrogativas classificatórias, para ser reformulado em
termos de um simples “horizonte de expectativa”, que nos
permite avaliar a novidade e a originalidade da obra,
perfilando-a de encontro a uma tradição, a uma série histórica
e às regras do jogo nela prevalentes. (CAMPOS, 1979 : 282)
Assim, um texto singular posto em relação com a série de textos que
constituem um gênero literário – no nosso caso, a poesia e a crônica – aparece
78
como um processo de criação e de modificação contínua de
um “horizonte de expectativa”, e a “mistura dos gêneros” que,
na teoria clássica, seria o correlato negativo dos “gêneros
puros”, transforma-se desse modo numa categoria
metodicamente produtiva. (JAUSS apud CAMPOS, 1979 : 282)
Esses processos de ruptura, que estão presentes desde a “invenção”
de nossa América, por meio da descrição do choque entre culturas, precipitam-
se através das veias abertas pelos movimentos modernistas da Arte, que se
sucederam, um após outro, com pequenas diferenças de tempo, em toda
América Latina, pois
o modernismo foi um movimento latino-americano, que
renovou os modos de expressão e que trouxe um inequívoco
sentido de liberdade na metáfora e no tratamento do verso. (...)
Desde o modernismo até nossa época, profundas correntes de
inovação, de rápida maneira de assimilação dos modos de
expressão no resto do mundo, tem sido as características da
poesia latino-americana. (LIMA, 1988b : 126)
47
E no Brasil, nossa herança cultural, onde
as culturas primitivas se misturam à vida cotidiana ou são
reminiscências ainda vivas de um passado recente (...), nos
predispunha a aceitar e assimilar processos artísticos que na
Europa representavam ruptura profunda com o meio social e
as tradições espirituais. Os nossos modernistas se informaram
47
el modernismo fue un movimiento hispanoamericano, que renovó los módulos de expresión y que trajo
un inequívoco sentido de libertad en la metáfora y en el tratamiento del verso. (...) Desde el modernismo
hasta nuestra época, profundas corrientes de innovación, de rápida asimilación de las maneras de
expresión en el resto del mundo, han sido las características de la poesía hispanoamericana.
79
pois rapidamente da arte européia de vanguarda, aprenderam
a psicanálise e plasmaram um tipo ao mesmo tempo local e
universal de expressão, reencontrando a influência européia
por um mergulho no detalhe brasileiro. (CANDIDO apud
CAMPOS, 1979 : 293)
3.3 - Processos dinâmico-culturais na literatura moderna brasileira
Dentre as diversas Artes, a Literatura foi uma das beneficiárias desses
atlânticos encontros e desencontros. que toda literatura, fechada em si
mesma, acaba por definhar no tédio, se não se deixa, renovadamente, vivificar
por meio da contribuição estrangeira. (GOETHE apud CAMPOS, 1983 : 125)
Foi justamente o exercício da crônica, verdadeiro laboratório
experimental para os poetas e escritores modernistas, que funcionou como
o lugar do nascimento e transformação da escritura, o espaço
de difusão e contágio de uma sensibilidade e de uma forma de
entender o literário que tem a ver com a beleza, com a seleção
consciente da linguagem, com o trabalho com imagens e
símbolos, com a mistura do estrangeiro e do próprio, dos
estilos, dos gêneros, das artes. (ROTKER, 1993 : 09)
48
Por isso que a crônica, através da apropriação eclética de campos
culturais e de gêneros díspares, próxima ao modo barroco que nos funda,
embora tenha uma origem estrangeira,
48
el lugar del nacimiento y transformación de la escritura, el espacio de difusión y contagio de una
sensibilidad y de una forma de entender lo literario que tiene que ver con la belleza, con la selección
consciente del lenguaje, con el trabajo con imágenes sensoriales y símbolos, con la mixtura de lo
extranjero y lo próprio, de los estilos, de los géneros, de las artes.
80
aclimatou-se bem à nossa terra, assim como a cana-de-açúcar
e o café. Não se pode dizer que seja um gênero
exclusivamente brasileiro, mas tem o nosso sotaque e
encontrou, aqui, nos nossos leitores e jornais, seu hábitat ideal.
(BENDER & LAURITO, 1993: 45)
E isso se deu de tal modo que chegou a modificar a concepção e a
desbordar os limites dos temas passíveis de serem poetizados. Na busca em
tirar poesia de qualquer contexto, no afã em poetizar o real, o fato concreto, o
trivial, a vida do dia-a-dia, o instante, tudo foi capaz de converter-se em poesia.
(ROTKER, 1993 : 26)
49
Desse modo, o jornalismo foi uma das fontes de
aprendizagem natural para esta nova sensibilidade que devia encontrar poesia
em uma cotidianidade invasora. (ROTKER, 1993 : 17)
50
Entretanto, não apenas os temas, mas, sobretudo as formas foram
ampliadas. E, nesse movimento, a
expressão poética foi a que mais radicalmente alterou-se com
a viragem modernista. Mário de Andrade, Manuel Bandeira e
Oswald de Andrade, com o rompimento dos códigos
acadêmicos, incorporaram à lírica brasileira as formas livres.
(SILVA, 1998 : 07).
Acresce ainda, o fato de que, entre nós, desde os descobridores até os
contemporâneos, existe uma tradição de autores que estabelecem uma ligação
com os fatos, com o cotidiano, com a história, com o jornal e com a poesia para
tornarem-se cronistas da história, como atestam os poemas de abertura do
Pau-brasil, verdadeiros desvendamentos da espontaneidade inventiva da
49
el hecho concreto, lo prosaico, la vida diaria, el instante, todo fue capaz de convertirse em poesía
50
Lo periodismo fue una de las fuentes de aprendizaje natural para esta nueva sensibilidad que debía
encontrar poesía em uma cotidianidad invasora.
81
linguagem dos primeiros cronistas e relatores das terras e gentes do Brasil
(CAMPOS, s/d. : 25). Na verdade, é justamente pela crônica que se a
invenção do Brasil. Através das significações e resignificações operadas pelos
relatos dos Cronistas das Índias acerca das gentes, bichos, frutas, paisagens,
aqui encontradas, o Brasil vai sendo inaugurado em misturas de povos e
línguas por um exercício de linguagem que, como uma pedra que abriga um
fóssil, busca imbricar (e até amalgamar), o signo com a coisa.
Desse modo, pela expressão através de encontros e diferenças na
produção poética no Brasil, a partir da qual nas Memórias Sentimentais de
João Miramar (concluídas em 1923, publicadas em 1924), Oswald fizera
essa experiência de limites, abolindo as fronteiras entre poesia e prosa
(CAMPOS, 1989 : 145-146), foi possível o desabrochar de uma literatura que
desborda dos cediços compartimentos dos denominados
“gêneros literários”, evoluindo para uma idéia mais válida e
mais atual de texto: informação estética materializada num
sistema de signos dotado de autonomia e coerência, avaliável
por seu teor de originalidade (CAMPOS, s/d : 51)
Já que, texto é algo que se faz com a linguagem, de linguagem portanto,
mas algo que, ao mesmo tempo, modifica, amplia, aperfeiçoa, rompe ou reduz
a linguagem. (BENSE apud CAMPOS, 1979 : 301)
Assim, sob uma perspectiva em que se toma a cultura como um
complexo processo relacional, como cruzamentos e combinações entre textos
próximos e distantes, como um jogo constante de relações entre as
especificidades dos diversos sistemas ou séries culturais e seus possíveis
modos de conjunção, como mecanismo tradutório entre linguagens, como
82
aprendizado para caminhar entre trilhas, como possibilitadora de combinatórias
flutuantes, como propiciadora de encaixes móveis que se interpenetram e se
intercalam, fica, portanto, aberta a possibilidade de relações, conexões,
imbricamentos e até de mestiçagens entre as diversas funções básicas da
comunicação verbal e, com isso, entre a poesia de Manoel de Barros e a
crônica jornalística.
Mesmo porque,
pode-se quase afirmar que as mais significativas experiências
e inovações feitas por pintores, escultores, compositores e
romancistas derivam não apenas da exploração total das
qualidades inerentes ao seu instrumento de trabalho, mas,
sobretudo, precisamente de suas tentativas em transcendê-lo e
introduzir efeitos e ilusões além das estritas capacidades do
instrumento limitativo. (MENDILOW apud CAMPOS, 1979 :
303)
3.4 - Confluência entre poesia e crônica em Manoel de Barros
Após nos termos apropriado dos processos dinâmico-relacionais da
cultura e especialmente da cultura latino-americana, conforme vimos acima
voltemos agora para a relação entre poesia e crônica presente na obra poética
de Manoel de Barros.
De imediato, é preciso perceber que tal relação enreda não somente
uma dimensão literária, mas, também, envolve, em larga medida, um proceder
histórico, pois
83
aceitar uma literatura que incorpore não a referencialidade,
mas também a temporalidade, em termos da atualidade do
narrado, implicaria considerar a formação de uma literatura que
é também a história que se está fazendo (ROTKER, 1993 :
27)
51
E foi justamente essa a (ir)responsabilidade da crônica em terras
latinoamericanas. Desde o descobrimento, a crônica, pelos relatos das terras,
faunas, floras, gentes, forjou nossa história, ao mesmo tempo em que instutiu
nossa literatura, pois perdida com os anos a significação principal que puderam
ter as crônicas para o público leitor de então, são discursos literários por
excelência. (ROTKER, 1993 : 16)
52
Por isso, não é preciso reiterar a importância de se estudar relações
como as que sobre a qual estamos nos aplicando. Voltemos, portanto, às
relações entre crônica e poesia em Manoel de Barros.
Para tanto, abordaremos não apenas seus três primeiros livros em que,
como dissemos, o poeta, segundo Castro (1991 : 11), recorreu ao poema-
crônica; mas comentaremos um poema de cada um de seus livros publicados
(inclusive dos três primeiros), pois como igualmente levantamos, existe a
suspeita de que elementos próprios à crônica permeiem, em maior ou menor
grau, quase toda sua poesia. Para isso, retornaremos, por via da
complexidade, às considerações acerca da crônica levantadas ao longo deste
trabalho e, principalmente, aos elementos da mesma arrolados na seção
"crônica" do segundo capítulo deste.
51
Aceptar una literatura que incorpore no sólo la referencialidad, sino también la temporalidad, en
términos de la actualidad de lo narrado, implicaría considerar la formación de una literatura que es
también la historia que se está haciendo
52
perdida con los años la significación principal que pudieron tener las crónicas para el público lector
de aquel entonces, son discursos literarios por excelencia.
84
Além disso, apesar de não ser esse o objetivo dessa dissertação, ao
longo das análises dos poemas, podemos nos deparar com alguns dos
procedimentos e processos culturais presentes na América Latina e que,
conforme vimos acima, imprimem, na mesma, a dinamicidade que permite
transpor as fronteiras textuais em traduções e mestiçagens entre textos
distintos. Esses procedimentos que, como foi dito, se manifestam na
cultura latino-americana a partir de sua estrutura e acabam por patenteá-la
como Barroca ou Neo-barroca são polifonia, paródia, intertextualidade,
aglutinação, proliferação, condensação e a presença num mesmo texto de
elementos advindos de linguagens díspares. Assim, quando aparecerem tais
procedimentos e os mesmos forem importantes para as análises dos poemas,
estaremos, despretensiosamente, elucidando-os.
Serão, portanto, dezoito poemas – selecionados por apresentarem maior
assimilação de elementos da crônica e por serem mais representativos da
poética de Manoel de Barros colhidos nos seus dezoito livros até então
publicados. Os mesmos serão apresentados e comentados a partir da ordem
cronológica de sua publicação.
Entretanto, é de suma importância lembrar que o objetivo aqui se
restringe a avaliar se e em que medida Manoel de Barros se utiliza de
elementos da crônica em sua produção poética, e não em analisar os poemas
no sentido de extrair deles entendimentos quaisquer e de ordem alguma, pois
como afirma o poeta, poesia não é para compreender, mas para incorporar. E
continua, entender é parede; procure ser uma árvore. (BARROS, 1990 : 212)
85
A obra de estréia data de 1937 e se intitula "Poemas Concebidos sem
Pecado". É composto por quatro poemas, sendo os três primeiros subdivididos
em várias partes numeradas ou nominadas. O primeiro é "Cabeludinho", o
segundo é "Postais da Cidade", o terceiro, "Retratos a Carvão" e o quarto e
último é "Informações sobre a Musa". Escolhemos para ilustrar esse livro o
segundo poema e dele um de seus trechos:
A draga
A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali,
no Porto, como um pé de árvore ou uma duna.
— E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela,
enraízados em suas ferragens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-
pega-sapo.
Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um
caranguejo trôpego
À procura de velórios.
Gostava de velórios.
Os bolsos de seu casaco andavam estufados de jias.
Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.
Geléia de sapos!
Só as crianças e as putas do jardim entendiam a sua
fala de furnas brenhentas.
Quando Mário morreu, um literato oficial, em
necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!
Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria captura em vez de pega para não macular (sic)
a língua nacional lá dele...
O literato cujo, se não me engano, é hoje senador pelo
Estado.
Se não é, merecia.
A vida tem suas descompensações.
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as ex-
pressões: estar na draga, viver na draga por estar sem
dinheiro, viver na miséria
Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de
Hollanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois que o povo já as registrou.
(BARROS, 1990 : 44-45)
86
Nesse trecho do poema, fica clara a utilização de vários elementos da
crônica, tanto em relação ao assunto quanto no que diz respeito à forma da
mesma. Sobre o assunto, há, por exemplo, o fato inicial do poema se
apresentar como uma lembrança da infância do poeta e, ao mesmo tempo, um
Postal da Cidade; a referência a uma lembrança coletiva (A gente não sabia) e
a um local (o porto); a referência a pessoas simples e suas "moradias" (loucos
e bêbados moravam na draga); a utilização de personagem (Mário-pega-sapo),
bem como a descrição de seu comportamento cotidiano; a discussão sobre o
linguajar formal e a fala coloquial (a diferença entre o capricho lingüístico-
nacionalista do literato e a fala de furnas brenhentas de Mário e o exercício de
pegar expressões na fala cotidiana e ironicamente oferecê-las ao léxico oficial);
a utilização do humor (tanto ao vincular o termo macular à expressão sic de
modo a sugerir que o literato é quem falava de maneira estranha ou "errada",
indicando, ainda, que o narrador, antropofagicamente, se apropria desse termo
"alheio" –, quanto ao imputar ao literato o merecimento da descompensação de
ser senador pelo Estado); e a citação paródica do nome de um outro autor
bastante conhecido (o filólogo Aurélio Buarque de Hollanda).
Sobre a forma utilizada, notam-se incorporações da crônica ao poema
através da brevidade do texto que se insinua no título geral do poema
("Postais da Cidade" remete a instantâneo fotográfico); da simplicidade dos
termos; do tom descontraído no trato com a linguagem; no emprego da forma
narrativa em prosa; e na própria utilização de um narrador.
Sua segunda obra foi publicada em 1942 e se intitula "Face Imóvel".
Neste livro, fica patente a influência da Segunda Grande Guerra. Afinal, a
87
mesma ainda estava em curso quando de seu lançamento. É composto por
vários poemas, dos quais um se segue abaixo:
Balada do Palácio do Ingá
Na sala de espera do Palácio do Ingá
Vou abanando a cara com o jornal do Brício.
Benjamin Constant da parede me olha.
Mas eu olho é pras medalhas do Duque de Caxias.
Ai que riquezas no Palácio do Ingá!
Os varões na parede me inspiram brasilidade.
Será que o Duque de Caxias por cima de suas medalhas
E de sua suspicácia está descobrindo meu olhar guloso
Para as coxas daquela mulher entreabertas na minha
frente?
Na sala do Palácio do Ingá com uma ficha na mão
Espero para falar com o chefe do Gabinete do Interventor.
Na sala de espera do Palácio do Ingá tem uma pele de
onça.
Ai que saudades do Pantanal!
Senhor, nem é tanto deste emprego que eu preciso tan-
to
O que eu preciso e quanto! nesta mísera tarde
É daquela mulher com as coxas entreabertas na minha
frente.
E isso não tem mandamentos e nem ofende a discipli-
na militar.
(BARROS, 1990 : 70-71)
A crônica se insinua nesse poema de modo mais velado do que no
anteriormente visto. E isso se deve, provavelmente, a um maior hermetismo
presente no poema. A principal assimilação da crônica se pelo caráter
descritivo do Palácio do Ingá e pela sintonia com as implicações históricas do
momento caracterizado pelo comportamento aflitivo pelo qual a humanidade
passava. Outras presenças possíveis seriam a incorporação crítica de nomes
conhecidos na história nacional (Duque de Caxias, representa o pensamento
militar imperialista e Benjamim Constant, o pensamento racional positivista,
ambos pensamentos que, de certa maneira, acabaram por instigar a Guerra); a
88
discussão entre o homem ilustre e o homem comum, sinalizando a crise do
indivíduo solitário frente a história da humanidade (o ilustre e desconfiado
Caxias estaria à espreita de seus ermos anseios eróticos); as lembranças de
sua terra natal (Ai que saudades do Pantanal!), bem como a relação predatória
entre a racionalidade opressora e a natureza (pele de onça); e por fim, a
utilização de um humor um tanto ácido em relação à ordem bélica, opressora e
anti-humana instituída (estar com uma mulher é algo íntimo e privado que,
portanto, "escapa" aos controles sociais). Há, ainda, clara alusão ao jornal
impresso (utilizado como abanador).
Seu terceiro livro, intitulado simplesmente "Poesias", foi publicado em
1956. Entretanto, reúne poemas escritos de 1942 até o ano de sua publicação.
Nesse sentido, escolhemos para ilustrar esse livro um longo poema que
havia sido publicado, em 08/10/1944, segundo consta na Gleba Expositiva
Manoel de Barros (disponibilizada na bibliografia deste), num jornal cujas
referências não são claras na dita bibliografia:
Olhos Parados
a Mário Calábria
Ah, ouvir mazurcas de Chopin num velho bar, domingo
de manhã!
Depois sair pelas ruas, entrar pelos jardins e falar com
as crianças.
Olhar as flores, ver os bondes passarem cheios de gente,
E encostado no rosto das casas, sorrir...
Saber que o céu está lá em cima.
Saber que os olhos estão perfeitos e que as mãos estão
perfeitas.
Saber que os ouvidos estão perfeitos. Passar pela Igreja.
Ver as pessoas rindo. Ver os namorados cheios de
ilusões.
89
Sair andando à-toa entre as plantas e os animais.
Ver as árvores verdes no jardim. Lembrar das horas mais
apagadas.
Por toda parte sentir o segredo das coisas vivas.
Entrar por caminhos ignorados, sair por caminhos
ignorados.
Ver gente diferente de nós nas janelas das casas, nas
calçadas, nas quitandas.
Ver gente conversando na esquina, falando de coisas
ruidosas.
Ver gente discutindo comércio, futebol e contando
anedotas.
Ver homens esquecidos da vida, enchendo as praças,
enchendo as travessas.
Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção
de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos
parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos
pais da gente.
Lembrar que eles estão longe e ter saudades deles...
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e
rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade de pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que
a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas
que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente fez e de amigos que
ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das
conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir
os ventos pelo rosto...
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar alí caminhando. Gostar de estar assim
esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia
de riquezas íntimas.
Pensar nos livros que a gente leu, nas alegrias dos
livros lidos.
Pensar nas horas vagas, nas horas passadas lendo as
poesias de Anto.
90
Lembrar dos poetas e imaginar a vida deles muito triste.
Imaginar a cara deles como de anjos. Pensar em
Rimbaud,
Na sua fuga, na sua adolescência, nos seus cabelos cor
de ouro.
Não ter idéia de voltar para casa. Lembrar que a gente,
afinal de contas,
Está vivendo muito bem e é uma criatura até feliz.
Ficar admirado.
Descobrir que não nos falta nada. Dar um suspiro bom
de alívio,
Olhar com ternura a criação e ver-se pago de tudo.
Descobrir que, afinal de contas, não se possui
nenhuma queixa
E que se está sem nenhuma tristeza para dizer no
momento.
Lembrar que não sente fome e que os olhos estão
perfeitos.
Para falar a verdade, sentir-se quite com a vida.
Lembrar dos amigos. Recordar um por um.
Acompanhá-los na vida.
Como estão longe, meu Deus! Um aqui. Outro lá, Tão
distantes...
Que fez deste o destino? E daquele?
Quase vai se esquecendo do rosto de um ... Tanto
tempo!
Ter vontade de escrever para todos os amigos.
Ter vontade de lhes contar a vida até o momento
presente.
Pensar em encontrá-los de novo. Pensar em reuní-los em
torno de uma mesa,
Uma mesa qualquer, em um lugar que a gente ainda não
escolheu.
Conversar com todos eles. Rir, cantar, recordar
os dias idos.
Dar uma olhadela na infância de cada um. Aquele
era magro, Venício...
Aquele outro era gordo, Abelardo ... Aquele outro
era triste.
Ai, não esquecer jamais este último, porque era
um menino triste.
Como andarão agora? Naturalmente, mais velhos.
Talvez eu não conhecerei alguns. Naturalmente,
mais senhores de si.
91
Imaginar todos eles com ternura. Pensar nos mais fracos,
Naqueles, naturalmente, para quem o mundo deve ter
sido menos bom.
Pensar que eles já vêm. Abrir os braços.
Procurar descobrir, no mundo que os envolve,
Alguma voz que tenha acento parecido,
Algum andar que lembre o andar longínquo
de algum deles...
Ah como é bom a gente ter infância!
Como é bom a gente ter nascido numa pequena
cidade banhada por um rio.
Como é bom a gente ter jogado futebol no Porto de
Dona Emília, no Largo da Matriz,
E se lembrar disso agora que tantos anos são
passados.
Como é bom a gente lembrar de tudo isso. Lembrar
dos jogos à beira do rio,
Das lavadeiras, dos pescadores e dos meninos do Porto
Como é bom a gente ter tido infância para poder
lembrar-se dela
E trazer uma saudade muito esquisita escondida no
coração.
Como é bom a gente ter deixado a pequena terra em
que nasceu
E ter fugido para uma cidade maior, para conhecer
outras vidas.
Como é bom chegar a este ponto de olhar em torno
E se sentir maior e mais orgulhoso porque conhece
outras vidas...
Como é bom se lembrar da viagem, dos primeiros dias
na cidade,
Da primeira vez que olhou o mar, da impressão de
atordoamento.
Como é bom olhar para aquelas bandas e depois
comparar.
Ver que está tão diferente, e que sabe tantas
novidades...
Como é bom ter vindo de tão longe, estar agora
caminhando
Pensando e respirando no meio de pessoas
desconhecidas
Como é bom achar o mundo esquisito por isso,
muito esquisito mesmo
92
E depois sorrir levemente para ele com os seus
mistérios...
Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo
maravilhoso, exclamar.
Como tudo e tão belo e tão cheio de encantos!
Olhar para todos os lados, olhar para as coisas mais
pequenas,
E descobrir em todas uma razão de beleza.
Agradecer a Deus, que a gente ainda não sabe
amar direito,
A harmonia que a gente sente, vê e ouve.
A beleza que a gente saindo das rosas; a dor
saindo das feridas.
Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar
que esteja acontecendo.
Lembrar de certas passagens. Fechar os olhos para ver
no tempo.
Sentir a claridade do sol, espalmar os dedos, cofiar os
bigodes,
Lembrar que tinha saído de casa sem destino, que
passara num bar, que ouvira uma mazurca,
E agora estava alí, muito perdidamente lembrando
coisas bobas de sua pequena vida.
(BARROS, 1990 : 85-91)
Esse poema poderia, exceto pela sua extensão, certamente ser
classificado como crônica. Seu tema é fortemente calcado na vida cotidiana
(sair pelas ruas, bondes, pessoas rindo, gostar desse momento etc.); na
descrição do ambiente (árvores verdes do jardim, calçadas, quitandas) e do
burburinho das ruas (gente discutindo comércio, futebol e contando anedotas);
na noção de tempo (domingo de manhã!, fechar os olhos para ver no tempo);
nas lembranças da infância (lembrar da cidade, da casa da gente, irmãos, pais,
amigos, jogos de infância) e de viagens (os primeiros dias na cidade, o mar);
na citação de personalidades importantes (Chopin, Rimbaud); na descrição de
sensações (sentir o sol, emoção tão cheia de riquezas íntimas); e em
considerações metafísicas (sorrir para o mundo com os seus mistérios,
93
agradecer a Deus). Nesse poema, percebe-se, limpidamente, pelo que vimos
em sua biografia, que Manoel de Barros escreve uma intensa e bela
autobiografia, na qual deixa transparecer sua euforia de ter tido uma infância
feliz e pura, que, por sua vez, lhe ilumina a vida presente.
No âmbito formal, igualmente elementos da crônica são bastante
presentes, como o teor altamente discursivo, em tom descontraído e prosaico,
a simplicidade da linguagem, a utilização de um narrador e, em especial, o
emprego da locução "a gente" como um irresistível convite ao leitor a participar,
com todo o corpo, desse estado pleno da alma.
Em 1961, Manoel de Barros publica seu quarto livro, intitulado
"Compêndio para Uso dos Pássaros". O livro se divide em duas partes
compostas por vários poemas: "I - De meninos e de Pássaros" e "II -
Experimentando a Manhã nos Galos". Desta última, abordaremos o poema:
Na Fazenda
Barrulhinho vermelho de cajus
e o riacho passando
nos fundos do quintal...
Dali
se escutavam os ventos com a boca
como um dia ser árvore.
Eu era lutador de jacaré.
As árvores falavam.
Bugre Teotônio bebia marandovás.
Víamos por toda parte cabelos misgalhadinhos
de borboletas...
Abriu-se
uma pedra
certa vez:
94
os musgos
eram frescos...
As plantas
me ensinavam de chão.
Fui aprendendo com o corpo.
Hoje sofro de gorjeios
nos lugares puídos de mim.
Sofro de árvores.
(BARROS, 1990 : 147-148)
Percebemos, pelo título desse poema, que se trata de uma descrição
poética da fazenda e dos ensinamentos que a infância passada na mesma
proporcionaram para a vida presente de Manoel de Barros.
Estão presentes elementos da crônica na descrição prosaica do
ambiente e do burburinho da natureza (o riacho passando nos fundos do
quintal); nas lembranças da infância (eu era lutador de jacaré); na utilização de
personagens (Bugre Teotônio) e de costumes locais (bebia marandovás); no
tom coloquial (misgalhadinhos); em lições de vida (fui aprendendo com o
corpo); nas conseqüências desse aprendizado para o tempo presente (sofro de
árvores) e; na brevidade do texto.
O quinto livro de Manoel de Barros chama-se "Gramática Expositiva do
Chão" e foi publicado em 1969. É composto por vários poemas, dos quais
escolhemos um para ilustrar a obra:
A Máquina:
A Máquina Segundo H.V.,
o Jornalista
A Máquina mói carne
excogita
atrai braços para a lavoura
não faz atrás de casa
usa artefatos de couro
95
cria pessoas à sua imagem e semelhança
e aceita encomendas de fora
A Máquina
funciona como fole de vai e vem
incrementa a produção do vômito espacial
e da farinha de mandioca
influi na Bolsa
faz encostamento de espáduas
e menstrua nos pardais
A Máquina
trabalha com secos e molhados
é ninfômana
agarra seus homens
vai a chás de caridade
ajuda os mais fracos a passarem fome
e dá às crianças o direito inalienável ao
sofrimento na forma e de acordo com
a lei e as possibilidades de cada uma
A Máquina engravida pelo vento
fornece implementos agrícolas
condecora
é guiada por pessoas de honorabilidade consagrada, que
não defecam na roupa!
A Máquina
dorme de touca
dá tiros pelo espelho
e tira coelhos do chapéu
A Máquina tritura anêmonas
não é fonte de pássaros (1)
etc.
etc.
____________________________
(1) isto é: não dá banho em minhoca / atola na
pedra / bota azeitona na empada dos outros /
atravessa períodos de calma / corta de machado /
inocula o virus do mal / adota uma posição /
deixa o cordão umbelical na província / tira leite
de veado correndo / extrae víceras do mar /
aparece como desaparece / vai de sardinha nas
feiras / entra de gaiato / não mora no assunto e
no morro (...)
(BARROS, 1990 : 172-174)
96
Nesse poema, a crônica se apresenta, principalmente, pela clara
preocupação, embora diluída em irônica poesia, com os problemas sociais
(ajuda os mais fracos a passarem fome). Outras incorporações da mesma se
dão pelo uso do humor, tanto de modo a "negar" a escatologia própria da
infância (não faz atrás da casa, não defecam na roupa!) quanto de maneira
ácida (vai a chás de caridade) e jocosa, quando usa termos comumente
associados ao direito para fazer objeção a ordem social estabelecida (o direito
inalienável (...) de acordo com a lei); pelo questionamento zombeteiro da
cotidiana relação entre a máquina, como símbolo da racionalidade técnica, e a
falta de transcendência humana (cria pessoas à sua imagem e semelhança),
bem como da relação entre a máquina, a produção e a economia (incrementa
a produção, influi na Bolsa) e, ainda, da relação erótica e trágica da
máquina com a humanidade (agarra seus homens) e com a natureza
(menstrua nos pardais). Além disso, temos o uso do etc. repetido conferindo ao
poema um caráter de continuidade que sugere temporalidade: outra
característica da crônica.
No âmbito formal, a contribuição da crônica se pelo uso da prosa em
frases telegráficas, que resulta em uma linguagem simples, leve e ágil. Dá-se,
ainda, pela utilização da nota-de-rodapé, que, na verdade, não advém da
crônica. Pelo contrário, é mais apropriada em textos ou compêndios científicos.
Contudo, essa nota tem a função de (des)explicar o fato de a máquina não ser
fonte de pássaros, pois na mesma são ar(rola)dos, em colagem, frases e
clichês, a maioria de uso cotidiano e em linguagem coloquial e outros que, por
estarem com estes, passam a soar como tal. Além disso, na tal nota, Manoel
de Barros faz uso do artifício da proliferação, que consiste em ir enunciando
97
expressões de modo a multiplicar seus sentidos até o quase irrompimento
semântico. Esse situação é, ainda, reforçada pelo emprego das reticências ao
final da mesma.
A sexta obra publicada de Manoel de Barros saiu em 1974 e se chama
"Matéria de Poesia". É composta por três partes subdivididas em poemas
menores: "I - Matéria de Poesia", "II - Com os Loucos de Água e Estandarte" e
"III - Aproveitamento de Materiais e Passarinhos de Demolição". Da primeira
dessas partes escolhemos, para ilustrar a obra, o poema de número 1:
Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia
O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia
Terreno de 10x20, sujo de mato – os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia
Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia
As coisas que não levam a nada
têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral
O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia
As coisas que não pretendem, como
98
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia
As coisas que os líquenes comem
– sapatos, adjetivos –
têm muita importância para os pulmões
da poesia
Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia
Os loucos de água e estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo o que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta
Pessoas desimportantes
dão pra poesia
qualquer coisa ou escada
Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia
O que é bom para o lixo é bom para a poesia
Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços
As coisas jogadas fora
têm grande importância
– como um homem jogado fora
99
Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória
As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.
(BARROS, 1990 : 179-181)
A presença da crônica nesse poema se singulariza pela preocupação
"teórica" de Manoel de Barros em fazer através do uso da metalinguagem
num texto crítico-poético sobre poesia considerações literárias sobre o
horizonte poético no qual ele se inscreve.
Outras assimilações da crônica se insinuam no caráter descritivo em
prosa dos materiais utilizáveis em poesia; na simplicidade desses materiais
(lata, caco de vidro, traste) e da própria linguagem utilizada para descrevê-los;
no humor fluido oriundo da desautomatização em relação às (des)importâncias
(o que é bom para o lixo é bom para a poesia); no trato descontraído para com
a linguagem (disputados no cuspe à distância); na descrição pormenorizada de
objetos banais, tornando-os importantes (o ninho de joão-ferreira); na
referência à obra de outro artista (o bule de Braque); na preocupação social e
cotidiana (um homem jogado fora); no dizer sobre o tempo (qual o período
médio, andorinhas de junho); e na tentativa de reconstrução do mundo sobre
bases que estejam fora dos parâmetros instituídos pela racionalidade técnica e
econômica: uma cosmovisão povoada pelas coisas ínfimas do chão.
Em 1982, Manoel de Barros publica seu sétimo livro, cujo título é
"Arranjos para Assobio". É composto por cinco partes, a saber: "Sabiá com
100
Trevas", "Glossário de Transnominações em que Não se Explicam Algumas
Delas (Nenhumas) ou Menos", "Exercícios Cadoveos", "Exercícios Adjetivos"
e "Arranjos para Assobio". Da primeira destas, escolhemos o terceiro poema
para ilustrar o livro:
Quando houve o incêndio de latas nos fundos
da Intendência, o besouro náfego saiu
caminhando para alcançar meu sapato ( e eu lhe
dei um chute ? )
Parou no ralo do bueiro, olhoso, como um boi
que botaram no sangradouro dele
(Intrigante : não sei de onde veio nem de que
lado de mim entrou esse besouro. Devo
ter maltratado com os pés, na minha
infância, algum pobre-diabo. Pois como explicar
o olhar ajoelhado desse besouro? )
Com o seu casaco preto, chamuscado nas pontas,
ele em seguida nafegou no rumo do jardim e
entrou no porão de um coreto por onde
se comeu como um papel sem gosto
De manhã, catando pelas ruas toda espécie de
coisas que não pretendem, sempre eu revejo
esse ente que tem por abrigo o céu, como
conchas ao contrário.
(BARROS, 1990 : 203/205)
A crônica se mostra nesse poema através da alegre descrição de um
flagrante do cotidiano (o besouro náfego caminhando), tendo como motivo algo
aparentemente inusitado (o incêndio de latas nos fundos da Intendência); há,
ainda, o recurso ao absurdo com certa pitada de humor pela incerteza das
ações (e eu lhe dei um chute?); a leveza e simplicidade da linguagem prosaica
utilizada; a recorrência intrigada à infância para explicar algo presente (devo ter
maltratado com os pés, na minha infância, algum pobre-diabo. Pois como
explicar...); o uso explicativo dos parênteses como recurso íntimo de
101
estabelecer uma conversa à parte com o leitor (Intrigante: ...); a utilização de
termos da fala coloquial (pobre-diabo); a presença de um narrador-personagem
(alcançar meu sapato, eu revejo esse ente); uma certa brevidade; e a presença
da temporalidade (quando houve, de manhã).
Em relação ao modo barroco de nossa literatura, Manoel de Barros,
nesse poema (mas não nesse!), busca reunir termos advindos de universos
lingüísticos ou léxicos distintos, como Intendência e náfego em comunhão com
fundos e besouro.
O oitavo livro de Manoel de Barros foi publicado em 1985. Tem como
título "Livro de Pré-Coisas" e como sub-título "(Roteiro para uma excursão
poética no Pantanal)". É composto por quatro partes: "Ponto de partida",
"Cenários", "O Personagem" e "Pequena História Natural". O próprio Manoel de
Barros afirma no primeiro poema-prefácio do livro, Anúncio, que este não é um
livro sobre o Pantanal. Seria antes uma anunciação. Enunciados como que
constatativos. Manchas. Nódoas de imagens. Festejos de linguagem. (...)
(BARROS, 1990 : 227)
Contudo, o livro é em quase sua totalidade prosaico e descritivo assim
como as crônicas do descobrimento em relação ao Pantanal e seus rios,
suas cidades, seus recantos, sua gente, seu clima, seus costumes, seus
bichos... Sem, contudo, perder a poeticidade. Destarte, é possível tomá-lo
como um exercício poético cometido em prosa.
Para ilustrá-lo, abordaremos o segundo poema-prosa da primeira parte
do livro:
102
Narrador Apresenta Sua Terra:
Corumbá, Cidade Branca. Capital do
Pantanal. Com orgulho
Arremeda uma gema de ovo o nosso pôr-do-sol do la-
do da Bolívia. A gema vai descendo até se desmanchar atrás
do morro. (Se é tempo de chover, desce um barrado escuro
por toda a extensão dos Andes e tampa a gema.)
"Aquele morro bem que entorta a bunda da paisa-
gem!"
Deste lado é Corumbá. Além de cansação, nós temos
cuiabanos, chiquitanos, paus-rodados e turcos. Todos por
cima de uma pedra branca enorme que o rio Paraguai bor-
da e lambe.
Falando em cansação: "Há plantas que aceitam, com
extraordinário gosto, nascer e florescer nestas pedras bran-
cas. Dentre elas o cansação. E tão desenvolvidos se acham
neste lugar os cansações, que se dizem haver deles taludos
a ponto que se os apliquem por madeira de lei." (do livro
A PRINCESA DO PARAGUAI, de J. Santos)
"Turma que tira o sarro..."
Não indo para oeste, de qualquer lado que frechar, co-
rumbaense cai no pântano. "Nosso chão tem mais estrelas.
Nossos brejos têm mais sapos" ( do livro CORUMBÁ GLORIO-
SA, de R. Araújo).
"Povo que gosam no poeta..."
Contudo, o que mais nos transporta, de orgulho em
riste, é o Episódio da Retomada de Corumbá, na Guerra
do Paraguai. Foi assim:
"De noite os paraguaios tomaram porre e dormiram. Nós
tacamos chumbo em cima. Sairam correndo sem rumo... Es-
tão correndo até hoje." (Por isso, de vez em quando, a gen-
te encontra no frio desse mato, algum trabuco ou espada
enferrujados, que eles foram largando na corrida...)
Nós temos demais de campos para guerreiro correr.
"Pessoal que inventam..."
Descendo a Ladeira Cunha e Cruz, a gente imbica no
Porto. Aqui é a Cidade Velha. O tempo e as águas escul-
pem escombros nos sobrados anciãos. Desenham formas de
larvas sobre parede em podre. São trabalhos que se fazem
de rupturas. Como um poema.
Arbustos de espinhos com florimentos vermelhos de-
sabrem nas ruínas.
"Nossos sobrados enfrutam!"
Há sapos vegetais entre pedras e águas. O homem des-
te lugar é uma continuação das águas.
Arruados que correm na beira do rio, esbarram em bar-
racos de latas, adonde se vendem pacus fritos e se bebem
caldos de piranha.
"Devia de ficar no altar o nosso caldo de piranha!"
103
"Acho de acordo."
Por mim, advenho de cuiabanos. Meu pai jogou canga
pra cima no primeiro escrutínio e sumiu no zamboada. Há
um rumor de útero que muito me repercute nestes brejos.
Aqui o silêncio rende. Assim na pedra como nas águas. De-
cretadamente, senhores.
(BARROS, 1990 : 228-229)
Como dissemos acima, fica clara a dimensão narrativa nesse poema. E
ainda mais clara a incorporação de elementos da crônica no mesmo. A
começar pelo título (narrador apresenta sua terra...), a descrição orgulhosa
do ambiente (nosso pôr-do-sol do lado da Bolívia), do clima (se é tempo de
chover), da geografia da cidade (por cima de uma pedra branca, rio Paraguai,
aqui é a Cidade Velha), do povo (nós temos cuiabanos, chiquitanos, paus-
rodados e turcos) e dos costumes culinários (pacus fritos, caldos de piranha).
Há, ainda, o recurso ao humor (Estão correndo até hoje); à leveza e tom
coloquial da linguagem, com aproveitamentos de corruptelas e termos
regionais (frechar, gosam, zamboada, paus-rodados), bem como de
expressões populares (turma que tira o sarro, pessoal que inventam); à
citações de livros e outros autores (do livro CORUMBÁ GLORIOSA, de R.
Araújo); à referência a episódios históricos (a Retomada de Corumbá, na
Guerra do Paraguai); a um certo ecletismo de gêneros entre a linguagem
formal (arremeda, escrutínio) e a coloquial (florimentos, a gente encontra); uma
breve consideração literária (trabalhos que se fazem de rupturas. Como um
poema); e óbvio, à utilização de um narrador.
Manoel de Barros emprega, ainda, nesse poema, o artifício da
aglutinação ao combinar elementos de universos distintos, como entre
arquitetura e vegetação (nossos sobrados enfrutam).
104
A nona obra de Manoel de Barros chama-se "O Guardador de Águas" e
foi publicado em 1989. É formado por quinze poemas iniciais e mais quatro
partes denominadas retrospectivamente, "Passos para a transfiguração", "Seis
ou treze coisas que eu aprendi sozinho", "Retrato quase apagado em que se
pode ver perfeitamente nada" e "Beija-flor de rodas vermelhas". Da penúltima
parte, tomaremos o poema VIII como ilustração dessa obra:
Nas Metamorfoses, em duzentas e quarenta fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados em
pedras, vegetais, bichos, coisas.
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval, pedral etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica,
inaugural –
Que os poetas aprenderiam – desde que voltassem às
crianças que foram
Às rãs que foram
Às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de
reaprender a errar a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma
nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.
(BARROS, 1990 : 299)
A incorporação da crônica a esse poema, dá-se, para começar, pela
recorrência a um autor da antiguidade clássica e à sua obra (As Metamorfoses
de Ovídio); passa por uma simplicidade de linguagem – apesar da presença de
neologismos (pedral, coisal, larval), que, no contexto, são de fácil entendimento
–; pelo tom coloquial e descontraído do texto escrito em prosa; pela crítica, não
à obra de Ovídio propriamente dita, mas à não continuidade da transformação
física para a lingüística (um novo estágio seria...); pela brevidade do texto em
relação à complexidade do assunto; pela noção temporal ao propor uma volta à
infância (desde que voltassem às crianças que foram) e vaticinar uma outra
linguagem (madruguenta, adâmica, edênica, inaugural); e, ainda, por tecer
105
considerações literárias ao afirmar que o poético autêntico passa pelo
reaprender a errar a língua.
Em 1991, é lançado o décimo livro de Manoel de Barros, cujo título é
"Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave". Este é composto por três partes: a
primeira é "Introdução a um Caderno de Apontamentos", prosa poética que
"explica" como se conseguiu a segunda parte denominada, obviamente, por
"Caderno de Apontamentos" e uma terceira e última parte chamada "Caderno
de Andarilho". A modo de ilustrar esse livro, apontamos o XIV poema da
segunda parte do mesmo:
(lembrança)
Entrei na Vila do Livramento ( Vila de Nossa
Senhora do Livramento – ao completo )
puxando uma égua aviciada.
No Largo do Tanque, onde existe ainda hoje
uma Igreja Romana, a égua estancou.
Aviciada.
O sacristão apareceu ( puxava um cavalo ).
Aquela chapoleta do cavalo na égua por detrás
adentro, eu vi de perto.
Meu olho crepusculou-se.
Uma aranha espirrou pessoalmente.
Deu para apreender concepção sem ler o
Pentateuco.
(BARROS, 1998a : 20)
Esse poema é outro em que há alto grau de assimilação da crônica. Seja
pelo caráter de flagrante do cotidiano que o mesmo apresenta, seja pela
descrição do ambiente e da situação que o motiva. Outros elementos
encontrados na crônica e presentes nesse poema são: a recorrência à
memória apontada pelo próprio subtítulo (lembrança) do poema; a
denominação de locais públicos (Vila do Livramento, Largo do Tanque), de
106
arquiteturas definidas (Igreja Romana) e o uso do parênteses para melhor
delimitar locais, como fica evidente pelo (... ao completo); a conseqüente
alusão ao costume popular de encurtar nomes (Vila do Livramento por Vila de
Nossa Senhora do Livramento); a prosa em tom coloquial (por detrás adentro)
que inclui a oralidade (aviciada, chapoleta); o convite intelectual de participar
da situação que o narrador faz ao leitor menos avisado ao justapor a égua
aviciada ao cavalo, de modo que o leitor possa antecipadamente adivinhar o
que se seguirá; o humor ágil que se inicia pela contradição (o cavalo do
sacristão), perpassa, surrealisticamente, o absurdo (uma aranha espirrou
pessoalmente) e desemboca em revelações (deu para apreender concepção
sem ler o Pentateuco); o texto breve com frases telegráficas; e como
insinuado, a presença de um narrador-personagem.
A décima primeira obra de Manoel de Barros é "O Livro das Ignorãças",
publicada em 1993. Divide-se em três partes, a saber, "Uma Didática da
Invenção", "Os Deslimites da Palavra" e "Mundo Pequeno". Desta última,
escolhemos o poema VII para ilustrar a obra:
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
— Gostar de fazer defeitos na frase é muito
saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da
vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? — ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
107
estradas —
Pois é nos desvios que encontra as melhores
surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.
(BARROS, 2000a : 87)
A presença da crônica nesse poema se faz notar, principalmente, por se
tratar de uma página da memória do autor (descobri aos 13 anos), conforme
vimos em sua breve biografia exposta acima. O poema incorpora, ainda,
outros elementos estruturais da crônica; como, o tom de diálogo presente na
quase totalidade do poema (o Padre me disse, eu respondi); o ecletismo entre
a linguagem formal (fazer defeitos na frase) e a coloquial (a doença delas); a
utilização, embora em pequena escala, do humor (E se riu.), que acaba por
induzir o leitor a imaginar a expressão facial do Padre frente ao, então, confuso
menino e, ainda, do humor advindo da contradição entre termos (professor de
agramática); a leveza e descontração no trato com a linguagem em prosa; a
inclusão da oralidade no poema (Que sim, eu respondi., peschibeque em lugar
de pechisbeque); a referência aos costumes (bugre pega por desvios, não
anda por estradas) e aos frutos locais (ariticuns maduros); a tessitura de
considerações literárias ( que apenas saber errar bem o seu idioma.); a
brevidade do texto; e a utilização de um narrador-personagem.
O décimo segundo livro veio a público em 1996 e se chama "Livro Sobre
Nada". O Pretexto de Manoel de Barros ao escrevê-lo se situa como prefácio e
diz que
(...) o nada de meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por
escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer,
108
pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc etc.
O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer
coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por
dentro e por fora. (BARROS, 1997 : 07)
Através dessa verdadeira declaração de amor à linguagem, Manoel de
Barros, como sempre ocorre aos amantes, traz à tona seu desejo de aniquilá-
la. Contudo, tal desejo busca se realizar somente frente aos chavões literários,
por um processo de apropriação, negação e aniquilação de conceitos
estratificados.
E intenta fazê-lo por meio dos relatos de recordações da sua meninice,
já que sobre esse livro, ele afirma em entrevista (NAME, 02/03/96), estou tendo
um borbulhamento das memórias da minha infância, das memórias fósseis dos
meus antepassados.
Fica, então, desde já, pelo caráter de páginas de memórias, a indicação
da presença de elementos da crônica nesse livro que se compõe em quatro
partes, sendo "Arte de infantilizar formigas", "Desejar ser", "O livro sobre nada"
e "Os Outros: o melhor de mim sou Eles". Da primeira delas, optamos pelo
poema de número 4 para ilustrar a obra:
Apenas de mês em mês aparecia uma carreta de mas-
cate, puxada por 4 juntas de bois no fim daquele lugar.
Levava caramelos, bolachinhas, pentes, argolas para
laço, extrato Micravel, peças de algodoin para fazer saia
branca, filó de mosqueteiro, vidros de arnica para curar
machucaduras, brincos de peschibeque, – essas coi-
sinhas sem santidade...
Nossa mãe comprava arnica e bolachinhas.
Dona Maria, mulher do Lara, comprava brincos e
extrato Micravel.
Meu avô abastecia o abandono.
De tudo haveria de ficar para nós um sentimento
longínquo de coisa esquecida na terra —
109
Como um lápis numa península.
(BARROS, 1997 : 17)
Além da incorporação da crônica operada pela lembrança de situações
passadas, conforme vimos acima, podemos constatar outros elementos da
mesma no texto leve, escrito em prosa poética, de tom coloquial; a referência
ao tempo (apenas de mês em mês); a descrição pormenorizada da carreta de
mascate e dos objetos e coisinhas oferecidos (argolas para laço, vidros de
arnica para curar machucaduras), que acabam por conferir grande importância
a tais objetos ordinários, como, aliás, haveriam mesmo de ter nesse contexto; o
recurso ao humor sacro-profano (essas coisinhas sem santidade...), que
finalmente joga por terra as "importâncias" adquiridas pelos objetos; a
referência às pessoas do lugar e aos objetos adquiridos por elas (nossa mãe,
Dona Maria e mesmo o avô); o reconhecimento de sensações passadas
(haveria de ficar para nós um sentimento longínquo); a brevidade do poema; e,
por fim, a utilização do narrador.
Há, ainda, o recurso literário da proliferação de termos aos elencar os
objetos vendidos na tal carreta de mascate.
Seu décimo terceiro livro é publicado em 1998 e se chama "Retrato do
Artista Quando Coisa". É dividido, por Manoel de Barros, em duas partes,
sendo que a primeira, de título idêntico ao do livro, compreende dezesseis
poemas e a segunda intitulada como "Biografia do Orvalho", outros doze. Para
ilustrar esse livro comentaremos o poema de número 7 da primeira parte do
mesmo:
110
O lugar onde a gente morava era uma Ilha
Lingüística, no jargão dos Dialetólogos (com
perdão da má palavra).
Isto seja: que a gente morava em lugar isolado:
núcleo de dez a vinte pessoas, onde poderia
germinar um idioleto.
Na enchente só entravam batelões e bois de sela
que iam levar mantimentos.
Senão a gente teria que chupar bocaiúva, comer
ovo de ema e tirar mel de pau para sobremesa.
Os anos passavam por longe, ninguém enxergava.
Nas campinas só havia trilheiros de anta.
Quase toda extensão era tomada por
frangos-d'água.
O resto ia no invento.
Pois que inventar aumenta o mundo.
A gente aprendia coisas de sexo vendo os
cachorros emendados, vendo os cavalos nas
éguas e os touros nas vacas.
Camões chamava a isso "Venéreo ajuntamento".
Mas a gente não sabia de Camões e nem de
venéreos.
De novidade tinha por lá uma simpatia para
obter namoro.
Era rabo de lagartixa torrado.
O pó se jogava nos cabelos da moça.
Na primeira poção a moça cede — diziam.
Mas a Ilha Lingüística para nós ainda era um
desnome.
(BARROS, 1998b : 29)
Novamente o relembrar de um tempo passado (o lugar onde a gente
morava) é o que mais situa esse poema em proximidade com a crônica.
Acresce, ainda, como assimiliação de elementos também característicos da
crônica a descrição do povoado (núcleo de dez a vinte pessoas), das
constantes e regulares intempéries do lugar (na enchente), das decorrentes
dificuldades (iam levar mantimentos), das conseqüências e simplicidade
alimentares (chupar bocaiúva, comer ovo de ema e tirar mel de pau para
sobremesa), da presença abundante de animais (anta, frangos-d'água) e dos
"métodos" pedagógicos praticados ali (aprendia coisas de sexo vendo os
cachorros emendados, ...); a simplicidade textual em linguagem prosaica; a
111
justaposição eclética de termos da linguagem formal (idioleto, venéreo) a
outros da linguagem coloquial (a gente, emendados); o recurso ao humor
crítico (com perdão da palavra); a referência a um tempo "inexistente" (os
anos passavam por longe); a citação crítica de um poeta magistral da língua
portuguesa (Camões); a recorrência supersticiosa às tradicionais novas
simpatias presentes na cultura popular (uma simpatia para obter namoro); a
proposta de alargamento, pela inocência criativa da infância, da cosmovisão
científica-racional (Pois que inventar aumenta o mundo.); a brevidade do relato
da situação; e, novamente, a utilização de um narrador.
No ano de 2000, é publicada a décima quarta obra de Manoel de Barros,
intitulada "Ensaios Fotográficos". A mesma é dividida em duas partes, sendo a
primeira homônima ao livro e a segunda chamada de "Álbum de família". Da
primeira delas, o primeiro poema será aqui comentado:
O Fotógrafo
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre
as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmin no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na
pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
112
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovsky — seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.
(BARROS, 2000b : 11-12)
Nesse poema, a crônica se insinua pelo relato pormenorizado das
noturnas perambulações fotográficas do narrador (Não se ouvia um barulho,
ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa). Percebe-se
também sua presença pelas referências temporais (madrugada, eram quase
quatro horas da manhã); pela linguagem em prosa simples e casual; pelo tom
coloquial (lesma pregada na existência, Ninguém outro); pela utilização do
humor ao confirmar o absurdo (O silêncio era um carregador? / Estava
carregando o bêbado., A foto saiu legal.); pelo uso de frases telegráficas
(Fotografei o perfume) na tentativa de captar a essência do objeto focado; pela
citação de outro poeta (Maiakovski); pelas elogiosas considerações literárias
que faz ao mesmo (Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa
para cobrir a sua noiva.); pelo caráter de flagrante-flash dos seres e coisas ao
seu redor; pela presença de um narrador (eu conto:); e por uma certa
brevidade do texto.
O décimo quinto livro de Manoel de Barros intitula-se "Tratado Geral das
Grandezas do Ínfimo" e foi publicado em 2001. É composto por duas partes,
sendo que a primeira tem título homônimo ao do livro e a segunda é
113
denominada como "O Livro de Bernardo". Para ilustrar esse livro,
comentaremos um poema de sua primeira parte:
Joaquim Sapé
Os ornamentos de trapo de Joaquim Sapé já estavam
criando cabelo de tão sujos.
Joaquim atravessava as ruelas da Aldeia como se fosse
um Príncipe
Com aqueles ornamentos de trapo.
Quando entrava na Aldeia com o saco de lata às
costas
Crianças o arrodeavam.
Um dia me falou, esse andarilho ( eu era criança ):
— Quando chove nos braços de uma formiga, o
horizonte diminui.
O menino ficou com a frase incomodando na cabeça.
Como é que esse Joaquim Sapé, que mora debaixo do
chapéu, e que nem tem aparelho de medir céu, pode
saber que os horizontes diminuem quando chove nos
braços de uma formiga?
Se nem quase formiga tem braço!
Igual quando ele me disse que do lado esquerdo do
sol voam mais andorinhas do que os outros pássaros?
Pois ele não tinha aparelho de medir o sol, como
podia saber!
Ele seria um ensaio de cientista?
Ele enxergava prenúncios!
(BARROS, 2003a : 37)
A incorporação de elementos da crônica nesse poema se faz notar por
vários indícios, tais como a utilização do humor ao vincular o sublime ao
humilde (ornamentos de trapo); a leveza e o tom coloquial do uso de metáforas
(criando cabelo, mora debaixo do chapéu) e expressões cotidianas (Se nem
quase); a utilização de "tipos" (esse andarilho), personagens que representam
"papéis sociais" (Joaquim Sapé); a descrição da passagem, e da recepção, do
andarilho pelo local (atravessava as ruelas da Aldeia, Crianças o arrodeavam);
o estabelecimento de diálogos entre as personagens (me falou, esse
andarilho); a recorrência à temporalidade (Um dia) e às lembranças da infância
(eu era criança); o emprego da prosa breve; a presença de um narrador-
114
personagem; e a proposta velada de desvendamento do mundo, não pela
racionalidade quantificadora, mas por meio de prenúncios, de indícios, que,
diga-se de passagem, tão caros são à semiótica.
Em 2003, Manoel de Barros publica seu décimo sexto livro ou o primeiro
de uma trilogia anunciada, "Memórias Inventadas: a Infância". O prefácio do
mesmo, intitulado "Manoel por Manoel", funciona como uma pequena
justificativa com feição de autobiografia poética aspecto, aliás, que perpassa
o livro todo e elucida muito de seu modo arteiro de desarrumar a linguagem.
Senão vejamos:
Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo
não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não
fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na
infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando criança eu
deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia
vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de
fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo
era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de
gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre
e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as
coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de
ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua
aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua
árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão
115
comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que
o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que
eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu
ter sido criança em algum lugar perdido onde havia tansfusão
da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os
bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o
menino e as árvores. (BARROS, 2003b)
Esse livro é composto por quinze poemas-prosa soltos e encaixotados,
de modo a que o leitor possa embaralhar as memórias a seu bel-prazer.
Desses, elegemos como parte, para ilustrar o todo, o poema XIV:
Achadouros
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a
cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A
gente descobre que o tamanho das coisas há que ser
medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de
ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do
nosso quintal são sempre maiores do que as outras
pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o
que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa.
Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos
do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos
de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os
holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus
quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de
grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de
moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar
em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco
ao pé da goiabeira do quintal, lá estava um guri
ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco
ao pé do galinheiro, lá estava um guri tentando agarrar no
rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de
achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada
às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos
que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas.
(BARROS, 2003b : XIV)
Nesse poema, os principais elementos da crônica assimilados são, para
começar, o uso hilariante do humor frente à dimensão "inocente" da infância
116
(encontrei um baú cheio de punhetas); as considerações sobre as relativas
importâncias da cidade e do quintal, medidas pelo tamanho da intimidade que
temos com as coisas; a recorrência às histórias que ouvia quando menino
(contava aos meninos); o trazer-à-cena questões sociais e suas consequências
históricas (remanescente de escravos); a referência à própria história do país
(os holandeses, na fuga apressada do Brasil); os artifícios utilizados para
convidar o leitor a participar da narrativa (a gente, nosso quintal); as
lembranças de pessoas conhecidas em outros tempos (a negra Pombada) e de
situações vividas no dia-a-dia de sua infância pantaneira (subir na goiabeira,
agarrar no rabo de uma lagartixa); a referência a lugares ou cidades (Recife,
Corumbá); a dimensão temporal (Sou hoje); o texto em prosa simples e leve; a
linguagem coloquial utilizada; a presença do narrador; a brevidade textual; e a
utilização de palavras (achadouros), que, forjadas e instituídas pela fala
popular, remetem à imbricamentos semânticos ocorridos ao correr do tempo
(achadouro = achado + ouro).
Sua décima sétima obra, "Poemas Rupestres", veio a público em 2004.
Manoel de Barros dividiu-a em um longo poema, composto por nove partes,
chamado "Canção do ver" e em outras duas seções intituladas "Desenhos de
uma voz" e "Carnaval". Do primeiro poema, elegemos, como ilustração dessa
obra, a terceira parte:
Por forma que o dia era parado de poste.
Os homens passavam as horas sentados na
porta da Venda
de Seo Mané Quinhentos Réis
que tinha esse nome porque todas as coisas
que vendia
custavam o seu preço e mais quinhentos réis.
117
Seria qualquer coisa como a Caixa Dois dos
prefeitos.
O mato era atrás da Venda e servia também
para a gente desocupar.
Os cachorros não precisavam do mato para
desocupar
Nem as emas solteiras que despejavam correndo.
No arruado havia nove ranchos.
Araras cruzavam por cima dos ranchos
conversando em ararês.
Ninguém de nós sabia conversar em ararês.
Os maridos que não ficavam de prosa na porta
da Venda
Iam plantar mandioca
Ou fazer filhos nas patroas.
A vida era bem largada.
Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia
atravessar.
Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?
Por tudo isso, na Corruptela parecia nada
acontecer.
(BARROS, 2004 : 15-16)
A crônica nesse poema se instaura como crônica do vagar, como
crônica da lentidão cotidiana (o dia era parado de poste, na Corruptela
53
parecia nada acontecer). E sepelo caráter de rememoração; pela descrição
do ambiente, tanto natural (O mato ficava atrás da Venda), quanto arquitetônico
(No arruado havia nove ranchos), dos costumes da população local (homens
passavam as horas sentados, servia também para a gente desocupar) e dos
animais que por habitavam ou simplesmente passavam (cachorros, emas,
araras); pela utilização do humor crítico-político-social (os mais quinhentos réis
como a Caixa Dois dos prefeitos) ou, ainda, do humor jocoso (fazer filhos nas
patroas); pela participação de um personagem (Seo Mané Quinhentos Réis);
pela prosa breve em tom coloquial (desocupar, despejavam por defecar); pela
presença de um narrador; e por sugerir, como consideração literária, que, na
53
No poema anterior, Manoel de Barros apresenta a Corruptela como o lugar onde a gente vivia. O
termo, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, tem, entre outros, dois sentidos
que aqui mais nos interessam: tanto de "acampamento temporário", quanto de "palavra distanciada de
uma linguagem com maior prestígio social". Parece ser um achado de Manoel...
118
Corruptela, a linguagem formal e a coloquial se irmanam (Pois afinal as coisas
não eram iguais às cousas?)
Em 2006, sai a décima oitava e última, até então, obra publicada de
Manoel de Barros. Se chama "Memórias Inventadas: a Segunda Infância" e é,
como o próprio nome diz, o segundo livro
54
de sua trilogia autobiográfica escrita
por invencionices poéticas, conforme adiantado acima. Portador do mesmo
formato caixa-de-brinquedos de seu precursor, contém dezesseis poemas em
prosa, dos quais comentaremos, coincidentemente, o XIV:
Tempo
Eu não amava que botassem data na minha existência. A
gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior
era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o
que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por
exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e
podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que
eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso
conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora
eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me
abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas
tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar
quando infante por um gosto de voltar. Como quem
aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então
agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos,
nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de
palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente
nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas
palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós. O
pai passava o seu dia passando arame nos postes de
cerca. A gente brincava no terreiro de cangar sapos,
capar gafanhoto e fazer morrinhos de areia. Às vezes
aparecia na beira do mato com a sua língua fininha um
lagarto. E ali ficava nos cubando. Por barulho de nossa
fala o lagarto sumia no mato, folhava. A mãe jogava lenha
nos quatis e nos bugios que queriam roubar nossa
comida. Nesse tempo a gente era quando crianças. Quem
é quando criança a natureza nos mistura com as suas
árvores, com as suas águas, com o olho azul do céu. Por
tudo isso que eu não gostasse de botar data na
54
O terceiro, como o leitor já deve ter suspeitado, ainda está por vir. Esperamos, com certa ansiedade, que
Manoel nos agracie com esta e muitas outras obras.
119
existência. Por que o tempo não anda pra trás. Ele só
andasse pra trás botando a palavra quando de suporte.
(BARROS, 2006 : XIV)
A principal assimilação da crônica nesse poema é a tematização do
tempo (data, tempo, quando, tardes). Outras incorporações da mesma são,
mais do que recordar, a tentativa de conjungir-se às coisas e, principalmente, à
infância; a utilização de um narrador, bem como o uso de pronomes
possessivos que chamam o leitor a participar do poema (nossos irmãos, nosso
pai, nossa mãe); a descrição da moradia na infância (o rancho não tinha frente
nem fundo), das atividades diárias (a mãe cozinhava, lavava e costurava, O pai
passava o seu dia passando arame nos postes de cerca), das brincadeiras
cotidianas muitas vezes cruéis que "reproduzem" o mundo adulto na
infância (a gente brincava no terreiro de cangar sapo, capar gafanhotos), dos
bichos que os rodeavam (sapo, gafanhoto, lagarto, quatis, bugios) e das
dificuldades da vida na mata (os animais que queriam roubar nossa comida); a
prosa em linguagem coloquial; a brevidade textual com um linguajar simples; e,
até certo ponto, o uso do tempo verbal diferenciado no vocábulo andar como
indicativo do tratamento literário da linguagem, com o intuito de, pela palavra,
voltar no tempo, embora de modo incompleto (o tempo não anda para trás
com o verbo no tempo presente Ele andasse pra trás botando quando de
suporte – com o verbo no pretérito imperfeito).
120
CONCLUSÃO
Pelo que vimos acima, podemos afirmar que a crônica se faz presente,
se não em toda a obra literária de Manoel de Barros, ao menos em boa parte
dela.
Vimos que existem, em maior ou menor grau, elementos da crônica em
todos os seus livros, até então, publicados. E não apenas nos seus três
primeiros livros, como sustenta Afonso de Castro (1991). Na verdade, notamos
que no segundo livro ("Face Imóvel") composto por poemas mais herméticos
a presença da crônica nem é tão evidente quanto nos primeiro ("Poemas
Concebidos sem Pecado") e terceiro ("Poesias") livros, ficando quase que
restrita ao contexto histórico de sua escrita e lançamento.
Por outro lado, é notável que os poemas de Manoel de Barros, nos livros
seguintes ("Compêndio para Uso de Pássaros", "Gramática Expositiva do
Chão", "Matéria de Poesia" e "Arranjos para Assobio"), adquirem maior
poeticidade, ao mesmo tempo em que diminui o grau de assimilação da crônica
nos mesmos. Nesses livros descortina-se, com maior clareza, além da força
121
poética de Manoel, seu projeto poético-estético; em especial no "Matéria de
Poesia", por seu alto teor metalingüístico.
no próximo ("Livro de Pré-Coisas"), a crônica volta com carga total. A
ponto de Manoel de Barros se sentir impelido a Anunciar que não se trata de
um livro sobre o Pantanal, apesar do grande peso narrativo manifestado nos
poemas.
O livro seguinte ("O Guardador de Águas"), como num titubeio, alivia a
carga de cronicidade dos poemas. Contudo, ela volta à investida em seus
próximos livros, que, com exceção de "Ensaios Fotográficos", têm forte
presença da crônica, principalmente motivada pelas recordações de infância do
poeta.
Desse modo, podemos dizer que Manoel de Barros, até então, vem
operando um ciclo que se inicia em lembranças e sensações de sua infância
nas matas pantaneiras e de sua juventude entre muros e asfaltos; parte em
busca da redenção de um horizonte poético próprio; e volta, em idade
avançada, a conceber sem pecado poemas plasmados em recordações
infantis; pois como ele mesmo admite em entrevista (BIRAM, 03/10/94),
Poemas Concebidos sem Pecado é meu breviário.
Como a parte que contém o todo, Manoel de Barros consegue, a partir
de suas recordações poeticamente revividas, atingir as mais elementares
instâncias humanas. Confirmando, assim, o que foi dito no início deste
trabalho:
Manoel de Barros é um autor extremamente sensível ao seu
cotidiano universo regional, repleto de ciscos, trastes, insetos,
bichos, aves, plantas, loucos, gentes e paisagens, sem,
122
contudo, deixar de transcender, através do trato com a palavra,
para os grandes temas da realidade universal humana. (pág.
21)
Opera-se, também, no cuidado dispensado à linguagem por Manoel de
Barros, uma ruptura dos diques delimitadores dos diversos fatores e funções
da linguagem jakobsonianos ao menos em relação à poesia e à crônica
para, ao modo da tradição latino-americana, conforme vimos acima,
transbordar em proliferantes e criativos inundamentos formais, que, por sua
vez, irrigam a aridez das estanques lógicas identitárias e desaguam em novos
florescimentos semânticos. Enfim... Barros é Barroco!
Desse modo, pode-se afirmar que Manoel de Barros é um poeta
sensível ao contexto cultural no qual habita. E que, com sua poesia fecundada
pela crônica de tal maneira que, nos poemas, ambas se complementam
engendra-se poeta de originalidade única. A ponto de, parafraseando-o,
podermos dizer que, para ele, crônica não é para compreender, mas para
incorporar.
Destarte, Manoel de Barros, esse homem que se tornou árvore, com seu
verbo torto e sinuoso como um jacaré pantaneiro, carrega o passado, está no
presente e perpassa o futuro para sacramentar-se, não somente pelo feliz
epíteto forjado por Amálio Pinheiro durante nossas conversas como Cronista
da mata pantaneira, mas, também, como Cronista da infância na mata
pantaneira.
123
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Bauinain, Marcelo. " ‘Caramujo’ de Pizzini faz sucesso na Europa", In Diário da Serra.
Campo Grande - MS, 07/07/93.
55
Os livros “A loucura da palavra” de José Fernandes e “Achados do Chão” de Miguel Sanches Neto,
assim como a tese de doutoramento “A Poética do Fragmentário: Uma leitura da poesia de Manoel de
Barros” de Goindira de F. Ortiz Camargo, pertencentes a este acervo, foram, também, adicionados à
Bibliografia Geral no intuito de facilitar eventuais consultas.
56
Essa matéria, apesar de inserida no acervo, não traz nenhuma informação sobre Manoel de Barros. Nem
mesmo chega a citar seu nome.
130
Bazil, Sérgio. "Caramujo - Flor é aplaudido", In Correio Brasiliense. Brasília, 14/06/89
Biram, Tagore. "O desconsertador de linguagens", In Jornal do Brasil Central. Campo
Grande - MS, 03/10/94.
57
Biram, Tagore: "Obra de Manoel de Barros vai à Frankfurt". In Diário da Serra. Campo
Grande, 10/03/94.
Biram, Tagore. "O poeta amanheceu, de novo", In Jornal do Brasil Central. Campo
Grande - MS, 21 a 27/11/93.
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Brasília, 24/05/92.
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Brito, Orlando. "Paisagens de água e de árvores", In revista Veja Centro - Oeste. Rio de
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Camargo, Éverson Faganelo. "Curta Caramujo - Flor inova com simplicidade e imediata
emoção", In O Estado de Florianópolis. Florianópolis - SC., 14/06/89.
58
Camargo, Goindira de F. Ortiz. "A Poética do Fragmentário: Uma leitura da poesia de
Manoel de Barros". Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
Camargo, Maria Silva. "Memória do Império", In Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,
20/08/89.
Cançado, José Maria. "A palavra essencial", In Folha de São Paulo. São Paulo,
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Cançado, José Maria. "O escárnio e a ternura", In revista Leia, junho de 1987.
Cardim, Ismael. "Um poeta em Mato Grosso", In Jornal À Crítica. Campo Grande -
MS, 2 a 09/08/74.
Cardim, Ismael. "Um poeta sem pecado", In Jornal À Crítica. Campo Grande - MS.
Castello, José. "Manoel de Barros faz do absurdo sensatez", In O Estado de São Paulo.
São Paulo, 18/10/97.
57
Essa matéria, na verdade, foi publicada no dia 03/09/1994. Entretanto, face a essas e outras
discrepâncias, foram mantidos os dados constantes no Acervo “Gleba Expositiva Manoel de Barros”.
58
Essa indicação foi posta por engano, já que o nome do autor é somente Éverson Faganelo.
131
Castello, José. " ‘Minha poesia é torta’ diz Manoel de Barros", In O Estado de São
Paulo. São Paulo, 18/10/97.
Castello, José. "Manoel de Barros busca o sentido da vida", In O Estado de São Paulo.
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de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás. Goiás,
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59
A data de publicação dessa matéria é 04/03/1998.
60
A data de publicação dessa matéria é 01/12/1990.
61
A data de publicação dessa matéria é 10/02/1996
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O nome do autor é somente Éverson Faganelo.
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O título dessa matéria é “Um filme para poemas do caramujo-flor”.
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O nome da autora é Isabel Cristina Mauad.
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A data dessa matéria é 08/09/1993.
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66
Não está disponível a data de publicação desse artigo.
67
A data dessa matéria é 07/10/1986.
68
O título é Manoel de Barros, sem bairrismo.
69
O nome do autor é Sérgio Rubens Sossélla.
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