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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
DAIANE DOS SANTOS, A GAUCHINHA DE OURO:
articulações entre jornalismo esportivo e identidade gaúcha
Dissertação de Mestrado
Vanessa Scalei de Mello
Porto Alegre/RS
Março de 2007
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Vanessa Scalei de Mello
DAIANE DOS SANTOS, A GAUCHINHA DE OURO:
articulações entre jornalismo esportivo e identidade gaúcha
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação e
Informação.
Orientadora: Profª. Dra. Nilda Jacks
Porto Alegre/RS
Março de 2007
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AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas merecem especial
agradecimento pelo incentivo e apoio dados
durante a realização dessa dissertação.
Agradeço a minha família, em especial, a minha
mãe Rosane pelo carinho, pela dedicação e por ter
me incentivado a fazer Mestrado.
À minha orientadora Nilda Jacks, por compartilhar
comigo seus conhecimentos.
Às professoras Ilza Girardi e Márcia Benetti
Machado pela ajuda constante e pelas dicas
sempre pertinentes à realização desse trabalho.
À Josi e ao Marco, do PPGCOM, pela atenção e
colaboração durante os últimos dois anos.
Aos meus colegas e amigos Carine Massierer,
Patrícia Rocha e Reges Schwaab, pelas
discussões teórico-metodológicas e,
principalmente, pelos momentos de descontração.
Por fim, agradeço à CAPES, pela bolsa.
RESUMO
A ginasta gaúcha Daiane dos Santos fez história ao ser a primeira brasileira a
se tornar campeã mundial de Ginástica Artística, no solo. Com isso, foi alçada ao
posto de ídolo do esporte nacional, tornando-se um exemplo a ser seguido. Sabendo
que o jornalismo esportivo cumpre uma função importante ao divulgar
representações da atleta que servem como base na construção da imagem que o
público tem dela, e partindo da idéia que o jornalista mobiliza discursos da
sociedade na qual está inserido para produzir seus textos, a questão central deste
trabalho é saber que discursos são produzidos na representação da ginasta Daiane
dos Santos construída pelo jornalismo esportivo gaúcho. Através da análise das
seções de esporte dos jornais Correio do Povo e Zero Hora, nosso objetivo é
verificar como o jornalismo esportivo gaúcho articula discursos sobre a identidade
regional na representação da atleta. Utilizando conceitos e procedimentos da
Análise do Discurso, pretende-se investigar: a) quais elementos são utilizados para
construir a representação da ginasta pelos jornais; b) se houve alteração da
representação da atleta construída pelos jornais durante o período analisado; c)
como a questão das identidades subalternas (étnica, de classe e de gênero) é
inserida nos textos; e d) como a distinção nacional/regional é trabalhada nos textos.
A análise revela que na representação da ginasta Daiane dos Santos foram
construídos discursos, através de marcas como valentia, bravura, heroísmo e
laboriosidade, que instauram sentidos de Gaúcho Idealizado, Superioridade Gaúcha
e Senso de Justiça. Esses discursos, apesar de fazerem circular sentidos sobre a
identidade gaúcha, não reproduziram a totalidade das representações do
gauchismo, com todos os estereótipos, preconceitos e silenciamentos existentes
nestas.
Palavras-Chave: jornalismo esportivo, identidade gaúcha e Daiane dos Santos.
ABSTRACT
The gaucho gymnast Daiane dos Santos made history being the first Brazilian
woman to win a world title of Artistic Gymnastic, on Floor at the 2003 World
Championships in Anaheim (USA). Because of this, she reaches the position of idol
in the national sport, an example to be followed. Knowing that sportive journalism has
an important function to notice representations of the athlete that serve as a base in
the construction of image that the public has of her, and having the idea that the
journalist mobilizes discourses of the society in which he is inserted to produce his
texts, the central question of this work is to know which discourses are produced in
representation of the gymnast Daiane dos Santos built by gaucho sportive
journalism. Through the analysis of the sportive sections in Correio do Povo e Zero
Hora newspapers, our objective is examine how the gaucho sportive journalism
articulates discourses about the regional identity in the representation of the athlete.
Using the concepts and procedures from the field of Discourse Analysis, is intended
to investigate: a) which elements are used to construct the representation of the
gymnast by the newspapers; b) If there was a changing of the representation of the
athlete built by the newspapers during the period analyzed; c) how the question of
the subalterns identities (ethnic, of group, of order) is inserted in the texts; and d) how
the distinction national/regional is made in the texts. The analysis reveals that in the
representation of the gymnast Daiane dos Santos were built discourses, through
marks as valiantness, bravery, heroism and laboriousness, that establish senses of
Idealized Gaucho, Gaucho Superiority and Sense of Justice. These discourses,
although they make senses about the gaucho identity, they do not reproduce all the
representations of “gauchism”, with all the stereotypes, prejudice and silence that
exist on it.
Key-words: sportive journalism, gaucho identity and Daiane dos Santos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 7
Capítulo 1 – ENTENDENDO O OBJETO EMPÍRICO ..................................... 11
1.1 Daiane dos Santos: das brincadeiras na pracinha do Menino Deus às
conquistas internacionais ...............................................................................
11
1.2 Conhecendo a Ginástica Artística ................................................................. 14
1.3 O Esporte no Jornalismo Gaúcho: alguns aspectos ..................................... 17
1.3.1 O esporte no Correio do Povo ................................................................ 18
1.3.2 O esporte na Zero Hora ......................................................................... 19
Capítulo 2 – DE IDENTIDADES, JORNALISMO E ESPORTE ......................... 21
2.1 Identidades Culturais, Representação e Jornalismo ..................................... 21
2.1.1 Identidades culturais .............................................................................. 21
2.1.2 Identidades culturais e representação ................................................... 24
2.1.3 O Jornalismo como conformador de identidades ................................... 29
2.2 Relações entre Identidade, Meios de Comunicação e Esporte .................... 31
2.3 As Representações do Gauchismo: entendendo a identidade gaúcha ........ 37
Capítulo 3 – ANÁLISE DO DISCURSO E INVESTIGAÇÃO EM
JORNALISMO ....................................................................................................
45
3.1 – Jornalismo, Discurso e Representação ...................................................... 45
3.1.1 - Formações Discursivas, Formações Ideológicas e Interdiscurso ........ 47
3.1.2 – Paráfrases e esquecimentos ............................................................... 49
3.2 – Construindo um dispositivo de análise ....................................................... 50
3.2.1 – Constituição do Corpus de Pesquisa .................................................. 52
3.2.2 – Procedimentos Metodológicos............................................................. 53
Capítulo 4 – A IMPRENSA ESPORTIVA GAÚCHA E DAIANE DOS
SANTOS: OS DISCURSOS CONSTRUÍDOS ....................................................
55
4.1 Representando Daiane dos Santos: dos tablados às páginas dos jornais ... 55
4.1.1. Mundial de Anaheim: o ineditismo ........................................................ 56
4.1.2. Jogos Olímpicos de Atenas: expectativa, tristeza e exaltação ............. 60
4.1.3. Super Final da Copa do Mundo, em Birmingham: a número 1 ............. 65
4.1.4. Mundial de Melbourne: “sem explicação” .............................................. 67
4.2 Mapeando as Marcas Discursivas ................................................................ 70
4.2.1. Marcas da identidade gaúcha ............................................................... 70
4.2.2. Marcas das identidades subalternas ..................................................... 78
4.3 Os sentidos aparecem: os discursos produzidos na representação de
Daiane dos Santos ..............................................................................................
84
4.3.1 FD 1 – Gaúcho Idealizado ...................................................................... 84
4.3.2 FD 2 – Superioridade Gaúcha ................................................................ 90
4.3.3 FD 3 – Senso de Justiça ........................................................................ 94
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 99
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ..................................................................... 104
ANEXOS ............................................................................................................. 113
INTRODUÇÃO
O jornalismo já não pode mais ser visto como um espelho da realidade, que
apenas reproduz o real tal e qual ele acontece. Ao contrário, ele deve ser encarado
com uma construção discursiva que produz sentido, através da mobilização da
memória discursiva e sendo capaz de produzir identificações nos indiduos. Ao se
analisar a produção jornalística tem que se ter em mente que ela é fruto de uma
série fatores como a rotina de trabalho, o sistema organizacional, os valores-notícia,
as relações com fontes e a sociedade. Com isso, desconstrói-se a idéia de que o
jornalismo é imparcial, objetivo e transparente.
Ao entender que o jornalismo é uma construção subjetiva, subordinada aos
enquadramentos sociais e culturais, não é possível pensá-lo fora do seu contexto de
produção. Desse modo, pensar a prática dos jornalistas é também pensar a
sociedade na qual eles estão inseridos. Ao escrever uma matéria o profissional
acaba, mesmo que inconscientemente, reproduzindo valores da sua cultura e
transferindo para seu texto conceitos e preconceitos que foram socialmente
definidos. Dentro desse contexto, é possível pensar o jornalismo como um lugar
onde as identidades se manifestam.
Pensar essas relações que acontecem entre o jornalismo e as identidades é a
proposta desta pesquisa. Falamos aqui, num caso bem específico, que é do
jornalismo esportivo, dos ídolos do esporte e da identidade gaúcha. Esta é uma
identidade que se institucionalizou com a criação do Movimento Tradicionalista
Gaúcho, na década de 1940, e vem mantendo um discurso que, apesar de estar
baseada numa cultura rural, ainda é o ponto de identificação do povo do Rio Grande
do Sul.
A base de sustentação da identidade gaúcha é a figura mítica do gaúcho,
que, inicialmente, designava apenas aqueles homens que trabalhavam no campo,
8
mas com o passar do tempo as características e valores atribuídos a ele passaram
também a identificar os valores que essa “comunidade imaginada” atribui para si.
Todo gaúcho identifica em si e nos seus semelhantes características que os
diferenciam dos outros povos do Brasil, porque é assim que uma identidade
funciona, num constante processo de identificação-diferenciação.
No momento em que toda uma populão credita a si qualidades que
acreditam ser diferentes das dos “outros” é provável que aqueles que sirvam de
referência a este povo também detenham estas qualidades. Isso funciona com os
heróis da política, das guerras e, também, do esporte.
Neste contexto, entra o papel do jornalismo esportivo na transformação de um
atleta em ídolo, pois entendemos que este ao representar o atleta vai acabar
mobilizando discursos da cultura em que se insere. Mas, não é qualquer atleta que
se transforma em um ídolo. Essa posição é destinada apenas àqueles que
obtenham êxitos e possuam carisma.
Nesta última década, O Rio Grande do Sul viu surgir um novo ídolo, de uma
modalidade esportiva pouco conhecida no país e até então considerada de elite. A
gaúcha Daiane dos Santos, foi a primeira ginasta brasileira a ser campeã mundial e
a primeira ginasta negra a participar de uma final olímpica. Muito carismática, ela fez
o país do futebol” simbolicamente parar para vê-la se apresentar nos Jogos
Olímpicos de Atenas, em 2004. Talvez, Daiane seja hoje a principal atleta mulher do
país, com sua imagem figurando em campanhas publicitárias, seu nome circulando
com freqüência em todos os tipos de programas de televisão, nas rádios, nos jornais
e nas revistas. Para a mídia gaúcha ela é mais especial ainda. Tudo que diga
respeito a Daiane dos Santos vira notícia no Rio Grande do Sul, desde sua ida ao
estádio para torcer pelo seu time de futebol até seu envolvimento em um acidente de
trânsito.
Por tudo isso, Daiane se transformou num ídolo, servindo também como
ponto de referência para quem se identifica com ela. Nesse contexto, o papel do
jornalismo esportivo é muito importante uma vez que é através dele que as pessoas
tomam conhecimento sobre o que a ginasta está fazendo, onde vai competir, como
se saiu e como é sua vida fora dos ginásios. Através do que está sendo dito pelos
jornalistas as pessoas constroem sua opinião sobre ela, ou seja, a forma como
Daiane é representada influencia na imagem que as pessoas fazem dela.
9
Então, partindo da idéia que o jornalismo mobiliza discursos da sociedade na
qual está inserido para produzir seus textos, a questão central deste trabalho é
saber que discursos são produzidos na representação da ginasta Daiane dos Santos
construída pelo jornalismo esportivo gaúcho. Os objetos de estudo são as seções de
esporte dos jornais Correio do Povo e Zero Hora.
Nosso objetivo geral de pesquisa é compreender como o jornalismo esportivo
gaúcho articula discursos sobre a identidade regional na representação da atleta.
Para isso partimos dos seguintes objetivos específicos:
a) Identificar quais marcas discursivas são utilizadas para construir a
representação da ginasta Daiane dos Santos pelos jornais Zero Hora e
Correio do Povo;
b) Analisar se houve alteração da representação da atleta construída pelos
jornais;
c) Verificar como a questão das identidades subalternas (étnica, de classe e de
gênero) é inserida nos textos;
d) Verificar como a distinção nacional/regional é trabalhada nos textos.
A análise dos jornais será feita através de conceitos e procedimentos vindos
da Análise do Discurso de linha francesa. Este método permite que a investigação
chegue o mais próximo possível do “real dos sentidos” que são produzidos pelos
discursos. Através da AD é possível perceber que discursos outros estão atuando na
formação de sentido do texto em estudo.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No capítulo 1, “Entendendo o
Objeto Empírico”, tratamos do objeto empírico, trazendo informações sobre a vida e
a carreira da ginasta Daiane dos Santos, sobre o seu esporte – a ginástica artística,
e sobre os jornais que serão analisados. No capítulo 2, “De Identidades, Jornalismo
e Esporte”, apresentamos a base teórica que norteou a construção da pesquisa: a
questão das identidades culturais e a sua relação com o jornalismo e o esporte e,
ainda, abordamos a questão das representações da identidade gaúcha.
No capítulo 3, “Análise do Discurso e Investigação em Jornalismo”
apresentamos os conceitos de Análise do Discurso utilizados na pesquisa e sua
relação com o jornalismo e os procedimentos metodológicos que serão adotados na
análise dos jornais.
10
Por fim, no capítulo 4, “A Imprensa Esportiva Gaúcha e Daiane dos Santos:
Os Discursos Construídos”, apresentamos os resultados obtidos na investigação.
Primeiramente, trazemos a representação da atleta que foi construída pelos jornais,
depois apresentamos as marcas discursivas encontradas na análise e, em seguida,
os discursos que foram construídos.
1. ENTENDENDO O OBJETO EMPÍRICO
Este capítulo inicial tem o propósito de marcar uma aproximação com o objeto
empírico. Conhecer não só os dois jornais que serão analisados, como também
saber quem é a ginasta Daiane dos Santos e o que é ginástica artística - a
modalidade que ela pratica. Dessa maneira, apresentamos uma biografia da atleta,
mostrando o seu desenvolvimento dentro da ginástica brasileira e internacional,
destacando os principais títulos conquistados; uma explicação sobre o esporte
praticado por ela, trazendo um breve histórico da modalidade, demonstrando as
diferenças entre ginástica masculina e feminina e os aparelhos que compõem um
prova e a forma de pontuação; e uma descrição sobre o jornalismo esportivo
produzido pelos jornais Correio do Povo e em Zero Hora.
1.1 Daiane dos Santos: das brincadeiras na pracinha do Menino Deus às
conquistas internacionais
1
A gaúcha Daiane Garcia dos Santos nasceu em Porto Alegre, em 12 de
fevereiro de 1983. Filha de funcionários públicos – Magda e Moacir – talvez nunca
tenha imaginado que seu destino seria quebrar tabus. A ginasta foi descoberta por
acaso numa pracinha do bairro Menino Deus, na capital gaúcha. A professora
Cleusa de Paula viu na menina de 11 anos, que brincava em um trepa-trepa,
potencial para a ginástica e a convidou para treinar no CETE (Centro de
Treinamento Esportivo).
1
A construção desta biografia foi baseada em matérias sobre a vida de Daiane dos Santos
publicadas pelos sites GazetaEsportiva.net e Ginásticas.com e pela revista O2.
12
Embora levasse jeito, Daiane era considerada velha para uma iniciante. Na
ginástica, os atletas, normalmente, começam aos cinco ou seis anos de idade.
Mesmo assim, seguiu treinando obstinadamente.
Mostrando evolução a cada dia, aos 13 anos foi convidada a fazer parte da
equipe do Grêmio Náutico União, um dos clubes mais tradicionais de Porto Alegre.
Em 1997, com 14 anos, conquistou seus primeiros títulos: foi campeã brasileira (no
salto sobre a mesa) e medalha de ouro no Campeonato Sul-Americano (no salto e
no solo), todos na categoria juvenil.
No ano seguinte passou à categoria adulta e em 1999 obteve seu melhor
resultado internacional: nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg (Canadá), Daiane
conquistou duas medalhas de bronze (por equipe e no solo) e uma de prata (no
salto). Neste momento, aos 16 anos, foi alçada ao estrelato no cenário esportivo
nacional e passou a disputar com Daniele Hypólito o título de ginasta número 1 do
Brasil. Depois deste feito, Daiane mudou-se para Curitiba para treinar no Centro de
Excelência de Ginástica, juntamente com a seleção brasileira permanente.
A primeira grande frustração de sua carreira veio em 2000, nos Jogos
Olímpicos de Sydney (Austrália), quando foi como reserva de Daniele e do banco
não saiu em nenhum momento. Daiane que até então era uma referência,
principalmente para a mídia, começou a cair no esquecimento. Seus resultados já
não eram tão bons e Daniele Hypólito era tida como a principal ginasta brasileira.
Para complicar ainda mais sua situação, uma lesão no tendão patelar do joelho
esquerdo a levou à mesa de cirurgia, em 2002. Chegou a perder 50% da força na
perna, mas a dedicação à fisioterapia e aos treinos fez com que recuperasse a
capacidade normal em pouco tempo.
Em 2003, fez nova cirurgia no joelho às vésperas do Pan-Americano de Santo
Domingo. Com uma recuperação extremamente rápida foi ao Pan e conseguiu
apenas uma medalha de bronze por equipes. Com esse resultado, aos 20 anos
Daiane já era dada como “acabada” para o esporte pela imprensa.
Mas, duas semanas após voltar de Santo Domingo viajou para Anaheim, nos
Estados Unidos, para participar do Mundial. Competindo no solo, surpreendeu a
todos apresentando uma série muito difícil de ser executada, inclusive com
movimentos que até então eram inéditos. A nota final 9,737 superou a das russas,
romenas, norte-americanas, chinesas e espanholas. A pequena ginasta, de 1,45
metros, entrava para a história do esporte como a primeira brasileira e a primeira
13
negra a conquistar uma medalha de ouro em Mundiais. Se não bastasse isso, o
movimento “duplo twist carpado”
2
recebeu nota E+ (a nota máxima) da Federação
Internacional de Ginástica e foi batizado com o nome “dos Santos”, pois Daiane tinha
sido a primeira ginasta a executá-lo
3
.
Depois desse acontecimento a vida de Daiane mudou, ela passou a ser a
principal ginasta brasileira de todos os tempos, sua imagem começou a ser
amplamente divulgada pelos meios de comunicação. Assim, ela se transformou em
um ídolo do esporte nacional.
De agosto de 2003 até maio de 2004, repetiu o feito de Anaheim em quatro
etapas da Copa do Mundo de Ginástica. Foram quatro medalhas de ouro que lhe
renderam a liderança do ranking internacional e o favoritismo ao “ouro olímpico”, nos
Jogos de Atenas. Porém, uma ameaça ao sonho olímpico surgiu: nova lesão e, dois
meses antes do início das Olimpíadas, Daiane foi submetida a uma vídeo-
artroscopia no joelho direito. Com sessões intensivas de fisioterapia a ginasta
conseguiu recuperar-se a tempo de competir em Atenas.
Nas Olimpíadas, todos os olhos do mundo e, principalmente, do Brasil
estavam voltados para ela. Aos 21 anos de idade, Daiane levava nas costas o peso
de ser a favorita. Na fase classificatória, conseguiu a terceira melhor nota e a
classificação para a final.
No dia 24 de agosto de 2004, às 15 horas, o país simbolicamente parou para
assistir a primeira brasileira a participar de uma final olímpica no solo. Em Porto
Alegre, no Rio de Janeiro e em São Paulo telões foram colocados em locais públicos
para a população assistir a transmissão da prova.
Daiane foi a primeira a se apresentar, o que nenhuma ginasta gosta, pois
acreditam que podem ser prejudicadas pelo excesso de rigor dos jurados. A música
era contagiante. Os alto-falantes tocaram os primeiros acordes de “Brasileirinho”
4
e o
público que estava no ginásio em Atenas foi ao delírio. Daiane começou sua
apresentação e ... um passinho fora do tablado, mais um pequeno erro na segunda
2
O “duplo twist carpado” ou “dos Santos” é tecnicamente definido como um movimento com 180º de
rotação sobre o eixo longitudinal combinado com duas rotações para frente sobre o eixo transversal
na posição carpado (com flexão do tronco sobre as pernas em um ângulo menor que 90º). Numa
definição coloquial, é um salto com meio giro seguido de dois saltos mortais. (Fonte: site da
Confederação Brasileira de Ginástica - CBG).
3
Na ginástica é comum batizar os movimentos com o nome dos ginastas que o executaram pela
primeira vez.
4
Brasileirinho é um chorinho composto por Waldir Azevedo, mas a versão utilizada por Daiane em
suas apresentações é um remix, que utiliza batidas eletrônicas misturadas com samba.
14
linha e o sonho do ouro olímpico terminava. Daiane acabou a competição em quinto
lugar. O que para muitos tinha sido uma decepção, para a ginasta foi somente um
erro que poderia ter acontecido com qualquer outra ginasta. Afinal, a ginástica é um
esporte de muita precisão e técnica.
Em dezembro do mesmo ano voltava a competir e a brilhar na Super-Final da
Copa do Mundo de Birmingham (Inglaterra). Daiane conseguiu a medalha de ouro e
encerrou o ano na liderança do ranking.
No ano seguinte, ganhou mais três “Ouros” em etapas de Copa do Mundo. O
mais emocionante foi conquistado na etapa de São Paulo, em maio de 2005, quando
o som parou por causa da vibração do ginásio, provocada pela torcida no meio da
sua apresentação. Mesmo assim, Daiane seguiu com a coreografia e terminou a
série. Tirou a melhor nota.
Em novembro de 2005, no Mundial de Melbourne, na Austrália, ela buscava o
bicampeonato. Um erro de cálculo na força imprimida ao executar o seu “dos
Santos” e veio a queda. Terminou o Mundial na sétima posição.
No ano de 2006, conquistou apenas uma medalha de ouro em etapas da
Copa do Mundo, em Moscou. Em outubro, Daiane foi ao Mundial de Aarhus, na
Dinamarca, cometeu alguns erros e terminou na quarta posição.
Em dezembro, a Super-Final da Copa do Mundo foi realizada em São Paulo.
Com o Ginásio do Ibirapuera lotado, três brasileiras fizeram a final no solo: Daiane,
Daniele Hypólito e Laís Souza. Fazendo a série praticamente sem erros, Daiane
tirou a nota 15.600
5
e conquistou a medalha de ouro.
A ginasta gaúcha inicia o ano de 2007 com foco no PAN do Rio de Janeiro e
na disputa pela vaga para as Olimpíadas de 2008, em Pequim, quando terá 25 anos.
Nada mal para quem foi considerada velha ao iniciar a carreira.
1.2 Conhecendo a Ginástica Artística
Para começar esta breve explicação sobre a modalidade esportiva que
Daiane dos Santos pratica é preciso esclarecer que Ginástica Artística também já foi
chamada de Ginástica Olímpica. A mudança do nome foi decorrência da promoção
5
A partir das Olimpíadas de Atenas, em 2004, o código de pontuação da ginástica mudou e a nota
máxima passou de 10 para 20.
15
de outras manifestações de ginástica a esportes olímpicos, a saber: Ginástica
Rítmica Desportiva (GRD) e Trampolim Acrobático. Com isso, a Federação
Internacional de Ginástica (FIG) optou pela denominação de Ginástica Artística, uma
vez que ginástica olímpica pode denominar qualquer uma das manifestações da
ginástica que participam dos Jogos Olímpicos (NUNOMURA et. al., 2004).
Historicamente chamada apenas de Ginástica, inicialmente consistia em um
treinamento físico. Foi com o alemão Friedrich Ludwig Jahn que houve a
organização do esporte, com a criação de regras e dos aparelhos. A criação da
Federação Internacional de Ginástica, em 1881, abriu caminho para a realização das
primeiras provas internacionais da modalidade. A primeira edição dos campeonatos
mundiais realizou-se em Antuérpia em 1903.
Esta modalidade iniciou sua trajetória olímpica nos Jogos de Atenas, em
1896, primeiramente só com a participação de homens. As mulheres estrearam nos
Jogos Olímpicos de Amsterdã, em 1928, na Olimpíada seguinte (Los Angeles
1932) não tiveram participação e voltaram a participar, agora definitivamente, em
Berlim (1936). A ginasta mais conhecida de todos os tempos é a romena Nadia
Comaneci, que em Montreal (1976) obteve pela primeira vez na história a nota 10,
nas barras assimétricas. Naquela época, nem o placar tinha números suficientes
para apontar a nota da romena. Em duas Olimpíadas, Comaneci conquistou cinco
medalhas de ouro, três de prata e uma de bronze.
No Brasil, a Ginástica Artística foi introduzida pela colonização alemã, em
1824, no Rio Grande do Sul e o primeiro clube oficial foi a Sociedade Ginástica de
Joinville, em Santa Catarina, fundada em 16 de novembro de 1858, sendo a mais
antiga da América do Sul. Entretanto, somente a partir de 1888 o esporte começou a
ser difundido pelo país e as primeiras competições tiveram início em 1896, também
no Rio Grande do Sul.
O primeiro campeonato brasileiro de ginástica aconteceu em 1951, ano da
filiação do Brasil à Federação Internacional de Ginástica. Entretanto, a
Confederação Brasileira deste esporte só foi fundada em 1979 e isso conferiu mais
autonomia para a ginástica no país.
A participação do Brasil em olimpíadas iniciou em 1980, nos Jogos de
Moscou, com Claudia Magalhães e João Luiz Ribeiro. No século XX, a melhor
participação brasileira nos Jogos Olímpicos aconteceu com a ginasta Luísa Parente,
que em Seul (1988) participou da final no individual geral, ficando na 34ª posição. A
16
partir do ano 2000, as melhores classificações foram com Daiane dos Santos, com o
quinto lugar no solo, e Daniele Hypólito, como o 12º no individual geral, ambas nos
Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004.
No que diz respeito aos mundiais, as melhores classificações brasileiras
foram com Daiane dos Santos e Diego Hypólito. Ela campeã em Anheim, 2003, e ele
campeão em Melbourne, em 2005, ambos no solo.
a) As provas da ginástica artística
6
A Ginástica Artística é um conjunto de exercícios corporais sistematizados,
aplicados com fins competitivos, em que se conjugam a força, a agilidade e a
elasticidade. Os atletas podem competir individualmente - por aparelho ou em todos,
no individual geral - e por equipes, onde todos os ginastas competem em todos os
aparelhos e é feita a média de pontos da equipe.
Os aparelhos que os ginastas se apresentam são: para as mulheres quatro –
exercícios de solo (com fundo musical e duração de 1 minuto e 30 segundos), salto
sobre a mesa (de 1,10 m de altura, na horizontal), barras assimétricas (de 2,30 m e
1,50 m de altura), e trave de equilíbrio (de 10 cm de largura e 5 metros de
comprimento); e para os homens seis – barra fixa, barras paralelas, cavalo com
alças, salto sobre a mesa, argolas e solo (sem fundo musical).
Na apresentação o ginasta precisa fazer os elementos obrigatórios (que são
iguais para todos os competidores) e acrescentar outros movimentos para garantir
pontos extras. O sistema de pontuação, que foi modificado após os Jogos Olímpicos
de Atenas, permite que a nota máxima seja 20 pontos
7
e funciona da seguinte
maneira: antes da apresentação o ginasta entrega ao júri a planilha com os
elementos que irá executar, através dela os juízes decidem a nota de partida, que é
a nota máxima que aquele ginasta poderá obter, se não cometer erros. Os juízes
procuram erros de postura, de execução, dentre outros, para deduzir do valor inicial
do atleta. Feitas as deduções tem-se a nota final. O valor de cada elemento e os
6
A elaboração desse texto sobre as provas, aparelhos e forma de julgamento foi baseada em
informações extraídas dos sites da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e Ginásticas.com.
7
Até os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, a nota máxima era 10.
17
movimentos obrigatórios de cada aparelho estão no "Código de Pontos"
desenvolvido pela FIG. Este código muda a cada quatro anos, após as Olimpíadas.
1.3 O Esporte no Jornalismo Gaúcho: alguns aspectos
As primeiras notícias sobre esporte no Rio Grande do Sul foram produzidas
pelo jornalista Archymedes Fortini e publicadas pelo jornal Correio do Povo, em
1905. Nesta época, o esporte era praticado nos clubes e sociedades e o futebol era
apenas um protótipo de modalidade esportiva. As principais modalidades eram o
turfe, o remo e a ginástica. Inicialmente, eram publicadas apenas notas com a
informação dos resultados das competições (HATJE, 1996).
Até a década de 1930 era cedido pouco espaço para o esporte nos jornais,
mas em 1937, a empresa jornalística Caldas Júnior criou o jornal Folha da Tarde
Esportiva, que primeiramente circulava às segundas-feiras. A partir de setembro de
1949 passou a circular diariamente e seguiu assim até maio de 1964, quando voltou
a ser semanal. A Folha da Tarde Esportiva foi muito importante para o jornalismo
esportivo gaúcho, pois numa época em que o esporte era praticamente amador, o
jornal chegava a circular com 50 páginas de notícias esportivas. O jornal foi extinto
em julho de 1973.
Até a década de 1960, as matérias continham apenas relatos sobre as
competições, e o fato inusitado ficava por conta das fotos que eram publicadas: em
todas elas era preciso que o jornalista aparecesse ao lado do entrevistado para
confirmar a sua presença no local dos eventos (HATJE, 1996). A partir da década de
1970, começou a ser valorizado o lado humano dos profissionais do esporte e
começaram a ser produzidas reportagens sobre a vida e a família dos atletas,
técnicos e dirigentes. Essa humanização das pautas já vinha acontecendo em todo o
país e de acordo com José Eduardo de Carvalho (2005) isto possibilitou que o
jornalismo esportivo passasse “da cozinha para a sala de estar”, pois os textos
ficaram mais criativos e com uma linguagem mais elaborada.
As coberturas de Copas do Mundo pelos jornais gaúchos somente tiveram
início em 1962, quando a empresa Caldas Júnior em parceria com as Tintas Renner,
enviou o repórter Edmundo Soares ao Chile para que fizesse a cobertura. Soares foi
repórter e fotógrafo ao mesmo tempo. Depois disso, os eventos internacionais (Copa
18
do Mundo e Jogos Olímpicos, em especial) começaram a receber atenção maior dos
jornais, que mandavam seus repórteres aos locais de competição.
Com a vitória da seleção brasileira na Copa de 1962, começou a haver uma
ampliação do espaço destinado ao futebol nos jornais, em detrimento dos outros
esportes. Mesmo assim, voleibol, natação, basquete, turfe e automobilismo
continuavam a receber espaços razoáveis. Na década de 1970, a seção de esportes
dos jornais gaúchos chegou a constituir um terço das publicações (HATJE, 1996).
Aos poucos, esse espaço foi diminuindo e hoje ocupa no máximo um oitavo.
Um ponto relevante no desenvolvimento do jornalismo esportivo gaúcho é a
chamada especialização dos jornalistas, que começou a ocorrer a partir da década
de 1960. Até então, quem escrevia sobre esportes deveria ter conhecimento de
várias modalidades e, atualmente, as editorias de esporte são divididas em duas
subeditorias: a de futebol e a dos outros esportes.
Além disso, outro ponto a ser destacado é que nos dias atuais, em
conseqüência dessa especialização e, também, da hegemonia da televisão nas
coberturas esportivas e da forte presença do marketing e publicidade nas redações,
o jornalismo esportivo gaúcho, assim como o do restante do país, está vivendo uma
fase de “mecanização da pauta e do discurso” (CARVALHO, 2005), na qual os
acontecimentos são inseridos dentro de uma espécie de forma, saindo todos muitos
parecidos, e a linguagem ficou mais vulgar, com o uso de expressões do tipo
“Colorado jantou o Peixe” ou “O Brasil amarelou?”. Mesmo assim, ainda existem
algumas exceções, alguns jornalistas que conseguem manter um padrão de texto
mais elaborado e mostrar a emoção do evento com criatividade, sem cair na
vulgaridade.
1.3.1. O esporte no Correio do Povo (CP)
O Correio de Povo, de propriedade da Empresa Jornalística Caldas Júnior,
como foi visto, foi o primeiro jornal gaúcho a publicar notícias de esporte.
Atualmente, pela linha editorial adotada pela empresa desde a reabertura do jornal
19
na década de 1990, as matérias constituem-se de notícias curtas compostas de lide
8
e sub-lide, o que dificulta o detalhamento dos temas.
À editoria de esportes são reservadas as últimas páginas do jornal, sendo que
de terça a domingo, circula com duas ou três páginas. Nas segundas-feiras o espaço
do esporte aumenta para quatro ou cinco páginas, devido à concentração de
competições nos finais de semana. Por questões óbvias, a maior parte deste espaço
é reservado ao futebol e aos outros esportes só é dado espaço maior quando há
competições importantes – como Olimpíadas e Mundiais de Voleibol – ou quando
um atleta gaúcho conquista um título importante. Hoje o jornal conta com apenas um
colunista esportivo fixo, o jornalista Hiltor Mombach.
À cobertura de grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíada, é dado
um espaço um pouco maior que o habitual. Porém, não são enviados muitos
jornalistas para a cobertura local. No caso dos Jogos Olímpicos de Atenas apenas o
jornalista e colunista Hiltor Mombach foi enviando.
A linha editorial e o pouco espaço tornam a cobertura esportiva do Correio do
Povo bastante superficial, mesmo assim, os atletas e times gaúchos sempre
merecem destaque no jornal.
1.3.2. O esporte na Zero Hora (ZH)
Como o jornal Zero Hora foi fundado em 1964 já iniciou suas atividades
quando o jornalismo esportivo gaúcho estava mais solidificado. Devido à estrutura
do Grupo RBS, o jornal contou desde seu início com boas equipes de profissionais
(HATJE, 1996). ZH foi um dos primeiros jornais do país a aderir a humanização das
pautas de que falamos anteriormente.
Atualmente, circula com sete ou oito páginas dedicadas à editoria de esportes
de terça a domingo. Nas segundas-feiras, é publicado o caderno ZH Esportes, que
varia de doze a 20 páginas. Em época de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos são
8
Lide: é o parágrafo introdutório de um texto jornalístico, nele devem ser respondidas as perguntas: o
quê, quem, quando, onde, como e por quê. A finalidade do lide, de acordo com o que diz o Manual da
Folha de São Paulo (2001, p. 28), é “introduzir o leitor na reportagem e despertar seu interesse pelo
texto já nas linhas iniciais. Pressupõe que qualquer texto publicado no jornal disponha de um núcleo
de interesse, seja este o próprio fato, uma revelação, a idéia mais significativa de um
debate, o
aspecto mais curioso ou polêmico de um evento ou a declaração de maior impacto ou originalidade
de um personagem”.
20
publicados cadernos especiais diários sobre os eventos, que variam de doze a 20
páginas.
Zero Hora conta com quatro colunistas fixos, sendo 3 jornalistas e um ex-
jogador de futebol: Ruy Carlos Ostermann, Paulo Roberto Falcão, Wianey Carlet e
Mário Marcos de Souza. Aos domingos e quartas-feiras é publicada a coluna do
jornalista David Coimbra, editor-executivo de esportes do jornal, entretanto, o
conteúdo desta coluna não é esporte, ela é constituída por textos sobre temas
diversos.
Nas coberturas de grandes eventos são enviados repórteres que compõem a
equipe da empresa RBS. Quer dizer, o Grupo forma uma equipe composta por
repórteres de todos os meios (jornal, rádio, tv e internet) que é enviada ao local de
competição. Dessa forma, um jornalista de Zero Hora pode fazer matérias para a
RBS TV e vice-versa. Um exemplo foi na Copa do Mundo de 2006, quando o
jornalista Ruy Carlos Ostermann fazia comentários e pequenas matérias para o
jornal do almoço. A estrutura oferecida pelo Grupo RBS permite que seja feita uma
cobertura mais ampla, pois a presença de mais profissionais possibilita que vários
assuntos possam receber atenção.
O futebol é o assunto que predomina em ZH, mas dependendo do evento,
outro esporte pode ganhar maior destaque. As notícias que envolvem gaúchos
também têm preferência. O diferencial deste jornal em relação ao Correio do Povo é
o maior espaço destinado aos assuntos e o maior detalhamento, pois são
produzidas reportagens. Outro diferencial é a produção de séries especiais sobre
temas ligados ao esporte.
2. DE IDENTIDADES, JORNALISMO E ESPORTE
Este capítulo compreende a apresentação da base teórica que norteou a
construção dessa pesquisa. Apresentamos aqui uma reflexão sobre os principais
conceitos que serão adotados. Inicialmente, abordamos a questão das identidades
culturais, representação e de como o jornalismo atua na conformação de
identidades. Em seguida, fazemos uma reflexão sobre as relações entre meios de
comunicação, esporte e identidades, procurando dar ênfase às conexões entre o
jornalismo esportivo e identidade. E, por fim, abordamos a questão da construção da
identidade gaúcha.
2.1 Identidades Culturais, Representação e Jornalismo
2.1.1 Identidades culturais
A identidade é definida por Manuel Castells (1999, p. 22) como sendo a “fonte
de significado e experiência de um povo”. A identidade é um processo de construção
de significados, baseados em um conjunto de atributos culturais que predominam
sobre outras fontes de significado. No mesmo sentido, Stuart Hall (2000) entende
que a identidade cultural é aquilo que surge do nosso sentimento de “pertencimento”
a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, em especial, nacionais. Esse
sentimento de “pertencimento” Hall denomina “identificação” e Castells (id. ibid.) de
significado, ou nas palavras deste autor, a “identificação simbólica, por parte de um
ator social, da finalidade da ação praticada” é denominada significado.
Todo processo de identificação leva, simultaneamente, à inclusão e à
exclusão. Ou seja, ele identifica aqueles que são iguais perante algum ponto e os
22
distingue daqueles que são diferentes. Então, pode-se dizer que a identidade
cultural está baseada na diferença cultural. A identidade fundamenta-se na memória
e no hábito e afirma-se primeiro num processo de diferenciação-identificação
(SODRÉ, 1999) do que é igual e do que é diferente. Quer dizer, uma identidade
constrói-se com base no princípio de semelhança e diferença, da mesma forma que
ocorre com a construção dos significados. Para Hall (2003) todo significado é dado
no processo de relação de semelhança e diferença ou presença e ausência.
Nesse sentido, Kathryn Woodward (2000) afirma que a identidade é
relacional, pois, para que exista, ela depende de algo que está fora dela: uma outra
identidade. Uma identidade que ela não é, mas que fornece condições para sua
existência. Então, a identidade é marcada pela diferença e a diferença é sustentada
pela exclusão.
Dentro do campo das ciências sociais, Denis Cuche (1999) estabelece
distinção entre três concepções de identidade: a objetivista, a subjetivista e a
relacional/situacional.
Na concepção objetivista a definição de identidade é concebida a partir de
critérios determinantes e objetivos, como a língua, a cultura, a religião ou o vínculo a
um território. Nessa concepção, a identidade seria algo determinado sem a
consciência do indivíduo, seria algo inerente a ele e que o marcaria
permanentemente conduzindo-o ao seu grupo originário. Em outras palavras, o
sujeito nasceria com uma identidade e permaneceria com ela ao longo de sua
existência.
Tal concepção aproxima-se daquilo que Woodward (2000) chama de
perspectiva essencialista de identidade. Essa perspectiva, que pode estar baseada
tanto na história como na biologia, entende a identidade como conjunto de
características que são semelhantes, inerentes e inalterados em um determinado
grupo de pessoas.
A concepção subjetivista entende que a identidade cultural parte de um
sentimento de vinculação ou uma identificação com algo. Aqui, “[...] o importante são
então as representações que os indivíduos fazem da realidade social e de suas
divisões” (CUCHE, 1999, p. 181). Quer dizer, nesta concepção a identidade é algo
pessoal e depende das identificações e escolhas do indivíduo. Embora, a linha
subjetivista tenha importância para a área da Psicologia, nas Ciências Sócias ela é
23
considerada incompleta, pois a identidade não pode ter um sentido atributivo uma
vez que ela não é estática.
Na concepção relacional/situacional a identidade é compreendida dentro de
uma relação que opõe um grupo aos demais grupos que formam determinada
sociedade. Ou seja, a identidade é sempre vista num contexto de relações sociais,
em relação a uma outra identidade. A identidade é sempre uma negociação entre
“auto-identidade” e “hetero-identidade”, sendo esta definida pelos outros enquanto
aquela é uma definição do próprio indiduo. Segundo Cuche (1999, p. 184), “a auto-
identidade terá maior ou menor legitimidade que a hetero-identidade, dependendo
das relações de poder entre os grupos em contato”. Isto significa que, quando há um
processo de dominação, a hetero-identidade pode levar à estigmatização dos grupos
minoritários, causando uma identidade negativa, pois como há a predominância de
características atribuídas pelos “outros”, estas podem ser apenas de caráter
negativo. Um exemplo foi a representação dos judeus construídas pelos Nazistas
alemães: nela só haviam valores negativos, que acabaram levando à estigmatização
do povo judeu como uma “raça inferior”, causadora de todos os problemas
existentes na Alemanha do início do século XX.
A concepção relacional/situacional aproxima-se da perspectiva
construcionista ou não-essencialista apontada por Woodward (2000), a qual procura
entender as diferenças e os pontos em comum de um grupo com outros grupos e,
também, as mudanças que ocorrem nessas características partilhadas ao longo dos
anos.
As duas primeiras concepções apontadas por Cuche possuem problemas.
Enquanto a objetivista descreve a identidade a partir de um critério determinante, a
subjetivista centra-se no sentimento de vinculação, o que pode reduzir a identidade
apenas à vontade do sujeito. O que falta para essas concepções é considerar o
contexto relacional. Por esse motivo, a linha que melhor pode entender a questão da
identidade é a relacional/situacional.
Conforme esta concepção, a identidade está sempre se transformando. Stuart
Hall (2000) também entende que com o processo de identificação acontece a
mesma coisa. O sujeito não possui apenas uma identidade, mas identifica-se com
várias identidades em vários momentos de sua vida, mesmo que temporariamente.
Isso acontece porque “na medida em que os sistemas de significação e
24
representação cultural se multiplicam” (HALL, 2000, p. 13), o indivíduo é exposto a
uma gama enorme de identidades.
Como a identidade está em constantes variações, reformulando-se e até
sendo manipulada, alguns autores falam em “estratégia de identidade”
9
, na qual a
identidade “é vista como um meio para atingir um objetivo. Logo a identidade não é
absoluta, mas relativa” (CUCHE, 1999, p. 196).
Porém, os atores sociais não têm liberdade completa para definir sua
identidade de acordo com suas necessidades. As estratégias levam em conta,
também, a situação social na qual esse indivíduo está inserido e as relações de
poder existentes entre os diversos grupos. Em outras palavras, a identidade é
socialmente construída. Ao mesmo tempo em que ela é atribuída pelos outros, o ator
também se identifica com ela.
Como o aspecto estratégico da identidade não exige uma consciência clara
do objetivo a ser alcançado, algumas identidades apresentam fenômenos que
podem ser chamados de eclipse ou de despertar da identidade. Segundo Cuche
(1999, p. 198) esses fenômenos são a “reinvenção estratégica de uma identidade
coletiva em contexto completamente novo”.
Esse conceito de estratégia pode, também, explicar as alterações provocadas
pelos deslocamentos de identidade, pois através dela pode-se perceber como os
fenômenos identitários são relativos. A identidade, seguindo Cuche (1999, p. 198),
“se constrói, se desconstrói e se reconstrói segundo as situações”.
2.1.2 Identidades culturais e representação
O circuito da cultura que é proposto por Stuart Hall em “Representation –
Cultural representations and signifying practices” (1997), relaciona representação,
identidade, produção, consumo e regulação. Neste circuito, a cultura é articulada por
todos esses elementos e está vinculada a significados partilhados, sendo que é
através da linguagem que esses significados são produzidos e compartilhados por
9
Dentre estas estratégias a mais extrema é aquela na qual o sujeito oculta a sua verdadeira
identidade para não ser discriminado. Um exemplo foi dado pelos judeus na época do Nazismo,
quando muitos acabaram tendo de se converter para não serem perseguidos pelos soldados de
Hitler. Por vezes essa conversão não era completa, e alguns continuaram a seguir secretamente
alguns rituais judaicos.
25
todos. Nesse sentido, a representação é um momento-chave do circuito e uma
prática central que gera cultura. Chamamos representação o processo no qual
membros de uma mesma cultura fazem uso da linguagem – através de sistemas de
significação (fala, escrita, mídia, cinema, etc.) - para produzir significados (HALL,
1997).
A linguagem é o meio pelo qual as pessoas atribuem sentido às coisas,
através dela nossos pensamentos, idéias e sentimentos são representados na
cultura. Numa apropriação das idéias de Hall, João Batista dos Santos (2004, p. 37)
vai afirmar que a linguagem é capaz de construir significados, porque “funciona
como um sistema de representações, empregando sinais e símbolos, que significam
ou representam para outras pessoas nossas idéias, como também nossos
sentimentos”.
A representação, através da linguagem, é central no processo pelo qual os
significados são produzidos. Esse processo envolve o uso de signos e imagens que
representam alguma coisa e é através desse significado que foi construído que
podemos nos referir ao mundo real ou ao mundo imaginário.
No processo de significação da cultura existem dois sistemas de
representação que estão relacionados entre si. No primeiro sistema todos os tipos
de objetos, pessoas e eventos são correlacionados a um grupo de representações
mentais. É através dessas representações que ocorre a interpretação significativa do
mundo. O segundo sistema diz respeito à linguagem e pertence ao processo de
construção do significado. Através da linguagem os mapas conceituais partilhados
são traduzidos e isso possibilita fazer relações entre conceitos e idéias com
determinadas palavras, imagens visuais e outros elementos, denominados signos.
Hall denomina o primeiro sistema de representação de “código cultural” e o segundo
de “código lingüístico”.
Tomaz Tadeu da Silva (2000) nos traz uma outra forma de entender esses
sistemas de representação. Para ele, na história da filosofia ocidental a idéia de
representação sempre esteve ligada a tentativas de tornar o “real” presente. Assim,
a representação se apresenta em duas dimensões: a externa, que representa o
“real” por meio de um sistema de signos - como a pintura, por exemplo – ou pela
própria linguagem; e a interna ou mental, que é a representação do “real” que
acontece na consciência do indivíduo.
26
É importante deixar claro que neste trabalho o que conta é a representação
externa ou, como chama Hall, o sistema lingüístico da representação, pois através
dela a representação é pensada em sua dimensão significante, como um sistema de
signos, como uma marca material que pode ser expressa através de um filme, de
uma fotografia, de uma pintura, de um texto de jornal, etc.
Os sistemas de representação são empregados em função de serem
formados por modos de organização distintos, agrupamentos e classificação de
conceitos e pelo estabelecimento de complexas relações entre eles. Portanto, os
sistemas não são conceitos individuais. Para criar relações entre conceitos ou para
diferenciá-los uns dos outros fazemos uso de princípios de semelhança e diferença.
Quer dizer, identificamos coisas que são iguais perante algum ponto e as
distinguimos naquilo em que são diferentes O próprio Hall nos dá um exemplo de
como isso funciona: “eu tenho a idéia de que pássaros são como aviões no céu
baseado no fato de que ambos voam, porém eu também sei que em outro sentido
eles são diferentes, pois um é parte da natureza e o outro é produto do homem”
(HALL, 1997, p.17, tradução nossa).
Quando se diz que pertencemos a uma mesma cultura significa que para nos
comunicarmos utilizamos os mesmos mapas conceituais, fazendo com que o modo
como interpretamos ou entendemos o mundo seja semelhante. No entanto, para que
possamos trocar significados e conceitos é necessário que, também, tenhamos
acesso a uma linguagem comum. Dessa forma, saberemos que significado
corresponde a que coisa.
Os signos são organizados dentro da linguagem e é a existência de uma
linguagem em comum que nos permite traduzir pensamentos ou conceitos em
palavras, sons ou imagens. Então, operando a linguagem podemos expressar
significados e comunicar coisas com outras pessoas.
Para interpretar um signo é necessário que a pessoa tenha acesso aos dois
sistemas de representação – cultural e lingüístico. A tradutibilidade de um signo
origina-se de convenções sociais, ou seja, ela é socialmente instituída. Uma criança
não nasce sabendo dessas convenções, pois isso não está inscrito em seu código
genético. “Elas aprendem o sistema de representação e as convenções da
representação, os códigos de sua linguagem e cultura, que as preparam com ‘know-
how’ cultural, permitindo que elas funcionem como sujeitos competentes
culturalmente” (HALL, 1997, p. 22, tradução nossa). Esses códigos vão sendo
27
gradualmente e inconscientemente internalizados e permitem ao sujeito expressar
certos conceitos e idéias através de seus sistemas de representação e interpretar
idéias que são comunicadas pelos outros por meio desses mesmos sistemas. Então,
pertencer a uma mesma cultura significa partilhar de um mesmo universo conceitual
e lingüístico.
Três abordagens explicam o funcionamento da representação por meio da
linguagem: abordagem reflexiva, abordagem intencional e abordagem
construcionista (HALL, 1997).
A abordagem reflexiva considera que o significado está no objeto, pessoa ou
idéia do mundo real e que a linguagem funciona como um espelho refletindo o real
significado, uma vez que ele já existe no mundo. Dessa forma, a representação é
tida como um simples reflexo daquilo que representa, não sendo considerada a
influência do indivíduo e do contexto social na sua produção. E, é aí que está o
defeito desta abordagem.
A abordagem intencional considera o falante/autor como sendo quem
determina ao mundo, através da linguagem, o seu significado. Esse significado seria
único. As palavras significam exatamente o que o autor quer que elas signifiquem.
Hall acredita que essa abordagem possui defeitos, pois não se pode dizer que
somos a única origem dos significados, que temos uma linguagem particular. Para
nos comunicarmos é necessário que partilhemos de mapas conceituais. Quer dizer,
por mais particular que uma linguagem possa ser ela precisa estar inserida nos
códigos e convenções da linguagem. Afinal, a linguagem é um sistema social.
Por fim, a abordagem construcionista ou construtivista, que para Hall é a que
tem maior importância para os estudos culturais. Essa abordagem não considera
que o significado é fixado na linguagem através das coisas por si mesmas ou pelos
indivíduos, mas “entende o caráter público e social da linguagem” (SANTOS, 2004,
p. 42). Uma coisa por si só não significa, os significados são construídos através dos
sistemas de representação, quer dizer, de conceitos e signos. Hall chama a atenção
para que nessa abordagem, não seja confundido o mundo material, no qual coisas,
objetos e pessoas existem, com as práticas e processos simbólicos através dos
quais a representação, o significado e a linguagem operam. Para os construtivistas é
o sistema lingüístico que faz a transmissão do significado e não o mundo material.
28
Os atores sociais fazem uso dos sistemas conceituais de sua cultura,
do sistema lingüístico e de outros, para produzir o significado, para
tornar o mundo significativo e para comunicar acerca desse mundo
às outras pessoas (SANTOS, 2004, p. 42).
A representação é tida como uma prática que faz uso de objetos materiais e
efeitos, mas o significado depende da função simbólica do signo e não da sua
qualidade material. Os signos por eles mesmos não produzem significados. Para
produzir significado é necessário haver uma relação entre o signo e o seu conceito,
previamente fixado pelo código.
Dentro dessa abordagem há duas importantes perspectivas que são: a
semiológica
10
, influenciada por Ferdinand Saussure e a discursiva, influenciada por
Michel Foucault. Na perspectiva semiológica, a representação fundamenta-se na
maneira pela qual as palavras trabalham como signos internos da língua, sendo
necessário considerar que, muitas vezes, o significado depende de unidades de
análise mais amplas, como narrativas, grupos de imagem e discursos. Nesse
sentido, a representação está estreitamente ligada à linguagem.
A perspectiva discursiva considera que a construção do conhecimento se
por meio do discurso. Michel Foucault entendia o discurso como um sistema de
representação.
O discurso está relacionado à produção de conhecimento por meio
da língua, mas considerando que o total das práticas sociais
transmite significados e estes dão forma e influenciam nossas ações,
todas as práticas apresentam um aspecto discursivo (SANTOS,
2004, p. 44).
Hall (1997) adverte que o discurso é mais que um conceito lingüístico, ele
está relacionado à língua e a prática, indo além da definição comum que diferencia o
que se diz – língua – e o que se faz – prática. Para ele, o discurso define e produz
os objetos de nosso conhecimento e, também, regula as formas de falar e pensar
sobre determinado tema. Além disso, o discurso está relacionado com as relações
de poder, pois influencia o modo como os temas serão utilizados de forma a
controlar a conduta das pessoas.
10
Embora Hall utilize o termo Semiótica, optou-se neste trabalho pela denominação Semiologia, pois
entendemos, com base em António Fidalgo (2007), que esta é a corrente da Ciência dos Signos que
foi influenciada por Saussure, enquanto que Semiótica é a corrente teórica fundada por Charles
Peirce.
29
Dentro dessa perspectiva, a identidade aparece como sendo dependente da
representação, pois precisa desta para existir.
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas
simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos,
posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos (WOODWARD, 2000, p.17).
A representação, segundo Woodward (2000), entendida como um processo
cultural, vai estabelecer identidades – individuais ou coletivas – e os sistemas
simbólicos nos quais a representação está baseada “fornecem respostas às
questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser” (p. 17). Dessa
forma, a representação constrói lugares a partir dos quais um indivíduo pode se
posicionar e pode falar.
Então, entendendo que a identidade é um processo de produção simbólica e
discursiva que torna possível nos reconhecermos enquanto sujeitos em dada
sociedade, ela só irá existir se os sentidos produzidos pelos sistemas de
representação forem aceitos e apropriados pelas pessoas.
As representações são produzidas e consumidas em diferentes instâncias e
estão submetidas a processos de regulação social e às relações de poder - que
podem ser explícitas ou veladas – e, “[...] isso está diretamente ligado à construção
dos valores, à cristalização de conceitos e preconceitos, à formação do senso
comum, à constituição das identidades sociais, quais sejam nacionais, de gênero,
étnicas, sexuais, geracionais, políticas, religiosas, culturais” (HINERASKY, 2004, p.
76).
2.1.3 O Jornalismo como conformador de identidades
Tomando a discussão acima, buscamos agora entender como o jornalismo
contribui na conformação e reelaboração de identidades. Para tanto, é necessário
considerar que os meios de comunicação de massa são na atualidade uma das
instituições mais influentes da sociedade, transformando-se num dos principais
instrumentos de construção social da realidade, e que, dentro desse universo, o
jornalismo a constrói quando ao relatar um acontecimento transforma-o em uma
30
narrativa, difundindo-o e convertendo-o em uma realidade pública (FELIPPI, 2003).
Miguel Alsina ao falar sobre esta questão afirma que, embora o jornalismo se
apresente apenas como transmissor da realidade e não como um construtor, a
notícia é, na verdade, “uma representação social da realidade cotidiana produzida
institucionalmente que se manifesta na construção de um mundo possível” (apud
FELIPPI, 2003, p. 4, tradução nossa).
É através desta característica que o jornalismo pode atuar na construção ou
reelaboração de identidade. Para isso, buscamos na abordagem construtivista do
jornalismo
11
, a idéia de que a notícia não é um espelho da realidade, mas sim uma
construção discursiva que produz sentidos, mobilizando a memória discursiva e
produzindo identificações nos indivíduos.
Partindo da abordagem construtivista é possível entender as notícias como
narrativas ou “estórias”, o que não quer dizer que elas sejam objetos de ficção. Ao
contrário, notícias são uma convenção, isto é, são algo que é culturalmente
instituído. Isso significa que as notícias ajudam a entender o mundo na medida em
que remetem a algo previamente conhecido. Ao construir uma narrativa noticiosa, o
jornalista opera com os “mapas de significado que lhe possibilitam trazer o
acontecimento que até então era algo desconhecido para a ordem do significativo
(HALL et. al., 1993). Esses mapas de significado, como já foi dito ao abordar a
questão das identidades e da representação, são conhecimentos em comum
partilhados por pessoas de uma mesma cultura e que servem como guias permitindo
a elas uma interpretação semelhante do mundo.
A explicação de Hall et. al. (idem) permite compreender que um
acontecimento só será escolhido para se tornar notícia se fizer algum sentido dentro
da cultura na qual o jornalista está inserido. Para ele, isso permite que a sociedade
seja construída de forma consensual, mas não sem a existência de diferenças:
[...] quando os acontecimentos são ‘delineados’ pelos media em
enquadramentos de significado e interpretação, supõe-se que todos
nós possuímos e sabemos igualmente como utilizar esses
enquadramentos, que eles são extraídos fundamentalmente das
mesmas estruturas de compreensão para todos os grupos sociais e
públicos. Claro que na formação de opinião, como na vida política e
econômica, permite-se que haja diferenças de pontos de vista,
desacordo, argumento e oposição; mas isto é entendido como
11
A abordagem construtivista do jornalismo surge na década de 1970, em oposição às visões
positivistas que viam o jornalismo como um espelho capaz de refletir a realidade (BENETTI, 2006).
31
realizando-se dentro de um enquadramento concordante e básico
mais lato – ‘o consenso’ -, o qual todos subscrevem, e no qual toda
contestação, desacordo ou conflito de interesses pode ser
reconciliado pela discussão, sem recurso ao confronto ou à violência
(HALL et. al., 1993, p. 227).
Tal entendimento da construção das notícias permite dizer que elas são, ao
mesmo tempo, construções da cultura e representações desta. Dessa forma, dentro
das convenções que guiam o jornalista (tanto da comunidade jornalística quanto da
sociedade em que está inserido), as notícias serão construídas a partir da forma
como este percebe a realidade, podendo “as narrativas serem elaboradas através de
metáforas, exemplos, frases feitas e imagens, ou seja, símbolos de condensação”
(GAMSON apud TRAQUINA, 1993, p. 169) e serem utilizadas repetidas vezes,
criando a sensação de que tal história já foi lida antes.
Então, como o jornalista busca colocar os acontecimentos dentro dos “mapas
de significado” partilhados pela sociedade, ele se apropria de elementos da cultura
em que está inserido para produzir suas matérias e assim produzir significados.
Dessa forma, o jornalismo – e a mídia em geral – acaba fortalecendo identidades
culturais já existentes ou construindo novas identidades.
2.2 Relações entre Identidade, Meios de Comunicação e Esporte
Entendido o processo de construção das identidades e a forma como o
jornalismo atua como um campo onde as identidades se manifestam, é preciso
compreender agora a inserção do esporte neste contexto. Para tanto, é necessário
primeiro desfazer a idéia que concebe o esporte apenas como um meio de distração
ou evasão dos indiduos.
Nesse sentido, Miguel de Moragas Spà (1994) argumenta que o esporte deve
ser visto como algo que transcende o âmbito da atividade física, pois na sociedade
contemporânea ele passa a agir sobre a cultura cotidiana, através do esporte-
espetáculo. Isto é, o esporte passou a influir nos processos de socialização, capaz
de determinar como os sujeitos utilizam seu tempo livre, principalmente através da
televisão, e se torna referência nos processos de identificação. Dessa forma, para
entender tal fenômeno é necessário superar a concepção que vê o esporte apenas
32
como alienação e que entende as suas formas de apropriação pelo público apenas
como distração ou evasão:
Devemos rejeitar aquela visão simplista, surgida de uma aplicação
dogmática do conceito de alienação, que atribui ao espetáculo
esportivo a máxima do ‘pão e circo’, interpretando o uso popular do
esporte unicamente como uma forma de distração, de evasão, de
alienação diante dos problemas reais que afetam a sociedade.
Existe, com efeito, um sem fim de utilizações populares do
espetáculo esportivo que não podem ser esquematizadas, nem
desautorizadas, de uma forma tão simples. O tema deve ser tratado
como uma questão mais aberta (MORAGAS SPÀ, 1992, p. 38,
tradução nossa).
Seguindo a linha de raciocínio de Moragas Spà, devemos superar aquela visão
de que o esporte é utilizado pelas classes dominantes como um instrumento para
desviar a atenção do público. O esporte é uma manifestação cultural que envolve
outros elementos e precisa ser compreendido levando-se em conta o seu papel no
imaginário e na organização da vida cotidiana das pessoas.
Através do esporte se configuram diversos sistemas de valores em
nossa cultura: processos de iniciação social e identificação coletiva,
de delimitação de diferenças geopolíticas e das relações
internacionais, dos nacionalismos, dos valores do corpo e da
atividade, do esforço e da aprendizagem, do ócio como atividade e
como espetáculo, da juventude e da maturidade, do êxito e do
fracasso, do companheirismo e da rivalidade (MORAGAS SPÀ, 1992,
p. 16, tradução nossa).
Compreender esse papel social e simbólico do esporte implica relacioná-lo
com os meios de comunicação. Sendo um espetáculo de massas de grande
dimensão simbólica, o esporte é capaz de criar ou reforçar identidades (ARBENA,
1997) e é através da sua relação com os meios de comunicação que o esporte
consegue expressar os valores por ele produzidos ou reproduzidos.
Esporte e meios de comunicação se influenciam mutuamente. A influência do
esporte sobre os meios se reflete, principalmente, na sua programação e em sua
economia. Abordar questões esportivas, transmitir eventos e competições geram
audiência e lucros para as empresas de comunicação
12
. Grandes eventos
12
Para se ter uma idéia, na Copa do Mundo de 2002 (realizada no Japão e na Coréia do Sul), na qual
a seleção brasileira foi campeã, a Rede Globo pagou 150 milhões de reais pela transmissão exclusiva
dos jogos (esta quantia foi recuperada com a venda das cotas de patrocínios), e chegou a registrar
índices de audiência de 69 pontos, o que significa que de cada dez aparelhos de televisão ligados,
33
esportivos, como Copas do Mundo e Olimpíadas, atraem patrocínios milionários para
os veículos de comunicação
13
.
Outra importante influência do esporte nos meios de comunicação é a
implantação de novas tecnologias de comunicação. Os principais desenvolvimentos
tecnológicos foram testados ou colocados em prática durante as Olimpíadas ou
Copas do Mundo. Durante os Jogos de Berlim, em 1936, foram feitas transmissões
experimentais da televisão. Em Tóquio, (1964) foi realizada a primeira transmissão
por satélite. Em Seul (1988) foi feita a primeira cobertura com televisão de alta
definição. Em Barcelona (1992) foram utilizados os primeiros equipamentos digitais,
e nos Jogos de Inverno em Nagano (1998), foi realizada a primeira transmissão de
vídeo pela internet (QUIROGA, 2000). E, no caso brasileiro, a rede Globo realizou as
primeiras transmissões digitais no país durante a Copa do Mundo da Alemanha, em
2006.
Já a influência dos meios de comunicação sobre o esporte é mais intensa. Até
os anos 1970, o esporte manteve certa autonomia em relação aos meios de
comunicação, porém a influência destes sobre ele e a sua conseqüência no
relacionamento com o público mudou quando iniciaram as transmissões ao vivo,
pela televisão, e os meios passaram a ser co-autores dos eventos esportivos,
quando os ginásios e os estádios se converteram em cenários da televisão.
Segundo Quiroga (2000), os meios de comunicação se converteram em atores e
produtores das novas formas culturais do esporte.
Os meios de comunicação afetam a regulação das modalidades, mudando
regras para torná-las mais atrativas. Atualmente o esporte acompanha a lógica do
entretenimento e milhares de atletas e equipes competem para ser “consumidos”
pela televisão e seus telespectadores. A televisão, por sua vez, paga altas quantias
para comprar os direitos de transmissão dos principais eventos esportivos do mundo
e, em contrapartida, exige que os esportes se adaptem à sua grade de
programação. Um exemplo disso foi a mudança na regra do vôlei, que passou a ter o
sistema de rally point
14
e assim, seu tempo foi reduzido de três horas em média,
nove estavam sintonizados na emissora e isso, mesmo com jogos transmitidos durante a madrugada
(CASTRO, 2004).
13
Na Copa de 2006, a Rede Globo cobrou R$ 53 milhões por cota de patrocínio, a Sportv R$ 14
milhões e a ESPN Brasil, R$ 8,1 milhões (GALVÃO, 2005).
14
Nesse sistema sempre que a bola tocar o chão é ponto. Antes a pontuação funcionava no sistema
de vantagens: só era marcado ponto quando a equipe que sacava colocasse a bola no chão.
34
para aproximadamente uma hora e meia. Mas, o exemplo mais relevante no Brasil
foi a alteração, na década de 1990, do horário das partidas de futebol para o horário
nobre da televisão.
Essa relação entre meios de comunicação e esporte afeta também o
jornalismo, pois a lógica do entretenimento acaba provocando uma pressão sobre os
jornalistas para que estes sirvam aos interesses comerciais. “O jornalismo esportivo,
no limite de suas próprias rotinas produtivas, fica preso entre as demandas da
indústria e a sua fidelidade ao interesse público” (QUIROGA, 2000, p.06, tradução
nossa).
Além disso, os meios também influenciam no âmbito cultural do esporte.
Depois que os esportes passaram a fazer parte do jogo midiático, a relação entre o
esporte e as pessoas foi amplamente afetada e, a partir desse momento, a vitória e
a derrota passaram a ser acontecimentos coletivos ou nacionais (MORAGAS SPÀ,
1994). Quer dizer, o triunfo pela vitória não é apenas do atleta ou do time, é o triunfo
da Nação e a derrota é um drama vivido por todos.
Outra influência importante destacada por Moragas Spà é a “telenovelização”
(1994) do esporte, que se constitui por uma transposição das formas e dos valores
narrativos das telenovelas para as narrativas esportivas. Com isso, a forma de narrar
os acontecimentos esportivos tornou-se mais dramatizada, levando a uma
“vedetização” dos atletas e ao surgimento dos heróis do esporte. Outra
conseqüência da “telenovelização” é a produção de narrativas que exploram e
colocam em oposição valores como bondade/maldade, êxito/fracasso, sorte/azar,
vitória/derrota ou próximo/distante. Isto, leva a um processo de identificação do
público com as equipes e os atletas.
Por causa dessa “telenovelização”, os meios de comunicação acabam
promovendo uma hierarquização dos esportes de acordo com a espetacularidade
destes e sua capacidade de atrair a atenção do público. A conseqüência disso é a
maior visibilidade dada às equipes e aos atletas vitoriosos. De acordo com Pierre
Bourdieu (1997), isso ocorre porque os jornalistas e os demais profissionais dos
meios de comunicação procuram sempre por atletas que são capazes de satisfazer
o orgulho nacional, transformando assim, eventos como Copas do Mundo e
Olimpíadas em jogos de campeões.
O esporte-espetáculo apresentado pelos meios de comunicação de massa é
capaz de mobilizar pessoas e promover formas de identificação, que pode ser do
35
público com o atleta, com o time ou com o país que está sendo representado. Todo
espetáculo esportivo também envolve um processo de identificação e de
diferenciação, pois sempre temos equipes competindo. Sempre é o meu time contra
o seu, é a seleção brasileira contra a seleção Argentina, que acaba se
transformando no Brasil versus Argentina. Nesse processo, as narrativas sobre
esporte produzidas pelos meios de comunicação acabam se articulando com as
narrativas das identidades, que podem ser nacionais (no caso Brasil x Argentina) ou
regionais (por exemplo, quando a seleção gaúcha de basquete joga contra a seleção
paulista). Pesquisadores do assunto, como Pablo Alabarces (2002); Antônio Jorge
Soares, Ronaldo Helal e Marco Antônio Santoro (2004), afirmam que nessas
articulações das narrativas dos meios de comunicação com as narrativas identitárias
há uma exaltação das identidades já existentes.
Para poder afirmar identidades, os meios de comunicação acabam
construindo tradições esportivas. Numa pesquisa feita por Soares, Helal & Santoro
(2004), sobre futebol, imprensa e memória, os autores afirmam que através de
discursos construídos com base na memória de acontecimentos esportivos
passados, a imprensa constrói tradições que são suscitadas pela necessidade de
afirmação de identidades. Quer dizer, a imprensa mantém e, também, constrói
memórias que servem na afirmação de identidades:
[...] os jornais têm sido um dos mais relevantes veículos de
manutenção e ‘construção’ da memória. Rememorar qualquer evento
que ligue o presente no passado tornou-se um dos motes do fazer
jornalismo. No caso do futebol, as narrativas jornalísticas apresentam
sua memória resgatando fatos, imagens, ídolos, êxitos e fracassos
anteriores, no sentido de construir uma tradição, como um elo entre
gerações de aficionados pelo esporte. [...] De fato, a tradição é
construída pelas demandas do presente de afirmação de
identidades, seja coletiva ou individual (SOARES, HELAL &
SANTORO, 2004, p. 63) .
Ou seja, as narrativas dos meios de comunicação sobre o esporte utilizam
recursos que suscitam o sentimento de identificação coletiva em torno de uma
identidade já existente. No caso descrito acima, o recurso jornalístico de utilizar
histórias de vitórias ou derrotas coloca o presente em continuidade com o passado e
funciona como defesa diante a imprevisibilidade das disputas esportivas. Além disso,
esse recurso apresenta o esporte “como um ‘drama’ que coloca a identidade em
permanente tensão” (SOARES, HELAL & SANTORO, 2004, p. 63). Os jornais
36
maximizam ou reforçam o imaginário sobre o esporte e a memória serve como um
elo identitário. Quando se rememoram acontecimentos, mesmo que haja
esquecimentos, há um movimento no intuito de reconstruir e traduzir o que se
idealiza como o “futebol brasileiro” e o povo brasileiro.
As narrativas produzidas sobre o esporte, em muitos momentos, apropriam-se
de elementos constitutivos das identidades para descrever qualidades dos atletas e
das equipes, que são consideradas especiais e que dessa forma as distinguiriam
dos demais atletas e das demais seleções. Sobre isso, Édison Gastaldo (2003, p.2)
afirma que “o futebol jogado no Brasil é reinterpretado segundo os códigos da
cultura brasileira, dotando-os de significado que ultrapassam as estritas linhas do
campo de jogo”. Assim, o futebol brasileiro é descrito como futebol-arte e a ele são
atribuídos elementos como a genialidade, a malandragem e a habilidade que
segundo os jornalistas e intelectuais fazem parte da identidade nacional. E essas
características são sempre utilizadas quando se quer falar da superioridade
brasileira no esporte.
Em esportes não muito conhecidos, ou melhor, não muito difundidos pelos
meios de comunicação, essa relação entre as narrativas sobre esporte e as sobre
identidades também acontece. Como exemplos, temos o piloto de Fórmula-1 Ayrton
Senna e o tenista Gustavo Kuerten. As narrativas sobre os dois foram construídas
com elementos de brasilidade. No caso de Senna a sua forte ligação com a bandeira
e o hino nacional (VAZ, 2002) e no de Guga o seu jeito “malandro”, as roupas com
as cores da bandeira do país e até as bananas que ele comia nos intervalos dos
sets foram usadas na sua representação de um brasileiro típico (VAZ, 2002;
BARTHOLO & SOARES, 2006).
Para os pesquisadores Tiago Bartholo e Antonio Jorge Soares (2006), nestes
casos de modalidades esportivas menos conhecidas, essa ligação à identidade
nacional também é uma estratégia da imprensa para fazer com que o público se
identifique com o atleta. Na pesquisa que eles realizaram sobre Gustavo Kuerten, foi
constatado que, junto com a vinculação do atleta ao Brasil, a imprensa também
procurou desfazer a imagem do tênis como um esporte de elite: “As narrativas
buscam desconstruir a imagem tradicional do tênis, visto por muitos como um
esporte de elite, associando a figura de Guga, loiro com sobrenome alemão, à
identificação nacional, a saber: ‘é um moleque alegre tal como o povo é’
(BARTHOLO & SOARES, 2006, p. 14).
37
Essa articulação das narrativas midiáticas com as das identidades é muito
importante na lógica da indústria cultural, pois esse discurso atrai público para seus
produtos. Nesse sentido, o pesquisador argentino Pablo Alabarces vê o futebol
como uma mercadoria que, segundo ele, é fundamental para a indústria cultural
porque reúne três condições fundamentais, que são: a sua história (vinculação com
a constituição nacional), a sua epicidade e a sua dramaticidade. E, sendo uma
mercadoria, os discursos sobre o futebol descrevem a Nação como ato de consumo,
levando a uma “futebolização” da cultura, onde os meios de comunicação
“descrevem uma instância imaginária, o desejo de nação” (ALABARCES, 2002, p.
31).
Seguindo a lógica da indústria cultural, um elemento importante no processo
articulação entre esporte e identidades culturais é o ídolo esportivo. Os discursos
sobre as modalidades esportivas produzidos pela mídia precisam de personagens
que sustentem as histórias, porém somente vira ídolo aqueles atletas que obtêm
bons resultados. Alabarces (1997) afirma que para um esporte se transformar em
elemento das identidades é preciso que ele obtenha sucesso em grandes
competições e tenha heróis que suportem o caráter épico da identidade. Esses
ídolos se transformam em exemplos para a população que se identifica com ele, se
espelha nele, torce por ele e sofre com ele. Dessa forma, o esporte-espetáculo cria
ídolos que representam grupos sociais e que permitem processos de sublimação e
identificação que reforçam o sentimento de pertencimento a esse grupo (MORAGAS
SPÀ, 1994).
Conforme o que dissemos até agora, o esporte é um elemento importante da
cultura de massa e deve ser compreendido dentro de um contexto que não o veja
apenas como “o ópio do povo”, pois ele é capaz de expressar alguns dos valores da
sociedade contemporânea. E é na relação com os meios de comunicação de massa
que os valores do esporte são promovidos e difundidos.
2.3 As Representações do Gauchismo: entendendo a identidade gaúcha
Depois de tratar sobre como as identidades são representadas, como o
jornalismo atua como construtor/reprodutor de identidades e de abordar as relações
38
existentes entre meios de comunicação, esporte e identidade, é preciso pensar as
representações da identidade gaúcha para, assim, entender como ela irá funcionar
na construção de discursos sobre a ginasta Daiane dos Santos.
Como já dissemos antes, as identidades dependem da representação para
existir. Uma identidade vai adquirir sentido “por meio da linguagem e dos sistemas
simbólicos pelos quais elas são representadas” (WOODWARD, 2000, p. 08). Dessa
forma, a construção da identidade gaúcha está condicionada às formas como ela é
representada.
Na construção da identidade gaúcha há a predominância da representação de
um tipo social específico: o gaúcho. Este aparece como um homem ligado ao meio
rural - do pampa – apegado ao seu cavalo, que é corajoso, justo, honesto e valente.
Essa representação, que circula até hoje em diversos discursos, foi sendo
construída graças a condições históricas que possibilitaram seu aparecimento e sua
incorporação por diversos setores da sociedade. Hoje, a figura do gaúcho é tida
como símbolo de todos aqueles que nasceram no Rio Grande do Sul e, conforme
afirmam Letícia Freitas e Rosa Silveira (2004, p. 267), “os discursos pedagógicos da
escola, da mídia, e as comemorações e artefatos do nosso cotidiano, interpelam
sujeitos, ‘convidando-os’ a tornarem-se gaúchos e gaúchas de acordo com a
representação contida nesta figura mítica”. Mas, para entender como aconteceu a
institucionalização dessa representação dentro da cultura gaúcha é necessário
conhecer os processos históricos que levaram a ela.
A construção da identidade gaúcha foi um processo histórico que esteve
sempre baseado na tensão entre autonomia e integração da relação do Rio Grande
do Sul com o Brasil, que se deve, em parte, a posição geográfica do estado e
também decorre da sua integração tardia ao resto do país, já que o Rio Grande do
Sul só se integrou às atividades econômicas do Brasil um século depois da sua
“descoberta”, no início do século XVI (OLIVEN, 1992).
Nesse processo de construção da identidade gaúcha, Ruben Oliven (1992)
aponta cinco elementos que foram recorrentes no discurso em períodos distintos da
história. O primeiro é o caráter de fronteira do Rio Grande do Sul, o segundo é que o
gaúcho é brasileiro por opção – já que escolheu pertencer ao Brasil e não ao Império
Espanhol. O terceiro elemento decorre do segundo e diz respeito ao alto preço pago
por essa opção, em função das guerras em que o estado teve que se envolver e a
necessidade de ir contra o Estado quando se sentiu injustiçado e, também, por ter
39
que intervir nas crises políticas do país. O quarto elemento é a existência de um tipo
social específico – o gaúcho – e o quinto é a autenticidade dos costumes e
comportamentos.
Esses elementos estão presentes nos dias atuais e funcionam como um mito,
pois de acordo com Oliven (1992, p. 49) “as peculiaridades do Rio Grande do Sul
contribuem para a construção de uma série de representações em torno dele que
acabam adquirindo uma força quase mítica que as projeta até os nossos dias e as
fazem informar a ação e criar práticas no presente”.
A continuidade desse “substrato básico” do discurso regionalista indica que os
significados produzidos por ele têm uma forte adequação às representações da
cultura gaúcha, pois é através deles que o gaúcho se reconhece e é reconhecido.
São nesses processos de reconhecimento de uma região como tal que
surgem as figuras unificadoras que, segundo Maria Eunice Maciel (1994, p. 178)
representa a região “evocando uma relação homem-território” e que, no caso do Rio
Grande do Sul, é a figura do gaúcho.
A figura do gaúcho nem sempre foi positiva e até se transformar num símbolo
do Rio Grande do Sul sofreu algumas transformações culturais. Houve uma
ressemantização do termo, no qual seu significado passou de algo negativo e
pejorativo - que remetia a um tipo marginal e desviante - a algo positivo, capaz de
unificar as principais características do povo gaúcho (OLIVEN, 1992). A imagem
criada representa a miscigenação, a democracia racial, a igualdade social, o
heroísmo, a valentia, a virilidade e a honestidade.
Trata-se essencialmente de um fenômeno ideológico o processo de
construção do gaúcho como campeador e guerreiro, inserindo-o num
espaço histórico onde os atributos de coragem, virilidade, argúcia e
mobilidade são exigidos a todo momento, transportando-se ao plano
do mito. E não há caso em que transpareça tão claramente a vitória
da ideologia (CHAVES apud OLIVEN, 1992, p. 51).
Essa figura do gaúcho vai muito além do estereótipo, ela é uma símbolo que
personaliza e presentifica todo um conjunto social, e dessa forma pertence ao
imaginário, mobilizando representações e sintetizando valores e julgamentos
(MACIEL, 1998). De acordo com Jacks (1998, p. 21), o gaúcho passou a ser a
imagem idealizada daquilo que seria o povo do Rio Grande do Sul e se impôs como
40
um padrão de comportamento, porém há muito tempo ela já não corresponde mais
“à realidade concreta e só é vivida culturalmente”.
Tal imagem do povo gaúcho e de suas tradições foi consolidada no final da
década de 1940, quando foi criado o primeiro CTG e, conseqüentemente, quando
surgiu o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG)
15
, e se remodelou e expandiu na
década de 1970
16
, com o Movimento Nativista. Em ambos os casos, houve uma
movimentação contrária aos novos padrões culturais que estavam sendo impostos à
população gaúcha pelos meios de comunicação e ao Governo Federal, que estava
tentando homogeneizar a cultura nacional. Ou seja, o tradicionalismo e o nativismo
foram movimentos de reação e de diferenciação às manifestações externas e
mesmo internas, como no caso do segundo.
Esses dois movimentos culturais foram importantes na consolidação da
identidade regional do Rio Grande do Sul e buscaram no passado as bases de sua
constituição. Um passado que remete às lutas históricas por liberdade econômica e
política – Revolução Farroupilha e Revolução de 1930. Porém, essa base em um
passado heróico não significa que a identidade regional seja imutável, ao contrário,
como dissemos anteriormente, uma identidade está em um processo constante de
criação e recriação. E, mesmo que muitos de seus elementos constituintes sejam
inventados, isso não significa que seja uma falsidade. Tudo vai depender da sua
15
O tradicionalismo surgiu da reunião de jovens provenientes da classe média do interior do estado
que residiam em Porto Alegre e se sentiam deslocados frente à cultura cosmopolita vivida na capital.
Estes jovens procuravam uma imagem em que pudessem se reconhecer, para tanto voltaram-se ao
passado e recriaram na cidade um espaço cultural que os diferenciasse e os congregasse
(DACANAL, 1992), esse espaço foi chamado de Centro de Tradições Gaúchas, os CTGs. Para
compor essa “nova cultura”, seus integrantes adotaram elementos culturais (linguagem, vestuário,
música) das classes inferiores do campo e assimilaram “a ideologia autojustificadora e destilada pelo
estrato superior da oligarquia rural do passado, cuja cultura, é preciso deixar bem claro, fora sempre
rígida e rigorosamente marcada pela tradição européia (em particular francesa)” (DACANAL, 1992,
p.85). A proliferação dos CTGs levou ao surgimento do MTG, em 1966, para congregar e ditar as
regras do tradicionalismo.
16
Na década de 1970, por causa da crescente homogeneização em todos os setores da sociedade
brasileira – do econômico ao cultural – promovida pelo Estado Nacional através da industrialização,
da modernização e da integração nacional e por causa de uma falta de inovação e criatividade na
cultura regional, surge o Movimento Nativista – desencadeado pela criação festivais de música
regional - com o propósito de “oxigenar a cultura regional em todos os âmbitos da manifestação
cultural do Estado” (JACKS, 1999, p. 77). O nativismo trouxe renovação estética e temática,
principalmente às músicas, e também renovou o culto às tradições, com isso as camadas mais jovens
da população foram atraídas para dentro das manifestações culturais gaúchas. Além disso, o debate
sobre a identidade gaúcha transcendeu as fronteiras do MTG, atingindo o meio intelectual e a
imprensa, houve a consolidação dos festivais musicais e da indústria cultural ligada a eles. No rastro
do nativismo, houve um crescimento vertiginoso no número de CTGs, tanto no Estado como em
qualquer lugar do país e do mundo onde houvesse um gaúcho.
41
eficácia, de seu significado para aquela sociedade. Ou seja, depende do que aquele
elemento representa para aquele povo.
A identidade regional é construída com base na correlação entre cultura
regional e os indivíduos, sendo que a cultura regional pode ser entendida como
aquilo que é específico de determinado local, ou melhor, que “abrange todos os
níveis de manifestações de uma determinada região que caracterizem sua realidade
sociocultural. E essas manifestações incluem as de caráter ‘popular’, ‘massivo’ e
‘erudito’[...]” (JACKS, 1998, p. 19).
Mesmo que a identidade gaúcha tenha na figura do gaúcho uma
representação que una os habitantes do estado, ela é uma “construção de
identidade que exclui mais que inclui, deixando fora metade do território sul-rio-
grandense e grande parte dos seus grupos sociais” (OLIVEN, 1992, p. 100). Isso
porque, exclui negros e os índios e exalta a figura do gaúcho em detrimento dos
descendentes de alemães e italianos.
Na questão do negro, a ele é dado pouco ou quase nenhum espaço.
Enquanto que em alguns estados brasileiros o negro aparece como formador da
identidade regional, no Rio Grande do Sul ele é deixado em segundo plano.
Entretanto, nos últimos anos o Movimento Negro vem reivindicando seu
espaço dentro da cultura e da sociedade gaúchas. Para tentar mudar esta história,
que tem no mito da democracia racial sul-rio-grandense um de seus pilares, várias
publicações e pesquisas têm sido realizadas, dentre elas destacamos duas: o livro
“Nós, os Afro-Gaúchos” (1996), da coleção “Nós, os Gaúchos”, lançado pela Editora
da Universidade (UFRGS), e a cartilha “O Negro no Rio Grande do Sul”, lançada em
2005, numa parceria entre o Ministério da Cultura, a Fundação Cultural Palmares e o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que contou com a
colaboração da ONG Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras.
Essas obras resgatam a participação do negro na história da sociedade
gaúcha, que começou oficialmente com a colonização
17
negra no estado em 1737,
embora desde o século anterior já existiam negros no território meridional do Brasil,
inclusive participando da fundação da Colônia de Sacramento, em 1680. Mas foi
através das charqueadas que o negro começou a entrar de maneira significativa no
17
Embora reconheçamos que a vinda dos negros para o Rio Grande do Sul não foi espontânea nem
amigável, adotamos aqui o termo “colonização” em conformidade com os autores filiados ao
movimento negro.
42
Rio Grande do Sul. Sobre a presença negra no estado, Oliveira Silveira (1992, p. 57)
afirma:
Desde sua origem, como tipo social e povo, o gaúcho é também
negro. Negro de estância e charqueada, escravo campeiro nas
feitorias do linho-cânhamo, lanceiro negro nas guerras da Cisplatina
e Revolução Farroupilha.
Por outro lado, a tão propalada democracia pastoril sulina, constituinte da
identidade gaúcha, é meia-verdade se não utópica, pois a idéia de democracia racial
só era aplicada aos negros das estâncias, pois nas charqueadas as condições eram
de extrema desumanidade para com os escravos
18
.
Historiadores ligados à causa negra, afirmam que essa mítica democracia
nega ao negro gaúcho a oportunidade de se reconhecer no processo histórico de
construção da sociedade e cultura gaúchas:
A visão do Rio Grande do Sul livre do trabalho escravo falseia a
verdade histórica, direito de toda a população sulina, e contribui à
permanência de difundidos preconceitos raciais e sociais. Ela nega à
comunidade afro-gaúcha o orgulho de ter contribuído sobremaneira,
com o duro e impessoal trabalho do cativo, à fundação da sociedade
gaúcha e ao seu desenvolvimento. Desenvolvimento do qual esta
comunidade viveu e vive, em maior parte, à margem, apesar de ter
sido e ainda ser um dos seus principais construtores (MAESTRI,
1992, p. 147).
Isso demonstra que mesmo que o negro não seja reconhecido oficialmente na
constituição da identidade gaúcha, que se ampara sobre a cultura aristocrática
branca, ele teve importante participação na sociedade gaúcha. Mesmo assim, ao
negro ainda cabe a invisibilidade social e simbólica dentro do gauchismo.
Da mesma forma à mulher cabe um papel secundário, pois na representação
da identidade gaúcha o masculino é o gênero que predomina, ou como diz Maria
Helena Weber (1992), o estado tem uma “cara masculina”, e isto foi se
institucionalizando através do MTG. Isso foi demonstrado por Luis Orestes Pacheco
Antunes em sua dissertação de mestrado, intitulada “Como o Tradicionalismo
18
Em seu livro “Viagem ao Rio Grande do Sul: 1820-1821” (1999, p.73), Auguste de Saint-Hilaire, fala
sobre os negros das charqueadas: “Nas charqueadas os negros são tratados com rudeza. O Sr.
Charles, tido como um dos charqueadores mais humanos, só fala aos seus escravos com exagerada
severidade, no que é imitado por sua mulher; os escravos parecem tremer diante de seus donos”.
43
gaúcho ensina sobre masculinidade” (2003), na qual analisou os textos fundadores
do Tradicionalismo
19
, que começaram a instituir os sentidos sobre masculinidade. De
acordo com o autor, a identidade gaúcha tem no masculino seu “personagem-
símbolo central” e na sua constituição a questão de gênero também foi operada de
forma a definir e diferenciar uma posição de mulher – no modo de vestir, de ser e de
portar-se – sendo que, em muitos momentos, esta posição de mulher não é explícita
e constrói-se em oposição ao masculino (ANTUNES, 2003).
Quer dizer, o homem ocupa uma posição central na identidade gaúcha,
principalmente nos discursos tradicionalistas. A ele foi concedido o papel de
representar todo o coletivo e à mulher restou um papel secundário. Na construção
histórico-ideológica dessa identidade, à mulher coube o papel de cuidar e zelar pela
casa e filhos, enquanto os homens trabalhavam nas estâncias ou lutavam nas
guerras. Dentro deste contexto é possível entender o porquê dos qualificativos do
povo gaúcho remeterem sempre à figura masculina.
Entretanto, mesmo sendo um discurso hegemônico, o tradicionalismo não
consegue apagar/silenciar outros discursos que aparecerem sobre os gaúchos e, em
alguns casos, acaba por se apropriar destes novos discursos para não perder
espaço. Nesse sentido, o Movimento Nativista inseriu novas formas de ver a mulher
que acabaram se institucionalizando. De acordo com Lisana Bertussi (apud SANTI,
1999), o surgimento dos festivais Nativistas, e suas canções com temáticas novas,
possibilitou um processo que, de certa forma, libertou a mulher. Com isto, a autora
quer dizer que as canções nativistas deram voz à mulher, o que não significa que as
questões femininas tenham tornado-se central na identidade gaúcha, pois, a tal
“cara masculina do estado” impede que a mulher tenha um papel de destaque.
Acontece que, com o Movimento Nativista, começou a se desenvolver um processo
que levou a uma maior participação da mulher na sociedade gaúcha.
Como vemos, a identidade gaúcha é uma construção ideológica formada por
alguns esquecimentos, mesmo assim, o discurso cria sentimentos de identificação
nos habitantes do estado. Muito disso, em função do que Weber (1992) chama de
“corporação gaúcha”. Esta parece “projetar, paralelamente a qualquer
transformação, cantando ações e exercitando preconceitos, marcando posições
19
Os textos considerados fundadores do Movimento Tradicionalista Gaúcho são: a tese “O Sentido e
o Valor do Tradicionalismo Gaúcho”, de Barbosa Lessa, a “Carta de Princípios do Movimento
Tradicionalista Gaúcho” e o “Manual do Tradicionalista”, ambos de autoria de Glaucus Saraiva.
44
culturais e políticas no país, inventando bandeiras e heróis” (WEBER, 1992, p. 285),
criando sempre distinções com “os outros”, os brasileiros. Essa identificação
instituída através da “corporação gaúcha” surge independente do local onde se
esteja, basta ter uma reunião de nascidos (ou mesmo descendentes de nascidos) no
Rio Grande do Sul para que apareça.
Sobre isso, Oliven (1992), afirma que na atualidade, a identidade gaúcha é
resposta não mais em termos da tradição farroupilha, mas enquanto expressão de
uma distinção cultural em um país tão grande como o Brasil e também enquanto
resposta a crescente exposição a culturas globais, que se dá através dos meios de
comunicação de massa. Principalmente, na questão da relação com o Brasil, quando
se pretende comparar o Rio Grande do Sul ao resto do país lança-se mão desse
passado rural e da figura do gaúcho, pois são os elementos mais emblemáticos da
identidade gaúcha.
3. ANÁLISE DO DISCURSO E INVESTIGAÇÃO EM JORNALISMO
Este terceiro capítulo é dedicado a apresentação dos conceitos e
procedimentos da Análise do Discurso, da linha francesa, que serão utilizados na
análise. Inicialmente, buscamos fazer uma aproximação desta corrente teórica com
a investigação em jornalismo, e depois mostramos os procedimentos metodológicos
adotados nesta pesquisa.
3.1 – Jornalismo, Discurso e Representação
Como foi dito no capítulo anterior, o discurso jornalístico é um tipo de discurso
que tem suas próprias regras, mas como todo discurso ele não é neutro e
transparente e nem reflete a realidade. O jornalismo ao noticiar um acontecimento
transforma-o em narrativa e converte-o em realidade pública. Dessa forma, a notícia
passa a ser uma representação da realidade e não a própria realidade, isto é, a
notícia é uma construção discursiva que produz sentidos.
Se entendermos o jornalismo como um lugar de produção e circulação de
sentidos, perceberemos que seu discurso é “[...] dialógico; polifônico; opaco; ao
mesmo tempo efeito e produtor de sentidos; elaborado segundo condições de
produção e rotinas particulares; com um contrato de leitura específico, amparado na
credibilidade de jornalistas e fontes” (BENETTI, 2006, p. 01). Sendo assim, como
uma construção discursiva a notícia é produto do contexto sócio-histórico no qual
está inserida e quem se propõe a analisá-la precisa levar em conta não só o texto
que é produzido pelo jornalista, mas também o contexto em que ele foi produzido.
46
Esta compreensão parte das concepções da Análise do Discurso (AD)
20
de
que um discurso não pode ser analisado fora de seu contexto de produção de
sentidos. Assim, um dos princípios fundamentais da AD é considerar que há uma
relação entre língua e história na produção dos sentidos.
[...] a Análise do Discurso não trabalha com a língua enquanto um
sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de
significar [...] Levando em conta o homem na sua história, considera
os processos e as condições de produção da linguagem, pela análise
da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as
situações em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar as
regularidades da linguagem em sua produção, o analista relaciona a
linguagem à sua exterioridade (ORLANDI, 2001, p.16).
O objetivo da Análise de Discurso é compreender como “um objeto simbólico
produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa
compreensão, por sua vez, implica em explicar como o texto organiza os gestos de
interpretação que relacionam sujeito e sentido” (ORLANDI, 2001, p. 26).
Para a AD, a partir de um conjunto de conceitos trazidos por Michel Pêcheux
(na década de 1960), não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia,
pois todo indiduo é interpelado pela ideologia e é assim que a língua faz sentido
(ORLANDI, 2001). Então, na AD a ideologia é constituição não só para o sujeito
como também para os sentidos. A ideologia, nesse contexto, não é vista de uma
maneira sociológica, como uma visão de mundo ou ocultação da realidade, mas
como um mecanismo estruturante do processo de significação. A ideologia é uma
prática significante, que aparece como efeito da relação necessária entre o sujeito, a
língua e a história e, para a AD, ela se materializa na linguagem.
No caso do jornalismo, a ideologia aparece quando os discursos produzidos
fazem circular sentidos que são característicos de certas posições ideológicas.
Sobre isso, Bethânia Mariani (1999, p. 111) afirma que o discurso jornalístico “possui
uma prática discursiva específica: ele produz uma leitura do presente, podendo vir a
reconfigurar resíduos produzidos no passado e, ao mesmo tempo, organiza os
germes de sentidos ainda por vir”. Dessa forma, o discurso jornalístico pode atuar na
repetição de posições ideológicas que são hegemônicas ou pode ser atravessado
por vozes divergentes. E isso, geralmente, não é percebido por lê um jornal.
20
A Análise do Discurso é uma disciplina que surgiu na década de 1960 e foi concebida sob a luz da
Lingüística, do Marxismo e da Psicanálise.
47
Então, pensando no processo de construção da notícia: desde a seleção do
fato, passando pela apuração e redação do texto, o acontecimento é colocado
dentro de uma ordem imaginária, ou melhor, é inserido dentro de uma “rede de
filiação de sentidos possíveis daquela formação social” (MARIANI, 1999, p.112) em
que está inserido. Por este motivo, a AD e seus conceitos são importantes na
compreensão dos sentidos dos discursos jornalísticos.
3.1.1 - Formações Discursivas, Formações Ideológicas e Interdiscurso
Na AD, o discurso é entendido como efeito de sentidos entre locutores, sendo
que “esse efeito é produzido a partir da determinação de lugares sociais que os
sujeitos ocupam” (SILVEIRA, 2004, p. 34). Os sentidos não estão “presos ao texto
nem emanam do sujeito que lê, ao contrário, eles resultam de uma inter-ação entre
texto/leitor” (MARIANI, 1999, p. 106). E, por isto, os sentidos precisam ser pensados
na sua historicidade. Assim, conforme as reflexões da AD, os sentidos das palavras,
objetos e imagens podem mudar conforme a situação e o lugar em que estão sendo
utilizados e por quem os está utilizando. Dessa forma, para entender o sentido
produzido por um discurso é necessário colocá-lo em relação com sua exterioridade,
com suas condições de produção.
Quer dizer, quem se propõe a estudar como um discurso produz sentido
precisa considerar o texto e o seu exterior. Daí que o entendimento de três conceitos
é fundamental para a compreensão desse processo: formação discursiva (FD),
formação ideológica (FI) e interdiscurso.
Uma formação discursiva é entendida como “aquilo que pode e deve ser dito,
a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada” (BRANDÃO, 1997, p. 38).
Dito de outra forma, a FD é uma região de sentidos, sendo que estes são
determinados por uma configuração ideológica.
A noção de formação discursiva foi inicialmente proposta por Foucault que
pretendia observar uma certa regularidade no funcionamento discursivo. Mas, foi
Pêcheux quem reelaborou o termo e introduziu a idéia de ideologia nele. Para este
autor, a noção de FD vem ligada a de formação ideológica, pois uma ou mais FDs
interligadas são determinadas por um FI dada e o que diferencia uma FD de outra é
48
como elas se relacionam com a formação ideológica. Quer dizer, as formações
discursivas representam no discurso as formações ideológicas.
Uma formação ideológica pode ser entendida como uma posição dada em
uma conjuntura dada, sendo determinada pelas relações de força. É preciso
destacar que, na Análise do Discurso, as noções de FD e FI estão sempre
interligadas.
Em AD, FI e FD são concebidas como constitutivas uma da outra,
pois a primeira funciona como determinante ‘do que pode e deve ser
dito no âmbito da segunda, e as formações discursivas, por sua vez,
‘representam na ordem do discurso, as formações ideológicas que
lhe correspondem. Em ambas, agem o social e o ideológico, não
apenas como causa para uma análise lingüística, mas também como
elementos que determinam a constituição do sujeito e do sentido no
discurso (SILVEIRA, 2004, p. 42).
Dessa forma, para que um analista do discurso consiga apreender o sentido
de determinado discurso é necessário que ele identifique as formações discursivas e
ideológicas que constituem aquele discurso. No caso deste trabalho, existem duas
formações ideológicas presentes: a Brasilidade e o Gauchismo, pois é dentro deste
contexto que o caso estudado está inserido. Quer dizer, a ginasta Daiane dos
Santos representa o Brasil nas competições em que participa e não o Rio Grande do
Sul, porém o discurso jornalístico produzido sobre ela pelo jornalismo local remete-
se ao contexto gaúcho.
Na análise de um texto jornalístico, o pesquisador primeiro localiza as marcas
discursivas
21
que representam aquele sentido que ele está procurando identificar,
depois ele reúne-as em torno das formações discursivas e, por fim, precisa buscar
fora do âmbito do texto analisado, aqueles outros discursos que o atravessam.
Como as posições ideológicas determinam a construção dos discursos, o
sentido de cada palavra muda conforme as posições de fala: quem disse, o que
disse, a partir de que lugar e de que forma. E, esse sentido surge em relação às
formações ideológicas em que essas posições se inscrevem (ORLANDI, 2001). Ou
melhor, a produção de efeitos de sentido é determinada a partir de onde falam (FD)
e de onde se posicionam os sujeitos (FI).
21
Marcas discursivas são as expressões que constroem o caminho em direção ao sentido de uma
formação discursiva.
49
A exterioridade, que também compõe um discurso, é dada pelo seu contexto,
ou melhor, pelas condições de produção. Todo discurso tem um exterior que o
constitui, da mesma forma que o jornalismo é constituído por um exterior, que são
relações de poder, contextos sociais, saberes históricos, etc. Além disso, os
discursos, em especial, o jornalístico – por ser uma modalidade de discurso sobre –
acaba mobilizando um conhecimento anterior, uma memória, que na Análise do
discurso é chamada de interdiscurso.
Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória
discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que
retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do
dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso
disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em
uma situação discursiva dada (ORLANDI, 2001, p.31).
No caso do jornalismo essa memória será sempre acionada e atualizada na
narrativa dos acontecimentos. Então, um analista que se propõe a estudar o
discurso jornalístico precisa buscar as raízes ou origens das perspectivas de
enunciação (JACKS, MACHADO & MÜLLER, 2004).
O interdiscurso tem uma estreita relação com as formações discursivas, pois
é através do interdiscurso que uma FD incorpora elementos que foram construídos
fora dela. Ao narrar um fato, o jornalista, mesmo que inconscientemente, acaba
remetendo o seu dizer a discursos que são anteriores a ele e, desta forma, acaba
repetindo imagens, conceitos e preconceitos que fazem parte da sociedade em que
vive.
No âmbito dessa pesquisa, entender o interdiscurso é entender que discursos
da identidade gaúcha são trazidos para dentro dos textos sobre a ginasta Daiane
dos Santos e de que forma eles atuam na representação que é construída sobre ela
pela imprensa esportiva gaúcha.
3.1.2 – Paráfrases e esquecimentos
Para que o interdiscurso apareça o analista precisa identificar as FDs, pois é
nelas que o interdiscurso trabalha (MAINGUENEAU, 1997), e compreender os
50
movimentos de paráfrase que as constituem. A paráfrase é um processo pelo qual
um texto reitera os mesmos sentidos ao longo de seqüências discursivas
22
(SDs)
distintas. Para Orlandi (2001, p. 36) os “processos parafrásticos são aqueles pelos
quais em todo dizer há sempre um algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória.
A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços de dizer”.
Além disso, também é preciso trabalhar com os esquecimentos, uma vez que
o interdiscurso é afetado por eles. Foi Pêcheux que trouxe a noção de duplo
esquecimento para melhor entender a constituição das FDs e a presença do
interdiscurso. O primeiro é o esquecimento ideológico, que é da ordem do
inconsciente e resultado da forma pelo qual o indivíduo é afetado pela ideologia.
Esse esquecimento nos dá a “ilusão de sermos a origem do que dizemos quando,
na realidade, retomamos sentidos pré-existentes” (ORLANDI, 2001, p. 35). No
jornalismo esse esquecimento se dá, principalmente, na relação com as fontes,
quando o jornalista se utiliza de idéias e expressões de suas fontes.
O segundo esquecimento é da ordem da enunciação e produz a impressão da
realidade do pensamento. Neste, “o sujeito apaga a noção de que seu discurso nada
mais é do que a escolha de determinadas estratégias de expressão” (MACHADO &
JACKS, 2001, p. 4). Quer dizer, cria-se a ilusão de que o que foi dito só poderia ter
sido feito daquela forma e não de outra. Ao fazer suas reportagens o jornalista faz
suas escolhas: escolhe esta fonte e não outra, escolhe quais as falas de sua fonte
vai utilizar, escolhe o tipo de texto e as palavras que vai usar. O texto jornalístico é
um processo constante de escolhas, que coloca o assunto sob a ótica do jornalista.
Esses dois conceitos, de paráfrase e de esquecimentos, ajudam na
compreensão de porque um discurso diz o que diz. Com eles, mais as noções de
FD, FI e Interdiscurso procura-se chegar o mais próximo possível do “real dos
sentidos” (ORLANDI, 2001).
3.2 – Construindo um dispositivo de análise
22
As seqüências discursivas (SDs) são trechos recortados arbitrariamente pelo analista de acordo
com a sua operacionalidade metodológica.
51
Na AD, não existe um dispositivo de análise pronto que será transposto para
o trabalho de cada pesquisador. O que existe são caminhos a serem percorridos e, a
partir deles, o pesquisador terá que montar seu próprio dispositivo com base no seu
problema de pesquisa e seus objetivos.
É importante sempre ter em mente que em AD importa saber como um texto
significa. Dessa forma, Eni Orlandi, em seu livro “Análise de Discurso: princípios e
procedimentos” (2001), demonstra quais procedimentos o analista de discurso deve
seguir para estabelecer o sentido de um discurso. Para a autora, inicialmente deve
haver uma passagem da superfície lingüística (o corpus bruto) ao objeto discursivo,
quer dizer, fazer uma análise em primeira instância para mostrar o que está dito,
quem diz e em que circunstâncias. Depois, há a passagem do objeto discursivo ao
processo discursivo fazendo a análise da atuação da memória, do interdiscurso,
remetendo os discursos às formações discursivas e estas as formações ideológicas,
buscando assim chegar o mais perto possível do real dos sentidos.
Orlandi (2001, p. 68) define assim a apreensão dos sentidos de um texto pelo
analista através dos procedimentos por ela indicados:
Pelo seu trabalho de análise, pelo dispositivo que constrói,
considerando os processos discursivos, ele [o analista] pode
explicitar o modo de constituição dos sujeitos e de produção dos
sentidos. [...] Isto resulta, para o analista com seu dispositivo, em
mostrar o trabalho da ideologia. Em outras palavras, é trabalhando
essas etapas da análise que ele observa os efeitos da língua na
ideologia e a materialização desta na língua. Ou, o que, do ponto de
vista do analista, é o mesmo: é assim que ele apreende a
historicidade do texto.
Jean-Jacques Courtine (apud SILVEIRA, 2004, p. 66), dá outra definição para
a passagem da superfície lingüística ao objeto discursivo. Para este autor, tal
procedimento leva a constituição do “corpus discursivo”, que pode ser definido como
“um conjunto de seqüências discursivas estruturado segundo um plano definido em
referência a um certo estado das condições de produções do discurso”. É a partir
desse corpus discursivo que o pesquisador vai trabalhar com o interdiscurso, as
formações discursivas e as formações ideológicas.
A construção do dispositivo de análise vai depender da habilidade do
pesquisador em lidar com a teoria e com o corpus. Partindo dessa premissa, desde
52
a delimitação do corpus de pesquisa ele já está iniciando sua análise, pois a AD
demanda um processo de ir-e-vir constante entre teoria, corpus e análise.
3.2.1 – Constituição do Corpus de Pesquisa
Em AD, a delimitação do corpus segue critérios teóricos e não empíricos.
Nesta forma de análise, a exaustividade horizontal, ou melhor, a extensão ou
completude não é o objetivo, uma vez que o processo discursivo é inesgotável, pois
todo discurso é estabelecido na relação com outro discurso, que é anterior, e aponta
para outros discursos, num processo infinito. Assim, o objetivo aqui é a objetividade
vertical, que deve ser considerada relacionando-se os objetivos da análise e a
temática estudada. Dessa forma, os “dados” obtidos são tratados como fatos da
linguagem, com sua memória e materialidade lingüístico-discursiva (ORLANDI,
2001).
Diante disso, para esta pesquisa não seria interessante definir um
determinado período de tempo e coletar todos os textos jornalísticos produzidos pela
imprensa esportiva gaúcha sobre a ginasta Daiane dos Santos, pois estaríamos
levando em conta apenas a exaustividade horizontal. Portanto, o mais significativo
seria restringir o corpus de pesquisa aos principais eventos esportivos disputados
por ela. Dessa forma, chegamos a quatro competições:
1) Mundial de Anaheim (Estados Unidos), em agosto de 2003;
2) Jogos Olímpicos de Atenas (Grécia), em agosto de 2004;
3) Super-Final da Copa do Mundo de Ginástica, Birmingham (Inglaterra), em
dezembro de 2004;
4) Mundial de Melbourne (Austrália), em novembro de 2005.
O primeiro evento selecionado, o Mundial de Anaheim, foi fundamental na
carreira de Daiane, pois foi neste que a ginasta conquistou sua primeira medalha de
ouro em âmbito internacional e, principalmente, porque entrou para a história do
esporte sendo a primeira brasileira e primeira negra a conquistar uma medalha de
ouro em um Mundial de Ginástica Artística. Conseqüentemente, nos outros eventos
53
que participou Daiane sempre chegou como favorita à vitória conquistando, assim,
visibilidade midiática.
Então, o corpus de análise constitui-se de textos jornalísticos produzidos
sobre Daiane dos Santos pela editoria de esportes dos jornais Zero Hora e Correio
do Povo, no período de realização dos quatro eventos citados acima. A escolha
desses veículos de comunicação orientou-se pelo fato de os dois serem os de maior
circulação estadual.
O corpus bruto compreende 114 textos, sendo 47 de Zero Hora e 67 do
Correio do Povo. Estão incluídos aqui tanto os textos informativos como os
opinativos. Optamos pela não separação dos gêneros na análise, pois não é
interesse desta pesquisa saber como cada tipo de texto incorpora a questão da
identidade gaúcha, mas saber como o jornalismo esportivo, como um todo, es
incluído nesta temática.
3.2.2 – Procedimentos Metodológicos
Como foi dito anteriormente, o dispositivo de análise é construído pelo próprio
analista, com base no seu problema e seus objetivos. Sendo assim, desde a
construção do dispositivo teórico o pesquisador já está mobilizando conceitos e
teorias que irão lhe dar sustentação na hora de fazer as análises. Dessa forma, os
procedimentos explicitados a seguir servem para atender aos objetivos desta
pesquisa, de modo que com o mesmo corpus, mas com outros objetivos, os
procedimentos poderiam ser diferentes. Vejamos, então, o caminho percorrido na
realização desta pesquisa.
Com o corpus de análise delimitado, a primeira medida foi ler atentamente
todos os textos, quando procuramos identificar as marcas discursivas que tinham
relação com os nossos objetivos de pesquisas, ou seja, marcas que qualificassem a
ginasta ou seus atos e remetessem a elementos da identidade gaúcha e as
identidades subalternas (gênero, etnia e classe social). É importante deixar claro que
essas categorias (como bravura, valentia, heroísmo, justeza, honestidade, etc.)
foram sendo definidas durante a leitura dos textos, conforme iam surgindo.
Em seguida, as seqüências discursivas (SD) foram sendo identificadas,
selecionadas e numeradas pela ordem em que apareceram. Assim, cumprimos a
54
primeira etapa de análise: passamos do corpus bruto ao objeto discursivo, sendo
este formado por um conjunto de 151 seqüências discursivas. Todos os grifos que
aparecem nas SDs utilizadas para exemplificar os resultados servem para destacar
as marcas encontradas e foram feitas por nós. Além disso, algumas SDs são
repetidas, pois apresentam mais de um sentido e se faz necessário esse
procedimento. Em alguns momentos, quando se repete uma SD já utilizada e esta é
muito extensa foi feita uma condensação, deixando apenas o trecho que contenha o
sentido que se quer destacar.
Depois desta primeira análise, fizemos uma descrição de como a ginasta
Daiane dos Santos foi apresentada por cada jornal em cada um dos eventos
selecionados para análise. Isso possibilitou a percepção das alterações que foram
sendo feitas na representação da atleta conforme os resultados obtidos. Neste
momento, foram identificadas as diferenças de tratamento dado às vitórias e às
derrotas e que vão interferir nos discursos construídos.
Feito isto, procedemos a uma análise das seqüências discursivas
selecionadas para identificar quais as modalidades de marcas discursivas eram
predominantes, para em seguida reunirmos estas marcas em torno das Formações
Discursivas que indicassem os sentidos predominantes relacionados à identidade
gaúcha que estavam sendo veiculados pelos jornais. Nesta etapa, que consiste em
passar do objeto discursivo ao processo discursivo, é que foi identificada a presença
do interdiscurso, através dos movimentos de paráfrases, dos esquecimentos, do que
foi dito e não-dito e dos silenciamentos.
Uma vez verificadas as regiões de sentido predominantes foi possível
reconhecer os discursos que foram produzidos na representação da ginasta Daiane
dos Santos e sua articulação com a identidade gaúcha.
4. A IMPRENSA ESPORTIVA GAÚCHA E DAIANE DOS SANTOS: OS
DISCURSOS CONSTRUÍDOS
Depois de apresentar o quadro teórico, que dá sustentação a esta pesquisa, e
os procedimentos metodológicos que foram adotados, chega o momento de
apresentar os resultados. Sendo assim, este quarto capítulo começa com a
descrição da representação da ginasta Daiane dos Santos produzida pelos jornais.
Depois apresentamos as marcas discursivas identificadas, para em seguida,
chegarmos aos discursos que foram produzidos pela imprensa esportiva gaúcha na
representação da atleta.
4.1 Representando Daiane dos Santos: dos tablados às páginas dos jornais
23
Na descrição de Daiane dos Santos que é apresentada a seguir é possível
visualizar e compreender como ela foi tratada pelos jornais e as mudanças de
tratamentos decorrentes dos resultados que ela ia obtendo nos eventos
selecionados para a análise.
Veremos que no início, frente ao extraordinário, ao inesperado título
conquistado por ela no Mundial de Anheim, os jornais produziram um excessivo
número de matérias sobre a ginasta. Praticamente todos os dias era publicado
alguma coisa, com sua vida sendo piblicizada ao público leitor. Em Atenas, diante da
“previsibilidade” da medalha de ouro olímpica inédita, foi criada uma expectativa
demasiada e também houve a publicação de inúmeras matérias. A partir daí, com a
não confirmação da medalha de ouro, os jornais passaram a trabalhar apenas com
23
Em anexo, colocamos as principais matérias publicadas pelos jornais e que serviram de base na
construção dessa descrição.
56
base nos resultados, quer dizer, não fazendo matérias que criassem muitas
expectativas e trazendo apenas a notícia do que estava acontecendo.
4.1.1. Mundial de Anaheim: o ineditismo
O Mundial de Anaheim aconteceu em agosto de 2003, no estado da
Califórnia, nos Estados Unidos. Este evento iniciou poucos dias depois da realização
dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, na República Dominicana.
No Pan, a ginástica artística brasileira foi considerada pela mídia nacional
uma decepção, pois só obteve uma medalha de bronze por equipes. Nenhuma
medalha individual foi alcançada. Daiane dos Santos, que era uma das esperanças
brasileiras, juntamente com a carioca Daniele Hypólito, tinha passado por uma
cirurgia no joelho dias antes da competição e não se saiu bem nas suas
apresentações. E, como o Mundial foi muito próximo ao PAN ninguém imaginou o
que estava por vir. Daiane entraria para a história da ginástica artística brasileira e
mundial: primeiro escrevendo seu nome no livro de regras da Federação
Internacional por ter executado um movimento inédito, o duplo twist carpado ou,
como passou a ser chamado oficialmente, Dos Santos; e, segundo, por ter
conquistado a medalha de ouro no solo.
Correio do Povo (CP)
O espaço dedicado pelo jornal até Daiane conseguir a medalha era pequeno.
Nem mesmo quando executou o movimento inédito recebeu maior atenção. A
ginasta, geralmente, era designada como gaúcha ou porto-alegrense do Grêmio
Náutico União (GNU) – o jornal sempre deixou claro que ela representava o clube.
Inclusive, numa de suas colunas, Hiltor Mombach fala sobre a excelente fase pela
qual passava o clube, ressaltando o título de Daiane, como é possível ver na
seqüência abaixo:
A notícia da década: a gaúcha Daiane dos Santos, do Grêmio
Náutico União, sagrou-se campeã do mundo de exercícios de solo,
ontem, com 9.737 pontos, no Mundial de Ginástica de Anaheim, na
Califórnia. Esta fase do União me faz lembrar um ditado: 'Quem
57
p
lanta, colhe'. Pippi da Motta deve estar exultante. Daiane faz
história.
Somente após Daiane ter conquistado o título inédito, o Correio do Povo
passou a escrever sobre sua vida, sua família e sua carreira. Até o dia da final, em
24 de agosto, apenas três notícias sobre a Daiane haviam sido dadas. Do dia 25 até
o dia 31 de agosto o jornal publicou 13, incluindo nesta conta os textos de opinião.
As notícias falavam da humildade da ginasta e de sua família e davam ênfase
ao fato de Daiane ter iniciado no esporte aos 11 anos – o que é considerado tarde
no mundo da ginástica – e das dificuldades enfrentadas por ela para tornar-se uma
atleta de elite. A Daiane eram atribuídas qualidades como superação, força de
vontade, coragem, determinação e persistência, como é possível perceber nos
exemplos abaixo:
Um sonho impossível que se realizou. Assim pode se resumir a
história da porto-alegrense Daiane dos Santos, que na noite de
domingo tornou-se a maior ginasta brasileira de todos os tempos.
De família modesta, ela costumava brincar na praça da Escola
Estadual Mané Garrincha, dentro do Centro Estadual de Treinamento
Esportivo (Cete), quando tinha 11 anos, fazendo exercícios de barra
e piruetas
24
.
Daiane começou muito tarde sua carreira na ginástica. Afinal, aos
11 anos, a maioria das ginastas já treina há muito em clubes
estruturados. Apesar disso, ela superou todos os obstáculos para
conquistar, domingo à noite, no Mundial de Anaheim (EUA), a
medalha de ouro no solo, um feito inédito para a ginasta brasileira.
Daiane, 20 anos, é a segunda das quatro filhas de Moacir e Magda.
Deise, 21, Cíntia, 18, e Djéssica, 10, completam a família, que se
mudou há três anos para um condomínio na zona Sul da Capital,
graças ao sucesso de Daiane.
A visita que ela fez a Disney, nos Estados Unidos, junto com a delegação
brasileira também foi noticiada. Todavia, o ponto mais destacado foi o fato de Daiane
ter sido a primeira ginasta do Brasil a conquistar uma medalha de ouro em um
Mundial de Ginástica, sempre sendo enfatizado os seus esforços:
24
Anexo 1, matéria “Das piruetas para a glória definitiva”.
58
A acrobacia foi apresentada nas semifinais do Mundial e recebeu
nota máxima do júri (super E). 'O resultado é fruto de muito trabalho
e dedicação. Realizei meus dois grandes sonhos: receber a nota
máxima num movimento inédito e ser campeã mundial', comemorou
ao ser agraciada, talvez sem ter ainda a real dimensão de sua
conquista. Afinal, pela primeira vez em 100 anos da competição, o
Brasil subiu ao lugar mais alto do pódio, sem nunca antes ter
ficado entre os três primeiros
2
5
.
Zero Hora (ZH)
Diferentemente do Correio do Povo, Zero Hora, devido à linha editorial,
detalha mais as questões trazendo reportagens que transcendem ao lide. Por este
motivo, dentro de um mesmo tema, vários aspectos podem ser pautados. No
entanto, no que diz respeito ao Mundial de Anaheim, assim com o CP, ZH não
esperava o título de Daiane e não houve uma cobertura pré-competição. A primeira
reportagem sobre o assunto apareceu quando Daiane passou a dar nome ao
movimento duplo twist carpado.
Após o Ouro, sucederam reportagens sobre a vida, a família e a carreira da
ginasta. Também sendo destacada sua origem pobre, a superação de obstáculos,
as cirurgias, e suas férias na Disney:
As lágrimas consagradoras só podiam mesmo escorrer pelo rosto
lisinho da maior ginasta brasileira ao lembrar a parede gigantesca de
“nãos” que se ergueu diante de seus 1m45cm no começo de sua
carreira na ginástica. Daiane dos Santos era negra, pobre e velha.
Aos 12 nos, quando foi descoberta na pracinha do Centro Estadual
de Treinamento Esportivo (Cete), esse era o maior desafio.
Na ginástica, as meninas iniciam com seis, cinco anos. Ao voltar para
casa depois de ser campeã mundial no solo nos Estados Unidos, a
emoção transbordou:
Diziam que eu nunca seria campeã por ser velha para a
ginástica. Lutei. E consegui: eu sou uma campeã – desabafou
Daiane, 20 anos, ao chegar ao Grêmio Náutico União
26
.
Daiane está aproveitando os quatro dias de descanso com a equipe
brasileira, depois do Mundial, na Disneylândia, que segundo o pai
sempre foi o seu sonho.
25
Anexo 2 , matéria “Daiane realiza dois grandes sonhos”.
26
Anexo 4, matéria “Daiane ganha colo. Ela merece!
59
ZH chegou a chamar Daiane de “Pérola Negra”, apelido dado a ela pela chefe
da delegação brasileira, Eliane Martins. Sua apreciação por samba e seu desejo de
desfilar na Escola Imperadores do Samba, de Porto Alegre, também foram
destacado:
Discreta e humilde, mas sem abrir mão da alegria. Assim é a
ginasta Daiane dos Santos, quando, de folga em competições e
treinamentos, como a maioria das jovens da sua idade que gosta de
samba, aproveita para se divertir em alguma casa do gênero ou
em quadra de escola de samba.
E não é que a baixinha de sorriso fácil é boa de samba?
Garra, talento e samba ela tem de sobra.
Por vezes chamada de heroína, Daiane foi comparada a outros ídolos que
também mereceram recepções “grandiosas” no aeroporto Salgado Filho.
Já mereceram grandiosas recepções no aeroporto, seguidas de
entusiasmados cortejos pela cidade, nossa sempre Miss Universo,
Ieda Athanázio Vargas,o tricampeão mundial Everaldo Marques da
Silva, o Papa João Paulo II, Luiz Felipe Scolari e Anderson Polga ,
nossos pentacampeões, e agora será a vez dos porto-alegrenses
homenagearem nossa pequena heroína, Daiane dos Santos.
As conseqüências de sua conquista foram denominadas de “efeito do furação
Daiane”, já que ela havia entrado para a história do esporte brasileiro. Outro
destaque foi dado ao fato de Daiane, ao contrário das ginastas de outros países que
ao se apresentarem bem dão um leve sorriso aos técnicos, ter saltado sobre as
costas de sua técnica Adriana Alves para comemorar.
No mundo da competição de alto nível, os atletas sabem quando vão
mal. E Daiane sabia que tinha vacilado. A cumplicidade entre as
duas permite tais cobranças carinhosas. Na hora da alegria, vale o
mesmo. A sapeca menina descoberta no trepa-trepa de uma
pracinha não acenou com um leve sorriso como fazem as russas,
romenas e chinesas depois de exibição à beira do sublime.
Enganchou-se às costas de Adriana e assim saiu de cena,
ovacionada por um público que não tinha dúvidas: o ouro era seu
27
.
27
Anexo 3, matéria “Os bastidores do ouro”.
60
O retorno de Daiane a Porto Alegre teve ampla cobertura do jornal.
Novamente, sendo destacado o fato dela ser negra, ter origem pobre e começado
tardiamente no esporte. Foi mostrada a recepção “calorosa” que ela teve no
aeroporto, com a participação da bateria da Imperadores do Samba, o desfile em
carro de bombeiros e as dezenas de bandeiras do Brasil espalhadas pelas ruas da
cidade.
A volta a Porto Alegre da campeã mundial de solo na ginástica
olímpica, Daiane dos Santos, foi triunfal e comovente. Recebida
por cerca de 500 pessoas no aeroporto Salgado Filho, a campeã de
1m45cm de altura foi festejada como os maiores ídolos do
futebol. Depois, desfilou em carro de bombeiros até a sede do
Grêmio Náutico União. Durante o trajeto, Daiane foi saudada por
populares que acenavam das calçadas e das janelas dos edifícios.
Desfile em caminhão de bombeiros, batedores a acompanhá-la,
gente acenando dos edifícios, bandeiras do Brasil pelas esquinas,
bateria da Imperadores do Samba na recepção, medalha do
mérito rio-grandense entregue pelo governador Germano Rigotto,
autógrafos a perder a conta (mais de duzentos em um dia)
4.1.2. Jogos Olímpicos de Atenas: expectativa, tristeza e exaltação
Entre o ouro no Mundial de Anaheim e as Olimpíadas de Atenas passou um
ano. Nesse período Daiane conquistou quatro medalhas de ouro em etapas da Copa
do Mundo de Ginástica. Devido a esses resultados, ela chegou à Grécia, em agosto
de 2004, como uma das favoritas ao ouro, ao lado da romena Catalina Ponor e da
espanhola Elena Gómez.
Correio do Povo
O fato de Daiane ser uma das favoritas ao “ouro olímpico” fez com que os
jornais estivessem mais voltados a ela. Desde o início de agosto o CP já vinha
produzindo matérias sobre a ginasta e, até o dia da prova eliminatória (15/08), os
textos estavam mais focados na mobilização da torcida gaúcha e, principalmente, da
preparação de Daiane para a apresentação.
[título] Aumenta a torcida pela nossa ginasta de ouro
61
N
o que depender da torcida, a gauchinha receberá uma corrente
de energia positiva para garantir o seu ouro, na ginástica de solo,
em Atenas.
[título] O Brasil torce por Daiane
A Olimpíada de Atenas chega ao momento mais esperado pelos
brasileiros. Hoje é dia de acompanhar a ginasta gaúcha Daiane
dos Santos, do União/Brasil Telecom.
[título] Chegou a hora da gaúcha Daiane dos Santos
28
.
O joelho da atleta, que havia sido operado cerca de 50 dias antes, era o
centro das atenções. A preocupação se as dores a deixariam executar todos os
movimentos foi bastante discutida, servindo para o jornal enfatizar a coragem de
Daiane:
[título] Daiane: treino completo e sem dor em Atenas
A segunda operação na atleta do União, há 48 dias, foi uma
complementação da primeira. Pequenos pedaços de cartilagem
soltos no joelho direito foram retirados para que as dores que ela
sentia deixassem de incomodar. O prazo de recuperação normal
para a cirurgia é de 50 dias.
O jornal demonstrava toda a sua expectativa e praticamente dava como certo
que Daiane traria a medalha de ouro. Dentro deste contexto, uma matéria fugiu ao
tema das demais: intitulada “De olho no estilo Daiane”, foi publicada no dia 14 de
agosto (véspera de sua primeira apresentação) e tratava da questão do visual da
atleta.
Uma das grandes promessas do Brasil nas Olimpíadas de Atenas
é a gaúcha Daiane dos Santos (fotos acima). A atleta tem se
mostrado caprichosa com seu visual. Fora das competições e dos
treinos, ficou claro que ela gosta, mesmo, é de um estilo mais
despojado e natural, mas, no momento das apresentações, Daiane
aprecia o potencial de um bom brilho.
A classificação de Daiane para a final com a terceira colocação fez com que o
CP começasse a demonstrar um pouco de preocupação e a falar sobre a perfeição
dos movimentos que ela teria que executar para vencer a prova. Suas adversárias,
enfim, mereceriam atenção, principalmente a romena Catalina Ponor e a chinesa Fei
28
Anexo 6.
62
Cheng, que haviam obtido as duas melhores notas na eliminatória. Mesmo assim,
perfeição e favoritismo foram a tônica das matérias até o dia da final.
Se antes da Olimpíada Daiane era a favorita absoluta ao ouro na
prova de solo, agora já não é mais, principalmente se ela não
realizar o duplo twist esticado, que era seu grande trunfo para a final
desta segunda-feira. [...] Para derrotar a romena, a gauchinha
Daiane terá de fazer uma apresentação impecável e perfeita,
inclusive no duplo twist esticado
29
.
Diante da expectativa criada, o erro cometido por Daiane na apresentação
final e o 5º lugar que obteve foram narrados pelo CP inicialmente como sendo algo
triste e, em seguida, foram ressaltados os pontos positivos da experiência olímpica
da ginasta. Foram exaltados o seu exemplo de vida, a sua coragem e,
principalmente, o fato de Daiane ser a principal ginasta do país, a primeira a colocar
o nome do Brasil no rol dos melhores do mundo:
Assim que Daiane iniciou sua coreografia, a apreensão tomou conta
da torcida Dá-lhe Daiane, que acompanhava a performance em um
telão. Ao final, o sentimento era de tristeza pela medalha que não
veio, mas de orgulho por ver a atleta entre as melhores do
mundo.
Gaúcha ficou sem medalha, mas foi a primeira a colocar o Brasil
no mapa mundial da modalidade
[título] Volta sem medalha a ginasta de ouro
A gauchinha, que despontou no cenário internacional no Pan-
Americano de 1999, pode retornar orgulhosa: se não foi a primeira
em Atenas, foi a primeira a colocar o Brasil no mapa mundial
desta modalidade. A ginástica se divide em antes e depois de
Daiane dos Santos
30
.
Por fim, o jornal criou a expectativa pelo retorno de Daiane à cidade,
conclamando o povo a saudar a “sua pequena gigante”, e descreveu como os
gaúchos demonstraram todo o seu carinho por ela.
[título] Daiane chega e recebe o carinho do povo
Daiane dos Santos voltou a viver um dia de fortes emoções. Ontem,
pouco depois do meio-dia, logo ao desembarcar no Aeroporto
29
Anexo 5, matéria “Daiane divide atenção com romenas”.
30
Anexo 7, matéria “Ginástica antes e depois de Daiane”.
63
S
algado Filho teve uma amostra do carinho do povo gaúcho. Foi
saudada por familiares e dezenas de pessoas, muitas das quais em
trânsito por Porto Alegre.
Das janelas de edifícios, pessoas gritavam o nome da ginasta do Grêmio
N
áutico União. Daiane percebeu, então, que o fato de não ter voltado com
medalha dos Jogos Olímpicos de Atenas em nada alterou a admiração que
os gaúchos sentem por ela.
Zero Hora
A cobertura de ZH também começou destacando as dores no joelho operado
de Daiane. O jornal demonstrava muita preocupação, que foi desfeita após o ensaio
técnico, no qual ela fez a série, aparentemente, sem sentir dor.
Até o dia da final, uma grande expectativa em torno de Daiane também foi
sendo criada por ZH. Sua história de vida foi rememorada: a superação de barreiras
e obstáculos, a sua dedicação ao trabalho, as discriminações sofridas por ser pobre,
velha, negra e gaúcha. O fato dela ser “a maior ginasta brasileira” foi
constantemente lembrado.
Quando Daiane se encaminhar para o solo na competição da tarde
deste domingo em Atenas, o seu antigo técnico do Grêmio Náutico
União, Eliseu Burtet, o Kiko, deve pensar no quão “guerreira” é a
menina. Ou no quanto ela enfrentou de injustiça, nariz torcido,
discriminação e descrédito antes de se tornar a Daiane que hoje
vive o momento sublime da luta por uma medalha olímpica
31
.
Pobre e negra, a ginasta superou as dificuldades e se
transformou no maior nome do esporte amador do RS. Neste
domingo, a partir das 15h, a gaúcha começa a luta pelo sonho
olímpico.
O colunista Paulo S’antanna chegou a dizer que, caso vencesse, Daiane
tornar-se-ia imortal e de fama igual a Pelé, como é possível ver na seqüência abaixo:
Tudo se decide na próxima segunda-feira, dia 23, em Atenas. O
Brasil tem a chance de mostrar ao mundo uma das maiores
atletas de todos os tempos, com auréola de fama igual ou superior
à de Pelé
32
.
31
Anexo 8, matéria “A maior vitória de Daiane”.
32
Anexo 9, texto “A chance de ser imortal”.
64
Nem o fato de outras duas ginastas, a romena Catalina Ponor e a chinesa Fei
Cheng, terem tirado notas melhores na eliminatória desfez a expectativa. O jornal
disse apenas que Daiane teria que chegar “quase à perfeição”, o que dentro do
contexto criado haveria de ser algo fácil para a “pérola negra do Brasil”.
A estratégia do técnico ucraniano Oleg Ostapenko para aproximar
Daiane dos Santos da medalha de ouro no solo nos Jogos está
definida: a gaúcha fará sua apresentação com o máximo de
dificuldade possível. Daí voará alto.
Mais do que nunca será preciso arriscar. Perto dela estarão duas
adversárias de respeito: a romena Catalina Ponor, nota mais alta até
o momento (9.750), e a pequena chinesa Cheng Fei, segunda
colocada nas classificatórias, com 9.650. Para superá-las, Daiane
terá de chegar quase à perfeição.
ZH também deu destacou à barreira criada em torno de Daiane pela
Confederação Brasileira de Ginástica para que ela não fosse perturbada pela
imprensa e, assim, pudesse manter a concentração e foi mencionado o sacrifício
feito por suas colegas de seleção para ajudá-la, pois mesmo não tendo mais provas
a competir, as outras ginastas continuaram concentradas e mantiveram a dieta rígida
dos dias de competição.
Veio o erro e o jornal, através dos colunistas e até das reportagens, pediu
apoio para Daiane, falando em “cabeça erguida”, pois ela “fez história como melhor
ginasta do país em Olimpíadas”. Além disso, ZH disse que ela era “Gauchinha de
ouro, sim!”, que os erros não apagariam seu brilho e que o país não poderia, e nem
deveria, ser ingrato e injusto com a “sua campeã”. Ou seja, também em ZH houve
uma exaltação dos feitos de Daiane, mesmo com a derrota.
Mas Daiane saiu digna e altiva do desafio que não conseguiu
superar. Ela já superou desafios maiores, entre os quais a própria lei
da gravidade para inscrever nas enciclopédias olímpicas um salto
exclusivo que leva o seu nome. Daiane merece o reconhecimento
dos brasileiros porque ela própria é um milagre da superação
33
.
E a superação vale mais do que ouro.
33
Anexo 10, matéria “Gauchinha de ouro, sim”.
65
No seu retorno a cidade, o jornal também mostrou a recepção calorosa dada
à atleta pela população gaúcha:
A Daiane está mostrando para os brasileiros que um campeão
não se faz só com medalhas – disse o presidente da Federação
Gaúcha de Ginástica, Antônio Fontoura, minutos antes da atleta
chegar.
Pelas cenas vistas ontem, população parece ter entendido bem a
lição. Por onde passou, Dai recebeu acenos, aplausos e sinais de
positivo. Eram os gaúchos mostrando-se orgulhosos de sua
“baixinha”
34
.
4.1.3. Super Final da Copa do Mundo, em Birmingham: a número 1
O ano de 2004 reservou a Daiane muitas disputas importantes e fortes
emoções. Três meses após as Olimpíadas ela voltava a competir, agora na Super
Final da Copa do Mundo de Ginástica, evento que reúne os oito melhores atletas em
cada aparelho durante as etapas da Copa do Mundo que se estendem durante dois
anos. Suas principais adversárias estariam lá, em especial Catalina Ponor. Para
muitos, esta seria a “hora da verdade”: campeã mundial contra campeã olímpica.
Uma ótima pauta para jornalistas, ávidos por boas matérias.
Correio do Povo
O CP começou a cobertura deste evento, novamente, falando nas dores no
joelho direito de Daiane e até chegou a especular sobre uma possível nova cirurgia.
Em seguida, pediu torcida pela ginasta, destacando que uma das suas adversárias
seria outra brasileira, a velha rival Daniele Hypólito:
Na prova de solo, ela terá como adversária outra brasileira,
Daniele Hypólito, que também disputará a final na trave.
O momento mais esperado, no entanto, é a final do solo, com Daiane
dos Santos e Daniele Hypólito buscando medalhas
35
.
Daiane conquistou o ouro e o jornal deixou claro que trabalho duro e
dedicação fizeram a diferença na sua trajetória:
34
Anexo 11, matéria “Uma semana para namorar”.
35
Anexo 12, matéria “Toda a torcida para a gaúcha Daiane”
66
Segundo Daiane, este ouro serve para retomar a confiança. 'Esse
resultado mostra que sem trabalho não se conquista nada. Em
Atenas faltou trabalho da minha parte por causa da dor no
joelho. Agora foi diferente', declarou, acrescentando que a ginástica
brasileira termina bem o ano
36
.
'A evolução da ginástica olímpica tem um nome: trabalho',
declarou Daiane. Ela tem chegada prevista no Rio Grande do Sul
para o dia 22 deste mês. A ginasta disse que vai matar a saudade
da terra natal, dos familiares e do clube no qual treinava aqui no
Estado, o Grêmio Náutico União. 'Vou curtir as férias, descansar e
esperar que o próximo ano seja melhor ainda', afirmou.
Depois de encerrada a competição, Daiane retornou a Porto Alegre e o jornal,
como sempre, fez toda a cobertura da recepção da ginasta pelos gaúchos,
noticiando a condecoração por ela recebida do governador do estado, sempre sendo
destacada a sua valentia. Naquele momento, Daiane recebeu a medalha Negrinho
do Pastoreio, a mais importante medalha de distinção concedida pelo estado do Rio
Grande do Sul.
Em cerimônia realizada ontem no Palácio Piratini, o governador
Germano Rigotto entregou a medalha Negrinho do Pastoreio (a
mais importante distinção de reconhecimento concedida pelo
Estado) à ginasta Daiane dos Santos. 'Os gaúchos se orgulham
muito de ti, da tua garra, do teu trabalho, de tuas conquistas e
de tudo aquilo que tens conseguido para o Rio Grande do Sul e
para o Brasil', disse o governador a Daiane, que acaba de
conquistar a superfinal da Copa do Mundo, na Inglaterra.
Zero Hora
“A Dona do Mundo”
37
. Assim ZH chamou Daiane após a vitória na Super
Final. O jornal disse que com a conquista, ela estava provando ao mundo e a si
mesma que era a melhor de todas naquele momento.
Foram quase quatro meses de expectativa e resignação. Exatos 112
dias após errar em Atenas e ver sua principal adversária subir no
pódio em seu lugar, Daiane dos Santos voltou a brilhar novamente.
36
Anexo 13, matéria “Daiane encanta ingleses e conquista o ouro”.
37
Este título pode ser remetido à novela “O Dono do Mundo”, da Rede Globo, que foi exibida na
década de 1990, funcionando aí como um interdiscurso.
67
Ontem, na Superfinal da Copa do Mundo de Birmingham, na
Inglaterra, a gaúcha conquistou mais do que uma medalha de
ouro. Encerrou a temporada 2003/2004 no topo do ranking mundial e
provou ao mundo, e a si mesma, que é a melhor de todas
3
8
.
O jornal também destacou a fala da própria Daiane, na qual dizia que em
Atenas havia faltado trabalho, mas ZH frisou que isto havia sido conseqüência da
cirurgia no joelho realizada dois meses antes das Olimpíadas e não por falta de
vontade da atleta:
Estou aliviada. Eu estava precisando fazer uma competição do jeito
que eu queria para voltar a acreditar em mim. Fechei meu ano com
chave de ouro – vibrou a gauchinha. – Isso mostra que, na
Olimpíada, o que faltou para mim foi treinamento – completou
Daiane, explicando que a cirurgia realizada pouco antes dos
Jogos prejudicou seu desempenho na Grécia.
Sua alegria e simpatia foram destacadas e também o fato de seu técnico e da
seleção brasileira, o ucraniano Oleg Ostapenko, tido como frio e durão, ter dado um
“afetuoso abraço” em Daiane após a sua apresentação:
Em seguida, realizou com precisão o Dos Santos e, já com o famoso
sorriso metálico no rosto, completou a série sob aplausos de cerca
de 25 mil pessoas. Depois, correu em direção ao técnico ucraniano
Oleg Ostapenko, de quem recebeu um afetuoso abraço.
4.1.4. Mundial de Melbourne: “sem explicação”
Aproximadamente, um ano após a conquista da medalha de ouro na Super-
Final Daiane voltou a competir em um grande evento, o Mundial. Novamente,
chegava como favorita e agora lutava para manter o título, conquistado em Anaheim,
dois anos antes.
CORREIO DO POVO
38
Anexo 14, matéria “A Dona do Mundo”.
68
Desta vez, mesmo com o favoritismo, a competição e Daiane não tiveram o
mesmo destaque no jornal. O CP enfocou que ela estava buscando o bicampeonato:
[título] Daiane tenta seu bi mundial
A ginasta porto-alegrense Daiane dos Santos é a favorita para
faturar a medalha de ouro do solo no Campeonato Mundial de
ginástica artística, que termina neste domingo em Melbourne, na
Austrália
39
Mas, sua má colocação, sétimo lugar, obtida por causa da queda de Daiane
após uma das séries de acrobacias, foi tratada pelo jornal de forma “mais fria”. O
destaque ficou por conta da declaração que ela seguiria trabalhando duro para
tentar chegar até as Olimpíadas de Pequim, em 2008.
A porto-alegrense Daiane diz ter aprendido com o tombo e
encontrará forças para seguir treinando até os Jogos Olímpicos
de 2008, em Pequim.
Derrota sempre é doida. As duas (Olimpíada e Mundial) foram tristes.
Mas vou ficar chorando? Não! Tenho é de trabalhar, porque a
medalha não voltará. Agora, é começar tudo do zero, mudar
coreografia, música, acrobacias', contou a ginasta ontem
40
.
b) ZERO HORA
Antes da apresentação da final, ZH a chamou de “Fantástica Dai”, fazendo
referência ao que havia sido dito sobre ela pelo apresentador do evento. Foi dito
também que o título de bicampeã combinava mais com Daiane.
Hoje, a situação da atleta é bastante diferente. A maior ginasta
brasileira de todos os tempos, responsável pela popularização
do esporte no país, é reconhecida internacionalmente. Na última
quarta-feira, quando participou da etapa classificatória do Mundial de
Melbourne, também na Austrália, a gaúcha foi única atleta
reverenciada pelo locutor do evento: “Com vocês, a fantástica
Daiane dos Santos, atual campeã mundial de solo”
41
.
39
Anexo 15.
40
Anexo 16, matéria “Daiane: 'Erro não vai me abalar'”
41
Anexo 17, matéria “Fantástica Dai”.
69
Que na madrugada deste domingo (às 2h de Brasília, com
transmissão da Band), a gaúcha dê mais motivo para ser louvada
pelos locutores. Atual bicampeã mundial”, certamente, combina
mais com gauchinha.
O jornal também lembrou de sua primeira conquista internacional, quando
tinha 15 anos, na qual um dos colegas de seleção juvenil teve que cantar o hino
nacional, uma vez que a organização do evento, que não esperava a vitória de
brasileiros, não tinha um CD com o hino do país. Este fato ainda não tinha sido
mencionado na cobertura dos outros eventos.
Quando conquistou o seu primeiro título internacional, na Copa
Juniors de Canberra (AUS), Daiane dos Santos tinha apenas 15
anos. Do pódio, ouviu o hino nacional cantado por um colega a
capela jamais havia passado pela cabeça dos organizadores
que alguém do Brasil poderia ganhar alguma medalha de ouro
neste esporte.
A derrota, ou melhor, a má colocação de Daiane foi chamada de “sem
explicação”. De sua queda foi dito que ela havia perdido o ritmo. Entretanto, o jornal
disse que a ginasta “perdeu, mais uma vez, para ela mesma”, ou seja, que Daiane
só perde quando erra, pois sem erros ela é a melhor.
Gaúcha caiu sentada após executar o “dos Santos” na primeira
seqüência de saltos da série Brasileirinho, perdeu o ritmo e o
título
42
.
Assim como na Olimpíada, quando estava invicta há quatro
competições, Daiane chegou a Melbourne como principal favorita ao
ouro. Perdeu, mais uma vez, “para ela mesma” segundo Eliane
Martins, supervisora da Confederação brasileira de Ginástica. Seria
pressão?
Assim, Daiane terminou o ano de 2005: sem título e com o prestígio um pouco
em baixa com a imprensa, que esperava mais dela.
Mas, como foi possível perceber no decorrer da descrição da cobertura dos
eventos selecionados para análise, Daiane saiu do ostracismo em que se
encontrava antes do Mundial de Anaheim e foi elevada à categoria de heroína,
houvendo uma euforia em torno dela que foi, de certa maneira, desfeita após o
42
Anexo 18, matéria “Sem explicação”.
70
quinto lugar nas Olimpíadas. Mesmo assim, o fato de ter vencido a Super-Final da
Copa do Mundo a manteve em destaque. É importante salientar que, em termos de
relevância, este título é mais importante que o Mundial, pois a Super-Final acontece
a cada dois anos, reunindo os oito melhores ginastas de cada modalidade no
período.
Nesta descrição foi possível perceber como suas ações e sua história de vida
foram ganhando uma dimensão maior e é neste aspecto que há uma relação mais
próxima entre o que é dito sobre Daiane e a identidade gaúcha. A seguir, esta
questão será abordada mais detalhadamente, com a análise das marcas discursivas.
4.2 Mapeando as Marcas Discursivas
Depois de conhecer como a história de Daiane foi contada pelos jornais e de
nos tornarmos mais familiarizados com a questão, chega a hora de verificarmos
como a identidade gaúcha aparece nos textos.
Através do mapeamento das marcas discursivas é que aparecem as
formações discursivas presentes nos textos sobre a ginasta Daiane dos Santos e
que nos levarão a identificar a presença do contexto exterior ao texto. Sendo assim,
primeiramente, faremos a análise das marcas encontradas que tenham relação com
a identidade gaúcha e as identidades subalternas, para num segundo momento
apresentarmos os discursos produzidos.
4.2.1. Marcas da identidade gaúcha
Considerando-se que ao construir um discurso o jornalista acaba utilizando
valores e características da sociedade em que vive, é possível perceber a presença
de marcas discursivas que remetam a esta cultura. Aqui entra em jogo aquilo que
Hall et. al. (1993) chama de “mapas partilhados de significados” e que condiciona o
que será escrito pelos jornalistas.
71
A análise dos textos apontou três marcas discursivas, que remetem à
identidade gaúcha, predominantes na representação de Daiane dos Santos. São
elas: a) Bravura/Valentia; b) Heroísmo; e c) Laboriosidade/Laborioso.
a) Bravura/Valentia
Bravura e valentia, segundo o dicionário Aurélio (2005), são dois substantivos
femininos que possuem significados semelhantes: ambos remetem à coragem,
audácia, força, proeza. Na identidade gaúcha, essas palavras são utilizadas sempre
que se queira demonstrar que houve enfrentamento de riscos e sacrifícios para se
alcançar algum objetivo, isto porque, durante o processo histórico que levou ao
desenvolvimento desses elementos como atributos do povo gaúcho, sempre que
alguém se impôs diante de obstáculos foi tido como valente ou bravo. Foi assim
desde os conflitos armados, nos quais a população do estado se viu envolvida,
passando pelo trabalho com a pecuária extensiva, no qual o gaúcho em suas
atividades regulares enfrentava desafios e riscos, até chegar aos dias atuais, onde o
imaginário coletivo continua cultuando as qualidades de bravura e valentia
(TEIXEIRA, 1994).
Essas características apareceram reiteradamente nos textos sobre Daiane,
através de marcas que remetem aos sentidos que elas instituem, tanto para
qualificá-la como para qualificar as suas ações. É possível perceber isso, nas
seqüências discursivas (SDs) destacadas abaixo:
Daiane começou muito tarde sua carreira na ginástica. Afinal, aos
11 anos, a maioria das ginastas já treina há muito em clubes
estruturados. Apesar disso, ela superou todos os obstáculos
para conquistar, domingo à noite, no Mundial de Anaheim (EUA), a
medalha de ouro no solo, um feito inédito para a ginasta [sic]
brasileira (CP – SD 6)
.
A segunda operação na atleta do União, 48 dias, foi uma
complementação da primeira. Pequenos pedaços de cartilagem
soltos no joelho direito foram retirados para que as dores que ela
sentia deixassem de incomodar. O prazo de recuperação normal
para a cirurgia é de 50 dias (CP – SD 16).
Se os deuses quiserem (são tantos), e hão de querer, Daiane
quebrará a escrita de branquelas angelicais do Leste da Europa
72
c
omandarem o abre-alas rumo ao pódio. Daiane, a fortaleza dos
joelhos de aço (CP – SD 30).
Daiane só tem 20 anos, mas já superou lesões graves na carreira.
[...] Há exatos dois meses, estava na mesa de cirurgias tirando
metade do menisco direito. Dois dias depois, ainda com pontos,
retornava aos treinamentos (ZH – SD 65).
Alexandra, 19 anos, começou com Daiane, mas não suportou
dores e lesões (ZH – SD 87)
Nada disso tirou o ânimo da ginasta, que repetia exercícios tantas
vezes quantas fossem necessárias. Nem a dor, nem as injustiças
faziam pará-la, contam os que viram sua dedicação diária (ZH – SD
113).
Essas seis SDs demonstram que os jornais produziram uma imagem de
Daiane como uma atleta que não teve facilidades na carreira. Ela é brava e valente,
porque continuou competindo mesmo enfrentando a dor e processos cirúrgicos,
porque teve que superar muitos obstáculos, como o início tardio na modalidade. Na
SD 87 temos um não-dito instituindo sentido: ao trazer o exemplo de uma menina
que começou com Daiane, fica implícito que aquela, ao contrário desta, não seguiu
na ginástica, porque não suportou as dores e lesões. E, a SD 65 é a mais direta,
mostrando a coragem de Daiane em voltar aos treinos ainda com os pontos da
cirurgia.
Em alguns momentos, as marcas de bravura e valentia aparecem juntas com
as de etnia e gênero:
Pobre e negra, a ginasta superou as dificuldades e se
transformou no maior nome do esporte amador do RS. Neste
domingo, a partir das 15h, a gaúcha começa a luta pelo sonho
olímpico (ZH – SD 101).
O pedregoso caminho de Daiane até o tablado do Indoor Hall em
Atenas já é suficiente para garantir medalha. Ela representa 1m44cm
de ouro puro. Os Garcia dos Santos venceram uma maratona por
dia pela dignidade (ZH – SD 103).
A origem de Daiane explica sua bravura para vencer obstáculos e
preconceitos. Só assim uma negra pobre saltou de um bairro
humilde para um dos clubes mais abastados de Porto Alegre
(ZH – SD 104).
73
Nas SDs acima, classe e etnia foram mostradas como obstáculos a serem
superados para tornar-se um campeão de ginástica. E, Daiane superou-os e ainda
tornou-se o “maior nome do esporte amador do RS”, ou seja, foi uma proeza da
ginasta.
O sentido de bravura e de valentia vai aparecendo através de um processo de
paráfrase, quer dizer, há sempre algo que se repete nos textos. As marcas
discursivas que remetem a esses termos vão se repetindo sempre que os jornais
mostraram como ela teve que superar muitas dificuldades até tornar-se campeã
mundial.
b) Heroísmo
A identidade gaúcha, como muitas outras, é marcada por heróis e seus feitos
extraordinários. Foi assim na Revolução Farroupilha e na Legalidade, com Getúlio
Vargas, Leonel Brizola, Bento Gonçalves e tantos outros heróis que figuram no
imaginário coletivo. O heroísmo gaúcho é destacado sempre que seus homens e
suas mulheres agem de forma a deixar um legado e é assim que essa marca foi
encontrada nos textos sobre Daiane dos Santos. Toda vez que queriam mostrar que
a ginasta fez coisas extraordinárias, tanto ZH quanto CP recorreram ao heroísmo:
'O resultado é fruto de muito trabalho e dedicação. Realizei meus
dois grandes sonhos: receber a nota máxima num movimento inédito
e ser campeã mundial', comemorou ao ser agraciada, talvez sem ter
ainda a real dimensão de sua conquista. Afinal, pela primeira vez
em 100 anos da competição, o Brasil subiu ao lugar mais alto do
pódio, sem nunca antes ter ficado entre os três primeiros (CP –
SD 4).
Um sonho impossível que se realizou. Assim pode se resumir a
história da porto-alegrense Daiane dos Santos, que na noite de
domingo tornou-se a maior ginasta brasileira de todos os tempos
(CP – SD 5).
Daiane, 20 anos, é a primeira brasileira a dar nome a uma
acrobacia e, por isso, entra para a história da ginástica olímpica
mundial (ZH – SD 59).
A ginasta gaúcha Daiane dos Santos fez história ontem ao tornar-
se a primeira atleta do Brasil a ganhar uma medalha de ouro em
um Mundial de Ginástica (ZH – SD 60).
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Nestas quatro SDs foi destacado o ineditismo da conquista de Daiane e o que
elas representam em âmbito nacional e internacional. O heroísmo neste caso es
justamente no feito extraordinário obtido por ela, pois ser a primeira brasileira
campeã mundial e a dar nome a uma acrobacia são fatos relevantes dentro do
campo esportivo. Juntamente com os feitos inéditos, entra a questão da grandeza
das adversárias, que revelam o grau de dificuldade para vencer uma competição:
Se os deuses quiserem (são tantos), e hão de querer, Daiane
quebrará a escrita de branquelas angelicais do Leste da Europa
comandarem o abre-alas rumo ao pódio. Daiane, a fortaleza dos
joelhos de aço (CP – SD 30).
A gauchinha não só conquistou um ouro inédito como
desbancou a campeã olímpica Catalina Ponor, da Romênia.
'Estou muito feliz pela apresentação e estou louca de saudade do
Brasil. Não vejo a hora de voltar para casa', disse a atleta, que não
confirmou se passará por nova cirurgia no joelho esquerdo em 2005
(CP – SD 49).
Naquele instante, Magda soube que era mãe da maior ginasta
brasileira de todos os tempos. Sim, porque é precisamente nisto
que Daiane, atleta do Grêmio Náutico União, se converteu ao
conquistar a primeira medalha de ouro verde-amarela diante das
superpotências desse esporte, no domingo. Daiane superou
romenas, russas, chinesas, americanas (ZH – SD 61).
No caso destas SDs, foi estabelecida uma relação direta das conquistas de
Daiane com o poder de suas adversárias. Aqui, entra em jogo um conhecimento
anterior que diz que ginastas do leste europeu são as melhores, instaurando o
sentido de que ela conquistou, ou conquistará, seus títulos enfrentando atletas de
níveis até então superiores ao dela. Por exemplo, no caso da SD 61, há um sentido
implícito no trecho se converteu ao conquistar a primeira medalha de ouro
verde-amarela diante das superpotências desse esporte, no domingo. Daiane
superou romenas, russas, chinesas, americanas”, o implícito é que o Brasil não faz
parte do grupo das superpotências e, portanto, é mais difícil para uma brasileira
fazer frente as ginastas desses países.
Já na SD 30, há o uso de ironia ao chamar as adversárias de Daiane de
branquelas angelicais do Leste da Europa”, que vai contrastar com algo que não
está dito, mas que fica subentendido: Daiane poderia ter sido a primeira negra a
75
conquistar uma medalha de ouro olímpica, entrando aí também a questão étnica,
assim como nas SDs abaixo, que incluem ainda as questões de classe, de gênero e
etária:
Já mereceram grandiosas recepções no aeroporto, seguidas de
entusiasmados cortejos pela cidade, nossa sempre Miss Universo,
Ieda Athanázio Vargas,o tricampeão mundial Everaldo Marques da
Silva, o Papa João Paulo II, Luiz Felipe Scolari e Anderson Polga ,
nossos pentacampeões, e agora será a vez dos porto-alegrenses
homenagearem nossa pequena heroína, Daiane dos Santos.
Conquistar a medalha de ouro no Mundial de Ginástica, derrotando
ginastas de países com notável biografia nesta modalidade esportiva,
foi proeza que brasileiro algum jamais se atrevera a sonhar. (ZH –
SD 75).
Hoje, em caminhão de Bombeiros, como se deve fazer nessa
homenagem da cidade a um de seus heróis, volta a Porto Alegre a
pequena Daiane dos Santos, ginasta do União, campeã mundial no
solo, um corpo humano devotado ao movimento sincronizado,
máxima elasticidade e beleza de movimentos. É a primeira heroína
brasileira com medalha de ouro, a primeira mulher a parar a
cidade pelo imaginário de sua excelência solitária, desprotegida,
mas feliz (ZH – SD 78).
Ao voltar para casa depois de ser campeã mundial no solo nos
Estados Unidos, a emoção transbordou:
Diziam que eu nunca seria campeã por ser velha para a
ginástica. Lutei. E consegui: eu sou uma campeã – desabafou
Daiane, 20 anos, ao chegar ao Grêmio Náutico União (ZH – SD 90).
Tudo se decide na próxima segunda-feira, dia 23, em Atenas. O
Brasil tem a chance de mostrar ao mundo uma das maiores atletas
de todos os tempos, com auréola de fama igual ou superior à de
Pelé (ZH – SD 119).
Basta que Daiane ganhe. Ela sairá da Grécia como rainha dos Jogos
Olímpicos. E quando for considerado que ela é negra e natural de
um país subdesenvolvido, sem qualquer tradição em ginástica
artística, o mundo ficará boquiaberto e se ajoelhará a seus pés
(ZH – SD 120).
Daiane merecia uma medalha, seus pais mereciam, assim como
mereciam seus treinadores, o GN União e os seus amigos. Mas, não
deu. Acho que a nossa heroína – parou o país, sozinha – foi
prejudicada pelo desejo demasiado de vencer, a pressão
insuportável da responsabilidade e, principalmente, pela potência
extraordinária dos seus músculos. Sobram-lhe força e velocidade em
todos os movimentos (ZH – SD 142).
76
Nas SDs transcritas acima, as marcas de heroísmo são mais evidente. Nas
duas primeiras (SDs 75 e 78), o heroísmo da atleta foi utilizado para justificar
recepções festivas no seu retorno ao estado. Em outras, seus atos são tidos como
heróicos (SDs 90 e 142). Mas, é nas SDs 119 e 120 que o sentido do heroísmo de
Daiane fica mais exacerbado e exaltado: a primeira constrói o sentido de que o
possível feito da gaúcha seria mais importante que o do jogador de futebol Pelé,
considerado o maior atleta do século XX, e na segunda o heroísmo aparece em
decorrência das condições de negra e de brasileira (vinda de um país
subdesenvolvido) da ginasta.
Mas, todo herói precisa ser exemplo de algo, alguém que deixa um legado a
ser seguido e isto também foi encontrado nas matérias sobre Daiane dos Santos:
Daiane é o exemplo: só com determinação e persistência um
atleta realiza tal sonho, este de ser o melhor do mundo, estar no
topo. Sei que terá recepção de heroína. A ginástica brasileira se
divide em antes e depois de Daiane. Querem mais? (CP – SD 9)
Daiane dos Santos servirá de incentivo não apenas para a
meninada que pratica ginástica no União, mas para todos os que
sonham em um dia chegar ao topo (CP – SD 15).
A ginástica comprovou uma evolução extraordinária e muito
disso deve ser creditado em nome da gauchinha. De figurante,
passou a ser finalista (CP – SD 44).
O Efeito Daiane: Um furacão varreu a ginástica internacional. No
Brasil, está tudo de pernas para o ar. Desde que Daiane dos
Santos assinou o nome na história do mais plástico dos esportes
com a inédita medalha de ouro durante o Campeonato Mundial de
Anaheim, nos Estados Unidos, abriu-se um horizonte infinito de
barras assimétricas, traves, solos e saltos (ZH – SD 79).
É preciso esclarecer que a qualidade de herói pode ser atribuída a qualquer
atleta que venha a conquistar coisas extraordinárias, mas de acordo com Helal
(1999 e 2003), é o tipo de herói que deixa transparecer a relação estabelecida com
as identidades. No caso de Daiane, há uma heroína que recebe qualificativos
idênticos aos que representam a identidade gaúcha. Seu heroísmo não está apenas
nos seus feitos relevantes para o esporte nacional, mas também na maneira como
sua trajetória pessoal e profissional foi representada, entrando aqui as outras marcas
que estão sendo analisadas nesse trabalho.
77
c) Laboriosidade/Laborioso
O gaúcho também é tido como um povo trabalhador, que progrediu às custas
de trabalhou duro. Característica essa que está relacionada com o peão das
estâncias e sua dura lida diária, mas também tem muito da influência da presença
dos imigrantes na formação sócio-econômica do estado. Sobre isso, Freitas (2002)
afirma que características como organização, espírito trabalhador e eficiência são
creditadas aos povos imigrantes, em especial alemães e italianos, e contribuíram na
construção do que a autora chama de “mito da superioridade gaúcha”.
O trabalho também foi uma marca encontrada nos textos estudados na
pesquisa. Os êxitos sempre aparecem como conseqüência de muito esforço, criando
a noção de que só talento não basta, que é preciso muito esforço também. As
seqüências destacadas abaixo mostram isso:
Daiane é o exemplo: só com determinação e persistência um atleta
realiza tal sonho, este de ser o melhor do mundo, estar no topo. Sei
que terá recepção de heroína. A ginástica brasileira se divide em
antes e depois de Daiane. Querem mais? (CP – SD 9).
A gaúcha de Porto Alegre Daiane dos Santos, 20 anos, do Grêmio
Náutico União, colocou o Brasil no primeiro mundo da ginástica. Ao
conquistar a medalha de ouro no solo, domingo passado, no Mundial
de Anaheim, nos Estados Unidos, ela consolidou um trabalho que
começou há quase cinco anos (CP – SD 14).
'Esse resultado mostra que sem trabalho não se conquista nada.
Em Atenas faltou trabalho da minha parte por causa da dor no
joelho. Agora foi diferente', declarou, acrescentando que a ginástica
brasileira termina bem o ano (CP – SD 50).
'A evolução da ginástica olímpica tem um nome: trabalho',
declarou Daiane. (ZH – SD 51).
No meu caso, foram oito anos de treino para chegar aonde
cheguei. É assim que se faz um campeão – afirmou Daiane (ZH –
SD 94).
As piruetas de Daiane fizeram os R$ 150 multiplicar 400 vezes.
Hoje, especula-se que seu patrocinador, a Brasil-Telecom, garante-
lhe R$ 60 mil mensais. Sua imagem aparece no horário nobre da
televisão. A casa da família, na Zona Sul, é própria. No Dia dos Pais,
Moacir ganhou de presente da filha uma caminhonete de cabine
dupla. Mais uma prova que Daiane é de ouro (ZH – SD 108).
78
Como é possível notar o trabalho é exaltado e a falta dele é utilizada para
justificar derrotas. Além disso, na SD108 através da construção As piruetas de
Daiane fizeram os R$ 150 multiplicar 400 vezes” e do não-dito (que é: as piruetas
são o trabalho de Daiane), possibilitando mobilidade social. Essas marcas de
trabalho, em muitos casos aparecem junto às de bravura, valentia e heroísmo, como
nas SDs 9, 14, 50, 51 e 94.
4.2.2. Marcas das identidades subalternas
a) Etnia
A questão étnica é muito importante no caso da ginasta Daiane dos Santos. O
fato dela ser negra poderia passar despercebido se estivéssemos falando de
qualquer outra modalidade esportiva, como por exemplo o futebol, mas não na
ginástica artística. Tradicionalmente este esporte é dominado pelos países do leste
europeu, China e Estados Unidos. Daiane foi a primeira atleta negra campeã
mundial no solo e a primeira negra a disputar uma final olímpica neste aparelho.
Então, sua figura tem uma importância que transcende as barreiras esportivas. Mas,
como essa questão está inserida nos textos produzidos sobre ela pelo jornalismo
gaúcho?
As marcas discursivas da negritude quando aparecem vêm de forma isolada
ou juntamente com outras que não remetem à identidade gaúcha, mas sim à
identidade brasileira ou ao Brasil, simplesmente, como é possível ver nos exemplos
abaixo:
Hera, Afrodite, Atena, Ceres, Artémis, transformadas em Diana pelos
romanos e, quem sabe lá, hoje, essa terra de mitos e deusas
inclua no Olimpo, residência oficial dos imortais, a brasileiríssima
Daiane. A ginástica pode não ser mais a mesma a partir das
15h45min: uma negra, de um país sem tradição nesse esporte,
pode figurar ao lado de Zeus (CP – SD 29).
Acompanhe, passo a passo, a trajetória da pérola negra do Brasil
rumo a consagração internacional (ZH – SD 63).
Só uma glória pode ser maior do que o ouro no Mundial, depois de
batizar um movimento inédito (duplo twist carpado) com o próprio
nome, como aconteceu nos Estados Unidos. Trata-se do lugar mais
alto do pódio nos Jogos olímpicos de Atenas, no ano que vem. A
79
p
érola negra, apelido conferido pela chefe de equipe Eliane Martins,
conseguirá? (ZH – SD 67)
Eu não sei se as pessoas estão percebendo, mas o Brasil joga nesta
Olimpíada a maior conquista esportiva da sua história, capaz de
bater até mesmo em impacto internacional os cinco campeonatos
mundiais. Refiro-me a Daiane dos Santos, a pretinha que
perambulava despretensiosa, poucos anos atrás, pelas praças
públicas dos bairros Medianeira, Azenha e Menino Deus tornou-se a
atual campeã mundial em ginástica artística de solo (ZH – SD 118).
O primeiro ponto a ser destacado aqui é que nas SD 63 e 67 Daiane recebe o
adjetivo de “pérola negra”, essa construção traz o sentido de que a ginasta é
especial, é uma “jóia rara”. Entretanto, se em outras SDs ela é mostrada como
“nossa heroína” ou “nossa ginasta de ouro”, aqui ela é a “pérola negra do Brasil”. Ou
seja, o não-dito que faz sentido aí é o de que quando a questão étnica é posta em
evidência a ginasta deixa de ser dos gaúchos, a “nossa”, e passa a ser do Brasil.
Aqui fala o interdiscurso ou a memória discursiva, que traz para o discurso a FI do
Gauchismo que exclui o negro, que o deixa do lado de fora, mas ao mesmo tempo
fala da FI Brasilidade, na qual, o negro é um elemento que contribui na conformação
do que chamamos identidade brasileira.
Como foi dito no capítulo 2, quando abordamos as representações do
gauchismo, os negros ocupam um papel secundário na construção da identidade
gaúcha. A eles não é dado o devido reconhecimento pela sua contribuição na
formação da sociedade gaúcha. O negro aqui pertence à identidade brasileira, na
qual ocupa outra posição, um pouco menos subalterna.
Em outros momentos, a questão étnica aparece em marcas discursivas que
instituem o sentido de uma barreira a ser superada, mas aqui está falando o discurso
do esporte, da ginástica – que é predominantemente praticada por atletas brancos:
Basta que Daiane ganhe. Ela sairá da Grécia como rainha dos Jogos
Olímpicos. E quando for considerado que ela é negra e natural de
um país subdesenvolvido, sem qualquer tradição em ginástica
artística, o mundo ficará boquiaberto e se ajoelhará a seus pés (ZH –
SD 120).
Pobre e negra, a ginasta superou as dificuldades e se
transformou no maior nome do esporte amador do RS. Neste
domingo, a partir das 15h, a gaúcha começa a luta pelo sonho
olímpico (ZH – SD 101)
80
A origem de Daiane explica sua bravura para vencer obstáculos e
preconceitos. Só assim uma negra pobre saltou de um bairro
humilde para um dos clubes mais abastados de Porto Alegre
(ZH – SD 104).
Pelo fato de ser negra, com explosão nas pernas, inúmeras vezes
Daiane ouviu conselhos de que devia fazer atletismo, não ginástica
(ZH – SD 111).
Neste último exemplo (SD 111), há algo que não é dito, que é silenciado, mas
que tem muita importância no caso de Daiane. A explosão nas pernas, pelo fato de
ser negra, de acordo com especialistas em fisiologia esportiva, é justamente o que
permite a Daiane a execução de movimentos tão precisos e altos, e a diferencia das
demais.
Todavia, como já foi dito, o silenciamento mais importante, no que se refere à
etnia, é o fato de nenhum dos jornais ter mencionado que Daiane foi a primeira
atleta negra a ser campeã mundial. Novamente, vemos falar a memória discursiva, o
Gauchismo, que não dá muito valor à questão negra. Esse é o mesmo silenciamento
que ajudou a construir a identidade gaúcha: não conceder aos negros seu lugar,
apagando as conquistas que possam refletir na causa étnica, tornando a etnia
invisível diante da importância da “corporação gaúcha”.
b) Gênero
Assim, como na questão étnica, as marcas discursivas de gênero são poucas
e quando aparecem trazem uma distinção entre feminino/mulher e
feminino/adolescente. A única marca encontrada no Correio do Povo faz referência à
vaidade, que não é um assunto comum na editoria de esportes do jornal:
A atleta tem se mostrado caprichosa com seu visual. Fora das
competições e dos treinos, ficou claro que ela gosta, mesmo, é de
um estilo mais despojado e natural, mas, no momento das
apresentações, Daiane aprecia o potencial de um bom brilho. Muitas
vezes, ela mesma faz a maquiagem, com direito a muitos
produtos femininos, como lápis nos olhos, sombras cintilantes e,
até mesmo, purpurina. Um detalhe: o cabelo da atleta tem de estar
bem preso. Para resolver esse problema, tornaram-se comuns no
visual de Daiane as presilhas de cabelo conhecidas como tic-tac, que
mostram criatividade tanto na escolha das peças quanto na hora da
81
colocação no cabelo. Formato de estrelas estão entre os preferidos
da atleta, que já é uma estrela (CP – SD 23).
Nas outras marcas discursivas de gênero encontradas, verifica-se bem a
distinção feminino/mulher e feminino/adolescente:
Mesmo sendo sábado, com a maior parte do comércio fechado,
certamente os porto-alegrenses estarão postados à margem do
caminho, ou nas janelas, balançando bandeiras e aplaudindo nossa
graciosa campeã mundial, seus imensos olhos de jabuticaba e o
largo sorriso dos vencedores (ZH – SD 76).
A melhor atleta do planeta no solo terminou a noite feito rainha.
Tirou muitas fotos. Distribuiu autógrafos. Na festa de encerramento
do Mundial, atletas norte-americanas e romenas queriam uma
papeleta com o nome da gauchinha. Aquelas mesmas ginastas que
Daiane aprendeu a admirar agora estão curvadas a seus pés. A
serelepe que virou ginasta só aos 11 anos acabara de alcançar o
lugar mais alto do pódio já mulher (ZH – SD 84).
A sapeca menina descoberta no trepa-trepa de uma pracinha não
acenou com um leve sorriso como fazem as russas, romenas e
chinesas depois de exibição à beira do sublime. Enganchou-se às
costas de Adriana e assim saiu de cena, ovacionada por um público
que não tinha dúvidas: o ouro era seu (ZH – SD 85).
Se fosse possível usar deste expediente sempre, nunca mais haveria
atraso em roteiros de celebridades. Pequenina (1,45cm) e leve (39
quilos). Para impedir que Daiane fosse cercada de fãs a todo
instante, os seguranças fortões a levavam no colo. Ela ria,
mascando chiclete. Mas quem mandava era Daiane. Se a técnica
Adriana chegava perto, a campeã mandava os seguranças abrirem o
cordão de isolamento feito com os braços (ZH – SD 96).
Rendeu a viagem até a Disney de Orlando, na Califórnia, depois da
conquista em Anaheim. Só de filmes, Daiane torrou sete. Entregou
tudo para o fotógrafo Valter, do União, se virar na revelação. Foi
tirando filme da mochila ornamentada com a Deedee,
personagem de desenho animado que é musa teen e das
crianças. Trouxe uma sacola com presentes para as irmãs. E
comprou uma moderna máquina fotográfica com zoom automático
(ZH - SD 97).
É possível perceber através das SDs acima que apenas em uma delas, na SD
96, há relação das marcas discursivas de gênero com a identidade gaúcha. O
sentido construído nesta SD se opõe à FI do Gauchismo: “os seguranças fortões a
levavam no colo. [...] Mas quem mandava era Daiane”. Se o gauchismo tem “a
cara masculina” (WEBER, 1992), na qual o homem detém o comando de tudo, nesta
82
construção o comando é da mulher, independentemente da diferença de força física
existente.
Aqui está falando um discurso subalterno, mas presente no imaginário
construído, principalmente pela literatura. Apesar desta “cara masculina” de que nos
falou Weber, as mulheres gaúchas são reconhecidas como guerreiras e lutadoras.
Um exemplo é Ana Terra, personagem criada por Erico Veríssimo. Toda a
graciosidade atribuída a Daiane e constantemente destacada, não exclui ou afasta o
fato dela ser valente e deter, de certa forma, o poder. Dessa forma, é possível
perceber que há uma certa contradição entre o discurso internalizado pela
identidade gaúcha, na qual o jornalismo está inserido, e o discurso criado na
representação da atleta. Pois, quando os jornais narram a trajetória de Daiane dos
Santos surge o discurso subalterno e não aquele que é hegemônico na construção
da identidade.
Podemos dizer, que sua condição de mulher não interfere no tratamento dado
a Daiane pelos jornais. O discurso criado consegue mesclar estas duas posições, a
da sociedade patriarcal e, por vezes, machista e o discurso subalterno da mulher
guerreira. Desta forma, a sua condição de mulher não interfere no tratamento
dispensado a ela. O que prevalece são os valores comuns a todo o povo gaúcho e
não as questões de gênero.
c) Classe
A questão da classe social na identidade gaúcha é bastante contraditória. Ao
mesmo tempo em que o tipo social representante desta identidade é um peão, os
valores, costumes e características estão baseados na aristocracia rural.
Nos textos sobre Daiane dos Santos a questão de classe aparece em marcas
discursivas que remetem à sua origem pobre. E o sentido predominante, assim
como na questão étnica, é de que a pobreza foi um obstáculo superado por ela para
chegar à vitória na carreira. Abaixo estão alguns exemplos:
Daiane, 20 anos, é a segunda das quatro filhas de Moacir e Magda.
Deise, 21, Cíntia, 18, e Djéssica, 10, completam a família, que se
mudou há três anos para um condomínio na zona Sul da Capital,
graças ao sucesso de Daiane (CP – SD 7).
83
Vieram as competições. E o primeiro inimigo: o nervosismo. De
origem pobre, o mundo pomposo da ginástica assustou. Quando
Daiane fica tranqüila, dá show (ZH – SD 64).
Agora que a ginástica tem um ídolo de verdade, a confederação
brasileira pretende não desperdiçar a chance.
- Quantos talentos como Daiane não são desperdiçados pela falta de
acesso ao esporte em locais públicos? – questiona Erlo Fischer,
árbitro internacional de ginástica. – Ela só foi descoberta por causa
do Cete, um centro público. Atletas de um esporte como este são
encontrados nas classes mais baixas. Para eles o sacrifício é
válido como forma de ascensão social. Uma criança de classe
mais alta dificilmente se submete à dura rotina de treinos (ZH –
SD 80).
Na quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve se
encontrar com Daiane. Ambos driblaram a pobreza e chegaram lá.
A meta é convencer o governo a oferecer incentivos fiscais a quem
investe no esporte. Daiane lá estará para sensibilizar Lula (ZH – SD
81).
As lágrimas consagradoras só podiam mesmo escorrer pelo rosto
lisinho da maior ginasta brasileira ao lembrar a parede gigantesca de
“nãos” que se ergueu diante de seus 1m45cm no começo de sua
carreira na ginástica. Daiane dos Santos era negra, pobre e velha.
Aos 12 nos, quando foi descoberta na pracinha do Centro Estadual
de Treinamento Esportivo (Cete), esse era o maior desafio (ZH – SD
89).
A origem de Daiane explica sua bravura para vencer obstáculos e
preconceitos. Só assim uma negra pobre saltou de um bairro
humilde para um dos clubes mais abastados de Porto Alegre
(ZH – SD 104).
- Por isso, a história da Daiane é a de um pobre que venceu no
peito e na raça e de forma honesta – atesta Clarilda dos Santos,
amiga dos tempos da Cohab e enfermeira do posto de saúde local
(ZH – SD 105).
Como foi dito, apesar da figura emblemática ser a do gaúcho peão, é a
burguesia que representa a identidade gaúcha e as classes baixas ficam
esquecidas. Na representação da identidade gaúcha é silenciada a sua presença,
como diz Weber (1992) na “corporação gaúcha” come-se bem e veste-se bem, não
há pobres. Entretanto, no caso de Daiane não há como fazer silêncio para essa
questão, uma vez que sua origem humilde é utilizada para construir os sentidos de
bravura, valentia, heroísmo e laboriosidade. Então, como nos mostram as SDs
acima, a partir da idéia de que ser pobre é uma barreira a ser vencida aparecem as
84
marcas que remetem à identidade gaúcha, chegando a aparecer outra qualidade do
povo gaúcho: a honestidade (SD 105).
Um último ponto que merece destaque é o fato de que no jornal Correio do
Povo só apareceram três marcas discursivas de classe, enquanto que em Zero Hora
foram encontradas 12.
4.3 Os sentidos aparecem: os discursos produzidos na representação de
Daiane dos Santos
As marcas discursivas explicitadas acima nos apresentam o caminho às
formações discursivas, que instituem os sentidos sobre o que está sendo dito sobre
a ginasta Daiane dos Santos, e à presença da memória discursiva, ou interdiscurso,
que revelam como o contexto exterior exerce influência no que é dito. Quer dizer,
chegamos assim aos discursos que são construídos na representação da atleta e a
relação deles com a identidade gaúcha.
A análise evidenciou a presença de três regiões de sentido, ou seja, três
formações discursivas que aparecem reiteradamente nos textos e a sua nomeação
foi de acordo com o sentido predominante.
4.3.1 FD 1 – Gaúcho Idealizado
Essa região de sentidos surge da forma pela qual a atleta é representada,
quer dizer, a partir do momento que a ela são atribuídos valores como valentia,
bravura, heroísmo e laboriosidade é criado o sentido de gaúcho idealizado, que
reúne as características que qualificam todos os habitantes do estado.
Esse processo é realizado através do esquecimento ideológico, pois o
jornalista que escreve a matéria talvez nem se dê conta que está colocando em seus
textos sentidos pré-existentes que configuram a sociedade em que vive. Além disso,
ele é importante, pois permite ao leitor identificar-se com o que está lendo, uma vez
que ele partilha do mesmo “mapa de significados” de quem escreve.
85
É necessário deixar claro que, com gaúcho idealizado não se está falando da
figura mítica, do “centauro dos pampas” ou “monarca das coxilhas”, mas estamos
nos referindo ao conjunto de características que qualifica o povo gaúcho e o
distingue dos demais habitantes do país. Aqui entra a força do imaginário social, que
faz com que as distinções de grupo sejam criadas e fortalecidas. Estamos falando
daquilo que MACIEL (1999, p. 178) denomina de “figura emblemática” do gaúcho,
que foi construída com base no que se “convencionou chamar, numa poética
metáfora silvestre, de raízes, esta figura expressaria uma determinada imagem dos
habitantes da região, transmitindo idéias e valores sobre como seriam (ou deveriam
ser) os gaúchos”. Dessa maneira, nada mais “normal” do que um gaúcho apresentar
características como valentia, bravura, honestidade, etc.
A construção desse sentido de Gaúcho Idealizado através da representação
de Daiane dos Santos teve início já nas primeiras narrativas publicadas logo após a
sua conquista no Mundial de Anaheim (2003), quando os jornais demonstravam a
luta da “guria” em busca do seu ideal:
Daiane começou muito tarde sua carreira na ginástica. Afinal, aos
11 anos, a maioria das ginastas já treina há muito em clubes
estruturados. Apesar disso, ela superou todos os obstáculos
para conquistar, domingo à noite, no Mundial de Anaheim (EUA), a
medalha de ouro no solo, um feito inédito para a ginasta
brasileira (CP – SD 6).
As lágrimas consagradoras só podiam mesmo escorrer pelo rosto
lisinho da maior ginasta brasileira ao lembrar a parede gigantesca
de “nãos” que se ergueu diante de seus 1m45cm no começo de
sua carreira na ginástica. Daiane dos Santos era negra, pobre e
velha. Aos 12 nos, quando foi descoberta na pracinha do Centro
Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), esse era o maior desafio.
[...] – Diziam que eu nunca seria campeã por ser velha para a
ginástica. Lutei. E consegui: eu sou uma campeã – desabafou
Daiane, 20 anos, ao chegar ao Grêmio Náutico União (ZH – SD 89).
Temos aí o velho discurso, já bastante conhecido, dos gaúchos e seus ideais.
Foi assim na Revolução Farroupilha, na Revolução de 1930 e na Legalidade.
Mesmo que aqui tenhamos um ideal particular, o sonho de Daiane em ser campeã,
86
esse título conquistado por ela também fez bem ao país, que começou a ganhar
respeito internacional, feito que foi deixado bem claro por ZH na seqüência abaixo
43
:
Faz sentido. Nunca é demais situar no contexto internacional o que a
gaúcha Daiane aprontou no Mundial de Anaheim, nos Estados
Unidos:
1) ganhou a primeira medalha de ouro da história da ginástica
brasileira, no solo;
2) é a primeira sul-americana a batizar um movimento inédito com o
seu nome, cuja dificuldade está nos dois saltos mortais para
frente (duplo) com as pernas esticadas (carpado) em vez de
flexionadas;
3) a medalha foi conquistada no centenário do campeonato mundial.
É como se o Grêmio fosse de novo campeão no Japão este ano,
quando completa 100 anos de fundação;
4) por anteceder a Olimpíada de Atenas, ao contrário de edições
anteriores (há mundiais todos os anos), a etapa de Anaheim
concentrou a nata da ginástica. Todos os países mandaram para
os Estados Unidos o que tinham de melhor, visando os Jogos
Olímpicos. Daiane superou os melhores do planeta mesmo
(ZH – SDs 92 e 93).
A SD acima evidencia bem a importância do título conquistado por Daiane no
Mundial de Anaheim. Somado a isso, vêm todas as construções que criam sentido
de bravura, valentia e laboriosidade. O que se tem, então, sobre as conquistas de
Daiane é um já-dito, a memória discursiva, da luta dos gaúchos em busca de seus
ideais e, para tanto, enfrentando e superando qualquer obstáculo, como os que a
ginasta precisou enfrentar (lesões, dores, cirurgias, preconceitos, etc). Assim,
Daiane passa a ser uma gaúcha que lutou pelo seu sonho, com bravura, valentia
esforço e dedicação, e as suas conquistas se transformaram em façanhas de
importância nacional.
O movimento de paráfrase construído com base nas barreiras superadas por
Daiane foi constante, pois muitas vezes foi repetida a questão do “apesar de”:
apesar das dores e das cirurgias ela competiu, apesar de ser negra, pobre e velha.
Vale lembrar, que essa construção do “apesar de negra, pobre e velha” faz sentido
dentro da modalidade de esporte que ela pratica, uma vez que a ginástica é um
esporte elitizado, praticado principalmente por brancos e pelos muito jovens. Isto é,
está fazendo sentido aí o discurso do esporte. A relação deste com a identidade
gaúcha está justamente nele ajudar a construir as marcas de bravura, valentia e
43
Optou-se aqui por unir duas SDs para facilitar a compreensão do encadeamento das idéias
contidas no texto.
87
heroísmo. Então, mesmo que a identidade gaúcha seja bastante excludente, neste
caso não é ela que institui o sentido do “apesar de”. Entretanto, não podemos deixar
de pontuar que foi silenciado o fato dela ter sido a primeira negra a conquistar um
mundial de ginástica.
Há, também, uma construção discursiva que institui um sentido contraditório,
ou pelo menos, ambíguo:
Se os deuses quiserem (são tantos), e hão de querer, Daiane
quebrará a escrita de branquelas angelicais do Leste da Europa
comandarem o abre-alas rumo ao pódio. Daiane, a fortaleza dos
joelhos de aço (CP – SD 30).
Com sua imagem de fortaleza física e mental, Daiane fez o país
do futebol discutir ginástica, conversar sobre duplo twist carpado e
esticado, opinar sobre saltos e acrobacias (ZH – SD 124).
Ela fez isso, com sua imagem de fortaleza física e mental, capaz
de sair de um bairro pobre, driblar as dificuldades da vida e encarar
mundo de cabeça erguida (ZH – SD 130).
Nestas três SDs, aparecem construções que remetem a idéia de uma virtude
masculina – força – que é o contrário das imagens que aparecem de Daiane nas
fotos dos jornais. Nestas, ela sempre está com um ar de graciosidade e feminilidade,
um jeito de “moleca”, que em nada lembra força. Porém, o sentido que o texto quer
instituir é o de valentia, de bravura, que são características mais masculinas e, desta
forma, algumas vezes, para conseguir valer esses sentidos são utilizados referentes
masculinos à imagem da mulher. Quanto a isso, cabe ressaltar o que nos diz
Teixeira (1994, p. 187-188) ao argumentar porque bravura, valentia, coragem são
atributos historicamente exigidos e exibidos pelo gaúcho:
É a possibilidade de dominar seres fortes que faz com que a lida com
o gado sempre atraia homens, prontos para ajudar, sem outra
recompensa que o exercício deste domínio, que serve, em sua
dimensão simbólica, para que os gaúchos exercitem e exibam a
posse de atributos morais (que decorrem da vontade) da
masculinidade (que são percebidos como inerentes aos verdadeiros
homens e por isto deles sempre exigidos): valentia, coragem, brio,
estoicismo. [...]
Explicito que considero aqueles atributos como próprios da
masculinidade não porque mulheres não os ostentem, o que fazem
com aprovação geral, mas porque isto não lhes é exigido, enquanto
elemento simbólico de caracterização de seu gênero.
88
Quer dizer, historicamente força, valentia, coragem, bravura estão ligados à
figura masculina do gaúcho, devido aos trabalhos realizados por este, às guerras e a
uma exigência da sociedade, o que não significa que as mulheres não possam ser
valentes e corajosas também. Aqui entra novamente a questão da literatura regional,
que criou personagens que também levavam estes atributos masculinos, mas sem
perder suas características femininas. No caso de Daiane, as construções “fortaleza
dos joelhos de aço” e “fortaleza física e mental”, querem instituir esses sentidos. A
questão aqui é que a “cara masculina do estado” (Weber, 1992) é tão forte que até
para qualificar mulheres e suas ações são utilizadas características que são
marcadamente masculinas.
Outro ponto que contribui na formação do sentido de Gaúcho Idealizado é a
referência à honestidade. Foi mostrado todos os esforços de uma família gaúcha de
classe baixa para que uma das filhas conseguisse persistir no sonho de ser campeã:
O pedregoso caminho de Daiane até o tablado do Indoor Hall em
Atenas já é suficiente para garantir medalha. Ela representa 1m44cm
de ouro puro. Os Garcia dos Santos venceram uma maratona por
dia pela dignidade (ZH – SD 103).
Por isso, a história da Daiane é a de um pobre que venceu no peito
e na raça e de forma honesta – atesta Clarilda dos Santos, amiga
dos tempos da Cohab e enfermeira do posto de saúde local (ZH –
SD 105).
A mesma estratégia era usada para a filha seguir na ginástica. As
passagens eram pagas pelo Grêmio Náutico União, assim como as
estadias em viagens. Os extras, porém, saíam de empréstimos
com agiotas, rifas e galetos. Poucos sabem, mas a atual número 1
do mundo comeu muito frango para garantir algum trocado extra (ZH
SD 107).
A laboriosidade é outra característica, que juntamente com honestidade,
auxiliam na construção do sentido de Gaúcho Idealizado. A dedicação ao trabalho,
que começou nas estâncias e culminou com o trabalho dos imigrantes. Aqui, temos
um discurso que é hegemonicamente Tradicionalista, o do árduo trabalho do gaúcho
nas fazendas, e um discurso subalterno, dos descendentes de imigrantes, mas que
também compõe a idéia de dedicação ao trabalho. Essa marca discursiva é utilizada
para demarcar diferenças com relação a outras identidades, como a brasileira. O
trabalho intenso – já que Daiane treina sete dias por semana em épocas de pré-
competição - é, assim, a causa dos bons resultados:
89
Há cinco anos começava um trabalho que resultaria em medalhas
no Pan-Americano e na consagração de Daiane dos Santos (CP –
SD 13).
A gaúcha de Porto Alegre Daiane dos Santos, 20 anos, do Grêmio
Náutico União, colocou o Brasil no primeiro mundo da ginástica. Ao
conquistar a medalha de ouro no solo, domingo passado, no
Mundial de Anaheim, nos Estados Unidos, ela consolidou um
trabalho que começou há quase cinco anos (CP – SD 14).
Rotina e dieta rígidas: anote aí o dia-a-dia da maior ginasta
brasileira de todos os tempos em Curitiba, sede da seleção
permanente de ginástica. Isso de segunda à sábado. E quando há
competições perto – ou seja, quase sempre – a rotina
compreende os sete dias da semana. E nada de chocolate ou
guloseimas (ZH – SD 90).
As lágrimas não impediram Daiane de mostrar também consciência
de campeã. Aproveitou os holofotes para cobrar.
- [...] No meu caso, foram oito anos de treino para chegar aonde
cheguei. É assim que se faz um campeão – afirmou Daiane (ZH –
SD 94).
Através desta construção discursiva, distancia-se Daiane da figura da
identidade brasileira, que tem como um de seus elementos a malandragem. No caso
dela, o motivo das vitórias, além da bravura e valentia, é a dedicação aos treinos,
que é o contrário do talento nato. Como bem observou Helal (2003), ao falar das
biografias de Zico e de Romário, no imaginário brasileiro predomina a idéia do
sucesso sem esforço, que vem da malandragem, que tão bem identifica Romário e
tantos outros brasileiros e que afasta Zico dessa idealização, uma vez que sua
biografia é marcada pelo esforço, o que para os brasileiros é considerado algo de
menor valor – jogador esforçado é sinônimo de pouco talento. Nesse contexto, ao se
frisar que o sucesso de Daiane é produto de trabalho, superação de obstáculos,
coragem e audácia, fica evidenciado que a memória que está falando neste caso é a
do Gauchismo e não da Brasilidade.
E, assim foi sendo construída uma representação de Daiane dos Santos que
relacionada com a identidade gaúcha, pois através da FD do Gaúcho Idealizado ela
é incluída na “corporação gaúcha”. Ao fazer falar o sentido de que ela é valente e
brava, uma vez que superou muitos obstáculos; é corajosa, ao sempre arriscar ao
máximo com suas acrobacias; e é trabalhadora, ao se dedicar aos treinos com tanta
90
intensidade que não tem folgas; ela passa a ter atributos que qualquer outro gaúcho
também pode ter.
4.3.2 FD 2 – Superioridade Gaúcha
Como se sabe, uma identidade é uma marca de distinção entre aqueles que
são iguais e os que são diferentes. A partir do momento em que se criam esses
laços de igualdade entre um determinado grupo de indivíduos, passa-se a ressaltar
as qualidades deste como forma principal desta distinção. Em alguns casos, ocorre
uma exacerbação destas qualidades chegando o grupo a se sentir superior aos
demais. A identidade gaúcha não fica de fora deste processo. Há uma imagem
idealizada de que no Rio Grande do Sul as coisas são melhores: o povo gaúcho é o
mais educado, mais culto, mais politizado, as mulheres gaúchas são as mais
bonitas, o melhor jogador de futebol do mundo até pouco tempo também era gaúcho
(Ronaldinho). Quer dizer, há um discurso de auto-exaltação, que se insere na idéia
de “corporação gaúcha” e segundo Weber (1992) fica no limite entre superioridade e
inferioridade, sendo aquela uma prerrogativa dos gaúchos e esta a que é atribuída
aos “outros”.
Um outro fator que também intervém nesse sentimento de superioridade é o
fato dos gaúchos creditarem a si a responsabilidade de “salvar” ou “proteger” o país
nos momentos difíceis. Como analisou Oliven (1992), entre os elementos
recorrentes na construção dos discursos da identidade gaúcha está o da
necessidade de intervenção sulina em momentos de crise.
Esse sentido de superioridade também foi encontrado nas matérias sobre a
Daiane. Houve uma exaltação das suas conquistas, sempre sendo frisado que ela é
a maior ginasta brasileira de todos os tempos e da evolução da ginástica depois do
seu aparecimento. Além disso, ela foi considerada mais importante que outras
atletas do país:
Finalmente, chegou o dia tão esperado pelos brasileiros.
Às15h45min (horário de Brasília) a ginasta gaúcha Daiane dos
Santos, do Grêmio Náutico União e Brasil Telecom, entrará no
tablado do ginásio Athens Olympic Sports Complex e, ao som do
Brasileirinho, de Waldir Azevedo, irá em busca de uma medalha
inédita para o país na modalidade (CP – SD 26).
91
Foi numa das etapas da Copa do Mundo, efetuada em Stuttgart em
2003, que a gauchinha despontou para o Brasil ao ganhar ouro no
solo. Já famosa, venceria ainda nas etapas de Cottbus, Lyon e Rio.
Desde então, ela vem ofuscando atletas de todas as
modalidades, sendo o principal destaque nos noticiários (CP –
SD 27).
Um furacão varreu a ginástica internacional. No Brasil, está tudo
de pernas para o ar. Desde que Daiane dos Santos assinou o nome
na história do mais plástico dos esportes com a inédita medalha de
ouro durante o Campeonato Mundial de Anaheim, nos Estados
Unidos, abriu-se um horizonte infinito de barras assimétricas, traves,
solos e saltos (ZH – SD 79).
Daiane já conta com a imunidade reservada aos atletas
superiores (ZH – SD 114).
Eu não sei se as pessoas estão percebendo, mas o Brasil joga
nesta Olimpíada a maior conquista esportiva da sua história,
capaz de bater até mesmo em impacto internacional os cinco
campeonatos mundiais. Refiro-me a Daiane dos Santos, a pretinha
que perambulava despretensiosa, poucos anos atrás, pelas praças
públicas dos bairros Medianeira, Azenha e Menino Deus tornou-se a
atual campeã mundial em ginástica artística de solo (ZH – SD 118).
Nas SD 26, está dito que a participação de Daiane na final é o momento mais
esperado. Este caso está se referindo às Olimpíadas de Atenas e a construção
“Finalmente, chegou o dia tão esperado pelos brasileiros”, deixa implícito que
todos os brasileiros estavam aguardando ansiosamente por esse dia e o não-dito
que fala aí é que a competição que envolve a ginasta é mais importante para os
brasileiros que qualquer outra, como o vôlei, o basquete ou o atletismo, por exemplo.
Não porque nestes outros esportes não existam ídolos, mas porque o que importa, a
partir da visão da imprensa do estado, é a participação de gaúchos. O que se faz é
aumentar a importância do fato, fazendo crer que o país inteiro aguardava “ansioso”
por aquele momento.
Outro momento relevante, que demonstra a superioridade gaúcha está na
SD118. Nesta, a possível medalha de ouro que Daiane conquistaria em Atenas está
sendo considerada mais importante que os cinco títulos mundiais que o Brasil possui
no futebol – o esporte mais popular do país. Já na SD 27, na construção ela vem
ofuscando atletas de todas as modalidades, sendo o principal destaque nos
noticiários, mostra bem como o sentido de superioridade está apresentado. O
movimento de paráfrase construído aqui é justamente o que institui o sentido de que
92
os gaúchos são os melhores naquilo que fazem. Esta memória que fala é a mesma
que diz que os políticos gaúchos são os melhores, que o povo é mais educado, etc.
Mas, quando é dito que Daiane é melhor ginasta do Brasil e se atribui a ela a
condição de ter feito história, de ter mudado os rumos da ginástica no país, é que
vemos falar a memória dos feitos gaúchos em prol do Brasil:
A notícia da década: a gaúcha Daiane dos Santos, do Grêmio
Náutico União, sagrou-se campeã do mundo de exercícios de solo,
ontem, com 9,737 pontos, no Mundial de Ginástica de Anaheim, na
Califórnia. Esta fase do União me faz lembrar um ditado: ‘quem
planta, colhe’. Pippi da Motta deve estar exultante. Daiane faz
história (CP – SD 2).
[ tulo] O grande salto da ginástica nacional (CP – SD 12)
Mesmo sem medalhas na bagagem, a equipe comemorou o
desenvolvimento da modalidade no país, onde está se tornando
cada vez mais popular, graças ao sucesso de ginastas como
Daiane dos Santos (CP – SD 40).
A ginástica comprovou uma evolução extraordinária e muito
disso deve ser creditado em nome da gauchinha. De figurante,
passou a ser finalista (CP – SD 44).
Foi ela, com sua força, que nos colocou no mapa da ginástica
mundial, levando o Terceiro Mundo diretamente para o pódio.
Foi ela que ontem, em meio ao aquecimento no Indoor Hall, em
Atenas, recebeu um leve toque no braço de um ginasta do Canadá,
ouviu uma pergunta e se colocou prontamente ao lado dele. O
canadense, de Primeiro Mundo, queria uma foto ao lado daquela
ginasta de 1m45cm de altura.Oleg Ostapenko, o técnico ucraniano,
se encarregou de manejar a máquina, que o canadense, sorridente e
agradecido, levou depois para casa (ZH – SD 131).
Vamos dar a Daiane o afeto que ela merece e repetir o que disse o
presidente Carlos Nuzman, do Comitê Olímpico Brasileiro, ao
abraçá-la depois da apresentação: “Muito obrigado”.
O país tem mesmo esta dívida com ela (ZH – SD 132).
O quinto lugar não é ouro, mas é quase. Pela primeira vez, desde
1896, o Brasil colocou uma atleta entre as oito primeiras da ginástica
artística e com chances de medalha. Não há nada parecido com
Daiane dos Santos em 108 anos de ginástica no país, ninguém
vai encontrar nada, nem os arqueólogos (ZH – SD 138).
O mais curioso são as notícias de não apenas em Porto Alegre, terra
dela, mas também no Rio, muito distante da Restinga, foram
colocados telões nas ruas para que o público acompanhasse o salto
de Daiane. É ou não é um fenômeno? Antes dela, só o futebol
seria capaz de reunir multidões à frente da TV. A ginástica no
Brasil, até então, ficava restrita a uma minoria. Calculem, então, o
93
q
ue significa uma Daiane para a valorização de um esporte
como a ginástica – e, principalmente, pensem no que significaria ter
outras Daianes nas demais modalidades (ZH – SD 144).
Podemos perceber que nas construções “A ginástica comprovou uma
evolução extraordinária e muito disso deve ser creditado em nome da gauchinha”,
Foi ela, com sua força, que nos colocou no mapa da ginástica mundial, levando
o Terceiro Mundo diretamente para o pódio” e, principalmente, O país tem mesmo
esta dívida com ela, a memória que está falando é a do gaúcho que tem papel
principal em momentos importantes da história do Brasil e que institui o sentido da
superioridade gaúcha. Esse discurso do “fazer história” é bastante recorrente na
construção identidade gaúcha, principalmente, quando se fala em história política
brasileira. Aqui entra a questão da qual falamos antes, que os gaúchos reivindicam
para si o papel “salvadores” da pátria.
No caso apontado acima (de Daiane ser considerada a principal responsável
pela evolução da ginástica no país), é importante aqui desfazer a idéia de que isto
só poderia ter sido dito desta forma, para ficar mais claro a relação da idéia do fazer
história com a identidade gaúcha. Para tanto, é necessário contextualizar a evolução
da ginástica no país. Até a década de 1990, o melhor resultado obtido por uma
ginasta brasileira em Olimpíadas tinha sido o 34º lugar de Luisa Parente em Seul
(1988), no individual geral. As coisas começaram a mudar com a chegada da equipe
de técnicos ucranianos, comandada por Oleg Ostapenko, em 1998, e a posterior
formação da seleção brasileira permanente de ginástica
44
. Com essa estratégia, os
resultados começaram a aparecer: nas Olimpíadas de Sydney (Austrália), em 2000,
o Brasil levou duas ginastas e Daniele Hypólito conseguiu a 20ª colocação no
individual geral; em 2004, nos Jogos de Atenas o Brasil levou pela primeira a equipe
feminina completa (com seis ginastas) e três ginastas chegaram à final: no individual
geral, Camila Comin (que ficou no 16º lugar) e Daniele Hypólito (12º lugar), e no
solo, com Daiane. Isso, sem contar as medalhas de ouro nos Mundiais e nas etapas
da Copa do Mundo, com Daiane, Daniele, Laís Souza e Diego Hypólito.
Então, na verdade, não foi o trabalho e as conquistas de Daiane isoladamente
que produziram a evolução na ginástica brasileira, mas sim as estratégias e
44
Esse é a chamada “Escola do Leste-Europeu” de ginástica, que ao invés de os ginastas treinarem
em clubes ou Universidades e serem convocados para as competições, são escolhidos os melhores
ginastas do país para treinarem juntos sob o comando de um mesmo técnico.
94
investimentos adotados pela Confederação Brasileira de Ginástica que resultaram
nas conquistas da ginasta gaúcha. Isso mostra que, ao dizer que a ginástica “se
divide em antes e depois” de Daiane, os jornais o estão fazendo posicionados a
partir de uma determinada filiação ideológica, neste caso, a identidade gaúcha.
Assim, foi construído um discurso de superioridade gaúcha na representação
de Daiane, que também tem presente um já-dito, algo que fala antes, e que pertence
ao imaginário gaúcho. Nesse discurso construído foi trabalhado o sentimento de
exaltação das qualidades e importância não só da atleta, mas também da
“comunidade imaginada”
45
. Esta auto-exaltação serve para demarcar o que difere os
gaúchos dos outras regiões do país, o que os faz se sentirem especial, evidenciando
que o jornalismo não fica alheio ao contexto no qual está inserido.
4.3.3 FD 3 – Senso de Justiça
Essa FD vai aparecer durante o período das Olimpíadas de Atenas, mais
precisamente, após Daiane dos Santos ficar na quinta colocação. Diante de um
discurso criado em alguns setores da sociedade brasileira de que tal resultado seria
um fracasso e a atleta gaúcha seria a maior decepção do país nos Jogos Olímpicos,
a imprensa esportiva do Rio Grande do Sul saiu em defesa de “sua ginasta”. O
sentimento de injustiça tomou conta dos textos e teve início um processo de
reivindicação de que a ela fosse dado um tratamento digno e respeitoso:
Torço loucamente para sofrer não com uma, mas com dez Daianes
em Pequim. E ouço dizerem que o sonho acabou. Acabou, sim,
acabou de começar. Hoje sonharei ginástica. Daiane nos deu
muito mais do que o ouro olímpico: ela nos colocou no Olimpo.
Obrigado, Daiane. Obrigado! (CP – SD 35)
Há quem afirme que a gaúcha Daiane dos Santos, do Grêmio
Náutico União e Brasil Telecom, acabou sendo a grande frustração
brasileira em Atenas. Se só o que conta é medalha, isso é verdade.
Porém, para a imensa maioria, ela foi uma gigante no tablado e
deve ser saudada. Na verdade, Daiane dos Santos criou uma
45
A idéia de “Comunidade Imaginada” foi desenvolvida pro Benedict Anderson (1989), ao falar de
como se constituem os sentimentos de pertencimento na Nação, mas que podem ser apropriadas
para se pensar também as identidades regionais. Nas palavras do autor: “Finalmente, a nação é
imaginada como comunidade porque sem considerar a desigualdade e explorão que atualmente
prevalecem em todas elas, a nação é sempre concebida com um companheirismo e horizontal”
(ANDERSON, 1989, p. 16).
95
expectativa inédita em relação a um atleta brasileiro após ganhar um
Mundial e três etapas da Copa do Mundo no solo e virar coqueluche
nacional (CP – SD 43).
Gauchinha de ouro, sim (ZH – SD 126)
Só falta agora o Brasil agir em relação Daiane dos Santos com a
dureza e a ingratidão com que trata outros ídolos. Ao longo dos
últimos dois anos, Daiane fez o país do futebol discutir ginástica com
ares de entendido, a conversar sobre duplo twist carpado e esticado.
Ela fez isso, com sua imagem de fortaleza física e mental, capaz
de sair de um bairro pobre, driblar as dificuldades da vida e
encarar mundo de cabeça erguida. Ou melhor: ver o mundo
inclinar-se diante dela, em sinal de humildade e de
reverência.Daiane é uma vencedora, não importa que ontem tenha
ficado em quinto lugar, e deve ser tratada assim na volta a Porto
Alegre na quinta-feira. Precisamos ser mais justos com nossos
ídolos (ZH – SD 130).
A gauchinha Daiane dos Santos ficou na quinta colocação na final
do solo da ginástica olímpica, em Atentas. Só isso já deveria ser
motivo para comemoração num país que dá pouca atenção a
esportes como o que ela pratica. Havia uma expectativa
demasiada em torno da menina pobre que desafiou todas as
probabilidades e se tornou uma atleta de elite numa idade em que as
campeãs de sua modalidade já estão encerrando a carreira. Daiane
tinha o peso de um país inteiro nas costasrazão mais do que
compreensível para o pequeno desequilíbrio que a afastou do
pódio (ZH – SD 133).
Mas Daiane saiu digna e altiva do desafio que não conseguiu
superar. Ela já superou desafios maiores, entre os quais a própria lei
da gravidade para inscrever nas enciclopédias olímpicas um salto
exclusivo que leva o seu nome. Daiane merece o reconhecimento
dos brasileiros porque ela própria é um milagre da superação
(ZH – SD 134).
Não é decepção. Uma derrota não nos faz fracassados – disse
Elisete Colle, coordenadora da área do Mercado Público (ZH – SD
137).
Daiane era uma menininha pobre no Cete da Érico. Ainda bem que
foi descoberta, o União deu todo o apoio, com o seu sucesso foi
construindo uma trajetória pessoal vitoriosa e de orgulho nacional.
Nada de errado, nem fracasso, nem decepção, nem fiasco
ontem, em Atenas. Daiane dos Santos é a quinta atleta do
mundo. O país precisa aprender a contar (ZH – SD 141).
Não liguem, a crítica é pura dor de cotovelo. Imagino a dor que
está maltratando o coraçãozinho de Daiane. Ela sabe que, no Brasil,
dirão que chegar “apenas” em quinto lugar é fracasso. Conceito
bem brasileirinho (ZH – SD 143).
96
Dá para perceber pelos exemplos acima, como houve um certo tom de revolta
com o que estava sendo feito com a ginasta. Desse sentimento de injustiça, começa
a surgir uma exaltação dos feitos de Daiane, da importância dela para a ginástica
brasileira. Na SD 143, aparece o sentido de distinção entre gaúchos e brasileiros:
Não liguem, a crítica é pura dor de cotovelo”. Nessa construção, o uso no verbo
na terceira pessoa do plural insere o leitor no texto e traz o sentido de que “eles”
estão criticando, pois queriam ter uma atleta do nível dela, mas não têm. Em
Conceito bem brasileirinho”, há uma referência a um discurso que circula no meio
esportivo brasileiro que só valoriza os primeiros colocados, no qual vice não existe.
Ao tomar toda a SD, temos um texto em tom irônico que instaura o sentido de que
“eles”, os brasileiros, não dão o devido valor à “nossa” atleta.
Mas, é na SD 134 que vamos encontrar a marca maior da presença do já-dito
que remete ao Gauchismo: “saiu digna e altiva do desafio” é a presença do
discurso que vem desde a Revolução Farroupilha, depois que a guerra acabou sem
ter um vencedor, mas segundo os revolucionários gaúchos o exército rio-grandense
saiu altivo do conflito, uma vez que todas as suas reivindicações foram atendidas.
Esse sentido será completado com a SD 137, que diz: “uma derrota não nos faz
fracassados”. Aí há também um nós que fala, como se todos os gaúchos
estivessem sendo acusados de fracasso.
Nessa hora, do sentimento de injustiça, há um companheirismo entre os
indivíduos que se sentem iguais que é dado através do pertencimento a uma mesma
identidade. Os jornais saíram em defesa de “sua igual” e além de o fazerem através
de suas próprias palavras, também utilizaram o recurso de comprovar o que
estavam sentindo, dando voz às suas fontes (que é o que aconteceu na SD 137).
Além disto, promovem um envolvimento em torno do orgulho gaúcho. Não só
em ser gaúcho, mas de se orgulhar dos seus cidadãos mais destacados. Assim, são
construídos textos que demonstravam a forma como isso aconteceu:
Antes do início, porém, ela recebeu um telefonema do governador
Germano Rigotto, parabenizando a ginasta por tudo que ela
representa para o Estado (CP – SD 41).
Depois, junto dos pais, de amigos e parentes, percorreu as ruas da
Capital em carro aberto, sendo aplaudida e saudada com
entusiasmo por transeuntes. Das janelas de edifícios, pessoas
gritavam o nome da ginasta do Grêmio Náutico União. Daiane
percebeu, então, que o fato de não ter voltado com medalha dos
97
J
ogos Olímpicos de Atenas em nada alterou a admiração que os
gaúchos sentem por ela (CP – SD 42).
Em cerimônia realizada ontem no Palácio Piratini, o governador
Germano Rigotto entregou a medalha Negrinho do Pastoreio (a mais
importante distinção de reconhecimento concedida pelo Estado) à
ginasta Daiane dos Santos. 'Os gaúchos se orgulham muito de ti,
da tua garra, do teu trabalho, de tuas conquistas e de tudo
aquilo que tens conseguido para o Rio Grande do Sul e para o
Brasil', disse o governador a Daiane, que acaba de conquistar a
superfinal da Copa do Mundo, na Inglaterra (CP – SD 52).
Pelas cenas vistas ontem, população parece ter entendido bem a
lição. Por onde passou, Dai recebeu acenos, aplausos e sinais de
positivo. Eram os gaúchos mostrando-se orgulhosos de sua
“baixinha” (ZH – SD 146).
Os jornais mostravam que o povo se sentia orgulhoso de “sua ginasta”. Mas
foram além, mostraram que Daiane também sentia o mesmo orgulho, por ser
gaúcha:
Daiane, que já havia recebido a Medalha Mérito Riograndense, ficou
emocionada com a nova distinção. 'Tenho orgulho de ser gaúcha e
sei, que a cada nova conquista o nome do Rio Grande do Sul
fica em evidência', disse ela que, antes de ir ao Palácio Piratini, fez
questão de visitar os futuros ginastas do Grêmio Náutico União (CP –
SD 55).
“Eu estava ansiosa para chegar a Porto Alegre. Tive que ir para
Curitiba antes, mas não agüentava mais de saudades daqui. Eu
sou gaúcha, né?” (ZH – SD 147).
Com essa construção em torno do orgulho gaúcho, é instaurado o sentido de
que não importa o que os “outros” estão dizendo, o “nosso povo” ainda sente
orgulho de “nossa ginasta” e ela também se sente orgulhosa em ser gaúcha. Assim,
junto com os textos que saem em defesa da atleta, mais as que mostram o quanto o
povo gaúcho está orgulhoso dela, constrói-se o discurso de senso de justiça.
Então, na FD Senso de Justiça aparece um sentido que se faz muito presente
na construção da identidade gaúcha. Sempre que se sentem injustiçados os
gaúchos rebelam-se contra aqueles que lhes dão este tratamento. Segundo Oliven
(1992), diante desse sentimento de injustiça muitos conflitos e revoluções foram
deflagrados pelo povo do estado e esse discurso de fazer justiça sempre retornou no
constante processo de institucionalização da identidade gaúcha.
98
Todo esse discurso de senso de justiça foi construído em resposta, mesmo
que não tenha sido dito desta forma, ao jornalismo do centro do país, pois há na
cultura gaúcha uma necessidade eterna de reconhecimento externo (FISCHER,
1992).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das bases de sustentação do jornalismo é a crença na objetividade, na
clareza, na transparência e na imparcialidade do profissional que tem por missão
informar a sociedade acerca dos acontecimentos. Entretanto não é bem assim que
se dá o funcionamento do processo jornalístico. Muitos fatores influenciam nesse
fazer profissional, que vão desde as escolhas e posicionamentos pessoais até os
constrangimentos organizacionais, passando pela relação com as fontes. Um olhar
mais atento a uma notícia de jornal, pode comprovar isso. Sentidos não tão
transparentes acabam surgindo durante uma leitura minuciosa.
Ao construir um texto, toda a bagagem social e cultural do jornalista es
sendo manuseada e acaba interferindo no que está sendo dito. Os discursos
construídos na representação da ginasta Daiane dos Santos demonstram a
influência do contexto social, no qual o jornalista está inserido, na produção dos
sentidos. O local de onde o jornalista fala e o público a que se dirige tem papel
fundamental naquilo que é construído. O texto não é de quem escreve, ele sempre
tem um propósito e um destinatário. A condição de estar no Rio Grande do Sul,
escrevendo para os gaúchos, também têm importância no que é dito. Mas, para
perceber como esse processo acontece é necessário realizar um estudo mais
aprofundado dos textos jornalísticos.
Nessa sentido, a contribuição da Análise do Discurso de linha francesa foi
fundamental na construção dessa pesquisa, pois o aporte teórico e a forma de
análise do material que é proposta por essa corrente permitem que “o texto fale”.
Quer dizer, os conceitos de Formação Discursiva, Formação Ideológica,
Interdiscurso, paráfrases e esquecimentos quando aplicados na análise permitem
que a subjetividade do processo jornalístico seja reconhecida.
100
A noção de duplo esquecimento de Pêcheux, principalmente, possibilita ao
analista perceber que um mesmo assunto poderia ter sido contado de outras formas.
Com isso, começamos a reconhecer as escolhas feitas pelo jornalista ao produzir
seus textos e a relacionar estas com o que é exterior ao texto, com as posições
ideológicas. Foi quando começamos a confrontar o que estava sendo dito pelos
jornais sobre a ginasta Daiane dos Santos com o que poderia ter sido dito e não foi é
que começaram a surgir os discursos referentes à identidade gaúcha. A relação
entre o texto e seu exterior passa pela escolha do enfoque que foi dado aos
acontecimentos e das falas das fontes que foram utilizadas para ilustrar o que está
sendo dito, chegando assim ao texto final.
Com o entendimento do processo discursivo que é dado pela AD, foi possível
reconhecer a memória que estava atuando na construção dos textos, e dessa forma,
perceber que o discurso construído pelo jornalismo é dialógico e opaco. É dialógico
porque remete à interdiscursividade, a memória discursiva que, sem que
percebamos, constitui os sentidos do que está sendo dito. E é opaco porque seus
sentidos não são transparentes, apesar da ilusão de literalidade na qual o jornalismo
está amparado.
A trajetória de Daiane dos Santos narrada pelos jornais Correio do Povo e
Zero Hora, desde o inédito título de campeã mundial no solo em 2003 até a queda
durante a apresentação no Mundial de Melbourne (em 2005), alternou momentos de
alegria, de exaltação, de expectativa e de tristeza. Quer dizer, foi permeado pela
emotividade, que é típica dos textos do jornalismo esportivo.
Mas as notícias construídas transcenderam a simples emoção, a parte da
imprensa esportiva gaúcha analisada neste trabalho construiu discursos que fizeram
circular sentidos relacionados à identidade gaúcha, aquela na qual o jornalista está
inserido. Entretanto, isto não significa que esses discursos reproduziram a totalidade
das representações do gauchismo, com todos os estereótipos e preconceitos
existentes nestas.
Como vimos, vitória e derrota geraram discursos diferentes, mas não
antagônicos. A Daiane foram atribuídos valores e características que resultaram num
discurso sobre Gaúcho Idealizado, representando elementos que qualificam e
distinguem o povo gaúcho. A “baixinha” foi apresentada como brava, valente,
esforçada e trabalhadora. Seus feitos, considerados heróicos, apresentaram o
discurso da Superioridade Gaúcha. Esses dois discursos estão intimamente ligados
101
à vitória. Na derrota, surgiu um outro discurso, o do Senso de Justiça, que
reproduzia, ao mesmo tempo, a luta pelo reconhecimento externo e o sentimento
interno de orgulho por tudo o que a ginasta fez e o que representa para o estado.
A identidade gaúcha é uma construção que produz sentidos que extrapolam o
mito do gaúcho, criando uma “comunidade imaginada” através do discurso da
“corporação gaúcha”. Quer dizer, apesar da sua base que remonta a uma cultura
rural, o Gauchismo funciona atualmente muito mais nesse sentido que nos foi
proposto por Weber (1992), uma vez que o gaúcho foi “urbanizado”. E, é assim que
apareceu através do interdiscurso que falou na representação da Daiane dos
Santos: Em nenhum momento, apareceram questões ligadas diretamente ao
Tradicionalismo, embora saibamos que este foi um movimento que teve participação
fundamental na institucionalização a identidade. Nos discursos que foram
construídos pelos jornais analisados estiveram presentes valores e idéias que
representam o que são (ou devem ser) os gaúchos, e que se encaixam na figura
emblemática do gaúcho proposta por Maciel (1994), ou seja, as qualidades
atribuídas à Daiane são as mesmas que figuram no imaginário social como sendo as
representativas do povo do estado, simbolizadas através da figura do gaúcho.
Ainda no contexto do imaginário da identidade gaúcha, entra a relação que é
estabelecida entre a identidade regional e a identidade nacional. Sempre que foram
demarcadas as qualidades do gaúcho atribuídas a Daiane, já se estava fazendo
uma distinção com o que não é do gaúcho, ou seja, que é dos “outros”.
Principalmente, na construção que coloca a figura da ginasta dentro da idéia de
heroína, trabalhadora e esforçada e a afasta do herói tipicamente brasileiro, que é o
malandro, que não acha necessário treinar, afirmando que só o talento basta
(HELAL, 1999 e 2003).
Nesse caso, já foi estabelecida uma distinção entre nacional e regional, mas a
relação tensa entre esses dois universos, que é figura na construção da identidade
gaúcha, apareceu no discurso sobre senso de justiça. Claramente, houve uma
demarcação de que as atitudes tomadas pela imprensa do centro do país para com
a atleta foram consideradas injustas pelos jornalistas gaúchos e, estes, travaram
uma “batalha” para resgatar a “dignidade ferida” da atleta. Entretanto, é preciso dizer
que mesmo demarcando diferenças o gauchismo não exclui a brasilidade, ao
contrário, como nos disse Oliven (1992) no Rio Grande do Sul só se é brasileiro
sendo gaúcho antes. Quer dizer, só se é nacional passando pelo regional.
102
Por esse motivo, Daiane dos Santos nunca deixou de ser tratada como
brasileira. E nem poderia ser diferente, pois algumas preferências da atleta
deixavam isso muito claro e não podiam ser silenciadas, como as escolhas de
músicas para suas apresentações: primeiro com “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo,
e depois com “Sandália de Prata”, de Ari Barroso; e seu gosto declarado por samba,
tanto que em um de seus retornos pós-competições ao estado ela foi recepcionada
pela bateria da Escola Imperadores do Samba. Nada disso foi ocultado, todavia,
prevaleceram as representações que remetiam à identidade gaúcha.
Nesse mesmo sentido, a questão das identidades subalternas, tão importante
ao se falar em Daiane dos Santos, também não foi ocultada. Mesmo que na
construção da identidade gaúcha as questões étnica, de gênero e de classe tenham
sido subsumidas, na construção da representação da atleta isso não apareceu da
forma como é tratada no Gauchismo. Não foram reproduzidos os preconceitos e
quando foi falado sobre essas serem obstáculos ultrapassados por ela para chegar a
consagração das vitórias, este discurso veio do esporte - da ginástica. Entretanto, a
“cara masculina do estado” de que fala Weber (1992) permaneceu, pois é assim que
funciona na identidade gaúcha. Os valores são masculinos, mas perfeitamente
enquadrados/adaptados às mulheres.
No caso da questão étnica, é importante salientar que a inscrição de Daiane
no imaginário da cultura gaúcha vem preencher aquilo que os negros reclamam:
poderem se reconhecer na sociedade gaúcha. Tanto que a cartilha “O negro no Rio
Grande do Sul” (2005) a traz como um dos negros gaúchos mais importantes da
história.
Um ponto a ser destacado na representação da Daiane construída pelos
jornais diz respeito a um sentido que surge dos discursos de Superioridade Gaúcha
e Senso de Justiça: o de que os feitos dos gaúchos servem de exemplo ao país. Da
forma como foram apresentadas as conquistas de Daiane e sua participação no
cenário da ginástica nacional e mundial, transpareceu o discurso de auto-exaltação,
tão necessário à corporação gaúcha. As comparações feitas entre Daiane e o
futebol traziam o interdiscurso de superioridade da identidade gaúcha, pois dizer que
ela seria uma heroína de importância igual ou até superior a Pelé é mostrar a
grandeza de seus feitos, assim como na comparação com os cinco títulos mundiais
da seleção. Quer dizer, o mesmo exagero que marca o gauchismo, que faz do seu
povo ser condenado ao heroísmo, também alimentou a representação da ginasta.
103
Outro momento em que também houve a inserção do discurso do gauchismo
na representação da atleta foi o recorrente uso de do pronome possessivo “nossa”
para referir-se a ela. A “nossa ginasta de ouro”, expressão bastante utilizada, cria um
sentimento de identificação em quem está lendo e, indo contra as regras do
jornalismo imparcial e objetivo, insere o próprio jornalista no texto.
Como vimos, o discurso da identidade gaúcha acabou, em certa medida,
influenciando o que foi dito sobre a ginasta Daiane dos Santos. Mas, não foi só ele
que falou, também apareceram discursos do esporte, da identidade nacional e das
identidades subalternas. Quer dizer, há uma série de discursos falando na
representação construída de Daiane.
Perceber esses outros discursos exteriores que influenciam no que é dito na
construção de uma notícia é importante para desmistificar o paradigma criado de
que o jornalismo é um espelho da realidade. Muito pelo contrário, o jornalismo é, ao
mesmo tempo, produto e produtor da realidade, uma vez que ele manifesta aquilo
que acontece e pode servir para conformar situações e comportamentos.
Entretanto, neste trabalho foi abordado apenas um lado do processo
jornalístico, que é o texto. Aqui podemos perceber que como os fatores externos
ajudam a construir o discurso dos jornais, mas não podemos afirmar que os sentidos
existentes nas notícias sobre a ginasta Daiane dos Santos que apareceram durante
o estudo serão interpretadas pelo leitor da mesma maneira. Isto requer um outro
trabalho, que analise os sentidos que são percebidos pelos receptores das notícias.
Mas aí, é outra história!
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CORPUS DE ANÁLISE
A campeã está chegando Correio do Povo. 30. ago. 2003.
Acrobacia recebe nome da gaúcha Daiane dos Santos. Zero Hora. 21. ago. 2003.
A estrela protegida. Zero Hora. 23. ago. 2004.
A festa do esporte onde tudo começou. Correio do Povo. 13. ago. 2004.
A hora e vez da gauchinha voadora. Zero Hora. 15. ago. 2004.
Aumenta a torcida pela nossa ginasta de ouro. Correio do Povo. 13. ago. 2004.
Começou torcida pela ginasta. Correio do Povo. 04. ago. 2004.
CARLTET, Wianey. Bem-Vinda Daiane. Zero Hora. 30. ago. 2003.
________________. Ofensiva demais. Zero Hora. 24. ago. 2004.
Catalina e Fei Cheng, as rivais de Daiane. Correio do Povo. 21. ago. 2004.
Daiane, a nota mais alta no solo. Correio do Povo. 24. dez. 2004.
Daiane, a pequena gigante do tablado. Correio do Povo. 29. ago. 2004.
Daiane arranca aplausos no ensaio. Correio do Povo. 13. ago. 2004.
Daiane cada vez mais confiante. Correio do Povo. 08. ago. 2004.
Daiane cai e fica em sétimo. Correio do Povo. 28. dez. 2004.
Daiane chega e recebe o carinho do povo. Correio do Povo. 28. ago. 2004.
Daiane começa a dar seu show. Correio do Povo. 15. ago. 2004.
Daiane continua a preocupar Ostapenko. Correio do Povo. 09. ago. 2004.
Daiane divide atenções com romena. Correio do Povo. 22. ago. 2004.
Daiane dos Santos, nome de acrobacia. Correio do Povo 21. ago. 2003.
Daiane é ouro no Mundial de Ginástica. Zero Hora. 25. ago. 2003.
Daiane encanta ingleses e conquista ouro. Correio do Povo. 13. dez. 2004.
Daiane: “erro não vai me abalar”. Correio do Povo. 30. dez. 2004.
Daiane e Scheidt já chegaram à vila. Correio do Povo. 03. ago. 2004.
Daiane fatura ouro inédito na ginástica. Correio do Povo. 25. ago. 2003.
Daiane faz sua série sem dores em Atenas. Zero Hora. 05. ago. 2004.
Daiane ganha colo. Ela merece! Zero Hora. 01.set. 2003.
Daiane garantida na final. Correio do Povo. 16. ago. 2004.
Daiane inicia defesa de seu título. Correio do Povo. 22. nov. 2005.
Daiane: 'Nossa conquista é fruto de trabalho'. Correio do Povo. 15. dez. 2004.
Daiane participará da final do solo. Correio do Povo. 16. ago. 2004.
110
Daiane pede mais investimento no esporte. Correio do Povo. 28. ago. 2004.
Daiane realiza dois grandes sonhos. Correio do Povo. 26. ago. 2003.
Daiane também é boa de samba. Zero Hora. 27. ago. 2003.
Daiane tenta seu bi mundial. Correio do Povo. 27. dez. 2004.
Daiane: treino completo e sem dor em Atenas. Correio do Povo. 05. ago. 2004.
Daiane, uma vencedora. Zero Hora. 15. ago. 2004.
Dá-lhe Daiane. Zero Hora. 04. ago. 2004.
Das piruetas para a glória definitiva. Correio do Povo. 26. ago. 2003.
De cabeça erguida. Zero Hora. 24. ago. 2004.
De Curitiba, Daiane faz uma videoconferência. Correio do Povo. 14. dez. 2004.
De olho no estilo Daiane. Correio do Povo. 14. ago. 2004.
Dia de ginástica artística no Jogos. Correio do Povo. 19. ago. 2004.
Dia de saudar Daiane. Correio do Povo. 27. ago. 2004.
Dores no joelho assustam Daiane. Correio do Povo. 04. ago. 2004.
DORNELLES, Renato. A baixinha humilde e cheia de graça. Zero Hora. 27. ago.
2003.
Fenômeno de audiência. Zero Hora. 25. ago. 2004.
Ginasta recebida por Fogaça. Correio do Povo. 21. dez. 2004.
Ginástica: meninas do Brasil estarão em Atenas. Correio do Povo. 20. ago. 2003.
HAUCK. Tamara. A menina que venceu injustiça e descrédito. Zero Hora. 15.
ago. 2004.
______________. Uma semana para namorar. Zero Hora. 28. ago. 2004.
______________. A Dona do Mundo. Zero Hora. 13. dez. 2004.
______________. A fantástica Dai. Zero Hora. 26. nov. 2005.
Mais do que ouro. Zero Hora. 24. ago. 2004.
Mais Perto do Bi. Zero Hora. 24. nov. 2005.
“Não esqueçam dela”. Zero Hora. 24. ago. 2004.
Na trilha da campeã. Zero Hora. 15. ago. 2004.
MOMBACH, Hiltor. De Primeira. Correio do Povo. 25. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 26. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 27. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 28. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 29. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 30. ago. 2003.
111
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 31. ago. 2003.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 03. ago. 2004.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 07. ago. 2004.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 11. ago. 2004.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 13. ago. 2004.
_______________. Técnico de Comaneci elogia Daiane. Correio do Povo. 20.
ago. 2004.
_______________. Chegou a hora da gaúcha Daiane dos Santos. Correio do
Povo. 23. ago. 2004.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 23. ago. 2004.
_______________. De Primeira. Correio do Povo. 24. ago. 2004.
_______________. Ginástica antes e depois de Daiane. Correio do Povo. 24. ago.
2004.
Muita festividade aguarda Daiane. Correio do Povo. 27. ago. 2003.
Na família, o equilíbrio. Zero Hora. 31. ago. 2003.
Negrinho do Pastoreio a Daiane. Correio do Povo. 21. dez. 2004.
O Brasil torce por Daiane. Correio do Povo. 23. ago. 2004.
O grande salto da ginástica nacional. Correio do Povo. 31. ago. 2003.
OLIVEIRA, Leandro. Estrela da ginástica saltou sobre dificuldades até Atenas.
OLIVIER, Diogo. A escalada de uma camp. Zero Hora. 26. ago. 2003.
Os bastidores do ouro. Zero Hora. 31. ago. 2003.
OSTERMANN, Ruy Carlos. Daiane. Zero Hora. 30. ago. 2003.
______________________. Daiane, quase. Zero Hora. 24. ago. 2004.
O Triunfo da número 1. Zero Hora. 01. set. 2003.
Ouro, prata e frustações. Correio do Povo. 27. ago. 2004.
Pais da atleta: “Ela apenas não teve sorte”. Correio do Povo. 24. ago. 2004.
Paraná aplaude ginastas. Correio do Povo. 27. ago. 2004.
Pelotas apóia o Dá-lhe, Daiane. Correio do Povo. 11. ago. 2004.
PIRES, Luiz Zini. Todos os Santos. Zero Hora. 15. ago. 2004.
_____________. Os 6 mandamentos de Daiane. Zero Hora. 20. ago. 2004.
_____________. 2 vezes Daiane. Zero Hora. 22. ago. 2004.
_____________.. Semente. Zero Hora. 24. ago. 2004.
Reconhecimento. Correio do Povo. 21. dez. 2004.
Revista prevê Brasil com recorde de medalhas. Correio do Povo. 03. ago. 2004.
112
S’ANTANNA, Paulo. A chance de ser imortal. Zero Hora. 16. ago. 2004.
________________. Salve-nos Daiane! Zero Hora. 22. ago. 2004.
________________. falta a Daiane. Zero Hora. 23. ago. 2004.
Sem explicação. Zero Hora. 28. nov. 2005.
SOARES, Deca & OLIVIER, Diogo. O efeito Daiane. Zero Hora. 31. ago. 2003.
SOUZA, Mário Marcos de. O joelho não dói mais. Zero Hora. 11. ago. 2004.
_____________________. O primeiro samba. Zero Hora. 13. ago. 2004.
_____________________. Daiane promete mais. Zero Hora. 16. ago. 2004.
_____________________. Daiane arrisca tudo. Zero Hora. 23. ago. 2004.
_____________________. Apoio para Daiane. Zero Hora. 24. ago. 2004.
_____________________. Gauchinha de ouro, sim. Zero Hora. 24. ago. 2004.
_____________________. Uma vencedora. Zero Hora. 24. ago. 2004.
_____________________. “É chato ser ídolo”. Zero Hora. 25. ago. 2004.
Telecom e o jingle “Dá-lhe, Daiane”. Correio do Povo. 10. ago. 2004.
Toda a torcida para a gaúcha Daiane. Correio do Povo. 12. dez. 2004.
Três passos decisivos. Zero Hora. 24. ago. 2004.
Uma nova cirurgia ameaça Daiane. Correio do Povo. 11. dez. 2004.
Unionista Daiane luta por medalha. Correio do Povo. 23.ago.2003.
Volta sem medalha a ginasta de ouro. Correio do Povo. 24. ago. 2004.
ANEXOS
114
ANEXO 1
MUNDIAL DE ANAHEIM (EUA) – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 26 DE AGOSTO DE 2003
Das piruetas para a glória
definitiva
A mãe, Magda, a irmã Djéssica e o pai, Moacir
Um sonho impossível que se realizou. Assim pode se resumir a
história da porto-alegrense Daiane dos Santos, que na noite de
domingo tornou-se a maior ginasta brasileira de todos os
tempos. De família modesta, ela costumava brincar na praça da
Escola Estadual Mané Garrincha, dentro do Centro Estadual de
Treinamento Esportivo (Cete), quando tinha 11 anos, fazendo
exercícios de barra e piruetas. A professora de Educação
Física Cleusa de Paula viu e levou-a para treinar no Cete, onde
começou a praticar ginástica. Menos de ano depois, foi levada
ao Grêmio Náutico União, onde está até hoje.
Daiane comou muito tarde sua carreira na ginástica. Afinal, aos 11 anos, a maioria das ginastas já
treina há muito em clubes estruturados. Apesar disso, ela superou todos os obstáculos para
conquistar, domingo à noite, no Mundial de Anaheim (EUA), a medalha de ouro no solo, um feito
inédito para a ginasta brasileira.
A família de Daiane não conseguiu ter um dia normal ontem. 'Passei o dia inteiro atendendo ao
telefone e nem pude trabalhar direito, mas foi gratificante', comentou a funcionária pública municipal
Magda Santos, mãe da ginasta. 'Foi uma conquista maravilhosa', vibrou o pai, Moacir dos Santos,
que nem pôde trabalhar na noite de ontem na Fundação de Assistência Socioeducativa (Fase), onde
é monitor. Ele não pôde dormir durante o dia, atendendo a telefonemas de parentes e amigos,
felicitando-o pela conquista da filha. Daiane, 20 anos, é a segunda das quatro filhas de Moacir e
Magda. Deise, 21, Cíntia, 18, e Djéssica, 10, completam a família, que se mudou há três anos para
um condomínio na zona Sul da Capital, graças ao sucesso de Daiane.
115
ANEXO 2
MUNDIAL DE ANAHEIM (EUA) – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 26 DE AGOSTO DE 2003
Daiane realiza dois grandes sonhos
A ginasta gaúcha do Grêmio Náutico União queria receber nota máxima
num movimento inédito e ser campeã do mundo
A gauchinha foi a sensação no campeonato mundial
Antes de embarcar para a cidade de Orlando, ontem, para brincar nos
parques da Disney, onde realizaria o sonho da menina de 12 anos que
um dia foi descoberta brincando em uma praça do bairro Menino Deus
para brilhar nos ginásios do mundo, Daiane dos Santos abriu um sorriso
largo e não se conteve: 'Os últimos serão os primeiros. Hoje, eu sou a número 1 do mundo no solo'.
Aos 20 anos, com seu 1,46m e 40 quilos, Daiane foi a última a se apresentar na noite de domingo,
quando protagonizou uma série de saltos de alto grau de dificuldade, incluindo o movimento inédito
'duplo twist carpado', desenvolvido em parceria com o ucraniano Oleg Ostapenko, técnico da equipe
de ginástica do Brasil.
A acrobacia foi apresentada nas semifinais do Mundial e recebeu nota máxima do júri (super E). 'O
resultado é fruto de muito trabalho e dedicação. Realizei meus dois grandes sonhos: receber a nota
máxima num movimento inédito e ser campeã mundial', comemorou ao ser agraciada, talvez sem ter
ainda a real dimensão de sua conquista. Afinal, pela primeira vez em 100 anos da competição, o
Brasil subiu ao lugar mais alto do pódio, sem nunca antes ter ficado entre os três primeiros. A
conquista foi um prêmio também para seu treinador no Grêmio Náutico União, Eliseu Burtet, o Kiko.
'Foi demais, principalmente porque ela superou a favorita, a romena Catalina Ponor', festejou. Ontem,
o presidente do COB, Carlos Nuzman, mandou mensagem felicitando a ginasta, que chega sábado a
Porto Alegre.
116
ANEXO 3
MUNDIAL DE ANAHEIM (EUA) – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 31 de agosto de 2003
117
ANEXO 4
MUNDIAL DE ANAHEIM (EUA) – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 1º de setembro de 2003
118
ANEXO 5
OLIMPÍADAS DE ATENAS – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, DOMINGO, 22 DE AGOSTO DE 2004
Daiane divide atenções com romena
Federação Internacional de Ginástica acabou se rendendo ao duplo twist esticado da
jovem gaúcha
Vem aí o grande desafio a Daiane
Há uma grande expectativa para a coreografia de solo que a porto-alegrense Daiane
dos Santos apresentará na final por aparelhos da ginática artística nesta segunda-
feira, no Olympic Hall de Atenas. A ginasta do Grêmio Náutico União (GNU) vem
treinando o duplo twist esticado - que lhe daria todas as chances de conseguir uma
medalha -, e muito bem! Mas a decisão final será mesmo apenas no aquecimento da competição e
será tomada pelo técnico Oleg Ostapenko.
A maior rival de Daiane no solo é a romena Catalina Ponor, que na qualificação atingiu a nota 9.687,
à frente da chinesa Fei Cheng, com 9.650, e da brasileira, com 9.637. Na final por equipes (para a
qual o Brasil não se classificou), Catalina fez 9.750 no solo - a garota tem sua coreografia em cima de
uma música grega, 'Géia', facilmente acompanhada com palmas pelo público. Também pela nota,
mas pela escolha da música, ela passou a ser favorita. Até porque terá toda a torcida grega a seu
favor. Além disso, nota-se uma certa má vontade das árbitras com as ginastas brasileiras.
As romenas tradicionalmente escolhem músicas dos países onde estão competindo, o que pode
ajudar a ginasta: o público vibra, aplaude, pode até influenciar 'um pouquinho' os árbitros, na visão de
Eliane Martins, a chefe da equipe do Brasil. 'Mas o 'Brasileirinho' também é muito aplaudido. A
música é muito conhecida, todos identificam com Brasil.'
Quem acabou lembrando o 'Brasileirinho' para a coreografia de Daiane foi seu Rubens, o pai de
Eliane Martins, a técnica da equipe brasileira feminina. 'Meu pai é agricultor, mas nossa família é
muito musical. Tive avô músico, três tios, uma prima. Meu pai é um grande conhecedor de música',
revelou Eliane.
Se antes da Olimpíada Daiane era a favorita absoluta ao ouro na prova de solo, agora já não é mais,
principalmente se ela não realizar o duplo twist esticado, que era seu grande trunfo para a final desta
segunda-feira. Além disso, os gregos têm aplaudido bastante a romena Catalina Ponor, que ficou em
primeiro lugar na prova de qualificação, à frente da própria Daiane, que foi a terceira, e da chinesa Fei
Cheng, outra que tem boas chances. Na final por equipes, terça-feira, Catalina foi ovacionada pelo
público após a sua série. Para derrotar a romena, a gauchinha Daiane terá de fazer uma
apresentação impecável e perfeita, inclusive no duplo twist esticado.
119
ANEXO 6
OLIMPÍADAS DE ATENAS – CORREIO DO POVO
C
ORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SEGUNDA-FEIRA, 23 DE AGOSTO DE 2004
Chegou a hora da gaúcha Daiane dos Santos
Brasil torcerá hoje por mais um ouro
Hiltor Mombach / de Atenas
Finalmente, chegou o dia tão esperado pelos brasileiros. Às15h45min (horário de
Brasília) a ginasta gaúcha Daiane dos Santos, do Grêmio Náutico União e Brasil
Telecom, entrará no tablado do ginásio Athens Olympic Sports Complex e, ao som
do Brasileirinho, de Waldir Azevedo, irá em busca de uma medalha inédita para o
país na modalidade. Ela será a primeira das oito finalistas a se apresentar no solo.
O treinador ucraniano Oleg Ostapenko, que comanda o selecionado verde-amarelo,
deverá orientar Daiane para que execute o duplo-twist esticado, mas isso não está
definido oficialmente.
Desde que brilhou no Pan-Americano de 99, em Winnipeg, no Canadá, obtendo duas medalhas
(prata no salto sobre o cavalo e bronze por equipes) Daiane não parou mais de ascender. Naquele
tempo, Daiane era patrocinada por uma pizzaria de Porto Alegre, que pagava R$ 200,00 mensais. Foi
numa das etapas da Copa do Mundo, efetuada em Stuttgart em 2003, que a gauchinha despontou
para o Brasil ao ganhar ouro no solo. Já famosa, venceria ainda nas etapas de Cottbus, Lyon e Rio.
Desde então, ela vem ofuscando atletas de todas as modalidades, sendo o principal destaque nos
noticiários. Desembarcou nos Jogos Olímpicos de Atenas como grande favorita ao ouro, tanto que a
chefe da delegação de ginástica, Eliane Martins, declarava que 'ela só perde para ela mesmo'. Mas,
algo mudou depois da realização das eliminatórias: Daiane não foi bem e deixou preocupados todos
que viram seu desempenho. Terminou em terceiro lugar (9,637 pontos), atrás da romena Catalina
Ponor (9,687) e da chinesa Cheng Fei (9.650).
Depois disso, Eliane, bem mais humilde, diria que 'para nós qualquer medalha serve', repetindo o que
a própria ginasta dissera numa recepção efetuada em Porto Alegre pela Brasil Telecom. Falando para
uma platéia integrada por centenas de crianças, Daiane não prometeu medalha, apenas muito
esforço, chorando ao ver suas imagens num telão. Daiane pode superar Catalina Ponor? Sim, mas só
se estiver num dia excepcional. Na etapa de Cottbus da Copa do Mundo, a ginasta brasileira obteve
nota 9,762, pontuação melhor do que a romena nas eliminatórias em Atenas.
Daiane competirá ainda contra a ucraniana Alina Kozich, a espanhola Patricia Moreno e a canadense
Kate Richardson. Na semana passada, ela recebeu elogios rasgados de um dos maiores
especialistas da modalidade no mundo, o romeno Bela Karoly, treinador de Nadia Comaneci nos
Jogos de Montreal, que transformaram Nadia em lenda ao conquistar pela primeira vez na história
uma nota 10. Falando ao Correio do Povo e Rádio Guaíba, Karoly afirmou que 'ninguém no mundo
faz o que ela faz no solo'. Karoly, que hoje é consultor da equipe de ginástica dos Estados Unidos,
disse jamais ter visto algo parecido com os exercícios executados pela gauchinha.
Há um consenso em Atenas: se Daiane não errar, leva o ouro. O problema é o se: 'Pode ser de eu
treinar mil vezes sem errar e falhar justamente na hora decisiva. As pessoas não sabem o quanto é
difícil não errar', afirma a ginasta. O negócio hoje é o Brasil inteiro torcer para que ela não erre e entre
para a história do esporte olímpico.
120
ANEXO 7
OLIMPÍADAS DE ATENAS – CORREIO DO POVO
C
ORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 24 DE AGOSTO DE 2004
Ginástica antes e depois de Daiane
Gaúcha ficou sem medalha, mas foi a primeira a colocar o Brasil no mapa
mundial da modalidade
Daiane reconheceu erro e não reclamou da nota
Hiltor Mombach / de Atenas
Daiane dos Santos entrou no ginásio Olympic Indoor Hall às 21h59min em
Atenas (15h59min de Brasília). Um minuto depois, começava sua apresentação
no solo, que durou exatos 1min25s. Após alguns segundos de muita tensão, a
nota: 9,375. A imagem de Daiane, balançando a cabeça, sem entender o que havia acontecido, dizia
tudo: não haveria medalha. Vivia ali o seu momento de grande frustração, enquanto era consolada
pelo técnico brasileiro, o ucraniano Oleg Ostanenko.
A confirmação de que não haveria medalha demorou apenas 14 minutos, quando três das quatro
ginastas que a sucederam conquistaram notas maiores, aí incluindo a romena Catalina Ponor, ouro
com 9,750, honrando a tradição do país que revelou ao mundo Nadia Comaneci. Outra romena,
Nicoleta Sofronie, obteve a prata. O bronze ficou com a espanhola Patricia Moreno. Obtivesse a nota
das eliminatórias, 9,637, e a ginasta gaúcha do Grêmio Náutico União e da Brasil Telecom teria
entrado em segundo lugar.
Trinta minutos depois, agora deixando o ginásio como quinta colocada, Daiane dos Santos viveu
sentimento distinto: dezenas de torcedores, portando bandeiras do Brasil, aplaudiam a gauchinha,
talvez refletindo um sentimento nacional: estar pela primeira vez na final nessa modalidade já era
uma conquista a ser festejada.
Adriana Rita Alves, treinadora de Daiane no União, e que está em Atenas, se mostrava conformada:
'O fato de ela ter entrado como favorita, de ter levado gente ao ginásio, já é uma vitória. Espero que
ela tenha uma recepção calorosa quando do seu retorno ao país'.
Ao contrário de Oleg Ostaneko, que optou por culpar as dores no joelho da ginasta pelo resultado,
Daiane preferiu ser fria na análise do seu desempenho, ela que, na primeira acrobacia, saiu do
tablado e, no segundo salto, voltou a se desequilibrar, perdendo pontos preciosos: 'A nota foi
merecida. Eu falhei mesmo. Você percebe quando erra'. Sua técnica, Adriana, concorda: 'Ela teve
uma falha fatal'.
Depois de um quinto lugar inédito, fica a pergunta: o sonho terminou ou está começando? Ao inovar
com seu duplo twist esticado e o carpado, ganhar a primeira medalha de ouro para a ginástica
brasileira em um Mundial, encerrar quatro etapas da Copa do Mundo na liderança, Daiane deixa uma
herança impagável para o esporte nacional. A gauchinha, que despontou no cenário internacional no
Pan-Americano de 1999, pode retornar orgulhosa: se não foi a primeira em Atenas, foi a primeira a
colocar o Brasil no mapa mundial desta modalidade. A ginástica se divide em antes e depois de
Daiane dos Santos.
121
ANEXO 8
OLIMPÍADAS DE ATENAS – ZERO HORA
Zero hora – Porto Alegre, 15 de agosto de 2004
122
ANEXO 9
OLIMPÍADAS DE ATENAS – ZERO HORA
Zero Hora - Porto Alegre, 16 de agosto de 2004.
123
ANEXO 10
OLIMPÍADAS DE ATENAS – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 24 de agosto de 2004
124
ANEXO 11
OLIMPÍADAS DE ATENAS – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 28 de agosto de 2004.
125
ANEXO 12
SUPER-FINAL DA COPA DO MUNDO (BIRMINGHAM) – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, DOMINGO, 12 DE DEZEMBRO DE 2004
Toda a torcida para gaúcha Daiane
Pela primeira vez, ginástica do Brasil coloca três atletas em uma superfinal da
Copa do Mundo
Daiane dos Santos vai tentar mais ouro no solo
A ginasta gaúcha Daiane dos Santos fecha a temporada 2004 buscando mais
uma medalha de ouro. A atleta da Brasil Telecom compete neste domingo, às 12h30min (horário de
Brasília), na prova do solo da superfinal da Copa do Mundo de Ginástica Artística, em Birmingham, na
Inglaterra. A superfinal reúne os oito melhores ginastas de cada uma das modalidades classificados
em 18 provas realizadas entre os meses de março de 2003 e novembro de 2004.
Neste período, Daiane conquistou cinco medalhas, sendo quatro de ouro. A principal delas no
Mundial de Anaheim, nos Estados Unidos, em 2003. As demais, nas etapas da Copa do Mundo de
Stuttgart (Alemanha, em 2003), Cottbus (Alemanha, em 2004) e Rio de Janeiro (2004). A outra
medalha, de bronze, foi conquistada na edição 2003 da Copa do Mundo de Cottbus.
Daiane dos Santos irá realizar a série completa ao som de 'Brasileirinho' e está confiante em um bom
resultado não só dela como de toda a equipe brasileira, que participa de uma superfinal pela primeira
vez. 'Vamos fazer o máximo para conquistar um bom resultado para o Brasil. Aqui estão os melhores
do mundo e todos têm chances de vencer. Levará o ouro aquele que a estrela brilhar mais no dia da
disputa', disse a ginasta gaúcha.
Na prova de solo, ela terá como adversária outra brasileira, Daniele Hypólito, que também disputará a
final na trave. Porém, as principais oponentes de Daiane dos Santos são a romena Catalina Ponor e
a chinesa Nan Zhang. O Brasil também estará representado por Diego Hypólito, irmão de Daniele.
Diego será o primeiro representante do país a se apresentar neste domingo. Por volta das 10h50min.
(horário de Brasília), ele busca medalha na prova de salto masculino. Um pouco mais tarde, às
11h25min, é a vez de Daniele Hypólito se apresentar na trave de equilíbrio, uma das provas mais
difíceis da ginástica artística. O momento mais esperado, no entanto, é a final do solo, com Daiane
dos Santos e Daniele Hypólito buscando medalhas.
126
ANEXO 13
SUPER-FINAL DA COPA DO MUNDO (BIRMINGHAM) – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SEGUNDA-FEIRA, 13 DE DEZEMBRO DE 2004
Daiane encanta ingleses e conquista
o ouro
A romena Catalina Ponor, Daiane dos Santos e a
chinesa Fei Cheng
Depois do quinto lugar na prova de solo da Olimpíada de Atenas e do bronze na etapa de Ghent
(Bégica) da Copa do Mundo, a ginasta Daiane dos Santos conseguiu fazer uma apresentação quase
impecável na grande final da Copa, ontem, em Birmingham.
A gauchinha não só conquistou um ouro inédito como desbancou a campeã olímpica Catalina Ponor,
da Romênia. 'Estou muito feliz pela apresentação e estou louca de saudade do Brasil. Não vejo a
hora de voltar para casa', disse a atleta, que não confirmou se passará por nova cirurgia no joelho
esquerdo em 2005.
Daiane foi a última atleta a pisar no tablado. Sua missão parecia difícil, já que Ponor havia se
apresentado antes com a nota 9,625. Mas a brasileira, com uma série forte e exercícios cravados,
encantou a torcida inglesa e recebeu 9, 712 pontos. O bronze foi para a chinesa Fei Cheng. Daniele
Hypólito acabou na sexta posição.
Segundo Daiane, este ouro serve para retomar a confiança. 'Esse resultado mostra que sem trabalho
não se conquista nada. Em Atenas faltou trabalho da minha parte por causa da dor no joelho. Agora
foi diferente', declarou, acrescentando que a ginástica brasileira termina bem o ano.
Daiane deve desembarcar no Brasil amanhã, já de férias. 'Quero ficar um tempo com a família, os
amigos e descansar bastante. Ainda não vi o calendário do ano que vem. Vamos ver isso depois',
comentou.
127
ANEXO 14
SUPER-FINAL DA COPA DO MUNDO (BIRMINGHAM) – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 13 de dezembro de 2004
128
ANEXO 15
MUNDIAL DE MELBOURNE – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, DOMINGO, 27 DE NOVEMBRO DE 2005
Daiane tenta o seu bi mundial
Ginasta gaúcha é favorita ao ouro no solo
A ginasta porto-alegrense Daiane dos Santos é a favorita para faturar a
medalha de ouro do solo no Campeonato Mundial de ginástica artística, que
termina neste domingo em Melbourne, na Austrália.
A atual campeã mundial, que tenta repetir o feito obtido em Anaheim (EUA) em
2003, teve a nota mais alta, com 9,550. Na decisão, a gauchinha de ouro, que
está competindo somente no solo, não terá pela frente pelo menos três
adversárias de peso. A romena Catalina Ponor, atual campeã olímpica, a chinesa Fei Cheng e a
francesa Isabelle Severino não passaram pela fase classificatória. A bela Catalina, a maior rival da
gaúcha Daiane e dona de várias medalhas de ouro na Olimpíada de 2004, em Atenas, inclusive no
solo, não passa por um bom momento na carreira. Aos 17 anos, ela está preferindo deixar as
competições de lado para se divertir na noite de Bucareste, a capital romena.
Entre as oito atletas finalistas, uma das mais fortes adversárias será a norte-americana Alicia
Sacramone, que levou ouro na etapa de Ghent, na Bélgica, da Copa do Mundo, em abril deste ano.
Com nota 9,500, ela ficou com a segunda colocação na fase de classificação.
A apresentação deste domingo deverá ser a última de Daiane com a música 'Brasileirinho'. O novo
tema, 'País Tropical', ainda não está com a coreografia suficientemente ensaiada e só deverá ser
utilizada em competições oficiais pela atleta brasileira na próxima temporada.
129
ANEXO 16
MUNDIAL DE MELBOURNE – CORREIO DO POVO
CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, QUARTA-FEIRA, 30 DE NOVEMBRO DE 2005
Daiane: 'Erro não vai me abalar'
Para Ostapenko, eleito o melhor técnico pelo COB, a ginasta gaúcha
treinou pouco a parte acrobática
Para Daiane, agora é começar do zero
A equipe brasileira de ginástica artística voltou ontem para o país depois
de disputar o Mundial de Melbourne, na Austrália. E, apesar do lamento
pela má colocação da gaúcha Daiane dos Santos (7º lugar), o clima era
de alegria pelo inédito ouro do paulista Diego Hypólito.
A porto-alegrense Daiane diz ter aprendido com o tombo e encontrará
forças para seguir treinando até os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim.
A ginasta de 22 anos terminou em sétimo lugar após cair sentada na tentativa de executar o duplo
twist carpado durante a competição do solo, da qual era favorita ao ouro.
'Derrota sempre e doida. As duas (Olimpíada e Mundial) foram tristes. Mas vou ficar chorando? Não!
Tenho é de trabalhar, porque a medalha não voltará. Agora, é começar tudo do zero, mudar
coreografia, música, acrobacias', contou a ginasta ontem.
O erro na aterrissagem, de acordo com ela, foi uma questão de altura. 'Subi demais e não tive
velocidade para rodar e chegar bem ao chão. Por que subi demais? Não sei', explicou.
Mas seu técnico, Oleg Ostapenko, sabe. 'O problema não foi psicológico. É pouca repetição na parte
acrobática. Para poupar o joelho (direito, operado há mais de um ano), ela não treinou tanto as
acrobacias quanto precisaria, por causa do impacto. Ela tem medo de a dor voltar', revelou o
ucraniano, que foi escolhido ontem pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) como o melhor deste ano.
O certo é que a inédita medalha de ouro de Diego Hypólito no Mundial de Melbourne fez a ginástica
masculina brasileira crescer. Pela primeira vez a equipe masculina foi convidada para participar da
American's Cup, nos Estados Unidos, que será disputada em março do próximo ano. Enquanto isso,
as ginastas do Brasil, lideradas por Daiane dos Santos, nem sequer foram lembradas.
130
ANEXO 17
MUNDIAL DE MELBOURNE – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 26 de novembro de 2005.
131
ANEXO 18
MUNDIAL DE MELBOURNE – ZERO HORA
Zero Hora – Porto Alegre, 28, novembro de 2005.
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