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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA DO CARMO GODINHO DELGADO
ESTRUTURA DE GOVERNO E AÇÃO POLÍTICA FEMINISTA:
A EXPERIÊNCIA DO PT NA PREFEITURA DE SÃO PAULO
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2007
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iii
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA DO CARMO GODINHO DELGADO
ESTRUTURA DE GOVERNO E AÇÃO POLÍTICA FEMINISTA:
A EXPERIÊNCIA DO PT NA PREFEITURA DE SÃO PAULO
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de D
OUTORA em CIÊNCIAS SOCIAIS sob a
orientação do Prof. Doutor Luiz Eduardo W.
Wanderley.
SÃO PAULO
2007
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v
São Paulo, ___ de outubro de 2007. .
B
ANCA EXAMINADORA .
......................................................................
Professor Dr. Luiz Eduardo W. Wanderley .
......................................................................
Professora Dra. Heleieth I. B. Saffioti .
......................................................................
Professora Dra. Maria José F. Rosado Nunes.
......................................................................
Professora Dra. Maria Lúcia da Silveira .
......................................................................
Professora Dra. Vera Lúcia Michalany Chaia.
vii
A
GRADECIMENTOS
Na elaboração deste trabalho contei com a colaboração de diversas pessoas.
Agradeço a todas que, direta ou indiretamente, tornaram possível sua conclusão.
Várias pessoas colaboraram no levantamento de informações, em entrevistas, coleta
de dados, esclarecendo dúvidas e solucionando problemas. Agradeço a todas, que
atenderam prontamente às minhas inúmeras solicitações: da Coordenadoria da Mulher da
Prefeitura de São Paulo (1989-1992), Simone Grillo Diniz, Flávia Pereira, Liège Rocha,
Sara Romera e Maria Tereza Verardo; Ivete Garcia e Silmara Conchão (Santo André);
Cibele Lacerda e Vera Lúcia Oscar Alves da Silva (Santos); Dida Dias e Rai Almeida
(Piracicaba); Maria de Lourdes Bragato (Diadema); Lady Aquino (Acre). E, ainda, Maria
Luíza da Costa, Ana Maria Isidoro, Márcia Valéria, Ana Lúcia Cavalcanti, Marli Emílio.
Agradeço às professoras Maria Lúcia da Silveira e Maria José Rosado pelas
contribuições no exame de qualificação e pelo apoio e incentivo, solidário e crítico. E
também às professoras Vera Chaia, Maria Isabel Baltar Rocha e Raquel Raichelis por
aceitarem o convite para compor a banca examinadora da tese.
Em especial, agradeço à professora Heleieth I. B. Saffioti e ao professor Luiz
Eduardo Wanderley pela orientação deste trabalho e, de forma muito especial, pela
solicitude e desprendimento que expressaram em compartilhar a busca de soluções que
viabilizassem sua conclusão.
Finalmente, agradeço a todas as companheiras com quem tenho compartilhado os
desafios de um feminismo cuja práxis não recusa adentrar o terreno árido da militância
política. Com elas foi construída boa parte das reflexões presentes neste texto.
ix
Resumo
Este trabalho aborda a criação de mecanismos governamentais voltados à intervenção do
poder público em políticas para mulheres, surgidos no Brasil a partir da década de 1980.
Analisa a proposta, elaborada por militantes feministas do PT, de um organismo de caráter
elaborador, formulador e executor de políticas, em conjunto com outras áreas de governo,
como propulsor da implantação de uma ação política de governo orientada por uma
perspectiva feminista.
Insere o surgimento da proposta no contexto de emergência das mulheres como um novo
sujeito político e social no país que, organizando um expressivo movimento nos anos finais da
ditadura, apontaram a necessidade de construir instrumentos específicos para incidir sobre a
ação do Estado; sendo, então, criados os conselhos da mulher, que se caracterizaram como
organismos de mediação entre o movimento de mulheres e o Estado; modelo distinto do
defendido por feministas petistas.
Considerando a crítica apresentada pelas petistas à ambigüidade presente na concepção de
conselhos da mulher, a tese analisa a implementação da proposta petista, nos dois momentos
em que o partido assumiu a prefeitura de São Paulo (1989-1992 e 2001-2004), com a criação
da Coordenadoria Especial da Mulher, apontando limites da assimilação da proposta pelo
partido e as potencialidades de uma ação feminista no interior da administração, impulsionada
por uma estrutura de governo voltada a este fim. Confirma que o lugar hierárquico na
estrutura organizacional do governo e a legitimidade e autoridade para a atuação deste
organismo – tributárias do peso que o núcleo de governo atribui ao projeto – são definitivos
para que sua ação seja eficaz; incidindo, também, sobre as condições disponíveis para o
desempenho do trabalho.
Argumenta que o movimento de mulheres é ator central para pressionar por mudanças na ação
do Estado, mas não suficiente. A presença de um pólo feminista no interior dos partidos
políticos é decisiva para que o Estado adote políticas em favor das mulheres, uma vez que são
os partidos os agentes centrais na formação dos governos. Aponta, ainda, que a conjuntura e
as opções estratégicas desenvolvidas pelo movimento de mulheres têm forte influência nas
possibilidades de que o Estado inclua em sua agenda políticas para as mulheres.
Considera que a ação do Estado ainda é pautada por uma concepção limitada da cidadania das
mulheres, que atribui a elas a responsabilidade prioritária com a reprodução social, fundada
na dicotomia entre público e privado. Apóia-se na elaboração sobre as relações sociais de
sexo e na divisão sexual do trabalho como instrumentos teóricos que melhor explicam a
dinâmica da desigualdade entre mulheres e homens, em detrimento da forma como o conceito
de gênero foi majoritariamente incorporado no Brasil.
Palavras-chave: mulheres, feminismo, políticas públicas, governo, Prefeitura de São Paulo,
Partido dos Trabalhadores
xi
A
BSTRACT
The present study focuses on the creation of governmental mechanisms, arisen in Brazil as of
the 1980s, designed to guide government intervention in women-related policies. It analyzes
the proposal, drafted by Workers’ Party feminist militants, of a government body for
elaboration, formulation and policy-executing, in conjunction with other government areas, so
as to propel the implementation of government political action from a feminist perspective.
It places the drafting of the proposal within the framework of the emergence of women as a
new political and social actor in the country, who organized a strong movement in the late
years of the dictatorship and pointed to the need for building specific instruments to influence
State action; hence, the creation of the councils on the status of women, as mediating bodies
between the women’s movement and the State; a model distinct from that advocated by other
Workers’ Party feminists.
Considering the critique presented by the Workers’ Party feminists regarding the ambiguity
present in the concept underlying the councils on the status of women, the thesis analyzes the
implementation of the Workers’ Party proposal at the two moments during which the party
took over the local government of the city of São Paulo (1989-1992 and 2001-2004), with the
creation of the Women’s Special Coordination (Coordenadoria Especial da Mulher). It points
out constraints to the proposal’s assimilation by the party and the potentialities of feminist
action within the administration, boosted by a government structure designed to that end. It
confirms that the hierarchical locus in the government’s organizational structure and the
legitimacy and authority for this body’s mandate – tributaries of the weight that the nucleus of
the government attributes to it – are crucial for its action to be efficacious, affecting also
conditions available for performing the task.
It argues that the women’s movement is a central actor in pushing for changes in State action,
albeit not sufficient. The presence of a feminist core inside political parties is decisive for the
State to adopt policies in favor of women, given that parties are the central agents in forming
governments. It also indicates that the political and economic context and the strategic
choices made by the women’s movement strongly influence the likelihood of the State
including women policies in its agenda.
It considers that State action is still guided by a limited concept of women’s citizenship,
which ascribes to them the priority responsibility for social reproduction, founded on the
dichotomy between public and private. It draws on elaborations on social relations of sex and
on the sexual division of labour as theoretical instruments that would better explain the
dynamic of inequality between women and men, to the detriment of the form whereby the
concept of gender was overwhelmingly incorporated in Brazil.
Keywords: Women in politics – Brazil, Government policy – Brazil,
Brazil – Workers Party, Feminism, São Paulo (Municipal Government)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................1
C
APÍTULO 1
Estado e relações sociais de sexo ..................................................................................11
1 Estado e configuração de políticas e direitos .......................................................................11
1.1 Público e privado: uma cidadania cindida (ou, cidadania universal para alguns)...........................13
1.2 Estado e relações sociais de sexo ....................................................................................................29
2 Limites e contradições da pressão das mulheres perante o Estado ......................................34
3 Relações sociais de sexo, gênero e sujeito político mulheres ..............................................41
4 Importância da conjuntura....................................................................................................50
5 Em resumo............................................................................................................................54
CAPÍTULO 2
Mulheres: novos sujeitos e novas demandas no Brasil .................................................59
1 Novos sujeitos: novas demandas..........................................................................................59
2 Novos sujeitos: novas respostas ...........................................................................................67
3 Mulheres: uma proposta de ação do Estado .........................................................................72
3.1 Conselhos dos direitos das mulheres...............................................................................................74
4 Instrumentos institucionais para ação de governo................................................................84
5 Em resumo............................................................................................................................88
CAPÍTULO 3
Atuar por dentro do executivo: a construção de uma proposta no PT ..........................93
1 Militância feminista e atuação partidária (anos 1980-1990)................................................96
1.1 Atuação das petistas no movimento de mulheres..........................................................................102
2 Primeiros passos de uma proposta de governo...................................................................104
2.1 Formulação inicial sobre a ação de governo .................................................................................105
2.2 Conjuntura adversa........................................................................................................................112
3 Proposta de organismo formulador e executor...................................................................115
3.1 Órgão de caráter executivo, de ação de governo...........................................................................117
3.1.1 Lugar na estrutura organizacional.........................................................................................121
3.1.2 Recursos orçamentários e administrativos............................................................................126
3.2 Implementação conjunta e políticas específicas............................................................................129
4 Em resumo..........................................................................................................................138
CAPÍTULO 4
Da proposta à concretização........................................................................................141
1 A criação da Coordenadoria Especial da Mulher (1989-1992) ......................................... 142
1.1 Lugar na estrutura organizacional e construção de legitimidade no governo............................... 147
1.2 Articulação de atores estratégicos ................................................................................................ 152
1.3 Inovação nas políticas................................................................................................................... 158
1.4 Isolamento institucional................................................................................................................ 160
1.5 Limites administrativos ................................................................................................................ 166
1.6 Em resumo.................................................................................................................................... 169
2 Coordenadoria Especial da Mulher: gestão 2001-2004..................................................... 171
2.1 Campanha e programa de governo............................................................................................... 171
2.2 Lugar na estrutura organizacional ................................................................................................ 174
2.3 Estratégia de atuação e enfrentamento dos limites....................................................................... 177
2.3.1 Articulação interna ao governo ............................................................................................ 177
2.3.2 Articulação de atores para além do governo ........................................................................ 181
2.3.3 Limites administrativos....................................................................................................... 184
2.4 Eixos de atuação........................................................................................................................... 190
2.4.1 Intervenção para a mudança de práticas sociais: igualdade e não discriminação como valores
........................................................................................................................................................ 192
2.4.2 Políticas concretas para alterar a vida das mulheres............................................................. 197
a) Enfrentamento da violência sexista............................................................................................ 198
b) Política de creches e educação infantil....................................................................................... 203
c) Trabalho e autonomia econômica.............................................................................................. 206
2.4.3 Democracia, participação e controle social.......................................................................... 209
2.5 Em resumo.................................................................................................................................... 212
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................217
R
EFENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................223
A
NEXOS .......................................................................................................................235
1 Roteiro das entrevistas ........................................................................................................ 237
2 Lei de criação da Coordenadoria Especial da Mulher – PMSP......................................... 239
3 Projeto da Coordenadoria Especial da Mulher – PMSP.................................................... 241
1
INTRODUÇÃO
A Cidadania das mulheres foi limitada desde o nascimento da moderna noção de
direitos, nos marcos que formam o arcabouço das principais noções de política (politics),
das instituições políticas (polity) e da ação dos cidadãos no mundo público, forjadas nos
inícios da modernidade. Ao serem consideradas prisioneiras de sua “natureza feminina”,
as mulheres não podem ascender à cidadania integral. Os limites desta concepção são
rearranjados em cada época, forçados pela ação política coletiva das mulheres, mas nem
por isso desaparecem. A efetiva desigualdade entre mulheres e homens permanece como
característica central das sociedades atuais.
No Brasil, como em outros países da América Latina, a segunda onda do
feminismo se desenvolveu em um terreno fértil para mudanças, favorecido pela
coincidência com o período de transformações políticas que caracterizaram a transição do
final da ditadura. É o período em que novos personagens entraram em cena (
SADER, 1988)
e ganharam estatuto de interlocutores na reorganização político-institucional em curso no
país. Como parte dos movimentos sociais, e conformando movimento próprio, o
movimento de mulheres soube aproveitar este momento favorável para que entrassem, no
cenário das mudanças, aspectos importantes da sua pauta. Valendo-se das brechas
existentes no senso comum conservador, que não olhava as mulheres sob a suspeita da
subversão, militantes feministas atuaram para a formação de um movimento de mulheres
massivo e enraizado socialmente, que introduziu temas e mobilizações inovadoras no
campo da política.
A reivindicação de que o poder público respondesse às novas necessidades e às
novas questões, nascidas do questionamento da desigualdade entre mulheres e homens,
abriu caminho para que fossem repensados aspectos da própria organização do Estado.
Sua pretensa “neutralidade”, como propositor e articulador de interesses públicos, vai
2
sendo desvelada pelo olhar crítico sobre esta desigualdade específica. A cobrança para que
o poder público atue para alterar as desigualdades sociais ganha, assim, o foco de um novo
sujeito político e social, que demanda alteração das relações de poder e o acesso a direitos
em suas dimensões social e política.
A crescente participação feminina cumprindo tarefas fora do âmbito doméstico, no
mercado de trabalho, na educação, nos espaços públicos, fortalece esta demanda, cria
novas exigências e desafios para a elaboração e implementação de políticas públicas.
A proposta de criação de organismos no nível do poder executivo, voltados às
políticas para as mulheres, surgiu, no Brasil no início dos anos 1980. No bojo de um
processo de mobilização e organização dos movimentos sociais, que marcou o final do
período da ditadura militar, o movimento de mulheres, pela história peculiar com que se
desenvolveu no país, estabeleceu importante e conflituosa interação com os partidos
políticos. Ao mesmo tempo, as marcantes alterações da situação das mulheres na
sociedade brasileira pressionaram os partidos políticos a ampliarem seu foco de visão,
dirigindo-se também a elas, se não incorporando-as em suas dinâmicas e projetos, ao
menos como público eleitoral. Assim, nas eleições de 1982, os partidos políticos
apresentaram propostas dirigidas às mulheres; candidaturas de mulheres se apresentaram
como representantes ou porta-vozes de suas demandas. Por suas características de
oposição, comportando maior relação com os movimentos sociais e maior abertura às
temáticas por eles sugeridas, PT e PMDB serão mais permeados pela atuação de militantes
do movimento de mulheres. A relação entre a atuação no movimento e em partidos
políticos não se faz sem contradições, seja para as militantes feministas atuantes nos dois
espaços, seja para aquelas que optavam por apenas um deles.
Logo após as eleições de 1982, tendo sido o PMDB vitorioso no Estado de São
Paulo, o grupo de mulheres do partido apresentou, ao governador eleito, a proposta de
3
criação de um conselho, envolvendo representantes do governo e da sociedade civil, para
lidar com as questões relacionadas às mulheres no governo. Processo similar leva à
criação do conselho em Minas Gerais, Estado em que também o PMDB fora vitorioso.
Foram estes os primeiros conselhos da mulher, criados em 1983, constituindo modelo
desenvolvido no Brasil de mecanismo institucional visando a introduzir alterações na
dinâmica de ação do Estado, no que ela incide sobre as relações entre mulheres e homens.
A despeito da afirmativa de várias de suas proponentes, de que a proposta não se fundava
na perspectiva de um organismo de representação do movimento no interior do Estado, o
fato é que a ambigüidade estabelecida, na relação entre Estado e sociedade, foi marca de
sua formação e do modelo que se multiplicou no país. A necessidade de criação de novas
institucionalidades, capazes de incidir sobre a intervenção do Estado em relação às
desigualdades entre mulheres e homens, entretanto, mobilizava opiniões em campos
divergentes.
Já na segunda metade da década de 1980, militantes feministas organizadas dentro
do Partido dos Trabalhadores buscaram formular uma proposta distinta, orientada a um
papel de caráter executivo, concretizada pela primeira vez nos governos municipais eleitos
pelo partido em 1988. A proposta de criação de um organismo de governo no formato
Secretaria/Ministério, dependendo do nível de governo no qual estivesse inserida, partia
de uma visão distinta da relação com o Estado, percebida sempre como mediada pelo
projeto político-partidário hegemônico no governo. Avaliação crítica no decorrer da
implantação dos conselhos da mulher, fortalece a definição de uma posição alternativa,
fundada em opção estratégica distinta, que embasa as duas proposições. A proposta
desenvolvida pelo PT, em tese, optou por priorizar a disputa de um espaço próprio de
implementação de políticas no interior do governo, inserida em um projeto partidário, em
pé de igualdade com as estruturas definidoras do conjunto das políticas neste âmbito. A
4
proposta de conselho, como foi concretizada, em tese, priorizou disputar as propostas a
partir da mediação Estado-sociedade.
Sem deixar de lado a importância da relação com o movimento de mulheres e a
construção de uma forma democrática de articulação e decisão do programa e das políticas
públicas, avaliou-se a necessidade de priorização de um organismo no nível do executivo
que, compartilhando a responsabilidade, as demandas e as exigências colocadas sobre o
governo, fizesse, internamente, a articulação e a defesa de políticas públicas visando à
alteração da desigualdade entre mulheres e homens. Tal proposta partia de alguns
pressupostos:
a) primeiro, que a existência de um organismo ordenador, articulador e
centralizador de tais políticas é elemento essencial para a construção de uma
coerência do programa e da ação governamental, orientando-se às mulheres
como cidadãs e à alteração no padrão de desigualdade das relações sociais
de sexo;
b)em segundo lugar, de que sua alocação necessita ser em lugar estratégico
para a articulação e definição das políticas dentro da estrutura do governo;
c) em terceiro lugar, que sua eficácia dependeria, também, dos instrumentos
para atuação a seu alcance;
d)finalmente, as possibilidades de sucesso vinculam-se à vontade política
expressa pelo núcleo dirigente do governo.
A capacidade de ação de uma estrutura cuja natureza é primordialmente de
articulação de políticas e mudança de padrões na ação governamental, no que diz respeito
às relações sociais de sexo – implicando negociação de propostas, elaboração e sugestão
de diretrizes nas diversas áreas, implementação conjunta de projetos e programas – é
fortemente dependente da existência de uma vontade política do governo. Para que a
5
proposta seja eficaz, considerando a dinâmica das relações e atribuições de função e poder
dentro da máquina pública, é central que lhe seja atribuída autoridade e legitimidade para
o desenvolvimento de propostas e ações estruturalmente dependentes de co-
responsabilização intersecretarial. Não se trata de ação setorial; propõe-se que a
perspectiva da igualdade entre mulheres e homens deve ser introduzida e assimilada pela
ação pública como um todo, o que se faz na contracorrente da desigualdade estrutural que
pauta as relações sociais de sexo. Estas são duas razões centrais para o questionamento da
localização das Coordenadorias/Assessorias da Mulher, como a proposta foi concretizada
nos governos petistas, dentro de Secretarias com programas delimitados (como assistência
social), ou dentro de um pretenso guarda-chuva (como direitos humanos; cidadania etc.)
que tornam ainda mais enviesada sua articulação com as demais áreas de governo e
compromete, em geral, sua perspectiva de atuação política. E é argumento primordial para
a proposição da existência de uma Secretaria específica.
A legitimidade e eficácia da articulação dependem, sem dúvida, de vários outros
fatores, como a posição dos atores dentro do processo de articulação política, internamente
ao governo; sua capacidade de construção de alianças; bem como a força ou debilidade
dos atores externos com quem se interage, e cujo posicionamento influencia a legitimação
ou não da proposta, tanto dentro quanto fora do governo.
Embora o PT tenha tido até o momento uma presença em governos de Estados e
municípios numericamente bastante inferior aos demais grandes partidos no país, foi no
âmbito desse partido que se desenvolveu, no período, proposta específica para atuação no
interior do executivo. A presença do PT no governo de municípios importantes, como as
prefeituras de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória, Campinas, Santos,
municípios do ABC paulista, Caxias do Sul, entre outros, além de alguns governos
estaduais, o credenciou como uma dos principais projetos de governo no país.
6
Esta tese analisa a proposta de organismo de política para as mulheres, elaborada
pelo PT, partindo da experiência no município de São Paulo, onde o partido dirigiu a
prefeitura por duas vezes, de 1989 a 1992 e de 2001 a 2004. A discussão se concentrou no
processo de implantação de uma proposta que argumenta ser necessária a atuação de um
organismo coordenador para alterar a ação do poder público, com base na articulação e na
legitimação de um programa, refletindo uma plataforma feminista; proposta esta
dependente do envolvimento de atores estratégicos dentro e fora do governo; da posição
na estrutura organizacional, de seus limites estruturais e políticos e das estratégias para
enfrentá-los. Algumas das políticas implementadas serviram de exemplo para verificação
da aplicação do conteúdo da plataforma proposta.
Para fundamentar esta discussão, foram apresentados os limites da configuração de
políticas e direitos na modernidade, fundada em uma dicotomia entre público e privado
que, portadora de uma perspectiva de inadequação das mulheres ao mundo público, tem
como norma, a reafirmação, também por meio da ação governamental, da divisão sexual
do trabalho e relações sociais de desigualdade entre mulheres e homens. O Estado define
as políticas sociais considerando uma dada relação entre Estado, mercado e família; e o faz
sob a hegemonia de determinados grupos sociais. A presença das mulheres, como um
sujeito político e social coletivo, expressando sua ação pelo movimento de mulheres,
apesar de introduzir temas e questões inovadoras, inclusive no campo da política, não tem
tido força suficiente para impor alteração significativa na lógica da ação do Estado,
concretizada pela atuação governamental, de forma a incidir positivamente para alterar as
relações sociais de sexo, em favor das mulheres.
O pressuposto com o qual se trabalha é que a ação de governo só se altera se, em
seu interior, se organiza um núcleo com capacidade e condições de articular uma nova
visão de ação pública, orientada a superar as desigualdades que estruturam as relações
7
sociais de sexo. Capacidade e condições são dadas por vários fatores, como visto, com
destaque para o grau de integração da proposta de uma política feminista no interior do
projeto político na direção do governo. Limites são, também, dados pela conjuntura do
período, pela força da organização das mulheres, expressa, fundamentalmente através do
movimento, bem como pela influência que este ideário tenha conquistado na sociedade.
Assim, buscaremos responder às seguintes questões:
[1] Em que medida as mulheres organizadas como um sujeito político e social
são capazes de tensionar a atuação do Estado, a ponto de assegurar que uma
pauta de questões e reivindicações encontre resposta na ação institucional?
[2] Para que o poder público responda a esta pressão de forma eficaz é
necessário gerar alterações na estrutura governamental? Que opções
surgiram, no Brasil, de instrumentos na estrutura organizativa
governamental, para alterar a dinâmica de intervenção do Estado e suas
principais características?
[3] Quais são as soluções adotadas pelo PT e seus limites? Como a proposta
elaborada foi concretizada nos governos petistas na prefeitura de São Paulo?
A pesquisa foi feita partindo-se de documentos do período, em particular das
propostas de programa de governo, apresentadas pelo PT, em nível federal, para o Estado
de São Paulo e para a capital paulista; documentação de coletivos de mulheres do PT
(secretarias de mulheres), bem como dos encontros de mulheres do partido; documentos
específicos que discutem a proposta e encaminhamentos para os organismos de mulheres
nos cinco governos municipais petistas nos quais houve a iniciativa de sua criação, na
gestão 1989-1992, e em especial na capital de São Paulo; documentação e publicações da
8
Prefeitura do Município de São Paulo, em particular da Coordenadoria Especial da
Mulher, no período 2001-2004.
Para a análise do período 1989-1992, o exame da documentação disponível – em
alguns casos, praticamente inexistente – foi considerado insuficiente. Foram, então,
realizadas entrevistas com integrantes do grupo que coordenou a experiência (cinco, entre
seis que compuseram a equipe inicial). No caso das demais prefeituras, cuja experiência
serviu para compor o quadro da intervenção partidária e como eventual contraponto à
experiência da capital, para todos os municípios, foram feitas discussões com a
responsável pela coordenação, na primeira gestão, às vezes por mais de uma vez, com
entrevista estruturada apenas para o caso de Santo André. O mesmo foi feito com
coordenadoras que atuaram em gestões posteriores. As entrevistas não serão nominadas,
sendo indicadas por número.
Na redação, surge sempre o incômodo de lidar com as regras da gramática que
encobrem as mulheres em um masculino genérico. As soluções mais usuais – de vogais
entre parênteses, (a) e (o), ou a repetição em seqüência de palavras no masculino e no
feminino – quando excessivas, acabam por tornar-se pequenos tropeços na leitura. Por
isso, utilizamos estes recursos em poucos trechos do texto, em especial naqueles
momentos em que o “universal masculino”, expresso na linguagem, soava incompatível
com o protagonismo das mulheres.
Finalmente, é preciso explicitar meu envolvimento direto com o objeto de análise.
Exerci o cargo de coordenadora da Coordenadoria Especial da Mulher da Prefeitura de
São Paulo, na gestão 2001-2004, dirigida pela prefeita Marta Suplicy. Além disso, sou
militante do movimento de mulheres desde o início da década de 1980 e, durante muitos
anos, atuei na organização do trabalho feminista do PT. Trata-se, portanto, de um estudo
no qual minha participação está inserida, diretamente, no objeto analisado. O esforço de
9
distanciamento e crítica, indispensável para a elaboração de um trabalho científico, torna-
se, assim, ainda maior. Em particular, se a crítica almeja um rigor necessário para ser
capaz de contribuir para melhor compreensão de algumas das contradições da construção
de um projeto feminista, que não recusa o desafio de atuar por dentro de instituições
centrais na estruturação e no exercício do poder na sociedade – os partidos políticos e as
instâncias governamentais, nos marcos de um projeto político mais amplo –, buscando
desvendar, dentro delas, as contradições das relações sociais de sexo e semear
possibilidades, ainda que com imensas limitações, de sua superação.
A política é, por excelência, o campo prático onde se confrontam visões e
propostas de sociedade. Integrar-se como conteúdo e prática essenciais à política é desafio
central do feminismo, se o concebemos como construção teórica e prática indispensável
para alcançar um mundo com relações igualitárias. As experiências de ousar tentar esta
integração ainda são pouco conhecidas. Multiplicar as análises sobre elas poderá
contribuir não só para entendê-las e explicá-las, mas também para uma nova prática de
intervenção do Estado sobre as relações sociais de sexo.
11
CAPÍTULO 1
ESTADO E RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO
O Estado incide sobre as mais diversas ordens de questões, desde a economia e a
política; a ideologia, a cultura e as comunicações, onde também se inserem
comportamentos, valores e interesses em disputa; em todos os âmbitos das relações
sociais. Sua atuação reflete disputas e contradições em jogo na sociedade; a posição dos
atores e as pautas dominantes, do ponto de vista da sociedade e do ponto de vista do
próprio Estado, dentro de condições concretas. Uma das resultantes históricas destes
conflitos, refletidas dentro e fora do poder público, foi a ampliação das dimensões da
cidadania, conformada não com a total ausência das mulheres, mas com o pressuposto de
sua restrição ao âmbito privado-familiar e, assim, subsidiária de um homem abstrato,
considerado chefe e representante de toda a família. Se tal concepção foi questionável
mesmo em épocas marcadas por maior dependência econômica das mulheres,
denunciando o caráter de discriminação econômica presente nas noções de direitos da
sociedade capitalista, a justificava para a inexistência de uma cidadania feminina integral
torna-se cada vez mais incongruente, com a presença massiva das mulheres em atividades
remuneradas, com sua presença cada vez maior no mundo público.
1ESTADO E CONFIGURAÇÃO DE POLÍTICAS E DIREITOS
O papel do Estado na configuração de políticas e direitos foi realçado a partir da
Segunda Guerra Mundial, com a afirmação da noção de direitos sociais e a instituição do
Estado do Bem-Estar Social, em continuidade a uma dinâmica de intervenção fortalecida
após a crise de 1929 (
BORÓN, 1999; DELGADO, 2001). Mesmo nos países dependentes, onde
não se pode caracterizar a criação de um Estado de Bem-Estar Social, a ampliação do
papel do Estado na regulamentação das relações sociais por meio de políticas públicas
12
ganhou significativo impulso. Conflitos e contradições sociais ocupavam espaço na esfera
pública e o Estado passou a influenciar e regular, cada vez mais, não apenas os processos
de acumulação do capital, mas a intervir na mediação das relações entre as classes e os
interesses dos diversos grupos e setores em disputa na sociedade. Esta dinâmica deu
origem ao corpo de políticas sociais ainda hoje existentes e, em grande parte dos países
capitalistas centrais, às instituições do Estado de Bem-Estar Social. Embora estas
instituições e os direitos articulados pelo Estado do Bem-Estar social estejam hoje sob
forte questionamento, continua sendo esta a referência fundamental, o paradigma das
políticas sociais no Estado moderno.
O Estado contemporâneo estruturou-se nos marcos de uma concepção liberal,
tornada hegemônica com o desenvolvimento do capitalismo no Ocidente, a partir da
segunda metade do século XIX (
GRUPPI, 2001). Com o desenvolvimento do capitalismo, as
formas de produção e mercantilização dominantes possibilitaram que permanecesse
invisível o processo cotidiano de reprodução da vida. Estabeleceu-se uma dicotomia entre
os processos de produção, entendidos como a produção mercantil, e a ação cotidiana para
a produção e a reprodução da vida; ou, como também tem sido tratado, o trabalho e o
tempo empregados nas atividades para a reprodução econômica e para a reprodução social.
Ao mesmo tempo, as mudanças na estruturação do modelo de família, visto como apartado
da esfera da produção, isolavam de maneira singular as mulheres em uma nova
configuração da vida privada. Esta configuração, como mostra Ariès (1978), reformulou
os espaços da vivência cotidiana, reorganizando os locais de sociabilidade e os padrões de
família. Funda-se uma rígida divisão entre o público e o privado, refletindo-se na
reorganização das relações sociais de sexo: o mundo público como o âmbito por
excelência masculino, e o mundo privado como espaço apropriado para as mulheres. Neste
contexto, o mundo privado é entendido como a esfera das relações pessoais, do âmbito
13
familiar; e o mundo público, como o âmbito da sociedade, do mercado, das instituições
políticas etc. É neste contexto que se legitima, ainda hoje, apesar da forte presença das
mulheres no mundo público, a quase exclusividade dos homens em atividades
privilegiadas para o exercício do poder, como na política, em cargos de chefia nas relações
de trabalho, no controle das atividades econômicas.
1.1 PÚBLICO E PRIVADO: UMA CIDADANIA CINDIDA (OU, CIDADANIA UNIVERSAL PARA
ALGUNS
)
A crítica elaborada pelo movimento feminista, após os anos 1960, insiste na
desconstrução da rígida dicotomia entre o público e o privado. E defende a proposição de
novos paradigmas de análise e reconstrução das relações sociais (
BENHABIB e CORNELL,
1987). Ainda que as perspectivas de futuro sejam distintas para as diversas vertentes do
feminismo – em algumas análises, polarizadas pela ênfase na igualdade ou nas
prerrogativas da diferença; em outras, centradas nas perspectivas quanto à ação do Estado
e de um novo equilíbrio entre Estado, mercado e família; ou, ainda, voltadas para uma
reorganização radical do tempo – há uma convergência na compreensão de que a
artificialidade das oposições entre público e privado, produção e reprodução é um dos
mecanismos centrais na manutenção das relações de subordinação das mulheres (
KERGOAT,
1987;
HIRATA, 2002; PATEMAN, 1996; HERNES, 1990; CARRASCO, 2003; BENHABIB e CORNELL,
1987).
Com a emergência do capitalismo e graças a sua voracidade, foi-se constituindo
uma noção de tempo abstrato, tão-somente quantitativo. Não há mais o tempo qualitativo,
no qual era possível vivenciar cada experiência, cada relação social. Ariès (2003)
apresenta a alteração imposta pela dinâmica das novas relações mercantis às relações e
sentimentos, associados a aspectos da vida os mais impensáveis, quando analisa a
freqüente subjugação da morte à mercantilização da saúde e da medicina.
14
Sobre estes pressupostos se estabelece a organização do Estado, incorporando e
refletindo, de forma estrutural, as relações de desigualdade entre os sexos. Por esta razão,
teóricas feministas insistem no caráter patriarcal do Estado, sendo não apenas capitalista e
classista, mas também refletindo, em suas estruturas e dinâmicas, as relações desiguais
entre as categorias de sexo, assim como as relações de desigualdade étnico-raciais.
Há duas dimensões centrais na distinção entre público e privado. Em um primeiro
âmbito, a noção de espaço público e de espaço privado compreende como pertencentes ao
espaço privado todos os aspectos da vida pessoal, doméstica, familiar e, no âmbito do
mundo público, os elementos mediados pelas relações em sociedade, nas relações de
mercado, nas instituições políticas etc. Esta oposição organiza, da perspectiva do
pensamento liberal, a posição de homens e mulheres no mundo.
Uma segunda dimensão que distingue público e privado é aquela que trata como
mundo público os interesses coletivos encarados como públicos, expressos, em geral, pelo
Estado, por meio de suas políticas e ações. A coisa pública, em contraposição ao que
expressa interesses particulares, privados, tanto no âmbito da sociedade quanto no da vida
pessoal, familiar. O privado abrange, desta perspectiva, aquelas questões regidas em nossa
sociedade pelo direito privado, presidindo as relações de mercado e, também, as relações
pessoais.
Nancy Fraser (1987: 48-53), ao discutir as possibilidades de a conceituação de
Habermas abarcar as contradições entre mulheres e homens, no que diz respeito às
distinções entre público e privado, aponta esta concepção como envolvendo quatro termos:
família, economia (oficial), Estado, e “esfera pública”. Segundo ela, essa perspectiva
permite perceber duas separações distintas e inter-relacionadas, no capitalismo clássico. O
primeiro aspecto desta separação se expressa no nível dos “sistemas”, por um lado, o
Estado (e seu ordenamento jurídico) ou sistema público; por outro, a economia (oficial)
15
capitalista ou sistema privado. Um segundo aspecto da separação público-privado ocorre
no “mundo da vida”: por um lado, a família, ou a esfera privada do mundo da vida; e, por
outro, o espaço da formação de opinião e participação política ou a esfera pública do
mundo da vida. Fraser mostra que a identificação dos quatro termos pode ser rica na
compreensão das relações sociais; mas a oposição entre instituições sistêmicas e mundo da
vida tende a reduzir o caráter crítico de sua análise. Isso se agrava na inter-relação entre as
esferas. Habermas pressupõe papéis e vínculos sem lhes atribuir (ou desvendar) o “sub-
texto de gênero”
1
, subjacente aos modelos e características identificados. Fraser ressalta,
dentre outros, os problemas na caracterização do cidadão, a qual pressupõe capacidades de
consentir e falar, de participar do diálogo em igualdade de condições com os outros –
aspectos que, a autora aponta, são identificados com a participação masculina; ou a
omissão do trabalho de cuidados e socialização das crianças realizado no âmbito
doméstico-familiar, o que limita a compreensão das relações entre o mercado de trabalho
capitalista e a família.
Em outras palavras, permanece o problema de um modelo de análise que não
percebe os vínculos estruturais existentes entre as relações desenvolvidas no interior do
modelo de família dominante no capitalismo e a economia política, reguladora das
relações
1
A expressão “sub-texto de gênero” foi destacada por Fraser, com a informação que se encontra em The
gender subtext of power, trabalho inédito de Dorothy Smith (F
RASER, 1987:181). A elaboração citada pode
ser encontrada em Dorothy S
MITH. The Everyday World as Problematic: A Feminist Sociology.
Toronto: University of Toronto Press. 1987.
16
entre Estado e economia. Em outros termos, é esta mesma crítica que fundamenta os
questionamentos desenvolvidos e dirigidos, de um ponto de vista feminista, às análises das
políticas de bem-estar social (
SAINSBURY, 1999b; WOODWARD, 1998; BALBO, 1992; DEL RE,
1998), já que não desvendam o caráter diferenciado das relações sociais entre mulheres e
homens, condicionante implícito da grande maioria das políticas sociais (e do sistema de
seguridade social).
2
A definição da cidadania das mulheres tem sido, historicamente, identificada pela
atribuição a elas de um posicionamento primordial no espaço privado, compreendendo-se
aí a família, o mundo doméstico, as relações pessoais e íntimas. Neste sentido, o privado
se diferencia de tudo o que está fora deste âmbito, tanto o estatal, como o universo das
relações econômicas, tratadas diretamente como questões do mercado, ou a esfera das
relações políticas. O questionamento desta atribuição é central na crítica feminista às
relações de desigualdade entre as categorias de sexo.
A constituição das mulheres como sujeito político e social coletivo está
referenciada no seu processo de organização próprio que, fundado no reconhecimento da
desigualdade entre mulheres e homens, gera uma identidade de condição, de interesses e
necessidades, e uma ação coletiva sobre esta desigualdade. Assim, neste texto, a referência
a mulheres será feita tendo como pressuposto um sujeito político e social coletivo
mulheres, conformado como categoria social que – como as formulações de Poulantzas –
são conjuntos sociais cuja relação específica, cuja referência, é dada ao nível de outras
estruturas além da econômica (no caso, pelas relações sociais de sexo); e que são
referenciáveis no nível
2
Esping-Andersen, um dos principais estudiosos dos Estados do Bem-Estar Social, reconhece os
argumentos críticos desenvolvidos por teóricas feministas, e reelabora vários aspectos de sua análise. Ver
E
SPING-ANDERSEN (2000) e ESPING-ANDERSEN e outros (2002) em especial, seus artigos: “A new gender
contract”; “Towards a good society, once again?”; “A child-centred social investment strategy”.
17
político e ideológico. Ainda de acordo com o autor, categorias sociais tornam-se força
social a partir do momento em que sua presença, através da luta política, provoca
modificações das estruturas políticas e ideológicas, ou no campo da luta de classes.
3
É
fundamental que sejam caracterizadas em uma situação histórica concreta (
POULANTZAS,
1977: 76-82). Utiliza-se a conceituação categoria social por avaliá-la mais precisa que
setor social ou grupo social, para referir-se a mulheres como coletivo.
Há diferentes perspectivas informando as análises das distinções entre público e
privado no pensamento político ocidental atual; mas, em geral, sua origem é identificada
ao período de formação da política e do Estado moderno. De acordo com Carole Pateman
(1993, 1996), o fundamento teórico da separação liberal entre público e privado foi dado
por Locke que, ao postular o poder político como fruto de uma convenção, argumenta que
ele somente pode ser exercido por indivíduos livres e iguais, capazes de expressar
consentimento. Cristina Petit (1994), debruçando-se sobre o pensamento iluminista, insiste
que o liberalismo herdou a
[...] concepção clássica do ‘privado’ como ‘necessidade’ na medida em que aceita a
esfera do privado-doméstico como pré-política em um duplo sentido: primeiro, porque
nela não reina a liberdade; ao contrário, segue submetida ao estado de ‘natureza’; e,
em segundo lugar, porque a esfera do privado-doméstico é uma condição de
possibilidade para que o homem (varão) entre na associação, livremente contratada,
do público ou do político (P
ETIT, 1994: 106).
4
3
A atuação de categorias sociais terá efeitos mais ou menos estruturais na sociedade, o que o autor chama
de “efeitos pertinentes”, a depender da força que tenham para influenciar além das pautas públicas; em
especial, de gerar alterações de médio e longo prazo na organização política e nas dinâmicas das relações
sociais, refletindo-se “tanto em modificações importantes das estruturas políticas e ideológicas como em
modificações do campo da luta política e ideológica de classes”, introduzindo um elemento novo que, de
outra forma, não se apresentaria. Tal transformação teria que alterar os limites dos níveis de estrutura ou da
luta de classes. No exemplo dado, a existência dos camponeses parcelares “se reflete, a nível político por
‘efeitos pertinentes’ que são a forma particular de Estado do bonapartismo como fenômeno histórico”.
Mas o autor chama atenção que a ausência de “efeitos pertinentes” em nível político, não significa uma
ausência de prática política (P
OULANTZAS, 1977: 77-82).
4
A tradução de todos os trechos de textos com original em língua estrangeira citados neste trabalho foi
feita por mim.
18
Rousseau aparece, confirmando e, em parte, normatizando esta relação. Embora se
destaque, dentre outros pensadores da época, por sua visão de organização e participação
política, reafirma a distinção entre o poder paterno e a organização social pactuada por
contrato (
ROUSSEAU, 1978 e 2004). Nos dois textos, centrais para o pensamento político
moderno – Do contrato social e Emílio ou da educação – , reafirmando o pensamento da
época, considera que a autoridade do marido sobre a esposa se funda na natureza.
Rousseau vai mais além que alguns de seus contemporâneos, ao descrever e normatizar
uma educação feminina, em contraponto à masculina, necessária para a conformação do
papel de esposa, mãe e dona-de-casa, totalmente apartada do mundo público, ou seja, um
mundo privado a ser cultivado como o ideal feminino da Idade Moderna.
Destacam-se, neste ponto, dois aspectos fundamentais para a discussão aqui
desenvolvida, que considera indispensável uma alteração na forma como o poder público
interfere nas relações sociais de sexo. Em primeiro lugar, a restrição da cidadania das
mulheres, uma vez que são excluídas do espaço público, esfera por excelência para a
constituição de cidadãos. Em segundo lugar, a identidade feminina com a natureza,
justificadora da presença das mulheres exclusivamente em uma esfera considerada fora
das relações sociais. Com certeza, trata-se de uma construção ideológica adequada à
assimilação das relações sociais de sexo, fundadas na desigualdade, à nova configuração
de classes dominante com o desenvolvimento do capitalismo, quando se readequam os
mecanismos da divisão sexual do trabalho à rígida separação entre público e privado.
Como já mencionado, a formação social capitalista, assentada sobre as desigualdades de
classe, se apropria, em particular, das desigualdades entre as relações sociais de sexo e
étnico-raciais.
De fato, são aspectos distintos da mesma argumentação circular: a separação entre
o público e o privado e a identificação das mulheres com a natureza estabelecem uma
19
lógica dentro dos marcos do pensamento liberal, tendo como finalidade a negação da
cidadania para mulheres. Afinal, a noção de cidadão é exatamente a concepção de
indivíduos livres, iguais e autônomos, capazes de responderem por si próprios. Quem está
preso, antes de tudo, a uma subordinação natural nas relações pessoais, quem não pode ser
titular de si mesmo, não se constitui como indivíduo, nos termos discutidos pela
modernidade; contradição que permanece válida para as mulheres, na atualidade, em
vários aspectos.
O surgimento da noção de cidadania – e a autonomia a ela vinculada – não se
desprende historicamente do direito de propriedade. Rousseau criticou esta noção e
enxergava na propriedade privada um dos elementos de perversão das relações sociais.
Esta permaneceu, sem embargo, na base do conceito que se difundiu na modernidade. A
cidadania se vincula, ainda que com interpretações distintas em cada época, à
compreensão de quem são os indivíduos portadores de direitos. Contraposto ao
pensamento liberal, que se tornará hegemônico no Ocidente, o pensamento democrata
radical, inspirado em Rousseau, foi mais generoso no sentido das relações econômicas:
seu postulado compreendia todos os homens (varões), independentemente de sua situação
econômica. Mas, por isso mesmo, precisará teorizar sobre a exclusão das mulheres, não
podendo deixá-las subsumidas ao “sujeito universal” (
AMORÓS, 2000; COBO, 1995). As
explicações da exclusão das mulheres para Rousseau são fundamentadas em uma suposta
natureza feminina.
5
Na sociedade ocidental, em um primeiro momento, consolida-se um padrão de
direito de cidadania diretamente vinculado às condições econômicas, à propriedade e à
5
Rosa Cobo, em seu estudo do pensamento de Rousseau, caracteriza o autor como o “principal teórico
ilustrado do moderno conceito de feminilidade” (1995: 25).
20
renda. A dependência das mulheres no interior da família não lhes permite o acesso à
propriedade. Desta forma, fecha-se o círculo sobre elas. Estão, assim, “racionalmente”,
fora dos direitos de cidadania. A codificação jurídico-legal da exclusão das mulheres, que
normatiza as
“ambigüidades da noção republicana de indivíduo (sua definição universal e
corporificação masculina)”
(SCOTT, 2002:38) é dada pela posição da mulher na família.
Subordinada ao pai ou ao marido, a mulher não representa a si mesma, mas é representada
pelo pater familiae. A consolidação das regras de casamento e família vai reafirmar a
identidade masculina, concretizada
“na família, na esposa e no filho, que levavam o nome do
marido e pai e que serviam de instrumento de transmissão de sua propriedade”
(SCOTT, 2002: 115).
Por não serem independentes, por não se haverem constituído como indivíduos, as
mulheres não podem gozar de direitos políticos.
Como é sabido, isso não explica toda a história. Quando, no final do século XIX e
primeira metade do século XX, amplia-se o conceito do chamado sufrágio universal,
desvinculando-o da propriedade e da renda, as mulheres continuam excluídas de vários
dos direitos de cidadania e, em vários aspectos, permanecem subordinadas. A explicação,
o postulado da superioridade natural de todos os homens sobre todas as mulheres,
constitui a base da concepção de família e da distinção entre público e privado na
sociedade moderna.
Inscrita na natureza, inacessível à ação humana (Locke, Rousseau), a dominação
sexual não apenas está legitimada, também se faz invisível como dominação [...] Este
regime de exceção (D
ELPHY, 1995, apud VARIKAS), que exclui as mulheres em bloco
da categoria de sujeito político, se converte, em seu momento, em um princípio
organizador de uma sociedade fundada e concebida segundo a divisão sexual – do
trabalho, das competências, dos espaços, dos poderes (V
ARIKAS, 2002: 130; 2000:
55-6).
A supremacia masculina na família, a autoridade do pai/marido, será
incessantemente reafirmada na legislação sobre a família, nos mais diversos contextos,
21
durante o século XIX e quase todo o século XX (THERBORN, 2006).
6
Várias autoras
insistem que as contradições reiteradamente emergentes nas relações de desigualdade
entre os sexos, em sua assimilação e incorporação pelas instituições modernas, fazem com
que as capacidades e características das mulheres sejam, ao mesmo tempo, razão de sua
cidadania e justificativa de sua exclusão; embora analisem tal problema com base em
perspectivas opostas sobre a questão da diferença (
AMORÓS, 2000; PULEO, 1991; e SASSON,
1998;
FRAISSE, 1991; SCOTT, 2002).
Em um primeiro momento, a proximidade com a natureza atribuída às mulheres,
freqüentemente explicada pela maternidade, mas não só, será a condição apresentada
como justificativa de sua exclusão do mundo público. Durante um longo período, as
mulheres foram excluídas da cidadania em função dos interesses da unidade familiar e,
também, por sua diferença do padrão de cidadão considerado universal; sua diferença em
relação aos “iguais” – os homens (
SARACENO, 1995). Em momento posterior, o acesso das
mulheres – ainda restrito, é verdade – ao rol de direitos de cidadania é, em vários
aspectos, justificado por esta mesma razão: seu papel de mãe e a necessidade do respeito a
sua diferença.
O fato de pertencer à comunidade/unidade familiar pelo casamento e a
responsabilidade de gerar filhos para a família (para o marido) constituem, para os
‘pais da cidadania’, a ‘causa’ da incapacidade das mulheres de serem cidadãs,
tornando-as ao mesmo tempo dependentes do marido. Reconhecê-las como sujeito
de direito autônomo como os homens, de fato, solaparia as bases da unidade da
família, introduzindo a possibilidade do conflito legítimo e da negociação dos
interesses entre iguais, que eram apontados como característicos da esfera pública
dos cidadãos. Trata-se de uma ‘motivação de exclusão’ bem mais radical do que
aquelas adotadas durante muito tempo para excluir amplos setores de homens da
6
Göran Therborn apresenta um extenso panorama histórico sobre os arranjos familiares, formas de
casamento e padrões de sexualidade durante os séculos XIX e XX. É preciso esclarecer que o autor,
entretanto, polemiza com a atribuição de um significado genérico ao ‘patriarcado’ como poder ou
dominação masculinos, e utiliza o termo mantendo sua vinculação específica ao poder paterno, familiar.
Centra sua análise nas relações familiares, no casamento, no poder sobre os filhos e os mecanismos de
controle sobre a sexualidade e a fecundidade.
22
cidadania plena: renda, posição nas relações de produção, raça. As mulheres não
são portadoras de interesses autônomos, mas apenas dos da família, tal como são
definidos a partir dos interesses e poderes dos maridos-cidadãos. São suas relações
‘privadas’, contrapostas às ‘sociais’, que lhes negam o estatuto de cidadãs
(S
ARACENO, 1995: 208-9).
Mas não se trata exclusivamente de uma distinção de poder, reconhecido como de
natureza social. A identidade com a natureza, a biologia, sempre foi um dos dilemas
centrais na construção da cidadania e da autonomia das mulheres. Enquanto os homens
formam sua identidade social por meio de sua ação, a identidade feminina é atribuída e
construída com base naquilo que se considera sua natureza; um dilema recorrente também
no interior do debate e da estratégia feminista. Eleni Varikas (2002) chama a atenção para
os riscos de um viés determinista que, influenciado pelas ciências naturais, se apóia no
patrimônio biológico e, a partir do século XIX, retoma
[...] a noção aristocrática de herança, permitindo conciliar o princípio da abolição dos
privilégios por nascimento com a persistência dos privilégios de sexo, de cor, de
classe, de cultura. O fato empírico de que certos indivíduos ‘não nascem livres e
iguais’, e seu acesso diferenciado aos direitos, poderá ser atribuído à ‘sua’ natureza
diferente, reintroduzindo uma incomparabilidade radical entre as condições sociais
percebidas, daí em diante, não mais como desiguais mas como ‘diferentes’ (2002:
130; 2005: 55).
A separação do mundo público como mundo masculino e o mundo privado como
mundo feminino é uma convenção que não reflete, em última instância, a totalidade das
relações sociais entre os sexos. As mulheres sempre estiveram no espaço público. Pelo
menos uma grande parcela delas. Em especial em virtude das desigualdades de classe, a
realidade de uma grande parte das mulheres nunca se circunscreveu exclusivamente ao
mundo privado, como prega o ideal de feminilidade do mundo moderno. Em situações
históricas diversas, numerosas mulheres da classe trabalhadora, das camadas populares,
dos setores não dominantes, sempre estiveram no mundo do trabalho. Seja pelas relações
23
de escravidão, seja por sua situação de classe na produção capitalista, é inegável a
presença das mulheres no mundo público.
Dois aspectos importantes da situação das mulheres ficam convenientemente
encobertas nesta distinção rígida. Por um lado, o trabalho das mulheres fora do âmbito
doméstico, ao mesmo tempo invisibilizado e deslegitimado. Como o espaço adequado à
feminilidade é o espaço privado, com as funções femininas aí desenvolvidas – de mãe e
esposa – a presença das mulheres no espaço público é sempre marcada pelo crivo da
divisão sexual do trabalho, que informa as práticas sociais entre mulheres e homens. Esta
dicotomia é ainda hoje um dos elementos que embasam as formas diferenciadas de
exploração das mulheres no mercado de trabalho
7
; inspiram preocupação recente das
instituições multilaterais com a “perspectiva de gênero”, introduzida nas políticas de
desenvolvimento e de combate à pobreza centradas na família (leia-se nas mulheres); e
orientam a definição do padrão de políticas no mercado de trabalho (jornada de trabalho,
adequação de horários, definição do salário mínimo etc.) feita com base em um
pressuposto do trabalhador masculino desimpedido das funções domésticas. Por outro
lado, a rígida separação entre público e privado permite que a esfera pública – a política, o
mercado de trabalho, a produção da cultura – se desenvolva como se fosse totalmente
independente ou mágica: como se o cotidiano da reprodução da vida não existisse.
Recorrendo à imagem de Adam Smith, aqui sim, a “mão invisível” do trabalho das
mulheres, enriquecido pelo cuidado e pelo afeto, sustenta o mundo público.
Mas, compreender estes aspectos da dicotomia público-privado, tampouco, é
suficiente para explicar por que os homens estão igualmente presentes nos dois espaços e
governam as duas esferas, como aponta Pateman (1996). Parte importante dos estudiosos,
24
ainda que apoiados em orientações teóricas diferentes, concorda que tal distinção só pode
ser compreendida a partir de uma análise histórica da formação do capitalismo, das novas
formas de organização social e do trabalho decorrentes do desenvolvimento capitalista
(
ZARETSKY, 1976; PATEMAN, 1996; VINTEUIL, 1989). Pateman destaca a conexão entre a
separação da produção do âmbito do lar e a emergência da família como paradigma do
privado. Ou como argumenta Eli Zaretsky (1976: 27), a
“organização da produção capitalista
apóia-se na existência de uma certa forma de família. A produção socializada do sistema de trabalho
assalariado, sob o capitalismo, é sustentada pelo trabalho socialmente necessário mas privado das
donas-de-casa e mães”
. Zaretsky insiste que a reorganização da família traz para o seu seio
uma nova divisão sexual do trabalho entre “produção econômica”, tarefa masculina, e
sentimentos pessoais e vida emocional, tarefa feminina. Em paralelo ao aparecimento do
proletariado, surge a “dona-de-casa” que, para além do trabalho material para a família,
era também responsável pelos valores que a família deveria preservar: amor, felicidade
pessoal, harmonia doméstica.
Frédérique Vinteuil chama a atenção para a radicalidade da separação, entre
público e privado, produção e reprodução, como um dos fatores que levou as análises de
Marx e de muitos marxistas a equívocos na avaliação das relações sociais de sexo. No
momento em que a produção material se organizou de forma assalariada, também aí o
contrato aparece como o elemento definidor das relações de trabalho dominantes; contrato
que, mais uma vez, só será feito por indivíduos independentes e livres, o que exclui as
mulheres. No entanto, o capitalismo necessitava do trabalho das mulheres, assim como do
trabalho das crianças, e estabelece formas de mediação que respondem, por um lado, à
demanda das novas relações de trabalho e, por outro, à pressão das próprias mulheres.
7
Sobre os contornos atuais da divisão sexual do trabalho no capitalismo contemporâneo, ver Helena
H
IRATA, Nova divisão sexual do trabalho: um olhar voltado para a empresa e a sociedade. São Paulo:
Boitempo, 2002.
25
Estas duas dinâmicas, a formação de um modelo ideal de família burguesa e o
máximo da exploração e do incremento do lucro, motores do capitalismo, são
caracterizados por contradições. Por um lado, o trabalho das mulheres tem sido sempre um
elemento fundamental nas formas de regulação da força de trabalho
8
; por outro lado, é
inquestionável a incidência da mercantilização dos serviços e dos bens de consumo sobre
a família. O fato de o acesso aos bens e serviços ser determinado pelas relações de classe
não invalida a análise das enormes alterações no cotidiano do trabalho doméstico, ao
longo do processo que vai da revolução industrial aos nossos dias. As demandas do
cuidado dos filhos e, cada vez mais, dos idosos, permanecem como as áreas ainda hoje
mais concentradas sobre as mulheres; são tarefas, além disso, de maior complexidade para
provisão pelo mercado e pelo poder público, por meio de políticas sociais. A família ainda
representa, ou mais precisamente, as mulheres ainda representam o mecanismo mais
barato para as necessidades de reprodução do sistema social.
9
O modo de produção capitalista subverte não apenas as condições de produção de
bens, mas também a produção dos seres humanos, levando a uma reorganização do
trabalho na inter-relação entre o mundo público e o mundo privado (
COMBES e HAICAULT,
8
Assim como o trabalho dos grupos ou minorias raciais, dos imigrantes, que são integrados no mercado de
trabalho em condições subordinadas e de super-exploração. Para Vinteuil, a diferença desta situação em
relação às mulheres pode ser sintetizada em três aspectos: a) a universalidade da divisão sexual do trabalho
nas sociedades conhecidas; b) o fato de que o recorte da segmentação étnico-racial, em especial em relação
aos migrantes, se altera em períodos históricos; isto é, eventualmente integram-se nas parcelas
hegemônicas da sociedade; c) a não-presença dos traços de dominação nas relações pessoais, e que
permanece como característica das relações sociais de sexo (pelo menos desde o final da escravidão) Ver:
V
INTEUIL, 1989.
9
São diversos os mecanismos jurídicos e, mais recentemente, de políticas públicas, que incidem sobre a
organização do trabalho das mulheres, buscando a compatibilização do trabalho assalariado com as
relações na família, expressos em vários aspectos da legislação produzida em países ocidentais. Até
meados do século XX, e mesmo mais tarde, como é o caso do Brasil, a legislação específica tem forte
caráter restritivo – “de proteção” ao trabalho das mulheres – e se assenta na argumentação de manutenção
da unidade familiar. Nas últimas décadas, vinculando-se às novas formas de regulamentação do trabalho,
em particular nos países capitalistas avançados, mas não exclusivamente aí, o argumento da conciliação
entre o trabalho remunerado e as tarefas domésticas ganha peso nas propostas de flexibilização do trabalho.
Em sociedades como a brasileira, nas quais há uma extensa informalidade nas relações de trabalho, os
argumentos da “conciliação” não chegam a exercer pressão sobre a legislação do trabalho, pois recai sobre
as mulheres a organização de arranjos informais no cumprimento das duas tarefas.
26
1987: 27). Por isto, Danièle Kergoat insiste no fato de que a articulação entre produção e
reprodução como uma problemática coerente é indispensável para se compreenderem as
novas relações de vida e de trabalho, tanto o trabalho das mulheres como o trabalho dos
homens (
KERGOAT, 1987). A rígida divisão entre o mundo público e do mundo privado
permitiu que fosse omitido o trabalho das mulheres das análises do capitalismo. Assim, ao
mesmo tempo em que o trabalho doméstico é invisibilizado, a entrada das mulheres na
esfera pública do trabalho, no mercado de trabalho, é marcada pela forma de sua inserção
no mundo privado, e seu trabalho é considerado permanentemente subsidiário ao trabalho
masculino.
Para Pateman, que analisa as relações desiguais entre mulheres e homens sob a
ótica do patriarcado, em tese, liberalismo e patriarcado são antagônicos entre si.
“O
liberalismo é uma doutrina individualista, igualitária e convencionalista; o patriarcado sustenta que as
relações hierárquicas de subordinação decorrem necessariamente das características naturais de
homens e mulheres”
(1996: 33-4). E acrescenta que as duas “doutrinas”, nos termos da
autora, chegam a uma conciliação que permite manter a proposta do ideal subversivo da
igualdade e da liberdade como direitos universais pela exclusão das mulheres, explicada
por seu confinamento ao mundo privado.
Para as pensadoras que abordam as relações sociais de desigualdade entre os sexos
caracterizando-as como patriarcais, do ponto de vista das relações sociais, capitalismo e
patriarcado fundem duas lógicas que se complementam, mas que, ao mesmo tempo, têm
dinâmicas e prioridades distintas. São estas dinâmicas e prioridades conflitantes as
possibilitadoras da presença das mulheres no mundo público, infiltrando-se nas brechas,
estendidas pela ação das mulheres, da contradição entre o modo de exploração capitalista e
o patriarcado. Mantida sempre sua “identidade natural” com o mundo privado, tributária
desta dicotomia.
27
O feminismo dos anos 1970 atualizou o conceito de patriarcado, atribuindo-lhe o
sentido da forma de organização social apropriadora de práticas, normas, valores e
relações sociais que sustentam a desigualdade entre mulheres e homens.
10
Neste sentido,
conforma uma ideologia e práticas sociais, manifestando-se nos mais variados campos da
vida social. Foi longo o debate no feminismo acerca da caracterização do patriarcado e,
em particular, sua relação com o capitalismo. A discussão proposta por Heidi Hartmann
(1981), do patriarcado como o sistema que organiza as relações desta desigualdade,
convivendo com o sistema capitalista, teve o grande mérito de questionar as posições da
esquerda que, ainda naquele momento, não aceitava a análise da opressão específica das
mulheres e insistia em subsumi-la à luta de classes. Os reparos que se podem fazer à
interpretação que ficou conhecida como “sistema dual” não lhe retiram o grande mérito de
haver buscado discutir, de maneira sistemática, os desafios postos pelo problema da
compreensão da relação entre capitalismo e as relações sociais de sexo. O cerne do debate
é o complexo de relações que conformam a relações sociais de desigualdade entre
mulheres e homens, fundada em práticas sociais discriminatórias e opressivas, que
atribuem aos homens privilégios, em vários âmbitos da vida social. Na sua assimilação
pelo capitalismo, estas desigualdades são um instrumento importante nas relações de
exploração, fazendo com que, na formação econômica capitalista, as formas de exploração
das mulheres sejam qualitativamente diferentes. A divisão sexual do trabalho se manifesta
na estrutura mesma do capitalismo, projetando-se para praticamente todas as esferas de
organização social, plasmando hierarquias e valorização distinta para a ação e práticas
masculinas e femininas.
10
Christine Delphy (2002), Alicia Puleo (2000) e outras identificam a origem desta acepção feminista do
termo patriarcado na obra de Kate Millet, Sexual Politics, publicada nos Estados Unidos em 1970.
28
Avalia-se como ainda em aberto e não-resolvidos vários aspectos do debate,
presente desde a década de 1970, sobre as relações sociais de sexo e as formas de
organização econômica e política da sociedade. E, por isso, considera-se legítima a
referência a patriarcado, seja como o conjunto das relações sociais de desigualdade entre
mulheres e homens (que cruza, de forma estrutural, com as relações de exploração no
capitalismo), seja sua utilização adjetiva, como qualificativa das relações sociais,
contornando a caracterização como um sistema.
11
A ausência de estudos histórico-antropológicos definitivos (se é que algum dia
existirão), que demonstrem a existência passada de uma estrutura não-hierárquica de
relações sociais entre os sexos, tampouco fundamenta a afirmação de que a superioridade
e poder masculinos são regra “natural” das relações sociais. Como insiste Saffioti
(2004:106), o importante é perceber e compreender que a
“base material do patriarcado não foi
destruída, não obstante os avanços femininos”
. O desenvolvimento das mulheres como sujeito
político e social, e o fortalecimento de sua organização em diversos âmbitos da sociedade,
aumentam as contradições nas relações sociais entre os sexos e as novas formas de
11
Historicamente, podem-se distinguir três grandes contextos identificados como patriarcado.
Originalmente, caracteriza a organização familiar e política das sociedades antigas organizadas sob a
autoridade do pai ou patriarca, termo que dará origem também à nomenclatura utilizada em algumas
tradições religiosas. No século XIX, o termo se remete aos estudos históricos e antropológicos que
encontram, em Morgan e Bachofen, a hipótese da suplantação de sociedades de direito materno pela
organização social de direito paterno, consolidando o patriarcado como um sistema de dominação que teria
substituído as primitivas sociedades igualitárias. Esta interpretação, ainda que com os equívocos
atualmente identificáveis entre matrilinearidade/patrilinearidade, matriarcado/patriarcado,
matrifocalidade/patrifocalidade, matrilocalidade/ patrilocalidade, teve o mérito de produzir uma reflexão
histórica sobre a opressão das mulheres, em particular por meio da obra de Engels, Origem da família, da
propriedade privada e do Estado (publicada em 1884) e de August Bebel, A mulher e o socialismo
(publicada em 1893), questionando a autoridade marital e paterna, aceita como natural nos sistemas civis e
políticos dominantes até a segunda metade do século XX. Também será naquele período, que Weber
desenvolverá sua concepção de patriarcado como uma forma particular de organização familiar, mantida
sob a autoridade paterna/masculina. A terceira acepção é, precisamente, aquela desenvolvida pelo
feminismo, nos anos 1970, para caracterizar o conjunto das práticas, relações e valores, que conformam e
justificam a hegemonia masculina na sociedade, não se prendendo neste sentido, obviamente, à noção
genética de paternidade. Para uma síntese das concepções de patriarcado tanto no sentido histórico quanto
nas diferentes nuanças de sua compreensão, para argumentos contra e a favor de sua utilização no
feminismo ver, entre outras, Saffioti (2004); Delphy (2002); Puleo (2000); Amorós (2000). Para o debate
29
organização capitalista. A ampliação destas contradições foi significativa, após a Segunda
Guerra Mundial, com o forte aumento da presença de mulheres no mundo público, em
especial por intermédio do mercado do trabalho e da educação, favorecida pela
possibilidade de controle da reprodução, pavimentando a emergência da segunda onda do
movimento de mulheres.
1.2 ESTADO E RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO
O debate sobre a influência do Estado sobre as relações sociais de sexo não tem
sido tema muito presente na elaboração feminista no Brasil. Na relação do movimento de
mulheres com as instituições do Estado podem-se identificar duas tendências principais, a
partir dos anos 1990. Em um âmbito, ocorreu o deslocamento de um setor do movimento
para a atuação em organizações não-governamentais; que privilegiam uma interlocução
com o Estado por meio de lobbies por demandas setoriais, financiamento para a prestação
de serviços ou, ainda, uma interlocução na ação legislativa. Um segundo âmbito abarca
mais diretamente a militância feminista vinculada aos partidos políticos e grupos dos
movimentos de mulheres envolvidos com reivindicações nas diversas áreas de políticas
sociais; no âmbito específico das políticas públicas, esta ação se desenvolve em particular
junto aos governos locais.
Em qualquer dos casos, entretanto, pouco se tem elaborado sobre o Estado como
um agente que interfere nas relações sociais entre mulheres e homens, que reflete e atua
sobre a correlação de forças entre os diversos grupos da sociedade.
Discussão um pouco mais detalhada pode ser encontrada a respeito do papel da
legislação e/ou de alterações do marco legal, incluindo-se aí acordos internacionais, ou
estudos sobre políticas setoriais, com destaque para as áreas de saúde e violência, ou ainda
das décadas de 1970 e 1980, em particular entre as feministas socialistas, ver os questionamentos de Barret
30
as políticas relacionadas a questões do trabalho. Mesmo a temática da participação
política das mulheres, voltada para a sua presença na direção das instituições do aparelho
de Estado, tem sido tema menos explorado pela elaboração feminista no Brasil (
HEILBORN
e
SORJ, 1999; CASTRO e LAVINAS, 1992; DINIZ e FOLTRAN, 2004).
No nível internacional, por sua vez, embora o debate sobre o Estado e relações
sociais de sexo tampouco possa ser visto como um dos temas mais recorrentes da
elaboração feminista, podemos, grosso modo, caracterizar dois grandes vetores do debate
de caráter mais conceitual. Uma primeira abordagem, busca identificar o papel do Estado,
sua caracterização frente às relações de desigualdade a que estão submetidas as mulheres.
Uma segunda, desenvolvida, sobretudo, no âmbito europeu, centra o debate no Estado do
Bem-Estar Social e os efeitos de suas políticas sobre as relações entre as categorias de
sexo.
Os debates feministas sobre a caracterização do Estado desenvolvem-se,
inicialmente, em uma dinâmica de forte valorização da autonomia do movimento de
mulheres e ênfase no papel repressor do Estado. Parte importante das discussões abordou a
polêmica sobre a definição ou não do caráter patriarcal do Estado; e em que nível tal
caracterização conforma expectativas e estratégias no sentido de alterar as relações de
desigualdade entre mulheres e homens. As posições cobrem um amplo espectro, que vai
desde uma caracterização do Estado em si mesmo como uma estrutura patriarcal
(
MACKINNON, 1995); passando por nuanças de posições que reconhecem a expressão das
relações de desigualdade manifestadas e reproduzidas pelo Estado, mas, considerando
existir uma autonomia relativa, valorizam as contradições aí existentes, aceitando ou não a
conceituação de Estado patriarcal (
EISENSTEIN, 1981; DAHLERUP, 1992; ALVAREZ, 1988 e
1990). Em qualquer dos casos, o ponto comum é a noção de que a intervenção do Estado
(1980) e a argumentação favorável de Eisenstein (1979).
31
expressa, de múltiplas formas, as contradições e a desigualdade das relações sociais de
sexo; e que a ação do Estado incide sobre os mais diversos aspectos da vida social,
freqüentemente, contribuindo para a manutenção ou o fortalecimento das relações de
desigualdade.
Em um segundo momento, as discussões sobre o Estado se desenvolvem a partir da
elaboração sobre o Estado do Bem-Estar Social, com forte impulso no debate estabelecido
nos países escandinavos. Com ponto de partida diferente, procura-se analisar o impacto de
suas políticas sobre as mulheres e desvendar as concepções de relações sociais de sexo
subjacentes a tais políticas. Podemos dizer que se concentra em dois grandes temas: uma
análise de como a ação do Estado altera ou não a dependência econômica das mulheres em
relação aos homens, no marco das relações familiares, criando uma nova dependência em
relação ao Estado, vinculada à generalização de políticas sociais (
HERNES, 1990, 1992); e
uma segunda dimensão, que se concentra na caracterização dos tipos de políticas de bem-
estar social e os modelos de família que eles fortalecem, com a conseqüente ampliação, ou
não, da autonomia das mulheres (
SAINSBURY 1999b, DEL RE, 1998).
Drude Dahlerup (1992) analisa que as políticas desenvolvidas pelo Estado
expressam, de maneira geral, conflitos sociais presentes na sociedade, sendo o Estado,
também, uma arena na qual se desenvolvem formas de reorganização dos conflitos e
interesses que podem ser antagônicos. Enfatiza que nem todos os conflitos e interesses
chegam à pauta do Estado. Chegam, no fundamental, aqueles que expressam os interesses
mais poderosos (mesmo que sejam antagônicos); e que alcançam formas de se
institucionalizar; o que tem sido extremamente difícil, partindo-se das desigualdades entre
mulheres e homens. Para que se influencie a pauta e as dinâmicas do Estado, os atores
sociais envolvidos são múltiplos e as formas de sua expressão são fortemente
influenciadas pelos processos históricos que caracterizam cada sociedade, cada vez mais
32
suscetíveis às conjunturas internacionais. As formas de luta e organização do movimento
de mulheres são, sem dúvida, extremamente importantes, mas não determinam sozinhas as
possibilidades de perspectivas anti-discriminatórias nas políticas do Estado. Questões de
natureza estrutural como: o nível educacional das mulheres; as possibilidades de controle
sobre a reprodução; a demanda da força de trabalho feminina ocorrente no processo de
desenvolvimento econômico específico e que influencia as práticas da divisão sexual do
trabalho; e o formato das instituições políticas são elementos capazes de ter importante
influência no maior ou menor sucesso para as demandas das mulheres.
Ao mesmo tempo, a configuração e a manifestação dos demais atores sociais e
políticos influenciam para que as políticas de Estado sejam ou não pró-ativas em relação a
qualquer pauta de interesses: partidos políticos, sindicatos, organizações patronais,
movimentos sociais organizados, grupos de imprensa; não se podendo esquecer dos
grupos religiosos organizados, que atuam cada vez mais como força política.
12
A força dos
interesses das mulheres, ou contra elas, no interior de cada um destes grupos pode, em
circunstâncias específicas, ser fundamental para alterar as dinâmicas das políticas
governamentais.
Passo decisivo para incidir sobre a ação do Estado é desvendar os efeitos das
políticas sobre as relações sociais de sexo. A crítica fundamental às políticas de bem-estar
social como desenvolvidas nos principais países capitalistas, tendo como paradigma os
países escandinavos, é o fato de as políticas serem instituídas, fundamentalmente, a partir
da inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. A articulação de políticas e direitos
12
As temáticas vinculadas aos direitos das mulheres encontram, com freqüência, fortes contradições com
setores religiosos, uma vez que, mesmo os grupos mais progressistas, na questão das mulheres, muitas
vezes assumem posições de reforço ao modelo tradicional de relações sociais de sexo, que mantém a
subordinação das mulheres.
33
tendo como foco a presença de contingentes humanos no mercado de trabalho se faz com
o pressuposto implícito de um modelo de família constituído por um “provedor
masculino”, atrás de quem a reprodução do cotidiano é tarefa invisível assumida pela mãe,
esposa e dona-de-casa.
Há diferenças significativas no formato como as políticas sociais dos diversos
regimes de bem-estar social se concretizam; tais diferenciações, entretanto, não invalidam
o questionamento das concepções genéricas de família sobre o qual foram construídos.
13
A
entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a alteração nos padrões familiares,
aliadas à crítica feminista, foram um campo fértil para propiciar a emergência do debate
sobre o papel do Estado na conformação e desenvolvimento das relações sociais de sexo e,
em alguma medida, levaram a uma nova avaliação de aspectos das políticas de bem-estar
social nos países capitalistas avançados.
Fenômenos semelhantes influenciaram alterações de ótica na proposição de
políticas públicas em parte dos países capitalistas periféricos, com ênfases e perspectivas
razoavelmente distintas. No âmbito dos debates na América Latina, a partir de meados dos
anos 1980 e década de 1990, ocupou espaço a pauta proposta pelas instituições
multilaterais, em particular no que é conhecido como a “cooperação para o
desenvolvimento”, sintetizadas nos enfoques chamados “mulher e desenvolvimento”
(WAD-women and development) e, posteriormente, “gênero e desenvolvimento” (GAD-
gender and development). Essa abordagem enfatizou, sinteticamente, em um primeiro
momento, a importância de se aproveitarem as capacidades específicas das mulheres nas
estratégias de desenvolvimento; voltando-se o foco em seguida para a alteração de práticas
e políticas de desenvolvimento de forma a fortalecer a participação direta de mulheres e
seu “empoderamento”, dirigindo-se, na maior parte das vezes, a grupos restritos (ou
34
indivíduos), e não se constituindo como instrumento voltado a superar também as
desigualdades entre mulheres (
FERREIRA, 2004; MOSER, 1995), ou seja, não se colocaram o
questionamento das desigualdades de classe.
Este viés do debate, entretanto, não teve no Brasil o mesmo impacto verificado em
países vizinhos, como o Chile e o Peru. Nos últimos anos, no Brasil, têm surgido
iniciativas de um debate mais “operacional”, tendo como focos aspectos do funcionamento
do Estado, exemplificados por questões como o que se chamou de planejamento de gênero
(gender planning), a capacitação dos agentes públicos e, mais recentemente, o
monitoramento dos orçamentos públicos alocados para políticas com impacto nas relações
sociais de sexo. Estas iniciativas, entretanto, têm ocorrido fundamentalmente de fora do
Estado e, neste sentido, não serão objeto de discussão neste texto, cujo foco é o desafio de
intervir, a partir dos espaços governamentais, para que a ação do poder público incida
positivamente sobre as relações sociais de sexo.
2LIMITES E CONTRADIÇÕES DA PRESSÃO DAS MULHERES PERANTE O ESTADO
A extensão das respostas dadas, pelas instituições do Estado, por meio de políticas
que incidam sobre a desigualdade entre mulheres e homens, do ponto de vista
emancipatório, depende, entre outros fatores, do grau de incorporação destas demandas
pelos grupos determinantes na formulação das políticas do Estado (dirigentes políticos e
coalizões políticas); de sua ação/disposição para priorizar esta agenda; do quão extensa e
profundamente isto provoca uma política interna, capaz de alterar a dinâmica de
discriminação impregnada nos agentes do Estado; da resistência ou pressão exercida pela
sociedade ou setores específicos da população quer masculina, quer feminina.
13
Ver SAINSBURY (1999b); ESPING-ANDERSEN (2000, 2002); SASSOON (1992).
35
Discussões sobre as razões e as dinâmicas que levam uma determinada questão à
pauta do Estado buscam analisar como os fatores acima indicados se combinam, bem
como as características próprias das questões apresentadas e do grupo social que as
disputa. Virgínia Guzmán (2001) chama a atenção para o fato de que nem todos os debates
públicos, ou temas que apareçam como de interesse público, entram nas agendas do poder
público, questão já assinalada por Drude Dahlerup. Esta incorporação dependerá do peso
dos atores que defendem uma proposta; do poder, dos recursos e das estratégias que eles
mobilizam; de como são estes atores interpretados por parte dos agentes que tomam as
decisões
14
; além das características e especificidades do âmbito institucional que se quer
influenciar. Ou ainda, em outros termos,
“quais são as qualificações que permitem que
determinadas necessidades tenham acesso à participação no sistema político e conduzam a
conseqüências em termos de ações executivas? Inversamente, quais outras necessidades são
impedidas de articular-se institucionalmente e relegadas ao uso dos meios não-políticos e
ideológicos?”
(OFFE, 1980: 116). A fragilidade com que mulheres, como sujeito político
coletivo, e a posição marginal que uma pauta de reivindicações voltada a alterar as
relações sociais de sexo têm ocupado as agendas governamentais suscitam o desafio de
verificar em que se apóia tal fragilidade e sondar alguns dos caminhos desenhados para
enfrentá-las.
14
Na literatura que trata de gestão e políticas públicas tem sido usada a expressão em inglês: policy
makers.
36
Ainda que a presença das mulheres como sujeito coletivo tenha se ampliado
fortemente no mundo público nas últimas décadas, não se constituíram como uma
categoria social com condições de influenciar de forma determinante e continuada a
formulação de políticas, tampouco como um grupo de pressão suficientemente forte para
ter suas demandas obrigatoriamente incorporadas à ação do Estado. É verdade que houve
incorporação parcial da plataforma apresentada pelo movimento e que demandas de
igualdade, ou mais propriamente anti-discriminatórias, foram assimiladas. Influenciaram,
em particular, reformas legislativas, rompendo barreiras na cidadania civil e política das
mulheres.
Tem sido comum interpretar que a presença das mulheres em espaços públicos,
mudanças em sua situação na sociedade, acompanhadas de novos temas e direitos
reivindicados pelo feminismo estão entre as mudanças mais significativas no Ocidente, em
particular, a partir da segunda metade do século XX.
Analisando a questão da ótica dos países da América Latina, Guzmán (2002 e
2003)
15
chama a atenção para o investimento feito em setores do movimento na alteração
de propostas legislativas, priorizando a alteração de marcos legais. Alguns temas foram
incorporados de maneira mais ampla, como a questão da violência sexista e reivindicações
na área da saúde, em especial algumas relacionadas à reprodução. Não por coincidência,
foram temas priorizados pelo movimento de mulheres em seu período de maior
organização unificada e massiva, no Brasil, nos primeiros anos da década de 1980, período
em que a presença de mulheres como um sujeito político e social coletivo teve maior
visibilidade na sociedade brasileira. Este protagonismo, entretanto, se manteve por poucos
anos.
15
Agradeço à autora pelo envio de vários de seus textos.
37
Claus Offe (1980) discute a capacidade de grupos sociais se constituírem como
força relevante na definição das pautas de interesses e necessidades sociais com chance de
serem consideradas politicamente. Segundo o autor, são relevantes a capacidade de
organização e a capacidade de conflito de uma necessidade ou interesse social. E isto se
vincula à existência de grupos determinados e claramente definidos de pessoas
identificados com tais interesses. Tal identificação é mais complexa quando se refere a um
grupo tão amplo e transversal a todos os outros recortes sociais, como é o caso das
mulheres como categoria social. Também por isso, muitas vezes, os interesses e
reivindicações aparecem como difusos e mais dificilmente identificáveis pelo conjunto das
mulheres. Basta mencionar as diferenças na vivência cotidiana entre mulheres jovens e
aquelas que estão casadas e com filhos; entre as mulheres das classes trabalhadores, das
classes médias e da burguesia; ou entre mulheres brancas e negras, que vivenciam a
brutalidade da discriminação racial, além de estarem concentradas nos estratos de classe
mais explorados; sem deixar de lado as diferenças das vivências específicas de mulheres
urbanas e rurais etc.
Tais interesses e demandas são mais dificilmente organizáveis, seja por aparecerem
como excessivamente genéricos; seja por expressarem, muitas vezes, um conteúdo de
valores e cultura, fortemente ideológico; seja por incidirem diretamente nas relações
pessoais, um terreno pouco reconhecido como espaço de debate e, menos ainda, de
intervenção pública. O temário feminista aparece, no mais das vezes, como uma pauta do
dissenso. Como parte importante desta pauta nunca foi considerada como política, e sim
originária de um mundo privado, considerado pré-político, ou de um âmbito que deveria
ser pessoal/individual, introduzir sua discussão na agenda governamental pode ser, ainda,
mais difícil que apenas introduzir seu debate na arena pública.
38
Transformá-las em pauta governamental exige traduzir este temário em propostas
objetivas, capazes de serem expressas em atos do poder público e, ao mesmo tempo, de
serem identificadas como de interesse das mulheres, como categoria social e, portanto,
mobilizadoras deste público.
Além disso, a capacidade de conflito da categoria social mulheres não aparece
imediatamente vinculada às grandes forças em disputa, que estão na superfície da
sociedade capitalista, por não interferirem diretamente em interesses econômicos
claramente identificáveis e mensuráveis. Seja porque as tarefas da reprodução social, a
produção do viver, permanecem não-contabilizadas nas análises e nas políticas
econômicas e continuam não-valorizadas, mesmo que tenham ganhado alguma
visibilidade pela ação do movimento de mulheres; seja porque parte da plataforma
feminista traduz relações e interesses não-mercantis, o que os torna menos capazes de
obter sucesso, através da pressão que possam exercer.
Por outro lado, ainda que mulheres como categoria social abarque a metade da
humanidade, e o horizonte de mudanças das relações sociais de sexo afete o seu conjunto,
a plataforma feminista, em qualquer de suas interpretações pelas distintas correntes do
feminismo, é vista, em geral, na sociedade, como reivindicações particulares. Uma vez que
não ocorra uma legitimação da temática da igualdade entre os sexos como uma proposta
pertinente de mudança geral, o tema passa a ser visto como particular e específico.
Portanto, limitado ante o discurso político geral. O particular e setorial desqualificam o
interlocutor como protagonista de um projeto global de transformação. Explicitar a
desigualdade e opressão a que estão submetidas as mulheres como questão social
(
WANDERLEY, 1997) tem sido, em todos os momentos históricos, resultado da cunha
cravada por sua ação política coletiva nos processos de mudança e de compreensão das
relações sociais.
39
A tensão entre especificidade e projeto político geral é uma das marcas da política
feminista. E tem levado ao desenho de estratégias distintas, tanto do ponto de vista teórico,
quanto da intervenção política. No movimento de mulheres gestaram-se dinâmicas
diferenciadas, visando a elaborar um discurso de legitimação da agenda e do debate
proposto pelo feminismo e construir estratégias de atuação em um contexto adverso e
deslegitimador.
O discurso que busca legitimidade pode se orientar pela tentativa de identificação
com pautas mais legitimadas na sociedade, ou privilegiar o caminho da crítica à
agenda dominante na tentativa de modificá-la. Não são, obviamente, alternativas
excludentes, mas o peso dado a um ou outro caminho determina características distintas
nas formas de interlocução e confronto com o Estado e na orientação das políticas
propostas.
Ao mesmo tempo, há uma resistência à entrada, na pauta dominante, de propostas
que objetivem a ruptura com a desigualdade nas relações sociais de sexo no seu mais
amplo sentido, o que exigiria uma gama de ações e políticas complexas e de amplo
espectro. Virginia Guzmán (2001) aponta para a proposição de políticas terem sido mais
facilmente aceitas quando ancoradas em um discurso de vulnerabilidade e reparação,
coerentes com esquemas interpretativos que se nutrem mais das noções da necessidade de
proteção das mulheres que da defesa de uma cidadania autônoma. Daí a receptividade das
políticas de combate à violência e a atenção às mulheres chefes de família.
Como já mencionado, disputa para introduzir um determinado tema ou plataforma
na agenda política depende de vários fatores. Um deles é, sem dúvida, a força e a
capacidade de mobilização social do grupo ou setor da sociedade protagonista desta
plataforma. As reivindicações e demandas das mulheres só aparecem com autonomia, isto
é, enquanto demandas próprias com caráter emancipatório, a partir do momento em que as
40
mulheres se constituem, por sua ação coletiva, como um sujeito social e político capaz de
articular a imposição de uma agenda perante o Estado. Neste processo, é preciso levar em
conta as peculiaridades do processo de organização das mulheres.
O movimento de mulheres, seja pela amplitude do sujeito que reivindica – as
mulheres –, seja em virtude de opções estratégico-organizativas que têm prevalecido no
movimento, apresenta uma diversidade de propostas de organização com forte resistência
a formas organizativas massivas e/ou coordenação permanente. É um movimento
multifacetado, que constrói e disputa sua agenda não apenas por aquilo que se configura
como organizações autônomas no movimento, mas também de mulheres organizadas
dentro de instituições mistas – partidos, sindicatos, movimento popular etc. –,
demandando um sistema de alianças nem sempre fácil de concretizar.
16
As divergências na
concepção do que seja o movimento; as estratégias muito distintas que orientam sua
construção; a ausência de um debate explícito sobre estas estratégias, envolvendo as
alianças a serem construídas e a plataforma a ser priorizada têm dificultado a construção
de uma intervenção unificada e massiva, que se mostrou, no passado recente, como
propiciadora da presença de itens de uma plataforma feminista na pauta pública e sua
entrada na agenda governamental. Questões de construção do movimento, como as
assinaladas, e a inter-relação
com outros atores sociais – talvez o mais forte gerador de
dissenso no movimento de mulheres – têm forte influência no posicionamento das
mulheres como sujeito social e político perante o Estado.
Não necessariamente, são os grupos sociais mais numerosos, ou com organizações
mais massivas, os mais bem sucedidos na disputa por incidir sobre as pautas
16
Na conjuntura brasileira, luta contra a ditadura facilitou a criação de um marco de unidade para a ação de
todos os movimentos sociais, inclusive para o movimento de mulheres. No período da transição, tal
unidade de ação possibilitou que as mobilizações das mulheres tivessem uma repercussão, até então,
inédita, com uma pauta de propostas com vistas a alterar aspectos das relações sociais de sexo, dirigida não
apenas ao Estado. Alcançou, naquele momento, destacada repercussão social.
41
governamentais. Quanto mais sejam grupos, ou categorias sociais, cujos interesses
apresentam baixa capacidade de conflito, nos termos propostos por Claus Offe; ou que sua
pauta, tampouco, se destaque como representando interesses gerais, o fortalecimento de
sua presença se torna mais dependente das articulações e alianças que seja capaz de
desenvolver. A assimilação de uma pauta feminista por atores centrais na luta política,
como os partidos políticos e movimentos sociais mistos, torna-se chave para que uma nova
concepção do papel e da ação do Estado tenha possibilidade de ser implementada. A
exterioridade da pauta feminista e da organização das mulheres, como categoria social, em
relação a esses atores fragiliza sua capacidade de influência. Em particular, sua ausência
dos partidos políticos, uma vez que são eles os canais institucionais para as disputas de
projetos de governo.
Para as políticas desenvolvidas no executivo é central a forma como se articula a
temática das mulheres nos partidos hegemônicos, nas coalizões políticas no poder em cada
período. A literatura mostra que, no caso da Inglaterra e dos países escandinavos, por
exemplo, a presença de mulheres organizadas dentro dos partidos de caráter social-
democrata foi chave para a introdução de políticas, programas e mecanismos institucionais
no nível dos governos (
MARGETTS, 1996).
3RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, GÊNERO E SUJEITO POLÍTICO MULHERES
A compreensão do caráter social das relações sociais de sexo e sua sistematização
teórica, com a formulação de análises e conceitos interpretativos das relações de
desigualdade entre mulheres e homens, foi uma das contribuições importantes da chamada
segunda onda do feminismo. Para além do caráter aberto de toda a reflexão teórica, trata-
se, na verdade, de um processo ainda em andamento. No caso brasileiro, tal formulação se
42
consolidou prioritariamente pelo emprego do conceito de gênero que, do ponto de vista
temporal, foi desenvolvido de forma paralela com o conceito de relações sociais de sexo.
O desenvolvimento do conceito de relações sociais de sexo e do conceito de gênero
constituiu-se em um processo importante da elaboração teórica visando a possibilitar, de
forma complexa e integral, uma compreensão das relações entre mulheres e homens, como
categorias sociais. Embora na elaboração de diversas abordagens surgidas em períodos
anteriores se encontrasse a visão de que “a questão da mulher” era uma questão social e,
portanto, distanciada das perspectivas de naturalização da desigualdade, ainda não se
dispunha de um quadro teórico capaz de embasar os diversos aspectos de tal compreensão.
A elaboração teórica sobre a desigualdade dá um passo significativo com a análise de
Simone de Beauvoir sobre o caráter social da constituição da categoria mulheres. A
influência de seu posicionamento, na época, entretanto, será mais política que teórica, com
forte repercussão no desenvolvimento da chamada segunda onda do feminismo.
17
Foi a
partir dos anos 1970 que ganhou consistência o debate teórico sobre os mais diversos
aspectos da desigualdade entre mulheres e homens e, nesta dinâmica, o florescimento da
elaboração sobre estas relações. É nestes marcos que se desenvolvem os conceitos de
gênero e de relações sociais de sexo, buscando sintetizar o caráter social de tais relações.
A síntese plasmada em torno do conceito de gênero desenvolve-se,
primordialmente, na elaboração de língua inglesa. Sua origem é identificada no trabalho
de Robert Stoller, voltado para o debate sobre a sexualidade, ainda nos anos 1960.
18
O
17
A revista Pagu publicou um número especial (Cadernos Pagu, Campinas: Unicamp, (12) 1999),
comemorativo ao cinqüentenário de O segundo sexo, com artigos e depoimentos sobre a influência de
Simone de Beauvoir no Brasil.
18
Segundo Gomáriz (1992), já com uma conotação explicativa, John Money propôs, ainda em 1955, o
termo “papel de gênero” (gender role) para descrever as condutas atribuídas a mulheres e homens. No
entanto, a distinção conceitual entre sexo e gênero aparece de forma mais acabada em trabalho de Robert
Stoller, psicanalista norte-americano, publicado em 1968.
43
texto de Gayle Rubin, publicado em 1975 – O tráfico de mulheres: notas sobre a
‘economia política’ do sexo –divulga amplamente o termo na literatura vinculada ao
movimento feminista, nos marcos da diferenciação em um sistema sexo-gênero. No Brasil,
mas não apenas aqui, o conceito deve parte importante de sua difusão, em especial, ao
texto de Joan W. Scott, Gênero: uma categoria útil de análise histórica.
19
A elaboração em torno do conceito de relações sociais de sexo desenvolveu-se
mais amplamente na literatura de língua francesa e sua divulgação ocorreu no Brasil
bastante vinculada às discussões sobre o mundo do trabalho ou, mais corretamente, à
noção de divisão sexual do trabalho como conceito explicativo – e não apenas descritivo –
das desigualdades entre mulheres e homens. A partir de meados dos anos 1980, os debates
em língua francesa chegam de forma mais fragmentada em nosso meio. Vão, com o passar
dos anos, perdendo terreno para uma maior tradução e divulgação da literatura feminista
originária do inglês. É um momento em que a temática sobre mulher e trabalho também
perde terreno, ampliando-se o espaço dos temas no campo das representações, do
imaginário e do simbólico (
CASTRO e LAVINAS, 1992). Após alguns anos, a formulação
sobre a relação entre mulheres e homens, como categoriais sociais, expressa na
conceituação de gênero, construiu hegemonia no campo do debate feminista não somente
no Brasil; ocupando espaço expressivo mesmo na França, onde originalmente não era
utilizado.
Repercutindo o debate, Danièle Kergoat (1996) apresenta a visão de que gênero e
relações sociais de sexo são conceituações que respondem a processos históricos distintos
em sua formulação, porém, não são alternativos. Por serem termos altamente polissêmicos,
19
A literatura de língua inglesa menciona o uso do termo gênero em publicações contemporâneas, e
mesmo anteriores, ao texto de Rubin, como em Natalie Davies em texto de 1975 (S
COTT, 1990); Ann
Oakley, em 1972; Natalie Z. Davies, em 1974 (T
ILLY, 1994).
44
a autora considera vã a tentativa de opô-los como se expressassem uma compreensão
unívoca. No entanto, na sua aplicação, têm sido consideradas perspectivas ou orientações
teóricas distintas e alternativas (
BARBIERI, 1993), e inspiram abordagens sobre a
desigualdade sob diferentes óticas.
De fato, os caminhos e as opções que embasam a elaboração dos conceitos
expressam ênfases significativamente distintas sobre a questão. A reflexão em termos de
relações sociais de sexo procura ressaltar tais relações,
“antes de tudo, como construções
sociais que têm uma base material”
e que expressam, nos diversos âmbitos da vida social, um
“tratamento contraditório segundo o sexo”, hierarquizando atividades e práticas sociais. Tal
conceituação enfatiza a ação humana como práticas sociais, históricas e periodizáveis –
em que os diversos níveis/tipos de relações sociais se entrelaçam – de sujeitos ativos que,
ao mesmo tempo, sofrem a ação destas relações e agem sobre elas, individual ou
coletivamente (
KERGOAT, 1996). Kergoat ainda aponta vantagens de linguagem para o uso
da expressão relações sociais de sexo. Na própria expressão está inscrita tanto a noção de
reciprocidade, não explícita no termo gênero, quanto à ênfase no caráter social das
relações. Resumindo, aponta que fundamenta sua definição:
1. Em uma ruptura radical com as explicações biologizantes das diferenças entre as
práticas sociais masculinas e femininas. 2. Em uma ruptura radical com os modelos
supostos universais. 3. Nas afirmações de que tais diferenças são construídas
socialmente e que esta construção social tem uma base material (e não apenas
ideológica). 4. Que elas são, portanto, passíveis de ser aprendidas historicamente. 5.
Na afirmação de que estas relações sociais repousam em princípio e antes de tudo
em uma relação hierárquica entre os sexos. 6. Que se trata, evidentemente, de uma
relação de poder (K
ERGOAT, 1996: 21).
O texto de Joan W. Scott (1990; 1996) procura retomar as origens da constituição
do conceito de gênero, termo advindo da língua, visando insistir sobre o caráter social das
O texto de Joan Scott foi divulgado originalmente nos encontros da American Historial Association, em
45
distinções de sexo e seu caráter relacional. Sua síntese sobre o conceito enfatiza o
processo de construção das relações de gênero, como se manifesta na constituição das
relações sociais, em quatro elementos que operam de forma interligada: os símbolos, os
conceitos normativos, a organização (instituições) social e a identidade subjetiva.
Insistindo que o gênero se refere às
“relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas
entre os sexos”
, Scott explicita que o gênero é um modo primordial de “dar significado às
relações de poder”
. Embora não seja o único campo por meio do qual o poder é articulado, é
um meio persistente e recorrente de dar eficácia ao significado do poder (
SCOTT 1990:14 e
16; 1996:167 e 169).
A conceituação de Scott atribui papel determinante ao sistema simbólico e,
correndo o risco de erro na interpretação, considero que subsume as condições materiais e
concretas da desigualdade entre os sexos e os símbolos/representações simbólicas às
relações de poder:
Estabelecidos como um conjunto objetivo de referências, os conceitos de gênero
estruturam a percepção e organização concreta e simbólica de toda a vida social. Na
medida em que estas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou
um acesso diferencial às fontes materiais e simbólicas), o gênero torna-se envolvido
na concepção e na construção do poder em si mesmo (S
COTT, 1990:16; 1996:170).
Estas ênfases ganham mais destaque no prefácio a Gender and the Politics of
History 1994). A autora enfatiza o saber como um modo de ordenar o mundo e
significados para as diferenças sexuais, núcleo para o desvendamento das relações sociais
de gênero:
“gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais” (p.12). A ênfase colocada
no saber e no poder, parece ofuscar as práticas sociais – ainda que a autora não proponha
hierarquias – abrindo brechas para interpretações que relegam a um plano secundário os
1985, e publicado na American Historical Review (91/5) de dezembro de 1986.
46
privilégios materiais dos homens, como categoria social, com a subordinação das
mulheres.
Assim como Kergoat, Scott menciona a inexistência de uma clareza e coerência
teórica para as diversas elaborações sobre o conceito de gênero – problema também
enfatizado por Saffioti (1992). E nos remete a uma reflexão importante sobre o caráter
histórico de qualquer elaboração teórica e da codificação adquirida pelas idéias e as
palavras que pretendem expressá-las. A forma como o gênero se cristaliza como uma
categoria útil de análise, também depende do referencial político e teórico que se impõe e
da correlação de forças expressas nas contradições das relações sociais de sexo em nossa
época. Por isso, ainda que o termo gênero ganhe em síntese e facilidade de expressão, tem
sido mais facilmente absorvido com diferentes vetores de interpretação do que a expressão
relações sociais de sexo. Vetores estes, por vezes, contraditórios. Não se pretende,
obviamente, que a linguagem resolva um problema que é político: a absorção de aspectos
importantes da luta e reivindicações das mulheres pela pauta dominante, vinculando esta
absorção à neutralização de seu potencial subversivo, de questionamento das relações
desiguais entre mulheres e homens.
A apropriação dominante do conceito de gênero no Brasil tendeu a reforçar
interpretações da desigualdade entre mulheres e homens que esmaecem a importância das
contradições econômicas, das relações materiais, na configuração desta desigualdade, de
sua expressão opressiva como práticas sociais. Este caminho acabou por enfatizar a
ambigüidade na formulação do conceito de gênero, não deixando claro o aspecto
hierárquico das relações sociais de sexo. Sem acentuar as referências ao caráter histórico e
político da desigualdade, a interpretação mais comum tem levado, a meu ver, com
freqüência, a que a utilização desse conceito conduza à invisibilidade ou à diluição do
sujeito político mulheres. O caráter relacional enfatizado na literatura sobre gênero, tem
47
sido lido como vetores paralelos que equiparam a situação de mulheres e homens; em
contraposição a uma interpretação enraizada em uma perspectiva que compreende o
feminismo como ideologia e prática da luta pela libertação das mulheres, que atribui às
relações de gênero um conteúdo evidente de compreensão da desigualdade nas relações
sociais de sexo, da subordinação econômica, cultural, individual de mulheres como
categoria social.
Trata-se, indiscutivelmente, de uma interpretação teórica e política que se tem
imposto dentro de um contexto de fragmentação e crise dos paradigmas da teoria social,
por um lado, e de fragilidade do movimento de mulheres, do
“campo de rebelião contra a
subordinação das mulheres ou, dito positivamente, [...] a prática e a teoria feminista”
, nas palavras
de Gomáriz. Este autor considera a teoria social e o movimento de mulheres, sua prática e
teoria, as duas fontes epistemológicas fundamentais para a construção
“da reflexão sobre a
identidade e o papel que as sociedades atribuem aos gêneros, a relação entre os mesmos e sua
reprodução social, ou seja, o que de forma ampla se denominaria estudos de gênero”
(GOMÁRIZ,
1992: 86). Ao “conceito gênero”, em si mesmo, não podem ser imputadas as derivações
políticas das leituras que dele foram feitas. Mas sua aplicação facilitou os embates
políticos para tirar de cena o sujeito político e social mulheres e desqualificar a identidade
das vitórias alcançadas pelas mulheres com o feminismo. Assimilado como substituto de
“mulheres” e de “feminismo”, seu emprego deu, em parte, margem à deslegitimação de
processos de organização próprios, indispensáveis à disputa para alterar as desigualdades
que informam as relações sociais. Argumentos como: “Aqui não discutimos mulheres ou
feminismo; aqui discutimos gênero”; “são necessárias estruturas políticas ‘de gênero’ e
não ‘de mulheres’, ou ‘para mulheres’”; tornaram mais fácil o caminho para que as
relações sociais de sexo, as desigualdades entre mulheres e homens ganhassem uma
48
conotação prioritária como um tema a ser abordado, em detrimento da explicitação de uma
relação social de desigualdade e exploração.
Percorrendo um caminho em que, como um instrumento de análise da realidade
social, se distancia da radicalidade da proposta política de mudança social identificada
com o feminismo (
SCOTT, 1990: 7; HEILBORN e SORJ, 1999), inserido em um processo de
institucionalização tanto acadêmica quanto política, o conceito é incorporado de forma a
diluir o sujeito político mulheres, em grande parte das vezes em que é utilizado como
instrumental teórico e interpretativo da situação das mulheres e das relações sociais entre
mulheres e homens.
20
Não se desconhece, aqui, que a elaboração teórica é, e será, sempre histórica. E,
neste sentido, objeto permanente de disputas políticas. Mas retomar, com prioridade, o
conceito de relações sociais de sexo, permite acentuar o caráter das práticas sociais, ao
mesmo tempo em que, a meu ver, sugere mais claramente as relações entre sujeitos
sociais, mulheres e homens. Além disso, em sua gênese e formulação teórica, o conceito
de relações sociais de sexo atribui papel central à divisão sexual do trabalho na construção
das relações de desigualdade entre mulheres e homens.
No âmbito das políticas públicas, da ação do Estado, estas questões têm influência
direta na definição das políticas: a que sujeitos se dirigem? Como é percebida a
20
Expressões mais simplificadas, ou mais sinceramente conservadoras, deixam transparecer a abordagem
inspirada na complementaridade dos gêneros ou dos papéis sexuais (ou papéis de gênero), lembrando
análises de viés funcionalista. Em elaborações teóricas mais sofisticadas, a ênfase no caráter relacional é,
com freqüência, a chave para esta diluição.
49
desigualdade social entre mulheres e homens; e devem as políticas de Estado agir no
sentido de alterar tal correlação de forças? Em que sentido? Que políticas priorizar? A
perspectiva assumida, a respeito do papel estrutural das relações sociais de sexo no
conjunto do sistema de dominação hegemônico, é decisiva para a orientação das políticas,
se a perspectiva é de uma ação do Estado que vá além do combate à discriminação e
intervenha, de forma ativa, para a superação da desigualdade entre mulheres e homens, em
todos os âmbitos da vida social.
A formulação em termos de relações sociais de sexo será utilizada, neste texto, com
base na elaboração desenvolvida por Danièle Kergoat e outras, para quem o conceito
permite
“uma visão sexuada dos fundamentos e da organização da sociedade. Fundamentos e
organização estes ancorados materialmente na divisão sexual do trabalho”
. Para a autora, isso
permite pensar o conjunto social
“de forma particular, mas não fragmentada”:
– Particular, porque ela foi elaborada a partir do ponto de vista da opressão das
mulheres (feminist stand-point).
– Não-fragmentada, já que as relações sociais de sexo existem em todos os lugares,
em todos os níveis do social. Esta abordagem deve, portanto, se integrar em uma
análise global da sociedade, contribuir para fazê-la avançar (não se trata,
evidentemente, de se integrar passivamente, o que seria mesmo impossível) e se
articular aos outros elementos da dinâmica social (K
ERGOAT, 1996: 20-1).
A noção de relações sociais e a perspectiva de sua imbricação em uma rede que
dinamiza os diversos atores, seus interesses e suas ações, fundamenta-se em uma noção
não-determinista da posição dos “sujeitos” no mundo;
“sujeitos” que, ao mesmo tempo, sofrem
a ação das relações sociais, mas, igualmente, agem sobre elas, construindo, tanto individualmente
como coletivamente, suas vidas, por meio das práticas sociais”
. Por sua vez, na visão da autora,
a noção de práticas sociais, é indispensável para a definição dos atores não como puro
produto das relações sociais, uma vez que permite restituir a eles o sentido de suas
práticas, ao invés de interpretá-las como resultantes de um determinismo externo; ao
50
mesmo tempo, permite “a passagem do abstrato ao concreto (o grupo, o indivíduo)” e possibilita
que se pense
“simultaneamente o material e o simbólico” (KERGOAT, 1996: 23).
Assim, aceitando-se que gênero e relações sociais de sexo são formulações
preferenciais, historicamente situadas, a análise que se segue se apoiará sobre esta segunda
formulação, por considerar que, nos termos em que o debate se desenvolveu entre nós,
possibilita compreensão mais clara da dinâmica e dos mecanismos que estruturam a
desigualdade entre mulheres e homens; torna menos oculto os dois termos da relação e,
assim, se presta mais facilmente a dar destaque ao sujeito político mulheres, elemento
prioritário na disputa por transformar as relações entre mulheres e homens. Quando
mencionados aspectos de análise ou abordagens das diversas autoras e autores, ao longo
do texto, será mantida a referência ao conceito de gênero, sempre que isso seja
considerado necessário à preservação do pensamento do autor.
4IMPORTÂNCIA DA CONJUNTURA
O período recente, em que a ação do Estado sobre as relações sociais de sexo
emerge no Brasil, e em boa parte dos países latino-americanos, como uma reivindicação
das mulheres como sujeito político e social, coincide com uma conjuntura de forte
mobilização e questionamento da ordem política vigente. No Brasil, é no período final da
ditadura, a primeira metade da década de 1980 e período que antecede a aprovação da
Constituição de 1988, quando a sociedade se mobiliza e entram em pauta projetos de
reorganização institucional. Virginia Guzmán (2001 e 2003) analisa o processo de criação
do que a autora denomina
“instâncias de gênero no Estado”, em alguns países da América
Latina, e constata que
[...] a maioria destes mecanismos de gênero foi criada em conjunturas extraordinárias
que se distinguem pela maior receptividade dos atores políticos e das autoridades
públicas às demandas sociais, o que permitiu ao movimento feminista e de mulheres
51
atrair a atenção para suas propostas. Os mecanismos foram criados em momentos
em que houve uma mudança significativa do clima político nacional, em momentos de
alternância parlamentar ou de governo, e/ou sob pressão de acordos internacionais
(G
UZMÁN, 2003: 25).
A autora aponta que, em alguns destes países, cujos organismos foram criados já na
década de 1990, as conferências internacionais, convocadas pelas Nações Unidas,
favoreceram a criação ou a redefinição destes organismos. E, também assinala que a
influência de organismos internacionais é mais forte em países com quadro institucional
mais fraco.
Conjunturas excepcionais podem gerar instabilidade e possibilidades de rearranjos
políticos e institucionais mais propensos a novas propostas. São conjunturas críticas que
operam positivamente para que novos sujeitos se tornem atores políticos relevantes.
21
Seu
sucesso dependerá, também, da força acumulada, das opções estratégicas tomadas e, como
aponta Guzmán (2001), da combinação entre as oportunidades oferecidas pelo sistema
político e os repertórios de ação do movimento de mulheres. A presença dos interesses das
mulheres ganha mais força, sempre e quando apareçam articulados com os interesses mais
gerais em jogo na sociedade, o que depende, em grande medida, do quanto estão, como
força social, articuladas com atores determinantes na conjuntura.
No caso das mulheres, como sujeito político e social, isso exige mais do que
alianças articuladas de fora. À força e organização própria é necessário combinar sua
presença orgânica no interior de atores decisivos na formação dos projetos políticos, entre
os quais se destacam os partidos políticos. A influência nas dinâmicas políticas na
sociedade se dá, com certeza, por meio de vários outros canais e envolve diversos
caminhos de mediação entre atores sociais e o poder público. Como sublinha Luiz
21
O momento em que os eventos ocorrem pode ser decisivo, pois é freqüente que exista um processo de
auto-reprodução e propagação das experiências e instituições. Sobre o conceito de path dependence
52
Eduardo Wanderley (2005), ao discutir caminhos por meio dos quais os movimentos
sociais têm incidência política, compreendida esta como todas as práticas políticas que se
exercem na conquista da hegemonia, é necessário enfatizar que:
[...] não se deve restringir a discussão sobre a política à questão da representação
nos partidos políticos, o que é uma tentação comum, mas sobretudo reconhecer a
inevitabilidade de um conduto político mais globalizado dentro das várias opções
políticas, e [...] que um dos condutos principais existentes entre a sociedade civil e o
Estado é o partido político (W
ANDERLEY, 2005: 62).
A análise da experiência do movimento de mulheres do Quebec, realizada por
Francine Descarries, também insiste que a forte presença de políticas igualitárias, do ponto
de vista das relações de sexo, na intervenção do Estado, no Quebec, deveu-se a uma
integração do movimento de mulheres no projeto de modernização que teve lugar no país
na década de 1960. Considera que houve uma coincidência histórica e estrutural entre dois
projetos de mudança, favorecendo que a pauta proposta pelas mulheres fosse vista como
parte da perspectiva de mudança que movia os diversos atores sociais. Por outro lado, a
ação do movimento, inserindo-se na dinâmica política mais ampla, o tornava um ator com
força para disputar posições no projeto de mudança social em curso (
DESCARRIES, 1997).
Na América Latina, as mudanças que caracterizaram o final das ditaduras, também
se inseriam em uma conjuntura econômica de crise. A década de 1980 se apresenta como
um período de alta da inflação, de aumento do desemprego, gerando instabilidade
econômica no país e na região, condições que já se refletem nas opções de restrição das
políticas públicas e do papel do Estado.
Mas é a década de 1990 que marca o fortalecimento das ideologias questionadoras
da idéia de direitos universais, contrárias aos direitos sociais conquistados no período
anterior. Ao mesmo tempo em que se amplia a visibilidade das discriminações específicas
(“dependências de trajetórias” ver Paul PIERSON. Politics in Time: History, institutions and social analysis.
53
(mulheres, raça/etnia, orientação sexual, pessoas com deficiência etc.), o investimento em
políticas sociais é apontado como um dos responsáveis pela crise do Estado. Assim,
quando o PT passa a governar um número importante de prefeituras, após as eleições de
1988, e militantes feministas do partido propõem a instalação de organismos de políticas
para as mulheres, como organismos de executivo, a agenda econômica hegemônica no
país já passava por profundas alterações. A ênfase passou a ser a redução de gastos
sociais, a privatização de serviços públicos, a redução das atividades do Estado e
fortalecimento da transferência da responsabilidade sobre o bem-estar dos indivíduos cada
vez mais para o âmbito do mercado e das famílias.
A política e a economia hegemônicas no período são marcadas por uma
“avassaladora tendência à mercantilização de direitos e prerrogativas” (BORÓN, 1999: 9),
resultantes da luta dos setores populares durante várias décadas. Ganhando a roupagem de
“bens e serviços”, os direitos sociais que marcaram a construção da cidadania durante todo
o século XX passam, cada vez mais, a ser regulados pelos interesses de mercado. Uma vez
que um
“padrão fragmentado da provisão de bens e serviços é uma característica institucionalizada
das sociedades capitalistas atuais”
(BALBO, 1992), espera-se que os vácuos sejam preenchidos
pela família, em particular pelas mulheres. Laura Balbo insiste que, para além desta
sobrecarga prática, cultiva-se uma ideologia que torna natural tal provisão como uma
tarefa feminina.
A fragmentação das políticas se dá, também, pela forma de organização da
máquina pública, avessa às ações que dependem de uma perspectiva de integração entre
diversas áreas. Esta integração é, neste caso, ainda mais necessária, uma vez que as
mulheres, como sujeito político e social, são marcadas pela multiplicidade de sua inserção
social, suas condições pessoais, bem como pela amplitude das identidades, que
Princeton: Princeton University Press, 2004.
54
conformam o indivíduo (SAFFIOTI, 1994). Assim, a proposição de políticas pautadas por
uma perspectiva de igualdade exige a integração dos aspectos de raça-etnia, das
singularidades de orientação sexual, bem como das reivindicações e necessidades oriundas
das diferenças de idade, das mulheres com deficiência, grupos que, cada vez mais,
demandam uma integração à agenda feminista.
A partir da segunda metade da década de 1980 e durante toda a década de 1990,
por outro lado, a força e a visibilidade do movimento de mulheres se alteram
profundamente. Sua capacidade de aparecer como ator importante para a definição das
agendas políticas e institucionais fica bastante reduzida. A diferenciação e o
distanciamento entre grupos organizados em
ONGs e a organização do movimento de
mulheres nos setores populares e em organizações mistas debilita ainda mais a presença
das mulheres como sujeito político e social na conjuntura.
5EM RESUMO
A ação do Estado é central para o reforço ou a alteração da dinâmicas que
atravessam as relações sociais de sexo. Por um lado, é agente importante na manutenção
das desigualdades entre mulheres e homens; por outro, o discurso da igualdade e da
cidadania universal que sustenta a concepção de Estado e de política desenvolvida na
modernidade, permitiu a exposição das contradições decorrentes da exclusão das mulheres
dos marcos desta cidadania. As contradições se ampliam com a expansão de direitos
sociais, em especial a partir dos parâmetros difundidos pela proposta de criação de um
Estado de Bem-Estar Social.
A crítica elaborada por teóricas feministas sobre a política de bem-estar social dos
países europeus desvenda o viés da desigualdade das relações sociais de sexo presente
nestas políticas e insiste na necessidade de se alterar o papel do Estado na regulação das
55
relações entre Estado, mercado e família, retomando a crítica à separação radical entre
público e privado, que identifica e atribui às mulheres a responsabilidade com a
reprodução social.
A insistência na centralidade de se repensar esta dicotomia entre público e privado
é, neste texto, identificada com a necessidade de se garantir que a ação do Estado incida
para a construção de relações igualitárias entre mulheres e homens. Caracterizado por
Jean-Claude Kaufmann (1995: 203-6) como o par infernal
22
sobre o qual se assenta a
questão da igualdade, a resposta para o problema não se apresenta como a eliminação de
toda a distinção entre as duas esferas. Seja do ponto de vista do direito à privacidade, seja
pelo fato de que aspectos importantes da estruturação de uma sociedade democrática
fundam-se na distinção entre interesses públicos e interesses privados. Trata-se, antes, de
redefinir fronteiras entre as duas esferas e rediscutir as dinâmicas de sua inter-relação.
Para isso, a compreensão de como se constroem e se desenvolvem as relações
sociais de sexo e do papel da divisão sexual do trabalho nestas relações são considerados
chave. A crítica a como se desenvolvem tais relações, conformando uma dinâmica de
desigualdade entre mulheres e homens em todos os âmbitos da vida, só emerge como
política, pela ação coletiva das mulheres que, como sujeito político e social, passam a
questionar as contradições impostas por uma cidadania cindida, avalizada pela ação do
Estado.
No entanto, conformando uma presença coletiva, que não pode ser ignorada pelos
diversos atores sociais, como categoria social, as mulheres ainda aparecem com fortes
limites para impor mudanças na ação do poder público e promover alterações
institucionais capazes de gerar uma nova dinâmica na ação governamental. No Brasil, no
período da transição, momento em que o movimento de mulheres apareceu com mais força
56
na conjuntura do país, surge a discussão sobre a necessidade de instrumentos institucionais
para influenciar a ação do Estado. O posicionamento de setores do movimento de
mulheres diante desta questão levou à construção de respostas distintas, que foram
implementadas em momentos e conjunturas políticas também distintas.
Partindo-se desta análise, retomamos, aqui, questões que orientam a discussão
proposta neste texto, já apresentadas na introdução:
[1] Em que medida as mulheres organizadas coletivamente, como um sujeito
político e social, serão capazes de tensionar a atuação do Estado, a ponto de
assegurar que uma pauta específica de questões e reivindicações encontre
resposta na ação institucional?
[2] Para que o poder público responda a esta pressão de forma eficaz é
necessário gerar alterações na estrutura governamental? Que opções
surgiram no Brasil de instrumentos na estrutura organizativa governamental,
visando a alterar a dinâmica de intervenção do Estado?
[3] Qual as soluções adotadas por governos do PT e seus limites? Como a
proposta elaborada foi concretizada na prefeitura de São Paulo? Quais as
estratégias desenhadas para enfrentar os limites impostos por uma
institucionalidade frágil?
Estas questões serão discutidas tendo como foco a proposta de criação de
organismos de políticas para as mulheres, desenvolvida no Partido dos Trabalhadores,
concretizada em “coordenadorias da mulher”, como um instrumento para elaboração,
articulação e implementação de políticas para as mulheres no seio do poder executivo.
Serão apresentados os argumentos para a existência de tal organismo; a fundamentação do
22
Le couple infernal, em francês no original.
57
debate feita por militantes feministas dentro do PT, em especial no primeiro momento de
sua elaboração e implementação, a partir das eleições de 1988 e de sua implementação em
prefeituras dirigidas pelo partido naquele momento, particularizando-se a experiência da
Coordenadoria Especial da Mulher da Prefeitura do Município de São Paulo, nas gestões
1989-1992 e 2001-2004.
Para isso, considera-se importante reconstruir as linhas gerais da constituição das
mulheres como sujeito político e social no Brasil no período recente, a partir do
desenvolvimento do movimento de mulheres nos anos 1970-1980, destacando-se a forma
como este movimento foi tensionado pela transição política no período e pela relação com
o Estado e com os partidos políticos. Esta relação gerou propostas de atuação junto ao
Estado – desenvolvida, no primeiro momento, no formato de Conselhos dos Direitos da
Mulher ou Conselhos da Condição Feminina – fórmula institucional distinta da que foi
priorizada pelas militantes do PT.
58
CAPÍTULO 2
MULHERES: NOVOS SUJEITOS E NOVAS DEMANDAS NO
BRASIL
1NOVOS SUJEITOS: NOVAS DEMANDAS
As décadas de 1970 e 1980 marcaram uma mudança importante na sociedade
brasileira. Movimentos sociais, de diversas origens, organizados de diferentes formas,
ganharam um peso até então não visto no país. Politizando-se fortemente e, ocupando
parte do espaço que até o início da década de 1980 era vedado aos partidos, o processo de
surgimento e organização dos movimentos sociais, neste período, marca a formação de
novos sujeitos políticos, presentes no processo de reorganização da sociedade brasileira
pós-ditadura militar.
A participação das diversas expressões dos movimentos sociais organizados no
processo de democratização tem sido enfatizada como elemento central na revitalização da
sociedade brasileira, nos anos da chamada transição e que se seguiram ao fim do regime
militar. Também em outros países da América Latina, este é um período marcado pela
vigorosa organização dos movimentos sociais na região (
ALVAREZ,DAGNINO,ESCOBAR,
2000), com as singularidades que marcam cada realidade.
No Brasil, uma intensa dinâmica de urbanização e industrialização, após pouco
mais de duas décadas, alterou o equilíbrio urbano-rural da população e ampliou as
contradições sociais e políticas acumuladas no final do período de expansão econômica,
em meados da década de 1970. As pressões sociais da nova realidade do país combinadas
59
com a resistência política ao regime formaram um ambiente propício ao desenvolvimento
de movimentos sociais urbanos. Esta é uma história já bastante conhecida.
23
Elisabeth Souza-Lobo chama a atenção para três perspectivas nas análises sobre a
natureza dos movimentos sociais, presentes na literatura sociológica sobre o período. Uma
primeira visão atribui o intenso processo de organização dos movimentos sociais no país,
naquele momento, de forma privilegiada, ao fechamento pelo regime militar dos espaços
políticos tradicionais. Uma segunda visão coloca a ênfase de sua interpretação no
aparecimento de novas formas de relações sociais no período. E finalmente, uma terceira
vertente privilegia os processos de mobilização como expressão de carências sociais
geradas nos processos de urbanização, nos quais o Estado é o alvo fundamental das
demandas apresentadas. E aponta que estas análises, em geral, não se questionaram sobre
o fato de que os atores sociais destes movimentos eram, freqüentemente, em sua maioria,
mulheres (
SOUZA-LOBO, 1991: 176 e 242).
A riqueza da dinâmica trazida para a luta política por estes movimentos é
sintetizada na análise de Éder Sader (1988) como a emergência de um novo sujeito
coletivo que, afirmando a entrada em cena de atores sociais até então excluídos, introduziu
na cena política nacional novos padrões de ação coletiva, que deixaram uma marca de
longa permanência nos processos de luta política desenvolvidos nas décadas posteriores.
No bojo desta dinâmica, surgiu uma multiplicidade de movimentos com
perspectivas prioritariamente locais, focados em reivindicações imediatas, mas também
23
É extensa a bibliografia sobre os movimentos sociais no Brasil neste período, analisando o surgimento
de movimentos que se desenvolveram, em especial nas áreas urbanas, om base nas relações de trabalho,
das condições de vida nas cidades, da luta contra a ditadura, da politização de grupos de base da Igreja
Católica, da participação de setores até então pouco destacados na mobilização política, como as mulheres
de classes populares etc. A análise de Éder Sader (1988), em Quando novos personagens entraram em
cena: experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980, descreve bem este
processo.
60
movimentos em cujo horizonte se situam mudanças de relações sociais e da própria
estrutura da sociedade brasileira. De fato, um forte processo de mobilização e
questionamento da ditadura militar introduziu a expectativa de mudanças políticas mais
amplas para grandes parcelas dos movimentos, mesmo aqueles claramente movidos por
reivindicações locais e imediatas. Ampliando as fronteiras do político, para além do
Estado e dos partidos (
ALVAREZ,DAGNINO,ESCOBAR, 2000), os movimentos sociais do
período introduziram novos temas e críticas na pauta obrigatória do período da transição e
nas décadas seguintes.
Estes movimentos, e seus novos processos de luta, serão confrontados com o
desafio da construção de uma institucionalidade que se reforma com o final da ditadura:
reformulação partidária, alterações nas dinâmicas e nas políticas do Estado, construção de
novos parâmetros legais, retomada de mecanismos tradicionais da institucionalidade
democrática. Mais que confrontar-se, integrar-se-ão ativamente nesta reformulação. A
forma de sua entrada na arena política, constituindo-se como sujeitos, demandantes e
portadores de direitos, mas também se colocando na perspectiva de atuar na reestruturação
das instituições políticas, cobrará, a cada momento, uma reavaliação e reorientação das
estratégias de atuação e alianças, que tensionam os movimentos; e, para além das
divergências de perspectivas, apresentam dificuldades de implementação quanto mais
dispersos, horizontais e pouco estruturados sejam os movimentos.
Estes dilemas, presentes na pauta dos diversos setores dos movimentos sociais, em
particular durante toda a década de 1980, manifestaram-se de forma particular no
movimento de mulheres, seja pela predominância de formas pouco estruturadas de
organização, pela profunda intersecção de sua militância com os demais movimentos, seja
61
por confrontar-se com as contradições decorrentes das relações sociais de sexo, presentes
no cotidiano da militância política e social.
A partir da segunda metade da década de 1980 e durante a década de 1990, ocorreu
um processo de mudança nos movimentos sociais. Parcelas importantes de seus dirigentes
e militantes foram absorvidas nas dinâmicas eleitorais e pela presença expressiva da
esquerda em governos municipais, a partir de 1988. Houve um distanciamento de camadas
de militantes originários de estratos médios das formas de mobilização e lutas de base. O
movimento sindical tendeu a se burocratizar e vários movimentos sociais passaram por
uma progressiva institucionalização na forma de
ONGs. Este processo veio acompanhado
de desvalorização das dinâmicas de luta social de massas, de perda de visão crítica sobre
as instituições estatais e sobre as políticas de ajuste econômico e perda de direitos sociais;
de uma integração de parcelas dos ativistas à dinâmica e à pauta proposta pelos governos e
agências de cooperação internacional; processo que não poupou o movimento de
mulheres.
24
Mudanças na conjuntura internacional, no final da década de 1990, abrem novas
possibilidades para os movimentos sociais. Entre os principais marcos desta nova fase,
podem ser citados: a retomada de grandes mobilizações, críticas à política econômica
internacional e às instituições multilaterais – FMI, Banco Mundial, OMC etc.; a criação do
Fórum Social Mundial e seu desdobramento em vários países e continentes; a proposição
de campanhas políticas sobre temas de caráter internacional, como a campanha contra a
24
Os movimentos populares reivindicativos e suas formas de luta, em particular no contexto urbano,
viveram uma retração, e passaram por longo processo de enfraquecimento, agravado pela desqualificação
de que foram alvo as lutas sociais e o pensamento crítico face ao capitalismo, após a queda da União
Soviética e dos regimes a ela vinculados. No caso do Brasil, a grande exceção do período foram os
movimentos sociais no campo. Em particular, o MST destacou-se por desenvolver uma crescente
capacidade de lutas e mobilizações, forçando a colocação da reforma agrária na agenda política e tornando-
se, assim, um ator cada vez mais visível no cenário político nacional, situação oposta à dos demais
movimentos.
62
ALCA, na América Latina; o surgimento da Marcha Mundial de Mulheres. Estes
processos refletem uma nova fase de mobilização e organização dos movimentos sociais,
que retoma, em moldes diferentes, a importância da mobilização de base, de temas críticos
e anti-capitalistas e das manifestações de rua, pouco valorizados no cotidiano dos setores
institucionalizados, hegemônicos no período anterior.
Ainda no momento anterior, em sua segunda grande onda, o feminismo aportou no
Brasil, timidamente, na primeira metade dos anos 1970, pelas mãos de militantes de
esquerda. E se desenvolveu na segunda metade da década e nos anos 1980, no bojo de um
movimento social intenso, em meio ao debate de reorganização partidária, em um quadro
de recomposição do Estado e da sociedade civil. Articulou-se, naquele momento, um
movimento de mulheres de massa, com enraizamento popular, caracterizando, de forma
bastante apropriada, nas palavras de Cíntia Sarti (1988), “
uma trajetória particular do
feminismo
”.
25
A forte presença das mulheres no mundo público e o fortalecimento de sua
organização política, como movimento de mulheres, introduziram novas questões em
todos os âmbitos da sociedade. O Estado, os partidos políticos, as múltiplas arenas do
movimento social, os diversos setores da sociedade civil, foram pressionados a se
posicionar frente a este novo sujeito social e político. O movimento de mulheres,
movendo-se em uma relação de “mútua influência” entre as mulheres organizadas nos
25
O movimento de mulheres, no Brasil, neste período, formou-se a partir de duas vertentes principais, que
se cruzaram: militantes feministas vinculadas ou originárias das organizações e partidos de esquerda, e
mulheres organizadas nos movimentos populares, em Comunidades Eclesiais de Base, nos Clubes de Mães,
em movimentos reivindicativos, de saúde, de creches etc. Tais vertentes, por sua vez, comportavam uma
multiplicidade de inserções, de níveis de organização, de priorização de áreas de luta e reivindicações e,
obviamente, de visões do que é, ou deveria ser, o movimento de mulheres. Segundo Sarti (1988: 40) “as
feministas que se organizaram no país, vinculadas em sua maioria às organizações e partidos de
esquerda, atuaram politicamente articuladas ao conjunto das mobilizações femininas, dando à sua
atuação uma coloração própria. Influenciaram e foram influenciadas pelas demandas das camadas
populares, referidas também a mudanças no comportamento sexual e nos padrões de reprodução e
fecundidade”. No Brasil, o primeiro momento do feminismo é identificado, em particular, com a luta pelo
63
setores populares e as militantes originárias de camadas médias (SARTI, 1988), compondo
um setor explicitamente feminista, introduziram novos temas, novas dinâmicas e,
inevitavelmente, novos conflitos, em particular nos espaços mais mobilizados da
sociedade brasileira.
Ao trazer para o primeiro plano as contradições das relações sociais de sexo, as
mulheres, organizadas como um novo sujeito social e político, obrigaram as mais diversas
instituições da sociedade a se confrontar com o paradigma da desigualdade entre mulheres
e homens, enraizado em cada uma delas. Um novo problema, cuja demanda por respostas
não poupou nenhum dos atores em destaque no período: partidos políticos, organizações
sindicais, movimentos populares urbanos, Igreja Católica.
O foco deste trabalho se concentra na relação entre movimento de mulheres e
Estado e, em decorrência, destaque será dado à relação com os partidos políticos, pelo
papel que desempenham como canal privilegiado da relação entre Estado e sociedade, na
proposição de projetos políticos para o país, na composição dos governos. No campo da
oposição à ditadura, a relação do movimento de mulheres com os partidos políticos
ganhou especial destaque. Havia, por um lado, a tensão advinda da dificuldade de
identificação, da maioria dos partidos, com aspectos importantes da plataforma feminista.
Do ponto de vista político-organizativo, as perspectivas eram freqüentemente de
confronto; em alguns casos, questionava-se mesmo a necessidade de organização própria
das mulheres. Por outro lado, os conflitos com os partidos políticos relacionavam-se às
alternativas políticas em disputa no país. E, neste sentido, tal tensionamento não era
homogêneo entre os setores do movimento, uma vez que refletia posicionamentos distintos
direito de voto para as mulheres, desenvolvida, especialmente, na segunda e terceira décadas do século
XX.
64
existentes entre as militantes, em relação às perspectivas de feminismo e da atuação do
movimento de mulheres.
Crises provocadas pela exigência de uma definição frente aos projetos políticos em
pauta não foram exclusivas do movimento de mulheres. O período de transição da ditadura
e o surgimento de maior pluralidade de posições, especificamente do âmbito da política,
provocaram, em todos os movimentos sociais, a necessidade de maior definição de seus
próprios projetos (
GOHN, 2005: 74-5). Exigência esta que se impunha não apenas quanto às
plataformas e dinâmicas próprias de cada movimento em relação ao Estado, à medida que
enfraquecia a ditadura militar; mas também, e principalmente, no reposicionamento frente
aos projetos que vão se mostrando na conjuntura brasileira. O quadro partidário tornou-se
mais complexo e a oposição à ditadura, importante unificador dos movimentos sociais – e
das esquerdas – já não era a única pauta. Além de terminar de colocar abaixo a ditadura,
tratava-se de vislumbrar e construir as alternativas para o país. Também o movimento de
mulheres foi levado a se posicionar, pressionado pela nova realidade.
As dificuldades de uma atuação unificada foram amplificadas por diferenças de
identificação partidária das militantes do movimento.
26
Embora as disputas nos Encontros e Congressos do movimento de mulheres, em
particular em torno da criação ou não das federações de mulheres, tenham marcado a
memória coletiva do movimento como o momento crucial de ruptura de sua unidade
26
Os anos entre 1978 e 1982 foram de intensa mobilização do movimento de mulheres, com atividades
massivas que tiveram importante repercussão pública. Uma dinâmica de realização de encontros ou
congressos amplos se reproduziu em diversos Estados, e influenciou, também, algumas das categorias
sindicais, com a organização de encontros da “mulher trabalhadora” em vários ramos de atividades.
Encontros ou congressos estaduais tinham dinâmicas e pautas próprias, mas repercutiam, em alguma
medida, o temário (e, muitas vezes, os confrontos) desenvolvidos nos Estados mais mobilizados. Em
particular o 3º Congresso da Mulher Paulista, em 1981, é apresentado como o ápice das divergências em
relação aos métodos de atuação, propostas organizativas e quanto a perspectivas e prioridades na pauta do
movimento. Com intensidades distintas, dinâmicas e divergências semelhantes se expressaram no mesmo
período em outros Estados onde o movimento desenvolvia uma ação mais coletiva; podemos citar, em
particular, o Rio de Janeiro e Pernambuco (M
ORAES, 1985; TELES, 1999).
65
(TELES, 1999), sendo a responsabilidade por essa ruptura atribuída, de maneira
genérica, aos partidos políticos e sua disputa pela hegemonia do movimento
27
, tratava-se
de um momento de definição de projetos sociais e políticos nos quais já afloravam, em
realidade, vários níveis de contradições advindas da heterogeneidade social e de
perspectivas entre os grupos, da explicitação crítica de reivindicações dos grupos
homossexuais e de mulheres negras, das diferentes visões de feminismo, entre outros
(
SARTI, 1988; MORAES, 1985).
O quadro partidário redefinido, inicialmente a partir de 1979, com a nova Lei
Orgânica dos Partidos (Lei nº 6.767/1979)
28
, começou a se consolidar. Também os
movimentos sociais foram confrontados com o debate sobre a reorganização institucional
do país, sobre os alcances da democracia e do regime político, a relação entre Estado e
sociedade, a nova agenda de direitos a serem reconhecidos etc. De forma dispersa, as
diferentes tendências do movimento de mulheres foram se posicionando neste processo.
As eleições de 1982, as primeiras disputadas no novo quadro partidário,
revestiram-se de um significado amplo como expressão de projetos nacionais. Foram as
primeiras eleições diretas para os governos estaduais, desde 1965, com propaganda e
mobilizações abertas nas ruas, grandes comícios etc. Ainda que o cargo de presidente da
república não estivesse em disputa, sua expressão nacional foi dada por serem as primeiras
eleições livres de algumas das grandes amarras do período anterior, envolvendo, de forma
27
Além das divergências em torno das visões de construção da autonomia do movimento e a relação com
os partidos políticos, havia um forte antagonismo quanto ao tema da criação de uma Federação de
Mulheres e os posicionamentos sobre a reivindicação de uma Constituinte no país. O 2º Congresso da
Mulher Paulista, realizado em 1980, já anunciava os níveis de conflito no movimento, o que levou à
realização de dois Congressos, em 1981: um aglutinou a grande maioria dos grupos organizadores dos
congressos anteriores, com uma conotação mais abertamente feminista, realizado na PUC-SP; outro,
dirigido fundamentalmente pela corrente MR-8 (atuando dentro do PMDB), realizado no estádio do
Pacaembu.
28
O sistema partidário surgido em 1979 extinguiu a ARENA e o MDB e, estabelecidas novas regras, deu
origem ao PDS, PP, PMDB e PDT. Pouco depois, se legalizaram o PTB e o PT. O PP, liderado por
Tancredo Neves, logo se extinguiu, voltando a se integrar no PMDB. Das eleições de 1982 participaram
cinco partidos (L
IBANIO e MENEZES FILHO, 2003).
66
bastante ativa, toda a militância política e social, mobilizada nos últimos anos. E o
movimento de mulheres, como os outros movimentos sociais, foi afetado por este cenário.
2NOVOS SUJEITOS: NOVAS RESPOSTAS
A ação dos novos movimentos sociais pressionou os partidos e as estruturas do
Estado. Sua pauta criou novas demandas. O Estado precisava se legitimar frente a estes
novos sujeitos sociais. Também os partidos reagiram à maior presença pública das
mulheres.
Embora todos os partidos políticos tenham, de alguma forma, sido pressionados
pela necessidade de se dirigir às mulheres, ou de criar formas de organização para sua
filiação, de alguma maneira, os partidos mais à direita no espectro partidário ou com
menos apelo junto aos movimentos sociais, apresentaram pouquíssima ou nenhuma marca
na polêmica nacional sobre as identidades e rumos do movimento, ainda que também
tenham sido afetados pelo processo de organização das mulheres (
P, 1992).
Dentro dos partidos políticos, a presença das militantes feministas funciona como
uma pressão interna, refletida na postura pública do partido. Observe-se que, com
tradições diferenciadas, correntes de esquerda presentes na luta contra a ditadura nos anos
anteriores, se identificavam com os projetos partidários legais, influenciando posições que
se expressavam na sua relação com o feminismo. No quadro partidário inicial da transição,
os setores progressistas no país se posicionaram fundamentalmente frente a dois grandes
blocos: PMDB e PT, apresentando inserção institucional bastante diferente. O PDT,
embora com a forte liderança de Leonel Brizola, estruturou-se de maneira mais
consistente, como partido, apenas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Contrastando
com sua forte influência junto aos movimentos sociais, a inserção institucional do PT em
67
espaços legislativos e executivos, durante todo o período, é incomparavelmente menor que
a do PMDB ou mesmo do PSDB, a partir da fundação desse partido.
O PMDB, herdeiro direto da frente de luta anti-ditadura, foi o grande vitorioso da
oposição, nas eleições de 1982 e 1986. Mais tarde, na década seguinte, entrou em um
processo de fragmentação e enfraquecimento como legenda unificada nacional, embora
seja, ainda hoje, o partido com o maior número de filiados no país (TSE, março 2007).
Das organizações/partidos de esquerda abrigados no PMDB na década de 1980, cujas
militantes participavam, de forma destacada, do movimento de mulheres, PCdoB e PCB se
legalizaram como partidos independentes em 1985. O MR-8 atua, ainda hoje, no PMDB.
No grupo que abandonou o PMDB, em 1988, para formar o PSDB, não houve
organização interna expressiva de militantes feministas, embora seja identificável a
presença de pessoas, que haviam se destacado no feminismo nos anos anteriores.
Outros partidos foram se estruturando legalmente durante o período; mas, sem
pontos de contato significativos com o movimento de mulheres, não alteram o quadro
apresentado.
Grande número de ativistas do movimento de mulheres permaneceu sem filiação
partidária, mas os campos de atuação podem indicar aproximações com os matizes mais à
“esquerda” ou de “centro” no espectro partidário do país.
29
Parcela considerável da militância de origem nos setores médios, que teve presença
marcante na organização e politização feminista do movimento de mulheres até os
primeiros anos da década de 1980, se reorientou para a atuação em organizações não-
29
O quadro partidário no Brasil é extremamente móvel; muitas vezes, entretanto, as mudanças refletem
apenas rearranjos no parlamento, com fusões e freqüentes trocas de nomes. Como o foco, neste capítulo, é
o período dos anos 1980-90, parece útil a classificação dos partidos presentes no Congresso Nacional entre
1985-1993, feita por Rachel Meneguello, embora possam ser feitas observações sobre esta caracterização e
sua restrição ao parlamento. Esquerda: PT, PDT, PCB, PCdoB, PSB, PSTU. Centro: PMDB, PSDB.
Direita: PFL, PTB, PDS, PDC, PL, PRN, PP (M
ENEGUELLO, 2004: 155-56). O PDT caracteriza-se, mais
rigorosamente, como um partido populista, não de esquerda.
68
governamentais (ONGs), em trabalhos de assessorias, espaços acadêmicos, estruturas do
Estado. O movimento de mulheres – assim como aconteceu com vários outros
movimentos a partir de meados dos anos 1980 – tendeu a um processo de
institucionalização e adaptação a uma modernização conservadora, que não prescinde da
interlocução com os movimentos sociais (
GOHN, 2005; ALVAREZ,DAGNINO e ESCOBAR,
2000;
CARDOSO, 2004). Esta é a dinâmica que se tornou hegemônica, mas não exclusiva. A
maior visibilidade deste campo, sua capacidade de conseguir meios para sua
sobrevivência, a identificação ou aceitação da orientação predominante nas instituições
financiadoras, uma maior presença nos canais institucionais – parlamento, meios de
comunicação, universidades – tornaram mais isoladas as parcelas que mantinham a
prioridade na organização militante, prioritariamente de composição popular.
O feminismo, entretanto, já se espalhara suficientemente para alimentar um
processo de organização de mulheres em torno de pautas definidas por sua identidade e
suas reivindicações como mulheres. Nas décadas de 1980 e 1990, além da forte presença
de mulheres organizadas no novo perfil do movimento popular urbano, tanto em grupos
próprios quanto em organizações mistas, também se mantém sua organização militante
nos partidos mais à esquerda (em particular, PT e PCdoB), e amplia-se a organização de
mulheres no movimento sindical e dentre as trabalhadoras rurais.
2.1 ESTADO E MOVIMENTOS SOCIAIS: UM CAMINHO REPLETO DE AMBIGÜIDADES
O fim da ditadura militar e o processo chamado de “transição democrática” no
Brasil deram lugar a um amplo reordenamento institucional, que redefiniu os termos da
relação entre o Estado e a sociedade no país. A ação dos movimentos sociais na luta contra
a ditadura não apenas forjou novos sujeitos sociais e políticos na arena política no Brasil,
mas também incidiu em aspectos do reordenamento do Estado. As expectativas de
69
redemocratização, da perspectiva dos setores progressistas, abarcavam novos direitos
sociais, políticos e culturais de várias ordens, que se expressaram de forma concentrada,
no âmbito institucional, nas disputas presentes na elaboração da Constituição de 1988 e
nas propostas dirigidas ao Estado, tanto no que diz respeito ao conteúdo das políticas
sociais quanto à participação do processo de definição dessas políticas.
Anseios de democratização da vida política e do aparelho de Estado se refletiram
em uma pauta na qual estão presentes propostas de ampliar os canais de participação da
sociedade na esfera política, reorganizar a ação do Estado de forma a torná-la mais
públicas e permeáveis aos interesses em jogo na sociedade, criar mecanismos de controle
da ação estatal etc. Parte importante destas questões vai se refletir em propostas
apresentadas ao Congresso Constituinte, seja do ponto de vista do processo legislativo,
como o plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa popular, seja na proposição de
formas de participação ou controle da gestão do Estado, como os conselhos gestores.
Outras propostas começaram a ser gestadas e aplicadas em executivos estaduais e
municipais, surgidos a partir das eleições de 1982, como os diversos modelos de conselhos
que adquirem uma multiplicidade de formatos e áreas de atuação no período seguinte. O
estabelecimento destes mecanismos, bem como a criação e recriação das regras de sua
aplicação, todavia, estão em permanente questão. São processos construídos
“pela prática
concreta dos sujeitos sociais, que pode alcançar níveis crescentes de consolidação, dependendo da
presença de determinadas condições na dinâmica das relações entre Estado e sociedade civil”
(
RAICHELIS, 1998a). Por esta razão, é indispensável que sejam analisados e compreendidos
sem que se percam de vista os limites impostos ao jogo democrático pelas profundas
desigualdades econômicas, que marcam a sociedade brasileira e constrangem as condições
da participação informada.
70
Os pesos também se alteram em função do projeto político hegemônico nas
instituições específicas do Estado, em determinado momento, expresso, principalmente,
pelo partido político exercendo o governo naquele momento.
30
A ampliação das formas de participação política da população, para além do voto e
dos mecanismos de decisão de caráter legislativo, tem sido experimentada com alcances
bastante diferenciados. O formato mais difundido a partir dos anos 1980 é a constituição
do que pode ser chamado, genericamente, de “conselhos de participação”. Os tipos de
conselhos são os mais diversos possíveis. É tal a multiplicidade que as tentativas de
caracterização são plenas de exceções e especificidades. Da proposta de conselhos
comunitários e conselhos populares, comum nas décadas de 1970 e 1980, passamos a uma
generalização dos conselhos de gestão de políticas sociais após a Constituição de 1988,
além de uma variedade de outros formatos de conselhos com funções e poderes
extremamente diferenciados (
TATAGIBA, 2002).
Raquel Raichelis (1998a: 95) observa que a multiplicação dos conselhos, nos
variados formatos e competências, revela o desenvolvimento de um certo “modelo” de
relação entre sociedade e Estado, forjado na lutas sociais que marcaram as últimas décadas
no país. Segundo a autora, buscam
“redefinir os laços entre o espaço institucional e as práticas
societárias, não como polaridades que se excluem, mas como processos conflituosos que se
antagonizam e se complementam, pondo em relevo a luta pela inscrição de conquistas sociais na
institucionalidade democrática”
. Mas chama a atenção para o fato de que não podem ser
considerados como
“exemplos modelares de uma sociedade civil organizada”.
30
Na experiência do orçamento participativo em Porto Alegre, por exemplo, implantada pelo governo do
PT, a concepção de conselhos populares pré-existente no programa do partido para as eleições de 1988, a
amplitude dos debates entre a prefeitura e as entidades do movimento social, a disposição de enfrentar os
conflitos gerados com a Câmara dos Vereadores quando da criação do Conselho do Orçamento
Participativo, foram alguns exemplos do papel desempenhado pelo projeto político no governo.
71
Vários foram os formatos estabelecidos como mecanismos de interlocução entre as
instituições do Estado e a sociedade. Mecanismos que, trilhando um caminho cheio de
ambigüidades, podem atuar como cunhas de democratização do poder das instituições ou
instrumentos de neutralização das contradições expressas pelos interesses dos diversos
grupos atuantes, podendo ou não levar à cooptação de parcelas dos movimentos e
neutralização de sujeitos sociais discordantes. O peso dos pratos da balança é estabelecido,
primordialmente, pela correlação de forças entre o braço do Estado e o braço dos sujeitos
sociais em ação no espectro da sociedade. Do ponto de vista dos grupos ou setores atuando
fora do Estado, são vários os elementos que influenciam em sua condição de introduzir
uma nova pauta ou alterar os critérios para a sua definição, como já mencionado,
destacando-se a capacidade de mobilização, a de influenciar a opinião pública e os atores
sociais influentes ou determinantes, de construir alianças etc. Como foi visto, a capacidade
das mulheres se apresentarem como um ator determinante na definição das pautas e da
ação do poder público é, em parte, limitada pelas próprias características de sua
constituição como categoria social. Em contextos em que sua presença pública se debilita,
as estratégias de atuação escolhidas e a capacidade de construir alianças, tornam-se ainda
mais relevantes para o enfrentamento destes limites.
3MULHERES: UMA PROPOSTA DE AÇÃO DO ESTADO
O trabalho de Sonia Alvarez (1988, 1990) foi pioneiro no estudo sobre as políticas
do Estado e sua conexão com as relações sociais de sexo no Brasil. Sua elaboração ocupa
um espaço singular no feminismo latino-americano e, de forma especial, no Brasil, ao
analisar as respostas do Estado diante da emergência das mulheres como sujeito e como
“tema” que cobra posicionamentos e ações desde o final dos anos 1970, bem como as
tensões e opções geradas no movimento de mulheres.
72
Ao analisar o período de transição do final da ditadura militar para o regime liberal-
democrático atual, busca verificar a inter-relação entre participação organizada das
mulheres, como um sujeito político e social no processo de transição, e a incorporação de
suas demandas na agenda política nacional. Verifica que, em particular, os partidos
políticos de oposição e os novos governos estaduais, eleitos em 1982, tendem a responder,
ainda que de forma limitada, às novas exigências geradas pela mobilização e presença
organizada das mulheres no movimento social e dentro dos próprios partidos.
Seu trabalho aponta para duas temáticas que ganharam relevância na relação das
mulheres com as políticas do Estado naquele momento. A reivindicação por creches
públicas e as propostas relativas ao planejamento familiar. Mas, para além do problema de
quais reivindicações são priorizadas ou aceitas, as questões centrais indicadas por Sonia
Alvarez (1988) apontam para a indagação sobre
“a maneira como as reivindicações políticas
específicas de gênero serão incorporadas às novas instituições políticas e planos públicos do novo
regime”
(p.317). E, portanto, de que maneira possíveis intervenções sobre a desigualdade
fundada nas relações sociais de sexo serão integradas na agenda de reformas que
começava a se configurar no cenário político nacional. Alvarez insiste que
“as mulheres,
como um grupo, nunca participaram do pacto de dominação articulado dentro do Estado”
(p.318),
defendendo a tese de que as relações sociais de sexo, da mesma forma que as relações de
classe e raça-etnia, compõem uma
“grade estrutural e ideológica” de questões que orientam e
estruturam as instituições do Estado e, em última instância, fundamentam seu poder. No
entanto, tal articulação não é estática e responde ao embates sociais e políticos em jogo na
sociedade.
A intervenção do Estado no cotidiano dos indivíduos tende a reforçar as relações
hegemônicas na sociedade, a menos que haja ação, decisiva e deliberadamente, contrária.
No Brasil, pressão para que o poder público absorvesse propostas de uma pauta feminista
73
se expressou de forma mais sistemática, no período da transição, pela ação coletiva e
massiva do movimento de mulheres e de suas militantes identificadas com partidos
políticos.
31
Estratégias diferenciadas para a atuação em relação ao Estado começaram a
germinar neste contexto e foram testadas ao longo das décadas de 1980 e 1990. Mas a
relação com o Estado se apresentou, desde este período, como um ponto de tensão para o
movimento de mulheres no Brasil.
As instituições públicas reagiram diante das reivindicações das mulheres,
pontualmente, com propostas em distintos âmbitos. Por um lado, houve o
desenvolvimento de ações setoriais específicas, em especial nas áreas de saúde e violência.
Por outro, mudanças legislativas alteraram os marcos jurídicos da cidadania das mulheres,
além da provação de alguns novos direitos sociais. Também houve reação à proposta de
mudanças na configuração de estruturas governamentais, demandadas como forma a
melhor articular necessidades e interesses das mulheres.
3.1 CONSELHOS DOS DIREITOS DAS MULHERES
De forma mais sistemática, como mencionado, a reivindicação de que o Estado
desenvolvesse políticas específicas dirigidas às mulheres surge no bojo da preparação para
as eleições de 1982. Em São Paulo, especificamente, um grupo de mulheres identificadas
com o PMDB, representando um setor influente do movimento feminista, formula, como
parte da plataforma para as eleições de 1982, a proposta de criação de um conselho, no
interior do governo, como instrumento de articulação dos interesses das mulheres. Neste
período, o PMDB aglutinava diversos setores e grupos partidários, ou correntes políticas,
como já mencionado, além de setores e militantes do movimento social originário da luta
31
Por um período, quando ainda se mantinham reflexos da atuação da luta contra a ditadura, mesmo com
conflitos na relação com os partidos, grupos importantes na direção do movimento não relutavam em se
74
contra a ditadura. Foi o grande vitorioso da oposição nas eleições de 1982 e ampliou a
força da legenda nas eleições de 1986.
32
Não se pretende, aqui, discutir todo o histórico, formação e funcionamento dos
conselhos da mulher. Tampouco historiar, especificamente, a formação do Conselho
Estadual da Condição Feminina formado em São Paulo em 1983. A discussão aqui
apresentada pretende apenas demonstrar como a emergência das mulheres, como sujeito
político e social, e sua expressão em um movimento de mulheres que teve seu período de
maior visibilidade neste período, ensejou o surgimento de propostas de intervenção junto
ao Estado, como conseqüência de uma perspectiva de alterar as relações sociais de sexo.
Diferenças de concepção do movimento de mulheres, posicionamentos distintos
frente aos projetos políticos em disputa na sociedade, percepções divergentes da relação
Estado-movimento geraram desenhos institucionais diferentes. E se manifestaram, em
particular, posicionando militantes identificadas com o PMDB ou com o PT. As linhas de
corte, entretanto, não eram totalmente rígidas. Havia, também, as que opinavam por uma
ou outra posição, sem se vincularem a alinhamentos partidários. O registro do período
apresentava, porém, no fundamental, dois posicionamentos, mencionados acima,
identificados majoritariamente com estes grupos partidários (
MULHERIO,
novembro/dezembro de 1982 e maio/junho de 1983;
P, 1992; ARDAILLON, 1989). A
legítima identificação com posições partidárias, nem sempre era assim considerada, seja
identificar com a luta política. No final dos anos 1980 e anos 1990, parcela significativa do movimento de
mulheres passou a uma atuação mais apartada da arena de intervenção diretamente política.
32
Em 1982, o PMDB elegeu 9 governadores (SP, MG, PA, PR, MS, AC, AM, ES, GO); o PDT elegeu
Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Os outros governadores foram eleitos pelo PDS, partido do governo. Em
1986, o quadro partidário já se havia alterado, com o registro de vários partidos, boa parte sem grande
expressão. Em uma eleição que permitiu coligações, o PMDB elegeu 22 governadores contra 1 (um) do
PFL.
75
por se conceber o Conselho como uma composição suprapartidária, seja por se considerar
a relação com partidos como contraposta a uma pretensa lealdade ao feminismo
(
SCHUMAHER e VARGAS, 1993: 351; AMARAL, 2006: 251).
A criação do Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), em São Paulo, em
1983, após a posse de André Franco Montoro como governador do Estado, o primeiro
conselho voltado à temática das mulheres, serviu de modelo para a formação de estruturas
semelhantes em outros Estados (
P, 1992; ARDAILLON, 1989). Insistimos que o destaque,
aqui, é menos para sua história específica, mas focado em aspectos da relação partido-
movimento em sua constituição e a caracterização da proposta, que acabou se
concretizando, no país, como o modelo hegemônico de organismo para articular a pauta de
políticas para as mulheres dentro das estruturas governamentais.
33
A proposta do Conselho Estadual foi apresentada ao governador eleito Franco
Montoro no dia 8 de março de 1983, uma semana antes da data da posse do governo, por
um grupo de militantes organizadas no interior do PMDB, chamado Grupo de Estudos da
Situação da Mulher. O decreto nº 20.892, de criação do Conselho Estadual da Condição
Feminina, foi assinado em 04 de abril de 1983; segundo Alvarez, em uma
“versão
significativamente alterada da proposta original das mulheres do PMDB”
(ALVAREZ, 1988: 362). A
primeira gestão oficial teve início em setembro de 1983.
34
A proposta de formação do Conselho Estadual da Condição Feminina buscou
combinar a criação de um canal que fosse capaz de articular os interesses considerados
33
Para uma análise detalhada do histórico e dinâmicas do Conselho Estadual da Condição Feminina de São
Paulo, ver A
RDAILLON (1989), AMARAL (2006), SANTOS (2006).
34
Neste decreto, o governador nomeou cinco pessoas para exercer provisoriamente as funções de
Comissão Executiva e elaborar o programa inicial para o CECF, a ser submetido ao governador, em um
prazo de 90 dias. As integrantes dessa Comissão Provisória foram: Benedicta Savi, Eva Blay, Heleieth
Saffioti, Iara Prado, Maria Malta Campos. Em 12/09/1983, o CECF tomou posse no Palácio dos
Bandeirantes.
76
como expressão do movimento de mulheres junto ao poder público, com uma indicação
pública legitimada pela relação com este movimento. A definição final dos nomes para sua
composição caberia ao governador. Sua composição inicial, evidenciava que indicação
para o Conselho foi uma escolha do partido dominante, o PMDB. A legitimidade desta
escolha, entretanto, sempre remetia a um espaço nebuloso, uma vez que se confundia com
a apresentação da proposta como representação do movimento de mulheres. A dispersão
que caracteriza a organização do movimento de mulheres torna, ainda, mais complexa a
definição de mecanismos de representação do movimento. Esta ambigüidade, de ser ou
não ser representação do movimento, persistiu na difusão da proposta de conselhos da
mulher
35
, surgidos no país nos anos seguintes. Embora seu caráter “partidário” possa ter
sido explicitado nas próprias discussões do Conselho em alguns momentos, quando de sua
criação, como descreve Alvarez (1988: 363-64 e 380), o fato é que o modelo de estrutura,
referência para os conselhos da mulher criados em outros lugares, carrega em si esta
ambigüidade.
Talvez pela concepção de feminismo, predominante na formação dos conselhos que
mais se destacaram (São Paulo, Minas Gerais, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
(CNDM)), as indicações para sua composição priorizaram, com freqüência, a projeção
individual, e não critérios de entidades ou movimentos. Na verdade, ficava-se,
inescapavelmente, no meio do caminho, em função do formato proposto. A fórmula
“conselho”, profundamente marcada pelas reivindicações de democratização das
instituições do Estado gestadas no movimento social no período, como analisado
35
Foram vários os modelos, formatos, competências, formas de composição dos conselhos de políticas
para mulheres criados no país. Para efeitos de simplificação, serão tratados genericamente, neste texto,
como conselhos da mulher, exceto quando se fizer menção específica a algum, referido, então, por seu
nome completo ou local.
77
anteriormente, carrega em si a marca da representação, ainda que pudesse não ser esta a
intenção de suas propositoras.
Zuleika Alambert, segunda presidente do Conselho Estadual da Condição Feminina
de São Paulo, assim se refere à questão da representação: o conselho
“nunca se situou na
condição de uma super-organização de mulheres, compreendendo, cada vez melhor, que o seu
objetivo é traduzir em políticas públicas os anseios do movimento autônomo de mulheres e suas
propostas e reflexões, respeitando o caráter suprapartidário das reivindicações das mulheres”
(apud
ARDAILLON, 1989: 2). A experiência concreta de constituição dos conselhos se mostrou,
contudo, mais complexa. A ambigüidade na definição de seu papel, no que diz respeito à
relação com a sociedade, foi uma constante na formação dos conselhos da mulher.
Algumas situações podem expressar o quanto esta ambigüidade esteve presente nas
experiências dos conselhos da mulher. Em avaliação do Conselho Estadual da Condição
Feminina do Paraná, após seu primeiro ano de gestão, fala de sua presidente, Irondi
Pugliesi, o apresenta como:
[...] é um produto do avanço no campo da organização das mulheres para a luta por
seus direitos e pela democracia no Brasil nos últimos anos. Assim, o Conselho
procura, em sua contribuição, representar o conjunto do movimento feminino,
buscando unificar e estimular suas ações (Informe Mulher, n.1: 2, 1987, in
P, 1992:
135. Grifo em P
).
Por sua vez, analisando a formação do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher,
Gema Galgani e Magnólia Said relatam as tensões com o governo nas definições do órgão
e a forma como as conselheira
s encaravam este organismo e sua participação nele:
“A
posição das feministas conselheiras é clara. Antes de serem Estado, são representantes da
sociedade civil”
(ESMERALDO e SAID, 2002: 251). Uma das conselheiras, na época,
entrevistada reafirma:
[...] havia uma confusão muito grande: que conselho tinha muita semelhança com
movimento. Então, você querer ir para dentro da estrutura do Estado e ter o mesmo
caráter de movimento, isso é muito complicado. [...] Nesta primeira fase havia demais
78
isso, porque o próprio movimento é que estava dentro do conselho. O conselho e o
movimento se confundiam, inclusive (Depoimento de ex-conselheira, em set/1999. In:
E
SMERALDO e SAID, 2002: 251).
Nas discussões prévias à formação do Conselho de São Paulo, foi debatida a
questão de qual fórmula institucional seria definida. Em seu estudo sobre a formação do
CECF, Danielle Ardaillon apresenta alguns dos argumentos que teriam levado à
preferência pelo formato de um conselho:
De um lado, o futuro governador sabia que iria enfrentar sérios problemas
financeiros, o Estado estava endividado e não disporia dos fundos necessários à
criação de uma Secretaria de Estado. Do outro, o movimento de mulheres era apenas
um entre os vários outros movimentos da sociedade civil, ou seja, seu peso político
não era
maior do que outros, e não haveria por que atender a essa demanda e não
outras
(1989: 13).
Este é um argumento, do ponto de vista do Estado, refletindo a importância e
prioridade atribuída à proposta. O grau de investimento, em uma ou outra área da
administração, reflete, em última instância, a prioridade a ela definida. Ao mesmo tempo,
a comparação com os diversos movimentos da sociedade civil relaciona-se ao dilema que
se apresenta em todas as ocasiões em que se propõem ações ou políticas dirigidas às
mulheres; será recorrente em vários outros momentos, não apenas na formação de
estruturas organizativas no interior do Estado, mas também em políticas de ação
afirmativa, organização dentro de estruturas mistas etc. No limite, compreende-se a
proposta tendo as mulheres como público alvo – e neste sentido, comparável a todos os
outros públicos demandantes –, sem que se considere que a reivindicação de alterar as
relações sociais entre os sexos refere-se às relações sociais em sua totalidade, não se
tratando apenas de um público demandante. Ainda que assim o fosse, as dimensões da
categoria mulheres como público-alvo só se comparam, na sociedade brasileira, ainda que
não se iguale, às categorias de classe e raça-etnia.
79
Mas D. Ardaillon menciona, ainda, outro elemento mais situado no campo da
estratégia para a atuação deste organismo, tanto dentro do governo quanto na relação com
a sociedade:
“Um ‘Conselho’, enfim, constituía uma estrutura administrativa mais flexível, capaz
justamente de ter um papel articulador entre as várias Secretarias de Estado, a sociedade (e, por
conseguinte, o movimento de mulheres), os poderes legislativo e executivo”
(1989: 13). Houve
debates e divergências, no interior do grupo que formatou a proposta a ser apresentada ao
governador de São Paulo; mas a proposta que predominou no Estado acabou se
concretizando como o modelo que se generalizou no país.
Nos vários formatos de conselhos da mulher, criados nos diversos Estados e
municípios, a ambigüidade de estrutura, de funções e de relação com o movimento de
mulheres, no fundamental, é mantida. A tentativa de superá-la é um dos componentes da
proposta de organismo de executivo, desenvolvida por feministas do PT a partir de 1989.
Nas análises sobre a proposta e os condicionamentos políticos que marcaram sua criação e
funcionamento, foram ressaltadas a
“inexistência de recursos próprios e o caráter não
remunerado da participação de seus integrantes”
(COSTA, 1985: 95); e o caráter artesanal de seu
funcionamento, inserido na máquina administrativa, um ambiente que exige alto grau de
profissionalismo (
BLAY, 1987:43).
Debilidades nas condições de funcionamento são, recorrentemente, ressaltadas
como características destes organismos. Alguns conselhos da mulher, criados
posteriormente, buscaram reduzir os problemas desta estrutura tão frágil, como o Conselho
Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM), no Rio de Janeiro, e o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1986, dentre outras questões, incorporando um
quadro de servidores/as públicos.
No entanto, com estruturas modificada, não alterava sua concepção; permaneceram
com o dilema fundamental de sua concepção, oscilando entre atuar como lobby do
80
movimento e atuar por dentro dos governos para garantir que propostas de políticas para
as mulheres fossem implementadas. Uma vez mais, vale insistir que a própria fórmula –
“conselho” – expressa uma expectativa de representatividade, criando, a meu ver, uma
dubiedade incontornável.
O decreto de criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo,
assim define suas atribuições:
I – propor medidas e atividades que visem à defesa dos direitos da mulher, à
eliminação das discriminações que a atingem e à sua plena inserção na vida sócio-
econômica, política e cultural;
II – desenvolver estudos, debates e pesquisas relativas à condição da mulher;
III – desenvolver projetos que promovam a participação da mulher em todos os
setores da atividade social;
IV – incorporar preocupações e sugestões manifestadas pela sociedade e opinar
sobre denúncias que lhe sejam encaminhadas;
V – apoiar realizações desenvolvidas por órgãos, governamentais ou não,
concernentes à mulher, e promover entendimentos com organizações afins.
Em consonância com os temas adotados como prioridade para um setor do
movimento de mulheres, o Conselho Estadual da Condição Feminina buscou intervir na
construção de políticas em várias áreas. Nosso objetivo aqui, como já explicitado, não é
analisar a atuação do Conselho, mas apontar características da fórmula institucional a que
deu origem. Por esta razão, não se discorrerá sobre as ações por ele desenvolvidas.
Mencionam-se, apenas, algumas das realizações relacionadas à violência contra a mulher,
que se tornaram parâmetros para atuação em outros Estados.
Na área do combate à violência, em 1984, foi criado o Centro de Orientação
Jurídica e de Encaminhamento à Mulher-
COJE, dentro da Secretaria de Justiça e, em 1985,
foi criada a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, uma experiência original e pioneira na
América Latina. A criação das delegacias da mulher, como ficaram conhecidas, cumpriu
um papel importante de, por um lado, contribuir para a deslegitimação da violência sexista
81
contra mulheres e, por outro, concretizar a proposta de que o poder público deve alterar
suas estruturas tradicionais de políticas públicas, criando instrumentos capazes de lidar
com a especificidade da desigualdade nas relações sociais de sexo. Embora o número total
de delegacias seja, ainda hoje, muito pequeno e insuficiente, e a qualidade de seu
funcionamento seja questionável, a proposta teve grande impacto, ao forçar a entrada na
pauta das políticas públicas das ações de combate à violência contra mulheres e de sua
prevenção.
Na mesma época, foi criada uma casa-abrigo para mulheres, para os casos extremos
em que a vida da mulher estivesse em risco pela convivência com o agressor. O Centro de
Convivência das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica (Convida), criado pelo
governo do Estado de São Paulo em 04 de novembro de 1986, foi o primeiro equipamento
público deste tipo no Brasil. Diferentemente das delegacias, a proposta de abrigos para
mulheres vítimas de violência era já uma experiência desenvolvida em outros países.
A proposta de delegacias da mulher e de abrigos redesenhou, para o contexto de
políticas governamentais, a concepção desenvolvida, até então, pelo movimento de
mulheres para os SOS Mulher, um equipamento de atendimento às mulheres nos casos de
violência sexista, que lhes desse acolhida e apoio, e as encaminhasse, segundo a indicação
em cada caso, para organismos especializados. O binômio delegacia-abrigo, que se
generalizou nos anos posteriores como proposta de equipamentos para o atendimento a
mulheres nos casos de violência, deixava de lado, entretanto, o atendimento não-policial,
ou o atribuía parcialmente às próprias delegacias. Os serviços públicos específicos para tal
atendimento, os centros de referência e atendimento, começaram a ser implantados na
82
década de 1990, mas sem a divulgação e o reconhecimento que desfrutam as delegacias e
abrigos junto à população.
36
A criação dos conselhos da mulher visava à construção de mecanismos para
viabilizar uma atuação integrada para as políticas governamentais, questão central para a
alteração do padrão de intervenção do Estado. A fórmula que se propôs pretendia formar
um organismo híbrido, ao mesmo tempo estatal e mantendo características de atuação
autônoma; que, funcionando como uma estrutura de governo, não se identificasse
totalmente com ele. O contexto político também aparece como uma das razões para que a
presença no Estado parecesse mais incômoda:
Era época dos anos 1980, quando tudo estava por fazer. A criação de Conselhos
junto aos governos pretendia manter a flexibilidade dos movimentos sociais e ao
mesmo tempo penetrar na estrutura do próprio Estado, de uma maneira híbrida. Este
modelo se adequava a um país recém-saído da ditadura, que não confiava na
estrutura do Estado e dos governos. Além disso, os movimentos de mulheres não
tinham experiência suficiente para uma ação política dentro da legalidade, depois de
haver vivido décadas na ilegalidade. Praticamente todas nós vivemos em movimentos
de resistência e movimentos sociais. Por isso, queríamos uma instância em que
pudéssemos manter nossa autonomia, a possibilidade de reflexão, de organização,
mas, também, queríamos estar dentro do governo, o que era impossível; mas nos
arriscamos a fazê-lo (B
LAY, in FEMPRESS, 1998: 9).
Na maioria dos lugares, em particular após a primeira gestão, os conselhos
passaram mais a um papel de seguimento das políticas, de interlocução com a sociedade e,
em alguns casos, de propostas para o legislativo. As funções de proposição de políticas de
governo e interferência na dinâmica interna do executivo praticamente não aparecem.
36
As ações de combate à violência sofrida pelas mulheres, no âmbito das políticas públicas, entretanto,
ainda não caracterizam uma política governamental consistente no país, no sentido da construção de uma
política pública sistemática, que combine a prevenção e o atendimento às mulheres, buscando integrar as
diversas dimensões do problema. O número dos equipamentos especializados existentes é extremamente
reduzido e, no universo do país, concentrados praticamente nos grandes municípios tendo, com freqüência,
funcionamento extremamente precário (G
ODINHO e COSTA: 2006)
83
Já na década de 1980, documento eleitoral do Partido dos Trabalhadores apresenta
a proposta de “
organismo de caráter extraordinário e especial com as atribuições de formular e
executar políticas [... com] estatuto equivalente às Secretarias de Estado
” (PT-DR, 1986), mas foi
apenas em 1889 que militantes petistas desenvolvem proposta de organismos de ação de
executivo.
É preciso registrar que, no Estado de Goiás, uma Secretaria de Estado da Condição
Feminina foi criada em 1987 pelo governador Henrique Santillo (PMDB). A Secretaria,
um órgão de primeiro escalão de governo, atuou entre 1987-1991, enfrentando as
dificuldades de se colocar como um órgão com a autonomia relativa, própria de uma
Secretaria, e a necessária interdependência na implementação das políticas dirigidas às
mulheres. Tendo elaborado um programa de ação com perspectiva feminista, boa parte de
suas propostas permaneceu no papel, seja pela pequena capacidade de intervenção, pela
fragilidade de sua estrutura e limites orçamentários, pelas tensões políticas em sua
composição, seja pelo caráter efêmero de sua existência. Sua estrutura previa a existência
de um Conselho a ela vinculado,
“de caráter consultivo e fiscalizador das ações da Secretaria,
formado por grupos e/ou entidades ligadas às organizações de mulheres em Goiás e pelos órgãos da
administração pública afins”.
Carmelita Freitas e Marco Antônio da Silva (1999) atribuem sua
efêmera existência ao peso reduzido do movimento de mulheres frente aos interesses
políticos locais e à fragilidade da institucionalização de políticas para as mulheres no
Brasil (
FREITAS e SILVA, 1999).
37
37
A Secretaria da Condição Feminina foi criada a partir de proposta do Grupo de Estudos sobre a
Condição Feminina, que teve o objetivo elaborar o programa e assessorar candidato ao governo, do PMDB,
composto por militantes do movimento de mulheres e partidárias, impulsionado pela fundação do partido,
Fundação Pedroso Horta (F
REITAS e SILVA, 1999). Agradeço ao professor Marco Antônio da Silva, da
Universidade Católica de Goiás, o envio do relatório final de pesquisa, que possibilitou o acesso às
informações sobre a experiência de Goiás.
84
4INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS PARA AÇÃO DE GOVERNO
A construção de instrumentos institucionais para influir na ação do Estado, em
relação à desigualdade nas relações sociais de sexo, tem merecido mais atenção na
elaboração feminista internacional que entre nós, embora a experiência brasileira, com a
criação dos conselhos da mulher, tenha estado entre as pioneiras na América Latina. Uma
caracterização dos instrumentos construídos colabora para melhor se distinguir entraves ao
alcance de sua ação, bem como no desenho de estratégias para o fortalecimento de
intervenção dos governos com perspectivas a alterar as relações sociais de sexo.
A produção originária de agências das Nações Unidas tem denominado estes
instrumentos como “maquinárias para políticas para mulheres”, ou “maquinárias para as
mulheres”, ou “maquinárias para a igualdade de gênero”, ou denominações semelhantes,
genericamente definindo-os como um corpo
“reconhecido pelo governo como a instituição que
lida com a promoção do status das mulheres”
(RAI, 2007: 1). Na América Latina, têm sido
genericamente chamadas, em castelhano, “oficinas de la mujer”, ou, em período posterior,
“oficinas de género”, com uma série de denominações específicas em cada país (
FEMPRESS,
1998); ou, ainda, “institucionalidade de gênero” (
GUZMÁN, 2001).
A multiplicidade de formatos, de níveis de inserção institucional e nível
hierárquico, de atribuição de papéis e mecanismos e instrumentos para atuar, é imensa e
está sempre referida ao contexto histórico de sua criação, às tradições organizativas em
que se inserem, além de, e talvez principalmente, da importância que foi atribuída à
questão. Não é incomum que o levantamento destas estruturas não as distinga por critérios
como sua relação com as estruturas governamentais e sua composição, isto é, se são
organismos internos ao governo, claramente identificados com a estrutura do executivo,
ou se se propõem a ser organismos de mediação entre o governo e a sociedade. Esta
85
distinção, entretanto, é aqui considerada relevante, pois se avalia que reflete, por um lado,
a proposta de sua integração ao projeto político de governo e, por outro, busca se
distanciar de uma relação dúbia entre Estado e sociedade.
Virginia Guzmán identifica dois tipos de instituições formadas no impulso desta
nova presença pública das mulheres como sujeito político e social, em análise sobre a
América Latina:
As características das novas instituições e o caráter dos problemas de gênero
constituíram, freqüentemente, uma pressão a favor da modernização e
democratização do Estado e da instauração de novas formas de relação entre o
Estado e a sociedade. Geram-se novas estruturas de intermediação entre o Estado e
as mulheres (mesas de trabalho, comissões, conselhos) e novas instâncias dentro
dos Estados (ministérios, secretarias, comissões interministeriais) que pressionaram
a favor da coordenação dos distintos setores estatais na elaboração e realização das
políticas com enfoque de gênero (G
UZMÁN, 2001: 26).
As condições que estes novos mecanismos institucionais tenham de influenciar a
ação do Estado depende, dentre outras coisas, do grau de legitimidade conquistado por
eles, além da estabilidade institucional que permita construir ações e políticas de médio e
longo prazo. Avaliações, sobre as experiências latino-americanas e em outras regiões, têm
apontado a contradição existente entre a magnitude das tarefas e os recursos disponíveis –
materiais, humanos e políticos – para implementá-las. Além disso, com freqüência, não há
clareza sobre o papel destes organismos no conjunto do governo, a respeito de suas
atribuições e responsabilidade institucional. Eventualmente, a falta de compreensão existe,
também, por parte de suas dirigentes e da equipe que os compõe. O lugar na estrutura
organizacional, a posição hierárquica e a legitimidade emanada do núcleo central do
governo são apontados como centrais para que se possa incidir de forma ampla sobre o
conjunto do governo (
RAI, 2007; GUZMÁN, 2001). São todos elementos que compõem as
condições para que a proposição de políticas, visando a alterar as relações sociais de sexo,
possam se generalizar na ação pública.
86
Ao apontar que a presença de uma “perspectiva de gênero” na prática predominante
de formulação e planejamento das políticas nos organismos do poder público continua
sendo extremamente pontual e superficial, Caroline Moser (1998) insiste na importância
da clareza entre três etapas do planejamento da atuação: a formulação da política; o
planejamento propriamente da ação; e a organização para a implementação, exigindo o
detalhamento da ação administrativa. Embora possa parecer óbvio, é o encadeamento
coerente destes aspectos que permite construir uma dinâmica própria dentro da máquina
pública; em particular para estes organismos de políticas para as mulheres, que constituem
uma nova institucionalidade dentro do Estado, ainda carente de legitimidade efetiva, e que
atuam dentro de uma disjuntiva importante: ao mesmo tempo em que necessitam ser
eficientes e mostrar sua ação, o resultado de seu trabalho depende da ação de outras
estruturas dentro do Estado. Seu sucesso depende, por isso, de um esforço importante na
articulação política. Esta capacidade, para além das potencialidades dos indivíduos
envolvidos, é dada, no fundamental, pela força política, ou seja, especialmente por
delegação do governante. Na ação do Estado, isso implica muito mais que declarações de
“vontade política”, mas o real compromisso e a intervenção dos dirigentes centrais sobre a
questão, a disposição para enfrentar os conflitos que possam ser gerados, a alocação de
recursos materiais e humanos disponíveis para a ação. Além do mais, na área de políticas
para as mulheres, como menciona Virgínia Guzmán, em geral, há uma total
“ausência de
mecanismos imperativos que dêem um caráter de obrigatoriedade à coordenação e aos acordos que
dela derivam”
(2000: 81).
Esta é uma das razões para a criação de espaços de articulação e responsabilização,
no interior no executivo, com o papel específico de dar unidade e coordenar o
desenvolvimento de projetos e políticas. Entretanto, as experiências desenvolvidas no
Brasil têm-nos demonstrado que estes organismos, via de regra, dispõem de um poder real
87
bastante reduzido, limitando-se seu papel, com freqüência, à ampliação dos espaços de
solidariedade e debate sobre a discriminação dentro do governo e à participação na
implementação de ações pontuais ou simbólicas.
A atuação destes organismos torna-se, ainda, mais complexa em um contexto de
questionamento das políticas sociais que permitam alterar a relação Estado-mercado-
família em favor das mulheres. A entrada da agenda das mulheres nas políticas estatais nos
países dependentes, como o Brasil, ocorreu a partir dos anos 1980, quando, no cenário
internacional, cresciam as ideologias e políticas de redução do papel do Estado, de
privatização dos serviços, de cortes nas políticas sociais. Se este processo se agudizou nos
anos 1990, período em que se questionaram fortemente as concepções de igualdade e
justiça social que embasavam, grosso modo, as proposituras de políticas universais
(S
ILVEIRA, 2004), não se pode ignorar que a pressão das mulheres é objetiva.
Crescentemente no mercado de trabalho, ampliando seus níveis de escolarização, estão
presentes nos movimentos sociais, são metade do eleitorado. Estado e governos
necessitam se legitimar frente a este “novo público”, não necessariamente reconhecido
como sujeito social e político.
5EM RESUMO
O período de transição da ditadura militar no Brasil é marcado pela emergência de
novos sujeitos políticos e sociais coletivos, entre os quais se destaca o movimento de
mulheres. Com mobilizações amplas e trazendo novos temas para o debate político,
articulando a multiplicidade de organização das mulheres, este novo sujeito buscou
influenciar a pauta das políticas governamentais e construir propostas de instrumentos
institucionais para que tais políticas estivessem presentes na ação do Estado.
88
Identificado com o amplo espectro de mobilização contra a ditadura, o movimento
de mulheres se posicionou, no campo partidário de oposição, basicamente pelo apoio ao
PMDB e ao PT e, de maneira mais localizada, ao PDT. A década de 1980 foi um período
de formação e consolidação dos grandes blocos em disputa pela hegemonia no país. A
campanha das diretas foi o último momento de grande mobilização política a aglutinar os
setores oriundos da luta contra a ditadura. No período posterior, nos processos da
Constituinte de 1988 e nas primeiras eleições presidenciais pós-ditadura, em 1989, os
campos de posições no movimento social já estão muito mais demarcados.
A partir da segunda metade da década de 1980, o movimento caracterizou-se por
formas dispersas de organização, freqüentemente baseado em grupos de prestação de
serviços, assessorias etc. Esta dinâmica se acentua, nos anos 1990, quando parte
importante do setor aglutinado em organizações autônomas do movimento tende à
formação de organizações não-governamentais (
ONGs), produzindo-se um distanciamento
acentuado destas estruturas em relação à base social das mulheres, atuante em movimentos
sociais urbanos e rurais, exclusivos ou mistos. O processo de integração entre as várias
vertentes do movimento de mulheres, ocorrido no final dos anos 1970 e primeira metade
da década de 1980, que alimentou um feminismo vivamente social, enraizado, com
capacidade de mobilização e, portanto, mais visível para a sociedade, perde força no país.
Generaliza-se uma situação de dispersão, com forte fragmentação dos grupos existentes e
uma crescente dificuldade de mobilização unificada do movimento.
No âmbito dos partidos políticos, a militância feminista aglutinada no antigo
PMDB, no geral, se dispersa; PT e PCdoB mantêm grupos organizados de militância
feminista internamente aos partidos; nos novos partidos em formação não são
identificados grupos organizados significativos, visíveis em sua ação política. Deve-se
89
mencionar, em particular, o PSDB, que comandou o governo federal entre 1995-2002 e o
Estado de São Paulo, desde 1995, até os dias atuais.
Por sua vez, temas e questões propostas pelo feminismo ampliam suas fronteiras
para contextos diversos, ainda que, com grande freqüência, com perda da radicalidade de
visões críticas, embaladas na nova roupagem oferecida pela interpretação das “relações de
gênero”. Discussões relacionadas ao tema ganham maior inserção acadêmica,
acompanhada de um arrefecimento da dinâmica militante dos setores intelectualizados.
Mas a capacidade de pressão unificada e organizada do movimento tornou-se
significativamente menor do que no período final da década de 1970 e início dos anos
1980.
No bojo das mudanças institucionais abertas pela transição da ditadura militar, o
tema da relação do Estado com o movimento de mulheres e seu papel para alterar as
relações sociais de sexo é colocado na pauta pelo movimento, em especial em torno das
eleições de 1982. Militantes atuando dentro e fora de partidos políticos discutem a criação
de instrumentos institucionais junto aos governos. A criação dos conselhos da mulher
caracteriza uma primeira fase da disputa pela construção de organismos institucionais para
políticas públicas dirigidas às mulheres no Brasil, resultante da segunda onda do
feminismo no país.
A proposta dos conselhos da mulher surge em uma dinâmica ambígua de setores do
movimento de mulheres, em particular entre as feministas do PMDB, em um momento em
que toda a sociedade se rearticulava, também do ponto de vista das instituições políticas;
defendia um mecanismo para incidir sobre o padrão de desigualdade entre mulheres e
homens no país, como instrumento no interior do Estado e, ao mesmo tempo, insistia que
sua legitimidade era dada pelo movimento social. A questão da representação nos
90
conselhos da mulher tem sido interpretada de formas bastante distintas, mesmo entre
aquelas que se colocam como partidárias do formato destes conselhos.
A partir de 1989, com a vitória do PT em várias prefeituras, desenvolve-se proposta
alternativa, entre militantes feministas no Partido dos Trabalhadores. Embora não se
possa dizer que tal proposta tenha caráter exclusivamente partidário, foi no âmbito das
mulheres organizadas no PT que se desenvolveu a proposta de organismos executivos
dentro do Estado.
91
93
CAPÍTULO 3
ATUAR POR DENTRO DO EXECUTIVO: A CONSTRUÇÃO DE
UMA PROPOSTA NO
PT
É reconhecido que o PT foi um ator privilegiado no processo de transição da
ditadura militar para o regime democrático liberal e nas décadas que se seguem, período
de renovação institucional do regime político no país. Surgido no bojo de um forte
processo de mobilização social, de organização dos movimentos populares, da classe
trabalhadora organizada em sindicatos, de uma conjuntura de mobilização que forja novos
sujeitos na cena política nacional, o Partido dos Trabalhadores se formou como um campo
fértil para a participação e atuação política destes setores.
38
Não foi diferente com o movimento de mulheres. Seja na vertente do movimento
organizada junto ao movimento popular urbano, ou nos chamados “grupos de reflexão”,
ou ainda em setores acadêmicos, parte significativa das ativistas do movimento de
mulheres se identificaram com a proposta partidária do PT e se envolveram em sua
construção.
Sob o impulso da ação de ativistas do movimento de mulheres, foram formados
comissões, secretarias ou núcleos de mulheres, no interior da estrutura partidária, cuja
tarefa consistia em fazer com que o partido incorporasse em seu programa o combate à
desigualdade entre mulheres e homens. As formas de organização e a influência da
discussão trazida pelas militantes feministas não foram, e ainda não são, homogêneas no
PT, como tampouco é homogênea a organização do partido no país. Com variações
regionais, a presença das mulheres organizadas em seu interior mantém, por um longo
38
Para uma análise detalhada da criação do PT ver, dentre outros: Rachel MENEGUELLO. PT: a formação
de um partido, 1979-1982 (Paz e Terra, 1989); Benedito Tadeu C
ÉSAR. Verso, reverso, transverso: o PT e
94
período, o seguimento das questões que mobilizam o partido em cada momento: disputas
eleitorais, congressos partidários, intervenção parlamentar, atuação nos governos etc.;
além de introduzir itens de cunho programático e de construção que, de outra forma,
dificilmente seriam colocadas em cena.
Ao mesmo tempo, em sua atuação no movimento social, as “petistas” conformaram
um amplo espectro do movimento de mulheres. Estiveram, e permanecem, presentes, de
forma ativa, nos diferentes momentos e disputas que se desenrolam no movimento e no
leque de temáticas constantes de sua pauta, a cada momento. Tendo atraído, desde sua
formação, um contingente importante das feministas ativas no movimento social,
enraizado nos movimentos populares, e com uma organização militante singular, em
comparação com os demais partidos, a militância do PT atuava de forma cotidiana na
multiplicidade dos movimentos sociais existentes no país. A presença das militantes
petistas no movimento de mulheres foi significativa em todo o período. Teve papel
importante na manutenção de um nível de mobilização de mulheres de setores populares
em torno de temáticas e reivindicações feministas, processo que interagiu com a presença
massiva de mulheres nas organizações populares, existentes nas periferias dos grandes
centros urbanos, e com as iniciativas de organização das mulheres no movimento sindical,
no qual, a relação, em particular com a Central Única dos Trabalhadores-CUT, fomentou
um processo de retro-alimentação entre a militância feminista no campo sindical e no
Partido dos Trabalhadores.
Dentre as características que diferenciaram o Partido dos Trabalhadores dos demais
partidos políticos surgidos nas décadas pós-ditadura estava, por um lado, sua origem
vinculada aos movimentos sociais, em particular ao movimento sindical e, por outro, sua
a democracia no Brasil. (Campinas: Unicamp, 1995); Raul PONT. Da crítica ao populismo à construção
do PT (Porto Alegre: Siriema, 1985).
95
caracterização ideológica mais definida, identidade pouco assumida pelos partidos
tradicionais no Brasil. O apartamento das elites políticas tradicionais e o caráter de classe
do partido o destacam na história das organizações partidárias no Brasil.
39
O enraizamento
social do PT e sua identificação com a experiência reivindicativa dos setores populares o
tornaram permeável à diversidade de demandas e formas de organização do movimento
social. A caracterização como um partido novo, com identidade de esquerda, buscando se
diferenciar da tradição dos partidos comunistas mais conhecidos na história do país – PCB
e PCdoB –, fortalecia sua capacidade de atração para ampla parcela dos ativistas formados
nas décadas anteriores.
Na década de 1980, o PT se colocou no cenário político nacional como voz crítica
aos acordos que forjaram a readaptação das elites sociais e políticas ao processo limitado
de democratização e rearticulação das bases institucionais do país pós-ditadura. Participou
como um dos articuladores da campanha por eleições presidenciais diretas, mas se recusou
a compactuar com o mecanismo do Colégio Eleitoral, que frustrou a maior mobilização
massiva do período. Envolveu-se intensamente no processo da Assembléia Constituinte,
fortaleceu aí a participação popular, elaborou um texto de Constituição alternativo e, por
meio de sua bancada federal, apresentou um rol de emendas ao projeto discutido no
Congresso, no qual se incluíram propostas progressistas em relação às mulheres. Mas não
deixou de ressaltar os limites da Constituição aprovada e a consolidação de uma
democracia restrita expressa no novo texto constitucional. E, finalmente, na campanha
presidencial de 1989, a primeira realizada de forma direta após a ditadura, polarizou a
sociedade brasileira com a presença de sua candidatura no segundo turno das eleições.
39
Rachel Meneguello (1998) considera que somente a formação do Partido Comunista Brasileiro, em
1922, e a do PT foram fundadas em bases sociais amplas e desvinculadas das elites tradicionais. Em seu
estudo sobre a base de classe do Partido dos Trabalhadores, Benedito Tadeu César (1995) aponta que, a
despeito das opiniões políticas favoráveis ou contrárias, há um consenso entre os estudiosos de que o PT
foi a grande novidade política no campo partidário no Brasil pós-ditadura.
96
1MILITÂNCIA FEMINISTA E ATUAÇÃO PARTIDÁRIA (ANOS 1980-1990)
Construído, em suas origens, com fortes laços sociais e elaborando a crítica à visão
tradicional dos partidos de esquerda sobre os movimentos sociais, o tema da relação
partido-movimento esteve bastante presente na primeira década de existência do Partido
dos Trabalhadores. Dois aspectos aparecem de forma recorrente na elaboração partidária,
na época: a importância de uma relação orgânica com os movimentos sociais, entendidos
como portadores da auto-organização das classes populares e de suas demandas; e a
necessidade de autonomia dos movimentos em relação ao partido.
40
Pelo menos durante toda a década de 1980, o PT dará grande importância ao
fortalecimento de sua relação com os movimentos sociais. Propondo inicialmente uma
organização partidária em núcleos de base, a presença dos militantes na organização e
mobilização dos movimentos sociais foi tema de seu cotidiano e atividade incentivada
pelo partido. Ainda que os núcleos de base, partindo da identidade com movimentos
específicos (por categoria, por tipo de movimento popular ou sindical) não tenha sido a
prática organizativa que se consolidou no partido com o passar dos anos
41
, formaram-se
articulações internas referidas aos movimentos, com o objetivo de organizar o debate e a
40
A Declaração Política, aprovada em reunião ampla realizada em outubro de 1979, juntamente com a
formalização do Movimento Pró-PT, apresenta a formação do PT da seguinte forma: “A idéia do Partido
dos Trabalhadores surgiu com o avanço e o fortalecimento deste novo e amplo movimento social que,
hoje, se estende, das fábricas aos bairros, dos sindicatos às comunidades eclesiais de base; dos
Movimentos contra a Carestia às associações de moradores; do Movimento Estudantil e de intelectuais às
associações profissionais; do Movimento dos Negros ao Movimento das Mulheres, e ainda outros, como
os que lutam pelos direitos das populações indígenas” (PT-Declaração Política, 1979).
41
Generalizou-se uma forma de organização de base de caráter territorial/regional, que terminará se
restringindo a acompanhar a estruturação definida pela Justiça Eleitoral.
97
intervenção dos militantes em cada área.
42
Nos documentos iniciais do PT aparece, com
freqüência, não apenas a menção explícita à importância da luta contra a discriminação
das mulheres mas, também, especificamente, a referência ao movimento de mulheres
como um dos movimentos sociais valorizados como parceiros pelo partido. Tais
declarações não significam, obviamente, a ausência de contradições ou a efetiva
incorporação de seu conteúdo pelo conjunto do partido. Expressam, na verdade, um
aspecto da intensa disputa pelas definições político-ideológicas do partido, que
caracterizam o PT até meados da década de 1990.
Análises da composição social e política do PT indicam uma composição na qual
se destacam: uma ampla camada de militantes sindicais; a militância dos movimentos
populares urbanos, com forte presença de setores vinculados à Igreja Católica progressista;
e militantes e ex-militantes de grupos políticos de esquerda (
CÉSAR, 1995: 201-13). Não se
pretende, aqui, abordar toda a gama de questões apresentadas na relação entre o ideário
feminista e o processo de construção do movimento de mulheres na relação com cada um
destes setores. Mas é preciso realçar que, no processo de construção do PT e da atuação
feminista no partido, esta formação implicou dificuldades específicas a serem enfrentadas.
Por um lado, a militância sindical, predominantemente masculina, e fortemente
impregnada pela percepção do trabalho fora de casa como atividades e espaços
42
Posteriormente estas formas de organização passam a ser conhecidas, genericamente, como “setoriais” e
seu trabalho se concentrou mais na elaboração temática para o partido, com forte ênfase nos períodos
eleitorais.
98
masculinos
43
; por outro lado, a forte presença das concepções da Igreja Católica, defensora
de visões tradicionais de família, da sexualidade e da participação feminina
44
; e, ainda, o
predomínio de posições refratárias a incorporar a luta pela igualdade entre mulheres e
homens como estrutural para o projeto político, comum na militância de esquerda.
Na interação com a militância feminista, a questão da relação partido-movimento
ganha cores particulares. Do ponto de vista do movimento de mulheres, construiu-se forte
desconfiança dos partidos políticos. A militância feminista, historicamente marcada pelo
confronto não apenas com as instituições dominantes, mas também com a esquerda e as
organizações dos trabalhadores, foi significativamente impactada pela crítica à
representatividade dos partidos como instrumentos de organização das demandas e anseios
da sociedade civil, crítica que floresceu no período. Além disso, o privilegiamento das
43
Ainda que fosse crescente a entrada das mulheres no mercado de trabalho, e sua sindicalização fosse
significativa em categoriais importantes (algumas das quais se destacaram no processo de formação do PT,
como bancários e servidores públicos), os sindicatos e o movimento sindical se caracterizavam como
espaços predominantemente masculinos. As concepções dominantes sobre as relações de trabalho e de
exploração mantinham, no fundamental, a divisão tradicional que legitima os homens no espaço público,
primordialmente, do trabalho produtivo; e circunscreve as mulheres no espaço privado, responsabilizadas
pelo trabalho reprodutivo. Tal dicotomia é refletida nas práticas sociais do movimento sindical e será
tensionada e confrontada pela entrada das mulheres na militância política (D
ELGADO, 1995; LOBO, 1991).
Para outras análises sobre a participação das mulheres no movimento sindical, no período, ver, também:
Paola C
APPELLIN. Viver o sindicalismo no feminino. Revista Estudos Feministas, nº especial, RJ,
C
IEC/UFRJ, outubro/1992, p.271-90 e Silenciosas e combativas: as contribuições das mulheres na estrutura
sindical no Nordeste 1976/1986. In: C
OSTA e BRUSCHINI (Orgs.). Rebeldia e submissão: estudos sobre a
condição feminina. São Paulo: Vértice/F
CC, 1989; John HUMPHEY. Sindicato: um mundo masculino.
Novos Estudos Cebrap, 1, v.2. São Paulo, abril/1983, p.47-52.
44
A base social, as direções partidárias e todo o processo de formação do PT são marcados pela relação
com a Igreja Católica; o que traz especificidades não apenas para o debate das reivindicações feministas,
mas também na própria relação de suas militantes com o movimento de mulheres. Em particular nos
setores populares, onde a presença das organizações da Igreja está bastante enraizada, a mediação entre
uma pauta feminista e o ideário religioso, mesmo em sua versão progressista, esteve, sempre, carregada de
conflitos. A crescente participação nos movimentos sociais, na militância política, levou à politização de
uma ampla camada de mulheres que se identificaram, também, com o ideário e a militância no movimento
de mulheres; conformando, no Brasil, um movimento de mulheres onde limites e possibilidades se
encontravam e confrontavam com a militância de Igreja. Para análises deste processo ver, entre outras:
Cynthia S
ARTI, 1988; Sonia ALVAREZ, 1988 e 1990; Elisabeth SOUZA-LOBO, 1991; e Josefa Buendía
G
ÓMEZ. Mulheres católicas e feminismo: um estudo de trajetórias de vida. PUC-SP: Dissertação de
mestrado.1998.
99
formas horizontais de organização alimentou, e segue alimentando, a resistência a
processos de organização mais estruturados e permanentes.
Não se pode dizer que a desconfiança não fosse mútua. Embora seja no campo da
esquerda e do movimento dos trabalhadores que as mobilizações das mulheres tenham
encontrado, historicamente, um espaço privilegiado de articulação e alianças, os conflitos
políticos e teóricos são uma das marcas deste relacionamento. Foca-se aqui em parte da
esquerda brasileira dos anos 1980, especificamente, no Partido dos Trabalhadores; mas na
literatura internacional encontram-se variados exemplos desta difícil relação, repetitiva no
receio de que a luta das mulheres acabe por “dividir” a unidade dos oprimidos.
45
Nos documentos do Partido dos Trabalhadores, em toda a década de 1980,
valoriza-se o feminismo, explicitamente mencionado, e os processos de organização das
mulheres; mas, com freqüência, o discurso insiste na ressalva de que a luta seja geral, que
as mulheres se integrem no processo global. Na qualidade de uma desavença de bases
teóricas isto poderia, em tese, ser superado por meio de debates, explicitação de
divergências, consensos forjados a partir de pontos de vista discutidos e análises da
realidade, e do estabelecimento de estratégias de ação visando a objetivos comuns.
Entretanto, parte não-desprezível das divergências teóricas reflete a perspectiva com que
se encara a luta política e as práticas sociais dos protagonistas. E, neste sentido, as
contradições das relações sociais de sexo marcam não apenas as relações cotidianas dentro
do partido, mas são determinantes na definição de prioridades e estratégias escolhidas.
45
Jaqueline HEINEN. De la 1ª a la 3ª internacional: la cuestión de la mujer. Barcelona: Fontamara, 1978;
Geoff E
LEY. Forjando a democracia: a história da esquerda na Europa, 1850-2000. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2005; Anne-Marie K
ÄPPELI. Cenas feministas. In: DUBY e PERROT. História das
Mulheres: o século XIX. Porto: Afrontamento, 1991. p.541-79.
100
A reduzida presença das mulheres nas direções partidárias expressa, do ponto de
vista da construção e da atuação do partido, uma manifestação destas contradições. Foi
necessária a aprovação de uma cota mínima de participação de mulheres para que fosse
alterada a exclusão recorrente das mulheres das direções partidárias.
46
Mas o quadro da
política partidária no Brasil e os espaços a ela diretamente relacionados, parlamentos e
executivos, é tão misógino que, mesmo com pouca presença de mulheres nos níveis
dirigentes, o PT sempre se destacou na comparação com os demais partidos, seja no
número de parlamentares eleitas, na quantidade de candidatas que se apresentam nas
eleições e, após 1990, na presença de mulheres nas direções partidárias. Acrescenta-se a
isso, o destaque de alguns cargos exercidos por petistas, governando capitais e cidades
importantes no país (
MACAULAY, 2003; DELGADO, 2000).
47
Ainda que a ampliação da
presença não seja suficiente para a integração de uma plataforma feminista ou para a
alteração das práticas sociais que embasam a exclusão, a correlação de forças
extremamente desigual entre mulheres e homens nas direções, e demais espaços de
intervenção político-partidária, pode tornar ainda mais difícil o enfrentamento do
46
Em 1991, o PT aprovou uma cota mínima de 30% de mulheres, obrigatória para todos os níveis das
direções partidárias. O mecanismo tem efetividade, diferentemente da aplicação das cotas na legislação
eleitoral existente no Brasil, pois a eleição para as direções se dá por listas fechadas. Até aquele momento,
o percentual médio de mulheres nas direções nacionais ficava em torno de 6% (D
ELGADO, 2000).
47
Fiona Macaulay (2003: 7-9) destaca a singularidade da presença das petistas no parlamento. O quadro
permite ver a participação proporcional das petistas no Senado, Câmara Federal e Assembléias
Legislativas. A coluna (a) apresenta o total de parlamentares mulheres eleitas pelo PT; (b) representa o
percentual de mulheres eleitas em relação ao total da bancada eleita pelo PT; (c) apresenta o percentual de
parlamentares petistas, mulheres, em relação ao conjunto da bancada feminina em cada instituição
parlamentar (dados até 2002 apresentados pela Autora. Dados de 2006: Sites CFemea e Congresso
Nacional).
Ano(a)(b)(c)(a)(b)(c)(a)(b)(c)
1982 0 0 0 2 25.0% 25.0% 1 7.7% 3.6%
1986 0 0 0 2 12.5% 8.0% 6 15.4% 19.3%
1990 0 0 0 5 14.3% 17.8% 10 12.0% 17.2%
1994 2 40.0% 50.0% 7 14.0% 21.9% 16 17.4% 19.5%
1998 3 37.5% 50.0% 5 8.5% 17.2% 18 20.0% 17.0%
2002 6 42.9% 60.0% 14 15.4% 33.3% 29 19.7% 21.8%
2006 3 30.0% 30.0% 7 8.4% 15.6% 24 19.05% 19.5%
Senado Câmara Federal Assembléias Legislativas
101
machismo. Trata-se, em primeiro lugar, de uma reivindicação por justiça; do direito à
participação igualitária.
Como se sabe, os canais de participação política são vários e não passam
unicamente pelas direções. É comum apontar para o fato de que as formas de participação
política das mulheres não seguem, necessariamente, os mesmos padrões da atuação
masculina. Atividades pouco estruturadas como atividades de protesto, campanhas e ações
políticas diretas muitas vezes contam com a presença feminina com mais facilidade
(
AVELAR, 1996). No entanto, reconhecer e valorizar estas formas de participação política
não minimiza o problema de que sua pequena presença, nas direções partidárias e nos
espaços de representação parlamentar e governamental, implica reduzida influência nas
definições da tática e da estratégia partidária, bem como nas orientações programáticas e
nas prioridades de intervenção. Sua quase ausência em tais estruturas denuncia seu poder
limitado na vida dos partidos. As políticas de ação afirmativa, em particular de cotas
mínimas de participação, têm sido um instrumento utilizado no âmbito partidário para
romper parcialmente estas barreiras. Ao mesmo tempo, trazem à luz o enraizamento de tal
exclusão ao mostrar os diversos mecanismos de poder que mantêm, para além da maioria
numérica, o poder concentrado nas mãos dos homens (
ARAÚJO, 1999; DELGADO, 2000).
A estratégia de organização das feministas petistas, internamente ao partido,
coordenada pelas “secretarias de mulheres do PT”, compreende a participação como
instrumento de mudança necessário, mas insiste na organização interna das militantes para
se contrapor à dinâmica de subordinação das mulheres e a conseqüente não-incorporação
de um programa feminista na ação do partido, resultante da desigualdade das relações
sociais de sexo, expressas no interior da vida partidária.
Nos processos referenciados pela dinâmica partidária – eleições, elaboração da
Constituição e constituições locais, políticas governamentais, posicionamento ante a
102
conjuntura – era comum a elaboração por feministas petistas de diretrizes e propostas para
intervenção dos militantes e definição de posições pelo partido. A incorporação do
feminismo no programa, na dinâmica política, na atuação da militância do partido e na
ação de suas direções, entretanto, permaneceu sempre frágil e dependente do grau de
organização interna e força de atuação de suas militantes feministas; processo este,
necessariamente, vinculado à presença política do movimento de mulheres e ao grau de
influência do ideário feminista na sociedade. A referência a um programa partidário, aqui
compreendida, vai além dos textos aprovados em convenções gerais do partido ou em
momentos mais concentrados de disputa eleitoral. Na análise da realidade, sobrepondo-se
ao discurso declarado, o programa se expressa na prática do partido, na política por ele
desenvolvida nos diversos espaços onde atua: governos, parlamentos, movimentos sociais,
disputas políticas pelos meios de comunicação etc.
1.1 ATUAÇÃO DAS PETISTAS NO MOVIMENTO DE MULHERES
O PT tem, desde sua fundação, um número alto de mulheres entre seus filiados.
Dados recentes do TSE indicam um percentual de 41,49% de mulheres entre os filiados ao
partido, percentual ligeiramente abaixo da média nacional entre os partidos, que é de
43,55%. No movimento popular urbano, setor no qual é grande a presença do PT, é
também identificada significativa presença feminina. Não é descabido supor a existência
de uma camada importante das militantes dos movimentos sociais urbanos que se
identifique genericamente com o PT. Este contingente não se organizou de maneira
própria, em separado. Entre as militantes petistas atuantes no movimento, foi sempre
dominante a recusa à proposta de organização de uma entidade geral de mulheres que
aglutinasse as bases sociais do movimento de mulheres identificadas com o partido. Tal
proposta era, no fundamental, identificada com as “frentes” do movimento social
103
implementadas pelos partidos comunistas tradicionais; modelo recusado pelo PT.
48
A
atuação das petistas se faz a partir de suas próprias organizações de base,
ONGs, estruturas
sindicais, ou de forma dispersa no movimento, atendendo e colaborando na organização
dos chamados gerais e unitários das coordenações ou articulações ad hoc, dinamizadoras
das ações do movimento de mulheres.
Embora a presença das petistas no movimento de mulheres fosse bastante
significativa, nos diversos espaços de ação e articulação do movimento prevalece um
silêncio no registro de sua atuação, se a referência são textos e análises sobre a
mobilização das mulheres e o feminismo no Brasil
49
, elaborados a partir de setores do
movimento ou na produção acadêmica nele referenciada. Em parte, as formas dispersas
desta participação, sem estarem aglutinadas em um processo organizativo próprio no
movimento, facilitou a negação de sua presença; ainda que esta opção fosse coerente com
a visão hegemônica nos setores do feminismo reticentes à atuação partidária.
Esta ausência reflete, também, um posicionamento que se tornou hegemônico no
feminismo brasileiro, absorvido por boa parte dos trabalhos acadêmicos, que postula uma
dicotomia – e mesmo contraposição – entre movimento feminista e movimento de
mulheres. Por outro lado, não era incomum uma atitude de sectarização e elitismo em
parcelas de uma camada que, considerando-se “as” legítimas representantes do feminismo
no Brasil, negava a identificação como feminista seja das militantes oriundas dos setores
populares (tanto do movimento popular como sindical), seja das militantes que atuavam
nos partidos políticos. A polêmica sobre quem era ou não era feminista expressava não
48
No nível internacional é conhecido o processo de organização das “Federações de mulheres”, ligadas aos
partidos comunistas. Ainda que apresentem diferenças organizativas, em diferentes países, com maior ou
menor autonomia em relação aos partidos, em geral as federações têm uma história de atuação sob forte
controle das direções partidárias.
49
A ausência, na história do feminismo, de registro desta perspectiva, bem como das distintas vertentes do
feminismo desenvolvido pelos setores populares, pode ser conferida, entre outros, em Céli Regina Jardim
P
INTO. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: FPA, 2003.
104
apenas o sentido de origem no movimento, isto é, quem havia estado presente nos
primeiros grupos de reflexão feminista, nos congressos da mulher, nos periódicos que
alimentaram a militância feminista nos primeiros anos da segunda onda do movimento;
expressava também, muitas vezes, a negação da possibilidade de uma militância feminista
genuína em outras esferas da sociedade civil organizada – os movimentos sociais mistos,
as organizações sindicais, os partidos políticos
(STERNBACH et al, 1994; FARIA, 2005).
A partir de meados dos anos 1990 esta polêmica é amenizada, pelo menos no que
diz respeito aos aspectos de construção e ação do movimento. O questionamento sobre o
“grau de feminismo” daquelas que são consideradas militantes políticas ainda é freqüente
em setores do movimento, mas o argumento contrário à participação em organizações
mistas perde sua coerência perante a ênfase dada às estratégias de integração nas estruturas
dominantes (“mainstreaming”), nos mais diversos âmbitos; ou diante de uma
revalorização do tema da participação política das mulheres, mesmo que na formulação
muitas vezes acrítica de “participação das mulheres nos espaços de poder”; com o
destaque adquirido pelas políticas de ação afirmativa, referentes ao aumento da
participação feminina. Não significando, entretanto, que as divergências sobre a definição
do que é uma política feminista, e quem são os sujeitos desta política, tenham deixado de
existir entre as diferentes correntes do movimento.
Ao mesmo tempo, em outro âmbito, é possível encontrar elementos de uma
interpretação que atribui um conteúdo existencial ou filosófico ao feminismo, cujo nível
de sofisticação, a ele atribuído, faz com que seja considerado inacessível às mulheres dos
setores populares (
SARTI: 2001).
105
2PRIMEIROS PASSOS DE UMA PROPOSTA DE GOVERNO
Durante a primeira metade da década de 1980, a presença do Partido dos
Trabalhadores em governos, municipais ou estaduais, foi bastante restrita. Sua intervenção
se concentrou na ação parlamentar e na atuação junto aos movimentos sociais. A partir das
eleições de 1988, com um resultado que o coloca na administração de algumas das
principais capitais do país, administrando cidades cuja população correspondia, naquele
momento, a 10% da população do país (
BITTAR, 1992), o partido foi pressionado a
construir respostas aos desafios impostos pela administração pública. A necessidade de
uma elaboração própria para a ação de governo é fortalecida pela seqüência quase anual de
disputas eleitorais do período: eleições municipais, em 1988; eleições presidenciais, em
1989; para os governos de Estado, em 1990; novamente municipais em 1992. Embora o
PT não tenha sido vitorioso para a presidência ou eleito governadores nestas eleições,
cresceu muito sua participação em governos municipais; sendo este um período em que a
elaboração para a ação de governo ganha espaço relevante no partido.
2.1 FORMULAÇÃO INICIAL SOBRE A AÇÃO DE GOVERNO
As reflexões das militantes petistas sobre a ação de governo dirigida às mulheres
surgem no bojo da discussão, que mobilizou distintos setores do movimento de mulheres.
Quando da formação do Conselho Estadual da Condição Feminina em São Paulo, as
feministas petistas atuantes no Estado de São Paulo manifestaram sua divergência com o
novo organismo. A posição se baseava principalmente em dois argumentos: tratava-se de
uma estrutura frágil, que mais parecia cumprir uma função de propaganda das pretensões
democráticas do novo governo; discordava-se do modelo e da forma de composição, sendo
forte o temor de que o novo organismo absorvesse a vitalidade do movimento. Além disso,
pesava o fato de ser uma proposta criada dentro de um governo do PMDB, governo ao
106
qual o PT se apresentava como oposição. Parte das polêmicas sobre as características do
novo organismo foram apresentadas no capítulo 2. Concentra-se, aqui, no debate realizado
entre as feministas petistas e em sua inter-relação com o debate público, realizado no
âmbito do movimento de mulheres, no processo de formação dos conselhos da mulher.
Neste sentido, parte dos argumentos soarão repetitivos, porém, considera-se importante
debruçar-se sobre as discussões realizadas no interior do PT, na medida em que
esclarecem a fundamentação da proposta elaborada pelo partido.
As preocupações repercutidas no debate das posições entre militantes petistas,
desde o início das discussões em torno da criação dos primeiros conselhos da mulher
(
MULHERIO, novembro/dezembro, 1982; P, 1992), vão se reforçando quando os
encaminhamentos para formação dos conselhos da mulher ganham fôlego em outros
Estados.
50
Mesmo onde o processo foi menos conflituoso, o resultado foi a criação de uma
estrutura frágil, equilibrando-se entre governo e movimento de mulheres.
O texto-base para discussão no 2º Encontro Nacional de Militantes Petistas do
Movimento de Mulheres, realizado em 1988, já apresenta uma sistematização da crítica ao
que intitula de “política dos conselhos da mulher”:
“Os Conselhos são órgãos de articulação
50
Nos Estados do Ceará e Rio Grande do Sul houve um lapso de tempo significativo entre a criação do
conselho e a nomeação de sua direção executiva. O Conselho Cearense dos Direitos da Mulher, criado pela
lei 11.170, de 02 de abril de 1986, teve sua comissão executiva instalada em janeiro de 1988 (E
SMERALDO
e S
AID, 2002); o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio Grande do Sul, criado pelo decreto
32.277/86, de abril de 1986, só começou a funcionar em 1991 (P
,1992).
107
política que, com alguma flexibilidade, fazem propaganda da democratização do governo da Nova
República, mantendo laços com diferentes setores do movimento, buscando em geral sua integração
na política do Estado”
(PT-MULHERES, 1988: 27).
A crítica das petistas, não deixa, entretanto, de ressaltar a importância de que o
Estado reconheça as reivindicações das mulheres:
Os conselhos se generalizaram, existindo hoje em vários Estados e em alguns casos
[em] nível municipal. Sua constituição, no entanto, embora represente elemento
progressista dentro da política da burguesia, não significa uma integração real das
reivindicações fundamentais das mulheres na política da Nova República, até mesmo
porque sua capacidade de atuação é extremamente limitada (
PT-MULHERES, 1988:
27).
Em outros textos também é possível encontrar posição semelhante sobre o limite
político dos conselhos da mulher na conjuntura da época: a criação dos conselhos poderia
“...ter representado o efetivo reconhecimento de que políticas públicas são reforçadoras e
estimuladoras da discriminação sexual, sendo portanto da responsabilidade do Estado intervir com
uma política antidiscriminatória [...] se a capacidade real de ação desses conselhos não fosse tão
limitada e, na prática, ilusória, refletindo a política conservadora e demagógica da Nova República”
(SOARES, 1989: 46).
Por outro lado, busca-se enfatizar a distinção entre Estado e movimento,
considerando-se existir uma ambigüidade de origem, na forma como os conselhos da
mulher se relacionam com o movimento, buscando atuar como pólo de articulação do
movimento de mulheres e, desta forma, como representação e parte do movimento.
A criação dos Conselhos, em que pesem suas limitações, representa um avanço
[perante a] necessidade da elaboração e implementação de políticas específicas que
ataquem o problema da subordinação, opressão e exploração das mulheres.
Reconhecer seu caráter de órgão de aparelhos do Estado e, portanto, fora das
estruturas do movimento, não significa deslegitimar sua existência. A atuação do
movimento frente a eles deve ser de cobrança permanente de sua coerência com a
plataforma que defende na atuação dentro do Estado, pressionando para que avance
suas posições. Isso não significa, entretanto, uma vinculação orgânica do movimento
aos Conselhos e nem a abertura dos fóruns do movimento para sua participação
(
PT-MULHERES, 1988: 27-8).
108
Nesta mesma linha, o documento insiste que os conselhos devem ser reconhecidos
como organismos vinculados aos governos onde estão localizados. Sua composição é
definida pelo governo, o que o coloca nos marcos de um projeto político em curso no
executivo naquele momento e, portanto, identificados com o espectro partidário presente
no governo. Por isso, chama a atenção para o problema da participação de petistas nestes
organismos. A opção política por não participar dos conselhos da mulher, ao considerá-los
organismos vinculados a um projeto de governo, mais uma vez se confrontava com a
ambigüidade estrutural com que a proposta era tratada, pelo menos por parte de suas
idealizadoras e de suas componentes nos diversos Estados. Se não era representação do
movimento, como insistiam algumas de suas principais propositoras (
MULHERIO,
novembro/dezembro, 1982: 8-9; maio/junho, 1983: 12-3), se o projeto vinha
“junto com uma
proposta de governo”
(SCHUMAHER e VARGAS, 1993: 351), não haveria por que negar a
legitimidade da não-participação daquelas que se propunham um projeto político distinto.
No entanto, a recusa de compor os conselhos da mulher por parte de petistas foi
considerada como falta de lealdade ao feminismo, suplantada pela lealdade ao partido,
como já mencionado (
SCHUMAHER e VARGAS, 1993: 352; AMARAL, 2006: 251). Por sua vez,
tal divergência não ganha repercussão pública quando, em 1989, por ocasião da criação do
PSDB, militantes do novo partido se retiraram do Conselho Estadual da Condição
Feminina de São Paulo, cujo governo no período era dirigido pelo PMDB (
AMARAL,
2006).
Embora a formação dos conselhos da mulher tenha sido bastante discutida pelas
militantes petistas em vários Estados e, em 1988, tenha sido objeto de debate do encontro
nacional das militantes do partido com atuação no movimento, uma avaliação unificada
sobre estes organismos não se formalizou como uma decisão partidária geral, de caráter
nacional. Tampouco, foi desenvolvida análise sistemática das posições, que fosse
109
divulgada nos documentos do partido na época. Favoreceu-se, assim, que o
posicionamento do PT fosse bastante variado nos processos estaduais, ora apoiando e
participando do novo organismo, ora se colocando em oposição a ele.
51
Esta oposição não
significava, é necessário insistir, a negação da necessidade de um organismo responsável
por políticas para as mulheres no executivo.
Por outro lado, as petistas não se furtavam a apontar e criticar as dificuldades
encontradas em seu próprio campo; muitas vezes, resistente em reconhecer que a presença
deste novo sujeito político e social – mulheres – exigia a construção de novas respostas
nos mais diversos planos da atuação política:
“... é inegável que a burguesia tem sido,
fundamentalmente, através do aparelho de Estado, capaz de responder a esta pressão mais
rapidamente e eficientemente que os setores do movimento dos trabalhadores”
(PT-MULHERES,
1988: 27).
A formulação de uma proposta alternativa só se deu de maneira mais consistente a
partir de 1988, quando o PT obtém um resultado eleitoral que o coloca, pela primeira vez,
na direção de vários municípios. Antes desta data, a presença do PT em governos era
extremamente limitada. Nas primeiras eleições que disputou, em 1982, o Partido dos
Trabalhadores elegeu prefeitos em apenas dois municípios no país: Diadema, na região
metropolitana de São Paulo, e Santa Quitéria, no interior do Maranhão. Três anos depois,
nas eleições de 1985, realizada para as capitais e municípios considerados de segurança
51
Elementos do debate sobre a criação do Conselho entre as petistas e no movimento podem ser
encontrados em A
LVAREZ (1988); MULHERIO, novembro/dezembro, 1982, p.8-9 e maio/junho, 1983, p.12-
3. P
(1992) analisa a formação dos conselhos nos três Estados do sul do país.
110
nacional, o partido elegeu Maria Luíza Fontenelle prefeita de Fortaleza.
52
Naquela
oportunidade, relata-se a polêmica em torno da criação de um Conselho ou uma Secretaria
no governo municipal; propostas defendidas como alternativas opostas por militantes do
partido em Congresso do movimento de mulheres (
ESMERALDO e SAID, 2002: 242),
nenhuma das duas propostas chegando a ser concretizada.
Na plataforma de governo aprovada pelo PT para as eleições a governador, no
Estado de São Paulo, ainda em 1986, aparece a proposta de criação de um organismo
“com
estatuto equivalente às Secretarias de Estado”
com “atribuições de formular e executar políticas que
atendam às necessidades da população feminina e enfrentem as diversas formas de discriminação
por sexo”
(PT, junho/1986). O partido, contudo, não elegeu nenhum governador nessas
eleições, não sendo a proposição testada em qualquer nível.
Com as eleições de 1988, o PT passou a dirigir 36 municipalidades, incluindo três
capitais: São Paulo, Porto Alegre e Vitória; além de cidades importantes como Santos,
Piracicaba, Santo André, São Bernardo do Campo e Campinas, no Estado de São Paulo;
Ipatinga, Timóteo e João Monlevade, no Vale do Aço em Minas Gerais; Angra dos Reis,
no Rio de Janeiro.
53
O debate sobre políticas governamentais e a elaboração de propostas
para os governos ganharam maior peso no partido. Em algumas destas prefeituras foi
criado um organismo de governo responsável por políticas para as mulheres, sendo, nas
prefeituras de São Paulo e Santo André, implementados de forma mais desenvolvida.
A proposta de criação de um organismo de governo, diretamente ligado ao chefe do
poder executivo, cujo papel seria coordenar a proposição e a implementação de políticas
52
As eleições de 1985 foram realizadas nas capitais de Estados e Territórios; municípios considerados do
interesse da segurança nacional ou que haviam deixado de sê-lo em 1984; estâncias hidrominerais;
municípios dos territórios (Lei nº 7.332, de julho de 1985). Em 1987, o PT elegeu o prefeito de Vila Velha,
no Espírito Santo, para um mandato tampão de um ano.
53
Outros municípios em que o PT elegeu prefeitos, em 1988, foram: Jaboticabal, Cedral, Conchas e
Cosmópolis no Estado de São Paulo; Ilicínia-MG; Jaguaquara-BA; São João do Triunfo-PR; Icapuí-CE;
111
para as mulheres, foi construída, naquele momento, de forma consensual no coletivo
responsável pela coordenação do trabalho feminista no partido, no nível nacional e no
coletivo paulista, Estado em que se encontrava o maior número de prefeituras dirigidas
pelo PT.
O projeto aparece em documentos elaborados pelas militantes do partido em
diversos momentos entre 1988 e 1994. A discussão mobilizou as militantes petistas diante
do resultado eleitoral do partido nas eleições de 1988; em seguida, para as eleições
presidenciais de 1989, momento em que o programa de governo passou por um extenso
processo de discussão, que culminou no 6º Encontro Nacional; novamente, para as
eleições municipais de 1992, já com um balanço da pequena implementação da proposta
por parte das administrações petistas; e, mais uma vez, para as eleições presidenciais de
1994, quando o partido tinha grandes esperanças de vitória.
Mas o desenvolvimento e a implementação da proposta de políticas para as
mulheres e de organismos de governo para implementá-las não se deram sem fortes
contradições. Nos primeiros governos do PT, houve um esforço de elaboração e
sistematização das linhas de política governamental, para diferentes áreas de políticas
públicas, já a partir da experiência dos governos municipais em andamento. Encontros
freqüentes entre os responsáveis por cada área de trabalho, em diferentes governos,
tendiam a criar pontos de vista comuns sobre métodos e visões de governo. A busca de
uma visão comum passou a ser chamada de “o modo petista de governar”, divulgada em
publicação com este título (
BITTAR, 1992). As orientações gerais do partido, entretanto, não
tinham caráter mandatório, relativizando a perspectiva de que fossem seguidas por todos
os governos. As políticas a serem implementadas dependiam do nível de organização dos
Amambaí-MS; Janduís-RN; Ronda Alta e Severiano de Almeida no RS. O partido elegeu, ainda, cerca de
mil vereadores em todo o país (B
ITTAR, 1992; CÉSAR, 1995; SOARES, 1989).
112
setores diretamente interessados em cada município, ou do quanto tal tema ou assunto
conquistasse legitimidade entre os militantes e dirigentes partidários, como ocorreu com a
proposta de orçamento participativo.
54
Formalmente, a criação de organismos de políticas públicas para as mulheres
aparece, com freqüência, como compromisso e diretriz partidária em textos de propostas
de governo discutidos pelo partido no período.
55
Sua efetivação, entretanto, será
extremamente desigual já nos primeiros anos. Os governos que criaram organismos
específicos foram poucos, no total das prefeituras petistas. O formato (e vínculo
institucional), a composição, o orçamento disponibilizado, a capacidade de articulação de
cada um destes organismos será bastante variada em cada governo. Ao final dos anos
1990, consolidaram-se dois tipos básicos de estruturas: organismos diretamente vinculados
ao chefe do executivo ou a uma secretaria de coordenação política, seguindo mais de perto
o modelo proposto (coordenadorias ou assessorias); ou pequenos setores dentro de
secretarias específicas, na área de assistência social ou em estruturas identificadas como
cidadania e/ou direitos humanos. O modelo que predominará nos municípios governados
pelo PT continuará sendo de coordenadorias ou assessorias.
2.2 CONJUNTURA ADVERSA
O início de implantação de organismos de políticas públicas para as mulheres nos
governos petistas, a partir de 1989, coincide com um momento de refluxo dos movimentos
sociais, de questionamento do papel do Estado, de retomada de posições mais
conservadoras. O forte ataque às políticas sociais; a pressão para a redução do papel do
54
Mesmo o orçamento participativo foi implantado de formas muito distintas nos diferentes governos do
PT.
55
Aparece na proposta para o governo do Estado de São Paulo em 1986; novamente em 1990, em 1994,
1998, 2002 e 2006. Também está presente na proposta para as eleições presidenciais de 1989, de 1994,
1998, 2002 e 2006. Na proposta para a Prefeitura de São Paulo em 1992, 1996, 2000 e 2004.
113
Estado; o questionamento da universalidade das políticas sociais, transferindo ao mercado
seu provimento como bens e serviços privados; a erosão da noção de solidariedade social
como parceira da igualdade, dando lugar à beneficiência, são marcas dos anos 1990,
quando a ideologia neoliberal reforça sua hegemonia na sociedade. Não sem razão, essa
ideologia foi também chamada de “pensamento único”, em um ambiente de
questionamento de posições críticas à esquerda, intensificada pela crise dos países do
Leste Europeu.
Marta Farah afirma que a partir do final dos anos 1980 a agenda da ação do Estado
sofre uma inflexão
“sob o impacto da crise do Estado e de sua capacidade de investimento, num
cenário marcado pela globalização e pela reestruturação produtiva. Neste novo contexto, a escassez
de recursos passa a ser uma questão central, ao limitar a capacidade de resposta do Estado às
demandas crescentes da área social”
(2002: 23). Farah observa, ainda, que o ideário e as
propostas de corte neoliberal – fortalecidos por sua influência nos países centrais e pelo
peso das agências multilaterais de financiamento – se contrapõem à agenda formulada no
Brasil nos anos anteriores,
“orientada para a democratização e para construção no país de um
Estado do Bem-Estar universalista”
(FARAH, 2002: 23-4), criando novos desafios tanto para os
gestores públicos quanto para setores da sociedade civil que pleiteavam alterações na
agenda do Estado.
O debate sobre a construção de uma ação do Estado, visando a alterar a
desigualdade das relações sociais de sexo, tampouco era o mais favorável na sociedade.
Trata-se, na verdade, de um momento contraditório. Por um lado, na continuidade do
processo de constituição das mulheres como sujeito político e social, e sua forte entrada no
espaço público, há um crescimento da incorporação das mulheres como público
beneficiário específico de políticas públicas (
FUJIWARA, 2002; FARAH, 1998 e 2002,
BARSTED, 1994). A criação de tais políticas, entretanto, não pressupõe, necessariamente,
uma perspectiva de ruptura da desigualdade nas relações sociais de sexo. Como demonstra
114
Luís Fujiwara (2002), mesmo em políticas e programas que se propõem progressistas ou
exemplares, avaliadas positivamente por parte de seus próprios gestores
56
, repetem-se
estereótipos e relações sociais tradicionais. O que não implica, sempre na análise do autor,
que ações concretas de políticas públicas dirigidas ao público feminino não venham a ter
influência positiva, ainda que limitada, nos níveis de “empoderamento” das mulheres.
Marta Farah sugere haver, nos últimos anos,
“um processo ainda embrionário de
incorporação da questão de gênero por políticas públicas no nível subnacional de governo”
,
resultante de maior permeabilidade da gestão pública a questões relevantes para a
população (1998: 79; 2002: 105).
Também a pressão exercida pelo movimento de mulheres passou por alterações
importantes nos anos 1990. O movimento de mulheres se encontrava muito mais
pulverizado e, insiste Farah,
“com relação à própria agenda, deixara de haver consenso” (2002:
26). Desenvolvem-se estratégias e agendas diversificadas, mas que têm sido pouco
explicitadas como perspectivas distintas de construção do feminismo.
Este é um período em que cresce a credibilidade das instituições internacionais
como interlocutoras privilegiadas para setores dos movimentos sociais. A Organização das
Nações Unidas (
ONU) intensificou seu ciclo de Conferências, buscando legitimar-se como
a negociadora da agenda social, de combate à pobreza (
FARIA, 2005) e de temas
relacionados ao desenvolvimento e direitos. Sua influência se dá em vários âmbitos, no
que diz respeito às relações sociais de sexo; mas aqui importa chamar a atenção para a
56
FUJIWARA (2002) e FARAH (1998 e 2002) analisam os programas, projetos e atividades governamentais
que constam do banco de dados do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas, em
conjunto com a Fundação Ford e BNDES. Trata-se de um programa de premiação de iniciativas
governamentais selecionadas por processo de auto-inscrição; por isso, supõe-se que os projetos são bem
avaliados por seus gestores. Sobre a base de dados do programa, Marta Farah (2002: 13) esclarece tratar-se
uma “amostra intencional - não representativa e sem validade estatística - de programas que são vistos
por seus promotores (governos) como inovadores, como introdutores de mudanças em relação à forma de
se desenvolver políticas e fazer administração pública no Brasil”. A auto-seleção não diminui a
115
ênfase na proposição para a incorporação da “perspectiva de gênero” nas ações
governamentais.
Neste contexto, no início da década de 1990, difunde-se no movimento de mulheres
a estratégia de vinculação das desigualdades entre mulheres e homens ao marco geral dos
direitos humanos. Destaca-se a influência das orientações oriundas das Conferências
patrocinadas pela ONU, em especial a Conferência de Viena, organizada pelas Nações
Unidas em 1993
57
, sobre setores do movimento de mulheres, fortalecendo a dinâmica de
aglutinação de uma multiplicidade de temas e grupos sociais discriminados sob um
guarda-chuva geral de “direitos humanos”. Esta concepção termina por embasar um
modelo ainda mais frágil de estruturação de organismos de políticas para as mulheres,
“fundidos” com organismos de direitos humanos ou a eles subordinados.
3PROPOSTA DE ORGANISMO FORMULADOR E EXECUTOR
A elaboração sobre a proposta de criação de um organismo específico de políticas
para mulheres, desenvolvida por feministas do PT, encontra-se em documentos dispersos,
em especial de secretarias ou comissões de mulheres do partido, mas também em
documentos internos de governo e, algumas raras vezes, em publicações partidárias sobre
o assunto, como o capítulo dedicado ao tema publicado no anteriormente citado O modo
petista de governar. Uma sistematização mais precisa é encontrada no documento de
proposta para a Prefeitura do Município de São Paulo, em 1989, e em elaborações para a
prefeitura de Santo André na mesma época. A publicação que resultou de uma série de
encontros entre gestoras petistas, já no final da década de 1990, patrocinada por organismo
importância da análise; ao contrário, os programas podem ser vistos como indicadores do que é valorizado
como mudanças por gestores públicos.
57
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, convocada pela ONU, realizou-se em Viena de 14 a 25
de junho de 1993. A IVª Conferência Mundial sobre a Mulher foi realizada em Pequim, em 1995.
116
de cooperação alemão
58
, é também fonte relevante. Como já mencionado, entre 1988 e
1994, pode-se identificar o esforço das militantes do partido, no sentido de propor, no
interior do partido, uma linha para os governos do PT, expressa, principalmente, nos
períodos de preparação eleitoral, quando se discutiam programa e estratégias de
campanha. A síntese aqui apresentada parte destes documentos e de textos divulgados em
publicações do partido.
Os princípios que embasam a proposta de criação de um organismo de caráter
executivo orientam-se por uma avaliação de que o Estado não é neutro “do ponto de vista
de gênero” (
PT-MULHERES. Cidadania e política de gênero, 1993), da mesma forma que
não o é do ponto de vista de classe. Cabe ao governo, então, como executor das políticas
públicas, garantir não apenas que suas políticas não discriminem mas, também, agir para
alterar as relações sociais desiguais entre mulheres e homens. Esta a principal justificativa
da necessidade de um organismo capaz de intervir no centro da elaboração e execução de
políticas do governo. Trata-se, portanto, de um órgão com duplo papel: planejador,
formulador e coordenador de políticas, mas também executor em áreas específicas.
Insiste-se que a existência de tal organismo e sua capacidade de cumprir um papel
efetivo na ação de governo depende fundamentalmente de três aspectos: decisão política
do chefe do poder executivo; orçamento e estrutura disponibilizada para o
desenvolvimento das políticas; autoridade política atribuída a este organismo capaz de lhe
garantir capacidade de articulação com as demais áreas do governo, questão que se vincula
a um leque de variáveis (posição hierárquica do organismo na estrutura governamental;
58
Dirigentes de diversos organismos de políticas para as mulheres vinculados a governos do PT se
reuniram de forma sistemática durante um ano e meio (1998-1999), em projeto patrocinado pela Fundação
Friedrich Ebert-Ildes, Fundação do Partido Social-democrata Alemão. O resultado dos encontros foi
sintetizado em uma pequena publicação: Gênero nas administraçõesdesafios para prefeituras e
governos estaduais (2000). Daqui em diante citado como Fes-Ildes (2000).
117
autoridade política de sua dirigente; correlação de forças entre os diversos atores
envolvidos etc.; além de também depender dos dois aspectos anteriormente mencionados).
3.1 ÓRGÃO DE CARÁTER EXECUTIVO, DE AÇÃO DE GOVERNO
A primeira característica distintiva da proposta desenvolvida pelas militantes
petistas é a caracterização do organismo responsável por políticas para as mulheres ser
claramente um órgão construído no interior da estrutura governamental, vinculado à
execução de políticas. Não se trata, com certeza, de uma proposição inédita. Organismos
com este caráter já haviam sido criados em outros países, como França, Suécia etc.; a
questão esteve presente no debate inicial sobre a criação do Conselho Estadual da
Condição Feminina de São Paulo, como já mencionado; e no Estado de Goiás, em 1987
foi criada uma Secretaria de Estado da Condição Feminina, que funcionou entre 1987-
1991.
59
No contexto brasileiro dos anos 1980-1990, entretanto, a proposta que se
generalizou foi a da constituição de conselhos da mulher, por isso, considera-se que a
ênfase na proposição de organismos inseridos na dinâmica interna dos executivos,
integrados à ação executiva, por oposição à idéia de órgão de caráter consultivo, de
interface com o movimento de mulheres, é uma distinção política e administrativa
relevante.
O documento que orienta a formação da Coordenadoria Especial da Mulher do
município de São Paulo resume a proposta nos seguintes termos:
[...] o governo do PT deverá criar um organismo no âmbito da prefeitura, de caráter
especial, com atribuições de formular, executar e/ou coordenar com outras
59
É preciso mencionar, ainda, a atuação sempre pioneira de Bertha Lutz que, já na década de 1930, propôs
a criação de um Departamento da Mulher, em nível nacional, que teria “funções técnico-orientadoras,
consultivas e executivas” (Rachel S
OIHET. O feminismo tático de Bertha Lutz. Florianópolis:
Mulheres/Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006: 71. 302p.).
118
instâncias, as políticas no âmbito municipal que atendam às necessidades das
mulheres e que enfrentem as diferentes formas de discriminação por sexo (PMSP,
1989: 5. Sem grifo no original).
60
A definição de um caráter executor privilegia o aspecto da responsabilidade do
poder público em planejar e executar as políticas públicas, ao mesmo tempo que
reconhece, como problema específico, a necessidade de se terem condições de incidir nas
contradições e disputas internas existentes no governo. Assim, cobra-se a responsabilidade
do governo agir como propositor e implementador de políticas que alterem a desigualdade
entre mulheres e homens, que incidam sobre as relações sociais de uma perspectiva anti-
discriminatória.
Documento da Sub-secretaria Nacional de Mulheres do PT, preparatório para a
definição do programa para as eleições presidenciais de 1989, enfatizou o papel do poder
público em
“definir prioridades, elaborar medidas políticas, legais, orçamentárias e administrativas”
para combater a discriminação das mulheres e que atuem
“no sentido de estimular e viabilizar
transformações sociais mais profundas”.
Em seguida, insiste-se que a perspectiva de
eliminação da opressão específica das mulheres só será possível se
“houver uma vontade
política efetiva de realizá-la, não só através da propaganda do seu reconhecimento, mas criando
condições de sua concretização com a construção de instrumentos para este fim”
(PT-SUB-
SECRETARIA NACIONAL DE MULHERES DO PT, 24/02/1989).
Um organismo com poder e atribuições de elaborar, coordenar e executar políticas
para as mulheres é visto como o principal destes instrumentos. A criação de um organismo
integrado à estrutura organizacional do Estado aparece como o motor capaz de influenciar
a dinâmica das políticas desenvolvidas pelo governo. A elaboração das petistas se inscreve
em uma disputa por influenciar a totalidade do programa apresentado pelo partido:
60
O documento encontra-se em anexo.
119
Assim, uma política feminista trabalha com metas e aspirações que buscam
transformar elementos constitutivos da subordinação das mulheres e das relações
hierarquizadas entre os gêneros. Isso pressupõe modificar relações sociais, práticas
e discursos. [...] Esta visão de cidadania como elemento essencial da democracia
social deve articular as demandas dos diversos setores excluídos e incorporar uma
nova visão, a partir da construção da igualdade, na concepção global do programa
(PT-M
ULHERES. Cidadania e política de gênero, 1993).
É possível perceber, nos textos elaborados para programas de governo ou
documentos de preparação para as campanhas, a argumentação no sentido de convencer o
partido da necessidade de construir uma proposta para as administrações petistas. No
boletim da Sub-Secretaria Nacional de Mulheres do PT, de subsídio para as eleições
municipais de 1992, em tom polêmico, a cobrança aparece de forma explícita:
[...] a implantação de um projeto feminista nas cidades administradas pelo PT
representará um avanço para mulheres e homens. Das cidades que o PT venceu as
eleições municipais de 1988, poucas implantaram um programa de caráter feminista.
[...] Aparentemente incorporada na plataforma partidária, o reconhecimento da
situação de opressão e desigualdade das mulheres raramente se transforma em
propostas e medidas efetivas dos governos petistas de combate a esta
discriminação. Muitas vezes estas propostas não são assumidas como projeto do
conjunto do partido para a população, mas ficam restritas às militantes mulheres; ou
são assumidas, apenas, como textos de plataformas eleitorais, que serão logo
esquecidos (PT-S
UB-SECRETARIA NACIONAL DE MULHERES DO PT, 1992).
Mais uma vez, enfatiza-se a necessidade de um organismo no interior da
administração, que coordene as políticas. Compondo com as diversas denominações
atribuídas a este organismo nos governos do PT, e com a dinâmica organizativa
diferenciada existente nos governos municipais, o documento refere-se a que, sendo
constituídos como “Secretaria, Assessoria, Coordenadoria ou Programa”, o que importa é
que, entre outras questões, tenham poder para interferir nas políticas gerais da cidade.
O objetivo político aparece de forma mais precisa no texto de 1993, preparatório
para o programa das eleições presidenciais, que propõe a criação de uma Secretaria
120
Especial da Mulher, com status de Ministério, advertindo que sua existência é essencial,
porém não suficiente. Enfatiza-se o objetivo almejado, defendendo-se de críticas:
Nosso objetivo é transformar todo o Estado e não apenas criar um organismo que se
converta ‘num Estado paralelo das mulheres’. A Secretaria Especial da Mulher deve
ser o espaço, a partir do qual se transforme toda a atuação pública, de modo que o
Estado seja o fiador de uma nova divisão sexual do trabalho não discriminatória (PT-
M
ULHERES. Cidadania e política de gênero, 1993).
Sob uma ótica mais administrativa, insiste-se, em outro momento, que: “para que
gênero perpasse todas as secretarias, faça parte do planejamento estratégico e integre as ações
principais do plano de governo, é preciso existir um organismo responsável pela elaboração e
articulação, garantindo-se assim a transversalidade”
(FES-ILDES, 2000: 10).
Dos textos analisados, podem-se depreender algumas das objeções aparentemente
encontradas entre os interlocutores. Estas vão desde a negação da necessidade da
existência de um organismo específico, pelo fato de as ações terem sua implementação
dispersa nas diversas secretarias; passando pelo receio de que a criação de um organismo
dedicado a tais políticas leve a uma multiplicidade de propostas de outras “minorias ou
setores discriminados”.
Os diversos documentos elaborados pelas mulheres do PT insistiam que uma
alteração nas perspectivas do governo, capaz de inserir uma nova dimensão
“da mulher
enquanto sujeito social nas práticas das políticas públicas”
, não seria alcançada sem um
instrumento específico, com possibilidade de intervir na dinâmica interna e, desta forma,
introduzir tal perspectiva nas diversas áreas da ação pública (
BITTAR, 1992: 188; FES-ILDES,
2000). Demandava-se, portanto, mais do que a criação de um organismo com capacidade
de articular a dimensão da alteração das relações sociais de sexo nas diversas áreas do
governo. Seria necessário que os governos dessem a esta dimensão um grau de prioridade
tal que ela incidisse sobre a dinâmica específica de cada organismo governamental, de
121
forma a fazer emergir no cotidiano da ação pública as contradições das relações sociais de
sexo subjacentes para, então, dar-lhes novo conteúdo.
3.1.1 Lugar na estrutura organizacional
A capacidade de articulação política interna ao governo foi outro aspecto
fortemente enfatizado na elaboração da proposta. Esta capacidade é, no caso das propostas
de organismos de políticas para as mulheres, indissociável da legitimidade e do poder de
que disponha tal organismo; condições dadas por vários elementos, entre os quais se
destaca o seu lugar na estrutura do governo. Por isso, as propostas insistem na construção
de estruturas de primeiro escalão de governo. Em documentos iniciais, aparece a
proposição de Secretarias, nos níveis estadual e municipal, e Ministério, no caso do
governo federal (P
MSP, 1989; PT. As bases do PAG, 1989), anunciando a intenção de
construir organismos compondo o nível mais elevado de decisão de governo, stricto sensu.
Propõe-se que o organismo responsável por tais políticas tenha hierarquia
institucional e competência para incidir na definição de prioridades gerais de atuação e de
coordenação das diversas áreas, de forma a possibilitar uma integração das políticas. Tal
perspectiva, apoiada na avaliação de que seria necessário dar unidade às diversas ações de
governo e construir uma ação coerente com uma proposta de alterar as relações sociais de
sexo, aparece de forma reiterada, em diferentes documentos, expressando-se a convicção
de que tal
“propósito implica desafiar determinantes culturais, sociais, econômicos e políticos
consolidados secularmente”
(PT-COMISSÃO DE MULHERES DO PT-SP, dezembro/1988).
Não é pequeno o desafio de romper com a compartimentalização das políticas e das
ações de governo, trate-se de nível municipal, estadual ou federal. As estruturas
governamentais têm, em sua quase totalidade, uma atuação estanque, não sendo incomum
mesmo uma competição entre as diversas áreas. Uma política que vise a desenvolver uma
nova perspectiva sobre as relações sociais de sexo, necessariamente, implica ações com
122
incidência em múltiplas áreas de atuação governamental. Construir tal relação exige
romper com a cultura e a prática de funcionamento dos governos, não planejada para uma
integração de programas e ações alocados em estruturas distintas.
O argumento fundamental é a participação em um nível de governo que possibilite
a incidência sobre as definições de políticas. Daí a proposta de um organismo que esteja
no mesmo patamar hierárquico do escalão central de governo. Não sendo isto aceito, isto
é, não havendo a criação de Secretaria (para municípios e governos estaduais) e Ministério
(para o nível federal), propõe-se que os organismos de políticas para as mulheres sejam
vinculados a estruturas centrais na gestão e direção política dos governos, em geral, no
próprio gabinete do chefe do executivo. Como uma segunda alternativa, vinculados a
secretarias de coordenação política, com freqüência, denominadas Secretaria do Governo.
Nos casos em que se criaram coordenadorias, enfatizava-se a importância da participação,
em pé de igualdade, na dinâmica do núcleo decisório da administração (
FES-ILDES, 2000).
Poder e legitimidade não são atributos automáticos do lugar na estrutura da
administração pública. O peso político de uma mesma estrutura pode ser
significativamente distinto em diferentes montagens de governo, independentemente do
que seja considerado como sua atribuição. O esvaziamento do poder, ou seu
fortalecimento, está diretamente vinculado ao jogo das relações políticas internas ao
governo. No entanto, o lugar na estrutura hierárquica da administração é um indicador
importante do peso atribuído a qualquer setor ou departamento no governo. Ainda que o
desenvolvimento concreto das relações, durante o exercício do governo, possa confirmar
ou negar este poder, o posicionamento no primeiro nível da estrutura governamental, a
priori, sugere:
a) que a política a ser desenvolvida por aquele organismo esteja alocada entre
as prioridades de governo;
123
b) maior possibilidade de interagir internamente com as demais estruturas que
definem e executam as políticas públicas.
Rapidamente, entretanto, ficará evidente que, nestes termos, a proposta não foi
aceita pelo PT e pelos governos petistas. A realidade das prefeituras governadas pelo PT, a
partir de 1989, foi de adoção de estruturas de porte incomparavelmente mais reduzido que
uma secretaria, com concepções, vinculação institucional e denominações bastante
variadas. Nos cinco primeiros municípios que implantaram a proposta, todos no Estado de
São Paulo, na gestão 1989-1992, os organismos se estruturaram, inicialmente, como:
1) Prefeitura do Município de São Paulo – Coordenadoria Especial da Mulher;
vinculada à Secretaria de Negócios Extraordinários. Posteriormente, cria-se,
dentro da Secretaria do Governo, uma Assessoria de Cidadania e Direitos
Humanos, a que a Coordenadoria Especial da Mulher passa a ser vinculada.
Não tinha assento no Secretariado. Criada por decreto em 1989,
transformou-se em lei em 1992.
2) Prefeitura de Santo André – Assessoria dos Direitos da Mulher; vinculada
diretamente ao gabinete do Prefeito. Em 1990, é criada uma Secretaria do
Governo, a que a Assessoria passa a vincular-se. Criada pela Lei 6.510, de
1989. Enquanto esteve vinculada diretamente ao gabinete do Prefeito, teve
assento no Secretariado.
3) Prefeitura de Diadema – Coordenadoria da Mulher, criada em 1991, em
conjunto com a Casa Beth Lobo; provisoriamente vinculada ao gabinete do
Prefeito. No mesmo ano, o projeto de lei para sua criação, como parte de
uma proposta de reforma administrativa, não foi aprovado e a Coordenadoria
manteve o funcionamento provisório durante o restante da gestão. Não tinha
assento no Secretariado.
124
4) Prefeitura de Piracicaba – Programa da Mulher, criado em 1991; vinculado à
Secretaria do Governo. Embora tenha funcionado durante o restante da
gestão, sua criação não foi formalizada. Não tinha assento no Secretariado.
5) Prefeitura de Santos – Criada inicialmente uma Assessoria da Mulher,
vinculada ao gabinete da Prefeita. Posteriormente, em fevereiro de 1992, é
criada a Coordenadoria Especial da Mulher, mantendo-se a vinculação ao
gabinete da Prefeita até o final da gestão.
Como se vê, inicialmente, as coordenadorias ou assessorias estavam vinculadas à
secretaria de governo ou diretamente ao gabinete do(a) prefeito(a). Sua estruturação,
entretanto, era bastante diversificada. No geral, foram criadas, inicialmente, por ato do
executivo – decreto ou portaria –, fazendo-se o encaminhamento posterior à Câmara
Municipal para aprovação de lei. Leis de criação desses organismos foram aprovadas em
Santo André e São Paulo. Apresentada como parte de uma reforma administrativa mais
ampla em Diadema, foi rejeitada. Em Piracicaba, não houve iniciativa do executivo de
propor sua formalização, mesmo internamente ao governo.
Nestes cinco municípios pioneiros, a proposta passou por modificações
importantes, em gestões seguintes, em que o PT foi governo. Na maioria das vezes,
sofrendo um rebaixamento em sua vinculação no interior da estrutura organizacional do
governo, no nível hierárquico interno na administração e em sua capacidade de
intervenção.
Em São Paulo, quando o PT foi eleito novamente (2001-2004), a proposta foi
mantida em patamar semelhante à primeira gestão de sua existência. Foi mantida a
Coordenadoria Especial da Mulher, refazendo-se sua vinculação direta à Secretaria do
Governo, sem a intermediação de uma área de cidadania e direitos humanos.
125
Na prefeitura de Santos, o PT assumiu um segundo mandato (1993-1997), em
seguida. Após alguns meses sem funcionamento, naquela gestão, a Coordenadoria da
Mulher passou a vincular-se à Secretaria de Ação Comunitária. Em Piracicaba (2001-
2004), foi retomado o mesmo funcionamento informal, junto à Secretaria do Governo,
apenas denominando-se Coordenadoria da Mulher.
Santo André e Diadema foram municípios em que o PT esteve, de maneira mais
continuada, no governo municipal. Em Santo André, quando o PT retorna à Prefeitura
(1997-2000), a Assessoria dos Direitos da Mulher foi mantida, mas vinculada a uma
Secretaria de Cidadania e Ação Social. E foi, sucessivamente, rebaixada. Na gestão 2001-
2004, foi incluída em um Departamento de Defesa de Direitos de Cidadania, na secretaria
então denominada de Participação e Cidadania. Na atual gestão (2005-2008), passou a ser
um tema dentro de um Núcleo de Políticas de Gênero, Raça, Geração e Pessoas com
Deficiência (GRGPD), da Secretaria de Governo.
Em Diadema, na gestão seguinte (1993-1996), foi criada uma Divisão dos Direitos
da Mulher, que funcionava, formalmente, junto com o centro de referência e atendimento
à violência, Casa Beth Lobo, dentro da Secretaria de Ação Social e Cidadania. Nas gestões
petistas seguintes (2001-2004 e atual), na mesma secretaria, criou-se um Departamento de
Direitos da Cidadania, e a Divisão dos Direitos da Mulher deixou de existir; funcionando
apenas o centro de referência e atendimento à violência.
Estas primeiras experiências de governos petistas foram bastante diferenciadas.
Algumas extremamente frágeis, e dependendo mais da criatividade e persistência das
militantes nelas envolvidas que de determinação dos governos; outras, com maior
interação com os núcleos de governo e maior capacidade de incidir sobre o seu conjunto.
Foram estas as experiências pioneiras, que influenciaram o debate e elaboração de
propostas entre militantes petistas. Com suas inovações e criatividade, mas também com
126
seus limites e contradições, foram base para a política que se desenvolveu em governos
petistas durante a década de 1990. Em particular as experiências desenvolvidas nos
municípios de São Paulo e Santo André, na gestão 1989-1992, serviram de modelo para
vários desses governos. Na criação de serviços pioneiros, como os centros de atendimento
à violência, os serviços de aborto legal, uma política intermunicipal para os abrigos para
mulheres vítimas de violência, ou a formação de estruturas intersecretais fortes, como o
“Elo Mulher”, em Santo André. Infelizmente, também repercutiram opções problemáticas
que aí foram sendo gestadas, como a submissão das estruturas de políticas para as
mulheres a áreas genéricas, pensadas como “cidadania” ou “direitos humanos”, ou “ação
social”, como ocorreu em São Paulo na primeira gestão e em Santo André nas gestões
seguintes, neste último caso, levando ao virtual desaparecimento do organismo de
políticas para as mulheres.
3.1.2 Recursos orçamentários e administrativos
A explicitação da importância do orçamento disponível é recorrente nos
documentos que tratam dos organismos de políticas para as mulheres no executivo,
elaborados pelas mulheres do PT. A atenção ao orçamento aparece orientada a duas
dimensões: o volume do orçamento atribuído à área; e a autonomia administrativa para
geri-lo. Estas são questões diretamente vinvuladas à importância atribuída à área no
conjunto do governo e a sua posição hierárquica na estrutura governamental.
A alocação orçamentária é considerada um dos itens mais relevantes para se avaliar
o grau de prioridade de determinada área no seio de um governo. Qualquer que seja a ação
prevista na execução de políticas, desde a estruturação e prestação de serviços,
investimento em formação e qualificação de pessoal, medidas de divulgação e acesso ao
público-alvo etc., o volume de recursos destinado à área é um indicador do grau de
importância atribuída a ela pelo governo. Esta medida não deixa de ter validade quando se
127
tratam de políticas de caráter transversal, isto é, cuja implementação demanda a atuação de
múltiplas áreas de governo, o que torna, também, mais complexos os mecanismos para se
medir o montante do orçamento geral do governo que está, efetivamente, alocado para
determinado fim. As rubricas orçamentárias destinadas a estas políticas estarão vinculadas
ao organismo (secretaria, departamento, ministério etc.) responsável direto por sua
execução – como as áreas específicas de saúde, educação, habitação etc. Torna-se,
portanto, mais relevante a capacidade de articulação política dos organismos responsáveis
por políticas para as mulheres e a construção de mecanismos que possibilitem sua
interação com as demais áreas, no plano da formulação e definição de estratégias para
execução das políticas, acompanhamento e avaliação dos resultados etc. Estes são
mecanismos que exigem forte legitimidade política para o organismo de políticas para as
mulheres, uma vez que a responsabilidade direta pela execução é extremamente
diferenciada no interior da administração.
Sendo que as ações de políticas públicas orientadas a alterar o cotidiano da
desigualdade entre mulheres e homens estão, em sua quase totalidade, alocadas em
secretarias ou departamentos específicos, programas ou ações, para os quais a alocação
orçamentária pode estar primordialmente vinculada ao organismo de políticas para as
mulheres, são caracterizadas, em geral, como “atividades meio”. Atividades deste tipo
relacionam-se, entre outras, a:
- ações educativas gerais com incidência sobre os servidores públicos e
população;
- alteração nas práticas do pessoal dos serviços públicos (agir não
discriminatório, percepção das desigualdades etc.);
- fortalecimento da participação crítica da população na gestão, avaliação,
fiscalização e uso dos serviços públicos;
128
- promoção de ações e políticas com caráter de demonstração para as demais
áreas de governo;
- campanhas públicas de esclarecimento, informação, ou fortalecimento de
proposições;
- levantamento e sistematização de informações e dados para subsidiar a
elaboração de políticas.
São ações essenciais para intervir sobre a lógica do poder público, com o objetivo
de garantir uma alteração na perspectiva com que ele incide sobre as relações sociais de
sexo. São de mais difícil mensuração de resultados e, com freqüência, menos valorizadas
tanto internamente, na ação de governo, como, mesmo, na avaliação da população sobre as
políticas governamentais.
Na negociação com as diversas áreas de governo para implementação de projetos e
programas conjuntos é esperado que se avalie o aporte de cada uma das áreas parceiras. A
definição de orçamento próprio permite que se disputem os níveis de prioridade definidos
em cada uma das áreas. E necessita ser combinada com a definição de recursos, em cada
área, para políticas específicas. Assim, a importância das definições orçamentárias se faz
por dois vetores: na definição de um orçamento próprio para o organismo de políticas para
as mulheres, que lhe permita desenvolver políticas e projetos, e na existência de rubricas
definidas para políticas específicas dentro do orçamento de cada uma das áreas.
Outro aspecto reiteradamente mencionado em documentos é que tal organismo
tenha autonomia administrativa, dentro dos marcos da ação de governo, para que possa
gerir seu próprio orçamento, e decidir e encaminhar as ações e programas que considere
prioritários. A capacidade de execução aparece vinculada à estrutura do órgão, tanto em
termos de recursos humanos, infra-estrutura, condições administrativas e financeiras,
como de sua capacidade técnico-política de propor, elaborar e acompanhar o
129
desenvolvimento das políticas propostas. Tal capacidade demanda a existência de um
corpo técnico-administrativo que dê suporte à atuação deste organismo, além da
composição de uma coordenação política capaz de conduzir uma plataforma de políticas
públicas sob uma ótica feminista.
3.2 IMPLEMENTAÇÃO CONJUNTA E POLÍTICAS ESPECÍFICAS
A lógica em torno da qual se organiza a proposta de constituição de um organismo
de caráter executivo funda-se na visão de que é preciso que exista, no interior dos
governos, um núcleo propulsor das mudanças, capaz de coordenar e dar coerência a uma
perspectiva de alteração da ação do Estado, no que ela incide sobre as relações sociais de
sexo. As políticas específicas, na maior parte das vezes, estarão vinculadas diretamente às
secretarias (ou departamentos etc.) responsáveis pela área, seja ela saúde, educação,
habitação, cultura, transporte, segurança pública, desenvolvimento econômico, infra-
estrutura etc.
No âmbito da aplicação das políticas, a tensão entre a especificidade e a perspectiva
de uma mudança geral das relações sociais provoca uma pressão permanente na definição
da estratégia de ação governamental. O objetivo é que a perspectiva de superação das
desigualdades esteja impregnada em toda a ação governamental, perpassando todas as
áreas da administração e, assim, a responsabilidade pela aplicação de tais políticas não
pode se limitar a uma única área: o organismo de políticas para as mulheres.
A perspectiva de dar coerência às ações governamentais pauta-se pela construção
de uma unidade ativa em torno de políticas que alterem as relações sociais entre mulheres
e homens. Se isso depende, em primeiro lugar, da vontade política existente no governo,
seu desdobramento cotidiano precisa ser considerado, pelos diversos atores, como parte de
uma política de governo. A vinculação institucional ao núcleo de decisão de governo é
estrategicamente importante para que se possa atuar com autoridade no desenvolvimento
130
de propostas e ações estruturalmente dependentes de co-responsabilização por mais de um
organismo governamental. Dentro da mesma lógica, a percepção, por parte do conjunto da
administração, de que uma determinada visão se insere no núcleo das propostas de
governo, fortalece a possibilidade de sua assimilação; ainda mais quando esta visão se
coloca na contracorrente de relações dominantes na sociedade. Estas são duas razões
centrais para o questionamento da alocação dos organismos de políticas para as mulheres
dentro de secretarias com programas específicos (como assistência social), ou sob um
guarda-chuva que se pretende amplo e inclusivo (como direitos humanos, cidadania etc.),
tornando ainda mais mediada sua relação com os demais organismos de governo
(
GODINHO, 2004).
A definição da especificidade da atuação dos organismos de políticas para as
mulheres, de sua competência específica dentro da estrutura organizacional de governo,
precisa responder a sentidos que, embora complementares, tornam mais complexa a
delimitação de sua competência: por um lado, formular linhas gerais para políticas
desenvolvidas pelo conjunto do governo; por outro, desenvolver ações próprias, capazes
de influenciar a dinâmica do conjunto.
A possibilidade de uma nova perspectiva de atuação do Estado, ao se introduzir
uma plataforma de políticas sob uma ótica feminista, implica ações e políticas que, por sua
vez, podem encontrar dificuldade para serem absorvidas por uma área de atuação já
delimitada. Dificuldade que pode referir-se: à divisão de responsabilidades entre as três
esferas da federação (Município, Estado e União); à delimitação de competências,
estabelecida entre as áreas (saúde, educação, habitação etc.); à distinção de competências
profissionais ou carreiras e sua vinculação e organização dentro do serviço público; às
opções organizativas do governo etc.
131
O fortalecimento das mulheres como sujeito político também gerou demandas por
políticas públicas até então inexistentes na pauta do Estado. Possivelmente, o principal
exemplo – e sem dúvida o mais visível – é a área das políticas de combate à violência
sexista; desenvolvidas a partir da década de 1980, no caso do Brasil. Mas as demandas
decorrentes das tensões resultantes da divisão sexual do trabalho, como ampliação da rede
de creches, acesso à alimentação fora de casa (decorrentes, também, do processo de
urbanização); a licença paternidade; a legalização do aborto ou o limite do seu
atendimento para os casos já previstos na legislação são exemplos, também, de novos itens
de políticas públicas.
As políticas relacionadas à violência sexista, em particular quando realizadas no
âmbito municipal, têm sido o exemplo mais recorrente da dificuldade de identificação com
uma área específica de governo, no campo das políticas para as mulheres. Estas políticas e
ações acabam por ter uma multiplicidade de vinculações, que atendem a circunstâncias
locais muito mais que a uma concepção político-administrativa. Em diferentes prefeituras,
quando existem programas para a área de combate à violência contra a mulher, estão
vinculados a distintas estruturas: ora à saúde, ora à assistência social, ora à
secretaria/coordenadoria de mulheres etc. E, em todos os casos, implicando limitações ao
seu desenvolvimento.
As dificuldades acima mencionadas, em certa medida, refletem o problema da
duplicidade de objetivos dos organismos de políticas para as mulheres. Por um lado, estes
organismos são formuladores e propositores de políticas para o conjunto do governo e,
assim, são, no fundamental, estruturas desenhadas para desempenhar atividades “meio”;
característica predominante dos organismos de elaboração, coordenação e monitoramento
da ação governamental. Por outro lado, para serem executores de políticas, ainda que em
132
conjunto com outras estruturas governamentais, necessitam de intrumentos que lhes
permitam desenvolver atividades finalísticas.
A crítica ao isolamento vivido por estes organismos e à desresponsabilização por
parte do conjunto dos governos tem levado a mudanças nas estratégias de atuação. Passa-
se a enfatizar, prioritariamente, a definição de pólos descentralizados, como instrumento
para disseminação da “perspectiva de gênero” nos diversos âmbitos da administração. Tal
orientação aparece, com freqüência, como distinta da construção de interfaces entre áreas
de implementação de políticas ou de ações intersecretariais. A partir dos anos 1990,
desenvolvem-se diferentes visões alternativas de como superar o isolamento das estruturas
de políticas para as mulheres e garantir que a “perspectiva de gênero” estivesse presente
em todas as áreas. Não é incomum que sejam apresentadas como uma estratégia
específica, que pretende “superar” um estágio anterior, voltado à construção de políticas
de promoção da igualdade. Assim, a necessária integração entre as diversas políticas,
construindo-se interfaces, de forma a garantir que se altere o viés discriminatório das
relações sociais de sexo existente nas políticas públicas, por ação ou omissão, assume um
sentido de alternativa à existência de organismo de coordenação. A construção de uma
“transversalidade de gênero”, abarcando todas as áreas de políticas acaba por ser
apresentada em contraposição à existência de um organismo central.
Debate semelhante, mas com outras ênfases, se desenvolveu na literatura
internacional, em especial em documentos de organismos multilaterais vinculados às
Nações Unidas e no âmbito da União Européia, com o desenvolvimento da estratégia do
“mainstreaming”.
61
Esta estratégia passou a ser valorizada como um mecanismo para
61
A discussão sobre “gender mainstreaming”, como uma concepção de política e estratégia para sua
aplicação, que busca dar um passo adiante no que se caracterizava como políticas de igualdade, começa a
aparecer nos documentos dos organismos internacionais após a Conferência de Nairobi (1985). Em
documento elaborado para a Comissão Européia, que objetiva sistematizar o conceito e as estratégias para
sua implementação, as autoras insistem que a estratégia de gender mainstreaming só pode ser bem
133
garantir que a “perspectiva de gênero” passasse a fazer parte do cotidiano das políticas. No
entanto, não é incomum que seja, como tem sido, interpretada como contraposição à
existência de organismos próprios, podendo ser
“usado por alguns governos como um pretexto
para interromper políticas específicas de igualdade”
(UNIÃO EUROPÉIA, 1998: 18). Por sua
similitude, ainda que não sejam exatamente a mesma coisa, “transversalidade de gênero” e
“gender mainstreaming” têm sido tratadas no Brasil como sinônimo, até mesmo pela
dificuldade de se traduzir a expressão de língua inglesa.
Buscando analisar ao papel das instâncias internacionais na regulação de políticas
de igualdade entre os sexos, Virgínia Ferreira apresenta uma síntese do que se considera
“gender mainstreaming”, esclarecedora desta estratégia. Ainda que não seja, aqui, nosso
propósito discutir os diversos ângulos desta proposta, sua síntese auxilia a compreensão de
aspectos que são analisados, no âmbito das estratégias desenvolvidas no Brasil.
[...] a discriminação ocorre independentemente dos comportamentos ou ações
individuais. As decisões discriminatórias baseiam-se nas políticas que estruturam
cada organização em concreto e cada sociedade no seu todo (F
ERREIRA, 1998). A
discriminação indireta é estrutural, sistêmica e abre as portas para o questionamento
de todas as práticas sociais, em geral, e de todas as práticas organizacionais, em
especial (B
ACCHI, 1996)
62
. Inclusive abre as portas ao questionamento da própria
constituição e funcionamento do Estado. Daí que se aponte a estratégia do
mainstreaming como a única capaz de garantir um elevado grau de efetividade às
ações positivas delineadas (F
ERREIRA, 2004: 80).
A autora continua sua análise e descreve aspectos específicos desta estratégia,
identificando, como questão central, as dificuldades de uma atuação auto-reformadora:
sucedida onde já há políticas de igualdade implantadas; neste sentido, se apóia nessas políticas, mas de
uma perspectiva distinta, pois não miram diretamente as desigualdades, buscando espraiar-se em todos os
níveis de uma determinada estrutura, organização ou campo de atuação. Ainda que tal perspectiva possa
ser aplicada em distintos contextos, a proposta de gender mainstreaming se dirigiu, fundamentalmente, às
estruturas e políticas governamentais (U
NIÃO EUROPÉIA, 1998).
62
As referências feitas pela autora são, respectivamente: Virgínia FERREIRA. Positive action and
employment segregation. In: F
ERREIRA,TAVARES e PORTUGAL (Eds.). Shifting bonds, shifting bound:
women, mobility and citzenship in Europe. Oeiras: Celta, 1998; Carol Lee B
ACCHI. The politics of
affirmative action: ‘women’, equality & category politics. Londres: Sage, 1996.
134
O mainstreaming não é, todavia, outra coisa senão uma forma de reformismo estatal,
uma estratégia em que o Estado procura reforma-se a si próprio. É um processo
técnico e político que exige mudanças nas culturas organizacionais e maneiras de
pensar, assim como objetivos, estruturas e distribuição de recursos por parte de
todos os protagonistas. Isto é, os Estados, mas também as agências internacionais e
as organizações não governamentais. O mainstreaming requer mudanças a todos os
níveis: no estabelecimento de prioridades, na definição, planejamento,
implementação e avaliação de políticas. Os instrumentos incluem: novas práticas
orçamentais (nomeadamente, o gender budgeting) e de gestão de recursos
humanos, ações de formação, revisão dos procedimentos institucionais e elaboração
e difusão de manuais de boas práticas. A questão que se coloca é saber quem
serão os sujeitos destas mudanças (F
ERREIRA, 2004: 80. Sem negrito no original).
A experiência desenvolvida pela prefeitura de Santo André, nas últimas gestões,
com o argumento de integrar a “perspectiva de gênero” em todas as áreas de governo,
partindo-se de uma organização matricial, pode ser vista, também, com um viés distinto,
como resposta para o mesmo tipo de desafio: romper com a fragmentação nas políticas
públicas e construir uma integralidade entre as diversas áreas. Fundamentada em uma
visão de reorganização administrativa, propunha-se, segundo seus defensores, a criação de
uma estrutura matricial de organização das políticas capaz de gerar maior eficiência
administrativa, e incidir sobre todas as políticas de forma integral, aí se compreendendo,
também, as dimensões de
“gênero” , tendo como uma de suas bases a percepção da “exclusão
social [como] um fenômeno multidimensional”
(DANIEL, 2002: 192).
Não cabe neste texto uma discussão sobre as estratégias administrativas
desenvolvidas nas gestões petistas no município de Santo André. O que se quer apontar é
que a concretização desta proposição no formato político-administrativo, colocado em
prática em Santo André, levou a um virtual desaparecimento da intervenção política
visando a combater as desigualdades das relações sociais de sexo, encarada como uma
atuação sobre conjunto da administração em uma ótica feminista. Após a primeira gestão,
foi implementada uma vinculação sucessiva da Assessoria dos Direitos da Mulher a áreas
propostas como mais gerais: deixou a Secretaria de Governo, passando a subordinar-se à
135
Secretaria de Cidadania e Ação Social; em seguida vinculou-se a um Departamento de
Defesa de Direitos de Cidadania, dentro de uma nova Secretaria de Participação e
Cidadania, mais tarde reorganizada como Secretaria de Inclusão Social. Finalmente, em
2005, a Assessoria desapareceu e a coordenação das políticas organiza-se como um tema
dentro do Núcleo de Políticas de Gênero, Raça, Geração e Pessoas com Deficiência, na
136
Secretaria de Governo.
63
Seria uma interpretação simplista conceber a trajetória
descendente da área de políticas para as mulheres em Santo André como um fenômeno
isolado, que acabou por levar a uma mudança radical na visão do núcleo dirigente sobre a
importância da ação do poder público na alteração das relações sociais de sexo. Pelo
menos em sua primeira fase, parte dos protagonistas das mudanças foram os mesmos; e
houve tentativa real, em alguns programas, de “transversalizar” o viés das relações sociais
de sexo nas ações de governo.
64
Refletem, em alguma medida, uma tensão real entre os
papéis que devem ser desempenhados na coordenação de políticas de igualdade. Por um
lado, busca-se romper com o isolamento e garantir a incorporação de uma perspectiva
feminista no conjunto do governo, tarefa que se apresenta incontornável diante da
fragilidade dos organismos de políticas para as mulheres. A preocupação em construir
alternativas que abarquem a totalidade do governo, ao mesmo tempo, tende a ignorar as
contradições entranhadas nas disputas e definição de prioridades no âmbito do Estado.
Nas três vertentes – transversalidade de gênero, gender mainstreaming, gênero em
uma perspectiva da matricialidade – amplia-se, na prática, o risco da diluição, da perda de
protagonismo, da área de políticas para as mulheres como um motor que impulsiona as
transformações dentro da estrutura governamental. O enfrentamento de um problema
recorrente, o isolamento dos organismos de políticas para as mulheres no interior da
máquina estatal e a real necessidade de integração das políticas, pode levar, assim, a uma
diluição da intervenção. Como aponta Maria Lúcia da Silveira,
63
A proposta de modernização da gestão administrativa desenvolvida em Santo André envolve vários
outros aspectos. Aqui, nos limitamos a apontar o efeito diluidor que acabou tendo sobre uma intervenção
feminista, desenvolvida pela Assessoria dos Direitos da Mulher na primeira gestão (1989-1992),
reconhecida como uma das mais positivas entre as administrações petistas. Um panorama dos desafios
políticos da gestão municipal, do ponto de vista do núcleo de direção da Prefeitura de Santo André, pode
ser encontrado em artigo de Celso D
ANIEL, Gestão local no limiar do novo milênio (2002).
64
Dentro da política chamada de inclusão social, o programa Santo André Mais Igual, voltado à
reurbanização de favelas, com políticas de trabalho e renda e garantia de direitos sociais amplos, tem sido
137
A incorporação da transversalidade de gênero entendida sem um coração que pulsa,
ou dito de modo mais teórico, sem o sujeito da transformação das desigualdades de
gênero, leva a equívocos. Como também a ‘leitura’ de que, se gênero diz respeito ao
masculino e ao feminino, as políticas devem abordar sempre os homens e as
mulheres ao mesmo tempo. Essa compreensão deslegitimaria ações e políticas
específicas para mulheres, como se fossem resquícios de uma compreensão
deficitária da questão das relações de gênero (S
ILVEIRA, 2004: 70).
O cuidado em garantir a integração das políticas e a perspectiva de alterar a lógica
da ação do Estado, vista como reforçadora da desigualdade, estava presente na elaboração
e nas primeiras experiências dos governos petistas. E foi reconhecido por pesquisadoras
que se debruçaram sobre estas experiências. Fiona Macaulay (2003) e Sonia Alvarez
(2004) chamam a atenção para estas iniciativas, com a construção de fóruns inter-
secretariais para o desenho e condução das políticas por parte dos organismos de políticas
para as mulheres. Alvarez (2004: 105) ressalta que, ao pretender exercer um papel de
assessoria, avaliação e coordenação de todas as políticas relacionadas às mulheres,
“as
primeiras coordenadorias e assessorias da mulher já antecipavam a necessidade de uma estratégia
que hoje chamamos de ‘transversal’, mesmo que não fosse denominada assim naquela época. O ‘Elo
Mulher’, de Santo André, por exemplo, foi realmente pioneiro neste sentido”
.
Não se trata portanto, de negar a importância de tal integração, mas de argumentar
que a lógica das contradições que informam as relações sociais de sexo, combinadas com a
intensa disputa que se instala nos espaços de governo, na definição das prioridades para a
ação política, tensionam, implacavelmente, no sentido de neutralizar uma ação
emancipatória por parte do Estado. Contrariar esta lógica exige decisão política por parte
do núcleo dirigente e a construção de instrumentos eficientes para opor-se a ela.
apresentado como exemplo da incorporação, em sua concepção e ação, das perspectivas de gênero e
raça/etnia.
138
4EM RESUMO
Desde sua formação, o PT aglutinou uma camada de militantes feministas que
buscaram construir um engajamento do partido com a transformação das relações sociais
de sexo. Durante quase uma década o PT esteve praticamente fora de posições de governo.
Foi em 1988, quando o partido teve um resultado surpreendente, passando a dirigir um
número pequeno de municípios, mas que incluía algumas das principais cidades do país,
que foi construída uma proposta de organismo de políticas públicas para as mulheres. Até
então, feministas petistas apresentavam sua crítica à proposta hegemônica de conselhos da
mulher, desenvolvida no país, nos anos anteriores, em particular pelos governos
vinculados ao PMDB; mas ainda não haviam detalhado sua proposta para atuação
governamental.
No final da década de 1980, entretanto, o movimento de mulheres perdera parte de
sua influência, vivendo uma fragmentação de sua intervenção. Em uma conjuntura
adversa, parcela das demandas do movimento foi absorvida pelo poder público, que não
podia ignorar as mulheres, senão como sujeito de suas políticas, mas como público-alvo –
não necessariamente visando à igualdade entre mulheres e homens. Ao mesmo tempo,
ganham espaço debates que, ao buscar romper com o isolamento das áreas de políticas
para as mulheres, também alimentam argumentos contrários à existência de um núcleo
coordenador destas políticas.
A proposta de ação de governo construída por feministas do PT insistia ser
indispensável um organismo governamental para que a proposição, implementação e
coordenação de políticas públicas para as mulheres se desenvolvesse de forma coerente e
eficaz, sendo capaz, em seu âmbito, de alterar a dinâmica de ação do Estado, reforçadora
da desigualdade que marca as relações sociais de sexo. Para que se pudessem desenvolver
tais políticas, as petistas propunham a construção de uma estrutura, organicamente
139
integrada ao governo, vinculada ao seu núcleo, com condições de coordenar uma
intervenção voltada à interação de uma perspectiva feminista aos diversos âmbitos da ação
governamental.
Na gestão 1989-1992, cinco governos petistas tomaram iniciativas neste sentido.
As experiências mais desenvolvidas se deram na capital de São Paulo e em Santo André.
Em seguida se discutirá a proposta implementada em São Paulo, em duas gestões distintas
1989-1992 e 2001-2004, buscando analisar a dinâmica de sua concretização e os limites
enfrentados.
65
65
Após 1988, alguns governos dirigidos pelo PT criaram organismos, no modelo
coordenadorias/assessorias, em particular em municípios de maior porte e em alguns Estados. Algumas
delas foram criadas com maior peso na estrutura administrativa e política; outras, no interior da área de
assistência/promoção social ou subordinadas a uma estrutura de cidadania e direitos humanos. Algumas
secretarias específicas foram criadas em: Maringá (PR), Parauapebas (PA), Lauro de Freitas (BA),
Camaçari (BA). Em Londrina, a secretaria foi criada na gestão do PDT e mantida nos governos petistas
posteriores. Governos estaduais dirigidos pelo partido, em diferentes momentos, criaram coordenadorias da
mulher com maior ou menor capacidade de influência: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Distrito
Federal. No Acre, na gestão 2003-2006, foi criada uma Secretaria Extraordinária da Mulher; no entanto, no
atual governo, argumentando-se a necessidade de melhor integrar de forma transversal a questão, a
Secretaria foi extinta, passando a funcionar uma assessoria junto ao gabinete do governador. Nos demais
Estados, atualmente governados pelo PT, foram criadas coordenadorias/assessorias pouco expressivas
(Bahia, Sergipe, Piauí e Pará). Um futuro balanço das gestões indicará o quanto tenham sido efetivas.
Existem, hoje, no país, em torno de 150 organismos de políticas para as mulheres, como estruturas do
executivo (secretarias, coordenadorias, superintendências, assessorias etc.), em municípios e Estados. A
imensa maioria deles criados em governos pelo PT, atuais, ou que o eram, quando de sua formação. Em
nível nacional, quando o governo Lula assumiu, reestruturou a secretaria que havia sido criada nos últimos
meses do governo Fernando Henrique Cardoso, então subordinada ao Ministério da Justiça, que passou a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, como estrutura de primeiro escalão, vinculada à
Presidência da República. A história mostra que o compromisso com a política não é linear, como bem
analisa Macaulay (2006). Para garantir que não haja retrocesso, como verificado em diversos municípios, é
indispensável a presença de uma organização de militantes feministas com força, dentro e fora dos
partidos.
141
CAPÍTULO 4
DA PROPOSTA À CONCRETIZAÇÃO
A elaboração da proposta de um organismo executor de políticas para mulheres,
concebida por feministas do PT, desenvolveu-se, em suas características fundamentais, a
partir da disputa eleitoral de 1988, quando a eleição para uma série de prefeituras
fortaleceu, no partido, a discussão sobre políticas públicas e atuação no Estado. A
implementação da proposta nos governos dirigidos pelo partido, entretanto, ficou muito
aquém da pretensão das petistas. Nenhum município administrado pelo PT chegou a
considerar e a implementar políticas públicas de combate à discriminação das mulheres
como prioridade. Mesmo as experiências mais significativas não romperam o isolamento
dentro das próprias administrações e a proposta não se generalizou para o conjunto dos
municípios e Estados administrados pelo PT, embora tenha havido experiências de
implementação em governos municipais e estaduais.
As questões enfrentadas para a implementação da proposta trazem à tona
potencialidades, contradições e limites presentes na construção de uma estratégia
sistemática, visando à incorporação de uma perspectiva feminista na ação do Estado. A
primeira geração de organismos de políticas para as mulheres, implementados nas
prefeituras petistas (1989-1992), buscou construir caminhos para enfrentar estas
contradições e limites, com o objetivo de gestar políticas que alterassem as condições de
desigualdade entre mulheres e homens e incidir sobre a pretensa neutralidade das políticas.
Essas primeiras experiências, em suas linhas gerais, correspondem à trajetória dominante
nas administrações petistas.
A implantação da Coordenadoria Especial da Mulher no município de São Paulo,
na gestão 1989-1992, e o desenvolvimento da experiência, na gestão 2001-2004, podem
142
ser vistos como representativos dos caminhos desenvolvidos pelas administrações petistas.
Discutiremos, em primeiro lugar, a implantação da Coordenadoria na primeira gestão
petista na capital de São Paulo; em alguns momentos, apresentando, um contraponto com
a experiência da Assessoria dos Direitos da Mulher, criada no Município de Santo André,
naquele mesmo período. Em seguida, analisar-se-á a retomada da proposta quando o PT
retornou à prefeitura em 2001-2004. Serão destacadas as estratégias para implantação de
uma plataforma feminista na ação do governo. O objetivo, aqui, não é a reconstrução
detalhada da ação destes organismos, mas analisar a experiência desenvolvida na cidade
de São Paulo como um exemplo dos limites e potencialidades da proposta elaborada pelas
militantes feministas do PT, bem como a ampliação ou não destas potencialidades em
função das estratégias concretizadas em sua implementação e da conjuntura do período,
ressaltando-se:
a) a hierarquia institucional destes organismos e sua capacidade de influenciar
internamente os governos;
b) os atores envolvidos e sua capacidade de articulá-los. Estratégias internas e
externas;
c) intervenção nas políticas gerais desenvolvidas pelo governo;
d) desenvolvimento de novas políticas.
1A CRIAÇÃO DA COORDENADORIA ESPECIAL DA MULHER (1989-1992)
A prefeita Luíza Erundina tomou posse em janeiro de 1989. Em fevereiro, foi
formado um grupo de trabalho com a tarefa de elaborar proposta de órgão específico para
“tratar dos assuntos da mulher no âmbito do governo municipal”. O documento produzido
dialogava com a identidade do PT com a população trabalhadora e como um partido que
propunha transformações sociais voltadas para os setores discriminados. Insistia na defesa
143
de uma “Secretaria Especial da Mulher”. Argumentava que a implantação de mecanismos
de democratização do Estado e o reconhecimento das desigualdades – juntamente com a
construção de instrumentos para eliminá-las – deviam ser considerados no mesmo
patamar, como novidades a serem defendidas pelo governo petista (P
MSP, 1989: 5).
O documento para a Prefeitura de São Paulo (gestão 1989-1992) sintetizava, da
seguinte forma, a pretensão das petistas:
A vitória do PT na Prefeitura de São Paulo nos coloca o desafio de, ao mesmo tempo,
superar a política do PMDB e corresponder à imensa expectativa dos setores mais
combativos do movimento de mulheres, que vêem na administração petista a
oportunidade de se ter, pela primeira vez, uma política efetiva do Estado que atue
concretamente nas condições de discriminação das mulheres (PMSP, 1989: 4.
Documento em anexo).
O grupo composto para elaborar a proposta a ser discutida pela administração
apresentava uma composição majoritariamente de militantes do PT, mas também
incorporou representação do PCdoB, partido integrante da aliança eleitoral vitoriosa, e de
setores feministas não filiados a partido político. Incluía, ainda, uma representante do
governo.
A formação de uma Secretaria foi defendida por todas as integrantes do grupo, com
exceção da representante do PCdoB. No entanto, a proposta aceita pelo governo foi a
implantação de uma Coordenadoria.
As atribuições apresentadas para o órgão proposto explicitavam a perspectiva de
um organismo capaz de intervir na atuação do conjunto do governo, como já citado.
Ficava claro que tal organismo teria que, necessariamente, desenvolver uma ação de
interação com as demais secretarias do governo, uma vez que os programas e ações que
“interferem diretamente na situação da mulher na sociedade” estão alocados em diversas
secretarias. Assinalava-se, também, a importância de ações de formação e capacitação dos
servidores públicos, necessárias para alterar o padrão das políticas públicas. Propunha-se,
144
ainda, uma tarefa fiscalizadora e educativa para o governo, quanto ao cumprimento da
legislação que assegura direitos da mulher e na apresentação de mecanismos que
contribuíssem para fortalecer uma cidadania crítica por parte da população (P
MSP, 1989:
12).
A fim de que pudesse cumprir tais funções, o documento realçava que tal
organismo deveria ter autonomia administrativa e financeira para o desenvolvimento de
seu plano de ação, compreendida nos limites de um organismo da administração pública
direta. E defendia que a Coordenadoria tivesse efetiva participação nas discussões e
definições de governo, item que aparece de forma reiterada em outras elaborações.
As negociações internas ao governo se desenvolveram até novembro de 1989,
quando foi criada a Coordenadoria Especial da Mulher, subordinada à Secretaria de
Negócios Extraordinários.
Segundo Paul Singer, Secretário de Planejamento do governo municipal durante o
período 1989-1992, na estrutura do governo algumas pastas repartiam
“as tarefas
propriamente de governo. São as chamadas secretarias-meio: Governo, Negócios Jurídicos,
Finanças, Planejamento, Administração, Negócios Extraordinários”
(1996: 29). O restante das
secretarias, e algumas empresas públicas, se encarregavam dos serviços sob
responsabilidade do município: Educação, Saúde, Serviços e Obras, Habitação e C
OHAB
(Companhia Metropolitana de Habitação) etc.
A Secretaria de Negócios Extraordinários tinha como atribuições as tarefas ou
projetos considerados especiais na articulação política da Prefeitura. Era também
responsável pela Guarda Civil Metropolitana, pelas relações internacionais, pela
Coordenadoria Especial do Negro, pelos conselhos do idoso, da pessoa com deficiência,
145
da juventude.
66
Sendo uma secretaria meio, integrada ao núcleo de direção do governo,
poder-se-ia considerar que, a priori, a vinculação da Coordenadoria a ela se colocava
dentro de níveis hierárquicos e políticos admitidos na elaboração das petistas,
considerando-se que a proposta inicial, de uma Secretaria, organismo de primeiro escalão
de governo, não fora aceita.
O decreto de criação da Coordenadoria Especial da Mulher foi assinado pela
Prefeita Luíza Erundina em 10 de novembro de 1989, baseado em sugestão do grupo de
trabalho que discutiu a proposta do organismo. A Coordenadoria se instalou na sede
central do governo, localizada no Parque do Ibirapuera, onde ficava a Secretaria de
Negócios Extraordinários. Já no segundo semestre de 1990, tem início a discussão sobre a
criação de uma Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos que, dentre suas funções,
agruparia as coordenadorias e conselhos. Esta Assessoria foi efetivada em setembro de
1991, dentro da Secretaria do Governo Municipal.
67
O decreto 28.245/89, de criação da Coordenadoria Especial da Mulher (CEM), lhe
atribuía o papel de “
formular, coordenar e acompanhar políticas e diretrizes, assim como
desenvolver projetos, visando [a] combater a discriminação por sexo, defender os direitos da mulher
e garantir a plena manifestação de sua capacidade”
. No último ano da gestão, o governo
encaminhou à Câmara Municipal projeto de lei consolidando sua criação. A Lei 11.336, de
30 de dezembro de 1992 (documento em anexo), foi aprovada repetindo a íntegra do
decreto. Altera, porém, o vínculo interno da Coordenadoria que passara a ser subordinada
a uma Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos, da Secretaria do Governo Municipal.
66
A Coordenadoria do Negro e o Grande Conselho Municipal do Idoso foram criados no governo Luíza
Erundina. Foram titulares da Secretaria de Negócios Extraordinários, o vice-prefeito Luiz Eduardo
Greenhalgh (1989); Ladislau Dowbor (1990-1991).
67
José Eduardo Martins Cardozo (1989-1992) e Pedro Dallari (1992) foram titulares da Secretaria do
Governo Municipal. Maria Helena Gregori tomou posse como assessora de Cidadania e Direitos Humanos
em setembro de 1991.
146
No detalhamento das atribuições da Coordenadoria Especial da Mulher é
enfatizado o papel de formulação e articulação de políticas com as diversas secretarias, e o
caráter excepcional de execução. A lei explicita que caberá à Coordenadoria:
I – Estimular, apoiar e desenvolver estudos e diagnósticos sobre a situação da
mulher no Município;
II – Formular políticas de interesse específico da mulher, de forma articulada com as
Secretarias afins;
III – traçar diretrizes, em seu campo de atuação, para a Administração Municipal
direta e indireta e, de forma indicativa, para o setor privado;
IV – Elaborar e divulgar, por meios diversos, material sobre a situação econômica,
social, política e cultural da mulher, seus direitos e garantias, assim como difundir
textos de natureza educativa e denunciar práticas, atos ou meios que, direta ou
indiretamente, incentivem ou revelem a discriminação da mulher ou, ainda, restrinjam
o seu papel social;
V – Estabelecer, com as Secretarias afins, programas de formação e treinamento dos
servidores públicos municipais, visando suprimir discriminações, em razão do sexo,
nas relações entre profissionais e entre eles e o público;
VI – Propor e acompanhar programas ou serviços que, no âmbito da Administração
Municipal, se destinem ao atendimento à mulher, sugerindo medidas de
aperfeiçoamento e colhendo dados para fins estatísticos;
VII – Elaborar e executar projetos ou programas concernentes às condições da
mulher que, por sua temática ou caráter inovador, não possam, de imediato, ser
incorporados por outra Secretaria;
VIII – Propor a celebração de convênios nas áreas que dizem respeito a políticas
específicas de interesse das mulheres, acompanhando-os até o final;
IX – Gerenciar os elementos necessários ao desenvolvimento do trabalho da
Coordenadoria Especial da Mulher.
A Coordenadoria Especial da Mulher foi organizada em equipes de trabalho
(assessorias técnicas) compreendendo as seguintes áreas:
a) Trabalho doméstico, relações trabalhistas e profissionalização;
b) Saúde, sexualidade e reprodução;
c) Violência sexual e doméstica;
d) Educação e creche;
e) Divulgação;
147
f) Outras áreas afins.
O documento de proposta para a formação da Coordenadoria da Mulher indicava a
composição de um grupo de 07 (sete) pessoas, sendo uma coordenadora geral e seis
coordenadoras setoriais ou temáticas, responsáveis pelas áreas de atuação, ou assessorias
técnicas; devendo, cada assessoria técnica, ser constituída por 04 (quatro) profissionais.
Indicava, ainda, uma assessoria administrativa e financeira, e a infra-estrutura de apoio. A
equipe técnico-política que compôs a Coordenadoria Especial da Mulher – isto é, sem
incluir as servidoras posteriormente alocadas nos serviços de atenção à violência –
concretizou-se como um grupo formado por uma coordenadora geral e 05 (cinco)
integrantes
68
, oriundas da militância no movimento de mulheres; a assessoria técnica dos
grupos temáticos não foi constituída. A equipe se organizou, tendo como critério as áreas
definidas no decreto.
1.1 LUGAR NA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E CONSTRUÇÃO DE LEGITIMIDADE NO
GOVERNO
Um dos aspectos apontados como centrais na elaboração do projeto na gestão
1989-1992, na Prefeitura de São Paulo, foi a questão do lugar hierárquico na estrutura
organizacional e da sustentação da legitimidade de sua ação no governo. Questão
insistentemente enfatizada por militantes petistas, aponta-se que a autoridade e
legitimidade política dentro do governo vincula-se diretamente ao local que o organismo
de política para as mulheres se encontra na estrutura organizacional da administração,
embora não se reduza a isso. No caso da Prefeitura de São Paulo, uma vez que não se
aceitara a proposta de criação de uma Secretaria específica, a vinculação à Secretaria de
Negócios Extraordinários parecia corresponder, como uma segunda opção, alternativa, aos
148
parâmetros indicados na elaboração das petistas. Afinal, tratava-se de uma secretaria-meio,
cuja função declarada era a articulação de políticas especiais dentro do governo, em
particular a relação com a sociedade, além de ser uma secretaria apresentada como tendo
papel de apoio às ações do gabinete da prefeita. Segundo relato de Paul Singer (1996),
tratava-se, também, de uma Secretaria integrante do grupo de Secretarias que assumia as
funções de coordenação política do governo. Na prática, entretanto, este organismo
demonstrou-se, em todo o período, uma secretaria frágil, com pouca força na definição das
políticas dentro do governo e, portanto, sem os pré-requisitos para ser agente de
fortalecimento da ação da Coordenadoria, de pavimentar sua relação com as demais áreas
de governo.
Embora a equipe da Coordenadoria reconheça no secretário uma “sensibilidade”
para o tema, não há o relato de que isso se revertesse em atuação consistente e continuada
de articulação política por parte da Secretaria, fundamental para uma área de políticas
públicas que, novidade no interior da administração, encontrava, com freqüência, não
somente a indiferença das demais áreas, mas mesmo resistência às questões aí propostas.
O próprio governo não assumiu a Coordenadoria como um espaço, como algo criado
para as políticas públicas para as mulheres – para serem desenvolvidas na prefeitura
– como algo prioritário [...] Tudo bem, estava aí, é importante, de vez em quando a
imprensa divulgava, mas era uma coisa muito sem importância para o governo
(E
QUIPE CEM, entrevista 1).
A relação de exterioridade da Coordenadoria em relação à dinâmica dos demais
organismos de governo era percebida mesmo em secretarias ou órgãos, como Saúde e
Bem-Estar Social, considerados pela equipe como tendo simpatia pela proposta. A
construção de uma real parceria na elaboração e/ou implementação das políticas não fluía
68
Simone Grillo Diniz (coordenadora geral), Maria Tereza Verardo, Liège Rocha, Sara Romera da Silva
(funcionária pública estadual comissionada), Marta Alvarez e Flávia Pereira (esta última substituída por
Fátima Oliveira, em 1992).
149
de forma cotidiana, fosse pela fragilidade da própria Coordenadoria, pela resistência do
corpo de servidores das secretarias, ou mesmo por não se avaliar como necessária a
contribuição de uma área de políticas para as mulheres (
EQUIPE CEM, entrevistas 3 e 5):
... mas elas [as secretarias] caminhavam sozinhas... Se a gente quisesse ir atrás, que
fosse. [...] não tinham muito tempo para dar bola para nós. [...] A gente teria forças
para poder participar mais, mas acho que a gente não era [considerada como] uma
parceria para fazer junto. As pessoas que podiam fazer independentemente de nós,
faziam. E se a gente quisesse ir atrás, elas não iam dizer não; mas não precisavam
da gente (E
QUIPE CEM, entrevista 3).
Nas áreas em que não havia dirigentes ou funcionários(as) influentes para quebrar
as barreiras entre a Coordenadoria e a dinâmica própria de cada setor, a relação podia ser
mais difícil. Além disso, o desconhecimento do papel da Coordenadoria era alimentado
por uma expectativa negativa sobre o que seria esse “bando de mulheres feministas” e as
propostas que elas apresentariam; arestas que iam se rompendo pela interação com os
funcionários, em especial quando a aproximação era legitimada por uma intervenção
hierarquicamente superior (
EQUIPE CEM, entrevista 4). Mesmo no núcleo do governo, se
identificava
“um certo preconceito com as coisas feministas”, vistas por alguns dirigentes
centrais da administração como algo sem importância ou em contraposição às
desigualdades decorrentes das relações de classe (
EQUIPE CEM, entrevista 5).
Inserida em uma Secretaria politicamente fraca, as dificuldades de introduzir uma
temática nova na intervenção da prefeitura tornavam-se maiores. A Coordenadoria da
Mulher não participava das discussões políticas do governo: não participava das reuniões
do secretariado e não tinha acesso a fóruns mais amplos onde se discutissem as ações de
governo. No início de seu funcionamento, entretanto, chegou a apresentar seu plano de
trabalho ao coletivo do secretariado. Mas as participantes da equipe consideram que não se
construiu uma posição em que a legitimidade da Coordenadoria fosse dada claramente
pelo núcleo de governo; pelo contrário, prevalecia um desconhecimento de seus objetivos,
150
de seu papel e, mesmo, de suas ações. Situação descrita pelas integrantes da
Coordenadoria de várias formas:
Uma das coisas que a gente sabia é que tínhamos que chegar por cima; tinha que
ser conferida uma certa autoridade e, por isso, [queríamos] a presença junto, na
reunião dos secretários. Não foi uma coisa que aconteceu direto, durante a gestão;
mas sim durante um certo período. ... [O secretário de Negócios Extraordinários dava]
apoio e, eventualmente, comprava a idéia e a defendia arduamente [... Às vezes,]
arrastava a gente para a reunião do secretariado (E
QUIPE CEM, entrevista 5).
A subordinação a uma secretaria faz com que ela se torne o elo da interlocução com
as demais áreas de governo. Por isso, o fato de ser uma secretaria politicamente fraca
dificultava esta conexão: se a Secretaria era “
esta coisa ‘extraordinária’, que não era nada [...] a
gente tem dificuldade de falar com o secretário de governo, tem dificuldade de falar com a Prefeita,
tem dificuldade de falar com a secretaria de Assistência Social, tem dificuldade de falar com todo
mundo”
(EQUIPE CEM, entrevista 1).
A experiência da Assessoria dos Direitos da Mulher de Santo André na primeira
gestão do PT (1989-1992) demonstra, por um lado, a importância da presença no primeiro
escalão de governo, possibilitando que a área de políticas para as mulheres seja
considerada no mesmo nível hierárquico das demais áreas, sendo simbólico e praticamente
relevante o momento de entrada no governo:
Oficialmente eu tomei posse no dia 01 de junho de 1989, mas eu já vim para cá
quando o Celso assumiu [...] Começamos a trabalhar junto com o governo.[...] Por um
ano, nós sentamos no secretariado, porque a Assessoria era ligada direto ao
gabinete do Prefeito. Eu discutia tudo com ele: desde a casa para alugar até ... tudo;
ele via os artigos... Era interessante porque a minha relação era direta com o prefeito
(S
ANTO ANDRÉ, entrevista 1).
Por outro lado, o patamar hierárquico na estrutura organizacional não é a única
questão na construção de uma posição que dê a um organismo condições de influenciar
políticas de outras áreas. A legitimidade política também é tributária da autoridade das
equipes dirigentes, o que decorre de questões internas e externas ao governo. Nos aspectos
151
internos, destaca-se a autoridade atribuída pelo(a) mandatário(a) da direção do governo,
no caso prefeito ou prefeita; as condições administrativas para o exercício da função; a
forma como se logra lidar com os entraves administrativos existentes na máquina pública;
a capacidade técnica da equipe para interagir com as outras áreas, bem como o
reconhecimento desta capacidade; entre outros. A legitimidade dentro do governo também
tende a refletir situações exteriores à administração, como: a trajetória das pessoas
indicadas; as relações partidárias que as dirigentes sejam capazes de mobilizar; as relações
com interlocutores considerados relevantes, de dentro ou de fora do governo (como o
movimento social); dentre outras.
Em Santo André, a existência de um relacionamento partidário anterior, facilitava o
acesso direto ao núcleo dirigente: “
E [havia] a minha relação com o Celso através do partido. O
Celso conversava diretamente comigo. A gente tinha uma relação política que permitia algumas
conversas fora daqui”
(SANTO ANDRÉ, entrevista 1).
Nos dois casos, a inexistência de uma pressão social externa, para que as políticas
para as mulheres fossem incorporadas na pauta do governo, aparece como um limitador da
capacidade de influenciar o conjunto do governo para assimilar tal proposta.
Uma das integrantes da equipe da Coordenadoria da Mulher de São Paulo, que
vivera de forma mais próxima a primeira gestão do Conselho Estadual da Condição
Feminina no Estado de São Paulo, compara os dois momentos, chamando a atenção para o
fato de que se, no início da década de 1990, por um lado, as políticas para as mulheres
pareciam não ser mais novidade para uma parcela dos integrantes do governo – o que
tornava a Coordenadoria desnecessária para alguns –; por outro lado, não sofriam pressão
de fora do governo para dar-lhes importância (
EQUIPE CEM, entrevista 3). Outra
participante enfatiza esta questão:
Nós não recebemos crítica do movimento. Eu não me lembro desta crítica; como
também não recebemos pressão do movimento [...] não existia isto. Se a gente fazia
152
a inauguração da Casa Eliane de Grammont, o movimento ia; mas, por exemplo, não
exigia que se criasse outra, não exigia mais serviços, não chegava e questionava [...],
não tinha esta pressão (E
QUIPE CEM, entrevista 4).
1.2 ARTICULAÇÃO DE ATORES ESTRATÉGICOS
São três os atores estratégicos que podem ser destacados na construção da política
pela Coordenadoria da Mulher: os grupos internos à própria administração, tanto os
dirigentes e elaboradores da política de governo, quanto o corpo de funcionários,
responsável pelo cotidiano da implementação; o movimento de mulheres; e a articulação
com o partido hegemônico na aliança de governo, o PT.
O ponto de partida para uma articulação política por parte da Coordenadoria era
frágil. No interior do governo, não se apresentava como parte das propostas absorvidas por
um programa geral de governo. Era pequena a compreensão do papel político de um
organismo de coordenação de políticas para as mulheres, como já analisado. Se algumas
integrantes da equipe afirmam existir uma “sensibilidade” por parte de alguns secretários-
chave para o tema, não deixam de enfatizar a existência de ambigüidades nesta
compreensão, evidenciando a externalidade da Coordenadoria da Mulher em relação ao
conjunto do governo.
Como já mencionado, situação bastante distinta foi experimentada pela Assessoria
da Mulher de Santo André, que iniciou a primeira gestão do prefeito Celso Daniel,
fazendo parte do primeiro escalão de governo:
“Eu fiquei um ano, ia às reuniões do
secretariado, participei do planejamento estratégico do governo. Depois, não”
(SANTO ANDRÉ,
entrevista 1).
Quando a Assessoria dos Direitos da Mulher deixa o primeiro escalão e passa a
integrar a Secretaria do Governo, já havia uma relação e uma autoridade construída junto
153
ao coletivo de direção do governo, reduzindo, naquele momento, o impacto de uma perda
de status na estrutura governamental:
Naquele momento eu não senti [a mudança]. Já havia uma estruturação do trabalho,
a gente já tinha conquistado bastante espaço. [...] Por exemplo, todos os convites que
iam para o secretariado já vinham para mim, automaticamente. E eu já era uma
pessoa muito conhecida dentro da equipe de governo. Então, isto não interferiu no
meu poder de discussão diretamente com os secretários. Lógico que fiquei
subordinada à Secretaria de Governo e, por um tempo, isto deu um problema para
minha secretária. Porque eu era meio “insubordinada”. Porque, como eu fiquei um
tempo no secretariado, eu tive que me adaptar a responder [a ela]. Coisa que eu não
precisava, pois eu tinha relação direta com os secretários. Eu tive que me acostumar
a passar pela minha secretária [...] Então, por isto, eu acho que eu não sentia a
mudança (S
ANTO ANDRÉ, entrevista 1).
O que, tampouco, significou prescindir de um mecanismo permanente de
articulação com as diversas áreas de governo. A Assessoria dos Direitos da Mulher de
Santo André organizou um fórum intersecretarial que articulava, de forma permanente, as
diversas áreas do governo com a Assessoria. Chamado de “Elo Mulher”, este fórum
também atuava para além do espaço governamental. Organizava uma ação conjunta de
diversas áreas diretamente com a população, o que refletia internamente no governo:
O Elo Mulher concretizou, na prática, uma ação integrada e constante. Ação que
surgiu na forma de oficinas que discutiam saúde e sexualidade, violência, trabalho, a
cidade do ponto de vista das mulheres. Também com a apresentação de peças de
teatro com o tema mulher, shows, ciclos de vídeo, atividades esportivas etc. Estas
atividades foram realizadas nos mais diversos bairros da cidade, em igrejas, centros
comunitários, escolas, creches. Na medida em que as atividades aconteciam, o Elo
se fortalecia e o trabalho interno da PMSA (PMSA-ADM. Relatório de Atividades...,
1992. s/n).
A capacidade de articulação da Coordenadoria Especial da Mulher na Prefeitura de
São Paulo encontrava dificuldades específicas por parte de um grupo cujas integrantes,
com trajetória diferenciada no movimento de mulheres, tinham laços frágeis com o partido
hegemônico e sem experiência de atuação governamental. A falta de experiência, aliás, era
característica de toda a equipe de governo. O enfrentamento das práticas internas se
154
apresentava, freqüentemente, como barreiras difíceis de serem superadas. Construir
estratégias para lidar ou superar as dinâmicas, os ritos e hábitos arraigados no interior da
máquina de governo é uma aprendizagem exigente e desgastante. Não havia, no grupo,
uma avaliação unificada sobre as formas de atuação. É recorrente a afirmação de que se
respeitava mutuamente o ponto de vista de cada uma das integrantes da equipe, mesmo
quando algumas consideravam que a forma como se atuava
“não era uma forma ‘profissional’
de trabalhar”
(EQUIPE CEM, entrevista 2). A equipe convivia com os diferentes métodos e
visões no seu interior. Como expressou uma delas:
“nosso estranhamento era, mesmo, viver
dentro da máquina”
(EQUIPE CEM, entrevista 3). A atuação, recorrentemente descrita como
caracterizada mais por estratégias próprias de um movimento social, de movimento
popular, do que de um corpo interno ao governo, reafirma elementos desta externalidade,
também por parte da equipe. Para algumas, fazer uso destas formas de atuação era a
alternativa encontrada para se tornar visível e garantir a resposta a necessidades imediatas
para continuar atuando.
As estratégias de articulação internamente ao governo se deram principalmente por
intermédio de grandes seminários. Logo após sua instalação, em abril de 1990, no
primeiro ano de seu funcionamento, a Coordenadoria Especial da Mulher realizou um
seminário com diversas secretarias, cujo objetivo era divulgar a proposição de políticas
públicas para as mulheres e de envolver as várias áreas do governo com a implementação
das propostas. Já no final daquele primeiro ano, em novembro de 1990, realizou-se um
seminário para discutir a temática da violência de maneira ampla, sem o foco exclusivo na
violência contra as mulheres. Este seminário, “Violência: é possível viver sem ela”, é
reconhecido, pelas componentes da Coordenadoria, como um dos principais momentos na
busca de legitimidade para as políticas públicas para as mulheres. Foi realizado em
conjunto com outras Secretarias, com claro protagonismo da Coordenadoria da Mulher.
155
Finalmente, em março de 1991, foi realizado o Seminário “Ser Mulher em São
Paulo: mito e realidade”, que buscou cumprir o mesmo objetivo organizativo, porém, de
forma mais sistemática. Após um período prolongado de preparação, sua realização deu
origem à formalização de fóruns temáticos com diversas secretarias, e um fórum
intersecretarial que, com precariedade, já funcionava anteriormente como um elo entre a
Coordenadoria e as Secretarias. Esta articulação, entretanto, teve vida breve. A criação da
Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos, no segundo semestre de 1991, acelerou a
desarticulação destes fóruns.
O segundo ator importante no processo de fortalecimento de uma plataforma de
políticas para as mulheres e de sua implantação pelas estruturas de governo é o movimento
de mulheres. A existência de um movimento forte, que dê visibilidade na sociedade às
suas demandas, que pressione o Estado, é um dos elementos que influenciam o lugar que o
tema ocupa na agenda governamental. O final dos anos 1980 e início dos anos 1990
foram, entretanto, para o movimento, um momento organizativo débil, quando já se
manifestava o resultado de uma transição que vinha se operando em suas formas de
atuação; quando a organização mais militante, dos grupos originários do início da década,
dá espaço a grupos de assessoria ou prestação de serviço, formatados como
ONGs, e mais
distanciados dos setores populares do movimento.
Pelo lado da Coordenadoria, embora houvesse uma relação considerada positiva,
não se construíram canais sistemáticos de articulação com o movimento de mulheres,
fosse com os grupos existentes no movimento popular, fosse com os setores que passavam
a se identificar como
ONGs e serviços de assessoria. As iniciativas eram pontuais e
fragmentadas, não havendo uma estratégia explicitamente definida. O apoio do
movimento de mulheres à Coordenadoria é caracterizado como um apoio “
passivo”:
156
A CEM criou as coisas independente de pressão ou não do movimento [...] Por
exemplo, um momento de participação do movimento foi o tal seminário que nós
realizamos. Neste momento, o movimento participou. Mas não existia uma pressão
do movimento em cima da CEM, reivindicando isto ou aquilo. Isto não existia. [...] O
movimento apoiava, de uma forma passiva; porque não era aquela coisa de
pressionar, de reivindicar, de mandar abaixo-assinado. Não existia isto. Era um
negócio muito mais de um apoio à distância. [...] No orçamento participativo [...]
também, não me lembro do movimento de mulheres ter uma participação de grandes
reivindicações (
EQUIPE CEM, entrevista 4).
A relação, passiva ou tensa, expressava uma certa desconfiança, vinculada ao
receio de que a autonomia do movimento de mulheres fosse comprometida:
Havia uma relação, mas não era uma relação fácil, não. Era um tanto conflituosa,
porque tinha um receio muito grande de que houvesse confusão entre as instâncias.
Ou seja, o movimento não era uma instância da Coordenadoria .. Então, tinha muito
receio de manipulação. Eu me lembro que – acho que foi em 89 ou 90 – houve um
conflito muito grave, onde o grupo se dividiu muito [...] Eu me lembro de algumas
reuniões muito conflituosas. Eu acho que tudo isto tinha a ver com como funcionava a
relação com o movimento, uma certa confusão, uma certa superposição [...] Para
algumas pessoas [do movimento], a relação que se tinha era uma relação
manipulatória. Isto, de uma certa maneira, fez com que as pessoas tivessem uma
aversão a ter qualquer relação com o movimento. Você podia ser acusado de
confundir o movimento com a administração. Ainda tinha uma outra instância:
partidária. Eu me lembro que, do ponto de vista emocional, foi muito penoso [...] teve
muitas rupturas (
EQUIPE CEM, entrevista 5).
Quando eram tratadas questões localizadas, específicas, percebia-se uma interação
mais fluida com setores do movimento; o que ocorria, por exemplo, nas discussões
relativas à política de enfrentamento da violência, em particular, aquelas vinculadas ao
centro de atendimento à mulher, Casa Eliane de Grammont (
EQUIPE CEM, entrevista 2).
Mas, mesmo aí, não se pode caracterizar a existência de uma pressão do movimento de
mulheres sobre o governo ou diretamente sobre a Coordenadoria, fosse para exigir
melhores condições para o funcionamento do serviço ou ampliar o número de centros de
atendimento. Constata-se ser este um período em que o movimento de mulheres não se
apresentava como um sujeito político e social visível, de forma articulada e com uma
157
plataforma clara, de modo a se mostrar como uma força que pressionasse o governo a
manter as demandas feministas com peso em sua agenda (
EQUIPE CEM, entrevistas 2, 3 e 4).
Por sua vez, a equipe da Coordenadoria não desenhou uma estratégia sistemática
para construir uma relação, potencializando a simpatia que reconheciam existir em
determinados setores e o fato de ser um grupo identificado como oriundo do movimento.
Não foi criado
“um canal para fazer fluir aquela riqueza de algumas coisas que aconteceram”
(EQUIPE CEM, entrevista 1).
O terceiro ator importante era o partido hegemônico no governo. As diversas
integrantes da Coordenadoria indicam não existir uma articulação sistemática do grupo
com o PT. Por um lado, o reconhecimento da “não-intervenção” partidária é apresentado
de forma positiva. Relata-se que as componentes do grupo ligadas ao partido
[...] levavam as solicitações do PT para nosso trabalho. E tínhamos relações com
outras prefeituras que eram do PT. Estas solicitações acabavam vindo. Mas para te
falar a verdade, não sinto interferência. [...] acho que aprendi muito com esta coisa da
dupla militância. Se [havia] as militantes, elas tinham uma discussão que organizava
muito mais a cabeça, que tinha acesso a solicitações do movimento... ótimo! (
EQUIPE
CEM, entrevista 2).
Por outro lado, aponta-se existir um distanciamento, atribuído aos atritos gerados
no processo de indicação da composição da equipe. Este distanciamento é percebido
mesmo por não-filiadas ao partido. Relata-se um esfriamento mútuo da relação entre a
organização de mulheres do PT e o grupo de militantes que integrava a Coordenadoria da
cidade de São Paulo.
Este é um período de intensa mobilização política do partido, com as primeiras
eleições presidenciais, em 1989; nova eleição estadual em 1990; realização do 1º
Congresso do PT em 1991; todos estes, momentos em que as organizações de mulheres
internas ao partido (secretarias de mulheres do PT) se envolveram na elaboração e defesa
de propostas. A experiência concreta da Prefeitura de São Paulo, no que diz respeito à
158
construção de uma política feminista neste período, no entanto, se desenvolveu à margem
deste processo.
A Assessoria dos Direitos da Mulher da Prefeitura de Santo André apareceu, de
forma mais permanente, como o foco da discussão partidária em relação aos governos
petistas, e construiu, com o governo local, uma interação que usufruía de maneira mais
positiva da atuação coletiva do partido. Mesmo experiências mais frágeis, como as
desenvolvidas pelos outros municípios administrados pelo PT, na época, concorreram de
forma mais continuada para os embates travados pelos organismos de mulheres do partido,
visando à integração de uma plataforma feminista no chamado “modo petista de
governar”.
Durante toda a gestão da prefeita Luíza Erundina, o relacionamento entre a direção
do Partido dos Trabalhadores e o grupo que participava do governo foi, reconhecidamente,
intenso. E fortemente marcado por conflitos (
COUTO, 1995; SINGER, 1996; MACAULAY,
1996). Mas a área de políticas para as mulheres não se envolveu na dinâmica geral da
relação entre o partido e a administração.
1.3 INOVAÇÃO NAS POLÍTICAS
Além dos dois seminários já mencionados, a Coordenadoria Especial da Mulher
buscou desenvolver ações de formação com servidores públicos; publicar materiais
educativos; interagir com a Câmara Municipal na elaboração de legislação específica;
entre outras atividades. Também buscou incidir sobre o plano diretor para a cidade de São
Paulo, em discussão no período, mas que não foi levado à votação na Câmara Municipal; e
investiu significativamente para que fossem criados equipamentos públicos que incidissem
diretamente sobre o trabalho doméstico – lavanderias comunitárias – que, finalmente, não
chegaram a ser implementadas. Mas foi na área das políticas de enfrentamento da
violência e em projeto específico na área da saúde que a atuação da Prefeitura Municipal
159
de São Paulo, na gestão 1989-1992, se destacou quanto às políticas públicas para as
mulheres.
69
Enfrentando grandes dificuldades, a Coordenadoria Especial da Mulher introduziu
uma inovação importante em políticas públicas na área de atenção à violência. A criação
do primeiro centro público, especializado no atendimento às mulheres nos casos de
violência sexista – a Casa Eliane de Grammont – já no início da gestão, inaugurado em
março de 1990, é o ponto alto desta política. A violência contra as mulheres era, já
naquele momento, o tema introduzido pelo feminismo no âmbito das políticas públicas
que encontrava maior receptividade. Mas as ações de governo, em vários lugares no
Brasil, se construíam em torno das delegacias da mulher e dos abrigos, uma política
inaugurada na década de 1980, por iniciativa do Conselho Estadual da Condição Feminina
de São Paulo. A criação do centro de atendimento, focado no atendimento psicológico e
social, complementava uma rede de atenção, retomando a experiência dos SOS
S, grupos
69
Não existe um relatório geral das atividades da Coordenadoria na gestão 1989-92. Documento do início
de 1992 faz um resumo das atividades desenvolvidas. Informa que os primeiros meses foram dedicados
prioritariamente à estruturação do grupo e das condições de trabalho, momento em que a Coordenadoria
Especial da Mulher procurou fazer contato com as diversas secretarias. Apresenta como realizações e
avanços: “a) manutenção e ampliação do trabalho da Casa Eliane de Grammont, com atendimento
psicológico e social, orientação jurídica a mulheres vítimas de violência; formação de recursos humanos e
publicação de material educativo; b) realização do seminário ‘Ser Mulher em São Paulo’, com a
participação de cerca de 500 mulheres da administração e do movimento autônomo; c) criação do fórum
intersecretarial e dos fóruns de saúde, educação e equipamentos sociais. Criação do fórum de violência,
contando com a participação de outros municípios; d) inauguração e manutenção da Casa-Abrigo para
mulheres em risco de vida e suas crianças; e) projeto ‘Mulher, Saia da Rotina’, de encontros de mulheres,
juntamente com SEBES [Secretaria do Bem-estar Social]; f) curso de monitoras sobre a questão da mulher;
g) publicação das cartilhas ‘Conversando sobre a Gravidez e Parto’, sobre direitos da mulher na assistência
obstétrica e ‘Violência na Relação Amorosa’; h) publicação de cartazes educativos sobre violência, mulher
e direitos humanos; i) acompanhamento da lei municipal que regulamenta a punição da discriminação da
mulher no acesso ao emprego e publicação de cartaz de divulgação da lei; j) trabalho no Comitê de
Prevenção à Morte Materna, juntamente com a Assessoria de Saúde da Mulher da SMS [Secretaria
Municipal de Saúde]; k) participação no ano de Implantação da Legislação da Igualdade, juntamente com o
Conselho Estadual da Condição Feminina; l) participação na campanha ‘Discriminar é Crime’; m)
constituição do grupo de trabalho sobre a questão da mulher, com SEBES; instalação da Convenção
Municipal da Legislação de Igualdade, na ocasião do 8 de março; regulamentação da Coordenadoria da
Mulher.” O relatório informa, ainda, sobre a participação em reuniões e seminários; realização de palestras
e assessoria a municípios do interior do Estado; acompanhamento do Fórum de presidentas de conselhos da
mulher; participação em alguns eventos internacionais (P
MSP-CEM. Balanço... 1992).
160
feministas voltados para a atenção às vítimas de violência, que marcaram a ação do
movimento de mulheres nos primeiros anos de sua retomada.
Também na gestão de 1989-1992, na Prefeitura de São Paulo, foi inaugurado um
abrigo para atender às mulheres vítimas de violência, naqueles casos, em que a
permanência em sua residência colocava sua vida em risco – a Casa Helenira Resende –
inaugurada em agosto de 1991. A Prefeitura também se dedicou a criar melhores
condições para o atendimento à violência na rede pública de saúde, capacitando servidores
da área para compreender o fenômeno da violência sexista, em particular da violência
doméstica; trabalho também desenvolvido com a Guarda Civil Metropolitana.
Mas foi o centro de atendimento à violência, a Casa Eliane de Grammont
70
, que
marcou a proposição de um novo tipo de serviço de atenção à violência, perspectiva que
foi ganhando espaço, de maneira tímida, durante toda a década de 1990.
Uma segunda questão em que a Prefeitura de São Paulo teve uma atuação pioneira,
no âmbito de políticas para as mulheres, foi a instalação do serviço de atendimento ao
aborto na rede pública de saúde. O serviço instalado no Hospital Municipal Artur Saboya,
conhecido como hospital do Jabaquara, concretizava um direito já previsto em lei, mas não
oferecido como um programa de atenção pela rede de saúde pública.
71
A instalação do
serviço de aborto legal foi promovida pela Secretaria de Saúde, pela Área Técnica de
Saúde da Mulher. A equipe da Coordenadoria da Mulher foi pouco envolvida nos trâmites
e problemas relacionados à criação do serviço.
70
Na mesma gestão, 1989-1992, as prefeituras de Diadema e de Santos criaram centros de atendimento à
mulher para os casos de violência, nos moldes da Casa Eliane de Grammont: a Casa Beth Lobo, em
Diadema, criada em 1991; a Central de Atendimento à Mulher, em Santos, criada em 1992. Existem,
atualmente, 86 centros semelhantes em funcionamento no país, segundo levantamento da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres, do governo federal.
71
Havia iniciativas pontuais de atendimento em alguns hospitais universitários e, no Rio de Janeiro, após
1987, no Instituto da Mulher Fernando Magalhães. Na capital paulista, o serviço de aborto legal foi criado
em 1989, depois de enfrentar resistências dentro da própria prefeitura, cuja Secretaria de Negócios
161
1.4 I
SOLAMENTO INSTITUCIONAL
A Coordenadoria Especial da Mulher tomou iniciativas para articular uma
integração com as diversas áreas da Prefeitura. Os seminários já mencionados cumpriam
um papel difusor da temática feminista para o governo e de interagir com a elaboração
das diversas secretarias. A formação de um fórum intersecretarial, reunindo as diversas
áreas do governo com a Coordenadoria, também fortalecia a articulação. Este fórum,
entretanto, era muito desigual em sua composição e aglutinava, com exceções,
representantes com pouco poder de influência em suas áreas de origens. Aprofundar os
vínculos com as secretarias, institucionalizando o fórum, foi um dos objetivos do grande
seminário, Ser mulher em São Paulo: mito e realidade, realizado em março de 1991
(
PMSP-CEM. Relatório, 1991). Mas seus resultados foram, logo, desarticulados, quando da
criação da Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos, seis meses depois.
Outras iniciativas são mencionadas, como reuniões organizadas pela Secretaria de
Negócios Extraordinários: uma, com todo o corpo da secretaria e, outra, com os
administradores regionais, atualmente subprefeitos, como forma de apresentar a
Coordenadoria e quebrar resistências quanto a sua atuação (
EQUIPE CEM, entrevista 4).
O fato de estar geograficamente junto ao gabinete da Prefeita, pois a Secretaria
funcionava no mesmo prédio, no pavilhão no parque do Ibirapuera, era um elemento
positivo. Facilitava o acesso às informações e o contato, ainda que informal, com
membros da equipe de direção do governo (
EQUIPE CEM, entrevistas 2, 4). A proximidade
geográfica colaborava para que não houvesse um distanciamento ainda maior, mas não
superava o isolamento político.
Jurídicos, dirigida por Hélio Bicudo, jurista de formação católica, dera parecer contrário. (Agradeço a
Maria Isabel Baltar e Leila Linhares pelo acesso às informações sobre serviços fora de São Paulo).
162
Por outro lado, o atraso na sua criação fez com que a Coordenadoria não
participasse do primeiro ano do governo petista, período em que as primeiras definições
políticas são tomadas, o novo quadro de direção da Prefeitura começa a atuar
conjuntamente, os equilíbrios de poder entre as áreas vão sendo definidos e o espaço está
mais aberto para a consolidação dos diversos atores políticos. São momentos em que os
governos, em geral, dispõem de maior receptividade junto à opinião pública. Nas
dinâmicas de governo, com certeza, são conjunturas que podem se alterar com muita
rapidez. O fato de haver levado um ano para que a área de políticas para as mulheres
passasse a atuar no cenário do governo representa uma perda.
Sua ausência ou pequena participação em algumas áreas pode ilustrar estas
dificuldades. O apartamento da Coordenadoria Especial da Mulher quanto às política de
creches e de orientação sexual nas escolas, desenvolvidas no município, são exemplos
desta integração limitada, visto serem questões que apresentam importante interface com
políticas dirigidas às mulheres. Luíza Erundina, com fortes ligações com o movimento
popular dos bairros da capital, deu ênfase à ampliação e melhoria da rede de creches,
investindo na ampliação da rede ou na recuperação de equipamentos deteriorados,
recolocando-os em funcionamento. A Coordenadoria da Mulher permaneceu distante da
discussão e implantação desta política, embora as integrantes da equipe mencionem ter
havido uma pequena participação em alguns momentos. Entrar atrasada na discussão era
um ônus:
“Quando nós entramos no governo, depois de um ano, já entramos na rabeira. Era para
visitar, para ir à inauguração. Quando entramos, até tentamos. Tentamos fazer um seminário sobre
creches; mas [...] nós não conseguimos. Conseguimos mais, depois da Rosalina [Santa Cruz]”
(EQUIPE CEM, entrevista 1). Naquele momento, a discussão se vinculava à elaboração da
Lei Orgânica do Município. Além das dificuldades de articulação interna, este tema não
recebeu a mesma atenção por parte das componentes da equipe:
“O feminismo abandonou o
163
discurso da creche na década de 1980 [...] Acho que [a] este projeto a gente não deu a prioridade
que devia”
(EQUIPE CEM, entrevista 5).
Situação semelhante ocorreu com o programa de orientação sexual nas escolas,
desenvolvido neste período, nas escolas de rede municipal de ensino. Apenas uma das
integrantes da equipe menciona ter havido uma colaboração, na busca por materiais
educativos. As restantes, afirmam não ter havido qualquer ligação, ou não se lembram da
existência do programa (
EQUIPE CEM, entrevistas 1 a 5).
Sem que houvesse a legitimidade de uma ação coordenadora de política feminista
dada pelo núcleo de governo; sem, tampouco, pressão da sociedade que fortalecesse a
proposta de um organismo articulador de uma plataforma feminista para a ação
governamental – visto que o movimento de mulheres se encontrava disperso e o tema não
tinha visibilidade na agenda da sociedade – buscou-se uma estratégia para dar maior
legitimidade e alcance às políticas públicas para as mulheres, pela identificação com o
marco geral dos direitos humanos. Surge, em setembro de 1990, a proposta de
“transformação do conjunto de estruturas de defesa e promoção da cidadania (Coordenadoria da
Mulher e do Negro, Conselho da Pessoa Deficiente e do Idoso) em uma ‘Assessoria de Cidadania e
Direitos Humanos’
(PMSP-CEM, Balanço, 1992). Inicialmente pensada como uma secretaria,
era imaginada para além de um organismo capaz de coordenar todas as áreas.
Vislumbrava-se uma integração de todas as políticas em um corpo geral de direitos
humanos, nos marcos de um debate preparatório à Conferência de Viena
72
, acompanhado
por parte da equipe da Coordenadoria da Mulher.
72
Documentos da Coordenadoria mencionam a coleta de assinaturas para acompanhar petição às Nações
Unidas reivindicando o tratamento dos direitos das mulheres como direitos humanos, nos marcos da
preparação para a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, como sendo uma das atividades
importantes desenvolvidas pela Coordenadoria da Mulher; mencionam, também, a participação em eventos
internacionais sobre o tema e em representação da prefeitura em reunião promovida pela ONU sobre
direitos humanos no Brasil, no período. (P
MSP-CEM, Esboço de carta..., 1991 e Relatório..., 1992). Ver,
ainda, entrevista com Simone Diniz em G
ROSSI,MINELLA e PORTO (Orgs.). Depoimentos: trinta anos de
pesquisas feministas brasileiras sobre violência. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2006.
164
A gente se perguntava na época [...] se não era melhor estar [incluída em uma área
de direitos humanos] já que os direitos das mulheres são direitos humanos. Se, ser
encarada como direitos humanos, como uma questão de cidadania, se não dava
mais valor a todas estas questões, agregava valor a estas questões. E já que as
mulheres estão em todos os ramos – a mulher negra, a mulher deficiente, a mulher
lésbica – se não era uma forma de você perpassar por tudo, dentro de uma questão
mais geral. Então, pode até ser uma forma de agregar valor, mas pode ser uma forma
de desagregar, porque aí você retira força, porque era diluída no todo. Mas depende
da forma como a gente administra isso (E
QUIPE CEM, entrevista 2).
Para quem a defendia, a criação de uma “secretaria municipal dos direitos humanos”,
que articulasse uma política geral para todos
“os setores que estavam excluídos – os negros, as
mulheres, os portadores de deficiência”
aparecia como uma “coisa moderna [...]. Conceitualmente,
era avançado, porque tinha a idéia de que o município tinha que ter uma política de inclusão, tinha
que ter política de direitos humanos [...] Faz parte da democracia. Este era o nosso discurso”
(EQUIPE
CEM, entrevista 5).
Tal estratégia, por sua vez, colaborava com uma expectativa, existente no interior
do governo, de redução da estrutura administrativa, no âmbito de uma proposta de reforma
administrativa em discussão, em que se enquadrava a extinção da Secretaria de Negócios
Extraordinários. A nova assessoria seria uma estrutura menor que a secretaria, até então
existente, e absorveria as coordenadorias, responsabilizando-se, também, pelos conselhos
existentes. A criação de um único organismo, congregando as diversas áreas dedicadas a
temas relacionados a discriminações e desigualdades dentro do governo, como um grande
guarda-chuva, não foi uma estratégia consensual dentro da equipe da Coordenadoria. Parte
da equipe a via como um risco (
EQUIPE CEM, entrevistas 3 e 4).
A criação daquela tal coordenadoria dos direitos humanos [...] não criava só uma
diluição da Coordenadoria da Mulher no meio desta tal coordenação maior; criava
mais um degrau para chegar à esfera de decisão [...] Foi uma perda ... fez com que a
Coordenadoria perdesse espaço (
EQUIPE CEM, entrevista 4).
165
A idéia de uma área de cidadania e direitos humanos começou a ser gestada já em
1990, ou seja, no primeiro ano de atuação da Coordenadoria da Mulher. As discussões
ocorreram durante quase um ano, sendo sua titular finalmente nomeada, em setembro de
1991.
A área foi concretizada como uma Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos,
vinculada à Secretaria do Governo Municipal. Em pouco tempo, entretanto, ficou claro
que sua criação não correspondeu às expectativas aventadas em sua proposição. A
estratégia, rapidamente, se provou ineficiente – e mesmo equivocada – nos termos das
integrantes da própria equipe. De fato, interpunha mais um degrau na linha de hierarquia
entre o setor específico de políticas para as mulheres e o corpo de direção do governo e
diluía a presença já bastante débil de um núcleo propositor de políticas feministas.
Fragilizou ainda mais a capacidade de pressão da Coordenadoria no interior do governo.
As integrantes da equipe são unânimes em afirmar que, durante a gestão, a
Coordenadoria Especial da Mulher não conseguiu romper com o isolamento interno, na
Prefeitura, e ampliar de forma significativa sua relação com as diversas áreas no interior
da administração. As mudanças institucionais, decorrentes da subordinação à Assessoria
de Cidadania e Direitos Humanos, tornaram ainda mais distante este objetivo.
Mas os argumentos levantados, por suas defensoras, para a frustração dos objetivos
almejados com a proposta de inserir a área de políticas para as mulheres dentro do marco
geral dos direitos humanos são, fundamentalmente, de ordem conjuntural. Concentram-se
na dinâmica de alianças políticas que predominaram quando da concretização da
Assessoria, levando à indicação de uma titular para a área, sem afinidade com a temática
feminista, e que não compartilhava as pautas e dinâmicas dominantes na administração.
Além disso, a interlocução com valores religiosos foi introduzida diretamente no cotidiano
das questões a serem negociadas pela Coordenadoria Especial da Mulher, em função do
166
perfil da nova dirigente
73
; o que tornava ainda mais complexa a disputa por uma
plataforma feminista no interior da administração.
Mesmo partindo de premissas distintas, pois, como já mencionado, não havia
consenso entre as integrantes da Coordenadoria Especial da Mulher quanto a esta
estratégia, a avaliação negativa de seus resultados é unânime. Após a criação da
Assessoria, a Coordenadoria Especial da Mulher é levada a uma quase-paralisia, faltando
pouco mais de um ano para o término da gestão. As participantes apontam que as
iniciativas com alguma importância foram anteriores à criação da Assessoria de Cidadania
e Direitos Humanos.
“Perdeu-se a autonomia; perdeu-se a agilidade. Não só a autonomia
administrativa; perdeu-se a autonomia política.”
A nova estrutura dificultou o acesso, já
limitado, da Coordenadoria da Mulher não apenas ao núcleo dirigente do governo;
restringiu seus espaços de atuação, ampliando as barreiras aos demais organismos da
administração (
EQUIPE CEM, entrevistas 1, 2, 4 e 5).
1.5 L
IMITES ADMINISTRATIVOS
Finalmente, é preciso mencionar os limites administrativos enfrentados pela
Coordenadoria da Mulher durante seus pouco mais de três anos de existência. A estrutura
colocada à sua disposição foi bastante restrita, tanto em termos da formação da equipe
quanto de condições materiais de apoio e infra-estrutura.
O documento inicial, apresentado ao governo pelo grupo que redigiu o documento
de proposta da Coordenadoria Especial da Mulher, indicava um quadro de 07 (sete) cargos
para coordenação geral e coordenação das áreas temáticas da Coordenadoria da Mulher,
73
Maria Helena Gregori, articulada com o PSDB, é nomeada como sua titular em 1991. Singer (1996: 97)
menciona a tentativa de atrair o PSDB para o governo, resultando na presença, a título pessoal, de Maria
167
prevendo-se tais cargos como de livre provimento, o que possibilitaria a formação de uma
equipe com capacidade política e conhecimento da temática feminista para coordenar o
trabalho. Vinculado a cada uma das áreas, propunha-se um corpo técnico de assessoria,
formado por quatro pessoas, servidoras públicas ou contratadas, nas áreas temáticas.
Somava-se a isso um setor de apoio administrativo e infra-estrutura. Segundo o
documento, a Coordenadoria Especial da Mulher compreenderia:
A Coordenação que deverá ser composta de sete mulheres para desempenhar as
funções de direção política, de direção dos grupos de assessoria técnica por área e
de responder pelo setor administrativo e financeiro.
A Assessoria Técnica por Área deverá ser constituída de equipes agrupadas
conforme os seguintes assuntos: a) diagnóstico e diretrizes; b) trabalho doméstico; c)
saúde, sexualidade e reprodução; d) educação e creche; e) trabalho e
profissionalização; f) prestação de serviços nas áreas social e jurídica (violência e
violência doméstica); g) área específica de elaboração e divulgação dos materiais e
campanhas (P
MSP, 1989: 15).
Além das sete coordenadoras de área, esta previsão totalizava 26 (vinte e seis)
profissionais, pois seriam quatro pessoas para cada área temática e duas na área de
divulgação. A área administrativo-financeira contaria com mais duas profissionais. A este
grupo, temático e administrativo, se agregaria uma estrutura de apoio (secretária,
datilógrafa, contínuo etc).
A composição efetivada, para implementação do quadro de coordenação técnico-
política da Coordenadoria, foi de 05 (cinco) cargos de livre provimento. Durante pouco
mais de um ano, a equipe contou também com uma servidora comissionada (cedida pelo
governo estadual), conformando um grupo de 06 (seis) coordenadoras.
74
A coordenação
técnico-política não contou com equipe assessora para os grupos temáticos, tampouco com
Helena Gregori na assessoria da Prefeita e Márcio Junqueira na Secretaria de Serviços e Obras.
74
Foram contratadas 05 (cinco) pessoas para os cargos de coordenação geral e coordenação de área; uma
sexta coordenadora de área era funcionária pública estadual, comissionada para prestação de serviços junto
168
funcionários de apoio administrativo em número suficiente para a execução de suas
tarefas. Documento de balanço, elaborado no início de 1992, afirma a existência de
“problemas crônicos e recursos materiais e humanos insuficientes” (PMSP-CEM, Balanço, 1992).
Integrantes da equipe consideram ter havido pouco empenho dos secretários para a
solução das insuficiências administrativas e de pessoal:
“Do jeito que a gente entrou, ficou; os
dois anos. Era bem enfraquecido”
(EQUIPE CEM, entrevista 3).
Quanto ao orçamento, em 1990, a Coordenadoria teve uma atividade orçamentária
própria para sua operação e manutenção, bem como uma ação destinada à construção e
implantação de casas-abrigo, mas esta sem execução. Em 1991, novamente a CEM contou
com atividade de operação e manutenção, mas não constou a ação referente a casas-abrigo.
Em 1992, já tendo sido criada a Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos, o orçamento
próprio foi eliminado, com a criação de uma atividade orçamentária denominada
Administração das Coordenadorias e Conselhos.
As dificuldades frente às exigências do trabalho na administração pública eram
grandes e foram apontadas por algumas das integrantes da equipe como o principal
problema enfrentado. Aprender a lidar com a burocracia, com a máquina, com os trâmites
à Prefeitura, sem ocupar cargo de livre provimento. Embora menos que a proposta apresentada, o número
de pessoas em nível de assessoria era três vezes maior que o disponibilizado na retomada, em 2001-2004.
169
internos da administração somava-se ao esforço empreendido na superação das barreiras
colocadas, entre outras questões, pela rotina do funcionalismo público municipal (
EQUIPE
CEM, entrevistas 2). Os entraves ficavam ainda maiores na ausência de uma infra-estrutura
de apoio permanente. Durante quase todo o período, a Coordenadoria Especial da Mulher
da Prefeitura de São Paulo, na gestão 1989-1992, contou com apenas uma funcionária
administrativa.
Aspecto positivo foi a alocação de funcionárias públicas efetivas para a Casa
Eliane de Grammont, possibilitando a estabilização de um grupo de servidoras, que
manteve o funcionamento do serviço durante as gestões posteriores.
1.6 EM RESUMO
A experiência da construção da Coordenadoria Especial da Mulher, na primeira
gestão do PT no município de São Paulo, já aponta limites importantes enfrentados na
aplicação desta proposta de organismo interno aos governos. Se esta era uma proposta de
feministas identificadas com o PT, refletindo e reelaborando os debates e a experiência do
movimento de mulheres nos anos 1980, não se pode dizer que tenha se transformado
naquele momento em uma visão absorvida pelos governos petistas.
Foi frágil a assimilação pelo partido, que, uma vez no governo, não sofreu real
pressão da sociedade para a criação e manutenção de organismos com maior capacidade
de atuação.
A presença inédita de uma mulher, do PT, ainda nos anos 1980, na direção do
governo da maior cidade da América Latina, criou uma marca positiva para a gestão da
prefeitura de São Paulo. Este contexto e a conjuntura de estar entre as experiências
pioneiras entre os governos petistas deram à Coordenadoria Especial da Mulher
visibilidade na história do partido. Concorreu para isso, também, o fato de, ali, haverem
sido criados dois tipos de programas vistos como exemplares pelo movimento de mulheres
170
na década de 1990: a Casa Eliane de Grammont e o serviço de aborto legal do Hospital do
Jabaquara.
As eleições de 1992 mudaram os rumos do governo na Prefeitura de São Paulo. Foi
eleito Paulo Maluf que, literalmente, ignorou a proposta de Coordenadoria da Mulher.
Durante os quatro anos de seu governo, a Coordenadoria permaneceu desativada. Foi
mantido o funcionamento dos serviços de atendimento às mulheres criados na gestão
anterior; excetuando-se a casa-abrigo Helenira Resende, que se manteve fechada durante
governos de Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000), sendo reaberta em 2001,
primeiro ano da nova gestão petista, dirigida por Marta Suplicy.
Na gestão 2001-2004, retoma-se a proposta de construção de um organismo
coordenador de políticas para mulheres na prefeitura de São Paulo.
2COORDENADORIA ESPECIAL DA MULHER: GESTÃO 2001-2004
O PT retorna à direção da Prefeitura do Município de São Paulo em 2001, ano em
que a prefeita Marta Suplicy assume, após as gestões dirigidas por Paulo Maluf e Celso
Pitta. A proposta de um organismo de políticas para as mulheres já aparece no programa
de campanha, como uma
“Coordenadoria de políticas para as mulheres, responsável pela
articulação, planejamento e implementação, em conjunto com outros órgãos da administração, das
políticas municipais dirigidas às mulheres e de combate à discriminação”
(PT-SP. Construindo a
igualdade. Políticas públicas para as mulheres. 2000: 16).
66
2.1 CAMPANHA E PROGRAMA DE GOVERNO
Na avaliação de militantes petistas, alguns dos limites na implantação das áreas de
políticas públicas para as mulheres nos governos dirigidos pelo PT, no período de 1989-
1992, advinham do fato de a proposta não haver sido discutida claramente durante o
período da campanha eleitoral (
MACAULAY, 2003). Nas eleições municipais de 2000, em
São Paulo, a candidatura de uma mulher, reconhecida por sua vinculação com o
feminismo, fortalecia a expectativa de que, em caso de vitória, o governo municipal desse
ênfase às propostas de políticas públicas para mulheres, inclusive com a criação de um
organismo forte para sua condução.
67
A conjuntura da campanha, por sua vez, era bastante
distinta da anterior. A campanha de Luíza Erundina, em 1988, ocorrida em um período de
66
Proposta de Plano de Governo da coligação Muda São Paulo – PT-PCdoB-PCB-PHS. Caderno temático
“Construindo a Igualdade. Políticas Públicas para as Mulheres”. A referência para a discussão do
programa aqui apresentada é esta publicação. Daqui em diante citado apenas como PT-SP, 2000.
67
Marta Suplicy era conhecida pela apresentação de programa de televisão dirigido ao público feminino,
com popularidade nos anos 1980; autora de vários livros, com ênfase na temática da sexualidade. Como
deputada federal, eleita em 1994, coordenou a bancada feminina na Câmara Federal e foi autora da lei que
estabeleceu cota mínima de 30% para candidaturas de mulheres nas eleições parlamentares.
171
maior mobilização social, favoreceu-se de uma dinâmica de crescimento da esquerda que
surpreendeu mesmo a direção partidária. O comitê de mulheres então organizado atraiu
militantes dispersas dos movimentos, de forma um pouco mais ampla que o comitê de
mulheres formado na campanha de 2000, que aglutinou fundamentalmente militantes
partidárias e do setor popular do movimento de mulheres. As campanhas eleitorais
tornaram-se mais “profissionais”, envolvendo cada vez menos os militantes e as bases
sociais organizadas do partido.
O programa proposto em 2000 era bastante detalhado. Partia de uma constatação, já
anotada na elaboração de feministas petistas, da necessidade de intervenção dos governos
para romper com uma lógica de
“manutenção do poder masculino” e reforço das “desigualdades
entre os sexos para fortalecimento de um modelo de sociedade excludente”
; insistindo na relação
entre democracia e inversão desta lógica por meio de
“políticas claras para a reversão deste
quadro de desigualdades”
. Propunha que tais políticas fossem desenvolvidas em diálogo com
o movimento de mulheres e demais setores da sociedade civil (
PT-SP, 2000: 2-3).
A proposta apresentava três eixos para o desenvolvimento das ações: condições de
autonomia pessoal, fundamentada na construção da independência econômica,
considerada um dos elementos centrais para a emancipação feminina; igualdade e parceria
na divisão do trabalho na família, enfatizando o papel do Estado, através dos governos, na
criação de equipamentos sociais, destacando-se as creches; finalmente, a garantia de
condições para o exercício dos direitos reprodutivos, de saúde e direitos sexuais,
questionando a maternidade como o
“destino das mulheres”; ao mesmo tempo em que não se
garantem as condições para o seu exercício. De forma a garantir transversalidade,
interfaces e articulação com as secretarias municipais executoras de políticas públicas,
reafirmam-se itens já apresentados pelas petistas em diferentes ocasiões: criação de uma
coordenadoria com recursos orçamentários próprios; reconhecimento político-institucional
172
para que pudesse cumprir papel de articulação e referência para a execução de políticas
públicas.
O tema da igualdade foi colocado como o articulador da visão política do programa
e das áreas prioritárias de políticas públicas, chamando a atenção para o fato de que a
discriminação e as desigualdades sociais se apóiam nas
“diferenças de orientação sexual,
idade, de raça-etnia, dos portadores de necessidades etc.”
(p.5). Como se verá, mais adiante, na
definição das diretrizes gerais propostas pela Coordenadoria Especial da Mulher, estes três
eixos de intervenção serão mantidos, acrescentando-se a eles outras proposições.
As áreas prioritárias propostas no programa foram:
a) saúde da mulher;
b) educação;
c) trabalho doméstico;
d) trabalho, profissionalização e auto-sustentação;
e) violência sexual e doméstica;
E ainda: f) transporte; g) habitação; h) meio ambiente; i) cultura e lazer; e j)
cidadania, participação e direitos.
Para todas as áreas e grupos de ações foram apresentadas as interfaces consideradas
necessárias ao desenvolvimento das políticas. Tendo como eixo articulador o tema da
igualdade, o texto se desenvolve apresentando políticas específicas de cada uma das áreas.
Perpassa o programa a perspectiva da relação com o movimento de mulheres, expressa
como um diálogo necessário –
“com o movimento de mulheres e demais setores da sociedade
civil”
– seja para garantir que as políticas respondam aos interesses e necessidades das
mulheres; seja pela identificação desta perspectiva com a democracia; mas também pelo
reconhecimento de que a incorporação das políticas públicas para as mulheres tem-se
concretizado, em parte, pela pressão dos movimentos (p.3 e 16).
173
A análise do programa ganha relevância por ser ele um instrumento de disputa das
mulheres petistas no convencimento do partido para suas propostas; uma das estratégias
das feministas do PT para fortalecer sua capacidade de negociação, em caso de vitória
eleitoral.
Em comparação com os demais partidos, o PT tem dado mais importância à
elaboração de propostas de programas para os governos, em geral, impulsionando grupos
de trabalho e discussões abertas nos períodos eleitorais. O peso destas resoluções,
entretanto, na dinâmica das campanhas – e mais ainda na constituição dos governos –
depende de muitos outros fatores, como a avaliação de sua influência na disputa eleitoral,
da dinâmica que ganha a propaganda veiculada pela TV, o peso dos diferentes setores
partidários, o posicionamento do candidato ou candidata majoritária, além da capacidade
de pressão das mulheres, dentro e fora do partido.
O tema estava presente na campanha eleitoral, aparecendo para o grande público
mais pelo perfil da candidata e por sua trajetória, associada às reivindicações das mulheres
– alvo de crítica preconceituosa por parte da candidatura oponente e sempre mencionada
no noticiário eleitoral – que na apresentação de propostas específicas durante a campanha.
Em discurso pronunciado no dia da eleição, quando anunciado o resultado, a futura
prefeita identifica sua vitória como
“uma vitória dos direitos humanos, das minorias, da dignidade
das mulheres, da igualdade e do respeito”
, de todas as “forças políticas e sindicais, democráticas e
progressistas contra o representante do conservadorismo de direita preconceituoso”
(FSP,
30/out/2000).
68
68
É bastante significativo que, nas duas vezes em que o PT esteve à frente da prefeitura de São Paulo,
mulheres dirigiram o governo. Nestas gestões, o governo foi composto com cinco mulheres ocupando
cargos de primeiro escalão, representando 26% em 1989 e 23% em 2001. Em 2001 foram indicadas 5
mulheres como subprefeitas. Esta situação é bastante diferente do que tem sido usual na política brasileira.
174
2.2 LUGAR NA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
Em seu discurso de posse, a prefeita Marta Suplicy chamou a atenção para o lugar
que a “igualdade de gênero” teria em seu governo:
Em particular, gostaria de destacar a importância que darei à Coordenadoria da
Mulher e a todas as questões relativas à igualdade de gênero. O governo em seu
conjunto agirá para defender e ampliar os direitos e reivindicações das mulheres. Na
administração, uma atenção particular será dada ao princípio de trabalho igual-salário
igual e à igualdade nas promoções. Na saúde, iremos cumprir efetivamente a
legislação referente ao direito ao aborto. Deverá ser implantado um atendimento
específico para as mulheres vítimas de violência e abuso sexual (F
SP, 02/jan/2001).
A Coordenadoria Especial da Mulher existia legalmente desde 1992, como
mencionado. A proposta apresentada pelas petistas ao núcleo do futuro governo foi de que
o organismo de políticas para as mulheres estivesse diretamente vinculado ao gabinete da
Prefeita, definição que não estava explicitada no programa de governo divulgado. A
discussão de implementação foi realizada após a posse do novo governo, em 1º de janeiro.
O governo optou por montar cinco coordenadorias em áreas de políticas vistas
como temáticas ou setoriais:
69
a) Coordenadoria Especial da Mulher (CEM), cuja criação se dera no governo
petista anterior, mantidas a sua estrutura e competências, e tornando de sua
exclusiva competência a supervisão das casas de atendimento à violência
contra a mulher.
b) Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra (Cone), também
criada em 1989, no governo Luíza Erundina, mantidas sua estrutura e
competências, com alteração da denominação anterior (Coordenadoria Especial
do Negro).
69
As Coordenadorias começaram sua atuação no primeiro mês do governo. A Lei nº 13.169 de 11 de julho
de 2001, formalizou a criação das novas coordenadorias e as alterações nas já existentes, a partir de
iniciativa do Executivo.
175
c) Coordenadoria Especial da Juventude, criada em 2001, com o papel de
coordenar e promover o desenvolvimento e implementação de políticas e
programas para a juventude na cidade.
d) Coordenadoria Especial do Orçamento Participativo, criada em 2001, com a
função de organizar a discussão do orçamento com a população, propondo um
procedimento de gestão participativa para a definição de um plano anual de
obras e serviços, articulando sua relação com a proposta orçamentária da
prefeitura.
e) Coordenadoria Especial de Participação, também criada em 2001, como um
organismo que aglutinava áreas consideradas temáticas, como idosos, pessoas
com deficiência, gays e lésbicas; sendo responsável por articular e assessorar
os conselhos municipais existentes ou a serem criados .
O formato de coordenadorias foi utilizado pelo governo para as diversas áreas que
se apresentavam como de inter-relação com as demais áreas da administração, cuja
natureza era, basicamente, de interface com as secretarias. As Coordenadorias não ficaram
vinculadas ao Gabinete da Prefeita, mas, à Secretaria do Governo Municipal (SGM), e foi
aprovado que todas elas teriam basicamente a mesma estrutura para o desenvolvimento de
seu trabalho: 03 cargos de livre provimento, sendo um do próprio coordenador ou
coordenadora; um de nível de coordenação e/ou assessoria; e um cargo de nível de apoio
ou administração. Além disso, cada uma das áreas poderia buscar, dentro da estrutura da
administração, atrair servidores/as para sua própria estruturação. Nas coordenadorias
existentes anteriormente àquela gestão (mulheres e população negra), foram mantidos os
servidores provenientes da estrutura da gestão anterior. No caso da Coordenadoria
Especial da Mulher eram duas funcionárias administrativas e uma de nível superior.
176
A Assessoria de Cidadania e Direitos Humanos, criada no governo Luíza Erundina,
já deixara de existir e, em seu lugar, existia apenas uma estrutura administrativa
(Coordenadoria Especial de Apoio e Coordenadoria Geral de Acompanhamentos) entre a
Secretaria do Governo e as coordenadorias.
70
2.3 ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO E ENFRENTAMENTO DOS LIMITES
2.3.1 Articulação interna ao governo
A Coordenadoria Especial da Mulher não participava dos fóruns centrais de
decisão ou coordenação de governo, e a relação com o primeiro escalão da administração
tinha que ser feita um a um, vista a relação direta com os/as titulares das diversas áreas ser,
em geral, decisiva para a efetivação das propostas. Para superar essa dinâmica, buscou-se
criar um ponto de referência em cada secretaria e demais organismos de governo,
concretizado em uma Comissão Intersecretarial da Mulher, que se reunia periodicamente.
O fato de ser um tema identificado pelos membros do governo como de interesse da
Prefeita contribuía para a receptividade da questão, fortalecendo a legitimidade da
articulação de uma perspectiva feminista em cada setor.
A resposta dos órgãos era desigual e, em todos os casos, determinada pelo
posicionamento do próprio secretário ou secretária e pela existência de pessoas capazes de
influenciar, na política da secretaria, a identificação com a proposta da Coordenadoria
Especial da Mulher. A Coordenadoria, por sua vez, não dispunha de um quadro de pessoal
que lhe permitisse acompanhar a execução dos projetos centrais de cada organismo.
Confrontada com uma multiplicidade de temas – uma vez que a existência de um
organismo central, propositor e articulador de políticas, pressupõe a construção de
70
A política de Direitos Humanos do governo passou a cargo da Comissão Municipal de Direitos
Humanos, sem a característica de guarda-chuva que reunia várias áreas. Lei 13.292, de 14 de janeiro de
2002.
177
múltiplas interfaces – e com uma equipe extremamente reduzida, a Coordenadoria
Especial da Mulher não era capaz de construir o caminho inverso ao da Comissão
Intersecretarial da Mulher, isto é, garantir a presença da própria Coordenadoria no
acompanhamento das políticas implementadas pelas secretarias e demais organismos. Em
função disso, a priorização de áreas de trabalho, mais que indispensável, tornava-se uma
auto-limitação.
A proposta de construir uma intervenção com perspectiva feminista, para o
conjunto da administração, demanda a formação de uma teia de relações que vá se
entranhando nos diversos setores, desenhando um tecido coerente e que se expresse nos
atos cotidianos do governo, ainda que nem sempre isto se torne, de imediato, explícito
para todos os envolvidos. A construção de alianças e de comprometimento com a política
torna-se um processo permanente.
A constituição de um coletivo aglutinando representantes das diversas secretarias e
organismos municipais para a discussão e encaminhamento das propostas, composto por
representantes que estabelecessem o vínculo cotidiano com a Coordenadoria, foi central na
formação desta teia. A Comissão Intersecretarial, criada no início do primeiro ano de
governo, foi instrumento importante para o fortalecimento da própria Coordenadoria.
A Comissão funcionou durante os quatro anos da gestão e, embora apresentando
uma composição desigual quanto ao poder de decisão e influência dos representantes das
secretarias, deu agilidade ao desenvolvimento de propostas gerais da Coordenadoria
Especial da Mulher e, em especial, ampliou sua capacidade de ação. Servindo, também,
como espaço para o desenvolvimento de uma visão comum sobre uma plataforma
feminista e os desafios a serem enfrentados na busca de uma alteração de práticas da
administração sobre as relações sociais de sexo, não se limitou a um instrumento de
encaminhamento das políticas. A pauta de suas reuniões incluía o debate sobre temas
178
vinculados às políticas em discussão. Sua institucionalização, por meio de portaria da
Secretaria do Governo, ocorreu no primeiro semestre de 2003.
71
A articulação com as Subprefeituras, inicialmente Administrações Regionais, era
vital para uma proximidade com o cotidiano da implementação das políticas e, em
especial, no contato com a população usuária ou quando se buscava uma relação mais
direta com os movimentos sociais. Assim, criou-se também um fórum com representantes
das Subprefeituras, que se vinculava a duas perspectivas: o comprometimento com as
propostas apresentadas pela Coordenadoria e a capilaridade de sua atuação na relação com
a população. Em momentos específicos, quando se buscava aprofundar os laços com o
movimento social ou com a base social mais ampla do governo, nos períodos de
conferências, de debates do orçamento participativo, das comemorações do 8 de março, o
fórum de representantes das Subprefeituras ganhava papel de realce. A convocação deste
fórum era feita pela Secretaria de Subprefeituras, por solicitação da Coordenadoria.
Os dois fóruns – intersecretarial e de subprefeituras – constituíam instrumentos
concretos de interfaces com o conjunto do governo e favoreciam o enfrentamento de
limites estruturais da Coordenadoria Especial da Mulher.
Ainda no interior da administração, a construção de uma relação positiva com o
funcionalismo público é estratégia importante para o enraizamento das políticas públicas
para mulheres. É central para uma mudança de padrões culturais, na transformação da
máquina administrativa e na efetivação das políticas de governo como políticas ativamente
antidiscriminatórias. O não-engajamento dos servidores públicos torna praticamente
impossível uma mudança do padrão da relação do Estado com a população, uma vez que
são eles os agentes diretos desta relação. Uma alteração significativa dos padrões de
71
Portaria 114, de 15 de maio de 2003, da Secretaria do Governo Municipal, detalha as funções da
Comissão Intersecretarial, sua peridiocidade e a representação das secretarias e demais órgãos do governo.
179
eficiência e qualidade do atendimento do serviço público depende de um investimento
sistemático, de médio e longo prazo, e envolve medidas muito mais amplas que atividades
de formação e capacitação. A reformulação das carreiras, reorganização administrativa e
gerencial, melhoria dos níveis salariais, dentre outras, são questões recorrentes na pauta
dos projetos de requalificação dos serviços e do servidor público.
A dimensão desta tarefa, em uma prefeitura como a de São Paulo, com mais de 120
mil servidores públicos, é gigantesca. Para uma área de políticas para as mulheres, centra-
se no desafio de inserir um novo conteúdo nos processos de formação e requalificação e
introduzir uma perspectiva crítica das práticas existentes, e geradora de novas práticas, na
atuação do funcionalismo público.
Este trabalho foi desenvolvido de forma dirigida. A Coordenadoria Especial da
Mulher, trabalhando em conjunto com secretarias específicas, desenvolveu projetos
pontuais neste sentido com servidores(as): na área da saúde; na área da segurança (Guarda
Civil Metropolitana); na área da educação; com profissionais da área de assistência social;
em algumas subprefeituras; com o próprio grupo que atuava em torno da Coordenadoria.
Como já mencionado, o investimento também era feito com os servidores(as) que
compunham os fóruns de articulação da Coordenadoria no interior da administração,
sendo este, entretanto, um público no qual predominavam cargos de livre provimento.
Embora estes projetos tenham atingido número significativo de participantes, chegando a
cerca de 8% dos servidores(as), não existiu um programa, organizado de forma
centralizada, que ambicionasse atingir de forma geral as servidoras e servidores públicos
municipais. Nas Secretarias de Saúde, de Segurança Urbana e Guarda Civil Metropolitana,
de Educação e de Assistência Social apresentam foram estruturado programas
180
sistemáticos, em conjunto com a Coordenadoria da Mulher e por iniciativa das próprias
secretarias.
72
2.3.2 Articulação de atores para além do governo
Logo nos primeiros meses de governo, a Coordenadoria Especial da Mulher tomou
a iniciativa de se apresentar publicamente, expondo sua proposta a setores que considerava
interlocutores necessários. Ato público de apresentação da Coordenadoria, em março de
2001, teve convocação que privilegiava lideranças do movimento de mulheres, de seus
setores populares e grupos organizados como
ONGs. Também foram convidados contatos
das demais secretarias. Ainda no primeiro semestre, foram realizados oito seminários em
regiões da cidade, dirigidos a um público formado por militantes do movimento de
mulheres e contatos das estruturas regionais da Prefeitura (administrações regionais,
regionais de educação (N
AEs), casas de cultura, regionais de saúde etc.). A atividade de
apresentação e os seminários tiveram o objetivo de compartilhar a concepção do trabalho
que a Coordenadoria se propunha realizar; os Seminários também indicavam um caminho
da construção de uma relação necessária com as futuras subprefeituras e órgãos
descentralizados da administração.
A relação com o movimento de mulheres foi desenvolvida, ao longo da gestão, por
meio de vários instrumentos: as conferências municipais, os fóruns do orçamento
72
O relatório de atividades da Coordenadoria da Mulher informa sobre ações de formação/capacitação
envolvendo servidores e servidoras nas seguintes áreas: Secretaria de Assistência Social, atingindo 80
servidores e educadores sociais; Secretaria de Segurança Urbana, para 680 profissionais da Guarda Civil
Metropolitana; programa voltado à capacitação sobre violência contra a mulher na área da saúde, em
especial, para as equipes das 67 unidades de referência para o atendimento à violência; atividades de
formação e capacitação junto à Secretaria de Educação atingindo mais de 5.000 profissionais. E ainda
atividades junto à Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade e Secretaria do Governo.
Foram também realizados seminários, com temáticas distintas, envolvendo servidores, população e
militantes do movimento de mulheres (P
MSP-CEM. Relatório..., 2004; PMSP-SMS, Guia de Serviços...,
2004). Segundo dados da Secretaria de Gestão Pública, a prefeitura contava com 129.977 servidores ativos,
sendo 92.135 (70,9%) mulheres e 37.842 (29,1%) homens (P
MSP-SGM, Sumário, 2004).
181
participativo, reuniões periódicas com entidades e grupos do movimento de mulheres. Tais
instrumentos compunham uma visão de governo que atribuía ao diálogo com o movimento
centralidade na construção de uma relação democrática com a sociedade, com o foco nas
mulheres como sujeito social. Este foi um dos eixos da atuação da Coordenadoria, e será
novamente referido mais adiante. Aqui, se pretende apontar o papel do movimento de
mulheres, um interlocutor externo ao governo, como um dos atores estratégicos para que o
desenvolvimento de uma perspectiva feminista e a proposta de políticas públicas para as
mulheres ganhem espaço nas agendas governamentais.
A presença pública do movimento de mulheres e da temática feminista na
sociedade, nos primeiros anos do novo século, não diferiam muito do quadro do início da
década anterior, quando a Coordenadoria Especial da Mulher foi criada. Nos finais da
década de 1990, houve um tênue ressurgimento de formas de organização ampla,
acompanhando os processos de retomada de fóruns e ações coletivas visíveis nos
movimentos antiglobalização, na organização dos Fóruns Sociais Mundiais. Mas os
impactos de uma intervenção do movimento de mulheres e das pautas feministas ainda
permaneciam bastante embrionários. As propostas e reivindicações já não representavam
tanta novidade, como, eventualmente, ainda pareciam ser ao final da década de 1980. Por
outro lado, a desigualdade nas relações sociais de sexo, apresentada quase como coisa do
passado, não mobilizava um debate público para além do movimento. Vale mencionar que
o tema da desigualdade entre mulheres e homens tem estado praticamente ausente dos
meios de comunicação que, aliás, não apresentam abordagem crítica desta relação; ao
contrário, têm atuado no reforço de estereótipos e, em geral, apresentam as conquistas das
mulheres no mundo público enfatizando sua combinação com papéis tradicionais, o que
reflete, e ao mesmo tempo alimenta, o questionamento de um ideário feminista na
sociedade.
182
Em suma, também neste período, não se desenvolveu uma pressão sobre o governo,
que fortalecesse a demanda por políticas dirigidas às mulheres, seja por parte dos campos
que apoiavam o governo ou dos grupos que não o apoiavam. Manifestava-se a fragilidade
do movimento de mulheres como um ator capaz de tensionar o poder público em defesa de
sua plataforma ao mesmo tempo em que a desigualdade não emergia como objeto de
crítica.
73
Por sua vez, a Coordenadoria manteve, nesta gestão, uma relação de interlocução
permanente com o grupo de mulheres organizado dentro do PT, o que possibilitava
73
Pontualmente, questões importantes para mulheres mobilizavam outros atores, como por exemplo a
demanda por creches e educação infantil. Com argumentos centrados nos direitos das crianças, o
Ministério Público movia ações contra a prefeitura para que fossem garantidas vagas em creches e escolas
de educação infantil.
183
sustentar um apoio da militância feminista do partido que, por sua vez, se estendia aos
setores do movimento social em que atuavam. A complexidade da relação entre o partido
eo que seu projeto expressa, quando em posições de governo, acabava, como em várias
outras experiências de administrações petistas, inibindo a elaboração e manifestação de
uma postura crítica do partido, necessária, para um processo de retro-alimentação entre
este e sua parcela que assume posições de governo.
Contatos e a participação em articulações internacionais cumpriam, também, papel
subsidiário de fortalecimento da Coordenadoria. Além de possibilitar a troca de
experiências com outros governos municipais, contribuíam no orçamento e davam relevo a
ações da Coordenadoria, ampliando a visibilidade também para dentro do governo.
2.3.3 Limites administrativos
As questões administrativas são vistas, em geral, como uma parte árida da atuação
no poder público, à qual, normalmente, se dá pouco destaque. Mas a construção de
políticas públicas em qualquer área não pode prescindir da existência de uma capacidade
administrativa e de gestão que transforme idéias e propostas em políticas aplicadas. Dentre
os diversos aspectos neste campo, podem-se destacar: montagem da equipe (recursos
humanos); definição de orçamento próprio; autonomia administrativa dentro dos marcos
do governo; e a capacidade administrativa propriamente, que envolve as condições para o
exercício da função.
A atribuição de apenas três cargos de livre provimento, e sem a alocação de um
corpo mínimo de profissionais técnicos, entre funcionários efetivos, para a composição de
uma equipe de trabalho para a área de políticas públicas para as mulheres, se apresentou
como limitação relevante. A estruturação era mais próxima a um grupo de assessoria do
que propriamente uma equipe com papel de coordenação, capaz de interagir com as
diversas áreas da administração, pela proposição, pelo acompanhamento e, em alguns
184
casos, pela implementação conjunta das políticas, como proposto pelas petistas, se o
parâmetro era o modelo desenhado para a Prefeitura de São Paulo, em 1989, período em
que o PT elegeu, pela primeira vez, várias administrações importantes. Modelo que
tampouco fora aceito na época.
A Coordenadoria Especial da Mulher é composta pelo núcleo que atua na
coordenação e proposição de políticas e pelos serviços diretos de atendimento à violência:
Casa Eliane de Grammont e Casa-abrigo Helenira Resende, criados no governo Luíza
Erundina; e Casa Brasilândia, criada em 2003. Os centros de atendimento à mulher,
conveniados, ficam administrativamente vinculados à Secretaria de Assistência Social,
responsável pelo estabelecimento dos convênios.
A estratégia para a composição da equipe foi atrair servidoras efetivas, tanto para a
própria Coordenadoria quanto para os serviços de atendimento a vítimas de violência;
além de potencializar o grupo disponível, formado por servidoras(es) e estagiárias(os),
capacitando-os a responder de maneira mais ampla e multifuncional à multiplicidade das
demandas existentes.
74
A Secretaria do Governo alocou servidores administrativos para a
Coordenadoria (o número oscilou em torno de sete, entre assistentes de gestão de políticas
públicas-trabalhos administrativos e secretaria; e agentes de apoio); e cerca de dez
estagiários a partir do segundo ano. O número de funcionárias de nível superior atraídas
pelo trabalho na Coordenadoria, variável durante o período, ficou em torno de quatro,
ampliando significativamente a capacidade de trabalho da equipe inicial. Este processo,
entretanto, não fixava a lotação das servidoras, levando à rotatividade, com perda de
acúmulo e, eventualmente, interrupção de projetos.
74
Contou, também, com uma militante trabalhando como voluntária (Maria Stella Moreira Pires), em
tempo integral, durante todo o primeiro ano.
185
Buscou-se, também, fortalecer o quadro institucional dos serviços de atendimento à
mulher – Casa Eliane de Grammont, Casa-abrigo Helenira Resende e Casa Brasilândia –
com a ampliação do número de funcionárias administrativas; a alocação de estagiárias; e a
atribuição de cargos de direção e assessoramento às funcionárias efetivas destes
equipamentos.
75
Parcialmente viabilizada no final da gestão, esta atribuição, entretanto,
ficou dependente das subprefeituras, nas quais os serviços estavam vinculados. Em função
de dificuldades de encaminhamento junto à Câmara Municipal, a criação destes cargos se
deu na lei de criação das subprefeituras.
A Coordenadoria Especial da Mulher teve dotações orçamentárias próprias a partir
do segundo ano da gestão (ver quadro abaixo). Tratando-se de um orçamento reduzido,
não comportava gastos de maior fôlego, mesmo concebendo-se sua realização em parceria.
Estes deveriam ser desenvolvidos com os orçamentos de cada secretaria, como ocorreu
com os projetos realizados com a Secretaria de Educação. As ações orçamentárias da
Coordenadoria Especial da Mulher se concentraram em atividades de capacitação,
divulgação, articulação e, pontualmente, investimento em novos equipamentos.
Orçamento da Coordenadoria Especial da Mulher (2001-2005)
2001 2002 2003 2004 2005
Aprovado * R$ 746.694,00 R$ 906.945,17 R$ 1.140.000,00 R$ 1.422.868,19
Executado * R$ 653.036,27 R$ 665.758,76 R$ 186.039,48 **
Fonte: Balanço geral da PMSP
* A legislação determina que o orçamento seja aprovado no ano que o antecede. O orçamento de 2001 foi elaborado e aprovado em 2000, ainda
na gestão do governo anterior. A Coordenadoria não possuía orçamento próprio.
** O orçamento de 2005 foi elaborado e aprovado em 2004.
O orçamento da Coordenadoria Especial da Mulher, nos limites apresentados,
contava com recursos oriundos da assinatura de convênios com o governo federal
(construção do Centro de Atendimento à Mulher Casa Brasilândia) e principalmente com
75
Os cargos de direção e assessoramento (DAS), quando ocupados por funcionários públicos efetivos,
resultam em aumento temporário de salário, que se torna permanente quando exercido por cinco anos ou
186
organismos internacionais, que permitiram a reforma e modernização dos equipamentos da
Casa Eliane de Grammont; criação de um centro de saúde sexual e reprodutiva no extremo
leste da cidade de São Paulo, a Casa Maria Auxiliadora Lara Barcelos (ambos os projetos
desenvolvidos com verba doada pelo governo japonês); atividades de formação e
publicações; o desenvolvimento de um programa na área de trabalho e geração de renda
(patrocinado pela União Européia-projeto Urb-Al). Ao final da gestão foi aprovada a
continuidade e ampliação deste último projeto, para a criação de cinco centros
regionalizados de capacitação e formação cidadã para mulheres (Centros de Cidadania
para Mulheres), que começaram a ser implementados na gestão seguinte.
Em 2003, por exemplo, recursos de convênios com o governo federal e de doações
internacionais representaram 65% do total de gastos próprios da Coordenadoria. A
cooperação internacional contribuiu, ainda, para a realização de várias de suas atividades,
entre seminários, atividades de intercâmbio com outros municípios, assessoria para o
planejamento, capacitação, publicações etc.
A gestão do orçamento era de responsabilidade da própria Coordenadoria, e os
encaminhamentos administrativo-financeiros ficavam a cargo dos departamentos
específicos da Secretaria do Governo. Isto acarretava, também, cruzamentos na execução
orçamentária, a que se recorria para agilizar os processos de definição e execução de
gastos. Compra de equipamentos e contratação de serviços eram, eventualmente,
executados em conjunto com outros departamentos da Secretaria do Governo, o que torna
mais difícil identificar o quanto foi efetivamente gasto em cada ano. No ano de 2004,
entretanto, em que a discrepância entre o montante orçado e o montante executado foi
maior, mais de metade do valor previsto (600 mil reais) destinava-se a convênio para
mais pelo servidor.
187
atendimento jurídico que não foi efetivado; no segundo semestre daquele ano, parcela do
orçamento foi contingenciada.
As despesas para manutenção da Coordenadoria Especial da Mulher e das casas de
atendimento à violência estavam vinculadas ao orçamento geral da Secretaria do Governo
(pessoal, água e luz, limpeza, reparos, suprimentos etc.); bem como a maior parcela dos
gastos com eventos. A verba para materiais de divulgação (cartazes, folhetos, publicações
etc.) saía da Secretaria de Comunicação e Informação Social.
É importante frisar que aqui não se está analisando a parcela do orçamento geral da
prefeitura que foi destinada a políticas dirigidas a mulheres, ou que sejam consideradas de
interesse prioritário para mulheres: montantes alocados em políticas de saúde da mulher,
em políticas de habitação, nas políticas de creche e educação infantil ou no cuidado de
crianças e jovens fora do horário escolar, na assistência dirigida a mulheres em situações
vulneráveis, no transporte diferenciado para idosas ou gestantes etc; apenas para
mencionar algumas no seio de uma série de políticas cujo público-alvo são mulheres. Uma
avaliação geral do orçamento é um outro trabalho, que exige outra linha de pesquisa,
também extremamente necessária para que se possa avaliar a intervenção do governo no
cotidiano das mulheres, na melhoria ou não de suas condições de vida, reforçando ou
possibilitando rupturas nas relações desiguais entre mulheres e homens.
Registre-se, ainda, que mesmo o orçamento para políticas desenvolvidas em
parceria com a Coordenadoria da Mulher, como os centros de atendimento a mulheres
vítimas de violência, conveniados com a Secretaria de Assistência Social; o montante
gasto com atividades de formação e os materiais publicados em conjunto com a Secretaria
de Educação; a sistematização de dados sobre a situação das mulheres no município
contratada pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano; o custo de reforma de
equipamento para convênio com entidade do movimento de mulheres negras (Espaço
188
Lilás), entre outras, não constam do quadro apresentado. Foi destacado aqui,
exclusivamente, o orçamento próprio da Coordenadoria Especial da Mulher.
A inexistência de um quadro de cargos e funções, compondo uma estrutura de
pessoal mais ampla, e com maior estabilidade, limitava as condições de a Coordenadoria
Especial da Mulher funcionar como um organismo elaborador, com presença na
implementação das políticas, para o conjunto da prefeitura. A ampliação da equipe, com
pessoal técnico (formação superior) e administrativo, possibilitou superar parcialmente
estes limites. A vinculação à Secretaria do Governo não constituiu constrangimento à
autonomia político-administrativa da Coordenadoria Especial da Mulher, à parte das
prerrogativas legais. O orçamento específico era restrito, ainda que sua avaliação deva
contemplar que os gastos com parcela relevante das atividades próprias da Coordenadoria
não estão contabilizados neste orçamento. Os novos investimentos foram financiados pelo
governo federal e pela cooperação internacional.
No período 2001-2004, a construção de capacidade de articulação, dentro e fora do
governo, foi fundamental para o desenvolvimento dos trabalhos da Coordenadoria
Especial da Mulher. Permitiu uma certa capilaridade de sua ação, ampliando a presença
política da temática no conjunto da administração, superando, em parte, limites
institucionais da Coordenadoria Especial da Mulher. Embora alguns aspectos de
legitimidade interna da temática facilitassem a relação com as diversas áreas, isso não foi
suficiente para que a superação das desigualdades das relações sociais de sexo se
apresentasse como um eixo de articulação das políticas governamentais. Mais uma vez,
não se pode dizer que houvesse uma pressão efetiva da sociedade para o estabelecimento
de tais políticas. A relação política sistemática da Coordenadoria Especial da Mulher com
189
setores do movimento de mulheres não gerou uma demanda pró-ativa, forçando uma
resposta mais ampla no governo.
2.4 EIXOS DE ATUAÇÃO
A Coordenadoria Especial da Mulher durante a gestão 2001-2004 apresentou ações
relacionadas a diversas áreas: atividades culturais, abertura de serviços, capacitação de
funcionários, investimento na mudança das práticas cotidianas no atendimento ao público,
relação com o movimento de mulheres e outros movimentos sociais. Serão destacadas
algumas das propostas apresentadas pela Coordenadoria como eixos da construção de
políticas públicas para mulheres pela prefeitura de São Paulo.
76
Foram selecionadas ações
desenvolvidas diretamente pela Coordenadoria, mesmo que em parceria com outras
secretarias, e ações de outras secretarias consideradas prioritárias para mulheres, com o
objetivo de analisar potencialidades e limites da intervenção da Coordenadoria Especial da
Mulher, no conjunto do governo e a integração das perspectivas por ela defendidas em
políticas priorizadas pela administração.
As diretrizes de atuação da Coordenadoria Especial da Mulher estão expressas em
vários documentos. Elas repetem basicamente os pontos do programa de governo com
pequenas modificações. Aparecem no documento de diretrizes das duas conferências
municipais, sempre enfatizando o desafio de criação de
“políticas concretas que, nas diferentes
76
Um relatório das atividades da Coordenadoria Especial da Mulher, de 2001 a julho de 2004, pode ser
encontrado em P
MSP-CEM. Apresentação..., 2004. Além das ações já comentadas e das que serão referidas
mais adiante, vale ainda mencionar: o levantamento dos dados gerais sobre as mulheres no município
realizado em conjunto com a Secretaria do Planejamento, através do Seade; projetos desenvolvidos com o
Instituto do Patrimônio Histórico resgatando a história e memória de mulheres, com exposições e
publicações; realização anual de encontros com secretarias e coordenadorias da mulher do país, em alguns
deles com participação de organismos equivalentes de municípios estrangeiros; a publicação de oito
cadernos temáticos: dois sobre a temática de trabalho e autonomia econômica das mulheres; dois da área da
educação; um abordando temas gerais de políticas públicas; um com dados da população feminina no
município; e dois com as resoluções das duas Conferências de Mulheres.
190
áreas de atuação do governo municipal, alterem a qualidade e as condições de vida das mulheres”
(
PMSP-CEM, 2004: 17. Resoluções...). É recorrente a preocupação com a criação de uma
nova visão para o desenvolvimento das políticas públicas, visando à modificação das
“relações de poder e o acesso aos direitos nas dimensões social e política” (Idem: 17).
O documento de resoluções da 2ª Conferência Municipal de Mulheres sintetiza
estas diretrizes, também debatidas na conferência anterior. Aprovado em conferência, o
documento passou por processo de debate e reformulações pelas delegadas que dela
participaram. O texto informa, por sua vez, tratar-se de proposta apresentada pela
Coordenadoria Especial da Mulher e referendada pela conferência. Apresenta-se como
desafio desenvolver políticas públicas municipais que:
a) possibilitem a ampliação das condições de autonomia pessoal e auto-sustentação
das mulheres, de forma a favorecer o rompimento com os círculos de dependência e
subordinação;
b) incidam sobre a divisão sexual do trabalho, não apenas com relação a padrões e
valores, mas principalmente ampliando equipamentos sociais [...];
c) fortaleçam as condições para o exercício dos direitos reprodutivos e direitos
sexuais, possibilitando a autonomia e o bem-estar também no campo da saúde
integral;
d) e, finalmente, que respondam, ao mesmo tempo, às demandas que pressionam o
cotidiano vivenciado pelas mulheres, invariavelmente inseridas em um contexto de
dominação de gênero, particularmente em relação à violência doméstica e sexual.
Concluindo a discussão sobre as diretrizes, as resoluções da 2ª Conferência ainda
insistem na necessária relação com o movimento social e na interferência do poder público
sobre valores e práticas sociais, o que deve gerar uma visão crítica da administração sobre
si mesma:
[...] é preciso considerar o Estado em sua dimensão educativa. Sua atuação incide
sobre valores, comportamentos, relações, implicando [...] ações coerentes e
comprometidas com um projeto geral de mudança e não como atos isolados,
incorporando a perspectiva de superação das desigualdades de gênero como um de
seus componentes indispensáveis. Em uma questão de tal amplitude, como a
desigualdade entre homens e mulheres, desde pequenos gestos, palavras e
191
símbolos até na efetiva priorização de políticas que incidam sobre esta desigualdade,
as opções tomadas expressam a orientação política do governo (P
MSP-CEM.
Resoluções..., 2004: 17-8).
O relatório de atividades da Coordenadoria, divulgado no último ano do governo,
apresenta as áreas de atuação organizadas da seguinte forma:
I. Educação para a igualdade
II. Formação em gênero e raça/etnia
III. Prevenção e combate à violência doméstica e sexual
IV. Participação cidadã, democracia e controle social
V. Saúde da mulher
VI. Relações internacionais
VII. Protagonismo das mulheres: história, memória e comunicação
VIII. Projetos inovadores
IX. Consolidação institucional e instrumentos de construção da política
Aqui, as áreas serão aglutinadas, considerando-se três eixos de atuação: uma
intervenção para a mudança de valores e práticas sociais; políticas diretamente
relacionadas à alteração do cotidiano das mulheres; relação com a sociedade e elementos
para construção de uma gestão democrática.
2.4.1 Mudança de práticas sociais: igualdade e não-discriminação como valores
Qualquer temática ou área que esteja proposta para interagir de forma ampla, com
uma administração gigantesca como a Prefeitura de São Paulo, com dezenas de órgãos e
setores distribuídos na cidade, envolvendo mais de cem mil servidores, ver-se-á diante de
uma tarefa hercúlea. Modificar valores e comportamentos, trabalhar buscando fazer com
que as diversas áreas da administração entrassem em contato com uma visão crítica sobre
as relações sociais de sexo, que se questionassem sobre a desigualdade entre mulheres e
homens, não é tarefa que se possa imaginar concluída no prazo de uma gestão. Para não
semencionar o fato de serem alterações dependentes de um contexto de mudança social
192
mais ampla que, necessariamente, não será plena nos limites de qualquer área tomada
individualmente.
Entre as atividades desenvolvidas pela Coordenadoria Especial da Mulher que
podem ser apontadas como estratégicas, visando a tornar a temática da igualdade e da
mudança das relações sociais de sexo parte das responsabilidades do governo, destacam-se
as comemorações do 8 de março e a atuação junto à Secretaria Municipal de Educação.
A construção de uma perspectiva na ação governamental que promova a igualdade
está sempre tensionada entre propostas específicas e que expressem as prioridades do
governo, e mudanças de práticas e valores, o que exige políticas de médio e longo prazo,
com resultados menos visíveis de imediato.
Alguns momentos se apresentavam como mais propícios para se chegar às diversas
áreas da administração. A data do 8 de março, reconhecida como um momento voltado às
mulheres, foi assim interpretada. Possibilitava ampliar o raio de atuação da Coordenadoria
Especial da Mulher; envolvia grande número de setores da prefeitura, com o
reconhecimento de ser esta uma atividade protagonizada por ela; a receptividade para se
refletir sobre a questão era maior.
A cada ano foi estabelecido um lema como organizador e unificador das atividades
da prefeitura (leitmotif), favorecendo uma homogeneidade política na concepção dos
eventos e contribuindo para reduzir a incidência de iniciativas que, contraditórias com as
diretrizes propostas pela Coordenadoria, reforçassem papéis e valores tradicionais.
Boletins e circulares da Coordenadoria, divulgados com antecedência, apresentavam
sugestões de temas e atividades para as diversas áreas.
O 8 de março se apresentava como oportunidade para a Coordenadoria Especial da
Mulher mobilizar a estrutura pública na demonstração de sua responsabilidade com as
mulheres, em um esforço, para dentro e para fora do governo, de expressar o que se espera
193
de um governo comprometido com uma perspectiva feminista. Daí a ênfase para que
houvesse sempre a inauguração ou reorganização de serviços e atividades de atendimento
às mulheres, e que nas atividades propostas por cada uma das áreas se enfatizassem as
ações desenvolvidas pela Prefeitura, dirigidas às mulheres. Em termos numéricos,
entretanto, prevaleciam atividades de caráter cultural e formativo.
As atividades eram as mais variadas e não se pode dizer que todas tivessem
coerência com o mote sugerido, mas a maior parte seguia a orientação proposta. As
programações incluíam atividades como eventos culturais, inauguração de serviços, praças
abertas ou mutirões de oferta de serviços, principalmente na área da saúde, debates,
concursos para promover produção cultural entre as mulheres, oficinas de formação para
servidores ou abertas à população, e mesmo a realização de conferência. Do conjunto
ressalta um incentivo à participação direta das mulheres nas atividades, seu protagonismo
nas apresentações culturais, salientando sua presença como sujeitos da produção cultural e
histórica da cidade.
77
As orientações integravam a singularidade das condições diferenciadas das
mulheres, do ponto de vista étnico-racial, da orientação sexual, das mulheres com
deficiência, das distintas faixas de idade. Esta orientação é, também, evidenciada nos
77
Para 2001, a chamada para o 8 de março foi: “Os direitos da mulher estão em todo lugar. A Prefeitura
de São Paulo trabalha para garantir estes direitos”; para 2002: “As mulheres construindo uma São Paulo
com mais igualdade”; para 2003: “Mulheres fazendo história”; para 2004, ano em que se comemorou o
aniversário de 450 anos da cidade, foi “As mulheres construindo a história de São Paulo”.
194
projetos desenvolvidos diretamente pela Coordenadoria ou com as demais secretarias fora
do contexto do 8 de março.
Se o 8 de março era pensado como uma estratégia para envolver o conjunto da
administração na dinâmica de buscar construir novas práticas sociais e incorporar questões
trazidas pelo feminismo, na área da educação isso era objeto de ações mais concentradas.
Considerada uma das áreas prioritárias pela Coordenadoria Especial da Mulher, buscou-se
investir de forma sistemática almejando chegar ao público envolvido pela Secretaria,
incluindo educadores e educadoras, alunos e alunas e, em momentos específicos, atingir a
comunidade.
A rede pública de educação na capital de São Paulo era formada por 1.818
equipamentos, com cerca de 75 mil servidores (educadores e servidores operacionais),
oferecendo 1.140.190 vagas, em toda a rede: creches (C
EIs-Centros de Educação Infantil)
diretas e conveniadas, escolas de educação infantil, fundamental, de jovens e adultos,
escolas de educação especial e algumas de ensino médio (
PMSP-SGM. Sumário de dados
2004;
PMSP-SME. Balanço..., ago/2004).
O fio condutor das atividades da Coordenadoria Especial da Mulher na área da
educação foi o tema da igualdade, recorrente nas chamadas dos materiais e nos projetos
desenvolvidos. A atuação visou, em especial, as escolas de ensino fundamental, onde está
o maior contingente de alunos e alunas da rede municipal, em torno de 550 mil. No
primeiro ano da gestão, com um número reduzido de profissionais técnicas em seu quadro,
a Coordenadoria Especial da Mulher definiu, como caminho para se chegar de forma mais
ampla ao público da rede, educadores e alunos, a elaboração de material básico, para
formação e discussão. Priorizou-se a amplitude e a facilidade do acesso, como medida
para incentivar o uso deste material: todas as escolas receberiam uma cópia do vídeo
elaborado; cada aluno e aluna receberia o seu exemplar da cartilha para estudantes; e cada
195
educador e educadora receberia um exemplar do livro do professor. Atendendo às
dimensões da rede de ensino em São Paulo, foram publicadas 600 mil cópias da cartilha
do aluno, 50 mil exemplares do livro do professor e reproduzidas mil cópias do vídeo. A
eficácia no aproveitamento deste material, entretanto, dependia da construção de um
programa sistemático de formação e capacitação dos educadores, atividades que se
desenvolveram de forma dispersa, ainda que continuada, durante o restante da gestão.
Como forma de propiciar aos educadores insumos para a presença da questão no
cotidiano escolar, foi adquirida para todas as bibliotecas e salas de leitura das escolas uma
“bibliografia de gênero”; em 2003 e 2004 foram produzidos calendários no formato cartaz,
para dar
“visibilidade à presença das mulheres na construção da história e motivar a pesquisa e o
debate entre alunos e alunas”
; e publicado, em livro, o material de seminário realizado em
2003, comparando experiências de educação não-sexista no Brasil e na Grã-Bretanha.
78
Nos dois últimos anos do governo, temas relativos a uma educação não-sexista estiveram
presentes em exposição específica ou como parte de outras mesas nos congressos e
eventos organizados pela Secretaria de Educação. A Secretaria de Educação retomou o
programa de orientação sexual nas escolas, mas a Coordenadoria Mulher praticamente não
teve participação em sua discussão e execução (
PMSP-CEM. Apresentação..., 2004: 53-5).
O trabalho junto à Secretaria de Educação, nos dois últimos anos do governo,
logrou construir uma parceria continuada, com o objetivo de introduzir uma visão crítica
das relações sociais de sexo e a superação das práticas sociais discriminatórias. O número
78
A bibliografia de gênero foi formada por treze títulos, destinando quatro exemplares para cada local, em
um total de 23.764 exemplares. Os calendários/cartazes mencionados estavam associados às
comemorações e temáticas propostas para o 8 de março. Os dados, citações e informações apresentados
nesta seção se encontram em P
MSP-CEM. Apresentação..., 2004: 53-5.
196
de pessoas atingidas e as atividades apresentadas não chegam a caracterizar a implantação
de uma prática sistemática de formação e qualificação do quadro da Secretaria, com
presença suficiente da questão ou de instrumentos para seu desenvolvimento na rede
municipal. Mas as atividades mencionadas e a exigência da discussão sobre
“relações de
gênero”
, introduzida como parte do “programa e da bibliografia de apoio”, para o concurso
público de seleção de professores para a rede municipal de ensino, são indicadores de um
caminho de integração desta perspectiva na prática do poder público.
79
2.4.2 Políticas concretas para alterar a vida das mulheres
Políticas públicas com incidência direta sobre o cotidiano das mulheres englobam
um amplo leque de ações desenvolvidas pelos diversos organismos do governo. Algumas
delas se dirigem diretamente às mulheres, isto é, as têm como seu alvo preferencial, ou
mesmo exclusivo, outras são políticas gerais que podem incidir de forma diferenciada
sobre as relações sociais de sexo, a depender da forma como são desenhadas e
implementadas. A interferência do poder público sobre as relações sociais de sexo é
pautada, e por sua vez também pauta, a dinâmica das relações entre Estado, mercado e
família, com já mencionado, fundando-se, em especial sobre a divisão sexual do trabalho.
Políticas sociais efetivamente universais, atingindo toda a população, terão,
necessariamente, forte impacto sobre as mulheres, tanto por sua responsabilização maior
sobre o cuidado com a família, como pela relação mais precária com o mercado de
trabalho e menor acesso à renda. Por isso, cada vez mais se chama a atenção à importância
da universalização das políticas sociais – de saúde, educação, segurança e combate à
violência, transporte, habitação, seguridade social etc. – como centrais para as condições
79
A Prefeitura realizou concurso público para ingresso de professores em 2004.
197
de vida, obviamente, de toda a população, mas com efeitos específicos sobre as mulheres
em função de como se estruturam as relações sociais de sexo.
Optou-se aqui por analisar três áreas, como exemplos da capacidade de atuação da
Coordenadoria Especial da Mulher e da interação da plataforma por ela proposta com as
demais políticas municipais.
80
a) Enfrentamento da violência sexista
Políticas públicas relacionadas à questão da violência contra as mulheres têm se
colocado como um desafio específico para o poder público local, sempre presentes quando
existem iniciativas de políticas públicas para as mulheres. A relativa prioridade dessas
políticas pode, em parte, ser atribuída à sua maior visibilidade em comparação a outras
políticas; em parte, é fruto da prioridade dada ao tema pelo movimento de mulheres desde
os anos 1980; em parte, é atribuída à visão de que o poder público deve concentrar sua
atuação nos setores vulneráveis, como já apontado por Guzmán (2001). Em um quadro
geral precário de políticas públicas para mulheres no Brasil, esta é uma temática que tem
recebido mais atenção.
De acordo com a divisão de atribuições entre os entes da federação no Brasil, parte
importante do atendimento direto à população, nas mais diversas áreas (educação, saúde,
transporte urbano, limpeza etc.), é de responsabilidade municipal. As questões da
segurança e do acesso à justiça são atribuições de governos estaduais e federal.
A construção de políticas públicas para enfrentar a violência contra as mulheres
demanda um conjunto complexo de medidas em vários âmbitos da sociedade. Em relação
ao Estado, podemos considerar que devem abarcar pelo menos três grandes aspectos:
80
Políticas de saúde formam, em especial, outra área com forte impacto sobre o cotidiano de mulheres. Nas
duas experiências de governo aqui analisadas, existiu uma área técnica de saúde da mulher, dentro da
Secretaria Municipal de Saúde, responsável por articular as propostas na área. A Coordenadoria Especial
198
construção de uma rede de serviços; políticas de prevenção; alterações no âmbito legal e
do poder judiciário. As duas primeiras questões – construção de uma rede de serviços e
políticas de prevenção não-policial – podem ser enquadradas no âmbito de atuação
municipal, isto não significando não serem também, em suas atribuições, responsabilidade
dos outros níveis do poder público, em especial a provisão da segurança e acesso à justiça.
Garantir ações capazes de responder à demanda de atendimento das mulheres que se
mobilizam para buscar tal atenção implica a existência de serviços de atendimento direto
(delegacias especializadas, assistência social, psicológica e jurídica, saúde, segurança
etc.), criando uma rede de atenção que possa ser acessada pelas mulheres (
GODINHO e
COSTA, 2006).
Políticas de prevenção vão desde ações ostensivas que fortaleçam a resistência das
mulheres, reduzam potenciais situações de violência, até políticas educativas e culturais de
desnaturalização da violência sexista. Ações de médio e longo prazo podem incidir sobre
valores e práticas sociais discriminatórias, contribuindo para deslegitimar socialmente a
violência contra mulheres. Nestes marcos podem ser colocadas campanhas, capacitação de
agentes públicos, políticas educacionais e culturais etc.
Material divulgado pela Coordenadoria Especial da Mulher, na gestão 2001-2004,
coloca como desafio
“construir instrumentos eficientes de ação que cheguem ao cotidiano das
mulheres, isto é, que elas tenham um espaço efetivo de atendimento, denúncia e de apoio em
situações de violência”
; e aponta que a prefeitura “tem buscado construir uma política que amplie o
atendimento direto das mulheres nos casos de violência doméstica e sexual”
(PMSP-CEM. Mulheres
em Foco, nº 2, 2003: 2).
da Mulher, na gestão 2001-2004, se articulava de forma permanente com esta área para discussão e
avaliação das políticas mas, em geral, não necessitava se envolver no cotidiano da secretaria.
199
No início de 2001, a prefeitura contava com um centro de atendimento à mulher, a
Casa Eliane de Grammont, criada na gestão Luíza Erundina. A ampliação dos serviços se
deu pela reabertura ou criação de novos serviços diretos, isto é, criação de equipamentos
públicos, e pelo estabelecimento de convênios com entidades sociais para prestação de tais
serviços. Passaram a funcionar dois abrigos para mulheres em risco de vida em função da
violência doméstica: a Casa Helenira Resende, reaberta em março de 2001; e um serviço
de abrigo conveniado. Foi criado mais um centro de referência e atendimento direto, Casa
Brasilândia; e mais quatro passaram a funcionar por convênio, totalizando seis centros no
município.
Para as dimensões de São Paulo, a existência de seis centros de referência e
atendimento à mulher é, com certeza, insuficiente, ainda que se reconheça ter sido
relevante a ampliação da capacidade de atendimento.
Ações desenvolvidas em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde também
ampliaram este acesso direto das mulheres. A rede de saúde tem presença ampla na cidade.
Dentro da política de prevenção da violência, proposta como um dos programas
organizadores do atendimento à saúde no município, a violência contra mulheres aparecia
como uma de suas intervenções. A inserção no programa geral, se reduzia em intensidade
a proposta original da Coordenadoria de criação de serviços especializados de atendimento
à violência contra mulheres em unidades de saúde específicas, garantia, por outra parte,
uma amplitude geográfica, multiplicando as portas de entrada. Em maio de 2004, a
Secretaria de Saúde contava com 67 serviços de atendimento à vítima de violência sexual
e doméstica na rede municipal (P
MSP-SMS. Guia de serviços..., 2004). A capacitação e
formação dos profissionais da saúde para o atendimento relacionado à violência sexual e
doméstica foram realizadas também pela Coordenadoria Especial da Mulher, por meio da
Casa Eliane de Grammont e de assessorias contratadas pela secretaria. Atividades de
200
capacitação semelhantes, em menor porte, foram realizadas com equipes de Saúde da
Família, programa implantado pela prefeitura na época. Também na área da saúde, foram
ampliados os serviços de atendimento ao aborto legal para cinco hospitais municipais.
Atividades de formação e capacitação, como parte de política de prevenção da
violência e de qualificação dos servidores públicos foram, ainda, desenvolvidas com a
Guarda Civil Metropolitana de forma mais continuada, além da difusão de material para
toda a rede de serviços públicos municipais chamando a atenção para a questão e
divulgando os serviços de atendimento à violência.
Para a construção de uma política efetiva na área da violência é necessária sua
integração com ações que fortaleçam a independência econômica das mulheres, em
particular, por ser de baixa renda a quase totalidade da população feminina que busca estes
serviços. Isso não deve sugerir que a violência sexista é circunscrita às mulheres pobres;
pelo contrário, os dados existentes a identificam em todos os estratos sociais.
81
Mas são,
em sua grande maioria, mulheres de baixa renda as usuárias dos serviços públicos de
atenção à violência. Às fragilidades de sua autonomia pessoal, individual, somam-se as
dificuldades sócio-econômicas. A maioria permanece com a responsabilidade dos filhos,
agravando os problemas de moradia e de alternativas de emprego e renda, formando um
quadro complexo para sua recomposição pessoal. A não-existência, no Brasil, de uma
política de seguridade social ampla, a fragmentação e a precarização dos direitos sociais,
tornam indispensável a integração das políticas sociais locais, de forma a potencializar as
possibilidades de ruptura com a situação de violência para as mulheres que buscam os
serviços da rede pública.
81
VENTURI, RECAMÁN e OLIVEIRA (Orgs.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo:
FPA, 2004.
201
Um levantamento do perfil das usuárias da casa-abrigo Helenira Resende, de 2001
a 2005, é ilustrativa dessa situação: neste período, o abrigo acolheu 56 mulheres, além das
crianças e adolescentes que acompanhavam as mães.
Perfil das usuárias da casa-abrigo
Nº de Filhos % Escolaridade % Ocupação %
Nenhum 4% Analfabeta 4% Desocupadas/bicos 41%
1 ou 2 filhos 43% 1º Grau incompleto 65% Donas-de-casa 38%
3 ou 4 filhos 38% 1º Grau completo 24% Faxineira 13%
5 ou 6 filhos 14% 2º Grau completo 7% Ajudante geral 4%
7 ou 8 filhos 2% Grau incompleto 4% Auxiliar de cozinha 4%
Total 100% Total 100% Manicure 2%
Total 100%
Fonte: Casa-abrigo Helenira Resende
A integração com outras áreas da prefeitura envolveu a Secretaria de Assistência
Social, no estabelecimento de convênios para a abertura de novos centros; a rede de
educação e saúde, para realocação escolar dos filhos e atendimento direto às usuárias do
abrigo e seus filhos; além das Secretarias de Segurança e Abastecimento.
Nos programas de trabalho e renda, desenvolvidos pela Secretaria
Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, até o final da gestão não se viabilizara uma
vinculação direta das usuárias do abrigo ou dos serviços de atendimento à violência aos
programas sociais da prefeitura, como proposto pela Coordenadoria Especial da Mulher.
Foi previsto, para 2004, estabelecimento de convênio para suprir as debilidades do
atendimento jurídico público às mulheres, mas não chegou a ser concretizado.
A presença de uma equipe experiente na Casa Eliane de Grammont colaborou para
que o atendimento à violência pudesse ser ampliado, cabendo a ela significativa parte das
atividades de capacitação para esta questão nos novos serviços, na rede de saúde e nas
atividades desenvolvidas em outras secretarias.
202
b) Política de creches e educação infantil
A questão das creches e da educação infantil aparece nas propostas da
Coordenadoria Especial da Mulher referida ao trabalho doméstico e à possibilidade de
maior autonomia para as mulheres. Relacionadas à construção da parceria e igualdade em
relação ao trabalho doméstico, a ampliação de vagas em creches e educação infantil
“garante não só um direito das crianças como também um direito e uma necessidade das mulheres,
já que o cuidado com as crianças e com o trabalho doméstico tem sido, de maneira desigual, uma
responsabilidade das mulheres”
(PMSP-CEM. Igualdade..., 2002).
Em 2001 e em 2002, as creches (atendimento de crianças de 0 a 3 anos), até então
vinculadas à Secretaria de Assistência Social, foram integradas no sistema municipal de
ensino, denominadas C
EI´s (Centro de Educação Infantil). As EMEI´s (Escola Municipal
de Educação Infantil) já funcionavam sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de
Educação, atendendo às crianças de 4 a 6 anos. A integração das creches no sistema
municipal de ensino implicou adaptações na rede e a necessária discussão de sua
compatibilização às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996.
82
A discussão aqui apresentada se concentra na perspectiva dos equipamentos de
educação, em particular a educação infantil, como indispensáveis na responsabilização por
parte do poder público com a reprodução social; considerando-se o cuidado com as
crianças como parte fundamental. A discussão sobre os aspectos educacionais e
82
Nas palavras de Maria Malta Campos, estabelecendo a “Educação Infantil como um direito da criança de
0 a 6 anos de idade e como parte integrante do sistema educacional [...] essa definição legal introduziu
mudanças importantes: primeiro, agregou as creches para crianças de 0 a 3 anos aos sistemas educacionais;
segundo, definiu como formação mínima para os professores o curso de magistério no nível médio e como
meta, a formação em nível superior; terceiro, estabeleceu claramente a responsabilidade do setor público
com respeito à oferta de vagas na Educação Infantil, respeitando a opção das famílias, ou seja, sem o
caráter obrigatório que caracteriza o Ensino Fundamental; e quarto, adotou um critério universal – o da
idade – para diferenciar a creche da pré-escola, esta última dirigida às crianças entre 4 e 6 anos de idade. A
legislação também determinou que os municípios devem, prioritariamente, atender à Educação Infantil e ao
Ensino Fundamental” (http://www.aomestre.com.br/raio_x/66_educ_inf.htm).
203
administrativos, com toda a gama de questões (pedagógicas, curriculares, sobre métodos e
formas de organização do ensino etc.), bem como os critérios gerais de política
educacional, não são objeto de discussão neste texto. O que se pretende enfatizar é a
existência de uma rede de creches e educação infantil como central para as condições de
autonomia das mulheres, contribuindo para o acesso ao trabalho, ao lazer ou à participação
social. A criação de uma rede pública de creches esteve presente na formação de um
movimento de mulheres forte e massivo, que marcou o início dos anos 1980, em particular
em São Paulo.
Além da exigência de requalificação educacional para os/as auxiliares de educação
infantil
83
, como eram chamadas as educadoras de creches, a incorporação das creches pela
rede municipal de educação implicou mais que uma transferência de equipamentos,
demandando capacitação de profissionais, tanto nos níveis de escolaridade quanto de
adequação às especialidades e carreiras existentes nas creches e convivência com jornadas
distintas.
Respondendo a uma demanda do movimento social há mais de duas décadas, em
São Paulo, as creches funcionam em período integral, em regime de 12 horas de
funcionamento; o que se confronta com as dificuldades de uma rede de ensino infantil e
fundamental que ainda convive com três turnos diurnos nas escolas, isto é, menos de
quatro horas diárias em sala de aula.
Em 2001, o número de matrículas em creches foi de 78.830; as Escolas de
Educação Infantil totalizavam 238.782 matrículas. As matrículas em creches (C
EI’s), em
83
Entre 2001 e 2004, a prefeitura organizou um programa especial de formação, em nível médio, na
modalidade normal para 3.500 Auxiliares de Desenvolvimento Infantil; e em nível superior para cerca de
3.000 professores de educação infantil e fundamental (P
EREZ e RODRIGUES, 2006).
204
2004, chegaram a 117.636. As matrículas em Escolas de Educação Infantil (EMEI´s),
somavam 275.875.
84
A ampliação da jornada escolar ou a existência de equipamentos complementares
também incide sobre as condições de trabalho das mulheres e do trabalho doméstico.
Analisando os dados da
PNAD (2005), Salvador Dedecca estuda o número de pessoas
ocupadas que realizam
“tarefas domésticas”, denominação utilizada pela PNAD, e informa
que aproximadamente 90% das mulheres e 47% dos homens declaram realizar atividades
domésticas, o que levava, segundo cálculos do autor, a uma jornada total dessas pessoas
de 57 horas semanais para as mulheres e 52 horas para os homens, com forte discrepância
entre as horas destinadas à reprodução econômica e as horas destinadas à reprodução
social. Para os homens, 43 horas semanais eram destinadas à reprodução econômica e 9
horas para a reprodução social; enquanto, para as mulheres, 21 horas eram destinadas à
reprodução econômica e 36 horas à reprodução social (
DEDECCA, 2007). Neste tempo das
mulheres, destaca-se o cuidado com as crianças, o que inclui o cuidado para a atividade
escolar, a atenção nos períodos não escolares, a preparação da alimentação. Daí a
importância da manutenção da jornada de período integral para as creches (e extensão da
jornada escolar ou complementar para os demais níveis de ensino) e ações como a
introdução da segunda refeição na escola, iniciada em 2001. Alimentação adequada é,
reconhecidamente, essencial para as boas condições de aprendizagem, além de ser direito
fundamental de todas as pessoas. Aqui se quer enfatizar, aspecto freqüentemente ausente
das análises da política de educação, em especial, da educação infantil, que a formatação
de tais políticas leve em consideração a relação entre políticas públicas e o cotidiano das
84
Dados de creche fornecidos pela SME, em agosto 2007; dados de pré-escolas consultados na página
eletrônica do Inep (
www.inep.gov.br
) em 08/08/2007. Os dados de matrícula são relativos às vagas
disponíveis no início de cada ano. Até o final de 2004 estes números se alteraram. Os números
apresentados em publicação da PMSP de junho de 2004, são de 119.484 vagas em creches e 280.730 em
pré-escolas (P
MSP-SGM, 2004).
205
mulheres, a relação entre Estado, mercado e família, como algumas análises das políticas
de bem-estar social vêm apontando.
A Coordenadoria Especial da Mulher acompanhou os encaminhamentos da política
de creche e educação infantil durante a gestão, mas não teve influência direta sobre as
definições implementadas. Sua incidência se limitou a discutir com os grupos responsáveis
os aspectos que considerava específicos aos interesses das mulheres.
c) Trabalho e autonomia econômica
Entre 2001 e 2004 a prefeitura de São Paulo desenvolveu programas sociais com
políticas de renda e trabalho que atingiram diretamente cerca de 300 mil famílias.
85
Cálculos apresentados pelo titular da Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho
e Solidariedade, Márcio Pochmann (2006), indicam que a cada dez famílias em condição
de pobreza na cidade de São Paulo, oito foram beneficiadas pelos programas sociais da
prefeitura.
Os governos municipais têm uma incidência limitada sobre as condições de
emprego e renda, dependentes em grande escala das políticas macro-econômicas e de
desenvolvimento existentes no país. A proposta desenvolvida em São Paulo foi colocada
nos marcos do que a prefeitura chamava de uma política de inclusão social, articulando
projetos em três eixos programáticos: programas redistributivos, orientados à distribuição
de renda para diferentes públicos; programas emancipatórios, orientados à geração de
trabalho e renda; e programas de apoio ao desenvolvimento local, voltados a discutir
85
A totalização do número de famílias beneficiárias é apresentada de formas distintas, considerando-se o
fato de que um mesmo beneficiário pode ser atendido simultaneamente ou consecutivamente por mais de
um programa. Dados detalhados sobre os programas são encontrados nas publicações da própria PMSP-
STDS.
206
possibilidades de reorganização das atividades produtivas e formas de reinserção no
mercado de trabalho.
86
Discutiremos aqui, exclusivamente, aspectos relacionados à presença de mulheres
nestes programas e uma avaliação de sua relação com a perspectiva enunciada pela
Coordenadoria Especial da Mulher do papel de políticas na área do trabalho como
necessários à autonomia econômica das mulheres.
Os programas de maior amplitude desenvolvidos pela secretaria estão concentrados
naqueles caracterizados como “redistributivos”. Em todos estes programas os beneficiários
são, majoritariamente, beneficiárias. Os dados aqui utilizados são encontrados em
Pochmann (2003). O programa Renda Familiar Mínima foi o que apresentou maior
contingente de mulheres, chegando a 88%, sendo o único dos programas dirigido à
unidade familiar; os restantes se dirigiam a beneficiários individuais. Das famílias
atendidas, 62% eram biparentais e 38% monoparentais. Uma das explicações aventadas
para o alto número de mulheres é o fato de este programa, em especial, colocar como
critério para acesso famílias pobres, com dependentes de 0 a 15 anos, freqüentando escola
e, na maioria dos casos, são as mulheres que assumem, dentro do núcleo familiar, a
responsabilidade pela trajetória escolar dos filhos. Mas o alto número de mulheres também
se repetia nos outros programas de renda. Aventou-se, também, a hipótese da relação
particular das mulheres com o Estado, como discutido por Lena Lavinas (1994), por sua
responsabilidade na gestão das necessidades cotidianas da família, o que as torna
freqüentadoras dos serviços públicos (
NOBRE, 2003). A maioria dos beneficiários teve
86
Foram chamados programas redistributivos, com um aporte de renda para públicos distintos: Renda
Familiar Mínima, Bolsa Trabalho, Operação Trabalho, Começar de Novo. Programas emancipatórios,
voltados a iniciativas de produção e geração de renda: Oportunidade Solidária, Central de Crédito Popular,
Capacitação Ocupacional e de Utilidade Coletiva. Programas de apoio ao desenvolvimento local, visando
reorganização da atividade produtiva e reinserção no mercado de trabalho: Desenvolve São Paulo e São
Paulo Inclui. A Secretaria do Trabalho manteve um acompanhamento e registro detalhado sobre os
207
conhecimento dos programas em contatos com serviços públicos, especialmente creches e
escolas.
Beneficiários de programas sociais selecionados, por sexo (PMSP)
Programa Mulheres Homens
Renda Familiar Mínima 88% 12%
Bolsa Trabalho 56% 44%
Começar de Novo 67,1% 32,9%
Operação Trabalho 67,9% 32,1%
Oportunidade Solidária 67% 33%
Fonte: POCHMANN (Org.), 2003.
Segundo Laura Balbo (1992), a fragmentação das políticas sociais apóia e reforça a
socialização fundada na divisão sexual do trabalho, que alimenta a expectativa que sejam
as mulheres a buscar como suprir as lacunas deixadas às famílias nas tarefas de
reprodução. Mas é necessário ressaltar que o trabalho fora de casa tem sido levantado
como expectativa positiva e almejado pelas mulheres (
VENTURI,RECAMÁN eOLIVEIRA,
2004).
A presença das mulheres é destacada nas análises da Secretaria do Trabalho. Esta
realidade era percebida; em mais de um momento o alto percentual de mulheres foi
apontado. Por outro lado, a coordenadora do Programa Renda Mínima, Ana Fonseca, em
mais de uma ocasião, expressou uma opção crítica em relação à orientação de grande parte
dos programas sociais assemelhados no país, orientados por avaliações tradicionais dos
papéis de homens e mulheres. Ao comentar sobre a alta presença das mulheres no
programa, afirmou que:
[...] de maneira proposital, o Renda Mínima implantado em São Paulo não
estabeleceu que os requerentes devessem ser, necessariamente, mulheres, à
maneira de outros programas de distribuição de renda no Brasil. E isto não se deve
programas, possibilitando conhecer o perfil dos beneficiários, impactos sobre a comunidade e individuais.
Para informações e análises destes programas ver P
OCHMANN (2003 e 2006) e publicações da Secretaria.
208
ao fato de ignorar questões de gênero. Deve-se, ao contrário, a operar com a idéia de
que não é mais possível utilizar noções naturalizadas do que seja ser mulher, ou
homem. Há programas que designam as mulheres como requerentes ancorados em
diversos pressupostos. Um deles é que os filhos são responsabilidade das mulheres.
Outro destes pressupostos é que as mulheres corporificam uma série de atributos
considerados “femininos”, diretamente ligados à maternidade. Isto é, que por serem
mães elas utilizarão o dinheiro em benefício do grupo familiar, especificamente dos
filhos, e não em benefício próprio ou dos adultos que conformam o núcleo doméstico.
Procurando não operar com estas idéias pré-concebidas, o Renda Mínima deixa
em aberto o requerente. O programa não estabelece, de fora, quem é o titular. Isso
é definido por cada família beneficiada (F
ONSECA, 2003: 81. Sem negrito no original).
A observação coloca um olhar crítico sobre a tutela que, não é incomum, as ações
políticas tendem a colocar sobre setores considerados vulneráveis. As preocupações a
respeito da desigualdade das relações de sexo não estiveram ausentes das análises
desenvolvidas pela Secretaria. Também integravam as atividades de “formação cidadã”,
que eram realizadas com os beneficiários dos programas, como pode se constatar pela
existência de um módulo sobre “relações de gênero” nestas atividades. Mas a presença
massiva de mulheres não gerou abordagem específica dos programas, tendo em conta as
relações sociais de sexo. No entanto, é preciso ressaltar que a estratégia colocada em
prática pela Secretaria do Trabalho, de universalizar o acesso aos benefícios para a
população de baixa renda, se encontrou, objetivamente, com as mulheres. O acesso à
renda, mesmo que em seus limites mínimos, incide sobre a desigualdade entre mulheres e
homens.
2.4.3 Democracia, participação e controle social
A relação com o movimento social se apresenta como um desafio permanente para
as áreas de políticas para as mulheres. No período 1989-1992, a não-construção de canais
209
sistemáticos de interlocução com o movimento de mulheres foi vista como problema. Em
2001, já no início do governo, a Coordenadoria Especial da Mulher tomou iniciativas para
a construção desta relação, com a realização de oito seminários regionais para
apresentação da Coordenadoria. O formato concebido para este relacionamento organizava
três canais prioritários, sendo a realização de Conferências de Mulheres o principal deles.
Foram realizadas duas conferências municipais, no segundo e no último ano do governo.
As conferências privilegiaram a construção de um programa para a prefeitura de São
Paulo, ao invés da apresentação de reivindicações, metas e questões específicas.
87
Se, por
um lado, podem ter resultado em fortalecimento do movimento de mulheres, sua força
como instrumento para garantir as demandas das mulheres na agenda do governo se
demonstrou insuficiente.
Nos mecanismos desenhados pela Coordenadoria, as conferências se vinculavam
com a organização das mulheres no Orçamento Participativo (OP). Foram realizadas
reuniões e plenárias com o objetivo de intensificar a participação de mulheres e de suas
demandas no Orçamento Participativo, no primeiro ano de seu funcionamento. No ano
seguinte, a 1ª Conferência de Mulheres deliberou a realização de plenárias de mulheres do
OP, no intervalo das conferências, como um mecanismo de dar continuidade à plataforma
aprovada nas conferências e concretizá-las em reivindicações específicas. A organização
própria de mulheres no Orçamento Participativo provou-se necessária, fosse para
incentivar e fortalecer a presença de reivindicações prioritárias para elas, fosse para se
contrapor à lógica de exclusão das mulheres dos espaços de poder e decisão que se impõe
como um mecanismo “natural” das relações de poder presentes nas relações sociais de
87
A 1ª Conferência Municipal de Mulheres, com cerca de 2000 participantes, foi realizada nos dias 30 e 31
de agosto de 2002; antecedida de dezessete encontros preparatórios, regionais e temáticos. A 2ª
Conferência Municipal de Mulheres foi realizada nos dias 1º e 2 de abril de 2004, com público em torno de
1500 mulheres, sendo precedida de trinta conferências regionais e temáticas (P
MSP-CEM. Apresentação...,
210
sexo.
88
Para fortalecer a participação das mulheres e, a partir da constatação da redução de
sua presença entre os representantes eleitos, a Coordenadoria do Orçamento Participativo,
em conjunto com a Coordenadoria da Mulher, tomou iniciativas para
“formação específica
de gênero para as delegadas e conselheiras do OP, bem como para todos os agentes da prefeitura
envolvidos no processo”
, além das plenárias específicas e produção de material dirigido a
este público (
SANCHEZ, 2004: 169).
Essa participação massiva não incluía de forma homogênea, entretanto, todos os
setores do movimento. Setores organizados prioritariamente em
ONGs, ou vinculados a
outras esferas da sociedade – como o mundo acadêmico, cultural etc.–, não se
mobilizavam da mesma forma para este processo de articulação e diálogo, organizado
pelas conferências e pelo Orçamento Participativo, voltado para as políticas cotidianas do
poder público municipal. Assim, a Coordenadoria Especial da Mulher estabeleceu um
outro canal institucional com esses interlocutores(as) considerados importantes, por meio
de um fórum (“Comitê Consultivo de Políticas Públicas para Mulheres”) formado por
dirigentes de entidades do movimento de mulheres da cidade de São Paulo para, de forma
periódica, discutir e avaliar a ação da Coordenadoria e do governo.
A proposição de construir as políticas em conjunto com setores diretamente
interessados foi reafirmada como política de fortalecimento da participação da sociedade,
como mecanismo de democracia e controle social. Mas os instrumentos se mostraram
ainda frágeis. O movimento de mulheres, embora em uma relação continuada com o
2004). As resoluções destas conferências foram absorvidas, em sua quase totalidade, como base para o
texto da 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília, em julho de 2004.
88
No primeiro ano de implantação do Orçamento Participativo, 2001, participaram 33 mil pessoas em suas
diversas fases; nas plenárias preparatórias, as mulheres eram 56% dos presentes; nas deliberativas, foram
59%. Ao se eleger o Conselho do Orçamento Participativo, este percentual caiu para 48%. No ano
seguinte, mesmo com iniciativas de organização própria das mulheres por parte da prefeitura, a presença
das mulheres no Conselho sofreu uma redução de 7%; e na escolha de uma coordenação-geral, com nove
membros, apenas uma mulher assumiu como titular, ficando seis na suplência (P
MSP-CEM. Igualdade ...,
2004 e S
ANCHEZ, 2004). Em 2004, as mulheres eram 45% dos Conselheiros do OP.
211
governo municipal, não se apresentava para o conjunto do governo como um interlocutor
forte, capaz de mobilizar-se para garantir que suas propostas fossem além da
Coordenadoria Especial da Mulher. O outro espaço no qual as mulheres se expressavam
de maneira mais direta, o do Orçamento Participativo, tampouco se consolidara como
mecanismo de definição da pauta governamental.
A articulação com o movimento de mulheres, buscando incorporar diferentes
setores do movimento com suas dinâmicas próprias, fortaleceu a ação da Coordenadoria
no conjunto do governo, mas foi um processo que, refletindo a fragilidade do movimento
de mulheres como um interlocutor, não foi capaz de transformar as mulheres, como
categoria social, em um sujeito central das políticas públicas municipais.
2.5 EM RESUMO
Nas duas gestões em o PT assumiu o governo no município de São Paulo, colocou
em prática a proposta de instituir, no interior da estrutura governamental, um organismo
cujas responsabilidades eram a elaboração, coordenação e implementação, conjunta com
outros órgãos, de políticas voltadas a alterar as desigualdades entre mulheres e homens.
Foram duas conjunturas distintas. A década de 1990 acentuou características que já
vinham se apresentando no final dos anos 1980, com forte influência sobre a ação do
Estado, as políticas públicas e a organização dos movimentos sociais. Nos dois primeiros
aspectos, tornam-se hegemônicas propostas de redução do papel do Estado e dos
investimentos públicos, deslegitimadoras de um ideal de igualdade que orientasse a ação
do poder público. No âmbito dos movimentos sociais, o movimento de mulheres, que
tivera uma presença pública e massiva no início da década de 1980, aprofundou dinâmicas
de dispersão e institucionalização, aumentando o distanciamento entre a base social do
movimento, enraizada nos setores populares, e os grupos organizados prioritariamente em
O
NGs, processo não ocorrido apenas no movimento de mulheres.
212
Colocando em prática a proposta elaborada por feministas do PT, a experiência da
Coordenadoria Especial da Mulher testou potencialidades e limites da implementação de
uma plataforma de política feminista impulsionada pela atuação de um núcleo articulador
no interior do governo. Nos dois momentos, a resposta governamental ficou bastante
aquém do alcance das formulações do partido, que propunham a implantação de uma
secretaria, plenamente integrada no primeiro escalão de governo.
A opção desenvolvida na primeira gestão (1989-1992, governo Luíza Erundina)
para ampliar o alcance e a legitimidade da proposta, identificando-a com a temática geral
dos direitos humanos, não se provou eficaz. Tal proposta é analisada como parte de
distintas estratégias, desenhadas entre nós ou em nível internacional, que, a despeito de
sua intencionalidade, e de forma não-homogênea, provocaram diluição do sujeito político
mulheres, fragilizaram a legitimidade de organismos específicos para políticas para
mulheres e se adaptavam, com mais facilidade, a visões administrativas que enxergavam
na formação de uma “estrutura guarda-chuva”, uma forma de contemplar a pressão dos
diferentes setores, com baixos investimentos. Este formato, de alocação da área de
políticas para mulheres inserida em organismo para direitos humanos ou cidadania, foi
repetido por vários governos petistas. Sua inspiração, entretanto, não pode ser atribuída,
primordialmente, à proposta desenvolvida na capital de São Paulo, que foi pouco
divulgada nesse aspecto, ao contrário do ocorrido com outros governos municipais
importantes, como Porto Alegre e, posteriormente, Santo André. Além, obviamente, da
generalização de uma concepção da ação dos governos em relação às mulheres que dirige-
se a elas como setor ou grupo vulnerável e não sob a ótica de alteração das relações sociais
de sexo. Ao mesmo tempo, as estruturas “guarda-chuva” são consideradas de menor custo
para os governos.
213
A não-existência de instrumentos de articulação política, internamente e
externamente ao governo, de forma sistemática, se mostrou importante para limitar a
eficácia da atuação da Coordenadoria.
Naquele primeiro momento, a Coordenadoria Especial da Mulher enfrentou
barreiras advindas, também, de um maior desconhecimento do tema, que ainda provocava
estranheza. Ao mesmo tempo, sua atuação era colocada em uma posição de externalidade
em relação ao conjunto da administração, tanto por parte da equipe que a compunha
quanto por parte das demais áreas da prefeitura. A prioridade foi dada às políticas de
combate à violência contra mulheres; área em que a Coordenadoria Especial da Mulher, na
gestão Luíza Erundina, desenvolveu propostas inovadoras, em especial com a construção
do primeiro centro de referência e atendimento à mulher, Casa Eliane de Grammont.
No segundo momento (gestão 2001-2004, governo Marta Suplicy), a construção de
uma ação governamental, informada por uma perspectiva feminista, foi articulada em
torno de dois vetores: alteração de práticas e valores, reforçadores da desigualdade das
relações sociais de sexo; e intervenção para fortalecer a implementação de políticas
públicas com incidência direta sobre o cotidiano das mulheres. Igualdade e autonomia
foram eixos organizadores das políticas e programas propostos, concretizados na
ampliação do atendimento à violência sexista, na política desenvolvida junto à área da
educação, na disputa por um ideário feminista no interior da administração. A percepção
da proposta como tema de interesse da prefeita Marta Suplicy atuava positivamente para a
receptividade das proposições apresentadas pela Coordenadoria Especial da Mulher pelas
demais áreas de governo. Por sua vez, a existência continuada de uma organização das
militantes feministas no interior do partido, anterior à experiência no governo, contribuiu
para que a questão tivesse maior potencial de assimilação entre os agentes políticos do
214
governo; disposição que se transformava em proposta de ação governamental uma vez que
houvesse atuação da Coordenadoria.
O desafio de estabelecer uma relação democrática com a sociedade, na elaboração e
controle social das políticas, informou a construção de canais de interlocução sistemática
com o movimento de mulheres, onde se destacam as conferências municipais e o Comitê
Consultivo; além disso, investiu-se na organização das mulheres no orçamento
participativo. A construção destes instrumentos como canais críticos, capazes de tensionar
positivamente o governo, deve ser encarada como embrionária. Iniciativas promissoras,
uma vez que sua permanência pudesse gerar um espaço consistente de interlocução
massiva de mulheres e do seu movimento organizado com os governos. São instrumentos
críticos, arenas de uma cidadania ativa, a depender da importância que lhes seja dada pelos
pólos da equação Estado-sociedade. Do lado dos governos, dependem do real
compromisso que tenham com as discussões aí realizadas; do lado da sociedade,
dependem, em particular, da capacidade de reaglutinação do movimento de mulheres, com
engajamento dos setores com maior acúmulo feminista nas lutas das mulheres que se
colocam no campo do movimento popular por ampliar seus direitos sociais.
A experiência da Coordenadoria Especial da Mulher demonstrou a importância de
existir um mecanismo propulsor, centralizado, que busque incidir na atuação geral do
governo, dando coerência às iniciativas construídas em cada um dos campos de atuação
governamental. A existência de atores estratégicos no interior do governo (detentores de
cargos de decisão; assessores; servidores(as) em posições especializadas)
comprometidos(as) com a temática, e dispostos a agir em seu favor, tornam possível que
decisões tomadas se transformem em ação. A legitimidade ou não atribuída à questão pelo
núcleo de decisão do governo e a percepção da proposta como parte do projeto político
215
com o qual este núcleo é identificado, é fortemente indutora de sua receptividade pelas
distintas áreas da administração.
Com importantes limites, a atuação da Coordenadoria logrou introduzir aspectos de
uma pauta feminista em áreas da ação governamental, dando passos para implantação de
políticas com incidência sobre as relações sociais de sexo de um ponto de vista igualitário;
não se pode dizer, contudo, que uma perspectiva feminista tenha se enraizado no conjunto
do governo.
216
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante a emergência de um novo sujeito político e social – as mulheres – que não
apenas demandavam políticas, mas também insistiam que os governos incorporassem, em
sua estrutura organizacional, instrumentos que viabilizassem a integração destas políticas
na agenda do Estado, propostas distintas se desenvolveram no Brasil.
Militantes feministas do PT enfatizaram a importância de um organismo no interior
do executivo, com o papel de elaborar, articular, coordenar e implementar, em conjunto
com outras áreas de governo, políticas em favor da superação da desigualdade entre
mulheres e homens. Estes organismos deveriam se inserir no primeiro nível da estrutura de
governo, como Ministérios ou Secretarias. A proposta integra um contexto em que
militantes feministas do partido buscavam influenciar para que o PT incorporasse o
feminismo como parte do que se chamava “o modo petista de governar”.
A concepção era distinta da proposta de conselhos da mulher, então hegemônica no
país, expressando estratégias diferentes na relação com o Estado. A proposta desenvolvida
por petistas incorporava não apenas uma crítica à dubiedade na relação com o Estado,
presente no modelo de conselhos da mulher, mas também se fundamentava em que tal
intervenção seria mais eficaz, sendo parte orgânica do projeto político presente no
governo.
A implementação da proposta, pelos governos do PT, evidenciou os limites de um
projeto que não foi assimilado pelo partido com o grau de prioridade almejado por suas
militantes feministas. A proposição de criação de organismos no mais alto grau na
hierarquia de governo não foi assimilada como parte da visão de governo do PT e não se
generalizou nas administrações dirigidas pelo partido. Mas o modelo de Coordenadorias/
Assessorias, ainda que bastante mais limitado que o desenho inicial das petistas, fortaleceu
a defesa de um novo marco institucional no qual os organismos de políticas para as
217
mulheres se colocavam claramente como parte da estrutura governamental, vista como
condição importante para incidir sobre a lógica do governo, de uma perspectiva feminista.
As experiências confirmaram que o grau de integração no projeto político
governamental fortalece a disseminação da proposta no interior do governo, mas não é
suficiente.
As condições externas ao governo mostraram ter grande interferência no peso que
um organismo de políticas para as mulheres e que as propostas constantes de uma
plataforma de ação feminista possam ter. Conjunturas abertas a mudanças, de
reorganização político-institucional, acompanhadas de períodos de maior mobilização
social, favorecem que uma temática não tradicional para a ação de governo ganhe espaço.
A presença ou não da questão na agenda pública é outro elemento que favorece sua
integração na pauta governamental. Tais cenários, entretanto, surgem como potencial. Sua
influência efetiva depende da intervenção de atores estratégicos, do quanto sejam capazes
de incidir sobre a conjuntura, da aceitação que um ideário feminista goze na sociedade,
resultado, por sua vez, do acúmulo logrado pela intervenção do movimento e da incidência
de um pólo feminista nos partidos que compõem o governo.
Quando o PT assume o governo de municípios importantes no país, após 1988, o
movimento de mulheres já se encontrava bastante disperso. Opções predominantes na
construção do movimento concorreram para fragilizar ainda mais a presença pública de
sua plataforma; aprofundaram o distanciamento entre os setores que se organizaram em
ONGs e o movimento social de mulheres, enraizado nos setores populares; e criavam
barreiras a um fortalecimento mútuo da ação feminista que se dava dentro de instituições
mistas – entre as quais se destacam os partidos políticos – e do setor predominantemente
organizado em
ONGs. Esta conjuntura limitava a força do movimento, e de uma plataforma
feminista, para pressionar o governo. Mesmo quando foram desenvolvidos canais
218
permanentes de interlocução entre governo e movimento especificamente, ou entre
governo e sociedade, como as conferências de mulheres e o orçamento participativo,
manifestaram baixo poder de pressão sobre o governo.
Por sua vez, a força da militância feminista e a organização das mulheres petistas
não foram suficientes para que o partido assumisse as reivindicações das mulheres como
parte integrante de sua atuação política, onde se inclui a intervenção governamental. A
criação de organismos de políticas para as mulheres não se tornou regra para os governos
petistas. A questão permaneceu fortemente dependente de conjunturas locais, associadas à
força do movimento de mulheres, do grupo de mulheres petistas organizadas no município
ou Estado, do perfil do(as) dirigentes na condução dos governos.
As dificuldades também se relacionam a peculiaridades da constituição das
mulheres como um sujeito político e social, tornando mais complexas as estratégias
necessárias para influenciar a ação governamental e a agenda política. Uma vez que, na
organização da sociedade, prevalece uma dicotomia entre reprodução econômica e
reprodução social, e o lugar atribuído às mulheres, concreta e simbolicamente, ainda é o
do privado, suas necessidades e interesses não são identificados como interesses gerais.
Sua incidência sobre os interesses econômicos, que movem a sociedade, é percebida como
mediada por opções realizadas no âmbito privado, no interior das famílias.
As estratégias desenvolvidas pelo organismo de políticas para as mulheres
influenciam fortemente sua eficácia dentro do governo. A posição na hierarquia
organizacional e os recursos disponibilizados para sua ação refletem o peso dado pelo
núcleo de governo à proposta. É difícil imaginar a existência de uma política forte, no
interior de governos, sem um instrumento forte para organizar e dar coerência ao seu
desenho e implementação, como parecem conceber as posições que contrapõem a
existência de organismo centralizado à integração da perspectiva de superação das
219
desigualdades entre os sexos em todas as áreas da administração. A efetiva existência de
um quadro técnico, de disponibilidade orçamentária, de condições concretas para agir são
elementos decisivos para compartilhar projetos e programas, parceria sempre mais difícil
quando se entra em uma negociação apenas com “boas idéias”.
Ao mesmo tempo, diante dos limites de um organismo frágil é tentador sucumbir a
uma lógica caracterizada por projetos exemplares ou uma agenda de eventos, debates,
seminários etc. Combinar qualidade e universalidade das políticas é desafio fundamental
de efetivação dos direitos sociais impulsionada pela ação pública, de garantia de direitos e
serviços para o conjunto da população, enfrentando a lógica privatista reforçada nos
últimos anos. Tampouco se trata de negar a importância do debate, da elaboração, aliás,
centrais na disputa de um ideário feminista, de uma visão de cidadania das mulheres, na
intervenção resultante de um projeto de governo e de Estado. Mas é preciso não perder de
vista, apesar das dificuldades estruturais de um organismo cujo papel fundamental é de
articulação e elaboração de políticas, que seu objetivo é a ação governamental. E, mais
importante, que o alvo e o sujeito de tais políticas são as mulheres como cidadãs, que
esperam e demandam do governo políticas que alterem suas condições de vida. E que, de
algum modo, gerem mudanças também nas práticas masculinas.
A construção de uma plataforma de políticas governamentais exige um organismo
responsável por sua articulação e implementação no âmbito do executivo, gerando uma
ação feminista capaz de traduzir uma visão programática em eixos de atuação e ações que,
no seu alcance variado, fortaleçam a construção de relações sociais igualitárias. O
envolvimento de mulheres e homens neste projeto é central para seu sucesso.
Ainda que as experiências desenvolvidas nos governos petistas tenham sido mais
limitadas que o projeto original, se destacam no quadro das políticas desenvolvidas no
país. Na construção do PT, a ação continuada de um grupo de militantes feministas buscou
220
integrar temas e reivindicações das mulheres na intervenção político-partidária, com
reflexos visíveis sobre o que, no Brasil, se tem feito no campo do feminismo e da política.
Isso se manifestou não apenas em ações de governo, mas também em maior participação
de mulheres na vida partidária, nos parlamentos e executivos, em cargos de decisão. Essa
realidade é reconhecida por estudiosas que têm se dedicado à experiência do feminismo no
Brasil (
MACAULAY, 2003 e 2006; ALVAREZ, 2004).
A proposta de que o Estado passe a atuar, no sentido de alterar as desigualdades
inscritas nas relações sociais de sexo, permanece na arena pública brasileira. Sua força
será maior, quanto mais se tornar parte dos projetos políticos dos gestores que assumem os
governos. Sua radicalidade será maior, quanto mais igualitário for o projeto que se tornar
hegemônico. A compreensão, por parte dos responsáveis pela condução das políticas, de
que o Estado reflete e reelabora as desigualdades sociais entre mulheres e homens, é
indispensável para que se reconheça a necessidade de repensar a política sob uma
perspectiva feminista. Mudança que exige uma ação política feminista forte, também, fora
das fronteiras específicas do movimento de mulheres. A presença desta ação no interior
dos partidos é passo necessário para se chegar aos governos.
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ULHERIO. Conselho da Condição Feminina: nossa parcela no poder. Ano 3, nº 13, maio-junho de
1983. p. 12-3. (Texto de Inês Castilho, com opiniões de Elisabeth Souza-Lobo-PT e Lúcia do Amaral
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ULHERIO. Política: Minas. Goiás.Ano 3, nº 13, maio-junho de 1983. p. 11. (Minas: pelo Centro de
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ULHERIO. Um lugar no governo. Ano 2, nº 10, novembro-dezembro de 1982. p. 8-9. (Mesa redonda
com Eva Alterman Blay e Carmen Barroso-PMDB; Elisabeth Souza-Lobo e Bárbara Hartz-PT; Ana
Luíza Viana-PDT).
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230
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Partido dos Trabalhadores-Fundação Perseu Abramo, 1998, 704p.
1
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realizado em junho/1989. (In: PT-FPA, 1998. p.404-26).
PT-Declaração Política. Aprovada pelo Movimento Pró-PT, em outubro/1979. (In: PT-FPA, 1998.
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junho/1986.
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24/02/1989, mimeo.
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UB-SECRETARIA NACIONAL DE MULHERES DO PT. PT Informa Mulheres. São Paulo, agosto de
1992.
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ULHERES. O PT e a luta pela libertação das mulheres. Vitória, 1988. (Texto-base apresentado
pela Comissão organizadora do 2º Encontro Nacional de Militantes Petistas do Movimento de
Mulheres, realizado em Vitória (ES), em 1988). Mimeo.
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Secretaria Nacional de Mulheres do PT, como subsídio ao programa de governo para as eleições
presidenciais de 1994). Mimeo
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da prefeitura de São Paulo em relação às mulheres. São Paulo, dezembro/1988, mimeo.
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T-SP. Construindo a igualdade. Políticas públicas para as mulheres. 2000. (Programa de governo
para as eleições municipais).
IIº Seminário sobre políticas Institucionais das Prefeituras Petistas no Combate à Discriminação das
Mulheres. Santos, 17/fevereiro/1992. mimeo, 16p. (Texto de subsídio para o seminário, elaborado por
comissão com participação de representantes do movimento de mulheres, das Coordenadorias da
Mulher de São Paulo, Diadema e Santos; Assessoria dos Direitos da Mulher de Santo André;
Programa da Mulher de Piracicaba.)
Documentos sobre as Coordenadorias/Assessorias de governos do Partido dos Trabalhadores:
a) Prefeitura Municipal de Santo André – Assessoria dos Direitos da Mulher:
PMSA-ADM. Prefeitura Municipal de Santo André – Assessoria dos Direitos da Mulher. A mulher e as
políticas públicas na administração petista de Santo André – 1989/1991 (mimeo). 18p.
P
MSA-ADM. Prefeitura Municipal de Santo André – Assessoria dos Direitos da Mulher. Relatório de
atividades da Assessoria dos Direitos da Mulhe – 1989-1992. Dezembro/1992. s/n. (documento não
publicado)
b) Prefeitura Municipal de Santos
PREFEITURA DE SANTOS. Relatório de atividades da Coordenadoria da Mulher. 13 fevereiro 1992.
(mimeo). 2p.
c) Prefeitura do Município de São Paulo – Coordenadoria Especial da Mulher:
PMSP-SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL (SGM). Sumário de dados 2004. São Paulo, junho/2004.
394p.
1
Os textos consultados, constantes desta publicação, serão referidos individualmente, com nome e data de
divulgação seguidos de (In: PT-FPA, 1998).
231
PMSP. Coordenadoria Especial da Mulher. (Documento discutido e aprovado pela Prefeita no
processo de formação da Coordenadoria Especial da Mulher). 25/abril/1989 (mimeo)15p.
P
MSP. Secretaria do Governo Municipal-SGM. Portaria 114, de 15 de maio de 2003. Constitui a
Comissão Intersecretarial da Mulher. DOM, 16/05/2003. [Arquivo CEM]
P
MSP-CEM. Esboço de carta da Coordenadoria à Prefeita Luíza Erundina. CEM, s/d [segundo
semestre de 1992] (mimeo). 3p.
P
MSP-CEM. Mulheres em Foco, nº 2, 2003.
P
MSP-CEM. Prefeitura do Município de São Paulo – Coordenadoria Especial da Mulher. Assessoria de
cidadania e direitos humanos. Balanço de 1991 e perspectivas para 1992. s/d [primeiro semestre de
1992] (mimeo). 4p.
P
MSP-CEM. Relatório do Seminário Ser Mulher em São Paulo. CEM, CMV, Secretarias Municipais.
s/d [primeiro semestre de 1991] (mimeo). 12p.
P
MSP-SME. Balanço das ações realizadas. Secretaria Municipal de Educação 2001 – 2004. Agosto de
2004. Mimeo.
P
MSP-SMS. Guia de serviços da rede de saúde sexual e reprodutiva e de atendimento a vítimas de
violência sexual e doméstica. Maio de 2004.
Cadernos da Coordenadoria Especial da Mulher (2001-2004):
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MSP-CEM. As mulheres construindo a cidade. Resoluções da 2ª Conferência Municipal de Mulheres
da Cidade de São Paulo. São Paulo. Prefeitura Municipal. Coordenadoria Especial da Mulher.
Secretaria do Governo Municipal, 2004. 74p.
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MSP-CEM. Educar para a igualdade: gênero e educação escolar. São Paulo. Prefeitura Municipal.
Coordenadoria Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal-Secretaria Municipal de
Educação, 2004. 222 p.
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MSP-CEM. EMÍLIO, Marli; TEIXEIRA eNOBRE, M. (Orgs.). Trabalho e cidadania ativa para as
mulheres: desafios para as políticas públicas. São Paulo. Prefeitura Municipal. Coordenadoria
Especial da Mulher, 2003. 149p.
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MSP-CEM. Gênero e educação. Caderno de apoio para a educadora e o educador. São Paulo.
Prefeitura Municipal. Coordenadoria Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal-Secretaria
Municipal de Educação, 2003. Cartilha: Nem mais nem menos. Iguais.
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Municipal de Mulheres da Cidade de São Paulo. São Paulo. Prefeitura Municipal. Coordenadoria
Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal, 2004. 96p.
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Coordenadoria Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal, 2002. 118 p.
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Coordenadoria Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal, 2004.
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Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal, 2004 (Organização: Tatau Godinho e Maria
Lúcia da Silveira). 166p.
Outras fontes:
Arquivos CEDEM – Centro de Documentação e Memória da Unesp (onde se encontram os arquivos do
C
EDESP – Centro de Documentação e Estudos da Cidade de São Paulo, que aglutinou os arquivos da
gestão 1989-1992, da Prefeitura Municipal de São Paulo. Prefeita Luíza Erundina).
232
237
ANEXOS
1R
OTEIRO DAS ENTREVISTAS
Integrantes da equipe de coordenação da Coordenadoria Especial da Mulher (CEM)
da Prefeitura do Município de São Paulo, gestão 1989-1992.
1 – Como você definiria os objetivos da Coordenadoria?
2 – Estes objetivos eram compartilhados pela equipe?
3 – Quais eram as áreas prioritárias de ação da CEM? O decreto de criação da CEM
estabeleceu as áreas de trabalho abaixo. Havia outras áreas na organização interna da
CEM?
a) Trabalho doméstico, relações trabalhistas e profissionalização;
b) Saúde, sexualidade e reprodução;
c) Violência sexual e doméstica;
d) Educação e creche;
e) Divulgação;
f) Outras áreas afins.
4 – Dentre estas áreas, o que foi considerado prioritário? E o que foi possível,
efetivamente, desenvolver, em sua opinião?
5 – Quais as principais atividades desenvolvidas em sua área de responsabilidade direta?
6 – Como era a relação da CEM com o núcleo do governo?
a) Como você avalia o fato de a Coordenadoria estar vinculada à Secretaria de
Negócios Extraordinários?
7 – A CEM tinha alguma relação direta com a Prefeita? Como as propostas e projetos (ou
problemas) chegavam até ela?
8 – Houve impacto (positivo ou negativo) com a vinculação à Assessoria de Cidadania e
Direitos Humanos? (criada em setembro de 1991)
238
a) Qual era a opinião da equipe da CEM sobre a criação desta nova Assessoria?
(Proposta em setembro de 1990)
b) Criou-se mais um nível de hierarquia para chegar à Prefeita. Como isso era
percebido?
9 – Qual a relação da CEM com a política de creches no município? Tinha influência na
definição das linhas, prioridades etc?
10 – A Prefeitura realizou um programa de orientação sexual nas escolas. Qual o
envolvimento da CEM no projeto?
11 – E no projeto de atendimento ao aborto legal em hospitais municipais?
12 – Quais os instrumentos desenvolvidos, criados ou propostos pela CEM para articular
as políticas para as mulheres com as demais secretarias?
a) O contato com as secretarias era feito diretamente?
b) Havia linhas de hierarquia interpostas? Como se lidava com elas?
13 – Em sua avaliação, quais as principais dificuldades enfrentadas pela CEM no papel de
articulação de políticas para as mulheres dentro do governo?
14 – Havia mecanismos de relação sistemática com o movimento de mulheres da cidade?
Quais eram esses mecanismos?
15 – Havia apoio do movimento de mulheres à Coordenadoria? Como se manifestava?
16 – Na sua opinião, qual o principal impacto da CEM na política da Prefeitura?
17 – Como se dava a relação com o PT? Como o partido se colocava frente à atuação da
Coordenadoria?
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