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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
MIRELLI MALAGUTI
A POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA NO PERÍODO DE 1995-2005:
SUAS ORIGENS E SEUS IMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO
DE RENDA NO BRASIL
Porto Alegre
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
MIRELLI MALAGUTI
A POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA NO PERÍODO DE 1995-2005:
SUAS ORIGENS E SEUS IMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO
DE RENDA NO BRASIL
Orientador: Prof. Dr. Luiz
Augusto Estrella Faria.
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-Graduação em
Economia da Faculdade de
Ciências Econômicas da
UFRGS, como quesito parcial
para obtenção do grau de
Mestre em Economia do
Desenvolvimento.
Porto Alegre
2006
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS
M
M236p Malaguti, Mirelli
A política orçamentária no período de 1995-2005 : suas origens e seus
impactos sobre a distribuição de renda no Brasil / Mirelli Malaguti. – Porto
Alegre, 2006.
208 f. : il.
Orientador: Luiz Augusto Estrella Faria.
Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-
Graduação em Economia, Porto Alegre, 2006.
1. Estado : Economia. 2. Política econômica : 1995-2005 : Brasil.
3. Política fiscal : Brasil. 3. Sistema tributário : Brasil. 4. Política
orçamentária : 1995-2005 : Brasil. 5. Gastos públicos : Seguridade social :
Brasil. 6. Distribuição da renda : Brasil. I. Faria, Luiz Augusto Estrella. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências
Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Economia. III. Título.
CDU 330.53
330.564
336.14
MIRELLI MALAGUTI
A POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA NO PERÍODO DE 1995-2005:
SUAS ORIGENS E SEUS IMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO
DE RENDA NO BRASIL
Orientador: Prof. Dr. Luiz
Augusto Estrella Faria.
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-Graduação em
Economia da Faculdade de
Ciências Econômicas da
UFRGS, como quesito parcial
para obtenção do grau de
Mestre em Economia do
Desenvolvimento.
Aprovada em 23 de março de 2006.
Professor Dr. Luiz Augusto Estrella Faria – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professor Dr. Gentil Corazza
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professor Dr. André Cunha
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professora Drª. Denise Gentil
Universidade Federal do Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho
A minha mãe que, com sua coragem, força e determinação, me serviu de exemplo para
nunca desistir, pelo amor a mim dedicado, o qual dá o grande sentido de minha
existência.
Ao meu amigo Aldo Baptista Franco dos Santos (in memorium) que possibilitou a
minha chegada aqui, pelo carinho e amor dedicados a mim.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS por ter me direcionado para este centro de estudos, no
qual tive a oportunidade de conviver com um fantástico corpo de excelência, tanto no
nível acadêmico quanto de apoio.
Agradeço aos meus professores pelo conhecimento que me passaram, todos,
com extrema generosidade, pela seriedade, mas não sem ternura, que dedicam ao seu
trabalho. Em especial gostaria de citar os professores Sergio Monteiro, Pedro Cezar
Fonseca, Ricardo Dathein, André Cunha, Eduardo Maldonado, Gentil Corazza e ao meu
paciente orientador Luiz Augusto Faria. Esse agradecimento não seria justo se o
citasse o grupo de apoio liderado pela competentíssima Iara Machado.
Gostaria ainda de agradecer a companhia inestimável dos meus amigos de
turma, em especial Rosa Chieza, Cesar van der Laan e Volnei Picolotto.
O meu muito obrigada pelo apoio na etapa anterior a entrada para o
mestrado a amiga Glenda Helen e ao professor Hugo Boff.
Agradeço a meu irmão querido Alvaro Malaguti que, com seu desejo de
mudar o mundo, me instigou a querer pensar sobre as questões que me levaram a fazer
esse mestrado.
Faço ainda um registro especial de agradecimento e também de admiração
ao trabalho do especialista em orçamento do Senado Federal Silvio das Virgens, que
tem colaborado em dar transparência aos dados orçamentários no âmbito federal. Seu
exemplo mostra que é possível mudar o estado atual da nossa realidade.
Não posso esquecer-me de Daniela Faria, Anna Lucia Braga Salles e Denise
Gentil, cada uma com sua contribuição específica colaboraram muito nessa fase final.
Agradeço em especial ao meu, para sempre, ‘chefe’ Luiz Mario Behnken
que me introduziu no mundo das finanças públicas, e que com a dedicação de um pai
me abriu um mundo de oportunidades.
Por último Andrés Ferrari, meu companheiro de todas as horas.
RESUMO
A partir da década de 90 um novo modelo de concepção do papel do Estado
e de suas funções na economia dominou o Estado brasileiro. Esse novo paradigma,
conhecido como neoliberalismo, prometia dar fim a crise pela qual o país passava, ou
melhor, o fim do processo de inflacionário, o retorno a estabilidade econômica e a
retomada do crescimento. O receituário dessa política foi adotado pelo governo
brasileiro, entretanto, mais de uma década se passou e além de não ter gerado o
resultado prometido, transformou o orçamento público num mecanismo de transferência
de renda das classes de renda mais baixas para as mais altas. Nesse sentido que este
trabalho analisa a política orçamentária no Brasil no período de 1995-2005. O ponto
central está em seu efeito distributivo a partir da análise quantitativa e qualitativa da
elevação da carga tributária nacional e do gasto público. Essa leitura é feita a partir da
análise do papel do Estado na economia, e a importância das mudanças desse paradigma
e seu reflexo na acumulação do capital nos últimos 30 anos.
Palavras-chave: Estado, intervenção estatal, orçamento público, sistema tributário,
gastos sociais, dívida pública, distribuição de renda.
ABSTRACT
Since the nineties, a new model of the conception and of the economic
functions of the state dominates Brazil’s State. This new paradigm, known as
neoliberalism, promised to put an end to the crisis that the country suffered, or better, to
put an end to the inflation process, to return to economic stability and to regenerate
growth. The recipe of that policy was adopted by the Brazilian government,
nevertheless, over a decade has passed and not only the promised outcomes have not
been obtained, but they turned the fiscal budget into income transfer mechanism form
the lower to the higher income classes. In that sense this dissertation analyzes the
budget policy in Brazil during 1995-2005. The main point is the distributive effect
following the quantitative and qualitative analysis of the raise in the country’s tax
burden and in public expenses. This is done beginning from the analysis of the state’s
role in the economy, the importance of the changes of that paradigm and its reflex on
capital accumulation in the last thirty years.
Key Words: State, State intencionism, public budget, system tributary, social
expenditures, public debt, income distribution.
LISTA DE SIGLAS
ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CF – Constituição Federal
COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira
CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CSSS – Contribuição Social
DATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
DRU – Desvinculação das Receitas da União
EPU – Encargos Previdenciários da União
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIES - Programa de Financiamento Estudantil
FINSOCIAL Fundo de Investimento Social
FNS - Fundo Nacional de Saúde
FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
GEAP – Fundação de Seguridade Social
ICMS Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou
Valores Mobiliários
II e IE - Imposto de Importação e Imposto de Exportação
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
IPMF - Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras
IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
IR - Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza
IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte
IRPF - Imposto sobre a Renda sobre Pessoas Físicas
IRPJ - Imposto sobre a Renda sobre Pessoas Jurídicas
ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
IAPAS – Instituto Nacional de Administração da Previdência Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ITBI - Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” por ato oneroso de Bens Imóveis e de
Direitos Reais sobre Imóveis
ITCD - Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Bens e Direitos
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LOPS – Lei Orgânica de Previdência Social
MPSA – Ministério da Previdência e Assistência Social
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PASEP - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PIB - Produto Nacional Bruto
PIS Programa de Integração Social
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
REFIS - Programa de Recuperação Fiscal
RGPS – Regime Geral de Previdência Social
RPPS – Regime Próprio de Previdência Social
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SELIC - Sistema Especial de Liquidação e de Custódia
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SESC - Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social da Indústria
SEST - Serviço Social do Transporte
SIMPLES - Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das
Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte
SUDS Sistema Único e Descentralizado de Saúde
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Evolução das reservas internacionais (U$S milhões) – jan/1994 a dez/200583
Gráfico 2: Evolução da Taxa Selic nominal (%) – 1998 a 2006 ...................................86
Gráfico 3: Evolução das despesas do Governo Federal (% PIB) – 1994 a 2005............97
Gráfico 4: Evolução da carga tributária (% PIB) – 1969 a 2003.................................112
Gráfico 5: Carga tributária total (% PIB) – 1991 a 2005 ............................................113
Gráfico 6: Valor Adicionado pela indústria (% PIB) – 1947 a 2005...........................131
Gráfico 7: Evolução dos principais itens de arrecadação do IOF (R$ Milhões) 1994 a
2001..........................................................................................................................134
Gráfico 8: Carga tributária direta e indireta sobre a renda segundo classes de renda em
salários mínimos, para as capitais do Brasil em %. Ano: 1996...................................152
Gráfico 9: Quantidade de famílias beneficiadas pelo programa do Governo Federal
Bolsa-Família............................................................................................................176
Gráfico 10: Evolução da quantidade de benefícios emitidos pela Previdência Social (em
milhões de benefícios) – 1996 a 2004........................................................................178
Gráfico 11: Distribuição de benefícios emitidos, segundo faixas de valores –em pisos
previdenciários (posição em dez/2004)......................................................................179
Gráfico 12: Linha de pobreza e transferências da Previdência....................................180
Gráfico 13: Rendimento médio real de todos os trabalhadores (R$ 1,00) 1995 a 2005191
Gráfico 14: Taxa de investimento (% PIB) 1994 a 2005 ............................................192
LISTA DE QUADRO
Quadro 1: Estrutura tributária das Constituições de 1946, 1967, 1988 e reforma de 2003.
..................................................................................................................................110
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Necessidades de financiamento do setor público NFSP (% PIB) - 1985 a 1994
(conceito operacional).................................................................................................70
Tabela 2: Balanço de pagamentos do Brasil (US$ milhões) - 1981 a 2005 ...................79
Tabela 3: Privatização: resultados e dívida transferida (U$S milhões) - 1991 a 2000 ...81
Tabela 4: Algumas destinações dos recursos da privatização – 1995 a 1999 ...............82
Tabela 5: Títulos públicos federais participação por indexador (%) – 1994 a 2005 ......85
Tabela 6: Necessidade de financiamento do setor público consolidado (% PIB) – 1991 a
2005............................................................................................................................93
Tabela 7: Necessidade de financiamento do setor público (% PIB) – 1991 a 2005
(Banco Central + Governo Federal + Estatais).............................................................93
Tabela 8: Dívida líquida do setor público (% PIB) – 1982 a 2005................................94
Tabela 9: Dívida líquida do setor público segundo a origem (% PIB) – 1991 a 2005 ...95
Tabela 10: Orçamento fiscal e da seguridade social - despesa da união (% PIB) – 1994 a
2005............................................................................................................................96
Tabela 11: Variação da carga tributária x variação real do PIB (%) – 1992 a 2005.....114
Tabela 12: Evolução carga tribuária por esfera de governo (% PIB) – 1991 a 2005....115
Tabela 13: Carga tributária bruta (% PIB) .................................................................118
Tabela 14: Carga tributária bruta valores correntes (R$ 1.000) ..................................119
Tabela 15: Carga tributária direta x indireta - 1980 a 1996 ........................................124
Tabela 16: Carga tributária bruta do Governo Federal (% PIB) segundo metodologia do
IBGE – 1991 a 2005..................................................................................................126
Tabela 17: Alíquotas efetivas médias para o Brasil – 1975 a 1999 .............................127
Tabela 18: Carga sobre produção, consumo e importação (% PIB) - 1992 a 2005......128
Tabela 20: Evolução do de declarantes e contribuintes do IRPF (em milhões) 1996 a
2003..........................................................................................................................137
Tabela 21: Limite de isenção do imposto de renda em salários mínimos - 1995 a 2005
..................................................................................................................................138
Tabela 22: Brasil: declarantes do IRPF - 1996 e 1999................................................139
Tabela 23: Alíquotas de IRPF no Brasil - 1979 a 2005 .............................................139
Tabela 24: Alíquotas máximas de IRPF (%) 1986 a 1997 ..........................................140
Tabela 25: Tributação do IRPF- rendimentos do capital e remessas ao exterior .........144
Tabela 26: Carga tributária indireta sobre a renda disponível, por grupos de despesas e
faixas de renda por salários mínimos (em % percentagem sobre a renda líquida).......150
Tabela 27: Percentual da despesa média mensal familiar, segundo faixas de renda
selecionadas - 1995/96 ..............................................................................................151
Tabela 28: Percentual de tributos diretos e indiretos sobre renda por tipo de recebimento
predominante, origem = 75% a 100% do recebimento ...............................................153
Tabela 29: Carga tributária direta e indireta sobre a renda total das famílias 1996 e
2004..........................................................................................................................154
Tabela 30: Evolução das despesas sociais (% PIB) ....................................................163
Tabela 31: Evolução das despesas sociais (R$ milhões - valores correntes) ...............164
Tabela 32: Execução orçamentária por função (exclui dívida) – 1995 a 2005 ............165
Tabela 33: Recursos destinados a manutenção e desenvolvimento do ensino (R$ mil)
2000 a 2005...............................................................................................................168
Tabela 34: Resultado da seguridade social (valores correntes, R$ milhões) 1995 a
2005..........................................................................................................................182
Tabela 34: Desvinculação de receitas da seguridade social (valores correntes, R$
milhões) – 1995 a 2005 .............................................................................................184
Tabela 35: Resultado da seguridade social e do RPPS do Governo Federal (% PIB)
1991-2005.................................................................................................................185
Tabela 36: Desemprego e emprego formal.................................................................191
Tabela 37: Participação do salário, do excedente operacional bruto e dos impostos
indiretos no valor adicionado (R$ 1.000.000) ............................................................193
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................15
2 ESTADO E ECONOMIA OU ESTADO X ECONOMIA ....................................21
2.1 A relação entre o Estado e a Economia ..................................................................22
2.2 Teorias dominantes sobre o Estado........................................................................26
2.3 Uma interpretação marxista do Estado...................................................................39
2.4 Estado e dinheiro no capitalismo e suas alterações no contexto internacional nos
últimos 30 anos ...........................................................................................................48
3 A POLÍTICA ECONÔMICA E A VALORIZAÇÃO DO CAPITAL
FINANCEIRO...........................................................................................................67
3.1 O Plano Real e o Consenso de Washington............................................................67
3.2 A política econômica no período de 1993 a 1994...................................................72
3.3 A política econômica brasileira no período 1995 e 2005 ........................................79
4 EVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA BRASILEIRA 1995-2005: A APROPRIAÇÃO DO
EXCEDENTE..........................................................................................................101
4.1 Os princípios de uma tributação “equânime” .......................................................102
4.2 Antecedentes históricos .......................................................................................105
4.2.1 A Constituição de 1988 e a reforma de 2003.....................................................107
4.3 Elevação da carga tributária no período de 1995-2005.........................................111
4.3.1 Crescimento do PIB x aumento da carga tributária............................................114
4.3.2 Carga tributária nas três esferas de governo ......................................................115
4.4 As principais alterações na legislação tributária que influenciaram o aumento da
carga tributária entre 1994-2005................................................................................120
4.5 O aumento da tributação indireta e da regressividade sobre o imposto direto .......124
4.5.1 Tributos ligados diretamente a produção: COFINS, PIS/PASEP, IPI e a CIDE .129
4.5.2 Tributação sobre operações e movimentações financeiras – IOF e CPMF .........132
4.6 A elevação da tributação direta e a baixa progressividade....................................136
4.6.1 O IRPF sobre o trabalho ...................................................................................136
4.6.2 A tributação sobre o capital: IRPJ, CSLL e o IRPF sobre o capital....................141
4.6.3 Tributação sobre o patrimônio: o ITR ...............................................................145
4.7 Carga tributária direta e indireta sobre as unidades familiares no Brasil ...............149
5 EVOLUÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS SOCIAIS FEDERAIS ENTRE 1995-
2005: A TENTATIVA DE DESTRUIÇÃO LENTA, GRADUAL E SEGURA DA
REDE DE SEGURIDADE SOCIAL ......................................................................156
5.1 Antecedentes históricos: uma visão dos gastos públicos sociais no Brasil ............157
5.2 A compressão dos gastos sociais..........................................................................161
5.2.1 Gastos com educação........................................................................................166
5.2.2 Desenvolvimento agrário..................................................................................169
5.2.3 Trabalho e emprego..........................................................................................170
5.2.4 Igualdade de gênero, racial e direitos humanos .................................................170
5.3 Seguridade Social................................................................................................171
5.3.1 Saúde................................................................................................................174
5.3.2 Assistência Social.............................................................................................175
5.3.3 Previdência Social ............................................................................................176
5.4 A distribuição de renda no Brasil: o impacto do movimento atual do capital........189
6 CONCLUSÃO ......................................................................................................195
REFERENCIAS......................................................................................................199
ANEXOS..................................................................................................................206
15
1 INTRODUÇÃO
A política econômica brasileira atual escentrada no combate à inflação e
na construção da estabilidade macroeconômica. Essas seriam as principais pré-
condições para a atração de investimentos de longo prazo que gerariam emprego e
desenvolvimento sócio-econômico. A luta com o monstro inflacionário é travada a
partir do princípio de que sua causa está basicamente no déficit fiscal, o que exige
elevados superávits primários. De outro lado, qualquer sensação de que os agentes
possam ter expectativas de uma possível elevação dos preços, a política monetária está
voltada para contra-atacar com a elevação das taxas de juros. Como premissa dessas
políticas o governo implantou um intenso processo de "diminuição" da ação do Estado
na economia, considerada maléfica, abrindo espaço para a iniciativa privada.
Apesar de todas as ações feitas para diminuir os gastos do governo,
inclusive com privatizações, a carga tributária segue uma trajetória ascendente, assim
como os elevados superávits primários, ambos decorrentes da elevação do
endividamento público - sem contrapartida de aumento investimentos ou dos gastos - e
do conseqüente aumento dos gastos com juros. Assim a política econômica parece estar
sendo usada como instrumento de transferência de renda a partir do aumento da
tributação e do aumento dos gastos com juros.
Marx identificava o capitalismo como um sistema gerador de crises e de
concentração da renda e da riqueza, que com aumento cada vez maior dessas geraria
dentro de si forças que levariam a sua própria destruição. Keynes, identificando o
mesmo problema, mas na busca de salvar o sistema, acreditava na possibilidade e na
necessidade da intervenção estatal como forma de evitar ou mesmo atenuar as
conseqüências sociais e econômicas das crises que eram inerentes ao sistema capitalista.
Assim, o Estado deveria ser um construtor do futuro, que por meio do
planejamento, da sua capacidade de mobilizar recursos e de realizar gastos, influenciaria
a demanda agregada promovendo o dinamismo necessário à economia. A arte da
política econômica, portanto, deveria residir na capacidade de elaboração de políticas
que promovessem o crescimento e permitisse a distribuição de renda. De outro lado, o
capitalista rentista que produzia um vazamento de recursos do sistema contribuindo para
a crise deveria ser aniquilado, a partir da eutanásia do rentista.
16
Por um período relativamente longo, correspondente ao que se chamou de
era de ouro do capitalismo, essas teses foram muito bem recebidas. Particularmente nos
EUA, foi uma fase de grande crescimento, baseado no uso da política fiscal ativa. Mas,
a partir da década de 70 houve um forte questionamento acerca da intervenção do
Estado nas economias desenvolvidas. Déficit público, inflação e desemprego abalaram a
credibilidade das teses que defendiam o intervencionismo estatal, apontando-o como
impróprio e ineficiente. As novas convicções liberais, hegemônicas na academia e na
política econômica mundial, chegaram ao Brasil na década de 90, produzindo um
conjunto de políticas econômicas que foram responsáveis por um novo capítulo na
economia brasileira. A crítica ao modelo desenvolvimentista do passado deu lugar ao
desmonte dos instrumentos de regulação e intervenção do Estado e de uma parte
expressiva das cadeias industriais e da infra-estrutura produtiva erguida entre os anos 50
e 80.
A desregulação da economia nacional, a abertura comercial e financeira, a
privatização em larga escala, o uso da política monetária rigorosa com o objetivo central
e único de estabilizar preços e a subordinação da política fiscal à geração de equilíbrio
orçamentário marcaram o Plano Real. A distribuição de renda saiu do campo de
intervenção do Estado definitivamente, passando a ser um mecanismo a ser ajustado
pelo mercado. A meta passou a ser a estabilidade da moeda que deveria trazer consigo o
crescimento econômico, o desenvolvimento do país e a elevação do nível de bem-estar
de todos.
O déficit fiscal era o pai de todos os males e para acabar com ele o governo
deveria lançar mão de todas as políticas necessárias, o que foi feito. A atividade
econômica realizada pelo governo deveria ser passada para as mãos eficientes do
mercado. O mercado doméstico deveria estar aberto à concorrência internacional, os
fluxos financeiros deveriam ser livres para entrada e saída a qualquer momento, os
gastos do governo foram contidos e a arrecadação foi elevada.
Embora tenha lançado mão de todas as políticas buscando a "estabilidade
macroeconômica" que deveria levar o país ao desenvolvimento, esse período teve como
resultado um crescimento pífio; aumento do desemprego; queda nos salários reais;
diminuição da participação do salário na distribuição funcional da renda e, aumento do
excedente operacional bruto.
17
Se de um lado o Estado diminuía a intervenção econômica com a contenção
dos gastos sociais e com a saída das atividades econômicas, com as privatizações, de
outro, ele canalizou renda, com a elevação da carga tributária, basicamente sobre
impostos regressivos para o pagamento de juros, promovendo, portanto grande
transferência de renda da classe produtiva, em geral dos trabalhadores para o setor
financeiro.
Portanto, em nome da “estabilidade monetária”, que levaria ao
desenvolvimento do país e melhora das pessoas pertencentes às faixas de renda mais
baixas, essa política promoveu o aumento das desigualdades sociais auxiliado por um
intenso processo de transferência de renda por meio do orçamento público. Esse
processo ocorreu de um lado com o aumento da carga tributária sobre as camadas mais
baixas da população e de outro com a compressão dos gastos governamentais, em
especial daqueles derivados da idéia de construção de um Estado de Bem-Estar
associado ao aumento dos gastos com a dívida financeira.
A idéia de que o orçamento vem servindo como um instrumento de
transferência de renda das faixas mais baixas de renda para as mais altas vem sendo
colocada por muitos estudiosos, representantes de movimentos sociais e órgãos
sindicais. Grajew (2006) chama esse sistema de “Hobin Wood às avessas
1
”. Segundo
ele, atualmente os pobres pagam muito mais impostos que os ricos, “[...] nosso quadro
tributário e fiscal é imoral. As pessoas que ganham até dois salários mínimos pagam
48,8% dos seus rendimentos em impostos. Mesmo na economia informal, as pessoas
pagam impostos indiretos quando consomem produtos ou serviços” e conclui: “[...] são,
portanto, os pobres que, proporcionalmente, pagam mais impostos.” (GRAJEW, 2006)
De outro lado ele afirma que os recursos do orçamento da União vão para os
ricos. Segundo ele: “[a]nualmente, 8 milhões de famílias recebem R$ 7 bilhões do
Bolsa-Família, enquanto aproximadamente 20 mil famílias recebem R$ 105 bilhões em
pagamento de juros.” Grajew (2006) conclui: “[t]emos, portanto, um sistema fiscal
tributário e uma execução orçamentária que funcionam no sistema Robin Hood às
avessas: por esses mecanismos, os pobres transferem anualmente recursos bilionários
aos mais ricos.” Na avaliação do autor esse sistema injusto e de transferência de renda
não é por acaso, mas reflexo da forma como funcionam as forças das classes sociais
1
O mito do Robin Wood baseia-se na história de um homem que na busca de fazer justiça roubava dos
ricos e destinava esses recursos aos mais necessitados.
18
sobre o Estado. “Essa situação foi montada ao longo do tempo por nossos governantes e
legisladores.”
Wallerstein (2001, p.47) ao analisar o sistema capitalista no Estado uma
das alavancas mais efetivas de ajuste político das classes favorecidas. Ao analisar os
mecanismos de ação ele afirma que "[o]s poderes redistributivos do Estado têm sido
discutidos pela maioria somente em termos de seu potencial de equalização. Este é o
terreno do bem-estar. Porém, essa redistribuição tem sido menos usada para fazer
convergir as rendas reais e mais amplamente usada de modo a tornar mais desigual a
distribuição." Segundo o autor:
Em primeiro lugar, através da taxação, os governos têm sido capazes de
reunir grande quantidade de capital, que têm redistribuído para pessoas ou
grupos, grandes detentores de capital, através de subsídios. Os subsídios
ganharam a forma de subvenção ou doação pura e simples, em geral sob
desculpas esfarrapadas de interesse público, envolvendo pagamentos
superavaliados. Mas também ganharam uma forma menos direta: o Estado
banca os custos de desenvolvimento de certos produtos, presumivelmente
amortizáveis por meio de vendas lucrativas posteriores.
Em segundo lugar, os governos também foram capazes de reunir grande
quantidade de capital através de canais de taxação formalmente legais e
freqüentemente legítimos que acabaram se tornando um prato cheio para a
rapinagem ilegal em grande escala e de facto irrestrita de fundos públicos.
Esse roubo, bem como seus procedimentos correlatos, tem sido uma
importante fonte de acumulação privada de capital ao longo do capitalismo
histórico.
Por último, os governos redistribuem em benefício dos ricos quando usam o
princípio da socialização dos riscos e da individualização do lucro. Ao longo
da história do sistema capitalista, quanto maior o risco – e a possibilidade de
perdas – mais provável se tornou a entrada dos governos nas operações, para
evitar falências e até mesmo restituir prejuízos [...].
Enquanto essas práticas de redistribuição antiigualitária têm sido o lado
vergonhoso do poder do Estado [...], a destinação de capitais para
financiamento de investimentos sociais tem sido abertamente alardeada [...]
(WALLERSTEIN, 2001, p.47-48).
Nesse sentido que este trabalho pretende realizar um estudo sobre a política
fiscal do governo federal brasileiro a partir da análise do orçamento federal e seus
impactos na distribuição da renda entre trabalhadores e capitalistas na economia
brasileira, no período compreendido entre 1995 e 2005. Busca-se mostrar a
transferência de renda realizada via orçamento público da classe trabalhadora
2
para os
detentores dos títulos de dívida pública federal. O primeiro efeito se com o aumento
da carga tributária e de sua regressividade, o segundo é efeito do pagamento das
2
A definição de classe trabalhadora se baseia naquela usada pelo IBGE, ou seja, são aqueles que
percebem salários.
19
elevadas taxas de juros praticadas durante esse período, exigindo cada vez maiores
superávits primários e contenção dos gastos governamentais. O impacto final pode ser
visto na alteração da distribuição funcional da renda.
Deve-se analisar o modelo adotado nesse período a partir de seus impactos
nos diferentes setores da sociedade. Assim, se de um lado essas políticas sugerem a
queda da renda dos trabalhadores, a diminuição da rede de proteção social e o aumento
do desemprego, de outro lado, o aumento dos lucros do setor financeiro, e das
desigualdades sociais sugere que uma parcela reduzida da sociedade saiu "lucrando"
com esse modelo.
Cabe ressaltar que não é novidade na história o Estado agir como um agente
de valorização do capital, também não é novidade a teoria econômica dominante ser
aquela que prescreve políticas econômicas que favoreçam a acumulação capitalista.
Pelo contrário, essa tem sido a constante na história do sistema capitalista. Na realidade
essa “função” do Estado e das contas públicas, atual, é apenas reflexo das mudanças na
configuração do capital, e das relações desse na sociedade nos últimos tempos.
Nesse sentido, que o primeiro capítulo apresenta uma abordagem histórica e
teórica sobre a evolução da teoria dominante relativa ao papel do Estado na sociedade
capitalista, mostrando como essas teorias estão diretamente relacionadas com a forma
de acumulação do momento, desde o nascimento desse sistema. Deve-se mostrar ainda a
passagem histórica do Estado intervencionista para o Estado 'mínimo' no período mais
recente. E analisar como a forma de acumulação atual é produto do movimento que o
capital fez nos últimos trinta anos, de retomada do seu poder na subordinação do
trabalho ao capital, a partir de uma visão marxista do Estado que também será abordada
neste capítulo.
O segundo capítulo mostrará como se deu a política econômica e seu fruto
principal, a valorização do capital financeiro, implicando, portanto, no aumento da
riqueza financeira, com a expansão da dívida pública, com a elevação constante do
superávit primário e do montante destinado ao pagamento de juros. Portanto, a ão do
Estado na valorização do capital se dará a partir do gerenciamento e da sustentabilidade
da dívida pública. Além disso, a resposta a momentos de "insatisfação" deve ser o
aumento dessa rentabilidade, ou seja, aumento das taxas de juros.
20
Para mostrar de onde estão saindo os recursos que se destinam ao
pagamento da dívida o sistema tributário do governo federal brasileiro e as mudanças
referentes a esse período serão analisados no terceiro capítulo. O quarto capítulo
mostrará como não foram os gastos destinados a rede de proteção social os responsáveis
pela deterioração das contas públicas, apesar dos fortes ataques nessa direção. Ademais,
devem-se mostrar as mudanças implantadas para o desmantelamento da rede de
seguridade social, que seguiram duas lógicas: diminuição de direitos e benefícios,
corroborando a tese de subordinação do trabalho e capitalização privada dos fundos
rentáveis. Ainda nesse capítulo serão apresentados alguns indicadores de distribuição de
renda evidenciando que foi um período de concentração da renda, ou seja, deve mostrar
o impacto dessa política econômica sobre a distribuição funcional da renda.
A análise centra-se nos dados dos anos de 1995 a 2005, incluindo o ano de
1994 quando possível, dado que na realidade a política econômica desse período nasce
com o Plano Real implantado em 1994, quando Fernando Henrique era Ministro da
Fazenda.
21
2 ESTADO E ECONOMIA OU ESTADO X ECONOMIA
A idéia de que o Estado é o pai de todos os males é derivada da análise
econômica, que se baseia na separação do Estado da economia. Nesse sentido, o Estado
é visto como um agente exógeno à dinâmica do capitalismo. Os modelos econômicos
usados nas análises dominantes não mostram o Estado como parte do jogo, do qual os
agentes privados se encontram. Mas, apenas, como um mal necessário” ao sistema que
deve ter suas funções minimizadas. A separação da vida econômica da social,
inaugurada por Smith e perpetuada pelos autores liberais, possibilitou fazer esse
isolamento do Estado na análise econômica. Essa separação, entretanto, esconde os
estreitos laços que existem entre a economia e o Estado, ou entre o político e o
econômico, que podem ser visto na análise histórica da formação dos Estados Nacionais
como conhecemos hoje e no estabelecimento do modo de produção capitalista.
Em sua extensa análise sobre os ciclos de acumulação do capitalismo
Braudel (1987) identifica a semente desse sistema no intenso comércio das cidades-
Estados italianas, na concentração de poder desses centros e principalmente no
estabelecimento de seu poder financeiro. Ele tenta mostrar que é a concentração do
poder capitalista, antes disperso, dominando o Estado que fez com esse sistema
triunfasse. Assim, para o autor, “[O] capitalismo triunfa quando se identifica com o
Estado, quando ele é o Estado.”
1
(BRAUDEL, 1987, p.55) Braudel mostra como a
“mão” do Estado poderoso e centralizado pelo poder capitalista foi fundamental para a
ascensão do capital
2
.
1
“Assim, o Estado moderno, que não fez o capitalismo, mas o herdou, ora o favorece, ora o desfavorece;
ora o deixa estender-se, ora lhe quebra as molas. O capitalismo só triunfa quando se identifica com o
Estado, quando ele é o Estado. Em sua primeira grande fase, nas cidades-Estados da Itália, em Veneza,
em nova, em Florença, é a elite do dinheiro quem detém o poder. Na Holanda, no culo XVIII, a
aristocracia dos Regentes governa no interesse e inclusive de acordo com as diretrizes traçadas pelos
homens de negócios, negociantes e administradores de fundos. Na Inglaterra, a revolução de 1688 marca
analogamente um advento dos negócios à holandesa. A França está atrasada em mais de um século: é com
a revolução de julho de 1830 que a burguesia comercial se instala, enfim, confortavelmente no governo.
Assim, o Estado é favorável ou hostil ao mundo do dinheiro segundo o seu próprio equilíbrio e a sua
própria força de resistência.” (BRAUDEL, 1987, p.55).
2
“No princípio, as redes de acumulação de capital estavam inteiramente inseridas em redes de poder e
lhes eram subordinadas. Nessas condições, para terem sucesso na busca do lucro, era necessário que as
organizações empresariais fossem Estados poderosos, como foi atestado pela experiência das oligarquias
capitalistas do norte da Itália, líderes o apenas nos processos de acumulação de capital, mas também
nos processos de gestão do Estado e da guerra. Entretanto, à medida que as redes de acumulação se
22
Dentro desse prisma que se conclui que o maior equívoco na análise da crise
do sistema é a interpretação de que o problema está no tamanho do Estado. “Em
verdade o corpo de idéias vigentes na interpretação da crise do Estado é inadequado
porque se imagina ser a ação do Estado externa ao sistema econômico e, por isso,
atuando apenas sobre a variável consumo. Conclusão: a crise é de natureza fiscal. Esta é
a principal falha de diagnóstico e que nos leva a imaginar que a crise está relacionada
diretamente com a crise do pensamento acerca das finanças públicas.” (SANTOS, 1991,
p.1). Portanto, para uma análise coerente com o mundo real torna-se necessário tomar o
sistema como um todo, analisando os vínculos entre Estado e economia.
2.1 A relação entre o Estado e a economia
O modo de produção capitalista apresenta características singulares no que
se refere à relação e interação entre o econômico e o político. Esta peculiaridade nasce
do próprio processo de produção, e mais concretamente da forma de exploração sobre o
trabalhador direto
3
. Esta diferenciação, por outro lado, atinge diretamente a fisionomia e
o papel do Estado dentro da formação social capitalista. Como responsável das funções
políticas, o Estado tem uma importância econômica fundamental para a acumulação de
capital e no crescimento econômico, que pode ser constatada ao longo da história do
modo de produção capitalista. Assim, no sistema capitalista:
Hay una interacción dialéctica entre la economía, es decir, o crecimiento
económico, y o desarrollo político. Esta interacción dialéctica determina la
natureza, la estructura interna, o papel e sobre todo el peso del Estado; por
tanto, la estructura del Estado, cuando se la considera, por supuesto, a lo
largo de amplios períodos históricos, depende del movimiento de la
coyuntura, o sea desta interacción. (LEFEBVRE, 1972, p.75).
Embora dentro da visão marxista as relações econômicas sejam
determinantes das relações políticas, ou seja, o modo de produção da vida material é que
expandiram de modo a abranger todo o globo, elas se tornaram cada vez mais autônomas e dominantes
em relação às redes de poder. Como resultado, surgiu uma situação em que, para ter êxito na busca de
poder, os governos têm que ser líderes o apenas nos processos de gestão do Estado e da guerra, mas
também nos de acumulação de capital.” (ARRIGHI, 1996, p.88)
3
“Un rasgo crucial del proceso de trabajo en el capitalismo desarrollado era que la plusvalía se le
extraía al productor directo sin que el inmediato explotador utilizara coerción física. Esta característica
permitía una creciente separación de la organización de la producción y de la organización de la
violencia, o, para expresarlo con otras palabras, de la política y la economía.” (BLACKBURN;
JOHNSON, 1992, p.37-38).
23
a base para a superestrutura que forma o Estado, a partir do poder deste que foi
possível a instituição generalizada do modo de produção capitalista. Sobre esta relação
‘economía-política’ Moore explica que: “La afirmación marxista de la primacía de la
economía es lida, sin embargo, sólo para el largo plazo y para el patrón geral de
cambio. La aseveración contraria, que el poder estatal controla el desarrollo
económico, es con frecuencia cierta en el corto plazo para patrones particulares de
cambio.” (MOORE, 1972, p.47)
4
.
Sendo uma entidade separada do capital, isto é, que não pertence à lógica da
auto-valorização, o Estado pode encarregar-se de efetuar as tarefas econômicas
necessárias para que os capitais individuais possam valorizar-se, e de fato o faz
5
.
Entretanto, para a teoria burguesa, a função do Estado se define sobre a base das leis
naturais da sociedade e da economia. Nas palavras de Moore (1972, p.36):“La ley
natural es parte de la mitología de la sociedad de clases.”
A sustentação dessa visão está na base mercantil da sociedade, isto é, na
mercantilização máxima, que inclui a própria mão-de-obra e a anarquia nas decisões de
produção, ou da produção global. Ou, como explica Moore, o fetichismo da mercadoria
como reflexo importante na teoria social onde surge uma identificação da ordem da
alteração das mercadorias como a ordem natural. Em suas palavras:
“Las ilusiones del
fetichismo de la mercancía se reflejan en la teoría social, que está divorciada del
testimonio histórico del cambio social real y ligada a las abstracciones supra históricas
del derecho y la ley naturales.” (MOORE, 1972, p.72-73).
Desta maneira, a visão mercantil da burguesia, como classe dominante na
sociedade, com suas formas jurídicas se apresentam inter-relacionadas. A partir dessa
4
“Assim o Estado é uma máquina enorme, com suas leis internas, com sua lógica interna, que não é
idêntica à lógica da sociedade e que aparece incompreensível a esta, mas que corresponde a um
determinado tipo de poder e serve indiretamente a essa sociedade.” (GRUPPI, 1985, p.32)
5
“En un sentido, la diferenciación de la esfera económica significa simplemente que la economía tiene
sus propias formas jurídicas y políticas, cuyo propósito es meramente ‘económico’. La propiedad
absoluta, las relaciones contractuales y los aparatos legales que los sostienen son las condiciones
jurídicas de las relaciones de producción capitalista, y constituyen la base de una nueva relación de
autoridad, dominio y sometimiento entre apropiador y productor. El correlato de estas formas privadas,
económicas, jurídico-políticas, es una esfera política pública separada y especializada. La ‘autonomía’
del estado capitalista está vinculada inextricablemente a la libertad y la igualdad jurídica del
intercambio libre y puramente económico […] los dos momentos de la explotación capitalista
apropiación y coerción se asignan en forma separada a una clase de apropiación privada y una
institución coercitiva pública especialidad, el estado: por un lado, el estado ‘relativamente autónomo’
tiene un monopolio de fuerza coercitiva; por el otro, la fuerza sostiene un poder ‘económico’ privado que
dota a la propiedad capitalista con la autoridad para organizar la producción pos misma...” (WOOD,
2000, p.37-38).
24
perspectiva os autores burgueses explicam a ordem social que defendiam baseada na
visão do Estado a partir de um contrato social. Como afirma Gruppi: A noção do
Estado como contrato revela o caráter mercantil, comercial das relações sociais
burguesas.” (GRUPPI, 1985, p.13) A pretensão da ordem burguesa de existência de
igualdade e liberdade entre os indivíduos, como se o mundo tivesse nascido de um
simples e pequeno mercado que cresceu e aumentou a sua complexidade, tem impacto
definidor ao determinar as funções econômicas do Estado.
Alvater (1999, p.97-99) atenta para a questão de que, as relações
econômicas previamente ao estabelecimento do modo de produção do capital estavam
constituídas, parcialmente, como imediatas relações políticas de força. Porém com a
instituição deste sistema social, a intervenção do Estado assume cada vez menos
expressão essencial imediata de força. Portanto, no lugar de aparecer o Estado, como
anteriormente, na função de executor direto dos interesses da classe dominante, como
entidade encarregada de apropriação do trabalho alheio, ele passa a se apresentar como
uma instituição, que, supostamente ‘neutra’ dos conflitos entre classes, ou entre
indivíduos, está alheia a estas disputas, mesmo sendo ele o principal garantidor das
instituições necessárias a essa nova forma de exploração.
A tarefa estatal passa a ser a de estabelecer e resguardar as condições gerais
para a existência do mercado e da troca, incluindo a eliminação de fricções através da
criação da relação legal geral e da compulsão de seu cumprimento. Como responsável
do resguardo das condições gerais da concorrência e depositário do ‘interesse geral’, o
Estado recebe do parlamento burguês as leis que expressariam a ‘vontade de todos’, e
assume a função da responsabilidade do cumprimento destas decisões ‘democráticas’.
Para isso são criados diversos ‘códigos’ que regulamentam tanto as condições gerais do
comércio entre os proprietários de mercadorias, como também, as condições gerais do
trabalho e da produção
6
.
Para tanto se deposita o direito ao monopólio da força física nas os do
Estado. Se por um lado, a utilização da força física direta dentro da ordem burguesa
6
Esta actividad del Estado tiene su origen directamente en la competencia, la cual obliga a las
diferentes formaciones de capital a expresarse como relaciones privadas de capital. El Estado, en tanto
institución no sujeta a esta competencia, es el único capaz de realizar esta actividad reguladora. Su
necesidad y las funciones específicas aquí indicadas resultan directamente del hecho de que el Estado,
como órgano de la clase dominante, y distinto de las unidades de capital privado, no está sujeto a la
compulsión de crear valor y puede así orientarse al interés general de todas las unidades particulares de
capital.” (ALTVATER, 1999, p.98-99)
25
parece excepcional, embora latente, adquire uma importância que não pode ser
depreciada ao levar a cabo o Estado uma de suas funções econômicas e sociais
primordiais: regular a relação capital-trabalho
7
. Ao tratar dessa questão Gruppi afirma
(1985, p.13): “[...] os pactos sem espadas, não passam de palavras sem força; por isso o
pacto social, a fim de permitir aos homens a vida em sociedade e a superação de seus
egoísmos, deve produzir um Estado absoluto, duríssimo em seu poder.”
A partir, portanto, do campo analítico marxista tem-se a impressão de que a
aparente ou pretendida separação entre o político e o econômico, ou, em outros termos,
entre o Estado e a economia, está longe de ser a realidade. De outro modo, o Estado
capitalista se encontra totalmente arraigado dentro do campo econômico, ele cumpre as
funções que cada capital, como unidade isolada e independente, não pode efetuar, isto é,
satisfaz as necessidades econômicas e não-econômicas que a classe capitalista demanda
para prosseguir dentro da ordem social burguesa. Ou seja, ele estabelece e garante o
arcabouço necessário para o funcionamento do sistema e a sua contínua reprodução.
A autonomia do setor estatal, portanto, implica ser apenas aparência, que se
funda do fato de que o Estado cumpre as funções mencionadas sob outra lógica que a
que subjuga a cada capital individual. O Estado não se encontra sujeito aos
requerimentos de valorização, e por isso pode parecer como alheio ao jogo econômico.
Por isso mesmo também, como a esfera econômica é a de manifestação do interesse
individual e egoístico, o Estado pode apresentar-se como defensor do ‘interesse coletivo
e societário’. Além do fato de que o Estado realiza atos econômicos diretos e concretos,
como comprar, vender, construir infra-estrutura, regular o crédito etc., que não deixam
dúvida alguma de que participa do campo econômico, dando suporte à valorização do
capital. Essa ação tem vários tentáculos, seja dando suporte a valorização do capital,
seja assumindo os elevados riscos dos investimentos de infra-estrutura necessários ao
desenvolvimento capitalista cada vez maior, seja atuando com políticas sociais ou
7
“El problema general reside más directamente en que al nivel del mercado la relación de capital de
hecho parece ser una relación entre sujetos básicamente iguales, aunque es esencialmente una relación
de dominación y explotación. Dado que la sociedad capitalista es una sociedad de clase, debido al
constante conflicto clasista y a la necesidad de que ellos sean contenidos como condición de la
preservación de la base de esa sociedad, el Estado también asume funciones que envuelven la creación
de las condiciones generales para la explotación, la regulación de los niveles de salarios y la supresión
de las luchas de clases [...]. Dado que en el caso de la lucha de clases la burguesía está siempre afectada
o incluso amenazada en su conjunto, las unidades de capital no pueden acometer individualmente las
funciones de pacificación y represión, estas funciones se convierten progresivamente en el campo de
acción del ‘comité que administra los negocios comunes de toda la clase burguesa.’ (ALTVATER,
1999, p.99-100, grifos do autor).
26
mantendo a coesão do tecido social, assim como garantindo a reprodução da força de
trabalho.
Para que essa crítica fique clara será realizado, a seguir, uma breve revisão
das diferentes correntes econômicas sobre o papel do Estado na economia, ao longo do
tempo, que favoreceram esse comportamento.
2.2 Teorias Dominantes sobre o Estado
A configuração do Estado e seu papel constituem-se uma intensa luta e um
extenso debate que permeia as ciências econômicas desde os primórdios do capitalismo,
antes mesmo de seu estabelecimento enquanto ciência. Do mesmo modo, desde o
sistema pré-capitalista até os dias atuais o Estado assumiu diferentes funções,
representações e responsabilidades. O que se pretende mostrar é que a mudança do
paradigma estatal e de suas funções na economia está alinhada em função da forma que
o Estado deve agir na valorização do capital.
É no fim do século XVII e começo do XVIII, que podemos identificar as
primeiras propostas de política econômica para o desenvolvimento de uma nação, que
ficaram conhecidas como “mercantilismo”. Arrighi (1996) afirma que as políticas
mercantilistas foram uma resposta dos demais Estados nacionais em ascensão ao
sucesso de acumulação holandesa. "A criação de impérios comerciais de alcance
mundial, o re-direcionamento dos fluxos de produtos primários e de capital sob o
controle e a jurisdição de cada governo, a acumulação sistemática de excedentes
pecuniários no balanço de pagamentos com outros domínios, tudo isso foram expressões
dessa disposição imitativa das organizações territorialistas.” (ARRIGHI, 1996, p.145).
Segundo ele:
Quanto mais os holandeses tinham sucesso em sua interminável acumulação
de capital, e quanto mais essa acumulação se transformava numa capacidade
cada vez maior de moldar e manipular o sistema político europeu, mais os
governantes territorialistas europeus foram atraídos para a via de
desenvolvimento holandesa, ou seja, para a imitação, tanto quanto lhes fosse
possível (ou considerado desejável), do comércio e das técnicas de gestão do
Estado e da guerra dos holandeses. (ARRIGHI, 1996, p.145).
27
Assim, os interesses do Estado e dos principais agentes econômicos não
podiam ser separados. O Rei queria terras, acumular território e reservas, pois assim era
considerado mais poderoso, e para isso ele buscava moeda, necessária para o
financiamento de seu projeto. Por outro lado, o capital queria o prestígio do Rei, para
que sua moeda tivesse credibilidade e assim ele pudesse fazer mais moeda.
Todas as variações do mercantilismo tiveram uma coisa em comum: foram
tentativas mais ou menos conscientes, por parte dos governantes
territorialistas, de imitar os holandeses, de passar, eles mesmos, a ter uma
mentalidade capitalista, como a maneira mais eficaz de alcançar seus
próprios objetivos de poder. Os holandeses haviam demonstrado em escala
mundial o que os venezianos tinham demonstrado em escala regional, isto
é, que em condições favoráveis a acumulação sistemática de excedentes
pecuniários podia ser uma técnica de engrandecimento político muito mais
eficiente do que a aquisição de territórios e súditos. (ARRIGHI, 1996, p.145,
grifo do autor).
Para os mercantilistas, o Estado deveria assumir papel centralizador, com
intervencionismo ativo, estabelecendo resistência aos interesses mercantis estrangeiros.
A grandeza de um Estado estaria baseada na quantidade de metais preciosos que
possuía. Assim, todo esforço se voltaria para manutenção e aumento das reservas de
metais. O comércio internacional era fundamental para o aumento das reservas. O
Estado deveria praticar políticas protecionistas e produzir saldos positivos na balança de
comércio exterior, estabelecendo grandes barreiras às importações de um lado e
estimulando a produção doméstica de outro, protegendo o mercado interno dos
produtores estrangeiros, e criando situações favoráveis para exportação, inclusive com
subsídios. A intervenção estatal do mercantilismo, somada a essas medidas, tinha um
forte poder de unificação nacional, necessário a formação do mercado nacional que era
gerido naquele momento. Essas medidas influenciaram principalmente no
encadeamento da produção, na criação do espaço econômico e do próprio mercado.
Nesse sentido que Arrighi (1996) afirma que o mercantilismo foi muito mais do que a
imitação dos governantes terrtorialistas ao capital holandês.
Mas o mercantilismo não foi apenas a resposta imitativa dos governantes
territorialistas ao desafio criado pelo capitalismo holandês de âmbito
mundial. Igualmente importante foi a tendência a reafirmar ou restabelecer o
princípio territorialista de autarquia, sob a nova forma de gestão econômica
nacional’, bem como a tendência a contrapor esse princípio ao princípio
holandês da intermediação universal. O aspecto central dessa tendência foi o
fortalecimento dos ‘efeitos de encadeamento para frente e para trás”, no
sentido de Albert Hirschman, entre os consumidores e os produtores de uma
dada área territorial um fortalecimento que implicou não apenas a criação
28
de atividades intermediárias (sobretudo ‘manufatureiras’), para vincular a
produção primária interna ao consumo final interno, mas também a
‘desvinculação’ forçada de produtores e consumidores das relações de
dependência das compras e vendas estrangeiras [...]. (ARRIGHI, 1996,
p.145).
Resumindo, “o mercantilismo foi essencialmente a política econômica de
uma era de acumulação primitiva” (DOBB, 1965 apud FALCON, 1981, p.11) em que
“o Estado foi o sujeito e o objeto da política mercantilista.” (HECKSCHER, 1955 apud
FALCON, 1981, p.12).
Às vésperas do que viria ser a revolução Francesa, surgem os fisiocratas,
propondo políticas na tentativa de realizar uma reforma. Eles defendiam a liberdade de
mercado, como se a sociedade fosse governada por leis naturais. O caos seria decorrente
do impedimento dessas leis fluírem por conta da intervenção governamental. Em linhas
bem gerais eles propunham a abolição de tarifas, impostos, restrições e/ou
regulamentações, tudo o que prejudicasse a acumulação na indústria e o comércio. É
deles a famosa frase símbolo do liberalismo “laissez-faire, laisse-passer”.
A extração do excedente pela aristocracia, proprietária de terras, baseada
nos elevados impostos, que atravancava a acumulação capitalista deveria ser eliminada,
com a tributação voltada para os proprietários de terras. Assim, o caos social que
assolava a França poderia ser evitado. Entretanto, eles não questionavam o direito da
nobreza, que via o seu empobrecimento e a ascensão da burguesia se essas propostas
fossem adotadas. Como a nobreza não queria perder seus privilégios, as propostas de
reforma não foram aceitas, despontando na Revolução Francesa, marco da formação da
sociedade moderna. “Mudanças sociais que exigem o deslocamento de uma classe
dominante por outra não podem ser conseguidas por meio de reformas.” (HUNT, 1982,
p.57).
Corazza, revisando criticamente as visões dos autores burgueses sobre o
Estado, ao tratar a visão fisiocrata mostra como a intencionalidade deste corpo teórico
foi permitir a livre disposição das decisões dos capitalistas. O enfoque fisiocrata ao
colocar a eloqüente xima laissez-faire, laissez-passer, deu as bases do que continua
sendo o ‘grito de guerra’ da postura da burguesia frente ao Estado. Entretanto, como
Corazza explica, os postulados fisiocratas em relação ao Estado de nenhuma maneira
significam que, de fato, a instituição perde importância ou protagonismo na reprodução
do sistema capitalista. Portanto:
29
[...] o sistema econômico fisiocrata, mesmo defendendo o mais puro
liberalismo, oriundo de uma ordem natural pré-estabelecida, mesmo
reduzindo a tributação governamental a um único imposto sobre a renda do
solo, permanecendo todas as demais atividades econômicas livres da
intervenção estatal, ele reservava um papel central ao Estado no
desenvolvimento da economia capitalista nascente: abrir o caminho e
oferecer as garantias para a livre expansão do capital.” (CORAZZA, 1985,
p.21-22).
Desta maneira, a escola fisiocrata estabeleceu as bases que também foram
desenvolvidas pelos posteriores autores burgueses sobre os efeitos negativos da
ingerência do Estado para o crescimento econômico e, conseqüentemente, para o bem-
estar social geral. É importante salientar que boa parte dos pressupostos fisiocratas
implica num aparato estatal que satisfaz os requerimentos que tem o capital para
expandir-se
8
.
Adam Smith
9
é quem produzirá a teoria econômica como disciplina
científica. Ele será conhecido como o “pai” do liberalismo econômica, pregando a
limitação da ação interventora do Estado na economia, e defendendo o papel do
mercado como maior promotor do bem-estar social. Assim difundirá a idéia de que o
mercado promove o crescimento, a melhor distribuição dos recursos e a maximização
do bem-estar social. Segundo essa opinião, o Estado deveria se limitar a certas funções
básicas – proporcionar bens públicos como a defesa, garantir a segurança da pessoa e da
propriedade, educar os cidadãos e impor o cumprimento dos contratos consideradas
essenciais para o florescimento do mercado. O Estado absolutista tinha cumprido todas
as suas funções no processo de acumulação anterior, agora ele não tinha mais espaço
para o Império, que após ter atingido o papel de fábrica do mundo queria os mercados
abertos para seus produtos.
8
“Assim se explica como, nas conclusões a que chegam os próprios fisiocratas, a aparente glorificação da
propriedade do solo conduz à negação desta mesma propriedade e à corroboração da produção capitalista,
ao pretender que todos os impostos incidam sobre a renda do solo. O que equivale, na realidade, a
confiscar parcialmente a propriedade territorial [...]. Daqui o laissez-faire, laissez-aller’: liberdade plena
para a concorrência, nada de intervenção do estado nada de monopólios que possam entorpecer a
indústria. E como, segundo a teoria fisiocrata, a indústria não cria nada, limitando-se apenas a transformar
os valores que agricultura lhe fornece, como não agrega o menor valor a estes valores senão que se limita
a restituir seu equivalente sob uma forma distinta, o mais conveniente é que essa operação se efetue
livremente e com o menor gasto possível. A livre concorrência é a única que pode conduzir a semelhante
resultado; portanto, é necessário deixar em plena liberdade a produção capitalista” (MARX 1974b apud
CORAZZA, 1985, p.20)
9
“É verdade que os economistas clássicos não deram um direcionamento da tendência dos gastos
governamentais na trajetória do processo de desenvolvimento capitalista, mas o fato de se posicionarem
contra ou a favor da intervenção estatal e seu impacto sobre a acumulação de capital constitui o principal
fundamento teórico para o entendimento da economia do setor público no estágio atual do
desenvolvimento capitalista e na resolução de suas instabilidades e crises.” (SANTOS, 1991, p.17).
30
A partir da obra de Smith que nasceu a separação da esfera econômica da
política. Ele apresenta "[...] o sistema econômico como um sistema fechado de relações
sociais." (CARVALHO, 1999, p.11, grifos do autor). Isso significa que "[..] o
comportamento do sistema econômico pode ser explicado por sua própria lógica [...]
Assim, a hipótese que Smith está propondo é que a economia se comporta por suas
próprias leis, exibindo uma relativa autonomia frente a outras dimensões da vida
social." (CARVALHO, 1999, p.11) Esta hipótese era necessária para negar a
necessidade de um poder superior, que controlasse os agentes do sistema, condição real
até o presente momento, "Ela foi formulada em grande parte para explicar porque a
tutela do Estado sobre os agentes econômicos era mais do que desnecessária, era mesmo
prejudicial." (CARVALHO, 1999, p.12).
Segundo Carvalho (1999), Smith estabeleceu, não "[...] o programa
central da teoria econômica, em praticamente todas as suas correntes da teoria
econômica [...]" como também "[..] alguns dos princípios que guiarão a busca de
respostas àquelas questões [...]", como o princípio da "[..] possibilidade de isolamento
de motivações econômicas dos impulsos de outras naturezas que movem o ser humano."
(CARVALHO, 1999, p.14). Essa separação da vida econômica da social que
possibilitou criar um discurso aceitável isolando o Estado da análise econômica.
A coerência da análise de Smith sobre o Estado, por outro lado, perde
consistência ao abrir a possibilidade de exceções. Corazza (1985) destaca duas
importantes exceções de intervenção estatal na economia que Smith aceita como
válidas. Por um lado, proteger a indústria nacional se esta for necessária para a defesa
do país, como era o caso da marinha mercante que Smith aceitava ser beneficiada
mediante a Lei de Navegação. Por outro lado, Smith também permite que o Estado
tribute produtos importados para evitar concorrência desigual com a produção
doméstica. Destas exceções, Corazza conclui que por trás do objetivo de Adam Smith se
encontra “[...] permitir o maior crescimento possível, não tanto da Riqueza das
Nações
10
, mas, acima de tudo, da riqueza da nação britânica.” (CORAZZA, 1985, p.30,
grifo do autor). A coerência lógica do mercado livre se encontra, portanto, subordinada
aos interesses da coerência do desenvolvimento econômico do Estado-nação. Ademais a
10
“A economia política, por sua vez, é considerada por Smith como a ciência de um estadista, cujo
objetivo fundamental consiste em aumentar a riqueza e o poder’ nacional. O que se esboça aqui é a
íntima relação entre o Estado e a atividade econômica. A ciência econômica assume o objetivo de indicar
a maneira como deve o Estado agir para promover o aumento da riqueza.” (CORAZZA, 1985, p.22).
31
concepção harmônica da mão invisível se rompe ante o reconhecimento deste autor da
importância de possuir um exército permanente que, Corazza ressalta, se vincula aos
requerimentos do desenvolvimento manufatureiro
11
.
A importância da análise que Corazza realiza é mostrar como as diversas
funções que o setor estatal deve efetuar de acordo a própria concepção burguesa-liberal
do Estado Gendarme se sustentam nos requerimentos de acumulação do capital.
Conseqüentemente, o só se rompe a separação pretendida da perspectiva burguesa
entre a esfera econômica e a esfera política. Ao mesmo tempo, se percebe que o Estado,
longe de ser uma trava ao enriquecimento na busca da valorização dos capitais
individuais, constitui-se como um fator determinante para a devida sobrevivência do
sistema capitalista de produção.
Corazza mostra que “O dever do Estado de estabelecer uma rigorosa
administração da justiça também se origina num fato econômico: a formação da
propriedade privada” (CORAZZA, 1985, p.35). De igual forma sucede com a educação
pública que precisa formar indivíduos de acordo as necessidades de reprodução do
processo de produção capitalista. A estas funções políticas que descreve como o Estado
na concepção burguesa-liberal deve agir, Corazza acrescenta a de realizar obras
públicas. Tais deveres do Estado, como Corazza explica, demonstram que os alcances
do bem-estar amplamente outorgado a bondades da livre ação individual o cobrem a
grande maioria da população.
Assim Corazza sustenta que as análises de tais funções mostram com nitidez
a natureza do Estado liberal que, logo na obra de Adam Smith, será defendido por
outros economistas a partir da mesma linha de raciocínio: “[...] ser ao mesmo tempo
garantia da liberdade de ação individual e arcar com o ônus de sanar os males que a
mesma provoca para grande número de indivíduos.” (CORAZZA, 1985, p.37). Por isso,
da análise de Corazza percebe-se como aparece um Estado de classe, isto é, como surge
o Estado da classe capitalista. Carnoy explica o poder ideológico da teorização liberal
para o êxito em sua implementação concreta real: “[...] ao Estado cabia assegurar o
11
A função de defesa externa do Estado smithiano aparece aqui, portanto, diretamente ligada à
existência da riqueza. É a riqueza acumulada que desperta a cobiça e exige a proteção. Esta proteção o
pode ser oferecida pelos próprios indivíduos, como nos três primeiros estágios da evolução da sociedade
(caça, pesca e agricultura), pois, no estágio comercial e manufator, a divisão do trabalho mantém ocupada
permanentemente a maior parte da população, sendo necessária, então, a proteção pública do Estado
através de um exército profissional. Essa primeira função do Estado pode ser resumida como função de
proteção da riqueza, uma vez que é a existência da riqueza que exige a atuação do Estado.” (CORAZZA,
1985, p.34).
32
funcionamento regular da livre empresa, os cidadãos, cujas posições econômicas o
eram iguais, foram chamados a assistir a reprodução de sua própria desigualdade, sob a
suposição de que a longo prazo isso resultaria no maior bem para o maior número de
pessoas.” (CARNOY, 1988, p.48).
Dentro dessa mesma visão de Estado e economia, com suas particulares
diferenças, Say, Ricardo e Mill desenvolveram suas análises econômicas, e o impacto
da ação estatal. Ao tratar das finanças públicas Say, assim como Smith os gastos do
governo como improdutivos e perniciosos, entretanto, ao se tratar de gastos com
educação básica e profissionalizante, e algumas obras públicas ele defende a partir de
uma lógica de mérito (SANTOS, 1991, p.30). A tributação de todo modo deveria recair
sobre o consumo improdutivo, caso contrário, se incidisse sobre o lucro ou o estoque de
capital, os gastos do Estado tenderiam a produzir obstáculos à expansão do crescimento
econômico. Ricardo
12
desenvolve um modelo complexo e detalhado no qual ele tenta
mostrar que a tributação constitui-se em um obstáculo a acumulação de capital, seja
qual for a sua incidência. Mill continua nesse caminho e conclui que a ação do governo
restringia a mobilidade dos agentes econômicos e a potencialidade de acumulação de
capital.
A escola neoclássica, dando prosseguimento à análise inaugurada por Smith,
segue os princípios de alcance do bem-estar como produto do egoísmo dos indivíduos
da busca pelo próprio bem-estar de Smith. Eles, contudo, eliminam os aspectos de
conflito e contradição de classes ressaltando a harmonia social. Os indivíduos se movem
com um único objetivo: maximizar prazer, por meio do consumo, minimizando a dor,
isto é, ao menor esforço possível. Eles fazem isso a partir de um comportamento
racional do cálculo entre prazer e dor, ou seja, quantificam o custo-benefício buscando o
ótimo. Como todos os agentes agem a partir desse paradigma, ao se encontrarem no
mercado, todos tenderão a maximizar sua função utilidade levando sempre a economia
para um estado de máximo bem-estar social.
Nesse sentido, a economia é administrada pelo mercado e qualquer
interferência do Estado pode apenas atrapalhar no alcance do equilíbrio. Ao eliminarem
12
Para entender a obra de Ricardo é fundamental entender o contexto histórico no qual se insere. A
Inglaterra encontrava-se no auge da Revolução Industrial, a indústria queria dominar mercados, se
expandir. Ao mesmo tempo a acumulação estava sendo limitada pelas Leis dos Cereais que favoreciam a
produção agrícola com tarifas alfandegárias e subsídios, que elevava o preço do principal custo do salário,
acirrando a luta de classes entre trabalhadores e capitalistas industriais. Não é a toa que sua principal obra
se intitula “Princípios de Economia Política e Tributação”.
33
os aspectos de conflito e contradição de classe e salientarem o caráter de harmonia e
igualdade na teoria econômica deram ao Estado uma importância secundária
(CORAZZA, 1985, p.64). Portanto, o Estado deve para suprir as falhas de mercado.
Segundo Corazza (1985, p.64) “nos livros-textos acadêmicos, o Estado não aparece, a
não ser como produtor dos chamados ‘bens públicos’. A economia é administrada pelo
mercado, onde todo o poder se expressa na ‘soberania do consumidor’, para usar a
expressão consagrada.”
Como caso paradigmático da concepção de Estado da escola neoclássica,
Corazza (1985, p.64) analisa a visão de Leon Walras. Para ele, a economia está formada
por três áreas, a troca, a produção e a distribuição, das quais a primeira é objeto da
ciência econômica propriamente dita, ou a Economia Pura
13
, dado que a produção é
campo da economia aplicada
14
e a distribuição da economia social
15
. Corazza explica
que Walras na medida em que passa da economia pura a economia real “[...] vai
introduzindo a necessidade da intervenção estatal para adequar o mundo real ao seu
mundo ideal e salvar, dessa maneira, sua concepção teórica.” (CORAZZA, 1985, p.69)
Uma das funções essenciais que Walras dá ao Estado consiste em impor ‘a livre
concorrência’. Assim, “A livre concorrência não se impõe espontânea e
automaticamente. Organizá-la, garanti-la, em muitos casos controlá-la e mesmo
suprimi-la é uma tarefa do Estado.” (CORAZZA, 1985, p.70). Portanto, resume
Corazza:
[…] para Walras, não contradição entre a livre concorrência e a
intervenção estatal. Pelo contrário, a intervenção do Estado é necessária para
‘estabelecer e manter’ a livre concorrência. Por outro lado, a livre
concorrência não nasce espontânea e automaticamente do movimento dos
atores econômicos individuais. Ao contrário, ela é uma tarefa de legislação
que pertence ao Estado’. (CORAZZA, 1985, p.73).
13
“A Economia Pura implica a negação da própria atividade estatal, pois é concebida como ciência
natural, físico-matemática. Suas leis são leis naturais. A trocas constituem fatos naturais e guiam-se pelas
leis naturais da oferta e da procura. Perante o caráter dessas leis, o Estado nada pode fazer, senão
submeter-se a elas” (CORAZZA, 1985, p.65).
14
“A economia Aplicada, por sua vez, compreende setores em que se torna necessária a intervenção
estatal. Isso ocorre nas atividades destinadas a atender às necessidades públicas (defesa, justiça,
segurança), no caso dos monopólios naturais (fornecimento de água, gás) e sempre que a concorrência
não puder se manter de forma duradoura” (CORAZZA, 1985, p.65).
15
“A economia social ou repartição da riqueza, finalmente, deve guiar-se não mais pelos critérios da
eficiência e do interesse individual, mas pelos critérios da justiça e do interesse social. A livre
concorrência, portanto, não deve ser permitida nessa área. Não são as leis da oferta e da procura que
produzirão o máximo de utilidade, mas esta deve ser garantida pelas leis do Estado” (CORAZZA, 1985,
p.65).
34
Entretanto, no começo do século XX acontecimentos importantes
promoveram a reviravolta da configuração do Estado, dos quais podemos ressaltar três.
A Revolução Russa que em 1917 aboliu a propriedade privada e entregou ao Estado o
controle de toda a atividade econômica na antiga União Soviética
. As duas Guerras
Mundiais, com o fim dos grandes impérios europeus. E a Depressão dos anos 30 que
mostrou claramente a tendência do sistema capitalista a ciclos e crises e que, se
deixados pela força de mercado, podem causar grandes estragos, evidenciando as
fragilidades do mercado na construção do bem-estar social. Na realidade a crise de 30
mostrou a fragilidade da teoria da auto-regulação dos mercados. Assim, a acumulação
baseada nos princípios do laissez-faire do século XIX havia chegado ao fim. O
capitalismo do século XIX havia se transformado num mecanismo complexo e instável
de acumulação de capital, que já não possuía a capacidade de auto-regulação.”
(CORAZZA, 1985, p.77-78)
A crise de superprodução que assolou a economia neste período levou a um
momento de caos social. O elevado desemprego que atingiu taxas jamais vistas na
história do capitalismo, antes e depois, ameaçava o rompimento da coesão social, tão
necessária para a reprodução do sistema. Ademais, as propostas de um socialismo sem
desemprego, fome ou crises eram bastante atraentes. As propostas para a resolução da
crise a partir das teorias do livre mercado só aprofundava a crise. Para explicá-la
Keynes desenvolveu uma nova teoria do sistema capitalista, mostrando o caráter cíclico
e instável da acumulação capitalista.
No capítulo XXIV “Notas finais sobre a filosofia social a que poderia levar
a Teoria Geral” Keynes faz o diagnóstico da crise ao afirmar que "Os dois principais
defeitos da sociedade econômica em que vivemos o a sua incapacidade para
proporcionar pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das
rendas." (KEYNES, 1992, p.284). Keynes prescreve a cura por meio "[...] de um
controle central que [...] mante(nha) o ajuste entre a propensão a consumir e o estímulo
para investir [...]" (KEYNES, 1992, p.288) a fim de evitar uma crise social, ou melhor,
"[...] como o único meio exeqüível de evitar a destruição total das instituições
econômicas atuais e como condição de um bem-sucedido exercício da iniciativa
individual." (KEYNES, 1992, p.289).
Para Keynes a solução viria de um poder central, que voltado para o
interesse da sociedade e com intuito de manter as instituições que a compunham, como
35
a propriedade privada, e as liberdades individuais, deveria atacar os males da
distribuição de renda e do desemprego. Esse poder central deveria, portanto, produzir
um bem-estar da sociedade controlando o investimento, na busca do pleno emprego,
exercendo "[...] uma influência orientadora sobre a propensão a consumir [...]"
(KEYNES, 1992, p.288). A única instituição que tem controle de importantes variáveis
econômicas como o poder de emitir moeda, estabelecer a taxa de juros de referência
para o investimento, arrecadar recursos dos entes privados e redistribuí-lo e, ainda, o
poder de gastos com abrangência sobre toda sociedade estimulando a demanda, é o
Estado. Nesse sentido, Keynes enxergava no Estado
16
o agente regulador desse sistema
instável, que poderia auxiliar na manutenção da acumulação, que traria conseqüente
estabilidade e manutenção da coesão social tão necessária ao sistema. “No pensamento
de Keynes, o capitalismo sem a intervenção do Estado será vítima de suas próprias
crises.” (CORAZZA, 1985, p.78).
Como a ação individual não possui essa capacidade de prover o interesse
social, Keynes propõe a ação estatal, não como negação da iniciativa
individual, mas como condição mesma de sua sobrevivência. Estado e livre
iniciativa não se opõem, mas se complementam. A livre iniciativa individual
é cega em relação ao interesse social, mas, se for inteligentemente dirigida e
controlada pelo Estado, ela ainda é o meio mais eficiente de se atingir o
progresso econômico e social. (CORAZZA, 1985, p.96).
Para evitar a crise e a convulsão social nos momentos de retração do
investimento e da atividade econômica, que provocam o aumento do desemprego e
queda nas condições de trabalho era fundamental a construção de uma rede de
seguridade social. Dentro desse espírito que o paradigma do pós-guerra centrou-se em
três temas básicos. A necessidade de se ter uma rede de seguridade social que
proporcionasse benefícios àqueles excluídos temporariamente do mercado de trabalho.
A construção de uma economia mista pública/privada, implicando em maiores
investimentos do Estado em setores estratégicos, com as indústrias estatais. E a
coordenação da política macroeconômica pelo Estado a partir do reconhecimento de que
o mercado por si não levaria a economia a um ponto de equilíbrio estável, sendo
necessário realizar políticas contracíclicas que buscassem o pleno emprego, a
estabilidade de preços e o equilíbrio do balanço de pagamentos. Nas palavras de Santos
(1991, p.88):
16
“Keynes, através da intervenção do Estado, pretende manter um nível elevado de acumulação, por ser
este o único meio de evitar o desemprego, pelo enorme custo social e pelo risco para a sobrevivência do
sistema que o mesmo representa.” (CORAZZA, 1985, p.92).
36
Este processo ganha dimensões notáveis particularmente no pós-guerra; se
antes o Estado criava as condições externas ao processo acumulativo, na fase
atual, interpenetra na própria dinâmica capitalista, deixando de ser mero
instrumento, mas pontificando, sobretudo como sujeito do processo
acumulativo, pois agora [a partir da década de 30] o Estado passa a
comandar também capital em função, em busca de valorização. E nesse
processo as contribuições de Keynes, em favor de se reformar o capitalismo,
foram decisivas.
Segundo Faria e Winckler (1994, p.13) a partir dos anos 30 a ação do
Estado desdobra-se em duas direções: a da promoção da acumulação e a da reprodução
da força de trabalho. A primeira era realizada por meio de uma visão estratégica de
planejamento de longo prazo, seja financiando investimentos estratégicos via bancos ou
agências de fomento e para tanto reunindo fundos públicos, seja criando infra-estrutura
necessária por meio de empresas estatais de transportes, comunicação, energia etc, ou
seja, definindo planos globais e setoriais de desenvolvimento com metas e
regulamentação estabelecidas pelo Estado. A segunda era realizada num movimento de
socialização de seus custos e conseqüente redução da pressão salarial direta sobre as
empresas. O Estado fazia isso por meio das políticas de bem-estar social, com a
proteção ao desemprego, a previdência social, a saúde pública, a educação, o
saneamento etc (FARIA; WINCKLER, 1994, p.13).
Os níveis de gastos para suprir a demanda social provocavam déficits
elevados nas contas públicas, a crise do petróleo ajudou a intensificar o problema do
equilíbrio do balanço de pagamentos dos países, e o fim da União Soviética ajudou a dar
o toque final na configuração do Estado interventor desenvolvimentista. Segundo
Lopreato (2004, p.126) "As mudanças podem ser atribuídas a diferentes movimentos.
De um lado, o quadro internacional sofreu relevante alteração. O fim do acordo de
Bretton Woods, a crise da política keynesiana de pleno emprego, a elevação dos juros e
as baixas taxas de crescimento marcaram o novo momento da economia mundial,
contrastando com a fase anterior." A crise de hegemonia norte-americana da década de
70 e a sua retomada na cada de 80 e 90 foi um fator fundamental para entender esse
movimento.
Para Faria e Winckler (1994, p.23) o esgotamento do modelo de
desenvolvimento em voga, o fordismo, abriu caminho para uma crise mundial
capitalista no começo da década de 70. Assim essa configuração passou a sofrer grandes
questionamentos em função da grave crise fiscal que os Estados começaram a sofrer.
Em suas palavras: "Dessa vez, houve uma coincidência entre crise do regime de
37
acumulação e crise do modo de regulação. Essa crise envolveu duplamente o Estado.
Como crise de acumulação, abalou um dos pilares de legitimação política: o
desempenho econômico". (FARIA;WINCKLER, 1994, p.23).
Os problemas da inflação seriam resolvidos pelo novo liberalismo que
prometia acabar com a inflação, a estagnação do produto, gerar crescimento e
desenvolvimento. O novo liberalismo econômico deu ao Estado papel regulador do
mercado que “livremente” voltou a ser o condutor do bem-estar social. Na era do novo
liberalismo impera a visão das expectativas racionais, sobretudo dos economistas
ligados à escola novo-clássica. As idéias desenvolvidas por Lucas e a introdução das
expectativas racionais nos modelos macroeconômicos de Sargent e Wallace
questionaram a eficácia das políticas ativas de manipulação da demanda agregada como
instrumento de elevação do produto e do emprego (LOPREATO, 2004, p.131).
Segundo eles, o processo de ajustamento (market clearing) não permite a
existência de desemprego acima da taxa natural de desemprego, tornando assim
irrelevante políticas macroeconômicas governamentais. A pressuposição principal é que
o movimento macroeconômico reflete o comportamento de um agente representativo
que faz uso de todas as informações possíveis de forma racional e eficiente prevendo o
que vai acontecer e sempre acertando na média. Nesse sentido a política
macroeconômica deveria estar voltada para garantir a "estabilidade" do sistema.
No ideário dos novos clássicos, a política macroeconômica deveria pautar-se
por medidas gidas, sustentadas no tempo, cujo objetivo seria o de ancorar
as expectativas de mercado e balizar o comportamento de agentes racionais
com perfeita previsibilidade dos riscos de médio e longo prazos envolvidos
em decisões de curto prazo. O compromisso com a estabilidade e com as
práticas econômica dela decorrentes negava as políticas anteriores de curta
duração voltadas à sustentação da demanda agregada e assumia o papel de
fiador do ambiente favorável ao setor privado. (LOPREATO, 2004, p.132)
Dentro dessa gica era necessário redimensionar o tamanho do Estado na
economia, além de promover políticas de abertura de mercado e de promoção do setor
privado. Para tanto, foram estabelecidas reformas estruturais do papel do Estado na
economia baseadas no que ficou conhecido como Consenso de Washington, que
constituíram o paradigma da política econômica com o apoio das instituições
internacionais (LOPREATO, 2004, p.132). Dentro desse contexto, o novo paradigma
38
foi imposto principalmente via FMI por meio das condicionalidades de financiamento
aos países em desenvolvimento
17
.
Em suma, baseado no argumento de que a crise era decorrente da
indisciplina fiscal e na grande estatização da economia, o Consenso de Washington
prescrevia como receituário de política econômica, a adoção de medidas tais como:
disciplina fiscal com vistas à eliminação do déficit público; priorização de gastos
públicos; reforma tributária, com elevação da carga se necessária; liberalização
financeira, com taxa de juros “ditada” via mercado; abertura comercial; privatizações,
com vistas à diminuição do Estado na economia; desregulação da atividade econômica;
e, defesa dos direitos de propriedade como uma das mais importantes atividades do
Estado, que deveria intervir minimamente na economia (PEREIRA, 1990, p.3-4).
O ponto central era de que a crise pela qual o país passava era derivada da
ação do Estado na economia. O déficit público gerava a inflação e desemprego, gerando
instabilidade. Era necessário enxugar a máquina, dando à iniciativa privada a
responsabilidade de provisão de bens públicos, pois ela seria mais eficiente além de
ajudar a conter os gastos do governo. Ao Estado caberia garantir a estabilidade da
moeda, que por sua vez depende do resultado das contas do governo, dessa maneira o
centro da política a ser adotada passa a ser a garantir a solvência da dívida pública. Não
por acaso a expansão do capital se volta para a esfera financeira, o papel do Estado
passa a ser o de dar solvência a esse mercado. Dessa forma, a política econômica se
tornou refém dos fluxos financeiros, que caso se “sintam” insatisfeitos com sua taxa de
retorno se retiram provocando instabilidade e crise forçando o governo a elevar sua
rentabilidade para permanecerem.
De outro modo dada a abertura e desregulação, as economias, em especial
dos países em desenvolvimento, ficam cada vez mais sujeita às instabilidades, crises e
ataques especulativos, o que reflete diretamente na vida pública que acaba estando
exposta às fortes oscilações dos mercados financeiros. A posição do governo só é
considerada sustentável se o governo cumpre no presente a restrição orçamentária
necessária para evitar a explosão da mesma. Mas estando vulnerável a ataques
especulativos a única forma de manter essa situação sobre controle é garantir a não
17
O efeito da elevação das taxas de juros realizada pelo EUA na dívida pública dos países da América
Latina foi catastrófico, com impacto direto na elevação da dívida externa e elevando a necessidade de
financiamento desses países, dado o endividamento realizado no período anterior voltado para as políticas
de desenvolvimento a juros renegociados.
39
saída dos fluxos financeiros, por meio de elevadas taxas de juros, assim por sua vez
garantindo elevada valorização do capital.
Essa revisão das teses dominantes de interpretação do papel do Estado na
economia sugere que sempre uma relação de beneficiamento entre essas teses e a
forma de acumulação do período em questão. Ou seja, as interpretações da ação do
Estado na economia dominante, dentro de determinado período, sempre outorgam ao
Estado funções que influenciam na forma de acumulação de capital daquele
determinado período. Assim, o Estado é interpretado e deve implementar políticas
favorecendo a classe capitalista de acordo com a forma de acumulação de capital
específica, sendo esta sempre uma relação de exploração.
Portanto, para entender a natureza do Estado dentro do sistema capitalista
segundo a visão dominante, ou do mainstream, é fundamental analisar as funções que
estes autores lhe outorgam a realizar em seus esquemas teóricos. Nesse sentido que o
próximo item deve tratar sobre uma teoria do Estado marxista, ou seja, analisar-se-á o
Estado a partir categorias que devem constituir este esquema teórico partem dessa
perspectiva, sendo adaptadas ao problema da análise orçamentária.
2.3 Uma interpretação marxista do Estado
A análise de Marx parte de sua concepção geral do estudo das formações
sociais. Para Marx o determinante de cada sociedade concreta é sua estrutura social, e
esta última tem como base suas condições materiais específicas. Assim, criticando as
visões metafísicas e idealistas, para Marx a forma do Estado “[...] emerge das relações
de produção, não do desenvolvimento geral da mente humana ou do conjunto das
vontades humanas.” (CARNOY, 1988, p.65)
18
. Daí surge a posição essencial de Marx
de que “[n]ão é o Estado que molda a sociedade mas a sociedade que molda o Estado. A
sociedade, por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção e das relações de
produção inerentes a esse modo.” (CARNOY, 1988, p.66).
18
“Na concepção de Marx, é impossível separar a interação humana em uma parte da sociedade da
interação em outra: a consciência que guia e até mesmo determina essas relações individuais é o produto
das condições materiais – o modo pelo qual as coisas são produzidas, distribuídas e consumidas.”
(CARNOY, 1988, p.65).
40
Assim, dado que cada época se diferencia por suas relações de produção, e
dado que cada modo de relação de produção define uma forma de sociedade
correspondente a cada tipo, o protótipo de Estado que surge em um momento histórico
nasce sobre a base das relações de produção que lhe dão sustentação. Ademais, o Estado
capitalista, não é uma entidade nem natural, nem eterna, nem neutra, mas é o produto
histórico de certas relações de produção vigentes em um momento concreto da história
da humanidade
19
.
Conseqüentemente, o Estado, como produto das relações de produção
específicas, concretas num determinado período histórico, nas quais se expressa a luta
de classes envolvidas no processo de produção, implica, de forma inerente, a marca
deste conflito. Isto é, o surgimento do Estado está relacionado à existência de formas de
exploração de uma classe sobre outras classes presentes no tipo de produção da vida
material correspondente. Destas definições, Marx extrai certas conclusões relativas ao
Estado. Ele nega que o Estado seja, como postula ser, o representante geral da sociedade
em questão. O Estado, quando defendido pela classe que tem em seu poder o exercício
de suas ações, tende a apresentar-se a si mesmo como ‘o interesse comum’ da
sociedade, frente aos indivíduos ou classes que representariam ‘o interesse individual’.
Blackburn e Johnson (1992) ressaltam que Estado capitalista tem
características que o fazem próprio em relação a outros tipos de Estado. Eles observam
que se apresentam uma série de funções que o aparato estatal no modo de produção
capitalista deve cumprir para a sobrevivência de dita sociedade, entre as quais se destaca
o monopólio da violência. Em suas palavras:
La policía y las fuerzas armadas modernas requerían tanto un sistema
tributario eficaz, como una mínima infraestructura industrial [...] funciones
socioeconómicas [del Estado] son importantísimas en la sociedad
capitalista avanzada, pero en ningún caso debilitan o restringen su
monopolio de la violencia. Es ese monopolio el que permite al estado ser
19
Em seu famoso Prefácio da Contribuição a Crítica da Economia Política” Marx afirma: “[...] na
produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da
sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das
suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da
sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem
determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o
processo da vida social, política e espiritual.”
(MARX, 1859)
41
arbitro y garante de toda la formación social. (BLACKBURN; JOHNSON,
1992: p. 39)
20
.
Observe que se o Estado capitalista, por um lado, pretende apresentar-se
como uma entidade colocada por cima da sociedade, por outro lado, esta condição se
pode obter, ou aspirar a ter, por meio do exercício da violência e do direito legal ao
monopólio de seu uso. Assim, o Estado capitalista é produto do desenvolvimento
histórico específico, e aparece quando começam a impor-se as relações de produção
capitalista
21
.
O Estado capitalista, portanto, não pode converter-se no representante geral
da sociedade, isto é, não pode encarnar ‘o bem comum’ como aspira, pois na própria
sociedade existem interesses em conflito. As relações de produção capitalistas são
depositárias de interesses contrapostos, que nelas exploração de uma classe por
outra. Como resultado desta ‘sociedade civil’, formada por setores sociais em luta entre
si, o Estado capitalista necessariamente só pode expressar e tentar impor os interesses da
classe vencedora da confrontação. Obviamente, dentro do modo de produção capitalista,
dita classe é a capitalista.
Mas a característica da classe capitalista, ou a dinâmica deste modo de
produção, é que os membros da mesma, simultaneamente estão em confronto entre si.
Dita disputa consiste na concorrência econômica entre as distintas unidades de capital
que formam o capital total de uma formação social capitalista. Assim, um capital
individual se enfrenta em certa dimensão contra os demais capitais, procurando sua
máxima valorização e, ao mesmo tempo, em outra dimensão, luta contra a classe
proletária em seu interesse de obter dela a máxima mais-valia possível.
Conseqüentemente, esta dupla dimensão de conflito nas unidades
individuais de capital dentro deste modo de produção afeta ou aciona o aparato estatal.
Para a classe capitalista como tal, o controle político da sociedade por meio do Estado
20
Aunque esa función sólo se revela plenamente en un período de guerra o contrarrevolución, es
realmente el continuo sostenimiento de las relaciones sociales lo que define el contexto en que se
efectúan las transacciones.” (BLACKBURN; JOHNSON, 1992, p.39).
21
“De acordo com Marx e Engels, o Estado surge da contradição entre o interesse de um indivíduo (ou
família) e o interesse comum de todos os indivíduos. A comunidade se transforma em Estado,
aparentemente divorciado do indivíduo e da comunidade, mas, na realidade, baseado em relações com
grupos particulares sob o capitalismo, com as classes determinadas pela divisão do trabalho. […] Não
se deve, porém, deduzir daí que o Estado seja um complô de classe. Em vez disso, ele evolui no sentido
de mediar as contradições entre os indivíduos e a comunidade e, uma vez que a comunidade é dominada
pela burguesia, assim o é a mediação pelo Estado. ‘Portanto, o Estado o existe devido à vontade
dominante mas o Estado que surge das condições materiais de existência dos indivíduos também tem a
forma de uma vontade dominante.” (CARNOY, 1988, p.68-69).
42
implica a utilização de uma instituição que permita preservar seus interesses de classe
frente a classe proletária e a outras classes sociais. Entretanto, ao mesmo tempo, os
distintos tipos e as diferentes unidades de capital travam entre si uma disputa pelo
controle das ações do Estado em beneficio de sua valorização, em prejuízo dos capitais
restantes. Esta dupla dimensão do conflito e da luta dentro da sociedade capitalista
resulta no surgimento de diversas contradições dentro da sociedade capitalista. Esta
questão da problemática do Estado capitalista é bem explicitada por Alvater (1999, p.
91-92):
Así, ocurre que bajo la forma de producción capitalista, las unidades de
capital se constituyen como capital global social por medio de la
competencia; empero, esta constitución de ninguna manera puede ser
atribuida únicamente a la competencia. La razón de este obstáculo tiene que
ver con el capital mismo y con el hecho de que la forma específica de las
relaciones sociales capitalistas (intercambio de mercancías y producción de
capital) no permite el desarrollo de determinadas relaciones sociales. […] En
consecuencia, el capital no puede generar exclusivamente a través de las
acciones de las múltiples unidades que lo integran, la naturaleza social
necesaria para su existencia. Se requiere entonces de una institución especial
que no esté sujeta a las limitaciones del propio capital, una institución cuyos
actos no estén determinados así por la necesidad de producir plusvalor […]
Como resultado de esto, la sociedad burguesa desarrolla, en el Estado, una
forma específica que expresa los intereses generales del capital. El Estado no
puede ser concebido, entonces, ni como un mero instrumento político ni
como una institución establecida por el capital, sino más bien como una
forma especial de cumplimiento de la existencia social del capital al lado, y
conjuntamente con la competencia, como un momento esencial en el proceso
de reproducción social del capital. Sin embargo, sin el Estado expresa el
interés general del capital no lo hace en forma libre de contradicciones.
A descrição de Alvater como expressão ‘do interesse geral do capital se
sustenta numa das definições mais difundidas do Estado capitalista de Marx e Engels.
Em “O Manifesto Comunista”, os autores sustentam que o Estado capitalista, de forma
geral, constitui uma ‘junta de negócios para administrar os negócios conjuntos’ da
burguesia. Por sua parte, Engels, em seu famoso estudo sobre a origem do Estado,
explica seu surgimento baseando-se na aparição de uma sociedade dividida em classes
sociais. Desta forma, a concepção de Engels se baseia em entender o Estado como
representante do interesse geral do capital já que:
[...] estuda a formação do Estado na sociedade humana, a partir do
surgimento do direito de propriedade. Uma vez este constituído, foi
necessário criar uma instituição que o garantisse. Essa instituição foi o
Estado. A posição de Engels se abre caminho para o ponto de vista mais
popularizado pelo marxismo, ou do Estado-comitê central da classe
43
dominante, também pode ser resgatada como indicativa de que o Estado
surge como instituição da norma social. (FARIA; WINCKLER, 1994, p.11).
Nessa linha que Blackburn e Johnson afirmam que o Estado capitalista como
“[...] organización especializada de produção capitalista, que garantiza las condicionen
de produção capitalista [.]”, e que, portanto, administra os ‘negócios comuns’ da
burguesia detém “[...] el monopolio incontestado de la fuerza en su propio território [.]”
(BLACKBURN; JOHNSON, 1992, p.38), para impor por esta via os interesses dos
capitalistas.
Mas o emprego da força por parte do Estado capitalista não é utilizado
habitualmente, senão excepcionalmente. Aparece quando a luta de classes chega a uma
situação de tensão que pode por em risco a continuidade do próprio sistema capitalista.
Entretanto, o significativo de tal momento é que, como ressalta Wood (2000, p.55,
grifos do autor), “[n]o es o capital en sí, sino o estado, o que se hace cargo do conflicto
de clases […] El poder del capital geralmente permanece en segundo plano; y cuando o
dominio de clases se hace sentir como uma fuerza coercitiva directa y personal, surge
bajo la apariencia de un estado autónomo’ y ‘neutral’”. Desta forma, ainda quando o
Estado intervém de forma violenta, explícita, visível e clara, sua participação como
defensor dos interesses da classe capitalista fica disfarçada pela forma com que se ergue
e aparece dentro da sociedade capitalista.
Existen, entonces, dos puntos críticos de la organización capitalista de la
producción que ayudan a explicar la naturaleza peculiar de lo ‘político’ en la
sociedad capitalista y a situar la economía en la arena política: primero, el
grado sin precedente en el que la organización de la producción se integra
con la organización de la apropiación; segundo, el alcance y la generalidad
de esa integración, el grado prácticamente universal en el que la producción
en la sociedad en su conjunto se somete al control del apropiador capitalista.
El corolario de estos acontecimientos en la producción es que al apropiador
renuncia al poder político directo en el sentido público convencional pierde
muchas de las formas tradicionales de control personal sobre la vida de los
obreros, fuera del proceso de producción inmediato, de que gozaban los
apropiadores precapitalistas. Nuevas formas de control indirecto de clases
pasan a las manos ‘impersonales’ del estado. (WOOD, 2000, p.52-53).
Portanto, as características da forma de dominação por parte do Estado
capitalista surgem do próprio processo de produção capitalista. São as necessidades do
capital em sua intenção de valorizar-se que, em definitiva, dão ao Estado
correspondente suas características definidoras. Curiosamente, tais qualidades derivam
em que a classe capitalista, ao menos aparentemente, renuncia ao controle do Estado. Se
44
o capital procura esconder por meio das relações mercantis o fato da exploração da
classe assalariada, conseqüentemente deve outorgar-lhe a esta os mesmos atributos
jurídicos que ela mesma possui. Portanto, ao tentar negar a exploração do proletário, no
processo de produção, a classe capitalista precisa erguer um Estado sob a fisionomia de
República democrática.
La ausencia de coerción física en el proceso productivo exige que ésta se
concentra en la defensa del perímetro de la formación social y en la garantía
de sus instituciones básicas; pero esto no implica que el autónomo aparato
represiva gobierne la sociedad. […] En un país desarrollado, el poder
represivo del Estado deberá existir siempre como salvaguarda de la
integridad del orden social, pero no como instrumento de control de
negocios públicos o privados. Como Marx dice muchas veces, la explotación
capitalista es perfectamente compatible con la igualdad y la libertad jurídica.
(BLACKBURN; JOHNSON, 1992, p.41-42).
Portanto, por outro lado, Marx e Engels também deixaram claro que existe
uma contradição entre a realidade deste Estado capitalista e sua pretensão jurídica
burguesa de igualdade formal dos cidadãos pertencentes à sociedade civil. Portanto,
existe uma contradição entre a realidade da luta dentro do modo capitalista de produção
e sua forma de poder político, entre suas relações de produção e o Estado. Tal
contradição o necessariamente se manifesta em todo momento. Em parte, esta
contradição está contida pelo fato de que “[a] manutenção da coletividade de indivíduos
com interesses particulares opostos é possível pela alienação de uma parte de seus
interesses em favor de uma força que se sobrepõe acima deles, de fora da sociedade e
dirigindo-a.” (FARIA; WINCKLER, 1994, p.12, grifo nosso)
22
É por isso que “La
república democrática es la caparazón política óptima para el capitalismo, porque la
relación entre la administración burocrática y o sufragio universal es la contrapartida
política óptima de la relación entre la explotación capitalista y o cambio de mercancías.”
(MOORE, 1972, p.92). Por outro lado, também é certo que a luta de classes se expressa
dentro do próprio marco jurídico implantado pela burguesia capitalista.
Isto é o que Lefebvre (1972, p.78-79) denomina a ‘lucha por la
democratización’
23
. Isto é, assim como o grau de exploração sobre o proletariado por
22
As contradições sociais antecedem o surgimento da propriedade, mas essa instituição certamente vai
aprofundá-las a seu ponto máximo, aque o Estado se veja forçado a limitar o direito de propriedade,
quando seu exercício exacerbado ponha em risco a perenidade da coletividade. (FARIA; WINCKLER,
1994, p.12).
23
[] en la democracia hay grados, como en la revolución. El grado de democracia, o más bien el grado
de democratización de la vida pública, de la vida política y social, es exactamente proporcional a la
intensidad de la lucha por la democracia. La democracia no es otra cosa que la lucha por la
45
parte da classe capitalista não se define unicamente no âmbito da produção, senão que
requer do aparato estatal, da mesma forma, a luta de classes não se limita ao aspecto do
processo produtivo, senão que simultaneamente deriva em uma confrontação pelo
controle do poder político da sociedade. Isto é, a classe proletária pode confrontar a
classe capitalista dentro dos cânones e marcos políticos e jurídicos estabelecidos pela
própria burguesia, e sem que ele implique, necessariamente, a intenção de derrubar esta
formação social.
Assim se chega a uma das características definidoras do Estado capitalista:
“[...] é um Estado de classe, mas deve ter um alto grau de autonomia e independência se
vai agir como um Estado de classe.(CARNOY, 1988, p.74, grifo do autor)
24
. Dada
esta autonomia do Estado em relação a classe capitalista dominante, se abre espaço para
a aparição de um corpo específico encarregado de dirigir o aparato estatal
25
. Os
interesses deste grupo ou setor, isto é, que não chega a constituir-se em uma ‘classe’,
não necessariamente são coincidentes com os interesses da classe capitalista. É “[...] a
aversão inerente da burguesia em atuar diretamente no aparelho do Estado e devido aos
conflitos entre os capitais individuais [...]” (CARNOY, 1988, p.76) como Carnoy
explica o surgimento de uma contingência de conflito entre burocracia e classe
capitalista. Enquanto tal possibilidade não se manifesta, a burocracia estatal é o braço
executor dos interesses, de classe, dos capitalistas. Esta seria a condição ou situação de
normalidade de funcionamento do Estado capitalista, como bem detalha Carnoy:
Assim, nas condições normais do Estado burguês, a burguesia atribui a tarefa
de gerenciar os negócios políticos da sociedade a uma burocracia (que não é
a burguesia ou os capitais individuais), mas esta burocracia –em
contraposição às primeiras formações sociais- está subordinada à sociedade e
à produção burguesa. Embora a burocracia, enquanto conjunto de burocratas
individuais, seja autônoma frente à burguesia, está, como instituição,
reduzida cada vez mais ao estado de um estrato social que atua como o
agente da classe dominante. (CARNOY, 1988, p.76).
democracia.[…] La democracia es el movimiento. Y el movimiento, son las fuerzas en acción. […] No
hay democracia sin lucha contra el mismo Estado democrático, que tiende a consolidarse como un
bloque, a afirmarse como una totalidad a volverse monolítico y a instalarse sobre la sociedad de la que
ha salido. (LEFEBVRE, 1972, p.78-79).
24
“A noção do Estado como instrumento da classe dominante não se adapta a esse requisito de autonomia
e independência relativas, tanto em relação à classe dominante como em relação à sociedade civil.”
(CARNOY, 1988, p.74)
25
“’La cosa es más fácil de comprender’, escribe Engels, ‘desde el punto de vista de la división del
trabajo. La sociedad da origen a ciertas funciones comunes de las cuales no puede prescindir. Las
personas elegidas para realizar estas funciones constituyen una nueva rama de la división del trabajo
dentro de la sociedad. De esta manera adquieren intereses particulares, distintos también de los intereses
de quienes los emplearon; se independizan de estos últimos, y he aquí el Estado.’” (MOORE, 1972, p.47-
48).
46
Entretanto, pode haver certos momentos nos quais esta autonomia relativa
do estrato burocrático adquire graus de liberdade consideravelmente maiores. Atinge-
se o segundo nível de autonomia quando a luta de classes é ‘congelada’ pela
incapacidade de qualquer classe em demonstrar seu poder sobre o Estado.” (CARNOY,
1988, p.76). De acordo com Engels, o poder estatal alcança sua máxima independência
nos períodos em que as classes em oposição se aproximam ao equilíbrio no poder: [...]
por excepción, hay períodos en que las clases en lucha están tan equilibradas, que o
poder do Estado, como mediador aparente, adquiere cierta independencia momentánea
respecto a uma y outra.” (MOORE, 1972, p.54).
Desta maneira, o Estado capitalista, segundo uma óptica marxista, pode
possuir e manejar-se com certos graus de autonomia que, de acordo a cada momento
histórico específico, podem ser, inclusive, consideráveis. Apesar disso, esta
independência é limitada já que o poder em uma formação social concreta não se
estabelece por determinação jurídica ou legislativa, senão que emana das relações de
produção que dão sustento a sociedade. Dado que em um sistema de produção
capitalista, é a classe capitalista quem goza do elemento de poderio social, o capital,
conseqüentemente, ainda sim ‘o Estado’ aspira-se ampliar sua autonomia, essa seria
uma empresa infrutífera.
Embora ainda, sucede o inverso: a uma formação social capitalista,
corresponde um Estado de classe capitalista. Isto é, o próprio Estado que executa
funções de acordo aos interesses de classe capitalista. O que sucede é que, pelas
características da forma em que se a exploração do trabalho pelo capital, e pelo fato
de que dentro da própria classe capitalista existe concorrência interna por meio de
capitais que buscam valorizar-se, o Estado como instituição geral que representa o
capital, abre espaço para que exista certa autonomia ou distância entre os interesses
imediatos ou individuais dos diversos capitais e a manutenção dos objetivos mais gerais
e de longo prazo da sociedade capitalista como tal. Nisto influi o fato de que o capital
como classe não governa diretamente a sociedade, senão indiretamente por meio de um
corpo burocrático.
Desta maneira chega-se a questão da ‘dominação política’, entendendo-se
por este conceito a tarefa que leva adiante a instituição estatal de organizar e permitir a
reprodução das formas sociais inerentes ao modo de produção em questão e, portanto, a
uma respectiva formação social. No caso concreto do Estado capitalista, a questão da
47
‘dominação política adquire uma relevância especial, maior e essencial, do que nos
modos de produção anteriores. A causa reside nas mencionadas características próprias
do modo capitalista de produção, e em como justifica ideologicamente seu domínio
sobre o processo de produção
26
.
Portanto, para Marx, o Estado capitalista, como todo Estado, longe de ser o
responsável e o depositário dos interesses ou do bem da ‘coletividade social’, colocado
por cima dos interesses particulares, constitui “[...] a expressão política dessa
dominação. Na verdade, o Estado é um instrumento essencial de dominação de classes
na sociedade capitalista. Ele não está acima dos conflitos de classes, mas profundamente
envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial
do Estado como meio da dominação de classe.” (CARNOY, 1988, p.67). Portanto, a
tarefa analítica do Estado capitalista consiste em indagar e descobrir de que maneira e
mediante quais ões esta instituição, por um lado, participa do conflito entre as classes
a favor de uma delas, e, ao mesmo tempo, consegue apresentar-se, ante os olhos dos
indivíduos que compõem os grupos em luta, como uma entidade ‘neutra’ nesta disputa.
Assim para entender a natureza da política econômica atual, produto da
interpretação dominante do papel do Estado na economia exportada pelas instituições
multilaterais, e tornar clara sua real função desempenhada, torna-se fundamental
analisar os pontos chave dessa interpretação, relacionado-os com a acumulação de
capital dominante e a posição das classes sociais nesse processo. Sendo o papel do
Estado no modelo atual dominante o de garantir solvência da dívida pública, que por
sua vez deve garantiria a estabilidade da moeda, que por sua vez traria o
desenvolvimento econômico, a moeda passa a ser o centro da política econômica atual.
Assim, sendo a moeda a chave para o entendimento dessa política, torna-se fundamental
fazer uma análise destacando o Estado e o dinheiro no capitalismo, mostrando quais
foram as mudanças nos anos que antecederam essa mudança de paradigma das funções
do Estado.
26
Segundo Wood (2000, p.37):La esfera política en el capitalismo tiene un carácter especial porque el
poder coercitivo que respalda la explotación capitalista no está manejado directamente por el
apropiador y no se basa en la subordinación política o jurídica del productor a un amo. Pero siguen
siendo esenciales un poder coercitivo y una estructura de dominio, aunque la libertad y la igualdad del
intercambio entre capital y fuerza de trabajo significa que el ‘momento’ de coerción está separado del
‘momento’ de apropiación. La propiedad privada absoluta, la relación contractual que une al productor
con el apropiador, el proceso de intercambio de mercancías, requieren las formas legales, el aparato
coercitivo, las funciones de vigilancia del estado.”
48
2.4 Estado e dinheiro no capitalismo e suas alterações no contexto
internacional nos últimos 30 anos
Dentre as diversas funções do Estado na economia uma função primordial
do Estado deve ser destacada: o monopólio da emissão do dinheiro e da política
monetária em geral. Desde o século passado, a função estatal de emissor da moeda na
economia e de regulador do sistema financeiro, assim como também da política relativo
aos fluxos de capitais externos, foi adquirindo uma importância crescente. Entretanto, as
concepções do dinheiro dos economistas burgueses têm sua origem em uma concepção
do Estado que não se modificou e nem se distanciou dos delineamentos sicos dos
autores liberais.
É preciso analisar qual é o papel do dinheiro dentro de uma formação social
capitalista. Dentro do conceito de fetichismo da mercadoria de Marx, deveria incluir-se
o fato de que, normalmente, se tomam os fenômenos monetários em grande medida
como sendo de ordem econômica. Bonefeld e Holloway (1995) procuram resgatar a
íntima relação que existe entre o dinheiro e a luta de classes, refletindo a unicidade entre
economia e política. Os autores mostram como dentro de uma determinada política
creditícia fica definida certa ordem social, ao menos como tentativa. Da mesma
maneira, Cleaver (1995) destaca como é através da política monetária executada pelo
Estado, que o dinheiro se converte em um instrumento de estabelecimento de uma
organização social capitalista.
[…] la esencia social del papel jugado por el dinero en el capitalismo, es
dirigir la vida de las gentes como trabajo. Los ‘capitalistas’…son una nueva
clase que usa su dinero para poner a la gente a trabajar en donde la
producción de valores de uso son, meramente, los medios necesarios para
organizar a la sociedad en torno al trabajo incesante. En efecto, ese trabajo
produce más valor y plusvalía (ganancia en términos de dinero) pero ese plus
de dinero (qua capital) es meramente el medio de poder a la gente, cada vez
más gente, nuevamente a trabajar. El capital, insistió Marx, es una relación
social una relación antagónica ente la imposición del trabajo y la
resistencia a ello [.…] una nueva estructura de clase en donde una clase (los
capitalistas) usa el dinero para poner a los otros a trabajar (la clase
‘trabajadora’). (CLEAVER, 1995, p.28).
Segundo Cleaver o capital, ao transformar a força do trabalho em uma
mercadoria, impôs um controle social sobre a classe trabalhadora, baseado no poder de
compra do salário, que era a mediação para que proletário possa adquirir ou não seus
meios de subsistência. Portanto, o controle sobre a criação e a regulação do dinheiro se
49
converte no principal poder da classe capitalista para assegurar o domínio social
27
. La
expansión del crédito no es el fenómeno cíclico que la teoría económica plantea. Más
bien, para el capital es un modo de escapar a la insubordinación presente del trabajo.
(BONEFELD; HOLLOWAY, 1995, p.8-9).
Este nexo entre crédito e processo de trabalho, ou poder do dinheiro e luta
de classes, é também ressaltado por Amin (1978, p.47), que afirma que a quantidade de
moeda é uma questão social determinada pelas [...] condições de reprodução alargada,
sendo as produções e os preços determinados independentemente da quantidade de
moeda [...]”, assim é por meio do crédito e do sistema financeiro que esta possibilidade
é cumprida
28
. Para Amin (1978), Estado e política monetária se encontram tal que são
distintas caras da mesma situação social, isto é, representantes dos interesses gerais,
comuns, da classe capitalista, motivo pelo qual torna-se errado sustentar que pode
haver, ou pôde haver, uma política monetária não intervencionista ou passiva.
[…] a política do Estado é sempre intervencionista (e foi-o também no
século XIX) a fim de regularizar a oferta monetária. O sistema monetário do
capitalismo foi sempre relativamente centralizado. É ele que representa os
interesses coletivos da classe burguesa tal como o Estado. […] Temos,
assim, não uma oposição entre duas subclasses, mas uma oposição entre os
capitalistas, como indivíduos, entre si (parcelamento do capital) e a classe
capitalista organizada coletivamente. O Estado, as instituições monetárias
não são a expressão de interesses parcelares, mas a expressão dos interesses
coletivos da classe, o meio de regular a confrontação dos interesses
parcelares. (AMIN, 1978, p. 47-48).
27
Lo central del dinero en las nuevas relaciones de clase fue precisamente lo central de la dirección. La
creación de la clase trabajadora fue ante todo la imposición de la mediación del dinero (control
capitalista) entre la gente y los medios de subsistencia [.] la imposición del salario y de los precios
monetarios fue necesaria para forzar a la gente a trabajar para el capital. Esta imposición requirió,
sobre todo, nuevos poderes de un nuevo estado capitalista: el control sobre la creación y regulación del
dinero y el poder policial para imponer al dinero como medida universal y mediador de la sociedad.
(CLEAVER, 1995, p.29).
28
Quando estudou a relação do capital dinheiro com o capital produtivo, Marx viu o papel da
intermediação financeira expandindo a capacidade produtiva através do aporte de uma massa maior de
meios ao empresário industrial. Em sua maneira de ver, as sociedades por ações, então em expansão por
meio de novos mecanismos de crédito, eram formas de socialização da propriedade privada dentro dos
marcos do capitalismo e, o que é mais importante, geravam novas condições para a apropriação da mais-
valia. Em razão do aumento da participação dos capitais de terceiros na composição do capital total
empregado na produção, uma parcela necessariamente maior da mais-valia precisava assumir a forma de
juros para poder remunerar os donos desses capitais emprestados. Isso tem implicações importantes para a
estabilidade e manutenção do sistema por seus efeitos sobre o consumo e o investimento, mas tem
igualmente um significado muito forte em relação à forma como a natureza da economia capitalista pode
ser percebida. Quando uma parcela expressiva da renda que direito à participação na riqueza social
assume a forma de rendimentos financeiros, a criação do valor deixa de ser visível, o que tem repercussão
até no meio das empresas, na exata medida em que ganhos extra-operacionais, trocas de ativos, jogadas
na bolsa e outros negócios nos mercados financeiros proporcionam retornos maiores do que a atividade
produtiva.” (TAUILE; FARIA, 2001, p.18).
50
Embora, o exercício deste poder de controle da política monetária não esteja
alheio a conseqüências não desejadas para a classe capitalista, a classe trabalhadora
pode apoderar-se das ferramentas de política monetária para utilizá-las para seus
próprios fins
29
, ou seja, apoderar-se do Estado. Esta contradição é ressaltada por
Bonefeld e Holloway (1995, p.8) ao encontrar uma íntima relação entre dinheiro e luta
de classes enquanto manifestada ao longo da história do dinheiro
30
. Isto significa que
muitas vezes a luta de classes entre capitalistas e trabalhadores fica ocultada por
análises e por disposições de ordem monetária e creditícia, motivo que leva Cleaver
distinguir a presença de certo fetichismo monetário sobre ambas classes.
Una y otra vez, repetidas amenazas al papel del dinero han requerido la
acción del estado: desde la regulación del mediador mismo hasta el control
de sus fluctuaciones. Así, el papel del estado ha tenido que mantenerse
incluso extenderse en la creación y control del dinero, desde el
acuñamiento de la moneda metálica hasta la impresión del papel moneda,
la regulación de las reservas bancarias y el control de las tarifas fiscales
(impuesto y expedición). El desarrollo de dichas políticas estatales y el
debate filosófico y político - económico sobre ellos ha constituido una larga
historia para encontrar los mejores medios para realzar el papel del dinero
como un momento esencial de las relaciones de clase capitalista. En el
marco del capitalismo ha habido dos grandes obstáculos para dicha
realización: primero, entre los propios capitalistas, un fetichismo monetario
que ha ocultado relaciones sociales más fundamentales; segundo, originado
en el antagonismo de la clase trabajadora, el poder para separar al dinero
del patrón capitalista y utilizarlo con autonomía de propósitos. (CLEAVER,
1995, p.30-31, grifos nossos)
A importância do dinheiro e do crédito como marco de compreensão da luta
de classes no capitalismo adquiriu, para Bonefeld e Holloway, particular destaque na
análise das transformações do sistema financeiro internacional nas últimas três
décadas
31
. Para estes autores, os crescentes desenvolvimentos e inovações financeiras se
devem a crescente luta de classes que estava fazendo com que o capital fosse perdendo
29
“Al mismo tiempo, la imposición del dinero como los otros mecanismos de dominación arrastran
consigo un riesgo constante, a saber: que la clase trabajadora debe hacer uso de él para sus propios
propósitos […] los trabajadores han sido capaces de usar el dinero con propósitos antitéticos a esa
reproducción” (CLEAVER, 1995, p.29-30).
30
“La íntima conexión entre dinero y lucha de clases es una conexión compleja: al mismo tiempo en que
el dinero (como crédito) da reconocimiento al poder del trabajo, su movimiento y configuración
cambiante desarman y fragmentan ese poder. La respuesta monetaria al poder del trabajo es al mismo
tiempo una reconfiguración, o recomposición del antagonismo entre trabajo y capital. En otras palabras,
la historia del dinero puede ser vista como el movimiento de composición, descomposición y
recomposición de las relaciones de clase.” (BONEFELD; HOLLOWAY, 1995, p.8).
31
La tendencia histórica es que el capital juega y apuesta cada vez más sobre la futura subordinación
del trabajo. El crédito es un medio de integrar la explotación del trabajo con la realización del valor en
circulación […] si el capital pierde la apuesta, hay un colapso financiero.” (BONEFELD;
HOLLOWAY, 1995, p.8).
51
o controle do processo produtivo. La explotación del trabajo devino demasiado cara al
mismo tiempo en que la capacidad del capital para imponer el trabajo necesario sobre
el poder del trabajo social fue severamente limitada. Además, el poder disruptivo del
trabajo se hizo sentir a finales de los 60 en resistencia contra la intensificación del
trabajo y el intento de reducir salarios (política de ingresos). (BONEFELD;
HOLLOWAY, 1995, p.10).
Desta maneira, para eles o que estava sucedendo era que a classe
trabalhadora não estava aceitando ser explorada além de certos limites, ou seja,
independente da relação orgânica do capital, a luta de classes estava sendo o principal
componente que levava a queda da taxa de lucro. Segundo Harvey a configuração do
Estado de bem-estar do pós-guerra tinha ‘amarrado’ a acumulação de capital de tal
forma, tornando-a rígida, o que ia contra a própria natureza, ou seja, a busca pela
flexibilidade, o capital em forma de dinheiro
32
. “Por trás de todos esses traços
específicos de rigidez, havia uma configuração muito pesada e aparentemente fixa do
poder político e das relações recíprocas, que atou em larga escala as grandes massas de
trabalhadores, o grande capital e o governo no que cada vez mais se assemelhou a um
nó disfuncional de interesses adquiridos, definidos de forma tão estrita que mais fizeram
minar do que garantir a acumulação de capital” (HARVEY 1989 apud ARRIGHI, 1996,
p.3). Bonefeld e Holloway argumentam que a classe capitalista utilizou o poder, que
possui por ser dona do capital, procurando expandir-se pela via financeira. Em suas
palavras:
El capital respondió huyendo de la fábrica… En otras palabras, el capital
comenzó a acumular riqueza en forma de moneda sin una correspondiente
explotación del poder del trabajo en la fábrica. Parecería que el capital ha
olvidado el lento paso y el sucio lugar de la producción. El capital intentó
hacerse limpio: las ganancias podían ser producidas mucho más fácilmente
en inversión financiera, y la exacción de ‘intereses fue promovida por el
estado a través de políticas fiscales y anti-inflacionarias.[…]Indica también
32
“O capital-dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de escolha. O capital-mercadoria
(M) é capital investido numa dada combinação de insumo-produto, visando ao lucro; portanto, significa
concretude, rigidez e um estreitamente ou fechamento das opções. D’ representa a ampliação da liquidez,
da flexibilidade e da liberdade de escolha. Assim entendida, a fórmula de Marx nos diz que não é como
um fim em si que os agentes capitalistas investem dinheiro em combinações específicas de insumo-
produto, com perda concomitante da flexibilidade e da liberdade de escolha. Ao contrário, eles fazem
como um meio para chegar à finalidade de assegurar uma flexibilidade e liberdade de escolha ainda
maiores num momento futuro. A fórmula também nos diz que, quando os agentes capitalistas não têm
expectativa de aumentar sua própria liberdade de escolha, ou quando essa expectativa é sistematicamente
frustrada, o capital tende a retornar a formas mais flexíveis de investimento acima de tudo, à sua forma
monetária. Em outras palavras, os agentes capitalistas passam a “preferir” a liquidez, e uma parcela
incomumente grande de seus recursos tende a permanecer sob forma líquida.” (ARRIGHI, 1996, p.5).
52
el carácter ficticio de la contención del trabajo: la acumulación monetaria
fue de hecho una acumulación de capital desempleado’, de capital que
había huido de la fábrica y había hecho dinero a partir de apostar sobre la
futura explotación del trabajo. En otras palabras, la dimensión especulativa
de la acumulación y la subordinación del poder del trabajo son dos partes
de la misma nuez. (BONEFELD; HOLLOWAY, 1995, p.10-11, grifos
nossos).
Ao fugir da fábrica e tentar se ‘tornar limpo’ o capital voltou a se impor,
reconfigurando as relações capital-trabalho, capital-Estado e Estado-trabalho. Essa
retomada de poder se pelo “[...] o instrumento mais característico do poder
capitalista: o controle dos meios de pagamento.” (ARRIGHI, 1996, p.28). Ou melhor, o
capital se fez escasso, retomando o controle total do seu poder de subordinação do
trabalho. Esse movimento pode ser melhor explicado na seguinte passagem:
Although the capacity to work is possessed by practically everyone, the
control of means of production is not equally accessible. Of course, this
scarcity is not natural in any sense: is organized by the system itself, the
operation of which restores it every time is threatened as happens, for
instance, during boom, periods when the labour force also becomes scarce.
Minsky (1975) suggests that the business cycle can be seen as the way
through which the scarcity of capital is preserved. (CARVALHO, 1992, p.
45)
Assim podemos concluir que o crédito deixa de ser considerado básica ou
principalmente como uma questão meramente de índole monetária, para adquirir fortes
conotações sociais, o mesmo pode ser dito em relação aos fluxos de capitais entre
distintos países. Ambos fenômenos têm um papel importante na reprodução das relações
de classes capitalistas. Bonefeld e Holloway (1995, p.8) definem o crédito como um
jogo sobre o futuro, mas cuja base envolve uma ficção, dado que a futura exploração do
trabalho é tratada como se fosse exploração presente.
Simultaneamente, os autores entendem que os conflitos sociais entre o
começo do século XX e o Plano Marshall, em todo o mundo, e apesar das lutas
revolucionárias falidas, fizeram com que, por meio da teoria de Keynes, a classe
capitalista aceitasse que “[...] el estado podía mantener el orden sólo aceptando y
promoviendo la expansión del crédito […] La insubordinación del trabajo fue
traducida en un problema económico, en inestabilidad monetaria.” (BONEFELD;
HOLLOWAY, 1995, p.9). Esta tendência foi logo reforçada com o retorno das políticas
ortodoxas, conhecidas pelo rótulo ‘neoliberal’. No primeiro momento essas políticas se
fizeram como resposta ao movimento do próprio capital. No segundo momento se fez
53
por meio de organismos internacionais
33
que se apresentam como sendo meramente
agentes da estabilidade financeira internacional.
Impulsionado pelo retorno do liberalismo, o arranjo institucional que
sustenta a política econômica mudou, tanto no plano nacional quanto no
internacional. E o sentido da mudança está por trás do novo objetivo da
política, a estabilidade em detrimento do crescimento. Os instrumentos
anteriormente concebidos para coibir a especulação e condicionar a atividade
financeira ao objetivo de alavancar a produção e o emprego – gasto público,
tributação, intervenções do banco central e fixação da taxa de juros
passam a servir ao propósito de garantir e dar solvência aos mercados
financeiros. Da mesma forma, o sistema internacional criado em Breton
Woods e seus organismos multilaterais mudaram de função [...] (TAUILE;
FARIA, 2001, p.20).
Percebe-se, portanto, como a luta de classes se converte por meio da
regulação monetária e da política creditícia, em um assunto que parece ser externo ao
social, se apresenta como sendo de ordem meramente ‘econômica’. Em termos mais
genéricos, Amin (1978) denomina esta metodologia de controle social nas mãos da
classe capitalista de ‘regulação do ciclo’ econômico
34
. Para este autor, este
comportamento tem sua base de justificação ideológica nas teorias monetárias da
conjuntura, de onde “[a] taxa de juros aparece como o instrumento por excelência desta
regulamentação. O que o Estado, em período de crise, impôs, por meio do sistema
monetário, um aumento da taxa de juro, o poder central intervém ativamente na vida
econômica no sentido da defesa dos interesses coletivos do capital.” (AMIN, 1978,
p.48). Os resultados posteriores ao aumento da taxa de juros, ao acentuar a recessão e o
33
“As expansões e reestruturações da economia capitalista mundial têm ocorrido, antes, sob liderança de
determinadas comunidades e blocos de agentes governamentais e empresariais, singularmente bem
posicionados para tirar proveito das conseqüências não pretendidas dos atos de outros agentes. O que
entendemos por regime de acumulação em escala mundial o as estratégias e estruturas mediante as
quais esses agentes preponderantes promovem, organizam e regulam a expansão ou a reestruturação da
economia capitalista mundial. [...] Toda esta construção apóia-se na visão braudeliana, nada
convencional, da existência de uma relação ligando a criação e a reprodução ampliada do capitalismo
histórico, como sistema mundial, aos processos de formação do Estado, de um lado, e de formação de
mercados, de outro. A visão convencional das ciências sociais, do discurso político e dos meios de
comunicação de massa é que capitalismo e economia de mercado são mais ou menos a mesma coisa, e
que o poder do Estado é oposto a ambos. Braudel, ao contrário, encara a emergência e a expansão do
capitalismo como absolutamente dependentes do poder estatal, constituindo-se esse sistema na antítese da
economia de mercado.” (ARRIGHI, 1996, p.10).
34
“A regulamentação da conjuntura não é a supressão do ciclo, mas, pelo contrário, o estabelecimento
ordenado da sua amplitude, meio capaz de permitir o aumento do ritmo de acumulação em tempo de
prosperidade e depois, em tempo de crise, de ordenar através de liquidações, reestruturações e
concentrações.” (AMIN, 1978, p.48).
54
desemprego, geram um marco conjuntural que possibilita que a classe capitalista,
novamente, domine o processo de reprodução social de acordo aos fins que persegue
35
.
Conseqüentemente, é assim como Bonefeld e Holloway entendem a reação
da classe capitalista frente aos conflitos sociais e aos movimentos de contestação desde
a década de 60, baseada na escola monetarista. Porém, a diferença da crise anterior que
concluiu com o sistema de Bretton Woods, nesta ocasião, as relações de crédito tiveram
um acentuado elemento internacional. Isto é, até este momento as relações monetárias e
financeiras entre os diversos países estavam relacionadas seja por meio do sistema do
padrão ouro, seja através dos tipos de mbios - com o dólar do sistema de Bretton
Woods. Nesta ocasião a escala na qual se passa a exercer o domínio de classe mediante
o controle do dinheiro é diretamente a escala mundial. Nesta estratégia tem um lugar
chave tanto o fato de impor um marco recessivo e de alto desemprego em cada país,
como a pressão para que Estados e indivíduos se endividem
36
. Desta maneira:
El proyecto monetarista de usar el dinero como un medio para disciplinar el
poder del trabajo a través de la deuda y de su ejecución, y a través del
desempleo y la devaluación de capital en una escala masiva a principios de
los ochenta, reconoció la fuerza requerida para reimplantar el dominio
capitalista sobre el trabajo para la explotación. Sin embargo, podía
reimplantar el dominio sólo amenazando la estabilidad de las relaciones de
crédito sobre las que apoyaban las relaciones sociales existentes.
(BONEFELD; HOLLOWAY, 1995, p.13).
Assim, o que se constata nesse período foi que o capital intensificou a luta
de classes dentro do sistema capitalista, mudando sua estratégia de domínio social e de
enriquecimento, redefinindo ao mesmo tempo, a ordem das relações internacionais entre
os países. Seria errado sustentar que a ordem vigente no pós-guerra carecera de
dimensão monetária ou que esta não possuía importância essencial. O que acontecia, é
que ao tornar a moeda abundante, a partir de políticas expansionistas, que a regulação
35
“O aumento da taxa de juro acentua a crise multiplicando as falências. Mas, e por isso mesmo, acelera o
processo de concentração do capital, condição de modernização do aparelho produtivo e das reconversões
tornadas necessárias. A redução da taxa de juro em período de prosperidade, ao invés, acelera o ritmo de
crescimento e permite à economia em causa obter o máximo benefício da sua competitividade eterna,
entretanto restabelecida.” (AMIN, 1978, p.48).
36
La amenaza del desempleo fue reforzada por la amenaza de cobro forzoso de la deuda impaga, el
desalojo y, consiguientemente, la falta de vivienda y la pobreza. El poder disciplinante de la deuda y el
empleo precario no puede ser sobreestimado.” (BONEFELD; HOLLOWAY, 1995, p.15).
55
monetária foi deixada em uma medida mais que considerável nas mãos de cada Estado,
mesmo que sujeita aos saldos comerciais com o exterior
37
.
O que, seguramente, torna a análise conjuntural de cada momento mais
complexa do modo de produção capitalista é a persistente necessidade de alcançar o
equilíbrio necessário entre o que se pode denominar o ‘externo’ e o ‘interno’. A escala
de análise em geral deve ser de cada realidade nacional, ou, em outros termos, cada
Estado. Entretanto, o sistema capitalista, como tal, desde o princípio se configurou
dentro de um marco internacional, mundial e global. Por isso, Amin (1978, p.42)
sustenta que as leis de Marx relativas a este modo de produção, basicamente a ‘lei de
acumulaçãoe a ‘lei da pauperização relativa e absoluta da classe proletária’, têm base
empírica, isto é, estão respaldadas pelos dados da realidade concreta, mas à escala do
sistema capitalista mundial e não dos centros imperialistas considerados isoladamente,
que, por exemplo, o comportamento progressivo dos salários reais tem sido opostos
nos países centrais em relação ao verificado nos países periféricos.
Para Amin esta realidade produtiva entre distintas formações sociais
nacionais não estão desconectadas das políticas monetárias implementadas por cada
país. Pelo contrário, ele afirma que desde o padrão ouro “A prática da política
monetária, isto é, a manipulação das taxas de juro, constituía, portanto, um meio de
intervenção na orientação das relações entre as diferentes formações nacionais.”
(AMIN, 1978, p.49). Ele critica as visões que estudam a concorrência internacional
sobre as bases da análise abstrata das relações mecânicas que vinculam os tamanhos de
distintos países – isto é, balança comercial, fluxo de capitais, taxas de juros e de lucro -,
já que deixam de fora “[...] o ritmo do progresso das forças produtivas, os resultados das
lutas de classes e os efeitos que esta luta provoca naquele.” (AMIN, 1978, p.49).
Esse foi um período no qual ocorreram as grandes mudanças no padrão
monetário internacional
38
. O capital dentro desse processo de perda de poder sobre a
37
En las negociaciones de Bretton Woods, el estado norteamericano logimponer (contra los deseos
del propio Keynes en el sentido de implantar una moneda y una banca internacionales) una paridad
cambiaria fija, una hegemonía del dólar y la creación del Fondo Monetario Internacional (FMI) como
piezas claves en un nuevo orden internacional monetario. Ese orden dependía de la capacidad de cada
estado-nación keynesiano de manipular sus flujos monetarios internamente, al grado de lograr ajuste
necesario a sus cuentas internacionales. […] Así, la regulación a nivel internacional del sistema de
estados naciones dependía de la capacidad de cada uno de regular internamente el balance de poder de
clase en términos monetarios. Cualquier colapso importante de esa capacidad, amenazaría al sistema
global” (CLEAVER, 1995, p.39).
38
“A tentativa dos governos norte-americano e britânico de manter o surto de crescimento econômico do
após-guerra, através de uma política monetária extraordinariamente frouxa, teve algum sucesso no fim da
56
organização social e de rigidez, como colocou Harvey, foge para os mercados
financeiros europeus, fragilizando de vez a moeda americana que o estava
conseguindo mais manter o padrão ouro-dólar. A decadência do dólar leva o setor
financeiro a fugir para outros meios de acumulação da riqueza, levando a sua quebra
definitiva com o padrão ouro, evocando o que seria o declínio do Império Americano.
Entretanto, os EUA retomam sua posição
39
fazendo com que os fluxos financeiros
retornem para ele, fazendo com o dólar retomasse sua posição de moeda do mundo,
que abandonando de vez o lastro com o ouro, uma novidade na história do
capitalismo
40
.
Essa nova conjuntura implicou uma reestruturação do capital no mundo
todo. A elevação das taxas de juros do tesouro americano foi fundamental nessa
retomada do dólar, entretanto, implicaram em uma forte recessão mundial. Sua
intensidade danosa foi destinada, em especial, às economias que se aproveitaram do
excesso de liquidez no mercado europeu no período anterior como foi o caso da
América Latina, e do Brasil com tamanha intensidade. Para esses países no momento
anterior em que o capital estava disperso, o sonho de construir uma economia
desenvolvida parecia possível, e cada vez mais próxima como foi no caso do Brasil da
construção da infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da indústria, visto no
década de 1960, mas surtiu efeitos adversos no começo da seguinte. Os sinais da rigidez aumentaram
ainda mais, o crescimento real cessou, houve perda de controle sobre as tendências inflacionárias, e o
sistema de taxas de mbio fixas, que havia sustentado e regulado a expansão do após-guerra, entrou em
colapso. Desde então, todas as nações m estado à mercê da disciplina financeira, seja pelos efeitos da
fuga de capitais, seja por pressões institucionais diretas.” (ARRIGHI, 1996, p.3)
39
Para um maior entendimento desses acontecimentos ver Conceição (1997) e Teixeira (2000).
40
Segundo Teixeira (2000, p.9): “Ao promover essa radical transformação no modo de operação da
economia internacional, os Estados Unidos, de fato, a tornaram uma zona de influência do dólar. Ou,
melhor dito, restaurando a centralidade do dólar no sistema monetário internacional e a autoridade do
Federal Reserve sobre os movimentos de capital, os Estados Unidos passaram a atuar o apenas como
banqueiro do mundo e câmara de compensação das operações de débito e crédito internacionais, mas
como banco central da economia mundial, criando passivos que se tornam o único ativo capaz de
desempenhar simultaneamente as funções de medida dos valores, meio de troca e reserva de valor, e
podendo operar, internacionalmente, os instrumentos típicos do controle monetário. Essa é uma situação
radicalmente diferente da que se estabelecera com o sistema de Bretton Woods. Nas regras ali
estabelecidas, embora o dólar assumisse a função de moeda internacional, o padrão monetário estava
vinculado ao ouro, o que acabava por levantar restrições externas ao funcionamento da economia
americana, incapaz de garantir a competitividade de sua economia e, ao mesmo tempo preservar o valor
dos ativos denominados em dólar. Agora estava definitivamente rompido o conúbio espúrio com o ouro,
privado que foi, e de uma vez por todas, de suas funções monetárias. Essa situação, no entanto, não é
única apenas na história do capitalismo. Ela o é na história da humanidade. As mudanças operadas na
economia monetária internacional o dizem respeito apenas a uma elevação do preço da mercadoria
universal e todas as suas possíveis conseqüências. Elas dizem respeito a uma mudança na natureza do
equivalente geral, que deixa de estar referido a qualquer mercadoria real e passa a ter uma existência
exclusivamente fiduciária.”
57
projeto do II Plano Nacional de Desenvolvimento implementado pelo então Presidente
Ernesto Geisel.
Entretanto, a elevação das taxas de juros mundiais levou a elevação das
taxas de juros das dívidas contraídas no momento anterior por esses países a taxas
baixíssimas, o que levou ao constrangimento dessas economias culminando na crise da
dívida da década de 80. O Brasil, portanto, teve que conter o crescimento do mercado
interno, tão fundamental para o seu desenvolvimento deslocando a produção industrial
para o mercado externo na busca de divisas para o pagamento dos juros da dívida.
A situação da economia americana era particularmente difícil na segunda
metade dos anos 70. O menor poder de ordenar o mundo forçou a revisão da
política econômica e a adoção da política do dólar forte. A grave contração
monetária atacou a inflação, mas ao mesmo tempo, delineou-se um conjunto
mais amplo de medidas cujo alvo foi a revalorização do dólar e a
recuperação do controle americano sobre o conjunto do sistema financeiro
internacional. A nova ordem restaurou a centralidade do dólar no sistema
monetário internacional e a autoridade do Federal Reserve sobre os
movimentos de capital, simultaneamente, permitiu aos Estados Unidos
colocarem-se como banqueiros do mundo e reestruturarem o seu parque
industrial, recuperando o papel que tinham na vigência da ordem
internacional. (LOPREATO, 2004, p.131).
Retomando o enfoque na luta de classes, e no manejo monetário dentro de
cada Estado-nação, o sucedido no nível das finanças internacionais se vincula ao fato de
que, nesse momento em tal espaço geográfico, ou seja, nos Estados Unidos o capital
tinha perdido o domínio do controle social. Mas ao redefinir as relações financeiras, a
burguesia redefiniu as relações sociais, numa escala mais internacional que antes, e
recobrou, ao menos em parte considerável e ao menos por um período de tempo
considerável, o controle sobre a ordem social vigente. Perry Anderson resume muito
bem como o modelo neoliberal reconfigurou essas relações:
As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam
localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira geral,
do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação
capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua
pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais.
Esses dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das empresas
e desencadearam processos inflacionários que não podiam deixar de terminar
numa crise generalizada das economias de mercado. O remédio, então, era
claro: manter um Estado forte sim, em sua capacidade de romper o poder dos
sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e
nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta
suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina
58
orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da
taxa natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva
de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram
imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras,
isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos altos e sobre as
rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a
dinamizar as economias avançadas [...]. O crescimento retornaria quando a
estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido restituídos.
(ANDERSON, 1995, p.10-11)
41
.
O autor faz uma análise de como essa retomada de poder na luta de classes
pelo capital foi instituída pela agenda neoliberal nas economias desenvolvidas. Segundo
ele, no início, apenas os governos explicitamente de direita se atreveram a pôr em
prática as políticas neoliberais, depois, qualquer governo, inclusive os que se auto-
proclamavam de esquerda passaram a competir pelo zelo neoliberal.
O autor coloca que em relação aos itens deflação, lucros, empregos e
salários o programa neoliberal foi exitoso, entretanto, ele não restaurou os níveis de
crescimento, ademais, segundo ele, a taxa de acumulação no parque de equipamentos
produtivos não não cresceu nesse período como caiu. Segundo ele, os percentuais
desses valores anuais nas economias desenvolvidas foram de 5,5% na década de 60, de
3,6% na década de 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80, portanto ele questiona:
porque a recuperação dos lucros não levou a uma recuperação dos investimentos?
“Essencialmente, pode-se dizer porque a desregulamentação financeira, que foi um
elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias
para a inversão especulativa do que a produtiva.” (ANDERSON, 1995, p.16).
Concluindo, os acontecimentos tidos como ‘financeiros’ das últimas
décadas não constituem um fenômeno essencialmente diferente relativo ao que é a
história geral do sistema capitalista. As mudanças financeiras devem ser consideradas
como um desdobramento último do processo geral deste modo de produção. O controle
e a regulação monetária não são elementos a margem ou adicional as relações sociais
capitalistas. Pelo contrário, o dinheiro é um elemento central destas relações. A política
41
“O que fizeram, na prática, os governos neoliberais deste período? O modelo inglês foi, ao mesmo
tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as
taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre
os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova
legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente esta foi uma medida
surpreendentemente tardia -, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação
pública e passando em seguida a indústrias básicas como o o, a eletricidade, o petróleo, o s e a água.
Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais de
capitalismo avançado.” (ANDERSON, 1995, p.12).
59
monetária é resultado da luta de classes dentro da sociedade burguesa.
Conseqüentemente, assim como o progresso técnico constitui uma forma na qual o
capital tem para escapar ao pagamento do custo dos salários, também o crédito é um
método que o capitalista possui de ampliar sua escala de exploração.
Portanto em termos sociais, a acessibilidade ao crédito é uma forma em que
o Estado capitalista tem para regular a luta entre os setores sociais. Se por meio da
intervenção monetária o Estado possui um mecanismo para intervir na luta de classes,
não pode considerar-se o mesmo quando surgem novos instrumentos financeiros que de
forma alguma o Estado não teve participação nele. Portanto, a expansão e a contração
do crédito e da emissão monetária tem sido uma constante no comportamento do Estado
capitalista.
Nesse sentido que os acontecimentos financeiros recentes se entendem
como uma aposta da classe capitalista em recobrar o impulso do controle social que
vinha sendo disputado, ou seja, este empurrão social levou os capitalistas a redefinir as
regras sociais. Se a luta pela distribuição da riqueza se fez mais intensa a partir dos
últimos anos da década de sessenta, também influiu no fato de que a classe capitalista
via que seus retornos vinham aumentando em níveis menores (crescendo a taxas
decrescentes).
Simultaneamente, dado que em nível de cada formação social o predomínio
do capital vinha sendo contestada, o grande capital transformou sua base de sustentação
de valorização da ordem interna em escala internacional. Novamente, não é em si algo
inédito que o capital tenha uma escala de aplicação mundial. As tensões e os cálculos de
lucro têm sentido ao se considerar o capitalismo como um modo de produção de
escala global. Por isso as transformações do sistema capitalista podem ser entendidas
pela compreensão das disputas políticas e sociais que têm duas dimensões, interna a
cada país, e internacional. Lopreato mostra como os organismos internacionais, em
especial o FMI passaram a impor a adoção do novo modelo de política econômica aos
países em desenvolvimento que precisaram recorrer a esses organismos.
A assinatura dos acordos de assistência financeira ficou condicionada à
aceitação das condicionalidades específicas [...] determinadas nas
negociações. O FMI reforçou a sua atuação no redesenho das políticas
tributárias e fiscais, defendendo as reformas estruturais e as condições de
sustentabilidade da dívida. [...] Tais regras ampliaram o poder de
interferência do FMI nas ações fiscais e tributárias dos países em busca de
60
ajuda financeira e delimitaram a atuação dos gestores econômicos no
delineamento de caminhos próprios. (LOPREATO, 2004, p.136).
Esses países, como foi o caso do Brasil, perderam a autonomia de realização
de políticas econômicas as quais ficaram amarradas ao modelo trazido pelo novo
liberalismo, impedindo qualquer política de desenvolvimento dessas economias
42
. No
caso brasileiro que embora tenha cumprido a maior parte das condicionalidades
impostas, agindo sempre conforme o modelo, a relação dívida líquida do setor público
em proporção do PIB seguiu um patamar ascendente, começando 1994 em 30% chegou
a 56% em julho de 2002. Esse crescimento da dívida líquida pública tem implicado em
superávits e taxa de juros cada vez mais elevados, colocando a economia num rculo
vicioso em que não alternativas. Além de intensificar a crise e colocar o país em
situação cada vez mais vulnerável aos fluxos de capital externos e aos ataques
especulativos. Assim Lopreato (2004, p.142) conclui:
A aceitação dessas regras engessou a política econômica. A busca de
alternativa requer a redução da restrição externa e a desmontagem da
armadilha criada em torno da política fiscal. É preciso ter claro que a
geração de elevado superávit primário e a construção das condições fiscais
baseadas na política de sustentabilidade da dívida pública definida a partir
das expectativas racionais – não são suficientes para atrair capitais e garantir
a sonhada estabilidade numa economia periférica. A instabilidade do câmbio
e dos juros coloca em dúvida qualquer esforço fiscal que vier a ser realizado.
A eventual turbulência da economia mundial afeta o fluxo de recursos
internacionais, agrava o quadro de restrição externa e provoca amplas
variações na taxa de câmbio, com reflexos na inflação e demandam outras
rodadas de redução de despesas e de aumento da arrecadação de despesas e
de aumento da arrecadação, aprisionando a política de gastos, o sistema
tributário e o crescimento do PIB.
Dentro desse quadro internacional que o novo papel do Estado se insere.
Sem o entendimento da mudança de correlação de poder e da importância do dinheiro
na determinação das relações sociais a análise da política econômica dominante, isto é,
do mainstream pode ser interpretada equivocadamente. A nova política monetária
internacional é uma resultante da luta de classes entre o capital e o trabalho e com a
subordinação deste último. Assim a nova política monetária internacional estabeleceu os
desígnios do novo papel do Estado e da política econômica que esses devem seguir,
assim como tornou a política fiscal refém dela.
42
Segundo Lopreato (2004, p.139, grifo do autor): "A convicção acerca do papel crucial das reformas
estruturais no ajustamento externo e na criação das condições de crescimento sustentável levou ao uso
crescente das condicionalidades. O objetivo foi amarrar o ‘projeto’ de desenvolvimento das economias
em dificuldade à visão defendida pela instituição por meio da definição das diretrizes de política
econômica e da imposição das reformas de caráter liberal."
61
Esse período, portanto, foi marcado por uma forte influência do poder
financeiro no plano internacional, que se expressou de diferentes maneiras e em cada
país obteve mais ou menos ganhos. O poder financeiro foi o principal ator na mudança
dessas relações sociais. No caso brasileiro o capital financeiro estabeleceu uma
hegemonia que se expressou claramente nas políticas econômicas, monetária, fiscal e
cambial adotadas pelo governo brasileiro. O conceito de hegemonia usado parte da
noção de Gramsci, ao analisar as relações entre grupos de interesse no interior de uma
nação, de que a supremacia de um grupo se dá quando este é capaz de somar dominação
com direção
43
, exatamente como aconteceu no caso brasileiro. Assim a hegemonia
acontece quando um grupo social revela aptidão para tornar universais seus interesses
particulares (TEIXEIRA, 1993, p.19).
A existência e o exercício da hegemonia não implicam o uso da força, ainda
que pressuponham a posse de seus instrumentos. Implicam sim, capacidade
de direção, o que inclui capacidade de regulação de políticas, implícita ou
explícita, de modo que contradições e conflitos possam resolver-se ou pelo
acatamento às decisões da potência hegemônica ou através de negociações,
sem ter que buscar a continuação da política ‘por outros meios’.
(TEIXEIRA, 1993, p.20)
Assim a hegemonia do capital financeiro se estabeleceu sobre todas as
políticas governamentais, da monetária com aumento das taxas de juros, e, portanto de
desestímulo ao crédito, da política fiscal restritiva e de reforma das políticas sociais, na
tentativa de diminuir direitos sociais, todas essas políticas, implicaram um aumento da
recessão, intensificação da escassez do capital, aumento da subordinação do trabalho e,
principalmente, de concentração do capital. Com o discurso de que a inflação era o
maior mal que deveria ser combatido e de que o Estado era o seu principal causador a
classe dominante pode implantar essas políticas com o apoio da sociedade, embora o
produto dessas políticas tenha sido o aumento da recessão, do desemprego, da queda do
salário e da diminuição das redes de proteção social, e da apropriação do Estado como
instrumento direto da acumulação do capital.
43
“A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como dominação e como direção
intelectual e moral. Um grupo social é dominante dos grupos, que tende a liquidar ou a submeter inclusive
com a força armada, e é dirigente dos grupos afins e aliados. Um grupo social pode, e mesmo deve, ser
dirigente antes de conquistar o poder governamental. É essa uma das condições principais para a
própria conquista do poder. Depois, quando exerce o poder, e mesmo quando o mantém fortemente sob
controle, torna-se dominante, mas deve continuar a ser também dirigente.” (GRUPPI, 1978 apud
TEIXEIRA, 1993, p.18)
62
2.5 A hegemonia do capital financeiro vista no orçamento público
Uma análise do orçamento blico, a partir dessas categorias, mostra
claramente como se deu uma enorme apropriação dos recursos pela classe dominante.
Dito de outro modo, a análise do orçamento público mostra como as políticas
governamentais serviram de instrumento de valorização do capital de tal modo que este
se tornou numa ferramenta de transferência de recursos das classes dominadas para as
dominantes. Nesse sentido que se torna fundamental entender o orçamento público
como objeto de disputa social.
O'Connor (1977) a partir de uma análise marxista relativo à crise fiscal dos
EUA na década de 70 mostra como o orçamento público é usado, dentro da perspectiva
da luta de classe como um instrumento voltado para dar suporte a acumulação de
capital. Entretanto é fundamental aqui contextualizar a obra deste autor, dado que a
forma de acumulação e valorização do capital da época em que o autor escreve e na qual
será tratada aqui idiferir por completo. O'Connor trata da década de 70, do período
fordista em que favorecer a acumulação e valorização do capital significava favorecer o
capital produtivo. Contudo, o trabalho que deverá ser desenvolvido tratará da década de
90 em que essa ação do Estado consiste em ter dívida e remunerar bem à dívida.
No trabalho de O’Connor (1977) o orçamento do Estado é dividido em duas
grandes partes. A primeira delas reúne as despesas com capital social, isto é, aqueles
gastos do Estado que subsidiam a acumulação aumentando as forças produtivas,
fornecendo obras e serviços sem os quais os projetos privados o teriam lucro, ou
fornecendo incentivos para a acumulação de capital. A segunda parte reúne as despesas
sociais, através das quais o Estado tenta cobrir os custos sociais (ou os efeitos adversos)
do desenvolvimento capitalista, e que são, mais propriamente, gastos que visam
estabilizar a ordem social com a criação de um ambiente político seguro. Visa o
controle do proletariado, a contenção política das massas, a manutenção da hegemonia
ideológica e, onde ela fracassa, a repressão sica das populações em revolta. (GENTIL,
1992, p.3). Apesar da metodologia de O`Connor representar uma análise mais ampla de
como todos os recursos do Estado estão voltados para a garantia da acumulação do
capital, este trabalho não fará uso dessa metodologia.
63
O´Connor rejeita a idéia de que o volume e a composição do orçamento
público, tanto dos gastos como do peso tributário são determinados pelas leis de
mercado. Antes, é estruturalmente determinada pelos conflitos econômicos entre classe
e/ou grupos de interesse, ou seja, na luta de classes. A partir desse entendimento do
Estado, a política orçamentária (como, aliás, as demais políticas do Estado) deve ser
considerada como resultante das contradições de classe inseridas na sua estrutura.
O autor afirma que a explicação sobre a crise fiscal está no processo
contraditório desta que encontra seu reflexo e sua causa no orçamento governamental.
"Assim, torna-se fundamental uma teoria do orçamento blico, que de uma maneira
descubra seu significado para a economia política e para a sociedade como um todo."
(O´CONNOR, 1977, p.15) Ele apresenta uma teoria do orçamento público baseada no
estudo da luta de classes e da apropriação deste para a reprodução do capital, ou seja, é
uma pesquisa dos fundamentos sociológicos das finanças governamentais. Segundo o
autor: "A preocupação principal da política fiscal é a descoberta dos princípios que
governam o volume e alocação das finanças e despesas públicas, e da distribuição do
peso fiscal pelas diversas classes econômicas." (O´CONNOR, 1977, p.16)
44
. Dentro
desse contexto que, “[...] as categorias que constituem seu esquema teórico partem da
Economia Política, sendo adaptadas ao problema da análise orçamentária.” (GENTIL,
1992, p.2).
O'Connor estabelece algumas premissas. A primeira seria de que o Estado
capitalista tem de tentar desempenhar duas funções sicas e muitas vezes
contraditórias: acumulação e legitimação. Assim, o Estado tenta manter, ou criar, as
condições em que se faça possível uma lucrativa acumulação de capital. Contudo, o
Estado também deve manter ou criar condições de harmonização social.
Um Estado capitalista que empregue abertamente sua força de coação para
ajudar uma classe a acumular capital à custa de outras classes perde sua
legitimidade e, portanto, abala a base de suas lealdades e apoios. Porém, um
44
Schumpeter (1954 apud O’CONNOR, 1977, p.16) já havia levantado essa questão: “As finanças
públicas o um dos melhores pontos de partida para uma pesquisa da sociedade, especialmente embora
não exclusivamente de sua vida política. A plena frutescência desta abordagem parece estar,
particularmente, naqueles pontos cruciais, ou nas épocas, melhores em que as formas existentes começam
a morrer e a transformar-se em algo novo. Isto vale tanto para a significação causal de política fiscal
(apesar dos eventos fiscais serem elementos importantes na causação de todas as mudanças) quanto para a
significação sintomática (apesar de tudo o que ocorre ter seu reflexo fiscal). A despeito de todas as
qualificações que sempre m de ser feitas [...] certamente podemos falar de [...] um campo especial: a
sociologia fiscal de que tanto se poderá esperar.”
64
Estado que ignore a necessidade de assistir o processo de acumulação
arrisca-se a secar a fonte de seu próprio poder, a capacidade de produção de
excedentes econômicos e os impostos arrecadados deste excedente (e de
outras formas de capital). [...] O Estado deve envolver-se no processo da
acumulação, porém tem de fazê-lo mistificando sua política, denominado-a
de algo que não é, ou tem de ocultá-la (por exemplo, transformando temas
políticos em temas administrativos). (O’CONNOR, 1977, p.19).
Segundo o autor: “Programas e despesas privadas e o orçamento como um
todo o explicáveis apenas em termos de relações de poder dentro da economia
privada.” (O’CONNOR, 1977, p.18-19). Portanto, a segunda premissa é que a crise
fiscal pode ser entendida em termos de categorias econômicas marxistas básicas. As
despesas estatais têm um caráter duplo correspondente às duas funções básicas do
Estado capitalista: capital social e despesas sociais (O’CONNOR, 1977, p.19).
No trabalho de O’Connor (1977) o orçamento do Estado é dividido em duas
grandes partes. A primeira delas reúne as despesas com capital social, isto é, aqueles
gastos do Estado que subsidiam a acumulação aumentando as forças produtivas,
fornecendo obras e serviços sem os quais os projetos privados o teriam lucro, ou
fornecendo incentivos para a acumulação de capital. A segunda parte reúne as despesas
sociais, através das quais o Estado tenta cobrir os custos sociais (ou os efeitos adversos)
do desenvolvimento capitalista, e que são, mais propriamente, gastos que visam
estabilizar a ordem social com a criação de um ambiente político seguro. Visam o
controle do proletariado, a contenção políticas das massas, a manutenção da hegemonia
ideológica e, onde ela fracassa, a repressão física das populações em revolta (GENTIL,
1992, p.3)
45
. Apesar da metodologia de O`Connor representar uma análise mais ampla
de como todos os recursos do Estado estão voltados para a garantia da acumulação do
capital, este trabalho não fará uso dessa metodologia. Nesse sentido que Gentil afirma
que:
45
“As despesa estatais m um caráter duplo correspondente às duas funções básicas do Estado
capitalista: capital social e despesas sociais. Capital social
é a despesa exigida para a acumulação privada
lucrativa; indiretamente é produtivo (em termos marxistas o capital social aumenta indiretamente o valor
excedente).” Segundo ele há dois tipos de capital social: investimento social e consumo social (em termos
marxistas: capital social constante e capital social variável). Investimento social
consiste nos projetos e
serviços que aumentam a produtividade de um dado montante de força de trabalho e, sendo iguais os
demais fatores, ampliam a taxa de lucro. Bom exemplo disso são os parques de desenvolvimento
industrial financiados pelo Estado. Consumo social
indica projetos e serviços que rebaixam o custo de
reprodução do trabalho e, mantidos iguais os outros fatores, ampliam a taxa de lucro. Exemplo disto é o
seguro social, que expande o poder reprodutivo da forca de trabalho e, ao mesmo tempo, reduz os custos
do trabalho. As despesas sociais compreendem projetos e serviços exigidos para a manutenção da
harmonia social para cumprirem a função de legitimação do Estado. O melhor exemplo á a parte do
sistema previdenciário que é basicamente projetada para manter a paz social entre os trabalhadores
desempregados (O’CONNOR, 1977, p.20, grifos nossos).
65
As características fundamentais da metodologia de análise da intervenção do
Estado empregada por O´Connor (1977) são relativamente simples: à função
acumulação corresponde às formas de atuação do Estado para manter ou
criar as condições em que se faça possível uma lucrativa acumulação de
capital associam-se as despesas estatais de capital social; à função
legitimação que em essência corresponde à necessidade de manter a
hegemonia da classe dominante e ao mesmo tempo criar condições de
harmonia social, garantindo legitimidade ao Estado através da sustentação de
suas lealdades e apoios associam-se as despesas estatais. (GENTIL, 1992,
p.3)
Segundo ele o crescimento do setor estatal e da despesa estatal funciona
cada vez mais como a base do crescimento do setor monopolista e da produção total.
Poulantzas
46
(JESSOP, 1990, p.30) critica esta visão, segundo ele as classes o devem
ser vistas como simples forças existindo fora e independente do Estado, capazes de
manipulá-lo como uma ferramenta passiva, a influência política de classe depende da
estrutura institucional do Estado e dos efeitos do seu poder na sociedade. Além disso,
ele afirma que a luta de classes não está confinada a sociedade civil, antes disso, ela é
reproduzida no coração do aparato estatal. Entretanto, a concepção de Estado adotada
aqui não é a de resumir o Estado como um fenômeno econômico, ou de adotar o Estado
como uma simples ferramenta da classe dominante, mas de analisar o produto dessa
disputa social no orçamento público.
O Estado não é concebido como o detentor de um poder absoluto soberano
em relação às classes sociais cujo único papel é garantir a valorização do capital, ou
seja, não é um simples executor das políticas econômicas decididas pelas elites, de
maneira que os outros grupos sociais são meros espectadores das mesmas. Assim, o
Estado não deve ser entendido como um instrumento passivo e totalmente manipulado
por uma única classe ou fração de classe burguesa que o controla em seu favor. Nem ser
visto como o instrumento único de mudança da base econômica, antes, ele é produto de
uma luta de classes. Ou melhor, o Estado é constituído pelas contradições de classe, por
lutas políticas entre classes dentro da materialidade do próprio Estado. Se o Estado
representa e organiza os interesses da classe dominante, não o faz de modo mecânico,
mas através de uma relação de forças que faz dele uma expressão condensada da luta de
classes. (GENTIL, 1992, p.8).
Dentro desse escopo a política orçamentária não está alheia aos interesses
divergentes e concorrentes da sociedade. Antes disso, ela é uma resultante das
46
This is an instrumentalist argument that fits ill with that claim that the state and monopolies have
fused into a “single mechanisms.” (JESSOP, 1990, p.34).
66
contradições de classe inseridas na sua estrutura. Não se trata de analisar a intervenção
do Estado, como a formulação racional de um projeto global coerente. Ao contrário,
trata-se de pensá-la como resultante de uma coordenação conflitante de políticas e
táticas divergentes, posto que irá espelhar o o papel do Estado em relação às
classes dominantes, mas também, frente às classes dominadas.” (GENTIL, 1992, p.9).
Resumindo a teoria marxista do Estado, se constitui numa análise que considera
fundamentalmente a questão do Estado em termos de dominação política e de luta
política. Se a análise da intervenção estatal via gastos públicos, deverá elucidar as
relações de classe subjacentes à política orçamentária, uma análise da origem desses
recursos deixará clara a idéia de concentração do capital, via transferência de renda da
classe trabalhadora para o capital financeiro.
A linha mestra deste trabalho é de que o Estado funciona como um dos
instrumentos, e talvez o mais importante de valorização do capital. Na realidade a
valorização do capital para a qual o Estado Brasileiro contribui na década de 90 via
elevação das taxas de juros relativas à divida pública funcionou como valorização do
capital financeiro, sendo prejudicial para o aumento da produção. Portanto, "[...]a crise
fiscal é exacerbada pela apropriação do poder do Estado para finalidades
particularistas." (O'CONNOR, 1977, p.23).
A escolha desse período deve-se, ao delineamento cada vez mais claro de
uma hegemonia dentro do Estado, voltada para a acumulação do capital financeiro. De
tal maneira que o orçamento público passou não de instrumento de valorização do
capital como uma ferramenta de transferência de renda do setor produtivo, em especial
da classe trabalhadora, para o setor financeiro. Ademais esse período é marcado pela
constante contradição, de um lado de "diminuição" do Estado na economia, com as
privatizações, a diminuição do Estado investidor, manipulador do produto, do
crescimento na geração de emprego, de diminuição dos gastos governamentais em geral
(excluídos os gastos com juros) e de outro lado do "aumento" do Estado via
endividamento público e gastos com juros.
67
3 A POLÍTICA ECONÔMICA E A VALORIZAÇÃO DO
CAPITAL FINANCEIRO.
A década de 80 foi marcada por um intenso processo inflacionário, que após
inúmeros planos de estabilização frustrados teve seu fim com a implantação do Plano
Real, em 1994, pelo então Ministro Fernando Henrique Cardoso, o qual viria a ocupar
dois mandatos na presidência. É a partir desse momento que a política fiscal assumiu
um papel totalmente subordinado à política monetária, seguindo as prioridades por ela
determinada, e assim foi mantida pelo atual presidente Lula.
A política econômica realizada nesse período tem como ponto inicial o
plano Real desde o seu momento de preparação. Podemos dividir essa política em três
fases: do período de 1993 a 1994, no qual foi eliminado o processo de hiperinflação
pelo qual a economia brasileira passava; o período de 1995 a 1998 marcado pelos
grandes desequilíbrios macroeconômicos, marcado pelo intenso processo de
privatização e o período de 1999 até 2005 no qual o superávit primário e o acordo com
o FMI passam a ser o centro da política.
3.1 O Plano Real e o Consenso de Washington
O Plano Real identificava o ficit público como a causa fundamental do
grave processo inflacionário brasileiro. Nas palavras de um dos formuladores do plano:
“É o déficit fiscal o górdio da estabilização econômica no Brasil.” (ARIDA,1985,
p.67). O plano estava alinhado com os princípios de concepção política de estabilização
estabelecidos no Consenso de Washington
1
. O Consenso de Washington
1
“O consenso de Washington formou-se a partir da crise do consenso keynesiano [...] e da
correspondente crise da teoria do desenvolvimento econômico elaborada nos anos 40 e 50 [...]. Por outro
lado essa perspectiva é influenciada pelo surgimento, e afirmação como tendência dominante, de uma
nova direita, neoliberal, a partir das contribuições da escola austríaca (Hayek, Von Mises), dos
monetaristas (Friedman, Phelps, Johnson), dos novos clássicos relacionados com as expectativas racionais
(Lucas e Sargent) e da escola da escolha pública (Buchanan, Olson, Tullock, Niskanen). Essas visões
teóricas, temperadas por um certo grau de pragmatismo, próprio dos economistas trabalhando nas grandes
burocracias internacionais, é partilhada pelas agências multilaterais em Washington, o Tesouro, o FED e
o Departamento de Estados dos Estados Unidos, os ministérios das finanças dos demais países do G-7 e
os presidentes dos 20 maiores bancos internacionais constantemente ouvidos em Washington. Esta
68
responsabilizava o excessivo crescimento do Estado e o populismo econômico, definido
pela incapacidade de controlar o déficit público, como principais causas das crises pelas
quais passavam as economias latino-americanas. Dentro dessa concepção o
desequilíbrio das contas governamentais era o grande causador da instabilidade
econômica de um país, nesse sentido era necessário unir todos os esforços e dar fim ao
desequilíbrio das contas públicas. Segundo Pereira:
De acordo com a abordagem de Washington as causas da crise latino-
americana são basicamente: (1) o excessivo crescimento do Estado,
traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações),
excesso de regulação, e empresas estatais ineficientes e em número
excessivo; e (2) o populismo econômico, definido pela incapacidade de
controlar o déficit público e de manter sob controle as demandas salariais
tanto do setor privado quanto do setor público. (PEREIRA, 1990, p.3)
Portanto, o populismo levou a práticas de indisciplina fiscal que eram as
responsáveis pela inflação e todo o ambiente de instabilidade econômica. Assim eram
necessárias reformas urgentes que colocassem fim no populismo para se alcançar o
equilíbrio fiscal e conseqüentemente a estabilização. Estruturalmente as reformas
tinham que levar a uma drástica diminuição do Estado na economia, liberalizando o
mercado totalmente e adotando uma estratégia de crescimento market oriented’. Em
suma, baseado no argumento de que a crise era decorrente da indisciplina fiscal e na
grande estatização da economia, o Consenso de Washington prescrevia um extenso
receituário de política econômica que priorizasse a liberdade dos mercados e retirasse o
poder do Estado, já que esse era o responsável pela crise.
De acordo com a abordagem de Washington [...] o obstáculo é basicamente
interno e concentra-se no populismo econômico. Políticos populistas, que
dominam os parlamentos latino-americanos e freqüentemente controlam o
poder executivo, constituem a principal razão pela qual o déficit público não
é eliminado e a inflação controlada. (PEREIRA, 1990, p.13).
O Consenso de Washington é constituído de dez reformas: (1) disciplina
fiscal visando eliminar o ficit público; (2) mudança das prioridades em relação às
despesas públicas, eliminando subsídios e priorização de gastos sociais como saúde e
educação; (3) reforma tributária, aumentando os impostos se isto for inevitável; (4) as
taxas de juros deveriam ser positivas e determinadas pelo mercado; (5) a taxa de câmbio
deveria ser também determinada pelo mercado, garantindo-se ao mesmo tempo que
abordagem em Washington exerce poderosa influência sobre os governos e as elites da América Latina.”
(PEREIRA, 1990, p.3)
69
fosse competitiva; (6) o comércio deveria ser liberalizado e orientado para o exterior
[...]; (7) os investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; (8) as empresas
públicas deveriam ser privatizadas; (9) as atividades econômicas deveriam ser
desreguladas; (10) o direito de propriedade deveria ser tornado mais seguro, por meio
do fortalecimento das instituições garantidoras. (PEREIRA, 1990, p.3-4).
A proposta feita pelo Consenso de Washington e chancelada pelo FMI e
pelo Banco Mundial em vários países de todo o mundo foram pontos estratégicos para
ajustamento dos países periféricos. Na verdade, era um plano único de ajustamento para
as economias periféricas que homogeneizava as políticas econômicas nacionais dentro
de um corte neoclássico e ortodoxo.
Dentro dessa perspectiva o Estado deveria assumir o papel de garantidor das
instituições necessárias ao bom funcionamento do mercado. Este, por sua vez, numa
situação de estabilidade garantiria o crescimento, a elevação do emprego, ou seja,
levaria o bem-estar geral a sociedade se o Estado garantisse as bases lidas da
estabilidade e da confiança nas instituições capitalistas. Finalmente, a abordagem de
Washington sugere que é suficiente estabilizar a economia, liberalizá-la e privatizá-la,
para que o país retome o desenvolvimento.” (PEREIRA, 1990, p.4).
O plano implantado pelo governo brasileiro, portanto, se revela na expressão
do alinhamento da política econômica brasileira ao Consenso de Washington. Como nos
países da América Latina, o governo brasileiro seguiu a tendência neoliberal,
determinante da linha de atuação das políticas desses países.
Em 7 de dezembro de 1993 o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique
Cardoso lançou o Plano Real, que foi traçado para ser implementado em 3 fases. A
primeira deveria atacar o que era considerado pelos elaboradores
2
do plano como a
“verdadeira” causa da inflação, ou seja, o déficit fiscal. Como pode ser visto na
afirmação de Cardoso (1994, parágrafo 12): “A reorganização do Estado é a pedra
fundamental do processo de estabilização, ainda que este requeira medidas adicionais
para quebrar a ‘inércia inflacionária’ decorrente da indexação.”
O mais interessante dessa afirmação é que os números não revelem essa
evidência, mas resultados primários superavitários, com inexpressivos ficits
2
O Plano Real foi elaborado no governo Itamar Franco, por uma equipe composta de economistas são
eles Edmar Bacha, Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan, Winston Fritsh.
70
operacionais, como podem ser vistos na Tabela 1. Bacha (1994), um dos formuladores
do plano, realiza uma análise engenhosa para provar porque apesar dos números
revelarem superávits primários e inexpressivos ficits operacionais a culpa é do
‘elevado déficit reprimido’ ou melhor, ‘disfarçado pela inflação’. Assim a culpa da
instabilidade e da elevada inflação continuaria sendo do governo populista brasileiro,
fazendo valer o Consenso de Washington e as reformas por ele ‘sugeridas’.
Ele inicia sua argumentação a partir da idéia de que mesmo quando o déficit
do governo não é coberto pela emissão de moeda, ou seja, quando ele é financiado pela
emissão de dívida, os agentes racionais irão enxergar um aumento de endividamento
que pode levar a uma monetização da dívida num futuro, quando esta se tornar
impagável seguindo a análise de Sargent e Wallace. Assim antevendo essa possibilidade
os agentes emitiriam inflação antes mesmo dessa monetização, ou seja, se antevendo
a ela.
TABELA 1: NECESSIDADES DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO NFSP (%PIB)
- 1985 a 1994 (CONCEITO OPERACIONAL)
1985 1986 1987
1988 1989 1990
1991 1992
1993
1994
Resultado Operacional
4,73
3,60
5,70
4,80
6,90
-1,38
0,19
1,74
0,71
-1,14
Governo Central 1,22
1,28
3,21
3,47
3,95
-2,43
0,08
0,58
0,60
-1,57
Estados e Municípios 1,08
0,96
1,61
0,36
0,56
0,41
-0,68
0,65
0,08
0,8
Empresas Estatais 2,43
1,36
0,88
0,97
2,39
0,64
0,79
0,51
0,03
-0,4
Resultado Primário -2,67
-1,64
1,00
-0,94
1,00
-2,31
-2,71
-1,57
-2,26
-5,21
Governo Central -1,63
-0,36
1,77
1,06
1,41
-1,51
-0,98
-1,10
-0,88
-3,25
Estados e Municípios -0,09
0,06
0,62
-0,53
-0,35
-0,34
-1,40
-0,06
-0,62
-0,77
Empresas Estatais -0,95
-1,34
-1,39
-1,47
-0,06
-0,46
-0,33
-0,41
-0,76
-1,19
Juros Reais Líquidos 7,40
5,24
4,70
5,74
5,9
0,93
2,90
3,31
2,97
4,07
Governo Central 2,85
1,64
1,44
2,41
2,54
-0,92
1,06
1,68
1,48
1,68
Estados e Municípios 1,17
0,9
0,99
0,89
0,91
0,75
0,72
0,71
0,70
1,57
Empresas Estatais 3,38
2,7
2,27
2,44
2,45
1,10
1,12
0,92
0,79
0,82
(-) = Superávit
Fonte: GIAMBIAGI; ALÉM (2001)
Em seguida ele adota a tese de Guardia, afirmando que o equilíbrio do
orçamento federal é apenas uma fachada, pois ele embute um déficit operacional
considerável. Isso se pois o governo se usa da inflação para reprimir o valor das
despesas, se beneficiando da indexação da receita e garantindo assim um resultado
71
favorável das contas. Ou seja, o orçamento é aprovado com um déficit mascarado que
ao longo do tempo vai se tornando em superávit graças a inflação
3
.
Dessa forma, a inflação garantia um efeito Oliveira-Tanzi às avessas. A
estabilização deveria gerar um efeito Oliveira-Tanzi
4
real, ou seja, aumento mais
acentuado das despesas do que das receitas. O autor afirma que a inflação elevada
garantia, por meio da perda do valor real das despesas, o “equilíbrio” das contas
públicas, de tal maneira que o déficit real (isto é, com inflação zero) que deveria resultar
da estabilização monetária, seria significativo. De outra maneira, segundo o autor os
elevados gastos do Estado se dão porque o Estado não enfrenta o populismo e usa o
orçamento para atender as diversas classes da sociedade. A inflação torna possível que o
Estado garanta a parcela de cada grupo
5
. Em suas palavras:
Observa-se [...] no novo enfoque fiscal, dois pólos aentão dicotômicos de
explicação da inflação brasileira: o conflito distributivo e o déficit
orçamentário. A diferenciação é que [...] o conflito se manifesta não na
disputa entre salários e lucros por uma fatia do produto, mas na disputa entre
os grupos de interesse por uma fatia do orçamento. A soma das fatias
desejadas é maior do que as receitas fiscais disponíveis. A inflação ‘resolve’
o conflito de duas maneiras: diminuindo o tamanho das fatias efetivamente
distribuídas e gerando o imposto inflacionário necessário para cobrir a
diferença remanescente entre o gasto efetivo e a arrecadação de impostos
(BACHA, 1994, p.13).
Portanto, segundo os formuladores do próprio plano, enfrentar a inflação
significava enfrentar a disputa das classes por uma parte do orçamento público.
3
“A inflação ajuda de duas formas na redução do ficit orçamentário aos valores efetivamente
observados no fim do ano fiscal. Primeira, o orçamento embute uma previsão inflacionária bem menor do
que a inflação efetivamente observada. Isso reduz o valor real das despesas executadas, mesmo sem
controle do caixa. as receitas, por estarem indexadas, pouco sofrem com a inflação maior do que a
orçada. Segunda, através do controle de caixa, o Ministério da Fazenda adia a liberação das verbas
orçamentárias para o final do ano ou mesmo para os restos a pagar no ano seguinte, desse modo fazendo
com que o valor real dessas despesas seja adicionalmente reduzido pela inflação. Todo o processo é
eventualmente legalizado por um decreto de contingenciamento, uma lei de reprogramação
orçamentária.” (BACHA, 1994, p.9-10).
4
Efeito Oliveira-Tanzi: a receita cai em períodos de elevada inflação por causa da defasagem entre o fato
gerador do tributo e o seu efetivo recolhimento aos cofres públicos, o que, em caso de aumento de preços,
implica numa corrosão do valor real da receita. O efeito Oliveira-Tanzi às avessas indicaria um efeito
exatamente ao contrário, ou seja, a inflação estaria colaborando para uma corrosão do valor real das
despesas, mas uma indexação quase perfeita das receitas estaria garantindo um resultado favorável as
contas do governo.
5
É na elaboração do Orçamento que se expressam normalmente os conflitos entre os diversos setores da
sociedade e do próprio Estado pelos recursos fiscais. No Brasil redemocratizado, entretanto, as
instituições representativas partidos políticos, Congresso e o próprio Governo abstiveram-se aaqui
de arbitrar explicitamente tais conflitos. Em vez disso, têm permitido que se incluam no Orçamento
quaisquer despesas politicamente defensáveis […], para isso bastado que a previsão seja artificialmente
inflada. Como não é possível nem desejável elevar a carga tributária efetiva para atender a todas essas
demandas, parte delas acaba sendo financiada pela emissão de moeda, ou seja, através da inflação, e outra
parte simplesmente não é atendida” (CARDOSO, 1992, p.116).
72
Ademais a inflação era o principal vilão na distribuição da renda, ela corroia a renda
daqueles que o tinham acesso ao mercado bancário para proteger o seu poder de
compra, como as classes média e alta tinham
6
.
Assim a justificativa central do Plano Real estava no enfrentamento à
disputa do orçamento público e na manutenção do padrão de vida dos menos abastados.
Entretanto, o que veremos é que esse ‘enfrentamento’ foi apenas uma desculpa e que os
efeitos dessa política foram a destinação de recursos cada vez maiores para a classe
capitalista, ou seja, grandes favorecidos dessa política foram os detentores de capital,
em especial da classe financeira. Ademais se houve um desfavorecimento de alguma
classe esse se deu diretamente sobre a classe trabalhadora e o funcionalismo público,
que sofreu durante esses anos os impactos de uma política ortodoxa com a diminuição
da participação do produto, aumento do desemprego, destruição silenciosa da idéia de
uma rede de seguridade social, diminuição dos serviços públicos, além de seu
encarecimento e principalmente a transferência de renda dessa classe para o setor
financeiro.
3.2 A política econômica no período de 1993 a 1994
O Plano Real, portanto, foi concebido a partir da teoria desenvolvida por
Sargent e Lucas, de que a causa da inflação e da instabilidade macroeconômica eram
decorrente da indisciplina fiscal, da irresponsabilidade do governo. Segundo esses
autores o comportamento fiscal expansionista do governo é a principal causa da
inflação. As expectativas de elevação das taxas futuras de inflação ocorrem porque as
políticas monetária e fiscal do governo corroboram com essas expectativas.
Enquanto os governos permanecem com uma política expansionista, as
expectativas inflacionárias tendem a continuar, porque os agentes percebem que o
governo persiste com uma política de longo prazo incompatível com a estabilidade
duradoura de preços. E esse era o problema da economia brasileira segundo o governo:
6
Como consta da exposição de motivos do Plano Real: “A inflação é o mais injusto e cruel dos impostos.
São os mais pobres que o pagam. Empresas e famílias de alta renda aprenderam a se defender. Têm
acesso aos substitutos da moeda que a indexação e um sofisticado mercado financeiro desenvolveram nos
muitos anos de convívio com a inflação elevada. Enquanto isso os assalariados de baixa renda e a legião
dos excluídos do Brasil industrial vêem deteriorar-se a cada dia o valor de seus escassos rendimentos.”
(CARDOSO, 1994, p.115).
73
“A economia brasileira está sadia, mas o governo está enfermo. O diagnóstico sobre a
causa fundamental da doença inflacionária já foi feito. É a desordem financeira e
administrativa do setor público.” (BRASIL, 1993, p.1).
Mas como o próprio governo afirma era necessária uma mudança no Estado
inteiro. “A recuperação das finanças públicas não é uma mera questão de gastar menos e
arrecadar mais. Ela envolve uma ampla reorganização do setor público e de suas
relações com a economia privada.” (BRASIL, 1993, p.2). E ia mais além: A
reorganização financeira e administrativa do setor tem implicações que vão muito além
do econômico. É uma tarefa de salvação nacional e um desafio político.” (BRASIL,
1993, p.2)
O Plano foi dividido em três partes, a primeira consistia no ajuste fiscal para
promover o equilíbrio das contas públicas, teve como marco o lançamento do Programa
de Ação Imediata (PAI). A segunda introduzia um novo indexador, a URV, que
unificava os diferentes indexadores da economia. A terceira iniciaria a reforma
monetária, com introdução da nova moeda, o Real
7
, fase que poderia ser implantada
após o êxito das duas primeiras.
O PAI, lançado em 14 de junho de 1993, consistia em diretrizes e ações
específicas objetivando o aumento de receitas, contenção de gastos correntes,
privatizações, e outras medidas que visavam reformar o Estado do ponto de vista fiscal
e administrativo. Podemos resumir este instrumento a partir dos seguintes itens: corte de
gasto, incluindo a proposta de limitação em 60% da receita corrente com gastos relativo
a pessoal; recuperação de receitas, incluindo a criação da IPMF; relacionamentos com
Estados e Municípios, com redução das transferências de recursos não constitucionais
para esses entes e retomada do pagamento da dívida desses para com a União, além de
proposta para a limitação de endividamento de todo o setor público; bancos estaduais e
federais implementando reestruturação desses e maior controle na concessão de créditos
e; privatizações, cuja justificativa principal era de que o Estado deveria concentrar seus
gastos nas áreas sociais
8
. Dessa forma o Estado deveria deixar o papel de empresário
7
Lançado em 1º de junho de 1994, a partir da transformação da URV no Real, que tinha uma taxa de
paridade semi-fixa com o dólar.
8
“As empresas públicas [...] cumpriram papel [...] na industrialização do país. Hoje cabe ao governo
reestruturar-se para potencializar sua ação em outras áreas: os programas de saúde, educação,
alimentação, habitação de que o país carece para resgatar sua vida social: infra-estrutura, ciência e
tecnologia, justiça e segurança, defesa da moeda nacional e do equilíbrio dos mercados, expansão dos
mercados, expansão comércio exterior.” (BRASIL, 1993, p.11).
74
para o mercado e assumir aquelas áreas sociais nas quais a sociedade encontrava-se
extremamente carente. “A privatização é um passo necessário nessa mudança de ramo
do Governo Federal” (BRASIL, 1993, p.11). Fernando Henrique afirma em sua
exposição de motivos que [e]ssas medidas significaram o começo da arrumação da
casa, uma limpeza do terreno para as decisões” (CARDOSO, 1994, p.115).
Associado ao PAI, com a justificativa de dispor mais recursos para cobrir os
gastos sociais o governo lançou o Fundo Social de Emergência (FSE)
9
. O FSE consiste
basicamente na desvinculação de receitas para a criação de um fundo. Na constituição
de 88 determinados tributos e/ou determinados percentuais de tributos foram vinculados
ao financiamento obrigatório de gastos específicos. Essa vinculação fora estimulada
pelos constituintes com a justificativa de garantir um mínimo para gastos como
seguridade social e educação
10
, por exemplo.
O FSE que depois se tornou em FEF e depois em DRU foi um importante
instrumento da alteração dos gastos públicos, apesar de sua justificativa ser de liberar
recursos para gastos sociais. Esses recursos que constitucionalmente tinham que
financiar saúde, assistência social, previdência e educação foram desviados para compor
o superávit primário, ou seja, para o pagamento dos elevados juros praticados para
manutenção dessa política.
O controle da inflação foi estipulado como a principal meta do governo
11
.
Contudo, as principais justificativas para privilegiar essa meta foram centradas em duas
questões. A primeira, de que a inflação provoca instabilidade econômica, deteriora as
expectativas dos agentes e retarda o crescimento. A segunda, presente extremamente
forte no discurso político, era de que a inflação atingia com maior intensidade as classes
de renda mais baixa que, sem acesso ao sistema financeiro, tinham seu poder de compra
corroído mais rapidamente, o que agravava o problema de concentração de renda.
O controle da inflação foi usado para justificar as rigorosas políticas
monetária e fiscal adotadas, sejam elas, o aumento da carga tributária, a contenção dos
gastos públicos, as privatizações, juros em patamares elevados, controle do crédito e
política de câmbio valorizado. As ações que deveriam levar à diminuição do Estado na
9
O Fundo Social de Emergência foi aprovado por meio da Emenda Constitucional de Revisão 1 de 01
de março de 1994.
10
Em 2000 foi criada uma nova vinculação para a saúde com a EC n° 29.
11
“Mas a estabilização de preços criará condições para o crescimento sustentado da produção e do
emprego e para a distribuição de renda, permitindo preencher o abismo entre o Brasil rico,
industrializado, moderno e eficiente e o Brasil miserável, de tudo desprovido” (CARDOSO, 1993, p.116).
75
economia foram colocadas em prática. O Estado deveria prover arranjos institucionais
mais propícios a atividades dos agentes privados, à estabilidade econômica, que
conduziria conseqüentemente ao crescimento econômico sustentado.
Embora o ajuste nas contas públicas proporcionado pelo PAI a inflação
continuou a acelerar-se, ou seja, mesmo com um aumento em 1% no PIB no resultado
operacional. O mais interessante está em que, como Batista Junior (2000: p.97) levanta,
embora o trabalhado de Sargent e Lucas tenha influenciado fortemente o debate sobre a
estabilização de preços no Brasil, o fim do processo inflacionário no Brasil é um contra-
exemplo a sua tese, que, como será visto adiante, apesar da hiperinflação ter caído
vertiginosamente, o déficit público aumentou absurdamente. Em 1995, o déficit
operacional do setor público (considerando os governos federal, estadual e municipal e
as empresas estatais) aumentou significativamente em relação a 1994, passando de um
superávit de 1,1% do PIB para um déficit de 5% do PIB. Apesar disso, a inflação que
marcou 2.700% em 1993 e passou de mais de 2.000% em 1994 foi para 14,8% em 1995.
Embora no plano estivesse o reconhecimento da necessidade de desindexar a economia
e eliminar o componente inercial, o diagnóstico oficial era de que o déficit público era a
principal causa do processo.
Para acabar com a inflação o plano promoveu um aumento da concorrência
com importados, fazendo a abertura comercial, a desregulamentação dos mercados
12
e a
sobrevalorização cambial que garantia a paridade da moeda nacional com o dólar.
Segundo (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p.8): “Essas reformas
compreenderam uma série de iniciativas que visavam aumentar a produtividade por
meio da minimização da interferência governamental no mercado e da maximização da
competitividade na economia. Dentre essas iniciativas as mais importantes foram a
liberalização do comércio, a privatização e a desregulamentação.”
12
Uma série de iniciativas foi promovida para aumentar a concorrência no mercado interno brasileiro. O
primeiro conjunto de mudanças foi implementado pelo Programa Federal de Desregulamentação (PFD)
que revogou 113.752 decretos presidenciais do total de 123.370 baixados nos 100 anos precedentes; no
comércio internacional foi quebrado o monopólio do governo sobre a exportação de café e açúcar e sobre
a importação de trigo, por exemplo; em relação ao investimento externo a maior parte das restrições foi
abolida; a lei antimonopólios de 1962 foi complementada por dispositivos mais rígidos; foram anuladas
as restrições legais que limitavam a entrada de competidores e estabeleciam controle de preços em
diversos setores não comerciais (as mais importantes foram as emendas constitucionais que terminaram
com o monopólio do governo sobre o setor de infra-estrutura e com as diferenças de tratamento
dispensado a empresas nacionais e estrangeiras); assim como foram revogadas outras restrições
constitucionais como as impostas pela Lei 4.131 sobre o acesso de empresas estrangeiras a linhas de
financiamento (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001).
76
A liberalização do comércio tinha sido iniciada desde 1990, quando as
tarifas de importação brasileira, usadas como instrumento de proteção da indústria
nacional foram cortadas ou diminuídas. Somado a isso diversos subsídios a exportação
foram cortados. Na visão de defensores do governo “[a] liberalização do comércio foi
particularmente importante para os bens de consumo: as tarifas incidentes sobre os bens
de consumo duráveis diminuíram 66 pontos percentuais, e a eliminação da lista de
artigos de importação proibida proporcionou aos consumidores acesso legal a produtos
estrangeiros que, do ponto de vista prático, estavam banidos décadas.” (PINHEIRO;
GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p.9).
Para atrair dólares e manter a âncora cambial, a política de juros foi de
elevadas taxas, auxiliada pela desregulamentação do mercado financeiro. A grande
liquidez internacional existente à época do Plano colaborou com a sobrevalorização. Os
juros altos foram decisivos para restringir o crédito, junto com a realização de uma
política fiscal contracionista. Assim o novo plano de estabilização estava baseado na
ancora cambial, ou seja, na fixação da taxa de juros como principal meio indutor da
estabilidade de preços na economia. O Real entrou em vigor em 1° de julho de 1994
com o valor máximo limitado a U$S 1,00, contando com o apoio popular e da mídia. A
inflação foi caindo mês a mês e chegou a 1% em dezembro deste ano.
13
Considerando que a abertura comercial com uma taxa de cambio
sobrevalorizada acaba levando a uma deterioração nos saldos comerciais do país sua
viabilização financeira exigiu uma política de atração de capitais externos mais que
proporcional aos déficits esperados na conta corrente de modo a permitir a cobertura
desses déficits (HERMANN, 2002). Assim entrou-se num círculo em que as elevadas
taxas de juros eram necessárias para a captação de recursos externos garantindo assim a
taxa de mbio sobrevalorizada, mas o ficit na balança comercial causado por essas
políticas tinha que ser coberto, provocando novo aumento das taxas de juros.
A política monetária de juros altos, associada à grande liquidez internacional
existente na época do Plano, foi responsável por um amplo movimento de
ingresso de hot money e de sobrevalorização cambial. O incentivo à entrada
de capital externo, entretanto, implicava num risco crescente, pela excessiva
13
O fim da inflação deu grande popularidade ao então ministro Fernando Henrique Cardoso, sua
candidatura a presidência do país deslanchou e em outubro de 1994 ele ganhou com 54% dos votos
válidos. “Abriu-se então o período em que o governo desfrutaria de grande aprovação popular à
estabilidade, a ponto de a maioria da população manter apoio ao presidente mesmo com os custos que
sobreviriam em termos de desemprego, falências, recessão etc, traços fortes nos anos seguintes.”
(MACEDO; PELLEGRINI, PIVA, 2002, p. 4).
77
presença de capital volátil, que ao primeiro sinal de insegurança,
abandonaria o país. (GENTIL, 2006, p.186).
Lopreato (2002) critica a visão centrada no déficit público, que desconsidera
a especificidade daquele momento histórico e deu pouca atenção ao papel da crise
externa na aceleração inflacionária. Segundo ele: “O elemento nuclear do descontrole
inflacionário foi a ruptura das condições de financiamento externo e as conseqüências
dessa crise sobre a economia no plano interno.”
14
(LOPREATO, 2002, p.5). A taxa de
câmbio e a juros passaram a orientar a dinâmica de preços da economia. A fixação deles
balizava os demais preços e impunha o patamar da inflação. Assim a inflação o
dependia do déficit público, mas das condições de determinação desses dois preços. A
saída dessa situação estava em romper essa articulação entre política cambial, monetária
e fiscal, o que poderia ser feito se houvesse alternativa de financiamento do balanço
de pagamento.
O autor mostra que os resultados fiscais positivos no período de 1990 a
1993 não impediram o processo inflacionário, colocando em dúvida o vínculo
estabelecido entre déficit público e inflação. Assim “[...] o controle inflacionário
viabilizou-se graças a retomada da liquidez no mercado financeiro internacional e à
possibilidade de financiamento do balanço de pagamentos sem a obrigatoriedade de
manter o valor da taxa de câmbio real e gerar mega-saldos comerciais.” (LOPREATO,
2002:9-10). Os mercados financeiros internacionais, por sua vez, ofereceram a sua
liquidez em troca das alterações realizadas no papel do Estado.
Entretanto, a atração de capital externo dependia da oferta de ativos de
elevada rentabilidade, que segundo Lopreato se deu de duas formas. A primeira baseou-
se nas privatizações, na abertura do mercado bancário, no favorecimento às fusões e
incorporações de empresas com ações depreciadas, nos títulos comerciais de empresas
14
“A crise externa, no caso brasileiro, comprometeu o padrão de financiamento do setor público
implementado desde as Reformas de 1964 e desencadeou a aceleração inflacionária características da
América Latina nos anos 80. O colapso do financiamento do setor forçou a geração de mega-superávits
comerciais e elevou as necessidades de financiamento do setor público para cobrir o seu passivo externo.
Criaram-se, então, condições particulares de inter-relação entre as políticas cambial, fiscal e monetária: a
obrigatoriedade de sustentar o financiamento do balanço de pagamentos implicou na adoção de uma
política cambial ativa. A desvalorização cambial ampliava os encargos financeiros dos passivos
denominados em dólares e o deixava margem de autonomia à política fiscal. Além disso, impunha
estreitos limites ao controle da política monetária, pois, sem obter os recursos )em moeda local) exigidos
no pagamento do passivo externo, o setor público dependia da colocação de títulos e da expansão da base
monetária. A colocação da vida mobiliária, por sua vez, dependia da atratividade na moeda indexada,
baseada na confiabilidade e liquidez dos títulos, bem como no valor dos juros exigidos na valorização do
capital privado.” (LOPREATO, 2002, p.6, grifo do autor).
78
financeiras e não financeiras com acesso ao mercado internacional, assim como os
ganhos na bolsa de valores constituíram em instrumento de atração de capital externo. A
segunda, e talvez a mais importante, foi a política de juros sobre a dívida pública
oferecida pelo governo.
O uso das contas públicas como espaço de valorização do capital externo no
momento inicial de estabilização, viabilizou tendo como base dois pilares
fundamentais. O primeiro deles foi o suporte fiscal dado pelo excepcional
superávit primário de 1994 (5,21% do PIB) e o segundo foi o espaço para o
crescimento da dívida pública herdado pelo governo FHC, que favoreceu o
uso dos títulos como fonte de rentabilidade dos capitais externos (através da
esterilização dos superávits do balanço de pagamentos) sem colocar sob
suspeita a dívida. (LOPREATO, 2002, p.11)
15
.
Entretanto, essa situação não foi mantida por muito tempo que a
liberalização comercial, a política de câmbio e a de juros passaram a atuar contra a
produção interna. O saldo comercial externo se reduziu em 36% em outubro de 1994 e
registrou um déficit de U$S 262 milhões em novembro, o primeiro desde 1987. Abrindo
o próximo período da política com grande vulnerabilidade. A evolução das contas
externas pode ser vista na Tabela 2, que mostra a deterioração da balança comercial a
partir de 1995.
15
“O governo usou esse espaço para atender interesses, contornar resistências e solidificar as forças políticas no
poder, sem isso ser visto como sinal de inconsistência da política fiscal.” (LOPREATO, 2002, p.12).
79
TABELA 2: BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL (US$ Milhões) - 1981 a 2005
Ano
Balança
Comercial
(FOB)
Serviços
(Líquidos)
Transferências
Unilaterais
Transações
Correntes
Conta
Capital e
Financeira
Erros e
Omissões
Superávit
ou Déficit
1981
1.202,5
(13.093,9)
185,5
(11.705,9)
12.745,7
-415
624,7
1982
780,1
(17.039,0)
(14,2)
(16.273,2)
12.100,7
-369
(4.541,6)
1983
6.470,4
(13.354,1)
110,6
(6.773,0)
7.418,8
-670
(24,2)
1984
13.089,5
(13.155,9)
161,3
94,9
6.529,2
403
7.026,7
1985
12.485,5
(12.877,3)
143,4
(248,3)
196,6
-405
(456,6)
1986
8.304,3
(13.707,3)
79,7
(5.323,3)
1.431,5
56
(3.835,7)
1987
11.173,1
(12.676,2)
65,1
(1.437,9)
3.258,6
-806
1.014,6
1988
19.184,1
(15.095,9)
91,5
4.179,8
(2.098,3)
-833
1.248,9
1989
16.119,2
(15.333,6)
246,3
1.031,9
629,1
-775
886,1
1990
10.752,4
(15.369,1)
833,0
(3.783,7)
4.592,5
-328
480,7
1991
10.580,0
(13.542,8)
1.555,4
(1.407,5)
163,0
875
(369,0)
1992
15.238,9
(11.336,2)
2.206,1
6.108,8
9.947,3
-1386
14.670,2
1993
13.298,8
(15.577,1)
1.602,4
(675,9)
10.495,2
-1111
8.708,8
1994
10.466,5
(14.691,8)
2.414,1
(1.811,2)
8.692,2
334
7.215,2
1995
(3.465,6)
(18.540,5)
3.622,4
(18.383,7)
29.095,5
2207
12.918,9
1996
(5.599,0)
(20.349,5)
2.446,5
(23.502,1)
33.968,1
-1800
8.666,1
1997
(6.752,9)
(25.522,3)
1.822,9
(30.452,3)
25.800,3
-3255
(7.907,2)
1998
(6.574,5)
(28.299,4)
1.458,0
(33.415,9)
29.701,7
-4256
(7.970,2)
1999
(1.198,9)
(25.825,3)
1.689,4
(25.334,8)
17.319,1
194
(7.822,0)
2000
(697,7)
(25.047,8)
1.521,1
(24.224,5)
19.325,8
2637
(2.261,7)
2001
2.650,5
(27.502,5)
1.637,5
(23.214,5)
27.052,1
-531
3.306,6
2002
13.121,3
(23.147,7)
2.389,8
(7.636,6)
8.004,4
-66
302,1
2003
24.793,9
(23.483,2)
2.866,6
4.177,3
5.110,9
-793
8.495,7
2004
33.640,5
(25.197,7)
3.236,3
11.679,2
(7.523,3)
-1912
2.244,0
2005
44.748,1
(34.113,2)
3.557,8
14.192,7
(9.593,3)
-280
4.319,5
Fonte: Elaborada pela autora com dados do BANCO CENTRAL DO BRASIL – BCB.
3.3 A política econômica brasileira no período 1995 e 2005
No final de 1994 o colapso cambial mexicano deu início àquela que seria a
primeira de uma série de crises nos mercados financeiros desregulamentado colocando
em cheque a solvência dos países emergentes, como o Brasil. Desde 1995 a situação
comercial externa brasileira, historicamente superavitária, ampliou substancialmente os
déficits em conta corrente, o que levou ao aumento das obrigações públicas e externas.
No Brasil, como nos demais países emergentes, o risco era crescentemente alimentado
pela vulnerabilidade externa do país resultante da política de valorização cambial. À
deterioração das contas externas o mercado respondia com saída de capitais que era
respondido pelo governo com elevação da taxa de juros e queima das reservas
internacionais, na busca de manutenção da taxa de câmbio. em março de 1995 o
80
mercado respondeu com fuga de capitais, com U$S 1,1 de déficit registrado no balanço
corrente em fevereiro, o que levou o governo a queimar U$S 4 bilhões das reservas.
O período foi marcado por uma forte crise bancária, cujo primeiro episódio
foi a quebra do Banco Econômico, seguido por outros bancos. Esses episódios fizeram o
governo criar um programa de reestruturação e auxílio de bancos em dificuldades, o
Proer. Os gastos com o Proer chegaram a quase R$ 15 bilhões em 1996 e, além de deter
a crise financeira, colaboraram para piorar os resultados fiscais, muito prejudicados
pelos gastos financeiros crescentes com a dívida pública. Para enfrentar esses gastos o
governo conseguiu aprovar no Congresso as emendas constitucionais que criaram a
CPMF e a Fundo de Estabilização Financeiro (FEF), sucessor do FSE de 1993.
Assim o governo tinha dois problemas: um déficit na conta corrente que se
elevava com a abertura comercial e a sobrevalorização do câmbio; e uma deterioração
das contas fiscais com a elevação constante dos juros. As privatizações, compromisso
deste governo
16
de mudança de reforma do Estado é que garantiram a manutenção dessa
política. Apesar de esse processo ter-se iniciado desde 1990
17
, o auge do programa de
privatização brasileiro ocorreu no período de 1995/98 quando 80 empresas
(considerando aqui empresas estaduais de distribuição de eletricidade) foram vendidas
gerando resultados de U$S 73,3 bilhões. Nesse sentido que “[a] ampliação do programa
de privatização tornou-se um importante pilar de sustentação do Plano Real,
especialmente no primeiro mandato de Cardoso.” (PINHEIRO; GIAMBIAGI;
MOREIRA, 2001, p.12). A Tabela 3 apresenta um resumo do resultado das
privatizações no governo federal e nos estados durante a década de 90.
16
Segundo Giambiagi e Além (1999, p.313): “A rigor, na sua origem, do ponto de vista macroeconômico,
a principal importância da privatização esteve ligada à recuperação da imagem externa do país,
negativamente afetada pela alta inflação e pela crise da dívida externa. Nesse sentido, a desestatização da
economia era vista no exterior como uma demonstração de comprometimento do país com a realização de
reformas estruturais que poderiam abrir espaço para uma nova fase do desenvolvimento do país. Isso
colocava o Brasil como um país alinhado com a retórica do Consenso de Washington, associado a
reformas envolvendo privatização, abertura de economia, ajuste fiscal, combate à inflação e, em linhas
gerais, a adoção de políticas pró-mercado.”
17
Em março de 1990 o então, presidente Collor lançou o Programa Nacional de Desestatização, que foi
continuado mesmo depois de seu impeachment em 1992 pelo ex-presidente Itamar Franco. Juntas, as duas
administrações dos presidentes Collor e Itamar - venderam 33 empresas estatais gerando em torno de
U$S 11,9 bilhões. Ressalte-se a venda do setor siderúrgico nesse período (PINHEIRO; GIAMBIAGI;
MOREIRA, 2001, p.11).
81
As grandes privatizações, em especial aqueles realizadas entre 1997 e 1998,
atraíram vastos fluxos de investimento externo direto para o Brasil, o que ajudou a
financiar o elevado déficit em conta corrente do país. Entre 1997/2000 o percentual de
entradas de investimentos externos para as privatizações sobre o déficit em conta
corrente foi de 25% em média. A privatização foi providencial para evitar a explosão da
dívida pública (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p.12). Entretanto, as
privatizações não foram suficientes para resolver o problema.
Carvalho (2001) realiza um estudo sobre a destinação dos recursos
provenientes das privatizações e mostra que esses montantes foram destinados
basicamente para o pagamento da dívida pública. Segundo seus cálculos, entre 1995 e
1999 a dívida líquida do setor público poderia ter crescido quase 9% do PIB, além do
que cresceu se o fossem as privatizações (CARVALHO, 2001, p.66). A Tabela 4
um exemplo da destinação dos recursos das privatizações.
TABELA 3: PRIVATIZAÇÃO: RESULTADOS E DÍVIDA TRANSFERIDA (U$S Milhões) -
1991 a 2000
Setor 1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Total
Governo Federal 1.988
3.383
4.188
2.314
1.628
4.749
12.558
26.606
554
7.670
65.638
Aço 1.843
1.639
3.788
917
8.187
Petroquímica
1.477
174
528
1.226
296
3.701
Fertilizantes
255
226
13
494
Cia Vale do Rio
Doce
6.858
6.858
Energia Elétrica
402
2.943
270
1.882
1
5.498
Telecomunicações
4.734
23.948
421
29.103
Empresas
21.069
293
21.362
Concessões
4.734
2.879
128
7.741
Bancos
240
-
3.604
3.844
Outros 145
12
856
1.510
456
776
132
4.066
7.953
Estados
1.770
15.117
10.858
3.887
3.040
34.672
Energia Elétrica
1.066
13.430
7.817
2.520
1.582
26.415
Telecomunicações
679
-
1.840
-
-
2.519
Bancos
-
474
647
148
869
2.138
Outros
25
1.213
554
1.219
589
3.600
Total 1.988
3.383
4.188
2.314
1.628
6.519
27.675
37.464
4.441
10.710
100.310
Resultados 1.614
2.401
2.627
1.965
1.004
5.485
22.617
30.897
3.203
10.421
82.234
Dívida Transferida
374
982
1561
349
624
1034
5058
6567
1238
289
18.076
Fonte: PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001: p.12.
82
TABELA 4: ALGUMAS DESTINAÇÕES DOS RECURSOS DA PRIVATIZAÇÃO –
1995 a 1999
Empresa Destinação dos Recursos Valor
Escelsa Eletrobrás - dívida externa a pagar (1996) 102,6
Escelsa Dívida Externa 208,8
Light BNDES - Pagamento de debêntures 263,4
Light
Eletrobrás - Pagamento de dividendos do exercício de
1994 200,1
CVRD Dívida Interna (Amortização) 1.650,2
CVRD BNDES - Fundo de Reestruturação Econômica FRE 1.559,4
Telebrás (1ª parcela) Dívida Interna (Amortização) 8.800,0
Participações Minoritárias
(Dec.1.068/64) Dívida Externa 344,6
Participações Minoritárias
(Dec.1.068/64)
Eletrobrás 136,5
Datamec Dívida Interna (melhoria no perfil) 33,0
Fonte: CARVALHO, 2001, p.43.
O resultado das contas fiscais, que no período de 1991/94 foi de superávit
primário médio de 2,9% do PIB caiu para um ficit médio 0,2% do PIB no período de
1995/98. A deterioração das contas correntes brasileiras e o fato de que o déficit era
financiado por fluxos de capital de curto prazo acentuaram a dependência do
financiamento externo, deixando o país mais vulnerável a choques externos. Assim:
As estratégias de câmbio e de juros subordinaram as diretrizes das políticas
tributárias e de gastos públicos. Além disso, os fatores de ordem
institucional, como a privatização, reconhecimento de esqueletos,
renegociação das dívidas dos governos subnacionais e o programa de
saneamento do sistema financeiro influenciaram o resultado das contas
públicas e a definição dos caminhos da política fiscal. (LOPREATO, 2002,
p.16).
Pouco foi feito para conter as importações. Novas crises continuaram a
abalar o mercado financeiro mundial, como a do Banco Barings em 1997 e a do
mercado asiático em 1998. Esse espaço de valorização do capital especulativo, portanto,
começava a dar sinais de falhas. A reação do governo foi aumentar as taxas de juros
mais ainda e usar tulos indexados ao câmbio como hedge ao capital privado diante do
risco. Em 97 foi lançado o pacote 51 com algumas medidas pontuais buscando mais
uma vez aumentar receitas e cortar gastos. “Entretanto, as crises internacionais e a
explosão dos gastos financeiros colocaram em dúvida as contas públicas como espaço
de valorização de capitais e tornaram inelutável a geração de superávits primários diante
do risco de inadimplência e da obrigação de atrais capitais externos.” (LOPREATO,
2002, p.17).
83
Em 98, calendário eleitoral, o governo parece ter procurado segurar a crise
pelo menos até o fim de outubro. Em apenas 50 dias, entre o início de agosto e o fim de
setembro o Brasil queimou U$S 30 bilhões em reservas para manter a política cambial.
Em outubro o governo já procurava entendimento com o FMI que propunha um ajuste
fiscal. Em 13 de novembro deste mesmo ano foi firmado um acordo preventivo de
desembolso de até U$S 41,5 bilhões, o BIRD, o BID e o G-10 também participaram
dessa operação. Entretanto do final de dezembro de 98 ao início de janeiro de 1999 o
Brasil perdeu reservas da ordem de U$S 500 milhões a U$S 1 bilhão por dia, o que fez
as autoridades tivessem que deixar a taxa de câmbio flutuar livremente. O Gráfico 1
com a evolução das reservas internacionais entre 1994 e 2005, mostra que esse período
foi marcado por uma grande fuga de capitais e queima de reservas na busca de manter a
taxa sobre valorizada de câmbio, apesar do grande aporte de recursos do FMI no final
de 1998, como mostra o gráfico.
Gráfico 1: Evolução das reservas internacionais (U$S milhões) jan/1994 a
dez/2005
Esse período foi marcado por grandes momentos de instabilidade financeira
no mercado mundial que tiveram reflexos na economia brasileira. É importante notar
que é nesses momentos de crise e instabilidade que o mercado ganha mais, pois para
não piorar o governo, a sua situação externa, ele eleva a rentabilidade do capital
especulativo. Assim, o ano de 1999 deu início a uma nova etapa da política econômica.
A principal exigência dos organismos internacionais era a realização de ajustes fiscais
84
capazes de reduzir o déficit nominal, e criar superávits fiscais elevados, sinalizando a
sustentabilidade da dívida no longo prazo, assim “[a] criação desse colchão fiscal
sustentou a ação das contas públicas como espaço de valorização do capital [...]”
(LOPREATO, 2002, p.17).
Essa política garantia, além de um colchão fiscal que sustentasse as contas
públicas como espaço de valorização do capital, uma contenção da economia que
perante as práticas pró-cíclicas provocam diminuição da demanda e do emprego, que
por sua vez refletiam numa diminuição da demanda por divisas. Esse ponto é importante
porque o centro da vulnerabilidade, antes das contas fiscais, estava na taxa de câmbio e
por conseqüência no balanço de pagamentos, que o capital não quer ganhar muito,
mas quer que esse valor possa ser convertido na moeda do mundo com facilidade e sem
perdas.
O governo ainda passou a atrelar os títulos de dívida pública a uma taxa de
câmbio prefixada, atendendo aos interesses dos capitalistas que o só eram
remunerados por uma das maiores taxas de juros do mundo, como tinham garantida a
taxa de troca pela moeda do mundo. Esse esforço era feito para manterem os fluxos de
capitais no Brasil, garantindo-se assim a política de inflação baixa. Portanto a política
econômica passa a ser totalmente refém desses fluxos que determinam a estabilidade e a
inserção da economia no espaço global. Assim o mercado financeiro aproveita-se de
alta rentabilidade e de hedge cambial obtendo ganhos elevados no curtíssimo prazo.
A elevada participação dos títulos públicos no ativo dos bancos e no total de
haveres financeiros detidos por grandes empresas e pessoas físicas faz com
que, em momentos de instabilidade e reversão de expectativas, muito
comuns a uma economia financeiramente aberta como a brasileira, o
governo seja fortemente pressionado a atuar na prática como ofertante de
hedge contra as incertezas do futuro, recomprando papéis e substituindo por
títulos com juros mais elevados ou corrigidos pelas taxas de juros de
curtíssimo prazo ou pela taxa de câmbio. Os detentores da dívida têm ampla
capacidade de impor seus interesses ao Banco Central, em decorrência, em
larga medida, do elevado grau de sofisticação e agilidade do mercado
financeiro brasileiro. A dívida pública, portanto, tem sido utilizada como
instrumento privilegiado (líquido e sem risco) de hedge para as incertezas do
mercado financeiro. (GENTIL, 2006, p.224).
A Tabela 5 apresenta a evolução da dívida pública por indexador. Como
pode-se constatar, o percentual da dívida vinculada a taxa de câmbio e a taxa selic chega
a 90% em 1998 e apenas em 2004 esse percentual passa a cair, mostrando uma nova
estratégia na gestão da dívida.
85
TABELA 5: TÍTULOS PÚBLICOS FEDERAIS PARTICIPAÇÃO POR INDEXADOR (%)
– 1994 a 2005
INDEXADORES 1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Câmbio 8,3
5,3
9,4
15,4
21,0
24,2
21,7
28,3
22,4
10,8
8,2
2,7
SELIC 16,0
37,8
18,6
34,8
69,1
61,1
52,4
52,8
60,8
61,4
59,0
51,8
Prefixados 40,2
42,7
61,0
40,9
3,5
9,2
15,3
7,8
2,2
12,5
16,3
27,9
Índices de preços 12,5
5,3
1,8
0,3
0,4
2,4
5,9
10,8
13,0
13,6
14,6
15,5
Outros 23,0
8,9
9,2
8,6
6,0
3,1
4,7
0,3
1,6
1,7
1,9
2,1
Fonte: Elaborada pela autora com dados do BANCO CENTRAL DO BRASIL – BCB.
Para a realização desses superávits
18
o governo anunciou o Programa de
Estabilização Fiscal em fins de outubro de 98 que combinava cortes de gastos o
financeiros e mais uma vez aumento da arrecadação, além de medidas de caráter
estrutural como a reforma da previdência visando gerar superávits gerais. As condições
a serem cumpridas pelo país para ter acesso aos recursos disponibilizados envolviam
metas para taxas de crescimento real do PIB, inflação, juros e principalmente superávit
primário, cujas metas iniciais eram de 2,6%, 2,8% e 2,8% do PIB para os anos de 1999
a 2001. Entretanto, essas metas foram logo revistas para 3,10%, 3,25% e 3,35% do PIB
nesses anos (GENTIL, 2006, p.191). O ajuste fiscal, portanto, passou a ser elemento
central da política econômica, cada vez mais subordinada a política monetária do Banco
Central.
Os superávits tornaram-se variável de ajuste e o desafio foi obter os
resultados fiscais compatíveis com os gastos com juros. A preocupação de
evitar a explosão da dívida pública apontou os limites e o caráter
subordinado da política fiscal. A obrigação de gerar os superávits primários
acabou definindo o tratamento dado à política tributária. A reforma
tributária, no início da era FHC, era vista como peça central da estratégia da
abertura comercial [...] A retórica da reforma tributária, no entanto, foi
abandonada no momento seguinte e o foco da atenção passou a ser o
aumento da arrecadação. [...] O controle dos gastos completou o esforço
tributário. (LOPREATO, 2002, p.17-19).
Apesar de a taxa de juros ser determinante do montante de gastos com juros
e um dos principais definidores da taxa de crescimento da dívida, o superávit fiscal
passou a ser o mais importantes na discussão do crescimento da dívida e da sua
18
“A tendência se intensificou nos últimos anos, em resposta a uma série de fatores, como o esforço feito pelos
países membros da União Européia para atender aos critérios do Tratado de Maastricht e a implantação de
programas calcados no ‘estilo FMI’ em diversos países em desenvolvimento. Foi assim que o déficit fiscal no
Brasil deixou de ser a variável que revelava a discrepância entre o clamor por gastos públicos e a disposição da
sociedade em aceitar os impostos correspondentes e se tornou uma meta rigidamente estabelecida que, para ser
alcançada, implicaria ajuste na receita ou nos gastos.” (PINHEIRO; GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p.21)
86
sustentabilidade, e ela não fez parte dessa discussão. Assim, a taxa de juros continuou
sendo usada como instrumento de atração de capitais especulativos e de contenção da
demanda como instrumento de controle da inflação, apesar do elevado índice de
desemprego e da queda constante da renda real do trabalhador nesse período. A taxa de
juros
19
nominal chegou a 45% ao ano em 1999, como pode ser visto no Gráfico 2.
Gráfico 2: Evolução da Taxa Selic nominal (%) – 1998 a 2006
Assim a geração de superávits tornou-se a estratégia decisiva que
influenciaria o comportamento da relação dívida/PIB. O governo passou a desviar a
demanda por dólar para títulos atrelados ao câmbio e à Selic, diminuindo a pressão
sobre o câmbio em momentos em que as expectativas de desvalorização aumentavam.
Lopreato argumenta que nesta fase pós-1999, a política fiscal sofreu um enrijecimento,
ela teria de cumprir uma tarefa dupla:
[...] contribuir no esforço de conter a expansão da demanda agregada dentro
dos parâmetros de produto potencial definidos no Banco Central e manter o
compromisso com a evolução da dívida pública, evitando que alterações na
expectativa dos agentes em relação à situação fiscal pudessem provocar
turbulências no mercado de câmbio e gerar surtos inflacionários decorrentes
19
“[...] a política de juros condiciona a evolução do estoque e a composição da dívida pública, enquanto
no modelo atual, a dívida torna-se variável exógena cujo comportamento, ditado pelos níveis de superávit
primário, condiciona a taxa de juros.” (HERMANN, 2002, p.53).
87
do mecanismo de transmissão das desvalorizações cambiais aos preços. [...]
A estratégia revelou-se mais ampla: representou o avanço do processo
delineado no primeiro mandato [do presidente Fernando Henrique Cardoso]
de circunscrever o trato das finanças públicas ao arcabouço teórico
alicerçado em três pilares básicos: a idéia de sustentabilidade da dívida, a
criação de regras fiscais capazes de dar previsibilidade à evolução das
contas públicas e a defesa da credibilidade das autoridades fiscais.
(LOPREATO, 2005/2006, p.190, grifos nossos).
As medidas não tiveram apenas implicâncias financeiras, mas também
reflexos legais, como alteração na legislação tributária; reforma no sistema
previdenciário, apesar do crescimento das receitas de financiamento; e criação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) com a renegociação das dívidas estaduais. As duas
primeiras alterações serão discutidas mais detalhadamente nos próximos capítulos. A
Lei de Responsabilidade representa o arcabouço legal estabelecendo o pagamento da
dívida como prioridade e a gestão responsável das contas públicas para garantir o seu
pagamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) foi
apresentada dentro desse contexto, ou seja, ela seria uma instituição legal do
comprometimento com as contas públicas de forma a garantir o pagamento da dívida.
Assim, para provar aos organismos internacionais e ao mercado financeiros, em
especial, seu comprometimento com a sustentabilidade e garantia da dívida pública o
governo foi além da adoção da política de metas fiscais. Dentre outros, ela impõe
limites restritos para o comprometimento dos orçamentos públicos com gastos de
pessoal, despesas de caráter continuado e estabelece que o governo deve estabelecer
metas de resultado primário e nominal quando da elaboração das leis orçamentárias.
Além disso, estabelece punições aos “gestores” que não forem responsáveis com o
pagamento dos serviços da dívida, assim como com o cumprimento dos limites
estabelecidos.
Na realidade o principal objetivo da lei é desvincular a dívida do orçamento,
garantindo o pagamento da mesma. Não é objetivo de este trabalho analisar
detalhadamente esta Lei, mas inserí-la no marco da política econômica adotada nesse
período. Portanto, a LRF é expressão deste marco, ou seja, ela é produto do princípio de
que o Estado deve sair da economia e garantir instituições
20
“sólidas” que garantam a
20
Esse princípio” surge da Escola Novo Institucionalista, que constitui parte do mainstream. Segundo
essa escola o desenvolvimento e o crescimento econômico o produto de situações em que o mercado
desenvolveu direitos de propriedade eficientes. Nessa nova abordagem as instituições têm papel
88
estabilidade do mercado desregulado. O mercado financeiro foi o primeiro
21
, a ser
ouvido pelo governo durante a tramitação da LRF, depois dele é que foram ouvidos os
secretários de fazenda dos estados e municípios. A Lei de Responsabilidade Fiscal,
portanto, foi criada para garantir ao mercado financeiro, a partir de uma instituição
legal, o pagamento da dívida pública, independente de decisões governamentais.
Como alguns Estados e Municípios apresentavam elevados índices de
endividamento, de forma que seria impossível cumprir a LRF partindo da situação em
que se encontravam, a União realizou uma renegociação das dívidas estaduais e de
alguns municípios. A União comprou as dívidas mobiliárias desses entes, assumindo as
taxas de juros variáveis e esses entes passaram a ter uma dívida contratual com juros
pré-fixados com a União. A partir desse momento os Estados e Municípios foram
proibidos de emitir títulos de dívida no mercado financeiro. Assim, o governo federal
teria garantido condições para que esses entes partissem de condições mínimas para
cumprir a LRF e de outro modo garantiria o pagamento dessas dívidas junto ao mercado
financeiro. Segundo Lopreato:
A renegociação da dívida e o PROES eliminaram a complexa teia de
articulações financeiras no interior dos governos estaduais e marcaram um
novo momento no controle do endividamento. A eliminação dos elos da
lógica de financiamento estadual e a Lei de Responsabilidade Fiscal deu ao
governo federal maior poder de controle do déficit público estadual retirando
dos governadores o domínio de espaços de circulação financeira e de gestão
de gastos. (LOPREATO, 2002, p.24).
determinante no desenvolvimento ou no estancamento das nações. O Estado passa a ser relevante e
fundamental na análise do crescimento da economia e do processo de mudança. O êxito dos países
desenvolvidos é creditado ao surgimento e estabelecimento de instituições boas. Enquanto que o fracasso
constitui-se como produto da falta de instituições ou na manutenção de instituições prejudiciais ao
processo de crescimento. Instituições boas são aquelas que garantem as condições necessárias e
fundamentais para o desenvolvimento do mercado, como a propriedade privada, o respeito aos contratos e
a estabilidade da moeda. De outro modo, um Estado interventor ou promotor do desenvolvimento seria
considerado um Estado com instituições “ruins”, pois intervém na economia não deixando que o mercado
desenvolva por ele mesmo. Segundo Chang (2003) é a partir dessa crença que atualmente os países em
desenvolvimento "[...] estão sofrendo uma enorme pressão, por parte das nações desenvolvidas e das
políticas internacionais de desenvolvimento controladas pelo establishment para adotar uma série de
‘boas políticas’ e ‘boas instituições’ destinadas a promover o desenvolvimento econômico." (CHANG,
2003, p.12).
21
O governo se reuniu com o mercado financeiro em 16/12/1998 para esclarecer dúvidas ouvir sugestões
e críticas, logo após apresentação da estrutura do anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério do
Orçamento e divulgado em dezembro de 1998 e depois com os secretários de Fazenda dos municípios
dos Estados no começo de 1999, ver histórico e relatório desses encontros e do debate em Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (1999), disponível em:
www.federativo.bndes.gov.br/lrf_elaboração_da_lei.htm.
89
Cabe ressaltar que foram estabelecidos limites sobre os índices de
endividamento público
22
., que tiveram dois vieses: um limite grande para o
endividamento e índices de acompanhamentos que garantissem o seu pagamento. Ou
melhor, a capacidade de endividamento é um limite baseado na capacidade de
pagamento da vida, ou seja, de “honrar seu compromisso”. A adoção de metas em
conjuntos com essas mudanças institucionais legais demonstravam o empenho nítido e
claro do governo com o mercado. Assim, “[o] compromisso com a estabilidade não
pode ser visto como uma figura de retórica usada em discursos oficiais, já que a
mensagem para os agentes econômicos ressoa com enorme clareza: o governo deve
fazer tudo ao seu alcance para atingir as metas inflacionárias.” (PINHEIRO;
GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p.23).
Portanto, a desvalorização real da taxa de câmbio aumenta o saldo da dívida,
provocando alterações nos preços dos produtos comercializados e na inflação
disparando o sino para o aumento da taxa de juros. Isso acontece porque nesse modelo
qualquer alteração nos índices esperados de inflação requer elevação da taxa de juros. O
círculo vicioso está formado, pois essas medidas aumentam o saldo da divida e
congelam o processo de crescimento, o que resulta numa elevação da relação
dívida/PIB, aumentando o risco de insolvência e conseqüentemente do risco-país. Nesse
sentido, a única ação que poderia melhorar as expectativas dos agentes, dentro dessa
visão, é a elevação do superávit primário, “[...] atendendo aos interesses daqueles que
usam esse mercado como espaço de valorização do seu capital.(LOPREATO, 2004,
p.134).
Enfim, chega-se à idéia de centralidade da política fiscal. O superávit
primário necessário para dar sustentação à dívida blica é o pilar
fundamental da gestação do círculo vicioso impulsionador do crescimento
econômico. A visão positiva sobre a situação fiscal reduziria o risco-país e
impulsionaria os investimentos externos, permitindo o financiamento do
balanço de pagamentos e a estabilidade do câmbio. O bom desempenho do
câmbio favoreceria o controle da inflação e o relaxamento da política
monetária. A redução do prêmio de risco reclamado na compra dos títulos
públicos e a queda da inflação facilitaram a queda dos juros que, ao lado do
câmbio estável, criariam as condições de retomada do crescimento. Esta
seqüência lógica é defendida nos organismos internacionais (LOPREATO,
2004, p.135, grifo do autor).
22
A Lei remitia ao Senado Federal a responsabilidade de estabelecer limites de endividamento e de tetos
para o comprometimento de gastos com as despesas de amortização, juros e encargos da vida para os
Estados, Municípios e Distrito Federal, que foram estabelecidos pelas resoluções nº 40 e 43 de 2001.
90
Nessa lógica quanto pior as variáveis que definem as expectativas dos
agentes, melhor para eles mesmos já que teriam seus ativos mais valorizados com o
aumento da taxa de juros. De outro modo, a economia se encontra completamente
vulnerável a ataques especulativos que podem alterar a situação macroeconômica e
fazer com que o governo aumente cada vez mais os juros e o superávit, intensificando a
recessão de um lado, mas valorizando os ativos daqueles que usam esse mercado de
títulos da dívida pública como valorização de seu capital de outro. Nas palavras de
Lopreato (2004, p.135): “Assim, a política fiscal, apesar de ser o pilar da política
econômica, contraditoriamente, o tem autonomia, porque as oscilações do câmbio e
dos juros demandam mudanças nas metas fiscais, de modo a garantir a sustentabilidade
da dívida e o seu espaço como locus de valorização do capital privado.”
Baseada, portanto, na teoria das expectativas racionais o papel do Estado
consiste, em garantir a estabilidade da moeda, que por sua vez deve vir com resultados
das contas do governo mostrando a sustentabilidade da dívida, ou seja, de sua solvência
ao longo do tempo. Caso contrário, resultados deficitários podem gerar nos agentes
expectativas negativas e fazer com que esses não confiem mais na solvência da vida
pública, gerando fuga de capitais e instabilidade financeira. Assim:
A gestão da política fiscal [...] tornou-se prisioneira da expectativa sobre o
comportamento das variáveis com influência na dívida e sujeita à
volatilidade das condições de liquidez internacional e da percepção do
mercado sobre o risco-país. As constantes alterações do mundo das finanças
globais têm reflexos sobre a taxa de câmbio real e a inflação e
comprometem, sobretudo, a ação dos países emergentes. (LOPREATO,
2004, p.134).
Nesse sentido que Lopreato (2004, p.134 grifos nossos) afirma que as
economias em desenvolvimento “[...] diante das bruscas oscilações do câmbio e da
obrigação de manter taxas de juros diferenciadas perante a moeda padrão internacional,
perderam autonomia na gestão da política econômica e são forçadas a incorporar, a
cada momento, as expectativas de risco dos agentes e rever o esforço fiscal.” Segundo
Gentil (2006, p.202) essas medidas são irreversíveis, de maneira que a ortodoxia da
política econômica não foi um remédio amargo e transitório para acalmar a situação da
instabilidade e depois ser amenizada, é um sacrifício definitivo. Ou melhor, “[a]
credibilidade se ganha quando ‘as mãos são atadas’ e o governo perde a capacidade de
promover no futuro mudanças de rotas. Não basta ser market friendly: é preciso que isso
91
se cristalize em regras que garantam que este comportamento não possa ser revertido.”
(CARVALHO, 2003, p.2).
Dentro desse contexto que entra o novo governo, em 2003, sob o comando
do Presidente Lula, que manteve o modelo de políticas de metas de inflação e de
superávit fiscal. A manutenção desta política por um governo oriundo da classe dos
trabalhadores mostra como a coalizão de poder, político e econômico, em torno desses
interesses é forte, e que qualquer alteração de política implica uma grande mudança
social. Apesar de manter essa política econômica, o novo governo realizou pequenas
mudanças na sua operacionalização sinalizando diferenças significativas da política
econômica anterior. O discurso desse governo muda, com o fim das privatizações, a
mudança na política externa na busca de se livrar da vulnerabilidade externa que limita
o raio de manobra da política econômica. Isso foi feito a partir de uma nova política
comercial internacional, que fez com que o resultado da balança comercial de U$S 14
bilhões em 2002 atingisse U$S 44 bilhões em 2005. Ao mesmo tempo a dívida com o
FMI foi paga, liberando a política econômica das condicionalidades impostas por esta
instituição.
O resultado da adoção desse modelo econômico tem sido o crescimento da
dívida, assim como da relação dívida/PIB. E embora o discurso governamental, quando
da implantação do Plano Real, expressasse o comprometimento com questões como o
crescimento sustentado e a distribuição de renda, os resultados dessa política dentro do
período observado mostram um processo de estagnação econômica e de concentração
da renda. Isso aconteceu a despeito dos resultados da década 1980 que, mesmo marcada
pelo processo inflacionário, alcançou patamares maiores de crescimento.
As despesas financeiras foram tomadas como incompressíveis, por serem
considerados compromissos fundamentais para assegurar a confiança dos investidores.
O ônus do controle dessa relação recaiu inteiramente sobre as contas não-financeiras do
governo. Para levar a economia a produzir tal resultado houve, de um lado, uma forte
ampliação da carga tributária; de outro, o contingenciamento das despesas
especialmente, dos gastos sociais (GENTIL, 2006, p.195-196). Pochmann (SÃO
PAULO, 2003) critica as análises “equivocadas” de que o gasto social no Brasil é a
principal motivo do tão proclamado desajuste das contas públicas
23
. Pelo contrário,
23
“Ultimamente verifica-se uma estranha inversão nos termos do debate. O gasto social transformou-se
no culpado da desigualdade no Brasil. A herança escravista, a oferta estruturalmente exorbitante de mão-
92
segundo ele o gasto social tem papel fundamental num país como o Brasil, que
apresenta acumulada dívida social. A questão segundo ele está em outro tipo de gasto.
Para o autor:
Após a mudança no regime cambial, em 1999, que permitiu avançar as
exportações, com melhora considerável no saldo da balança comercial, o
Brasil passou a ter que conviver sob o efeito mais constante do superávit
primário nas contas públicas. Se, de um lado, o esforço fiscal do setor
público assumiu maior centralidade na gestão da política macroeconômica,
contribuindo para evitar a ampliação do endividamento público, de outro,
passou a constituir um verdadeiro entrave ao atendimento da dívida social no
país. Não somente a restrição orçamentária comprimiu a efetividade das
políticas públicas em torno do enfrentamento das mazelas nacionais,
sobretudo das desigualdades sociais, como também modificou a natureza do
gasto governamental. Não obstante a elevação da carga tributária, verificou-
se a contração e a alteração na composição do gasto público. (POCHMANN,
2005b)
.
Portanto:
O contínuo desajuste das finanças públicas está relacionado com a existência
de um elemento de ordem estrutural na dinâmica capitalista atual que
transforma o setor público no comandante da produção de uma nova riqueza
financeirizada, apropriada privadamente na forma de direitos de propriedade
dos títulos que carregam o endividamento público. Assim, para dar conta da
contínua geração de direitos de propriedade dos resultados da acumulação
financeira, tornou-se imperativo implementar um padrão de ajustamento
regular nas finanças públicas e que termina atuando perversamente para
imensa maioria da população excluída do ciclo da financeirização
(POCHMANN, 2005a, p.26).
A despesa financeira do governo passou a ser crescente desde a adoção do
modelo de política econômica, voltada para busca da estabilidade da moeda”, de metas
de inflação, superávit, de abertura comercial e especialmente de liberalização dos fluxos
financeiros. A Tabela 6 mostra o resultado das NFSP consolidada, ou seja, de todo o
setor público, desde 1991 até 2005. Duas coisas chamam a atenção: a primeira é a
evidência de que o modelo adotado é o principal causador da deterioração das contas
públicas, devido o aumento dos juros; a segunda mostra o elevado montante que vem
sendo drenado da economia, em especial a partir de 1999 com a adoção do modelo de
metas do FMI, que chega a quase 5% do PIB em 2005.
de-obra, a estrutura tributária regressiva, os juros altos, a ausência de crescimento econômico e o
enfraquecimento do movimento sindical – é como se todos estes fatores cumprissem um papel menor para
a conformação de uma sociedade profundamente injusta.” (SÃO PAULO, 2003, p.2)
93
TABELA 6: NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO CONSOLIDADO (% PIB) –
1991 a 2005
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Resultado
Primário -2,71
-1,58
-2,18
-5,64
-0,26
0,10
0,96
-
0,02
-3,23
-3,47
-
3,64
-3,89
-4,25
-
4,59
-
4,84
Resultado
Nominal 26,75
45,75
64,83
26,97
7,28
5,87
6,11
7,93
9,98
4,48
5,17
10,27
3,62
2,48
3,06
Resultado
Operacional 0,19
1,74
0,80
-1,57
5,00
3,40
4,31
7,40
3,41
1,17
1,40
-0,01
0,88
-
2,01
2,49
Juros Nominais
29,46
47,33
67,01
32,61
7,54
5,77
5,15
7,95
13,21
7,95
8,81
14,17
7,87
7,07
7,89
Juros Reais 2,90
3,32
2,98
4,07
5,26
3,30
3,35
7,42
6,64
4,64
5,04
3,88
5,14
2,58
7,33
Fonte: Elaborado pela autora com dados do IPEA, Ipeadata.
Valores com desvalorização cambial.
( - ) Superávit
( + ) Déficit
Cabe ressaltar que, apesar da tabela conter dados além do governo federal, o
setor público foi todo contagiado por essa política econômica, em especial pelo
arcabouço legal colocado a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal. De outro modo, a
Tabela 7 mostra apenas os dados relativos ao âmbito federal, mostrando como essa
política foi principalmente garantida pelo governo federal.
TABELA 7: NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO (% PIB) – 1991 a 2005
(Banco Central + Governo Federal + Estatais)
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Resultado
Primário -1,31
-1,50
-1,57
-4,87
-0,45
-0,44
0,22
-0,20
-3,02
-2,91
-2,76
-3,10
-3,36
-3,61
-3,73
Resultado
Nominal 16,99
28,85
37,71
14,89
3,71
3,17
3,08
5,92
6,80
2,39
3,15
6,45
1,88
0,55
2,78
Resultado
Operacional
0,87
1,10
0,71
-2,37
2,62
1,59
2,05
5,63
2,91
0,49
0,93
0,25
0,30
-2,02
2,44
Juros
Nominais 18,30
30,35
39,28
19,76
4,16
3,61
2,86
6,12
9,82
5,30
5,91
9,55
5,24
4,16
6,51
Juros Reais
2,18
2,60
2,28
2,50
3,07
2,03
1,83
5,83
5,93
3,40
3,70
3,36
3,66
1,57
6,17
Fonte: Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA,Ipeadata, elaboração própria, 2005..
Valores com desvalorização cambial.
( - ) Superávit
( + ) Déficit
O aumento dos indicadores de dívida pública pode parecer um problema
para o governo, mas não o é para seus detentores, conquanto que as restrições impostas
sejam respeitadas, que a emissão de nova dívida implica aumento da riqueza
financeira. A partir da crise do final da década de 90, e sua conseqüente impossibilidade
de manutenção das taxas de câmbio, as taxas de juros tiveram que ser cada vez mais
elevadas, aumentando o ficit que teve origem puramente financeira, ou seja, resultou
94
diretamente da manutenção de taxa de juros elevada. Assim o elevado endividamento
sequer tem como contrapartida em investimentos produtivos como aconteceu na década
de 70.
A Tabela 8 mostra como se deu a evolução da dívida líquida do setor
público desde 1982. Os valores referentes ao momento em que o país entrou em elevado
endividamento para a realização de investimentos produtivos apresentam-se quase
quatro vezes menor do que a atual situação em a dívida pública cresce para manter o
modelo de política monetária adotada, com baixíssimas taxas de investimento
produtivo. O crescimento da dívida pública não se porque o governo é
“irresponsável” e gasta mais do que arrecada, ou realiza investimento no lugar a
iniciativa privada, como pode ser visto a partir da NFSP.
TABELA 8: DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO (% PIB) – 1982 a 2005
Anos Governo Central Estados e Municípios Empresas Estatais Total
1982 8,9 6,0 17,9 32,8
1983 19,0 6,5 26,0 51,5
1984 21,7 7,0 27,1 55,8
1985 18,9 7,1 26,6 52,6
1986 20,0 6,6 22,9 49,5
1987 20,4 7,9 22,0 50,3
1988 19,6 6,7 20,6 46,9
1989 19,9 5,9 14,4 40,2
1990 15,2 7,8 17,6 40,6
1991 12,7 7,2 18,0 37,9
1992 12,2 9,2 15,8 37,2
1993 9,7 9,3 14,0 33,0
1994 12,5 9,7 6,9 29,1
1995 13,2 10,6 6,7 30,5
1996 15,9 11,5 5,9 33,3
1997 18,8 13,0 2,8 34,6
1998 25,3 14,3 2,9 42,5
1999 29,8 16,1 2,8 48,7
2000 30,6 16,1 2,2 48,8
2001 32,8 18,3 1,6 52,6
2002 35,3 18,5 1,7 55,5
2003 36,2 19,8 1,1 57,2
2004 32,5 19,0 0,2 51,7
2005 34,1 18,0 -0,6 51,5
Fonte: Elaborada pela autora com dados do Banco Central do Brasil.
De outro modo, a Tabela 9 deixa claro que a o grande problema atual está
centrado na vida interna, ou seja, a dívida emitida na própria moeda emitida pelo
95
governo. Portanto, o elevado índice de endividamento em especial do governo federal,
poderia ser pago por meio de emissão monetária sem a necessidade de se ter um colchão
baseado no superávit primário. Mas isso inverteria a principal função da política
monetária no momento que é de uma nova configuração das relações capital-trabalho e
dessas relações no espaço.
TABELA 9: DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO SEGUNDO A
ORIGEM (% PIB) – 1991 a 2005
Dívida Interna Dívida Externa
Anos
Governo
Central
Estados e
Municípios
Empresas
Estatais
Governo
Central
Estados e
Municípios
Empresas
Estatais
1991
-2,2
6,1
10,03
14,94
1,10
8,11
1992
0,8
8,1
9,45
11,3
1,08
6,28
1993
1,8
8,2
8,3
7,73
1,00
5,52
1994
6,5
9,7
5,12
6,36
0,35
1,98
1995
9,8
10,3
4,9
3,48
0,33
1,78
1996
14,5
11,2
3,9
1,57
0,37
1,97
1997
16,7
12,4
0,89
1,95
0,48
1,87
1998
20,8
13,5
1,24
4,20
0,66
1,32
1999
22,0
15,2
1,26
7,84
0,89
1,53
2000
23,2
15,1
0,87
7,40
0,96
1,29
2001
24,6
17,2
0,40
8,22
1,04
1,16
2002
22,9
17,1
1,22
12,45
1,34
0,50
2003
26,2
18,6
0,66
10,04
1,19
0,45
2004
25,7
18,0
0,50
6,76
1,01
-0,26
2005
31,7
17,2
-0,01
2,4
0,78
-0,60
Fonte: Elaborada pela autora com dados do Banco Central do Brasil.
A elevação da dívida externa a partir de 1999 deve-se basicamente aos
acordos com o FMI que foram pagos em 2005, pelo atual governo Lula, tornando a
política fiscal a partir desse período livre das condicionalidades impostas pelo FMI.
Os gastos com a dívida pública passaram a ser o gasto de maior
representatividade do orçamento público federal, maior do que o total de pessoal, que
paga milhares de funcionários federais no país inteiro, para a prestação de serviços e
manutenção da máquina burocrática, também é maior do que total de transferências a
Estado e Municípios que financia a maior parte dos mais de 5 mil municípios e ado
que é gasto com benefícios previdenciários que atende a milhões de pessoas em todo o
país. A Tabela 10 representa um resumo dos gastos do governo, e mostra com clareza o
peso desses gastos no orçamento total. O Gráfico 3 ressalta com maior nitidez a sua
evolução, além de mostrar a queda vertiginosa dos investimentos a partir de 1998.
96
TABELA 10: ORÇAMENTO FISCAL E DA SEGURIDADE SOCIAL - DESPESA DA UNIÃO (% PIB)
– 1994 a 2005
DESPESA 1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
DESPESAS CORRENTES 20,0
20,5
19,7
19,6
21,8
23,5
22,7
24,5
25,7
25,3
24,9
26,9
Pessoal e Enc. Sociais 5,2
5,9
5,3
5,1
5,2
5,3
5,3
5,5
5,7
5,2
5,1
4,9
Juros e Encargos da Dívida 2,8
2,6
2,5
2,4
3,4
4,7
3,5
4,4
4,2
4,3
4,2
4,6
Transf. A E., DF e M. 3,4
3,3
3,3
3,4
4,1
4,3
4,7
5,0
5,6
5,3
5,2
6,1
Benefícios Previdenciários
1
4,9
5,0
5,3
5,3
5,9
6,0
5,9
6,2
6,6
7,2
7,0
7,4
Demais Despesas Correntes 3,7
3,7
3,3
3,4
3,2
3,2
3,3
3,4
3,6
3,3
3,4
3,9
DESPESAS DE CAPITAL 10,2
3,3
3,3
9,7
11,4
9,3
5,9
7,5
7,6
7,2
5,9
4,5
Investimentos 1,1
0,7
0,7
0,9
0,9
0,7
0,9
1,2
0,8
0,4
0,6
0,9
Inversões Financeiras 1,6
1,2
1,6
7,3
7,8
5,8
1,0
1,7
1,6
1,5
1,2
1,1
Amortização da Dívida
2
7,5
1,4
1,0
1,5
2,7
2,8
4,0
4,6
5,2
5,3
4,1
2,5
SUBTOTAL 30,2
23,8
23,0
29,3
33,2
32,8
28,6
32,0
33,3
32,5
30,8
31,4
Amortização da Dívida-
Refinanciamento 9,9
13,4
14,0
15,5
21,5
27,6
27,3
18,4
17,8
25,1
20,6
25,8
Dívida Mobiliária 21,1
27,0
26,7
17,6
17,3
24,5
20,2
25,6
Dívida Contratual 0,4
0,6
0,6
0,8
0,5
0,6
0,4
0,2
TOTAL 40,1
37,2
37,0
44,8
54,7
60,4
55,9
50,4
51,1
57,6
51,4
57,2
Fonte: SIAFI - STN/CCONT/GEINC - despesa por grupo. Ministério da Fazenda, apud GENTIL, 2006, p.214.
(1)
Os benefícios previdenciários referem-se ao pagamento de inativos, pensões, outros benefícios previdenciários.
(2)
Excetuados os valores referentes ao refinanciamento da dívida pública.
Nesse sentido que essa política econômica vem sendo colocada por muitos
movimentos e especialistas como um sistema perverso, que, a serviço do capital,
contribui para a sua valorização, com os elevados juros praticados e o montante
destinado a transferência de renda via orçamento. Cabe ressaltar que essa política de
favorecimento da classe rentista extrapola os recursos destinados a dívida via orçamento
que ela implica toda uma mudança da disponibilidade do capital na economia, na
política de crédito, no crescimento da economia e, portanto no nível de produção, e
conseqüentemente no custo do salário. E essas variáveis são determinantes do poder do
trabalho na divisão social da produção. Portanto, quanto mais caro o dinheiro, menor o
crescimento, maior o desemprego e menor o poder de barganha dos trabalhadores.
97
Gráfico 3: Evolução das despesas do Governo Federal (% PIB) – 1994 a 2005
Nesse contexto que Pochmann critica aqueles que culpam o gasto social
pelo problema fiscal. Segundo o autor está claro que a forma como a política monetária
e fiscal estão estabelecidas e entrelaçadas configuram um instrumento de transferência
de renda, assim o que se vê é:
O engate da economia brasileira num verdadeiro ciclo de financeirização que
faz dos juros uma droga em relação à qual o sistema financeiro tem ficado
cada vez mais dependente, encontrando no poder blico o principal
sustentáculo desta lógica. Nesse sentido, a correlação entre carga tributária
regressiva, aumento do superávit [...] é por demais transparente para
demonstrar que o arrocho fiscal tem significado uma imensa transferência de
recursos para o setor financeiro, tendo, aliás, parcela maior do ajuste fiscal
sido subtraída do trabalho. [...] por mais que alguns especialistas
argumentem elegantemente do ponto de vista de equilíbrio dos juros, o que
existe na prática é um esquema monstruoso de drenagem do setor privado e
da renda do trabalho para uma acumulação essencialmente financeira. (SÃO
PAULO, 2003, p.3-6).
Nesse sentido que a vida pública vem funcionando como instrumento da
acumulação do capital, sem que os seus detentores tenham que correr o risco de entrar
na fábrica, no espaço sujo da produção. Quanto maior o grau de instabilidade, eles
adquirem papéis pagando menos do que seu valor de face, a elevadas taxas de
rentabilidade, tendo assegurado certa taxa de câmbio. Com esses papéis eles têm ativos
98
extremamente quidos e rentáveis, não apenas devido a sua rentabilidade. Esses títulos
movimentam todo o mercado financeiro e bancário devido ao seu grau de liquidez que
lhe permitem realizar inúmeras operações, seja no mercado secundário, seja na
expansão dos seus ativos na expansão do crédito etc. Como Marx tinha afirmado
mais de um século atrás:
Como pelo toque de uma vara de condão, ela dota o dinheiro de capacidade
criadora, transformando-o assim em capital, sem ser necessário que o seu
dono se exponha aos aborrecimentos e riscos inseparáveis das aplicações
industriais e mesmo usurárias. Os credores do Estado nada dão na realidade,
pois a soma emprestada converte-se em títulos da dívida pública facilmente
transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem
dinheiro. A vida pública criou uma classe de capitalistas ociosos,
enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros que servem de
intermediários entre o governo e a nação. As parcelas de sua emissão
adquiridas pelos arremates de impostos, comerciantes e fabricantes
particulares lhes proporcionam o serviço de um capital caído do céu.
(MARX, 2005, p.868).
Matias realiza um estudo rebatendo as justificativas da teoria em que está
baseada esta política econômica. O autor faz uma análise sobre os principais motivos da
execução de taxas de juros elevadas e chega a conclusão de que nenhum dos
argumentos, na realidade, se justificam. Segundo ele, as justificativas para tal política,
em geral, concentram-se em três pontos: 1. para conter o processo inflacionário; 2. para
dar estabilidade cambial; 3. incentivar o mercado a adquirir os títulos públicos,
necessários ao financiamento do setor público. A partir de estudo empírico, com testes
de correlação, entre taxas de juros e índices de inflação, taxa de câmbio e análise do
mercado, ele não encontra nenhuma relação empírica, matemática dessas variáveis.
Assim, o autor refuta essas hipóteses e afirma que esta prática foi adotada para dar
sustentabilidade ao setor bancário após o fim do processo hiper-inflacionário que
sustentava a ciranda bancário-financeira.
As conseqüências dessa política, segundo Matias (2003, p. 16), foram: 1. o
estabelecimento de negócios orientados para ganhos financeiros, onde fosse possível; 2.
onde o fosse possível, associada à impossibilidade de repassar os juros ao preço dos
produtos,
as organizações passaram a procurar ganhos extremados de produtividade, 3.
fechamento das organizações. A elevada despesa financeira das empresas brasileiras
conduziu em muitos casos a não competitividade internacional destas. Os ganhos no
setor financeiro, de outra maneira, foram diretos e elevados, como ele mostra a partir de
dados, que partem de 410% de lucro entre 2002 e 2003. A dependência do setor
99
bancário das elevadas taxas de juros pode ser vista a partir da alta participação do
resultado com títulos e valores mobiliários, instrumentos derivativos na receita de
intermediação financeira.
O resultado dessa política tem sido um crescente endividamento público e
aprofundamento das desigualdades sociais. Ademais esse modelo criou um importante
mecanismo de transferência de renda via orçamento público com o aumento da
tributação regressiva e dos gastos com juros. A manutenção desta política por um
governo oriundo da classe dos trabalhadores mostra como a coalizão de poder, político e
econômico, em torno desses interesses é forte, e que qualquer alteração de política
implica uma grande mudança social, não apenas de posições burocráticas.
Gentil (2004a) levanta que a realização de taxas de juros em patamares tão
elevados o é justificada apenas por esses referenciais de política econômica isentando
os conflitos de classes por trás dessas escolhas. A autora afirma que “[h]á razões de
ordem política e institucional na gravidade do conflito distributivo que gerou uma
apropriação extremamente desigual do produto social. Por outro lado, o padrão de
consumo dos assalariados caiu também em função da retração dos bens e serviços
públicos voltados para as camadas populares, em decorrência do arrocho fiscal pelo
lado dos gastos.” (GENTIL, 2004a, p.17).
A autora sugere que a escolha dessa política econômica se trata de uma
decisão política baseada numa disputa social. Ou melhor, não se trata de uma escolha
sobre a melhor teoria para a condução da economia para a sociedade, mas da escolha da
melhor teoria para a valorização do capital da classe dominante do momento. Esse fato
não é novidade na história, como foi visto na revisão de cada teoria econômica do papel
do Estado e sua respectiva política predominante que sempre foram fundamentais para a
valorização do capital dominante, e deixou de o ser quando não colaborava mais para
tanto.
Assim a política adotada pelo governo brasileiro desde 1993 não contribuiu
para o desenvolvimento e/ou crescimento econômico do país, muito menos para acabar
com os favorecimentos na divisão do orçamento público como colocado na justificativa
do Plano Real, pelo contrário ela está feita para o favorecimento de uma classe social
bem definida: os detentores dos títulos de dívida pública. Nesse sentido que pode-se
afirmar que essa política contribuiu para um crescente endividamento público e
aprofundamento das desigualdades sociais. Além disso, está contribuindo para uma
100
crescente transferência de renda via orçamento público com o aumento da tributação
regressiva e dos gastos com juros.
A busca pelo ajuste fiscal não levou em consideração nem a necessidade de
crescimento econômico e nem a distribuição da renda, de maneira que a arrecadação se
concentrou nos tributos com maior potencialidade de geração de receita, porém de
menor justiça fiscal. O aumento da receita provocou a elevação da carga tributária a
patamares jamais observados na história do País, como demonstraremos, e o aumento da
regressividade da tributação, pois se baseou na elevação de impostos indiretos,
cumulativos e não naqueles de maior potencial progressivo.
O caminho da política de juros altos foi extremamente destrutivo, pois tem
sido construído às custas de pesada carga tributária, da forte redução de
investimentos públicos, da precarização dos serviços públicos em geral e, em
particular daqueles ligados à seguridade social, o que tem levado à
paralisação do Estado brasileiro na última década e meia. A perspectiva dos
credores e rentistas, entretanto, se tornou dominante e tem sido tão
veementemente propagada pelos meios de comunicação e, por isso, tão bem
assimilada pela maioria das pessoas, que ficou fácil convencer a sociedade
de que o que é bom para o mercado de títulos é bom para a economia em
geral, ainda que isso signifique maior desemprego, menor crescimento e
menor proteção social. (GENTIL, 2006, p.225-226).
Assim apesar de todas as justificativas colocadas pelo governo de que a
diminuição da ação e dos gastos do Estado eram necessárias para concentrar suas ações
e recursos nas áreas sociais, não foi verificado. Essas áreas foram preteridas, e passaram
a sofrer com a desvinculação de receitas, ou seja, os recursos garantidos pela
Constituição para essas áreas passaram a ser desviados por meio de medidas provisórias
para serem destinados ao pagamento dos juros da dívida pública.
É nesse sentido que as próximas seções destinam-se à exposição dos dados
relativos às alterações no sistema tributário brasileiro e, do padrão de gastos destinados
aos gastos sociais, de proteção social no período 1995-2005. O objetivo é evidenciar de
onde saíram os recursos para a manutenção dessas políticas, ou seja, quem paga os
tributos e mostrar a destruição lenta e gradual do sistema de proteção social. Assim
deve-se mostrar que os propósitos do orçamento público o só estiveram voltados para
o padrão de acumulação do momento, ou seja, o financeiro, como este implicou em
transferências de rendas diretas das classes menos abastadas da sociedade para as
classes dominantes.
101
4 EVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA BRASILEIRA 1995-2005: A
APROPRIAÇÃO DO EXCEDENTE.
A análise tributária torna-se fundamental nesse trabalho que a
transferência de renda entre classes colocada tem fundamento se demonstrado que a
principal classe tributada é a classe trabalhadora, ou dos substratos mais baixos da
sociedade. Essa análise parte da idéia de O´Connor de que as finanças tributárias,
mesmo em outros modos de produção, são formas de exploração econômica e, portanto,
um problema que requer análise de classe. Segundo ele “[n]ão é menos verdadeiro hoje
do que no passado que a ‘proteção e o poder externos e o enriquecimento de algumas
classes às expensas de outras (são) o propósito dos sistemas tributários’ e que ‘a luta
tributária é a mais velha forma de luta de classes’ – como escreveu Marx mais de um
século.” (O´CONNOR, 1977, p.203). Segundo Wallerstein (2001, p.46):
[n]o desenvolvimento da economia-mundo capitalista, os impostos tiveram
uma expansão constante, como percentagem do valor total criado ou
acumulado. Isso quer dizer que os Estados têm sido importantes quando se
observam os recursos que controlam, pois esses recursos permitem promover
a acumulação de capital e, sendo redistribuídos, entram direta ou
indiretamente em um novo ciclo de acumulação de capital. Cobrar impostos
despertou hostilidade e resistência dentro da própria estrutura estatal, vista
como uma espécie de vilão desencarnado que se apropria dos frutos do
trabalho alheio. O que devemos ter em mente é que havia forças fora do
governo pressionando para a implantação de impostos específicos, pois ou
bem o processo resultaria em redistribuição direta para elas, ou permitiria ao
governo criar economias externas que reforçariam sua posição econômica,
ou penalizaria outros grupos e seria economicamente favorável àquele
primeiro. Em resumo: o poder de cobrar impostos foi um dos meios mais
imediatos através do qual o Estado ajudou o processo de acumulação de
capital em favor de alguns grupos em vez de outros.
Entretanto, o Estado se justifica em princípios de justiça social e esconde o
conteúdo não eqüitativo da estrutura dos tributos e a natureza exploradora da estrutura
classista. A seguir, faremos uma breve explanação dos princípios de uma tributação
equânime a partir das finanças públicas e uma análise crítica sobre esses princípios a
partir de O´Connor (1977).
102
4.1 Os princípios de uma tributação “equânime”
Os sistemas tributários se justificam em alguns princípios chamados
“fundamentais para se estabelecer uma tributação mais próxima da “justiça fiscal”.
Esses princípios o definidos em geral nos livros de finanças públicas e muitas das
vezes, são colocados na base legal do sistema tributário como é o caso do Brasil.
Entretanto, como veremos, apesar destes princípios estarem na Constituição, o sistema
tributário brasileiro não apenas nesse período, mas em especial nele, o obedeceu
nenhum deles, tendo sido um instrumento de exploração e extração do excedente para a
classe dominante
1
.
Pelo conceito da eqüidade cada contribuinte deve ser tributado com uma
parcela justa. O princípio da justiça fiscal geralmente é definido sob duas abordagens: o
critério do benefício ou seja, cada indivíduo deveria ser tributado o correspondente ao
benefício que usufrui dos programas governamentais e o critério da capacidade de
tributação isto é, o ônus da ação governamental deve ser repartido de acordo com a
capacidade individual de contribuição. Em relação ao primeiro critério a implementação
torna-se inviável em função da dificuldade de delimitação dos beneficiados, e também
da avaliação que cada indivíduo faz do benefício, em função da divergência de
preferências. Só em casos isolados esse critério pode ser usado, nos quais pode-se
delimitar o pagamento de uma taxa que propõe a contraprestação de serviço. O segundo
critério é definido a partir do nível de renda e permite regra geral de tributação para toda
a sociedade.
A Constituição Federal Brasileira adota a capacidade de pagamento como
princípio geral do Sistema Tributário Nacional: “Sempre que possível, os impostos
terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte.” (BRASIL. Constituição Federal (1988) 2000, §1º, art. 145). A partir do
princípio da capacidade de pagamento o ônus tributário deve ser tal que garanta a
equidade horizontal – ou seja, tratamento igual entre iguais -, e vertical – ou seja,
tratamento diferente aos contribuintes com capacidades econômicas diferentes.
O´Connor critica a justificativa do princípio da capacidade de pagamento,
pois a classe capitalista tende a burlar esse princípio a partir dos incentivos fiscais que
1
“A justificativa da exploração tributária baseia-se em três conceitos gerais a idéia geral do incentivo e
as novas idéias da capacidade de pagar e do tratamento igual para iguais.” (O´CONNOR, 1977, p.205).
103
ela requer, com a justificativa de que o pagamento de tributos inibe a atividade e,
portanto, a geração de emprego. Além disso, o uso da renda e não da riqueza acaba
sendo extremamente favorável aos capitalistas, e, punitivo aos trabalhadores
2
. Segundo
ele:
Outro elemento ideológico da tributação está nesta capacidade de pagar: a
premissa oculta do princípio é a de que os benefícios das despesas estatais
favorecem igualmente a todos os contribuintes. O argumento não é válido: as
prioridades orçamentárias locais, estaduais e federais são determinadas pela
necessidade de ampliar o capital social (consumo social e investimento
social) e as despesas sociais de produção (gastos previdenciários e militares).
Portanto, a doutrina da capacidade de pagar é ideológica, não por ser ilógica,
mas porque sua premissa é falsa. (O´CONNOR, 1977, p.205).
Para finalizar O’Connor critica a justificativa última da exploração tributária
de que ‘iguais devem ser tratados igualmente’ parece ser inatacável em princípio.
Entretanto, na prática está é uma doutrina prejudicial à classe trabalhadora já que a
sociedade capitalista não é uma sociedade de iguais. proprietários e não-
proprietários, capitalistas monopolistas e capitalistas competitivos, trabalhadores
sindicalizados e trabalhadores não-sindicalizados, grupamentos sociais opressores e
minorias oprimidas, ricos e pobres, e assim por diante. Portanto, um sistema tributário
que trate ‘iguais de modo igual’ simplesmente reforçará as desigualdades existentes.
(O´CONNOR, 1977, p.205-206)
Prosseguindo nas classificações dos tributos ressaltem-se as seguintes:
regressiva, proporcional e progressiva. Um sistema tributário é regressivo se sua
alíquota cresce menos que proporcionalmente ao aumento da renda; proporcional,
quando cresce a taxas correspondentes ao crescimento da renda; e, progressivo quando
o crescimento da alíquota é mais do que proporcional ao crescimento da renda. Segundo
Bordin (2004, p.3):
A progressividade desejada num sistema tributário tem a finalidade de
atender o princípio da justiça tributária [...]. Quer dizer, indivíduos com
rendas maiores devem contribuir, proporcionalmente, mais do que aqueles
com rendimentos menores. O objetivo dessa forma de tributação não é o de
2
“A doutrina da capacidade de pagar sustenta que cada membro do corpo social – trabalhador ou
capitalista deve pagar impostos correspondentes à sua renda pessoal. Nem é preciso dizer que este
princípio não aplicado toda vez que entra em conflito com a doutrina dos incentivos. Por exemplo,
dezenas de ‘furos’ garantindo substancial isenção tributária à renda proveniente da propriedade do capital.
Ainda, o uso da renda e o o da riqueza como medida da capacidade de pagar é gritantemente
discriminatório contra os trabalhadores e a favor do capital. Em parte alguma no mundo capitalista são
tributados ganhos irrealizados de capital, mesmo que aumentem, visivelmente, a capacidade de pagar
impostos.” (O´CONNOR, 1977, p.205).
104
inverter a posição das classes de renda, mas reduzir a diferença entre elas,
que no caso do Brasil, por exemplo, é exageradamente grande.
O governo pode tributar de duas maneiras: direta e indiretamente. A
tributação direta está associada à capacidade de pagamento de cada contribuinte e incide
sobre a renda e a propriedade. A tributação indireta incide sobre insumos, produção,
comercialização de bens, transporte, circulação de mercadorias, em suma sobre
atividades e objetos, sem estar relacionada à capacidade de contribuição do indivíduo.
Somente no caso dos impostos diretos como aqueles que incidem sobre a renda e a
propriedade, pode-se definir a priori a distribuição da carga tributária por classes de
renda. Esses são impostos que se baseiam na capacidade de pagamento do contribuinte.
A aplicação do princípio da capacidade de pagamento estará sempre associada a um
sistema que se baseie na tributação direta com alíquotas progressivas.
Um exemplo clássico da tributação indireta é o caso dos impostos sobre
transações com mercadorias e serviços. Normalmente o ônus, nestes casos, é transferido
ao consumidor. Como as hipóteses teóricas de perfeita competição no mercado são
bastante restritivas, a maior parte dos estudos empíricos a esse respeito assume, como
resultado mais provável, a integral transferência do ônus para o consumidor final.”
(REZENDE, 1983, p.318). Assim, considerando a taxa marginal de consumo
decrescente, ou seja, quanto maior a renda, menor a parcela proporcional destinada ao
consumo e vice-versa, se um imposto representa uma percentagem fixa do consumo a
distribuição da carga tributária será regressiva.
Sabe-se que o consumo de bens essenciais concentra-se nas famílias com
menor renda e o de bens supérfluos nas famílias com maior nível de renda. Sendo assim
a tributação seletiva seria o caso mais indicado para se obter um grau de progressividade
nos impostos indiretos, de tal maneira que os bens fossem tributados com alíquotas
diferenciadas. Os bens/serviços considerados de luxo – os quais, normalmente têm
maior peso na cesta de consumo das famílias com maior concentração de renda – teriam
alíquotas maiores em relação aos bens/serviços essenciais os quais têm maior peso na
cesta de consumo das famílias com menor nível de renda.
Conclui-se, assim, que para que um sistema tributário seja considerado
progressivo, ele deve concentrar seus recursos na tributação direta sobre renda e
propriedade, de forma a cobrar alíquotas crescentes em relação aos aumentos marginais
de renda. E no caso dos impostos indiretos, deve-se inserir a progressividade por meio
105
da prática de alíquotas diferenciadas em função da incidência de consumo das diferentes
classes.
O sistema tributário brasileiro atual é resultado de um processo que se
desenvolve seguindo as mudanças endógenas da configuração estatal, assim como suas
transformações econômicas internas e externas. Portanto, para analisar o
comportamento da tributação e relacioná-la com a regressividade na distribuição da
renda e seu desempenho nacional, no período selecionado (de 1995-2005), é
fundamental conhecer a estrutura tributária brasileira pré-estabelecida. Assim introduz-
se este capítulo com um breve resumo sobre a constituição do sistema tributário
brasileiro.
4.2 Antecedentes históricos
Com a economia brasileira baseada no modelo agro-exportador, pode-se
dizer que aos anos 30 a principal fonte de receita pública se constituía dos impostos
sobre o comércio internacional. A Constituição de 1891 inseriu mudanças institucionais
com a separação das fontes tributárias estabelecendo regime de competência da União e
dos Estados. Até a Constituição de 1934 as receitas públicas basicamente se constituíam
do imposto de importação no caso do governo central, imposto de exportação nos
Estados e sobre indústrias e profissões nos Municípios. (GIAMBIAGI;ALÉM, 2001).
As principais mudanças inseridas pela Constituição de 1934 estão no âmbito
estadual e municipal. No caso dos primeiros houve a supressão do imposto de
exportação entre os Estados e a criação do imposto de vendas e consignações. Os
municípios passaram a ter competência para decretar alguns impostos, antes limitados
ao governo central e aos estados. Na Constituição de 1937 destaca-se a supressão da
competência dos Municípios em relação à cobrança da renda das propriedades rurais.
Na de 1946 ressaltam-se dois atos: a criação de dois novos impostos municipais, do selo
municipal e sobre indústria e profissões e institucionalização de um sistema de
transferência de receitas entre os entes da federação.
Assim, a receita tributária que no começo do século era constituída
basicamente de impostos de importação e exportação passa a ser composta, a partir da
década de 30 por impostos mais relativos a transações internas. Segundo Giambiagi e
106
Além (1999, p.181) “[n]o período 1946/1966, aumentou a importância relativa dos
impostos internos sobre os produtos. Em outras palavras, o Brasil entrou em uma fase
em que a tributação sobre bases domésticas passou a ser crescentemente a mais
importante, simultaneamente ao início de um processo de desenvolvimento industrial
sustentado.”
O movimento da receita tributária reflete o processo de industrialização, da
formação do mercado de consumo interno brasileiro, e de urbanização que o país foi
passando de maneira tal que “[n]o início dos anos 60, os impostos sobre o consumo,
sobre vendas e consignações e sobre indústrias e profissões representavam cerca de
40%, 70% e 45% da receita total da União, estados e municípios, respectivamente.”
(GIAMBIAGI; ALÉM, 1999, p.182).
A reforma tributária da década de 60 estabeleceu os marcos do sistema
tributário nacional que vigoram atualmente. “A rigor o sistema tributário do final dos
anos 1990 é uma versão modificada e deformada do de 1967, com um grau de
descentralização de recursos maior e uma proporção maior de impostos
cumulativos[...]” (GIAMBIAGI; ALÉM, 1999, p.182). Esta reforma
3
procurou
estabelecer um sistema integrado de caráter nacional para evitar incidências cumulativas
e sobreposições as quais provocavam distorções nas atividades econômicas, e assim
estimular o crescimento.
Ao mesmo tempo houve maior centralização dos recursos, tanto em relação
à arrecadação dos tributos como pela perda de autonomia das unidades sub-nacionais.
Administrativa e tecnicamente este era um sistema inovador que permitia interferência
alocativa de recursos na economia e estava, portanto, ligado diretamente às metas de
políticas econômicas traçadas a nível nacional. “Do ponto de vista da distribuição
federativa dos recursos fiscais, a reforma centralizou os recursos na esfera federal tendo
em vista que a coordenação do processo de crescimento era responsabilidade daquela
instância de governo.” (GIAMBIAGI; ALÉM, 1999, p.184). Destaque-se a criação dos
impostos sobre o valor agregado, o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o
imposto sobre circulação de mercadorias (ICM), posteriormente transformado em
imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).
3
Com alterações feitas na legislação via Emenda constitucional n. 18 de 01/12/1965, Lei n. 5172 de
25/12/1966 – Código Tributário Nacional - e Constituição de 1967.
107
Se por um lado, este sistema, dada sua característica centralizadora de
recursos, favorecia a realização de políticas macroeconômicas, por outro permitiu a
manipulação, pela ditadura estabelecida naqueles anos, sobre os governos sub-
nacionais. Ou seja, a posição política dos governos sub-nacionais perante o governo
militar era o principal critério para a partilha dos recursos tributários.
4.2.1 A Constituição de 1988 e a reforma de 2003
A CF/88 representou uma reação aos 20 anos de concentração do poder
político, concedendo maior autonomia aos Estados e Municípios para tributação, e
conseqüentemente a desconcentração dos recursos tributários além de aumento da base
para cálculo dos fundos de participação das unidades sub-nacionais. A partir deste
momento cada Estado teria competência para fixar autonomamente as alíquotas de
ICMS, a União não poderia mais conceder isenções de impostos estaduais e municipais
e vetou-se a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos
distribuídos às unidades sub-nacionais.
O sistema político anterior procurava limitar o raio de ação dos governos
locais, principalmente daqueles que não mostravam afinidades políticas com o poder
central, concentrando o poder econômico e financeiro na União, fazendo com que as
regras para a redistribuição e as transferências para Estados e Municípios fossem
permeadas muitas vezes por variáveis políticas e ideológicas, do que por critérios
técnicos que estabelecem justiça social e fiscal. É nesse sentido que o novo sistema
tributário nacional procurou democratizar a política orçamentária de maneira que a
redistribuição dos recursos federais para Estados e Municípios cumprisse seu papel
social e não pudesse sofrer a ameaça de negociações políticas. Ao mesmo tempo era de
maior interesse para essas unidades recursos provenientes de transferência à sua
obtenção mediante esforço fazendário próprio. O intuito era não apenas descentralizar
recursos como também atividades, transferindo para os Estados e Municípios.
Entretanto, logo após a Constituição Federal a União saiu num movimento
de re-centralização da receita, alegando que esta não foi acompanhada simultaneamente
pela descentralização dos gastos. Com essa justificativa a União passou a criar e
108
aumentar alíquotas de tributos, em particular daqueles o sujeitos a partilha
4
. Assim, o
governo federal uniu esforços na [...] implementação de um movimento, em sentido
inverso ao que fora previsto pela Assembléia Constituinte, de nova centralização. Por
meio de emendas constitucionais, a União passou a promover a desvinculação
‘emergencial’ de recursos, lançando-se numa espécie de ‘competição’ contra as
unidades federadas.” (CARVALHO, 2004, p.6). Verifica-se, portanto, no período pós-
Constituição, a elevação e reconcentração da carga tributária com tributos cumulativos
considerados regressivos.
Segundo Varsano (1996, p.17) o aumento da carga tributária do período
imediato à CF/88 está expresso na [...] criação da contribuição, prevista na
Constituição, incidente sobre o Lucro Líquido das empresas (1989), o aumento da
alíquota da Cofins de 0,5% para 2% e também do imposto sobre operações financeiras
(1990), e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF),
mais um tributo cumulativo (1993).”
A elevação da carga tributária e de sua regressividade provocou reclames de
eficiência econômica e de justiça fiscal, de forma que foi apresentada uma reforma
tributária alegando como objetivos: busca da eficiência econômica, estimulando a
produção e o investimento produtivo, geração de emprego e renda; redução da
regressividade; ampliação do número de contribuintes, mediante redução da
informalidade; e a simplificação; além da busca de diminuição da evasão tributária.
Dentre as propostas destacam-se: 1) a proposta de que o Imposto sobre
grandes fortunas (IGF), previsto na CF/88, pudesse ser implementado sem necessidade
de lei complementar; 2) progressividade do imposto sobre território rural (ITR),
desestimulando a manutenção de terras improdutivas além de transferência desse
imposto, de competência federal, para responsabilidade dos governos locais; 3)
progressividade do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e doação de quaisquer
bens ou direitos (ITCD), que teria o seu ônus elevado em operações que implicassem
transmissão de patrimônio de grande porte; 4) uniformização do ICMS, imposto de
4
Varsano (1996) alega que a descentralização de receitas não foi automaticamente acompanhada pela
descentralização do gasto o que acarretou em resultados deficitários fazendo com o governo tivesse que
adotar medidas para recuperar sua receita. “Em suma, a Constituição de 1988, além de consolidar uma
situação de desequilíbrio do setor público, concentrou a insuficiência de recursos na União e não proveu
os meios, legais e financeiros, para que houvesse um processo ordenado de descentralização dos
encargos. Por isso, tão logo ela foi promulgada, se reclamava nova reforma do estado brasileiro.”
(VARSANO, 1996, p.16).
109
grande complexidade e um dos instrumentos da guerra fiscal entre os Estados
5
; 5)
redução da regressividade dos tributos indiretos através dos mecanismos de
seletividade, reduzindo o ônus da população de baixa renda através da redução da carga
sobre os bens de consumo popular; 6) a não-cumulatividade do COFINS para os setores
econômicos específicos definidos em lei. A proposta de vedação de concessão de
benefícios e incentivos fiscais ou financeiros estaria junto com as diretrizes de
uniformização e simplificação.
Depois de muitos anos de adiamento foi votada a reforma tributária em
2003. Entretanto, o efeito da reforma proposta foi pífio na busca da justiça fiscal e o seu
resultado foi que: 1) o ICMS praticamente não foi alterado, com exceção ao aumento de
imunidades; 2) foi ampliada a base de cobrança de Imposto sobre Importação (II) em
geral de mercadorias e serviços numa tentativa de dar a produção estrangeira o mesmo
tratamento da produção nacional; 3) a questão da cumulatividade das contribuições
sociais, não ficou clara, deixando o item ao sabor da interpretação da lei em que parte da
economia seria implementada a não cumulatividade; 4) com receio de perder recursos
com a questão da cumulatividade a alíquota de 3% da COFINS foi aumentada para
7,6%; 5) a CPMF foi prorrogada até 2007
6
; 5) os municípios que aceitarem a
incumbência de cobrar o ITR poderão ficar com a sua totalidade; 6) as alíquotas do
IPVA passam a ser competência do Senado e não dos Estados; 7) foi criado o super
simples, mecanismo criado para facilitar a tributação das pequenas e médias empresas.
5
O ICMS constitui-se num dos impostos mais complexos do sistema tributário brasileiro, sendo regulado
por 27 legislações diferentes, com a diversidade de alíquotas e de benefícios fiscais os Estados usavam
esse imposto num tipo de “guerra fiscal”, na atração de empresas. Assim Propôs-se que a legislação fosse
uniformizada, com a regulação do imposto por normas de caráter nacional. O regulamento seria único,
editado por órgão colegiado composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, sendo vedada
a adoção de norma estadual autônoma. As alíquotas seriam uniformes em todo o território nacional, por
mercadoria, bem ou serviço, em número máximo de cinco; o regulamento definiria quais mercadorias,
bens ou serviços seriam aplicados. A menor alíquota seria aplicada aos gêneros alimentícios de primeira
necessidade, prevalecendo sua aplicação mesmo nas operações interestaduais (MONTEIRO, 2005, p.14).
6
“A EC 37/2002 havia promovido a prorrogação até 31/12/2004, sendo que, durante o exercício de 2004,
previa-se uma redução de alíquota para 0,08%. A partir da EC 42 o ampliou o prazo de vida da
contribuição, como também revogou o dispositivo que fixava a redução. Em outras palavras, a CPMF
continua com a alíquota de 0,38% até 31/12/2007.” (MONTEIRO, 2005, p.17).
110
QUADRO 1: ESTRUTURA TRIBUTÁRIA DAS CONSTITUIÇÕES DE 1946, 1967,
1988 E REFORMA DE 2003.
ESFERAS DE
GOVERNO
CONSTITUIÇÃO DE
1946
CONSTITUIÇÃO DE
1967
CONSTITUIÇÃO DE
1988 REFORMA DE 2003
UNIÃO
Imp. Importação (II) Imp. Importação (II) Imp. Importação (II) Imp. Importação (II)
Imp. Transferências ao
Exterior (ITE)
Imp. Exportação (IE) Imp. Exportação (IE) Imp. Exportação (IE)
Imp. Consumo (IC) Imp. Produtos
Industrializados (IPI)
Imp. Produtos
Industrializados (IPI)
Imp. Produtos
Industrializados (IPI)
Imp. Renda (IR)
Imp. Renda de Pessoas
Físicas e Jurídicas
(IRPF e IRPJ)
Imp. Renda de Pessoas
Físicas e Jurídicas
(IRPF e IRPJ)
Imp. Renda de Pessoas
Físicas e Jurídicas
(IRPF e IRPJ)
Imp. Extraordinários
(IEx)
Imp. Sobre Operações
Financeiras (IOF)
Imp. Operações
Financeiras (IOF)
Imp. Operações
Financeiras (IOF)
Imp. Negócios e
Economia (INE)
Imp. Territorial Rural
(ITR)
Imp. Territorial Rural
(ITR)
Imp. Territorial Rural
(ITR)
Imp. Extraordinários
(IEx)
Imp. Extraordinários
(IEx)
Imp. Extraordinários
(IEx)
Imp. Transportes (IT)
Imp. sobre Serviços de
Comunicação (ISC)
Imp. Grandes Fortunas
(IGF)
Imp. Grandes Fortunas
(IGF)
Imp. Únicos (IULC,
IUEE, IUM)
Imp. Únicos (IULC,
IUEE, IUM)
ESTADOS
Imp. Vendas e
Consignações (IVC)
Imp. Circulação de
Mercadorias (ICM)
Imp. Circulação de
Mercadorias e Serviços
de Transporte e
Comunicação (ICMS)
Imp. Circulação de
Mercadorias e Serviços
de Transporte e
Comunicação (ICMS)
Imp. Transmissão de
Bens Imóveis (Causa
Mortis) (ITBI-CM)
Imp. Transferência de
Bens Imóveis (ITBI)
Imp. Transmissão de
Bens Imóveis e Doação
(ITCMD)
Imp. Transmissão de
Bens Imóveis e Doação
(ITCMD)
Imp. Territorial Rural
(ITR)
Imp. Propriedade de
Veículos Automotores
(IPVA)
Imp. Propriedade de
Veículos Automotores
(IPVA)
Imp. Propriedade de
Veículos Automotores
(IPVA)
IEx - Imposto
Exportação
Imp. Atos Regulados
(IAR)
Imposto Especiais (IE)
MUNICÍPIOS
Imp Propriedade
Territorial Urbana
(IPTU)
Imp. Propriedade
Territorial Urbana
(IPTU)
Imp. Propriedade
Territorial Urbana
(IPTU)
Imp. Propriedade
Territorial Urbana
(IPTU)
Imp. Indústrias e
Profissões (IIP)
Imp. Serviços (ISS) Imp. Serviços (ISS) Imp. Serviços (ISS)
Imp. Transmissão de
Bens Imóveis Inter
Vivos (ITBI IV)
Imp. Transmissão Inter
Vivos de Bens Imóveis
(ITBI)
Imp. Transmissão Inter
Vivos de Bens Imóveis
(ITBI)
Imp. Licença (IL) Imp. Vendas de
Combustíveis Líquidos
e Gasosos (IVVCL)
Imp. Vendas de
Combustíveis Líquidos
e Gasosos (IVVCL)
Imp.
Diversões Públicas
(IDP)
Imposto Territorial Rural
(ITR)
7
IAE - Imposto Atos de
Economia
Fonte: COSSIO, 1996; MONTEIRO, 2005 para o ano de 2003.
7
Na reforma de 2003 o ITR passa a poder ser cobrado pelos municípios que assim quisessem.
111
Entretanto, a reconcentração de recursos tributários na esfera federal, que se
verifica nos anos 90, não deve ser entendida como reação à perda de receita para os
outros entes da federação ou de sobrecarga de despesas tradicionais do governo. Gentil
(2002) afirma que esse movimento é resultado da adoção de uma política fiscal
contracionista, que visava gerar o ximo de superávit primário possível para canalizar
recursos destinados a cobrir despesas financeiras com os juros da dívida pública.
Esse movimento centrou-se sobre tributos cumulativos, prejudicando o
desempenho do setor produtivo e regressivos que, pela ótica da justiça social,
enfraqueciam o caráter redistributivo do orçamento público. Isso ocorreu à revelia dos
princípios da CF/88, que visavam tornar os recursos orçamentários mais
descentralizados, construindo um esquema voltado para a diminuição das desigualdades
sociais e regionais. A reforma de 2003 deveria mudar essa tendência, entretanto, o que
se viu, com raras exceções, foi a manutenção do movimento pós CF/88.
Sendo o sistema tributário é uma expressão da luta de classes, a estrutura
tributária registra cada mudança relevante no equilíbrio dessa luta. Dizendo-o de outro
modo, os sistemas tributários o apenas formas particulares dos sistemas de classes
8
.
Portanto, deve-se analisar o comportamento da tributação no período definido e os
princípios da política fiscal, como produto das escolhas definidas pelo grupo
hegemônico que definem a política econômica adotada.
4.3 Elevação da carga tributária no período de 1995-2005
Apesar do ideal de Estado minimalista e não intervencionista que dominou o
campo político e econômico desde a década de 90, a carga tributária brasileira passou
do patamar de 24%, em 1991, para o patamar de aproximadamente 35%, em 2005. Este
é o maior patamar alcançado na história brasileira, a despeito do Estado interventor do
passado. Segundo Batista Junior (2000), a carga tributária das quatro décadas anteriores
foi de 16,1% na década de 50, 19,1% na década de 60, 25,4% na década de 70 e 24,8%
nos anos 80. A média do período de 1995-2005 chegou a quase 33%. O Gráfico 4 a
seguir mostra como a carga tributária girava em torno dos 25%, desde 1968, e excluindo
8
O’Connor (1977, p. 203) exemplifica como isso acontece: “Quando o capitalismo se desenvolvia na
Europa, no seio da sociedade feudal, a burguesia usava o sistema tributário para forçar a nobreza a
adaptar o Estado aos requisitos da acumulação privada de capital.”
112
o ano de 1991 que teve um comportamento fora do padrão deu o primeiro salto em
1994 e desde então vem seguindo uma tendência constante de crescimento.
Gráfico 4: Evolução da carga tributária (% PIB) – 1969 a 2003
Para facilitar a visualização separaram-se os dados da carga tributária a
partir de 1991 a 2005 no Gráfico 5
9
. De 1993 a 1994 ocorre o primeiro salto no patamar
da carga tributária, que sobe 3,5 pontos percentuais
10
. É muito comum atribuir-se esse
crescimento da arrecadação à implementação do Plano Real, que proporcionou certo
controle sobre o elevado processo inflacionário que atingia o país. Dessa maneira, o
aumento da carga tributária seria decorrente de dois motivos fundamentais: o primeiro
da maior transparência que o fim da inflação permitia, facilitando o trabalho de
fiscalização; o segundo, devido à ocorrência do Efeito Tanzi, pois, embora o sistema
tributário fosse bastante indexado, a indexação nunca é perfeita o que poderia ter dado
9
A carga tributária é medida pela relação entre a arrecadação de tributos e o PIB nacional.
Conceitualmente parece ser uma medida simples, contudo, seu cálculo envolve várias possibilidades de
aferição. Existem quatro instituições que fazem esse acompanhamento: o BNDES, o IBGE, a Secretaria
da Receita Federal e o Tribunal de Contas da União. Uma análise de Gentil (2004b) sobre as quatro
metodologias de cálculo conclui que o IBGE levanta a carga mais ampla e mais próxima da realidade do
complexo sistema tributário nacional, sendo seguida pela SRF. Este trabalho usará os dados do IBGE, que
está baseada no Sistema de Contas Nacionais e os dados da SRF quando tratar da análise detalhada dos
tributos que compõem a carga tributária por falta de dados mais desagregados na base do IBGE. Vale
lembrar que a carga tributária calculada pelo IBGE é mais elevada que a da Receita Federal em função
das diferenças específicas de metodologia.
10
De fato o período de análise deste trabalho é de 1995-2005. Contudo a análise da arrecadação, em
1994, é fundamental para explicar os anos seguintes, que o plano começa a ser implantado em 1993.
Ademais, o responsável pela implantação do Plano de estabilização, o então Ministro da Fazenda, é o
presidente da República nos anos subseqüentes.
113
margem para ampliação endógena da receita real em períodos de estabilização
monetária.
No entanto, a justificativa do fim da inflação dada para explicar o grande
salto da carga tributária é questionável, dada a sofisticação e desenvolvimento da
indexação do sistema tributário brasileiro. Para alguns, não existe precedente na história
mundial de uso tão generalizado de mecanismo de indexação das obrigações tributárias.
Assim, o impacto positivo endógeno decorrente da queda acentuada da inflação, no caso
brasileiro, provavelmente teve pouca influência (BATISTA, 2000, p.188). Na realidade
não existe nenhuma comprovação empírica dessa tese. Contudo, existem outros fatores
que dão maior evidência nãodo salto dado em 1994, como também das mudanças de
patamar, seguindo trajetória ascendente da carga tributária no período selecionado
subseqüente a este ano, que será discutida mais a frente.
Gráfico 5: Carga tributária Total (% PIB) – 1991 a 2005
Apenas dentro dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, ou seja,
em oito anos, a carga subiu mais de 7 pontos percentuais em comparação com o ano
anterior de sua posse como presidente. Se for agregado o ano de 1994, cujo sistema
tributário já tinha sofrido extrema influência dessa política definida pelas diretrizes
traçadas quando este era Ministro da Fazenda, a elevação chega a, aproximadamente,
11% em relação ao ano em que ele implantou o Plano rela. É interessante observar que
de 1994 a 1998, ou seja, no primeiro mandato FHC, a trajetória é ascendente, porém
segue dentro do mesmo patamar, entre 28% e 29,7% e no período de 1999 a 2002 a
114
trajetória saltos, em função dos acordos com o FMI que determinaram como metas
prioritárias o superávit fiscal primário. No ano de 2003, já no governo Lula, esse
comportamento apresenta uma ligeira queda, mas no ano seguinte retoma o
comportamento ascendente para cumprir o aumento da meta de superávit primário. A
seguir deve-se analisar os fatores que influenciam esse aumento.
4.3.1 Crescimento do PIB X Aumento da Carga tributária
Um fator que tem influência direta fundamental no comportamento da carga
tributária é o crescimento da economia. Admitindo-se que a elasticidade média da
receita em relação ao produto real seja maior que a unidade, ou seja, um aumento da
renda deve provocar um aumento mais do que proporcional da tributação, portanto,
deve-se levar em conta os dados de crescimento do PIB nesse período. A Tabela 11
expressa a variação da carga em contraste com a variação real do PIB, no período de
1991-2005.
TABELA 11: VARIAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA X VARIAÇÃO REAL DO PIB (%) –
1992 a 2005
Ano 1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
PIB -0,5
4,9
5,9
4,2
2,7
3,3
0,1
0,8
4,4
1,3
1,9
0,5
4,9
2,3
Carga 2,6
-0,5
14,5
0,9
-2,6
-0,3
2,0
7,8
2,4
4,4
4,8
-1,8
2,9
4,3
Fonte: Elaborado pela autora com dados de: Brasil. MF/SRF e IPEA, Ipeadata.
O salto de 1994 poderia ser explicado pelo crescimento do PIB de 5,85%. O
crescimento, entretanto, não foi sustentado, nos anos subseqüentes, a economia amargou
um processo de estagnação econômica, com baixas taxas de crescimento. Contudo, a
elevação da carga tributária foi sustentada, com exceção dos anos de 1996, 1997 e 2003.
Ressalte-se aqui os anos de 1998, 1999, 2001 e 2002 que tiveram crescimento do PIB
pífio, contudo, foi o período de maior crescimento da carga tributária. Esse
comportamento mostra não que a carga tributária expansiva foi resultado de maior
tributação como também que contribuiu para o agravamento da crise, influenciando
diretamente o nível do emprego. A política fiscal, portanto, contribuiu para agravar o
quadro recessivo. Cabe analisar como isso se deu em cada esfera de governo para ver
qual delas foi a maior responsável por esse impacto.
115
4.3.2 Carga Tributária nas três esferas de governo
Como se pode constatar na Tabela 12, a União foi a maior responsável pelo
aumento da carga tributária no país. Isso reflete o movimento do governo central de
busca da elevação das receitas da União, reconcentrando os recursos, elevando alíquotas
e instituindo novos tributos, principalmente aqueles não sujeitos a partilha com Estados
e Municípios.
TABELA 12: EVOLUÇÃO CARGA TRIBUÁRIA POR ESFERA DE GOVERNO (% PIB) – 1991 a 2005
ANO
ESFERA DE
GOVERNO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
UNIÃO 16,7%
17,5%
18,5%
20,5%
20,0%
19,3%
19,6%
20,4%
22,1%
22,5%
23,4%
24,8%
24,2%
25,0%
26,2%
Orçamento
Fiscal 7,0% 7,4% 7,8% 8,5% 8,2% 7,6% 7,4% 8,2% 8,7% 8,2% 8,5% 9,1% 8,5%
8,3%
9,0%
Seguridade
Social
7,9% 8,2% 8,9% 9,8% 9,5% 9,5% 10,0%
9,8% 11,0%
12,0%
12,5%
12,9%
12,9%
14,0%
14,5%
Demais 1,8% 1,9% 1,7% 2,2% 2,3% 2,2% 2,2% 2,5% 2,5% 2,3% 2,4% 2,9% 2,8% 2,7% 2,7%
ESTADUAL 7,3% 7,4% 6,5% 8,0% 8,3% 8,2% 7,9% 7,8% 8,1% 8,6% 9,0% 9,2% 9,1% 9,4% 9,6%
MUNICIPAL 1,2% 1,0% 0,8% 1,0% 1,4% 1,4% 1,3% 1,3% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,6%
TOTAL 25,2%
25,9%
25,7%
29,5%
29,7%
29,0%
28,9%
29,4%
31,7%
32,5%
33,9%
35,5%
34,9%
35,9%
37,4%
Fonte: Elaborada pela autora com base em dados do: Brasil. MF/SRF.
A carga tributária correspondente aos Estados e aos Municípios seguiu
tendência ascendente de forma gradual, entretanto de baixo impacto na elevação da
carga total. Do aumento total de quase 8 pontos percentuais da carga, os estados
contribuíram com 1,3 ponto percentual, e os município com apenas 0,6 p.p., assim a
União foi responsável por 75% do aumento da carga. A oscilação de ambos segue quase
sempre no mesmo patamar, sendo que no caso dos Municípios a carga é praticamente a
mesma nos últimos sete anos, dos dez anos observados.
De outro modo, a elevação da carga nos estados é concentrada basicamente
no aumento da arrecadação de ICMS, que pode ser atribuída a expansão de alguns
serviços como a telefonia e o aumento dessas tarifas; e no aumento da arrecadação da
contribuição previdenciária dos seus servidores, derivada dos aumentos provocados
pelas diversas reformas da previdência realizadas nesse período.
É importante considerar que essa elevação acontece mesmo depois do
movimento pós-CF/88 que já tinha proporcionado o aumento dessa carga.
Esse
movimento de aumento da carga da União se a despeito da descentralização dos
116
gastos na esfera federal para os Estados e os Municípios, que passaram a ser os
responsáveis por ações antes realizadas pela União. Ou seja, embora os Estados e
Municípios, principalmente os segundos, tenham arcando ao longo desse período, com
maior ônus, dado o enorme processo de municipalização dos serviços públicos, a sua
carga não se elevou. Assim o aumento da carga não pode ser justificado pelo do
aumento da oferta de serviços públicos na esfera federal.
Os números mostram ainda que a elevação da carga da União concentrou-se
no orçamento da seguridade social, cuja maior parte dos tributos não é destinada à
partilha com Estados e Municípios. Além disso, a DRU (Desvinculação de Recursos da
União) permitiu que esses tributos o seguissem o destino que lhes era devido.
Segundo a legislação tais tributos destinam-se a gastos nas áreas da saúde, educação,
previdência e assistência social. Mas ao serem desvinculados eles podem ter qualquer
destino.
Mais detalhadamente, as taxas são tributos que implicam numa
contrapartida do Estado, ou seja, são vinculadas diretamente para financiar a atividade
criada a partir da existência do fato gerador. Os impostos, contudo o têm
contrapartida, são receitas da União para realização de seus gastos, tendo como
princípio a não-contrapartida. Devido à histórica falta de investimento em áreas sociais
relevantes e dadas as carências da população brasileira, várias fontes de receita
passaram a ser vinculadas a um tipo de gasto ao longo do tempo para garantir uma
destinação mínima em determinadas áreas. Assim, por exemplo, um percentual dos
impostos teria que ser gasto obrigatoriamente com educação e saúde etc. Além dos
impostos e das taxas também as contribuições, receitas, que não entram na partilha
com outros entes da federação, criadas para garantir o financiamento do orçamento da
seguridade social.
Com a justificativa de tentar combater o ‘déficit fiscal’ o governo federal, no
lançamento do Plano Real, criou o Fundo Social de Emergência (FSE), depois chamado
de Fundo de Estabilização Fiscal, que deu origem a DRU. A DRU permite ao governo
federal desvincular o equivalente a 20% dos recursos arrecadados pela União, inclusive
aqueles que devem ser partilhados, como impostos e contribuições sociais, podendo
utilizar tais recursos como melhor lhe convir.
No entanto, ao momento não podemos afirmar categoricamente, apesar
das evidências, de que esta carga elevada é necessariamente um instrumento de
117
exploração das classes mais baixas. Para tanto, torna-se necessário uma análise mais
profunda de sua incidência na sociedade. Nesse sentido deve-se fazer uma análise mais
qualitativa do aumento da carga tributária brasileira na busca de mostrar essa mudança
da relação de forças no período citado.
A Tabela 13 mostra a carga tributária como percentual do PIB desde 1991
até 2005 e a Tabela 14 mostra esses mesmos dados em valores correntes. O primeiro
ponto crítico do sistema tributário brasileiro que se agravou nesse período já citado
anteriormente foi a crescente corrida da União na busca de maior arrecadação. Este
movimento contrariou os princípios estabelecidos na CF/88, baseado num modelo de
descentralização da despesa e da receita. Entretanto, isso decorreu das prioridades da
política econômica, ou seja, de garantir os recursos necessários para o pagamento da
dívida. A seguir deve-se analisar as mudanças tributárias que influenciaram o aumento
da carga tributária e como essas alterações determinaram um sistema regressivo.
118
TABELA 13: CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA (% PIB) – 1991 a 2005
ANO 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
UNIÃO 16,7% 17,5% 18,5% 20,5% 20,0%
19,3% 19,6%
20,4% 22,1% 22,5% 23,4%
24,8% 24,2% 25,0% 26,2%
Orçamento Fiscal 7,0% 7,4% 7,8% 8,5% 8,2% 7,6% 7,4% 8,2% 8,7% 8,2% 8,5% 9,1% 8,5% 8,3% 9,0%
IR 3,6% 3,9% 4,0% 4,1% 4,8% 4,6% 4,4% 5,2% 5,7% 5,4% 5,8% 6,7% 6,4% 6,2% 6,8%
IRPF 0,2% 0,1% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,4%
IRPJ 0,9% 1,4% 1,0% 1,2% 1,4% 1,6% 1,4% 1,3% 1,3% 1,5% 1,4% 2,4% 2,1% 2,1% 2,6%
IRRF 2,6% 2,4% 2,7% 2,6% 3,1% 2,7% 2,7% 3,6% 4,0% 3,6% 4,1% 4,0% 4,0% 3,8% 3,9%
IPI 2,2% 2,4% 2,4% 2,2% 2,1% 2,0% 1,9% 1,8% 1,7% 1,7% 1,6% 1,5% 1,3% 1,3% 1,3%
IOF 0,6% 0,6% 0,8% 0,7% 0,5% 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%
II e IE 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,8% 0,5% 0,6% 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,6% 0,5% 0,5% 0,5%
ITR 0,02% 0,00% 0,01% 0,00% 0,02%
0,03% 0,03%
0,02% 0,02% 0,02% 0,02%
0,01% 0,01% 0,01% 0,01%
IPMF - - 0,1% 0,8% 0,02%
- - - - 0,00% 0,00%
0,00% - - -
TAXAS FEDERAIS 0,04% 0,04% 0,04% 0,0% 0,0% 0,1% 0,0% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Demais - - - - - - - - - - - - - 0,01% 0,02%
Orçamento Seguridade 7,9% 8,2% 8,9% 9,8% 9,5% 9,5% 10,0%
9,8% 11,0% 12,0% 12,5%
12,9% 12,9% 14,0% 14,5%
INSS 4,7% 4,8% 5,4% 5,0% 5,0% 5,2% 5,1% 5,1% 4,9% 5,1% 5,1% 5,3% 5,2% 5,3% 5,6%
COFINS 1,3% 1,0% 1,3% 2,5% 2,3% 2,2% 2,1% 1,9% 3,2% 3,5% 3,8% 3,8% 3,7% 4,4% 4,5%
CPMF - - - - - - 0,8% 0,9% 0,8% 1,3% 1,4% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5%
CSLL 0,3% 0,7% 0,8% 0,9% 0,9% 0,8% 0,8% 0,7% 0,7% 0,8% 0,7% 0,9% 1,0% 1,1% 1,2%
PIS/PASEP 1,1% 1,1% 1,1% 1,1% 0,9% 0,9% 0,8% 0,8% 1,0% 0,9% 0,9% 0,9% 1,1% 1,1% 1,1%
CSSP 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,4% 0,4%
Outr. Contrib. Sociais
(1)
0,3% 0,5% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,1% 0,2% 0,1% 0,1%
Demais 1,8% 1,9% 1,7% 2,2% 2,3% 2,2% 2,2% 2,5% 2,5% 2,3% 2,4% 2,9% 2,8% 2,7% 2,7%
FGTS 1,3% 1,3% 1,3% 1,4% 1,5% 1,5% 1,5% 1,8% 1,8% 1,7% 1,8% 1,7% 1,6% 1,6% 1,7%
CIDE COMBUSTÍVEIS - - - - - - - - - - - 0,6% 0,5% 0,4% 0,4%
Out. Contr. Econôm..
(2)
0,1% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%
Salério Educação 0,2% 0,2% 0,1% 0,4% 0,4% 0,4% 0,3% 0,3% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%
SISTEMA "S"
(3)
0,2% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,2% 0,3% 0,2% 0,3% 0,3% 0,2%
ESTADO 7,3% 7,4% 6,5% 8,0% 8,3% 8,2% 7,9% 7,8% 8,1% 8,6% 9,0% 9,2% 9,1% 9,4% 9,6%
ICMS 6,9% 6,9% 6,1% 7,4% 7,3% 7,2% 6,8% 6,7% 7,0% 7,5% 7,9% 7,8% 7,7% 7,8% 8,0%
IPVA 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5%
ITCD 0,01% 0,02% 0,02% 0,02% 0,03%
0,03% 0,03%
0,03% 0,03% 0,03% 0,03%
0,04% 0,06% 0,04% 0,04%
TAXAS 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,2%
PREV. ESTADUAL 0,2% 0,1% 0,1% 0,3% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,7% 0,6% 0,6% 0,7% 0,7%
Outros (AIR, ICM etc) 0,1% 0,1% 0,03% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1% 0,1% 0,2% 0,2%
MUNICÍPIOS 1,2% 1,0% 0,8% 1,0% 1,4% 1,4% 1,3% 1,3% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,6%
ISS 0,3% 0,3% 0,3% 0,4% 0,5% 0,6% 0,5% 0,5% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,7%
IPTU 0,5% 0,3% 0,1% 0,2% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5%
ITBI 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%
TAXAS 0,2% 0,2% 0,1% 0,2% 0,3% 0,3% 0,2% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,2% 0,2% 0,1% 0,1%
PREV. MUNICIPAL 0,02% 0,01% 0,01% 0,0% 0,04%
0,05% 0,04%
0,04% 0,08% 0,09% 0,09%
0,15% 0,17% 0,18% 0,2%
OUTROS TRIBUTOS 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,05%
0,02% 0,01%
0,01% 0,04% 0,03% 0,03%
0,01% 0,01% 0,01% 0,01%
Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados de: Brasil MF/SRF, vários boletins.
(1)
Inclui: Contr. Receita dos Concursos prognósticos, contr. p/ custeio de pensões militares, contr. Fundesp, Contr. Funpen e outras
(2)
Inclui: Fundaf + CONDECINE + CIDE REMESSAS + OUTRAS CONTRIBUIÇÕES ECONÔMICAS.
(3)
Contribuição aos seguintes órgãos: SENAR, SENAI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SESTE, SENAT, SEBRAE, Fundo Aeroviário e Ensino Marítimo (DPC)
119
TABELA 14: CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA VALORES CORRENTES (R$ 1.000) – 1991 a 2005
ANO 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
MOEDA CORRENTE (CR$) (CR$) (CR$) R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$
PIB 157.038.000 1.701.183.000
38.633.616
349.205
646.192
778.887
870.743
913.735
973.846
1.101.255
1.198.736
1.346.028
1.556.182
1.766.621
1.937.598
UNIÃO 26.250.546
297.680.868
7.135.515
71.456
129.321
150.708
171.082
186.561
215.568
247.420
280.197
334.325
376.694
441.594
507.172
Orçamento Fiscal 10.976.790
126.337.419
3.007.319
29.856
53.250
59.173
64.752
74.542
84.787
90.592
101.931
122.593
132.412
147.352
174.528
IR 5.721.448
67.190.419
1.536.781
14.210
31.138
36.123
38.676
47.724
55.215
59.840
69.418
90.465
99.705
109.622
132.287
IR Pessoa Física 241.492
2.502.156
82.393
957
2.070
2.371
2.644
2.826
3.048
3.383
3.724
4.075
4.743
5.799
6.869
IR Pessoa Jurídica 1.343.391
23.593.470
397.190
4.310
9.053
12.456
12.222
12.058
12.842
16.634
16.232
31.883
32.516
37.020
49.446
IR Retido na Fonte 4.136.565
41.094.793
1.057.199
8.943
20.015
21.386
23.810
32.840
39.325
39.823
49.463
54.507
62.445
66.803
75.972
IPI 3.505.931
40.654.162
941.906
7.600
13.435
15.283
16.605
16.097
16.275
18.689
19.317
19.662
19.574
22.538
26.096
IOF 972.999
10.861.194
311.728
2.397
3.206
2.836
3.768
3.521
4.844
3.096
3.559
3.996
4.419
5.209
6.058
II e IE 689.684
6.933.802
172.245
1.804
4.894
4.239
5.108
6.504
7.860
8.443
9.104
7.966
8.142
9.181
9.062
ITR 29.799
57.685
2.642
8
99
197
242
206
243
231
191
189
228
245
276
IPMF -
-
28.405
2.692
159
1
0,1
1,2
-
-
-
TAXAS FEDERAIS 56.929
640.156
13.612
146
319
405
353
490
350
292
342
354
345
371
323
DEMAIS -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
187
426
Orçamento Seguridade 12.376.674
139.401.576
3.453.053
34.086
61.076
74.097
87.072
89.395
106.821
131.744
149.657
173.345
201.471
246.466
281.036
INSS 7.391.146
81.252.258
2.094.720
17.336
32.165
40.378
44.148
46.641
47.425
55.715
61.060
71.028
80.730
93.765
108.434
COFINS 2.116.709
17.237.840
516.215
8.614
14.669
17.171
18.325
17.664
30.875
38.494
45.436
50.807
58.143
77.593
86.794
CPMF -
-
-
-
-
-
6.910
8.113
7.949
14.395
17.157
20.264
22.986
26.340
29.150
CSLL 451.606
12.501.557
297.031
3.255
5.615
6.206
7.214
6.542
6.767
8.716
8.985
12.432
16.147
19.575
24.189
PIS/PASEP 1.681.476
18.529.500
439.179
3.774
5.903
7.136
7.264
7.122
9.491
9.531
11.148
12.463
16.660
19.417
21.450
CSSP 189.521
1.200.258
32.304
775
2.101
2.580
2.595
2.483
3.151
3.619
3.813
4.424
4.453
7.179
8.231
Out. Contrib. Sociais
(1)
546.215
8.680.163
73.603
332
624
626
616
830
1.163
1.273
2.058
1.927
2.351
2.597
2.787
Demais 2.897.082
31.941.873
675.143
7.514
14.994
17.438
19.258
22.624
23.961
25.084
28.609
38.387
42.812
47.775
51.608
FGTS 2.105.702
22.467.776
484.715
4.913
9.780
11.672
12.925
16.782
17.408
18.709
21.074
22.422
24.956
28.269
32.248
CIDE COMBUSTÍVEIS
-
-
-
7.583
8.406
7.816
7.681
Outras Contr Econ.
(2)
202.147
2.745.302
41.237
391
839
885
916
935
903
939
1.176
1.376
1.457
1.917
1.376
SALÁRIO EDUCAÇÃO 258.796
2.885.503
49.783
1.230
2.376
2.762
2.775
2.460
2.353
2.791
3.123
3.661
4.005
4.831
5.906
SISTEMA "S"
(3)
330.437
3.843.292
99.408
981
2.000
2.119
2.641
2.448
3.297
2.646
3.235
3.346
3.987
4.942
4.397
ESTADO 11.472.834
125.406.303
2.503.597
27.950
53.889
63.928
68.731
70.995
78.516
94.216
108.066
123.683
142.284
165.324
186.493
ICMS 10.794.787
117.547.186
2.361.967
25.742
47.228
55.697
59.575
60.886
67.885
82.279
94.267
105.386
120.233
138.275
154.810
IPVA 128.989
2.378.437
50.085
598
2.458
3.122
3.841
4.451
4.481
5.294
6.287
7.017
7.740
8.910
10.497
ITCD 8.955
325.288
7.218
76
178
202
266
318
301
329
339
519
874
710
795
TAXAS 188.307
1.963.922
30.795
383
1.033
1.247
1.347
1.398
1.353
1.569
1.659
1.963
2.281
2.881
3.458
PREV. ESTADUAL 245.420
1.554.271
41.832
1.004
2.720
3.341
3.360
3.633
4.025
4.423
7.971
7.971
10.008
11.688
13.402
Outros (AIR, ICM etc) 106.375
1.637.199
11.701
148
271
319
341
309
471
322
375
827
1.149
2.860
3.531
MUNICÍPIOS 1.876.484
16.874.031
300.912
3.492
8.975
10.924
11.581
11.492
14.989
16.195
18.302
20.244
23.774
26.892
30.448
ISS 528.081
5.411.112
133.949
1.482
3.321
4.354
4.516
4.522
5.881
6.106
6.865
7.886
9.130
10.844
12.879
IPTU 717.109
5.393.266
57.317
731
2.762
3.356
3.613
3.550
4.171
4.519
5.218
6.501
7.723
8.602
9.580
ITBI 211.766
1.583.693
23.169
295
646
738
820
793
932
950
1.064
1.422
1.508
1.608
1.715
TAXAS 300.372
3.132.679
49.121
610
1.648
1.989
2.149
2.108
2.820
3.240
3.629
2.394
2.638
2.604
2.571
PREV. MUNICIPAL 25.857
163.754
4.407
106
287
352
354
383
825
1.003
1.123
1.962
2.670
3.118
3.576
Outros Tributos 93.300
1.189.528
32.948
258
311
135
130
135
360
377
404
79
105
115
127
Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados de: Brasil MF/SRF, vários boletins.
(1), (2) e (3) Idem a tabela 4.4.
120
4.4 As principais alterações na legislação tributária que influenciaram o
aumento da carga tributária entre 1994-2005
Como se pode constatar no Gráfico 5 o primeiro salto da carga tributária se
em 1994, exatamente quando governo estabelece a necessidade de realização de ajuste das
contas com corte de gastos e aumento da receita, alegando que o problema da inflação era o
déficit fiscal “reprimido”. A Tabela 15, por sua vez, mostra que um quarto desse salto deve-
se ao aumento dos estados e municípios, esse aumento sim pode ser derivado da
estabilização da economia já que muitos estados e a maioria dos municípios não tinham um
sistema de indexação da receita assim como a esfera federal possuía.
A elevação constatada na União neste ano deve-se basicamente a dois tributos:
a COFINS
11
, tributo considerado extremamente regressivo e cumulativo incidente sobre o
faturamento que teve seu pagamento retomado por parte de grande número de contribuintes
em razão do julgamento da constitucionalidade dessa contribuição no final de 1993, assim
em 1994 ela produziu um aumento de tributação da ordem de 1,2% do PIB; o IPMF, tributo
de grande poder de arrecadação, que foi responsável pelo aumento de 0,7 p.p. do PIB
chegando a ser responsável por 1,5% da carga nacional em 2002. Foi criado, a princípio,
como um imposto provisório (IPMF)
12
no início de janeiro de 1994. Este imposto com
duração provisória, ao completar o prazo foi transformado em contribuição, que
contribuições não são compartilhadas com os estados e municípios. A CPMF é considerada
um dos tributos mais cumulativos, incide sobre a circulação financeira, sendo repassada
para os preços finais.
Nesse mesmo ano o governo fez uma reestruturação das alíquotas do IR sobre o
trabalho com elevação da alíquota de 25% para 26,6% além de a criação de uma nova faixa
com alíquota de 35%. A CSLL também teve aumento de alíquota de 23% para 30% como
reflexo direto da criação do FSE. Além disso, alterações tributárias na forma de calculo do
IRPJ provocaram um aumento real da arrecadação desse tributo em 17%.
11
Na reforma de 2003, a COFINS deixa de ser cumulativa, mas tem sua alíquota elevada de 3% para 7%.
12
Em 1993, por intermédio da Lei Complementar 77, de 13/07/93 foi instituído o Imposto Provisório sobre
Movimentação Financeira - o IPMF -, à alíquota de 0,25% incidente sobre o lançamento a débito, por
instituições financeiras, nas contas junto a elas mantidas. A cobrança do IPMF vigorou de 01/01/94 até
31/12/94. Ele é o predecessor da CPMF.
121
Entre os anos de 1995 a 1998, a carga se manteve em torno dos 29% do PIB.
Nesse período, ressalta-se o aumento da arrecadação com o imposto de importação (II)
devido ao aumento dessas, fruto da política do dólar barato, com exceção do ano de 1996
em que foram elevadas as alíquotas de importação relativas a algumas mercadorias, em
especial no setor de veículos. A queda do peso do IPI na carga nesse período mostra o
processo de quebra da indústria pelo qual o país passou decorrente da abertura comercial,
sem qualquer critério e da valorização cambial.
As mudanças marcadas pela progressividade do IRPF realizadas em 1994
foram revisadas e as alíquotas anteriores a 1995 foram retomadas. O IRPJ teve suas
alíquotas diminuídas de 25% para 15%, com tributação de 10% a mais em alguns casos e
isenção deste imposto sobre os lucros distribuídos a sócios ou acionistas. Além disso, foi
realizada a redução das CSLL de 10% para 8% para as PJ em geral e de 23% para 18% para
as entidades financeiras. Em 1996, o IOF teve suas alíquotas reduzidas nas operações de
crédito de 18% para 6%, no caso de pessoas sicas e de 3% para 1,5% no caso de pessoas
jurídicas. Em 1997 essas alíquotas foram elevadas de 6% para 15%
13
, mas apenas sobre as
operações de crédito realizadas por pessoa física, desestimulando o consumo.
Em relação a carga total, nota-se uma pequena perda de receita nesses anos em
relação a 1994, derivada principalmente do fim do IPMF. Em 1997 a CPMF volta a ser
cobrada, retomando o patamar da carga, nesse primeiro período de sua validade sua
alíquota foi de 0,20%.
Após a crise de 1998 e da mudança da política a partir de 1999, o ponto central
da política econômica passa a ser o ajuste fiscal, conforme colocado pelo FMI, que deveria
reduzir o déficit nominal e criar superávits primários elevados, provocando o segundo pulo
da carga tributária, que a partir desse momento seguiu movimento ascendente, de forma
ininterrupta, com exceção do ano de 2003. Assim aumenta-se a contradição entre a
diminuição do Estado tão levantada pelo governo FHC, e a crescente pressão deste na
arrecadação de tributos, que chegaram até o final do seu mandato no âmbito federal a
aproximadamente 25% do PIB.
13
BRASIL. Decreto nº 219/1997.
122
No final de 1997 com o elevado déficit em transações correntes, batendo os
U$S 33 bilhões, o governo começou as alterações tributárias na tentativa de contenção da
crise. No final do ano de 1997 as alíquotas de imposto incidente sobre os fundos de
investimento de renda fixa foram elevadas de 15% para 20% e as alíquotas do II foram
elevadas
14
em 3% mesmo assim o déficit em transações correntes em 1998 aumentou para
U$S 35 bilhões.
O aumento da tributação em 1998 deve-se basicamente ao aumento da alíquota
de 25% para 27,5%
15
sobre o imposto de renda retido na fonte relativo aos rendimentos do
trabalho. Esse ano foi marcado pela estagnação do produto, levando o governo em julho a
diminuir a alíquota de IOF de 15% para 6% nas operações de crédito para pessoas físicas.
A partir de janeiro as alíquotas do IPI sobre bebidas foram elevadas em 10%
16
.
Do aumento em 1,7 pontos percentuais da carga tributária federal em 1999,
70% deve-se a elevação da alíquota da Cofins de 2% para 3% e sua extensão sobre o
faturamento das empresas independente da atividade exercida por elas
17
. Os outros 30%
deve-se ao aumento do IR retido na fonte que teve aumento, com o reforço da legislação
que estendeu a tributação sobre aplicação financeiras
18
sobre renda fixa às operações de
hedge, realizadas por meio de operações de swap
19
, como resposta a saída de divisas.
Entretanto, a saída de divisas continuou elevada contribuindo para o aumento do montante
do IRPF – Remessas ao exterior.
Com o vencimento da CPMF 23/01/99 o governo estabeleceu a tributação a
título de IOF sobre as aplicações financeiras em fundos de investimento à alíquota de
0,38% e aumentou a alíquota relativa às operações de crédito em 0,38%. Com a
reintrodução da CPMF em 17/06/99, essa medida foi revogada. A CPMF voltou de
17/07/1999 a 16/06/2000 com alíquota de 0,38%, acima, da anterior de 0,20%. De
14
Essas mudanças na verdade foram implantadas a partir de 13 de novembro de 1997, por meio do decreto
2.376/97.
15
BRASIL. Lei nº 9.532/97.
16
MINISTÉRIO DA FAZENDA. A.D. nº 74/97.
17
BRASIL. Lei nº 9.718/98.
18
BRASIL. Lei nº 9.779/99.
19
Hedge consiste em um instrumento que visa proteger operações financeiras do risco de grandes variações
de preço de um determinado ativo, quando feito por meio de Swap, significa que a garantia é feita por meio de
uma taxa de câmbio pré-estabelecida, comumente para antecipar recebimentos em divisas estrangeiras.
123
17/06/2000 a 17/03/2001 a alíquota da CPMF caiu para 0,30%. A CPMF foi editada
novamente em 18/03/2001 com alíquota de 0,38% e assim mantida na reforma de 2003”
até 31/12/2007.
O aumento significativo da carga no ano de 2002 de 1,4% do PIB é resultado
direto de duas alterações: extensão do pagamento do IRPJ pelas entidades de previdência
complementar
20
; criação da CIDE-Combustíveis. Nesse ano foi realizada uma alteração
significativa sobre o PIS e a Cofins, eliminando-se a dupla incidência dessas contribuições.
As mudanças tributárias a partir de 2003 se concentraram em três pontos:
instituição da o cumulatividade da Cofins e aumento de sua alíquota de 3% para 7%;
elevação da CSLL de 12% para 32% sobre as empresas prestadoras de serviço; redução de
alíquotas relativas ao IPI, a Cofins e ao PIS de diversos produtos classificados como de
maior essencialidade, esse ponto será discriminado com maiores detalhes no próximo item.
Vimos por meio desse breve relato, sobre as principais alterações tributárias
realizadas no período estudado, de que forma se comportou a carga tributária e como a sua
constante elevação funcionou como resposta aos reclames da política de superávit fiscal. O
crescimento do peso da carga tributária sobre a economia mostra a contradição do discurso
do governo de 1994 a 2002 com seu ideal minimalista do Estado.
Apesar de algumas evidências expostas nas alterações tributárias torna-se
necessário analisar com maior profundidade o sistema tributário para podermos afirmar
com maior precisão sobre quem recai esta carga. Nesse sentido que o próximo item deve
apresentar uma análise qualitativa da progressividade ou regressividade da carga tributária
brasileira nesse período, partindo da análise da tributação indireta e direta, e tentando
ressaltar quem paga esses impostos e como a classe trabalhadora e o setor produtivo
contribuem com muito mais em relação ao grande capital e em especial ao capital
financeiro.
20
Regime especial de tributação para entidade aberta ou fechada de previdência complementar para a
sociedade seguradora e para o administrador (FAPI).
124
4.5 O aumento da tributação indireta e da regressividade sobre o imposto
direto
A estrutura tributária brasileira tem-se baseado, crescentemente, na tributação
indireta, sobre os produtos essenciais como a alimentação, cuja participação no orçamento
das famílias mais pobres é bastante expressiva. Portanto, como são as pessoas de menor
renda aquelas que possuem maior propensão marginal a consumir, são elas também os que
gastam maior parte de sua renda em tributos. Dessa forma, tomando-se como parâmetro a
renda, o tributo indireto assume característica inequivocamente regressiva, uma vez que a
carga tributária decresce conforme aumenta a renda do contribuinte. Essa tendência se
explica pelo fato de o próprio consumo, de maneira geral, cair como percentual da renda à
medida que esta aumenta quando se estratificam as unidades familiares por faixas de
rendimentos (VIANNA et al., 2000, p.11).
Rodrigues (1998, p.5) afirma que “[o] sistema tributário brasileiro, no início
dos anos 90, caracterizava-se por uma alta taxação sobre o consumo e o trabalho, com o
capital suportando uma pressão fiscal significativamente menor.” Após as mudanças
realizadas no período estudado o que se constata é o aumento da taxação sobre o consumo e
o trabalho. O aumento da tributação indireta sobre produtos essenciais do consumo das
famílias mostra a mudança no equilíbrio das forças políticas e de classe. A Tabela 15,
elaborada por Vianna et al. (2000) mostra como a partir de 1990 essa relação se altera
elevando a importância dos tributos indiretos sobre a arrecadação e elevando a sua
importância em relação do PIB.
TABELA 15: CARGA TRIBUTÁRIA DIRETA X INDIRETA - 1980 a 1996
Tributos 1980-1983 1984-1987 1988-1989 1990-1993 1994-1996
Da Arrecadação Total
Diretos 49%
53%
50%
45%
45%
Indiretos 51%
47%
50%
55%
55%
Do PIB
Diretos 17%
13%
12%
12%
13%
Indiretos 13%
12%
12%
14%
16%
Fonte: Vianna et al., 2000, p.16.
125
Para melhor visualização, os dados relativos a carga tributária nesse período
foram re-arrumados em tributação sobre a produção e a comercialização de bens e serviços,
sobre a renda e a propriedade e outros como pode ser visto na Tabela 16 a seguir.
126
TABELA 16: CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA DO GOVERNO FEDERAL (% PIB) SEGUNDO METODOLOGIA DO IBGE – 1991 a 2005
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
TRIBUTAÇÃO SOBRE
BENS E SERVIÇOS 6,4% 6,4% 6,7% 8,3% 7,2% 6,6% 7,2% 7,0% 8,4% 8,9% 9,4% 9,7% 9,4% 10,1% 10,2%
IPI 2,2% 2,4% 2,4% 2,2% 2,1% 2,0% 1,9% 1,8% 1,7% 1,7% 1,6% 1,5% 1,3% 1,3% 1,3%
II e IE 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,8% 0,5% 0,6% 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,6% 0,5% 0,5% 0,5%
COFINS 1,3% 1,0% 1,3% 2,5% 2,3% 2,2% 2,1% 1,9% 3,2% 3,5% 3,8% 3,8% 3,7% 4,4% 4,5%
PIS/PASEP 1,1% 1,1% 1,1% 1,1% 0,9% 0,9% 0,8% 0,8% 1,0% 0,9% 0,9% 0,9% 1,1% 1,1% 1,1%
CPMF -
-
-
-
-
-
0,8% 0,9% 0,8% 1,3% 1,4% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5%
IPMF -
-
0,1% 0,8% 0,02% -
-
-
-
0,00% 0,00% 0,00% -
-
-
IOF 0,6% 0,6% 0,8% 0,7% 0,5% 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%
CIDE COMBUSTÍVEIS -
-
-
0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,6% 0,5% 0,4% 0,4%
SALÁRIO EDUCAÇÃO 0,2% 0,2% 0,1% 0,4% 0,4% 0,4% 0,3% 0,3% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%
TAXAS FEDERAIS 0,04% 0,04% 0,04% 0,04% 0,05% 0,1% 0,04% 0,1% 0,04% 0,03% 0,03% 0,03% 0,02% 0,02% 0,02%
DEMAIS -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
0,01% 0,02%
OUTRAS CONTR SOC
(1)
0,3% 0,5% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,1% 0,2% 0,1% 0,1%
OUTRAS CONTR
ECONÔM
(2)
0,1% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%
TRIBUTAÇÃO SOBRE A
RENDA E A PROPR.
3,9% 4,7% 4,8% 5,0% 5,7% 5,5% 5,3% 6,0% 6,4% 6,2% 6,6% 7,7% 7,5% 7,3% 8,1%
IR 3,6% 3,9% 4,0% 4,1% 4,8% 4,6% 4,4% 5,2% 5,7% 5,4% 5,8% 6,7% 6,4% 6,2% 6,8%
IRPF 0,2% 0,1% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,4%
IRPJ 0,9% 1,4% 1,0% 1,2% 1,4% 1,6% 1,4% 1,3% 1,3% 1,5% 1,4% 2,4% 2,1% 2,1% 2,6%
IRRF 2,6% 2,4% 2,7% 2,6% 3,1% 2,7% 2,7% 3,6% 4,0% 3,6% 4,1% 4,0% 4,0% 3,8% 3,9%
Rendim do Trabalho 1,7% 1,2% 1,5% 1,4% 1,9% 1,6% 1,6% 1,7% 1,8% 1,9% 2,0% 1,9% 2,0% 2,1% 2,1%
Rendim do Capital 0,4% 0,5% 0,5% 0,4% 0,5% 0,4% 0,4% 0,7% 0,7% 0,6% 0,7% 0,7% 0,7% 0,6% 0,6%
Remessas ao Exterior 0,02% 0,03% 0,04% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,04% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1%
Outros Rendimentos 0,002%
0,002% 0,002%
0,002% 0,002%
0,002%
0,003%
0,003%
0,004%
0,004%
0,004%
0,005%
0,004%
0,004%
0,004%
CSLL 0,3% 0,7% 0,8% 0,9% 0,9% 0,8% 0,8% 0,7% 0,7% 0,8% 0,7% 0,9% 1,0% 1,1% 1,2%
ITR 0,02% 0,0% 0,01% 0,0% 0,02% 0,03% 0,03% 0,02% 0,02% 0,02% 0,02% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01%
OUTRAS 6% 6% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 8% 7% 8% 7,9%
INSS 4,7% 4,8% 5,4% 5,0% 5,0% 5,2% 5,1% 5,1% 4,9% 5,1% 5,1% 5,3% 5,2% 5,3% 5,6%
CSSP 0,1% 0,1% 0,1% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,4% 0,4%
FGTS 1,3% 1,3% 1,3% 1,4% 1,5% 1,5% 1,5% 1,8% 1,8% 1,7% 1,8% 1,7% 1,6% 1,6% 1,7%
SISTEMA "S"
(3)
0,2% 0,2% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,2% 0,3% 0,2% 0,3% 0,3% 0,2%
TOTAL 16,7% 17,5% 18,5% 20,2% 20,0% 19,3% 19,6% 20,4% 22,1% 22,5% 23,4% 24,8% 24,2% 25,0% 26,2%
Fonte: Elaborada pela autora com dados do MF-SRF, vários boletins.
(1)
Inclui: Contr. Receita dos Concursos prognósticos, contr. p/ custeio de pensões militares, contr. Fundesp, Contr. Funpen e outras
(2)
Inclui: Fundaf + CONDECINE+CIDE REMESSAS+OUTRAS CONTRIBUIÇÕES ECONÔMICAS.
(3)
Contribuição aos seguintes órgãos: SENAR, SENAI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SESTE, SENAT, SEBRAE, Fundo Aeroviário e Ensino Marítimo (DPC)
127
A carga tributária relativa aos tributos sobre a produção e o consumo
apresentou um crescimento de 42% nesse período. Separado-se apenas aqueles relativos a
esfera federal, esse percentual é de 52%, mostrando que esse movimento da tributação
indireta deve-se basicamente às mudanças relativas a estrutura tributária deste ente. Mesmo
com o processo de desindustrialização que afetou o país nesse período e com a queda da
produção e do consumo, o peso desses tributos se manteve. A queda de arrecadação do IPI
de 45% em percentual do PIB foi mais do que compensada pelo aumento das alíquotas da
Cofins, que por sua vez aumentou em 235% como percentual do PIB entre 1993 e 2005. O
aumento do ICMS, entretanto, foi de apenas 30% como percentual do PIB.
Sampaio (2004) estimou as alíquotas tributárias efetivas sobre o consumo
agregadas utilizando dados da arrecadação tributária e contabilidade nacional, a partir de
uma metodologia que estima a distorção decorrente da cobrança dos tributos, em um
modelo com um agente representativo, pelo cômputo da diferença observada entre rendas e
preços antes e depois da tributação. O resultado pode ser visto na Tabela 17. A autora
conclui que “[...] a tributação do consumo é extremamente elevada no Brasil, mesmo para
padrões típicos de países em desenvolvimento, onde o consumo é fortemente tributado.”
(SAMPAIO, 2004, p.204).
TABELA 17: ALÍQUOTAS EFETIVAS MÉDIAS PARA O BRASIL
– 1975 a 1999
Anos Alíquota média - imposto s/ consumo
1975 33,38
1980 31,34
1985 22,39
1990 31,53
1994 33,96
1995 42,60
1997 35,42
1998 35,56
1999 38,16
Fonte: ARAUJO NETO; SAMPAIO DE SOUZA 2003 apud SAMPAIO, 2004, p.204.
A Tabela 18 mostra a elevação carga tributária indireta entre 1993 e 2005 em
aproximadamente 6 pontos percentuais, que se deve basicamente a Cofins que se elevou
em 3,2% do PIB nesse período e da criação da CPMF responsável por 1,5% do PIB.
128
TABELA 18: CARGA SOBRE PRODUÇÃO, CONSUMO E IMPORTAÇÃO (% PIB) -
1992 a 2005
ANO 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
TOTAL 14,3%
13,7%
16,8%
15,8%
15,0%
15,3%
14,8%
16,9%
17,7%
18,6%
18,7%
18,4%
19,3%
19,6%
ICMS 6,9% 6,1% 7,4% 7,3% 7,2% 6,8% 6,7% 7,0% 7,5% 7,9% 7,8% 7,7% 7,8% 8,0%
COFINS 1,0% 1,3% 2,5% 2,3% 2,2% 2,1% 1,9% 3,2% 3,5% 3,8% 3,8% 3,7% 4,4% 4,5%
IPMF/CPMF
0,1% 0,8% 0,02%
0,8% 0,9% 0,8% 1,3% 1,4% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5%
IPI 2,4% 2,4% 2,2% 2,1% 2,0% 1,9% 1,8% 1,7% 1,7% 1,6% 1,5% 1,3% 1,3% 1,3%
PIS/PASEP 1,1% 1,1% 1,1% 0,9% 0,9% 0,8% 0,8% 1,0% 0,9% 0,9% 0,9% 1,1% 1,1% 1,1%
ISS 0,3% 0,3% 0,4% 0,5% 0,6% 0,5% 0,5% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 0,7%
II e IE 0,4% 0,4% 0,5% 0,8% 0,5% 0,6% 0,7% 0,8% 0,8% 0,8% 0,6% 0,5% 0,5% 0,5%
CIDE - - - - - - - - - - 0,6% 0,5% 0,4% 0,4%
IOF 0,6% 0,8% 0,7% 0,5% 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3%
OUTROS 1,6% 1,0% 1,3% 1,5% 1,3% 1,3% 1,2% 1,3% 1,2% 1,3% 1,2% 1,2% 1,3% 1,3%
Fonte: Elaborada pela autora com dados do Brasil. MF/SRF, metodologia do IBGE
21
.
É interessante notar que a discussão sobre o uso exacerbado da tributação
cumulativa tenha surgido num país que foi um dos pioneiros na utilização da tributação
sobre o valor agregado. Em 1967, foram extintos os tributos com características
cumulativas (imposto sobre Vendas e Consignações e Imposto sobre o Consumo) e foram
instituídos o ICM e o IPI com substitutos. Mas em 1970 foi instituído o PIS e em 1982 a
FINSOCIAL que depois foi substituída pela Cofins
22
(VIOL; RODRIGUES; PAES, 2002).
Assim foi re-instaurada a cumulatividade no sistema tributário brasileiro. A arrecadação
desses tributos cumulativos e regressivos que oneram pesadamente os bens e serviços, em
especial aqueles que pesam no consumo das classes mais baixas, foi a principal forma que o
governo encontrou de extrair o excedente das classes de menor faixa de renda dentro do
período estudado.
Para visualizar com maior clareza resumiremos as principais mudanças na carga
tributária por tributo federal, já citadas anteriormente por ano.
21
O IBGE divide a carga por incidência em três grupos: 1. tributação sobre a produção e a importação (em
que insere o ICMS, a Cofins, o IPI, o ISS o II e o IE, a CIDE, o IOF, a CPMF, o salário-educação e taxas
sobre a produção); 2. tributação sobre a renda e a propriedade (IR, ITR, IPTU, IPVA, ITBI, ITCD, CSLL); 3.
Contribuições a previdência e o FGTS.
22
O PIS foi criado pelo Decreto-Lei nº 7 de 07/09/70 e o FINSOCIAL pelo Decreto-Lei nº 1.940 de 25/05/82.
129
4.5.1 Tributos ligados diretamente a produção: Cofins, PIS/PASEP, IPI e a
CIDE
O PIS/PASEP
23
foi criado como contribuição devida pelas pessoas jurídicas em
geral, com alíquotas de 0,65% e 1% respectivamente. A Cofins foi criada em 1991, em
substituição da Finsocial. Sua incidência deveria se dar sobre as pessoas jurídicas em geral,
exceto as instituições financeiras e daquelas cuja produção estava voltada para a
exportação. O texto da lei de sua criação afirma claramente que os recursos provenientes
dela eram “[...] destinados exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de
saúde, previdência e assistência social.” (BRASIL. Lei complementar n. 70, 1991).
Entretanto, o esforço para elevar a arrecadação da Cofins não foi o aumento da destinação
de recursos para essa área, mas, para a realização das metas de superávit primário.
A Cofins foi contestada na justiça, e em 1993 foi reconhecida sua
constitucionalidade, de modo que o salto em 1994 expressa a retomada do seu pagamento
por diversas empresas. O salto em 1999 deriva da arrecadação extra de R$ 1,45 bilhão,
decorrente da desistência de ões judiciais. Nesse mesmo ano, perante a crise e na busca
do superávit fiscal, novo foco da política econômica, sua alíquota foi elevada de 2% para
3% e sua cobrança foi estendida às instituições financeiras.
A partir de 2000 foram instituídas alíquotas específicas para diferentes setores.
No caso do setor de combustíveis
24
as refinarias de petróleo e distribuidoras de álcool
passaram a ser cobradas diretamente, de modo que os distribuidores e comerciantes
varejistas tiveram alíquota reduzida a zero. A Cofins/PIS/PASEP devidos pelas refinarias
de petróleo passaram a ser calculados com as seguintes alíquotas: Cofins (12,45%) e
PIS/PASEP (2,07%) sobre a receita bruta decorrente da venda de gasolina, exceto gasolina
de aviação; Cofins (10,29%) e PIS/PASEP (2,23%) sobre a receita bruta decorrente da
venda de óleo diesel; Cofins (11,84%) e PIS/PASEP (2,56%) sobre a receita bruta
decorrente da venda de gás liquefeito de petróleo (GLP). No caso da Cofins/PIS/PASEP
devido pelas distribuidoras de álcool para fins carburantes foi estabelecida a alíquota de
23
O PIS foi criado pela Lei Complementar 7 de 07/09/70 e o PASEP foi criado pela Lei Complementar
8 de 03/12/70.
24
Lei nº 9.990/00.
130
6,64% para a Cofins e 1,46% do PIS/PASEP sobre a receita bruta de álcool para fins
carburantes.
Nas demais atividades deveriam ser cobradas as alíquotas gerais da Cofins (3%)
e do PIS/PASEP (0,65%) sobre a receita bruta decorrente das demais atividades. Além
disso, foi estabelecido aumento das alíquotas relativas a medicamentos e perfumaria de
2,2% para PISA/PASEP e 10,3% Cofins
25
. No caso de caminhões, guindastes, vans,
tratores, máquinas para a colheita, vans etc.
26
, a alíquota do PIS/PASEP passou para 1,47%
e do Cofins para 6,49%
27
. Essa legislação, no entanto foi alterada novamente em 2004
sendo elevada para 2% (PIS) e 9,6% (Cofins).
28
A Lei 10.637 de 30/12/2002 estabeleceu novas regras para o cálculo do
PIS/PASEP, permitindo a dedução das bases de lculo do montante de compra efetivada.
Dessa forma eliminou-se a dupla incidência, passando a onerar apenas o valor agregado de
cada etapa. A alíquota passou para 1,65%, com algumas exceções. Além disso, as
importações foram incluídas na base de tributação.
Em 2003 o novo governo aumentou a alíquota da Cofins para o setor financeiro
de 3% para 4%
29
, tirou a cumulatividade da Cofins/PIS e a partir de 2004 fez uma ampla
redução para zero dessa alíquota sobre produtos de consumo que pesam sobre as faixas de
renda mais baixa. A redução de alíquotas da Cofins/PIS para zero a partir desse período se
deu sobre as vendas para a agroindústria e crédito para a agroindústria, o arroz, o feijão,
farinha de mandioca
30
, sobre livros
31
, sobre farinha de milho e leite
32
, equipamentos de
informática
33
(como estímulo ao Programa de Inclusão Digital). Entretanto, em 2004
também foram reduzidas a zero as alíquotas sobre as receitas financeiras auferidas pelas
25
Lei 10.147 de 21/12/2000, essa Lei foi alterada pela Lei 10.548 de 13/11/2002, com a inserção de
mais alguns itens e a previsão de realização de lucro presumido.
26
Produtos com a seguinte classificação: 8429; 84324000; 843280000; 843320; 84333000; 84334000; 84335;
8701; 8702; 8703; 8704; 8705; 8706.
27
Lei 10.485 de 3/07/2002 alterada pela Lei nº 10.865 de 30/04/2004.
28
A mesma legislação preredução em 30% para determinados caminhões e de 48% para as mercadorias
classificadas.
29
Lei nº 10.684 de 30/05/03.
30
Lei nº 10.925 de 23/07/04.
31
Lei nº 11.033 de 21/12/04.
32
Lei nº 11.051 de 29/12/04.
33
Lei nº 11.196 de 21/11/05.
131
pessoas jurídicas
34
com exceção as receitas financeiras oriundas de juros sobre capital
próprio e em 2005 essa redução também foi estendida as de hedge
35
.
O IPI esteve exposto sobre os humores da economia e sua queda deve-se,
portanto, basicamente ao processo de quebra da indústria nacional decorrente da abertura
incondicional da economia associada a sobrevalorização do Real. O Gráfico 6 a seguir
exibe valores do valor adicionado pela indústria. Como se pode constatar o valor
adicionado entre 1996 e 1999 apresentou taxas semelhantes a do período anterior a década
de 60. Em 2000 retomou o crescimento, mas ainda o chegou ao valor apresentado há
mais quarenta anos atrás.
Gráfico 6: Valor Adicionado pela indústria (% PIB) – 1947 a 2005
Também contribui para a queda do IPI a redução das alíquotas sobre os
veículos médios e populares e alterações na forma de ressarcimento do PIS/COFINS como
crédito presumido do IPI, incidentes sobre insumos utilizados na fabricação de produtos
destinados a exportação, realizadas partir de 2002
36
. A partir de 2003 o IPI-automóveis teve
34
Decreto nº 5.164 de 30/07/04.
35
Decreto nº 5.442 de 09/05/05.
36
Lei nº 10.276/2001.
132
suas alíquotas reduzidas
37
e desde 2004 os bens de capital também tiveram redução de
alíquotas de IPI nesse período até chegar a zero em 2005
38
.
A CIDE
39
foi criada para substituir a PPE (a Parcela de Preço Específico), cujo
objetivo básico era atuar como estabilizador de preços, evitando que as oscilações cambiais
afetassem os preços internos dos derivados do petróleo. Além de servir como subsídio de
outros derivados do petróleo como o gás liquefeito de petróleo. Assim para cada litro de
gasolina comercializado, uma fração do preço (a PPE) era destinada ao subsídio do gás de
cozinha. A PPE tinha, portanto, natureza de instrumento de política econômica, mais que
um imposto com finalidade arrecadatória, ela era cobrada dos poucos agentes atuantes no
mercado de produção e distribuição e, por formalmente o apresentar caráter tributário,
não entrava no cômputo da carga tributária. Porém, com a abertura do mercado e a
pulverização dos agentes atuantes no segmento se tornou necessário a criação de um
mecanismo que, ao mesmo tempo em que reduzisse as possibilidades de sonegação, atuasse
como um equalizador automático de preços entre as operações internas e externas
(BRASIL. MF/SRF, 2002, p.6-7)
40
, que é a CIDE.
4.5.2 Tributação sobre operações e movimentações financeiras – IOF e CPMF
O IOF é cobrado sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários, varia de acordo com o tipo de operação, conforme a política
monetária adotada pelo Poder Executivo através do Banco Central. Apesar de seu peso
37
Decreto 4.902 de 28/11/03 e Decreto nº 5.058 de 30/04/04.
38
Decreto 4.955 de 16/01/04 redução da alíquota média sobre os bens de capital de 5% para 3,5%;
Decreto 5.173 de 06/08/04 redução da alíquota média do IPI sobre os bens de capital de 3,5% para 2%;
Decreto nº 5.468 de 15/06/05 – redução para zero das alíquotas do IPI incidentes sobre bens de capital.
39
Lei 10.336, em 19/12/2001 criou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a
importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico
combustível ou, simplesmente, Cide Combustíveis.
40
A Cide passou a desempenhar importante papel na tributação do setor de combustíveis, sua utilização nesse
segmento econômico foi motivada pela nova regulamentação do segmento de derivados de petróleo com
direcionamento para o fim do monopólio estatal. O produto da arrecadação da Cide deve ser destinado ao
pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de
derivados de petróleo; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do
gás e ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. É importante frisar que a criação da
Cide não significou a efetiva inclusão de novo ônus no sistema econômico nacional. A mudança foi mais
formal que substancial. A vigência da Cide pressupunha a extinção da PPE. O resultado final foi a
reestruturação do modelo de tributação do setor de derivados de petróleo, tornando-o mais eficiente e
adequado às diretrizes da política de abertura do mercado (BRASIL. MF/SRF, 2002, p.7).
133
inexpressivo na carga ele é um importante indicador da política monetária do governo
que sua “[...] natureza é regulatória: sua rationale é a intervenção na política econômica e a
regulação dos mercados, e o a arrecadação de receitas propriamente dita.”
(LEMGRUBER, 2004, p.228).
No que se refere às operações de crédito, o imposto pode ser usado para
influenciar variáveis macroeconômicas como produção e consumo mediante o
encarecimento ou barateamento do financiamento. Caso o governo queira desestimular a
entrada de capitais especulativos, em especial os especulativos de curto prazo ele pode
aumentar o IOF sobre as operações de câmbio, diminuindo a rentabilidade do capital no
país. O IOF pode influenciar na rentabilidade relativa às operações financeiras, com títulos
e valores mobiliários, podendo encarecer essas operações desestimulando investimentos
especulativos e redirecionando os investimentos para a produção (LEMGRUBER, 2004,
p.229).
Portanto, esse poderia ser um instrumento de controle e desestímulo sobre a
movimentação financeira que foi tão prejudicial à economia brasileira nesse período, assim
como poderia ser um instrumento de estímulo ao investimento produtivo. Entretanto, isso
não aconteceu. Até o ano de 1994, o item relativo às aplicações financeiras era o segundo
em importância na arrecadação do IOF. A partir de 1995, a incidência sobre essas
operações foi bastante reduzida, permanecendo somente nas operações de curto prazo. Em
1996 as alíquotas de operações de crédito foram diminuídas de 18% para 6% e de 3% para
1,5% para pessoa física e jurídica respectivamente. Em 1997 o IOF foi usado para a
contenção do crédito à pessoa física, com elevação da alíquota de 6% para 15%. em
2001 a alíquota de pessoa física se estabilizou em 1,5% se igualando com a alíquota usada
para pessoa jurídica.
As alíquotas sobre operação de mbio para entrada no país é de 5% até 90
dias, para mais dias essa alíquota é zero, para saída do país essa tarifa é zerada, sendo
cobrados 2% no caso do uso do cartão de crédito. No caso das aplicações financeiras a
alíquota máxima é de 1,5%, podendo ser alíquota zero em diversos casos. A maior alíquota
está relacionada ao Resgate de quotas de Fundo de Aposentadoria Programada Individual
134
quando feito em aum ano sofre alíquota de 5%. O Gráfico 7 mostra a evolução do IOF
por item de tributação de 1994 a 2001.
Gráfico 7: Evolução dos principais itens de arrecadação do IOF (R$ Milhões) 1994 a
2001
A CPMF é considerada cumulativa que incide sobre toda a cadeia produtiva.
Em 16 de agosto de 1996 foi inserida a Emenda Constitucional n
o
12, que incluiu ao art. 74
no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) competência à União para
instituir a CPMF. A Lei n
o
9.311, de 24 de outubro de 1996, instituiu a CPMF,
considerando como movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira qualquer operação liquidada ou lançamento realizado pelas entidades
financeiras, que representem circulação escritural ou física de moeda e de que resulte ou
não transferência de titularidade dos mesmos valores, créditos e direitos. A princípio a
CPMF deveria incidir sobre os fatos geradores por treze meses. Contudo, este dispositivo
legal foi alterado aumentando esse prazo para 24 meses (pela Lei
9.539, de 12/12/1997,
art.1º)
. Esse prazo foi prorrogado quando do seu vencimento, (pela Emenda Constitucional
n
o
21, de 18/03/1999) para o período de 17 de junho de 1999 a 17 de junho de 2002, e a
Emenda Constitucional n
o
37, de 28 de maio de 2002, determinou que a CPMF seja
cobrada até 31 de dezembro de 2004. Esse prazo foi mais uma vez prorrogado para 31 de
dezembro de 2007, pela EC nº 42, de 2003.
135
Entretanto, quando se trata de aplicações financeiras há algumas isenções, como
é o caso da compra de ações, mesmo que os recursos saiam de conta corrente, assim como é
o caso da conta investimento. Da mesma maneira, depois que o recurso passa pela conta
investimento não incidência de CPMF na troca da aplicação para outros fundos. Quando
se trata de poupança o investidor paga CPMF quando o dinheiro sai da conta corrente para
ser aplicado, depois ele fica isento da contribuição tanto para resgate quanto para
transferência à conta investimento. Quando se trata de fundos de renda fixa o investidor
paga CPMF quando o dinheiro sai da conta corrente para a conta investimento e daí para o
fundo, depois disso não cobrança na transferência dos recursos de um fundo para outro
passando pela conta-investimento. No caso de fundos de renda variável o investidor paga
CPMF apenas quando o dinheiro sai da conta corrente, depois não mais cobrança na
transferência de um fundo para outro passando pela conta-investimento. Nesses casos
incidência da CPMF novamente se o investidor fizer o resgate dos recursos e sacá-los.
Assim, a movimentação simples, voltada para o recebimento de proventos e pagamentos
cotidianos sofre o pagamento de CPMF normalmente, mas ao se tratar de movimentações
de recursos nas quais apenas uma pequena parcela da população tem acesso há vários níveis
de isenção.
A carga tributária indireta, portanto, é extremamente elevada e regressiva,
recaindo, em sua maior parte, sobre os produtos de maior importância na cesta de consumo
dos trabalhadores
41
. Esse período foi marcado pela elevação dessa forma de tributação. Por
outro lado, quando se trata de setores que não têm como repassar para a tributação para os
preços, como é o caso do setor financeiro a tributação é atenuada. Deve-se ressaltar,
contudo, que o período pós 2003, apesar de não apresentar mudança estrutural nesse
sistema, apresentou algumas mudanças de caráter progressivo com a redução de alíquotas a
zero sobre produtos têm grande participação sobre o consumo das pessoas das faixas mais
baixas de renda. Para um maior entendimento da carga e uma conclusão final deve-se
analisar a incidência da tributação direta, a seguir.
41
O IBPT calculou o peso dos tributos sobre um determinado lista de produtos para o estado de o Paulo,
que encontra-se no anexo 1. Apesar de não corresponder a tributação nacional, é um indicador dessa carga.
136
4.6 A elevação da tributação direta e a baixa progressividade
A tributação direta é tida como a de melhor eqüidade que segue o princípio
da capacidade do pagamento. Portanto, dentro de uma sociedade que busque a diminuição
das desigualdades, a principal fonte de tributação deve ser a renda e a riqueza de forma
progressiva, ou seja, quanto maior estas maiores as alíquotas incidentes. Assim, a principal
vantagem atribuída a tributação direta é a possibilidade de se desenhar um sistema
progressivo em que o princípio da equidade seja observado (REZENDE, 2001, p.171).
Nos países mais desenvolvidos e com menores índices de desigualdade a
tributação sobre a renda e o patrimônio são os maiores responsáveis pela receita tributária.
Vianna et al. (2000, p.11) afirma que “[n]a medida em que a renda de um indivíduo é o
indicador mais visível de sua capacidade de pagamento embora esteja longe de constituir
um indicador perfeito -, o imposto de renda representa o elemento de progressividade na
maior parte dos sistemas tributários modernos” e conclui que “no que respeita ao terreno da
eqüidade na tributação, é a renda que constitui a medida mais conveniente de se medir a
capacidade de pagamento dos contribuintes, uma vez que se presta melhor a objetivos
redistributivos no desenho do sistema tributário.” Dentro dessa perspectiva que se deve
analisar a tributação direta do sistema tributário federal.
4.6.1 O IRPF sobre o trabalho
O imposto de renda
42
é considerado um dos impostos mais importantes para o
estabelecimento de uma tributação progressiva. Contudo, no Brasil, esse imposto é de baixa
progressividade. O primeiro problema está na baixa faixa de isenção, ou seja, ele começa a
ser cobrado dentro da faixa de baixos salários; segundo, duas alíquotas, sendo a
primeira muito alta, com um pequeno intervalo entre a primeira e a segunda alíquota; e, o
terceiro ponto está no estancamento da alíquota superior de maneira que esse imposto onera
em excesso as classes médias e não é progressivo nas camadas mais altas. Nesse sentido a
42
No Brasil o imposto geral sobre a renda foi criado em 1922.
137
maior parcela da receita do imposto de renda sobre pessoa física é decorrente da tributação
sobre a classe trabalhadora, que tem o imposto retido na fonte.
O IRPF sobre o trabalho sofreu algumas alterações. Entretanto, esse aumento de
arrecadação não foi realizado com a criação de novas faixas de contribuição, mas com o
congelamento da tabela do IR fazendo com que pessoas de faixas de renda mais baixas
passassem a ser tributadas. A terceira alíquota foi definitivamente abolida e a segunda
alíquota foi elevada aumentando ainda mais a tributação sobre a classe trabalhadora.
Em 1994, a faixa com alíquota de 25% passou para 26,6% e foi criada uma
nova faixa com tributação de 35%
43
sobre aqueles que recebessem acima de R$ 12.180,60
mensal, mas essa situação durou por pouco tempo e em 1996, as mudanças realizadas
foram retiradas, assim o IRPF sobre o trabalho retornou a mesma situação de 1994, com
redução da alíquota de 26,6% para 25% e extinção da alíquota de 35%. Em 1999, a alíquota
de 25% foi elevada para 27,5%
44
.
Durante todo o período de 1995 a 2005, ou seja, em 11 anos a tabela do IRPF
sobre o trabalho foi corrigida duas vezes, sendo uma no atual governo. Com o
congelamento da tabela conseguiu-se que mais pessoas entrassem na faixa de tributação,
como pode ser visto na Tabela 20, o número de declarantes mais do que dobrou entre 1996
e 2003, mesmo com queda da renda real do trabalhador e da participação dos salários no
PIB, nesse período, dados que serão mostrados no próximo capítulo.
TABELA 20: EVOLUÇÃO DO Nº DE DECLARANTES E
CONTRIBUINTES DO IRPF (em milhões) 1996 a 2003
DIRPF nº de declarações
Declarações com IR
devido
1996
7,64
3,86
1997
8,78
3,78
1998
10,44
4,14
1999
11,05
4,37
2000
12,53
4,57
2001
13,90
5,19
2002
15,36
5,57
2003
15,97
4,95
Fonte: Elaborado pela autora com dados do BRASIL. MF/SRF.
43
Lei nº 8.848/94
44
A partir de 1 de janeiro de 1998, Lei nº 9.532/97.
138
Segundo cálculos da Unafisco a inflação entre janeiro/1996 e janeiro/2006
apurada pelo IPCA/IBGE foi de 104,98%. Descontando os reajustes concedidos de 17,5%
(em 2002), de 10% (em 2005) e de 8% (em 2006) a tabela ainda teria que ser corrigida em
46,84% para voltar a o patamar de 1996. Essa instituição ainda realiza um enorme cálculo,
como pode ser visto na Tabela 21 mostrando que em 1995 o limite de isenção da tabela do
IRPF equivalia a 10,48 salários mínimos, e que hoje os trabalhadores com renda acima de
3,88 salários nimos - se for feita a correção real ou 6,55 salários mínimos se
considerados os aumentos reais concedidos ao salário de janeiro/1995 a abril/2005 - no
período foram transformados em contribuintes do IR.
TABELA 21: LIMITE DE ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA EM SALÁRIOS MÍNIMOS -
1995 a 2005
Ano
(exercício)
Salário Mínimo
(SM) Mensal R$
SM Corrigido
Pelo IPCA
Limite Isenção
R$ mensal
Limite de
Isenção em SM
Limite de Isenção em
SM s/ aumento Real
(a) (b) (c) (d) = (c)/(a) (e) = (c) / (b) (3)
1995 70 70 733,62 10,48 10,48
1996 100 81,5 900 9 11,04
1997 112 97,12 900 8,04 9,27
1998 120 105,46 900 7,5 8,53
1999 130 109,52 900 6,92 8,22
2000 136 116,45 900 6,62 7,73
2001 151 123,42 900 5,96 7,29
2002 180 131,68 1058 5,88 8,03
2003 200 152,28 1058 5,29 6,95
2004 240 161,84 1058 4,41 6,54
2005 300 174,91 1164 3,88 6,65
Fonte: Unafisco.
O reflexo dessa política pode ser visto na Tabela 22 que mostra como a
tributação do imposto de renda de pessoa física recaiu sobre os contribuintes por faixa de
renda em 1996 e em 1999. Ela serve de exemplo para uma análise do grau de
progressividade e equidade deste imposto sobre a sociedade, em especial nesse período.
Nela pode-se ver que realmente é a classe média com salários entre R$ 1.000 e R$ 5.000, a
responsável pela maior parte da arrecadação, em 1996 essa classe contribuía com 55% do
total arrecadado com IRPF, em 1999 essa classe passou a ser responsável por 88% da
receita proveniente do IRPF. De outro modo, aqueles com rendimento acima de R$ 8.000
139
contribuíam com 25% do IRPF e hoje contribuem com apenas 4,2% desse total, apesar de
terem aumentando o número de declarantes nessa faixa.
TABELA 22: BRASIL: DECLARANTES DO IRPF - 1996 e 1999
Declarantes (mil) % declarantes % Receita IRPF
Faixa de Rendimento
mensal (R$)
1996 1999 1996 1999 1996 1999
<1.000 3.707 4.777 48,9% 43,2% 0,2% 0,2%
1.000 - 2.000 2.311 3.791 30,4% 34,3% 10,3% 43,9%
2.000 - 5.000 1.303 1.961 17,1% 17,7% 44,0% 43,9%
5.000 - 8.000 190 345 2,5% 3,1% 20,3% 7,9%
8.000 - 10.000 41 79 0,5% 0,7% 7,1% 1,8%
>10.000 48 103 0,6% 0,9% 18,1% 2,4%
Total 7.600 11.056 100 100 100 100
Fonte: Elaborada pela autora com base em dados de (GIAMBIAGI; ALÉM, 2000) para 1996 e BRASIL. MF/SRF (2000)
para 1999.
No começo da década de 80, o IRPF possuía 13 faixas de renda tributáveis e
tinha alíquotas de até 60%. Foi no início da cada de 90, período que marca o começo da
mudança de correlação de forças entre capital e trabalho no Brasil, que o princípio da
progressividade começou a ser abolido da tabela do IRPF. Dessa maneira, os assalariados
passaram a ser os principais contribuintes do IR, em especial aqueles que têm o seu
desconto feito diretamente na fonte. A Tabela 23 mostra a evolução das alíquotas e
quantidade de faixas desde o final da década de 70.
TABELA 23: ALÍQUOTAS DE IRPF NO BRASIL - 1979 a 2005
Período de
vigência
Quantidade de classes de renda
(faixas)
Alíquotas
1979 a 1982 12 0% a 55%
1983 a 1985 13 0% a 60%
1986 a 1987 11 0% a 50%
1988 9 0% a 45%
1989 a 1991 2 10% e 25%
1992 2 15% e 25%
1995 3 15% a 35%
1996 a 1997 2 15% e 25%
1998 a 2005 2 15% e 27,5%
Fonte: Unafisco.
140
Essa mudança na correlação de forças provocou mudanças nas alíquotas do
imposto de renda, diminuindo sua progressividade não apenas no Brasil como em outros
países nos quais havia uma maior consolidação do Estado de Bem-Estar, como pode ser
visto na Tabela 24. Entretanto, a tabela também mostra que regressividade do IR no Brasil
foi maior do que em todos esses países. A Tabela 24 mostra que a partir de uma seleção de
diversos países o Brasil possui a menor alíquota xima marginal, inclusive em países que
possuem carga tributária menor como o Chile, a Argentina, os Estados Unidos, o Japão e a
Coréia do Sul.
TABELA 24: ALÍQUOTAS MÁXIMAS DE IRPF (%) 1986 a 1997
País 1986 1990 1995 1996 1997
Austrália 57 47 47 47 47
Áustria 62 50 50 50 50
Alemanha 56 53 53 53 53
Bélgica 72 55 55 56,65 56,65
Canadá 34 29 31,3 31,3 31,3
Dinamarca 45 40 34,5 34,5 34,5
Espanha 66 56 56 56 47,6
EUA 50 28 39,6 39,6 39,6
França 65 57 56,8 56,8 54
Finlândia 51 43 39 39 38
Inglaterra 60 40 40 40 40
Itália 62 50 51 51 51
Japão 70 50 50 50 50
Portugal 61 40 40 40 40
Fonte: Unafisco
O que se pode ver desses dados é que apesar da tributação direta ser o melhor
instrumento de progressividade, ao longo desse período ela foi tornando-se extremamente
regressiva. A não-correção da tabela conforme a inflação, a existência de apenas duas
faixas de tributação, o estancamento das alíquotas fez com que fosse aumentasse a
quantidade de pessoas das classes mais baixas e dias que se tornaram os principais
contribuintes, enquanto as classes mais altas contribuem com um percentual muito baixo
desse montante.
141
Para se ter maior visão sobre a tributação do capital deve-se analisar a
tributação sobre a pessoa jurídica, que apesar de também conter trabalhadores autônomos é
composto em sua maioria por capitalistas.
4.6.2 A tributação sobre o capital: IRPJ, CSLL e o IRPF sobre o capital.
A tributação incide sobre o fator capital, em geral, quando ela é aplicada sobre
o retorno das aplicações em ativos financeiros, lucro gerado pelas empresas e da apreciação
do valor do patrimônio (LEMGRUBER, 2004, p.207)
.
Destacam-se a seguir as principais mudanças na legislação do IRPJ. O IRPJ
teve sua alíquota marginal de 43% diminuída para 25%, assim a alíquota de 25% passou
para 15%, e a do adicional sobre lucros, de 12% e 18% para 10%. O piso do lucro sujeito
ao adicional foi elevado 180 mil para R$ 240 mil. Além disso, criou-se a possibilidade das
empresas remunerarem-se com juros sobre seu próprio capital, creditá-los aos sócios e
ainda deduzi-los como despesa da empresa reduzindo, conseqüentemente, o Imposto de
Renda. A Unafisco sindical critica fortemente este ato, colocando que esta possibilidade:
[...] não existe em nenhum outro país. É um privilégio criado para as rendas do
capital, permitindo às grandes empresas capitalizadas reduzirem seus lucros
tributáveis a partir da dedução de despesa fictícia, denominada juros sobre o
capital próprio. Como isso representa uma grande economia tributária (cerca de
19%), as empresas passam a remunerar o capital próprio dono ou sócio com
juros, em vez de pagar dividendos, como ocorre em outros países. Os sócios e os
acionistas que recebem esse rendimento, geralmente de valores expressivos,
pagam apenas 15% de imposto de renda na fonte. Essa renúncia fiscal é hoje
[em 2002] superior a R$ 3,2 bilhões por ano.” (FÓRUM BRASIL CIDADÃO,
2003, p.14).
Por essa mesma legislação a distribuição de lucros e dividendos e a remessa de
lucros para o exterior, tributados na fonte até 1995, foram isentados a partir de 1996, tanto
para pessoa física, como para pessoa jurídica. Assim os rendimentos provenientes de lucros
ou dividendos não pagam imposto de renda, independente de serem residentes no país ou
no exterior. A isenção, portanto, um tratamento tributário desigual a pessoas com a
mesma renda, pois a do capital é menos tributada que a do trabalho. Segundo lculos da
142
Unafisco (FÓRUM BRASIL CIDADÃO, 2003, p.15), em 2002 essa renúncia fiscal foi
de aproximadamente, R$ 6,4 bilhões
.
Além disso, a correção monetária das demonstrações financeiras foi extinta,
inclusive para fins societários e foi ampliado a possibilidade de opção pelo regime de
tributação pelo lucro presumido. Assim o que é tributado na pessoa jurídica não é o lucro
contábil, mas sim o lucro presumido, que tem sido quase sempre menor que o lucro
contábil. Portanto, para empresas que optam pelo lucro presumido o valor distribuído aos
sócios sofre tributação bem menor na pessoa jurídica, uma vez que o lucro contábil é maior
que o lucro fiscal. Somado a isso as alíquotas na apuração de erros e omissões foram
diminuídas. Essa legislação, entretanto, sofreu inúmeras alterações ao longo desses anos na
criação de isenções, principalmente sobre atividades ligadas a exportação, a realização de
hedge, contratos de empréstimos no exterior etc.
45
É interessante notar que apesar de todas essas mudanças, reduções de alíquotas,
isenções etc a arrecadação do IRPJ não sofreu perdas significativas já que os lucros
cresceram muito nesse período. Nota-se, entretanto, um salto na arrecadação desse imposto
no ano de 2002 que se deve a extensão da cobrança desse imposto sobre os fundos de
pensão
46
.
A CSLL foi instituída em 1988
47
, como uma contribuição social destinada ao
financiamento da seguridade social. A arrecadação deve ser feita sobre as pessoas jurídicas.
A legislação separa as pessoas jurídicas em geral, dos bancos comerciais, bancos de
investimento, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,
financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras,
distribuidoras de títulos e valores mobiliários e empresas de arrendamento mercantil,
estabelecendo uma alíquota específica para essas entidades.
45
Ver Leis nº 9.430/1996, 10.684/2003 e 11.196/2005 e suas respectivas alterações.
46
Medida Provisória nº 2.222 de 04/09/2001, revogada pela Lei nº 11.053 de 29/12/2004.
47
Lei 7.689 de 15/12/1988, sua alíquota inicial era de 8% para as PJ em geral e de 12% sobre bancos
comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,
financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de
títulos e valores mobiliários e empresas de arrendamento mercantis. Essa alíquota foi alterada pela Lei
7.854 de 24/10/1989 que elevou as alíquotas para 10% e 14% respectivamente. A Lei nº 8.212 de 24/07/1991
elevou a alíquota das instituições financeiras para 15% e a Lei complementar 70 de 30/12/1991 elevou em
mais 8 pontos percentuais essas instituições, entretanto, as isentou de Cofins, que as empresas passam a ter
que pagar só em 1999, coma Lei nº 9.718/98.
143
Para compor o FSE a CSLL sobre as instituições financeiras foi elevada para os
anos de 1994 e 1995 de 23% para 30%, a parcela do produto da arrecadação resultante da
elevação da alíquota deveria ir direto para esse Fundo
48
, mas logo após esse ano elas
voltaram ao patamar inicial. Em 1996 as alíquotas incidentes foram diminuídas de 10%
para 8% no caso de Pessoas jurídicas em geral e de 23% para 18% para instituições
financeiras. Em 1999 as alíquotas foram reduzidas para 8% e acrescidas em 4 p.p. para o
período de 01/05/1999 a 31/21/2000 e de 1 p.p. para o período 01/01/2000 a 31/12/2002
49
.
Portanto, durante todo o período o que se constata é uma queda nas alíquotas da
CSLL em especial para as instituições financeiras que chegou a pagar uma alíquota de
30%. No novo governo essas alíquotas foram elevadas de 12% para 32% empresas
prestadoras de serviços optantes pelo regime de tributação do lucro presumido, inibindo
essa prática.
O que se observou, portanto é que a tributação sobre o capital via IRPJ e CSLL
apresentou um movimento regressivo com diminuição de alíquotas e várias aberturas para
driblar a legislação. Esses tributos contribuíram com 11% em média da carga tributária
nesse período.
Entretanto, de outro modo torna-se importante analisar a real incidência desses
tributos. Lemgruber (2004) realiza uma longa análise sobre a tributação da pessoa jurídica.
Segundo a autora o IRPJ sobre as empresas acaba sendo repassado aos preços, no caso das
empresas e no caso do mercado financeiro, uma elevada tributação faz com que, dentro de
um cenário de livre movimentação de capitais, o capital prefira migrar para outro país com
menor ônus tributário.
Assim o IRPF é que deveria ter maior importância na tributação dos
capitalistas. Portanto, seria o IRPF-Rendimentos do Capital o mais importante tributo na
progressividade da tributação. Entretanto, uma breve análise sobre esse tributo mostra que
também não foi nesse tributo que a progressividade foi implantada. Nesse período, as
principais mudanças foram a extensão da tributação sobre aplicações financeiras em renda
48
Emenda Constitutional nº 01 de 1994.
49
Medida Provisória 2.158-35 de 24/08/2001.
144
fixa às operações de cobertura (hedge) realizadas por meio de swap
50
. E a diminuição da
alíquota de 20% para 15% dos fundos de investimento em função ao aumento do prazo de
aplicação.
Na Tabela 25 pode-se constatar como as alíquotas sobre os rendimentos do
capital, além de não conter uma progressividade, são menores do que as alíquotas
praticadas sobre os rendimentos do trabalho. Incluímos os dados sobre a tributação sobre as
remessas ao exterior, mesmo sabendo que ele não contém apenas a movimentação do
capital, mas considera-se que este representaria o maior peso.
TABELA 25: TRIBUTAÇÃO DO IRPF- RENDIMENTOS DO CAPITAL E REMESSAS
AO EXTERIOR
Fundos de longo prazo e aplicações de renda fixa:
22,5% para aplicações com prazo de a180 dias;
20,0% para aplicações com prazo de 181 até 360 dias;
17,5% para aplicações com prazo de 361 até 720 dias;
15,0% para aplicações com prazo acima de 720 dias.
Fundos de curto prazo:
22,5% para aplicações com prazo de a180 dias;
20,0% para aplicações com prazo acima de 180 dias.
Fundos de ações:
15%
Aplicações em renda variável:
0,005%
Remessas ao Exterior:
25% rendimentos do trabalho, co
m ou sem vínculo empregatício, aposentadoria, pensão por
morte ou invalidez e os da prestação de serviços, pagos, creditados, entregues,
empregados ou remetidos a não-residentes;
15% demais rendimentos de fontes situadas no Brasil.
Outros Rendimentos:
30% (prêmios e sorteios em dinheiro);
20% (prêmios e sorteios sob a forma de bens e serviços);
1,5% (serviços de propaganda);
1,5% (remuneração de serviços profissionais).
Fonte: BRASIL. MF/SRF, 2005.
50
Lei nº 9.779/99.
145
Para terminar analisaremos a tributação sobre o patrimônio, outra fonte de
tributação importante nos países com baixos indicadores de desigualdade social, mas de
nenhuma importância no Brasil.
4.6.3 Tributação sobre o patrimônio: o ITR
O ITR é um imposto que, acima do poder arrecadatório, deve servir para fazer
com que a terra seja usada para o fim social. No caso do Brasil esse é princípio foi
esquecido, como pode ser visto claramente no baixo grau de participação do ITR na carga
tributária, apesar das dimensões continentais do país, formado por inúmeros latifúndios
improdutivos. O ITR foi criado através do Estatuto da Terra, em 1964, com o
objetivo de auxiliar as políticas públicas de desconcentração da terra. A
implementação do ITR deveria promover uma redução drástica do uso especulativo da
terra, promovendo uma maior justiça social na distribuição das terras
.
Segundo Stédile (2006) muitos estranharam que esse estatuto, tão progressista
tenha sido promulgado no governo militar. Entretanto, segundo ele, este foi produto de um
grupo de técnicos que vinha preparando a lei desde o governo João Goulart e se inspirava
nas idéias defendidas pela Cepal, ou seja, usar a ampla distribuição de terras como forma de
distribuição de renda, estímulo ao mercado interno e ao desenvolvimento rural.
A superfície do território brasileiro é de 854,0 milhões de hectares, enquanto a
área constante do cadastro do INCRA/92 totaliza 310,0 milhões de hectares, ou 36,7% da
superfície total. O minifúndio representa 60,0% dos imóveis cadastrados, ou apenas 7,8%
desta área. A grande propriedade, por sua vez representa 1,2% dos imóveis cadastrados,
ocupando 55,0% desta mesma área São classificados como "produtivos" 36,8% das
pequenas propriedades; 36,4% são propriedades consideradas médias e 42,4% representam
as grandes propriedades. Se considerarmos a área dos imóveis "produtivos", esses
percentuais são, respectivamente para pequena, média e grande propriedade, 31,3%, 32,6%
146
e 32,9%. Por outro lado, a rea explorada", total é de 198,3 milhões de hectares,
representando 83,4% da área agrícola explorável
51
(CARDIM, VIEIRA; VIEGAS, 1998).
O elevado grau de concentração de terras e de improdutividade tem suas raízes
na história da formação do país. A partir de 1960, verificou-se uma revolução no campo,
com a incorporação de novas tecnologias à atividade rural, o que, dentre outras
conseqüências, incrementou sobremaneira a produtividade tanto na agricultura como na
pecuária
52.
Entretanto, dentro desse processo de desenvolvimento, Cardim, Vieira e Viégas
(1998) afirmam que “[...] não foi previsto um espaço para a incorporação da pequena e da
média propriedade que, sem qualquer diretriz de política econômica a seu favor, sofreram
um processo de espoliação maior do que o normal, pois, excluídos de crédito e de
comercialização, se fragilizaram, dando origem ao grande êxodo rural ocorrido nas décadas
de 70 e 80, após a consolidação deste modelo”. Segundo os autores: “Este quadro é tão
verdadeiro que, no final da década de 70, Ignácio Rangel clamava por uma reforma
agrária que, pelo menos, contemplasse as carências da marginalidade urbana,
reorganizando os núcleos familiares.”
Portanto, o problema fundiário foi mantido pela modernização conservadora, da
década de 60 e 70 e agravado pelo incentivo a especulação fundiária com o Fundo 157
53
e o
Contrato de Alienação de Terras Públicas-CATP, incentivado pelo mesmo governo que
modernizou a grande propriedade, para grandes grupos econômicos, que não tinham
vinculação com a atividade rural.
Dentro desse quadro agrário e na busca de fazer com que a terra cumpra sua
função social e diminuir as desigualdades sociais, o ITR deveria funcionar como um
51
No conceito de "imóvel produtivo" o imóvel e toda sua área, classificada como produtiva, fazem parte de
um mesmo conjunto, diferente do conceito de "área explorada" onde são computadas as áreas com algum tipo
de exploração, seja em imóveis produtivos ou não.
52
Segundo Cardim, Vieira e Viégas (1998): “A penetração capitalista no campo, a partir da década de 60, se
deu através do ‘modelo prussiano’, que se caracteriza pela transição da grande propriedade improdutiva para a
grande empresa capitalista e pela exclusão da maioria das pequenas e médias propriedades. O cerne deste
modelo é a modernização conservadora, que tem como pilar modernizar a grande propriedade, com a
conseqüente manutenção de uma estrutura fundiária concentrada; exigindo-se qualidade e produtividade, que
estão atreladas à adubação química e mecanização, tendo em vista o mercado externo e as demandas da
indústria nacional, as quais passaram a determinar o perfil da agricultura brasileira.”
53
O Fundo 157 foi criado pelo Decreto Lei nº 157, de 10.02.1967 tratava-se de uma opção dada aos
contribuintes de utilizar parte do imposto devido quando da Declaração do Imposto de Renda, em aquisição
de quotas de fundos administrados por instituições financeiras de livre escolha do aplicador.
147
importante instrumento de desestímulo a especulação imobiliária e de uso da terra.
Inicialmente, a cobrança do ITR era feita a partir de uma alíquota básica de 0,2% sobre o
valor da terra nua, eram aplicados coeficientes relacionados com a dimensão, localização,
condições sociais e produtividade dos estabelecimentos.
Entretanto, verificou-se que os objetivos almejados no desenho do imposto
estavam longe de ser alcançados. O ITR nunca chegou a constituir uma boa fonte de receita
e tampouco conseguiu promover as mudanças desejadas no meio rural. O valor do imposto
era excessivamente baixo e apresentava incoerências ao tributar mais pesadamente o
minifúndio, por não discriminar o contribuinte segundo a categoria dos imóveis
minifúndio, empresa rural e latifúndio. Além dos parâmetros estabelecidos pelo INCRA
não se adequarem à realidade brasileira, o problema de evasão era grave, com um sistema
precário de atualização do valor da terra nua (ASSUNÇÃO, 2002).
Em 1979 foi realizada a primeira reformulação importante na legislação do
ITR, verificada no artigo 49 do Estatuto da Terra, segundo o qual, as normas gerais para a
fixação do ITR passam a obedecer a critérios de progressividade, levando-se em conta os
seguintes fatores: o valor da terra nua; a área do imóvel rural; o grau de utilização da terra
na exploração agrícola, pecuária e florestal; o grau de eficiência obtido nas diferentes
explorações; a área total, no País, do conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário;
a classificação das terras e suas formas de uso e rentabilidade.” A alíquota tornou-se função
do grau de utilização da terra e do grau de eficiência da exploração, com uma variação
entre 0,2% e 3,5%.
A Lei 8.847/94 atualizou o Estatuto da Terra, mantendo sua essência de
tributar progressivamente em função da utilização da terra, entretanto ela foi substituída
rapidamente em 1996. A lei 9.393/96 introduziu várias modificações, atendendo a demanda
dos grandes proprietários ao extinguir o mecanismo de progressividade no tempo do ITR. O
dispositivo que impunha o pagamento do ITR com base no dobro da alíquota
correspondente ao imóvel que, no segundo ano consecutivo e nos anos seguintes,
apresentasse percentual de utilização efetiva da área igual ou inferior a 30% foi suprimido;
a alíquota máxima para um latifúndio que apresentasse improdutividade durante quatro
anos de 36% foi reduzida para 20%; extingui-se o VTNm , Valor da Terra Nua mínimo,
148
que era fixado pela SRF para garantir um valor mínimo no imposto lançado, e que evitava
práticas abusivas de subavaliação de imóveis praticadas pelos grandes proprietários para
não pagarem o ITR devido.
Além dessas mudanças, a divisão em doze faixas relativas ao tamanho da
propriedade que chegava até 15.000 hectares, foi transformada em apenas 6 faixas e
estacionada em até 5.000 hectares. As duas tabelas com diferenciação para os municípios
da seca e da Amazônia oriental e os municípios da Amazônia ocidental e do Pantanal
Matogrossense foram abolidas, e atualmente apenas uma tabela nacional é aplicada, como
pode ser visto no anexo 2, desconsiderando as profundas diferenças regionais (econômicas
e fundiárias) existentes no país.
Portanto, prevaleceu o interesse dos grandes latifundiários. Essas medidas
representaram um retrocesso no processo de democratização da terra, de forma que o ITR
em nada tem contribuído para fazer com a terra cumpra o seu papel social. Assim a
arrecadação média do ITR como proporção do PIB não chegou a 0,02%, ou seja, uma
participação pífia diante da imensidão do território rural brasileiro. Stédile (2006) critica as
mudanças realizadas no ITR, afirmando que esse foi enterrado como instrumento da
reforma agrária nas últimas mudanças em 2005. Segundo ele, em 2004 o montante
recolhido referente ao ITR era equivalente ao montante recolhido de IPTU em um bairro de
São Paulo.
Resumindo, a análise do sistema tributário brasileiro e suas alterações no
período de 1994-2005 mostram claramente o seu alto grau de regressividade e de falta de
justiça social. Os salários, que deveriam custear bens para a reprodução dos trabalhadores
são dilapidados pelo aumento dos preços que os tributos indiretos provocam. A tributação
direta está baseada nos rendimentos do trabalhador, enquanto a tributação sobre o capital é
privilegiada por baixas alíquotas e pouca progressividade. Isso gera uma drenagem de
renda da classe mais baixa, para Estado, que, por sua vez, sustenta uma dívida pública que
tem servido como instrumento de expansão da riqueza financeira dos setores de alta renda.
Entretanto, cabe ressaltar que as mudanças a partir de 2003, apesar de não
terem gerado mudança estruturais no sistema tributário, se voltaram para a diminuição da
regressividade, como diminuição da cumulatividade dos impostos da Cofins; a correção da
149
tabela congelada do IRPF-rendimentos do trabalho; e a redução a zero das alíquotas sobre
produtos que com maior peso sobre a cesta dos trabalhadores.
Para concluir esse capítulo apresentamos o estudo de Vianna et al. (2000) que
calculou a tributação direta e indireta sobre as famílias para o ano de 1996. Apesar do
trabalho não mostrar como isso se deu durante esse período e de conter dados de toda a
carga tributária nacional, ou seja, não separar apenas os dados da tributação federal, objeto
desse estudo, ele apresenta evidências claras de que o as classes de baixa renda e média,
portanto, trabalhadores em geral que arcam com a maior parte da carga tributária.
4.7 Carga tributária direta e indireta sobre as unidades familiares no
Brasil
Vianna et al. (2000) preocupados com o elevado grau de desigualdade de
distribuição de renda no Brasil se propõem a analisar o impacto do sistema tributário
brasileiro na distribuição de renda. Para tanto os autores mensuram a incidência da carga
tributária sobre a população em faixas de renda definidas pela POF de 1995/96. Eles
assumem a tributação direta, partindo do princípio da capacidade de pagamento como a
mais justa forma de tributação e criticam a elevada tributação indireta que essa “incide
sobre produtos essenciais como a alimentação, cuja participação no orçamento das famílias
pobres é bastante expressiva.” (VIANNA et al. 2000, p12)
Em outras palavras, o que ocorre é que, para classes de renda mais baixas, o
consumo representa uma parcela maior dos rendimentos dos contribuintes do
que para classes mais altas, que alocam seu excedente de consumo em poupança
e, portanto, em investimentos em ativos reais e financeiros. Nesse sentido, os
impactos na renda dos tributos incidentes sobre as mercadorias que constituem
as despesas de consumo são maiores para os pobres do que para os ricos.
(VIANNA et al, 2000, p.12).
Entretanto os autores não descartam a idéia de que na tributação indireta pode-
se estabelecer padrões diferenciados na tributação do consumo na busca de reduzir o grau
de regressividade desta. “Concretamente, isso significaria a concessão de isenções ou a
fixação de alíquotas reduzidas para produtos considerados básicos e com alta
150
representatividade no orçamento dos contribuintes de baixa renda, como, por exemplo, os
alimentos.” (VIANNA et al., 2000, p.12).
Os autores tomam como tributos indiretos o ICMS, o IPI, o PIS e a Cofins. Por
outro lado eles analisam como tributos diretos o IR, a contribuição à Previdência Social
(INSS), IPVA, IPTU, a contribuição sindical, as taxas de conselhos e associações de classe
e o ITR. O resultado pode ser visto na tabela abaixo.
TABELA 26: CARGA TRIBUTÁRIA INDIRETA SOBRE A RENDA DISPONÍVEL, POR
GRUPOS DE DESPESAS E FAIXAS DE RENDA POR SALÁRIOS MÍNIMOS (EM %
PERCENTAGEM SOBRE A RENDA LÍQUIDA)
Até 2 SM 5 a 6 SM 10 a 15 SM + de 30 SM Média
Alimentação 9,81
5,04
3,36
1,48
2,74
Despesas pessoais 1,09
0,78
0,51
0,25
0,41
Saúde 2,17
0,91
0,64
0,27
0,51
Fumo 4,18
1,62
1,02
0,29
0,81
Habitação 3,14
1,21
0,53
0,22
0,52
Lazer 0,95
0,84
0,92
0,72
0,79
Vestuário 2,43
1,68
1,48
0,86
1,17
Transportes 2,45
1,7
1,33
0,9
1,19
Veículos 0,27
0,2
0,68
2,34
1,53
Total 26,48
13,98
10,47
7,34
9,87
Fonte: Vianna et al., 2000.
Esse é um resultado extremamente regressivo se for considerado a participação
desse consumo na cesta das famílias como pode ver na Tabela 27 abaixo.
151
TABELA 27: PERCENTUAL DA DESPESA MÉDIA MENSAL FAMILIAR,
SEGUNDO FAIXAS DE RENDA SELECIONADAS - 1995/96
Tipo de Despesas Até 2 SM + de 5 a 6 SM + de 10 a 15 SM + 30 SM
Desembolso global 100,00
100,00
100,00
100,00
Despesas correntes 95,05
91,25
85,17
74,58
Despesas de consumo 93,07
85,45
78,09
59,59
Alimentação 32,79
26,07
18,90
10,26
Habitação 25,64
24,78
22,69
17,80
Vestuário 5,27
5,84
5,70
3,83
Transporte 8,85
10,15
10,53
8,85
Higiene e cuidados pessoais 1,94
2,20
1,58
0,89
Assistência à saúde 9,59
6,54
6,84
5,80
Educação 1,38
2,25
3,19
3,95
Recreação e cultura 1,49
2,13
2,72
2,66
Fumo 2,81
1,72
1,20
0,41
Serviços Pessoais 1,06
1,11
1,28
1,07
Despesas diversas 2,24
2,66
3,46
4,07
Outras despesas correntes 1,98
5,80
7,08
15,00
Aumento do ativo 4,47
8,22
12,87
23,05
Diminuição do passivo 0,48
0,53
1,96
2,36
Fonte: Vianna et al, 2000, p.37.
De outra maneira na análise da tributação direta sobre a POF Vianna et al.
(2000) mostram que as famílias com maior faixa de renda pagam mais tributos diretos que
as famílias de menor faixa de renda. Apesar desse resultado também fica explícito que o
percentual não cresce da mesma forma que cresce a renda, ou seja, quanto mais aumenta a
renda, a tributação cresce menos percentualmente. “Dito de outra forma, a carga tributária
direta das famílias do último estrato de renda é seis vezes maior do que a do primeiro,
enquanto o recebimento médio mensal per capita é 37 superior. A carga tributária direta
suportada pelas famílias mais ricas é, então, cerca de seis vezes mais elevada do que a
suportada pelas famílias pobres. Entretanto, as famílias ricas apresentam recebimento
médio mensal familiar per capita em torno de 37 vezes maior do que as famílias mais
pobres.” (VIANNA et al., 2000, p.49). E concluem:
Aceitando-se que um parâmetro de comparação da progressividade de um
sistema tributário e, portanto, da sua eqüidade são as diferenças da distribuição
de renda observadas entre as famílias e indivíduos, a evidência encontrada
sugere que o grau de progressividade da tributação direta é insuficiente para
compensar o alto grau de desigualdade de renda da sociedade brasileira.
(VIANNA et al., 2000, p.49).
152
Os autores ressaltam que os resultados obtidos revelam que a maior parte da
tributação direta, principalmente o Imposto de Renda, recai mais fortemente sobre a parcela
assalariada da população, que arca com o tributo na fonte. Conseqüentemente surge um
quadro em que o principal mecanismo de correção das desigualdades oriundas da tributação
indireta o Imposto de Renda incide sobre as camadas médias da população e não sobre
os segmentos cujas fontes de rendimentos apresentam maiores rendas médias familiares
(VIANNA et al., 2000, p.55). O gráfico 8 mostra o resultado do cálculo da tributação direta
e direta sobre as famílias calculada pelos autores.
Gráfico 8: Carga tributária direta e indireta sobre a renda segundo classes de renda
em salários mínimos, para as capitais do Brasil em %. Ano: 1996.
Os autores também analisam a tributação por tipo de recebimento predominante
e novamente eles encontram evidências “[...] que determinadas categorias de rendimento
suportam carga fiscal maior que outras, principalmente as famílias assalariadas, vis-à-vis as
famílias com origem predominante de renda do trabalho. Assim, verifica-se mais uma das
facetas da regressividade do sistema tributário brasileiro.” (VIANNA et al., 2000, p.48). O
resultado pode ser visto na Tabela 28. Sobre isso eles novamente concluem que a evidência
153
empírica sugere que as famílias com participação importante de recebimentos de aluguéis e
de aplicação de capital em sua renda total suportavam uma carga menor, quando
considerada sua renda média mensal, em relação às outras fontes de rendimento (VIANNA
et al., 2000, p.47).
TABELA 28: PERCENTUAL DE TRIBUTOS DIRETOS E
INDIRETOS SOBRE RENDA POR TIPO DE RECEBIMENTO
PREDOMINANTE, ORIGEM = 75% A 100% DO RECEBIMENTO
Recebimento Predominante Indireta Direta
Empregado 10,4
9,78
Empregador 8,17
10,47
Por conta própria 10,26
4,58
Aluguéis 3,00
3,36
Aplicações de capital 7,34
2,15
Transferências 7,26
7,79
Aposentadoria pública 8,23
6,96
Fonte: Vianna et al.,2000, p.46.
Cabe citar o estudo realizado pela Fecomércio a partir, do estudo de Vianna et
al (2000). Nesse estudo a tributação direta e indireta é atualizada para o ano de 2004. Com
todas as ressalvas que caibam em relação a metodologia o resultado
54
que pode ser visto na
Tabela 29. A tabela mostra o aumento da regressividade nesse período, de forma que a
classe de renda até 2 salários mínimos chega a pagar quase 50% de sua renda em tributos.
A última coluna mostra o acréscimo em % de carga tributária de 1996 a 2004 e o fica claro
que ao longo desse período o sistema tributário se tornou mais regressivo. Como pode-se
ver, o aumento de tributação na faixa de renda com até 2 salários nimos aumentou em
quase 21% enquanto que o aumento relativo as outras classes esteve abaixo desse valor e a
classe que recebe mais de 30 salários mínimos teve aumento de apenas 8%.
54
O trabalho utilizada as alíquotas de 2000, com a POF de 2002-2003, ou seja, ele não capta as mudanças
realizadas após a desoneração realizada com o novo governo, em 2004.
154
A conclusão final de Vianna et al. (2000) sugere que o sistema tributário
brasileiro da forma como está estruturado é um dos fatores que contribuem para a
manutenção do quadro de distribuição desigual da renda, e, portanto, dos níveis de pobreza
e de indigência. Nas palavras dos autores:
A evidência obtida sugere que o atual sistema tributário apresenta em seu
conjunto um caráter regressivo, e esse pode ser um fator que contribui para a
manutenção dos níveis de desigualdade de renda e pobreza observados no país.
Sugere também, por outro lado, que modificações na atual estrutura tributária,
que revejam o atual grau de regressividade do sistema, podem contribuir para a
melhoria da desigualdade social e das condições de vida da população pobre. A
atual tributação que incide sobre as famílias pobre e de baixa renda contrasta
fortemente com as amplas renúncias fiscais decorrentes do quadro (..) observado
no país.” (VIANNA et al., 2000, p.51).
Considerando que o sistema tributário reflete a organização econômica e
política de um país, em determinado momento histórico. No caso brasileiro, temos um
sistema tributário que é concentrador de renda e desestimulador do crescimento econômico.
As mudanças no período estudado acentuaram esse quadro de forma que “[...] foi feita
uma reforma “silenciosa” com o objetivo de viabilizar o processo de mundialização do
capital financeiro, sob a coordenação do FMI, para garantir os superávits primários e
cumprir o ajuste fiscal. Esse projeto resultou em significativa transferência de renda dos
TABELA 2
9: CARGA TRIBUTÁRIA DIRETA E INDIRETA SOBRE A RENDA TOTAL
DAS FAMÍLIAS – 1996 e 2004
Em % da renda familiar
Tributação
Direta
Tributação
Indireta
Carga Tributária
Total
Renda Mensal
Familiar
1996
2004
1996
2004
1996
2004
Acréscimo de
carga tributária
(em %)
Até 2 SM 1,7
3,1
26,5
45,8
28,2
48,8
20,6
2 a 3 2,6
3,5
20,0
34,5
22,6
38,0
15,4
3 a 5 3,1
3,7
16,3
30,2
19,4
33,9
14,5
5 a 6 4,0
4,1
14,0
27,9
18,0
32,0
14,0
6 a 8 4,2
5,2
13,8
26,5
18,0
31,7
13,7
8 a 10 4,1
5,9
12,0
25,7
16,1
31,7
15,6
10 a 15 4,6
6,8
10,5
23,7
15,1
30,5
15,4
15 a 20 5,5
6,9
9,4
21,6
14,9
28,4
13,5
20 a 30 5,7
8,6
9,1
20,1
14,8
28,7
13,9
mais de 30 10,6
9,9
7,3
16,4
17,9
26,3
8,4
Fonte: FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE SÃO PAULO, 2006, p.20.
155
segmentos de menor poder aquisitivo para os detentores de grande capital.” (FÓRUM
BRASIL CIDADÃO, 2003, p. 5)
Essa deterioração dos princípios de eqüidade e justiça tributária, nas palavras de
Gentil (2006, p.218) “[...] é conseqüência do forte poder das elites financeiras e
patrimonialistas sobre as políticas públicas. A receita dos tributos é retirada principalmente
dos salários e é gasta predominantemente com a remuneração de títulos públicos, dado que
uma parcela crescente dos recursos públicos é reservada para o pagamento de despesas
financeiras do Tesouro.”
156
5 EVOLUÇÃO DOS GASTOS BLICOS SOCIAIS
FEDERAIS ENTRE 1995-2005: A TENTATIVA DE
DESTRUIÇÃO LENTA, GRADUAL E SEGURA DA REDE DE
SEGURIDADE SOCIAL
O capitalismo, desde sua origem, tem como marca a exclusão de parte da força
de trabalho assalariada do acesso ao emprego. Esta parcela da população é coagida ao
trabalho, mas o encontra ocupação e por isso vive sob uma grande vulnerabilidade que
acaba por levá-la a uma situação de miserabilidade (GENTIL, 2006). Entretanto, o aumento
desse contingente populacional e o agravamento da situação de pauperismo ameaçam a
ordem pública, colocando em risco a manutenção do próprio sistema. Nesse sentido que
Keynes levantava a necessidade de construção de uma rede de seguridade social que
garantisse uma condição mínima de vida a esse contingente nos momentos de queda do
emprego, mantendo a coesão do tecido social, evitando uma convulsão social que levasse a
revolução, como a da URSS ou como a Alemanha de Hitler.
Entretanto, como foi colocado no primeiro capítulo, essa rede de seguridade
social implicou em mudanças na correlação de força capital-trabalho, dando maior poder ao
segundo nas relações com o primeiro. A partir da onda neoliberal o capital vem
remodelando essa correlação de forças. Assim embora a carga tributária tenha crescido,
como foi demonstrado no capítulo anterior, em especial sobre o esforço constante foi de
contenção desses gastos e tentativa de diminuição de direitos dessa natureza com a
destruição da idéia de uma rede de seguridade social e tentativa de sua
desconsticuionalização, além de focalização de políticas universais. Os gastos sociais foram
colocados como vilão das contas públicas.
Nesta parte do trabalho, ou seja, na análise dos gastos sociais será mostrado
como os recursos do orçamento não estavam sendo drenados para essa rede de proteção,
como colocado diariamente na mídia e nos grandes jornais. Ademais, mostrar-se-á também
como o foram medidos esforços na tentativa da destruição da rede de seguridade social,
principal instrumento de redistribuição de renda para as camadas mais baixas da sociedade.
157
Resumindo, deve ser mostrado como todas essas políticas o aumento dos gastos com
juros, a elevação da carga tributária e sua regressividade, a contenção dos gastos sociais -
influenciaram na mudança da distribuição da renda dentro da sociedade brasileira nesse
período. A diminuição desses gastos foi inclusive importante no processo de diminuição
dos salários reais. Portanto, serão analisados basicamente os gastos sociais, mais
especificamente os gastos com o orçamento da seguridade social. Por último deve-se
evidenciar a mudança ocorrida na distribuição funcional da renda nesse período.
Embora um dos pontos principais na defesa de reforma do Estado, fosse a
priorização de gastos sociais, esses foram considerados o principal problema das contas
públicas, em especial no tocante ao orçamento da seguridade social e mais especificamente
na previdência social, colocada como culpada pela elevação da carga tributária e um
“grande problema” a ser sanado. Diga-se de passagem: o saneamento desse “problema”
significava a diminuição de direitos, a privatização da previdência pública que deveria
passar para os fundos de pensão.
5.1 Antecedentes históricos: uma visão dos gastos públicos sociais no
Brasil
Os gastos públicos desde a República aa década de 30 sofreram influência
direta do modelo agroexportador no qual o Brasil estava inserido. Pode-se destacar três
tendências desses gastos: no momento pós-República em que os gastos militares foram
elevados chegando a atingir até 40% das despesas totais necessários a contenção dos
levantes populares que aconteceram no período; investimento no sistemas viários e
portuário; e os subsídios e transferências ao setor agroexportador, em especial ao produtor
de café (PEREIRA, 2001, p.32).
A mudança no padrão de acumulação nos pós 30, com o surgimento da
indústria e do mercado interno consumidor, eleva os gastos em investimento de infra-
estrutura, em trabalho e educação para garantir as condições necessárias ao
desenvolvimento da indústria que estava nascendo. A partir desse momento, e mais
especificamente no pós-guerra que pode-se afirmar que começa a idéia da construção de
158
um Estado de bem-estar social no Brasil. Como a maior parte dos bens de capital e
tecnologia era importada e a mão-de-obra encontrava-se no setor agroexportador da
economia, criou-se um descompasso entre meios de produção e força de trabalho. O Estado
de bem-estar brasileiro atuou sobre esse descompasso, facilitando a migração dos
trabalhadores dos setores tradicionais para os setores modernos e a constituição de uma
força de trabalho industrial urbana no país. Assim:
A produção legislativa a que se refere o período 1930/43 é fundamentalmente a
que diz respeito à criação dos institutos de aposentadorias e pensões, de um lado,
e de outro, a relativa à legislação trabalhista, consolidada em 1943. Se essa é, de
fato, a inovação mais importante, o período é também fértil em alterações nas
áreas de política de saúde e de educação, onde se manifestam elevados graus de
“nacionalização” das políticas sob a forma de centralização no Executivo
Federal, de recursos e de instrumentos institucionais e administrativos e
resguardos de algumas competências típicas da organização federativa do país.
(DRAIBE 1989 apud MEDEIROS, M. 2001, p.10)
Segundo Medeiros, M (2001) nesse período, o Brasil definiu e implementou as
bases modernas de seu sistema de seguridade social, que permaneceram até 1966. Diversas
reformas no aparelho de Estado consolidaram um Estado de bem-estar baseado em políticas
voltadas para os trabalhadores urbanos, a fim de não ferir os interesses das oligarquias
rurais que detinham forte poder político à época.
Em relação à Previdência Social, os problemas da unificação administrativa, da
universalização e da uniformização de benefícios e serviços constituíram-se na
tônica do período; na área da saúde, estiveram em evidência as questões ligadas
ao combate às doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor
trabalho [...]; no que diz respeito à educação, foram a democratização do ensino
e a qualificação profissional os aspectos que assumiram maior relevância;
finalmente, a constatação da existência de um expressivo déficit habitacional fez
com que a habitação passasse a ser encarada também como uma questão social.
(BARCELLOS, 1983 apud MEDEIROS, M., 2001b, p.13).
De outro modo, as gastos do governo estiveram voltados para a construção da
infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da indústria. Ressalte-se os elevados
investimentos em energia e estradas símbolo da principal indústria automobilística, grande
responsável pelo crescimento do país a partir da década de 50.
O momento pós-1964 inaugurou uma fase de consolidação do sistema de
seguridade, acompanhada por profundas alterações na estrutura institucional e financeira
das políticas sociais. Nesse período, foram implementadas políticas de cobertura
159
relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou
estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos.
Até as reformas ocorridas na década de 1980, o Estado de bem-estar brasileiro
foi como um sistema de proteção social que não tinha pretensões de funcionar como
mecanismo redistributivo do produto da economia, sua constituição foi direcionada à
legitimação da ordem política e à defesa dos objetivos estabelecidos pela cúpula do
governo (MEDEIROS, M., 2001, p.16). Entretanto foi na década de 1980, foi estabelecido
de fato um sistema de proteção social, como expansão do gasto público e adoção de
critérios universalistas para definição de direitos. Esse incremento na incorporação de
novas clientelas ao sistema de proteção social foi formalizado na Constituição de 1988.
A evolução das políticas sociais no Brasil, assim como nos outros países da
América Latina, pode ser relacionada a dois modelos de desenvolvimento: o modelo de
substituição de importações, iniciado por volta da década de 1930 que persistiu até a década
de 1980, quando o desenvolvimento da região passou a se dar conforme o modelo pós-
ajuste.
Na fase de substituição de importações, o Estado assumiu papéis de regulação,
intervenção, planejamento, empreendimento e assistência social para sustentar um modelo
de desenvolvimento voltado para dentro cujo motor era o mercado interno. Nesse período,
as políticas sociais ajudaram a criar e a consolidar uma classe média com poder de compra
suficiente para garantir demanda aos produtos manufaturados internos (MEDEIROS, M.,
2001, p.20).
No período pós-ajuste, os objetivos de equilíbrio e manutenção da economia,
redução da inflação, desestatização, aumento da competitividade industrial, redução das
barreiras comerciais e modernização do aparelho de Estado e do sistema financeiro
passaram a nortear as políticas públicas. Nesta nova fase temos um Estado mais austero, o
que exige novos paradigmas de política social para o grupo de países da América Latina no
qual se inclui o Brasil (FRANCO, 1998, p.10).
Nesse sentido que Fagnani (1997, p.225) afirma que a estratégia governamental
de política social no período 1990/1992 é caracterizada por um [...] vigoroso processo de
desaparelhamento e fragmentação burocrática [...]” resultante de ataques à presença do
160
Estado na vida social. A descentralização ocorreu de maneira acelerada e caótica,
provocando vazios institucionais em determinados setores de política social e superposições
em outros. As políticas sociais nesse período foram caracterizadas por cortes drásticos de
orçamento sob a justificativa de necessidade de descentralização administrativa. Segundo
Fagnani (1997, p.223), “[...] o governo federal subitamente “lavou as mãos” quanto a sua
responsabilidade em uma rie de programas que vinha gerindo centralizadamente mais
de três décadas.”
As políticas públicas sociais foram consideradas na década de 1990, um
obstáculo à abertura comercial e financeira do país. Os constrangimentos financeiros que
estabilizaram os gastos em patamar crítico, em alguns setores chaves, decorreram da
aceitação equivocada da atuação regressiva e da baixa efetividade do sistema de proteção
social construído nas cadas passadas. Portanto, o novo paradigma de Estado globalizado
exigiu o fim dessas políticas.
Com a instituição da estabilização proposta pelo Plano Real, em
1994, o conjunto de políticas econômicas teve como objetivo estabilizar os gastos públicos, com
efeitos importantes sobre a inserção da economia no mercado global.
No novo cenário, a formulação sobre a provisão social estará diretamente
associada à mudança do modelo de desenvolvimento integrado à globalização da
economia. Essas mudanças trariam a significativa diminuição do grau de
liberdade das políticas orientadas para dentro (modelo desenvolvimentista), e um
maior esforço na busca de legitimação externa para garantir investimentos e
créditos. Para que essa política fosse atraente para os agentes externos, tornou-se
necessário iniciativas políticas de austeridade fiscal sobre setor público não
financeiro, exclusivamente assegurado por superávit primário do conjunto do
setor público. Com isso, o país obteve entre 1994 e 2002, um expressivo êxito na
estabilização dos gastos públicos para efeito de legitimação da economia
brasileira no contexto da globalização financeira. Esse novo contrato
estabeleceria os limites para as despesas sociais na década, e afetou duramente a
capacidade de interferência dos arranjos institucionais da década de 1980 na
dinâmica dos programas sociais (COSTA, 2002, p.17).
Portanto nesse novo cenário os pressupostos assumidos para a integração da
economia brasileira na globalização levaram a negação da agenda universalista em
determinadas áreas sociais que deveria ser substituída pela focalização de programas e o
constrangimento ao financiamento social.
161
5.2 A compressão dos gastos sociais
Sendo este um período de baixo crescimento e de elevação do desemprego a
demanda por políticas sociais, conseqüentemente, se elevam. A Tabela 30 apresenta os
gastos sociais em proporção do PIB por ministérios, elaborado pelo Ministério do
Planejamento. A Tabela 31 apresenta esses mesmos dados a partir dos valores correntes,
por funções. Esses gastos excluem a dívida.
Nela constata-se uma contenção dos gastos sociais em torno de 12% do PIB no
período de 1995/1998, ou seja, no primeiro mandato do governo Fernando Henrique. De
outro modo, os gastos com juros dívida (juros + encargos financeiros + amortização)
começaram o período representando 4% do PIB e em 1998 já eram 6% do PIB. Apesar
disso Giambiagi e Moreira (1999) alegam que o principal motivo da deterioração das
contas públicas nesse período se deve principalmente aos gastos não financeiros, em
especial a elevação dos gastos com o INSS.
Nos anos seguintes os gastos sociais seguiram uma tendência de crescimento
basicamente relativo aos gastos na previdência social, acompanhados pela elevação mais do
que proporcional das receitas. Cabe ressaltar que a elevação dos gastos com a Previdência
se deve a direitos estabelecidos na Constituição e o refletem uma política de elevação de
gastos do governo. Pelo contrário, a tônica do período foi a alegação de que a Previdência
Social era a grande causadora dos déficits públicos e que portanto deveria ser realizada um
reforma da previdência que diminuísse direitos e direcionasse uma parte desses recursos
para os fundos de pensão privados. Esse ponto será discutido com maiores detalhes, ao se
analisar a questão da seguridade social.
Separaremos os dados em dois conjuntos: os gastos ligados à seguridade social,
ou seja, aqueles destinados a saúde, assistência social e previdência social que representam
84% desses gastos em dia nesse período que será tratado em um item em separado e o
restante dos gastos, isto é, os gastos com educação, cultura, trabalho e emprego (uma parte
desses gastos fazem parte da seguridade social), desenvolvimento agrário, esporte, combate
a fome, políticas especiais para mulheres, direitos humanos e aqueles para a busca da
igualdade racial.
162
Os gastos relativos ao segundo grupo representaram de 2,2% do PIB em 1995,
entretanto, após decréscimo subiu para 2,4 em 2002, de maneira que a partir desse ano
esse percentual cresceu para 2,8 do PIB e chegou a 3,3 em 2005. O crescimento em 0,3
pontos percentuais deve-se basicamente aos novos gastos sociais criados nesse período
referentes de combate a fome, políticas especiais para mulheres, direitos humanos e aqueles
para a busca da igualdade racial, representando, portanto um terço do aumento do
crescimento total desses gastos.
163
TABELA 30: EVOLUÇÃO DAS DESPESAS SOCIAIS (% PIB) – 1995 a 2005
DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 1,2%
1,0%
0,8%
1,3%
1,4%
1,8%
1,8%
1,8%
1,7%
1,5%
1,6%
Fundef 0,01%
0,44%
0,53%
0,83%
0,79%
0,78%
0,74%
0,71%
0,83%
Pessoal Ativo 0,6%
0,5%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
0,4%
Outros Custeios e Capital 0,6%
0,5%
0,4%
0,5%
0,5%
0,5%
0,6%
0,6%
0,5%
0,4%
0,4%
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSIST. SOCIAL 5,5%
5,8%
5,7%
6,2%
6,5%
6,6%
7,0%
7,2%
7,6%
7,7%
8,2%
Pessoal Ativo 0,2%
0,2%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
Outros Custeios e Capital 5,3%
5,6%
5,6%
6,1%
6,4%
6,5%
6,9%
7,0%
7,5%
7,6%
8,1%
Benefícios previdenciários 5,1%
5,4%
5,3%
5,7%
6,0%
6,1%
6,4%
6,6%
7,1%
7,2%
7,7%
Benefícios assistenciais da LOAS 0,0%
0,0%
0,1%
0,1%
0,2%
0,2%
0,2%
0,3%
0,3%
0,3%
0,4%
Demais 0,2%
0,3%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,1%
0,1%
MINISTÉRIO DA SAÚDE 1,9%
1,6%
1,8%
1,7%
1,9%
1,8%
2,0%
1,9%
1,7%
1,9%
1,9%
Pessoal Ativo 0,4%
0,3%
0,3%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
Outros Custeios e Capital 1,5%
1,3%
1,5%
1,4%
1,6%
1,6%
1,8%
1,7%
1,5%
1,7%
1,7%
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 0,9%
0,9%
0,8%
0,9%
0,8%
0,9%
0,9%
1,1%
1,1%
1,1%
1,2%
Pessoal Ativo 0,05%
0,05%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,03%
0,03%
0,03%
Outros Custeios e Capital 0,8%
0,8%
0,8%
0,8%
0,8%
0,8%
0,9%
1,0%
1,0%
1,0%
1,1%
Abono Salarial e Seguro Desemprego 0,5%
0,5%
0,5%
0,5%
0,5%
0,4%
0,5%
0,5%
0,5%
0,5%
0,6%
Transferência ao BNDES 0,3%
0,3%
0,2%
0,2%
0,2%
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
0,4%
0,4%
Demais 0,03%
0,07%
0,08%
0,09%
0,08%
0,09%
0,11%
0,21%
0,14%
0,14%
0,20%
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO 0,2%
0,1%
0,2%
0,2%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
Pessoal Ativo 0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
Outros Custeios e Capital 0,2%
0,1%
0,2%
0,2%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
Desapropriação por TDA 0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,1%
Demais 0,0%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
MINISTÉRIO DA CULTURA 0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,01%
0,02%
0,03%
Pessoal Ativo 0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,00%
Outros Custeios e Capital 0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,02%
0,02%
0,01%
0,01%
0,01%
0,02%
MINISTÉRIO DO ESPORTE 0,020%
0,028%
0,021%
0,012%
0,015%
0,022%
Pessoal Ativo 0,001%
0,001%
0,001%
0,001%
0,001%
0,000%
Outros Custeios e Capital 0,020%
0,027%
0,021%
0,011%
0,015%
0,021%
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME
0,068%
0,356%
0,331%
Pessoal Ativo
0,000%
0,001%
0,001%
Outros Custeios e Capital
0,068%
0,355%
0,330%
SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES 0,000%
0,001%
0,001%
Pessoal Ativo 0,000%
0,000%
0,000%
Outros Custeios e Capital 0,000%
0,001%
0,001%
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS 0,002%
0,004%
0,004%
Pessoal Ativo 0,000%
0,000%
0,000%
Outros Custeios e Capital 0,002%
0,003%
0,003%
SECRETARIA DA IGUALDADE RACIAL 0,001%
0,001%
Pessoal Ativo 0,000%
0,000%
Outros Custeios e Capital 0,001%
0,001%
PESSOAL INATIVO DA UNIÃO 2,4%
2,2%
2,3%
2,4%
2,5%
2,4%
2,6%
2,6%
2,3%
2,3%
2,2%
TOTAL 12,0%
11,6%
11,6%
12,6%
13,3%
13,6%
14,4%
14,6%
14,6%
14,9%
15,7%
Fonte: BRASIL. MP/SOF/DEAFI, 2006. Foi inserido o valor relativo ao Fundef que não constava na tabela original.
164
TABELA 31: EVOLUÇÃO DAS DESPESAS SOCIAIS (R$ Milhões - valores correntes) – 1995 a 2005
DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 7.490 7.483 7.369 11.782 13.920 19.758 21.155 23.737 25.800 26.389 31.409
Fundef
- - 100 4.062 5.183 9.152 9.508 10.517 11.571 12.554 16.000
Pessoal Ativo 3.639 3.574 3.389 3.577 4.208 4.618 4.650 5.531 5.981 6.982 6.860
Outros Custeios e Capital 3.851 3.908 3.880 4.143 4.529 5.988 6.997 7.690 8.248 6.853 8.549
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E
ASSISTÊNCIA SOCIAL 35.352 45.188 49.835 56.735 63.531 72.501 83.501 96.437 118.529 136.697 159.297
Pessoal Ativo 1.208 1.201 1.086 1.123 1.216 1.367 1.367 1.666 1.667 1.854 1.836
Outros Custeios e Capital 34.144 43.987 48.749 55.611 62.315 71.134 82.133 94.771 116.863 134.843 157.461
Benefícios previdenciários 32.908 41.748 46.066 52.410 58.587 66.727 77.001 88.271 109.805 127.867 148.635
Benefícios assist. da LOAS 130 793 1.140 1.546 1.989 2.650 3.540 4.506 5.729 7.540
Demais 1.236 2.109 1.890 2.062 2.181 2.418 2.482 2.960 2.552 1.247 1.286
MINISTÉRIO DA SAÚDE 12.249 12.396 15.247 15.222 18.074 20.260 23.562 25.384 27.134 32.971 36.515
Pessoal Ativo 2.442 2.355 2.234 2.228 2.236 2.548 2.559 2.928 3.290 3.752 3.173
Outros Custeios e Capital 9.806 10.042 13.013 12.995 15.838 17.712 21.002 22.456 23.844 29.219 33.342
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 5.535 6.950 7.182 7.875 8.094 9.441 11.178 14.604 16.515 18.780 22.705
Pessoal Ativo 295 419 341 323 343 478 502 510 502 602 560
Outros Custeios e Capital 5.241 6.531 6.841 7.552 7.751 8.964 10.676 14.094 16.013 18.178 22.145
Abono Salarial e Seguro Desemprego 3.269 3.833 3.974 4.620 4.521 4.774 5.797 7.108 8.449 9.473 11.378
Transferência ao BNDES 1.750 2.168 2.156 2.091 2.425 3.198 3.532 4.217 5.351 6.257 6.852
Demais 222 531 711 841 804 991 1.347 2.769 2.214 2.448 3.915
MINISTÉRIO DO DESENV. AGRÁRIO 1.185 1.066 1.612 1.754 1.287 1.290 1.509 1.593 1.694 1.954 2.564
Pessoal Ativo 176 154 127 154 165 182 182 206 216 230 247
Outros Custeios e Capital 1.009 912 1.485 1.601 1.122 1.108 1.326 1.387 1.478 1.724
Desapropriação por TDA 719 400 718 597 400 195 179 208 276 774 1.113
Demais 290 512 767 1.004 722 913 1.147 1.178 1.202 950 1.204
MINISTÉRIO DA CULTURA 136 167 181 166 198 236 277 237 230 351 493
Pessoal Ativo 64 65 59 59 66 64 69 85 86 94 91
Outros Custeios e Capital 71 102 122 107 132 172 208 151 144 257 403
MINISTÉRIO DO ESPORTE - - - - - 222 331 288 179 271 423
Pessoal Ativo 6 7 8 8 10 9
Outros Custeios e Capital 216 325 280 171 262 414
MINISTÉRIO DO DESENV. SOCIAL E
COMBATE À FOME - - - - - - - - 1.052 6.288 6.407
Pessoal Ativo 0 11 13
Outros Custeios e Capital 1.052 6.277 6.394
SECRET. ESP. DAS MULHERES - - - - - - - - 4 16 19
Pessoal Ativo 3 2
Outros Custeios e Capital 4 14 17
SECRET.ESP. DIREITOS HUMANOS - - - - - - - - 28 66 73
Pessoal Ativo 4 6
Outros Custeios e Capital 28 62 68
SECRET. IGUALDADE RACIAL - - - - - - - - - 13 15
Pessoal Ativo 2 3
Outros Custeios e Capital 11 12
PESSOAL INATIVO DA UNIÃO 15.456 17.386 19.683 21.910 24.068 26.447 30.617 34.743 36.295 40.148 43.588
TOTAL 77.403,1
90.635,3
101.108,4
115.444,1
129.170,6
150.156,7
172.128,6
197.023,0
227.460,0
263.944,2
303.509,1
Fonte: BRASIL. MP/SOF/DEAFI, 2006. Foi inserido o valor relativo ao Fundef que não constava na tabela original.
165
TABELA 32: EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA POR FUNÇÃO (EXCLUI DÍVIDA) – 1995 a 2005
ANO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
1
BENEFÍCIOS A SERVID. 0,20%
0,22%
0,23%
0,21%
0,20%
0,16%
0,17%
0,16%
0,15%
0,15%
0,15%
Custeio 0,20%
0,22%
0,23%
0,21%
0,20%
0,16%
0,17%
0,16%
0,15%
0,15%
0,15%
Capital 0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
2
PROGRAMA SAÚDE 2,12%
1,75%
1,80%
1,69%
1,86%
1,82%
1,95%
1,87%
1,72%
1,84%
1,86%
Pessoal Ativo 0,49%
0,39%
0,34%
0,30%
0,31%
0,24%
0,22%
0,22%
0,21%
0,21%
0,16%
Custeio 1,58%
1,34%
1,42%
1,32%
1,47%
1,47%
1,53%
1,53%
1,45%
1,52%
1,59%
Capital 0,06%
0,03%
0,04%
0,06%
0,08%
0,12%
0,20%
0,11%
0,06%
0,11%
0,11%
3
PROGRAMA ASSIST +
BOLSA ESCOLA 0,12%
0,16%
0,24%
0,34%
0,39%
0,27%
0,31%
0,36%
0,41%
0,68%
0,72%
LOAS 0,00%
0,02%
0,09%
0,12%
0,16%
0,18%
0,22%
0,26%
0,29%
0,32%
0,39%
DEMAIS 0,12%
0,15%
0,15%
0,21%
0,24%
0,09%
0,08%
0,09%
0,12%
0,36%
0,33%
Custeio 0,10%
0,13%
0,13%
0,20%
0,23%
0,08%
0,07%
0,09%
0,12%
0,35%
0,32%
Capital 0,02%
0,01%
0,03%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,00%
0,01%
0,01%
4
PESSOAL INAT.UNIÃO 2,39%
2,23%
2,26%
2,40%
2,47%
2,40%
2,55%
2,58%
2,33%
2,27%
2,25%
5
PROGR. PREVIDÊN. 5,39%
5,62%
5,49%
5,94%
6,21%
6,31%
6,65%
6,80%
7,25%
7,40%
7,82%
BENEFÍCIOS PREV +
RENDA VIT. 5,09%
5,36%
5,29%
5,70%
5,97%
6,06%
6,42%
6,56%
7,06%
7,24%
7,67%
DEMAIS 0,29%
0,26%
0,20%
0,25%
0,24%
0,26%
0,23%
0,24%
0,19%
0,17%
0,15%
Pessoal Ativo 0,21%
0,18%
0,13%
0,14%
0,13%
0,12%
0,11%
0,12%
0,11%
0,10%
0,09%
Custeio 0,08%
0,08%
0,07%
0,11%
0,11%
0,13%
0,12%
0,11%
0,08%
0,06%
0,05%
Capital 0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
6
TRANSPORTES 0,32%
0,33%
0,40%
0,39%
0,29%
0,29%
0,33%
0,38%
0,19%
0,20%
0,34%
Pessoal Ativo 0,07%
0,03%
0,03%
0,03%
0,03%
0,03%
0,03%
0,03%
0,02%
0,01%
0,01%
Custeio 0,08%
0,06%
0,07%
0,05%
0,04%
0,02%
0,02%
0,16%
0,03%
0,02%
0,03%
Capital 0,17%
0,24%
0,29%
0,31%
0,21%
0,25%
0,28%
0,19%
0,14%
0,17%
0,30%
7
HABIT. E URBANISMO 0,02%
0,04%
0,05%
0,03%
0,03%
0,04%
0,06%
0,05%
0,03%
0,08%
0,13%
Custeio 0,00%
0,01%
0,01%
0,01%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,03%
0,04%
Capital 0,01%
0,03%
0,04%
0,03%
0,03%
0,04%
0,06%
0,04%
0,03%
0,05%
0,09%
8
EDUCAÇÃO E CULT. 1,30%
1,12%
1,11%
1,49%
1,59%
1,74%
1,73%
1,73%
1,61%
1,50%
1,63%
FUNDEF 0,01%
0,44%
0,53%
0,83%
0,79%
0,78%
0,74%
0,71%
0,83%
DEMAIS 1,30%
1,12%
1,10%
1,05%
1,06%
0,91%
0,93%
0,95%
0,87%
0,79%
0,80%
Pessoal Ativo 0,64%
0,51%
0,50%
0,48%
0,51%
0,43%
0,39%
0,42%
0,39%
0,40%
0,36%
Custeio 0,51%
0,49%
0,52%
0,50%
0,47%
0,33%
0,40%
0,44%
0,41%
0,32%
0,35%
Capital 0,15%
0,12%
0,08%
0,07%
0,07%
0,15%
0,14%
0,10%
0,07%
0,07%
0,09%
9
TRABALHO 0,83%
0,88%
0,81%
0,84%
0,81%
0,86%
0,91%
0,94%
0,95%
0,96%
1,01%
Seguro desemp. + abono
0,51%
0,49%
0,46%
0,51%
0,46%
0,43%
0,48%
0,53%
0,54%
0,54%
0,59%
DEMAIS 0,33%
0,38%
0,35%
0,34%
0,35%
0,42%
0,43%
0,41%
0,41%
0,42%
0,42%
Pessoal Ativo 0,05%
0,05%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,04%
0,03%
0,03%
0,03%
Custeio 0,01%
0,05%
0,06%
0,07%
0,06%
0,08%
0,09%
0,06%
0,03%
0,03%
0,04%
Capital 0,27%
0,28%
0,25%
0,23%
0,25%
0,29%
0,30%
0,31%
0,34%
0,36%
0,36%
10
ADMINISTR E PLANEJ 0,85%
0,64%
0,62%
0,69%
0,62%
0,58%
0,59%
0,60%
0,46%
0,49%
0,45%
Pessoal Ativo 0,42%
0,35%
0,39%
0,37%
0,35%
0,30%
0,31%
0,35%
0,28%
0,27%
0,24%
Custeio 0,21%
0,22%
0,19%
0,18%
0,19%
0,21%
0,19%
0,16%
0,12%
0,18%
0,17%
Capital 0,21%
0,07%
0,03%
0,13%
0,08%
0,07%
0,09%
0,09%
0,05%
0,05%
0,04%
11
AGRICULTURA 1,13%
0,71%
0,86%
0,68%
0,77%
0,55%
0,56%
0,50%
0,50%
0,57%
0,61%
Pessoal Ativo 0,13%
0,14%
0,11%
0,10%
0,10%
0,09%
0,10%
0,10%
0,09%
0,09%
0,09%
Custeio 0,36%
0,25%
0,24%
0,19%
0,17%
0,14%
0,15%
0,16%
0,13%
0,14%
0,18%
Capital 0,65%
0,32%
0,51%
0,39%
0,50%
0,32%
0,31%
0,25%
0,28%
0,34%
0,34%
12
DEF. E SEGUR. PÚBL. 1,23%
1,10%
1,02%
1,05%
1,00%
1,14%
1,18%
1,08%
0,88%
0,91%
0,93%
Pessoal Ativo 0,80%
0,76%
0,68%
0,70%
0,66%
0,67%
0,66%
0,67%
0,59%
0,57%
0,56%
Custeio 0,30%
0,24%
0,23%
0,22%
0,25%
0,26%
0,30%
0,25%
0,21%
0,23%
0,24%
Capital 0,14%
0,11%
0,11%
0,13%
0,09%
0,21%
0,23%
0,17%
0,08%
0,12%
0,13%
13
DEMAIS 3,98%
4,06%
4,20%
4,30%
4,35%
4,95%
5,38%
5,84%
5,87%
5,46%
6,24%
Pessoal Ativo 0,64%
0,60%
0,62%
0,69%
0,69%
0,96%
1,05%
1,05%
1,02%
1,11%
1,05%
Custeio 3,14%
3,06%
3,19%
3,20%
3,23%
3,50%
3,67%
4,28%
4,00%
3,79%
4,63%
Capital 0,21%
0,40%
0,39%
0,42%
0,42%
0,49%
0,67%
0,52%
0,85%
0,56%
0,55%
TOTAL GERAL 19,89%
18,88%
19,08%
20,05%
20,59%
21,13%
22,38%
22,87%
22,37%
22,52%
24,15%
SUBTOTAL ÁREAS
SOCIAIS (2+3+5+8+9)
12,16%
11,76%
11,71%
12,71%
13,34%
13,40%
14,11%
14,27%
14,28%
14,65%
15,29%
%
61,13%
62,30%
61,36%
63,36%
64,79%
63,43%
63,03%
62,39%
63,85%
65,07%
63,33%
SUBTOTAL DEMAIS ÁREAS
(1+6+7+10+11+12+13)
7,73% 7,12% 7,37% 7,35% 7,25% 7,73% 8,27% 8,60% 8,08% 7,87% 8,85%
%
38,87%
37,70%
38,64%
36,64%
35,21%
36,57%
36,97%
37,61%
36,15%
34,93%
36,67%
Fonte: BRASIL. Ministério do Planejamento, 2006.
166
5.2.1 Gastos com educação
O crescimento mais relevante desse grupo deve-se ao aumento na educação
em 0,4 pontos percentuais do PIB. Os gastos com educação são de extrema importância
para o desenvolvimento do capital, que necessita de mão-de-obra bem formada, seja
científica, cnica ou administrativamente. Ou seja, a acumulação de capital depende da
expansão das forças produtivas, como terra, matéria-prima, energia, todos de
organização de trabalho, capacitação da força de trabalho e do trabalhador, e tecnologia.
Quando o Estado se responsabiliza por isso, ele socializa os riscos e esses custos.
Esse pequeno aumento é fruto do Fundef. O Fundef é um fundo destinado a
universalização do ensino fundamental e foi implantado a partir de 1998. Ele foi criado
para cumprir um disposto constitucional (art.211 da CF/88)
1
que determinava que a
União deveria prestar assistência técnica e financeira ao sistema de ensino. Esse
dispositivo, entretanto, foi substituído dando a União função redistributiva e supletiva,
aproveitando-se do disposto no art.12 da CF/88
2
, que vinculava um percentual dos
impostos aos gastos obrigatórios com educação (manutenção e desenvolvimento do
ensino). O Fundef propunha uma redistribuição desses recursos, ou seja, todos entes da
federação deveriam contribuir com uma parte desses recursos vinculados para esse
fundo, que seriam repartidos novamente entre os entes, em função do número de alunos
de cada um, o governo federal por sua vez, deve suplementar os recursos do fundo
quando o valor por aluno fica abaixo de um patamar per capita estabelecido. Segundo
alguns oposicionistas ao Fundo essa seria uma forma de isentar a União da
responsabilidade pelo sistema de ensino, que passava a ser apenas uma redistribuidora e
suplementadora de recursos.
1
O § 1º, do art 211 afirmava que “A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade
obrigatória.” (BRASIL. Constituição (1988)) Entretanto, esse texto foi substituído pela seguinte redação:
“§ A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiaas instituições de
ensino blicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a
garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”, inserido pela Emenda
Constitucional nº 14 de 1996.
2
Art. 212. “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”
(BRASIL. Constituição
(1988))
167
É ponto pacífico que o valor destinado a educação ainda está muito aquém
do real necessário para se atender as necessidades sociais. Estudos do IPEA afirmam
que “[d]e acordo com recentes simulações realizadas para a área educacional, a
necessidade de financiamento (considerando as três esferas de governo) para se obter
uma educação de qualidade e que considere as metas fixadas pelo Plano Nacional de
Educação (PNE), os gastos com educação deveriam ampliar-se dos atuais 4,3% do PIB
[nacionais] [...], para cerca de 8,0% do PIB, em 2011.” (CASTRO et al., 2003, p.19).
Outra questão sobre os gastos com educação estão relacionados a que tipo
de educação. Mais da metade dos recursos destinados ao ensino vão para o ensino
superior. Se por um lado provoca reclames de justiça social, pois assim destinam-se
menos recursos para o ensino fundamental, médio e profissionalizante, que atingem as
camadas mais baixas da população, e prioriza gastos com ensino superior cuja maior
incidência está nas faixas de maior renda. De outro lado, esses gastos são importantes
para o próprio sistema capitalista, dando as bases para o desenvolvimento da pesquisa
em tecnologia, que implicam em custos altíssimos. Dessa forma o Estado é conclamado
a coordenar a pesquisa e o desenvolvimento devido a seus altos custos e à incerteza de
resultados em esferas que o capital privado considera de pobres investimentos de risco
(O`CONNOR, 1977, p.122).
Outro ponto que cabe ser mencionado, apesar de não estar incluso nos
gastos com educação, são as renúncias tributárias relacionadas a política educacional
que em 2002 totalizaram R$ 1,1 bilhão (10% do Fundef neste ano). Essas renúncias
se concentram basicamente nas deduções de despesa com instrução para efeito do
Imposto de Renda e de benefícios tributários concedidos a entidades educacionais ditas
sem fins lucrativos, em especial as grandes faculdades privadas. “É importante salientar
que, além dessas renúncias beneficiar essencialmente os segmentos de maior renda da
população, elas subtraem recursos que, entre outros usos, seriam destinados ao ensino
fundamental, através das transferências constitucionais para os Estados e Municípios”
(BRASIL. Ministério da Fazenda, 2003, p.36).
Por fim cabe analisar a quantidade de recursos que deveria ser destinada a
educação e que foi desviada graças a DRU
3
. A vinculação de que trata o art. 12 da
3
Mais detalhadamente, as taxas são tributos que implicam numa contrapartida do Estado, ou seja, o
vinculadas diretamente para financiar a atividade criada a partir da existência do fato gerador. Os
impostos, contudo não m contrapartida, o receitas da União para realização de seus gastos, tendo
como princípio a não-contrapartida. Devido à histórica falta de investimento em áreas sociais relevantes e
168
CF/88 determina que a União tem que destinar 18% dos seus recursos oriundos de
impostos com a manutenção e o desenvolvimento do ensino (MDE), dos quais 5,4%
para ensino fundamental e o restante (12,6%) para outras despesas com MDE. A LDB
por sua vez especifica o que pode ou não ser qualificado como MDE. A DRU
possibilitou que o governo desvinculasse uma parte dos recursos vinculados
constitucionalmente para gastos sociais e destinasse para o que eu lhe conviesse. A
Tabela 33 mostra o quanto deveria ser destinado a MDE e o quanto deixou de ser por
conta da DRU. Como pode ser visto, nesse período foram desviados dos gastos com
MDE emdia 0,25% do PIB por ano. Esses recursos passam a entrar no orçamento da
União sem vinculação.
TABELA 33: RECURSOS DESTINADOS A MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO
(R$ Mil) – 2000 a 2005
RECEITAS
2000 2001 2002 2003 2004 2005
RECEITA RESULTANTE DE
IMPOSTOS
47.452.323
54.975.946
64.214.613
67.228.708
77.030.273
89.287.800
Impostos 77.357.530
90.128.571
106.158.657
113.120.197
126.108.382
151.809.483
Multas e Juros de Mora 2.039.045
1.867.851
3.185.549
1.817.770
1.890.521
3.957.662
Receita da Dívida Ativa 91.744
160.028
184.777
131.088
157.690
371.074
(-) Transferências
Constitucionais e Legais
32.035.996
37.180.504
45.314.370
47.840.347
51.126.320
66.850.419
MÍNIMO CONSTITUCIONAL
QUE DEVERIA SER
DESTINADO A MDE SEM
DRU 18%
8.541.418
9.895.670
11.558.630
12.101.167
13.865.449
16.071.804
GASTOS EFETIVAMENTE
REALIZADOS COM MDE
5.999.972
7.109.746
7.775.674
8.077.676
10.072.975
10.893.279
DIFERENÇA GRAÇAS A DRU
2.541.446
2.785.924
3.782.956
4.023.491
3.792.474
5.178.525
RECURSOS
DESVINCULADOS QUE
DEVERIAM IR PARA MDE EM
% DO PIB
0,24% 0,23% 0,28% 0,26% 0,22% 0,27%
a) A Receita arrecadada de impostos é a receita líquida, ou seja, a arrecadada menos os Incentivos Fiscais, as Retificações e as
Restituições;
b) A denominação "Manutenção e Desenvolvimento do Ensino" inclui todos os projetos e as atividades que se enquadram nessa
classificação na Lei do Orçamento, definidas pela LDB (Lei nº 9.394/96).
Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados de Brasil. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional.
dadas as carências da população brasileira, foram sendo feitas ao longo do tempo vinculações de receita
para garantir um piso de gastos nimo nessas áreas. Além dos impostos e das taxas também as
contribuições, receitas, em geral específicas da União, que não entram na partilha com outros entes da
federação. Com a justificativa de tentar combater o déficit fiscal’ o governo federal, no lançamento do
Plano Real criou o Fundo Social de Emergência (FSE), depois chamado de Fundo de Estabilização Fiscal,
que deu origem a DRU. A DRU permite ao governo federal desvincular o equivalente a 20% dos recursos
arrecadados pela União, inclusive aqueles que devem ser partilhados, com impostos e contribuições
sociais, podendo utilizar tais recursos como melhor lhe convir.
169
5.2.2 Desenvolvimento agrário
A inclusão dos gastos com o desenvolvimento agrário nos gastos sociais
“[...] justifica-se por serem hoje o assentamento e a fixação do agricultor sem-terra no
campo, problemas de cunho social muito mais grave do que sob aspecto econômico. A
preocupação crescente com o combate ao desemprego e à migração de mão-de-obra de
baixa qualificação profissional das áreas rurais, sobretudo a partir da segunda metade da
década.” (BRASIL. Senado Federal, 2001, p.12).
Esses gastos são destinados ao reassentamento de famílias no campo e de
garatia de condições para sua sobrevivência, dificultada pela concorrência com o agro-
business. Entretanto, o que se observa é uma destinação pífia de recursos para essa área,
e queda ao longo desse período. A obtenção de terras para fins de reforma agrária era
tradicionalmente realizada com recursos do orçamento de federal, destinados ao
pagamento de desapropriações. Esse instrumento vem sendo, em parte, substituído pela
concessão de crédito para que o próprio assentado adquira no mercado sua propriedade,
mediante financiamentos concedidos pelo Banco da Terra. Assim os principais
subsídios concedidos pelo Governo Central no âmbito da política de organização agrária
referem-se à equalização da taxa de juros cobrada do tomador de empréstimos
(agricultor familiar) e a suportada pelo agente financeiro (BRASIL. Ministério da
Fazenda, 2003, p.37-38).
Segundo dados do INCRA, a agricultura familiar desempenha ainda papel
muito importante na produção de diversos produtos agropecuários, respondendo por
quase 70% da produção nacional de mandioca; 45% da produção nacional de milho,
30% da produção nacional de leite, destacando-se ainda na produção de arroz, soja e
bovinos (BRASIL.Ministério da Fazenda, 2003, p.37). Entretanto das cerca de 4
milhões de famílias que possuem como principal fonte de renda a agricultura familiar,
3,6 milhões de famílias possuem rendimento médio mensal inferior a um salário
mínimo. Como os números mostram, pouco tem sido realizado para mudar esse quadro.
170
5.2.3 Trabalho e emprego
No que tange aos gastos relativos ao trabalho e emprego o Estado
desenvolve ações no âmbito da proteção social dos trabalhadores. A área de defesa do
trabalhador abrange os programas relacionados com proteção, segurança, higiene,
medicina e relações de trabalho. O principal item de despesa nessa área é o pagamento
do seguro-desemprego, com um número médio de quatro benefícios pagos a cada
requerente, com o valor médio de 1,5 salários mínimos. Cabe ressaltar que esse item é
computado no orçamento da seguridade social que será analisada separadamente.
O aumento do dispêndio desses gastos entre 1995 e 2005 de 0,3 pontos
percentuais deve-se basicamente ao item “demais” onde os seguintes gastos tem se
destacado: capacitação de recursos humanos, que objetiva requalificar a mão-de-obra e
readaptar os dispensados para nova colocação no mercado de trabalho; o Programa
Nacional de Geração de Empregos e Renda (PROGER) que compreende um conjunto
de linhas de crédito para financiara o desenvolvimento de negócios particulares tanto na
área rural quanto na rural; e o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego
(PNPE) criado em junho de 2003, que consiste na transferência de recursos direta para
pessoas físicas e jurídicas que contratem jovens entre 16 e 24 anos na busca do primeiro
emprego (BRASIL. Ministério da Fazenda, 2003, p.38-39).
5.2.4 Igualdade de gênero, racial e direitos humanos
Por fim cabe ressaltar os novos gastos sociais criados a partir de 2003 com o
novo governo nas áreas de políticas para mulheres, igualdade racial e direitos humanos.
Esses itens representam a bandeira dos movimentos sociais, na busca da discussão e do
desenvolvimento de políticas que garantam a igualdade entre homens e mulheres,
negros e brancos, assim como o respeito aos direitos humanos. Esses são temas
extremamente importantes na construção de uma sociedade que busca a igualdade
social. A crítica alega que não passam de temas que levam a divisão da sociedade.
Entretanto, esses temas encontram-se na base da desigualdade social no Brasil, portanto,
171
a criação de estruturas voltadas para esses temas representa a assunção deles na
formulação das políticas públicas no país, o que é, extremamente inovador no país.
A baixa execução dos recursos para as políticas relativas às mulheres, a
igualdade racial e aos direitos humanos não significam que não comprometimento,
ou que essas políticas não estejam sendo realizadas. Na realidade, essas estruturas foram
criadas menos para realizar gastos e mais para levantar os indicadores sobre essas
questões e estabelecer diretrizes nas políticas sociais que devem ser realizadas para o
enfretamento dessas desigualdades. Assim ao se formular as políticas públicas de uma
forma geral todos os ministérios devem considerar esses vieses. São as chamadas
transversalidades, ou seja, a política de saúde ou educação, por exemplo, deve ser
traçada sem perpetuar as desigualdades de gênero ou raça a partir de determinados
princípios e/ou prioridades.
Entretanto, ainda falta analisar aqueles gastos que representaram em média
mais de 80% dos recursos destinados aos gastos sociais. É nesse sentido que o próximo
item trata do orçamento da seguridade social.
5.3 Seguridade Social
A seguridade social foi constituída como um sistema de proteção social,
“(...) destinado a todos os que se encontram em necessidade; não restringe benefícios
nem a contribuintes nem a trabalhadores; e estende a noção de risco social, associando-a
não apenas à perda ou redução da capacidade laborativa - por idade, doença, invalidez,
maternidade, acidente de trabalho, conforme a doutrina previdenciária stricto sensus -,
mas, também, a situações em que a insuficiência de renda fragiliza a vida do cidadão.”
(VIANNA, 2003, p.318). Segundo a definição da OIT:
É a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma
série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de
outra forma derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua
subsistência como conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente do
trabalho ou enfermidade profissional, invalidez, velhice e morte, e também a
proteção na forma de assistência médica e de ajuda às famílias com filhos.
(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1984).
172
No Brasil, o conceito de Seguridade está na Constituição, e é ali identificado
como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Assim, a escolha pelo conceito de seguridade, na Constituição de 88, representou maior
abrangência ao conceito de proteção social que vai além da concepção previdenciária.
Os objetivos com base nos quais compete ao Poder Público, organizar a
Seguridade Social estão estabelecidos no artigo 194 da CF/88: universalidade da
cobertura e do atendimento, uniformidade do acesso às populações rurais e urbanas,
irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade na forma de participação no custeio,
diversidade da base de financiamento e caráter democrático e descentralizado da gestão.
Dessa maneira, “[a] saúde e a assistência social passaram a ser direitos do cidadão e
dever do Estado, e a previdência, ao misturar contribuição com financiamento estatal,
ampliava sua cobertura de modo a incluir parcela da população aentão o atendida
pelo sistema.” (GENTIL, 2006, p.114). Essa nova proposta era inovadora para os
termos das políticas sociais no Brasil, nesse sentido que Gentil afirma que:
O conceito se seguridade social que figura no texto constitucional opõe-se ao
antigo conceito de previdência enquanto seguro. Enquanto, no conceito de
seguro, trata-se de um contrato individual estabelecendo um direito pessoal
do contribuinte ou afiliado ao sistema a um benefício futuro, em razão e na
proporção de sua contribuição presente, no conceito de seguridade o que
importa é o contrato social, pelo qual o direito aos benefícios aparece como
um direito da cidadania. Na nova concepção de seguridade social cada um
recebe não de acordo com o que contribui, mas em função de suas
necessidades. É nesse sentido que superava a visão securitária da
equivalência contributiva, uma vez que o sistema, baseado na noção de
seguro, reproduz as desigualdades do mercado de trabalho, além de excluir
uma ampla parcela dos trabalhadores informais de baixa renda. O sistema de
seguridade social visava enfrentar os graves problemas sócio-econômicos do
país e que estão, ainda hoje, longe de ser superados. Os níveis elevados de
concentração da renda, o grande contingente de pessoas vivendo em
condições miseráveis e a inexistente capacidade de poupança da maioria da
população tornava a noção de seguro inadequada para nortear um sistema de
proteção social. A seguridade social, baseada na noção de solidariedade e de
cidadania, mostrava-se o caminho mais indicado para enfrentar estes
problemas. A Constituição de 1988 significou um compromisso claro nessa
direção. (GENTIL, 2006, p.114-115).
Essa concepção de seguridade social está baseada no universalismo, na
integração de diferentes políticas, e principalmente apoiada na intervenção estatal. Para
tanto foi estabelecido um sistema de financiamento próprio dessa rede de proteção,
composto por contribuições específicas pagas de forma direta ou indireta pela
173
população. No entanto, esse sistema é diferente daquele praticado anteriormente
baseado em contribuições relativas à folha de salários com vinculação de benefícios.
O orçamento da seguridade social é formado por contribuições sociais
específicas, que podem ser gastas com esse fim, são elas: as contribuições referentes
ao INSS, 63,1% da Contribuição provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a
Contribuição social sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas (CSLL), a Contribuição
para o financiamento da seguridade (COFINS) e parte da Contribuição de Receita de
Concursos Prognóstico (CRC Prog.). Ressalta-se que a CF/88, no seu art. 195 afirma
que a seguridade social devesse ser financiada também por recursos provenientes do
orçamento da União, além das contribuições sociais mencionadas, e não o contrário
4
.
Diversificou-se, então, a captação de receitas, com a inclusão de
contribuições sociais que incidem sobre o faturamento, o lucro, a apuração
das loterias e, posteriormente, a movimentação financeira, para que não
apenas a previdência, mas o sistema de seguridade social como um todo se
tornasse menos vulnerável ao ciclo econômico e fazendo com que toda a
sociedade contribuísse para a manutenção das três áreas, consideradas
direitos da cidadania e obrigação do Estado (GENTIL, 2006, p.36-37).
Como vimos no capítulo anterior a principal elevação na carga tributária se
deu nas contribuições vinculadas para o financiamento da seguridade social, entretanto,
como veremos uma boa parte desses recursos foram desvinculados e destinados a fins
diferentes daqueles estabelecidos como seguridade social. Dessa forma, apesar das
previsões constantes da Constituição Federal, desde 1993 com o FSE e depois com a
DRU uma quantidade elevada de recursos estão sendo desviados da seguridade social,
como será visto no final, antes, deve-se avaliar, brevemente, a dinâmica desses gastos.
4
“O sistema de seguridade social foi criado com essa estrutura de financiamento, com sólidas e
diversificadas bases de arrecadação que, até o momento, está preservada no texto da Constituição. As
investidas liberal-privatizantes da política econômica desencadeadas nos três últimos governos não
conseguiram, ou pelo menos, ainda não conseguiram, viabilizar econômica e politicamente sua alteração
(...) A diversidade da base de financiamento também tem outra implicação importante. As contribuições
ao sistema de seguridade que incidirem sobre o faturamento e o lucro, além de terem uma base de cálculo
mais estável do que a folha salarial, permitem uma redistribuição da carga de financiamento
previdenciário entre os setores econômicos, pois contrabalançam a diminuição das contribuições
patronais sobre a folha de salários ocasionada pela introdução de tecnologia que reduz mão-de-obra nos
setores de grande produção e lucratividade” (GENTIL, 2006, p.34-36).
174
5.3.1 Saúde
Os gastos com saúde representavam 1,9% do PIB em 1995 e variaram nesse
período entre a queda e a manutenção desse percentual, ou seja, em vez de ao longo do
período esses recursos aumentarem, para garantir a real universalização do sistema, eles
foram comprimidos. Dessa maneira o sistema teve que funcionar com baixo
investimento, poucos recursos para a sua manutenção ao mesmo tempo em que o
público atendido crescia.
Os recursos da saúde fazem parte de um sistema amplo e nacional de saúde,
cujo princípio básico é a universalidade, o SUS
5
. Além das ações realizadas pelo
próprio governo federal a União realiza repasses financeiros para Estado e Municípios,
baseado no atendimento e no número de habitantes.
Além do atendimento básico e de alta complexidade os recursos da saúde
são destinados para programas como: o programa de saúde da família, visando ações de
prevenção, promoção e recuperação da saúde da população; uma política nacional de
medicamentos, que envolve regulamentação e vigilância sanitária dos medicamentos,
promoção e incentivos à produção de medicamento; o programa de assistência
farmacêutica; e o programa nacional de imunização entre outros entre outros.
Em 1999 a Emenda Constitucional 29, estabeleceu uma nova vinculação:
12% no caso dos Estados e 15% no caso dos municípios da receita de impostos deveria
ser gasto com ações e serviços públicos de saúde. Com essa emenda garantiu-se que os
governos sub-nacionais teriam que destinar um determinado montante de recursos para
a saúde, diminuindo a responsabilidade da União, que a partir desse momento
municipalizou quase toda a rede federal. No caso da União
6
foi estabelecido um piso
5
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei
n. 8.080/90, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, e pela Lei n 8.142/90, que trata da participação da
comunidade na gestão do Sistema e das transferências intergovernamentais de recursos financeiros.
6
A EC 29/1999 estabeleceu que a União aplicasse em saúde: no ano 2000, o montante empenhado em
ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no nimo, cinco por
cento; e do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do
PIB.
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos
de saúde serão equivalentes:" (AC)
"I - no caso da União:" (AC)
"a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de
1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;" (AC)
175
representado pelo valor gasto em 1999, que deveria ser acrescido de 5% para 2000, e a
partir de então o valor destinado a saúde pela União deveria ser acrescido da variação
do PIB. Apesar desse piso o que se observa é uma estagnação desses gastos nesse
período.
Cabe ressaltar que a renúncia tributária relativa a gastos com saúde, seja
relativa a deduções com despesa de saúde do IRPF ou deduções com assistência médica
a empregados representam quase 9%
7
do total gasto em saúde pelo governo federal,
“[...] essas renúncias possuem caráter regressivo, pois beneficiam mais os extratos
sociais de maior poder aquisitivo.” (BRASIL.Ministério da Fazenda, 2003, p.33).
5.3.2 Assistência Social
Os benefícios assistenciais de maior peso orçamentário são as transferências
de renda para idosos e portadores de deficiência, que consistem das Rendas Mensais
Vitalícias e dos Amparos Assistenciais estabelecidos pela Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS). Os benefícios da LOAS têm valor fixo, igual a um salário mínimo,
sendo direcionados à pessoa portadora de deficiência ou idosa, com 65 anos ou mais,
com renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo.
Além desses, destacam-se ainda programas como o Bolsa-Escola, voltado
para famílias, com pagamento de R$ 15,00 por s para cada filho com idade de 6 a 15
anos matriculados e freqüentando a escola, e no ximo de R$ 45,00 por família; o
PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), nas regiões onde esta incidência
é alta, que destina R$ 25,00 (por criança no meio rural) ou R$ 40,00 (por criança no
meio urbano) com idade escolar (7 a 14 anos), ademais 40% do custo do programa é
destinado ao financiamento de atividade pós-escolares; o Bolsa-Alimentação destinado
à melhoria das condições de saúde e nutrição de criança a6 anos, gestantes e nutrizes
com pagamento de um valor mensal de R$ 15,00 por beneficiário; e o Auxílio Gás que
visa subsidiar a compra de gás de cozinha por meio da concessão de R$ 7,5 mensais
Todos esses benefícios são destinados a famílias com renda per capita igual ou inferior a
½ salário mínimo.
"b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do
Produto Interno Bruto - PIB;" (AC)
7
Percentuais alcançados em 2001 e 2002 (BRASIL. Ministério da Fazenda, 2003, p.31).
176
A partir de 2003 os gastos com esses programas alcançaram mais de 0,35%
do PIB, ou seja, dobraram, e estão concentrados basicamente no desenvolvimento social
e combate à fome. Nesse grupo merece maior destaque os gastos com desenvolvimento
social e combate à fome, onde estão inseridos os recursos destinados ao Bolsa-Família
que concentrou os diversos programas de transferência de renda descrito anteriormente.
O grande feito do governo atual foi a sua expansão, tornando esse programa como um
reconhecido direito de todo cidadão. O Gráfico 9 a seguir mostra a expansão desse
programa no atual governo.
Gráfico 9: Quantidade de famílias beneficiadas pelo programa do Governo
Federal Bolsa-Família.
5.3.3 Previdência Social
O objetivo da previdência social é garantir a reposição de renda dos que não
puderem trabalhar por motivos de instabilidade econômica geradora de desemprego,
contingências biológicas, acidente ou outros motivos que empeçam o trabalhador de
participar, por meio do mercado de trabalho, do processo de produção, evitando a
penúria e a pobreza da classe trabalhadora. Segundo Gentil (2006, p.163):
O benefício previdenciário permite suprir com renda uma mão-de-obra
excedente que está fora do mercado de trabalho ou que se vê impossibilitada
de exercer sua força de trabalho pela perda da capacidade física. O Estado,
177
com isso, assegura a reprodução imediata da força de trabalho, ao mesmo
tempo em que está favorecendo a produção e o consumo e está também
evitando o conflito social. A seguridade social, entretanto, possui limitações
no enfrentamento das desigualdades sociais. As políticas de previdência,
assistência social e de saúde apenas amenizam os efeitos do processo de
acumulação sobre a classe trabalhadora, atenuam certas desigualdades ou
previnem o seu agravamento. (GENTIL, 2006, p.163).
O sistema de previdência brasileiro foi criado dentro de um sistema amplo
da seguridade social, assim como o sistema de assistência social no qual o benefício não
está restrito a contribuição. Esse sistema nasceu com a promulgação da Constituição
Brasileira de 1988, e é o principal responsável pela diminuição da pobreza e da
miserabilidade no país.
A Constituição de 1988 é considerada um marco jurídico-
político do processo de redemocratização do país. A inclusão de um capítulo, na Carta
de 1988, sobre a seguridade social foi o mais importante esforço de modernização da
história da Previdência Social brasileira. Estava se dando naquele momento, ainda que
apenas no plano da lei, um importante passo para a modernização das relações
capitalistas no país (TEIXEIRA, 2004).
Nessa nova previdência os trabalhadores rurais passaram a ter o pleno
acesso à previdência, com benefícios não inferiores a um salário mínimo. O piso sico
de todos os benefícios assistencial passou a ser o salário nimo. A aposentadoria tem
trazido melhorias para essas famílias, que inclusive constituem os maiores receptores de
benefícios previdenciários. “Os benefícios da previdência asseguram dinamismo à
economia local, funcionam como uma espécie de “seguro agrícola” na entressafra e
ajudam na fixação da população rural no campo.” (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL, 2003 apud GENTIL, 2006, p.168).
A despesa da Previdência Social agrega pagamentos de aposentadorias e
pensões, salário família, salário-maternidade, auxílio doença, auxílio acidente de
trabalho, auxílio reclusão, abono de permanência entre outros aos segurados do sistema.
Por outro lado, os benefícios assistenciais são concedidos independentemente de
contribuições efetuadas. Esses benefícios estão voltados para a população mais carente.
Nesse período o que se observa é uma elevação dos recursos destinados a
previdência social demonstrando ser um importante sistema de cobertura de renda
mínima a população carente. Entretanto essa elevação não é resultado de uma política
de expansão desses gastos, mas o fruto das conquistas da CF/88. E, essa expansão em
vez de ser vista como algo positivo na melhora da vida das pessoas das faixas de renda
178
mais baixas, ela é vista como danosa às contas públicas de maneira que o movimento
nesse período passa a ser de limitação desses direitos. O Gráfico 10 mostra a evolução
dos gastos com previdência e assistência social mostrando que a quantidade de
benefícios aumentou de 16,5 milhões para 23,1 milhões de benefícios concedidos no
período entre 1996 e 2004.
Gráfico 10: Evolução da quantidade de benefícios emitidos pela Previdência Social (em
milhões de benefícios) – 1996 - 2004
9 ,7
5 ,3
1 ,5
1 0,3
5 ,4
1 ,7
1 0 ,7
5 ,7
1 ,8
1 1 ,0
5 ,9
1 ,9
1 1 ,4
6,1
2,0
1 1 ,6
6 ,3
2 ,1
1 2 ,3
6 ,6
2 ,3
1 2 ,8
6 ,8
2 ,3
1 3 ,6
6 ,9
2 ,6
0 , 0
5 , 0
1 0 , 0
1 5 , 0
2 0 , 0
2 5 , 0
Milhões
1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 2 0 0 1 2 00 2 2 0 0 3 2 0 0 4
U rb a n o
R u r a l
A s s is te n c ia l
1 6 ,5
1 7 , 5
1 8 ,2
1 8 , 8
1 9 ,6
2 0 , 0
2 1 , 1
2 1 , 9
2 3 , 1
9 ,7
5 ,3
1 ,5
1 0,3
5 ,4
1 ,7
1 0 ,7
5 ,7
1 ,8
1 1 ,0
5 ,9
1 ,9
1 1 ,4
6,1
2,0
1 1 ,6
6 ,3
2 ,1
1 2 ,3
6 ,6
2 ,3
1 2 ,8
6 ,8
2 ,3
1 3 ,6
6 ,9
2 ,6
0 , 0
5 , 0
1 0 , 0
1 5 , 0
2 0 , 0
2 5 , 0
Milhões
1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 2 0 0 1 2 00 2 2 0 0 3 2 0 0 4
U rb a n o
R u r a l
A s s is te n c ia l
1 6 ,5
1 7 , 5
1 8 ,2
1 8 , 8
1 9 ,6
2 0 , 0
2 1 , 1
2 1 , 9
2 3 , 1
Fonte: Gentil, 2006, p.166.
Gráfico 10: Evolução da quantidade de benefícios emitidos pela Previdência Social (em
milhões de benefícios) – 1996 a 2004
Esse benefício gera um efeito multiplicador sobre a sociedade que na
maioria dos casos ele atinge mais pessoas indiretamente. Segundo estudos do IBGE
para cada beneficiário da previdência social há, em dia, 2,5 pessoas beneficiadas
indiretamente. Assim, em 2004, os gastos com Previdência e Assistência Social
beneficiaram cerca de 81 milhões de pessoas (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL, 2003). De outro modo, o tipo de benefício mostra que aqueles que recebem
esses benefícios estão entre as faixas de renda mais baixa da população. O Gráfico 11
mostra que aqueles que recebem até 1 salário mínimo é de 63% do beneficiados do
sistema sendo quase 80% com dois salários mínimos.
179
Gráfico 11: Distribuição de benefícios emitidos, segundo faixas de valores –em pisos
previdenciários (posição em dez/2004)
0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000
Milhares de benefícios
< 1
= 1
1 -| 2
2 -| 3
3 -| 4
4 -| 5
5 -| 6
6 -| 7
7 -| 8
Valores, em Salários Mínimos
Assistenciais
2,2 2.610,0 17,0 - - - - - - -
Rurais
29,2 6.824,4 67,4 16,6 5,8 2,4 1,2 0,7 0,1 0,0
Urbanos
459,8 5.052,9 2.847,6 1.675,9 1.136,4 1.019,7 671,3 516,2 153,0 37,1
< 1 = 1 1 -| 2 2 -| 3 3 -| 4 4 -| 5 5 -| 6 6 -| 7 7 -| 8
2,1%
12,7%
7,3%
4,9%
4,4%
2,9%
2,2%
0,7%
0,2%
62,6%
34,9% 47,1% 18,0%
0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000
Milhares de benefícios
< 1
= 1
1 -| 2
2 -| 3
3 -| 4
4 -| 5
5 -| 6
6 -| 7
7 -| 8
Valores, em Salários Mínimos
Assistenciais
2,2 2.610,0 17,0 - - - - - - -
Rurais
29,2 6.824,4 67,4 16,6 5,8 2,4 1,2 0,7 0,1 0,0
Urbanos
459,8 5.052,9 2.847,6 1.675,9 1.136,4 1.019,7 671,3 516,2 153,0 37,1
< 1 = 1 1 -| 2 2 -| 3 3 -| 4 4 -| 5 5 -| 6 6 -| 7 7 -| 8
2,1%
12,7%
7,3%
4,9%
4,4%
2,9%
2,2%
0,7%
0,2%
62,6%
34,9% 47,1% 18,0%
Total
491,3 14.487,3 2.931,9 1.692,4 1.142,2 1.022,1 672,5 517,0 153,1 37,1
0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000
Milhares de benefícios
< 1
= 1
1 -| 2
2 -| 3
3 -| 4
4 -| 5
5 -| 6
6 -| 7
7 -| 8
Valores, em Salários Mínimos
Assistenciais
2,2 2.610,0 17,0 - - - - - - -
Rurais
29,2 6.824,4 67,4 16,6 5,8 2,4 1,2 0,7 0,1 0,0
Urbanos
459,8 5.052,9 2.847,6 1.675,9 1.136,4 1.019,7 671,3 516,2 153,0 37,1
< 1 = 1 1 -| 2 2 -| 3 3 -| 4 4 -| 5 5 -| 6 6 -| 7 7 -| 8
2,1%
12,7%
7,3%
4,9%
4,4%
2,9%
2,2%
0,7%
0,2%
62,6%
34,9% 47,1% 18,0%
0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000
Milhares de benefícios
< 1
= 1
1 -| 2
2 -| 3
3 -| 4
4 -| 5
5 -| 6
6 -| 7
7 -| 8
Valores, em Salários Mínimos
Assistenciais
2,2 2.610,0 17,0 - - - - - - -
Rurais
29,2 6.824,4 67,4 16,6 5,8 2,4 1,2 0,7 0,1 0,0
Urbanos
459,8 5.052,9 2.847,6 1.675,9 1.136,4 1.019,7 671,3 516,2 153,0 37,1
< 1 = 1 1 -| 2 2 -| 3 3 -| 4 4 -| 5 5 -| 6 6 -| 7 7 -| 8
2,1%
12,7%
7,3%
4,9%
4,4%
2,9%
2,2%
0,7%
0,2%
62,6%
34,9% 47,1% 18,0%
Total
491,3 14.487,3 2.931,9 1.692,4 1.142,2 1.022,1 672,5 517,0 153,1 37,1
Fontes: DATAPREV, SUB, SÍNTESE, apud GENTIL, 2006, p.168.
Elaboração: SPS/MPS
Obs.: A existência de benefícios com valores inferiores ao salário mínimo deve-se ao desmembramento de pensões e ao
pagamento de benefícios como o salário-família, o auxílio suplementar, o auxílio acidente e o abono de permanência.
Gráfico 11: Distribuição de benefícios emitidos, segundo faixas de valores –em
pisos previdenciários (posição em dez/2004)
Esses dados mostram que o substrato da sociedade mais atingido está
naqueles que estão nas faixas de renda mais baixa da sociedade. Assim, atualmente, esse
sistema é responsável pela mudança substancial da linha de pobreza na sociedade
brasileira. Segundo estudos do Ministério da Previdência o grau de pobreza dos idosos é
substancialmente inferior ao da população mais jovem e, caso não houvesse as
transferências previdenciárias, a pobreza entre os idosos triplicaria. O Gráfico 12 ilustra
esses resultados, mostrando como seria a linha de pobreza caso não houvesse esses
benefícios, em comparação com a linha a situação atual. (MISNITÉRIO DA
PREVIDÊNCIA, 2003 apud GENTIL, 2006, p.173).
180
Gráfico 12: Linha de pobreza e transferências da Previdência
0
10
20
30
40
50
60
70
80
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
85
90
95
100
Idade (em anos)
% de pobres
LINHA DE POBREZA OBSERVADA
LINHA DE POBREZA ESTIMADA CASO NÃO
HOUVESSE TRANSFERÊNCIAS DA
PREVIDÊNCIA
Fonte: MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA, 2003, apud GENTIL, 2006, p. 174.
Gráfico 12: Linha de pobreza e transferências da Previdência
Entre 1997 e 2004, em torno de 10 milhões de pessoas ocupadas
ingressaram para o universo dos que têm proteção social, apesar disso, atualmente, 53%
da população ocupada não é contribuinte de qualquer sistema previdência social
(GENTIL, 2006, p.167). Assim “embora o gasto com assistência social tenha crescido
nos últimos anos, com a introdução e a expansão de novos programas, a proteção social
aos pobres ainda é bastante reduzida no Brasil.” (BRASIL. Ministério da Fazenda,
2003, p.29). Apesar do potencial de proteção social a previdência social figurou nesse
período como a grande culpada pelos problemas das contas públicas, analisadas por
grandes economistas que viam uma forma de resolver o déficit da previdência: a
reforma desse sistema, com diminuição de benefícios e a entrada da previdência privada
para complementar os sistema. Cabe ressaltar que boa parte desse aumento tem grande
relação com as reformas da previdência realizadas nesse período que figurou como um
importante estímulo a muitas pessoas se aposentarem na busca de o ter perda de
benefícios.
181
Perante esse forte e amplo ataque ao sistema previdenciário Gentil (2006)
realiza um longo estudo sobre esse sistema mostrando que esse ataque está muito mais
ligado a disputa ideológica do que a lculos atuariais que expressam a realidade. A
autora levanta os dois principais problemas conceituais nesses cálculos: em primeiro
eles são feitos a partir da concepção do sistema previdenciário separado do sistema de
seguridade, excluindo, portanto, as fontes de financiamento constitucionais; o segundo
estaria na inclusão do sistema especial previdenciário do funcionalismo público, sem a
inclusão de todas as suas devidas fontes de financiamento. Resumiremos a seguir os
resultados desse estudo.
A autora calcula o resultado da Seguridade Social, que pode ser visto na
Tabela 34. Esses lculos se baseiam nos preceitos da Constituição de 1988. Do lado
das receitas são computados os ingressos de recursos legalmente vinculados ao sistema
de seguridade social. Foram incluídos apenas 60% da receita do PIS/PASEP, que se
destinam ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), uma vez que este fundo custeia,
principalmente, os programas de seguro-desemprego e o pagamento do abono salarial.
Os 40% restantes são destinados ao BNDES para aplicação em programas de
desenvolvimento econômico. Assim, o seguro-desemprego foi incluído também nas
despesas, por ser um benefício da seguridade social.
Nesse cálculo são excluídos os regimes próprios de previdência social dos
servidores públicos (RPPS), bem como o de categorias profissionais que esses
regimes o inteiramente distintos, apenas o RGPS é público, universal e integra o
orçamento da seguridade social
8
. Segundo a autora o RPPS deve ser excluído desse
cálculo por se tratar de um sistema que estabelece uma relação entre a administração
pública e seus funcionários, e deveria, portanto, ser patrocinado por contribuições
específicas de seus beneficiários (a Contribuição ao Plano de Seguridade Social do
Servidor - CSSS) mais a contribuição patronal da União. Esses repasses por sua vez
deveriam ser provenientes de repasses do orçamento fiscal.
8
Portanto, as receitas o incluem a CSSS, a contribuição ao custeio e pensões de militares e nem as
contribuições ao FGTS, FUNDESP, FUNPEN e outra. Por conseqüência, nas despesas não estão
incluídos os gastos com aposentadorias e pensões dos servidores civis e militares.
182
TABELA 34: RESULTADO DA SEGURIDADE SOCIAL (Valores correntes, R$ milhões) – 1995 a 2005
RECEITA
(1)
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
CONTRIBUIÇÃO PARA
A PREVIDÊNCIA
SOCIAL 35.138
43.686
44.148
46.641
47.425
55.715
61.060
71.028
80.730
93.765
108.434
COFINS 14.669
14.171
18.325
17.664
30.875
38.707
45.507
50.913
58.216
77.593
87.902
CPMF -
-
6.910
8.113
7.949
14.395
17.157
20.265
22.987
26.340
29.230
CSLL 5.615
6.206
7.214
6.542
6.767
8.750
9.016
12.507
16.200
19.575
26.323
RECEITA DE
CONCURSOS DE
PROGNÓSTICOS 556
484
271
529
974
923
1.028
1.062
1.276
1.450
1.564
PIS/PASEP
(2)
3.541
4.281
4.358
4.273
5.694
5.791
6.700
7.498
10.011
11.650
13.228
TOTAL DA RECEITA 59.519
68.828
81.226
83.762
99.684
124.281
140.468
163.273
189.420
230.373
266.681
DESPESA
(3)
SAÚDE 14.782
14.727
17.986
16.610
19.150
20.270
23634
25.435
27.172
32.973
36.483
PREVIDÊNCIA
(4)
36.332
45.303
48.176
56.156
60.935
67.544
77.584
89.380
109.625
25.901
144.918
ASSISTÊNCIA SOCIAL
788
1.268
2.132
3.103
3.841
4.442
5.298
6.513
8.416
13.863
15.806
ABONO E SEGURO
DESEMPREGO 3.269
3.833
4.317
4.459
4.843
4.636
5.635
7.062
8.074
9.471
11.337
TOTAL DA DESPESA 55.171
65.131
72.611
80.328
88.769
96.892
112.151
128.390
153.287
182.208
208.544
RECEITA-DESPESA 4.348
6.697
8.615
3.434
10.915
27.389
28.317
34.883
36.133
48.165
58.137
RECEITA COM DRU
(6)
- DESPESA -
1.068
1.199
-
463
13.675
12.435
16.434
Fonte: GENTIL, 2006, 46-47.
(1)
Exclui a Contribuição à Seguridade Social do Servidor Público - CSSS e a contribuição ao custeio de pensões.
(2)
Inclui apenas 60% da receita com PIS/PASEP. Os 40% restantes são destinados ao BNDES para programas de desenvolvimento econômico.
(3)
Despesa Liquidada por Função, inclusive pessoal e dívida. Seguro-desemprego é da função Trabalho, mas foi incluído por ser um evento da
Seguridade Social. Excluídas as despesas com o FAT.
(4)
Exclui os gastos com inativos do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) e inativos militares.
(5)
Receita total deduzida da DRU (Desvinculação das Receitas da União no valor de 20%).
Obs.: A Contribuição para a Previdência não está sujeita a DRU.
A partir da análise desses dados a autora conclui que o sistema de
seguridade social tem-se mostrado superavitário ao longo de todos os anos do período
de 1995 a 2005, tendo o excedente de recursos se elevado de R$ 4,3 bilhões, em 1995,
para R$ 58,1 bilhões em 2005. A segunda conclusão é de que houve desvio de recursos
do orçamento da seguridade social para além dos 20% legalmente autorizados pelo
mecanismo da DRU” (GENTIL, 2006, p.50). Entretanto, os recursos do orçamento da
seguridade estão sendo usados para gastos que o têm essa qualificação, ou seja, o
desequilíbrio do orçamento fiscal é coberto com os recursos destinados,
constitucionalmente, para seguridade social. Nesse sentido que Gentil denuncia:
[...] se houvesse a elaboração, de forma isolada, do orçamento da
seguridade social, ficaria revelado, com clareza: 1) que o desequilíbrio
orçamentário está no orçamento fiscal e não no orçamento da
seguridade social ou no orçamento da previdência social; 2) que a
seguridade social o recebe recursos do orçamento fiscal, ao
contrário, parte substancialmente elevada de seus recursos financia o
orçamento fiscal; e, 3) que não é a previdência que causa problemas
de instabilidade econômica e crise de confiança nos investidores, mas
é a política econômica que atinge a previdência, a saúde pública e a
183
assistência social, precarizando serviços essenciais à sobrevivência da
classe trabalhadora. (GENTIL, 2006, p.52-53).
Entretanto o cálculo da seguridade não é feito conforme determina a CF/88,
pois ficaria claro que o problema das contas públicas não se deve aos gastos com a
seguridade, muito menos com a previdência. De outro modo, a elevação da carga
tributária relativa a seguridade social pouco esteve ligada com o objetivo de aumentar
essas, mas sim com o de produzir elevados superávits primário. Entretanto, como o
sistema tributário consolidado pela Constituição de 1988 prevê uma partilha mais ampla
de impostos arrecadados pela União com Estados e Municípios, o aumento sobre o
orçamento fiscal reduziria a disponibilidade de recursos próprios para o governo federal.
Diante da necessidade de mobilizar mais recursos, o Tesouro Nacional buscou solução
nas contribuições à seguridade social, por dois motivos: 1) o aumento de alíquotas das
contribuições não segue o princípio da anterioridade
9
, o que significa que podem
vigorar noventa dias depois de instituída, diferente dos aumentos de impostos que
precisam de lei a ser aprovada em um ano, para vigorar apenas no ano seguinte e, 2) as
contribuições sociais têm a característica de não serem partilhadas com Estados e
Municípios.
De outro modo, para que o aumento da carga tributária se tornasse adequado
aos propósitos do governo federal, foi criada a desvinculação das receitas da União
(DRU), autorizando o governo a utilizar parcela significativa dos recursos arrecadados –
20% das receitas de contribuições livre de qualquer vinculação a despesas específicas.
Com este mecanismo, receitas da seguridade social passaram a ser legalmente
deslocadas do seu orçamento próprio para o orçamento fiscal, para serem utilizadas em
qualquer rubrica. Entretanto, apenas 20% delas foram insuficientes, Gentil (2006)
denuncia que tem sido desviado muito mais do que o determinado legalmente pela
DRU. A autora realizou os cálculos e mostrou que mais recursos foram desviados da
seguridade, como mostra a segunda coluna da Tabela 34.
9
O princípio da anterioridade veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a cobrança de tributos
no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
184
TABELA 34: DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA SEGURIDADE
SOCIAL (Valores correntes, R$ milhões) – 1995 a 2005
ANO
DESVINCULAÇÃO DE
RECEITAS DA UNIÀO
(20%) (A)
DESVINCULAÇÃO DE
RECEITAS ACIMA DE
20% (B)
TOTAL (A) + (B)
1995 4.348 0 4.348
1996 5.628 1.068 6.696
1997 7.416 1.199 8.615
1998 3.434 0 3.434
1999 10.451 463 10.914
2000 13.713 13.675 27.388
2001 15.882 12.435 28.317
2002 18.449 16.434 34.883
2003 21.738 14.395 36.133
2004 27.322 20.844 48.166
2005 31.559 26.488 58.047
TOTAL 159.940 107.001 266.941
Fontes: Ministério da Fazenda, Receita Federal, Estudos Tributários e Secretaria do Tesouro.
Contabilidade Governamental. GENTIL, 2006, p.54.
Obs.: Na coluna A, nos anos de 1995 e 1998 a desvinculação das receitas foi inferior a 20% (foi de 17,8%
e de 9,2%, respectivamente).
Outro erro do cálculo apontado por Gentil é a computação dos gastos com
as aposentadorias do regime próprio de previdência dos servidores federais, os inativos
e pensionistas civis e militares. Conforme a autora coloca, a destinação de recursos da
seguridade social para o RPPS não é legítima. Pela Constituição Federal de 1988, não
no Brasil um sistema de previdência composto por dois regimes. Primeiro porque
esse gasto não está inserido no conceito de seguridade social estabelecido. Segundo, por
não conter sua fonte de financiamento, ou seja, sem a devida contribuição. Nas palavras
da autora:
A Constituição estabelece um sistema de seguridade universal para todos os
cidadãos (RGPS) e um sistema especial para o funcionalismo público
(RPPS). A operacionalização financeira da seguridade é atribuição do INSS;
ativos e inativos do serviço público federal estão a cargo do Tesouro
Nacional. Os servidores públicos contribuem para suas aposentadorias com
recursos que compõem um fundo de um regime específico, exclusivo, o
RPPS, que não acesso a benefícios aos outros trabalhadores da sociedade.
Estes, entretanto, tornaram-se patrocinadores das aposentadorias do regime
especial dos servidores públicos. Recursos vinculados à saúde pública, à
assistência social e à aposentadoria dos trabalhadores do setor privado vêm
financiando a aposentadoria de servidores públicos, incluindo os do
Legislativo e Judiciário, cujas aposentadorias têm valores elevados, se
comparados ao salário mínimo, piso e nível da maioria das aposentadorias
do RGPS. (GENTIL, 2006, p.58-59).
185
Entretanto, mesmo computando, erradamente, o resultado é de superávits
em quase todos os anos, com algumas exceções nos anos de 1993, 1995, 1996, 1997 e
1998 que apresentaram pequenos déficits como pode ser visto na Tabela 35.
TABELA 35: RESULTADO DA SEGURIDADE SOCIAL E DO RPPS DO GOVERNO FEDERAL (% PIB)
1991-2005
RECEITA/DESPESA 1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
RECEITA
(1)
7,8
8,2
8,7
10,0
9,7
9,9
10,0
9,8
11,1
12,1
12,6
13,1
13,0
14,0
14,5
DESPESA
(2)
7,5
7,8
10,1
9,8
10,4
10,1
10,1
10,6
11,1
10,7
11,4
11,5
11,7
12,1
12,4
Saúde 1,8
2,0
2,5
2,2
2,3
1,9
2,1
1,8
2,0
1,8
2,0
1,9
1,8
1,9
1,9
Assistência Social
(3)
0,0
0,0
0,0
0,0
0,1
0,2
0,2
0,3
0,4
0,4
0,4
0,5
0,5
0,8
0,8
Previdência Social
(4)
5,7
5,8
7,6
7,6
8,0
8,0
7,8
8,5
8,7
8,5
9,0
9,2
9,4
9,4
9,7
RESULTADO 0,3
0,4
-1,4
0,2
-0,7
-0,2
-0,1
-0,8
0,0
1,4
1,2
1,6
1,3
1,9
2,1
Fonte: Receita - Secretaria da Receita Federal, Estudos Tributários; Despesa - SIAFI, despesa por função, Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério
da Fazenda e Portal SOF, Ministério do Planejamento apudGENTIL, 2006, p. 55.
(1)
Inclui todas as receitas vinculadas à Seguridade Social, sem aplicação da DRU, inclusive sobre a receita de concursos de prognósticos e para
custeio de pensões militares, ao FUNDESP e outras.
(2)
Despesa por Função, inclusive pessoal e dívida. Para os anos 1994-1998, despesa com assistência social foi separada por programa.
(3)
Nos anos de 1991 a 1994, os dados da função assistência social estão somados aos da Prevdência Social.
(4)
Inclui inativos do RPPS, civis e militares einativos do RGPS.
Gentil (2006) mostra que, apesar do importante papel que esse sistema
cumpre de proteção social, esse período foi marcado pela cassação dos direitos
conquistados na Constituição Federal de 1988, produto da política econômica adotada
nesse período.
Esse processo começou durante o governo Collor de Mello. Entre 1990 a
outubro de 1992 “houve a tentativa de enterrar a então considerada Constituição da
República através da elaboração de um conjunto de reformas” que deveria ser realizada
em 1993. “A intenção era impedir ou retardar a consumação desses direitos, enquanto se
aguardava a revisão constitucional prevista para 1993.” (FAGNANI, 2005 apud
GENTIL, 2006, p.129). Apesar de toda manobra do governo os direitos conquistados
permaneceram ilesos.
O governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso agiu no mesmo
sentido: a estratégia de desconstitucionalização da seguridade social foi transformada
em proposta de emenda constitucional – a PEC nº 33 de 1995, que sofreu resistências do
Congresso e não foi aprovada. A partir de então o governo passou a realizar uma
estratégia de reformas, inclusive por meio de medidas provisórias. Depois de várias
medidas provisórias e leis ordinárias, em dezembro de 1998 após o acordo com o FMI,
foi feita a primeira reforma da previdência de peso do governo FHC a partir da emenda
186
constitucional 20, com a justificativa de conter os desequilíbrios no sistema. Dentre
as diversas medidas a idade mínima e o tempo de contribuição foram aumentados para
os dois regimes (RPPS e RGPS). No caso do RPPS as medidas a medida mais
significativa foi a fixação do teto dos benefícios para o RPPS igual ao do RGPS,
abrindo espaço para o crescimento dos fundos de pensão, que substituiriam, com
direitos menores, o atual sistema pública.
Gentil (2006) chama a atenção para a principal mudança no RGPS: a
desconstitucionalização da fórmula de cálculo das aposentadorias. Segundo a autora o
objetivo dessa estratégia era criar, em lei posterior, mecanismos que aumentassem a
vinculação entre as contribuições e os benefícios, o que veio a ocorrer em 1999, com a
Lei n° 9.876. O critério anterior, que estava estabelecido na Constituição de 1988,
previa que o benefício fosse calculado pela média dos últimos 36 salários de
contribuição (últimos três anos). A nova regra de cálculo aumentou o período básico
para o lculo (que passou a corresponder aos 80% melhores salários de contribuição
desde julho de 1994) e criou o fator previdenciário, que afetou significativamente as
aposentadorias do setor privado
10
. Com a adoção do fator previdenciário houve perda de
valor dos benefícios. Soares (2003) argumenta que o fator previdenciário, cuja equação
introduziu a idade no cálculo da aposentadoria, atingiu particularmente um contingente
de pessoas mais desfavorecidas, que começam a trabalhar desde muito cedo.
O fator previdenciário fez com que os segurados, independentemente de
entrar precocemente no mercado de trabalho, passassem a ser obrigados a
trabalhar mais tempo para aposentar-se com o mesmo valor; ou seja, os
trabalhadores de mais baixa renda (e entre eles, sobretudo as mulheres),
que são os que começam a trabalhar mais cedo foram os principais
afetados (SOARES, 2003, p.123).
Depois da EC 20/98 e da Lei 9.876/99 foram editadas entre 1998 e
2000 várias leis complementares e ordinárias, além de novas medidas provisórias
11
. A
10
“Essa regra de cálculo é obrigatória para os trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição
e opcional para os que se aposentam por idade. O fator previdenciário tornou desvantajosa a
aposentadoria por tempo de contribuição com baixa idade, incentivando o adiamento da aposentadoria,
pois é progressivamente maior a cada ano de postergação. Sua conseqüência imediata foi o aumento da
idade média de concessão desse benefício e, posteriormente, a redução do valor médio das aposentadorias
por tempo de contribuição.” (GENTIL, 2006, p.141).
11
Embora a emenda constitucional 20 e a Lei 9.876/99 sejam dois marcos importantes na reforma do
sistema previdenciário, outros dispositivos legais foram aprovados entre 1998 e 2002: Leis nº 9.703/98, nº
9.711/98 e 9.732/98, que instituem mecanismos de aprimoramento da arrecadação e recuperação de
créditos; lei 9.719/98, que define regras gerais para a previdência dos servidores públicos; Lei
9.796/99, que regulamenta as compensações financeiras entre regimes de previdência; Lei 9.876/99,
que modifica a regra de cálculo dos benefícios do RGPS e cria incentivos à filiação de novos segurados;
187
segunda reforma da previdência foi realizada em 2003, pelo então presidente Lula, por
meio da EC 41/03, com foco no RPPS, de forma que o RGPS ficou praticamente de
fora. O objetivo primeiro era a unificação dos sistemas, que foi abandonada devido a
resistência dos Estados e municípios. Assim, ao invés de unificação dos regimes, a
reforma de 2003 resultou em um ajuste no sistema de repartição para as gerações atuais
de servidores ativos e inativos e em novas regras para os futuros servidores, com
estabelecimento de um teto nas aposentadorias dos servidores públicos e
complementação via fundos de pensão privados.
Em 2005 pela primeira vez foram realizadas mudanças no sentido de
expansão do sistema de proteção social com a EC 47/2005 que deu proteção
diferenciada aos trabalhadores informais urbanos e às donas-de-casa. A partir dessa
emenda haverá um sistema de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de
baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho
doméstico em sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, dando-
lhes acesso a benefícios de um salário-mínimo.
Como pôde ser visto nesse breve resumo das alterações realizadas nesse
período o que se viu foi: a tentativa de desmonte desse sistema; a diminuição de
benefícios; e, o aumento de requisitos para o recebimento da aposentadoria, com
exceção da EC 47/95 e de algumas mudanças no sistema RPPS. Tudo isso foi feito
apesar do importante papel que esse sistema desempenha no que tange a proteção social
e da situação financeira nada próxima aos proclames de insustentabilidade do sistema.
Cabe ressaltar que a reforma da previdência constituía um dos pontos pra o
ajuste fiscal nos países em desenvolvimento proposto pelos organismos multilaterais
12
.
No Brasil, entretanto, a idéia da privatização do sistema foi desconsiderada devido “[...]
às restrições fiscais e ao enorme custo de transição, referente ao financiamento dos
benefícios em manutenção no sistema de repartição e ao reconhecimento das
contribuições passadas” (GENTIL, 2006, p. 134) além do enorme custo político.
Lei 9.962/00, que regulamenta a contratação de empregados públicos, filiados ao Regime Geral, pelos
governos; Lei nº 9.983/00, que tipifica os crimes contra a Previdência Social; Lei Complementar nº
101/01, que trata da responsabilidade fiscal em relação aos regimes previdenciários; Leis
Complementares 08 e 09 de 2001, que regulamentam o regime de previdência complementar; Lei
10.056/01, que regulamenta contribuições do setor rural; Medida Provisória 2.131/00, que trata da
contribuição previdenciária dos militares e Medida Provisória nº 2.023/00, de renegociação de dívidas dos
estados e municípios com o INSS (PINHEIRO apud GENTIL, 2006, p.145).
12
O documento Averting the old age crisis: policies to protect the old and promote growth (WORLD
BANK,1994), propunha reformas de previdência para os países da América Latina e do Leste Europeu.
188
Portanto, pode-se afirmar que foi escolhida uma estratégia que tem priorizado
mecanismos de mudanças legislativas no arcabouço jurídico constitucional, de forma a
redirecionar o conjunto do sistema previdenciário. As mudanças têm implicado no
rebaixamento do valor do principal benefício a aposentadoria o que incentiva os
trabalhadores que recebem remunerações mais elevadas a buscar a complementação
previdenciária através dos seguros privados (GENTIL, 2006). Ademais a reforma da
previdência faz parte de um conjunto maior, o da política econômica adotada nesse
período. Nas palavras de Andrade:
Naquele momento, além de ancorar um conjunto de medidas econômicas,
fiscais e políticas, direcionadas à contenção do déficit publico, a Reforma da
Previdência passou, também, a funcionar como uma espécie de ‘moeda de
troca’, sem a qual supostamente se esgarçaria a confiança dos diversos
organismos internacionais na efetividade do ajuste econômico posto em
prática no Governo FHC. (ANDRADE, 2003 apud GENTIL, 2006, p.133).
Portanto, os gastos com o RPPS o estão sendo cobertos pelo orçamento
fiscal, pois este está totalmente comprometido em garantir a valorização do capital via
gastos com a dívida. Apesar da elevação da carga tributária, em especial na seguridade
social, a ação do governo tem sido na tentativa de contenção desses gastos, com
algumas exceções em especial das medidas a partir de 2003. Além da questão financeira
da vida, essa tentativa de retirada de direitos é parte da configuração atual do capital
de destruir, mesmo que em parte, a rede de seguridade social construída no Estado de
Bem-Estar. Assim:
Pode-se inclusive assumir que a financeirização mais do que compensa o
impacto distributivo do gasto social. Isto porque enquanto os ricos vivem de
juros, os pobres pagam juros. Na prática, o diferencial entre ricos e pobres na
renda final (descontados os impostos indiretos e as transferências
financeiras) deve ser maior, que parte significativa dos pobres é “tragada”
pelo endividamento para o consumo imediato (SÃO PAULO. Prefeitura
Municipal, 2003, p.11).
Resumindo, as reformas liberalizantes promoveram privatização, corte no
gasto social e desvio de recursos para o processo de financeirização da riqueza, em que
o Estado tem sido um dos principais sustentadores. No caso brasileiro, teorias e modelos
muitas vezes fracassaram na tentativa de abarcar como e porque se reproduz no Brasil
uma das mais perversas estruturas de repartição de renda do planeta. Ninguém questiona
o fato de que as elites econômica, política e profissional sempre usaram o Estado
como espaço de intermediação dos seus interesses. Portanto, a tentativa do movimento
de subordinação do trabalho ao capital obteve o êxito com a ação do Estado que serviu
189
não apenas como instrumento das mudanças institucionais, como principal garantidor da
política monetária estabelecida pelo capital. A seguir deve-se apresentar um breve
resumo dos resultados dessa política sobre a sociedade em termos de nível de nível de
emprego, renda real, distribuição da funcional da renda e outros.
5.4 A distribuição de renda no Brasil: o impacto do movimento atual
do capital
O processo de valorização do capital nesse período, portanto, foi alavancado
pelo Estado, o qual, por meio da elevação de uma carga tributária e de sua
regressividade, transferiu recursos via elevação dos juros e da dívida pública. Essas
políticas contribuíram para baixas taxas de crescimentos, aumento do desemprego e
queda da renda do trabalho. Ao mesmo tempo em que se aumentava a vulnerabilidade
do trabalho, a rede de proteção social era atacada. Esse movimento, portanto, gerou uma
nova distribuição funcional da renda.
Cabe ressaltar que esse movimento é produto da política adotada como um
todo: a busca da contenção da inflação com a liberalização comercial desmedida,
baseada no dólar barato, realizada por meio da atração de capital especulativo com a
elevação das taxas de juros e conseqüente aumento da dívida pública; o conseqüente
processo de quebra da indústria nacional com aumento do desemprego; aumento da
vulnerabilidade externa, com desregulamentação para entrada e saída de fluxos de
capitais de forma que o país passou a estar sujeito a essa movimentação; a centralidade
da política econômica na dívida pública.
Medeiros (2005) realiza uma análise sobre os produtos da implantação desse
modelo em vários países da América Latina e seu impacto sobre crescimento, emprego
e distribuição de renda nos países latino-americanos. Os resultados dessas mudanças
segundo ele, em especial no Brasil foram: baixo crescimento da produtividade agregada
e uma baixa taxa de investimento, mas com uma alta dispersão inter e intra-setorial;
aumento da produtividade agregada do trabalho de apenas 1% entre 1991 e 1998;
diminuição do hiato de produtividade entre agricultura e indústria, mas aumento entre as
diferenças de produtividade dentro do setor manufatureiro, e entre o setor como um todo
e o setor de serviços; aumento da taxa de desemprego significativamente; declínio do
190
emprego formal; crescimento no emprego em serviços financeiros excedeu em muito a
criação média de emprego em todos os países (MEDEIROS, 2005, p.466-467).
Os principais resultados sobre a distribuição de renda, em especial para o
Brasil, podem ser assim resumidos: queda acentuada da participação dos salários na
renda nacional; crescimento mais acelerado dos empregos de baixa renda (primeiro e
segundo quintis) e de alta renda (quinto quintil) do que o emprego de renda média
(terceiro e quarto quintis), em suas palavras Esta deterioração dos remediados foi
muito intensa no Brasil e refletiu a desindustrialização da força de trabalho”
(MEDEIROS, 2005, p.467); aumento da importância da concentração da distribuição no
topo, “[n]os últimos anos, considerando apenas os levantamentos-padrão sobre famílias
(que apresentam uma forte subestimação de lucros e ganhos com juros), uma
desigualdade puxada por cima favorecendo os 1% de indivíduos mais ricos esteve em
ação nos países da América Latina, refletindo co-movimentos na estrutura do emprego e
na distribuição de salários” (
SZÉKELY; HILGERT, 1999 apud
MEDEIROS, 2005, p.
468); crescimento moderado do salário real médio no setor formal, sendo que em média,
nos países latino-americanos o salário real mínimo e o salário industrial médio
cresceram vagarosamente em muitos países e o salário mínimo não acompanhou a
expansão do salário médio.
A diminuição do emprego provocada pela abertura comercial com mbio
sobrevalorizado teve impacto destrutivo sobre a indústria; a política econômica de juros
altos, por sua vez, influenciou definitivamente a diminuição do consumo e do
investimento produtivo intensificando a estagnação econômica. Por outro lado, a
realização de superávits primários baseado no aumento de tributos regressivos e o
direcionamento do gasto público com a dívida pública, por sua vez, deram o caráter
mais recessivo e ideológico dessa política que influenciou determinantemente na
mudança da relação capital X trabalho. O Gráfico 13 mostra queda constante do
rendimento real médio dos trabalhadores ocorrida nesse período. Apenas após a entrada
do atual governo passa a ter uma trajetória ascendente, porém ainda muito tímida.
191
Gráfico 13: Rendimento médio real de todos os trabalhadores (R$ 1,00) 1995 a
2005
A Tabela 36 apresenta a taxa média de desemprego e o percentual de
pessoas com carteira assinada sobre o total de pessoas ocupadas. Essa tabela mostra o
aumento do desemprego e da precarização do emprego, corroborando as conclusões de
Medeiros e o princípio desse trabalho. Qual seja de que o movimento do capital esteve
voltado, para a retomada do poder do capital sobre o trabalho, por meio de uma política
monetária austera que provocou, via uma política fiscal, aumento da concentração da
renda e da riqueza nas mãos de poucos, aumento do desemprego (ou do exército de
reserva, ou a da taxa natural de desemprego), queda do rendimento do trabalho e
precarização do trabalho, outorgando maior poder ao capital.
TABELA 36: DESEMPREGO E EMPREGO FORMAL
ANOS
Taxa Média de
Desemprego
% pessoas empregadas com carteira
assinada/pessoas ocupadas
1994
5,8 49,7
1995
4,9 48,8
1996
6,0 46,5
1997
6,2 46,4
1998
8,4 45,9
1999
8,4 44,6
2000
8,0 43,5
2001
6,9 44,7
2002
11,7 45,1
2003
12,3 44,3
2004
11,5 43,7
2005
9,8 45,0
Fonte: Elaborada pela autora com base em dados do IBGE.
192
As taxas de crescimento do PIB foram apresentadas no capítulo 3 quando
confrontadas com a variação da carga tributária, demonstrando um período de
crescimento pífio, com média de crescimento de 2% a.a. no período de 1995-2005. Da
mesma maneira foi apresentado as taxas de valor adicionado pela indústria,
semelhantes a do período anterior a 1968, mostrando o intenso processo de
desindustrialização da economia. Entretanto, enquanto o investimento produtivo caía
(como pode ser visto no Gráfico 14), o produto estagnava, o peso da indústria na
economia diminuía, aumentava o desemprego, diminuía a renda real do trabalhador,
aumentava a precarização do trabalho, o lucro dos bancos crescia. Por outro lado, os
dados das Contas Nacionais do período 1993-2003, constantes da Tabela 37,
demonstram uma elevação da participação do excedente operacional bruto no PIB,
13
,
que representa a soma dos juros, aluguel e lucro.
Gráfico 14: Taxa de investimento (% PIB) 1994 a 2005
A participação do salário nominal do PIB (incluindo a participação do
rendimento dos autônomos) decresceu todos os anos, somando uma queda de 10 pontos
percentuais do PIB. Por outro lado, a participação do excedente operacional bruto
cresceu em mais de 7 pontos percentuais do PIB. Cabe ressaltar que os salários
nominais não se alteram com a introdução de maior tributação indireta, mas a realidade
é que esse movimento representa queda dos salários reais, ou seja, a participação dos
13
Conforme o Sistema de Contas Nacionais do Brasil, o Excedente Operacional Bruto dá conta do
montante total de lucros, aluguéis (inclusive renda da terra) e juros pagos na economia nacional. Ou
ainda, é o valor adicionado deduzido dos salários, das contribuições sociais efetivas e dos impostos,
líquidos de subsídios, sobre a produção.
193
salários deve ser menor ainda do que parece. Essas alterações “[...] demonstram que
uma disputa desigual pela apropriação da renda gerada na economia em função da
política econômica de juros reais elevados.” (GENTIL, 2006, p.216).
TABELA 37: PARTICIPAÇÃO DO SALÁRIO, DO EXCEDENTE OPERACIONAL
BRUTO E DOS IMPOSTOS INDIRETOS NO VALOR ADICIONADO (R$ 1.000.000)
1993 a 2003
ANO Salário
Nominal
% PIB Excedente
Operacional
Bruto Nominal
% PIB Impostos s/
Produção e
Importação
% PIB PIB
Nominal
1993 5.062
35,91 4.987
35,38 1.858
13,18 14.097
1994 111.681
31,98 134.079
38,40 55.109
15,78 349.205
1995 191.410
29,62 260.245
40,27 100.540
15,56 646.192
1996 224.239
28,79 319.137
40,97 115.236
14,79 778.887
1997 241.949
27,79 372.396
42,77 123.572
14,19 870.743
1998 257.225
28,14 380.016
41,57 127.800
13,98 914.188
1999 267.065
27,42 394.598
40,52 152.388
15,65 973.846
2000 295.229
26,81 447.492
40,63 178.075
16,17 1.101.255
2001 316.580
26,41 490.327
40,90 203.873
17,01 1.198.736
2002 351.676
26,13 564.323
41,93 233.630
17,36 1.346.028
2003 399.882
25,70 668.926
42,99 263.350
16,92 1.556.182
Fonte: IBGE, Contas Nacionais, Diretoria de Pesquisa apud GENTIL, 2006, p. 216.
A distribuição funcional da renda evidencia o que foi colocado desde o
princípio nesse trabalho, ou seja, da nova configuração da relação capital x trabalho, que
foi apoiada pelas políticas estatais. Ou melhor, o orçamento público serviu de
instrumento de transferência das classes menos favorecidas, ou menores faixas de renda,
provenientes da classe trabalhadora, para as classes de renda mais alta, em especial para
o sistema financeiro. Assim a política fiscal serviu de instrumento de valorização do
capital, via orçamento público. Esses, que segundo algumas estimativas do professor
Marcio Pochmann representam em torno de 20 mil famílias, donos de ativos protegidos
contra a inflação e a desvalorização cambial são garantidos pela política monetária de
elevados juros e tiveram grandes ganhos de capital. Dentro dessa perspectiva Medeiros
(2005) afirma que:
A distribuição de renda é intensamente influenciada pelo poder político e
econômico relativo de diferentes grupos e classes sociais. A fragilidade do
setor público e o enriquecimento de uma classe de rentistas detentores de
títulos (indexados à taxa de juros ou à taxa de câmbio) têm sido
características marcantes da última década, [...] num país como o Brasil.
Apesar de todas essas evidências e resultados do aumento da desigualdade
na distribuição de renda sobre o grande contingente populacional, essa corrente de
194
pensamento dominante, ou melhor, essa ideologia se estabeleceu como incontestável.
Essa política econômica vem sendo defendida como sendo a única alternativa. De fato a
sua alteração sugere que haveria retaliação daqueles que hoje vivem desse sistema
extremamente lucrativo, provocando num primeiro momento crises e instabilidade. Por
outro lado, mantê-lo implica o aumento do fosso cada vez maior entre ricos e pobres,
entre capital e trabalho, ou entre explorados e exploradores. Nesse sentido que Perry
Anderson afirma que é necessário pensar em alternativas:
Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma
revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o
neoliberalismo conseguiu muito dos seus objetivos, criando sociedades
marcadamente mais desiguais, embora o tão desestatizadas como queria.
Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num
grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam,
disseminado a simples idéia de que não alternativas para os seus princípios,
que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.
Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio
tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este
fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas
não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes. A tarefa de seus
opositores é a de oferecer outras receitas e preparar outros regimes. Apenas
não como prever quando ou onde vão surgir. Historicamente, o momento
de virada de uma onda é uma surpresa (ANDERSON, 1995, p.23).
195
6 CONCLUSÃO
A análise orçamentária realizada nos mostra que, a despeito do ideal
minimalista presente nos discursos dos formuladores e defensores das políticas atuais, o
Estado cresceu e encontra-se mais forte e mais presente do que nunca na economia.
Entretanto, esse Estado se ampliou para uma pequena camada da população,
abandonando a grande massa restante.
De um lado, a carga tributária cresceu e atingiu um patamar jamais
observado, muito acima inclusive do período do Estado desenvolvimentista em que era
necessário alavancar uma elevada quantia de recursos para os inúmeros investimentos
realizados na área de infra-estrutura, pesquisa e desenvolvimento. Essa carga foi
elevada basicamente sobre as classes mais baixas da população, enquanto as classes
mais altas foram privilegiadas com isenções, estancamento da progressividade na
tributação e diferenciação de alíquotas, ou seja, alíquotas mais baixas como pode ser
visto na tributação sobre os rendimentos sobre o capital.
De outro lado, os gastos seguiram o comportamento semelhante ao da carga
tributária, apesar da “saída” do Estado da economia. Embora, o principal item de gastos
que cresceu tenha sido aquele relativo à dívida, foram os gastos relativos à rede de
seguridade social, em especial da previdência social, que figuraram como o vilão das
contas públicas. Esses foram sendo comprimidos, além de serem atacados
constantemente, não por acaso, que a diminuição fim desses direitos torna-se
fundamental para as novas relações capital-trabalho.
A dívida pública cresceu vertiginosamente, apesar da política desse período
ser marcada pela queda dos investimentos públicos e desmantelamento do Estado de
Bem-Estar. Esse crescimento se deu basicamente devido às elevadas taxas de juros
usadas para a manutenção da estabilidade da moeda”, ou ainda, para garantir o espaço
de valorização do capital. A política monetária subjugou a política fiscal, colocando a
sustentabilidade da dívida na centralidade de toda a política econômica, diga-se de
passagem, da dívida interna, ou seja, da dívida emitida na própria moeda do país.
Dessa maneira o orçamento público passou a servir não apenas como
suporte à valorização do capital, mas de instrumento de transferência de renda das
classes mais baixas, particularmente da classe trabalhadora, para as classes de rentista.
196
Por outro lado, as políticas sociais foram alteradas muito mais no sentido de destruir a
idéia de um Estado de Bem-Estar, de tirar benefícios sociais e redefinir as relações
sociais do que de real “contenção de gastos públicos” ou de responsabilidade fiscal.
Essa política, portanto, tem produzido estagnação do vel de produção,
aprofundamento da vulnerabilidade externa, queda do emprego, precarização das
relações de trabalho, desmonte da rede de proteção social, aumento da concentração do
poder econômico em mãos das elites financeiras, degradação do tecido social pela
queda dos salários e elevação da renda dos proprietários de ativos financeiros, entre
outros.
Embora o discurso dessa política fosse fazer com que o Estado deixasse de
beneficiar alguns setores da sociedade, direcionando sua atenção aos mais necessitados,
o resultado é que o Estado es diretamente empenhado em beneficiar, em todos os
sentidos, uma pequena fração privilegiada da sociedade, o capital, especialmente o
financeiro. As mudanças realizadas foram fundamentais na reconfiguração das relações
capital-trabalho, com objetivo anunciado de, ao redefinir a “taxa natural de
desemprego”, e assim, criar uma “nova e saudável desigualdade”, voltasse a
impulsionar a economia, desde que a estabilidade monetária e os incentivos essenciais
fossem restituídos. No entanto, uma vez que o crescimento não voltou, foi a dívida
pública que se tornou o instrumento fundamental de valorização do capital.
O ano de 2003 foi marcado pela entrada de um novo governo, oriundo das
classes trabalhadoras. Este governo implantou mudanças importantes tanto do lado da
receita quanto da despesa. Mas, apesar das mudanças realizadas, como a desoneração
dos principais produtos da cesta de consumo dos trabalhadores e aumento dos gastos
sociais, retomando a idéia de que o Estado deve ser um instrumento de diminuição das
desigualdades sociais, as bases dessa política econômica foram mantidas. Ou seja, esse
mecanismo de transferência de renda permanece e vem sendo preservado também pelo
novo governo, mostrando que a correlação de forças existente em torno do Estado se
manteve e que a possibilidade de mudanças mais profundas depende de uma alteração
no equilíbrio de poder entre o capital e o trabalho. Esse movimento mostra que a seleção
das políticas públicas é um reflexo do equilíbrio de poder na sociedade, indo, portanto,
de encontro com o ideal de separação entre Estado-economia, tão usado na defesa desta
política.
197
Essa dominação é feita a partir de um discurso teórico supondo uma
separação do Estado da economia, da despolitização da economia que deve seguir
‘parâmetros estritamente técnicos’. Como analisado nesse trabalho, esses parâmetros,
longe de serem estabelecidos por questões técnicas, são definidos politicamente e
garantem os interesses de uma pequena parcela da sociedade, deixando a grande massa
da população descoberta. Portanto, como colocado no segundo capítulo, a teoria
econômica dominante expressa uma interpretação das relações Estado-economia
necessária a acumulação do capital.
Assim, a despeito de todos os males resultantes dessa política, se formou um
consenso dentro da sociedade sobre a necessidade de o país preservá-la, como garantia
da estabilidade econômica. Essa política não é originalmente brasileira, mas, fruto da
reconfiguração do capital nos últimos trinta anos, e passou a dominar grande parte do
globo, devendo-se, inclusive, admitir que se formou uma hegemonia ideológica em
torno dela. Nas palavras de Anderson:
[t]udo o que podemos dizer é que este é um movimento ideológico em escala
verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no
passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente,
militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo a sua imagem,
em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. (ANDERSON,
1995, p.22).
A idéia de um Estado como principal agente de desenvolvimento social e
econômico, por meio do uso da política econômica, foi totalmente enterrada. Ou nas
palavras de João Manuel Cardoso de Mello:
Tudo se passa como se as tendências fundamentais do capitalismo re-
emergissem com intensidade redobrada. O desenvolvimento monstruoso do
capital financeiro revelou uma verdade incontestável. Ou por outra, verdade
bem conhecida de Marx e Keynes, de Braudel e Polanyi nós é que
andávamos meio entorpecidos pelas décadas de capitalismo domesticado,
esquecidos de que o capitalismo é um regime de produção orientado para a
busca da riqueza abstrata, da riqueza em geral expressa pelo dinheiro. Esta
abstração destrutiva aparece com toda a sua força nua e crua no atual
rentismo especulativo. Mas parece por assim dizer encoberta pelo véu
tecnológico das forças produtivas desencadeadas pela Terceira Revolução
Tecnológica, sob o qual também se camufla o conflito entre capital
produtivo e capital especulativo (MELLO 1997 apud GENTIL, 2006, p.89).
A queda do marco que significava a URSS repercutiu também no fim da
idéia de construção de um Estado promotor do bem-estar social e de uma sociedade
mais equânime. Ao mesmo tempo em que não mais temor por parte dos capitalistas
198
de uma crise sistêmica final, também o Estado o deve mais agir como agente de
diminuição das desigualdades sociais e garantidor do bem-estar de todos, dando lugar a
um receituário perverso em termos de equidade social, mas importante na exploração e,
portanto, na valorização do capital. Esse temor, e o descompromisso em relação ao
bem-estar da sociedade podem ter surgido da crença de que este é o ‘fim da história’, e
o grande triunfo do capitalismo, em que pesem todas as suas deficiências,
incongruências e desigualdades. Talvez possa ser assim, ou não, esse pode ser apenas
um dia da história.
199
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ANEXOS
ANEXO 1 - PESO DOS TRIBUTOS NOS PREÇOS DOS PRODUTOS – SÃO PAULO CAPITAL
Produtos
Preço em R$
(a)
Tributos/
preço final
Tributos em R$
(b)
Preço sem
tributos
(a-b)
Acréscimo de
custo unitário
(b/(a-b))
Materiais de Limpeza
detergente 0,83 40,50% 0,34 0,49 68%
sabão em 3,98 42,30% 1,68 2,30 73%
amaciante 1,88 43,20% 0,81 1,07 76%
água sanitária 1,42 37,80% 0,54 0,88 61%
desinfetante 2,26 37,80% 0,86 1,40 61%
álcool 2,99 43,30% 1,29 1,70 76%
sabão em barra 3,31 40,50% 1,34 1,97 68%
saponáceo 2,09 40,50% 0,85 1,24 68%
Materiais de Construção
vaso sanitário 60,00 39,50% 23,70 36,30 65%
saco de cimento 22,00 39,50% 8,69 13,31 65%
lata de tinta 90,00 39,50% 35,55 54,45 65%
tijolo 170,00 12,70% 21,58 148,42 15%
Bens de Consumo Durável
TV 29´´ 1.249,00 38,00% 474,62 774,38 61%
DVD 620,00 38,00% 235,60 384,40 61%
Som Micro System 890,00 38,00% 338,20 551,80 61%
Automóvel 28.000,00 29,00% 8.120,00 19.880,00 41%
Mercearia
biscoito 1,20 35,00% 0,42 0,78 54%
feijão 3,34 18,00% 0,60 2,74 22%
açúcar 1,01 40,50% 0,41 0,60 68%
sal 0,74 29,50% 0,22 0,52 42%
farinha de trigo 1,59 34,50% 0,55 1,04 53%
macarrão 1,69 35,20% 0,59 1,10 54%
óleo 3,82 37,20% 1,42 2,40 59%
café 4,12 36,50% 1,50 2,62 58%
margarina 500 g 3,52 37,20% 1,31 2,21 59%
sabonete 0,90 42,00% 0,38 0,52 72%
iogurte 3,67 24,00% 0,88 2,79 32%
suco de frutas 3,02 37,80% 1,14 1,88 61%
Leite longa vida 1,53 33,60% 0,51 1,02 51%
achocolatado 3,59 37,80% 1,36 2,23 61%
Enlatados
ervilha 1,19 35,90% 0,43 0,76 56%
molho de tomate 1,30 36,70% 0,48 0,82 58%
milho verde 1,33 37,40% 0,50 0,83 60%
Carnes
bovina 6 18,70% 1,12 4,88 23%
frango 4 18,00% 0,72 3,28 22%
Bebidas
refresco em 0,80 38,30% 0,31 0,49 62%
cerveja 0,96 56,00% 0,54 0,42 127%
refrigerante em lata 0,93 47,00% 0,44 0,49 89%
água 1,5 l 1,20 45,10% 0,54 0,66 82%
cachaça 1 l 3,10 83,10% 2,58 0,52 491%
Cama, Mesa e Banho
lençol 26,80 37,50% 10,05 16,75 60%
toalha de banho 16,80 36,30% 6,10 10,70 57%
cobertor 34,90 37,40% 13,06 21,84 60%
Serviços de Utilidade Pública
energia elétrica 100 0,458 45,8 54,2 0,85
telefone 100 0,405 40,5 59,5 0,68
Outros
gasolina 1,99 0,571 1,14 0,85 1,33
remédios 100 0,304 30,38 69,62 0,44
cigarro 2,5 0,817 2,04 0,46 4,46
Fonte: IBTP. Tributos considerados: IPI, ICMS, PIS/PASEP, Cofins e estimativas de INSS, FGTS, CPMF, IRPJ e CSLL.
207
ANEXO 2 - VALOR DA TERRA NUA TRIBUTÁVEL SEGUNDO O GRAU DE
UTILIZAÇÃO
Lei nº 8.847/94
TABELA I: GERAL
UTILIZAÇÃO EFETIVA DA ÁREA APROVEITÁVEL %
TAMANHO
HECTARES
>80 >65 A 80 >50 A 65 >30 A 50 0 A 30
Até 25 0,02 0,04 0,08 0,14 0,2
25 a 50 0,03 0,06 0,12 0,2 0,3
50 a 100 0,05 0,1 0,2 0,35 0,5
100 a 250 0.07 0,15 0,3 0,5 0,7
250 a 500 0,1 0,2 0,4 0,7 1
500 a 1000 0,15 0,3 0,6 1 1,4
1000 a 2000 0,2 0,4 0,8 1,35 1,9
2000 a 3000 0,25 0,5 1 1,7 2,4
3000 a 5000 0,3 0,6 1,2 2,05 2,9
5000 a 10000 0,35 0,7 1,4 2,4 3,4
10000 a 15000 0,4 0,8 1,6 2,75 3,9
Acima de 15000 0,45 0,9 1,8 3,15 4,5
TABELA II: MUNICÍPIOS DO POLÍGONO DA SECA E DA AMAZÔNIA ORIENTAL
UTILIZAÇÃO EFETIVA DA ÁREA APROVEITÁVEL %
TAMANHO
HECTARES
>80 >65 A 80 >50 A 65 >30 A 50 0 A 30
Até 40 0,02 0,04 0,08 0,14 0,2
40 a 80 0,03 0,06 0,12 0,2 0,3
80 a 160 0,05 0,1 0,2 0,35 0,5
160 a 400 0.07 0,15 0,3 0,5 0,7
400 a 800 0,1 0,2 0,4 0,7 1
800 a 1600 0,15 0,3 0,6 1 1,4
1600 a 3200 0,2 0,4 0,8 1,35 1,9
3200 a 4800 0,25 0,5 1 1,7 2,4
4800 a 8000 0,3 0,6 1,2 2,05 2,9
8000 a 16000 0,35 0,7 1,4 2,4 3,4
16000 a 24000 0,4 0,8 1,6 2,75 3,9
Acima de 24000 0,45 0,9 1,8 3,15 4,5
TABELA III: MUNICÍPIOS DA AMAZÔNIA OCIDENTAL E DO PANTANAL MATOGROSSENSE E SUL
MATOGROSSENSE
UTILIZAÇÃO EFETIVA DA ÁREA APROVEITÁVEL %
TAMANHO
HECTARES
>80 >65 A 80 >50 A 65 >30 A 50 0 A 30
Até 80 0,02 0,04 0,08 0,14 0,2
80 a 160 0,03 0,06 0,12 0,2 0,3
160 a 320 0,05 0,1 0,2 0,35 0,5
320 a 800 0.07 0,15 0,3 0,5 0,7
800 a 1600 0,1 0,2 0,4 0,7 1
1600 a 3200 0,15 0,3 0,6 1 1,4
3200 a 6400 0,2 0,4 0,8 1,35 1,9
6400 a 9600 0,25 0,5 1 1,7 2,4
9600 a 16000 0,3 0,6 1,2 2,05 2,9
16000 a 32000 0,35 0,7 1,4 2,4 3,4
32000 a 48000 0,4 0,8 1,6 2,75 3,9
Acima de 48000 0,45 0,9 1,8 3,15 4,5
Acima de 48000 0,45
208
Lei nº 9.393, de 19/12/96
TABELA GERAL
GRAU DE UTILIZAÇÃO - GU (EM %)
Área total do imóvel
(em hectares)
> 80 > 65 até 80 > 50 até 65 > 30 até 80 Até 30
Até 50 0,03 0,2 0,4 0,7 1
50 a 200 0,07 0,4 0,8 1,4 2
200 a 500 0,1 0,6 1,3 2,3 3,3
500 a 1.000 0,15 0,85 1,9 3,3 4,7
1.000 a 5.000 0,3 1,6 3,4 6 8,6
Acima de 5.000 0,45 3 6,4 12 20
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