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Tancredo de Almeida Neves, no município de Alto Garças. Eu tive oportunidade de
conseguir uma bolsa, então com isso eu estava decidido que eu tinha que estudar, de
qualquer maneira tinha que ser alguma coisa na vida, porque sabendo as dificuldades
que a gente se enfrentava aqui na aldeia, o melhor caminho era estudar para poder
ajudar o meu povo, a minha comunidade, né. Então, desde que saí para o internato,
eu tinha um sonho, sonho de ser professor ou piloto de avião, era um dos meus
sonhos, na minha vida. Então, fomos para Rondonópolis para poder ir para a escola-
internato; era uma coisa muito diferente e meio estranho para mim, porque viver
numa sociedade tão diferente da minha sociedade, então eu tive aquele choque. Ao
chegarmos lá, os alunos daquele colégio nos olhava muito, olhava e nem conversava,
né. Eu ficava assim parado, parado, pensando: o que será que as pessoas estão
pensando de mim? Será... Ficava imaginando essas coisas. Então, às 12 horas tocava
uma sirena. No primeiro dia lá do internato, eu não sabia. Estava de short, né. Ao
entrar no refeitório as pessoas entregaram o regimento do interno lá, regimento que
tinha que ser cumprido, né. E no internato lá não era somente menino, tinha meninas
que estudava, interna, né. Então tinha umas mesas somente dos homens, dos
meninos, mas tinha outras mesas que era só das meninas. Primeiro assim, que eu
passei grande vergonha assim de eu poder comer junto com as meninas. Nunca tinha
assim conversado ou aproximado de uma pessoa de outra cultura, então foi uma coisa
que eu achei muito estranho. As meninas mexiam comigo lá. Botavam um pedaço de
abóbora na boca, mexiam com a língua, aquelas línguas tudo amarelado, né. Às vezes
dava nojo, né. A partir disso comi tranqüilamente, fui no dormitório e comecei a ler o
regimento que não poderia entrar de short. Aí comecei a ler o regimento do internato,
o que poderia fazer e o que não poderia ser feito. Meu direito e minha liberdade.
Então, no outro dia, começava o primeiro dia de aula. No primeiro dia de aula fomos
trabalhar em primeiro lugar, fomos capinar o aviário lá, né, então, para mim que já
mexia com essas coisas, já mexia com enxada, não era novidade para mim. A partir
da parte da tarde é que começamos a estudar na sala de aula, porque lá é assim: se
você vai de manhã para aula prática, a tarde na teoria, né. Então, com isso tivemos
alguns alunos que fizemos amizade logo. Começamos a conversar. Mas a partir disso
também teve as pessoas que eram meio... não sei, parece que nunca tinham visto
índio, e não tinham a oportunidade de conhecer. Então, com isso eles perguntavam
muita coisa para mim: se índio come gente, essas coisas assim, né, então. Mas em
relação a isso teve bastante dificuldade para o pessoal que não era índio, porque,
assim, tinha um pouco de preconceito, né. Mas durante esses quatro anos que estudar
no internato tive que provar pra eles que eu era capaz, que eu poderia chegar aonde
queria chegar, né. E, além disso, também que apesar de ter uma língua, um jeito de
ser diferente, que nós éramos iguais ou ao mesmo tempo também que tinha um
conhecimento além dos conhecimentos deles, então essa era a minha vantagem, né.
No segundo ano, as pessoas já começaram a perceber que eu estava superando essas
coisas, né. E lá no internato tinha um mural que o nome dos melhores alunos aparecia
no mural. Durante os quatro anos que eu estudei lá, eu ficava com o nome de
primeiro aluno da lista, e o pessoal ficava admirando de mim: “puxa, cara, você fala
língua diferente, tem cultura diferente, melhor do que qualquer um de nós que estuda
aqui”, eles falavam. E eu falava assim: “eu me esforço para conseguir essas coisas”.
E além disso tinha bastante elogio pela parte da secretaria, pela parte dos professores.
E comecei a superar essas coisas, porque, além disso também, neste município tem
assim mais população do sul. As pessoas que é cheio de coisa, assim, discrimina
muito as pessoas. Já tem pensamento assim, de terra, de agricultura, essas coisas, né.
Por isso que tive dificuldade, mas durante esses quatro anos que estudei lá tive que
mostrar para eles que as coisas não eram totalmente como eles pensavam, que tinha