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CECÍLIA NORIKO ITO SAITO
AÇÃO E PERCEPÇÃO NOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS DO
CORPO EM FORMAÇÃO
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
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CECÍLIA NORIKO ITO SAITO
AÇÃO E PERCEPÇÃO NOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS DO CORPO EM
FORMAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial
para a obtenção do título de Doutora em Comunicação e
Semiótica - Área de Concentração: Signo e significação nas
mídias, sob orientação da Profa. Dra. Christine Greiner.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
Agradecimentos
Para Christine Greiner, orientadora muito querida que sempre respeitou e incentivou a
autonomia de seus orientandos estabelecendo um vínculo afetivo pautado por bases éticas e
de raros valores. Seus instigantes e contínuos desafios contaminam o ambiente de pesquisa
projetando sempre novas luzes até, muitas vezes, o patamar da “indisciplina”, bandeira
levantada por Muniz Sodré. Mantendo-se numa postura humana, correta, reflexiva e
vigilante, sua sensibilidade intelectual será sempre acompanhada pela convivência amorosa
de uma legião de admiradores, alunos e pesquisadores. Difícil será para aqueles que
precisam ir, não mais esbarrar com sua contagiante alegria pelos corredores do COS, mas
certamente, nossos corações levarão as inúmeras reflexões, que com muito carinho (e muito
café), compartilhamos nesses tantos anos.
Muito obrigada por tudo!
Agradeço às professoras
Profa. Dra. Helena Singer, meu apreço e gratidão pelas sábias discussões; Profa. Dra.
Helena Katz, que com muita paciência e generosidade apontou sempre o melhor caminho a
percorrer; Profa. Dra. Lucrecia D’Aléssio Ferrara, pelas cuidadosas e sábias correções;
Profa. Dra. Cecília de Almeida Salles, com admiração e gratidão pelos incentivos e
desafios sugeridos nesta pesquisa; Profa. Dra. Elaine Caramella, amiga querida e
incentivadora de longa data; Profa. Dra. Silvia Laurentiz, amiga querida e cúmplice dos
primeiros passos na pesquisa. Agradecimentos especiais para Cida Bueno e Edna Marcelo,
pelos constantes trabalhos nos bastidores do COS.
Aos amigos
Marco Souza, amigo querido e ombro protetor, fonte inesgotável de sabedoria. Claudia
Amorim, âncora de muitos momentos inesquecíveis. Para a equipe Lumiar, pela alegria de
tantos abraços e pela seriedade no trabalho com as crianças. Para Norma Greiner, pelos
momentos mágicos das aulas de inglês.
Aos familiares
Octavio, Renata e Jr., sem vocês nada teria sentido. Muito obrigada por cada gesto
solidário e pela paciência com que convivemos esses anos de muitas (e tão radicais)
mudanças.
Com especial gratidão ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) que me possibilitou dar continuidade a esta pesquisa como bolsista, desde
julho de 2005. Ao COS (Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica, da PUC-SP), aos coordenadores, professores e colegas. Muito Obrigada!
Resumo
A proposta desta tese é investigar questões ligadas aos primórdios da organização de
processos de comunicação do corpo em formação, fundadas a partir da Teoria Corpomídia.
Nesta investigação teórica, que relaciona os estudos da Teoria da Comunicação e das
Ciências Cognitivas, a tese acompanha e analisa os procedimentos da escola democrática, a
partir das experiências que vêem sendo realizadas pelo Instituto Lumiar em São Paulo (SP).
Dentre seus objetivos, destaca-se o trabalho com a socialização sem sujeição, em oposição
aos dispositivos disciplinares e em parceria com a autonomia e a resistência (Singer, 1997).
A proposta da Escola Lumiar no Brasil tem sido reconhecida internacionalmente, sendo
estudada por pesquisadores como os integrantes do “Zero Project” da Universidade de
Harvard e do MIT (Massachussets Institute of Technology). A ponte teórico-prática entre a
bibliografia do projeto Corpomídia e a participação na implementação dos projetos do
Instituto Lumiar, têm se mostrado eficiente na medida em que atualiza e destaca ainda
mais, os vínculos entre o estudo da comunicação do corpo e as estratégias políticas de
sobrevivência. Nesse sentido, pretende-se pesquisar questões que envolvem os processos
de aprendizado na criança através da abordagem de conceitos como ação, percepção,
movimento, cognição e suas conexões com as pesquisas da cognição corporificada.
Abstract
The proposal of this thesis is to investigate subjects tided to primordial organizations of
communications process of the body in formation, made from the body media theory. In
this theoretical investigation, which relates Communications Theory Studies to Cognitive
Science Studies, the thesis analyzes and assists the democratic school procedures through
experiences that are being made by Lumiar Institute in São Paulo (SP). Among its subjects,
the most evident is socialization without ones subjection, in opposite to disciplinary
devices, together to autonomy and resistance (Singer, 1997). Lumiar School proposal in
Brazil is being internationally recognized, being studied by researchers such as those of
Zero Project by Harvard University and MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Links between practical-theoretical Media-Body Project bibliography and implementation
participation of Lumiar Institute projects has shown efficiency while it gets up to date and
gets more evidence to the links between body communications studies and survival
political strategies. By this way, we intend to research a subject, which involves learning
processes in children by approaching concepts such as action, perception, movement,
cognition and their connections to the embodied cognition research.
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo I – O pensamento da escola democrática 7
1.1. Poder–política: antecedentes 12
1.2. Processos do Aprendizado no corpo em formação 30
1.3. Procedimentos da Escola Lumiar 49
1.4. O “Mosaico” como enredamento de saberes 53
Capítulo II – Corpo, movimento e o ajustamento dinâmico 65
2.1. A relação singular: organismo – ambiente 74
2.2. A construção metafórica e os principais conceitos 81
2.3. Os primórdios da organização: Esther Thelen e Linda Smith e a Teoria do
Corpomídia 86
Capítulo III - Experimentações e estudo de caso 94
Conclusão 153
Bibliografia 161
1
INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é analisar o desenvolvimento do processo comunicativo
das crianças em um ambiente educacional particular, cujos operadores encontram
familiaridade com teorias contemporâneas do corpo, sobretudo, no que diz respeito à
relação entre corpo e ambiente. A escolha do objeto centrou-se na Escola Lumiar, em São
Paulo, pensada como proposta político filosófica baseada nos princípios da escola
democrática. A análise está pautada pela observação do corpo em formação e em interação
com o ambiente, enfatizando como as possibilidades do desenvolvimento educacional
propostas pelas escolas democráticas permitem o aproveitamento, a compreensão e a
educação direcionada no fomento à aprendizagem de acordo com as particularidades
características da criança em seu processo de formação. Tal processo é propriamente o
processo de crescimento da criança no ambiente educacional, que no caso específico da
Escola Lumiar, acontece de acordo com princípios que levam em conta a singularidade de
cada um. Ou seja, cada criança tem suas particularidades e necessidades próprias. Nessa
forma de ensino e aprendizagem procura-se estimular as especificidades para que haja uma
formação ampla que possibilite resposta adequada às suas necessidades. A própria criança
tem um papel determinante na construção do percurso de aprendizado proposto e ao qual
também exerce contribuição pelas suas interações.
A Escola Lumiar sustenta um ambiente educacional que permite à criança vivenciar
um processo de educação essencialmente dinâmico, mas, sem partir de um modelo fixo e
unilateral, tudo depende de uma relação que, para existir, necessita levar em conta o
aprender com as necessidades e motivações educacionais, respeitando as individualidades.
2
Para melhor esclarecer a associação dinâmica com os processos de aprendizagem, torna-se
pertinente o entendimento sobre o tipo de perspectiva dinâmica a que esta pesquisa se
refere. Nesse sentido, as pesquisas realizadas pelas psicólogas cognitivistas Esther Thelen e
Linda Smith, da Universidade de Indiana, em Bloomington, nos Estados Unidos, auxiliam
no embasamento de inúmeras questões sobre a cognição infantil, especialmente em relação
ao movimento dos corpos e sua interação com o ambiente. As cientistas realizaram
inúmeros experimentos procurando entender como as crianças conseguem modificar seus
padrões de comportamento durante o processo cognitivo. Para Thelen e Smith, a atividade
mental poderia basear-se na percepção e ação da criança no mundo, e assim, cérebro, corpo
e mundo estariam ligados e se auto-organizariam. Tal abordagem aponta para a evidência
de que as soluções surgiriam conforme o enfrentamento do problema.
O desenvolvimento não ocorre pelas vias inatas ou pelo aperfeiçoamento das
informações prescritas e invariáveis, mas sim, descreve momentos e possibilidades de
ocorrência de certas ações em diferentes contextos como processo de comunicação em
tempo real. Existem, portanto, as variações contextuais que podem ser compreendidas pela
dinâmica dos processos de ações como, por exemplo, nas ações de observar, planejar,
alcançar e recordar, que acabam se vinculando à teoria de um modelo dinâmico de
incorporação cognitiva.
Conforme as pesquisadoras, as mudanças no comportamento podem ser percebidas
até mesmo durante o desenvolvimento de crianças de 3 a 4 meses de idade, pois a partir do
momento em que se tornam capazes de sentar e girar suas cabeças, olham para um
brinquedo e exibem movimentos espontâneos do braço para alcançar o objeto. Para Thelen,
o conceito de desenvolvimento diz respeito a algo sempre em mudança, fazendo com que
3
seus diferentes estados adquiram inúmeros graus de estabilidade e instabilidade e não pelas
prescrições de estágios estruturalmente invariáveis.
Na relação entre ação, percepção e movimento, as experiências pesquisadas pelos
cientistas George Lakoff e Mark Johnson quanto ao surgimento do pensamento, apontam
também para importantes pistas no tocante à afirmação de que o nascimento do pensamento
está sempre no movimento e no acionamento do nosso sistema sensóriomotor [...] é assim
que se organizam também as nossas “metáforas do pensamento” (GREINER, 2005:65).
Na concepção de Lakoff e Johnson, a metáfora seria essencial para a compreensão e
criação de novos sentidos, necessitando atenção à sua estrutura de conceito. Esta estrutura
está fundamentada na experiência física e cultural, evidenciando que o sentido jamais é
descorporificado ou objetivo (LAKOFF & JOHNSON, 2002:307). Embora a metáfora
como figura de pensamento já estivesse presente desde o século XVIII, a proposta dos
pesquisadores George Lakoff e Mark Johnson tem como ponto de partida a análise de
expressões lingüísticas e suas influências sobre o pensamento e a ação. Esse caminho foi
inicialmente traçado por Reddy, em 1979, na análise das concepções metafóricas e dos
conceitos de comunicação, demonstrando que a metáfora participa ativamente da
linguagem do cotidiano. A essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa
em termos de outra (op.cit: 48).
Há uma relação entre corpo, movimento e cognição que Mark Johnson, em 1987,
apontou como sendo a cognição que surge da motricidade e que traz a idéia de um dentro,
um fora e um fluxo de movimento (GREINER, 2005:129). Seguindo o raciocínio de Lakoff
e Johnson, nossas experiências são ditadas pelas implicações metafóricas que guiam nossos
pensamentos e ações criando novos significados e percepções.
4
O sistema educacional tradicional também faz uso das metáforas para o corpo e suas
ações. As análises de Michel Foucault apontam novas luzes para o entendimento do
funcionamento dos dispositivos disciplinares. Foucault (2000) observa que a existência de
uma tecnologia de controle não ocorre unicamente na prisão, mas também em outras
instituições como a escola, o hospital, as fábricas e o exército. Existe uma relação
específica de poder que atinge os indivíduos e seus corpos estabelecendo os mecanismos de
controle. Mas, no momento em que se instaura o poder, aloca-se também o vetor de
resistência, como forma de reação.
A resistência e o exercício da autonomia acontece pela perspectiva do biopoder, ou
seja, a sociedade atua como um campo de forças e disputas constantes que acaba por
produzir os indivíduos. É nesse sentido que o movimento das escolas democráticas vem
sendo estudado pela socióloga Helena Singer (1997:47), como um saber não capturado
pelo poder e, portanto como uma possibilidade de resistência.
Esta pesquisa permeia os processos do aprendizado infantil trazendo o pensamento
das escolas democráticas e suas relações com algumas das mudanças epistemológicas que
contribuem para repensar certos conceitos que envolvem o corpo em formação. A partir da
Teoria Corpomídia (GREINER, 2005:131), o corpo é visto como mídia de si mesmo e
resultado de inúmeros cruzamentos auferindo características de singularidade. Assim,
procura-se trazer como exemplo, alguns projetos e suas implementações, que dialogam
com o que está sendo aqui discutido.
Nesta dinâmica, pretende-se pesquisar a noção de organismo e ambiente,
estabelecendo relações com algumas pesquisas do corpo na contemporaneidade e também
estabelecer conexões teóricas entre os estudos apresentados por George Lakoff e Mark
Johnson (1999,2002) sobre a construção metafórica. A fundamentação teórica permeia
5
conceitos que foram amplamente discutidos pelos autores, tais como: ação, percepção,
movimento e cognição. Pontualmente, outros autores, complementarão as análises
propostas, sobretudo, nas questões educacionais democráticas, a abordagem de Paulo Freire
(1992, 1996, 2005) e Jacques Rancière (2004); no tocante às questões comunicacionais, os
pensamentos de Muniz Sodré (2002) e Martin-Barbero (2003); nos estudos do corpo, a
pesquisa do neurocientista António Damásio (1994, 2000, 2004), Steven Pinker (2004);
sobre o conhecimento em interação com o mundo, as reflexões de Humberto Maturana
(2001) e Francisco Varela (2001); sobre as discussões do conhecimento e complexidade, a
abordagem de Edgar Morin.
Pretende-se apresentar e discutir algumas das principais pontuações levantadas
pelas psicólogas americanas Esther Thelen e Linda Smith e a relação de suas teorias com os
sistemas dinâmicos.
Esta pesquisa organiza-se, portanto, em três capítulos. No Capítulo I enfatiza-se o
processo de aprendizado no corpo em formação, trazendo o pensamento das escolas
democráticas e seus antecedentes no contexto da relação, poder e política. Neste capítulo
apresenta-se como objeto de estudo, a Escola Lumiar, em São Paulo.
No Capítulo II procura-se refletir acerca da abordagem escolhida para estudar o
corpo, sobretudo as questões relacionadas ao estudo do movimento e da cognição, a partir
da ponte teórico-prática entre os experimentos de Esther Thelen e Linda Smith e a teoria
Corpomídia, além de trazer os estudos sobre a construção metafórica.
No Capítulo III descrevem-se algumas experimentações e estudos de caso que
possibilitam destacar os vínculos entre os procedimentos da escola democrática e o
pensamento do projeto Corpomídia. Neste percurso, evidencia-se a singularidade da
criança que sinaliza para uma nova proposta escolar.
6
No último capítulo observa-se que ao enfrentar os problemas, a criança depara-se
com o processo de auto-organização, processo este, em que as soluções vão surgindo pelo
enfrentamento. A criança é curiosa e tem um enorme desejo de aprender, assim, cabe ao
professor oferecer possibilidades e estímulos que possam dar vazão à sua curiosidade. As
questões levantadas pelas crianças são, portanto, o ponto inicial para todo o processo
investigativo, no qual o mestre atua como um orientador. No tocante à construção do saber
em consonância com as propostas democráticas educacionais, pode-se afirmar que os
procedimentos da Escola Lumiar e de seu projeto educativo, o aplicativo “Mosaico”,
podem ser pensados como possibilidade de rompimento com as barreiras disciplinares do
campo epistemológico educacional contemporâneo.
7
Capítulo I
O pensamento das escolas democráticas
8
O pensamento das escolas democráticas
__________________________________________________________________
As escolas democráticas nasceram na Europa em meados do século XIX, como
parte do movimento denominado Escola Nova. Esse movimento criticava o ensino
tradicional e a maneira como as crianças eram tratadas, como adultos em miniatura, sem
interesse pelas suas especificidades. No final do século XIX, o pensamento das escolas
democráticas toma rumo diferente do movimento Escola Nova, no momento em que este se
voltou para capacitar o homem à produção ativa, articulando o jogo com o trabalho.
Nos Estados Unidos, durante as primeiras décadas do século XX, este movimento
ressaltou a importância da educação e do trabalho conquistando audiência através de
inúmeros debates pelo princípio conhecido como learning by doing, e essa discussão
teórica ocorria no contexto de ascensão liberal-democrática (MANACORDA, apud.
SINGER, 1997:17).
Um dos pioneiros e fundador da primeira escola democrática que se conhece foi
Leon Tolstoi, diretor da Escola Yásnaia-Poliana, na Rússia, no final da década de 1850
(SINGER,1997:16). A base de sua proposta permeava a abolição de imposições de poder e
hierarquias, pensando uma sociedade onde seus membros fossem pessoas dotadas de
autonomia. Nesse sentido, a verdadeira aprendizagem somente seria possível pelo viés da
espontaneidade.
O precursor desta linha de pensamento foi o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) que acreditava na necessidade da exteriorização da individualidade própria do
9
ser humano. Rousseau nasceu em Genebra, e viveu na França no período do Iluminismo,
cenário político da Revolução Francesa de 1789. Embora seu falecimento não lhe tenha
permitido participar de tal acontecimento histórico, sua trajetória foi marcada pela denúncia
à sociedade que legitima as desigualdades e rege os indivíduos aos formalismos e
convenções. Essa linha de pensamento tornou-se matriz para inúmeras escolas que vieram a
seguir, embora nem sempre seus educadores reconheçam essa filiação
1
. Tal tendência
procurava estabelecer uma sociedade formada por cidadãos capazes de decidir sobre seus
próprios destinos políticos, participando ativamente dessa formação, sem uma imposição
hierárquica e lutando para a abolição da distribuição do poder ou dos privilégios no
desenvolvimento do ser humano. Não no sentido de mera contestação à educação
tradicional, e muito menos objetivando uma ampla permissividade, mas sim se atendo a
uma proposta de educação para a formação das pessoas que vivem em um regime
democrático.
Atualmente, muitas dessas escolas são conhecidas como escolas democráticas e
encontram-se espalhadas em países como: Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Grã-
Bretanha, Portugal, Espanha, França, Dinamarca, Suíça, Canadá, Japão, Israel, Índia, Nova
Zelândia, somando mais de quinhentas no mundo (Singer, 1997:19). As mais conhecidas
são: Summerhill, na Inglaterra; Sudbury Valley School, nos Estados Unidos; e Escola da
Ponte, em Portugal.
No Brasil, essa forma de experiência é ainda recente. Segundo Singer (op.cit), antes
da Escola Lumiar, várias iniciativas trouxeram propostas similares, mas nenhuma chegou a
1
Ao mesmo tempo em que Rousseau é uma matriz fundamental para o reconhecimento da autonomia dos
cidadãos, ele é também responsável por um dos mais conhecidos estereótipos da natureza humana, o mito do
bom selvagem. (Pinker, 2004:25).
10
ser suficientemente tão radical quanto ela. A Escola Lumiar desperta, além de curiosidade
em relação ao seu projeto pedagógico, certa preocupação quanto à sua eficiência
metodológica. No início de sua fundação, em 2003, tornou-se tema do discurso da mídia,
entre outras questões, pela ausência de sistematização e pela polêmica gerada ao outorgar
liberdade gerativa à criança.
A primeira pesquisa voltada especificamente à Escola Lumiar foi a proposta
desenvolvida em forma de dissertação de mestrado apresentada pela pedagoga Andrea
Moruzzi, na área de Fundamentos da Educação, da Universidade Federal de São Carlos,
apresentada em 2005. A pesquisa pontua diferentes relações entre os pressupostos da
Escola Lumiar e pensadores como Johan Henrich Pestalozzi, Leon Tolstoi, Janusz Korczak,
Homer Lane, Alexander Sutherland Neill, Wilhelm Reich e Paulo Freire, no que diz
respeito principalmente às questões da autonomia na criança e a investigação do aspecto
didático-metodológico proposto. Segundo a autora, a escola democrática na educação,
emerge como possibilidade de des-estagnação dos caracteres herdados, ou seja, como
possibilidade de equalização das oportunidades. A escola enquanto instituição aparece
como produtora de novas relações internalizando a burocratização do mundo moderno e do
controle social pelos mecanismos disciplinares, conforme pressupostos do filósofo Michel
Foucault (2000). Como resultado de sua pesquisa, Moruzzi (2005), aponta a exaltação da
liberdade como o fio condutor existente em todas as experiências educacionais investigadas
e onde a questão da autonomia se desenvolve como moeda de troca, se tem quando se dá a
autonomia.
No contexto de formação das escolas democráticas, Singer (1997) comenta que as
diferentes propostas educativas tiveram denominações diversas ao longo dos anos: escolas
românticas, pedagogia centrada no aluno, escolas livres, escolas democráticas, lembrando
11
que, análogo à sua postura, utilizou-se nesta pesquisa, a mesma denominação “escola
democrática”. A análise de Singer procura abordar as propostas educativas contrárias à
aplicação do dispositivo disciplinar, trazendo o pensamento dos principais teóricos ligados
ao contexto sócio-político.
Aqui, não se pretende uma mimetização teórica e sim trazer alguns recortes que
possam dar conta de uma localização dos educadores que imprimiram o pensamento
democrático ao longo do percurso compreendido entre o francês Jean-Jacques Rousseau até
o brasileiro Paulo Freire.
12
1.1. Poder – política: antecedentes
______________________________________________________________________
Alguns pensadores marcaram de forma significativa o contexto sócio-político na
diacronia das experiências democráticas. O precursor do pensamento que defendia a
aprendizagem pela espontaneidade foi o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778). Para Rousseau, o verdadeiro ensino deveria ocorrer a partir de questionamentos
vindos das próprias crianças e dos jovens. A educação das crianças não poderia estar sob
custódia do poder eclesiástico, que sustentava injustamente os poderes políticos
concedendo garantia de direito divino aos reis. Na educação, não bastava apenas a criação
da escola com a figura do professor numa sala cercada por crianças que liam ou escreviam,
era necessário questionar o sentido do processo educativo como um todo.
A criança deveria ser pensada como o centro de todo o processo, respeitando-a em
seus anseios no aprendizado. A autonomia e a redução da dependência ao outro era uma
questão básica que o perseguia. Divergindo de pensadores como Diderot e os
enciclopedistas, que viam o homem como um animal político, para Rousseau, o homem por
sua natureza não é um ser social, a sociedade passa a fazer parte dele com a civilização
(STRECK, 2004:30).
Em 1762, Rousseau escreve duas obras: Emílio e O Contrato Social. Essas obras
ligariam a questão da educação a uma sociedade regida pelo contrato. Emílio caracterizou-
se por ser um projeto de formação do homem. Um projeto político (op.cit:38). Na opinião
13
de Rousseau, cada criança possui uma gramática própria à sua idade sendo necessário
ensinar a ela palavras a ela inteligíveis, que ligam o pensamento à linguagem. Em sua
análise, é através do movimento que as crianças passam a entender a noção de proximidade
ou distância em relação aos seus corpos, que ocorre quando estendem as mãos para
alcançar os objetos.
Leon Nicolaievitch Tolstoi (1828-1910) inspirou-se em Jean-Jacques Rousseau cuja
trajetória foi marcada pela denúncia à sociedade que legitima as desigualdades e rege os
indivíduos aos formalismos e convenções. Entre 1857 e 1860, na Rússia, dirigiu a escola
Yásnaia-Poliana em um clima de reforma educacional que cada vez mais se voltava para o
ensino técnico e profissional. Nessa época, a decadência do feudalismo colaborou para
novas mudanças na Europa, que vivia o início da Revolução Burguesa. As escolas
espalhavam-se enquanto passavam das mãos da Igreja para as do Estado, que pregava o
“espírito de liberdade” do pensamento, para além dos dogmas religiosos
(MANACORDA, apud SINGER, 1997:65) o que contribuiu para amenizar as repressões
corporais mais brutais aos alunos, mas o clima de ordem disciplinar ainda permanecia.
Procurava-se a libertação tanto da igreja quanto do Estado, o que levou à perseguição de
ambos os lados, tendo como desfecho o fechamento de inúmeras escolas, inclusive a
Yásnaia-Poliana.
Entre 1798 e 1825, Johan Henrich Pestalozzi (1746-1827) dirigiu quatro instituições
na Suíça, sempre voltadas para o filantropismo. Este educador notabilizou-se pela crença na
bondade humana, a exemplo de Rousseau. Para ele, todo homem nasce bom e possui uma
essência divina constituída pela bondade natural, entretanto, a sociedade o corrompe. A
edificação da moral humana tomava por base os princípios religiosos, não exatamente os
doutrinários, mas aqueles cuja constituição ocorresse pelas experiências intuitivas, ou seja,
14
pelo sentido do amor e da fraternidade. Para Pestalozzi, a educação deveria ser construída à
semelhança das relações familiares e com foco naquilo que faça sentido e que seja útil para
as crianças. O aprendizado deveria ser conduzido pelo próprio aluno tomando por base sua
experimentação prática, ou seja, o ato de fazer possibilita o aprender. Segundo Singer
(1997:87), Pestalozzi não seria incluído na lista dos educadores da escola democrática por
não propor a participação das crianças nas decisões das instituições, porém [...] suas
idéias devem ser situadas numa linha de continuidade que vai de Rousseau a Korczak.
O médico pediatra Janusz Korczak (1878-1942), cujo nome verdadeiro era Henryk
Goldszmit, foi também educador e escritor. O ponto fundamental defendido por Korczak
enfatizava o respeito que o educador deveria ter para com o educando, levando a sério sua
opinião. A não consideração para com o educando poderia oprimir sua personalidade e seu
amor próprio. Ao invés de forçar a criança a fazer algo, o primordial seria dar-lhe a
oportunidade de se convencer, tomando por base suas próprias experiências em um
ambiente de confiança e respeito.
Janus Korczak toma rumo diferente do pensamento de Rousseau e Pestalozzi
quando reconhece que as crianças possuem maus instintos. Em sua opinião, não há uma
perfeição, muito menos a eliminação de tais instintos, mas pela educação será possível
acalmar a criança. Se por força opressiva o adulto desrespeita a individualidade com
castigos e maus tratos, acabará incentivando a maldade na criança. Sua obra O Direito da
Criança ao Respeito, foi adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como base
para a Declaração dos Direitos da Criança. Em 1912, o educador inaugura o orfanato Lar
das Crianças, em Varsóvia, acolhendo cerca de duzentas crianças judias carentes. O
orfanato era mantido pelos judeus ricos do país, sendo um lugar confortável e que possuía
em suas infra-estruturas até mesmo uma sala silenciosa para meditação e estudo. Tal espaço
15
era utilizado também para que as próprias crianças realizassem a administração do orfanato
pensada como duas instituições básicas: o Parlamento e o Tribunal. Essas instituições eram
responsáveis por organizar e solucionar os conflitos na comunidade, permitindo às crianças
e aos educadores experimentarem o espírito participativo. O Tribunal tinha por objetivo
preservar os direitos dos habitantes do orfanato, podendo conceder o perdão ao culpado,
porém prevendo também as penalidades. O Parlamento decidia as normas da Constituição,
era composto por vinte deputados, um presidente e um secretário, que escolhiam entre si os
cinco membros da Comissão Legislativa e o Senado. Apesar da República contar com dois
jornais, o meio mais rápido e eficiente de informação era obtido pelas listas que eram
penduradas pelos cantos dos prédios. Havia ainda o plebiscito, que poderia acontecer em
caráter imediato, quando se desejava saber a opinião sobre alguém. A função do educador
pautava-se pela observação constante dos educandos elaborando anotações sobre os
mesmos, para posterior troca de opiniões com Korczak. As experiências obtidas no orfanato
exerceram enorme influência em outras escolas e instituições durante e após o período da
Segunda Guerra Mundial.
Mas, o sonho de Korczak termina de forma trágica, quando em 1942, os nazistas
obrigaram a transferência do orfanato para uma pequena casa suja, no gueto de Varsóvia.
No dia 10 de agosto do mesmo ano, ele e suas crianças são levados para as câmaras-de-gás
em Treblinka.
O psicanalista americano Homer Lane (1875-1925) atuava desde 1913, como
superintendente da Little Commonwealth, uma escola-reformatório em Dorsetshire, na
Inglaterra. Lane realizou um trabalho semelhante ao de Korczak, mesmo sem terem se
conhecido. Essa escola cuidava de crianças e adolescentes de idades variadas, e muitos (os
maiores de treze anos) teriam cometido algum tipo de infração, ali residindo
16
temporariamente. Homer Lane notabilizou-se pelo seu método da auto-gestão que vinha
sendo idealizado há muitos anos na Ford Republic, em Detroit, nos Estados Unidos e que
previa a elaboração das regras pelas assembléias, formadas pela comunidade. O cuidado
com a vida comunitária permanecia a cargo da Corte que criava as leis e do Tribunal que se
encarregava das violações caso acontecessem. Essa instituição não tinha o formato de uma
prisão, mas muitas vezes, seus integrantes acabavam sendo trazidos de volta pela polícia
quando decidiam sair espontaneamente.
Na visão de Homer Lane o conhecimento na criança acontece de forma natural,
inconsciente e por etapas graduais e lineares (MORUZZI, 2005). A primeira etapa acontece
do nascimento até os dois ou três anos de idade, seguido pela “idade da imaginação” (de
dois ou três até os sete anos). Nessa fase ocorre a desmama, a descoberta do corpo e do
poder que ela pode exercer sobre os adultos através dos gritos e choros. Essa fase envolve a
curiosidade natural na criança, não devendo ser interferida pelo adulto, sob risco da
ocorrência de traumas e fobias que poderiam marcar o resto de sua vida. Após essa fase,
surge a etapa da “auto-afirmação” (em torno dos sete aos onze anos) e a “idade da lealdade”
(dos onze anos até o dezessete aproximadamente). A criança desenvolve a autoconsciência
de forma natural pelas motivações vivenciadas e que modificam seu comportamento. A
primeira dinâmica ocorre na mente de forma inconsciente, a chamada energia instintiva, e
em paralelo, ocorre a manifestação do consciente pela autodireção, vontade e curiosidade.
Mas, em 1918, Little Commonwealth acabou sendo fechada. Houve a denúncia de
que duas ex-internas teriam sido molestadas sexualmente por Lane, fato este nunca
comprovado (SINGER, 1997:106).
Alexander Sutherland Neill (1883-1973) conheceu Homer Lane em visita a Little
Commonwealth em 1917, impressionando-se com o trabalho desenvolvido por ele. Neill foi
17
o fundador de uma das mais conhecidas e polêmicas escolas democráticas localizada na
Inglaterra, a Summerhill. Em 1926, Neill publica o livro The Problem Child que obteve
enorme sucesso em vendas, contando sobre suas vivências com crianças tidas como
“problemas” e transferidas de outras escolas. Em 1936, em visita à Noruega, Neill conhece
o psicanalista Wilhelm Reich com quem troca correspondências durante cerca de vinte
anos. Neill interessou-se pelos estudos de Reich sobre o tratamento da neurose que tinha
por fundamento a análise verbal e a intervenção física na região de tensão muscular. Outro
interesse de Neill nos estudos de Reich foi a tentativa de resolução da antinomia
sexualidade/civilização (op.cit:107) sofrendo forte influência da psicanálise em suas
teorias.
O principal objetivo de Alexander Neill ao fundar Summerhill foi proporcionar
liberdade às crianças para que elas pudessem pensar por si próprias. Assumindo tal postura,
a questão da disciplina e de todo o direcionamento moral acabaria entrando em crise, mas
essas questões não afetavam o pensamento de Neill que estava muito mais preocupado em
cuidar para que as crianças vivessem uma infância feliz. A crença na bondade da criança,
conforme o pensamento de Rousseau o faz idealizar sua escola como o lugar mais feliz do
mundo. O adulto não deveria interferir no desenvolvimento infantil, pois essa atitude é vista
como a causa da produção de uma geração de robôs, conformistas, sem vontade própria,
algo adequado para uma sociedade que precisa de operários obedientes e bem treinados
(op.cit: 111). Na opinião de Neill, o adulto moralizado aponta uma tendência à negação da
liberdade e é contrário aos novos pensamentos, resistindo às mudanças. A educação livre
forma pessoas que questionam as regras que regem a sociedade, se permitem pensar
diferente (op.cit: 113).
18
Há dois tipos de disciplina na opinião de Neill, aquela semelhante à orquestra e
aquela semelhante ao exército. Nas escolas e nas famílias normalmente reina aquela do tipo
exército, que lida com escravos, inferiores, masoquistas, ou seja, um tipo que faz uso de
recompensa e punição e que leva ao ódio; já a do tipo orquestra é supérflua por não ter
valor próprio, tendo como base conjugar todos num mesmo espírito, e permitir que cada
um se desenvolva ao máximo (op.cit: 111).
A alternativa pedagógica de Neill não estava preocupada com os aspectos didáticos
propriamente ditos, mas sim com a felicidade e a liberdade das pessoas. A criança criada
sem liberdade torna-se dócil e obediente, aceitando sem questionar aquilo que lhe for
ensinado e no futuro tende a replicar o mesmo sentimento aos seus filhos. O aprendizado,
na visão de Neill é um processo de aquisição dos valores do meio (op.cit: 114). Não é
necessário ensinar às crianças como devem se comportar, desde que não sejam forçadas,
elas aprenderão em devido tempo. A obediência deve ser limitada apenas às situações de
risco ou que prejudiquem a vida do outro. Segundo Singer (op.cit.) a educação pautada na
auto-regulação significa incentivar a criança na realização de seus sonhos, libertando-a das
fantasias impossíveis, encorajando-a a falar sobre si própria, tentando encontrar o amor e
acabando com o instinto destrutivo do ódio.
Summerhill é a edificação dos sonhos de Neill, fundada em 1924, em Lyme Regis,
na costa Sul da Inglaterra, três anos mais tarde, foi transferida para Leiston, no Condado de
East Suffolk, a cerca de cem quilômetros a noroeste de Londres, numa casa grande e antiga.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a escola Summerhill transfere-se para o norte de
Galles, a fim de evitar os transtornos dos ataques aéreos alemães. Com o término da guerra,
a escola retorna para Leiston. O número de alunos de um modo geral, sempre girou em
torno de setenta, com idades variando entre os cinco aos dezessete anos, e atualmente,
19
caracteriza-se pela grande presença de estrangeiros, a maioria morando na escola. O
currículo escolar de Summerhill oferece além das matérias do ensino regular da Inglaterra,
algumas especiais como: ciências rurais, orientação sexual, japonês, russo, latim, alemão,
mecânica de motocicleta, computação, artes e outras, embora nem todas sejam oferecidas o
tempo todo, variando pelo interesse dos alunos. São também oferecidas as matérias
regulares que possibilitam aos alunos acompanhar outras escolas caso decidam ir embora.
O planejamento e a avaliação escolar ocorre semanalmente nas reuniões dos professores.
As atividades fora da sala de aula são bastante importantes, tais como: confecção, costura;
escultura; construção de cabanas; conserto de bicicletas; canto; piano; formação de
banda de música; leitura de revistas em quadrinho e outras (op.cit: 119). Mantida
inicialmente pelas mensalidades e doações, mais recentemente, em 1987, foi constituída a
Friends of Summerhill Trust – Fost (Fundos dos Amigos de Summerhill) criada pela
direção da escola como uma forma empresarial de captação de recursos (op.cit: 115).
Singer (1997) cita um fato polêmico ocorrido quando foi exibido o vídeo
Summerhill at 70, produzido pelo Channel 4 na Inglaterra, em 1993. As cenas que
indignaram a opinião pública mostravam a prática de nudismo dos alunos na piscina.
Segundo Singer (op.cit: 120) a mídia foi tendenciosa, mas as cenas que mais tiveram
impacto, além dos banhos de piscina, mostravam as crianças matando um coelho, sem que
nenhum narrador explicasse que ele estava doente; e um menino, que teve sua proposta
derrotada nas votações da Assembléia, chorando. Embora muito polêmica, a prática sexual
livre entre os alunos, afirmada pela diretora e filha de Neill, não é uma prática reprimida em
Summerhill (op.cit: 121).
20
O psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957) acreditava na existência dos instintos
sexuais que acompanhavam o ser humano desde seu nascimento. A base de tais instintos na
criança é constituída pela curiosidade da descoberta de si mesmo e caracteriza-se pelo
sentimento da pureza do prazer, sem a conotação da sexualidade reprodutiva. Em 1918, no
Congresso Psicanalítico de Budapeste, Reich conta que Freud sinalizou para a necessidade
de abertura de novas clínicas que atendessem às pessoas carentes para o tratamento
psicanalítico convencional e nestas clínicas, a psicanálise deveria ser mesclada com a
terapia por sugestão (ALBERTINI, 2006). Assim, em 1920, foi criada uma clínica nesses
moldes em Berlim. No ano de 1922 fundou-se uma outra em Viena, e Reich tornou-se seu
diretor trabalhando ininterruptamente durante oito anos. A clínica estava sempre lotada e
mesmo aumentando o número de psicanalistas, não era possível dar conta de atender a
todos. Dessa experiência pôde refletir sobre a problemática da psicanálise, a terapia
aplicada à massa. Reich formulou a teoria da “economia sexual” que tinha como
fundamento os pressupostos marxistas sobre a questão da vida na sociedade dominada pela
luta de classes e condições econômicas que estabelece uma relação de opressão, utilizando
o poder ideológico sustentado pelo Estado. Reich procurava entender os modos como a
ideologia se formava na vida psíquica e se mantinha inalterada socialmente. Nesse sentido,
ressaltou-se o papel da moral que penetra o inconsciente e inibe a sublimação humana para
assim, manter um estado de obediência. O adestramento dos instintos sexuais faria com que
o ser humano aceitasse qualquer tipo de domesticação.
O desenvolvimento infantil deveria ocorrer pelo autogoverno, pelos seus instintos
naturais e sem a submissão à ordem alheia, pois o homem livre jamais deve se acorrentar às
ideologias sociais. A visão dos instintos sexuais aproxima Reich da questão política e
21
social, na medida em que, reprimir os instintos sexuais torna o ser humano submisso. Reich
passa a defender a opinião de que as crianças devem ser educadas longe de seus pais, numa
educação coletivista, assim estariam protegidas da repressão familiar. A função do
educador seria auxiliar a criança a substituir seus instintos primitivos, ultrapassando o
princípio do prazer, na medida em que elas se desenvolvessem socialmente.
O trabalho de Wilhelm Reich traz o corpo para discussão no Brasil via psicanálise
de José Ângelo Gaiarsa no início da década de 1980, recolocando o pensamento de Reich
no presente. Na opinião de Gaiarsa, os primórdios da leitura do corpo rendem tributos aos
estudos de Reich que, ao contrário da psicanálise tradicional ouvinte, Reich passou a
observar muito mais, enfatizando um dos primeiros códigos e gramáticas não verbais da
linguagem gestual.
No tocante à importância da sexualidade para o desenvolvimento infantil, nota-se
que tanto os estudos de Lane, como de Neill e de Reich, tiveram em comum a influência
das teorias de Freud (1856 – 1939). Um dos pontos de convergência entre esses educadores
nesse sentido pautou-se pela defesa da manifestação do desejo e da curiosidade da criança
em relação ao seu corpo. Wilhelm Reich e Homer Lane foram pontes importantes para o
interesse de A.S. Neill pela psicanálise, pela busca da “cura” para a infelicidade da criança,
pela libertação da emotividade e dos complexos. Porém, a contribuição de Reich teve um
peso significativamente maior justamente pelos estudos da repressão sexual.
O filósofo austríaco Ivan Illich
(1926 - 2002) tornou-se conhecido pela sua visão
pessimista em relação à escola, contestando as estruturas educativas existentes. Era preciso
desescolarizar a sociedade, pois sua transformação em sistema burocratizado,
hierarquizado e manipulador tinha como principal função reproduzir o controle das relações
22
econômicas. A escolaridade obrigatória àqueles que não conseguem adaptação aos temas
curriculares e metodológicos ministrados, de forma rápida e superficial, faz com que o
aluno perca o interesse pelo aprendizado. Porém, embora a questão da ineficácia no sistema
educativo moderno seja conhecida, Illich (1974:6) lembra que as pessoas não são capazes
de pensar numa sociedade desescolarizada, tornando-se necessário criar novas relações
entre o indivíduo e aquilo que o circunda, como fontes de educação.
A criação de novas instituições de ensino teria como principais objetivos
proporcionar o acesso aos recursos para aqueles que realmente querem aprender, em
qualquer idade; facilitar àquele que deseja comunicar seus conhecimentos com aquele que
gostaria de recebê-los, permitindo que as idéias novas possam ser ouvidas. Contrário ao que
acontece hoje em dia, o aluno não deveria ser obrigado a apresentar credencias e currículo
anterior para ingressar nos programas escolares. Da mesma maneira, a instituição deveria
permitir a quem partilha seus conhecimentos com os interessados, a facilitação das
oportunidades.
A proposta de Illich inclui a criação de uma rede de comunicação sustentada pela
informática que permitiria aos usuários maior independência das instituições. A idéia
principal é que os usuários possam escolher a instrução desejada, dinamizando a busca dos
portadores de competências. São necessárias três competências educativas: os
administradores educativos que disponibilizariam o funcionamento das redes e sua
eficiência; os conselheiros pedagógicos que orientariam os estudantes e seus pais na
utilização das redes e na busca do melhor caminho para atingir o objetivo; o iniciador
educativo o mestre encarregado de auxiliar na exploração intelectual. Illich dizia que a
desescolarização da sociedade extinguirá inevitavelmente as distinções entre a economia,
23
a educação e a política, sobre as quais repousam a estabilidade do mundo atual e das
nações (1974:62).
A burocratização da instituição escolar tradicional foi criticada, tanto em Paulo
Freire quanto em Ivan Illich, segundo Moacir Gadotti
2
(2001) os dois demandaram que os
educadores buscassem seu desenvolvimento próprio e a libertação coletiva para combater
a alienação das escolas propondo o redescobrimento da autonomia. Mas, conforme foi
possível observar, em Illich é necessário desescolarizar a sociedade, numa postura mais
pessimista, e em Paulo Freire existe um otimismo, um papel de transformação social
importante (op.cit.). Para Gadotti, a semelhança no ponto de vista de Illich e Freire diz
respeito à crença profunda em revolucionar os conteúdos e a pedagogia da escola atual.
Os dois acreditam que essa mudança é ao mesmo tempo política e pedagógica e que a
crítica da escola é parte de uma crítica mais ampla à civilização contemporânea.
Dentro das perspectivas de luta pela igualdade, destaca-se também, o trabalho de
Myles Horton (1905-1990) e Paulo Freire. Em 1973, Myles Horton e Paulo Freire
encontraram-se pessoalmente quando foram convidados para uma conferência sobre
educação em Chicago. Myles Horton fundou o Highlander Center, um centro de pesquisa
no sul dos Estados Unidos, que durante os anos de 1950 e 1960 lutara pela autonomia nos
direitos civis e educacionais de jovens e adultos trabalhadores de baixa renda. Desde 1920,
Horton, vinha se sensibilizando com os inúmeros problemas enfrentados pela sociedade ao
seu redor. O brasileiro Paulo Freire, cerca de vinte e cinco anos depois, trabalhou ideais
libertários à semelhança de Horton e ambos estavam empenhados com questões que
envolviam a educação, a injustiça social, a desigualdade e o racismo. Mesmo trabalhando
2
GADOTTI, Moacir (2001). Contribuição de Paulo Freire ao pensamento pedagógico mundial. Cátedra
Paulo Freire, Universidade Nacional da Costa Rica, Auditório Del CIDE. San José, 19 de abril de 2001.
24
em espaços sociais e épocas diferentes, procuraram transformar a sociedade injusta em uma
sociedade mais democrática fazendo da educação participativa o instrumento de poder dos
menos favorecidos.
No relacionamento com Myles Horton, Paulo Freire (HORTON, 2005:32) aponta
duas idéias subjacentes. A primeira, diz respeito à liberdade das pessoas em toda a parte do
mundo, e a segunda, a crença na capacidade das pessoas para conseguirem essa liberdade
pela própria emancipação. Ambos acreditavam que a verdadeira libertação é realizada pelo
engajamento popular, por uma prática educacional libertadora e participativa, que
simultaneamente cria uma nova sociedade e envolve as próprias pessoas na criação de seu
próprio conhecimento (op.cit).
A proposta de Paulo Freire fundamenta-se pelas associações entre o estudo, a
experiência de vida, o trabalho, a pedagogia da liberdade e o pensamento político. Ressalta
ainda a importância da tomada de consciência da situação social das pessoas e essa
conscientização significava o início de uma luta. Seu trabalho despontou em 1962, na
região nordeste do Brasil, que contava com cerca de 15 milhões de analfabetos (numa
população de 25 milhões de habitantes). Os resultados inicialmente obtidos marcaram a
opinião pública, pela conquista da alfabetização de 300 trabalhadores em 45 dias.
De certo modo, a preocupação de Paulo Freire não se distingue da moderna
pedagogia, voltada para a decisão e a responsabilidade social e política, porém a
especificidade de seu pensamento se dá na conquista desta responsabilidade. O saber
democrático jamais é incorporado pelo autoritarismo, ou seja, a democracia tal qual o saber
é uma conquista conjunta. A divisão entre aqueles que sabem daqueles que não, faz parte
de circunstâncias históricas que deveriam ser transformadas. A estagnação econômica e
25
social e o analfabetismo tiveram uma relação correlacional criando imagem de
marginalização aos trabalhadores, principalmente do campo.
Para Paulo Freire (1996:22), ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção [...] quem forma se forma
e re-forma ao formar (op.cit: 23). A autenticidade da prática do ensino aprendizado
participa de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica,
estética e ética pautada pela decência e seriedade (op.cit: 24). Na ética universal do ser
humano, a ética enquanto natureza humana é como a vocação ontológica para o ser,
somada à natureza sócio-histórica, não como um a priori da História. É uma natureza em
processo de estar sendo (op.cit:18).
A capacidade de aprender deve ser exercida criticamente, construindo e
desenvolvendo a curiosidade epistemológica. Essa curiosidade precisa ser reforçada pelo
educador democrático, criativo e instigador, que tem como uma das principais tarefas
trabalhar o rigor metódico na aproximação dos objetos que almeja conhecer, produzindo
condições que possibilite o aprendizado crítico. Paulo Freire demonstrava aversão ao que
chamava ensino “bancário”, metáfora do sistema de bancos onde se deposita o dinheiro.
Nesse sistema, o educador é visto como aquele que detém o poder do conhecimento e os
educandos aqueles que não o possuem, ou seja, numa postura vertical, o educador faz as
escolhas de conteúdo e os educandos sequer participam dessa escolha.
Um dos pontos que mais chama a atenção no pensamento de Paulo Freire sobre o
processo do aprendizado é sua associação com a importância da tomada de consciência do
educando, da situação real por ele vivida. O que reforça a importância da auto-organização
e da singularidade do indivíduo em tal processo.
26
A experiência trazida por Jacques Rancière (2004) na obra O mestre ignorante
também aponta para uma visão contrária ao ensino bancário. São questões que incitam,
entre outros pontos, a reflexão sobre a emancipação do conhecimento. Rancière resgata os
ensinamentos do pedagogo francês Joseph Jacotot que, em meados do século XIX,
proclama a emancipação intelectual pela abordagem da igualdade. Acreditava que não
havia necessidade de se instruir o povo, pois instruir poderia significar duas coisas opostas:
o embrutecimento, que seria a confirmação de uma incapacidade ou, a emancipação, que
seria forçar o reconhecimento de uma capacidade ignorada e desenvolver todas as suas
conseqüências. Para uma aproximação com a igualdade, era preciso emancipar as
inteligências, obrigar a quem quer que seja a verificar a igualdade de inteligências
(RANCIÈRE, 2004:12). Não enquanto questão metodológica e sim como questão filosófica
ou política. Jacotot estava atento à necessidade de uma inversão na lógica do sistema
explicador e segundo sua visão, no processo explicativo, é o explicador quem precisa do
incapaz, é ele que o constitui como tal, ou seja, a invenção da incapacidade do outro.
Assim, procura refletir sobre a seguinte questão: Ao invés de pagar um explicador, o pai de
família não poderia, simplesmente, dar o livro a seu filho, não poderia este compreender,
diretamente, os raciocínios do livro? (op.cit: 21). Para ele, a instrução é como a liberdade:
ela não se dá, conquista-se.
Segundo Rancière, Jacotot conseguiu ensinar a língua francesa para estudantes
holandeses, embora ignorando completamente a língua falada pelos seus alunos.
Utilizando-se de uma edição bilíngüe da obra As aventuras de Telêmaco, de François
Fénelon, publicada em Bruxelas, encontrou um ponto em comum que possibilitasse o
diálogo com seus estudantes. Como solução de improviso, Jacotot solicitou que eles
concentrassem no aprendizado pela tradução francesa e que repetissem incontáveis vezes
27
até a memorização, seguido da leitura em holandês. Depois dessa etapa, os estudantes
escreveram um texto em francês sobre o que haviam lido. Para seu espanto, além da
excelência na qualidade dos trabalhos, a rapidez no aprendizado demonstrara que sua
experiência havia sido bem sucedida.
Não se tratava de entupir os alunos de conhecimento, fazendo-os repetir como
papagaios, nem mesmo buscar alternativas ao acaso, mas sim, explicar, destacar os
elementos simples dos conhecimentos (op.cit:19). Jacotot defendia a igualdade intelectual
entre os indivíduos, que possibilitaria a um ignorante ensinar ao seu semelhante aquilo que
não conhecesse. Conforme seu questionamento sobre a lógica da compreensão através da
explicação, ele diz:
Essa lógica não deixa, entretanto, de comportar certa
obscuridade. Eis, por exemplo, um livro entre as mãos do aluno.
Esse livro é composto de um conjunto de raciocínios destinados
a fazer o aluno compreender uma matéria. Mas, eis que, agora,
o mestre toma a palavra para explicar o livro. Ele faz um
conjunto de raciocínios para explicar o conjunto de raciocínios
em que o livro se constitui. Mas, porque teria o livro necessidade
de tal assistência? (RANCIÉRE,2004:21).
O explicador acaba detendo um princípio em que ele é o único juiz do ponto em que
a explicação está, ela própria explicada (op.cit). A chave para desvendar o segredo do
mestre estaria na arte da distância, a exemplo do que todos os filhos dos homens aprendem
melhor e o que nenhum mestre lhes pode explicar - que é a língua materna (op.cit: 22).
Para Jacotot, o mito pedagógico é a explicação. A explicação não é necessária para
socorrer uma incapacidade de compreender (op.cit: 23). Compreender é traduzir. Aprender
e compreender estão no mesmo ato, ou seja, no ato de tradução. Quando uma inteligência é
28
subordinada à outra ocorre o embrutecimento. Quando a vontade da criança não é
suficientemente forte para se manter em seu caminho, há a necessidade do mestre. Essa
relação se embrutece quando liga uma inteligência à outra. Pode-se aprender sozinho,
segundo percebeu Jacotot, pela tensão de seu próprio desejo ou pelas contingências da
situação (op.cit: 30). Quando o mestre acredita que a criança é capaz de aprender sozinha,
ela conseguirá e também se emancipará. Se um pai de família, pobre e ignorante, for
emancipado, ele conseguirá ensinar seus filhos sem um explicador. O Ensino Universal diz
respeito a aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto, segundo o princípio de
que todos os homens têm igual inteligência (op.cit: 38).
Há muitos pontos de confluência entre o pensamento de Jacotot e Paulo Freire,
principalmente sobre o ato de ensinar. Não como mera transferência de conhecimentos, e
sim promovendo a auto-aprendizagem pelo processo de estabelecer relações. Ambos estão
voltados para as questões políticas e sociais, embora Jacotot não trate de questões de
método de aprendizagem, mas de questões propriamente filosóficas (op.cit: 12). Já Paulo
Freire propõe uma metodologia de ensino que reconheça os privilégios da prática, numa
experiência educacional com as massas, não em proposição definitiva e acabada, mas sim,
em constante reformulação.
No processo de aprendizado, no caso da alfabetização, o princípio essencial está
ligado à conscientização. As palavras, segundo Freire (2005:14), dizem respeito à sua
significação real, por exemplo, na palavra “favela” se projeta a representação da situação
a que se refere e interessa menos como uma decomposição analítica das sílabas e letras
que como um modo de expressão de uma situação real, de uma “situação desafiadora”. O
importante em todo o processo de aprendizado é que os educandos reconheçam a si
próprios no transcorrer das discussões, como criadores de cultura. Por isso, a utilização de
29
imagens na atividade de alfabetização, deve poder expressar algo da particularidade deles,
seguindo de preferência suas próprias formas de expressão plástica.
30
1.2. Processos do Aprendizado no corpo em formação
_________________________________________________________________________
Para compreender os processos de aprendizado no corpo, Thelen e Smith (1994)
procuraram investigar algo em comum no percurso do desenvolvimento compreendido
desde a primeira divisão da célula fertilizada até a diferenciação somática e morfológica e
as expressões comportamentais que transcorrem durante a vida. As pesquisadoras
afirmaram que no tocante à qualidade geral do desenvolvimento dos organismos pode-se
pensar sob certa característica: em seus primórdios, os organismos são simples e pequenos,
mas depois se tornam maiores e complexos, aumentando a constituição de partes e
atividades em relação entre si, ligando a unidade e a multiplicidade (MORIN, 2002:38).
A maior pertinência do trabalho de Thelen e Smith para esta pesquisa, entretanto, é
a parte que diz respeito ao estudo do desenvolvimento da locomoção infantil. Elas reforçam
a importância fundamental do corpo em todo o processo cognitivo. A criança, aprendendo a
controlar as interações de forças do corpo em seu meio ambiente, acaba descobrindo
relações em um nível que é ao mesmo tempo mental e cognitivo. Assim, o desenvolvimento
locomotor faz toda a diferença, é visto como o fundamento do desafio teórico analisado,
além da aplicação dos princípios direcionados para a problemática desenvolvimental.
O desenvolvimento não ocorre pelas vias inatas ou pelo aperfeiçoamento das
informações prescritas e invariáveis, mas sim, descreve momentos e possibilidades de
ocorrência de certas ações em diferentes contextos como processo de comunicação em
tempo real. Embora o comportamento e o desenvolvimento pareçam estar estruturados e
31
dirigidos por regras, não há regras e nem estruturas, o que existe é a complexidade. Existe a
ação e a percepção recíproca, múltipla e continuamente dinâmica no sistema que busca
certas soluções estáveis nas relações. Quando os elementos de um sistema complexo
cooperam entre si, dão origem ao comportamento de caráter unitário e assim, uma certa
ilusão de estrutura. Desta forma, há um ordenamento que permite enorme flexibilidade no
comportamento para organizar e reagrupar o redor do contexto.
A interação constante com o meio ambiente possibilita aos sistemas desenvolverem
áreas de múltiplas estabilidades, representando habilidades mais diferenciadas e adaptativas
que vêm com a idade (TORRES, 2000:88). Não é possível separar o desenvolvimento, pois
o organismo está agindo e pensando no meio ambiente.
[...] a criança inicialmente apresenta movimentos espontâneos dos
braços, que depois se tornam ações intencionais. As crianças
aprendem a fazer isso à medida que experienciam os muitos diferentes
valores dos parâmetros dos movimentos produzidos na presença de
uma meta. Isso equivale a dizer que o processo de aprendizagem
envolve explorar a gama de variação dos parâmetros no espaço
daquele estado, e selecionar as variações que combinam com aquilo
que o ambiente oferece e os objetivos que a criança tem no momento
(TORRES, 2000:89).
Na proposta de Thelen e Smith, a rejeição aos símbolos, estruturas preestabelecidas
e estágios maturacionais está ligada à afirmação de que os padrões emergem no próprio
fluxo dos processos. Conforme as atividades vão sendo executadas ao longo do tempo,
ocorrem mudanças na bioquímica e na anatomia dos ossos e músculos, tornando-os mais
fortes e densos. Existem também processos que acontecem em escalas curtas de tempo,
32
podendo ocorrer até em frações de segundos, como por exemplo, as percepções e ações
decorrentes das situações cotidianas (op.cit.).
Na teoria de Thelen e Smith estabelece-se uma analogia entre os sistemas dinâmicos
não lineares e os seres humanos […] aos quais concernem problemas de emergência e de
complexidade. Os aspectos físicos, mentais e sociais emergem, então, da conexão entre a
percepção/ação (BRITO, 2007:73).
A importância da ação corporal foi também reconhecida pelo biólogo e psicólogo
suíço e um dos ícones da pesquisa sobre a cognição infantil, Jean Piaget (1896-1980). O
legado de Piaget é tão importante para os estudos infantis que ainda hoje sua pesquisa é
referência para muitos educadores. Piaget tornou-se conhecido pela Epistemologia
Genética, na qual a construção do conhecimento ocorre em função das ações físicas ou
mentais sobre os objetos. Tais ações resultam em um desequilíbrio que, por sua vez, produz
a assimilação ou a acomodação que constrói os esquemas cognitivos. Esses esquemas são
estruturas passíveis de modificação conforme a mente se desenvolve.
O trabalho de Piaget pautou-se também pela análise da imitação, do jogo e da
atividade lúdica como fontes de representação que evoluem do sensório-motor para jogo
simbólico ou de imaginação. Em relação à imitação e ao jogo ele acreditava ser possível o
acompanhamento no percurso da assimilação e da acomodação sensório-motora para a
assimilação e acomodação mental, parte inicial da representação. Há representação quando
se imita um modelo ausente. Assim acontece no jogo simbólico, na imaginação e até no
sonho. (PIAGET, 1990:12). Os jogos sensório-motores, de exercício, estariam
relacionados à etapa da inteligência sensório-motora, prática, quando o corpo exercita seu
funcionamento no sentido da conquista da autonomia (BRITO, 2007:45).
33
Thelen e Smith (1994) apontam algumas críticas à teoria de Jean Piaget, que pedem
por atualizações. Citam os estudos de Rachel Gelman (1972) e Margaret Donaldson (1978)
que observam atentamente alguns experimentos de Piaget com crianças. Elas contestaram
as três afirmações da teoria de Piaget sobre: (1) um estado inicial empobrecido; (2)
Descontinuidades globais na cognição através dos estágios; (3) Crescimento cognitivo
monolítico
3
(THELEN & SMITH, 1994:22). De acordo com Piaget, os bebês aprendem
através de respostas reflexivas a estímulos externos. Mas os dados demonstraram que não é
exatamente assim. Não há um estágio inicial empobrecido; o bebê já possui habilidades
perceptivas e conceituais estruturadas (COHEN e SALAPATEK, 1975). Piaget acreditava
que os progressos nas representações das crianças são descontínuos e ocorriam de acordo
com os estágios maturacionais. Entretanto, há evidências de que o pensamento maduro
possa ser detectado ainda cedo na vida do bebê, que, conforme alguns experimentos,
apresentou elementos de pensamentos numéricos abstratos (WYNN, 1992). Há um núcleo
comum, uma continuidade, no pensamento de bebês e adultos. De acordo com Piaget, as
revoluções de desenvolvimento da estrutura cognitiva controlam e difundem toda a
cognição (THELEN & SMITH, 1994:22).
Ainda em relação à crítica proferida por Thelen e Smith (op.cit: xvi) a Piaget, elas
pontuam que o maturacionismo é uma teoria desenvolvimental que prescreve em sua
essência, a forma adulta antes do desenvolvimento e assim, tais visões não levam em
consideração o processo, sua realização no tempo. O desenvolvimento não é uma
especificação do resultado – o produto – mas é a rota pela qual o organismo move de um
3
(1) an impoverished beginning state, (2) global discontinuities in cognition across stages, and (3)
monolithic cognitive growth (THELEN &SMITH:1994:22).
34
estado inicial para um estado mais maduro
4
(op.cit). As pesquisadoras acreditavam na
observação do processo de desenvolvimento, muito mais do que a mera teleologia dos
fatos.
As diferenças e semelhanças entre os indivíduos são importantes para os psicólogos
desenvolvimentistas que tencionavam descobrir as incógnitas do pensamento e do
comportamento ao longo de suas vidas. Basicamente, na visão de Thelen e Smith o
desenvolvimento infantil acontece pelo dinamicismo, funcionando em tempo real, e o
modo como as crianças adquirem as habilidades cognitivas ocorre pela ação corporal. As
pesquisadoras procuram os estados globais a partir de variáveis. A explicação
desenvolvimental é também compatível com os teóricos que embasaram seus estudos em
Vygotsky (e.g., COLE, 1985; LURIA, 1976; ROGOFF, 1982) e que enfatizaram as origens
contextuais, históricas e culturais do pensamento humano.
Enquanto para Piaget o desenvolvimento cognitivo ocorre pela maturação, de
“dentro para fora”, enfatizando a face biológica, para Lev Vygotsky (1896-1934), o
ambiente exerce influência sobre as crianças e o desenvolvimento ocorre de “fora para
dentro”, a chamada internalização. Vygotsky desempenhou importante papel na teoria do
desenvolvimento cognitivo, embora sua carreira tenha sido muito breve, devido ao seu
falecimento prematuro. Duas de suas teorias: a internalização e a zona de desenvolvimento
proximal, exercem enorme importância e influência mesmo nos dias atuais. Seus
argumentos eram de que para as crianças, signos e palavras são um meio de contato social,
e a fala um dos elementos que atuam sobre a formação dos processos mentais superiores.
Para aprender, vários processos internos são acionados quando ela interage com outras
4
Development is not the specification of the outcome – the product – but is the route by which the organism
moves from an earlier state to a more mature state.
35
pessoas em seu ambiente. Depois de internalizados, os processos passam a fazer parte das
aquisições de desenvolvimento independente da criança. A zona de desenvolvimento
proximal (ZPD) é a distância entre a capacidade de desempenho e a competência da
criança.
Para Piaget (2002), quanto mais a criança torna-se capaz de generalizar seus
estímulos, os esquemas tornam-se mais refinados. Ao ocorrer a assimilação, ocorre também
a incorporação dos meios externos a um esquema, sendo o processo pelo qual o indivíduo
capta o ambiente e o organiza, somando uma nova informação a um esquema já existente.
A acomodação é a modificação de um esquema pelas particularidades do objeto a ser
assimilado, isso pode ocorrer de duas formas: criando-se um novo esquema onde se encaixa
o novo estímulo ou, modificando um existente, e incluindo-o. Depois da acomodação há
uma nova tentativa de encaixe do estímulo ocorrendo a assimilação. A equilibração é a
trajetória de uma situação de menor equilíbrio para outra de maior. A fonte do desequilíbrio
ocorre quando se espera que algo aconteça de determinada maneira, e isto não acontece. O
processo equilibrador da assimilação e acomodação é o responsável pelas mudanças no
desenvolvimento cognitivo e o desequilíbrio acontece nas mudanças de estágios. Piaget
divide o desenvolvimento cognitivo em quatro estágios: sensório-motor, pré-operatório,
operatório concreto e o operatório formal.
As crianças com idade entre 3 a 6 anos, estariam na fase pré-operacional,
caracterizada pelo desejo de experimentar intencionalmente os objetos físicos, tendo
capacidade para pensar simbolicamente, porém sem a utilização do raciocínio lógico. As
crianças imaginam seus objetos ou pessoas por intermédio de representações mentais, mas
somente na fase seguinte conseguirão pensar na lógica. A comunicação verbal ocorre lado a
lado com o pensamento representativo, porém de maneira egocêntrica, não apresentando
36
muita coerência. A criança aborda aquilo que está em sua mente e as modificações
acontecem somente conforme seu desenvolvimento cognitivo prossegue. A grande
limitação nesta fase é a manipulação de conceitos, pois as crianças apresentam a tendência
para focalizar somente em um aspecto observável de um objeto ou uma situação.
Em seu experimento, Piaget mostrou às crianças dois trenzinhos em trilhos distintos
e paralelos, que partiriam em horários diferentes. Os trens tinham pausas distintas e logo
em seguida, velocidades também distintas. Sua pergunta relacionada sobre qual seria o trem
mais veloz, trouxe-lhe como resposta, nas crianças entre 4 a 5 anos, que estas
concentravam-se em apenas um ponto, a posição final do trem, não dando importância a
alguns outros aspectos relevantes.
A criança no estágio pré-operatório, também apresenta dificuldade em relação à
quantidade quando surgem mudanças, que para o adulto seria de fácil percepção, como por
exemplo: se for colocada água em um copo largo e baixo e depois transferir essa mesma
água para um copo estreito e alto, elas tendem a acreditar que o copo alto e estreito possui
maior quantidade; quando oferecido às crianças duas bolinhas de argila do mesmo tamanho
e uma delas é esticada como “salsicha”, elas acreditam que aquela com formato de
“salsicha” possui maior quantidade de argila; se duas linhas de lã idênticas são colocadas
em paralelo e em seguida, a linha inferior for deslocada, elas acreditarão que esta linha é
maior; quando têm-se duas fileiras de bolinhas paralelas e com a mesma quantidade, após
espalharmos a fileira abaixo, elas acreditarão que esta fileira é maior.
Thelen e Smith (1994) questionam: qual seria a natureza do processo de
desenvolvimento que se encaixaria aqui? As crianças pré-escolares podem fazer inferências
transitivas e, aparentemente, utilizando os mesmos mecanismos que os adultos, mas elas
não conseguem se lembrar de sentenças comparativas. Uma tarefa de inferência transitiva é
37
uma das quais nós inferimos uma terceira relação a partir de outras duas. Essas crianças
conseguem seriar em suas mentes, mas não na realidade. Elas podem fazer inferências
transitivas, mas necessitam de um suporte muito especial para realizar a tarefa, pois em
seus cotidianos, raramente fazem tais inferências transitivas.
Thelen e Smith (1994: xx) questionam ainda, alguns pontos da teoria de Piaget, por
exemplo, no caso da equilibração como um processo fundamental de aquisição de novas
estruturas. Segundo elas, Piaget adaptou sua formulação de equilibração deliberadamente
do embriologista Waddington (HAROUTUNIAN, 1983), e a metáfora raiz é orgânica e
sistêmica
5
, mas, não houve uma investigação adequada quanto ao processo por parte de
Piaget e o foco direcionou-se para o resultado estrutural. As pesquisadoras argumentam que
as seguintes questões não foram devidamente respondidas: O que é equilibração? Por que
e como o organismo procura uma relação estável com o seu meio ambiente? O que move o
organismo a buscar novos níveis de resolução de problemas?
6
(THELEN E SMITH, 1994:
XX). As crianças de idades diferentes interagem de maneiras qualitativamente diferentes,
e mesmo não sendo possível descrever essas diferenças, o comportamento de uma criança
de 1 ano de idade não é o mesmo de uma criança de 3 anos, e assim sucessivamente. Numa
visão geral, as diferenças intelectuais entre crianças de diferentes idades se parecem com as
descrições de Piaget.
Apesar disso, o consenso científico acredita que parte da teoria de
Piaget que afirma que as mudanças nas estruturas lógico-matemáticas,
aquelas que fundamentam a cognição estão incorretas. A teoria
cognitiva de Piaget enquadra-se na ordem do desenvolvimento em larga
escala, mas falha ao tentar capturar em detalhes a complexidade e a
5
Piaget adapted his formulations of equilibration deliberately from the embryologist Waddington
(Haroutunian, 1983), and the root metaphor is both organic and systemic.
38
desordem do desenvolvimento cognitivo (THELEN & SMITH,
1994:22)
7
.
Piaget e Vygotsky tinham profundo interesse pelas respostas incorretas dos testes
aplicados nas crianças. Vygotsky acreditava que deveríamos proporcionar a elas, um
ambiente de avaliação mais dinâmico, e a cada resposta errada, a criança deveria receber
uma seqüência gradual de sugestões, facilitando a resolução dos problemas. A capacidade
para utilizar as sugestões seria avaliada averiguando-se a maneira como a criança pode
expandir-se. Para ele, toda psicologia estaria relacionada com o desenvolvimento e deveria
consolidar as práticas de observação, experimentação e análise. A observação e a
experimentação representariam um microcosmo do desenvolvimento. A análise se
concentraria no surgimento do pensamento superior pelas relações entre indivíduo e grupo;
e a experimentação promoveria o desenvolvimento fazendo com que o pensamento superior
surgisse para o exame controlado (FRAWLEY, 2000:94).
Thelen e Smith trabalham com variáveis biológicas na abordagem dinâmica e com
atividades neuronais, ao invés de símbolos, conforme já apontado no início deste capítulo.
O corpo não deve ser entendido como um produto pronto, as imagens mentais estão sempre
fluindo de maneira contínua e as representações corpóreas nem sempre são simbólicas
(GREINER, 2005:36). As pesquisadoras recusam a separação entre cognição e sua
encarnação. Para elas, a cognição não se move em passos determinados. O desenvolvimento
6
What is equilibration? Why and how does the organism seek new levels of problem solving?
7
Nonetheless, the scientific consensus is that the part of Piaget’s theory that posited changes in the
logicomathematical structures that underlie cognition is wrong. Piaget’s cognitive theory fit the orderliness
of development on the large scale, but it dramatically failed to capture the complexity and messiness of
cognitive development in detail.
39
cognitivo não se parece com uma banda marchando; ela se parece mais com uma multidão
se movendo
8
(THELEN & SMITH, 1994:22).
No sistema educacional da atualidade, embora nos primórdios de uma mudança, na
grande maioria as instituições de ensino ainda operam sob o domínio da individualização,
da separação dos educandos por classes e pautado pela construção da figura do professor
como um vigia que é o centro de todo o processo. Caberia aqui uma analogia com a
metáfora do Panopticon, de Jeremy Bentham, um projeto de arquitetura de vigilância ao
mesmo tempo global e individualizante. Eram poucos os textos, os projetos referentes às
prisões em que o “troço” de Bentham não se encontrasse. Ou seja, o “panopticon”.
O princípio é: na periferia, uma construção em anel; no centro,
uma torre; esta possui grandes janelas que se abrem para a
parte interior do anel. A construção periférica é dividida em
celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. Estas
celas têm duas janelas: uma abrindo-se para o interior,
correspondendo-se às janelas da torre; outra, dando para o
exterior, permite que a luz atravesse a cela de um lado a outro.
Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela
trancafiar um louco, um doente, um condenado, um operário ou
um estudante. Devido ao efeito da contraluz, pode-se perceber
da torre, recortando-se na luminosidade, as pequenas silhuetas
prisioneiras nas celas da periferia. Em suma, inverte-se o
princípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam
melhor que o escuro que, no fundo, o protegia (FOUCAULT,
2000:210).
8
Cognitive development does not look like a marching band; it looks more like a teeming mob.
40
Foucault (op.cit.) reconhece ainda que mesmo antes das idéias de Bentham já existia
esta mesma preocupação e um dos primeiros modelos de isolação foi colocado em prática
na Escola Militar de Paris, em 1751. Eram construções feitas de celas envidraçadas que
permitiam a vigilância dos alunos mesmo durante a noite. Quando o irmão de Bentham
visitou essa Escola Militar teve a idéia do Panopticon, mas a formulação é de autoria de
Bentham. Um sistema ótico que facilita o exercício do poder. E complementando, cada um
permanece em seu lugar porque pode estar sendo vigiado, sem fazer contato com seus
companheiros, e permitindo que o poder se exerça automaticamente (SINGER, 1997:44).
Para Michel Foucault (2000:215) Bentham complementa Rousseau no tocante ao
sonho rousseauniano de estabelecer uma sociedade transparente, sem zona obscura, nem
privilegiada pelo poder real, pelas prerrogativas de tal ou tal corpo, e Bentham é tudo isto e
também o contrário, ao colocar a questão da visibilidade organizada pelo olhar dominador;
os dois se complementam e o todo funciona: o lirismo de Rousseau e a obsessão de
Bentham.
Em relação ao ensino e pesquisa, caberia ainda analogamente ao que pontuou Muniz
Sodré (2005), a urgente necessidade de uma crítica aos paradigmas vigentes e a busca a um
novo paradigma, principalmente, em relação ao diálogo com o entorno e com a realidade.
O surgimento das propostas democráticas seria uma resposta para tal busca?
Segundo Singer (1997:165), nas escolas democráticas o grande fator diferencial é que o
poder pertence a todos e as regras, estas sim é que são freqüentemente examinadas. A
análise foucaultiana tem sido uma das mais propícias para determinar o ponto de ruptura
das escolas democráticas em relação ao modelo dominante (op.cit: 25). Lembrando que o
viés da autonomia na criança não se dá unicamente mediante a “conscientização”,
passando também pelas dimensões inconsciente, emocional e mesmo física (op.cit). O
41
movimento das escolas democráticas recusa os mecanismos de sujeição, sendo estudado
por Singer como um saber não dominado pelo poder, como uma possibilidade de
resistência ao controle da vida, reivindicando a autonomia das crianças sobre o seu
próprio corpo (op.cit:47).
Nas experiências em que o corpo participa, uma das questões estudadas pelos
cientistas da cognição diz respeito a como despontam as questões que envolvem a emoção.
A razão não é desencarnada nem tampouco transcendente,
universal; ao contrário do que se tornou consensual, ela não é
sequer consciente e sim, na sua maior parte, inconsciente;
também não é literal, e sim, altamente metafórica e imaginativa;
e não é neutra, mas sim carregada de emoção. Compreendendo
que razão e emoção fazem parte da mesma ação de conhecer,
que natureza não se contrapõe à cultura, caminha-se com mais
conforto para a hipótese de que o corpo é, então, aquilo que a
evolução permitiu que ele fosse - uma seleção entre as
informações disponíveis no universo, operada ao longo de
milhões de anos, desde que a vida surgiu (KATZ, 2004).
Na ação de conhecer, Paulo Freire (1996:45) pontua que existe na vida cotidiana
dos professores e alunos, algum pormenor que possui peso significativo, apesar da pouca
importância dada, o valor dos sentimentos e das emoções.
Este tema vem sendo discutido por vários cientistas e filósofos há algum tempo,
mais exatamente, a partir do final da década de 1980, dentro de uma tendência chamada
“terceira cultura”. Segundo o editor John Brockman (apud. GREINER, 2005:34) a terceira
cultura consistiria na novíssima produção de cientistas e outros pensadores interessados
no mundo empírico e em tornar visíveis os significados de nossas vidas redefinindo quem e
o que somos. Alguns pesquisadores cognitivistas como Dennet (1995,1996,1998); Pinker
42
(1997,2004); Dawkins (2001), destacam-se nos estudos do corpo biológico em relação com
o ambiente, porém, diante da necessidade de um recorte teórico, nesta tese será dado
enfoque para a pesquisa de António Damásio (2004); Humberto Maturana e Francisco
Varela (2001); Francisco Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch (1991); no tocante à
educação, o pensamento de Paulo Freire (1992,1996), Silvio Gallo (2000); e em relação à
comunicação, Muniz Sodré (2002,2006) e Martin-Barbero (2004).
António Damásio (2004) discute a natureza e o significado humano do sentimento
pelo viés da neurociência. Os sentimentos podem revelar o estado da vida dentro do
organismo. A ciência negava qualquer explicação neurocientífica para os fenômenos
mentais, mas, ao estudar os doentes neurológicos, várias hipóteses foram levantadas:
Primeiro, era óbvio que certas espécies de sentimentos podiam
ser bloqueadas pela lesão de um setor cerebral discreto; a perda
de um setor cerebral específico implicava a perda de uma classe
específica de fenômeno mental. Segundo, era também óbvio que
sistemas cerebrais diferentes controlavam diferentes espécies de
sentimentos; a lesão de uma certa região anatômica cerebral
não causava a perda de todas as formas possíveis de sentimento.
Terceiro, quando os doentes perdiam a capacidade de exprimir
uma certa emoção também perdiam a capacidade de ter o
correspondente sentimento. [...] A emoção e o sentimento eram
irmãos gêmeos, mas tudo indicava que a emoção tinha nascido
primeiro, seguida pelo sentimento, e que o sentimento se seguia
sempre à emoção como uma sombra (DAMÁSIO, 2004:13-14).
No processo de sentir (DAMÁSIO, 2000:192), o modo como experienciamos,
depende de como compreendemos o que é consciência. Não é suficiente a descoberta das
substâncias químicas que permeiam os sentimentos e emoções, é preciso descobrir de que
43
modo as representações do corpo se tornam subjetivas, de que modo se tornam parte do
ser que as possui. Em relação ao sentimento, existem dois componentes principais no
mecanismo neural que estão por baixo de tal questão. O primeiro se registra no início do
processo e o segundo está ligado ao "eu". O cérebro necessita de um meio para poder
representar a ligação de causa entre um indivíduo e o estado do corpo. As associações
positivas ou negativas que ocorrem, acontecem provavelmente na zona de convergência
que intermedia os sinais do corpo e os sinais relativos à entidade que causa a emoção.
Com isto se preserva a ordem no início de toda a atividade cerebral mantendo a atividade e
atenção por meio de conexões de feedback (op.cit: 193).
As emoções são conjuntos complexos de reações neurais e químicas formadoras de
um padrão que possui um papel regulador a ser desempenhado. Estão ligadas à vida do
organismo, ao corpo, tendo como responsabilidade auxiliar a conservação da vida por
processos determinados biologicamente, a variedade de reações emocionais é responsável
por mudanças profundas na paisagem do corpo e do cérebro (op.cit: 75). Existem também
as emoções de fundo, que são aquelas perceptíveis nos indivíduos mesmo que não sejam
ditas em palavras, mas observadas pelos gestos, posturas ou movimentos do corpo, por
exemplo, quando esses indivíduos estão irritados, felizes, angustiados, animados. Em suma,
certas condições de estado interno engendradas por processos físicos contínuos ou por
interações do organismo com o meio, ou ainda por ambas as coisas, causam reações que
constituem emoções de fundo (op. cit).
Todo processo ontogênico no ser vivo acontece em transformação estrutural
contínua, esse processo não interrompe sua identidade nem seu acoplamento estrutural com
o meio desde seu início até a desintegração final (MATURANA E VARELA, 2001: 143). Os
pesquisadores citam o curioso caso de duas meninas de uma aldeia bengali do norte da
44
Índia, que em 1922, foram encontradas por missionários vivendo com uma família de
lobos. Elas cresceram em total isolamento de qualquer contato humano, ingeriam carne
crua, não falavam, caminhavam de quatro e seus hábitos eram noturnos. As crianças tinham
respectivamente, cinco e oito anos de idade, eram sadias e não apresentavam nenhum tipo
de debilidade em sua capacidade mental. A menina menor faleceu algum tempo após ser
retirada de seu habitat e a maior viveu por cerca de dez anos. A menina que sobreviveu,
com o passar dos anos aprendeu a caminhar sobre os dois pés e mudou seu hábito alimentar
e embora fizesse uso de algumas palavras, jamais chegou a falar. Maturana e Varela
afirmam que embora as meninas tivessem a anatomia e a fisiologia humana, elas não
chegaram a acoplar-se ao contexto humano. [...] Nós, seres de carne e osso, não somos
alheios ao mundo em que existimos e que está disponível em nosso existir cotidiano
(2001:146).
Nas práticas pedagógicas e suas experiências de trocas com o mundo destaca-se a
visão de Paulo Freire (1996:72) que chama a atenção para a prática educativa com alegria e
esperança. Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança.
A esperança do aprendizado conjunto entre professor e aluno, produzindo a alegria. A
esperança faz parte da natureza humana. A esperança é uma espécie de ímpeto natural
possível e necessário, a desesperança é o aborto deste ímpeto.
Não se pode apartar a melhoria da aprendizagem sem a possibilidade de ensino e
pesquisa. Mas, as áreas do conhecimento não passam de recortes de domínios mais amplos
(GREINER, 2005:126). Pensando nos estudos do corpo, não basta o esforço de colar
conhecimentos buscados em disciplinas aqui e ali. Nem trans nem interdisciplinaridade se
mostram estratégias competentes para a tarefa. Por isso, a proposta de abolição da
45
moldura da disciplina em favor da indisciplina que caracteriza o corpo (KATZ apud
GREINER, 2005:126).
Na obra Antropológica do espelho, Muniz Sodré traz a abordagem indisciplinar
(2002:235) como um percurso cognitivo que é da ordem da radicalidade do trans, isto é,
de um campo de relações hipertextuais ou de interfaces entre os “seres de espírito”. Sodré
(op.cit: 233) explica a especificidade da vinculação social em sentido lato como um núcleo
objetivo de uma ciência da comunicação. Em sentido estrito, a evidência de que as
práticas socioculturais ditas comunicacionais ou midiáticas vêm se instituindo como um
novo campo de ação social chamado bios midiático. É necessária uma outra posição
interpretativa para o campo da comunicação, que dê conta da diversidade de trocas que
trazem consigo os dispositivos do afeto, daquilo que está além do conceito, que diz respeito
muito mais ao sensível do que ao racional. Por exemplo, a dimensão da corporeidade das
experiências de contato direto em que se “vive”, mais do que se interpreta
semanticamente, o sentido: sentir implica o corpo, mais ainda, uma necessária conexão
entre espírito e corpo (SODRÉ, 2006:13). Neste caminho teórico, Sodré aponta a
importância do sentimento e da emoção, considerando-os subjacentes a uma nova forma de
socialidade.
Nos estudos comunicacionais, o pensamento de Martín-Barbero (2004) se define
pela dimensão cultural-sócio-histórica como eixo essencial de seu raciocínio. Segundo este
autor, é necessário compreender o processo histórico na construção do conhecimento em
comunicação para não se correr o risco de definir a comunicação como um objeto abstrato.
Martin-Barbero estuda os processos de comunicação na América Latina através da
diversidade temporal e cultural, utilizando a metáfora de mapas, lugares, territórios e
46
trajetórias como metodologia para o entendimento das pesquisas e métodos no estudo da
comunicação. O autor aponta a comunicação como um processo de dominação citando a
análise de Paulo Freire sobre as questões da opressão interiorizada, quando o oprimido via
no opressor seu testemunho de homem (MARTIN-BARBERO, 2004:21). O autor cita
também o pesquisador chileno Martin-Hopenhayn (op.cit: 352) que estabelece os “códigos
da modernidade” como objetivo básico da educação, condizentes com uma sociedade
democrática. Esses códigos são: formar recursos humanos, construir cidadãos e
desenvolver sujeitos autônomos. A escola deve assumir os desafios que as inovações
tecnoprodutivas e laborais traçam em termos de novas linguagens e novos saberes, pois
seria suicídio alfabetizar para uma sociedade cujas modalidades produtivas estivessem
desaparecendo. Mas não significa formar e adequar os recursos humanos para a produção.
Na construção do cidadão, a educação deve ser capaz de ensinar a ler o mundo com
mentalidade crítica, questionadora, desajustadora da inércia, desajustadora do
acomodamento na riqueza, ou da resignação na pobreza; uma educação capaz de trabalhar
a cultura política no cidadão. A educação deve procurar desenvolver sujeitos autônomos
para que possam sobreviver a uma sociedade que homogeneíza, mesmo quando cria
possibilidade de diferenças. De um modo geral, tal pensamento é bastante próximo ao
pensamento de Paulo Freire.
Silvio Gallo (2000) levanta a questão sobre qual seria a função da escola
atualmente? A instrução, a transmissão de conhecimentos ou a formação integral da
pessoa? Para o autor, no próprio conceito de educação perpassa uma crise. Educação e
instrução são processos complementares que formam o indivíduo. A educação não é a mera
transmissão de conhecimentos, é necessário, também, refletir sobre a postura diante da
47
realidade. E essa postura não se adquire pelo discurso. A instrução fornece os meios
básicos para que o aluno possa participar da sociedade em que vive. Qualquer aula
acrescenta ao aluno, mas não pelo discurso do professor e sim pelo posicionamento que
assume em seu relacionamento aos alunos, pela participação que suscita neles, pelas
novas posturas que eles são chamados a assumir. Não pelo confinamento em sala de aula,
mas sim pelas inúmeras relações que ocorrem no ambiente escolar, com a comunidade,
com os outros alunos, funcionários, professores. A formação integral do educando requer a
instrumentalização; a transmissão dos conteúdos; a formação social pelo exercício de
posturas e relacionamentos que sejam expressão da liberdade, da autenticidade e da
responsabilidade.
No processo de conhecer, ainda retomando Paulo Freire, a experiência de abertura é
algo fundamental para o “ser” inacabado diante do mundo e em busca de explicações para
suas inquietações. O fechamento torna-se transgressão à natureza da incompletude. Nessa
abertura surge a relação dialógica que se confirma como inquietação e curiosidade, como
inconclusão em permanente movimento na História (FREIRE, 1996:136).
Mas, com o crescimento informacional e a saturação de dados do mundo
contemporâneo, o significado do “saber” vem sofrendo modificações nunca antes
observadas, conforme pontua o professor e ganhador do prêmio Nobel Herbert Simon. Seu
pensamento complementa a proposta de Paulo Freire. Não se trata mais de conseguir as
informações, o indivíduo deve ser capaz de encontrá-las e usá-las
9
. É muito difícil a
obtenção de uma cobertura educacional ampla à magnitude do conhecimento. Portanto, a
9
H.A. Simon “Observations on the Sciences of Science Learning. Elaborado para o Committee on
Developments in the Science of Learning for the Sciences of Science Learning: an Interdisciplinary
Discussion. Department of Psychology, Carnegie Mellon University, 1996.
48
tarefa poderia se pensada em termos de auxílio aos estudantes no sentido de desenvolver
ferramentas e estratégias intelectuais de aprendizagem necessárias para dar sustentabilidade
à inquietação e à curiosidade.
49
1.3. Procedimentos da Escola Lumiar
A formação da Escola Lumiar começou por iniciativa do empresário Ricardo
Semler, autor de vários projetos polêmicos, entre eles, Virando a própria mesa, obra que
trata, sobretudo da desconstrução dos mecanismos condicionantes que reinavam nas
estruturas de sua empresa. Ainda muito jovem, Semler, ao assumir o comando corporativo,
enfatizou a necessidade de uma proposta inovadora de gestão. Uma das principais
transformações aconteceu no início dos anos 80, com a proposta de abolir os cartões de
ponto e romper com o sistema hierárquico da Semco S/A, empresa ligada ao setor de
serviços, maquinários e computação. Semler destacou-se pela atitude inclusiva voltada à
gestão participativa que possibilitava maior liberdade e ousadia criativa aos colaboradores.
Baseado no êxito obtido por sua proposta, tornou-se consultor requisitado proferindo
centenas de palestras em diversos países.
Do plano empresarial para o educacional, a proposta fundamentada pela gestão
democrática exigiu repensar a sala de aula rompendo com os amálgamas vigentes até então.
Nesse processo, que envolveu anos de maturação, criou-se a Fundação Semco e o Instituto
Lumiar, da qual a Escola Lumiar participa como projeto experimental.
A Fundação Semco é a instituição responsável pela captação de recursos financeiros
e suporte aos alunos bolsistas. E um dos objetivos da escola é possibilitar a convivência de
pessoas de diferentes culturas, origens sociais e idades, construindo em conjunto um
50
conhecimento sem hierarquias onde os jovens adquirem a capacidade de valorizar e
aprender com as diferenças. O projeto inicial da Escola Lumiar contou também com a
parceria da socióloga e pesquisadora Helena Singer, estudiosa das escolas democráticas de
inúmeros países e autora do livro República de crianças, resultado de sua dissertação de
mestrado desenvolvido na Universidade de São Paulo.
Comum a todo processo democrático, as mudanças e reestruturações fizeram parte
do contexto da formação dinâmica. Em dezembro de 2006, Helena Singer e alguns
educadores decidiram pelo afastamento da Escola Lumiar, fundando uma outra instituição
pautada pelos mesmos princípios democráticos. A Escola Lumiar iniciou sua atividade
voltada para a construção de um projeto baseado na auto-gestão infantil. Nela, as próprias
crianças estabelecem suas regras, decidindo em assembléias questões relacionadas aos seus
interesses na aprendizagem. As crianças têm o mesmo poder de voto que seus pais,
educadores e funcionários, não havendo separação por classes nem por procedimentos
seriados.
Em 2003, no início de sua formação, a escola contava com 22 alunos de idades que
variavam entre 2 a 6 anos e, gradativamente, essa proporção foi sendo ampliada para idades
maiores. Em 2005, estudavam 52 crianças com idades entre 2 a 12 anos, tendo sido
incorporado conforme previsto o ensino fundamental, segundo a legislação brasileira, a
LDB (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação). As novas formas de organização escolar
tornaram-se possíveis, conforme lembrou Helena Singer, quando a LDB desde 1996 e os
PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de 1998, romperam com a rígida
compartimentação do ensino por disciplinas. Em 2006, a escola contava com 70 educandos
matriculados, com idades entre 2 a 14 anos. Em 2007, com a reestruturação da escola, o
51
número de alunos diminuiu para 65, mas com planos para captação de novas matrículas e
na viabilização da auto-suficiência financeira, dentro do projeto que leva em conta a auto-
gestão.
Conforme pontuou o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, o desafio da escola
sem sala de aula é romper com a turma como escala e romper com a sala de aula como
espaço (SEMLER, 2004:38). Nesse sentido, na Escola Lumiar procura-se dissolver as
fronteiras do espaço físico do antigo casarão, quebrando a geografia educacional (op.cit:9)
e destituindo a soberania de objetos símbolos tradicionais, como a lousa e a carteira.
Funda-se um espaço de convivência em que paredes internas são derrubadas, abrindo-se
para novos ambientes. As portas e janelas não são molduras divisórias de ambientes e sim,
parecem mesclar o interno ao externo, harmonizando a natureza de fora ao concreto de
dentro. Tal planejamento pode ser lido como transmissão de uma estesia à criança e ao
visitante. Nesse contexto, vale lembrar a atuação das comissões de espaço, que são grupos
de voluntários formados por alunos, pais, educadores e mestres, com o objetivo de refletir
sobre questões de ordem estética e funcional das áreas de circulação da escola.
De maneira geral, os educadores são os orientadores dos educandos e responsáveis
pelos seus cuidados e suportes rotineiros, são os profissionais vinculados à escola. Os
mestres são especialistas em alguma área do conhecimento, não tendo necessariamente a
formação em pedagogia, mas sim, o requisito básico da paixão pela área a ser ministrada. A
proposta dos mestres é apresentada em forma de projeto (alguma área de conhecimento e de
interesse) e cadastrada no banco de dados a ser consultado conforme a necessidade dos
educandos. Tal projeto se limita a três meses de aplicabilidade e sua continuidade é
determinada pelas crianças.
52
As práticas vividas pela Escola Lumiar em seu dia a dia são comumente comparadas
à escola inglesa Summerhill, já apresentada no início desta tese, entretanto, essa
comparação não é bem recebida pela equipe da Lumiar, pois apesar de ambas seguirem os
princípios democráticos, muitas diferenças podem ser apontadas em seus procedimentos. A
Escola Summerhill caracteriza-se pelo convívio dos alunos em forma de internato e as aulas
são organizadas por disciplinas, em esquema de seriação, partindo do princípio de que a
presença dos pais atrapalha a liberdade dos alunos, oposto ao que acontece na Lumiar, onde
os pais participam democraticamente.
53
1.4. O “Mosaico” como enredamento de saberes
_________________________________________________________________________
Pensado conforme a metáfora de um mosaico artesanal, elaborado pela justaposição
de peças menores que possibilitaria a construção de uma peça maior, o Mosaico, como
aplicativo, seria a concretização da idéia de um instrumento metodológico para a
elaboração do conhecimento, ou seja, pelo desenho dos projetos se permitiria visualizar o
percurso dos interesses das crianças.
De um modo geral, a proposta do “Mosaico” poderia ser pensada como a metáfora
de um aplicativo multimidiático formado pelo enredamento de saberes, caracterizado pela
construção auto-organizativa dos educandos e por um ambiente educacional com propósitos
democráticos. Na fomentação da aprendizagem, de acordo com as particularidades
características da criança em seu processo de formação, propõe-se observar e discutir a
idéia dos formulários impressos em que a abordagem das artes, em geral, é destacada pela
voz das próprias crianças.
O mestre descreve suas atividades em forma de relatório, que será uma peça no
projeto macro. O Mosaico pretende estabelecer o enredamento de saberes e a cooperação
descompartimentada. No transcorrer desta pesquisa, o Mosaico encontrava-se em fase de
desenvolvimento e assim, os registros estavam sendo organizados em formulários
referentes a um trimestre de atividades e divididos em: Mosaico do Estudante; Mosaico do
Projeto e Relatório sobre o Educando.
54
Enquanto peça de composição do Mosaico tem-se como parâmetro descritivo alguns
escritos de educandos, do ensino Fundamental II, preenchidos de forma impressa.
Atualmente, o aplicativo macro encontra-se em fase de desenvolvimento pelos
programadores da Microsoft. Em 2006, a Escola Lumiar teve seu projeto selecionado para
receber suporte e auxílio na construção do Mosaico. Mesmo pelos formulários impressos é
possível a visualização dos caminhos que a criança percorreu, a exemplo do “Mosaico
Individual”, em que pelo Projeto: Maquetes, a criança também aprende sobre matemática e
artes.
O que diferencia esses formulários dos convencionais adotados pelas escolas
tradicionais, diz respeito ao seu modo de organização, que permite ao educando a
participação nas decisões sobre aquilo que gostaria de aprender. Além disso, essa peça
(como uma peça de mosaico) será inserida em um aplicativo que possibilite ser trabalhado
on-line, a qualquer momento. O sistema está cadastrado no site da Wikipedia e os dados são
freqüentemente modificados pelos educandos, educadores e mestres. Ainda em processo,
está sendo construído pela elaboração de registros, relatórios e acompanhamentos. Os
relatórios fornecem a imagem do desenvolvimento dos projetos e do interesse dos
educandos como etapa fundamental enquanto instrumento de acompanhamento. A atenção
é voltada aos interesses das crianças observando suas ações. Essas ações permitem
averiguar o itinerário de descobertas.
A posição do mestre que oferece o conhecimento somente aos interessados exige
maior esforço e atenção na conquista da audiência, o que talvez, viabiliza a estratégia de
sustentabilidade na composição das peças do projeto. O respeito à singularidade da criança
também é um dos pilares de sustentação e seriedade edificados pela escola. Se não há
interesse, não há a obrigatoriedade na permanência da atividade.
55
Para que se possa entender o processo de construção, ainda que de forma
sintetizada, a exemplo do Mosaico completo de uma estudante em um trimestre, visualiza-
se a organização distribuída em três etapas:
1) A escolha dos projetos;
2) O plano de estudos no trimestre;
3) O Mosaico de cada um dos projetos em que a criança participou.
No caso da votação dos Projetos e tomando como exemplo o formulário da
educanda C., no segundo trimestre de 2005, observa-se a descrição estabelecida na
seqüência: identificação do projeto; interesse na participação; interesse na continuidade;
sugestão no tocante a modificações.
1. Formulário de votação dos Projetos pelos Educandos
56
No verso do formulário existem outras questões e espaço para livre resposta:
outros projetos que você gostaria que fossem realizados na escola? Quais? (você poderá
sugerir o número de projetos igual ao do total de projetos que você realizou neste
trimestre). No exemplo de C., sua escolha ocorreu da seguinte forma: 1) Química; 2)
Esportes; 3) Música: violão, bateria, essas coisas...; 4) Dança: jazz; 5) Alemão. Logo
abaixo, há um adendo em símbolo gráfico de estrela: Gostaria que o Projeto da Vanessa e
da Babi também fosse para os grandes. No espaço seguinte, a educanda assinala o seu
nome e o da educadora e complementa com a data. A identificação se confunde em alguns
momentos, pois se observa no canto superior da parte frontal do formulário, escrita em letra
cursiva, de adulto, um nome sublinhado e logo ao lado, levemente na diagonal, um duplo
sublinhado nas duas letras de difícil distinção. Acima da logomarca do papel timbrado
Lumiar, está assinalado o número 10, envolto em um círculo feito às pressas (em que as
bordas não se tocam) indicando o número de projetos que C. realizou no trimestre anterior.
2. Verso do Formulário de votação dos Projetos pelos Educandos
57
Embora não se saiba se o preenchimento deste formulário é um caso a parte em
termos de interferência e participação cooperativa de um adulto, percebe-se que C. possui
autonomia para se expressar, tendo em vista, por exemplo, a manifestação de seu pedido
acima.
Em relação ao detalhamento do Plano de Estudos, nota-se que a sua elaboração é
realizada de forma a conter símbolos gráficos de fácil visualização para a criança. Neste
formulário em formato de calendário semanal, as coordenadas são distribuídas contendo, de
um lado, os dias da semana na horizontal - de segunda a sexta; e na vertical - os horários. A
figura de um relógio é colada sobre a marcação correspondente às 10:00 horas. Esta coluna
tem início às 10:00 seguindo até as 17:00 horas. No topo da página há o espaço de
identificação, seguida pela descrição a que se refere o formulário. Para desenvolver tais
formulários, percebe-se o olhar atento em relação à distribuição espaço-temporal tal qual a
elaboração de um artesanato criativo que aprisiona e atualiza a descoberta de caráter
fugaz (SALLES, 2000:107).
3. Formulário Plano de Estudos
58
O formulário “Plano de Estudos” é elaborado de forma lúdica tentando transmitir
aconchego visual para a criança. Nota-se a presença de inúmeras figuras circulares
distribuídas ao longo do formulário, talvez de forma proposital.
Conforme explica Arnheim (2000), o circulo é a primeira forma organizada a
emergir dos rabiscos mais ou menos sem controle na criança, e sendo a forma mais simples
no meio pictórico, sua simetria em todas as direções permite que uma criança pequena o
utilize para representar quase todos os objetos. Assim, a criança poderia familiarizar-se
mais rapidamente com esse tipo de prática de preenchimento.
4. Mosaico Individual
59
No Mosaico Individual observa-se a despreocupação de C. com a estética no
preenchimento, é aparente a liberdade de traços, constituída por letras de forma e cursivas
somadas a algumas rasuras. A educanda respondeu de forma sintética seus objetivos,
parecendo compreender o propósito do formulário, visível pelas frases curtas de suas
respostas. A linguagem utilizada no segundo quadro, Conhecimentos prévios sobre os
temas tratados, não parece condizer com a intenção de síntese, pois parece difícil que a
criança consiga escrever de forma breve os conhecimentos prévios que possui. No
formulário de C., relativo ao Projeto “Maquetes” em resposta a essa questão, ela escreveu:
Já sei fazer algumas casinhas sem medidas.
5. Verso do Mosaico Individual
60
No verso do Mosaico Individual, o educando escreve sobre a síntese do percurso no
projeto respondendo a algumas questões: o que eu sei agora que não sabia antes? O que eu
faço agora melhor do que antes? O que mudou na forma de me relacionar com os outros?
E no último quadro há a pergunta: Meus desafios a partir deste percurso. As respostas de
C. demonstram alegria na participação dos projetos e seu engajamento com a proposta da
escola. Porém, nota-se certa dificuldade na acentuação e outros problemas gramaticais.
6. Mosaico do Projeto
O Mosaico do Projeto “Eu e meu corpo” está inserido na Área de concentração:
Ciências Naturais & Corpo e Movimento, exemplifica os relatos do mestre que constituirá
uma das peças do projeto macro enquanto registro de informação do percurso seguido em
61
sua atividade. Esse projeto foi aplicado junto aos educandos do ensino fundamental II e
através dele possibilitou-se a continuidade do projeto que já havia sido ministrado
anteriormente sobre nutrição, procurando desenvolver noções de cuidados com a saúde nos
diferentes processos que ocorrem no corpo humano. Estes projetos se interligam, tanto o de
“Kung-Fu” como o de “nutrição”, procurando desenvolver noções de cuidados com a saúde
nos diferentes processos que ocorrem no corpo humano. Ainda nesse sentido, o Projeto
“Poética pessoal” da Área de concentração: Artes Visuais procurou trabalhar com a
modelagem em argila, utilizando como foco a face humana. As crianças pesquisaram sobre
rostos em ilustrações de revistas em geral, e acrescentaram seus pontos de vista no Mosaico
Individual, tendo complementado suas pesquisas no aprendizado e manipulação da argila.
Ainda nesse enfoque, no Projeto “Percussão Corporal”, na Área de concentração: Música,
os objetivos estavam pautados pelo aprendizado de diferentes ritmos e improvisos,
utilizando o corpo como suporte. Os resultados podem ser pensados enquanto construção
processual em que se percebem pelos relatos, os percursos facilitadores existentes na
assimilação de conteúdos complexos.
62
7. Verso do Mosaico do Projeto
Posteriormente, foram realizados outros encontros com profissionais da área médica
como ginecologistas e hematologistas, seguindo a idéia de desenvolver o interesse sobre
assuntos relacionados com a fecundação, o ciclo menstrual, a gravidez, etc. em forma de
conversa e debate. Os resultados apontam a interação e a construção processual como
percursos facilitadores na assimilação de conteúdos complexos.
Nestes formulários os nomes de projetos parecem ser elaborados de forma a incitar
a curiosidade nos educandos. São eles: Vagalume; Roda de Leitura; As crianças e os
escritores; Espaço de criação; Matemática Prática; Conhecendo para Reciclar;
Gravitação; Corpo Humano; Histórias Indígenas; Etnografia da cidade; Teatro;
63
Percussão corporal; Desenho; Jogos de Rua; Kung-fu; Brincando com inglês; Brincado
com espanhol.
De certa forma, as inquietações mais freqüentes nas primeiras elaborações de
atividades se aderem às incertezas quanto à receptividade. Não existindo uma didática de
atuação, o mestre deve procurar se auto-organizar para atrair o interesse das crianças. Nesse
contexto, Edgar Morin comenta que a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo,
despertando, provocando, favorecendo a autonomia do espírito (2000:11). Tal comentário
encontra eco na voz de Helena Katz
10
(2007), ao afirmar que estuda-se para descobrir
como fazer perguntas adequadas. A autonomia que todo processo de educação deve
despertar depende da aquisição dessa habilidade preciosa: saber perguntar.
A Escola Lumiar, pensada como um processo dinâmico de auto-organização pode
ser vista como um sistema cuja peça chave é formada pelos formulários que procuram não
o que “está posto”, como encerrado, mas o que está de fato, em processo. É algo que requer
uma série de cuidados e de adaptações delicadas, através dos quais se espera poder flagrar
diferentes momentos que engendram o trajeto de construção do ambiente em que se
evidencia a relevância da arte como ensino e pesquisa.
Caberia aqui, análogo ao desvelar da relação de constituição do Mosaico com a
possibilidade de uma construção não sedimentada por disciplinas, sublinhar a hipótese de
uma formação que aponta para fronteiras a serem diluídas e ampliadas pelo viés das
descobertas? Em concordância aos pressupostos teóricos de Muniz Sodré (2006:235)
sobre o percurso cognitivo pensado pelo conceito indisciplinar.
O Mosaico, enquanto aplicativo hipermidiático que associa informações visuais,
sonoras, animações, e possibilita a conexão do verbal ao não verbal, permanece ainda em
64
construção. Esse aplicativo disponibilizará o cruzamento de informações na Internet, como
células que se unem a outras células, de forma que os educandos possam ter acesso ao
conhecimento em qualquer momento, em qualquer lugar. Embora pareça comum tal
programa, a lógica de trançar os conhecimentos em rede surge como grande desafio a ser
trabalhado pelos programadores. Enquanto tal mecanismo permanece em desenvolvimento,
os registros dos percursos realizados pelas crianças, além dos formulários impressos, estão
cadastrados no site do Wikipedia de modos que, pela posse de uma senha de acesso o
próprio educando possa interagir com seus registros.
O que se discute aqui é a idéia de tal aplicativo, que remete a um sem número de
questões, inerentes às mudanças epistemológicas suscitadas pela dinâmica de um mundo
tomado pela linguagem da interconexão e da virtualidade.
10
Ver: idança.net
65
Capítulo II
Corpo, movimento e o ajustamento dinâmico
66
Capítulo 2 – Corpo, movimento e o ajustamento dinâmico
______________________________________________________________________
A investigação “Corpomídia” vem sendo desenvolvida no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, da PUC-SP, pelas professoras Christine
Greiner e Helena Katz ao longo da última década. Tal investigação pesquisa fundamentos
teóricos que relacionam estudos da Teoria da Comunicação (e.g: Sodré 2002; Hauser 1997;
Martin-Barbero 2003) e das Ciências Cognitivas (e.g: Damásio 1999; Gardner 1994,1996;
Thelen e Smith 1994; Lakoff e Johnson 1999,2002), pensando o corpo não como um
veículo de transmissão e sim como mídia de si mesmo. Corpomídia nasce da hipótese de
que tudo o que é vivo existe como resultado sempre parcial de uma condição co-evolutiva;
e apoia-se em outros entendimentos do binômio dentro/fora, que modificam a própria
noção de fronteira (KATZ, 2004).
A importância da teoria Corpomídia para esta pesquisa vem de encontro ao
pensamento que enfatiza a singularidade do corpo da criança e sua relação com o ambiente.
Greiner e Katz (2005, 130) enfatizam essa co-relação do corpo com o ambiente e pressupõe
que o corpo necessite do mesmo, porém, não é o ambiente que constrói o corpo, o corpo se
organiza pelo fluxo de informações em sentido duplo, de forma contínua, onde um afeta o
outro e vice-versa. De acordo com a investigação de Esther Thelen e Linda Smith (1994) e
de Greiner e Katz (2005), o corpo não é uma tábula rasa para ser inscrita pelo ambiente ou
pela cultura, seu desenvolvimento não é pautado pela influência do meio ou da genética,
67
pois biologia e cultura estão entrelaçadas. Ao compreender o modo como as crianças
adquirem o controle sobre seus corpos em interação com o ambiente torna-se possível
entender as capacidades cognitivas mais complexas. Thelen e Smith (1994) analisam isso
através de experimentos com bebês e seus sistemas locomotores. Basicamente, as novas
habilidades cognitivas surgem pelo processo de ajustamento dinâmico que acontece pela
experiência exploratória.
A história do corpo não obedece a um plano seqüencial na linha do tempo, avança
para frente, mas está sempre desestabilizando o passado, modificando-o e lançando
projeções futuras (GREINER, 2005:16). Se pensarmos que a origem de todo o
conhecimento está no corpo, conforme lembra o filósofo francês Michel Serres, não se
pode conhecer qualquer pessoa ou coisa antes que o corpo adquira a forma, a aparência, o
movimento, o habitus, antes que ele com sua fisionomia entre em ação (SERRES,
2004:68).
A aprendizagem ocorre pela imitação corporal com os outros e ao tornar-se um
hábito, culmina em obediência. Um ensino que coloca os alunos diante de mestres
medíocres conduz à escravidão e à interdição da liberdade de pensar por si mesmo (op.
cit: 83).
A importância do corpo como um fluxo que não se estanca (GREINER, 2005) é a
idéia que movimenta esta pesquisa, particularmente, na relação ensino/aprendizagem. O
“ensino” que segundo Edgar Morin (2000:11), tem como missão transmitir não o mero
saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e
que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre. Morin (2005:5) afirma
que os modos simplificadores de conhecimento mutilam a realidade a ser tratada, porém, o
pensamento complexo não possui a herança filosófica, científica ou epistemológica que o
68
legitimaria. A definição de complexidade, embora integre o pensamento simplificador,
procura o conhecimento multidimensional. O pensamento complexo vive em tensão
permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não compartimentado, não
redutor, e o reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento
(op. cit: 7). O conceito de complexidade tomou forma e ramificações nos estudos de Morin,
iniciados em 1970, com O Método, estabelecendo uma metodologia para sua proposta.
A singularidade de cada corpo em formação não permite uma análise unidirecional,
principalmente porque o corpo não está separado do ambiente em que vive. A coleção de
informações que dá nascimento ao corpo humano o faz quando se organiza como uma
mídia dos processos sempre em curso - daí a transitoriedade da sua forma. Por isso, olhar
o corpo representa sempre olhar o ambiente que constitui a sua materialidade (KATZ,
2004).
Nesse contexto, vale lembrar a pesquisa de Michel Foucault e sua relevância
significativa no repensar dos problemas epistemológicos, políticos e científicos de nossos
tempos, trabalhando a questão do sujeito e sua relação com o poder. Nos anos 60, seus
estudos revolucionaram o modo como o saber e a verdade passaram a ser refletidos. Sua
obra História da Loucura modifica os múltiplos entendimentos acerca da filosofia e da
razão, da relação entre o saber e o poder e das inúmeras questões do estatuto da punição.
Estudar as obras de Foucault possibilita ir de encontro a ferramentas modificadoras e
reflexivas que vão além do mero estudo dos sistemas penais ou da sexualidade. Foi
Foucault quem percebeu a escola como uma eficiente dobradiça capaz de articular os
poderes que aí circulam com os saberes que a enformam e aí se ensinam, sejam eles
pedagógicos ou não (VEIGA NETO, 2004:17).
69
O poder disciplinar é uma forma de organização do espaço e do tempo como um
mecanismo de fabricação, manipulação e produção de um tipo de indivíduo necessário à
sociedade industrial. O controle do corpo assegura a sujeição impondo a docilidade e a
eficiência nos indivíduos. A vigilância configura-se como um instrumento que se fortalece
principalmente pelo viés da percepção. Na medida em que o indivíduo percebe que está
sendo vigiado, passa a aprimorar por si próprio a visão daquele que o observa. Foucault
(2000:146) acredita que não é o consenso que faz surgir um corpo social, mas a
materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos.
Segundo Veiga Neto (2004:136), para Foucault, o ser humano torna-se sujeito pelos
modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de transformação que os
outros aplicam sobre ele e que ele aplica sobre si próprio. Para ir de encontro à subjetivação
é necessário atenção às camadas que o circundam, discursivas ou não, e os inúmeros
saberes. Os saberes são as bases da vontade de poder e acabam sendo transmissoras do
poder a que servem. Não existem sociedades sem relação de poder. Os seus mecanismos
de funcionamento são sempre a divisão que fraciona os indivíduos na relação com os
demais. Tais forças agem sobre os corpos de modo que aquele que é submetido à sua ação o
aceite como natural e necessário, indo além da esfera psicológica, para originar corpos que
necessitam participar e por isso, são corpos políticos (op.cit: 144).
O sistema de ensino para Foucault é a própria ritualização da palavra, a qualificação
e fixação dos papéis para os sujeitos que falam. Todo sistema de educação é uma maneira
política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os
poderes que eles trazem consigo (FOUCAULT, 1999:44).
Nas práticas escolares contemporâneas surgem inúmeras investigações, seja na
educação infantil ou no ensino universitário, que operam no sentido de estabelecer os
70
indivíduos como sujeitos cujas identidades são cada vez mais descentradas, instáveis,
mutantes, conforme Veiga Neto
11
. Para o pesquisador, o currículo escolar é o dispositivo
que institui a sociedade disciplinar na Modernidade. A estrutura disciplinar do currículo
não é um atributo epistemológico per se, mas é a forma (arbitrária) que se mostrou mais
produtiva para o controle social, num mundo que se expandia geograficamente. Junto ao
poder disciplinar imprime-se a classificação e a hierarquização dos saberes em busca de um
ordenamento discursivo.
Dentro do percurso epistemológico dos estudos do corpo, vale lembrar que quando
Merleau Ponty desenvolvia seu trabalho, entre os anos 1940 e 1950, as ciências da mente
encontravam-se ainda dispersas. No início da década de 1970, o termo Ciência Cognitiva
começava a ser largamente empregado como uma nova matriz interdisciplinar pelo viés do
encontro entre a neurociência, a psicologia cognitiva, a lingüística, a inteligência artificial e
a filosofia.
Os estudiosos do corpo passaram a transitar por novas tendências, estabelecendo
cruzamentos entre disciplinas que na década de 1990, colaboraram para o surgimento de
inúmeras publicações sobre a moderna filosofia da mente. Muitos cientistas (e.g: Varela et
al. 1991; Damásio 1994 e 2000; Pinker 1997; Dennett 1996 e 1998, Lakoff e Johnson 1999)
começam a trabalhar na investigação dos cruzamentos entre mente, corpo e os processos de
aquisição do conhecimento.
Varela et. al. (1991), reconhece a importância da fenomenologia, mas chama a
atenção para o fato de que a fenomenologia ainda mantinha dualidades entre corpo e corpo
vivo e que as soluções para o dilema pertenciam apenas à ordem do discurso. Daí sua opção
11
Em entrevista para a Revista IHU Online – Edição 209, 18 de Dezembro de 2006.
71
pela ciência, com a análise do corpo em si mesmo e não o discurso sobre o corpo. O
cérebro existe no corpo e o corpo no mundo, assim, o organismo age dentro do mundo.
Maturana e Varela (2001) apontam a vida como um processo de conhecimento que clama
para ser decifrada, conhecê-la implicaria em entender como os seres vivos aprendem sobre
o mundo. Na visão do conhecimento baseado na objetividade do Representacionismo, os
fenômenos ocorrem pelas vias das representações mentais do mundo. A mente seria como
um espelho da natureza e o mundo um sustentador das informações. O mundo era
percebido como um objeto a ser desbravado para a obtenção do conhecimento. Na opinião
dos biólogos, o mundo não se porta de forma tão esquemática conforme a visão
representacionista, pois há um trânsito em duplo sentido, ou seja, quando construímos algo
no mundo o mundo também nos constrói. A cada momento somos influenciados por
inúmeros fatos que modificam nosso entendimento dele, e em cada movimento, promove-
se um novo ajeitamento. O mundo se constrói em um processo incessante e interativo sem
uma pré-determinação. A teoria da cognição de Maturana e Varela ficou conhecida como
“enativa” e procura levar em consideração a subjetividade humana lançando uma ponte
entre a objetividade da ciência e a experiência humana subjetiva. A idéia de enação trouxe
uma abordagem da cognição como o conjunto de um mundo e de uma mente a partir da
história de várias ações que caracterizam um ser no mundo (GREINER, 2005:35).
Essa experiência do ser no mundo levou Varela et. al. (1991:99) a pesquisar a
questão do self (o si mesmo). Eles perceberam que trabalhar com essa questão implicaria
estar sempre se deparando com uma contradição. Ao mesmo tempo em que a experiência
está se modificando continuamente, ela depende de uma situação particular. Viver implica
depender de uma situação, um contexto e um mundo. A maior parte das pessoas está
72
convencida de sua identidade, sua personalidade, memória, recordação, que parece vir a
formar um ponto coerente, um centro através do qual se contempla o mundo. Será o nosso
corpo o nosso self? A importância do corpo é inegável, no corpo que se localizam os
sentidos, olhamos para o mundo pelo nosso corpo e captamos os objetos numa relação com
ele. Assim, a composição inteira do corpo está sempre em mudança pela reciclagem das
células, por um tipo de padrão através do tempo que se supõe ser o self, embora ainda não
se saiba com certeza (op.cit: 100).
Talvez o argumento mais definitivo de que não tomamos o nosso
corpo como sendo o nosso self seja imaginarmos um transplante
total do corpo, ou seja, o implante da nossa mente num outro
corpo qualquer (um tema favorito da ficção científica) em que,
no entanto, continuaríamos a ser nós próprios. Talvez então
devêssemos abandonar o aspecto material e olhar para os
agregados mentais
12
como sendo a base do self (VARELA
et.al.,1991:100).
A discussão acerca do self nunca foi tão simples. Varela et. al. (1991) pontuam que
todas as tradições reflexivas da história da humanidade – filosofia, ciência, psicanálise,
religião, meditação – desafiaram o sentido ingênuo do self. Nunca houve uma tradição que
tivesse pretendido descobrir um self independente, fixado ou unitário no âmbito do mundo
da experiência (op.cit: 92). Os autores procuram uma aproximação entre várias ciências,
12
Os agregados são: Formas, sentimentos/sensações, percepções/impulsos, formações disposicionais
(confiança, avareza, preguiça, preocupação) Consciências. É o conjunto mais conhecido de categorias comum
a todas as escolas budistas. O termo sânscrito traduzido por agregado é skandha, que significa literalmente
“monte” (VARELA et.al.,1991:97).
73
como as ciências cognitivas, as tradições budistas, a meditação e a filosofia refletindo sobre
a experiência vivida no mundo e a questão do self ou ego-único, independente e
verdadeiramente existente. Varela et.al.(op.cit:13) utilizam o termo corporalidade para
designar os aspectos biológicos e fenomenológicos nos estudos cognitivos. Eles defendem
que a mente não é simplesmente “encarnada”, nem separável do corpo e sim uma
propriedade emergente, inseparável do corpo e em interação com o ambiente. Para Greiner
(2005), a noção de “embodied” tornou-se fundamental para os estudos do corpo embora
não seja uma palavra de fácil tradução que pode apontar a idéia de uma sugestão
equivocada, na realidade, essa palavra sugere como possível tradução para a língua
portuguesa o termo “encarnado” ou “incorporado” mas que nada tem a ver com o sentido
de “baixar o espírito em um corpo” (GREINER, 2005:34). A visão da cognição
corporificada ou encarnada tornou-se a base para pesquisadores que trabalham com as
questões desenvolvimentais infantis, a exemplo do suíço Jean Piaget (1896-1980) e mais
tarde, na década de 1990, as psicólogas americanas Esther Thelen e Linda Smith.
Conforme se evidenciou, os diferentes autores citados apontam para a importância
da relação entre o corpo e o ambiente em constante experiência exploratória visando o
aprimoramento do processo cognitivo, e, no caso desta pesquisa, do processo cognitivo
infantil. Nessas investigações reconhece-se a existência de uma ação de mão dupla que
aponta para um fluxo em constante movimento atuando sobre o corpo modificando-o e da
mesma forma, o corpo atuando sobre o ambiente modificando-o. O sub-capítulo seguinte
procurará tratar da relação singular existente entre organismo-ambiente e sua importância
para a cognição infantil em interação com o ambiente.
74
2.1. A relação singular: organismo – ambiente
_________________________________________________________________________
Para se entender como as crianças adquirem as capacidades cognitivas em interação
com o ambiente, Thelen e Smith (1994) argumentam que mesmo o mais potente princípio
geral é insuficiente; os estudiosos da cognição também precisam entender como os
processos e mecanismos acontecem na vida real, pois as crianças estão constantemente em
contato com pessoas, coisas e eventos que participam desse contexto. E assim, evidencia-se
a importância dessa abordagem que procura investigar quais são os fatores orgânicos e
meio ambientais que geram a mudança comportamental. Thelen e Smith procuram
explicações pela teoria dos sistemas dinâmicos não-lineares que auxiliam no entendimento
de dados a respeito da essência da ontogenia e suas variações.
Conforme apontado anteriormente, para que o organismo esteja encarnado em seu
ambiente e nele possa constituir seus arranjos, há a necessidade de um mundo emergente
(MATURANA E VARELA, 1994). A enação parte da proposta de que a cognição, longe
de ser uma representação do mundo pré-existente, seria formada por mundo e mente.
Portanto, a cognição não se limita a ser uma questão de representação, mas depende das
nossas capacidades corporalizadas para a ação. Conforme Maturana e Varela (1994), na
cadeia evolutiva, para alimentar-se, os animais encontraram a solução na ação de comer
suas presas. Precisavam, portanto, mover-se. Assim, surge o sistema neuronal, justamente
75
porque caçar e mover-se passaram a ser funções necessárias para a percepção e ação. Essa
ligação entre sensores e músculos tem a ver com os primórdios da formação do cérebro. A
evolução do sistema neuronal durou cerca de 1,5 bilhão de anos. Três quartos desse tempo
serviram para que os animais se arranjassem de uma maneira sensório-motora elementar.
Maturana e Varela (1994:226) destacam que a cognição depende dos tipos de experiências
que surgem pelo fato de haver um corpo constituído de capacidades sensório-motoras e
essas capacidades individuais estão dentro de um contexto biológico, psicológico e cultural
bastante abrangente.
A importância da relação organismo-ambiente é também percebida no trabalho do
psicólogo cognitivista Jean Piaget (2002), um dos pioneiros na tentativa de explicar o
desenvolvimento cognitivo infantil. Conforme já descrito anteriormente, os estudos de
Piaget tiveram como ponto de partida a sondagem do organismo biológico imaturo,
seguindo-o até a fase adulta quando, segundo seus pressupostos, este teria adquirido a razão
abstrata. Em suma, o mundo da criança recém-nascida era, de certa forma, primitivo e
limitava-se às suas próprias atividades. Piaget (2002) distingue dois períodos sucessivos
nesta etapa do desenvolvimento cognitivo, o das ações sensoriomotoras antes da
linguagem e o das ações completadas por essas novas propriedades. O bebê relaciona tudo
a si próprio, como se fosse o centro do mundo, embora indiferente às questões subjetivas ou
objetivas vivendo uma espécie de ação primitiva. A afirmação do bebê como sujeito no
mundo somente ocorrerá quando este passar a coordenar suas ações por si próprio. Para
Piaget, o bebê vive esta fase como se estivesse centralizado em seu próprio corpo. Do
nascimento até os 18 – 24 meses ocorre um tipo de revolução no bebê através da
descentração em relação ao seu corpo. O organismo passa então a considerar-se parte do
ambiente. Aqui tem início a ligação das ações dos objetos coordenados por um sujeito que
76
comanda sozinho seus movimentos. Basicamente, devido às assimilações recíprocas e a
coordenação gradual das ações estabelecem-se as conexões entre organismo e ambiente.
Na visão de Thelen e Smith (1994) o desenvolvimento cognitivo ocorre totalmente
no organismo, como uma série de cópias genéticas, que contém as informações necessárias
para a forma adulta final e que necessita somente ser “lida” seqüencialmente no tempo. Por
outro lado, os organismos também são vistos como estruturas que absorvem a
complexidade do meio ambiente através de sua experiência no mundo. Nesse sentido, os
organismos são formados por sistemas de alta dimensionalidade que contém subsistemas
diferentes e combináveis de muitas maneiras. Como resultado, essas interações múltiplas se
auto-organizam pelas ações corporais e da vida mental que, ao longo do tempo, formam os
padrões estáveis. Para Thelen & Smith (1994) a teoria de Piaget de um modo geral parece
coerente, mas quando analisados os pormenores, não é possível encontrar um
esclarecimento sobre o processo desenvolvimental, pois está em um nível fechado de
observação. Um dos pontos principais de questionamento das psicólogas para a teoria de
Piaget é o foco de seus argumentos na natureza do resultado estrutural. Na visão de Thelen
e Smith, não há estruturas. Quando a cognição é observada sob condições estáveis e
uniformes, encontram-se estágios estáveis de cognição, mas quando há uma variação nas
tarefas, nota-se instabilidade e dependências contextuais que fazem muita diferença no
momento da análise.
No processo de desenvolvimento do organismo no ambiente é possível descrever
algumas predições, segundo Thelen e Smith, ou seja, que todo ser humano andará, falará as
linguagens de sua cultura, de suas relações sociais, alcançará a maturidade reprodutiva e
realizará operações mentais. Podem-se circunscrever as idades e seqüências destes eventos
77
quando se fala em “estágios desenvolvimentais de crianças”. Basicamente, depois que uma
nova estrutura emerge ou um nível de crescimento é atingido, o organismo não reverte às
formas iniciais. Certas funções podem vir a não mais existir com o passar da idade ou com
as doenças, mas o processo em desenvolvimento não se desfaz, e caminha sempre em
direção adaptativa.
Embora o comportamento e o desenvolvimento pareçam
estruturados, não existem estruturas e nem regras, o que existe é
a complexidade. Há uma ação recíproca múltipla, paralela e
continuamente dinâmica da percepção e da ação, e um sistema
que, pela sua natureza termodinâmica, procura certas soluções
estáveis. Estas soluções emergem das relações, não do design
13
(THELEN & SMITH, 1994: xix).
Os sistemas dinâmicos são sistemas não lineares que mudam no tempo e possuem as
etapas discretas ou contínuas, modeladas pelas equações diferenciais. A não-linearidade é
que possibilita a ocorrência de fenômenos como a fase repentina de movimento e as
contínuas mudanças em variáveis independentes e imprevisíveis. A fase do movimento está
relacionada com a súbita mudança no equilíbrio do sistema e este é determinado pelos
estados de atração. Em sistemas de muitos elementos não lineares, a ordem geral surge
espontaneamente, sem um planejamento ou estruturas de controle, a chamada auto-
organização. O estudo dos sistemas dinâmicos é visto por Thelen e Smith (1994:50) como
uma nova ciência que extrai princípios comuns no comportamento de reações químicas,
nuvens, florestas, embriões é variavelmente chamada de: estudo da dinâmica, sinergética,
13
Although behavior and development appear rule-driven, there are no rules. There is complexity. There is a
multiple, parallel, and continuously dynamic interplay of perception and action, and a system that, by its
thermodynamic nature, seeks certain stable solutions. These solutions emerge from relations, not from design
(THELEN & SMITH, 1994:xix).
78
dissipativa, não-linear, auto-organizativa, ou sistema caótico
14
. As pesquisadoras adotam o
termo “sistemas dinâmicos” para enfatizar que estes são sistemas que mudam
continuamente no tempo. A matriz do estudo dos sistemas está na física e na matemática e
é altamente abstrato. A generalidade dinâmica pode ser aplicada ao mundo real, a exemplo
de casos como: tempo, raio laser, reações químicas, formações galácticas, padrões de
impulsos nervosos, comportamento das redes neurais, ritmo cardíaco, coordenação motora,
sistema perceptual, padrões econômicos, e assim por diante.
Para aquecer o debate acerca da proposta de Thelen e Smith, o professor de
filosofia, neurociência e psicologia da Washington University, Chris Eliasmith (2006:447)
critica alguns argumentos de Thelen e Smith pontuando que está se tentando dirigir aos
fenômenos mal compreendidos da cognição os termos mais familiares aos sistemas
dinâmicos, que foram aplicados com sucesso nos sistemas matemáticos mecânicos, gerais e
complexos. Em sua opinião, incorre-se no perigo da tentação que exige uma postura
cautelosa para não se adotar uma terminologia ingênua ou um mero jogo de metáforas para
redescrever os fenômenos estudados. Os conceitos da teoria dos sistemas dinâmicos
fornecem um método para se pensar os sistemas cognitivos, mas não foram mostradas ainda
com sucesso as definições rigorosas do comportamento ou da cognição humana. Para o
professor Eliasmith a questão é: será que as descrições dinâmicas podem ser mais do que
metáforas na natureza? Simplesmente fornecer a analogia não é o bastante, não podemos
permitir que se aceitem conceitos e teorias novas que não aprofundaram nossa
compreensão do sistema que está sendo modelado. Ele comenta que a filósofa Mary Hesse
(1988: 356) dizia que os modelos teóricos fornecem a explanação em termos de algo já
14
The new science that can extract common principles in the behavior of chemical reactions, clouds, forests,
and embryos is variously called the study of dynamic, synergetic, dissipative, nonlinear, self-organizing, or
79
familiar e inteligível. Isto se manifesta nas tentativas de reduzir fenômenos relativamente
obscuros a mecanismos mais familiares ou aos sistemas não mecanicamente representados.
Basicamente, o modelo teórico explora algum outro sistema já conhecido e bem
compreendido, a fim de explicar mais ou menos o sistema sob investigação.
Entretanto, em defesa das questões abordadas por Thelen e Smith, pode-se pensar
que a coerência teórica e seu embasamento conciso desenvolvido principalmente em sua
obra A Dynamic Systems Approach to the Develepment of Cognition and Action (1994)
mostra de forma minuciosa os esclarecimentos para tais questões levantadas pelo professor
Eliasmith. As pesquisadoras utilizam os sistemas dinâmicos como metáfora exatamente
para propor o embasamento da categorização, conceito pesquisado por Lakoff e Johnson
(1999, 2002) que rejeita a aproximação filosófica objetivista para a cognição trazendo uma
abordagem do fenômeno lingüístico e defendendo que a cognição não é uma representação
interna da realidade externa. Nesse sentido, Lakoff e Johnson (1999,2002) ressaltam a
importância da metáfora como categorização e elaboram um trabalho bem amarrado
teoricamente. O professor Eliasmith por ser um defensor do conexionismo, defende
também as estruturas de conhecimento que direcionam a pesquisa da cognição para a busca
de dados objetivos.
Thelen e Smith estabelecem também um link teórico entre a dinâmica dos padrões
de formação neural e os padrões que são reflexos de experiências da percepção e ação no
mundo, conforme sugeridos por Gerald M. Edelman (1987, 1988, 1992), na teoria da
seleção do grupo neural (TNGS). Thelen e Smith rendem tributos à teoria de Edelman na
explicação da ontogenia pela qual não há um homúnculo no cérebro ou nos genes que
dirigem o processo, e sim, um agrupamento de neurônios, fluidos e dinâmicos. A chave que
chaotic systems (THELEN & SMITH, 1994:50).
80
dá sentido ao mundo é a habilidade da mente para formar categorias. O processo comum é
o mapeamento multimodal da experiência por um cérebro geneticamente ligado para
beneficiar as propriedades temporais. A Teoria da Seleção do Grupo Neural (TNGS)
proporciona a evidência embriológica e anatômica para a história desenvolvimental. Elas
acreditam que se deve reconhecer e incluir a diversidade real existente que é a categoria
humana do comportamento. Reconhecendo a importância da categorização humana do
comportamento reconhece-se a variabilidade. Elas também inspiraram sua teoria nas
explicações desenvolvimentais consistentes com os princípios da psicologia ecológica, no
trabalho de Eleanor J. Gibson (1969, 1988). Para Gibson, o mundo carrega as informações
e o objetivo do desenvolvimento é descobrir a informação relevante de modo que se possa
fazer uma ligação funcional entre o que o meio ambiente propicia e o que a pessoa pode e
quer realmente fazer. Esses estudos constituem a base da percepção, da ação e da cognição
no papel fundamental e exploratório.
Na hipótese trabalhada por George Lakoff e Mark Johnson (1999) um organismo
conceitualiza usando os sistemas que emergem da experiência corporal com seu ambiente.
Os pesquisadores acreditam que não há diferenciação entre a maneira como os indivíduos
se movimentam e a maneira como conceituam as coisas. Para eles, a verdade não resulta
simplesmente de um correto ajustamento entre palavras e o mundo porque há um corpo se
interpondo nessa relação. Eles sustentam que os conceitos são encarnados e não
imaterialidades produzidas pela atividade do raciocínio (KATZ, 2004). As questões do
raciocínio tornam-se inerentes ao entendimento das questões do sistema sensório-motor e a
descoberta de que a razão não é desencarnada, nem consciente, e sim metafórica,
transbordando emoção.
81
2.2. A construção metafórica e os principais conceitos
______________________________________________________________________
A metáfora, conforme explicações dos pesquisadores George Lakoff e Mark
Johnson (1999, 2002), de simples adereço do pensamento adquiriu importância vital para o
funcionamento da mente humana. Sem a sua existência, não haveria o pensamento em si,
pois as metáforas estabelecem conexões com o sistema perceptivo humano em relação ao
corpo e ao mundo e dão sentido às experiências cognitivas no ser humano. Por trás da
linguagem está escondido um imenso sistema conceitual metafórico que rege o pensamento
e a ação.
Historicamente, no campo das ciências cognitivas, duas versões se vinculam a
concepções diferenciadas da natureza filosófica. A primeira geração surgiu nos anos 1950 e
1960, caracterizando-se pelos fundamentos da computação simbólica que aceitavam a visão
da razão descorporificada e literal. A filosofia Anglo-americana era o pano de fundo de
certos paradigmas dominantes, tais como: a inteligência artificial, a psicologia do
processamento da informação, a lógica formal, a lingüística gerativa e a antropologia
cognitiva. Esta era uma perspectiva “funcionalista” vista metaforicamente como um tipo
de programa de computador que poderia rodar em um hardware apropriado (Lakoff &
Johnson, 1999:76). Assim, aqueles que assumem esta visão tendem a rejeitar a existência
dos conceitos metafóricos ou a imposição da estrutura racional do corpo e do cérebro.
82
A primeira geração da ciência cognitiva estava baseada em um compromisso a
priori para os conceitos, a mente era essencialmente descorporificada podendo ser estudada
independente do conhecimento sobre o corpo e o cérebro, simplesmente pela relação
funcional entre os conceitos representados simbolicamente.
A segunda geração surgiu da metade para o final da década de 1970, como pesquisa
empírica que mesmo trazendo muitas questões de princípios Anglo-americanos, se
desenvolveu em face de algumas evidências, ou seja, da dependência dos conceitos e razões
ligadas ao corpo. O foco na conceitualização e a razão voltada aos processos imaginativos
ocorreram em função da construção metafórica. A característica marcante nesta segunda
geração ligada à mente corporificada considera que as estruturas dos conceitos ampliam-se
pelas experiências sensório-motoras e pelos sistemas neurais. Existe um nível básico de
conceito que se expande não apenas pelo esquema motor, mas também pela capacidade de
percepção gestáltica e pela formação de imagens (op.cit: 77). A noção de “estrutura” no
sistema de conceitos é construída pelo esquema motor e pelo esquema de imagens. Os
conceitos abstratos (emoções, idéias, tempo etc.) se definem pelas múltiplas metáforas,
freqüentemente inconscientes aos indivíduos. Para apreendê-las é necessário encontrar
outros conceitos que aparentemente sejam mais claros. A experiência que cada indivíduo
carrega consigo possui um conjunto de domínios que são as organizações de nossas
experiências em termos de dimensões naturais (partes, etapas, causas, etc.) LAKOFF E
JOHNSON (2002:208). Essas dimensões podem ser designadas como “naturais”, pois estão
coladas às experiências do corpo em sua interação com o ambiente e com as outras pessoas,
por exemplo, amor, tempo, idéias, compreensão, discussão, trabalho, felicidade, saúde etc.
(op.cit.), e necessitam clamar pelas metáforas porque não se definem com clareza em seus
próprios termos cotidianos.
83
Na visão de Lakoff e Johnson, o programa objetivista é incapaz de explicar a
compreensão humana de forma satisfatória devido aos elementos básicos necessários para a
explicação experiencialista desta compreensão que são, conforme já mencionado, as
propriedades interacionais, as gestalts experienciais e os conceitos metafóricos (LAKOFF
& JOHNSON, 2002:337), propriedades estas que dizem respeito ao tratamento das questões
humanas. Nem mesmo os argumentos subjetivistas sozinhos são capazes de dar conta da
compreensão humana. A ciência é uma prática sócio-cultural e histórica que une o
conhecimento a inúmeras influências, matérias, poderes, políticas e outras. Com essa
possibilidade, esgota-se o mito de que a ciência proporciona o significado último para o
entendimento de todas as coisas. A proposta que Lakoff & Johnson sugerem como
possibilidade metodológico-filosófica para as ciências humanas é o experiencialismo. Nesta
argumentação, não há procura por um ponto de vista absoluto e universalmente válido. A
verdade é sempre relativa à compreensão, que se baseia num sistema conceitual não-
universal (op.cit: 344). O modo como a compreensão acontece no corpo, tem a ver com os
recursos primários da imaginação constituídos pelas metáforas, que possibilitam novos
sentidos às experiências e à criação de novas realidades.
A ciência proporciona a extensão do nível básico de capacidades para a percepção
através da tecnologia. Alguns instrumentos como o telescópio, o microscópio e outros, têm
expandido a capacidade de manipulação humana, e os computadores também possibilitam
alargar a capacidade corporal básica ampliando o realismo corporificado. Apesar disso, os
sistemas conceituais dos movimentos corporais são executados pelos modelos neurais que
controlam as inferências motoras. Conforme Lakoff pontuou
15
, o corpo pode ser o mesmo
de muitos anos atrás, mas sua concepção é que sofre modificação. Antes, não existiam as
84
mesmas metáforas para o corpo como atualmente, devido principalmente, aos avanços que
a ciência vem sofrendo. O corpo e o cérebro contemporâneo conceitualizam em termos de
circuitos neurais, assim como surgiram outras metáforas para o processamento da
informação.
Os aspectos físicos, emocionais, perceptuais, imaginativos da existência diária, em
consonância com Thelen e Smith, são correntes motivacionais que possibilitam o
alargamento do pensamento. Assim, rejeita-se a suposição de que a mente trabalha como
um computador digital, pois o sentido de conhecer ocorre pelas vias da categorização do
mundo em sua ação sobre ele - são os centros não proposicionais, fluidos, desalinhados,
imaginativos, emergentes, construtivos, metafóricos e acima de tudo, dinâmicos
16
(THELEN & SMITH, 1994:323).
As categorias conceituais são, geralmente, muito diferentes do que a visão
objetivista aponta. Esta evidência sugere uma visão diferente, não somente de categorias,
mas da razão humana em geral. O pensamento é corporificado, as estruturas dos nossos
sistemas conceituais despontam da experiência corporificada e só faz sentido em seus
termos, além disso, o centro de nosso sistema conceitual está diretamente baseado na
percepção, no movimento corporal, e na experiência de um caráter físico e social. A
sabedoria está diretamente baseada na experiência, na percepção do mundo e nas atividades
corporificadas. O significado tem origem nas ações, que ocorrem em tempo real e se
constrói pelo modo como os indivíduos vêem, ouvem, sentem e agem para a resolução de
seus problemas. Assim, nossas experiências corporificadas são repletas de domínios
abstratos, metafóricos e imaginativos.
15
Ver entrevista: LAKOFF, George - A talk with George Lakoff [03/09/99].
85
A cognição corporificada apresenta novos significados para as atividades das
crianças que estão aprendendo a controlar os seus corpos no espaço. Segundo os
experimentos das pesquisadoras, inúmeras habilidades motoras como o andar, o alcançar e
chutar, por exemplo, foram aprendidas porque as crianças tinham alguma motivação para
alcançar tal objetivo, havia algum evento interessante como agarrar um brinquedo ou
abraçar a mãe, aproveitando a força de interação dos corpos para fazê-lo.
Embora pareça simples, caminhar requer movimentos complexos, como o domínio
dos balanços dinâmicos, criando o impacto correto entre os pés e o chão. Para alcançar, as
crianças precisam distribuir a quantidade apropriada de forças em seus braços e pernas,
controlando o movimento de agitação. Quando há um declive, uma rampa, por exemplo,
exigem-se habilidades locomotoras individuais que liguem o tipo e escala de movimentos
locomotores para a inclinação. Os desafios e explorações auxiliam as descobertas que
possibilitam o surgimento de outros novos desafios dentro do domínio de habilidades
motoras colaborando no despertar da criança. Conforme pontuam Thelen e Smith
(2004:325) as soluções para forçar interações com o mundo são tão penetrantes e
fundacionais na infância e na verdade ao longo de toda a vida [...] na construção de toda a
cognição
17
.
Conforme já visto, a primeira interação com o mundo acontece pelas vias da
cognição corporificada, nos modos como a criança percebe e age nele. O ato de conhecer é
dinâmico e o processo se auto-organiza pelas soluções que vão surgindo à medida que o
problema é enfrentado em tempo real nas tarefas do dia a dia. Nessa perspectiva, a
16
- is at core nonpropositional, fluid, messy, imaginative, emergent, constructive, metaphorical, and above
all dynamic.
17
…that the solutions to force interactions with the world are so pervasive and fundational in infancy and
indeed throughout life […] into the very fabric of all cognition.
86
aquisição da linguagem ocorre por um mecanismo natural pelo qual os conceitos
metafóricos são adquiridos em uma seqüência desenvolvimental.
2.3. Os primórdios da organização: Esther Thelen e Linda Smith e a Teoria do
Corpomídia
______________________________________________________________________
As pesquisadoras americanas Esther Thelen e Linda Smith (1994) levantam
importantes questões sobre como as atividades mentais e físicas ocorrem nos seres
humanos. Suas teorias são importantes para esta pesquisa principalmente porque, conforme
discutido ao longo deste trajeto investigativo, e em concordância com seus pressupostos, a
vida é conduzida pelo pensamento e pela ação corporal. As pesquisadoras fundamentam
suas teorias utilizando como metáfora os sistemas dinâmicos não lineares, que atuam em
tempo real e são problematizados pela ordem emergente e cuja complexidade possui raízes
na física, na química e na matemática. A visão de Thelen e Smith é pautada pela
perspectiva de que a vida mental é contínua com o crescimento da forma e função. Seus
fundamentos teóricos explicam alguns contrapontos à teoria de Piaget, sobretudo em
relação à seqüenciação lógica por ele defendida. Observando o desenvolvimento locomotor
em bebês, elas justificam a natureza do desafio teórico e a aplicação dos princípios para o
problema desenvolvimental.
87
Na hipótese de Thelen e Smith, pensamento e comportamento são padrões de
atividades dinâmicas que surgem no fluxo dos processos e estão relacionados com os
contextos vividos. Nesse sentido, rejeita-se a idéia de símbolos e estágios de maturação.
Quando se pensa em organismos, estes são vistos como sistemas de alta dimensionalidade
formado por subsistemas que são heterogêneos e combináveis de múltiplas maneiras. As
interações que ocorrem trazem à tona as manifestações de auto-organização entre as ações
corporais e a vida mental. Assim, o desenvolvimento não ocorre pelas vias do
comportamento inato e sim pelas possibilidades de ocorrência das ações em diferentes
contextos.
Alguns biólogos reconheceram a relevância da dinâmica não linear para o estudo
dos sistemas biológicos como Bertalanffy (1968) e Waddington (1977), mas somente nos
últimos anos estes princípios seriam aplicados (e.g. GLASS e MACKEY, 1988; KELSO,
MANDELL e SHLESINGER 1988). Os princípios dinâmicos não lineares descrevem
sistemas de diversos substratos materiais que vivem em muitas escalas diferentes. Estes
princípios integram a ontogenia orgânica de vários níveis da morfologia do comportamento.
Uma das questões que elas levantam é como começar a entender a complexa teia da
causalidade quando crianças vivem e se desenvolvem em um mundo preenchido por
pessoas, coisas e eventos em contínua interação? Elas procuram mostrar que o
comportamento e o desenvolvimento são dinâmicos em muitos níveis, excluindo
explanações reducionistas e demonstrando que a neuro-anatomia e a fisiologia fornecem
suporte para todo o comportamento, embora, eles não sejam logicamente causais.
Thelen e Smith (1994) pontuam que quando experimentalmente se “disseca” um
fenômeno ontogênico, descobrimos que os elementos de uma forma comportamental
aparentemente integrados podem ser detectados em um comportamento avançado e
88
funcional. Dentro de condições especiais, o organismo pode demonstrar habilidades
precoces em algum domínio. Um exemplo de habilidade precoce da literatura animal é o
desmame dos filhotes de ratos. Os ratos normalmente não comem e nem bebem
independentemente por cerca de 3 semanas depois do nascimento. Entretanto, Hall e Bryan
(1980) demonstraram que os ratos recém nascidos ingerem líquido ou refeições semi-
sólidas do chão da câmara de testes quando a temperatura está suficientemente quente.
A fim compreender como as crianças aprendem a alcançar os objetos, Thelen e
Smith (1994) examinaram quatro bebês que tinham entre 3 semanas até 1 ano de idade. O
que as pesquisadoras concluem é que cada uma das quatro crianças enfrentou problemas
originais na aprendizagem do alcançar objetos baseados em seu nível de energia individual,
na massa do corpo e pelas maneiras diferentes com que tentaram inicialmente alcançar.
Dado os movimentos, cada criança precisou aprender que um jogo diferente de estratégias
seria necessário para controlar seus braços de modo que a solução final fosse ajustada ao
problema original que a criança particularmente estava encontrando. Assim, cada criança
podia eventualmente superar estes obstáculos e aprender a alcançar os brinquedos, mas a
maneira específica do aprendizado depende de inúmeros comportamentos encontrados no
enfrentamento do mesmo. Thelen e Smith descrevem um experimento realizado com dois
bebês, Gabriel e Hanna. Gabriel é descrito como uma criança ativa e que inicialmente é
incapaz de alcançar o brinquedo porque agitava excitadamente seus braços em movimentos
aparentemente aleatórios, não muito focados na obtenção do brinquedo. Conseqüentemente,
teve que aprender a controlar estes movimentos de modo a concentrar-se na tarefa.
Aprendendo a controlar os movimentos de excitação ele pôde então alcançar de forma
controlada sua mão na posição desejada. Gabriel aprendeu a alcançar os brinquedos após
múltiplas tentativas mal sucedidas. Essas tentativas foram valiosas para ajudá-lo a entender
89
como ajustar seus testes padrões musculares de modo que um teste padrão de alcance bem
sucedido emergisse permitindo-lhe focalizar sua energia no sentido do brinquedo. Ao
contrário de Gabriel, Hannah é descrita como uma criança visualmente alerta e social, mas
menos ativa em seus movimentos, mantendo uma postura contemplativa. Ela não
apresentou problemas de controle, mas foi incapaz de gerar uma força suficiente para
dominar a gravidade e acionar seu braço para frente. Como Gabriel, Hannah aprendeu a
exercer a quantidade de força necessária para alcançar um objeto pela experimentação e
erro. Thelen e Smith (1994) concluem que o problema de Gabriel e Hanna era a
necessidade de um ajuste de energia da força que move seus braços para deixá-los
suficientemente esticados ou forçá-los a desprender-se. O que Gabriel e Hannah tinham em
comum era a habilidade para moldar as forças nos braços e alterar seu afastamento, mas os
testes padrões não funcionais aos movimentos trouxeram ações que se desdobraram em
tempo real sendo uma das suposições teóricas que definem a cognição corporificada. As
instabilidades, novidades e variações de contexto possibilitaram testar o alcance das
capacidades de respostas. Dentro do desafio da variabilidade, freqüentemente se descobrem
soluções flexíveis e não aparentes dentro das mais restritas condições. Thelen e Smith
acreditam que as variáveis não são justamente os ruídos em um grande plano
desenvolvimental, mas são os processos que engendram mudanças desenvolvimentais. Elas
sugerem que as soluções se dão pela exploração, que gera múltiplos movimentos. Quando
uma nova tarefa obriga a criança a agir, ela já possui uma certa compreensão devido aos
movimentos adquiridos anteriormente. A adequação de forças e sua interação com o meio
ambiente é a idéia chave para o aprendizado da criança. Conforme o experimento de
Thelen, no ajuste de forças para alcançar ou chutar os brinquedos as crianças aprendem a
90
lembrar e a generalizar o conceito de ordem superior da “força em geral” (TORRES,
2000:95).
Thelen e Smith enfatizam não se tratar de uma saída reducionista, adiciona-se o
poder da explanação dinâmica para demonstrar os princípios no trabalho de vários níveis de
análises. Os eventos no nível comportamental encontram suporte pela dinâmica neural e
morfológica. O desafio teórico em relação à teoria da ação, que diz respeito à percepção e
ao movimento, inicia-se com o desenvolvimento da locomoção. O desenvolvimento
locomotor ilustra a aplicação dos princípios para o problema desenvolvimental de forma
mais transparente e acessível, não apenas como um mero movimento. A motivação é uma
propriedade constante e distribuída que comunica significados e valores para as ações
individuais. Aprender a andar é menos uma prescrição lógica, toda criança normal aprende
a andar verticalmente devido aos elementos anatômicos e neurais que tem uma história
filogenética, forte motivação para mover, gravidade, coisas que dizem respeito ao onto e
certas facilidades nas configurações sensório-motoras. O caminho se auto-organiza dentro
desses construtos porque os sistemas dinâmicos complexos, não lineares, ocupam os
estados comportamentais. Quando um componente está livre para responder a uma variação
de tarefas do meio ambiente e em tempo real, ele mostrará mudanças dinâmicas durante
uma escala de tempo devendo mudar os componentes orgânicos, a tarefa e o suporte meio
ambiental.
Quando uma criança vê um brinquedo passar no quarto e pretende
se mover em sua direção, a forma da locomoção – se ele ou ela
caminha ou engatinha, por exemplo - é um produto dinâmico de
status neuro-muscular e motivacional, a natureza da superfície de
suporte, e a localização do brinquedo. Com o desenvolvimento, a
91
estabilidade daquela forma pode aumentar (andando) ou decair
(engatinhando), mas o encontro do comportamento permanece
18
(THELEN & SMITH, 1994:74).
Na perspectiva dinâmica, as distinções entre agir, aprender e desenvolver acabam
sendo diluídas. A teoria sustentada por Thelen e Smith considera que as mudanças ocorrem
em diferentes escalas de tempo e sugerem que os princípios dinâmicos podem ser aplicados
em muitos níveis de análise do desenvolvimento comportamental, da embriologia neural à
interação social. Quando as pessoas têm objetivos, intenções e tarefas, elas pensam, se
movem, falam, e cada ato é uma nova forma comportamental, muitas vezes até predizíveis,
mas variáveis, flexíveis e adaptativas em cada instanciação. Assim, os argumentos de
Thelen e Smith apontam para a especificidade existente em cada corpo que evidencia sua
singularidade.
Cabe aqui uma ponte entre os estudos destas pesquisadoras e a teoria Corpomídia,
que trabalha com a hipótese do “estado do corpo ser”. Na teoria Corpomídia, o corpo é
pensado enquanto mídia de si próprio, ou seja, nas trocas que realiza com o ambiente
estabelece-se sua característica particular, naquele momento, mas sempre em permanente
troca. Ao observar um corpo, visualiza-se um “estado” e não um corpo que possui um
modelo estabelecido. No processo em que a informação adentra, tudo se reorganiza
novamente. Nessa perspectiva, todo corpo é um estado de coisas que dele fazem parte. E,
no momento em que ocorre alguma modificação, ocorre também um inteiro rearranjo.
18
When an infant sees a toy across the room and intends to move toward it, the form of that locomotion -
whether he or she walks or crawls, for example – is a dynamic product of the child’s neuromuscular and
motivacional status, the nature of the support surface, and the location of the toy. With development, the
stability of that form may increase (walking) or decrease (crawling), but the dynamical assembly of the
behavior remains (THELEN & SMITH,1994:74).
92
A proposta em desenvolvimento pelas pesquisadoras Greiner e Katz, na PUC-SP,
procura olhar para o corpo como um “estado processual”. É um estado que depende das
coleções que estão naquele estado de informações e que muda constantemente. O corpo não
é um instrumento de alguém, ou de um sujeito que o habita. Assim, para o pesquisador que
o analisará, a tarefa será observar o viés da sua singularidade. Mesmo estando o corpo em
um grupo ou vivendo uma experiência comum com outros indivíduos, há sempre um traço
singular que depende fundamentalmente do ambiente, em uma co-relação. O corpo assim se
constitui devido ao ambiente em que esteve e que estará. Porém, ele não é construído pelo
ambiente, isso se deve ao fluxo de informações que o atravessa, em dupla direção, o tempo
todo.
O corpo não é como uma tabula rasa ou uma lousa em branco, conforme imaginava
Piaget, para ser inscrita pelo ambiente, pela cultura, por algo ou por alguém; na verdade, ele
porta-se como um processador. A pertinência da idéia sobre a influência do meio ou da
genética deixa de existir, pois tanto a biologia como a cultura encontram-se entrelaçadas.
Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química em 1967, comenta que na ciência clássica o
observador olhava o mundo físico do exterior, baseado no pensamento objetivo. Entretanto,
segundo a teoria evolutiva os processos são contínuos e co-evoluem no tempo. Assim, essa
evidência imprime-se no corpo humano que passa a ser visto como biologia e cultura.
Na medida em que se enfatiza o respeito à individualidade da criança, à participação
na elaboração das decisões sobre a vida em comunidade (SINGER, 1997:18) estabelece-se
o vínculo com as propostas de Thelen e Smith e a Teoria Corpomídia. O respeito à
singularidade reforça a autonomia do corpo em formação desviando-o do foco daquele
mecanismo disciplinador para a produção de indivíduos dóceis. O corpo deixa de ser
93
objeto e alvo do poder, e sim, passa a aprender pelo viés da socialização, da afetividade,
desenvolvendo estratégias políticas de sobrevivência.
Tal teoria encontra sintonia com as discussões que vêem sendo trabalhadas cada vez
mais no campo da comunicação. Muniz Sodré ressalta que na medida em que ocorre uma
ação de afetividade com abertura para o Outro, a estratégia passa a ser a maneira como se
decide uma singularidade. O singular não é o individual, nem o grupal, mas o sentido em
potência – portanto, é um afeto, isento de representação e sem atribuição de predicados a
sujeitos. Na visão de Muniz Sodré (2006:10), nas relações comunicativas, além daquilo que
se dá a conhecer existe o que se dá a reconhecer como relação entre duas subjetividades,
entre os interlocutores. A racionalidade lingüística e as lógicas argumentativas da
comunicação não dão conta de responder quem é esse “outro” com quem falamos e vice-
versa. Assim, as estratégias sensíveis nada mais são que os jogos de vinculação dos atos
discursivos às relações de localização e afetação dos sujeitos no interior da linguagem
(op.cit).
94
Capítulo III
Experimentações e estudo de caso
95
Experimentações e estudo de caso
_________________________________________________________________________
O projeto dobradura Origami esteve inserido no contexto do projeto maior chamado
Projeto Cultura Japonesa, escolhido pelas crianças da Escola Lumiar, em junho de 2003,
logo no início de sua constituição. A proposta inicial pautou-se pela familiarização com o
objeto e posterior sensibilização no trato com alguns elementos não comuns aos educandos.
O movimento corporal no contato com o papel, trabalhado de maneira lúdica, possibilitou o
levantamento de inúmeras questões a serem investigadas.
No projeto Cultura Japonesa, o objetivo inicial da dobradura origami pautou-se pela
ação exploratória através da brincadeira. E pela análise da receptividade demonstrada pelas
crianças, procurava-se refletir sobre o passo seguinte. Nessa interação, o foco voltou-se
para a captação das reações apresentadas pelas crianças levando em consideração os
pressupostos do filósofo Walter Benjamin (1994:253) no tocante à essência da brincadeira
ser a repetição, nada dá prazer maior à criança quanto “brincar outra vez”, saborear
repetidamente, do modo mais intenso, as mesmas vitórias e triunfos. A criança recria a
experiência, começa tudo de novo, desde o início.
Na Escola Lumiar, os projetos estão disponíveis para toda criança, sem limitação
etária, pois a base de sustentação é corresponder aos anseios dos interessados pela livre
96
participação. A criança é livre também para percorrer os cômodos da casa-escola em busca
da atividade que mais lhe chame a atenção. Os mestres, por sua vez, oferecem as atividades
às crianças, sabendo que não há um compromisso de permanência à atividade, o que
significa saber que, a qualquer momento, a criança pode se desinteressar e sair da atividade.
A criança interessada movimenta-se em direção àquilo que a atrai.
No contexto da dinâmica de configuração do Projeto Cultura Japonesa, o propósito
da temática inicial foi a “Festa Junina”. Tema explorado pela idéia de se criar uma ponte
com outros eventos que vinham sendo trabalhados pelas crianças e educadores. O projeto
oferecido em forma de dobradura origami teve como matriz norteadora o enredamento de
diferentes interlocuções. Nesse sentido, a realização de ações conjugadas, complementou a
dinâmica do aprendizado. A pergunta inicial: “O que você está fazendo?”, parecia um elo
de ligação entre a ação inicial e o processo de interação dos outros encontros. Algumas
vezes, tais questionamentos pareciam ritualizados, como se fossem programados para
qualquer início. Mas, o resultado dessa abordagem sempre provocava alguma coisa, uma
ação no corpo. Conforme definiu Laban, caracterizado por ser a projeção externa de um
impulso inerente para o movimento, seja ele funcional ou expressivo (LABAN apud
RENGEL, 2000:23).
A fundamentação em relação às atividades com o origami baseou-se nas pesquisas
da arte-educadora Aschenbach (1990:16), que bem pontuou os inúmeros caminhos
possíveis. Segundo a autora, no processo de aprendizado da dobradura, outras atividades
como desenhos, pinturas, colagens, recortes, dramatizações e criação de histórias podem ser
estimuladas ao longo de todo o trabalho. Embora não seja inovadora tal sugestão,
possibilitou uma participação efetiva na observação de inúmeros dados que vão desde a
ação e movimento corporal na interação com o espaço e o tempo, ao manuseio de variados
97
materiais e a expressividade pelas diferentes linguagens, no uso de palavras, imitações, e
ações que acabavam criando sempre novos sentidos pela experiência exploratória.
No projeto Cultura Japonesa, ao longo dos três meses que se sucederam, do trabalho
inicial com a familiarização e a dobragem de copos, balões, bandeiras, flores, peixes, etc.,
foi possível compartilhar com as crianças outros tipos de atividades, tais como: desenho,
pintura, colagem, montagem, costura (de um par de pantufas), culinária (pipoca e bom-
bom), confecção de papel reciclado, porta-retratos, cartão, jogo americano, flores, marca-
texto (de boneca japonesa), peixinho (nemo), contagem de história e brincadeira com o
alfabeto japonês (hiragana). Em diálogo constante com as crianças, tamm foi possível ao
mestre aprender com as crianças, principalmente ao flagrar gestos de solidariedade
demonstradas numa manifestação espontânea e madura. Por outras vezes, tais gestos
vinham recheados de peraltices que ensinavam aos ouvintes sobre a dinâmica que envolve
o encontro entre pessoas, e sobre a necessidade de um pouquinho de paciência dos adultos
na leitura de seus manifestos. Muitas vezes, fiquei pensando, quando as observava em cima
das jabuticabeiras...São crianças e parecem felizes. Por outras vezes, quando estavam
entretidas em suas atividades, nas salas, nos corredores, pareciam tomadas pela força de
seus interesses, e eram como outra pessoa, sérias, compenetradas. E assim, numa grande
casa antiga, muitos educadores acompanham em expectativa o andamento dessa polêmica
instituição que parece já acostumada a conviver com o assédio.
Voltando ao relato, na primeira dinâmica com as crianças pôde-se notar que houve
interesse maior pela dobradura de copinho, devido à facilidade no seu fazer. Após vários
copos produzidos, a procura foi pelo aprendizado do origami de balão. Diante da
exigüidade do espaço em que trabalhávamos sobre a mesa, resolvemos transferir a
atividade para o chão. Nesse sentido, a liberdade do movimento corporal permitiu maior
98
relação com o espaço, facilitando a ação sobre os diferentes materiais (tesoura, papel e
outros). Para algumas crianças menores, quando o balão parecia difícil de ser dobrado, a
solução foi cortarmos papéis maiores para auxiliar numa nova tentativa. Enquanto algumas
tentavam, outras desistiam e iam brincar, abandonando os papéis semivincados. Nesse
momento (e em alguns outros que se repetiram com as crianças maiores), a questão sobre
liberdade ampla em demasia transformou-se em inquietação. Qual seria a ressonância desse
abandono sem esforço em relação ao futuro das crianças? Essa questão também foi
levantada por Moruzzi (2005) em sua dissertação de mestrado, ficando em aberto para
futuras análises. Outras crianças acompanharam o processo e demonstraram satisfação após
ver o balão pronto e durante as aulas seguintes continuavam a fazê-lo.
No transcorrer da dobragem dos balões, discutíamos sobre as formas geométricas e
as crianças identificaram sem dificuldades o quadrado, o retângulo, o triângulo, o losango e
até recortaram um trapézio.
A dinâmica da atividade de estourar pipocas para colocá-las nos copinhos foi
bastante interessante. Apesar da aparente simplicidade envolvendo essa ação, o modo como
as crianças demonstraram interesse e interação, teria muito a dizer sobre os processos e
aquisições de novas habilidades cognitivas. O relatório mais específico segue adiante, mas
para um entendimento do contexto vivido, transcrevo aqui, de forma sintetizada.
Após anunciar que iríamos preparar as pipocas para colocar nos copinhos, as
crianças ficaram eufóricas. Fomos para o fogão e conversei com elas sobre os cuidados que
devemos ter com o fogo, os perigos da queimadura e a necessidade de estar perto de um
adulto para ajudá-las. Houve uma grande expectativa em relação a ouvir os primeiros sons
da pipoca estourando na panela. Várias crianças se apertavam sobre suas minúsculas
99
cadeiras ao redor do fogão para não perder nenhum momento, que naquele instante mágico
parecia permeado pela poesia da vida a contaminar mestre e crianças. Colocamos as
pipocas numa tigela grande e levamos para a mesa do lanche. Alguém trouxe uma pequena
pá de plástico para dividir as pipocas com todas as crianças que já estavam sentadas em
torno das pequenas mesas adaptadas para elas. A euforia deu-se por conta da ação de abrir
os copinhos e colocar as pipocas. Algumas crianças demonstraram-se solidárias com os
outros colegas, dividindo seus copinhos com aqueles que não haviam aprendido a fazer.
Quando a pipoca acabou, perguntei se queriam mais, e diante de um “sim” generalizado, fui
novamente até a cozinha, sendo novamente seguida por algumas crianças entusiasmadas
que carregavam suas pequenas cadeiras para poder visualizar cada detalhe. Preparamos
juntos, cantamos e posso afirmar com toda a convicção que foram momentos muito
marcantes e divertidos, não só pelo som da pipoca estourando, mas também pelas batidas
da colher sobre a tampa da panela que motivaram-nas a cantar comigo um tipo de
percussão ouvida na minha infância e que acionavam o imaginário infantil na crença de que
algo fazia com que as pipocas estourassem mais depressa... Arrebenta pipoca Maria
pororoca... A percussão parecia interessante às crianças, que mesmo sentindo ser um
recurso de improvisação para causar um impacto naquele momento, eram solidárias à
atitude do mestre oferecendo-lhes um momento a mais de convívio focado, sobretudo em
proporcionar-lhes momentos felizes. Os gestos e a percussão foram memorizados
instantaneamente pelas crianças que repetiram várias vezes cantando e batendo com a
colher sobre a tampa. Na realidade, isso me lembrou um trabalho anterior, de
especialização, em que dei início a uma pesquisa sobre o processo cognitivo infantil. Nessa
pesquisa, alguns estudiosos da cognição como Bruner (1976) e Kishimoto (1998)
100
apontavam a brincadeira como uma atividade facilitadora na aquisição do comportamento
exploratório e na flexibilidade de sua conduta.
O Projeto Cultura Japonesa e o Projeto Dobradura Origami procuraram transmitir o
conhecimento de maneira lúdica, tentando atender aos anseios da criança. A temática
trabalhada de forma a quebrar a rigidez disciplinar, proporcionou interesse em relação a
certos conceitos complexos que, quando inseridos no contexto do Mosaico pretende
disponibilizar as informações de forma transversal.
As participações ativas das crianças, a liberdade de escolha e os muitos
questionamentos, foram ações positivas, pois somente os interessados se aproximavam para
aprender. Em algumas ocasiões existiram as disputas normais para a idade, tais como
escolher uma peça em primeiro, querer a peça que esteticamente é mais agradável, ser o
primeiro a ajudar o mestre, etc. Porém, são disputas inofensivas, administradas por elas
mesmas de uma maneira saudável. Em geral, conforme o interesse e desempenho
apresentado nas atividades e observando os questionamentos surgidos ao longo do trabalho,
acredito ter alcançado a maioria dos objetivos propostos.
O interesse maior apontado pelas crianças foi a realização da atividade prática, em
geral, houve pouco interesse pela pesquisa bibliográfica. Junto do fazer vieram inúmeras
outras lições, algumas inerentes ao trabalho em equipe e outras, ao comportamento
individual. A curiosidade é o pólo gerador de interesse pela atividade. O diálogo entre o
mestre e a criança obtém êxito a partir da procura pelo entendimento da linguagem da
criança. Quando a proposta não está agradando, uma nova forma de interação deve ser
refletida. O respeito à singularidade da criança deve ser sempre enfatizado. Quando a
proposta não causou o impacto imaginado, a análise pode ser elucidada sob alguns pontos:
101
a não familiarização com elementos de uma outra cultura; a inadequação à habilidade
motora; a falta de tempo para o desenvolvimento adequado da atividade.
Através da dobradura origami pode ser percebida a importância do trabalho em
conjunto, o viés relacional. Em geral, as crianças sentem o desejo de produzir algo para
presentear os seus familiares. Nas várias atividades ficou bastante claro, quando as crianças
menores repetiram incessantemente que queriam presentear seus pais com suas produções.
Por mais óbvio que possa parecer, a família é base de extrema importância para a felicidade
da criança, e nesse sentido, a Escola Lumiar procura pensar a escola como uma extensão do
contexto familiar.
A seguir, para melhor acompanhamento do percurso, transcrevo o Relatório de
Atividade realizado como mestre na Escola Lumiar, no início de sua formação em 2003.
PROJETO - CULTURA JAPONESA
Escola Lumiar (São Paulo)
1ª. Aula – Origami - 26 de Junho de 2003
E como tudo começou...
Por ser o mês de junho, a proposta desta aula teve como foco, contextualizar o tema:
Festa Junina, através de aula prática em que as crianças confeccionaram balões e copinhos
(para pipoca), aprendendo a trabalhar com o origami. O objetivo inicial foi aguçar o desejo
no aprendizado do origami, sem imposição, de maneira lúdica e descontraída.
102
De acordo com o planejamento, na etapa inicial, houve a preocupação em despertar
o interesse da criança, realizando outras tarefas conjugadas como, cantar ou estourar
pipocas. Conforme a dinâmica do aprendizado, o projeto inicial sofreu algumas alterações,
discutidas abaixo.
O interesse em questão
Conforme o objetivo traçado, considero como ponto positivo, a receptividade das
crianças no aprendizado do origami. Enquanto ainda preparava para dispor os materiais
sobre a mesa, fui surpreendida por algumas crianças que se aproximaram curiosas e
perguntaram:
O que você está fazendo?
Esta foi a pergunta chave para o início de um trabalho interativo que possibilitou o
início da manipulação dos materiais. O corte dos papéis foi realizado em conjunto com as
crianças que aparentaram perfil de iniciativa e liderança. A Lu
19
se propôs a ser a assistente
e ajudar a cortar os papéis. A Ma, embora mais quietinha, tamm manifestou o desejo em
ajudar. O Gi surgiu com muita energia dizendo que queria aprender. Logo chegaram
também o Mar, o Lu, a Fa, a Ju e o Fe e, de repente, a mesa estava cercada por crianças de
várias idades.
O interesse maior foi pela produção de copinhos, que aparentemente eram fáceis de
fazer e parecia um desafio vencido pelas crianças. Após vários copinhos produzidos, elas
passaram a se interessar pelo balão. Como o espaço ficou apertado, resolvemos trabalhar no
chão. Para as crianças menores o balão parecia difícil de ser dobrado e nem todas
103
conseguiram. Algumas crianças desistiram e foram brincar, abandonando os papéis
semivincados. Outras crianças, pacientemente, acompanharam o passo a passo e
demonstraram satisfação após ver o balão pronto. As crianças não são todas iguais e
naquele momento pude perceber que elas eram respeitadas, ninguém brigaria com elas caso
não quisessem continuar. E assim foi, as que conseguiram concluir o balão foram, Lu, Ma,
Gi e Mar. E quem não conseguiu ou não quis concluir foi, Fa, Fe, Cri e Ju. Enquanto
montávamos os balões discutimos sobre as formas geométricas e as crianças identificaram
sem dificuldades o quadrado, o retângulo, o triângulo, o losango e até recortaram um
trapézio. Foi uma conversa bastante divertida! Após anunciar que iríamos preparar pipocas
para colocar nos copinhos, as crianças ficaram entusiasmadas e agitadas. A Sra. Ma estava
procurando as bandeirinhas prontas (que já estavam coladas no barbante), para a Festa
Junina da escola. Aproveitando esse momento, tentei mostrar para as crianças que
poderíamos fazer as bandeirinhas com as aparas dos papéis que tinham o formato
retangular. Porém, como estava no horário do lanche da tarde, somado com a euforia da
preparação da pipoca, elas não demonstraram muito interesse em aprender a fazer as
bandeirinhas. E mesmo assim, tudo ainda continua interessante.
Preparando as pipocas
Fomos para o fogão e conversei com elas sobre os cuidados que devemos ter com o fogo,
os perigos da queimadura e a necessidade de estar perto de um adulto para ajudá-las. Os
maiores interessados (aqueles que consegui lembrar o nome) foram: Gi, Ma, Cri, Ju, Lu e
Ma. Houve uma grande expectativa ao ouvir os primeiros sons da pipoca estourando na
19
Foram utilizados pseudônimos em referência às pessoas que participaram deste projeto.
104
panela. Algumas crianças estavam preocupadas em não perder o lanchinho, pois queriam
comer as bisnaguinhas. Elas foram buscar uma bisnaguinha e voltaram a subir nas
cadeirinhas em volta do fogão para ver as pipocas prontas. Colocamos as pipocas numa
tigela grande e levamos para a mesa do lanche. Alguém trouxe uma pequena pá de plástico
para dividir as pipocas com todas as crianças que já estavam sentadas em torno das mesas
do lanche. A euforia foi colocar as pipocas nos copinhos e muitas crianças dividiram seus
copinhos com outras que não tinham aprendido a fazer os copinhos. Quem gostou muito
das pipocas foi o pequeno Fe de 2 anos, ele repetiu várias vezes. Quando a pipoca acabou,
perguntei se queriam mais, e como a resposta foi sim, fui novamente até a cozinha para
preparar mais um pouco. Enquanto preparava a segunda rodada, algumas crianças vieram
novamente com as cadeiras para a cozinha e assistiram as pipocas estourarem na panela.
Contei-lhes que na minha infância, algumas pessoas quando estouravam pipocas, tocavam
com uma colher sobre a tampa da panela e cantavam uma música que as pessoas
acreditavam que fazia com que as pipocas estourassem mais depressa. E cantamos a música
Arrebenta pipoca Maria pororoca... Houve um silêncio e elas tentavam ouvir os sons da
pipoca com a música. Quem gostou da idéia foi a Ju que repetiu várias vezes a música,
batendo com a colher sobre a tampa. Depois que a pipoca ficou pronta, foi colocada na
tigela sobre a mesa e o Fe veio correndo para buscá-las. Ele corria para o jardim brincar e
voltava para encher seu copinho, aparentemente muito tranqüilo e feliz.
Por volta das 17:00 horas iniciamos o trabalho de limpeza e conversei por um tempo
com a educadora Cri, tirando algumas dúvidas sobre os procedimentos após cada aula.
Reflexões sobre o dia...
105
Conforme os objetivos iniciais, acredito que as crianças, de maneira geral,
corresponderam às expectativas quanto ao processo de familiarização e aprendizado do
origami. Demonstraram interesse e aceitação na proposta.
O tema trabalhado de forma lúdica e interativa proporcionou maior assimilação em
certos conceitos complexos. Através da participação ativa, as crianças demonstraram com
certa tranqüilidade seus interesses, habilidades e entendimentos diversos.
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
2ª. Aula – Origami - 03 de Julho de 2003
E, como será a segunda vez?
Conforme previa o projeto inicial do plano de aula, o foco estaria inserido no
contexto da temática “Festa Junina”, que foi trabalhado com as crianças no final de semana
anterior. Tendo em vista a participação delas na quadrilha e nas brincadeiras, acrescentei a
esta aula a confecção de um porta-retratos que possibilitasse expor as memórias do evento.
O objetivo foi ressaltar a temática através da construção de um origami que, ao
mesmo tempo, permitisse a valorização do evento e da participação em grupo.
A dinâmica de um novo encontro
Quando cheguei à escola, fui recebida com alegria por algumas crianças que vieram
correndo me abraçar. Que alegria! A Fa contou animada que era o seu aniversário e que
106
teria bolo na hora do lanche. Neste dia estava presente uma professora da Noruega que se
mostrava bastante interessada no desenvolvimento infantil. A Sra. Ma e a He me
acompanharam até a sala. Como as crianças estavam interessadas em manusear os papéis, a
Sra. Ma trouxe algumas cadeirinhas para que sentássemos e pudéssemos dobrar
confortavelmente os papéis. Apesar da dobragem do porta-retratos parecer simples,
algumas crianças tiveram certa dificuldade. O Gi estava com vontade de fazer somente os
copinhos da aula anterior e ficou fazendo-os. Ele fez também um bico de pato. A Vi se
aproximou e ficou encantada com a amostra do porta-retratos que exibia uma foto da festa
junina. As crianças pediram para ver as fotografias da festa junina e logo procuravam suas
imagens ou a de alguém de suas famílias. Vitória ficou manhosa quando não conseguiu
visualizar-se nas fotos. Procuramos até encontrar uma imagem dela, mesmo em um plano
menor.
Porta-retrato
Logo chegou a Ma que se aproximou e começou a prestar atenção sem nada dizer.
Enquanto isso, na sala de refeições, a mesa estava sendo posta para o bolo de aniversário da
Fa e fomos chamados para participar da comemoração. Fizemos um breve intervalo.
107
Cantamos parabéns e após a rodada de bolo e docinhos, as crianças me chamaram para
continuar a aula.
Continuando após o bolo da Fa
Continuamos dobrando os porta-retratos e cada um a seu tempo, tentava com muito
empenho seguir as etapas de dobragem. O Fe chegou um pouco depois e também queria
aprender, mas como ele tem apenas 2 anos, teve alguma dificuldade e foi auxiliado pela
Sra. Ma. O Mar estava com muita vontade de aprender e embora não tenha dobrado com
tanta paciência, conseguiu terminar. A Ma foi a mais entusiasmada e fez vários, dizendo
que iria levar para sua casa. Ela contou um pouco sobre sua vida particular, a separação dos
pais e relembrou alguns assuntos de quando era pequena, mas parecia administrar bem os
conflitos. Apesar dos seus 6 anos, ela parece ser uma criança madura para a sua idade.
Depois de prontos, os porta-retratos passaram para o processo de aprimoramento
estético. Com um pequeno furador de papel, as crianças fizeram orifícios escolhendo onde
queriam que o laço passasse (fitas do personagem sapinho kerokeropi). Nesse momento,
apareceu a Ju que ficou entusiasmada com o furador que a Vi estava prestes a utilizar. Ju
agarrou e não queria ceder à sua colega. Vi tentou puxá-lo, mas acabou recebendo um
apertão no dedinho indicador, no momento em que Ju forçou a haste. Vi chorou de dor e
então, conversei com Ju para que ela pedisse desculpas à colega. Ela pensou um pouco e
pediu desculpas, Vi aceitou e parou de chorar. Tudo aconteceu muito rápido, mas percebo
que as crianças entendem bem os seus códigos e pela convivência harmoniosa desenvolvem
naturalmente questões de civilidade. Cada um escolheu a maneira como desejava enfeitar o
seu porta-retratos. E aproveitando que as crianças estavam recortando as fitinhas para fazer
108
um laço, cantamos uma música: “Minha pombinha voou, voou, voou, caiu no laço e se
embaraçou. Ai me dá um abraço que eu desembaraço a minha pombinha que caiu no
laço...” Gi, Vi e Ma gostaram da música e acompanharam gesticulando com os braços,
imitando as asas da pombinha. Elas recortaram inúmeras figuras do sapinho e dispuseram o
letreiro à parte, Ju recriou um outro tipo de porta-retratos e fez questão de pregar uma foto
da festa junina dizendo que iria dar de presente para a sua mamãe. Ela e Vi já conversavam
animadamente sobre suas obras e não mais havia sinal de lágrimas. Ma não quis enfeitar a
sua peça, deixando seu porta-retrato em cima da mesa e indo brincar no quintal.
Quantas lições em mais um dia...
Dentro dos objetivos iniciais, acrescentei algumas modificações devido à dinâmica
existente na primeira aula, assim, após a familiarização, a idéia seguinte teve como foco a
valorização do evento da Festa Junina, através da exibição das imagens.
As crianças que participaram da atividade, aparentemente, manifestaram interesse
pela proposta, embora em alguns momentos, algumas pareciam um pouco cansadas. Acho
que a atividade de origami deve respeitar e se adequar à capacidade cognitiva de cada
criança, o que significa também estar atento para o fato de que, em alguns casos, o processo
de desenvolvimento ocorre além da idade. O mestre poderá observar cautelosamente certas
características para que não haja o desinteresse de ambas as partes.
A participação ativa das crianças permitindo-lhes liberdade na escolha das
atividades demonstra ser bastante eficiente, pois somente os alunos interessados se
aproximam para aprender e o aproveitamento é muito maior com crianças interessadas.
109
O mestre deve estar atento e disposto a mudar de atividade caso sua proposta não
esteja agradando as crianças que se aproximaram com interesse inicial.
RELATÓRIO - CULTRURA JAPONESA
3
a
. Aula – Papel reciclado - 10 de Julho de 2003
Mais um dia, um novo desafio...
Nesta aula trabalhamos entre outras coisas, o contexto histórico do papel, que é a
base do origami. Conforme pesquisas
20
, o papel foi inventado na China, por volta do ano
105 d.C. e, posteriormente, durante o século VIII passou a ser utilizado pelos povos da Ásia
Central. O uso no continente europeu ocorreu com a introdução pelos árabes no século
XIV. Como tais informações seriam complexas para as crianças com pouca idade, a idéia
foi contar uma pequena historinha com mímica e careta para que elas pudessem imaginar o
quadro histórico de maior relevância.
Além de enfocar o contexto histórico de forma lúdica, o objetivo foi também
auxiliar as crianças na compreensão dos processos que envolvem a fabricação do papel
reciclado. Através da atividade prática de confecção do papel reciclado procurou-se levar
as crianças às inúmeras inferências, possibilitando estabelecer relações perceptivas entre as
variedades e as características principais observadas. A manipulação de diversos tipos de
materiais e texturas teve também, a finalidade de ativar o processo criativo infantil,
provocando o levantamento de questões pelas crianças e a procura pelas respostas.
110
Papel reciclado feito com as crianças
Será que conseguimos?
Quando cheguei à escola observei que a sala onde normalmente realizávamos as
aulas anteriores havia sido fechada pelas crianças e havia também um bilhete escrito
alguma coisa em letra cursiva infantil. Como avistei a Sra. Ma, a He e as demais
educadoras conversando próximas à sala de lanches, fui cumprimentá-las. Falei-lhes sobre
a minha idéia de modificar o plano de aula inicial devido ao interesse e dinamicidade
existente no ambiente em que as crianças trabalhavam animadamente. A Sra. Ma pontuou
que tem observado muito interesse das crianças pelas atividades, mas foi favorável à nova
idéia. Tive o apoio das educadoras e, assim que entreguei os relatórios das aulas anteriores,
ouvi as crianças me chamando. Entrei na sala onde elas brincavam e cumprimentei-as com
abraços. A Lu me contou que estavam brincando de fazer reforma na casa e alertou que
seria melhor que o meu material não ficasse ali, guardando a sacola em um canto. A sala
estava bem arrumada. Do outro lado, saíram Vi e Ma que vieram correndo me
20
ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL,1998:91
111
cumprimentar contando que estavam brincando de casinha. Surgiu também a Ju que me
abraçou e perguntou:
O que você vai fazer hoje?
E respondi que iríamos aprender a fazer papel reciclado. Disse-lhes que quem
quisesse poderia vir comigo procurar um lugar que tivesse uma tomada e água, pois isso
seria muito necessário. Vi, Ju, Lu, Ma e An me acompanharam até a mesa próxima à
cozinha ajudando a encontrar uma tomada. Ju estava muito empolgada com o tipo diferente
de liquidificador que eu trouxera da minha casa (antigo e que não funcionou porque estava
sem a borracha no fundo). An, de 4 anos, procurava sentar-se bem próximo para não perder
a explicação e quando me dei conta, estavam, ele e Ju, sentados em cima da mesa e olhando
com muita atenção às minhas ações. Vi estava eufórica para que começássemos logo. Notei
a ausência de Gi e quando perguntei se ele estava doente, as crianças responderam que ele
estava na biblioteca mexendo no computador.
Papel reciclado feito na escola
Preparando o papel reciclado
112
Iniciei contando um pouco sobre a história do surgimento do papel na China e para
ilustrar, puxei as pálpebras para cima e salientei os dentes contando que os chineses
apresentavam algumas diferenças na fisionomia e Ma falou:
Assim como você, né?
Respondi que sim e todos riram.
Ao explicar sobre as fibras de celulose presentes no papel (que as crianças estavam
mergulhando na água), ao serem batidas no liquidificador ocasionam o entrelaçamento para
a formação de um novo papel, notei que An ficou muito feliz ao aprender uma palavra
diferente e repetia a todo instante: “celulose, celulose”. A Sra. Ma divertiu-se assistindo a
empolgação das crianças na atividade, especialmente quando ouviu An dizendo que queria
mexer logo na celulose. As crianças escolheram as cores que gostariam que predominasse
em seus papéis e os colocaram na bacia com água. Vi queria um papel azul, An queria um
amarelo e Ju queria um vermelho.
Depois que os papéis amoleceram, nós colocamos no liquidificador com dois terços
de água e batemos por alguns segundos formando uma pasta. Essa pasta foi despejada
diretamente na tela e na moldura. Na verdade, como uma forma adaptada para o momento,
pois não tínhamos todos os recursos necessários, muito menos um tanque grande para
mergulhar a solução pastosa. Ao misturarmos algumas pétalas de rosas e folhas de árvores
secas, notamos que havia uma alegre combinação de texturas e cores e as crianças pareciam
gostar muito.
Quando os primeiros papéis começaram a ser produzidos surgiram, Lu e Ma que
tinham saído por algum tempo para brincar em suas casinhas e Gi, que ainda não tinha visto
113
o que estávamos fazendo. Gi chegou correndo e com muita vontade de aprender, pediu para
fazer um papel rosado. Ele misturou algumas pétalas e folhas para causar um efeito
interessante. Ma tinha uma dúvida, ela disse que na sua casa não teria a tela e nem a
moldura, então como poderia fazer o papel? Respondi-lhe que qualquer peneira fina e num
tamanho desejado poderia ser utilizada, ou, pedir ao papai para fabricar-lhe uma tela e uma
moldura com o tamanho escolhido e ela gostou da idéia.
Noto que Ju gosta muito de mexer nos equipamentos e desta vez ela se encantou
com o liquidificador. Na aula passada foi o furador, na aula retrasada foi a minha tesoura
grande. Preciso lembrá-la que o aparelho poderá feri-la ou ficar danificado, caso seja ligado
sem atenção, porém os cuidados são necessários a todo instante (ela tentou algumas vezes).
Mas, esta é uma característica positiva que aponta a curiosidade pelo novo, apenas
precisamos estar atentos para que ela não se machuque. O lanche da tarde foi servido com
chocolate e pão integral com manteiga, feito pela cozinheira El. Estava muito gostoso!
Após o lanche, surgiu novamente Ma, que começou a escolher a cor de seu papel e a
mergulhá-los na água. A mamãe do An veio buscá-lo e ele ficou manhoso dizendo que
queria levar o seu papel para casa de qualquer jeito, mas não queria aquele que ele tinha
feito, porque não gostou da cor final. A solução encontrada foi que An poderia levar o
papel azul (que naquele momento não sabíamos mais quem era o dono e ninguém se
manifestou contrário) e Ma ajudaria a dissolver novamente aquele que ele não tinha
gostado. Ela misturou vários materiais e produziu três novos papéis que ficaram muito
interessantes. Gi também foi um dos mais animados no final da aula e produziu seu papel
misturando várias texturas. Ele pareceu se surpreender com o efeito final e ficou bastante
feliz. Todos foram unânimes em querer levar para casa seus papéis e nenhuma das crianças
114
permitiu que o educador Lu estendesse no varal da escola para secagem. Acredito que ao
insistirem em querer levar o papel para casa, além de mostrar aos pais, seria como levar a
continuidade da atividade realizada em equipe, materializada e palpável para elas.
Papel reciclado comprado pronto (utilizado como matriz)
Quando estávamos fazendo a limpeza do local, a menina Lu apareceu e me
presenteou com um ursinho que ela mesma desenhou, recortou e bordou. Ela pediu para
escolhermos um nome ao ursinho, mas, como eu não estava inspirada naquele momento,
perguntei se poderia trazer a sugestão na semana seguinte, então, ela e Ma escolheram
alguns nomes e acabei encontrando um nome interessante junto com elas: “Tiquinho”.
Ficamos todos felizes com a escolha. Guardei o Tiquinho no meu bolso e agradeci muito
pelo carinho. O Tiquinho tornou-se símbolo da minha passagem como mestre na Escola
Lumiar e já esteve impresso, como um ícone, em alguns papers de congressos ao longo
destes anos.
Ursinho Tiquinho
115
Ah, essas cores...
As crianças que realizaram a atividade demonstraram, sobretudo, interesse,
segurança, desinibição, espontaneidade, curiosidade. Como não se sentem pressionadas,
cada etapa seguiu conforme o ritmo de entendimento de cada um e em clima de harmonia e
desafio próprio. Noto que algumas crianças apontam maior tendência em utilizar cores frias
em demasia, como o preto ou marinho (talvez inconscientemente), mas a maioria procurou
as cores quentes, o vermelho, o laranja e o amarelo. Em algumas ocasiões existiram as
disputas normais para a idade, tais como: escolher uma peça primeiro, querer a peça que é
considerada a mais bonita ou, ser o primeiro a ajudar o mestre. Porém, são disputas
inofensivas, administradas por elas mesmas de uma maneira saudável. Conforme o
interesse e desempenho apresentado nesta atividade e observando os questionamentos
surgidos ao longo do trabalho, acredito ter alcançado o objetivo inicial quanto à
compreensão dos processos de maior relevância proposta. As produções através de
máquinas e equipamentos industriais foram explicadas, por alto, pelas ilustrações da
enciclopédia, mas as crianças apontaram interesse maior pela realização da atividade
prática. De maneira geral, acredito que a aula foi bastante produtiva.
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
4
a
. Aula – Costurar uma pantufa - 17 de julho de 2003
Como surgiu a idéia?
116
No final da aula passada, algumas crianças demonstraram interesse pela
manipulação de agulha e linha, através da costura. Pensando nisto, tive a idéia de trabalhar
com elas a confecção de uma pantufa em formato de sapinho, similar ao personagem
kerokeropi (que elas haviam recortado com entusiasmo na segunda aula, enfeitando o
porta-retratos de origami). Esta aula teve como objetivo mostrar um pouco da vestimenta na
cultura japonesa, o quimono, a ser trabalhada em origami na próxima aula. Pensando em
facilitar a familiarização de alguns termos complexos, culturalmente desconhecidos pelas
crianças e, aproveitando o interesse observado pela atividade, creio que, através da
brincadeira e da inserção gradativa desses termos, possa existir uma maior assimilação.
Procurando um cantinho...
Quando cheguei no portão da escola, a Du, de 3 anos, parou-me e pediu ajuda para
colocar sua blusa, dizendo que estava com frio. Entramos na escola e no corredor externo
encontramos as educadoras conversando. Contei-lhes sobre a atividade do dia e fomos para
a biblioteca onde estão os computadores. A He e outras duas professoras estavam reunidas
e segui de encontro a algum canto para me instalar. Estava tentando encontrar um local
adequado e que não atrapalhasse o horário do lanche, quando fui informada de que nesse
dia não havia muitas crianças, então, poderia utilizar tranqüilamente a sala de refeições. Du
foi a primeira a demonstrar interesse em aprender e perguntou:
O que você vai fazer?
Logo em seguida chegaram a Fa e a Vi. Na ponta da mesa estavam sentadas, a Ma e
a educadora Li, entretidas em uma outra atividade. Quando comecei a explicar que iríamos
117
aprender a fazer uma pantufa do sapinho kerokeropi e que elas mesmas iriam costurar,
surgiu a Ju e sua mamãe El (que comentou que a filha não quis mais dormir, levantando-se,
assim que ouviu a minha voz, o que me deixou imensamente feliz). Quando retomei as
explicações, a mesa estava rodeada de crianças e eu começava a transpirar, mesmo num dia
de inverno, para conseguir explicar a todos.
Uma experiência maravilhosa!
Para esta atividade, os moldes estavam semiprontos, cortados e furados para que as
crianças pudessem aprender os pontos da costura. Propus-me a enviar na próxima aula os
moldes juntamente com o relatório para que as mamães pudessem fazer em suas casas com
as crianças. A base foi recortada sobre a folha de E.V.A (encontrada em lojas do ramo, nas
ruas da 25 de Março, em São Paulo) e a parte superior em feltro verde. Os olhos do sapinho
também foram encontrados nas lojas da 25 de Março. Os orifícios para passar a lã foram
feitos com a agulha aquecida no fogo.
Contei-lhes que iríamos aprender primeiramente os pontos de costura e depois, o
ponto arremate. Quando as pantufas estivessem prontas, elas poderiam levá-las para casa e
usar nos dias de frio. Ju não sabia o que era pantufa e ficou muito feliz porque nunca teve
uma. As crianças iniciaram a atividade com muita energia, mas não foi muito fácil orientar
com calma cada uma. Todas estavam eufóricas e algumas experimentaram alinhavar
desordenadamente por entre os orifícios, o que foi de certa forma positivo, para o
entendimento do processo.
118
Pantufa de sapinho
Como a atividade trabalhada exigia certa habilidade, depois de aprendido o ponto
alinhavo básico, a El se propôs a ajudar as crianças que tinham dificuldade em completar o
ponto arremate na borda da pantufa. Essa ajuda foi bastante importante para que fosse
possível terminá-las. A Ma também veio aprender e com toda paciência caprichou em cada
pontinho, demonstrando facilidade, uma vez que, já tinha algum conhecimento anterior.
Perguntei sobre a Lu e as crianças responderam que ela havia faltado. Achei uma
pena, pois, foi ela quem confeccionou e me presenteou na aula passada o ursinho
“Tiquinho”.
Noto que as crianças procuram o tempo todo por respostas e questionam bastante.
Assim que elas passam a entender o contexto, ficam mais tranqüilas e amáveis. Creio que
não devemos deixá-las sem respostas e estimulá-las complementando com novos desafios.
De repente, chegou o Gi dizendo que queria aprender também. Mesmo estando no
final da aula, expliquei-lhe o passo a passo, pois senti que ele queria um pouco de atenção.
Sem que ninguém tocasse no assunto, ele começou a dizer Não gosto de ficar sozinho na
119
escola, minha mãe não pode vir me buscar mais cedo e nem a minha avó e eu fico aqui
sozinho.... Fiquei preocupada e procurei dar-lhe atenção, pois pela maneira com que se
expressava parecia estar ressentido e triste. Conversamos por um tempo enquanto fazíamos
a pantufa. Como não seria possível terminar em tempo, caso ele fizesse sozinho, e como
sabia do seu desejo de levar a pantufa para casa, não hesitei em ajudá-lo na montagem.
Naquele momento, muito mais do que a pantufa em si, eu queria é que ele ficasse
bem e fosse capaz de conversar sobre aquilo que o incomodava. Ele pareceu bem mais leve,
terminou a pantufa, parecia feliz e calçou-a orgulhoso dizendo que ia mostrar para a
mamãe. Lá fora já estava escuro e enquanto cuidávamos da limpeza, conversei com a
educadora sobre Gi. Nada que fosse tão preocupante, mas tenho notado que ele procura vir
fazer as atividades depois que as outras crianças já estão concluindo. Talvez para ter um
pouco mais de atenção ou mesmo para não ficar sozinho na escola por um tempo maior.
Falei também com a Cri sobre a idéia de ligar os pontos da costura dessa aula com a
vestimenta japonesa e trabalhar com as crianças, na próxima aula, um origami do quimono
japonês talvez.
Na saída, encontrei a mamãe do Gi e expliquei-lhe por alto o que tinha observado
dizendo que a educadora conversaria melhor com ela. Desde o início das minhas atividades,
vejo a mamãe do Gi como uma pessoa bastante calma e interessada no desenvolvimento do
filho nos tantos momentos de carinho que pude perceber em seus gestos. Imagino o seu
enorme esforço para conseguir que Gi não se sentisse triste um minuto sequer. Entendi
depois sua luta quando soube que ela saía do trabalho correndo para conseguir chegar no
horário de saída, mas com a complexidade do trânsito de uma cidade grande como São
Paulo, isso dificilmente era possível e ela perdera o marido recentemente. E fiquei
120
pensando sobre a história de vida de cada criança que passa por nós, e o quanto temos nos
dedicado a tentar entender sobre seus sentimentos...
As crianças, os mestres e as pantufas
As crianças, em geral, adquirem confiança no mestre, desde que percebam que ele
se esforça para tentar entender a sua linguagem. Portanto, acredito que o olhar atento do
mestre deverá estar em constante sintonia com os sinais das crianças para que haja o êxito
da sua missão. Percebo que, muitas vezes, é necessário desacelerar o andamento da
atividade, em função de acontecimentos que requerem outro tipo de atenção. As crianças
mostram interesse não apenas pela atividade em si, mas também pela performance daquele
que tenta explicar-lhes.
A questão da afetividade é bastante importante para que ocorra o envolvimento das
crianças, porém, essa dosagem deve ser equilibrada possibilitando um diálogo saudável.
Apesar da alegria das crianças ao calçar as pantufas e levá-las para casa, não foi possível
que as crianças menores aprendessem de maneira significativa o processo de montagem,
pois o trabalho com linha e agulha é uma atividade que exige certa habilidade motora
específica. As crianças menores, em alguns momentos, se sentiram desestimuladas indo
brincar enquanto a explicação se voltava para as crianças maiores e essa incapacidade de
mantê-las atenta deixou certo ar de frustração no mestre.
Mas, no final da atividade, todas fizeram questão de exibir suas pantufas. Apesar de
a aula ter sido aparentemente bastante produtiva, creio que conseguiu atingir apenas em
parte os objetivos propostos. As crianças menores necessitariam da atenção de outros
monitores para que houvesse um êxito maior. Um dos pontos positivos notados foi a
121
elevação da auto-estima nas crianças que haviam participado da atividade, percebidas pelo
levantar de voz de cada uma, dizendo orgulhosas para quem vinha buscá-las na saída, que
foram elas próprias quem haviam confeccionado, dando a entender que ninguém duvidasse
de suas capacidades. Foi muito bom ter estado com elas!
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
5
a
. Aula – o Quimono (marcador de página) - 24 de Julho de 2003
Seria apenas um marcador de páginas?
Dando continuidade à temática trabalhada na aula anterior, nesta aula, procurou-se
apresentar às crianças, algumas noções sobre o quimono e suas características principais
dentro da vestimenta japonesa. Para que a criança pudesse participar de maneira interativa
na busca do conhecimento, a idéia trabalhada foi a confecção de alguns marcadores de
páginas em origami, tendo como tema uma boneca japonesa vestindo um quimono.
O objetivo desta aula foi apresentar às crianças o quimono (vestimenta japonesa)
confeccionando um marcador de páginas feito em origami.
122
Marcador de Página
Quantas palavras diferentes!
Quando cheguei à escola, as crianças estavam sentadas nas cadeirinhas da sala
maior, fazendo algumas atividades de escrita e desenho e conversando alegremente. Alguns
mestres estavam sentados ao lado delas e pude reparar que eles observavam atentos. Logo
que apontei na entrada da sala, recebi os cumprimentos calorosos das crianças e fiquei
muito feliz. A Ju se levantou e veio me abraçar perguntando qual seria a atividade daquele
dia. Então, retirei da minha sacola alguns marcadores de páginas em formato de
bonequinhas japonesas e elas correram para ver mais de perto.
Eu quero fazer isso!
Com esta frase, senti-me motivada e achei que as crianças iriam gostar da atividade.
Minha idéia era inserir alguns conceitos da vestimenta japonesa, como por exemplo,
quimono (túnica), obi (faixa amarrada na cintura), katsurá (peruca), etc. conforme fôssemos
123
desenvolvendo a aula de maneira lúdica e assim, contar para as crianças que existem as
singularidades que envolvem as diferenças culturais analisando alguns contextos. Porém,
fui informada de que aconteceria uma reunião naquela tarde com os mestres e as
educadoras. Assim, uma das educadoras solicitou gentilmente que eu participasse da
reunião e iniciasse a minha aula logo após. Concordei e como percebi que as crianças
tinham gostado dos marcadores de páginas, disse-lhes que elas poderiam ficar com as
amostras porque depois faríamos outras. Os mestres subiram para a sala de reuniões e as
crianças continuaram onde estavam, exceto o Gi e o Lu que tamm quiseram subir para
ouvir, por certo tempo, o que estava sendo discutido. A reunião dos mestres foi até as
16:30h. e, ao descer, percebi que as crianças brincavam no lado de fora da casa, próximas
às árvores.
Parece difícil...
Algumas crianças brincavam com o educador Lu que lhes contava uma historinha.
Como percebi que as esteiras estavam esticadas embaixo das jabuticabeiras, achei que seria
um bom local para começar a dobradura dos marcadores de páginas em forma de
bonequinha japonesa. Enquanto dispunha os materiais sobre a esteira, se aproximaram a Ju,
a Fa, a Ma e um garotinho louro (que não me recordo o nome). A Ma somente observou e
logo se retirou indo brincar dentro da casa. A Ju e o garotinho louro ficaram empolgados e
queriam começar logo. Retirei os pequenos moldes da boneca japonesa, que trouxera
recortado de casa e eles logo queriam passar a cola prit (que parecia ser muito mais
divertido manusear).
124
Por estarmos trabalhando com peças pequenas e levando-se em conta a
complexidade no domínio da coordenação motora fina (em desenvolvimento), acredito que
de certa forma essas complexidades não permitiram total desenvoltura nesta atividade.
Porém, com ajuda e paciência, elas se mostraram interessadas em concluir. O garotinho
louro passava cola prit em todas as coisas que encontrava e, apesar de acompanhar o passo
a passo com o olhar fixo, não parecia entender o processo. A todo instante ele perguntava:
Você dá isso para mim? segurando a cola com força. Quando eu respondia que sim, ele
sorria feliz, mas seus olhos mostravam certa sensação de desatenção, talvez pelo cansaço
do final do dia. Quando conseguimos terminar ele parecia bastante orgulhoso, mas, saiu
correndo para brincar esquecendo a cola e a sua pequena produção. Ju, ao contrário,
mostrava-se radiante para sua mamãe (que se aproximava) dizendo que gostaria de
presenteá-la com os marcadores de página, mas, na verdade, seria para enfeitar o quarto.
A educadora Hel se aproximou e demonstrou vontade de aprender. Expliquei-lhe as
etapas e ela conseguiu realizar a atividade com muito capricho. A Fa, que havia saído para
brincar, voltou dizendo que também queria fazer seu marcador de páginas, mas não queria a
bonequinha com o traje do quimono, então lhe perguntei qual seria o traje desejado e ela
respondeu que seria um vestido de festa bem bonito. Conforme fomos dobrando, foi
surgindo um vestido criado naquele momento e que a deixou imensamente feliz. Como
estava escurecendo, fizemos a arrumação do local e cumprimentamos as mamães que
vinham buscar os seus filhos. A mamãe da Ma apresentou-se dizendo que estava muito
contente com as atividades de quinta feira e que gostaria de saber onde poderia encontrar o
material da aula passada, pois ela desejava fazer as pantufas em casa. Fiquei imensamente
agradecida com essa repercussão e respondi-lhe que havia encaminhado a lista de material
para a educadora Cri, contendo os moldes, os endereços e, assim que pudesse ela forneceria
125
os dados para as demais pessoas interessadas. A mamãe da Fa também comentou que
estava contente com as atividades da filha. Que bom!
Reflexões
As crianças quando estão cansadas, ao final do dia, não apresentam o mesmo
rendimento do período vespertino, por mais óbvio que possa parecer isso foi um dos
motivos que contribuiu para a baixa adesão nesta aula. Refletindo sobre os objetivos, creio
que, não foi possível atingir satisfatoriamente a proposta inicial quanto à introdução de
alguns elementos da cultura japonesa ligado à vestimenta.
As crianças, que à tarde pareciam animadas, agora pareciam perceber o grau de
desafio e a complexidade para execução em tão curto tempo. O tema proposto não causou o
impacto imaginado, podendo ser analisado sob alguns pontos: a não familiarização cultural;
a inadequação à capacidade de coordenação motora fina; a falta de tempo para o
desenvolvimento adequado da atividade.
Em geral, as crianças sentem o desejo de produzir algo, para presentear os seus
familiares. Na atividade deste dia (e de outros), isto ficou bastante claro quando tanto a Ju
quanto o garotinho louro repetiam várias vezes que gostariam de presentear seus pais com
suas produções. Ainda enfatizando a obviedade, a família é base de extrema importância
para a formação da criança. Apesar de me sentir feliz com a recepção calorosa das crianças,
ainda fico preocupada se estou agindo de maneira correta ou não. Será que essa afinidade
com a pessoa do mestre é equivalente à qualidade das aulas por ele compartilhada?
126
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
6
a
. Aula – Presente para o papai - 07 de Agosto de 2003
Caixas vazias de fita cassete?
Tendo em vista a chegada do Dia dos Pais (10 de Agosto), foi dado enfoque à
elaboração da temática através de uma atividade que possibilitasse trabalhar e inserir ao
contexto em desenvolvimento com as crianças. Pela manipulação de diferentes materiais e
movidos pela curiosidade, a crianças trabalharam o conteúdo proposto, de maneira lúdica e
interativa. Foi utilizado cola auto-relevo colorida e caixas vazias de fita-cassete. Esta aula
teve como objetivo trabalhar a coordenação motora e a criatividade, procurando valorizar
as questões que envolvem a subjetividade. Neste caso, o tema pautou-se pela data
comemorativa do Dia dos Pais. Caso o tempo não fosse exíguo, pretendia-se elaborar um
tipo de embrulho feito em origami, mas isso acabou não acontecendo.
Um dia de muita energia!!
Desde que iniciamos este módulo, esta aula foi a que obteve maior número de
adesões. Talvez devido ao tempo chuvoso (as crianças acabavam por dividir o espaço entre
a parte interna da casa e a biblioteca) ou porque, de fato, se sentiram atraídos pela
atividade. De qualquer maneira, fui surpreendida pelo enorme interesse geral. Desde que
cheguei à escola notei uma empolgação aparente nas crianças, que gritavam, corriam e
127
pareciam muito mais agitadas que de costume. Deduzi que talvez fosse devido ao início das
atividades do segundo semestre, muitas crianças haviam viajado e não tinham se
encontrado durante as férias do mês de julho.
Assim que apontei na entrada, pude sentir o calor do abraço de várias crianças que
pularam para me abraçar: Ma, Gi, Ju, Lu, Vi, Fa, Du e outras crianças com quem, acredito,
ter conseguido construir algum laço de afetividade e a recíproca também é verdadeira.
Algumas crianças corriam animadamente por entre os cômodos, sinalizando que aquele
seria um dia de muita energia.
Após cumprimentar os educadores, Lí, Ma e Lu, fui arrastada carinhosamente pelas
crianças até a mesa de refeições, local que elas escolheram para iniciarmos nossa atividade.
Perguntei se não haveria problemas com o horário do lanche da tarde, mas, antes que
alguém respondesse, as crianças demonstraram o desejo de que gostariam que fosse ali.
Enquanto me preparava para colocar os materiais na mesa, foram surgindo várias crianças e
o espaço parecia tornar-se pequeno para comportar a todos. Fiquei preocupada com a
quantidade de material, que poderia não ser suficiente. Normalmente, o número de crianças
costumava ser menor. Entre os apertos nas cadeiras e a vontade de começar logo, as
crianças iam se agrupando e, assim, fui explicando a atividade e distribuindo os materiais.
Estavam sentados: Ma, Lu, Fe, Vi, Man, Gi, Cri, Ju, Fa e outros dois garotos novos que não
me recordo o nome. A Lu chegou próxima à mesa e apenas ficou observando, perguntei se
ela gostaria de fazer a atividade e ela respondeu pensativa: “talvez depois”.
Preparação do presente para o papai
128
As crianças iniciaram a atividade colocando um desenho embaixo da caixa de acrílico
(servindo como modelo), mas, deixei claro que, se pudessem seria melhor fazer o desenho
de livre escolha. Algumas crianças ficam inibidas porque carregam certos preconceitos por
que acreditam que não sabem desenhar. Para desconstruir essas idéias preconceituosas e
que fragilizam a criança, pensei em trabalhar com os suportes, mas deixando-as livres para
que pudessem escolher a melhor maneira. Utilizamos a cola colorida auto-relevo, que
contém algumas cartelas de desenhos que as crianças puderam escolher. Como o número de
interessados era grande e algumas crianças não estavam com paciência para esperar as
explicações, algumas acabaram pintando as cartelas, ao invés da caixa de fita. Foi um tanto
difícil orientar a todos, o tempo todo, embora tenha sido muito divertido.
Como este processo precisaria de certo tempo para a secagem, levei o meu secador
de cabelos que fez bastante sucesso, tanto entre os meninos como as meninas. E como
sempre, a Ju foi a mais empolgada em querer mexer no aparelho. Alguns meninos
chegavam a puxar das mãos uns dos outros para também ter a oportunidade de segurar o
secador. Não sei exatamente se é a vontade de conhecer um aparelho não tão comum aos
meninos, ou se, pelo desejo de realmente secar logo sua peça, ou as duas coisas. As pontas
das colas têm o formato de uma caneta hidrocor grossa que resseca se o tubo ficar algum
tempo aberto. Alguns meninos chegaram a desperdiçar muito material, despejando quase
todo o tubo sobre as cartelas. Foi um fato isolado diante de tantos pontos positivos. Mas,
embora sendo motivador estarmos com a mesa lotada de crianças, foi bastante corrido para
atender a todas as solicitações.
Levei para as crianças um pacote de balas japonesas, que tinha muitas coisas
escritas na embalagem, perguntei se as crianças queriam as balinhas e a resposta foi sim.
129
Perguntei para a educadora Ma se poderia dar-lhes a balinha, e ela respondeu que eu
poderia fazer como quisesse. Combinamos que elas ganhariam uma bala antes do lanche e
outra depois. Mostrei-lhes que cada balinha tinha muitos escritos em japonês e que quem
quisesse poderia olhar com atenção aos detalhes, mas creio que elas gostaram mesmo foi da
apresentação visual e não demonstraram interesse pelas letras.
Quando retomamos a atividade percebi que as crianças tinham conseguido
resultados muito interessantes nos trabalhos. Através de um modelo, elas criaram suas
próprias interpretações, surgindo detalhes inovadores. Quando chegou o momento do
lanche da tarde, quase todas as crianças já haviam concluído, então, fiquei com o secador
ligado, tentando secar todos os trabalhos para que elas pudessem levá-los para casa. Assim
que todos se sentaram para tomar seus lanches, surgiu a vovó do Ra, que perguntou se essa
atividade seria para o Dia dos Pais. Respondi que sim. E ela perguntou por que o Ra não
havia feito. Disse-lhe que talvez fosse porque ele não quisesse, ou porque estivesse
dormindo. Ela então perguntou ao Ra se ele gostaria de fazer naquele momento e ele
respondeu que sim. Fiquei contente, mas, como eu havia trazido somente a quantidade de
peças que normalmente usávamos, não havia sobrado. Nesse momento, alguns vidros de
conserva vazios foram a solução (que, na verdade, acabaram não sendo utilizados para as
demonstrações iniciais). O Ra pintou-os livremente enquanto sua vovó o auxiliava
segurando o pote. O trabalho não secou e foi guardado em cima da estante para que ele
pudesse levar no dia seguinte. Surgiu também a Lu e perguntei se ela gostaria de fazer a
atividade (acabamos achando um outro pote limpo). Surgiu, ainda, o Fe que estava
interessado em desenhar uma pipa. Na caixa de materiais, achamos um copinho de vidro
limpo que ele utilizou. Fe precisou de ajuda, porém, com paciência, conseguiu concluir sua
130
pipa. Lu apenas começou a atividade e acabou cedendo sua peça para que Vi fizesse uma
girafa e uma pipa igual a de Fe, que ela havia gostado e insistia em querer fazer. Lu, às
vezes, abdica de seus desejos em função da vontade de algum colega. Na atividade de hoje,
senti que no fundo, ela gostaria de ter feito, mas acabou passando sua oportunidade para Vi.
Por outro lado, Vi acaba sempre querendo fazer mais peças que as outras crianças.
As crianças vieram cobrar o restante das balinhas japonesas que fiquei de distribuir
após o lanche. E, se a intenção de que elas se familiarizassem com as letras japonesas não
foi bem sucedida, por outro lado, as balas agradaram a todos pelo sabor. Ju dizia que queria
as balinhas para a sua mamãe e como avistei a El na cozinha, disse-lhe que poderia levar
uma para ela. Num instante as balinhas acabaram e algumas crianças que brincavam do
lado de fora da casa e não vieram em tempo, acabaram ficando sem. Este dia ficou marcado
como um dia bastante feliz embora muito cansativo pela dinamicidade e desenvoltura
exigida. A mamãe da Vitória ficou um tempinho conversando conosco e enfatizou a
enorme confiança na escola e a satisfação com o trabalho desenvolvido na aula.
Aprendendo com as crianças
A atividade foi bastante produtiva e muito rica sob vários pontos de vista. Não
apenas em relação a aprender a técnica em si. Junto do fazer, estão inúmeras outras lições,
algumas inerentes ao trabalho em equipe, outras, ao comportamento individual. A
distribuição das balinhas japonesas, que tinha a intenção de despertar a curiosidade nas
crianças sobre a escrita oriental, embora não as conquistando por este viés, pode ser
observada por outros ângulos, a maioria das crianças procura organizar-se e respeitar a
131
ordem escolhida pela maioria. As disputas são administradas pelas crianças com certa
tranqüilidade e a curiosidade parece ser o pólo gerador de interesse pela atividade. Na
atividade de hoje, as crianças pareciam muito eufóricas, gritaram em coro para liberar
energia (no horário do lanche) e pareciam inquietas durante todo o transcorrer da tarde,
porém, pude observar que elas se mostravam bastante felizes.
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
7
a
. Aula – Origami - Peixinho Nemo - 21 de Agosto de 2003
O peixinho e o fundo do mar
Como as crianças foram ao cinema na semana passada (dia 14/08) e assistiram ao
filme Procurando o Nemo, da Walt Disney Pictures, trabalhamos com o tema “o fundo do
mar” e expliquei para elas a dobradura de um peixinho. Nemo é o nome do peixinho
palhaço, protagonista do filme que tinha algumas características especiais, tais como: uma
nadadeira maior que a outra, tinha espírito aventureiro e era filho único de um pai muito
preocupado.
Como soube pela educadora Cri que o filme havia encantado as crianças, achei que
esta seria uma boa oportunidade para trabalhar o tema. De fato, esta aula foi bastante
positiva sob vários aspectos, relatados logo abaixo. O objetivo desta aula pautou-se pelo
aproveitamento do evento do cinema para a abordagem do origami, contextualizado no
tema a ser explorado, o fundo do mar. Uma vez despertado o interesse, a proposta seria,
132
realizar uma abordagem lúdica contando histórias, ouvindo e cantando músicas junto com
as crianças.
Dentro desta abordagem, foi inserida uma apresentação de espécies de peixes e
algumas criaturas marinhas (as crianças puderam visualizar ilustrações do peixe-palhaço,
da anêmona, do polvo, do tubarão, etc. através de imagens fotográficas do livro: Caminhos
do Conhecimento,
21
pp.33 a 38).
Um dia muito especial!
Este dia ficou marcado como um dos dias mais receptivos que tive com as crianças.
Desde o calor na chegada, até o instante em que elas perguntam, quando você vem de novo?
Na atividade deste dia, tudo foi bastante motivador e por mais que seja uma postura
romântica que certamente será alvo de crítica, creio que são detalhes assim que fazem com
que o mestre se apaixone cada vez mais pelo trabalho tentando compartilhar com amor e
alegria suas experiências. Essa troca envolve muitos fatores subjetivos, emocionais, até
mais que a própria troca de técnicas em si.
Quando cheguei ao portão, havia uma moça aguardando ser atendida e ela me disse
que tinha interesse em conhecer a escola. Ao entrarmos, várias crianças correram para me
abraçar e fomos todos andando pelo corredor lateral. Levamos a moça até às educadoras
que estavam em frente à biblioteca, onde a grande maioria das crianças brincava, e Vi
trocava de roupas. Assim que me viu, Vi correu para um abraço carinhoso e as outras
crianças também se aproximaram empolgadas, perguntando o que iríamos fazer como
21
CAMINHOS DO CONHECIMENTO, Um Guia para a Juventude. V.III, São Paulo: Melhoramentos,
1992.
133
atividade. Foi possível notar que a moça ficou surpresa com a maneira calorosa com que as
crianças se expressavam e admirada pela espontaneidade manifestada.
Após cumprimentar as educadoras, apresentei-a para a Li e entramos na escola pela
porta dos fundos. A enorme animação fez com que escolhêssemos como local para a
atividade, a primeira mesa encontrada no caminho, aquela que fica logo na entrada,
sustentada por cavaletes, perto da cozinha. Como a mesa é muito alta, resolvemos nos
acomodar no chão. Fomos retirando os materiais e ao mesmo tempo, fui perguntando o que
elas haviam achado do filme Procurando o Nemo. Todas queriam falar ao mesmo tempo,
porém me recordo que Gi, Vi, Ma e Cri eram os mais empolgados. Nesse instante, Ju
aparece e me dá um abraço. Ela estava curiosa sobre a atividade, mas, parecia um tanto
diferente no transcorrer da aula, estava mais calada e, por vezes, meio pensativa (não sei se
foi mera impressão minha). Várias vezes, perguntei-lhe se estava tudo bem, e ela nada
respondia.
Em meio ao agito, percebi a presença de uma fotógrafa e de uma jornalista que
procuravam algum detalhe que chamasse a atenção como matéria para alguma publicação.
As crianças parecem conviver normalmente com essas situações de exposição e agiam
naturalmente. Alguns dias antes, a educadora Li, havia me avisado sobre a visita delas, mas
eu acabara me esquecendo. A correria foi tão grande que nem conseguimos conversar
direito. E com o meu receio de falar alguma bobagem, tudo ficou pior, tirando o ar de
naturalidade desse enfrentamento. Tenho certeza que pouco contribuí com a matéria do
“Caderno Mais” do Jornal Folha de São Paulo. As crianças, pelo contrário, estavam muito
mais preparadas e naturais diante da situação. Combinamos (a jornalista e eu) de nos
comunicar por telefone marcando uma outra entrevista, mas acho que ela desistiu diante da
minha performance sofrível. Sem apelar para a demagogia, acredito que as crianças que
134
vivenciam com naturalidade a questão da autonomia, possivelmente serão adultos mais
seguros e poderão administrar com tranqüilidade as complexidades de uma vida dinâmica.
Preparação do origami de peixinho
As crianças procuravam curiosas, construir sua parte no painel de E.V.A. azul que
representava o nosso fundo do mar. Levei alguns adesivos de peixes e plantas marinhas
para estimular o interesse delas pela atividade. Ni e Je colavam esses adesivos, enquanto
Ma, Vi, Mar, Cri, Du, Gi, Ju, Fe e Lu acompanhavam o processo de dobragem do origami
de peixinho. Gi se encantou tanto com um peixinho com listas brancas e percebi que ele
segurou o peixinho o tempo todo não deixando que ninguém mais o tocasse. Logo depois,
fiz sinal que ele poderia levá-lo para casa e ele ficou muito feliz.
Acredito que as crianças conseguiram acompanhar o passo a passo de toda
atividade, pois cada um fez seu peixinho. Alguns pintaram e outros não. Je e Ni não
quiseram fazer origami, mas participaram colando as figuras no painel. Quando íamos colar
os peixinhos nesse painel, os dois tiveram um princípio de briga e Je, sem querer, acabou
cortando seu dedo. Ele chorou e parecia muito ressentido, então, tentei demonstrar um
pouco de afetividade possível naquele momento para acalmá-lo e levei-o para lavar as mãos
e colocar um esparadrapo. Pensei na possibilidade de descontinuar aquela onda de tensão
entre os dois garotos. Fomos conversando até a sala de pintura, que tem uma torneira e uma
pia próxima, e ele foi se revelando uma criança bastante dócil e carente. Tenho percebido
sua constante agressividade e seu comportamento de intolerância com os seus colegas. Vejo
uma preocupação constante das educadoras tentando acalmá-lo, mas, ele parece resistir a
algum tipo de ajuda. Percebo que as crianças que carregam certo tipo de sofrimento interior
135
costumam apresentar esse tipo de conduta e, mesmo não intencionalmente, acabam
agredindo para se proteger. Fiquei bastante preocupada e com vontade de tentar ajudá-lo. A
educadora Cri também ficou preocupada e foi buscar o esparadrapo microporo para
fazermos um curativo.
A fotógrafa tirou inúmeras fotos, inclusive do momento em que colocávamos o
esparadrapo, e, percebendo tanta ênfase, as crianças perguntaram se não ia abafar o dedo do
Je. Respondi-lhes que o microporo deixa a pele respirar devido aos inúmeros furinhos e,
elas ficaram mais tranqüilas. Existe um clima de solidariedade espontânea entre as crianças,
mesmo que Je algumas vezes seja agressivo, elas demonstram preocupação com seu bem
estar. Nas pequenas atitudes das crianças vejo o quanto elas nos ensinam inúmeros valores.
Continuamos a dobrar os nossos peixinhos enquanto elas contavam os detalhes do
filme. O pequeno Fe gostou muito da idéia e não parava de falar, Nemo, Nemo!! Abri o
livro Caminhos do Conhecimento e a Revista Geográfica Universal
22
e fui mostrando as
várias figuras dos peixes. Ma ficou muito interessado e avistou de longe um tubarão-baleia;
Ju estava curiosa sobre as formas do peixe-leão e fizemos uma analogia com as nadadeiras
do personagem Nemo. Gi brincava com o fantoche de baleia (doado para a escola) e
conversava com todos, imitando-a.
Para possibilitar que as crianças consigam fazer o origami com os seus pais, tirei
algumas cópias do processo de dobragem e deixei-as com a secretária, para serem
repassadas às mamães. O pequeno Ra apareceu por um momento e deu um sorriso, não sei
se ele estranhou a agitação, mas não quis ficar para aprender. Depois dos peixinhos
montados, colamos os olhinhos. Construímos o painel e cada um colou seus peixinhos onde
22
Revista Geográfica Universal. Bloch Editores, julho 1998. pp.22 a 33.
136
sentiu vontade. O painel ficou multicolorido e o penduramos no lugar escolhido pelas
crianças.
Cada vez mais, observo a importância das cores na personalidade das pessoas. A
exemplo disso, Ma procura sempre escolher as cores escuras. Seu peixinho foi o único em
cor preta. Como procuramos respeitar os gostos e interesses de cada um, tento prestar
atenção, talvez possa vir a auxiliá-lo adiante.
Depois que os ânimos se acalmaram e as crianças concluíram a atividade, foram
brincar no quintal. Porém, Ni, Ma, Ju e Vi voltaram (agora na mesa de refeições limpa) e
quiseram continuar fazendo outros peixinhos. Ni começou a recriar tipos peculiares de
dobraduras que batizamos de raias. Eles pareciam muito contentes com o fazer e
transmitiam uma disposição incomum nesta aula. Pedi para que a Cri fizesse o favor de
fotografar as crianças e comentei sobre um tipo de atividade que pode ser elaborada para o
Dia das Crianças (12 de Outubro), fazendo uso das imagens xerocadas e pintadas com lápis
de cor, por elas mesmas. A educadora disse que já viu esse tipo de atividade que de fato
parece ser muito positivo pra as crianças. Foi um dia muito intenso e com nível de
aproveitamento bastante significativo. Posso definir esta aula como sendo uma das mais
produtivas e com envolvimento muito grande das crianças.
Uma questão de olhar...
Acredito que, quando as crianças se mostram constantemente agressivas, elas
denunciam um sinal de que algo está difícil, fazendo-a sofrer. O mestre, atento aos sinais,
deve observar com afetividade, procurando auxiliar a criança na recuperação de sua auto-
estima tentando encontrar o ponto nevrálgico em questão. Conforme os estudiosos das
137
cores, o fato da criança escolher cores escuras e frias, tem grande representatividade.
Talvez seja pertinente uma pesquisa que pontue estas questões para procurar
auxiliar algumas crianças nesse contexto. A competitividade organizada pelas próprias
crianças se apresenta como algo bastante saudável para o aprendizado e o convívio em
grupo. Existe respeito para com o próximo nessa aprendizagem, e quando as regras são
quebradas, muitas crianças demonstram solidariedade para com aquele que é prejudicado.
Quando o clima é de alegria e descontração, percebe-se que as crianças demonstram maior
facilidade no aprendizado.
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
8
a
. Aula – Origami de flores (jogo americano) - 28 de Agosto de 2003
Que flor difícil!
Como as crianças gostam de produzir algo para levar para casa, pensei na
elaboração de um jogo americano personalizado onde elas pudessem fazer as inscrições
desejadas e trabalhar com o origami de flores para enfeitar da maneira que quisessem,
tendo em vista a aproximação da primavera.
Esta atividade teve como objetivo despertar o interesse das crianças por alguns tipos
de flores da primavera do Brasil e alguns tipos do Japão, tendo como princípio, trabalhar
um enfoque lúdico. Mas, a dobragem do origami de flor mostrou-se bastante complexa,
sinalizando que, para as crianças pequenas, a dificuldade foi maior. Como o interesse foi
138
reduzido, não cheguei a trabalhar os tipos de flores através de ilustrações do livro
Japonisme
23
, pp. 41, 86, 87,88, 89, 92, 93, 125, 127, etc.
Só vem quem quer aprender...
Este dia ficou marcado como um dia de inverno e bastante frio. No momento da
chegada, pude sentir o vento gelado a cortar o meu rosto. O educador Lu veio abrir o portão
e após cumprimentá-lo, fui caminhando pela rampa, quando, pouco a pouco surgiram as
crianças que, com alegria vieram me abraçar. Quem chegou primeiro foi a Cri, a Du, o Re e
a Ma (que apresentou sua prima visitante na escola). A mamãe da Ma estava de saída, me
cumprimentou e saiu. Ao entrar na escola, pude perceber que muitos meninos e meninas
brincavam na sala maior. Surge a Lu que fez um aceno e voltou a brincar. Ao caminhar em
direção à cozinha, apareceram, a Vi (que deu um grito de euforia e me abraçou), Ju, Ma, a
Sra. Ma, Li, Ma e El. A Ju me puxou para a cozinha dizendo que sua mãe havia feito um
bolo e eu precisava comê-lo. Percebendo a importância do fato e o bolo de chocolate com
morango tão caprichado, perguntei se era aniversário de alguém. El disse que a outra He
estava se despedindo e que o bolo era em sua homenagem. Comi um pedaço do bolo que
estava muito gostoso e, em seguida, abracei a He me despedindo dela. As crianças surgiram
e me puxaram pelo braço até a mesinha redonda (de refeições) dizendo que queriam
começar logo e o Re foi quem escolheu o local para trabalharmos. Ao lembrar a alegria
inicial e a expectativa com que elas ansiosamente esperavam realizar a atividade, me sinto
bastante frustrada porque acho que não consegui atender às expectativas delas nesta
atividade. A atividade mostrou-se um tanto difícil para alguns, o que me fez sentir culpada
23
WICHMANN, Siegfried. Japonisme. Thames & Hudson, 1999.
139
por oferecer este tipo de origami para as crianças. O que me consola é a liberdade que as
crianças têm ao escolher, fazendo com que somente os verdadeiros interessados participem.
A mesa estava cercada de crianças pequenas: Vi, Cri, Ma, Re, Fe, Ju e Du. Todas
estavam eufóricas e queriam atenção ao mesmo tempo. Como imaginei que seria uma
atividade fácil, uma vez que, na aula anterior (do peixinho Nemo) elas haviam conseguido
fazer sem dificuldade, fui surpreendida desta vez, porque a maioria achou a atividade difícil
e logo saíram para brincar. A Sra. Ma veio me ajudar e tamm achou um pouco difícil.
Logo em seguida surge a educadora Cri que também foi acompanhando o processo.
Durante algum tempo, muitas crianças entravam e saíam, até que conseguimos fazer
as flores. Neste dia, a Ju estava muito enciumada dizendo que ninguém queria fazer a
atividade com ela. Ju tem apenas 4 anos e não conseguia entender a dificuldade que os
adultos estavam tendo na divisão de atenção para com todos. E para chamar a atenção,
algumas vezes, ela gritava e comportava-se de maneira agressiva. Porém, depois que tudo
passava, tornava-se novamente uma criança amorosa e falante.
Preparação do jogo americano com flores
Iniciamos pela dobragem do origami de flor e em seguida partimos para a produção
do jogo americano em placas de E.V.A. de 30x40cm. Comecei fazendo as dobras e elas
foram acompanhando o processo. A todo instante havia interrupção das crianças, por algum
motivo. Logo senti que elas estavam tendo dificuldade em acompanhar, mas, também
parecia que elas procuravam vencer o desafio.
140
Algumas crianças abandonaram a atividade logo na primeira dificuldade e foram
brincar, outras voltaram mais tarde para continuar e demonstraram satisfação ao conseguir.
Algumas, apenas observaram sem sequer tentar.
Depois de certo tempo, surgiu a Lu, dizendo que gostaria de aprender. Ela
conseguiu fazer sem dificuldade, talvez, por ser um pouco maior que as outras crianças, ela
tem 6 anos e um certo grau de amadurecimento facilmente reconhecível pelo seu jeito de
ser. Lu personalizou um jogo americano, fazendo desenhos que lembravam corações,
escrevendo seu nome no centro e formando uma composição esteticamente agradável. Gi e
Ni também vieram depois que a maioria já havia saído. Gi também não teve tanta
dificuldade, foi seguindo cada etapa ao meu lado. Ele colou suas flores no E.V.A
(escolhendo a cor vermelha). Ni tamm conseguiu fazer as flores. Ele saiu por um instante
e trouxe um bloco de madeira que enfeitou, colando papéis de origami nas cores, amarelo e
laranja e as flores na parte de cima do bloco. Ficou muito interessante e não pude deixar de
incentivá-lo em sua criação e ele ficou muito feliz. Nesta aula, algumas crianças que quase
não se mostravam interessadas, tiveram uma aproximação bastante relevante, o Fe e o Ni.
A Vi escreveu seu nome com letras garrafais no centro de sua peça e colou várias
flores ao redor, ela estava tranqüila e assim que terminou, correu para guardar sua produção
para levar para casa. Ju estava de mal humor mas, quando sua mãe pediu para que
escrevesse seu nome na peça, ela se esforçou para mostrar que já estava conseguindo fazê-
lo. Eram inscrições espontâneas em que se identificavam somente as letras: J e A. Mesmo
quando nós (El, Cri e eu), ficávamos ao seu lado animando-a, ela não escondia que estava
zangada, parecendo que gostaria de ter tido mais atenção. Com o aumento na adesão das
outras crianças às atividades, o mestre acaba se dividindo mais e não conseguindo dar uma
atenção mais específica para cada um.
141
Quando já estávamos finalizando as atividades, Vi me presenteou com uma barra de
madeira (pintada por ela) e um tipo de celular feito em papel branco que guardei perto da
janela e acabei esquecendo de pegá-lo na saída. Ma voltou e queria fazer outras flores. No
fundo, me pareceu que ele queria fazer a mesma coisa que Ni e Gi e queria utilizar a cola da
mesma maneira que ambos. Ele colocou tanta cola na tampa de um recipiente que acabou
tornando-se um desperdício (pois utilizou muito pouco). Apesar de nem todas conseguirem
fazer o origami no início, pelo menos na parte final da aula, as crianças que fizeram
pareciam satisfeitas com o resultado obtido.
Impaciência, desistência, persistência...
Uma das questões que me causa inquietação, no papel de mestre, diz respeito à
impaciência observada em algumas crianças, em alguns momentos da atividade. Refletindo
sobre essa questão, o que fazer? Muitas vezes, sinto que as crianças são tomadas pelo
impulso de largarem rapidamente o que sentem dificuldade, fazendo-as desistir com
facilidade, sem tentar com um pouco mais de persistência. Isto não poderia tornar-se
prejudicial para sua formação futura? Embora a liberdade seja um fator de extrema
importância para as crianças, até que ponto, ao orientá-las, corremos o risco de nos
tornarmos tiranos? São algumas dúvidas que afloraram. Porém, não se encontra a resposta
pronta como uma receita médica, cada caso é um caso, cada situação é diferente e cada
criança é singular.
Analisando o contexto deste dia enquanto mestre, numa visão autocrítica, creio que
não fui capaz de sustentar as expectativas esperadas pelas crianças e sinto que o sucesso
desta atividade foi apenas parcialmente cumprido. Mas, isto aponta para uma nova busca,
142
uma busca constante através do olhar clínico, sempre em processo e trocando afetividades.
Aprendendo dia a dia com as experiências de cada um. Este dia foi um dia de muita
reflexão!
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
9
a
. Aula – conhecendo o Hiragana - 11 de setembro 2003
Brincando com letras diferentes
Como o término deste projeto se aproxima, pensei em trabalhar uma rápida
introdução ao sistema de escrita japonesa para que as crianças se familiarizassem com as
letras básicas, o Hiragana. Trabalhando sem imposição, num princípio de visualização das
mesmas, as crianças poderiam se divertir e memorizar palavras diferentes de seu cotidiano,
sem que isso se tornasse tão complicado.
Através da brincadeira de “esconde-esconde”, as crianças puderam trabalhar as
linguagens corporais, a coordenação motora, gestualidade, liberdade de expressão,
desenvolvendo várias outras habilidades. A idéia era transformar a aula numa alegre tarde
de descobertas e de atividade prazerosa. O principal foco desta aula foi a familiarização
com o Hiragana, um dos sistemas de escrita japonesa, possibilitando que as crianças
conhecessem visualmente as letras básicas e introduzindo algumas analogias sem, no
entanto, a ambição de que elas consigam uma identificação aguçada num primeiro
momento. Conforme proposto, acredito que esta aula conseguiu cumprir a meta inicial,
despertando inúmeras curiosidades e percepções nas crianças.
143
Esconde – esconde
No portão da escola encontrei-me com a Ju e sua mamãe El, que também acabavam
de chegar. Pude sentir o afetuoso manifesto de euforia com que Ju me recebeu. Ela festejou
dando um salto para que eu a carregasse. Juntas, entramos na escola e, num instante, já
estávamos cercadas pelas crianças que gritavam ao mesmo tempo, querendo saber qual
atividade seria oferecida.
Encontramos a Sra. Ma na sala de refeições e ela, gentilmente, auxiliou-me a
organizar as crianças antes de começarmos a atividade. A educadora Cri também passou
correndo dizendo que iria ao prédio externo e logo retornaria para ajudar-nos nas
brincadeiras.
Enquanto tentava explicar como seria a atividade, fiquei agarrada às cartelas
coloridas (em papel cartão fosforescente) para não estragar a brincadeira, pois as crianças já
estavam impacientes para começar. Por iniciativa delas, fomos procurar a Cri na secretaria.
Assim que a Cri desceu perguntamos para as crianças se elas gostariam de brincar de
“esconde-esconde” dentro ou fora da casa. A resposta foi uníssona - fora.
Todas as crianças que quiseram participar da brincadeira entraram na casa e ficaram
sob os cuidados da Sra. Ma e da El, enquanto eu, a Cri e o Jo procurávamos esconder as
cartas do lado de fora, distribuindo adequadamente para que mesmo as crianças pequenas
não tivessem dificuldades em alcançá-las.
Foi uma atividade muito divertida!
144
Brincando de esconde-esconde
Preparação da brincadeira com o Hiragana
O Hiragana é a forma básica e mais simples da escrita japonesa. Cada cartela
continha um caractere do abecedário que foi ampliada, recortada e colada em cartelas
coloridas e bem chamativas. Em cada cartela estava grudado um chocolate bis, que as
crianças poderiam procurar à vontade dentro do espaço externo da casa. Espalhamos por
vários lugares e, depois de certo tempo, foi dado o start.
Logicamente as crianças maiores tiveram facilidade em encontrar as cartelas, e
algumas menores nada encontraram. A Sra. Ma mostrou-se preocupada, mas respondi-lhe
que havia trazido uma outra caixa reserva de chocolate bis, justamente para não excluir
ninguém. Lu foi quem mais se destacou, encontrou inúmeras cartelas e dividiu-as depois
com os outros colegas; Gi também encontrou algumas, Ni e Ma também. Percebi que as
crianças gostaram desta brincadeira, embora sendo uma atividade bastante rápida e, mesmo
as crianças menores que nada acharam pareciam não se importar tanto com a disputa e sim
pelo fato de terem conseguido participar com o grupo. Lembro-me que estavam presentes:
145
Ra, Lu, Ma, Ju, Gi, Ni, Mar, Re, Fa, Fe, Fe pequeno, Cri e Du. Após comerem os
chocolates, pedi para que cada um escolhesse uma cartela e as fixamos com fita crepe nas
crianças que queriam brincar. Lu e Ma logo desistiram, pois ficaram sabendo que a
atividade era de corrida, elas disseram que não gostam de corrida. Ni também não se
interessou. Fa, An, Gi, Ju e Re foram os mais animados nesta atividade, além de outras
crianças menores.
Cada participante da corrida ganhou um nome simbólico conforme a letra que
carregava. O Gi, por exemplo, foi chamado de “Sr. To” , a Fa foi a Sra. “U”, Ju foi a “Sra.
O” e assim, sucessivamente. Na verdade, a brincadeira seria um revezamento onde cada
participante dava uma volta ao redor da casa e quando chegasse, tocaria o amigo escolhido
e este, sairia correndo também. Mas, minha explicação não foi adequada e as crianças não
entenderam, assim, todas acabaram correndo juntas, transformando-se em uma divertida
maratona. Logo que chegaram ao ponto inicial, deram mais uma volta e pareciam bem
dispostas. Assim foi, deixamos que a própria dinâmica seguisse seu curso.
Distribui algumas flores feitas em origami e os chocolates bis. Falei-lhes que logo a
primavera estaria chegando e que estaríamos fazendo uma homenagem a ela. Elas estavam
nitidamente felizes embaladas pelo ritmo da atividade. A cota de bis que imaginei para cada
um não deveria passar as três unidades porque elas ainda iriam tomar o lanche da tarde,
mas admito que para algumas crianças mais espertas, acabou passando de quatro.
Depois da corrida, tentamos juntar as cartelas e fixá-las na parede da sala maior. A
sugestão foi para que não fosse seguida a ordem alfabética, embora a Sra. Ma tivesse dito
que se fosse em ordem alfabética seria muito mais fácil das crianças memorizarem. Não
adotei a ordem porque algumas das crianças não estão alfabetizadas no português e talvez
146
isso pudesse confundi-las mais tarde. Com a ajuda do Jo, fomos grudando as letras
conforme algumas crianças selecionavam e entregavam a ele ou conforme a combinação de
cores agradava na montagem do painel. Algumas crianças se mostraram interessadas em
identificar e memorizar as letras, Ni, Gi e Ju. Ni até rabiscou alguma coisa na lousa e
parecia ter certa facilidade em memorização. Fa ficava perto, mas nesse dia me pareceu
estar carente, ela pedia para que eu tomasse conta dos seus dois cavalos que ela fazia
questão de dizer que eram: “cavalo e cavala”.
Painel de Hiragana
Ao terminarmos o painel com todas as letras, formou-se uma colcha enorme e
colorida que ficou por vários dias conforme o interesse das crianças.
Aprendendo com as crianças
A maioria das crianças parece segura ao apontar aquilo que deseja ou não fazer,
desde as mais tímidas às mais desenvoltas, parece conviver de forma rotineira com a
questão da escolha. Algumas crianças maiores demonstram solidariedade para com as
menores e prestam atenção aos sentimentos alheios. As crianças menores embora disputem
seus espaços, não ficaram zangadas quando não conseguiram vencer, apenas lamentaram.
147
Acredito que o sentimento de respeito que as crianças sentem convivendo
diariamente com pessoas que as respeita é um dos fatores transformadores em crianças
seguras e felizes.
Enquanto momento de familiarização com a escrita básica japonesa, creio que esta
atividade conseguiu atingir seu objetivo.
RELATÓRIO - CULTURA JAPONESA
10
a
. Aula – Chocolate - 18 de Setembro 2003
OBA! Chocolate!!!
A atividade de hoje procurou respeitar o interesse e a iniciativa de algumas crianças
que queriam aprender a fazer bom-bom com chocolate. Isso ocorreu no momento em que
estávamos vendo fotografias de algumas atividades dos meus antigos alunos e elas viram as
crianças fazendo ovos de páscoa. Foi uma aula bastante animada em que se pôde notar uma
enorme dinâmica na cozinha e nas suas dependências. Acredito que o objetivo proposto foi
conseguido com tranqüilidade e este dia foi marcado pela adesão total das crianças que
estavam na escola no período vespertino.
Interesse geral
148
Pensando na possibilidade de que esta aula seria divertida, porém tumultuada, pedi
auxílio para a minha filha Re, que me acompanhou e ajudou as crianças no passo a passo.
Tomei certos cuidados para que as crianças pudessem acompanhar com tranqüilidade a
aula, sem riscos para a segurança delas. Levei o chocolate em barras já picado e expliquei-
lhes como deveriam proceder em suas casas, junto com seus papais. Para que elas não se
afobassem em querer levar para casa os chocolates, fiz em casa 20 caixinhas (com 7 bom-
bons variados) para suas degustações e assim, elas poderiam acompanhar todo o desenrolar
da aula, sem preocupação.
Após o costumeiro cumprimento da chegada e os abraços calorosos, de repente, as
crianças já estavam todas ao meu redor, falando alto e eufóricas, pois sabiam que a aula ia
ser sobre chocolate. Elas escolheram o local para a atividade - a mesinha redonda da sala de
refeições, e me ajudaram a ir organizando os materiais. A Sra. Ma e a El estavam na
cozinha acertando a despensa e a educadora Li ajudava a organizar as crianças. Elas
disputavam o espaço possível para se aproximarem do chocolate. Enquanto fui explicando
os procedimentos para que o chocolate derretesse com maior facilidade, aproveitei a
concentração de todas e fui colocando a água na panela rasa e o chocolate na panela funda
para que elas entendessem o que significa “banho-maria”. Num instante, a maioria das
crianças foi arrastando suas cadeirinhas para a cozinha, pois queriam assistir todo o
processo e pareciam estar bem entusiasmadas. Como o espaço era restrito e seria perigosa a
aglomeração de todos muito próximos ao fogão, afastamos as cadeirinhas e elas puderam
assistir por um curto tempo.
Preparação dos bom-bons
149
Como para este momento os chocolates já estavam picados, colocamos tudo numa
panela funda e, assim que a água ferveu, apagamos o fogo, colocamos a panela com o
chocolate sobre a água quente e ficamos mexendo levemente, dissolvendo os pequenos
grânulos que se formavam. As crianças observavam com muita atenção e pareciam
vidradas nos mínimos detalhes.
Levamos a panela com o chocolate já derretido para a mesinha redonda para que
todos pudessem acompanhar os procedimentos. A euforia foi tão grande que as crianças
menores acabaram subindo na mesinha para poder ver de perto. Nesse instante, a educadora
Li aproximou-se gentilmente e orientou as crianças para que elas descessem, e para o meu
espanto, elas desceram rapidamente.
Fomos esfriando o chocolate até atingir o ponto em que, tocando com o dedo,
pudéssemos sentir que estava frio. Todos queriam experimentar, então, pinguei um
pouquinho de chocolate em cada dedinho, e elas provaram com muita emoção. Re, Ma, Ra,
Du, as gêmeas, Fa e Ma, pareciam muito interessados e não paravam de esticar seus
dedinhos. O que me chamou a atenção foi que Ra esqueceu o sono da tarde e estava bem
interessado, aliás, estas últimas aulas têm despertado nele, maior vontade de participar e
percebo que muitas vezes, ele avança com coragem no meio dos maiores, para não perder
nenhum detalhe.
Todas as crianças puderam fazer seus bom-bons colocando um pouco de chocolate
no fundo das forminhas. Levei as que já estavam prontas para a geladeira e enquanto
aguardávamos alguns minutos, pedi para que a Re fosse picando o chocolate branco.
Algumas crianças quiseram auxiliá-la e como conseguiram um ralador, enquanto ralavam,
comiam um pouquinho das migalhinhas que escapavam pela mesa. Parecia que era uma
enorme festa. Depois de alguns minutos, fui buscar na geladeira as formas e, novamente
150
voltamos a mexer no chocolate para completar cada forminha. Nesse procedimento, fui
explicando que ao forrarmos o fundo das formas com chocolate, poderíamos rechear os
bom-bons depois do endurecimento. Elas gostaram da idéia e rechearam os maiores com
gotinhas de licor (docinhos comprados prontos). Como o desejo de burlar a “fiscalização”
dos adultos e dar uma lambida no chocolate, era grande, demoramos um tempinho
chamando a atenção dos mais sapecas e isso fez com que o chocolate endurecesse e ficasse
difícil de manipular. Por um lado, foi até interessante que isso tivesse acontecido, pois as
crianças visualizaram, in loco, várias etapas do processo e, com certeza, puderam aprender
inúmeras transformações de maneira diferente e divertida.
As crianças pareciam perceber também que, se todos tivessem trabalhado em equipe
e com agilidade conjunta, não teriam deixado o chocolate endurecer, o que fez com que
algumas crianças chamassem a atenção das outras para o fato. Ao mesmo tempo em que
discutiam suas responsabilidades, havia um clima de entrosamento que me surpreendeu
imensamente.
A solução para o chocolate endurecido foi misturarmos o chocolate branco que,
acabou enfeitando e deixando os bom-bons apetitosos. As crianças iam dando sugestões
quanto a onde misturar para formar padrões mais interessantes. Levamos todas as
forminhas para a geladeira e algumas crianças foram, logo em seguida, brincar no quintal
pedindo para que as chamássemos assim que estivesse no ponto, enquanto outras, fizeram
questão de esperar bem pertinho da cozinha.
Mar foi um dos que estava afoito para ver os bom-bons prontos, pois queria comê-
los logo e não escondia isso de ninguém. Quando anunciei que os bom-bons estavam no
ponto, as crianças apareceram correndo para ver como havia ficado. A expectativa era
grande. Juntaram ao grupo anterior: Gi, Je, Ni, Lu, Luc, Cri, Fe, Fe pequeno e An. Foi
151
maravilhoso! Esta atividade teve um encanto especial, pois fez com que todas as crianças
participassem de uma forma ou de outra, o que me fez sentir imensamente recompensada.
Como o procedimento organizou-se por si só, a aula havia acabado antes do horário
costumeiro e pela energia que as crianças demonstravam naquele momento, acredito que
poderíamos ter feito muitos quilos de chocolate, sem sequer nos sentirmos cansados. Foi
um dia bastante feliz em que aprendi muito com as crianças!
Aprendendo com as crianças
Hoje pude observar vários momentos de solidariedade nas crianças. No momento
em que alguns papais vinham buscar seus filhos, outras crianças corriam em minha direção,
ou da educadora Li, lembrando-nos para entregar a caixinha de bom-bom prometida. Nesse
momento pensei no quanto a memória das crianças é mesmo muito boa...
Quando fazíamos os bom-bons, algumas crianças maiores auxiliaram as menores,
sem que nada lhes fosse imposto.
Quando o chocolate começou a endurecer, as crianças aparentemente mais
responsáveis (não se levando em conta o fator idade) procuravam auxiliar as mais distraídas
para que o sucesso dos bom-bons fosse conquistado, assim, demonstrando a importância do
trabalho em conjunto.
Algumas crianças parecem se preocupar muito com suas famílias e falavam o tempo
todo (no final da aula) que queriam levar um pouquinho de chocolate para os seus pais.
Mesmo sabendo que iam ganhar uma caixinha com bom-bons, elas pareciam querer o
chocolate (material bruto) para poder fazer em suas casas. Não sei se este desejo seria para
152
confirmar que aprenderam a fazer mesmo os bom-bons, ou se, procuravam uma chance ou
um motivo, para realizar alguma coisa relevante com seus familiares.
Fico com a inquietação!
Foram experiências maravilhosas que pude passar com as crianças e toda a equipe
da Escola Lumiar.
153
CONCLUSÃO
154
Conclusão
O desenvolvimento infantil em um ambiente educacional democrático pauta-se pela
construção processual do aprendizado, através da mobilidade construtiva do conhecimento.
Tal mobilidade refere-se a um processo sempre em andamento e inacabado, como parte
importante da constituição dos signos que possibilita um olhar múltiplo e “indisciplinar”.
No processo de auto-organização, as soluções para os diferentes tipos de problemas
acontecem pelo enfrentamento, tanto dos problemas como das complexidades, quando a
criança exercita a atividade exploratória. A atividade exploratória é pautada pela
mobilidade e modifica-se continuamente clamando pelos instrumentais processuais.
Pensar as complexidades requer pensar sobre o ângulo das propostas de trocas e,
analogamente, conforme ressaltou Daniel Ferrer (1999) sobre o trabalho investigativo da
pesquisadora Cecilia Salles, pelo viés da interação entre as áreas do conhecimento. E,
conforme pontuações de Morin no tocante a evitar que as pesquisas fiquem isoladas em
seus objetos e ativar as relações que os mantêm como sistemas (SALLES, 2003:87). Não
meramente a investigação centrada na literatura e nas artes, mas sim, dialogando com
outras áreas.
Essa abordagem empresta aos estudos desenvolvimentais cognitivos infantis, dados
para um entendimento das diversas linguagens que integram a construção do
conhecimento. Os processos de perceber, agir e pensar são aqui vistos inseparáveis em
155
camadas e níveis e funcionando na mesma escala dinâmica e em tempo real, conforme
pressupostos de Thelen e Smith (1994). Quando se pensa acerca de tais processos destaca-
se a importância da hominização que Edgar Morin (2002:50) cita como primordial à
educação voltada para a condição humana porque nos mostra como a animalidade e a
humanidade constituem, juntas, nossa condição humana.
Os estudos ligados à evolução humana de Robert Foley (2003:100) tornam-se
pertinentes no cruzamento com os estudos de Thelen e Smith. Foley acredita que a
evolução humana ocorreu devido a certas circunstâncias específicas no tempo e no espaço.
Para Foley, o comportamento mostra o mesmo padrão que a anatomia (op.cit:101).
Tornamo-nos humanos, entretanto, quando alcançamos os
padrões distintivos de estrutura anatômica e comportamento que
ainda podem ser encontrados hoje. Isso se deu em algum
momento entre 150 mil e cem mil anos atrás, e foi apenas então
que a nossa espécie – Homo sapiens – surgiu (op.cit:105).
O bipedalismo e a tecnologia também foram fatores importantes no humano,
quando o ficar em pé, com dois apoios possibilitou a locomoção, mas foi a instabilidade
que proporcionou a locomoção. O corpo aprendeu a organizar os movimentos de
desequilíbrio e equilíbrio e foi capaz de caminhar. Desde então, a superação tecnológica
definindo o humano ligado ao domínio técnico, significa que à medida que mais e mais
tecnologia é utilizada, ocorre a aceleração do tempo que possibilita pensar a próxima etapa.
O que Foley (2003) coloca em discussão é “como” se processa, o tempo faz toda a
diferença.
156
Conforme já apontado, para Thelen e Smith (1994), o modo como as crianças
adquirem novas habilidades ocorre pela ação corporal. Com o aumento da locomoção, há
um aumento na autonomia do corpo, que passa a explorar novos lugares, aumentando
também a taxa de complexidade. Para Thelen e Smith (1994), os processos cognitivos
fazem parte de uma mesma escala dinâmica, que funciona em tempo real. A continuidade
temporal é a dinâmica que compartilha o físico e o mental proporcionando natureza única.
A transformação ao longo do tempo é vista seguindo o percurso de vida do indivíduo,
porém, esse percurso de vida não é totalmente construído pelas vias lógicas conforme
acreditava Piaget. A transformação espaço-temporal somente seria passível de observação
durante o percurso de vida de um indivíduo e para tanto, todos os aspectos que participam
do processo ativo são importantes, assim como o movimento e a percepção somados ao
contexto vivido. A maneira como as crianças adquirem as habilidades corporais é
sustentada pela idéia do pensamento baseado na ação corporal.
No desenvolvimento infantil observa-se a importância da relação com o corpo, o
que faz com que os processos do pensamento, ação e percepção não sejam separáveis em
níveis e sim compartilhem a mesma dinâmica na escala temporal. O desenvolvimento é
sempre contínuo no tempo. As mudanças ocorrem de alguma forma em tempo real,
segundo a segundo, minuto a minuto (THELEN& SMITH, 1994:32). A mente e o corpo
estão ligados desde o início da vida e não se separam.
Na hipótese de Thelen e Smith, pensamento e comportamento são padrões de
atividades dinâmicas. Esses padrões surgem no fluxo dos processos e estão relacionados
aos contextos vividos. Com isso, rejeita-se a idéia de símbolos e estágios de maturação.
Percepção, ação e cognição fazem parte de um mesmo tempo e portam-se como processos
únicos não havendo ramificações que os possa diferenciar. O desenvolvimento não ocorre
157
pelas vias do comportamento inato, mas sim, pelas possibilidades de ocorrências de ações
em diferentes contextos. Pelos princípios dinâmicos gerais, as mudanças ocorrem em
sistemas instáveis, ou seja, as coordenadas dos elementos se desenvolvem procurando
sempre novos padrões de estabilidade. Esses padrões procuram emergir de forma a
modificar e ser modificado constituindo o sistema dinâmico.
As idéias dinamicistas de Esther Thelen e Linda Smith possibilitam relacionar a
Escola Lumiar como um sistema dinâmico que também deriva de um processo de auto-
organização no qual as soluções para os diferentes problemas emergem do próprio
enfrentamento de cada situação, não existindo um modelo único de desenvolvimento. Os
processos de ensino e aprendizagem levam em conta diferentes aspectos que tem como
ponto de partida não apenas a escola, o educador, o mestre, mas sim procuram atentar para
dar voz ao educando, à criança em si. Assim, a Escola Lumiar partindo dos princípios
dinâmicos de auto-organização estrutura sua grade de ensino e seu ambiente educacional de
acordo com um processo que é chamado de auto-gestão. Entendendo, guardadas as devidas
proporções, a auto-gestão como uma forma de auto-organização. A auto-gestão é uma
contribuição direta que cada criança faz em relação ao ambiente educacional com suas
atividades. A auto-gestão é uma possibilidade de avaliação e de adequação do ambiente
educacional através das opiniões e apreciações de cada criança. A Escola Lumiar pode ser
pensada como a metáfora de um mosaico composto de diferentes peças. E esse mosaico
também é composto de outros pequenos mosaicos que são, justamente, as opiniões das
crianças, expressas, guardadas e lidas por meio de uma série de formulários de avaliação
que carregam também a multiplicidade do formato de mosaicos. Cada um destes mosaicos
pode ser submetido à análise desenvolvimental, estabelecendo relações entre os vários
158
momentos e movimentos de um processo, respeitando, no entanto, cada passo desse
percurso.
No tocante ao termo “indisciplinar” na visão de Muniz Sodré (2006:235), este,
expressa o percurso cognitivo transdisciplinar em um campo de relações hipertextuais no
mundo permeado pela interface com a virtualidade. Assim, o sujeito de identidade fixa e
estável no mundo é destituído de sua consistência histórica, que garantia a gestão da
objetividade social e vinha induzindo a objetividade científica buscada pelas disciplinas
teóricas (op.cit).
Com a quebra da identidade fixa e estável do sujeito evidenciam-se as fragilidades
no relacionamento humano, estudadas pelo filósofo Zygmunt Bauman, para quem os
habitantes do líquido mundo moderno em vez de falar em “relações” ou “relacionamento”
cada vez mais falam em conexões, “conectar-se” ou “estar conectado”. Em vez de
parceiros fala-se em “redes”, que serve tanto para conectar como desconectar, ou seja, são
as “relações virtuais” que parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida
moderna (2004:12).
O sociólogo Antony Giddens (2004) estuda a interconexão entre sociedades
mundiais e o desaparecimento do sistema social tradicional, as mudanças ocorridas pela
“globalização”. Com isso, cada vez mais se convive com a interdependência entre
indivíduos, grupos e nações. É a interação entre a extraordinária inovação tecnológica e o
alcance mundial promovido por um capitalismo global que dá à mudança de hoje sua
compleição específica. Agora ela tem uma rapidez, uma inevitabilidade e uma força que
nunca teve (GIDDENS & HUTTON, 2004:7).
Essa contextualização importa no sentido da relação corpo/ambiente e sua
abordagem pela proposta da teoria Corpomídia. Não se pode apartar o corpo das mudanças
159
ocorridas na contemporaneidade, cenário em que as escolas democráticas se inserem, pois o
corpo é um conjunto de ajeitamentos que carrega o ambiente para onde for, em co-
responsabilidade. O conjunto das informações e suas conexões é que formam o corpo. Por
exemplo, se um indivíduo esteve em determinados lugares e vai para algum outro, o
ambiente seguirá junto. O corpo é formado por incontáveis coisas, mas não por elementos
somados, e sim organizados, como fluxos. As informações vão estar o tempo todo
negociando com o ambiente e sendo contaminadas.
Nas considerações finais, podemos dizer que na abordagem dinâmica, os bebês que
movimentam e balançam seus corpos estão atuando no meio quando se arrastam, chutam e
empurram, explorando-o sem parar em uma escala de tempo. Esses movimentos,
aparentemente comuns, podem fundamentar a cognição incorporada, pois, aprendendo a
controlar as interações de forças do corpo em seu meio ambiente, a criança acaba
descobrindo relações em um nível que é ao mesmo tempo mental e cognitivo, ou seja,
sempre que a criança se movimenta, ela está trabalhando o controle de forças nos músculos
e essa relação com o meio ambiente exige um tipo de interação de forças conforme sua
ação sobre os objetos e vice-versa. Entendendo o modo como esse controle do corpo é
adquirido pelas crianças, seria possível entender as capacidades cognitivas mais complexas.
Nessas abordagens, as questões observadas são pertinentes com a hipótese desta pesquisa,
no que diz respeito às experiências que o corpo vivencia em seu ambiente. Ao movimentar-
se a criança inicia o processo que faz do corpo mídia de si mesmo, baseado na Teoria
Corpomídia. O corpo é singular e sua singularidade não permite que se estabeleça uma
generalização pautada pela seriação que tem por base a faixa etária. A criança aprende
pelas interações entre sistema nervoso, corpo, movimento, ambiente e essas experiências
vivenciadas pelo corpo originam sempre novos significados perceptuais. Esses
160
pressupostos estão em acordo com Morin (2002) quando diz que a complexidade humana
não poderia ser compreendida dissociada dos elementos que a constituem: todo
desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das
autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à
espécie humana (MORIN, 2002:55). A Escola Lumiar e o Projeto Mosaico procuram
estabelecer uma construção do saber voltado para a multiplicidade sem fragmentação do
saber, antes pensada como utopia por Sílvio Gallo,
[...] uma escola na qual as crianças possam aprender sobre o
mundo em que vivem, um mundo múltiplo e cheio de surpresas, e
possam dominar as diferentes ferramentas que permitam seu
acesso aos saberes possibilitados por esse mundo, e possam
aprender a relacionar-se com os outros e com o mundo em
liberdade. Somente quando lograrmos alcançar essa dimensão
teremos de fato desvendado o enigma com que a Esfinge-
Educação nos aterroriza (GALLO, 2000).
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