pertences dos acampados. Não ficou nada naquele lugar de lonas. Também não ficou
ninguém; a maior parte dos sem-terra foi levada para um “matadouro velho”, um antigo
matadouro de gado. Outros foram parar nas cadeias policiais de Açude, saindo mediante o
pagamento, feito pela CPT, de uma fiança. Entretanto, a volta foi um fato. Menos pessoas
voltaram para Cachoeira em caminhão – um caminhão alugado pelos acampados. Agora, seu
espaço de acampamento mudaria, iriam para a sede do Engenho, onde se encontrava a Casa
Grande, mais perto dos moradores.
Fazia um bocado de tempo, uns cinco, seis meses que os sem-terra estavam
aí. Chegou um dia de quinta-feira, chegou um ônibus na época do inverno,
um caminhão veio logo da Usina, uma ambulância e o carro do sindicato.
(...) E ainda levou esse Zezé e um tal de (Beto), (...) ele era coordenador.
Levaram eles presos. (...) Essa promotora desceu do carro, aí mandou botar a
(cadeia) neles (...) e o caminhão da Usina foi e levou os (troços) dos sem-
terra lá para a (UEPA)
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de Açude. (...) Levou tudinho, (...) quebrava tudo,
(...) furava, e levava tudo para a (UEPA). Passaram um dia e uma noite lá
(...). Aí ligaram para o Padre mais Gustavo e eles foram bater lá, em Açude.
(...) Aí não foram mais para lá, vieram para aqui (Dorival).
A gente reconstruiu lá [referindo-se à etapa depois do segundo tiroteio]. Aí
veio a polícia militar (...) alguns meses depois; veio dar o despejo na gente,
(...) me prenderam (...) e me trouxeram para Açude. (...) O Padre Teodoro
pagou a fiança e a gente se soltou de noite. (...) Aí pronto, eu e Beto fomos
daqui de Açude a pé para lá, para Cachoeira. A gente não conhecia quase
nada por aqui, fomos de pista, é longe pela pista. Aí pronto, quando
chegamos lá, a gente foi (olhar) as lavouras, que é para ninguém levar,
porque o pessoal estava todo acampado aqui perto da (UEPA). (...) No
despejo, a polícia trouxe o pessoal para aqui, porque quando é um despejo
tem que sair todo mundo da área; (...) enquanto não completar 24 horas não
pode reocupar. Aí pronto, o pessoal tava lá, perto da (UEPA), num
matadouro velho. (...) Lá a gente (ficou vendo) os roçados. Aí com três dias
2/9/99 pelo Serviço Notarial e Registral - Cartório Único de Açude, no qual consta a “adjudicação” de uma área
de 26,423 ha. do Engenho Cachoeira a favor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Açude; certidões
emitidas pela Delegacia de Polícia de Açude, em 20/10/99, entre outras documentações. As mesmas provinham
de uma reclamação realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Açude. Sinteticamente, relata-se ali o
confronto ocorrido em 2 de setembro de 1999 entre uma pessoa que tinha adquirido a propriedade de uma área
em Cachoeira através das Cartas de Adjudicação (pessoa representada pelo mencionado Sindicato na disputa
judicial em torno do episódio) e integrantes da CPT (habitantes e não-habitantes do lugar), confronto este que se
converteu no objeto de uma reclamação judicial gerada pelo Sindicato. A sentença dada pelo juiz de direito da
Comarca de Açude foi a favor deste último. Isto foi o que deu lugar ao despejo, ação referida aqui como um
“cumprimento a Mandado de Imissão de Posse”, a qual colocava “uma área de terras com 26,423 hectares,
encravada no engenho Cachoeira […] em favor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Açude” (ofício
enviado pela Juíza de Direito da Comarca de Açude-Pernambuco ao Ilmo Sr. Comandante do 2º BPM (Batalhão
da Polícia Militar) de Nossa Senhora da Mata, em 15 de maio de 2000). Aconteceu também a prisão de dois
sem-terra, ocorrida em função do episódio, relatada neste caso a partir dos documentos elaborados na Polícia
Civil de Pernambuco, 6º Departamento Regional da Polícia – Delegacia de Polícia de Açude/PE. Encontra-se ali
um exemplo dos episódios que os habitantes de Cachoeira mencionaram a respeito dos problemas advindos das
Cartas de Adjudicação: o despejo, que é relatado aqui a partir de uma narrativa administrativo-judicial, uma
narrativa gerada pela reclamação apresentada pelo Sindicato, uma narrativa proposta pela figura rival.
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Conforme me contaram os entrevistados, a sigla UEPA – sigla da qual não estou segura – refere-se a um
colégio localizado em Açude.