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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A SUBJETIVAÇÃO DA CRIANÇA ESCOLAR:
UM ESTUDO SOBRE O TEMPO DE LATÊNCIA
ANGELA MARIA SCHNEIDER DRÜGG
TESE DE DOUTORADO
Porto Alegre, Brasil
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A SUBJETIVAÇÃO DA CRIANÇA ESCOLAR:
UM ESTUDO SOBRE O TEMPO DE LATÊNCIA
ANGELA MARIA SCHNEIDER DRÜGG
Orientadora: Doutora Margareth Schäffer
A apresentação desta tese é exigência do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul UFRGS, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Porto Alegre, Brasil
2007
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2
D794s
Drügg, Angela Maria Schneider
A subjetivação da criança escolar : um estudo sobre o tempo de
latência / Angela Maria Schneider Drügg. – Porto Alegre, 2007. – 135
f. : il.
Tese (doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 2007.
1. Psicologia educacional 2. Psicanálise 3. Infância - Processo de
escolarização 4. Criança - Idade escolar 5.Psicologia infantil -
Tempo de latência I. Título.
CDU: 159.922.7
37.015.3
Nelcy T. da Rosa Kegler
CRB-10 / 809
3
Angela Maria Schneider Drügg
A SUBJETIVAÇÃO DA CRIANÇA ESCOLAR:
UM ESTUDO SOBRE O TEMPO DE LATÊNCIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRGS, exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Educação.
Aprovada em 7 de maio de 2007.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Doutora Margareth Schäffer – Orientadora – UFRGS
___________________________________________________________________
Doutora Ana Rosa Fontenella Santiago – Unijuí
___________________________________________________________________
Doutora Simone Moschen Rickes – UFRGS
___________________________________________________________________
Doutor Valdir Nunes Flores – UFRGS
4
Para Renato, Cristiane e Carlos Eduardo.
5
AGRADECIMENTOS
À professora doutora Margareth Schäffer, orientadora desta pesquisa, pelo acolhimento
afetuoso que sempre me dispensou durante todo o tempo em que estive vinculada
ao PPG-EDU.
Aos professores doutores membros da Banca Examinadora, pela disponibilidade com que
aceitaram a tarefa de avaliar este trabalho e pelas contribuições oferecidas.
Aos professores das disciplinas que tive a oportunidade de cursar, pela valiosa
contribuição para a minha formação.
À professora e colega de trabalho Íris Campos, pela disponibilidade com que acolheu meu
pedido de leitura deste texto e pelas sugestões dadas.
À Unijuí, pelo apoio financeiro, sem o qual a realização deste projeto não seria possível.
Aos colegas professores do Departamento de Filosofia e Psicologia, pela aposta neste
trabalho e viabilização do tempo necessário a sua realização.
Aos familiares e amigos, pelo incentivo sempre presente.
6
“Há um menino
um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão.”
(Milton Nascimento)
7
RESUMO
A presente pesquisa consiste num estudo sobre o processo de constituição psíquica da criança
em idade escolar a partir do conceito tempo de latência, buscando articulá-lo ao processo de
escolarização da infância. Situa o conceito no conjunto da obra freudiana desde seus
primeiros trabalhos sobre as neuroses e a sexualidade infantil, passa pelo período de
formulação da teoria das pulsões, localiza-o no contexto da teoria estrutural e, igualmente, nas
reflexões de Freud acerca das relações entre natureza e cultura. Em sucessão, verifica os
desdobramentos que o conceito tem na obra de reconhecidos psicanalistas que se dedicaram à
análise de crianças, como Melanie Klein, Anna Freud, Donald Winnicott, Charles Sarnoff e
Françoise Dolto, culminando com uma leitura do tempo de latência como um tempo lógico a
partir do enfoque lacaniano. Enquanto tempo lógico infere que a latência não decorre de um
processo natural, desencadeado pelo organismo, e sim pela demanda do Outro. Nesse sentido
procura vinculá-lo às transformações culturais da modernidade, entre estas o processo de
escolarização da infância. Sustenta que a escolarização favorece a constituição do tempo de
latência, na medida em a escola se organiza como o espaço social destinado à criança,
distanciando-a do ambiente familiar sem, no entanto, incluí-la no mundo adulto, ao mesmo
tempo em que possibilita formas de sublimação. Entendendo o tempo de latência como uma
produção do laço social, cogita que novas transformações na cultura podem extingui-lo
enquanto tempo constitutivo. Aponta que fraturas na sustentação do trabalho psíquico deste
tempo constitutivo aparecem em algumas formações clínicas, como a inibição intelectual e a
fobia escolar.
Palavras-chave: Tempo de latência. Constituição psíquica. Pulsão. Laço social. Processo de
escolarização.
8
ABSTRACT
The research consists of a study on the process of psychic constitution of the child in school
age from the concept of latency time, searching the education process of infancy. It points out
the concept in the set of the Freudian workmanship since the first works on the neuroses and
the infantile sexuality, passes for the period of formularization of the drive theory, still locates
it in the context of the structural theory and in the reflections of Freud about the relations
between nature and culture. To leave of this, it verifies the unfoldings that the concept has in
the workmanship of recognized psychoanalysts who had dedicated themselves to analyze of
children as Melanie Klein, Anna Freud, Donald Winnicott, Charles Sarnoff and Françoise
Dolto, culminating with a reading of the latency time as a logical time from the lacanian
approach. While logical time understands that the latency does not elapse of a natural process,
unchained for the organism, and yes for the demand of the Other. In this direction it searches
to tie it to the cultural transformations of modernity, between these the education process of
infancy. It supports that the education favors the constitution of the latency time, in the
measure where the school is organized as the social space destined to the child, distancing
itself of the familiar environment without, in meanwhile include them in the adult world, at
the same time where it makes possible subliming forms. Understanding the latency time as a
production of the social bow, it cogitates that new transformations in the culture can
extinguish it while constituent time. It points that breakings in the sustentation of the psychic
work of the latency appear in some clinical formations as the intellectual inhibition and the
pertaining to school phobia.
Key words: Time of latency. Psychic constitution. Drive. Social bow. Education process.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1
1 O TEMPO DE LATÊNCIA NA OBRA FREUDIANA................................................... 9
1.1 A FORMULAÇÃO DO CONCEITO............................................................................. 11
1.2 O TEMPO DE LATÊNCIA E A TEORIA DAS PULSÕES........................................... 15
1.2.1 A Primeira Teoria das Pulsões.................................................................................. 17
1.2.2 A Evolução da Libido................................................................................................ 21
1.2.3 A Pulsão de Morte..................................................................................................... 26
1.3 O TEMPO DE LATÊNCIA E A TEORIA ESTRUTURAL ........................................... 30
1.3.1 A Nova Tópica........................................................................................................... 30
1.3.2 Fase Fálica, Édipo e Castração................................................................................. 33
1.3.3 A Angústia ................................................................................................................. 36
1.3.4 A Inibição .................................................................................................................. 39
1.4 NATUREZA, CULTURA E TEMPO DE LATÊNCIA .................................................. 41
1.4.1 Tempo de Latência e Tradição ................................................................................. 44
2 O TEMPO DE LATÊNCIA DEPOIS DE FREUD........................................................ 48
2.1 A FORÇA DO RECALQUE.......................................................................................... 48
2.2 O REFORÇO DAS DEFESAS DO EU.......................................................................... 49
2.3 A PRESERVAÇÃO DAS CONQUISTAS DO EU ........................................................ 51
2.4 A IMPORTÂNCIA DOS ESTADOS DE LATÊNCIA................................................... 53
2.5 A IMAGEM INCONSCIENTE DO CORPO ................................................................. 57
2.6 TEMPO PARA COMPREENDER................................................................................. 60
2.7 O SILÊNCIO DO DESEJO............................................................................................ 65
3 LATÊNCIA E CULTURA.............................................................................................. 72
3.1 O SURGIMENTO DO INDIVÍDUO.............................................................................. 72
3.2 O NASCIMENTO DA INFÂNCIA................................................................................ 74
3.3 A ESCOLARIZAÇÃO DA INFÂNCIA......................................................................... 76
3.4 TRABALHO ESCOLAR E SUBLIMAÇÃO ................................................................. 84
3.5 O FIM DA LATÊNCIA ................................................................................................. 88
4 FORMAÇÕES CLÍNICAS............................................................................................. 93
4.1 A LEITURA LACANIANA DO COMPLEXO DE ÉDIPO ........................................... 94
4.2 A INIBIÇÃO INTELECTUAL .................................................................................... 977
4.3 A FOBIA ESCOLAR................................................................................................. 1033
4.4 A FOBIA DE PINÓQUIO........................................................................................ 11010
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 1177
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 1266
ANEXOS ........................................................................................................................ 1333
INTRODUÇÃO
“Era uma vez...
— Um rei! – dirão logo os meus pequenos leitores.
Não, crianças, erraram. Era uma vez um pedaço de
madeira.” (COLLODI, 2002, p. 7).
A intenção que move este estudo é a de discutir a problemática da subjetivação na
criança em idade escolar. O interesse pelo tema surgiu a partir da práxis com crianças na
clínica psicanalítica e do trabalho como professora universitária.
Duas constatações, a partir dessas experiências, deixaram interrogações. A primeira
diz respeito ao fato de termos observado, no acompanhamento de crianças em atendimento
clínico, o quanto o ingresso na escola pode produzir um efeito terapêutico no sentido de que
promove um certo amadurecimento psíquico, tanto cognitivo quanto socioafetivo, o que leva
a indagar sobre o que haveria no dispositivo escolar para produzir tal efeito. Por outro lado,
também constatamos que, em alguns casos, é justamente o ingresso na escola que vai
desencadear sintomas psíquicos diversos, tais como as dificuldades de relacionamento, de
aprendizagem, fobias, entre outros. Nesses casos, parece ficar evidente que a criança não
dispõe das condições psíquicas necessárias para poder responder às demandas do processo de
escolarização. Que condições seriam essas?
A segunda relaciona-se a uma constatação da clínica psicanalítica com crianças, a qual
também confirmamos em nossa experiência. Trata-se da observação de que, durante o tempo
de latência, as crianças diminuem suas produções fantasísticas, quando comparadas com as
crianças das fases anteriores. O faz-de-conta no brincar cede espaço aos jogos com regras,
parecendo oferecer escasso material clínico a ser trabalhado, o que pode causar a impressão
de que o tratamento não avança. Por outro lado, nesse período, na escola, a criança geralmente
se apresenta bastante produtiva, receptiva a toda sorte de novas aprendizagens. Como
entender esta aparente contradição? Segundo a teoria psicanalítica, a análise se desenrola na
direção do levantamento do recalcado, o que contraria a tendência principal do funcionamento
psíquico na latência, que é a de manter o recalcamento. Já a educação escolar atua em
conformidade com o trabalho psíquico requerido nessa etapa, favorecendo o recalcamento e
oferecendo possibilidades de sublimação.
2
Entendemos que as duas constatações remetem a uma mesma problemática. A
primeira, a princípio bastante óbvia, remete para uma possível inter-relação entre o processo
de constituição subjetiva e o processo de escolarização; a segunda aponta para o interesse de
uma releitura do conceito freudiano tempo de latência, justamente como uma via para discutir
esta inter-relação. Nesse sentido, podemos assim formular a questão que move esta pesquisa:
Qual é a relação existente entre o processo de subjetivação no tempo de latência e o processo
de escolarização formal da criança? A via que propomos para responder a esta questão passa
pela intersecção entre processo de escolarização, processo de subjetivação e tempo de
latência. Aqui, tomamos a expressão processo de subjetivação
1
como equivalente à expressão
processo de constituição psíquica.
Tomando como primeiro ponto de reflexão a relação entre o processo de escolarização
e o de subjetivação, ou seja, o processo de constituição psíquica, e dirigindo nosso olhar à
história, verificamos o quanto a própria noção de infância é concomitante ao surgimento da
escolarização. Constatamos que à medida que o sentimento de infância passa a se afirmar na
sociedade de forma cada vez mais intensa a partir do final da Idade Média aos nossos dias,
também a escola vai sendo concebida e organizada como o espaço social que vai acolher e
formar a população infantil.
A psicanálise, campo teórico a partir do qual fundamentamos esta pesquisa, também
reconhece a existência de uma relação entre o processo de constituição psíquica e a educação
em sentido amplo, e também com o processo de escolarização especificamente. Observa-se
1
Os termos subjetivo, subjetividade, subjetivação, adquirem conotações diferenciadas conforme os autores ou os
campos do conhecimento em que o aplicados. Em psicanálise, são empregados em referência a processos
psíquicos. O artigo de Freud, A Negativa (1925h), pode esclarecer sobre este uso. Nele Freud compara a
oposição objetivo-subjetivo à oposição externo-interno. No início da vida, sob a ação do princípio do prazer, o
homem deseja introjetar tudo quanto é bom e ejetar de si tudo quanto é mau. Neste tempo, uma equivalência
entre interno e bom e externo e mau. Posteriormente, sob a ação do princípio de realidade, impõe-se saber se
algo que está no eu como representação pode ser redescoberto como percepção, ou seja, na realidade. Neste
ponto mais avançado do desenvolvimento psíquico, o que é irreal, apenas uma representação, é interno e
subjetivo, e o que é externo, mostra-se irreal e objetivo. Para que algo seja bom, no entanto, precisa existir
também no mundo externo a fim de que seja possível ao homem apossar-se dele sempre que necessário.
Para Freud, portanto, a antítese entre subjetivo e objetivo não existe desde o início. Ela surge quando se torna
possível reproduzir por meio do pensamento, ou seja, representar algo anteriormente percebido sem que o objeto
externo ainda tenha que estar lá. No mesmo artigo Freud afirma que ainda uma outra contribuição que a
capacidade de pensar oferece para a distinção entre o que é subjetivo e o que é objetivo. Trata-se da função de
julgamento. Julgar é uma continuação do processo pelo qual o eu integra a si coisas boas e expele de si coisas
más, conforme o imperativo do princípio do prazer. O julgamento se faz pela afirmação (substituto da introjeção)
e pela negação (substituto da expulsão). Freud, entretanto, destaca que o julgamento só aparece quando a
possibilidade de representação da negativa impõe um limite à compulsão do princípio do prazer.
A partir do artigo mencionado, no qual Freud demonstra o quanto o pulsional e os processos de pensamento
encontram-se imbricados, pode-se afirmar que a constituição psíquica está intimamente vinculada à constituição
desta cisão entre interno e externo, ou seja, a constituição de um espaço de subjetividade. Neste sentido,
propomos utilizar a expressão processo de subjetivação como equivalente a processo de constituição psíquica.
3
que o que Freud denominou tempo de latência abrange o período de escolarização obrigatória,
o que permite pensar na existência de uma relação entre a constituição deste e a inserção da
criança na escola. Esta relação foi inicialmente apontada por Freud no texto Ts Ensaios
sobre a Teoria da Sexualidade (1905d), no qual ele vinculou a entrada da criança num tempo
de latência à possibilidade de uma série de aquisições culturais, entre as quais podemos
incluir as aprendizagens escolares. Ao mesmo tempo, Freud suspeita de que a escola tem um
papel importante na própria constituição deste tempo, afirmando ainda que a latência só se
observa nas sociedades construídas sobre a repressão da sexualidade, portanto seria, sob este
enfoque, uma produção cultural
2
.
Freud situa o tempo de latência no período que sucede o declínio do complexo de
Édipo e antecede a adolescência. O declínio do complexo de Édipo é uma decorrência da
discordância entre a estrutura edipiana e a imaturidade biológica da criança para o exercício
da sexualidade. Concomitantemente, as exigências sociais, conjugadas ao supereu, vêm
reforçar o recalcamento dos desejos edipianos, constituindo a latência sexual.
Resumidamente, o que caracteriza o tempo de latência é que neste não ocorre nova
organização da sexualidade. Isto é, a libido não está voltada a nenhuma parte do corpo em
particular, tal como ocorre nas fases oral, anal e fálica, podendo, por isso mesmo, ser
canalizada para investimentos sociais e culturais (sublimação). Na latência um predomínio
do princípio da realidade sobre o princípio do prazer e um funcionamento psíquico orientado
pelo processo secundário, em detrimento do processo primário.
Na literatura psicanalítica mais recente encontram-se poucos estudos aprofundados
sobre o tempo de latência. Em geral aparecem apenas breves referências nos trabalhos sobre
os períodos do desenvolvimento libidinal, ou quando isto é necessário para a abordagem de
outros temas, como a “adolescência”, por exemplo. São raros os estudos que tomam a latência
como assunto central de reflexão.
Inicialmente nos perguntamos a que se deve esta quase ausência do tema na literatura
especializada. Seria um conceito que teria perdido sua validade ou seria possível reestudá-lo
em novas bases, considerando as contribuições de Lacan e de psicanalistas lacanianos?
Consideramos a segunda possibilidade plausível e de interesse para o campo da educação
escolar, uma vez que, como referido anteriormente, o conceito tempo de latência recobre a
2
No mesmo artigo, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, encontra-se uma afirmação de Freud que
parece contradizer esta idéia. O tempo de latência seria organicamente condicionado, fixado pela
hereditariedade, podendo ocorrer sem nenhuma ajuda da educação (FREUD, 1905d, p. 166).
4
infância ou idade escolar. Na maior parte das produções psicanalíticas até Lacan, as etapas do
desenvolvimento libidinal (oral, anal, fálica, latência e genital) foram tomadas da obra
freudiana numa cronologia e, ao mesmo tempo, vinculadas ao amadurecimento ou ao
desenvolvimento de estruturas biológicas. A partir de Lacan estas concepções se modificam,
em função de duas proposições. A primeira diz respeito ao tempo, que no campo psíquico não
é o tempo cronológico, mas o tempo lógico. Isto significa que os desdobramentos temporais
não são ordenados pela cronologia, mas pela significância
3
. A segunda, diretamente vinculada
à primeira, seria a compreensão de que não é o orgânico que comanda o processo de
constituição do sujeito, e sim a demanda do Outro
4
.
Se a constituição psíquica se a partir dos significantes que o sujeito encontra no
campo do Outro, então, no tempo de latência, que recobre os primeiros anos de escolarização
formal da criança, serão a escola e seus representantes que ocuparão, por excelência, o lugar
do Outro. Assim, podemos considerar a hipótese de que o processo de escolarização contribui
para que a latência, enquanto uma particular posição subjetiva, possa se estabelecer, na
medida em que se revela importante para a aquisição das aprendizagens escolares. Ao mesmo
tempo, como a outra face da moeda, consideramos viável levantar ainda uma outra hipótese: a
de que as rupturas que possam vir a ocorrer nesta posição subjetiva tendem a resultar em
formações clínicas que emergem no espaço escolar. Destacamos aqui as fobias escolares e a
inibição intelectual.
3
Os conceitos signo, significante, significado, significação, significância, tomados da lingüística para o campo
da psicanálise, remetem à concepção lacaniana de que o inconsciente não é apenas a sede das pulsões, mas que aí
se encontra toda a estrutura da linguagem. A linguagem, com sua estrutura, pré-existe ao sujeito, que é servo de
um discurso no qual seu lugar está inscrito em seu nascimento. Este discurso é o que ordena as estruturas
elementares de uma cultura. Lacan sustenta este pensamento baseado nos avanços da lingüística que tornaram
possível um novo ordenamento das ciências do homem. Toma de Saussure a idéia da arbitrariedade do signo
lingüístico e sua distinção entre significante e significado. Segundo esta concepção, o existe uma
correspondência biunívoca entre a palavra e a coisa. A significação ou significado se sustenta pela remissão a
outra significação. Por isso, o sentido se encontra na cadeia significante, e nenhum de seus elementos o
contém em particular. Isto leva à noção de um deslizamento constante do significado sob o significante. Lacan
destaca a primazia do significante sobre o significado e nomeia ponto de estofo os momentos em que este
deslizamento se detém, abrindo para um sentido, sempre retroativamente (LACAN, 1998, p. 498-506). Quando,
segundo a psicanálise lacaniana, se concebe o tempo como sendo ordenado pela significância, isto remete
justamente ao anteriormente exposto, ou seja, que do ponto de vista psíquico o sentido não é produzido pelo
significado ou significação, mas diretamente pela própria imagem acústica da palavra naquilo que ela evoca ao
sujeito. Para Lacan o significante representa e determina o sujeito, donde o conhecido aforisma “um significante
é aquilo que representa um sujeito para um outro significante.” (CHEMAMA, 1995, p. 198).
4
O termo “Outro” escrito com “O” maiúsculo é utilizado em psicanálise para representar o conjunto de aspectos
anteriores e exteriores ao sujeito que de alguma forma o determinam (CHEMAMA, 1995, p. 156). O Outro é a
Lei, as normas e, em última instância, a estrutura da linguagem. O sujeito enquanto o é, não existe mais do que
no e pelo discurso do Outro.” (BLEICHMAR; BLEICHMAR, 1992, p. 148).
5
Reunindo o que até aqui foi exposto e tentando fazer uma síntese, podemos antecipar
que nossa proposta de pesquisa é a de desenvolver um estudo sobre o processo de
subjetivação da criança escolar que tome como núcleo central o conceito freudiano de tempo
de latência, realizando uma releitura deste conceito que incorpore as contribuições lacanianas
sobre o tempo lógico e a demanda do Outro no processo de constituição do sujeito. Neste
contexto, pretendemos sustentar que na cultura ocidental a demanda social de escolarização é
um dos elementos desencadeadores deste tempo constitutivo que favorece as aprendizagens
escolares. Inversamente, quando esta estrutura se encontra em risco, fobias e dificuldades de
aprendizagem se fazem presentes na cena escolar.
As questões desta pesquisa, como foi afirmado anteriormente, partem do exercício
da clínica psicanalítica com crianças e da experiência como professora universitária,
especialmente na atividade de supervisão de estágios, nas áreas escolar e clínica com
graduandos em Psicologia. Essas experiências certamente marcam a direção das reflexões.
Não propomos, contudo, um estudo a partir de casos clínicos ou uma investigação do tipo
empírico. Trata-se de uma pesquisa teórica de cunho metapsicológico, cujo tema inscreve-se
no entrecruzamento dos campos da psicanálise e da educação escolar.
No campo da psicanálise com crianças, nos últimos anos cresceu a quantidade de
pesquisas e publicações dedicadas aos processos e tempos iniciais da constituição do sujeito,
uma vez que as intervenções clínicas e educacionais alcançam populações cada vez mais
jovens, ou se estendem cada vez mais às psicopatologias com comprometimento dos tempos
iniciais da constituição psíquica. Assim, observamos que surgiram trabalhos muito
consistentes sobre o autismo, as psicoses infantis, os problemas do desenvolvimento ou o
atendimento de bebês, para citar alguns exemplos. O trabalho com crianças maiores,
entretanto, inseridas no processo de escolarização regular e que estão fazendo sua constituição
psíquica pelos caminhos da neurose, continua questionando.
Na clínica infantil, os motivos que, com mais freqüência, levam à procura de
tratamento psicológico ou psicanalítico para uma criança em idade escolar ainda são os
sintomas que emergem na aprendizagem e no comportamento no ambiente escolar. Isso
evidencia o quanto, na cultura, a escola está envolvida nos processos de constituição psíquica
na infância. Assim sendo, consideramos de interesse retomar o estudo do conceito tempo de
latência, pensando-o desde uma leitura lacaniana da psicanálise, entendendo que esta
abordagem pode oferecer os aportes teórico-conceituais que possibilitam entender os
processos de constituição psíquica na sua relação com as demandas socioculturais.
6
Para avançar nestas reflexões organizamos nosso estudo em torno de quatro eixos que
se constituem em capítulos do trabalho.
No primeiro situamos a origem e os desenvolvimentos do conceito tempo de latência
na obra freudiana, na sua relação com os diferentes momentos de construção da psicanálise.
Partimos das primeiras hipóteses sobre a teoria das neuroses que resultaram na descoberta da
sexualidade infantil.
Na seqüência verificamos que Freud vai vinculá-lo à pressão que a educação exerce
sobre as pulsões sexuais, articulá-lo às noções de princípio do prazer e princípio da realidade,
e dar-lhe um lugar no processo de formação de grupos. Mais adiante, quando reformula a
teoria das pulsões e estabelece a segunda tópica, esclarece sua relação com o complexo de
Édipo e de castração e é considerado um dos fatores responsáveis pela formação do supereu.
Por fim, o conceito aparece relacionado à compreensão da dimensão do tempo em psicanálise.
No segundo capítulo procuramos ampliar a discussão em torno dos processos
psíquicos, ou seja, do trabalho psíquico que caracteriza o tempo de latência. Para tanto nos
valemos de um levantamento das idéias de psicanalistas pós-freudianos a respeito deste tempo
constitutivo, mostrando diferentes ênfases de leitura do conceito. A intenção é a de poder
demonstrar que se trata de um tempo de grandes elaborações, ao contrário do que
freqüentemente se supõe.
Veremos que Melanie Klein (1975) enfatiza a força do recalque no período, sugerindo
o uso imediato de interpretações com o objetivo de acalmar a angústia da criança e conseguir
sua adesão ao tratamento. Anna Freud (1972), por seu lado, destaca o fortalecimento do eu e
tem uma preocupação mais pedagógica que psicanalítica. Winnicott (1983, 1990), sem
discordar de ambas as posições, reconhece o valor da interpretação no momento certo, mas
também adverte que não se deve atrapalhar a organização do eu. Em seguida apresentamos o
pensamento de Sarnoff (1995), um dos autores que mais se dedicaram ao estudo do tempo de
latência, definindo-o como um período de calma, docilidade e educabilidade. Numa posição
diferente dele veremos que Françoise Dolto (1992, 1996) vai analisá-lo no seu vínculo com a
imagem inconsciente do corpo e com o complexo de castração. Por último, por meio de
leituras marcadas pelo pensamento de Lacan, situamos a latência como um tempo lógico, que
se constitui no laço social.
7
Partindo desta idéia, no terceiro capítulo procuramos localizar na nossa cultura
elementos que sustentam a constituição de um tempo de latência em nossa estruturação
psíquica. Vinculamos o surgimento do individualismo e da noção de infância ao incremento
do processo de escolarização que definiu a escola como o espaço social destinado à infância,
de forma que, hoje, podemos afirmar que seus representantes ocupam o lugar do Outro no
tempo de latência. Situamos a concepção e a organização do espaço escolar como fatores que
favorecem a constituição deste tempo. Ao encerrar o capítulo discutimos a possibilidade de
que as mudanças culturais que vivenciamos na atualidade estejam contribuindo para o
desaparecimento do tempo de latência de nossa constituição psíquica.
Entendendo que a estrutura da latência tanto é sustentada pela organização escolar
quanto favorece a aprendizagem e a inserção neste espaço, no quarto capítulo trabalhamos
duas formações clínicas típicas, ambas vinculadas à escolarização: a inibição intelectual e a
fobia escolar. Supomos que estas formações clínicas aparecem quando, por alguma razão, a
instalação ou a sustentação das condições psíquicas que configuram o tempo de latência
encontram-se ameaçadas. Vinculamos o surgimento destas psicopatologias ao complexo de
Édipo e à angústia de castração. Encerramos este capítulo realizando uma discussão da fábula
de Pinóquio, que nos apresenta um retrato vibrante do processo de humanização da criança
em tempo de latência. Ao mesmo tempo, tomamos a recusa do personagem em ir à escola
como expressão de uma fobia escolar.
Antes de concluir esta apresentação faz-se necessário ainda uma observação sobre a
terminologia freudiana em relação ao conceito objeto deste estudo. Ao longo de sua obra
constata-se que Freud emprega distintos termos para se referir a ele: Latenzperiode (período
de latência), Latenzzeit (tempo de latência) e Aufschubsperiode (período de adiamento).
Na versão brasileira das Obras Completas de Freud, da Editora Imago, estas
expressões são traduzidas sistematicamente por período de latência. Sabe-se que esta tradução
não foi realizada a partir do texto original alemão, mas da Standard Edition inglesa, que foi
vertida por James Strachey, sob a orientação de Ernest Jones.
De acordo com Kemper (1997, p. 49-50), que analisa criticamente o reducionismo nas
traduções inglesa e brasileira da obra freudiana, questões de ordem histórica, ideológica e
política marcaram a filosofia editorial da Standard Edition. Teria havido a clara intenção de
retirar da teoria freudiana sua originalidade em relação aos saberes instituídos, reescrevendo-a
em conformidade com as tendências dominantes nos campos da Biologia e da Medicina.
8
A partir desta crítica é possível supor que a tradução sistemática dos vocábulos
Latenzzeit, Latenzperiode e Aufschubsperiode, por período de latência, contrariando o texto
original de Freud, pode ser incluída no bojo do viés biologizante que Jones e Strachey
imprimem à tradução inglesa da obra de Freud. A expressão Latenzzeit, na língua alemã,
remete a uma polissemia muito maior que a expressão Latenzperiode. Esta última, como o
próprio termo indica, faz supor uma periodicidade, uma cronologia. Latenzzeit, ou seja, tempo
de latência, é a expressão que, em nosso entender, melhor serve para se pensar a latência
como tempo lógico, que é o que pretendemos nesta pesquisa. Com este objetivo optamos por
empregar, neste trabalho, a expressão tempo de latência, muito embora não tenhamos
encontrado referências de que as outras expressões teriam tradução problemática.
9
1 O TEMPO DE LATÊNCIA NA OBRA FREUDIANA
“Mas de onde saiu essa vozinha que disse ai?... Aqui
não tem vivalma. Será, por acaso, esse pedaço de madeira
que aprendeu a chorar e se queixar feito criança?”
(COLLODI, 2002, p. 8).
O conceito tempo de latência, na obra de Freud, deve ser compreendido no contexto
de suas investigações sobre as neuroses. O interesse pelo estudo destas levou-o, ainda como
um jovem médico, a trabalhar no serviço de psiquiatria de Meynert, em Viena, no ano de
1883.
A psiquiatria do século XIX admitia dois grandes grupos de doenças: as que se
caracterizavam pela regularidade dos sintomas, cuja origem era uma lesão orgânica que podia
ser comprovada pela anatomia patológica, e as neuroses, com sintomatologia irregular,
concebidas como perturbações fisiológicas do sistema nervoso, para as quais buscava-se outra
forma de abordagem clínica. Com este objetivo Charcot, com quem Freud vai estudar no
inverno de 1885, propunha o uso da hipnose no tratamento da histeria.
No entendimento de Charcot (Cf. GARCIA-ROZA, 1984, p. 32-34), a hipnose
produzia mudanças fisiológicas no sistema nervoso semelhantes às geradas pela histeria.
Acreditava que nos pacientes histéricos um trauma psíquico havia originado uma espécie de
estado hipnótico permanente que se expressava corporalmente mediante uma paralisia,
cegueira ou outro sintoma qualquer. Por meio da sugestão hipnótica o médico podia controlar
essa sintomatologia, tanto no sentido de suspendê-la quanto de produzi-la artificialmente. O
reconhecimento de que na histeria o trauma é de ordem psíquica torna necessário levar o
paciente a narrar sua história com o fim de localizá-lo. Essas narrativas começam a revelar a
presença de componentes sexuais, que são recusados por Charcot, mas que serão tomados por
Freud como elemento fundamental de suas investigações.
A influência da teoria do trauma, de Charcot, vai marcar as investigações iniciais de
Freud. Ele percebe que, em todas as neuroses, ocorre um recalcamento de alguma forma
vinculado a um trauma sexual. Em uma carta a Fliess (FREUD, 1950[1892-1899]) levanta a
hipótese de que existem dois períodos durante os quais cenas traumáticas anteriores podem
ser despertadas, levando a uma neurose. Situa o primeiro entre 8 e 10 anos, e o segundo entre
10
os 13 e os 17. O tipo de neurose a ser desenvolvida depende da época da vida em que o
trauma aconteceu. Assim, na histeria, a ocorrência deve ter se dado antes dos 4 anos; na
neurose obsessiva, entre os 4 e 8 anos; na paranóia, até os 14 anos. Acredita que o despertar
de uma lembrança sexual em uma época posterior a sua ocorrência produz um excesso de
sexualidade no psiquismo, constituindo a causa dos sintomas. Para que se produza esse
excesso de sexualidade é necessário um tempo de recalcamento entre a cena traumática e a
sua recordação. Aqui já se encontra anunciada a idéia que será fundamental na sua teoria das
neuroses, ou seja, a de que a produção de uma neurose requer dois tempos, em que somente
no segundo tempo é dado um sentido traumático às vivências anteriores. Entendemos que a
concepção freudiana de que existe um tempo de recalcamento entre a experiência traumática e
sua recordação vai dar origem, mais adiante, ao conceito tempo de latência.
Nessa época Freud ainda não considerava o tempo de recalcamento como parte da
constituição psíquica normal. Isso vai ocorrer em uma época posterior, quando abandona a
teoria do trauma e começa a desenvolver a teoria edipiana
5
.
Quando Freud (1950[1892-1899]) descobre que são fantasias os relatos de sedução na
infância que seus pacientes fazem nas sessões de análise, deixa de acreditar na teoria do
trauma. Ele encontra em si mesmo sentimentos de amor em relação à sua mãe e de ciúmes em
relação ao seu pai. Crê que esses são sentimentos comuns a todas as crianças, afirmando que
todos fomos um dia um Édipo em nossa imaginação, e que o mito grego apenas se apropria de
uma compulsão que todos podem reconhecer, porque encontram sua marca em si próprios. A
partir daí Freud rompe com os limites entre o normal e o patológico, haja vista que o recalque
dos desejos incestuosos passa a ser um processo que ocorre também com as pessoas normais.
O reconhecimento do recalque dos desejos edipianos como um mecanismo psíquico
que concerne a todos, em uma etapa da infância, significa o reconhecimento da existência da
sexualidade infantil e a abertura do caminho para a definição de um tempo normal de latência
sexual, que aparece em 1905 no artigo Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade
6
.
5
O complexo de Édipo revelou-se para Freud em 15 de outubro de 1897 (MANNONI, 1987, p. 50).
6
A respeito deste artigo é importante destacar que, embora publicado em 1905, só adquire sua forma definitiva
na edição alemã, em 1925. A concepção de que a sexualidade desempenha um papel preponderante na
constituição psíquica remonta a década de 1890. Este artigo, com as transformações que vai sofrendo nas
sucessivas edições, contempla uma sistematização da teoria e o a cronologia das descobertas freudianas. Na
primeira edição se encontram as noções de sexualidade infantil, pulsões parciais, zonas erógenas, perversões,
escolha de objeto e libido. A expressão Complexo de Édipo vai aparecer na segunda edição, em 1910; as fases
oral e anal da libido o constar da terceira edição, de 1915, e a noção de fase lica, que aparece pela primeira
11
1.1 A FORMULAÇÃO DO CONCEITO
No artigo Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905, Freud expõe suas
recentes descobertas sobre a presença de sexualidade na infância, questionando as concepções
vigentes em três pontos: a época do surgimento da pulsão sexual, situada por ele na infância e
não mais na adolescência; a natureza heterossexual do objeto, afirmando que este o é pré-
determinado, mas contingente e a limitação do objetivo sexual à cópula, reconhecendo que
outras regiões do corpo, além da genital, servem para descarga da pulsão sexual (MEZAN,
1987, p. 128).
É precisamente neste artigo que aparecem pela primeira vez na sua obra publicada as
expressões Latenzperiode – período de latência – e Latenzzeit tempo de latência. Na
segunda parte deste artigo, intitulada A Sexualidade Infantil, concebe a ocorrência de dois
tempos de florescimento no desenvolvimento da sexualidade humana. O recém-nascido já traz
germes de moções sexuais, que vão continuar se desenvolvendo até atingir um período de
maior atividade, entre os segundo e o quinto ano de vida, após o qual são progressivamente
suprimidos, para ter uma nova eclosão na puberdade. Este tempo, que se inicia por volta dos 5
anos e se estende até os 11, 12 anos, é que ele denomina ora de período de latência, ora de
tempo de latência, ora de período de adiamento. Freud afirma ter tomado a expressão período
de latência de Fliess. Ao longo de sua obra constata-se que ele continua empregando ambas
como sinônimos, porém observa-se que aplica tempo de latência com uma freqüência maior.
Em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade Freud esclarece que a escolha objetal
acompanha os dois tempos de maior atividade da pulsão sexual pouco referidos, afirmando
que ela se em duas ondas entre as quais encontra-se o tempo de latência. Este detém a
primeira onda, que se caracteriza pela natureza infantil de seus alvos, entre os 2 e os 5 anos
7
.
A segunda onda ocorre na puberdade, e ali a vida sexual adquire sua forma definitiva.
Segundo Freud, esta bitemporalidade da escolha objetal tem como efeito o tempo de latência.
Neste se prolongam os resultados da primeira escolha de objeto, que na puberdade tanto
podem conservar-se da mesma forma como sofrer uma renovação. No tempo de latência os
primeiros alvos sexuais passam por um processo de recalcamento, permanecendo visíveis
vez na publicação de A Organização Genital Infantil, em 1923, ainda não encontramos neste texto (MEZAN,
1987, p. 127-131). As referências ao tempo de latência aparecem desde a primeira edição.
7
Conforme nota do editor, na edição dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1915, constava a idade
de 3 a 5 anos. Na edição de 1920 houve uma modificação para 2 e 5 anos (FREUD, 1905d, p. 188).
12
apenas a ternura, a veneração e o respeito pelas pessoas que ocuparam este lugar. Na
puberdade a corrente sensual da escolha objetal que foi recalcada deve ser retomada, no
entanto deve ser conservada a renúncia aos objetos infantis. A retomada das vertentes terna e
sensual na puberdade possibilita convergir todos os desejos a um mesmo objeto, o que se
constitui em um dos ideais da vida sexual.
O tempo de latência é também um tempo de preparação dos órgãos sexuais para a
puberdade. Embora na genitália externa se observe um período de inibição, nos genitais
internos ocorre um desenvolvimento que avança a ponto de poderem descarregar e receber
produtos sexuais para a geração de um novo ser na puberdade. Durante o tempo de latência a
pulsão sexual continua auto-erótica, ou seja, parte de uma zona erógena específica e tem
como alvo um prazer exclusivo independente dos demais. Na puberdade, na qual ocorre o
encontro com o objeto sexual, a pulsão sexual serve a fins mais altruístas, pois passa a ter um
novo alvo, a reprodução (FREUD, 1905d, p. 197). Freud (p. 210) observa que o primeiro
objeto da pulsão sexual é o seio materno. Quando a criança consegue formar uma
representação global da mãe, perde o seio como objeto, e a sexualidade torna-se auto-erótica.
Superado o tempo de latência, na puberdade, a relação originária (com o seio) se restabelece,
ou seja, esta serve de modelo para as outras relações amorosas, e, assim sendo, o encontro do
objeto é sempre um reencontro.
Quando a criança perde o objeto sexual da fase da amamentação, algo deste primeiro
vínculo se conserva e atua na direção de restabelecer a felicidade perdida, ajudando a preparar
a escolha de objeto da puberdade. “Durante todo o tempo de latência a criança aprende a amar
outras pessoas que a ajudam em seu desamparo e satisfazem suas necessidades, e o faz
segundo o modelo de sua relação de lactente com a ama e dando continuidade a ele.”
(FREUD, 1905d, p. 210-211).
No mesmo artigo Freud (1905d, p. 167) define os processos psíquicos que
caracterizam o tempo de latência. são construídas forças anímicas cuja função será a de
restringir o curso da pulsão sexual, entre as quais está o asco, o sentimento de vergonha, as
exigências dos ideais estéticos e morais. Afirma que entre os civilizados tem-se a impressão
de que isso é efeito do processo educativo, mas, na realidade, este modo de desenvolvimento
da sexualidade no ser humano é uma característica biológica da espécie. Embora a educação
participe do processo, ela permanece realmente no domínio do seu fazer, quando se restringe
13
a tomar o que foi pré-fixado organicamente, imprimindo-o de maneira um pouco mais nítida e
profunda
8
.
Freud (1905d, p. 167-168) argumenta que estas construções psíquicas revestem-se de
grande importância tanto para a cultura quanto para a normalidade do indivíduo. Perguntando-
se sobre os meios pelos quais elas se constroem, afirma que utilizam a própria energia das
pulsões sexuais infantis. Isso é possível porque no tempo de latência esta energia não cessa,
apenas é desviada para outros finso sexuais. Trata-se do processo de sublimação, pelo qual
as realizações culturais tornaram-se possíveis. Este processo, tão importante na cultura, faz
parte do desenvolvimento de cada indivíduo, tendo seu início no tempo de latência sexual da
infância. Em seguida Freud (1905d, p. 224) explicita o mecanismo que sustenta o processo de
sublimação: as moções sexuais da infância, por não poderem ainda ser empregadas na
reprodução, e por serem perversas em si, acabam por provocar sensações de desprazer. Assim,
contra estas moções sexuais erguem-se forças contrárias com a finalidade de suprimir o
desprazer, construindo diques como o asco, a vergonha e a moral. Estas formações reativas,
que aqui Freud considera uma sub-variedade da sublimação
9
, podem persistir por toda a vida,
constituindo o que se costuma chamar de caráter. As formações reativas do tempo de latência,
portanto, constituem a base de uma série de virtudes humanas, à medida que operam uma
transformação na disposição sexual perversa da infância.
A concepção freudiana de que o tempo de latência deve sua origem a uma
característica biológica da espécie humana, é explicada, em 1905, mediante a observação de
que uma analogia entre o desenvolvimento bifásico da função sexual e o desenvolvimento
anatômico. Freud cita a descoberta de Bayer (1902), segundo o qual os órgãos sexuais
internos dos recém-nascidos são maiores que os das crianças mais velhas. Isto indica que
uma espécie de involução posterior ao nascimento. Observa, no entanto, que os estudos de
Halban (1904) contradizem os do primeiro, ao demonstrar que esta involução cessa ainda no
período intra-uterino. Em 1920 Freud (1905d, p. 166-167) faz acréscimos a esta nota,
explicando que os autores que consideram que o sexo é determinado pela porção intersticial
das glândulas germinativas, por meio de pesquisas anatômicas, também chegaram à
sexualidade infantil e a um tempo de latência sexual, trazendo a seguinte citação extraída de
Lipschütz:
8
A mesma idéia encontra-se também nos artigos Caráter e Erotismo Anal (1908b), Um Estudo Autobiográfico
(1925d) e A Questão da Análise Leiga (1926e).
9
De acordo com Mezan (1987, p. 133), somente a partir de 1915 Freud distingue o mecanismo de formação
reativa das sublimações.
14
Faz-se muito mais justiça aos fatos quando se diz que a maturação dos
caracteres sexuais, tal como consumada na puberdade, não passa de uma
grande aceleração, nessa época, de processos que se iniciaram muito antes
em nossa concepção, na vida embrionária.[...]. Provavelmente o que até
agora se tem designado precariamente de puberdade não passa de uma
segunda grande fase da puberdade, que se inicia em meados da segunda
década de vida [...]. A infância, contada desde o nascimento até o início
dessa segunda grande fase, poderia ser descrita como a fase intermediária da
puberdade.
A esta citação Freud acrescenta o comentário de que apenas um ponto de
divergência entre as descobertas anatômicas e as da psicanálise, as quais se referem ao
período da vida em que ocorre o primeiro desabrochar da sexualidade infantil.
Anatomicamente este se no período embrionário, enquanto que psicologicamente é
observado no terceiro e quarto anos de vida. Freud, contudo, defende que não é necessário
que haja simultaneidade absoluta entre o desenvolvimento anatômico e o psíquico. Conclui a
nota aludindo ao fato de que o se observa um tempo de latência no sentido psicológico nos
animais superiores, considerando interessante poder saber se as descobertas anatômicas nessas
espécies demonstram, ou não, dois momentos culminantes.
Apesar de localizar a origem do tempo de latência em uma característica biológica do
homem, Freud reconhece a participação da cultura na sua constituição, na medida em que
admite o caráter social dos mecanismos de controle da sexualidade, mesmo que a título de
fator auxiliar. Embora admita que ainda lhe faltem conhecimentos sobre o tempo de latência,
afirma que a realidade tem-lhe indicado que a latência sexual representa um ideal educativo
do qual cada indivíduo se aproxima ou se afasta em algum grau. Durante este período podem
persistir algumas manifestações sexuais e irromper outras que não foram sublimadas. Observa
que os educadores parecem compartilhar com a psicanálise, mesmo que inconscientemente, o
pensamento de que a moralidade se constrói à custa da sexualidade, “e como se soubessem
que a atividade sexual torna a criança ineducável, pois perseguem como ‘vícios’ todas as
manifestações sexuais, mesmo que não possam fazer muita coisa contra elas.” (FREUD,
1905d, p. 168). Afirma que o psicanalista, diferentemente dos educadores, tem todo o
interesse nestas manifestações porque elas podem levar a compreender as formas originárias
da pulsão sexual.
15
1.2 O TEMPO DE LATÊNCIA E A TEORIA DAS PULSÕES
Os anos que se seguem à publicação de Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade,
até 1920, segundo Mezan (1987, p. 153), constituem o período em que a produção intelectual
de Freud atinge seu apogeu. Incluem-se neste período um conjunto de cerca de 75 artigos
fortemente articulados em torno do conceito de pulsão. Já referimos que, para Freud, o tempo
de latência ocorre no curso das pulsões sexuais. Assim, é de interesse do desenvolvimento
deste estudo acompanharmos a construção e os desdobramentos da sua teoria das pulsões.
O termo pulsão foi introduzido por Freud, em 1905, no artigo Três Ensaios Sobre a
Teoria da Sexualidade. Nesse texto ele define a natureza da pulsão sexual. Vimos que a partir
da experiência psicanalítica opõe-se à concepção popular de que a pulsão sexual está ausente
na infância e que seu objetivo é apenas a união genital. Analisando o que se passa com os
invertidos sexuais, percebeu o quanto as pulsões sexuais podem variar quanto ao seu objeto e
seu alvo. Embora a fonte da pulsão sexual seja somática, o vínculo entre ela e o objeto de
satisfação não é inato, sendo que, de início, ela existe independente deste. Da mesma forma o
alvo ou a finalidade, que é sempre a de descarga da tensão, pode ser atingido por intermédio
de diferentes ações.
No curso do desenvolvimento as pulsões sexuais satisfazem-se inicialmente em zonas
erógenas específicas, para depois de um processo de síntese submeterem-se ao domínio da
zona genital. Neste percurso pode ocorrer uma série de transtornos, que sob a forma de inibi-
ções, fixações e regressões, originam as neuroses e perversões. A observação destes trans-
tornos leva Freud a se preocupar com os efeitos da vida em sociedade sobre a saúde psíquica.
Assim sendo, em Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna, artigo
publicado por Freud em 1908, ele discute o antagonismo entre a vida pulsional e as exigências
da civilização. Segundo uma nota do editor inglês James Strachey, ao abordar este
antagonismo Freud estaria implicitamente teorizando sobre o impacto que o tempo de latência
exerce sobre a sexualidade. Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna é o primeiro
artigo em que Freud expõe suas idéias sobre este antagonismo, embora elas datem de uma
época anterior a esta, pois em carta a Fliess (Rascunho N) afirmava que “o incesto é anti-
social e a civilização consiste na renúncia progressiva ao mesmo.” (FREUD, 1950[1892-
1899]).
16
No artigo citado Freud (1908d) assegura que as neuroses são produzidas pelo
excessivo controle que a civilização exerce sobre as pulsões, mas reconhece que o processo
civilizatório só foi possível graças a essa repressão. Destaca que as pulsões sexuais do homem
têm uma marcante e singular característica, que é a capacidade de trocar um objetivo sexual
por outro não-sexual a sublimação. Essa mobilidade pulsional é de grande valor para a
civilização, porém é preciso que o homem também possa obter alguma satisfação sexual
direta cuja intensidade pode variar de indivíduo para indivíduo, para que não adoeça
psiquicamente. “A experiência nos ensina que para cada pessoa há um limite além do qual sua
constituição não pode atender às exigências da civilização.” (FREUD, 1908d, p. 177).
Na infância as pulsões sexuais o estão submetidas à reprodução, senão à obtenção
de prazer não genital, mas também de outras zonas erógenas. Trata-se de uma sexualidade
auto-erótica que a educação tem a tarefa de suprimir, para que futuramente a pessoa chegue
ao amor objetal a serviço da reprodução. Nos casos favoráveis, parte das pulsões sexuais se
inibe e é sublimada, isto é, sua força pode ser aplicada em favor das atividades culturais.
Em Caráter e Erotismo Anal, também de 1908, ao tratar dos destinos do erotismo
anal, Freud (1908b, p. 160-161) explicita como ocorrem tais sublimações. Adverte que a
sexualidade humana é altamente complexa e composta por um conjunto de pulsões. Os
componentes anais dessas pulsões, no decurso da vida, acabam revelando-se inúteis para os
fins sexuais, porque estão em desacordo com as exigências da educação na civilização atual.
Com apoio em sua experiência clínica, Freud afirma ser possível associar traços de caráter,
como a ordem, a parcimônia e a obstinação ao erotismo anal. Estes traços são o resultado de
uma transformação das pulsões anais por meio da sublimação. Estas sublimações, como
mencionamos anteriormente, surgem no tempo de latência sexual da infância.
Retomando o até aqui exposto, podemos concluir que desde os anos iniciais da
psicanálise percebe-se a estreita relação entre tempo de latência, educação e neurose no
pensamento freudiano. Embora o tempo de latência, para Freud, só seja possível devido a uma
característica biológica da espécie humana (o desenvolvimento bifásico da sexualidade), é ele
que, pelo desvio das pulsões sexuais de seus fins originais, via sublimação, possibilita o
processo civilizatório por meio da educação. Ao mesmo tempo se encontra a causa das
neuroses, na medida em que implica que o homem, inevitavelmente, abra mão de parte
considerável da sua satisfação pulsional. Nessa época Freud acredita na possibilidade de
17
prevenir as neuroses mediante uma educação sexual menos restritiva
10
, porque não havia
ainda compreendido o papel estruturante do complexo de Édipo. Veremos que isto vai
acontecer à medida que ele constrói a teoria das pulsões.
1.2.1 A Primeira Teoria das Pulsões
Até aqui Freud havia feito referências apenas às pulsões sexuais. Ao conceber, no
entanto, em Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade, que as pulsões sexuais se apóiam
em funções somáticas, como as de nutrição, temos implícita a idéia de que elas atuam
junto de outro grupo de pulsões. A este outro grupo Freud denomina, em 1910, no artigo As
Perturbações Psicógenas da Visão, de pulsões do eu ou de autoconservação, estabelecendo
sua importância na produção do recalque. Cada grupo de pulsões procura efetivar-se por meio
de representações que estejam em acordo com seus objetivos, mas que nem sempre são
compatíveis entre si.
No mesmo artigo Freud destaca que o conflito entre as pulsões sexuais e do eu é
favorecido porque ambas se apóiam nos mesmos órgãos e sistemas.
O prazer sexual não esapenas ligado à função dos genitais. A boca serve
tanto para beijar como para comer e para falar; os olhos percebem não
alterações no mundo externo, que são importantes para a preservação da
vida, como também as características dos objetos que os fazem ser
escolhidos como objetos de amor – seus encantos. (FREUD, 1910j, p. 225).
Segundo ele, quanto mais um determinado órgão está a serviço de um dos grupos
fundamentais de pulsões, menos se encontra disponível para o outro, confirmando a
10
Esta posição fica evidente no artigo O Esclarecimento Sexual das Crianças (Carta Aberta ao Dr. M. Fürst,),
de 1907, no qual Freud chama a atenção para a importância de um processo
educativo que não seja omisso nem
excessivo. Condena a prática educativa de sua época por não oferecer respostas verdadeiras à curiosidade sexual
das crianças, sugerindo que as respostas mentirosas acabam por sufocar sua capacidade de pensar. Segundo ele:
“O que realmente importa é que as crianças nunca sejam levadas a pensar que desejamos fazer mais mistério da
vida sexual do que de outro assunto ainda não acessível à sua compreensão; para nos assegurarmos disso, é
necessário que, de início, tudo que se referir à sexualidade seja tratado como os demais fatos dignos de
conhecimento.” (FREUD, 1907e, p. 128). Continuando, julga importante que a criança adquira as informações
sobre a sexualidade de forma ininterrupta e gradual; atribui à escola o dever de não evitar o estudo dos temas
sexuais, e mais, sugere incluir o estudo dos fatos sicos da reprodução nos conteúdos sobre o reino animal,
determinando o final do curso elementar, em torno dos 10 anos, como o melhor momento para esclarecer a
criança sobre fatos específicos da sexualidade humana e seu significado social. A época da confirmação, na qual
ela já deve conhecer tudo sobre os aspectos físicos relativos à sexualidade, é o momento adequado para
esclarecê-la sobre as obrigações morais que estão implicadas na satisfação sexual.
18
possibilidade de ocorrências patológicas quando os dois grupos trabalham desunidos e o eu
mantém as pulsões sexuais recalcadas.
Para Freud as pulsões de autoconservação somente podem obter satisfação na
realidade, enquanto que as sexuais têm também a possibilidade de se realizar por intermédio
da fantasia. Isto pode ser compreendido quando verificamos a relação existente entre os dois
grupos de pulsões com o princípio do prazer e com o princípio da realidade. Em Formulações
Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental (FREUD, 1911b, p. 237-238), ao
distinguir dois tipos de processos mentais, os conscientes e os inconscientes, Freud sustenta a
hipótese de que os processos inconscientes são os mais antigos, são primários, funcionando
pelo princípio do prazer. Sua meta é a obtenção do prazer e o afastamento do desprazer a
qualquer custo, mesmo que seja de modo alucinatório. Como as satisfações alucinatórias o
são suficientes para aplacar as necessidades internas, o aparelho psíquico passa por
transformações que lhe permitem levar em consideração as circunstâncias da realidade
externa. Introduz-se, assim, o princípio de realidade, passo monumental na história do
homem, tanto do ponto de vista da filogênese quanto da ontogênese.
A relação com a realidade externa exige maior uso dos órgãos sexuais e da
consciência, que desenvolve novas funções como as de atenção, memória e capacidade de
julgamento. A descarga motora (regida pelo princípio do prazer), cuja função é a de aliviar o
aparelho mental do excesso de estímulos, no confronto com a realidade transforma-se em
ação (FREUD, 1911b, p. 239-241). A ação, por sua vez, passa a ser coibida pelo processo de
pensar. Freud acredita que a função do pensamento seja a de permitir a tolerância de uma
maior carga de estímulos bem como o adiamento de descarga mediante a ão. É necessário
que a realidade torne-se passível de representação psíquica, pois somente assim o sujeito pode
encontrar nela as formas de satisfação. Nem toda a atividade do pensamento, todavia, cai sob
o domínio do princípio da realidade. Uma parte se subordina ao princípio do prazer e é o que
conhecemos como fantasias, presentes tanto no brincar da criança quanto nos devaneios dos
adultos. Assim, a instauração do princípio de realidade leva à dissociação da vida mental.
Como as pulsões sexuais inicialmente são auto-eróticas, não sofrem as frustrações
provenientes do contato com a realidade de que sofrem as pulsões do eu.
Freud (1911b, p. 243) traça uma linha de desenvolvimento no curso dos dois grupos de
pulsões. Enquanto no grupo das pulsões do eu ocorrem transformações numa linha que
conduz de um eu-prazer para um eu-realidade, no grupo das pulsões sexuais as
19
transformações levam do auto-erotismo ao amor objetal a serviço da procriação. Ele defende
ainda que as diferentes formas de expressão da neurose ligam-se a aspectos cronológicos e à
sincronização no desenvolvimento dos dois grupos de pulsões.
No mesmo artigo Freud (1911b, p. 241) articula o tempo de latência às noções de
princípio do prazer e princípio da realidade. Segundo ele, a passagem do princípio do prazer
para o de realidade vai dar-se de forma gradativa, mas somente nas pulsões do eu. As pulsões
sexuais, inicialmente, obtêm satisfação no próprio corpo, ou seja, comportam-se auto-
eroticamente; por isso não estão submetidas às frustrações que forçam a instituição do
princípio da realidade. Posteriormente, quando a criança entra no processo de escolha objetal,
entre os 2 e 5 anos, este será interrompido por um longo tempo de latência. O tempo de
latência mantém o auto-erotismo dos primeiros anos da inncia e assim a escolha de objeto
que poderia colocá-las em conflito com a realidade pode ser adiada para a puberdade.
No entendimento de Freud, o auto-erotismo permite obter e sustentar por algum tempo
satisfações imaginárias em lugar das reais, que exigem maior esforço e adiamento. Ao mesmo
tempo, no campo da fantasia, idéias que podem ter conseqüências desagradáveis podem ser
facilmente inibidas, antes que sejam percebidas pela consciência. Como conseqüência, acaba
surgindo uma vinculação maior entre as pulsões sexuais com as fantasias e entre pulsões do
eu com a consciência.
Por ser o demorado e difícil o processo de submissão das pulsões sexuais ao
princípio de realidade, é que o homem está tão predisposto às neuroses. Este é o ponto fraco
de nossa organização psíquica, pois significa que processos de pensamento já racionais podem
novamente cair sob o domínio do princípio do prazer. À educação, adverte Freud, cabe o
papel de promover a substituição do princípio do prazer pelo da realidade, atuando no
desenvolvimento dos processos do eu. Na verdade, esta substituição é apenas um dispositivo
para a proteção do próprio princípio do prazer, e não a sua eliminação. “Um prazer
momentâneo, incerto quanto aos seus resultados, é abandonado, mas apenas a fim de ganhar
mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro.” (FREUD, 1911b, p. 242). Para
alcançar este fim os educadores oferecem às crianças a recompensa do seu amor, e erram
quando lhes permitem acreditar que vão obtê-lo sob quaisquer condições.
Até aqui demonstramos que neste ponto da teorização freudiana se encontra
definida a dualidade constitutiva das pulsões, e o conflito neurótico foi localizado na oposição
20
entre elas. Segundo Mezan (1987, p. 159), a novidade introduzida por estas construções
teóricas foi a atribuição de um suporte pulsional para o eu: as pulsões de auto-conservação
11
.
Na mesma época no Caso Schreber” publicado em 1911, Freud elabora a primeira definição
do conceito de pulsão, que é novamente apresentada em 1915, na segunda edição de Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e no artigo Os Instintos e suas Vicissitudes, conforme
segue:
Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista
biológico, uma pulsão nos parecerá como sendo um conceito situado na
fronteira entre o mental e o somático, como representante psíquico dos
estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como
uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em
conseqüência de sua ligação com o corpo. (FREUD, 1915c, p. 127).
Nas palavras de Mezan (1987, p. 160), o termo representação no que se refere ao
conceito de pulsão não tem uma conotação intelectualista porque a pulsão é inconsciente,
significando, no caso, a tradução das forças orgânicas para uma outra ordem de realidade
psíquica. Em Freud estas forças seriam de duas ordens: as somáticas, com finalidade
autopreservativa, e as reprodutoras, com a finalidade de perpetuar a espécie. A distinção dos
dois grupos de pulsões se assentaria sobre estas bases biológicas.
Em Os Instintos e suas Vicissitudes (1915c, p. 127-129), Freud examina o sentido de
alguns termos empregados na referência ao conceito de pulsão: “pressão”, “finalidade”,
“objeto” e “fonte”. Lembra que faz parte da essência de qualquer pulsão exercer pressão para
atingir sua finalidade, que é sempre a de obter satisfação por meio da eliminação do estímulo
na fonte. A finalidade pode ser alcançada de diferentes modos, mas também pode estar
inibida, produzindo neste caso uma satisfação parcial. O objeto é aquilo mediante o qual ela
atinge sua finalidade, sendo o que de mais variável na pulsão. Pode ser parte do corpo ou
algo estranho, e pode sofrer deslocamentos de acordo com as vicissitudes da pulsão. A fonte
das pulsões está sempre no corpo. Freud considera que o seu estudo está fora do âmbito da
Psicologia, pois na vida mental as pulsões podem ser conhecidas somente por intermédio de
suas finalidades.
No mesmo artigo o autor reconhece que a idéia de agrupar as pulsões em sexuais e do
eu, surge de seu trabalho com as neuroses de transferência, nas quais encontrou conflito entre
11
Mezan (1987, p. 160) lembra que as pulsões do eu não devem ser confundidas com o investimento do eu pelas
pulsões sexuais. Segundo o autor, Freud esclarece esta diferença quando introduz o conceito de narcisismo,
em 1914.
21
as exigências da sexualidade e do eu. A pesquisa psicanalítica, até este momento, lhe permitiu
compreender mais profundamente a natureza das pulsões sexuais. Para fazer uma
caracterização geral destas Freud (1915c, p. 131) escreve:
São numerosas, emanam de grande variedade de fontes orgânicas, atuam em
princípio independentemente uma da outra e só alcançam uma síntese mais
ou menos completa numa etapa posterior. A finalidade pela qual cada uma
delas luta é a consecução do prazer do órgão, somente quando a síntese é
alcançada é que elas entram a serviço da função reprodutora, tornando-se
então identificáveis, de modo geral, como pulsões sexuais
12
.
Na continuidade do artigo Freud (1915c, p. 132) observa as seguintes possibilidades
de mudança nas pulsões sexuais: reversão a seu oposto; retorno ao próprio eu; recalque e
sublimação. Entre estas interessa-nos especialmente o recalque e a sublimação, pois já vimos
que no tempo de latência a energia das pulsões sexuais é em parte recalcada e em parte pode
seguir o caminho da sublimação.
A necessidade de aprofundar a compreensão da natureza das pulsões do eu, bem como
sua associação com as pulsões sexuais trouxe para o campo da pesquisa psicanalítica a
problemática do eu. Um caminho para abordá-la é a teoria da evolução libidinal
13
. A seguir
situamos o tempo de latência no contexto desta teoria.
1.2.2 A Evolução da Libido
Destacamos que o período que vai de 1905 a 1920 foi dos mais férteis em termos da
produção teórico-conceitual de Freud. O conjunto de conceitos acrescentados à psicanálise
neste período conduziu a importantes desenvolvimentos na teoria da libido. O mais
importante, segundo Mezan (1987, p. 164) é a concepção das organizações pré-genitais.
Inicialmente a sexualidade infantil era percebida como auto-erótica e anárquica.
Quando se desenvolvia de forma demasiadamente livre, podiam se instaurar perversões.
Quando demasiado reprimida levava às neuroses. Ao conceber a existência de organizações
12
Nesta citação substituímos a palavra instintos pela palavra pulsões, uma vez que estamos trabalhando com esta
forma de tradução do vocábulo alemão “trieb”.
13
A libido na teoria freudiana é a manifestação dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual. Ao contrário de
Jung, que a considerava uma energia mental não especificada, em Freud ela não recobre todo o campo pulsional,
devendo ser reservada para tudo “o que podemos incluir sob o nome de amor.” (LAPLANCHE; PONTALIS,
1992, p. 266).
22
pré-genitais da libido, Freud introduz a noção de que uma coordenação no
desenvolvimento libidinal. Reconhece que algumas zonas corporais funcionam como
ordenadoras do circuito pulsional, o que resulta em modalidades diferentes de relação com o
objeto de satisfação (MEZAN, 1987, p. 164).
Levando em consideração a ordem cronológica das descobertas freudianas, a primeira
organização reconhecida foi a dico-anal, no artigo A Disposição à Neurose Obsessiva, de
1913, logo seguida pela oral, em 1915, na terceira edição dos Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade. Entre estas se interpôs o reconhecimento do narcisismo primário, em Sobre o
Narcisismo: uma Introdução, de 1914. A fase fálica só foi nomeada bem mais tarde, no artigo
A Organização Genital Infantil, em 1923.
A constatação de que uma ligação entre a sexualidade e a região anal data da
correspondência de Freud com Fliess. Na Carta 75 Freud expõe sua suspeita de que as pulsões
sexuais vinculadas a esta região do corpo são comumente reprimidas de forma violenta pela
educação. Vimos, anteriormente, que em Caráter e Erotismo Anal (1908b), ele vincula traços
como a ordem, a parcimônia e a obstinação ao desaparecimento do erotismo anal durante o
desenvolvimento da criança. No mesmo artigo, a educação é responsabilizada pela proibição
do gozo anal, transformando o prazer vinculado a esta zona erógena em motivo de vergonha.
No artigo As Teorias Sexuais Infantis, também de 1908, a relação entre a analidade e a
sexualidade aparece na análise que Freud faz a respeito das hipóteses que as crianças
levantam sobre a origem dos bebês. Uma destas é a suposição de que a gravidez ocorre
mediante a ingestão oral e que o parto se pelo ânus, pois ainda desconhecem a função do
pênis e da vagina na fecundação (MEZAN, 1987, p. 165).
Em 1909 Freud publica dois casos clínicos em cuja interpretação continua explorando
aspectos da relação entre a sexualidade e a analidade. No caso do “pequeno Hans”, encontra a
confirmação da teoria cloacal do nascimento dos bebês. No caso do “Homem dos Ratos”, a
sexualidade anal é associada à neurose obsessiva (MEZAN, 1987, p. 166-167).
Até então Freud apenas se referia a um “erotismo” anal. No artigo A Disposição à
Neurose Obsessiva (1913i) aplica pela primeira vez o conceito de organização sádico-anal”,
referindo-se ao tempo da infância em que a sexualidade passa pela antítese “atividade” e
“passividade”. Para ele, no curso do desenvolvimento infantil as pulsões anais têm
inicialmente uma finalidade ativa ao dirigir-se a um objeto externo, ou seja, uma etapa
23
caracterizada pelo sadismo. Estas pulsões, num segundo tempo, retornam sobre a própria
pessoa, passando a ter uma finalidade passiva. Num terceiro tempo, ao encontrar novamente
um objeto exterior, este, agora, vai surgir numa posição ativa em relação ao sujeito, que em
função da etapa anterior encontrava-se numa posição passiva. Esta etapa se caracteriza pelo
masoquismo.
No artigo anteriormente mencionado Freud faz uma breve referência ao tempo de
latência a partir da apresentação de um caso clínico. Trata-se de uma paciente adulta que
sofria de neurose
14
. Freud encontra, no caso, a confirmação de que o tempo de latência
constitui-se numa época em que ocorre o recalcamento das fantasias sexuais infantis e um
crescimento moral exacerbado. Destaca que antes do tempo de latência, a paciente tinha
fantasias de espancamento
15
, as quais constituem uma demonstração da ação das pulsões
sexuais em um período precoce da sua vida.
Nesta época, para Freud, a repressão das pulsões parciais sádico-anais, em função do
conflito com as pulsões do eu, conduz ao tempo de latência, no qual se encontra visível
apenas a face terna da sexualidade infantil, o que favorece as sublimações. No mesmo período
a questão da escolha objetal é concebida, por Freud, na seguinte seqüência: inicialmente a
criança dirige o interesse sexual ao próprio corpo, depois volta-o a um objeto exterior. Para
ele, num primeiro tempo, geralmente coincidindo com fase anal-sádica, a escolha recai sobre
um objeto homossexual. Esta escolha, ainda na referida fase, pode ou não ser substituída por
um objeto heterossexual. Quando isso ocorre, as tendências homossexuais se unem às pulsões
do eu e um elemento libidinal se introduz nas relações sociais e de amizade. É o que
observamos acontecer no tempo de latência. Freud alerta, entretanto, que nos casos de psicose
os impulsos homossexuais continuam intensos. Esta constatação conduz ao aprofundamento
dos estudos sobre o eu, cujos resultados encontram-se na publicação do artigo Sobre o
Narcisismo: uma introdução, em 1914.
14
Esta paciente, segundo Freud, no início do casamento teve um período de atividade sexual normal e feliz.
Quando, porém, surgiu a primeira grande frustração o marido não podia lhe dar filhos desenvolveu uma
neurose histérica. Depois, quando se seguiu uma situação de impotência sexual deste, e a vida genital da paciente
perdeu seu valor, ela faz uma regressão ao estádio de sadismo infantil e desenvolve uma neurose obsessiva.
15
Desde Os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud afirma a idéia de que a pulsão sexual de início
se expressa pelo par atividade-passividade, ou seja, tem componentes sadomasoquistas. As fantasias de
espancamento são expressão destes componentes.
24
Freud (1914c, p. 84) reconhece que o eu não existe no começo da vida e precisa ser
desenvolvido. Este desenvolvimento vai se dar a partir das pulsões auto-eróticas que se
encontram presentes desde o início. A libido auto-erótica deverá direcionar-se ao eu.
O investimento da libido no eu, o narcisismo, é considerado por Freud como uma
extensão da sua teoria da libido, que de início permaneceu oculta para ele, pois havia
observado apenas as emanações dessa libido, ou seja, aqueles investimentos objetais que
podem ser transmitidos e retirados novamente. Neste artigo estabelece pela primeira vez a
antítese libido do eulibido do objeto, afirmando que durante o “estado de narcisismo” ainda
não é possível diferenciar as energias psíquicas: somente quando investimento nos objetos
é que se torna possível distinguir a libido (energia sexual) de uma energia das pulsões do eu
(FREUD, 1914c, p. 83-84). As primeiras satisfações sexuais auto-eróticas são experimentadas
em relação às funções vitais de autopreservação. Assim, os primeiros objetos sexuais de uma
criança vão ser as pessoas que cuidam dela, e por isso as pulsões sexuais ainda se encontram
unidas às pulsões do eu. Mais tarde, quando a libido vai ser investida no próprio eu, constitui-
se o que Freud denominou narcisismo primário”. Daí sua conclusão de que o ser humano
tem originalmente dois objetos sexuais: ele próprio e a mulher que cuida dele (FREUD,
1914c, p. 94-95).
A distinção entre libido do eu e libido do objeto é, segundo Freud (1914c, p. 85-86),
conseqüência de uma distinção que ele havia estabelecido anteriormente, qual seja, entre
pulsões do eu e pulsões sexuais. Esta distinção corresponde à popular oposição entre fome e
amor, mas considera que há, também, argumentos de ordem biológica em favor desta
hipótese. Para ele, na sua existência, o indivíduo tem uma dupla função: de um lado serve as
suas próprias necessidades; de outro leva em si a substância que garante a continuidade da
espécie. A divisão entre pulsões sexuais e pulsões do eu reflete essa dupla função.
Ao pensar sobre os destinos da libido do eu, Freud (1914c, p.100) se interroga se toda
ela se converte, ou não, em investimento no objeto. A reflexão sobre esta questão passa pela
problemática do recalque.
Recordamos que o recalque, na teoria freudiana, é um dos possíveis destinos das
pulsões sexuais quando estas entram em conflito com os ideais culturais e éticos do indivíduo,
constituindo o mecanismo de base do tempo de latência.
25
O recalque, segundo Freud (1914c), tem origem no eu, ou melhor, no amor próprio do
eu. A pessoa fixa um ideal para si mesma, pelo qual mensura seu eu real. A formação deste
ideal é o fator que leva ao recalque porque aumenta as exigências do eu.
Em 1915, na terceira edição de Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud vai
empregar pela primeira vez, a expressão “organização oral” (MEZAN,1987, p. 174). Tal fato
não significa que até então o erotismo oral não tivesse lugar em sua teoria. Ao contrário, sabe-
se que já em seus primeiros textos a zona erógena oral tem uma função primordial na
constituição do sujeito psíquico. Reconhece que a sucção no bebê, ao mesmo tempo em que
tem a função de nutrição, tem também uma finalidade sexual, na medida em que o “seio” se
constitui no primeiro objeto de amor.
Verificamos na obra freudiana que até 1917 o desenvolvimento libidinal vai se dar na
seguinte seqüência: primeiro uma fase em que as pulsões orais operam junto das
necessidades de nutrição. Quando se separam, as primeiras vão constituir uma organização
oral com finalidades auto-eróticas. Em seguida, as pulsões sexuais se dirigem de forma
unificada sobre o próprio corpo da criança, o que constitui a organização narcisista. Na
seqüência temos a organização sádico-anal e o tempo de latência (MEZAN, 1987, p. 177).
Na Conferência O Desenvolvimento da Libido e as Organizações Sexuais (1916-17, p.
330-331), Freud percebe que antes mesmo do tempo de latência a sexualidade da criança
atinge uma forma de organização, sob a primazia dos genitais, que difere da do adulto apenas
pela menor intensidade da tendência sexual e por apresentar, ainda, traços de perversão.
Somente alguns anos mais tarde, no entanto, ele reconhece uma organização lica. Para
que isso aconteça outras descobertas serão fundamentais.
Na mesma época, no contexto dos estudos sobre as psicoses, Freud se depara com a
problemática da identificação, para onde convergem os temas do narcisismo e da
incorporação. Em Luto e Melancolia (1917) ele observa que nos quadros melancólicos a
libido, que foi retirada do objeto de amor devido a alguma ofensa ou desengano, retorna ao
eu, que se identifica com ele, dirigindo para si o ódio sentido pelo objeto. A identificação se
faz por meio da incorporação, modo de relação típico da fase oral. Neste texto Freud recoloca
o lugar do narcisismo no conjunto da teoria da evolução libidinal. Afirma que a fase oral
pertence ao narcisismo, que aparece, então, como um conceito mais amplo (MEZAN, 1987, p.
185-187).
26
Nos anos seguintes o conceito de identificação crescerá em importância no conjunto
da teoria freudiana. A identificação, considerada inicialmente como um mecanismo de defesa,
se revelará fundamental para a compreensão da constituição do eu.
Uma das mais importantes conseqüências teóricas do desenvolvimento deste conceito
é que ele permitiu compreender as influências da cultura sobre o sujeito, questão esta muito
presente para Freud. Ele assevera que entre a cultura e o sujeito uma complexa relação
dialética, cuja compreensão vai passar pelo redimensionamento do valor estruturante do
complexo de Édipo (MEZAN, 1987, p. 188).
Mezan comenta que embora o complexo de Édipo apareça no início da obra
freudiana, só recebe sua elaboração completa na sua fase final. Por muito tempo Freud teria se
ocupado apenas de um aspecto do complexo de Édipo – a questão da escolha do objeto. Como
a escolha do objeto implicava que as pulsões sexuais parciais se unificassem pela submissão à
sexualidade genital e isso acontecia na puberdade, o momento cronológico do complexo
foi localizado nesta fase. O desenvolvimento do conceito de identificação aliado ao
narcisismo apontou para outra faceta do complexo de Édipo até então pouco explorada a
identificação sexual. Em 1914, nos estudos sobre o narcisismo, Freud considerava que o
narcisismo do menino conduzia a uma identificação com o pai e não mais a uma escolha de
objeto homossexual como defendia no caso do Homem dos Lobos, em 1911. É somente em
1919, no artigo Uma Criança é Espancada, que ele situou definitivamente o complexo de
Édipo na infância (MEZAN, 1987, p. 189-206). Este conjunto de questões conduziu-o à
revisão da teoria das pulsões.
1.2.3 A Pulsão de Morte
Vimos anteriormente que para Freud, no embate entre as pulsões sexuais e as pulsões
do eu, o princípio do prazer tinha uma função reguladora fundamental. Novas observações,
entretanto, o colocar em questão esta concepção. Freud percebe, por exemplo, que
acontecimentos traumáticos são revividos em sonhos, entrando em contradição com o
princípio do prazer. Como explicar a repetição destes acontecimentos desagradáveis? Freud se
dedica a esta reflexão no artigo Além do Princípio de Prazer (1920).
27
A análise dos neuróticos já havia detectado que os conteúdos recalcados insistem em
encontrar uma via de expressão mesmo que isto cause desprazer. O eu, a serviço do princípio
do prazer, tem como uma de suas funções opor-se à emergência destes conteúdos na
consciência. Esta resistência do eu é a causa da insistência do recalcado em encontrar uma
forma de representação, o que Freud vai denominar compulsão de repetição. Esta é uma
forma de funcionamento do aparelho psíquico que parece ter uma origem anterior aos
objetivos do eu de atingir o prazer e evitar o desprazer. Assim, a reprodução das situações
traumáticas precisa ser explicada independentemente do princípio do prazer. Freud vai então
deduzir que repetir é uma forma de obter controle sobre as situações traumáticas e preparar o
sujeito para se defender de traumas futuros. Para entendermos este processo é interessante
situar a diferença entre instinto e pulsão na obra freudiana (MEZAN, 1987, p. 254-256).
O instinto satisfaz-se com um objeto previamente definido. A pulsão é uma fração de
energia livre, e se caracteriza pela independência diante do objeto que a satisfaz. O que Freud
define como processo primário é a livre circulação dessa energia. O processo secundário é a
ligação desta a uma representação consentida pelo eu. Aquilo que se repete não foi ligado, ou
seja, ainda não foi assimilado pelo eu (MEZAN, 1987, p. 257-258).
A descoberta da compulsão à repetição introduz na psicanálise uma outra noção de
temporalidade, pois ela se mostra como um movimento pelo qual uma condição atual é
modificada por outra que a antecedeu no tempo, o que vai resultar em uma compreensão
diferente daquilo que se acontece durante uma análise. Na sessão analítica a temporalidade
não é linear. No inconsciente não um primeiro desejo que depois se repete. Ao contrário,
desejo porque repetição. A repetição põe e repõe o desejo incessantemente. A partir
daí Freud modifica, também, a teoria das pulsões (MEZAN, 1987, p. 259).
Até então ele acreditava que a pulsão era uma força que pressiona em direção ao
desenvolvimento. A compulsão à repetição o leva a reconhecer que ela expressa a natureza
conservadora dos seres vivos. Toda a vida tende para a morte, ou seja, esta já vem inscrita na
existência, porém cada organismo tem sua forma própria de alcançá-la. Freud deduz daí que
esta força que conduz todo ser vivo à morte deve ser uma pulsão (MEZAN, 1997, p. 260).
A dedução da existência da pulsão de morte desloca a oposição entre as pulsões
sexuais e do eu para outro ponto. Estas passam a ser pulsões parciais que têm a função de
assegurar que um organismo pereça da maneira que lhe é própria. As pulsões sexuais são a
28
garantia de continuidade deste organismo no seu caminho para a morte. As pulsões do eu e as
pulsões sexuais são agrupadas sob a denominação de pulsões de vida, e são tão conservadoras
quanto as de morte, porque apenas reproduzem condições anteriores. O desenvolvimento da
espécie é creditado, por Freud, a pressões exteriores, que vão sendo incorporadas de forma
permanente pelo processo de adaptação das espécies (MEZAN, 1987, p. 261-262).
As pulsões de vida e de morte encontram-se fusionadas desde o início, podendo
ocorrer o predomínio tanto de uma quanto de outra. Freud considera o masoquismo presente
nas diferentes etapas do desenvolvimento libidinal como exemplo desta fusão. A fusão,
porém, não é total. Parcelas da pulsão de morte seguem o trabalho de destruição, e parcelas da
pulsão de vida seguem o caminho da ligação. Freud assevera que na filogênese a parcela de
libido que seguiu o caminho da ligação partiu da agregação celular em unidades cada vez
mais complexas, até chegar à constituição da vida social (MEZAN, 1987, p. 267).
No artigo de 1921, Psicologia de Grupo e Análise do Ego, vai pôr à prova este
conjunto de conceitos novos ao teorizar sobre os fundamentos psicanalíticos dos laços sociais.
Neste artigo podemos entender, com mais clareza, o que acontece com a sexualidade no
tempo de latência. Neste trabalho Freud distingue duas espécies de pulsões sexuais agora
incluídas no grupo das pulsões de vida: aquelas diretamente sexuais das inibidas em seus
objetivos e analisa a importância de cada uma para a formação de grupos. Afirma que no
tempo de latência o amor sexual, que durante o desenvolvimento libidinal tomou a forma do
complexo de Édipo, sucumbe à repressão, restando apenas um laço afetuoso em relação às
pessoas que foram objeto deste amor. O que ocorre é que as pulsões sexuais são desviadas de
seus objetivos, o que já constitui um início da sublimação.
Nas palavras de Freud (1921c, p. 149-150), as pulsões sexuais inibidas levam algumas
vantagens sobre as desinibidas. Como não são capazes de uma satisfação realmente completa,
acham-se, especialmente, em condições de propiciar a criação de vínculos permanentes,
enquanto as diretamente sexuais, que perdem sua energia sempre que se satisfazem, têm de
esperar serem renovadas por um novo acúmulo de energia sexual. Neste decorrer de tempo,
contudo, o objeto pode mudar, mas as pulsões sexuais inibidas e desinibidas também podem
se mesclar. Assim, desejos eróticos podem surgir em relações de caráter amistoso, como entre
professor e aluno, para citar um caso, e impulsos sexuais de curta duração podem se
transformar em laços permanentes e puramente afetuosos, o que possibilita a consolidação de
uma instituição social como a do casamento, por exemplo.
29
As pulsões sexuais inibidas m origem naquelas diretamente sexuais, mas obstáculos
de ordem interna ou externa tornam seus objetivos inatingíveis.
O recalque durante o tempo de latência é um obstáculo interno deste tipo, ou
melhor, um obstáculo que se tornou interno. Presumimos que o pai da horda
primeva, devido a sua intolerância sexual, compeliu todos os filhos à
abstinência, forçando-os assim a laços inibidos em seus objetivos, enquanto
reservava para si a liberdade do gozo sexual, permanecendo desse modo sem
vínculos. Todos os vínculos de que um grupo depende têm o caráter de
pulsões inibidas em seus objetivos. (FREUD, 1921c, p. 150).
Estas idéias foram desenvolvidas pela primeira vez em Totem e Tabu (1912-13).
Considerada uma obra de cunho sociológico, nela Freud supõe que a humanidade teve origem
num crime cometido em conjunto. Em tempos primevos, homens teriam se unido para
assassinar o chefe da horda que os governava pela força e detinha a posse de todas as
mulheres. Este ato tornou-os irmãos, uma vez que se encontravam identificados pelo ódio ao
chefe, e fez deste um pai, no sentido simbólico ou mítico. O objetivo do assassinato não era
somente provocar o desaparecimento do dominador, mas também a incorporação de sua
potência pela ingestão da sua carne. Após o banquete os irmãos sentiram-se culpados pelo seu
ato, uma vez que apesar do ódio também amavam o pai, decidindo então renunciar ao objeto
de desejo que os unira. Mitificaram o pai como totem, o qual passou a ser venerado como
fundador do grupo. Assim, para Freud, o grupo surge de um projeto comum, sendo que o
primeiro projeto foi uma conspiração. Do mesmo modo, o pai é sempre um pai morto, ou
mítico, não havendo cultura sem uma referência paterna.
Enquanto os grupos têm origem nas pulsões inibidas em seus objetivos, para Freud
(1921c, p. 153-154) as neuroses têm como ponto de partida outra peculiaridade do
desenvolvimento da libido humana o seu duplo início, separado por um tempo de latência.
Elas aparecem quando a passagem das pulsões sexuais desinibidas para as inibidas é
malsucedida e representa o conflito entre as pulsões que foram aceitas pelo eu e aquelas que
foram recalcadas, mas ainda buscam satisfação direta. A entrada no tempo de latência, dessa
forma, é um indicativo de que pulsões sexuais desinibidas se transformam em inibidas quanto
a sua finalidade, isto é, começam a ser sublimadas, e de que o processo de recalcamento da
sexualidade infantil segue seu curso.
30
1.3 O TEMPO DE LATÊNCIA E A TEORIA ESTRUTURAL
A revisão da teoria das pulsões é considerada pelos estudiosos da obra freudiana como
um marco que assinala a culminância de um período muito produtivo na construção da
psicanálise. Nesse período tivemos o estabelecimento do dualismo pulsional, o
desenvolvimento de conceitos importantes como o narcisismo, as organizações pré-genitais, a
identificação e a localização do complexo de Édipo na infância.
Nos anos seguintes, esse conjunto de descobertas ainda trará outras implicações
teóricas importantes, tais como: o estabelecimento de uma nova tópica; a definição da
organização fálica; o reconhecimento do valor constituinte do complexo de Édipo e de
castração e a revisão da teoria da angústia. A seguir faremos uma abordagem destas temáticas
procurando situar o tempo de latência em relação a estas elaborações teóricas.
1.3.1 A Nova Tópica
De acordo com Mannoni (1987, p. 133), em psicanálise denomina-se tópica” a teoria
que concebe o aparelho psíquico dividido em partes que podem ter uma representação
espacial, porém sem nenhuma relação anatômica real.
O primeiro modelo de aparelho psíquico concebido por Freud data de 1900, época em
que publicou A Interpretação dos Sonhos. Neste modelo distingue três aspectos: o consciente,
o pré-consciente e o inconsciente. Esta forma de divisão, também conhecida como hipótese
tópica, aos poucos vai se mostrando insuficiente diante da crescente complexidade dos
desenvolvimentos teóricos, acabando por ser substituída por outra, conhecida como hipótese
estrutural.
De acordo com Mezan (1987, p. 269-270), até 1915 Freud considera consciente, pré-
consciente e inconsciente apenas como processos psíquicos. A partir desta data são
considerados sistemas, em que o inconsciente é instituído pelo recalque primário e
secundário. É importante recordar que, nesse momento, Freud situa o conflito defensivo entre
as pulsões sexuais e as do eu. O avanço de seu trabalho clínico nos anos seguintes revela que
31
as resistências não podem ser pré-conscientes como ele supunha, uma vez que é, somente,
com muito esforço que se tornam conscientes. Em 1923, no artigo O Ego e o Id, esclarece que
um tipo de inconsciente que pertence ao eu e que não é recalcado, mas repressor. Passa a
reconhecer o inconsciente como “uma qualidade que pode ter muitos significados.” (FREUD,
1923b, p. 31), e assim sendo propõe uma concepção do aparelho mental com base em outro
critério: o do desejo. É a teoria das pulsões que vai fornecer os fundamentos da nova tópica.
Ele já havia definido que no psiquismo um pólo pulsional e um pólo organizado: ao
primeiro denominará isso (Es), ao segundo eu (Ich).
O isso é totalmente inconsciente; o eu é complexo. De um lado, é a parte consciente do
aparelho psíquico voltado para o mundo exterior vinculando-se à percepção e à motilidade.
De outro, é inconsciente, porque se constitui a partir de uma diferenciação no isso. Ademais,
abrange também o sistema pré-consciente por sua vinculação com as imagens verbais, ou seja,
com a linguagem. Há, ainda, uma terceira instância na nova versão do aparelho psíquico que
resulta de uma diferenciação menos vinculada à consciência, ocorrida no eu: o supereu ou
ideal do eu.
Para o eu, convergem as pressões da realidade externa, que para a psicanálise é o
conjunto das relações intersubjetivas, e aquelas provenientes das necessidades de satisfação
das tendências do isso. A forma que o eu encontrou para mediar estes interesses conflitantes
Freud encontra no mecanismo da identificação.
Recordamos que a identificação em Luto e Melancolia havia sido definida como a
assimilação ao eu, de traços do objeto perdido. No artigo O Ego e o Id Freud avança na sua
conceituação, instituindo-a como modelo de constituição do eu. A identificação passa a ter a
função de preservar o objeto para o isso, transformando-o numa aquisição do eu. Assim, o eu
vai se constituindo com a incorporação dos objetos de amor sucessivamente abandonados,
encontrando-se a origem do ideal do eu, que oculta a identificação ao pai, considerada “a
primeira e mais importante identificação de um indivíduo.” (FREUD, 1923b, p. 44).
Para uma criança do sexo masculino, de acordo com Freud (1923b), o processo segue
o seguinte curso: inicialmente ela se identifica com o pai e institui a mãe, por intermédio da
relação com o seio, como seu primeiro objeto de amor. Mais tarde, quando os desejos sexuais
em relação à mãe aumentam em intensidade, passa a desenvolver uma relação ambivalente
com o pai, pois ao mesmo tempo em que o admira, toma-o como um rival, desejando livrar-se
32
dele. A dissolução do seu complexo de Édipo pode se dar de duas maneiras: por uma
identificação com a mãe ou por uma intensificação de sua identificação com o pai. Para a
menina, de forma análoga, a dissolução do complexo também pode se dar com a instalação de
uma identificação com a mãe, ou então com uma identificação com o pai.
Para ambos os sexos a força da disposição sexual masculina e feminina é que
determina se o fim do processo edipiano vai se dar por uma identificação com o pai ou com a
mãe. Freud, no entanto, reconhece que este é apenas um esboço esquemático do que ocorre na
realidade. Como todos temos originalmente uma disposição à bissexualidade, as crianças de
ambos os sexos vão apresentar atitudes afetuosas e sentimentos de ciúmes em relação a ambos
os pais. No final do complexo, porém, as quatro tendências possíveis (duas para cada sexo)
vão agrupar-se de forma a produzir uma identificação masculina ou uma identificação
feminina (FREUD, 1923b, p. 45-46).
O supereu é ao mesmo tempo um resíduo destas primeiras identificações e uma forte
reação contra elas. Sua relação com o eu pode ser compreendida pelos preceitos: Você deveria
ser assim (como seu pai) e pela proibição Você não pode ser assim (como o seu pai). Apesar
de ser como o pai, a criança não pode fazer tudo o que ele faz, ou seja, ela precisa erguer
dentro de si mesma forças que impeçam a realização dos desejos edipianos. Estas forças ela
toma como que de empréstimo ao pai, cuja função no complexo era a de pôr obstáculos a sua
realização (FREUD, 1923b, p. 47).
O eu, para Freud, é um representante do mundo externo porque resulta de uma
diferenciação ocorrida no isso a partir do contato com a realidade. O supereu, em contraste, é
um representante do mundo interno, daquilo que é psíquico. É, ao mesmo tempo, a forma que
o eu encontrou para dominar o complexo de Édipo, e um representante, dentro do eu, dos
interesses do isso. Através da constituição do supereu a humanidade preservou “o que a
biologia e as vicissitudes da espécie humana criaram no isso e neste deixaram atrás de si [...].”
(FREUD, 1923b, p. 49). Isto é experimentado e vivido por cada novo indivíduo.
Segundo Freud (1923b, p. 47-48), o supereu tem sua origem em dois fatores: um de
natureza biológica e outro de natureza histórica. O primeiro refere-se à longa duração da
dependência e desamparo do homem na infância, e o segundo ao complexo de Édipo e à
interrupção do desenvolvimento libidinal por um tempo de latência, em função do
desenvolvimento bifásico da sexualidade humana. Este segundo fator seria histórico porque
faz parte de uma herança filogenética do homem que remonta supostamente ao período
33
glacial. O supereu, como uma diferenciação ocorrida no eu, representa tanto os momentos
importantes do desenvolvimento do indivíduo quanto os da espécie. Em nota de roda o
editor inglês James Strachey esclarece que, nas edições alemãs de O Ego e o Id, em lugar de
um fator de natureza biológica e outro de natureza histórica consta dois fatores biológicos”.
A alteração na edição inglesa foi introduzida em 1927 por ordens expressas de Freud, não se
sabendo a razão pela qual não foi incluída nas edições alemãs posteriores. Retomaremos esta
temática mais adiante.
Conforme vimos até aqui, os primeiros objetos de amor incorporados ao eu são os
pais. Por isso, na continuidade de suas construções teóricas, Freud vai dar um destaque ainda
maior ao lugar estruturante dos complexos de Édipo e de castração na constituição psíquica
do homem. Isto o conduz à revisão da teoria do desenvolvimento sexual infantil, introduzindo
o conceito de fase fálica.
1.3.2 Fase Fálica, Édipo e Castração
No artigo A Organização Genital Infantil (1923c, p. 157-158), Freud propõe-se a
complementar sua teoria do desenvolvimento sexual exposta na edição de 1915 de Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, na qual afirmava que na criança uma etapa sob a
primazia dos órgãos genitais se efetuava de forma muito incompleta ou não se apresentava.
Constatações ulteriores revelaram que tal fato não é verdadeiro, pois verifica que no auge do
desenvolvimento da sexualidade infantil, por volta dos 5 anos, o interesse nos genitais e em
sua atividade passa a ser predominante. Essa primazia, no entanto, difere da organização
genital adulta pelo fato de que, para as crianças de ambos os sexos, existe apenas o órgão
sexual masculino. Há, segundo Freud, uma primazia do falo, originando-se daí a denominação
do período: fase fálica.
Freud (1923c, p. 158-160) fundamenta suas concepções a respeito desta fase nas
observações do que se passa com os meninos. Em relação às meninas admite não ter, ainda,
compreendido o processo. O menino, encontrando-se vivamente interessado em seu pênis,
procura vê-lo em outros seres, tanto animados quanto inanimados. Sua curiosidade acaba por
confrontá-lo com a vagina. Inicialmente nega a ausência do pênis nas mulheres, acreditando
que ele é pequeno e ainda crescerá. Como esta hipótese acaba o se sustentando, passa a
34
supor que ele existia, mas foi retirado como uma punição. Nesse contexto torna-se importante
o conceito de castração.
Estas temáticas são retomadas em 1924, no artigo A Dissolução do Complexo de
Édipo. Neste Freud situa o complexo de Édipo como o fenômeno central do primeiro período
sexual da infância, afirmando que seu declínio pode ser pensado tanto de uma ótica
ontogenética quanto filogenética. A primeira estabelece uma impossibilidade interna, ou seja,
a criança acaba percebendo que o é possível realizar seus desejos edipianos. A segunda
remete ao fato de o Édipo ser um fenômeno imposto pela hereditariedade (tal como a
substituição dos dentes-de-leite pelos permanentes), fadado a terminar de acordo com o
programa genético, ao instalar-se a fase seguinte de desenvolvimento. À sua dissolução
segue-se um tempo de latência (FREUD, 1924d, p. 193-194).
O tempo de latência sucede a fase fálica. Nesta, como vimos anteriormente, um único
órgão genital, o masculino, tem papel preponderante. É a ameaça de castração que, na opinião
de Freud, leva à destruição da organização genital fálica da criança. As ameaças à criança que
brinca com seu pênis, mas principalmente a percepção da sua ausência nas mulheres faz a
criança imaginar a possibilidade da castração.
O complexo de Édipo oferece à criança duas possibilidades de satisfação, uma ativa e
outra passiva. Na ativa ela se identifica com o pai e assume uma posição masculina, desejando
a mãe. Na posição passiva acontece o contrário. O reconhecimento de que as mulheres são
castradas põe fim a estas duas possibilidades de satisfação do complexo de Édipo, porque ela
percebe que ambas implicam na perda do nis: a feminina como pré-condição e a masculina
como punição. Surge assim um conflito entre o seu interesse narcísico pelo pênis e o
investimento libidinal que ela fez nos pais. Neste conflito normalmente triunfa o interesse
narcísico no pênis, e a criança vira as costas ao complexo de Édipo, o qual é substituído por
identificações (FREUD, 1924d, p. 196).
A autoridade do pai é introjetada no eu e origem ao supereu, que assume a sua
severidade e perpetua a proibição do incesto, defendendo o eu das investidas libidinais. As
tendências libidinais do eu são em parte dessexualizadas e sublimadas e em parte inibidas em
seu objetivo e transformadas em impulsos de afeição. Todo este processo que preserva o
órgão genital da criança paralisa sua função, introduzindo o tempo de latência que interrompe
o seu desenvolvimento sexual (FREUD, 1924d, p. 197).
35
Freud (1924d, p. 197-198) explicita que o afastamento do complexo de Édipo é mais
do que um recalcamento porque, quando ocorre de forma ideal, implica a destruição e
abolição do complexo. Se o eu, entretanto, não consegue mais do que um recalcamento, este
persiste no isso e mais tarde se manifesta de forma patogênica. A análise, segundo ele,
permite identificar os vínculos entre a organização fálica, o Édipo, a ameaça de castração, a
formação do supereu e o tempo de latência. Estas vinculações possibilitam afirmar que a
dissolução do complexo de Édipo se dá pela ameaça de castração.
O processo até aqui descrito toma como parâmetro o menino. Em relação à menina
Freud (1924d, p. 199) ainda continua não tendo clareza completa do que acontece, no entanto
parece-lhe certo que também para ela há uma organização fálica e um complexo de castração.
Como ela percebe que é anatomicamente diferente do menino, inicialmente pensa que,
quando ficar maior, seu nis irá crescer, posto que ainda é incapaz de perceber que sua falta
deve-se a diferenças sexuais. Ela supõe que as mulheres adultas têm pênis, e como ela não o
possui acredita que o perdeu por castração e o fato por consumado, ao passo que o menino
teme perdê-lo. Assim, na menina fica excluído o temor de castração e também o motivo mais
poderoso para o estabelecimento do supereu e para a interrupção da organização genital
infantil. Segundo Freud, nas meninas estas mudanças são mais um efeito da educação e das
pressões externas que a ameaçam com a perda do amor.
Nessa época Freud acredita que, por isso, o complexo de Édipo da menina é mais
simples. Observa que ela geralmente apenas assume o lugar da mãe e adota uma atitude
feminina para com o pai, compensando sua falta de pênis com o desejo simbólico de receber
um bebê do pai como presente. Depois começa a abandonar gradativamente o complexo de
Édipo porque este desejo não se realiza. Assim, para a menina seria mais fácil transformar
tendências sexuais diretas em inibidas do tipo afetuoso.
Anos mais tarde, na Conferência A Feminilidade, Freud (1933a, p. 118-119) apresenta
a formulação completa do processo edípico na menina. Ao contrário do que afirmara em A
Dissolução do Complexo de Édipo, considera, agora, o desenvolvimento psicossexual da
menina muito mais complexo que o do menino, porque ela lida com duas tarefas adicionais.
Avalia que ambos os sexos parecem atravessar, do mesmo modo, os primeiros anos do
desenvolvimento libidinal. Na fase fálica, quando os meninos obtêm sensações prazerosas
com seu pequeno pênis, as meninas obtêm prazer similar com seu clitóris. O alcance da
feminilidade, porém, vai exigir da menina uma transferência de prazer do clitóris para a
36
vagina. Esta seria a primeira tarefa adicional. A segunda refere-se a uma mudança de objeto
libidinal. Tanto para o menino quanto para a menina o primeiro objeto de amor é a mãe, mas a
menina, na sua travessia edípica, precisa tomar o pai como objeto amoroso e depois passar
deste para a escolha objetal definitiva. A menina, portanto, muda de objeto e de zona erógena
e o menino mantém a ambos.
O afastamento da mãe como objeto libidinal vai ser acompanhado de hostilidade em
relação a ela. A principal causa dessa hostilidade provém do complexo de castração. A
menina culpa a mãe por o ter lhe dado um pênis e assim tê-la deixado numa situação de
desvantagem. Este processo inicia-se quando ela descobre as diferenças anatômicas entre os
sexos (FREUD, 1933a, p.124).
De acordo com Freud (1933a, p. 126-127), diante da descoberta da castração, a menina
tem três saídas possíveis: a inibição da sua sexualidade e a neurose; o desenvolvimento de um
complexo de masculinidade ou o desenvolvimento de uma feminilidade normal. Este último
caminho começa com um rebaixamento do valor da mãe, passando pelo abandono da
masturbação clitoridiana para daí tomar o pai como objeto de amor. O que move esta
mudança de objeto é o desejo de obter do pai o pênis que a mãe lhe recusou. A feminilidade
será alcançada se, posteriormente, o desejo de obter um nis deslizar para o desejo de ter
um bebê. É então que a menina entra no complexo de Édipo. Isso acontece com ela, ao
contrário do menino, quando o tempo de latência já se encontra bem próximo.
A descrição das relações cronológicas e causais entre o complexo de Édipo, a ameaça
de castração, a formação do supereu e o início do tempo de latência, em ambos os sexos são,
para Freud, de um gênero típico. Ele admite, entretanto, que este não é o único possível.
“Variações na ordem cronológica e na vinculação destes eventos estão fadadas a ter um
sentido muito importante no desenvolvimento do indivíduo.” (FREUD, 1924d, p. 224).
1.3.3 A Angústia
Os estudos sobre o eu mostraram o quanto este é vulnerável, uma vez que tem de
servir aos interesses do isso, do supereu e do mundo exterior. O resultado destas exigências é
a angústia. Freud vai abordar esta questão no artigo Inibição, Sintoma e Ansiedade (1926d).
Ali ele se ocupa da relação entre a angústia e o recalque, estabelecendo-os como processos
37
que ocorrem no eu. O recalque é uma defesa do eu que evita conflitos com o isso ou com o
supereu. A angústia é o estado afetivo que provoca o recalque. Ao estabelecer que o eu é a
sede da angústia, Freud abandona uma concepção anterior, na qual defendia que a angústia
era provocada pela energia da pulsão recalcada.
Freud (1926d, p. 140) acredita que os estados afetivos se originam de experiências
traumáticas primitivas que são revividas sempre que se apresentem situações similares. Nessa
lógica, o ato do nascimento é a primeira experiência de angústia que exerce uma espécie de
atração sobre as experiências posteriores. À medida que a organização psíquica da criança vai
se tornando mais complexa, no entanto, novas formas de expressão da angústia vão aparecer.
Nos primeiros anos o afastamento da mãe costuma ser, para a criança, um sinal de que ela
pode estar em perigo, pois sabe que sua presença lhe possibilita a descarga de tensões.
Neste caso, a angústia é resultado do seu desamparo mental semelhante ao seu desamparo
biológico ou seja, ao receio da perda do amor do objeto amado. Mais tarde o que
desencadeia a angústia é o temor da castração. Também nesta um receio de separação,
porém agora o objeto é representado pelos órgãos genitais. No tempo de latência o
determinante específico de angústia é o receio ao supereu. Todas estas situações de perigo e
determinantes de angústia podem persistir lado a lado e fazer com que o eu reaja a elas em um
período posterior ao apropriado. Várias delas podem, também, entrar em ação ao mesmo
tempo.
Na maior parte dos casos, porém, as reações de angústia produzidas em cada uma
destas etapas do desenvolvimento infantil têm uma duração breve. As fobias da criança
pequena, como medo do escuro ou de estranhos, quase podem ser consideradas normais
porque desaparecem quando ela cresce. O mesmo ocorre com as fobias de animais. As
histerias de conversão dos primeiros anos não costumam ter continuidade nos anos
posteriores. No tempo de latência é comum surgirem ações cerimoniais, dentre as quais
poucas evoluirão para uma neurose obsessiva (FREUD, 1926d, p. 145).
No mesmo artigo Freud (1926d, p. 115) afirma que a angústia de castração, que
aparece na fase fálica, é a que se encontra presente nas três formas de neurose neurose de
angústia, histeria e neurose obsessiva. É somente na primeira, contudo, que os sintomas da
angústia aparecem de forma manifesta. Isso ocorre porque o objeto fóbico se encontra
localizado no mundo externo, e a angústia diante deste objeto não difere daquela que sentimos
diante de perigos reais (adiantamos que no último capítulo faremos uma discussão a respeito
38
da fobia escolar e sua incidência no tempo de latência). Na histeria e na neurose obsessiva os
tipos de defesas utilizados pelo eu mascaram a angústia.
Ao tecer considerações sobre os fatores que levariam à neurose histérica ou obsessiva,
Freud conclui que ambas têm origem na necessidade de desviar as exigências libidinais do
complexo de Édipo.
Para ele, toda a neurose obsessiva tem um substrato histérico que se forma numa fase
mais antiga e depois é plasmada em moldes diferentes devido a um fator constitucional. Em
outras palavras, por causa de uma organização genital frágil o eu em seus esforços defensivos,
mediante uma regressão, lança a organização genital da fase fálica de volta ao nível sádico-
anal mais antigo. A regressão pode também ter outra causa, não constitucional, ligada ao fator
tempo. Neste caso, a oposição do eu começa muito cedo, quando a fase sádica ainda se
encontra em pleno desenvolvimento.
Freud (1926d, p. 115-116) percebe que uma relação entre o tempo de latência e a
neurose obsessiva. Argumenta que para que uma neurose obsessiva se estabeleça é necessário
que a fase lica tenha sido alcançada. Esta neurose pertence a uma época posterior em
relação à histeria, ao segundo período da infância, após o tempo de latência ter-se
estabelecido. Em uma neurose obsessiva pode-se perceber com mais clareza que o que move
as defesas é o complexo de castração, e que o que está sendo desviado são as tendências do
complexo edipiano. Nela se observa a ação do tempo de latência, que se caracteriza pela
dissolução do complexo de Édipo, pela criação e consolidação do supereu e pela edificação de
barreiras éticas e estéticas no eu. Na neurose obsessiva os processos normais do tempo de
latência são levados ao extremo, isto é, a neurose obsessiva leva a efeito, de forma intensa, o
método normal de dissolução do complexo de Édipo. Formações reativas próprias da neurose
obsessiva, tais como o asseio, a piedade e a consciência, são exageros de traços normais do
tempo de latência.
Nosso autor (FREUD, 1926d, p. 117) afirma que a principal tarefa psíquica no tempo
de latência parece ser o desvio da tentação à masturbação, um representante do auto-erotismo.
Esta luta produz sintomas típicos, que têm a característica de um cerimonial e tendem a estar
associados a atividades como: ao ir dormir, levantar-se, vestir-se, andar de um lado para outro
e também tendem à repetição e ao desperdício de tempo. Estas características surgirão de
forma exacerbada nos casos de neurose obsessiva.
39
1.3.4 A Inibição
Em Inibição, Sintoma e Ansiedade, Freud (1926d, p. 91-92) distingue as inibições dos
sintomas. Estes resultam do processo de recalcamento, enquanto aquelas, se constituem na
limitação de alguma função do eu, não possuindo necessariamente um significado patológico.
Da mesma forma como ocorre com os sintomas neuróticos, também a relação entre a
inibição e a angústia é para Freud algo evidente. Constata que muitas vezes uma função é
abandonada porque sua prática produziria angústia. Isso acorre quando, por alguma razão, ela
se tornou muito erotizada, isto é, quando sua significação sexual foi aumentada. A realização
da função seria assim equivalente à realização de um desejo sexual proibido. Nestes casos o
eu pode renunciar a uma ou mais funções em lugar de fazer um recalcamento, a fim de evitar
conflito com o isso.
Há, também, algumas inibições que são autopunições. É o que ocorre quando o
sucesso em alguma atividade criaria um conflito com o supereu. Outras inibições, quando elas
aparecem de forma mais generalizada, obedecem a um mecanismo diferente. Quando o eu se
envolvido com uma tarefa particularmente difícil, como no luto ou numa grande perda
afetiva, ele fica privado de grande parte da sua energia e tem de reduzir o seu uso em vários
pontos (FREUD, 1926d, p. 93-94).
De acordo com Freud, portanto, as inibições são restrições das funções do eu que
podem ter sido impostas como uma medida de precaução para evitar conflito com o isso ou
com o supereu, ou são resultantes de um empobrecimento da energia disponível no eu.
No artigo A questão da Análise Leiga (FREUD, 1926e, p. 208), verifica-se que Freud
considera a inibição uma característica própria do tempo de latência. Para ele, os
desenvolvimentos sexual e cognitivo da criança correm de forma paralela e inter-relacionada.
No referido artigo observa que em torno dos 4 ou 5 anos geralmente as crianças têm uma
mente muito ativa, pois, ao primeiro florescimento sexual, acompanha um período de
florescimento intelectual, no entanto quando as crianças atingem o tempo de latência, tem-se
a impressão de que se tornam mentalmente inibidas, muitas perdendo até o encanto físico.
A relação entre a inibição intelectual e o recalcamento da sexualidade infantil não é
nova em Freud. em 1910, no artigo Leonardo da Vinci e uma Lembrança de sua Infância,
40
ele traça os destinos possíveis da pulsão de saber em decorrência de sua relação com a pulsão
sexual, embora não faça nenhuma menção específica ao tempo de latência. Neste texto analisa
uma recordação infantil de Leonardo da Vinci, desvelando seu caráter sexual. Nas primeiras
experiências infantis do artista, busca as raízes de sua arte, de seu interesse pelas ciências e de
outros traços, como o seu lado brincalhão, por exemplo.
Freud (1910c, p. 87-88) dá especial importância ao período em que Leonardo da Vinci
construía suas teorias sexuais infantis. Esta fase, para todas as crianças, costuma ser de intensa
pesquisa sexual, e chega ao fim após um período de enérgico recalcamento, depois do que o
impulso à pesquisa terá três destinos possíveis. Cabe recordar que este recalcamento, para
Freud, introduz o tempo de latência.
No primeiro caso, o impulso à pesquisa sofre o mesmo destino da sexualidade. A
curiosidade permanece inibida e a atividade intelectual limitada. No segundo, o
desenvolvimento intelectual é forte e resiste ao recalcamento sexual. Aqui a inteligência
auxilia a evitar o recalcamento sexual. Então, as atividades de pesquisas sexuais suprimidas
emergem do inconsciente sob outra forma a de um interesse compulsivo pela pesquisa, o
qual substitui o antigo prazer sexual da criança, ou seja, uma sexualização do pensamento.
O terceiro tipo, no qual Freud inclui Leonardo da Vinci, é o mais raro, mas também o mais
perfeito. Neste, a pessoa consegue escapar tanto à inibição do pensamento do primeiro caso
quanto à do pensamento neurótico compulsivo do segundo.
No terceiro caso também ocorre o recalcamento sexual, porém ele não relega ao
inconsciente a pulsão sexual. A libido escapando da repressão é sublimada e se liga à pulsão
de pesquisa como forma de se fortalecer. Também neste caso a pesquisa torna-se compulsiva
e substitui a atividade sexual, mas não é neurótica, porque os processos psicológicos
subjacente são outros. Aqui ocorre a sublimação em lugar do retorno de conteúdos recalcados.
A pulsão sexual não fica ligada aos complexos originais das pesquisas sexuais da criança,
podendo agir livremente em favor dos interesses intelectuais.
Lembramos que em 1910 o conflito neurótico vinculava-se à oposição entre as pulsões
sexuais e as do eu. A idéia de fusão e defusão pulsional introduzida mais tarde, junto com o
conceito de pulsão de morte, pode ajudar a compreender a ligação entre as pulsões sexuais e
de saber.
41
Retornaremos à discussão sobre a relação entre a inibição intelectual e o tempo de
latência no último capítulo.
1.4 NATUREZA, CULTURA E TEMPO DE LATÊNCIA
Ao longo de toda a obra freudiana um problema que persiste diz respeito à
contribuição da natureza e da cultura no desenvolvimento das neuroses. Constata-se que nos
diversos períodos de construção da teoria psicanalítica sua posição em relação à questão vai
sendo modificada. Também é freqüente que o tema se faça presente nas referências ao tempo
de latência. Vimos, no início deste capítulo, no artigo Três Ensaios Sobre a Teoria da
Sexualidade, que o desenvolvimento bifásico da sexualidade humana e o tempo de latência
têm para Freud um peso importante no processo civilizador e também na produção das
neuroses. Estas são causadas pelo conflito de interesses entre as exigências da sexualidade e
as da vida em sociedade. Desde essa época ele considera o tempo de latência como uma
decorrência de uma característica biológica da espécie que a educação apenas vem reforçar.
Esta idéia retorna em diversos artigos nos anos seguintes e ainda se encontra presente em
Esboço de Psicanálise (1940a[1938]), publicado após sua morte. Ali ele reafirma que o fato
de o início da vida sexual ser difásico, interrompido por um tempo de latência, tem importante
relação com a hominização
16
. Em nota de rodapé, Freud expõe a hipótese de que o homem
descenderia de um mamífero que atingiria sua maturidade sexual aos 5 anos e que por alguma
intercorrência externa de vulto interrompeu o curso do seu desenvolvimento sexual.
Considera que outras transformações de sua vida sexual também poderiam estar relacionadas
a isto, tais como a interrupção da periodicidade da libido e o papel desempenhado pela
menstruação na relação entre os sexos. Esta nota de Freud é acrescida de um comentário de
James Strachey, segundo o qual em 1913 Ferenczi fez uma conexão entre o tempo de latência
e a era glacial, e que Freud, de início, teria visto esta possibilidade com muitas reservas, como
se pode verificar no artigo O Ego e o Id, de 1923. em Inibição, Sintoma e Ansiedade,
publicado em 1926, sua aquiescência já teria sido maior.
A concepção de que um conflito entre natureza e cultura atravessa a sua obra,
porém constata-se que o modo como este é pensado se complexifica. A maior mudança vai se
dar a partir da formulação da segunda teoria das pulsões. Até então Freud entendia que a
16
Estas idéias também aparecem no artigo Moisés e o Monoteísmo (1939[1934-1938]).
42
civilização, ao proibir a livre expressão da sexualidade provocava o represamento da libido, o
que elevava a angústia e desencadeava as neuroses. A partir da descoberta da pulsão de morte
esta concepção não se sustenta mais. Recordamos que em Inibição, Sintoma e Ansiedade
Freud (1926d, p. 151-152) localiza a angústia no eu sendo ela a causa do recalcamento que
está na base das neuroses. No mesmo artigo infere que relações quantitativas entre três fatores
(um biológico, um filogenético e um puramente psicológico), não apreensíveis diretamente,
seriam responsáveis pela conservação dos recalcamentos e pela continuidade das neuroses
infantis na idade adulta.
O fator biológico é o estado inacabado em que nascemos, o que prolonga o desamparo
e a dependência na infância e cria a necessidade de sermos amados. O fator filogenético
17
,
como nos referimos pouco, é o desenvolvimento bifásico da sexualidade humana, que tem
um período de florescimento precoce por volta dos 5 anos, seguido de uma enérgica
interrupção, depois da qual um recomeço na puberdade quando são retomados os esboços
infantis. Supõe que algo muito importante aconteceu na história da humanidade, marcando a
espécie com esta interrupção da vida sexual. Este fator tem um efeito patogênico porque as
exigências pulsionais na infância geralmente são percebidas como perigosas para o eu, de
modo que quando retornam na puberdade podem ser atraídas pelos modelos infantis e segui-
los no recalcamento. O fator psicológico refere-se à fragilidade de nossa constituição
psíquica, que dividida entre um eu e um isso, não consegue proteger-se dos perigos pulsionais
internos com a mesma eficácia com que se protege da realidade externa que não faz parte de
si, só lhe restando defender-se por intermédio da formação de sintomas.
Observamos que no pensamento freudiano o fator filogenético não deixa de ser
também biológico, uma vez que se trata de um traço que com o passar do tempo se imprimiu
na bagagem genética do homem. Conforme mencionamos, os fatores nomeados como
biológico e filogenético em Inibição, Sintoma e Ansiedade, o são novos em Freud, pois são
citados ao longo de sua obra. o que ele denomina de fator psicológico começa a ser mais
bem desenvolvido com a segunda tópica. Para este ponto convergem ainda outros conceitos
importantes do último período da produção freudiana, tais como a pulsão de morte e as
últimas formulações sobre os complexos de Édipo e de castração. Este novo conjunto teórico
é que permitiu a Freud avançar na compreensão das relações entre a natureza do homem e a
cultura. É no artigo O Mal-Estar na Civilização (1930a[1929]), que ele expõe seu pensamento
17
Nas edições alemãs de O Ego e o Id (1923b) este fator é chamado por Freud de biológico.
43
a este respeito. Nele, explica a oposição entre a natureza do homem e a cultura, em parte pelas
restrições que esta impõe à sexualidade humana, em parte pela agressividade constitucional
dos homens.
Ao longo do texto Freud procura esclarecer porque a felicidade é algo tão difícil de ser
alcançado e porque o homem estão propenso ao sofrimento e às neuroses. Afirma que a
origem da cultura remonta às necessidades dos homens de regulamentar suas relações sociais
a fim de evitar o domínio do mais forte, substituindo o poder do indivíduo pelo da
comunidade. Este último restringe a liberdade de satisfação das necessidades individuais, no
que se refere ao amor sexual, ao amor inibido em sua finalidade e a tendência à agressividade.
O amor e a agressividade correspondem, respectivamente, às pulsões de vida e de
morte, as quais, geralmente, encontram-se fundidas. Para Freud, a civilização está a serviço de
Eros, ou seja, da luta da espécie pela vida, e a pulsão de morte constitui-se no maior
empecilho à civilização. Para que esta atinja sua meta, que é a de unir cada vez mais os
homens pelos laços do amor, um dos meios é o incremento do sentimento de culpa mediante a
constituição do supereu.
O desamparo e a dependência da criança em relação ao adulto estão na origem da
constituição do supereu. De início, o que é mau e deve ser evitado é tudo aquilo que pode
levar à perda do amor da pessoa de quem a criança depende, mesmo que seja prazeroso e
desejável do ponto de vista do eu. Neste nível o que impera é o receio de ser descoberto pela
autoridade e sofrer uma punição. Ainda não verdadeiro sentimento de culpa, apenas o que
Freud denomina angústia social. Num estágio mais elevado, a autoridade é internalizada pela
constituição de um supereu de quem nada pode ser escondido, nem mesmo pensamentos.
Além de exigir a renúncia às satisfações pulsionais, exige também punição porque, apesar da
renúncia, o desejo persiste e pode ser percebido pelo supereu. Destacamos que a constituição
do supereu supõe a realização da travessia edípica e a ação do tempo de latência.
Assim, o sentimento de culpa gerado pela tensão entre o eu e o supereu, ao mesmo
tempo em que permite o desenvolvimento da civilização, priva o homem da satisfação de
desejos, provocando a intensificação da agressividade e da hostilidade contra a própria
civilização. O sujeito, no seu desenvolvimento, segue o programa do princípio do prazer, cujo
fim é a obtenção da felicidade. Ao mesmo tempo, dada sua dependência, necessita também
integrar-se a uma sociedade na qual, nem sempre, pode ser tomada em consideração a
44
felicidade individual. Assim, se inicialmente Freud apostava que uma educação menos
restritiva em relação à sexualidade fosse capaz de prevenir as neuroses, agora se encontra bem
distante dessa posição, considerando que sempre haverá uma irreconciliável oposição entre a
natureza do homem e as exigências sociais. As neuroses, então, são o preço a pagar pela
parcela de segurança que a vida em comunidade pode proporcionar.
1.4.1 Tempo de Latência e Tradição
O passo seguinte dado por Freud, no que tange a relação do sujeito com a cultura será
o de estabelecer a ligação entre o discurso social e a constituição psíquica singular.
Veremos isto acontecer em Moisés e o Monoteísmo (1939a[1934-38]), último livro
publicado por Freud e também um dos mais polêmicos, porque questiona as origens de
Moisés e da religião judaica. Nessa obra ele sustenta a idéia de que Moisés era egípcio e teria
escolhido uma tribo semita que vivia no Egito para dar continuidade ao culto a um deus único,
Aten, que havia sido proibido no Egito. Transmitiu-lhes o costume da circuncisão e,
libertando-os da escravidão, levou-os ao deserto para dar origem a uma nova nação.
Revoltado com a severidade de Moisés o povo o teria assassinado e adotado outra religião de
origem midianita, cujo deus era Javé. Freud acredita que o principal sacerdote da nova
religião também se chamava Moisés e que é este que a tradição judaica conhece. A força do
Moisés egípcio, no entanto, continuou exercendo influência sobre o povo, e a tradição ou a
lenda encarregou-se de fundi-lo com a figura do Moisés posterior. Assim, entre o culto ao
deus Aten e a religião judaica posterior teria havido um espaço de tempo preenchido pelo
culto a Javé (SUDBRACK, 2000).
Embora esta versão dos fatos não tenha credibilidade histórica, nela Freud retoma sob
outro viés importantes conceitos da teoria psicanalítica. Moisés e o Monoteísmo é um dos
textos em que Freud mais utiliza o conceito tempo de latência. Uma questão que ele procura
responder é como explicar que preceitos da religião do Moisés egípcio tenham permanecido
na doutrina judaica atual. Neste ponto mostra-se importante o conceito tempo de latência.
Freud argumenta que os homens têm dificuldades em aceitar as novas idéias, ou
mesmo acontecimentos traumáticos de imediato. Recorda, a título de exemplo, que as idéias
evolucionistas de Darwin foram por muito tempo repudiadas, mas jamais esquecidas,
45
provocando fortes embates. Algo semelhante acontece na vida mental quando ocorre uma
situação traumática. Nas semanas posteriores ao evento pode surgir uma série de sintomas
psíquicos ou físicos, que são superados quando a pessoa consegue dar um sentido ao
acontecimento. Um tempo de incubação é necessário para sua elaboração e posterior
aceitação. Freud supõe que este tempo também foi necessário, na história do povo judeu, para
que este pudesse aceitar a religião monoteísta estabelecendo uma analogia com o que ocorre
nas neuroses.
A gênese da neurose remonta a impressões muito primitivas da infância,
aproximadamente até o quinto ano de idade, parecendo que o período dos 2 aos 4 anos,
quando a criança está aprendendo a falar, é o mais importante. As experiências desta época da
vida geralmente são esquecidas totalmente e se situam dentro de um período de amnésia
infantil, somente interrompido por alguns resíduos mnêmicos isolados, que a psicanálise
denomina “recordações encobridoras”. Estas recordações estão relacionadas a fatos de
natureza sexual e agressiva (FREUD,1939a, p. 89).
Segundo Freud, a psicanálise advoga que um vínculo entre o aparecimento precoce
destas experiências, seu conteúdo sexual e agressivo e o fato de serem esquecidas, isto é,
demonstra que a vida sexual do homem apresenta uma eflorescência precoce que chega ao
fim por volta do quinto ano, sendo seguida de um tempo de latência até a puberdade. Neste
não desenvolvimento ulterior da sexualidade e a o que foi atingido experimenta uma
involução.
Freud (1939a, p. 90) reafirma a suposição de que o homem descende de uma espécie
animal que atingia a maturidade sexual aos 5 anos, voltando a destacar que o adiamento da
vida sexual e seu desencadeamento em duas fases estão intimamente ligados ao processo de
hominização. Os homens parecem ser os únicos animais com um tempo de latência e um
retardamento sexual com estas características. Considera que o é casual o fato de que a
amnésia infantil coincida com o primeiro tempo do desenvolvimento sexual. Este fato é o
determinante das neuroses, que são uma prerrogativa exclusivamente humana e um
remanescente dos tempos primevos.
Para ele, um trauma de infância pode ser seguido de imediato por manifestações
neuróticas, mas pode também passar desapercebido graças às defesas do eu. Isto é possível
graças à ação do tempo “fisiológico” de latência. Segundo ele, o fenômeno de uma latência
46
das neuroses entre as primeiras reações a um trauma e o desencadeamento posterior da doença
deve ser considerado típico (FREUD, 1939a, p. 91-92).
Freud afirma que na origem da religião judaica teria acontecido algo semelhante ao
que ocorre no desenvolvimento humano. O fenômeno da latência na história desta religião é
explicado pela suposição de que os fatos vinculados ao primeiro Moisés, repudiados
intencionalmente pelos historiadores oficiais, continuaram vivos na tradição oral, tornaram-se
mais fortes com o passar do tempo e se impuseram nos relatos oficiais e no pensamento do
povo.
Como podemos constatar, neste último livro de Freud ainda encontramos presente,
agora mais bem justificada, a estrutura básica das neuroses que aparecia nas primeiras
cartas a Fliess, conforme destacamos no início deste capítulo, e que se manteve ao longo de
sua produção teórica. Para que uma neurose se estabeleça são necessários três tempos: o
tempo do trauma, ou seja, do acontecimento; um tempo intermediário, de latência, no qual
um trabalho psíquico para assimilá-lo; e um terceiro tempo, no qual o primeiro adquire um
sentido para o sujeito. Retornaremos a esta questão no próximo capítulo ao trabalharmos o
tempo de latência como um tempo lógico.
Enriquez (1996, p. 122-124) explicita que em Moisés e o Monoteísmo é retrabalhada a
teoria da sedução traumática que parecia ter sido abandonada com a descoberta do complexo
de Édipo. Segundo ele, Freud sempre conservou a idéia de que tanto as lembranças quanto as
fantasias, na sua base, se apóiam na realidade. Em Moisés teríamos o pai da horda de forma
invertida. Enquanto o pai da horda encontrava sua potência na recusa do amor, Moisés a
obtinha na sedução do povo com suas qualidades de grande líder. Para Freud, segundo
Enriquez, o poder pode ser encarnado, dada a prematuridade e a dependência do recém-
nascido humano. A doação do amor e a sua recusa são atributos de qualquer líder e o seu
destino é o de ser morto. Isto se compreende melhor quando observarmos que para a criança
um pai amoroso é necessário ao seu crescimento, mas que também este pai dever ser o agente
da castração, ou seja, de um abuso de poder. Para que o filho possa obter certa autonomia
deverá rebelar-se e desejar a morte do pai. Trata-se de uma morte simbólica, que lhe permitirá
integrar-se à lei social para além do arbítrio. O mesmo modelo organiza a ordem social, por
isso o assassinato é fundante em todos os povos e grupos humanos. Se ele é fundante, todavia,
é o tempo de latência que vai conceder ao pai morto uma força e um impacto ainda maiores.
47
Concluímos este tema observando que Freud via no desenvolvimento psicológico do
homem uma repetição da História da Humanidade, ou seja, a ontogênese repetindo a
filogênese. Daí a necessidade de ater-se à realidade histórica do acontecimento fundador, do
qual seriam conservados traços mnemônicos transmitidos pela hereditariedade. Atualmente
pode-se pensar numa transmissão pela via discursiva, o que não era possível na sua época.
No próximo capítulo levantaremos os desdobramentos que o conceito tempo de
latência tem na psicanálise depois de Freud, principalmente entre aqueles profissionais que se
dedicaram à psicanálise com crianças.
48
2 O TEMPO DE LATÊNCIA DEPOIS DE FREUD
“Que nome vou lhe dar? [...] Quero chamá-lo de
Pinóquio. Esse nome vai lhe dar sorte. Conheci uma
família inteira de Pinóquios, Pinóquio o pai, Pinóquia a
mãe, Pinóquios os filhos, e todos viviam bem. O mais
rico deles pedia esmola.” (COLLODI, 2002, p. 14).
É fato reconhecido no campo da psicanálise que Freud elaborou suas hipóteses sobre a
importância da infância na constituição psíquica principalmente a partir da análise de
pacientes adultos. Neste contexto o conceito de tempo de latência constitui-se em elemento
fundamental para a construção da sua teoria das neuroses. Depois de Freud o tratamento
psicanalítico estendeu-se, também, às crianças, o que lançou novas luzes sobre a compreensão
do psiquismo infantil.
Na seqüência de nosso estudo procuramos situar o tempo de latência no contexto dos
desenvolvimentos da psicanálise com crianças trazendo a contribuição de importantes
psicanalistas sobre o tema. Na nossa leitura destes autores buscamos recolher sua
compreensão sobre o trabalho psíquico próprio ao tempo de latência. Consideramos que no
conjunto do processo de estruturação psíquica cada um de seus tempos constituintes tem sua
função determinada, o que vai exigir da criança um trabalho psíquico específico. Tomamos o
tempo de latência como um dos tempos constituintes. Este percurso nos levará a situá-lo
como um tempo lógico.
2.1 A FORÇA DO RECALQUE
Iniciamos nosso percurso pelos psicanalistas pós-freudianos como Melanie Klein, que
na década de 20 do século XX começou a analisar crianças empregando a técnica do brincar.
Essa forma de abordagem serviu para confirmar as observações de Freud a respeito da
sexualidade infantil, mas também revelou aspectos que produziram algumas discordâncias
com o pensamento freudiano, por exemplo, em relação à época de início do complexo de
Édipo e da constituição do supereu, que segundo a autora se daria num tempo bem mais
precoce, em torno dos dois anos e meio aproximadamente. Como não temos a intenção, neste
momento, de fazer uma apresentação da teoria kleiniana, nos limitaremos a abordar suas
referências sobre o tempo de latência.
49
Na obra Psicanálise da Criança, publicada pela primeira vez em 1932, um capítulo
intitulado A Técnica da Análise no Período de Latência, no qual ela observa que o tratamento
psicanalítico da criança neste período apresenta dificuldades especiais.
Estas decorrem, segundo a autora, de características peculiares ao tempo de
constituição psíquica que estas crianças estão atravessando. Ao contrário dos pequenos, no
tempo de latência as crianças expressam pouca angústia e têm uma vida imaginativa muito
restrita em função da intensa ação do recalque nesse momento. Diferentemente dos adultos,
como seu eu é ainda pouco desenvolvido, não têm consciência de sua doença e não desejam
curar-se. Klein declara que estas condições, quando presentes, servem de incentivo para que o
paciente prossiga na análise. Acrescenta-se a estas dificuldades a reserva e a desconfiança
típicas do período, que resultam do esforço intenso que a criança precisa fazer para não ceder
à tentação da masturbação. Isto faz com que ela evite tudo que se oponha à contenção deste
impulso. Como a análise busca abrir caminho para o que é inconsciente, ela pode ser sentida
como uma ameaça (KLEIN, 1975, p. 93).
Ademais, considera os pacientes na latência mais difíceis de serem abordados porque
dessexualizaram suas representações e fantasias, de forma que seu brincar não apresenta
abertamente seus conflitos como na criança menor, e tampouco fazem associações livres
como os adultos (KLEIN, 1975, p. 94). O recalque intenso de suas fantasias conjugado a um
eu já mais desenvolvido faz com que suas brincadeiras sejam menos imaginativas, mais
adaptadas à realidade e mais racionalizadas. Este último aspecto, para Klein (1975, p. 96), não
se deve apenas ao recalcamento das fantasias, mas também à “hiperenfatização obsessiva da
realidade”, que ela considera um fator constitutivo do tempo de latência. O eu frágil da
criança se fortalece colocando suas energias no recalque e agarrando-se à realidade. O
tratamento psicanalítico trabalha no sentido contrário destas tendências, revelando-se por isso
mais difícil.
2.2 O REFORÇO DAS DEFESAS DO EU
Onde Klein ênfase aos efeitos do recalque, vemos que Anna Freud enfoca a força
do eu, auxiliado pelo supereu, em relação ao isso. Em O Ego e os Mecanismos de Defesa
(FREUD, 1972, p. 23), afirma que no tempo de latência o eu é forte em comparação com o
isso. Aponta que há três períodos de turbulência na sexualidade humana: os primeiros anos da
50
infância, a puberdade e o climatério. Nestes, um isso forte, vigoroso, se defronta com um eu
fraco, debilitado. Na criança pequena este eu fraco conta com o mundo externo, por meio da
educação, como um aliado poderoso contra as exigências pulsionais do isso. Assim, ela
simplesmente responde às promessas ou ameaças das pessoas porque espera seu amor ou teme
sua punição. Esta influência externa permite que no decurso de alguns anos as crianças
adquiram um bom controle sobre as exigências pulsionais. Nem tudo, porém, está ao alcance
da educação.
Anna Freud (1972) ensina que entre a realidade exterior e a instituição da instância do
supereu está o que ela denomina ansiedade objetiva. Esta nada mais é que a capacidade da
criança de prever um possível sofrimento psíquico de forma antecipada. Neste caso o conflito
não mais se estabelece entre o isso e a realidade externa, mas entre o isso e a ansiedade
objetiva. Para a autora, à parte do eu que ao longo da vida ulterior caberá a tarefa de dominar
as pulsões indesejáveis nasce deste conflito. Para ela, quando esta parte, o supereu, se
desenvolveu até o ponto de se estabelecer um equilíbrio entre as forças do isso e do eu, chega
o tempo de latência.
No tempo de latência ocorre um declínio da força pulsional, que Anna Freud acredita
ter origem fisiológica, e chega um período de paz na posição de defesa do eu que pode, então,
dedicar-se a outras tarefas, adquirir conhecimentos e desenvolver capacidades. O eu torna-se
mais forte em relação ao mundo exterior, diminui a dependência dos pais, cujos princípios,
desejos e ideais o cada vez mais introjetados. No interior do eu estabeleceu-se o supereu,
instância que representa as solicitações de todos que a rodeiam. Agora a origem da ansiedade
infantil o mais se encontra no mundo externo, mas no supereu, emergindo o sentimento de
culpa. O supereu é o novo aliado que o eu adquiriu na luta contra as exigências do isso.
Em relação aos interesses da criança no tempo de latência, a autora afirma que tendem
a se concentrar “em coisas que têm uma existência real e objetiva.” (FREUD, 1972, p. 35). As
fantasias da primeira infância e os pensamentos abstratos da adolescência são substituídos por
coisas reais. Faz referência à observação de que no início do tempo de latência há um declínio
na inteligência, o que é comumente explicado pelo recalque da sexualidade que acaba levando
consigo a curiosidade da criança também em outras áreas. A esta explicação Anna Freud
propõe acrescentar outra. A primeira infância e a puberdade seriam períodos de grande
atividade pulsional que precisam ser controlados com o auxílio da atividade intelectual. Na
latência, pelo contrário, o eu é forte e dessa forma não precisa esforçar-se por intelectualizar
51
as demandas do isso. Segundo a autora, corrobora com esta hipótese a constatação de que a
atividade do pensamento, tanto do adolescente quanto da criança pequena, na sua maior parte
não leva a nenhum resultado frutífero. Considera, ainda, que a produção intelectual do adulto
e da criança da latência tem mais consistência, é mais confiável e tem uma relação muito
maior com a ação (FREUD, 1972, p. 139-140).
2.3 A PRESERVAÇÃO DAS CONQUISTAS DO EU
Winnicott (1983, p. 109), na conferência Análise da Criança no Período de Latência,
compara as posições de Melanie Klein e Anna Freud sustentando que ambas admitem que
neste período tremendas defesas erigidas e mantidas.” Para este autor, a discordância
entre elas aparece na forma de abordar o tratamento. Em função do intenso recalcamento que
caracteriza o período, Klein sugere interpretar os conflitos inconscientes logo que estes
surgem e assim produzir rapidamente um alívio da angústia da criança. Tal efeito faz com que
ela aceite e colabore com o tratamento. Anna Freud, ao contrário, busca a colaboração
consciente da criança, explicando a ela o que está acontecendo e o que pode esperar do
tratamento. Winnicott (1983, p. 110) concorda, em parte, com ambas. Pensa que quanto mais
o analista interpreta o inconsciente melhor, mas também acha que é importante falar à
inteligência da criança. Em seu entendimento, a compreensão intelectual do que se passa com
ela pode ser um poderoso aliado do tratamento.
A criança da latência, segundo Winnicott (1983, p. 111), atingiu o processo
secundário, o que é uma conquista do eu que deve ser preservada. Assim sendo, a
interpretação no tratamento deve guiar-se apenas pela necessidade de fortalecer as estruturas
mais fracas do eu e modificar aquelas que interferem no desenvolvimento normal. Pensa que a
associação livre pode ser experimentada por algumas crianças deste período como uma
ameaça à integridade do eu.
Ao concluir a conferência antes mencionada, Winnicott (1983, p. 113) acrescenta
ainda um comentário em relação ao término da análise das crianças na latência. Como,
geralmente, os tratamentos estão terminando em torno dos 11, 12 anos, o que coincide com o
início da puberdade, o autor acha aconselhável planejar a análise para que esta termine antes
da puberdade, ou para que avance nos primeiros anos desta fase, porque as mudanças que
ocorrem podem exacerbar defesas e ansiedades. Na realidade Winnicott se questiona se existe
52
a possibilidade de um verdadeiro tratamento psicanalítico no tempo de latência: Como é
possível dizer que se conhece a criança se ela está vivendo um período de relativa calma
pulsional? Não está certo da resposta a esta questão, e admite que muitas vezes se equivocou
fazendo prognósticos muito favoráveis ou muito desfavoráveis. Acha que este é um ponto
sobre o qual os analistas ainda precisam discutir.
De sua experiência clínica, e na mesma linha de pensamento de Klein e Anna Freud,
Winnicott (1983, p. 112) destaca quatro características das crianças da latência:
1. A dessexualização das relações com outras crianças. As manifestações sexuais quando
acontecem perturbam as brincadeiras.
2. A possibilidade de introjetar, mas não de incorporar
18
elementos de outras pessoas. A
criança não pode estabelecer relações íntimas que envolvam sua sexualidade.
3. A capacidade de fazer conquistas do eu à custa da liberdade do isso.
4. Uma certa normalidade graças a uma maior organização do eu. Os desvios desta indicam
que a criança realmente precisa de cuidados.
Na obra Natureza Humana, Winnicott (1990, p. 75) refere-se à latência como sendo
um fenômeno endocrinológico de adiamento das experiências sexuais genitais do período
edípico para a puberdade. Observamos que quanto a isto ele se aproxima da posição de Freud
que, conforme referido, atribui sua origem a características biológicas da espécie humana
fixadas na filogênese.
Na mesma obra afirma que o tempo de latência deve ser aproveitado pela criança para
usufruir das aquisições anteriores. Ela já construiu no eu um ideal baseado em uma pessoa
real, o pai, e um supereu que lhe serve de defesa para os impulsos do isso. Assim, por meio
“dos sonhos e das brincadeiras, das fantasias com ou sem a inclusão do corpo e dos prazeres
corporais obtidos sem a ajuda de outras pessoas” (WINNICOTT, 1990, p. 100), a criança
pode experimentar estas conquistas. Na latência ela pode se valer da qualidade de suas
experiências pré-genitais e genitais anteriores. Se ela entra na latência com sua sexualidade
imatura, perturbada ou inibida, esta reaparecerá da mesma forma na puberdade.
18
Para Winnicott (1990, p. 100), a incorporação está presente nas experiências da criança que envolvem o seu
corpo, na relação com as outras pessoas, tal como a excreção ou evacuação, por exemplo.
53
2.4 A IMPORTÂNCIA DOS ESTADOS DE LATÊNCIA
Um dos autores que mais aprofundaram o estudo da latência depois de Freud foi o
psiquiatra e psicanalista norte-americano Charles Sarnoff. Seguindo a direção apontada por
Anna Freud, Sarnoff (1995, p. 24) entende o tempo de latência como um período de intensa
atividade das defesas do eu, no entanto discorda dela e do próprio Freud (1926e) quanto à
afirmação de que neste tempo constitutivo as pulsões sexuais perdem sua força. Julga que tal
concepção resultou na compreensão equivocada de que os anos de latência são vazios e, por
conseqüência, sem atrativos para os pesquisadores. Prefere apoiar-se em outra afirmação de
Freud (1905d): a de que na latência o influxo sexual não pára e sua energia é total ou
parcialmente canalizada para outros fins. Conforme Sarnoff (1995), somente quando
começaram a chegar na clínica crianças cuja bagagem cultural o levava à produção de
estados de latência é que os psicanalistas reconheceram sua real importância na preparação da
adolescência e da idade adulta.
O autor argumenta que coexistem duas definições úteis e comumente utilizadas de
latência. A latência como faixa etária que recobre o período dos 6 aos 12 anos, e a latência
como estado psíquico. Achamos interessante transcrever literalmente a segunda definição.
Latência, aqui, é utilizada para descrever um período de defesas dinâmicas,
durante o qual a criança experimenta uma complexa reorganização da
estrutura defensiva do ego. Um estado de bom comportamento, docilidade e
educabilidade é mantido, como uma conseqüência de um equilíbrio entre
defesas e tensões. Tal estado torna-se possível devido à evolução e
ontogênese de mecanismos de defesa, que podem produzi-lo. Não se trata,
no entanto, de algo obrigatório, e encontra-se facultativamente presente, de
acordo com a cultura na qual vive o indivíduo. (SARNOFF, 1995, p. 24-25).
Comentando esta definição, Sarnoff (1995, p. 25) reafirma que a calma, a docilidade e
a educabilidade, principais características da latência, não são um resultado da diminuição das
tensões sexuais, e sim de um processo ativo de reorganização das funções do eu a serviço das
exigências sociais. Diante dos perigos inerentes às fantasias edipianas há uma regressão
defensiva do estágio fálico ao sádico-anal, porém funções especiais do eu na latência fazem
com que o sadismo anal não seja explicitado. Tais organizações são a sublimação, as
atividades obsessivo-compulsivas, o fazer e o anular, as formações reativas e o recalque. A
atividade destas organizações defensivas é que produz o estado psíquico de calma, docilidade
e educabilidade, auxiliando a criança a se adaptar ao mundo e adquirir conhecimentos. Estas
54
defesas estão disponíveis nas crianças capazes de produzir estados de latência. Sua função é
frear os impulsos do isso.
Para Sarnoff (1995, p. 40), esta teoria das defesas encontra respaldo nas descobertas da
clínica infantil. Durante o tratamento observam-se mudanças em relação aos desejos
edipianos, que de atuados passam a breves sensações, e que graças ao complexo de defesas da
latência, transformam-se em fantasias ou em ações voltadas para a imaginação. Estas
fantasias requerem pouca energia da criança, que pode assim desenvolver outras tarefas.
Para este autor as fantasias são a forma privilegiada de o homem lidar com o
amadurecimento tardio do aparelho genital na espécie. Como na infância este aparelho não se
encontra preparado para a descarga das pulsões sexuais, em seu lugar entram outros órgãos do
corpo (auto-erotismo) como a boca, por exemplo, por meio da sucção. Com o
desenvolvimento da função conceitual as fantasias podem ocupar o lugar destes órgãos. No
início do tempo de latência parte das crianças apresenta reações sexuais do tipo orgástico
quando estimula seus genitais. Devido a pressões parentais esta tendência é substituída por
fantasias (SARNOFF, 1995, p. 31-32).
Sarnoff (1995, p. 45-47) grande valor à função da fantasia na latência. No seu
modo de ver, ela é o principal derivativo das pulsões sexuais e agressivas, permitindo à
criança lidar com desejos intoleráveis em relação às figuras parentais. Exemplifica trazendo a
fantasia do encanador relatada por Freud no caso Análise de uma Fobia em um Menino de
Cinco Anos (1909b). Nesta fantasia o pequeno Hans, já no final do tratamento de sua fobia a
cavalos, relata ao pai que um encanador inicialmente retirou suas nádegas com uma torquês e
depois fez o mesmo com seu pênis. O pai lhe explica que os órgãos retirados foram
substituídos por outros maiores. Freud comenta que esta fantasia possibilita ao menino a
superação da ansiedade surgida a partir do complexo de castração. Sarnoff considera que
Hans se encontrava no início da latência e pôde lidar com a angústia recorrendo às defesas
típicas deste tempo, entre as quais a fantasia, cuja característica é a de se apresentar
claramente distorcida em relação ao objeto original. Para ele, sua melhora se deu menos pela
conscientização dos seus conflitos do que por uma mudança no tipo de defesas disponíveis.
As defesas produtoras da fobia foram substituídas por defesas produtoras de estados de
latência. No último capítulo retomaremos este caso clínico.
Outra contribuição interessante de Sarnoff à compreensão do trabalho psíquico da
latência é a forma como estabelece a relação desta como o desenvolvimento das funções
55
cognitivas do eu. Discute aspectos que incluem a capacidade de formação de símbolos, a
memória, os conceitos verbais, a criatividade e o pensamento operacional concreto.
O autor argumenta que no tempo de latência a capacidade de formação de símbolos se
diferencia das etapas anteriores. Entre os 18 e 26 meses mais ou menos uma criança consegue
fazer uso de símbolos metafóricos comuns, ou seja, elementos de pensamentos ou de coisas
podem ser empregados para representar outra coisa. A partir dos 26 meses começa a poder
usar símbolos dissimulados, isto é, cuja significação está dissimulada porque a ligação entre o
símbolo e o significado foi recalcada. Mediante esse tipo de símbolos fantasias latentes
podem ser expressas sem serem alvo de proibições. Na latência as fantasias expressas
deturpam as fantasias latentes a ponto de torná-las irreconhecíveis, mas isto dependerá da
capacidade anterior da criança de formar símbolos dissimulados (SARNOFF, 1995, p. 28).
No que se refere à memória, o autor constata que no tempo de latência a criança vai
aplicar a memória evocativa adquirida para se integrar à sociedade. Por este meio, ela pode
adquirir e manter os preceitos dos pais e outros adultos importantes. Os comportamentos
assim adquiridos tornam-se parte do ideal do eu. A adequação ao ideal do eu exige que a
criança controle as pulsões sadomasoquistas, o que se torna possível com o uso das defesas
obsessivas e das formações reativas típicas da latência. Estes mecanismos também auxiliam
nas aquisições do supereu, que por outro lado resulta da internalização das imagens parentais
do período edipiano (SARNOFF, 1995).
Outra contribuição para a constituição do supereu vem da mudança no estilo da
memória, de afetivo-motora para verbal-conceitual. Na latência a criança pode lidar com seus
conflitos usando as mensagens sutis em relação ao comportamento esperado que a sociedade
lhe envia. Estas são internalizadas e incorporadas ao supereu, que governa o comportamento
social e os relacionamentos éticos entre as pessoas. O fato de essas identificações poderem ser
expressas, codificadas, verificadas, reforçadas e validadas em palavras forma a base das
relações sociais e da compreensão da lei (SARNOFF, 1995, p. 29).
Os conceitos verbais que, segundo Sarnoff (1995), no tempo de latência estão
associados a grandes cargas afetivas, o excluídos da consciência, encontrando seu caminho
de expressão em fantasias dissimuladas. Neste movimento a capacidade da criança de
solucionar seus conflitos psíquicos pela comunicação verbal fica prejudicada, porque embora
o brincar, o jogo, sirva para descarregar tensões, perde-se a conexão com o conflito original.
56
Quanto à criatividade, o autor destaca que na passagem para a latência operam-se
também modificações em relação à criatividade. Na pré-latência a criança parece ser mais
criativa e apresentar maior liberdade para expressar idéias. Já nos anos de latência sua
expressão encontra-se dominada por temas indicados pela sociedade. Acrescenta, no entanto,
que olhando sob outro aspecto, a criança da latência pode ser considerada mais criativa, uma
vez que os símbolos que adota na criação de histórias ou trabalhos artísticos são muito mais
ricos pela influência que a cultura exerce sobre ela. Observa-se o predomínio de elementos
verbais sobre os sensitivos, afetivos e motores (SARNOFF, 1995, p. 30).
em relação ao desenvolvimento do pensamento operacional concreto que se
constitui durante o tempo de latência, Sarnoff (1995, p. 31) julga que este representa um
passo decisivo para o domínio do princípio de realidade sobre o princípio do prazer. Sob o
impacto do pensamento operacional concreto o recurso à fantasia da estrutura de latência
perde, gradativamente, sua força. A satisfação mágica como meio de descarga dos primeiros
anos da latência cede à força dos objetos reais. Um efeito disso é a gradativa mudança da
figura paterna como árbitro do comportamento social da criança, para uma melhor avaliação
do contexto social em que ela vive. Assim, no final da latência ela pode construir seus
próprios conceitos e identificações, que serão fundamentais para sua futura inserção na
sociedade.
Concluímos a incursão na obra de Sarnoff (1995, p. 51-52) observando que este autor
divide os anos de latência em duas fases ambas com características próprias. Uma fase inicial
dos 6 aos 8 anos, na qual a criança ainda está preocupada consigo mesma, e uma fase final,
entre 8 e 12 anos, marcada pela crescente disponibilidade para a realidade exterior. Na
primeira ocorre a inibição da masturbação, o supereu é rigoroso e a fantasia, na qual
predominam figuras amorfas, torna-se uma defesa privilegiada para lidar com os impulsos
sexuais inaceitáveis. Na segunda o supereu se suaviza, a masturbação é menos proibida e os
objetos das fantasias assumem formas cada vez mais humanas e próximas da realidade porque
a criança pode suportar melhor seus desejos edipianos. À medida que as funções cognitivas
e o teste de realidade se enriquecem o eu se reorganiza e o recurso à fantasia se mostra
insustentável e diminui. As relações objetais tornam-se mais amadurecidas e os pais aparecem
cada vez mais como figuras reais. Sua estimulação em relação aos interesses dos jovens e a
chegada da puberdade abrem caminho para as transformações da adolescência.
57
2.5 A IMAGEM INCONSCIENTE DO CORPO
Numa linha de pensamento que difere do de Sarnoff, cujo foco principal se centraliza
na ação das defesas do eu na latência, situamos a psicanalista francesa Françoise Dolto, que
vai dar ênfase à noção de castração como mobilizadora da sua constituição.
Françoise Dolto cunhou o conceito de imagem inconsciente do corpo para abordar o
processo de constituição psíquica da criança. Sua experiência clínica com crianças muito
regredidas mostrou a necessidade de poder apreender, no diálogo analítico, as representações
psíquicas primárias. A imagem inconsciente do corpo constitui-se no lugar onde são recebidas
e emitidas emoções inconscientes, vinculadas ao prazer e ao desprazer das zonas erógenas.
Ela é vista como um mediador entre o isso, o eu e o supereu e o se reduz ao registro do
imaginário, pois também é marcada pela dimensão simbólica (LEDOUX, 1991, p. 84-85).
Dolto (1992, p. 14) alerta para o fato de que a imagem inconsciente do corpo é
diferente do esquema corporal. O esquema corporal é praticamente idêntico para os
indivíduos da mesma idade, pois ele se refere ao desenvolvimento da espécie. A imagem
inconsciente do corpo está referida ao tipo de relação libidinal, vinculada à história do sujeito.
Nas palavras da autora:
A imagem do corpo é, a cada momento, memória inconsciente de todo o
vivido relacional e, ao mesmo tempo, ela é atual, viva, em situação
dinâmica, simultaneamente narcísica e inter-relacional: camuflável ou
atualizável na relação aqui e agora, por qualquer expressão “linguageira
19
”,
desenho, modelagem, invenção musical, plástica, assim como mímica e
gestos. (DOLTO, 1992, p. 15).
O esquema corporal é o lugar da necessidade que mantém a vitalidade do organismo,
resulta da aprendizagem e da experiência, podendo prescindir da relação com o outro. A
imagem do corpo refere-se ao sujeito do desejo e ao seu gozar. Ela se apóia no corpo, nos
sentimentos e nas palavras da e. Viver num esquema corporal sem imagem de corpo é
viver na solidão. É a fala, testemunha do humano, que possibilita a articulação de ambos por
meio do narcisismo primário (DOLTO, 1992).
Para Dolto (1992, p. 57-60), a imagem inconsciente do corpo evolui através das
sucessivas castrações às quais o desejo erótico da criança é submetido. A castração oral,
19
O adjetivo “linguageira” na obra de Dolto (1992, p. 11) tem o sentido de falar-se ou comunicar-se.
58
representada simbolicamente pelo desmame, permite à criança alcançar uma linguagem que
não seja compreensível apenas pela mãe. A castração anal possibilita que ela faça
experiências próprias e se torne cada vez mais autônoma em relação à satisfação de
necessidades e desejos. A castração edipiana mostra que seus desejos de sedução em relação
aos pais são impossíveis, levando-a a adaptar-se cada vez mais à sociedade, preparando-a para
a vida genital futura.
Quando a criança ingressa no tempo de latência, segundo a autora (1992, p. 61), ela
entra num tempo de espera, mas com promessas para o futuro. A renúncia aos desejos
edipianos é transformada em promessa. Neste tempo a proibição à satisfação das pulsões
proibidas deve ser mantida em favor da humanização da criança. Após algum tempo de
silêncio, estas pulsões começam a entrar em processo de sublimação, desenvolvendo-se em
objetos fora da família, em relações de troca segundo a Lei
20
que as interditou. Dolto (1992, p.
63) lembra que esta lei que interdita não é só repressiva. Ela situa o sujeito numa comunidade
de seres humanos, mas para isto aquele que interdita deve também ter sido marcado pela Lei.
A castração que se produz leva a uma outra maneira de ser em relação ao desejo. As
sublimações são o resultado de um remanejamento das pulsões proibidas e possibilitam que o
desejo se realize mediante novos alvos.
Na obra A Imagem Inconsciente do Corpo, Dolto (1992, p. 164-167) pergunta-se sobre
o que ocorre com esta imagem após o Édipo? Responde explicando que a aceitação da
castração edipiana vai constituir o narcisismo secundário. A proibição do incesto é fonte de
um narcisismo mediado pela Lei. Isso significa que a criança deve poder dominar os seus
desejos distinguindo pensar e agir. Deve responsabilizar-se pelos seus atos para não
comprometer sua honra aos seus próprios olhos. Trata-se então, de uma imagem inconsciente
do corpo atravessada pela Lei imposta pela castração edipiana. Esclarece que os pais e
educadores no tempo de latência são importantes para auxiliar as crianças na superação da
afetividade e raciocínio pré-edipiano.
Dolto (1992, p. 167) afirma que é por narcisismo que a criança renuncia a satisfação
de suas pulsões quando das primeiras castrações. Quando está vivendo a castração edipiana
ela procura afirmar sua identidade não mais na semelhança ao desejo dos genitores, mas na
identificação ao genitor do mesmo sexo, tomando dele desejos e prerrogativas. Agora ela se
20
No campo da psicanálise grafa-se a palavra Lei com inicial maiúscula para referir a operação de interdição
que a função do pai sustenta no complexo de Édipo.
59
identifica à identificação do genitor à Lei. É de um outro sujeito castrado que ela deve receber
o valor erótico de sua dignidade de homem ou mulher, de sua pessoa a devir. Na latência é
importante que a criança tenha seu valor reconhecido por pessoas de fora da família. “Não se
tornar semelhante aos pais em sua aparência, confere à criança seu estatuto de sujeito e lhe
assegura que se tornará o homem ou a mulher que seu nascimento prenunciava.” (p. 168).
Segundo Dolto (1992, p. 168-170), a economia libidinal da criança no tempo de
latência é regulada pelo ideal do eu e pelo supereu. Após a castração edipiana o ideal do eu
ocupa o lugar do eu ideal e não é representado por nenhuma pessoa real. Antes um pré-
supereu aparentado à pessoa tutelar controlava o comportamento da criança. Na latência
quem desempenha esta função é o supereu, herdeiro do pré-supereu e guiado pelas fantasias
que a criança criou diante da impossibilidade de realização dos desejos edipianos. Isso a
impulsiona para fora do círculo familiar e a conquistar na realidade objetos lícitos. Considera
que se deve verbalizar a criança que seu desejo por estes objetos é válido, pois é daí que ela
vai retirar seu valor como menino ou menina na latência. Assim, o seu prazer pode se orientar
ao trabalho, à aprendizagem e aos fatos do mundo, que agora são mais importantes que os
familiares. Afirma ser importante que os pais possam suportar isso, respeitando os novos
interesses dos filhos e que não os vejam como eternos devedores.
Estabelecendo uma analogia com a perda dos dentes de leite e o nascimento dos dentes
permanentes, que se dá, geralmente, na mesma época, Dolto entende o tempo de latência
como um período de perda e de renovação. A renúncia aos objetos do amor edipiano permite
que suas energias pulsionais se modifiquem e encontrem outras formas de expressão
simbólica tais como:
[...] trabalho, aquisições culturais voltadas para o sucesso social, atividades
criativas de todos os tipos, manuais e intelectuais, e atividades lúdicas ou
esportivas na busca de relações com os companheiros da mesma idade ou
com as pessoas do ambiente, todas elas marcadas, como a criança, pela
proibição do incesto, e assim valorizada.
(DOLTO, 1996, p. 199-200).
Outro efeito dessa transformação que ocorre na energia pulsional se expressa por meio
do distanciamento que vai se estabelecer nas relações com os irmãos de idade próxima, que
freqüentemente deixarão de ser os companheiros prediletos nas brincadeiras. Surgem
interesses eletivos por outras crianças da mesma faixa etária e por adultos que participam de
seu desenvolvimento e as respeitam. É a idade em que a criança descobre e desenvolve uma
amizade generosa com companheiros da mesma idade e do mesmo sexo, escolhidos por ela
60
mesma. Em relação às crianças do sexo oposto podem mostrar-se indiferentes ou
experimentar sentimentos amorosos, freqüentemente não declarados. Adultos jovens do
mesmo sexo se constituem em modelos, e em sua imaginação, alvos de admiração romântica
e aventureira (DOLTO, 1996).
Segundo Dolto (1996, p. 200), é na latência que os vínculos familiares adquirem seu
sentido pleno para a criança que começa a procurar esclarecimentos fazendo perguntas. Para a
autora, existe uma analogia entre esse interesse e a aquisição, por vezes repentina, de uma
maior organização temporal e espacial.
Este também é o período em que a criança adquire a noção do valor do dinheiro na
sociedade. Como durante a passagem edípica ela adquiriu o sentido da competição, provavel-
mente agora o dinheiro como objeto de prestígio que pode substituir o prestígio sexual. A
criança torna-se sensível aos sinais externos de riqueza ou pobreza da sua e de outras classes
sociais. Assim como na fase edipiana, ela, em espelhamento, extraía seu valor do valor que
atribuía aos pais, na latência sua imagem narcísica pode alterar-se no sentido positivo ou
negativo em função da riqueza ou da pobreza de sua família. Dolto (1996, p. 201) entende que
o valor genital do pai castrador pode ser distorcido pelo valor anal do dinheiro, principalmente
quando a criança percebe que a relação dos pais é atravessada por conflitos pecuniários.
No tempo de latência a criança precisa poder continuar sustentando o pai na posição
fálica à qual ele foi alçado no final da fase edípica porque esta lhe garantiu o ingresso na
ordem simbólica. Mudanças de ordem financeira na família, como falência, desemprego ou
outros eventos que desvalorizem o pai aos olhos da criança podem desencadear sintomas que
necessitem de ajuda clínica (DOLTO, 1996, p. 203).
2.6 TEMPO PARA COMPREENDER
Os autores com os quais até aqui trabalhamos procuraram enfatizar e desenvolver a
partir de sua própria perspectiva aspectos característicos do tempo de latência estudados
por Freud ao longo de sua obra. Todos eles tomam a latência como um importante tempo no
processo de constituição psíquica, mas não fazem referências específicas à problemática da
temporalidade em psicanálise que o conceito evoca. Recordamos que Freud retoma
explicitamente a questão do tempo em Moisés e o Monoteísmo, uma de suas últimas obras, na
61
qual a latência aparece relacionada a um tempo necessário entre a ocorrência de um trauma e
sua possibilidade de simbolização, seqüência esta que ele observa tanto na história de cada um
quanto na dos grupos sociais.
Pensando na relação do indivíduo com o campo social, Lacan publicou em 1945 um
artigo intitulado O Tempo Lógico e a Asserção de Certeza Antecipada: um novo sofisma.
Modificado em vários pontos, esse texto foi republicado em 1966 nos Escritos.
Com base nas elaborações que Lacan faz, nesse artigo, sobre a temporalidade,
aparece, atualmente, em publicações que tratam do tempo de latência, a proposição de tomá-
lo como “tempo para compreender”. Para situarmos esta proposição faz-se necessário, antes,
uma breve apresentação do texto de Lacan.
Esse autor inicia o artigo com um problema de lógica que Porge (1998, p. 23) resume
da seguinte maneira:
O diretor de uma prisão reúne três prisioneiros e promete a liberdade àquele
que descobrir a cor do disco que lhe pregou às costas, disco escolhido dentre
três brancos e dois pretos. Os prisioneiros não têm meios de comunicar uns
aos outros os resultados de suas inspeções, nem de alcançar com a vista o
círculo pregado às próprias costas. Depois de terem observado por um certo
tempo, os três prisioneiros se dirigem juntos para a saída e cada um,
separadamente, conclui que é branco, o que realmente é o caso, dizendo a
mesma coisa: “Dado que meus companheiros eram brancos, pensei que, se
eu fosse preto, cada um deles poderia inferir disso o seguinte: ‘Se eu também
fosse preto, o outro, devendo reconhecer imediatamente ser branco, teria
saído imediatamente, portanto não sou preto.’ E ambos teriam saído juntos
convencidos de serem brancos. Se não fizeram nada, é porque eu era um
branco como eles. Diante disso, encaminhei-me para a porta, para dar a
conhecer minha conclusão.”
A resolução do problema requer duas escansões e duas partidas antes da solução final,
das quais Lacan (1998, p. 204-206) deduz três tempos lógicos: instante de ver, tempo para
compreender e momento de concluir. Do próprio enunciado do problema é possível deduzir
de início que diante de dois pretos, sabe-se que se é branco. É o instante de ver. Como,
porém, o que o cada um vê são dois brancos, o passo seguinte é deduzir que se ele fosse preto
os dois brancos que está vendo logo se reconheceriam como brancos. Aqui, cada um vai
captar nos outros dois um tempo de meditação, que leva à dedução de que se eles vacilam é
porque se é branco, pois no caso de se ser preto eles teriam saído imediatamente. Trata-se do
tempo para compreender que precipita o terceiro tempo, no qual o sujeito se apressa em sair e
se afirmar como branco. É o momento de concluir o tempo para compreender, pois sem a
conclusão este perderia o sentido.
62
Segundo Porge (1998, p. 11; 95-96), o tempo lógico lacaniano trata da relação sujeito
a sujeito e do sujeito a si mesmo, articulando a pluralidade deles em uma mesma
temporalidade. Tomando a versão do artigo sobre o tempo lógico de 1966, é possível deduzir
que o sujeito do tempo lógico é ao mesmo tempo múltiplo e um. Tomados um a um, existe
uma assimetria entre os prisioneiros A, B e C, dado que cada um é um sujeito real que chega
a sua própria conclusão, ao mesmo tempo em que cada um é objeto do pensamento do outro.
Cada parada objetiva um tempo, no qual se produz uma transformação. Assim, a cada
um dos tempos corresponde um modo de subjetivação. O instante de ver é o tempo do sujeito
impessoal. O tempo para compreender no qual todos são outros, uns para os outros, é o tempo
do sujeito recíproco. Reciprocidade não significa que uma relação de complementaridade
entre os sujeitos. Ao momento de concluir corresponde o sujeito da enunciação. As paradas,
no entanto, também produzem um momento de homogeneização entre os três sujeitos
produzindo-se um sujeito de pura lógica que não é mais identificável como sendo A, B ou C.
Lacan (1998, p. 98) afirma que o momento de emergência do sujeito é também o momento de
sua dessubjetivação. Para dar suporte ao efeito de “um” que se coloca ele introduz o termo
significante.
No modo de ver de Lacan o sujeito enuncia sua identidade de forma antecipada no ato
e na pressa de concluir. O ato é, portanto, fundador do sujeito e nele ele se equivale ao seu
significante (branco). Porge (1998, p. 100) conclui que o significante engendra o sujeito e os
três tempos lógicos realizam formas do sujeito.
É importante destacar que quando Lacan (1998, p. 78) trata do tempo lógico não está
tratando de uma lógica do tempo. Não se trata tanto de situar os acontecimentos lógicos em
função do tempo (o que é o objetivo de uma lógica do tempo), mas de tomar o tempo como
um acontecimento lógico, que por si mesmo engendra uma certeza.” As modulações do
tempo estruturam o processo lógico e a certeza não vem de uma teoria ou de uma dedução,
mas está ligada a uma lógica da ação e é antecipada por ela no ato de concluir.
Esta forma de abordar o tempo nada tem a ver com o tempo cronológico, embora
também haja uma sucessão temporal. O tempo lógico de Lacan se distingue da lógica
tradicional porque nele prevalece a estrutura temporal e não espacial do processo lógico. É na
modulação dos tempos, na dúvida e no atraso dos outros que vai ser gerada uma certeza, ou
seja, um saber.
63
Retomando, agora, a proposição, que dizíamos ser recente, de pensar o tempo de
latência como um tempo para compreender, começamos citando Ribeiro (2003) no artigo
Tempo de Latência, publicado na Revista Marraio.
A autora considera que a forma própria assumida pela temporalidade no inconsciente
implica necessariamente a latência, como um tempo para compreender, recordando que na
teoria freudiana o conceito é necessário para sustentar a concepção da eclosão bifásica da
sexualidade no homem. A latência enquanto tempo para compreender marca a clivagem entre
o primeiro período da infância, caracterizado pela sexualidade perverso-polimorfa, e o
afloramento sexual da adolescência (RIBEIRO, 2003, p. 49). Em outros termos, podemos
argumentar que o descompasso entre a emergência da sexualidade e a possibilidade de pô-la
em ato implica um tempo de latência. Neste a criança constrói possibilidades de lidar com
este descompasso. Assim sendo, consideramos que este tempo faz parte da lógica do processo
de constituição do sujeito, pelo menos se tomamos a estrutura neurótica como modelo.
Para Ribeiro (2003, p. 50), o tempo de latência é um tempo para compreender porque
a criança constrói um saber inconsciente. Recorda que, para Freud, no tempo de latência a
pulsão escópica, representada no desejo de ver a cena primária, é sublimada na forma de
desejo de saber. Isto conduz a uma ampliação do campo dos conhecimentos, ou seja, do saber
consciente e da relação da criança com a cultura. Esta expansão do saber consciente está a
serviço da construção de um saber inconsciente na medida em que favorece o recalcamento da
sexualidade infantil.
Partindo da concepção de que na infância a estrutura psíquica ainda o está decidida
de forma definitiva, Bernardino (2006) também pensa o tempo de latência a partir das três
instâncias temporais que constituem o “tempo lógico” de Lacan, destacando que ainda não
encontramos na infância o tempo do ato inerente ao “momento de concluir” que fecharia o
processo de estruturação. Para esta autora, a infância é tempo das inscrições e da confirmação
das inscrições, vindas do Outro. A inscrição fundamental que é a do Nome-do-Pai vai se
processar no curso de diferentes etapas. Inicialmente um tempo em que se a inscrição
deste significante, o instante de ver. Depois deve haver o seu apagamento, o tempo para
compreender. Por último, a interpretação da inscrição, o momento de concluir. Durante toda
essa travessia as diferentes encarnações do Outro são fundamentais para que a criança possa
lidar com a falta propiciada pela inscrição do Nome-do-Pai. A ausência das figurações do
Nome-do-Pai durante a infância pode levar a patologias graves. Nestes casos, a latência pode
ainda representar uma possibilidade de encontro de uma significação fálica.
64
Se o tempo para compreender é, conforme Lacan, o tempo do sujeito recíproco, a
latência pode equivaler-se a ele, na medida em que o desejo do sujeito se encontra
atravessado pela Lei do Pai. Ou seja, a aceitação da castração simbólica situou a criança no
lugar de um entre os outros. A latência é o tempo de experimentar-se neste lugar. Saindo do
restrito âmbito familiar e ingressando num espaço social mais amplo, onde incluímos a
escolarização, ela vai descobrir as possibilidades e restrições que o ser um entre outros
implica. É o que os educadores costumam nomear como “socialização”.
Tomar o tempo de latência como um tempo lógico convoca à abordagem de uma
discussão que atravessa o campo da psicanálise com crianças, ou seja, a relação entre
desenvolvimento e estrutura.
A constituição psíquica tem sido pensada na psicanálise desde três perspectivas
distintas, que em consonância com Bleichmar e Bleichmar (1992, p. 9-19; 196-206)
nomeamos de geneticista, estruturalista e histórica. Entendendo o inconsciente como
fundante do aparelho psíquico, segundo a perspectiva geneticista, ele seria dado, existente
desde o início, determinado organicamente. A perspectiva estruturalista, a partir de Lacan,
veio marcar o caráter cultural da fundação do inconsciente, em que o inconsciente é o
discurso do Outro.” Esta perspectiva, entretanto, trouxe consigo alguns impasses para o
campo da psicanálise com crianças. Como o modelo estrutural é abstrato (opera com um
conjunto de elementos e com as leis que os organizam internamente), os processos de
estruturação psíquica foram tomados como tempos míticos. Se este modelo se mostrava
adequado para operar na clínica de adultos, na qual a estrutura psíquica se apresenta de
forma acabada, o mesmo não ocorria no campo da psicanálise com crianças, pois estas ainda
se encontram em processo de estruturação, tratando-se assim de operar sobre tempos reais.
As dificuldades em aplicar o modelo estrutural à clínica infantil levaram a atitudes extremas,
como a de considerar a criança como puro sintoma do Édipo parental ou mesmo o abandono
da clínica infantil por parte de muitos psicanalistas.
A possibilidade de superação destas dificuldades chega por intermédio da perspectiva
aqui denominada “histórica”. Esta, sem abandonar o modelo estruturalista, propõe pensar
como a estrutura psíquica acabada do adulto se operacionaliza nos tempos da infância. Coriat
(1997, p. 288) considera que a estrutura da linguagem na qual todos os sujeitos estão
inseridos durante toda a sua vida é atemporal, entretanto os sujeitos implicam-se
qualitativamente nesta estrutura ao longo do tempo, tempo este que pode ser diferente para
65
cada um. Assim, o processo de constituição psíquica se por meio de tempos estruturantes,
ou seja, tempos lógicos, que se instalam num tempo real, o que implica uma cronologia. Os
tempos lógicos são os mesmos para qualquer pessoa, mas os cronológicos podem variar
dentro de uma certa margem temporal.
Rodulfo (1992, p. 80) pensa ser importante que se mantenha a tensão entre o tempo
cronológico e o tempo lógico da estrutura. Na clínica infantil é essencial observar se o
trabalho psíquico que a criança está realizando num determinado momento do seu processo
constitutivo está aproximadamente em acordo com o esperado para a sua idade e de que
modo está fazendo este trabalho ou evitando fazê-lo. Isso possibilita que se localize a crise, o
ponto de captura do desenvolvimento da subjetividade e a operação simbólica que a criança
está precisando realizar, orientando a posição do analista na direção da cura.
Acreditamos que esta é a tendência atual da psicanálise lacaniana e é nesta perspectiva
que situamos aqui o trabalho psíquico das crianças no tempo de latência, como um dos
tempos lógicos constitutivos.
2.7 O SILÊNCIO DO DESEJO
Tomar o tempo de latência como um tempo lógico e o cronológico implica, por um
lado, o tomá-lo como uma decorrência da maturação biológica e, de outro, ao entendê-lo
como efeito do laço social, reconhecer que ele é o produto da ação, na constituição da
subjetividade, de uma certa cultura circunscrita no tempo e no espaço. Sendo assim, o é
universal, podendo não se apresentar em alguns indivíduos e culturas. Quando Coriat defende
que os tempos lógicos são os mesmos para qualquer pessoa entendemos que esta
universalidade refere-se apenas aos sujeitos cuja estruturação psíquica se encontra na
referência à cultura ocidental dominante.
Como nos interessa discutir mais adiante a influência da cultura, pela via do processo
de escolarização, na constituição do tempo de latência, encerramos este capítulo ressaltando
alguns aspectos do pensamento de Lacan que nos possibilitam avançar na questão do
entendimento do lugar do Outro no processo de constituição do sujeito.
66
mencionamos que para Freud não é a cronologia que organiza a temporalidade do
inconsciente, ou seja, que em matéria de temporalidade este se regula por uma outra lógica,
determinando a “antecipação” e a posterioridade” como seus princípios de funcionamento.
Explicita que o sexual incide sobre a criança nos primeiros anos da infância, o que resulta
numa antecipação, pois biologicamente ela ainda não apresenta maturidade para compreendê-
la. Por essa razão o sentido sexual das primeiras experiências somente poderá ser adquirido
num tempo posterior, instalando-se um descompasso entre o acontecimento e sua
interpretação, o que vai caracterizar o tempo de latência como uma estrutura de espera.
Este aspecto do pensamento freudiano foi negligenciado na psicanálise pós-Freud.
nos primeiros anos, Ferenckzi e depois Abrahan retomaram a teoria freudiana do
desenvolvimento libidinal como uma sucessão de estágios cronológicos. Esta concepção
naturalizante acabou se difundindo entre psicanalistas e estudiosos da psicanálise.
Jeruzalinsky (1999, p. 181) considera que Freud, ao longo de sua obra, faz várias
tentativas de responder às questões que a incidência particular do tempo ordenado pela
significância lhe apresentava. A primeira resposta que ele propôs foi a seqüência libidinal. O
que determinaria a significância seria a posição da libido em sua prevalência oral, anal, fálica,
latente e genital. Na sua opinião, foi um equívoco dos pós-freudianos ter tomado a teoria do
desenvolvimento libidinal pela ordem da sucessão cronológica. Ao mesmo tempo, seria
igualmente equivocado interpretar as mudanças na prevalência pulsional com base apenas na
maturação biológica.
Lacan (1988, p. 156-163), em seu ensino, mostra que a pulsão não faz parte da
organização biológica tal como um instinto. Para isso retoma os quatro termos referentes ao
conceito de pulsão nomeados por Freud em Os Instintos e suas Vicissitudes, aos quais nos
referimos no primeiro capítulo: o impulso, o objeto, o alvo e a fonte. Mostra que embora a
pulsão tenha sua origem em uma fonte corporal, ela se distancia do plano da mera satisfação
biológica na medida em que as necessidades humanas são investidas pelo Outro. Observa que
no plano das necessidades meramente orgânicas um impulso cessa após a sua satisfação,
porém, no plano das pulsões, o investimento do Outro pressupõe uma energia na forma de
uma força constante. Lacan destaca a importância da afirmação freudiana de que a pulsão
sexual não tem um objeto biologicamente determinado que a satisfaça, não estando situada no
plano das necessidades, como a fome e a sede, por exemplo. Da constatação de que o objeto
da pulsão é indiferente, isto é, que pode ser qualquer um, deduz que o alvo, ou a satisfação,
67
nunca pode ser atingido diretamente. Uma prova disso é a sublimação, que é uma forma de
satisfação da pulsão em que a finalidade foi inibida. A indeterminação do objeto de satisfação
supõe também que a pulsão sexual seja sempre parcial em relação à possibilidade de
satisfação. Para Lacan, a impossibilidade de que haja um objeto que a satisfaça
completamente joga a pulsão num circuito que parte da zona erógena, contorna o objeto de
satisfação e retorna à fonte, de onde inicia um novo trajeto.
Assim, o alvo da pulsão parcial não é a reprodução, mas seu retorno em circuito. Na
sua circulação a pulsão contorna o objeto faltante, denominado por Lacan (1988, p. 170) de
objeto a. Este não é o objeto que satisfaz a pulsão, mas é introduzido justamente por sua
inexistência. Esta formulação permite questionar a teoria do desenvolvimento libidinal como
desencadeada pelo organismo, pois não nada a este vel que desloque a pulsão de um
estágio ao outro. Lacan (1988, p. 171) afirma: “A passagem da pulsão oral à pulsão anal não
se produz por um processo de maturação, mas pela intervenção de algo que não é do campo
da pulsão – pela intervenção, o reviramento da demanda do Outro.”
Vimos no primeiro capítulo que Freud propôs a constituição do eu como uma margem
de dupla face, uma orientada para dentro e outra para fora. Se as excitações que surgem no
organismo ficassem limitadas ao próprio corpo teríamos uma superfície de apenas uma face e
o circuito pulsional não teria início. Será preciso que o Outro interprete as manifestações
corporais do bebê como um chamado e lhes um sentido, isto é, que estabeleça a ligação
destas com uma representação, para que o movimento pulsional se instale, dando partida ao
processo de constituição psíquica. Para Freud, as primeiras discriminações que constituem os
mundos interno e externo ocorrem a partir das respostas de prazer ou desprazer às excitações
internas. O recém-nascido inicialmente sente como externo tudo que causa desprazer e como
interno o que causa prazer. Lacan avança afirmando que o Outro retira as excitações internas
do corpo do bebê do registro do prazer-desprazer, situando-as no registro do significante. A
passagem da pulsão pela linguagem localiza o prazer fora do corpo, ou seja, daí em diante, o
que era puro prazer de um órgão transforma-se em desejo. Desejar implica dirigir-se a outrem.
Lacan (1988, p. 168) recorda que Freud nos estudos sobre o sadomasoquismo havia
percebido o caráter circular do percurso pulsional ao destacar o movimento do sujeito pelas
posições ativa e passiva, o que pode ser observado nestes casos, mediante o jogo que se
estabelece entre olhar e ser olhado ou atormentar e ser atormentado, por exemplo. Estes
estudos levaram à descoberta de que a sexualidade se inscreve na vida psíquica por meio desta
68
polaridade atividade-passividade, pois não existe nada no vel biológico que possibilite a
alguém se situar como macho ou como fêmea. Lacan (1988, p. 194-195) complementa
afirmando que o que se deve fazer como homem ou como mulher é buscado no campo do
Outro o que o conduz a afirmar que a sexualidade se instaura no campo do sujeito pela via da
falta. Para ele duas faltas se recobrem. Uma diz respeito à dependência do sujeito em relação
ao significante e ao fato de este encontrar-se primeiro no campo do Outro. Esta falta retoma
outra, que é real e se refere ao fato de a reprodução humana se dar pela via sexuada, o que nos
expõe inevitavelmente à morte individual. Daí Lacan (1988, p. 186) deduz a equivalência
entre a pulsão de morte e a pulsão parcial que “representa em si mesma a parte da morte no
vivo sexuado”, que está na busca permanente da parte perdida de si mesmo.
Em relação a esta questão da falta Lacan (1988, p. 186) retoma o conceito freudiano de
libido propondo pensá-lo por meio do que denomina mito da lâmina. Diferindo de Freud, que
definia a libido como uma energia, Lacan a considera um órgão, no sentido de parte do corpo
e no sentido de instrumento da pulsão. Enquanto parte do corpo concebe a libido como um
órgão irreal, uma vez que sua articulação ao real nos escapa, e por isso somente pode ser
representada pelo mito. Propõe imaginar a libido com a forma de uma mina que por ser
achatada passa por toda parte. Partindo da zona erógena a libido contorna o objeto da pulsão,
que se encontra no campo do Outro, e retorna ao mesmo lugar. Neste movimento a busca do
sujeito é a da parte de si mesmo para sempre perdida, pelo fato de ele somente se reproduzir
pela via sexuada. O que lhe falta quanto à sua sexualidade o sujeito vai buscar no campo do
Outro, ou melhor, a relação com o Outro se funda nesta falta. O que Lacan pretende
demonstrar com o mito da lâmina, entretanto, é que esta relação do sujeito com o Outro não é
recíproca, complementar, mas sim circular.
O processo de constituição psíquica, como mencionamos, não decorre da maturação
biológica, e a partir da psicanálise entende-se que ele não pode ser compreendido fora do laço
social, pois se processa a partir do material que o Outro põe à disposição do sujeito.
demonstramos que esta idéia encontra-se presente na teoria freudiana, segundo a
qual a preocupação com o binômio natureza-cultura e seus efeitos sobre o sofrimento psíquico
atravessa praticamente toda a sua obra, mas é com Lacan e sua tese de que o sujeito se
constitui a partir do discurso do Outro que esta concepção ganha toda a sua força. Ele
considera que o adequação à natureza por parte do homem. Sua total dependência do
outro no início da vida em função da prematuridade do seu sistema nervoso e a manifestação
69
da sua libido antes mesmo que ela possa encontrar o seu objeto, constituem uma falha que se
perpetua na relação com o outro, que aparece para o sujeito como absoluto.
Freud pensava a relação entre o sujeito e a cultura por meio do conceito de filogênese.
Nosso levantamento a respeito do tempo de latência na sua obra ratifica esta afirmação, pois
sua origem em um fator filogenético é por diversas vezes destacada. Em Lacan o conceito de
filogênese é substituído pelo conceito de simbólico. Em seu entendimento, a ordem simbólica
subverte a natureza do homem pela linguagem. Não possibilidade de que um sujeito se
constitua fora de uma comunidade humana sendo ele efeito do discurso que esta sustenta.
Assim sendo, Lacan (1988) concebe a constituição do sujeito psíquico por meio de
duas operações fundamentais: a alienação e a separação. Considera que no nascimento ainda
não sujeito. Para que este seja instaurado deve haver primeiro um tempo em que a mãe, ou
quem desempenha sua função, situe o bebê num lugar discursivo, ou seja, lhe ofereça uma
imagem, um significante, com o qual ele vai se identificar. Neste tempo a criança vai se
conformar à imagem antecipada de si mesmo que o Outro lhe oferece. Esta imagem começa a
ser tramada ainda antes do seu nascimento e torna a criança herdeira dos significantes das
gerações que a antecederam. Estes significantes designam o lugar em que é esperada e ao qual
vai se alienar.
O tempo da alienação é possível porque para a mãe a criança é vista como um
complemento fálico. Isso permite que ela suponha na criança a existência de desejos que na
realidade são os seus. Neste primeiro tempo ocorre entre a mãe e a criança uma identificação
especular. A criança vai se identificar ao que supõe faltar à mãe. Esta, por sua vez,
identificando o filho ao complemento de si mesma, supõe saber o que este deseja.
Num segundo tempo constituinte, o de separação, deve acontecer o deslocamento da
criança da posição de objeto de desejo materno e a abertura para o recebimento de outras
marcas significantes. Conforme Rickes (2003, p. 93), seguindo Lacan, tal possibilidade se
encontra inscrita na mãe, na medida em que esta apóia sua função na Lei pela qual ela própria,
um dia, acedeu à posição de sujeito desejante.
A presença da Lei na mãe, se expressa pela dúvida que marca a tradução que
ela faz daquilo que identifica como apelo em seu filho. Uma mãe que acena
com um horizonte de neurose para o bebê é uma mãe capaz de inscrever os
traços de seu desejo em seu filho, tomando-o como objeto fálico, mas,
mesmo assim, supondo que esta operação pode deixar um resto incapaz de
ser por ela apreendido [...]. Na presença da dúvida, vemos a marca da função
paterna e os primórdios dessa função na criança. (RICKES, 2003, p. 93).
70
A presença da dúvida na mãe indica que ela também pode reconhecer o bebê como
diferente dela, ou, em outros termos, que a Lei do pai operando nela priva-a de tomar o filho
como complemento fálico. Esta posição subjetiva materna possibilita a separação na relação
dual mãe-criança pela realização da metáfora paterna, que consiste na substituição do
significante fálico pelo significante Nome-do-Pai e está sustentada no recalque originário.
Pelo fato de que, num primeiro tempo constitutivo o sujeito se aliena aos significantes
do Outro é que, para Lacan (1988, p. 199-200) ele não pode ser causa de si mesmo. Sua causa
é o significante, porém ao receber do Outro um sentido, ao alienar-se aos seus significantes,
esta operação vai produzir ao mesmo tempo um efeito de o-sentido, de desaparecimento.
Em outros termos: o sujeito desaparece sob o significante em que se transforma.
No segundo tempo, de separação, inicialmente a criança vai apreender a sua própria
falta sob a forma da falta que produziria no Outro o seu próprio desaparecimento. Ela vai
apreender o desejo do Outro em relação a ela nas faltas do seu discurso e vai se oferecer como
o objeto que pode tamponá-las. Nesta operação o movimento do desejo aparece articulado à
questão: pode ele me perder? (LACAN, 1988, p. 203). Dito de outra forma, o que a criança
inicialmente propõe como o objeto do desejo parental que ela desconhece é a sua própria
perda. Isso pode ser constatado nas fantasias tão presentes na infância que se referem aos
efeitos que causaria nos pais seu desaparecimento ou sua morte.
Verifica-se assim nas operações de alienação e separação o encontro de duas faltas, a
falta antecedente de próprio desaparecimento do sujeito com a falta que aparece no discurso
do Outro. Lacan (1998, p. 858) ensina que na verdade, o que o sujeito busca preencher não é a
falha que encontra no Outro e sim a da perda constitutiva de uma parte de si mesmo. Por isso
haverá sempre uma espécie de torção pela qual a separação é o retorno da alienação.
Assim, a constituição do sujeito do desejo da psicanálise articula-se às operações de
alienação e separação. Como vimos, o primeiro significante surge no campo do Outro. Lacan
(1988, p. 207) vai denominá-lo significante unário (S1). Este significante representa o sujeito
para outro significante, o significante binário (S2), que tem por efeito o seu desaparecimento.
Até aqui temos a operação de alienação. Pela operação de separação o sujeito encontra o
ponto fraco desta articulação significante, e é neste intervalo que o desejo habita. O sujeito
desejante se constitui no ponto de falta do desejo do Outro. Lacan (1988) exemplifica
afirmando que é pelo fato de o desejo da mãe estar além ou aquém do que ela expressa como
sentido que pode se constituir o desejo da criança. Este desejo, como vimos, tem um caráter
sexual, uma vez que surge na relação com os primeiros objetos de amor da criança.
71
De nossa breve leitura de Lacan concluímos que ele aproxima os conceitos de libido e
de desejo. Se para Freud o tempo de latência incide no curso da libido, podemos considerar
que no âmbito da abordagem lacaniana ele incide sobre o desejo. Em vários momentos de sua
obra Lacan destaca que é a falta que instaura o desejo e que este se encontra primeiro do lado
do Outro. No artigo Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise escreve: “[...] o
desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto porque o outro detenha
as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto é ser reconhecido pelo outro.”
(LACAN, 1998, p. 269).
Melman (1995, p. 8-9), a respeito da constituição do desejo na criança, adverte para o
paradoxo com o qual ela vai ter que lidar. Se por um lado a demanda do Outro possibilita que
se instale uma subjetividade que é de ordem sexual, esta mesma sexualidade vai ser sustada
pela educação, ou seja, a educação impõe “silêncio” à primeira organização psíquica. Sobre
estas vivências a criança é convocada a não falar. Esta imposição é vivida por ela como uma
privação do objeto fálico que supõe lhe será restituído quando crescer.
Habitualmente, essa circunstância gera o que se chama fase de latência, que
sabemos não ser constante, ou mesmo, talvez, cada vez menos constante,
mas que faz com que o real com o qual a criança precisa lidar, e que é
representativo do período consagrado à educação, seja um real assexuado...
(MELMAN, 1995, p. 8-9).
Para este autor, neste momento o Outro convoca a criança a pôr em jogo a inteligência
em lugar da sua sexualidade.
72
3 LATÊNCIA E CULTURA
“Pode ir cantando o que bem entender; meu querido
Grilo. O que eu sei é que amanhã ao nascer do sol quero
ir-me embora daqui porque, se eu ficar, vai acontecer
comigo o que acontece a todos outros meninos, quer
dizer, vão me mandar para a escola e, querendo ou não,
vou ser obrigado a estudar.” (COLLODI, 2002, p. 21).
Concluímos o capítulo anterior argumentando, conforme Lacan, que o sujeito se
constitui a partir da ordem simbólica, ou seja, na relação com o campo do Outro. A partir
disso, neste tópico, propomos analisar a influência da cultura ocidental moderna e
contemporânea na constituição do tempo de latência. Recordamos que o próprio Freud, apesar
de localizar sua origem em um fator filogenético, reconhece os efeitos da cultura quando
afirma que o tempo de latência encontra-se presente somente naquelas sociedades que se
organizam sobre o recalcamento da sexualidade.
Entendemos que o surgimento do individualismo e da noção de infância na
modernidade resultaram no processo de escolarização da criança. Este, por sua vez, pela
forma como se estrutura, tem favorecido a constituição do tempo de latência. Atualmente,
entretanto, vivemos um novo momento de grandes transformações sociais que tem produzido
efeitos subjetivos observáveis. Diante disso questiona-se se o tempo de latência não estaria
em vias de desaparecer. Trataremos destas temáticas a seguir.
3.1 O SURGIMENTO DO INDIVÍDUO
A modernidade, em oposição ao que seria uma sociedade pré-moderna ou tradicional,
tem sido caracterizada como cultura do individualismo. Estudos comparativos entre diversas
sociedades humanas demonstram que a percepção que o homem ocidental tem de si mesmo
como uma unidade individualizada é uma peculiaridade da modernidade que levou muito
tempo para se instituir.
Elias (1994, p. 129-165) argumenta que na antiguidade greco-romana não havia nas
línguas nenhum equivalente do conceito de indivíduo. Isto se explica pelo fato de que
naquelas culturas um homem somente era reconhecido na sua pertença a uma família, tribo ou
73
Estado. Isso não significa que se desconhecessem as diferenças individuais, mas sim que,
sendo a identidade grupal muito mais importante, naquelas sociedades, do que a identidade
individual, não houve a necessidade de cunhar um conceito para designar a pessoa isolada.
No latim clássico é encontrada a palavra persona, que ainda tinha um uso muito
específico. Referia-se às scaras através das quais os atores da época proferiam suas falas.
Somente depois de um longo processo social é que esta palavra vai aparecer relacionada ao
caráter das pessoas. Observamos que a palavra persona, que inicialmente tinha um sentido
muito particular, evolui para um sentido maior de generalização e de síntese (ELIAS, 1994.).
O mesmo se com o termo indivíduo. Individuum, referindo-se à pessoa, ainda não
estava em uso no latim clássico. No latim medieval, as palavras individualis ou individuus
eram empregadas para nomear aquilo que era indivisível. Assim, por exemplo, se falava na
Santíssima Trindade individual. Também nesta época, provavelmente, a palavra individuum
passou a ser aplicada para designar o caso singular em uma espécie. Constata-se que tudo que
existe no mundo em certos aspectos é único e forja-se uma palavra para designá-lo. Foi
somente no Renascimento, porém, quando se operam condições para um maior progresso
individual, que a palavra passou a se referir à singularidade dos seres humanos (ELIAS,
1994).
No século XVII, entre os puritanos ingleses
21
, vamos encontrar claramente uma
distinção entre o que foi feito coletivamente e o que foi feito individualmente, o que deu
origem à adoção, no século XIX, dos vocábulos individualismo de um lado e socialismo e
coletivismo, de outro. Daí derivou a recente oposição entre os termos indivíduo e sociedade
(ELIAS, 1994).
Elias (1994) ressalta que nas sociedades pode predominar o que ele denomina de
identidade-eu, ou a identidade-nós. No início da Idade Média havia um predomínio da
identidade-nós. Ali as pessoas deviam sua posição na sociedade à sua identificação com seus
grupos ancestrais. Os cidadãos pertenciam às guildas; os camponeses estavam ligados à terra;
reis, príncipes, imperadores, às dinastias. A Idade Moderna, posteriormente, vai caracterizar-
se, justamente, pela oposição aos valores da tradição, passando a predominar a identidade-eu.
21
Representantes do espírito calvinista que pretendiam purificar a Igreja Anglicana de todos elementos não
bíblicos (MAGALHÃES, 1969, p. 3377).
74
O cogito cartesiano do século XVII penso, logo existo para este autor (ELIAS, 1994),
é representativo das mudanças que começam a operar na posição social da pessoa singular. O
reconhecimento social não precisa mais ser obtido pela pertença grupal, pois a razão pode dar,
a cada um, as provas da existência.
A possibilidade de o homem perceber-se a si mesmo como um indivíduo faz emergir
profundas mudanças na organização social ocidental. Entre estas destacamos, para os fins
desta pesquisa, o surgimento da noção de infância.
3.2 O NASCIMENTO DA INFÂNCIA
Estudos da História revelam que a dupla concepção que temos da criança como um ser
frágil que precisa ser protegido e ao mesmo tempo como uma promessa de futuro na qual é
preciso investir, foi uma produção da modernidade. Na Idade Média tais sentimentos em
relação à criança, que hoje nos parecem o óbvios e naturais, ainda o existiam. Segundo
Ariès (1981, p. 39), nessa época de grande mortalidade as etapas da vida tinham apenas um
sentido abstrato, pois poucos homens podiam percorrê-las enquanto uma experiência real
22
.
Assim, não se destinava um lugar social particular para a criança. Tão logo ela adquirisse uma
certa autonomia passava simplesmente a conviver com os adultos nos mesmos espaços e
assim se socializava.
Ariès (1981, p. 41) observa que na língua francesa da época as palavras enfance ou
enfant o eram empregadas exclusivamente na referência à criança. Estes termos serviam
para designar uma posição de dependência, podendo ser adotados, por exemplo, pela mãe
para se referir ao filho, pelo professor para designar o aluno, ou pelo capitão na relação com o
soldado. Como havia uma certa indiferença em relação aos fenômenos biológicos, a
puberdade não era vista como um limite para a infância.
Até o século XII a criança não se encontrava representada na arte medieval. No século
XIII passa a ser representada como um homem em miniatura. Também nesse século surgem
as representações do anjo na figura de um jovem e do Menino Jesus. No século XIV aparecem
22
Na iconografia profana medieval, era comum a representação das “idades da vida”. A partir do século XIV até
o século XVIII estas apareciam subdivididas em idade dos brinquedos, idade da escola, idades do amor ou dos
esportes da corte e da cavalaria, idades da guerra e da cavalaria, e finalmente as idades sedentárias. Estas idades,
mais que a etapas biológicas, correspondiam a funções sociais (Cf. ARIÈS, 1981, p. 39).
75
as representações da criança nua simbolizando a alma dos mortos. Até então, ela se
encontrava representada apenas na iconografia religiosa. No início da Idade Moderna, nos
séculos XV e XVI, ela começa a aparecer na iconografia leiga, representada junto de um
grupo ou na multidão. Isto nos indica, por um lado, o quanto na vida cotidiana ela se
encontrava misturada aos adultos e também expressa, por outro lado, que havia certo prazer
em representá-la, pois nesse período surge no meio familiar o sentimento da infância
“engraçadinha”, caracterizado pela paparicação, que é um prenúncio do moderno
sentimento de infância
23
.
Nos séculos XVI e XVII vai se constituir ainda outro tipo de sentimento de infância
(ARIÈS, 1981, p. 164-165), que eclode entre os eclesiásticos e os moralistas os quais
condenam o mimo excessivo por considerarem inadequado tratar crianças como se fossem
brinquedos divertidos. Segundo eles, estas eram criaturas frágeis que deveriam ser protegidas
e disciplinadas. Aqui começa a surgir um interesse pela Psicologia infantil e pela educação
moral da criança. Posteriormente este sentimento penetra a vida familiar.
De acordo com Gélis (1991, p. 311-319), a mudança de atitude em relação à criança é
fruto de modificações culturais que ocorrem durante um longo período de tempo. O êxodo do
campo para as cidades afasta o homem de um modo de vida pelo qual ele se sentia
pertencendo a uma linhagem ou família e estava comprometido com a sua perpetuação, em
que público e privado se interpenetravam nos grandes e pequenos acontecimentos da vida,
como no nascimento que acontecia em casa, mas era assistido por parentes, ou os primeiros
passos da criança, que podiam ser dados na igreja durante os cultos, sendo testemunhados
pela comunidade. Nas cidades, o homem se recolhe à família nuclear, a um espaço doméstico
mais íntimo. Surge uma nova relação do sujeito com o grupo, à qual corresponde uma nova
imagem do corpo. Há um arrancar simbólico do corpo individual do grande corpo coletivo
que se constituía com a parentela. Isto permite compreender por que a criança passa a ocupar
um lugar o importante nas preocupações dos pais. A criança passa a ser amada por si
mesma, pela alegria que produz a cada dia e não apenas porque vai perpetuar a família.
Segundo o mesmo autor (GÉLIS, 1991, p. 321-324), nas cidades do Renascimento a
mulher passa a poder escolher se vai gerar e criar o filho ou se vai gerá-lo e encarregar uma
nutriz de criá-lo. Percebe-se que começa aí a surgir um novo tipo de pais. Ao mesmo tempo,
23
A expressão sentimento de infância no sentido que lhe atribui Áries (1981, p. 156) significa o reconhecimento
das particularidades infantis que distinguem a criança do adulto.
76
textos dos séculos XVI e XVII chamam a atenção para uma nova criança, que parece ser mais
esperta e mais madura que a de outrora. É então que os moralistas vão começar a se opor ao
excesso de complacência e de afetividade dos pais. Neste contexto a escola entra como a
instituição na qual a criança vai poder ser educada conforme a razão.
É interessante observar que a construção do sentimento de infância e a transformação
da criança em um escolar são processos concomitantes e entrelaçados. Para melhor
demonstrá-lo será necessário nos reportarmos à história do processo de escolarização.
3.3 A ESCOLARIZAÇÃO DA INFÂNCIA
De acordo com Petitat (1994, p. 54-55), desde o século VI a Igreja Católica propõe a
criação de escolas vinculadas às paróquias, aos monastérios e às catedrais. Estas escolas
recorriam principalmente aos textos sagrados, porém algumas ensinavam as “artes liberais”,
como estudo preparatório para a interpretação das escrituras. Nos séculos VII e VIII ocorre
uma decadência dessas escolas, pois a Europa volta a se fechar em uma vida rural e feudal. A
partir do culo X, todavia, o recomeço do comércio no Mar do Norte e no Mediterrâneo
prepara o caminho para o renascimento urbano nos séculos XI e XII, o que propicia um
incremento da escolarização.
Assim, no final da Idade Média já existiam três tipos de estabelecimentos de ensino: as
escolas elementares latinas, as universidades e os colégios.
As escolas elementares, segundo Verger (1999, p. 70-80), encontravam-se espalhadas
por muitas cidades, grandes e pequenas, mas mesmo assim havia desigualdades regionais.
Crianças de zona rural podiam estudar na cidade se encontrassem alojamento nos mosteiros,
na própria escola ou em pensões. Essas escolas estavam vinculadas a variados sistemas
institucionais, eclesiásticos ou privados, com ou sem licença episcopal. A base do ensino era a
gramática, isto é, o latim. Inicialmente os textos eram decorados dos livros litúrgicos,
facilmente disponíveis; a seguir, vinha o estudo da gramática propriamente dita, com
pequenos exercícios de composição em latim. O tempo de permanência nestas escolas era
muito variado. Alguns permaneciam por dois ou três anos e faziam apenas uma prática
elementar de leitura, outros podiam ficar por oito a dez anos e ser iniciados em outros saberes,
77
como a Contabilidade nas cidades comerciais como Gênova, por exemplo, ou a Lógica e a
iniciação aos clássicos, em outras cidades.
As universidades eram as instituições educativas de maior prestígio e contavam com o
apoio dos príncipes e do papa, embora fossem relativamente autônomas. Delas era esperada
uma contribuição para as disciplinas nas quais os poderes fundamentavam sua legitimidade,
como o Direito Romano, o Direito Canônico e a Teologia (VERGER, 1999, p. 81-84).
Os colégios, nos quais as ordens mendicantes tiveram um papel pioneiro, sem rejeitar
a tradição da universidade, surgem como uma alternativa a ela, propondo novas disciplinas e
novos métodos pedagógicos, supostamente mais adaptados às expectativas e capacidades dos
alunos (VERGER, 1999, p. 104).
Apesar da existência destes três tipos de instituições, no final da Idade Média a
aprendizagem escolar nas cidades ainda era uma exceção. O ensino elementar, principalmente
da leitura e da escrita, ocorria em casa, realizado pela mãe quando esta sabia ler e escrever, ou
por um preceptor. O ensino das habilidades profissionais se dava via corporações. Neste caso,
o aprendiz era admitido por um mestre, mediante um contrato oral ou escrito firmado entre
este e o pai do jovem. Vivia na casa do mestre durante os anos de aprendizagem, devendo-lhe
obediência e submissão. Findo o período, tornava-se companheiro” e passava a trabalhar
junto de um mestre, aspirando, um dia, por sua vez, poder tornar-se um deles (PETITAT,
1994, p. 52).
Nos séculos XV e XVI, no início da Idade Moderna, as sociedades européias
passavam por transformações econômicas, políticas e sociais tão profundas que representaram
uma ruptura com o modo de vida medieval. Podemos situar estas mudanças na passagem do
modo de produção feudal para o mercantilismo, resultado da expansão do comércio marítimo;
nas novas formas de reconhecer a relação entre o homem e a natureza; na tendência à
secularização e no avanço do individualismo como marcas da visão de mundo renascentista
que se introduzia nos meios intelectuais; na decadência do Antigo Regime e início da
constituição dos modernos Estados Nacionais; na Reforma e Contra-Reforma religiosas
(RODRIGUES; FALCON, 2000, p. 21-40).
A efervescência deste contexto cultural é propícia para que se produzam radicais
modificações nas concepções de infância e de educação.
78
A partir do século XVI, como resultado da oposição entre católicos e protestantes, é
possível observar uma grande proliferação de colégios administrados pelos dois grupos, que
seguiam uma tendência humanista. Com uma estrutura bastante estável, começa a haver uma
gradação sistemática das matérias em cujo centro es o ensino do grego e do latim, e o
controle contínuo dos conteúdos adquiridos. Os alunos dos colégios, que anteriormente
viviam em alojamentos onde recebiam pouso e alimentação, passam a morar, juntamente com
os professores, no próprio estabelecimento de ensino. Desaparecem as comunidades ou
nações de estudantes autogovernadas que caracterizavam o ambiente dos colégios e das
universidades da Idade Média. Os alunos são controlados por ordens e regras rígidas, e para
imposição da disciplina são aplicados castigos corporais. O preceito que fundamenta a
educação nos colégios é o de que o jovem é um ser fraco que precisa ser protegido de
influências perniciosas e por isso deve ser supervisionado. As relações com os alunos são
paternalistas e autoritárias (PETITAT, 1994, p. 76-82).
A separação entre crianças, adolescentes e adultos, tal como acontecia nos internatos,
esteve na base da Pedagogia moderna, significando que estava ocorrendo um novo
ordenamento social. As crianças, que antes cresciam de forma indiferenciada nos mesmos
ambientes que os adultos, passaram a ter um lugar especial no qual seriam socializadas. A
seriação dos conteúdos em classes por idade passou a fazer parte constante do novo contexto
escolar, fundamentando-se na natureza do desenvolvimento infantil com o qual pretendem
estar de acordo. Segundo Petitat (1994, p. 90-95), as transformações que ocorreram na escola
estavam em estreita relação com as mudanças que se operavam na noção de tempo na
sociedade da época. O tempo dos comerciantes desponta como um tempo diferente daquele da
Igreja que predominava na Idade Média. O tempo a partir dos interesses do comércio passou a
ter valor de dinheiro, surgindo a idéia de que não se pode “perder tempo”. A invenção do
relógio mecânico veio em auxílio desta noção na medida em que permite controlar, dividir e
organizar melhor o tempo.
O colégio incorporou a nova regulamentação social do tempo, passando a inscrever os
anos, os meses e os dias em grades horárias. A própria noção de avaliação e rentabilidade do
trabalho escolar foi submetida à regulamentação do tempo. Foram destinados tempos para a
aprendizagem de conteúdos, a folha de exame deveria ser entregue no final do horário, a
rapidez de respostas em provas orais passou a constituir um critério de avaliação. Na realidade
isso pode também ser compreendido como o efeito de uma tendência mais geral de
79
burocratização da sociedade, que apareceu tanto no espaço escolar, no mundo do trabalho,
como na organização do Estado.
O período de formação completa no colégio compreendia um percurso de 12 anos.
Apenas a quarta parte dos estudantes, no entanto, realizava o curso completo que permitia o
ingresso nos cursos superiores de Medicina, Direito ou Teologia. O restante dos alunos extraía
do colégio apenas uma cultura geral, uma vez que estes não se ocupavam do preparo
profissional. Ainda assim, enviar os filhos a um colégio era uma medida valorizada pela
burguesia, pois a cultura que ali era adquirida funcionava como um sinal de distinção social.
Os burgueses, que começam a desvalorizar o trabalho manual e a cultivar o modo de vida até
então possível somente ao nobre, vêem na formação humanista dos colégios uma ponte para
aproximá-los do padrão de vida e do status dessa classe social (PETITAT, 1994, p. 95-97).
No culo XVII, em tempos de expansão da produção em moldes capitalistas, se
observou um declínio no crescimento dos colégios e em contrapartida iniciou a proliferação
das escolas cristãs de caridade, que proporcionavam ensino gratuito aos filhos dos pobres.
Estas escolas surgiram à parte da escola elementar, e se ocuparam do ensino elementar
mesclado com uma preparação para o trabalho, com a clara intenção de moralizar os filhos
dos pobres, cujos pais eram considerados inaptos para proporcionar uma educação adequada,
necessitando esta ser garantida pela instituição escolar
24
. Instituiu-se, assim, uma dupla rede
de escolas elementares que durou mais de dois séculos, até que a escola primária pública se
impôs.
A propósito, é sobretudo na obra Didática Magna, do pastor e professor Comenius,
que podemos identificar as concepções sobre infância e educação operantes no século XVII.
Comenius partia do princípio de que é preciso formar o homem para que ele possa
pertencer ao gênero humano. Para ele, o homem é dotado de educabilidade por natureza.
Assim como na natureza tudo segue uma ordem e uma sucessão, também a educação do
24
A escolarização maciça e separada dos pobres teve suas razões. Havia alguns que se preocupavam com a
expansão dos colégios que retiravam a mão-de-obra disponível para o trabalho. Podemos também entendê-la
como parte do movimento, que no século XVII retirou os mendigos e vagabundos das ruas e os confinou nas
prisões, que funcionavam como ateliers e manufaturas. Predominava a idéia de que a indolência era o pior dos
vícios e o trabalho a virtude primordial. O êxodo do campo para as cidades deixava muitos perambulando pelas
ruas sem trabalho. Entre estes havia um grande número de crianças e jovens, o que escandalizou as elites urbanas
que já tinham, bem implantada, a idéia de uma infância subtraída da perversão do mundo adulto. Nas palavras do
abade Démia, fundador das escolas de caridade de Lyon, “é, principalmente, antes da idade de aprendiz que, sem
ter o que fazer, os pequenos vagabundos de rua são mais numerosos. E é precisamente nesta idade que as escolas
elementares desejam ocupar as crianças, para evitar que se tornem vagabundos.” (apud PETITAT, 1994, p. 119).
80
homem deve seguir a ordem e harmonia naturais. Dessa forma torna-se possível ensinar tudo
a todos. Cada idade tem por natureza uma etapa escolar que lhe corresponde
(NARODOWSKI, 2002, p. 26-27).
Para Comenius a infância é o ponto de partida pelo qual justifica seu discurso. É o
período no qual se assentam as bases para o alcance das metas superiores, e quando ainda se
pode corrigir o que foi mal-aprendido. Assim, instala o conceito de imaturidade no centro da
Pedagogia. A partir daí a diferença entre a infância e a idade adulta é apenas uma questão de
grau (NARODOWSKI, 2002, p. 44-45).
Determinando a infância como o ponto no qual se iniciará a educabilidade do homem,
Comenius propõe na sua utopia um programa de universalização do ensino escolar. “Assim,
haverá uma escola maternal em cada casa; uma escola pública em cada povoado, vila ou
aldeia; um ginásio em cada cidade; uma academia em cada província maior.” (apud
NARODOWSKI, 2002, p. 48).
O processo educativo em Comenius compreende, necessariamente, a passagem do
âmbito privado ao público. Considerando que o ponto de chegada ideal da educação é ensinar
tudo a todos, unificando e democratizando os saberes, fica claro que o pode ser efetivada
apenas na família, mas deve ser também tarefa dos professores, que são agentes públicos
especializados para executá-la. Por isso deve haver uma aliança entre a família e a escola. É
preciso que os pais cedam aos educadores o direito sobre os corpos de seus filhos, porque
reconhecem nestes um saber especializado, que lhes autoriza atuar melhor na tarefa educativa
(NARODOWSKI, 2002, p. 50-54).
A aliança família-escola não é o único dispositivo de Comenius para “ensinar tudo a
todos”. Para isso as escolas precisavam funcionar de forma harmônica e sincronizada,
procurando “a ordem em tudo”. Além de pensar numa ordem quanto à distribuição dos
espaços físicos, Comenius vai propor outra ordem no âmbito dos tempos. Destaca a
importância de seqüenciar temporalmente a educação segundo a idade, mas também de dar a
cada hora, dia, mês e ano sua própria ocupação. As diferentes escolas devem estar trabalhando
os mesmos conteúdos simultaneamente, sendo conveniente que abram e fechem apenas uma
vez ao ano. O atual calendário escolar” é um fiel representante do pensamento comeniano
sobre a organização do tempo (NARODOWSKI, 2002, p. 55-60). O pensamento de Comenius
é considerado por muitos como o marco zero da Pedagogia moderna, tendo contribuído muito
para a instituição da escola como um espaço social destinado à infância.
81
A consolidação deste espaço, no entanto, vai se dar efetivamente com o fim dos
Estados absolutistas, com a difusão da escola primária pública e gratuita como uma política
dos novos Estados nacionais, a partir do final do século XVIII e durante o século XIX. As
igrejas católica e protestante perdem o controle sobre a educação escolar, que deixa de ser um
meio para a difusão da religião, que passa para a responsabilidade do Estado. Vamos
encontrar nesse período, distribuídos pela Europa, diferentes projetos educativos. Na França
destacam-se duas tendências: o projeto liberal de Condorcet e a visão jacobina da educação
nacional, representada por Lepelletier. A primeira sustentava o princípio de que a educação é
um benefício que o Estado oferece ao cidadão, que tem pleno direito ao aperfeiçoamento
pessoal. A segunda propõe uma educação a serviço da formação do cidadão ideal para o
Estado (CASTRO et al., 1989, p. 29-39). Na Prússia, Wilhelm von Humboldt, no breve
período de 16 meses em que dirige a seção de Culto e Ensino do Ministério do Interior,
institui uma ampla reforma da educação nacional, que atinge a escola elementar, a escola
secundária e a universidade, com uma forte tendência neo-humanista (CASTRO et al., 1989,
p. 58-69). Na Inglaterra vai se destacar a experiência de um projeto de educação socialista
conduzida por Robert Owen em sua tecelagem em New Lanark, com a intenção de propor um
caminho que evitasse os efeitos devastadores da Revolução Industrial sobre a classe operária,
sem abrir mão da possibilidade de uma produção industrial lucrativa (PIOZZI, 1999).
Para Ramirez e Boli (1999, p. 302-303), a constituição dos Estados-Nação, além de ser
uma decorrência das relações entre o Estado Absolutista com os movimentos da Reforma e
Contra-Reforma e da expansão da economia de intercâmbio, se sustentou em alguns mitos
legitimadores, tais como a crença no indivíduo e na noção de sociedade formada por indiví-
duos, a crença na noção de progresso e na socialização da infância como chave para alcançar
a condição adulta e a crença no Estado como protetor da nação e garantia do progresso. O
progresso que se esperava da produção de um homem novo dependia, portanto, do indivíduo,
que, por sua vez, tinha de ser formado desde a infância. Isto explicaria, em parte, porque a
escolarização de massas se deu de forma quase homogênea em toda a Europa.
Lajonquière (2003, p. 5), no artigo A Infância que Inventamos e as Escolas de Ontem e
de Hoje, ensina que “toda educação institui uma infância em quarentena [...] do mundo adulto
do sexo, do trabalho e da política.” Como na modernidade o homem experimenta seu devir
temporal de uma maneira inteiramente nova, ou seja, não precisa mais remeter a questão da
felicidade a um paraíso perdido, podendo sonhar com uma vida melhor na existência terrena,
o olhar do adulto em relação à criança passa a ser outro. uma aposta de que para ela outro
82
mundo é possível. A escola concebida pela “República” teria sido o projeto institucional mais
acabado destes sonhos. Segundo o autor, “a escola detinha naquela época a chave de acesso à
infância, e esta, por sua vez, era a chave que dava acesso a um mundo Outro aqui mesmo na
Terra.” (p. 7). Por isso, embora houvesse um projeto de moralização embutido na proposta de
educação republicana, a escola “funcionou como uma máquina movida a desejo e possuidora
de grande força subjetivante e sublimatória.” (p. 7).
Monarcha (1997, p. 97-102) associa o estilo arquitetônico da Escola Normal de São
Paulo, inaugurada em 1894, à construção de uma nova imagem de criança segundo os ideais
republicanos. Em suas palavras, nos primeiros anos da república brasileira o Estado de São
Paulo reorganizou-se ampliando seu aparato administrativo e os serviços blicos de saúde,
segurança e instrução. Concomitantemente, a cidade de São Paulo foi tomada de um ímpeto
construtor, sob a motivação dos anseios de progresso republicanos, passando por uma grande
expansão em termos da ocupação do espaço urbano. O estilo arquitetônico em voga era o
neoclássico que definiu um centro urbano com elegantes bairros aristocráticos. No entorno
surgiram as aglomerações de famílias operárias vivendo em cortiços.
Ao Estado coube a função de, do ponto de vista do ideário republicano, realizar as
ações políticas e administrativas necessárias para educar o povo recém-chegado ao poder,
começando pelas crianças. Neste contexto surge o projeto de transferir a Escola Normal para
um novo e imponente prédio em estilo neoclássico junto à também nova Praça da República
(Anexo A). A construção carregava o simbolismo dos novos tempos: civilização, técnica,
progresso, laicidade, igualdade e democracia (MONARCHA, 1997).
No formato de um “E” maiúsculo, a escola tinha três andares (dos quais um
subterrâneo), com 40 salas de aula, museu, biblioteca, laboratórios, carpintaria, anfiteatro,
entre outras dependências. Três imponentes portas de ferro e vidro davam acesso à entrada
principal que se abria para um vestíbulo que dividia o prédio em duas partes simétricas e do
qual se acessava uma imponente escadaria de mármore branco que levava ao segundo andar.
Com altas portas e largos corredores, esta escola representava a imagem condensada de um
sistema de instrução pública, um modelo experimental e científico que podia ser generalizado
para toda a sociedade brasileira. De fato em diversas cidades foram sendo construídas escolas
similares
25
.
25
Na cidade de Ijuí (RS) a Escola Estadual de 1º Grau Ruy Barbosa é um exemplo típico (Anexo B).
83
O projeto de escolarização da infância, na visão de Lajonquière (2003, p. 8) permite,
ao mesmo tempo, manter e cruzar duas polarizações importantes para a sustentação dos ideais
dos novos tempos, quais sejam: as diferenças entre adulto e criança e a oposição entre público
e privado. A escola se apresenta como o espaço social destinado à criança e neste aspecto
expressa tanto o reconhecimento da assimetria adulto-criança quanto o reconhecimento da
divisão que existe entre o mundo familiar e o espaço blico. Na escola a criança é instada a
deixar de lado as infantilidades que são permitidas no meio familiar e numa espécie de “faz de
conta”, a posicionar-se como adulta sem precisar ainda sê-lo.
Desta forma a escola revela-se para a criança um lugar e um tempo com características
peculiares. É um lugar fora do âmbito familiar no qual sua diferença em relação ao adulto é
reconhecida, possibilitando um tempo de espera e preparação, em que está sendo gestado o
cidadão que ela será.
Quando examinamos esta forma de caracterizar a função da escola não podemos
deixar de reconhecer uma similaridade com a definição psicanalítica do tempo de latência.
Recordamos que este tempo é desencadeado pela operação de recalcamento dos desejos
sexuais que a criança dirige àqueles que são os seus primeiros objetos de amor. Isso é possível
porque ela pode lançar para o futuro a promessa de satisfazê-los com outros pares, tal como
seus pais um dia o fizeram. Ela está em compasso de espera, porém a energia pulsional que
até então dirigia às figuras parentais deve ser deslocada para outros investimentos fora do
âmbito familiar. A espera se constitui então num tempo de aprendizagem em que a criança vai
se apropriar dos costumes e expectativas da sua cultura.
A escola é a instituição social que tanto promove quanto acolhe as exigências do
trabalho psíquico da criança no tempo de latência. Promove na medida em que entendemos
que é o Outro que direciona os investimentos libidinais da criança. Na nossa cultura espera-se
que em torno dos 5, 6 ou 7 anos a criança possa investir na sua escolarização e em tudo que
ela implica; acolhe na medida em se organiza como um espaço que oferece possibilidades de
sublimação.
Freud considera o trabalho intelectual uma importante forma de sublimação. Veremos
a seguir como o conceito de trabalho vai se vinculando aos projetos de educação a partir da
escola republicana.
84
3.4 TRABALHO ESCOLAR E SUBLIMAÇÃO
A Revolução Francesa pôs fim ao poder do clero e da nobreza. Inspirada nos filósofos
iluministas, destacando-se entre estes Rosseau (1712-1778), preconizava uma educação laica
e gratuita assentada na livre expressão do pensamento. Rosseau (apud GADOTTI, 1993, p.
88, 93, 97) considerava que a sociedade corrompia a verdadeira natureza do homem propondo
uma educação que possibilitasse o reencontro de seu estado natural. Para ele a educação não
devia se preocupar em preparar para a vida ou em moldar a criança para um fim específico,
uma vez que a sociedade muda a cada geração. A finalidade da educação é a própria vida e
esta é ação. Viver é fazer uso dos órgãos, dos sentidos, das faculdades, de todas as partes que
nos dão o sentimento de existência. Conforme Gadotti (1993, p. 87), o pensamento de
Rosseau “se constitui no marco que divide a velha e a nova escola.”
Pestalozzi (1746-1827), inspirado em Rosseau, exerceu influência significativa nos
projetos educativos do século XIX, não apenas na Europa, mas também nos EUA e na
América Latina. Propôs a ênfase na atividade do aluno como a base do currículo, afirmando
que o ensino devia partir dos elementos mais simples para os mais complexos, do conhecido
para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Fröebel (1782-
1852) e Herbart (1776-1841) estudaram-lhe a obra e adotaram suas idéias. O primeiro criou os
Jardins de Infância dentro dos princípios da filosofia da natureza e propôs a auto-atividade
como método de toda a instrução. Já o segundo defendeu a idéia de que o ensino devia basear-
se na psicologia da criança, determinando os passos formais do processo: começando pela
etapa de apresentação do objeto, seguem-se as etapas da comparação, da generalização e da
aplicação (GADOTTI, 1993, p. 90-92).
Verifica-se que depois de Pestalozzi a temática do trabalho atravessa os grandes
projetos educativos do século XIX. Conforme Manacorda (2002, p. 305):
[...] o trabalho entra, de fato, no campo da educação por dois caminhos que
ora se ignoram, ora se entrelaçam, ora se chocam: o primeiro é o
desenvolvimento objetivo das capacidades produtivas sociais (em suma, da
revolução industrial), o segundo é a moderna descoberta da criança.
Isso significa que de um lado a formação técnica profissional tende a realizar-se nas
escolas, e de outro, que se compreende o processo de aprendizagem como resultante da
atividade da criança, o que acaba fazendo do jogo um importante recurso pedagógico. Nesta
85
última vertente constata-se que na primeira metade do século XX o trabalho como proposta
pedagógica vai se fazer presente no ideário da Escola Nova, também conhecida como Escola
Ativa (MANACORDA, 2002, p. 307).
A Escola Nova foi talvez o mais importante movimento de renovação da educação
depois da criação da escola republicana, tendo se disseminado por muitos países. O suíço
Ferrière (1879-1960) foi um dos pioneiros, fundando em Genebra, em 1899, o Birô
Internacional das Escolas Novas, cuja função era a de zelar pelo cumprimento das diretrizes
do movimento. Foi Dewey (1859-1952), no entanto, quem primeiro formulou seu ideário
pedagógico. Sua concepção de educação era pragmática. Para ele o ensino deveria acontecer
por intermédio da ação da criança, partindo dos problemas concretos da vida (GADOTTI,
1993, p. 142-143).
Para sustentar o objetivo de desenvolver a criança a partir de seus interesses vitais, foi
preciso criar novos métodos de ensino que privilegiassem a atividade e a criatividade. A este
respeito Gadotti (1993, p. 144-145) cita as propostas de importantes educadores desta Escola,
tais como: Kilpatrick, Decroly e Montessori. Kilpatrick criou o método dos projetos. Para ele,
um bom projeto deveria partir de uma atividade prática, como uma construção, uma
descoberta, uma competição ou uma comunicação. Decroly propôs o método dos centros de
interesse (a família, os animais, o universo, etc...), cuja finalidade era a de desenvolver a
observação, a associação e a expressão da criança. Montessori, entre outras propostas,
constrói brinquedos e materiais pedagógicos concretos para que as crianças possam explorá-
los pelos sentidos.
A influência da Escola Nova pode ser percebida ainda nos dias atuais. A partir de
meados do século XX, no entanto observa-se que passou a ser alvo de importantes críticas dos
que a viam como instrumento de dominação e não de transformação social
26
.
Nas últimas cadas verificamos que a idéia do trabalho ou da atividade continua
atravessando os projetos pedagógicos por meio da abordagem construtivista. Macedo (1993),
ao caracterizar o construtivismo na sua função educacional, argumenta que nesta abordagem
interessam as ações do sujeito que conhece sobre o objeto da aprendizagem. Ao comparar o
construtivismo às abordagens o construtivistas considera que o primeiro se distingue pelo
constante trabalho de reconstituição ou tematização. Tematizar implica reconstituir em um
26
O educador brasileiro Paulo Freire foi um dos denunciantes da visão conservadora dos escolanovistas, muito
embora tenha herdado muitas de suas conquistas.
86
outro vel, mediante os processos piagetianos de assimilação, acomodação e equilibração,
aquilo que já se sabe. É a transformação de algo sabido em um novo conhecimento por
meio da ação. Assim, segundo este autor: “Uma aula construtivista pede ruído e manipulação,
nem sempre jeitosa, daqueles que, tendo ou aceitando uma pergunta, não estão satisfeitos com
o nível de suas respostas. Pede a ‘sujeira’ e o experimentalismo de uma cozinha.” (MACEDO,
1993, p. 30).
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a série) (1997, p. 36-38), estabelece-se
que a perspectiva construtivista tem sido considerada, atualmente, por muitos educadores
como aquela que possibilita ressignificar a necessária unidade entre ensino e aprendizagem
que ficou perdida em meio à diversidade de tendências pedagógicas
27
existentes no Brasil.
Considera que o termo construtivismo abriga as contribuições teórico-metodológicas
segundo as quais o conhecimento não se adquire pela simples cópia da realidade, mas que
tampouco se constrói sem a interação com o outro e com o meio material. Nesta abordagem
pedagógica concebe-se que aquilo que o aluno pode aprender em determinado momento
depende de três condições: das formas de pensamento quedesenvolveu, dos conhecimentos
27
Nos fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a série) (1997, p. 30-33) encontramos uma
sucinta análise histórica das tendências pedagógicas brasileiras que trazem as marcas tanto das influências dos
movimentos educacionais internacionais quanto das nossas especificidades históricas, políticas, sociais e
culturais. Neste documento são identificadas quatro grandes tendências pedagógicas: a tradicional, a renovada, a
tecnicista e um conjunto de orientações centralizadas em preocupações políticas e sociais. A tendência
tradicional tem como foco principal a transmissão de informações pelo professor, geralmente por meio da
exposição oral e dos exercícios repetidos como método de memorização. Os conteúdos organizam-se em uma
seqüência fixa e predeterminada, sem a preocupação de integrá-los com as vivências e interesses dos alunos,
embora visem à preparação para a vida. A Pedagogia renovada teve grande penetração no Brasil na década de
30, sendo representada pela Escola Nova, cujo foco é o aluno concebido como ser curioso e ativo. Nesta
abordagem o que orienta o processo de aprendizagem é a descoberta pela experiência, sendo o professor o
responsável por organizar as situações facilitadoras. Nos anos 70 proliferou o tecnicismo educacional sob
influência das teorias behavioristas. A aprendizagem nesta abordagem é concebida como uma resposta a
estímulos programados sistematicamente. Nos anos 80 toma vulto um processo crítico em relação às
desigualdades sociais, que se expressa no campo educacional pela pedagogia libertadora” e da pedagogia
crítico-social dos conteúdos”. A primeira pauta as atividades escolares em temas sociais e políticos. A segunda
entendendo que a primeira valoriza pouco o saber historicamente acumulado, destaca a importância deste para a
efetiva participação das classes populares nas lutas sociais. Desde o final dos anos 70 as tendências didáticas de
vanguarda podiam ser divididas em dois grupos que se caracterizavam pelo predomínio de um viés psicológico
ou sociológico, respectivamente. Na cada de 80 surge um movimento que pretende integrar estes enfoques.
Considerando a importância dos conhecimentos formais para preparação do cidadão, também aponta para a
necessidade de adequar o ensino a um aluno que pensa, a um professor que sabe, e à consideração dos conteúdos
de valor social e formativo. Este momento é marcado pela influência da Psicologia genética, cuja contribuição
foi importante para compreensão dos processos de construção do conhecimento. Das pesquisas da Psicologia
genética sobre a construção do conhecimento, principalmente na área da lecto-escrita, deduziu-se
equivocadamente uma Pedagogia construtivista segundo a qual não se pode corrigir erros dos alunos, pois a
criança aprende do seu jeito, desconhecendo que a função da escola é ensinar aquilo que sozinhos os alunos não
conseguem aprender. Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem tanto a participação do aluno na
construção do seu processo de conhecimento quanto à do professor no desenvolvimento de capacidades
específicas. Não concebem o processo de ensino-aprendizagem como uma sucessão de etapas acabadas e
justapostas, mas como uma complexidade que exige uma constante reorganização do conhecimento.
87
que já adquiriu e do ensino que recebe, o qual deve se ajustar às duas primeiras condições. O
aspecto de maior importância no processo, no entanto, fica situado na atuação do aluno sobre
o objeto da aprendizagem, pois é por meio desta que os conhecimentos anteriores se articulam
aos conteúdos escolares e novas significações podem ser construídas. A aprendizagem é
considerada significativa quando diante de um problema proposto o aluno consegue levantar
hipóteses e experimentá-las. Desta forma a escola preserva o desejo de conhecer e saber que,
segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 39), as crianças trazem quando
chegam à escola.
Assim sendo podemos inferir que, historicamente, a escola tem sido apresentada como
um lugar no qual se privilegia o trabalho, ou seja, a atividade da criança. Esta idéia impregnou
a linguagem com a qual se costuma nomear o que ela faz ali: as tarefas, os trabalhos escolares,
os “trabalhinhos”. Conforme Lajonquière (2003, p. 9), o que move a criança a realizá-los é o
desejo porque o prêmio pelo seu esforço é uma promessa para o futuro, e a existência da
assimetria adulto-criança é o que permite sustentar este desejo.
No primeiro capítulo nos referimos à sublimação como sendo um dos destinos
possíveis para a pulsão sexual, que encontra sua satisfação ao ser desviada de seu alvo, ou
seja, na sublimação a pulsão encontra seu alvo em outro lugar
28
. Também constatamos que
Freud considerava a curiosidade intelectual, o investimento no pensamento e o interesse pela
pesquisa, além da arte, como importantes atividades sublimatórias e, portanto, alvos não
sexuais da pulsão. Neste capítulo procuramos mostrar que a escola, embora muitas vezes
possa ser alvo de críticas, tem se constituído no espaço social que, por excelência, possibilita
a realização dessas atividades sublimatórias.
Para Freud as sublimações têm como característica a condição de serem socialmente
valorizadas e estarem relacionadas ao que em uma determinada cultura é apresentado como
ideal. Em nossa sociedade a escolarização é oferecida como caminho ideal para as crianças.
Respondendo a esta demanda, sendo bem-sucedida nesse processo, a criança pode ocupar um
lugar de valor junto ao seu grupo familiar e social.
A psicanálise reconheceu que a relação da criança com o outro cresce em
complexidade no decorrer da infância. No início essa relação é dual. É o tempo em que
28
A sublimação conserva a força e a fonte da pulsão e modifica a meta e o alvo. Para Freud, a pulsão sexual põe
à disposição da cultura uma força muito grande porque pode deslocar sua meta sem perder a intensidade
(ANZIEU, 1997, p. 12).
88
predomina o narcisismo e a relação com a mãe é especular. A seguir a relação se
triangulariza. do ponto de vista da criança existe eu, outro e outro. Trata-se do período
edipiano no qual ela percebe que não é o único objeto de amor. Mais adiante o círculo se
alarga e muitos “outros” passam a integrar as relações da criança. Ampliam-se então as
experiências de desfamiliarização. Neste ponto ela se encontra no tempo de latência, que
geralmente coincide com o ingresso no Ensino Fundamental. Assim podemos afirmar que na
latência a escola e os professores serão os novos representantes do Outro para a criança.
Observa-se que os pais perdem em parte o lugar de modelos idealizados, vindo os professores
a ocupar este lugar
29
. À demanda a qual, agora, a criança responde é, sobretudo, a escolar.
3.5 O FIM DA LATÊNCIA
Os dados colhidos em nosso percurso pela história da infância e do processo de
escolarização, conjugados à concepção lacaniana de que o sujeito se constitui a partir do
discurso do Outro, evidenciam que o tempo de latência o é uma fase natural do
desenvolvimento da criança. Se ele é comum à maior parte das crianças é porque elas
participam do mesmo sistema simbólico.
Nos últimos anos inúmeros autores fizeram referência a observações a respeito de
alterações no tempo de latência, questionando se, no atual contexto sociocultural, o mesmo
não estaria desaparecendo. Será que num tempo em que vivemos a “cultura da
instantaneidade” ainda haveria lugar para o tempo de latência, que pressupõe justamente o
adiamento, a espera?
Além deste, outros aspectos da cultura contemporânea são apontados como produtores
de mudanças na subjetividade infantil. Atualmente vivemos num contexto sociocultural que
apresenta características específicas que não podem ser desconsideradas. De acordo com
Lasch (1983), a partir do final da década de 60 o individualismo moderno começa a se
apresentar com uma nova configuração. O que caracteriza esta nova forma de individualismo
é o culto exacerbado da imagem do eu, fundamentado na crença de que a felicidade se
encontra na obtenção de prazeres, de preferência imediatos, identificados com o consumo de
toda a sorte de objetos, com o sucesso pessoal, com o corpo perfeito, com a saúde perfeita.
29
Freud já fez esta observação no artigo Algumas Reflexões Sobre a Psicologia Escolar (1914f) escrito para uma
publicação comemorativa ao 50º aniversário da escola que freqüentou dos 9 aos 17 anos.
89
As causas dessas mudanças, para Lasch (1983), podem ser encontradas no
enfraquecimento do sentido de tempo histórico, entendido como a perda dos vínculos do
homem ocidental com a sua tradição, e no incremento da burocracia. O homem de hoje não se
reconhece mais na sua pertença a uma linhagem, a uma nação ou ao seu grupo de origem.
Negando as referências simbólicas do seu passado, quer fazer-se sozinho, dando consistência
ao eu com imagens.
No campo da psicanálise o culto ao eu que caracteriza o tempo atual tem sido
relacionado ao declínio da função paterna na cultura. Mais recentemente, em lugar de
declínio, fala-se em deslocamento das funções parentais, ou seja, o lugar simbólico ocupado
pelo pai vem se modificando.
No Direito Romano, para ser pai, isto é, para poder exercer o pátrio-poder, não era
suficiente gerar o filho, era preciso adotá-lo. Na Idade Média a família passa a ser considerada
uma unidade socioeconômica, e a autoridade do pai, uma lei da natureza. A presunção de
paternidade no casamento era o principal critério de filiação, transformando em ilegítimos os
filhos de outras uniões (HURSTEL 1999, p. 97-100).
Com o advento da Modernidade o poder do pai, como lei natural, começou a ser
contestado. Sua autoridade passou a sofrer algumas limitações. Os filhos maiores tornaram-se
livres para administrar bens, e o direito à herança igualou-se entre os irmãos, impossibilitando
ao pai privilegiar o primogênito, por exemplo. Tais modificações serviram à nova ordem
econômica que estava se instituindo. No final do século XIX um pai podia ser legalmente
considerado indigno de sua função e ter seus direitos destituídos. Houve uma clivagem na
função de pai, passando-se a falar de bons e maus pais. Começou assim a abrir-se a
possibilidade da intervenção de terceiros nas relações familiares (HURSTEL, 1999, p. 105-
111).
Desde o século XX a criança está na posição de figura central. Em função de seus
interesses, cada vez mais são convocados especialistas para suprirem as supostas deficiências
dos pais na sua função de educar. A tarefa dos pais cada vez mais vai se restringindo ao
aspecto afetivo. As demais funções encontram-se distribuídas entre: Estado, professores,
médicos, juízes, psicólogos e outros. Ao mesmo tempo, o reconhecimento da paternidade, que
antes se dava por vias simbólicas, hoje se sustenta na Biologia, o que se pode confirmar pela
enorme quantidade de pedidos na Justiça de exames de DNA que tramitam nas varas cíveis.
90
As transformações observadas no trabalho e na família também tiveram conseqüências
sobre a função do pai. Hoje pai e mãe trabalham fora de casa e dividem a autoridade e a
responsabilidade em relação aos filhos. As crianças, cada vez mais cedo, são confiadas aos
cuidados de terceiros, que dessa forma se tornam participantes na sua educação. Surgem
configurações familiares atípicas, desde aquelas em que as crianças são criadas apenas por um
dos pais (nos casos de casais separados, mães solteiras, “produções independentes”), até
famílias de casais de homossexuais, ou aquelas em que filhos de casais divorciados encontram
um segundo pai ou uma segunda mãe em outra união.
O estatuto do pai na família passou por lentas, mas profundas transformações. Se antes
sua figura concentrava em si todo o valor como função simbólica, hoje uma época de
grandes e rápidas transformações culturais sua função se encontra pulverizada, desloca-se
ou circula entre diversas pessoas e instituições. Nesse sentido, pode-se afirmar que a função
paterna, tal como ela era entendida, está em declínio e que nos encontramos diante de uma
outra configuração desta função simbólica.
A psicanálise considera que as formas pelas quais as funções parentais são exercidas
em uma cultura têm conseqüências na subjetivação dos indivíduos que dela fazem parte.
Freud, em Algumas Considerações sobre a Psicologia do Escolar (1914f), assevera
que os professores ocupavam, no inconsciente dos alunos, o lugar que antes era destinado ao
pai. Na atualidade, contudo, observa-se que os professores não se encontram muito seguros no
exercício dessa função. Um sinal disso encontra-se nas constantes discussões que ocorrem nas
escolas sobre a falta de limites das crianças. Os professores não se sentem autorizados a impor
esses limites e culpam os pais por o -lo feito em tempo. Isso revela o quanto pais e
professores estão encontrando dificuldades em ocupar suas posições em relação à educação
das crianças. Acreditamos que o seria equivocado estender essas dificuldades às demais
instituições ou pessoas que se ocupam de crianças, uma vez que todos sofrem os impactos das
mudanças culturais já mencionadas.
O acesso da criança ao tempo psíquico de latência depende da travessia edípica, que,
por sua vez, depende do exercício das funções parentais. Certamente as atuais transformações
culturais na sustentação dessas funções refletem-se também na constituição do tempo de
latência.
91
A psicanálise nas suas diversas abordagens tem se ocupado em apontar para a
importância das figuras parentais ou de seus substitutos no processo de constituição psíquica
da criança. Quando ocorrem mudanças na sociedade em relação ao exercício destas funções
certamente isso não se sem conseqüências. Nossa intenção não é fazer um julgamento
moral, apontar o certo e o errado, mas apenas registrar que diferenças e que estas têm
efeitos na constituição subjetiva.
Guignard (2001, p. 390-394), em diferentes publicações, vem afirmando o quase
desaparecimento do tempo de latência. Considera que a realidade social e familiar tem
favorecido desde os anos 60 e 70 do século XX, a constituição de um grande período de
contornos imprecisos que abarca o tempo de latência e os primeiros anos da adolescência.
Este período se caracteriza pela ambigüidade em relação à identificação sexual e por
modificações na organização simbólica, em que a criança permanece fixada à posição de
objeto parcial ou de objeto de comércio em uma sociedade que explora a onipotência infantil.
A autora constata uma nova forma de economia pulsional na qual o tempo de latência,
enquanto organizador das defesas da ordem do recalque secundário, pós-edípico, encontra-se
em vias de desaparecer. Alerta que na França as crianças de 5 a 12 anos estão tão pouco
organizadas pelo recalque em seu funcionamento afetivo e intelectual quanto às de 3 a 5 anos,
por um lado, e os jovens de 12 a 17, por outro. A autora se questiona sobre efeitos desse
fenômeno sobre a adolescência e se pergunta: estamos diante de uma decadência ou de uma
mutação? Não há mais adolescência? Ou só há adolescência?
Lembrando que para Freud a neurose infantil se constitui em dois tempos, a travessia
edípica e a adolescência, entre os quais o tempo de latência tem um papel primordial pela
barreira do recalque que aí se impõe, na medida em que este último começa a desaparecer,
pergunta-se em que se converte a teoria bifásica freudiana e com ela a teoria edípica?
Segundo Guignard (2001, p. 395), diversas fontes de observação confirmam a incidência na
clínica contemporânea de transtornos relacionados à constituição do recalque, o que es
exigindo uma nova elaboração da técnica psicanalítica.
Ainda no entendimento desta autora (2001, p. 397), outro aspecto da cultura
contemporânea que produz efeitos na constituição subjetiva é o fato de estarmos vivendo cada
vez mais sob o signo do virtual, o que deixa um espaço exíguo ao princípio de realidade. O
virtual favorece a permanência do regime do princípio do prazer na medida em que propõe
múltiplas vias de evitar o confronto com a realidade e com o que isto pode ter de doloroso.
92
Sabe-se que, segundo Freud, o predomínio do funcionamento psíquico pelo princípio da
realidade é uma característica pós-edípica, uma das marcas do tempo de latência.
Acreditamos que as recentes mudanças culturais que, como relatamos, causam
impacto na constituição subjetiva, são o pano de fundo de muitas formações clínicas que se
apresentam no tempo de latência. Estas constituem o tema do próximo capítulo.
93
4 FORMAÇÕES CLÍNICAS
“Pouco a pouco seus olhos se toldaram e, embora sentisse
aproximar-se a morte, esperava ainda assim que de um
momento a outro aparecesse alguma alma caridosa para
ajudá-lo. Porém, quando depois de muito esperar viu que
não aparecia ninguém, ninguém mesmo, voltou-lhe à
lembrança o seu pobre pai... e balbuciou quase
moribundo: Oh! Meu pai, se você estivesse aqui!...”
(COLLODI, 2002, p. 21).
Aproximando-nos do final deste estudo sobre o tempo de latência, interessa-nos,
ainda, fazer uma incursão no campo da psicopatologia, todavia, nos limitaremos a abordar,
entre as diversas formações clínicas que podem ser encontradas neste período, aquelas que
apresentam uma vinculação maior com a escolarização. Assim, nossa escolha recaiu sobre as
dificuldades de aprendizagem e a fobia escolar.
Justificamos esta escolha porque entre os motivos que levam à procura de tratamento
psicológico para crianças em idade escolar e supostamente em tempo de latência, elas são
freqüentes. Entendemos que estas formações clínicas irrompem quando a estrutura de
latência, por alguma razão, encontra-se fragilizada. Pretendemos abordá-las valendo-nos dos
conceitos psicanalíticos de inibição e sintoma, respectivamente, articulando-os com os
conceitos de recalque e sublimação, conforme estes incidem no tempo de latência. Tomamos
as dificuldades de aprendizagem escolar como uma forma de inibição que se expressa no
âmbito do pensamento, e a fobia escolar como uma formação sintomática.
No campo da psicanálise considera-se que tanto os sintomas quanto as inibições têm
origem na angústia de castração. O recalcamento das pulsões sexuais produz um montante de
angústia que chega à consciência de forma não ligada a nenhum conteúdo específico, e se
expressa, geralmente, mediante uma atitude de inquietação. A criança pode lidar com esta
angústia não ligada suprimindo-a em troca da submissão a uma diversidade de restrições e
inibições, como é o caso das dificuldades de aprendizagem, ou ligando-a a uma representação,
como é o caso da fobia escolar (SOIFER, 1992, p. 347).
Antes, porém, de avançarmos na discussão da inibição intelectual e das fobias
consideramos importante situar o processo edípico, pois nele se encontra a origem da angústia
de castração. Para isto nos valemos da interpretação de Lacan.
94
4.1 A LEITURA LACANIANA DO COMPLEXO DE ÉDIPO
Lacan, no texto Os Complexos Familiares, escrito em 1938, a pedido de Henri Wallon
para a Encyclopédie Française, resume o pensamento freudiano a respeito da travessia
edípica. Situa no complexo de Édipo freudiano o vel do recalcamento que reduz suas
fantasias ao estado de latência (LACAN, 1990, p. 49). Este complexo é analisado por ele pela
sua importância na definição das relações psíquicas na família, mas também para fazer sua
crítica. Enquanto Freud o subordina a todas as formas sociais de família, Lacan (1990, p. 42)
vai vinculá-lo à família paternalista.
Segundo este estudioso, Freud reconhece, no apogeu que as pulsões sexuais atingem
em torno dos 4 anos, uma espécie de puberdade psicológica, prematura em relação à
fisiológica. Neste momento o desejo sexual da criança vai fixá-la ao objeto que geralmente se
encontra mais próximo dela, o genitor do sexo oposto. A prematuridade destas pulsões
impossibilita a realização deste desejo, mas a criança atribui sua frustração a um terceiro
objeto que lhe aparece como um obstáculo, representado, via de regra, pelo progenitor do
mesmo sexo. Essa frustração é acompanhada de uma repressão educativa que visa a impedir a
realização destas pulsões, principalmente pela satisfação masturbatória (LACAN, 1990).
O pai exerce para a criança do sexo masculino tanto a função de interditor quanto de
modelo idealizado de realização genital, o que resulta, por um lado, no recalcamento da
sexualidade, que é substituída por outros interesses, abrindo o caminho para as ões
educativas, e, por outro, na sublimação da imagem parental ideal, lançando a satisfação para o
futuro. Essa operação se inscreve no psiquismo de forma permanente, por intermédio das
instâncias do supereu, que recalca, e do ideal do eu, que sublima (LACAN, 1990, p. 43).
O recalcamento dos desejos edipianos resulta de dois afetos que o sujeito experimenta:
a agressividade em relação ao progenitor do mesmo sexo, que é visto pela criança como um
rival, e o temor de que uma agressão semelhante retorne sobre ela. Estes sentimentos
sustentam a fantasia de mutilação de um membro, que a psicanálise nomeia de complexo de
castração. Esta fantasia é comumente reforçada por ameaças educativas ao menino que,
segundo Lacan (1990, p. 44-46), teriam levado Freud a tomar o complexo de castração pelo
seu valor real e tomar a versão masculina como protótipo do recalque edipiano, instituindo o
pai como seu modelo. Ademais, o apoio de estudos sociológicos que mostravam a
95
universalidade da interdição do incesto com a mãe levam-no a deduzir a origem da
humanidade em uma horda dominada pelo macho mais forte que detinha o monopólio sobre
as mulheres, tese esta que vem se revelando insustentável à medida que estudos
antropológicos comprovam a presença da estrutura do matriarcado na origem de inúmeras
culturas.
Apesar da não concordância de Lacan com algumas teses freudianas, ele reconhece
que a experiência da clínica psicanalítica permite perceber o quanto o complexo de Édipo
marca o psiquismo enquanto móvel do recalque da sexualidade e da sublimação da realidade.
O recalque da sexualidade Lacan (1990, p. 49-50), tal como Freud, o relaciona à
fantasia de castração, porém, para ele, a origem desta fantasia não está na ameaça real feita ao
menino. Ela provém da estrutura imaginária do eu e não depende do sexo da criança, sendo
uma defesa contra a angústia que sobrevém ao eu narcísico quando da entrada no complexo
de Édipo.
Lacan, conforme Dor (1989, p. 80-88), compreende a travessia edípica em três tempos.
No primeiro a criança, recém saída do estágio do espelho, ainda se encontra numa relação
fusional com a e, identificando-se ao que supõe ser o objeto de seu desejo, ou seja, ao que
lhe falta, o falo. Neste tempo a função paterna age apenas por sua presença na constituição
psíquica da mãe, o que possibilita que a posição da criança como falo entre em oscilação. A
dialética entre ser ou não ser o falo introduz a criança no segundo tempo do Édipo e no
registro da castração pela introdução do pai como instância privadora.
O pai frustra a criança do lugar de objeto fálico da mãe e priva a esta de sua criança-
falo. Na subjetividade da criança ele aparece como o detentor do falo com o qual ela vai
rivalizar. A partir daí ela se encontra com o que Lacan nomeia Lei do Pai, pois descobre que a
mãe, no que se refere à satisfação das demandas da criança, está submetida a um outro. Para
que a proibição do pai tenha efeito estruturante, a mãe precisa ser sua porta-voz. Isso é
importante porque revela para a criança que também o desejo da mãe esna dependência do
falo atribuído ao pai. Assim, ao mesmo tempo em que a criança se desenlaça da identificação
ao falo, se enlaça à primeira aparição da lei. Ela não não é o falo como também não o tem,
e pode desejá-lo (no pai) onde ele é suposto estar. À criança, ferida em seu narcisismo,
resta o recurso da identificação com o pai. O pai real, detentor do falo, é investido, então, de
uma nova significação e alçado ao lugar de pai simbólico. Com isso inicia-se o terceiro
momento do Édipo que dialetiza os dois precedentes.
96
O pai que foi investido do atributo fálico terá de dar provas de sua competência em
satisfazer o desejo da mãe, o que o retira do lugar de mero privador. Isso dá início ao jogo das
identificações. Não ser correspondido em seus desejos edipianos conduz meninos e meninas
por caminhos diferentes. O menino identifica-se ao pai que supostamente tem o falo e em
função do temor de castração divide o objeto de desejo em objeto de ternura e objeto sexual.
Para a menina a angústia de castração se impõe de outra forma, ou seja, como temor da perda
do amor do objeto. Além disso, ela precisa mudar de objeto de desejo, da mãe para o pai.
Identifica-se então à mãe porque, supostamente, ela sabe buscar o falo no lugar onde ele está,
do lado do pai. Com isto o complexo de Édipo, aos poucos, declina.
O processo edípico é estruturante para a criança, porque na sua travessia a castração, a
passagem do ser (o falo) ao ter, instala a metáfora paterna e o recalque originário. Neste
caminho o desejo se humaniza, pois é possibilitada a identificação simbólica a um sujeito,
cujo objeto sempre falta.
Lacan (1990) considera o recalque originário o efeito de uma metaforização pela qual
o significante fálico, isto é, o significante do desejo da mãe, é substituído pelo significante
Nome-do-Pai. Isso significa que a criança substitui a vivência de ser o falo da mãe por um
representante simbólico. Nesta operação ocorre o advento do sujeito, pois a criança abandona
a posição de objeto do desejo do Outro. A perda desta posição ao ser simbolizada na
linguagem constitui o recalque originário. Doravante o sujeito poderá satisfazer-se com
objetos substitutos. Ao fazer-se linguagem o desejo permanece para sempre insatisfeito, pois
o significante que o representa nunca é suficiente para recobri-lo plenamente, o que leva a
relançá-lo em cadeia, de objeto a objeto. O recalcado pode, então, retornar à cadeia associa-
tiva graças ao processo de substituição. Aqui já estamos no âmbito do recalque secundário.
Como o tempo de latência incide sobre o curso das pulsões sexuais que na travessia
edípica tomaram como objeto o genitor do sexo oposto ao da criança, é sobre os
representantes deste amor incestuoso que o recalque deve, agora, atuar. Para Alberti (2003, p.
15), na latência uma espécie de reedição do recalque originário na medida em que o
recalcamento que aí se processa visa a reassegurar a posição de sujeito desejante antes
conquistada.
97
4.2 A INIBIÇÃO INTELECTUAL
Recordamos, conforme analisado no primeiro capítulo, que para Freud o mecanismo
de inibição tem um lugar importante na própria constituição do tempo de latência. Para que o
recalque das pulsões sexuais, resultante da dissolução edípica, seja efetivo, é necessário o
apoio do mecanismo de inibição. Ele atua inibindo as pulsões sexuais quanto à sua finalidade,
abrindo o caminho para as sublimações. Nesse sentido, o processo de inibição garante a
normalidade do funcionamento psíquico, e quando este falha, ou seja, quando a passagem do
estado das pulsões, de desinibidas para inibidas, não se processa de forma satisfatória, surgem
as neuroses.
Também mencionamos, no primeiro capítulo, que Freud considera a inibição
intelectual um aspecto inerente ao tempo de latência, destacando que neste momento as
crianças perdem a vivacidade dos anos anteriores. Isso se na medida em que os
desenvolvimentos sexual e cognitivo correm paralelamente. Ele infere um entrelaçamento
entre as pulsões sexuais e as pulsões de saber a partir da observação das pesquisas das
crianças sobre a origem dos bebês, o que na sua interpretação não deixa de ser uma
investigação sobre sua própria existência, podendo ser o nascimento de um irmão o motivo
desencadeador.
Cabe lembrar, conforme Santiago (2005, p. 125), que a rigor não existe na teoria
freudiana das pulsões a categoria “pulsão de saber”. Freud denomina assim àquelas forças
pulsionais que, movidas pelos interesses sexuais, acionam a atividade intelectual despertando
o desejo de conhecer.
No artigo Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos, Freud descreve que a
atividade genital desencadeia a curiosidade sexual. Lacan (1995, p. 231), discutindo esta
análise, afirma que a partir do momento em que o pênis do menino se apresenta a ele como
uma presença real (entumesce), este passa a ser a medida pela qual ele vai começar a ordenar
aspectos do mundo.
Este processo de investigação sexual é interrompido por volta do sexto ano da criança,
devido à falsidade das teorias sexuais que a o-aceitação da castração materna acaba
acarretando. Freud (1905d, p. 182-184) afirma que quando a criança está para descobrir que
sua existência é resultado da relação sexual dos pais, o que implica o reconhecimento da
98
ausência de pênis na mãe, ela recua e cria uma teoria falsa em substituição. Passa a supor que
os bebês crescem na barriga das mães devido à ingestão de alimentos e que nascem pelo ânus.
Posteriormente, quando, por acaso, testemunha o coito dos pais, desenvolve a teoria de que se
trata de uma cena de violência entre ambos. O repetido insucesso no seu esforço investigativo
confronta a criança com o reconhecimento da castração, que culmina no recalcamento das
pulsões sexuais, dando início ao tempo de latência.
O recalque que se opera desvia a pulsão sexual dos objetos sexuais parciais
(sexualidade perverso-polimorfa), emergindo o falo como a nova referência do desejo sexual
do sujeito.
Santiago (2005, p. 129-130), seguindo Freud, recorda que o recalcamento das pulsões
sexuais, dada sua conexão com o desejo de saber, pode ter três destinos possíveis
30
: a inibição
do pensamento, a compulsão neurótica a pensar e a sublimação.
A sublimação é a saída mais favorável, porque neste caso o recalque deixa livre o
desejo de saber, incidindo somente sobre os representantes das pulsões sexuais. Nos outros
dois casos o desejo de saber é recalcado junto com as pulsões sexuais, tratando-se de formas
neuróticas de inibição do pensamento.
No caso da inibição do pensamento a atividade intelectual mostra-se bastante
prejudicada e o sujeito pode chegar ao limite da debilidade mental. Na compulsão neurótica a
pensar o desejo de saber resiste ao recalcamento e retorna do inconsciente numa espécie de
ruminação compulsiva. a dessexualização do pensamento, tal como ocorre na sublimação,
porém o prazer e a angústia que acompanham as primeiras pesquisas sexuais o transferidos
às atividades intelectuais, as quais adquirem as características das investigações infantis, ou
seja, costumam ficar sem solução (SANTIAGO, 2005, p. 130).
As dificuldades de aprendizagem em crianças que atingiram o tempo de latência,
quando vinculadas a motivos de ordem psicológica, costumam se apresentar como inibições
do pensamento. Na realidade houve um fracasso do mecanismo de inibição que opera junto do
recalque, o que ocasiona a sexualização do pensamento e se expressa nos conteúdos escolares
(SANTIAGO, 2005, p. 124).
30
A este respeito trabalhamos com o artigo freudiano Leonardo da Vinci e uma Lembrança da sua Infância, no
primeiro capítulo desta tese, item 1.3.4, A Inibição.
99
A metapsicologia do conceito de inibição em psicanálise pode nos auxiliar a avançar
na compreensão da relação entre este e a aprendizagem escolar.
O conceito de inibição, de acordo com Santiago (2005, p. 112-115), aparece em
Freud no artigo Projeto para uma Psicologia Científica, de 1895, como um mecanismo de
bloqueio do curso normal do pensamento acionado pelo próprio sujeito em função de
incompatibilidades entre a vida pulsional e a realidade externa. Neste momento teórico, para
Freud, a inibição tem a função de defesa para auxiliar o sujeito a lidar com a angústia
produzida pelo excesso de sexualidade, quer orientando a pulsão sexual a buscar satisfação
em objetos da realidade (inibindo o mecanismo alucinatório), quer impedindo-a de se
satisfazer no mundo exterior (inibindo o excesso de sexualidade pela interrupção da cadeia
associativa e do acesso à consciência das idéias incompatíveis com o eu).
Em 1905, no artigo Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, verifica-se que deixa
de ser um mecanismo que evita o excesso de sexualidade, passando a ser conceituado como
uma força psíquica que faz obstáculo à pulsão sexual com o fim de criar condições ao
exercício do pensamento. Na análise de Santiago (2005, p. 123-124), a moral, o pudor e a
repugnância que, para Freud, aparecem no tempo de latência, são forças dessa ordem, pois
inibem a pulsão quanto ao seu objetivo, a serviço do processo de sublimação. Como este
último não processa as pulsões perversas que emanam das zonas erógenas, o afluxo pulsional
não cessa completamente na latência. Os fragmentos de sexualidade que ressurgem de tempos
em tempos é que são inibidos pelas forças mencionadas.
Para a autora (2005, p. 124), na latência a inibição das pulsões sexuais não sublimadas
possibilita a dessexualização do pensamento, favorecendo o desenvolvimento cognitivo. Em
outros termos, a inibição permite criar um espaço psíquico não sexualizado, no qual o
pensamento pode se desenvolver. Assim sendo, as dificuldades de aprendizagem no tempo de
latência podem ter origem no fracasso da ação da inibição, que tem como conseqüência a
sexualização do pensamento, que por sua vez se expressa sobre os conteúdos escolares.
No artigo Inibição, Sintoma e Ansiedade, de 1926, com o qual trabalhamos no
primeiro capítulo, Freud distinguiu os conceitos de inibição e sintoma. No caso da inibição
uma função do eu é limitada, enquanto no sintoma ela é modificada. Neste artigo concebe que
a inibição pode ocorrer para evitar conflito com o isso e com o supereu, ou então como
resultado de um empobrecimento da energia disponível no eu como se verifica nas situações
de luto. Quando o motivo é evitar conflito com o isso se observa uma erotização intensa do
100
órgão responsável pela função. Neste caso as dificuldades de aprendizagem são um efeito da
sexualização de conteúdos escolares, como mencionamos pouco. É o processo inverso do
que ocorre na sublimação, em que o corpo é dessexualizado. Aqui a função intelectual adquire
um sentido sexual que anula a sublimação. Quando o motivo é evitar conflito com o supereu,
a inibição tem a função de promover a autopunição por meio da renúncia ao gozo. Neste caso,
as dificuldades de aprendizagem podem ser entendidas como uma forma de impedir o gozo
que adviria do sucesso nas mesmas.
Em Inibição, Sintoma e Ansiedade, Santiago (2005, p. 134-135) destaca a afirmação
de Freud de que inibição e sintoma podem encontrar-se associados. Esta idéia, na sua opinião,
permite ir além da concepção de inibição como defesa e assim o escamotear o benefício
pulsional que a acompanha. Para a autora, a compulsão a pensar mostra bem isso. Os
pensamentos que se infiltram contra todos os esforços do sujeito servem para puni-lo, e
satisfazem a pulsão de modo masoquista pelo qual o sujeito goza na posição de vítima. No
caso da criança que fracassa na escola, isso pode servir para punir os pais frustrando seus
ideais em relação à vida intelectual. Assim sendo, os benefícios que a criança angaria com seu
sintoma está no saldo entre a autopunição e o desespero dos pais.
Melanie Klein (2002), ao investir no tratamento psicanalítico de crianças, chama a
atenção dos psicanalistas para a incidência da inibição na infância. Considera, tal como Freud,
que a inibição, em princípio, não tem caráter patológico, revelando-se fundamental para o
desenvolvimento individual e cultural na medida em que é a base da sublimação e a garantia
do sucesso do recalque. Ela só se torna patológica quando atua com muita intensidade.
Para Klein (2002), é o prazer sexual associado a uma atividade que atrai o recalque
sobre si e conduz à inibição desta atividade ou tendência. Na sua experiência clínica detectou
que a inibição cedia quando se resolvia a angústia de castração. A partir daí procurou
esclarecer a relação entre esta e a inibição. Observa, em conformidade com Freud, que quando
a libido se encontra com o recalque, ela é descarregada em forma de angústia. A angústia é a
primeira manifestação neurótica e antecede o recalque que origem à formação dos
sintomas o que ocorre nas fobias, que serão trabalhadas na próxima seção), cuja função é a
de evitar o sofrimento. De forma semelhante, a inibição também é uma forma de defesa.
Neste caso, porém, o sujeito desvirtua a libido, dirigindo-a para as atividades das pulsões de
autoconservação, dando uma saída no campo das pulsões do eu ao conflito entre a energia
pulsional e o recalque.
101
Assim, diante da angústia de castração mobilizada pelo complexo de Édipo duas
possibilidades de saída: a via da formação de sintomas e a via da inibição.
Nas constatações de Klein (2002), todo representante pulsional tem um aspecto
ideativo e um aspecto afetivo. Quando ele se confronta com o recalque e este falha,
desaparece da consciência o aspecto ideativo, mas permanece o afeto, que se expressa na
forma de angústia. Como medida de defesa formam-se os sintomas. Quando o recalque é bem
sucedido, no entanto, o afeto também é transformado em angústia, porém esta é
imperceptível, isto é, permanece somente como uma disposição potencial no inconsciente. A
autora entende que o processo normal de inibição é resultado de um recalcamento bem-
sucedido. Neste caso, a angústia de castração é dirigida para uma tendência do eu que
anteriormente recebeu um investimento libidinal. Por meio deste investimento a angústia é
ligada a uma representação e descarregada. Se as sublimações que o sujeito realizou são
fortes e abundantes a angústia pode ser descarregada distribuindo-se entre elas.
Klein (2002) esclarece que o mecanismo de inibição participa tanto da formação de
sintomas (no caso de um recalcamento falho) como do processo de sublimação. O recalque e
as sublimações tomam por base tendências do eu investidas libidinalmente, assim sendo,m,
de início, um caminho comum. As fixações libidinais em vias de sublimação podem ser
afastadas deste caminho pela ação do recalque e resultar em sintomas. O mecanismo de
inibição pode criar obstáculos à formação de sintomas, porém isto impede ou diminui a
possibilidade de sublimação. Quando a angústia que investe as inibições é maior que a das
sublimações o resultado é a inibição neurótica. Inversamente, quanto mais êxito tem uma
sublimação, menor a necessidade de inibição.
Klein (2002), apoiada no anteriormente exposto, considera que a resistência à
aprendizagem é o resultado de um processo complexo de inibição neurótica diante dos
conteúdos escolares que adquiriram uma significação simbólico-sexual. Estas inibições estão
relacionadas à época do surgimento da sexualidade infantil, que com o advento do complexo
de Édipo ativou o temor de castração.
Comentando o pensamento de Klein, Santiago (2005, p. 104) afirma que a inibição
constitui, de forma particular, o avesso da sublimação, sem, contudo, equivaler-se ao
recalque.” A inibição evita a formação de sintomas descarregando nas funções do eu o
excesso de libido. Geralmente este processo permite ainda manter num certo nível o
investimento sublimatório, sendo, então, essencial para a saúde psíquica.
102
Lacan aproximou os conceitos de inibição e sintoma por meio da noção de objeto
causa do desejo (objeto a). Por um lado, a inibição participa da própria constituição do objeto
a. Vimos anteriormente, que uma de suas funções é a de inibir o mecanismo alucinatório para
que a pulsão encontre satisfação em objetos reais. Como estes nunca satisfazem plenamente
ao sujeito, deixam um hiato que vai funcionar como causa do desejo. Por outro lado, quando
esta função se encontra bloqueada surgem diversos efeitos sintomáticos, entre eles a inibição
intelectual (SANTIAGO, 2005, p. 136-145).
É nessa impossibilidade de satisfação plena que Lacan localiza a importância do
complexo de castração. Se na travessia edípica o desejo da mãe se mostra indiferente à lei do
pai, a criança não desliza da posição de objeto de desejo, não podendo referir seu próprio
desejo a uma falta, ficando impedida de agir em seu próprio nome. o passar pela castração
simbólica, que a introduz no tempo de latência, mantém na criança um estado de inibição.
Ao trabalhar sobre o personagem Hamlet, de Shakespeare, Lacan analisa esta idéia
fazendo uma aproximação entre inibição e ato. Considera que Hamlet fica impedido de
realizar a tarefa de vingar a morte de seu pai matando o assassino, seu tio e amante de sua
mãe, devido a uma atividade excessiva do pensamento. Constata que uma relação entre o
agir de Hamlet e a dimensão do saber. Tomado na trama edípica, ele tem sua ação inibida ao
não conseguir compreender porque sua mãe trocou seu pai por um homem indigno. O pai era
dotado de atributos fálicos, porém o não reconhecimento da mãe deixa o processo de
identificação em suspenso e Hamlet não consegue passar do complexo de Édipo para o
complexo de castração. A carência simbólica do pai não permite que ele saia da identificação
ao falo e reconheça a castração materna. Somente quando a trama da peça conduz Hamlet à
experiência da perda do falo, representada na morte de Ofélia, é que ele acede à castração
simbólica e pode sair da inibição (SANTIAGO, 2005, p. 150-154).
Numa analogia com o drama de Hamlet podemos postular que uma razão para o
fracasso na aprendizagem dos conteúdos escolares pode derivar da renúncia por parte da
criança em saber sobre o desejo materno, não reconhecendo a castração, o que a mantém
presa à trama edípica.
É possível que no tempo de latência, quando a criança ultrapassou a angústia de
castração e seu desejo se encontra liberado para sublimar-se em aprendizagens escolares,
ocorra o encontro com um ponto que a coloque psiquicamente em perigo, no qual pode se
localizar uma inibição.
103
Quanto a isso, Cordié (1996, p. 319-320) enumera algumas situações clínicas que
achamos interessante destacar. Para a autora, o bloqueio na habilidade de calcular (adicionar e
subtrair) pode aparecer quando um desejo de morte é despertado pela chegada de uma pessoa
nova na família; a proibição de saber pode relacionar-se à proibição de conhecer sua origem
quando a criança é adotada; um não dito sobre a doença mental ou a loucura de um dos pais
pode fazer com que ela tome o absurdo como norma, o que a impede de se orientar nas
operações lógicas; segredos de família que o podem ser revelados podem inibir a
curiosidade intelectual; situações traumáticas como o incesto em família, podem bloquear o
acesso à lei do discurso; o sucesso escolar quando adquire o significado de ultrapassar o pai
pode despertar a rivalidade edipiana convocando a interdição do supereu.
Marcelli (1998, p. 240-241) argumenta que a inibição escolar é um dos motivos mais
freqüentes de consulta psicológica para crianças entre 8 e 12 anos. Essas inibições se
manifestam tanto no âmbito comportamental, por meio do retraimento em situações sociais,
quanto no âmbito intrapsíquico, atingindo as funções cognitivas. Estas últimas costumam
perturbar mais aos pais e à escola, porém o fracasso escolar grave é raro.
As crianças intelectualmente inibidas parecem paralisadas na sua capacidade de pensar
e não raro expressam um sentimento de vazio” ou “branco” na cabeça. A dificuldade pode
situar-se também em alguma área específica, como a ortografia ou a matemática, por
exemplo. Apesar de intelectualmente bem-dotadas, sua expressão facial pode passar a
impressão de debilidade.
4.3 A FOBIA ESCOLAR
O conceito fenomenológico de fobia escolar é aplicado nas situações em que a criança
apresenta uma incapacidade total ou parcial de freqüentar a escola, resultante de um medo
excessivo de alguns aspectos da situação escolar. Geralmente ela nomeia como objeto de
medo a escola como um todo, mas também pode referir-se a aspectos específicos, como medo
da professora, dos colegas, dos testes ou de entrar na sala de aula. Em casa mostra-se
aparentemente tranqüila, porém quando forçada a enfrentar a situação, desencadeia-se um
ataque agudo de ansiedade, acompanhado de sintomas físicos diversos como: taquicardia,
náusea, vômito, diarréia e dores.
104
Marcelli (1998, p. 319-320) propôs adotar a expressão fobia escolar apenas para as
crianças maiores de 6 anos, que já ingressaram no Ensino Fundamental, a fim de diferenciá-la
da angústia, até certo ponto normal, da criança menor, que pode surgir num momento de
separação dos pais. Para estas situações sugere reservar a expressão angústia de separação.
O início da reação fóbica à escola é comumente abrupto, aparentemente sem uma
causa desencadeante, surgindo quando a criança parece estar bem adaptada ao ambiente
escolar. Outras vezes ocorre após uma interrupção por rias, doença ou outro acontecimento
como mudança de escola, troca de professor, saída ou conflito com um colega. Geralmente
estas crianças apresentam bom rendimento e não se recusam a desenvolver as tarefas
escolares em casa, dedicando-se a elas de tal forma que conseguem compensar suas faltas.
Buscaremos a compreensão da dinâmica de constituição da fobia escolar apoiando-
nos, inicialmente, no pensamento de Freud e de Lacan sobre as fobias.
O tema da fobia é extensamente abordado por Freud no caso clínico do pequeno
Hans
31
publicado em 1909. Trata-se da análise de um menino de 5 anos que desenvolveu
uma intensa fobia aos cavalos. Esta análise foi conduzida pelo próprio pai da criança, sob a
orientação de Freud. Anos mais tarde, aos 19 anos, Hans reencontra Freud e revela que ao ler
o caso clínico não conseguiu recordar-se dos acontecimentos nele relatados. Freud entende
que também sua análise caiu sob o fenômeno da “amnésia infantil” que ele considera
universal. É no tempo de latência que esta amnésia se institui.
No relato do caso Freud (1909b, p. 127) diz que se trata de um menino que
apresentava uma grande precocidade sexual acompanhada de idêntica precocidade intelectual.
Era uma criança que adquiriu cedo o controle esfincteriano anal e vesical e durante todo o
desenvolvimento de sua fobia apresentava repulsa a estes componentes libidinais. Revelava
nojo diante das fezes e de tudo que se associava a elas, tinha vergonha de urinar na frente de
outras pessoas e esforçava-se para não se masturbar (p. 100). Da mesma forma, o complexo
de castração foi adquirido muito cedo (p. 98). Estas indicações permitem supor que na época
da eclosão da fobia Hans já se encontrava no tempo de latência.
31
Na edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud este caso está publicado com o tulo
Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos.
105
A fobia, também denominada neurose de angústia, foi considerada por Freud como a
neurose da infância, isto é, como um passo necessário para o desenvolvimento libidinal, um
recurso para lidar com a angústia de castração por meio de sua ligação a uma representação.
Ele deduziu a causa da fobia do pequeno Hans do terror diante da figura do pai que lhe
parecia ameaçadora e poderia puni-lo em função de sua ligação edipiana com a mãe. A figura
do pai ameaçador foi projetada no cavalo, que assim se transforma em objeto fóbico. O que
estaria em jogo no sintoma fóbico seria o temor da castração operada pelo pai.
Lacan (1995, p. 353-355), ao trabalhar sobre o caso Hans, interpreta a relação entre a
fobia e a angústia de castração de forma diferente de Freud. Para ele, o temor do menino é o
de ficar preso em uma relação especular com a mãe. A fobia se instala na falha do complexo
de castração. Esta o é temida, mas buscada, para que cumpra seu papel na estruturação
psíquica.
Recordamos que para Lacan, no primeiro tempo da travessia edípica, o pai tem a
função de dar sustentação simbólica à relação mãe-filho. No segundo tempo, o pai intervém
como real e vem dar uma nova dimensão a esta relação imaginária, instalando-se como
interditor e rival. No terceiro tempo a criança aceita a interdição do pai internalizando-a sob a
forma de um supereu. Neste ponto a função do pai torna-se simbólica e a criança posterga a
condição de ter o falo para o futuro.
O pai do pequeno Hans era presente, amoroso e gentil, mas o era eficiente na sua
função de tirar o menino do âmbito materno. Conforme Lacan (1995, p. 226), é o pai real que
tem uma função de destaque no complexo de castração. A sua carência exige a substituição
por outra coisa, o que vai ser neurotizante.
Quando a criança se depara com a castração materna e com o fato de que ela não
preenche a falta lica da mãe, mostra-se angustiada e precisa dispor do recurso ao pai para
metaforizar o desejo da mãe e assim dar uma significação simbólica à falta do objeto. Se ela,
contudo, não encontra um pai que sustente esta operação simbólica, quando ocorre uma
carência real da metáfora paterna surge a angústia e a saída pode ser desenvolver uma fobia.
A fobia constitui uma solução, no plano simbólico, para a angústia. Para Lacan (1995, p. 378),
o sintoma fóbico se constitui como uma suplência ao Nome do Pai e permite a reconstituição
da subjetividade em um momento de crise.
106
No relato do caso do pequeno Hans, Freud escreve que a escolha do objeto fóbico é
semelhante à escolha dos elementos que compõem um sonho. Eles são retirados da
experiência cotidiana, os restos diurnos, que são aparentemente sem importância para a
criança. Por uma série de associações, no entanto, encontram-se relacionados a materiais
fantasmáticos muito significativos. Os cavalos faziam parte do cotidiano de Hans, uma vez
que sua residência ficava em frente à Central da Alfândega, de onde ele podia observar a
movimentação constante das carruagens. Durante a análise uma rede de associações em torno
do significante cavalo vai sendo desdobrada. Assim descobre-se que ele não somente receava
que um cavalo o mordesse, como também temia as carroças de mudanças, de ônibus, de
cavalos iniciando o movimento, de cavalos grandes, pesados ou que andavam depressa. Cada
um desses receios foi sendo associado a uma significação específica que remetia, em última
instância à fantasmática edípica (GURFINKEL, 2001, p. 44-45).
nos referimos ao fato de que a prática da psicanálise com crianças revela que as
fobias relacionadas ao ambiente escolar são bastante freqüentes. Tomando de Freud a idéia de
que a escolha do objeto fóbico é extraída do cotidiano do sujeito, tal como aconteceu com
Hans, não é estranho que a escolha recaia sobre a escola, uma vez que ela é hoje, conforme já
mencionamos, alvo de muito investimento e expectativas enquanto o lugar social da criança.
Além disso, porém, considerando como afirmamos antes, que a função de uma fobia é
dominar o sentimento de angústia, como a escola pode servir para este objetivo? Para
responder a esta interrogação recorremos à Penochet (1992).
O autor (1992, p. 82) observa que nos manuais de Psiquiatria as fobias geralmente
encontram-se agrupadas em fobias de objeto e fobias de espaço, sendo estas últimas
subagrupadas em agorafobia e claustrofobia. Além destas encontra-se a categoria “fobias de
meios de transporte”. No artigo Críticas do Espaço Fóbico: notas clínicas sobre as fobias de
espaço, Penochet (1992, p. 79), ao problematizar esta divisão, propõe que se encontre o laço
comum entre essas formações sintomáticas, operando um descentramento do objeto para o
espaço, procurando ultrapassar a mera descrição semiológica e fenomenológica. Segundo ele
(1992, p. 83), o novo recorte no campo das fobias proposto no DSM III (que distingue três
tipos de fobias: a agorafobia, a fobia social e as fobias específicas
32
) veio reforçar a idéia de
que se trata de entidades isoladas.
32
Esta mesma classificação é proposta na Classificação Internacional das Doenças Mentais – CID-10, da
Organização Mundial de Saúde, em vigor.
107
Destaca que na atual classificação psiquiátrica, ao mesmo tempo em que a agorafobia
é uma entidade totalmente separada da fobia de objeto, verifica-se que a definição dada ao
termo agorafobia diverge do sentido etimológico original – medo de lugares abertos – para ser
tomado como o medo de um conjunto de situações que m em comum o fato de serem
públicas. Segundo esta classificação, o que o agorafóbico teme não é uma configuração do
espaço em si, mas o fato de encontrar-se só, ou de encontrar-se em lugares públicos dos quais
seria difícil escapar, ou ainda de encontrar-se em lugares nos quais não poderia obter socorro
em caso de mal-estar súbito.Verifica-se que estes critérios englobam aspectos das antigas
claustrofobia e fobia de meios de transporte e que concebem o espaço aberto como fóbico
se este comportar o elemento da solidão. Na agorafobia observa-se que o fato de a pessoa
encontrar-se é relevante porque a angústia pode ser mais bem suportada se ela tiver um
acompanhante. Na claustrofobia, ao contrário, é a presença dos outros num espaço limitado
que é temida (PENOCHET, 1992, p. 83-84).
Analisando o que se passa nas fobias de meios de transporte é possível encontrar um
caminho para sair dessa contradição. De acordo com Penochet (1992, p. 85) esta fobia permite
reunir a idéia de exigüidade do espaço com o trânsito de um espaço familiar para um espaço
desconhecido, e ainda com o abandono ao controle do outro, que pressupõe o transporte em
um veículo do qual não se é o condutor. O que considera mais importante, porém, é que estas
fobias nos guiam em direção a algo fundamental, ou seja, a um terceiro espaço, cuja
característica é a de ser um espaço de comunicação, que permite o deslocamento de um ponto
a outro, um espaço que se situa entre o espaço aberto e o fechado. Penochet denomina este
terceiro espaço de espaço fóbico.
A constituição de um terceiro espaço cuja função é a de ao mesmo tempo ligar e
separar, segundo este autor (1992, p. 89), é o pano de fundo ou o denominador comum a todos
os tipos de fobia. A fobia de meio de transporte serve bem para ilustrar o movimento de
deslocamento do sujeito de uma posição subjetiva para outra, do familiar para o estranho, do
privado para o público, em que para alcançar um lugar é preciso abandonar outro. É isso que o
sujeito fóbico não está conseguindo realizar porque para ele a tranqüilidade do familiar, do
lugar primeiro de referência, está vacilando. O perigo, para ele, não está apenas no exterior,
mas também vem do seu interior. Uma solução possível é então recortar um território, um
terceiro espaço, no qual se coloca o objeto da fobia, e em torno do qual são organizadas as
estratégias de evitamento.
108
No mesmo momento em que um objeto se constitui como fóbico, um corte no espaço
se opera segundo três modalidades: o familiar, o estranho e uma zona de fronteira
intermediária, o espaço fóbico. Penochet (1992, p. 89) advoga que se estas idéias o
verdadeiras, então a agorafobia, a claustrofobia e as fobias dos espaços de transição não
podem existir independentemente e devem ser encontradas simultaneamente em todos os
pacientes.
Conforme nos referimos anteriormente, tomaremos de empréstimo as idéias de
Penochet para refletir sobre a fobia escolar. Antes, porém, é necessário situá-la em relação às
classificações psiquiátricas.
Observa-se que não existe unanimidade quanto a sua classificação. De acordo com
Marcelli (1998, p. 319), encontram-se níveis de organização psíquica variáveis, sob a mesma
conduta aparente. Em função disso, encontramos autores que a consideram uma organização
neurótica de tipo fóbica, enquanto para outros trata-se de uma forma de angústia de separação.
O CID-10 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993, p. 268) alerta que a fobia
escolar pode ter como causa principal a ansiedade de separação, mas que nem sempre se trata
disso. O DSM IV (MARCELLI, 1998, p. 319) considera que a fobia escolar pode ser tanto
uma forma de angústia de separação quanto uma fobia social. A faixa etária em que aparece
vai ser determinante no estabelecimento do diagnóstico diferencial, sendo a angústia de
separação reservada para as crianças menores.
Em nossa experiência clínica com crianças do Ensino Fundamental constatamos que
algumas vezes estas fobias tomam a forma de uma claustrofobia, como era o caso de um
menino de 9 anos que não conseguia entrar na sua sala de aula, mas que circulava
tranqüilamente no restante do espaço da escola. Sua classe tinha de ser colocada do lado de
fora da sala, em frente à porta aberta, de onde ele assistia às aulas. Já outra criança se recusava
a ir à escola diante da possibilidade de ser questionada pela professora e ter que falar diante da
turma, apresentando uma fobia do tipo social.
Diante da diversidade de formas de expressão das fobias no ambiente escolar nos
interessa pensar o que elas têm em comum, assim retomamos Penochet, tomando a metáfora
da fobia como meio de transporte.
Consideramos que a escolarização da criança compreende o trânsito do espaço familiar
(fechado) para o espaço público (aberto). No temor associado a esta saída um componente
109
agorafóbico (que pode ser minimizado quando a criança tem um acompanhante). Ao mesmo
tempo o confinamento no interior da escola pode constituir-se em um elemento claustrofóbico
(tal como o interior de um veículo). Se considerarmos, ainda, que a escola se tornou um
espaço obrigatório na condução da infância para a vida adulta, ela o deixa de ser também
um meio de transporte, reunindo assim fortes condições para se tornar um objeto fóbico.
A clínica psicanalítica constata que tudo aquilo que pode ligar ou conduzir de um
ponto a outro comporta potencialidades para se tornar objeto fóbico. Pode-se citar aqui a
janela, a porta, a soleira, o corredor, as zonas de fronteira entre o interno e o externo, o
embaixo, o em cima, entre outros. “Quanto mais a passagem é obrigatória, tanto mais seu
papel de comunicação é importante e mais o efeito fóbico é marcante.” (PENOCHET, 1992,
p. 86). É freqüente nas fobias escolares que a crise de angústia se desencadeie quando a
criança se defronta com o portão da escola, ou, então, com a porta da sala de aula.
Para concluir reafirmamos, em consonância com Lacan, que a angústia surge sempre
que a posição de sujeito desejante está em risco. A formação de uma fobia é uma forma de se
proteger deste risco. Quando a angústia invade o sujeito no tempo de latência, é a própria
sustentação desta organização psíquica que pode ficar inviabilizada. O recurso ao sintoma é
uma forma, mesmo que neurótica, de sustentar o desejo.
Não podemos esquecer que Freud
33
na formação dos sintomas fóbicos, assim como
nos demais sintomas neuróticos, uma solução de compromisso, ou seja, ao mesmo tempo em
que eles impedem a realização de um desejo proibido, são também uma forma de realizá-lo.
Quando, por alguma razão, a escola ou um aspecto relacionado a ela adquiriu uma
significação relacionada a um desejo erótico censurado, mediante a formação de uma fobia a
criança pode encontrar um limite que impede sua realização. Por outro lado, ao ficar em casa
e pela atenção que recebe dos pais em razão de seu sintoma, seus desejos incestuosos não
deixam de encontrar uma forma de gratificação.
33
Na discussão do caso Hans, Freud (1909b, p. 124-125) escreve: “Mas o importa quão clara possa ter sido a
vitória na fobia de Hans das forças que eram opostas à sexualidade, que essa doença é na sua mais profunda
natureza um compromisso, isso não pode ser tudo o que as pulsões recalcadas obtiveram. Afinal, a fobia de Hans
por cavalos era um obstáculo a ele ir até a rua, e podia servir como um meio de lhe permitir ficar em casa com
sua querida mãe. Dessa maneira, portanto, sua afeição por sua querida mãe realizou triunfalmente seu objetivo.”
110
4.4 A FOBIA DE PINÓQUIO
As histórias infantis, como justificam Corso e Corso (2006, p. 22), em Fadas no Divã,
nos possibilitam ver a teoria psicanalítica em funcionamento. Com este objetivo, ao longo
desta tese inserimos epígrafes retiradas da obra literária As Aventuras de Pinóquio,
considerando que sua narrativa revela muito do que é a experiência subjetiva de uma criança
em tempo de latência. Nessa perspectiva procuramos, agora, ampliar nossa leitura da obra,
com a pretensão de empregá-la também para concluir as reflexões sobre a fobia escolar.
As Aventuras de Pinóquio foram escritas por Carlo Collodi, pseudônimo de Carlo
Lorenzini, jornalista e escritor italiano do século XIX, e publicadas inicialmente em pequenos
capítulos no Giornale per i Bambini, primeiro periódico italiano voltado para as crianças entre
os anos de 1881 e 1883. Após uma série de 15 capítulos a publicação foi interrompida sendo
retomada alguns meses após, em razão de insistentes pedidos dos leitores. Em 1883 os
episódios são reunidos em um livro. Desde então a popularidade da obra não parou de crescer,
sendo considerado, atualmente, o livro que alcançou a maior tiragem depois da Bíblia e do
Alcorão.
Trata-se de um livro, segundo Corso e Corso (2006, p. 214), de difícil classificação
quanto ao estilo, pois contém elementos que o aproximam do conto de fadas e do romance
moderno, lembrando ainda uma fábula ao avesso
34
. A obra tem uma finalidade pedagógica,
uma vez que em cada capítulo o boneco que não pára de cometer transgressões é recriminado
e aconselhado. Pinóquio resiste às orientações e como todas as crianças, prefere aprender a
partir de suas próprias experiências, pois na aquisição dos valores morais da sua cultura cada
uma “faz uma síntese própria através de uma história acidentada e singular.” (p. 214).
Talvez seja esta uma das razões do seu sucesso. A obra facilmente provoca a
identificação das crianças com o personagem, que passa por experiências difíceis, erra, mas
também é capaz de grandes atos de nobreza, deseja e se angustia como todo ser humano. A
fragilidade humana do personagem já é antecipada no início da fábula com o aviso que é dado
aos pequenos leitores, de que não trata da história de um rei, como é de praxe nos contos
infantis, mas da história de uma simples madeira de queimar.
34
Os autores apontam duas diferenças em relação ao gênero da bula: o fato de o herói ser sempre perdoado e
ter novas oportunidades e o seu empenho em provar que não aprendeu a lição.
111
Pinóquio
35
é uma marionete fabricada por Gepetto a partir de um pedaço de madeira
que não se sabe como apareceu na marcenaria de seu amigo, Mestre Cereja. Desde o início a
madeira parece humana, pois fala, ri e saltos feito criança. Gepetto, também conhecido
pelo apelido de Polentinha devido a sua peruca amarela, é um velho que alimenta sonhos da
adolescência. Quer fazer uma marionete que saiba dançar, esgrimir e dar saltos mortais, para
com ela correr o mundo e assim conseguir um pedaço de pão e um copo de vinho.
Mal começa a entalhar o boneco e este já lhe rouba a peruca. Bastou terminar as
pernas para que começasse a andar sozinho, logo a correr pelo quarto e em seguida fugir para
a rua saltitando como uma lebre. o demora e é pego por um carabineiro que o devolve a
Gepetto, que vinha correndo atrás dele. Pinóquio não quer ouvir o sermão que o pai lhe
passa e atira-se no chão. As pessoas que assistem à cena se penalizam, pois acham que ele tem
razão de o querer voltar para casa porque o pai o maltrata, o que faz com que o carabineiro
prenda Gepetto.
Pinóquio volta para casa sozinho, e tem o primeiro encontro com o grilo falante. Este
o repreende por maltratar o pai e o aconselha a ser um bom menino e estudar. Pinóquio o
quer saber disso e acerta o grilo com um martelo, deixando-o estatelado contra a parede. Este
ato é o início de uma série de desventuras que ele tede atravessar até tornar-se um menino
de verdade. Este é o primeiro encontro do boneco com a morte, ou seja, com as castrações que
toda criança necessariamente precisa experimentar para sua humanização.
A partir daí ele vai ser acossado pela fome, e queimar os pés. Como um bom pai, no
entanto, Gepetto, ao voltar da prisão vai refazê-los e dar-lhe seu único pedaço de pão.
Agradecido Pinóquio promete que no dia seguinte irá para a escola estudar. O pai, então,
vende o paletó para lhe comprar a cartilha, mas no caminho da escola o boneco resolve mudar
de planos e ir ao teatro de marionetes, caindo prisioneiro do proprietário Tragafogo, que o
obriga a representar na sua Companhia. Ali Pinóquio salva outra marionete da morte e
comovido com seu gesto Tragafogo o liberta e lhe dá cinco moedas de ouro para que as leve a
seu pai. No caminho de casa é ludibriado pela raposa e pelo gato, que o convencem a ir
semeá-las no Campo dos Milagres. Eles o acompanham auma estalagem de onde deverá
seguir sozinho. Na manhã seguinte o os reconhece nos assassinos que o perseguem. Na
fuga percorre campos e vales aencontrar uma casinha branca, ocasião em que uma linda
35
Pinóquio em italiano significa a semente do pinho, o pinhão, nome que remete a sua origem, um pedaço de
madeira de queimar (MANGANELLI, 2002, p. 25).
112
menina de cabelos azuis aparece na janela e lhe informa que ela e todos ali estão mortos, e
nada faz em seu auxílio. Finalmente os assassinos o alcançam e o enforcam num de
carvalho. À beira da morte lembra de seu pobre pai lançando-lhe um último apelo. Oh, meu
pai, se você estivesse aqui!...” (COLLODI, 2002, p. 63).
A história, todavia, não termina aí, pois a morte de Pinóquio é fim e é recomeço, tendo
um papel essencial em sua mutação. Para Manganelli (2002, p. 84),
[...] o enforcamento no galho do Grande Carvalho encerra um itinerário, e é
o sacrifício extremo que permite o acesso a uma região ignorada. Nunca
como naquele ponto fronteiriço Piquio esteve tão perdido, rejeitado,
acossado, sozinho, órfão e morto.
Neste ponto inicia-se a segunda parte de suas aventuras.
Ao vê-lo pendurado no galho do carvalho, a menina que pouco antes lhe negara socor-
ro se comove e manda acomodá-lo na casinha branca. Podemos supor que ela é uma fada boa
que sabe que esta morte é necessária para a sua transformação. Ela manda buscar três
médicos: a coruja, o corvo e o grilo falante para saber se ele está morto ou vivo. A coruja ao
examiná-lo conclui que ele está morto. o corvo acha que ele está vivo, e o grilo-falante
acusa-o de tratante, moleque, preguiçoso, vagabundo e filho desobediente. Ao ouvir estas
verdades Pinóquio, envergonhado, se esconde embaixo das cobertas e chora, revelando-se
vivo.
Nos dias que seguem Pinóquio mostra-se febril e a menina cuida dele como faria uma
mãe. Quando ele recupera a saúde ela lhe pergunta onde estão as moedas de ouro que deveria
levar ao pai. Ao responder ele mente por três vezes e por três vezes seu nariz cresce. Não há
como enganar a fada-mãe. Ela sabe que ele mente e ri. Ele quer sumir de vergonha.
Gepetto é avisado do paradeiro do filho, mas enquanto Pinóquio o espera, mais uma
vez é desviado desse encontro. Reencontra o gato e a raposa e segue com eles novamente para
o Campo dos Milagres. As moedas de ouro que estavam no seu bolso são roubadas, e ele pega
quatro meses de cadeia para aprender a não ser enganado. Libertado, quer voltar para a casa
da fada, mas no caminho, ao tentar arrancar um cacho de uvas para matar a fome, é pego por
um camponês, que o obriga a trabalhar como cão de guarda de um galinheiro.
As fuinhas tentam corrompê-lo. Propõem que ele deixe que elas levem oito galinhas
por semana e em troca uma será dele. Ele finge aceitar o acordo, mas à noite, quando elas
113
chegam sorrateiras, ele late avisando o camponês. Em agradecimento é libertado. Manganelli
(2002, p. 116) considera que Pinóquio “superou outro patamar de sua iniciação humana: ao
mesmo tempo desceu e subiu. Reduzido a servo, pôde ser libertado.”
Retomando sua intenção de voltar à casa da fada, em seu lugar encontra apenas uma
lápide que diz: “Aqui jaz a menina de cabelos azuis, que morreu de dor por ter sido
abandonada por Pinóquio.” Desta vez ele se depara com a dimensão irreparável da perda.
“Descobre que a falta de amor mata e que o amor não repara a morte.” (MANGANELLI,
2002, p. 199).
Agora ele quer saber onde está seu pobre” pai. Descobre que Gepetto se lançou ao
mar numa pequena embarcação à sua procura. Chega a tempo apenas de vê-lo afundar em
meio a uma forte tempestade. Pinóquio sobrevive e chega a uma ilha onde fica a aldeia das
Abelhas Industriosas, na qual só havia pessoas trabalhadoras. Conclui que esta vida não é para
ele e resolve pedir esmolas.
A fome leva-o novamente ao encontro da fada, agora na figura de uma moça bondosa
que o acolhe e promete ser sua mãe se ele prometer obedecer e ir à escola. Pinóquio consente.
Cansado da vida de marionete, quer se tornar um menino a qualquer custo. Por um tempo
freqüenta a escola, mas um dia, em vez de ir à aula, resolve seguir um grupo de colegas até a
praia. Lá se envolve numa briga e é acusado injustamente de acertar um livro na cabeça de um
dos meninos. No caminho para a prisão consegue fugir e volta à praia bem a tempo de salvar
o cão Alidoro, que está se afogando. Num descuido cai na rede de um pescador, que o toma
por um peixe raro e quer fritá-lo. Agora é Alidoro que lhe salva a vida.
No caminho de volta para a casa da fada mente mais uma vez e seu nariz cresce,
voltando ao normal quando admite que é um moleque desobediente e preguiçoso, que em vez
de ir à escola vai aprontar com os colegas. Chegando em casa, a fada não o perdoa facilmente,
mas por fim o faz com a promessa de que ele vai se comportar para sempre e ir à escola
municipal. No restante do ano ele, de fato, cumpre sua promessa.
Quando faltava um dia para a formatura e então se tornar um menino de verdade,
resolve ir com seu amigo Pavio para o país dos brinquedos, no qual só viviam crianças entre 8
e 14 anos. Um lugar sem escola, livros ou professores, onde férias para sempre. De acordo
com Manganelli (2002, p. 157): “Ali se reúnem e depositam todos os sonhos construídos pela
desiludida mitomania infantil.” Depois de cinco meses de farra Pinóquio percebe que suas
114
orelhas estão crescendo. Ele está se transformando num burro verdadeiro, daqueles que
puxam o carreto e levam repolhos para o mercado. Pinóquio é levado para ser vendido e é
comprado pelo diretor de uma companhia de palhaços que o ensina a dançar e a saltar por
dentro de um aro. Durante um espetáculo fica manco, sendo então comprado por outro, para
fazer da sua pele um tambor, mas não é isso que ocorre. Como pagou somente 20 centavos
por ele, o novo dono resolve atirá-lo ao mar, depois de atar-lhe as patas com uma corda.
A carne do burro é comida pelos peixes e assim reaparece a marionete que se
encontrava em seu interior. Enquanto Pinóquio nada para salvar-se é engolido por um terrível
tubarão. Ali, dentro do seu corpo, reencontra o pai, que justamente naquele dia está
consumindo a última vela e está com a despensa totalmente vazia. lhes resta esperar a
morte. Pinóquio, entretanto, mesmo sendo uma pequena marionete de um metro de altura,
enche-se de força e consegue salvar o pai. Daí em diante começa a estudar à noite e trabalhar
durante o dia para sustentá-lo. Depois de um dia de intenso trabalho adormece e sonha com a
fada que lhe perdoa todas as travessuras porque tem se mostrado um filho dedicado. Na
manhã seguinte ao acordar e olhar-se no espelho, a imagem de um menino como todos os
outros. Na sala ao lado Gepetto, sadio e animado como antigamente, havia retomado sua
profissão de entalhador. Encostada numa cadeira Pinóquio vê uma grande marionete.
O encontro em sonho com a fada mostra que Pinóquio a situa definitivamente em um
outro mundo, um mundo de sombras e de encantamentos, de assombrações e de milagres, que
ele percorreu e do qual agora pode se despedir. A marionete sem vida, escorada em uma
cadeira, é a imagem da sua transformação. Ninguém mais lhe fala da escola. Pinóquio já é um
jovem rapaz. Sua infância ficou para trás.
A fábula de Pinóquio apresenta o percurso fantasmático das nossas infâncias, retratan-
do especialmente o tempo de latência. Aponta para o desamparo e a fragilidade; a vitalidade e
a criatividade; o deixar-se iludir e a necessidade de transgredir que existem em todas as
crianças. Revela que elas se humanizam na medida em que encontram outros que assim o de-
sejam e que as educam. E mostra o quanto todo o processo requer um árduo trabalho psíquico.
Além destes aspectos, a fábula nos interessou pela relação do personagem com a
escolarização. Esta aparece desde o início como o grande ideal que lhe é apontado e que ele
recusa veementemente.
115
Nossa proposição é a de pensar a sua recusa escolar como uma fobia, a partir do lugar
do pai nesta história.
É possível inferir que o pedaço de madeira que deu origem ao boneco desde o início
da trama se encontra separado da floresta materna, tudo se passando no campo paterno.
Trata-se assim de uma subjetividade que se encontra desalojada da posição de
complemento fálico. Lacan (1995, p. 407-408) assim se refere a este momento: Vocês vão
ver surgir sempre uma fobia na criança nesse momento crítico, que é típico: falta alguma
coisa que virá desempenhar o papel fundamental na saída da crise, aparentemente sem saída,
da relação da criança com sua mãe.”
Sabemos que neste momento a função do pai é da maior importância, mas até que
ponto Gepetto consegue desempenhá-la?
Ele é apresentado como um homem bondoso, capaz de grandes sacrifícios pelo filho,
tais como o de dar-lhe seu último pedaço de pão ou o de vender seu único casaco para
comprar-lhe a cartilha. Ao mesmo tempo é desrespeitado pelo filho, que ri, debocha e o faz de
bobo, nem mesmo hesitando em deixar que ele para a prisão por sua culpa. Na leitura da
bula constatamos que Gepetto é nomeado, geralmente, como um pobre pai. O adjetivo
pobre” pode ser tomado tanto no sentido da miséria material quanto no sentido do
sofrimento moral pela humilhação que a ingratidão do filho causa. De qualquer forma trata-se
de um pai desvalorizado. Dolto, conforme vimos no segundo capítulo, observa que a posição
financeira do pai pode fazer com que ele perca valor aos olhos da criança e ela não consiga
sustentá-lo na posição fálica à qual foi alçado durante a travessia edípica, o que pode
desencadear diversos sintomas durante o tempo de latência.
Realizando também uma leitura da figura paterna representada por Gepetto do ponto
de vista do seu lugar na cultura, podemos supor que de alguma forma ele representa o pai da
modernidade. nos referimos anteriormente ao fato de que o fim do pátrio-poder levou à
pulverização e à disjunção da função do pai, que pode ser ocupada alternada ou
simultaneamente por diversas pessoas, acarretando o que Lacan nomeou de declínio social da
imago do pai.
Em psicanálise, a função paterna desempenha um papel fundamental na constituição
psíquica e tanto seu excesso quanto sua carência podem ser a base de diversas psicopato-
116
logias. Vimos que as fobias infantis, para Lacan, surgem para fazer suplência a um pai cuja
potência está em questão e assim não pode oferecer a garantia de sustentar a castração.
Pinóquio se confronta com a demanda de escolarização. Consentir em estudar é
deixar-se tomar totalmente por esta demanda, o que significa uma ameaça de anulação de sua
condição de sujeito desejante. Nas palavras de Corso e Corso (2006, p. 217),
Quando somos obedientes tornamo-nos personagens do sonho parental, em
vez de fazer da vida uma trama orientada pelas nossas expectativas. Por
outro lado, quando renegamos a herança cultural e os desejos de nossos pais,
mergulhamos no nada, imperando a desorganização psíquica. Somos, então,
o delicado equilíbrio entre o não encarnar o que esperam de nós, mas
levando em conta exatamente isso.
Para sorte de Pinóquio, no entanto, em meio as suas aventuras, em que enfrenta uma
série de percalços e desgraças, ele não desiste nunca de encontrar o pai. personagens cujo
lugar na trama é justamente o de auxiliá-lo nisso. E é somente no final, quando o tão esperado
reencontro acontece, que ele se “normaliza”, ou seja, consegue estudar e trabalhar.
Nas primeiras linhas da fábula, quando o autor avisa que não rei, aponta para
uma ausência no lugar do pai, que vai se reeditar no desenrolar da história. Para Manganelli
(2002, p. 8), “a ausência do rei o apenas não suprime, como também transforma numa
potência intolerável o lugar que ao rei pertence.”
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Agora, imaginem a surpresa dele quando, ao acordar,
percebeu que não era mais uma marionete de madeira,
mas que, em vez disso, havia se tornado um menino
como todos os outros.” (COLLODI, 2002, p. 180).
Esta pesquisa teve o objetivo de articular a latência enquanto um dos tempos do
processo de constituição psíquica com o processo de escolarização. Para tanto, consideramos
importante, inicialmente, situar o conceito tempo de latência no contexto da obra freudiana e
num segundo momento analisar seus desdobramentos no campo da psicanálise depois de
Freud, principalmente entre aqueles que mais se ocuparam com a análise de crianças. Este
percurso nos conduziu a uma leitura do tempo de latência pelo viés da psicanálise lacaniana, o
que nos permitiu sustentar sua constituição na dependência do laço social. Considerando a
importância do Outro no processo de constituição do sujeito, tomamos a escola e seus
representantes como aqueles que ocupam este lugar no tempo de latência. Entendemos o
processo de escolarização da infância como um dos aspectos de nossa cultura que favorece a
constituição deste tempo, na medida em que retira a criança do âmbito restrito da família e
oferece possibilidades de sublimação. Em contrapartida, a estrutura psíquica da latência
também possibilita que a criança consiga dar conta do processo de escolarização. Assim,
consideramos que quando, por alguma razão, ocorrem fraturas nesta estrutura, estas se
mostram por intermédio de diversas formações clínicas, entre as quais destacamos a inibição
intelectual e a fobia escolar, pois é principalmente na escola que seus efeitos se fazem sentir.
Iniciamos esta pesquisa situando o interesse de Freud pelo estudo das neuroses, em
cuja origem as investigações da época localizavam um trauma de caráter sexual. Entre este e o
aparecimento dos sintomas neuróticos, Freud considerava necessário um tempo de
recalcamento. Embora ainda não o nomeasse como tempo de latência, localizamos aí as
origens do conceito.
O abandono da teoria da sedução traumática com a revelação do complexo de Édipo
levou ao estabelecimento da teoria da sexualidade infantil, na qual verificamos o
aparecimento do conceito tempo de latência, em 1905, nos Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade.
118
Nessa época Freud o define como o período que se situa entre os dois momentos de
maior atividade da pulsão sexual no desenvolvimento da sexualidade, localizando o primeiro
entre os 2 e 5 anos e o segundo na puberdade. O tempo de latência ocuparia a faixa
intermediária, que se estende entre os 5 e 11 anos aproximadamente. Neste momento sua
origem foi localizada em uma característica biológica da espécie humana (o desenvolvimento
sexual bifásico) que a educação apenas fixa com maior intensidade na medida em que é
transformado em um ideal do qual cada um se aproxima em maior ou menor grau.
No mesmo artigo verificamos que a escolha objetal acompanha o desenvolvimento
bifásico da sexualidade. No primeiro tempo os alvos desta escolha são os pais e o tempo de
latência vem barrá-la por meio do processo de recalcamento. Com este objetivo o
construídas forças psíquicas que têm a função de restringir o curso da pulsão sexual, tais
como a vergonha, o asco e os ideais estéticos e morais. Estas formações reativas transformam
em virtudes as disposições sexuais perversas da infância. Assim, no tempo de latência, as
pulsões sexuais continuam ativas, sendo apenas dirigidas para outros fins pelo mecanismo da
sublimação.
Constatamos, ainda, que no tempo de latência a sexualidade continua auto-erótica e as
relações que a criança estabelece com outras pessoas seguem o modelo das relações com a
mãe, que é o seu primeiro objeto de amor.
O estabelecimento do tempo de latência como um evento que ocorre no curso das
pulsões sexuais dirigiu nosso interesse para o estudo do desenvolvimento da teoria freudiana
das pulsões, procurando localizar o lugar que este conceito vai ocupando no seu
desenvolvimento.
Distinguimos uma etapa inicial quando Freud está preocupado com a pressão que a
civilização, por meio da educação, exerce sobre as pulsões sexuais, estabelecendo a causa
das neuroses. Nesta época, para ele, o tempo de latência é o momento em que esta pressão
ocorre com maior intensidade.
Por ocasião do estabelecimento do dualismo entre as pulsões sexuais e de auto-
conservação, Freud esclarece que as primeiras se desenvolvem na direção do auto-erotismo ao
amor objetal e as segundas de um eu-prazer para um eu-realidade. Neste contexto articula o
tempo de latência às noções de princípio do prazer e princípio de realidade. O tempo de
latência tem a função de manter o auto-erotismo dos primeiros anos da infância pelo
119
adiamento da escolha de objeto para a puberdade, retardando, assim, a submissão das pulsões
sexuais ao princípio de realidade.
Quando da construção da teoria do desenvolvimento libidinal, verificamos que até o
reconhecimento da organização fálica, em 1923, Freud situava o tempo de latência após a fase
sádico-anal. Antes deste reconhecimento é a repressão das pulsões sádico-anais, devido ao
conflito com as pulsões do eu, que conduz ao tempo de latência. A ainda precária noção do
processo de identificação impede a compreensão do real valor do complexo de Édipo na
constituição psíquica.
O deslocamento do dualismo pulsional para a oposição entre pulsões de vida e pulsões
de morte leva ao aprofundamento da compreensão dos fundamentos dos laços sociais. Neste
ponto as pulsões sexuais, incluídas no grupo das pulsões de vida, quando inibidas em sua
finalidade seguem o caminho da ligação, dando origem aos grupos. Demonstramos que isso
se torna possível no tempo de latência por causa do recalcamento do complexo de Édipo e da
sublimação das pulsões sexuais. Quando o trabalho de ligação das pulsões sexuais é mal-
sucedido emergem as neuroses.
Na seqüência de nossa revisão do conceito tempo de latência na teoria freudiana
consideramos a reformulação da teoria das pulsões como um momento marcante que trouxe
como conseqüência importantes avanços teóricos, tais como o estabelecimento da teoria
estrutural, a definição da organização fálica, o reconhecimento do valor constituinte dos
complexos de Édipo e de castração e a revisão da teoria da angústia.
Verificamos que neste novo contexto teórico a interrupção do desenvolvimento
libidinal por um tempo de latência é um dos fatores responsáveis pela origem do supereu.
Freud considera-o como um fator que faz parte da herança filogenética do homem, cuja
origem estaria possivelmente no período glacial. O supereu, conforme já referido, é o herdeiro
do complexo de Édipo que passou a ser considerado como o fenômeno central do primeiro
tempo de eclosão sexual, que acontece na fase fálica. A introdução da noção de organização
fálica completou a teoria freudiana do desenvolvimento libidinal e o tempo de latência até
então situado após a fase anal foi deslocado para o final da nova fase.
Nesse período o eu pressionado pelos interesses do isso e do supereu, revelou-se para
Freud como a sede da angústia. Esta aparece em todas as etapas da vida, mas em cada uma
delas tem um fator determinante específico. Vimos que a partir do tempo de latência é o
120
receio do supereu que a desencadeia, porque somente esta instância psíquica está
constituída. Com a finalidade de lutar contra os desejos edipianos, no tempo de latência
podem aparecer tanto defesas e sintomas típicos da neurose obsessiva quanto inibições nas
funções do eu que por alguma razão se tornaram demasiado erotizadas. Ambas as
possibilidades caracterizam o trabalho psíquico próprio desta etapa do processo de
constituição psíquica e geralmente não significam que haverá uma evolução patológica.
Seguimos em nosso estudo, investigamos as idéias de Freud sobre a relação natureza,
cultura e tempo de latência, e a partir daí situamos a relação entre a vida social e a
constituição psíquica individual. Embora o pensamento de Freud a este respeito se
tornando cada vez mais elaborado, persiste a afirmação de que o tempo de latência tem
origem em uma característica filogenética da espécie humana – o desenvolvimento bifásico da
sexualidade –, localizando aí a origem da civilização e também a causa das neuroses. Estas, a
partir da publicação de O Mal-Estar na Civilização, são inevitáveis, ou seja, o preço a pagar
pela parcela de segurança que a vida civilizada pode oferecer diante do desamparo
constitucional do homem. Vimos que o desamparo, no âmbito psíquico, está na origem da
constituição do supereu, que nada mais é que a internalização da autoridade daquelas pessoas
que a criança ama e das quais sua segurança depende. Quando a criança, no seu processo
constitutivo, atravessa o tempo de latência, a instância do supereu está operando, fazendo
parte de um conjunto de aspectos que o caracterizam.
Concluímos o percurso pela obra freudiana aproximando novamente o conceito tempo
de latência da noção de trauma, ponto este no qual iniciamos nossa leitura de Freud.
Verificamos que ele retoma a relação entre trauma e latência no seu último artigo publicado
em vida, Moisés e o Monoteísmo. Ali, é possível perceber uma espécie de resgate, em outras
bases, da teoria do trauma muito abandonada. No referido artigo o conceito tempo de
latência retirado do contexto da teoria da sexualidade infantil torna-se o tempo necessário
para que uma coletividade elabore um evento traumático em sua história. No tempo de
latência o acontecimento é esquecido, mas apenas para retornar com toda força numa etapa
posterior. De forma análoga, no desenvolvimento da criança o esquecido, ou seja, o que é
recalcado, são os primeiros anos da infância, que correspondem ao primeiro período de
eclosão da sexualidade. Este tempo, no pensamento de Freud, equivale ao tempo de
elaboração do trauma na história da religião judaica. E assim como foram necessários três
tempos para a constituição desta religião, também o são para a constituição de uma neurose: o
121
tempo do acontecimento, o tempo de elaboração e um terceiro tempo no qual o primeiro
adquire um sentido.
Depois de percorrer a obra freudiana buscamos situar o conceito tempo de latência na
obra de psicanalistas pós-freudianos. Observamos que os autores pesquisados se mantiveram
em acordo com o pensamento de Freud sobre o tempo de latência, porém privilegiaram
aspectos diferentes em conformidade com seus próprios desenvolvimentos teóricos e das
escolas de psicanálise às quais se filiaram.
Assim sendo, vimos que Melanie Klein dá destaque à força do recalque e seu efeito de
diminuição da angústia, mas também de empobrecimento da vida imaginativa, o que para ela
supõe uma clínica na qual a interpretação é prioritária. Anna Freud, por sua vez, relevo ao
fortalecimento do eu que, por meio do desenvolvimento da função do pensamento, se torna
habilitado para lidar com os conflitos que decorrem das exigências do “isso” e da realidade
externa, contando para este trabalho com o reforço do supereu. Por isso, na clínica, segundo
ela, é necessário buscar a cooperação intelectual do paciente. Winnicott, reconhecendo as
diferenças entre ambas, analisa os efeitos destas na clínica com crianças em tempo de
latência, concluindo que a interpretação deve visar apenas à modificação daquilo que interfere
no desenvolvimento normal da criança e venha a fortalecer as estruturas mais fracas do eu.
Prosseguindo com Winnicott vimos que ele assinala algumas características em seu
modo de ver importantes no período, como a calma pulsional e a dessexualização das relações
com adultos e crianças, o desenvolvimento do processo secundário, do ideal do eu e do
supereu. Segundo ele, observa-se na criança uma certa normalidade porque ela apresenta
um eu bem mais organizado, sendo um tempo para usufruir as capacidades desenvolvidas a
então.
Na mesma direção apontada por Anna Freud detectamos em Sarnoff a ênfase na
latência com um tempo de incremento das defesas do eu. Este autor considera que o trabalho
psíquico no período é intenso na medida em que é necessário um grande investimento para a
canalização da energia pulsional na direção de fins não sexuais. A calma, a docilidade e a
educabilidade características desta etapa somente são possíveis mediante um processo ativo
de reorganização do eu, no qual tem lugar o desenvolvimento de importantes funções
cognitivas em razão das novas exigências sociais.
122
Numa outra linha de pensamento trouxemos Françoise Dolto, em cuja obra
destacamos o conceito de imagem inconsciente do corpo. Esta imagem se modifica na medida
em que o desejo erótico da criança é atravessado por sucessivas castrações. No tempo de
latência a imagem se apresenta atravessada pela Lei imposta pela castração edipiana. A
criança constituiu o narcisismo secundário identificando-se à identificação do genitor à Lei,
portanto identificando-se a um sujeito igualmente castrado. Nas palavras de Dolto, na latência
a criança pode dirigir seu desejo para fora da família, sendo importante que este seja validado
pelos seus componentes. Assim ela se sentirá liberada para investir nas aprendizagens e nos
fatos do mundo.
Encerramos o percurso pela psicanálise pós-freudiana situando o tempo de latência
como um tempo lógico, o tempo para compreender. Entendemos com Lacan que o tempo para
compreender é uma das formas de realização do sujeito, ou seja, uma forma de subjetivação.
Consideramos a constituição psíquica como um processo no qual localizamos: um instante de
ver (tempo do trauma ou da inscrição) no período edipiano; o tempo para compreender
(tempo de recalcamento ou do apagamento da inscrição) no tempo de latência; e o momento
de concluir (tempo do ato e da enunciação) na adolescência.
Estas elaborações levaram à discussão da problemática relação entre desenvolvimento
e estrutura no campo da psicanálise. Consideramos, com respaldo em Lacan, que o sujeito
psíquico o se constitui a partir de um ordenamento biológico, mas da demanda do Outro no
laço social. Assim, as diferentes etapas do processo não se constituem em estágios naturais,
mas em tempos lógicos. O tempo lógico, porém, o exclui a cronologia, uma vez que a
constituição psíquica se dá de forma processual.
Tendo em mente que o sujeito se constitui a partir da demanda do Outro, estendemos
nossas leituras para o campo da cultura buscando aí os elementos que apareciam como
favorecedores da constituição da estrutura de latência. A partir daí apontamos o
individualismo como o traço distintivo da cultura contemporânea, com o surgimento da noção
de infância sendo uma de suas conseqüências. Em seguida procuramos na História a
vinculação desta noção com o processo de escolarização. Verificamos que são processos que
ocorrem simultaneamente, pois à medida que a infância vai sendo reconhecida como uma
idade específica da vida, a escola constitui-se como o espaço social que vai acolhê-la. Na
seqüência vimos como a escola vai justificando sua existência ao incorporar ao seu fazer a
noção de que a educação deve se iniciar na infância para que se formem homens íntegros e
123
produtivos para a sociedade. Com a expansão dos regimes republicanos de governo a
educação da criança se transforma em ideal do Estado e a escola passa a ter grande força
subjetivante e sublimatória, sustentando, ao mesmo tempo, a diferença entre o adulto e a
criança e a oposição entre público e privado.
Isto possibilitou reconhecermos a escola como o espaço social que promove o tempo
de latência na medida em que ocupa o lugar do Outro para a criança. A escola favorece e
sustenta o trabalho psíquico das crianças nesta etapa, na medida em que oferece
oportunidades para a realização de atividades de cunho sublimatório. Mostramos que estas
atividades são facilitadas porque a escola incorporou a ação da criança ao processo de
aprendizagem.
Por fim consideramos a possibilidade de o tempo de latência, enquanto etapa do
processo de constituição psíquica, estar desaparecendo na cultura atual. Diversos aspectos
podem estar concorrendo para sua extinção, tais como as modificações que se efetivam na
organização da família e do trabalho, bem como o acelerado desenvolvimento tecnológico que
está criando uma sociedade marcada pelo signo do virtual. A clínica psicanalítica
contemporânea tem testemunhado os efeitos subjetivos dessas mudanças sociais.
Isso nos levou à última etapa de nossa pesquisa, na qual procuramos demonstrar a
importância do tempo constitutivo de latência a partir daquilo que vacila, ou seja, da
emergência de inibições e sintomas como mecanismos de controle da angústia. Selecionamos
como pontos de discussão, do lado das inibições, a inibição intelectual por seus efeitos na
aprendizagem escolar, e do lado dos sintomas, a fobia escolar.
Uma certa inibição intelectual foi considerada por Freud como um aspecto inerente ao
tempo de latência, o constituindo em si mesma uma patologia. Ela vai assumir um caráter
patológico apenas quando se apresentar de forma muito intensa dificultando ou mesmo
inviabilizando a aprendizagem da criança. Isso pode ocorrer devido à fusão da pulsão sexual
com a pulsão de saber. No tempo de latência a inibição intelectual costuma apresentar-se na
forma de uma compulsão neurótica a pensar, em que a angústia que acompanha as primeiras
pesquisas sexuais é transferida para a atividade intelectual. Na realidade houve uma falha no
mecanismo de inibição que teve como conseqüência a sexualização do pensamento, o que
impede a aprendizagem. A inibição intelectual, entretanto, pode acontecer também por um
mecanismo de autopunição que leva o sujeito a renunciar ao gozo que adviria do sucesso de
uma aprendizagem.
124
Melanie Klein entende o processo normal de inibição no tempo de latência como o
resultado de um recalcamento bem-sucedido, ou seja, de um recalcamento em que a angústia
liberada é ligada a outras representações, distribuindo-se entre elas. Para esta autora, o
mecanismo de inibição participa tanto do processo de sublimação quanto da formação de
sintomas no caso do recalcamento mal-sucedido. Ele pode impedir a formação de sintomas,
porém o custo disso será a diminuição das possibilidades de sublimação. As dificuldades de
aprendizagem escolar no tempo de latência resultam de um processo neurótico desse tipo.
Lacan vincula a inibição ao bloqueio da função do objeto a. Isso ocorre quando a
carência simbólica do pai dificulta a sustentação do complexo de castração. No tempo de
latência o retorno da angústia de castração pode impedir a sublimação da pulsão sexual nas
aprendizagens escolares.
Constatamos também que a fobia escolar é outra forma sintomática de lidar com a
angústia de castração. Freud considerava que a angústia de castração na fobia do pequeno
Hans originava-se no temor do menino diante do pai, que lhe aparecia ameaçador em função
de seus desejos libidinais pela mãe. Lacan faz uma outra leitura: para ele é a insuficiência do
pai para operar a castração que é angustiante e leva à formação da fobia como uma tentativa
neurótica de evitar ficar preso à demanda materna.
Vinculamos a freqüência que hoje tem a escolha da escola como objeto fóbico ao lugar
que esta ocupa na cultura. Considerando que uma das funções da constituição de uma fobia
infantil é a de servir como um espaço de transição de uma posição subjetiva para outra
quando a função simbólica do pai falha, sugerimos que a escola serve para dar sustentação a
este simbolismo. Numa analogia com a fobia de meio de transporte, argumentamos que ela
reúne as características de uma agorafobia por representar para a criança o ingresso no espaço
público; de uma claustrofobia, porque confina a criança em seu interior e, ao mesmo tempo,
liga um ponto a outro na medida em que conduz a criança para a vida adulta.
Para concluir realizamos uma passagem pelas aventuras de Pinóquio, entendendo que
a transformação do personagem em um menino de verdade é representativa do percurso das
crianças em direção à sua humanização. A vida do boneco não se mostra nada fácil, revelando
o quanto o mundo infantil é povoado pela angústia e pelo medo.
A psicanálise considera que as fobias são, por excelência, os sintomas que possibilitam
atravessar a infância. Nessa perspectiva consideramos os movimentos de esquivar-se da
125
escola realizados pelo personagem como uma forma de fobia escolar, vinculada à angústia
decorrente da insuficiência da função do pai. Depois de muitas aventuras e desventuras que
finalmente o levam ao encontro do pai, vemos que é com alívio que Pinóquio pôde finalmente
reconhecer: “Como eu era engraçado quando era uma marionete! E como estou contente
agora que me tornei um bom menino!...” (COLLODI, 2002, p. 191).
Quando no final da fábula Pinóquio envia a fada azul para o mundo dos sonhos sua
infância finalmente fica para trás. Nas palavras de Manganelli (2002, p. 190): “O trânsito
consumou-se [...]. Não há tristeza nessa despedida, mas uma espécie de alegria recíproca, uma
amorosa angústia finalmente consumada, celebrada e superada.”
126
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v. VII, p. 26.
______. 1908d. Die Kulturelle Sexualmoral und die Moderne Nervosität. In: Gesammelte
Werke. Frankfur: Fischer, 1991, v. IX, p. 11.
______. 1911b. Formulierungen über die zwei Prinzipien des Psuchischen Geschehens. In:
Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer, 1991, v. III, p. 21.
______. 1913i. Disposition zur Zwangsneurose. In: Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer,
1991, v. VII, p. 113.
______. 1916-17. Vorlesung XXI: Libidoentwicklung und Sexualorganisationen. Frankfurt:
Fischer, 1991, v. I, p. 321, 327.
______. 1920. Über die Psychogenese eines Falles von Weiblicher Homosexualität. In:
Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer, 1991, v. VII, p. 265.
______. 1921c. Massenpsychologie und Ich-Analyse. In: Gesammelte Werke. Frankfurt,
Fischer, 1991, v. IX, p. 128-133.
______. 1923c. Die Infantile Genitalorganisation. In: Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer,
1991, v. XIX, p. 240.
______. 1923b. Das Ich ind das Es. In: Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer, 1991, v. III, p.
302.
______. 1924d. Der Untergang des Ödipuskomplexes. In: Gesammelte Werke. Frankfurt:
Fischer, 1991, v. V, p. 245-250.
______. 1926e. Die Frage der Laienanalyse. In: Gesammelte Werke. Frankfurt: Fischer, 1991,
v. X, p. 301.
______. 1030a [1929]. Das Unbehagen in der Kultur. In: Gesammelte Werke. Frankfurt:
Fischer, 1991, v. IX, p. 193.
132
______. 1933a. Vorlesung XXXIII: Die Weiblichkeit. In: Gesammelte Werke. Frankfurt:
Fischer, 1991, v. I, p. 559.
______. 1939[1934-38]. Der Mann Moses und die Monotheistiche Religion. In: Gesammelte
Werke. Frankfurt: Fischer, 1991, v. IX, p. 515- 533.
Foto da capa:
Boneco confeccionado por jovens integrantes do Projeto Cri-Ação Gepeto, desenvolvido pelo
Centro de Direitos de Defesa da Criança e do Adolescente de Ijuí (CEDEDICAI) (fotografado
por mim).
133
ANEXOS
134
ANEXO A
Escola Normal de São Paulo em foto do final do século XIX
Fonte: Monarcha (1997, p. 122).
135
ANEXO B
Escola Estadual de 1º Grau Ruy Barbosa (Ijuí-RS)
Fonte: Jornal da Manhã, Ijuí, RS (edição: 08 fev. 2007).
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