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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
LUCIANA MARIA DE ARAGÃO BALLESTRIN
Estado e ONG’s no Brasil: acordos e controvérsias a propósito de
Direitos Humanos (1994-2002).
Porto Alegre
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
LUCIANA MARIA DE ARAGÃO BALLESTRIN
Estado e ONG’s no Brasil: acordos e controvérsias a propósito de
Direitos Humanos (1994-2002).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência Política, do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora:
Profa. Dra. Céli Regina Jardim Pinto
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Alfredo Alejandro Gugliano
Profa. Dra. Rosângela Marione Schulz
Profa. Dra. Mercedes Maria Loguércio Cánepa
Porto Alegre
2006
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai*, pelo amor, apoio e incentivo permanentes;
Às minhas queridas “manas”, simplesmente, por existirem comigo neste mundo;
À minha prima Daniela - irmã de coração e madrinha substituta - pelo zelo e lucidez de
seus conselhos;
Aos meus tios, Zélia e Lauro, por terem me acolhido no momento de minha vida em que
mais precisei de seus cuidados e carinhos;
Aos velhos e novos amigos (as), responsáveis pelos momentos lúdicos e descontraídos
durante o processo de investigação;
À Alba, Carina, Maurício e Rafael, pela assistência incondicional na fase final desta
pesquisa;
A todos aqueles que de alguma maneira, auxiliaram-me na condução deste trabalho, pela
concessão de entrevistas, materiais ou informações: Marcos Rolim, Francisco Panizza; Leonardo
Michelsen, Vânia Barbosa, Robenson Dihel e Soraya Mendes;
À Céli*, exímia professora e orientadora, pela referência humana e acadêmica que me
guiará para o resto de meus dias.
* Aos que dedico, com todo meu carinho, esta Dissertação.
Qualquer indivíduo é mais importante que a Via Láctea.
Nelson Rodrigues (1912-1980)
RESUMO
O presente trabalho procurou examinar a relação entre a sociedade civil internacional -
especialmente, as organizações não-governamentais Amnesty International e Human Rights
Watch - e o Estado no Brasil. As condições de emergência de um discurso pró-Direitos Humanos
no plano internacional disponibilizaram estruturas jurídicas e institucionais para o exercício de
um accountability externo por parte dessas organizações sobre os governos nacionais. Para a
observância da susceptibilidade do Estado brasileiro perante tal processo, as duas presidências de
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) foram selecionadas: tanto pelo fato de ter sido o
primeiro governo federal a oficializar um discurso mais veemente pela proteção dos Direitos
Humanos, promovendo uma série de políticas públicas inéditas no setor, quanto pela chamada à
participação da sociedade civil no decorrer desta institucionalização. Percebeu-se que tanto as
práticas de responsabilização - exercidas pelas ONGI’s -, quanto as de responsividade -
realizadas pelo governo - dependeram, sobretudo, da própria abertura estatal para este tipo de
monitoramento.
PALAVRAS-CHAVE:
Direitos Humanos; Organizações Não-governamentais Internacionais (ONGI’s); Estado
Brasileiro; Accountability.
ABSTRACT
The present work sought to examine the relationship between the international civil society - with
emphasis on the non-governmental organizations Amnesty International and Human Rights
Watch - and the State in Brazil. The conditions for the emergence of a pro-Human Rights
discourse in the international context created legal and institutional structures for the exercise of
an external accountability through these organizations on the national governments. To observe
the susceptibility of the Brazilian State in the face of such process, were selected the two
presidential terms of Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), for it was the first federal
administration to institutionalize a more vehement discourse for the protection of the human
rights, promoting a series of unprecedented public policies on its behalf, and because it called
for a steady participation of the civil society on this process of institutionalization. It was
perceived that the practices of accountability - performed by the INGO’s -, and the practices of
answering - carried out by the government - depended mainly on the State’s opening for this kind
of watch.
KEY WORDS
Human Rights; International Non-Governmental Organizations (INGO’s); Brazilian State;
Accountability.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: População Prisional Masculina e Feminina.................................................................79
Tabela 2: Principais Políticas Governamentais Internas Adotadas na Área de Direitos Humanos
(1995-2002).................................................................................................................................105
Tabela 3: Principais Tratados Ratificados pelo Governo Brasileiro (1995-2002).....................135
LISTA DE SIGLAS
ABI - Associação Brasileira de Imprensa
ABONG - Associação Brasileira de Organizações não-governamentais
AI - Anistia Internacional
AL/RS - Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
AMI - Acordo Multilateral de Investimentos
ATTAC - Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos
BA - Bahia
CAT - Comitê contra a Tortura da ONU
CCDH - Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do
Sul
CCDHs - Centros de Defesa de Direitos Humanos
CDH - Comissão de Direitos Humanos da ONU
CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
CDHM - Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)
CEI - Comitê Executivo Internacional da Anistia Internacional
CEJIL - Centro pela Justiça e o Direito Internacional
CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CJP - Comissão de Justiça e Paz
CLAMOR - Comitê Latino-Americano pelos Direitos Humanos no Cone Sul
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPT - Comissão Pastoral da Terra
DH - Direitos Humanos
DhESC - Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais
DH Net - Rede de Direitos Humanos e Cultura
ECA - Estatuto da Criança e Adolescente
ECOSOC - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da ONU
FASE - Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional
FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FENDH - Federação de Entidades Nacional de Direitos Humanos
FH - Fernando Henrique
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FIAN - Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar
FIDH - Federação Internacional de Direitos Humanos
FSM - Fórum Social Mundial
FUNPEN - Fundo Penitenciário Nacional
GAJOP - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
G8- Grupo dos Sete Países mais Ricos do Mundo e a Rússia
HRW - Human Rights Watch
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IML - Instituto Médico Legal
JOC - Juventude Operária Católica
JUC - Juventude Universitária Católica
MARE – Ministério das Relações Exteriores
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MG - Minas Gerais
MJ - Ministério da Justiça
MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos
MPV - Medida Provisória
NGO - Non - Governmental Organization
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OEA - Organização dos Estados Americanos
OIG - Organização Intergovernamental
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONG - Organização não-governamental
ONGI - Organização não-governamental internacional
ONU - Organização das Nações Unidas
PA - Pará
PIDCP - Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
PIDESC - Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos e Sociais
PIDHDD - Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento
PM - Polícia Militar
PMs - Policiais Militares
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNDH - Plano Nacional de Direitos Humanos
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROVITA - Programa de Defesa às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas
PT - Partido dos Trabalhadores
RAU - Rede de Ação Urgente da Anistia Internacional
RJ -Rio de Janeiro
RNDH - Rede Nacional de Direitos Humanos
RO - Rondônia
RS - Rio Grande do Sul
SBAI – Seção Brasileira da Anistia Internacional
SEDH - Secretaria Especial de Direitos Humanos
SI - Secretariado Internacional da Anistia Internacional
SNDH - Secretaria Nacional de Direitos Humanos
SP - São Paulo
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TPI - Tribunal Penal Internacional
UNCED - United Nations Conference on Environment and Development
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
........................................................................................................11
2
O PROBLEMA EM QUESTÃO..............................................................................................17
2.1 A Sociedade civil enquanto categoria de análise....................................................................17
2.2 As condições de emergência para a internacionalização de um discurso pró-Direitos
Humanos........................................................................................................................................23
2.3 Direitos Humanos e Brasil: particularidades de uma trajetória..........................................45
3
A BUSCA POR “RESPONSABILIZAÇÃO”: A ATUAÇÃO DA AMNESTY
INTERNATIONAL E HUMAN RIGHTS WATCH NO BRASIL (1994-2002).........................58
3.1 Apresentação............................................................................................................................58
3.2 “Brasil: ninguém se responsabiliza por nada?”.....................................................................72
3.3 “Aqui Ninguém Dorme Sossegado”.......................................................................................77
3.4 Execuções Extrajudiciais e Grupos de Extermínio................................................................93
4
OS DIREITOS HUMANOS COMO PREOCUPAÇÃO OFICIAL DO GOVERNO
FEDERAL (1994-2002): INDÍCIOS DE RESPONSIVIDADE..............................................104
4.1 A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados ........................107
4.2 O Plano Nacional de Direitos Humanos e a Secretaria Nacional de Direitos
Humanos......................................................................................................................................116
4.3 A campanha nacional do combate à tortura por agentes públicos .....................................128
4.4 Nota sobre o Brasil e o “canetaço.......................................................................................135
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................145
REFERÊNCIAS..........................................................................................................................152
12
1 INTRODUÇÃO
A presente Dissertação de Mestrado procurou examinar o tipo de relação estabelecida
entre as organizações não-governamentais internacionais (ONGI’s) de Direitos Humanos
Amnesty International (AI) e Human Rights Watch (HRW) e o governo federal brasileiro, nas
duas presidências de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).
Tal preocupação, subscreve-se do ponto de vista teórico, no interior dos debates
acadêmicos que vêm sendo desenvolvidos na Teoria Política Contemporânea, sobre a
importância da sociedade civil e suas formas de interação com o Estado para o aprofundamento
dos regimes democráticos.
Desta maneira, os objetivos gerais propostos consistiram: a) na observação do tratamento
mútuo entre representantes da sociedade civil internacional e o Estado nacional brasileiro, na área
de Direitos Humanos; b) na caracterização da relação entre esses atores, considerando a
vinculação entre o desenvolvimento do regime democrático e as implicações da vigência do
Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos no Brasil.
Especificamente, pretendeu-se: a) analisar as formas de atuação das ONGI’s em território
nacional, através dos canais de interlocução utilizados para o diálogo e apresentação de suas
reivindicações junto aos atores e organismos políticos estratégicos às mesmas; b) apreender o
conteúdo nuclear destas demandas; c) examinar o tipo de articulação com a sociedade civil
nacional; d) buscar as possíveis razões que vieram a caracterizar o governo FHC como o primeiro
do Brasil a transformar a questão dos Direitos Humanos em um discurso oficial; e) perceber a
postura governamental em relação à consideração das temáticas pautadas pelas ONGI’s,
13
concernentes as denúncias de violações aos Direitos Humanos mais preocupantes - sob a sua
ótica - no país.
A justificativa destas questões foi ancorada na intenção de problematizar a existência -
preconizada pelas teorias normativas - do poder de influência exercido pela sociedade civil global
sobre o Estado. E, desta forma, compreender o significado do papel dessas organizações para a
luta pelos Direitos Humanos no país.
A seleção do objeto de estudo, ou seja, as ONGI’s de Direitos Humanos Amnesty
International e Human Rights Watch, foi norteada pelos seguintes critérios, a saber: 1) atuação de
membros brasileiros ou estrangeiros no país
1
e 2) volume dos trabalhos desenvolvidos - quando
comparados aos realizados por outras ONGI’s importantes de Direitos Humanos, tais como a
Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH). Ainda, a opção por trabalhar com ambas
organizações foi reforçada por dois fatores observados no plano internacional: sua presença em
dezenas de países e o status especial consultivo junto ao Conselho Econômico e Social
(ECOSOC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Estas duas últimas características, aliadas
às suas atividades de longa data em escala mundial, atribuem à AI e HRW um reconhecimento e
legitimidade internacional que imputam ao seu trânsito extraterritorial, a qualidade de serem -
senão as mais importantes -, as mais respeitadas do mundo. No Brasil, este reflexo simbólico é
1
A existência de uma representatividade institucional também foi considerada, porém não se constituiu em um
elemento decisivo para a seleção, uma vez que a Anistia Internacional perdeu seu status de seção no país em 2001.
14
visível e reiterado pelo fato de que as mesmas são, sem dúvida, as ONGI’s mais antigas
2
e
atuantes dentro do território nacional
3
.
A Anistia Internacional foi criada em 1961, no ápice da Guerra Fria (BOVO, 2002).
Durante a ditadura salazarista, dois estudantes portugueses foram condenados a sete anos de
prisão por haverem erguido um “brinde à liberdade”. A arbitrariedade do fato chamou a atenção
do advogado inglês Peter Benenson, que publicou no jornal londrino The Observer um artigo
intitulado The Forgotten Prisioners. Nele, o autor denunciou as violações aos Direitos Humanos
daquelas pessoas que, apesar de não terem utilizado métodos violentos, foram presas pela defesa
e expressão de suas idéias e convicções. Daí, os “prisioneiros de consciência” começaram a
ganhar uma atenção internacional, com o envio de mais de mil cartas em apoio à causa
(Ibid.).
A AI estava então sendo fundada; escritórios foram abertos - primeiramente em Londres -
e “em 12 meses a AI já tinha enviado delegações para quatro países e já atuava em 210 casos”
(Ibid., p. 74). Em 1977, a organização foi contemplada com o “Prêmio Nobel da Paz”.
O surgimento da HRW, por sua vez, pode ser reproduzido pelas palavras de Herz &
Hoffmann (2004, 246):
A HRW tem suas origens no estabelecimento em 1978 de um comitê de ativistas de
Direitos Humanos nos Estados Unidos (“Helsinki Watch”), objetivando apoiar os grupos
formados em Moscou e, posteriormente, em outros países comunistas, para monitorar o
cumprimento das provisões dos Acordos de Helsinki. Na ocasião, a principal atenção era
os prisioneiros políticos. Um dos idealizadores e participantes do grupo, considerado um
dos fundadores da HRW, foi Robert Bernstein, que trabalhava na ocasião na editora
Random House Inc., e havia conhecido dissidentes russos em viagens anteriores. Na
2
O Brasil é, pelo menos desde 1971, alvo dos relatórios da AI, que no período investigava cinqüenta casos no país
(BOVO, 2002). Em 1973, tem-se registro de uma Ação Urgente (um dos tipos de estratégias de apelo empregada
pela organização), a favor de um professor de História da USP seqüestrado pela Ditadura Militar. A repercussão
internacional do fato foi essencial para sua proteção (ANISTIA INTERNACIONAL, 2002). Já a HRW monitora as
condições dos Direitos Humanos no Brasil desde 1987, quando da publicação “Police Abuse in Brazil: Summary
Executions and Torture and São Paulo e Rio de Janeiro”.
3
Um outro fator importante para a escolha dessas ONGI’s foi a disponibilidade de materiais e informações,
veiculadas pelos sites de cada organização na Internet. Ainda, quanto à Anistia Internacional, dezenas de materiais
foram emprestados por dois ex-integrantes da organização, para os fins desta pesquisa.
15
década de 1980, foram sendo criados outros comitês, tais como o Americas Watch, com o
objetivo de denunciar as violações aos direitos humanos cometidas durante o conflito na
América Central, e a Asia Watch, para monitorar a situação de prisioneiros políticos,
principalmente na China. Em 1988, foi então fundada a Human Rights Watch, uma ONGI
que uniu os comitês Watch situados nos diversos países, em uma única estrutura.
Os primórdios da vigilância da AI e HRW, em relação à proteção aos Direitos Humanos
no Brasil, remontam aos finais das décadas de 60 e 80, respectivamente. Mas, foi a partir da
Constituição de 1988 e da assinatura de vários tratados internacionais nas duas últimas décadas,
que o Estado brasileiro se tornou cada vez mais vulnerável às pressões internacionais e da própria
sociedade civil. Pois, a constituição dos Direitos Humanos como uma das pautas prioritárias da
agenda internacional - cuja elaboração vem sendo conduzida principalmente pela ONU e ONG’s
- expõem cada vez mais seus Estados membros ao controle de observatórios internacionais, dos
países estratégicos de suas relações diplomáticas e dos próprios cidadãos.
A escolha do período para a verificação dos impactos produzidos sobre a conduta
governamental federal diante desse processo foi compreendida entre os anos 1994 e 2002, por duas
razões. A primeira é que os dois governos de Fernando Henrique Cardoso foram marcados por
uma atenção oficial até então não observada, em relação às políticas de Direitos Humanos. A
segunda é que, concomitantemente a esse processo, este governo criou, de forma inédita, espaços
para a participação e representação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas no setor,
como, por exemplo, o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH).
O problema de investigação que norteou o presente estudo pode então ser retomado sob a
forma da seguinte indagação: qual é o tipo de relação estabelecida pelas ONGI’s AI e HRW com o
Estado nacional brasileiro durante esta conjuntura favorável à atuação da sociedade civil?
Na tentativa de responder tal questão, partiu-se de três hipóteses, nesta ordem:
16
1) A relação entre tais representantes da sociedade civil internacional e o Estado brasileiro na
área de Direitos Humanos é caracterizada por um grau de tensionamento, mediante: a) o
papel fiscalizador das primeiras sobre o segundo e b) o fato de que este relacionamento
parte, em um primeiro momento, das ONGI’s;
2) o sucesso deste monitoramento externo dependerá do grau de articulação das ONGI’s com
a sociedade civil doméstica;
3) paradoxalmente, o êxito desta fiscalização, implicada nas práticas de responsabilização e
pretendida responsividade, está condicionada pela própria deliberação estatal.
A metodologia empregada para a operacionalização da proposta apresentada foi
essencialmente qualitativa. As fontes primárias consistiram na realização de duas entrevistas semi-
estruturadas
4
e na análise de conteúdo dos materiais produzidos pelas ONGI’s durante os anos
situados entre 1994 - 2002
5
. Da parte governamental, extraiu-se informações através de
campanhas, documentos, relatórios, pareceres e informes dos sites da Secretaria Nacional de
Direitos Humanos (SNDH), Ministério da Justiça (MJ), Ministério das Relações Exteriores
(MARE), Senado Federal e Câmara Federal dos Deputados
6
.
4
No dia 19/07/2005 foi realizada uma entrevista com Marcos Rolim, tanto por sua longa trajetória na militância de
Direitos Humanos no Brasil quanto pelo fato de ter sido um representante governamental durante o período estudado.
Quando Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT/RS), foi Presidente da Comissão de Direitos Humanos
e Minorias da Câmara Federal (CDHM) nos anos compreendidos entre 1998 - 2002 e da Comissão de Cidadania e
Direitos Humanos (CCDH) da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL/RS), entre 1993-1999. Em
03/08/2005, Francisco Panizza, ex-dirigente internacional da Anistia, respondeu ao questionário enviado por e-mail
na qualidade de ex- Researcher for Brazil, Argentina and Bolivia in the Americas Research Department of the
International Secretariat, no qual atuou entre 1991-1997. James Cavallaro, ex-presidente da HRW no Brasil, não
respondeu ao questionário enviado. A realização da pesquisa, entretanto, não foi comprometida por esta recusa,
apesar do intuito inicial de serem contemplados um representante de cada organização e do governo. Contatos mais
informais também foram realizados para a obtenção de informações.
5
Ao todo, mais de uma centena de documentos - entre relatórios anuais e específicos, informes, periódicos, cartilhas,
notícias, cartas às autoridades, panfletos - foram examinados. Apesar de a pesquisa nos sites de cada organização
tenha se restringido ao marco temporal proposto, uma série de outros documentos e materiais foi examinada para os
fins deste trabalho - muitos deles sem referência direta -, enquanto fontes secundárias. Também, a análise superficial
de alguns relatórios, deveu-se pelo fato de sua restrição a uma ou outra unidade da federação.
6
No Congresso Nacional, a atenção foi concentrada nas pautas das Reuniões Ordinárias da CDHM na 51°
Legislatura, entre 2001-2002, bem como as Conferências e Caravanas Nacionais de DH por ela realizadas desde
1996.
17
A observação e participação nas oficinas e palestras do V Fórum Social Mundial - ocorrido
em Porto Alegre em janeiro de 2005 - foi realizada para a aquisição de materiais, estabelecimento
de contatos e introdução ao conteúdo das pautas colocadas pela sociedade civil em geral, sobre a
questão dos Direitos Humanos. Para isso, foram assistidas duas conferências, duas oficinas e uma
audiência pública.
A estrutura desta dissertação está disposta em três capítulos.
O Capítulo 1, pretendeu disponibilizar ao leitor um panorama teórico, histórico, e
discursivo para a compreensão de três aspectos primordiais concernentes ao objeto da presente
pesquisa. Procurou-se, sobretudo: 1) situar o estudo da sociedade civil - e, por conseguinte, das
ONGI’s - na Teoria Democrática Contemporânea; 2) resgatar o processo pelo qual o discurso
pelos Direitos Humanos se tornou uma das principais pautas da agenda internacional, através da
análise de quatro de suas condições de emergência; 3) demonstrar a abertura do Estado brasileiro
na incorporação das demandas oriundas da sociedade civil em relação aos Direitos Humanos.
O Capítulo 2 traçou um panorama geral das formas de atuação da AI e HRW no mundo.
Posteriormente, a explanação de suas atividades no Brasil buscou o enfoque de seus mecanismos
de denúncia e da exposição das principais violações aos Direitos Humanos pautadas pelas
ONGI’s.
Por fim, o Capítulo 3, apresentou o conjunto de políticas públicas na área de Direitos
Humanos no período dos governos de Fernando Henrique Cardoso, com o intuito de apontar: a)
uma predisposição inicial deste ex-presidente em oficializar mais incisivamente a preocupação
pelos Direitos Humanos no país; b) a conseguinte abertura governamental à participação da
sociedade civil em geral e à incorporação das demandas dela oriundas e c) alguns indícios de
correspondência entre as práticas governamentais em relação às denúncias comumente levantadas
pela AI e HRW.
18
A partir destas constatações, pôde-se perceber em que medida as ONGI’s de Direitos
Humanos influenciaram a conduta do governo analisado, na condição de observadoras
internacionais que exigem um comprometimento das autoridades competentes. Desta maneira, foi
possível compreender as ONGI’s como um dos atores protagonistas pela proteção nacional aos
Direitos Humanos na construção do processo democrático brasileiro.
19
2 O PROBLEMA EM QUESTÃO
2.1 A Sociedade civil enquanto categoria de análise
Nos últimos anos, a democracia se tornou o objeto par excellence da Ciência Política.
Atualmente, a disciplina dispõe de múltiplas reflexões e aportes teóricos preocupados com o
tema. As discussões versam sobre o funcionamento, as possibilidades e os limites dos regimes
democráticos, eventualmente, preocupando-se com seu aperfeiçoamento mais representativo,
participativo e justo.
Ao longo do século, as representações dos modelos minimalista e pluralista formaram o
núcleo basilar da concepção hegemônica da democracia. Conforme Avritzer e Santos (2002, 41),
as seguintes idéias conformam essa tendência:
A contradição entre mobilização e institucionalização (Huntington, 1968; Germani 1971);
a valorização positiva da apatia política (Downs 1956), uma idéia muito salientada por
Schumpeter (...); a concentração do debate democrático na questão dos desenhos eleitorais
das democracias (Lijphart, 1984); o tratamento do pluralismo como forma de incorporação
partidária e disputa entre elites (Dahl, 1956, 1971) e a solução minimalista para o
problema da participação pela via da discussão das escalas e da complexidade (Bobbio,
1986; Dahl, 1991)
7
.
As teorias que se contrapõem a essa visão dominante deslocam sua atenção para a
importância do papel da sociedade civil na construção do processo democrático. O Modelo
Deliberativo, Participacionista e Cívico-Republicano são alguns exemplos desses modelos
(Vitullo, 1999)
8
.
7
Para uma visão histórica da corrente institucionalista, ver: Peters (2001).
8
Alguns de seus expoentes são, respectivamente: Habermas, Arato e Cohen, Iris Young, Nancy Fraser; Carole
Patman; Benjamin Barber e Hannah Arendt. Acrescenta-se, o modelo agonístico de Chantal Mouffe apresentado na
idéia de Democracia Radical.
20
As críticas à concepção dominante se destinam ao enfoque exclusivo sobre as instituições
democráticas e os processos eleitorais de participação e representação, o que implica, para
muitos, na redução do potencial democrático e na sua simplificação a arranjos procedimentais ou
à competição entre elites.
Na apresentação das teorias alternativas, lembra-se que a importância das instituições
democráticas e das eleições não é dispensada. Seu diferencial é o protagonismo conferido agora à
sociedade civil - enquanto um ator fundamental para o fortalecimento da democracia - e às outras
formas de participação política, que não somente a eleitoral. As preocupações se voltam para a
existência de uma série de outros espaços públicos, nos quais os indivíduos podem expressar suas
preferências e participar politicamente.
O reconhecimento da sociedade civil como um ator político importante na década de
setenta
9
implicou em um processo de renovação conceitual, observado até os dias de hoje. Essa
necessidade foi acentuada pelas profundas transformações no mundo social e político, geradas
pelos impactos do processo de globalização na década de noventa. A complexidade e a
heterogeneidade dos atores e das demandas
10
, que passaram a povoar a sociedade civil moderna,
esvaziaram o teor explicativo das formulações clássicas do termo
11
.
O tratamento mais sistemático despendido à categoria foi iniciado com os estudos sobre a
ação coletiva, na década de quarenta do século XX, e ampliado nos anos sessenta, marco
9
Segundo Arato & Cohen (2001), a evidência do ressurgimento da sociedade civil remonta o ano de 1976, com a
oposição democrática polaca.
10
As demandas típicas da era pós-socialista - expressão utilizada por Fraser (2001) para designar o contexto cujas
reivindicações não se formam mais apenas em torno do interesse de classe - incluem aquelas comprometidas com a
totalidade planetária dos indivíduos, como as questões do meio-ambiente e dos Direitos Humanos.
11
Por exemplo, Aristóteles (1988) qualificava a sociedade civil como simplesmente a “cidade”. Posteriormente,
Maquiavel (1994) examinou as virtudes cívicas da sociedade romana. Os filósofos contratualistas, por sua vez,
contrapunham a “sociedade civil” à “sociedade natural”. Foi porém, no século XIX, que as formas da vida
associativa ganharam maior relevância através dos escritos de Tocqueville (1994) e a concessão de uma dimensão
própria à sociedade civil foi atribuída primeiramente por Hegel, em 1821 (ARATO & COHEN, 2001). A evolução
do conceito, no último século e meio esteve atrelada às mudanças ocorridas no Estado e nas instituições e
associações fora dele (YOUNG, 2000).
21
referencial do aparecimento de diversos movimentos sociais em vários países do mundo
12
. Não
por coincidência, esses anos abrigaram as primeiras formulações da teoria da Ação Comunicativa
habermasiana, cuja matriz inspira ainda hoje, diversos estudos sobre a sociedade civil.
Sérgio Costa (2003, 4), afirma que a polissemia do termo “civil” possibilitou diferentes
interpretações regionais no final dos anos setenta. Por exemplo, na África subsaariana e na
América Central, a sociedade civil se tornou sinônimo de “algo contrário aos atores da Guerra”;
na América do Sul, “o termo foi tomado como uma oposição à militar”; no Leste Europeu “civil
significou não-estatal”, enquanto que nos Estados Unidos ganhou “o sentido da virtude pública”.
Por sua vez, nas democracias européias, “tornou-se oposição à burocrático, desvitalizado e
inflexível”.
Em grande parte da literatura contemporânea, a definição do termo sociedade civil é
desenvolvida a partir de sua dissociação das esferas econômica e estatal
13
. Seus teóricos
defendem sua atuação em maior ou menor grau
14
, considerando a articulação entre uma e/ou
outra dimensão.
12
Destaca-se a contribuição das obras de Gramsci, Touraine, Offe, Melucci e Laclau, para os enfoques sobre cultura
e ideologia nos estudos da sociedade civil e dos novos movimentos sociais (GOHN, 1997).
13
A saber, as concepções de Yris Young, Gordon White, Charles Taylor, Axel Honneth, Jürgen Habermas, Arato &
Cohen, Chandhoke. Segundo Young (2000), alguns teóricos incluem as atividades econômicas dentro do conceito de
sociedade civil. Da mesma forma, alguns autores incluem as corporações multinacionais dentro do conceito de
sociedade civil internacional (HERZ & HOFFMANN, 2004). Entretanto, faltam à relação entre a sociedade civil e o
mercado, análises mais consistentes e empíricas, principalmente no que se refere ao controle da primeira sobre o
segundo. Por exemplo, tem-se a atuação de organizações como a ATTAC (Ação para Tributação das Transações
Financeiras em Apoio aos Cidadãos) que atua no combate às injustiças produzidas pelo sistema capitalista global.
Em contrapartida, observa-se a utilização de técnicas empregadas pelo setor privado para a auto-promoção de
algumas organizações: é o caso do Greenpeace que se utiliza das estratégias de marketing em lojas próprias nos
shoppings do Rio de Janeiro e São Paulo (HERZ & HOFFMANN, 2004).
14
A normatividade é presente em muitas dessas teorias alternativas. Dentro delas, também se observa interpretações
concorrentes, a despeito da idéia consensual sobre a importância da sociedade civil para o fortalecimento da
democracia. Costa (apud TEIXEIRA, 2001, 42), divide-as em “enfáticas” ou “moderadas”. Enquanto a primeira deve
exercer um controle sobre o Estado, a segunda prevê a existência de virtudes cívicas, “cujo desenvolvimento exigiria
o mercado como princípio ordenador e a ordem liberal- democrática como seu substrato”. Ao adotar uma
concepção virtuosa do conceito, os riscos de incorrer em um tratamento apologético são intensificados. Por exemplo,
tem-se a discussão a respeito das virtudes da sociedade civil vislumbrada na idéia de capital social. Para Putnam
(2000, 180), esse conceito remete a “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que
contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas (...). A confiança é o
22
No século XXI, Arato e Cohen (2001), em um estudo recente e já paradigmático,
propuseram uma teoria da “sociedade civil” que se configura em uma “utopia autolimitada”.
Baseando-se na estrutura tripartite do “mundo da vida” e dos “subsistemas econômico e político”,
os autores buscam o aprimoramento da lógica habermasiana. Defendem, sobretudo, a capacidade
da sociedade civil moderna em “conservar su autonomía y formas de solidariedad ante la
economía y el Estado modernos” (Ibid., p. 55). Os autores entendem a sociedade civil
Como una esfera de interacción social entre la economia y el Estado, compuesta ante
todo de la esfera íntima (en especial la familia
15
), la esfera das asociaciones (en especial
as asociaciones voluntarias), los movimentos sociales y las formas de comunicación
pública. La sociedad civil moderna se crea por medio de formas de autoconstitución y
autonomovilización. Se institucionaliza y generaliza mediante las leyes, y especialmente
los derechos objetivos, que estabilizan la diferenciación social (Ibid., p. 8).
Em um artigo posterior, Cohen (2003, 423) afirma que
A moderna sociedade civil “autônoma” nasceu de processos de constituição e mobilização
independentes. Institucionalizou-se e se generalizou mediante leis e direitos subjetivos
que, por sua vez, estabilizaram a diferenciação social. Por isso, é importante salientar que
o aparecimento da sociedade civil aconteceu junto com o desenvolvimento do moderno
Estado territorial soberano. Em outras palavras, foi a vinculação do Estado ao direito e o
desenvolvimento da soberania e do constitucionalismo jurídico interno que permitiram o
surgimento do modelo tripartite. O constitucionalismo e o governo representativo, isto é, o
nascimento de uma sociedade política (partidos), responsiva e responsabilizável, e de uma
sociedade jurídica autônoma (juristas, tribunais), tornaram-se indispensáveis para a
estabilização da diferenciação entre o Estado moderno, a sociedade civil e a economia de
mercado.
componente básico do capital social”. Ora, estes próprios laços de confiança originaram na mesma Itália que
Putnam observou, as organizações mafiosas. A “incivilidade” da sociedade civil na contemporaneidade é um tema
rico, porém muito pouco estudado.
15
Kenneth Baynes (2002), por exemplo, desloca a família do interior da sociedade civil.
23
Young (2000) justifica essa distinção na medida em que essas três esferas possuem
lógicas próprias de ação coordenada, considerando o poder sistemático que só as instituições
estatais e econômicas exercem.
Isso não significa, porém, que tais esferas sejam mutuamente exclusivas
16
. No plano
empírico, a demarcação de fronteiras entre essas instâncias é fragilizada pelas possibilidades de
interlocução e permeabilidade entre elas. De acordo com esse raciocínio, Young (2000, 160),
referencia-se a casos em queinstitutions where state or economic activities dominate may also
contain or promote significant activities of voluntary association”. Além disso, os atores
componentes da sociedade civil são, segundo Walzer (apud COSTA, 1994, 41), “a um só tempo
cidadãos, produtores, consumidores e membros da nação, o que sugere que um mesmo
indivíduo pode pertencer e atuar de forma concomitante nesses espaços.
Arato e Cohen (2001) lembram que os movimentos democráticos dos séculos XVIII e
XIX criaram uma dualidade entre Estado e sociedade civil, que, posteriormente, esteve presente
em muitas análises. Já em Maquiavel, e mesmo no discurso liberal conservador, percebe-se a
intenção de atribuir à sociedade civil uma virtude cívica enquanto o Estado é o responsável pelas
práticas de corrupção. Essa antinomia foi também reforçada, historicamente, pelo choque de
interesses, pela disputa de poder e pela pressão que muitas organizações da sociedade civil
realizam sobre o mesmo. Em contrapartida, pode-se questionar em que medida esse espaço para a
manifestação de conflitos e antagonismos não é conferido por uma concessão deliberada dos
próprios agentes estatais, uma vez que os governos só tendem a tolerar a oposição quando os
custos da supressão excedem os da tolerância (DAHL, 1997). O axioma dalsiano explica, em
parte, a inexistência de uma sociedade civil ativa nos regimes totalitários.
24
Contudo, a sociedade civil não deve ser percebida como uma alternativa ao grande
“Leviatã”
17
. Nas palavras de Young (2000, 156),”many of strutural injustices that produce
opression have their source in economic processes, state institutions are necessary to undermine
such opression and promote self-development ”.
Para Walzer (apud COSTA, 1994, 42), o Estado se torna imprescindível na regulação de
relações sociais assimétricas, devendo “garantir a existência de espaços e teias sociais que
reproduzem a cultura política democrática”. Por seu turno, a sociedade civil tem um papel
fundamental “in promoting inclusion, expression, and critic for deep democracy” (YOUNG,
2000, 156), bem como o de controlar as ações do Estado “através de procedimentos complexos e
variados
18
” (WALZER, op.cit.).
O conceito de accountability vertical
19
, denominado por O’Donnell (1998, 28), implica
esse tipo de fiscalização da sociedade sobre os representantes estatais:
16
Para escapar desse determinismo, Young (2000) pensa em termos de kinds of activities de cada uma delas. Em
relação à sociedade civil, a autora distingue três níveis da atividade associativa, não necessariamente excludentes:
privada, cívica e política.
17
As limitações da sociedade civil em prover obrigações estatais foram examinadas por Pinto (2004, 3), através do
exemplo da erradicação da fome no Brasil na década de 90. Elas são apresentadas em duas hipóteses: “(a) as ações
da sociedade civil sofrem de uma limitação fundadora que é a não obrigação da universalidade, o que limita a
possibilidades de seus programas serem socialmente exitosos mesmos quando tem êxito; b) as ações da sociedade
civil têm limites estritos em sua capacidade de gerar programas de inclusão”.
18
O exercício dessa fiscalização de maneira inversa implicaria na perda de espontaneidade e autonomia das
organizações da sociedade civil. Especialmente no que se refere aos movimentos sociais e ONG’s, isso dependerá do
dinamismo das relações estabelecidas com o Estado e vice-versa. Enquanto que os primeiros podem ver sua ação
institucionalizada pelo Estado, perdendo de vista suas pautas originais, as segundas correm - mediante eventuais
financiamentos estatais para a execução de seus projetos - o risco de comprometer sua independência, ou melhor, seu
próprio caráter “não-governamental”. Em relação a essa questão, Gohn (1997, 296) afirma que “os movimentos
sociais populares perdem sua força mobilizadora, pois as políticas integradoras exigem a interlocução com
organizações institucionalizadas. Ganham importância as ONG’s por meio de políticas de parceria estruturadas com
o poder público, que, na grande maioria dos casos, mantém o controle dos processos deflagrados enquanto avalista
dos recursos econômicos-monetários”.
19
Em contraposição, o accountability horizontal, desenvolve-se através do controle administrativo intra-institucional
no gerenciamento da máquina pública. É definido pelo autor nos seguintes termos: “a existência de agências estatais
que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações que vão desde a
supervisão de rotinas a sanções legais ou até o impeachement contra ações ou emissões de outros agentes ou
agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas” (Ibid, p. 40).
25
Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra
o risco de coerção, e cobertura regular pela mídia ao menos das mais visíveis dessas
reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões do
que chamo de “accountability vertical”. São ações realizadas, individualmente ou por
algum tipo de ação organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições
em instituições do Estado, eleitos ou não.
Formulação semelhante é apresentada por Smulovitz (2001, 2) através da denominação de
accountability social:
La accountability social es um mecanismo de control vertical, no electoral, de las
autoridades políticas basado en las acciones de un amplio espectro de asociaciones y
movimientos ciudadanos así como en acciones mediáticas. Las acciones de estos actores
tienen por objeto monitorear el comportamiento de los funcionarios públicos, exponer y
denunciar actos ilegais de los mesmos, y activar la operación de agencias horizontales de
control. La accountabiliy social puede canalizarse tanto por vías institucionales y como
no institucionales.
Para Arato (2002, 103), “a precondição mais importante para que um sistema de
accountability realmente funcione é a atividade dos cidadãos nos fóruns públicos democráticos e
na sociedade civil”.
Essa discussão permeará este estudo. Nas próximas páginas, pretende-se demonstrar,
primeiramente, como esse tipo de atividade
20
foi estimulada em relação à proteção dos Direitos
Humanos no mundo, e posteriormente, no Brasil.
2.2 As condições de emergência
21
para a internacionalização de um discurso pró-Direitos
Humanos
As conseqüências do processo de globalização
22
na esfera política, a partir da década de
noventa, lograram à análise que até então se desenvolvia sobre as categorias “sociedade civil” e
20
A utilização posterior do termo accountability empregará as noções de accountability social e accountability
vertical como sinônimos.
26
“Estado”, um certo redirecionamento analítico. Sobretudo, pelo fato de que sobre essas,
verificou-se os impactos produzidos pela reconfiguração das relações entre organismos
multilaterais, mercado, Estados-nação e sociedade civil no plano internacional.
A consideração das novas estruturas da ordem mundial fez com que muitos analistas
compartilhassem e desenvolvessem, a partir de noções clássicas da Ciência Política, conceitos
como os de democracia, cidadania, esfera pública, bem comum, sociedade civil, governança
globais.
Diante desse cenário, a interdependência de alguns fatores forneceu as condições de
emergência para a internacionalização de um discurso pró-Direitos Humanos e de sua prática.
São eles: 1) o desempenho das Nações Unidas em estabelecer um Sistema Internacional de
Proteção aos Direitos Humanos; 2) a atuação de uma sociedade civil internacional capaz de
responsabilizar as ações dos governos nacionais, principalmente no que concerne o cumprimento
das normas estipuladas por esse mesmo Sistema; 3) o relativo enfraquecimento do Estado
nacional, em confluência com os clamores por uma “governança global”, cujo papel de ambos
atores - ONU e sociedade civil internacional - são cruciais; 4) a ampla adesão ao discurso
democrático liberal no mundo Ocidental e a tendência de vinculá-lo à proteção aos Direitos
Humanos.
Ao longo das últimas décadas, a preocupação pela defesa dos Direitos Humanos, tornou-
se uma das pautas primordiais da agenda internacional, através de um processo que agregou um
21
As “condições de emergência” de um discurso remetem - como o próprio termo indica - às circunstâncias
históricas e discursivas que permitem a ascensão de um determinado discurso, conferindo-lhe sentido no tempo e no
espaço.
22
A partir dos anos 90, a explicação sobre os impactos originados pelo fenômeno da globalização sobre os vários
níveis da vida social, tornou-se uma preocupação de muitos nomes da literatura mundial, representantes de diversas
áreas acadêmicas das Ciências Humanas. Atualmente, uma vasta produção bibliográfica está disponível sobre a
globalização e temas afins. Além da Ciência Política, Economia, Sociologia e Relações Internacionais são disciplinas
que contribuíram para o enriquecimento do debate através dos escritos de Samir Amim, Perry Anderson, Zygmunt
27
conjunto de ações políticas, promovidas por atores governamentais, não-governamentais e inter-
governamentais.
A internacionalização de um discurso pró-Direitos Humanos foi impulsionada, em um
primeiro momento, pelas Nações Unidas, que fez da promoção e proteção aos Direitos Humanos,
um de seus compromissos originais. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os aliados acordaram
em constituir uma organização internacional
23
, que objetivava, principalmente,
1. Manter a paz e a segurança internacionais; (...); 3. Conseguir uma cooperação
internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social,
cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (...).
(NAÇÕES UNIDAS, 2002a).
A fundação da ONU foi instituída através do tratado internacional “Carta das Nações
Unidas” em 1945 (MAIA, 2002), cujo conteúdo normativo “efetivamente tornou os Direitos
Humanos uma questão internacional” (DIREITO INTERNACIONAL, 2002)
24
. Os artigos 55 e
Bauman, Ulrich Beck, Atílio Boron, Rene Dreifuss, Peter Drucker, Peter Evans, Antonny Giddens, David Held, Paul
Hirst, Octavio Ianni, Paul Krugman, Emir Sader, Leslie Sklair, Liszt Vieira, entre muitos outros.
23
O fortalecimento da ONU passava pelos interesses políticos dos aliados, o que conferiu muito de seu prestígio
atual no sistema internacional. Segundo Cardoso (2003), “the winners of the Cold War were the first to announce
that the new era would be built with and not without the United Nations. And indeed the agenda of the Organization
and its openness to engage with non-state actors were drastically expanded”. Atualmente, a ONU é o órgão
intergovernamental de máxima instância no plano internacional, congregando centenas de Estados membros. Através
de suas instituições, o Sistema ONU exerce um papel ímpar na mediação das questões diplomáticas, promovendo
uma cooperação funcional entre os Estados partes nas áreas de segurança coletiva, desenvolvimento econômico e
social, entre outras.
24
Em 1795, as palavras de Emanuel Kant (apud Hurrell, 1999, 60), já indicava essa aspiração: “Os povos da Terra,
ingressaram, em graus variados, numa sociedade universal, desenvolvida ao ponto em que violações de direitos
ocorridas em um lugar são sentidas no mundo todo”. Segundo Comparato (2002), na esfera internacional, a primeira
introdução dos Direitos Humanos foi inaugurada pela Convenção de Genebra em 1864, cuja principal característica
era “o princípio da neutralidade para feridos e voluntários civis encarregados de assisti-los” (HERZ & HOFFMANN,
2004, 238). Tais princípios, deram origem às atividades da Cruz Vermelha na mesma época. Mas, anteriormente,
consta a existência da Sociedade Anti-Escravista para a Proteção dos Direitos Humanos, sendo a mais antiga ONGI
registrada na União das Associações Internacionais, já em 1839 (Ibid.). Posteriormente, em 1922, a mais antiga
ONGI stricto sensu de Direitos Humanos com funcionamento até os dias de hoje foi criada: a FIDH (Federação
Internacional dos Direitos Humanos) foi fundada em Paris, por diversas associações européias que atuavam na área,
dentre elas as Ligas Francesa e Alemã de Direitos Humanos (FIDH, [200-]). Segundo Herz & Hoffmann (2004), a
Liga das Nações (1919-1939) também já explicitava - em menor grau - uma preocupação com os Direitos Humanos
através de questões referentes às mulheres, crianças, populações indígenas, condições eqüitativas de trabalho, etc.
28
56 da Carta estabeleceram obrigações primárias referentes aos Direitos Humanos para todos seus
Estados membros (Ibid.).
O
ECOSOC (Conselho Econômico e Social) - um dos principais órgãos da ONU
25
instituiu em 1947, a Comissão de Direitos Humanos (CDH), que foi encarregada da elaboração
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral, em 1948
26
(MAIA, 2002). Segundo Piovesan (2002a), “como resposta à barbárie do totalitarismo, que levou
à descartabilidade da pessoa humana, a Declaração buscou reconstruir o valor dos Direitos
Humanos, como paradigma e referencial ético a reger a ordem internacional”.
Os dispositivos contidos na Carta e na Declaração foram reforçados e aprimorados em
1966 por dois pactos referenciais: o “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”
(PIDCP) e o “Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos e Sociais” (PIDESC).
Posteriormente, várias convenções foram instituídas pela ONU na área de Direitos
Humanos: a “Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial” (1965); a “Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra
a Mulher” (1979); a “Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes” (1984); a “Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito da
Criança” (1989), entre outras. A fiscalização para o devido cumprimento destas convenções pelos
países signatários é realizada pelos seus respectivos comitês, através dos mecanismos de
monitoramento disponíveis (MAIA, 2002).
25
Os outros são o Conselho de Segurança, a Assembléia Geral, o Secretariado, a Corte Internacional e o Conselho de
Tutela (HERZ & HOFFMANN, 2004).
26
Segundo Bobbio (1998), a elaboração de preceitos comuns de ideais humanitários para todos os Estados
contraentes encontra sérias dificuldades visto a necessária conciliação de diferenças em suas tradições jurídicas,
sistemas políticos, fé religiosa e condições econômicas e sociais. A importância e o mérito da Declaração de 1948
são determinados justamente pelo fato de que ela “representa a manifestação da única prova através da qual um
sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso
geral acerca da sua validade” (BOBBIO, 1992, 26).
29
Outros instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos foram instituídos
pela ONU através de várias declarações, protocolos, convênios e tratados, ao longo das últimas
décadas. Os temas - conforme o site oficial da ONU - versam sobre: os Defensores dos Direitos
Humanos; Direito de Livre Determinação; Prevenção da Discriminação; Direitos da Mulher;
Direitos da Criança; Escravidão e Trabalhos Forçados; os Direitos Humanos na Administração da
Justiça; Liberdade de Informação; Liberdade de Associação; Emprego; Matrimônio e Família;
Bem-estar, Progresso e Desenvolvimento Social; Direito a Desfrutar da Cultura,
Desenvolvimento e Cooperação Cultural Internacional; Nacionalidade, Asilo e Refugiados;
Crimes de Guerra e Direito Humanitário. Em 1993, foi criado um órgão unipessoal intitulado
“Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos” (NAÇÕES UNIDAS, 1994).
Ainda, a partir da década de 90, foram realizadas várias conferências internacionais com
vistas ao fortalecimento do debate dessas e de outras questões junto à sociedade civil. Destaca-se,
entre elas: a World Summit for Children, em 1990, Nova Iorque; a United Nations Conference on
Environment and Development (UNCED), no Rio de Janeiro em 1992; a Conferência de Viena,
em 1993 (Segunda Conferência Internacional de Direitos Humanos
27
); The Fourth World
Conference on Women, em 1995, Pequim. Desta forma, as ONG’s começaram a obter uma maior
participação e influência nos fóruns de discussões promovidos pelas Nações Unidas (TEIXEIRA,
1999 e HERZ, 1999), principalmente a partir da UNCED - mais conhecida como Rio-92.
Essa representação já havia sido formalmente institucionalizada em 1945 pelo ECOSOC,
comitê exclusivo da ONU, encarregado de gerenciar a relação com as ONG’s, conforme a Carta
das Nações Unidas
28
. Junto a este órgão, as ONG’s podem adquirir um status consultivo geral,
27
A Primeira Conferência Internacional dos Direitos Humanos foi no Teerã, em 1968 (TEERÃ, 2002).
28
O ECOSOC também é responsável pela promoção e observância dos Direitos Humanos e pelo exame de
problemas econômicos e sociais internacionais (MAIA, 2002). Em 1948, 41 organizações possuíam status
consultivos dentro do Conselho. Em 1968, esse número aumentou consideravelmente com o registro de 500
30
especial ou roster
29
(VIEIRA, 2001). Isso demonstra a presença das ONG’s durante toda a vida
da ONU, notavelmente nas áreas de direitos humanos e apoio a refugiados” (Ibid., p. 131).
Amparadas e legitimadas pela estrutura administrativa e burocrática estabelecida pela
ONU, as ONG’s, especialmente as de trânsito internacional, ganharam destaque no cumprimento
pela observância e vigilância dos Direitos Humanos em várias partes do mundo
30
.
Uma ressalva conceitual deve ser momentaneamente lembrada: grande parte da literatura
não distingue claramente as ONG’s das ONGI’s, especialmente as voltadas para a explicação da
emergência da sociedade civil internacional, que será problematizada mais adiante.
Provavelmente, a explicação para essa tendência reside no fato de que as ONGI’s são
definidas a partir da própria propensão à transnacionalidade das ONG’s (CARVALHO, 1995),
que, através da construção de redes, abrangem espaços locais, regionais e globais (PINTO, 2003).
O termo “Non-governmental Organizations” (NGO’s) foi elaborado pela ONU, “após a
Segunda Guerra Mundial para designar organizações supranacionais e internacionais que não
foram estabelecidas por acordos governamentais” (ABONG, [2005]). Entretanto, várias
organizações que atuam restritamente nos âmbitos nacionais foram igualmente assim definidas.
À semelhança do conceito “sociedade civil”, justamente por dele fazer parte, as “ONG’s”
são definidas, grosso modo, como não sendo Estado nem mercado.
Nas palavras de Sherrer-
Warren (1999, 31),
as ONG’s
Do ponto de vista formal são agrupamentos coletivos com alguma institucionalidade, as
quais se definem como entidades privadas com fins públicos e sem fins lucrativos e
organizações (CHANDHOKE, 2002). Atualmente, existem cerca de 1.500 ONG’s cadastradas (MAIA, op. cit.). A
abertura mais efetiva para esse crescente ativismo civil, foi uma das estratégias da ONU para superar seu próprio
déficit democrático (VIEIRA, 2001).
29
O status roster trata das contribuições ocasionais dadas pelas ONG’s à ONU (Vieira, 2001). Tanto a Anistia
Internacional quanto a Human Rights Watch possuem um status especial consultivo, com outras dezenas de ONG’s
defensoras dos Direitos Humanos.
30
Embora tenham surgido, em um primeiro momento, como “outsiders no sistema, vistas com desconfiança durante
os anos 1970 e 1980” (VOIGT, 2001, 75).
31
contando com alguma participação voluntária (engajamento não-remunerado, pelo menos
do conselho diretor). Portanto, distinguem-se do Estado/governo, do mercado/empresas e
se identificam com a sociedade civil/associativismo. Nesse universo, incluem-se tanto
organizações meramente recreativas ou de assistência social como as participantes ou
atuantes nas políticas públicas e na politização do social.
Por conseguinte, as ONG’s pertencem ao Terceiro Setor, que é composto por todas as
“organizações e iniciativas privadas dirigidas à produção de bens e serviços públicos”,
(FERNANDES, 1995, 32), caracterizando-se como um setor sem fins lucrativos. Destacam-se
dentro dele, as entidades filantrópicas e fundações privadas, cuja valorização do trabalho
voluntário é uma das principais características (PINTO, 2003).
As ONG’s nacionais e/ou internacionais apresentam formas heterogêneas referentes a sua
relação com o Estado nacional, estruturas organizativas, reivindicações que realizam, etc. Pinto
(Ibid., p. 7) observou, porém, um objetivo comum que as unifica: “todas são organizações que, de
uma maneira ou de outra, defendem o direito das pessoas terem direitos”, sendo, em geral,
“comprometidas com causas humanitárias que pretendem intervir, para provocar mudanças nas
condições de igualdade e de exclusão” (Ibid., p.18).
A eminência política dessas características explica em parte a distinção da maioria das
ONG’s com outras organizações do Terceiro Setor
31
. A ampliação dos espaços de atuação das
primeiras, especialmente a partir dos anos noventa
32
, estiveram atreladas à incapacidade do
Estado em executar satisfatoriamente uma série de políticas públicas.
31
Apesar de algumas ONG’s possuírem um caráter exclusivamente filantrópico, de acordo com a definição de
Scherrer-Warren, a grande maioria delas se vinculam, de forma direta ou indireta, com o campo político e com os
atores que dele fazem parte. Desta forma, as ONG’s vêem-se na atitude de localizar-se dentro das correlações de
força da arena política em que atuam e não devem ser reduzidas ao Terceiro Setor (PINTO, 2003 e SHERRER-
WARREN, 1999). O fato de serem apartidárias também é uma característica comum observada por Pinto (2003).
32
As primeiras aparições de organizações do tipo não-governamental são datadas já no século XIX (VIEIRA, 2001 e
HERZ & HOFFMANN, 2004).
32
Desta forma, Pinto (Ibid., p. 26) aponta “dois eixos de atuação importantes, uma na
direção das populações excluídas, isto é, na direção da sociedade não organizada, outro na
direção do Estado”.
As ONG’s podem estabelecer três tipos de relação com o Estado: de substituição,
cooperação ou denúncia/pressão, o que configura a originalidade de sua relação com o mesmo
(PINTO, 2003). Os dois últimos tipos, geralmente, traduzem-se em resultados mais efetivos, uma
vez que “NGOs cannot and should not replace the state in promoting “development” (PEARCE,
2000, 37).
No caso das ONGI’s de Direitos Humanos, as formas de relacionamento com o Estado
são geralmente caracterizadas por uma tensão oriunda das pressões realizadas pelas primeiras
sobre o segundo. Acusam, muitas vezes, o próprio Estado como o maior agente violador dos
direitos que em teoria deveria assegurar. Quando isso é constatado, as ONGI’s utilizam
mecanismos informais e institucionais objetivando intervir, denunciar e expor tal conduta estatal,
aspecto este que será retomado no próximo capítulo.
A questão que deve permanecer no tratamento das ONGI’s é a consideração permanente
do próprio termo “internacional”, que constitui seu elemento diferencial em relação às outras
ONG’s
33
. Essa observação altera os parâmetros analíticos que envolvem a representação e a
relação entre o Estado e as ONG’s que atuam exclusivamente no âmbito nacional. A implicação
que daí advém se reflete nas relações de poder da nova ordem mundial e nos interesses que a
mesma se propõe a defender. Cabe agora questionar o quanto a sociedade civil internacional, da
33
Além disso, tal elemento agrega, tanto às ONGI’s quanto para à sociedade civil global, a idéia de
transnacionalidade territorial, que faz com que a atuação desses atores não se restrinja a um único território, através
da articulação de redes, propiciadas pelas novas tecnologias da comunicação. Desta forma, essas organizações
transcendem as reivindicações particularizadas dos âmbitos nacionais em nome de demandas de alcance mais
universal.
33
qual as ONGI’s são os principais expoentes, possuem em si mesmas formas democráticas de
constituição.
Segundo Cohen (2003, 419), “a idéia de uma sociedade civil mundial ou transnacional já
se tornou a principal contribuição do século XXI ao debate sobre esse conceito”. Alguns
advertem que a transposição dos parâmetros da concepção clássica do termo não encontra
sustentação na análise da sociedade civil global. Conforme Cohen (Ibid., p. 419), o contexto em
que ela irrompe “já não é o do Estado, nem é este o alvo da democratização e da integração, mas
a ordem mundial emergente”. Na esfera da interação social, esse fato alterou os parâmetros
analíticos da “pluralidade, publicidade e privacidade, anteriormente propostos pela autora e
Arato (2001), em sua análise clássica sobre a sociedade civil.
A sociedade civil global se constitui como um dos produtos do processo de globalização e
é, em si mesma, um “cenário contestado e conflituoso”, composto por uma multiplicidade de
organizações não-governamentais internacionais, “movimentos sociais transnacionais, coalizões
ou redes transnacionais, redes de políticas globais e comunidades epistêmicas” (HERZ &
HOFFMAN, 2004, 226).
Cohen (2003, 435) aponta para a novidade dessas redes transnacionais
34
que constituem
“uma nova forma de pluralidade que torna possível uma nova forma de conexão social, novas
formas de ação coletiva e uma “solidariedade entre estranhos” mais ampla que as anteriores”.
Segundo Hurrel (1999, 60)
34
A neutralidade das redes de comunicação beneficia igualmente a articulação de uma sociedade “incivil” global,
cujas expressões contemporâneas se verificam, por exemplo, no terrorismo internacional e nas organizações
criminosas (CARDOSO, 2003; COHEN, 2003; FALK & WALKER, apud HERZ & HOFFMANN, 2004). Em
contrapartida, tem-se o exemplo dessa utilização na organização dos Fóruns Sociais Mundiais ocorridos em Porto
Alegre, promovidos pela articulação de diversos segmentos da sociedade civil de todo mundo. Batizado pelos seus
opositores como o “encontro mundial das esquerdas”, os FSM’s criaram uma arena de discussão que pretendeu
transpor os limites da língua e da territorialidade.
34
A infraestrutura da crescente interdependência econômica (renovação de sistemas de
comunicação e transporte) bem como o impacto de novas tecnologias (satélites, redes de
computadores, etc) elevaram os custos e as dificuldades dos governos de controlar os
fluxos de informação, facilitando a difusão de valores, conhecimentos e idéias, além de
aumentar a capacidade de grupos afins (em opiniões e atitudes) de se organizar para além
das fronteiras nacionais.
Cohen (op. cit., p. 437) adota uma concepção descentrada da sociedade civil internacional
na medida em que “uma grande variedade de redes globalizadas se dirigem a diferentes
“subsistemas”, e não a uma única sociedade civil global
35
”. É na esteira das novas tecnologias de
comunicação que outra noção importante vem sendo construída para a autora: a “opinião pública
mundial
36
”, que a sociedade civil internacional tem como um de seus meios/fins mobilizar e
interpelar.
Para Costa (2003, 6), o próprio conceito de sociedade civil global “é equívoco porque
sugere que está se formando uma agenda social a partir das experiências acumuladas nas
diferentes regiões do mundo e, mais, que tal agenda permanece submetida ao crivo de uma esfera
pública mundial porosa e democrática
37
”. Na realidade, o que se observa, é a atuação daqueles
que possuem acesso às redes transnacionais, o que constitui uma “elite de militantes
internacionalizada” (Ibid., p. 6), articuladas em um “cyber-space activism” restrito
(CHANDHOKE, 2002, 7).
35
Essa percepção auxilia no entendimento de que a sociedade civil internacional não se refere a uma totalidade
unitária, na qual as diferenças e valores individuais ou coletivos são subsumidos em nome de uma concepção
uniforme a ser empregada. Benhabib (2002) critica duramente o conceito de “cultura” de Kymlicka, pela incorrência
desse tipo de erro.
36
Habermas (2004, 206) acredita que “os primeiros acontecimentos que de fato chamaram a atenção de uma opinião
pública mundial e que polarizaram as opiniões em proporções globais foram provavelmente a Guerra do Vietnã e a
Guerra do Golfo”.
37
Ao transpor a lógica habermasiana para sua análise crítica, Costa (2003) detecta a ausência do caráter
bidimensional cultural/defensiva da sociedade civil global e, por conseguinte, de seu ancoramento em um suposto
mundo da vida mundial, que seria a característica garantidora do caráter democrático/democratizante dessa
sociedade, a partir de sua projeção em uma esfera pública também mundial. Para Young (2000), a falta desse aspecto
prejudica igualmente um processo eficaz de democracia global, cuja idéia de implementação é duramente criticada
por Costa (op.cit.).
35
O autor ainda afirma que a nova agenda internacional é elaborada a partir de experiências
de um número reduzido de sociedade civis nacionais que “dominam o mundo global das ONG’s”
(COSTA, op. cit., p. 6). Nesse sentido, a sociedade civil internacional acaba por “difundir,
mundialmente, as experiências, as formas de percepção e os valores de uma meia dúzia de
sociedades civis específicas” (op.cit., pg.6). Isso sugere que a formulação das preocupações
primordiais da agenda internacional nem sempre são compatíveis com a realidade dos problemas
locais.
Nessa mesma linha crítica, Chandhoke (2002) questiona o caráter transformador das
organizações da sociedade civil global, perante as estruturas políticas e econômicas
internacionais que são claramente dominadas pelos Estados Unidos e Oeste europeu. Ao enfatizar
as visíveis assimetrias das relações de poder entre o Terceiro Mundo e os países do Hemisfério
Norte, a autora rompe com a visão virtuosa, apologética e por vezes neutralizada da sociedade
civil global
38
.
Vale dizer que essas constatações não refutam para Chandhoke a importância de muitas
mobilizações promovidas por essas organizações: os protestos realizados em Seattle (1999)
39
,
Praga (2000) e Gênova (2001) contra a ordem econômica neoliberal representada pela OMC e G-
8; a campanha internacional para o banimento de minas terrestres; a criação da Corte Criminal
38
Esta visão é explicitada, por exemplo, por Litz Vieira em sua extensa obra “Os Argonautas da Cidadania: a
Sociedade Civil na Globalização”, 2001.
39
O episódio “Battle for Seattle” - em dezembro de 1999, Washington, EUA - foi a primeira manifestação pública a
agregar milhares de membros da sociedade civil internacional. Porém, em fevereiro do ano anterior, várias ONGI’s e
outras entidades da sociedade civil internacional, divulgaram um manifesto contra o AMI (Acordo Multilateral de
Investimentos). Este acordo, proposto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
organização que reúne os 29 países industrializados mais ricos do mundo, estava sendo negociado secretamente
desde 1995 nos Estados Unidos, cujo conteúdo garantiria o livre trânsito dos investidores financeiros em qualquer
país e em qualquer setor - incluindo os de bens naturais -, tendo o poder de coibir as ações de governos nacionais
através de indenizações e tribunais internacionais, caso as mesmas viessem a prejudicar o trânsito de seus negócios.
Devido a enorme pressão da sociedade civil internacional, em abril de 1998, o Parlamento Europeu rejeitou o projeto
do AMI, suspendendo-o temporariamente (VIEIRA, 2001). Isso ocorreu muito em função de uma grande
mobilização nacional na França, que fez com que o governo de Leonel Jospin se retirasse das negociações
(CHESNAIS, 1999).
36
Internacional em 1998, entre outros avanços decisivos nas áreas do meio-ambiente, Direitos
Humanos e desenvolvimento.
Outra questão importante no que se refere às ONGI’s está relacionada com a legimitidade
e representação da sociedade civil global. Imersas na mesma estrutura de poder gerada pelo
Consenso de Washington, Chandhoke (Ibid.) acredita na inexistência da visão crítica, alternativa
e autônoma que muitos autores conferem às organizações da sociedade civil mundial. A maioria
dessas organizações “legitimise the post-Washington consensus, for instance, by linking civil
society to an apolitical notion of governance” (Ibid., p.11), o que entre outros fatores, atestam-
lhe um grau de “depoliticisation and disempowerment” (Ibid., p. 13), bem como de obediência à
mesma lógica e interesses dos países ricos de onde provêm. Segundo Pearce (2000, 41),
international NGO’s, many of whom received money from their governments, increasingly
adopted the language of efficiency and competence in order to earn their funds, and then
demanded it of their partners in the South”.
Embora as possibilidades de contestação sejam limitadamente permitidas pela nova ordem
mundial
- vislumbradas, especialmente nos movimentos anti-globalização - é pouco provável que
os atores da sociedade civil global consigam transformar estruturalmente suas agendas
40
(CHANDHOKE, 2002). Quanto à representação, há poucos indícios de que a sociedade civil
global seja um porta-voz legítimo do Terceiro Mundo. No âmbito interno das ONGI’s, a
participação é restrita e, portanto, pouco representativa.
É exatamente por essa razão que alguns autores questionam o papel da sociedade civil
internacional na promoção da governança global, conferido, principalmente, pelas Nações
40
Conforme a autora, muitos atores da sociedade civil global acabam por humanizar o sistema capitalista ao invés de
subvertê-lo a um sistema mais justo e igual.
37
Unidas
41
. Para introduzir essa questão, deve-se ressaltar que a polêmica mais significativa gerada
pelo debate acerca da globalização é, sem dúvida, a divergência em relação à atual soberania do
Estado-nação.
Alguns autores, ao decretarem o fim dos Estados nacionais diante da inexorabilidade do
fenômeno da globalização, observam o declínio dos princípios da Ordem de Vestfália:
territorialidade, soberania, autonomia e legalidade (VIEIRA, 2001). Essa visão é sustentada
principalmente por três razões: a de que os governos domésticos não são mais capazes de
controlar as atividades econômicas do mercado neoliberal globalizado; a necessidade de
estruturar as bases de sustentação política da nova ordem mundial, através da criação de um
constitucionalismo global capaz de intervir no âmbito nacional; a transnacionalização que
envolve essas e outras práticas políticas, econômicas e sociais. Além disso,
A natureza transnacional dos “riscos”, em que se incluem os problemas ecológicos e
ambientais (desde os acidentes nucleares à chuva ácida), as questões de saúde pública
(como a Aids e a pneumonia asiática), as organizações criminosas internacionais ligadas
ao tráfico de drogas, armas e sexo, a proliferação dos incidentes envolvendo imigrantes e
refugiados políticos, o terrorismo em escala mundial e os planos militares e imperiais
unilaterais, tudo isso acentua a vulnerabilidade e o baixo controle dos Estados nacionais
modernos sobre seus territórios e fronteiras, sua população residente e os perigos com que
se defrontam os cidadãos. Na verdade, a fronteira entre o nacional e o transnacional
parece estar se diluindo, pondo em dúvida a soberania do Estado (COHEN, 2003, 420).
Diante desse cenário, as tentativas de instituir uma governança global encontram sua
raison d’être. Para Cohen (Ibid., p. 446),
O termo “governança” diz respeito a sistemas de poder que contam com mecanismos de
controle regularmente exercidos e que geram aquiescência sistemática sem exigir a
41
Cardoso (2003) lembra que “the United Nations has played a key role in strengthening global governance by
consistently promoting the participation of civil society in the processes of dialogue and deliberation leading to new
forms of political regulation.
38
presença de uma autoridade política ou jurídica formal – um “governo” – e sem incluir
necessariamente uma hierarquia.
Nesse sentido, Hurrel (1999, 56) afirma a necessidade da
Criação e o funcionamento de instituições sociais (no sentido de “regras do jogo” que
servem para definir práticas sociais, designar papéis e orientar as interações entre os que
desempenham) capazes de solucionar conflitos, facilitando a cooperação ou, mais
genericamente, aliviando problemas de ação coletiva em um mundo constituído por atores
interdependentes.
Para essa promoção, a ONU geralmente é convocada para institucionalizar os discursos
jurídicos da “soft law”
42
, enquanto os atores da sociedade civil internacional são incumbidos de
contrabalançar o peso da ausência de estruturas democráticas que assentam a nova ordem
mundial. Os autores que compartilham dessa idéia admitem que uma série de reformas estruturais
dentro do Sistema ONU devem ser realizadas. Especialmente, “because of the power and
structure of the Security Council”
43
, o que para Young (2000, 269), faz das Nações Unidas uma
instituição não democrática.
Já em relação à sociedade civil internacional, não se verifica a mesma cautela. Isso porque
muitos estudiosos vislumbram nela a salvaguarda dos procedimentos democráticos que
conduzirão a política de governança global, que dispõe de formas “não democraticamente
estruturadas, não prestam contas a um corpo de cidadãos nem os representam” (COHEN, 2003,
420). Entretanto, essa atribuição desconsidera os limites democráticos e representativos destes
atores. Assim,
42
Soft law (literalmente direito “brando”) se refere a atos ou acordos juridicamente não vinculativos em oposição à
hard law (literalmente direito “férreo”) que determina regras juridicamente compulsórias (COHEN, 200, 446). Com
a adoção de normas do primeiro tipo, a Constituição de um Estado nacional deixa de ser a “a lei máxima que remete
à legislação política democrática (a vontade do soberano) como fonte suprema da validade legal” (Ibid.).
39
A sociedade civil não consegue fiscalizar por conta própria as novas e poderosas
instituições supranacionais ou subnacionais de governança. A verdade é que a própria
sociedade civil precisa ser fiscalizada. Redes e associações civis podem ser muito
excludentes, injustas, desiguais e antidemocráticas. Mais do que isso, organizações não
governamentais ricas têm condições de incentivar o desenvolvimento de sociedades civis
autônomas locais nos países em desenvolvimento ou de ocupar o lugar, junto com suas
verbas, de iniciativas locais, contribuindo, assim, para enfraquecer, em vez de fortalecer,
as ações conducentes à construção da democracia, da confiança horizontal e da
solidariedade social. Em suma, os fiscalizadores devem ser fiscalizados (COHEN, 2003,
450)
44
.
Vieira (2001) se questiona em que medida os Estados nacionais permitirão que a ONU e
suas agências atuem de modo a enfraquecer os primeiros. Segundo Hermet (2002, 33), em
relação às jovens democracias,
As grandes agências internacionais de todo tipo, daquelas do sistema das Nações Unidas
às ONG’s, passando pelas instituições financeiras internacionais ou regionais, devem
precaver-se de contribuir para uma governança planetária que faça pouco caso do papel a
reservar, neste âmbito, a jovens Estados recém-democratizados, devido às suas
imperfeições e a seu desempenho discutíveis.
Entretanto, Hurrel (1999, 74) acredita que em relação ao Estado-nação, “as reivindicações
de independência absoluta já foram diluídas”:
Cada vez mais, o direito internacional e as instituições internacionais têm procurado
restringir o direito dos Estados de lançar mão da força por outras razões que não a
autodefesa; sujeitar a relação de cidadãos com seus estados aos padrões acordados
internacionalmente; e envolver-se profundamente nos meios pelos quais a sociedade
doméstica está organizada economicamente.
43
Das centenas de países pertencentes às Nações Unidas, os membros permanentes do Conselho de Segurança são
apenas a China, França, EUA, Rússia e Reino Unido (NAÇÔES UNIDAS, [2005c]).
44
Ainda, a autora acredita ser um erro considerar as organizações “que povoam a sociedade civil transnacional como
equivalentes funcionais das instituições representativas e da sociedade política (partidos, sindicatos) na esfera
nacional em democracias constitucionais” (Ibid., p. 450).
40
Contudo, acatar a falência da soberania do Estado-nação contém uma certa dose de
exagero. As questões de identidade
45
, as deliberações políticas e econômicas
46
- mesmo que
limitadas por constrangimentos externos -, a prevalência das Constituições nacionais, ainda estão
circunscritas dentro dos princípios da Ordem de Vestfália. Ademais, “a constitucionalização da
governança supranacional e a criação de instituições representativas e responsabilizáveis,
inclusive a separação e o equilíbrio de poderes, ainda não foram consumadas” (COHEN, 2003,
451).
Em relação aos Direitos Humanos, não se pode desconsiderar os reflexos benéficos das
tentativas da instituição de uma governança global, uma vez que
Os Estados vêm sendo submetidos à crescente pressão de acordos internacionais e
instituições transnacionais no sentido de proteger os direitos humanos de seus cidadãos e
residentes estrangeiros (mesmo que ilegais). Esse novo regime jurídico globalizado e
“cosmopolita” é um sinal de que os governos e os tribunais nacionais já não constituem a
autoridade suprema ou a fonte única no que concerne aos direitos básicos do indivíduo
(COHEN, 2003, 444).
Esse quadro se coloca favorável ao cumprimento das normas internacionais de Direitos
Humanos pelos Estados nacionais, uma vez que se tornam mais vulneráveis à situação de
responsabilização que as ONGI’s de Direitos Humanos criam. Nesse sentido, Fischer (1998, 2)
ressalta o potencial das ONG’s em “ to contribute to increasing governmental responsiveness and
accountability at both the local and the national levels”.
Apesar da ressalva dos déficits democráticos da sociedade civil internacional e da ONU, é
inegável que sua atuação conjunta sistematizou e viabilizou de uma forma mais efetiva o
45
A idéia de um cidadão cosmopolita, por exemplo, tem, claramente, um cunho mais idealista e filosófico, do que
propriamente empírico.
46
O campo econômico, provavelmente, é o mais problemático nesse processo. Apesar da transposição do sistema
produtivo para o sistema financeiro, uma vez que os fluxos de capital não dependem mais do dinamismo dos
mercados internos (BORON, 2001), os governos nacionais ainda podem adotar medidas protecionistas e negociar
41
tratamento da questão dos Direitos Humanos. Essa necessidade se configurou quando da
percepção de que, não obstante a fixação de inúmeros tratados internacionais e o arcabouço
jurídico que fundamentam os regimes democráticos internos, as violações aos mesmos ainda são
práticas comumente realizadas, seja por indivíduos isolados, seja pelo próprio Estado.
Postas estas considerações, a sociedade civil global será aqui entendida como um
conjunto fragmentado de organizações e movimentos, cujas características, do ponto de vista da
militância, são o seu trânsito internacional, agregando indivíduos de nacionalidades heterogêneas.
De uma forma geral, a natureza que envolve seus objetivos transcendem problemas locais
específicos, nos termos propostos por Fraser
47
, mas é justamente no âmbito regional que a
publicização internacional de suas ações pretende repercutir.
Apesar das controvérsias referentes à participação, representação e financiamento (no
caso das ONGI’s), a sociedade civil internacional vem atuando de forma significativa nas mais
diversificadas áreas, buscando o apoio da opinião pública em geral. De acordo com essa
definição, pode-se considerar a Anistia Internacional e Human Rights Watch como integrantes
dessa sociedade, enquanto organizações não-governamentais internacionais.
Por fim, uma última condição de emergência para a internacionalização de um discurso
pró-Direitos Humanos a ser apresentada, foi observada na gestão contemporânea de um
movimento discursivo que tenciona tornar a democracia um projeto predominante no mundo
Ocidental, associando-a ao respeito pelos Direitos Humanos.
Dahl (2001) afirma que o século XX foi o século do triunfo democrático devido à perda
gradual de legitimidade e força ideológica das formas não-democráticas de governo. A intensa
democratização no final do século XX foi batizada por Huntington (1994) como a Terceira Onda
com muitos setores da economia mundial, atenuando uma postura passiva diante da interdependência econômica que
dificulta condutas mais autônomas e auto-suficientes dos Estados.
42
Democrática do mundo moderno. Segundo ele, “nos 15 anos que se seguiram ao fim da ditadura
portuguesa em 1974, regimes democráticos substituíram regimes autoritários em
aproximadamente trinta países na Europa, Ásia e América Latina” (Ibid., p. 30).
Esse processo ganhou ainda mais consistência com o fim da Guerra Fria - simbolizada
com a queda do muro de Berlim em 1989 - e a intensificação do processo de globalização, a
partir da década de 90. Segundo Hurrel (1999, 66),
A globalização pode estar levando a uma maior homogeneização, não somente de planos
de ação econômica, mas de formas viáveis de organização política, de valores societários e
de preferências culturais: a ampla asserção e aceitação de formas democráticas de
governo; (...); a emergência de um consenso restrito sobre a natureza e a importância dos
Direitos Humanos.
No plano discursivo, observa-se que o discurso político democrático atual vem agregando
cada vez mais a noção dos Direitos Humanos. Para entender esta tendência associativa, faz-se
necessário uma breve explicação conceitual, através de uma noção desenvolvida por analistas do
discurso e aplicada justamente ao caso da democracia por Pinto (1999)
48
.
A autora analisa, a partir das características intrínsecas do discurso, como o conceito de
democracia se tornou historicamente um “significante vazio”. No sentido estrito do termo, “um
significante vazio é um significante sem significado” (LACLAU, 1996, 69).
Para esclarecer tal argumento, deve-se ter em conta, primeiramente, que o discurso de um
modo geral, “trabalha sempre na direção de fixar sentidos” (PINTO, op. cit., p. 80) e no
estabelecimento de verdades. Este aspecto constitui o discurso político, em particular, como “um
47
Vide Nota 10.
48
A adoção pela simplificação de alguns conceitos elaborados pela complexa Teoria do Discurso não compromete
em essência sua função explicativa. Para maiores informações da perspectiva apresentada e sua relação com outros
conceitos fundamentais, ver - além da bibliografia citada na íntegra: Laclau & Mouffe (1985). Para a concepção de
Foucault, na qual a produção dos discursos é controlada e disciplinada pelas relações de poder e dominação, ver: “A
Ordem do Discurso”, 1996.
43
dos discursos mais complexos da sociedade, sua prática envolve não apenas a construção de uma
visão de mundo a partir da luta com outras visões, como a necessidade de construir novos sujeitos
que os suportem” (PINTO, 1989, 56).
Especificamente, “no campo do discurso democrático, deve-se ter presente que os
significados, além de suas historicidades, estão sempre em disputa” (PINTO, 1999, 87). Esta
disputa é travada no campo da luta social por sujeitos sociais e políticos. A democracia revela,
portanto, uma opacidade em seu conteúdo significativo, cuja atribuição de sentidos é
parcialmente fixada. Segundo Wallerstein (apud AVRITZER & SANTOS, 2001), enquanto a
democracia no século XIX era uma aspiração revolucionária, no século XX ela se torna um
slogan universal, mas vazio em seu conteúdo. A idéia de “lógica da equivalência”, que pressupõe
a simplificação da complexidade do social (PINTO, 1999), auxilia na compreensão deste
fenômeno.
Esta lógica é a “da real incorporação das diferentes demandas em um discurso libertário,
em que nenhuma é completamente ela sem a outra, mas que todas têm um componente comum”
(Ibid., p. 84). Conforme o exemplo da autora, “a democracia liberal se constitui em uma cadeia
de equivalência com: liberdade de expressão, igualdade perante a lei, eleições dos governantes e
representantes (Ibid., p. 85)”.
A ampliação desta lógica, ou seja, a equivalência destas idéias a partir da noção de
“democracia liberal”, fez com que ela passasse a ter paulatinamente, um significante vazio em
seu significado, na medida em que incorporou múltiplos sentidos
49
. E é exatamente esta
característica polissêmica que permitiu que a defesa pelos Direitos Humanos fosse mais um
49
É justamente esta característica que Pinto (1999, 90) atribui o sucesso de um projeto hegemônico na esfera
discursiva, na medida em que o mesmo “se traduz na capacidade de articular em uma cadeia de equivalências um
conjunto de lutas dispersas”.
44
sentido agregado a seu significado, fazendo também parte da lógica de equivalência do discurso
democrático atual.
O fortalecimento mútuo desta relação vem sendo construído por uma multiplicidade de
agentes: governos, movimentos sociais, ONG’s, partidos políticos, organismos multilaterais - em
especial, a ONU
50
-, etc.
Esta atualidade é importante de ser lembrada, pois, como se viu, a democracia “tem
significados diferentes para povos diferentes em diferentes tempos e diferentes lugares” (DAHL,
2001, 13). No seu sentido contemporâneo, a democracia adquiriu um caráter liberal, cujo
princípio básico é a garantia dos direitos e liberdades individuais, que, por sua vez, pressupõe o
respeito aos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2002b). E isso é fundamental para a legitimidade do
discurso dos Direitos Humanos no mundo Ocidental na medida em que depende do próprio êxito
democrático, enquanto garantidor do “Estado de Direito
51
”.
A democracia liberal vem se tornando um projeto hegemônico no campo político
(AVRITZER & SANTOS, 2001) pela adesão institucional aos regimes democráticos em larga
escala - conforme Robert Dahl observou -, bem como pela adesão ao seu discurso.
Atualmente, o consenso sobre os benefícios da democracia liberal é assentado por amplos
segmentos sociais e políticos, que vão desde integrantes de partidos políticos até expressivos
setores acadêmicos
52
. Entretanto, a defesa pelos Direitos Humanos não é necessariamente
50
O marco referencial mais expressivo neste sentido foi a Conferência de Viena, promovida pela ONU, em 1993, e
que contou com a intensa participação de diversos segmentos da sociedade civil. Ela consagrou através de sua
Declaração “o nexo indissolúvel entre a democracia, o desenvolvimento e os Direitos Humanos(BICUDO, 2002).
51
Os “Estados de Direito” são aqueles “onde funciona regularmente um sistema de garantias dos direitos do homem”
(BOBBIO, 1992, 41). A democracia, em contraposição aos regimes autoritários, constitui-se, assim, em uma
condição para a prevalência do “Estado de Direito”.
52
Por mais que a democracia tenha sido objeto de inúmeras formulações e denominações teóricas, a primazia das
liberdades individuais é pouca refutada. Uma das exceções mais significativas é figurada no embate entre as
liberdades individuais e as concepções de bem comum, travado pelos liberais e comunitaristas, respectivamente.
Pinto (1999, 56) aponta ainda um cenário complexo e contraditório na qual a democracia contemporânea está
inserida: “por um lado, mais do que nunca, generaliza-se um consenso em torno da democracia, vista como valor
universal a ser defendido e garantido; por outro, o modelo democrático liberal, que de certa forma parte das grandes
45
evocada. Isso não se trata de um paradoxo: como se observou, a indissociabilidade entre
democracia e Direitos Humanos, vincula-se em um processo ainda em construção
53
. Apesar dos
defensores dos Direitos Humanos entenderem que a democracia tornou-se uma condição sine qua
non para sua prevalência, a recíproca nem sempre é verdadeira: muitos direitos que se incluem no
âmbito dos Direitos Humanos - especialmente aqueles que hoje vem se constituindo enquanto tais
- não foram ainda reconhecidos e são comumente violados em Estados democráticos.
É importante ressaltar que a adesão a um discurso pode estar revestida por um cálculo
estratégico. No caso específico dos Estados nacionais, essa escolha se reflete inclusive nas
relações diplomáticas, pois, segundo Hurrell (1999), a forma de governo ou o respeito aos
Direitos Humanos vêm se tornando cada vez mais critérios políticos explícitos para admissões em
blocos econômicos, instituições internacionais e alianças interestatais.
Os Estados Unidos é um ator governamental importante - por sua condição de primeira
potência mundial e tradição democrática
54
- que vem expandindo o discurso do ideal
democrático, conjugado ao respeito pelos Direitos Humanos. Conforme Hurrell (1999, 64),
No caso dos Estados Unidos, a questão geral dos Direitos Humanos está relativamente
consolidada tanto na política externa como na consciência política, havendo significativas
evidências de continuidade nesse sentido desde os meados dos anos 70 e uma forte
reafirmação retórica da importância dos Direitos Humanos
55
e da democracia no discurso
do governo Clinton a respeito da política de ampliação da democracia.
narrativas, tem sido constantemente posto em xeque pelos novos agentes sociais e políticos que emergem nestas
décadas.”
53
Para Hurrel (1999, 68), as diferenças e o pluralismo moral da sociedade mundial, apesar de uma série de
convergências políticas, produzem inúmeras dificuldades “para manejar o complexo relacionamento entre
democratização e Direitos Humanos”. Em relação aos últimos, o autor constata uma profunda divisão entre a visão
ocidental e àquela do mundo asiático e islâmico, o que dificulta a elaboração de um consenso a respeito do tema.
54
Esta tradição, que começou a ser constituída a partir da Declaração de Virgínia, em 1776, e despertou a atenção do
filósofo francês Alexis de Tocqueville (1994) já no século XIX. Segundo ele, seu exame sobre a América não foi
apenas para satisfazer sua curiosidade pessoal sobre àqueles costumes; pretendeu, também, encontrar ensinamentos
que os europeus pudessem aproveitar.
55
A partir do 11 de Setembro, porém, o governo norte-americano se deparou com a necessidade de adotar uma série
de medidas drásticas no plano da segurança nacional, cuja realização debilitou a garantia das liberdades individuais
de seus cidadãos.
46
A consideração do lado negativo desse tipo de política também deve ser pensada. Cohen
(2003, 441) adverte que esforços recentes são “realizados por governos muito poderosos de
invocar normas “humanitárias” ou princípios democráticos para encobrir projetos de intervenção
e dominação
56
”.
De qualquer forma, “a democracia assumiu um lugar central no campo político durante o
século XX . Se continuará a ocupar esse lugar no século em que agora entramos, é uma questão
em aberto
57
” (AVRITZER & SANTOS, 2001, 39).
Portanto, conclui-se a existência de uma provisoriedade do poder de permanência da
democracia enquanto discurso, que é estendida para a própria noção dos Direitos Humanos.
Expõe-se, a partir daí, a própria suscetibilidade dos direitos adquiridos ao longo da história, pois
“as garantias dos direitos não se dão por uma universalidade a priori, mas pela garantia de suas
condições de emergência (inclusive da própria condição de universalidade) no campo da luta
social” (PINTO, 1999, 79).
Os defensores dos Direitos Humanos se deparam assim com um desafio: garantir a
própria democracia, uma vez que ela é em si a condição de emergência que assegura
momentaneamente todas as outras
58
. Apesar de a relação entre as condições de emergência e o
56
Em relação aos Direitos Humanos, essa mesma advertência é realizada por Costa (2003) e Chandhoke (2002).
Ambos apontam o perigo da adoção de um catálogo universal de Direitos Humanos, cujo conteúdo condiz ao
processo histórico específico das sociedades ricas do Norte. A partir desse parâmetro, uma lógica procedimental
hierarquizada e evolucionista é exportada para outras culturas, que, por seu turno, necessitam amadurecer conforme
suas próprias especificidades tal processo.
57
Essa dúvida é justamente o que Pinto (1999, 89) considera como parte do próprio sucesso do processo
democrático: “o que torna o projeto hegemônico ou o projeto democrático exitoso é antes de qualquer coisa a
indeterminação, pois se esta não estiver presente, não estamos frente à hegemonia, mas frente à sua negação, à
suposta fixidade final de sentidos”.
58
É necessário lembrar que o ideal democrático permeia e estimula todas as outras condições de emergência
apresentadas - nas questões da ONU, no aparecimento da sociedade civil internacional, nas tentativas de instituir
47
discurso não ser linear, pois, às vezes, “as condições iniciais desaparecem e o discurso
permanece” (PINTO, 1984, 39), é muito improvável que o discurso pelos Direitos Humanos seja
sustentado com a ausência das práticas e do discurso democrático.
Esta observação serve apenas para lembrar que os avanços alcançados nesse sentido não
podem ser dados como conquistas perenes: sua sobrevivência e continuidade necessitam de um
constante processo de construção e reafirmação. Afinal, “os direitos do homem, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 1992, 5)
59
.
2.3 Direitos Humanos e Brasil: particularidades de uma trajetória
Nesse momento, é necessário observar a dificuldade da tarefa de conceituar os “Direitos
Humanos”, visto a multiplicidade de suas possíveis abordagens: filosófica, ética, jurídica,
histórica e política (BOBBIO, 1992). Segundo Hogemann (2002), “a questão relativa às várias
denominações dos direitos humanos, pode ser convergida para uma só: Direitos Fundamentais”.
Entretanto, o termo “Direitos Humanos” - assim como se viu em relação ao conceito de
“democracia” - foi incorporando várias noções de direitos, a partir da ampliação de sua lógica de
equivalência.
uma governança global democrática -, tornando-se, de certa forma, uma das condições de emergência das próprias
condições de emergência analisadas.
59
O autor sustenta a tese de que o direito “é um fenômeno social” (BOBBIO, 1992, 32). Isso refuta as idéias
jusnaturalistas e contratualistas, nas quais “os homens têm direitos naturais anteriores à formação da sociedade,
direitos que o Estado deve reconhecer e garantir como direitos do cidadão” (BOBBIO, 1998, 353). Assim, sua
condição de direitos históricos os torna passíveis de transformação e ampliação, uma vez que “os direitos ditos
humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana” (BOBBIO, 1992,32). A mesma noção é
conhecidamente compartilhada por Hannah Arendt. Assim, a própria idéia de retrocesso de direitos não pode ser
descartada.
48
Sua multiplicação de forma acelerada (BOBBIO, 1992) permite dizer que os Direitos
Humanos também podem ser pensados em certos contextos como portadores de um “significante
vazio” em seu significado, na medida em que o espaço dos direitos civis, políticos, sociais,
econômicos e culturais foram reivindicados dentro da noção ampla de “Direitos Humanos”.
A construção histórica dessa evolução é representada, geralmente, por três gerações
60
.
A primeira se refere à salvaguarda das liberdades individuais, constituintes dos direitos
civis assim como a igualdade perante a lei e o direito à propriedade (CARVALHO, 1998).
Marcada por um forte movimento teórico e filosófico, ela “foi gestada no século XVII, com a
formulação da doutrina moderna sobre os direitos naturais, que embasou ideologicamente a luta
que culminou com a criação do Estado Moderno e a transição do sistema feudal para o
capitalismo” (HOGEMANN, 2002). Foi, porém, no século XVIII, com a Declaração de Virgínia
(nos Estados Unidos, em 1776) e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (na
França, em 1789) que eles foram formalmente expressados (AS GERAÇÕES..., 2002).
A segunda geração compreende os Direitos Sociais, Políticos e Econômicos e remetem,
basicamente, a uma noção mais efetiva de igualdade, que pressupõe uma intervenção direta do
Estado. Ela foi “resultado do embate entre as forças sociais, que se dá com o desenvolvimento do
modelo burguês de sociedade, de um Estado liberal que se consolida através de um espetacular
desenvolvimento da economia industrial” (HOGEMANN, 2002). Foram primeiramente
representados nas Constituições Mexicana (1917) e Russa (1919), (AS GERAÇÕES..., 2002).
60
Trindade (2000) acusa Norbeto Bobbio de ter se apropriado da tese das gerações dos Direitos Humanos que teria
sido, conforme o primeiro, formulada originalmente por Karel Vasak, em Estrasburgo, 1979, a partir da bandeira
francesa “liberté, egalité, fraternité” (as expressões correspondem, respectivamente, a cada geração em ordem
cronológica). A despeito da veracidade ou não desta observação, o que talvez Trindade desconheça é que mesmo
antes de Vasak, T. H. Marshall em 1967, já havia elaborado sua tese da evolução de direitos que compõem a
cidadania: os direitos civis, políticos e sociais, na ordem indicada com referência no caso inglês (CARVALHO,
1998). O que Bobbio salienta é que as declarações características da primeira fase nasceram como teorias filosóficas,
tendo sua realização prática na segunda fase. A terceira, por sua vez, transformou a afirmação dos direitos em
universal e positiva (BOBBIO, 1992).
49
Basicamente, os Direitos Sociais compreendem os direitos relativos à saúde, educação,
previdência e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte (BOBBIO, 1998 e
HOGEMANN, 2002) e pressupõem a participação dos cidadãos na riqueza coletiva. Segundo
Bobbio (1992, 70), “a evidência de multiplicação por especificação ocorreu principalmente no
âmbito dos direitos sociais”, sendo esses “uma conquista típica do século XX” (CARVALHO,
1998, 280).
Os Direitos Políticos asseguram “uma participação dos cidadãos na determinação dos
objetivos políticos do Estado” (BOBBIO, 1998, 354), garantindo a todos cidadãos o direito de
votar e serem votados (CARVALHO, 1998)
61
. Já os Direitos Econômicos se referem ao direito
do pleno emprego, transporte integrado à produção e direitos do consumidor (HOGEMANN,
2002).
A Terceira Geração
62
abrange os direitos dos povos ou direitos da solidariedade,
empregado-lhes a noção de universalidade. Foram instituídos com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos pela ONU em 1948 e pela Declaração Universal dos Direitos dos Povos
(1976). Segundo Piovesan (2002a),
Foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que introduziu, ineditamente,
uma linguagem renovada aos Direitos Humanos. Pela primeira vez, o catálogo dos direitos
civis e políticos é conjugado ao elenco dos direitos sociais, econômicos e culturais. A
Declaração afirma que sem liberdade não há igualdade possível e, por sua vez, sem
igualdade, não há efetiva liberdade. Consolida a concepção contemporânea de Direitos
Humanos, que estabelece a natureza indivisível, interrelacionada e interdependente desses
direitos.
61
Os Direitos Políticos foram consubstanciados por Robert Dahl como algumas das condições para a existência da
poliarquia: liberdade de associação e de expressão política, sufrágio inclusivo, idoneidade das eleições, etc. (DAHL,
1997).
62
Na atualidade, existem discussões sobre uma Quarta Geração de Direitos. Refere-se, principalmente, às questões
do desenvolvimento sustentável, do Direito à Vida das Gerações Futuras, da Bioética, etc (AS GERAÇÔES..., 2002).
50
Os Direitos Humanos, a partir desta Declaração, possuem como características gerais:
a
imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade, a efetividade,
a
interdependência/complementaridade e
a universalidade (AS CARACTERÍSTICAS..., 2002).
As questões de maior polêmica, entretanto, giram em torno dos dois últimos aspectos.
O universalismo normativo que o termo “Direitos Humanos” evoca, encontra claros
limites na multiplicidade de várias identidades étnicas, nacionais e culturais que compõem a
realidade social do mundo contemporâneo.
Segundo André-Jean Arnaud (apud HOGEMANN, 2002), “a idéia do universalismo é
fruto do pensamento filosófico ocidental caracterizado pela visão etnocentrista de que os valores
válidos para o ocidente o são urbi et orbi”. No entanto, a rejeição de um alcance universal dos
Direitos, acaba abrindo espaços para que as perigosas premissas do relativismo possam ser
proferidas, transformando as relações de poder em práticas culturais. Segundo Rolim (2002),
Estamos, então, diante de um conflito ético que justapõe dois valores absolutamente
imponderáveis: a consideração pela independência e autonomia, de um lado, versus a
intolerância diante da violência, de outro. Apenas a ética universalista dos Direitos
Humanos pode manter a exigência de respeito e luta pela afirmação dos dois valores. Se,
pelo contrário, tomarmos como suficiente a aceitação cultural de determinadas práticas
nesta ou naquela comunidade situada historicamente – abandonando, portanto, a
perspectiva universalista – estaríamos absolutamente desarmados teórica e politicamente
para questionar o mal radical produzido com grande aceitação "interna" pelo nazismo na
Alemanha, por exemplo. Além da imensa desvantagem epistemológica pressuposta,
estaríamos nós mesmos ameaçados pela condição indesejável de sermos cúmplices da
barbárie.
Desta forma, alguns autores apontam a necessidade atual de constituir o direito à
diferença como o direito humano fundamental. Isso envolve um processo de desconstrução
cultural, cuja prática revelou-se para Fraser (1999) como o remédio transformativo ideal para o
problema do reconhecimento das diversidades culturais.
51
Quanto à questão da indivisibilidade, o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados, Marcos Rolim, deu sua opinião em entrevista realizada para a
presente pesquisa,
Eu acho que esse discurso que o sistema ONU criou, de que os DH são indivisíveis, é uma
bobagem. Quer dizer, a idéia de que ou todos ou nenhum. Essa idéia é errada, ela é
fundamentalmente errada. Quer dizer, os DH, esses direitos, eles são complementares, eles
devem ser exigidos sempre de todos os Estados, mas o grau de exigibilidade de cada um é
diferenciado. Eu acho que para os primeiros não há desculpa do Estado, para os segundos
há. Quer dizer, qualquer Estado, qualquer governo, pode dizer, bom, eu quero garantir
saúde para todos, mas eu, no momento, não posso garantir isso, eu preciso para isso
aumentar as verbas, eu preciso de um plano de dez anos. Tudo bem. Isso é aceitável.
Agora, nenhum governo pode dizer, bom, eu não posso garantir liberdade de expressão
agora, eu não posso garantir que a imprensa seja livre.
A própria conquista gradual dos direitos demonstra que as suas exigências não se deram
de forma indivisível. Todavia, o que a ONU parece indicar, quando argumenta pela
indivisibilidade e interdependência, é a negação de qualquer hierarquia que possa servir de
justificativa para posturas negligentes dos Estados membros, em relação ao respeito de
determinados direitos em detrimento de outros. Miranda (2002c), afirma que “desde a
Conferência Internacional de Viena, em 1993, vem sendo reafirmada a indissociabilidade dos
direitos humanos e a recusa da prioridade dos direitos civis e políticos como primeira etapa”.
No
5
o
parágrafo de sua Declaração, está explícita a idéia de “tratá-los globalmente, de forma justa e
equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase” (PIOVESAN, 2002a).
O Brasil teve, segundo Carvalho (1998), um processo peculiar, no que se refere à
evolução dos direitos adquiridos de forma geral. O autor sustenta, baseado no estudo de Marshall,
que diferentemente da Inglaterra, onde se viu uma conquista evolutiva dos direitos civis, políticos
e sociais - nesta ordem -, o Brasil percorreu uma trajetória inversa, deixando obstáculos para o
exercício de uma real cidadania.
52
Seu argumento reside no fato de que a existência dos direitos políticos se deu sem o
prévio desenvolvimento dos direitos civis, uma vez que os dois foram ao mesmo tempo
registrados pela Constituição imperial de 1824. Segundo ele, a pressão popular pelo direito ao
voto no país foi quase inexistente, sendo seu único expoente significativo o movimento das
“Diretas Já”, na década de 80.
Essa questão, por sua vez, remete às próprias origens históricas da relação entre Estado e
sociedade no Brasil. A formação do Estado-nação brasileiro não foi um produto da sociedade
civil, tendo internalizado e consolidado as estruturas monárquicas de Portugal, dando
simplesmente uma continuidade ao aparato administrativo colonial (TRINDADE, 1985). Para o
autor, isso revelou uma constituição precoce do Estado e tardia da sociedade brasileira, ao
contrário do caso argentino.
As mudanças de cima para baixo, no caso brasileiro, foram apontadas por Buarque de
Holanda (1995), Carvalho (1987) e Faoro (1975), nos episódios da Independência e da
Proclamação da República do Brasil. Esse último adota uma visão estadocêntrica na formação
política do Brasil, na qual a correspondência entre Estado e representação é praticamente
inexistente.
A leitura do Estado patrimonial weberiano - apropriada primeiramente por Faoro (1975),
no caso do Brasil - estabelece uma relação verticalizada entre Estado e sociedade, no qual o
primeiro define as regras de interação com a segunda. Tributa-se daí, a idéia de um Estado que
concede direitos em contraposição a uma conquista da sociedade civil. A concessão dos Direitos
Sociais no período varguista é a exemplificação desse tipo de postura.
Porém, não se pode desconsiderar que a sociedade civil brasileira demonstrou condutas
menos passivas diante das preconizadas por esse modelo: as Revoltas do século XIX, o episódio
da Revolta da Vacina, bem como outras lutas regionais isoladas.
53
Mas, sem dúvida, foi no final da década de 70 que a sociedade civil brasileira se articulou
em torno de uma causa, marcada pelo legado estatal autoritário, isto é, a luta pela
redemocratização no país.
Foi nesse período, “que setores da esquerda brasileira, depois de décadas de descaso para
com a democracia - que era tratada apenas como tática para se chegar a um fim -, começa a
reafirmá-la como um fim em si mesma” (VIEIRA, 2005, 15). O exemplo dado por Pinto (1999,
69) é bastante ilustrativo no caso da defesa da democracia na América Latina. Segundo a autora,
“foi justamente o êxito desses golpes (no caso, os golpes militares), em um grande número de
países do continente que deu as condições de emergência para novos discursos, de extração
democrática, nos quais as esquerdas, até então refratárias à idéia, conjugam-se em torno da luta
pela redemocratização”.
A violação constante aos Direitos Humanos pela Ditadura Militar
63
fez com que a luta por
sua proteção viesse associada à idéia de democratização. Esse movimento foi gestado durante o
período da repressão, através do engajamento de diversos setores da sociedade civil brasileira.
Dentre estes segmentos, destaca-se em particular, a atuação de diferentes organizações das
Igrejas Cristãs na década de 70: a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), a Comissão
Brasileira Justiça e Paz
64
- criada em 1968 e que, segundo Vieira (2005, 47), “foi o embrião do
movimento dos Direitos Humanos no Brasil” -; a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São
Paulo; o CIMI (Conselho Indigenista Missionário); os Centros de Educação Popular; as CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base); os teóricos da Teologia da Libertação, a JOC (Juventude
63
Vieira (2005, 97) lembra que, paradoxalmente, “o regime continuou a legislar no campo dos direitos sociais” a
despeito da supressão dos direitos civis e políticos.
64
Foram criadas pelo Brasil várias CJP’s regionais.
54
Operária Católica); JUC (Juventude Universitária Católica); as Pastorais (Carcerária, do Menor,
da Terra, etc), entre outras (BOVO, 2002 e A LUTA..., 2002
65
).
Bovo (2002
66
), corroborando a tese de Landim, acredita que muitas dessas organizações já
adquiriam nesta época alguns contornos das organizações não-governamentais atuais. A autora
aponta algumas características típicas desse período de tais grupos: “o trabalho voluntário, a
maioria de seus membros eram cristãos com algum tipo de vinculação com a Igreja e/ou com a
esquerda e comprometidos com a transformação social” (apud Bovo, 2002, 32.).
O período de 1968/72 foi alvo de intensas denúncias pela Anistia Internacional no Brasil.
O “Relatório sobre as Acusações de Tortura no Brasil” do período 1971/72 indicou que a
AI atuava em 160 casos e investigava mais 50 no país. Segundo Bovo (2002, 137), o relatório “é
considerado pela militância de Direitos Humanos como o primeiro grande documento a
denunciar essas violações”. Atestou-se o número de 1081 vítimas do regime e 422 torturadores.
Bovo (op. cit., p. 137) reproduz o seguinte trecho da reação do governo brasileiro na
época:
La famosa “Amnesty International”... instrumento del comunismo terrorista que, desde
Londres apoya a las guerrilhas del mundo entero. Esa “Amnesty” promueve campañas en
los centros mundiales para amnistiar a criminales terroristas, basándose siempre en
mentiras y difamaciones contra los gobiernos democráticos. Viene desarrollando una
campaña sistemática contra o Brasil, inventando torturas, asesinatos y actos de violencia,
como parte integrante de una técnica difamatoria que sirve a los objetivos del comunismo.
65
Este artigo lembra também o papel do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) - “que contribuiu
para analisar e desmontar os mecanismos sociais, econômicos e políticos do regime de exceção” - e do Comitê
Latino-Americano pelos Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) na luta pelos Direitos Humanos durante a
ditadura.
66
O livro de Cassiano Ricardo Martines Bovo foi resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2000, pela PUC
de São Paulo, sobre a Anistia Internacional. O trabalho revela sua minuciosidade na publicação de dados e
informações ricas e inéditas, obtidas por uma extensa pesquisa em documentos e realização de entrevistas, inclusive
com as vítimas de violações de direitos. Cabe lembrar que o autor é militante da organização.
55
E, em 1972
, a Censura proíbe a imprensa brasileira de publicar notícias da Anistia
Internacional (ESTADÃO, 1972).
Apesar de a Seção Brasileira da Anistia Internacional ter sido criada em 1985, Bovo
(2002) constatou que, desde 1977, já havia a existência de membros individuais em São Paulo,
Belo Horizonte e Curitiba.
Segundo Herkenhoff (2002a), a resistência à Ditadura foi crescendo paralelamente à
intensificação das formas de repressão. Essa luta foi protagonizada também por uma série de
trabalhadores, estudantes, intelectuais, jornalistas, artistas, advogados, familiares de presos
políticos e parlamentares do MDB, através dos movimentos sindical e estudantil, da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil), da imprensa alternativa, da ABI
67
(Associação Brasileira de
Imprensa), das organizações da esquerda clandestina, entre outros (A LUTA..., 2002 e
HERKENHOFF, 2002a).
Em 1978, a concentração de forças dos opositores da Ditadura culminou na criação dos
primeiros Comitês Brasileiros da Anistia, que levaram nas diversas capitais do país, a luta pela
“anistia ampla, geral e irrestrita” dos perseguidos políticos para as ruas (COSTA, 2002).
No ano seguinte, os Centros de Defesa de Direitos Humanos (CCDHs) foram constituídos
por grupos de denúncia à repressão do regime, mantendo uma certa autonomia, inclusive em
relação às instituições eclesiásticas. O I Encontro dos Centros de Defesa dos Direitos Humanos,
em 1979, “definiu como áreas prioritárias de ação: violência policial saneamento básico, creches,
orientação trabalhista e organização de grupos de saúde” (VIEIRA, 2005, 49). Essa abordagem
afirmou à época para os setores militantes, os direitos coletivos, para além dos direitos
individuais e civis (Ibid.).
67
Para Vieira (2005), a OAB, a ABI e as CJPs (Comissões de Justiça e Paz) foram as organizações que mais se
destacaram na defesa de presos políticos.
56
A participação da sociedade civil brasileira contribui significativamente para a
promulgação da Lei da Anistia
68
em 28 de agosto de 1979, durante a presidência de João Baptista
Figueiredo. Esse fato, aliado à extinção da Arena e do MDB, no mesmo ano, foram os marcos
institucionais da perda paulatina de sustentação do regime. A partir daí, as perspectivas para a
redemocratização no país foram abertas.
O início dos anos 80 trouxe consigo novas possibilidades legais de organização social e
política, o que veio a ampliar o cenário para uma maior organização da sociedade civil brasileira,
cuja evidência de articulação teve o ano de 1979 como referência. A formação de partidos
políticos oposicionistas de fato - especialmente do Partidos dos Trabalhadores, cujas raízes
remontam aos movimentos sindicais e populares (PAOLI & TELLES, 2000) -, de um “novo
sindicalismo”, de movimentos sociais e de outras formas de associativismo civil foram
protagonizados pela pluralidade de velhos e novos atores da cena política. Muitos ativistas de
Direitos Humanos durante o período ditatorial encontraram novos canais de interlocução com o
Estado brasileiro, em vias de democratizar-se. Nesse contexto, a abordagem sobre a questão dos
Direitos Humanos foi se tornando cada vez mais viabilizada.
A criação da Comissão de Direitos Humanos na Assembléia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, pioneira no Brasil, em 1980 (RIO GRANDE DO SUL, 2000) e a fundação do
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) em 1982
69
, são dois exemplos desse
registro no início da década, constituindo-se como importantes atores até os dias de hoje.
68
Entretanto, a Lei da Anistia não teve a abrangência desejada da pauta de reivindicações populares. A chamada
“Anistia Recíproca” anistiou, inclusive, os próprios torturadores do regime (HERKENHOFF, 2002a).
69
As origens do MNDH remontam ao I Encontro Nacional de Direitos Humanos - em 1982, Petrópolis, RJ - que
contou com a participação de muitos segmentos da sociedade civil brasileira que atuavam já no período da Ditadura.
Fizeram-se presentes vários representantes de entidades das CCDHs (Centros de Defesa dos Direitos Humanos),
Comissões de Justiça e Paz e Igrejas Evangélicas (ORIGENS..., 2002).
57
A abertura do processo de democratização - cujo desiderato foi expresso na Campanha
das “Diretas Já”, em 1984, por milhares de cidadãos - proporcionou não só a aparição de atores
coletivos, como também, de temáticas suscitadas com novas tonicidades. Segundo Paoli e Telles
(2000, 108),
Os movimentos sociais se ampliaram e diversificaram, trazendo para o debate público um
amplo leque de temas e questões que traduzem uma litigiosidade sempre renovada,
recobrindo as mais diversas dimensões da vida social: questões relativas às discriminações
de gênero, raça e etnia, ecologia e meio ambiente, violência e direitos humanos, passaram
a compor, no decorrer da década, uma agenda pública de debates, projetando na esfera
política concepções ampliadas de direitos e cidadania que incorporam as exigências de
eqüidade e justiça nas dimensões societárias e culturais que afetam identidades,
existências e formas de vida.
A partir daí, os Direitos Humanos deixaram de ser sinônimo de “não tortura” no país,
sendo paulatinamente incorporado pelo Estado brasileiro em seus diversos aspectos. No plano
jurídico institucional, Piovesan (2002c) afirma que
No caso brasileiro, o processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos
Humanos e de seus importantes instrumentos é conseqüência do processo de
democratização. O marco inicial do processo de incorporação de tratados internacionais de
direitos humanos pelo Direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. A
partir dessa ratificação, inúmeros outros relevantes instrumentos internacionais de
proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a
égide da Constituição Federal de 1988.
Segundo Carbonari (2003, 23), “a Constituição Brasileira reconhece integralmente a
vigência dos Direitos Humanos”. Além disso, a Constituição “Cidadã”, de 1988, assegurou ao
regime democrático brasileiro as clássicas condições poliárquicas estabelecidas por Dahl
70
70
São elas: 1) liberdade de formar e aderir a organizações; 2) liberdade de expressão; 3) direito de voto; 4)
elegibilidade para cargos públicos; 5) direito de líderes políticos de competirem por apoio; 6) existência de fontes
58
(1997). Nota-se que a garantia de pelo menos três delas foram fundamentais para a atuação livre
de constrangimentos da sociedade civil brasileira: liberdade de formar e aderir a organizações;
liberdade de expressão e a existência de fontes alternativas de informação. Essas circunstâncias
permitiram, inclusive, uma maior presença das ONGI’s em território brasileiro e sua eventual
articulação com setores da sociedade civil nacional, o que tornou o Estado brasileiro mais
suscetível às formas de controle internas e externas.
Contudo, percebeu-se que o processo histórico brasileiro não incorporou de forma
progressiva a agenda dos Direitos Humanos expressada nas Três Gerações de Direitos, que foi,
posteriormente, associada à democracia e ao liberalismo de mercado (HURRELL, 1999).
Esse fenômeno observado por Hurrell (1999) foi consolidado no Brasil com a
promulgação da Constituição de 1988. Neste caso, porém, não se pode afirmar que uma mera
concessão estatal de direitos foi anunciada, uma vez que a sociedade civil participou não só da
luta anterior pelos Direitos Humanos como da elaboração da própria Carta Magna
71
.
As especificidades dessa construção no caso brasileiro - a despeito dos avanços nos
últimos anos - expõe ainda hoje a fragilidade
de uma prática mais impositiva sobre a questão dos
Direitos Humanos. Porquanto, o problema central dessa investigação é o de verificar a
fiscalização nessa área pelas ONGI’s Anistia Internacional e Human Rights Watch sobre o Estado
brasileiro nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso.
alternativas de informação; 7) eleições livres e idôneas; 8) instituições que tornem as políticas governamentais
dependentes das eleições e outras manifestações de preferências (DAHL, 1997).
71
A primeira idéia foi que se formasse uma Assembléia Constituinte Autônoma que seria dissolvida após a
promulgação da Constituição (HERKENHOFF, 2002b). Essa intenção não foi aceita pelo governo e a Constituição
acabou sendo elaborada pela Constituinte Congressual. Porém, “... o Regimento da Assembléia Nacional
Constituinte acolheu o pedido do Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte e admitiu a iniciativa
de emendas populares” (Ibid.). Isso permitiu uma maior participação da população na elaboração da Constituição,
que esteve presente durante todo o funcionamento da Assembléia. Cerca de 122 emendas foram propostas, com o
total de 12.265.854 de assinaturas.
59
É indispensável assinalar a inclinação estatal no período 1994-2002 em admitir e, de certa
forma, estimular esse tipo de monitoramento. Em primeiro lugar, como se verá no Capítulo 3, o
governo federal estabeleceu um diálogo permanente com a sociedade civil na área de Direitos
Humanos. Em segundo, ele foi o primeiro governo brasileiro que oficializou o discurso pelos
Direitos Humanos através da implementação seriada de políticas públicas sem precedentes no
assunto. Em conformidade com a conjuntura descrita ao longo desse capítulo, cumpre dizer que
esse tipo de postura adotada pelo Estado no período conteve, em muitas ações, um plano
estratégico para fortalecer a imagem internacional do governo federal, entre outros fatores.
A questão que se coloca é desafiadora: em que medida os representantes de uma
sociedade civil internacional, que dispensam formas de controle sobre si mesmos, são capazes de
promover um accountability/social externo sobre os agentes governamentais no Brasil?
Por mais paradoxal que isso soe, o dinamismo e a vitalidade da esfera política, aportam-
se, justamente, nas suas vicissitudes, antagonismos e contradições. Pertencente a esse quadro, a
luta pelos Direitos Humanos é em si um processo contraditório, que não dispensa conflitos,
obstáculos e resistências (PINHEIRO & NETO, 2002a), bem como todos os outros que envolvem
as relações de poder entre Estado e sociedade civil.
60
3 A BUSCA POR “RESPONSABILIZAÇÃO”: A ATUAÇÃO DA AMNESTY
INTERNATIONAL E HUMAN RIGHTS WATCH NO BRASIL (1994-2002).
3.1 Apresentação
A consideração anterior das condições estruturais pelas quais a luta pelos Direitos
Humanos pôde ser evocada e legitimada no mundo e no Brasil permitiu um entendimento das
estruturas normativas e informais que possibilitaram a exposição e, portanto, vulnerabilidade do
Estado brasileiro - especialmente, a partir da década de 80 - em relação aos compromissos
constitucionais e internacionais firmados para a proteção dos Direitos Humanos em território
nacional.
A seguir, algumas características gerais da Amnesty International e da Human Rights
Watch estão descritas em termos de atuação no mundo e no Brasil. Posteriormente, o
apontamento das violações mais recorrentes aos Direitos Humanos no Brasil por ambas ONGI’s,
61
está subdividido em duas áreas temáticas correspondentes à análise dos materiais e relatórios
produzidos por essas organizações, no período de 1994 até 2002.
Para introduzir, lembra-se que os trabalhos realizados pela Anistia Internacional e Human
Rights Watch no Brasil não se dão de forma conjunta. Embora a AI e HRW tenham o objetivo
comum de proteger e observar a proteção dos Direitos Humanos, essas organizações atuam
isoladamente em solo brasileiro, estabelecendo, eventualmente, contatos informais entre si
72
.
Além disso, possuem estruturas organizativas e táticas de trabalho diferenciadas.
Em termos legais, tem-se que para as organizações estrangeiras destinadas a fins de
interesse coletivo atuarem em território nacional, é necessário que se faça um pedido formalizado
através de um requerimento assinado pelo presidente da organização estrangeira ou pelo seu
representante legal no Brasil, dirigindo-o ao Ministro da Justiça. A solicitação para a autorização
do funcionamento em território nacional é realizada após a devida qualificação documental
73
. A
prestação de contas se dá anualmente ao Ministério da Justiça, com a apresentação do “Relatório
Circunstanciado”. Segundo parecer governamental disponível no site oficial do MJ, esse tipo de
prestação de contas serve como um instrumento de fiscalização
74
, além de estimular a
organização da sociedade civil (BRASIL, [2005b]).
72
O entrevistado da AI, quando questionado a respeito da relação entre AI e HRW no Brasil, respondeu:
manteniamos contactos informales pero no hubo parcerias”. Em contrapartida, em algumas campanhas
internacionais pode existir uma cooperação mais formalizada, como é o caso da atual parceria entre a AI, HRW e
mais doze organizações, que vem atuando contra a possibilidade de institucionalização da tortura pelo governo do
Reino Unido (AMNESTY INTERNATIONAL, [2005a]).
73
Segundo a ABONG ([2005]), a autorização para o funcionamento das entidades civis estrangeiras no país depende
da “aprovação dos seus estatutos (ou atos constitutivos, nos termos do art. 11º, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao
Código Civil) pelo Presidente da República. Com a autorização, não perde a entidade o seu caráter de estrangeira.
Quaisquer prerrogativas conferidas às associações nacionais, que forem além do regime comum de direito privado,
somente serão extensíveis às associações ou fundações estrangeiras autorizadas se houver reciprocidade de
tratamento nos seus países de origem para as associações ou fundações brasileiras. A autorização de funcionamento
de organização estrangeira no Brasil pode ser revogada se a organização deixar de cumprir as obrigações exigidas
pelo governo para o seu funcionamento no país”
74
O Senado Federal, nos anos de 2001/2002, instalou uma CPI, destinada a apurar as denúncias a respeito de ações
irregulares de algumas ONG’s. Especificamente, tratou da questão ambiental e ONG’s estrangeiras, o que alterou os
padrões de autorização para o funcionamento deste tipo organização em território nacional (BRASIL, [2004]).
62
Mas, a atenção aos Direitos Humanos da AI e da HRW sobre o Estado brasileiro é
bastante anterior a essa medida recente do governo federal. O reconhecimento e a legitimidade
internacional de ambas organizações - conferido pela seriedade dos trabalhos e pelo status
consultivo que obtém no ECOSOC
75
-, fazem com que a República Federativa do Brasil,
enquanto um Estado membro da ONU e da OEA, não ofereça maiores resistências à atuação
dessas organizações
76
. Porém, isso não significa que as mesmas não encontrem alguns obstáculos
em visitas a determinados órgãos públicos - principalmente instituições prisionais
77
- e que os
defensores dos Direitos Humanos no Brasil estejam imunes a ameaças e intimidações.
De qualquer forma, a prestação de contas das ONGI’s se dirige muito mais às suas
matrizes internacionais do que propriamente ao Estado brasileiro. No caso da AI, o polêmico
fechamento da Seção Brasileira em 2001 - criada oficialmente em 1985 - pelo Comitê Executivo
Internacional
78
da organização, suscitou uma série de versões sobre a real causa de sua extinção
no Brasil. Bovo (2002, 179) esclarece em parte tal intervenção:
75
Em relação aos trabalhos da AI, Rolim, em entrevista, afirma: “A opinião da Anistia, os relatórios anuais, as
denúncias que ela faz, repercutem muito fortemente no sistema ONU. Quer dizer, o sistema das Nações Unidas, ele é
muito permeável ao trabalho da AI, ela é muito considerada. Enfim, e os governos sabem que a posição da Anistia,
ela repercute muito fortemente na opinião pública mundial, especialmente, na opinião pública européia.”
76
O incentivo e o apoio às ONGI’s pelos Estados-membros das OIG’s (Organizações Intergovernamentais) faz parte
da própria relação entre OIG’s e ONGI’s, na qual muitas das segundas foram promovidas pela primeiras (HERZ &
HOFFMAN, 2004). O Brasil é ainda Estado membro da OEA (Organizações dos Estados Americanos) - criada em
1948 pelo Acordo de Bogotá -, OIG que congrega a AI e HRW no registro das associações civis que dela participam,
tendo a questão dos Direitos Humanos como uma de suas prioridades - explicitada na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos criada em 1953 -, à semelhança da ONU. Segundo a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1996),
The Brazilian government imposed no formal obstacles to human rights monitoring, and Brazil continued to
maintain a well developed network of human rights nongovernmental organizations (NGOs). These groups promoted
the rights of women, children, indigenous groups, rural laborers and activists, prisoners and others victimized by
human rights violations. These groups, however, did face threats, intimidation, and physical violence from police
and fazendeiros (ranchers)”.
77
Segundo Relatório da AI (1999a, 48) “algumas penitenciárias e delegacias ou distritos policiais negaram acesso a
grupo de direitos humanos”. Dentre elas, consta o Instituto Penal Paulo Sarasate (Ceará), Penitenciária Barreto
Campelo (Pernambuco), Penitenciária do Roger (Paraíba).
78
O Conselho Internacional é a autoridade suprema da AI e designa os nove membros do Comitê Executivo
Internacional (CEI), que, por sua vez, estabelece lideranças e seções regionais. O Secretariado Internacional (SI)-
localizado em Londres - administra o cotidiano da AI, sendo “a espinha dorsal da organização” (BOVO, 2002, 41).
Possui cinco departamentos – Investigações, Membros e Campanhas, Administração, Imprensa e Publicações –, um
Centro de Documentação e dois gabinetes - Jurídico e do Secretário Geral, sendo constituído por mais de 300
funcionários com mais de 50 nacionalidades.
63
Em 20 de dezembro de 1999 a SBAI sofre intervenção, com perda de status de Seção,
após visita de membros do CEI e do SI, no período de 11 a 19 de dezembro de 1999. O
status de Seção só foi restabelecido a partir da Assembléia Geral de 29 de abril de 2000,
realizada em Campinas, que, no entanto, teve sua legalidade questionada juridicamente
pelo Comitê Executivo que fora destituído quando da intervenção. A partir daí a SBAI
viveu uma situação dúbia: foi reconhecida pela CEI e SI (portanto, no âmbito da AI), mas
inexistente pela lei brasileira que anulou a Assembléia de Campinas. O reconhecimento da
Seção pela lei brasileira se deu às vésperas da Assembléia de Belo Horizonte, em 28 de
julho de 2001, que decidiu pela extinção da SBAI.
A repercussão desse fato nos dias de hoje não impediu a atuação de membros isolados e
grupos em território nacional
79
e nem que o Brasil deixasse de ser alvo de constantes denúncias.
Atualmente, as estimativas de membros da AI, espalhados nos 150 países em que atua, é
de mais de 1.800.000 membros (AMNESTY INTERNATIONAL, [2005b]). No Brasil, foi
constatada a presença de 1.094 membros individuais no ano de 1999
80
(Bovo, 2002). No entanto,
a AI considerou esse número relativo a um baixo ativismo; dados de 1998 fornecidos pelas
seções nacionais em um encontro em Paris revelaram que enquanto nos Estados Unidos - país
onde se concentra o maior número de ativistas
81
-, o número de grupos da AI era de 1.805, no
Brasil era de apenas 18.
Por sua vez, a HRW estabeleceu um escritório oficial no Brasil em dezembro de 1994,
juntamente com a ONG continental CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional
82
).
Segundo a HRW (1995), “having a representative in Brazil would allow us to monitor the
79
Em 1999, a sede de Campo Belo em São Paulo teve de ser fechada pelo envio de uma bomba relógio. No ano
seguinte, o coordenador da AI em São Paulo, José Eduardo da Silva, recebeu uma bomba caseira em sua casa,
postada pelos Correios, dos skinheads (os “cabeças raspadas”, de inspiração neonazista), (CARVALHO &
GARÇONI, [2001]).
80
Contrastado com o ano de 1996, no qual o registro é de 293 membros (Ibid.).
81
Em 1995, o número de membros individuais registrados nos EUA foi de 247.057, seguido pelo Reino Unido com
128.000 membros (BOVO, 2002).
82
O CEJIL “é uma organização não-governamental, criada em 1991 como um consórcio de organizações de direitos
humanos da América Latina e do Caribe, cujo objetivo principal é alcançar a plena implementação das normas
internacionais de direitos humanos no direito interno dos estados membros da Organização dos Estados Americanos
(OEA)”. (CEJIL, 2002).
64
complex, diverse human rights situation and follow cases that Human Rights Watch/Americas
and CEJIL jointly litigate in the inter-American system” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1995).
As estimativas dos membros atuantes dessa ONGI no país e no mundo não estão
disponíveis. Pode-se afirmar, no entanto, que em termos quantitativos, a AI possui uma militância
maior e mais ativa do que a da HRW tanto no Brasil quanto no mundo, constituindo-se de certa
maneira em uma organização de massa
83
, principalmente nos Estados Unidos, Europa e Canadá
(BOVO, 2002).
Ao contrário da estrutura federativa da AI - que possui seções nacionais e escritórios em
aproximadamente 88 países (AMNESTY INTERNATIONAL, [2005c]) - a HRW possui uma
centralização unitária localizada em Nova Iorque. Monitorando a situação dos Direitos Humanos
em 70 países, a HRW possui atualmente filiais em Bruxelas, Burundi, Serra leoa, Genebra, Hong
Kong, Ruanda, Los Angeles, Moscou, Santiago do Chile, São Francisco, Uzbesquistão, Geórgia e
Washington. Possui cinco comitês consultivos regionais - África, Américas, Ásia, Europa e
Oriente Médio - e três comitês consultivos temáticos - Armas, Direitos da Criança e Direitos da
Mulher (HERZ & HOFFMAN, 2004).
A imparcialidade e o apartidarismo são princípios reivindicados por ambas organizações,
cujas restrições aos financiamentos governamentais são visíveis. A AI intitula-se como
Independent of any government, political ideology, economic interest or religion. It does
not support or oppose any government or political system, nor does it necessarily support
the views of the victims whose rights it seeks to protect. To ensure its independence, it
does not seek or accept money from governments or political parties for its work in
documenting and campaigning against human rights abuses. Its funding depends on the
contributions of its worldwide membership and fundraising activities (AMNESTY
INTERNATIONAL, [2005d]).
65
Para a AI, “a independência econômica e tão vital quanto a independência política”
(ANISTIA INTERNACIONAL, [199-b]). Na mesma linha, a HRW afirma ser uma organização
Fully independent, nongovernmental organization, supported exclusively by contributions
from private individuals and foundations worldwide. Human Rights Watch accepts no
funds from any government, directly or indirectly, nor have we ever (HUMAN RIGHTS
WATCH, [2005a]).
A estrutura deliberativa da HRW é o Conselho que “is a network of committees across 12
cities in Europe, Canada and the United States
84
. Composed of more than 300 opinion leaders
from a variety of backgrounds, the committees are an informed and engaged constituency that
are a key part of our global defense of human rights” (HUMAN RIGHTS WATCH, [2005b]). O
Conselho está disposto em quatro comitês regionais: Nova Iorque, Califórnia do Norte, Califórnia
do Sul, Londres e um Comitê Europeu Geral (HERZ & HOFFMANN, 2004). Os críticos da
HRW apontam para a formação elitista e etnocêntrica do Conselho, cujos participantes são em
grande maioria norte-americanos e europeus influentes, como, por exemplo, o megaespeculador
George Soros. Na medida em que trabalham para a arrecadação de fundos, a influência
deliberativa desses indivíduos aumenta consideravelmente (Ibid.).
Na realidade, essa questão remete aos problemas anteriormente suscitados por Cohen
(2003), Chandhoke (2002) e Costa (2003) sobre o déficit democrático da sociedade civil global.
No caso da AI, percebe-se uma preocupação maior com a divulgação do processo de
democratização interna:
83
Essa idéia é proposta por Rolim (em entrevista) e pela própria HRW ([2005a]).
84
As cidades são Berlim, Chicago, Gênova, Hamburgo, Londres, Los Angeles, Munique, Nova Iorque, São
Francisco, Santa Bárbara,Toronto e Zurique (HUMAN RIGHTS WATCH, [2005b]).
66
Amnesty International is a democratic, self governing movement. It answers only to its
own worldwide membership. All policy decisions are taken by elected bodies. Major
policy decisions are taken by an International Council made up of representatives from all
the countries where Amnesty International members are organized into groups and
national sections. They elect an International Executive Committee of volunteers which
carries out their decisions and appoints the movement’s Secretary General, who is also
head of the International Secretariat, the professional heart of Amnesty International
(AMNESTY INTERNATIONAL, [2005d]).
A questão do processo decisório e representativo dessas organizações remete também à
participação dos membros filiados. O estudo de Bovo (2002, 184) aponta que a militância
brasileira da AI é caracterizada por “uma parcela restrita e de melhor posição social dentro da
sociedade”, conferida pelo alto grau de escolaridade. Segundo o autor, os membros da própria
organização, bem como de outras ONG’s, atribuem à Anistia Internacional um caráter elitista. No
entanto, isso não significa uma afinidade com as classes elitizadas da sociedade brasileira, mas
sim, um certo distanciamento em relação às camadas mais pobres da população, às próprias bases
da organização
85
e às outras ONG’s nacionais (BOVO, 2002).
Essa última afirmação é contrastada com o depoimento de Panizza, quando questionado
sobre a existência de contatos da AI com movimentos sociais e ONG’s brasileiras. O entrevistado
afirma quelos contactos con ONGs siempre han sido muy intensos y extensos. En aquella epoca
los contactos se hacian por telefono y personalmente durante nuestras visitas a Brasil, que por lo
general eran una vez al anho. Las ONGs son fundamentales para el trabajo sobre ddhhs, ya que
son fuente de denuncias, contactos con las victimas etc”.
O “efeito bumerangue”, citado por Cohen (2003, 439), demonstra a importância da
articulação entre a sociedade civil nacional e internacional:
85
Bovo (2002) recolheu alguns depoimentos dos membros da AI brasileira e de outras entidades defensoras dos
Direitos Humanos para inferir tais conclusões. Uma integrante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Paulo
67
Trata-se do processo pelo qual associações da sociedade civil ou organizações não-
governamentais de origem nacional passam por cima dos seus Estados e se vinculam
diretamente a aliados transnacionais para tentar exercer pressão sobre seus Estados (ou
outros Estados que tenham como alvo) a partir de fora ou “do alto”. Uma forma de
triangulação, o “padrão bumerangue” pode também incluir as demandas de populações
locais desejosas de participar em projetos de desenvolvimento que afetam suas vidas e
dependem de recursos ou pressões externos. Ligações estabelecidas através de redes
transnacionais proporcionam aos atores locais, acesso, influência e informações utilizáveis
para pressionar, desde fora, os órgãos governamentais e não-governamentais relevantes. O
“efeito bumerangue” implica, portanto, passar por cima de um Estado local, acionar uma
rede transnacional para dar publicidade a uma questão, criar uma “opinião pública
mundial” e apelar para normas e princípios acordados no plano supranacional a fim de
pressionar outros Estados, organismos regionais ou organizações que, por sua vez,
tentarão fazer pressão sobre o Estado cujas políticas estão em causa
86
.
Atualmente, no Brasil, esse tipo de fenômeno é observado no trabalho e na articulação
entre centenas de entidades civis domésticas e ONGI’s
87
que formam uma ampla rede nacional de
Direitos Humanos
88
, nos termos de Cohen
89
(2003). A heterogeneidade característica da
sociedade civil é, nesse caso, representada pelos movimentos sociais, ONG’s, associações,
grupos, fóruns, institutos, etc. Muitas delas atuam como parceiras na vigilância dos Direitos
Humanos no Brasil, estabelecendo mecanismos de proteção e denúncia; também, algumas
Fontelle (SP) acredita que as ONG’s estrangeiras dão muito mais atenção às cúpulas do que à própria base militante,
que, na maioria das vezes, realiza o trabalho mais difícil: diretamente com a população e sem recursos financeiros.
86
Rolim (entrevista) expõe uma outra situação que poderia se enquadrar no “padrão bumerangue”
intergovernamnetal: “os governantes, nesses países europeus sabem que uma posição política da AI, é muito
importante para eles, e eles sabem também que desrespeitar uma posição da Anistia ou afrontar a Anistia é um mau
caminho. Significa perder pontos com a sociedade civil, perder apoio político. Então, todos os partidos, sejam eles à
direita ou a esquerda, fazem força para considerar as recomendações de algumas entidades, especialmente, da Anistia
(...) Porque muitas vezes as demandas dessas entidades são para que seus governos pressionem o país, pressionem o
Brasil, pressionem um país da América Latina, ou países periféricos da Ásia, da África, os governos”.
87
A FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos), que possui cerca de 114 entidades nacionais filiadas pelo
mundo (FIDH, 200-), a Cruz vermelha, Conectas são ONGI’s que também atuam no Brasil na área dos Direitos
Humanos.
88
Muitos relatórios sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil são elaborados exclusivamente por
organizações nacionais.
89
Em um seminário internacional ocorrido no Chile em 1996, intitulado “Impunidad y sus efectos en los procesos
democráticos”, os organizadores do painel “Alguns aspectos sobre a realidade brasileira” afirmaram: “a nível
internacional, na atual conjuntura, a articulação com entidades como a Anistia Internacional, a Americas Watch, o
FIDEH, Fórum Interamericano de Direitos Humanos - , IIDH – Instituto Interamericano de Direitos Humanos, entre
outras, tem contribuído para uma maior pressão junto aos órgãos públicos responsáveis pela política de segurança
pública e ao mesmo tempo ajudam a fortalecer o trabalho desenvolvido pelas entidades brasileiras” (NUNCAMAS,
1996).
68
possuem um alto grau de interlocução com o governo federal
90
bem como com as comissões
competentes da ONU e OEA.
Algumas siglas congregam em torno de si uma série de entidades, compondo redes
menores: O MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) - com mais de 300
organizações filiadas
91
(MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 2006); a
FENDH (Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos) - com cerca de 46 organizações
filiadas
92
; a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; a RNDH (Rede Nacional de Direitos
Humanos); a DhESC Brasil (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos e
Sociais
93
); o DH Net (Rede de Direitos Humanos e Cultura), além da própria ABONG
(Associação Brasileira de Organizações não-governamentais)
94
.
As ONGI’s integram esse cenário associativo
95
com suas particularidades de mobilização,
respaldadas pelo seu status internacional, enquanto “observadoras legítimas”, como foi mostrado
no Capítulo 1. O êxito de suas ações se dá justamente na medida em que “el principal recurso
disponible para el ejercicio de la accountability social es la intensidade y la visibilidade de la
voz de los actores que intervienen” (Smulovitz, 2001,3).
90
A “Campanha Nacional Permanente de Combate à Tortura e à Impunidade” foi lançada em 2001 em decorrência
do Pacto Nacional Contra a Tortura, firmado no ano de 2000, pelo MNDH e a SEDH (Secretaria Especial de Direitos
Humanos, vinculada diretamente ao Governo Federal). Comitês estaduais do SOS Tortura foram montados e
contaram com a participação do Ministério Público e Poder Judiciário (CAMPANHA..., 2003).
91
Por sua vez, o MNDH é filiado à FIDH e à PIDHDD.
92
Dentre elas a ABONG, GAJOP, Justiça Global, etc (FÓRUM ... [2005]).
93
O DhESC Brasil constitui-se como a seção nacional da PIDHDD (Plataforma Interamericana de Direitos
Humanos, Democracia e Desenvolvimento), com 31 organizações filiadas. A coordenação é composta pelas
seguintes entidades: Comissão de Justiça e Paz (SP), FIAN (Rede de Informe e Ação pelos Direitos a se Alimentar);
GAJOP; Centro de Justiça Global, FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional) e o MNDH.
94
Algumas organizações de destaque são: o GAJOP (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares,
filiado à PIDHDD e ao MNDH); o Centro de Justiça Global (uma dissidência da HRW, fiado à FIDH); Tortura
Nunca Mais (RJ), Terra de Direitos, entre outras.
95
Nos relatórios produzidos pela AI e HRW, com freqüência são utilizadas estatísticas de entidades nacionais de
Direitos Humanos e vice-versa, evidenciando inclusive, cooperação em alguns trabalhos desenvolvidos, publicações,
encontros nacionais e regionais, etc. Também, freqüentemente, veiculam apelos pela proteção de defensores de
Direitos Humanos brasileiros, ligados à entidades ou militantes individuais.
69
Na captação do próprio simbolismo de seu poder denunciativo, as ONGI’s buscam atingir
a “opinião pública de forma direta pela mídia, de forma a fazer pressão sobre a reputação do
Estado ou OIGs, colocando-os em situações embaraçosas” (HERZ & HOFFMAN, 2004, 230).
Mesmo atuando na lógica acima exposta, a AI e HRW possuem táticas e estratégias um
pouco diferenciadas de interpelação junto aos representantes governamentais.
Em relação à AI, uma vasta produção de publicações periódicas, tais como Informes,
Revistas Bimestrais, Jornais e Boletins Mensais, Relatórios Anuais objetivam acompanhar,
divulgar e denunciar as violações de Direitos Humanos aos seus membros.
A decisão pela investigação de um caso, dá-se com o envio de alguma denúncia específica
- através de jornais, cartas, boletins governamentais, etc - por algum indivíduo ou organização ao
Secretariado Internacional. Posteriormente, o Departamento de Investigação - subdividido nas
regiões África, Américas, Ásia, Europa e Oriente Médio - incumbi-se do enquadramento da
denúncia no Mandato AI, começando a investigação por especialistas e voluntários somente após
a comprovação dos fatos denunciados. O Secretariado Internacional escolherá o auxílio à vítima,
através das seguintes medidas: adoção por parte de um grupo, Rede de Ação Urgente (RAU),
Rede de Ação Regional, Rede WARM, Rede EXTRA e Apelos do Mês
96
- veiculado no Jornal
Mensal da Anistia (BOVO, 2002). Segundo Bovo (Ibid, 191), “os critérios utilizados para essa
escolha são: urgência, situação específica de cada país, tipo de violação e precauções para não
piorar ainda mais a situação da vítima.
96
Os grupos são divididos em dois: o de Adoção – que se responsabiliza pela libertação dos prisioneiros de
consciência e que, por vezes, dispõe para a vítima e sua família ajuda financeira – e aqueles que participam do
Programa Nacional de Educação para a Cidadania. A Rede WARM e EXTRA são outras formas de ações rápidas
desenvolvidas pela AI. Os Apelos do Mês são veiculados pelo Boletim Mensal e constituem três casos avaliados de
forma minuciosa pelo Secretariado Internacional. A Internet facilitou consideravelmente o trânsito dessas
informações (BOVO, 2002). A Rede Médica, Rede Jovem e Rede Jurídica são outras formas de integração para
membros individuais (ANISTIA INTERNACIONAL, [199-a]).
70
Em 2003, a Rede de Ação Urgente completou trinta anos. Segundo a organização
(AMNESTY INTERNATIONAL, [2005e]) “over the past 30 years, Urgent Action network
members have helped to save thousands of lives by stopping torture, preventing executions and
protecting human rights defenders”. As Ações Urgentes são enviadas para Seções selecionadas,
que as traduzem e repassam aos membros inscritos na RAU. Em caso de países que não possuem
Seção - como hoje é o caso do Brasil - os membros recebem a Ação diretamente por correio, fax
ou e-mail (BOVO, 2002). Assim, os membros da organização “compose and send letters, e-
mails, faxes and telegrams to the officials - whether presidents or prison governors - who have
the power to stop the abuse” (AMNESTY INTERNATIONAL, op. cit.). Esses apelos podem ser
escritos em qualquer língua, possuem prazos e devem ser enviados para organizações de Direitos
Humanos, imprensa do país da vítima e embaixada (BOVO, 2002).
Já, a estratégia básica da HRW “é a idéia de envergonhar os infratores públicos e exercer
pressão para que sejam punidos”, através da elaboração de relatórios apresentados às autoridades
e à mídia internacional (HERZ, 2004, 247). A “mobilização da vergonha”, desenvolve-se da
seguinte maneira:
Human Rights Watch researchers conduct fact-finding investigations into human rights
abuses by governments and non-state actors in all regions of the world. We visit the site of
abuses to interview victims, witnesses and others. We publish our findings in dozens of
books and reports every year, generating extensive coverage in local and international
media. In moments of
crisis, we seek to report up-to-the-minute information so as to
maximize the impact of our work. By exposing human rights violations, this publicity
shames abusers and helps to put pressure on them to reform their conduct. Human Rights
Watch seeks dialog with offending governments to encourage them to change abusive laws
and policies. We also enlist the support of other influential actors such as the United
Nations, the European
Union, international financial institutions, the U.S. government,
and others. In the case of particularly egregious abuses, Human Rights Watch may press
for the withdrawal of military and certain economic support (HUMAN RIGHTS
WATCH, 2005a).
71
Também, a HRW/Américas, geralmente em parceria com o CEJIL, foi peticionária de
vários casos apresentados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA
97
(RIO
GRANDE DO SUL, 1999). As denúncias, basicamente, acusam o Estado brasileiro em sua
omissão de situações que variam desde o Massacre de Corumbiara - que será visto adiante - até a
perseguição aos defensores de Direitos Humanos.
Mas, tanto os casos investigados pela AI quanto pela HRW, não estão restritos apenas ao
Estado violador, mas também abrangem atores não estatais e individuais (AMNESTY
INTERNATIONAL, [2005d] e HUMAN RIGHTS WATCH, [2005
a]).
O entrevistado da AI relata uma estratégia da organização para precaver e preservar seus
membros investigadores: “hay una regla muy importante de AI que se llama “own country rule”,
por la cual los miembros de las secciones nacionales no pueden hacer denuncias y campanhas
sobre violaciones de derechos humanos en su propio paises. Pueden si, hacer tareas de
educación en derechos humanos”. A norma interna da AI proíbe assim que
Os membros nacionais de qualquer país trabalhem em casos de violações dos direitos
humanos ocorridos dentro do seu próprio país. Essa norma, além de garantir a não
interferência da política nacional no trabalho da AI, é particularmente importante quando
a organização lida com denúncias de torturas, julgamentos ou prisões injustas, homicídios
ou “desaparecimentos” políticos, casos que com freqüência são cercados de controvérsias
e de negativas oficiais (ANISTIA INTERNACIONAL, [199-a], 15).
Dessa forma, ao receberem as denúncias de violações, os membros devem encaminhá-las
para a avaliação do Secretariado Internacional (Ibid.).
97
Sobre a Comissão Interamericana, a HRW (1996) afirma que “in 1995, after years of pressure by Human Rights
Watch/Americas and CEJIL, the Brazilian government decided, in an April meeting with Human Rights
Watch/Americas and other NGOs, to permit the Inter-American Commission on Human Rights to visit Brazil to
investigate human rights conditions”.
72
Quanto à abrangência da observância aos Direitos Humanos, os trabalhos desenvolvidos
pela Anistia são conhecidamente aqueles que envolvem os chamados “prisioneiros de
consciência
98
”. Segundo a organização, historicamente, o foco de sua atenção concerne:
To free all prisoners of conscience; to ensure a prompt and fair trial for all political
prisoners; to abolish the death penalty, torture and other cruel, inhuman or degrading
treatment or punishment; to end extrajudicial executions and "disappearances";to fight
impunity by working to ensure perpetrators of such abuses are brought to justice in
accordance with international standards (AMNESTY INTERNATIONAL, 2005d).
A restrição desse escopo aos Direitos Civis e Políticos, fez com que Bovo (2002, 103),
chegasse a seguinte conclusão: “o mandato da AI não abarca todos os Direitos Humanos e como
conseqüência a pressão que a AI exerce sobre governos e entidade políticas não-governamentais
sofre limitações.”. De fato, quando se enquadram essas preocupações dentro da ampla noção dos
“Direitos Humanos”, percebe-se lacunas referentes aos Direitos Culturais, Sociais, Econômicos e
os chamados de Quarta Geração.
Essa diferença é marcante entre a AI e HRW, segundo esta última:
Traditionally, it has focused on abuses confronting individual prisoners, although it has
gradually broadened this case and prison orientation to address other abuses as well.
Human Rights Watch has long addressed a far broader range of abuses, including not
only prisoner-related concerns but also many abuses that do not involve custody, such as
discrimination, censorship and other restrictions on civil society, issues of
democratization and the rule of law, and a wide array of war-related abuses, from the
indiscriminate shelling of cities to the use of landmines. Human Rights Watch prides itself
on aggressively expanding the categories of victims who can seek protection from our
movement. Since the late 1980s, we have gradually added special programs devoted to the
rights of women, children, workers, common prisoners, refugees, migrants, academics,
gays and lesbians, and people living with HIV/AIDS.(…) Since its formation in 1978,
Human Rights Watch has focused mainly on upholding civil and political rights, but in the
last decade we have increasingly addressed economic, social and cultural rights as well.
We pay particular attention to situations in which our methodology of investigation and
98
No Brasil, tem-se esse exemplo típico quando a AI considerou em 1998 “[…] José Rainha Júnior, a potential
prisoner of conscience after he was convicted and sentenced to 26 years' imprisonment on charges of homicide in a
trial which did not meet international fair trial standards. The charges may have been politically motivated and José
Rainha was possibly convicted because of his activism in the MST rather than on the basis of the evidence
presented” (AMNESTY INTERNATIONAL, 1998a).
73
reporting is most effective, such as when arbitrary or discriminatory governmental
conduct lies behind an economic, social and cultural rights violation. In addition to
governments, our work also addresses economic actors such international financial
institutions and multinational corporations (HUMAN RIGHTS WATCH, [2005a]).
As observações acima são contraditadas pelos motivos diante dos quais James Cavallaro
99
saiu da Human Rights Watch para fundar, em 1999, a ONG brasileira Centro de Justiça Global:
A Americas Watch era independente e agora é uma divisão da Human Rights Watch, que
é uma instituição muito grande, existe em setenta países. Aliás, uma das coisas que me
incomodavam quando era funcionário da Human Rights Watch é que não dá o peso que o
Brasil merece. Como instituição com sede no norte, muitas vezes estabelece suas
prioridades segundo as prioridades do Primeiro Mundo, segundo as prioridades da
imprensa americana, ou da européia. Nos últimos seis ou sete anos, o crescimento da
Human Rights Watch se dá cada vez mais no Leste Europeu. Por quê? Porque é uma
região, depois da queda do Muro de Berlim, que desperta maior interesse da imprensa
americana e da européia. Sempre tentei, dentro da instituição, conseguir mais recursos e
investimentos para o Brasil, mas, como o Brasil dificilmente entra nas manchetes
internacionais, não é tão interessante para a instituição. Enquanto Bósnia, Kosovo, todo
mundo reconhece o que são esses lugares. Então, essa é uma das coisas que levaram à
minha saída. E outros fatores também, por exemplo: a Human Rights Watch, como a
Anistia Internacional, prioriza as questões típicas que as pessoas associam com os direitos
humanos, como brutalidade policial, condições carcerárias, enfim, a violação do direito à
integridade física que, com certeza, constitui uma violação importante, mas os direitos
humanos não se limitam a esses direitos. Os direitos econômicos, sociais e culturais
simplesmente não entram na agenda nem da Anistia, nem da Human Rights Watch. Isso
acaba promovendo a idéia de que tais direitos são aspirações, desejos que temos, mas não
direitos de verdade (JUSTIÇA GLOBAL, [200-]).
As questões levantadas nesta declaração remetem a outro problema crucial que se refere
às divergências temáticas entre a agenda internacional e brasileira de Direitos Humanos. Rolim
cita um exemplo ilustrativo durante a entrevista realizada para esta pesquisa:
A repercussão interna desse tema - direitos indígenas no Brasil - é quase nula, quer dizer, a
rigor, ninguém se importa com isso, a sociedade urbana não está nem aí para esse
problema, enfim, mas fora do Brasil é muito grande a repercussão do tema índios, muito
99
James Cavallaro é advogado e foi diretor da HRW para o Brasil entre 1992-1999. Atualmente, dirige o Centro de
Justiça Global (JUSTIÇA GLOBAL, [200-]).
74
grande. Então, as entidades, especialmente, as entidades religiosas que atuam nessa área, o
CIMI, por exemplo, o Conselho Indigenista Missionário, que tem articulação com muitas
entidades internacionais, fundações religiosas, igrejas luteranas, não sei o que, quer dizer,
isso tem um grande potencial de fogo na opinião pública mundial. Então, por exemplo, um
tema que envolve direitos dos índios, massacres de índios, coisa e tal, que no Brasil não dá
nada entre aspas, fora daqui dá muito, entende? (...) A agenda internacional de DH é
diferente da agenda brasileira de DH.
Por isso, a análise do leque de temáticas que as ONGI’s em questão encobrem, é
fundamental no apontamento das especificidades das violações aos Direitos Humanos que
ocorrem no Brasil
100
.
3.2 “Brasil: ninguém se responsabiliza por nada?
101
Através do exame dos materiais e publicações produzidas pela AI e HRW foi constatado
que uma série de violações graves aos Direitos Humanos no Brasil continuaram a imperar nos
anos compreendidos entre 1994 e 2002, a despeito de todas medidas inovadoras que foram
instituídas pelo governo federal no setor.
O acompanhamento da execução das políticas nacionais, aliado ao monitoramento do
cumprimento às normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos, constitui o alvo
principal do exercício de accountability que essas organizações realizam sobre a conduta estatal.
100
Algumas campanhas internacionais realizadas por essas organizações abordam temas comuns no Brasil, como por
exemplo, Violência contra a Mulher, Controle de Armas, Tortura. Mas, por exemplo, campanhas sobre a Pena de
Morte, Refugiados, etc., têm pouca ou nenhuma incidência no país. A transposição da agenda internacional dessas
ONGI’s para o Brasil, entretanto, merece a atenção de algumas particularidades nacionais. Por exemplo, a ampla
campanha pelo controle e redução da circulação de armas, de ambas organizações, adquire no país um grande
impasse na medida em que as forças policiais - representantes autorizados para seu uso – se constituem em uma das
maiores categorias violadoras aos Direitos Humanos. O resultado do Referendo de 22 de Outubro de 2005, no qual
63, 94% dos eleitores responderam que o comércio de armas munição não deve ser proibido no Brasil, sugere ainda
um grande descompasso entre a escolha do eleitorado brasileiro e a agenda internacional construída por estas
organizações.
101
Manchete de um Informe da AI de setembro de 1999, sobre a absolvição dos oficiais envolvidos no massacre de
Eldorado dos Carajás (ANISTIA INTERNACIONAL, 1999b).
75
A interlocução direta com autoridades governamentais federais e estaduais é uma prática
que envolve alguns trabalhos dessas ONGI’s, evidente ao longo dos relatórios e demais veículos
informativos de ambas ONGI’s.
Quando questionados sobre essa questão, os dois entrevistados apresentaram pontos de
vista distintos. Panizza afirmou que enquanto integrava a organização,
Manteniamos contactos con parlamentarios y representantes del gobierno. En general los
contactos eran con parlamentarios que formaban parte de comisiones de derechos
humanos o que tenian un interes por los derechos humanos. Con miembros del gobierno
se mantenian contactos a nivel del Ministerio de Justicia y en agencias del gobierno que
podian tener relacion con problemas de derechos humanos. Tambien tuvimos por lo
menos una reunion con el presidente FHC. Pero dada la naturaleza del sistema de
seguridad publica en Brasil nuestros mayores contactos eran a nivel de gobiernos
estaduales que a nivel del gobierno federal.
Já Marcos Rolim, baseando-se na sua experiência quando Presidente da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, no período de 1998-2002, explicou que
no seu caso
É mais complicado um pouco, porque como eu sempre tive relação com essas entidades
todas, então, é uma coisa assim, muito espontânea. Por exemplo, a Human Rights, o James
Cavallaro que na época era o representante do Brasil, ele é muito meu amigo, então, a
gente se falava por telefone várias vezes, mas muito por demanda minha, mais eu
demandava do que ele demandava. E a Anistia da mesma forma. (...). Eu acho que um dos
problemas destas grandes ONG’s na atuação brasileira, é que elas têm uma estrutura muito
frágil no Brasil, e elas nunca organizaram um lobby político efetivo no Congresso
102
,
deveriam ter uma presença mais efetiva. Então, a relação delas é muito mais uma relação
externa, de produzir um relatório, e aí na opinião pública causar uma demanda ao poder,
entende? Não há uma relação constante, próxima.
102
Esta afirmação não descarta, porém, a existência de algum tipo de lobby dentro do Congresso Nacional -
verificação inclusive não proposta por obstáculos operacionais das mais diversas naturezas. Em uma conversa
informal com um ex-integrante da AI no Brasil, o mesmo afirmou saber da existência de alguns representantes da
organização na referida Casa.
76
Foi verificada a existência de pelo menos quatro cartas enviadas pelas ONGI’s estudadas
a representantes executivos, que evidenciam tentativas de diálogo e interpelação direta, bem
como a demonstração de que as mesmas estavam atentas à situação dos Direitos Humanos no
Brasil.
Em 13 de maio de 1999, a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1999a) escreveu ao
Presidente Fernando Henrique Cardoso, na ocasião do terceiro aniversário da inauguração do
Plano Nacional de Direitos Humanos; em 30 de dezembro de 2002 (HUMAN RIGHTS WATCH,
2002), a mesma organização, dirigiu-se ao então eleito presidente Luís Inácio Lula da Silva: ao
tempo em que reconheciam os passos do governo anterior na área, apontavam um “insufficient
progress”, cobrando do atual governo, as medidas necessárias para remediá-lo.
Já a AI (AMNESTY INTERNATIONAL, 2002a), enviou, em 16 de setembro de 2002,
uma carta aberta aos candidatos ao cargo presidencial, sugerindo um compromisso com a questão
dos Direitos Humanos; em 14 de fevereiro de 2003, a organização enviou ao Ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, uma correspondência que objetivava “to submit some suggestions and
comments relating to the draft law adjusting Brazilian legislation to the Rome Statute of the
International Criminal Court” (AMNESTY INERNATIONAL, 2003).
Sugestões, recomendações, cobranças e mesmo o reconhecimento de muitas iniciativas
governamentais importantes, conformam a base na qual a responsabilização sobre o Estado é
cobrada.
Em geral, os relatórios anuais dessas organizações contêm informações sobre a situação
dos Direitos Humanos nos países onde atuam. Trata-se de descrições mais sucintas, que
perpassam e apontam continuidades e rupturas nos casos nacionais observados. Nos relatórios
temáticos, ou seja, aqueles que exploram de forma mais minuciosa um tema específico por sua
cronicidade, os dados são mais ricos e a metodologia empregada é explicada.
77
Assim, no caso do Brasil, o contexto histórico, econômico, político e social é apresentado
para a compreensão dos problemas estruturais subjacentes às denúncias levantadas
103
; são
informadas as autoridades governamentais com as quais os diálogos foram travados, os lugares
visitados, as pessoas entrevistadas
104
, as entidades nacionais e as referências consultadas.
Ao longo da pesquisa, pôde-se constatar que o Brasil ainda é um país onde os Direitos
Humanos são violados diariamente.
Estatisticamente, o perfil das vítimas possui uma relação direta com suas condições de
vida econômica e social. O relatório da AI, divulgado em 25 de outubro de 2005, demonstrou que
“as principais vítimas da violência no país são homens jovens afro-brasileiros
105
, em crimes
muitas vezes praticados por policiais envolvidos em atividades corruptas e criminosas, como
“esquadrões da morte”, responsáveis por atos de limpeza social e crime organizado (MERLINO,
2005)
106
”.
Conforme a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998), “assim como antes do golpe de
1964, suspeitos criminosos, sem-terras, negros, pobres e outros, que vivem à margem da
sociedade, mais uma vez tornaram-se as principais vítimas da violência institucional”. Nesse
103
Entretanto, muitas vezes se eximem - intencionalmente - de um posicionamento mais político, especialmente,
quando as violações envolvem questões mais polêmicas, como a reforma agrária, por exemplo.
104
As entrevistas realizadas por essas organizações, quando da investigação de casos ou visitas em missão, não se
restringem apenas às vítimas: os agentes violadores - tais como agentes penitenciários, policiais, etc - também são
contatados. No caso das violações cometidas no interior das penitenciárias, por exemplo, são consideradas as
péssimas condições de trabalho dessas categorias - baixos salários, ambiente de trabalho insalubre, falta de pessoal -
o que facilita formas de corrupção e práticas de suborno.
105
O Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005 – Racismo, Pobreza e Violência, do PNUD (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), destacou que, apesar dos negros serem maioria no efetivo policial,
constituem o principal alvo das mortes pela polícia: para cada 100 mil mortos pelas forças repressivas, 1,3 são
brancos, 2,4 são pardos e 10, 8 são negros (CARVALHO, 2005). Em 1999, 54% das pessoas assassinadas pela
Polícia de São Paulo, eram negras (AMNISTIA INTERNACIONAL, 2001). “De acordo com relatório do Sr. Cano, o
papel da raça no uso da força policial letal, talvez seja a mais severa fonte de violação dos direitos humanos no
Brasil. Após avaliar mais de 1000 homicídios cometidos pela polícia do Rio de Janeiro, entre os anos de 1993 e
1996, o relatório conclui que a raça constitui um fator que influencia a polícia - seja conscientemente ou não -
quando a polícia atira para matar. Quanto mais escura a pele da pessoa, mais suscetível ela está de ser vítima de uma
violência fatal por parte da polícia” (JUSTIÇA GLOBAL, 2000).
106
Embora o ano do Relatório seja recente (2005), existe uma clara correspondência com os estudos, relatos e
denúncias dos anos anteriores.
78
contexto, ressaltam-se as violações contra detentos, trabalhadores rurais e população indígena. As
mulheres e menores
107
integram tal composição, especialmente, sob as condições carcerárias.
Também, muitos defensores de Direitos Humanos o ameaçados no Brasil, principalmente, os
habitantes das localidades anteriores onde pretendem intervir
108
.
As forças policiais abrigam no Brasil o maior número de indivíduos violadores dos
Direitos Humanos
109
. Este fato está relacionado com questões estruturais concernentes à
segurança pública e à justiça brasileira: a grave crise do sistema prisional, a brutalidade policial e
sua impunidade. Tais aspectos subsidiaram muitos relatórios específicos elaborados pela AI e
HRW.
Para os fins deste estudo, as denúncias mais freqüentes apontadas por essas organizações
foram priorizadas. Tal opção não pretende hierarquizar a importância de algumas violações em
detrimento de outras; apenas, trata-se de reproduzir as situações mais consideradas pelas ONGI’s
em questão. Desta forma, uma atenção especial foi despendida aos problemas do sistema
penitenciário no Brasil, violência policial e práticas de tortura institucional. Outras fontes
subsidiárias foram utilizadas para a elucidação de alguns pontos.
107
Embora exista um alto índice de violações aos direitos das mulheres - principalmente no que tange à violência
doméstica - as denúncias realizadas por essas ONGI’s estão mais voltadas às situações nas quais o Estado,
desempenha algum papel determinado. Tal situação, porém, originou a publicação do relatório da HRW em 1991
intitulado: “Criminal injustice: violence against women in Brazil”. Nesse, a organização afirma que “over 70 percent
of all reported cases of violence against women take place in the home” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1991). A
HRW se preocupa mais com esse tipo de questão e com trabalho escravo. O índice deste último, entretanto, sofreu
uma drástica redução: o número de vítimas despencou para 2.487 em 1996, comparado com as 26.047 registradas em
1995 (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998b).
108
A proteção dos Defensores de Direitos Humanos é uma preocupação constante da AI e HRW, pois se constitui em
uma das pautas que garante a sobrevivência de seu próprio trabalho. Em 1999, a AI lançou o relatório “Defensores
de los derechos humanos em Latinoamérica: más protección, menos persecución”. Em 1998, a ONU aprovou a
“Declaração Sobre Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e
Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Individuais Universalmente Reconhecidos”.
109
As violações se dão, inclusive, entre os próprios membros integrantes das forças militares. Em novembro de 2005,
a Folha de São Paulo (MONKEN, 2005) relatou que o uso de tortura através de trotes violentos é uma prática
disseminada nos quartéis das Forças Armadas. Ainda, fora do Brasil, o comando militar brasileiro foi acusado por
várias ONG’s de promover uma operação que resultou na morte de 63 civis e 14 desaparecidos, em Berlinda, Haiti
(FREITAS JÚNIOR, 2005).
79
A violência policial, consubstancialmente baseada no monopólio do uso da força legítima
pelo Estado - nos moldes weberianos - foi enfatizada sob a ótica de duas perspectivas espaciais
de ocorrência: no interior das prisões - “instituições completas, austeras” e “totais
110
(respectivamente, FOUCAULT, 1987, 207 e GOFFMAN, 1974) - e fora delas, ou seja, as
execuções extrajudiciais.
No primeiro caso, as deficiências do sistema penitenciário no Brasil também foram
examinadas através de três recortes: homens, mulheres e jovens detentos. A exposição da lógica
da impunidade que permeia o sistema jurídico brasileiro se fez necessária, para que,
posteriormente, entenda-se o processo de arbitrariedade nas execuções sumárias.
Este segundo caso, no entanto, quando não associado às chacinas urbanas, está geralmente
vinculado aos conflitos pela terra no país, nos quais camponeses e índios constituem as principais
vítimas
111
.
3.3 “Aqui Ninguém Dorme Sossegado
112
No Brasil, a expressão “bandido bom é bandido morto
113
” é bastante conhecida, sendo
muitas vezes proferidas por autoridades em cargos representativos. A natureza desse tipo de
argumento faz parte de uma mesma lógica de pensamento, muito presente no discurso do senso
110
Goffman (1974, 11) define uma “instituição total” “como um local de residência e trabalho onde um grande
número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de
tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”.
111
Intencionalmente, a respectiva seção procurou não entrar no mérito da situação agrária do país e dos embates que
originam os conflitos no campo, que envolvem índios e trabalhadores rurais. O enfoque foi dado às execuções
sumárias cometidas por agentes públicos ou privados contra estes indivíduos, que ganharam repercussão
internacional. A situação indígena, entretanto, demandou algumas observações a mais.
112
Relato de um preso à AI, que deu nome ao relatório de 1999, sobre as condições carcerárias dos detentos no
Brasil.
113
Na clássica obra americana “Enterrem meu coração na curva do rio: uma história índia do oeste americano”
(1980, 133), Dee Brown reproduz as palavras imortais do general Sheridan, “implacável” contra os índios: “Os
80
comum brasileiro: a idéia de que os Direitos Humanos é sinônimo de direitos dos bandidos
(VIEIRA, 2005,11).
Segundo a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a), os altos índices de
criminalidade
114
, explicam em parte, a apatia pública em relação aos abusos contra os detentos,
que “são quase exclusivamente originários das classes mais pobres, sem educação e politicamente
impotentes, à margem da sociedade”. Além disso, a AI (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001,
17) observa uma “cobertura sensacionalista da violência urbana pela mídia quepassou a
alimentar o medo da população”.
Diante desse cenário, os defensores de Direitos Humanos encontram pouco respaldo
popular. Segundo Bovo (2002, 153), “lutar pelos direitos humanos no Brasil não é fácil porque,
além das perseguições, parcela significativa da população, muito influenciada por parte da mídia,
apóia as violações desses direitos como a tortura, o tratamento cruel aos prisioneiros, a pena de
morte, etc.”
Segundo a HRW, “os abusos cometidos contra presos é uma das formas mais sérias e
crônicas de violações dos direitos humanos no país” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a
115
).
únicos índios bons que já vi estavam mortos”. O tempo as transformou num aforismo americano: “O único índio
bom é um índio morto”. Ao que tudo indica, a máxima foi apropriada e readaptada para os “marginais” brasileiros.
114
Para a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a), a elevação das taxas de criminalidade no Brasil nas duas
últimas décadas – que se constitui em um dos principais fatores da superlotação dos presídios - deve-se, entre outros
agravantes, às condições de pobreza da população brasileira e à questão do tráfico internacional de drogas. Nesse
contexto, as políticas de repressão e “endurecimento” encontram uma alta sustentação e apoio públicos. Por
exemplo, a AI aponta em Minas Gerais, 2002, um “backdrop of increasing public demands for a tougher stance
against violent crime, and with recent polls showing mounting support for the reintroduction of the death penalty
among other measures.” (AMNESTY INTERNATIONAL, 2002b). Em contrapartida, a HRW (HUMAN RIGHTS
WATCH, 1999b) acredita que “talvez nenhum outro tópico de direitos humanos tenha atingido a consciência pública
do Brasil nesses últimos quatro anos como a violência policial”. Boff (2002), acredita que “no Brasil, a cultura da
violência policial foi amplamente cultivada”.
115
A população carcerária no Brasil, como no resto do mundo, é formada basicamente por jovens, pobres, homens,
com baixo nível de escolaridade. Pesquisas sobre o sistema prisional indicam que mais da metade dos presos têm
menos de trinta anos; 95% são pobres, 95% são do sexo masculino e dois terços não completaram o primeiro grau
(cerca de 12% são analfabetos)” (Ibid.).
81
O ano de 1997 registra o encarceramento de 170.000 presos comuns, distribuídos “em
mais de 500 penitenciárias ou presídios, milhares de delegacias policiais e cadeias municipais”
(ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a). Entretanto, o sistema prisional brasileiro é capaz de
acomodar apenas 74.000 pessoas, o que significa um déficit para 96.000 indivíduos (Ibid.).
A HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a) afirma que “o Brasil encarcera mais
pessoas do que qualquer outro país na América Latina”. A distribuição da população carcerária
brasileira de acordo com os dados oficiais do Ministério da Justiça de 2004 pode ser observada na
tabela a seguir:
Tabela 1: População Prisional Masculina e Feminina
Fechado Semi-aberto Provisório Medida de
Segurança
Total %
Masculino 127.533 31.399 76.005 3.452 238.389 96%
Feminino 6.733 1.109 2.518 375 10.735 4%
Fonte: BRASIL, 2004.
Do aumento contínuo da população prisional do país, deriva-se o mais grave problema do
sistema penitenciário no Brasil: a superlotação nos presídios e delegacias de Polícia
116
.
Segundo a HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a), “um fator importante que
contribui para a superlotação dos presídios brasileiros é o confinamento de presos não
condenados, cerca de um terço da população carcerária”. A organização em 1999 (HUMAN
RIGHTS WATCH, 1999b) recomendou a redução das prisões preventivas tanto para a solução do
116
Segundo Relatório da CPI do Cárcere em Minas Gerais, 82% dos presos no Estado se encontravam em delegacias.
Mas, essa realidade varia de acordo com cada estado: os contra-exemplos são o Rio Grande do Sul e o Amapá, que
mantém por curtos períodos os presos provisórios em tais unidades (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a).
82
problema quanto porque ele rompe com as normas internacionais de Direitos Humanos, as quais
prevêem a soltura enquanto o julgamento está pendente, salvas determinadas circunstâncias.
Além dos presos à espera de julgamento (que, em alguns casos, demoram anos) serem
constantemente misturados aos já sentenciados, dentre esses é comum a convivência entre
“reincidentes violentos e réus primários, detidos por delitos menores” (HUMAN RIGHTS
WATCH, 1998a). No mesmo relatório (op. cit.), a HRW lembra que “há pouco empenho para
separar os presos potencialmente perigosos de seus companheiros mais vulneráveis (...). Os
prisioneiros são misturados igualmente ao acaso: a atribuição de celas, por exemplo, tende a ser
ditada por considerações de espaço ou decidida pelos próprios prisioneiros”.
O contexto da superlotação, aliado à falta de guardas, gera condições suscetíveis à eclosão
de rebeliões internas entre os detentos. Em 1997, foram registradas 195 rebeliões nas instituições
prisionais sob o controle da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Na extinta Casa de
Detenção de São Paulo (Carandiru) - até então o maior presídio da América latina - costumava
haver um guarda responsável por 300/600 presos que circulavam fora das celas (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999a, 36). As rebeliões também ocorrem nas delegacias de polícia que são,
geralmente, “os estabelecimentos penais mais superlotados no Brasil”, segundo a HRW
(HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a).
Especialmente no interior dos presídios brasileiros, as ONGI’s insistem em denunciar a
insalubridade de suas condições infra-estruturais: luz, temperatura, ventilação; roupas de cama e
vestuário; alimentação, água e higiene; exposição a doenças contagiosas e a inexistência de uma
assistência médica regular e eficaz para os presos
117
; a violência entre os próprios detentos
118
;
117
A AI (ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a, 78) lembra que, “segundo dados de 1995, do departamento de saúde
da Secretaria de Administração Prisional de São Paulo, 80% dos prisioneiros e 90% das prisioneiras estavam
infectados pelo bacilo da tuberculose. Em 5% desses casos a doença se manifestaria dentro de três a cinco anos”. De
83
limitação de assistência jurídica; ausência total de privacidade. Nesse sentido, se o objetivo do
encarceramento for o de promover condições de reintegração social aos condenados - cujo
princípio do isolamento sugere a reflexão, e, por conseguinte, o “remorso” (FOUCAULT, 1987,
213) -, o fracasso de seu cumprimento será notável ainda pelas condições descritas.
Além disso, os presos são freqüentemente submetidos a torturas e maus-tratos. A
constatação de Foucault (1987, 264) é bastante sugestiva para a explicação deste fato:
O efeito mais importante talvez do sistema carcerário e de sua extensão bem além da
prisão legal é que ele consegue tornar natural e legítimo o poder de punir, baixar pelo
menos o limite de tolerância à penalidade. Tende a apagar o que possa haver de
exorbitante no exercício do castigo, fazendo funcionar um em relação ao outro os dois
registros, em se divide: um, legal, da justiça, outro, extralegal, da disciplina
119
.
A tortura nos presídios e delegacias cometidas por agentes policiais é uma prática
sistemática e generalizada no Brasil, ferindo o Artigo 5
o
XLIX da Constituição de 1988 que
declara: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (BRASIL, 1988). Esse
tipo de ocorrência encontra no legado do regime militar a principal interpretação realizada pela
HRW e AI:
acordo com o mesmo relatório, existem casos de presos espancados a caminho do hospital, retornando para celas em
pior estado de saúde que o anterior.
118
As estatísticas de São Paulo revelaram que mais de 80% dos casos de morte de detentos sob custódia policial são
de responsabilidade dos outros presos (ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a, 12). Além desse tipo de omissão e/ou
participação dos policiais - conforme a AI, os assassinatos entre detentos muitas vezes são permitidos e encorajados
pelos agentes públicos competentes -, as mortes sob custódia possuem causas diversas: como conseqüência de
espancamentos, execuções extrajudiciais para por fim a distúrbios/rebeliões e a deliberada privação de assistência
médica (Ibid.).
119
“Ao fazer da detenção a pena por excelência, ela introduz processos de dominação característicos de um tipo
particular de poder. Uma justiça que se diz igual, um aparelho judiciário que se pretende autônomo, mas que é
revestido pelas assimetrias das sujeições disciplinares (...)” (FOUCAULT, 1987, 207). A AI indica a arbitrariedade
dos policiais nas práticas de tortura e confinamento em solitárias, como forma de correção às insurgências
disciplinares. A tortura como punição é também utilizada em massa contra os internos (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999a).
84
Atualmente a maior parte dos estudos da tortura no Brasil, inclusive o próprio relatório do
governo ao Comitê contra a Tortura da ONU, atribui grande importância à herança do
país, citando a longa história de escravidão e os períodos mais recentes, sob o governo
militar, como fatores que exerceram influência fundamental sobre as atitudes relativas à
tortura, bem como sobre a persistência de sua prática (ANISTIA INTERNACIONAL,
2001, 12).
A AI (Ibid., p. 5) afirma que “no Brasil de hoje tortura e maus-tratos deixaram de ser
armas da repressão política e se transformaram nas ferramentas essenciais da rotina policial
diária”
120
. Segundo a organização, tal pratica “é usada como meio de obter confissões, subjugar,
humilhar e controlar pessoas sob detenção, ou, com freqüência cada vez maior, extorquir dinheiro
ou servir aos interesses criminosos de policiais corruptos”.
Algumas estatísticas do relatório final da “Campanha Nacional Permanente de Combate à
Tortura e à Impunidade” - lançada em 2001 - são bastante elucidativas. De acordo com o
documento, entre as alegações registradas pelo S.O.S Tortura
121
, 60,6% foram enquadradas como
Tortura Institucional – 10,1% como Tortura Privada e 29,4% comoo Tortura.
Dentre os 60,6% enquadrados como Tortura Institucional, 36,8% dos casos obedeceram
aos critérios da categoria Tortura-Prova, ou seja, àquela empregada com a finalidade de obter a
confissão da vítima. A Tortura-Castigo apareceu em 21,5% dos casos e a Tortura do Encarcerado
em 22,1%, referindo-se, respectivamente, “a prática de quem submete alguém que está sob sua
guarda, poder ou autoridade, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
120
No entanto, essa prática não se dirige exclusivamente aos presidiários: “a tortura de suspeitos comuns, não apenas
com espancamentos, mas com métodos relativamente mais sofisticados, é endêmica. A polícia no Brasil
freqüentemente vale-se da tortura como meio de interrogatório de suspeitos criminosos” (HUMAN RIGHTS
WATCH, 1998a). A violência policial no Brasil foi analisada pela organização no relatório “Brutalidade Policial
Urbana no Brasil” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1997) em uma tipologia que abrange os crimes contra a população
civil em geral, incluindo desde as grandes incursões às favelas até o desaparecimento de pessoas sob custódia
policial. O primeiro caso pode ser ilustrado com o episódio de ocorrido em 31/03/2005 - anos após a divulgação do
relatório - quando vários PMs atiraram indiscriminadamente em moradores da Baixada Fluminense (RJ) e arredores,
cujo saldo foi de 30 mortes de civis (RETROSPECTIVA, 2005). A AI considera que neste ato “houve indicações
claras da presença ativa e contínua de "esquadrões da morte" policiais em centros urbanos no Brasil" (MERLINO,
2005).
85
pessoal ou medida de caráter preventivo” e à prática daquele “que submeter pessoa presa ou
sujeita à medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio de ato não previsto
em lei ou não resultante de medida legal” (CAMPANHA..., 2003, 17). Em 13,8% essas
modalidades apareceram associadas.
Os suspeitos criminais representaram 51,1% das vítimas de tortura e os presos, 40%.
Outras vítimas - categoria constituída em maioria por “familiares, vizinhos ou amigos de
suspeitos (Ibid., p. 37)”, procuradas para a prestação de informação - totalizaram 8,3% e 0,6% os
casos não informados. Em 84% das situações, as vítimas são homens.
Quanto ao perfil dos agentes que empregam a tortura, 31,4% foram atribuídos à Polícia
Civil; 30,6% à Polícia Militar
122
; 14% aos Funcionários de Prisão e 10,9% a Policiais Não
Identificados. O restante percentual se referiu a essas categorias combinadas com integrantes da
Polícia Rodoviária, Guarda Municipal e outros funcionários públicos.
Destaca-se, também, entre os dados informados pelo Relatório, os locais onde a tortura é
praticada com mais freqüência: 47,2% ocorreram nas Delegacias de Polícia; 26,9% em Unidades
Prisionais e 5,5% nas ruas. Nas outras porcentagens, incluem-se os Batalhões da PM, viaturas,
locais desertos e outros.
121
Totalizadas no número absoluto de 2.206 e recolhidas entre 30 de outubro de 2001 e 31 de julho de 2003
(CAMPANHA..., 2003).
122
A AI destaca o recurso habitual da tortura pela Polícia Civil como meio para extrair confissões (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999a); a Polícia Militar, por sua vez, faz esse uso abertamente nas ruas, no momento da voz
de prisão para intimidação de suspeitos criminais (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001). No primeiro caso, destaca-
se a invalidade de tal método, atribuída pelo Artigo 15 da “Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes” (1984) - da qual o Brasil é Estado signatário, à 15/02/1991: “Cada Estado Parte
assegurará que nenhuma declaração comprovadamente obtida sob tortura possa ser admitida como prova em
qualquer processo (...)” (NAÇÕES UNIDAS, 2002b). Apesar disso, a AI afirma que “policiais carentes de formação
e dos recursos necessários para empreender investigações de forma profissional e científica passaram a considerar as
confissões assinadas como único meio de assegurar a ação legal” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, 21).
86
De uma maneira geral, essas estatísticas confirmam as denúncias realizadas pela AI e
HRW nos materiais examinados. Sob as condições de detenção, destaca-se também, as violações
aos direitos das mulheres e menores.
As mulheres representam cerca de 4% da população carcerária no Brasil. À semelhança
do perfil dos presidiários, as detentas, geralmente, são pobres e possuem baixo nível de
escolaridade. Muitas delas possuem responsabilidades de chefes de família.
Existem registros de violência empregada por agentes carcerários de ambos os sexos
contra as internas:
Embora em geral os únicos homens que trabalham em presídios ou penitenciárias
femininos sejam os integrantes da guarda armada e dos portões e os policiais militares que
patrulham o perímetro, a Anistia Internacional documentou vários casos de espancamento
de presas por agentes penitenciários masculinos ou pela equipe de choque da Polícia Civil
em operações contra distúrbios em penitenciárias e delegacias
123
(ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999a, 52).
A Anistia lembra que “a maior parte da guarda das delegacias é composta de homens”
(Ibid., p. 57), violando normas nacionais e internacionais. Em relação às primeiras, a Constituição
garante “que nenhum elemento masculino, com exceção de pessoal técnico especializado, deve
trabalhar em instituições penais femininas” (Ibid., p. 57). Quanto ao padrão internacional, tem-se
“que nenhum agente penitenciário do sexo masculino pode entrar nas dependências das
instituições reservadas para as mulheres, a não ser em companhia de uma agente feminina” (Ibid.,
p. 57).
Especialmente nas delegacias, a organização destacou também a superlotação, a “falta de
privacidade, de instalações sanitárias adequadas e de assistência médica” (ANISTIA
123
No ano de 1997, em meio a um protesto no Presídio Santa Rosa de Viterbo (Altinópolis, SP), oitenta detentas
foram espancadas por integrantes masculinos das Polícias Militar e Civil. A reivindicação era a de que uma das
internas pudesse comparecer ao enterro do neto, cuja permissão havia sido negada (ANISTIA INTERNACIONAL,
1999a, 53). Pronunciando-se em relação a esse episódio, a HRW (1998a) observou que “rebeliões e protestos são
relativamente pouco freqüentes nas prisões femininas. (...) Como ocorre nas prisões masculinas, porém, quando as
revoltas acontecem de fato, são quase sempre reprimidas violentamente”.
87
INTERNACIONAL, 1999a, 51). A privação de visitas conjugais integra igualmente o rol das
violações contra as internas e configuram - tanto para a AI, quanto para a HRW - uma clara
prática discriminatória
124
.
Mas, de uma forma geral, a Anistia Internacional observa uma variação entre as condições
dos estabelecimentos prisionais femininos e a ocorrência de violações
125
.
Comparativamente, a HRW (1998a) afirma que “as detentas são geralmente poupadas de
alguns dos piores aspectos das prisões masculinas. De uma maneira geral, as detentas tendem a
ter maior acesso a oportunidades de trabalho, sofrem menos violência dos funcionários e dispõem
de mais apoio material
”. Também, “as prisões femininas tendem a ter funcionários de nível
melhor do que as prisões masculinas
126
, o que resulta em mais supervisão e assistência” (Ibid.).
A organização afirma que a superlotação das penitenciárias femininas é relativamente
menor do que as masculinas e que os “espancamentos eram raros na maioria dos
estabelecimentos - com os incidentes mais sérios envolvendo policiais de fora, em vez dos
funcionários das prisões” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a).
Conclui-se da análise dos relatórios que o panorama geral do sistema prisional feminino
possui irregularidades em menores proporções do que o masculino, especialmente, no que tange
às práticas de torturas e maus-tratos. Entretanto, as descrições acima, revelam a existência de
violações aos direitos das detentas, que, como afirmado anteriormente, variam entre os
estabelecimentos de detenção e os estados onde estão localizados.
124
A HRW (1998a) lembra a inexistência de restrições às visitas conjugais para detentos. Esse aspecto pode ser
conferido no filme “Carandiru”, de Hector Babenco.
125
A AI referencia as boas condições de detenção da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, RS
(ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a). A HRW (1998a) lembra que antes, várias prisões femininas eram
administradas por freiras, sendo prática comum na América Latina.
126
A HRW descreve que “em geral, as relações entre prisioneiros e guardas nas prisões femininas eram muito mais
cordiais e amigáveis do que nos estabelecimentos masculinos” (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998a).
88
Por sua vez, o sistema de detenção juvenil é apontado pela Anistia Internacional
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2001a) como uma estrutura de reclusão que desrespeita
diariamente o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente)
127
. O conteúdo do Estatuto apresenta
uma das legislações mais avançadas do mundo para a proteção de menores, devido à
incorporação de vários princípios e diretrizes da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU
(1989), da qual o Brasil é Estado signatário. A partir de sua aprovação, a delinqüência juvenil foi
transferida da alçada da justiça criminal para a da assistência social (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999a).
A HRW publicou, nos anos de 2003, 2004 e 2005, os respectivos relatórios específicos
sobre o tema
128
: “Cruel Confinement: abuses against detained children in Northern Brazil”;
“Verdadeiras Masmorras: Detenção Juvenil no Estado do Rio de Janeiro” e “Na Escuridão
Abusos ocultos contra jovens internos no Rio de Janeiro”. Em 2000, a AI também lançou:
Brazil: a waste of lives. FEBEM juvenile detention centres in São Paulo: A human rights crisis,
not a public security issue
129
”.
O sistema de detenção juvenil no Brasil possui administração estadual. Segundo a AI
(1999a), existem 74 instituições de custódia para menores infratores no Brasil, entre unidades de
acolhimento provisório e centros de internação fechados. As primeiras mantêm os jovens
suspeitos de infração, em um prazo máximo de 45 dias; nos segundos, os menores cumprem suas
penas.
Segundo o Ministério da Justiça, entre setembro e outubro de 2002, 9.555 adolescentes
estavam detidos no Brasil. Dentre esses, predomina-se os jovens de sexo masculino, negros ou
127
Lei n° 8.609 de 13 de Julho de 1990 (BRASIL, 1990).
128
O relatório da HRW de 1994 “Final justice: police and Death squad homicides of adolescents in Brazil” também
trata das violações contra menores, porém não sob as condições de detenção.
89
pardos, na faixa etária situada entre 16 e 18 anos (76% do total) e com níveis de escolaridade
baixos. As meninas representam apenas 6% dos jovens privados de liberdade. Novamente, São
Paulo é citado como o Estado que porta a maioria dos menores detidos no Brasil (HUMAN
RIGHTS WATCH, [2003]).
A situação que envolve violações de Direitos Humanos no interior dos estabelecimentos
de detenção juvenil se assemelha com as do sistema penitenciário dos adultos do sexo masculino.
As denúncias realizadas pela Anistia Internacional (ANISTIA INTERNACIONAL,1999a
e 2001) contra os menores reclusos
130
nas unidades penais visitadas são principalmente: a
ocorrência de tortura e maus-tratos contra os jovens infratores, dentre eles, “espancamento como
forma de punição e repressão violenta aos distúrbios
131
” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001,
33), bem como a utilização de “celas de castigo e o confinamento em solitária como formas de
punição de falhas disciplinares” (ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a, 62); b) assédio sexual
por parte dos detentos mais velhos, em função dos critérios de separação espacial entre os
mesmos; c) superlotação em estabelecimentos de vários Estados; d) corpo de funcionários
insuficiente e deficiente
132
; e) condições de higiene inadequadas; f) mortes sob a custódia
estadual; g) falta de assistência médica.
129
Tais relatórios não foram analisados pela abordagem estadual específica e/ou situação fora do período examinado
nesta pesquisa. Aplicou-se esse critério para outros relatórios que denunciam violações de naturezas variadas.
130
O ECA considera a pessoa de até doze anos de idade incompletos como criança; entre doze e dezoito anos de
idade, adolescente. Quando o ato infracional é cometido pela primeira categoria, uma série de alternativas que não a
reclusão penal, estão disponíveis nos termos legais (BRASIL, 1990). No segundo caso, o delito é definido pelo
Código Penal (ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a). Entretanto, a AI revela que vários menores são internados por
atividades que não infringem qualquer lei (Ibid.).
131
Entre os agressores estão guardas, monitores e a própria Polícia Militar. Muitas vezes, essa última é chamada para
controlar motins nas unidades da Febem, além de eventualmente compor o pessoal juntamente com guardas de
segurança particulares e outros funcionários, como é o caso do acolhimento provisório Paratibi, em Pernambuco
(ANISTIA INTERNACIONAL, 1999a & 2001).
132
A AI reconhece os salários baixos, as dificuldades e o perigo do trabalho dos monitores, que não possuem
recursos, nem preparo para a lida com jovens transgressores (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001).
90
Apesar dos problemas, riscos e dificuldades específicas encontradas pelas ONGI’s nas
condições de detenção de homens, mulheres e menores, observa-se uma generalidade estrutural
que os sustentam e que pode ser traduzida em um sistema penal em crise.
Essa situação convoca a necessidade de reformas profundas, expressadas pelo
prosseguimento dos debates entre os poderes públicos e sociedade civil
133
. As palavras de
Foucault (1984, 234) sugerem uma cronicidade histórica para a questão:
Estranhamente, a história do encarceramento não segue uma cronologia ao longo da qual
se sucedessem logicamente: o estabelecimento de uma penalidade de detenção, depois o
registro de seu fracasso; depois a lenta subida dos projetos de reforma, que chegariam à
definição mais ou menos coerente de técnica penitenciária; depois a implantação desse
projeto; enfim a constatação de seus sucessos ou fracassos.
Mas, se de uma forma geral, o fracasso impera no interior do sistema penitenciário
brasileiro - cuja negligência e apatia das autoridades competentes e da própria sociedade como
um todo é visível
134
- sobressai-se a própria inabilidade política e social no tratamento de
indivíduos sem “função social”, transgressores da lei - e, que, portanto, parecem não merecer
compromisso legal recíproco -, perigosos em potencial para a população civil, e, que,
principalmente, custam muitas verbas para o Estado para sua devida manutenção. O preso
representa, em essência, a figura do indivíduo estigmatizado, que está associada ao “protótipo do
banido social, banido por exclusiva culpa sua. Ao defini-lo, penalizaram-no, colocando-o à
margem da sociedade” (GOFFMAN, 1988).
133
Uma proposta ao Governo Federal e aos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados no dia
19/01/2000 pelo Fórum Nacional de Ouvidores, em conjunto com representantes da sociedade civil, reflete algumas
dessas discussões, demandando “diversas finalidades, dentro do propósito finalístico de alterar a estrutura policial
dos Estados, criando simultaneamente um novo e mais moderno modelo de persecução penal. O alicerce desse novo
modelo radica-se , sem dúvida alguma, no fim da dualidade na função policial. Com efeito, a extinção das polícias
civis e militares deve dar lugar a uma estrutura unificada, denominada de Polícia Estadual, com vocação para o
exercício integral das funções policiais” (FÓRUM..., 2002).
91
A necessariedade da prisão enquanto instituição não é aqui questionada; mas sim, a
falência dos objetivos propostos por ela. As violações observadas pela AI e HRW dentro da
lógica prática da estrutura penitenciária no Brasil rompem claramente com as “sete máximas
universais da “boa condição penitenciária”, ironizada por Foucault (1984, 237), constituídas há
cerca de 150 anos: o Princípio da Correção, da Classificação, da Modulação das Penas, do
Trabalho como obrigação e como direito, da Educação penitenciária, do Controle técnico da
detenção e o das Instituições anexas. Resumidamente, a essencialidade de tais princípios se
baseia em uma recuperação transformadora do indivíduo encarcerado.
O descompasso entre a teoria e a prática do sistema penal, sociologicamente falando,
produz no mínimo três formulações que podem ser aplicadas ao caso brasileiro: 1) “As prisões
não diminuem a taxa de criminalidade”; 2) “A detenção provoca reincidência”; 3) “A prisão não
pode deixar de fabricar delinqüentes”, sendo esses “um produto da instituição” (FOUCAULT,
1984, 234).
A complexidade que envolve a eficácia e a idoneidade das forças policiais no país,
agregadas às próprias mazelas do sistema e das instituições penais, produz um círculo vicioso de
violência que se estende para além das grades.
As difíceis resoluções para os impasses desse problema no país estão condicionadas,
principalmente, à impunidade das arbitrariedades cometidas pelas forças policiais, fenômeno que
reifica o processo de violência como um todo.
Nesse caso, a pressão da sociedade civil deve estar, irremediavelmente, aliada à promoção
de um accountability também horizontal, nos âmbitos estadual e federal.
No Brasil, destacam-se quatro tipos de forças policiais: a Polícia Federal e Polícia
Rodoviária - ambas subordinadas ao Ministério da Justiça - e as Polícias Civil e Militar -
134
“Uma tolerância difusa, referendada pelo silêncio das autoridades” (PINHEIRO, 2003, 6).
92
controladas pelas Secretarias de Segurança Pública de cada Estado da Federação (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2001)
135
.
A competência estadual dos processos criminais e sistema penal e a jurisdição da Justiça
Militar para os servidores dessa corporação constituem dois fatores produtores e agravantes da
impunidade das violações de direitos dentro da estrutura burocrática penal.
O primeiro aspecto se constitui como tal pelo fato de que
O Brasil, na verdade, não possui um sistema penal e sim muitos. Como nos Estados
Unidos e outros países, embora diferentemente da maioria dos países latino-americanos, as
prisões, cadeias e centros de detenção no Brasil são administrados pelos governos
estaduais (...). A independência da qual os estados gozam ao estabelecer a política penal
reflete na ampla variedade entre eles em assuntos tão diversos como os níveis de
superlotação, custo mensal por preso e salários dos agentes carcerários
136
(HUMAN
RIGTHS WATCH, 1998a).
Desta maneira, a legislação penal é observada, administrada e controlada pelas
autoridades estaduais, estando sob a alçada da legislação federal. Em geral, a Polícia e o
Judiciário federais tratam de crimes como o narcotráfico; mas, a sua grande maioria,
especialmente, aqueles cometidos contra os Direitos Humanos, encontram-se sob a alçada dos
judiciários estaduais (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001). Sendo assim, “cada estado é
responsável pelas respectivas forças policiais militar e civil, tendo sua promotoria e judiciário
estaduais com acesso aos tribunais federais como cortes de última instância” (Ibid., p. 61).
O entrevistado da AI lembra as conseqüências que esse tipo de estrutura jurídica produz
em relação as tentativas de responsabilização sobre o governo federal: “dada la naturaleza
federal del estado brasileiro, es muy facil para el gobierno federal el decir que la
135
As Polícias Militar e Civil são as responsáveis pela rotina cotidiana de policiamento. Enquanto a primeira executa
o policiamento nas ruas, a segunda realiza as atividades de investigação (Ibid.).
136
Sendo assim, muitas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) do sistema prisional, ocorrem no âmbito dos
Executivos Estaduais, como foi em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo. Muitas vezes, as ONGI’s vêem-se
obrigadas a exercerem um accountability também estadual.
93
responsabilidad por las violaciones y su investigación (o no investigación) recae en las
autoridades estaduales, que son las que tiene control sobre las policias”.
Por conseguinte, as tentativas que envolvem o processo de federalização dos crimes
contra os Direitos Humanos são reivindicadas pelas organizações que atuam na área.
Frei Henri, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), é um dos principais defensores dessa
proposta que visa o combate à impunidade de uma forma geral. Sua militância na defesa dos
Direitos Humanos no Estado do Pará já lhe rendeu inúmeras ameaças de morte e, inclusive,
várias Ações Urgentes chamadas pela Anistia Internacional. Suas atividades são reconhecidas
pelo seu posicionamento a favor dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais que esbarram
nos interesses econômicos dos grandes latifundiários da região. Baseando-se em sua própria
experiência, ele considera a federalização dos crimes necessária, pois, “está provado que o Poder
Judiciário no Pará não tem condição realmente de apurar os crimes contra os madereiros e
latifundiários” (COZETTI, 2005, 13). Além disso, existem indícios que presumem uma ligação
entre os madereiros e a Justiça do local. Sobre as possibilidades de execução da proposta, Frei
Henri declarou que
Será extremamente difícil. Porém vai se decidir rapidamente, pois já está no Superior
Tribunal de Justiça. Mas é estranho, pois no início, logo depois do assassinato da irmã
Dorothy, o secretário dos Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda, estava muito
otimista sobre a possibilidade da federalização. Agora ele mudou, nunca mais falou a
favor disso. A CPT tem informações de que havia um tipo de acordo entre os governos do
Pará (PMDB) e o governo federal para que esse crime não seja federalizado (Ibid.)
137
.
Ainda, um outro tipo de transferência é amplamente reivindicado pelas organizações de
Direitos Humanos em geral, como medida de controle da impunidade, especificamente, em
137
A AI destaca, nesse sentido, o compromisso do governo federal em criar algum tipo de mecanismo para a
federalização de determinados crimes contra os Direitos Humanos, no lançamento nacional do PNDH (AMNESTY
INTERNATIONAL, 1998b).
94
relação à violência policial: a de que todos os crimes cometidos pela polícia sejam de
competência da jurisdição Comum e não Militar. Pinheiro (2003, 5), ao explicar a situação que a
faz necessária, lembra uma medida governamental significativa nesse sentido, que será retomada
no Capítulo 3:
A Constituição de 1988 consagrou o engessamento da organização da Segurança Pública
definida pela Ditadura Militar. Por meio dos tribunais estaduais das polícias militares, foi
consagrado um foro especial que garantiu a impunidade dos crimes comuns perpetrados
por membros dessa corporação. A única alteração substancial que o Congresso Nacional
fez em dezessete anos foi a competência da Justiça Civil para os homicídios dolosos
cometidos por policiais militares (o que permitiu, por ser uma alteração do Processo Penal,
aplicação retroativa à longa série de massacres cometidos por policiais militares). Mas
mesmos esses homicídios e todos os outros crimes comuns continuam a ser investigados
pela excrescência que são os inquéritos policiais militares, monumento de incompetência e
amadorismo. A estrutura da Polícia Civil permanece intocada.
Ainda, outros fatores dificultam para que crimes dessa natureza, praticados pelas forças
policiais, possuam julgamentos apropriados, eficazes e regulares.
As Corregedorias são constituídas por departamentos de órgãos oficiais - como as polícias
civis e militares, serviço penitenciário, promotoria e judiciário -, encarregados pela investigação
interna nos casos de procedimentos institucionais ou criminais irregulares. Uma vez que seus
integrantes pertencem à mesma unidade que está sob investigação, a parcialidade e o
corporativismo comprometem a idoneidade das investigações
138
. Tal constatação foi reconhecida
pelo próprio governo brasileiro em seu relatório ao Comitê da ONU contra a tortura (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2001).
138
O caráter autônomo das Ouvidorias permite o acompanhamento das denúncias que as mesmas remetem à
Corregedoria até a abertura ou arquivamento dos processos (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001). Mas, obstáculos
para um trabalho eficiente são criados na medida em que, por exemplo, “policiais civis investigam policiais civis”
(Ibid., p. 39). Além disso, o Corregedor, geralmente, é um indivíduo de alto escalão da Polícia. O afastamento de
policiais na ativa sob investigação é raríssimo. A transferência para outras unidades penais substituem, na maioria
dos casos, a suspensão do serviço. A AI revela que em reunião com o Secretário de Segurança Pública do Estado de
São Paulo, foi alegada a impossibilidades de afastamento de todos policiais acusados de praticar atos de tortura, uma
vez que o trabalho da polícia paulista seria totalmente interrompido (Ibid.).
95
O papel dos Institutos Médicos Legais (IML), por sua vez, é fundamental para a
caracterização da existência e do tipo de torturas sofridas pelas vítimas. Porém, muitas vezes os
torturadores aplicam métodos de tortura já condicionados para impossibilitar futuras
identificações visíveis corporalmente. Além disso, os médicos legistas são diretamente
vinculados à polícia; quando autônomos, estão submetidos às Secretarias Estaduais de Segurança
Pública (Ibid.).
Outros obstáculos são ainda encontrados para a realização de um diagnóstico médico real,
peça fundamental para a abertura de um processo no caso da tortura: a insuficiência de
informações relatadas aos médicos para pareceres compatíveis com os atos de tortura; o
acompanhamento de policiais ou delegados junto às vítimas quando dos relatos aos médicos -
quando não de seus próprios torturadores; a omissão das próprias vítimas, por temor a represálias;
as perguntas diretas, restritivas e tendenciosas dos laudos que privam os médicos da liberdade de
expressão profissional
139
, enfim, a tolerância e relativização para os casos não evidentes da
ocorrência de tortura (Ibid.).
Embora as corporações policiais possuam regras hierarquizadas de conduta internas,
impondo limites aos subordinados do baixo escalão, o livre arbítrio desses últimos - no caso das
violações aos Direitos Humanos - é relativizado pelas suas autoridades superiores. E, é na esteira
da impunidade, evidenciada por um sistema “incountable” por excelência
140
, que as fronteiras das
139
O “Manual sobre Investigação e Documentação Efetivas de Tortura e Outras Formas Cruéis, Desumanas e
Humilhantes de Tratamento e Punição” ou Protocolo de Istambul de 1999, dispõe de uma espécie de Código de
Conduta Internacional para Médicos Legistas, assegurando este tipo de liberdade (AMNISTÍA INTERNACIONAL,
2001).
140
A HRW (HUMAN RIGHTS WATCH, 1999b) afirma que “a ausência de mecanismos efetivos de controle interno
e externo da polícia permanece um obstáculo para coibir a violência policial futura. De fato, a impunidade constitui a
principal causa da violência, corrupção e ineficiência dentro da força policial”. Conforme Cavallaro e Moreno
(2002), “o relatório produzido pela Human Rights Watch em abril de 1997 abordando o tema da brutalidade policial
no Brasil, concluiu que a impunidade, produto do descompromisso de várias instituições brasileiras, é o fator que
mais contribui para a manutenção de práticas abusivas por parte da polícia”.
96
“instituições da violência” (PINHEIRO, 2003, 7) são ultrapassadas pelos que estão no seu
comando.
3.4 Execuções Extrajudiciais e Grupos de Extermínio
As execuções sumárias no Brasil são perpetradas, geralmente, por forças policiais - em
serviço
141
ou de folga
142
- e por milícias privadas de segurança, mais conhecidas como
“esquadrões da morte” ou “grupo de extermínio
143
”. Em muitos casos, há cooperação ou omissão
das primeiras com as segundas. As vítimas são constituídas, essencialmente, por meninos de rua,
trabalhadores rurais e indígenas.
Segundo Nilmário Miranda (MIRANDA, 2002d), ex-Secretário Nacional de Direitos
Humanos e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal,
A ação dos grupos de extermínio consiste numa das principais fontes de violação dos
direitos humanos e de ameaça aos Estado de direito no país. Essas quadrilhas agem
normalmente nas periferias dos grandes centros urbanos e têm seus correspondentes nos
jagunços do interior. Usam estratégia de ocultar os corpos de suas vítimas para se furtar à
ação da justiça, sendo que os mais ousados chegam a exibir publicamente sua crueldade.
Surgem como decorrência da perda de credibilidade nas instituições da justiça e de
segurança pública e da certeza da impunidade, resultante da incapacidade de organismos
competentes em resolver o problema. Os embriões dos grupos de extermínio nascem
quando comerciantes e outros empresários recrutam matadores de aluguel, freqüentemente
entre policiais militares, e civis, para o que chamam "limpar" o "seu" bairro ou sua cidade.
Contam muitas vezes com o apoio de amplo segmento da população que, descrentes nos
organismos oficiais deixam se seduzir pela idéia de fazer justiça com as próprias mãos.
141
Incluindo-se, neste caso, as mortes sob custódia. Alguns dados são ilustrativos: a Polícia do Rio de Janeiro, matou
entre 1993 e 1996, 942 civis (AMNÍSTIA INTERNACIONAL, 1998); a polícia paulista, por sua vez, cometeu no
ano de 2001, 481 homicídios (AMNISTÍA INTERNACIONAL, 2002).
142
Nos primeiros sete meses de 2001, esquadrões da morte compostos por policiais civis e militares de folga,
mataram 159 pessoas em Salvador, Bahia (AMNISTÍA INTERNACIONAL, 2002).
143
Por exemplo, nos sete primeiros meses de 1997, o Mato Grosso do Sul registrou 87 homicídios cometidos pelos
esquadrões da morte, na fronteira com o Paraguai (AMNÍSTIA INTERNACIONAL, 1998). No Rio Grande do
Norte, a atuação destacada é do conhecido grupo de extermínio “Menino de Ouro”. Segundo a AI , “the Meninos de
Ouro are believed to have killed up to 80 people, and tortured many others, in Rio Grande do Norte since the 1990s.
Some members of the death squad are civil police officers” (AMNESTY INTERNATIONAL, 2001a).
97
Cinco episódios emblemáticos das execuções sumárias no Brasil: os massacres do
Carandiru (1992), Candelária (1993), Vigário Geral (1993), Corumbiara (1995) e Eldorado dos
Carajás (1996), obtiveram repercussão internacional, pela arbitrariedade do uso da força e
violência, pelo número de policiais envolvidos - 120, 8, 48, 22 e 155, para 111, 8, 21, 9 e 19 civis
mortos, respectivamente (AMNESTY INTERNATIONAL, 1998b) - e pela impunidade dos seus
respectivos julgamentos. A Anistia Internacional elaborou relatórios específicos para cada um
destes acontecimentos, enviando inclusive missões para o acompanhamento das investigações:
Na opinião da Anistia Internacional, a inadequação das investigações comprometeu
seriamente o processo de acusação formal dos responsáveis. (...). A contaminação da cena
do crime, a destruição de provas judiciais essenciais, a má qualidade da testagem balística
e da documentação e o subseqüente fracasso na devida tomada de depoimentos das
testemunhas e na proteção das mesmas contra intimidação pelos supostos perpetradores,
dos quais todos continuam em serviço policial ativo – todos esses elementos dificultam
extremamente a atribuição de responsabilidade criminal individual aos policiais, por
violações específicas (Ibid., p. 2).
O Massacre do Carandiru ocorreu no interior do até então maior presídio da América
Latina, a Casa de Detenção de São Paulo
144
, fruto de uma operação militar autorizada pelo
Comandante Ubiratan Guimarães
145
, para debelar uma rebelião entre os presos. Tratou-se de “um
dos casos mais terríveis já documentados pela Anistia Internacional no Brasil
146
” (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1999b), através do relatório publicado em 1993 “Chegou a morte -
144
Popularmente conhecida como “Carandiru”, em 2002, foi implodida a mando do então governador de São Paulo,
Geraldo Alckmim. Tal medida esteve presente em uma das recomendações do PNDH I, em longo prazo (BRASIL,
1996a).
145
O Coronel foi eleito em 2002, com mais de 50 mil votos, como Deputado Estadual em São Paulo, pelo PTB.
Condenado há 632 anos de cadeia em 2001, Ubiratan permanece em liberdade, devido o pedido de anulação do
julgamento pela defesa (TJ..., 2006).
146
Segundo o parecer de Fiona Macaulay, investigadora da AI no país.
98
Massacre da Casa de Detenção de São Paulo
147
” e de outros inúmeros informativos. Os oficiais
em cargos de chefia - sendo os únicos condenados - apelam atualmente em liberdade de suas
sentenças (MERLINO, 2005).
As chacinas urbanas da Candelária e Vigário Geral ocorreram no Rio de Janeiro em 1993.
No primeiro caso, “homens mascarados abriram fogo sobre um grupo de mais de 50 crianças de
rua que dormiam no chão junto à Igreja Candelária
148
” (ANISTIA INTERNACIONAL, 1994,
72). No segundo, “mais de 30 homens mascarados e fortemente armados atacaram a favela de
Vigário Geral (...). Durante duas horas, os atacantes dispararam indiscriminadamente contra os
residentes” (Ibid., p. 73). No primeiro episódio, três pessoas, das quais dois policiais militares
foram condenados em 1997. No caso da chacina de Vigário Geral, teve-se ao todo a condenação
de seis policiais e a absolvição até 2003 de 19.
Por sua vez, os episódios de Corumbiara (RO) e Eldorado dos Carajás (PA) evidenciam,
claramente, os conflitos rurais no interior do Brasil, onde “ativistas da reforma agrária e
indígenas, envolvidos em disputas pela terra, foram perseguidos, atacados e mortos pela polícia
militar e por pistoleiros a soldo dos donos da terra, com a aquiescência aparente das polícias e das
autoridades” (AMNISTIA INTERNACIONAL, 2001, 79).
No primeiro, o confronto foi instaurado entre a Polícia Militar do estado de Rondônia e
500 famílias de posseiros que tentavam ocupar uma área não cultivada da Fazenda de Santa
147
Em junho de 1993, o Secretário de Justiça do Estado de São Paulo visitou o Secretariado Internacional da Anistia
em Londres, para apresentar a resposta oficial do governo sobre este relatório. Segundo a AI (ANISTIA
INTERNACIONAL, 1994, 75), a resposta “não contestava o conteúdo do relatório mas argumentava que o governo
estadual tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para investigar o caso”. Em setembro do mesmo ano, a
organização “escreveu ao Presidente Itamar Franco, exortando-o a rever toda a estrutura das forças policiais do
Brasil e a por fim às persistentes violações cometidas pela Polícia Militar em quase todos os estados” (Ibid., p. 76).
148
Em 26 de setembro de 2000, Elizabeth Cristina de Oliveira, foi assassinada na porta de sua casa, pouco antes do
julgamento de um dos oficiais acusados de participar do massacre, no qual seria testemunha (AMNISTIA
INTERNACIONAL, 2001).
99
Elina, município de Corumbiara, em 9 de agosto de 1995
149
. Os 23 dias de julgamento ocorrido
em Porto Velho (RO), entre agosto e setembro de 2000, resultaram na absolvição de nove e
condenação de apenas três policiais militares. Dois trabalhadores sem-terra foram também
condenados. As palavras proferidas durante o julgamento pelo então Promotor de Justiça, Tarciso
Leite de Mattos, tiveram enorme repercussão entre aqueles que acompanhavam o caso: “Ou o
Brasil acaba com os sem terra ou eles acabam com o Brasil” (JUSTIÇA GLOBAL, CPT & MST,
[2001]).
Cerca de oito meses depois daquele massacre - em 17 de abril de 1996 -, trabalhadores
rurais sem terra foram assassinados pela Polícia Militar do estado do Pará, durante uma
manifestação na rodovia PA-150, em Eldorado dos Carajás. Em 2000, a primeira seção do
julgamento foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, quando da absolvição dos três
comandantes das tropas da Polícia Militar que participaram da operação. Ainda, “a request for a
retrial of 145 other military policemen involved in the incident was rejected (AMNESTY
INTERNATIONAL, 2005b)”, lembra a AI, cinco anos depois.
Segundo os dados da CPT, no período de 1985 a 1996, 976 ativistas rurais foram
assassinados (AMNESTY INTERNATIONAL, 1998b)
150
. Sete condenações foram efetuadas,
dos 56 casos que chegaram a julgamento (AMNESTY INTERNACIONAL, 1998b). Segundo a
mesma organização, até outubro de 1997, 25 civis haviam morrido em conflitos de terra, que
envolveram cerca de 481.490 pessoas neste mesmo ano. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998c).
Nesse contexto, a população indígena também vê seus direitos cotidianamente violados no
Brasil. Os maiores problemas denunciados pela AI e HRW consistem: nas execuções sumárias
149
Além dos nove camponeses, dois policiais morreram no conflito. Outras 100 pessoas ficaram feridas. Ainda, uma
pessoa até então desaparecida, foi encontrada morta dias depois da chacina (Ibid).
100
efetuadas por agentes públicos ou particulares; na negligência e falta de reconhecimento cultural,
social, econômico e político desta etnia
151
; nos conflitos pelas demarcações de terra, onde
indigenous groups more vulnerable to attack by making public statements against the land
claim” (AMNESTY INTERNATIONAL, 2000); na situação de insegurança na qual muitos
defensores pelos Direitos indígenas vivem, incluindo assassinatos, tentativas de assassinatos e
ameaças de morte
152
.
A persistência das péssimas condições de vida e a impunidade dos crimes cometidos
contra essa população, ao longo de toda a história do Brasil, requer anualmente, pelo menos
algum parecer de ambas organizações.
O Relatório Anual da AI de 2002 (AMNISTÍA INTERNATIONAL, 2002) registra a
morte de 10 índios, em 2001 e lembra “en 1998, un ataque contra unos 100 indígenas ticuna
junto al Arroyo Capacete, estado de Amazonas, ataque em el que murieron 14 personas, entre
ellas seis niños” (Ibid., p. 112).
O Informe Anual da HRW (1999c), em termos retrospectivos, denunciou que
Los pueblos indígenas siguieron sufriendo invasiones, con frecuencia violentas, de sus
tierras tradicionales por parte de madereros, mineros y otras personas. El 20 de mayo, el
líder indígena xucuru Francisco de Assis Araújo fue disparado por un pistolero a sueldo
en Pesqueira, en el nordeste del estado de Pernambuco, dentro de lo que parecía un
asesinato premeditado. Araújo había liderado una campaña para incrementar el área
150
Sem contar as tentativas de assassinato, registradas em 45 casos no ano de 1995 (Ibid.) e ameaças de morte, que
no primeiro semestre de 2001, totalizaram 73. Nesse mesmo período, 25 camponeses morreram pela ação de milícias
privadas (AMNISTÍA INTERNACIONAL, 2002).
151
Garantidos pelo Capítulo VIII da Constituição de 1988 e pelas cláusulas internacionais do Sistema de Proteção
aos Direitos Humanos (Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e
Tribais em Países Independentes) (ANISTIA INTERNACIONAL, 2005)
152
Em 1993, a AI lançou o relatório “Nosotros somos la tierra: la lucha de los pueblos indígenas de Brasil” e em
2005, “Estrangeiros em nosso próprio país: povos indígenas do Brasil”, criticando as promessas de campanha da
Coligação Lula 2002 “Compromisso com os povos indígenas do Brasil”. A HRW, por sua vez, lançou em 1994 o
relatório “Violence against the Macuxi and Wapixana Indians in Raposa Serra do Sol and Northern Roraima from
1988 to 1994”.
101
demarcada como tierra de los xucurus. Unas 181 haciendas habían ocupado las áreas
reclamadas por la tribu.
Em conformidade com a situação descrita, o atual Secretário Nacional de Direitos
Humanos, Mário Mamede, acredita que “a expansão das fronteiras agrícolas, os massacres e
invasões de terras indígenas” (OTAVIO & AGGEGE, 2005, 12) são os fatores que contribuem
para o êxodo indígena em busca de melhores condições de vida nas cidades. O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou em recente pesquisa que mais da metade
dos índios brasileiros vivem em áreas urbanas: 383 mil do total populacional de 734 mil (Ibid.).
Algumas observações devem ser feitas à guisa de conclusão do presente capítulo, que por
sua vez, pretendeu cumprir os primeiros três objetivos específicos propostos na Introdução e
verificar a plausibilidade das duas primeiras hipóteses.
Embora ambas ONGI’s tenham sido extremamente atuantes no país, utilizando métodos
similares para a interpelação junto às autoridades, a atuação da Anistia se destacou por algumas
razões. Em primeiro lugar, pela sua atuação mais antiga e diversificada - evidenciada por
exemplo, nas Redes de Apelo Urgente e nos programas de educação em Direitos Humanos
destinados às polícias, desde a década de setenta e do final da década de 80, respectivamente
(BOVO, 2002); em segundo, por ter tido uma seção nacional, responsável pela organização da
militância brasileira existente àquela época; em terceiro, pela quantidade de materiais produzidos
comparativamente com a HRW; por último, pelo maior número de ativistas, que apesar da
ausência de estatísticas sobre os da HRW, estima-se ser maior. Quando do fechamento da SBAI,
alguns continuaram atuando de forma independente.
Através da análise dos materiais percebeu-se uma convergência das denúncias realizadas
pela Anistia Internacional e Human Rights Watch. A questão da violência perpassa as principais
102
violações de Direitos Humanos apontadas por ambas organizações, constituindo-se no grande
ponto de intersecção para onde essas confluem: a crise do sistema prisional brasileiro, a violência
policial, a tortura institucional e as execuções sumárias. Nestes casos, a impunidade está
relacionada com fatores de diversas naturezas: a estrutura federativa do sistema penal, a
morosidade e dificuldades na condução de processos e julgamentos pela Justiça brasileira, o forte
corporativismo policial e a negligência das autoridades no tratamento político dessas questões.
Tais fatores aliados ao apoio de amplos setores da população brasileira à lógica da “linha dura”
contra criminosos - em função do recrudescimento da criminalidade nas últimas décadas no
Brasil - agravam o desrespeito aos Direitos Humanos de indivíduos infratores da lei.
A persistência em pautar especialmente esses aspectos quando as ONGI’s tratam das
violações de Direitos Humanos no Brasil sugerem uma atenção especial ao desrespeito pelos
Direitos Civis. Por conseguinte, percebeu-se uma negligência em relação a temas problemáticos
que persistem no país, envolvendo uma totalidade do que se supõe como “Direitos Humanos”.
Marcos Rolim, durante a entrevista, dispôs de uma explicação interessante para esse fato:
As demandas políticas em DH, os chamados Direitos Civis e Políticos, eles dependem
basicamente da vontade do poder. Quer dizer, se tu demanda que o Estado acabe com a
tortura, quer dizer, ele pode fazer isso se quiser, ou pelo menos pode reduzir drasticamente
os casos de tortura no país, enfim. Agora, se tu demanda a universalização da saúde, o
pleno emprego, bom, isso é outra história, isso demanda mudanças político-econômicas,
isso é portanto, um discurso que pressupõe meios. Então, eu acho que na gramática geral
dos DH, essa separação entre Direitos Civis e Políticos de um lado, Direitos Econômicos e
Sociais ela é muito importante, e eu acho que esse discurso que o sistema ONU criou, de
que os DH são indivisíveis, é uma bobagem. Quer dizer, a idéia de que ou todos ou
nenhum. Essa idéia é errada, ela é fundamentalmente, errada. Quer dizer, os DH, esses
direitos, eles são complementares, eles devem ser exigidos sempre de todos os Estados,
mas o grau de exigibilidade de cada um é diferenciado. Eu acho que para os primeiros não
há desculpa do Estado, para os segundos há. Quer dizer, qualquer Estado, qualquer
governo, pode dizer, bom, eu quero garantir saúde para todos, mas eu no momento, não
posso garantir isso, eu preciso para isso aumentar as verbas, eu preciso de um plano de dez
anos. Tudo bem. Isso é aceitável. Agora, nenhum governo pode dizer, bom, eu não posso
garantir liberdade de expressão agora, eu não posso garantir que a imprensa seja livre.
103
Nesse sentido, as ONGI’s estudadas se diferenciam daquele grupo de organizações não-
governamentais interessadas na promoção de serviços que o Estado deixou de prestar, e que
formam, eventualmente, parcerias com o mesmo para captação de recursos ou execuções de
determinadas políticas públicas. No caso da AI e HRW, o tensionamento é a característica
marcante na sua relação com o Estado.
Em primeiro lugar, porque historicamente, tanto no mundo quanto no Brasil, estas
organizações encontram sua razão de ser na fiscalização do cumprimento das normas
preconizadas pelo Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos sobre a conduta
estatal. Tal papel é desempenhado em um campo onde as correlações de força são traduzidas,
muitas vezes, no conflito de interesses nacionais versus internacionais, evidenciados, por
exemplo, nas incompatibilidades de aplicação das leis, implicadas na não assinatura de tratados e
atraso nas entregas de relatórios oficiais governamentais.
Segundo, e, especificamente, se tratando deste estudo, foi observado uma constância
incisiva das cobranças exercidas pelas ONGI’s, quando da percepção de que não obstante as
“boas intenções” governamentais apresentadas no próximo Capítulo - reconhecidas em muitos
documentos oficiais dessas organizações e que estimularam, inclusive, a criação de condições
para um monitoramento mais contundente -, o Estado, seja pela violência institucional ou
impunidade consentida, constitui-se ainda como o maior agente violador dos Direitos Humanos
no Brasil. Pois, é ele justamente, o agente garantidor dos Direitos Civis, como anteriormente
apontou Rolim. Nesse sentido, tem-se a confirmação da primeira hipótese levantada na
Introdução, que pressupunha um grau de tensão entre os atores analisados.
Percebeu-se também, que a AI e HRW constituem os dois principais atores da sociedade
civil internacional imersos na ampla rede de organizações defensoras de Direitos Humanos
existente no país. Porém, tal constatação é subsidiada muito mais pela verificação de contatos
104
informais - observados nos agradecimentos dos documentos produzidos pelas ONGI’s e pela
utilização de dados das organizações nacionais como fontes locais - do que em parcerias ou
convênios mais institucionais e formais. Isso sugere que a atuação da AI e HRW no Brasil, são de
certa forma, autônomas, refutando a hipótese que partia do princípio de que o êxito dos trabalhos
realizados pelas ONGI’s estaria diretamente relacionado com a articulação a sociedade civil
doméstica. Além disso, muito antes da articulação entre esta própria sociedade civil nacional,
essas organizações já atuavam no país. Lembra-se ainda, que a estratégia principal das mesmas, é
a publicação de seus relatórios independentes.
Mas, na realidade, a importância deste vínculo direto ou indireto, está relacionada com o
reconhecimento governamental esperado por demandas que sejam oriundas de muitos segmentos
da sociedade civil em geral, com vistas a fazer uma maior pressão - conforme a teoria do “efeito
bumerangue”. Mas é justamente esse ponto que dificulta uma inferência clara sobre a influência
real da sociedade civil internacional sobre o Estado. Bovo (2002, 216) tirou conclusão
semelhante a partir de seu estudo sobre a Anistia:
No que diz respeito às violações de Direitos Humanos, é muito difícil precisar a
eficácia das ações da AI, elas se misturam com a atuação de outras organizações,
movimentos, instituições e pessoas que trabalham com apelos (às vezes
estimuladas pela AI, como uma corrente) e outras formas de pressão, havendo
casos em que mais de 50 ONGs pressionam em determinado caso (lembre-se
inclusive da utilização da Internet).
A interlocução direta com instituições e representantes do governo, seja na esfera federal
ou estadual, foi observada através das visitas relatadas nos documentos analisados - que no caso
específico da Anistia, foi confirmada pelo depoimento de seu ex-integrante.
A questão que se coloca aqui é extremamente complicada, tanto pela citação referida
acima, quanto pela inadequação teórica advertida no Capítulo 1, sobre a separação nítida
105
geralmente feita entre a esfera estatal e no caso, da sociedade civil. Isso porque uma parcela
bastante ativa da militância de Direitos Humanos no Brasil possui trânsito em muitas instituições
políticas estatais, ocupando cargos estratégicos e eleitorais
153
. É difícil mensurar, portanto, os
fatores institucionais, externos, individuais, coletivos e outros que envolveram as tomadas de
decisões governamentais na área de Direitos Humanos.
Tal dificuldade, inclusive, agravou a verificação da segunda parte da primeira hipótese, a
qual pressupôs que a relação entre as ONGI’s e o Estado no Brasil é estabelecida a princípio,
pelas primeiras. Ao reler as palavras de Rolim - ex-membro do governo federal na época
estudada - disponíveis na página setenta e três - convocou-se uma prudência em não confirmar,
categoricamente, tal pressuposto. Este aspecto será retomado no Capítulo 3.
A despeito de algumas dificuldades metodológicas encontradas, o capítulo seguinte
concentra esforços na busca de alguns indícios que correspondam às práticas de responsividade
desejadas pelo processo de accountability social/vertical engendrado pelas ONGI’s.
Esse desafio consistiu em apresentar de forma seletiva a materialização das políticas
públicas em Direito Humanos realizadas pelo governo federal, enfatizando a abertura estatal para
a presença da sociedade civil em geral, na qual eventualmente, as ONGI’s se colocaram direta ou
indiretamente.
Posteriormente, fez-se necessária uma reflexão para perceber as intenções que levaram o
governo FHC para a implementação destas políticas. Pois, sua execução em um conjunto
seqüencial - independentemente do mérito de sua eficácia - em um curto espaço temporal,
formaram um paradigma oficial até então inexistente na área.
153
Alguns exemplos são: Marcos Rolim, Paulo Sérgio Pinheiro, Hélio Bicudo, Pedro Wilson Guimarães, Gilberto
Sabóia, Nilmário Miranda, Celso Lafer, entre outros.
106
A captação desta dinâmica conjuntural fará, por fim um resgate dos objetivos gerais,
específicos (d e e) e às hipóteses 1) b e 3), mencionados na Introdução. Pois, sobretudo, este
trabalho encontrou sua maior justificativa na demonstração da diferença - ou não - que as ONGI’s
de Direitos Humanos fizeram sobre a conduta de um Estado democrático que é, ao mesmo tempo,
violador de seus próprios princípios.
4 OS DIREITOS HUMANOS COMO PREOCUPAÇÃO OFICIAL DO GOVERNO
FEDERAL (1994-2002): INDÍCIOS DE RESPONSIVIDADE
O governo presidencial de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) pode ser
caracterizado como o primeiro da história democrática do Brasil a tornar a questão dos Direitos
Humanos uma preocupação oficial do Estado. Nas palavras de Rolim (entrevista): “antes do
governo FH, o discurso dos DH, era um discurso basicamente da sociedade civil, não era um
discurso do poder. Com o governo, ele passa a incorporar o discurso oficial”.
107
Tal evidência foi observada através de dois planos complementares: um discursivo e outro
institucional. Em relação ao primeiro, observou-se em alguns pronunciamentos presidenciais, no
âmbito nacional, a clara intenção do ex-presidente em vincular a democracia ao respeito pelos
Direitos Humanos, uma tendência discursiva internacional examinada no Capítulo 1. Alguns
trechos abaixo reproduzidos apontam nesta direção:
A luta pela liberdade e pela democracia tem um nome específico: chama-se Direitos
Humanos (BRASIL, 1995a).
Nós dedicamos o Dia da Pátria aos Direitos Humanos, pois, ao falarmos deles, estamos
falando de liberdade, de democracia e de desenvolvimento (BRASIL, 1998a).
O respeito aos direitos humanos não e apenas um compromisso que assumimos, no
contexto internacional. E, sobretudo, um compromisso da própria sociedade brasileira
consigo mesma. Porque não ha democracia sem direitos humanos, não ha combate a
exclusão sem direitos humanos. Na verdade, os direitos humanos são uma grande arma na
luta contra a exclusão (BRASIL, 1998b).
Tenho a esperança de que, a despeito de todos os desvios que possam ocorrer em uma ou
outra parte do mundo, a Humanidade persistirá em seu rumo de sensatez, de paz, de
democracia e de respeito aos direitos humanos. (BRASIL, 2002q)
O presidente afirmou em 08/12/1998 que seu governo “desde o seu início, teve nos
direitos humanos um tema central e um tema inspirador
154
” (BRASIL, 1998b). Segundo ele,
“todos sabem da importância da questão dos direitos humanos. Importante para mim, importante
para todo o meu Governo (...). Tenho um compromisso com esse tema que não vem de ontem.
Vem de longa trajetória de preocupação com as liberdades democráticas e com os direitos da
pessoa humana” (BRASIL, 2001).
Algumas medidas governamentais mais significativas no setor podem ser observadas na
tabela abaixo:
154
Endossando a frase de Vieira (2005, 118): “O evidente paradoxo constituído por um governo que acolhe os
direitos humanos e aplica uma política neoliberal que destrói direitos conquistados, compete aos seus protagonistas
explicar”.
108
Tabela 2: Principais Políticas Governamentais Internas Adotadas na Área de Direitos Humanos
(1995-2002)
ANOS POLÍTICAS INTERNAS
Criação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), aprovada pela Câmara
Federal dos Deputados
1995
Aprovação da Lei n. 9.140/95 que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão
de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de
setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências”
Criação do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH I)
1996
Aprovação da Lei 9.299/96, que transfere a competência sobre
homicídios dolosos cometidos por policiais militares para a Justiça Comum
Implementação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH)
1997
Promulgação da Lei da Tortura, Lei 9.455/97
1999
Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas
(PROVITA), instituído pela Lei n. 9.807/99
2001
Lançamento da Campanha Nacional Permanente de Combate à Tortura e à Impunidade
Atualização do Plano Nacional de Direitos Humanos de Direitos Humanos (PNDH II)
2002
Implementação da CPI da Tortura por Agentes Públicos
Fontes: Vieira (2005); BRASIL (1995b); BRASIL (2002z); BRASIL (1996); PINHEIRO [200-]; BRASIL
(1997); BRASIL (1999a); BRASIL (2002p).
A execução de muitas delas contaram com a participação de uma ampla gama de
organizações da sociedade civil atuante na área
155
. Segundo Rolim (entrevista),
As ONG’s brasileiras de DH na época do governo FH, o governo teve a sabedoria, eu
acho, de se articular muito com essas entidades. Então, eles nunca concediam aquilo que a
gente queria, tinha sempre uma certa tensão, mas eles também sempre nos ouviam.
Sempre chamavam, eu estava nesse rolo, embora sem uma ONG, mas eu acompanhei
muito isso. O governo federal não fazia nada de importante sem chamar as entidades para
ouvi-las, sem constituir uma comissão, então eles souberam lidar um pouco e também
apoiaram financeiramente o trabalho de ONG’s, trabalhos bons.
155
Nas palavras do ex-Presidente: “Será possível, portanto, ampliar os mecanismos de controle da sociedade, através
da avaliação de políticas públicas. Pretendo, com o apoio, certamente, do ministro da Justiça e do secretário nacional
de Direitos Humanos, estar cada vez mais aberto as influencias benéficas da sociedade, porque direitos humanos -
repito o que disse há algum tempo atrás - são o novo nome da liberdade”. (BRASIL, 1998b).
109
Para o entrevistado, esta tensão era mais acentuada em relação à Anistia Internacional e
Human Rights Watch, lembrando, entretanto, que a obrigação governamental responsiva para
com as mesmas, é meramente “moral”. Porque, como muito bem expõe Smulovitz (2001, 3)
Salvo en aquellos casos en que los ciudadanos u organizaciones de la sociedad civil se
movilizan legalmente, los mecanismos sociales sirven para exponer y denunciar actos
ilegales pero que no tienen capacidad para aplicar imperativamente sanciones. Por esta
razón, algunos autores han afirmado que los mecanismos sociales de control son
meramente decorativos, y no verdaderos controles de poder.
Mas, Piovesan (2002e) lembra que
A ação internacional tem auxiliado a visibilidade das violações de direitos humanos, o que
oferece o risco do constrangimento político e moral ao Estado violador, o que tem
permitido avanços e progressos na proteção dos direitos humanos. Ao enfrentar a
publicidade das violações de direitos humanos, bem como as pressões internacionais, o
Estado é praticamente “compelido” a apresentar justificações a respeito de sua prática, o
que tem contribuído para transformar uma prática governamental específica, no que se
refere aos direitos humanos, conferindo suporte ou estímulo para reformas internas.
Quando um Estado reconhece a legitimidade das intervenções internacionais na questão
dos direitos humanos e, em resposta a pressões internacionais, altera sua prática com
relação à matéria, fica reconstituída a relação entre Estado, cidadãos e atores
internacionais.
As próximas seções pretendem demonstrar em que medida este processo ocorreu no
Brasil no período estudado, enfatizando a assimilação estatal das práticas de responsabilização
efetuadas pelas ONGI’s, a considerar: os motivos que levaram o governo federal a concretizar
algumas políticas públicas relacionadas acima; a abertura estatal para a participação da sociedade
civil em geral; as principais temáticas encobertas pelo governo, no que tange o tipo de direitos
priorizados pelo mesmo; o reconhecimento governamental da importância e legitimidade da AI e
HRW. É importante frisar que a “sociedade civil”, referenciada ao longo deste capítulo, diz
respeito ao conjunto de entidades, ONG’s, movimentos sociais que trabalham com a questão dos
Direitos Humanos.
110
Esta análise permitirá o cumprimento final dos objetivos aqui propostos e a retomada das
hipóteses das quais este estudo partiu. Este resgate pretende assim verificar alguns indícios de
responsividade governamental para que o papel das ONGI’s seja avaliado tanto na construção das
políticas públicas no governo estudado quanto da própria lua nacional pelos Direitos Humanos.
4.1 A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados foi instalada no dia
07/03/1995. O Congresso Nacional atendeu assim, uma antiga demanda das ONG’s que
trabalham com os Direitos Humanos no país, acolhendo, inclusive, a proposta realizada pela CPI
do Extermínio de Crianças e Adolescentes, em 1993 (VIEIRA, 2005).
A Comissão possui um papel destacado na proteção dos Direitos Humanos no Brasil, na
medida em que
Suas atribuições constitucionais e regimentais são receber, avaliar e investigar denúncias
de violações de direitos humanos; discutir e votar propostas legislativas relativas à sua
área temática; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor;
colaborar com entidades não-governamentais; realizar pesquisas e estudos relativos à
situação dos direitos humanos no Brasil e no mundo, inclusive para efeito de divulgação
pública e fornecimento de subsídios para as demais Comissões da Casa; além de cuidar
dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais, especialmente aos índios e às
comunidades indígenas, a preservação e proteção das culturas populares e étnicas do País.
(BRASIL, [2005a])
A Comissão, desde sua criação, foi se constituindo em um dos órgãos mais importantes e
permeáveis do governo federal à participação da sociedade civil. Esta presença foi observada nos
eventos promovidos pela CDHM, tais como as Conferências Nacionais anuais, Caravanas
111
temáticas, seminários e audiências para a definição de políticas públicas
156
. Sendo assim, “a nova
Comissão da Câmara tornou-se rapidamente uma referência indispensável na articulação dos
agentes públicos e sociais para a defesa, a promoção e a educação em direitos humanos”, bem
como no “esclarecimento de episódios importantes na história recente (Ibid.)”.
A grande maioria das entidades que trabalham conjuntamente com a CDHM são aquelas
atuantes no âmbito nacional - MNDH, OAB, CIMI, Grupo Tortura Nunca Mais, CNBB (Pastoral
Carcerária), CPT, etc.
No entanto, foi verificado que a AI esteve representada em pelo menos quatro
Conferências Nacionais de Direitos Humanos: na II, em 1997; na III, em 1998
157
; na V, em 2000;
na VI, em 2001
158
. Também na II Caravana Nacional de Direitos Humanos do Sistema Prisional,
em 2000
159
. Já a participação de representantes da Human Rights Watch está registrada na III
Conferência Nacional de 1998, quando James Cavallaro ainda pertencia à organização.
Na realidade, a Comissão constiui-se como um grande órgão canalizador de denúncias
160
.
Seu recebimento é debatido com outras instituições públicas e organizações da sociedade civil.
Desta forma, “o parlamento reúne as condições para analisar como, quando e onde acontecem os
156
Estes encontros foram fundamentais para os debates travados em torno da elaboração, aplicação, monitoramento e
atualização do PNDH.
157
Neste encontro, o então vice-presidente da Anistia Internacional no Brasil, cobrou do governo federal, o não
reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a não ratificação do primeiro protocolo
facultativo do Pacto dos Direitos Civis e Políticos da ONU, entre outras. Na ocasião foram lembradas por diferentes
representantes três iniciativas da AI: sua subscrição ao “Manifesto ao Presidente da República solicitando que se
encaminhe ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos declaração reconhecendo a competência da
Corte Interamericana de Direitos Humanos como obrigatória e de pleno direito, nos termos do art. 62 da Convenção
Americana de Direitos Humanos, incorporada pelo Direito Brasileiro em 25 de setembro de 1992”; sua assinatura de
um documento junto a outras cinco entidades para que a seca no Nordeste do Brasil seja tratada como questão de
Direitos Humanos; seu empenho na descoberta dos restos mortais da Vala Comum de Perus, São Paulo (BRASIL,
2002s).
158
Nesta, a organização foi uma dos destinatários da Moção de Repúdio N° 47, “contra a decisão da Juíza Esmeralda
Simões Martinez da 42ª Junta de Conciliação e Julgamento do Município de Santo Antônio de Jesus no Estado da
Bahia que indeferiu o pedido de 30 ações trabalhistas em relação a uma explosão numa fábrica de fogos, em 1998,
onde 64 pessoas foram mortas na hora do acidente” (BRASIL, 2002k).
159
Lembra-se que à época, a Anistia possuía ainda uma seção brasileira.
160
Para a apreciação do conteúdo destas, ver o levantamento realizado por Vieira (2005), Capítulo V.
112
problemas e quais são suas possíveis soluções. É possível sugerir medidas de prevenção e
apuração das principais violações, além de políticas públicas mais gerais” (BRASIL, [2005a]).
A CDH recebe anualmente, em média, 320 denúncias de violações dos direitos humanos.
A maioria delas refere-se a violações de direitos de presos e detenções arbitrárias, seguida
de violência policial e violência no campo. Esta escala tem se mantido estável, mas se
percebe o crescimento de outros tipos de violações atingindo grupos vulneráveis como
indígenas, migrantes, homossexuais e afro-descendentes. Cada denúncia recebida na
Comissão demanda ofícios, acompanhamentos e cobrança de providências cabíveis.
Ofícios são dirigidos ao Ministério Público Federal e Estadual, Poder Judiciário, governos
estaduais, diretores de presídios, delegados de polícias, entre outras autoridades etc. Para
cada denúncia, é aberto processo administrativo para facilitar o acompanhamento. Quando
não há respostas por parte das autoridades, a CDHM reitera os ofícios e solicitações até
que haja manifestação do órgão ou autoridade pública (Ibid.).
A citação acima sugere que a maioria da natureza das violações aos Direitos Humanos são
justamente aquelas que freqüentemente a AI e HRW publicizam internacionalmente. Segundo
Vieira (2005), o relatório da CDH de 1995, destaca entre as mais relevantes ocorrências
investigadas pela Comissão, o “Massacre de Corumbiara”, episódio divulgado mundialmente e
acompanhado até hoje pela AI e HRW. Também, o relatório de 1996 da Comissão lembra a
importância da “realização, em 28 de novembro de 1996, do Tribunal Internacional para julgar as
responsabilidades pelos massacres de Eldorado do Carajás e Corumbiara” (VIEIRA, 2005, 128),
reivindicado pela AI (O GLOBO, 2002).
Nilmário Miranda, quando Presidente da Comissão afirmou à época (MIRANDA,
2002d),
Denúncias sobre os grupos de extermínio têm chegado a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara Federal, desde sua instalação, em abril de 1995. Em junho de 1997, a
Comissão encaminhou ao então Ministro da Justiça, Iris Rezende, e ao Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), dossiês contendo informações sobre
violências praticadas por grupos de extermínio nos Estados de Rio Grande do Norte,
Paraíba, Ceará, Bahia e Mato Grosso. (...). Nossa obrigação é informar a essas instituições
os principais casos de violações sistemáticas dos direitos humanos no país e a ação de
grupos de extermínio, particularmente, às execuções extrajudiciais, estão entre as
violações mais graves do ponto de vista dos conceitos internacionais do setor. Também
113
deveremos levar esse fenômeno ao conhecimento da CDH da ONU e da Anistia
Internacional.
Vieira (2005, 130) afirma que “os direitos elencados pela comissão, portanto,
reconhecidos como tais, contém baixo potencial transformador, sendo possíveis operacionalizá-
los nos limites do chamado Estado de direito”. Nesta passagem, o autor faz uma clara menção à
negligência dos Direitos sociais e culturais, indo de encontro ao parecer de Rolim (página 48),
que justificava este tipo de atitude governamental.
Durante a análise de alguns documentos referentes à Comissão, percebeu-se que de uma
forma geral, a AI e HRW são referenciadas e reconhecidas como fonte segura de
informação/denúncia, cuja utilização por parte dos representantes governamentais denota o
intuito de legitimar a importância de algum determinado caso. Dois exemplos serão dados nesse
sentido.
O então Presidente da CDHM em 2002, deputado Orlando Fantazzini (PT/SP), em
conjunto com outros representantes da sociedade civil, enviou ao Presidente Fernando Henrique
um pedido pela sua reconsideração sobre a intervenção federal no Estado do Espírito Santo -
negada pelo Procurador Geral da República -, em função da perseguição aos Defensores de
Direitos Humanos e autoridades públicas que denunciaram o crime organizado naquele Estado:
No plano externo, o caso também provocou indignação e vivo interesse. A Anistia
Internacional, inclusive, desencadeou em todo o mundo campanha de ação urgente,
alertando sobre o risco de vida para os defensores de direitos humanos no Espírito Santo.
Na hipótese indesejável de que não sejam tomadas internamente medidas capazes de
coibir a ação do crime organizado nas instituições daquele Estado e assegurar a
integridade das pessoas ameaçadas, recorreremos às esferas internacionais de proteção dos
direitos humanos (ENTIDADES..., 2002)
161
.
161
E, em 26/11/2002, a AI (2002) novamente se pronunciou sobre o caso: "Two months ago, the federal authorities
informed Amnesty International of their full commitment to supporting the continued presence of the federal special
mission in Espírito Santo. Today, the death of a key witness in federal police investigations and news of a dramatic
reduction of the federal police force in the state cast serious doubts over the federal government's real commitment
114
Também, uma Mensagem do governo federal ao Congresso Nacional em 2000 afirma
(BRASIL, 2000c):
A situação do Sistema Penitenciário Nacional é extremamente grave, sendo classificada
pela Anistia Internacional como a pior da América Latina.No sentido de reduzir o déficit
de vagas nas penitenciárias de 183% para 152%, até 2003, e de promover a reintegração
do preso à sociedade, o programa Reestruturação do Sistema Penitenciário define um
conjunto de ações que vão desde a profissionalização anual de 2.800 detentos, a
assistência ao preso, à vítima e ao egresso, contemplando 2.000 pessoas, até a formação de
pessoal penitenciário, além da construção, ampliação e reforma de estabelecimentos
penais, de modo a criar 21.390 vagas até 2003.
Além disso, os Relatórios de Atividades anuais da Comissão ressaltaram a importância da
cooperação entre a AI e o Estado. A reprodução de tais trechos permite a demonstração do
reconhecimento governamental sobre o trabalho das ONGI’s:
Alguns estados estão começando a implantar medidas na esfera de sua competência,
visando ao progresso dos direitos humanos. No Rio Grande do Norte, foi elaborado em
1998 o Programa Estadual de Direitos Humanos, secundando documento similar em São
Paulo - Estado pioneiro no lançamento do programa em 1997. Ouvidorias de Polícia foram
ou estão sendo criadas, com formatos e eficácia diferenciados, no Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Pará, Espirito Santo e Distrito Federal, depois da experiência também pioneira de
São Paulo. Há que se registrar ainda a celebração de convênios envolvendo a Anistia
Internacional e a Cruz Vermelha com o Governo Federal e governos estaduais para a
formação de policiais, capacitando-os a trabalhar com os conceitos de direitos humanos.
(BRASIL, 2002m)
A trajetória da Comissão de Direitos Humanos foi lembrada e as autoridades enumeraram
as realizações em suas respectivas áreas de competência. Destacaram-se, entre tais
realizações, o sistema unificado de segurança pública do Estado, que tem no respeito aos
direitos humanos uma de suas principais vertentes. O sistema, que teve a colaboração da
Anistia Internacional em sua formulação, inclui a implantação da polícia interativa, que
vem alcançando bons resultados. (Ibid.)
and ability to fulfil its duties," the organization added, stressing that progress made in investigations so far has
largely been a result of continued pressure from civil society.
115
O Relatório Anual de 1999, lembra o lançamento oficial do Relatório Mundial da Anistia
Internacional, sendo referenciado pelo documento como “o mais importante documento não-
governamental de âmbito internacional sobre o setor” (BRASIL, 1999b, 69). Também, destaca o
engajamento da Anistia na campanha internacional sobre o banimento das Minas Terrestres e o
apoio da CDHM à causa
162
. Outras atividades foram registradas, envolvendo a AI: participação
da audiência promovida pela CDHM sobre cooperação Brasil/Timor – Leste e o
acompanhamento da representante do Secretariado Internacional da AI junto à missão de
parlamentares enviada ao Paraná, para propor soluções à violência agrária daquele Estado. O
mesmo relatório relembra a prisão aleatória e arbitrária de cinco sem-terra que supostamente
teriam furtado oito bodes em São Bento:
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados viu no caso dos
bodes um emblema do rigor punitivo para com autores de furto famélico, em contraste
com a impunidade dos crimes de colarinho branco e de massacres, como o de Eldorado do
Carajás. Nilmário Miranda chegou a planejar com representantes brasileiros da Anistia
Internacional e da Human Rights Watch Americas uma visita aos desafortunados sem-terra
em São Bento do Una, quando, finalmente, o STJ acolheu o recurso e libertou os cinco
lavradores (Ibid., p. 125).
O Relatório de 2000 da Comissão, recorda que o Brasil foi mencionado no relatório
produzido pela AI, intitulado “Escândalo Escondido, Vergonha Secreta”, sobre violações aos
direitos dos menores em todo mundo:
Segundo o documento, no Brasil as torturas, maus-tratos e superpopulação nos
estabelecimentos de internação de jovens infratores são endêmicos, citando a gravidade do
problema da FEBEM de São Paulo. O governo do Estado foi acusado pela entidade de ser
162
Embora não existam minas terrestres no Brasil, calcula-se que 10% dos 110 milhões de minas existentes no
mundo são produzidas em território nacional (CAMPANHA..., [199-]). A importância da ratificação do Brasil do
Tratado de Otawa reside no fato da proibição do uso, produção, armazenamento e transferência das Minas Terrestres
anti-pessoais. Este ato foi considerado como um passo importante dado pelo governo brasileiro, tendo sido
comemorado por uma solene audiência pública realizada pela CDHM, com a participação da AI (BRASIL, 1999b).
116
tolerante com a tortura e os maus-tratos aplicados aos jovens delinqüentes internados nas
unidades da FEBEM (BRASIL, 2000b).
A AI também foi citada pela elaboração do “relatório produzido por cerca de 2.000
entidades civis brasileiras” que “foi entregue no dia 26 de abril à Organização das Nações Unidas
(ONU), em Genebra, Suíça”:
O documento acusa o Estado brasileiro de não estar cumprindo o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual é signatário desde 1992. O
governo federal não apresentou sequer os relatórios bianuais a que se obrigou perante a
ONU ao assinar o Pacto. (Ibid.).
O Relatório de 2000 nota ainda a recepção do deputado Nelson Pellegrino (PT/BA) aos
representantes do Secretariado Internacional da AI.
Outro Relatório elaborado pela CDHM, intitulado “Violência Contra Membros do Partido
dos Trabalhadores: Janeiro de 1997 à Fevereiro de 2002”, cita:
O deputado estadual José Geraldo Torres da Silva passa a sofrer ameaças de morte entre
os meses de agosto e setembro de 2001 após desenvolver campanhas contra a corrupção
na SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e a destruição do meio
ambiente na Amazônia. Em janeiro de 2002 a Anistia Internacional lança campanha
mundial em defesa da vida de José Geraldo (BRASIL, 2002u).
117
A pesquisa feita nas pautas levantadas pelas reuniões ordinárias da CDHM, nos anos de
2002 e 2001, revelou uma correspondência significativa entre os requerimentos aprovados pela
Comissão e muitas denúncias realizadas comumente pelas ONGI’s. Muitos deles convocam a
investigação de casos de tortura praticados por agentes públicos e violência no campo, visitas a
estabelecimentos prisionais, proteção aos defensores de direitos humanos ameaçados, etc.
Por exemplo, o Requerimento 37, do dia 10/12/2002, "requer a realização de audiência
pública, pela Comissão de Direitos Humanos, destinada a esclarecer denúncias do Ministério
Público e imprensa, de ações ilegais e abusivas por parte de agentes públicos contra adolescentes
sob custódia na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM" (BRASIL, 2002v).
O Capítulo 2 mostrou que esta situação foi constantemente denunciada pela AI e HRW,
principalmente no ano de 2000. Desta forma, pode-se inferir que estas organizações ajudaram,
em conjunto com outras entidades
163
, a veicular o problema através da imprensa, citada no
Requerimento.
Esta afirmação vale, inclusive, para os outros tipo de denúncias investigadas pela CDHM.
Obviamente, seria imprudente afirmar que os trabalhos por ela realizados estão
condicionados exclusivamente pelas pautas das ONGI’s. Há que considerar a grande rede
nacional de organizações da sociedade civil que trabalham com Direitos Humanos e que se
colocaram - ou mesmo foram convocadas - pela Comissão. Mas, uma vez que as ONGI’s se
articulam informalmente de um modo geral com estas entidades, pode-se afirmar que a AI e
163
Em 2000, o MNDH entregou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, um relatório intitulado
“O Estado Infrator” sobre violações aos Direitos Humanos nas unidades da FEBEM. A pedido da Presidência desta
instituição, foi instaurado um inquérito policial contra o MNDH, alegando a falsidade das denúncias. Foi anexado ao
inquérito o relatório da Anistia como uma das provas da idoneidade do polêmico relatório (ABONG, 2000). Nesta
mesma lógica, “no ano de 1997, autoridades do Rio de Janeiro responderam às críticas legítimas sobre a violência
policial fluminense atacando as fontes. Essa agressividade foi direcionada a Human Rights Watch, principalmente
após o lançamento do relatório Brutalidade Policial Urbana no Brasil, e a outros membros da sociedade civil”
(HUMAN RIGHTS WATCH, 1998b). Ambos exemplos demonstram a negação do Estado frente às denúncias
realizadas pela sociedade civil.
118
HRW exercem uma espécie de “influência difusa”, implicadas pelo exercício de formas de
pressão indiretas sobre o governo.
Pode-se observar ainda, que os representantes da Comissão atestam, principalmente em
relação à Anistia Internacional, uma grande credibilidade em relação aos trabalhos por ela
realizados e ao seu poder de denúncia.
Percebeu-se que a organização, através da intensa participação nos eventos realizados pela
CDHM, pode dirigir cobranças diretamente às autoridades governamentais, conforme consta em
alguns de seus relatórios finais. Este tipo de exercício foi legitimado e “autorizado” a partir da
implementação do primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, como se verá a seguir.
4.2 O Plano Nacional de Direitos Humanos e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos
A instituição do PNDH pelo presidente da República em 13/05/1996 (Decreto n. 1904/96)
foi o marco inaugural que evidenciou mais incisivamente a preocupação do governo federal com
a questão dos Direitos Humanos
164
.
Lançando “em meio ao trauma causado pelo Massacre de Eldorado dos Carajás”
(PINHEIRO & NETO, 2002b), foi o primeiro plano nacional para a proteção aos Direitos
Humanos da América Latina e o terceiro do mundo - antecedido pela Austrália e Filipinas.
Esta iniciativa esteve condicionada pelas determinações da Conferência de Viena em
1993, na qual a comitiva do governo brasileiro teve destacada participação
165
:
164
Cabe lembrar algumas iniciativas importantes anteriores ao Plano: a criação do Prêmio de Direitos Humanos, do
Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, do Grupo Executivo de Repressão ao
Trabalho Forçado, a assinatura em 8/03/1996 de protocolos internacionais em benefício das mulheres (BRASIL,
2002z).
165
Algumas informações indicam que a HRW e AI estiveram presentes na Conferência, o que é bastante provável.
Mas esse registro oficial não foi encontrado.
119
Ao adotar, em 13 de maio de 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos, o
Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a cumprir recomendação
específica da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993),
atribuindo ineditamente aos direitos humanos o status de política pública
governamental (BRASIL, 2002p).
Meses antes da Conferência, Fernando Henrique Cardoso na condição de chanceler,
reuniu “representantes do Ministério da Justiça, da Procuradoria Geral da República,
parlamentares e outros representantes de várias organizações que trabalhavam com direitos
Humanos (VIEIRA, 2005, 118)”, a fim de elaborar a agenda brasileira para o encontro em Viena,
a partir do diagnóstico das principais dificuldades do país
166
(BRASIL, 2002z).
Após sua eleição, em uma tentativa clara de “adequar o discurso aos compromissos
assumidos pelo Brasil na Conferência de Viena (VIEIRA, op.cit., p. 118)”, o então Ministro da
Justiça Nelson Jobim, foi encarregado da preparação do Programa, sob a coordenação de seu
Chefe de Gabinete, José Gregori.
O PNDH contou com a participação de vários segmentos da sociedade civil:
Na elaboração do Programa foram realizados entre novembro de 1995 e março de
1996 seis seminários regionais - São Paulo , Rio de Janeiro, Recife , Belém, Porto
Alegre e Natal , com 334 participantes , pertencentes a 210 entidades. Foram
realizadas consultas, por telefone e fax, a um largo espectro de centros de direitos
humanos e personalidades. Foi realizada uma exposição no Encontro do
Movimento Nacional dos Direitos Humanos, em Brasília, no mês de fevereiro de
1996. Finalmente, o projeto do Programa foi apresentado e debatido na I
Conferência Nacional de Direitos Humanos, promovida pela Comissão de
Direitos Humanos da Câmara de Deputados, com o apoio do Fórum das
Comissões Legislativas de Direitos Humanos, Comissão de Direitos Humanos da
OAB Federal, Movimento Nacional de Direitos Humanos, CNBB, FENAJ,
INESC, SERPAJ e CIMI, em abril de 1996. O Programa foi encaminhado, ainda,
a várias entidades internacionais. Neste processo de elaboração, foi colocada em
prática a parceria entre o Estado e as organizações da sociedade civil (BRASIL,
2002z).
166
O então embaixador Gilberto Sabóia foi presidente do Comitê de redação da Conferência (BRASIL, 2000d).
120
Comumente, a leitura dos documentos oficiais considera o Plano como uma grande
parceria desenvolvida entre o Estado e a sociedade civil. Mas, segundo Pinheiro e Neto (2002b),
“ficou desde o primeiro instante claro que não se tratava de um "contrato de confiança" entre
Estado e ONG’s, mas de um desenho de uma parceria em que a autonomia da sociedade civil é
condição necessária”. Na II Conferência Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro
reiterou essa avaliação, afirmando que o Programa “não é um pacto de confiança para com o
governo, mas um pacto de desconfiança da sociedade civil para com o Estado brasileiro”
(VIEIRA, 2005, 139).
Em uma carta enviada ao presidente Fernando Henrique em 13 de maio de 1999, por
ocasião do terceiro aniversário do PNDH, a HRW (1999b) escreveu sobre a relação estabelecida
pelo Estado brasileiro com a sociedade civil:
De fato, a histórica elaboração e o lançamento do Programa Nacional de Direitos
Humanos em 13 de maio de 1996, cujo aniversário é hoje celebrado, representa a
admissão por parte do governo federal do alcance e da gravidade dos abusos aos direitos
humanos que o Brasil enfrenta. A ampla participação das organizações de defesa dos
direitos humanos na elaboração do PNDH demonstrou o compromisso de vossa
administração em conduzir relações abertas e produtivas com a sociedade civil nacional e
internacional. (...). ...a Human Rights Watch recebeu com satisfação o processo de
consulta à sociedade civil nacional e internacional que levou ao PNDH, bem como a
criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, para, em parte, auxiliar a
implementação desse programa.
Mas, quando questionado sobre os trabalhos mais importantes desenvolvidos pela Anistia
Internacional no Brasil durante o período estudado, o entrevistado da AI, afirmou que:
Durante ese periodo hicimos relatorios sobre diversos temas, principalmente ejecuciones
extra judiciales, torturas, meninos de rua, violencia rural, carceles. A mi juicio, nuestro
logro mas importante durante ese periodo fue la sugestion que le hicimos al presidente
FHC durante una reunion que tuvimos con el, que Brasil deberia tener un Plan Nacional
121
de Derechos Humanos. El presidente recogio nuestra sugestion y algun tiempo después su
gobierno elaboro el Primer Plan Nacional de Derechos Humanos.
Embora já existisse uma predisposição governamental em implantar o PNDH, o relato
acima revela uma recomendação feita pela AI, anteriormente à institucionalização da consulta
com a sociedade civil para a elaboração do Plano.
Perguntado sobre os motivos pelos quais o governo Fernando Henrique tomou uma
postura positiva em relação aos Direitos Humanos de uma forma geral, Rolim respondeu:
Eu acho que o governo FH foi muito sensível a pressão internacional, mais que o governo
Lula, por exemplo, muito mais, e ele percebeu que era preciso tomar algumas medidas,
ainda que simbólicas da análise do discurso, enfim, que pudessem ser lidas lá fora como
passos adiante. O Plano Nacional dos DH surgiu por conta disso, não houve outro motivo
para que o plano surgisse. O motivo mais forte que fez o governo se mexer foi esse, foi
criar um símbolo internacional de que o Brasil estava dando um passo muito importante, e
que foi mesmo um passo importante. Mas ele não foi motivado por uma pressão interna.
E foi assim que depois de seu lançamento “organizações não-governamentais nacionais,
como o Movimento Nacional de Direitos Humanos, e internacionais, como a Anistia
Internacional e Human Rights Watch/Americas, passaram a acompanhar a execução do Programa
e algumas foram chamadas a colaborar para a sua implementação
167
” (PINHEIRO & NETO,
2002b).
Inicialmente, o Plano privilegiou claramente a preocupação com os Direitos Civis
168
:
167
A I Jornada de Direitos Humanos do Ministério Público, a fim de fazer um balanço do PNDH, contou com a
participação do Secretário Nacional José Gregori, do deputado federal Hélio Bicudo e da professora Mônica
Hummel, da seção brasileira da Anistia Internacional (OLIVEIRA JÙNIOR, 1998).
168
Muitas de suas diretrizes contém resoluções para a maioria dos problemas levantados no Capítulo 2, como por
exemplo, “Fortalecer os Institutos Médico-Legais ou de Criminalística, adotando medidas que assegurem a sua
excelência técnica e progressiva autonomia, articulando-os com universidades, com vista a aumentar a absorção de
tecnologias”; “apoiar programas de emergência para corrigir as condições inadequadas das prisões, criar novos
estabelecimentos e aumentar o número de vagas no país, em parceria com os Estados, utilizando-se recursos do
Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN”, “elaborar um mapa da violência rural a partir de uma região do país,
122
O fato de os direitos humanos em todas as suas três gerações - a dos direitos civis e
políticos, a dos direitos sociais, econômicos e culturais, e a dos direitos coletivos - serem
indivisíveis não implica que, na definição de políticas específicas - dos direitos civis - o
Governo deixe de contemplar de forma específica cada uma dessas outras dimensões. O
Programa, apesar de inserir-se dentro dos princípios definidos pelo Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, contempla um largo elenco de medidas na área de direitos civis
que terão conseqüências decisivas para a efetiva proteção dos direitos sociais, econômicos
e culturais (...) (BRASIL, 2002z).
Entretanto, houve uma crescente demanda da sociedade civil para a incorporação dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Segundo Pinheiro e Neto (2002b),
Apesar dessa larga legitimação do Programa junto às organizações da sociedade civil,
parte da comunidade política e da comunidade universitária ainda têm dificuldade para
entender o significado do Programa. Entre as objeções habitualmente apresentadas desde o
lançamento do plano está a crítica de que o plano privilegia os direitos civis e políticos.
Mesmo reconhecendo a indivisibilidade dos direitos humanos, como discutiremos mais
adiante, dada a extrema carência da apropriação dos direitos fundamentais mais básicos,
aqueles chamados de primeira geração (os direitos civis e políticos) é legítimo que um
plano de governo decida dar prioridade à promoção desses direitos. Sem a proteção desses
direitos a sociedade civil sempre terá dificuldades de organizar-se e de mobilizar-se em
defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais, tendo em vista a ameaça de
impunidade, do arbítrio das polícias, das violações à integridade física dos cidadãos, que
ainda perdura sob a democracia.
Mas, posteriormente, essa reivindicação foi considerada pelo PNDH II:
Para a atualização do Programa de Direitos Humanos, foram realizados seminários
regionais, desde o final de 1999, em São Paulo, Brasília, Amapá, Bahia, Paraíba, Rio
Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Os seminários foram realizados pelo
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP em parceria com órgãos governamentais e
organizações não-governamentais. Os seminários destinaram-se a levantar propostas, junto
visando a identificar áreas de conflitos e possibilitar análise mais aprofundada da atuação do Estado”, etc (BRASIL,
2002z). Não se pôde verificar, entretanto, em que medida a AI participou propositivamente em cada uma destas
medias.
123
à sociedade civil organizada, com vistas à atualização do PNDH no que se refere aos
direitos civis e políticos e à inclusão dos direitos econômicos, sociais e culturais
(BRASIL, 20002p).
A presença de algumas seções regionais da Anistia Internacional no Brasil consta na lista
das entidades que participaram destes seminários que ajudaram na atualização do PNDH II
(Ibid.). Portanto, ao considerar às especificidades do caso brasileiro, pode-se afirmar que a AI
começou a enfocar outros direitos que não somente os Civis.
Segundo Lima Júnior ([200-]), representante do GAJOP perante a ONU,
Nesse processo de ampliação da perspectiva de ação dos grupos de direitos humanos
brasileiros, as conferências nacionais de direitos humanos - convocadas anualmente, desde
1996, por ocasião da instituição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) -
têm procurado converter em prática a promoção e a defesa dos DHESC. As conferências
nacionais se tornaram o principal espaço de monitoramento do PNDH e de denúncia da
sua limitação aos direitos civis e políticos.
Em abril de 1997, foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos no Ministério da
Justiça, encarregada do ponto de vista mais institucional, da coordenação e monitoramento do
Programa
169
. Assim,
Além de ampla articulação com as instâncias governamentais em nível federal, estadual e
municipal e com os organismos internacionais de direitos humanos, a SEDH atua no sentido
do fortalecimento da rede de organizações da sociedade civil, que atuam na defesa e
promoção de direitos humanos. Nesse sentido, estabeleceu um grande número de parcerias,
com vistas à implementação de políticas públicas de direitos humanos. (BRASIL, 2002x, 8)
169
A partir de 1999, a Secretaria passa a ser denominada como “Secretaria de Estado dos Direitos Humanos”, ainda
subordinada ao Ministério da Justiça (BRASIL, 2002x). Em 2003, ela adquire o status de Ministério, passando a ser
chamada de “Secretaria Especial de Direitos Humanos”. Em 2005, através da MPV n° 259, (21/07/2005), ela é
transformada em Subsecretaria de Direitos Humanos, transferindo sua competência para a Secretaria-Geral da
Presidência da República, o que causou ampla indignação da sociedade civil que trabalha com a questão. Cerca de
cinco meses depois, a Secretaria retomou seu status de Ministério.
124
No âmbito da SEDH, um dos exemplos mais importantes nesse sentido consistiu na
regulamentação do Programa Federal de Proteção de Assistência a Vítimas e Testemunhas
Ameaçadas (PROVITA) - instituído pela Lei n. 9.807/99. Em um primeiro momento, o
Ministério da Justiça – Secretaria de Estado dos Direitos Humanos iria assinar com o
Governo de Pernambuco convênio para apoiar uma iniciativa inédita e pioneira que
avançava naquele Estado sob a coordenação da organização não-governamental Gabinete
de Assessoria Jurídica a Organizações Populares (GAJOP): o Provita, um programa de
proteção a vítimas e a testemunhas baseado na idéia da reinserção social de pessoas em
situação de risco em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando com a
efetiva participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção
(BRASIL, [2005c]).
Devido aos resultados positivos do programa, a SEDH resolveu adotar o “Provita como o
modelo a ser difundido em outras Unidades da Federação
170
” (Ibid).
Segundo Anália Belisa Ribeiro ([1999]), do GAJOP, “criado há dezessete anos, o Gajop
começou como uma entidade de apoio a organizações populares e evoluiu para o atendimento
jurídico de cidadãos carentes que tiveram seus direitos violados. Foi desse trabalho e de pressões
da Anistia Internacional que surgiu a idéia de criar o Provita
171
”.
Anteriormente a sua implementação institucional em 1999, a HRW (1999b) se pronunciou
sobre a questão:
Muitas testemunhas de abuso policial não testemunham por medo de retaliação. Um
programa nacional abrangente para proteger testemunhas, permitindo realocação
geográfica com identidades alteradas, é essencial. A Human Rights Watch apóia projetos
de lei como o PL 3.599-A/97, recentemente aprovado na Câmara Federal, que criaria um
programa federal deste tipo. Até que tal programa seja estabelecido, a Human Rights
Watch pede a atual administração para continuar a implementação do programa de
proteção à testemunhas PROVITA, financiado pelo governo e administrado por ONGs,
em todos os estados da República, através de convênio e apoio financeiro do Ministério da
Justiça. O Programa PROVITA provou ser uma medida importante de parceria do governo
e da sociedade civil na batalha contra a impunidade em casos de violência policial.
170
Assim, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas compõe o Sistema Nacional de
Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, “regulamentado pelo Decreto nº 3.518/00 e gerenciado pela
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, e pelos programas estaduais de proteção” (Ibid.).
171
Esta questão sempre preocupou a AI. Basta relembrar o cuidado da organização, apresentado no Capítulo 2, para
que as investigações às violações aos DH não sejam realizadas pelos seus membros nacionais.
125
E, em uma das recomendações do relatório “Tortura e Maus-Tratos no Brasil” (2001, 68),
a AI afirma que
Embora a Anistia Internacional reconheça a importância da adoção da medida
representada pelo estabelecimento do programa PROVITA em alguns estados, a
organização recebeu numerosos informes de que o mesmo sofreu grave insuficiência de
verbas no passado. Por essa razão, é essencial a tomada de medidas para garantir proteção
adequada a advogados, promotores, funcionários e testemunhas, bem como familiares das
vítimas envolvidos em casos de violação dos direitos humanos. As autoridades devem
tomar medidas para garantir que todos estados disponham de um programa de proteção de
testemunha plenamente efetivo, provido de verba necessária, nos moldes do PROVITA
172
.
Este tipo de programa foi uma das pautas originalmente proposta pelo PNDH I. Outras
políticas significativas resultantes de suas proposições foram
O reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política
(Lei nº 9.140/95), pela qual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por essas
mortes e concedeu indenização aos familiares das vítimas; a transferência da justiça
militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais
militares (Lei 9.299/96), que permitiu o indiciamento e julgamento de policiais militares
em casos de múltiplas e graves violações como os do Carandiru, Corumbiara e Eldorado
dos Carajás; a tipificação do crime de tortura (Lei 9.455/97), que constituiu marco
referencial para o combate a essa prática criminosa no Brasil; e a construção da proposta
de reforma do Poder Judiciário, na qual se inclui, entre outras medidas destinadas a
agilizar o processamento dos responsáveis por violações, a chamada ‘federalização’ dos
crimes de direitos humanos
173
(BRASIL, 2002p).
Ainda, “o Ministério da Justiça assinou convênios com a Anistia Internacional, Cruz
Vermelha Internacional e Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais para realização de
172
A organização critica ainda que “o programa não cobre a maioria das vítimas de tortura porque exclui todas as
pessoas que tenham ficha criminal e todos os presos provisórios” (Ibid. p. 47).
173
“No dia 4 de abril de 1997, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou projeto de
emenda constitucional proposta pelo governo federal para dar à Justiça Federal competência para julgar crimes
contra os direitos humanos (PEC 368/96)” (PINHEIRO & NETO, 2002b).
126
cursos de reciclagem, capacitação e treinamento de policiais civis e militares, com ênfase no
respeito aos direitos humanos” (PINHEIRO & NETO, 2002b)
174
.
A Lei nº 9.140/95, considerada pelo governo como uma das medidas legislativas mais
importantes do PNDH, foi um “passo importante e resultado da pressão nacional e internacional”,
segundo Coimbra (2002):
Somente em março de 1995, quando da visita do Secretário-Geral da Anistia
Internacional, Pierre Sané, ao Brasil, novamente apareceu na mídia a questão dos mortos e
desaparecidos políticos, apesar das entidades e familiares continuarem com suas pressões
sobre o novo governo eleito. Pierre Sané cobrou publicamente do executivo a resolução
dessa questão. Isto já havia sido feito pelas entidades e familiares durante a campanha
presidencial de 1994. Mesmo após a cobrança pública da Anistia Internacional, o governo
federal manteve o silêncio. Este só foi quebrado quando da visita do presidente a
Washington em maio de 1995, no momento em que, numa entrevista coletiva à imprensa
norte-americana, a irmã de um desaparecido no Araguaia cobrou publicamente do
presidente a resolução de tal questão .
Conforme o Centro de Documentação Eremias Delizoicov e a Comissão de Familiares
dos Mortos e Desaparecidos Políticos
175
, as pressões da AI e HRW contribuíram para a decisão
desta medida:
O projeto que reconhece os mortos e desaparecidos durante o período militar será assinado
no dia em que a Lei da Anistia completa 16 anos. A decisão de levar adiante a proposta
aconteceu depois das pressões sofridas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso
durante viagem aos Estados Unidos, cobranças da Anistia Internacional e do escritor
Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado Rubens Paiva, que está na lista dos 136
desaparecidos.
O ex-advogado de presos políticos José Gregori, chefe do gabinete do ministro Nélson
Jobim, que coordenou os trabalhos, também sustenta que o projeto é o máximo que se
pode fazer em função da Lei da Anistia. Mas as famílias dos mortos e desaparecidos e
entidade de direitos humanos, como a Human Rights Watch, norte-americana, acham que
174
“Implementar a formação de grupo de consultoria para educação em direitos humanos, conforme o Protocolo de
Intenções firmado entre o Ministério da Justiça e a Anistia Internacional para ministrar cursos de direitos humanos
para as polícias estaduais”, foi uma das medidas de curto prazo propostas pelo PNDH I (BRASIL, 2002z).
175
Estas duas entidades organizaram o site <www.desaparecidospoliticos.org.br>, com o objetivo de “divulgar as
investigações sobre as mortes, a localização dos restos mortais das vítimas da ditadura e identificar os responsáveis
pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação dos cadáveres de dezenas de pessoas durante o período da ditadura
militar no Brasil (1964/85)”.
127
o governo poderia ir além, prevendo a apuração das circunstâncias em que ocorreram as
mortes e desaparecimentos. (GUERRILHA..., [2005].
No documento de 13 de Maio de 1999, intitulado “Recomendações da Human Rights
Watch para Garantir a Implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos”, a
organização retoma o assunto para “esclarecer Plenamente e Divulgar toda Informação a
Respeito de Violação aos Direitos Humanos Cometidos Durante a Ditadura Militar”:
Para garantir o pleno cumprimento de suas obrigações internacionais, o governo do Brasil
deveria ampliar os atributos da Comissão Especial, criada sob a lei 9.140/95, a qual
reconhece a responsabilidade do governo brasileiro no desaparecimento forçado de 132
pessoas durante a ditadura militar (1964-1985). A comissão especial investigou um
adicional de 234 alegações de assassinatos políticos e desaparecimentos forçados durante
a ditadura militar, decidindo o estado como responsável em 148 casos para o fim de
pagamento de indenizações. Contudo, à comissão especial não lhe foram autorizados os
poderes para investigar as circunstâncias, nem a responsabilidade individual de agentes do
estado em nenhum destes casos. A Human Rights Watch pede ao Presidente Fernando
Henrique Cardoso que suporte legislação assegurando à comissão especial o poder de
exigir depoimentos sob pena de falso testemunho e expanda seu mandato para que inclua
autorização e financiamento para elaborar um relatório completo e público sobre suas
investigações. De forma semelhante, o governo federal deveria garantir que todos os
arquivos e documentos em poder da União e autoridades estaduais sejam preservados e
divulgados, garantindo assim plena divulgação dos abusos do regime militar. (HUMAN
RIGHTS WATCH, 1999b).
Em 14 de agosto de 2002, com a promulgação da Lei n
o
10.536 pela Comissão Especial
de Mortos e Desaparecidos Políticos, foram alterados os dispositivos da Lei n
o
9.140/95,
significando um avanço referente à questão, uma vez que “ampliou-se o limite para o
reconhecimento de mortos e desaparecidos políticos até 5 de outubro de 1988. A nova lei
estabeleceu ainda o prazo de 120 dias para apresentação de novos requerimentos, a contar de sua
publicação” (BRASIL, 2004
a).
O Capítulo 2, demonstrou que a Lei n°. 9.299/96 - que transferiu da Justiça Militar para
Comum os homicídios dolosos praticados por policiais - e as medidas para a federalização dos
crimes de Direitos Humanos constituem passos para o combate à impunidade à violência policial
128
no caso brasileiro, e foram, portanto, bem recebidas pelas ONGI’s
176
.
Mas, cerca de dois anos depois, a AI demonstra sua preocupação perante sua inoperância
prática (AMNESTY INTERNATIONAL, 1998b, 35):
A Anistia Internacional aplaudiu o lançamento do Programa Nacional de Direitos
Humanos, mas continua preocupada com o fato de muito poucas das recomendações
contidas no programa terem sido implementadas até o momento. A Anistia Internacional
apreciou a recente transferência para os tribunais civis da jurisdição para homicídio
intencional de civis cometido por policiais militares; no entanto, o governo deveria
transferir para os tribunais civis a jurisdição para todos os crimes contra direitos humanos
fundamentais cometidos por policiais em serviço ativo.
E sobre a federalização (Ibid., p. 34),
Em 1996 o Governo Federal deu entrada de uma emenda constitucional permitindo que as
autoridades federais assumam investigações e processo de casos de violações de direitos
humanos quando as autoridades estaduais se mostrarem incapazes ou pouco inclinadas a
empreender uma investigação imparcial. Esta emenda dita de “federalização tem sofrido
atrasos no Congresso. Sua aprovação seria um grande passo à frente para assegurar
investigações imparciais, rápidas e eficientes de violações de direitos humanos, um dos
estágios mais importantes no sentido do rompimento dos velhos padrões de impunidade.
As violações de direitos humanos deveriam ser “federalizadas” no Brasil.
Entretanto, a AI “faz certas reservas a respeito dos critérios de seleção de crimes que,
normalmente correspondentes à jurisdição estatal, passarão à alçada federal, e quanto a que
recursos adicionais serão proporcionados aos organismos federais para permitir que lidem com a
carga adicional de demanda dos serviços que prestam (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001,
61)”. Ainda (Ibid., p. 19) manifesta sua preocupação com o fato de que “policiais militares
acusados de crime como a tortura continua sendo julgada de acordo com a lei militar, o que
favorece a impunidade”.
A HRW (1999b), três anos após a implementação do PNDH, demonstra igualmente
insatisfação sobre o assunto:
176
Neste aspecto, destaca-se a relativa participação da AI neste processo por conta de suas contribuições ao Plano.
129
Em 1996, foi aprovada no Congresso e sancionada pelo Presidente Fernando Henrique
Cardoso a Lei 9.299/96, então transferindo a competência sobre homicídios dolosos
cometidos por policiais militares para a Justiça Comum. Embora importante, essa medida
permanece insuficiente. Os homicídios considerados não dolosos e outras violações menos
graves, continuam na Justiça Militar; enquanto isto a polícia militar continua sendo
permitida a supervisionar inquéritos de homicídios doloso cometidos por membros de seus
quadros, levantando a possibilidade de intrometer-se na investigação. A competência da
Justiça Comum deve ser estendida para todos os crimes cometidos por policiais militares.
A Human Rights Watch solicita que o Presidente Fernando Henrique Cardoso insista na
aprovação do projeto de lei 2.190/96 (Dep. Hélio Bicudo
177
) ou outra legislação que
garanta o fim da jurisdição militar sobre os crimes comuns, como alta prioridade.
Também, quanto à reivindicação de federalização:
Sob a legislação internacional de direitos humanos, o governo federal é responsável
perante a comunidade internacional por violações aos direitos humanos cometidos por
agentes do estado, sejam estes funcionários municipais, estaduais ou federais. Apesar
disso, o governo federal não dispõe da autoridade necessária para investigar, processar e
punir os responsáveis pelo cometimento de graves violações aos direitos humanos. A
federalização dos abusos aos direitos humanos envolve temas complexos de jurisdição
paralela e tem criado um debate significativo entre juristas e políticos. Atualmente,
diversos projetos de leis que garantiriam ao governo federal jurisdição sobre casos de
violação aos direitos humanos estão pendentes no Congresso; entre essas está o PL 4715-
C/94 que ampliaria a composição e autoridade do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CDDPH), autorizando-o a determinar quais casos poderiam ser
transferidos à jurisdição da Polícia, Ministério Público e Justiça federais
178
. A Human
Rights Watch solicita ao Presidente no sentido de trabalhar para assegurar a aprovação de
legislação que garanta, no mínimo, uma jurisdição federal de reserva em casos de graves
violações aos direitos humanos (Ibid.).
Dentre as medidas principais do PNDH, resta ainda uma análise da Lei 9.455/97, que
tipificou os crimes de Tortura. Esta questão merece uma seção à parte, pois se trata de uma das
177
O ex-deputado federal Hélio Bicudo (PT/SP), possui uma das mais expressivas militância de Direitos Humanos
no Brasil, tendo sido, inclusive, vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
178
Segundo Pinheiro e Neto (2002b), “o PNDH permitiu que instituições existentes no âmbito federal, como o
Conselho Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa Humana, CDDPH, do Ministério da Justiça, que data do
governo João Goulart, assumisse papel mais decisivo. Desde o lançamento do Programa, o CDDPH tem exercido um
efetivo papel para realização da accountability, da responsabilização das instituições e autoridades da unidades da
federação quanto a violações de direitos humanos em seus estados. Nas reuniões daquele Conselho tem sido comum
a presença de governadores de estado, secretários da justiça e da segurança, procuradores de justiça, comandos
policiais, que informam sobre casos exemplares de graves violações de direitos humanos em seus estados. O
CDDPH tem enviado regularmente comissões de investigação composta por seus membros para investigarem graves
130
maiores preocupações quando o assunto é Direitos Humanos no Brasil, sob a ótica do governo,
das ONGI’s e da ONU.
4.3 A campanha nacional do combate à tortura
Durante o período estudado, o combate à tortura e à impunidade ganhou uma atenção
inédita do governo federal. Os esforços da sociedade civil foram fundamentais para o
reconhecimento governamental legítimo desta pauta. Tal processo requer uma apresentação
cronológica para um melhor entendimento das relações que foram estabelecidas entre o governo e
a sociedade civil como um todo.
Em 1997, a tipificação da conduta delituosa da tortura no país foi possibilitada através da
promulgação da Lei n°9.455 de 1997. Tal passo significou uma regulamentação parcial do
ordenamento jurídico internacional da “Convenção contra a Tortura e outros Tratos Desumanos
ou Degradantes” das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil em 28/09/1989. Ainda, cumpriu as
recomendações do PNDH I que previa “propugnar pela aprovação do projeto de lei Nº 4.716-
A/94 que tipifica o crime de tortura” (BRASIL, 2002z).
Até então, as práticas de tortura eram enquadradas somente como “lesão corporal” ou
“abuso de autoridade”. O Artigo 1 da nova lei,
Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação,
declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão
de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa. II - submeter
alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça,
a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de
caráter preventivo (BRASIL, 1997).
denúncias e apresentarem relatórios propondo ações coibindo os abusos”. Atualmente, faz parte de um dos
Conselhos da SEDH.
131
Assim, a tortura passou a ser um crime, de acordo com o Artigo 6, “inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia” (Ibid.), dentro do território nacional. Porém, tanto na teoria,
como na prática, a lei apresenta alguns problemas de teor aplicativo.
Em relação ao conteúdo jurídico normativo, os especialistas e organizações da sociedade
civil - como a AI - criticam a amplitude da lei, uma vez que a mesma responsabiliza pelo crime
de Tortura, agentes indiscriminados, que atuam, inclusive no âmbito privado. Em dissonância
com a definição proposta pela ONU, a legislação brasileira não prioriza a prática de tortura
quando empregada por agentes estatais, reservando-lhes apenas um agravamento de pena. Isso
“acaba dando margem para que casos de tortura sejam desclassificados e terminem julgados
como abuso de autoridade ou lesão corporal grave” (PINHEIRO, 2003, 25)
179
.
Outro ponto combatido diz respeito ao crime cometido por prática discriminatória racial
ou religiosa condenado pela lei, que termina por negligenciar outras formas de discriminação,
como as questões de gênero, convicções ideológicas e políticas, orientação sexual, dimensão
sócio-econômica, etc (Ibid). Neste caso, a AI lembra a “discriminação de qualquer espécie”,
explicitada pela Convenção contra a Tortura da ONU (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001).
Do ponto de vista prático, e em virtude das próprias dificuldades conceituais
interpretativas da Lei, “a pesquisa no campo da jurisprudência demonstra que as decisões
judiciais baseadas na Lei da Tortura ainda são muito raras no Brasil” (CAMPANHA..., 2003, p.
17). Nesse sentido,
A Anistia Internacional se preocupa também com o fato de que, desde a promulgação da
Lei da Tortura, poucos casos de tortura chegaram a ser objeto de processo, um número
ainda menor chegou a ser condenado nos termos da Lei da Tortura e apenas oito, segundo
consta, foram confirmados em última instância, apesar das inúmeras denúncias feitas por
179
Quando a AI se reuniu com o chefe da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, salientando que os
espancamentos por policiais se enquadravam como crime segundo a Lei, um dos presentes comentou: “O senhor está
fazendo uma interpretação muito literal dessa lei” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, 43).
132
vítimas e seus parentes. A maior parte dos casos de tortura que chega aos tribunais é
processada sob acusações de abuso de autoridade ou lesão corporal, que acarretam
sentenças punitivas muito mais brandas (ANISTIA INTERNACIONAL, op. cit, p. 38).
No relatório oficial entregue à ONU em maio de 2000
180
, intitulado “Primeiro Relatório
Relativo à Implementação da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes no Brasil”, o próprio governo brasileiro assumiu as
limitações da aplicação efetiva da lei da Tortura. E, neste mesmo período, ele convidou o Relator
Especial da ONU, Nigel Rodley
181
, após sua própria solicitação em novembro de 1998,
A realizar uma missão de levantamento de fatos ao País, como parte de seu mandato. O
objetivo da visita, que ocorreu de 20 de agosto a 12 de setembro de 2000, consistia em
permitir que o Relator Especial coletasse informações em primeira mão a partir de uma
ampla gama de contatos, a fim de melhor avaliar a situação da tortura no Brasil,
permitindo, assim, que o Relator Especial recomendasse ao Governo um conjunto de
medidas a serem adotadas no intuito de assegurar o cumprimento de seu compromisso de
pôr fim a atos de tortura e outras formas de maus tratos (RODLEY, 2002).
Na V Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em março de 2000, foi criada
por unanimidade, a Rede Brasileira contra a Tortura, que congregou cidadãos, organizações da
sociedade civil e instituições comprometidos com a causa (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Dentre algumas deliberações acordadas pelo evento esteve a elaboração pela Rede de um
relatório alternativo - “Relatório Sombra” - a ser enviado até o dia 31/12/2000 à ONU, como
contraponto ao relatório governamental entregue em abril de 2000
182
.
180
Conforme o Relatório Azul de 1998/99 (RIO GRANDE DO SUL, 1999), todos os prazos assumidos pelo
Governo Brasileiro referente à entrega dos informes regulares exigidos pela Convenção foram descumpridos
(1990/1994/1998). O Relatório mencionado foi, portanto, enviado com dez anos de atraso. O documento enfatizou a
violência policial. (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
181
Segundo o “Relatório Final da Campanha Nacional permanente de Combate à Tortura e à Impunidade”, a visita
do relator ao Brasil, deveu-se à atuação do MNDH e outras entidades mediante a interlocução direta com a ONU.
182
Vale registrar ainda que nos dias 30/11 e 01/10/2000 foi realizado um Seminário Nacional denominado “A
Eficácia da Lei da Tortura”, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (Conselho da Justiça Federal e Centro de
Estudos Judiciários), CDHM, Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia e Conselho Nacional dos Procuradores-
Gerais de Justiça e promovido pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos/MJ, Procuradoria Federal dos
Direitos dos Cidadãos, Rede Brasileira Contra a Tortura, Centro Internacional de Proteção aos Direitos Humanos,
133
Em agosto de 2000, a CDHM lançou um “Subsídio ao trabalho do Relator da ONU para a
Tortura, Nigel Rodley, em sua Missão Oficial ao Brasil”. O lançamento do documento pelo
Relator foi em 11 de abril de 2001, na sede da ONU em Genebra, Suíça
183
. Neste relatório, foram
incorporados diversas denúncias da sociedade civil, especialmente as realizadas pelas ONG’s
184
.
A Lei da Tortura foi amplamente analisada e recebeu críticas. O Relatório afirma que “A Lei
sobre Tortura é praticamente ignorada, sendo que os promotores e juízes preferem usar as noções
tradicionais e inadequadas de abuso de autoridade e lesão corporal. O serviço médico forense,
sob a autoridade da polícia, não possui independência para inspirar confiança em suas
constatações” (RODLEY, 2001).
Assim, o Comitê contra a Tortura da ONU (CAT) fez na sua 26° Sessão de 30 de Abril a
18 de Maio de 2001, suas Conclusões e Recomendações ao Brasil, tendo avaliado, inclusive o
contra-informe produzido pela sociedade civil. O governo teve de reconhecer perante a
comunidade internacional que a tortura faz parte do cotidiano brasileiro (CAMPANHA...,
2003)
185
.
Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE, Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público CONAMP, Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Conselho Federal da
OAB. (BRASIL, 2000a).
183
Nesta ocasião o Brasil apresentou os “Comentários do Governo brasileiro ao informe do Relator Especial sobre a
Tortura da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas”. De um modo geral, a postura do governo foi
defensiva diante às acusações do Relator, listando a série de medidas governamentais na área dos Direitos Humanos
(BRASIL, 2000a).
184
“O Relator Especial tamm se reuniu com pessoas que teriam sido vítimas de tortura ou de outras formas de
maus tratos, ou pessoas cujos familiares supostamente haviam sido vítimas de tortura ou de outras formas de maus
tratos, e recebeu informação verbal e/ou por escrito da parte de Organizações Não-Governamentais (ONGs),
inclusive as seguintes: Núcleo de Estudos da Violência; Centro Justiça Global; Gabinete de Assessoria Jurídica a
Organizações Populares - GAJOP; Movimento Nacional de Direitos Humanos; Ação Cristã pela Abolição da Tortura
(ACAT); Tortura Nunca Mais; Pastoral Carcerária; Comissão Pastoral da Terra. Por fim, o Relator também se reuniu
com advogados e promotores públicos, inclusive promotores públicos encarregados de menores infratores em São
Paulo”. (RODLEY, 2001).
185
Em 09/05/2001, em Genebra, a ONU pediu ao Brasil que demitisse e investigasse os torturadores da Ditadura que
ainda estivessem no governo. O Comitê contra a Tortura da ONU apresentou aos representantes brasileiros uma lista
com 444 nomes de supostos torturadores, elaborada pelo Grupo Tortura Nunca Mais. Os peritos da ONU mostraram
sua insatisfação pública com o governo brasileiro na questão da impunidade, que por sua vez, teve de reconhecer que
o Brasil vive em uma crise na segurança pública (ESTADÂO, [2001]).
134
Ainda em 2001, houve o lançamento, como foi mostrado no Capítulo 2, da “Campanha
Nacional Permanente de Combate à Tortura e à Impunidade”, uma parceria entre o MJ, SEDH e
o MNDH. No encontro nacional desta organização em 1998, a implementação institucional desta
pauta havia sido definida como uma das ações de seu planejamento estratégico. Assim, quando
em 2001, o governo federal convocou o MNDH para discutir a instalação de “um disque-tortura”,
a organização apresentou uma contraproposta de um programa maior, que deu origem à
Campanha (CAMPANHA.., 2003).
É interessante reproduzir a interpretação do Grupo Tortura Nunca Mais, do RJ, sobre a
promoção da referida Campanha:
O Relatório Rodley, tornado público em abril de 2001, faz uma série de recomendações ao
governo brasileiro, afirmando que o uso da prática da tortura no país é “generalizado e
sistemático”. A partir daí, o governo FHC iniciou a montagem de sua operação de
marketing anunciando uma Campanha Nacional Contra a Tortura. Em maio de 2001, o
Brasil foi chamado, pela primeira vez, diante do Comitê Contra a Tortura da ONU para
prestar esclarecimentos sobre os casos de tortura presentes no Relatório Rodley. Nesta
ocasião, algumas entidades de direitos humanos, como o GTNM/RJ, também presente,
entregaram ao Comitê um Relatório Alternativo e outro com vários casos comprovados de
tortura no Brasil, em especial nas Forças Armadas. O governo brasileiro, pressionado pela
repercussão dessas denúncias, anunciou, naquele momento, a implementação da
Campanha Nacional Contra a Tortura. Em outubro de 2001, no dia seguinte à divulgação
do Relatório da Anistia Internacional sobre tortura e maus-tratos no Brasil
186
, as
autoridades federais, finalmente, anunciaram a tão esperada Campanha.
Com o objetivo de dar legitimidade e credibilidade a esta Campanha o governo tentou
seduzir e cooptar algumas importantes entidades brasileiras de direitos humanos
(GRUPO..., 2003).
A AI no relatório acima citado (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, 8) fez a seguinte
avaliação em relação a essa decisão governamental:
186
A AI ressalta a ocasião propícia para o lançamento deste relatório (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, 6): “A
Anistia Internacional lança este relatório em um momento de intenso debate sobre a tortura no âmbito da justiça
criminal, entre aqueles que trabalham com vítimas de tortura e também na mídia. Parece que nunca houve melhor
135
À luz das recentes críticas nacionais e internacionais, o governo federal brasileiro
procurou confrontar a questão da tortura (...).
Em resposta às recomendações das duas
entidades da ONU, o governo brasileiro anunciou uma série de medidas que seriam
empreendidas em colaboração com ONG’s, com o propósito de combater o uso persistente
da tortura no Brasil. Entre as medidas há uma campanha de âmbito nacional, através da
mídia, contra a prática da tortura no país, que já deverá ter sido lançada quando este
relatório for publicado. A Anistia Internacional admite com pesar que, embora essa atitude
aberta perante os foros internacionais seja digna de aplauso, a situação dos direitos
humanos no Brasil não apresentou melhoras em grau equivalente.
A posição do governo, entretanto, foi expressa nas palavras de Paulo Sérgio Pinheiro,
então Secretário de Estado dos Direitos Humanos em 2002:
Mais uma vez é a hora de declarar que o governo federal não tolerará a tortura ou outras
formas de maus- tratos por parte de funcionário público, principalmente policial militar ou
civil, pessoal penitenciário e pessoal de instituições destinadas a crianças e jovens
infratores. O governo federal denunciará todo e qualquer crime de tortura e chamará a
responsabilidade subsidiária dos estados da federação na investigação, processo,
julgamento dos perpetradores desses crimes. Um acordo padrão entre a Secretaria de
Estado de Direitos Humanos e os governos dos estados está sendo assinado visando à
estreita colaboração dos estados na repressão e prevenção da tortura. Conforme foi
proposto pela Anistia Internacional em recente relatório. O governo jamais assumirá na
ordem internacional a defesa dos perpetradores dessas violações. Desde o dia 24 de janeiro
o governo federal , através de medida provisória proposta pelo Ministro da Justiça,
Aloysio Nunes Ferreira,tem a competência de determinar a competência da polícia federal
de intervir nas investigações de graves violações de direitos humanos e assim o fará. Ao
mesmo tempo deverá ser iniciada em breve capacitação dos operadores do judiciário sobre
as responsabilidades diante da convenção internacional contra a tortura. Estou propondo a
aceitação pelo governo federal da aceitação do direito de petição individual ao Comitê
contra a Tortura mediante a declaração prevista no artigo 22 da Convenção contra a
Tortura. Desde o ano passado está confirmada a visita ao Brasil de minha colega a relatora
especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Asma Jahandir, que
receberá total e irrestrito apoio , pleno acesso a todos os dados e informações. O governo
federal considera as visitas dos relatores especiais da ONU como relevante colaboração
para a proteção dos direitos humanos, tanto que desde 19 de dezembro, quando o
Presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou uma "standing invitation", um convite
permanente e em aberto para todos os relatores especiais e representantes especiais da
ONU. Assim o Brasil é um dos doze países do mundo que até o momento fez esse convite
(PINHEIRO, 2002).
E assim, o ano de 2001, abrigou a produção de mais um relatório: “Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais: Uma Aproximação da Realidade Brasileira, Brasil Abril de 2001”,
ocasião para revitalizar a campanha pela supressão da tortura e o encaminhamento à justiça daqueles que a
praticam.”
136
elaborado pela sociedade civil
187
, com o intuito de “provocar o convite do governo brasileiro para
a visita oficial ao Brasil, no ano de 2001, da Relatora Especial sobre Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, Sra. Asma Jahangir (EXECUÇÕES..., 2002)”.
Por fim, no dia 10/09/ 2002, foi finalmente criada a “CPI destinada a investigar casos de
Tortura e Maus-tratos praticados por Agentes Públicos
188
” (BRASIL, 2002y).
Dois dias antes de sua criação, o cozinheiro Antônio Gonçalves de Abreu, então acusado
de matar um agente federal, foi morto sob custódia pela Polícia Federal, no RJ. Os indícios de
execução extrajudicial chamaram atenção da ONU e da Anistia, segundo o Correio Braziliense
(2002) de 24/09/2002:
O representante no Brasil da Anistia Internacional, Tim Kahill, enviará um documento a
70 países pedindo que as autoridades locais pressionem o governo brasileiro a apurar e
punir rapidamente os culpados pela morte do auxiliar de cozinha Antônio Gonçalves de
Abreu, ocorrida na Superintendência da Polícia Federal no Rio. Também ontem,
representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) anunciaram que vão investigar
as execuções no Brasil. O objetivo será avaliar, principalmente, o uso da violência pela
polícia. (...) . O representante da Anistia Internacional afirmou ainda que marcará um
encontro com autoridades brasileiras com o objetivo de levantar detalhes sobre a
investigação que esta sendo feita.
O caso foi investigado pela CPI da Tortura, constituída em 07/11/2002 e instalada
somente em 13/11/2002.
Ademais, é provável que o “conturbado” cenário dos anos de 2000 e 2001, surtiu efeitos
para que esta CPI fosse instaurada. Este adjetivo reflete a visita do Relator da ONU ao Brasil; a
divulgação de seu relatório em Genebra, condenando às práticas de tortura no país; a produção de
no mínimo três “Relatórios-Sombras” elaborados pela sociedade civil, com objetivo de contestar
187
Algumas entidades que elaboraram o relatório: MNDH, GAJOP, Centro de Justiça Global, Seção Brasileira da
Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, FIDH, Franciscans International /Domenicans for Justice and
Peace, associado aos apoios prestados pela Catholic Relief Services (CRS), Fundação Ford – Brasil e CESE. O
relatório foi apresentado em Genebra (Suíça), no espaço paralelo da Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas, durante a sua 57
a
. Sessão, em abril de 2001 (EXECUÇÕES..., 2002).
137
o discurso oficial; o reconhecimento do fracasso da Lei da Tortura; o lançamento do relatório
específico da AI sobre “Tortura e Maus Tratos no Brasil”.
Ao que tudo indica, um dos fatores que certamente contribuiu para que o governo
instalasse a CPI da Tortura no final de seu último ano de mandato, foram essas pressões criadas
pela ONU e sociedade civil nacional e internacional.
4.4 Nota sobre o Brasil e o “canetaço”
No período estudado, o Brasil ratificou outros importantes tratados internacionais, nos
âmbitos da ONU e OEA, a saber:
Tabela 3: Principais Tratados Ratificados pelo Governo Brasileiro (1995-2002)
ANO DE
RATIFICAÇÃO
TRATADO SISTEMA
INTERNACIONAL
1995
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de
Belém do Pará”
OEA
1996
Protocolo adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador”;
Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, referente à Abolição da Pena de Morte
OEA
1997
Convenção Interamericana Sobre Tráfico Internacional de
Menores
OEA
1998
Reconhecimento da Jurisdição da Corte Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH)
OEA
1999
Tratado de Ottawa (Abolição das Minas Terrestres)
ONU
2001
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Deficientes
Físicas
OEA
2002
Protocolo facultativo à Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher;
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
ONU
188
Em 1999, o então Deputado Nilmário Miranda havia requerido a instalação da Comissão, mas havia muitos outros
requerimentos na fila das CPI’s (OPOSIÇÂO..., [2002]).
138
Fontes: GAJOP [2005] e outras.
Mas, o Estado brasileiro não ratificou os dois Protocolos Facultativos do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) - ratificado pelo Brasil em 1992-, os quais
entraram em vigor no mundo nos anos 1976 e 1991, respectivamente (GAJOP, [2005]). O
primeiro Protocolo autoriza o Comitê de Direitos Humanos da ONU a receber e processar
denúncias individuais que violem as regras do Pacto. O segundo, refere-se à abolição da pena de
morte.
A HRW (1999b) considerou “essencial que o Brasil ratifique o Protocolo Facultativo do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”.
Além disso, “o Brasil não está em dia com os prazos de entrega dos informes sobre a
situação dos direitos de nenhum convênio do qual é parte. O Estado brasileiro não apresentou 13
dos 23 informes devidos sobre os diversos tratados ratificados” (RIO GRANDE DO SUL, 1999,
452). Mas, mesmo não cumprindo formalmente as obrigações dos tratados que já é signatário, o
Brasil seguiu assinando outros diversos instrumentos internacionais. Esta postura pode ser
explicada em parte pela influência da sociedade civil - principalmente, a sociedade civil global -
em pressionar os governos de um modo geral, para um comprometimento maior com os Sistemas
Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos.
Notadamente, a Anistia Internacional teve um empenho destacado pelo mundo na
Campanha Anti-Minas Terrestres e na criação de um Tribunal Penal Internacional (ainda em vias
de conflituosa construção, principalmente, em relação aos Estados Unidos
189
) em conjunto com
189
Para Nilmário Miranda (2002b), o TPI não possui paralelo histórico por ser “a primeira jurisdição internacional
permanente de caráter penal” e por ser fruto “do esforço conjunto e democrático dos Estados, das Organizações
Internacionais, das ONG’s e da “Sociedade Civil Planetária””. Em uma publicação de 2000 da CDHM, o então
deputado afirmou que “uma das principais lutas travadas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados no âmbito internacional tem sido a campanha pela criação do Tribunal Penal Internacional (TPI)”
139
outras ONG’s. Esta atuação teve seus reflexos no Brasil, inclusive para o reconhecimento da
Jurisdição da Corte Interamericana da OEA
190
. Na época, o fato de a AI possuir uma seção
brasileira facilitou em muitos de seus contatos com representantes governamentais
191
.
Entretanto, a assinatura e/ou reconhecimento desses instrumentos jurídicos muitas vezes
suscitam discrepâncias entre as legislações internacionais e nacionais, fato que acaba por se
tornar a justificativa da não assinatura de um tratado. Um exemplo claro do embate entre leis
internacionais e Direito Constitucional nacional, foi travado na criação do Tribunal Internacional
Penal. Aprovado pelo Estatuto de Roma em 1998, o Brasil assinou o mesmo após dois anos de
sua criação, em 7 de fevereiro de 2000, mas só em 20 de junho de 2002 o ratificou
192
. Esta
demora foi alegada pelos conteúdos divergentes entre o Estatuto de Roma e o Direito Brasileiro,
em relação, principalmente, às questões de extradição e prisão perpétua, conforme Rolim
observou em entrevista. Mas, quando essa explicação é aceita, fica difícil de compreender, por
exemplo, o porquê o país não assinou o Segundo Protocolo Facultativo do PIDCP, que insta a
abolição da pena de morte.
(BRASIL, 2002a). Segundo Miranda, “no final de 1999, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados se fez representar, por este presidente, na terceira reunião da Comissão Preparatória para o
Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional na sede da ONU, em Nova Iorque. Convidado por uma
organização-não governamental internacional, a "Parliamentarians For Global Action", participamos desse
importante evento em que debatemos como as legislações nacionais devem se adaptar à nova jurisdição
internacional. Voltamos convictos de que os óbices que têm sido apresentados nesse sentido podem facilmente ser
removidos, caso haja vontade política para fazer prevalecer os valores e princípios maiores, derivados da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e claramente contemplados pela nossa Constituição” (Ibid).
190
Reconhecida por meio do Decreto Legislativo n. 89/98. O CCDPH obteve uma grande influência para este
reconhecimento. O projeto de Lei n. 3.214/00 do Deputado Marcos Rolim, dois anos depois de sua ratificação,
pretendeu garantir a aplicabilidade jurídica internacional da Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos
da OEA no âmbito interno (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
191
Estes contatos foram verificados também em vários eventos e audiência promovidos pela AL do RS, onde a AI
freqüentemente participava. O contato com as autoridades estaduais, embora, existentes, não foram propositalmente
analisados aqui.
192
Uma das diretrizes do PNDH II (BRASIL, 2002p) foi: “Instaurar e apoiar o funcionamento da comissão de peritos
encarregada de propor mudanças na legislação interna que permitam a ratificação, pelo Brasil, do Estatuto do
Tribunal Penal Internacional - Estatuto de Roma”. Lembra-se que a AI participou da atualização do Plano e foi a
principal ONGI do mundo a se empenhar nesse sentido.
140
A atuação das ONGI’s, certamente, não pode ser tomada como a única variável
explicativa para a assinatura dos tratados pelo governo de Fernando Henrique. Retoma-se agora a
idéia apresentada no Capítulo 1, de que o respeito aos Direitos Humanos, muitas vezes, fazem
parte de uma postura estratégica da política externa dos países. É o que o Relatório Azul (RIO
GRANDE DO SUL, 1999, 449) denominou de “eficácia simbólica”:
Convém mencionar que, nem sempre, os Estados assinam ou ratificam os instrumentos
internacionais ou regionais de proteção de Direitos Humanos com o intuito de respeitá-los.
Às vezes, os objetivos buscados dizem respeito mais a eficácia simbólica que instrumental
do texto legal. Ou, seja, pode ocorrer que o Estado busque algum objetivo de legitimação
interna ou externa, dando a impressão de que se alinha ao movimento mais geral de defesa
dos Direitos Humanos, visando alcançar uma posição mais favorável frente à comunidade
internacional, ou um reconhecimento político interno que o fortaleça em outras áreas,
como por exemplo, a econômica. Além disso, o Estado pode aderir a um sistema de
proteção de Direitos Humanos por pressão externa (por força de outros compromissos
como, por exemplo, fazer parte da OEA) ou interna, de organizações não-governamentais
ou de técnicos que influenciam de forma mais ou menos direta as decisões governamentais
nesse sentido.
Na realidade, este aspecto vincula-se também com a idéia associativa entre Direitos
Humanos e Democracia, explicada no Capítulo 1 e explicitada em alguns fragmentos discursivos
presidenciais no início deste capítulo. Segundo o Relatório Azul (RIO GRANDE DO SUL, 2003,
69),
Não é o realismo, o pragmatismo, que levaram o Brasil a eleger como uma das mais altas
prioridades de sua política externa a promoção da democracia e dos Direitos Humanos, e
sim, a convergência entre a Política e a Ética característica das democracias. As forças
antitéticas que hoje conformam o sistema internacional são a força centrípeta da
globalização (finanças, investimentos, comércio, informação, e o novo tratamento da
segurança coletiva, meio ambiente e Direitos Humanos) e as forças centrífugas da
fragmentação, exclusão e marginalização – às vezes como subprodutos da globalização. A
síntese deve ser buscada na “associação positiva entre Direitos Humanos e democracia”,
de modo a permitir a manutenção da paz. Nessa concepção, os Direitos Humanos, vistos
de uma perspectiva integrada e abrangente (direitos civis, econômicos, políticos, sociais, e
141
culturais, direito ao desenvolvimento) são componente essencial da governabilidade, no
plano interno e externo, e da manutenção da paz
193
.
Segundo Rolim (entrevista), o governo de Fernando Henrique foi muito sensível às
pressões externas:
(...) cada vez que o FHC fazia alguma viagem internacional, ele ia, especialmente, à
Europa, a agenda dele era acompanhada e monitorada por entidades de DH, que faziam
protestos, levavam reivindicações, denunciavam coisas sobre o Brasil. E o Itamaraty, que
é um organismo muito competente, e que está muito bem informado à respeito destes
movimentos, preparava o discurso presidencial para que ele fornecesse respostas a essas
demandas, a essas cobranças. Não é por acaso que quando o FHC ia para fora do Brasil, as
declarações dele sempre enfatizavam o tema dos Direitos Humanos (...).
O entrevistado afirmou ainda: “o curioso é que essas ONG’s que o governo apoiou, a
grande maioria delas, as lideranças dessas ONG’s, eram ligadas ao PT, ou, não que fossem
vinculadas ao PT, mas as pessoas que estavam ali eram petistas. Então, o governo poderia ter
todas as razões do mundo para não dar bola para isso. Mas eles apoiaram, e eu acho que isso é
uma coisa maluca”.
Na realidade, isso não constitui um paradoxo. Como foi discutido no Capítulo 1, a
ideologia subliminar aos Direitos Humanos é a própria democracia, não sendo exclusividade dos
partidos de “esquerda” ou de “direita” a adoção de uma postura positiva em relação aos
primeiros.
O período estudado se trata, sem dúvida, de um momento bastante rico da história
brasileira, no que se refere às relações entre governo federal e sociedade civil sobre as questões
193
Uma interpretação semelhante é resgatada por Costa (2003, 7) e se refere à interpretação realista contra a
plausibilidade da universalização dos Direitos Humanos preconizadas pelos democratas cosmopolitas: “Conforme
esses autores, a pauta dos direitos humanos não pode ser separada do jogo real e das relações assimétricas de poder
na arena internacional. Em outras palavras, as disputas entre os países configura uma ordem hobbesiana, na qual
cada Estado Nação busca valer seus interesses próprios, recorrendo, se for o caso, e por puro oportunismo, à alusão
retórica a valores universais”.
142
dos Direitos Humanos. As origens da conjuntura que se apresentou podem ser vistas já na
Conferência de Viena, antes mesmo de Fernando Henrique assumir a presidência. Neste
encontro, a presença de representantes governamentais e da sociedade civil foi destacada; desde
aí, as raízes do PNDH estavam sendo plantadas.
O governo criou, na realidade, um grande Sistema Nacional de Proteção aos Direitos
Humanos, considerando as próprias especificidades nacionais sobre a questão, primando pelos
Direitos Civis em um primeiro momento. A partir daí, a AI e HRW começaram a dirigir suas
atenções não só à vigência do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, como à
própria estrutura interna que foi montada, com um certo consentimento governamental.
De forma a legitimar suas políticas, o governo de Fernando Henrique buscou a
convocação da sociedade civil para participar de seus projetos. Nesta participação, sem dúvida, a
presença da AI foi mais destacada do que a da HRW, sobretudo, pelo fato de à época, possuir
uma representação e organização nacional, o que facilitou a execução de suas atividades devido a
representação no âmbito interno. No entanto, a HRW prosseguiu a realização de seus trabalhos
no Brasil, mesmo que de forma mais externa. De um modo geral, pode-se dizer que o governo
federal reconheceu a autoridade e legitimidades destas organizações.
Percebeu-se uma atenção em torno do PNDH pela intersecção de órgãos afins que o
acompanharam: o CDDPH, a SEDH e a CDHM. Sem dúvida, estes dois últimos foram os mais
permeáveis às demandas da sociedade civil. A Comissão neste contexto foi a grande responsável
pela realização de vários encontros estratégicos junto à sociedade civil. É importante salientar sua
constante aquiescência para com estes atores, especialmente, dos parlamentares envolvidos com a
questão dos Direitos Humanos. Nos relatórios e pronunciamentos desta Comissão, foi verificada
uma permanente referência às “organizações da sociedade civil” e ao “governo brasileiro”, como
se dele a CDHM não fizesse parte. Ressalta-se que nas Conferências Nacionais, houve a proposta
143
desses próprios representantes para a elaboração de relatórios extra-oficiais a serem entregues à
ONU.
Diversas personalidades governamentais conhecidas na militância de Direitos Humanos -
e que possuíam inclusive trânsito dentro da ONU e OEA - foram responsáveis pelo
desenvolvimento deste processo, apresentando inclusive, projetos de lei importantes que foram
pautados através dos diálogos com a sociedade civil. Neste sentido, o próprio governo criou uma
rede governamental composta por órgãos e quadros que exerceram um claro accountability
horizontal sobre o Executivo. Sua responsividade foi sendo duplamente exigida.
E é neste momento que a verificação da hipótese “1) b”, que pressupunha que o
estabelecimento da relação entre o governo federal e as ONGI’s foi realizado primeiramente por
essas, viu-se novamente agravada. Na realidade, o período estudado revelou uma rede complexa
de interesses entre atores comprometidos com os Direitos Humanos. A parceria da AI com o
governo, no convênio de educação para policiais com o MJ e na discussão do Plano, são claros
exemplos disso. No primeiro caso, entretanto, trata-se de uma prática tradicional da organização,
como se viu no Capítulo 2. O segundo, constituiu-se em uma novidade que vai de encontro com a
dinâmica evidenciada no relato de Rolim sobre o seu chamamento pessoal às entidades afins,
especialmente, a HRW.
Entretanto, não se deve esquecer que as ONGI’s são as maiores interessadas na
interlocução com os Estados que denunciam. Mas, na medida em que o Estado criou espaços para
o diálogo com esses atores - especialmente com a AI -, montando um Sistema Nacional de
Proteção, o governo disponibilizou condições para o monitoramento de sua própria conduta, tanto
pelos membros da sociedade civil, quanto pelo Legislativo e órgãos executivos, como a SEDH e
o CDDPH. E é nesse sentido que a terceira hipótese se confirma.
144
A hipótese anteriormente em questão, deve então ser confirmada nos seguintes termos: as
ONGI’s estabeleceram um relacionamento tenso com o Estado, na medida em que cumpriram um
duplo papel fiscalizador, externo e interno. O espaço para o exercício deste último foi propiciado
pelas próprias conseqüências advindas do posicionamento estatal adotado. A partir daí, a
importância de quem estabeleceu primeiramente um contato, ou governo ou as ONGI’s, deve ser
relativizada, uma vez que o trato do governo para com a sociedade civil no período estudado foi
complexo, envolvendo acordos e controvérsias.
O que se pode afirmar é que as ONGI’s estiveram empenhadas junto à própria sociedade
civil nacional em publicizar e polemizar as violações de Direitos Humanos no Brasil. A pressão
das ONGI’s somada a grupos nacionais colocou o Estado em uma situação difícil. Não agir no
sentido de dar guarida as suas demandas deixaria o governo pouco legitimado nacional e
internacionalmente. Neste momento, a imagem interna do Brasil sob a presidência de Fernando
Henrique era muito importante para a política interna do país. O tratamento da questão da tortura,
a atenção às chacinas e grupos de extermínio e a assinatura de pelo menos três tratados
internacionais (TPI, de Minas Terrestres e o reconhecimento da jurisdição da Corte Americana)
podem ser considerados, em grande parte, como fruto desse processo assimilado pelo governo.
Não foi por acaso que as principais temáticas referentes ao PNDH se referiam aos Direitos
Civis, violados cotidianamente no Brasil segundo as ONGI’s, como se mostrou no Capítulo 2.
Desta maneira, este reconhecimento governamental significou um avanço no tratamento
dessas questões para as ONGI’s. Mas a AI e HRW não pararam por aí: seguiram, em meio a
elogios e aplausos às políticas implementadas, denunciando o fracasso de muitas delas na prática.
Por fim, resta indicar algumas razões pelas quais o governo Fernando Henrique criou uma
postura tão positiva aos Direitos Humanos.
145
Seu governo viu na implementação do PNDH um cumprimento das recomendações da
Conferência de Viena, onde o presidente esteve presente na condição de Chanceler. E este foi o
marco que deu origem a outras inúmeras políticas públicas. A própria participação da sociedade
civil foi importante para reforçar os compromissos que ora haviam sido firmados.
Entretanto, esta recomendação poderia ser simplesmente ignorada. Mas, o presidente fez
questão de zelar esse compromisso - que acabou se tornando, inclusive, um grande símbolo
internacional do governo -, uma vez que o mesmo acabaria por reforçar sua concepção
indissociável de Direitos Humanos e Democracia. Tal postura convergiu com o estado de coisas
do plano internacional contemporâneo, analisado no Capítulo 1. Basta lembrar, a série de tratados
assinados pelo governo, enquanto outros já ratificados pecavam na prestação de contas à
comunidade internacional.
E é aqui que reside uma questão fundamental: a obrigação do Estado nacional frente a
possíveis sanções ou retaliações dos organismos internacionais. Se é verdade que o governo tem
uma obrigação apenas moral para com as ONGI’s, como afirmou Rolim em entrevista para a
pesquisa, o mesmo não se aplica ao Sistema ONU como um todo, do qual, inclusive, as ONGI’s
possuem representatividade.
Por exemplo, o governo ficou constrangido diante à apresentação do relatório em Genebra
sobre a tortura no Brasil pelo Relator da ONU, Nigel Rodley e meses depois lançou a “Campanha
Nacional de Permanente de Combate à Tortura e à Impunidade” e instalou a CPI da Tortura.
Provavelmente, não se trata de uma mera coincidência. O que está em jogo aqui é a imagem do
governo brasileiro para o Sistema ONU. Foi preciso que o Relator expusesse negativamente o
Brasil para que finalmente, o governo admitisse publicamente - por exemplo - o fracasso da Lei
da Tortura, tão questionada anteriormente por outras entidades. Acontece que esse mesmo
146
Sistema é bastante permeável à interlocução com a sociedade civil, como se viu no Capítulo 1. É,
novamente, o efeito bumerangue surtindo quando se chega na última instância, isto é, na ONU.
Entretanto, vários prazos foram descumpridos pelo governo, protocolos importantes não
foram assinados. A própria ONU se limita na aplicação se sanções punitivas mais rigorosas aos
seus Estados partes, que no caso do Brasil, desrespeita sua própria Constituição interna. De
qualquer modo, é fundamental no campo das relações diplomáticas, um bom relacionamento com
este organismo internacional.
E foi na esteira desta lógica, que o governo procurou fortalecer sua imagem nacional e
internacional de “defensor pelos Direitos Humanos”, legitimada pelas medidas internas e
externas adotadas, que contaram com a participação autorizada da sociedade civil. A eficácia
deste processo como um todo, foi, no mínimo, “simbólica”.
147
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática da relação entre sociedade civil e Estado vem se revelando um importante
ponto de partida para o entendimento dos regimes democráticos contemporâneos. Muitos
estudiosos têm considerado através de inúmeras pesquisas no Brasil e no exterior, a importância
da atuação das organizações da sociedade civil - especificamente, das ONG’s -, visto sua
inscrição cada vez mais acentuada, nos espaços políticos tradicionais onde as relações de poder
são travadas.
A “sociedade civil” comporta uma heterogeneidade de grupos e atores, que por seu turno,
possuem interesses diversificados para serem defendidos. Sua homogeneidade, portanto, não
existe; tampouco, defini-la a partir da distinção de mercado e Estado sugere erroneamente um
pertencimento exclusivo a uma única esfera, que na realidade, imbrica-se em vários momentos
com as outras. Também, embora fundamental para qualquer aprofundamento democrático da
sociedade política, a sociedade civil nem sempre é de fato internamente democrática e
participativa.
148
O presente trabalho procurou tratar da relação entre o Estado brasileiro e a sociedade civil
internacional - representada pelas ONGI’s Anistia Internacional e Human Rights Watch -, sendo
os “Direitos Humanos” a área selecionada para a observação empírica deste tipo de fenômeno.
O Capítulo 1 foi fundamental para subsidiar e explicar teórica, discursiva e
historicamente, o trabalho empírico trazido pelos Capítulos 2 e 3. Desde o início da pesquisa, a
temática a ser explorada prometia ser rica e ao mesmo tempo complexa.
Isso porque hoje o Brasil comporta centenas de organizações da sociedade civil
comprometidas com a luta pelos Direitos Humanos. Muitas delas possuem trânsito significativo
em organizações intergovernamentais como a ONU e a OEA. Além disso, na época estudada, o
governo contou com quadros históricos da militância brasileira pelos Direitos Humanos.
Paralelamente, percebeu-se a existência de canais formais e informais, através dos quais os atores
imersos nessa grande rede - composta, na realidade, por várias outras redes - estabeleciam sua
interlocução.
Nesse sentido, a pesquisa privilegiou os espaços formalizados de ação das ONGI’s,
vislumbrados nos documentos oficiais, tanto do governo como dessas organizações. Algumas
entidades brasileiras foram eventualmente suscitadas por terem participado muito ativamente das
medidas implementadas pelo governo federal.
Percebeu-se que na época estudada a atuação da Anistia Internacional foi mais destacada
no Brasil do que a da Human Rights Watch. A explicação para este fato está ligada a dois fatores.
Primeiro, porque a Anistia Internacional possuía quase até o fim do período estudado uma seção
e militância nacionais; segundo - e justamente -, pela inexistência deste tipo de estrutura em
relação à HRW. Ademais, o principal quadro da Human no Brasil, James Cavallaro, saiu em
1999 da organização, para fundar o Centro de Justiça Global - ONG brasileira que vem
149
desempenhando diversos trabalhos na área de Direitos Humanos - o que enfraqueceu,
consideravelmente, a representação brasileira da organização.
Embora a atuação da AI também seja mais diversificada do que a da HRW, a produção de
relatórios de divulgação nacional e internacional, constituiu-se em uma das principais formas de
denúncia da primeira e na principal forma da segunda. Tais documentos repercutem intensamente
na mídia internacional e nacional, reverberando nos bastidores dos governos estaduais e federal.
A respeitabilidade que estas organizações adquiriram no mundo, e por conseguinte, no
Brasil, provêm de algumas características: antiga atuação, legitimidade e autoridade conferidas
pelo Sistema ONU e, sobretudo, o fato de que se autodenominam apartidárias e inafiançáveis por
governos, o que as deixam - pelo menos em teoria - alheias às vontades políticas dos governantes
e partidos políticos nos países onde atuam.
Seus trabalhos foram independentes ainda da própria articulação com a sociedade civil
doméstica brasileira, embora, sua existência em um plano mais informal tenha sido verificada.
A cobertura destas organizações sobre as violações aos Direitos Humanos no Brasil,
presente nos relatórios privilegiou, sobretudo, os Direitos Civis e estão relacionados com a
violência no país. Os maiores problemas relacionados por ambas foram: violência policial, tortura
institucional, execuções extrajudiciais, sistema penitenciário e conflitos rurais. A vigilância sobre
os Direitos Sociais, Econômicos e Culturais foi pouco efetuada, pois, historicamente, essas
organizações atuam mais no âmbito dos Direitos Civis e Políticos.
Essa limitação compromete um panorama mais geral sobre as violações aos Direitos
Humanos no Brasil quando se parte de uma vio indissociável dos mesmos - vislumbrados em
suas Três Gerações -, princípio que as próprias organizações reivindicam e que, portanto,
contrariaram na prática no caso brasileiro. Mas, deve-se considerar, que a AI na sua atuação
150
interna, foi redirecionando seu enfoque tradicional conforme a concepção da sociedade civil
nacional na atualização do PNDH.
A busca por “responsabilização” foi, deste modo, o principal objetivo das ONGI’s. E, na
grande maioria dos casos, o Estado é apontado como o maior agente violador, uma vez que
deveria garantir o respeito aos Direitos Civis. Partindo desta constatação, as ONGI’s efetuaram
um verdadeiro accountability sobre o Estado no Brasil. Entretanto, essa ação fiscalizadora
implicou, obrigatoriamente, na consideração de que o governo analisado criou muitos espaços
para a participação da sociedade civil.
O governo Fernando Henrique estabeleceu uma dinâmica até então inédita na história das
políticas públicas em Direitos Humanos no Brasil: por um lado, implementou uma série de
medidas importantes; por outro, convocou a sociedade civil para sua elaboração e/ou execução.
Assim, ao tempo em que ela dava suas contribuições, legitimava a própria conduta
governamental.
Porém, este processo não foi caracterizado pela noção de parceria stricto sensu: foi um
“pacto de desconfiança” nas palavras Paulo Sérgio Pinheiro. A relação entre Estado e sociedade
civil brasileira obedeceu então a uma lógica paradoxal: a de parceria e tensionamento. A partir do
momento em que o governo criou um verdadeiro Sistema Nacional de Proteção aos Direitos
Humanos, ele, automaticamente, viabilizou espaços para a fiscalização de suas políticas, em
função de sua convocação deliberada à sociedade civil.
Diante deste cenário, as ONGI’s obtiveram igualmente espaços para exercerem sua
representatividade. A intensidade dessa dependeu de como cada organização incorporou e
aproveitou tal oportunidade. Com a exceção do convênio entre a AI e o MJ, para a educação de
Direitos Humanos para policiais, esta presença foi muito mais marcada pela ação fiscalizadora do
que cooperativa. Pois, no caso da AI, sua participação no PNDH e em outros eventos, veio a
151
partir de contribuições geradas pelas cobranças externas anteriormente realizada ao Plano, que
posteriormente, permitiu sua extensão legítima ao plano da política mais interna, estadual e
federal. Nesta perspectiva, ambas organizações trabalharam para reforçar os compromissos
firmados pelo governo.
As políticas executadas posteriormente pelo PNDH e sua atualização obtiveram a
colaboração da AI, em conjunto com outros atores. Mas, não foi possível, verificar quais medidas
específicas foram propostas pela AI neste contexto. Daí que, procurou-se reproduzir o apoio,
reconhecimento ou críticas a algumas delas, realizadas tanto pela AI, quanto pela HRW.
Nesse sentido, pode-se falar em uma espécie de “influência difusa” exercida pelas
ONGI’s sobre a conduta governamental - lembrando sempre, que essa influência foi permitida,
em grande parte, pelo próprio governo. Verificou-se este efeito quando da percepção do
estabelecimento de canais institucionais pelo Estado para o exercício de sua própria fiscalização
por parte de vários atores, governamentais ou não. As organizações da sociedade civil
aproveitaram, assim, esta institucionalidade, aliando-a a pressões mais informais.
E é neste momento que os indícios de “responsividade” começaram a se clarificar. Eles
foram conformados pelo respeito que o governo federal demonstrou a eventuais pareceres destas
ONGI’s; pela consideração e reconhecimento mais efetivos das temáticas que essas ONGI’s
sempre se esforçaram por pautar; pela implementação de algumas medidas que outrora foram
reivindicadas - como a federalização dos crimes de Direitos Humanos, desaparecimentos
políticos na época da Ditadura e transferência da Jurisdição Militar para a Comum, que permitiu
o julgamento retroativo dos massacres envolvendo policiais tão fortemente denunciados -; pela
assinatura do TPI e Tratado de Otawa, pautas de campanhas permanentes pelo menos da AI; e,
enfim, pela própria estrutura de abertura à sociedade civil em geral que foi montada.
152
Em vários momentos, a AI e HRW elogiaram publicamente algumas políticas do governo
federal, nunca deixando, porém, de denunciar suas falhas de aplicação prática, como por
exemplo, a Lei da Tortura, o PROVITA e a impunidade conseqüente dos julgamentos de policiais
acusados das chacinas urbanas e rurais relatadas.
Ao adotar uma postura positiva discursiva e institucional em relações aos Direitos
Humanos, o governo automaticamente se expôs a vários tipos de accountability, engendrados por
vários atores: nacionais, internacionais, governamentais, intergovernamentais ou não. Ele foi
sensível às pressões externas, conforme relatou Marcos Rolim, mas também às internas. Isso
esteve relacionado com o interesse governamental em construir e manter uma imagem nacional e
internacional comprometida com os Direitos Humanos. O que pode ser indicado é que as ONGI’s
ajudaram na construção ou desconstrução dessa mesma imagem, na condição de organizações
não-governamentais de Direitos Humanos mais importantes do mundo.
O processo de responsabilização/responsividade foi observado, embora não
quantitativamente. E, mais uma vez, a “influência difusa” da AI e HRW, viu-se imersa no poder
simbólico de outros atores, como, por exemplo, a do Relator da ONU Nilgel Rodley. Sem dúvida,
a atuação destas organizações foi crucial para o levantamento da realidade brasileira no tocante às
práticas de tortura cometidas por agentes públicos, situação que constrangeu publicamente o
governo perante a comunidade internacional.
Na medida em que o governo brasileiro respondeu de forma retardatária à ONU, ele
esteve respondendo indiretamente à HRW e AI - já que participam com status consultivo de seu
Sistema - em um fenômeno no qual a “influência difusa” implicou em uma “responsividade
indireta”. Pode-se afirmar, assim, que o papel por elas exercido fez diferença na conduta
governamental em conjunção com inúmeros outros fatores que convergiram para o seu destaque.
153
O então presidente Fernando Henrique captou muito bem que a ideologia dos Direitos
Humanos é a própria democracia, percebendo as vantagens frente à comunidade internacional de
uma conduta estatal que respeita ambos princípios, tão apreciados no contexto atual.
Acredita-se no mérito das iniciativas de seu governo na área, mas não se descarta a
intenção de projetar nacional e internacionalmente, uma imagem positiva, respaldada em uma
eficácia mais simbólica do que prática em torno das políticas adotadas.
A abertura governamental às contribuições da sociedade civil na execução dessas foi uma
clara tentativa de considerar propostas não sugeridas exclusivamente pelo Estado, o que
conferiria ao governo um certo desprestígio e ilegitimidade por parte das entidades preocupadas
com a causa dos Direitos Humanos.
Isso não anulou o fato de que os interesses que permearam a relação estabelecida pela AI
e HRW com o Estado fossem muito mais marcados pelo conflito do que pela convergência, o que
atestou um grau de tensionamento entre estes atores no período estudado.
Primeiro, por uma série de fatores estruturais, institucionais e burocráticos concernentes à
Justiça Brasileira que obstacularizaram um cumprimento mais abrangente e efetivo de muitas
políticas adotadas pelo governo. Segundo, porque não obstante a questão dos Direitos Humanos
tenha sido uma preocupação oficial do Estado, as ONGI’s constataram que o mesmo continua a
ser o maior agente violador dos Direitos Humanos no Brasil.
154
REFERÊNCIAS
A LUTA pelos Direitos Humanos durante a ditadura de 1964. IN: Enciclopédia Digital de
Direitos Humanos, 2° Ed. Natal: Dhnet - Rede Direitos Humanos e Cultura, 2002. CD-ROM.
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