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LUZIA BUENO
A construção de representações sobre o
trabalho docente: o papel do estágio
Doutorado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo/2007
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LUZIA BUENO
A construção de representações sobre o
trabalho docente: o papel do estágio
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de DOUTOR em Lingüística
Aplicada e Estudos da Linguagem,
sob a orientação da Profª. Drª. Anna
Rachel Machado.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo/2007
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LUZIA BUENO
A construção de representações sobre o
trabalho docente: o papel do estágio
Tese elaborada com o benefício de
uma bolsa de estudos da CAPES para
a realização de um estágio de 11
meses na Unidade de Didática de
Línguas da Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação (FAPSE), na
Universidade de Genebra, sob a
direção do Prof. Dr. Jean-Paul
Bronckart.
iv
Banca Examinadora:
Profª. Draª. Anna Rachel Machado – Orientadora
Profª. Draª. Ângela Bustos Kleiman
Profª. Draª. Lília Santos Abreu-Tardelli
Profª. Draª. Maria Cecília Camargo Magalhães
Profª. Draª. Maria Elizabeth B. de Almeida
Profª. Draª. Elisabeth Brait – Suplente
Profª. Draª. Eliane Lousada – Suplente
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
(Adélia Prado, “Leitura”, em Bagagem, 1976)
vi
FICHA CATALOGRÁFICA
BUENO, LUZIA. A construção de representações sobre o trabalho docente: o
papel do estágio. São Paulo. Pp. .2007
TESE (DOUTORADO) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2007
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem.
ORIENTADORA: PROFA. DRA. ANNA RACHEL MACHADO
PALAVRAS-CHAVE: Estágio Representações Trabalho docente
Interacionismo Sociodiscursivo – Projeto de intervenção – Texto de prescrição
Autorizo, para fins acadêmicos ou científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese por processos fotocopiadores ou eletrônicos.
vii
Ao meu pai,
pelos sonhos!
viii
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pelo patrocínio desta pesquisa e pela concessão de uma bolsa de estágio
no exterior, o que me permitiu crescer muito como pesquisadora e como ser humano.
À Anna Rachel Machado, pelas orientações de vida e de tese; pelos exemplos de
ética, paixão, vida; pelo jeito apaixonado com que trabalha e seduz a todos nós.
Ao professor Jean-Paul Bronckart, eterno mestre, com quem venho aprendendo cada
vez mais o valor da linguagem, e que aceitou me receber em Genebra, contribuindo,
assim, imensamente com minha pesquisa.
À Lília, eterna amiga, pelos exemplos como ser humano maravilhoso que é e por ter
me mostrado os caminhos da PUC-SP.
Aos amigos maravilhosos Márcio e Rubens, pelo companheirismo, pelos ombros e
pelo ouvido atento em todas as horas.
Ao Fabrice, pela cumplicidade e pelo companheirismo, que tornaram a vida em
Genebra muito mais bonita.
À minha família, especialmente minha mãe e meus irmãos Dalva e Carlinhos, pelo
apoio em todos os momentos.
Ao meu coordenador Carlos, da Universidade São Francisco, pelo grande apoio
durante toda a realização desta pesquisa.
Aos meus “queridíssimos” alunos do curso de Letras, tanto os que participaram com
seus textos desta pesquisa quanto os outros com quem tive e tenho o prazer de
trabalhar, os quais me possibilitam a cada dia refletir sobre o que é ser professor e
sobre a responsabilidade que tenho por fazer parte da formação deles.
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A Nina, Katja, Ingrid, Laurent, Barbara, Janet, Itziar, Cristian e todas as pessoas
maravilhosas com quem tive o prazer de conviver em Genebra.
Aos professores que participaram das minhas bancas de qualificação e muito
contribuíram para que este trabalho fosse realizado: Profa. Ciça, Profa. Célia Brito,
Profa. Beth Almeida e Profa. Beth Brait.
A todos os colegas do Grupo ALTER, do LAEL, pelo apoio e por
comentários/sugestões durante a pesquisa.
Às funcionárias do LAEL, Maria Lúcia e Márcia, sempre prontas a nos ajudar e a nos
retirar dos sufocos com os “benditos” papéis oficiais.
Enfim, um muito obrigada a todos que de algum modo, com um sorriso, um olhar,
uma palavra, muito contribuíram para que este trabalho fosse realizado.
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo mais amplo contribuir para uma reflexão sobre
o estágio na formação inicial de professores no período de graduação, por meio da análise
e da interpretação das representações construídas sobre o trabalho do professor nos textos
elaborados para orientar o estagiário em suas tarefas e nos textos produzidos pelos
próprios estagiários durante o estágio. Para realizar esse estudo, apoiamo-nos nos
pressupostos teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que atribui ao agir e à
linguagem um papel fundamental no desenvolvimento humano.
No ISD, o trabalho é definido como uma forma de agir cujas representações são
construídas na linguagem. Dessa forma, o trabalho constitui-se como um dos lugares
centrais de desenvolvimento do ser humano na sociedade atual. Sendo assim, ao
estudarmos textos que trazem representações sobre o trabalho no estágio, estamos
também contribuindo para uma compreensão maior de como se esse desenvolvimento
humano e profissional durante a graduação. Essa compreensão pode auxiliar tanto os
cursos de formação especificamente da área de Letras quanto também todos os outros que
se utilizam do estágio e da produção de textos como meios para assegurar um
desenvolvimento profissional do estagiário.
Com esses objetivos, apresentamos em nosso trabalho: a) uma discussão sobre o
estágio e os dispositivos de formação utilizados; b) uma síntese dos pressupostos teórico-
metodológicos, na qual tratamos do quadro teórico do ISD e dos procedimentos de
análise do agir humano representado em textos, além de trazermos também as
contribuições das pesquisas recentes que se utilizam das Ciências do Trabalho
(Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade) para que se possa construir uma visão
mais ampla sobre o trabalho educacional, que vai além de uma relação do professor com
um saber e com seus alunos.
Na metodologia, apresentamos os nossos dados, que foram coletados em uma
Faculdade de Letras, de uma universidade particular do interior de São Paulo, sendo
constituídos por um documento de orientação do estágio e dez projetos de estágio
produzidos pelos estagiários na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa. Como procedimentos de análise, procuramos verificar, em cada texto, o seu
contexto de produção mais amplo, passando pelas questões de sua organização interna,
dos mecanismos enunciativos e das suas características semânticas na organização e
interpretação do agir no trabalho, o que nos permitiu detectar “figuras de agir”, indicando
tanto modos de dizer o agir quanto modos de agir da categoria profissional “professor”.
Com os resultados de nossas análises, pudemos verificar, por meio das figuras do
agir construídas, que tanto o documento de orientação do estágio quanto os projetos
apresentam uma visão reduzida do que é o trabalho docente e do papel do professor,
retratando-o ainda de modo genérico e distanciado da realidade que o estagiário deveria
observar em um estágio que se propõe a formar um professor. Notamos ainda que, ao
planejar as suas aulas, é essa visão reduzida que o estagiário recupera, esquecendo-se das
atividades práticas que realizou no estágio com um professor real e modelando o seu agir
apenas a partir de leituras. Dessa forma, constatamos que o modelo de agir do estagiário
tem sua origem nos textos teóricos lidos e não nas atividades práticas de que participa.
Assim, esses resultados nos obrigam a fazer uma reflexão sobre uma forma de orientação
de estágios e de produção de projetos que possa levar o estagiário a conhecer diferentes
discursos para que ele se aproprie do “debate interpretativo” entre posições diversas, a
fim de construir a sua própria posição como um profissional.
xi
ABSTRACT
This research has as a far-reaching objective to contribute for a reflection about
the period of probation on teachers’ initial formation during the graduation period by
means of the analysis and the interpretation from constructed representations about the
teacher’s work on the texts worked out in detail to orient the probationer in his tasks and
texts produced by his own initiative during the probation period. To accomplish this
study, we have adopted the theoretical presupposition of the so-called Social-Discursive
Interactionism (SDI) (Interacionismo SóciodiscursivoISD) that assigned to actions and
to the language a fundamental role in the human development.
In the SDI, the work is defined as a form of acting whose representations are
constructed in the language. In this way, the work consists of one of the central spaces of
the human being development in the current society. Thus, when we study texts that bring
representations on the probation period work, we are also contributing for a better
comprehension dealing with the human and professional development during the
graduation. This comprehension can help either the formation courses specifically in a
Language Course as well as all the ones that use the probation period and the production
of texts as a manner to assure the probationer’s professional development.
With these objectives, we have presented in our work: a) a discussion about the
probation period and the devices of formation used; b) a synthesis of the methodological
theoretical presuppositions on which we consider the SDI theoretical chart and the
procedures of the human actions analysis represented on the texts besides the
contributions of recent researches used in the Work Science (Activity Ergonomics and
Activity Clinic) in order to construct a wider vision about the educational work beyond
the teacher’s relation with the knowledge and his pupils.
In the methodology, we have presented the data collected in a Language College
from a private University in São Paulo State. They were consisted of a probation period
orientation document and ten projects produced by the probationers in a discipline called
Supervised Probation Period in Portuguese Language (Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa). As analysis procedures, we have looked for verifying in each text its wider
production context; internal questions organization, enunciative mechanisms and
semantic characteristics in the organization and interpretation of acting in the work. All
this have allowed detecting “figures of action”, indicating either the ways of saying the
actions or ways of actions in the teacher professional category.
Our analyses results have verified by means of the constructed figures of actions
that either the orientation probation period document or the projects have presented a
reduced vision concerned to the teacher’s work and his role, retracting him as a general
manner and distant from the reality in which the probationer should observe in a stage
that proposes to form a teacher.
We have also noticed that when planning the classes is this reduced vision that
the probationer reacquires and forgets the practical activities that he has accomplished in
the probation period with a real teacher and modeling his action only from readings. In
this way, we have verified that the probationer’s actions have the origin in the theoretical
read texts and not in the practical activities that he has participated. Thus, these results
obliged us to do a reflection about the form of orientation in the probation period and in
the projects production that can lead the probationer to know different discourses in order
to assume the “interpretative debate” among various positions to construct his own
position as a professional.
xii
Sumário
Introdução
I – A história da pesquisa
Capítulo 1 – O estágio e os dispositivos de formação
1.1 O estágio na formação inicial atual do professor das séries finais
do Ensino Fundamental (EF) e do Ensino Médio (EM)
1.2 Os dispositivos de formação utilizados nos estágios
1.3 Os projetos
Capítulo 2 – O trabalho de ensino
2.1 As pesquisas sobre o professor no Brasil e no exterior
2.2 Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade: conceitos básicos
2.3 Elementos constitutivos do ensino como trabalho
2.3.1 Os artefatos
2.3.1.1 As prescrições
2.3.1.2 As regras do ofício
2.3.2 Os coletivos
Capítulo 3 – O trabalho como uma forma de agir no ISD
3.1 O quadro teórico do ISD
3.2 Os procedimentos de análise do agir humano em textos
3.3 A representação do agir humano em textos: as figuras interpretativas
do agir
Capítulo 4 – Procedimentos de coleta e análise dos dados
4.1 Contexto da coleta dos dados
4.2 Seleção dos dados
4.3 Perguntas de pesquisa
4.4 Procedimentos de análise
4.4.1 Análise do contexto sociointeracional de produção
4.4.2 Análise das características globais dos textos
4.4.3 Análise da arquitetura interna dos textos
4.4.4 Análise semântica do agir interpretado/avaliado nos textos
Capítulo 5 Resultados da análise do documento de orientação para a
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81
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xiii
produção dos projetos de intervenção no estágio
5.1 O contexto sociointeracional de produção
5.2 As características organizacionais e enunciativas do documento
5.3 As características semânticas: o papel dos actantes postos em cena
5.3.1 O estagiário no documento
5.3.2 O professor observado no documento
5.3.3 O professor-supervisor no documento
5.4 Conclusões sobre a análise do documento de orientação
Capítulo 6 – Resultados da análise dos projetos de intervenção
6.1 Resultados da análise de um dos projetos do grupo 1
6.1.1 O contexto sociointeracional de produção
6.1.2 As características organizacionais e as enunciativas
6.1.3 As características semânticas: o papel dos actantes postos em cena
6.2 Resultados da análise do projeto do grupo 2
6.3 Resultados da análise dos projetos do grupo 3
6.4 Síntese dos resultados da análise de todos os projetos
6.5 Conclusões sobre a análise dos projetos
Considerações finais
Referências bibliográficas
Anexos
Anexo 1 Programa da disciplina Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa
Anexo 2 “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa e em Língua Inglesa”, documento interno da Faculdade de Letras.
Anexo 3 – Projeto 2 de intervenção
Anexo 4 – Projeto 9 de intervenção
Anexo 5 – Projeto 3 de intervenção
Anexo 6 – Projeto 4 de intervenção
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Lista de figuras
Figura 1: O trabalho e seus elementos
Figura 2: O trabalho do professor e seus elementos
Figura 3: O trabalho do professor e seus elementos
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42
84
Lista de gráficos
Gráfico 1: Os actantes nos projetos
Gráfico 2: Os actantes no projeto 2
Gráfico 3: Os actantes no projeto 9
108
114
127
Lista de quadros
Quadro 1: Aprendizagem do estagiário e intervenções dos professores
orientadores
Quadro 2: Tipos de discurso
Quadro 3: Figuras interpretativas do agir
25
63
74
Quadro 4: Representações sobre os elementos do contexto de produção
Quadro 5: O plano global do documento
Quadro 6: Quantidade de agir atribuído a cada actante
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94
96
Quadro 7: Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante
aluno do professor observado
Quadro 8: Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante
estagiário no documento
Quadro 9: Exemplos da forma de apresentação do actante professor
observado no documento
97
98
101
Quadro 10: Agir atribuído ao professor observado
Quadro 11: Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante
professor-supervisor
Quadro 12: O agir atribuído ao professor-supervisor
102
104
105
xv
Quadro 13: Plano global do projeto 2
Quadro 14: A quantidade de actantes no projeto 2
Quadro 15: Quantidade porcentual de alguns termos nos projetos
113
115
127
Quadro 16: Plano global dos projetos
Quadro 17: Tipo de discurso dos segmentos
131
133
Introdução
Esta pesquisa tem por objetivo mais geral detectar como o trabalho do
professor é representado em textos produzidos durante a formação inicial de
professores de Língua Portuguesa, por meio da análise de uma das práticas de
linguagem que se desenvolvem no curso de graduação. Mais especificamente,
procuramos compreender como se estabelecem as relações entre linguagem e
trabalho do professor nos textos do gênero textual “projeto”, produzidos por
estagiários na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, e no
documento que orienta a produção dos projetos, elaborado pelos professores da
universidade, verificando como o trabalho do professor é representado nesses
textos encontrados em nossa situação de trabalho educacional. Neste sentido,
nossa pesquisa se filia e contribui com o projeto do grupo maior de pesquisa ao
qual pertence: o Grupo ALTER (Alise da Linguagem, Trabalho Educacional e
suas Relações), coordenado pela Profa. Dra. Anna Rachel Machado, no Programa
de Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), na PUC-SP.
Seguindo a abordagem do Grupo ALTER, para realizar nosso estudo,
adotamos como linha teórico-metodológica central o Interacionismo
Sociodiscursivo
1
(Bronckart, 1997, 1999, 2004b), que procura investigar a
problemática do agir humano tendo como foco central a linguagem, que as
representações nela construídas têm um papel muito importante no
desenvolvimento do agir humano. Servimo-nos, também, de um outro referencial
teórico, o das Ciências do Trabalho, mais especificamente a Ergonomia da
Atividade, corrente francesa desenvolvida pelo Grupo ERGAPE Ergonomie de
l’Activité des Professionnels de l’Education – (Amigues, 2002, 2004; Saujat,
2003, 2004), e a Clínica da Atividade, também francesa (Clot, 1999, 2001; Clot e
Faïta., 2000 e 2001; Faïta, 1997, 2002, 2004).
Trabalhamos com essas três linhas teóricas Interacionismo Sociodiscursivo,
Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade –, pois elas partem do mesmo
referencial teórico de base, utilizando-se de Vygotski, para as questões de ordem
psicológica. As três linhas de pesquisa também enfatizam a necessidade de uma
abordagem transdisciplinar nas Ciências Humanas/Sociais, opondo-se a uma
1
De agora em diante ISD.
divisão de disciplinas que têm em comum o humano e o social e que, portanto,
precisam apoiar-se umas nas outras para que possam explicar e compreender
melhor os complexos fenômenos humanos.
Para atingir nosso objetivo, partimos da seguinte situação de trabalho
educacional, que é o contexto de nossa pesquisa: coletamos dez projetos escritos
na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, por nós
ministrada, no curso noturno de graduação de Letras, em uma faculdade particular
do interior do Estado de São Paulo, assim como utilizamos o documento da
faculdade que orienta o estágio e a produção de textos do estagiário.
Após essa apresentação global do objetivo mais geral da tese, dos
pressupostos teóricos gerais e do contexto da pesquisa, procuraremos mostrar,
nesta introdução, como esta pesquisa se constituiu, como se posiciona no quadro
da Lingüística Aplicada, quais são seus objetivos mais específicos, bem como as
perguntas que guiaram sua realização.
I. A história da pesquisa
O espaço de produção dos dados desta tese, a disciplina de estágio, tem
uma relação muito forte com meu
2
percurso profissional. Por isso, quero começar
a escrevê-la recontando um pouco da minha história de formação como
professora, para depois apresentar as questões de pesquisa.
Escolhi ser professora aos 14 anos porque queria uma profissão em que
pudesse fazer sempre aquilo de que eu mais gostava: estudar. Alguns anos depois,
fui fazer o curso de Letras na Unicamp. Estudava muito, mas pouco discutia sobre
o que era ser professora. Lembro-me de ter aprendido a classificar as escolas, as
teorias de aprendizagem, mas nada de discutir o trabalho do professor. Foi nas
disciplinas de Estágio Supervisionado, no último ano do curso, que pude conhecer
de perto a realidade de professores de escola pública por meio dos estágios. Pude
ter contato com professores que, em reuniões pedagógicas, eram obrigados a
discutir sobre quem seria o responsável pela venda de salgadinhos, quem
arrecadaria roupas para o bazar, etc., a fim de conseguir dinheiro para comprar
lâmpadas para as salas do noturno, sapatos para alguns alunos muito pobres,
2
Utilizarei a primeira pessoa do singular em alguns momentos nesta parte da tese, uma vez que
retomarei o meu percurso pessoal, deixando a primeira pessoa do plural para os momentos em que
a voz específica da pesquisadora se faz ouvir.
materiais para outros. Vi muito mais: alguns professores desinteressados que
viviam pedindo licença ou mal-humorados, em decorrência do estresse do
trabalho, ou ainda, coisa mais intrigante, gente feliz, apesar de todos os
problemas. Essa realidade do trabalho do professor, infelizmente, não teve
destaque em outras disciplinas do curso de Letras, mas provocou-me bastante,
deixando-me o desejo de um dia trabalhar com a formação de professores e
incorporar a realidade desse trabalho às outras discussões que surgem nesse tipo
de curso.
Depois de formada, tornei-me coordenadora da área de Português de um
colégio particular da região de Campinas. Dez anos depois de formada, fui
convidada a substituir um professor em uma universidade particular, no interior de
São Paulo, justamente na disciplina de estágio Estágio Supervisionado em
Língua Portuguesa do curso de Letras, um curso noturno, com duração de três
anos, com habilitação em Português ou em Inglês, conforme a opção do
aluno. O convite foi muito bem recebido e representou a concretização de um
sonho antigo: trabalhar diretamente e explicitamente com a formação de
professores no curso de Letras.
No meu primeiro ano de trabalho, confesso que segui as regras da
faculdade sem grandes questionamentos, pois via meus alunos tendo um apoio
melhor do que eu tive durante minha graduação, em que tivemos dois semestres
de estágio em quatro anos de curso integral em uma universidade pública. Já nessa
universidade particular do interior de São Paulo, em que comecei a trabalhar, os
alunos que optam pela licenciatura em Língua Portuguesa têm quatro (4)
semestres de disciplinas de estágio: Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa I, II, III e IV. Em cada uma delas, o processo é o mesmo. Eles devem:
1) assistir a um certo número de horas-aula em uma escola de
Ensino Fundamental (Estágios I e II) ou Médio (Estágios III e IV);
2) escolher um problema de acordo com o tópico que estiver
sendo discutido na disciplina de estágio (Produção de Textos
orais ou escritos –, Leitura, Análise Lingüística);
3) escrever um projeto “de intervenção”
3
, no meio do semestre,
descrevendo e analisando o problema, justificando por que
3
Projeto de intervenção é o nome dado pela universidade ao texto a ser produzido pelo estagiário
durante o período de estágio em uma escola de Ensino Fundamental ou Médio.
trabalhar com ele e com que teorias de apoio – além de montar um
conjunto de aulas o estagiário buscará apontar solução para o
problema;
4) dar, a seguir, as aulas que forem por eles planejadas no projeto
de intervenção, na sala de aula em que estagiaram;
5) dar também, para os colegas do estágio, uma das aulas que
planejaram e que acharam interessante de ser vista/discutida com
os colegas;
6) escrever, por fim, no final do semestre, um relatório sobre
como foi a aplicação do projeto de intervenção.
Aparentemente, o processo é ótimo, porque coloca o estagiário na situação
de sala de aula, tendo, inclusive, que dar aulas. E os resultados também deveriam
ser, mas, ao olhar os textos (projeto de intervenção e relatório) que os alunos
produziam, pude constatar uma característica que, à primeira vista e
intuitivamente, não me agradava: os alunos não se colocavam nos textos, apenas
faziam adaptações de modelos dados pela universidade, produzindo projetos de
intervenção e relatórios muito semelhantes uns aos outros. Parecia que todos
haviam feito estágio na mesma escola, com a mesma professora, pois os
comentários eram os mesmos. Em conversa sobre meu trabalho, Yves Clot
levantou a hipótese de que talvez os textos fossem semelhantes porque visavam a
agradar o destinatário, ou seja, o professor-supervisor de estágio, e, assim, garantir
uma nota para aprovação na disciplina. Segundo Clot, se mudássemos o
destinatário talvez também tivéssemos textos diferentes. Infelizmente naquele
momento eu ainda não conseguia me apropriar dessa hipótese.
Após dois semestres lendo esses textos “iguais”, comecei a buscar pistas
que me ajudassem a entender o que ocorria e como poderia resolver o problema,
pois era difícil aceitar que fizéssemos leituras, ótimas discussões em sala usando
os dados que os alunos traziam e que, na produção dos projetos e dos relatórios,
tudo desaparecesse.
Resolvi, primeiramente, verificar as instruções que eram dadas aos alunos
no documento oficial da universidade: “Instruções Gerais para o Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”, que estabelece todas
as regras para o estágio, inclusive o modo como devem ser o projeto de
intervenção e o relatório. Após discussão com os colegas que lecionavam as
disciplinas de estágio para as turmas de inglês, fizemos algumas poucas
modificações na parte referente ao projeto, pois acreditávamos que ali residia o
grande problema. Procuramos deixar bem claro que se esperava um projeto com
uma pergunta clara, hipóteses e justificativas para uma intervenção, que, nas
instruções até 2003, não havia orientação clara sobre a organização textual e, a
nosso ver, isso poderia estar gerando as dificuldades dos alunos, com a
conseqüente cópia de modelos anteriores.
Nessas instruções anteriores, ao tratar das partes constitutivas do projeto,
falava-se muito da necessidade de determinar a situação-problema que seria
estudada, mas não se explicava muito bem o que poderia ser essa tal “situação-
problema”, nem como delimitá-la. Dessa forma, os alunos acabavam apresentando
vários problemas da sala de aula e tratando-os de modo superficial. Na verdade,
reproduziam o que liam em projetos que haviam recebido alguma nota acima da
média em semestres anteriores, pois não sabiam em que exatamente focalizar sua
análise das situações de sala de aula.
Para auxiliá-los, determinamos, então, que o projeto de intervenção
deveria ser semelhante aos projetos de pesquisa e, assim, apresentar um tema,
uma pergunta de pesquisa que seria respondida com a intervenção, as hipóteses, as
justificativas, os objetivos, a fundamentação teórica, a metodologia para aplicar a
intervenção, etc. Dessa forma, com essa orientação, nosso objetivo foi o de
mostrar que o projeto deveria representar uma unidade de trabalho: após a
observação e a seleção de um “problema”, busca-se estudá-lo, recorrendo a teorias
e a discussões com o professor da sala de aula; feito isso, chega-se a hipóteses de
como resolvê-lo e, assim, parte-se para a intervenção para testar a hipótese
escolhida.
O novo documento
4
de orientação passou a ser usado a partir do primeiro
semestre de 2004 e novos projetos foram produzidos pelos alunos, segundo suas
instruções. Resultado: projetos novamente semelhantes; vários deles, por
exemplo, apenas elogiavam o controle que a professora da sala observada tinha
sobre a disciplina da sala, ou comentavam o quanto ela tinha ajudado na
elaboração do projeto e no processo de intervenção. As intervenções, de modo
geral, eram sempre qualificadas de boas e dificilmente alguém relatava um
4
O novo documento, que será discutido no Capítulo 5, encontra-se no Anexo 2.
fracasso. Essas semelhanças suscitaram algumas questões: se os textos eram
parecidos, será que realmente contribuíam para a formação de um futuro
professor? Será que não seriam apenas mais um texto que só serviria para o aluno-
estagiário receber uma nota? Será que o problema não estaria no documento das
instruções como um todo e/ou no modo como ele prescreve o trabalho do
estagiário?
Conversando com os alunos e ex-alunos, descobri que muitos consideram
que o projeto de intervenção é o texto mais interessante que produzem na
universidade, alguns afirmaram que é o único texto em que se é obrigado a pensar
como professor e um bom número deles afirmara que o projeto ajudava na sua
formação de professor. Esses dados obtidos em conversas informais corroboravam
minhas hipóteses de que é no projeto que o aluno começa a assumir-se como
professor, pois é obrigado a identificar questões na sala de aula e, como professor,
procurar resolvê-las, ou seja, fazer aquilo que o professor faz cotidianamente.
Todavia, se os projetos eram tão semelhantes, tanto no nível formal quanto
nos conteúdos, então todos estariam se colocando como professores sem nenhuma
diferenciação entre si? Não acreditávamos nisso, pois, estudando a questão dos
gêneros textuais, via Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1997), pude me
apropriar da idéia de que, ao se adotar um gênero na produção textual, cada
enunciador faz as suas adaptações, estilizando o gênero em seu uso, produzindo,
desse modo, textos particulares. Assim, em cada projeto, cada estagiário,
teoricamente, deveria ser capaz de fazer circular sua visão de mundo e, mais
especificamente, sua visão do que é ser professor. A nosso ver, se essas visões
apareciam nos projetos, elas deveriam então ser detectadas a fim de que se possa
ressaltá-las ou modificá-las para que o aprendiz se torne um professor. Mesmo as
semelhanças poderiam nos ajudar a compreender melhor esse processo de
formação, já que nos dariam pistas de como os estagiários, como um grupo,
imaginam que devem apresentar certas idéias. Cremos que este deve ser o papel
do professor-supervisor de estágio: abrir caminhos para que os alunos se
exponham, coloquem-se como professores e ajudá-los a compreender que trabalho
é este que se escolheu seguir, que visões são essas que são construídas sobre os
docentes pela sociedade e por nós mesmos, professores ou futuros professores.
Com essas idéias ainda bem incipientes, cheguei ao doutorado na PUC-SP,
em janeiro de 2004, e comecei a ler sobre o trabalho educacional, além de
participar das discussões das pesquisas realizadas pelos membros do Grupo
ALTER. Dessa forma, comecei a compreender a forte relação entre a linguagem e
o mundo do trabalho de modo geral, e a refletir, mais especificamente, sobre a
linguagem e o trabalho do professor. Fiz, assim, várias leituras sobre esses temas,
que me mostraram a importância de uma análise mais detalhada de textos que
circulavam no trabalho do professor ou no seu processo de formação.
A análise dos textos sobre a relação linguagem e trabalho, segundo
Bronckart e Machado (2004), pode trazer nova compreensão sobre o trabalho do
professor, tanto em relação a seu agir concreto quanto em relação a alguns
aspectos das interpretações/representações/avaliações que socialmente se
constroem sobre eles. No caso dos estagiários, tal análise se torna mais relevante,
ao considerarmos que essas interpretações/representações/avaliações, ao serem
apropriadas pelos indivíduos, tornam-se uma espécie de guia”, um modelo para
seu agir futuro (Bronckart e Machado, 2004). Dessa forma, em um curso de
formação de professores, o conhecimento dessas
interpretações/representações/avaliações construídas nos textos se torna essencial,
se quisermos, por um lado, evitar a manutenção de idéias ou comportamentos que
pouco ajudarão no desenvolvimento do trabalho do professor e, por outro,
incentivar a propagação daquelas que contribuem para um trabalho que satisfaça o
professor e a sociedade.
Além disso, de modo geral, a maioria dos estudos que tomam como objeto o
trabalho do professor acaba dando ênfase maior ao modo como deveria ser esse
trabalho e não ao que ele efetivamente é. Ao contrário, acreditamos que, ao
analisarmos textos produzidos por futuros professores sobre esse trabalho, como
são os projetos de intervenção, poderemos detectar como o trabalho se configura,
pelo menos para esses aprendizes. Essa compreensão certamente poderá dar nova
orientação para a organização, se não dos cursos de formação de professores, ao
menos das disciplinas específicas de Estágio Supervisionado.
Neste sentido, consideramos o projeto de intervenção um objeto muito rico
a ser explorado em uma disciplina de estágio: ele pode mostrar o olhar que o
aluno tem sobre o professor e o seu olhar como professor, além de ser produzido
no meio do semestre, o que permite ao professor-supervisor retomar as idéias
veiculadas nesse projeto e discuti-las com os alunos, possibilitando-lhes, assim,
construir novas visões mais fundamentadas sobre o trabalho docente.
Entretanto, não se pode esquecer de que o projeto é elaborado de acordo
com um documento que o orienta e que, portanto, pode influenciar o produto final
que é apresentado. Dessa forma, esse documento também pode ser um objeto rico
e importante a ser explorado na disciplina de estágio. Como queríamos muito
poder contribuir para que professores de estágio melhorassem seu trabalho em
disciplinas de Estágio Supervisionado, usando para isso objetos de
estudo/avaliação que permitam o crescimento tanto do aluno quanto do professor,
consideramos extremamente importante empreender esta pesquisa, tomando como
objetos de análise o documento que orienta os projetos e os próprios projetos de
intervenção, a fim de compreender melhor a relação entre eles e a contribuição
que podem trazer para a formação inicial de professores de Língua Portuguesa.
Acreditamos também que esta análise poderá contribuir para uma reflexão sobre o
papel que ocupam os textos que circulam nas disciplinas do estágio para a
formação de profissionais, de modo geral, permitindo-nos ainda repensar o estágio
como um espaço de desenvolvimento profissional.
Para atingir essa compreensão e poder fazer essas reflexões, fizemos uma
pesquisa cujo objetivo era responder às seguintes questões:
Quanto ao documento que orienta os projetos:
1. O que se espera que o estagiário realize durante o estágio?
2. Que elementos do trabalho do professor são apresentados?
3. Que elementos do trabalho do professor se espera que o estagiário
apresente em seu projeto de intervenção?
Quanto aos projetos de intervenção:
4. Que elementos do trabalho do professor são apresentados?
Quanto à relação entre o documento orientador e os projetos:
5. O que se apresenta de semelhante e/ou diferente entre eles?
Discutidas estas questões, procuramos refletir sobre a qualidade do
documento de prescrição e a validade do uso do projeto de intervenção como
instrumento mediador da formação inicial, uma vez que poderemos verificar se o
projeto de intervenção se constitui como um espaço em que o trabalho do
professor e sua complexidade são contemplados.
Essa reflexão é bastante pertinente que, como constatou Amigues et al.
(2002) em um estudo sobre Le memoire professionnel” (o gênero usado como
trabalho final em um curso de formação de professores), o fato de introduzir um
artefato, que parece bom para a formação profissional, não nos garante que ele
funcionará efetivamente como um instrumento
5
na formação dos professores.
Dessa forma, é muito importante, após a análise, refletirmos sobre a validade
mesma do uso desse projeto de intervenção na disciplina de Estágio
Supervisionado pelos estagiários e pelo professor-supervisor de estágio.
As respostas às questões de pesquisa e a reflexão sobre a validade desses
artefatos na formação, a nosso ver, também poderão trazer benefícios aos estudos
sobre formação de professores na Lingüística Aplicada, que vêm aumentando nos
últimos anos, principalmente após a LDB/96 (Lei de Diretrizes e Bases de 1996),
que salienta a necessidade de formação.
Entretanto, nessa lei, a ênfase é posta no processo de formação continuada,
tornando-se compreensível a pouca produção em relação ao estagiário de
licenciatura, no nível das publicações acadêmicas. Contudo, apesar da grande
importância dos cursos após a graduação e da ajuda que prestam aos professores
formados, não podemos esquecer de que nem todos os professores farão esses
cursos; muitos contarão apenas com a formação que receberam na faculdade e
com as suas lembranças do tempo de alunos para construírem as suas aulas. Não é
por outra razão que, após a LDB/96, foram elaboradas as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Brasil, 2002),
introduzindo modificações na formação inicial. Assim, uma discussão mais
aprofundada sobre o período do estágio na graduação é absolutamente necessária.
Se pouca discussão sobre o período do estágio, muito menos
encontramos produções sobre os textos que são elaborados especificamente nas
disciplinas de estágios. Dada a grande quantidade de pesquisas em Lingüística
Aplicada, mostrando a importância de se analisarem os discursos, a fim de se
compreender os problemas sociais em que a questão da linguagem está envolvida
e de se criar possibilidades de mudança, estudar os textos do documento de
5
A distinção entre os conceitos de “artefato” e de “instrumento” será apresentada no capítulo 2, ao
discutirmos sobre as características do trabalho.
10
orientação e do gênero projeto de intervenção pode nos levar a compreender
melhor que professor de Português estamos formando em nossa graduação e, ao
mesmo tempo, pode também nos possibilitar interferir nessa formação.
Com esses objetivos, apresentamos o nosso estudo, que está organizado
em sete capítulos. No primeiro, a fim de expor o contexto mais amplo de nossa
pesquisa, explicamos como funciona o estágio atualmente, que dispositivos de
formação foram descritos e como o projeto de intervenção é tratado na
educação. Nos dois capítulos seguintes, apresentamos o quadro teórico de nossa
pesquisa. No Capítulo 2, abordamos as contribuições de alguns conceitos das
Ciências do Trabalho, da Ergonomia e da Clínica da Atividade para uma
compreensão maior de uma das formas de agir humano que é o trabalho, e, mais
especificamente, o trabalho do professor. No Capítulo 3, apresentamos o quadro
do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), uma vez que ele nos fornece uma visão
clara da linguagem como um agir e da linguagem na construção tanto de outros
tipos de agir humano quanto de avaliações e interpretações desse agir em textos,
além de nos fornecer um modelo de análise de textos que envolve uma análise
semântica do agir representado nos textos em situações de trabalho.
Como decorrência desses três primeiros capítulos, elaboramos nossos
critérios e procedimentos de análise, que apresentamos no Capítulo 4, com a
metodologia empregada. Nos capítulos seguintes, apresentamos os resultados da
análise e as reflexões feitas a partir deles. Para isso, no Capítulo 5, apresentamos
os resultados da análise do texto de orientação que rege a construção do projeto de
intervenção. No Capítulo 6, expomos os resultados da análise dos projetos de
intervenção. Para finalizar, nas Considerações Finais, centramo-nos em uma
discussão sobre os textos no estágio, visando a refletir sobre a validade desse
dispositivo durante a formação e, de modo mais amplo, sobre o estágio como um
espaço de formação profissional, em que se pode ampliar a compreensão sobre as
representações sobre o trabalho construídas nos e pelos textos e de seu papel nos
processos de formação.
11
Capítulo 1
O estágio e os dispositivos de formação
Neste capítulo, pretendemos apresentar o contexto mais amplo de nossa
pesquisa, ou seja, o espaço do estágio nos cursos de formação de professores e o
lugar que nela ocupam determinados dispositivos, como os projetos de
intervenção.
Para isso, iniciamos o capítulo apresentando os tipos de estágio; depois,
os dispositivos de formação empregados no estágio em diferentes países e
finalizamos com a discussão dos termos “projeto” e “projeto de intervenção”.
1.1 O estágio na formação inicial atual do professor das séries finais do
Ensino Fundamental (EF) e do Ensino Médio (EM)
Nesta seção, procuramos caracterizar o que é o estágio hoje no Brasil.
Antes, porém, faremos uma breve retomada de sua história e, a seguir, mostramos
como alguns autores, as leis e os documentos oficiais recentes o vêem.
Enquanto na Europa, já no século XVIII, começavam as discussões sobre a
escolarização para a formação de professores, no Brasil essa preocupação vai
aparecer no século XIX e voltada apenas para as séries iniciais, com a criação da
primeira Escola Normal em Niterói, em 1835, e com a segunda, em 1842, na
Bahia. Tal fato se deve ao tipo de economia desenvolvida no Brasil, que era
alicerçada na agricultura e não necessitava de mão-de-obra qualificada. Dessa
forma, não havia interesses econômicos que suscitassem a necessidade de
formação de professores em uma escola especializada para isso. Para as
necessidades desse momento ainda bastavam os sistemas de ensino mútuo
(Tanuri, 2000), nos quais ao mesmo tempo em que se aprendia a ler também se
aprendia a dar aulas, ou a contratação dos mestres-escolas, leigos contratados para
dar aulas.
Nos países mais desenvolvidos, a preocupação com a implantação
definitiva da escola pública, universal e gratuita, havia se iniciado em razão da
Revolução Industrial, que modificou as relações de produção e também a forma
de organização da sociedade. Com um número maior de pessoas nas zonas
urbanas, tornou-se necessário fornecer-lhes uma educação. Afinal, o sistema
12
capitalista industrial “engendra a necessidade de fornecer conhecimentos a
camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja
pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta” (Romanelli, 1987, p.
59). Assim, saber ler e escrever torna-se um pré-requisito para se inserir nesse
novo mercado de trabalho e também um meio de se ter dinheiro e se poder
consumir os produtos que nele são gerados.
No Brasil, a intensificação do capitalismo industrial ocorreu nas décadas
de 20 e 30, em um período em que, no nível mundial, havia a crise de 29 e, no
nacional, um país em crise, com vários movimentos que ajudavam a rever e
colocar em xeque o monopólio do poder das velhas oligarquias agrárias. Com o
desenvolvimento de uma sociedade industrial, ainda que de modo bem desigual
no território brasileiro, impulsionam-se também os setores do comércio, da
administração, dos transportes, dos serviços em geral. Desse modo, surge também
a necessidade de uma educação, que “leitura e escrita passam a ter preço, são
sentidas como úteis e benéficas, e a demanda do ensino normalmente se eleva, ao
mesmo tempo que maiores recursos, advindos de maior produção, possibilitam
maior e mais diferenciada oferta” (Lourenço Filho, 1965).
É nesse contexto que, em 1931, por meio do Decreto 19.852/31, cria-se
a Faculdade de Educação, Ciências e Letras, que seresponsável pela formação
de professores para as séries posteriores às iniciais. Contudo, tal decreto é
efetivado em 1939, após a criação da Universidade do Brasil, em que se incluía a
Faculdade Nacional de Filosofia, que devia preparar candidatos ao magistério do
ensino secundário e normal. Essa faculdade, além de formar bacharéis em
Pedagogia, oferecia também o curso de didática, de um ano, que, quando cursado
por bacharéis, dava-lhes o título de licenciado, permitindo o exercício do
magistério nas redes de ensino. Este é o esquema que ficou conhecido como 3+1.
Esse modelo de formação “3+1” é o da racionalidade técnica, segundo
Pereira (1999). Nele, o professor é um técnico que aplica as regras resultantes de
seus conhecimentos científicos, recebidos em três anos de curso, e pedagógicos,
aprendidos no último ano. Na fase de aprendizagem pedagógica, o futuro
professor deveria desenvolver o estágio, em que aplicasse os conhecimentos
recebidos durante o curso. Nesse caso, parece que se via o estágio como um
espaço apenas de aplicação de conhecimentos e não de aprendizagem de uma
13
futura profissão, em que a prática pudesse revelar aspectos que as disciplinas
teóricas não conseguiam abarcar.
Durante o Estado Novo (1937-1945), houve uma política educacional
centralizadora, uma vez que passava a ser atributo do governo federal definir as
bases e determinar os quadros de todos os tipos de ensino no país. Para isso, o
governo utilizava-se das “Leis Orgânicas do Ensino”, decretos-leis federais
promulgados de 1942 a 1946. Na década de 50, por meio do acordo entre o
MEC/INEP e a USAID, criou-se o Programa de Assistência Brasileiro-Americana
ao Ensino Elementar (PABAEE), de 1957 a 1965, que objetivava trabalhar a
metodologia de ensino e a psicologia com os professores de escolas normais, os
quais funcionariam como multiplicadores, a fim de modernizar o ensino primário
brasileiro usando as inovações norte-americanas. Essa tendência do PABAEE, de
buscar respostas para os problemas em questões técnicas e metodológicas,
contribuiu para acentuar a perspectiva tecnicista dos anos 60 e 70.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024, de
20/12/1961) garantiu uma flexibilidade curricular de acordo com os desejos de
cada estado. Contudo, mesmo que surgissem disciplinas que visavam a aumentar
a cultura geral do futuro professor, ainda não apareciam aquelas que analisassem a
realidade educacional brasileira e o preparassem efetivamente para o exercício de
sua profissão. Nessa lei, pouco se fala do professor licenciado pela faculdade e de
como deve ser a sua formação; estabelece-se apenas que, para tornar-se professor,
o candidato deveria cumprir no mínimo 1/8 do tempo de seu curso em disciplinas
pedagógicas. Como se pode perceber, apesar da mudança de lei, parece que a
concepção de formação pouco se altera, já que curto tempo pode ainda ser
destinado às questões pedagógicas.
Após 64, com a instauração do regime militar (1964-1985), nota-se a
preocupação com os meios técnicos, que serviriam para modernizar a prática
docente a fim de tornar a escola eficiente e produtiva, isto é, “torná-la operacional
com vistas à preparação para o trabalho, para o desenvolvimento econômico do
país, para a segurança nacional” (Tanuri, 2000, p. 79). Como na década de 50 o
país passou a contar com um grande crescimento industrial e com uma população
urbana predominando sobre a rural, aumentou a necessidade de uma mão-de-obra
qualificada. Em decorrência disso, o governo elabora uma nova política
14
educacional para o país, visando a treinar o aluno para que este se torne um
profissional. Assim, instaura-se a tendência pedagógica chamada de “Currículo
como Tecnologia” ou “Tecnicismo”, como ficou conhecido.
Segundo Goodson (2003, p. 43), esse modelo tecnicista procura reproduzir
nas Ciências da Educação o que até então era válido para as Ciências da Produção
Mecânica:
Os que acreditam na nova ideologia tecnocrática apegam-se à crença
de que, se uma abordagem de análise de sistemas produz aviões,
produzirá também eficiente aprendizado infantil; e se, de acordo
com uma forma feroz de behaviorismo, estiver determinando que
certos comportamentos ocorrerão, eles ocorrerão. Os que assim
acreditam imaginam que princípios de um modelo mecânico de
produção e os princípios econômicos de custo/benefício podem ser
transferidos para a educação.
Seguindo essa nova organização do ensino, em 1966, o Decreto-Lei 53
fragmentava as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, criando a Faculdade
de Educação, que seria agora a responsável pela formação de professores. Nota-
se, assim, que a separação entre a parte teórica e a parte pedagógica dos cursos se
acentua ainda mais, nesse momento.
Na segunda metade da década de 70 e nos primeiros anos da década de
80, ocorre o fim da ditadura militar (1985) e o início da “Nova República”. O
contexto é de luta pela volta da democracia e a educação passa a ser vista como
meio de transformar a sociedade. Isso ocorre provavelmente porque muitos
pensadores de diferentes áreas que foram obrigados a se calar durante a ditadura
passam a discutir a educação, trazendo temas que vão além da sala de aula e das
questões de didática. É assim que, em vez de teorias das Ciências da Educação ou
da Psicologia, teremos a influência de teorias sociológicas regendo as discussões
sobre o ensino.
Com a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB/96), de 1996, retoma-se a discussão sobre formação de
15
professores. Na LDB/96, busca-se a integração entre a teoria e a prática na
formação de professores, procurando reparar a separação que existia entre as
disciplinas teóricas e as da educação. A fim de trabalhar mais as práticas, em
pareceres posteriores à LDB/96, foi instituído um número mínimo de 400 horas
para a prática de ensino e 400 horas para o Estágio Supervisionado (Parecer
CNE/CP 21/2001). Anteriormente, desde o Decreto 86.497/82, que
regulamentava a Lei nº 6.494/77, o estágio não poderia ser inferior a um semestre
letivo, ou seja, 100 dias.
Com os pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), o estágio
começa a ser mais valorizado como um espaço de formação do futuro professor.
O Parecer CNE/CP nº 21/2001 deixa claro, por exemplo, que:
O estágio não é uma atividade facultativa sendo uma das condições
para obtenção da respectiva licença. (...) Entre outros objetivos,
pode-se dizer que o estágio pretende oferecer ao futuro licenciado
um conhecimento do real em situação de trabalho, isto é,
diretamente em unidades escolares dos sistemas de ensino. É
também um momento para se verificar e provar (em si e no outro) a
realização das competências exigidas na prática profissional e
exigíveis dos formandos, especialmente quanto à regência. (...)
Neste sentido, é indispensável que o estágio, de modo similar ao que
ocorre no internato da área de saúde, seja, ao final do curso, um
momento de coroamento formativo em que a relação teoria/prática
já seja um ato educativo em ação. (p. 5)
Como se pode verificar, enfatiza-se o estágio como lugar em que o aprendiz
de professor conhecerá a situação de trabalho com a qual se defrontará no futuro e
no qual mostrará as suas competências. Nota-se, também, que há grande ênfase na
quantidade de tempo que deve ser despendida com o estágio, já que isso é
instituído por lei. Entretanto, como deve ser efetivamente esse estágio e o que
fazer para que o estagiário alcance o objetivo de um conhecimento do real em
situação de trabalho” são questões que os documentos oficiais não m
respondido.
16
Dessa forma, como não clareza na legislação, é possível encontrar
diferentes tipos de estágio que refletem variadas concepções sobre as relações que
o estagiário deve estabelecer com o professor observado nesse período de
atividades práticas. Pimenta e Lima (2004), após vários estudos sobre os estágios
durante a formação inicial no Brasil, identificam quatro tipos: 1) estágio centrado
na observação dos professores e imitação dos modelos; 2) estágio centrado nas
técnicas; 3) estágio centrado na crítica a tudo que a escola tem; 4) estágio centrado
na pesquisa aliando teoria e prática.
Em primeiro lugar, o estágio centrado na observação e imitação dos
modelos pressupõe uma realidade que não se altera, com alunos sempre iguais
vivendo em um mundo também estático, cabendo à escola ensinar-lhes a tradição.
Se esses alunos não aprendem, o problema é deles, de sua família e de suas
culturas, que são diferentes da ensinada e valorizada pela escola. Nele, o
estagiário deve reproduzir uma prática modelar, atendo-se à sua observação da
sala de aula, desconsiderando o contexto escolar, elaborando e executando “aulas-
modelo”. Em termos de formação de professor, esse tipo de estágio é bastante
negativo, pois
essa perspectiva está ligada a uma concepção de professor que não
valoriza sua formação intelectual, reduzindo a atividade docente
apenas a um fazer que será bem-sucedido quanto mais se aproximar
dos modelos observados. Por isso, gera o conformismo, é
conservadora de hábitos, idéias, valores, comportamentos pessoais e
sociais legitimados pela cultura institucional dominante. (Pimenta e
Lima, 2004, p. 36)
Em segundo lugar, o estágio centrado nas técnicas procura dar aos alunos,
na universidade, os meios, as metodologias, “as receitas” que os auxiliarão nas
salas de aula, discutindo-se e ensinando-se como produzir os materiais didáticos,
como se portar nas salas, como falar com os alunos. Nessa visão, acredita-se que é
possível ter uma técnica universal que conta de todas as salas, de todos os
alunos de todos lugares. Novamente, desconsidera-se o contexto sócio-histórico e
cultural de cada escola, de cada nível de ensino, de cada professor.
17
A crítica de especialistas a essa didática instrumental, segundo Pimenta e
Lima (2004), acabou gerando o terceiro tipo de estágio, centrado em uma crítica à
escola, aos professores, diretores, etc. Nessa perspectiva, o estagiário buscaria na
escola somente as falhas, os desvios, os pontos negativos, tachando os professores
de ultrapassados, tradicionais, incompetentes. Somente a universidade e seus
professores saberiam o que é dar aulas, ao passo que os demais estariam apenas
“enrolando”. Esse tipo de estágio tem gerado grandes dificuldades em alguns
lugares para que os estagiários sejam aceitos sem desconfiança, pois se sabe
que eles estão lá, dizem alguns professores, somente para observar os defeitos no
trabalho dos outros.
Finalmente, outro tipo de estágio seria aquele que procura aliar teoria e
prática, colocando o estágio como pesquisa, possibilitando ao estagiário analisar,
pensar, opinar, agir e discutir a partir do que estudou, do que viu, do que praticou.
Nessa perspectiva, a escola o é o modelo, nem o lugar de aplicar técnicas
prontas, nem o lado errado da educação. O estágio, nesse caso, passa a pressupor
outra abordagem diante do conhecimento, que passe a considerá-lo
não mais como verdade capaz de explicar toda e qualquer situação
observada, o que tem conduzido estagiários a dizer o que os
professores devem fazer. Supõe que se busque novo conhecimento
na relação entre as explicações existentes e os dados novos que a
realidade impõe e que são percebidos na postura investigativa.
(Pimenta e Lima, 2004, p. 46)
Atualmente, pode-se dizer que esses quatro tipos de estágio coexistem,
variando, principalmente nas universidades particulares, conforme o professor-
supervisor que a disciplina de Estágio e a visão que ele tem sobre os objetivos
do estágio. Infelizmente, ainda em muitas faculdades, a visão que se tem do
estágio é a de um espaço “vago” em que qualquer professor pode atuar.
Essas diferenças no modo de tratar o estágio não são discutidas nos
documentos oficiais, em que, como dissemos, também não encontramos
instruções mais claras sobre o seu desenvolvimento. Para buscar uma
compreensão mais adequada sobre essa questão, é necessário que nos voltemos
para o exame da influência das condições econômicas brasileiras sobre a política
18
educacional em geral. Como sabemos, as reformas educacionais conduzidas
pelo governo, a partir do final da década de 90, estão muito marcadas nas
determinações do Banco Mundial (BM), que vincula seus financiamentos aos
países de Terceiro Mundo à adesão a suas políticas e projetos. De fato, segundo
Santos (2000), defende-se a eqüidade em educação como condição para a
eficiência econômica global:
essa eqüidade, para o BM, seria dada pela universalização do ensino
fundamental, o que em termos econômicos acarretaria uma demanda
além daquela prevista para o trabalho, produzindo uma força de
trabalho mais qualificada e que pode ser mantida com salários mais
baixos. (p. 175)
A fim de melhorar esse Ensino Fundamental, o BM aponta a necessidade
de aumento do tempo de instrução, a melhoria do livro didático e a capacitação
em serviço dos docentes. Essa opção pela educação continuada na formação de
professores, em detrimento da formação inicial na graduação, deve-se a uma
análise da relação custo-benefício:
Neste sentido, a educação em serviço apresenta-se como forma
mais barata e mais eficiente de formar profissionais para a
educação. A redução da educação inicial e o investimento na
educação continuada são, pois, compatíveis com um projeto
educacional de viés econômico, fundamentado em uma visão
técnica e instrumental da educação. (Santos, 2000, p. 175; grifo
nosso)
De acordo com Santos (2000), o objetivo do BM na formação continuada é
instrumentalizar o docente para seguir normas e diretrizes, acreditando-se que o
domínio do conteúdo, independente de seu conhecimento pedagógico, é que
garantirá o rendimento do aluno. Além disso, também a fim de diminuir custos,
preconiza-se ainda a educação a distância. Ao priorizar os aspectos econômicos,
trazendo para a educação conceitos empresariais, o BM propõe-nos um modelo
educativo
19
essencialmente escolar e um modelo escolar com duas grandes
ausências: os professores e a pedagogia. Um modelo escolar
configurado em torno de variáveis observáveis e quantificáveis, e
que não comporta os aspectos especificamente qualitativos, ou seja,
aqueles que não podem ser medidos mas que constituem, porém, a
essência da educação. (Torres, 1996, p. 139)
Segundo Torres (1996), nota-se nos documentos do BM a visão da
educação como conteúdos (“o ensino como informação a ser transmitida e a
aprendizagem como informação a ser assimilada” [p. 142] e o desconhecimento
do papel do professor na educação, seja nessa relação ensino-aprendizagem, seja
em relação ao aluno ou mesmo do professor com o seu trabalho. Dessa forma,
seguindo essa concepção, não haveria realmente por que se preocupar em
elaborar regras claras para o estágio, que todo o conhecimento necessário para
se tornar um professor poderia ser fornecido, na universidade, no trabalho com os
conteúdos ou na formação continuada, por meio dos cursos de aprimoramento.
Marcadas também por essa interferência da economia na educação, mas
apresentando um olhar diferente em relação à formação inicial, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação de Professores propõem as competências
que os profissionais deverão ter. Essas competências são colocadas como o ponto
central da formação e mostram a relação esperada entre a formação e o mercado:
o professor deve estar preparado para conseguir emprego nesse mercado atual.
Assim, dá-se um grande valor à parte prática do curso, que deve atender ao que
se esperará do professor na sociedade, e se apontam os estudos do conteúdo
como um “meio” para se atingir as competências. Todavia, ainda que estejamos
diante de um modelo de formação pautado pelo mercado, temos de considerar
que a flexibilidade que os cursos poderão ter em sua organização que foram
dadas somente as diretrizes, cabendo aos cursos ver como organizarem-se e o
espaço aberto à pesquisa podem representar uma boa mudança na formação dos
futuros professores. Como uma ênfase na prática, é possível nesse momento
aliar as atividades de prática de ensino com as de pesquisa, transformando, por
exemplo, os espaços do estágio supervisionado em lugares de ação e reflexão
visando ao desenvolvimento do estagiário como um futuro professor.
20
Para se atingir essa formação, o estágio deveria ter os seus meios para
levar os alunos a observarem os professores trabalhando, a discutirem o que
observam e a se colocarem como professores para sentirem o que é esse trabalho,
o que lhes permitiria desenvolver-se profissionalmente. Essa expectativa em
relação ao estágio é compartilhada por muitos professores-supervisores,
conforme Pimenta e Lima (2004), Fazenda et al. (1991), Pimenta (2002). Mas o
modo como concretizá-la varia conforme os professores-supervisores de estágio,
que, mesmo com as Diretrizes Curriculares, ainda não se encontram regras
claras sobre o estágio. De modo geral, um consenso quanto à ida do estagiário
à escola e a sua observão ou participação nas aulas de um professor
6
; as
variações começam ao se escolher como ele deverá apresentar as suas
“observações” ou “reflexões”: relatórios, diários, projetos, seminários, discussões
dirigidas, etc. Cada professor de estágio faz a sua escolha de acordo com os seus
objetivos, e assim diferentes dispositivos acabam sendo empregados, como
discutiremos na próxima seção.
1.2 Os dispositivos de formação utilizados nos estágios
Como já vimos, sem regras claras estabelecidas, a forma dos estágios é
muito variada. diferentes dispositivos que o utilizados na formação de
professores durante a graduação, contudo não encontramos pesquisas mais
detalhadas daqueles que são usados no Brasil nas disciplinas de estágio, ainda que
haja trabalhos que discutam um ou outro dispositivo isolado, como o Diário de
leituras durante a formação de coordenadoras (Liberalli, 1999) ou, no início do
curso de Letras, em disciplinas de Língua Portuguesa (Tapias-Oliveira, 2006).
Assim, nesta seção, com base em autores estrangeiros, apresentamos dispositivos,
utilizados em diferentes países, que se centram na produção de um texto e/ou em
várias etapas de observação, análise e discussão.
Em Ria e Serre (2005), encontramos a descrição de um dispositivo
composto de quatro etapas que foi testado no IUFM (Instituto Universitário de
Formação de Mestres), de Auvergne (França), responsável pela formação durante
um ano dos professores do primário e do secundário. A primeira etapa é
6
Em 31 de outubro de 2006, participamos do evento “Estágios e Práticas na Formação de Professores”,
realizado na Unicamp e contando com a participação de docentes de várias universidades, na maioria
públicas. Nesse evento, foi possível constatar a diferenciação que existe no modo como conceber o
estágio para colocar o futuro professor em contato com professores e escolas “reais”.
21
denominada “Engajar-se por procuração em uma atividade reflexiva sobre a
intervenção em classe”. Nela, após assistir à gravação de alguns minutos de uma
aula dada por um professor iniciante, o estagiário descreve o que viu e, em
seguida, do ponto de vista desse docente, deve refletir sobre a postura adotada por
este e suas razões, percepções, interpretações e emoções. Essa etapa de descrição
e interpretação tem como objetivo abordar as questões relativas à intervenção em
classe sem que a imagem dos estagiários seja diretamente e publicamente
implicada nesse primeiro momento. Assim, por procuração”, ou seja, remetendo
a um outro o agir em sala de aula, os estagiários discutem e analisam os seus
próprios procedimentos de intervenção.
Na segunda etapa (“Favorecer a ligação entre a ação em formação e a
ação em classe”), os estagiários devem contar alguma experiência que tiveram
que esteja próxima daquela a que assistiram. A idéia é a de que eles se
reconheçam na atividade de um outro. Espera-se, dessa forma, que eles consigam
se distanciar de sua própria experiência para poder observá-la melhor.
na terceira etapa (“Construir pela confrontação coletiva as regras de
intervenção potencialmente eficazes”), voltando novamente à seqüência do vídeo,
os estagiários fazem a análise metódica do desenrolar dos eventos que se
produziram na sala, procurando verificar desde os indícios destes até as
conseqüências que eles geraram. Nessa confrontação, em que todos podem se
colocar, aparece a multiplicidade da experiência dos estagiários e mesmo do
formador. Assim, nessa etapa, eles levantam coletivamente pontos que estão
claros para todos e também constroem novos procedimentos de intervenção que,
segundo Ria e Serre (2005), são potencialmente eficazes.
Para finalizar há a quarta etapa (“Simular para os outros os cenários
possíveis com suas próprias classes”), em que os estagiários fazem entre si uma
“instrução ao sósia”. Assim, um deles deve dizer ao outro, que agirá como seu
sósia / substituto, os procedimentos que deverão ser utilizados para dar uma aula
sem que os alunos percebam a troca de professores.
Conforme Ria e Serre (2005), esse dispositivo de formação permite a
confrontação coletiva das múltiplas experiências profissionais, que solicita do
estagiário diferentes pontos de vistas em cada uma das etapas. Mas as autoras
acabam menosprezando o papel que o professor-formador tem no
22
desenvolvimento dessas etapas, ouvindo e questionando os estagiários e levando-
os também a se interrogarem.
No IUFM (Instituto Universitário de Formação de Mestres) de
Champagne-Ardene (França), usa-se o “mémoire professionnel” como
instrumento de avaliação. Esse “mémoire”, uma monografia de cerca de 30
páginas, permite verificar as capacidades do estagiário em identificar um
problema ou uma questão relativa à sua prática e em analisar esse problema,
propondo pistas de reflexão ou ação fundamentadas em teorias pertinentes para
isso.
Bouissou e Aroq (2005) fazem um estudo desse “mémoire professionnel”
com o objetivo de saber se ele permite ou não a elaboração de uma postura
reflexiva por seu autor, o estagiário. Segundo elas, o “mémoire” visa ao
desenvolvimento, à transformação da relação com o real e com a prática
profssional, permitindo, assim, uma maior reflexividade, mas, na situação real,
elas sabem também que nem todos os estagiários se engajam da mesma forma e,
portanto, nem todos acederão a essa reflexibilidade. Contudo, vale a pena estudar
esses textos já que eles “não falam somente de seus atores, mas de todo o meio em
que se deu a formação do estagiário” (Rochex, 2003, apud Bouissou e Aroq,
2005, p. 19).
Nesse estudo com um corpus de 19 textos, elas constataram que os
estagiários recorrem às referências teóricas para apresentar o problema inicial que
analisarão e para preparar a ação em que se engajarão. Tal fato pode ser
explicado, conforme as autoras, como “um efeito das práticas, na profissão e na
formação, que insistem mais nos planejamentos e na preparação dos cursos que
sobre a análise destes a posteriori(Bouissou e Aroq, 2005, p. 23). Dessa forma,
torna-se difícil falar que houve desenvolvimento de uma postura reflexiva no
“mémoire”. Mas será que tal postura pode ser atingida por meio da escrita de
um texto? Não seria preciso um trabalho mais amplo para obtê-la?
Vanhulle (2005a, 2005b) apresenta um dispositivo de formação, utilizado
na Bélgica, que tem como objetivo a apropriação do saber profissional através da
produção de um discurso em “je” (eu). Nesse dispositivo, utilizado durante os três
anos de formação do professor primário, trabalha-se com a produção de textos
pelo estagiário sobre um objeto de ensino do professor, neste caso, leitura e
escrita. Assim, os estagiários foram solicitados a escrever: a) sobre a sua própria
23
relação com a leitura e escrita, recontando a sua história; b) sobre os textos
teóricos lidos e sobre as discussões feitas em sala com as professoras-formadoras;
c) sobre as próprias produções e a experiência de fazê-las; d) sobre as
experiências de dar aulas nos estágios; e) sobre as discussões avaliativas do final
de cada semestre com as professoras-formadoras; f) a respeito da própria trajetória
construída sobre leitura e escrita no final do ano do curso. O conjunto desses
textos, com um sumário comentado pelo estagiário, constitui um portfólio, no qual
o aluno pode colocar alguns textos a mais e mesmo retirar, se preferir. No
decorrer do curso, as formadoras comentam, por escrito, sobre os textos desse
portfólio e o utilizam também nas entrevistas individuais avaliativas ao final de
cada semestre. Além disso, os dados que elas recolhem dos portfólios as ajudam a
selecionar os temas que serão discutidos durante o curso.
Segundo Vanhulle (2005a, p. 163), ao escrever em primeira pessoa, o
estagiário faz “um verdadeiro trabalho de posicionamento (fundamentado nas
teorias, nas práticas), afrontando aquilo que causa tensão e fazendo escolhas,
pronto a rever suas concepções iniciais, seus estereótipos e afrontar o que lhe faz
mal”. A vantagem do portfólio, em nossa visão, é que o formador pode interferir e
conhecer a relação do estagiário com o saber a ensinar, com o saber aprendido e
com o saber que ele já possuía antes do curso.
Sillam e Crinon (1998) fazem um estudo sobre o “mémoire” usado no
IUFM de Créteil (França) e constatam que a leitura e a discussão do texto entre o
estagiário e o professor-supervisor fazem com que o estudante saia do lugar-
comum e consiga construir um texto mais crítico. Segundo os autores, os
rascunhos mostram que: os estagiários não ousam dizer “eu”; as supostas
injunções da instituição e a pressão do meio se traduzem por uma série de é
preciso”; “o professor deve” e formas verbais no futuro prescritivo; os conteúdos
das leituras e dos cursos são tomados como um discurso normativo, em um
universo binário em que se opõem boas e más práticas (Sillam e Crinon, 1998, p.
315).
Em alguns centros de formação europeus, o papel do professor-formador
é descrito como parte do dispositivo de formação. Leclercq (2003) expõe o
dispositivo de formação empregado, na França, em um dos Institutos
Universitários Profissionalizantes (IUP), o qual é especialista na formação de
adultos. Neste se utiliza o estabelecimento de missões/projetos para o estagiário, o
24
“mémoire professionnel”, a alternância entre teoria e prática e o acompanhamento
individual e coletivo para garantir o desenvolvimento dos estagiários, que se
acredita que esse acompanhamento é o (“noeud” conforme Leclercq, 2003, p.
513) do desenvolvimento efetivo e potencial.
Boudreau (2001) faz a descrição de um estágio bem-sucedido no Canadá,
apontando a importância dos professores-orientadores, que se encontram no lugar
do estágio, na formação do futuro docente. Nesse estágio, o estagiário atuou em
duas salas diferentes do secundário, participando do ensino de História e
Geografia. Seus dois professores-orientadores observavam as suas aulas, faziam
anotações e depois conversavam com o estagiário, que também fazia os seus
registros diários sobre os problemas que encontrava. Nesse estudo de caso, por
meio de entrevistas com todos os envolvidos, textos escritos (notas dos
professores e do estagiário) e da transcrição de uma aula registrada em vídeo,
pôde-se notar que houve mudanças em alguns pontos do trabalho do estagiário
após as intervenções desses professores-orientadores.
O quadro abaixo
7
apresenta, resumidamente, como o estagiário estava no
início em relação aos pontos em que houve modificação, qual foi a intervenção
feita pelos professores-orientadores e como ele se encontrava no final desse
estágio:
7
Esse quadro foi adaptado a partir da Figura 1 apresentada em Boudreau (2001, p. 73).
25
Quadro 1 – Aprendizagem do estagiário e intervenções dos professores-orientadores
O estagiário no princípio
do estágio
As intervenções feitas pelos
professores-orientadores
O estagiário no fim
do estágio
Planejamento em
função do conteúdo
Estratégia única de
ensino
Ausência de
preocupação com a
compreensão dos
alunos
Conhecimento restrito
das funções assumidas
por um professor
Estabelecimento de
ligações: comportamento
do professor e
comportamento dos alunos
Sugestões de estratégias
Questionamento sobre a
aprendizagem dos alunos
Identificação dos índices de
incompreensão dos alunos
Destaque para as diversas
funções de um professor
Planejamento em
função do
conteúdo e dos
alunos
Estratégias
diversas de
ensino
Preocupação e
identificação
detalhada dos
índices de
compreensão dos
alunos
Conhecimento
detalhado das
funções de um
professor
Ainda que tenhamos de considerar a idéia de que o fato de haver o estudo
pode ter alterado os resultados afinal, será que, se não houvesse a pesquisa, o
empenho desses professores-orientadores seria o mesmo? E a mudança do
estagiário, será que também ocorreria? –, não podemos deixar de notar que a
interação com o professor-formador tem grande contribuição no desenvolvimento
profissional do estagiário.
Contudo, essa contribuição nem sempre será “positiva”. Lebrun e Lenoir
(2001) relatam a análise de 202 planejamentos de atividades para o ensino de
Ciências Humanas nas séries iniciais no Canadá, constatando que os estagiários
não seguem um ensino tradicional, nem também as posturas mais avançadas
trabalhadas pelos formadores. Uma das causas possíveis para isso é o modo como
26
os professores, com quem eles estagiaram, tratavam as Ciências Humanas,
colocando-as como secundárias, e também o modo como se posicionavam ante as
novas posturas didáticas trazidas pelos estagiários, alegando que estas eram
provenientes de professores universitários que “jamais haviam ensinado”, “jamais
tinham posto o pé em uma escola primária” ou ainda “nada conheciam de ensino”
(Lebrun e Lenoir, 2001, p. 584).
Como se pode observar, o dispositivo empregado é apenas uma parte do
processo de formação, pois a relação com o professor, seja o que foi observado no
estágio, seja o que supervisiona o estágio na universidade, parece ter um grande
peso no que ocorrerá com o estagiário e com o seu desenvolvimento como um
futuro professor. Contudo, é preciso ressaltar também que a escolha de um “bom”
e “adequado” dispositivo poderá ajudar tanto os professores quanto o estagiário,
daí a necessidade de se estudar os dispositivos empregados no Brasil. Esse estudo
pode inclusive fornecer ao professor-supervisor de estágios meios sobre como
intervir na formação e ajudar melhor os seus estagiários.
O projeto “de intervenção”, aqui analisado, é um dos dispositivos de
formação utilizados no curso de Letras, na universidade de nossa pesquisa. Como
o termo “projeto” pode abranger diferentes significados, vamos tratá-lo mais
detalhadamente na próxima seção, procurando especificar as características que
definem os projetos que se constituem como um dos dados de nossa pesquisa.
1.3 Os projetos
Projetos políticos, projetos de lei, projetos de formação, projeto de
aposentadoria, projeto de vida, projetos educacionais, etc.: vivemos em uma
“cultura de projetos” (Barbier, 1996), que eles se encontram em todos os
espaços, indicando diferentes planejamentos de ações que se pode fazer. Contudo,
nem sempre temos muito claro do que se está tratando ao se usar esse termo.
A acepção mais usual que utilizamos de projeto é recente. Segundo
Boutinet (2002) e Josgrilbert (2004), nem no grego nem no latim encontraremos
um sentido próximo ao do atual, que mescla as idéias de desígnio e objetivo. Na
Idade Média, também não se encontrava a noção de projeto. Porém, no
Renascimento, encontramos um conceito de projeto em arquitetura que prenuncia
o atual: o projeto passa a marcar a separação entre a concepção arquitetônica e a
execução da obra, constituindo-se, assim, na representação de algo que seria
27
construído. Dessa forma, a noção de projeto passa a associar-se a planejamento
racional e antecipação de uma ação futura no plano espacial.
No Iluminismo, com o homem se colocando como agente de sua história,
“projeto” e “progresso” andam juntos, “para testemunhar a capacidade do homem
de fazer história e, através dela, o seu profundo desejo de se realizar pretendendo-
se criador” (Boutinet, 2002, p. 38). Iniciam-se, assim, os projetos sociais, cujos
exemplos podem ser vistos nos trabalhos que visavam a construir projetos de paz
e de uma nova sociedade, como do Abade Saint-Pierre (Projet pour rendre la paix
perpétuelle en Europe), de Rousseau (Jugement sur le projet de paix perpétuelle),
de Kant (Projet de paix perpétuelle).
O termo “projeto” é retomado com força no início do século XX, na
filosofia, com a Fenomenologia
8
e o Existencialismo
9
, e passa a integrar-se a
discussões sobre a existência humana, como pode ser visto em Heidegger ou
Sartre. De acordo com Boutinet (2002, p. 59), “a filosofia fenomenológica
pretende mostrar que o homem não pode encerrar-se em sua atual condição, que
precisa de um projeto que transcenda a ela, mesmo correndo o risco de que esse
projeto se revele, com o tempo, carregado de ilusões”. Seguindo essa perspectiva,
“Heidegger elaborará toda uma reflexão sobre o projeto para tentar compreender o
que faz a singularidade da existência humana, a qual se como lançada-aí e é
lançada sobre o modo de ser do projeto, visando às suas possibilidades” (Boutinet,
2002, p. 50). Na perspectiva existencialista, Sartre (1947, apud Boutinet, 2002, p.
57) afirma que “o homem é primeiro um certo projeto que se vive subjetivamente;
nada existe previamente a esse projeto: o homem será antes de mais nada o que
tiver projetado ser”. Mas esse projeto sartreano tem uma dimensão relacional,
que está relacionado ao projeto dos outros: “Integro em meu projeto o projeto do
8
A Fenomenologia nasceu na segunda metade do século XX, a partir das análises de Franz Brentano
sobre a intencionalidade da consciência humana. Ela trata de descrever, compreender e interpretar os
fenômenos que se apresentam à percepção humana e propõe a extinção da separação entre “sujeito” e
“objeto”, opondo-se ao pensamento positivista do século XIX.
9
O Existencialismo foi inspirado nos trabalhos de Arthur Schopenhauer, Søren Kierkegaard e nos
filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger, e foi particularmente
popularizado em meados do século XX com as obras do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e a
escritora e filósofa Simone de Beauvoir. É uma corrente filosófica e literária que destaca a liberdade
individual, a responsabilidade e a subjetividade. O Existencialismo considera cada homem um ser único
que é mestre dos seus atos e do seu destino.
28
outro, cada um se movendo de tal modo que está integrado no projeto do outro”
(Sartre, 1970, apud Boutinet, 2002, p. 57).
No campo educacional, o uso da noção de projeto é recente. Segundo
Boutinet (2002) e Josgrilbert (2004), o trabalho com projetos começa no início do
século XX, com J. Dewey e W. H. Kilpatrick (1918), que tentaram lançar uma
pedagogia “progressista ou “aberta”, na qual o aluno se tornava ator de sua
formação através de aprendizagens concretas e significativas para ele” (Boutinet,
2002, p. 181). Essa pedagogia é semelhante à proposta pela Escola Nova, que
defendia uma “idéia de currículo centrado no aluno e no provimento de
experiências de aprendizagem como forma de ligar a escola com a vida e adaptar
os alunos ao meio” (Libâneo, 2001, p. 148,). Porém, os escolanovistas não
trabalhavam com a noção de projeto e o termo acaba caindo em desuso, sendo
retomado nas décadas de 70 e 80.
Segundo Barbier (1996), atualmente, em educação, nota-se que esse termo
pode ser usado para designar tanto uma concepção geral de educação (um projeto
educativo) quanto um dispositivo específico de formação (um projeto de
intervenção, por exemplo) ou ainda uma determinada forma de aprendizagem (a
pedagogia do projeto). Contudo, nem sempre fica muito claro do que se está
tratando, quando ele é usado, uma vez que se encontram muitas expressões para
se referir a projetos na literatura educacional, conforme nos indica Barbier (1996)
e Libâneo (2001): projeto educativo, projeto pedagógico, projeto político-
pedagógico, projeto curricular, projeto consultivo, projeto de ação educativa,
projeto de formação, pedagogia do projeto, projeto de escola, projeto pessoal do
aluno, projeto de estabelecimento, etc.
Não tentaremos elucidar aqui os múltiplos significados atribuídos a cada
uma dessas noções de projeto, já que elas podem ser vistas de modo diferente por
cada autor. Por exemplo: ao passo que para Barbier (1996) não é preciso
distinguir entre projeto pedagógico e projeto educacional, Boutinet (2002) insiste
na importância de perceber as suas diferenças. Para ele, o “projeto educacional”
ultrapassa o âmbito da escola e inclui, no mínimo, a família, a escola, o meio
profissional e a coletividade política. É um “projeto-intenção explicitando a carta
educativa que, em dado momento, em um dado meio, um grupo determinado
estabelece como regra destinada a modular a integração das jovens faixas etárias”
(Boutinet, 2002, p. 188). Já o “projeto pedagógico”, de caráter operatório e mais
29
prático que o educacional, limita-se ao espaço escolar e tem, como atores
principais, os professores ou grupo de professores e os alunos, objetivando “ao
mesmo tempo estimular a motivação dos aprendizes, de negociar com eles
aprendizagens concretas que sejam significativas em relação ao que buscam,
enfim, aumentar a eficácia do sistema de formação” (Boutinet, 2002, p. 195).
Centrando-nos no campo de formação, vemos que a noção de projeto é
bastante utilizada: o projeto do curso de formação de professores; os projetos
individuais dos formadores e os projetos dos alunos-estagiários. Esse último tipo
de projeto pode ter várias significações: pode ser o projeto particular e “secreto”
do estagiário, ou o projeto apresentado ao professor, ou um projeto de pesquisa,
etc. Na verdade, na prática, vamos encontrar vários tipos de projeto em
funcionamento.
Em nossa pesquisa, estamos trabalhando com o projeto “de intervenção”,
que é um texto semelhante, na forma, ao projeto de pesquisa tradicional, com
Introdução, Fundamentação Teórica e Metodologia. Mas diferencia-se deste no
nível do conteúdo, pois nele o estagiário deve apresentar a análise de um
problema de ensino, observado em uma das salas de aula durante o estágio, na
seção de Introdução, expor a abordagem teórica em que ele se apóia, na
Fundamentação Teórica, e fazer uma proposta de um conjunto de aulas para
resolver tal problema, especificando que estratégias utilizará e indicando o plano
de cada uma das aulas que serão dadas, na Metodologia. Após a leitura desse texto
pelo professor-supervisor, o estagiário deve aplicar o projeto na sala de aula
observada. Para elaborar esse projeto, ele deve seguir um documento de
orientação, que será analisado no Capítulo 5, que determina a organização textual
e o conteúdo do texto. Após a análise dos projetos desta pesquisa, no Capítulo 6,
discutiremos a validade do uso desse dispositivo durante a formação inicial.
Em suma, neste capítulo, nós partimos de uma discussão sobre os tipos de
estágio e das leis que os regem, mostrando que a falta de prescrições claras
permite a coexistência de diferentes formas de estágio de acordo com as rias
instituições de ensino. Além disso, diferentes dispositivos de formação, mas,
infelizmente, não pesquisas sobre a sua validade. Enfim, constatamos que,
embora haja uma preocupação em se levar os estagiários a conhecerem in loco o
trabalho do professor, suas dificuldades e necessidades práticas, não temos
30
dispositivos consensuais que orientem os estagiários nessa atividade, que implica,
seguramente, uma concepção do trabalho do professor.
Para compreendermos essa complexidade do trabalho do professor e,
assim, podermos verificar como essa complexidade é representada em nossos
dados, exporemos no próximo capítulo como as Ciências do Trabalho
Ergonomia e Clínica da Atividade –, em uma perspectiva interdisciplinar,
apresentam o trabalho docente e seus elementos constitutivos.
31
Capítulo 2
O trabalho de ensino
Neste capítulo, exporemos alguns dos aportes teóricos que fundamentam
a nossa pesquisa, buscando esclarecer qual é nossa visão sobre o trabalho do
professor e sobre os elementos que o constituem. Antes, porém, apresentaremos
um resumo a respeito do estatuto das pesquisas sobre o professor no Brasil e no
exterior, na área de Educação e Lingüística Aplicada, justificando nossa opção
teórica. A seguir, introduziremos alguns conceitos básicos da Ergonomia da
Atividade e da Clínica da Atividade, e finalizaremos expondo como é o trabalho
do professor em estudos interdisciplinares que se apóiam nessas disciplinas.
2.1 As pesquisas sobre o professor no Brasil e no exterior
Desde a Antiguidade, ouvimos falar da existência de professores, mas
pouco sabemos, de fato, sobre essa profissão. Todavia, inúmeras são as idéias
sobre o que seria necessário para ser um professor (Gauthier, 1997). Por exemplo,
ter bom domínio de uma matéria, talento, bom senso, intuição, experiência, bom
nível cultural, etc. são elencados como requisitos para ser um professor. Porém,
todas essas características, vistas isoladamente, podem ser facilmente refutadas.
Afinal, algm com bom nível cultural e que sabe falar bem inglês não será
necessariamente um bom professor dessa língua; talento ou intuição sem
conhecimento também pode criar problemas; a experiência auxilia o trabalho, mas
é preciso considerar que nem sempre ela é positiva: um mau profissonal com 20
anos de carreira é alguém com experiência...
Contudo, não é no senso comum que encontramos dificuldades para se
definir o que é ser professor e o que faz parte desse trabalho. Se analisarmos
pesquisas sobre o ensino, percebemos que um olhar mais atento sobre o professor
e sua prática efetiva, a fim de compreender esse trabalho, é bem recente. Apesar
disso, muitas visões sobre esse trabalho foram construídas, e, muito
provavelmente, divulgadas e estudadas nos cursos de formação de professores.
Segundo Saujat (2003, 2004), por exemplo, uma tradição de
pesquisas sobre o ensino, em que se procura compreender como o agir do
professor pode afetar o ensino e a aprendizagem, tendo-se uma visão de que o
32
trabalho do professor se resume a uma relação com um objeto de ensino e com os
alunos. Entretanto, nos vários paradigmas dessas pesquisas paradigma processo-
produto; pensamento dos professores e etnográfico –, nota-se que a figura do
professor sofre alterações: é professor eficaz nos estudos do paradigma processo-
produto; é ator racional na década de 70, e depois sujeito cognitivo com
representações, no paradigma “pensamento dos professores”; a seguir, é indivíduo
que deve ser considerado em sua subjetividade e, recentemente, é um prático
reflexivo.
Seguindo fortemente o behaviorismo ou neobehaviorismo, os estudos do
paradigma processo-produto buscavam estabelecer as leis e as regularidades
existentes, na relação entre duas séries de variáveis: o processo (os
comportamentos dos professores) e o produto (perfomance, conhecimento e
atitudes dos alunos). Nesse paradigma, as pesquisas tinham uma perspectiva bem
pragmática: estudava-se o ensino a fim de se obter os indicadores de sua eficácia
ou da competência do professor para, conseqüentemente, se poder melhorar o
ensino e, quando preciso, alterar-se a formação dos professores.
Nas pesquisas do paradigma “o pensamento dos professores”, o foco
passou a ser a cognição dos professores. Nelas, iniciadas nos anos 70, buscava-se
perceber o que está subjacente à ação do professor, já que o comportamento, nessa
perspectiva, seria uma conseqüência da cognição, à qual é atribuída o estatuto de
variável mediadora, de antecedente ou causa. Dessa forma, a unidade de análise
deixou de ser somente a aula, passando a algo mais flexível, variando, assim,
conforme os estudos e contemplando, em alguns deles, as tarefas do professor que
antecedem essa aula; e, em outros estudos, os aspectos cognitivos do professor,
independentemente da aula ou só de segmentos de uma aula ou de um conjunto de
aulas, etc. Em relação a esse paradigma, Saujat (2003) divide suas pesquisas em
quatro grupos, de acordo com o tema que cada uma delas enfocava. Seguindo
fortemente os trabalhos da psicologia cognitiva, o primeiro grupo enfatizava o
julgamento como sendo a chave do processo decisório do professor, que, diante
dos acontecimentos da sala de aula, julgaria a situação, considerando os fins, os
meios e a relação custo/benefício, decidindo o que fazer. Nos anos 80, um
segundo grupo de pesquisas desse paradigma se centrou na maestria dos
professores com experiência, fazendo-se comparações entre eles e os professores
iniciantes, a fim de se detectarem os modos de decisão, em função da competência
33
profissional. Um terceiro grupo, com uma abordagem etnográfica e hermenêutica,
centrou-se nas histórias pessoais de experiência, a fim de apreender e explorar os
diferentes componentes da experiência profissional de cada professor. Por meio
de narrações e biografias do professor, buscava-se a singularidade da experiência
profissional que pudesse contribuir para melhorar a escola.
O último grupo das pesquisas do paradigma “pensamento dos professores”
citado por Saujat (2003) é o das pesquisas sobre a reflexão-em-ação/reflexão-
sobre-a ação, ou do professor reflexivo, que, aliás, teve e tem forte influência nas
pesquisas brasileiras sobre formação de professores e até mesmo nos documentos
oficiais. Partindo dos trabalhos de Schön (apud Saujat, 2003) e usando estudos de
casos, procura-se estudar a reflexão que se produz no trabalho do professor,
defendendo-se a idéia de que ela gera o seu saber e é fonte da eficiência da
atividade profissional.
Nesses paradigmas, desenvolvidos em diferentes disciplinas tais como a
Psicologia e a Pedagogia, não se trabalhava com uma visão transdisciplinar, o que
provavelmente impediu a construção de uma visão que permitisse apreender a
complexidade e a multidimensionalidade das práticas educacionais” (Saujat, 2004,
p. 19).
Essa mesma perspectiva de estudar o professor sem se voltar ao conjunto
de seu trabalho tem aparecido em estudos brasileiros, da área de Educação, de
acordo com André, Simões, Carvalho et al. (1999). Em um artigo que examina a
produção sobre a formação de professores na década de 90, as autoras verificaram
que, dos 284 trabalhos encontrados entre dissertações de mestrado e teses de
doutorado, um total de 216 (76%) trata do tema da formação inicial; 42 (14,8%),
da formação continuada; e 26 (9,2%), da identidade e da profissionalização
docente. O conteúdo mais enfatizado a respeito da formação inicial é a avaliação
do curso de formação em relação ao seu funcionamento ou ao papel de alguma
disciplina do curso. As autoras também analisaram 115 artigos de revistas
especializadas, nos quais os temas mais enfatizados foram: identidade e
profissionalização docente, com 33 artigos (28,7%); formação continuada, com 30
(26%); formação inicial, com 27 (23,5%); e prática pedagógica, com 25 (22%).
Nesses artigos, segundo as autoras, apesar da variação dos temas, pode-se
verificar em comum o fato de que se estuda sempre o professor em relação a um
34
ou dois aspectos de seu trabalho, por exemplo: o professor e a relação com o
sindicato, ou com a teoria – prática e suas contradições, ou com a teoria reflexiva,
ou com os programas do governo.
as pesquisas em LA, na área de ngua materna, tendo como foco o
professor, também abordam fortemente a sua formação. Contudo, apesar de já
existirem muitos trabalhos, essas pesquisas são relativamente recentes,
intensificando-se com as novas políticas educacionais, na década de 90. Segundo
Kleiman (2001), elas costumam examinar: os cursos de formação (inicial ou
continuada); os contextos onde é possível verificar as conseqüências dessa
formação (as aulas de leitura ou gramática no Ensino Médio ou Fundamental, por
exemplo); as modalidades de construção de conhecimentos (aulas nas
licenciaturas, diários introspesctivos, resumos feitos por alunos de graduação,
etc.).
Ainda que seja possível perceber os objetos dessas pesquisas, não é tão
fácil delimitar as abordagens e os referenciais teóricos, que eles são múltiplos,
complexos e instáveis. Porém, mesmo nessa diversidade e instalibidade, Kleiman
(2001, p. 18) afirma que é possível levantar alguns aspectos recorrentes, um deles
é a transdisciplinaridade, que “é considerada característica constitutiva, essencial
e autocontida, no sentido de que sua identificação não depende de elementos
extrínsecos à área”.
Nas pesquisas sobre o saber do professor, a LA procura rever o debate
sobre qual seria, por exemplo, a melhor teoria lingüística que deveria ser
trabalhada com o futuro professor, pois
a ênfase nos estudos das práticas discursivas e da interação
professor-aluno, situados no próprio contexto da aula, torna
irrelevantes, ou caducas, as preocupações relativas às respectivas
qualidades de modelos de descrição [lingüística para o ensino], pois,
observando-se a sala de aula e os processos discursivos aí
envolvidos, não como ignorar que, nesse contexto, professor e
alunos produzem, conjuntamente, conhecimentos que não
constituem mera adaptação, aplicação ou reprodução de algum
quadro teórico descritivo. (Kleiman, 2001, p. 19)
35
Dessa forma, para a LA, mais importante que escolher um modelo teórico
de descrição lingüística para guiar o ensino, é mostrar a complexidade e variedade
dos modelos para o futuro professor, preparando-o para o fato de que terá de
enfrentar e de se adaptar a diferentes realidades quando se deparar com a sala de
aula, sendo necessário, assim, saber fazer escolhas de modelos e conhecimentos
para cada momento. Como conseqüência dos resultados dessas pesquisas, uma
outra questão coloca-se como relevante na LA: a da interface entre produção
teórica sobre a língua e os conteúdos a serem didatizados (Kleiman, 2001, p. 20).
Em relação às abordagens metodológicas, as pesquisas sobre a formação
do professor na LA seguem o paradigma qualitativo e interpretativo com forte
tendência à interpretação sobre as práticas escolares. Assim, várias pesquisas
de cunho etnográfico, que investigam o contexto natural (a interação entre
professor e alunos; a atuação de um professor em sala de aula; o professor
refletindo sobre suas práticas; professores interagindo entre si; por exemplo),
visando a descrever e compreender uma dada prática a fim de conseguir meios
para resolver problemas que possam existir nesses contextos.
Como ressalta Kleiman (2001), a reflexão na prática, atualmente, tem se
colocado como o paradigma predominante nos estudos sobre o professor como
se pode verificar nas pesquisas realizadas no LAEL/PUC-SP (Gervai, 1996;
Celani, 2003, 2004; Liberali, 1999, 2003, 2004; Lousada, 1998; Magalhães, 1994,
1998, 2004; Damianovic, 2004), e em outras universidades como na UEL
(Gimenez, 1998; Gimenez, Arruda e Luvuzari, 2004; Furtoso, 2004; Cristóvão,
2004), na Unicamp (Prado, 1998), na UFRJ (Moita Lopes e Freire, 1998), na
UNITAU (Castro, 1998, 2003, 2004), entre outras e também nos documentos
oficiais, tais como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica.
Contudo, vivemos atualmente em um momento sócio-histórico, no qual o
liberalismo econômico faz com que as relações de trabalho se alterem muito
rapidamente, exigindo dos trabalhadores novas posturas. Essas novas relações de
mercado interferem na educação, como já vimos no Capítulo 1, quando tratamos
de algumas interferências das visões do Banco Mundial nos projetos de formação.
Esse cenário faz com que o professor, sua formação e seu trabalho também sofram
alterações, exigindo que novos aportes sejam trazidos para a pesquisa científica a
fim de que possamos compreender melhor o que se passa. Em conseqüência disso,
36
inicia-se, na Lingüística Aplicada, um conjunto de pesquisas tendo como foco não
a formação diretamente, mas a busca de subsídios para ela, procurando-se
investigar o trabalho do professor com uma nova concepção, influenciada por
algumas das Ciências do Trabalho.
Assim, nessa perspectiva, nos últimos anos, têm surgido pesquisas que
buscam situar o ensino como um trabalho, que tem outros elementos além do
próprio professor, seu saber e sua interação com os alunos, propondo-se um
estudo transdisciplinar, que considere os quadros e as tradições das Ciências do
Trabalho, como a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade. Entre os
pesquisadores que apóiam essa linha, encontramos, no Brasil, Machado (2002,
2003 e 2004b e c), Souza-e-Silva (2004), Kayano (2005), Lousada (2004), Abreu-
Tardelli (2004 e 2006), Mazzillo (2006) e outros pesquisadores do LAEL, da
PUC-SP; na França, Saujat (2003 e 2004) e Amigues (2002, 2003, 2004); e, na
Suíça, Bronckart (2004 b e d), junto com os pesquisadores do Grupo LAF
(Langage, Action et Formation). Essas pesquisas conseguiram detectar
importantes elementos constitutivos do trabalho do professor e construir
procedimentos de análise para isso. Como em nossa análise retomaremos esses
elementos e também conceitos dessas Ciências do Trabalho, faremos uma
apresentação sobre eles nas seções seguintes.
2.2 Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade: conceitos básicos
A Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade fazem as suas
pesquisas observando o agir do trabalhador in loco, na própria situação de
trabalho. Em razão dessa forma de abordagem, elas conseguiram detectar e
nomear vários fenômenos que ocorrem nessa situação. Os aportes desses grupos,
além de auxiliar no avanço de pesquisas com o mesmo tipo de abordagem,
também nos permitem aprimorar a análise do trabalho que os textos escritos
tematizam, uma vez que apresentam vários elementos do trabalho que podem ser
tematizados nos textos. É por essa razão que vamos recorrer a alguns de seus
conceitos e definições sobre o trabalho de modo geral e, de modo específico,
sobre o trabalho do professor.
Nascida na França, a Ergonomia da Atividade trata o trabalho a partir do
ponto de vista do trabalhador, fazendo uma análise que se centra no trabalho
37
efetivo (os problemas “reais”, em situações “reais”, em tempo “real”),
pressupondo que não se pode definir o trabalho efetivo sem se considerar os
aspectos que ligam o trabalhador à tarefa que ele é obrigado a cumprir. Assim,
assume-se como unidade de análise a atividade da pessoa no trabalho,
defendendo-se a idéia de que o trabalhador pode se desenvolver no trabalho.
Logo de início, as pesquisas fizeram emergir os três níveis de trabalho: o
trabalho teórico, o trabalho prescrito e o trabalho realizado (Teiger, 1993):
a) o trabalho teórico seria o que existe nas representações sociais,
com sede no cidadão comum, ou no trabalhador ou nos conceptores
de prescrições;
b) o trabalho prescrito ou esperado seria o que é fixado por
regras, por normas, por documentos, etc., nas organizações de
trabalho;
c) o trabalho realizado seria o que o trabalhador efetivamente
realiza perante as prescrições que lhe são dadas, sendo o lugar em
que se constrói a relação subjetiva com o trabalho.
a Clínica da Atividade também se fundamenta na idéia de que a
atividade do trabalho contribui para o desenvolvimento permanente das pessoas e
acrescenta que a própria pesquisa pode se constituir como um espaço para esse
desenvolvimento. Para Clot (1999), o trabalho pode ser definido como uma
atividade triplamente dirigida, já que se dirige ao comportamento do sujeito
trabalhador, ao objeto da tarefa (guiar um ônibus, cozinhar em um restaurante,
etc.) e também aos outros (os passageiros do ônibus, os clientes do restaurante, os
colegas de trabalho, os chefes, a própria família, a sociedade, etc.). Para realizar o
trabalho, o sujeito poderá recorrer a artefatos materiais (ônibus, panelas, giz,
apagador) e/ou simbólicos (prescrições, placas de trânsito, cadernos de receitas,
etc.), que poderão ser transformados em instrumentos de desenvolvimento se
forem apropriados pelo trabalhador, o qual passará a vê-los como úteis para a
realização de sua tarefa, mas continuarão a ser simples artefatos se os
trabalhadores o os incorporarem. Vejamos o esquema abaixo que, segundo o
autor, permite simbolizar qualquer atividade de trabalho:
38
Figura 1 – O trabalho e seus elementos
Mas a relação entre o sujeito, o objeto, os outros e os artefatos não é
tranqüila. Ao contrário, ela é bastante conflituosa, uma vez que os sujeitos durante
a atividade “lutam” contra a própria atividade e sua prescrição, contra os seus
destinatários, contra si próprios, contra o objeto, contra os artefatos, etc. para
conseguirem realizar uma atividade. Imaginemos um professor que tenha
preparado uma aula para discutir com seus alunos um certo texto, mas eles não
leram e não fizeram as cópias do texto, então o que fazer? Reprogramar a sua
aula, buscando na hora saídas sobre como se reorganizar para poder fazer o seu
trabalho ou o trabalho que for possível. Nota-se, assim, que todo um conflito
que, se apenas observarmos o trabalho efetivamente realizado, não perceberemos.
Por isso, Clot (1999) propõe uma visão de trabalho que ultrapassa aquilo que é
visível, observável, ou seja, assume-se que o trabalho real envolve também o
trabalho pensado, desejado, impedido, possível, etc. Dessa forma, amplia-se a
distinção inicial da Ergonomia, entre o trabalho prescrito e o realizado, que nos
levava a falar de uma atividade prescrita e outra realizada, acrescentando, assim, o
real da atividade. Com isso, teremos:
a) atividade prescrita: é a tarefa, o que deve ser feito;
b) atividade realizada: é a atividade efetivamente feita, realizada,
em uma situação, que pode ser observada;
39
c) o real da atividade: é tanto o que se faz como aquilo que não se
faz, que se procura fazer sem conseguir, aquilo que tenhamos
querido ou podido fazer, aquilo que pensamos que podemos fazer
em outro lugar, ou seja, tudo o que foi feito, mas também tudo o que
ficou impedido de ser realizado.
Para os autores dessa corrente, no trabalho, os sujeitos recorrem a
modelos de como se situar e como agir em cada situação, seguindo em parte,
assim, regras que não foram diretamente construídas por eles ou adaptando-as
conforme as suas necessidades. Dessa forma é que essa corrente reelabora, para o
campo do trabalho, noções bakhtinianas de “gêneros de discursos” (Clot e Faïta,
2000) tipos de enunciados de formas relativamente estáveis (Bakhtin, 1992)
como as cartas de leitor, as notícias ou as piadas –, postulando a existência de
“gêneros profissionais”, definidos como tipos relativamente estáveis de atividades
socialmente organizadas por um meio profissional. Esses gêneros, que se
constituem, ao mesmo tempo, como coerções e recursos para um agente, serão
incessantemente transformados e reestruturados pelas contribuições estilísticas
dos indivíduos durante o decorrer do trabalho. Ao pensarmos em uma aula
expositiva, por exemplo, temos de antemão conhecimento de alguns gêneros
profissionais que dela fazem parte, como os modos de iniciar uma aula de leitura
de um conto, como organizar uma prova de gramática e como agir ao aplicá-la,
como fazer a devolução de uma prova, etc., mas, no decorrer de nossos trabalhos,
como professores, fazemos alterações e adaptações nos modos-padrão de acordo
com o contexto, com nossos interesses, etc.
Essa visão do trabalho da Clínica da Atividade e da Ergonomia da
Atividade é muito importante para a análise da situação do trabalhador, que vem
sofrendo várias modificações. Com o uso da informatização no mercado, a divisão
do trabalho, que era bem clara durante o taylorismo, torna-se mais complexa,
exigindo-se cada vez mais competências do trabalhador, a quem é imposto o
dever de ajudar a empresa a atingir a chamada qualidade total. O Estado, que
antes era o do Bem-estar Social garantindo ao trabalhador as condições básicas
de vida, regulando e interferindo em todos os setores como os de saúde, habitação,
educação, direitos trabalhistas, etc. –, também muda com o neoliberalismo, nova
política econômica global que garante grande liberdade ao mercado e às decisões
econômicas em detrimento dos interesses sociais. Em decorrência dessa política
40
econômica, o Estado perde espaço para as privatizações e deixa o trabalhador
mais exposto às decisões do mercado. No caso dos professores, é crescente, por
exemplo, o número daqueles que deixam de ser registrados para serem
contratados em sistemas de terceirização, sem registro em carteira e tendo de
assumir todos os riscos, que passa a poder ser despedido (ou descartado!) a
qualquer hora, como qualquer outro prestador de serviços, sem direito a receber
férias, Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) ou multas rescisórias.
Percebe-se, assim, que a fim de conseguir maior produtividade e,
conseqüentemente, maior lucro, as empresas buscam estratégias para envolver
seus empregados de modo que estes assumam, como seus, os objetivos do patrão.
Tal situação, em que os papéis não são mais claros, leva ao estresse e cria a
necessidade de que se compreenda melhor o trabalho e o trabalhador.
Essas alterações do trabalho de modo geral vêm atingindo a todos e
mostrando que é preciso compreender melhor o mundo de todas as profissões e
encontrar soluções para os problemas vividos. Os estudos sobre o trabalho que
tinham como foco fortemente o mundo externo à escola, pesquisando indústrias,
hospitais, empresas, etc., ante uma nova sociedade, chegam ao trabalho de ensino
com estudos interdisciplinares reunindo aportes da Ergonomia, da Psicologia
Social, da Clínica da Atividade, das Ciências da Educação e da Lingüística
Aplicada.
Assim, nos últimos anos, têm aparecido estudos que colocam que é preciso
“construir um ponto de vista mais integrativo, interacionista, capaz de melhor
apreender a complexidade e a multidimensionalidade das práticas educacionais”
(Saujat, 2004, p. 19). Fazendo uma análise de base ergonômica, mas aliado a
profissionais de diferentes áreas, Amigues (2002, 2004) mostra que o trabalho do
professor é bem mais complexo, indo além de uma mera relação só com o aluno
ou com um conteúdo a ser transmitido. Na verdade, ao examinarmos a
organização escolar e o trabalho de ensino, nota-se que o professor é,
ao mesmo tempo, um profissional que prescreve tarefas dirigidas
aos alunos e a ele mesmo; um organizador do trabalho dos alunos,
que ele deve regular ao mesmo tempo em que os mobiliza
coletivamente para a própria organização da tarefa; um planejador,
41
que deve reconceber as situações futuras em função da ação
conjunta conduzida por ele e por seus alunos, em função dos
avanços realizados e das prescrições. (Amigues, 2004, p. 49)
Nesses estudos de base ergonômica, procura-se compreender quais são os
organizadores das situações de trabalho escolar. Segundo Saujat (2003), as
pesquisas ligadas a essa visão consideram que a atividade do professor o faz se
engajar em um conjunto de dilemas que exigem dele compromissos e escolhas,
que podem trazer-lhe tanto satisfações quanto sofrimento. Nessa concepção da
Ergonomia da Atividade francesa, o trabalho do professor consiste, a partir de
prescrições que lhe são feitas, em organizar as condições de estudo dos alunos
(conforme Amigues, 2002). O objetivo dessa abordagem é compreender como o
métier do professor faz essa organização e como modifica o meio de trabalho para
cumprir as obrigações prescritas e redefinidas pelo coletivo de trabalho.
Seguindo essa perspectiva, mas aliando-se também a outras teorias, como
o Interacionismo Sociodiscursivo, encontramos, no Brasil, alguns recentes
estudos que visam a analisar o ensino como trabalho. Entre eles, podemos citar as
pesquisas desenvolvidas pelo Grupo ALTER-LAEL e as publicações e/ou teses de
alguns de seus membros (Bronckart e Machado, 2004 e 2005; Lousada, 2004 e
2006; Abreu-Tardelli, 2004 e 2006; Mazzillo, 2004 e 2006).
Na próxima seção, apresentaremos alguns dos elementos constitutivos do
trabalho do professor que as pesquisas dos ergonomistas da atividade e dos
integrantes do Grupo ALTER levantaram.
2.3 Elementos constitutivos do ensino como trabalho
O trabalho do professor pode ser definido como uma atividade dirigida ao
próprio professor, ao seu objeto, que é organizar um meio de trabalho coletivo que
propicie a aprendizagem de determinados conteúdos disciplinares e o
desenvolvimento de determinadas capacidades dos alunos, e também dirigida aos
outros (alunos, pais, colegas professores, chefes, sociedade, a própria atividade, os
outros dentro do próprio sujeito, etc.). Reconfigurando o esquema anterior sobre a
atividade do trabalho de modo geral, Machado (2007) propõe o esquema seguinte
para representar o trabalho do professor, considerando-se que ele se encontra em
42
uma rede de relações sociais, estando, portanto, inserido em um determinado
sistema educacional (por exemplo, brasileiro e organizado pelo MEC, pelas
secretarias, etc.) e em um determinado sistema de ensino (Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior, Educação a Distância, etc.),
que mantém relações com outras áreas como a política, a saúde, a cultura, etc.
Vejamos o triângulo proposto por Machado (2007):
Figura 2 – O trabalho do professor e seus elementos
Assim, ao escolher um texto para uma aula, muitas vezes o professor
depara-se com questões, conscientes ou não, sobre se o texto é adequado às
prescrições institucionais e aos alunos, se os colegas-professores aprovariam tal
escolha, se a instituição o apoiará, caso use esse texto com aquela sala e algum pai
venha a reclamar. Isso significa que, o tempo todo, esses diversos sujeitos, físicos
ou institucionais, “atravessam” o trabalho do professor interferindo em suas
escolhas e decisões. Além de ser direcionado, o trabalho do professor é também
instrumentado, ou seja, o professor recorre a artefatos que foram construídos no
decorrer da história da profissão.
Sobre alguns desses elementos constitutivos do trabalho do professor
encontramos resultados de pesquisas nessa perspectiva, que apresentaremos na
43
próxima seção. São eles: os artefatos, incluindo neles as prescrições e as regras do
ofício, e os coletivos de trabalho, que são um dos possíveis outros” com que
dialoga o trabalho do professor. Como veremos na exposição, todos eles estão
interligados, uma vez que todos passam por um professor e por seu coletivo de
trabalho, mas preferimos apresentá-los separadamente para evidenciar algumas de
suas diferenças.
2.3.1 Os artefatos
No trabalho, são disponibilizados aos trabalhadores “artefatos”, tanto de
ordem material (martelo, giz, pá, etc.) como simbólica (prescrições, regras de
ofícios, planejamentos, livros didáticos, etc.), que são construídos sócio-
historicamente no decorrer do tempo. Tais artefatos podem ou não ser apropriados
pelo trabalhador. Assim, um artefato passa a ser um instrumento de trabalho
quando ele é apropriado pelo trabalhador, por si próprio e para si mesmo, que o
como algo útil, com uma razão de ser para a realização de sua tarefa. Entre esses
artefatos, Clot (1999) apresenta os gêneros profissionais (modo de agir, fazer e
dizer de uma profissão), os quais podem sofrer modificações cada vez que novas
ferramentas são introduzidas.
Em seu trabalho, o professor recorre a vários artefatos: o livro didático, os
exercícios, o giz e o quadro negro, as avaliações, o diário de classe, o mapa de
classe (mapa feito pelo coletivo determinando onde cada aluno deve sentar), as
prescrições oficiais feitas pelo governo, etc. Porém, a sua relação com esses
artefatos não é de aceitá-los passivamente como lhe foram fornecidos. O professor
envolve-se ou não com eles, ora se apropriando destes, ora transformando-os ou
mesmo deixando-os de lado, para que possa obter eficácia em seu trabalho.
Um exemplo de situação que está modificando os gêneros profissionais do
professor e exigindo-lhe um novo posicionamento ante os artefatos pode ser visto
no Educação a Distância (EAD). Segundo Abreu-Tardelli (2006), em EAD, além
de haver uma confusão entre o espaço do trabalho e o espaço privado do
professor, que ele pode dar as aulas de sua casa durante o fim de semana,
ainda a necessidade de “interagir” via computador com os alunos, recorrendo às
ferramentas da informática, como chats ou fórum, etc., sem que, no entanto, o
professor tenha sido preparado para isso. Em sua análise de uma entrevista com
uma professora que estava dando um curso de EAD, Abreu-Tardelli (2006) pôde
44
constatar que a instituição fornecedora do curso pressupunha que bastava ensinar
o professor a utilizar um artefato material (os recursos de informática disponíveis)
para que ele soubesse interagir com os alunos utilizando essas novas ferramentas.
Como isso não é verdadeiro, uma vez que vários outros problemas acabam
surgindo, essa situação cria ansiedade no professor.
Como se pode perceber, tanto as relações com os artefatos quanto os
conflitos por eles gerados são constitutivos do trabalho do professor. Vejamos
dois exemplos desses artefatos: as prescrições e as regras de ofício.
2.3.1.1 As prescrições
As prescrições podem ser definidas como as
limitações/coerções/regras/normas explicitamente tematizadas em textos, que são
direcionadas aos trabalhadores e produzidas por uma instância hierarquicamente
superior, segundo Berthet e Cru (2002). Elas podem ser internas ou externas a
uma empresa e compreender: os objetivos (quantidade ou serviço, limites,
qualidade...); os procedimentos (modos operatórios, ordem das tarefas...); as
diversas regras (segurança, etc.); etc. E elas estão presentes nos diferentes gêneros
profissionais.
Contudo, ainda poucos estudos sobre os textos que veiculam
prescrições no mundo do trabalho, embora encontremos muitas pesquisas sobre
textos que prescrevem ações em outros domínios, como as receitas de cozinha, as
bulas de remédio, os manuais de aparelhos eletrônicos, etc. Entretanto, neles são
agrupados textos bastante diferentes sob o mesmo nome que se aplica a todos eles,
de acordo com cada pesquisador, mas sem que fique muito claro qual é o critério
utilizado para tal agrupamento. Assim, é possível encontrarmos várias
denominações propostas
10
: textos reguladores, para Mortara Garavelli (1988);
procedimentais, para Longacre (1982) e para a revista Langages n. 141 (2001),
que teve um número especial sobre “textos procedimentais”; programadores, para
Greimas (1983); instrucionais-prescritivos, para Werlich (1975); injuntivo-
instrucionais, para Adam (1987); textos de incitação à ação, para Adam (2001b);
textos de conselho, para Lüger (1995); e receitais, para Qamar (1996). E, segundo
Fillietaz (2004b), apesar de todos esses textos apontarem para a produção futura
10
Todos os autores e as respectivas datas se encontram em Adam (2001a e b).
45
de uma ação, os autores não se atentaram para os diferentes níveis da organização
praxiológica do discurso.
De acordo com o autor (Fillietaz, 2004b, p. 155-156), essa categoria de textos
de prescrição tem uma relação particularmente complexa com o campo prático,
pois:
- como textos semióticos, eles permitem a designação de condutas que
são imputadas a outras instâncias de agentividade; condutas que realizarão a
transformação de um estado inicial em um novo. Essa organização particular dos
conteúdos referenciais é o procedimento;
- como produções discursivas, esses textos mobilizam determinados
recursos lingüísticos, tais como as modalidades ilocutórias (aconselhar,
recomendar, sugerir, prescrever, comandar, ordenar) que lhe garantem um tom
diretivo. Assim, eles colocam em funcionamento uma prescrição;
- enfim, funcionando dentro de uma prática específica e sendo
produzidos por sujeitos em contextos sócio-históricos particulares, eles fazem um
discurso antecipatório que serve para transmistir a alguém as informações
“supostamente” necessárias para a realização de uma ação futura. Neste sentido,
eles fazem a prefiguração de uma ação.
Para esclarecer os diferentes níveis de inscrição do conceito de ação no
funcionamento do discurso de prescrição, Fillietaz (2004b) coloca que é
necessário retomar as categorias da pragmática lingüística e distinguir:
a) a ação tal como ela é representada no conteúdo proposicional, ou
seja, o conteúdo, o que é dito;
b) a ação tal como ela é convencionalmente veiculada pelas forças
ilocutórias, ou seja, como algo é dito (afirmação, ordem, pergunta, etc.);
c) a ação tal como ela é mediatizada pelos efeitos não-convencionais
ou perlocutórios, ou seja, que efeito se imagina que tal frase pode causar.
Assim, o autor postula que, para a definição desses textos, é necessário
observarmos esses três níveis: proposicional, ilocutório e perlocutório. No nível
proposicional, é necessário observar se há o procedimento da ação representada,
ou seja, se foi dito como fazer algo e em qual ordem, para se chegar ao resultado
desejado, em frases como Os alunos fazem primeiro a leitura do texto, cada um
em seu lugar e sem conversar com os colegas; depois anotam as dúvidas e tentam
resolvê-las, buscando as soluções no dicionário, e, por fim, discutem com os seus
46
colegas os sentidos que construíram’’. No nível ilocutório, deve-se verificar se
prescrição da ação no mundo discursivo, com verbos no imperativo e/ou
modalizadores deônticos, por exemplo, em frases como “Professor, trabalhe com
a teoria X’’ ou “Professor, você deve trabalhar com a teoria X’’. E no nível
perlocutório, é preciso verificar se prefiguração da ação no mundo ordinário,
ou seja, ainda que não tenha forma de prescrição, se há frases que prefiguram o
agir do outro, como por exemplo em frases como “Cuidado, cão bravo’’, em que
se entende que não se deve entrar em certo lugar.
Essa distinção entre os três níveis dos textos (Prefiguração, Prescrição,
Procedimento) pode, segundo o autor, possibilitar a perceber melhor que nível
cada pesquisador está focando, quando trata de textos que veiculam algum tipo de
norma, diminuindo assim a proliferação de definições sobre eles. Além disso, ela
também pode ajudar a perceber o que permite agrupar determinados textos em um
tipo. E uma outra vantagem é o fato de que essa distinção pode conduzir a
construir um método de análise mais sistemático que permita, em uma perspectiva
comparativa, analisar mais cuidadosamente esses diferentes níveis.
De acordo com essa visão, os textos prototipicamente de prescrição
podem ser redefinidos, segundo Fillietaz (2004b, p. 177), como realidades
lingüísticas que propõem uma organização procedimental de seus conteúdos, pois
expressam o modo como se deve realizar a ação; colocam em ação um dispositivo
enunciativo fundado sobre a prescrição, pois dizem que se deve realizar uma
determinada ão; servem de suporte a uma finalidade prefigurativa no nível de
suas condições de produção, pois eles visam a contribuir ao sucesso da ação do
destinatário.
Todavia, nem todos os textos habitualmente chamados de prescritivos
apresentam essas três características e cabe ao pesquisador esclarecer em que
nível de organização do discurso ele esse baseando para classificar o texto, já
que, como expõe Fillietaz (2004b), podemos encontrar textos prefigurativos, por
exemplo, que prescrevem sem recorrer à construção de procedimentos ou às
formulações convencionais de uma prescrição. Dessa forma, Fillietaz (2004b)
propõe, a partir desses níveis, que passemos a classificar os textos em:
a) textos procedimentais, se houver os procedimentos no nível do
conteúdo;
47
b) textos prescritivos propriamente ditos, se houver a formulação
de prescrição no nível lingüístico;
c) textos prefigurativos, se houver a prefiguração do agir futuro.
Mesmo sem ter, por ora, muitas pesquisas que distinguem esses níveis de
organização dos textos, pode-se afirmar que as prescrições são constitutivas do
trabalho do professor, uma vez que elas acompanham todo o trabalho do
professor. São prescrições: os documentos oficiais que provêm de instâncias
superiores da Educação como LDBs, PCNs e outras portarias ou leis; as regras
construídas pelas diretorias de ensino, pelas direções de escola, pelos
coordenadores pedagógicos; as normas construídas pelos professores para os
alunos, etc.
Apesar de serem constitutivas do trabalho de ensino e dirigidas para o
professor, as prescrições muitas vezes são vagas, não explicitando exatamente o
que os professores devem fazer, obrigando-os, assim, a redefinirem-nas para si
próprios a fim de construir as suas tarefas e poder, então, também prescrever as
tarefas dos alunos, de acordo com Saujat (2003). Para esse autor, a tarefa de
ensino é um objeto de relações complexas que compreendem ao menos três
níveis:
1. da organização do trabalho prescrito pela instituição escolar;
2. da reconcepção e da reorganização operada pelos coletivos de
trabalho;
3. da revisão do nível dois por cada professor quando ele se
autoprescreve o que vai fazer em seu trabalho com relação aos seus alunos, para
os quais ele prescreverá também.
Contudo, a relação entre esses três níveis o é tranqüila, já que as
prescrições nem sempre estão bem explícitas. Athayde et al. (2002) fizeram uma
pesquisa sobre o trabalho das professoras e cozinheiras de escolas públicas do Rio
de Janeiro e de João Pessoa, considerando a prescrição vinda do governo federal,
a LDB, que foi revista pelas direções das escolas junto com os conselhos de classe
que fazem as normas internas. Eles constataram que nem tudo é regrado e que
cabe aos profissionais a construção complementar das prescrições a partir de sua
realidade diária. As professoras estudadas mostram que seria necessário haver
mais prescrições organizando melhor o seu trabalho, que elas se dedicam a
várias escolas, fazendo dupla jornada e não tendo um tempo “correto” para dar
48
conta de tudo e ainda de si mesmas. Assim, existem regras que são importantes
para os professores, mas que não aparecem nas prescrições oficiais, como o fato
de ser necessário “dominar a classe” para que se possa dar uma boa aula.
As prescrições veiculadas pelos textos oficiais dirigidas ao professor são
um elemento bem claro do trabalho docente, todavia ainda se encontram poucos
estudos sobre o modo como elas são construídas e como a figura do professor
aparece.
Bronckart e Machado (2005), em um desses poucos estudos, analisam as
mensagens introdutórias dos ministros da Educação em textos oficiais prescritivos
sobre o trabalho do professor no Brasil (Parâmetros Curriculares Nacionais) e
em Genebra (Les objectifs d’apprentissage de l’école primaire genevoise). Nessas
mensagens, a fonte da prescrição é apresentada como o autor e ela é pouco
marcada, porém o modo de tratamento do alvo dessa prescrição é bem diferente
em cada texto. Na mensagem brasileira, o alvo é o sistema educativo do país e as
formas de se dirigir a esse destinatário são pouco numerosas. Na mensagem
genebrina, o destinatário é somente o professor. A explicitação do ato prescritivo
também aparece de modo diferente: na mensagem brasileira, esse ato constitui
uma entrega e o autor manifesta seus sentimentos e suas intenções; na mensagem
genebrina, o ato de instauração é formulado em uma frase impessoal e não se
observam menções a sentimentos ou intenções do autor.
Na mensagem brasileira, quatro protagonistas são colocados como
centrais: a demanda social, que impõe a necessidade da prescrição; o documento,
que é o produto que será entregue; os professores, dos quais uma parte é colocada
como autora do texto e outra como destinatária do produto; e os jovens, que são
apresentados como os beneficiários últimos da prescrição feita. Na mensagem
genebrina, também encontramos quatro protagonistas: a escola, que tem
necessidade de renovação; o documento, produto que será entregue, mas também
autor da renovação; os professores, que são os destinatários do produto, mas
sobretudo atores dos processos de apropriação e de formação; e os alunos,
beneficiários da prescrição.
No nível da estrutura, nota-se que o trabalho de realização do documento
aparece no interior do texto e o agir prescrito é evocado em suas dimensões
periféricas, não expondo, assim, nem os atos necessários para a realização de um
trabalho nem o agente que o fará. Os alunos são colocados como destinatários e
49
como objetos inertes, submissos ao processo de renovação que será colocado em
prática.
Dessa forma, nessas prescrições o professor não é colocado como um
ator
11
real, com seus motivos, intenções e capacidades. Constatações semelhantes
são feitas por Abreu-Tardelli (2004) e Plazaola-Giger (2004). Abreu-Tardelli
(2004) fez a análise do Decreto n° 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, para
compreender como o trabalho do professor de educação a distância é apresentado
na legislação brasileira. Nessa análise, a autora constata que o presidente da
República é colocado como ator do agir prescritivo; os cursos e as instituições,
como os agentes do processo de regulamentar a Educação a Distância; e o
professor nem é posto em cena. Plazaola-Giger (2004), ao estudar textos
oficiais sobre o ensino de alemão na escola primária de Genebra, também constata
esse apagamento da figura do professor como um agente do ensino nas
prescrições. Nos lugares em que seria esperado aparecer a figura do professor
como centro de uma ação, havia, na verdade, formas de neutralização, como o uso
de frases na voz passiva ou de infinitivos. Correia (2007) e Barricelli (2007)
também chegaram a essas conclusões sobre o apagamento da figura do professor,
ao analisarem, respectivamente, os PCNs para o e ciclo (antigas a
séries), e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Dessa forma, o professor não aparece nesses textos oficiais como o ator do
trabalho educativo, ainda que, na realidade, ele o seja. Esse apagamento do
professor como um sujeito que age no trabalho educacional parece então ser uma
característica das prescrições dirigidas ao professor, mas infelizmente ainda nos
faltam mais estudos sobre os outros textos, como os regimentos escolares, os
“avisos” passados aos professores pela direção e pela coordenação pedagógica,
etc., que veiculam prescrições e que circulam no espaço escolar, para tirarmos
conclusões mais definitivas. Vejamos um outro artefato: as regras do ofício.
2.3.1.2 As regras do ofício
No trabalho do professor, um conjunto de regras sobre os modos de
agir, ligando os vários profissionais e constituindo, assim, os gêneros profissionais
(Clot, 1999). Conforme Amigues (2004), esse conjunto pode ser chamado de as
11
No Capítulo 3, nós retomaremos essa discussão sobre o ator e a aprofundaremos, ao discutir sobre o
agir humano.
50
“regras do ofício”. Elas se constroem no decorrer da História, fazendo parte de
uma memória comum, e podem ser retomadas a qualquer momento como se
fossem uma caixa de ferramentas.
Nessas regras encontraremos “gestos genéricos” relativos ao conjunto dos
professores, mas também outros mais específicos relacionados à disciplina
lecionada. Assim, podemos identificar características comuns no modo como um
professor chega até o local e inicia a sua aula, mas poderemos observar pontos
diferentes, quando se trata de uma aula de Português na sala comum e outra de
Educação Física, na quadra da escola. Provavelmente, também o modo de se
vestir desses professores será diferente.
Um exemplo dessas regras do ofício é o modo de organização de uma
aula, cujas fases, independentemente de quem é o professor ou de qual é a escola,
são as mesmas para muitos. Em Mazzillo (2006), por exemplo, encontramos a
detecção das fases de uma aula de língua estrangeira representadas em textos de
alunos: início da aula (correção do dever de casa, revisão de matéria, explicação
de conteúdos comunicativos e gramática); introdução de matéria nova; atividades
ou exercícios (leitura, ditado, produção oral, compreensão auditiva, gramática,
vocabulário, redação, preparação para o teste); prescrição do dever de casa.
Certamente, todos nós nos deparamos com uma aula como a descrita acima, o
que nos mostra que essas fases são o resultado de uma história e de uma memória
coletiva, ou seja, são fases que foram aprovadas por um coletivo de trabalho.
2.3.2 Os coletivos
Ao tratar dos elementos anteriores, em vários momentos, trouxemos
algum aspecto do coletivo de trabalho: é ele que pode auxiliar na transformação
de um artefato em instrumento, que contribuirá para a revisão e reformulação das
prescrições, que criará as regras do ofício, construindo, assim, os gêneros
profissionais. Como podemos depreender, o coletivo de trabalho é tanto um
grupo de pessoas como também uma memória coletiva que cada professor
carrega em si, retomando-a a cada momento de seu trabalho para validar um
artefato (“um bom livro de português tem de ter bastante interpretação de
textos”), questionar uma regra (“por que a escola quer dar 20 dias de recesso,
se sempre os professores tiveram 30 dias em janeiro?”), criticar um
comportamento (“não é esse o jeito certo de se corrigir um texto”), etc.
51
Essas dimensões coletivas têm grande importância no desenvolvimento do
trabalho educacional, que é no coletivo que várias questões são tratadas. No
caso brasileiro, fica bem evidente isso, ao verificarmos as discussões sobre
salários e outros benefícios em que, agindo ou não como coletivo, os professores,
na qualidade de um coletivo, conquistarão ou perderão algo.
Segundo Amigues et al. (2002), os coletivos assumem funções dinâmicas e
diversas no desenvolvimento profissional dos professores. É neles que as
prescrições oficiais, como as LDBs ou os PCNs, são repensadas a fim de
reorganizar a tarefa dos professores. Afinal, esses documentos muitas vezes são
escritos de uma maneira que impossibilita o acesso direto do professor a eles,
logo, para implementá-los, é necessário quase que recriá-los no espaço docente.
No ensino das disciplinas específicas também notamos novamente a
inerferência do coletivo. Talvez isso fique mais explícito em escolas particulares,
mas em todas isso ocorre. determinações sobre o que deve ser ensinado em
cada série, em cada momento do ano, sobre o modo como deve ser feito o
trabalho pelo professor e pelo aluno, e sobre como e quando ocorrerão as
avaliações. Essas determinações podem vir de um coletivo maior, mas são
recriadas no interior de uma escola. Como exemplo disso, vimos que durante
muito tempo foi regra trabalhar com textos narrativos até a série do Ensino
Fundamental, iniciando os alunos na argumentação depois disso. O livro
didático foi colocado como vilão dessa história, mas será que o professor não
poderia quebrar essa tradição e desrespeitar o material didático? Novamente, vem
o papel do coletivo de trabalho: se este concordasse com essa quebra, a mudança
seria feita. Mas se houvesse discordância do coletivo, o professor que fizesse tal
mudança deveria estar preparado para receber o peso da avaliação do coletivo.
Mazzillo (2006), em sua tese de doutorado, mostra como um professor
avalia o outro qualificando ou desqualificando o trabalho do colega. Nessa
avaliação, são julgados os modos de agir de cada professor a partir do que cada
um considera ser o correto para dar uma aula. Ainda que não tenhamos acesso
direto a essa avaliação, os seus indícios acabam por interferir no trabalho de um
professor. Isso fica bem claro quando chega um professor récem-formado em uma
escola e precisa se “adaptar” ao novo ambiente. É por meio das avaliações do
coletivo e de suas reações a elas que ele vai se constituindo como um professor. E
52
nessas trocas entre colegas, todos os professores vão se revendo e se
desenvolvendo no trabalho docente.
Dessa forma, podemos perceber que o coletivo tem um papel bastante
relevante no trabalho do professor, que, como vimos, ele permite a
reorganização da tarefa, a construção de instrumentos para o trabalho, uma
avaliação do trabalho, um apoio para as iniciativas, uma acolhida aos novos
profissionais, uma troca de saberes entre os professores. Assim, conforme
Amigues et al. (2002), o coletivo é indissociável da ação individual do professor.
Em suma, neste capítulo, apresentamos alguns conceitos sobre o trabalho,
uma forma de agir, como uma atividade dirigida, em que se pode distinguir um
trabalho representado, um prescrito, um realizado e um real, e também sobre os
elementos constitutivos do trabalho do professor (o próprio professor, o objeto, os
outros como o coletivo, os artefatos ou instrumentos como as prescrições ou as
regras do ofício), conceitos esses que poderão nos ajudar a analisar com maior
acuidade os aspectos sobre o trabalho tratados pelos estagiários nos projetos de
intervenção.
Contudo, como todos esses conceitos e elementos serão estudados em
textos escritos, é preciso que completemos nossa fundamentação teórica com uma
discussão sobre o papel dos textos no desenvolvimento do agir humano e sobre os
procedimentos de análise do agir representado em textos. Para isso, apresentamos,
no próximo capítulo, o quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo e o seu
modelo de análise de textos.
53
Capítulo 3
O trabalho como uma forma de agir no ISD
Como vimos no capítulo anterior, o trabalho do professor pode ser
definido como uma atividade instrumentada (com artefatos como prescrições,
regras do ofício, etc.) e dirigida ao próprio professor, ao seu objeto (organizar um
meio de trabalho coletivo que propicie a aprendizagem e o desenvolvimento dos
alunos), aos outros (alunos, pais, colegas professores, chefes, sociedade, a própria
atividade, os outros “dentro do próprio sujeito”, etc.). Em nossos projetos de
intervenção, certamente encontraremos traços desse agir do professor, mas, para
identificá-los e podermos estudá-los, é preciso recorrermos a um quadro teórico-
metodológico que nos ajude a compreender o agir e também como analisá-lo em
textos. Para isso, escolhemos o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) que
desenvolve uma teoria sobre o funcionamento e o desenvolvimento humano em
que o agir e a linguagem a ele associada desempenham um papel fundamental, ao
mesmo tempo em que nos fornece procedimentos de análise para textos.
Desenvolvido inicialmente por Bronckart e outros pesquisadores do
Departamento de Didática de Línguas da Universidade de Genebra, depois por
Bronckart e o Grupo LAF (Langage, Action et Formation), o ISD conta
atualmente com as contribuições de pesquisadores brasileiros dos grupos ALTER-
LAEL e ALTER-CNPq, congregando estudiosos de várias universidades
brasileiras, como PUC-SP, PUC-MG, PUC-RJ, UNISINOS, UFG, UEL,
UniCEUB, além de pesquisadores portugueses da Universidade de Lisboa (UNL)
e argentinos da Universidade de Mendoza.
Neste capítulo, faremos a apresentação dessa vertente teórica,
subdividindo-a nas seguintes seções: o quadro teórico do ISD, em que
retomaremos os seus fundamentos; a seguir, os procedimentos de análise do agir
humano em textos, e finalizaremos com a exposição de algumas figuras do agir
levantadas em pesquisas que tomam o ISD como quadro teórico central.
54
3.1 O quadro teórico do ISD
Nesta seção, procuraremos retomar o quadro teórico do ISD que se
fundamenta em uma visão de desenvolvimento humano baseado nas obras de
Spinoza (1677/1954), de Marx (1845/1951) e de Vygotski (1934/1997).
O ISD é, na verdade, uma corrente teórica do paradigma científico das
Ciências Humanas conhecido como Interacionismo Social, que assume como
problema maior de seus estudos verificar como se pode explicar/interpretar o
funcionamento e o desenvolvimento humano, trabalhando, para isso, de modo
transdisciplinar. O ISD distingue-se do Interacionismo Social ao assumir que a
linguagem tem um papel central e decisivo no desenvolvimento humano, tanto em
relação aos conhecimentos e aos saberes quanto em relação às capacidades do agir
e à identidade das pessoas. Em razão dessa importância atribuída à linguagem, é
que se acrescenta o adjetivo “discursivo”.
Segundo Bronckart (2004b, p. 101), o ISD inspira-se em um conjunto de
princípios que pode ser resumido em três temas: o materialismo, o monismo e o
evolucionismo. Assim, defende-se a idéia de que o universo é a matéria em
atividade constante, evoluindo e dando forma a objetos cada vez mais complexos, e
que, portanto, todos os objetos, inclusive o pensamento humano, são realidades
materiais. Se tudo, em essência, é matéria, é possível adotar uma visão monista,
pois não faz sentido fazer uma separação entre o sico e o psíquico, que ambos
se desenvolveram juntos, de modo indissociável um do outro. Além disso, a
evolução humana deve ser pensada em uma perspectiva histórica e dialética,
construindo uma genealogia que segue uma linha indireta e descontínua.
Seguindo essa perspectiva filosófica, o programa de pesquisa do ISD
propõe-se a um trabalho de análise descendente com três etapas:
1) primeiramente, análise dos componentes dos pré-construtos
específicos do meio humano: as atividades coletivas, as formações
sociais, os textos e os gêneros, as representações do mundo físico,
social e subjetivo;
2) em seguida, o estudo dos processos de mediação
sociossemióticos no quadro dos quais se realiza, na criança e no
adulto, a apropriação de alguns aspectos desses pré-construtos: os
55
procedimentos de educação informal, os procedimentos de educação
formal, os procedimentos de interação social cotidianos;
3) enfim, a análise dos efeitos dos processos de mediação e de
apropriação sobre a constituição do pensamento psíquico: o
processo de emergência do pensamento consciente, o processo de
desenvolvimento permanente das pessoas, os processos de
transformação dos elementos pré-construtos.
É preciso considerar que o movimento entre esses três níveis é dialético e
permanente: se os pré-construtos interferem no desenvolvimento das pessoas;
estas, interferem o tempo todo nos construtos coletivos, desenvolvendo-os,
transformando-os, contestando-os, etc. Por exemplo, no caso dos projetos de
intervenção, podemos observar essa situação: se já um pré-construto, no
sentido de que existe um gênero dado ao qual os alunos devem recorrer; ao usar
esse gênero, eles o modificam diante de sua situação particular de produção.
Seguindo as concepções de Vygotski, atribui-se à linguagem um papel
central no desenvolvimento, na construção das atividades coletivas, das formações
sociais, dos mundos representados, nas mediações formativas e transformadoras
dos indivíduos. Contudo, apesar de tender a instaurar uma entidade da ordem do
agir como unidade central das Ciências Humanas, Vygotski não completou o seu
projeto, o qual foi retomado por Leontiev em sua Teoria da Atividade. Entretanto,
conforme Bronckart, o modelo de Leontiev, ainda que procure esmiuçar a questão
da atividade e veja a linguagem como um mediador, não explora o papel da
linguagem como um “instrumento” propriamente humano.
Visando a superar essa lacuna deixada por esses autores, Bronckart vai
buscar em outras teorias as fontes que lhe ajudem a explicitar o papel da
linguagem no desenvolvimento humano. Para isso, Bronckart (2004b) retoma e
reformula o trabalho de Habermas para explicitar a relação entre o agir humano e
a linguagem. O princípio da abordagem de Habermas é que o agir se realiza
levando em conta as representações coletivas que são organizadas em sistemas
chamados de mundos (formais ou representados): mundo objetivo, mundo social e
mundo subjetivo. O mundo objetivo é constituído pelos conhecimentos,
elaborados durante a sócio-história humana, que se tem sobre o meio físico e
sobre as determinações que este impõe a cada ação. Por exemplo, se alguém quer
jogar futebol de campo com mais de 20 amigos, seu quarto não deve ser o melhor
56
lugar para isso; o é preciso fazer um teste para verificar, pois já se tem um
conhecimento objetivo sobre isso. Além de se desenvolver em um meio físico,
toda atividade se desenvolve sob regras, convenções, valores elaborados por um
grupo particular que define como devem se organizar as tarefas e como os
membros do grupo podem cooperar para realizá-la. Por exemplo, ao jogar futebol,
mesmo por brincadeira no quintal, por exemplo, temos regras claras e explícitas
sobre como tocar a bola (não vale a mão), sobre o número de integrantes que deve
ser igual para cada equipe, sobre o que será considerado “roubo”, trapaça, etc. O
mesmo acontece em relação ao namoro, ao casamento, à produção de textos na
universidade, etc. O conjunto desses conhecimentos das normas sociais constitui o
mundo social. E, por fim, em toda atividade, os indivíduos trazem a sua própria
visão sobre si, em função de sua formação particular, mas também a visão que
outros m de si. Assim, ao jogar futebol, o jogador se e sabe que outros o
vêem, ou o, como um jogador que pode ser habilidoso, corajoso, ou “perna-de-
pau”, “fominha”, etc. O mesmo ocorre com um professor que tem uma visão de si
como profissional e sabe que os outros podem ter uma visão diferente, por
exemplo. O conjunto desses conhecimentos sobre si mesmo é constitutivo do
mundo subjetivo.
Em um determinado estado sincrônico, esses três mundos constituem os
sistemas de coordenadas formais em relação aos quais todo agir humano exibe
pretensões de validade: mostra-se como verdadeiro em relação ao mundo físico;
adequado às normas sociais vigentes, em relação ao mundo social; e autêntico e
sincero em relação ao mundo subjetivo. É a partir desses sistemas de coordenadas
formais que se exercem também as avaliações e os controles coletivos sobre o
agir: um cliente pode avaliar, por exemplo, se o trabalhador naquele lugar poderia
falar de uma forma mais íntima com seu chefe ou não, afinal existem normas
sociais sobre isso; e o trabalhador, a partir dessas avaliações dos outros, pode se
reavaliar e repensar as suas ações, mantendo-as, alterando-as ou até mesmo
abandonando-as. Notamos, dessa forma, que esses mundos não são tipos de agir,
mas sim os ângulos, os parâmetros, sob os quais um agir pode ser avaliado.
Essa abordagem permite perceber que toda forma de agir se realiza em
relação a sistemas de determinações diversas – as nossas, as do nosso interlocutor,
as da sociedade, as da nossa família, as do meio físico, etc. –, que podem estar em
conflito umas com as outras. Assim, um trabalhador pode achar correto tomar
57
uma determinada atitude: faltar ao trabalho, pois está doente. Mas como justificar
essa falta em uma época em que boa parte da equipe está em férias e que sua falta
provocará transtornos para o chefe e reclamações dos clientes? São os
conhecimentos dos três mundos que o cessam de aparecer e de se confrontar
neste caso, fazendo com que o trabalhador tome uma decisão que certamente será
fruto de um processo conflituoso de escolha.
Além desses conhecimentos dos mundos representados, o agente também
tem um mundo vivido em que se encontra um saber de fundo referente ao
contexto do seu agir, que se constrói no decorrer de sua vida. Esse saber de fundo
apresenta conhecimentos de natureza holística (já que traz todo tipo de
conhecimento), sem organização lógica, implícitos ou inconscientes, não sujeitos
à contestação ou justificação, que fornecem ao sujeito uma forma de pré-
compreensão do contexto e que constituem um reservatório de convicções e
hipóteses implícitas sobre o resultado de seu agir. Isso tudo constitui o
conhecimento de mundo que permeará o agir de um indivíduo.
Assim, nessa concepção, o agir sofre determinações sociais e envolve
conhecimentos explícitos e implícitos, conflitos entre representações do próprio
agente, conflitos entre representações de diferentes agentes, referentes a
elementos dos três mundos, confrontação entre elementos do mundo vivido e os
conhecimentos formais do próprio agente.
E qual a relação da linguagem com esse agir? Para responder a essa
questão e poder continuar a explicitar o papel da linguagem no desenvolvimento
humano, Bronckart retoma e reformula a tese de Ricoeur (1983, 1984, 1985, apud
Bronckart, 1999 e 2004b) sobre a reconfiguração do agir humano por meio de
textos narrativos. Para Ricouer, o ser humano encontra-se continuamente em
conflito perante sua “inquietude” existencial e as contradições de seu tempo,
porque as representações que possui sobre o agir são contraditórias, conflituosas,
ou não-racionalizáveis. A elaboração dos textos narrativos seria, para Ricoeur, o
modo usado pelo ser humano para superar esse estado caótico, por meio da “re-
figuração” das ações, com a construção de um mundo ficcional em que os
agentes, os motivos, as intenções, as razões, as circunstâncias, etc. são postos em
cena de modo racional, sem contradições ou conflitos, criando, assim, uma
harmonia que serve para organizar o seu caos existencial. Como esses textos estão
58
disponíveis para todos, os seres humanos podem se valer deles para construir uma
possível compreensão das ações e de si mesmos como agentes. Entretanto,
Bronckart (2004b) faz uma revisão dessa posição de Ricoeur, considerando que,
na verdade, não são apenas os textos narrativos que teriam essa função de re-
figuração do agir, pois, para ele, qualquer tipo de texto tem um certo potencial
para assumi-la. Dessa forma, para Bronckart (2004b), qualquer texto pode
contribuir para a clarificação das ações e para a construção de “modelos de agir”,
ou para a “morfogênese das ações”, isto é, para o desenvolvimento de suas formas
e estruturas características em um determinado momento sócio-histórico. Assim,
interpretar um texto, segundo Bronckart (2004b :36), é interpretar,
principalmente, as figuras interpretativas do agir que ele contém.
Desse modo, segundo Bronckart (2004b), é na linguagem, nos textos
escritos ou orais, por meio das figuras interpretativas, que se constrói a
interpretação do agir, uma vez que, sendo arbitrárias e convencionais, as entidades
lingüísticas têm a propriedade de absorver as representações construídas pelos
humanos em suas relações diretas com o mundo (representações, por princípio,
idiossincráticas ou vindas do mundo vivido) e as transformar em representações
comuns ou públicas. Ainda que essas representações encontradas na linguagem
não sejam um retrato fiel do que o sujeito pensa, elas nos mostram algumas idéias
que já estão legitimadas em seu grupo e, portanto, conseguem ser veiculadas pelas
unidades lingüísticas escolhidas.
A linguagem, além de lugar de construção da interpretação do agir,
simultaneamente também caracteriza um tipo de agir, segundo Bronckart (2004b),
uma vez que, ao comentar sobre o agir de um sujeito, o falante também estará
agindo. Assim, segundo Bronckart (2004b), ainda que sempre estejam juntos, é
possível distinguir, para fins de análise, dois tipos de agir: agir praxiológico, que é
o agir prático destinado a criar as condições indispensáveis à existência da
sociedade e que visa a algum efeito nos três mundos (objetivo, social e subjetivo),
e o agir comunicacional, que é o agir constituído pelas práticas de linguagem e
que visa a estabelecer um acordo necessário para o desenvolvimento das
diferentes formas do agir praxiológico.
59
O agir comunicacional é, segundo Bronckart (2004b), a prática por meio
da qual se manifestam as avaliações sociais sobre as formas do agir, um
mecanismo de negociação das diferentes representações que os agentes têm sobre
os mundos, um organizador das representações que os agentes constroem de sua
situação, um regulador das suas intervenções efetivas no mundo. Nesse agir
comunicacional, os indivíduos participam de avaliações sociais sobre o agir dos
outros e aplicam critérios coletivos de avaliação, interpretando e “julgando” o agir
dos outros. Ao fazerem essas avaliações, contribuem para delimitar um agir
individual, do ponto de vista externo, podendo, assim, interpretar: motivos e
intenções de quem age; suas capacidades cognitivas e comportamentais para agir;
suas propriedades mais pessoais, inferidas do estilo próprio de cada um na
atividade. Dessa forma, nessa avaliação, pode-se atribuir a quem age uma
responsabilidade sobre seu agir no mundo, o que lhe o estatuto de ator. Mas
pode-se também construir outras figuras interpretativas do agir; por exemplo, não
lhe atribuindo responsabilidade. Ao mesmo tempo, os indivíduos, com a prática
das avaliações e com o conhecimento de seus critérios, acabam por saber que eles
mesmos o avaliados com base nesses critérios, tornam-se capazes de aplicá-los
a si mesmos, apropriam-se de representações sobre suas capacidades de agir, de
seus posicionamentos sociais e de uma imagem de si e, enfim, constroem
representações de si mesmos em relação ao agir.
No trabalho, por exemplo, ao comentar sobre o desempenho de um
funcionário, o chefe pode dizer que ele faz as suas tarefas com cuidado, aplicação,
demonstrando capacidade e responsabilidade diante do que é estabelecido pela
empresa porque compreende a importância de um trabalho bem-feito. Logo, esse
funcionário é representado como um ator. Sobre um outro, o chefe pode dizer que
o indivíduo é desleixado, que tudo tem de lhe ser explicado muitas vezes, o que
demonstra que não tem capacidade e motivação para desempenhar a sua função,
colocando-o na posição de mero agente. Percebendo essas avaliações e outras
anteriores, feitas em outros empregos ou mesmo em casa, os indivíduos podem
repensar, ou não, o seu agir já antevendo avaliações futuras. Assim, notamos que
temos, nas situações gerais de vida e, portanto, no trabalho, as condutas efetivas
dos sujeitos e as interpretações que são construídas sobre elas pelo próprio
trabalhador, por seus pares, seus superiores ou pelo pesquisador, baseadas nos
sistemas de determinações dos mundos formais ou em seus mundos vividos.
60
Nessa perspectiva, ao estudar o agir, poderemos ter dois níveis de análise:
1) das condutas observáveis do ponto de vista externo, e 2) da
avaliação/interpretação dessas condutas do ponto de vista interno, expressa em
textos orais ou escritos por observadores do agir ou pelos próprios actantes, em
que se constroem figuras interpretativas do agir, ou figuras de ação. A fim de
chegarmos à compreensão dessas figuras construídas nos textos, é preciso que
tenhamos um conjunto de procedimentos de análise de textos que nos ajudem a
detectá-las. Assim, na próxima seção, apresentaremos os procedimentos que
poderemos utilizar para analisar o agir humano e as figuras interpretativas
construídas sobre ele nos textos.
3.2 Os procedimentos de análise do agir humano em textos
Apoiando-se nos estudos das Ciências da Linguagem, Bronckart (1997,
1999, 2004b), junto com o Grupo LAF (Langage, Action et Formation), elaborou
um conjunto de procedimentos para análise e interpretação de textos. Esse
conjunto, que será apresentado a seguir, compõe-se de procedimentos lingüístico-
discursivos e interpretativos para se analisar a situação de produção de um texto,
sua arquitetura interna e as figuras interpretativas do agir que são nele construídas.
Na abordagem do ISD, coloca-se a preexistência dos gêneros de textos
elaborados pelas gerações precedentes e organizados em um repertório de
modelos, chamado de arquitexto de uma comunidade lingüística. Os gêneros
textuais apresentam características semióticas mais ou menos identificáveis, mas
eles não são estáticos, mudam conforme recebam interferência do social, que
são objeto das avaliações sociais e que são adaptados ao comentário deste ou
daquele agir geral, mobilizados nesta ou naquela situação de interação, afetados
por certos valores estéticos, ou ainda descritos, estudados, etiquetados conforme a
visão de especialistas ou de falantes.
Ao produzir um texto, o actante encontra-se em uma situação que pode ser
descrita por um conjunto de parâmetros físicos (emissor, receptor, espaço-tempo
do ato de produção) e um conjunto de parâmetros sociossubjetivos (tipo de
61
interação social, finalidades possíveis, papéis atribuídos aos protagonistas da
interação). Tais parâmetros permitem fazer hipóteses sobre o tipo de agir verbal a
que corresponderá o texto produzido. Na definição dessa situação, incluem-se
também os conhecimentos temáticos que vão ser expressos no texto, tais como
eles se encontram disponíveis e organizados em uma macroestrutura na memória
do falante.
A produção verbal efetiva procede, de uma parte, da adoção de um gênero
textual (retirado do arquitexto) que seja adequado à situação; de uma outra parte,
da adaptação desse gênero às características particulares da situação em que se
encontra o falante. Assim, o texto produzido terá características genéricas mas
também individuais ou estilísticas. Contudo, nem sempre o falante será livre para
escolher o seu gênero. No caso do projeto de intervenção, por exemplo, o gênero
é predeterminado; em outras situações, o falante pode ter de escolher qual é o
gênero adequado à situação em que se encontra.
Além de considerar a situação de sua produção, os textos, segundo o ISD,
podem ser analisados considerando-se a sua arquitetura interna, que distingue três
níveis: o da infra-estrutura textual, o dos mecanismos de textualização e o dos
mecanismos enunciativos.
A infra-estrutura comporta duas formas de organização bem diferentes: a
primeira é a da planificação geral do conteúdo temático, ou seja, o plano global do
texto, em que podemos perceber os vários temas que se sucedem na organização
de um texto. Por exemplo, o plano global de uma receita de um bolo de fubá
(Mazzillo, 2006) pode comportar um título com o nome da receita, seguido por
um conjunto de itens que descrevem os ingredientes, finalizando por um conjunto
de procedimentos que indicam o modo de preparar a receita. A segunda forma de
organização é a que compreende os tipos de discurso e os tipos de seqüências
(narrativas, argumentativas, dialogais, explicativas, descritivas, descritiva de
ações), além de outras formas de planificações como a esquematização e os
scripts
12
. O conceito de tipos de discurso do ISD não deve ser confundido com a
noção de discurso jornalístico, político, etc., utilizado em outras teorias. Neste
12
Segundo Bronckart (1999, p. 238), script ocorre quando “os acontecimentos e/ou ações constitutivos da
história são simplesmente dispostos em ordem cronológica, sem que essa organização linear registre
qualquer processo de tensão”, como ocorre nas seqüências narrativas. Assim, o script pode ser colocado
como o grau zero de planificação dos segmentos narrativos.
62
caso, esse conceito se relaciona ao posicionamento enunciativo, a atitude
enunciativa, do produtor, como observaremos a seguir.
Os tipos de discurso, no ISD, são segmentos de um texto, nos quais são
mobilizados configurações de unidades lingüísticas (subconjuntos de tempos
verbais, pronomes, advérbios modalizadores, etc.) e modos de organização
sintática relativamente estáveis, e nos quais também encontramos a tradução ou a
construção dos mundos discursivos, ou seja, os formatos que organizam as
relações entre, de um lado, as coordenadas da situação de ação de um produtor e,
de outro, as coordenadas dos mundos coletivamente construídos na textualidade.
Os mundos discursivos constituem o quadro em que, no decorrer de uma
produção ou recepção textual, ocorre o embate/encontro entre as representações
individuais do produtor e aquelas vindas de instâncias coletivas (representações
coletivas). A construção desses mundos se a partir de duas operações
psicolingüísticas que revelam uma decisão binária: pode-se escolher que as
coordenadas que organizam o conteúdo semiótico sejam próximas ou distantes
das coordenadas gerais da situação de produção do produtor, criando, assim,
respectivamente um mundo da ordem do EXPOR, com verbos no presente do
indicativo principalmente, ou do NARRAR, com verbos no pretérito perfeito ou
imperfeito; pode-se também colocar as instâncias de agentividade semiotizadas no
texto em relação com o produtor e sua situação de produção ou não. Ocorre,
assim, a IMPLICAÇÃO, isto é, a presença de marcas do locutor/interlocutor ou da
situação de produção, ou a AUTONOMIA, a o-implicação, com a ausência
dessas marcas. O resultado do cruzamento dessas decisões produz quatro mundos
discursivos: Expor Implicado, Expor Autônomo, Narrar Implicado, Narrar
Autônomo. E esses mundos são expressos por quatro tipos de configurações
lingüísticas, que serão chamadas de discurso interativo, discurso teórico, relato
interativo e narração. Esses quatro tipos de discurso podem ser melhor
compreendidos visualizando-se o seguinte quadro (Bronckart, 1997):
63
Quadro 2 – Tipos de discurso
Conjunção
com o mundo
real
Disjunção
com o mundo
real
Expor Narrar
Implicação em
relação ao ato de
produção
Discurso
interativo
Relato
interativo
Não-
implicação/
Autonomia em
relação ao ato de
produção
Discurso
teórico
Narração
O discurso interativo ocorre no mundo do expor, marcado fortemente pela
presença de verbos no presente; nele implicação dos parâmetros materiais da
ação de linguagem agente produtor (eu), interlocutor eventual (você, tu),
situação espaciotemporal via dêiticos (aqui, agora, hoje, ontem) de forma que,
para interpretar tal discurso, será preciso ter acesso às suas condições de
produção; podemos constatar isso em um trecho de uma conversa, por exemplo,
em que os sujeitos se autonomeiam de “eu” e chamam o outro de “você”.
Vejamos também um exemplo fictício tratando do trabalho do professor:
Exemplo 1:
A minha professora, você sabe, sempre faz assim, como hoje, primeiro
ela me entrega o texto e depois ela discute comigo e com os outros alunos
os sentidos do texto.
O discurso teórico também ocorre no mundo do expor, mas sem
implicação dos parâmetros materiais de ação de linguagem. trechos de
discurso teórico em um editorial, por exemplo, em que os verbos se mantêm no
64
tempo presente, mas em que não há marcas de primeira pessoa nem de seu
interlocutor. Retomemos o exemplo anterior sobre o trabalho do professor:
Exemplo 2:
A professora entrega os textos e discute com os alunos os sentidos
encontrados.
O relato interativo ocorre no mundo do narrar, marcado por verbos no
pretérito perfeito e pretérito imperfeito do indicativo, e também se mantém preso
às coordenadas dos parâmetros da ação. Podemos vê-lo em uma situação em que o
sujeito conta uma história sobre si mesmo, por exemplo em uma autobiografia ou
depoimento. Vejamos também no exemplo a seguir:
Exemplo 3:
Na semana passada, como você viu, a minha professora entregou os
textos e depois discutiu com os alunos os sentidos encontrados.
A narração, marcada pelo mundo do narrar e pela disjunção em relação
aos parâmetros da situação de produção do enunciado, pode ser vista em uma
reportagem, quando o repórter narra sobre um fato que ocorreu, e também no
exemplo a seguir, em que encontramos verbos no pretérito perfeito e ausência de
marcas de implicação do enunciador:
Exemplo 4:
Na primeira aula de 2007, a professora entregou os textos e discutiu
com os alunos os sentidos encontrados.
Segundo Bronckart (2004b), o ISD tem como uma de suas hipóteses de
trabalho que é no quadro dos tipos/mundos discursivos que se constroem e se
desenvolvem as diversas formas de raciocínio humano: raciocínio causal/temporal
no mundo do narrar; raciocínio do senso comum no discurso interativo; raciocínio
lógico-argumentativo no discurso teórico.
Esse primeiro nível de organização, que chamamos de infra-estrutura,
mostra, portanto, uma heterogeneidade, pois os textos são normalmente
65
constituídos por mais de um tipo de discurso, podendo-se até encontrar vários
deles em um mesmo texto. Essa heterogeneidade de base é de algum modo
“compensada” por dois subconjuntos de mecanismos que permitem que o texto se
constitua, mesmo assim, como uma unidade coerente: os mecanismos de
textualização e os mecanismos enunciativos.
Os mecanismos de textualização constituem outro nível da arquitetura
textual e garantem ao texto a sua coerência temática. Esses mecanismos, que estão
articulados à lineraridade do texto, explicitam as grandes articulações
hierárquicas, lógicas e temporais. Eles podem ser distribuídos em três grupos:
- mecanismos de conexão: marcam as articulações da progressão
temática por meio dos organizadores textuais (lógicos por isso, e,
então, etc. –; espaciais na primeira seção, no último capítulo, etc.
–; e temporais – antes, durante, depois, etc.);
- mecanismos de coesão nominal: introduzem as unidades das
informações novas (relações catafóricas) e asseguram as relações de
retomada (relações anafóricas);
- mecanismos de coesão verbal: organizam a temporalidade dos
processos (estados, eventos, ações) evocados no texto por meio dos
verbos ou das unidades associadas, como advérbios ou grupos
preposicionais.
O outro nível de análise é o constituído pelos mecanismos enunciativos
que garantem ao texto a sua coerência pragmática ou interativa, uma vez que eles
servem essencialmente para orientar a interpretação que os destinatários farão do
texto. Nesse nível, encontramos a construção de uma instância geral de gestão do
texto, o textualizador. Essa instância é aquela a quem o autor empírico de um
texto confia a responsabilidade do que vai ser dito, e é também a partir da qual se
distribuirão as vozes do texto (voz de personagem, das instâncias sociais, voz do
autor). A partir dessas vozes se manifestam as avaliações (julgamentos, opiniões,
sentimentos) de certos aspectos do conteúdo temático, que são marcadas por
unidades ou processos que revelam a modalização. Segundo Bronckart (1997,
1999), essas modalizações podem ser de quatro tipos:
- epistêmicas/lógicas: expõem o grau de verdade ou certeza sobre o
que é dito, sendo marcadas por verbos como poder e dever, além de
palavras ou expressões como talvez, necessariamente, ser evidente
66
que, etc., em frases como “O professor pode ter se atrasado hoje por
causa da chuva”;
- deônticas: apóiam-se nos valores, nas opiniões e regras do mundo
social. Elas são marcadas por verbos ou expressões como dever, ter
obrigação de, ser lamentável que, etc., em frases como “O professor
deve ouvir os sentidos levantados pelo aluno de acordo com os
PCNs”;
- apreciativas: explicitam a posição subjetiva do enunciador em
relação ao que é dito, ao usar verbos como gostar, apreciar, odiar ou
advérbios como infelizmente, felizmente, etc., em frases como
Felizmente, o professor seguiu as indicações dos teóricos”;
- pragmáticas: indicam alguns aspectos da responsabilidade do
personagem, grupo ou instituição em um texto em relação às suas
próprias ações. São representadas por verbos como tentar, querer,
saber, pretender, etc., em frases como “O professor quis explicar a
matéria”.
Para a análise do agir representado nos textos, é preciso antes ter claro o
significado dado a alguns termos-chave. O primeiro deles é o do próprio agir, que
é um termo mais neutro em relação aos termos ação e atividade (empregados com
diferentes valores em várias teorias), e que é usado para nos referirmos aos dados
de nossa pesquisa e designa toda forma de intervenção orientada por um ou vários
humanos, os quais serão nomeados como actantes (termo mais neutro que indica
a fonte de um agir determinado). Esse agir, em contexto econômico determinado,
pode constituir um trabalho cuja estrutura pode ser decomposta em tarefas
(aquilo que foi prescrito).
O termo atividade, por sua vez, terá um estatuto teórico ou interpretativo e
designará o agir implicando suas dimensões motivacionais e intencionais
mobilizadas no nível coletivo (“Os professores optaram pelo trabalho com
gêneros porque acreditam que este é instrumento eficaz para eles conseguirem
melhorar o nível de leitura dos alunos”). o termo ação, também de estatuto
teórico ou interpretativo, designará o agir implicando suas dimensões
motivacionais e intencionais mobilizadas no nível individual (“O professor Luís
67
optou pelo trabalho com o gênero porque ele acredita que este é um instrumento
eficaz para ele conseguir melhorar o nível de leitura dos seus alunos, na escola
estadual XXX”).
Nos textos produzidos sobre o trabalho, a análise dos elementos do agir
textualizados permite levantar as figuras interpretativas do agir. Essas figuras não
são resultado da visão de um único indivíduo, na verdade elas fazem parte dos
pré-construtos dos humanos, tendo sido produzidas, portanto, pela coletividade no
curso de sua história.
Esses elementos constitutivos do agir podem ser:
a) as razões, os motivos, que levam ao agir: as quais podem ser as
determinações externas originadas no coletivo (“A universidade
determina que se façam projetos de intervenção”) e os motivos, que
são as razões de agir interiorizadas no nível individual (“Estudo os
projetos porque acredito que eles ajudam na formação do
professor”);
b) a intencionalidade do agir: nesse plano, temos as finalidades
(vindas do coletivo e socialmente validadas: Os estagiários devem
ler para poderem dar aulas melhores”) e as intenções, que são os
fins do agir interiorizado por alguém (“Vou estudar para conseguir
passar de ano”);
c) os recursos, as fontes do agir: que dizem respeito aos
instrumentos (artefatos materiais ou tipificação do agir disponíveis
no meio: “Preciso de bons textos para dar uma boa aula”) e as
capacidades, fontes mentais ou comportamentais atribuídas a um
ser (“Aquele aluno tem uma grande capacidade de organizar os
textos”);
d) o actante: que pode ser colocado no texto como um agente,
aquele que não tem intenções, motivos, capacidades,
responsabilidade (“Os professores precisam de ajuda dos
especialistas”), ou como um ator, com intenções, motivos,
capacidades e responsabilidades (ex.: “O professor, de acordo com
determinações da Delegacia de Ensino e também conforme os seus
estudos pessoais, decidiu que mudará o programa de ensino desse
68
semestre para que ele consiga atingir os seus objetivos em relação a
essa turma”).
Além desses elementos, essas figuras podem tematizar também as fases
do desenrolar lógico ou cronológico de uma tarefa, e os resultados ou efeitos
concretos da atividade (Bronckart, 2005). Exemplos de algumas figuras já
encontradas podem ser vistos nos trabalhos de Bulea e Fristalon (2004),
Bronckart, Bulea e Fristalon (2005), Bulea (2006), Abreu-Tardelli (2006),
Lousada (2006), Mazzillo (2006), dos quais nós apresentaremos um resumo na
próxima seção.
3.3 A representação do agir humano em textos: as figuras interpretativas do
agir
Nesta seção, nós apresentaremos algumas figuras interpretativas do agir já
encontradas em pesquisas recentes no Grupo LAF de Genebra, denominadas de
figuras de ação, e, no Grupo ALTER, no Brasil, por nós denominadas de figuras
do agir. Ainda que, nos trabalhos do grupo ALTER, essas figuras sejam nomeadas
de figuras interpretativas do agir”, preferimos, nesta tese, nomeá-las de “figuras
do agir” para que possamos realçar as diferenças entre as figuras encontradas nos
dois grupos, deixando, assim, o termo “figuras interpretativas do agir” para
nomear, de modo mais genérico, todas as figuras construídas nos textos.
Dentro de uma grande pesquisa do Grupo LAF
13
sobre as condições de
realização de segmentos do agir em situação de trabalho, Bulea e Fristalon (2004)
analisaram entrevistas com enfermeiras sobre os cuidados adotados para se fazer
curativos em pacientes. Na análise da transcrição destas, as autoras constataram
que as enfermeiras constroem quatro tipos de figuras de ação
14
diferentes, as quais
foram qualificadas como: “ação ocorrência” (inicialmente chamada de ação
situada), ação evento passado”, “ação experiência” e “ação canônica”. Em Bulea
(2006), procedeu-se à continuação da análise dessas entrevistas e encontrou-se
uma outra figura: “ação definição”. O estudo dessas figuras permitiu chegar a
modos de dizer o agir no trabalho empregados por enfermeiras. Essas e outras
figuras também foram encontradas nas pesquisas do Grupo ALTER sobre o
13
Ver Bronckart et Groupe LAF (2004) para a descrição dessa pesquisa.
14
Nesse texto, essas formas interpretativas foram chamadas de “registros de agir”, mas atualmente se usa
o termo “figuras de ação”.
69
trabalho educacional em EAD (Abreu-Tardelli, 2006), no ensino de língua
estrangeira (Lousada, 2006) e na análise de diários de leituras sobre o ensino de
língua estrangeira (Mazzillo, 2006). Entretanto, no trabalho de Mazzillo (2006),
ressaltou-se também que as figuras de agir, além de expor um modo de dizer,
podem mostrar os modos de agir típicos de uma dada categoria profissional.
Vejamos como se caracterizam essas figuras encontradas, usando exemplos,
quando possível, retirados de nossos próprios dados.
A figura “ação ocorrência” caracteriza-se por apresentar uma forte
contextualização (tal agente, tal situação), mantendo ainda uma continuidade
espaciotemporal com a situação de produção, colocando em cena os antecedentes
de um agir e/ou o agir futuro que se desenvolverá, como pode ser visto no
exemplo 5:
Exemplo 5
15
:
92. Instrumentos: Para as 5 aulas de regência, em que aplicarei o projeto de
93. intervenção, usarei contos de suspense de diferente autores.
94. Procedimentos (aula a aula):
95. Aula 1: Mostrarei aos alunos as marcas que aparecem neste gênero
(conto de
96. suspense) com predominância; os tipos de seqüências textuais
(narrativas,
97. descritivas, argumentativas, etc.), marcas lingüísticas (tempos verbais),
etc.
(Projeto de intervenção 9, Metodologia)
No nível lingüístico, essa figura é organizada em forma de discurso
interativo, apresentando assim a implicação do agente produtor, marcado pela
presença do pronome “eu” ou por formas verbais em primeira pessoa no presente,
no futuro do presente e no pretérito perfeito.
A figura de ação “evento passado” constitui a história de um evento, um
incidente, que serve para ilustrar ou explicitar o agir sobre o qual se fala,
apresentando um alto grau de contextualização e sendo organizado em forma de
15
Os dados retirados dos projetos de intervenção estão numerados linha a linha, mas, devido a nossa
formatação e espaçamentos, algumas linhas podem ter se transformado em duas, como verificamos nas
linhas 95, 96 e 97.
70
relato interativo, com a implicação do agente produtor e com verbos no pretérito
perfeito e imperfeito, como no exemplo 6:
Exemplo 6:
AR57: Achei meio difícil no começo. Não engrenava nada!!! É difícil
encaminhar discussão se as pessoas não leram os textos, vc não acha?
(Abreu-Tardelli, 2006, p. 63)
A figura de ação “experiência” constitui uma forma de cristalização
pessoal das experiências vividas por um profissional ou por outras pessoas,
apresentando uma ação abstrata (a partir de situações singulares vividas) e
descontextualizada, mas que pode ser recontextualizada. Vejamos o exemplo 7:
Exemplo 7:
S23: Por que professor tem que ter tanto papel? Vocês precisam ver
minha mesa como está? (Abreu-Tardelli, 2006, p. 63)
Organizada em discurso interativo, essa figura acentua a articulação entre
um agente singular (identificado, mas não pertencente a um contexto específico) e
os elementos de organização do trabalho relativamente estabilizados e recorrentes,
segundo uma lógica própria do agente.
A “ação canônica” (Bulea e Fristalon, 2004; Bronckart, Bulea e Fristalon,
2005; Bulea, 2006) é a figura que expõe a regra, a prescrição, construída por
alguém externo ao actante, como podemos verificar nos exemplos abaixo:
Exemplo 8:
S42: o, fornecer motivação para leitura, não. O papel do
professor é mostrar que existem caminhos a serem seguidos. É
preciso que o aluno tenha conhecimento do que é preciso ler, é
preciso estar atualizado com o mundo (porque fora o mundo
cobra e muito) e ainda na escola se aprende a escrever corretamente
preciso que ele saiba que um modo certo para cada momento)
e isso eu acho que é a função de um professor “mostrar,
encaminhar”. (Abreu-Tardelli, 2006, p. 62)
71
Exemplo 9:
“l’on pourrait penser à réserver un espace à la traduction bien que le
souci fondamental à ce niveau soit la reformulation et non pas la
traduction”. (Lousada, 2006, p. 59)
Exemplo 10:
20. Segundo os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de
21. Língua Portuguesa a diversidade não deve contemplar apenas a seleção
de
22. textos, deve contemplar também a diversidade que acompanha a
recepção a
23. que os diversos textos são submetidos nas práticas sociais de leitura.
(Projeto de intervenção 10, Introdução)
Essa figura apareceu no discurso teórico, portanto sem marcas que
remetam à situação de produção, tendo o presente genérico como tempo verbal
predominante e apresentando modalizações deônticas (deve, é preciso, etc.).
A figura “ação definição” (Bulea, 2006) expõe a tentativa de se definir o
agir, trazendo as suas características essenciais e/ou específicas, mas sem
organizá-las seqüencialmente ou hierarquicamente. No nível lingüístico, essa
figura aparece em segmentos do discurso teórico, havendo a predominância de
verbos no presente genérico. As frases apresentam a estrutura “C’est + grupo
nominal” e não trazem nem pronomes nem verbos denotando processo,
diferentemente das outras figuras anteriores. Neste caso, só tentativas de
definição, como podemos ver no exemplo 11, nos trechos destacados em negrito:
Exemplo 11:
V: bien ça dépend aussi des horaires c’est ce qu’on disait le matin à
8h c’est vrai que c’est important parce que c’est là / c’est le
premier contact de la journée en fait donc heu c’est une
approche pour // comment s’est passée la nuit pour. (Bulea,
2006)
72
Em Mazzillo (2006), encontramos a referência a três figuras do agir: um
agir linguageiro, um agir com instrumentos e um agir cognitivo. Em seu trabalho,
Mazzillo (2006) realizou uma pesquisa em diários de aprendizagem, escritos por
pesquisadores que são também professores de línguas sobre o trabalho de um
professor de línguas de cujas aulas eles participavam na qualidade de alunos.
Nesses diários, a autora verificou como o trabalho do professor de ngua
estrangeira foi tematizado e avaliado, percebendo a recorrência a essas três figuras
do agir. Por serem utilizadas por professores, mesmo na condição de alunos, para
falarem do trabalho de outro professor, nota-se que essas figuras estão disponíveis
no coletivo de trabalho e podem representar os modos ou as maneiras de agir de
um professor cristalizados no coletivo, além, é claro, de também funcionarem
como figuras discursivas, como nos exemplos das figuras anteriores.
Dessa forma, as diferenças que se percebem entre as figuras do agir de
Mazzillo (2006), com as detectadas por Bulea e Fristalon (2004), Bronckart,
Bulea e Fristalon (2005), Bulea (2006), Abreu-Tardelli (2006) e Lousada (2006),
estão no nível da unidade de análise e no nível de explicitação do tipo de agir
atribuído a um actante. Em Mazzillo (2006), a unidade é a oração considerada em
seu aspecto sintático-semântico; em Bulea e Fristalon (2004) e nos demais
pesquisadores citados, o segmento discursivo composto por várias orações ou
períodos é a unidade. Ao passo que, nas figuras de Bulea e Fristalon (2004) e dos
demais, conseguimos perceber como o agir foi organizado discursivamente pelo
enunciador, podendo-se até recortar segmentos discursivos e caracterizá-los, mas
sem conseguirmos explicitar se o actante envolvido foi posto em cena para tratar
de seu agir linguageiro ou sico ou cognitivo, em Mazzilo (2006), encontramos
critérios de como caracterizar o agir de cada actante, que a ênfase recai sobre a
classificação do agir relacionada aos elementos constitutivos do trabalho do
professor.
Mazzillo (2006, p. 109) chegou a essas figuras após analisar os segmentos
dos diários de aprendizagem referentes às diferentes tarefas conduzidas pelas
professoras observadas e constatar que o agir das professoras era representado
com o auxílio de verbos e predicados que se referiam a três formas de agir: um
agir linguageiro, um agir com instrumentos e um agir cognitivo. Segundo a
73
autora, “é por meio desses predicados que os ‘modos de agir’ são representados”
(Mazzillo, 2006, p. 109). Vejamos essas três figuras e alguns exemplos.
O primeiro agir, um agir linguageiro, foi identificado nos predicados que
apresentavam verbos de dizer. Esses predicados foram distribuídos em três grupos
diferentes:
- um agir que implica uma ação imediata dos alunos: Solicitou a
participação”; “A professora chamou sua atenção”; “Designa quem
vai falar”;
- um agir que não implica uma resposta imediata: A professora
explica os contenidos gramaticales”; “Só lia, não explicava”;
- um agir em reação ao agir dos alunos: “Concordou”; “Voltou atrás
e improvisou o restante da aula”.
O segundo agir, um agir com instrumentos, foi verificado quando o
emprego de verbos que trazem embutida em si mesmos a idéia de instrumento
(projetar, escrever, etc.) e verbos que implicam o uso de um instrumento
simbólico ou material (ler, separar, etc.), além da ocorrência de outros predicados
em que se percebeu a recorrência a algum instrumento:
- exemplos com instrumentos materiais: “colava no quadro uma
foto”; “fez uma transparência de leitura” (grifos de Mazzillo,
2006, p. 113);
- exemplos com instrumentos simbólicos: “fez diversas perguntas
de compreensão”; “fez a leitura e interpretação da poesia
(grifos de Mazzillo, 2006, p. 113).
O terceiro agir, um agir cognitivo, envolve atividade mental ou capacidade
das professoras:
- exemplos de agir cognitivo: “A professora se surpreendeu”; “A
Luci se preocupou em trazer mais explicações”;
- exemplos de capacidade: A professora não cria, não oferece
nenhuma atividade interessante”; “Tem mais técnica para ensinar”.
Em resumo, essas três figuras permitem perceber o caráter interacional,
instrumental e cognitivo do trabalho do professor, que pode aparecer no interior
do texto nas diferentes figuras levantadas por Bulea e Fristalon (2004), Bronckart,
Bulea e Fristalon (2005), Bulea (2006), Abreu-Tardelli (2006) e Lousada (2006)
ou em fragmentos construídos fora dessas figuras. Acreditamos que a junção dos
74
dois tipos de figuras pode nos apontar muito mais detalhes da análise do trabalho
do professor pelo estagiário, que a identificação dessas figuras pode nos ajudar
a compreender tanto o modo de dizer o agir utilizado pelo enunciador quanto o
modo de agir de um actante de uma dada categoria profissional, como podemos
verificar no quadro a seguir:
Quadro 3 – Figuras interpretativas do agir
Modos de dizer o agir pelo enunciador
encontrado em segmentos discursivos
Modos de agir de qualquer actante
mencionado em oração pelo enunciador
Ação ocorrência Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Ação evento passado Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Ação experiência Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Ação canônica Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Ação definição Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Outras figuras que os dados venham a
apresentar
Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Modos de dizer que o chegam a construir
uma figura interpretativa, como as
anteriores, constituindo-se de uma ou mais
frases soltas, mas que ocorrem uma ou outra
vez em texto, sem se repetir.
Agir linguageiro e/ou
Agir com instrumentos e/ou
Agir cognitivo e capacidades
Pelas vantagens que acreditamos haver em se trabalhar com o conjunto de
figuras identificadas, na análise de nossos projetos, também procuraremos
identificar as figuras de agir empregadas a fim de percebermos que modos de
dizer o trabalho do professor estão consolidados entre os estagiários e que
modos de agir do professor eles identificam em seus textos.
75
Neste capítulo, discutimos a importância dos textos na construção das
interpretações e avaliações sobre o agir, as quais servem como norteadoras ou
reguladoras do agir dos seres humanos. Verificamos também como podemos
analisar esses textos e identificar as formas de agir que são neles tematizadas e/ou
avaliadas, recorrendo aos procedimentos do ISD.
No próximo capítulo, apresentaremos a metodologia que empregamos
para conduzir a nossa pesquisa.
76
Capítulo 4
Procedimentos de coleta e análise dos dados
Neste capítulo, apresentamos o contexto da coleta de dados da nossa
pesquisa, os dados selecionados e elencamos os procedimentos que foram usados
para análise e interpretação destes de acordo com os aportes do ISD e das
Ciências do Trabalho (Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade).
4.1 Contexto da coleta dos dados
Esta pesquisa foi desenvolvida analisando-se, em primeiro lugar, o
documento de prescrição das regras gerais do estágio, nomeado Instruções
Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua
Inglesa”, do ano de 2004, reelaborado, a partir da versão deixada por ex-
professores da universidade, pelos professores responsáveis pelas disciplinas de
Estágio Supervisionado, entre eles, eu mesma. Em segundo lugar, analisamos
também os projetos de intervenção dos alunos do curso de Letras de uma
universidade particular no interior de São Paulo, produzidos na disciplina de
Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e devendo seguir o documento
citado.
No projeto, o aluno deve escolher algum “problema” que tenha verificado
nas aulas observadas, por cerca de 15 horas-aula em classes do Ensino
Fundamental ou Médio, e propor um conjunto de aulas em que tentará resolvê-lo.
De acordo com a prescrição da Faculdade de Letras, esse projeto de intervenção,
que receberá uma nota (ele vale 21% da nota total da disciplina), deve ser
constituído das seguintes partes: Introdução, Fundamentação teórica,
Metodologia, Referências bibliográficas e Anexos (quando houver). Como se
pode perceber, alguma semelhança no vel formal entre esse projeto de
intervenção e um projeto normal de pesquisa. Mas eles diferem entre si porque, no
projeto de intervenção, o estagiário, teoricamente, deverá avaliar/interpretar o que
observa na sala de aula e propor alguma intervenção autoprefigurando-se algumas
atividades, na seção de metodologia, para desenvolver durante cinco aulas práticas
com os alunos da sala observada.
77
No total, nessa universidade, o aluno faz quatro disciplinas de Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa (I, II, III, IV), ou seja, uma por semestre a
partir do 2° ano do curso. Normalmente, cada um desses estágios se centra em um
tópico: o I, na produção escrita; o II, na produção e compreensão oral; o III, na
leitura; o IV, nas atividades lingüísticas. Para cada uma dessas disciplinas também
deverá elaborar um respectivo projeto de intervenção.
Os projetos analisados foram elaborados pelos alunos de Letras no
primeiro semestre de 2004, na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa III, ou seja, na 3ª das quatro disciplinas de Estágio Supervisionado em
Língua Portuguesa que eles fazem durante o curso na Universidade São Francisco.
A ementa dessa disciplina
16
, elaborada pelo corpo docente do curso, determina
que se trabalhe nela com o projeto de intervenção:
EMENTA
Prática de Ensino e E
stágio Supervisionado de Língua
Portuguesa em escolas do Ensino Médio. Introd
ão da análise
das condições de produção do ensino-
aprendizagem de língua
materna na escola brasileira e desenvolvimento de projeto de
intervenção em escolas do Ensino Médio.
E os objetivos, também estabelecidos previamente pelo corpo docente,
enfatizam que as atividades a serem realizadas no estágio visam a desenvolver uma
capacidade do estagiário voltada para o seu trabalho com o aluno, ou seja, ele deverá
formar leitores, intérpretes e produtores de textos:
OBJETIVOS DA DISCIPLINA
Desenvolver, no aluno
, a capacidade de desempenhar papel
de multiplicador, formando leitores críticos, intérpretes e
produtores de textos de diferentes gêneros e registros
lingüísticos, e fomentando o desenvolvimento de habilidades
lingüísticas, culturais e estéticas.
O professor-supervisor, papel por nós assumido, diante dessa ementa e
desses objetivos, elaborou o programa, que se encontra a seguir, que se iniciava com
a leitura e discussão de documentos oficiais sobre o ensino (Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio e Parâmetros
Curriculares para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio), e depois
passava para o estudo de textos teóricos sobre o ensino de leitura. Os autores e suas
16
O programa dessa disciplina se encontra no Anexo 1.
78
respectivas obras lidas foram: Machado (1999), O diário de leitura; Kleiman
(2000), Oficina de leitura; Pfeiffer (1998), “O leitor no contexto escolar”.
Como metodologia, escolheu-se trabalhar com aulas expositivas, com leitura
complementar dos textos indicados e atividades relacionadas ao estágio em turmas
do Ensino Médio de escolas da rede pública ou particular de ensino. Para a
avaliação dos alunos, seguiu-se o documento de orientação do estágio, que
determina que haja quatro instrumentos de avaliação: um projeto de intervenção,
uma prova-aula (simulação de uma aula dada pelo estagiário para os seus colegas na
universidade), um relatório de estágio e uma prova final.
Para desenvolver esse programa, com uma aula dupla semanal, montou-se o
seguinte cronograma:
CRONOGRAMA
DATA CONTEÚDO
21/02 Apresentação e discussão do programa da disciplina
28/02 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de
Língua Portuguesa no Ensino Médio/Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Médio
06/03 Leitura e a construção do diário de leituras
13/03 Leitura e a construção do diário de leituras
20/03 Leitura e o ensino de estratégias metacognitivas
27/03 Leitura e o ensino de estratégias cognitivas
03/04 Leitura e o leitor na Análise do Discurso
10/04 Entrega do Projeto de Intervenção*
17/04 Recesso escolar
24/04 Prova-aula
01/05 Prova-aula
08/05 Prova-aula
15/05 Prova-aula
22/05 Prova-aula
29/05 Prova-aula
05/06 Prova-aula
12/06 Avaliação Discursiva Individual
19/06 Avaliação Supletiva/Entrega do Relatório – 14/06
(segunda-feira)
26/06 Atendimento a alunos
03/07 Atendimento a alunos
*Os grifos constam no plano original
Nas aulas dessa disciplina, procurávamos discutir os textos indicados para
leitura e também a situação encontrada pelos estagiários em cada escola. Nessas
discussões, além da questão da leitura, vários outros temas apareciam, como a
indisciplina e o desrespeito dos alunos, a dificuldade de ser aceito como
estagiário, a relação com o professor observado na sala de aula, os problemas
79
gerados pela ausência de equipamentos nas escolas públicas, o baixo nível de
formação apresentado pelos alunos, o despreparo dos docentes para lidar com
esses alunos, etc.
4.2 Seleção dos dados
Nosso corpus é constituído pelo documento de orientação do estágio e por
dez projetos de intervenção
17
elaborados pelos estagiários de Letras no primeiro
semestre de 2004, na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa
III. Havia, na verdade, 12 estagiários matriculados, mas 2 deles não autorizaram
o uso de seus projetos em nossa pesquisa. Os alunos são provenientes da escola
pública, pertencentes à classe média baixa e habitantes de pequenas cidades da
região de Itatiba. De modo geral, eles apresentam um domínio lingüístico médio,
produzindo, assim, textos com alguns problemas de coesão e coerência.
A escolha desses projetos se deve a dois fatos: como é o terceiro que os
estagiários produzem, deveriam ter dominado um pouco mais o gênero a que
pertencem; além disso, como são alunos do e último ano do curso de Letras,
tínhamos a hipótese de que estariam mais cristalizadas algumas representações
sobre o trabalho docente, construídas durante o curso e no estágio, que são
levadas para sua vida profissional.
Na apresentação dos resultados da análise, optamos por tratar os projetos
por números, de um a dez, ocultando os nomes de seus autores. Para numerá-los,
primeiramente, colocamos todos eles em ordem alfabética e, a seguir,
considerando essa ordem, demos um número para cada um. Assim, no decorrer do
texto, a referência e eles será feita por esse número (Projeto 1, Projeto 2, ...
Projeto 10).
4.3 Perguntas de pesquisa
Para a análise desses textos, buscando as representações sobre o trabalho do
professor que neles são construídas, procuramos nos guiar pelas seguintes
perguntas:
17
No Anexo 2, encontra-se o documento de orientação do estágio; nos anexos de 3 a 6, encontram-se
respectivamente os projetos 2, 9, 3 e 4, que o os projetos que serão bastante retomados no capítulo de
análise. Os projetos foram apresentados com a numeração linha a linha que utilizamos para fazer as
nossas análises.
80
Em relação ao documento que prescreve os projetos: o que se espera
que o estagiário realize durante o estágio, ou seja, que agir se espera dele? Que
elementos do trabalho do professor são apresentados nesse texto para o estagiário?
Que elementos do trabalho do professor se espera que o estagiário apresente em
seu projeto de intervenção?
Em relação aos projetos de intervenção: que elementos do trabalho do
professor são apresentados, isto é, que agir o estagiário atribui ao professor? Que
agir o estagiário atribui a si mesmo? Que elementos do agir são apresentados?
Quanto à relação entre o documento orientador e os projetos: o que se
apresenta de semelhante e/ou diferente entre eles?
4.4 Procedimentos de análise
Em nossa análise, utilizamos os procedimentos propostos por Bronckart
(2004b), Bronckart e Groupe LAF (2004) e Bronckart e Machado (2004), além de
noções e categorias da Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade e de
procedimentos desenvolvidos por pesquisas recentes do Grupo Alter (Mazzillo,
2006). A seguir, passaremos a descrever esse conjunto de procedimentos de
análise.
4.4.1 Análise do contexto sociointeracional de produção
Iniciamos nossa análise fazendo um levantamento de informações
“externas” sobre o documento prescritivo “Instruções Gerais para o Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”, em que aparecem as
regras que determinam a produção do projeto de intervenção, por meio da busca e
da leitura de documentos existentes e do levantamento da história do documento
analisado, de seu contexto empírico de produção e de seu uso por alunos em
cursos de Letras. Seguimos os mesmos procedimentos em relação aos projetos e
consideramos também a relação dos projetos com a prescrição feita no documento
“Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em
Língua Inglesa”.
Em um segundo momento, partimos para o levantamento de hipóteses
sobre a situação de produção de linguagem em termos das representações sobre os
elementos do contexto que podem influenciar o texto, como as representações
81
sobre o contexto físico e o contexto sociossubjetivo, como se pode visualizar
melhor no quadro abaixo:
Quadro 4 - Representações sobre os elementos do contexto de produção
Contexto físico Lugar de produção
Momento de
produção
Representações que
podem influenciar
a forma como o
texto se organiza
Contexto
sociossubjetivo
Instituição social
Posição social dos
emissores
A imagem que se
quer passar de si
Posição social do
receptor
Relações de
hierarquia ou poder
institucional entre
interlocutores
Efeitos desejados
sobre o destinatário
4.4.2 Análise das características globais dos textos
Nessa fase, buscamos identificar o tipo de suporte(s) em que o texto é
veiculado, sua configuração global, com o exame da capa, do título, das divisões
maiores, do tamanho, dos elementos paratextuais que o circundam, etc. Ainda
aqui efetuamos uma identificação inicial do nero que o texto mobilizava,
explicita ou implicitamente, identificação essa que foi confirmada após a
realização das análises, mais propriamente enunciativo-discursivas.
4.4.3 Análise da arquitetura interna dos textos
Para a análise de aspectos da infra-estrutura textual, desenvolvemos,
primeiramente, a identificação do plano global do texto com a organização dos
segmentos temáticos que o compunham. Para isso, procuramos verificar qual era
82
o tema central e quais eram as mudanças temáticas realizadas no decorrer do
texto. Isso nos permitiu perceber que temas ou que aspectos de um tema foram
privilegiados, menosprezados ou esquecidos nos textos.
Em segundo lugar, fizemos a identificação dos tipos de discurso e de suas
variantes, além das seqüências textuais (argumentativas, narrativas, descritivas,
etc.). Na identificação dos tipos de discurso, procuramos observar tanto as
unidades que indicam a implicação dos parâmetros da situação de produção
quanto as que mostram uma conjunção ou disjunção em relação ao mundo dessa
situação:
- Unidades que indicam implicação:
. pronomes de primeira pessoa do singular/plural (eu/nós, mim, nosso,
etc.);
. formas verbais de primeira pessoa do singular/plural (aplicarei,
observamos);
. dêiticos temporais (agora, hoje);
. espaciais (aqui, neste lugar).
- Unidades que indicam conjunção:
. verbos conjugados no presente do indicativo (indica, cobra, etc.);
. verbos no futuro do presente do indicativo (aplicarei, usarei, etc.);
. verbos no futuro perifrástico (vão ler, vamos dividir, etc.).
- Unidades que indicam disjunção:
. verbos conjugados no pretérito perfeito do indicativo (tentou, fez, etc.);
. verbos conjugados no imperfeito do indicativo (tentava, fazia, etc.);
. verbos conjugados no futuro do pretérito do indicativo (tentaria, faria,
etc.);
. expressões não-dêiticas que indicam tempo (na aula seguinte);
. expressões não-dêiticas que indicam lugar (na sala de aula).
Após a identificação dos tipos de discurso e seqüências, procuramos
relacioná-los aos segmentos temáticos a fim de verificar se existia uma
correspondência entre eles. Essa correspondência nos ajudou a perceber algumas
83
figuras interpretativas do agir e, assim, algumas das representações sobre o
trabalho do professor, que apresentaremos nos capítulos seguintes.
A seguir, na análise dos mecanismos de textualização, procuramos
identificar:
- as séries coesivas nominais centrais expressas ou ocultas, que nos
permitiram reconhecer os actantes centrais colocados nos textos;
- os mecanismos centrais de coesão verbal, que também nos ajudaram a
reconhecer as figuras interpretativas do agir construídas no texto;
- os organizadores lógicos, como as conjunções e outras expressões que
nos permitiram perceber a permanência ou modificação da orientação
argumentativa do enunciador e nos ajudaram a construir hipóteses sobre a sua
representação sobre o seu destinatário.
Já na análise dos mecanismos enunciativos, buscamos identificar:
- as unidades de modalização (adjetivos, advérbios, verbos) que indicam o
posicionamento do enunciador ou de outra instância diante do que é dito;
- as vozes, explícitas ou pressupostas, dos teóricos, do governo, do
professor, do aluno, do estagiário, etc. que são trazidas para o texto. Procurou-se
também verificar o grau de adesão do enunciador ao que era dito por essas vozes.
4.4.4 Análise semântica do agir interpretado/avaliado nos textos
Para analisar as representações sobre o agir, partimos dos resultados da
análise com os critérios anteriores e os interpretamos a partir da concepção de
trabalho docente apresentada por Machado (2007) e esquematizada no triângulo
abaixo:
84
Figura 3 – O trabalho do professor e seus elementos
Para isso, procuramos desenvolver a identificação dos actantes postos em
cena no texto de forma explícita ou implícita e dos principais protagonistas
(humanos e não-humanos) envolvidos nas diferentes formas de agir representadas
por meio de verbos ou de nominalizações, como podemos verificar no exemplo
abaixo, em que deixamos em negrito os actantes encontrados e colocamos entre
colchetes os actantes que não estavam explícitos. Esse recurso dos colchetes
também será usado no decorrer dos capítulos de análise quando for necessário
explicitarmos aquilo que está oculto, elíptico, no texto original. Além disso,
procuramos também numerar cada linha do texto dos projetos para ficar mais fácil
a localização dos trechos discutidos:
119. A escola tem uma biblioteca com estrutura
120. razoável, mas depois de ter sumido alguns exemplares os alunos foram
121. proibidos de retirar livros. A professora teve a iniciativa de pedir
doações e
122. com isso [a professora] conseguiu reunir um numero pequeno que vão
da literatura
85
123. infanto-juvenil à literatura brasileira e estrangeira, assim, durante os
últimos
124. 30 minutos os alunos podem selecionar da caixa um livro e fazer a sua
125. leitura. Às vezes, a professoraalguns textos seguidos com perguntas
de
126. interpretação.
(Projeto 6, Metodologia)
A partir da identificação dos nomes que indicam os actantes centrais,
procuramos verificar o seu valor, uma vez que, por exemplo, o nome “escola” tanto
pode designar o lugar físico como o corpo docente (“A escola não trabalha leitura”),
o sintagma professor” tanto pode se referir ao professor observado como aos
professores de modo geral. Tendo identificado os actantes, fizemos um levantamento
quantitativo de suas ocorrências e construímos quadros e gráficos para melhor
visualizarmos esses dados. Partindo desses quadros e gráficos, comparamos as
ocorrências de cada actante e, no caso dos projetos, conseguimos reuni-los em três
grupos. No decorrer da apresentação dos resultados de análise, alguns desses quadros
e gráficos serão retomados para auxiliarem em nossa exposição.
Em seguida, procuramos desenvolver a identificação das diferentes formas
de agir representadas/avaliadas no texto (agir realizado, prescrito ou prefigurado),
atribuídas aos actantes e construídas a partir da escolha dos diferentes tipos de
discurso. Utilizamos a distinção proposta por Fillietaz (2004b) para classificar os
segmentos de prescrição em segmentos de agir prefigurado, agir prescrito, agir
procedimental. Visto que, em nossos dados, não encontramos nenhum segmento
com a formulação clássica de prescrição (verbos no modo imperativo, por
exemplo) nem com o conteúdo de um procedimento, apesar de haver uma forte
prefiguração do agir, efetuamos uma classificação do agir representado em termos
de agir realizado e agir prefigurado. Assim, no decorrer dos capítulos de
resultados de análise, trataremos de trabalho realizado, para nos referir ao agir
realizado, e trabalho prefigurado, para o agir prefigurado:
86
- Agir realizado (que já aconteceu):
24. Durante uma aula sobre o período pré-modernista a professora da sala
tenta
25. apresentar as obras e características de escrita de Augusto dos Anjos,
antes
26. de apresentá-las, comenta que não gosta do autor e que nunca leu suas
obras
27. exatamente por ter ouvido falar de sua fama grotesca e mórbida
ao se
28. referir à vida, além de este possuir uma escrita muito difícil de ser
29. compreendida.
(Projeto 5, Introdução)
- Agir prefigurado (que se espera que aconteça):
142. Os alunos deverão trocar os diários entre eles para que haja o
143. conhecimento e a leitura de diferentes formas de registro,
observando as
144. diferentes interpretações e problemas que podem ser negociados e
145. socializados entre todos os leitores participantes do processo. Em
146. seguida, os alunos, somente aqueles que desejarem, deverão
entregar os
147. diários para a estagiária que fará comentários particulares,
estabelecendo-
148. se um processo dialógico direto com cada aluno.
(Projeto 2, Metodologia)
Fizemos também a identificação das figuras de ação que indicam um modo
de dizer (ação ocorrência, ação evento passado, ação experiência, ação canônica,
ação definição), articulando ou excluindo alguns dos elementos indicados no
triângulo do trabalho docente, conforme foram exemplificadas no capítulo teórico.
E buscamos a identificação das figuras interpretativas do agir que indicam um
modo de agir dos actantes (agir linguageiro, agir com instrumentos, agir cognitivo
87
e com capacidades), examinando o valor semântico dos verbos e das
nominalizações em que o actante do processo representado é o professor. Mazzilo
(2006) deteve-se apenas nos predicados em que o professor aparecia como sujeito,
mas, em nossa análise, preferimos incluir também os casos em que havia
nominalização e que era possível depreender o predicado correspondente
envolvendo o professor, como no exemplo a seguir:
3. Muitas vezes, é comum que a
4. leitura seja apresentada [pelo professor] como modo de punição [do
aluno pelo professor] ou avaliação [do aluno
pelo professor], isso torna sua
5. prática algo extremamente desinteressante aos alunos.
(Projeto 5, Introdução)
Predicados depreendidos:
1) O professor apresenta a leitura (Agir com instrumento “leitura”);
2) ... como modo de o professor punir o aluno por meio da leitura (Agir
com instrumento “leitura”);
3) ou como modo de o professor avaliar o aluno por meio da leitura (Agir
com instrumento “leitura”).
Simultaneamente à análise dessas figuras, desenvolvemos a identificação
dos elementos do agir (determinantes externos/motivos; finalidades/intenções;
artefatos/instrumentos; capacidades) atribuídos aos actantes, constatados a partir
da análise de alguns organizadores lógicos empregados (porque, pois, para que,
com o objetivo de, etc.) e da seleção lexical empregada para indicar artefatos
(textos, leitura, questões, etc.) e capacidades (“A professora não consegue criar
uma aula interessante”, “O professor tem habilidade para explicar a matéria”).
Vejamos alguns exemplos encontrados nos projetos analisados:
88
- Determinante externo:
30. Durante uma aula sobre o período pré-modernista a professora da sala
tenta
31. apresentar as obras e características de escrita de Augusto dos Anjos,
antes
32. de apresentá-las, comenta que não gosta do autor e que nunca leu suas
obras
33. exatamente por ter ouvido falar de sua fama grotesca e mórbida ao
se
34. referir à vida, além de este possuir uma escrita muito difícil de ser
35. compreendida.
(Projeto 5, Introdução)
- Finalidade:
11. Vejamos o que alguns alunos respondem ao serem abordados pela
professora
12. para opinar sobre determinado texto:
13. Aluno 1: “eu nem entendi o texto dona...”
14. Aluno 2: “eu acho que o autor ta querendo falar sobre...sei acho que
sobre a
15. guerra;”
16. Aluno 3: “eu acho que o mesmo que ele dona.”
(Projeto 2, Introdução)
- Artefato simbólico:
10. Nota-se que os alunos, em diversas situações de produção envolvendo
11. leitura, não conseguem se posicionar a respeito de algum texto ou fato
12. ocorrido.
(Projeto 7, Introdução)
Após essas identificações, pudemos elaborar as nossas interpretações das
representações sobre o trabalho docente construídas nos textos analisados. Os
resultados dessas análises e as interpretações serão apresentados nos capítulos
89
seguintes: no 5, exporemos os resultados da análise do documento de orientação, e
no 6, dos projetos de intervenção.
90
Capítulo 5
Resultados da análise do documento de orientação para a
produção dos projetos de intervenção no estágio
Conforme dissemos, os projetos de intervenção, analisados nesta
pesquisa, foram produzidos na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa, seguindo as indicações do documento “Instruções Gerais para o
Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”
18
.
Esse documento não apresenta a formulação lingüística convencional de
uma prescrição, com verbos no imperativo e marcas de segunda pessoa, mas faz a
prefiguração do agir futuro do estagiário. Como um texto prefigurativo, ele acaba
normatizando o agir do estagiário durante o estágio e durante a produção do
projeto de intervenção. Sabemos, é claro, que entre a prescrição e o trabalho
realizado existe uma distância, logo, o projeto de intervenção produzido pelo
aluno não será o resultado da obediência cega a uma prescrição, mas uma reação a
essa prescrição junto a seu conhecimento de mundo, de sua formação, de sua
situação de produção, etc. Assim, estudar essa prescrição, ainda que não nos
explique mecanicamente a produção do projeto de intervenção realizada por cada
aluno, pode nos ajudar a compreender o contexto em que o estagiário produziu o
seu texto e a interpretar melhor a sua forma de organização, além de nos permitir
perceber algumas representações sobre o trabalho do professor que são
construídas em textos nessa universidade.
Assim, neste capítulo, apresentamos os resultados da análise desse
documento de prescrição para o estágio, que procurou examinar o contexto
sociointeracional de produção, as características organizacionais e enunciativas, as
características semânticas e o papel dos actantes postos em cena. Finalizando este
capítulo, apresentamos as conclusões a que chegamos.
5.1 O contexto sociointeracional de produção
Desde a década de 90, a educação brasileira vem passando por grandes
modificações com a implementação de vários programas tais como os de
avaliação (de cursos, de professores, de alunos, de materiais didáticos), os de
18
Esse documento se encontra no Anexo 2.
91
reformulação (das diretrizes nacionais de educação, das diretrizes dos cursos, da
organização dos estágios para a formação profissional), etc.
Essas modificações têm exigido que as universidades se reestruturem a fim
de estar adequadas ante as novas exigências, uma vez que elas passaram a receber
conceitos avaliativos do governo, os quais, se forem muito ruins, podem levar ao
fechamento da universidade, se esta for particular, ou a sanções, no caso de serem
públicas.
É nesse contexto de adaptação da universidade aos novos direcionamentos
do governo federal que surge a necessidade de se organizar todos os cursos para
que recebam boas notas avaliativas. Uma das formas encontradas para fazer essa
organização foi normatizar, via documentos escritos, todos os procedimentos
utilizados em cada área da universidade. Foi isso que ocorreu no curso de Letras
da universidade de nossa pesquisa, dando surgimento a vários documentos como o
“Instruções gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em
Língua Inglesa”.
Esse documento foi produzido pelos quatro professores responsáveis pelas
disciplinas de Estágio Supervisionado do curso de Letras, sob a direção do
coordenador do curso e com o objetivo de normatizar o funcionamento do estágio
nesse curso e de facilitar o trabalho dos alunos, uma vez que ele procura dar conta
de tudo que deverá ser feito no período do estágio. Entretanto, ele é modificável,
pois, havendo concordância dos professores responsáveis pela área de estágio,
esse documento pode sofrer alterações antes de se iniciar um outro período letivo,
sempre que se constatar que existe alguma lacuna, falha ou inadequação à lei
vigente sobre os estágios. Normalmente, na última reunião de um semestre ou na
primeira do seguinte, o coordenador do curso faz uma reunião com os professores
que serão os responsáveis pelo estágio
19
para verificar se haverá necessidade de
modificar o documento. Caso seja proposta uma mudança por um dos professores
ou mesmo pelo coordenador, o grupo discute-a e decide se vai implementá-la ou
não.
Ainda que seja produzido para os alunos, esse documento tem também
dois outros leitores previstos: os próprios professores de estágio, que devem
19
Nessa universidade, não uma predeterminação sobre quem serão os professores de cada
disciplina. Assim, pode haver uma variação dos professores encarregados pela disciplina de estágio,
conforme o semestre e de acordo com a quantidade de horas-aula que será atribuída a cada um.
92
seguir o que é nele previsto, e os avaliadores do governo federal, que poderão
analisar o documento como parte da avaliação que farão do curso de Letras dessa
universidade. Esses avaliadores não são citados no texto, mas sabe-se que eles
podem ser seus leitores, pois a universidade recebe periodicamente avaliadores do
MEC, para quem deve disponibilizar todos os documentos do curso.
5.2 As características organizacionais e enunciativas do documento
Esse documento pode ser encontrado impresso ou na internet, no site da
universidade, ficando sob a responsabilidade do professor-supervisor de estágio a
sua distribuição e apresentação para os alunos-estagiários a cada semestre.
Normalmente, na primeira aula, o professor-supervisor apresenta o seu programa
de ensino e esse documento.
Em todas as suas páginas, um cabeçalho, abaixo reproduzido, em que
aparece, primeiramente, o nome da universidade, depois a área e o curso em que
ele circula, além do nome do documento: “Instruções gerais para o Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”. Dessa forma,
parece-nos que ele se coloca como documento oficial sob a responsabilidade
maior da direção, que quer dar as instruções sobre o processo de realização do
estágio:
“Universidade XXX
Área de Ciências Humanas e Sociais
Curso de Letras - Instruções Gerais para o
ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA
Apesar de o nome ser “Instruções”, o documento é constituído por artigos,
13, o que faz com que sua forma se assemelhe a uma lei, com estatuto jurídico.
Vejamos uma de suas páginas impressas:
93
Universidade XXX
Área de Ciências Humanas e Sociais
Curso de Letras - Instruções Gerais para o
ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA
INGLESA
Artigo 1
o
. O estágio supervisionado em Língua Portuguesa ou em Língua Inglesa deverá ser
desenvolvido individualmente ou em grupos de até três alunos.
Parágrafo primeiro. Os integrantes de um mesmo grupo deverão desenvolver suas atividades
na mesma escola, preferencialmente na mesma turma, sob a orientação de um mesmo
professor.
Parágrafo segundo. Estarão automaticamente reprovados todos os integrantes de grupos de
estágio formados por mais de três alunos.
Artigo 2
o
. Os estágios supervisionados em Língua Portuguesa I e II ou em Língua Inglesa I
e II deverão ser desenvolvidos em turmas de a série do Ensino Fundamental de
escolas regulares da rede pública ou da rede particular.
Parágrafo primeiro. Não serão lidos, para nenhum efeito, os estágios de módulos I e II
realizados em escolas ou turmas do Ensino Médio, em cursos supletivos, em cursos pré-
vestibulares e em outros cursos que, do ponto de vista legal, não possam figurar como
ensino regular de nível básico.
Artigo 3
o
. Os estágios supervisionados em Língua Portuguesa III e IV ou em Língua Inglesa
III ou IV deverão ser desenvolvidos em turmas do Ensino Médio de escolas regulares da
rede pública ou da rede particular.
Parágrafo único. Não serão válidos, para nenhum efeito, os estágios de módulos III e IV
realizados em escolas ou turmas do Ensino Fundamental, em cursos supletivos, em cursos
pré-vestibulares e em outros cursos que, do ponto de vista legal, não possam figurar como
ensino regular de nível básico.
Artigo 4
o
. É de inteira responsabilidade do aluno a obtenção de vagas na rede pública ou
particular de ensino para a realização do estágio supervisionado. Por isso, o aluno ou grupo
de alunos deverá entrar em contato com uma escola o mais rápido possível, reservando sua
vaga para o desenvolvimento do estágio.
Parágrafo primeiro. A falta de vagas nas escolas não será aceita como justificativa para o
atraso ou para a não-entrega dos relatórios de estágio.
Parágrafo segundo. O aluno que estiver comprovadamente lecionando Língua Portuguesa ou
Língua Inglesa, conforme a habilitação escolhida, poderá convalidar até 50% de suas horas-
aula como atividades de observação e regência, desde que esteja efetivamente exercendo a
função de professor no nível em que estiver cursando a disciplina de Estágio Supervisionado,
ou seja, Ensino Fundamental ou Ensino Médio.
Artigo 5
o
. O aluno deverá encontrar, na escola, um professor-orientador da área de Língua
Portuguesa ou de Língua Inglesa, que será acompanhado durante as atividades de estágio.
Parágrafo primeiro. A escolha do professor-orientador deve observar a sua disponibilidade
para a cooperação nas atividades do estágio. O professor deve, nesse sentido, concordar
que o aluno aplique, durante o período do estágio, um projeto de intervenção e que tenha
acesso aos textos produzidos pelos alunos e ao material didático utilizado em sala de aula.
Parágrafo segundo. Os obstáculos que o professor-orientador possa oferecer ao processo
não serão aceitos como justificativas da má qualidade dos relatórios apresentados.
Após os artigos, há os anexos, quatro, nos quais são apresentadas as
grades de correção dos textos escritos (projeto de intervenção e relatório) que os
alunos produzirão para o Estágio em Língua Portuguesa ou Língua Inglesa,
conforme a sua opção de curso.
O documento apresenta o seguinte plano global:
94
Quadro 5 – O plano global do documento
Artigos Conteúdo
1° ao 7° Determinação das condições gerais do estágio: onde, em que
quantidade de horas, com quem deve ser feito o estágio
Determinação dos objetivos das 3 etapas do estágio
Determinação detalhada da etapa 1, com a realização de estágio
de observação que tem por objetivo a coleta de informações para
a confecção do projeto de intervenção.
10° ao 11° Determinação detalhada da etapa 2, com a realização de estágio
de participação que tem por objetivo a produção de um projeto
de intervenção, baseado nas necessidades identificadas na etapa
anterior.
12° ao 13° Determinação detalhada da etapa 3, com a realização de estágio
de regência que tem por objetivo a aplicação do projeto definido
e preparado nas etapas anteriores, além da produção do relatório
final.
Não marcas de primeira ou segunda pessoa do discurso e os tempos
verbais são o futuro do presente e o presente, portanto com a predominância do
discurso teórico, o que contribui para que esse documento se assemelhe a uma lei
que é válida para todos. Contribuindo, assim, para esse caráter de norma,
encontramos no texto todo um modo de dizer o agir construído com a figura de
“ação canônica”, conforme Bulea e Fristalon (2004) e Abreu-Tardelli (2006),
expondo a regra, a prescrição, feita por alguém externo ao actante:
Artigo 1
o
. O estágio supervisionado em Língua Portuguesa ou em Língua Inglesa
deverá ser desenvolvido individualmente ou em grupos de até três alunos.
Parágrafo primeiro. Os integrantes de um mesmo grupo deverão desenvolver
suas atividades na mesma escola, preferencialmente na mesma turma, sob a
orientação de um mesmo professor.
Parágrafo segundo. Estarão automaticamente reprovados todos os integrantes de
grupos de estágio formados por mais de três alunos.
predominância de frases com relações predicativas indiretas, com forte
presença do metaverbo de valor deôntico “dever”, o que reafirma o seu caráter de
prescrição. muitos verbos na voz passiva sem a presença dos agentes
correspondentes (ora o professor-supervisor ora o aluno) e nominalizações das
ações que o aluno deve fazer (“elaboração de roteiro”; “observação direta ou
95
indireta”, “diagnóstico de algumas das principais dificuldades dos alunos”), o que
faz ressaltar mais o próprio agir que seus actantes.
Em relação ao agir linguageiro esperado do estagiário, ou seja, a produção
do projeto de intervenção e do relatório, uma descrição detalhada da forma de
apresentação dos textos. No caso do projeto de intervenção, por exemplo,
encontramos detalhes tanto sobre a forma quanto sobre o conteúdo e amesmo
sobre a capa, o tipo de letra, tamanho do papel e do texto, além de se elencar o
que deve tratar cada seção do texto:
Artigo 11
o
.
Parágrafo segundo. Do ponto de vista da forma, o projeto de intervenção deverá:
a) conter capa (de papel), com a indicação do(s) autor(es), título do projeto, local e data
de realização (ver modelo na Instrutoria de Letras);
b) conter folha de rosto, com o nome e o RA dos integrantes do grupo, indicação do tipo
de texto, da disciplina cursada, do professor-supervisor, local e data de realização;
c) conter folha de visto, com o nome, o telefone e a assinatura do professor-orientador,
nome e endereço da escola freqüentada, e indicação da turma e da série observadas;
d) conter sumário, com indicação das subdivisões do projeto e respectivas páginas;
e) ser impresso ou datilografado, em fonte 12, preta, arial ou times new roman, em
papel A4, branco, com folhas numeradas;
f) ter até 10 páginas de texto, excluindo-se, entretanto, capa, folha de rosto, sumário,
referências bibliográficas e anexos;
g) trazer as referências bibliográficas segundo o padrão da ABNT, conforme o Manual de
Orientações para Trabalhos Acadêmicos e Monografias à disposição na Instrutoria de Letras;
h) obedecer à norma-padrão da Língua Portuguesa.
Parágrafo terceiro. Do ponto de vista do conteúdo, o projeto de intervenção deverá
conter as seguintes seções:
a) Introdução. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos deverá apresentar, de modo
geral, os seguintes itens: tema, área, pergunta de pesquisa e/ou hipótese, objetivos e
justificativas.
b) Fundamentação Teórica. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos deverá fazer
uma apresentação articulada dos trabalhos já escritos sobre o tema, inter-relacionando-os e
explicitando as idéias e os conceitos dos autores citados que sejam pertinentes ao assunto
escolhido.
c) Metodologia. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos detalhará o percurso que
será trilhado para a consecução dos objetivos específicos propostos. Trata-se do estudo dos
sujeitos, dos instrumentos e dos procedimentos que deverão ser utilizados para o
desenvolvimento do trabalho. A seção deverá também trazer, de forma detalhada, a
metodologia de avaliação que será empregada para verificar se o projeto foi ou não bem-
sucedido.
d) Cronograma. Trata-se da distribuição das atividades de implementação do projeto
no tempo. Deve consistir em uma tabela cujas linhas correspondem às atividades que serão
desenvolvidas no estágio de participação, realizado tanto na universidade como na escola, e
de regência e cujas colunas correspondem à unidade de tempo pertinente para a execução
dessas atividades.
Contudo, ainda que os dois artigos anteriores (artigos 9 e 10) anunciem a
necessidade de que se escolha um tema sobre o ensino de língua, nenhuma
informação sobre ensino aparece na prescrição do conteúdo do projeto. O que
vemos, na realidade, é uma descrição bem genérica do plano global que o texto
deve ter, que serviria para qualquer projeto de pesquisa.
96
Como faz o aluno, então, para produzir o seu texto? O aluno conta com a
ajuda do professor-supervisor de estágio, que elege a cada semestre um tópico
(Produção Escrita ou Produção/Compreensão Oral ou Leitura ou Análise
Lingüística) e trabalha com os alunos uma bibliografia teórica para ajudá-los a
fundamentar as questões que serão tratadas nos seus projetos de intervenção. Sem
essa interação com o professor-supervisor, a construção desse projeto seria muito
difícil, todavia, como verificaremos abaixo, a participação desse professor-
supervisor é bem pouco vislumbrada no documento de prescrição.
Na próxima seção, apresentaremos que tratamento foi dado aos actantes que
aparecem nesse documento e que elementos constitutivos do trabalho do professor
foram tematizados e/ou avaliados.
5.3 As características semânticas: o papel dos actantes postos em cena
Nesse documento, encontramos quatro actantes, ou seja, seres humanos a
quem se atribui um agir: o estagiário, nomeado como aluno, grupo ou integrante
de grupo; o professor-supervisor de estágio, que atua na universidade; o professor
observado, nomeado no documento de professor-orientador, e o aluno desse
professor. Vejamos quantas vezes é atribuído um agir a cada um desses actantes:
Quadro 6 – Quantidade de agir atribuído a cada actante
Actantes
Quantidade de
agir atribuído a
cada um
Porcentual
Estagiário 75 67,57%
Professor-
supervisor
23 20,72%
Professor
observado
8 7,21%
Alunos do
professor-
orientador
5 4,5%
Total: 4 Total: 111 100%
97
Como se pode perceber, o estagiário é o protagonista do agir nesse documento,
seguido pelo professor-supervisor e pelo professor observado. O aluno do
professor observado aparece apenas em cinco vezes, da seguinte forma:
Quadro 7 – Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante aluno do
professor observado
Termo expresso Termo oculto
Exemplos
“...textos produzidos pelos
alunos” (Artigo 5)
“...seu grau de dedicação”
(Artigo 9 c.3)
“...correção dos exercícios [dos
alunos]” (Artigo 12)
Quantidades
4 1
A esse aluno atribuem-se um agir com instrumentos simbólicos produzir
textos (art. 5); dedicar-se às atividades (art. 9) e fazer exercícios (art. 12) e um
agir cognitivo reagir às estratégias do professor, interessar-se pela área (art. 9).
Como esse agir do aluno do professor observado será importante na análise do
agir do estagiário, deixaremos para discuti-lo na próxima seção, ao tratarmos do
estagiário. Logo depois, apresentaremos o agir do professor observado e do
professor-supervisor.
5.3.1 O estagiário no documento
O estagiário é o protagonista principal, já que se atribui um agir a ele 75
vezes, ou seja, 67, 57%, no documento todo. Mas ele não aparece explicitamente
em todo o texto, sendo, assim, identificado também por meio de pronome ou de
elipse:
98
Quadro 8 – Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante estagiário no
documento
Termo expresso
Termo oculto
Exemplos
O aluno deverá encontrar...”
(Artigo 5)
que estiver lecionando...”
(Artigo 4)
“O projeto... deverá ser
entregue [pelo estagiário]
ao professor” (Artigo 11)
“A escolha [pelo estagiário]
do professor-orientador...”
(Artigo 5)
Quantidades
20 55
Como podemos verificar, na maior parte dos casos, 55 vezes em um total
de 75, o termo “estagiário” não está explicitado junto ao agir que lhe é atribuído.
Segundo o documento, o estagiário pode agir individualmente ou em grupo,
devendo seguir corretamente as instruções, ou sofrerá as penalidades também
apresentadas no texto. Contudo, na atribuição de um agir ao estagiário, não se
apresentam seus motivos, intenções ou capacidades. As prescrições que lhe são
feitas são constituídas somente do agir esperado:
Artigo 10
o
. O estágio de participação corresponde à confecção [pelo estagiário] de um
projeto de intervenção, e deve ser subdividido [pelo estagiário] nas seguintes etapas:
a) A eleição [pelo estagiário] de um tema para a elaboração do projeto de
intervenção, com o consentimento do professor e sua inclusão no programa da disciplina;
b) A pesquisa bibliográfica [feita pelo estagiário] sobre o tema eleito, em
gramáticas pedagógicas e em textos;
c) A redação [feita pelo estagiário] de um projeto de intervenção, nos moldes do
artigo 11 abaixo.
Dessa forma, o estagiário é posto nesse documento como protagonista do
agir mas com papel de agente e não de ator. Ele é o agente que deverá acatar as
ordens. Nos vários artigos, recomendam-se, para o estagiário: o lugar em que ele
poderá agir; o tempo em que ele deverá agir; com que destinatários; que escolhas
deverá fazer, que responsabilidades são suas; quais são seus direitos; que
penalidades poderão lhe ser imputadas; que documentos deve escrever e como
deve fazê-lo para ser aprovado no estágio. Dessa forma, atribui-se a ele um agir
linguageiro, um agir com instrumentos simbólicos e um agir cognitivo.
99
Entretanto, pouco se fala sobre sua relação com o professor observado na escola e
com os elementos constituintes do seu trabalho.
De acordo com as instruções, o estagiário é levado a observar a escola, o
professor, os alunos, o trabalho sem interagir com a figura principal que é o
professor e o trabalho de ser professor. Note-se ainda que nada se diz sobre a
preparação da aula, sobre seu desenvolvimento, a relação do professor com o
objeto de ensino e seus alunos, nem sobre as conversas que o aluno poderia ter
com o professor.
Os itens relativos à observação são apresentados separadamente e não se
faz menção à inter-relação que há entre eles, a não ser no começo do item
(“condições de produção do ensino-aprendizagem”; “condições de produção do
ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa”). Dos dez aspectos que o aluno deve
observar, somente em cinco se explicita um olhar sobre o professor, tal como
podemos observar a seguir:
Artigo 9
o
. O estágio de observação corresponde ao desenvolvimento das seguintes
atividades:
a) Elaboração de roteiro de observação, com o planejamento das atividades e
da metodologia de observação.
b) Observação direta ou indireta das condições de produção do ensino-aprendizagem,
salientando, entre outras:
b.1) as instalações físicas da escola (estado de conservação, número de salas,
qualidade do acervo e do acesso à biblioteca, disponibilidade de laboratórios e recursos
audiovisuais, etc.);
b.2) as condições de oferta do ensino (número de vagas, número de alunos, número
de professores, mero de funcionários, séries abrangidas, turnos de funcionamento da
escola, etc.);
b.3) avaliação quantitativa do ensino (número de alunos por sala, número de
professores por aluno, índices de evasão e repetência, etc.);
b.4) o perfil sócio-cultural da clientela (faixa etária dos alunos, classe econômica,
ocupação, aspirações, hábitos, etc.);
b.5) o perfil cio-cultural dos professores (qualificação, regime de
dedicação, número de horas-aula, aspirações, hábitos, envolvimento em outras
carreiras profissionais, etc.).
c) Observação direta ou indireta das condições de produção do ensino-aprendizagem
de Língua Portuguesa ou de Língua Inglesa, salientando, entre outras:
c.1) o programa da disciplina e sua adequação aos Parâmetros Curriculares Nacionais;
c.2) a análise do material didático utilizado, e a classificação do livro didático pelo MEC;
c.3) a análise das estratégias utilizadas pelo professor para o trabalho com
tópicos de Língua Portuguesa e de Língua Inglesa e a reação dos alunos à
utilização dessas estratégias;
c.4) o interesse dos alunos pela área, e seu grau de dedicação às atividades
desenvolvidas;
c.5) o desempenho lingüístico do aluno e do professor, no registro da fala e
no registro da escrita, com a consideração das categorias sociolingüísticas
pertinentes.
d) O diagnóstico de algumas das principais dificuldades dos alunos relativas à
área de Língua Portuguesa ou à área de Língua Inglesa.
100
Entretanto a especificação do que seja a “observação direta ou indireta” não
coloca o estagiário no papel de simples observador; mas na de um avaliador.
Constata-se isso ao verificar os objetos da observação descritos no item c. Em c.1,
aponta-se que ele deve observar o programa, mas a adequação não é um objeto, é
um critério para avaliação. Em c.2, o objeto observável é o material didático, mas
a “classificação do livro didático pelo MEC” implica avaliação. Dessa forma,
pode-se dizer que, nos itens c.1 e c.2, foi dado um parâmetro a partir do qual se
deve avaliar: adequação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e ao
MEC. Assim, ao se pedir no item c.3 para que se analisem as estratégias utilizadas
pelo professor, espera-se uma avaliação da adequação destas aos PCNs e às
prescrições do MEC. Dessa maneira, parece que as instruções levam o
estagiário a tomar a postura de avaliador.
Um outro critério tematizado para essa avaliação é o agir do aluno desse
professor apresentado em 9 c.3 e c.4, pois o modo como esse aluno reage às
estratégias utilizadas pelo professor, como se interessa ou se dedica à disciplina
fazem parte das “observações diretas ou indiretas” do estagiário e, portanto,
seguindo a organização do documento, devem permitir avaliar a qualidade do
trabalho do professor. Retoma-se, assim, a visão de que é possível avaliar o agir
do professor, centrando-se no agir do aluno, que seria um reflexo do trabalho
docente.
Em suma, essa avaliação que poderá ser feita pelo estagiário se centra em
três elementos constitutivos do trabalho do professor: os alunos e os artefatos
(materiais didáticos e estratégias de ensino), incluindo-se também nestes as
prescrições (adequação aos PCNs). Nada se fala sobre o coletivo de trabalho ou as
regras do ofício, ou ainda sobre o fato de que ele pode aprender com esse
professor, observando e discutindo sobre a experiência dele a partir das aulas
observadas, por exemplo. Nem se sugere que haja um respeito por esse
profissional que o recebeu e que se tente ajudá-lo durante o período do estágio.
Trataremos, na próxima seção, de como esse professor observado aparece
nessas instruções.
101
5.3.2 O professor observado no documento
É atribuído um agir ao professor observado oito vezes no documento. Em
seis dessas vezes, houve repetição do termo “professor” e, em outras duas, ele
estava oculto:
Quadro 9 – Exemplos da forma de apresentação do actante professor observado no
documento
Termo expresso Termo oculto
Exemplos
“...sob a orientação de um
mesmo professor” (Artigo 1)
“...material didático
utilizado [pelo professor]
em sala de aula” (Artigo 5)
Segundo o documento de instruções do estágio, o agir desse professor,
que aparece em poucos artigos (1, 5, 9, 10 e 11), consiste em orientar os
estagiários (art. 1); cooperar com eles, concordar com o seu agir, não oferecer
obstáculos ao seu agir e consentir com ele (art. 5); além de utilizar estratégias e
materiais didáticos (art. 5 e 9) e assinar os projetos. Como se pode verificar, em
cinco das oito vezes, o agir atribuído a esse professor é relacionado ao estagiário,
consituindo-se, assim, em um agir linguageiro direcionado ao outro, e, nas outras
três vezes, ocorre um agir com instrumentos simbólicos (material didático,
estratégias, os projetos):
102
Quadro 10 – Agir atribuído ao professor observado
Artigo Agir
1
5
5
5
5
9
10
11
Orientar os estagiários
Cooperar com os estagiários
Concordar com o agir do
estagiário
Utilizar material didático
Pode oferecer obstáculos ao
estagiário
Utilizar estratégias
Consentir com o agir do
estagiário
Assinar os projetos
Desse modo, ainda que esse professor tenha um papel ativo de orientar os
estagiários no artigo 1; nos outros, ele assume um papel mais passivo, até de quem
deve ser um objeto que não atrapalhe o agir do estagiário:
Artigo 1
o
. Parágrafo primeiro. Os integrantes de um mesmo grupo deverão desenvolver
suas atividades na mesma escola, preferencialmente na mesma turma, sob a orientação de
um mesmo professor.
Artigo 5
o
.
Parágrafo primeiro. A escolha do professor-orientador deve observar a sua disponibilidade
para a cooperação [do professor] nas atividades do estágio. O professor deve, nesse
sentido, concordar que o aluno aplique, durante o período do estágio, um projeto de
intervenção e que tenha acesso aos textos produzidos pelos alunos e ao material didático
utilizado [pelo professor] em sala de aula.
Parágrafo segundo. Os obstáculos que o professor-orientador possa oferecer ao processo
não serão aceitos como justificativas da má qualidade dos relatórios apresentados.
Artigo 9
o
c.3) a análise das estratégias utilizadas pelo professor para o trabalho com tópicos de
Língua Portuguesa e de Língua Inglesa e a reação dos alunos à utilização dessas estratégias;
Artigo 10°.
c) A eleição de um tema para a elaboração do projeto de intervenção, com o consentimento
do professor e sua inclusão no programa da disciplina;
Artigo 11
o
.
Parágrafo sexto. Recomenda-se que os projetos tenham sido previamente assinados pelo
professor-orientador para fins de correção pelo professor-supervisor.
Esse tratamento do professor observado como um objeto do estagiário foi
também encontrado ao se analisar o agir do estagiário em quatro momentos no
103
artigo 5, em que se mostra que esse professor: será encontrado, será
acompanhado, será escolhido pelo estagiário e estará disponível para o estagiário:
Artigo 5
o
. O aluno deverá encontrar, na escola, um professor-orientador
da área de Língua Portuguesa ou de Língua Inglesa, que será acompanhado
durante as atividades de estágio.
Parágrafo primeiro. A escolha do professor-orientador deve observar a sua
disponibilidade para a cooperação nas atividades do estágio.
Assim, o professor observado configura-se no texto mais como um objeto
que um agente, sem motivos, intenções ou capacidades, deixando o estagiário
livre para trabalhar sem colocar obstáculos. Contudo, como ele poderá contribuir
para a formação do futuro professor? Ou, na verdade, o que se espera é que a sua
contribuição deva ficar apenas no nível de um objeto a ser observado? Parece que
é este o caso quando verificamos o que se apresenta sobre o trabalho do professor,
como vimos anteriormente: um trabalho reduzido a algumas ferramentas e um
dever de obediência à prescrição oficial (PCNs). Essa visão ajuda a perceber uma
das diferenças entre o estágio nas licenciaturas e o realizado em outras áreas,
como engenharias, administração, fonoaudiologia, etc., em que o estagiário vai a
campo para aprender com o profissional ativo que lá já está e não para analisar um
objeto simplesmente.
Ao se tratar do professor-supervisor também se apresenta uma visão
peculiar sobre o seu trabalho, como veremos a seguir.
5.3.3 O professor-supervisor no documento
O professor-supervisor, na prática, é aquele que organizará a disciplina de
Estágio Supervisionado, fazendo um programa/cronograma, e sendo o responsável
pelas aulas de teoria e discussões sobre as observações feitas pelos estagiários.
Além disso, cabe a ele também orientar os alunos para a produção dos textos que
serão avaliados posteriormente. Contudo, ainda que tenha uma grande
participação no sucesso da construção do trabalho do aluno no estágio, no
documento prescritivo da universidade, esse papel é bastante reduzido.
Ao professor-supervisor é atribuído um agir 23 vezes, mas, como o
estagiário, ele não aparece explicitamente em todo o texto, ficando, assim, oculto
por meio de elipse:
104
Quadro 11 – Exemplos e quantidade da forma de apresentação do actante professor-
supervisor
Termo expresso Termo oculto
Exemplos
“Cabe ao aluno apresentar, na
secretaria da escola, a carta
de apresentação devidamente
preenchida e assinada pelo
supervisor de estágio ou
coordenador do curso.”
(Artigo 6)
“... para [ele, professor-
supervisor] investigar a
autenticidade de sua autoria”
(Artigo 11)
“Parágrafo primeiro. A falta de
vagas nas escolas não será
aceita como justificativa
[pelo professor-supervisor]
...”
(Artigo 4)
Quantidades
6 17
Quase se representa o professor-supervisor como um “punidor”, ou seja,
ele será o sujeito que punirá o aluno se este não agir corretamente conforme as
prescrições, como se pode ver no quadro a seguir:
105
Quadro 12 – O agir atribuído ao professor-supervisor
Artigo Agir para punir Agir sem punição
1 Reprovar o estagiário
4 Não aceitar
justificativa do
estagiário
5 Não aceitar
justificativa do
estagiário
6 Reprovar o estagiário Preencher e
assinar uma carta
11 e
13
iguais
Penalizar o estagiário
Dar nota zero
Atribuir nota zero
Empreender avaliação
(caso desconfie da
autenticidade do
projeto)
Investigar a
autenticidade
Esclarecer pontos
obscuros
Tolerar atraso
Receber projetos
Corrigir projetos
Nos seis artigos em que aparece o professor-supervisor, ressalta-se essa
sua função, mas sem atribuir a esse punidor uma responsabilidade (motivos,
intenção, capacidade) pelo que faz. Assim, o professor assume o papel de um
agente, já que a ele não se atribuem motivos/intenções ou capacidades, cujo
trabalho é garantir a observância das prescrições.
Ao enfatizar somente esse caráter punidor, esse documento perde a
chance de mostrar o que um professor-supervisor poderia fazer para contribuir
com a formação do futuro professor. Tal fato pode gerar conseqüências para o
curso, já que um professor que nunca tivesse dado antes essa disciplina de Estágio
Supervisionado seria levado a pensar, pela leitura do documento, que o seu
trabalho deve ser apenas o de receber documentos dos estagiários, avaliá-los e,
principalmente, punir os estagiários que o seguiram as regras. Seria relevante
considerar a hipótese de que esse tipo de texto que só retrata um elemento do
trabalho do professor, no caso, a relação com a prescrição, silenciando (ou
106
negando?) os outros, tais como a relação com o coletivo de trabalho ou com os
outros sujeitos para quem essa atividade é dirigida, as regras do ofício, as
ferramentas, etc. pode ter grande contribuição para a manutenção de uma visão
subdimensionada do trabalho do professor.
5.4 Conclusões sobre a análise do documento de orientação
O documento “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa e em Língua Inglesa”, como pudemos constatar, centra-se nos
aspectos formais, apresentando onde, quando, durante quanto tempo, com quem
deve ser o estágio, além de como devem ser feitos os textos, projeto e relatório
que serão avaliados.
Encontramos nesse texto três actantes: o estagiário, o professor-orientador
(observado) e o professor-supervisor. O estagiário é apresentado como um agente,
desempenhando inclusive o papel de avaliador de alguns elementos do trabalho do
professor: os artefatos e a obediência às prescrições. Dessa forma, notamos que
uma simplificação do trabalho do professor, que outros elementos nem foram
sugeridos. Esse subdimensionamento do trabalho docente pode passar para o
estagiário uma visão incompleta de sua futura profissão, além de ajudar a
perpetuar a idéia, já corrente no senso comum, de que basta ao professor seguir as
regras, ter um programa e um material didático adequado às prescrições
institucionais para que a educação brasileira melhore. Reforça-se essa visão ao
apresentar o professor-orientador como um objeto, cujo trabalho poderá ser alvo
das críticas do estagiário, e ao se silenciar sobre a possibilidade de que o
estagiário possa aprender algo de bom com esse docente. Esse quadro o se
altera ao se tratar do professor-supervisor do estágio, que o documento destaca
apenas o seu papel enquanto um agente punidor, nada dizendo sobre a
importância de sua atuação para que o estágio possa funcionar como um espaço
de desenvolvimento do estagiário. Desse modo, constata-se, nesse documento, a
construção de duas representações de professor: de objeto observado e de
aplicador de punições.
Assim, a leitura atenta do documento e a obediência de suas regras pode
levar o estagiário a reproduzir a visão do senso comum sobre o trabalho do
professor em vez de ajudá-lo a saber agir para aprender mais sobre a sua futura
107
profissão, podendo, com isso, desenvolver-se profissionalmente. Como nas
indicações sobre a produção dos projetos não referências sobre o trabalho do
professor, em geral, nem mesmo sobre os elementos desse ofício, corre-se um
sério risco de que o estagiário acabe realmente por reproduzir essa visão. Mas será
que é isso que encontraremos nos projetos? É o que verificaremos no próximo
capítulo no qual apresentaremos os resultados da análise dos projetos.
108
Capítulo 6
Resultados da análise dos projetos de intervenção
Neste capítulo, apresentamos os resultados das análises dos projetos de
intervenção. Essa análise nos permitiu perceber que, apesar das semelhanças no nível
formal quanto ao tipo de formatação e às divisões internas em Introdução,
Fundamentação teórica, Metodologia, Referências bibliográficas e Anexos, entre
eles uma grande diferença quando observamos como o professor observado
(doravante PO) durante o estágio foi tratado em cada um deles. Como podemos
verificar no gráfico a seguir, esse PO nem é mencionado em alguns projetos (3 e 4),
ao contrário do actante aluno, que se destacou em todos os projetos:
Gráfico 3 – Os actantes nos projetos
Actantes
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
Projeto 1 Projeto 2 Projeto 3 Projeto 4 Projeto 5 Projeto 6 Projeto 7 Projeto 8 Projeto 9 Projeto 10
Aluno
Professor Generico (PG)
Estagiário
Professor Observado (PO)
De acordo com esse tratamento dado ao PO, reunimos os projetos em três
grupos. No grupo 1, composto por sete projetos (1, 2, 5, 6, 7, 8, 10), estão os que
fazem referência ao professor observado no estágio, retomando-o principalmente em
segmentos que descrevem o trabalho desse professor em sala de aula; no grupo 2,
encontra-se um projeto (projeto 9) que apenas menciona esse professor, sem se
referir ao seu trabalho, em diferentes segmentos, e, no grupo 3, aqueles que não
fazem menção alguma a esse professor, descartando-o totalmente no decorrer do
projeto (projetos 3 e 4).
A fim de mostrar melhor como as interpretações e avaliações sobre o trabalho
do professor são construídas nesses projetos, vamos apresentar inicialmente os
resultados da análise de um dos projetos do grupo 1, já que esse grupo é constituído
por 70% dos projetos analisados. Em seguida, apresentaremos a análise do projeto do
109
grupo 2. Depois, faremos a exposição dos resultados da análise dos projetos do grupo
3 e também uma síntese resgatando as semelhanças entre todos os projetos
analisados. Para finalizar, na seção de conclusão, faremos uma discussão desses
resultados e exporemos as nossas interpretações produzidas sob a perspectiva de
trabalho docente apresentada por Machado (2007, no prelo).
6.1 Resultados da análise de um dos projetos do grupo 1
Nesta seção, apresentaremos os resultados da análise de um dos projetos do
grupo 1. Como já observamos antes, nesse grupo, os projetos apresentam o professor
observado e tratam de seu trabalho, mas também têm uma outra característica bem
relevante: os projetos com maior ocorrência do actante aluno: o 2 (71,51%) e o
8 (70,91%). Assim, para ilustrar esse grupo e podermos compreender melhor por que
o actante aluno aparece em destaque em todos os projetos, preferimos expor a análise
inteira do projeto 2
20
, que ele ressalta a situação desse actante. Os resultados da
análise do projeto 2 estão organizados nas seções seguintes, que contemplam: o
contexto sociointeracional de produção, as características organizacionais e
enunciativas, as características semânticas e o papel dos actantes postos em cena.
6.1.1 O contexto sociointeracional de produção
Nesta seção, faremos a descrição do contexto de produção do projeto 2,
mas vale ressaltar que esse contexto é o mesmo para todos os dez projetos, não
sendo, assim, repetido na análise dos demais.
Assim, esse projeto 2, como os demais, foi produzido por um estagiário do
curso de Letras, durante a disciplina de Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa. Ele faz parte dos instrumentos de avaliação dessa disciplina e deve
ser produzido conforme as indicações de um documento de orientação da
universidade.
No documento de orientação, indicações de que o estagiário deva
procurar, na escola e no trabalho do professor, um problema de ensino e avaliar o
desempenho do professor em relação ao seu relacionamento com os alunos e à sua
20
O projeto 2 encontra-se no Anexo 3. Como os demais projetos anexados, ele não está formatado no
mesmo tamanho e tipo de letra usado pelo estagiário, que, para facilitar a consulta aos dados integrais,
prefirimos apresentá-los de acordo com a numeração de linhas que usamos na análise.
110
escolha de material didático e das estratégias de ensino. Tanto o problema como a
avaliação do professor deverão ser registrados no projeto de intervenção.
Para analisar o problema, o professor-supervisor fornece e discute com os
alunos artigos ou livros de teóricos que tratem de questões relativas ao ensino de
leitura. No semestre em que foi produzido esse projeto, os alunos leram as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino
Médio, os Parâmetros Curriculares para o Ensino de Língua Portuguesa e O
diário de leitura (Machado, 1999); Oficina de leitura (Kleiman, 2000); “O leitor
no contexto escolar” (Pfeiffer, 1998).
Esse projeto é lido oficialmente apenas pelo professor-supervisor que lhe
atribui uma nota, mas há indicação no documento de orientação para que o
estagiário mostre o texto também ao professor-orientador. Assim, hipotetiza-se que
os destinatários em potencial do projeto sejam o próprio estagiário, o professor-
orientador e o professor-supervisor. Contudo, como esse texto é escrito para ser
avaliado em uma disciplina de graduação, outros papéis aparecem e podem até
sobrepor-se aos de estagiário e professor-supervisor: o estagiário está na posição
de estagiário, mas também na de aluno que está escrevendo um texto para ser
avaliado e o professor-supervisor, ainda que supervisione o estágio, também ocupa
a posição tradicional do professor-avaliador.
Assim, o projeto também assume duas finalidades: é colocado pela
instituição como um dos artefatos que serão usados no estágio no processo de
formação do futuro professor, mas, ao mesmo tempo, como um artefato para fazer
a avaliação do estagiário. Para o estagiário, portanto, esse texto funcionaria, em
tese, como um artefato de planejamento de sua regência e também como um
artefato para passar na disciplina de estágio.
Entretanto, em nossas representações iniciais sobre esse contexto de
produção, hipotetizamos que o estagiário se colocaria na posição de um futuro
professor e escreveria desse lugar, considerando-se também um destinatário
possível. Assim, teríamos um texto de professores escrito para outros professores.
Contudo, o fato de esse texto ser produzido dentro de uma disciplina de um curso
de graduação, em uma universidade, pode fazer com que ele seja visto apenas
como mais um instrumento de avaliação, que o estagiário sabe que o seu leitor
será o professor-supervisor, que está encarregado de dar uma nota para esse
projeto. Assim, imagina-se que o estagiário procurará fazer o melhor para ser bem
111
avaliado. O “melhor” significa seguir a tradição dos exercícios escolares, nos
quais o aluno demonstra que “compreendeu” bem a matéria dada e consegue,
assim, reproduzi-la quando é necessário, que isso é o que ele faz nas demais
disciplinas.
6.1.2 As características organizacionais e as enunciativas
No nível material, esse projeto tem 11 páginas e segue parcialmente a
prescrição do documento de orientação, apresentando assim: capa, página de
rosto, texto do projeto em si, anexo, mas não tem sumário, nem referências
bibliográficas, conforme determinavam as prescrições.
É também subdividido em três seções: Introdução, Fundamentação teórica
e Metodologia, de acordo com a prescrição dada. Em seu plano global,
verificamos a apresentação de diferentes conteúdos relacionados ao nome
“professor”, mas que, na verdade, referem-se a duas espécies de professor: o
professor observado na escola (PO), e também um outro, que denominamos de
professor genérico (PG), que é colocado no texto em enunciados generalizantes.
Vejamos como eles são referenciados no texto.
Na Introdução, aparece um relato da observação, em que se expõe que as
aulas de leitura não têm levado os alunos a compreenderem os textos. A seguir,
vem a explicação do motivo para essa situação: alega-se que o PG está impondo
os sentidos dos textos, fazendo com que os alunos apenas os decodifiquem e não
interajam entre si nem com os textos. Logo depois, uma argumentação para
mostrar que esse agir do professor genérico está errado: argumenta-se que, na
escola, a leitura deveria ser uma prática social e que os estudantes deveriam
interagir com os textos para construírem os sentidos. Nessa argumentação, ainda
não são explicitadas as vozes que sustentam essas idéias. Mas, na continuação da
argumentação, recorre-se a argumentos de autoridade, trazendo os Parâmetros
Curriculares Nacionais para apoiarem a idéia acima defendida. Depois,
novamente sem citar as vozes em que se apóia, apresenta-se o diário de leituras,
ressaltando as suas qualidades, provavelmente para mostrar ao leitor que esse
artefato resolveria o problema observado na sala de aula. Finalizando essa seção,
vem a apresentação da pergunta, hipótese e objetivos do projeto. O texto assume
como pergunta a ser respondida com a intervenção: “o uso do diário de leituras
contribui para que o aluno tenha uma posição crítica diante de um texto?”. Como
112
hipótese, expõe-se que o diário de leituras deve ajudar o aluno a interagir com os
textos. Como objetivos, declara-se que visa a demonstrar a importância de um
trabalho sistematizado com a leitura e com o gênero diário de leituras.
Na Fundamentação teórica, primeiro uma afirmação de que PGs não
vêem a leitura como prática social. A seguir, ocorre uma tentativa de construir
uma argumentação, mas sem apresentar efetivamente os seus elementos (tese,
argumentos, contra-argumentos, conclusão), empregando apenas expressões que
indicam a articulação argumentativa (“portanto”, “conclui-se”, “concluímos que”,
“por esse motivo”) e pela retomada das vozes de autores/documentos oficiais para
fundamentar a defesa do diário de leituras, enumerando as vantagens de se
trabalhar com esse gênero e prefigurando o agir dos professores e dos alunos.
Na Metodologia, após um parágrafo em que se retoma a prescrição dos
PCNs e um outro que explicita o objetivo da intervenção, observamos dois
parágrafos de descrição, nomeados respectivamente de “Sujeitos” e
“Instrumentos”, em que se descrevem os destinatários da intervenção (os alunos,
que não têm autonomia em relação à leitura) e os artefatos (contos e outros
materiais impressos para orientar a construção do diário de leituras) que serão
usados na aula dada pelo estagiário. A seguir, organizados sob o subtítulo
“Procedimentos”, o plano, um script, de cada uma das aulas, em que se
prefiguram as ações que serão desenvolvidas pelo estagiário e pelos alunos: juntos
produzirão diários de leituras, discutirão, socializarão e negociarão os vários
sentidos a que chegarem sobre o texto lido. Encerrando essa seção, ainda dois
subtítulos, “Resultados” e Avaliação da intervenção”, nos quais se expõem quais
são os resultados esperados e como será feita a avaliação da intervenção. Como
resultado, espera-se que os alunos se tornem mais críticos e produzam o diário.
Para a avaliação, o estagiário recorrerá à observação da posição dos alunos
durante as aulas e na leitura dos seus diários.
Em resumo, encontramos nesse projeto 2 os seguintes segmentos
temáticos:
113
Quadro 13 – Plano global do projeto 2
Seção
Tema
Trabalho realizado pelo professor observado (PO) para fazer o
ensino de leitura
Trabalho “incorreto” realizado pelo professor genérico (PG) em
relação à leitura
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o PG para
fazer “corretamente” o ensino de leitura
Pergunta sobre o diário de leituras a ser respondida com a
intervenção
Hipótese sobre o efeito positivo do diário de leituras
Introdução
Objetivos específicos/gerais de mostrar o valor do diário de
leituras
Trabalho realizado pelo PG em relação à leitura
Fundamentação
teórica
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o PG
para fazer “corretamente” o ensino de leitura
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o PG
para fazer “corretamente” o ensino de leitura
Objetivo da intervenção em relação ao ensino de leitura
Destinatários: apresentação dos alunos que participarão das aulas
do estagiário
Artefato (gêneros e textos escolhidos para se usar na aula)
Trabalho prescrito para os alunos e estagiários pelos estagiários
para que realizem uma aula “correta” de leitura
Resultados esperados em relação aos alunos após as aulas do
estgiário
Metodologia
Avaliação (como será feita a avaliação do projeto)
O texto apresenta-se predominantemente em discurso teórico, que
caracteriza o discurso científico lido, discutido e usado como modelo na
universidade, tanto por professores como por alunos.
Da mesma forma que o discurso científico tradicional, o texto põe em
circulação várias vozes dos PCNs e dos teóricos –, trazendo-as muitas vezes,
mas sem apresentar marcas de modalização, como se percebe, abaixo, nas linhas
57 a 64. Dessa forma, o enunciador parece aderir integralmente às idéias
114
apresentadas e, em certos momentos, as reproduz como se fossem suas, sem ao
menos indicar que foram retiradas de um dos autores lidos, como podemos
constatar no exemplo abaixo, nas linhas 61 a 64:
Exemplo 1:
57. De acordo com Machado, A.R. (1999, p. 11), ao substituir os gêneros habituais
58. associados à leitura pelo gênero diário de leituras pode levar os alunos a outras
59. formas de comportamento durante a leitura, isto é, pode levá-los a uma leitura
60. mais dialógica ou ativa, e não passiva ou simplesmente parafrástica.
61. Portanto ao trabalhar diário de leituras, o aluno desenvolve um posição crítica
62. em relação ao texto que está sendo lido, sendo assim, o aluno terá argumentos
63. para discutir sobre o mesmo. O aluno ao ler, terá que refletir sobre sua posição
64. diante do texto e registrar suas idéias de forma livre.
(Projeto 2, Fundamentação teórica)
Na próxima seção, apresentaremos como os actantes são postos no projeto e
que elementos do trabalho do professor foram contemplados.
6.1.3 As características semânticas: o papel dos actantes postos em cena
Nesse projeto, encontramos três actantes principais: os alunos, o professor
genérico e o estagiário, como podemos conferir no gráfico a seguir:
Gráfico 4 – Os actantes no projeto 2
Actantes do Projeto 2
Aluno
Professor Generico
(PG)
Estagrio
Professor Observado
(PO)
115
O professor observado é mencionado pouquíssimas vezes, em menos de
3% das ocorrências, como podemos verificar no quadro:
Quadro 14 – A quantidade de actantes no projeto 2
Actantes Total em
ocorrências
Total
porcentual
Alunos
123 71,5%
PG
25 14,5%
Estagiário
19 11,1%
PO
5 2,9%
O aluno é o protagonista principal posto em cena nesse projeto, mas, em
uma análise mais detalhada, notamos que, assim como há o professor observado e
o professor genérico, também várias espécies de alunos no texto. Em razão
disso, vamos analisar primeiramente as ocorrências dos professores e, junto a cada
um deles, vamos expor as do aluno correspondente. A seguir, analisaremos as
ocorrências do estagiário e também do seu respectivo aluno. Comecemos com o
professor observado, que, na situação de estágio, era esperado que ele fosse um
dos destaques dos projetos.
O professor observado (PO) pouco aparece no projeto 2, como pudemos
ver no quadro dos actantes colocados em cena nesse texto, mas quando isso
ocorreu foi em segmentos temáticos de trabalho realizado pelo PO e em um
segmento em que se fez a apresentação dos destinatários da aula do estágio, ou
seja, os alunos do PO. Nesses segmentos, ele é apresentado realizando um agir
linguageiro, cuja finalidade é fazer o aluno reagir, ao indicar leituras e abordar os
alunos para que eles exponham as suas posições sobre os textos lidos, e um agir
com instrumentos simbólicos, ao cobrar dos alunos a leitura de determinados
textos, como podemos ver nos exemplos a seguir. Assim, ao tratar do trabalho
desse professor, o texto resgata somente aspectos de seu agir relacionado ao
aluno:
116
Exemplo 2:
1. Introdução
2. Através do estágio realizado na escola estadual XXXX,
3. foi possível observar que os alunos, especificamente da 1ª série D do
4. ensino médio, apresentam dificuldades relacionadas à leitura, principalmente no
5. que diz respeito ao posicionamento crítico diante de um texto.
6. Observou-se que os estudantes lêem somente para tirar notas e passar de ano.
7. Eles só fazem a leitura do que o professor indica e que, conseqüentemente,
8. será cobrado na prova.
9. Após a leitura de um texto, os alunos não conseguem contar para alguém de que
10. se trata o material lido e não apresentam argumentos para discutir sobre o tema.
11. Vejamos o que alguns alunos respondem ao serem abordados pela
12. professora para opinar sobre determinado texto:
13. Aluno 1: “eu nem entendi o texto dona...”
14. Aluno 2: “eu acho que o autor ta querendo falar sobre...sei lá acho que sobre a
15. guerra;”
16. Aluno 3: “eu acho que o mesmo que ele dona.”
(Projeto 2, Introdução, Segmento sobre o trabalho do professor observado na escola)
Exemplo 3:
113. Sujeitos: alunos da 1ª série D do ensino médio da escola XXX
114. , do período diurno. Esses alunos têm entre 15 e 17 anos
115. de idade e provêm de classe média. Com relação à leitura, como foi
116. observado no estágio, pode-se dizer que eles são extremamente
117. dependentes da professora, consideram somente a opinião dela sobre os
118. textos e lêem apenas para tirar nota na prova e passar de ano.
(Projeto 2, Metodologia)
Ao aluno do professor observado atribui-se uma falta de capacidade e de
agir cognitivo (“apresentam dificuldades relacionadas à leitura, principalmente
no que diz respeito ao posicionamento crítico diante de um texto”, linhas 4 e 5,
mas também linhas 116 e 117), um agir com instrumentos (“lêem somente para
tirar notas e passar de ano”, “só fazem a leitura do que o professor indica e que,
conseqüentemente, secobrado na prova”, linhas 6, 7, e 8) e a falta de um agir
linguageiro direcionado ao outro (“não conseguem contar para alguém de que se
trata o material lido e não apresentam argumentos para discutir sobre o tema”,
linhas 9 e 10). A ocorrência dos advérbios (principalmente, somente, só, não)
117
nessas afirmações avalia o agir do aluno observado de modo negativo,
contrapondo-o a um agir que seria o esperado, o pressuposto. Afinal, se eles
“lêem somente para tirar notas e passar de ano”, o advérbio “somente” nos indica
que eles fazem bem menos do que seria o esperado, ou seja, eles deveriam ler
para outras finalidades, além destas. Dessa forma, cada uma dessas afirmações
traz pressuposta, implícita (Ducrot, 1977; Ilari, 2001), em si, o que seria o correto
de estar acontecendo:
1. Os alunos deveriam conseguir se posicionar criticamente diante do
que lêem;
2. ler para diferentes finalidades;
3. ter acesso a diferentes textos;
4. recontar o que leram e argumentar sobre os temas.
Como resultado dessa avaliação, pode-se inferir que, se os alunos não
estão atingindo o que seria esperado, é, provavelmente, porque o trabalho do
professor observado está apresentando problemas. Assim, é a partir do agir do
aluno (ou do seu não-agir!) que nos é mostrado que falhas no trabalho do
professor observado. Verificamos, desse modo, que nesse projeto um
professor observado, cujo trabalho pode ser compreendido a partir das reações do
aluno, e um aluno, que tem seu agir “podado”, cerceado, pelo agir desse
professor. Mas não são apresentados alguns elementos do agir que, talvez,
ajudassem-nos a compreender melhor esse aluno e esse professor, que não são
explorados os motivos, as intenções ou as capacidades que esses dois actantes
efetivamente têm, preferindo-se tratar das que lhes faltam. Dessa forma,
observamos que eles são postos no texto como simples agentes. Vejamos o que
ocorre com o professor genérico e seus respectivos alunos.
Além do professor observado (PO), encontramos nos projetos referência a
um outro professor que chamamos de professor genérico (PG). Os segmentos
textuais em que esse professor aparece constroem as figuras de ação experiência,
em que se retomam os conhecimentos cristalizados sobre a atividade do
professor, tematizando-se, assim, o trabalho que vem sendo realizado pelos
professores em geral, e da ação canônica, em que se apresentam as regras, as
normas de como um trabalho deve ser feito, tematizando-se o trabalho
prefigurado para o professor, como podemos observar nos exemplos abaixo:
118
Ação experiência:
Exemplo 4
17. Isso ocorre porque os alunos lêem o texto sem interagir e refletir sobre o
18. mesmo, pois, em sala de aula, não está havendo espaços para leitura como
19. prática social e sim como um ato solitário, ou seja, o aluno lê somente para si
20. próprio e comporta-se passivamente diante do texto.
21. Deste modo, percebe-se que é o professor que impõe o que todos os alunos lerão
22. e estes têm que aceitar a visão do professor sobre o texto, concordando ou não
23. com a mesma. Sendo assim, os estudantes fazem apenas a decodificação de
24. palavras e de modo algum eles interagem com o texto, com os demais colegas
25. ou ainda conseguem extrair algum sentido do que foi lido.
(Projeto 2, Introdução)
Ação canônica:
Exemplo 5
92. Além desses benefícios, o uso de diário de leituras traz outras vantagens ao
93. professor. De acordo com Machado, A.R. (1999, p.15), a utilização da produção
94. de diários permite que o professor conheça mais profundamente as
95. possibilidades e os problemas de cada aprendiz e que possa estabelecer uma
96. verdadeira negociação de sentidos durante as discussões em aula, tornando-a
97. muito mais produtiva e eficaz e envolvendo todos os alunos.
98. Concluímos que, através do diário de leituras, o professor tem uma visão real da
99. sala, sendo possível avaliar-se freqüentemente e, se necessário, mudar suas
100. estratégias de trabalho, pois ao ler o diário dos alunos, o professor detecta
101. possíveis dificuldades ou problemas.
102. Por esse motivo, é interessante que, sempre que possível, o professor faça
103. a leitura dos diários dos alunos, mas sempre respeitando aqueles que
104. prefiram que o professor não o leia.
(Projeto 2, Fundamentação teórica)
A figura de ação experiência detectada em nossos dados apresenta-se em
discurso teórico, sem implicação do enunciador ou do seu interlocutor, e o no
discurso interativo, como encontrado por Bulea e Fristalon (2004), Bronckart,
Bulea e Fristalon (2005), Bulea (2006), Abreu-Tardelli (2006) e Lousada (2006).
Isso ocorre porque, em nossos dados, não estamos trabalhando com textos
produzidos em primeira pessoa e em situação de interação direta entre o
enunciador e o seu destinatário, como em entrevistas ou autoconfrontações, como
é o caso dos outros autores. Dessa forma, como a principal característica, a
119
apresentação de um agir cristalizado, mantém-se, concluímos que se trata da
mesma figura, mas organizada de acordo com uma situação em que não há
interação entre o enunciador e seu interlocutor. a figura de ação canônica é
igual à encontrada pelos outros autores.
Entretanto, analisando-se mais cuidadosamente o valor do termo
“professor”, observamos que esse professor genérico se apresenta com estatuto
diferente em cada segmento. Nos segmentos de trabalho realizado pelo professor
genérico, observamos que se apresenta um professor genérico existente, cujo agir
é conhecido. nos segmentos de trabalho prefigurado, verificamos a menção a
um professor genérico idealizado, cujo agir é prefigurado e, portanto, tratado
como possível de acontecer sem problemas. Examinemos o agir que é tematizado
em relação a cada um deles.
O professor genérico existente (PGE) aparece em um segmento na
Introdução e um outro na Fundamentação teórica. Nesses segmentos, atribui-se a
esse PGE um agir linguageiro que o implica resposta imediata do aluno,
afirmando-se que é ele que “impõe o que todos os alunos irão ler” (linha 22), um
agir cognitivo com capacidade, ao tratar da visão do professor sobre o texto”
(linha 23) e um agir sem capacidade cognitiva, ao apresentar que “muitos
professores, ainda hoje, não vêem a leitura como prática social” (linha 52). Nota-
se, assim, um certo destaque para o agir cognitivo. Na introdução, o agir desse
PGE é apresentado logo depois de se abordar o trabalho do professor observado
(PO), provavelmente para justificar as falhas no trabalho desse último, ou seja, o
professor observado (PO) age errado porque existe um agir cognitivo “errado”
cristalizado. Na Fundamentação teórica, o agir cognitivo desse PGE aparece
iniciando essa seção, sendo seguido por vários segmentos de trabalho prefigurado
para o professor genérico idealizado (PGI). Nesse caso, parece que se retoma o
agir que está errado para reforçar a necessidade de se mudar de rumo com as
novas orientações.
O professor genérico idealizado (PGI) aparece em um segmento da
Introdução e é o predominante na Fundamentação teórica, que um único
segmento sobre o PGE. Em todos esses segmentos, somente dois tipos de agir
foram atribuídos ao PGI: um agir com instrumentos e um agir cognitivo. Mas
esses dois tipos de agir estão bem relacionados nesse projeto, que se defende a
120
idéia de que ao se adotar o diário de leitura, um artefato, o professor terá um outro
agir cognitivo com capacidades:
Exemplo 6:
Agir com intrumentos
93. De acordo com Machado, A.R. (1999, p.11), [o professor PGI]ao substituir os
gêneros habituais
94. associados à leitura pelo gênero diário de leituras, [o professor PGI]pode levar
os alunos a outras
95. formas de comportamento durante a leitura, isto é, [o professor PGI]pode levá-los a
uma leitura
96. mais dialógica ou ativa, e não passiva ou simplesmente parafrástica.
Exemplo 7 :
Agir cognitivo:
98. Concluímos que, através do diário de leituras, o professor [PGI] tem uma visão
real da
99. sala, sendo possível avaliar-se freqüentemente e, se necessário, mudar suas
100. estratégias de trabalho, pois ao ler o diário dos alunos, o professor detecta
101. possíveis dificuldades ou problemas.
As representações dos alunos que se relacionam a esses dois professores
genéricos também são de espécies diferentes. Ao passo que o aluno do PGE é
semelhante ao do professor observado (PO), um agente cujo agir é cerceado pelo
agir do professor (PGE), o do PGI é bastante diferenciado, uma vez que, após a
introdução do diário de leituras, ele “terá chances de dialogar com o próprio
texto” (linha 33), “deixa de ser expectador(sic) para ser autor” (linha 55),
“desenvolve uma posição crítica em relação ao texto que está sendo lido” (linhas
61 e 62), conseguindo, inclusive “assumir a responsabilidade diante de seu
próprio aprendizado” (linhas 82 e 83). Assim, esse aluno é representado na
realização de um agir linguageiro, de um agir com instrumentos, de um agir
cognitivo que o ajudam a ter responsabilidade sobre os seus atos, o que lhe
garante então um estatuto de ator, ao contrário dos dois professores genéricos, que
aparecem como agentes. No caso do PGE, ele é posto em cena apenas como um
agente que age errado; no caso do PGI, ele é um agente que pode agir certo, se
121
seguir a prefiguração feita. Passemos à análise das ocorrências das figuras do
estagiário e de seu respectivo aluno.
Na seção de Metodologia, aparece o actante estagiário, que prefigura seu
próprio agir tanto com a utilização da primeira pessoa do singular quanto do nome
“estagiário” e o do seu aluno. Nos segmentos dessa seção, detecta-se a figura de
ação canônica, da ordem, organizada em discurso teórico, mas também a figura de
ação ocorrência, que se caracteriza por uma forte contextualização, apresentando-
se o enunciador como actante, seu destinatário e detalhes da situação em que ele
está ou estará envolvido, como o título dos textos específicos que serão usados em
cada aula:
Exemplo 8:
Ação ocorrência:
119. Instrumentos: para as 5 aulas de regência, em que aplicarei o projeto de
120. intervenção, usarei o conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector (anexo
121. 1) e material impresso, previamente elaborado e analisado, contendo
122. instruções importantes que auxiliarão o trabalho dos alunos (anexo 2)
Exemplo 9:
Ação canônica:
123. Procedimentos:
124. Aula 1
125. Para dar início ao trabalho, a estagiaria dará uma aula expositiva sobre o
126. diário de leituras, explicando do que se trata, quais os objetivos do
127. mesmo, quais os passos que devem seguir para produzir o diário e como
128. deve ser a forma de registro.
129. Aula 2 e aula 3 (dupla)
130. A estagiária entregará o material impresso aos alunos, explicará como
131. devem seguir os passos apresentados e esclarecerá possíveis dúvidas que
132. surgirem.
133. Entregará também o conto selecionado e pedirá que eles leiam e
134. produzam o diário de leituras, registrando as impressões sobre o texto.
135. Nesse momento, a estagiária também estará produzindo um diário.
136. Aula 4
122
137. Será pedido aos alunos que leiam os seus diários e selecionem trechos ou
138. aspectos que queiram discutir com a classe. Após a seleção, será feito um
139. círculo na classe e serão discutidos os aspectos destacados pelos alunos,
140. sendo que a leitura da estagiária será discutida entre todas as realizadas.
141. Aula 5
142. Os alunos deverão trocar os diários entre eles para que haja o
143. conhecimento e a leitura de diferentes formas de registro, observando as
144. diferentes interpretações e problemas que podem ser negociados e
145. socializados entre todos os leitores participantes do processo. Em
146. seguida, os alunos, somente aqueles que desejarem, deverão entregar os
147. diários para a estagiária que fará comentários particulares, estabelecendo-
148. se um processo dialógico direto com cada aluno.
(Projeto 2, Metodologia)
Nessa prefiguração, são atribuídos ao estagiário dois diferentes tipos de
agir. No excerto acima, podemos verificar alguns exemplos: um agir linguageiro
que não exige resposta imediata dos alunos, nas linhas 125 (“a estagiária dará uma
aula expositiva”) e 133 (“pedirá que eles leiam e produzam o diário”); e um agir
com instrumentos, linhas 119 (“aplicarei o projeto”), 120 (“usarei o conto”), 130
(“A estagiária entregará o material”). Nota-se que o agir do estagiário está mais
próximo do que é prefigurado para o PGI, uma vez que ele adotao diário de
leituras (linhas 125 e 126) e considerará os sentidos construídos pelos alunos
(linhas 138 e 139), que poderão ficar livres para construírem, conhecerem e
exporem diferentes interpretações (linhas 138 a 148). Verifica-se, assim, que o
estagiário evita prefigurar para si o modo de agir dos PO e PGE, adotando uma
postura idealizada. Parece, assim, que o modelo de agir a que se pode atribuir a
origem de seu agir futuro é o do professor idealizado pelas prescrições e teorias.
Além disso, o estagiário é o único actante com intenção, ou seja, que tem um para
quê “pessoal” para agir de um certo modo com o aluno, como se verifica na linha
109, do exemplo abaixo, o que lhe assegura o estatuto de ator, algo também bem
diferente do que é atribuído aos outros professores que o colocados no texto
como agentes.
123
Exemplo 10:
105. Metolodogia
109. Para desenvolver a competência dos alunos e considerando-os como
110. leitores capazes de serem críticos e de interagir com o texto e com os
111. demais colegas da sala de aula, faremos a intervenção que obedecerá a
112. seguinte metodologia que será descrita abaixo.
Essa idealização também aparece na representação dos alunos, que são
apresentados na realização de três tipos de agir (linguageiro, com instrumentos e
cognitivo) e que se tornam parceiros do trabalho, negociando interpretações e
problemas (linhas 144 e 145). Esse aluno, segundo a prefiguração, colaborará com
tudo o que o estagiário propuser e participará ativamente das aulas, permitindo a
ele chegar aos resultados esperados e apresentados na seção de Fundamentação
teórica, mas os quais nem o professor observado e nem o genérico conseguiram
alcançar.
Os demais projetos desse grupo, e mesmo dos outros dois, são muito
semelhantes a este. Por isso passaremos a apresentar os resultados das análises
dos projetos dos grupos 2 e 3, expondo as diferenças encontradas antes de
partirmos para uma discussão e interpretação dos dados encontrados sobre o
conjunto dos projetos.
6.2 Resultados da análise do projeto do grupo 2
Produzido no mesmo contexto de produção dos projetos do grupo 1,
seguindo a mesma organização em seções de Introdução, Fundamentação teórica
e Metodologia, tendo como predominante o discurso teórico, o projeto 9
21
difere
deles pelo seu plano global, pelo modo como apresenta o professor observado e
pelo fato de não ser “aluno” o termo que mais se repetiu explicitamente, mas
“texto”. Examinemos cada uma dessas diferenças.
O plano global do projeto 9 é constituído de vários temas, cuja ligação
nem sempre é fácil de ser depreendida, já que o texto apresenta vários problemas
de coesão e coerência, não conseguindo, assim, articular esses temas, seja no
nível das idéias, seja no nível lingüístico. Não notamos, por exemplo, a
recorrência a conjunções ou outras expressões que poderiam funcionar como
21
O projeto 9 encontra-se no Anexo 4.
124
organizadores textuais e que poderiam facilitar a leitura do texto. Dessa forma, a
apresentação que vamos fazer do plano global tentará, quando possível, suprir as
lacunas de articulação para que o nosso leitor consiga visualizar a organização
temática do texto.
O projeto 9 inicia a seção de Introdução expondo que o governo e a
mídia, seguindo o pressuposto de que leitura contribui para a formação de
cidadãos, estão fazendo um trabalho de incentivo à leitura por meio de
propagandas. A seguir, sem explicitar a relação com o parágrafo anterior, o texto
coloca que tomará a escola como fonte da pesquisa do projeto, alegando que é
nela que ocorre a formação de leitores. Mas o texto coloca, no outro parágrafo,
que existe um problema: apesar de haver quem pense que os textos lidos são
informativos, eles contêm vários sentidos que devem ser depreendidos e
considerados pelo PGI. No parágrafo seguinte, uma crítica aos livros
escolhidos pelo PGE, os quais tratam os textos de modo uniforme, sem
considerar o conhecimento prévio dos alunos. Contrapondo-se a essa idéia, no
próximo parágrafo, vem a prescrição dos PCNs centrada na idéia de que o texto
não está pronto e que o modo de ler de cada leitor ajudará a perceber os sentidos.
Nos parágrafos seguintes, o texto apresenta a pergunta de pesquisa, hipótese e
objetivos. A pergunta a ser respondida com a intervenção é: mostrar aos alunos
os diferentes sentidos que um texto pode apresentar pode contribuir para a
leitura?”. A hipótese é de que, se o PGI trabalhar com diferentes gêneros, pode
levar o aluno a apreciar a leitura, além disso ressalta o texto que cabe ao PGI ser
um orientador da leitura e deixar claro que não tem o domínio do sentido do
texto. Como objetivos, o texto assume que se pretende mostrar ao aluno a
importância de perceber que “ler pode implicar vários sentidos”. Assume ainda
que essa nova postura diante dos textos e dos alunos “deve estimular” o PGI a
elaborar aulas centradas em dado gênero e usando várias estratégias.
Na Fundamentação teórica, inicia-se definindo leitura e o que deve
ocorrer com o leitor nesse processo quando ele recorre ao uso de estratégias de
seleção, antecipação, inferência, etc. Apesar de não haver explicitação, nota-se
que retomam-se idéias de Kleiman (2000), retiradas do livro Oficina de leitura. A
seguir, nos cinco parágrafos seguintes, novamente, sem explicitar a ligação,
uma apresentação dos resultados de uma pesquisa conduzida por Pfeiffer (1998)
sobre as falhas dos livros didáticos em relação à seleção dos textos, à qualidade
125
dos exercícios, à linguagem e metalinguagem, às seções de leitura e
interpretação. Depois disso, dois parágrafos em que se apresenta a relação
entre textos, leitura e construção de sentidos para Orlandi (1996). Até esse
momento, nessa seção, não houve referência explícita ou oculta ao PGE ou PGI,
diferentemente dos projetos do grupo 1, em que seis dos sete projetos fizeram
uma referência ao PGE e todos apresentaram várias referências ao PGI na
Fundamentação teórica. Nesse projeto 9, a referência ao PGI ocorre somente nos
dois últimos parágrafos em que se prefigura, sem explicitar o teórico que sustenta
essa idéia, a necessidade de que o PGI negocie os sentidos e trabalhe centrado em
um gênero para formar um leitor.
Na seção de Metodologia, esse projeto inicia retomando a voz dos PCNs,
que colocam que se deve abordar vários gêneros em sala de aula. A seguir, em
tópicos, como nos projetos do grupo 1, apresentam-se os alunos que receberão as
aulas do estagiário e se trazem o PO para confirmar a descrição do estagiário, os
instrumentos (contos de suspense) que serão usados, o plano de cada aula, os
resultados esperados e como será feita a avaliação. No plano das aulas, apresenta-
se um conjunto de aulas centradas na exploração de textos do gênero conto de
suspense, que serão lidos e discutidos pelos alunos, para, a seguir, produzirem
um resumo sobre as características deles e depois um conto de suspense. Espera-
se, como resultados, que o aluno compreenda o gênero e desenvolva-se como
leitor. A avaliação será feita, segundo o texto, durante as aulas de regência e
depois, em encontros com o PO da sala.
Como se pode perceber, no projeto 9, também encontramos um PGE e um
PGI, com seus respectivos alunos, todos tratados de modo muito semelhante aos
dos projetos do grupo 1, havendo variação no tamanho e nas posições dos
segmentos em que eles se encontram no texto. Contudo, o professor observado
que, naqueles projetos aparece principalmente em segmentos de trabalho
realizado pelo PO, no projeto 9 é apresentado somente em segmentos sobre o
destinatário das aulas do estagiário, os alunos, e sobre a avaliação da aplicação
dos projetos. Nesses segmentos, o termo “professor” aparece como núcleo
(palavra principal) do adjunto adverbial (“de acordo com a professora”, com a
professora”) e é posicionado no fim das frases. Dessa forma, mesmo com os
problemas de coesão desses segmentos, pode-se observar que o foco, ou tópico
tematizado, não é, de fato, o professor, que aparece não na posição de agente,
126
mas de termo acessório. E o comentário sobre esse professor aparece como uma
informação secundária para confirmar a posição do estagiário, no primeiro
segmento, e para caracterizar o tipo de avaliação que será feita, no segundo.
Vejamos esses dois segmentos:
Exemplo 11:
87. Sujeitos: alunos do 1º D do ensino médio da “E.E. Profº. Francisco Damante” do
88. período da tarde.
89. Esses alunos têm em média entre 15 e 16 anos e provêm de classe baixa. Têm um
90. certo domínio pela leitura, podendo ser apresentado bom resultado a respeito do
91. projeto de intervenção e de acordo com a professora de língua portuguesa da sala.
(Projeto 9, Metodologia)
Exemplo 12
117. Avaliação: Será feita continuamente, conforme as atividades de propostas
118. elaboradas nas 5 aulas de regência e com encontros com a professora em [sic]
se
119. segue o curso.
(Projeto 9, Metodologia)
Em alguns segmentos dos projetos do grupo 1 (2, 5, 7, 10), também
encontramos o PO aparecendo em segmentos sobre o destinatário, em que se
apresentam os alunos das aulas do estagiário, com a mesma função de ratificar a
descrição que o texto fazia sobre os destinatários da aula de intervenção.
Contudo, em todos esses quatro projetos (2, 5, 7, 10), também segmentos de
trabalho realizado pelo professor observado.
Uma outra diferença observada entre o projeto 9 e os do grupo 1 diz
respeito ao sintagma lexical que apresenta maior número de ocorrências no texto.
Como todos os projetos discutem sobre o ensino de leitura, seria esperado que as
palavras “leitura”, “texto”, “leitor” aparecessem muitas vezes em cada texto.
Entretanto, ao verificarmos cada projeto, notamos, em primeiro lugar, que a
palavra “leitor” teve poucas ocorrências, variando de 1 a 12 vezes no ximo.
Em segundo, observamos que as palavras “leitura” e “texto” aparecem menos
que “aluno” nos projetos do grupo 1, em que este termo foi o principal. Mas, nos
projetos dos grupos 2 e 3, elas aparecem mais que “aluno”, como podemos
confirmar no quadro abaixo:
127
Quadro 15 – Quantidade porcentual de alguns termos nos projetos
Grupo 1
Grupo
2
Grupo 3
Projetos
1 2 5 6 7 8 10 9 3 4
Termos
Leitura
36%
24,4%
36,5%
37,5%
33,6%
30,6%
30,6%
24%
20,6%
36,5%
Texto
17,4% 19,6% 20,4% 21,6% 22,3% 32,5% 31,5% 36% 42,2% 23%
Leitor
1,6% 2,4% 5,1% 1,1% 7,7% 3,4% 1,6% 9,4% 11,7% 8,1%
Aluno
45% 53,6% 38% 39,8% 36,4% 33,5% 36,3% 30,6% 25,5% 32,4%
Trataremos dessa característica dos projetos do grupo 3 na próxima seção.
Quanto ao projeto 9 do grupo 2, notamos que explicitamente “texto” foi o termo
de maior destaque do projeto, mais que os actantes humanos colocados em cena,
cujos números de ocorrências foram bem abaixo daqueles observados em relação
ao aluno, como fica bem explícito no gráfico abaixo:
Gráfico 5 – Os actantes no projeto 9
Actantes do Projeto 9
Aluno
Professor Generico
(PG)
Estagiário
Professor Observado
(PO)
Dessa forma, nota-se que, nesse projeto, o foco divide-se entre os alunos,
os destinatários do trabalho e o texto, artefato a ser utilizado pelo professor, que
sedestaca no projeto por aparecer quase que como objeto independente dos
seres humanos, que poucas vezes o observamos aliado explicitamente a algum
128
actante. os professores observados ou genéricos aparecem em segundo
plano, como os encontrados nos projetos do grupo 1.
Na próxima seção, trataremos dos projetos do grupo 3.
6.3 Resultados da análise dos projetos do grupo 3
O grupo 3 é composto pelos projetos 3 e 4
22
. Esses projetos,
estruturalmente, são bastante semelhantes ao do grupo 2, apresentando as
mesmas seções e o mesmo discurso teórico predominante no projeto 9, analisado
na seção anterior. Novamente, também aparecem os PG existente e idealizado,
seus respectivos alunos e o estagiário procurando seguir o trabalho idealizado,
centrando-se em algum artefato (teoria ou gênero) apresentado no texto. Em
razão disso, não vemos necessidade de expor o plano global desses projetos, já
que acabaríamos quase por repetir a descrição que fizemos do projeto 9. Dessa
forma, nesta seção vamos explorar a característica que marca a diferença desses
projetos com os dos grupos 1 e 2, ou seja, a ausência de ocorrências de PO.
Nesses dois projetos, não nenhuma menção ao professor observado na
escola durante o estágio. Para justificarem as propostas de aulas de intervenção,
os projetos representam o agir “errado” do PGE em segmentos do trabalho
realizado por esse PGE, na Introdução, nos dois projetos, e na Fundamentação
teórica, no 3:
Exemplo 13:
81. As narrativas, textos de criação ou reconstrução de alguma ação do domínio
82. verossímil ou de cultura literária ficcional e de domínio social, são minimizadas [pelo
professor PGE]
83. como atividade de leitura e oralidade apenas; sem um posicionamento de possíveis
(...)
86. O professor [PGE] repassa o que texto quer
87. dizer, a idéia principal, de acordo com o olhar literário do próprio autor e de alguns
88. críticos que o comentam, mas as considerações do aluno, na maioria das vezes,
89. também são minimizadas ou não aceitas [pelo professor PGE].
(Projeto 3, Fundamentação teórica)
22
Os projetos 3 e 4 estão, respectivamente, nos anexos 5 e 6.
129
Exemplo 14:
10. A reflexão feita procura mostrar, com base naquilo que teóricos dizem sobre o
11. assunto, que as concepções de leituras apresentadas pelos professores [PGE] são ainda
12. distantes daquelas que levam em consideração a atividade de leitura como sendo
13. uma das propiciadoras de interação.
(Projeto 4, Introdução)
No projeto 3, elimina-se de tal forma o professor e a escola observada que
em nenhum momento se explicita o nome da escola em que serão aplicadas as
aulas de intervenção. Assim, trata-se de professores genéricos, alunos genéricos,
salas de aulas genéricas.
Nesses dois projetos, também observamos que o termo explícito
predominante não é “aluno” como no grupo 1, mas “leitura” e “texto”. No projeto
3, 42,2% de ocorrências de “texto” contra 25,5% expressas de “aluno”. No
projeto 4, verificamos 36,5% de “leitura” contra 32,4% de “aluno”. Novamente,
notamos que um destaque do artefato (leitura e texto) maior que o dos
actantes. Neste sentido, nos projetos desse grupo 3, mais importante que se referir
ao agir do professor ou do estagiário é recuperar a voz dos teóricos e dos
documentos oficiais para evidenciar o artefato que deve ser usado no ensino.
Apesar das diferenças que nos permitiram reunir esses projetos em três
grupos, eles apresentam muitas semelhanças, que retomaremos na próxima seção.
6.4 Síntese dos resultados da análise de todos os projetos
A análise dos dez projetos permitiu-nos perceber que eles apresentam, no
conjunto, mais semelhanças que diferenças, as quais passamos a expor. Além do
mesmo contexto de produção descrito na análise do projeto 2, do grupo 1, os
projetos também estão próximos no tamanho, apresentando em média 8 páginas,
com letras em tamanho 12, em Times New Roman, e seguindo as instruções
dadas no documento de “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em
Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”. Nota-se isso já que todos os projetos
apresentam capa, letras, estrutura com Introdução, Fundamentação teórica e
Metodologia, conforme a prescrição.
Nessas seções do projeto, além dos segmentos determinados pela
prescrição (pergunta, hipótese, objetivos, sujeitos/destinatários das aulas dos
130
etagiários, instrumentos/artefatos, resultados e avaliação da aplicação do projeto),
encontramos diferentes segmentos temáticos, já exemplificados nas seções
anteriores, sobre
- o trabalho realizado pelo professor observado, pelo professor
genérico existente, pelo governo, pelo livro didático;
- o trabalho prefigurado para os professores genéricos idealizados pelo
governo ou por teóricos: o trabalho que o professor deve fazer;
- o trabalho prefigurado para os alunos e para o estagiário pelo
estagiário: o trabalho que os alunos e os estagiários deverão fazer nas aulas de
intervenção do estágio.
Esses segmentos não aparecem igualmente em todos os projetos, havendo
alguns que foram verificados em um projeto, como podemos ver no quadro
abaixo com o plano global de cada projeto, que nos mostra ainda que os quatro
segmentos, destacados em diferentes cores, que aparecem em todos os projetos
são:
- de trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos, nas seções de
Introdução, de Fundamentação teórica e, em alguns, na de Metodologia;
- de trabalho realizado pelo PGE que apareceu em todas as seções,
variando conforme o projeto;
- de objetivos, na seção de Introdução;
- de trabalho prefigurado para os alunos e estagiários, na de Metodologia.
131
Quadro 16 – Plano global dos projetos
Projetos Seção Tema
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Trabalho realizado por governo e
mídia
X
Trabalho prefigurado pelo governo
ou por teóricos para o PGI
X X X X X X X X X X
Trabalho realizado pelo professor
observado (PO)
X X X X X X
Trabalho realizado pelo professor
genérico (PGE)
X X X X X X X X
Pergunta sobre um artefato (teoria ou
gênero) a ser respondida com a
intervenção
X X X X X X X X X
Hipótese sobre o efeito positivo de
um artefato
X X X X X X X X X
Objetivos específicos/gerais de
mostrar o valor de um artefato
X X X X X X X X X X
Introdução
Apresentação das partes em que está
subdividido o projeto
X
Trabalho “realizado” pelo PGE
X X X X X X X
Trabalho realizado pelo PO
X
Trabalho “realizado” pelo LD
X
Fundamentação
teórica
Trabalho prefigurado pelo governo
ou por teóricos para o PGI
X X X X X X X X X X
Trabalho prefigurado pelo governo
ou por teóricos para o PGI
X X X X X X
Trabalho realizado pelo PO
X
Objetivo da intervenção
X X X
Destinatários
X X X X X X X X X
Artefatos (teorias, gêneros e textos
escolhidos)
X X X X X X X X X
Trabalho prefigurado para os alunos
e estagiários pelos estagiários
X X X X X X X X X X
Resultados esperados
X X X X X X X X X
Metodologia
Avaliação (como será feita a
avaliação do projeto)
X X X X X X X X X
No nível lingüístico, verificamos que a maioria dos segmentos desse plano
global se apresentam predominantemente em discurso teórico, com frases
132
declarativas e verbos no presente, sem a implicação do enunciador. Inserido nesse
discurso teórico, ocorre a presença de formas verbais de primeira pessoa do plural
(“podemos observar”, “concluímos”, etc.) bem semelhantes às usadas em textos
científicos em seis projetos (1, 2, 3, 7, 9, 10) e que, portanto, não nos permite
dizer que há implicação do enunciador nesse momento.
Apesar da predominância do discurso teórico (DT), encontramos
momentos em que a implicação do estagiário, havendo, assim, discurso
interativo (DI), com verbos no presente, em segmentos de apresentação dos
artefatos que serão usados pelo estagiário (cinco projetos: 1, 3, 4, 9, 10) e nos de
trabalho prescrito para os alunos e estagiários (dois projetos: 9, 10). Ocorreu
também a presença de relato interativo (RI) nos projetos 2 e 10, com verbo no
pretérito perfeito, em segmentos de trabalho realizado pelo professor observado.
Houve ainda três projetos que apresentaram discurso de narração (NA) nos
segmentos de trabalho realizado pelo professor (projetos 6 e 7) e pelo livro
didático (projeto 9). Contudo, à exceção de um segmento sobre o trabalho
realizado pelo PO (projeto 6, seção de Metodologia), esses outros tipos de
discurso aparecem encaixados no discurso teórico:
133
Quadro 17 – Tipo de discurso dos segmentos
Seção Tema Tipos de discurso
empregados
Trabalho realizado pelo governo e pela mídia
DT*
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o
PG
DT
Trabalho realizado pelo PO DT DI RI NA
Trabalho “realizado” pelo PG
DT
Pergunta sobre um artefato (teoria ou gênero) a ser
respondida com a intervenção
DT
Hipótese sobre o efeito positivo de um artefato
DT
Objetivos específicos/gerais de mostrar o valor de um
artefato
DT
Introdução
Apresentação das partes em que está subdividido o projeto
Trabalho “Realizado” pelo PG
DT
Trabalho realizado pelo PO
DT
Trabalho “realizado” pelo LD
DT NA
Fundamentação
teórica
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o
PG
DT
Trabalho prefigurado pelo governo ou por teóricos para o
PG
DT
Trabalho realizado pelo PO
NA
Objetivo da intervenção
DT
Metodologia
Destinatários
DT
Artefatos (teorias, gêneros e textos escolhidos)
DT DI
Trabalho prefigurado para os alunos e estagiários pelos
estagiários
DT DI
Resultados esperados
DT
Avaliação (como será feita a avaliação do projeto)
DT
*DT: Discurso Teórico; DI: Discurso Interativo; NA: Narração; RI: Relato Interativo
Não encontramos, nas seções de Introdução e Fundamentação teórica, uma
verdadeira seqüência (argumentativa, narrativa, etc.), com todas as suas fases
estruturando o conteúdo temático. Nota-se que houve tentativas de se fazer uma
argumentação ou explicação, recorrendo-se a alguns organizadores textuais
(portanto, dessa forma, ou seja, isto é, pois, etc.). Mas, na verdade, o texto dessas
duas seções se assemelha mais a uma colagem e a uma repetição das idéias dos
teóricos e dos PCNs lidos, cujas vozes comandam o que é dito e são apresentadas
tanto explicitamente introduzidas por meio das expressões “de acordo com”,
134
“segundo”, “para” quanto implicitamente pela retomada das idéias pelo
estagiário, que as reproduz usando o vocabulário do teórico.
Na seção de Metodologia, como vimos na análise do projeto 2, o texto é
iniciado por um parágrafo introdutório que retoma o objetivo do projeto ou que
apresenta o artefato que será usado na intervenção. Logo após esse parágrafo,
aparece uma estrutura de tópicos, iniciados por um título que indica o que será
tratado em cada um deles. Assim, temos nessa seção, o tópico “Sujeitos”, que
descreverá os destinatários das aulas de intervenção; “Instrumentos”, que
especifica os textos ou as teorias que serão empregados; Procedimentos”,
subdivididos em “Aula 1”, “Aula 2”, etc., que prescreve o que alunos e estagiários
farão durante as aulas; “Resultados esperados”, que trata do que o estagiário
espera alcançar com as suas aulas; e “Avaliação”, que expõe o modo como o
estagiário avaliará a aplicação de seu projeto.
No nível semântico, como já vimos antes, no conjunto dos segmentos de
todas as três seções, três actantes são colocados como principais: o aluno, o
professor genérico (existente ou idealizado) e o estagiário. O professor observado
não aparece em todos os projetos e, quando isso ocorre, é em baixa quantidade,
como já mostrado.
O professor observado é o actante que esperaríamos encontrar nos projetos
de forma significativa, já que é o trabalho dele que o estagiário observou e a partir
do qual deveria propor as suas aulas de intervenção. Contudo, ao contrário do
esperado, o professor observado aparece muito pouco nos projetos, havendo
inclusive textos (projetos 3 e 4) que nem o mencionam. Esse professor aparece
expresso ou oculto nos segmentos de trabalho realizado, em sete projetos (1, 2, 5,
6, 7, 8, 10), em segmentos de destinatários em cinco (2, 5, 7, 9, 10 ), e de
avaliação em um (projeto 9).
Não se verifica, nesses segmentos, que tematizam o professor observado,
uma figura do agir, caracterizando um modo de dizer o trabalho do professor ou o
seu modo de agir, aparecendo de modo recorrente em todos os projetos. Assim, há
uma variação tanto na forma de apresentação desse trabalho quanto no agir que
foi tratado. Contudo, observou-se que a figura do professor observado aparece
sempre fazendo parte de um comentário cujo foco principal é o aluno.
A análise dos segmentos em que aparece o professor observado nos
mostrou que, nesses projetos, o trabalho do professor consiste fortemente em um
135
agir linguageiro dirigido ao aluno e feito com artefatos simbólicos na sala de aula.
Nota-se, assim, que não se faz referência a outros elementos constitutivos do
trabalho do professor, tais como as prescrições que ele recebe, o coletivo de
trabalho ou o que seriam as regras do ofício desse trabalho.
Nesses segmentos, poucos elementos do agir são apresentados, já que
houve a menção a artefatos simbólicos (projetos 2, 5, 8) e materiais (projeto 6) em
quatro projetos, a determinante externo para indicar a motivação do agir somente
no projeto 5 e à finalidade, expondo a intencionalidade do agir, apenas no projeto
2. Como se pode ver, nesses projetos, não se atribuem ao professor motivos ou
intenções pessoais para o seu agir, o que lhe garantiria o estatuto de ator. Dessa
forma, o seu papel é antes o de um agente, que deve agir interacionalmente em
relação ao aluno.
No interior dos projetos, notamos que esses segmentos sobre o professor
observado aparecem para fundamentar as críticas do estagiário ao modo como o
ensino de leitura é desenvolvido ou para atestar o baixo nível de leitura dos
alunos. Dessa forma, os segmentos sobre o agir do professor observado servem
para corroborar o agir que o estagiário proporá nas aulas de intervenção
apresentadas na seção de Metodologia.
Variando em quantidade conforme o projeto, o professor genérico é
colocado como protagonista do agir, junto com os alunos, em todos os projetos.
Esse professor genérico aparece em todos os projetos em segmentos de trabalho
prefigurado pelo governo ou por teóricos, como PGI, nas seções de Introdução e
Fundamentação teórica, mas também em seis projetos na de Metodologia.
Encontram-se ainda segmentos de trabalho realizado pelo professor genérico
existente (PGE) em todos os textos, mas nem sempre na mesma seção, e em
menor quantidade, como PGI, nos segmentos de objetivos gerais/específicos
(cinco projetos), de hipótese e pergunta (três projetos), de objetivos da
intervenção, de resultados e avaliação (um projeto).
Nesses dois segmentos que apresentaram o professor genérico em todos os
projetos, podemos notar a recorrência de duas figuras de ação: ação canônica e
ação experiência.
Na estrutura da construção da figura de ação canônica, encontramos “o
professor”, PGI, como sujeito expresso ou oculto; verbos ou expressões
modalizadoras de valor deôntico (“cabe”, “é preciso”, “é necessário”), de valor
136
epistêmico (“pode”), de valor pragmático (“procure”), relacionando-se com
verbos predominantemente de ação (“conduzir”, “mediar”, orientar”, “fazer”,
“dar”, etc.), cujos objetos serão, de modo geral, a leitura ou o aluno, que é o
beneficiário do agir do professor. Vejamos alguns exemplos:
Ação canônica nos segmentos de trabalho prefigurado:
Exemplo 15
21. Por esse motivo, é necessário que o professor esteja presente para mediar e orientar
22. a leitura polissêmica, a qual visa valorizar os muitos sentidos que o texto poderá
23. oferecer ao aluno-leitor. É esta ampla diversidade de sentidos que possibilita ao
24. aluno perceber as diferenças e características entre textos de gêneros diferentes. E
25. cabe ao professor tornar-se parceiro do aluno para a percepção de diferentes
26. leituras e visões sobre um determinado texto.
(Projeto 3, Introdução)
Exemplo 16
63. A construção individual do hábito de leitura deve ser trabalhada dependendo
64. do contexto e dos objetivos em que ela se dá, verificando as suas condições
65. lingüística e ideológica, o implícito e também a intertextualidade. Antes de
66. impor um significado o professor deve trabalhar considerando a polissemia,
67. (significados têm relações, múltiplos sentidos) e descobrir o que o termo
68. significa para o aluno.
(Projeto 6, Fundamentação teórica)
Exemplo 17
55. Neste trabalho, é preciso que o professor procure fazer com os alunos, não
56. fiquem preocupados como a produção de um texto final, acabado, coerente,
57. procure fazer com que não haja a preocupação com os conceitos de “certo” e
58. “errado”, ou a preocupação de satisfazer as expectativas do professor, mas
59. sim fazer com que os alunos exponham sua compreensão real e os processos
60. mentais desenvolvidos durante a leitura; enfim, que leve os alunos a
61. escreverem mais para si mesmos do que para o professor.
(Projeto 7, Fundamentação teórica)
Nos segmentos de trabalho realizado pelo PGE, encontramos a ação
experiência, indicando a postura que o professor vem tendo em seu trabalho e que
precisa ser alterada. Para isso, emprega-se fortemente a negação na estrutura das
frases, principalmente por meio do advérbio não”, mas também pelo uso dos
137
pronomes indefinidos “nenhuma”, “alguma”, “muitas”, do prefixo de negação
“des-” ou de adjetivos cujo sentido é negativo como “cansativo”, “difícil” ou
“distante”. Reforçando o caráter genérico, encontramos também os advérbios
“geralmente”, “apenas” e sempre”, como veremos em alguns desses segmentos
que serão mostrados logo abaixo:
Exemplo 18:
12. Para Pfeiffer (1998), geralmente não são oferecidos ao aluno oportunidades
13. para que eles possam refletir e interpretar as leituras, de forma que as respostas
14. às indagações e questionamentos já são dados pelo professor antes de que os
15. alunos se manifestem, pois este acaba dominando um sentido correto para o
16. texto. De certa forma, podemos também considerar o fato de o ensino médio
17. estar voltado integralmente para o vestibular e para o conteúdo da apostila que
18. deve ser trabalhado, o que acaba limitando o posicionamento do aluno que,
19. atento e “pressionado”, volta-se fielmente ao que seus professores transmitem
20. como “única verdade”, “único sentido”. Eles entendem que os alunos, como
21. sujeitos, não são passiveis de interpretar e refletir, já que, como expõe os
22. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de Português (1999),
23. no ensino de Língua Portuguesa há aulas de expressão nas quais os alunos não
24. podem se expressar.
(Projeto 1, Introdução)
Exemplo 19:
10. A reflexão feita procura mostrar, com base naquilo que teóricos dizem sobre o
11. assunto, que as concepções de leituras apresentadas pelos professores são ainda
12. distantes daquelas que levam em consideração a atividade de leitura como sendo
13. uma das propiciadoras de interação.
(Projeto 4, Introdução)
Exemplo 20:
15. Durante os estágios já realizados nunca foi vista uma aula de leitura, o que se
16. vê é uma aula em que a leitura é algo sempre “a acrescentar” no conteúdo,
17. nunca explora sentidos pessoais, é sempre vista como cansativa e
18. desnecessária ao contexto escolar por parte dos alunos, e algumas vezes por
19. parte de professores. As aulas de literatura no Ensino Médio, nas quais a
20. leitura se faz imprescindível, são estruturadas como aula de compreensão de
21. períodos literários. As obras que caracterizam os períodos são apenas
22. mencionadas e, muitas vezes intituladas pelos professores como “textos
23. muito difíceis”.
(Projeto 5, Introdução)
138
Nesses segmentos de trabalho prefigurado e realizado do professor
genérico, encontramos todas as figuras que indicam um modo de agir, levantadas
por Mazzillo (2006), mas nota-se que o agir com instrumento simbólico foi o
mais prefigurado para os PGIs nos projetos, ao passo que o agir linguageiro sem
resposta do aluno junto com o agir com instrumentos foram os mais criticados em
relação ao PGE. Assim, nesses projetos, o trabalho do professor genérico, seja o
PGE ou o PGI, não é apresentado com seus outros elementos, como as próprias
prescrições que implicam reações dos professores, os coletivos de trabalho ou as
regras do ofício, além das relações conflituosas que se pode estabelecer entre
todos eles.
Além de ser um agir com instrumentos, o agir prefigurado para o PGI tem
como finalidade contribuir para um agir “melhor” do aluno. Em seis projetos (2,
3, 4, 6, 8, 10), os estagiários apresentam uma finalidade para o agir do professor,
que se encontra diretamente relacionado a um agir “melhor” do aluno:
Exemplo 21:
67. Nos tempos atuais, o professor tem total flexibilidade em sala de aula para escolher
68. e modificar os conteúdos de sua disciplina; cabe a ele ter em mente os objetivos
69. para formar bons leitores e não apenas “passar” conteúdos em vão.
(Projeto 3, Fundamentação teórica)
Exemplo 22:
30. Para o aluno participar do seu mundo social é necessário um trabalho [do
professor]
31. significativo e integrativo. A linguagem deve ser um objeto de reflexão e
32. análise que levará o aluno a, independentemente, superar e transformar os
33. significados veiculados por ela.
(Projeto 6, Introdução)
Aparece, assim, uma concepção de trabalho do professor aliás, presente
nos documentos oficiais de prescrição – que considera que este tem como objeto o
aluno, de modo direto, confundindo-se finalidade com o objeto do trabalho, que,
segundo a Ergonomia da Atividade, no caso do professor, consiste em organizar
um meio de trabalho coletivo que propicie a aprendizagem.
139
Nos projetos, não se mencionam as intenções ou os motivos dos
professores genéricos, PGE e PGI, para agirem. Dessa forma, assim como o
professor observado, esses professores também são postos em cena como agentes
e o como atores. E os segmentos que tematizam o seu agir servem para
fundamentar o agir que o estagiário apresentará na seção de Metodologia, ou seja,
o agir do trabalho realizado será evitado e o agir prefigurado será incorporado,
como verificaremos, a seguir, ao tratarmos do estagiário.
O estagiário é representado em todos os projetos, na seção de
Metodologia. Nessa seção, o estagiário aparece expresso por meio dos termos
“estagiário” ou “professor”, por pronome ou oculto, apresentando a futura
intervenção que fa, quem serão os seus destinatários, que artefatos empregará,
como dará as aulas, que resultados espera obter e como fará a avaliação da
aplicação do projeto.
predominância de verbos no futuro do presente e, somente em alguns
momentos, marcas de primeira pessoa do singular ou do plural, mostrando a
implicação do enunciador, para prescrever um agir futuro, mas em todos os
projetos segmentos que apresentam um dado de contextualização ao apresentar
os textos que serão usados na aula pelo estagiário, além de segmentos nos quais só
se prefigura um agir, mas sem se referir ao contexto, expondo somente uma regra,
uma norma, que deverá ser cumprida. Dessa forma, nesta seção dos projetos,
podemos dizer que duas figuras interpretativas do agir: ão canônica, nos
segmentos em que prefiguração, e ação ocorrência, naqueles em que ocorre
uma contextualização, implicando algum elemento do contexto, como o
enunciador ou o texto específico que ele usará na aula. Com essas figuras,
prefigura-se bem mais o trabalho do aluno que o do próprio estagiário, que é o
agir do aluno que recebe maior foco. Mesmo não tendo destaque, podemos
verificar que, em todos os projetos, prescrição destinada ao estagiário para ele
agir com instrumento simbólico. Em seis projetos (2, 3, 5, 6, 7, 8), foi
apresentada, junto com o agir do estagiário, a sua finalidade, que esteve
relacionada ao agir do aluno, como ocorreu com o professor genérico.
Em todos os projetos, apresentação de instrumentos simbólicos (textos
ou teorias) que o estagiário deveria utilizar em seu trabalho. Se retomarmos as
seções de Introdução e Fundamentação teórica dos projetos, constatamos que se
constrói o mesmo comportamento representado nos segmentos de trabalho
140
prefigurado para o professor genérico idealizado e se evitam os comportamentos
expostos nos segmentos de trabalho realizado pelo professor observado e pelo
professor genérico existente.
Como a grande crítica reside na idéia de que o professor, genérico
existente ou observado, o deixa ou cria empecilhos para o aluno expor as suas
posições sobre os textos, em razão do não-uso de um certo instrumento, parece-
nos que os estagiários procuraram propor aulas em que esses dois “problemas”
estivessem resolvidos. Sendo assim, prefigura-se um agir linguageiro do
professor para que o aluno se exponha e também se inclui o uso do instrumento
prescrito.
Uma última semelhança entre os projetos, que gostaríamos de ressaltar,
diz respeito ao vocabulário empregado para se referir ao agir docente. Em todos
os segmentos sobre esses actantes, observamos que o texto apresenta verbos
(“mediar”, “orientar”, “abordar”, etc.) ou nominalizações (“trabalho”, “leitura”,
“negociação de sentidos”, “organização da leitura”, “análise de textos”, etc.) que
pouco explicitam sobre as várias etapas do agir do professor em uma aula. Isso
ocorre em frases como “é necessário que o professor esteja presente para mediar
e orientar a leitura polissêmica” (projeto 3, Introdução) e “o objetivo geral desse
projeto é demonstrar a importância de um trabalho sistematizado com a leitura
em sala de aula [pelo professor](projeto 2, Introdução). Mas como se “medeia”
ou se orienta” essa leitura? O que significa exatamente um trabalho
sistematizado com a leitura”? Que etapas precisariam ser cumpridas para que se
atingissem todas as dimensões do trabalho docente encerradas nesses vocábulos?
São perguntas às quais os projetos não respondem.
Considerando esses resultados à luz da concepção do trabalho docente
(Machado, 2007, no prelo) que adotamos, passamos a interpretá-los na próxima
seção.
6.5 Conclusões sobre a análise dos projetos
A análise do conjunto dos projetos permitiu-nos perceber que entre eles há
muitas semelhanças, que nos levam às conclusões que apresentaremos a seguir.
Notamos que, na produção desses projetos de intervenção, houve grande
preocupação com os aspectos formais, uma vez que todos os textos apresentaram
capa, folha de rosto, tamanho do texto, divisão em seções, conforme prescrição do
141
documento de orientação, analisado em nosso Capítulo 5. Além disso, ainda que o
documento de prescrição não enfatize como deveria ser a linguagem empregada,
os textos seguiram o padrão científico, usando predominantemente o discurso
teórico, construindo-se um discurso em 3ª pessoa, objetivo e impessoal.
Essa preocupação com a forma pode significar que o estagiário não está
diferenciando o projeto de intervenção dos outros textos que produz nas várias
disciplinas teóricas da graduação, ou seja, ele não é o texto em que um futuro
professor analisa a sala de aula e propõe alternativas para resolver as dificuldades
encontradas. Na verdade, o projeto parece ser mais um texto que deve seguir
corretamente a prescrição dada para ser bem avaliado.
Provavelmente, considerando a situação de avaliação como a finalidade
principal do projeto, o estagiário não encontre razões para se colocar no projeto.
Afinal, revendo o contexto de produção, se estamos na universidade e queremos
ser bem avaliados pelo professor, o importante é trazer a voz da ciência e não de
um simples graduando quantas vezes esse estagiário não teria sido lembrado da
importância de fundamentar as afirmações com o discurso científico? Neste
sentido, se o estagiário escreve como um aluno de graduação e não como
também um estagiário e/ou um futuro professor –, ao professor-supervisor
também é atribuído um papel: de avaliador, e não de um supervisor de estágio,
cujos objetivos seriam contribuir para a formação de um profissional.
Partindo-se dessas representações do contexto de produção e revendo-se o
documento de orientação para a construção dos projetos, fica mais fácil
compreender por que a voz predominante nos projetos é a dos teóricos e dos
documentos oficiais lidos na disciplina. Parece-nos que, visando a construir um
texto “bem-sucedido”, o estagiário procurou trazer a voz legitimada na
universidade para analisar o trabalho do professor. O próprio documento de
orientação do estágio coloca, no artigo 10, a necessidade de que o estagiário, após
selecionar um tema para fazer a intervenção, faça uma “pesquisa bibliográfica
sobre o tema eleito, em gramáticas pedagógicas e em textos científicos”. E depois,
no artigo seguinte sobre a produção do projeto de intervenção (artigo 11,
parágrafo terceiro, sobre a seção de Fundamentação teórica), coloca-se a
necessidade de que se considere o que os teóricos já disseram sobre o tema. Logo,
para ser bem-sucedido na produção de mais esse exercício escolar, a saída
encontrada pelo estagiário é a prescrição dada.
142
Ainda seguindo a prescrição dada, nota-se que os estagiários assumiram o
papel proposto no documento de orientação, ou seja, avaliadores dos professores,
usando o discurso dos teóricos e dos PCNs como critérios. Essa avaliação é
percebida claramente, que as vozes dos PCNs e teóricos dominam os textos,
contribuindo para se expor qual seria o agir “errado”, a ser descartado nos
segmentos de trabalho realizado pelo professor observado e genérico existente, e
qual seria o agir a ser adotado, nos segmentos de trabalho prefigurado para o
professor. Nota-se ainda essa avaliação, ao se verificar como, ao tratar do agir do
aluno observado, apresentaram-se idéias implícitas sobre como deveria ser feito o
trabalho de leitura com ele, que são as mesmas apresentadas expressamente nos
PCNs de Língua Portuguesa e encontradas, juntas ou separadas, nos textos dos
autores lidos nas disciplinas.
Portanto, essa preocupação em retomar as vozes dos PCNs e dos teóricos
pode indicar que o estagiário quer passar a imagem de bom aluno que os textos
indicados e sabe quando os utilizar. O uso do discurso teórico junto com essas
vozes corrobora a idéia de que o estagiário, ao produzir o projeto, parece fazer
apenas mais um exercício escolar e não uma reflexão sobre o seu futuro trabalho.
Afinal, o discurso teórico marca o discurso científico lido, discutido e utilizado
como modelo na universidade. Provavelmente, na visão do estagiário, o uso
dessas vozes e do discurso teórico seriam, então, também o esperado pelo
professor-supervisor.
Entretanto, ao construir a sua avaliação, o estagiário enfoca somente dois
elementos do trabalho do professor: o artefato e o destinatário (o aluno),
descartando vários outros que poderiam ser tratados como vimos no triângulo”
proposto por Machado (2007), que nos mostra que o pólo do professor, um ser
a quem podem ser atribuídos motivos, intenções, capacidades, o pólo do
destinatário, no qual outros indivíduos envolvidos além do aluno, que também
precisam ser considerados na situação de escola, como os pais, os outros colegas,
a direção, que também tem motivos, intenções, capacidades, etc. ainda o pólo
do objeto do trabalho do professor, que consiste em organizar o meio para que se
desenvolva a aprendizagem. Inter-relacionando-se com esses três pólos,
encontramos os artefatos. A relação entre todos esses elementos é conflituosa, ao
contrário do que mostrou o estagiário ao prefigurar a sua futura intervenção, sem
considerar os vários obstáculos que ele poderia encontrar para dar a sua aula: a
143
não-participação dos alunos, por exemplo, que poderiam detestar o texto
escolhido e se recusar a trabalhar; as dificuldades criadas pela própria escola, que
pode, sem avisar anteriormente, ter programado uma outra atividade para aquela
sala naquele dia
23
, etc.
A relação ensino-aprendizagem analisada a partir do aluno reproduziu a
visão do paradigma de pesquisas sobre o professor do tipo processo-produto,
como vimos no Capítulo 2, uma vez que é a partir do comportamento do aluno
que o estagiário está avaliando e desqualificando o trabalho do professor
observado e do genérico. Além disso, também se mantém a idéia de que a
inserção de um novo artefato será capaz de resolver todos os problemas,
desconsiderando-se o fato de que esse novo artefato por si pode causar mais
problemas. Pode-se ver tal discurso em textos oficiais sobre os PCNs ou sobre a
Educação a Distância (Abreu-Tardelli, 2006). Dessa forma, apesar de leituras
atualizadas na disciplina de Estágio, a análise desses projetos nos mostra que
representações cristalizadas sobre o trabalho do professor ainda estão em vigor
no texto produzido pelos estagiários.
Além disso, a análise dos projetos mostrou-nos também que o vocabulário
empregado para retomar o agir docente é genérico, apontando atividades gerais a
serem desenvolvidas sem as fases ou os atos do trabalho do professor, que os
estagiários parecem não saber observar.
Contudo, essa visão subdimensionada do trabalho docente apresentada
pelos estagiários nos obriga a fazer um questionamento: se os estagiários seguem
tanto as prescrições, os textos teóricos e os documentos oficiais para produzirem
as suas avaliações, seque essa visão que eles apresentam em seus textos não
seria depreendida desses vários textos? Sendo assim, não seriam os projetos
desses estagiários que estariam focando somente alguns aspectos do trabalho do
professor e menosprezando outros, mas isso seria, talvez, uma característica do
discurso legitimado sobre o trabalho docente.
É preciso fazer mais investigações para tirar conclusões mais definitivas
sobre isso, por ora o importante é termos a clareza de que as leituras do estágio
funcionam tal um guia de como os estagiários podem avaliar o trabalho docente e
23
Esse tipo de dificuldade tem acontecido todos os semestres, que os estagiários não são considerados
como parte da escola e, portanto, não são avisados sobre as atividades de última hora que aparecem, como
palestras ou apresentações de teatro para os alunos, ou mesmo dispensas coletivas por problemas com a
água ou com violência.
144
de como devem agir futuramente. Logo, o agir do estagiário nasce nos textos lidos
e não nas atividades práticas que realiza no estágio, as quais desaparecem em seu
projeto e nas aulas que prefigura para si. O agir explicitado como o correto para
um futuro professor adotar é o dos textos (teóricos ou oficiais) e não o do
professor que se encontra na situação efetiva de trabalho.
Todas essas constatações ajudam a validar a idéia de que a preocupação
do estagiário, ao produzir esse projeto na disciplina de Estágio, é apenas mostrar
que ele e aplica o que foi dado pelo seu professor, cumprindo corretamente a
sua parte do acordo no exercício escolar: seguir as prescrições dadas! Contudo, a
análise dos projetos permitiu-nos compreender que, nesse simples exercício
escolar, o estagiário começa a construir o seu modelo de como agir como
professor, mas um professor idealizado.
Diante disso, se que podemos pensar que a produção do projeto de
intervenção deve ser mantida em um curso que visa à formação de professores
reais para as situações reais? É o que veremos no próximo e último capítulo, em
que apresentaremos as nossas considerações e reflexões finais sobre o documento
de orientação e os projetos de intervenção.
145
Considerações finais
Neste último capítulo, serão apresentadas algumas reflexões em torno do
presente estudo, considerando as contribuições teórico-metodológicas que esta
pesquisa trouxe e os resultados das análises do documento de orientação e dos
projetos de intervenção.
Nesta pesquisa, procuramos aliar o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)
às concepções das Ciências do Trabalho: Ergonomia da Atividade e Clínica da
Atividade, conforme vem sendo feito pelas pesquisas do Grupo ALTER
(Abreu-Tardelli, 2004, 2006; Lousada, 2004, 2006; Machado, 2004b, 2006,
2007; Mazzillo, 2006; Correia, 2007) sobre o trabalho do professor. Como foi
possível verificar nessas pesquisas, essa junção é bastante relevante, uma vez que
enriquece o ISD, trazendo discussões sobre textos do trabalho educacional, que
não foram ainda explorados pelos pesquisadores genebrinos, e amplia as suas
categorias de análise, fornecendo novos critérios para se detectar a morfogênese
do agir em textos. E, simultaneamente, essas pesquisas também enriquecem a
Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade, pois lhes fornecem um quadro
metodológico para analisar os textos, podendo, assim, depreender as
representações sobre o trabalho prescrito, o realizado e o real a partir da
materialidade lingüística dos vários documentos por nós analisados.
Acreditamos que nossa pesquisa vem enriquecer esses procedimentos
teórico-metodológicos, primeiramente pelos textos que foram escolhidos para
análise: o documento de orientação e os projetos de intervenção, cujos resultados
da análise atestam a riqueza das representações que esses textos constroem sobre
o trabalho, obrigando-nos a repensar sobre como os utilizar no processo de
formação de um profissional.
A análise do documento “Instruções Gerais para o Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa” permitiu-nos
perceber que as prescrições apresentadas se centram nos aspectos formais do
estágio, estabelecendo onde, quando, durante quanto tempo, com quem deve ser
o estágio, além de como devem ser elaborados os textos, projeto e relatório que
serão avaliados pelo professor-supervisor. Assim, neste sentido, essas prescrições
não são vagas, que fornecem ao aluno do curso de Letras regras muito claras
146
do que deve fazer. Contudo, considerando que esse documento tem como
destinatário o estagiário e o qualquer aluno do curso, nota-se que ele fica
aquém do esperado, ao mostrar para o estagiário que ele deve, em primeiro lugar,
preocupar-se com os aspectos formais e, em segundo, que ele deve portar-se no
estágio como um avaliador do professor observado, mas focando apenas nos
artefatos empregados, incluindo-se aí as prescrições dos documentos oficiais.
Dessa forma, nesse documento se nota um subdimensionamento do
trabalho efetivo do professor e do trabalho possível do estagiário, já que não
apresenta os diferentes aspectos desse trabalho nem lhe indica outras
possibilidades de agir, além de avaliar. Esse subdimensionamento também pode
ser verificado nas representações que são construídas sobre os professores
observado e supervisor, que foram apresentadas nos textos. O professor
observado aparece como um objeto ao passo que o supervisor, como um punidor
do estagiário: ambos agentes, sem motivos, intenções ou capacidades. Nota-se,
assim, que nesse documento não se percebe a complexidade do trabalho do
professor nem se indica ao estagiário que esse trabalho tem vários elementos.
Sendo assim, não é difícil compreender o que acaba ocorrendo nos dez
projetos de intervenção analisados. Eles seguem perfeitamente bem as
prescrições dadas: apresentam os aspectos formais solicitados e o estagiário
coloca-se como um avaliador do trabalho do professor, principalmente do
elemento artefato. Além disso, em sua avaliação o texto põe em cena três
professores diferentes: o professor observado, um professor genérico existente e
um professor genérico idealizado. Mas o foco maior é posto nos professores
genéricos e, assim, critica-se o agir com instrumentos utilizados pelo professor
genérico existente (PGE), buscando-se adotar o agir com instrumentos do
genérico idealizado. Ainda nessa avaliação, não exploração dos vários
elementos do agir, destacando-se apenas que a finalidade do agir será sempre o
bem do aluno (de acordo com as prescrições institucionais).
Para realizar essa análise, utilizamos tanto as figuras de ação, inicialmente
descritas por Bulea e Fristalon (2004) e também constatadas nas pesquisas do
Grupo ALTER, quanto as que foram definidas por Mazzillo (2006) para que
detectássemos as representações sobre o trabalho docente construídas nos textos
tanto em relação aos “modos de dizer” o agir do enunciador quanto dos “modos
de agir” dos actantes postos em cena. Acreditamos que essa é uma outra
147
contribuição de nossa pesquisa para o desenvolvimento de procedimentos
teórico-metodológicos.
A detecção das figuras de ação construídas em segmentos no texto,
conforme descritas por Bulea e Fristalon (2004), auxiliou-nos a detectar a
existência desses dois professores genéricos diferentes com seus respectivos
alunos. Na figura de ação experiência, encontramos o professor genérico
existente, e na de ação canônica, o professor genérico idealizado. Mas
pudemos detectar qual agir exatamente é atribuído a cada um desses professores
e a seus alunos ao recorrermos às figuras do agir, conforme descritas por
Mazzillo (2006), cuja unidade de análise é a oração, com ênfase na detecção do
papel do actante em seu agir específico.
Essa constatação de que um mesmo sintagma nominal pode designar
diferentes entidades, como no caso de “professor”, que em nossos projetos é
usado para se referir ao professor observado, além dos dois genéricos, pode
ajudar, nas próximas pesquisas, a se detectar as diferentes figuras de professor
que um mesmo texto pode construir. E, na análise de textos sobre o trabalho de
outros profissionais, essa constatação pode ajudar os pesquisadores, tanto do ISD
quanto da Ergonomia da Atividade ou da Clínica da Atividade, a verificarem de
que trabalhador se fala ao se tratar do trabalho prescrito, realizado ou real, nas
várias figuras interpretativas do agir, e se as representações construídas sobre
cada um deles se assemelham ou divergem entre si. Além disso, essa constatação
evidencia que as representações sobre um profissional, construídas por um
mesmo indivíduo, podem ser conflituosas entre si.
Uma outra contribuição que acreditamos ter trazido está no fato de termos
ampliado o modo de detectar as figuras interpretativas do agir de Mazzillo
(2006), que não nos detivemos apenas nos predicados oracionais em que o
professor, ou outro termo que lhe substituía, aparecia como sujeito expresso ou
oculto. Analisamos também os casos de nominalização, em que o sintagma
“professor” era facilmente inferível. Esse procedimento se mostrou relevante,
pois, nos textos escritos em português culto, como os estagiários tentaram fazer
nos projetos de intervenção, uma tendência a evitar as repetições e, para isso,
muitas vezes recorre-se às nominalizações. Assim, se objetivamos detectar o
conjunto mais amplo das representações sobre o actante professor, é preciso
buscá-las no texto todo, para que nossas conclusões estejam mais fundamentadas.
148
Em nossa pesquisa, a análise dessas figuras e dos diferentes valores que o
sintagma “professor” assume nos auxiliou também a compreender como e para
quê o estagiário construiu a avaliação do trabalho do professor: o estagiário
recorre às leituras feitas e, a partir delas, julga o agir do professor e fundamenta o
seu próprio agir, utilizando, assim, o que dizem os textos teóricos e as prescrições
oficiais (PCNs) como o guia, o modelo para o seu agir futuro. Dessa forma,
constata-se que o agir futuro do estagiário representado tem sua origem apenas
nos textos teóricos e não nas atividades práticas do estágio, com as relações que
se estabelecem entre a escola e os professores reais em situações reais de
trabalho. E as prescrições do documento de orientação do estágio contribuem
para isso, ao colocar que as teorias e os PCNs devem ser utilizados para
“observar” o trabalho do professor, ou seja, se eles são parâmetros para se fazer a
avaliação também podem ser para se fornecer as bases de um agir correto” para
o estagiário.
Todas essas questões nos obrigam a refletir sobre as prescrições, os
dispositivos empregados no processo de formação, e sobre o estágio, também,
como um macrodispositivo de formação.
Como vimos, um documento que veicula prescrições não tem sempre a
forma canônica de um texto prescritivo (Fillietaz, 2004) com verbos no
imperativo, por exemplo, para conseguir prefigurar o agir de alguém. É o que
ocorre com o documento analisado aqui e mesmo com outros analisados por
Bronckart e Machado (2004), Abreu-Tardelli (2004, 2006), Correia (2007),
Barricelli (2007). Outras semelhanças que notamos com os documentos de
prescrição analisados por esses autores é o fato de que o professor não aparece
como central em nenhum deles e poucas indicações são dadas sobre o que seria
efetivamente o trabalho do professor ou sobre como um professor deve proceder
para atingir o que os documentos propõem, já que os procedimentos efetivos não
são apresentados.
Apesar de esses documentos serem textos lacunares, nota-se que eles têm
grande importância no mundo do trabalho, uma vez que fornecem modelos que
guiarão o agir do professor, o qual faz uma reelaboração, completando tais
modelos, do modo que for possível, como demonstra Barricelli (2007) ao
verificar como os professores da Educação Infantil “preenchem” as lacunas
deixadas pelos documentos oficiais. O mesmo ocorre com o estagiário.
149
Provavelmente os elaboradores do documento de orientação não esperavam que
ele desvalorizasse totalmente as observações da prática de um professor em uma
escola real. Contudo, ao silenciar no documento, não abordando melhor o
trabalho desse professor nem fornecendo instruções mais detalhadas de como
abordá-lo, deixou-se espaço para que os estagiários reinterpretassem como
deveriam agir em relação a esse professor a partir do pouco que foi dito.
Essa incompletude das prescrições, pelo menos das analisadas até o
momento, leva-nos a pensar que, ainda que se fale muito do trabalho do professor
de modo geral, ele continua a ser um objeto “misterioso”, que ainda pouco se
sabe a respeito do funcionamento efetivo dos seus vários elementos, como vimos
no Capítulo 2. Mas essa incompletude também nos leva a refletir sobre os
prescritores e sua concepção de trabalho docente. Quando revejo as minhas
concepções ao participar da reelaboração do documento de orientação do estágio
e ao fazer o programa de ensino, apresentado no Capítulo 4, noto claramente que
esses textos refletem a concepção que eu tinha de que, investindo-se nos
artefatos, a qualidade do ensino melhoraria. Trazemos esse fato à discussão para
levantar a questão de que é preciso pesar melhor quem pode estar no papel de
prescritor, que as prescrições por ele produzidas podem refletir as suas
representações sobre o que é o trabalho, mantendo-se, no caso do professor, um
tratamento subdimensionado, se não houver prescritores que percebam que ainda
estamos diante de um “objeto misterioso”, sendo necessário, então, antes de fazer
as regras, buscar meios de desvelar as suas várias dimensões.
Entretanto, se estamos diante de um objeto que pouco conhecemos, como
podemos escolher um bom dispositivo para abordá-lo em um curso de formação
e para garantir, simultaneamente, o desenvolvimento do estagiário?
No Capítulo 1 apresentamos vários dispositivos que estão sendo
empregados em cursos de formação, mas notamos que os mais bem-sucedidos
são aqueles que contam com a participação efetiva do professor-supervisor do
estágio, ou do professor observado, que interfere nas produções dos estagiários,
dialogando com eles durante todo o trabalho. Logo, parece-nos que não é
exatamente o dispositivo ou as prescrições iniciais institucionais o ponto-chave
nesse processo de formão, mas o modo como eles são gerenciados na relação
entre professor e estagiário. Segundo Bronckart et al. (2006), não é o formador
que levará o estudante ao desenvolvimento, mas os conflitos, os desequilíbrios
150
entre visões, a que este último estiver exposto, que o provocarão, permitindo-lhe
desenvolver-se pela apropriação, no nível pessoal, do debate interpretativo e pelo
gerenciamento que fará desse debate, construindo, assim, a sua própria posição.
Para que esse desenvolvimento ocorra, o professor-supervisor pode atuar
apresentando diferentes visões teóricas sobre o trabalho do professor, expondo
tanto as prescrições das hierarquias educacionais superiores quanto as críticas
que a elas são feitas, am de trazer para a sala de aula dados reais das situações
de trabalho docente, e, por fim, expor as visões, as contradições, as
representações que o estagiário apresenta em seus textos, fazendo-o refletir sobre
elas e suas implicações, de modo que ele possa apropriar-se do “debate
interpretativo” sobre a profissão, construindo as suas representações, mas não de
um modo unilateral, ou seja, construindo-se como um futuro profissional que não
retira o seu modelo de agir só dos textos lidos, mas busca-o também nas
atividades práticas e nas possibilidades reais envolvidas nestas.
Dessa forma, ainda que o documento de orientação e os projetos de
intervenção analisados representem o agir do professor no trabalho de modo
subdimensionado, eles podem ser o ponto de partida em um trabalho de
formação, pois as representações que são construídas neles podem ser discutidas,
debatidas e revistas em conjunto com os estagiários e mesmo com os professores
observados, os quais poderiam também ser trazidos para o espaço da formação,
não para serem re-formados”, mas para atuarem como formadores também,
mostrando o outro lado que as teorias não dão conta de expor.
Entretanto, as análises e as conclusões que tiramos nos levam a não
acreditar que, enquanto usarmos o mesmo dispositivo para avaliação e para a
formação, conseguiremos fazer os estagiários libertarem-se da postura habitual
que assumem na realização de exercícios escolares, nas outras disciplinas do
curso, ou seja, a postura de reproduzir os conhecimentos lidos, mostrando que
sabem aplicá-los em situações “práticas”, ou melhor, que ficcionalizam uma
prática. Dessa forma, é preciso rever o espaço do estágio e não o colocar apenas
como mais uma disciplina em que se dará mais uma nota durante a graduação.
Somente assim os dispositivos escolhidos poderão cumprir a sua função de
contribuir para a formação.
Nessa nova concepção de estágio, o bom dispositivo deve considerar
tanto o papel do professor idealizado quanto o do professor-supervisor e do
151
professor observado, além de uma relação dialógica entre textos, professores e
estagiários a fim de que todos possam desenvolver-se profissionalmente durante
o processo de formação. E os projetos poderiam fazer parte desse novo estágio, já
que projetos de intervenção analisados não são bons ou ruins em si mesmos: sua
validade em um curso de formação dependerá de como o professor-supervisor vai
lê-los, interpretá-los e discutir as representações neles encontradas com os seus
estagiários.
Contudo, é importante lembrar ainda que o professor-supervisor precisa
ter mais elementos para conseguir ler os textos dos seus alunos e depreender as
representações construídas sobre o trabalho do professor, além de ter também
uma visão mais ampla do que é esse trabalho, não podendo, assim, restringir-se
somente a conhecimentos teóricos da pedagogia ou didática ou dos saberes
específicos que se tornarão conteúdos de ensino. Afinal, as pesquisas que adotam
o ISD e as Ciências do Trabalho, como as citadas nesta tese e em especial as do
Grupo ALTER (Abreu-Tardelli, 2004, 2006; Lousada, 2004, 2006; Mazzillo,
2006, Correia, 2007), mostram que o trabalho docente é bastante complexo e o
pode ser compreendido a partir do olhar de uma única disciplina; é necessário um
olhar interdisciplinar para que se percebam mais claramente os vários elementos
que estão nele implicados. Desse modo, não é possível que o professor-
supervisor de estágio seja qualquer professor de uma faculdade, mas alguém que
tenha condições ou esteja aberto para construir esse olhar interdisciplinar. E isso
não vale só para as licenciaturas, já que qualquer atividade profissional será
melhor compreendida numa postura interdisciplinar.
Para que esse olhar seja possível, o necessárias mais pesquisas
transdisciplinares que tenham como objetivo mostrar em que consistem as
diferentes atividades profissionais em vez de procurar dizer como elas deveriam
ser. Um ótimo lugar para começar isso seria no próprio estágio, em que as
atividades práticas de contato com o lugar real e um profissional real devem ser o
centro das discussões, à luz das quais as teorias e os documentos oficiais podem
ser confrontados, relidos e reinterpretados, contribuindo efetivamente para a
formação de um profissional menos idealizado, porém mais preparado para a
realidade que encontrará no seu dia-a-dia. Assim, esse novo olhar permitiria rever
a concepção de estágio, de espaço em que se cumprem as formalidades legais
(impostas pelo MEC, pela universidade, etc.) para a do espaço em que, durante a
152
graduação, o futuro profissional começa a compreender o mundo do trabalho em
que exercerá a sua profissão. Essa mudança também exige que se assuma uma
concepção de formação diferente, que vá bem além da formação voltada para a
reprodução das teorias científicas vistas na universidade, que são artefatos
necessários, mas não exclusivos, para o exercício da profissão docente.
Dessa forma, cabe a nós, professores e pesquisadores, contribuirmos para
alterar esse quadro da formação de professores no estágio, estudando e expondo o
trabalho docente, para que novos modelos de agir possam ser construídos e para
que, quem sabe, conhecendo melhor esse trabalho, consigamos também resgatar
a valorização social do professor. É um projeto ambicioso, sem dúvida, mas no
qual vale muito a pena investir!
153
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comportement. Société française, n. 50, p. 35-50, 1925.
_________. (1934). Pensée et langage. Tradução do russo para o francês por
Françoise Sève. 3. ed. Paris: La Dispute, 1996.
_________. (1984). Théorie des émotions: étude historico-psychologique.
Traduzido do russo para o francês por Nicolas Zavialoff e Christian Saunier.
Paris: L’Harmattan, 1998.
_________. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerrra. São Paulo:
Martins Fontes, 2001
24
.
24
Não conseguimos obter a data do original.
170
Anexos
171
Anexo 1
172
UNIVERSIDADE
PLANO DE ENSINO
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CÂMPUS
CURSO
LETRAS
TURNO
NOT.
SEMESTRE
DISCIPLINA
CH0208 - ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA
PORTUGUESA III
CARGA HORÁRIA
PROFESSORA
LUZIA BUENO
ANO LETIVO
2004
TEÓRICA
34
PRÁTICA
46
TOTAL
80
OBJETIVOS DA DISCIPLINA
Desenvolver, no aluno, a capacidade de desempenhar papel de multiplicador,
formando leitores críticos, intérpretes e produtores de textos de diferentes
gêneros e registros lingüísticos, e fomentando o desenvolvimento de habilidades
lingüísticas, culturais e estéticas.
EMENTA
Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa em escolas do
Ensino Médio. Introdução da análise das condições de produção do ensino-
aprendizagem de língua materna na escola brasileira e desenvolvimento de projeto
de intervenção em escolas do Ensino Médio.
PROGRAMA
1. Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa no
Ensino Médio.
2. Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa no
Ensino Médio.
3. Ensino de Leitura:
Leitura e gêneros (diário de leitura)
Leitura e o ensino de estratégias
Leitura e a construção de sentidos
METODOLOGIA
Aulas expositivas, com leitura complementar dos textos indicados.
Atividades relacionadas ao estágio em turmas do Ensino Médio de escolas da rede
pública ou particular de ensino.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
Será composta de quatro partes:
a) Prova-aula : no decorrer do semestre (valor 1,8 )
b) Projeto de intervenção (em grupos de até três alunos): 17/04 (valor 2,1)
c) Relatório de Estágio (em grupos de até três alunos):14/06 (segunda-feira /
valor 2,1 )
d) Prova discursiva individual: 12/06(valor 4,0 )
CRONOGRAMA
DATA CONTEÚDO
173
21/02 Apresentação e discussão do programa da disciplina
28/02 Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa no
Ensino Médio / Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Médio.
06/03 Leitura e a construção do diário de leituras
13/03 Leitura e a construção do diário de leituras
20/03 Leitura e o ensino de estratégias metacognitivas
27/03 Leitura e o ensino de estratégias cognitivas
03/04 Leitura e o leitor na Análise do Discurso
10/04
Entrega do Projeto de Intervenção
17/04 Recesso escolar
24/04 Prova-aula
01/05 Prova-aula
08/05 Prova-aula
15/05 Prova-aula
22/05 Prova-aula
29/05 Prova-aula
05/06
Prova-aula
12/06
Avaliação Discursiva Individual
19/06 Avaliação Supletiva / Entrega do Relatório – 14/06 (segunda-feira)
26/06 Atendimento a alunos
03/07 Atendimento a alunos
BIBLIOGRAFIA INDICADA
TIPO DA
OBRA
QTD. DE
EXEMPLARES NO
ACERVO DO
CÂMPUS (*)
Títulos da Bibliografia Básica: L P O
ANO
DA
EDIÇÃ
O
QTD.
1.BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Média e Tecnológica. Parâmetr
os Curriculares para o
Ensino Médio
, (Área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias). Brasília. Ministério da Educação, 1999.
X
1999
-
2. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Média e Tecnológica.
Diretrizes Curriculares
Nacionais
para o ensino de Língua Portuguesa no Ensino
Médio” In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares
para o Ensino Médio
, (Área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias). Brasília. Ministério da Educação, 1999.
x -
3. KLEIMAN, A . Oficina de leitura.
Campinas. Pontes,
2000
X 2000 2
4. MACHADO, A . R. (1999) O diário de leitura
. São
Paulo. Martins Fontes.
X 1998 1
5. PFEIFFER, C. C. “O leitor no contexto escolar”.
In:
ORLANDI, E. (org.) A leitura e os leitores.
Campinas.
Pontes, 1998
X
1998
-
Títulos da Bibliografia Complementar: L P O
ANO
DA
EDIÇÃ
O
QTD.
1.FARIA, M. A e ZANCHETA Jr. J. (2002)
Para ler e fazer
o jornal na sala de aula. São Paulo. Contexto.
X
2002
-
174
2.FOUCAMBERT, J. (1994). A leitura em questão. Porto
Alegre. Artes Médicas.
X
1994
1
3.GERALDI, J. W. Portos de passagem
. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
X
1995
8
4.GERALDI, J. W . O texto na sala de aula
. São Paulo:
Ática, 1997.
X
1997
4
5.GERALDI, J. W.
Linguagem e ensino: exercício de
militância e divulgação.
Campinas. Mercado das Letras,
1996.
X
1996
6
6.KLEIMAN, A .
“Análise e Produção de textos.” In:
Pereira, M.T. (org.) Língua e Linguagem em questão
. Rio
de Janeiro. Ed. Uerj, 1997
X
1997
-
7.LAJOLO, M. (l 998) & ZILBERMAN, R.
A formação da
leitura no Brasil. São Paulo, Ed. Ática.
X
1998
1
8.MICHELETTI, G. (org.)
Leitura e construção do real: o
lugar da poesia e da ficção.
São Paulo. Cortez, 2000.
(Coleção aprender e ensinar com textos; v. 4)
X
2000
BG –
1
9.ORLANDI, E. Discurso e leitura.
São Paulo. Cortez,
1988
X 1988 3
10.ORLANDI, E. (org.)
A leitura e os leitores.
Campinas. Pontes, 1998
X
1998
-
L = Livro P = Periódico O = outros (CD-ROM, Fita de Vídeo, Fita K-7,
etc...) (*) = data-base: 12/02/2004
DEFERIDO EM:
12/02/2004
PROFESSORA
_____________________________
LUZIA BUENO
COLEGIADO DE CURSO
______________________________
(Presidente)
175
Anexo 2
176
Universidade XXX
Área de Ciências Humanas e Sociais
Curso de Letras - Instruções Gerais para o
ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA
Artigo 1
o
. O estágio supervisionado em Língua Portuguesa ou em Língua Inglesa deverá
ser desenvolvido individualmente ou em grupos de até três alunos.
Parágrafo primeiro. Os integrantes de um mesmo grupo deverão desenvolver suas
atividades na mesma escola, preferencialmente na mesma turma, sob a orientação de um mesmo
professor.
Parágrafo segundo. Estarão automaticamente reprovados todos os integrantes de grupos de
estágio formados por mais de três alunos.
Artigo 2
o
. Os estágios supervisionados em Língua Portuguesa I e II ou em Língua Inglesa I
e II deverão ser desenvolvidos em turmas de 5a a 8a série do Ensino Fundamental de escolas
regulares da rede pública ou da rede particular.
Parágrafo primeiro. Não serão válidos, para nenhum efeito, os estágios de dulos I e II
realizados em escolas ou turmas do Ensino Médio, em cursos supletivos, em cursos pré-
vestibulares e em outros cursos que, do ponto de vista legal, não possam figurar como ensino
regular de nível básico.
Artigo 3
o
. Os estágios supervisionados em Língua Portuguesa III e IV ou em Língua
Inglesa III ou IV deverão ser desenvolvidos em turmas do Ensino Médio de escolas regulares da
rede pública ou da rede particular.
Parágrafo único. Não serão válidos, para nenhum efeito, os estágios de módulos III e IV
realizados em escolas ou turmas do Ensino Fundamental, em cursos supletivos, em cursos pré-
vestibulares e em outros cursos que, do ponto de vista legal, não possam figurar como ensino
regular de nível básico.
Artigo 4
o
. É de inteira responsabilidade do aluno a obtenção de vagas na rede pública ou
particular de ensino para a realização do estágio supervisionado. Por isso, o aluno ou grupo de
alunos deverá entrar em contato com uma escola o mais rápido possível, reservando sua vaga para
o desenvolvimento do estágio.
Parágrafo primeiro. A falta de vagas nas escolas não será aceita como justificativa para o
atraso ou para a não-entrega dos relatórios de estágio.
Parágrafo segundo. O aluno que estiver comprovadamente lecionando Língua Portuguesa
ou Língua Inglesa, conforme a habilitação escolhida, poderá convalidar até 50% de suas horas-aula
como atividades de observação e regência, desde que esteja efetivamente exercendo a função de
professor no nível em que estiver cursando a disciplina de Estágio Supervisionado, ou seja, Ensino
Fundamental ou Ensino Médio.
Artigo 5
o
. O aluno deverá encontrar, na escola, um professor-orientador da área de Língua
Portuguesa ou de Língua Inglesa, que será acompanhado durante as atividades de estágio.
Parágrafo primeiro. A escolha do professor-orientador deve observar a sua disponibilidade
para a cooperação nas atividades do estágio. O professor deve, nesse sentido, concordar que o
aluno aplique, durante o período do estágio, um projeto de intervenção e que tenha acesso aos
textos produzidos pelos alunos e ao material didático utilizado em sala de aula.
Parágrafo segundo. Os obstáculos que o professor-orientador possa oferecer ao processo
não serão aceitos como justificativas da má qualidade dos relatórios apresentados.
177
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA
Artigo 6
o
. Cabe ao aluno apresentar, na secretaria da escola, a carta de apresentação
devidamente preenchida e assinada pelo supervisor de estágio ou coordenador do curso.
Parágrafo único. Estará automaticamente reprovado o aluno cujo nome não constar na lista
dos estagiários da escola durante o período do estágio.
Artigo 7
o
. O estágio supervisionado em Língua Portuguesa ou em Língua Inglesa deverá
corresponder a, no mínimo, 72 horas, não havendo, porém, um número ximo de horas. Para
efeito de integralização dos créditos da disciplina, as horas devem ser distribuídas da seguinte
maneira:
i – de 26 horas, no mínimo, a 34 horas de supervisão em sala de aula;
ii no mínimo 15 horas de estágio de observação que deverão ser cumpridas na escola
escolhida;
iii – no mínimo 26 horas de estágio de participação para Língua Portuguesa e 27 horas para
Língua Inglesa;
iv no mínimo 5 horas de estágio de regência para Língua Portuguesa e 4 horas para
Língua Inglesa, que deverão ser cumpridas na escola escolhida;
Parágrafo único. O aluno tem direito legal a 25% de ausência sobre o montante de 34 horas
de supervisão em sala de aula. A carga horária das outras atividades, desenvolvidas fora de sala de
aula, deverá ser cumprida integralmente.
Artigo 8
o
. O estágio supervisionado em ngua Portuguesa ou em Língua Inglesa estará
subdividido em três diferentes etapas, que devem ser criteriosamente observadas:
i O estágio de observação tem por objetivo a coleta de informações para a confecção do
projeto de intervenção;
ii O estágio de participação tem por objetivo a confecção de um projeto de intervenção,
baseado nas necessidades identificadas na etapa anterior;
iii – O estágio de regência tem por objetivo a aplicação do projeto definido e preparado nas
etapas anteriores.
Artigo 9
o
. O estágio de observação corresponde ao desenvolvimento das seguintes
atividades:
a)Elaboração de roteiro de observação, com o planejamento das atividades e da metodologia
de observação;
b) Observação direta ou indireta das condições de produção do ensino-aprendizagem,
salientando, entre outras:
b.1) as instalações físicas da escola (estado de conservação, número de salas, qualidade do
acervo e do acesso à biblioteca, disponibilidade de laboratórios e recursos audiovisuais, etc.);
b.2) as condições de oferta do ensino (número de vagas, mero de alunos, número de
professores, número de funcionários, séries abrangidas, turnos de funcionamento da escola, etc.);
b.3) avaliação quantitativa do ensino (número de alunos por sala, número de professores por
aluno, índices de evasão e repetência, etc.);
b.4) o perfil sócio-cultural da clientela (faixa etária dos alunos, classe econômica, ocupação,
aspirações, hábitos, etc.);
b.5) o perfil sócio-cultural dos professores (qualificação, regime de dedicação, número de
horas-aula, aspirações, hábitos, envolvimento em outras carreiras profissionais, etc.).
c) Observação direta ou indireta das condições de produção do ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa ou de Língua Inglesa, salientando, entre outras:
c.1) o programa da disciplina e sua adequação aos Parâmetros Curriculares Nacionais;
c.2) a análise do material didático utilizado, e a classificação do livro didático pelo MEC;
c.3) a análise das estratégias utilizadas pelo professor para o trabalho com tópicos de Língua
Portuguesa e de Língua Inglesa e a reação dos alunos à utilização dessas estratégias;
178
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Curso de Letras - Instruções Gerais para o
ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA
c.4) o interesse dos alunos pela área, e seu grau de dedicação às atividades desenvolvidas;
c.5) o desempenho lingüístico do aluno e do professor, no registro da fala e no registro da
escrita, com a consideração das categorias sociolingüísticas aí pertinentes.
d) O diagnóstico de algumas das principais dificuldades dos alunos relativas à área de
Língua Portuguesa ou à área de Língua Inglesa;
Artigo 10
o
. O estágio de participação corresponde à confecção de um projeto de
intervenção, e deve ser subdividido nas seguintes etapas:
a) A eleição de um tema para a elaboração do projeto de intervenção, com o consentimento
do professor e sua inclusão no programa da disciplina;
b)A pesquisa bibliográfica sobre o tema eleito, em gramáticas pedagógicas e em textos
científicos;
c)A redação de um projeto de intervenção, nos moldes do artigo 11
o
abaixo.
Artigo 11
o
. O projeto de intervenção para a turma observada deverá ser entregue ao
professor na data estipulada no Plano de Ensino da disciplina.
Parágrafo primeiro. Será tolerado o atraso de uma semana na entrega dos projetos, mas o
aluno retardatário será penalizado em 25% da nota. Os projetos que não forem entregues em até
uma semana após a data prevista receberão nota zero.
Parágrafo segundo. Do ponto de vista da forma, o projeto de intervenção deverá:
a) conter capa (de papel), com a indicação do(s) autor(es), título do projeto, local e
data de realização(ver modelo na Instrutoria de Letras);
b) conter folha de rosto, com o nome e o RA dos integrantes do grupo, indicação do
tipo de texto, da disciplina cursada, do professor-supervisor, local e data de realização;
c) conter folha de visto, com o nome, o telefone e a assinatura do professor-orientador,
nome e endereço da escola freqüentada, e indicação da turma e da série observadas;
d) conter sumário, com indicação das subdivisões do projeto e respectivas páginas;
e) ser impresso ou datilografado, em fonte 12, preta, arial ou times new roman, em
papel A4, branco, com folhas numeradas;
f) ter até 10 páginas de texto, excluindo-se, entretanto, capa, folha de rosto, sumário,
referências bibliográficas e anexos;
g) trazer as referências bibliográficas segundo o padrão da ABNT, conforme o Manual
de Orientações para Trabalhos Acadêmicos e Monografias à disposição na Instrutoria de Letras;
h) obedecer à norma-padrão da língua portuguesa.
Parágrafo terceiro. Do ponto de vista do conteúdo, o projeto de intervenção deverá conter as
seguintes seções:
Introdução. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos deverá apresentar, de modo geral, os
seguintes itens: tema, área, pergunta de pesquisa e/ou hipótese, objetivos e justificativas;
Fundamentação Teórica. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos deverá fazer uma
apresentação articulada dos trabalhos já escritos sobre o tema, inter-relacionando-os e explicitando
as idéias e os conceitos dos autores citados que sejam pertinentes ao assunto escolhido.
Metodologia. Nesta seção, o aluno ou grupo de alunos detalhará o percurso que será trilhado
para a consecução dos objetivos específicos propostos. Trata-se do estudo dos sujeitos, dos
instrumentos e dos procedimentos que deverão ser utilizados para o desenvolvimento do trabalho.
A seção deverá também trazer, de forma detalhada, a metodologia de avaliação que será
empregada para verificar se o projeto foi ou não bem-sucedido.
Cronograma. Trata-se da distribuição das atividades de implementação do projeto no tempo.
Deve consistir em uma tabela cujas linhas correspondem às atividades que serão desenvolvidas no
estágio de participação, realizado tanto na universidade como na escola, e de regência e cujas
colunas correspondem à unidade de tempo pertinente para a execução dessas atividades.
179
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA
Parágrafo quinto. Os critérios de correção dos projetos de intervenção serão os constantes
nos Anexos I, para Língua Portuguesa, e II, para Língua Inglesa.
Parágrafo sexto. Recomenda-se que os projetos tenham sido previamente assinados pelo
professor-orientador para fins de correção pelo professor-supervisor.
Parágrafo sétimo. Projetos idênticos ou similares de alunos pertencentes a grupos diferentes
implicam a atribuição de nota zero.
Parágrafo oitavo. Havendo necessidade, o professor-supervisor poderá empreender, a seu
critério, avaliação escrita ou argüição oral sobre o projeto apresentado, para investigar a
autenticidade de sua autoria ou esclarecer pontos obscuros da proposta.
Artigo 12
o
. O estágio de regência corresponde ao desenvolvimento das seguintes
atividades:
a) compilação de material didático a ser utilizado na aplicação do projeto de intervenção;
b) preparação e discussão das estratégias de intervenção;
c) elaboração de exercícios e outras atividades de avaliação;
d) aplicação do projeto de intervenção com os alunos de uma mesma turma;
e) correção dos exercícios ou outras atividades de avaliação desenvolvidas;
f) tabulação e sistematização dos dados obtidos em e);
g) interpretação dos dados;
h) relatório sobre a aplicação da proposta e sobre seus resultados, a partir das observações
realizadas em sala de aula e dos dados obtidos em e), f) e g);
i) julgamento da aplicação da proposta, com as considerações sobre seus pontos de
sucesso e de fracasso.
Artigo 13
o
. O relatório final de estágio deverá ser entregue ao professor-supervisor na data
estipulada no Plano de Ensino da disciplina.
Parágrafo primeiro. Será tolerado o atraso de uma semana na entrega dos relatórios, mas o
aluno retardatário será penalizado em 25% da nota. Relatórios que não forem entregues em até
uma semana após a data prevista receberão nota zero.
Parágrafo segundo. Do ponto de vista da forma, o relatório deverá:
conter capa (de papel), com a indicação do(s) autor(es), título do projeto,
local e data de realização;
conter folha de rosto, com o nome e o RA dos integrantes do grupo,
indicação do tipo de texto, da disciplina cursada, do professor-supervisor, local e data de
realização;
conter resumo, de até 300 palavras, para efeito de publicação;
no caso da Habilitação em Língua Inglesa, conter
abstract
, versão do
resumo em inglês;
conter sumário, com indicação das subdivisões do relatório e respectivas
páginas;
ser impresso ou datilografado, em fonte 12, preta, arial ou times new
roman, em papel A4, branco, com folhas numeradas;
ter até 20 páginas de texto, excluindo-se, entretanto, capa, folha de rosto,
sumário, referências bibliográficas e anexos;
trazer as referências bibliográficas segundo o padrão da ABNT, conforme o
Manual de Orientações para Trabalhos Acadêmicos e Monografias à disposição na
Instrutoria de Letras;
obedecer à norma-padrão da língua portuguesa.
Parágrafo terceiro. Do ponto de vista do conteúdo, o relatório deverá conter as seguintes
informações:
a) As condições de produção do ensino-aprendizagem de maneira geral, com a
consideração dos dados provenientes da observação descrita no item b) do artigo 9
o
;
180
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b) As condições de produção do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa
ou de Língua Inglesa, com a consideração dos dados provenientes da observação descrita no
item c) do artigo 9
o
;
c) Análise e discussão dos dados obtidos nas atividades de regência;
d) Relato detalhado sobre a intervenção propriamente dita, com a
consideração pormenorizada dos itens descritos no artigo 11
o
.
Parágrafo quarto. O relatório deverá ser desenvolvido com rigor científico, envolvendo:
a) justificativas detalhadas e exemplificação farta sobre as principais observações
realizadas;
b) consistência na análise dos dados, relacionando-os entre si e a outros fenômenos
observáveis em outras instâncias de produção do conhecimento científico;
c) apresentação, sob a forma de anexos, e a título de corpora, de todo o material
analisado;
d) amparo na análise realizada por outros teóricos, resgatando as leituras e discussões
feitas nas aulas de Estágio Supervisionado.
Parágrafo quinto. Os critérios de correção dos relatórios serão os constantes nos Anexos
III, para Língua Portuguesa, e IV, para Língua Inglesa.
Parágrafo sétimo. Relatórios idênticos ou similares de alunos pertencentes a grupos
diferentes implicam a atribuição de nota zero.
Parágrafo oitavo. Havendo necessidade, o professor supervisor poderá empreender, a seu
critério, avaliação escrita ou argüição oral sobre o relatório apresentado, para investigar a
autenticidade de sua autoria ou esclarecer pontos obscuros da proposta.
181
Anexo 3
182
Projeto: 2 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
DIÁRIO DE LEITURA
Itatiba
2004
183
Projeto: 2 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
Projeto apresentado à disciplina de
Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa III, do Curso de Letras da
Universidade XXX, sob orientação da
Profª. Ms.Luzia Bueno,
Itatiba
2004
184
1. INTRODUÇÃO
2. Através do estágio realizado na escola estadual XXX
3. , foi possível observar que os alunos, especificamente da 1ª série D do
4. ensino médio, apresentam dificuldades relacionadas à leitura, principalmente no
5. que diz respeito ao posicionamento crítico diante de um texto.
6. Observou-se que os estudantes lêem somente para tirar notas e passar de ano.
7. Eles só fazem a leitura do que o professor indica e que, conseqüentemente, será
8. cobrado na prova.
9. Após a leitura de um texto, os alunos não conseguem contar para alguém de que
10. se trata o material lido e não apresentam argumentos para discutir sobre o tema.
11. Vejamos o que alguns alunos respondem ao serem abordados pela professora
12. para opinar sobre determinado texto:
13. Aluno 1: “eu nem entendi o texto dona...”
14. Aluno 2: “eu acho que o autor ta querendo falar sobre...sei lá acho que sobre a
15. guerra;”
16. Aluno 3: “eu acho que o mesmo que ele dona.”
17. Isso ocorre porque os alunos lêem o texto sem interagir e refletir sobre o
18. mesmo,
19. pois, em sala de aula, não está havendo espaços para leitura como prática social
20. e sim como um ato solitário, ou seja, o aluno lê somente para si próprio e
21. comporta – se passivamente diante do texto.
22. Deste modo, percebe-se que é o professor que impõe o que todos os alunos lerão
23. e estes têm que aceitar a visão do professor sobre o texto, concordando ou não
24. com a mesma. Sendo assim, os estudantes fazem apenas a decodificação de
25. palavras e de modo algum eles interagem com o texto, com os demais colegas
26. ou ainda conseguem extrair algum sentido do que foi lido.
27. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs 2001, p. 144), o aluno
28. poderá fazer previsões e escolhas adequadas na fala/escrita, bem como olhar
29. para o texto de forma crítica, ampliando os significados para além da palavra
30. escrita. Poderá ver – se no texto e ver o texto como objeto, dialogar com o
31. “outro” que o produziu e criar seu próprio texto.
32. Uma boa maneira de fazer isso acontecer em sala de aula é trabalhar como
33. gênero diário. Através do diário de leituras, o aluno terá chances de dialogar
34. com o próprio texto e expor seus sentimentos, impressões, compreensões,
35. experiências, concordâncias ou ainda suas discordâncias. Ele terá que fazer seu
36. próprio registro no diário e ao mesmo tempo refletir sobre sua posição diante do
37. texto.
38. Considerando o diário de leituras como um material importante para ser
39. utilizado em sala de aula, desenvolveremos este projeto que será desenvolvido
40. na área de Lingüística Aplicada. Dessa forma, assumimos como pergunta de
41. pesquisa: o uso do diário de leituras contribui para que o aluno tenha uma
42. posição crítica diante de um texto?
43. Acreditamos que a resposta a essa pergunta será positiva e, assumiremos como
44. hipótese que, ao ter que produzir o diário, o aluno deverá interagir com o texto e
45. expor suas idéias, portanto terá que fazer uma leitura atenta e crítica.
46. Assim, o objetivo geral desse projeto é demonstrar a importância de um
47. trabalho sistematizado com leitura em sala de aula e o quanto isso contribui
48. para formar leitores críticos. O objetivo específico é demonstrar ao aluno,
49. através do diário de leituras, que ele pode colocar – se criticamente diante de
50. qualquer texto e assim tirar suas próprias conclusões sobre o mesmo.
51. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
52. Muitos professores, ainda hoje, não vêem a leitura como prática social e sim
53. como um ato isolado, solidário. O uso de diários de leituras em sala de aula
54. rompe com essa visão tradicional. O professor deixa de ser quem sabe tudo e
55. passa a ser o orientador da aprendizagem, enquanto que o aluno deixa de ser
56. mero expectador para ser o autor.
185
57. De acordo com Machado, A.R. (1999, p.11), ao substituir os gêneros habituais
58. associados à leitura pelo gênero diário de leituras pode levar os alunos a outras
59. formas de comportamento durante a leitura, isto é, pode levá-los a uma leitura
60. mais dialógica ou ativa, e não passiva ou simplesmente parafrástica.
61. Portanto ao trabalhar diário de leituras, o aluno desenvolve um posição crítica
62. em relação ao texto que está sendo lido, sendo assim, o aluno terá argumentos
63. para discutir sobre o mesmo. O aluno ao ler, terá que refletir sobre sua posição
64. diante do texto e registrar suas idéias de forma livre.
65. Através do diário de leituras, o aluno além de interagir com o próprio texto,
66. deverá ter em sala de aula momentos para que possa socializar suas percepções
67. com os demais colegas e com o professor, com isso, aprende a ouvir e respeitar
68. diferentes opiniões.
69. Segundo os PCNs (2001, p.41), não enxergamos outra saída, senão o diálogo,
70. para que o aluno aprenda a confrontar, defender, explicar suas idéias de forma
71. organizada em diferentes esferas de prática de palavras pública, compreendendo
72. e refletindo sobre as marcas de atualização de linguagem.
73. Para Machado. A.R. (1998, o.49), o diário é visto como instrumento, com
74. função tanto no nível intrapessoal como no nível interpessoal. Isso cria
75. condições favoráveis para que o aluno desenvolva a capacidade de agir
76. comunicativamente.
77. Conclui-se com estas citações a importância de criarmos, em sala de aula,
78. espaços onde os discursos sobre a leitura possam circular.
79. Portanto, os professores deveriam utilizar o diário para fins didáticos, pois
80. segundo Machado A.R. (1998, p.49), ele traz muitos benefícios. Vejamos alguns
81. deles:
82. • A promoção de aprendizado autônomo, o que encorajaria os alunos a assumir
83. responsabilidade diante de seu próprio aprendizado e a desenvolver sua próprias
84. idéias, o que acabaria por promover uma avaliação crítica dos cursos;
85. • O aumento da confiança dos alunos em sua habilidade para aprender, para
86. trabalhar com material considerado como difícil e para ter insights originais;
87. • A criação de interação mais forte e eficiente, tanto dentro da sala de aula como
88. fora dela, tanto entre o professor e o aluno quanto entre os alunos entre si;
89. •A possibilidade de haver uma discussão mais produtiva na sala de aula,
90. derivada da própria responsabilidade que cada um tomaria em relação à sua
91. própria aprendizagem.
92. Além desses benefícios, o uso de diário de leituras traz outras vantagens ao
93. professor. De acordo com Machado, A.R. (1999, p.15), a utilização da produção
94. de diários permite que o professor conheça mais profundamente as
95. possibilidades e os problemas de cada aprendiz e que possa estabelecer uma
96. verdadeira negociação de sentidos durante as discussões em aula, tornando-a
97. muito mais produtiva e eficaz e envolvendo todos os alunos.
98. Concluímos que, através do diário de leituras, o professor tem uma visão real da
99. sala, sendo possível avaliar-se freqüentemente e, se necessário, mudar suas
100. estratégias de trabalho, pois ao ler o diário dos alunos, o professor detecta
101. possíveis dificuldades ou problemas.
102. Por esse motivo, é interessante que, sempre que possível, o professor faça
103. a leitura dos diários dos alunos, mas sempre respeitando aqueles que
104. prefiram que o professor não o leia.
105. METOLODOGIA
106. De acordo com os PCNs (2001, p.144), a competência do aluno depende
107. principalmente, do poder dizer/escrever, de ser alguém que merece ser
108. ouvido/lido.
109. Para desenvolver a competência dos alunos e considerando-os como
110. leitores capazes de serem críticos e de interagir com o texto e com os
111. demais colegas da sala de aula, faremos a intervenção que obedecerá a
112. seguinte metodologia que será descrita abaixo.
113. Sujeitos: alunos da 1ª série D do ensino médio da escola XXX
186
114. , do período diurno. Esses alunos têm entre 15 e 17 anos
115. de idade e provêm de classe média. Com relação à leitura, como foi
116. observado no estágio, pode-se dizer que eles são extremamente
117. dependentes da professora, consideram somente a opinião dela sobre os
118. textos e lêem apenas para tirar nota na prova e passar de ano.
119. Instrumentos: para as 5 aulas de regência , em que aplicarei o projeto de
120. intervenção, usarei o conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector (anexo
121. 1) e material impresso, previamente elaborado e analisado, contendo
122. instruções importantes que auxiliarão o trabalho dos alunos (anexo 2)
123. Procedimentos:
124. Aula 1
125. Para dar início ao trabalho, a estagiaria dará uma aula expositiva sobre o
126. diário de leituras, explicando do que se trata, quais os objetivos do
127. mesmo, quais os passos que devem seguir para produzir o diário e como
128. deve ser a forma de registro.
129. Aula 2 e aula 3 (dupla)
130. A estagiária entregará o material impresso aos alunos, explicará como
131. devem seguir os passos apresentados e esclarecerá possíveis dúvidas que
132. surgirem.
133. Entregará também o conto selecionado e pedirá que eles leiam e
134. produzam o diário de leituras, registrando as impressões sobre o texto.
135. Nesse momento, a estagiária também estará produzindo um diário.
136. Aula 4
137. Será pedido aos alunos que leiam os seus diários e selecionem trechos ou
138. aspectos que queiram discutir com a classe. Após a seleção, será feito um
139. círculo na classe e serão discutidos os aspectos destacados pelos alunos,
140. sendo que a leitura da estagiária será discutida entre todas as realizadas.
141. Aula 5
142. Os alunos deverão trocar os diários entre eles para que haja o
143. conhecimento e a leitura de diferentes formas de registro, observando as
144. diferentes interpretações e problemas que podem ser negociados e
145. socializados entre todos os leitores participantes do processo. Em
146. seguida, os alunos, somente aqueles que desejarem, deverão entregar os
147. diários para a estagiária que fará comentários particulares, estabelecendo-
148. se um processo dialógico direto com cada aluno.
149. Resultados esperados: espera-se que, ao ler o conto os alunos consigam
150. posicionar-se criticamente diante do mesmo e produzam o diário de
151. leituras registrando as suas reais impressões sobre o texto.
152. Avaliação da intervenção: a avaliação será feita no decorrer das
153. atividades, verificando a posição dos alunos durante a discussão em sala
154. de aula e confirmando-a através da leitura do diário, pois os mesmos
155. permitirão saber como os alunos agiram diante do texto.
187
Anexo 4
188
Projeto: 9 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
O gênero da leitura
Itatiba
2004
189
Projeto: 9 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
Projeto apresentado à disciplina
Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa III, no Curso de Letras
Da universidade XXX, sob orientação
da Profª.
Ms.Luzia Bueno.
Itatiba
2004
190
1. Introdução
2. Partindo-se do pressuposto de que a leitura é fonte de informação e de que esta se
3. faz necessária ao desenvolvimento pessoal e intelectual das pessoas, para que se
4. tornem cidadãos críticos e participativos da sociedade, governos: Municipais,
5. Estaduais e Federais em parceria com as escolas e mídia, procuram incentivar a
6. leitura, utilizando-se de propagandas televisionadas, livros didáticos e outros. O
7. incentivo a leitura não se dá somente nas escolas, cabe também às pessoas fora dos
8. muros da escola.
9. Tomamos a escola como fonte dessa pesquisa, pois acreditamos que é nela que
10. formamos a grande maioria de leitores.
11. O problema em questão é que os textos lidos pelas pessoas ou em especial aqui,
12. pelos alunos, não são somente textos informativos como se pensam, existem outras
13. particularidades por trás de um texto, como por exemplo: inferências, paráfrases,
14. etc. Sendo assim existem vários sentidos possíveis para um mesmo texto relações de
15. intertextualidade com outros textos já lidos, também devem ser levados em
16. consideração para melhor compreensão do aluno/leitor.
17. Os livros didáticos, escolhidos no início do ano letivo, pelos professores, embora
18. incluam textos de diversos gêneros, ignoram a diversidade e submetem todos os
19. textos a um tratamento uniforme, sem levar em consideração o que o aluno já sabe
20. ou não .
21. Segundo os Pcns, os sentidos construídos são resultados da articulação entre as
22. informações do texto e os conhecimentos ativados pelo leitor no processo de leitura,
23. o texto não está pronto quando escrito: o modo de ler é também um modo de
24. produzir sentidos.
25. Este projeto, que será desenvolvido na área de Lingüística Aplicada, tem por
26. finalidade abordar algumas questões sobre o que seria necessário para a motivação
27. da leitura por parte do professor na sala de aula. Dessa forma assumimos como
28. pergunta de pesquisa: mostrar aos alunos os diferentes sentidos que um texto pode
29. apresentar, pode contribuir para a leitura?
30. Sendo assim, levantamos a hipótese de que trabalhar com diversidade de textos e
31. gêneros como propaganda, cartas ao leitor, notícias, artigos de jornais e revistas,
32. contos de suspense, terror, fadas, quadrinhos, etc, pode contribuir para a apreciação
33. da leitura, visto que o aluno se inclinará certamente por gênero. Cabe ao professor
34. exercer o papel de ‘orientador’ e deixar claro que não tem o domínio do sentido
35. correto para o texto.
36. 8Assim, o objetivo geral desse projeto é mostrar ao aluno que ler pode implicar
37. vários sentidos e objetivos, e não somente ‘ler’ por ‘ler’ ou por obrigação de uma
38. nota para uma disciplina escolar.
39. O objetivo é mostrar aos alunos que ler direcionados por um determinado gênero
40. textual e atribuindo a este, os possíveis sentidos que um único texto poderá
41. apresentar, deve estimular o professor a elaborar aulas de produção de leituras mais
42. centralizadas em num determinado gênero utilizado-se de diferentes estratégias.
43. Fundamentação Teórica
44. 1Segundo os PCNS, leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo
45. de compreensão e interpretação de texto, a partir de seus objetivos, de seu
46. conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem,
47. etc. Não se trata de extrair informação decodificando letra por letra, palavra por
48. palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação,
49. inferência e verificação sem as quais não é possível proficiência.
191
50. Pfeiffer, Claudia, aponta em resultado de pesquisa analisada em alguns livros
51. didáticos selecionados de 5ª e 8ª séries do ensino fundamental, a fim de observar as
52. diferenças existentes entre eles no que se diz respeito aos contextos estruturantes
53. dos discursos, notou-se que livros didáticos apresentam textos em suas estruturas
54. que, ou são completamente dissertativos, narrativos, argumentativos, dissertativos,
55. etc. Para melhor compreensão e apreensão do texto por parte dos alunos.
56. Os exercícios são em sua maioria descontextualizados, dificultando ou quase
57. tornando impossível à interação e compreensão dos alunos.
58. Quanto a linguagem e metalinguagem, ambas parecem ter os sentidos colados às
59. palavras, completamente descontextualizadas.
60. Certas aulas aparecem com denominações como: atividade de “leitura e
61. interpretação”. Como se ler e interpretar fossem duas atividades distintas, ou seja, o
62. trabalho de reflexão sobre o sentido é inerente a palavra. Veja anexo 1.
63. Enfim chegou-se a um mesmo resultado dos livros didáticos selecionados de 5ª e 8ª
64. séries: os textos neles contidos apresentam um sentido único e verdadeiro, sem que
65. se conteste esse resultado.
66. Orlandi, diz que toda leitura tem sua história, ou seja, para um mesmo texto, há
67. várias leituras possíveis, vários sentidos, devendo-se levar em conta o contexto
68. histórico-social, ideológico, etc. Por outro lado existe a relação do sentido
69. (intertextualidade): todo discurso nasce em outro (sua matéria-prima) e aponta para
70. outro (seu futuro discursivo). De forma bem resumida, a autora deixa clara a sua
71. teoria de que existem relações de sentidos que se estabelecem entre o que um texto
72. diz e o que ele não diz, mas poderia dizer, e entre o que ele diz e o que os outros
73. textos dizem. Essas relações de sentidos atestam, pois, a intertextualidade, isto é,
74. relação de um texto com outros (existentes, possíveis, ou imaginários).
75. No entanto para Orlandi saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas
76. o constitui significativamente.
77. As aulas de leituras devem ser um espaço em que os vários sentidos de um texto
78. possam ser explicitados, negociados ou discutidos.
79. Sendo assim o trabalho de leitura através de um gênero pode e deve contribuir para
80. a formação de um leitor, mais crítico e participativo da sociedade em que ele é parte
81. fundamental.
82. Metodologia
83. Segundo o PCNS, devemos abordar em uma sala se aula quatro grupos de gêneros
84. textuais: os literários, os publicitários, os de imprensa e os científicos. Nesse projeto
85. de intervenção, nos ocuparemos do gênero contos de suspense, por se tratarem de
86. alunos da 1ª série do ensino médio.
87. Sujeitos: alunos do 1º D do ensino médio da “E.E. Prof º.XXX do
88. período da tarde.
89. Esses alunos têm em média entre 15 e 16 anos e provêm de classe baixa. Têm um
90. certo domínio pela leitura, podendo ser apresentado bom resultados a respeito do
91. projeto de intervenção e de acordo com a professora de língua portuguesa da sala.
92. Instrumentos: Para as 5 aulas de regência, em que aplicarei o projeto de
93. intervenção, usarei contos de suspense de diferente autores.
94. Procedimentos (aula a aula):
95. Aula 1: Mostrarei aos alunos as marcas que aparecem neste gênero (conto de
96. suspense) com predominância; os tipos de seqüências textuais (narrativas,
97. descritivas, argumentativas, etc), marcas lingüísticas (tempos verbais) etc.
98. Aula 2: Em seguida serão escolhidos (por eles mesmos ou através de sorteio) um
99. conto de suspense por equipe.
100. A equipe lerá o conto e discutirá (suas marcas lingüísticas, linguagem
192
101. predominante, personagens, trama, etc.)
102. Aula 3: Será exposto por um membro ou como a equipe achar melhor, o que
103. eles localizaram no texto lido, a respeito do gênero. Em seguida uma breve
104. leitura novamente do conto terminado com um resumo mesmo (serão
105. corrigidos em casa).
106. Após verificação dos resumos pedirei aos alunos que troquem de texto e
107. tentem localizar divergências e idéias parecidas entre os textos dos colegas.
108. Aula 5: Por final pedirei aos alunos que produzam um conto de suspense,
109. dos quais selecionarei dois: um contendo várias dificuldades, outro que
110. apresente a estrutura mais próxima do que se pede, ou seja, o conto
111. suspense.
112. Resultados esperados: Espera-se que o aluno saiba distinguir um conto de
113. suspense, de outros gêneros, e que assim desperte nele a atenção ao ler,
114. marcas do gênero que até então desconhecia, tornando-o um leitor que
115. através do gênero desenvolverá o gosto pela leitura, selecionadas segundo
116. seus interesses.
117. Avaliação: Será feita continuamente, conforme as atividades de propostas
118. elaboradas nas 5 aulas de regência e com encontros com a professora em se
119. segue o curso.
Referências bibliográficas
BRASIL, Parâmetros curriculares nacionais: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental . MEC,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1998
ORLANDI, E. P. Discurso e leitura edição-São Paulo Cortez-Campinas-SP Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1996.
PFEIFFER, C. A leitura no contexto escolar. In Orlandi, E. P.(Org) A leitura e os leitores.
Campinas, SP: Pontes, 1998.
193
Anexo 5
194
Projeto: 3 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
USF
Itatiba
2004
95
Projeto: 3 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
Projeto de intervenção apresentado à
Disciplina Estágio Supervisionado em
Língua Portuguesa III, do Curso de
Letras da Unidade Acadêmica da Área
de Ciências Humanas, Jurídicas e
Sociais da Universidade XXX, sob
orientação da Profª.Luzia Bueno,
como exigência
Parcial de média semestral
USF
Itatiba
2004
196
1. INTRODUÇÃO
2. Dentro de um texto há a possibilidade de várias leituras e cada leitor cria a sua
3. própria visão sobre determinado discurso textual. Entre o texto e o leitor há uma
4. relação dialógica, ou seja, o texto carrega em seu conteúdo discursivo,
5. características próprias para que o leitor possa identificá-lo, mesmo concordando ou
6. discordando dele, como se dialogassem entre si.
7. O texto é sempre organizado de determinada forma a construir uma seqüência de
8. conteúdo e entendimento para que o leitor possa vir a classificá-lo dentro de uma
9. tipologia textual, que por sua vez abrange vários gêneros. A maioria dos gêneros
10. reflete em seu conteúdo a realidade social, mesmo os gêneros ficcionais. Há de se
11. analisar o contexto histórico em que foi produzido e sua função social.
12. De acordo com Barbosa (2001, p.4).
13. Como vemos, o conceito e gêneros não se limita a considerar apenas aspectos
estruturais ou formais
14. do texto. Mais do que isso, esse conceito incorpora elementos de caráter social e
histórico, pois
15. considera a situação de produção de um dado discursivo (quem fala, para quem, em que
situação, em
16. que momento histórico, em que veículo, com que objetivo, finalidade ou intenção, em
que registro,
17. qual a condição social dos interlocutores, seu posicionamento ideológico etc.) e a forma
de dizer, que
18. não é inventada a cada vez que nos comunicamos, mas que será disponível, pois circula
socialmente.
19. Entender um gênero implica tratá-lo como algo vinculado ao seu contexto sócio-
histórico-cultural de
20. circulação
21. Por esse motivo, é necessário que o professor esteja presente para mediar e orientar
22. a leitura polissêmica, a qual visa valorizar os muitos sentidos que o texto poderá
23. oferecer ao aluno-leitor. É esta ampla diversidade de sentidos que possibilita ao
24. aluno perceber as diferenças e características entre textos de gêneros diferentes. E
25. cabe ao professor tornar-se parceiro do aluno para a percepção de diferentes
26. leituras e visões sobre um determinado texto.
27. 5Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p.70) ressalta que.
28. De certa forma, é preciso agir como se o aluno soubesse aquilo que deve aprender.
Entre a
29. condição de destinatário de textos escritos e a falta de habitante temporária para ler
autonomamente é
30. que reside a possibilidade de, com a ajuda do professor e de outros leitores, desenvolver
a
31. competência leitora, pela prática de leitura. Nessas situações, o aluno deve pôr em jogo
tudo o que
32. sabe para descobrir o que não sabe. Essa atividade poderá acorrer com a intervenção
do professor,
33. que deverá colocar-se na situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de
informações.
34. Os PCN’s afirmam ainda que, a recepção dos textos por parte dos alunos e sua
35. diversidade em sala de aula, não podem ser ignorados nem tratados de maneira
36. uniforme, pois caberá ao aluno perceber e concluir por si só, que um texto não é
37. escrito por acaso; há sempre uma intenção, a qual poderá refletir dados de realidade
38. social e atual.
39. Por esse motivo, este projeto será desenvolvido na área de Análise do Discurso, em
40. especial na leitura, interpretação e sentido de gêneros textuais. Os gêneros
41. desenvolvidos serão a poesia e trechos de uma obra literária. Dessa forma,
42. assumimos como pergunta de pesquisa: “Como os gêneros textuais ‘poesia’ e ‘obra
197
43. literária’ podem ajudar na interpretação e construção de vários sentidos?”.
44. Tentaremos, então, confirmar a hipótese de que, ao conhecer e comparar textos
45. diferentes de dois gêneros, porém considerando o mesmo assunto e cunho social – a
46. seca – o aluno-leitor crie maior autonomia para fazer inferências em outros textos e
47. os múltiplos sentidos que estes possam ter.
48. Sendo assim, o objetivo geral do projeto é fazer com que o aluno adquira uma visão
49. crítica do texto e saiba posicionar-se diante deles. Mais especificamente, o objetivo
50. é comparar os pontos relevantes dos textos, fazendo uma ligação do conteúdo
51. textual e do contexto em si.
52. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
53. Conforme os PCN’s de Língua Portuguesa do Ensino Médio afirmam, o texto deve
54. ser de conduta social e como experiências humanas, e cabe ao aluno compreender
55. em que momento cada gênero lhe será necessário e útil, pois um texto pode mostrar
56. vários pontos de vista e o interessante é a sua compreensão e uso.
57. 2A grande chance da escola modificar suas práticas educativas está na abordagem
58. dos gêneros com temas que permitam uma maior reflexão através de
59. discussões, onde todos possam se posicionar criticamente. No caso da Língua
60. Portuguesa, isso acontece com a produção oral e escrita dos gêneros. Precisa-se de
61. situações reais de uso, pois se usamos os gêneros a todo o momento, a escola não
62. pode menosprezar tal forma discursiva de comunicação.
63. 3As leituras nas escolas, geralmente, são trabalhadas com o intuito de formar a
64. opinião dos alunos, e na realidade deveria ser para ‘(in)formar’ como uma prática,
65. para mostrar que um indivíduo pode ter uma leitura diferente do outro sobre o
66. mesmo tema.
67. Nos tempos atuais, o professor tem total flexibilidade em sala de aula para escolher
68. e modificar os conteúdos de sua disciplina; cabe a ele ter em mente os objetivos
69. para formar bons leitores e não apenas “passar” conteúdos em vão. Vale aqui
70. ressaltar que os PCN’s de Língua Portuguesa do Ensino Médio não especificam
71. quais os gêneros a ser trabalhados nesta etapa as educação.
72. Para que uma boa leitura seja compreendida é necessário ouvir. Qualquer texto
73. ganha destaque quando é ouvido com interesse, principalmente se discutido
74. socialmente, e analisado dentre várias visões e comentários. Leitura e escrita sempre
75. estão juntas; uma desenvolve a outra e vice-versa, criando uma relação dialógica
76. entre texto e leitor.
77. A leitura, dentro da teoria Polissêmica, considera todos os pontos de vista e o leitor
78. tem o direito em manifestar-se, discordando ou não das outras visões do texto, é
79. uma interação e socialização das idéias, comentários, argumentos etc. São os
80. “sempre possíveis sentidos diferentes, múltiplos e fonte da linguagem”.
81. As narrativas, textos de criação ou reconstrução de alguma ação do domínio
82. verossímil ou de cultura literária ficcional e de domínio social, são minimizadas
83. como atividade de leitura e oralidade apenas; sem um posicionamento de possíveis
84. leituras e de diversos entendidos e questionamentos que poderiam ser discutidos e
85. reavaliados. Pois geralmente, as obras literárias e clássicas e alguns professores não
86. abrem espaço para a visão do aluno-leitor. O professor repassa o que texto quer
87. dizer, a idéia principal, de acordo com o olhar literário do próprio autor e de alguns
88. críticos que o comentam, mas as considerações do aluno, na maioria das vezes,
89. também são minimizadas ou não aceitas. Neste caso, seria importante apresentar
90. outros textos sobre o mesmo tema, compará-los e logo após discuti-los.
91.
92. Segundo Orlandi (1987, p. 11).
93. De forma bastante resumida, podemos dizer que relações de sentidos que se
estabelecem entre o
94. que um texto diz e o que um texto não diz, mas poderia dizer, entre o que ele diz e o que
outros
95. dizem. Essas relações de sentido atestam, pois, a intertextualidade, isto é, a relação de
um texto com
96. outros (existentes, possíveis, ou imaginários).
198
97. Os sentidos que podem ser lidos, então, em um texto não estão necessariamente ali,
nele. O(s)
98. sentido(s) de um texto passa(m) pela relação dele com outros textos.
99. Isso mostra como a leitura pode ser um processo bastante complexo que envolve muito
mais do que
100. habilidades quase resolvem no imediatismo da ação de ler. Saber ler é saber o que o
texto diz e o que
101. o que ele não diz, mas o constitui significativamente.
102. Diante de tais conceitos, poderemos analisar quaisquer textos, tendo a
103. consciência de contextualizar, ou seja, entender e conhecer textos novos e
104. incorporá-los e outros, fazendo um elo entre interpretar e refletir.
105. METODOLOGIA
106. Como já dissemos anteriormente, estamos
107. em constante uso com “enunciados de formas relativamente estável de
108. interações verbais e escritos”. Cabe, então, à escola, ensiná-lo e não somente
109. as tipologias as quais estes estão incluídos.
110. Os PCN’s ressaltam que, o texto não está pronto quando escrito, a maneira
111. de ler é também um modo de produzir sentidos.
112. Em razão de um curto espaço de tempo das aulas de regências, ocuparemo-
113. nos dos gêneros poesia e trechos de uma obra literária e obedecerá à seguinte
114. metodologia descrita abaixo:
115. Sujeitos: os alunos do 3º ano do ensino médio. São alunos na faixa etária
116. entre 17 e 20. A classe é freqüentada por 36 alunos, que provem de classe
117. social média alta.
118. Instrumentos: para as cincos aulas que serão aplicadas, usaremos uma poesia
119. e trechos de um livro abordando o mesmo tema (seguem em anexos).
120. Procedimentos (aula a aula):
121. Aula 1
122. Será apresentada aos alunos a definição de gênero poesia, (sua forma, estilo
123. linguagem, estruturação, marcas pertencentes ao gênero e tipo narrativo),
124. apenas para entendimento e esclarecimento de dúvidas que possam vir a
125. seguir, dando maior ênfase ao(s) sentido(s) que a poesia apresenta.
126. Os alunos receberão uma cópia de poesia “ABC do nordeste flagelado” (em
127. anexo) para leitura individual num primeiro momento e, logo após uma
128. leitura compartilhada pelos alunos que se candidatarem a ler e discussão
129. sobre o tema (seca) , onde esperamos que apareçam indagações e
130. questionados diferenciados e relevante a respeito do tema sociohistórico.
131. Aula 2
132. Retomada dos pontos relevantes apresentados pelos alunos, na aula anterior,
133. tentar identificá-los no texto em questão (ABC do Nordeste Flagelado) e
134. exposição / explicação das críticas por parte de cada aluno.
135. Aula 3
136. Apresentação de trechos do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos (em
137. anexo), com uma leitura compartilhada, exploração do(s) sentido(s) do texto.
138. Aula 4
139. Retomada dos pontos apresentados pelos alunos, no texto de Graciliano
140. Ramos e Vidas Secas”, exploração de entendimento individual da leitura e
141. das críticas apresentadas por eles.
142. Aula 5
199
143. Comparação e conclusão das discussões apresentadas nas aulas anteriores.
144. Resultados esperados:
145. Espera-se que o aluno desenvolva uma capacidade crítica construtiva e
146. participativa a respeito dos temas sociohistórico, a partir das comparações
147. apresentadas entre os dois textos.
148. Avaliação da Intervenção:
149. A avaliação será feita através das discussões surgidas, verificando se o aluno
150. consegue dominar e assimilar as várias perspectivas e leituras, que um dado
151. texto pode apresentar.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Jacqueline Peixoto. “Do professor suposto pelos PCNs ao professor real de língua
portuguesa: são os PCNs praticáveis?”. In: R. (Org.). A Prática de linguagem em sala de aula:
praticando os PCNs. São Paulo. EDUC. Campinas: Mercado das letras, 2001.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental.
MEC, Secretaria da Educação: Brasília, 1998.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do ensino médio. MEC,
Secretaria da Educação: Brasília, 1998.
DEBS, Sylvia (Org.). “ABC do Nordeste Flagelado”. In: Patativa do Assaré, uma voz do Nordeste.
São Paulo: Hedra, 2000.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1987.
PFEFFEIR, Claudia Castellanos. O leitor no contexto escolar”. In: Orlandi, E. P. Discurso e
Leitura. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1987.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 77ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 1999.
200
Anexo 6
201
Projeto: 4 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
Itatiba
2004
202
Projeto: 4 Texto
Aluno
R.A.
PROJETO DE INTERVENÇÃO
Projeto apresentado à disciplina
Estágio Supervisionado em Língua
Portuguesa III, do Curso de Letras
da Universidade XXX, sob orientação
da Profª. Ms.Luzia Bueno.
Itatiba
2004
203
1. INTRODUÇÃO
2. Justificativas
3. 1O objetivo deste projeto é apresentar uma proposta de intervenção do gênero diário
4. de leitura, na área de Língua Portuguesa, para os alunos do 1º ano C do Ensino
5. Médio, do período noturno da escola XXX, escola
6. da rede pública localizada à rua XXXX, na cidade de XXX.
7. 2Observadas as condições de ensino-aprendizagem, podemos constatar um
8. problema relacionado à leitura. Uma grande parte dos alunos apresentam
9. dificuldades na compreensão dos textos.
10. A reflexão feita procura mostrar, com base naquilo que teóricos dizem sobre o
11. assunto, que as concepções de leituras apresentadas pelos professores são ainda
12. distantes daquelas que levam em consideração a atividade de leitura como sendo
13. uma das propiciadoras de interação.
14. 4É por isso que a leitura pode ser uma das grandes responsáveis pela
15. conscientização do aluno sobre o seu papel no mundo em que vive.
16. 5De acordo com os PCN’s (2001), “a leitura é o processo no qual o leitor realiza um
17. trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de
18. seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
19. linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra,
20. palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção,
21. antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência”.
22. 6Com este projeto, que será desenvolvido na área de Lingüística Aplicada,
23. tentaremos mostrar a importância da leitura no contexto escolar. Dessa forma, temos
24. como pergunta de pesquisa: A atividade sobre o gênero diário
25. de leitura pode levar os alunos a outras formas de comportamento durante a leitura?
26. 7Esperamos que com a produção deste projeto, obteremos um bom resultado, tendo
27. como hipótese, o interesse do aluno pela leitura, ao conhecer o gênero e as
28. atividades que o compõe, incentivando-lhes o hábito de ler.
29. 8Portanto, o objetivo geral desse projeto é mostrar que há outras formas de aplicar
30. uma atividade, para que o aluno compreenda melhor uma leitura. E o objetivo
31. específico é mostrar que o exercício da leitura em sala pode contribuir para a
32. formação do aluno na prática social e o gosto e interesse pela leitura. E o diário de
33. leitura pode servir como ferramenta para a reflexão crítica.
34. Fundamentação Teórica
35. 1Considerando o que dizem os PCN’s, “Para considerar a diversidade dos gêneros,
36. não ignorando a diversidade de recepção que supõe, as atividades organizadas para
37. a prática de leitura devem se diferenciar, sob pena de trabalharem contra a formação
38. de leitores. Produzir esquemas e resumos pode ajudar a apreensão dos tópicos mais
39. importantes quando se trata de textos de divulgação científica”.
40. 2O processo cognitivo de leitura mostra que há uma relação direta entre o sujeito
41. leitor e o texto e também existe relação entre a linguagem escrita e a compreensão,
42. entre a memória e pensamento. A compreensão acontece quando o leitor consegue
43. decodificar as palavras e usar o conhecimento armazenado na memória e elaborar
44. outros textos a partir deste. Portanto para Kleiman (1995: 37) “ O leitor eficiente
45. não decodifica, ele percebe as palavras globalmente e adivinha muitas outras,
46. guiado pelo conhecimento prévio e por suas hipóteses de leitura”.
47. 3O dever da escola é fazer com que o aluno aprenda o que não sabe. O aluno precisa
48. aprender é a ler a palavra, mas não ela isoladamente. Segundo Bakhtin (1997), a
49. palavra constitui o produto da interação do locutor e do ouvinte (...). Através da
50. palavra, defina-me em relação ao outro, isto é em ultima analise, em relação à
51. coletividade.
204
52. 4A escola deve então ensinar ao aluno a forma adequada de usar a palavra uma vez
53. que ela pode transformá-lo, ou seja, possibilitar –lhe uma reflexão sobre a sua
54. realidade e a maneira de agir sobre ela. Uma das formas que possibilita o aluno a
55. levar a essa reflexão é o trabalho com o gênero diário de leitura.
56. 5Segundo Machado, (1998) “A produção de diário, assim, é vista não simplesmente
57. como a expressão do que se pensa, mas com uma forma de descoberta dos próprios
58. pensamentos, como instrumento de pesquisa interna.”
59. 6A prática do diário de leitura, possibilita também, o aluno a escrever melhor. Para
60. Porter (1990), “é importante a conexão entre escrita e aprendizado uma vez que a
61. escrita pode ser considerada como um processo de descoberta, uma forma de gerar
62. idéias, de se estabelecer conexões entre elas e de transformar noções preconcebidas
63. e é também uma atividade social, uma vez que o diarista explora tanto as suas idéias
64. quanto o que os outros pensaram e expuseram...
65. 7Assim o trabalho com o gênero diário de leitura, permite ao aluno: 1) a uma
66. reflexão crítica sobre o que é lido; 2) é preciso que o aluno se sinta à vontade para
67. expor as suas reações diante dos textos; 3) ter uma instrução prévia do que vão
68. observar no texto; 4) expor trechos do diário e discutir com os colegas e o professor
69. e 5) combinar momentos de leituras do professor sobre os diários de leitura.
70. Metodologia
71. 1A atividade escolhida para a intervenção que se refere ao diário de leitura, será do
72. gênero textual científico, considerando o que dizem os PCN’s que devemos abordar
73. em sala os 4 grupos de gêneros textuais: os literários, os publicitários, os da
74. impressa e os científicos.
75. 2Sujeitos: alunos do 1.º C, da escola XXX do
76. período noturno. Esses alunos têm entre 15 e 17 anos de idade e provêm de classe
77. baixa. Com relação à leitura, esses alunos apresentam dificuldades quanto à
78. compreensão de textos.
79. 3Instrumentos: para as 5 aulas de regência, em que aplicarei o projeto de
80. intervenção, usarei 1 texto científico (anexo 1), retirado de uma revista (Galileu,
81. abril 2004)
82. 4Procedimentos
83. 4.1Aula 1
84. Os alunos receberão explicações sobre a produção do diário de leitura e seu objetivo
85. e também farão a leitura do texto.
86. 4.2Aula 2
87. Haverá uma discussão sobre o tema e o início da produção do diário.
88. 4.3Aula 3
89. Será uma aula expositiva, na qual o aluno e o professor irão expor trechos do diário
90. para realizarem uma discussão.
91. 4.4Aula 4
92. Nesta aula, os alunos realizarão um texto argumentativo, com base no texto lido, no
93. qual irão expor suas idéias, opiniões sobre o assunto.
94. 4.5Aula 5
95. Teremos o momento de reflexão e discussão sobre a experiência de produzir um
96. diário e o que contribuiu para a produção do texto argumentativo.
97. 5Resultados esperados: Espera-se que com esta atividade, mostrar que a leitura deve
205
98. ser mais ativa e dialógica.
99. 6Avaliação de intervenção: A avaliação será feita no decorrer da atividade, e serão
100. analisadas as produções junto aos alunos valorizando seus textos através de
101. comentários e verificar a compreensão dos textos em sua totalidade.
Referências bibliográficas
KLEIMAN, Ângela (1995) Texto e leitor. 4ª ed. Campinas: Pontes
MACHADO, Anna Raquel. O diário de leitura”. A introdução de um novo instrumento na escola. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
BAKHTIN, Mikhail (1997). Marxismo e filosofia da linguagem. 8ª ed. São Paulo: Hucitec.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais. MEC, Secretaria de Educação Fundamental Brasília,
2001.
GALILEU, Artigo. “Ciência no combate à fome”, São Paulo, p. 40, abril 2004.
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