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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
Audrei Aparecida Franco de Carvalho
Poesia Concreta e Mídia Digital:
o caso Augusto de Campos
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Comunicação e Semiótica - Signo e
Significação nas Mídias, sob a orientação
do Prof. Doutor Amálio Pinheiro.
São Paulo
2007
Mestrado em Comunicação e Semiótica
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Livros Grátis
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Banca Examinadora
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta dissertação por processos fotocopiadores ou
eletrônicos.
Assinatura: _______________________________ São Paulo, __________ de 2007.
Especial Agradecimento a:
Augusto de Campos
e
Amálio Pinheiro
Agradecimentos a:
Cecília Salles Lucrécia D’Alessio Ferrara Jorge Luiz Antonio
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
João Tabelião
ZéValério Fernanda Belchior
Poesia Concreta e Mídia Digital: o caso Augusto de Campos.
Audrei Aparecida Franco de Carvalho
Resumo
O ponto de partida dessa pesquisa é o diálogo entre os textos poéticos de Augusto de
Campos e as mídias disponíveis em cada período. Tal afirmação sugere a investigação
do que ocorre com os procedimentos poéticos colocados em prática por este poeta
diante da possibilidade de uma tradução para o suporte eletrônico-digital.
As hipóteses de trabalho são: a) a poética de Augusto de Campos é intersemiótica;
b) as características intersemióticas dessa poética, sempre ligadas às invenções
tecnológicas das mídias, supõem desdobramentos no conceito de tradução e poética; c)
essas características pressupõem uma tradução em constante processo.
A base teórica e metodológica divide-se em três partes: a poesia concreta e a poética
de Augusto de Campos é analisada através dos estudos críticos sobre a poesia concreta
feita pelos próprios poetas em
Teoria da Poesia Concreta (1987). A segunda parte é
formada pelos estudos dos procedimentos empregados nas traduções de poemas
concretos em mídia digital, encontrados nos trabalhos de Erthos Albino de Souza,
Ricardo Araújo, Julio Plaza, E. E. de Melo e Castro, entre outros. A última parte dessa
pesquisa é formada pela tradução para a mídia digital, dos poemas da série
poetamenos, de 1953; são eles: poetamenos, paraíso pudendo, lygia fingers, nossos
dias com cimento, eis os amantes e dias dias dias. A escolha desses poemas não se dá
ao acaso, pois, já na década de 1950, Augusto de Campos sinalizava para a necessidade
das novas mídias na criação artística: “mas luminosos, ou filmletras, quem os tivera!”
A prática tradutória dessa pesquisa recorre aos estudos de Julio Plaza encontrados em
Tradução Intersemiótica (1987) e Processos Criativos com os Meios Eletrônicos:
Poéticas Digitais (1998). Além disso, utilizamos o estudo crítico de Walter Benjamin,
A Tarefa do Tradutor (1923), e os textos de Haroldo de Campos sobre tradução
criativa, na tentativa de compreender como um texto criativo reage a uma tradução para
outro suporte.
Esta pesquisa é importante para o campo da Comunicação porque traz à luz a relação
entre arte, comunicação e tecnologia, que estão presentes no trabalho de Augusto de
Campos. A relação entre esses campos se dá pela incorporação de elementos e
procedimentos encontrados no jornal, na revista, no uso de luminosos, na Internet,
entre outros. Lembre-se da relação entre poesia concreta brasileira e movimentos que
se desdobravam em todas as partes do mundo.
As conclusões obtidas apontam para a existência da relação entre a poesia de Augusto
de Campos e a poesia eletrônica. Nota-se, por exemplo, a preocupação de ambas com
o receptor, com o movimento, com a conexão entre imagem e som, etc.
Palavras-chave: mídia digital, tradução intersemiótica, poesia concreta, poesia
eletrônica, tecnologias da comunicação
Poesia Concreta e Mídia Digital: o caso Augusto de Campos.
Audrei Aparecida Franco de Carvalho
Abstract
The dialog between Augusto de Campos’work and available medias in each period, it
is de start point for this research. This affirmation suggests the investigation about
poetic procedures put in practice by Augusto de Campos at the possibility of
translation to electronic-digital support. The work hypothesis are: a) Augusto de
Campos’ poetry is intersemiotic; b) the intersemiotic features of Augusto de Campos’
poetry, always connected at new media technologies, presume unexpected concepts of
translation and poetry; c) these features presume a translation in constant process.
The theorical and methodological foundations are divided in three parts: the concrete
poetry and Augusto de Campos’ poetry will be analysed through the critical studies
about concrete poetry, that was done by the concrete poets in:
Teoria da Poesia
Concreta (1987). The second part is formed by studies of the procedures used to the
translation of concrete poems to digital media, it was found at: Ertho Albino de Souza,
Ricardo Araújo, Julio Plaza, Melo e Castro’s work. The last part of this research is
formed by the translation of poetamenos’ poems (1953) to digital media, they are:
poetamenos, paraíso pudendo, lygia fingers, nossos dias com cimento, eis os amantes
and dias dias dias. The selection of these poems isn’t by chance. Since the 1950’s,
Augusto de Campos indicated the need of using new medias in the artistic
development: “Mas luminosos, ou filmletras, quem os tivera!” The translation practice
from this research appeals to Julio Plaza’s studies in: Tradução Intersemiótica (1987)
and Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais (1998). Besides,
we use the Walter Benjamin’s critical study: A Tarefa do Tradutor (1923), and Haroldo
de Campos’ studies about creative translation, with these studies we intent to
understand how a creative text reacts at a translation to another support.
This research is important to Communication Studies because it brings the light to the
relation among art, communication and technology, they are currently at Augusto de
Campos’ work. The relation among these fields happens by the incorporation of
elements and procedures found in the press, magazines, bright displays, Internet, and
other places. It’s important to remember the relationship between Brazilian concrete
poetry and artistic moviments found all over the world.
The conclusions achieved show the existence of the relation between Augusto de
Campos’ poetry and electronic poetry. We notice, for example, the concern of both
with the receiver, the moviment, the connection between image and sound, etc.
Key-words: digital media, intersemiotic translation, concrete poetry, electronic poetry,
communication technologies.
Sumário
Introdução 09
Capítulo 1: Poesia concreta e Augusto de Campos 11
1.1 - Poesia concreta brasileira 11
1.1.1 - Antecedentes 11
1.1.2 - Revista Noigandres 12
1.1.3 - Revista Invenção 14
1.1.4 - Paideuma 15
1.1.5 - Poesia concreta - de 1950 a 1955 20
1.1.6 - Fase ortodoxa 22
1.1.7 - Plano piloto 25
1.1.8 - Fase participante 26
1.1.9 - Fim do movimento 27
1.2 - A poética de Augusto de Campos 28
1.2.1 - Poesia e verso 28
1.2.2 - poetamenos 30
1.2.3 - Poesia e pintura 37
1.2.4 - Augusto de Campos e a poesia concreta 38
1.2.5 - Poesia e música 41
1.2.6 - Poesia e jornal 43
1.2.7 - Poesia e tipografia 44
1.2.8 - Poesia e interatividade 47
1.2.9 - Poesia e design 49
1.2.10 - Poesia e cidade 50
1.2.11 - Poesia e pessoas 52
1.2.12 - Poesia e tradução 53
1.2.13 - Poesia e tecnologia 55
Capítulo 2: Procedimentos Tradutórios: da poesia concreta para a
poesia eletrônica 58
2.1 - Considerações iniciais 58
2.2 - Animotraduções 59
2.2.1 - Pulsar 59
2.2.2 - Poema bomba 61
2.2.3 - S.O.S. 63
2.2.4 - cidade/city/cité 64
2.2.5 - Rever 67
2.2.6 - Femme 68
2.2.7 - LIFE 70
2.2.8 - Lua na água 71
2.2.9 - Dentro 72
2.2.10 - Sem nome 73
2.2.11 - Rã de Bashô 75
2.2.12 - Apfel 76
2.3 - Intertraduções 78
2.3.1 - Caoscage 78
2.3.2 - Sem-saída 79
2.3.3 - Criptocardiograma 81
2.3.4 - Econ 82
2.3.5 - O poeta 83
2.4 - Procedimentos tradutórios do meio digital 84
Capítulo 3: Tradução Intersemiótica 87
3.1 - Estudo de caso: tradução de poetamenos para mídia digital 87
3.1.1 - Considerações iniciais 87
3.1.2 - Procedimentos comuns a todos os poemas 87
3.1.3 - poetamenos 91
3.1.4 - paraíso pudendo 92
3.1.5 - lygia fingers 94
3.1.6 - nossos dias com cimento 96
3.1.7 - eis os amantes 97
3.1.8 - dias dias dias 98
3.2 - Recriação, tradução-arte, tradução criativa, transcriação ou apenas:
tradução intersemiótica 99
3.2.1 - Considerações sobre a(s) teoria(s) da tradução 102
Ao Modo de Conclusão 107
Bibliografia 108
Introdução
Através da tradução dos poemas da série poetamenos, de 1953, para mídia digital,
pretendo verificar a intersemioticidade nos textos de Augusto de Campos.
O corpus é composto por seis poemas, criados entre janeiro e julho de 1953, e possui
como tema central a relação amorosa entre o poeta e Lygia Azeredo. Fazem parte
dessa série: poetamenos, paraíso pudendo, lygia fingers, nossos dias com cimento e
dias dias dias.
A eleição dessa série de poemas para compôr o corpus da pesquisa deve-se a vários
fatores. No texto que antecede os poemas, Augusto de Campos expressa a vontade e a
necessidade de utilizar outros recursos diferentes daqueles encontrados no livro – Mas
luminosos, ou filmletras, quem os tivera! Uma atitude que pode ser considerada como
profética. Com o início da utilização de computador no Brasil, Augusto de Campos
incorpora esse instrumento nas criações e traduções de poemas.
A solução para estudar a passagem da mídia impressa para a digital no percurso
inventivo do poeta foi encontrada nesse mesmo percurso. A tradução criativa, presente
não só no trabalho de Augusto mas também no dos outros poetas concretos, foi a
resposta escolhida para abarcar as transformações ocorridas ao longo de mais de 50
anos de invenção.
A teoria da tradução de textos criativos é repleta de terminologias que tentam, por sua
vez, nomear esse gênero de tradução. Optamos (quando possível) tratar essa tradução
como
recriação, pois Augusto de Campos emprega esse termo em suas traduções e,
algumas vezes, utiliza o termo intradução. O prefixo in-, ao mesmo tempo, significa
negar a tradução e internar-se no texto de partida. De acordo com o conceito de
tradução seguido pelos poetas concretos, quanto mais um poema apresenta-se
impossível de ser traduzido, mais sedutor é a tarefa de tradu-lo, enquanto
possibilidade aberta de recriação.
A escolha na pesquisa pelo trabalho de Augusto de Campos não se dá ao acaso. Já no
início de seu trabalho ele apresenta interesse na diversificação dos suportes mesmo
quando utiliza o papel como suporte ele cria novas possibilidades que não eram
encontradas na forma convencional. A propósito, essa característica não pertencia
somente a Augusto, mas a todos os poetas concretos. O que difere Augusto de Campos
dos demais é que ele deu continuidade ao projeto de experimentação dos materiais. Tal
continuidade alcançou, nos dias de hoje, a utilização das mídias digitais, como é o caso
do uso do computador.
Obviamente, a mídia digital tem importante papel no trabalho de Augusto de Campos,
mas não é o único fator decisivo. Podemos justificar a afirmação ao relembrar que, à
época do regime militar, o poeta utilizou o jornal como fonte para a criação de poemas.
Segundo o autor: “Em 64, insatisfeito com as limitações tipográficas, problema mais
econômico do que técnico, me pus a trabalhar com recortes de manchetes e letras de
jornais e revistas.” (CAMPOS aput SANTAELLA, 1986, p. 69)
Logo, tenho como ponto de partida o pressuposto de que as características
09
intersemióticas da poética de Augusto de Campos, sempre ligadas às invenções
tecnológicas das mídias, supõem desdobramentos nos conceitos de tradução e da poética.
Essa pesquisa consistirá em analisar algumas traduções de poemas para mídia digital e,
a partir das análises, propor a tradução dos poemas da série poetamenos para essa mídia.
Procuro seguir, como base nessa pesquisa, os conceitos de tradução propostos por
Haroldo de Campos e, consequentemente, de Walter Benjamin e Roman Jakobson.
Sem esquecer, naturalmente, da importante contribuição de Julio Plaza e Octavio Paz
para o tema.
Além disso, a pesquisa se pauta nas experiências em tradução de poemas feitas pelo
próprio Augusto de Campos, principalmente, em seu último livro de poemas intitulado
Não (2003), que é acompanhado por CD-ROM.
Na primeira parte dessa pesquisa, abordaremos a poesia concreta tendo como foco
central o trabalho de Augusto de Campos e a relação do seu trabalho com diversos
suportes, meios de publicação e transmissão.
No capítulo seguinte, trataremos das traduções para mídia digital que tiveram como
texto de partida poemas concretos ou visuais. Temos por objetivo verificar nessas
traduções quais procedimentos foram empregados.
Por fim, apresentaremos as possíveis soluções para a tradução do
corpus e
finalizaremos o capítulo com as teorias pertinentes para esse trabalho elaboradas por
alguns teóricos sobre tradução, principalmente, Haroldo de Campos. Desse modo, em
pesquisa futura, queremos aprofundar o estudo sobre tradução enquanto recriação.
10
Capítulo 1: Poesia concreta e Augusto de Campos
1.1 - Poesia concreta brasileira
1.1.1 - Antecedentes
A poesia concreta surgiu dentro de um ambiente contrário a seus ideais: a Geração de
45 do século XX. Augusto e Haroldo de Campos conheceram Décio Pignatari no final
de 1948 por meio do Clube da Poesia, organismo que concentrava os principais poetas
da geração.
A Geração de 45 era contrária ao movimento moderno de Oswald e Mário de Andrade.
Ela se caracterizava pelo antiexperimentalismo, pelos conceitos de equilíbrio,
acabamento e harmonia. Faziam parte desse movimento: Geir Campos, Bueno de
Rivera, Péricles Eugênio Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva e João Cabral de
Melo Neto. Este último foi o único dos poetas da Geração de 45 a ser incluído no
paideuma concreto (conceito que será abordado posteriormente).
Haroldo de Campos publica, em 1950, seu primeiro livro, Auto do Possesso, pelo
Clube da Poesia. No mesmo ano e por meio do Clube da Poesia, Décio Pignatari
publica O Carrossel, seu primeiro livro de poemas.
Já no poema O Jogral e a Prostituta Negra, do livro O Carrossel, Décio utiliza o signo
de forma icônica (“tuas pernas em M”), ritmos insólitos, tmese (“Tua al(gema
nega)cova”) e versos interrompidos.
Porém, o fato que desencadeou o interesse dos irmãos Campos na poesia de Décio
Pignatari foi um poema, publicado em 1948 no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado:
O Lobisomem. A sua leitura deu início ao processo de ruptura com a Geração de 45.
De acordo com Aguilar:
os irmãos Campos, segundo o testemunho de um deles, iniciaram sua amizade
com Décio, impressionados, sobretudo, por sua 'liberdade rítmica' e 'hermetismo'.
Esse hermetismo estava relacionado tanto com a estranheza do tema, quanto com
a violência rítmica e a audácia das metáforas. (2005, p. 165)
Em 1951, os poetas concretos se afastaram do Clube da Poesia. Apesar da saída ser
pacífica, a opinião de Domingos Carvalho da Silva mostra que existiam diferenças
entre os poetas concretos e os da Geração de 45:
Para esses poetas, o retorno às experimentações da vanguarda constituía um
abandono da própria poesia. [...] Domingos Carvalho da Silva: 'a base da estrutura
da linguagem poética é o signo acústico e não o escrito ou sua representação
gráfica', 'o poema concreto não é poema porque não se organiza na linguagem
poética, não poderá ser aceito senão como experimento gráfico-visual, ...'
(Aguilar, 2005, p.163)
A época era propícia a experimentações. Graças à criação de museus como o MASP
(Museu de Arte de São Paulo), em 1947, o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São
11
Paulo), em 1948, e a realização da I Bienal de Arte do MAM, em 1951, os poetas
concretos tiveram contato com artistas plásticos e arquitetos. Isso os incentivou a fazer
experimentações na poesia. Segundo Gonzalo Aguilar: “Os poetas paulistas se
aproximaram dos artistas plásticos e se valeram de suas posições e conceitos para
deslegitimar seus antecessores e, [...] nas bienais uma autorização simbólica para a
ruptura “. (2005, p. 167)
O grupo só tomou forma em 1952 quando os poetas concretos editaram o primeiro
número da revista Noigandres e tomaram esse nome para se identificar.
1.1.2 - Revista Noigandres
A revista Noigandres foi editada pelos poetas concretos entre 1952 e 1962: ao todo
teve cinco números publicados em espaços diferentes de tempo.
O nome Noigandres, que os poetas usaram tanto para a revista como para identificar o
grupo, foi tomado do poeta provençal Arnault Daniel e remete a uma passagem dos
Cantares de Ezra Pound:
Noigandres! NOIgandres!
Faz seis meses já
Toda noite, qvando fou dormir, digo para mim mesmo:
Noigandres, eh, noigandres,
Mas que DIABO querr dizer isto!
(POUND apud CAMPOS, A., 1988, p.43)
Mais tarde, descobriu-se que a palavra Noigandres foi
traduzida por Emil Levy como “antídoto do tédio”. (CAMPOS,
A., 1988, p. 43)
A revista Noigandres foi uma alternativa em conjunto para a
publicação dos poemas dos poetas concretos. No primeiro
número, de novembro de 1952, foi publicado Rumo a Nausícaa,
de Décio Pignatari, Thálassa Thálassa, de Haroldo de Campos
e Ad Augustum per Angusta, de Augusto de Campos.
Apesar de ser considerada uma revista, Noigandres foi uma
publicação irregular. O segundo número da revista foi
publicado três anos depois de seu lançamento, em fevereiro de
1955, com Ciropédia ou a educação do príncipe, de Haroldo
de Campos, e poetamenos, de Augusto de Campos. O número
dois da revista teve tiragem de 100 exemplares, inferior ao
primeiro número que teve 300 exemplares. Isso se deu devido
às dificuldades de impressão dos poemas de poetamenos, o
qual iremos abordar em capítulo à parte.
12
Noigandres, número 2.
Noigandres, número 1.
O número três da revista Noigandres foi publicado em
dezembro de 1956, com tiragem de 500 exemplares, por
ocasião da Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de
Arte Moderna de São Paulo. Esse número da revista é lançado
com o subtítulo de poesia concreta e traz a série de poemas
mínimo múltiplo comum de Ronaldo Azeredo, que passa a
integrar o grupo. Décio Pignatari participa da revista com o
conjunto de poemas intitulado vértebra, Augusto de Campos
com ovonovelo e Haroldo de Campos com o â mago do ô mega.
O quarto número da revista saiu em março de 1958. Com
formato maior que o dos números anteriores e o uso de lâminas
soltas ao invés de cadernos, onde foram impressos os poemas -
apenas o poema Life, de Décio Pignatari, foi impresso em
caderno à parte. Neste mesmo número, os poetas concretos
publicaram o plano-piloto para poesia concreta. O design
gráfico integral desse número ficou a cargo do pintor concreto
Fiaminghi, que participou da exposição de Arte Concreta, em
1956. Integraram esse número os poetas: Décio Pignatari,
Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Ronaldo Azeredo.
Este último com um dos seus principais poemas: velocidade.
O quinto e último número da revista Noigandres, publicado em
novembro de 1962, é uma antologia da poesia concreta
formada por poemas já publicados e inéditos. A capa reproduz,
aproximadamente, um quadro de Volpi e tinha como subtítulo:
“do verso à poesia concreta”. O projeto da revista Noigandres
cinco era, originalmente, um disco long-play com a
sonorização de alguns poemas feito por Júlio Medaglia, porém
esse disco nunca foi realizado. A antologia Noigandres contou
com os poetas que fizeram parte da revista número quatro e
com a participação de José Lino Grünewald.
Antologia Noigandres 5 encerra uma etapa da poesia concreta,
que continua com variantes na produção que o grupo inicia, com a revista Invenção
(1962-1966).
13
Noigandres, número 3.
Noigandres, número 4.
Noigandres, número 5.
1.1.3 - Revista Invenção
A revista Invenção surgiu a partir de uma página do suplemento do jornal Correio
Paulistano. Em 1960, os poetas concretos uniram-se a outros artistas para fazer essa
página do suplemento. O suplemento contava com oito páginas e tinha como subtítulo:
“Nas Letras e nas Artes, no Lar e na Sociedade”, onde eram abordados assuntos como:
literatura, moda e comentários sociais em um estilo que não tinha nenhuma ligação
com os concretos. Dentro desse suplemento, apenas a página cinco pertencia ao grupo
que era formado por: Augusto de Campos, Cassiano Ricardo, Décio Pignatari, Edgar
Braga, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, Mário Chamie e Pedro Xisto. Essa
página no suplemento do jornal Correio Paulistano foi publicada durante quase todo o
ano de 1960 até março de 1961 e se diferenciou das demais páginas, pois apresentava
um projeto gráfico independente do restante do jornal. Quem o assinava era Alexandre
Wollner, participante da Exposição Nacional de Arte Concreta. A página recebeu o
nome de “Invenção” e nela o grupo publicou traduções, ensaios, revisões, textos
programáticos e divulgou autores do paideuma como e. e. cummings.
Em março de 1961, o grupo abandona o jornal Correio Paulistano e, um ano depois,
publica o primeiro número da revista Invenção (Revista de Arte de Vanguarda). A
revista teve ao todo cinco números editados e deixou de circular no início de 1967.
Diferente do que aconteceu na revista Noigandres, a Invenção teve um comitê de
redação formado, entre outros, por Augusto e Haroldo de Campos, Ronaldo Azeredo,
José Lino Grünewald e Cassiano Ricardo. O critério que orientava a seleção do
material não era o da poesia concreta, mas o da poesia de invenção. Essa categoria foi
tomada da classificação com a qual Ezra Pound dividiu os poetas em “inventores”,
“mestres” e “epígonos”, assim, a revista abria seu repertório a outros tipos de
propostas, além do concretismo.
No primeiro trimestre de 1962 foi publicado o primeiro número da revista que abre
com uma nota editorial sem assinatura. O número consiste em duas conferências
apresentadas por Décio Pignatari e Cassiano Ricardo no II Congresso Brasileiro de
Crítica e História Literária, realizado em julho de 1961, em Assis, São Paulo. Ambos
os ensaios falavam da necessidade de utilizar o arsenal poético
de forma revolucionária. Nesta mesma época, os poetas
concretos estavam passando pelo o que podemos chamar de
“fase participante”. No segundo trimestre de 1962 foi
publicado o segundo número da revista que contou com a
seção “Móbile”, a única permanente na revista, em que eram
resenhadas as repercussões da poesia visual em diferentes
lugares do mundo. Neste número, foram publicados poemas
da denominada “fase participante”: Servidão de Passagem, de
14
Invenção, número 1.
Haroldo de Campos, Cubograma e Greve, de Augusto de Campos, estela cubana, de
Décio Pignatari, além de outros poetas, de um ensaio do poeta mineiro Affonso Ávila
e de um artigo de Max Bense. O terceiro número, de junho de 1963, foi dedicado à
música experimental e continha poemas e um ensaio de Max Bense. O quarto número,
de dezembro de 1964, foi dedicado a Oswald de Andrade, por ocasião dos 10 anos de
sua morte. Este número contou com a reprodução da exposição Popcretos, de Augusto
de Campos e Waldemar Cordeiro, as primeiras Galáxias, de Haroldo de Campos e, outro
ensaio de Max Bense. O quinto e último número, de janeiro de 1967, teve a participação
de Erthos Albino de Souza (Revista Código) e Luiz Angelo Pinto (que criaria, com Décio
Pignatari, os poemas semióticos). Na edição de número cinco foi publicado um texto sem
assinatura que, depois, foi incorporado ao livro Teoria da Poesia Concreta, que dava
“pistas” sobre o fim do movimento (o texto inicia com a frase: “& se não perceberam”).
Também nesse número foi apresentada a partitura de Gilberto Mendes para o poema
cidade/city/cité, de Augusto de Campos, entre outros poemas.
Com o fim da revista, os poetas concretos se voltam a trabalhos individuais, Haroldo
de Campos dá seqüência as Galáxias, Décio Pignatari trabalha nos poemas
semióticos, Augusto de Campos elabora seus Profilogramas, além de escrever sobre
música. Podemos considerar o último número de Invenção como o fim do movimento
concreto, porém isso não quer dizer o fim da poesia concreta, mas sua abertura a
outras experimentações.
1.1.4 - Paideuma
Antes de começarmos a falar sobre como o paideuma influenciou os poetas concretos,
é necessário definir o que é paideuma.
Os poetas concretos extraíram esse termo do poeta Ezra Pound, que o definia como:
Paideuma: a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou
geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um
mínimo de tempo com itens obsoletos. (POUND, 2006, p.161)
Segundo Gonzalo Aguilar, paideuma, em grego, significa: “ensino, aprendizagem,
aquele que se educou.” (2005, p. 65). Na definição dada pelos próprios poetas
concretos, em Teoria da Poesia Concreta, paideuma significa: “elenco de autores
culturmorfologicamente atuantes no momento histórico.” (1987, p.53) A partir dessas
definições, podemos concluir que o paideuma concreto é formado por aqueles poetas
que ajudaram com suas idéias a renovar a tradição na poesia, ou seja, levaram os poetas
concretos a questionar a utilização do verso e da própria poesia.
O paideuma concreto era formado, inicialmente, por Ezra Pound, James Joyce,
Stepháne Mallarmé e e. e. cummings. Todos esses escritores têm em comum a postura
15
nova e radical que assumiram ante à linguagem.
A seleção desses escritores se deu, justamente, pela necessidade da superação do
verso. De cada autor do paideuma, os poetas concretos extraíram conceitos
fundamentais para a poesia concreta. Haroldo de Campos faz a distinção desses
conceitos extraídos do paideuma no texto “olho por olho a olho nu”, que faz parte da
Teoria da Poesia Concreta:
POUND - método ideogrâmico
léxico de essências e medulas (definição precisa)
JOYCE - método de palimpsesto
atomização da linguagem (palavra-metáfora)
CUMMINGS - método de pulverização fonética
(sintaxe espacial axiada no fonema)
MALLARMÉ - método prismográfico (sintaxe espacial axiada nas
“subdivisões prismáticas da idéia”)
(CAMPOS, A; CAMPOS, H; PIGNATARI, 1987, p. 53)
Em outro texto, Augusto de Campos fala das contribuições desses escritores para a
mudança do paradigma da poesia:
A verdade é que as 'subdivisões prismáticas da Idéia' de Mallarmé, o método
ideogrâmico de Pound, a apresentação 'verbivocovisual' joyciana e a mímica
verbal de cummings convergem para um novo conceito de composição, para uma
nova teoria da forma - uma organoforma - onde noções tradicionais como início-
meio-fim, silogismo, tendem a desaparecer e ser superadas por uma organização
poético-gestaltiana, poético-musical, poético-ideogrâmica da estrutura: POESIA
CONCRETA. (CAMPOS, A; CAMPOS, H; PIGNATARI, 1987, p. 31)
16
Un Coup de Dés, Mallarmé.
Nas contribuições do paideuma concreto, constatamos que todos os autores conservam
uma característica comum: a preocupação com a forma, com a estrutura dos poemas.
Mallarmé, em Un Coup de Dés, trabalha com a estrutura do poema no espaço. Ele
empregou tipos diversos (tamanhos de fontes tipográficas diferentes), valorizou os
espaços em branco da página, deu maior fluidez as linhas tipográficas posicionando-
as de forma mais livre na página, ou seja, há um uso especial da página e do texto
formando um “poema-estrutura”.
Augusto de Campos, no texto Mallarmé: poeta em greve, fala sobre a importância de
Un Coup de Dés na evolução da poesia:
... Mallarmé começa por denunciar a falácia e as limitações da linguagem
discursiva para anunciar, no Lance de Dados, um novo campo de relações e
possibilidades do uso da linguagem, para o qual convergem a experiência da
música e da pintura e os modernos meios de comunicação, do 'mosaico do jornal'
ao cinema e às técnicas publicitárias. [...] Mallarmé, ao mesmo tempo que encerra
um capítulo, abre ou entreabre toda uma era para a poesia, acenando com inéditos
critérios estruturais e sugerindo a superação do próprio livro como suporte
instrumental do poema. (2002, pp. 26-27)
Ezra Pound contribuiu para o paideuma concreto com os estudos do ideograma
aplicado à poesia. Pound toma conhecimento do ideograma chinês através do estudo
do sinólogo Ernest Fenollosa, The Chinese Written Character as a Medium for Poetry,
traduzido para a língua portuguesa por Haroldo de Campos. Sobre o processo de
composição do ideograma chinês, Fenollosa constatou que: “Neste processo de
composição, duas coisas conjugadas não produzem uma terceira, mas sugerem alguma
relação entre ambas.” (FENOLLOSA in: CAMPOS, 2000, p.116)
Para Pound, o ideograma permitia um acesso direto ao objeto. Segundo o autor:
Os egípcios acabaram por usar figuras abreviadas para representar sons, mas os
chineses ainda usam figuras abreviadas COMO figuras, isto é, o ideograma chinês
não tenta ser a imagem de um som ou um signo escrito que relembre um som, mas
é ainda o desenho de uma coisa; de uma coisa em uma dada posição ou relação,
ou de uma combinação de coisas. O ideograma significa a coisa, ou a ação ou
situação ou qualidade, pertinente às diversas coisas que ele configura.
(POUND, 2006, p.26)
Dentro do método ideogrâmico, Pound utilizava a linguagem de forma direta,
condensada, enxuta. Seu postulado “dichten = condensare” onde “dichten” é o verbo
em alemão para o substantivo poesia que, segundo Pound, o lexicógrafo traduziu-o
pelo verbo italiano “condensare”. (POUND, 2006, p.10)
Além do método ideogrâmico, Pound contribuiu ao instruir os poetas concretos na
operação de tradução de textos poéticos através de seus ensaios, suas traduções e do
seu livro ABC da literatura no qual ele aborda o estudo e a tradução de poesia.
James Joyce, em Finnegans Wake, utiliza o “princípio do palimpsesto”, em que um um
17
conjunto de imagens é superposto a outro. Além disso, sua prosa não tem começo nem
fim, a última frase de Finnegans Wake se encaixa no início do texto.
Em Finnegans Wake tudo acontece ao mesmo tempo, há uma tessitura entre o espaço
e o tempo.
Dentro do paideuma dos poetas concretos, e. e. cummings foi aquele que introduziu a
idéia de fragmentação, através do uso não-ortodoxo da tipografia.
cummings só usava minúsculas, inclusive em seu nome. Seus poemas apresentam
composições gráficas não-convencionais, os vocábulos são fragmentados sem seguir as
regras de divisão silábica e há muitos espaços em branco.
Unem-se ao procedimento de fragmentação a cunhagem de vocábulos, a troca de
funções gramaticais e o deslocamento sintático.
Além disso, cummings é um mestre da tmese (do grego tmesis, corte). Ele associa este
recurso às técnicas da montagem cinematográfica e da colagem.
Segundo Augusto de Campos:
Na poesia de Cummings as palavras não são dissociadas de seu significado, nem
as letras valem por si sós. A atomização dos vocábulos tem em mira efeitos
construtivos de sinestesia do movimento e fisiognomia descritiva.
(CAMPOS, A., 1999, p. 25)
Todos os elementos do poema têm função ativa, o branco da página, as entrelinhas e
espacejamentos e os sinais de pontuação são utilizados de forma a alcançar uma maior
eficácia da gesticulação semiótica do poeta.
Augusto de Campos, em Poem(a)s, fala dos objetivos que cummings pretende alcançar
através de seus procedimentos de criação:
O que ele pretende é rejuvenescer a linguagem e explorar, com maior
flexibilidade do que permitem as estruturas entorpecidas dos sistemas
convencionais, o universo complexo da percepção e da sensibilidade. É por isso
que ele introjeta num idioma moderno ocidental, como o inglês, procedimentos
derivados do ideograma chinês (a figuralidade de origem pictográfica e o
pensamento por analogia) e de línguas clássicas como o grego ou o latim, tratando
o seu idioma como se fosse uma língua flexionada. (CAMPOS, A.,1999, p. 14)
Assim como em Mallarmé, a grafia se faz função na obra de cummings. O que ele e os
outros poetas que formam o paideuma pretendiam era a superação da versificação linear.
O paideuma concreto não foi apenas formado por escritores estrangeiros. Importantes
escritores brasileiros foram incorporados: João Cabral de Melo Neto, João Guimarães
Rosa e Oswald de Andrade. Posteriormente, foram incluídos os poetas Pedro Kilkerry
e José Joaquim Sousândrade.
Augusto de Campos, no ensaio Um Lance de 'Dês' no Grande Sertão, traça uma
relação entre o romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, com Finnegans
Wake de James Joyce. Segundo Augusto de Campos:
18
O que o romance de Guimarães Rosa apresenta de parentesco com os de Joyce é,
em primeiro lugar, a atitude experimentalista perante a linguagem. [...] Sob essa
perspectiva, podem ser identificadas diversas técnicas, utilizadas por ambos os
romancistas. Assim, as aliterações, as coliterações, os malapropismos conscientes,
as rimas internas, etc. Também a sintaxe é, sob certos aspectos, manipulada
de maneira fundamentalmente idêntica por Joyce e Rosa. É uma sintaxe telegráfica,
[...] Sintaxe rítmica, pontuada, pontilhada de pausas. (CAMPOS, A., 1978, p.12)
Há elementos no romance Grande Sertão que justificam essa relação com Joyce. O
romance não é dividido em capítulos, ele se dá em fluxo contínuo; a ordem dos eventos
não obedece uma seqüência linear, ela é comandada pela memória. Outro exemplo
desse questionamento se encontra na palavra nonada, a primeira a aparecer no texto é
também uma das últimas da última página, nesse romance a estrutura linear (começo,
meio e fim) dá lugar a uma forma aberta e atemporal.
João Cabral de Melo Neto faz parte da Geração de 45 somente por motivos cronológicos,
pois sua poesia está mais próxima da poesia-minuto de Oswald de Andrade.
Haroldo de Campos, no ensaio sobre João Cabral de Melo Neto, O Geômetra
Engajado, enumera algumas qualidades da poesia cabralina:
... o despojamento, o gosto pela imagem visual, de táctil substantividade (“No
espaço do jornal / a sobra come a laranja”), aquilo que Cabral diz ter aprendido
com a poesia de Murilo Mendes (“dar precedência à imagem sobre a mensagem,
ao plástico sobre o discursivo”), ... (2004, pp. 79-80)
Haroldo de Campos identifica em O Engenheiro, de 1945, uma lógica construtiva. “É
a instauração, na poesia brasileira, de uma poesia de construção, racionalista e objetiva,
contra uma poesia de expressão, subjetiva e irracionalista. (2004, p. 80)
Além disso, para Haroldo de Campos, “a unidade compositiva mais característica de
JCMN, a quadra, não é tomada como forma fixa (ou fôrma) mas como um bloco, como
unidade-blocal de composição elemento geométrico pré-construído, definido e apto,
conseqüentemente, para a armação do poema. (2004, p. 81)
Apesar de João Cabral utilizar o verso em seus poemas, isso se dá de forma crítica e
dessacralizadora. O poeta cria uma tensão entre o verso e sua linguagem florida com a
linguagem seca da pedra e do Nordeste.
De Oswald de Andrade, os poetas concretos incorporaram seu conceito-chave, a
antropofagia. Esse conceito representa para os poetas concretos a capacidade de
incorporar os materiais mais diversos à vontade contrutivista da própria poesia concreta.
Segundo Haroldo de Campos, no prefácio de Oswald de Andrade: trechos escolhidos,
são características da poesia de Oswald:
A poesia de O. A. - por ele mesmo denominada pau brasil (a nossa primeira
'mercadoria de exportação' ...) - caracterizava-se pela linguagem reduzida, pela
extrema economia de meios, pela intervenção surpreendente da imagem direta, do
coloquial, do humor [...] 'Nessa poesia pau brasil, além de síntese, do equilíbrio
19
geômetra, do acabamento técnico, da invenção e da surpresa inscritos
programaticamente no manifesto, há também, preconizada nele, a luta por uma
língua sem arcaísmos, sem erudição [...] natural e neológica. (1967, p. 9)
Também na prosa, Oswald de Andrade, de certa forma, contribuiu para o paideuma
concreto. Serafim Ponte Grande, publicado em 1933, desafia várias regras do “bom
escrever”. Este texto é todo constituído de fragmentos, justapostos pelo processo de
montagem cinematográfica. Além disso, Oswald contribuiu através do seu Manifesto
da Poesia Pau Brasil e do Manifesto Antropófago. Neste último Oswald profetizou:
“Somos concretistas.
1.1.5 - Poesia concreta - de 1950 a 1955
O período de 1950 a 1955 é considerado como um período
preparatório para o movimento da poesia concreta. Após a
publicação dos primeiros poemas em livro dos poetas concretos
(Carrossel de Décio Pignatari, Auto do Possesso de Haroldo de
Campos e Rei Menos o Reino de Augusto de Campos) e da
ruptura com o Clube de Poesia, foi necessário criar condições
para a publicação da produção dos poetas. A alternativa
encontrada pelo grupo, que agora se chamava: Grupo
Noigandres, foi a criação da revista que levou o mesmo nome do
grupo. Pertencem a essa fase o primeiro e o segundo número da
revista Noigandres, este último sem a participação de Décio
Pignatari que encontrava-se em viagem pela Europa, desde junho
de 1954. Nesses dois números da revista Noigandres o verso
estava presente na produção dos poetas, com exceção de
poetamenos, de Augusto de Campos, publicado no número dois
de Noigandres, de 1955. Nesse poema, o verso já não é a unidade
mínima, e, através da utilização das cores, o poeta cria uma
dimensão gráfica e sonora plural. Sobre esse poemas falaremos
mais detalhadamente em capítulo posterior.
No ano de 1953, os poetas concretos dão início a extensa
correnpondência com Ezra Pound. O contato com Pound e a
formação do paideuma concreto é descisivo na trajetória dos
poetas concretos.
Em 1954, Décio Pignatari partiu para a Europa onde aprofundou
o contato com músicos como: Boulez, Cage e Varèse. Além
disso, foi decisivo para a criação do movimento da poesia
20
Auto do Possesso.
O Rei Menos o Reino.
Carrossel.
concreta o encontro entre Décio e
Eugen Gomringer.
Gomringer, poeta suíço-boliviano,
que na época era secretário de Max
Bill na escola de Ulm (Escola
Superior da Forma), já tinha
publicado, em 1953, uma coletânea
de poemas visuais intitulado
Konstellationen, e, em 1955,
publicou o manifesto “Do verso à
constelação: função e forma de uma
nova poesia” (revista suiça Spirale).
Através do diálogo entre os poetas
concretos e Eugen Gomringer foi
possível o surgimento do movimento
da poesia concreta no âmbito internacional. O termo poesia concreta foi cunhado pelo
poeta Augusto de Campos em artigo que levou o mesmo nome.
No Brasil, os poetas concretos estreitam as relações com Alfredo Volpi e os artistas do
grupo Ruptura. O grupo Ruptura era formado por: Waldemar Cordeiro, Geraldo de
Barros, Luiz Sacilotto, Leopoldo Haar, Anatol Wladyslaw, Kazmer Féjer e Lothar
Charoux. A importância desse grupo para a poesia concreta se dá pelo fato da
Exposição do Grupo Ruptura no MAM-SP, em 1952, ser considerada o marco na
introdução da arte concreta no Brasil.
A proximidade dos poetas concretos com os artistas concretos brasileiros (pintores e
escultores pertencentes ou não ao grupo Ruptura) colaborou para a realização da
Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo (1956) e no Rio de Janeiro
(1957). Durante a exposição em São Paulo foi lançado, oficialmente, o movimento da
poesia concreta. A revista AD nº20, de novembro/dezembro de 1956, publicou um
suplemento sobre a exposição onde estavam os primeiros manifestos sobre a poesia
concreta. Também durante a exposição, foi lançado o número três da revista
Noigandres, com poemas de Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos
e Ronaldo Azeredo. Nesse número da revista, os poemas apresentam o rigor e a
eliminação do verso, que caracterizaram o período mais rígido da poesia concreta.
21
Eugen Gomringer.
1.1.6 - Fase ortodoxa
O período mais radical da poesia concreta brasileira data do número três da revista
Noigandres e do lançamento oficial do movimento na Exposição Nacional de Arte
Concreta, em 1956. Podemos dividir a fase ortodoxa da poesia concreta em dois
momentos: a fase orgânica e a fase matemática. Na fase orgânica, os poemas concretos
estão mais próximos dos produzidos por e.
e. cummings e pelo poema Un Coup de Dés,
de Stéphane Mallarmé. Os poemas dessa
fase são marcados pela espacialização e
pelo ordenamento irregular das palavras.
Pertecem a esta fase os poemas da série
poetamenos (1953), de Augusto de Campos;
o â mago do ô mega (1955-1957), de
Haroldo de Campos; Semi di Zucca (1956) e
Um Movimento (1956), de Décio Pignatari.
Nesse período, os poetas começam a utilizar
a tipologia Futura na sua versão bold
(negrito). A fonte Futura foi desenhada por
Paul Renner, em 1927. Ela apresenta formas
limpas e simplificadas como o “a” sem o
gancho superior, com seu desenho mais próximo a outras letras como o “e”, “o” e “c”,
facilitando visualmente a interação entre as palavras e o uso das paranomásias.
Na fase matemática, as relações entre os signos são regulares, os poemas são
ordenados no espaço em estrutura geométrica. No texto Poesia Concreta:
Organização, de Décio Pignatari, de 1957, incluído na Teoria da Poesia Concreta, é
possível entender a divisão entre a fase orgânica e a fase matemática:
O isomorfismo, num primeiro momento processual da prática compositiva
espacial, tende à fisionomia e a um movimento imitativo do real (motion).
Pode-se dizer que, nesta fase, predomina a forma orgânica. A esta fase, de
maneira geral, pertencem poemas como o 'formigueiro' (Ferreira Gullar), 'solidão'
(Wlademir Dias Pino), 'um movimento' (Décio Pignatari), 'silêncio' (Haroldo de
Campos), 'ovonovelo' (Augusto de Campos), 'choque' (Ronaldo Azeredo), ou
'möv möv' (Eugen Gomringer), iniciador simultâneo, na Europa, da poesia
concreta, com seu volume de konstellationen, 1953. Num estágio mais avançado
de evolução formal, num estágio mais racional de criação, o isomorfismo tende a
resolver-se em puro movimento estrutural, estrutura dinâmica (movement). Pode-
se dizer que, nesta fase, predomina a forma geométrica ou matemática. Pertencem
a esta fase poemas como 'tensão' (Augusto de Campos), 'velocidade' (Ronaldo
Azeredo), 'mar azul' (Ferreira Gullar), 'terra' (Décio Pignatari), 'fala clara'
(Haroldo de Campos) ou “baum kind hund haus' (Eugen Gomringer). (1987, pp. 91-92)
A diferença entre a fase orgânica e a fase matemática está na aplicação das leis da
22
ô mago do ô mega, Haroldo de Campos.
Gestalt e na ordenação do espaço observadas na última fase. O elemento mais
característico dessa utilização é a quadrícula. A quadrícula permitiu, aos poetas
concretos, a eliminação da estrutura
linear do verso e da noção de sujeito.
Desse modo, esse procedimento afastou
ainda mais a poesia concreta das formas
narrativas da discusividade poética e
aproximou do trabalho espacial da
pintura e da música que lhe são
contemporâneas. Tal procedimento é
encontrado na música serial, em que a
série desempenha o papel dinâmico da
quadrícula, e nas artes plásticas no
trabalho de Piet Mondrian, como:
Composição em Vermelho, Azul e
Amarelo, de 1930.
A maior preocupação dos poetas concretos nesta fase continua sendo a eliminação do
verso, porém é de extrema importância a percepção da materialidade do signo. Além
disso, a poesia concreta soube dialogar, não só com a arte e a música de sua época, mas
com o cinema, o design, a publicidade, o jornal, a arquitetura, etc. Segundo Figueiredo:
A singularidade da Poesia Concreta reside, em larga medida, em sua abertura a
outros códigos - a uma certa pluralidade - e sua significação situa-se
necessariamente num espaço intersemiótico. Qualquer método, por sua vez, que
propugnar por uma análise imanente, tendo em vista localizar o singular,
defrontar-se-á com essa programática taxa de heterogeneidade do objeto-poema
concreto (considerado em sua generalidade). Mais que nunca, esse método só será
singular em princípio: filiada ao princípio de uma poesia racional e projetada,
cotejando programa e metalinguagem, a Poesia Concreta “pensou-se” também
em termos de método para a determinação de suas opções formais: método que
se moveu heurístico-analogicamente, seja pela recuperação do ideograma (via
Pound/Fenollosa), seja voltando-se para a música dodecafônica, como o fez
Augusto de Campos em seus poemas a cores, de 1953. [...]
Podemos dizer que sempre, na grande poesia, a linguagem ocupou um espaço
intersemiótico, e é nesse quadro que se deve entender Pound, quando afirma que
a poesia tem mais a ver com a pintura e a música do que com a própria literatura,
e Sartre, quando estabelece a distinção prosa e poesia (“mot-signe” x “mot-chose”).
O signo poético seria uma espécie especial de signo que, “desfuncionalizando-se”
parcialmente (por exemplo, em sua função cognitiva), adquire super-funções.
(1977, pp.6-7)
Não podemos esquecer que aliado a essa pluralidade de códigos, que não é exclusiva
do período ortodoxo, e ao arranjo geométrico do espaço, o método ideogrâmico foi
praticado pelos poetas concretos. Ele se dá pela disposição das palavras no espaço,
23
Composição em Vermelho, Azul e Amarelo, de Mondrian.
onde os significados se interseccionam pelas semelhanças gráficas e fônicas. A partir
do método ideogrâmico, os poetas concretos elaboraram uma nova sintaxe, que operou
por “justaposição, superposição, intraposição, desmembramento ou derivação do
próprio desenho dos sígnos usados.” (SANTAELLA, 1986, p. 62)
É próprio da escrita ideogrâmica a inexistência de artigos, conjunções etc.; existem
apenas substantivos e verbos (ações) representados através do ideograma. Essa técnica
foi utilizada na fase ortodoxa da poesia concreta; em muitos poemas dessa fase a
relação sintática se deu apenas com a utilização de substantivos. O texto de Augusto
de Campos, A moeda concreta da fala, de 1957, aborda esse assunto. Segundo Augusto
de Campos:
Não discursividade. Síntese. Circunscrição aos conceitos absolutamente
indispensáveis da fala: A MOEDA CONCRETA DA FALA + os conceitos
essenciais de relação. Nominalização e verbificação. = ÍNDICES-VETORES DA
POESIA CONCRETA EM FACE DA LINGUAGEM.
(CAMPOS, A; CAMPOS, H; PIGNATARI, 1987, p. 124)
Na fase ortodoxa da poesia concreta, destacou-se o poeta que, apesar de não fazer parte
do grupo Noigandres, teve fundamental importância para a poesia concreta: Ronaldo
Azeredo. Seus principais poemas
são: velocidade, ruasol, lesteoeste,
todos de 1957. Em velocidade,
Ronaldo Azeredo, alcança um dos
objetivos da poesia concreta que é
ligar texto e movimento, ou seja,
uma “estrutura dinâmica” onde a
composição construtiva é regulada
pelo isomorfismo. Nesse poema, a
velocidade não está somente na
palavra (significado), mas no
processo total, na estrutura do poema.
A produção artística dos poetas
concretos foi acompanhada de
textos, muitas vezes, denominados
de manifestos pelos poetas, que
serviram de espaço esclarecedor e
organizador da poesia concreta. Esses textos foram publicados, inicialmente, em
jornais e revistas da época e, mais tarde, transformados no livro: Teoria da Poesia
Concreta: Textos críticos e manifestos 1950-1960. A explicação para tal produção
teórica está contida na introdução da primeira edição da Teoria da Poesia Concreta:
24
Velocidade, de Ronaldo Azeredo.
É preciso facilitar a sua compreensão e a sua discussão nos seus termos originais,
sem a mediação das divulgações esquemáticas e das interpretações duvidosas.
Publicados os textos, aqui recolhidos, na imprensa diária e em revistas diversas,
em pouco tempo se tornariam fatalmente inacessíveis, pelo próprio caráter
contingente e heterogêneo das folhas em que foram estampados.
(CAMPOS, A; CAMPOS, H; PIGNATARI, 1987, p. 7)
Os manifestos concretos guardam todo o estudo feito dos poetas concretos sobre o
paideuma por eles eleito e a posterior utilização de suas técnicas e seus métodos na
poesia concreta. O manifesto Da fenomenologia da composição à matemática da
composição, escrito em 1957, por Haroldo de Campos, deixa claro o que os poetas
concretos pretendiam na fase ortodoxa:
A poesia concreta caminha para a rejeição da estrutura orgânica em prol de uma
estrutura matemática (ou quase-matemática). I. é: em vez do poema de tipo
palavra-puxa-palavra, onde a estrutura resulta da interação das palavras ou
fragmentos de palavras produzidos no campo espacial, implicando, cada palavra
nova, uma como que opção da estrutura (intervenção mais acentuada do acaso e
da disponibilidade intuicional), uma estrutura matemática, planejada anteriormente
à palavra. A solução do problema da estrutura é que requererá, então, as palavras
a serem usadas, controladas pelo número temático. A definição da estrutura que
redundará no poema será o momento exato da opção criativa. A partir daí, a
intervenção da inteligência disciplinadora e crítica se fará com muito maior
intensidade. Será a estrutura escolhida que determinará rigorosa, quase que
matematicamente, os elementos do jogo e sua posição relativa.
(CAMPOS, A; CAMPOS, H; PIGNATARI, 1987, p.96)
Os preceitos da fase ortodoxa da poesia concreta estiveram presentes, posteriormente,
nos trabalhos dos poetas concretos, porém sem a preocupação excessiva com o rigor
dessa fase. Em 1962, inicia-se o período denominado “salto participante”.
1.1.7 - Plano piloto
O plano-piloto para poesia concreta, nome extraído do plano-piloto de Brasília, de
1957, elaborado por Lúcio Costa, foi publicado em 1958, na revista Noigandres
número quatro. Esse manifesto é uma síntese do que é o movimento da poesia
concreta. Para Rogério Camara, no plano-piloto existem dois pontos fundamentais: “1.
o fim do 'ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal)' e a proposição de uma
poesia sem verso; 2. 'o espaço gráfico como agente estrutural.” (2000, P.39).
De forma resumida, o plano-piloto engloba toda a teoria que norteou a poesia concreta.
Nele é declarado o fim do ciclo histórico do verso, a utilização do espaço gráfico como
agente estrutural, o método ideogrâmico e outros procedimentos que os poetas
concretos incorporaram dos seus precursores ou do paideuma eleito por eles. Além
disso, o poema é encarado como uma estrutura dinâmica e verbivocovisual, ou seja, as
palavras não são tratadas apenas como um código que se refere a algo exterior, mas,
25
além do verbal, há um enriquecimento gráfico e sonoro daquelas - trata-se de
estruturas-conteúdo. Tamm é verificada a relação da arte concreta e da música concreta
e eletrônica (Webern, Boulez e Stockhausen). Na poesia concreta são aplicadas as leis da
Gestalt, bem como o isomorfismo entre forma-fundo e tempo-espaço, e a tendência à
substantivação e à verbificação, principalmente, na fase ortodoxa. No plano-piloto, o
movimento da poesia concreta é dividido em duas fases: a fase orgânica, onde predomina
a fisiognomia, a forma orgânica e a fenomenologia da composição; e a fase matemática,
de caráter estrutural, onde predomina a forma geométrica e a matemática da composição.
Os poetas concretos pretendiam com essas técnicas elaborar uma poesia real, que fosse
contrária à poesia subjetiva dos poetas que os precederam: a Geração de 45.
O plano-piloto termina com a frase de Maiakovski: “sem forma revolucionária não há
arte revolucionária”. Apesar disso, muitos críticos consideraram os poetas concretos
apáticos durante o momento político.
1.1.8 - Fase participante
A fase participante ou “salto participativo” teve início com a publicação dos poemas
Cubograma, de Augusto de Campos; Servidão de Passagem, de Haroldo de Campos,
e stèle pour vivre nº 3, de Décio Pignatari. Esses poemas foram publicados em 1962,
na Revista Invenção. Haroldo de Campos opta em Servidão de Passagem pelo retorno
ao verso, porém contaminado com a poesia concreta. O poeta preferiu acentuar mais
os aspectos sonoros do texto do que os visuais ou espaciais. O poema stèle pour vivre
nº 3 não aborda de forma direta a temática política, apenas Augusto de Campos
incorpora com maior força essa temática através de poemas como Greve, de 1961,
Cubograma, de 1960-1962 e, posteriormente, os Popcretos, de 1964-1966. Em
Cubograma, o poeta retoma o uso da cor, porém agora com conotações simbólicas:
verde para Brasil, vermelho para Cuba, vermelho e azul para os Estados Unidos.
Segundo Gonzalo Aguilar:
O poema possui, claramente, duas orientações: em direção ao passado, reassegura
e reafirma a poesia visual, espacial e gestáltica, que distinguia os poetas
concretos, e, em direção ao presente, responde de um modo direto à demanda
de compromisso e participação poética que tinha como horizonte teleológico a
Revolução Cubana. Porém, a pressão da atualidade acaba desequilibrando o
poema em favor do conteúdo semântico, uma vez que o poeta incorpora essa
demanda: o verde, considerado em Poetamenos em sua vibração cromática,
adquire conotação nacionalista; a palavra de ordem - em função de seu poder
epigramático - adquire uma coloração antiimperialista, mas nem a poesia nem a
política terminam ganhando muito ao se encontrar. (2005, pp. 96-97)
Os poemas de Augusto de Campos serão abordados detalhadamente na segunda parte
deste capítulo.
26
1.1.9 - Fim do movimento
Devido à própria situação política do País na década de 1960, a fase participante teve
curta duração: já em 1964, os poetas voltam-se a projetos fora do movimento da poesia
concreta. Em 1960, dão início ao trabalho de tradução dos poetas que compõem o
paideuma concreto, como Pound e cummings. Em 1962, publicam a tradução de
Finnegans Wake, de Joyce. Além da publicação das traduções, Augusto e Haroldo de
Campos preocuparam-se em desenvolver teorias sobre a tradução de textos poéticos.
Haroldo de Campos desenvolveu esse projeto de forma detalhada em vários textos
críticos, conferências e aulas, onde foi possível elaborar uma teoria sobre a tradução
poética ou transcriação, teoria que será abordada no último capítulo deste trabalho.
Outra preocupação dos poetas concretos foi trazer ao conhecimento do público
importantes nomes da poesia brasileira, porém, desconhecidos. Em 1964, Haroldo e
Augusto de Campos lançam o livro Revisão de Sousândrade, no qual o poeta José
Joaquim Sousândrade é resgatado da incompreensão.
Haroldo de Campos publica pela primeira vez as Galáxias em 1964, no número quatro
da Revista Invenção. Galáxias é um conjunto de textos que elimina a diferença entre
poesia e prosa, um projeto que começou em 1963, um ano antes da primeira publicação
parcial, e só terminou em 1976.
Décio Pignatari e Luiz Ângelo Pinto
iniciam, em 1964, os poemas
semióticos, em que utilizam chaves
léxicas para compor o poema.
Posteriormente, Décio se dedicou à
experimentação em prosa.
Dos poetas concretos, Augusto de
Campos foi o que esteve mais
próximo dos tropicalistas, através de
textos em jornais sobre o
Tropicalismo, além da troca mútua
entre Augusto e Caetano Veloso
como a musicalização de poemas concretos do poeta.
Augusto de Campos continuou a criar poemas concretos a partir da utilização das
tecnologias mas sempre traduzindo isso esteticamente. Iremos tratar da poesia de
Augusto de Campos mais detalhadamente na segunda parte deste capítulo.
O fim do movimento da poesia concreta coincide com a último número da Revista
Invenção de 1967. Neste número da revista, os poetas concretos publicaram um
manifesto sem título. É visível a influência do tropicalismo nesse texto e também o
sentimento de término do movimento da poesia concreta.
27
poema semiótico, Luiz Ângelo Pinto.
1.2 - A poética de Augusto de Campos
Na tentativa de compreender a poética de Augusto de Campos, dividimos o texto a
seguir em subtextos que relacionam o poeta a diversas artes, como a pintura e a música,
aos meios de comunicação, à cidade e às novas tecnologias. É latente o fato de Augusto
de Campos, durante todo o seu percurso poético, ter dialogado com vários meios e
formas de expressão.
Devido à interpenetração verbivocovisual nos poemas de Augusto de Campos e de
vários modos de fazer poesia, a separação do texto em subtextos, a seguir, não se dá de
forma rígida e estagnada, pois há uma inter-relação entre esses textos.
1.2.1 - Poesia e verso
A estréia de Augusto de Campos como poeta aconteceu em 1949. À época, Augusto,
então com 18 anos, publicou seus primeiros poemas na Revista Novíssimos, vinculada
ao Clube da Poesia de São Paulo, da Geração de 45. Os poemas dessa primeira fase
denunciavam sua afinidade com a poética de João Cabral de Melo Neto, poeta
incorporado ao paideuma concreto.
Em 1951, Augusto de Campos publica seu primeiro livro, O Rei Menos o Reino, que
reúne poemas em verso de 1949 a 1951. Ainda em verso, Augusto de Campos publica
O Sol por Natural, poemas datados de 1950 a 1951, Ad Augustum Per Angusta, de
1951 a 1952, e Os Sentidos Sentidos, de 1951 a 1952. Os dois primeiros poemas foram
publicados, inicialmente, na revista Noigandres número um, de 1952, e na Antologia
Noigandres, de 1962, já Os Sentidos Sentidos foi somente publicado em livro em 1979,
na coletânea Viva-vaia.
Em O Rei Menos o Reino, Augusto de Campos define alguns dos princípios utilizados
em seu projeto poético: a negatividade, a ausência e a subtração como modo de
enfrentar os novos discursos. Essa negação é recorrente em todo o percurso poético de
Augusto de Campos e, com o tempo, torna-se uma ferramenta afirmativa de um desejo
de mudança - neste caso, de não considerar o verso como única forma poética.
Nos primeiros poemas de Augusto de Campos dessa fase verifica-se um progressivo
esvaziamento do sujeito lírico. Desde o título de seu primeiro livro, O Rei Menos o
Reino, a existência do sujeito lírico já é bastante problemática, definindo-se pela
ausência de um espaço, em um não-lugar. Também podemos verificar que o “eu”
continua sendo o ponto em torno do qual o poema se organiza, devido à freqüência
com que se utiliza o próprio pronome. Além disso, os verbos são conjugados na
primeira pessoa do singular.
O poema O Sol por Natural é construído em torno da figura de Solange Sohl. Ao longo
dele, acontece a transformação da figura humana em animal. Essa transformação
28
acontece através do emprego de: pomba sonora, de ouro andorinha, versos como
vermes, ave de ouro, leoa sobre-humana, etc.
Solange Sohl na verdade é um pseudônimo de Patrícia Galvão, a Pagu. Esse
pseudônimo foi utilizado em um poema de 1948, intitulado por Natureza Morta e
publicado no Suplemento Literário do Diário de São Paulo. O Sol por Natural teve
como inspiração o poema de Patrícia Galvão, porém sua identidade só foi revelada
após a sua morte, em 1963, por Geraldo Ferraz.
Em Os Sentidos Sentidos, 1951 a 1952, percebe-se a incorporação de alguns
procedimentos pertencentes aos poetas do paideuma concreto como: palavras-
portmanteau de Lewis Caroll através de Joyce (bathbreathbanho, aromaterna),
fragmentação das palavras de cummings (ex hausto), espacialização do poema de
Mallarmé (O poeta ex pulmões), porém a espacialização ainda se dá de forma ordenada.
Além disso, o poeta utiliza o sinal gráfico de parênteses na formação de tmeses (cortes),
e a utilização de palavras em outras línguas como o inglês, o francês e o espanhol.
Em O poeta ex pulmões há um salto qualitativo onde os processos de perda, cisão,
dobra e redobra, encontrados nos poemas dessa fase pré-concreta, passam do nível
temático para o nível formal. Apesar desse poema não possuir o recurso da cor, ele
antecipa as principais características encontradas em poetamenos: a fragmentação e
fusão das palavras, o plurilingüísmo e o argumento amoroso. Lygia, esposa do poeta,
que será o principal tema de poetamenos, já aparece nos poemas que fazem parte da
série Os Sentidos Sentidos.
29
O poeta ex pulmões.
Segundo Maria Esther Maciel, há uma solidificação progressiva entre o verso e a forma
que irá culminar em poetamenos:
Da fluidez do verso à geometria das formas, da sintaxe à parataxe, da plasticidade
à visualidade, percebe-se uma progressiva redução da matéria à sua essencialidade,
ao seu mínimo mais concentrado. Um processo que condiz, portanto, com os
sentidos da partícula de composição 'angusti-' (do latim angustus), que aponta
para 'estreitamento', 'redução', 'compressão'.(MACIEL apud SÜSSEKIND;
GUIMARÃES, 2005, p.134)
1.2.2 - poetamenos
Em 1897, Mallarmé, no prefácio de Un Coup de Dés, escreveu:
Ajunte-se que deste emprego a nu do pensamento com retrações, prolongamentos,
fugas, ou seu desenho mesmo, resulta, para quem queira ler em voz alta, uma
partitura. [...] Sua reunião se cumpre sob uma influência, eu sei estranha, a da
música vivida em concerto; encontrando-se nesta muitos meios que me parecem
pertencer às Letras, eu os retomo. (MALLARMÉ apud CAMPOS, A., CAMPOS,
H., PIGNATARI, 2002, pp. 151-152)
Augusto de Campos retoma o trabalho de Mallarmé na série poetamenos, de 1953,
incorporando a cor aos poemas e tendo como ponto de partida a Klangfarbenmelodie
(melodia de timbres) de Arnold
Schoenberg. Embora a
“melodia de timbres” tenha
sido idealizada por Schoenberg,
foi Anton Webern o primeiro e
o mais radical praticante dessa
espécie melódica.
No texto que abre a série de
poemas, Augusto de Campos
esclarece o termo cunhado por Schoemberg: “uma melodia contínua deslocada de um
instrumento para outro mudando constantemente sua cor.Augusto também fala sobre
os instrumentos que utilizou nos poemas: “frase/palavra/sílaba/letra(s), cujos timbres
se definam p/ um temá gráfico-fonético ou 'ideogrâmico'.” (CAMPOS, A., 2000, p.65)
Apesar de ter sido escrito em 1953, poetamenos só foi publicado em 1955, na segunda
edição da revista Noigandres - nessa edição o poema ainda não utilizava a fonte
tipográfica Futura Bold. Antes da publicação na revista Noigandres, os poemas dessa
série eram reproduzidos de forma artesanal com o auxílio de uma máquina de escrever
e carbonos coloridos. Em 1954, o poeta inscreveu os poemas no Concurso da
Biblioteca Mário de Andrade, porém sem êxito. No mesmo ano, Décio Pignatari, com
Damiano Cozzela e outros músicos, promoveu a leitura de alguns poemas da série a
30
Webern. Quarteto para Violino, Clarineta, Sax Tenor e Piano.
quatro vozes no “V Curso Internacional de Férias de Teresópolis”. Em 1955, no Teatro
de Arena em São Paulo, o grupo Ars Nova interpretou, dirigido por Diogo Pacheco e
supervisionado por Augusto de Campos, uma leitura a várias vozes de lygia fingers, eis
os amantes e nossos dias com cimento com a projeção de diapositivos (filme positivo).
Segundo Gonzalo Aguilar: “... refutavam-se as críticas centradas na impossibilidade de
oralização dos textos. Os poetas responderam com um portemanteau joyceano: a
poesia é verbivocovisual” (2005, p.288).
Três poemas da série foram reimpressos na antologia Noigandres 5, de 1962. Em 1979,
a série completa de poetamenos foi publicada novamente na antologia poética Viva-
vaia, de Augusto de Campos.
Em 1973, foi publicada a segunda edição de poetamenos, porém em projeto individual,
já que, em 1955, a série dividia espaço na revista Noigandres com outros poemas de
Haroldo de Campos. Nessa edição comemorativa de 20 anos, houve uma revalorização
de poetamenos, através da versão oralizada do poema dias dias dias feita por Caetano
Veloso e pelo interesse de Hélio Oiticica sobre os poemas. Em 1975, a versão do
poema dias dias dias feita por Caetano foi incorporada ao livro Caixa Preta, concebido
em parceria com Julio Plaza. Sobre o trabalho de Caetano Veloso nesse poema,
Augusto de Campos comenta:
“Dias dias dias” foi gravado em 1973, vinte anos depois de feito o poema, num
estúdio improvisado por Caetano em sua casa em Amaralina. Ele diz, canta e se
acompanha ao piano elétrico. O que é espantoso é que eu nunca conversara com
Caetano sobre como se deveria ler o poema, que é impresso em várias cores, cada
uma correspondendo a uma voz diferente. Apenas lhe dissera que aí estavam (na
minha cabeça) Lupicínio e Webern (de quem ele só ouviu o “Quarteto para
Saxofone” em minha casa). E ele me fez essa surpresa: ler o poema que muitos
julgavam ilegível, vinte anos depois. Uma leitura impecável, a várias vozes,
embutida em “Volta” de Lupicínio, webernizada, transformada em melodia de
timbres com o uso dos pedais do piano, e espacializada com muitos silêncios de
tal sorte que você só reconhece a melodia no final.(Entrevista cit. por SANTAELLA,
1986, p.23)
poetamenos é uma “confluência de influências”. Na série, dialogam a música de
Webern, a música popular de Lupicínio, a pintura concreta e suas cores, a
espacialização de Mallarmé, a fragmentação de cummings, o ideograma de Pound, as
fusões de palavras de Joyce e o plurilingüísmo.
A série é formada por seis poemas: poetamenos, paraíso pudendo, lygia fingers,
nossos dias com cimento, eis os amantes e dias dias dias, que foram escritos entre
janeiro e julho de 1953. Os poemas trabalham com a alternância, o contraste e a
complementariedade entre as três cores primárias (azul, amarelo, vermelho) e as três
cores secundárias (laranja, violeta, verde). O uso simbólico das cores é secundário em
relação ao efeito retiniano conseguido por seu emprego estrutural, como o da pintura
31
concreta. Segundo Gonzalo Aguilar: “o valor das cores é
autônomo e estrutural: o sentido de cada uma está na combinação
que estabelece com as outras cores do poema (contraste,
parentesco, vibração, gradação).” (2005, p. 291). O elemento
básico de toda a série é a investigação da relação entre som e cor
na composição poética. Também podemos perceber que, além do
português, o poeta utiliza seis idiomas diferentes em toda a série:
alemão, latim, italiano, inglês, francês e espanhol.
Apesar do foco principal estar na utilização das cores primárias
e secundárias, o branco se faz presente como figura. Além do
branco da página ventilar o texto, dar a espacialidade à frase e
às palavras, e, em determinados momentos, orientar a leitura, ele
também é um elemento formal da ausência abordada
semanticamente no poema.
A série é iniciada pelo poema poetamenos grafado na cor
primária amarelo e na secundária violeta - dos seis poemas da
série é o único alinhado à esquerda. A explicação para essa
diagramação vem da temática da ausência da amada e da
angústia do poeta frente a essa condição. A intenção do poeta é
dar ao poema a forma de uma rocha, matéria bruta a ser
trabalhada por ele.
32
paraíso pudendo.
poetamenos.
Em paraíso pudendo, o poeta utiliza quatro cores: três primárias (azul, vermelho e
amarelo) e apenas uma secundária (verde). É forte a referência a Canção do Figueiral,
um poema que remonta à época da invação moura na Península Ibérica e narra a
façanha do valente D. Guesto Ansur que derrotou com um ramo de figueira um grupo
de soldados que escoltavam donzelas que seriam entregues aos mouros (“No figueiral
figueiredo / a no figueiral entrey, / seis ninas encontrara / seis ninas encontrey,”). O
paraíso pudendo fala da união dos corpos (“pubis”, “braços”, “pênis”, “joelhos”).
lygia fingers é formado por cinco cores: três primárias e duas secundárias (verde e
violeta). Na composição, o poeta utiliza palavras e expressões em inglês, italiano,
alemão e latim, criando jogos como “finge” e “fingers” (dedos). “Lynx”, que significa
em inglês lince, pode ser lido como links (ligações). Em alemão “lynx” ganha o
significado esquerda (nota-se que a palavra “lynx” aparece duas vezes alinhada à
esquerda). Também no poema, aparece a palavra “felyna” que possui significado
parecido com “lynx”. Outra expressão em alemão que está presente no poema é “so
lange so” (o significado aproximado é “muito tempo”) que remete a Solange Sohl,
tema do poema O Sol por Natural, outra figura feminina nos textos de Augusto de
Campos. A palavra italiana “gia” (já) liga-se a “ly” formando o nome da amada. O
nome “lygia” está espalhado por todo o poema e é grafado na cor vermelha, Lygia ao
mesmo tempo que é a mulher, é também a figlia (filha), a mãe e a sorella (irmã) no
poema. Isso, de certa forma, representa a ubiqüidade da amada no poema. Em carta a
Ferreira Gullar e, posteriormente, publicado no livro Poesia, Antipoesia, Antropofagia,
Augusto de Campos comenta esse poema:
33
lygia fingers.
o poema lygia fingers, mencionado por Gullar, era uma representação ideogrâmica
do tema da mulher amada, realizado através da justaposição associativa e
cumulativa de substantivos (mãe, figlia, sorella) ao adjetivo felina e suas
variações semânticas (fingers, digital, dedat, grypho, lince); a palavra lygia
(nome próprio de mulher) era reiterada fragmentariamente ou sob a forma de
anagrama no corpo de outras palavras (fe-ly-na) (figlia) (only) (lonely), para
dar um efeito de ubiqüidade à presença feminina, culminando na última letra do
poema, l, que remetia como um da capo musical, circularmente, ao começo. [...]
É uma forma de grafia dinâmica, a abreviatura. [...] a letra (l) funcionava como
redução dinâmica, como abreviação semântica e sonora a que o leitor era
conduzido sem dificuldade pela reiteração, sublinhada ainda pelo uso da cor
vermelha. [...] o elemento significação de minha poesia; procuro dinamizá-lo
dentro de uma estrutura verbivocovisual onde atuem em toda a sua extensão,
com o máximo de rendimento possível os elementos todos do poema. (1978, pp.66-67)
O poema nossos dias com cimento utiliza cinco cores, assim como lygia fingers, só que
de forma invertida: duas cores primárias (vermelho e amarelo) e três cores secundárias.
É o único poema da série que aborda a cidade, diferente da poesia concreta onde a
presença urbana se dá isomorficamente, a cidade em nossos dias com cimento existe
como cenário: “cubos”, “cimento”, “mendigos”, “bancos da praça”. Além disso, a
representação do espaço acontece através de fragmentos da cidade. A palavra
34
nossos dias com cimento
“mendigos” é recorrente no texto e aponta para o substantivo men (homens), assim
como a palavra “menos” que faz parte do mesmo “timbre” da cor vermelha.
Em eis os amantes, assim como em poetamenos, o eixo é determinado pelo poeta, no
caso desse poema, o eixo é central à página. O poema é formado por duas cores: o azul
e o laranja (cor complementar). O tema é o mesmo de The Extasy, de John Donne
(1572-1631): a dialética se expressa nas palavras que se fundem ou se separam. A
palavra é o corpo do outro, “cimaeu baixela” e o poema encena, espacial e
cromaticamente, a fusão dos amantes. A fusão acontece através do método de
palavras-portmanteau de Joyce, entre a “fragmentos-sementes”.
dias dias dias é o único poema da série a utilizar todas as seis cores. O poema tem como
tema o amor e a ausência da amada. O meio que articula os fragmentos desse amor e
ausência é a memória. Há duas referências diretas em dias dias dias: “os dias na
esperança de um só dia”, de Luís Vaz de Camões (1524-1580), em Sete Anos de Pastor;
e, “Oh! se me lembro! e quanto!” de Luís Guimarães Júnior (1847-1898), um sonetista
parnasiano, o que indica uma certa ironia na presença desta referência no poema. Uma
das últimas linhas do poema consiste na transcrição de um telegrama cifrado: “Urge t g
b sds vg filhazererdo pt”, a afirmação de Gonzalo Aguilar é de que o poema se originou
“em uma carta que Augusto de Campos enviou à sua então namorada Lygia Azeredo
(hoje sua esposa), em 20 de julho de 1953 (a carta-poema, nesta primeira versão não-
colorida, foi escrita nos dias 18 e 19 daquele mês)”. (2005, p. 296)
35
eis os amantes
Em entrevista ao Diário de São Paulo de 1976, Augusto de Campos conta que à época
que escreveu poetamenos, entrou em contato com Abraham Palatnik (artista cinético)
para associar os seus poemas ao trabalho do artista plástico, porém não obteve
resposta. Segundo Antonio Risério, o texto introdutório de poetamenos denuncia a
carência tecnológica: “mas luminoso, filmletras, quem os tivera!” Talvez a falta de
recursos tecnológicos seja um dos motivos que levou Augusto de Campos a renunciar
temporariamente (fase do movimento da poesia concreta) à poética de poetamenos.
Somente após o fim do movimento concretista, o poeta retoma as experimentações
iniciadas em 1953. De acordo com Risério:
Curiosamente, a poesia concreta brasileira não tomou o rumo aberto pelo
Poetamenos. Pelo contrário, cristalizando-se numa ortodoxia, a “matemática da
composição”, o concretismo: a) optou pelo geometrismo, pela construção
“abstrata” do texto - e essa alta precisão geométrica na distribuição do material
verbal descartava a assim chamada forma “orgânica”, então indigitada como
“subjetivista”; b) colocou em primeiro plano a integridade da palavra, lateralizando
a fissão ou a atomização vocabular a Cummings; e c) elegeu a uniformidade
tipográfica, em detrimento da pesquisa e do emprego criativos das 'formas de
escritura mais variáveis', imaginadas por Benjamin. (1998, p.98)
36
dias dias dias
1.2.3 - Poesia e pintura
O diálogo entre poesia e pintura no
trabalho de Augusto de Campos começa
com a série poetamenos e se estende por
toda a trajetória do poeta. É nítida a
influência de Piet Mondrian nesses
poemas, que podem ser comparados com
seu Broadway Boogie-Woogie (1942-43).
Mondrian utilizava em suas composições
as cores primárias, assim como os
poemas dessa fase. Também chamaram a
atenção do poeta as idéias de Wassily
Kandinsky sobre a aproximação da
pintura com a música.
No período em que o poeta participou do movimento concretista, a cor foi abolida de
seus poemas. Ela só retornaria em 1965, no poema Luxo, no qual as letras são
impressas em dourado. Porém, a falta de cor não significou um afastamento do
convívio com os pintores concretos, muitas foram as contribuições recebidas desses
pintores nessa época. De acordo com Augusto de Campos:
Do intenso convívio com os pintores concretos de São Paulo, especialmente com
Fiaminghi, surgiram os poemas-cartazes de 56 e as edições de NOIGANDRES,
INVENÇÃO e outros livros e poemas-livros em novos moldes gráficos visuais.
A interação poeta/artista plástico se tornava cada vez mais urgente para nós,
embora trabalhássemos cada vez mais sozinhos, orientando e diagramando, nós
próprios, poemas e livros. (CAMPOS apud SANTAELLA, 1986, p. 69)
Os poetas concretos tinham Alfredo Volpi como um “membro de honra do grupo
concreto” (BANDEIRA; BARROS, 2002, p. 24). A capa da edição comemorativa de
10 anos do movimento, Antologia
Noigandres 5, foi realizada sobre um
quadro do pintor. Volpi também era
admirado pelos artistas concretos do
Grupo Ruptura, que juntamente com os
poetas concretos, promoveram a
Exposição Nacional de Arte Concreta, em
1956. Nessa exposição, os concretistas
brasileiros homenagearam o pintor.
O Suprematismo de Kazímir Maliévitch
teve grande importância nos poemas de
Augusto de Campos. A partir dos
37
Broadway Boogie-Woogie.
Walfischesnachtgesang.
Stelegramas (1975-1978) o poeta começa a explorar a composição de poemas em
fundo negro. São poemas dessa série: Inseto (1977), O Quasar (1975), O Pulsar
(1975), Memos (1976), Po a Poe (1978) e Tudo está dito (1974). Porém, foi em
Walfischesnachtgesang (Cançãonoturmadabaleia), de 1990, que Augusto de Campos
explorou plenamente os conceitos criados por Maliévitch.
A 'Canção Noturna' convoca dois artistas vanguardistas da Rússia de princípios
do século XX: o construtivista Alexandr Rodchenko (1891-1956) e o suprematista
Kazimir Maliévitch (1897-1935), e as duas linhas ('a brancura do branco' e 'a
negrura do negro') fazem referência a uma polêmica que existiu entre eles no final
da década de 1910. (AGUILAR, 2005, p. 299)
A influência desses pintores nos textos de Augusto de Campos é, muito provavelmente,
um dos motivos da aproximação do poeta com as “artes visuais” após a fase concreta.
1.2.4 - Augusto de Campos e a poesia concreta
A anulação da subjetividade, que existia em poetamenos, foi o ponto principal do
programa concreto. Os poemas de Augusto de Campos escritos na fase estritamente
concretista, entre 1954 e 1960, hoje estão reunidos na seção ovo novelo de Viva vaia.
Uma das formas encontradas pelos poetas concretos para anular a subjetividade foi a
padronização da tipologia empregada nos poemas. De acordo com Antonio Risério, a
escolha pela tipologia Futura não foi por acaso:
O tipo futura é perfeito no contexto da semiótica concreta porque ambos habitam
um mesmo campo magnético: a moderna estética construtivista que se armou em
resposta às novas realidades criadas pela expansão da sociedade urbano-industrial
de massas. É um tipo nascido em meio ao funcionalismo bauhausiano, letra
industrial projetada para a produção pesada de livros. Desse modo, no âmbito
concretista, letra e texto como que se fundem, solitários, apresentando-se como
exemplo de 'isomorfismo', para usar a expressão química sistematicamente
empregada pelo grupo noigandres. A futura (apesar de 'bold') concorria para o
caráter limpo, objetivo e impessoal que se queria para o texto. (1998, p.100)
Entre os poemas de Augusto de Campos da fase ortodoxa da poesia concreta, o poema
Tensão, de 1956, se destacou dos demais poemas, pois conseguiu realizar plenamente o
projeto concreto. Tensão é um dos poemas de maior densidade sonora e estrutural. O
poema apresenta uma forma espelhada, a partir de um eixo central: “ten / são”. O que
caracteriza o poema é a quadrícula (forma utilizada durante a “fase matemática” pelos
concretos), a possibilidade da leitura geométrica e a exploração das intersecções sonoras.
A tipologia Futura facilita o uso das paronomásias no poema: com/cam, tem/tam/tom.
Com um mínimo de palavras e letras, o poema possibilita a existência de diversos
sentidos. Palavras com o mesmo número de letras desdobram-se, formando pequenos
blocos quadrangulares que, juntos, estruturam um bloco maior. A letra “t” (graças a sua
38
tipologia) acentua a quadrícula do
poema e o valor nodal do “t” como
vínculo espacial entre os elementos.
A tensão age no próprio poema, ou
seja, ela é o poema.
Na fase participante, Augusto de
Campos dá os primeiros sinais da
superação da rigidez encontrada na
fase ortodoxa. No poema Greve, de
1961, incluído no segundo número
da revista Invenção, o poeta utiliza
duas páginas, uma sobreposta a
outra: a primeira é translúcida,
permitindo a visualização parcial da
página seguinte. O princípio
construtivo do poema é o ruído. A
página de fundo atrapalha a leitura
da primeira página. Essa “página-
fundo” é formada pela palavra
“greve” em caixa-alta repetida várias
vezes de forma organizada. Na
“página-frente”, o poema retoma o
verso (redondilhas maiores), com
ritmo que varia de verso a verso. O
último deles, ao contrário dos
demais, é formado por três palavras
e, na oralização do poema, percebe-
se que a palavra “greve”, grafada na
outra folha, se encaixa perfeitamente
neste último verso. No verso grita
grifa grafa grava, o poeta utiliza o
mesmo sistema de interpolações dos
Doublets (1880), de Lewis Carroll.
“Onde as palavras opostas devem
ser obtidas com o menor número de palavras interpostas diferindo de si por uma
letra.” (CAMPOS, A., 1986, p. 125)
Greve está em consonância com os distúrbios sociopolíticos brasileiros da década de
1960, e também, pode ser interpretado como a negação do verso através do ruído que
39
Tensão.
Greve.
a página de fundo provoca no poema e do próprio significado da palavra “greve”.
O poema ainda guarda referências a Mallarmé, conforme o próprio Augusto de
Campos esclarece no texto de introdução às traduções do poeta francês:
É significativo que Mallarmé, para definir o seu marginalismo de poeta, tenha ido
buscar não uma metáfora aristocrática como a da 'torre de marfim', mas uma
expressão extraída do vocabulário econômico-social: a palavra 'greve', emblemática
da luta de classes. 'A atitude do poeta em uma época como esta, onde ele está em
greve perante a sociedade' - diz Mallarmé na sua resposta à enquête de Jules Huret
- 'é pôr de lado todos os meios viciados que se possam oferecer a ele. Tudo o que
se lhe pode propor é inferior à sua concepção e ao seu trabalho secreto'. (2002, p.27)
Em Cubograma (1960-62), Augusto de
Campos amplia a técnica usada em
poetamenos, incorporando o formato
cartaz ao uso de cores e à
espacialização. No poema, lê-se:
“CUBA / SIM / IAN / QUE / NÃO”,
em letras vermelhas, também
compõem o poema palavras e
fragmentos em outras cores e
tamanhos menores que perfazem
motivos secundários, como em Un
Coup de Dés, de Mallarmé. Há um
salto em relação à tipologia Futura,
dessa vez pondo outras sem-serifa
usadas normalmente em jornais.
Para Augusto de Campos, “a poesia
concreta criou patterns ou modelos de
estruturas não-sintáticas, parassintáticas,
ou quase-sintáticas, mostrando que era
possível, através dessa rebelião e dessa liberdade, explorar novos meios de
comunicação, de emoção e de conhecimentos poéticos.
1
A partir da fase participante, com a utilização da folha translúcida sob a folha em
Greve, do formato cartaz em Cubograma, Augusto de Campos encaminhou-se para
uma maior valorização dos materiais na criação dos poemas, explorando o jornal, o
uso de cores, as novas tecnologias disponíveis, etc.
40
Cubograma.
1
Entrevista para o Suplemento Literário de Minas Gerais em 29/09/84.
1.2.5 - Poesia e música
A música sempre esteve presente no trabalho de Augusto de Campos. Desde os
primeiros poemas, o poeta se preocupou com a projeção sonora dos textos. Ainda em
1952, o poeta manteve contato com os músicos da Escola Livre de Música, fundada e
dirigida por Hans-Joachim Koellreutten. Dois anos depois, é igualmente significativo
o encontro com Pierre Boulez, na ocasião em viagem a São Paulo.
São exemplos dessa relação entre poesia concreta e música, as oralizações de alguns
poemas da série poetamenos feita pelo conjunto Ars Nova e da oralização feita por
Caetano Veloso de dias dias dias (já mencionadas no subcapítulo 1.2.2).
Caetano também oralizou outro poema de Augusto: o pulsar, de 1975. As duas
oralizações foram incluídas na primeira edição da antologia Viva vaia, de 1979, e
Caixa Preta, de 1975, em vinil “compacto duplo”.
Houve uma troca mútua entre o Tropicalismo, na figura de Caetano Veloso, e Augusto
de Campos. Procedimentos verbivocovisuais da poesia concreta aparecem em
composições do músico, como Araçá Azul. O poeta foi o primeiro, em 1968, a registrar
a conjunção entre Tropicalismo e Antropofagia. Esse fato, de certa forma, ligava os
poetas concretos aos músicos tropicalistas. Augusto de Campos também foi um grande
aliado dos tropicalistas, promovendo-os em artigos críticos que escrevia para jornais
da época.
Caetano também inspirou um dos trabalhos mais conhecidos de Augusto de Campos:
o “logotipo-poema” Viva vaia, de 1972. Esse poema tem como tema a apresentação do
músico no Festival de Música, de 1968, onde o público presente reagiu com
agressividade à música de Caetano.
Outras referências importantes na poesia de Augusto de Campos são: Anton Webern e
John Cage. Webern inspirou a série poetamenos, de 1953 (ver subcapítulo 1.2.2).
No seu texto-crítico Cage: Chance: Change, escrito em 1974 e, posteriormente,
publicado em O anticrítico, de 1986, Augusto de Campos fala da importância do
trabalho de John Cage:
depois que pound morreu
o maior poeta vivo americano
talvez o maior poeta vivo
é um músico
JOHN CAGE
talvez porque não pretenda ser poeta
'eu estou aqui
e não tenho nada a dizer
e o estou dizendo
e isto é poesia'
diz cage
em sua conferência sobre nada (1949)
enquanto os poetas que pretendem dizer tudo
já não nos dizem nada (1986, p. 213)
41
Para Augusto de Campos, Cage “antecipou-se facticamente aos europeus na
compreensão do fenômeno webern”. Essa ligação entre os dois músicos resultou no
profilograma nº 2 HOM'CAGE TO WEBERN, de 1972. Montagem visual dos perfis
desses músicos.
Além da sua produção musical, John Cage escreveu alguns livros com artigos,
conferências e pensamentos. Tais materiais são considerados por Augusto de Campos
como “livros-mosaicos”, pois são diagramados de forma inusitada. O músico começa,
em 1950, a desenvolver sua teoria da indeterminação em música através do I Ching,
uma espécie de oráculo chinês. Mediante as operações de acaso a partir do I Ching
compôs, em 1952, Music of changes, com sons e silêncios distribuídos casualmente.
A música indeterminada de Cage influenciou a poesia de Augusto de Campos:
Mais tarde, já nos anos 60, as idéias de música indeterminada de Cage, [...]
influíram, na minha decisão de incorporar o acaso aos procedimentos de
elaboração do poema. É o que acontece com Acaso e Cidade, ambos de 1963. O
primeiro, que faz do acaso o seu próprio tema, foi composto com todas as
permutações possíveis das letras dessa palavra, liberando assim o controle
semântico do texto; no segundo, as palavras terminadas em cidade foram
simplesmente arroladas em ordem alfabética, e depois reduzidas, por um segundo
critério arbitrário (o da identidade da grafia em português, francês e inglês) ao
formato final do poema. Nesses dois exemplos, no entanto, não há indeterminação
absoluta, e sim, um balanceamento entre o acaso e a razão semântica, que acabam
direcionando o poema. Esse é também o caso de poemas posteriores, como
Memos, em que eu sobreponho duas leituras, uma ordenada, pregnante, e outra,
caótica, em caminho-de-rato, que se abre à exploratória casual. À parte disso,
vários dos meus trabalhos se referem expressamente a Cage, em homenagem:
Hom'cage to Webern, Pentahexagrama para John Cage, Todos os Sons.
(CAMPOS, A., 1998, p. 143)
Balanço da bossa (e outras bossas), 1968-1974, reuniu seus estudos sobre o
Tropicalismo e a MPB, assim como as suas intervenções no campo da música
contemporânea através de Charles Ives, Webern, Schoenberg e os compositores
brasileiros do grupo Música Nova. Ensaios posteriores enfocando a música e a poesia
de Cage e as obras radicais de Varèse, Webern, Erik Satie, Scelsi, Luigi Nono,
Ustvólskaia, entre outros, foram recolhidos no livro Música de Invenção, de 1998.
Em 1995, Augusto de Campos com seu filho, Cid Campos, lançam o CD Poesia é Risco,
uma coletânia poético-musical composta por 30 peças, entre poemas de Augusto, de
cummings, Blake, Joyce e Rimbaud, recriados por ele, O Verme e a Estrela, de Pedro
Kilkerry, e um samba composto por Eurico de Campos, pai do poeta. Segundo Ricardo
Aleixo, a contribuição de Cid Campos, neste projeto, está na “confecção de intrincados
tecidos sonoros, o contraponto ideal para a leitura de textos mais 'discursivos', como o
Barco Bêbado, de Rimbaud, e, por outro, retrabalhar eletronicamente, sobre vigorosas
bases rítmicas, as oralizações de poemas de desenho mais radical.
2
42
2
Suplemento Literário de Minas Gerais, julho de 1996.
As técnicas não-convencionais de vocalização empregadas em Poesia é risco revelam
a insólita musicalidade que se oculta nos poemas tipográficos.
O trabalho do poeta com Cid Campos testemunha a continuidade da presença da
música na sua poesia.
1.2.6 - Poesia e jornal
A série popcretos é composta pelos poemas Olho por olho, SS, O anti-ruído,
Goldweater e Psiu!, com exceção do último, produzido em 1966, os demais foram
escritos em 1964 e expostos na Galeria Atrium juntamente com trabalhos de Waldemar
Cordeiro, em dezembro do mesmo ano. A temática desses poemas, principalmente Olho
por olho e Psiu!, vem de encontro ao momento de incerteza política no País.
Os popcretos são poemas
que combinam imagens e
ícones que o poeta extrai dos
jornais e revistas. Os poemas
remetem aos ready-made de
Duchamp e as colagens
de Kurt Schwitters. A
insatisfação do poeta ante os
recursos tipográficos da
época fez com que ele
procurasse novas formas de
expressão. Assim, o poeta
deu início ao trabalho com
os recortes de jornais e
revistas. Apesar dos
resultados técnicos serem
precários, o poeta tinha a sua
disposição um imenso
parque gráfico.
Com os popcretos, o poeta
se viu diante de novas
possibilidades, que não existiam na poesia concreta ortodoxa. A poesia concreta perdia
aquela imagem de algo puro, da fase anterior, incorporando uma visão mais caótica e
mais próxima à de Oswald de Andrade. Segundo Risério:
Mas foi o próprio Augusto de Campos quem se encarregou de romper, nesse
particular, o cerco ortodoxo. De repente, ele deixou a futura na página (e ela fora
43
Olho por olho.
feita para isso mesmo: para o papel, não para as ruas) e avançou em direção às
bancas de revista da cidade de São Paulo. Queria dinamitar a prisão tipológica.
Extravasar em explosão anárquica de letras seu misto de raiva e desespero, num
país que acabara de ser brutalmente trancado por um golpe militar. Nasceram
assim os seus poemas 'popcretos'. Fala o próprio poeta, sempre lúcido em sua
auto-análises: 'Os 'popcretos' correspondem a um momento de crise. Choque
emocional. Insatisfação diante dos limitados meios técnicos de que eu dispunha.
Embora eu não me pretenda um poeta político, talvez não seja fútil acentuar a
época em que esses poemas foram feitos. E recordar que eles foram, quase todos,
expostos, com hipotético risco, em dezembro de 1964, na Galeria Atrium.
Arranquei-os das entranhas dos jornais, que, desde abril, documentavam a
repressão institucionalizada. Estão cheios de signos testemunhais, para quem
souber ler. O 'deboche' tentava ser uma resposta ao contexto e o 'caos' tipográfico
sinalizava, de alguma forma, a sensação de desespero, raiva e impotência que a
situação suscitava. Por outro lado, os jornais e revistas punham ao meu dispor um
imenso parque gráfico: todas as letras do mundo! Depois, reorganizei-me,
emocional e artesanalmente'. Mas o fato é que, tendo rompido a clausura gráfica
imposta pelo
ostinato rigore concretista e provado a liberdade tipológica das
publicações mais típicas da cultura de massa, Augusto de Campos não pôde (e
nem quis) retornar à uniformidade. Por uma coincidência feliz, surgiam naquele
momento a chamada letraset e a fotoletra. (1998, pp.100-101)
1.2.7 - Poesia e tipografia
Com o fim do movimento da poesia concreta, Augusto de Campos iniciou suas
experimentações com tipografias diferentes da Futura Bold. Com exceção do poema
Cubograma, da fase participante da poesia concreta, em que utilizou uma fonte de
jornal, diferente da Futura.
Pouco tempo depois dos popcretos, começaram a ter maior difusão as fotoletras, com
as quais Augusto fez Luxo, de 1965, e os caracteres instantâneos. A Letraset do Brasil
estabeleceu-se por volta de 1968.
A Letraset consiste em letras e desenhos tipográficos variados, que são transferidos para
o papel em decalcomania. Os computadores pessoais tornaram esse sistema obsoleto.
As fontes tipográficas que apresentam um desenho não convencional são classificadas
como “fantasia”. Essas fontes são utilizadas nos poemas de Augusto de Campos,
44
Luxo.
apenas quando existe uma relação entre a forma dessas fontes e o poema. Do contrário,
o poeta utiliza a fonte tipográfica Futura, e suas ramificações, considerada como uma
fonte padrão para os poetas concretos.
As variações tipográficas atuam sobre as dimensões e sobre a forma, modificando o
desenho do poema e sua espacialidade.
O uso de fontes do tipo “fantasia”, pode aumentar o grau de iconicidade do poema. Em
o pulsar, de 1975, a fonte empregada foi a Baby Teeth, criada pelo designer Milton
Glasier. Nessa fonte, a letra “o”, em fundo negro, ganha a forma de um planeta, assim
como o “e” tem a forma de uma estrela.
As fontes tipográficas que simulam o manuscrito podem remeter à dimensão da
individualidade. Assim como as fontes que simulam o datiloscrito, como as utilizadas
nos poemas: chuva oblíqua de maiakóvski (1982), roland (1980) e dp (1987). Podemos
concluir que quanto mais próximo de um resultado artesanal, mesmo que de forma
eletrônica, mais será remetido ao individual, ao Eu. Em Não, último livro de poemas
publicado, o poeta emprega em preposições (1971-1995) procedimentos da escrita
manual, como: riscar a palavra ou rasurar o poema.
Em memos (1976) e todos os sons (1979), a variedade de fontes tem função icônica em
relação à multiplicidade de elementos em jogo nos dois poemas e à complexidade
desses elementos, principalmente, em memos. Nesse poema, as fontes também
45
o pulsar.
representam a caoticidade dos
memos (recados), dificultando,
propositalmente, a tentativa de
apreensão global imediata do
poema, ao mesmo tempo em
que sublinham a idéia de
temporariedade.
O poema Anticéu, de 1984,
possui dois níveis de
percepção: o visual e o tátil.
No primeiro é utilizada a
tipografia Futura Bold, que
parte da cor azul até bem
próximo ao branco do papel,
em um amarelo-claro. A parte
impressa na cor amarelo-claro
é seguida pelos sinais em
braile, formando o nível tátil
do poema. Por meio de um
processo que parece materializar
sensorialmente as quatro linhas
finais do texto: “brancas no
branco brilham / ex estrelas em
braille / palavras sem palavras /
na pele do papel”.
A experiência tátil não ficou
restrita apenas a esse poema.
Dez anos antes (1974), o poeta
juntamente com Julio Plaza,
explorou a interatividade com o
leitor através de objetos
poéticos: os Poemóbiles.
46
anticéu.
memos.
1.2.8 - Poesia e interatividade
A necessidade de estrapolar os limites da página foi um processo gradual no trabalho
de Augusto de Campos. Através do diálogo com artistas plásticos, engenheiros,
músicos, o poeta explorou outras formas de poesia. A interatividade entre texto e
receptor-fluidor nos trabalhos do poeta tornou-se latente com os Poemóbiles, de 1974,
em parceria com Julio Plaza.
Os Poemóbiles são objetos poéticos que, ao serem manipulados pelo receptor, no ato
de abrir e fechar, saltam da página em branco. Ao abrir cada uma das páginas soltas,
as cores-formas vão surgindo como palavras, combináveis, recombináveis, livres no ar,
entre os brancos, vazios do espaço. Sem deixar de ser palavra, a palavra salta do plano
do papel e passa a existir como corpo volumétrico que se mexe como coisa viva.
Augusto de Campos declarou em 1976:
O encontro com Plaza foi o acontecimento mais importante destes últimos anos
para a minha produção poética. Desde muito tempo pensei poesia em termos do
que hoje chamaríamos 'intersemiótica' ou 'intermedia'. Já na introdução ao
POETAMENOS, de 1953 (eu tinha, então, 22 anos), eu falava de 'luminosos' ou
'filmletras' para os meus poemas. [...] Em 1968 conheci Plaza - ele preparava o
seu livro OBJETOS - e fiz com ele o primeiro 'poemóbile'. Mas o contato foi
interrompido, com a viagem dele para o exterior. Surgiram EQUIVOCÁBULOS
(1971), que compus inteiro com fotos e letraset, e COLIDOUESCAPO (1972):
folhas soltas, recombináveis; palavras em decomposição e recomposição. Mas
ainda me sentia amarrado, sem meios de levar avante minhas idéias. Foi só
quando Plaza voltou, em 1974, que as coisas ficaram claras. Fizemos POEMÓBILES
47
poemóbiles.
e partimos para o projeto mais complexo da CAIXA PRETA, uma impossibilidade
tornada possível. Plaza não só me permitiu viabilizar projetos e concretizar
'produtos' poéticos, mas me sugeriu novas idéias. Ao lado de nossos trabalhos
individuais, outros nasceram, planejados e discutidos entre nós, intermotivados
por esse contato entre 'designers' da linguagem poética e visual. E como há muitas
afinidades entre nossas concepções artísticas, não encontramos dificuldade em
trabalhar em conjunto. Algo assim como certos parceiros de letra e música da
canção popular'. (CAMPOS apud SANTAELLA, 1986, pp.68-70)
Além dos Poemóbiles, Augusto de Campos e Julio Plaza foram responsáveis pela
criação de outro trabalho interativo: Caixa Preta, de 1975.
Caixa Preta é, literalmente, uma caixa contendo folhas impressas, cartões, objetos
poéticos para montar, displays e um disco com as oralizações de o pulsar e dias dias
dias, feitas por Caetano Veloso. Como concepção, Caixa Preta é descendente direto
das caixas de Marcel Duchamp, Caixa Verde (1934) e Caixa-Valise (1938-41).
Sobre o trabalho de Duchamp, o próprio poeta escreveu um poema-ensaio publicado
originalmente na revista Polem:
'a caixa numa valise (1941)
contendo réplicas-miniaturas
e reproduções em cores
é um museu portátil
das invenções de duchamp
e talvez
presque un art
o livro do futuro' (CAMPOS, A., apud RISÉRIO, 1998, p.165)
O título geral da obra, Caixa
Preta, remete às caixas que
contêm informações
importantes, como aquelas
que acompanham os aviões.
Esse termo deriva da
cibernética, que se refere a
um sistema cujo interior não
pode ser desvendado, cujos
elementos internos são
desconhecidos e que só podem
ser conhecidos “por fora”, por
meio de manipulação ou de
observação externa.
Sobre Caixa Preta, de Augusto de Campos e Julio Plaza, Antonio Risério comenta:
Olhando para ela, não temos idéia do que nos aguarda. Abrindo-a, topamos com
artefatos e artifícios de linguagem que nos tomam de surpresa, no melhor sentido
48
Caixa Preta.
que a expressão possa ter. Augusto e Plaza performing em alto estilo, para nos
propiciar uma experiência estética inesquecível. No final da viagem, aliás, depois
de ter lido-olhado-recortado-montado o que lhe foi dado manipular, o receptor-
fruidor daqueles objetos e mensagens vai se ver cercado de letras e formas por
todos os lados. (1998, p. 166)
1.2.9 - Poesia e design
Augusto de Campos faz jus à frase de Décio Pignatari: “O poeta é o designer da
linguagem” ou nas palavras de Carlos Ávila: “Augusto é quase um artista plástico
(melhor, um artista gráfico), é um artesão da palavra explorada em todas as suas
dimensões sígnicas, um designer do texto.” (ÁVILA apud GUIMARÃES,
SÜSSEKIND, 2005, p. 223)
O poeta explorou vários materiais e procedimentos, desde a produção de poemas
datilografados com o uso de carbonos coloridos (poetamenos), a manipulação de
Letraset, o desenho de letras (Viva vaia e Código), a diagramação dos poemas, o uso
da cor, até a criação da capa de seus livros. Dessa forma, o poeta alcança a totalidade
do poema, ou o verbivocovisual, tão caro aos poetas concretos.
Além de todos os poemas criados pelo poeta, os quais exigem uma preocupação maior
com o aspecto gráfico, são exemplares dessa tarefa de designer da linguagem os
poemas: Viva vaia e Código.
Viva vaia, de 1972, dedicado
ao músico Caetano Veloso,
foi publicado na Caixa Preta,
em 1974, e, posteriormente,
foi redesenhado para servir de
capa da antologia de poemas
de mesmo nome, publicada
em 1979.
Esse poema aparenta a forma
de ideograma, sendo um
paralelogramo, rotacionado
45 graus à esquerda, composto de seis triângulos e duas linhas-barra, os triângulos
correspondem às letras “v” e “a” e a linha à letra “i”. Dessa maneira, produz uma
estrutura perfeitamente espelhada. Sua forma tem semelhanças com os quadros de
Volpi da fase ultraconstrutivista.
No poema Código, de 1973, o leitor encontra uma estrutura em forma de labirinto, que,
para o observador atento, contém todas as letras da palavra “código”. A estrutura do
poema é densa e reduzida a circulos. Também apresenta semelhança gráfica com o
49
viva vaia.
desenho de logotipo,
encontrados na publicidade.
Código serviu de logotipo para a
revista do mesmo nome
comandada por Erthos Albino
de Souza.
A circularidade do poema
funciona como um ideograma
que lembra os discos ópticos de
Duchamp por seu efeito
hipnótico. Não só estão ali o
“código” e o “digo”, como
também “dog” e “god” e,
finalmente, o prefixo de união e
companhia “co-” que rege essa
hipnose, eliminando as
fronteiras entre poema e leitor, imagem e olhar.
Mais próximo das artes plásticas do que do design corporativo estão os poemas da série
Expoemas, publicados em 1986 com a colaboração de Omar Guedes. São serigrafias
de 13 de seus poemas produzidos entre 1980 e 1985. Essas serigrafias, em tamanho 40
x 36 cm, podem ser penduradas na parede como se fossem quadros. Nelas, o uso das
cores lembra poetamenos, embora nas serigrafias os tipos variem e o trabalho de
contraste não se faça entre letras, e sim, entre as letras e o fundo.
As serigrafias foram impressas manualmente por Omar a partir de poemas feitos em
Letraset. Alguns dos poemas haviam sido publicados no Suplemento Folhetim, do
jornal Folha de S. Paulo, em grandes tiragens. Porém, a técnica da serigrafia não
permite a impressão de vários números. A edição de Expoemas foi de 300 exemplares,
custeados pelo próprio poeta. O que chamou a atenção de Augusto de Campos para um
projeto desse porte foi a impressão de alto padrão conseguida através da serigrafia.
Expoemas reafirma a relação entre a poesia de Augusto e a pintura, o design etc.
1.2.10 - Poesia e cidade
O contato do poeta com a cidade está presente desde 1953, no poema nossos dias com
cimento. Somente em cidade/city/cité, de 1963, a cidade perde o status de personagem
segundário para ser um espaço semiótico.
cidade/city/cité utiliza a técnica da scriptio continua (uma técnica de escrita antiga onde
não há divisão entre as palavras, exigindo a vocalização do texto). O poema é composto
50
código.
por uma sucessão ininterrupta de palavras e fonemas que sugere inúmeras combinações
possíveis, dependentes da oralização. A audição esclarece que a cidade é uma partitura
a ser explorada performaticamente segundo o meio em que seja difundido.
Nesse poema, encontramos a emergência do acaso. As surpresas desse texto são do
tipo das que ocorrem no percurso urbano, com uma exceção: essas surpresas não se
limitam ao transeunte (o leitor) mas também pertencem ao planejador (o poeta). Este
planeja uma regra que não exclui o aleatório: tomar aquelas palavras terminadas em
“-cidade” colocadas em ordem alfabética, sucessiva e linear. O poema começa com a
palavra “atrocidade” e termina com “voracidade”. Esse poema remete à cidade como
ordem, apesar do aparente caos.
Augusto de Campos utiliza elementos sonoros para “organizar” o caos causado pela
ausência do verso. Segundo Charles Perrone:
Estilisticamente, implica uma negação do verso como veículo de expressão do eu
e constitui uma asserção icônica da urbanidade por meio da materialidade
lingüística, incluindo formas e elementos sonoros, foi concebido e tem sido
praticado como pauta-partitura para vocalizações, performances e musicalizações.
(PERRONE apud GUIMARÃES, SÜSSEKIND, 2005, p. 216)
O poema foi “traduzido” para diversas mídias. No livro-valise Caixa Preta contém
uma versão feita em cartão perfurado de computador que, sobre um fundo negro,
lembra as janelas acesas dos edifícios na cidade à noite. Essa versão foi realizada por
Erthos Albino de Souza, editor da revista Código e precursor da poesia em
computador no Brasil.
51
cidade/city/cité.
cidade/city/cité por Erthos Albino de Souza.
cidade/city/cité e outros poemas são colocados em relação com as formas urbanas
mediante novos modos de exposição. Cartazes, projeções em laser, uso do teletipo,
néon, apresentações cênicas e videoclipes. Em 1982, o poema Quasar foi apresentado
em um painel luminoso no Vale do Anhangabaú (São Paulo); em 1985, projetou-se o
poema Código na mostra Skyart, realizada na Universidade de São Paulo (USP) e, em
1991, foi exposto poemas-laser na Avenidada Paulista: risco, rever, tygre de blake e
cidade/city/cité. A poesia intervém na cidade: já faz parte da paisagem.
1.2.11 - Poesia e pessoas
Na fase que antecedeu o movimento da poesia concreta, Augusto de Campos abordou
em seus poemas as figuras da mulher amada (lygia), do próprio poeta (augusto) e de
uma mulher ideal (Solange Sohl). Na década de 1980, Augusto publicou Pagu: vida e
obra. Solange Sohl era um pseudônimo que Patrícia Galvão (Pagu) utilizou para
publicar poemas na década de 1950 e, só mais tarde, o poeta tomou conhecimento
desse fato.
Após o movimento concreto, de 1966 a
1974, o poeta produz os primeiros
profilogramas, recolhidos no livro
Viva vaia: Pound/Maiakóvski (1966),
Hom'Cage to Webern (1972), Sousândrade
1874-1974 (fotopsicograma de 1974) e
Janelas para Pagu (1974). Esses
profilogramas extrapolam o terreno do
discurso poético, pois não utilizam
palavras, são “rimas” de imagens:
sobreposições de fotografias ou desenhos
de poetas ou músicos com alguma
afinidade formal entre si, de modo a
repercutir graficamente uma afinidade
mais funda entre os homenageados.
No livro, Despoesia, com poemas de 1979
a 1993, a seção intitulada profilogramas
contêm poemas que versam sobre pessoas
que fazem, ou fizeram parte, da vida do poeta. Muitas vezes, esses poemas utilizam
procedimentos estruturais da poesia concreta. Além disso, eles são compostos por
palavras, fontes que imitam datilografia, imagens, dependendo do resultado planejado
pelo poeta. Pertencem ao Despoesia: roland (1980), joão/agrestes (1985), fiaminghi
52
Pound/Maiakóvski.
(1985), sacilotto (1986), geraldo (1986), cordeiro (1993), fejer (1993), dp (1987),
haroldo (1989) e ly (1990).
No livro Não, de 2003, Augusto de Campos continua o trabalho de profilogramas com
poemas como: pérolas para cummings (1994), gouldwebern (1998-2000), maurício
(1996), charoux (1996), judith (2000) e wollner (2002). No livro, vem encartado um
Cd-Rom, com poemas denominados pelo autor de “clip-poemas”, ou seja, poemas que
utilizam a tecnologia do computador. Eles são divididos em: animogramas,
interpoemas e morfogramas – esses últimos são uma evolução dos profilogramas, onde
há uma transformação do rosto de uma personagem para a outra, com a incorporação
do som e do movimento.
1.2.12 - Poesia e tradução
A “tarefa do tradutor” para Augusto de Campos se divide em dois caminhos: a
tradução, propriamente dita, e a intradução.
O trabalho de tradução teve início com os textos do paideuma concreto. Com os
concretos, Augusto de Campos traduziu: Cantares de Ezra Pound, em 1960; Ezra
Pound: antologia poética, em 1968; Mallarmé, em 1974. Com Haroldo de Campos:
Panorama do Finnegans Wake de James Joyce, em 1962; Maiakóvski: poemas (com
Bóris Schnaiderman), de 1967; Poesia russa moderna (com Bóris Schnaiderman), de
1968; Traduzir e trovar, de 1968. Em 1956, voltou-se a tradução de poemas de e. e.
cummings, supervisionada pelo próprio autor. O livro com os 10 poemas de cummings
(julgados os mais difíceis de traduzir) só foi publicado em 1960, depois de idas e
vindas da gráfica da Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro. Em 1999, publicou
Poem(a)s: e. e. cummings, em que amplia o número de poemas traduzidos.
A partir da tradução feita em 1970 de Abc da Literatura, de Ezra Pound, Augusto de
Campos iniciou a tradução de parte do paideuma poundiano: Catulo, Guillaume de
Poictiers, Bertran de Born, Bernard de Ventadour, Arnaut Daniel, Guido Cavalcanti, Dante
Alighieri, François Villon, John Donne, Edward FitzGerald, Tristan Corbière, Arthur
Rimbaud, além de outros nomes incorporados ao paideuma. Alguns desses artistas
tiveram suas traduções compiladas em livro como: Rimbaud livre (1992), Hopkins: a
beleza difícil (1997), Coisas e anjos de Rilke (2001), Invenção: de Arnaut e Raimbaut a
Dante e Cavalcanti (2003), e outros traduzidos em conjunto com outros poetas em livros
como: Verso reverso controverso (1979), O Anticrítico (1986), Linguaviagem (1987).
Em entrevista cedida à Inês Oseki-Dépré, Augusto de Campos fala sobre a tradução:
... uma boa tradução não pareça uma tradução mas um poema e os dois poetas um
só. Nunca traduzi sob comando ou por encomenda. Só traduzo aquilo que amo
profundamente. Assim, sinto-me formal e animicamente ligado a todos os poetas
que traduzi, embora não me sinta compelido a escrever como eles quando faço a
53
minha própria poesia. Certamente todos eles me terão influenciado, de um modo
ou de outro. (OSEKI-DÉPRÉ apud GUIMARÃES, SÜSSEKIND, 2005, p.293)
A excelência do trabalho de tradução dos poetas concretos, ao contrário de sua poesia,
foi poucas vezes questionada.
Dentre as traduções feitas por Augusto de Campos existem aquelas que demandaram mais
esforços para se chegar, o mais próximo possível, ao resultado dos originais em sua língua
de partida. As traduções desse tipo são consideradas pelo poeta como “traduções-arte”.
Segundo o poeta:
O objetivo último das 'traduções-arte', como eu costumo chamá-las, ou das
'transcriações', como Haroldo de Campos preferia denominá-las, não é o proselitismo
em favor da poesia concreta. Mas, de fato, essa antitradição tradutória nasceu
com a poesia concreta e com a ênfase que ela pôs na invenção literária. O que nos
propusemos foi, por um lado, colocar a tradução poética em pé de igualdade com
a própria criação. Por outro lado, queríamos privilegiar autores considerados
'difíceis', impossíveis de traduzir, trazendo para o convívio da nossa língua
especialmente os que Ezra Pound chamou de 'inventores', voltados à criação de
novas linguagens.
3
O segundo caminho trilhado pelo poeta foi a criação de poemas a partir de poemas ou
trechos de outros autores, atribuindo-lhes um caráter visual. Algumas vezes, a fronteira
entre as “intraduções” e as “transcriações” é borrada, chegando a ser considerada a
mesma coisa. É o caso de so l(a (cummings), de 1984, no qual, apesar de ter utilizado
outra fonte tipográfica na tradução e cor, o poeta procura elementos que sejam
compatíveis ao texto de partida e segue o mesmo rigor e precisão de cummings.
A primeira intradução feita por Augusto, em 1974, recebeu o nome de Intradução. Ela
surge da tradução de alguns versos do poeta provençal Bernart de Ventadorn. O poeta
utiliza duas fontes tipográficas nas assinaturas dos poetas para diferenciar o poeta
traduzido do tradutor. O primeiro é representado por letras góticas; o segundo por um
tipo associado ao mundo da computação.
As intraduções estão presentes na antologia Viva vaia (1979), no Despoesia (1994) e
Não (2003). Com a incorporação do computador, as intraduções passaram a contar
com uma maior diversidade de fontes tipográficas e recursos gráficos.
54
3
Em entrevista à Folha de S. Paulo em 04/10/2003.
1.2.13 - Poesia e tecnologia
Desde 1950, a poesia de Augusto de Campos sinaliza para as tecnologias eletrônico-
digitais de hoje. A começar pelo texto de abertura da série poetamenos, no qual o poeta
proclama: “Mas luminosos, ou filmletras, que os tivera!” Foram necessárias algumas
décadas para que aquilo que parecia wishful thinking (crença em algo improvável) se
transformasse em realidade.
Para o poeta, a linguagem da informática repotencializa as propostas das primeiras
vanguardas do século XX, anunciadas por Un Coup de Dés, de Mallarmé, e
reprocessadas pela poesia concreta a partir da segunda metade do século passado.
O primeiro poema de Augusto de Campos a receber um tratamento eletrônico-digital
foi cidade/city/cité. Em 1975, esse poema foi traduzido por Erthos Albino de Souza
para cartão perfurado - uma mídia para armazenamento de dados, onde as letras
correspondiam a furos. O resultado é uma espécie de paisagem noturna da cidade com
suas janelas acesas.
A partir dos anos 80 do século anterior, as criações de Augusto de Campos começaram
a migrar para as mídias eletrônico-digitais: a holografia, a tela de computador, o
videotexto, os painéis eletrônicos, o laser e as performances multimidiáticas. Sobre as
novas tecnologias, o poeta declara:
Para mim, o fato novo para a produção artística, que emergiu mais claramente na
década de 80, reativando e potencializando as propostas de vanguarda, é
precisamente a tecnologia. É esse fato novo, em meu entender, que qualifica e
altera a discussão da vanguarda e do experimental, neste fimcomeço de século. O
que quero dizer é que a revolução da informática, à medida que, a partir dos anos
80, vem, cada vez mais, chegando ao consumo, possibilitando ao artista o acesso
doméstico aos microcomputadores, aos processadores de textos e de imagens e às
técnicas mais sofisticadas de impressão, vem colocá-lo num novo contexto de
compatibilidade com as novas linguagens. O que ocorre é a viabilização, num
grau sem precedentes, das linguagens e procedimentos da modernidade - a
montagem, a colagem, a interpenetração do verbal e do não-verbal, a sonorização
de textos e imagens - em suma, a multimidiação do processo artístico. A
circunstância de que esses recursos possam também ser utilizados convencionalmente,
ou de que se possa, por outro lado, criar obras inventivas e originais com
procedimentos não-informatizados, não desqualifica a importância dos novos
mídia, os quais tendem a se impor como extensores sensíveis que facilitam e
multiplicam as habilidades individuais. Outro fator relevante é a maior autonomia
que a informatização pode proporcionar aos artistas. À medida que estes possam
ter a sua própria miniestação computadorizada, ou em que se associem a ilhas de
produção e edição de outros artistas independentes para a realização de suas
experiências, terão muito melhores condições para resistir à convencionalização
dos meios de informação, cujos implementos técnicos até aqui lhes foram
negados. E para insistir na descoberta de novas formas de o homem conhecer e
se conhecer, livres quer dos constrangimentos da linguagem convencional quer
das máquinas de produção massificadas pela ideologia do lucro imediato.
(CAMPOS, A. apud RISÉRIO, 1997, p.161)
55
A primeira experiência do poeta com o uso de computador foi em 1984, em um projeto
artístico realizado com computadores do Intergraph. Seu poema, Pulsar, foi
digitalizado sob sua orientação e convertido em clipe pela equipe do Olhar Eletrônico,
com a colaboração de Wagner Garcia e Mário Ramiro.
Para o poeta, as novas mídias são como ferramentas e não excluem o poeta como o
detentor da criatividade por trás do poema eletrônico-digital:
Como eu digo, eu não gostaria de fetichizar estas novas mídias. Eu acho que não
é pelo fato de você dominar estas técnicas, estas tecnologias, não é só por isso que
você vai construir um grande poema, um grande objeto artístico. Você terá que
colocar muito de suas idéias e de sua capacidade criativa. Mas eu acho que estas
mídias são muito estimulantes e inspiradoras e proporcionam uma multiplicidade
de meios, que podem realmente conduzir a horizontes inesperados. A gente não
sabe bem até onde vai isto. Mesmo porque estas tecnologias estão em desenvolvimento,
os programas se sofisticam dia a dia, cada dia você tem mais recursos. Por
exemplo, se você trabalha com letras, você tem a possibilidade de mudar,
deformar, de alterar as letras, e até criar seu próprio alfabeto, suas próprias letras,
jogar com isto em profundidade ou misturar com imagens. Então realmente os
recursos se ampliam muito e, então, você, como artista, ainda mais se trabalha em
equipe, ganha uma densidade que sozinho dificilmente conseguiria. Então, a coisa
começa a se aproximar do desenho de elaboração do cinema, onde você trabalha
com um diretor de fotografia, um roteirista; você cria um universo complexo, que
eu acho que pode abrir muito para a poesia, principalmente agora, quando se
pensava que a poesia estava fechada e não havia saída.
(CAMPOS, A. apud ARAÚJO. 1999, pp.52-53)
Augusto de Campos teve contato com a holografia, em 1985, através do hológrafo
Moisés Baumstein. No ano seguinte, seus trabalhos participaram da Exposição Triluz.
Em 1987, em companhia de Décio Pignatari, Julio Plaza e Wagner Garcia, participou
da Exposição ideoHOLOgia, realizada em São Paulo, no Museu de Arte
Contemporânea. A holografia é uma técnica de reprodução de imagens
tridimensionais. Ela utiliza a incidência da luz para obter o resultado desejado: o
holograma.
Em 1991, o poeta adquiriu seu primeiro computador pessoal. As primeiras
animações que produziu emergiram das virtualidades gráficas e fônicas de poemas
já existentes, ou seja, tais poemas foram traduzidos para a mídia digital. É o caso dos
poema bomba e S.O.S.
O poema bomba, originalmente publicado em 1986 no caderno literário Folhetim do
jornal Folha de S. Paulo, foi traduzido para o meio digital em 1992, no Laboratório de
Sistemas Integráveis da Escola Politécnica. O trabalho dos técnicos consistiu em dar
movimento ao poema (característica latente no original). As palavras “poema” e
“bomba” são projetadas como estilhaços de uma bomba que partem do centro da tela.
S.O.S., de 1983, também foi computadorizado pelo Laboratório de Sistemas
Integráveis em 1992. Ele recebeu sonorização de Augusto e Cid Campos. Foi
56
incorporado ao poema na vídeo-versão o movimento e o som.
Augusto de Campos continuou as experimentações em computador após o projeto
Vídeo Poesia. Seus poemas animados recebem o nome de: Clip Poemas.
O trabalho em conjunto com Cid Campos, resultou no CD Poesia é Risco que, em 1997,
transformou-se no espetáculo intermídia do mesmo nome. Trata-se de uma performance
verbivocovisual de poesia/música/imagem com edição de vídeo de Walter Silveira.
No mesmo ano, seus Clip Poemas foram exibidos em uma instalação que fez parte da
Exposição Arte Suporte Computador, na Casa das Rosas, em São Paulo.
O último livro de poemas de Augusto de Campos, Não, é acompanhado por um CD-
ROM de animações de poemas feitas pelo poeta divididas em interpoemas (animações
interativas), animogramas e morfogramas.
Atualmente, é possível ver alguns de seus poemas no endereço eletrônico do poeta:
www.uol.com.br/augustodecampos.
Através do trajeto percorrido neste capítulo, podemos constatar que a poética de
Augusto de Campos é caracterizada por um processo contínuo de exploração do
potencial poético de diferentes mídias e meios de expressão.
57
Capítulo 2: Procedimentos Tradutórios: da poesia concreta para a
poesia eletrônica
2.1 - Considerações Iniciais
No capítulo anterior, vimos que a produção de Augusto de Campos é marcada pelo
diálogo com os meios tecnológicos disponíveis de cada época, pela tradução crítica e
criativa dos autores que formam o paideuma concreto e também daqueles autores que,
apesar de não serem tão conhecidos pelo público, são importantes. Podemos citar
como exemplo a seleção de poetas do seu último livro de traduções Poesia da Recusa,
de 2006. Fazem parte desta, os poetas Quirinus Kuhlmann, Boris Pasternak, Óssip
Mandelstam, entre outros.
Também observamos que a tradução elaborada pelo poeta não se restringia ao campo
verbal. Em alguns casos, a tradução adquire qualidades verbivocovisuais. Essas
traduções foram denominadas pelo poeta como intraduções. A partir da década de
1980, com a incorporação de tecnologias eletrônicas na criação de poemas, Augusto de
Campos pode “rever” antigos poemas e outros autores com “novos olhos”. O
computador ampliou as possibilidades criativas tanto na criação de poemas como nas
intraduções elaboradas por Augusto de Campos.
O livro Despoesia, de 1994, “traz o momento preciso da transição da Letraset para o
set de letras do computador” (AGRA apud SÜSSEKIND e GUIMARÃES, 2004, p.
194). Apesar da publicação ser em formato livro, a produção dos poemas contou com
recursos extraídos do computador.
Quase dez anos depois, o poeta publica seu último livro de poemas, Não, de 2003. Esse
trabalho é acompanhado por um CD-Rom no qual encontramos poemas inéditos e
antigos recriados para o meio digital. Na abertura do CD-Rom Clip-Poemas, Augusto
de Campos declara:
A possibilidade de dar movimento e som à composição poética, em termos de
animação digital, vem repotencializar as propostas da vanguarda dos anos 50.
VERBIVOCOVISUAL era, desde o início, o projeto da poesia concreta, que
agora explode para não sei onde, bomba de efeito retardado, no horizonte das
novas tecnologias. Desde que, no início da década de 90, pude pôr a mão num
computador pessoal, percebi que as práticas poéticas em que me envolvera,
enfatizando a materialidade das palavras e suas inter-relações com os signos não-
verbais, tinham tudo a ver com o computador. As primeiras animações emergiram
das virtualidades gráficas e fônicas de poemas pré-existentes. Outras já foram
sugeridas pelo próprio veículo e pelos múltiplos recursos de programas como o
Macromedia Director e o Morph. Os CLIP-POEMAS são o produto de dois anos
de experiências, entre muitos tacteios, curiosidades e descobertas. Para orientação
do usuário decidi dividir as animações em três grupos, distinguindo as interativas,
que denominei INTERPOEMAS, das demais, ANIMOGRAMAS, e dos
MORFOGRAMAS, categoria específica. Que o centenário do LANCE DE
DADOS me sirva de totem nessa nova viagem ao desconhecido, e as palavras de
58
Mallarmé, ainda uma vez, de lema. “Sem presumir do futuro o que sairá daqui:
NADA OU QUASE UMA ARTE”.
Apresentaremos a seguir os procedimentos tradutórios empregados, por Augusto de
Campos e outros tradutores, na passagem de poemas que utilizam o meio impresso
como suporte para o meio eletrônico da Internet e do CD-Rom.
A partir da distinção feita por Augusto na abertura do CD-Rom Clip-Poemas, entre
ANIMOGRAMAS, MORFOGRAMAS e INTERPOEMAS, dividimos as traduções
em: ANIMOTRADUÇÕES e INTERTRADUÇÕES. Não será utilizada nesse trabalho
a definição MORFOGRAMAS. Essa definição criada pelo poeta abarca um tipo
específico de poema a partir da fusão da imagem de duas personalidades distintas,que
não será abordada nessa pesquisa.
Nas ANIMOTRADUÇÕES são empregados recursos de animação (movimento, som,
cor) sem a participação do leitor, já as INTERTRADUÇÕES dependerão, em algum
grau, da interação do leitor/fluidor.
2.2 - Animotraduções
2.2.1 - Pulsar (Augusto de Campos - 1975 / Olhar eletrônico - 1984)
4
Na versão impressa de Pulsar, de 1975, o poeta utilizou a fonte tipográfica Baby Teeth,
da Letraset, em fundo preto (através do processo de inversão do fotolito).
O texto Onde quer que você esteja / em Marte ou Eldorado / abra a janela e veja / o
pulsar quase mudo / abraço de anos luz / que nenhum sol aquece / e o oco escuro
esquece, tem suas letras “o” e “e” modificadas pelo poeta, de forma que, a letra “o”
assemelha-se a uma lua, ou planeta, e a letra “e” a uma estrela. A letra “o” vai
aumentando de tamanho a cada linha até atinguir o tamanho das demais letras, já a letra
“e” faz o caminho inverso, começa do mesmo tamanho das outras letras e vai
diminuindo no decorrer do poema.
Este poema faz parte do livro-objeto Caixa Preta, elaborado em parceria com Julio Plaza.
Além do poema impresso, e outros poemas de montar, acompanha o livro um compacto
gravado por Caetano Veloso com os poemas: dias dias dias e Pulsar. A oralização do
poema feita por Caetano Veloso é composta por três notas: uma altura intermediária para
as sílabas que não possuem a letra “o” nem a letra “e”, uma altura grave para as sílabas com
a letra “o” e uma aguda para as sílabas com a letra “e”. As notas agudas são acompanhadas
por um sibilar agudo e as graves por um timbre grave (teclado ou sintetizador).
Em 1984, Pulsar foi animado, com o uso do computador, pela equipe do Olhar
Eletrônico, sob a orientação de Augusto de Campos e com a colaboração de Wagner
Garcia e Mário Ramiro.
59
4
Disponível em: www.imediata.com/BVP/Augusto de Campos/
Na animação do poema são mantidos o desenho das letras (Baby teeth) e o fundo
negro. Pequenos pontos brancos são acrescentados ao fundo, que têm como função
representar estrelas mais distantes. No primeiro plano, as palavras do texto aparecem
na tela uma de cada vez, ocupando diferentes localizações nela. A animação é
sincronizada com a leitura de Caetano Veloso. As letras “o” e “e” recebem destaque,
através do aumento do brilho, quando são oralizadas. O efeito obtido na animação
simula o “pulsar” dos astros celestes. Por fim, toda a tela é preenchida com o poema
em total silêncio.
Aqui os procedimentos cinéticos, potencializados pelo computador, são associados aos
recursos sonoros de um estúdio também computadorizado (gravação em vários
canais, decomposição fônica, montagens e superposições, ecoizações e outros
efeitos) (o que) permite que quase se chegue de modo mais cabal à materialização
das estruturas verbicocovisuais prenunciadas pela Poesia Concreta.
(ARAÚJO, 1999, p.169)
60
pulsar.
versão animada.
2.2.2 - Poema bomba (Augusto de Campos - 1986 / LSI - Laboratório de
Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP - 1992)
5
O poema bomba foi
publicado pela primeira vez
em 1986, na contra-capa do
caderno literário “Folhetim”,
nº565, de 11/12/1986, pelo
jornal Folha de S. Paulo.
O poema tem como tema as
oposições sonoras e visuais
entre a palavra “poema” e
“bomba”, dispostas na
página de modo a
simularem uma explosão.
Esta versão do poema foi
impressa na cor preta e sem
cor no fundo, a fonte
tipográfica utilizada pelo
poeta chama-se Pump, da
Letraset. Para esse trabalho, o poeta modificou algumas características de
determinadas letras dessa fonte. O “b” tem o mesmo desenho que o “p” invertido.
Todo o poema é formado pelas duas palavras “poema” e “bomba”, distribuídas
espacialmente pela página impressa, de modo a simular o fênomeno de uma explosão.
Essa distribuição do texto na página faz com que os símbolos adquiram uma dimensão
icônica. Soma-se a isso a variação tipográfica de forma e de tamanho dando a
impressão de tridimensionalidade
e movimento ao poema. Em
todo o poema, há uma relação
de semelhança estrutural com o
fenômeno.
Antes da sua versão em
videopoema digital, o Poema
Bomba foi produzido em
holografia, conferindo-lhe um
melhor resultado na
representação tridimensional
comparado à versão impressa.
61
poema bomba em holografia.
poema bomba.
5
Disponível em: www.uol.com.br/augustodecampos
Somente em 1992, o poema migrou para o campo da computação gráfica. Nesse
projeto, o poeta contou com a ajuda de Ricardo Araújo, os engenheiros e técnicos do
LSI (Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP).
Em 24 de maio do mesmo ano, foi publicado no jornal Folha de S. Paulo um still
(imagem capturada da animação) do poema.
Basicamente, três elementos são acrescentados ao poema na animação: movimento,
trilha sonora e a cor. O movimento é contínuo e unidirecional. Inicialmente, o texto
aparece no centro da tela em tamanho muito reduzido. À medida que a animação
avança no tempo, o poema vai aumentando de tamanho até ultrapassar os limites da
tela. As palavras “poema” e “bomba” são projetadas como estilhaços de uma explosão
que “partem do centro da tela, em uma expansiva explosão cinético-catódica, para fora
do vídeo, tentando atingir o leitor-espectador” (Araújo, 1999, p.41).
As cores, vermelho e amarelo, empregadas na animação, juntamente com a trilha sonora
elaborada por Cid Campos a partir da oralização feita por Augusto, potencializam o
efeito explosivo do poema, que ultrapassa o campo visual, produzindo no leitor um
quase-efeito de imersão através da explosão sonora e visual do poema. Segundo Araújo:
... o 'poema bomba', em sua versão computadorizada, é um 'clipoema', uma poesia
visual, e empenha em sua construção teórico-estética elementos que em suas
primeiras versões estavam apenas virtualizados, devido à impossibilidade técnica
de operacionalizar plenamente aquele sentido verbivocovisual que, paradoxo
poético, apresentava a estrutura do poema em suas primeiras versões. (1999, p.49)
62
imagem extraída da animação feita em 1992.
2.2.3 - S.O.S. (Augusto de Campos - 1983 / LSI - 1992)
6
Assim como em Pulsar, em S.O.S., o poeta utiliza o fundo negro para expressar a
solidão cósmica. Elaborado em 1983, sua primeira versão só foi publicada em 1991.
Nas notas que acompanham o CD-Rom de Clip-poemas, Augusto de Campos o define
como uma “viagem centrípeta ao buraco negro do desconhecido. Da ego-trip à S.O.S.
- trip do enigma do pós-vida.
Os versos do poema
formam círculos
concêntricos com
sucessivas camadas de
texto em torno do
significante S.O.S. São
os versos: ego eu R ich io
je yo I / sós pós nós / que
faremos após? / sem sol
sem mãe sem pai / na
noite que anoitece /
vagaremos sem voz/
silencioso / S.O.S.
O poema foi animado em
1992 com o auxilio do
LSI. A versão do poema
animado, aqui analisada,
faz parte do CD-Rom encartado no livro Não, de 2003.
Ao contrário da versão impressa, as letras receberam a cor amarela na versão animada,
ao invés da anterior, em que as letras estavam na cor branca.
A animação inicia-se com o surgimento de letra por letra, como se fossem o
nascimento de pequenas estrelas. Nesta versão do poema, é incorporado o movimento.
A primeira camada do poema, vista de fora para o centro, move-se em sentido anti-
horário. Também movem-se em sentido anti-horário a terceira e a quinta camadas; as
demais seguem o sentido horário.
O primeiro verso é formado pelo pronome pessoal “eu” grafado em oito idiomas
diferentes. Essa repetição indica uma consciência da solidão humana frente ao
Universo, do questionamento sobre sua origem e da mortalidade humana.
O significante S.O.S. inicialmente aparece localizado no centro do poema, em tamanho
reduzido e, como ato final da animação, aumenta de tamanho até encobrir todo o
poema. Segundo Araújo:
63
6
Disponível em: www.uol.com.br/augustodecampos
s.o.s.
Esse significante “SOS” passa por um processo de expansão e traga todas as
outras capas, que, todavia, continuam mantendo seus respectivos movimentos.
Essa polarização em torno de “SOS”, conseguida através das três dimensões, dá
ao poema uma idéia de buraco negro: de reter toda a luminosidade evidenciada
nos segmentos dextrógiros e levógiros
7
. (1999, p.39-40)
A sensação de solidão sugerida pelo poema é ampliada através da trilha sonora
elaborada por Augusto e Cid Campos.
2.2.4 - cidade/city/cité (Augusto de Campos - 1963 / 1997)
8
O poema cidade/city/cité, de Augusto de Campos, é, provavelmente, o mais vertido
para outros meios:
já foi lido por seu autor em disco de Tomzé, transformado em espetáculo
multimídia pelo compositor argentino Rufo Herrera e em 'teatro musical' por
Gilberto Mendes, desverbalizado pela artista plástica Regina Silveira e pelo poeta
e editor Erthos Albino de Souza - este, em cartão perfurado de computador. Já
sonorizado, com a voz multiplicada do poeta reproduzindo os sinais do caos
paulistano, o poema foi exibido na TV Cultura de São Paulo (em um especial
sobre os trinta anos da poesia concreta) e em um display eletrônico, durante uma
instalação realizada na avenida Paulista. (ALEIXO, 1996, p.21)
64
versão animada.
7
Dextrógiros e levógiros: movimento circular para a direita e para a esquerda, respectivamente.
8
Disponível em: www.uol.com.br/augustodecampos
Em sua primeira versão, de 1963, o poema é formado por uma única linha de 150 letras
a partir das raízes de palavras terminadas em -cidade, city, -cité. Segundo o próprio
poeta “para conjurar a megalópole moderna”.
Sua primeira incursão no campo informático foi através da tradução intersemiótica
feita por Erthos Albino de Souza. Em 1975, o artista usou um cartão perfurado na
recriação do poema. Os cartões perfurados eram um modo comum de armazenamento
de informações através do código binário.
Erthos gravou o texto de Augusto, em código binário, no cartão, reproduzindo-o em
amarelo sobre fundo preto. O resultado é semelhante às janelas dos edifícios acesas
durante a noite numa paisagem urbana.
No site de Augusto de Campos
encontramos o poema em duas
versões: ampliado na escala do
prédio da Fundação Bienal, no
projeto de Julio Plaza, de 1987,
e na tradução de Erthos, e, mais
tarde, reproduzido na capa da
revista Código número 10, de
dezembro de 1985. Para José
Miguel Wisnik, esse poema sintetiza a multiplicidade da metrópole:
Ao contrário de quem vê na poesia concreta mero trocadilho, eu vejo super
trocadilho, condensação extrema, macro trocadilho, como no caso do poema
Cidade, de Augusto de Campos: uma só palavra-fluxo diz a megacidade babélica
em três línguas simultâneas, numa vertiginosa multiplicação de sentido que é,
65
cidade/city/cité.
tradução intersemiótica de Julio Plaza.
cidade/city/cité por Erthos Albino de Souza.
para mim, uma das sínteses líricas possíveis e poderosas da experiência
contemporânea. O fato de parecer (enganosamente) fácil e factível - depois de
feito - só aumenta o interesse desse poema ao mesmo tempo vero e bem trovado.
9
Nesse poema, Augusto de Campos utiliza a técnica da scriptio continua, em que não
há divisão entre as palavras, frases e parágrafos, o que exigia a vocalização do texto.
A oralização do poema esclarece que cidade/city/cité “é menos um texto que uma
partitura a ser explorada performaticamente segundo o meio em que seja difundido”
(ROCHA apud STERZI, 2006, p.103)
Na versão eletrônica do poema, encontrada no site do poeta e no CD-Rom, são
incorporados o elemento cinético e o uso de cores. Além disso, acrescenta-se ao poema
a versão sonora elaborada por Cid Campos do CD Poesia é Risco, de 1994. A
sequência de palavras, não por acaso iniciam com a palavra cidade, correm pela tela
em fundo negro. As palavras “cidade”, “city” e “cité”, surgem na tela de forma
aleatória e em cores variadas. Este recurso lembra, em muito, o modo de notação
musical criado por Anton Webern. Podemos afirmar tal relação pois, assim como
Webern, o poeta utiliza diferentes cores para representar visualmente diferentes vozes.
O poeta tira proveito do meio digital ao unir os elementos visuais com o movimento e
a oralização do poema. Esses elementos juntos desenham o espaço plural e dinâmico
da metrópole.
66
9
Depoimento de José Miguel Wisnik, professor de literatura brasileira da USP. Em: A multiplicação
dos sentidos. Caderno Mais! - Folha de S. Paulo. 08/12/1996.
cidade/city/cité versão animada.
2.2.5 - Rever (Augusto de Campos - 1972 / Augusto de Campos -1997)
Assim como cidade/city/cité, Rever teve muitas “traduções” em diferentes suportes.
Esse poema fez parte de livro Viva vaia, foi esculpido em acrílico pelo artista ZéNeto
e, ainda teve duas versões em holografia. A primeira versão, de 1981, tornou-se marco
da holopoesia no Brasil e foi feita por Wagner Garcia e o físico John Webster; já a
segunda, de 1987, é assinada por Moysés
Baumstein. Rever contou ainda com
outras transcriações em neón, laser e
animação digital de André Vallias.
A primeira versão de Rever data de 1972
e é formada apenas pela palavra REVER,
escrita com o E e o R final invertido.
Nessa versão, a palavra “rever” contém o
seu significado na própria forma. Trata-
se de uma palavra palíndromo, pois rever
é “ver pela segunda vez” e a palavra
“rever” é rever duas vezes,
palindromicamente. Ainda, rever
também é “voltar a ver”, e é voltando a
leitura que se “revê” o verbo. O
espelhamento da letra “e” e “r” no final
do poema iconiza a palavra, que passa a
ter, no aspecto gráfico, uma relação
formal causal com o que significa. A
intervenção poética apenas potencializa a
perfeita relação semântico-formal
palindrômica pré-existente.
Na versão animada do poema, do CD-
Rom do livro Não, a relação semântico-
formal palindrômica é “re-
potencializada”. Tem-se a imagem de um
círculo dividido ao meio pelas cores
67
Rever - versão eletrônica.
Rever - versão impressa.
vermelho e verde, no qual a palavra encontra-se duplicada e espelhada. Na animação,
há o movimento de ir e voltar do poema, através da rotação do eixo em 180º. Ao fazer
o movimento “para frente” e “para trás”, o tamanho desse círculo diminui e aumenta
sucessivamente. Em determinado momento, as cores desse círculo são invertidas, o
verde passa a ser azul e as letras em branco se transformam em preto.
A idéia de continuidade é explorada por meio do recurso de looping, ou seja, o poema
nunca termina, fica em constante retorno.
A versão animada é acompanhada pela sonorização do poema por Cid Campos.
2.2.6 - Femme (Décio Pignatari / LSI)
Augusto de Campos não foi o único a participar do projeto Poesia Visual - Vídeo
Poesia, coordenado por Ricardo Araújo. Também fizeram parte desse projeto Haroldo
de Campos, Julio Plaza, Décio Pignatari (com Femme) e Arnaldo Antunes.
Inicialmente, Femme foi publicado no bidimensional e em preto e branco, no caderno
Folhetim, nº 537, do jornal Folha de S. Paulo, de 10 de abril de 1987.
O poema, escrito em francês, é
formado por quatro linhas em
que a sintaxe explora
similaridades sonoras e visuais
dos segmentos: Femme / Elle
s'ouvre / Elle s'offre / Elle
soufre. Já na primeira linha
temos a intervenção do poeta na
letra “m” que aparece de cabeça
para baixo. Esse procedimento
dialoga com outros poemas de
Décio Pignatari. Em O Jogral e
a Prostituta Negra, de 1949, no
verso tuas pernas em M, a letra
“m” refere-se à posição feminina no ato sexual. Em Exercício Findo, de 1968, a letra
invertida é utilizada no ideograma verbai homem/woman.
Para o poeta, a experiência na tradução do poema com a utilização dos recursos
eletrônicos correspondeu àquilo que ele tinha em mente quando fez o poema pela
primeira vez. Segundo Pignatari:
Queria fazer um ciclo chamado chips – Chips-Líricos. Cada um desses chips seria
realizado em uma língua. Eu havia feito em esperanto e em francês. Pretendia
fazer ainda em latim, grego, tupi, alemão, italiano etc. Eventualmente em
português. Seriam denominados de Chips-Líricos. Eu operava ao nível
68
Femme - versão impressa.
bidimensional, em preto e branco. Nesse processo eu fazia o layout e pedia aos
amigos para realizarem a arte-final. Eu pretendia imitar os chips, circuitos onde
são embutidos os programas; na verdade é o hardware da coisa. E a versão
francesa, 'Femme', foi justamente o meu segundo chip e que depois não prossegui.
[...] Em segundo lugar, tivemos que partir do estático para o dinâmico, e da não-
cor, ou seja, o preto e branco, para a cor. [...] E os brilhantes meninos do Brasil,
do LSI, fizeram justamente a realidade desse script, que incluiu depois a trilha
sonora de Livio Tragtenberg e a passagem para vídeo. E eu tive a boa idéia de ser
um pouco prático, coisa que nem sempre consigo, de colocar o texto em off em
francês, que é a versão matriz, mas também inglês e espanhol. E, com isso, o
entendimento foi mais amplo para o público que assistiu.
(PIGNATARI apud ARAÚJO, 1999, p.95-96)
O videopoema digital
Femme, de 1994, foi
realizado com o
emprego do programa
3D Studio, o que
possibilitou o acréscimo
de volume nas letras que
formam o poema. Ele
também ganhou cores e,
sobretudo, um sofisticado
travelling (movimento
de câmera em que tem-
se visão do todo), dando
a sensação de que a
câmara flutua pelo
corpo do poema. No início, o poema aparece na íntegra como era originalmente no
papel, a única diferença é a presença de cores. Lentamente, o corpo do poema começa
a se deitar, as letras, a subir e descer, aflorando e penetrando o plano intermediário, no
qual estão inscritas. Enquanto estes movimentos se repetem, a câmera (simulação)
mergulha em direção ao corpo do poema e passeia pelo vão central do mesmo, em
meio às letras tridimensionalizadas. Em seguida, a câmera sobe, circunda o 'MW', que
se move sem parar, e lhe dá um close. Penetra pelo sulco do M e vai dar em uma
'dimensão interna', como se estivesse no interior do corpo do poema, na qual as cores
da fonte e do fundo estão invertidas.
A tradução intersemiótica criou uma solução que supera os limites da forma inicial,
virando-a ao avesso e revelando seu outro lado, não visível no texto de partida. A
sugestão de penetração deste videopoema remete ao poema Organismo, de 1960, em
que a evolução das páginas funciona como um zoom que adentra a letra 'O'.
A animação é acompanhada da leitura em português, francês, espanhol e inglês de
69
Femme - imagem extraída de animação.
Décio Pignatari, com trilha musical de Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski.
2.2.7 - LIFE (Décio Pignatari - 1958 / Kirby Conn - 2001)
O poema Life, de 1957, foi pela primeira vez publicado em 1958, na revista
Noigandres número 4, num encarte separado, formado por seis páginas em formato
quadrado. Na primeira, página temos a letra “i” , na outra página o “l”; em seguida, a
letra “f”; depois, o “e”, para, finalmente, a sobreposição de todas as letras na quinta
página, que também forma o ideograma chinês “sol”. O poema termina com a palavra
“life” em caixa-alta (letra maiúscula). O poema desenvolve a passagem da unidade
digital para a forma ideogrâmica através da grafia, letra por letra, em alfabeto ocidental,
para o ideograma da escrita chinesa. A seguir, as letras formam o corpus semântico (a
palavra) “life”. A montagem desse poema em formato de brochura, em que cada página
é um “momento” no poema, sugere a continuidade entre os elementos digitais e
analógicos, no caso, as letras e o ideograma chinês. Ao folhear rapidamente as páginas
do poema é possível simular movimento. Essa técnica é a mesma usada nas animações
“quadro-a-quadro”.
Um problema comum para Décio Pignatari é a reprodução desse poema em livros de
outros autores. No livro-catálogo da exposição sobre Arte Concreta Paulista,
organizado por Lenora de Barros e João Bandeira, o poema aparece impresso em uma
página, na vertical, juntamente com a reprodução da capa da revista Noigandres
70
Life - seqüência de folhas impressas.
número 4. Já em Grafo-sintaxe concreta, de Rogério Camara, o poema ocupa o canto
direito de oito páginas em tamanho reduzido, porém sem perder seu caráter de
continuidade.
A versão animada
10
potencializa a qualidade de “cine-poema”. A progressão das letras
corresponde à progressão de suas linhas. Nesta versão, todas as características do
poema são mantidas, apenas é potencializado a continuidade, já existente desde a
primeira vez em que o poema foi publicado.
2.2.8 - Lua na água (Paulo Lembinski - 1982 / Julio Plaza - 1983 (videotexto)
/ Elson Fróes - 1997 )
O texto de partida, escrito por Paulo
Lembinski, em 1982, desenvolve-se em
uma única página, o que não ocorre nas
outras versões do poema.
No videotexto elaborado por Julio Plaza,
em 1983, os três núcleos do poema: lua
na água / alguma lua água / lua alguma
lua são decompostos em telas,
adquirindo as qualidades do videotexto.
Segundo Julio Plaza:
O poema 'Lua na Água' é transferido para o videotexto, onde encontra sua
inserção como prolongamento eletrônico da tipografia. Na transposição de meio
para meio, temos que o videotexto apreende o poema original e o conforma no
71
Life - seqüência animada.
Lua na água - Paulo Lembinski.
Lua na água - Julio Plaza.
10
Disponível em: http://www.imediata,com/BVP/Decio Pignatari/index.html
seu modo de escansão, emprestando-lhe suas qualidades. Na tradução, a disposição
gutemberguiana é negada e negativada na luz-cor sobre fundo preto. Produz-se,
assim, um ícone de paisagem noturna, com mera similaridade. (2001, p.108)
Na tradução de Elson Fróes, de 1997
11
, um elemento novo é incorporado ao poema: a
imagem da lua. Inicialmente, temos toda a tela preta com a imagem da lua ao centro.
No decorrer da animação, a imagem da lua desloca-se para o canto direito da página
em trajetória circular e os versos aparecem em sequência. Ao contrário do que ocorre
no videotexto, onde não é possível escolher a fonte tipográfica, Elson Fróes utilizou a
mesma fonte escolhida por Paulo Lembinski, pois o computador permite a escolha da
fonte que se pretende utilizar.
Nessa versão do poema temos a adição do elemento visual da lua e seu movimento.
Porém essa adição de elementos não agrega informação nova ao texto de partida. No
texto de Lembinski a lua está presente através do reflexo das palavras, sem a
necessidade de sua representação visual.
2.2.9 - Dentro (Arnaldo Antunes -1990 / Arnaldo Antunes e LSI - 1993)
Esse poema, de Arnaldo Antunes, também fez parte do projeto Poesia Visual - Vídeo
Poesia, do LSI. Inicialmente publicado em preto e branco, no livro Tudos, de 1990,
dentro ganhou mais duas versões: uma feita por Arnaldo Antunes e a equipe do LSI e
outra exclusivamente para o projeto Nome.
O trabalho multimídia Nome, formado por CD, livro e fita de vídeo, mais tarde
transformado em DVD, reúne as três versões desse poema. Na primeira delas, as
palavras dentro, entro, centro e suas variações têm as suas formas distorcidas. Contudo,
essa distorção estava restrita apenas ao aspecto gráfico. A partir da segunda versão desse
72
Lua na água - Elson Fróes.
11
Disponível em: http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/intersem.htm
poema, essa distorção se efetiva completamente e encontramos apenas o vocábulo
“dentro” sofrendo sucessivas metamorfoses.
Na versão elaborada com o auxílio do LSI, foi possível chegar a terceira e a última
versão do poema, contidas no trabalho Nome. Trata-se de uma animação de
aproximadamente um minuto, em que aparece o interior do aparelho da garganta do
poeta. Arnaldo Antunes submeteu-se a uma endoscopia e, nesse momento, articulava a
sua glote para emitir os fonemas que compõem o poema. A essas imagens capturadas
pela endoscopia uniram-se as metamorfoses elaboradas pela equipe do LSI.
Na animação, o poema ganha densidade entre o significado e o significante.
Segundo Araújo:
Com essa animação, aliada ao ritmo da leitura, executada pelo próprio poeta, o
poema ganha densidade fônico-significante inversamente proporcional às
possibilidades plurissignificacionais impostas pelas sucessivas organizações do
advérbio ('DENTRO'), preposições ('DE', 'SEM'), verbo ('ENTRO') e substantivo
('CENTRO'), que são amplificadas pelas homofonias desses vocábulos.
(1999, pp.103-105)
2.2.10 - Sem nome (Zéluiz Valero - 1981 / Fabio Nunes - 2003)
Desde 1975, os poetas Paulo Miranda e Omar Khouri, com a participação dos irmãos
Carlos Valero, Luiz Antônio Figueiredo e Zéluiz Valero, publicam a revista
experimental Artéria. Esse título sempre foi aberto a vários tipos de poesia, porém com
uma proposta mutável: cada número da revista foi idealizado e realizado em um novo
formato ou suporte.
O oitavo número de Artéria, de dezembro de 2003, foi produzido em suporte digital
através da criação do endereço eletrônico
12
podemos encontrar vários poemas, de
73
Dentro - terceira versão.
Dentro - primeira versão.
12
Disponível em: http://www.arteria8.net
diferentes artistas, na sua maioria elaborados em programas como o Flash. Vários
trabalhos, ainda que originários do meio impresso, foram adaptados para a sua
visualização por meio da rede, indo muito além da reprodução de imagens. Dentre esses
trabalhos está o poema visual de Zeluiz, que foi publicado pela primeira vez na revista
Zero à Esquerda, produzida pela Edições Nomuque, em 1981. Na versão para a revista
digital Artéria, o poema contou com a animação concebida por Fabio Oliveira Nunes.
A versão impressa, de 1981, é toda em preto e branco. Ela é formada por dois quadros
iguais, o primeiro em positivo o segundo em negativo, divididos em quatro partes. A
primeira traz um ponto preto no centro da página branca, seguida por uma mão no
canto esquerdo que aponta para o referido ponto, na terceira imagem a mão está
fechada, e na última imagem temos a mão toda aberta e podemos ver uma parte de um
relógio no pulso dessa mão.
Ao saber com antecedência da influência da fotografia no trabalho de Zéluiz, percebe-
se a preocupação do artista com o jogo de sombras que essas imagens propiciam. Além
disso, essa sequência de imagens lembra os movimentos do tradicional jogo: pedra,
papel e tesoura.
Apesar da participação ser mínima, só é possível iniciar a animação com a
interferência do leitor. De início, a tela branca tem apenas um pequeno ponto preto no
centro no qual, ao se clicar sobre o mesmo, inicia animação. Na tradução, o tempo é
explorado como agente que efetiva o movimento, pois, ao colocar em sequência as
imagens que estavam juntas lado a lado, cria-se uma dimensão temporal do poema, de
tensão entre uma cena e outra. Fábio Nunes optou por trabalhar apenas com a versão
em positivo do poema, deixando de lado a versão negativa (branco sobre fundo preto).
Esta escolha não é justificada em nenhum momento pelo tradutor, dentro do endereço
eletrônico.
74
Sem nome - versão impressa.
2.2.11 - Rã de Bashô (Bashô 1644-1694 / Haroldo de Campos - 1958 /
Augusto de Campos - 1998)
Esse poema de Bashô (1644-1694),
segundo Haroldo de Campos, “talvez o
haicai mais famoso do gênero” (1977,
p.62), foi traduzido por vários poetas
desde sua primeira tradução criativa para
o português feita pelo mesmo em 1958.
Aqui estudaremos apenas as traduções
encontradas nos sites de Haroldo e de
Augusto Campos, por se tratarem de traduções para o meio digital. Deixaremos de lado
outras traduções, não menos importantes, como a de Décio Pignatari no suporte papel,
de 1980, e a feita por Julio Plaza em videotexto, de 1982.
Na tradução intersemiótica, presente na abertura do site de Haroldo de Campos
13
, a
75
Sem nome - versão eletrônica por Fábio Nunes.
Rã de Bashô - tradução de Haroldo de Campos.
13
Disponível em: http://www.haroldodecampos.com.br
Tradução para meio digital - site de Haroldo de Campos.
animação é acompanhada por trilha sonora, movimento e cor. A animação é constituída
por palavras do poema traduzido em 1958. Através do movimento surgem na tela: o
velho tanque / rã salt / tomba / rumor de água. As palavras “rã” e “salt”, a letra “a” e
a pontuação gráfica “´”, recebem a cor laranja contrastando com o fundo azul, já as
demais palavras estão escritas em azul-claro.
Temos então o seguinte roteiro: “o velho tanque” entra em cena da esquerda para a direita
na cor azul-claro, a palavra “rã” surge no centro e aumenta seu tamanho em comparação
com outras letras e fica destacada do restante do poema pelo uso da cor laranja.
A partícula “salt” entra em cena, movimenta-se isomorficamente a uma rã e recebe a
cor laranja; a partícula “tomb” descreve uma trajetória de queda em linha reta e está
grafada em azul-claro, já a letra “a” entra na cena pela direita girando em torno do
próprio eixo e é da cor laranja; dessa maneira é possível completar a palavra “salta” na
tela. Por último, “rumor de agua” invade a tela da direita para a esquerda, o acento da
palavra “água”, cai sobre a letra a e está na cor laranja.
Na intradução do mesmo poema feita por Augusto de Campos, presente em seu
endereço eletrônico
14
, a letra “a” toma o
lugar da rã na animação ao mudar da cor
azul para a cor verde simulando o salto
da rã sobre a lagoa. A animação não é
acompanhada por som, nem movimento.
O movimento da rã é sugerido através da
mudança da cor azul para a cor verde da
letra “a”. Na animação, todas as letras “a”
do poema mudam de cor, uma de cada
vez. O poeta percebe na letra “a” uma
semelhança com a imagem de uma rã.
Além disso, a fonte tipográfica (Pump)
utilizada pelo poeta, a mesma empregada
no Poema Bomba, auxilia na
identificação da letra “a” com o objeto rã.
2.2.12 - Apfel (Reinhard Döhl - 1965 / Johannes Auer - 1997)
Em An anthology of concrete poetry, de Emmett William, encontramos Apfel, poema
concreto de Reinhard Döhl, de 1965, que tem a forma de uma maçã e é construído a
partir da repetição das palavras Apfel (maçã) e Wurm (verme), que aparece, uma única
vez, entre as repetições de “apfel”. Na sua versão de 1965, o poema está em preto e
76
Intradução de Augusto de Campos.
14
Disponível em: http://www.uol.com.br/augustodecampos/
branco e só identificamos a palavra “wurm” após uma leitura atenta. Essa versão
assemelha-se aos caligramas de Apollinaire.
Nos poemas de Guillaume Apollinaire encontramos a representação figurativa do tema
como peça chave nas suas criações. Suas composições, apesar de utilizarem o código
verbal, formam o desenho de objetos, como relógios, coroas, fontes, entre outros. Para
Augusto de Campos, em Pontos-periferia-poesia concreta,
Já em Apollinaire a estrutura é evidentemente imposta ao poema, exterior às
palavras, que tomam a forma do recipiente mas não são alterados por ele. Isso
retira grande parte do vigor e da riqueza fisiognômica que possam ter os‘caligramas’,
em que pese a graça e o “humor” visual com que quase sempre são ‘desenhados’
por Apollinaire. (2006, p.38)
No endereço eletrônico de Johannes Auer
15
encontramos a versão animada desse
poema. Nesta tradução, o worm (verme) está grafado em vermelho, destacando-se da
maçã. O principal recurso utilizado aqui é o movimento. Durante a animação, a palavra
“wurm” desenvolve vários percursos pela “maçã”, alimentando-se, literalmente, da
palavra “apfel”. À medida que a palavra wurm “devora” o poema, aumenta de
77
Calligramme de Apollinaire.
Apfel de Reinhard Döhl, de 1965.
15
Disponível em: http://auer.netzliteratur.net/worm/applepie.htm
Apfel de Johannes Auer, de 1997.
tamanho até acabar com toda a sua fonte de alimento. O ciclo de vida do “worm”
termina com sua morte por falta de alimento. O poeta ainda dispõe de outras
recriações com base em Apfel.
2.3 - Intertraduções
2.3.1 - Caoscage (Augusto de Campos - 1974 / 1995)
Caoscage tem como ponto de partida o poema Caos, de 1974. No livro Não, de 2003,
encontramos abaixo do nome do poema a citação: “no 7º dia o caos morreu” (kuang-tse
via cage). A versão impressa é em preto e
branco; dentro de um círculo preto, têm-se
vinte linhas de texto em que a palavra “caos”
preenche todas sem deixar espaços entre as
palavras. Com o intervalo de duas linhas,
descobrimos, em uma leitura atenta, palavras
que surgem entre o caos. São elas, a partir da
segunda linha: olho, osso, pele, alma, raiz,
flor e vida. Nesta versão, os elementos do
poema são escassos para o entendimento do
leitor que toma conhecimento do poema pela
primeira vez.
A segunda versão do poema presente no CD-Rom, ao utilizar os recursos de
multimídia através do som, do movimento, de imagens, da cor e da interação do leitor,
torna mais clara a temática desse poema.
Segundo o próprio poeta, em nota que acompanha o CD-Rom:
O título provém de um ensaio de Roland de Azeredo Campos (Física e Poesia:
Convergências', Revista USP, nº25, março-abril 1995), no qual as palavras Cage
e Caos são aproximadas ('change strange atractor - cage caos'). Afora as indicações
textuais de interferência, o som se altera conforme seja clicada a palavra 'som' da
esquerda ou da direita ou a palavra 'boca'. O 'som' musical é um célula que
compacta Debussy, Webern e Cage. A introdução sonora é de Cid Campos.
Também faz parte do poema o texto completo do filósofo taoísta Kuang-Tsé, em
gravação feita por John Cage e traduzida para o português por Augusto de Campos. O
texto em português surge na tela em conjunto com a oralização em inglês:
As quatro Névoas do Caos
- o Norte, o Leste, o Oeste e o Sul -
foram visitá-lo.
Ele as tratou muito bem.
Quando elas saíram, se perguntaram
Como poderiam retribuir-lhe a hospitalidade.
78
Caos, 1974.
Vendo que o Caos não tinha buracos no corpo
como elas tinham
(olhos, nariz, boca, ouvidos, etc),
resolveram dar-lhe um buraco por dia.
Ao fim de sete dias,
o Caos morreu.
(Kuang-Tsé via John Cage)
Na segunda versão do poema há a incorporação de elementos sonoros, visuais,
cinéticos, além da possibilidade de interação do leitor, transformando-o em agente da
destruição do caos. O fim do caos revela a face de John Cage no poema, o que culmina
na oralização do texto de Kuang-Tsé pelo músico, seguida de silêncio. Percebe-se que
os recursos do computador colaboram para o entendimento do poema.
2.3.2 - Sem-saída (Augusto de Campos - 2000 / 2003)
Sua versão impressa, de 2000, ilustra a contracapa do livro Não, de 2003. Ao contrário
do que acontece nos poemas que receberam a denominação de animogramas, Sem-
saída dá a impressão de que sua versão estática foi criada a partir da versão animada e
não o inverso.
O poema apresenta todos os versos ao mesmo tempo. Cada um deles segue por um
caminho, às vezes sobrepondo-se aos outros, de forma a desenhar uma paisagem caótica
de difícil leitura, apesar de cada verso ser de uma cor diferente. Dessa forma, temos os
seguintes versos: roxo: Não posso voltar atrás; verde: A estrada é muito comprida;
laranja: Nunca saí do lugar; vermelho: O caminho é sem saída; azul: Não posso ir mais
adiante; amarelo: Levei toda a minha vida; rosa: Curvas enganam o olhar.
A diagramação do poema na página possibilita várias leituras, pois não existe uma
sequência pré-estabelecida entre os versos. Além disso, a fonte tipográfica utilizada
79
Seqüência de imagens extraídas da animação Caoscage.
nesse poema não permite um
reconhecimento imediato do texto. A
versão animada de Sem-Saída data de
2003 e faz parte do site do poeta e do
CD-Rom encartado no livro Não.
Augusto de Campos define essa
versão como um “labirinto interativo-
reiterativo”. A animação é dividida
em duas partes. Na primeira, temos
contato com cada verso
separadamente. Ao movimentar o
mouse, o verso traça um caminho na
tela. Assim que acionamos o mouse,
mudamos de verso, de cor e de
caminho, até termos percorridos todas as sete cores disponíveis. Apenas o último
caminho, o da cor laranja, comporta-se de forma diferente na tela. A última palavra do
verso, “lugar”, fica presa ao mouse, libertando-se apenas depois de apertarmos o
dispositivo. Tal procedimento dá início à segunda parte do poema.
Nesta fase, todas os versos estão dispostos na tela do computador, assim como na
versão impressa. Essa parte da animação é acompanhada pela oralização caótica do
poema feita por Augusto. Ao selecionarmos um verso sua oralização é destacada dos
demais tornando-o compreensível. Este poema, na sua versão animada, depende ainda
da participação do leitor que dá início à animação. Assim como na versão impressa,
cabe ao leitor escolher seu “caminho” de leitura.
80
Sem-saída, seqüência animada.
Sem-saída, 4ªcapa do livro Não.
2.3.3 - Criptocardiograma (Augusto de Campos - 1996 / 2003)
A versão impressa de
Criptocardiograma, de 1996, foi
publicada no livro Não. Nesse
poema, assim como em Sem-saída,
temos a sensação de incompletude,
pois a versão impressa parece ser
posterior à animada.
Aqui encontramos o poema na
forma criptografada sem as chaves
lexicais para sua transcodificação
para uma linguagem conhecida.
Esse cógido “não-conhecido”, com
o qual é escrito o poema, é formado por imagens de corações, facas, dados, flores, etc.
Dentro desse código, existem relações entre as imagens, um coração maior, outro
rotacionado em noventa graus e assim por diante.
Já a versão animada do poema, presente no site do poeta e no CD-Rom de Clip-
poemas, traz junto ao poema sua chave léxica. Tal procedimento lembra aquele que foi
utilizado nos poemas semióticos, criados por Décio Pignatari e Luís Ângelo Pinto, no
fim do movimento da poesia concreta.
Augusto define o poema animado como um “criptograma translingüístico interativo”.
Tem-se, portanto, o poema criptografado no lado direito da tela e, à sua esquerda, um
quadro em vermelho com algumas letras do alfabeto quase na mesma cor do fundo do
quadro.
Ao arrastar uma letra sobre um símbolo pertecente ao poema, e, se os mesmos
corresponderem mutuamente, tem-se a substituição do símbolo pela letra em todos os
campos onde aparece tal símbolo. Desta forma, o poema pode ser transcodificado para
um código conhecido do leitor. Nem todas as letras que aparecem no quadro são
81
Criptocardiograma, versão impressa.
Criptocardiograma, seqüência animada.
utilizadas no poema. O que nos leva a crer na possibilidade da criação de mais poemas
por meio desta chave léxica.
Ao terminar de “transcodificar” o poema, inicia-se a animação do coração batendo.
Esse movimento é acompanhado pelo som dos batimentos cardiácos e pela voz do
poeta: “heart”. Os recursos utilizados pelo poeta possibilitam a participação do leitor,
ainda que o poema não possa ser alterado pelo mesmo.
2.3.4 - Econ (E. M. Melo e Castro - 1994 / Silvia Laurentiz - 1998)
O poema interativo Econ tem
como referência o poema O Eco
e o Icon, de 1994, elaborado por
Melo e Castro para a introdução
do livro Visão Visual, que reúne
grande parte de seus poemas. O
referido material é composto
por 14 versos silábicos de
regularidade imperfeita.
Para Melo e Castro a tradução
feita por Laurentiz não é uma
mera fusão das palavras que
formam o nome do poema: O
Eco e o Icon. Segundo o autor:
Trata-se muito mais de ecos que são ícones e de ícones que são ecos e que
multiplamente se transformam pela ação do utilizador-fruidor: aproximando-se ...
afastando-se ... dobrando-se ... desdobrando-se ... desaparecendo ... aparecendo ...
aumentando ... diminuindo ... torcendo-se ... destorcendo-se ... redobrando-se ...
distendendo-se ... encolhendo ... mas sempre mantendo a estrutura sintagmática
da seqüência dos versos que lhe é essencialmente própria: a seqüência dos catorze
versos que constituem o texto inicial, através de articulações móveis e diferentes
tamanhos e cores das letras de cada verso. Essa é a estrutura que possibilita os
movimentos interactivos tanto de ícone verbal como de eco virtual, ou vice-versa,
em que o poema se realiza, ambíguo e simultâneo. (CASTRO, 2006, p. 89)
O poema O Eco e o Icon é transposto do meio impresso para o digital por Laurentiz,
o que não altera o significado e, tampouco, incorpora novos sistemas de signos.
Sempre que um texto poético é passado para outro meio sem mudanças de conteúdo,
ao invés de ser transformado pelo outro suporte, o texto é apenas flexionado, ou seja,
existe uma modificação no seu significante. Em Econ os versos são distingüídos pelo
uso de diferentes cores.
82
O Econ e o Icon.
Econ faz parte do projeto Percorrendo Escrituras, em que a autora explora a poesia
em espaços tridimensionais navegáveis. O uso de palavras em ambientes virtuais
pode ser feito com a utilização de tecnologias como o VRML (Virtual Reality
Modeling Language).
Para a autora, os recursos da VRML estão em consonância com a proposta do trabalho
de Melo e Castro. Segundo Marcus Bastos:
O texto foi escolhido, segundo a autora, por antecipar o universo das mídias digitais
e pelo histórico de experimentação com diversas mídias que marcaram a trajetória
do poeta. A recriação em VRML atualiza a busca pela palavra que “se descobre
no reverso” das experimentações de Melo e Castro. Na simulação, a mistura de
sentidos sugerida no poema original torna-se perceptível. [...] De qualquer forma,
que os “ruídos onde o som electrónico infiltra uma frequência de imagens
hiperbólicas suspensas em nada que se veja”, que o texto na página impressa
evoca, ganha no computador uma representação menos metafórica. O texto na
tela preta em que o poema está suspenso, sons descontínuos ao fundo, um mouse
cercado de palavras por todos os lados explodem com os limites entre as linguagens
de forma impossível sem os recursos técnicos, o que o próprio Melo e Castro
também faz, em seus poemas em vídeo e computação gráfica. (2005, p.93)
2.3.5 - O poeta (Torquato Neto - 1972 / Audrei Carvalho - 2003)
A tradução tem como ponto de partida o poema visual sem título de Torquato Neto
publicado posteriormente a sua morte em Os últimos dias de paupéria, organizado
por Wally Salomão, em 1973, e, no ano seguinte, na revista Navilouca, edição única,
de 1974. O poema é dividido em oito linhas de cinco letras cada, sem espaços entre
as palavras e sem respeitar a sintaxe oficial. Consideramos esses procedimentos
como referência direta aos poemas concretos. Em 2004, sua tradução intersemiótica
foi selecionada e participou do FILE - Festival Internacional de Linguagem
Eletrônica.
A versão do poema feita em meio digital é baseada na interação do leitor junto ao
poema. Foi mantida a estrutura original do poema, contudo somam-se a ela
83
Econ, tradução intersemiótica de Silvia Laurentiz.
fragmentos sonoros e um novo sistema de signos: a
linguagem braile.
A animação tem início com o texto do poema escrito em
braile. Ao passar sobre um dos sinais com o mouse, a
seta indicativa desse transforma-se em um ícone de mão
e, ao mesmo tempo, aparece na tela a letra e o som
correspondente àquele símbolo. A trilha sonora da
animação é formada por sons extraídos de várias
músicas escritas por Torquato Neto. Este procedimento
assemelha-se ao usado por Augusto de Campos em
Criptocardiograma. O leitor pode “ler/ouvir/interagir”
o poema a partir de qualquer letra.
2.4 - Procedimentos tradutórios do meio digital
No decorrer deste capítulo, pudemos perceber duas diferenças na forma de produção
dos primeiros projetos e dos últimos, de 1997 em diante. Nos primeiros projetos, os
poetas contaram com a colaboração de técnicos na execução das traduções. Além disso,
por se tratar de uma linguagem nova, alguns poemas propostos tiveram de ser adaptados
para a tecnologia disponível no momento. A partir da popularização da utilização do
computador, do acesso à tecnologia pelo poeta e leitor, foi possível ampliar os
procedimentos tanto de tradução como de criação dos poemas. Neste capítulo, vemos
essas transformações nas traduções denominadas como intertraduções.
Resumidamente, podemos afirmar que existem procedimentos análogos entre a poesia
experimental (concreta, visual) e sua tradução para a mídia digital. Alguns exemplos
onde tais procedimentos podem ser verificados: a) a distribuição não linear dos signos
verbais na página; b) a utilização de diferentes tipos gráficos; c) a sintaxe
desmembrada; d) a exploração das formas geométricas; e) as estruturas anagramáticas;
f) a incorporação de elementos pictóricos; g) a participação do leitor (exemplo:
Poemóbiles); h) uso da cor; e i) incorporação de processos aleatórios. A esses
procedimentos são incorporados outros que podem ser encontrados no vídeo como o
84
Tradução para meio digital, Audrei Carvalho.
Poema sem tíluto de Torquato Neto.
movimento e som. Também são elencadas por Melo e Castro outras características da
mídia digital:
• Sendo imagens virtuais, os infopoemas são desmaterializados - são luz - e por
isso facilmente transformáveis; daí resulta que a seqüência do processo de criação
seja enfatizada e as transformações sucessivas gerem uma interatividade crítica
entre o sistema informático e o operador/autor até se chegar a uma imagem/poema
considerada, naquele momento, como aceitável, face aos objetivos estéticos desejados.
A noção convencional de autor é relativizada pois, se dele depende a condução
do processo interativo e a sua paragem [suspensão], esse processo é possibilitado,
também, tanto pelo hardware como pelo software utilizados.
Não detendo o caráter único da obra de arte, as imagens/poema geradas no
computador podem ser fixadas por impressão em papel ou por fotografia, desaparecendo
a diferenciação material entre original e cópia já que a imagem/poema é desmaterial;
ou, dizendo de outro modo, o original é virtual e o que podemos obter são atualizações
noutros suportes. Esses suportes, além do papel, podem, no entanto, registrar e
conservar essas imagens, tais como o vídeo e o CD-ROM. No suporte vídeo a
interatividade perde-se, o mesmo não acontecendo com o CD-ROM que permite
um certo tipo de interatividade de navegação e manipulação transformativa dos
infopoemas. Esta interatividade deve ser programada como uma característica
estrutural desses infopoemas.
Relativamente aos meios até agora usados na criação de poesia visual, quer
caligráficos, tipográficos ou por colagem, a utilização de meios informáticos traz
consigo um aumento incomensurável do grau de complexidade das imagens/poema,
elevando a utilização simultânea de vários códigos verbais e não-verbais ao nível
de uma poiesis transpoética, implicando insuspeitadas problemáticas de leitura.
Deslocada, assim, a ênfase do autor e do processo de criação para o lado do
receptor e da leitura, fácil se torna entender que uma relação dialética entre o
verbalmente legível e o ilegível está embutida estruturalmente na infopoesia,
deslocando-se o próprio significado de LER, no sentido de um transcódigo que
cada infopoema consigo transporta, à espera de ser re-inventado pelos leitores.
16
É importante salientar que, por trás da liberdade de ação do leitor, disponível nos
poemas interativos, existe um programa que regulamenta tal interação.
Sobre o uso da mídia digital, Augusto de Campos conclui em entrevista cedida a José
Carlos Prioste:
É indispensável redimensionar o uso da palavra poética, já agora, em pleno deslanche
do universo digital, no qual ela tem que ser reciclada, curto-circuitada com a
dimensão não-verbal, as imagens e os sons, chegando a ser interdisciplinar, intertextual
e muitas vezes interativa, além de projetar-se em parâmetros materiais mais amplos,
que devem levar em conta critérios de forma, cor, espaço e movimento. Não há porque
excluir o livro ou outros suportes matéricos e texturais, que seguem o seu curso e
até se beneficiam das novas mídias. O que ocorre é a abertura irreversível para o
universo virtual, em situações em que a palavra, potencializada em todos os seus
parâmetros, já não cabe no livro. Sem dúvida o universo da informática oferece
condições ideais para quem deseja trabalhar com a palavra em movimento e em
novas sintaxes espaciais. Por isso mesmo, há mais de 10 anos, em 1991, quando
pus as mãos num computador (e eu, achava uma jóia esse Mac Classic preto e
branco e com monitor de apenas 9 polegadas), não fiz mais nada que não passasse
16
Disponível em: www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro/trans.htm acessado em 15/04/2007.
85
pelo filtro digital. [...] Quando lanço um olhar para trás chego a pensar que o
concretismo prenunciou a nova tecnologia dos textos digitais.
17
É importante salientar que a utilização dos meios eletrônicos, através do uso do
computador, não é garantia de criação poética. Segundo Augusto de Campos:
Sempre entendi que a utilização de novos mídia não assegura, por si só, arte, poesia
ou invenção. Mas a massagem dos mídia pode ser altamente estimulante para o
artista, sugerindo caminhos não batidos pela imaginação, reciclando-a, ajudando-a
a criar outras imagens e magias. (CAMPOS apud KHOURI, 1996, p.143)
Ao incorporar o computador na produção de textos criativos, percebemos que a
potencialização de procedimentos já existentes somada à participação do leitor como
co-criador, torna o texto dinâmico e periférico, pois ele é formado por elementos de
vários sistemas (movimento, som, cor etc.), é manipulado pelo interator, além de
dialogar com outros textos. Esse último procedimento se dá através dos links que
formam um continuum de textos. Segundo Risério: “Ao apelar para outros códigos, ele
(o texto) se situa numa zona de fronteira. Roça outras semioses possíveis. Outras
articulações sígnicas ou para-sígnicas. O que equivale a dizer que ele vive,
esteticamente, em interstícios intersemióticos.” (1998, p.58)
86
17
Disponível em: www.bn.br/fbn/arquivos/pdf/Entrevista_Augusto_de_Campos.pdf
87
Capítulo 3: Tradução Intersemiótica
3.1 - Estudo de caso: tradução de poetamenos para mídia digital
3.1.1 - Considerações iniciais
No primeiro número da Revista Galáxia, de 2001, Haroldo de Campos aponta a
importância da prática tradutória: “A tradução de poesia é um problema teórico-prático
ou uma práxis teórica: só fazendo é que você pode meditar sobre o fazer. É um fazer
reflexivo no qual a teoria e a práxis se alimentam mutuamente.” (p.36)
Essa necessidade “teórico-prática” já é percebida por Haroldo de Campos, no ensaio
Da tradução como criação e como crítica, de 1962, onde o poeta-tradutor propõe um
laboratório de textos e justifica:
Ora, nenhum trabalho teórico sobre problemas de poesia, nenhuma estética da
poesia será válida como pedagogia ativa se não exibir imediatamente os materiais
a que se refere, os padrões criativos (textos) que tem em mira. Se a tradução é uma
forma privilegiada de leitura crítica, será através dela que se poderão conduzir
outros poetas, amadores e estudantes de literatura à penetração no âmago do texto
artístico, nos seus mecanismos e engrenagens mais íntimos. A estética só se pode
aferir em relação à linguagem-objeto (o poema, o texto criativo enfim) sobre o
qual discorre. (CAMPOS, 2004, p.46)
Este capítulo segue a proposta sugerida por Haroldo de Campos para o estudo da
tradução de poesia e divide-se em duas partes. A primeira parte consiste na tradução
dos poemas da série poetamenos, e a segunda, na reflexão entre alguns conceitos
escolhidos sobre a tradução criativa e os resultados obtidos na primeira parte deste
capítulo.
A seguir, apresentamos as soluções tradutórias escolhidas para a versão eletrônica da
série poetamenos. Por se tratar de uma série, alguns procedimentos são comuns a todos
os poemas.
3.1.2 - Procedimentos comuns a todos os poemas
Toda a série é estruturada na relação entre as cores primárias e as cores secundárias.
Tem-se como ponto de partida o estudo sobre cores feito pelos pintores concretos e por
Piet Mondrian (Boogie-Woogie). Além disso, já no texto introdutório da série, o poeta
aponta a importância do conceito de Klangfabernmelodie, um tipo de notação musical
elaborado por Anton Webern em que as cores servem para identificar os diferentes
timbres dos instrumentos musicais. Esse conceito é amplamente explorado pelo poeta
em poetamenos.
Ao longo dos seis poemas nos deparamos com um tema comum: a ausência da amada,
a distância física, e todos as sensações oriundas dessa separação. O próprio nome
poetamenos já lança ao leitor os indícios dessa incompletude.
88
Esse sentimento apresenta-se nos poemas por meio do uso da cor. Entre as cores
primárias (cores puras) e as secundárias (formadas a partir de duas cores primárias)
constatam-se as relações de ausência (a presença de uma cor primária e outra cor
secundária denota a falta da outra cor primária que participa na composição dessa cor)
e a relação entre as cores complementares, formadas por cores opostas entre si,
portanto, contrastantes.
Para entendermos melhor de que modo o poeta utiliza as cores nestes poemas,
recorremos ao estudo elaborado por Israel Pedrosa, em Da cor à cor inexistente:
Podemos observar no GRÁFICO 3.1 que as cores-pigmento, ou seja, aquelas obtidas
com o uso de pigmentos sólidos, são diferentes das cores-luz, baseadas no espectro
luminoso.
No sistema de cores-pigmento, as cores primárias são formadas por: amarelo, azul e
vermelho; já as secundárias por: laranja, violeta (roxo) e verde.
Na tradução dos poemas de Augusto de Campos para a tela de computador (cor-luz),
optamos por manter as cores
“originais” da versão impressa do
poema, pois consideramos que a
escolha dessas cores pelo autor
não é mera formalidade, mas se dá
no diálogo entre a pintura e a
poesia concreta.
A relação das cores
complementares fica explícita no
quadro ao lado:
Nesse quadro (GRÁFICO 3.2)
podemos observar que o vermelho
é complementar de verde, o azul
Gráfico 3.1
Gráfico 3.2
89
do laranja e o amarelho do violeta (roxo). Esse recurso é amplamente utilizado por
Augusto de Campos na criação de poetamenos.
A mescla das cores primárias e secundárias, em proporções diversas, produz a
sensação de profundidade, simulando, dessa forma, um espaço tridimensional.
As cores mais claras, como o amarelo, em relação a sua cor complementar, o violeta,
produzem a sensação de que estão mais próximas em relação ao leitor do que a cor
violeta, de menor luminosidade.
Essa trama visual formada pelo uso da cor tem seu correspondente no campo sonoro
através do mosaico criado pelo poeta a partir da Klangfabernmelodie (melodia de
timbres) de Webern. Podemos dizer que, em poetamenos, para cada voz existe uma cor
correspondente. O silêncio é representado no papel pelos espaços em branco. Segundo
Augusto de Campos:
Em Webern encontramos um uso sem precedentes da concisão formal, da
dialética entre som e silêncio (este, pela primeira vez, tornado 'audível', empregado
não como pausa mas como elemento estrutural, em pé de igualdade com os
próprios sons) e da melodia-de-timbres, que põe ênfase nos timbres dos instrumentos,
fragmentando a melodia num caleidoscópio multicolorido de sons e de 'brancos'
sonoros. (1998, p.96)
Outro procedimento verificado é a utilização de diferentes idiomas em igual número
das cores, e da quantidade de poemas que forma a série. São seis poemas, seis cores
(vermelho, amarelo, azul, verde, laranja e violeta) e seis idiomas diferentes do
português (inglês, francês, italiano, alemão, espanhol e latim). Nem todos os seis
idiomas ou as seis cores são utilizados em todos os poemas, porém eles formam uma
unidade dentro da série.
Além desses procedimentos, Augusto de Campos pratica outras experimentações a
partir do paideuma concreto. Com e. e. cummings, ele traz a fragmentação das
palavras; de Mallarmé a espacialidade; de Joyce as “palavras-valise”, e de Pound o
método ideogrâmico.
Outros procedimentos são observados por Camara:
Na composição da série é explorada a utilização de alguns sinais de pontuação
que, como tais, regulam sua estruturação. O parêntese, sinal simultaneamente de
inclusão e exclusão, é utilizado como recurso para intrapor uma ou mais palavras,
acusando, entre elas, uma interseção verbivocovisual e tornando possível sua
ocorrência concomitante em um mesmo espaço, separando-as e agrupando-as ao
mesmo tempo: espal(s)mas, illa(grypho). Os dois pontos têm função de pausa,
separação ou introdução ao que se seguirá. O hífen, em significados contrapostos,
une e separa, favorecendo a hipertextualização. [...] Utiliza-se ainda a quebra das
linhas, a caixa alta e diferentes espacejamentos entre as letras na palavra, que
objetivam, como em e. e. cummings, uma descrição fisiognômica do movimento
(espal(s)mas) e uma unidade texto-forma (s e p a r a d a m e n t e). (2000, pp.84-85)
Para a tradução desses poemas foi escolhido como suporte o meio digital, mais
90
precisamente, a elaboração de um projeto hipermídia em que a seqüência dos poemas
fica a critério do leitor, que interage com os escritos pelo mouse. A eleição desse e de
outros procedimentos no decorrer das traduções está de acordo com o projeto proposto
por Augusto de Campos em 1953, na forma de texto introdutório (mas luminosos, ou
filmletras, quem os tivera!).
Outro indício da capacidade desse texto ser transposto para a mídia digital é vista na
segunda edição da série de poemas, em 1973. Nessa versão os poemas foram
impressos em lâminas soltas e acondicionados em uma “caixa-envelope”, e que, apesar
de contarem com um índice em outra lâmina solta, não seguem uma paginação rígida.
Contudo, tendo o conhecimento do rigor que permeava toda a poesia praticada pelos
poetas concretos, optou-se por elaborar a relação entre um determinado poema e sua
respectiva cor. Ainda que, em alguns dos poemas, encontramos referências a mais de
uma cor. Temos assim:
amarelo: poetamenos
azul: nossos dias com cimento
laranja: lygia fingers
violeta: eis os amantes
verde: paraíso pudendo
vermelho: dias dias dias
Explicaremos essas escolhas tradutórias ao abordarmos os poemas separadamente.
Muitas vezes, o poeta utiliza referências externas em seus poemas. É o caso, por
exemplo, da citação de Solange Sohl no poema lygia fingers. A solução encontrada
para esses casos é a utilização de links (ligações) a outros endereços eletrônicos, a
imagens, ou a textos, que se encontram fora do poema. Dessa forma, tenta-se produzir
uma leitura dinâmica.
O trabalho de tradução começa pela criação da página inicial, do projeto eletrônico
animado, em que encontramos todos os poemas dispostos simultaneamente e em
constante movimento.
Ao término da
animação da abertura,
o leitor poderá acessar
os poemas através do
nome de cada um
deles presentes nos
respectivos poemas.
Essa animação é
acompanhada de trilha
sonora de Webern, o
Imagem extraída da animação de abertura.
91
Quarteto op.22, escrito para piano, saxofone tenor, violino e clarinete.
Dentro de cada poema existem dispositivos, que possibilitam a navegação para outros
poemas. Trata-se de um menu (gráfico que possibilita a navegação entre os poemas)
formado pela palavra POETA mais o sinal gráfico de menos (-). Esse menu pode ser
acionado pelo leitor e a quantidade de possibilidades é proporcional ao número de
cores utilizadas no poema exibido na tela. As “ligações” entre as cores e os poemas
podem ser representadas pelo gráfico a seguir:
No capítulo 1.2.2 apresentamos a série de poemas poetamenos. Neste capítulo,
abordaremos cada poema de forma detalhada e sua possibilidade tradutória.
A ordem dos poemas segue a mesma estabelecida por Augusto de Campos, na sua
versão impressa, de 1973.
3.1.3 - poetamenos
Diferente dos outros poemas aqui abordados, com exceção de eis os amantes,
poetamenos é alinhado à esquerda e dele participam apenas duas cores: o amarelo e o
violeta. Essas cores são complementares entre si (ver Gráfico 3.2).
Neste poema, forma e significado completam-se, de modo que, temos a fusão de
ambos. A forma rígida representada pelo alinhamento à esquerda está em
conformidade com o sentimento de petrificação do poeta ante a ausência da amada. A
sensação evocada pelo poeta é de estar engastado em rocha como uma escultura feita
a partir de um maciço de pedra. Percebe-se isso através da criação da “palavra-valise”
(combinação de duas palavras para formar uma nova) rochaedo: rocha + aedo (poeta).
Todo o poema sugere a sensação de inércia provocada pela distância física entre os
amantes. Ao mesmo tempo, a unidade dos enamorados se dá na forma de memória e
de sonho: us (nós em inglês) / somos / um unis / sono.
Para representar esse poema, elegemos a cor amarela; pois, a nosso ver, e tendo como
Gráfico 3.3
92
base o estudo sobre as cores primárias e secundárias, ela denota a ausência do violeta
que é composto pela união das cores primárias azul (poeta) e vermelho (amada). A cor
violeta representa, portanto, o ato sexual entre os dois personagens que não se
concretiza devido à distância entre eles. Outro elemento presente no poema, que nos
leva a tal afirmação, é a existência da palavra estro, escrita em amarelo, que significa
engenho poético, imaginação criadora e também desejo sexual.
A partir dos recursos disponíveis e, principalmente, das informações contidas no
poema, propomos a simulação de um objeto tridimensional formado pelo poema, em
que a quantidade de letras é convertida em volume. Dessa maneira, cria-se um sólido
tridimensional que é acompanhado pela oralização do poema feita pelo próprio poeta,
em 1953, presente no CD do católogo da exposição Arte Concreta Paulista, de 2002.
Para completar a tradução para mídia digital, cada linha do poema movimenta do plano
para o tridimensional com a interação do leitor. As linhas são independentes umas das
outras. O acionamento da
animação se dá através do
mouse, que permite ligar e
desligar a animação. Esse
procedimento, somado ao
uso das cores
complementares, produz
um jogo de luz e sombra.
O conjunto de animações
de cada linha do poema
forma uma tessitura
sonora, visual e cinética.
3.1.4 - paraíso pudendo
Em paraíso pudendo, Augusto de Campos utiliza as três cores primárias (azul, amarelo
e vermelho) e apenas a cor verde do grupo das secundárias. Apesar disso, todos os
grupos de palavras de cada cor relacionam-se mutuamente. O fato da cor verde ser uma
cor secundária não a exclui dessa relação. Ela é complementar da cor vermelha,
formada pela mistura entre as cores azul e amarelo.
Tais argumentos nos levaram a eleger a cor verde como a representante desse poema
na página de abertura da animação.
No poema encontramos, na cor azul, uma seqüência de palavras que alude ao primeiro
verso da Trova dos Figueiredos ou Canção do Figueiral, uma canção trovadoresca de
autor desconhecido: No figueiral figueiredo, a no figueiral entrey.
Imagem extraída da animação do poema poetamenos.
93
Segundo Jacques Donguy (2002, p.20), em suas notas de rodapé que acompanham a
antologia francesa de Augusto de Campos, Despoesia, “ 'no entrei' é uma inversão
sintática de 'entrei no', da antiga canção trovadoresca”. Esta inversão se dá ao estilo de
cummings e justifica-se pela confusão de sentido: “não entrei” e “entrei no”. Donguy
também chama a atenção a criação da “palavra-valise” espal(s)mas, por significar, ao
mesmo tempo, espalmar e espasmo. Tais palavras sugerem o movimento de abrir e
contrair da vagina. Esta afirmação é reforçada pela palavra ellla. Ella (ela em
espanhol) está grafada com um “l” a mais, tal procedimento encontra semelhança no
verso do poema de Décio Pignatari, O Jogral e a Prostituta Negra, de 1949: tuas
pernas em M, em que a letra “M” representa a posição das pernas. Temos em ellla a
representação do órgão sexual masculino entre a palavra ella. O próprio nome do
poema já faz referência aos órgãos genitais externos.
Não tão distante do poema poetamenos, paraíso pudendo traz os versos em azul e
vermelho alinhados à esquerda com exceção das palavras braços e jardim. Esta
configuração sugere o movimento de vaivém, ou seja, contração e relaxamento,
próprio do ato sexual, como já foi notado anteriormente na palavra espal(s)mas.
Outros procedimentos utilizados pelo poeta é a quebra das palavras como em sus penso.
Também todas as palavras que possuem a letra “p” são grafadas em vermelho ou verde.
Nossa proposta para a tradução é a elaboração de uma animação em que é possível
penetrar no poema. Isso se dá através da utilização do recurso de zoom in (aproximação)
e zoom out (afastamento), ao mesmo tempo que simula o movimento de entrar e sair do
poema. Tal recurso é acionado
pelo leitor através do teclado,
nas teclas “para cima” (seta) e
“para baixo”.
A animação é acompanhada
por trilha sonora de Webern
(Variações para piano, op. 27),
pois não existe registro de
oralização deste poema.
As palavras figueiredo e
figueiral acionam o
surgimento de um endereço
eletrônico, em uma janela
externa ao poema, que
contém a Trova dos
Figueiredos ou Canção do
Figueiral na íntegra.
Imagens extraídas da animação do poema paraíso pudendo.
94
3.1.5 - lygia fingers
O poema lygia fingers é formado por três cores primárias (vermelho, amarelo e azul)
e duas cores secundárias (verde e violeta).
Escolhemos a cor laranja para representar esse poema no menu de navegação, pois é a
única cor ausente no texto. Nela encontramos algumas relações com o nome da amada,
pois ambas laranja e lygia começam com a letra “l” e por representar, já vista em
análises anteriores, a mescla da cor amarelo com a vermelha (memória + amada).
No seu livro Poesia Concreta: uma prática intersemiótica, de 1998, Pedro Reis
exibe uma análise completa deste poema e o compara à composição Quarteto op.22,
de Webern:
Assim, Campos faz corresponder as cores dos elementos verbais do seu texto ao
timbre dos instrumentos de Webern. Lendo o poema linha após linha, encontramos
primeiro um nome feminino, de três sílabas, impresso a vermelho – lygia. Isto
corresponderia à sequência inicial, de três timbres executada pelo saxofone tenor.
Este nome é seguido por três elementos a verde (o violino): a palavra portuguesa
finge torna-se, pela adição de rs, na palavra inglesa fingers, que pode ser lida como
um verbo (de to finger, que significa dedilhar, as teclas do piano, por exemplo) ou
como um nome plural; e o reverso da sequência rs torna-se na palavra portuguesa
ser. A linha seguinte apresenta o adjectivo trissilábico, correspondente a fingers -
digital - que tanto pode ser lido como português ou como inglês; as quatro letras
de digital contidas em lygia estão impressas a vermelho, enquanto que d e t
representam o motivo finger, a verde. A presença simultânea das duas cores numa
palavra corresponde à execução simultânea de saxofone e violino no ponto de
transição da primeira para a segunda sequência. [...]
A linha seguinte, uma palavra 'composta' baseada em datilografo (palavra
derivada do grego daktylos, dedo, e graphein, escrever), mas que inclui também
a palavra latina illa (ela), assim como um trocadilho da palavra portuguesa dedo,
contém três sílabas de lygia, a vermelho, rodeadas a verde por sons de fingers,
seja em português, seja em inglês (d, t, r, ph/f). [...]
A seguir, lygia aparece transformada num felino, lynx – uma transformação
assinalada, não só pelo alinhamento vertical e a presença de ly como, mais
enfaticamente, pela cor vermelha do motivo lygia. As duas sílabas obtidas pela
repetição são ecoadas na mesma linha, mas após um largo espaço, pela palavra
bissilábica portuguesa assim, em cor púrpura, fica em suspenso, enquanto pode
ser lida como uma simples afirmação, mas encontra uma significância mais
completa quando os olhos atravessam diagonalmente as duas linhas seguintes até
encontrarem o próximo elemento em púrpura que completa a afirmação: assim
seja. Essas duas linhas interpostas são compostas por fragmentos entrelaçados do
motivo lygia lynx, a vermelho, e do motivo finger, a verde, que também foi
transformado, tal como acontecera com lygia, e por quatro sílabas separadas numa
outra cor, o amarelo, que corresponde à entrada do clarinete, com duas curtas
notas para completar a sequência violino-saxofone na composição de Webern. E
quando o piano reaparece no Quarteto, reencontramos a cor púrpura no texto, que
permanece a cor dominante até ao fim, interrompida apenas por quatro elementos
so a azul e flanqueada, no lado esquerdo, por lygia, a vermelho, que foi dividida
e disposta verticalmente de modo idêntico à disposição de lynx que aparece à
direita das duas linhas de três cores. Podemos, portanto, concluir que, embora não
se verifique uma exacta transposição do Quarteto de Webern, a sequência de
95
cores do ideograma policromático de Campos segue de perto a sequência de
timbres dos compassos iniciais daquela peça musical. (pp. 124-125)
No poema, como já vimos, existe a relação entre a figura enigmática de Solange Sohl.
Esse recurso externo utilizado pelo poeta possibilita na tradução a inclusão de um link
(elo) para um quadro externo que contém o poema O sol por natural, escrito em 1950
-1951, por Augusto de Campos em homenagem a Solange Sohl. O dispositivo que
dispara essa janela encontra-se na seqüência monossilábica so so so, grafada em azul.
Outro possível link é “ly” que, posteriormente, deu nome a um poema em homenagem
a Lygia, em 1990, no livro Despoesia. Dessa forma, ao passar o mouse sobre a palavra
“ly” abre-se o quadro externo com o poema ly. Outro procedimento a ser explorado na
tradução é a redução do nome lygia até a letra “l”.
Para Haroldo de Campos, lygia fingers é um exemplo de anagramatização e
compara o uso das cores no poema com um antigo procedimento germânico na
elaboração de poemas:
No poema 'Lygia fingers' [...] há, por exemplo, uma verdadeira anagramatização
progressiva do nome-tema, a percorrer toda a peça, com seus fonemas total ou
parcialmente redistribuídos por outras palavras (digital, linx, felyna, figlia etc.), as
quais funcionam como emblemas metonímicos ou metafísicos da feminilidade e
seus atributos. Como o antigo poema germânico, que se servia de seixos coloridos
para marcar os fonemas de sua composição, o poeta concreto se valeu de uma
notação própria, onde cores diferentes assinalam as diversas 'partes' (no sentido
musical) de leitura, cada conjunto fono-temático devendo ser executado por uma
voz (timbre) diversa (5 vozes ao todo no poema considerado).
(CAMPOS, 1976, pp.111-112)
A melhor explicação sobre lygia fingers foi dada por Augusto de Campos na
apresentação do poema no espetáculo Poesia é Risco, publicado na antologia francesa
organizada por Jacques Donguy: “Mélodie de mot-coleurs, hommage à Anton Webern.
Un poème d'amour à lygia, idéogramme de la femme, idéofemme, mère féline, soeur,
sorella, enfant fille. Lygia. Mot rouge qui se répand dans tout le poème.” (CAMPOS
apud DONGUY, 2002, p. 22).
Imagens extraídas da animação do poema lygia fingers.
96
Em um primeiro momento, temos na tradução, a visualização total do poema e, à
medida que as palavras são pronunciadas, elas desaparecem, restando ao final apenas
a letra “l”.
Ao leitor, é dada a possibilidade de visualizar novamente o poema através do
movimento do mouse sobre a tela. Esse procedimento justifica-se pelas palavras dedat
illa (grypho) e digital presentes no poema. Exige-se do leitor o “dedilhar” do mouse
sobre a tela.
3.1.6 - nossos dias com cimento
Aqui, encontramos as cores primárias vermelha e amarelo, e secundárias verde e violeta.
O tema central é a solidão dos amantes entre a multidão. A paisagem urbana é
representada por elementos como bancos de praça, mendigos e cimento. Observamos
nesse poema a referência ao poema The Extasy, do poeta inglês John Donne, Nossas
mãos duramente cimentadas (CAMPOS, 1986, p.45). No poema eis os amantes,
Augusto de Campos faz, novamente, referência ao poema de Donne.
Para representar esse poema, no menu de navegação, escolhemos a cor azul por se
tratar da cor primária ausente no poema e que é oposta ao laranja, outra cor ausente
aqui, porém já utilizada na
representação de lygia fingers.
Devido a todos os elementos que
sugerem essa paisagem urbana
(ao contrário do que acontece em
paraíso pudendo em que se tem a
paisagem do campo), optamos
por criar uma animação que
simula esse ambiente formado
por palavras.
A oralização do poema é ouvida
quando o mouse passa sobre o
nome do poema. Nesse momento,
inicia-se automaticamente uma
animação que culmina com a
apresentação do poema inteiro
na tela.
Imagens extraídas da animação do poema nossos dias com cimento.
97
3.1.7 - eis os amantes
Este poema é formado pela cor primária azul e sua complementar, a cor laranja. Essas
cores representam no poema a figura do poeta e da amada.
Eis os amantes possui eixo de força central, todo poema está alinhado a partir do centro
da página.
O poema é estruturado através do método de criação de “palavras-valises”, encontrado
nos textos de James Joyce. Esse procedimento, aliado à utilização das cores
complementares, dá a sensação de fusão entre as palavras, assemelhando-se ao ato
sexual entre os amantes, como o próprio nome do poema já diz.
Esta fusão entre opostos também é verificada na oralização do poema feita por
Augusto de Campos e Lygia Azeredo, em 1953, presente no CD do católogo da
exposição Arte Concreta Paulista, de 2002. Na gravação, o poeta recita as partes do
poema grafadas em laranja, enquanto Lygia as grafadas em azul.
Ao juntar a versão oral com a versão impressa do poema, forma-se uma trama
verbivocovisual inseparável.
Outro elemento importante nesse poema é a referência que ele faz ao poema The
Extasy, de John Donne. Percebemos isso no fragmento da tradução que Augusto de
Campos fez do poema:
Mas que assim como as almas são misturas
Ignoradas, o amor reamalgama
A misturada alma de quem ama,
Compondo duas numa e uma em duas. (1986, p.47)
A partir dos elementos
apresentados e das possibilidades
do suporte digital, temos como
proposta tradutória a criação da
animação em que os elementos
gráficos do poema seguem o
movimento feito pelo leitor
através do mouse.
Ao leitor, é dado o poder de
interferir nesse movimento, porém
não é permitido separar seus
elementos. Soma-se a esse
procedimento a criação de “células
sonoras” que estão espalhadas pela
tela e só são ouvidas quando o
mouse passa sobre esses espaços.
Imagens extraídas da animação do poema eis os amantes.
98
3.1.8 - dias dias dias
Único poema da série poetamenos que possui todas as cores primárias e secundárias.
dias dias dias foi oralizado por Caetano Veloso, em 1975, incluindo no final os versos
da canção Volta, de Lupicínio Rodrigues:
Volta!
Vem viver outra vez ao meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado
(Lupicínio Rodrigues, 1957)
Essa adição de elementos feita por Caetano Veloso é o resultado de um conhecimento
prévio da simpatia de Augusto de Campos pelo “pai da dor-de-cotovelo”.
A oralização feita por Caetano Veloso já é uma tradução intersemiótica do poema
impresso, à medida que o cantor, além de incluir outros elementos, interpreta o poema
a partir da sua visão pessoal.
Além dessa, encontramos outras referências no texto de Augusto de Campos anteriores
à versão de Caetano Veloso. É o caso do soneto de Luís de Camões, Sete anos de pastor
Jacob servia, através dos fragmentos: esperança e deum só dia, presentes no verso Os
dias, na esperança de um só dia, do poema de Camões.
Outra referência, porém dessa vez irônica, é o fragmento LEMBRA E QUANTO,
extraído do trecho Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!), do soneto Visita à
casa paterna, de 1876, do parnasiano Luís Guimarães Junior.
Em dias dias dias, bem como nos outros poemas da série poetamenos, as cores
empregadas têm papel fundamental. Nesse caso, cada cor funciona como separação
para os diversos temas abordados no poema. Grafado em cor verde, encontramos a
esperança do poeta em reencontrar a amada. Na cor vermelha temos ligação entre o
texto na cor violeta, que transcreve um diálogo entre os amantes; o texto na cor azul,
trata-se de uma mensagem escrita em formato de telegrama; e, o texto na cor amarela
é escrito em caixa alta e aborda a memória. Na cor laranja temos as palavras es / se /
ohes / se que formam o pedido de socorro conhecido como S.O.S., trata-se do
sentimento de solidão. A disposição do trecho em laranja forma na página o desenho
da letra L.
Como proposta tradutória desse poema, optamos por utilizar como trilha sonora da
animação a oralização do poema feita por Caetano Veloso. Em um primeiro momento,
temos a palavra “dias” repetida 36 vezes na tela, seis vezes em cada cor. Somente
aquelas grafadas em verde e vermelho dão início à animação.
A animação segue o ritmo da versão de Caetano Veloso e conta com links para as
referências externas ao poema, como no caso dos sonetos de Camões e Luís Guimarães
Junior. Outros recursos são a visualização de cada letra, uma por vez, do texto escrito
99
em azul, para simular a digitação de um telegrama. Ao término da animação, restam
apenas sobre a tela as palavras que servem de links para outros quadros e o menu que
possibilita a visualização dos outros poemas da série.
3.2 - Recriação, tradução-arte, intradução, tradução criativa, transcriação, ou
apenas: tradução intersemiótica
A tradução de textos criativos recebeu diversas denominações por seus teóricos. Eis
uma amostra: Haroldo de Campos - transcriação, transluciferação; Augusto de
Campos - recriação, intradução, tradução-arte; Roman Jakobson / Julio Plaza -
tradução intersemiótica.
Para Haroldo de Campos, essa variedade de terminologias já exprime a insatisfação
sobre a necessidade de fidelidade da tradução ante o texto de partida. Segundo Campos:
Desde a idéia inicial de recriação, até a cunhagem de ternos como transcriação,
reimaginação (caso da poesia chinesa) transtextualização, ou - já com timbre
metaforicamente provocativo - transparadisação (transluminação) e transluciferação,
para dar conta, respectivamente, das operações praticadas com Seis Cantos do
Paraíso de Dante e com as duas cenas finais do Segundo Fausto. Essa cadeia de
neologismos exprimia, desde logo, uma insatisfação com a idéia 'naturalizada' de
tradução, ligada aos pressupostos ideológicos de restituição da verdade (fidelidade)
e literalidade (subserviência da tradução a um presumido 'significado transcendental'
do original), ... (CAMPOS in OLIVEIRA; SANTAELLA, 1987, p.54)
No trabalho, Tradução, ofício e arte ou traidores de tradutores
18
, Gilfrancisco dos
Santos esclarece o sentido de tradução sobre o ponto de vista etimológico:
tradução de acordo com a etimologia latina (traductione) é o ato ou efeito de
conduzir além de, transferir, um texto ou dito de uma língua para outra, ou seja,
é um processo de converter uma linguagem em outra. A própria palavra tradução
é um termo ambíguo, sendo as mais usadas: justalinear (aquela em que o texto de
cada linha vai traduzido ao lado, ou na linha imediata), literal (a que é feita ao pé
da letra), e livre (a que se atém às palavras do texto original, opondo-se à
tradução literal). Tradutor é aquele que torna compreensível àquilo que antes era
initeligível; por isso, o primeiro tradutor foi o hermeneuta, a quem cabia traduzir
Imagens extraídas da animação do poema dias dias dias.
18
Disponível em: www.cronopios.com.br
100
em linguagem humana a vontade divina, permitia a comunicação em plano
vertical, entre Deus e os homens. [...] A tradução, o novo texto, a recriação alarga
o círculo de objetivos do texto precedente, cujo autor não consegue prever todos
os efeitos daquilo que escreveu e que pode aparecer numa nova roupagem de
outro idioma.
Essa definição se enquadra no tipo de tradução, comumente conhecida, feita para
tornar um texto compreensível.
Para Haroldo de Campos, as “traduções comuns” podem ser separadas por dois tipos:
ou se trata de traduções simplesmente mediadoras, que outra coisa não visam
senão à útil tarefa de auxiliar a leitura do original, como uma espécie de dicionário
portátil ou léxico arrazoado ad hoc; ou se trata de traduções medianas, que
procuram intermediar de maneira média, guardando da aspiração estética apenas
as marcas externas de um dado esforço de versificação e de um deliberado
empenho rímico. (2005, p.184)
Em Aspectos Lingüísticos da Tradução, publicado inicialmente em 1959, Jakobson nos
leva a pensar a tradução como um fato semiótico. A partir do estudo de Peirce sobre os
signos, ele divide a tradução em três tipos: intralingual, interlingual e inter-semiótica.
Segundo Jakobson:
Para o lingüista como para o usuário comum das palavras, o significado de um
signo lingüístico não é mais que sua tradução por um outro signo que lhe pode ser
substituído, especialmente um signo 'no qual ele se ache desenvolvido de modo
mais completo', como insistentemente afirmou Peirce, o mais profundo investigador
da essência dos signos. O termo 'solteiro' pode ser convertido numa designação
mais explícita, 'homem não-casado', sempre que maior clareza for requerida.
Distinguimos três maneiras de interpretar um signo verbal: ele pode ser traduzido
em outros signos da mesma língua, em outra língua, ou em outro sistema de
símbolos não-verbais. Essas três espécies de tradução devem ser diferentemente
classificadas:
1) A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação
dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua.
2) A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na interpretação
dos signos verbais por meio de alguma outra língua.
3) A tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais. (2005, pp.64-65)
Julio Plaza extrai o conceito de tradução intersemiótica do lingüista Roman Jakobson,
como escreve no texto de abertura do seu livro, Tradução Intersemiótica:
A Tradução Intersemiótica ou 'transmutação' foi por ele [Roman Jakobson]
definida como sendo aquele tipo de tradução que 'consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais', ou ' de um sistema de
signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema
ou a pintura', ou vice-versa, poderíamos acrescentar. (2001, p.XI)
O teórico brasileiro compara a tradução interlingual e a tradução intersemiótica e
constata que na primeira, “o processo tradutório processa-se no mesmo meio, porém
101
em língua diferenciada, tendo, por isso mesmo, a tendência a despertar os sentidos
latentes na língua de partida”; já na segunda “os diferentes sistemas de signos, tornam-
se relevantes às relações entre os sentidos, meios e códigos.” (2001, p.45)
Ao término de tal constatação, ele vê na tradução intersemiótica a importância do uso
material dos suportes, “cujas qualidades e estruturas são os interpretantes dos signos
que absorvem, servindo como interfaces.” (2001, p.67)
Plaza vai além da divisão estabelecida por Jakobson e divide a tradução intersemiótica
em três categorias: tradução icônica, indicial e simbólica.
Para Plaza, a tradução icônica se pauta pelo “princípio de similaridade de estrutura.
(2001, p.89) Dessa maneira, ela produzirá significados sob a forma de qualidade entre
ela e seu original. “Será uma transcriação.” (2001, p.93) Julio Plaza afirma que:
Neste tipo de tradução, trata-se fundamentalmente de enfrentar o intraduzível do
Objeto Imediato do original através de um signo de lei transductor. Podem-se
distinguir, assim, as traduções icônicas de caráter isomórfico e paramórfico,
numa apropriação metafórica destas noções vindas da química e da física. (2001, p.90)
Os outros dois tipos de tradução são indicial e simbólica. A primeira se pauta pelo
contato entre o texto de partida e o texto de chegada. “Suas estruturas são transitivas,
há continuidade entre o original e tradução.” (2001, p.91)
Esse tipo de tradução é denominada por Plaza como transposição.
Já a tradução simbólica é um tipo de tradução que se dá por convenção. Ela opera pela
contigüidade instituída, o que é feito através de metáforas, símbolos ou outros
signos de caráter convencional. Ao tornar dominante a referência simbólica,
eludem-se os caracteres do Objeto Imediato, essência do original. A tradução
simbólica define a priori significados lógicos, mais abstratos e intelectuais do que
sensíveis. (PLAZA, 2001, p.93)
Esse tipo de tradução é chamada de transcodificação por Julio Plaza.
Apesar da contribuição de Julio Plaza para a teoria da tradução, elegemos a perspectiva
de Haroldo de Campos, “a tradução como uma forma privilegiada de leitura da
tradição” (CAMPOS apud OLIVEIRA, 2003, p.94), como aquela que soube sintetizar,
criticamente, o conceito de tradução elaborado por pensadores como Benjamin, Pound
e Jakobson. Tal escolha se dá, entre muitas razões, por Haroldo de Campos ser,
juntamente com Décio Pignatari e Augusto de Campos, um dos criadores da poesia
concreta no Brasil e ter sido responsável por traduções de importantes poetas de todos
os tempos. Além disso, Haroldo de Campos preocupou-se em “criar uma tradição”,
através de seus textos críticos sobre tradução, para futuros poetas/tradutores.
Falaremos mais detalhadamente sobre a perspectiva de tradução do teórico na próxima
parte desse capítulo.
102
3.2.1 - Considerações sobre a(s) teoria(s) da tradução
Como já mencionamos, existem vários autores que abordam a tradução. Esses teóricos,
principalmente Haroldo de Campos, tiveram como base, em maior ou menor grau, A
Tarefa do Tradutor, de Walter Benjamin.
Para Benjamin, é no original que encontramos a chave para a tradução bem-sucedida.
De acordo com o autor: “Translation is a mode. To comprehend it as mode one must
go back to the original, for that contains the law governing the translation: its
translatability.” (1981, p.70)
Benjamin também afirma que a tradução é “a transposição de uma língua para a outra
por meio de um continuum de transformações. São espaços contínuos de
transformação, e não regiões abstratas de igualdade e de similaridade que a tradução
atravessa. “(BENJAMIN apud LAGES, 2002, p.202)
A afirmação acima é semelhante ao pensamento de Lotman encontrado em Sobre
algumas dificuldades de princípio na descrição estrutural de um texto no qual toma
emprestado de Tinianov as seguintes palavras:
A unidade da obra não é uma totalidade simétrica fechada, mas um todo dinâmico
que se desenvolve; entre seus elementos não existe nenhum signo estético de
igualdade ou de adição, mas há sempre um signo dinâmico de correlação e
integração. A forma da obra literária deve ser compreendida como dinâmica.
(TINIANOV apud LOTMAN, 1979, p.131)
A partir de Lotman, Haroldo de Campos conclui que ao traduzimos um texto, estamos
traduzindo também toda a série cultural. Segundo ele: “Tradução como transcriação e
transculturação, já que não só o texto, mas a série cultural (o “extra-texto” de Lotman)
se transtextualizam no imbricar-se subitâneo de tempos e espaços literários diversos.
(CAMPOS, H. 1976, p.10)
Com efeito, a constatação de que “em poesia, as equações verbais são elevadas à
categoria de princípio construtivo do texto”(p.72), leva Jakobson a concluir que a
poesia é intraduzível. De acordo com o teórico:
quer esta dominação seja absoluta ou limitada, a poesia, por definição, é intraduzível.
Só é possível a transposição criativa: transposição intralingual - de uma forma
poética a outra -, transposição interlingual ou, finalmente, transposição inter-semiótica
- de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música,
a dança, o cinema ou a pintura. (2005, p.72)
Tal impossibilidade de tradução aparece nos textos que Umberto Eco denominou como
obra aberta. Segundo Eco:
1) as obras 'abertas' enquanto em movimento se caracterizam pelo convite a fazer
a obra com o autor; 2) num nível mais amplo (como gênero da espécie 'obras em
movimento') existem aquelas obras que, já completadas fisicamente, permanecem
contudo 'abertas' a uma germinação contínua de relações internas que o fruidor
deve descobrir e escolher no ato de percepção da totalidade dos estímulos; 3) cada
103
obra de arte, ainda que produzida em conformidade com uma explícita ou
implícita poética da necessidade, é substancialmente aberta a uma série
virtualmente infinita de leituras possíveis, cada uma das quais leva a obra a
reviver, segundo uma perspectiva, um gosto, uma execução pessoal. (2005, pp.63-64)
Podemos considerar como falha a tentativa de tradução da poesia, pois dela pressupõe
a multiplicidade de sentidos, da mesma forma que a obra aberta encontra-se em
constante transformação. Haroldo de Campos novamente encontra em Lotman uma
justificativa para a impossibilidade da tradução desses textos:
Para ser percebida como texto, a mensagem deve ser pouco ou nada compreensível,
e suscetível de uma tradução ou interpretação ulteriores. Os oráculos píticos, as
predições do profeta, as palavras da quiromante, as prédicas do sacerdote, os
conselhos do médico, as leis e as prescrições sociais, quando seu valor é definido
não por uma mensagem lingüística real mas por uma supramensagem textual,
devem ser incompreensíveis e suscetíveis de interpretação. A isso se ligam,
igualmente, as tendências à semiinteligibilidade, ao duplo sentido e à
multiplicidade de sentidos. A arte, onde a pluralidade de sentidos é erigida em
princípio, não produz teoricamente senão textos. (LOTMAN apud CAMPOS,
1976, pp.90-91)
Da mesma forma, ao afirmar que tradução é forma, Benjamin termina por aceitar a
impossibilidade de tradução. Para Benjamin:
Uma tradução já não é mais o texto original, passado, e não chega ainda a ser um
novo texto, completamente autônomo, pois ainda se vincula, de alguma forma, ao
texto a partir do qual foi criada. Como o tempo, uma tradução é caracterizada por
uma certa instabilidade, uma vez que se define como mediadora, não apenas entre
duas culturas espacialmente distantes, mas também entre dois momentos históricos
diversos. A tradução ocupa um espaço de passagem, no qual não se fixam momentos
cristalizados, identidades absolutas, mas se aponta continuamente para a condição
diferencial que a constitui. Simultaneamente excessivo e carente, poderoso e
impotente, sempre o mesmo texto e sempre um outro, o texto de uma tradução ao
mesmo tempo destrói aquilo que o define como original - sua língua - e o faz
reviver por intermédio de uma outra língua, estranha, estrangeira.
(BENJAMIN apud LAGES, 2002, p.215)
Essa impossibilidade produz a necessidade de uma tradução que seja paralela ao texto
de partida. Para Haroldo de Campos: “A tradução é também uma persona através da
qual fala a tradição. Neste sentido, como a paródia, ela é também um 'canto paralelo',
um diálogo não apenas com a voz do original, mas com outras vozes textuais.
(CAMPOS, 2005, p.191)
Em outro texto, Campos expõe que essa necessidade de paralelismo da tradução está
presente no pensamento de Benjamin:
Walter Benjamin rejeita a teoria da 'cópia', que implicaria a preocupação de
'assemelhar-se' ou 'assimilar-se' ao sentido do original. Propõe, [...] (uma
'figuração junto', 'paralela', uma 'parafiguração') do 'modo de significar' desse
original. Isto tem a ver com a 'afinidade' , com o que se poderia denominar
104
contigüidade semiótica: [...] O tradutor traduz não o poema (seu 'conteúdo'
aparente) mas o modus operandi da 'função poética' no poema, liberando na
tradução o que nesse poema há de mais íntimo, sua intentio 'intra-e-intersemiótica':
aquilo que no poema é 'linguagem', não meramente 'língua', para servir-me aqui
de uma distinção operacional cara a D. Pignatari. (CAMPOS apud OLIVEIRA;
SANTAELLA, 1987, p.70)
No texto Da Tradução como criação crítica, encontramos em Haroldo de Campos a
preocupação com o conceito de recriação. De acordo com ele:
tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma,
porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável,
mais sedutor enquanto possibilidade aberta à recriação. Numa tradução dessa
natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja,
sua fisicalidade, sua materialidade mesma. [...] O significado, o parâmetro
semântico será apenas e tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa
recriadora. Está-se, pois no avesso da chamada tradução literal. (2004, p.35)
A solução encontrada por Haroldo de Campos para tal impossibilidade é a recriação
através do conceito de isomorfismo elaborado por ele. Segundo o autor:
a possibilidade, em princípio, da recriação (re-criação) de textos poéticos. Para
fazer face ao argumento da 'outridade' da 'informação estética' quando reproposta
numa nova língua ('Em outra língua, será uma outra informação estética, ainda
que seja igual semanticamente', M. Bense), introduzi o conceito de isomorfismo:
original e tradução, autônomos enquanto 'informação estética', estão ligados entre
si por uma relação de isomorfia; 'serão diferentes enquanto linguagem, mas, como
os corpos isomorfos, cristalizar-se-ão dentro de um mesmo sistema.' Insinuava-se,
aqui, a noção de mímesis não como cópia ou reprodução do mesmo, mas como
produção simultânea da diferença. (CAMPOS apud OLIVEIRA; SANTAELLA,
1987, p.59)
Campos não só acredita na tradução como recriação do texto como também que os
textos difíceis detêm as melhores possibilidades para a tradução criativa. De acordo
com Campos:
... quanto mais difícil ou mais elaborado o texto poético, mais se acentuaria aquele
traço principal da impossibilidade da tradução. No caso da recriação, dar-se-ia
exatamente o contrário: 'quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais
recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação.' [...] A disjunção
poesia/prosa deixava de ser relevante a essa noção de 'tradução criativa', onde a
condição de possibilidade se constituía, exatamente, com apoio no critério da
dificuldade. Eu não conhecia àquela altura, o lema de Lezama Lima: 'Sólo lo
difícil es estimulante', mas ele corresponderia ponto por ponto à minha concepção
do traduzir como re-criação. (CAMPOS apud OLIVEIRA; SANTAELLA,
1987, p.60)
Com o passar do tempo o termo recriação foi aprimorado por Haroldo de Campos para
o conceito de transcriação. Em uma das suas últimas entrevistas, ele afirma:
Transcriação é um conceito de que valho em correspondência aos de creative
105
transposition, (transposição criativa), de R. Jakobson, e de Umdichtung (trans-ou-
circunpoetização), de W. Benjamin. Significa semiótico-operacionalmente, não
apenas verter o conteúdo (a semântica) do poema de origem, mas transpor-lhe a
forma significante (todos os elementos pertinentes às duas dimensões conhecidas
pelo pai da Glossemática, o lingüista dinamarquês Hjelmsleu). No plano da forma
do conteúdo tratam-se de 'desenhos sintáticos', traços morfológicos, de
estrutura gramatical, ou, para Jakobson, da poesia da gramática; para E. Pound,
da logopéia.
19
Augusto de Campos fala, em seu último livro de traduções Poesia da recusa, sobre o
significado da tradução e a importância dos textos por ele traduzidos:
As minhas traduções procuram preservar as características formais do original.
São, nesse sentido, estudos de dicção e de estilo. Mas o meu lema é oferecer ao
público somente aqueles poemas que efetivamente continuem poemas depois de
traduzidos. Daí a necessidade de captar, além da sua forma, a sua 'alma', o que
traz para o tradutor o problema de identificar-se com o texto e abdicar de uma
programação inteiramente premeditada. Essas motivações, que implicam uma
questão de empatia, a par das dificuldades dos próprios poemas, os seus diferentes
graus de traduzibilidade, ditam o maior ou menor número de peças deste ou
daquele autor. Trata-se, pois, de uma intervenção seletiva, inevitavelmente
idiossincrática, dentro dos parâmetros conceituais propostos. (2006, p.17)
A seleção dos textos a serem traduzidos é fundamental. Essa preocupação com a
escolha ocorre porque esses textos modificam os textos futuros, assim como os últimos
modificam os textos do passado. Borges afirma que :
A verdade é que cada escritor cria os seus precursores. A sua obra modifica a
nossa concepção do passado como há de modificar a do futuro [...] Pode-se dizer
que uma nova obra decisiva ou um novo movimento artístico propõem um novo
modelo estrutural, à cuja luz todo o passado subitamente se reorganiza e ganha
uma coerência diversa. (BORGES apud CAMPOS, H. 1976, p.21)
Nesse sentido, é interessante mencionar a importância do suporte, principalmente, a
mídia digital para a tradução. Para Julio Plaza (2001, p.115), “toda 'nova tecnologia' é,
inicialmente, tradutora e inclusiva das linguagens anteriores”. Segundo ele:
A transposição de um signo estético num meio determinado para um outro meio
tecnológico deve obedecer os recursos normativos (signos de lei) do novo suporte,
seus sistemas de notação. [...] Assim, todo suporte declara e impõe suas leis que
conformam a mensagem. (p.109)
Para finalizar, resta esclarecer que, a “tarefa do tradutor” é transpor o texto traduzido
para um novo contexto histórico e lingüístico, ou seja, reescrever o texto em outra
mídia, para num novo público com percepções diferentes daqueles que receberam o
texto de partida como criação. Ao mesmo tempo, o tradutor deve lidar com a
pluralidade de sentidos que o texto de partida carrega, não somente as internas, mas
também aquelas do ambiente em que foi criado. Para nós, as recriações de textos
19
Revista E. SESC-SP – n.10. São Paulo: Lazuli, 2003, p.13.
106
criativos proporcionam uma experiência múltipla de leitura desses textos, pois, através
da recriação, é possível sobrepor várias versões de um mesmo texto. De acordo com
Octavio Paz:
Cada texto é único e, simultaneamente, é a tradução de outro texto. Nenhum texto
é inteiramente original, porque a própria linguagem em sua essência já é uma
tradução: primeiro, do mundo não-verbal e, depois, porque cada signo e cada
frase é a tradução de outro signo e de outra frase. Mas esse raciocínio pode se
inverter sem perder sua validade: todos os textos são originais porque cada
tradução é distinta. Cada tradução é, até certo ponto, uma invenção e assim
constitui um texto único. (2006, pp.05-06)
107
Ao modo de conclusão
Procuramos, ao longo desse trabalho, apontar a importância dos textos que trazem
dentro de si, elementos que possibilitam sua recriação em outras mídias, diferentes
daquelas em que foram criados.
Tal estudo teve como ponto de partida o trabalho de Augusto de Campos, pois ele
contribuiu, e ainda contribui, em grande parte, para a tradução daqueles “textos
difíceis” como, por exemplo, textos de cummings, Pound, Joyce e Mallarmé. Não por
acaso, eles fazem parte do paideuma concreto, espécie de autores que se enquadram na
categoria de inventores estabelecida por Pound.
Além disso, Augusto de Campos deu continuidade ao trabalho de tradução na
exploração da mídia digital, ao recriar antigos poemas em CD-ROM e Internet.
Acredito que nesse trabalho conseguimos alcançar, senão em sua totalidade pelo
menos em parte, o projeto de Haroldo de Campos de fazer da tradução de textos
criativos uma prática coletiva. De acordo com Campos:
O problema da tradução criativa só se resolve, em casos ideais, a nosso ver, com
o trabalho em equipe, juntando para um alvo comum lingüistas e poetas iniciados
na língua a ser traduzida. é preciso que a barreira entre artistas e professores de
língua seja substituída por uma cooperação fértil, mas para esse fim é necessário
que o artista (poeta ou prosador) tenha da tradução uma idéia correta, como labor
altamente especializado, que requer uma dedicação amorosa e pertinaz, e que, de
sua parte, o professor de língua tenha aquilo que Eliot chamou de 'olho criativo',
isto é, não esteja bitolado por preconceitos acadêmicos, mas sim encontre na
colaboração para a recriação de uma obra de arte verbal aquele júbilo particular
que vem de uma beleza não para a contemplação, mas de uma beleza para a ação
ou em ação. [...] no projeto de um LABORATÓRIO DE TEXTOS, onde os dois
aportes, o do lingüista e o do artista, se completem e se integrem num labor de
tradução competente como tal e válido como arte. Num produto que só deixe de
ser fiel ao significado textual para ser inventivo, e que seja inventivo na medida
mesma em que transcenda, deliberadamente, a fidelidade ao significado para
conquistar uma lealdade maior ao espírito do original transladado, ao próprio
signo estético visto como entidade total, indivisa, na sua realidade material (no
seu suporte físico, que muitas vezes deve tomar a dianteira nas preocupações do
tradutor) e na sua carga conceitual. (Campos, H. 2004, pp.46-47)
Assim como a recriação é apenas uma possibilidade, pois pressume escolhas por parte
do tradutor, esse trabalho não encerra as discussões sobre a tradução criativa, qualquer
que seja o suporte midiático. Os poemas de Augusto de Campos, aqui abordados,
aliados ao uso do computador na prática tradutória, possibilitam a recriação de outros
textos a partir desses mesmos textos.
Finalmente, aproprio-me do pensamento de Augusto de Campos para justificar a
escolha do corpus dessa pesquisa:
O antigo que foi novo é tão novo como o mais novo.
(1988, p.8)
108
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