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“Uma visita ao mundo dos meninos na rua
Marcos é um menino de 12 anos que fuma crack e fica pelas esquinas da Av. Duque de
Caxias, no centro de São Paulo. Normalmente encontro-o na esquina com a Av. Rio
Branco, fingindo-se de aleijado para conseguir dinheiro dos carros no farol, ou dormindo
na esquina da Duque com a Av. São João. Eu já o conhecia há algumas semanas.
Algumas vezes, ele estava disponível para conversar e, em outras, ignorava-me, só
falando ou mostrando-se ocupado pedindo dinheiro. Em outras ainda, apenas me
cumprimentava e dizia que não ia conversar, pois estava “na nóia”. Ele já havia
participado algumas vezes de atividades no Moinho da Luz. Nos momentos em que
estava disponível e conversávamos, sugeria-nos ir para o projeto.
Nesse dia, uma sexta-feira, estávamos em dupla andando por uma outra parte da região
quando outro educador ligou, avisando que o havia encontrado na esquina da Av. Rio
Branco com a Duque. Marcos apenas o tinha cumprimentado, mas como tenho um
vínculo melhor com o garoto, achamos que seria bom que nossa dupla fosse até lá.
Quando chegamos, três meninos estavam brincando de se bater. Cumprimentamos os
três, mas apenas Marcos respondeu. Um dos meninos continuou deitado no chão, meio
dormindo, e ele e mais um, que ainda não conhecíamos, andavam em direção oposta à
nossa. Enquanto andávamos, disse-nos que estava indo para a mesma direção que nós
e queria que andássemos juntos. O outro menino andava rápido e parecia não querer
nossa presença por perto.
Perguntamos a ele o seu nome; disse “Sandro” meio baixo, sem vontade de responder.
Conversavam bastante entre si, brincando de se bater e rindo. Na próxima esquina,
Marcos disse estar com fome e pediu uma melancia na banca de frutas. O vendedor
logo deu três pedaços, e Marcos nos ofereceu um. Fomos comendo e eles pararam para
brincar com o cachorro de uma das oficinas de carro. Ao chegar no meio da próxima
quadra, Marcos disse estar com calor e que iria tomar banho. Pararam em frente a uma
agência bancária e abriram a torneira ao lado do registro. Molharam as mãos, os pés, a
cara, enquanto o guarda do banco saia para abordá-los; e nós os esperávamos do lado
de fora do portão. Achávamos que o guarda iria expulsá-los dali, mas este ficou apenas
ao lado, impedindo que fizessem muita bagunça. Marcos tirou a camiseta e disse que
iria lavá-la. Molhou-a e esfregou-a em cima do relógio de luz, que estava tão sujo quanto
ela. Depois, sacudiu-a, jogando água nas pessoas ao redor. O guarda do banco ficou
bravo, mas já estávamos andando novamente. Os dois meninos conversavam entre si e
decidiram ir até o “seu Pinto”, e riram. Iam gritando e correndo pela rua, enquanto
Marcos sacudia a camiseta e molhava as pessoas em volta.
Apesar de termos sido convidados por eles para acompanhá-los, estávamos ficando
inquietos com a desordem que faziam e em como provocavam as pessoas na rua.
Chegamos a nos perguntar se não deveríamos parar de acompanhá-los, pois parecia
que estavam fazendo mais barulho por estarmos juntos. Eles nos chamaram novamente
e acabamos prosseguindo no “passeio”. Enquanto isso, eles corriam entre os carros que
passavam rápido pela avenida e agarravam-se, brincando de se bater e de brigar.
Cumprimentaram os funcionários de duas lojas de acessórios automotivos. Em uma
dessas lojas, entraram e pegaram um copo d’água, oferecendo-nos e dizendo que
aquela era uma boa água, geladinha. Nesse momento, o amigo de Marcos, Sandro, já
estava mais simpático conosco, e apesar de distante e de não conversar muito, nos
chamava, também, para acompanhá-los.