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Universidade Federal de Pelotas
Faculdade de Educação
Programa de Pós-graduação
Mestrado em Educação
A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS:
o caso do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações
do CEFET-RS
Leomar da Costa Eslabão
Pelotas
março de 2006
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Leomar da Costa Eslabão
A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS:
o caso do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações
do CEFET-RS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª Dra. Maria Manuela Alves Garcia
Pelotas
Universidade Federal de Pelotas
2006
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Catalogação: Ceila Rejane Soares - CRB 10/926
E76 Eslabão, Leomar da Costa.
A construção de um currículo por competências: o caso do Curso
Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS / Leomar da
Costa Eslabão. – 2006. – 226p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pelotas, 2006.
1. Educação profissional Brasil. 2. Currículo Competências.
3. Competências Currículo. 4. Currículo Educação profissional.
5. Educação profissional – Currículo. 6. Currículo - Curso técnico em
sistemas de telecomunicações. 7. Curso técnico em sistemas de
telecomunicações – Currículo I. Título.
CDD: 370
375
373.24
Dissertação aprovada, em 24 de março de 2006, pela banca examinadora constituída
pelos professores:
_______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Maria Manuela Alves Garcia - orientadora
Universidade Federal de Pelotas
_______________________________________________
Profª. Drª. Alice Casimiro Lopes
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Alberto Rosa Ribeiro
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
_______________________________________________
Prof. Dr. Mauro Augusto Burkert Del Pino
Universidade Federal de Pelotas
_______________________________________________
Prof. Dr. Álvaro Luiz Moreira Hypolito
Universidade Federal de Pelotas
Agradeço
À minha esposa pelo incentivo e compreensão dos momentos
em que não pude estar presente.
Aos amigos, pelas palavras de estímulo.
Aos colegas de profissão pelas preciosas informações e
sugestões prestadas.
Às colegas do grupo de pesquisa pelas múltiplas leituras do
texto e pelas críticas e sugestões feitas.
À linha de pesquisa Currículo, Profissionalização e Trabalho
Docente que acolheu a proposta de pesquisa e forneceu o suporte
teórico para a sua efetivação. Em especial à Profa. Dra. Maria Manuela
Alves Garcia pela sua incansável e crítica leitura dos textos e
orientações firmes e competentes.
Aos professores doutores membros da banca de qualificação
pelas sugestões que me auxiliaram a traçar delimitações dos aspectos
essenciais da pesquisa.
Todo sistema de educação é uma maneira política de manter
ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os
poderes que eles trazem consigo.
Michel Foucault. A ordem do discurso.
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................10
1 O caminho da pesquisa.........................................................................................16
1.1 A coleta de dados (Instrumentos e técnicas)..................................................20
1.1.1 Grupos focais ou de discussão................................................................21
1.1.2 As entrevistas semi-estruturadas.............................................................28
1.1.3 Os documentos oficiais...........................................................................29
1.1.4 As notas de campo..................................................................................30
1.2 Procedimento de análise dos dados ...............................................................31
1.3 O local da pesquisa........................................................................................33
2 Currículo como campo de estudo.........................................................................37
2.1 Currículo como campo político .....................................................................39
2.1.1 Currículo como política cultural.............................................................41
2.1.2 O currículo como estratégia de governo.................................................45
2.2 A materialização do currículo........................................................................50
2.2.1 Currículo como documento ....................................................................51
2.2.2 Currículo como prática...........................................................................52
2.3 O modelo das competências: da produção ao currículo ................................55
2.4 O currículo focalizado pela pesquisa.............................................................60
3 A reestruturação da educação profissional de nível técnico no Brasil - a proposta
curricular oficial e suas críticas.......................................................................62
3.1 A educação profissional na legislação...........................................................65
3.1.1 O retorno da dualidade............................................................................67
3.1.2 As definições curriculares oficiais..........................................................69
3.1.3 Os princípios orientadores do currículo oficial ......................................72
3.2 Enfoques críticos à reforma...........................................................................83
3.3 As alterações na educação profissional: reestruturação curricular e
educacional ou reforma?.....................................................................................91
4 A primeira etapa da elaboração curricular local: o plano de curso.......................96
4.1 Período de adaptações: fase de transição (1997-2001)..................................97
4.2 Estrutura curricular no sistema modular (pós 2001)....................................100
4.2.1 Organização curricular presente no plano do curso..............................109
4.2.2 A efetivação do novo modelo...............................................................113
4.3 Preâmbulo do detalhamento curricular: os contextos locais........................117
4.3.1 Resistências...........................................................................................117
4.3.2 Seleção dos sujeitos da elaboração curricular: do convite à convocação
..........................................................................................................................122
4.3.3 O treinamento .......................................................................................128
4.3.4 Imposição via financiamento................................................................140
5 A segunda etapa da elaboração curricular local: o detalhamento do currículo dos
módulos .........................................................................................................148
5.1 Definição das disciplinas.............................................................................153
5.2 A definição dos conteúdos...........................................................................163
5.3 A definição das cargas horárias...................................................................168
5.4 O currículo por competências avaliado/criticado por seus atores ...............172
Considerações Finais..............................................................................................193
Referências .............................................................................................................201
Anexos....................................................................................................................211
Anexo 1- Roteiros para grupos focais ................................................................212
Roteiro para grupo focal com professores..........................................................213
Roteiro para grupo focal com alunos..................................................................217
Anexo 2- Fichas de caracterização dos sujeitos .................................................219
Anexo 3- Roteiro para entrevistas individuais....................................................222
RESUMO
São enfocados neste trabalho os processos de elaboração e detalhamento do currículo do
Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações, do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS), que se desenvolveram dentro do contexto da
reestruturação educacional e curricular desencadeada com o Decreto 2.208/97 e suas
legislações complementares que instituíram o modelo das competências profissionais como
ordenador da educação profissional de nível técnico. Trata-se de um estudo de caso que se
utilizou de entrevistas semi-estruturadas, grupos focais e análise documental. Os sujeitos da
pesquisa foram os agentes da administração escolar, os professores coordenadores da
elaboração do detalhamento curricular de cada módulo profissionalizante que compõe o
curso, os professores que tiveram participação no processo de elaboração/detalhamento do
currículo, os professores que não tiveram participação e também os alunos concluintes do
primeiro semestre do ano de 2005. Com isso contemplaram-se os múltiplos sujeitos e
instâncias de poder implicados na construção do currículo local. Nas análises realizadas
predominantemente a partir do enfoque das teorias educacionais pós-críticas no campo do
currículo, destacam-se as interpretações e ressignificações que a instituição local e seus
agentes deram à política curricular oficial da pedagogia das competências. São
identificados alguns mecanismos de poder e disputas que marcaram as posições dos sujeitos
no processo de elaboração curricular e seus resultados no currículo escrito e em ação. O
estudo mostra que a constituição do currículo local é um processo de hibridização, o qual
incorpora elementos da proposta oficial e elementos da tradição curricular, para a
confecção do modelo curricular modular baseado em competências. O estudo destaca
também uma avaliação dos agentes locais acerca da construção curricular evidenciando os
diferentes aspectos do modelo educacional baseado em competências adotado pelo curso
investigado.
ABSTRACT
This paper focuses on the processes of development and specification of the
curriculum of the Technical Course in Telecommunication Systems, of Centro Federal de
Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS), which took place in the context of the
educational and curricular restructuring, based on the decree 2.208/97 and its
complementary laws, which established the model of professional competences as the guide
of the professional education in the technical level. It is a case study which used semi-
structured interviews, focal groups, and documental analysis as investigation instruments.
The subjects of the study were the agents of the school management, the coordinator-
teachers responsible for the development of the curricular specifications of each
professionalizing module that makes up the course, the teachers who participated in the
process of development/specifications of the curriculum, the teachers who did not
participate at all, and also students in the end of the first module in the year 2005. This way
the multiple subjects as well as the various power instances implied in the construction of
the local curriculum were comprised. In the analyses performed mostly from the focus on
the post-critic educational theories about the curriculum, it was possible to determine as a
stand out the interpretations - and recreations - given by the local institution and its agents
to the official curricular policy of the pedagogy of competences. It was possible to identify
some mechanisms of power and dispute which define subjects’ positions in the process of
curricular development and its results both in the written curriculum and in action. The
study shows that the constitution of the local curriculum is a hybrid process, which
incorporates elements of the official proposal and elements of the curricular tradition into
the building up of the modular curricular model based on competences. The study also
stands out an evaluation performed by the local agents concerning the curricular
construction, pointing out the different aspects of the educational model based on
competences adopted by the investigated course.
INTRODUÇÃO
Este projeto de pesquisa tem por tema a elaboração curricular levada a efeito no
Curso Técnico em Sistema de Telecomunicações, do CEFET-RS, no município de Pelotas.
Tal organização curricular foi baseada no modelo de competências profissionais
proveniente da reestruturação educacional e curricular implantada pelo Governo brasileiro a
partir do Decreto 2.208/97 que regulamentou
1
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) de 1996 no tocante à educação profissional.
O objetivo desta pesquisa está centrado na análise da elaboração dessa política
curricular oficial a nível local, ou seja, visa avaliar como essa política curricular vem sendo
construída e significada a partir do grupo de agentes locais que elaboraram e vêm
implementando o currículo do referido curso técnico profissional através da sua prática
diária.
Os estudos referentes às políticas curriculares e à organização curricular têm tido
destaque no Brasil nas últimas décadas devido ao processo de alteração pelo qual vêm
passando os diversos níveis educacionais brasileiros, a partir da LDBEN de 1996. Porém,
tais estudos não privilegiam uma abordagem que focalize a significação local das políticas
oficiais e as negociações que ocorrem em torno da implementação destas.
A pesquisa aqui apresentada busca explorar as elaborações locais de um currículo
por competências na área da educação profissional, e, mais especificamente, destacar as
disputas e negociações dos atores locais, na elaboração e implementação da política oficial.
Com isso busca-se ressaltar o tipo de currículo resultante desse processo, bem como
analisar os fatores que interferiram na efetivação do currículo da pedagogia das
competências e o processo de participação dos diferentes agentes no processo de elaboração
dos currículos escritos.
1
O Decreto 2.208/97 regulamenta o §2º do art.36 e os artigos 39 a 42 da Lei n°9.394/96, de 20 de
dezembro de 1996, (LDBEN) que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
11
Para tal partimos da premissa que a educação profissional, em uma nova ordem
reformista, passou a ter um tratamento especial quanto à sua estruturação curricular a partir
do Decreto 2.208/97. Esta modalidade de ensino passou a ser organizada de forma
independente do ensino médio, ao qual até então estava vinculada. Com isso os cursos
técnicos foram reordenados em novas áreas profissionais, as quais foram determinadas pela
Resolução 04/99 do Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. Um dos cursos a sofrer esta nova
classificação foi o curso do CEFET-RS voltado à área de telecomunicações, que pela nova
legislação deixou de fazer parte da área da indústria vindo a constituir uma nova área
profissional: a das Telecomunicações. A área de Telecomunicações volta-se, agora, ao setor
de serviços. Estas alterações marcam o início do processo de elaboração e efetivação do
modelo das competências no Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-
RS.
De acordo com as novas orientações normativas, os cursos técnicos profissionais
deveriam apresentar um Plano de Curso, e neste explicitar a sua nova organização
curricular. Atendendo a estas exigências normativas, o curso técnico em Sistemas de
Telecomunicações do CEFET-RS apresentou aos Conselhos Técnico Profissional e Diretor,
no ano de 2001, seu Plano de Curso baseado no modelo da pedagogia das competências. O
próprio CEFET, neste mesmo ano, catalogou o Curso no Sistema Nacional de Cursos do
Ministério da Educação.
A proposta de currículo escrito, elaborada em 2001 no CEFET- RS para o Curso
Técnico em Sistemas de Telecomunicações, baseada nas Diretrizes Curriculares oficiais
(Parecer CNE/CEB 16/99 e Resolução CNE/CEB 04/99), teve reflexos importantes na
constituição do currículo que passou a agrupar em módulos os conhecimentos da área de
atuação do técnico.
Segundo o discurso oficial, a nova organização curricular, orientada por
competências profissionais, difere da organização hierárquica de conteúdos, utilizada até
então pela educação como um todo. A pretensão do novo currículo volta-se, pelo discurso
oficial, a responder aos novos desafios postos pelo mundo produtivo à educação, trazendo
como objetivo o resultado da aprendizagem voltada à construção de competências
profissionais, o que irá gerar um novo perfil do trabalhador.
12
De certo modo, a pesquisa aqui apresentada pode ser entendida como sendo uma
continuidade do estudo desenvolvido em 2001
2
, pois pretende analisar como o novo
modelo curricular baseado por competências vem sendo implementado e negociado na
prática, no caso em estudo. No estudo anterior obtiveram-se alguns indícios da nova
estruturação curricular ou elaboração local da política curricular, os quais não foram
aprofundados e que, agora, são retomados como inspiração para a elaboração desta nova
pesquisa. Busca-se com esta investigação identificar os sentidos e os significados que os
docentes e outros agentes responsáveis pelo planejamento e implementação do currículo
por competências vêm atribuindo a esse modelo no seu dia-a-dia, bem como sua avaliação
desse modelo frente às demandas do mundo do trabalho e da identidade profissional.
Portanto, a pesquisa aqui apresentada poderá contribuir para uma análise em maior
extensão dos processos de elaboração e implementação das políticas curriculares oficiais a
nível local, como as que vêm alterando os currículos da educação profissional de nível
técnico no Brasil. Permitirá, de modo particular, o acompanhamento e a avaliação de uma
experiência curricular que se iniciou em 2001, de modo que os processos e os efeitos dessas
alterações, bem como os seus impactos na formação dos trabalhadores, possam ser
melhores discutidos e problematizados.
Para atingir os objetivos desta pesquisa realizou-se uma investigação de inspiração
qualitativa através do estudo do caso específico do Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações do CEFET-RS. Foram sujeitos da pesquisa os professores
coordenadores da elaboração curricular dos módulos profissionalizantes que compõem o
curso, o Coordenador Pedagógico, a Supervisora Pedagógica, a Diretora de Ensino, o
Diretor Geral, os professores que participaram da elaboração do currículo escrito, os
professores que não tiveram participação na escrita desse mesmo currículo e os alunos
concluintes do 1° semestre do ano de 2005.
2
Estudo publicado por ESLABÃO no ano de 2002 com o título de “A competência na reforma da
educação profissional: um estudo de caso”. Objetivava evidenciar o conceito de competência adotado pelo
curso citado em seus planos curriculares, na perspectiva dos atores envolvidos na implantação desta
reestruturação educacional, e também caracterizar o novo modelo educacional proposto pelo governo e o
modelo curricular adotado pelo curso de Telecomunicações do CEFET-RS.
13
Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais
com os sujeitos antes indicados, buscando as representações (as opiniões e os significados)
que esses sujeitos vêm atribuindo ao modelo de educação por competências e a sua
elaboração curricular. A análise documental referente à implantação da reestruturação
curricular do referido curso foi outra técnica utilizada para alcançarmos os objetivos da
pesquisa.
Do ponto de vista teórico, este estudo tem como base os estudos desenvolvidos no
campo das reestruturações educacionais, do currículo e das identidades no mundo
contemporâneo, valendo-se das contribuições e problematizações que os Estudos Culturais
e os Estudos Pós-estruturalistas vêm trazendo especialmente para a compreensão do
currículo e para a análise das políticas curriculares.
Este estudo não visa gerar uma análise de valor referente ao novo currículo por
competências. Visa sim tornar problemático o processo de elaboração e implantação da
reestruturação curricular do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-
RS, para, quem sabe, contribuir para o entendimento de como as políticas curriculares
oficiais são construídas, negociadas, ressignificadas em contextos locais, pois pouco se sabe
sobre esses processos como a própria literatura tem destacado (BALL (1994), OLIVEIRA e
DESTRO (2005), DESTRO (2005), LOPES (2001, 2002a, 2002b, 2004, 2005a e 2005b)).
O texto foi organizado em cinco capítulos para melhor atingir seus objetivos.
Buscou-se com esta organização apresentar os temas abordados baseados em uma
seqüência que propicie a montagem do contexto no qual se configurou a alteração
curricular posta em prática no curso em estudo. Orientados pelas teorias acerca dos
processos de construção curricular, buscou-se apresentar discussões envolvendo as áreas da
educação profissional e do currículo e traçar as conclusões proporcionadas pelas evidencias
colhidas no processo de estudo.
O capítulo 1 - O caminho da pesquisa - enfoca a metodologia utilizada para efetivar
a coleta e a análise dos dados da pesquisa. Destaca-se a realização dos grupos focais e das
entrevistas semi-estruturadas individuais com os atores locais do processo de construção
curricular, bem como as notas de campo e a análise documental.
O capítulo 2 - Currículo como campo de estudo - faz uma revisão teórica buscando
fixar algumas idéias que auxiliaram na analise dos dados coletados. As principais teorias
14
relacionadas com a construção curricular, orientadas principalmente pela concepção pós-
estruturalista, são tomados como referências para pautar o estudo. O currículo visto como
campo político e as formas como materializa-se formam a base para a análise proposta. O
conceito de competência que se instalou dentro do campo curricular e educacional é
também enfatizado, evidenciando a sua relação com o campo da produção, que passa a
influenciar os currículos contemporâneos.
Nos três capítulos seguintes é analisado o processo de elaboração dos currículos da
educação profissional, abordando as diferentes instâncias nas quais os currículos são
significados.
O capítulo 3 - A reestruturação da educação profissional de nível técnico no Brasil
- a proposta curricular oficial e suas críticas - aborda a proposta curricular oficial, as
críticas acerca da sua implantação, bem como problematiza a utilização do termo
reestruturação ao invés de reforma para referir-se às alterações provocadas na educação
profissional pós Decreto 2.208/97.
O capítulo 4 - A primeira etapa da elaboração curricular local: o plano de curso -
inicia a análise da elaboração local do currículo, através do Plano de Curso, voltado a
atender a legislação vigente. Busca-se evidenciar os aspectos oficiais legais contemplados
na proposta curricular elaborada localmente como uma forma mediadora entre as
concepções educacionais e curriculares locais e as exigências legais.
O capítulo 5 - A segunda etapa da elaboração curricular local: o detalhamento do
currículo dos módulos - destaca o processo de detalhamento local do currículo, através da
elaboração dos planos dos módulos que compõem o curso em estudo, com a definição de
disciplinas e conteúdos curriculares. Neste capítulo são evidenciados as principais disputas
locais de representação no currículo, que são entendidas como uma forma de
recontextualizar a propostas do currículo apresentada pelo Plano de Curso, dando com isso
o formato curricular híbrido, que manteve dentro das possibilidades traçadas pela nova
estrutura do currículo e da educação por competências, os significados locais defendidos
pelos docentes.
A elaboração dos capítulos desta dissertação permite estender as análises a respeito
do processo local de construção curricular, que é marcado pela disputa entre as novas
15
terminologias e conceitos contemporâneos, utilizados para (re)significar a educação, e
conceitos e modelos baseados na tradição educacional e curricular.
Buscou-se com esta dissertação focalizar um caso específico de construção local do
currículo de um curso técnico da educação profissional brasileira, de forma a propiciar que
os aspectos locais que influenciam nas definições curriculares e educacionais sejam
ressaltados, contribuindo para a discussão da construção curricular.
1 O CAMINHO DA PESQUISA
A pesquisa desenvolvida possui algumas características, as quais se apresentaram,
com maior ou menor evidência, durante a realização do estudo proposto. Buscando relatar
tais características, a seguir faremos uma exposição dos caminhos investigativos
percorridos para a efetivação desta pesquisa.
O objeto de estudo foi concebido como sendo único, “uma representação singular da
realidade que é multidimensional e historicamente situada” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.
21). Com isso, esta pesquisa procurou, através da obtenção de dados descritivos em contato
direto do pesquisador com a situação estudada, dar evidência aos sentidos e significados do
currículo baseado por competências profissionais, na perspectiva dos sujeitos que vêm
efetivando na prática este novo modelo curricular no Curso Técnico em Sistema de
Telecomunicações do CEFET-RS.
Os resultados encontrados por esta pesquisa não podem ser generalizados e
aplicados a outros cursos e sujeitos diferentes, pelo fato de constituir-se em um estudo
particular. Portanto, sua intenção não é a obtenção de resultados generalizáveis em outros
contextos, mas sim, diagnosticar o significado que o currículo por competências vem
apresentando para os sujeitos a ele relacionados, de forma a registrar suas percepções
atuais, documentando cuidadosamente um determinado contexto. Ou seja, visa construir o
conhecimento de uma situação específica. Isso possibilita que os leitores das evidências
expostas neste relatório final façam as suas próprias interpretações e relações que
permitirão a comparação com outros contextos e modelos curriculares, permitindo, dessa
maneira, que se traga contribuições aos estudos relacionados ao currículo.
Bogdan e Biklen (1994, p.89) definem que “estudos de caso consistem na
observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos ou
de um acontecimento específico”. E Goldenberg (1997, p.34) completa esta idéia
argumentando que “o estudo de caso reúne o maior número de informações detalhadas, por
17
meio de diferentes técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma
situação e descrever a complexidade de um caso concreto”.
Dessa forma o estudo aqui proposto pode ser classificado, dentro da pesquisa
qualitativa, como sendo um estudo de caso, pelo fato de buscar os significados e os sentidos
de um currículo por competências de um curso de educação profissional, ou seja, visa
observar um acontecimento específico e contextualizado a uma realidade também
específica.
A escolha do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS)
como local de pesquisa baseou-se no fato desta ser uma instituição com longa tradição
voltada à educação profissional e que adotou a utilização do modelo da pedagogia das
competências como orientador do seu projeto pedagógico e estruturador dos currículos de
seus cursos técnicos profissionais, compelida pelo Decreto 2.208/97.
A opção específica pelo Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações deve-se
ao fato deste curso já ter sido alvo de investigação a respeito do significado da expressão
educação por competências e sua influência na elaboração curricular, no início do processo
de implantação das alterações curriculares, dos cursos profissionais de nível técnico, no ano
de 2002
3
. Nesta oportunidade percebeu-se que o processo de construção curricular era
permeado por disputas de representações sobre a elaboração curricular, porém, por não
tratar-se do objetivo de tal pesquisa, esse processo não foi analisado, vindo a incitar o atual
trabalho.
Outro motivo da escolha do local de pesquisa deve-se também ao fato da relação do
pesquisador com a realidade estudada e pelos conhecimentos que foram adquiridos ao
longo do processo de pesquisa, pela sua proximidade com o curso na qualidade de
professor.
As técnicas de coleta de dados utilizadas foram os grupos focais, as entrevistas
individuais, o diário de campo e a análise documental. A opção pelo uso de tais
instrumentos foi baseada na possibilidade de uma ampla coleta, representativa de uma
realidade específica, de forma a evidenciar os discursos dos diversos sujeitos implicados na
3
ESLABÃO, Leomar da Costa. A competência na reforma da Educação profissional: um estudo
de caso. Pelotas: UCPEL, 2002.
18
elaboração curricular local e as disputas em torno da sua representação nos textos
curriculares oficiais.
A seleção dos sujeitos desta pesquisa buscou contemplar as diversas posições de
poder existentes dentro da escola. Com isso procurou-se representá-las com as seguintes
categorias:
a) sujeitos ligados à direção da instituição (4 sujeitos);
b) coordenadores dos módulos (2 sujeitos);
c) professores do quadro que auxiliaram os coordenadores dos módulos a
elaborarem o currículo escrito (3 sujeitos);
d) professores do quadro que não tiveram participação na elaboração do currículo
escrito (3 sujeitos);
e) professores substitutos (fora do quadro) que não participaram da elaboração do
currículo escrito (3 sujeitos);
f) alunos formandos - (18 sujeitos).
Os depoimentos coletados durante a pesquisa desenvolvida em 2001/2002 serão
retomados como matéria de análise, pois trazem evidências do início do processo de
elaboração do currículo do curso em estudo. Trabalhando com tais dados pode-se ter, em
alguns aspectos, uma perspectiva longitudinal das mudanças curriculares que resultaram da
implementação das políticas curriculares pós Decreto 2.208/97 no curso estudado.
Os depoimentos recuperados foram dados por sujeitos ligados à direção
administrativa da instituição (Diretora de Ensino, Coordenador Pedagógico e Supervisora
Pedagógica), que dessa forma relataram seus pontos de vista em mais de uma oportunidade;
professores que tiveram a participação na elaboração do currículo escrito (3 sujeitos); e,
ainda, sujeitos vinculados diretamente ao MEC enquanto consultores na definição dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a área de Telecomunicações (2 sujeitos). Com
isso somam-se 5 novos sujeitos aos anteriormente enumerados, dessa feita o universo de
sujeitos da pesquisa é composto, então, por 38 sujeitos.
Convém ressaltar que pelo fato de a coleta de dados ter contemplado momentos
distintos alguns dos sujeitos podem ter desempenhado mais de uma função dentro deste
19
processo. Porém a sua identificação será feita baseada na função ocupada pelo sujeito na
época em que este forneceu os dados para a pesquisa.
Outro fato que também merece destaque é que os sujeitos ligados à gestão da
escola/curso tiveram seus depoimentos colhidos em momentos distintos. Para diferenciar
tais depoimentos utilizou-se da indicação da data da coleta junto ao excerto do depoimento,
quando for o caso. Dessa forma os relatos analisados neste trabalho foi composto de 41
depoimentos.
As categorias dos sujeitos representam posições de poder ou posições hierárquicas
diferentes dentro do processo de elaboração e efetivação do currículo baseado por
competências. Com esta definição das categorias dos sujeitos buscou-se evitar que,
principalmente nos grupos focais, houvesse possíveis conflitos e/ou intimidações causados
por relações entre posições hierarquias diferentes, que pudessem tornar-se um
constrangimento entre os participantes. Com esta composição a pesquisa permite que as
múltiplas vozes que participaram, e ainda participam, do currículo estudado possam ser
representadas.
Os critérios adotados para a seleção dos participantes basearam-se nas indicações
feitas por Neto, Moreira e Sucena (2002) de que os sujeitos têm que obrigatoriamente fazer
parte da população-alvo estudada, e que tais sujeitos estejam vinculados aos objetivos da
pesquisa e aos resultados que a pesquisa deseja alcançar.
No caso dos alunos, privilegiou-se os depoimentos dos alunos formandos pelo fato
deste terem passados por todos os módulos que compõem o curso, pois entendeu-se serem
os mais apropriados para fazer a análise do currículo que orientou a sua formação.
Os participantes foram recrutados através da apresentação da pesquisa e convite
feitos pelo próprio pesquisador aos diferentes sujeitos. A aceitação dos indivíduos em
participar como sujeitos da pesquisa deu-se de forma imediata, já no primeiro contato do
pesquisador com os sujeitos selecionados através dos critérios definidos. A única exceção
foi uma turma de alunos formandos que, devido ao seu envolvimento em avaliações finais,
solicitou um prazo maior para decidir a respeito da participação. Porém, a aceitação de
alguns de seus alunos em participarem da pesquisa deu-se quando foi feito um novo contato
após dois dias do primeiro encontro com eles.
20
Para resguardar a identidade dos sujeitos que fizeram parte deste estudo, estes serão
identificados pela função que desempenham dentro da instituição, seguidos por um numeral
o qual tem a única função de diferenciar os sujeitos de um mesmo grupo.
Dessa forma teremos as seguintes identificações:
- alunos - aluno 1 até aluno 17.
- professores substitutos - ps-1, ps-2 e ps-3.
- professores que participaram da construção do currículo escrito- pp-1, pp-2 e pp-3.
Nesta categoria incluem-se também os professores que participaram da elaboração
do detalhamento curricular do módulo básico, que fizeram parte da pesquisa de 2001. Tais
professores serão identificados no texto por pb-1, pb-2 e pb-3.
- professores que não participaram da construção do currículo escrito. pn-1, pn-2 e
pn-3.
- coordenadores da escrita dos módulos profissionalizantes - pc-1 e pc-2.
- representantes de cargos da direção - Pelo fato deste grupo ser composto por
cargos com posições hierárquicas diferentes, os sujeitos serão representados pela
identificação do cargo ocupado, com isso teremos as identificações de Diretor Geral, diretor
de ensino, Supervisora Pedagógica e Coordenador Pedagógico.
Convém ressaltar que com este estudo não se pretende fazer um juízo de valor
acerca das pessoas e das posições defendidas e representadas por estas. Entende-se que os
discursos proferidos pelos sujeitos são influenciados, em grande parte, pela posição que tais
sujeitos desempenham dentro da organização escolar. A utilização das falas dos sujeitos foi
realizada com o intuito único de ilustrar o processo de elaboração local do currículo e as
disputas por representação e significação nos textos curriculares.
1.1 A coleta de dados (Instrumentos e técnicas)
O termo “dados” é entendido nesta pesquisa como uma forma de referir-se aos
materiais em bruto que o investigador recolheu a respeito do tema que aqui se estuda,
constituindo-se nos elementos que irão formar a base da análise. Os dados foram
21
constituídos pelo próprio pesquisador através de seus instrumentos de coleta: os grupos
focais, as entrevistas individuais e o diário de campo. Também foi incluído, como dado na
pesquisa, aquilo que foi criado por outros e que se relaciona ao objeto de estudo, tal como
os documentos oficiais, aos quais o investigador teve acesso para constituir a análise
documental (BOKDAN e BIKLEN, 1994).
Pelo fato de optar-se por formar categorias de sujeitos representantes de diferentes
posições de poder no currículo, a decisão quanto ao tipo de instrumento de coleta de dados
utilizado visava que não houvesse intimidação dos sujeitos em exporem suas considerações
da forma mais aberta possível.
A coleta dos depoimentos dos representantes da direção e dos coordenadores dos
módulos, que não se constituíam em grande número que possibilitasse a realização de
grupo focal dentro dos parâmetros determinados para o agrupamento dos sujeitos, deu-se
através de entrevistas semi-estruturadas realizadas individualmente.
Dos demais sujeitos a coleta de dados se processou através dos grupos focais,
organizados de forma a reunir sujeitos com a mesma função. Com isso foram compostos
sete grupos homogêneos quanto à posição ocupada pelo sujeito no processo de construção
curricular. Destes, quatro grupos eram constituídos por alunos e três grupos por
professores.
Quanto aos alunos optou-se por realizar um grupo focal com sujeitos pertencentes a
cada uma das quatro turmas de concluintes do quarto módulo pelo fato de julgar que os
alunos, pela sua convivência na turma, sentiriam-se mais à vontade para expressarem-se.
Outro fato que direcionou esta decisão estava relacionado ao tempo disponível dos alunos
para participarem dos grupos de discussão, aproveitando os horários livres no mesmo turno
no qual estudavam.
1.1.1 Grupos focais ou de discussão
Os grupos focais podem ser definidos como sendo uma técnica de pesquisa
qualitativa que se deriva das entrevistas grupais e tem por objetivo coletar informações
22
detalhadas através das interações grupais durante a discussão de um tópico específico
sugerido por um pesquisador/mediador (GONDIN, 2002; PIZZOL, 2003).
Utilizando a definição feita por Neto, Moreira e Sucena (2002, p.5) podemos
caracterizar grupo focal como:
uma técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante
um certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do
público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do
diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema específico.
Esta técnica tem como característica principal a reflexão através da fala em debate
dos sujeitos, possibilitando que eles apresentem simultaneamente seus conceitos,
impressões e concepções a respeito de determinado tema. Diante disso, as informações
produzidas são essencialmente de cunho qualitativo.
Esta técnica de coleta de dados apresenta a vantagem que os dados resultantes
possuem uma riqueza de informações e são mais detalhados, pelo fato da liberdade e da
interação dos sujeitos, revelando suas opiniões sobre um determinado assunto. Outra
vantagem deste procedimento é o fato de não ser necessário um maior preparo ou esforço
por parte dos participantes para que estes expressem seus posicionamentos, pois através da
discussão no grupo há uma sinergia entre os participantes, o que proporciona um
aprofundamento natural no debate dos temas propostos (PIZZOL, 2003).
Buscou-se, para um aprofundamento das questões na realização dos grupos focais,
manter os mesmos temas e substituir os participantes, pela pouca disponibilidade de tempo
destes, o que dificultaria a realização de vários grupos focais nos quais houvesse a
participação de todos os sujeitos em grupos alternados.
Devido à pesquisa em curso não contar com financiamento, todas as funções
(mediador, relator, observador, operador de gravação, transcritor de fitas e digitador)
atreladas à realização dos grupos focais foram desempenhadas pelo próprio pesquisador,
que utilizou uma filmadora para registrar o desenvolvimento das discussões no grupo focal.
Com isso a função de observador foi adiada para o macro-momento pós-grupo, na ocasião
em que a fita era copiada da filmadora para vídeo-cassete de forma a possibilitar a
transcrição e digitação das discussões.
23
Com relação à escolha do local para a realização dos grupos focais, buscou-se,
dentro das possibilidades, defini-lo de acordo com os pressupostos de Neto, Moreira e
Sucena que argumentam que:
o local é de fundamental importância para que os participantes sintam-se
confortáveis ao participar das discussões, influenciando, também, a qualidade da
gravação. O mais recomendável é a escolha de um local adequado, claro, sem
ruídos, afastado de interferências de terceiros e de fácil acesso. (Neto, Moreira e
Sucena, 2002, p.14)
Diante desses preceitos buscamos um espaço que oferecesse as mínimas condições
para o bom desenvolvimento dos grupos focais, tendo como fator principal o fácil acesso
para todos, ficando os demais fatores como secundários. Porém tais fatores, tidos
inicialmente como secundários, acabaram interferindo com ruídos e interrupções de
terceiros nas gravações, pelo fato de o local escolhido para a realização dos grupos focais
ser um laboratório, no próprio curso em estudo, que havia acabado de ser reformado e ainda
não tinha sido equipado e por isso não estava sendo utilizado em aulas experimentais.
Neste laboratório foram colocadas uma mesa retangular e cadeiras ao seu redor, de
forma a proporcionar que cada participante do grupo focal tivesse a visão direta dos outros
participantes para que assim fosse facilitada a interação.
O posicionamento da mesa e da filmadora foi experimentado em 3 posições
diferentes, as quais apresentaram algumas deficiências, tais como: a dificuldade de
enquadramento de todos os sujeitos na tela; o fato de algum participante ficar de costas para
a câmera e a dificuldade de captação do áudio. A disposição escolhida foi a que atendeu às
características que nos permitisse identificar os sujeitos através da imagem e do áudio o que
resultou que a câmera filmadora ficasse disposta em diagonal com a mesa, de forma que
pudesse captar todos os participantes do grupo focal.
Por tratar-se de um laboratório vazio, a acomodação da câmera foi feita sobre duas
caixas de madeira que acondicionavam equipamentos, dispostas uma sobre a outra. Esta
improvisação ocorreu devido a não termos disponível um suporte de tripé para a câmera.
Porém, o que inicialmente foi concebido como um improviso para proporcionar o
posicionamento e a fixação da câmera tornou-se, no meu entender, um aliado para disfarçar
a presença da câmera. Esta ficava quase despercebida em relação à área frontal das caixas
24
que compunham uma estrutura de uma estante de 1 metro de largura, por 1,5 metros de
altura e 20 cm de profundidade. Com isso a câmera não se tornou um objeto estranho que
dispersasse a atenção ou intimidasse os participantes.
A criação de um ambiente de cordialidade antes do início da sessão proporcionou
uma informalidade buscando a desinibição dos participantes. Foram oferecidos salgadinhos
e refrigerantes na busca da construção de um clima de descontração, confraternização e
confiança.
O roteiro de questões foi o instrumento utilizado pelo mediador para conduzir os
temas das discussões do grupo focal. Este instrumento foi construído baseado no
detalhamento de tópicos de forma a permitir que houvesse uma dinâmica e flexibilidade na
sua abordagem e/ou aprofundamento.
Os tópicos acerca da construção curricular por competências, da prática educativa,
da avaliação dos alunos e da relação do modelo educacional das competências com o
mercado de trabalho, que constavam no roteiro (ANEXO 1), visaram o levantamento e a
obtenção de informações elucidativas sobre os objetos propostos pela pesquisa. Em cada
tópico foram definidos temas diretivos da discussão de forma a auxiliar o mediador a
propor questionamentos que visassem aprofundar os dados colhidos.
Seguindo os pressupostos de Neto, Moreira e Sucena (2002, p.12), quando estes se
referem ao número de participantes do grupo focal, buscamos seguir a seguinte regra: “ser
pequeno o suficiente para que todos tenham oportunidade de expor suas idéias e grande o
bastante para que os participantes possam vir a fornecer consistente diversidade de
opiniões”. Dessa forma, acompanhando as indicações quantitativas dos autores quanto ao
número de participantes do grupo focal buscamos compô-los por um mínimo de quatro
sujeitos e um máximo de doze pessoas. Esta regra foi colocada em prática quando do
convite dos sujeitos a comporem os grupos, porém o número mínimo para a execução teve
de ser alterado para três sujeitos, devido ao fato de alguns sujeitos que inicialmente haviam
se comprometido com a participação no grupo focal terem tido problemas de última hora
que os impossibilitou de estarem presentes.
Diante desta nova situação, optamos por manter a realização do encontro já que os
sujeitos estavam na última semana letiva antes do período de férias. Com isso, os alunos
formandos não retornariam no próximo semestre e muitos deles apenas aguardavam o
25
fechamento do período letivo para assumirem empregos dentro da área em que acabavam
de formar-se, o que acabaria impossibilitando a realização da pesquisa com tais sujeitos. Já
se tratando dos professores substitutos estes também entrariam em férias e, após estas, seus
contratos expirariam e estes seriam desligados do quadro de professores, o que também
impossibilitaria que participassem como sujeitos da pesquisa.
Dessa forma, foram realizados ao todo sete grupos focais, quatro com alunos e três
com professores, envolvendo no total 27 sujeitos.
O procedimento para o desenvolvimento dos grupos focais iniciava-se, após todos
os participantes estarem acomodados ao redor da mesa, com o pedido de autorização para
efetuar a filmagem, lembrando-lhes que as fitas não seriam divulgadas e serviriam como
elemento para facilitar a análise das informações. Era então realizada uma breve introdução
contemplando os seguintes aspectos:
a) Apresentei a metodologia qualitativa e caracterizei a técnica do grupo focal;
b) Esclareci os objetivos do estudo e do grupo focal;
c) Apresentei a composição dos grupos a serem sujeitos da pesquisa e de como os
sujeitos serão identificados nesta, buscando manter o anonimato dos sujeitos.
d) Destaquei a importância da participação de todos nos debates e pedi que dentro
do possível respeitassem o tempo de fala dos participantes para que, durante o processo de
transcrição, os dados pudessem ser recuperados de forma integral;
e) Expressei que com a discussão dos assuntos não buscava conceitos de certo ou
errado, mas sim as impressões dos sujeitos.
f) Expliquei o processo de análise dos dados após o término da coleta;
g) Distribuí uma ficha de identificação dos sujeitos contendo duas questões para que
estes realizassem uma reflexão para gerar/acender os posicionamentos a respeito dos
tópicos que a seguir seriam debatidos (ANEXO 2).
h) Pedi que os participantes fizessem uma breve apresentação para que eu pudesse
saber seus nomes. Estes nomes foram anotados junto ao caderno de campo, obedecendo a
disposição que os participantes ocupavam ao redor da mesa, para que dessa forma pudesse
me referir a cada um dos participantes através do seu nome.
26
Esta introdução teve o objetivo de criar um clima de confiança e de demonstrar a
importância dos sujeitos no processo de pesquisa. Buscou-se com estes esclarecimentos o
engajamento dos sujeitos nas discussões.
Durante o andamento das discussões busquei valer-me das orientações de Neto,
Moreira e Sucena (2002) quanto ao estímulo da fala dos participantes e utilizei as perguntas
“qual?”, “o quê?”, “como”, “por quê?” inseridas no decorrer da discussão visando um
aprofundamento dos temas e a participação de todos os participantes do grupo focal na
discussão.
As sessões embora tivessem uma questão inicial para o debate, não possuíam
seqüências pré-estabelecidas sendo estas definidas no próprio transcorrer do grupo focal,
através da concatenação das discussões, de forma natural. Embora o roteiro fosse
organizado de forma progressiva, partindo de tópicos mais gerais para focos mais
específicos da pesquisa, nem sempre essa ordem foi mantida.
Durante a realização do grupo focal assinalei no roteiro as questões diretivas já
pontuadas, de forma a controlar as que já haviam sido discutidas, para que não houvesse a
repetição ou omissão dessas. A transição entre os temas foi efetuada de forma sutil,
buscando seguir o rumo natural das discussões e aproveitando os elementos apresentados
por essas.
Dentro dos grupos focais existiu uma dinâmica interação entre os participantes, pois
engajados na discussão dirigiram seus comentários aos outros participantes, não se
limitando a interagirem apenas com o moderador. Esta interação do grupo proporcionou um
detalhamento de argumentações desinibindo os participantes, o que confirma os postulados
teóricos de Dias (2000), de que a dinâmica e a interação fazem parte da técnica do grupo
focal.
Ao esgotarem-se as questões diretivas previstas pedi aos participantes que fizessem
breves comentários sobre o que acharam da dinâmica e, também, que mencionassem
possíveis tópicos referentes aos temas em foco que não tivessem sido abordados ou
aprofundados necessariamente. Normalmente os participantes neste momento fizeram uma
avaliação a respeito da pertinência ou não da implantação da reforma baseada no Decreto
2.208/97, entendendo este momento da técnica de coleta de dados como uma possibilidade
27
de fazerem uma conclusão acerca do modelo curricular das competências sobre o qual
haviam discutido.
Ultrapassada essa etapa, no encerramento da discussão, agradeci a participação de
todos, voltando a enfatizar a importância das opiniões prestadas e colocando à disposição o
meu endereço de correio eletrônico para que ao sentirem necessidade de acrescentarem
mais algum comentário pudessem entrar em contato. E finalizei colocando-me à disposição
de enviar via e-mail a cada um dos participantes uma cópia do relatório final da dissertação.
A duração das sessões dos grupos focais variou de 1 hora e 20 minutos a 2 horas e
15 minutos.
Durante a realização dos grupos focais, com alguns grupos de sujeitos, percebi que
os sujeitos mantiveram as suas características quanto à forma de ser e de agir, sendo uns
mais retraídos e outros mais extrovertidos. Embora tenha percebido este fato não fiz uma
interferência direta para que esses sujeitos modificassem tais comportamentos, pelo fato de
julgar que isso influenciaria na dinâmica criada no grupo. Buscando resolver esta
disparidade, ao formular novos questionamentos para um aprofundamento do tema em
discussão, olhava em direção aos participantes mais retraídos para que este contato visual
trouxesse as suas ponderações antes dos sujeitos mais falantes de forma que estes não
fossem sempre os primeiros a exporem seus posicionamentos.
Após a realização dos grupos focais a dificuldade que surgiu foi relacionada à
transcrição das sete fitas de vídeo com treze horas e quarenta e cinco minutos de gravação.
Primeiro, a dificuldade advinda do mecanismo do videocassete que permite o avanço e
retrocesso da fita ser muito lento, o que provocou um prolongamento do tempo das
transcrições de cada fita, que chegou a ser de doze horas. A dificuldade de transcrição
também foi influenciada pelo fato da interação dos sujeitos ser tanta que, muitas vezes, não
se continham em esperar a conclusão das idéias dos demais participantes e acabavam
fazendo suas argumentações ao mesmo tempo, dificultando a audição do que estava sendo
dito.
28
1.1.2 As entrevistas semi-estruturadas
A entrevista semi-estruturada foi a técnica de coleta de dados escolhida para ser
utilizada com os sujeitos que ocupavam cargos de gestão administrativa e/ou educacional
dentro da instituição alvo da pesquisa. Tal escolha deve-se ao fato de tais sujeitos
representavam diversas posições hierárquicas, tornando-se incompatível com a realização
do grupo focal, uma vez que buscou-se manter separados sujeitos com posições de poder
diferentes.
Dessa forma foi realizada uma entrevista individual com representantes da
administração geral e pedagógica (Diretor Geral, Diretor de Ensino, Supervisora
Pedagógica e Coordenador Pedagógico) e com os coordenadores dos módulos (módulo de
Comutação e Módulo de Transmissão) do curso investigado.
A entrevista é aqui entendida como sendo composta por uma conversa intencional
entre entrevistador e entrevistados, com o objetivo de obter informações a respeito de um
tema em especial, no nosso caso a reestruturação curricular por competências. A intenção
da entrevista foi de colher dados descritivos na linguagem dos próprios sujeitos, de forma a
permitir que o investigador pudesse desenvolver uma idéia a respeito da maneira como os
sujeitos vêm interpretando na sua prática a proposta curricular da pedagogia das
competências na educação profissional e o impacto desta na formação do trabalhador.
(BOGDAN e BIKLEN, 1994).
As entrevistas buscaram que os sujeitos da pesquisa expressem os seus pontos de
vista a respeito do assunto estudado, de forma a compor uma riqueza de dados, recheados
de suas próprias palavras, de modo a revelar detalhadamente a perspectiva dos próprios
respondentes.
Mantendo fidelidade à tradição qualitativa, de tentar captar o discurso próprio do
sujeito, os dados orais foram colhidos junto aos sujeitos da pesquisa utilizando-se uma
entrevista semi-estruturada, pelo fato de entendermos que esta possibilita uma maior
flexibilidade no processo de investigação, permitindo ao pesquisador buscar em
profundidade os significados e os sentidos expressos pelos informantes, o que não seria
possibilitado com tal abrangência, se fosse utilizada outra técnica de coleta de dados. Além
29
disso, a utilização das entrevistas semi-estruturadas permitem a obtenção de dados
comparáveis entre os vários sujeitos de uma pesquisa (BOGDAN E BIKLEN, 1994).
Para Lüdke e André (1986, p.34) a entrevista semi-estruturada pode ser
caracterizada como sendo aquela que se “desenrola a partir de um esquema básico, porém
não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”.
As autoras consideram aconselhável a utilização de um roteiro que guie o pesquisador
através dos principais tópicos a serem abordados. Na elaboração deste roteiro, foi dada
atenção à seqüência lógica entre os assuntos, indo dos mais simples aos mais complexos,
levando em consideração o encadeamento das questões.
As entrevistas tiveram como roteiro (ANEXO 3) os mesmos tópicos dos grupos
focais: a construção curricular por competências, a prática educativa, a avaliação dos alunos
e a relação do modelo educacional das competências com o mercado de trabalho.
As entrevistas foram realizadas dentro da própria instituição de ensino, em
laboratório do curso objeto de estudo. O horário sugerido para a realização das entrevistas
foi adequado aos horários vagos dos sujeitos entrevistados, que se distribuíram pelos três
turnos em que a instituição trabalha.
Os roteiros das entrevistas foram elaborados de forma que estas se realizassem no
período de aproximadamente uma hora, para com isso não alterar a rotina diária dos
informantes. Porém, na prática, estas entrevistas levaram de 45 minutos a 1 hora e 30
minutos.
Os dados provenientes das entrevistas semi-estruturadas foram registrados através
de gravador de áudio, com a concordância do informante. Tais gravações foram transcritas
pelo próprio pesquisador e posteriormente analisadas.
1.1.3 Os documentos oficiais
Além das informações orais dos sujeitos da pesquisa, utilizaram-se materiais
impressos relacionados ao processo de reestruturação curricular da educação profissional de
nível técnico, tendo destaque o Plano do Curso Técnico de Sistemas de Telecomunicações e
30
seus Planos dos Módulos e a legislação nacional a respeito da educação profissional de
nível técnico.
Tais documentos escritos, referentes ao currículo por competências, produzidos pelo
curso em estudo, pela escola ou órgão superior foram tratados como sendo documentos
oficiais e constituíram dados complementares para a análise. Os documentos representaram
nesta pesquisa a perspectiva oficial das instituições a respeito do assunto pesquisado.
Alguns pesquisadores classificam tais tipos de documentos produzidos na escola
como sendo extremamente subjetivos, vindo a representar “os enviesamentos dos seus
promotores e, quando para consumo externo, apresentando um retrato brilhante e irrealista
de como funciona a organização.” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.180). Porém, dentro de
uma concepção qualitativa são estas características que permitirão evidenciar os sentidos e
os significados por eles representados.
A opção por incluir os documentos oficiais como fonte de dados para a pesquisa
baseou-se em Lüdke e André (1986) que argumentam que tais fontes de dados apresentam a
vantagem de ser uma fonte repleta de informações sobre a natureza do contexto, e, por tal
motivo, sua análise nunca deve ser ignorada, independente de outros métodos de
investigação escolhidos.
1.1.4 As notas de campo
A utilização de notas de campo serviu como instrumento de apoio para descrever o
que aconteceu nas entrevistas, dando uma descrição das pessoas, dos comportamentos, dos
objetos, dos acontecimentos, das atividades e conversas. Nestas notas de campo foram
registradas também as idéias que vinham a surgir, os tópicos pontuados pelos sujeitos da
pesquisa que deveriam ser retomados para maior aprofundamento, as estratégias, as
reflexões e os palpites que surgiram durante a coleta.
Para Bogdan e Biklen (1994, p.150) as notas de campo podem ser definidas como
sendo “o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso
da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo qualitativo”.
31
Tais relatos auxiliaram a descrever o significado e o contexto da coleta dos dados,
de forma a propiciar que fossem capturados mais completamente, pois de acordo com os
autores acima citados o gravador não capta a visão, os cheiros, as impressões e os
comentários extra, ditos antes e depois da entrevista.
Dessa forma utilizou-se nesta pesquisa um bloco de anotações, que serviu para
realizar registros de campo, durante as entrevistas ou fora destas, com o objetivo de
complementar as informações obtidas através do contato direto com os sujeitos da pesquisa.
Portanto o corpus de dados da pesquisa foi constituído de dados provenientes da
transcrição dos grupos focais e das entrevistas individuais com atores, envolvidos no/pelo
currículo por competências do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações. Sendo
constituídos também pelos dados obtidos de documentos oficiais e das anotações do
pesquisador no diário de campo. Em termos numéricos as transcrições em formato A4, com
espaço entrelinha simples e fonte tamanho 12 somaram 105 páginas relativas à coleta
realizada em 2002 e 255 páginas relativas à coleta realizada em 2005, totalizando 360
páginas de dados.
1.2 Procedimento de análise dos dados
A análise dos dados foi realizada baseada na análise de conteúdo, entendida como
sendo um método de tratamento e análise de informações em textos escritos ou
provenientes de qualquer comunicação reduzida a um texto (CHIZZOTTI, 1991).
Porém, tal método, como alerta Bardin (1977), não foi compreendido como um
método uniforme, pelo fato de tratar-se de um conjunto de técnicas de análise de
comunicação que visa obter indicadores que permitissem a inferência das mensagens.
Para a realização da análise dos dados, baseados na análise de conteúdo, realizou-se
inicialmente o recorte da informação ao redor de cada tema-objeto ou itens de sentido.
Este método de categorização é formado, segundo Bardin (1977, p. 37), por uma
“espécie de gavetas ou rubricas significativas que permitem a classificação dos elementos
de significação constitutivos, da mensagem”. Com este procedimento buscamos introduzir
32
uma ordem nos conteúdos das mensagens textuais, baseada em certos critérios referentes ao
objetivo da pesquisa.
A classificação em categorias foi baseada em critério de analogia e freqüência, para
posteriormente deter-se aos elementos de cada temática e extrair destes os significados
buscados pela pesquisa.
A coleta dos dados não teve o intuito de confirmar ou rejeitar hipóteses já
concebidas, mas sim de proporcionar elementos que possibilitassem abstrações. Com isso,
à medida que os dados foram sendo analisados, foram sendo constituídos os agrupamentos
ou categorias.
Portanto a teoria, ou conclusão a respeito da elaboração local dos currículos,
somente começou a ser estabelecida após o término da coleta dos dados e das interações
com os sujeitos pesquisados. O resultado foi construído após o exame das partes que
compõem o corpus investigativo.
Para a análise dos dados coletados, os materiais registrados foram revistos na sua
totalidade, para após serem separados em categorias analíticas. A utilização da técnica de
análise de conteúdo para decompor os dados coletados em categorias, foi baseada nos
pressupostos de Bardin (1977), quando este se refere às regras para a criação de categorias
provenientes da fragmentação da comunicação. Buscamos com isto a homogeneidade dos
tópicos (dados), a exaustividade do texto, a exclusividade da classificação dos elementos do
conteúdo, e a adequação ou pertinência das categorias para o objetivo da análise/pesquisa.
Dentro destas unidades de codificação foram delimitadas unidades de registros
concatenando elementos relativos a um mesmo assunto. Dessa forma, através da utilização
do método das categorias classificamos os elementos de significação das falas dos sujeitos,
buscando um agrupamento mais específico quanto às características deste conteúdo.
A unidade de registro utilizada foi o tema referente a um determinado assunto. Com
isso o texto foi recortado em idéias constituintes e seus enunciados, os quais eram
portadores de significações isoláveis. Dessa forma buscamos captar os núcleos de sentido
contidos nas falas dos sujeitos.
Concordamos com Bardin (1977) de que os resultados obtidos pela técnica da
análise de conteúdo, não podem ser tomados como prova inelutável, porém constituem uma
ilustração parcial que permite corroborar com os pressupostos em causa.
33
Os dados colhidos através das palavras dos sujeitos, foram citados nos resultados da
investigação para ilustrar e substanciar a apresentação das evidências. Pelo fato de alguns
sujeitos puderem ser rastreados pelos leitores, pelas posições que ocupavam dentro da
instituição, retornamos com o texto escrito para que estes pudessem posicionar-se a respeito
da utilização de suas falas. Buscou-se com isso evitar que algum recorte de uma fala,
proferida dentro de um determinado contexto, pudesse adquirir um sentido diferente
daquele que o sujeito depoente buscava destacar.
Salientamos novamente que o propósito desta pesquisa não é atribuir um juízo de
valor ao posicionamento dos sujeitos que atuaram localmente na elaboração dos currículos,
mas sim destacar que tais sujeitos possuem discursos diferentes, relacionados às posições
que ocupam dentro da instituição escolar. O fato de retornar-se com o texto para os sujeitos,
foi uma forma encontrada pelo pesquisador para assegurar-se da não distorção dos
discursos dos sujeitos da pesquisa.
A análise desses dados se deu de forma narrativa, não buscando a tradução dos
dados em símbolos numéricos que possam representá-los. Com isso buscamos a riqueza
dos dados e o respeito à forma de seu registro ou transcrição.
O relatório produzido busca, portanto, conter citações que tentam descrever, de
forma narrativa, quais são os sentidos e os significados do currículo por competências para
os atores que se relacionam com o currículo do Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações. Com isso buscamos a análise de uma situação particular e de suas
representações. A palavra escrita, neste processo de pesquisa, assume particular
importância, tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados.
1.3 O local da pesquisa
A Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel) foi criada por Lei Federal em 1942,
sendo inaugurada em 11/10/1943, passou a funcionar efetivamente em 1945. Já o Curso
Técnico em Telecomunicações foi implantado no ano de 1973, sendo oriundo da
especialização do Curso Técnico em Eletrônica, do qual até então era uma das áreas de
34
atuação deste profissional. O surgimento do curso técnico em Telecomunicações foi
motivado pela ampliação do mercado da telefonia, o qual passou a exigir um profissional
especializado.
No final da década de 1990, por obra das reestruturações educacionais brasileiras, a
ETFPel
4
foi transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-
RS)
5
, constituindo-se como uma autarquia federal pertencente ao Sistema Nacional de
Educação Tecnológica, subordinada ao Ministério da Educação. A instituição em meados
de 2005 era composta por duas unidades de ensino: a unidade sede, localizada no município
de Pelotas/RS (UNISEDE), e a unidade descentralizada, localizada no município de
Sapucaia do Sul/RS (UNED).
O CEFET-RS é uma instituição que oferece educação nas modalidades de ensino
médio, profissional, superior e pós-graduação. Atualmente oferece onze cursos técnicos
profissionais, distribuídos em diferentes áreas de concentração: Área da Construção Civil -
Curso Técnico de Edificações; Área de Design - Curso Técnico em Programação Visual e
Curso Técnico em Design de Móveis; Área de Química - Curso Técnico em Química –
ênfase em Processos Industriais; Área de Telecomunicações - Curso Técnico em Sistemas
de Telecomunicações; Área da Indústria: Curso Técnico em Eletrônica, Curso Técnico em
Eletrotécnica, Curso Técnico em Manutenção Eletromecânica, Curso Técnico em Mecânica
Industrial, Curso Técnico em Transformação de Termoplásticos; Área da Informática -
Curso Técnico de Sistemas de Informação. Dos cursos técnicos oferecidos, o Curso
Técnico em Transformação de Termoplásticos é desenvolvido na UNED/Sapucaia do Sul e
os demais na UNISEDE.
Os cursos superiores oferecidos pelo CEFET-RS, na unidade sede, atendem a área
de Telecomunicações, com o Curso Superior de Tecnologia em Sistemas de
Telecomunicações; a área da Indústria, com o Curso Superior de Tecnologia em
Automação Industrial; e a área do Meio Ambiente, com o Curso Superior de Tecnologia
Ambiental, nas modalidades de Saneamento Ambiental e Controle Ambiental. Na UNED
4
Utilizaremos a denominação Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel) para nos referirmos à
instituição de ensino, onde foi feito o estudo, antes do processo de cefetização em 1999, pelo qual passa a ser
denominado de Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS).
5
Decreto s/n de 19/01/1999, publicado no Diário Oficial da União em 20/01/1999.
35
Sapucaia do Sul é oferecido o Curso Superior de Tecnologia em Polímeros e o Curso
Superior de Tecnologia em Fabricação Mecânica para Ferramentaria.
O curso técnico e o superior do CEFET-RS, na área de Telecomunicações, embora
estejam voltados à mesma área profissional, possuem estruturas administrativas separadas e
compartilham poucos recursos físicos. Isto se deve, em grande parte, ao fato de que para
lecionar no nível superior é exigida formação em uma engenharia ou outro curso de nível
superior das ciências duras, o que a grande maioria dos professores do curso técnico não
possuem, pois a grande maioria foi formada em serviço, ficando, por isso, impossibilitados
de lecionarem no nível tecnológico. Isto em certa medida gerou descontentamentos entre os
professores do curso técnico, que foram os mentores do curso de nível superior. Isto
evidencia as múltiplas divisões e as conseqüentes valorizações/desvalorizações que existem
entre os diferentes tipos de professores que atuam dentro da instituição de ensino CEFET-
RS.
O CEFET-RS oferece também o Programa Especial de Formação Pedagógica de
Docentes para as disciplinas do Currículo da Educação Profissional de Nível Técnico e
cursos de pós-graduação na área da Educação Profissional e da Educação Ambiental.
O Ensino Médio e Ensino Médio para Adultos é oferecido pelo CEFET-RS com
vistas a atender aos objetivos desta instituição de contribuir para a formação de um cidadão
crítico, preparado para o trabalho. A instituição atua também no oferecimento de cursos de
Educação Profissional de nível básico, com o objetivo de atualização e/ou requalificação
em diferentes áreas.
Em março de 2005 a instituição possuía seu quadro funcional formado por 229
técnico-administrativos e por 306 professores concursados e 93 professores substitutos.
Deste quadro funcional o curso de Técnico de Sistemas de Telecomunicações é composto
por três técnicos-administrativos, 20 professores concursados (dos quais dois estavam
afastados em cargo de chefia e quatro para capacitação) e sete substitutos.
Já o número de alunos matriculados na UNISEDE no ano de 2005 era de 3.614,
divididos da seguinte forma: Pós-graduação - 85; Tecnólogo - 227; Técnico - 2.264 (destes,
288 pertencem ao curso em estudo); Ensino Médio 1.038.
O CEFET-RS na UNISEDE, onde se localiza o curso em estudo, possui 44.873 m
2
de área construída, 127 laboratórios e oficinas, 45 salas de aulas teóricas, 03 auditórios,
36
ginásio coberto, piscina térmica, 02 quadras poliesportivas, cancha de futebol de sete, pista
de atletismo e biblioteca com acervo de 18.000 volumes. Já o Curso de Sistemas de
Telecomunicações é constituído de uma área física de aproximadamente 1.000m
2
composta
por 14 laboratórios, sala de reunião dos professores, manutenção e ferramentaria.
A instituição ao longo de sua existência prima pelo ensino de qualidade voltado às
necessidades do mercado. Prova disso é a própria trajetória do curso técnico de
telecomunicações, que desde a sua fundação vem buscando sempre manter currículos
atualizados e laboratórios adequados, dentro de sua realidade financeira, às mutáveis
tecnologias que nas últimas décadas do século XX tiveram um avanço vertiginoso.
A instituição desde a sua criação sempre gozou de um alto conceito junto ao
governo federal e mais especificamente junto ao Ministério da Educação, sendo lembrada
muitas vezes por tal órgão como uma referência nacional em educação profissional e como
modelo a ser seguido por outras instituições.
O prestígio dos professores deste educandário é exposto com a ocupação de vários
cargos dentro do Ministério da Educação. Entre estes sujeitos destacam-se o seu ex-diretor
João Manoel de Sousa Peil como Secretário do Ensino Médio e Tecnológico, na gestão
6
do
então ministro Carlos Alberto Chiarelli frente ao Ministério da Educação, no período de 15
de agosto de 1990 a 04 de setembro de 1991. Mais recentemente (em 1999), ligado ao curso
em estudo, a instituição se fez representada através de dois consultores na elaboração dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a Área de Telecomunicações.
Tais relações de proximidade com o Ministério da Educação pode ter sido um dos
fatores a levar o CEFET-RS a ser um dos primeiros a implantar as alterações educacionais
propostas pelo governo brasileiro. Tal processo de implantação, contudo, não se desenrolou
de forma pacífica, ordenada e produtiva dentro de alguns cursos da instituição.
Com a análise que se apresenta nos próximos capítulos busca-se demonstrar as
disputas que envolveram a construção do currículo do Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações do CEFET-RS, que foi originado a partir da reestruturação implantada
com a edição do Decreto 2.208/97.
6
Ministro Carlos Alberto Chiarelli esteve a frente do Ministério da Educação no período de 15/03/90
a 21/08/91, no governo do Presidente da República Fernando Collor de Mello.
2 CURRÍCULO COMO CAMPO DE ESTUDO
O currículo como campo de estudo na atualidade vem sofrendo uma série de
alterações, que faz com que as preocupações tradicionais, num sentido Tyleriano de
currículo, centradas nos objetivos, na prática educacional e na avaliação, percam sua
centralidade nas análises desta área. A partir da última década do século XX surgem novas
perspectivas de análise do campo do currículo as quais se relacionam com as
transformações culturais, políticas, sociais e econômicas das sociedades (PARASKEVA,
199?).
Na teoria do currículo este pode ser entendido de diversas maneiras, dependendo da
linha teórica adotada.
O conceito de currículo, baseado na etimologia, é derivado do verbo latino currère,
que se refere a correr ou lugar onde se corre (curso de uma corrida) (GOODSON, 1995;
BERTICELLI, 2001). Esta etimologia apresenta implicações no sentido dado atualmente à
definição mais tradicional de currículo, relacionado com um curso a ser seguido, ou com a
seqüência de conteúdos apresentados para estudo. Porém, tal definição encontra objeções,
visto que prevê que todos os alunos, que participam da corrida, largam com as mesmas
condições e características, o que não possibilita vislumbrar as diferenças existentes entre
os alunos e os percursos que estes percorrem no seu trajeto educacional. (PARASKEVA,
2005).
Em uma concepção mais tradicional o currículo pode ser entendido como sendo um
modo de organizar uma série de práticas educativas. Algumas dessas práticas, podem estar
voltadas à constituição de uma guia de experiências a serem vivenciadas pelos alunos no
seu processo educacional, ou mesmo como uma definição de conteúdos a serem ensinados
aos alunos. (SACRISTÁN, 1998).
A definição de currículo, de acordo com Sacristán (1998), possui o seu uso ou
significado, num sentido pedagógico, relativamente recente entre nós, e a definição do
38
sentido utilizado atualmente para currículo, foi forjada após a Segunda Guerra Mundial,
delineando-se como um produto da era industrial. Este conceito traz em si uma forte
prescritividade, devido ao fato de estabelecer de antemão quais conteúdos farão parte do
currículo. Esta prescrição evidencia o caráter político e a ordem do poder na determinação
do currículo.
Sacristán (1998) salienta que os significados diversos que podem ser encontrados a
respeito do conceito de currículo refletem a suscetibilidade deste a enfoques paradigmáticos
diferentes e o fato do currículo poder receber significações específicas dentro do processo
de desenvolvimento curricular. O desenvolvimento curricular, segundo este autor, é
composto de diversas fases ou processos que irão influenciar na prática educativa. Com
isso, afirma que em certa medida as concepções diferentes, todas elas parciais, contêm parte
da verdade do que é currículo.
A respeito da definição conceitual de currículo, Paraskeva (2005) argumenta que o
excesso de definições acerca do currículo acaba poluindo o campo do currículo. Dessa
forma, devido à polissemia do currículo, a maioria das publicações referentes ao campo
curricular expressa que é impossível definir um conceito único de currículo, uma vez que
cada leitor/escritor o assimila de acordo com os seus próprios valores. Para este autor o
importante não é definir currículo, mas sim entender como ele opera, visto que não é neutro
e constitui-se como um campo de batalha de representações.
Em termos da análise proposta por este estudo, não é fundamental definir o
currículo, mas sim entendê-lo como um mecanismo que busca através das suas
representações formar/constituir um sujeito específico. Dessa forma pondera-se que o
currículo é um campo no qual múltiplas instâncias de poder buscam representação,
constituindo-o em uma arena de disputa política (SILVA, 1999).
Dessa forma esta pesquisa a respeito do currículo alia-se a uma concepção pós-
critica e/ou pós-estruturalista que privilegia outros elementos e formas de conceber o
currículo. Nessa perspectiva teórica buscaremos dar uma ênfase nos processos de
significação e discurso, de saber-poder, de representação, de cultura, e de construção de
identidades.
39
2.1 Currículo como campo político
Nesta pesquisa entende-se o currículo como um campo político em que ocorrem
disputas de representação, sendo constituído de múltiplas instâncias que vão desde a
elaboração do texto curricular oficial até à prática pedagógica. Dessa forma o currículo
pode ser compreendido como parte ou resultado de uma política curricular, que representa
uma síntese de um processo de luta entre projetos sociais, culturais e pedagógicos com
interesses por vezes antagônicos (OLIVEIRA e DESTRO, 2005).
Mesmo que as tradições críticas no campo do currículo, desde as décadas de 1960-
70, venham destacando as íntimas conexões entre o currículo e o poder, a ampliação do
conceito de política curricular para além dos textos curriculares prescritos é um movimento
recente.
As análises de Suárez (1995) a respeito das políticas curriculares se limitam ao
processo de constituição do texto curricular, o qual não se apresenta de forma homogênea,
não estando livre de contradições e de tensões, pelo fato de não ser um processo neutro e
nem um resultado técnico de um processo instrumental. As políticas curriculares para este
autor apresentam-se como sendo “o resultado sintético de um (muitas vezes silenciado e
oculto) processo de debate ou de luta entre posicionamentos, interesses e projetos sociais,
políticos, culturais e pedagógicos opostos e, sobretudo, antagônicos” (SUÁREZ, 1995, p.
110).
Neste sentido Costa (2001) argumenta que o currículo é um campo no qual estão em
jogo relações de poder. A escola e o currículo apresentam-se como territórios de produção,
circulação e consolidação de significados.
As relações de poder, como destacam Dreyfus e Rabinow (1995), são desiguais e
móveis, sendo que o funcionamento dos rituais políticos de poder é o que estabelece as suas
desigualdades e assimetrias. Dessa forma, pelo fato de o poder não ser uma coisa sob a qual
se tenha propriedade, a tarefa de análise que contemple o poder deve voltar-se à
identificação do modo como ele opera.
O poder não diz respeito apenas ao poder visível e constituído. O poder, assim
representado, pode ser entendido como difuso e composto por uma série de pequenas
instâncias/elementos. O poder se constitui em momentos diferentes, em instâncias
40
diferentes, atravessa posições de sujeitos, sendo intercambiável. Em um momento o poder é
exercido a partir de um determinado ponto, em outro ele é exercido sobre este mesmo
ponto. Eis aí a essência do currículo enquanto campo de disputa política.
De acordo com Sacristán (1998) as teorias curriculares podem ser entendidas como
elaborações parciais, e por isso insuficientes para compreender a complexidade das práticas
escolares. A proposta de análise da política curricular, apresentada por este autor, volta-se a
uma concepção processual de currículo, de forma a assumir a política curricular como
sendo um elo entre os interesses políticos, as teorias curriculares e as práticas escolares. A
política curricular é entendida como sendo “um aspecto específico da política educativa,
que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema
educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele (...)”
(SACRISTÁN, 1998, p. 109).
Pela argumentação do referido autor torna-se evidente, no processo de construção
das políticas curriculares, a existência de instâncias distintas, tais como o Estado, a política
educativa, o sistema educacional e as práticas pedagógicas, as quais intervêm no processo
de elaboração da política curricular. Diante da existência destas várias instâncias que
buscam a definição da prática pedagógica, este autor salienta que as decisões a respeito da
política curricular não são produzidas linearmente, não sendo concatenadas, não
obedecendo nenhuma suposta diretriz ou mesmo apresentando-se como expressão racional
da construção e implementação curricular. Dessa forma, na constituição local da política
curricular existe sempre a possibilidade de rupturas, devido ao caráter conflitivo e
contraditório da mesma, que possibilita o surgimento de insubordinação e decisões
independentes e também de práticas convergentes.
Algumas análises relacionadas às políticas curriculares nacionais apontam-nas como
sendo prescritivas, homogeneizantes e centralizadas no Estado; apresentando um
distanciamento entre avanços teóricos e práticos, além de serem reflexos de políticas
educacionais globalizadas (OLIVEIRA e DESTRO, 2005). Tais análises da política
curricular apresentam-na recorrentemente como sendo um conjunto de
resoluções/definições oficiais que regem as formas da educação de determinados níveis
educacionais, que são concebidas a nível nacional vindo depois a se expandirem a níveis
locais. Dessa forma constitui-se como política oficial, tida como hegemônica e
41
normalmente sendo exercida no sentido global-local sobre os currículos escolares. Essa
perspectiva analítica evidencia um controle vertical sobre o currículo no sentido global-
local, tido como reflexo das políticas hegemônicas globais do fim do século XX.
(OLIVEIRA e DESTRO, 2005).
Porém, entende-se que as políticas curriculares são mais abrangentes do que as
relatadas pelas formas tradicionais de análise. Neste estudo, as políticas curriculares são
vistas como sendo constituídas de múltiplas instâncias, que vão desde o texto curricular
oficial até à prática pedagógica, na qual tal política é (re)significada ou corporificada
localmente, ampliando dessa forma o campo político do currículo.
A ampliação do campo político concretiza-se no fato de que as relações de poder
existentes na elaboração do texto curricular oficial estão presentes também localmente.
Privilegiando as relações de poder e as negociações que ocorrem nas escolas, evidencia-se
que o poder na constituição curricular não acontece só no nível macro, mas que também
está presente em outras instâncias locais definindo a cultura a ser transmitida às futuras
gerações.
2.1.1 Currículo como política cultural
A política curricular voltada à realidade educacional contemporânea baseia-se em
um contexto que tem a cultura como um elemento central e que se apresenta em termos
substantivos e epistemológicos, caracterizando-se por superposições entre o global e o local
e entre fatores econômicos, políticos e culturais (OLIVEIRA e DESTRO, 2005).
Com esta concepção amplia-se o campo político das definições curriculares, bem
como a disputa em termos de significações culturais presentes no currículo. O
entendimento do currículo como sendo um terreno privilegiado da política cultural permite
que sejam quebradas as fronteiras entre currículo e cultura, possibilitando dessa maneira
que o currículo possa ser entendido como um sistema de significação utilizado para definir
o significado das coisas; codificando, organizando e regulando a conduta dos seres
humanos em relação aos seus semelhantes, dando com isso sentido as suas ações.
42
A definição de política curricular, feita sob o prisma da política cultural, realizada
por Oliveira e Destro (2003) é expressa como sendo um processo no qual diferentes atores
sociais, que representam diferentes práticas culturais e significados, entram em conflito
entre si. Esta idéia pode ser complementada pelo entendimento de que o currículo não é um
campo neutro, mas sim um campo no qual são travadas disputas entre as diferentes
posições culturais dos atores envolvidos no processo de elaboração curricular.
O currículo entendido como elemento cultural seleciona parte do conhecimento
culturalmente produzido pela sociedade; aquela parte do conhecimento considerado válido
e que por isso deve ser organizado e reproduzido para as outras gerações dessa sociedade.
O texto das políticas curriculares, como cultura, expressa o resultado de uma negociação de
interesses e forças que circulam nos sistemas educacionais em momentos específicos e que
através do currículo corporificam-se determinando os sentidos da educação escolarizada.
Devido a esta seleção e representação cultural no currículo, Sacristán (1998)
pondera que nenhum currículo por mais obsoleto que seja, se apresenta de forma neutra.
Ele é sempre uma representação de uma disputa em torno do tipo ou parcela da cultura
tomada como necessária de ser transmitida às novas gerações. Com isso o autor argumenta
que “o currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na cultura-conteúdo do
sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma concreta.”
(SACRISTÁN, 1998, p.34).
Numa tentativa de enunciar o seu entendimento acerca do significado amplo, no
sentido de representação cultural do currículo, Sacristán (1998, p.34) o define como sendo
o “projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente
condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das
condições da escola tal como se acha configurada” (grifos do autor).
Porém a seleção cultural, realizada pelo currículo, não é apenas uma seleção de
conteúdos justapostos sem critérios. A organização dos conteúdos culturais é feita
adequando-os de forma apropriada a cada nível educacional. Com isso existem concepções
curriculares diferentes para níveis/modalidade educacionais diferentes.
Ampliando a idéia de currículo como cultura, outros autores apresentam que a idéia
mais corrente a respeito da relação entre cultura e currículo é dada pelo fato de que o
43
conhecimento é cultura e o currículo, por organizar o conhecimento, é um elemento cultural
(COSTA, 2001).
As seleções culturais, representadas por um currículo, são também a imposão da
representação do mundo e de seus valores, através de um universo simbólico de uma
determinada cultura. Dessa forma, o currículo escolar pode ser visto como uma arena onde
múltiplos elementos disputam, através de relações de poder, uma representação cultural.
As representações culturais, constantes no currículo, de acordo com Costa (2001,
p.40), podem ser entendidas como sendo “o resultado de um processo de produção de
significados pelos discursos, e não como um conteúdo que é espelho e reflexo de uma
‘realidade’ anterior ao discurso que a nomeia” (grifos da autora). Essas representações,
instituídas discursivamente, definem os significados que são estabelecidos em função das
relações de poder.
A referida autora, baseada no conceito de política cultural, defende o conceito de
currículo como constituindo um “conjunto articulado e normalizado de saberes, regidos por
uma determinada ordem, estabelecida em uma arena em que estão em luta visões de mundo
e onde se produzem, elegem e transmitem representações, narrativas, significados sobre as
coisas e seres do mundo” (COSTA, 2001, p.41).
Nessa perspectiva, a noção de poder é um elemento central nas relações existentes
entre currículo e cultura. O poder que é representado/constituído por um discurso voltado à
produção de sentidos, instituindo realidades, e que não se constitui, necessariamente, como
poder centralizado. O poder pode ser caracterizado como sendo uma relação de forças que
atravessa as posições dos sujeitos e é imanente às relações entre tais sujeitos.
O poder em uma perspectiva foucaultiana, segundo Dreyfus e Rabinow (1995,
p.203), não está restrito às instituições políticas, tendo um “ ‘papel diretamente produtivo’,
‘ele vem de baixo’, é multidimensional, funcionando de cima pra baixo e também de baixo
para cima” (grifos do autor).
Nessa linha argumentativa as relações de poder são concebidas como sendo
intencionais e não subjetivas, estando a sua inteligibilidade baseada nesta intencionalidade.
De acordo com a argumentação de Foucault (1988, p.90) em a História da Sexualidade I,
“não há poder que se exerça sem uma série de miras e objetivos”.
44
Com isso o poder não pode ser compreendido voltado a uma instituição, ou a uma
estrutura, ou mesmo como uma força da qual alguns seriam dotados, mas sim deve ser tido
enquanto uma situação estratégica complexa numa sociedade dada. As análises que buscam
privilegiar as relações de poder devem buscar superar a análise do poder do ponto de vista
da sua racionalidade interna, buscando focalizá-las nas suas estratégias. (DREYFUS e
RABINOW, 1995).
As relações de poder somente podem ser concebidas se admitirmos que alguns
exercem poder sobre outros. Com isso constituem-se como “um conjunto de ações que se
induzem e se respondem às outras” (DREYFUS e RABINOW, 1995, p.240). Com isso o
poder é significado como sendo exercido por “uns” sobre os “outros”, e sua existência
baseia-se na ação, embora que o poder esteja inscrito em um campo de possibilidades
esparsas apoiado em estruturas permanentes. Dessa forma as relações de poder não
representam a manifestação de um consenso.
Abordar o poder através da sua constituição, privilegiando uma análise do “como”
ele opera, significa superar o entendimento da existência de um poder fundamental, dando
ênfase às relações que se formam baseadas na diversidade de posições de sujeitos
diferentes. Uma relação de poder vista nesta perspectiva constitui-se como um modo de
ação que não age diretamente sobre os outros, mas sim sobre as suas ações (DREYFUS e
RABINOW, 1995).
O currículo de certo modo representa um campo em torno do qual diversos sujeitos
buscam definir a ação dos demais sujeitos. O processo de definição curricular traz consigo
as disputas acerca da delimitação do campo de atuação dos sujeitos deste currículo. As
relações de poder, segundo os referidos autores, se exercem baseadas no aspecto da
produção e da troca de signos.
Para Sacristán (1998, p.15) a definição curricular traz consigo a descrição das
“funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e
social determinado, para um nível ou modalidade de educação numa trama institucional,
etc.”. Devido as suas funções, os currículos se diferenciam e se traduzem em conteúdos,
formas e esquemas de racionalização adequados à função social que irão desempenhar na
sociedade, de forma que cada currículo é peculiar à realidade social e pedagógica criada
historicamente em torno dele.
45
Dessa forma, o currículo pode ser visto como uma maneira de ter acesso ao
conhecimento, porém não pode esgotar seu significado em algo estático, mas sim como
uma possibilidade através da qual se realiza (tenha existência concreta) e se converte numa
forma particular de entrar em contato com a cultura (SACRISTÁN, 1998).
A utilização do conceito de currículo voltado à organização dos conteúdos
educacionais de um determinado nível educacional tem consigo uma forte marca
administrativa, que ao utilizar-se de uma lista de conteúdos, consegue mais facilmente
regular, controlar e assegurar a sua inspeção. Com isso o currículo torna-se um elemento
guia na formação/administração dos indivíduos dentro de um contexto histórico e social
específico.
2.1.2 O currículo como estratégia de governo
O currículo pode ser compreendido também como sendo uma tecnologia, que utiliza
um misto de linguagem e práticas para construir/governar, via educação, um projeto de
indivíduo para um projeto de sociedade, ou seja, constitui-se em uma tecnologia para o
governamento dos indivíduos. As carências de racionalidade, de independência, de
autonomia, criadas neste indivíduo, o tornam governável. Entendendo, com isso, que
governamento é uma ação que define e estrutura o campo de ação dos outros. A descrição
do outro como um ser carente e a proposição do suprimento dessas carências é uma das
formas de governar apontadas por Foucault (1995), uma vez que tal suprimento será
realizado através de ensinamentos que atuarão como instrumento de regulação (SILVA,
2000; COSTA, 2001).
Esta foi uma das estratégias utilizadas pelo governo federal brasileiro para
convencer a opinião pública a respeito da ineficiência da educação profissional que era
oferecida no Brasil, no final da década de 1990. Dessa forma construiu um significado de
que a educação existente devia ser reformada, de modo a atender às exigências do mundo
produtivo.
Nesse panorama de reestruturações, o trabalhador, oriundo do antigo modelo, é
“construído” pelo discurso governista como sendo “desajustado” às exigências do mercado,
46
pelo fato de não possuir as habilidades exigidas pelas novas formas de produção e
organização do trabalho. Já o novo trabalhador, produto do moderno modelo educacional
baseado em competências, traria consigo os atributos que o tornariam úteis à produção. O
discurso do governo define o futuro trabalhador como um ser carente a ser suprido de
competências, via educação. Utilizando os termos de Corazza (2001), o sujeito, criado pelo
governo, é ressignificado como um sujeito de necessidades, de atitudes e relações.
O governamento produzido pelo currículo, em uma lógica foucaultiana, faz com que
o currículo deixe de ser visto apenas como um elemento descritivo/narrativo e passe a ser
considerado como um elemento produtivo, uma vez que molda as condutas, constituindo-se
como um dos principais e sutis mecanismos para o governamento dos sujeitos
(MARSHALL, 1994).
Para Corazza (2001) a compreensão das novas formas contemporâneas de
governamentalidade liberal exige que se façam análises que não se baseiam apenas em
grandes esquemas (de políticas, de economias, do mercado, da globalização, etc.), mas que
privilegiem mecanismos aparentemente humildes que tornam o governamento dos outros
uma coisa possível. Nessa ótica, o currículo é entendido como sendo uma das formas
privilegiadas de controle e regulação, utilizada como prática governamental.
As formas modernas de governo, entre elas as neoliberais, utilizam-se destas
práticas de subjetivação para exercer o poder. Este poder manifesta-se por meio de sua
invisibilidade através das tecnologias que buscam normalizar o sujeito (GORE, 2000). O
poder, implicado no governamento das condutas, e representado por esta técnica de
governamentalização é uma forma de poder, que embora invisível, impõe aos que submete
um princípio de visibilidade obrigatória, que mantém o indivíduo sujeitado.
O currículo como mecanismo de governamento, pode ser entendido como um modo
de subjetivação, que utiliza as relações de saber e poder, para se gravar nas consciências e
nos corpos dos indivíduos e produzi-los como sujeitos (CORAZZA, 2001). Nesse sentido
Marshall (2000) argumenta que a sujeição dos indivíduos, através do poder, à vontade de
outra pessoa, que ocorria através da coerção física (utilizada na Idade Média) passa a ser
exercitada através da coerção psicológica. O poder dentro da nova ótica governamental é
baseado na aceitação da autoridade por aqueles que se submetem aos valores do sistema
normativo.
47
Esta forma de governar as mentalidades, ou governamentalidade para usar de um
termo foucaultiano, é uma racionalidade de governo da conduta da população que se utiliza
de tecnologias de poder que ao mesmo tempo individualizam e normalizam as pessoas,
tornando os indivíduos um elemento significativo para os interesses do Estado
(MARSHALL, 2000; PETERS, 2000).
Essa forma de governamentalidade, que é expressa nos currículos sob a forma de
cultura, visa transmitir aos novos membros dessa cultura (população escolar) a maneira de
constituir-se como pessoa/indivíduo dessa cultura. Baseado em uma análise foucaultiana,
Marshall (2000), argumenta que é pela relação entre o saber e o poder que se produz o
sujeito, pelo fato de serem objetivados determinados aspectos humanos. É essa objetivação
que torna possível a manipulação técnica dos indivíduos. Com isso a educação representa
um dispositivo pedagógico voltado à constituição ou transformação dos sujeitos, com o fim
de normalização e controle social. O sujeito produzido por esta relação de poder é atrelado
à lei e se reconhece em relação à lei/norma, ou seja, é um sujeito de governamento.
É através das políticas educacionais, concretizadas pelos professores, que a
produção dos sujeitos se efetiva. Diante disso, a concepção curricular e cultural dos
docentes será mediadora do seu discurso pedagógico. Dessa forma entendemos, portanto,
que o sujeito oriundo das práticas educativas serão, entre outros fatores, o reflexo e também
o resultado das concepções e dos significados dos currículos para os professores.
Em uma perspectiva pós-estruturalista, o currículo pode ser identificado como
fazendo parte de um território onde são produzidos significados, constituindo-se dessa
maneira como um dos espaços da concretização da política da identidade.
Embora a prescritividade faça parte da idéia de currículo e das práticas curriculares,
esta vem sofrendo uma série de oposições por parte de alguns autores, como Moreira
(2001) e Silva (2000), que rejeitam o entendimento do currículo como sendo um rol de
coisas a serem transmitidas e absorvidas com passividade. O currículo, na perspectiva
desses autores, estaria voltado ao tipo de indivíduo que queremos construir.
Na perspectiva pós-estruturalista, o currículo tem sido problematizado e enfatizado
na sua relação com a produção de identidades. Com isso temos que o currículo é um
elemento que realiza a seleção de conteúdos da cultura, com propósito específico: formar o
indivíduo. Neste processo de seleção cultural ocorrem disputas entre os que estão
48
envolvidos no processo educativo e que se constituem em jogos de força e poder. Portanto,
a seleção de conteúdos de um currículo não se apresenta de forma neutra e os interesses
representados no currículo nem sempre são os interesses da maioria, mas sim daqueles que,
através de relações de poder, conseguem ter representadas as suas concepções e projetos
educacionais.
O currículo em uma perspectiva pós-estruturalista constitui-se como um discurso
que representa uma vontade de poder, que determina rumos (cursos a serem seguidos) e
dispõe dos corpos (indivíduos) e de suas almas para submetê-los a interesses específicos.
Os discursos, segundo Foucault (2004, p.55), não podem ser tratados apenas como
um conjunto de signos que remetem a conteúdos e significações. Os discursos devem ser
vistos “como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam”. Com isso o
discurso pode ser identificado como sendo uma forma de poder, que cria também o objeto
de que fala, mais do que o designa.
As práticas discursivas podem ser entendidas como “um conjunto de regras
anônimas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época
e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de
exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2004, p.133). Com isso temos que o
enunciado é uma representação através de signos de uma existência específica, de um
objeto do qual se fala. Analisar os discursos não significa buscar atrás destes um
significado oculto, mas sim entender os sentidos expressos através das práticas discursivas.
A formação discursiva no entendimento de Fischer (2001, p.203) é sempre apoiada
nos princípios de dispersão e de repartição dos enunciados, descritos por Foucault em A
arqueologia do Saber. A formação discursiva define
o que pode e o que deve ser dito, dentro de determinado campo e de acordo com
certa posição que se ocupa neste campo. Ela funcionaria como uma “matriz de
sentido”, e os falantes nela se reconheceriam, porque as significações ali lhes
parecem óbvias, “naturais”. (grifos da autora)
Dessa forma, exercer a prática discursiva, segundo a referida autora, significa falar
baseado em determinadas regras, fundamentadas em relações que se dão no próprio
discurso.
49
A disseminação de idéias vinculadas ao modelo educacional e curricular das
competências, fez com que atores locais, da escola em estudo, passassem a proferir novos
discursos. Pela utilização, ainda que limitada, de novos conceitos por tais sujeitos fez com
que passassem a ocupar um outro lugar, numa relação de poder. Eram estes sujeitos,
defensores dos discursos oficiais, que determinavam o encaminhamento das alterações
curriculares.
Para Foucault (2003, p.10), “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca
coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o
com o poder.” Dessa forma, argumenta o autor, o discurso é também objeto de desejo, pelo
fato de não traduzir apenas as lutas e os sistemas de dominação, mas por representar aquilo
pelo qual se luta, “o poder pelo qual nos queremos apoderar” (ibidem).
O currículo atrelado a esta perspectiva pode ser significado como sendo uma forma
discursiva que tem como propósito a submissão dos interesses dos indivíduos às normas
determinadas/impostas por outros, no sentido de realizar um governamento
7
de sua
conduta, construindo/transformando os indivíduos em sujeitos normais, subordinados à
razão.
A representação, através da narrativa, pode ser entendida como um dispositivo da
modernidade utilizada para tornar administráveis os objetos dos quais se falam. Constituir o
indivíduo, torna-o governável em seu modo de ser e de agir. É uma estratégia discursiva
que permite a sua regulação e o seu controle, por parte de quem o descreve. Quem possui o
poder de descrever o outro possui também o poder de governá-lo, impondo a este os seus
significados. O currículo é um campo onde a constituição do outro, através da narrativa,
propicia que aquele que tem o poder de narrar tome a si próprio (ou suas significações)
como a referência, como a norma a ser seguida. O currículo passa a representar os códigos
normativos de uma determinada cultura que é ao mesmo tempo produzida e produtiva.
Nessa linha de pensamento, que reconhece o currículo como uma linguagem,
Sandra Corazza (2001), utilizando-se da teoria pós-estruturalista, define que o currículo
assim entendido é permeado por significantes, significados, conceitos, posições discursivas,
representações, invenções, etc. que são utilizados para produzir o(s) efeito(s) desejado(s).
7
O termo governamento refere-se a uma ação, ato ou efeito de governar, diferenciando o seu
significado de governo enquanto instância central do Estado Moderno. (Cf. Veiga-Neto, s.d.)
50
O currículo como linguagem apresenta-se de forma arbitrária pelo fato de ser uma
construção histórica e social. Os discursos presentes no currículo são formas específicas de
representar o mundo e de atribuir-lhe sentido. Com isso pode-se dizer que o discurso
curricular possui uma função construtiva daquilo que enuncia, construindo assim
representações de alunos, de professores, de perfis profissionais dos egressos, ou seja,
representa modos de ser sujeito.
Segundo Corazza (2001, p.11) “a linguagem de um currículo é tudo de que ele
dispõe para imputar alguma vontade aos outros”. O seu modo discursivo, desta maneira,
representado pela linguagem tem a função de não apenas representar o mundo, mas também
de fabricar este mundo e sua interpretação.
O currículo por esta concepção acaba produzindo idéias, práticas coletivas e
individuais, e sujeitos. O sujeito produzido por este currículo é sujeito “do” currículo e
sujeito “ao” currículo, uma vez que o discurso curricular o cria e o regula.
As análises da teoria pós-crítica do currículo, de acordo com Corazza (2001),
voltam-se ao exame das vicissitudes do desejo por um sujeito e da linguagem de um
currículo específico que busca criar este tipo de sujeito. Este exame, seguindo esta linha
teórica, permitiria elaborar saberes a seu respeito, porém não permitiria saber tudo, uma vez
que tais saberes representam, também, criações. Dessa forma, na teoria pós-crítica, a
pesquisa a respeito do currículo não formulará uma verdade absoluta, mas sim apenas
parcelas desta verdade, as quais estão impregnadas de condições históricas e políticas.
2.2 A materialização do currículo
A política curricular possui dois momentos de materialização: o texto curricular e a
prática educacional. O texto busca fixar a prática educacional definindo o projeto formativo
a ser desenvolvido e o conhecimento que é válido para ser repassado às gerações futuras. A
prática por sua vez (re)significa e converte o texto em outros textos (projetos e planos de
cursos) e em conhecimentos transmitidos e experenciados.
51
O processo de construção de um currículo pode ser caracterizado como sendo um
processo político que se evidencia tanto na definição do texto curricular como na sua
efetivação através da prática educacional.
2.2.1 Currículo como documento
As políticas curriculares revelam um conjunto de representações que são
construídas/significadas tendo como base conflitos, compromissos, negociações e
concessões, as quais são interpretadas na prática educacional nas instituições escolares,
através de seus agentes: professores e alunos (PARASKEVA, 199?).
O currículo como a expressão das intenções de uma política curricular que tem
como base os conflitos e compromissos, avanços e retrocessos, é expresso através de um
documento que pode ser entendido como texto e como discurso que tendem a uma prática
regulada de poder (PARASKEVA, 199?).
O currículo enquanto texto escrito constitui-se como valor legal que estabelece o
que deve ser ensinado nos específicos graus educacionais. Com isto expressa um conjunto
de opções e seleções realizadas no interior de uma cultura visando a sua sedimentação e
perpetuação cultural.
O documento curricular expressa um projeto desejável de sociedade e de cultura,
por isso acaba convertendo-se em um campo de batalhas no qual se evidenciam diversos
conflitos baseados em concepções diferentes de sociedade e cultura.
O texto curricular por estar exposto a uma pluralidade de leitores pode produzir uma
pluralidade de leituras que possibilitam diversas significações, as quais algumas vezes
seguem a mesma orientação defendida por seus criadores, e outras sofrem mutações,
voltando-se aos significados dos seus implementadores, distanciando-se das orientações
iniciais.
As orientações são discursos que através de seus enunciados significativos
expressam formalmente a maneira de pensar e agir e/ou as circunstâncias identificadas com
o currículo. O discurso contido no currículo é, sobretudo uma relação social de poder, visto
que a política curricular é fruto das disputas de interpretações na qual algumas vozes
52
conseguem impor-se perante as outras, conseguindo concretizar através do texto curricular,
os seus pensamentos e desejos, estabelecendo com isso a sua autoridade na seleção,
ordenamento e organização da cultura a ser transmitida. Ou como argumenta Paraskeva
(199?), o currículo é um texto aberto no qual somente alguns podem ter representados os
seus desejos.
As interpretações a respeito do texto curricular são reguladas através de aparatos
institucionais, para que a leitura e a implantação do currículo não se distancie da
interpretação e da significação dos seus elaboradores. Com isso as políticas curriculares em
seus processos de interpretação e reinterpretação não estão livres dos mecanismos do poder
instituído (PARASKEVA, 199?). As disputas que ocorrem em torno do currículo não
acontecem apenas relativas aos textos curriculares, mas também a sua concretização através
da prática educacional.
2.2.2 Currículo como prática
A análise do currículo em ação é apresentada por Oliveira e Destro (2003) como
sendo uma das alternativas de análise curricular às propostas hegemônicas oficiais, pelo
fato de tal currículo ser construído localmente.
O currículo em ação é aqui entendido como sendo a prática diária de educadores e
alunos, que em seu fazer pedagógico consolidam o currículo e projetos em meio a
constrangimentos de ordem material e institucional. Nesta interpretação curricular temos
que alguns elementos do currículo oficial podem perder centralidade e outros podem ser
adicionados ao currículo.
A teoria curricular é vista hoje em crise por alguns autores pelo fato da produção
teórica distanciar-se da realidade vivida nas salas de aula. O campo do currículo, nessa
perspectiva, incluiria também questões relacionadas à pedagogia e à avaliação, seguindo
dessa maneira a indicação feita por Bernstein (1980, apud. Moreira, 2001), que chama a
atenção para o fato de que currículo, avaliação e pedagogia formarem um todo e, portanto,
necessita ser tratado dessa forma (MOREIRA, 2001).
53
Buscando a superação da referida crise teórica, Moreira (2001) propõe que os
estudos referentes ao currículo passem a ter uma centralidade na prática, não se limitando a
sua prescrição, podendo configurar-se em uma abordagem contextualizada. E indo além, o
autor propõe que sejam realizadas investigações da prática curricular com os que nela
atuam, como sendo uma das maneiras de fornecer subsídios para a formulação de políticas
curriculares, favorecendo, com isso, a renovação da prática e proporcionando o avanço da
teoria.
Portanto, nesta pesquisa entende-se que a análise de política curricular não se
encerra com o sancionamento do texto curricular. Os posicionamentos dos professores,
alunos e gestores educacionais em suas práticas frente ao currículo escrito, e os significados
concretizados nas salas de aula também evidenciam uma parcela da constituição da política
curricular que se expande além dos textos regulamentares. A política curricular não se
esgota no texto curricular, ela tem seu campo de definição ampliado até a ação educacional,
na qual é feita a interpretação dos significados curriculares e a “tradução” do texto em
prática.
O termo currículo em ação é utilizado por Sacristán (1998) no sentido da práxis
educacional, que se apresenta como tendo uma função socializadora e cultural corporificada
em instituições educacionais, e que comumente chama-se de ensino. Para este autor, as
análises de currículos concretos só podem ser realizadas dentro do contexto em que se
configuram e através do qual se expressam em práticas educativas e em resultados.
Por isso, conceber o currículo como práxis significa também reconhecer que muitos
tipos de ações intervêm em sua configuração. É entender que o processo de constituição
curricular é feito em certas condições concretas, configuradas em relações/interações
culturais e sociais, que são construções não-naturais. É entender que a construção curricular
na prática não é independente de quem tem o poder de construí-la, seja de forma oficial ou
extra-oficial.
De acordo com Sacristán (1998), toda a prática pedagógica gravita em torno do
currículo, sendo a expressão da função social e cultural da instituição escolar. Já a
apreciação dos usos pedagógicos do currículo, segundo este autor, podem ser feitas com
maior clareza em momentos de mudanças.
54
O currículo adquire sentido concreto através das práticas pedagógicas que por sua
vez trazem consigo a influência de contextos que são produtos de tradições, valores e
crenças. Tais contextos tornam-se mais evidentes quando uma nova proposta metodológica
pretende instalar-se em certas condições já dadas. Com isso a renovação curricular não
depende exclusivamente de um plano estruturado, como o currículo escrito, pois este por si
só não é suficiente para provocar mudanças substanciais na realidade e no processo
educacional (SACRISTÁN, 1998).
O currículo escrito, como uma das formas de constituir sujeitos, tem como o
primeiro destinatário o próprio professor, que passa a ser concebido como sendo um dos
primeiros agentes transformadores do projeto cultural representado pelo currículo. Porém,
tais objetivos da administração, nem sempre logram êxito, pois as indicações/prescrições
administrativas possuem escasso valor na articulação da prática docente. Tais orientações
por mais detalhadas e específicas que sejam não conseguem limitar os objetivos
pedagógicos dos professores. A prática educacional vem constituir-se no local onde o
currículo se transforma em ensino e em método, ultrapassando os propósitos do próprio
currículo (SACRISTÁN, 1998).
Os significados de qualquer currículo, ou de qualquer proposta de mudança da
prática educativa , só pode ser comprovada na forma como se concretiza em situações reais.
Pelo pressuposto de Sacristán
“o currículo na ação é a última expressão de seu valor, pois, enfim, é na prática
que todo projeto, toda idéia, toda intenção, se faz realidade de uma forma ou
outra; se manifesta, adquire significação e valor, independentemente de
declarações e propósitos de partida. Às vezes, também, à margem das intenções, a
prática reflete pressupostos e valores muito diversos.” (SACRISTÁN, 1998,
p.201)
O processo político curricular pode ser entendido como sendo o resultado da
combinação de métodos administrativos, de condicionantes históricos e de disputas
políticas referentes ao acesso à participação em tal processo. Por este postulado, Oliveira e
Destro (2003, p.11) argumentam, baseadas em Bowe e Ball (1992)
8
, que “[...] a política
8
BOWE, R. & BALL, S. Reforming Education & Changing Schools. Case studies in policy
sociology. London/Ny: Routlide, 1992.
55
curricular não é imposta, uma vez que seus textos são constantemente contextualizados e
recontextualizados de modo subversivo no momento da implantação”. Dessa forma não
haveria uma linearidade no processo de elaboração e implantação da política curricular
nacional devido ao fato desta ser sempre passível de modificação locais.
A existência de disputas na aplicação do currículo como ordenador das práticas
pedagógicas permite o entendimento de política curricular como sendo construída em
diferentes instâncias de poder, o que propicia que se enfatize, também, a sua construção nas
instituições escolares.
2.3 O modelo das competências: da produção ao currículo
O conceito de competência invadiu na contemporaneidade a área educacional e
curricular, trazendo da área da produção uma nova lógica organizativa. Com isso os
objetivos curriculares são significados por um novo discurso: o das competências
profissionais. Buscando apresentar alguns elementos que auxiliem na compreensão do
surgimento e da expansão do conceito de competências, apresenta-se nesta seção a análise
dos significados que tal termo representa no mundo da produção e da sua adaptação e
sentidos produzidos no mundo da educação.
O surgimento do conceito de competência como orientador de práticas ocorre
primeiro no campo da produção, juntamente com a emergência dos novos padrões
produtivos do mundo globalizado para os quais o diploma passa a ser questionado por não
garantir a competência, embora seja um indicador de qualificação usado para manter o
status e para garantir a remuneração básica do trabalhador.
A transformação dos padrões produtivos tem reflexos nas exigências de formação
do trabalhador. Surge com a competência a valorização da subjetividade e do saber tácito
do trabalhador, atreladas a outras capacidades tais como o pensamento abstrato, a
capacidade de comunicar-se, organizar-se em equipes, liderar e tomar decisões.
Zarifian (2001) relata que a expressão modelo de competências surgiu em estudo
relacionado à gestão de recursos humanos na indústria moveleira européia em meados da
década de 1980, na qual a avaliação do trabalhador pela empresa é feita passando da
56
“solicitação do corpo à solicitação do cérebro” (op. cit. p.21), abandonando a classificação
categorizada e homogênea da mão-de-obra, possibilitando a valorização de características
específicas de cada trabalhador, evidenciadas nas rápidas mutações técnico-produtivas.
A competência apresenta-se nas mudanças da organização do trabalho através de
dois elementos. Primeiro, seria um deslocamento da prescrição, no qual os trabalhadores
passam a participar das decisões de como e porque atingir determinados objetivos
previstos, na qual a competência é caracterizada como sendo uma tomada de iniciativa.
Segundo, a competência passa a ser assumida pelo coletivo, embora dependa das
competências individuais. Através da competência seria desenvolvida a polivalência que
permite a flexibilidade da organização do trabalho. (ZARIFIAN, 2001).
A competência é definida por este autor como sendo “... uma combinação de
conhecimentos, de saber fazer, de experiências e comportamentos que se exerce em um
contexto preciso”. (ZARIFIAN, 2001, p.66). Ou ainda é o “... tomar iniciativa, é o assumir
responsabilidade do indivíduo diante de situações com as quais se depara” (ZARIFIAN,
2001, p.68).
Já Ropé e Tanguy (1997, p.16) definem competência como sendo “... um atributo
que só pode ser apreciado e avaliado em uma situação dada”. Para Tanguy (1997) a
utilização do conceito de competências na redefinição dos conteúdos do ensino visa a
atribuição de sentido aos saberes escolares.
Stroobants (1997, p.142) baseada em Mandon (1990) compreende competência
voltada a uma mobilização de conhecimentos e qualidades para a solução de problemas,
evidenciando que a competência demonstra-se de modo contextualizado. As competências
mobilizadas seriam expressas através do trio: saber, saber fazer e saber ser.
Para Ropé e Tanguy (1997) a utilização do conceito de competência evidencia uma
centralização sobre os indivíduos, tanto na formação quanto no desempenho profissional.
Perrenoud (1999, p.7) reconhece que o termo competência possui múltiplos
significados, porém o define como sendo “... uma capacidade de agir eficazmente em um
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.” Ou
ainda, como sendo uma “... capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar um
tipo de situações” (PERRENOUD, 2000, p.15). De acordo com este autor todo o saber
fazer é uma competência, porém a competência pode apresentar-se de forma mais
57
complexa, aberta e flexível do que um saber fazer, podendo, também, estar mais
relacionada com conhecimentos teóricos.
A noção de competência tende a descentrar outras noções que prevaleciam até
então, tais como a dos saberes e conhecimentos em educação, ou a de qualificação, no
âmbito do trabalho e a de objetivos no campo do currículo. As noções até então vigentes
não desapareceriam, mas perderiam a sua posição de centralidade, assumindo outras
conotações. Essa é a posição de Ramos (2001) quando diz existir uma relação entre
competência e qualificação. A noção de qualificação sofre um deslocamento conceitual,
tendo algumas das características afirmadas e outras negadas pelo conceito de competência.
O conceito de competência surge no campo educacional e especificamente no
campo do currículo, segundo Paraskeva (2005) quando o conceito de objetivos do currículo
começa a perder força e significado.
Segundo Macedo (2002) o conceito de competência nas reformas curriculares dos
anos 90 no Brasil tem como base duas vertentes teóricas: a cognitivo-construtivista e a
comportamental.
Na primeira vertente a competência é relacionada à mobilização de conhecimentos
para a resolução de novos acontecimentos. Tal concepção volta-se a um saber-fazer, porém
não se limita a este sendo mais complexa, aberta e flexível (MACEDO, 2002). Por esta
linha teórica o currículo por competência visa desenvolver no aluno um conjunto de
desempenhos, que são caracterizados no texto curricular como ações observáveis.
Para Macedo 2002 (p.121) a noção de competência traz como “corolário o hiato
entre competência e desempenho, transformando aquela em condição para este”. Com isso
a avaliação ganha destaque nesse novo modelo educacional. Nesse sentido Ropé (1997)
afirma que a noção de competência se impôs na escola francesa essencialmente por meio da
avaliação.
Esta concepção de competência, voltada ao desempenho ou à solução de problemas
é também a defendida por Zarifian (2001) quando este se reporta a eventos que surgem no
processo produtivo e que devem ser solucionados pelos trabalhadores. Observa-se com isso
que o conceito de competência vem da área da produção, na qual orienta os requisitos para
o ingresso e/ou manutenção do trabalhador em uma função produtiva, para a área
educacional, na qual passa a orientar os requisitos para a formação do futuro trabalhador.
58
Esta vertente teórica cognitivo-construtivista é orientada pela tradição francesa da
construção curricular. Por esta concepção o conhecimento será construído por
competências, as quais não se limitam estritamente ao plano teórico ou prático, sendo
voltadas a uma forma de atuação, na qual os sujeitos estabelecem relações entre novos e
antigos conhecimentos.
Nessa concepção teórica as competências são expressas nos documentos oficiais
brasileiros como sendo uma forma de comportamento observável, dessa forma assumem na
organização curricular um papel semelhante aos objetivos comportamentais (MACEDO,
2002).
Por sua vez a outra vertente teórica, a comportamental, é baseada na tradição
curricular americana, orientada por tarefas e objetivos mensuráveis. Com isso o currículo
por competência evidencia uma forte relação entre o currículo e os comportamentos
terminais mensuráveis, baseados no modelo curricular de Tyler
9
.
A inovação do currículo quanto às competências/comportamentos é que estas são
formadas por diversas habilidades que não se limitam somente às habilidades cognitivas do
modelo curricular tradicional, incluindo novas habilidades afetivas e psicomotoras, as quais
são valorizadas no mundo do trabalho por proporcionarem um melhor desempenho do
trabalhador, que se reverte em maior produção e conseqüentemente em maior lucro.
De acordo com Macedo (2002) os currículos por competência, produtos da
contemporaneidade, têm aspectos tanto dos processos de legitimação do saber, como das
formas de produção do capitalismo avançado. Com isso a noção de competência utilizada
pela educação tem marcante ligação entre currículo, avaliação e mercado de trabalho.
Diante do ecletismo da definição de conceitos de competência, pode-se concluir que
o termo não possui um significado consensual entre as diversas áreas que o utilizam, o que
dificulta em parte a sua análise em um campo específico, como por exemplo o da educação.
Porém, para o prosseguimento deste trabalho adota-se competência como uma propriedade
individual que mobiliza saberes (conhecimentos e comportamentos) sendo evidenciada em
uma ação em um contexto específico.
9
Ralph W. Tyler em seu livro Princípios Básicos de Currículo e Ensino, argumenta que o currículo é
composto pelos seguintes princípios: definição de objetivos; práticas ou experiências de aprendizagem; e
avaliação.
59
O conceito de competências ao invadir a área educacional e curricular produziu
neste campo uma multiplicidade de significados, que por mesclarem-se com conceitos
existentes, deu origem a formas curriculares híbridas. As políticas curriculares oficiais da
educação profissional de nível técnico, baseadas na noção de competência, vieram inverter
a lógica tradicional de organização curricular, baseada em disciplinas obrigatórias e suas
cargas horárias, por uma outra lógica que parte do perfil do profissional (trabalhador)
desejado, composto por suas competências chaves, para a definição dos conhecimentos
necessários para tal.
A estrutura disciplinar do currículo sofreu um forte impacto através do discurso
oficial do currículo por competência, uma vez que para o desenvolvimento de uma
competência são necessários diversos conhecimentos, os quais no sistema disciplinar eram
distribuídos em disciplinas especializadas. Dessa forma a organização curricular por
competências, proposta pelo MEC, seleciona e organizava os conhecimentos sem referência
explícita às disciplinas escolares e, ao mesmo tempo, argumentava que a
interdisciplinaridade e a transversalidade deveriam estar presentes como orientadores da
organização curricular.
Como o currículo é o resultado de um processo de disputas e negociações, traz em si
as marcas das resistências das relações de poder que definem, também, o conteúdo do
currículo. Portanto, currículo por competências pode ser entendido como um híbrido que
abriga diferentes teorias, mas que no caso aqui estudado, referente à educação profissional,
não substituiu o arcabouço do modelo curricular tradicional disciplinar e incorporou a este
a seleção dos conhecimentos baseada em perfis de conclusão que fossem comportamentos
observáveis e mensuráveis, valorizados pelo mundo do trabalho.
Como argumenta Lopes (2005) as mesclas entre currículo por competências e
disciplinar são exemplos de construções híbridas, os quais não podem ser entendidos pelo
princípio da contradição.
A hibridação é um conceito que vem para a área do currículo a partir do sociólogo e
antropólogo da cultura Néstor García Canclini e é um processo que pesquisadores como
Lopes (2004, 2005), Dias (2002), Ball (2001) entre outros tem defendido como apropriado
para representar as mesclas existentes entre campos teóricos e práticos diferentes.
60
O conceito de hibridação defendido por Canclini (s.d.) está relacionado a processos
sócio-culturais, nos quais estruturas ou práticas discretas, que existam de formas separadas,
se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.
A hibridação, como argumenta Canclini (s.d.), ocorre de modo não planejado ou é o
resultado imprevisto de uma série de processos culturais, aos quais acrescentamos os de
elaboração curricular. A hibridação é fruto da criatividade particular e coletiva que busca
reconverter algo que é tido como um patrimônio (como por exemplo os currículos
tradicionais) para reinseri-los em novas condições de produção e mercado.
Concordamos com o referido autor que a palavra hibridação apresenta-se de forma
maleável para nomear as mesclas as quais se relacionam com produtos das tecnologias
avançadas e processos sociais modernos e pós-modernos, tornando-se um conceito
apropriado para explicar o processo de elaboração e construção curricular aqui estudado.
2.4 O currículo focalizado pela pesquisa
A construção curricular é um processo complexo que envolve diferentes instâncias
na sua definição. O Estado, os gestores escolares, os professores e os alunos são sujeitos
que buscam a sua representação dentro dos textos e/ou práticas curriculares.
Embora o currículo abranja um leque amplo de instâncias de poder desde a sua
elaboração nas instâncias superiores do Estado até a sua efetivação na prática, para fins da
análise proposta por este estudo, faremos um corte, contemplando apenas a sua elaboração
como texto oficial produzido localmente, no caso específico no CEFET-RS. Com isso não
estamos relegando a um segundo plano a sua efetivação como currículo em ação e as
relações de poder envolvidas, mas sim apenas limitando o campo de estudo para
atendermos aos prazos estipulados a este estudo.
Privilegia-se na análise a categoria de currículo entendido como política curricular
mediada por confrontos, que constituem o currículo como um território contestado.
Entende-se que os mecanismos de poder utilizados pelos agentes das elaborações
curriculares, tanto em termos globais como locais, constituem-se basicamente sob a forma
61
de discursos, textuais ou não, que buscam limitar o campo de ação dos outros, fixando o
sentido que deva ser entendido/seguido por aqueles que se baseiam no currículo para
efetivar a educação enquanto prática. Tais discursos muitas vezes constroem os objetos de
que falam, e são um mecanismo de poder que permeia toda a elaboração do texto curricular
oficial.
O poder envolvido nos processos de elaboração dos textos curriculares é concebido
como uma força de influência que não é centrada nem no Estado (visão global) e nem nos
agentes da escola (visão local). O poder constitui-se na forma de uma rede na qual
múltiplos elementos/sentidos são relacionados para as definições curriculares.
Neste estudo busca-se compreender como, no processo de elaboração curricular
realizado localmente, diferentes agentes (locais ou não) influenciam nas significações e nos
sentidos dados aos textos curriculares. Com isso procura-se dar evidência às negociações
que foram realizadas na elaboração dos planos curriculares; ao tipo de currículo resultante
deste processo; ao processo de participação dos diferentes agentes no processo de
elaboração dos currículos escritos; e aos fatores que interferiram/mediaram a efetivação da
proposta curricular oficial da pedagogia das competências.
Entende-se que com esta abordagem acerca da elaboração local do currículo abram-
se novas possibilidades de análise que evidenciem que o currículo escrito nada mais é do
que uma das representações provisórias possíveis de um processo de disputa acerca do
conhecimento válido a ser transmitido às gerações futuras, construídas mediante relações de
poder.
3 A REESTRUTURAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL
TÉCNICO NO
BRASIL - A PROPOSTA CURRICULAR OFICIAL E SUAS
CRÍTICAS
Este capítulo trata essencialmente dos processos de alteração educacional que
atingiram a educação profissional nacional, dando ênfase às suas transformações na última
década do século XX, especificamente com a efetivação do Decreto 2.208/97 e de suas
legislações complementares. Busca-se com isto situar o leitor em relação às diretrizes
traçadas pelo governo brasileiro no tocante à educação profissional, e em particular a de
nível técnico. Partir da análise do texto oficial que rege os currículos desta modalidade
educacional, não significa estar privilegiando uma supremacia do Estado na definição da
política curricular, no sentido global-local, mas sim apenas tomá-la como ponto de
referência para posteriormente, nos próximos capítulos, partir para uma análise mais
detalhada de sua constituição local e das disputas que permearam as construções
curriculares no Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS, que
tiveram o modelo das competências, proposto pelo governo, como um guia para a sua
elaboração curricular.
A intenção deste capítulo não é fazer uma análise histórica plena da educação
profissional brasileira em diferentes momentos ou de suas relações com os contextos
políticos, econômicos e sociais de cada época, matéria que pesquisadores como Cunha
(2000, 2004), Bello (s.d.) e Manfredi (2002), entre outros, tão bem abordam em suas
pesquisas. A abordagem histórica deste trabalho enfocará as principais alterações
relacionadas à educação profissional de nível técnico ocorridas no Brasil pós Decreto
2.208/97, com isto procura-se destacar as principais características curriculares oficiais
orientadoras do modelo educacional por competências profissionais, que rege esta
modalidade de educação no período de realização do estudo.
63
Busca-se, com a exposição do texto curricular oficial, mostrar que embora suas
orientações marquem o caminho a ser seguido, não conseguem impor seus sentidos em
todas as instâncias em que o currículo é definido.
As alterações educacionais e curriculares provocadas pelo modelo das
competências, são também problematizadas neste capítulo apresentando-se algumas
considerações traçadas por autores que se dedicam a este tema. Com isso busca-se
evidenciar o panorama de disputas sob o qual a reestruturação da educação profissional
brasileira desenvolveu-se.
Nas análises recorrentes sob o tema das alterações educacionais e curriculares não
existe uma maior preocupação com os termos utilizados para referirem-se a estas, o que
acabam, causando um certo embaraço quanto a sua significação. Termos como reforma e
reestruturação, usuais nas análises de políticas educacionais e curriculares, são ao final
deste capítulo, problematizados quanto a sua utilização para referir as alterações da
educação profissional, de forma a contemplar as múltiplas vozes que formam o discurso
acerca das definições curriculares da educação profissional de nível técnico.
As análises acerca da educação profissional brasileira e das suas construções
curriculares ao longo de sua história evidenciam tratamentos, que privilegiam os atos
governamentais definidos centralizadamente ao longo dos tempos, ditando desta forma as
interpretações acerca da especificidade deste tipo de educação. O Estado é destacado nas
análises desde a implantação da formação de artífices no início do século XX, vindo até os
dias atuais, nos quais este tipo de educação apresenta novas características/exigências de
acordo com as alterações dos processos produtivos e econômicos.
O fato de o Estado ter se sobressaído nas análises correntes acerca das definições
educacionais como instância privilegiada do exercício de poder é devido à relevância que
na modernidade o Estado tem tido como um dos grandes aparatos do exercício do poder,
tendo muito mais visibilidade do que outros aparatos mais sutis. Porém, isto não significa
que nas sociedades contemporâneas o Estado seja visto como a forma mais específica de
exercício de poder, pelo fato de que o poder não é algo que seja propriedade de um único
sujeito ou instituição.
O poder não é inato ao Estado, estando presente em diversos níveis da sociedade. O
próprio Foucault (1995) já argumentava que uma sociedade sem relações de poder somente
64
poderia ser considerada como uma abstração. Privilegiando tal perspectiva, de acordo com
Maia (1995), o Estado, na analítica do poder, parece perder uma certa prerrogativa que até
então as análises políticas lhe tinham garantido. Não é mais percebido como o foco
originário das relações de poder, tendo seu papel redimensionado.
As análises de políticas curriculares, que tenham como foco de observação as
relações de poder, não podem ser feitas unicamente baseadas no Estado. Parafraseando
Maia (1995) entender-se tal concepção analítica não significa dizer que o Estado não seja
importante agente das definições curriculares, mas sim que as relações de poder e a sua
análise estendem-se além dos limites do Estado.
O poder, para as análises de políticas curriculares, não deve ser pensado
fundamentalmente como sendo emanado de um ponto central (identificado com o Estado),
mas sim deve ser compreendido como sendo exercido dinamicamente em rede. Esta rede
envolve todo o corpo social, articulando e integrando os diferentes focos de poder que se
apóiam uns nos outros. Dessa forma as relações de poder na sociedade contemporânea
existem fora do Estado e não podem ser analisadas em termos de soberania, de proibição ou
de imposição de uma lei, ou seja, não podem ser percebidas como projeção do poder do
Estado (MAIA, 1995).
Analisar políticas educacionais e/ou curriculares partindo da premissa do Estado
como centro do poder significaria continuar situando-o em termos de soberano frente às
relações de poder que permeiam todas as práticas sociais e educacionais. Tal abordagem
não privilegiaria a analítica de poder na sua constituição local, em campos e discursos
específicos de determinadas épocas, como, por exemplo, o da construção dos currículos
baseados em competências profissionais na educação profissional brasileira de nível
técnico, realizada pelas escolas e seus agentes.
A analítica do poder proposta por este trabalho busca dar visibilidade aos diferentes
mecanismos, táticas e estratégias empregados nas relações de poder, engendradas nas
disputas em torno das definições curriculares, e que operam também localmente. Para tal
análise não é necessário definir a gênese do poder, mas sim analisar como este poder opera.
Nesta ótica, de acordo com Maia (1995), o poder deve ser analisado menos em termos
legais (jurídicos e proibitivos) e mais como técnicas e estratégias com efeitos produtivos.
65
Nas palavras do próprio Foucault em Vigiar e Punir (1977, p.172), “o poder produz
realidade, produz campos de objetos e rituais de verdade”. O discurso presente no texto
oficial da educação profissional acaba construindo o próprio objeto, criando com isso
efeitos de verdade que tornam difícil uma leitura sem considerar o regime de verdade
apresentado, o que busca retirar do questionamento os objetos assim construídos. Esta
estratégia discursiva é denunciada também por Sacristán (1998) que salienta que os ideais
positivos utilizados na linguagem das reformas, utilizam princípios com os quais é fácil
estar de acordo, e com isto constroem o objeto do que falam baseados em efeitos de
verdade. Neste sentido Frigotto (1996) acrescenta também que a construção de verdades,
voltadas a um ideário favorável à ideologia neoliberal, restringe quaisquer outras
alternativas para o mundo a não ser a de se ajustar à reestruturação produtiva da
globalização.
Nessa perspectiva construtiva do poder passamos à análise da proposta oficial, que
visa produzir uma realidade acerca da educação profissional e de seus currículos,
produzindo através do seu discurso os objetos de que fala, constituindo-os sob a forma de
rituais de verdade.
3.1 A educação profissional na legislação
A alteração da educação profissional brasileira que interessa a este estudo começa a
tomar forma a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Porém o início
formal do processo reformatório é corporificado com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) em 1996, que vem regulamentar a Constituição. Com a
LDBEN é apresentada uma série de inovações relacionadas à área da educação profissional,
as quais irão se refletir, em última análise, na construção dos currículos dos cursos técnicos.
A partir da LDBEN o governo brasileiro adotou uma série de medidas legais
visando a regulamentação da mesma. Entre os mecanismos legais que o governo utilizou
destacaram-se decretos, portarias, pareceres e resoluções, que se voltavam a definir e/ou
esclarecer os preceitos relativos à alteração da educação profissional. Tal prática legislativa
66
é uma estratégia de poder utilizada pelo Estado brasileiro na busca da definição de políticas
educacionais voltadas à formação do trabalhador ao longo do século XX.
Tais mecanismos legislativos têm como objetivo a fixação do sentido dado pelo
Estado à educação profissional. É um dos mecanismos de poder utilizados como forma de
não deixar que os significados da política proposta pelo Estado escape de seu controle e
seja (re)significada de forma diferente por outros sujeitos que venham a fazer interpretações
da legislação. Porém, tais mecanismos de poder embora tentem estipular o sentido correto
de tais políticas, estas serão interpretadas pelos sujeitos locais que as implementarão. Tais
interpretações podem ser no sentido desejado pelo Estado, ou podem ter um significado
contrário a este, constituindo-se como uma forma de resistência e de disputa de poder.
De acordo com SILVA (2001) as reformulações que ocorreram na educação
brasileira após a promulgação da constituição de 1988 foram voltadas a um modelo
educacional baseado pela racionalidade de custos, que teve como conseqüência a limitação
ao acesso ao saber científico, elitizando, dessa forma, o conhecimento científico.
As reformulações do antigo ensino técnico profissionalizante começaram a ser
engendradas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso em 1996, com a primeira versão
do que se convencionou chamar de Reforma do Ensino Técnico, corporificada no Projeto
de Lei 1.603 (PL 1.603/96). Este documento trazia em seu bojo, implicitamente, a extinção
do ensino técnico de nível médio. Tal documento, mesmo sob protestos e repúdio das
instituições de educação profissional ligadas à rede federal, e de sua retirada da pauta de
votação do Congresso Nacional, veio a tornar-se, após a aprovação da LDBEN, o texto
base para a elaboração do Decreto 2.208/97 e de suas legislações complementares no
tocante à educação profissional.
Tais reformulações trazem à tona novamente a dualidade na organização da
educação profissional, que volta a ser destinada à preparação para o trabalho, enquanto o
ensino médio, propedêutico, destina-se à continuidade de estudos em nível superior
(NEVES, 2000).
67
3.1.1 O retorno da dualidade
Com as mudanças técnico-organizacionais trazidas com os novos modelos
produtivos de acumulação capitalista, principalmente os de acumulação flexível que
ganham força nas últimas décadas do século XX, passam a existir tensões entre o sistema
educacional e as novas necessidades de educação para o trabalho. No Brasil, tais demandas
questionam a estrutura educacional vigente e faz emergir, na segunda metade da década de
1990, debates a respeito da reestruturação da educação e da especificidade da educação
profissional. Este processo resultou na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), lei 9.394 de 23 de dezembro de 1996, a qual apresenta uma concepção
profissionalizante do ensino médio, que visa ainda a “preparação para o trabalho”, porém
não adota a forma compulsória de profissionalização da Lei de Diretrizes e Bases para o
ensino de 1
o
e 2
o
graus (LDB), lei 5692/71, que até então regia a educação profissional de
nível médio.
Pela LDBEN de 1996, a profissionalização do ensino médio visa desenvolver a
capacidade de “se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento posteriores” (Brasil, 2001, LBD, item II). Embora o ensino médio tenha
sido concebido visando propiciar a compreensão dos fundamentos científicos e
tecnológicos dos processos produtivos modernos, não é esta modalidade de ensino que irá
preparar os trabalhadores para atuarem em tal processo produtivo. Esta tarefa é função
básica da educação profissional, que, pela LDBEN, passa a ser configurada como uma
modalidade à parte dos sistemas de ensino. Esta modalidade educacional, embora tenha
sido ampliada, sendo considerada educação ao invés de ensino, constitui-se via Decreto
2.208/97 como uma modalidade paralela ao sistema educacional, com objetivos
explicitamente profissionais enquanto o ensino médio apresenta objetivos com pretensões
profissionalizantes.
A estrutura do sistema educacional brasileiro passa a ser composta pela educação
básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e educação superior. A
concepção de articulação da educação profissional com o ensino regular marca o processo
68
de dualidade do sistema que agora passa a ter organização curricular autônoma e
independente de outros níveis educacionais.
A educação profissional, orientada pelo Decreto 2.208/97, passa a ser composta por
três níveis: básico, técnico e tecnológico. O nível básico, não sujeito a regulamentações
curriculares, destina-se à qualificação, requalificação e reprofissionalização de
trabalhadores e independe de escolarização. O nível técnico, com organização curricular
própria e independente do ensino médio, destina-se à preparação/formação de egressos ou
matriculados no ensino médio. O ensino tecnológico, com organização baseada na
legislação dos cursos superiores, destina-se aos egressos do ensino médio e do técnico.
Especificamente a organização curricular da educação profissional de nível técnico
passa a ser composta através de módulos com terminalidades, a qual confere um certificado
de qualificação profissional que permite que o trabalhador ingresse rapidamente no
mercado de trabalho, desonerando o Estado de fornecer-lhe formação completa nesta
modalidade de ensino, bem como lhe isenta da necessidade de oferecimento de vaga no
ensino superior. Verifica-se que os ideais da LDB (lei 5.692/71), que trouxeram a
profissionalização compulsória como alternativa ao ensino superior, agora são reeditados
sob um novo prisma, atingindo apenas a educação profissional de nível técnico. A educação
profissional configura-se novamente como alternativa para aqueles que não têm condições
de continuar seus estudos no nível superior.
Esta reestruturação da educação profissional apresenta como objetivo principal a
melhoria da oferta e a adequação às novas exigências/demandas econômicas e sociais de
uma sociedade globalizada que apresenta novos padrões de produtividade e
competitividade (MANFREDI, 2002). Dessa forma, a modernização do ensino buscaria
acompanhar os avanços tecnológicos e atender às demandas do mercado de trabalho que,
pelas novas formas produtivas, exigem do trabalhador flexibilidade, qualidade e
produtividade.
A educação volta-se agora ao invés do emprego à adaptação do trabalhador ao novo
modelo produtivo, que diminui postos de trabalho e as ocupações existentes não mais são
baseadas nos princípios de emprego estável, dominante no modelo produtivo anterior. O
trabalhador deve tornar-se apto ou competente por seus próprios meios, bem como obter
uma forma própria de sustento, ficando o Estado, baseado em novas formas
69
administrativas, desobrigado e desresponsabilizado pela geração de emprego. Com isso a
educação profissional passa a ser voltada/orientada para a preparação de competências para
o trabalho.
Por ser esta reestruturação a que regulamenta o oferecimento dos cursos de
educação profissional de nível técnico e normatiza a competência profissional orientadora
do currículo escolar vigente, o qual pretendemos estudar nesta pesquisa, aprofundaremos
sua análise na próxima seção.
3.1.2 As definições curriculares oficiais
As orientações oficiais acerca do currículo da educação profissional após a
aprovação da LDBEN e expedição do Decreto 2.208 tiveram um caráter inicial de pouca
especificidade, sendo complementadas através das Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs.) e pelos Referenciais Curriculares Nacionais (RCNs.), para a educação profissional
de nível técnico. A única certeza na legislação a respeito da construção curricular deste tipo
de educação é que ela deveria ser realizada de forma independente do ensino médio.
A definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
Nível Técnico, mandatárias para esta modalidade de educação, é feita através da Resolução
da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação - Resolução CNE/CEB
04/99, de 26 de novembro de 1999 - que por sua vez baseia-se no Parecer CNE/CEB 16/99
de 05 de outubro de 1999.
Por esta legislação a elaboração de currículos dos cursos técnicos profissionais será
orientada por duas características principais: currículos baseados em competências
profissionais e organizados pelas próprias escolas.
As diretrizes curriculares, por definição oficial, são entendidas como sendo
um conjunto articulado de princípios, critérios, definição de competências
profissionais gerais do técnico por área profissional e procedimentos a serem
observados pelos sistemas de ensino e pelas escolas na organização e no
planejamento da educação profissional de nível técnico. (BRASIL, 2001, Parecer
CNE/CEB 16/99, p.100)
70
Tais diretrizes curriculares, voltadas às exigências do mundo do trabalho, buscariam
desenvolver, através dos currículos escolares, novas competências profissionais as quais,
segundo o texto legal, permitiriam ao trabalhador manter-se produtivo e inserido no
processo de produção. Nessa visão, justifica-se que tais exigências produtivas estariam
relacionadas a uma maior complexidade de tarefas e operações, as quais, pelas
transformações do processo produtivo baseado em novas tecnologias, forçam a educação a
apresentar uma adequação ao novo modelo produtivo.
O governo apresenta junto à definição das novas diretrizes curriculares uma análise
da formação curricular da educação profissional. Segundo o discurso oficial até meados de
1970 este tipo de educação estava limitado ao treinamento para a produção padronizada em
série. Para atender a este tipo de demanda era necessário apenas que uma minoria de
trabalhadores apresentasse competências de maior complexidade, devido ao fato da
separação entre planejamento e execução.
Já as mudanças estruturais que ocorreram a partir de 1980 no mundo do trabalho,
constituídas por novas formas de organização e gestão, por sua vez apresentariam novas
exigências à educação e ao trabalhador. Com isso o governo cria, uma educação
profissional defasada que gera egressos não adequados para a inserção no mundo
produtivo. Dessa forma constitui a educação profissional como sendo alvo de modificações
para adequá-la a sua função social de formação de trabalhadores competentes.
Educação geral com bases sólidas é apresentada pelo governo como sendo uma
exigência atual para todos os trabalhadores. Embora o discurso esteja nesse sentido, a
prática governista referente à educação para o trabalhador é posta em prática separando a
educação profissional da educação geral.
A adequação do currículo, através das diretrizes curriculares nacionais, para a
tendência do mundo do trabalho é um dos principais destaques apresentados como
justificativa oficial para a implantação das alterações educacionais. A formação ou
qualificação oferecida pelos cursos técnicos, agora, segundo o governo, estaria baseada na
vida produtiva, e os conhecimentos desenvolvidos pela educação profissional deveriam
basear-se em uma educação básica consistente, para que dessa forma a educação
profissional possa preparar o cidadão para o trabalho com competências mais adequadas às
demandas de um mercado de trabalho em constante mutação.
71
O perfil do profissional exigido agora pelo mercado de trabalho, apresentado pelo
Parecer CNE/CEB 16/99, é baseado em profissionais polivalentes e capazes de interagir em
novas situações apresentadas pelas novas formas produtivas. Para o atendimento com
qualidade desta demanda do mercado as escolas e instituições de educação profissional
deveriam diversificar seus programas e cursos profissionais, para dessa forma apresentar
respostas aos desafios impostos pelo mercado. O perfil do profissional de hoje não se
baseia somente na destreza manual, pois além dessa são necessárias novas competências
tais como a inovação, a criatividade, o trabalho em equipe, a autonomia em tomada de
decisões, que pelos novos modelos produtivos são mediadas pelas novas tecnologias da
informação.
A educação profissional, nesta nova concepção, é apresentada pelo governo como
voltada a superar a formação profissional para a execução de apenas um tipo de tarefa,
requerendo a compreensão global do processo produtivo, além do domínio operacional de
um determinado fazer. Porém, uma das principais características da reestruturação da
educação profissional foi a sua separação do ensino médio, demonstrando com isso as
desconexões entre os discursos oficiais e sua efetivação como política. A polissemia dos
textos oficiais evidencia o fato destes serem formados por um multiplicidade de vozes que
buscam a sua representação, constituindo-se como atributo principal deste tipo de
legislação, que permite múltiplas interpretações.
O discurso oficial acerca da formação do trabalhador evidencia claramente esta
disputa entre os pressupostos do texto oficial, pois se por um lado prega que o mercado
necessita de profissionais melhor preparados, com maior conhecimento, por outro propõe
que a formação do trabalhador seja baseada na dualidade educacional. Evidencia-se com
isso que na legislação que busca limitar sentidos acerca das definições educacionais e
curriculares existem relações de poder, que disputam a representação de suas concepções
ao nível da política, enquanto instância de governo.
Segundo o Parecer CNE/CEB 16/99 a educação profissional deixa de possuir um
caráter assistencialista e economicista deste tipo de ensino, o que por sua vez é visto pelo
governo como um preconceito social que visava a sua desvalorização, passando a ser
organizada por um "... estatuto moderno e atual, tanto no que se refere à sua importância
72
para o desenvolvimento econômico e social, quanto na sua relação com os níveis de
educação escolar" (BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 16/99, p.111).
A reorganização curricular, proposta pelo documento oficial, começa com a
reorganização das habilitações profissionais, através de áreas profissionais. Isto atenderia
ao novo padrão do técnico, exigido pelo mercado, que precisaria possuir competência para
transitar com maior desenvoltura, atendendo a várias demandas de uma área profissional,
não mais se restringindo a uma habilitação que fosse vinculada especificamente a um posto
de trabalho.
Nesse sentido as alterações ocorridas no mundo do trabalho exigiriam "... a
superação das qualificações restritas às exigências de postos de trabalho delimitados, o que
determina a emergência de um novo modelo de educação profissional centrado em
competências profissionais por área" (BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 16/99, p.113).
Caberia à educação, de acordo com este pressuposto, formar o profissional com um
perfil que contemplasse uma maior capacidade de raciocínio, autonomia intelectual,
pensamento crítico, iniciativa própria, espírito empreendedor e capacidade de visualização
e resolução de problemas.
De acordo com a posição oficial, a educação profissional possui por objetivo a
garantia do direito do cidadão ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida
produtiva e social. Sendo que esta modalidade de ensino passa a ser vista como sendo
integrada a diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia.
3.1.3 Os princípios orientadores do currículo oficial
A educação nacional deve reger-se pelos princípios definidos pela Constituição
Federal e pela LDBEN. Porém para a educação profissional o governo apresentou, via
Resolução CNE/CEB 04/99, novos princípios, que somados aos da educação nacional,
guiarão a sua organização curricular. Tais princípios são os seguintes:
1- independência e articulação com o ensino médio;
2- respeito aos valores estéticos, políticos e éticos;
73
3- desenvolvimento de competências para a laboralidade;
4- flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização;
5- identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso;
6- atualização permanente dos cursos e currículos;
7- autonomia da escola em seu projeto pedagógico.
Dentre estes princípios os dois primeiros são referentes à educação básica e os
outros são específicos à educação profissional.
Independência e articulação com o ensino médio
O princípio da independência e articulação com o ensino médio, que significa na
prática a desvinculação da educação profissional com o ensino médio, surge com a LDBEN
quando esta trata a educação profissional como independente da educação de nível básico
(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e da educação de nível superior.
Nas legislações subseqüentes esta desvinculação toma forma, a começar pelo Decreto
2.208/97 que define que a organização curricular da educação profissional de nível técnico
passa a ser própria desta modalidade educacional, sendo feita de forma independente do
ensino médio. Porém pode ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este.
Como justificativas deste princípio o documento apresenta uma série de vantagens
tanto para os alunos como para as escolas. Para os alunos as vantagens seriam a maior
flexibilidade no seu percurso formativo na educação profissional e o fato de terem uma
formação geral mais sólida, o que é visto pelo governo como uma nova tendência mundial.
Já para as escolas as vantagens estão voltadas aos currículos escolares, que agora poderão
ser revisados e atualizados, devido ao fato da desvinculação com o ensino médio. Estas
alterações curriculares, por outro lado, são apresentadas como sendo uma maneira de
aproximá-los das necessidades do mundo do trabalho.
A articulação da educação profissional com a educação básica, se daria no sentido
de que a educação profissional viria a complementar a educação básica. Dessa forma a
educação profissional brasileira seria igualada a de outros países, e isto seria a chave do
êxito. Já a complementaridade permitiria a incorporação e integração dos conhecimentos
gerais, desenvolvidos pela educação básica, em contextos mais específicos do trabalho. A
74
independência e a articulação com o ensino médio seria a forma de corrigir distorções
detectadas no sistema anterior, o qual, segundo a posição oficial, não preparava nem para o
mercado de trabalho nem para a continuidade de estudos.
Respeito aos valores estéticos, políticos e éticos
A organização curricular dos cursos técnicos, baseada no princípio de respeito aos
valores estéticos, políticos e éticos, deveria estar voltada para o desenvolvimento humano
de forma que os cursos técnicos não se tornassem exclusivamente práticos. Dessa forma,
tais valores, comungados com o ensino médio, deveriam desenvolver no educando, futuro
trabalhador, capacidades de criação, iniciativa, liberdade de expressão e multiplicidade de
atuação. Desse modo proporcionaria a laborabilidade do trabalhador adequando-o aos
novos padrões produtivos.
Currículos inspirados na estética da sensibilidade são mais prováveis de
contribuir para a formação de profissionais que, além de tecnicamente
competentes, percebam na realização de seu trabalho uma forma concreta de
cidadania. (BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 16/99, p.120)
A educação profissional está associada no texto oficial com o direito à educação e o
direito ao trabalho, e através da sua eficiência provocaria um aumento da laborabilidade,
embora não gere emprego. A organização curricular, para atender a este preceito, deverá ter
uma diversidade na organização curricular e pedagógica, orientada para a inserção do
trabalhador num mundo produtivo moderno no qual as divisões entre trabalho manual e
intelectual a cada dia tornam-se menos evidentes ou assumem outras formas nas quais
novos conceitos, como o de competência profissional, passam a ser valorizados.
Dessa forma, os novos currículos escolares deveriam ser aproximados da realidade
dos novos modelos produtivos, e a educação profissional deveria voltar sua ação para
proporcionar situações de aprendizagem em que as estratégias de contextualização dos
conteúdos curriculares, no mundo do trabalho, sejam atingidas pelo aluno.
O projeto pedagógico das escolas de educação profissional deveria ter por objetivo a
constituição de competências que possibilitem ao trabalhador ter maior autonomia para
gerenciar sua vida profissional, dessa forma possibilitando que os alunos tornem-se
defensores do valor de competência, do mérito e da qualidade. Ou seja, através do currículo
75
as escolas deveriam "... trabalhar permanentemente as condutas dos alunos para fazer deles
defensores do valor da competência..." (BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 16/99, p.124).
O currículo, como se pode ver, é um mecanismo de governo utilizado pelo Estado
como forma de construir indivíduos que aceitem livremente os seus pressupostos, com isso
buscam minimizar os efeitos contrários (resistências) das relações de poder.
A organização curricular dos cursos técnicos profissionais deveria observar ainda
outros cinco princípios específicos desta modalidade de ensino.
Competência para a laboralidade
A laboralidade é entendida e apresentada pelo governo visando a inserção e/ou
manutenção do trabalhador numa atividade produtiva. O novo conceito é utilizado
substituindo o conceito de empregabilidade devido ao fato deste estar centrado na questão
do trabalho e do emprego, já a laborabilidade ampliaria o campo de inserção na vida
produtiva. A inserção é voltada a qualquer atividade produtiva e geradora de renda.
A competência profissional é entendida pelo governo como sendo uma "capacidade
de articular, mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessárias
para o desempenho eficiente e eficaz das atividades requeridas pela natureza do trabalho"
(BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 16/99, p. 125). Nesse conceito, o conhecimento refere-
se ao saber e à habilidade de saber-fazer. Competência também é apresentada como a
"capacidade pessoal de articular os saberes (saber, saber fazer, saber ser e conviver)
inerentes a situações concretas de trabalho" (idem, p.126).
As responsabilidades das instituições de ensino na organização curricular passariam
a ser ampliadas com a utilização do conceito de competência, devido ao fato de que tais
currículos necessitariam ser elaborados de modo a desenvolver competências no
trabalhador, buscando que esse obtenha laborabilidade. Dessa forma o trabalhador seria
melhor “aparelhado” para o mundo produtivo, porém isto não lhe garantiria a obtenção de
um emprego.
Essa política baseada em um novo discurso, visa preparar os futuros trabalhadores
para que aceitem o desemprego como uma conseqüência natural dos novos modelos de
organização produtiva. A educação, por esta concepção, seria direcionada à preparação de
um indivíduo passivo, para atuar (sem questionar) na nova maneira de organizar a produção
76
e/ou aceitar o seu status de desempregado devido à "sua" falta de preparo/qualificação. Ou
seja, a educação sob este ponto de vista produziria cidadãos não mais para o conflito, para a
luta por seus direitos, mas sim cidadãos participativos, que deixam de ser trabalhadores
para tornarem-se colaboradores e adeptos ao consenso passivo.
Flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização
Neste princípio a característica mais influente na elaboração curricular é a
flexibilidade. A flexibilidade no processo de reestruturação educacional começa com a
separação da educação profissional do ensino médio, o que possibilitaria a construção de
percursos diferenciados de acordo com os interesses e necessidades de conhecimentos de
cada aluno.
Surge baseada neste princípio a modularização do currículo, que embora tenha sido
apresentada em um primeiro momento como uma das metodologias de organização
curricular, transforma-se no processo de alteração educacional como a única a orientar a
formulação curricular, ganhando detalhamento legal e transformando-se em um dos
princípios fundamentais a ser seguido pela educação profissional.
Segundo o governo para que haja a construção de competências o currículo deverá
apresentar flexibilidade, sem a qual não contribuirá para laborabilidade.
Falar em empregabilidade hoje, é falar em formação flexível. E falar em
formação flexível pressupõe que a escola encontre formas de construir currículos,
práticas pedagógicas, também flexíveis. (BERGER, 1999).
Pelo princípio da flexibilidade seriam possibilitadas ao aluno saídas e entradas
intermediárias, na estrutura curricular. Nas saídas intermediárias existiria uma
terminalidade de forma a possibilitar a inserção do trabalhador em uma atividade existente
no setor produtivo. Já as entradas intermediárias deveriam ser relacionadas aos módulos
específicos e ao reconhecimento de que as competências construídas não precisariam ser
refeitas no processo de ensino. Dessa forma possibilitando um percurso educacional mais
curto no prosseguimento dos estudos e a possibilidade de alcançar um certificado de
qualificação em uma área específica de atuação.
A modularização, de acordo com o Decreto 2.208/97, permitiria a estruturação
curricular baseada no agrupamento de disciplinas, as quais constituiriam um módulo. Esta
77
modularização, segundo o governo, estaria voltada aos interesses das instituições uma vez
que lhes permitiria flexibilidade para que dessa forma atendessem aos interesses do
mercado, dos trabalhadores e da sociedade.
O módulo é definido pelo governo, através do Parecer CNE/CEB 16/99, como
sendo um conjunto didático-pedagógico sistematicamente organizado para o
desenvolvimento de competências profissionais significativas. Pela modularização o
governo acredita que seria possível que os cursos, os programas e os currículos pudessem
ser estruturados e renovados, segundo as emergentes e mutáveis demandas do mundo do
trabalho. A terminalidade é fator essencial numa estrutura curricular modular por permitir a
certificação profissional que possibilita a inserção rápida do aluno no mercado de trabalho.
A proposta de modularização feita pelo governo encontra respaldo em que essa é
uma prática já adotada em diversos países, sendo estimulada pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Mais especificamente relacionado à organização curricular baseada em módulos o
Parecer CNE/CEB 17/97 apresenta as seguintes orientações:
Os cursos técnicos poderão, então, ser organizados em módulos correspondentes
a profissões no mercado de trabalho. Cada módulo possibilita uma terminalidade,
com direito a certificado de qualificação profissional, devendo contemplar,
preferencialmente de forma integrada em cada componente curricular, as
seguintes dimensões:
- competências teóricas e práticas específicas da profissão;
- conhecimentos gerais relacionados à profissão;
- atitudes e habilidades comuns a uma área profissional e ao mercado de trabalho.
(BRASIL, 2001, Parecer CNE/CEB 17/97, p.91-2)
Observa-se o caráter conflituoso expresso no texto legal, quando este afirma que os
cursos técnicos “poderão” ser organizados em módulos. Com isso não exclui outras
possibilidades que não contemple a modularização, como chega a afirmar o texto do
Parecer CNE/CEB 16/99 (Brasil, 2001, p.128): “Muitas são as formas de flexibilizar o
currículo. Sem a intenção de propor uma metodologia única, aponta-se aqui uma
possibilidade, que é a modularização, já destacada pelo Decreto n
o
2.208/97”.
A modularização é vista pelo governo como uma forma de proporcionar o
atendimento das necessidades dos trabalhadores na construção de seus itinerários
individuais, conduzindo-os a níveis mais elevados de competência para o trabalho.
78
A terminalidade proporcionada pela estrutura modular de currículo seria definida
pela escola em função do perfil do profissional de saída de cada módulo e das competências
exigidas para o exercício profissional. Podendo esta terminalidade ser oferecida por
semestre ou por ano, de acordo com a organização da escola.
A modularização com terminalidade, apresentada pelos textos oficiais dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a área de telecomunicações, é atrelada à idéia de
possibilitar currículos flexíveis nos quais os módulos não sejam dependentes de outros,
permitindo com isto que seja oferecido ao aluno diferentes ações na construção de seu
currículo, de acordo com os seus interesses profissionais e exigências do mercado de
trabalho. Tal legislação conceitua o módulo como sendo uma unidade de ensino com
caráter de terminalidade, qualificando para uma ocupação definida no mercado de trabalho.
Porém, no texto legal evidenciam-se posições discursivas conflitantes quanto à
eficiência e/ou necessidade da implantação de um sistema modular na área de
telecomunicações, evidenciando mais uma vez o caráter fragmentado do texto oficial
composto por diversas concepções ideológicas. No texto dos referenciais curriculares,
referente a esta área profissional, é apresentado que “... este tipo de atendimento, com
certificações parciais, certamente terá um curto tempo de duração” (BRASIL, RCNs: área
de Telecomunicações, 2000, p.45). Isto ocorreria, segundo tal documento, devido às
grandes mudanças que o setor de telecomunicações vem passando, o que estaria
provocando uma eliminação de ocupações de nível básico nesta área.
Neste ponto ficam evidente as disputas de poder em torno das significações a
orientar a construção curricular entre os diferentes agentes que estão encarregados da
construção do texto oficial. As idéias até então apresentadas pelos documentos e
pronunciamentos oficiais, favoráveis a modularização são ressignificadas ou reinterpretadas
por outros sujeitos que tiveram a possibilidade de representar suas significações no texto
legal. Mais especificamente no caso em estudo o ponto de vista dos organizadores dos
Referenciais Curriculares Nacionais para a área de Telecomunicações, os quais eram
ligados ao CEFET-RS e não acreditavam na consolidação do modelo de certificações
parciais, demonstra a efetivação das disputas frente à construção de normativas legais que
venham a contemplar as diversas vozes envolvidas na construção da política curricular.
79
Constata-se com isso que o texto oficial produzido pelo Estado não é uníssono,
sendo uma representação negociada, e muitas vezes provisória, de uma disputa de
diferentes posições em torno de uma política específica, como o currículo. Porém esta falta
de unidade não representa um defeito do texto oficial, mas sim uma de suas características,
que evidencia as relações de poder que estão envolvidas e representadas através do referido
texto.
Os atores locais, formados pelos consultores do Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações enviados ao MEC para a definição das Diretrizes Curriculares da área,
uma vez tendo voz constituíram-se como instâncias de poder e tiveram a sua
representatividade no texto oficial, fixando o seu posicionamento contrário à terminalidade
modular. Esta constatação vem corroborar com as teorias acerca da política curricular como
território contestado e formado por interesses antagônicos e que muitas vezes implicam em
contradições no texto oficial, por ser uma síntese de representações diferentes. Porém tais
contradições são características do formato híbrido do currículo que pode abrigar diversas
orientações e teorias.
Porém, a discussão a respeito da terminalidade sofre uma nova tentativa de fixação
com a definição pelo governo brasileiro através da Portaria 30, da Secretaria do Ensino
Médio e Tecnológico (SEMTEC), editada em 21 de março de 2000, a qual torna obrigatória
a terminalidade a todos os cursos técnicos. Com isso fica definida a obrigatoriedade da
adoção de uma estrutura flexível que permita percursos de formação diversificados,
apresentando saídas parciais e finais, como forma de estruturação curricular modular.
A flexibilização não ocorreria somente através da modularização, seria possibilitada
também através do reconhecimento de competências já desenvolvidas, não importando para
isso o local onde foram desenvolvidas. Os conhecimentos adquiridos na educação
profissional, inclusive no trabalho, após passarem por avaliação, poderiam ser reconhecidos
e certificados para o prosseguimento ou conclusão de estudos. Tal processo de certificação
de competências já desenvolvidas deveria ser feito por instituições credenciadas para este
fim.
Com isso a flexibilidade curricular volta-se para o percurso a ser cursado pelo aluno
na educação profissional. Tal percurso não poderá ser rígido, permitindo dessa forma que o
80
aluno não seja obrigado a começar pelo início. O começo do percurso curricular na
educação profissional dependeria das competências e dos conhecimentos já adquiridos.
As outras características deste princípio específico da educação profissional, a
interdisciplinaridade e a contextualização, perdem um pouco a significação mediante o
vultuoso crescimento da característica da flexibilidade na orientação da elaboração
curricular. Porém, a interdisciplinaridade é vista como um meio para desenvolver
competências profissionais, devido ao fato de o conhecimento ser considerado como um
todo e as disciplinas por sua vez não passarem de meros recortes deste conhecimento
(CORDÃO, 1999).
Segundo a legislação, a interdisciplinaridade é a sustentação de uma organização
curricular flexível. A interdisciplinaridade não é vista apenas como uma justaposição de
disciplinas mas sim no relacionamento entre todas elas, através de atividades, projetos e
ações, rompendo com a segmentação e o fracionamento da organização curricular por
disciplinas.
A interdisciplinaridade é vista como uma forma de melhor preparar o profissional,
dando-lhe um ambiente de aprendizagem mais próximo da situação de trabalho, em que a
atuação profissional implica a integração de vários conhecimentos, os quais interagem entre
si, complementando-se e possibilitando a ampliação e a constituição de novas
competências.
Já a contextualização, por sua vez, refere-se às relações existentes entre os
conteúdos e os contextos da educação dando significado ao aprendizado. A
contextualização seria possível através da utilização de metodologias que proporcionem
vivência prática, possibilitando com isso que a contextualização de competências
profissionais volte-se a uma ação profissional.
Identidade dos perfis profissionais.
O princípio da identidade dos perfis profissionais, proposto pelo governo, orienta o
currículo a ser organizado em função de um perfil profissional desejado na conclusão do
curso. O novo perfil de técnico deverá permitir-lhe que este tenha competências que lhe
proporcione a construção de itinerários profissionais, vindo dessa forma a preparar-se
melhor para enfrentar as transformações do mundo do trabalho. Para a elaboração do perfil
81
profissional as escolas deveriam basear-se nas competências gerais da área, devendo ser
acrescidas de competências específicas da habilitação, as quais devem estar em sintonia
com as demandas individuais, sociais, do mercado, das peculiaridades locais e regionais, da
vocação e da capacidade institucional da escola.
É através do perfil profissional que as escolas definirão a identidade dos seus
cursos. Tais perfis devem relacionar-se diretamente com as ocupações que já existem no
mercado de trabalho. Nesse sentido, os currículos devem desenvolver as competências
necessárias para que o trabalhador apresente polivalência frente ao mundo produtivo. A
polivalência é apresenta pelo governo como sendo a qualidade de um profissional que
possua competências para a superação dos limites da área de atuação. Para isso é necessário
que o profissional possua competências transferíveis baseadas na ciência e na tecnologia, o
que lhe permitiria um avanço além da fragmentação do trabalho, passando assim a
compreender o processo produtivo como um todo. As competências a serem incluídas no
currículo deveriam ser alicerçadas em sólidas bases científicas, tecnológicas e humanas.
Princípio da atualização permanente dos cursos e currículos
A atualização da educação profissional, o que a tornaria moderna e voltada às
exigências do mundo moderno, volta-se à atualização curricular. Essa, na concepção do
governo, deve contar com a participação de professores, empresários e trabalhadores.
A atualização dos currículos passa a ser proporcionada pela desvinculação entre a
educação profissional e o ensino médio, o que, segundo o governo, possibilita melhores
condições para permanentes revisões e atualizações dos currículos desta modalidade de
educação. Por ser construída por um currículo que apresenta uma flexibilidade maior do
que o currículo integrado, a modularização da educação profissional permitiria que os
currículos fossem estruturados e/ou renovados de acordo com a realidade do mundo do
trabalho e suas emergentes e mutáveis necessidades. Dessa forma as novas proposições de
cursos deveriam estar baseadas nas demandas locais e regionais.
No sentido da atualização permanente dos currículos, o conselheiro do Conselho
Nacional de Educação e relator do Parecer CNE/CEB 16/99, Francisco Cordão (1999)
argumenta que é fundamental que as escolas permanentemente atualizem os seus
82
currículos, reflitam os seus projetos pedagógicos. Sendo a formulação dos currículos visto
como um processo contínuo de planejamento, execução, avaliação e replanejamento.
Para a atualização permanente dos currículos é proposta uma articulação entre
educação profissional, a realidade vivida pelos trabalhadores e as necessidades apontadas
pelas empresas. Para isso, a fonte de informação para tal articulação seriam as informações
dos egressos dos cursos técnicos inseridos no mundo do trabalho.
Autonomia da escola
O princípio da autonomia da escola no projeto pedagógico preconiza que a proposta
pedagógica elaborada e executada pela própria escola, trazida com a LDBEN, seria a
primeira medida no sentido da autonomia da escola. Porém esta autonomia deve balizar-se
dentro das normas comuns e das normas dos sistemas de ensino. A execução da proposta
pedagógica fica sob a responsabilidade dos docentes.
A constituição do currículo pleno flexível, pelas instituições de ensino, deverá levar
em consideração as peculiaridades do desenvolvimento tecnológico, e o atendimento das
demandas do cidadão, do mercado de trabalho e da sociedade.
A identidade e a especificidade dos cursos de educação profissional seriam
evidenciadas pelo projeto pedagógico de cada instituição e/ou curso. Este projeto
pedagógico é visto pelo governo como sendo um diferencial entre as instituições de
educação profissional, sendo, portanto, a marca registrada de cada uma. A construção de
currículos, por sua vez, deve apresentar coerência entre os planos de cursos e o projeto
pedagógico de cada instituição.
A atualização curricular proporcionada por um projeto pedagógico formulado pela
própria escola com a participação dos docentes é vista pelo conselheiro Cordão (1999)
como melhor do que qualquer outra, realizado por algum especialista, por mais iluminado
que este possa ser.
Embora o conselheiro argumente a importância da participação dos docentes na
elaboração curricular, ele também reconhece que tais atores ligados à educação profissional
não estariam preparados para uma mudança radical no modelo educacional. Para o
conselheiro vivíamos em um modelo educacional caracterizado como a educação para a
dependência de quem detém o saber, a informação. A proposta apresentada pelo governo
83
deveria inverter esta lógica devendo o projeto de curso evidenciar uma proposta
educacional voltada para a autonomia e para a independência dos sujeitos. Com isso, a
educação, através do projeto de curso e do currículo escolar, deveria centrar-se na
aprendizagem do aluno, proporcionando-lhe a aquisição de conhecimentos que o levem às
competências profissionais.
Com a exposição da política oficial, buscou-se mostrar as perspectivas do governo
brasileiro a respeito da política curricular a ser implantada baseada no modelo das
competências. A política curricular não pode ser vista como pronta e acabada com a
promulgação da sua legislação oficial. Outras instâncias de poder buscam a sua
representatividade na efetivação do modelo proposto oficialmente, de forma a (re)significá-
lo em contextos diferentes de sua criação, durante a sua execução. Portanto com o
conhecimento da representação oficial permite-se que melhor se percebam as resistências e
as (re)significações locais que tais políticas sofreram.
Muitas dessas significações foram influenciadas por críticas realizadas à política
oficial, por pesquisadores que abordam a educação profissional e/ou as alterações
educacionais. A seguir busca-se destacar algumas críticas a respeito do modelo educacional
brasileiro.
3.2 Enfoques críticos à reforma
As críticas que têm sido feitas a respeito da reestruturação da educação profissional
voltam-se a abordagens macro da política educacional, que privilegiam análises referentes
ao controle do Estado, ao financiamento, à sua estrutura e à relação ou interferência
existente entre o mundo da produção e o da educação. Em tais análises destacam-se
Frigotto (1996), Oliveira (2003), Mitrulis(2002), Frigotto e Ciavatta (2003), Kuenzer (1999
e 2002), Ramos (2003) e outros que têm referências teóricas principalmente baseadas no
Marxismo e voltam-se, na sua maioria, à denúncia das implicações na educação do
trabalhador frente à sua submissão ao capital.
84
Um dos temas que tem sido referenciado nas análises é o que privilegia a discussão
acerca do papel desempenhado pelo Estado no controle ou gestão das políticas
educacionais. Eleny Mitrulis (2002) argumenta que no caso brasileiro o atual modelo
educacional traz como eixo central a transformação do papel do Estado, o qual mantém sua
função propositiva de políticas e de gestão de recursos e resultados, mas atribui às unidades
escolares a gestão e a implantação do novo sistema educacional.
Tal teoria comprova-se também na análise da educação profissional, pois embora
esta tenha sofrido definições centralizadas a respeito de suas diretrizes educacionais não o
foi em termos de definição de conteúdos mínimos, mas sim em termos de competências a
serem demonstradas ao final do processo educacional. Na educação profissional, embora
existam diretrizes curriculares nacionais que buscam manter o controle sobre os currículos,
ordenando de modo geral as construções curriculares, as decisões a respeito do mesmo e
das definições dos conhecimentos e valores que devem ser incluídos ou excluídos são
construídas localmente pelos cursos técnicos profissionais.
As análises que privilegiam o controle e a gestão do Estado na educação
profissional não abordam os indicadores que orientam os critérios locais para
inclusão/exclusão de conteúdos no currículo. Não favorecem também abordagens de como
foi o processo de construção curricular e nem mesmo de como a construção local do novo
currículo é vista pelos professores. Nesse sentido pode-se perguntar: Será que os
professores são influenciados pelo discurso oficial na determinação curricular e nas suas
práticas educacionais? Se o são, de que maneiras esta influência é concretizada? Ou se não
o são, como reinterpretam ou burlam as orientações oficiais? Os professores assumem
como suas as verdades do discurso oficial?
A participação dos professores, negada no processo de definição das Diretrizes
Curriculares da educação profissional, se caracterizou como um processo antidemocrático,
privilegiando a racionalidade de um número reduzido de consultores e especialistas. Essa
participação tem implicações no processo de planejamento e implantação do novo currículo
no caso estudado, como se terá a oportunidade de demonstrar.
O financiamento da educação profissional é também tema que tem suscitado a
atenção de pesquisadores da área. Oliveira (2003) fazendo uma análise das reformas
educacionais que ocorreram no final do século XX na América Latina, argumenta que estas
85
têm um duplo enfoque: educação voltada para a formação para o trabalho e educação para a
gestão ou disciplina da pobreza. Por isso, a gestão e o financiamento passam a orientar as
políticas sociais da área educativa, buscando formas de baixar custos e obter um controle
centralizado.
Já Kuenzer (1999), argumentando a respeito das conseqüências da alteração do
ensino técnico no Brasil, apresenta que a racionalidade financeira que orienta as políticas
governamentais causa um esvaziamento das políticas de bem-estar social mantidas pelo
governo e o seu repasse progressivo para o setor privado. Nesta perspectiva, a autora afirma
também que apenas os investimentos que resultem em retornos econômicos são alvos de
aplicações de recursos financeiros governamentais, o que no campo educacional traduz-se
em ensino fundamental. Dessa forma a lógica capitalista da racionalidade financeira
constitui-se como a orientadora das políticas educativas.
Por sua vez Frigotto e Ciavatta (2003) argumentam que a reforma posta em prática
pelo governo brasileiro está voltada aos interesses dos protagonistas, mentores e tutores das
alterações do Estado no campo educacional, que se constituem pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para estes autores, tais
alterações educacionais constituem-se de políticas pobres para os pobres, as quais as
escolas foram coagidas a adotarem através da concessão de financiamento, que veio a se
materializar numa imposição nunca vista. A submissão frente à perspectiva economicista,
mercantilista e fragmentária da pedagogia das competências, a organização modular sob o
ideário da empregabilidade representada pelas políticas internacionais provocariam, nesta
perspectiva, um aumento da desigualdade social.
O Banco Mundial surge nas análises como sendo o principal agente a propor as
reformas do financiamento e da administração da educação. Com isso o financiamento
deveria privilegiar investimentos que propiciam maior retorno, ou seja, investimento na
educação básica, e a ampliação dos laços entre os setores públicos e privados, bem como da
educação profissional com o setor produtivo. Já a administração escolar, por estes
pressupostos, deve primar pela descentralização da administração das políticas sociais e a
centralização da avaliação dos resultados dos processos educacionais, como metas ditadas
para orientar as reestruturações educacionais.
86
Essas análises sobre a questão do financiamento não podem precisar a influência
deste no nível local. Outras análises que privilegiem os impactos locais das políticas de
financiamento para a educação profissional podem ampliar o entendimento das alterações
educacionais. Um foco possível de ser investigado por outros estudos é se o financiamento
trouxe alguma modificação para os cursos técnicos em termos materiais.
Relacionada à educação do trabalhador, as principais críticas de cunho marxista
apresentam a escola como um mecanismo de formação do trabalhador que se volta aos
interesses capitalistas de produção e acumulação de riqueza. Portanto, a educação
profissional é vista, por tal referência teórica, como sendo constituída historicamente por
uma rede dualista que tem como objetivo oferecer um ensino propedêutico às classes que
detêm capital econômico e simbólico, de forma que propicie alcançar os altos postos de
comando da sociedade e da produção, enquanto o ensino fragmentado com função
utilitarista é oferecido à classe que vive do trabalho. Este tipo de educação serviria para
perpetuar as condições para a reprodução capitalista.
Baseados nesses princípios, os críticos marxistas argumentam que a alteração
educacional, aqui em estudo, representa um retrocesso em termos de formação do
trabalhador, tanto no campo teórico, pedagógico e da cidadania, pelo fato de a formação
profissional de nível técnico ter sido desvinculada do ensino médio. Além disso
argumentam também que a educação profissional de nível técnico, voltada à qualificação
ou requalificação de trabalhadores com qualquer nível educacional, é uma falácia utilizada
pelo governo pelo fato de que a educação por si só não gera empregos e porque também
este tipo de educação aligeirada não contribui para a elevação do nível educacional do
trabalhador.
A utilização de um modelo pedagógico/curricular organizado na forma de um
cardápio fast-food, pela sua modularização, vem em sentido contrário às aspirações
educacionais que vieram se construindo na área da educação profissional que visam uma
formação unitária que contemple a integração de formação geral e específica, ampliando as
percepções teóricas e políticas dos trabalhadores.
Referente ao retorno da dualidade à educação profissional, Frigotto (1996)
argumenta que isso visaria a implementação de um processo de “senaização” das escolas
técnicas federais, com o objetivo último de gastar menos em formação e educação do
87
trabalhador. Tal processo dualista representaria uma regressão no campo educacional
brasileiro, situando o trabalhador dentro de um horizonte voltado ao ajuste do entendimento
e consumo da ciência e da técnica subordinadas aos processos de trabalho, e não para a
produção da ciência e tecnologia.
As adequações dos processos educativos voltados aos pressupostos da globalização
e da reestruturação produtiva, baseados nos objetivos do Banco Mundial, afetariam a
sociedade de duas maneiras, dentro desse ajuste à nova ordem: no plano sócio-econômico e
no plano pedagógico. No plano sócio-econômico a sociedade seria forçada a aceitar a
globalização excludente e a cidadania como direito de poucos. No plano pedagógico
haveria uma reiteração do dualismo e da fragmentação do ensino, além da “metamorfose do
direito à educação e formação profissional em mercadoria ou serviço que se compra”
(FRIGOTTO, 1996, p.139).
Pela argumentação de Frigotto (1996), a sociedade capitalista estabeleceu uma
cidadania orientada em duas direções: aqueles poucos que podem pagar o preço, têm os
direitos sociais, econômicos e culturais garantidos; aos outros é reservada uma cidadania de
segunda categoria. Esta divisão é justificada como resultado da escolha individual que vem
legitimar a dualidade dos processos educativos, no qual é reservado ao trabalhador, a
educação técnico-profissional baseada no adestramento, treinamento, requalificação e
formação de competências, tendo as necessidades produtivas do mercado capitalista como
seu regulador.
Kuenzer (1999) refere que a alteração da educação profissional provocou uma
quebra da equivalência entre educação profissional e propedêutica e o retorno da dualidade
estrutural à educação brasileira. Com isso o modelo educacional retoma a concepção
taylorista-fordista de produção, contrariando a compreensão contemporânea de integração
da ciência no mundo do trabalho, bem como a indissociável articulação entre ciência,
cultura e trabalho, entre o fazer e o pensar a ser desenvolvida pela interdisciplinaridade da
ciência contemporânea.
A substituição da educação geral pela profissional dificultaria pensar a realidade do
trabalho e da vida social, que contemporaneamente passaram a exigir domínio
(competência) em diferentes campos do conhecimento, devido à falta de uma sólida
articulação entre saberes (científicos, técnicos, sócio-econômicos). Para a autora é um
88
equívoco a argumentação do governo de que cursos rápidos, desvinculados de escolaridade
básica, possam inserir o trabalhador no mundo do trabalho, o que pode apenas representar
falsamente que o governo está fazendo a sua parte.
As análises de Kuenzer (1999) concluem que as novas políticas da educação
profissional certamente não servem e não são voltadas à classe trabalhadora. Tal política
estaria vinculada à destruição de um sistema autônomo de produção de ciência e tecnologia,
que o Brasil abdicou perante o processo de internacionalização do capital.
Em contraposição à tendência economicista, unilateral e fragmentária das políticas
oficiais da educação profissional, Frigotto (1996) apresenta uma proposta de educação
centrada no desenvolvimento das capacidades humanas para uma formação técnica e
profissional de uma sociedade que tenha como meta a construção de relações solidárias,
democráticas e socialistas. A educação unitária de primeiro e segundo grau é vista por
Frigotto (1996) como sendo uma forma de romper com o modelo de sociedade industrial,
que traz o taylorismo, o fordismo e mais recentemente o toyotismo como modelos
inspiradores. O novo industrialismo, orgânico e unitário, que rompa com os modelos
hegemônicos de produção, deveria constituir-se no orientador da formação técnico-
profissional a ser defendida e construída na sociedade brasileira.
Nesse panorama de discussão a respeito da estrutura da educação profissional de
nível técnico algumas questões, em outra perspectiva, podem trazer novos elementos que
possibilitem uma análise que altere o foco do global ampliando-o para o local. Nesta
perspectiva busco examinar as seguintes questões: como os educadores vêem a nova
configuração da educação profissional, que separa a formação técnica da formação
propedêutica? Como o novo modelo é visto pelos professores e alunos comparado com o
sistema integrado anterior? A educação por competências apresenta avanços ou retrocessos
na formação do trabalhador? De que forma os professores e alunos vêem a dualidade da
educação profissional frente à formação do trabalhador?
A adequação da educação às demandas do mundo contemporâneo traz para a área
da educação termos do mundo da produção. Neste sentido, competências e habilidades, que
têm como foco a produção de resultados, são novas categorias a fazer parte do campo
educacional e do currículo em países sul-americanos e europeus. Pela utilização dos novos
termos os governantes tentam promover o encontro entre trabalho e educação.
89
Segundo Frigotto e Ciavatta (2003) o governo FHC, período em que se implantaram
as alterações educacionais brasileiras, foi do ponto de vista econômico e social, um período
de mediocridade e de retrocesso no campo teórico, pedagógico e da cidadania, pelo fato do
governo ter dado ênfase, baseado na doutrina neoliberal, em tornar o Brasil seguro para o
capital. Em tal panorama passamos, segundo os autores, da lei do arbítrio da ditadura civil-
militar para a ditadura da ideologia do mercado.
As alterações da educação profissional do final da década de 90 no Brasil
constituem-se numa proposta pedagógica dualista, fragmentada e coerente com a
desregulamentação e flexibilização do mercado, que influencia o campo educacional
através de termos que lhe são próprios, tais como competência, empregabilidade e
flexibilidade, os quais possuem um forte significado dentro dessa ideologia do mercado.
Com tais implementações educacionais confirma-se o pressuposto de Arrighi (1998) de que
os países periféricos desenvolvem atividades neuro-musculares, enquanto os países do
capitalismo central desenvolvem atividades cerebrais.
No campo do trabalho a qualificação sofre um deslocamento, passando a
competência a ocupar um lugar central e com isso a educação, do ponto de vista oficial,
passa de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino para a produção de
competências. Tal concepção evidencia o comprometimento do ensino com a produção,
que impõe um modelo baseado em ações e resultados, e por outro lado, mostra que a
educação constitui-se como um mecanismo de adequação psicológica dos trabalhadores
(alunos) às relações sociais de produção nos tempos contemporânea (RAMOS, 2003).
A materialização do modelo de competências em currículos escolares foi a forma
encontrada para colocar em prática a construção de uma realidade educacional voltada à
produção capitalista contemporânea. A adoção do conceito de competências nos currículos
escolares, segundo Kuenzer (2002), constitui-se em posição de governo, que passa a
orientar a revisão e mudança das práticas pedagógicas escolares. Para esta autora a
atribuição da função de desenvolver competências à escola é uma evidência do
desconhecimento da natureza e da especificidade desta como espaço de apropriação do
conhecimento socialmente produzido, com o que o governo busca esvaziar sua finalidade,
em prejuízo para os que vivem do trabalho.
90
Novos enfoques que problematizem o modelo da pedagogia das competências como
modelo de educação para o trabalhador, como o que aqui propomos, pode trazer para a
análise novas concepções a respeito do currículo escrito e do currículo vivido, permitindo
constatar localmente se estes novos termos do mundo produtivo influenciam a construção
curricular. Portanto, formular questionamentos que visem abordar se o mercado e os seus
novos termos e exigências têm influências ou têm repercussão no nível de organização
local do currículo e de como são interpretados ou interpelam os professores em suas
práticas educacionais, nos permitirá trazer evidências da realidade local para a constituição
do currículo, sob o ponto de vista dos atores locais da escola.
Novas análises devem propiciar um avanço ao limite destes modelos analíticos,
buscando evidenciar a educação como um fator de mudança social e cultural que se oponha
ao modelo de coerção, até então dominante nas análises da educação do trabalhador. Para
isso o trabalhador precisa ser problematizado, buscando reconhecê-lo como sujeito social,
histórico, individual, com raízes culturais, valores, condutas e imaginário próprios, e que
não devem ser vistos simplesmente como ajustados às relações sociais da produção.
As novas análises no campo da política educacional devem seguir outro caminho,
que possibilite ir além da busca da confirmação do ajuste inevitável e dos modelos
conectivos entre educação e mercado. O referencial teórico crítico pode ser o ponto de
partida, porém não deve ser reduzido apenas ao espetáculo da denúncia. As dimensões
sociais e culturais presentes em todo ato educativo, em toda prática da escola ou fábrica,
não devem ser esquecidas e para tal devem situar a educação como prática social e cultural,
como relação humana, de sujeitos, como produção e reprodução consciente e intencional de
um protótipo humano que possui subjetividade, cultura, ética, identidade e imaginário
próprios, ou seja, que vise reconhecer os sujeitos sociais como agentes. Abordagens com
estes enfoques permitirão, segundo Arroyo (1999), a ampliação do campo das análises
voltadas à área educacional.
Para Tomaz Tadeu da Silva (1999) as análises centradas no local de trabalho e no
conhecimento técnico e científico sobre o trabalho acabam impedindo uma ampliação da
análise sobre o processo de formação da subjetividade e da identidade, pelo fato de não
refletirem os deslocamentos sofridos pelas formas tradicionais de produção da identidade
social e cultural.
91
A teoria crítica, para este autor, tem representado o trabalho capitalista como
alienado, fragmentado e parcelado, e a educação como um mecanismo que visa preparar a
transição da escola para o trabalho. Por sua vez tal teoria contrapõe a estas constatações
uma proposta educacional de formação de um trabalhador integral e polivalente, possuidor
de visão crítica e abrangente a respeito da organização capitalista do trabalho e da
sociedade. Dessa forma propõe um currículo que seja correspondente ao modelo de
trabalhador completo e lúcido, que seja capaz de transmitir o conhecimento e as
informações para a formação do sujeito integral, crítico e politizado.
Tal modelo curricular é criticado por Silva (1999) pelo fato de que a pedagogia e o
currículo ficaram resumidos simplesmente à transmissão e aquisição do conhecimento
correto. Segundo o autor não é a mudança dos conteúdos curriculares que transformará o
currículo tradicional para currículo crítico.
Em tempos em que o discurso educacional e o discurso econômico apresentam
coincidências de elementos, tais como flexibilidade, inovação, adaptabilidade à mudança,
etc., as análises críticas a respeito da formação do trabalhador devem levar em consideração
os processos de formação da subjetividade e da identidade dos sujeitos, e passar a
questionar não “qual” o conhecimento para esta formação,. mas sim “como” a formação
interpela e subjetiva os indivíduos. Com isso Silva (1999) argumenta que as análises
críticas devem afastar-se da uma formulação do problema que venha simplesmente a
reforçar a definição educacional em termos puramente econômicos.
3.3 As alterações na educação profissional: reestruturação
curricular e educacional ou reforma?
As duas últimas décadas apresentaram-se férteis no Brasil, como na América Latina,
em alterações no sistema educacional oficial, o que desencadeou um vasto número de
pesquisas e estudos nesta área. A maioria desses estudos volta-se ao entendimento do
contexto político e econômico que originaram tais alterações, e baseiam-se principalmente
92
em críticas aos programas oficiais, à legislação, e suas tendências político-ideológicas e
ultimamente em análises da implementação prática das reformas (OLIVEIRA, 2003).
Cabe salientar que as alterações sofridas na educação têm relações com a
reestruturação produtiva e com os processos globais de reordenamentos políticos, culturais
e econômicos. A reestruturação educativa atende a essas reestruturações.
Nesse panorama a utilização de termos para se referir às alterações educacionais
tem sido utilizada sem uma maior preocupação conceitual. A maioria da produção
acadêmica da área não faz distinção entre os termos reestruturação e reforma. Porém neste
estudo utiliza-se o termo reestruturação para referir as alterações relacionadas à educação
profissional, embora tal uso possa ser contestado de modo convincente por outros pontos de
vista favoráveis ao uso do termo reforma.
A seguir apresentamos uma análise a respeito das conceituações dos termos, que
vem justificar nossa opção pelo termo reestruturação.
Popkewitz (1997) alerta que a maioria das análises contemporâneas ignora a história
da reforma e adota o termo como um sinônimo de mudança. Diz ainda que “o ´senso
comum` da reforma é considerar intervenção como progresso” (POPKEWITZ, 1997, p.11 -
grifo do autor). Baseados neste entendimento, surgem idéias de que um mundo melhor seja
derivado de novos programas, novas tecnologias e novas organizações que buscam o
aumento da eficiência, da economia e da efetividade da educação.
No discurso oficial que vem junto ao Decreto 2.208/97 e em seus posteriores
complementos legais, conseguimos identificar que a intervenção na educação profissional é
vista e apresentada como sendo uma evolução no campo da educação do trabalhador,
visando torná-lo adequado ao mercado, bem como apto em termos de empregabilidade.
Para Popkewitz (1997), é importante que as palavras reforma e mudança sejam
diferenciadas para fins de análise. Utilizando suas argumentações podemos relacionar
reforma a uma “mobilização dos públicos e às relações de poder na definição do espaço
público” (POPKEWITZ, 1997, p.11), enquanto que mudança possui um significado menos
normativo e científico, remetendo a processos sociais.
Para o mesmo autor o significado da palavra reforma é variável, dependendo da
posição que ela ocupa em diferentes contextos ou campos, tais como nas alterações do
ensino, na formação de professores, nas ciências da educação e na teoria do currículo do
93
século XX. Além disso, argumenta ainda que tal palavra não possui um significado ou
definição essencial, e muito menos um significado voltado ao progresso. Porém, sua
significação implica uma consideração das relações sociais e de poder.
De acordo com a tese central desse autor, a reforma é melhor entendida como sendo
parte do processo de regulação social:
O estudo das práticas de reforma do ensino contemporâneo implica colocação de
fatos específicos do ensino dentro de uma formação histórica que pressupõe a
existência de relações entre poder e conhecimento. Assim, a atenção é dirigida às
condições históricas institucionais e epistemologias, mais do que aos discursos e
textos em si. (POPKEWITZ, 1997, p.13)
Buscando o entendimento da reforma educacional contemporânea como uma prática
política e social, o autor salienta que é preciso ter um conceito baseado na ecologia da
reforma. O significado de “reforma” encontrado por Popkewitz (1997), em suas pesquisas
sobre as reformas educacionais, identifica reforma com a manutenção da estabilidade, da
harmonia e de acordos institucionais existentes e não com mudanças.
Afirmando estas definições, Oliveira (2003) argumenta que reformas, na literatura
marxista, são concebidas em contraposição à revolução ou transição do capitalismo para o
socialismo. Para esta autora “o capitalismo convive com a noção de reforma
constantemente e é através dos processos reformadores que se vai adequando às novas
exigências históricas” (p.20). E indo além, a autora argumenta que o termo reforma é mais
restrito do que mudança social, sendo que as dimensões que dizem respeito à reforma são
restritas à ordem prática e imediata não se distinguindo em termos epistemológicos.
Sacristán (1999) chama a atenção a respeito da indefinição do termo reforma, o qual
tem abrigado uma infinidade de tipos de iniciativas e programas com propósitos muito
diferentes. O termo reforma, no campo educacional, tem sido utilizado relacionado ao
ajuste do ensino às demandas do mercado de trabalho, ou frente ao planejamento de uma
mudança de estrutura de níveis ou de ciclos. Fala-se em reforma para se referir à
descentralização do sistema educacional; à incorporação de novos conteúdos e tecnologias;
à modificação da organização escolar e dos mecanismos de controle; e à busca da melhoria
do rendimento dos alunos.
94
Já no campo político o termo reforma tem outra função, apresenta-se como sendo o
elemento justificador de que existe uma estratégia política voltada para a melhoria da
educação, vindo designar qualquer ação a respeito da educação como sendo um programa
de reforma. Reforma, neste sentido, está voltada à mudança, o que vem dar notoriedade
frente à opinião pública. Com isto é criada uma idéia de movimento, gerando expectativas
que parecem provocar por si só a mudança, ainda que em poucas ocasiões isso se
comprove. Para Sacristán (1999) o simples anúncio do movimento se faz apresentar como
um sinônimo de inovação, ou seja, cria-se a idéia de que só existirá alteração se reformas
forem propostas. A primeira condição para uma transformação da realidade educacional,
para este autor, seria a de esclarecer, visando não confundir ou auto-enganar-se, quais são
os objetivos concretos que se planejam alcançar e com que medidas pensam consegui-los;
caso contrário serve apenas para a confusão propiciando que nada seja alterado.
Sacristán (1999), baseado em Popkewitz (1990), argumenta que os aspectos
fundamentais das propostas de reformas estão distanciados da vida cotidiana das escolas e
muitas vezes apenas servem de legitimação nas sociedades industriais contemporâneas.
Diante destas argumentações entendemos que o termo reforma, relacionado com as
políticas educacionais e curriculares, deverá ser empregado para significar uma alteração
que não mexa na estrutura do ensino, e que apresente como conseqüência apenas uma
reordenação de conteúdos e métodos em uma estrutura já estabelecida. Compreendemos
estrutura como sendo um padrão que impõe uma regularidade e limites para a vida social e
a forma como ordenar os sistemas. As estruturas são os elementos que sustentam as
dimensões da organização social, da produção, dos modelos cognitivos, etc.
Portanto, alterações que mexam na estrutura que compõe qualquer sistema, como o
de ensino, por exemplo, devem ser referidas como reestruturação, pelo fato de dar uma
nova estrutura a tal sistema. Dessa maneira, por entendermos que as alterações provocadas
na educação profissional pós Decreto 2.208/97 modificaram a sua estrutura, uma vez que o
separaram do ensino médio, devem ser referidas por reestruturação educacional.
O termo reestruturação utilizado para referir as políticas educacionais e curriculares,
por sua vez não exclui destas as relações de poder que envolvem a sua elaboração, pelo
contrário, dão visibilidade às diversas partes que as compõem.
95
No sentido de colocar em evidências estas relações de poder e as disputas que se
materializam localmente acerca das construções curriculares e das suas representações,
sentidos e significados, partimos para a sua análise nos próximos capítulos. Tal abordagem
buscou evidenciar as formas de seleção e ordenação do currículo, rompendo com
abordagens lineares das análises da política educacional e curricular polarizada. Para isso
privilegiou-se como campo de análise a significação dos agentes locais envolvidos na
concretização da política curricular, a partir de uma visão macro que traga para a realidade
local os condicionantes políticos e históricos que marcam o seu contexto.
O termo “visão ecológica” utilizado por Popkewitz (1997) parece ser o melhor para
referir a análise aqui proposta que abrange fatores locais do currículo sem esquecer que
estes são também fatores globais. Porém tal análise buscou perceber o processo de
construção e implementação do currículo como um processo, permeado por conflitos,
ambigüidades, constituído como plural, contraditório e histórico. Tal processo teve na
abordagem local no Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS, uma
possibilidade de visualização e análise de como foi concretizada a construção da política
curricular, baseada em competências profissionais, a qual passamos a seguir.
4 A PRIMEIRA ETAPA DA ELABORAÇÃO CURRICULAR LOCAL: O
PLANO DE CURSO
O CEFET-RS vem passando desde o ano de 1997 por um processo de reestruturação
curricular dos cursos profissionais de nível técnicos, decorrente da promulgação do Decreto
2.208/97. Desde então uma nova realidade educacional passou a ser vivida no referido
educandário, provocando alterações significativas em seus cursos técnicos.
Neste capítulo destaca-se a análise da elaboração do Plano de Curso, primeira etapa
da construção local do currículo por competências, do Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações do CEFET-RS. Com isso busca-se fazer uma pequena cronologia do
processo de mudanças curriculares, para após dar enfoque aos processos de negociação em
torno da matriz curricular, destacando os aspectos do contexto local na configuração deste
processo, evidenciando nestes a participação dos diferentes atores e suas relações entre si e
com os textos da política curricular.
Identifica-se no processo de alteração curricular do curso em estudo duas fases
distintas, que acompanham o processo de implantação da reforma a nível nacional. Uma
primeira, que se inicia com a regulamentação da LDB no que se refere à educação
profissional, via promulgação do Decreto 2.208/97, e vai até a efetivação do modelo
curricular definido nas diretrizes curriculares nacionais através dos Referencias
Curriculares Nacionais (período compreendido entre 1997 e 2001); e, uma segunda, que
tem início com a implantação do modelo regido pelas diretrizes curriculares nacionais. A
distinção entre os períodos é possível devido ao fato destes oferecerem características que
lhes são peculiares, e embora muitas das características da primeira fase encontrem-se na
segunda fase, esta se diferencia da primeira por acrescentar novos elementos normativos.
A primeira fase, iniciada com as regulamentações do segundo parágrafo do artigo
36 e dos artigos 39 a 42 da LDB, apresentam como principal característica a separação da
educação profissional do ensino médio. Nesta fase há uma simples adaptação curricular
97
para atender às exigências da separação da educação profissional do ensino médio, exigidas
pelo governo, visto que houve um prazo de 120 dias para as escolas adaptarem seus
regimentos internos à nova legislação.
Já a segunda fase da implantação das alterações curriculares traz como cerne a
elaboração curricular baseada em módulos compostos por competências profissionais. Os
currículos passam a ser construídos pelas próprias instituições de ensino, as quais deveriam
levar em consideração, para a sua elaboração, as peculiaridades do desenvolvimento
tecnológico, o princípio da flexibilidade e o atendimento às demandas do mercado de
trabalho e da sociedade. É na segunda fase da implantação que ocorre um maior
detalhamento quanto às exigências do novo modelo curricular e que surgem definições
mais claras do modelo proposto pelo governo federal, vindo a constituir de fato o modelo
curricular baseado em competências profissionais.
A seguir descrevem-se as respectivas fases destacando-se os eventos que ocorreram
em cada uma.
4.1 Período de adaptações: fase de transição (1997-2001)
A Portaria MEC 646/97 definia que o ingresso de novos alunos no ano de 1998, na
educação profissional, deveria ser feito sob os preceitos do Decreto 2.208/97. Porém
assegurava que os alunos que haviam ingressado na educação profissional sob o regime da
Lei 5692/71
10
tinham o direito de terminá-lo ou optarem pelo novo regime estabelecido
pela nova legislação.
Embora o ingresso de novos alunos no ano de 1998 já ocorresse no novo modelo, as
disposições curriculares ainda atendiam aos pressupostos do Parecer 45/72, do Conselho
Federal de Educação (CFE), que até a promulgação (em 1999) das novas diretrizes
curriculares nacionais regeriam as habilitações dos cursos técnicos.
10 Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1° e 2° Graus (LDB). Lei N° 5.692, de 11 de agosto de
1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências.
98
A adequação às exigências legais nesta fase é caracterizada pela desvinculação entre
a educação profissional e o ensino médio. Pois a legislação existente até a época, Decreto
2.208/97, Portaria MEC 646 e Parecer CNE/CEB 17/97, não traziam maiores
detalhamentos quanto à nova organização curricular. Nesse sentido o Parecer CNE/CEB
17/97 (p.84) refere-se que até as diretrizes curriculares nacionais serem elaboradas “...
permanece o que está definido e aprovado”, ou seja, os currículos resultantes da
desvinculação entre o ensino médio e o técnico deveriam observar o Parecer CFE 45/72 e
suas regulamentações subseqüentes, que estabeleciam as normas de constituição do
currículo e o funcionamento dos cursos técnicos.
A forma adotada pela Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel) para atender aos
preceitos legais do Decreto 2.208/97 foi a de ofertar cursos médios e concomitante ou
seqüencial a estes, os cursos técnicos. Para o ingresso na modalidade concomitante os
alunos deveriam ter completado o primeiro ano do ensino médio e, para o ingresso na
modalidade seqüencial, deveriam ter completado todo o ensino médio.
A educação profissional de nível técnico passou a ser composta por quatro
semestres, ao invés de quatro séries anuais, que eram adotadas no regime anterior
integrado. Nesses semestres as disciplinas continuavam organizadas de acordo com uma
hierarquia baseada em conteúdos. No primeiro semestre ficaram agrupadas as disciplinas
básicas, que eram destinadas a preparar os alunos para a iniciação técnica, visando um
melhor aproveitamento dos conteúdos específicos das disciplinas dos semestres
subseqüentes. As disciplinas dos semestres seguintes possuíam seus conteúdos distribuídos
em até dois semestres, dependendo da hierarquia dos conhecimentos por elas desenvolvidos
e dos pré-requisitos desenvolvidos por outras disciplinas.
As disciplinas, ainda regidas pelo Parecer CFE 45/72, para se adequarem ao novo
formato semestral, sofreram algumas adaptações quanto à quantidade de conteúdos e/ou
assuntos abordados, de forma que fossem enquadradas dentro da nova estrutura curricular.
As disciplinas determinadas pelo referido Parecer para a parte de formação especial para a
área de telecomunicações (Eletricidade, Desenho, Organização e Normas, Eletrônica,
Análise de Circuitos e Telecomunicações) foram mantidas no novo modelo semestral
implantado, adequando-se à legislação vigente. Outras disciplinas profissionalizantes que
compunham a parte diversificada do currículo anual anterior, que não eram definidas pelo
99
Parecer CFE 45/72 e que foram criadas localmente, converteram-se automaticamente para o
modelo semestral, porém sofreram alterações quanto à quantidade de conteúdos ou quanto
à seqüência de apresentação, de forma que se enquadrassem às reduções de carga horária de
algumas disciplinas provocadas pelo arranjo curricular do novo modelo.
Embora o número de horas destinados à educação profissional tenha aumentado
com a adoção do modelo das competências, quando comparado à parte específica do
modelo integrado com o ensino propedêutico, a concentração das disciplinas em um
semestre fez com que houvesse a redução de carga horária de algumas disciplinas,
principalmente as voltadas aos conhecimentos básicos.
A grade curricular do curso
11
teve a sua carga horária alterada pelo modelo
semestral, passando das 2240
12
horas-aulas destinadas à parte específica profissional, que
era o mínimo exigido para o modelo anual integrado (sistema anterior) conforme o Parecer
CFE 45/72, para 1800 horas, em ambos os casos sem se contar a carga horária do estágio
curricular. Essa alteração representou, pela modificação do sistema de ensino anual para o
semestral, numa reordenação das disciplinas e de seus conteúdos atendendo aos novos
tempos do currículo. A adaptação ao sistema semestral provocou a condensação dos tempos
destinados as disciplinas, de modo que os três anos letivos anteriores, destinados à
formação especial, foram distribuídos em quatro semestres letivos. Esta alteração de três
anos para quatro semestres e a redução dos tempos destinados a algumas disciplinas
provocaram localmente a interpretação da existência de uma diminuição da carga horária
do currículo se comparada ao modelo anterior. Porém tal redução na verdade não existiu no
curso estudado uma vez que o tempo destinado à formação profissional passou de 1493
horas (ou 2240 horas-aulas) para 1800 horas.
O modelo semestral apresentado continuava sendo formado por disciplinas
organizadas por área de atuação/conhecimento, de forma que pudessem atender aos pré-
requisitos de outras disciplinas e/ou áreas de atuação. Este modelo apresentava
terminalidade somente após a conclusão de todos os semestres, quando era concedido o
diploma de técnico em telecomunicações ao aluno que realizasse de forma satisfatória o
estágio curricular obrigatório.
11
ETFPEL / Curso de Telecomunicações. Grade curricular aprovada em 07/01/1998.
12
As horas aulas eram de 40 minutos o que equivaleria a 89600 minutos ou 1493 horas-relógio.
100
Neste período as avaliações continuavam sendo realizadas de forma quantitativa
sendo que a média mínima para a aprovação era 6,0 pontos. Aos alunos que não obtivessem
a média era proporcionada uma recuperação paralela que ocorreria em turno inverso. Ao
final do período de recuperação paralela o aluno novamente era submetido a uma nova
avaliação e a nota que este obtivesse, se fosse maior que a nota que havia obtido
anteriormente, a substituiria. Caso o aluno não alcançasse a aprovação e tivesse somado 7,0
pontos no semestre era-lhe oferecido um exame final, no qual deveria obter 5,0 pontos mais
o que lhe faltara durante o período letivo (semestre) para atingir 12,0 pontos, ou seja o
equivalente a média de 6,0 pontos em cada período do semestre. Com isso o aluno que
obtivesse uma nota inferior a 7,0 pontos na soma dos dois períodos do semestre estaria
automaticamente reprovado.
Alguns professores questionavam a qualidade ou capacidade do técnico, oriundo
desse novo sistema, em termos de conhecimentos adquiridos, pois julgavam que estes
seriam reduzidos, devido ao fato de serem oferecidas três oportunidades para o aluno
recuperar duas avaliações.
O processo da implantação deste modelo curricular, adotado nesta fase de transição,
existiu durante um pequeno período (1999-2001) e foi alterado através da adoção do novo
padrão modular de currículo baseado por competências, ao qual passa-se a seguir.
4.2 Estrutura curricular no sistema modular (pós 2001)
Com a edição da Resolução CNE/CEB 04/99 ficou definido que o período de
transição curricular encerrava-se em 2001. A partir desse prazo a organização curricular
dos cursos de educação profissional passou a ser obrigatoriamente determinada pelas
diretrizes curriculares fixadas por tal Resolução.
Embora em um primeiro momento a obrigatoriedade estivesse relacionada aos
ingressos do ano letivo de 2001, houve uma prorrogação do período de transição até o final
do ano de 2001. Isso ocorreu, de acordo com o Parecer CNE/CEB 33/2000, pelo fato de a
mudança ocorrida na educação profissional ser radical, uma vez que, com a promulgação
101
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), foi revogado todo o arcabouço legal
determinado pelo Parecer CFE 45/72, o qual fixava as disciplinas integrantes do currículo
misto dos cursos de educação profissional de nível técnico. De acordo com o Parecer
CNE/CEB 33/2000, a mudança provocada pela alteração da educação não se tratava de uma
simples adequação curricular ou mera reorganização de quadros curriculares e as escolas,
por sua vez, deveriam apresentar seus planos de cursos baseados nestas novas Diretrizes.
A definição de disciplinas e de conteúdos mínimos, anunciada pela nova legislação
educacional, deixa de ser realizada, dando, dessa forma, uma suposta autonomia para a
escola para que os defina de acordo com as competências profissionais a serem
desenvolvidas em seus cursos técnicos profissionais. Esta nova organização da educação
muda os conceitos e padrões de ensino até então utilizados pelas escolas técnicas e
dominados pelos professores.
Uma das dificuldades encontradas, nesta época, pelo curso em estudo, para levar a
cabo a sua nova proposta de organização curricular, foi a demora na disponibilização pelo
MEC dos Referenciais Curriculares Nacionais (RCNs), que serviriam de auxílio para a
elaboração dos projetos de curso. A elaboração dos RCNs feita pelo MEC, dividida nas
diferentes áreas profissionais, foi realizada através da participação de professores e
especialistas ligados a diversas entidades de educação profissional, entre elas as escolas
técnicas, que atuaram como consultores. A ETFPel teve participação nestas discussões e em
especial nas da área de telecomunicações, a qual era coordenada por um dos seus
representantes, que teve a incumbência de gerenciar a elaboração do texto dos RCNs
apresentados à SEMTEC.
A participação dos dois representantes do Curso de Telecomunicações, foi de
grande importância na construção dos RCNs. visto que tais representantes locais foram os
únicos a participarem desse processo desde o início até o final. Com isso, a visão de como
deveria ser formado o currículo dos cursos dessa área deve-se em grande parte às
concepções desses consultores, que, de posse do poder de representatividade na escrita do
texto normativo, ressignificaram o texto oficial baseados na suas concepções acerca da
educação profissional e da sua relação com o mercado de trabalho.
Neste sentido a Diretora de Ensino argumenta que esta participação local na
definição dos RCNs. pode ser considerada vantajosa pelo fato de que os representantes do
102
curso de Pelotas
puderam ter o privilégio de colocar a nível nacional que técnico é este de
telecomunicações
.
Porém, quando esses textos chegam à escola como orientadores das construções
curriculares, não foram identificados com os atores locais que participaram de sua escrita,
mas sim foram significados como sendo produtos do Ministério da Educação. Com isso os
atores locais são deslocados da função de produtores do texto orientador do currículo para
simples coadjuvantes na sua escrita curricular local do plano de curso.
Isso demonstra que a representatividade dos atores locais, como consultores do
MEC, não fora reconhecida de forma plena pelos pares do curso em estudo. Isto se deve em
parte à forma como estes sujeitos foram selecionados no grupo de professores, pois a sua
escolha baseou-se na indicação por parte da coordenação do curso à direção da escola
daqueles professores como tendo competências adequadas para representar aquela área.
Segundo o Consultor 1, os motivos pelos quais os referidos professores foram selecionados
basearam-se no fato destes estarem ligados a função de coordenadores dos cursos de
telecomunicações da área técnica e tecnológica (um era ex-Coordenador Pedagógico
técnico e o outro era o atual Coordenador Pedagógico de tecnologia); na antiguidade no
cargo docente do curso, e, ainda, por estarem ligados ao projeto de implantação do curso de
tecnologia na área de telecomunicações, ocorrido nesta época.
Observa-se a existência de uma hierarquia que regulamenta, mesmo que de modo
não oficial a seleção dos sujeitos que podem ter representação no discurso acerca da
reestruturação educacional. Esta hierarquia também é verificada na seleção de outros
sujeitos que participam posteriormente do detalhamento do currículo.
A falta de representatividade dos consultores deu-se pela forma como foi realizada a
sua seleção, centralizadamente, sem consulta junto aos docentes do curso. A consulta não
significaria que outros nomes fossem apresentados, mas sim o reconhecimento e
valorização dos demais professores do curso. Dessa forma, os representantes
desempenharam uma tarefa repudiada por muitos de seus pares, pois de certa forma
avalizaram a proposta do governo, porém, por outro lado, assumiram para si a
responsabilidade de traçar, dentro dos limites estabelecidos pela nova legislação, aquilo que
julgavam pertinente enquanto referência a ser seguida na elaboração curricular.
103
A participação dos atores locais demonstra a valorização da instituição perante o
MEC, pelo fato de suas concepções curriculares irem ao encontro dos pressupostos oficiais.
Os atores locais que participaram da escrita do texto oficial do ministério, têm uma
valorização junto a este e uma desvalorização local junto a seus pares. Neste sentido um
dos consultores relata que:
Perante ao MEC sinto-me valorizado, perante a escola desvalorizado. Nunca fui
chamado para nenhuma reunião sobre a reforma. As que participei foi por iniciativa
minha. Pelo MEC, o Lindoso
13
tem mandado serviços até de outras áreas para eu
fazer. (Consultor 1)
Os textos oficiais delimitaram, de certa maneira, a organização curricular e a
elaboração do plano de curso. Pela legislação a organização curricular, evidenciada através
do plano de curso, é de responsabilidade da escola e deveria basear-se no perfil profissional
de conclusão. Este perfil ainda orientaria a identidade do curso. A definição do perfil
profissional de conclusão deveria ser baseada nas DCNs. e nos seus quadros anexos bem
como nos Referenciais Curriculares Nacionais das áreas profissionais. Para o delineamento
de tal perfil, as escolas utilizariam dados e informações coletados por elas e poderiam
basear-se também em outros planos de cursos de outros estabelecimentos, que já tivessem
sido aprovados e divulgados pelo MEC via Internet.
O CEFET-RS por ter apostado na idéia de tornar-se o pioneiro e uma referência
nacional na nova organização educacional, foi uma das primeiras instituições a adotar as
alterações curriculares propostas. Por este motivo não teve como se basear em planos de
outras instituições, pois os mesmos ainda não existiam.
O pioneirismo demonstra em certa medida o comprometimento da instituição junto
ao governo, e a aposta de que o novo modelo curricular representaria um avanço em termos
educacionais e administrativos das instituições de ensino, pelo fato destas dedicarem-se
primeiramente à educação profissional, deixando em segundo plano o ensino médio, tal
como preconizava a legislação. Tornando-se uma das primeiras a implantar as alterações, a
13
Bernardes Martins Lindoso - Coordenador junto ao MEC da elaboração dos Referenciais
Curriculares Nacionais.
104
escola buscava manter-se em posição de destaque perante o MEC e com isso ter alguma
recompensa em termos de investimentos que possibilitassem a sua ampliação e melhoria de
instalações físicas. Pois, pela política neoliberal de arrocho financeiro praticada pelo
Governo Federal, vinha sofrendo reduções em termos orçamentários, visto que a educação
profissional era vista como cara e em desconformidade com os propósitos para o qual fora
criada. A implantação das alterações educacionais pelas escolas da rede federal, as
habilitava a participar da disputa por uma parcela do financiamento oferecido como
contrapartida à (des)estruturação da educação profissional baseada no modelo do currículo
das competências.
Para a Diretora de Ensino, o fato de a escola ter representantes (consultores) na
definição dos RCNs. junto ao MEC também influenciou a aceitação dos princípios do novo
modelo pela ETFPel, visto que a SEMTEC, via seu secretário Rui Berger, cobrou a adesão
da instituição em virtude de terem sido os seus representantes locais que haviam
participado da elaboração dos RCNs. e, por isso, deveriam dar o exemplo da sua aplicação.
Segundo a Diretora de Ensino, a argumentação usada pelo secretário era a seguinte:
a
reforma estava pronta, e as pessoas que estabeleceram as bases, as diretrizes e os referenciais eram
pessoas do sistema e que este sistema é quem tinha que começar este trabalho
.
Percebe-se com isso um movimento de cooptação por parte do governo das
instituições que estão na ponta do sistema, para seus projetos. O governo permite a
participação, depois pressiona pela implementação de tais políticas naqueles locais.
Os docentes, pela proposta oficial, passam a ser o principal elemento na elaboração
curricular, e sua participação é tida como fundamental no processo de elaboração do plano
do curso, o qual deveria ser fruto e instrumento de trabalho da comunidade escolar. Dessa
forma, os docentes são incluídos tardiamente no processo de reestruturação educacional via
determinação legal, pela qual são constituídos como sendo os atores mais importantes na
transformação das orientações legais em soluções a serem apresentadas através do plano de
curso.
A verticalização do processo de construção curricular perde aparentemente a sua
ênfase, possibilitando que a construção do currículo seja efetivada pelos atores locais, nas
escolas. Porém a centralização exercida pelo Governo, através do MEC e da SEMTEC,
mantém-se de forma vigorosa, pois os planos curriculares necessitam de aprovação junto ao
105
Ministério para poderem ser implantados e a sua elaboração deveria seguir o modelo
previamente definido.
O plano de curso representaria a definição curricular baseada em competências
profissionais gerais, as quais seriam desmembradas posteriormente em habilidades. Tais
planos, de acordo com a resolução CNE/CEB 04/99, deveriam ser compostos das seguintes
partes:
Art. 10 – Os planos de curso, coerentes com os respectivos projetos pedagógicos,
serão submetidos à aprovação dos órgãos competentes dos sistemas de ensino,
contendo:
I- justificativa e objetivos;
II- requisitos de acesso;
III- perfil profissional de conclusão;
IV- organização curricular;
V- critérios de aproveitamento de conhecimentos e experiências anteriores;
VI- critérios de avaliação;
VII- instalação e equipamentos;
VIII- pessoal docente e técnico;
IX- certificados e diplomas. (BRASIL, 2001, Resolução CNE/CEB 04/99, p.153-
154)
Esta legislação demonstra o caráter limitado da liberdade dada aos atores locais para
que estes realizassem seus projetos de curso, pois todos os projetos deveriam ter a mesma
estrutura, pela qual seriam avaliados centralizadamente pelo MEC. Tal avaliação era
prevista para ser realizada após serem reunidos todos os projetos de curso no Catálogo
Nacional de Cursos, porém esta idéia sofreu alterações e os cursos passaram a ser avaliados
antes de fazerem parte do referido Catálogo.
Verifica-se que embora a verticalização das construções curriculares tenha sido
amenizada, manteve-se a centralidade no Estado quanto à definição das competências
gerais e dos Referenciais Curriculares Nacionais, instrumentos que guiaram em nível local
a construção dos currículos. Este controle centralizado do Estado é também demonstrado
em outras áreas educacionais onde avaliações nacionais, tais como o ENEM e o Provão,
regulam a educação e por conseqüência a execução do currículo e/ou dos objetivos traçados
pelo Estado.
O projeto do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS,
devido à resistência dos professores à reforma, foi elaborado por uma comissão de
professores formada pelo Coordenador Pedagógico, pelo Coordenador de Área Física e
Material, pelos dois representantes do curso junto ao MEC (consultores das DCNs. da área
106
de Telecomunicações) com o apoio da Supervisora Pedagógica e da Diretora de Ensino.
Este projeto após ser elaborado seguiu os trâmites legais dentro da instituição, sendo
revisado pela Gerência de Processos do Ensino Profissional, pela Diretoria de Ensino e pela
Coordenadoria de Planejamento e de Avaliação do Ensino (supervisão pedagógica).
Encaminhado para o Conselho Técnico Profissional do CEFET-RS e homologado pelo
Conselho Diretor, foi enfim encaminhado ao MEC para a avaliação, sendo protocolado em
30 de março de 2001.
Como já destacamos, esse documento baseou-se nos referenciais curriculares da
área profissional telecomunicações, bem como nas competências gerais desta área e em
estudos do processo produtivo da área de telecomunicações. Com relação aos estudos do
processo produtivo, o curso valeu-se de estudos realizados em 1999 para servirem de
subsídios à implantação do Curso Tecnológico de Telecomunicações do CEFET-RS, o qual
destina-se à formação profissional de nível superior, prevista na lei e proporcionada com a
transformação da até então Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPEL) em Centro Federal
de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS), ocorrida em 19 de janeiro de 1999. Esse
levantamento foi elaborado pelos professores do curso que atuaram junto ao MEC na
elaboração dos RCNs. para a área de Telecomunicações e serviu para auxiliar na
determinação das competências específicas que constam no plano de curso dando o
primeiro formato do currículo. Uma das peculiaridades dos RCNs. é que estes têm como
seus muitos argumentos que foram utilizados anteriormente como justificativa para a
criação do Curso de Tecnólogo em Telecomunicações do CEFET-RS.
A identificação do curso sofreu alterações com a criação do plano do curso. A
primeira alteração na identidade do curso foi referente à área profissional. Na legislação
anterior o curso técnico em telecomunicações, como era chamado, fazia parte da área
secundária. Com a nova legislação o curso passa para a área de serviços, sendo retirado da
área industrial ou secundária, com isto passou a constituir uma nova área profissional: a das
Telecomunicações. Pelas DCNs. a área Telecomunicações tem por objetivo principal a
prestação de serviços e não a produção industrial, o que justificaria a sua independência da
área da indústria.
A segunda alteração é referente à nomenclatura do curso, que não pode ter o mesmo
nome da área profissional, dessa forma o curso passou a chamar-se Curso Técnico em
107
Sistemas de Telecomunicações. A não utilização do nome do curso com o mesmo nome da
área se deu pela interpretação local de que o seu uso obrigaria o desenvolvimento de todas
as competências apresentadas pelos RCNs. para a área de telecomunicações, que eram em
número bem maior do que as DCNs.
As competências profissionais do técnico em sistemas de telecomunicações
anunciadas pelo curso como integrantes do perfil profissional são todas as competências
profissionais gerais do técnico da área, determinadas pela Resolução CNE/CEB 04/99 (que
instituía as Diretrizes Curriculares Nacionais - DCNs.) que são:
- Elaborar e executar, sob supervisão, projetos de pesquisa e de aplicação em
telecomunicações e em telemática.
- Coordenar e assistir tecnicamente profissionais que atuam na fabricação,
montagem, instalação e manutenção de equipamentos.
- Controlar a qualidade na fabricação e na montagem de equipamentos.
- Orientar o cliente na identificação das características e na escolha de
equipamentos, sistemas e serviços adequados às suas necessidades.
- Especificar, para os setores de compra e de venda, os materiais, componentes,
equipamentos e sistemas de telecomunicações adequados.
- Avaliar, especificar e suprir necessidades de treinamento e de suporte técnico.
- Operar e monitorar equipamentos e sistemas de telecomunicações.
- Planejar, em equipes multiprofissionais, a implantação de equipamentos,
sistemas e serviços de telecomunicações.
- Detectar defeitos e reparar unidades elétricas, eletrônicas e mecânicas dos
equipamentos de energia e de telecomunicações.
- Interpretar diagramas esquemáticos, leiautes de circuitos e desenhos técnicos,
utilizando técnicas e equipamentos apropriados.
- Realizar testes, medições e ensaios em sistemas e subsistemas de
telecomunicações.
- Elaborar relatórios técnicos referentes a testes, ensaios, experiências, inspeções
e programações.
- Acessar sistemas informatizados. (BRASIL, 2001, Resolução CNE/CEB 04/99,
p.184-5).
Além de todas as competências obrigatórias para a área, o curso em seu plano de
curso acrescentou mais uma, a competência profissional para participar da execução de
projetos de telecomunicações e telemática.
Observa-se que as competências determinadas pelos RCNs, e constantes no plano
curricular do curso em estudo, representam ações designadas por verbos no infinitivo,
sendo a competência significada como uma forma de saber-fazer da vertente teórica
cognitivo-construtivista. Porém, pelo fato de tratar-se também de desempenhos
demonstráveis aproxima-se também da tradição americana, que expressa a competência
108
enquanto habilidades instrumentais, sendo expressas como descritores de desempenhos. A
associação de princípios teóricos diferentes evidencia o caráter híbrido assumido pelo
modelo brasileiro da educação por competências.
A definição do técnico em Sistemas de Telecomunicações, pelo plano de curso, é
apresentada da seguinte maneira:
O técnico em telecomunicações é o profissional habilitado para atuar junto a
empresas e entidades ligadas a planejamento, projetos, comercialização,
implantação, operação e manutenção de Sistemas de Telecomunicações
(comunicações de dados digitais e analógicos, comutação, transmissão, redes,
protocolos e telefonia). (CEFET - Plano do Curso de Sistemas de
Telecomunicações, 2001, p.3)
Quanto às áreas de atuação do profissional egresso do curso técnico em sistemas de
telecomunicações são as áreas integrantes de um sistema de telecomunicações, composto
por sistemas de comutação telefônica, sistemas de multiplexação, sistemas de telefonia
rural, sistemas de transmissão de tv, sistemas de transmissão em microondas, sistemas
irradiantes, sistemas de transmissão de dados, sistemas de redes telefônicas e sistemas de
energia.
Observa-se que o termo Sistema passa a integrar as definições curriculares do Curso
Técnico em Sistemas de Telecomunicações, influenciando inclusive na sua nomenclatura.
A utilização de tal termo deve-se a este ser significado pelos construtores locais do
currículo como uma possibilidade de ampliação do campo de atuação do técnico, pelo fato
de sistema representar o conjunto das diversas partes inter-relacionadas a uma área de
atuação. A utilização do termo também não limita o conhecimento a parcelas isoladas
deste, buscando a formação de um profissional polivalente, não ficando resignado ao
conhecimento de circuitos, uma vez que a tecnologia empregada na área de
telecomunicações é composta por estruturas modulares, as quais são substituídas, sem a
necessidade de um aprofundamento de análise ao nível dos circuitos que o compõem.
Portanto, verifica-se que ao mesmo tempo em que o termo Sistema significa uma ampliação
nas áreas de atuação representa também uma superficialidade em termos de conhecimentos
exigidos.
Contudo o que se observa neste processo de definição da nomenclatura do curso é a
concretização de uma disputa acerca da formação profissional, do currículo e do perfil do
109
trabalhador gerado por este. A polivalência profissional traz para a educação os impactos da
revolução tecnológica que atuam sobre o trabalhador e têm como conseqüências a
desqualificação da formação, pelo fato de pulverizar o conhecimento em múltiplas áreas
dentro do espaço de tempo destinado para a formação profissional.
A polivalência enquanto ampliação do perfil profissional possibilita uma maior
empregabilidade, pois pela multifuncionalidade o trabalhador pode ser “aproveitado”
dentro de diversas áreas ou segmentos produtivos (ANTUNES, 2000). Ou ainda, pela
flexibilidade proporcionada pela formação polivalente, pode criar um emprego para si
(GENTILLI, 1995).
Diante disso o que se observa é que as mutações pelas quais vem passando o mundo
do trabalho estão influenciando cada vez mais a educação, exigindo desta a formação de
um novo perfil de trabalhador.
4.2.1 Organização curricular presente no plano do curso
O plano de curso apresenta a sua matriz curricular composta por quatro módulos,
cada um desenvolvido em um semestre com carga horária de 450 horas/aula. Os módulos
são identificados de acordo com a função/sub-área para a qual desenvolve determinadas
competências, recebendo a identificação de Módulo Básico, Módulo de Transmissão,
Módulo de Comutação e Módulo de Telemática.
A organização curricular foi baseada nas matrizes de referências apresentadas pelos
RCNs., os quais identificaram que o técnico da área de telecomunicações atua nas
atividades de transmissão, comutação e telemática. Estas atividades foram assim separadas
de acordo com as diferenças existentes entre elas. Nessas atividades, porém, existem
processos produtivos semelhantes, o que permitiu a definição das funções de: 1)
planejamento e projeto, 2) execução e 3) operação.
Essa organização curricular volta-se a atender o processo de produção na área de
telecomunicações, identificado pelos RCNs., que são apresentados no quadro a seguir.
110
Funções Subfunções
F1 SF 1.1 SF 1.2 SF1.3
Planejamento e Projeto
Planejamento e Projeto de
Comutação
Planejamento e Projeto de
Transmissão
Planejamento e Projeto de
Telemática
F2 SF 2.1 SF 2.2 SF 2.3
Execução
Implantação e Aceitação
de Comutação
Implantação e Aceitação
de Transmissão
Implantação e Aceitação
de Telemática
F3 SF 3.1 SF 3.2 SF 3.3
Operação
Supervisão e Manutenção
de Comutação
Supervisão e Manutenção
de Transmissão
Supervisão e Manutenção
de Telemática
Para cada uma das funções (planejamento e projeto, execução e operação) os RCNs.
apresentam subfunções ligadas a cada atividade específica (comutação, transmissão e
telemática) e para cada uma dessas subfunções um elenco de competências profissionais
específicas, habilidades e bases tecnológicas.
Esses referenciais nem sempre eram seguidos como orientadores na elaboração das
matrizes curriculares, porém com o Parecer 30/00 da Secretaria do Ensino Médio e
Tecnológico (SEMTEC), do Ministério da Educação, é feita novamente uma tentativa de
imposição de tais referenciais para as construções curriculares das instituições de educação
profissional vinculadas à rede federal.
Os mecanismos de governo utilizados pelo governo brasileiro, tal como a referida
Portaria SEMTEC/MEC 30/00, restringem a interpretação das orientações curriculares
nacionais, o que demonstra a efetivação do postulado de Paraskeva (199?) quando este
afirma que os aparatos institucionais limitam a liberdade de interpretações dos indicadores
curriculares oficiais, de modo que as interpretações não se distanciem da interpretação e da
significação dos seus elaboradores. Com isso cerceiam a liberdade de representação
curricular, evidenciando que o currículo é um campo de disputas de significações entre
diferentes sujeitos que ocupam posições de poder diferentes.
111
O Plano de Curso continha as competências gerais da área de telecomunicações,
definidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pela Resolução CNE/CEB
n
o
04/99, pelo fato destas serem mandatárias. Porém, reproduziu apenas algumas das
competências específicas, habilidades e bases tecnológicas definidas pelos RCNs. que
complementavam tal normatização, pelo fato destas terem sido significadas localmente
apenas como referências, as quais poderiam também ser definidas pela escola para
complementar o currículo, em função do perfil profissional de conclusão da habilitação.
O entendimento dos atores que elaboraram o Plano do Curso perante tais legislações
é de que as diretrizes curriculares são obrigatórias e os referenciais curriculares não o são.
Dessa maneira optaram por definir as competências específicas, as habilidades e as bases
tecnológicas, científicas e instrumentais, quando fosse feito o detalhamento curricular de
cada módulo profissionalizante que compõe o curso.
Com isso os elaboradores do currículo adiam as especificações curriculares para um
segundo momento de construção curricular, ganhando tempo para que as interpretações a
respeito da noção de competência e da própria legislação que orientavam a construção
curricular fossem melhor entendidas, pois até então tais orientações eram bastante confusas.
O aspecto difuso das orientações normativas, contidas nos textos legais, são uma
característica imanente destes, pois a natureza do texto da política é polissêmico. A
utilização de termos pouco distintivos entre si, deixam margem a uma série de significados,
muitas vezes fruto de soluções de compromissos entre diferentes interesses. Nesse sentido
Ball (1994) argumenta que as políticas normalmente não dizem a você o que deve ser feito,
indicam circunstâncias nas quais múltiplas soluções e respostas são possíveis. As respostas
e as soluções são construídas no contexto em detrimento de outras possibilidades.
A matriz curricular do curso foi estruturada da seguinte forma.
112
A estrutura modular adotada pelo curso atende à questão da terminalidade dos
módulos exigida por lei. O único módulo a não apresentar terminalidade é o módulo básico,
por tratar-se de um módulo com a função de proporcionar a iniciação profissional requerida
pelos outros módulos que irão proporcionar a certificação.
É previsto no plano do curso que o aluno que completar o módulo básico e um dos
outros três módulos, totalizando 900 horas/aula, receberá um Certificado de Qualificação
na atividade referente à área de Telecomunicações.
Ao final do 2
o
módulo o aluno aprovado receberá o Certificado de Qualificação
em Transmissão.
Ao final do 3
o
módulo o aluno aprovado receberá o Certificado de Qualificação
em Comutação.
Ao final do 4
o
módulo o aluno aprovado receberá o Certificado de Qualificação
em Telemática. (CEFET - Plano do Curso de Sistemas de Telecomunicações,
2001, p.30).
O percurso do aluno no curso técnico, regido pelo currículo modular das
competências, até o recebimento do diploma totalizará 1800 horas/aula nos quatro módulos
mais 360 horas/aula de estágio curricular obrigatório, totalizando 2160 horas.
113
O MEC na avaliação do projeto do curso emitiu parecer favorável à sua
implantação, porém foram feitas ressalvas quanto à carga horária. Nesse sentido o MEC
sugeriu que esta fosse adequada à carga horária mínima da área que era de 1200 horas/aula.
Este ajuste foi feito sem maiores problemas estruturais do currículo, utilizando a hora-aula
de 60 minutos, pois o mesmo havia sido criado considerando a hora-aula de 45 minutos
14
.
Com a utilização da hora relógio o curso passa a possuir carga horária total de 1350 horas e
o estágio de 270 horas. Essa foi a maneira de atenderem em parte à exigência do MEC
mantendo a carga horária próxima a um limite mínimo para a efetivação do currículo em
ação.
Neste aspecto percebe-se claramente a preocupação do Estado brasileiro em gastar
menos com a educação, pois tem uma preocupação centrada na redução do tempo do aluno
na escola, não se importando com a qualidade da formação proporcionada diante de um
reduzido espaço de tempo. A definição dos tempos do currículo da educação profissional
serão problematizados neste estudo no próximo capítulo.
4.2.2 A efetivação do novo modelo
Após a aprovação pelo MEC do Plano de Curso, este teve de ser detalhado para a
sua implantação, devido ao fato de ter sido constituído de forma muito genérica atendendo
às orientações legais das competências gerais da área e a terminalidade, pois o referido
Plano não indicava os conteúdos que iriam ser desenvolvidos para atingir as competências.
Porém, devido à existência de outros modelos curriculares em andamento, a implantação do
novo modelo curricular deu-se de forma gradual, à medida que os módulos iam sendo
implantados.
A decisão da coordenadoria do curso quanto ao oferecimento dos módulos previa a
implantação gradual, começando com o módulo básico, para o qual foram oferecidas vagas
para uma turma composta de 16 alunos em cada turno. Dessa forma, pensavam que a
14
O cálculo realizado foi o seguinte: multiplicaram o número de horas-aula que constava no plano
original pelos 45 minutos da hora-aula [1800x45=81.000] e após dividiram este tempo por 60
[81.000/60=1.350] para obterem a quantidade de horas baseadas no relógio.
114
transição ocorreria sem maiores complicações quanto ao acúmulo de carga horária dos
professores e à superlotação das instalações físicas. O sistema semestral surgido na fase da
transição era, até então, o sistema vigente e o sistema integrado anterior ainda existia dentro
da instituição com as turmas que haviam iniciado o processo de ensino baseado na
legislação anterior e o qual a nova legislação mantinha, possibilitando que tais alunos
completassem seus estudos por tal modelo. Ou seja, no processo de implantação do sistema
modular o Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS tinha três
modalidades de currículo, o anual (sistema integrado), o semestral (adaptação do integrado
causada pela independência do ensino médio) e o sistema modular baseado nas
competências.
Diante disso percebe-se que as circunstâncias da prática também são decisórias no
processo de efetivação de uma alteração curricular, como a que aconteceu no curso
estudado.
Embora o projeto de curso (ou o currículo escrito) atendesse às exigências legais
frente à terminalidade e à independência dos módulos, bem como à possibilidade de o
aluno traçar seu próprio percurso dentro da educação profissional, essa proposta não teve
implementação prática devido a algumas peculiaridades. A primeira delas é o fato de que
no início do processo de implantação do sistema modular ingressaram, no módulo básico,
apenas 16 alunos em cada turno, e estes se fizessem escolhas de percursos diferentes
acabariam por gerar turmas pequenas as quais teriam de ser atendidas pelos professores,
que já atendiam as turmas do sistema anual e do sistema semestral, gerando uma sobrecarga
de trabalho aos docentes. Ou seja, a força de trabalho docente disponível para atender a
nova proposta curricular era incompatível com a demanda, e determinou a forma de
implantação do modelo curricular por módulos.
A proposta prática colocada em ação pela Coordenadoria foi então oferecer aos
alunos aprovados no módulo básico o ingresso em apenas um módulo. Este módulo foi
escolhido primeiramente baseado no mercado, ou seja, o primeiro módulo oferecido seria
na área em que o mercado estivesse absorvendo maior número de profissionais egressos do
curso, abandonando-se o formato apresentado no Plano de Curso, que não previa a
seqüência dos módulos. Outra justificativa apresentada pelo Coordenador Pedagógico, para
esta decisão, era o fato desta ser a área do curso que possuía naquele momento o maior
115
número de professores, o que possibilitaria o atendimento dos três sistemas curriculares
existentes na época, sem a sobrecarga dos professores.
Após muita discussão na Coordenadoria, ficou determinado que os módulos
profissionalizantes que seriam implantados seguiriam a seguinte ordem cronológica:
Comutação, Transmissão e Telemática. Sendo que a cada novo semestre seria implantado
um novo módulo. O primeiro módulo profissionalizante teve seu início no segundo
semestre letivo do ano de 2001, o qual, por motivo de paralisações de professores e
funcionários, iniciou-se em 28/01/02.
Embora o Plano de Curso atendesse às exigências legais, pois seria avaliado por tê-
las cumprido, a independência e não hierarquia entre os módulos deixa de ser efetivada na
prática, e os módulos passam a ser oferecidos de forma seqüencial obedecendo à decisão
local de implantação gradual do novo modelo curricular, que teve como um de seus
determinantes a existência do número de docentes inferior ao necessário para atender a
demanda dos três currículos que naquele momento se apresentavam ativos. Com isto, o
curso acabou burlando a norma legal que determina a não seqüencialidade como uma forma
de o aluno poder criar seus próprios percursos formativos dentro da educação profissional.
Observa-se que o processo de construção curricular e sua efetivação na prática é um
processo de disputas, e que mesmo existindo mecanismos institucionais que limitam as
interpretações da política oficial feitas localmente, existe sempre a possibilidade de ruptura
com tais preceitos. Isso demonstra que um currículo construído localmente não pode ser
submetido a uma rígida verticalização na definição de sua estrutura.
A interpretação local a respeito da estrutura curricular a ser seguida pelos alunos
obedeceu à lógica de pensamento de que para a formação do técnico, aqueles deveriam
cursar todos os módulos. Observa-se aqui o entendimento da necessidade de formar um
profissional polivalente adaptado às exigências das alterações produtivas contemporâneas.
Com isso, a certificação parcial, idéia contrária ao entendimento dos professores quanto à
boa formação profissional, passa a encontrar resistências também entre os alunos, os quais
não buscam o ingresso em módulos fora da seqüência definida após a aprovação do Plano
de Curso pelo MEC. Os alunos demonstram com este procedimento a compreensão de que
uma formação mais ampla lhes proporcionaria mais facilmente a inserção no mercado de
trabalho e uma melhor remuneração.
116
Percebe-se que o discurso acerca da construção do percurso de formação é algo
concebido localmente e que construiu os sujeitos deste (e a este) currículo: os alunos. Tais
sujeitos, produzidos por tal discurso, passam também a valorizar o modelo seqüencial,
internalizando os conceitos produzidos por aqueles que tiveram o poder de definir
localmente o currículo.
Verifica-se na implantação curricular o poder instituído localmente dentro do curso,
que embora adotasse a forma legal, não seqüencial, na prática oferecia o que era entendido
como a melhor forma para preparar o profissional da área de telecomunicações, ou seja, o
profissional deveria possuir o conhecimento de todas as áreas de atuação oferecidas pelo
curso. Nesse aspecto da organização curricular pode-se perceber a força da tradição
mantendo as formas de organização curricular anteriores.
A tradição é aqui entendida como sendo o ato de transmitir ou transferir usos e
costumes de uma geração para outra de forma a manter um conjunto de valores
reconhecidos e aceitos por estarem em conformidade com os padrões ou normas já
estabelecidos. Esta tradição muitas vezes é uma tradição inventada que se baseia
habitualmente em normas aceitas de forma explícita ou tácita, as quais têm natureza social
ou simbólica, que procuram divulgar certos valores e comportamentos através da repetição
que, automaticamente, implica a continuidade com o passado (PARASKEVA, 199?).
A tradição representou uma âncora no detalhamento curricular local, um ponto de
referência em torno do qual materializam-se as propostas curriculares. Se por um lado os
novos currículos necessitavam estar voltados aos conceitos introduzidos pela política
curricular oficial que os orientavam, por outro tentavam resgatar o passado, com isso o
texto curricular constituiu-se na forma de um híbrido, na qual os novos preceitos foram
adaptados de forma a resgatar e a manter os conhecimentos/valores culturais considerados
válidos localmente.
A influência da tradição motivou também a desconfiança dos professores relativa
aos novos preceitos educacionais, consolidando-se em uma resistência frente ao modelo de
ensino modular por competências.
117
4.3 Preâmbulo do detalhamento curricular: os contextos
locais
O contexto no qual foram definidos os procedimentos para a especificação
curricular da educação por competências, marcaram o detalhamento deste currículo. A
resistência dos professores ao novo modelo, a falta de conhecimento, a tradição, os critérios
de participação no detalhamento curricular, as tentativas de boicote dos professores ao novo
sistema, a forma hierárquica como foi projetado o plano do curso, a falta de clareza do
conceito de competências, a adoção forçada do novo modelo das competências, o
treinamento tido como deficitário pelos professores para atuarem no novo modelo, foram os
principais atravessamentos que a reestruturação curricular encontrou localmente, sobre os
quais lança-se agora a análise.
4.3.1 Resistências
Neste processo de reestruturação educacional da educação profissional de nível
técnico existiram resistências à sua implantação, as quais iniciaram bem antes. Tais
resistências, de acordo com a interpretação do Diretor Geral da instituição de ensino
pesquisada, seria fruto de
um descontentamento muito grande dentro do serviço público, o qual
iniciou-se bem antes das alterações educacionais. Tal descontentamento teria como ponto
de partida a desvalorização do servidor público pelos discursos e práticas governistas
neoliberais. Era um momento político desfavorável ao funcionalismo público que vinha
perdendo uma série de direitos.
Em contrapartida, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica
e Profissional (SINASEFE), em defesa dos direitos dos servidores tinha um discurso contra
o desmonte do Estado com as privatizações, e mostrava-se desfavorável à implantação das
alterações educacionais que se engendravam via LDBEN e Projeto de Lei 1.603/96.
Neste sentido a Diretora de Ensino relata que
toda a situação criada em torno da discussão da proposta da LDB que foi retirada
do Congresso e colocada uma nova proposta nova provocou uma resistência à ela. Aí
118
houve aquela discussão, que é do conhecimento de todo mundo, do PL [1.603] que
acabou virando decreto. Então tudo isso fez com que as pessoas não quisessem nem
ouvir falar. (Diretora de Ensino - 27/12/2001)
Já o Diretor Geral nesse sentido relata que:
o pessoal tinha resistência para participar dessa discussão, não queriam participar
dessa discussão, porque também havia uma contra informação do sindicato que
sempre dizia não, isso [LDB e Decreto 2.208] não passa, isso não passa.
O SINASEFE atuou voltado ao fortalecimento da resistência dos professores frente
ao novo modelo, e em suas assembléias, para debater o tema da reforma educacional,
manifestava-se contrário à aprovação/implantação do Decreto 2.208 e lutava nacionalmente
pela derrubada da nova legislação. Este posicionamento, segundo a Diretora de Ensino (em
27/12/2001), teria tido uma fundamental influência na rejeição dos professores frente às
modificações propostas pela legislação. A argumentação utilizada era de que o decreto não
representava os interesses da educação profissional. Por este motivo era entendido pelo
sindicato que tal legislação não seria aprovada.
Esse procedimento do sindicato, segundo a Diretora de Ensino, teria tido o efeito de
gerar um posicionamento contrário à nova legislação por parte dos professores e como
conseqüência causou uma perda de tempo para o início das modificações locais, o que
dificultou os processos de implantação e criação dos currículos.
O relato da Supervisora Pedagógica (em 03/12/2001) a respeito deste momento
político ilustra bem tais acontecimentos. Segundo ela, t
odo mundo, toda a escola, não era só a
TELE
15
, todos estavam apostando que não ia ser aprovado o PL[1.603]. Apostando que a reforma não ia
sair. E quando viram tinha que ser feito e aí se apavoraram.
A separação da educação profissional do ensino médio também foi uma das causas
de oposição ao novo modelo curricular. Esta resistência surge ainda na fase de transição
curricular, e segundo a Diretora de Ensino (em 07/07/2005)
a maioria estava resistindo a isso
15
TELE é a abreviação usada coloquialmente dentro do CEFET-RS para referir-se ao Curso Técnico
em Sistemas de Telecomunicações.
119
[implantação], até porque existia aquela resistência do corte do médio do técnico. Neste sentido o
Coordenador Pedagógico argumenta também que
havia uma resistência muito grande de sair do
modelo integrado a partir do momento que saiu este Decreto 2.208, que dividiu a parte profissionalizante
do ensino médio.
O Diretor Geral argumenta também que de
uma certa forma a gente sempre brigou contra
a separação, sempre brigamos contra a separação e nós brigamos contra, na época, o [PL] 1.603. Aí o
governo fez uma alteração e entrou com o Decreto 2.208. Aí foi o caos. Foi aquela briga, a separação
.
Com a separação do ensino médio da educação profissional, o tempo para a
realização desta foi reduzido, o que veio a somar como mais um argumento apresentado
como resistência pelos docentes. Segundo o Coordenador Pedagógico
[...] o tempo de curso
definido foi reduzido de forma drástica, isso aí o pessoal resistiu muito. Muito pouca gente participou
.
A resistência à adoção do novo modelo ganha nova argumentação quando é
definido, na segunda fase da implantação, que os cursos técnicos deveriam ter a sua
estrutura curricular baseada em módulos com terminalidade. Esta aversão a tal estrutura
curricular pelos professores era devido ao fato destes acreditarem que resultaria no ingresso
de um profissional com menor qualidade no mercado e, também, pelo fato de o profissional
que obtivesse apenas a certificação provavelmente ter uma menor remuneração no mercado
de trabalho o que provocaria um achatamento salarial dos técnicos da área. Com isto
verifica-se a existência de uma repulsa e conseqüente falta de comprometimento dos
professores com a proposta de ensino modular, o que veio a consolidar-se na não adesão
voluntária à nova modalidade de ensino.
O processo de escolha de qual módulo profissionalizante seria implantado primeiro
não gerou um consenso entre os professores do curso, pois, segundo o Coordenador
Pedagógico, os professores ainda estavam resistentes quanto à implantação dos módulos e
nesse sentido afirma que:
Quando a gente fez a implantação, ou definiu qual o módulo que seria implantado,
houve ainda um certo atrito dentro da coordenação para saber quem é que iria
implantar primeiro, porque ninguém queria implantar (Coordenador Pedagógico).
Outro motivo da resistência ao novo modelo seria provocado pelo medo da
mudança, o medo da novidade, pois com o novo modelo haveria a modificação ou o
120
abandono do modelo educacional que já havia sido consagrado e que tinha conferido à
instituição uma ótima credibilidade quanto à qualidade de formação de seus egressos.
Nesse sentido, a Diretora de Ensino pondera (em 27/12/2001) que:
Qualquer reforma desestabiliza, porque não se sabe se ela vai dar certo. Então esse
medo de perder a credibilidade que a escola tinha fez com que muitos professores
duvidassem da reforma e tivessem medo de entrar nela.
A Supervisora Pedagógica do curso (em 03/12/2001), também reforça a idéia de que
o medo foi um dos grandes motivos que levaram os professores a rechaçarem o novo
modelo educacional. Segundo ela “
todo mundo tem medo do novo, porque não é conhecedor, não
domina, não detém. E vai ter que desacomodar os professores, então rechaça, não dá nem oportunidade
para o novo
”.
A utilização de novos conceitos imprecisos e desconhecidos pelos professores como
orientadores da organização curricular, tal como o conceito de competência, que vinham
substituir conceitos claros como disciplinas e conteúdos, gerou a retração dos professores
frente ao novo modelo educacional. Recorrendo à tradição, o Diretor Geral reconhece que a
escola era
toda ajustadinha, nós trabalhávamos muito bem. A escola sempre foi uma escola séria que
trabalhava muito bem. Mas a reforma desacomodou e desacomodou muito.
Na época da implantação o medo devia-se à mudança provocada pelo novo método
de trabalho e à falta de conhecimentos sobre o mesmo que pudessem servir de base para os
professores começarem a pensar o currículo e a sua prática pedagógica, dentro do novo
sistema.
O Coordenador Pedagógico atribuiu esta resistência ao fato de
que a gente sairia de um
ensino tradicional para um ensino por competências. Muita gente não sabia o que era competência e nem
sabia o que era habilidades
.
Entre os professores pesquisados no período de implantação do novo modelo
educacional (em 2001), e que eram integrantes do módulo básico, destacamos algumas
afirmações relacionadas à resistência ao novo modelo, baseadas na tradição:
121
Eu achei que a coisa ia morrer antes de nascer, porque a gente está acostumado a um
sistema de trabalho, de como funcionam as coisas e a nossa tendência natural é de
resistir às mudanças. (PB-2).
A resistência seria por puro desconhecimento e acomodação, eu diria, principalmente.
Porque ela parte principalmente dos mais antigos. O mais notório é entre os antigos.
Eles dizem que não vai mudar agora [a legislação]. Não vai mudar nada. (...) E a aula
tem que ser assim como é e não tem outro jeito de fazer. (PB-3).
A resistência, embora tenha influenciado a implantação das alterações educacionais
e mesmo retardado o início da participação dos docentes no processo, é vista, pelos
gestores, como positiva pelo fato do docente ser crítico e estar preocupado com o que estão
fazendo:
Não foi fácil, eu não tenho a mínima dúvida de que não foi fácil [a implantação da
reforma]. Aliás sempre que se implantar qualquer reforma na área educacional
sempre vai ser difícil porque o nosso profissional é crítico. (Diretor Geral)
Eu acho que é muito natural [a resistência]. Eu ficaria muito mais preocupada se não
houvesse resistência. Não é? Porque isso nos mostra que as pessoas estão
preocupadas com aquilo que estão fazendo. (...) Eu vejo muito mais saudável a
resistência do que a passividade neste momento. (Diretora de Ensino)
A compreensão dos gestores a respeito do processo político envolvido nas
elaborações curriculares evidencia que existem relações de poder e suas conseqüentes
resistências. Os sujeitos locais tiveram uma margem de liberdade nas definições
curriculares que ordenam o seu próprio trabalho, liberdade que é, segundo Foucault (1995)
um dos pressupostos para a existência de tais relações de poder.
A resistência à reestruturação educacional é algo que acompanhou a sua
implantação, apresentando momentos de maior intensidade sempre que novos elementos
contrários aos princípios curriculares defendidos pelos docentes foram incorporados na
definição das alterações curriculares:
122
A resistência existe até hoje, tanto é que a gente está passando de novo por um
modelo de reforma que talvez a gente volte para o modelo integrado. (Coordenador
Pedagógico).
Percebe-se no processo de disputas em torno da reestruturação curricular que as
resistências basearam-se em fazer frente a duas medidas que, no entendimento local,
desqualificavam a formação: a separação do ensino médio da educação profissional, e a
terminalidade modular com a sua certificação.
Portanto, neste processo de construção curricular, entendido como política
curricular, os atores envolvidos no processo de disputa encontram mecanismos apropriados
para defender as suas concepções buscando através do embate a sua representação no texto
curricular. De tal forma, a resistência dos professores ao novo modelo curricular constitui-
se como um mecanismo de defesa e manutenção dos valores e conhecimentos tidos como
legítimos para serem integrantes do texto curricular. Com isso os atores locais buscam a
representatividade de suas concepções educacionais e curriculares, mostrando-se críticos e
avessos a modernismos conceituais que venham alterar abruptamente a estrutura curricular,
o que não deixa de ser também uma boa parcela de acomodação e medo de perder
vantagens e benesses conquistadas na estrutura curricular anterior.
4.3.2 Seleção dos sujeitos da elaboração curricular: do convite à
convocação
A implantação das alterações curriculares teve o envolvimento inicial de um
pequeno grupo de docentes no processo de discussão e planejamento curricular para a
elaboração dos planos de cursos. Os atores da instituição que participaram do início das
discussões preparatórias para a execução da reforma ficaram limitados aos sujeitos que
ocupavam uma posição hierárquica superior, atrelada à gestão, no curso e/ou na instituição.
Em função disso, os sujeitos que tiveram representação na elaboração do projeto do
curso foram limitados ao Coordenador Pedagógico, ao Coordenador de Área Física e
Material, e aos professores consultores dos RCNs, assessorados pela Supervisora
Pedagógica e pela Diretora de Ensino.
123
Porém, o detalhamento do currículo do curso para atingir o perfil do profissional
desejado, que constava no Plano do Curso, deveria ser executado pelos professores, aos
quais foi incumbida a tarefa de realizar a especificação curricular referente a cada módulo,
nos quais as competências seriam desmembradas em suas habilidades e bases científicas e
tecnológicas.
A Diretora de Ensino referindo-se a isto afirma que
quem sabe o que é necessário para
que este perfil seja atingido são os professores, que não estavam dentro deste processo [de elaboração
do Plano do Curso]
.
Dessa forma dos objetivos educacionais e o perfil do trabalhador são, na verdade,
geridos pelos docentes que têm a função de executar o Projeto de Curso. Os professores são
chamados a pensar os meios técnicos de produzir o perfil do trabalhador desejado, através
da definição de conhecimentos e conteúdos curriculares.
A participação dos professores na construção curricular dos módulos deu-se por
duas medidas distintas. A primeira, voltada à participação de todos os professores no
processo de escrita curricular, foi utilizada para elaboração do detalhamento curricular do
módulo básico. Para tal os docentes deveriam definir as habilidades e os conhecimentos
necessários ao desenvolvimento das competências. E uma segunda, adotada após a
conclusão do detalhamento do módulo básico, que consistiu em nomear um coordenador
entre os professores do módulo para que este gerenciasse a execução do que fora definido
no Plano de Curso, distribuindo para alguns de seus pares a tarefa de construção curricular
específica das disciplinas e de seus conteúdos, o que veio a se configurar em um programa
disciplinar composto de uma lista de conteúdos.
Dessa forma coube a alguns professores o detalhamento curricular, que optaram
pela escolha de competências voltadas aos conteúdos curriculares que já existiam no
currículo anterior. Tais professores mantiveram no texto curricular as suas concepções
acerca do conhecimento necessário para a formação do técnico em Sistemas de
Telecomunicações, demonstrando que a tradição exerce grande influência na construção do
currículo quando os novos conceitos que o regem não são bem entendidos e aceitos por
aqueles que tem o poder de implementar o texto curricular.
A escolha dos professores que vieram a fazer parte do módulo básico, primeiro
grupo a integrar o sistema de educação modular por competência, por orientação da
124
Diretoria de Ensino, deveria ser feita através de convite àqueles que demonstrassem
interesse em participar dessa implantação. A estratégia utilizada foi baseada no que
chamaram de “política do contágio”, através da qual estes professores teriam o papel de
propagadores do novo modelo e convenceriam os outros professores a participarem do
processo. De acordo com a Diretora de Ensino o trabalho de alteração curricular foi
primeiro um trabalho de conquista dos sujeitos que fariam o seu detalhamento e a sua
execução. Já a Supervisora Pedagógica (em 03/12/2001) relata que:
O que a gente quer, como supervisão pedagógica da escola, é tentar fazer a coisa da
melhor maneira possível, começando por conquistar as pessoas, pela política do
contágio, a pedagogia do contágio, vamos dizer assim: despertar para que se
interessem por isso aí.
Dessa forma foram convidados para participarem da elaboração dos planos do
módulo básico os professores que estavam diretamente relacionados com os conteúdos
básicos para o desenvolvimento das competências previstas por tal módulo.
Porém, assim como aconteceu no período de elaboração do projeto do curso a
participação espontânea para a elaboração dos planos dos módulos não se efetivou, pois o
número de voluntários a atender ao convite feito pelo Coordenador Pedagógico não foi
expressivo, devido em grande parte às resistências dos docentes frente ao novo modelo.
Diante disso o coordenador passou a indicar os professores para a participação de tais
discussões.
O Coordenador Pedagógico, frente a isto, relata que:
A gente procurou indicar, nós como coordenador, procuramos indicar aqueles
professores que já vinham trabalhando com essas bases científicas e tecnológicas
iniciais.
A estratégia da convocação, daqueles mesmos professores que não tinham atendido
ao convite, veio substituir a orientação feita pela Diretora de Ensino, que argumentava que
o trabalho deveria ser realizado pela participação voluntária e não pela convocação.
Os professores integrantes do módulo básico fizeram os seguintes relatos acerca de
sua participação no processo confirmando o que o Coordenador Pedagógico tinha indicado:
125
Participei obrigado, não dei muitas idéias. Eu ia a algumas reuniões porque me
convocaram, então eu tinha que ir. (PB-1).
Não foi eu que escolhi, foi o Coordenador Pedagógico que me indicou. (PB-2).
É pela convocação. Não foi minha iniciativa. (PB-3).
A convocação, se por um lado obteve êxito quanto ao número de professores que
iam às reuniões, por outro, trouxe problemas quanto à participação efetiva na elaboração do
plano do módulo básico. Um professor apresenta a sua análise referente ao tipo de
participação que os docentes tiveram neste processo:
Eu participei, vamos dizer assim, como um ouvinte e um crítico. (...) As pessoas que
participaram também não estavam muito interessadas.” (PB-1).
Os módulos subseqüentes também tiveram seus planos curriculares definidos pelos
professores que estavam ligados aos conhecimentos especializados de disciplinas
específicas.
Os critérios utilizados para a escolha dos professores que iriam participar dos
módulos foram baseados no envolvimento do professor em disciplina que tratasse dos
conteúdos que seriam desenvolvidos no determinado módulo. O pessoal que já estava
atuando no sistema antigo dentro da área de atuação de cada módulo. (PC-1)
(...) como foi definido nas nossas diretrizes curriculares três áreas distintas,
comutação, transmissão e telemática, o pessoal que trabalhava mais com a área de
comutação, telefonia e celular, os professores então formavam este bloco. Quem
trabalhava mais na área da transmissão, os professores que trabalhavam mais na área
da transmissão formaram aquele bloco. E a mesma coisa em telemática, quem estava
envolvida. (...) Então foi formado esses módulos dessa forma, cada grupo na sua área
específica de atuação. (Coordenador Pedagógico)
126
Em função de muitos professores ministrarem mais de uma disciplina especializada,
a sua participação no detalhamento do currículo dos módulos pode ter acontecido em mais
de um módulo. Isso demonstra que dentro do processo de construção curricular alguns
sujeitos tiveram suas concepções representadas no texto curricular e outros não, mesmo em
situações em que a construção dos currículos é feita localmente.
Após a definição dos sujeitos que integrariam cada módulo com terminalidade, a
estratégia adotada foi a eleição de um coordenador entre estes sujeitos. Este professor teria
a função de gerenciar os trabalhos da escrita curricular com seus pares para que fizessem o
detalhamento curricular, montando o programa de conteúdos das suas disciplinas para
atingir as competências e as habilidades.
O Coordenador Pedagógico e a Diretora de Ensino ponderando acerca das intenções
desta estratégia, relatam que :
O envolvimento da nossa coordenação foi muito pouco ou praticamente zero. Por quê?
Porque o pessoal não queria mudar. Não queria mudar. Até que a partir do momento
que foi definido que eu tinha que compor grupos de trabalho por módulo e aí a
autonomia de cada módulo. Agora, vocês são os professores desse módulo, vocês é
que vão eleger o coordenador e vocês então em cima dessas competências gerais vão
criar as habilidades, porque as habilidades a gente poderia criar, em cima de cada
programa. (Coordenador Pedagógico)
O curso de tele acabou elegendo um coordenador para cada módulo. (...) O que eles
pensaram com isso? Que aquele professor que conseguia unir os outros professores
que iam trabalhar naquele módulo ele poderia coordenar o que que eles pretendiam
naquele módulo. Porque daqueles 4 professores que coordenavam sairia a síntese de
tudo aquilo que tinha sido trabalhado para formar o curso. (Diretora de Ensino)
A definição de qual sujeito escreveria o programa da cada disciplina foi baseado na
livre escolha do coordenador do módulo entre os professores de uma mesma disciplina. Tal
escolha ocorreu baseada no maior tempo de docência nas disciplinas especializadas da área.
Isso justifica a existência de professores do quadro efetivo de docentes que não tiveram
participação nos detalhamentos curriculares do(s) módulo(s) que atuam. Observa-se que a
127
antiguidade docente é um dos critérios de prestígio que tem representação na elaboração
curricular.
Neste processo de seleção dos sujeitos que determinariam o currículo percebe-se a
exclusão de mais um ator presente no processo educacional: o professor substituto. A
ausência dos professores substitutos foi justificada pelo fato destes não terem um vínculo
maior com a instituição, pois haviam sido admitidos através de contratos com dois anos de
duração. Dessa forma foi entendido que tais sujeitos não fariam mais parte do quadro
funcional em um curto espaço de tempo e por isso não deveriam definir os currículos que
os professores efetivos do quadro seguiriam em suas práticas educacionais. Neste sentido
um dos professores substitutos afirma que
na época em que começaram os estudos para a
implantação o substituto não metia colher torta.
(PN-3)
16
Dessa forma tais sujeitos foram alijados do processo de detalhamento curricular, e a
sua representação pode ser definida nas palavras do PS-2, que relata que em tal processo o
professor substituto
não teve nem vez, nem voz.
Portanto, a escolha dos sujeitos para a elaboração do currículo foi realizada com
base na hierarquia administrativa, que definiram a estratégia de fazer o convite aos
professores que quisessem aderir espontaneamente à elaboração curricular. Porém, neste
processo de seleção dos sujeitos a terem representação nos textos curriculares locais,
devido à inexpressiva participação, aquela estratégia foi substituída pela convocação de
apenas alguns docentes escolhidos pelo tempo de instituição e/ou tempo de docência em
determinada disciplina. Tal escolha não contemplou aqueles que dentro da instituição
possuem um grau hierárquico menor, tal como os professores substitutos e os professores
novos.
As divisões existentes entre os docentes se organizam baseadas em alguns critérios
utilizados na seleção dos sujeitos que participaram do detalhamento curricular:
- tempo de curso, professores mais antigos têm mais poder de decisão;
- tempo de docência em determinada disciplina e/ou área, professores com maior
experiência são vistos como tendo maior possibilidade de deliberação acerca das referidas
disciplinas e/ou áreas;
16
O PN-3 na época das discussões curriculares atuava como professor substituto, passando ao quadro
efetivo após aprovação em concurso público.
128
- participação em outros projetos de mesmo caráter, como a elaboração dos
programas das disciplinas do currículo anterior. Os conhecimentos que os sujeitos
acumularam nestas outras experiências são vistos como subsídios para novos detalhamentos
curriculares;
- tipo de contrato de trabalho (efetivo ou temporário). A vinculação é tida como uma
forma de comprometimento entre os sujeitos e a instituição. O fato de os professores
substitutos permanecerem um tempo limitado dentro do curso, e por isso não conhecerem a
história do curso, não lhes possibilitaria um maior entendimento acerca dos anseios deste.
Com isso tais sujeitos são excluídos do detalhamento curricular oficial, apesar desses
sujeitos serem muitas vezes os docentes responsáveis por ministrar disciplinas nesse
mesmo currículo;
- afinidade com o posicionamento defendido pela Coordenadoria. Pois, em última
instância, era o Coordenador Pedagógico quem selecionava/indicava (ou não) os sujeitos
para participarem do detalhamento curricular.
Observa-se no processo de seleção dos sujeitos que as hierarquias instituíram-se
como uma forma de poder local, influenciando na determinação daqueles que tiveram a
representatividade dos seus significados dentro do currículo escrito.
4.3.3 O treinamento
A resistência à implantação da nova estrutura da educação profissional de nível
técnico acabou minando as discussões proporcionadas pela Diretoria de Ensino para
debater o novo modelo educacional que se instalava no Brasil, provocando o boicote, por
parte dos professores, a tais encontros preparatórios (ou treinamentos iniciais) para a nova
realidade curricular.
Os esclarecimentos a respeito do novo modelo educacional, proporcionado pela
ETFPel aos seus docentes pode ser dividido em dois períodos distintos. O primeiro voltado
ao entendimento da legislação que orientava a elaboração do Plano de Curso e o segundo
voltado ao detalhamento curricular dos módulos e da nova prática educacional baseada em
competências.
129
No período do entendimento da legislação as instruções eram propiciadas pelo MEC
e pelo CONCEFET (Conselho dos Dirigentes dos Centros Federais de Educação
Tecnológica) sendo inicialmente restritas aos diretores gerais, e estes, ao retornarem para as
suas instituições, repassavam as informações para os diretores de ensino que ficavam
encarregados de repassá-las aos professores. Tal procedimento acabou gerando a
necessidade do assessoramento do fórum de diretores de ensino, do CONCEFET, para
discutir e assessorar a Câmara de Ensino desse Conselho, visto que a reforma em curso,
envolvia totalmente a área de ensino. Isto foi necessário, segundo a Diretora de Ensino,
pelo fato de os diretores gerais nem sempre conseguirem trazer respostas imediatas aos
questionamentos pedagógicos locais frente à nova realidade legislativa. A grande maioria
das iniciativas quanto à capacitação dos administradores da escola foi promovida pelo
CONCEFET, com reuniões bimestrais de diretores de ensino.
A divulgação da nova legislação para a comunidade docente local era feita pela
supervisão pedagógica e pela própria Diretora de Ensino que buscava com a sua
participação e com seus esclarecimentos, diminuir a interferência de opiniões que
provavelmente gerariam outras interpretações na (re)transmissão das informações:
Todas as informações, e eu friso que são informações, todas as informações que
vinham do MEC via direção de ensino eram repassadas aos supervisores e sempre que
possível aos professores, diretamente por mim. Se eu não pudesse então eu pedia que
os supervisores repassassem. Mas eu fazia questão de fazer isso, não para
centralizar, mas para não haver tanta interferência de pensamentos de cada um, de
lá para cá. Porque vai passando do diretor para o supervisor, do supervisor para o
coordenador, do coordenador para o professor, quando chega lá no professor, se a
gente já tinha mil dúvidas, imagina quando chega lá na ponta no professor e aí o
coordenador dizia: “eu não sei te responder isso aí que tu estás me perguntando
agora”. Como muitas perguntas ficaram sem resposta e estão sem resposta até hoje.
(Diretora de Ensino)
Observa-se que a esfera federal propõe treinamentos a fim de garantir a efetivação
da alteração educacional. Os sujeitos que participam desses treinamentos são os gestores
das instituições escolares encarregados de implementar as alterações propostas. Esses
130
treinamentos são uma tentativa de fixar uma determinada leitura/significado da alteração
educacional proposta pelo Estado brasileiro, pois como o texto é bastante aberto permite
múltiplas leituras.
A existência de múltiplas instâncias de construção do discurso acerca do texto da
reestruturação educacional, remetem ao argumento de Foucault (2003) quando analisa as
relações de poder implicadas na produção de discursos autorizados e de autoridade em
nossa sociedade. Existem desníveis existentes entre o texto primeiro e sua interpretação, o
texto segundo, ou os comentários. Segundo o autor isso possibilita o surgimento
(indefinidamente) de novos discursos e novas significações. Porém o texto primeiro é visto
como fundador de uma possibilidade aberta de falar, pelo fato de “o texto primeiro pairar
acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o sentido múltiplo
ou oculto de que passa a ser detentor, a reticência e a riqueza que lhe atribuímos”.
(FOUCAULT, 2003, p.25).
O comentário, ou os textos segundos, independente da técnica utilizada, tem como
função dizer “o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro” (ibidem.). Os
comentários para Foucault devem dizer pela primeira vez aquilo que já havia sido dito,
repetindo incansavelmente aquilo que jamais havia sido dito. O comentário permite ao
discurso dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja
dito e de certo modo realizado. Dessa forma “o novo não está no que é dito, mas no
acontecimento de sua volta” (ibidem.).
Entre os atores locais, os cargos administrativos estavam em posição de garantir o
cumprimento do discurso oficial e por isso seus próprios discursos estavam atravessados
por maiores restrições e rituais, o que não era o caso dos docentes. A instituição de um
sistema de restrição acerca dos discursos pode ser entendido como aquilo que Foucault
(2003,p. 39) chamou de ritual.
“o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que fala (e que,
no jogo de um diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinadas
posições e formular determinados tipos de enunciados); define os gestos, os
comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras,
seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção.”
131
Seria através dos rituais discursivos que são determinadas as propriedades
singulares e os papéis preestabelecidos para os sujeitos que falam.
A partilha de um só e mesmo tipo de discurso é que define o pertencimento dos
sujeitos a um discurso, voltando-se a uma doutrina.
“A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe,
conseqüentemente, todos os outros; mas ela serve, em contrapartida, de certos
tipos de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los, por isso
mesmo, de todos os outros. A doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos
que falam aos discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos
indivíduos que falam.” (FOUCAULT, 2003, p.43).
Percebe-se que a marcação da posição dos indivíduos dentro do processo de
elaboração curricular ocorreu baseado em grande parte através de suas posições discursivas.
Muitas das disputas que ocorreram neste processo deram-se em torno da significação de
termos utilizados pelo discurso oficial, os quais foram (re)significados pelos discursos
contrários à implantação da reestruturação curricular.
Os conceitos orientadores da nova política educacional eram conceitos imprecisos
e/ou desconhecidos mesmo por aqueles que tinham a função de orientar a construção
curricular e por constituírem um novo paradigma educacional, a interferência de
(re)significações dos sujeitos acerca de tais normas e conceitos curriculares, seria uma das
possibilidades dos atores locais terem as suas representações significadas perante a
comunidade, influenciando a construção dos currículos. Porém, a manutenção dos preceitos
oficiais foi um dos mecanismos de governo ou aparato institucional utilizado pelos
representantes locais do governo (gestores), encarregados de executarem a proposta dentro
dos moldes discursivos oficiais.
A falta de clareza acerca dos referenciais teóricos nos quais se apoiava a nova
proposta educacional é evidente no processo de construção local dos currículos, pois todos
os preceitos orientadores desta eram repassados às instituições através de “informações”,
nem sempre precisas, as quais não traziam explícitos os campos teóricos nos quais se
baseavam.
O MEC, buscando divulgar os princípios norteadores das alterações curriculares, e
“formar” uma interpretação nos atores que ingressariam no modelo curricular das
132
competências, realizou treinamentos através de teleconferências via satélite pela TV
Executiva, em junho de 1999. Entre as teleconferências, a do relator do Parecer 16/99,
Francisco Aparecido Cordão e a do Secretário do Ensino Médio e Tecnológico, Ruy
Berger, foram voltadas à apresentação e ao debate do novo modelo legal da educação
baseada em competências profissionais.
Outra iniciativa de capacitação proposta pelo MEC foi a realização de oficinas
pedagógicas por região, uma das quais foi realizada no CEFET-RS reunindo todas as
instituições federais de educação profissional dos estados do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná. Porém, tal iniciativa embora tenha ampliado a diversidade de sujeitos
participantes, ficou restrita àqueles docentes que desempenhavam alguma função
administrativa, tais como os coordenadores de cursos, não sendo estendida a todos os
docentes.
Buscando ampliar as discussões a respeito do ensino por competências e incluir
nestas os docentes, a direção do CEFET-RS resolveu trazer profissionais que estivessem
participando do processo das alterações educacionais a nível nacional. Com isto, a Diretora
de Ensino argumenta que a intenção
era esclarecer aos professores o que era ou o que se pretendia
com esta reforma
. Entre estes profissionais visitantes foram destacadas as participações de
Ilma Passos Alencastro Veiga, Celso Antunes, Paulo de Tarso, Marise Ramos, Moacyr
Sanmarcos e Moacir Carneiro.
As capacitações realizadas com atores externos à instituição foram promovidas com
o intuito de proporcionar um maior esclarecimento a respeito das alterações legais e com
isso trazer o docente a participar do processo de reestruturação educacional, buscando
superar a sua resistência em aderir ao novo modelo. Tais capacitações foram extensíveis a
todos os professores, tendo estes a liberdade para participarem ou não de tais encontros.
Nesse sentido dois membros da direção afirmam o seguinte:
(...) nunca se obrigou o professor a ir lá. (Diretor Geral)
Nós sempre voltamos o nosso trabalho para a não convocação. Porque nós achamos
assim: de que adianta encher o auditório se as pessoas não têm interesse ? (Diretora
de Ensino - 27/12/2001))
133
A resistência à implantação da nova estrutura da educação profissional de nível
técnico, prevista pela nova legislação, acabou minando as tentativas de discussão no
CEFET-RS do novo modelo educacional que se instalava no Brasil, provocando o boicote,
por parte dos professores, a tais encontros preparatórios (ou treinamentos iniciais) para a
nova realidade curricular. A Diretora de Ensino relembra que
uma vez a gente trouxe um
professor da Unicamp e nós tínhamos, no mini-auditório, quatro pessoas, fora a supervisão
.
Esta estratégia de trazer profissionais que estivessem discutindo a nível nacional o
modelo educacional das competências e/ou sua legislação, ocorreu pela necessidade de
repassar informações aos atores locais, visto que as orientações do MEC, centralizadas em
Brasília, eram limitadas aos diretores.
Segundo a Diretora de Ensino o material que era recebido do MEC a respeito da
reforma era estudado pela supervisão pedagógica em conjunto com a diretoria de ensino e
discutidas as possibilidades em termos de repassar o conteúdo para os professores:
Nós fazíamos um estudo dos aspectos que nós julgávamos importantes para a
implantação da reforma. E aí chamávamos os professores e fazíamos esta
capacitação, se é que se pode chamar isso, de capacitação. (Diretora de Ensino)
As condições de acesso aos textos oficiais propiciaram leituras diferenciadas,
beneficiando aqueles que tiveram um acesso mais imediato a tais textos para a formulação
de suas leituras e eventuais interpretações. Após então tais textos são distribuídos à
comunidade docente, juntamente com a interpretação de seus primeiros leitores locais,
favorecendo a produção de leituras de primeira, segunda e terceira mãos. Frade e Silva
(1998) chamam a atenção para este fenômeno em sua pesquisa que trata da leitura de textos
oficiais pelos professores, e argumentam que a leitura é feita em textos que se diferenciam
de acordo com a função hierárquica do leitor, ou seja, quem define e quem implanta a
política curricular lêem textos diferentes.
No caso estudado foram os profissionais ligados à supervisão pedagógica e à
diretoria de ensino que tiveram acesso direto aos textos curriculares oficiais. A circulação
de tais textos nos treinamentos realizados pelo CEFET-RS esteve relacionada a um tipo de
interpretação, na qual eram definidos os assuntos que poderiam interessar aos professores
em determinados momentos. As relações dos docentes com os textos oficiais se deram em
134
grande parte através de uma leitura de segunda mão, na qual algum especialista, que teve
contato com o texto oficial, interpretou-o para os atores locais.
Os textos oficiais, contudo, constituíram-se como um importante instrumento de
formação, diante da necessidade da construção local de currículos voltados à implantação
da nova política educacional. Com isso, a leitura dos textos oficiais acaba constituindo-se,
para o Estado, como sendo quase obrigatória em contextos radicais de mudanças, como o
da reestruturação educacional vivenciada pela educação profissional de nível técnico. Nesse
sentido Frade e Silva (1998, p.97) argumentam que no caso dos textos oficiais “não é o
leitor quem busca espontaneamente o texto, mas é o texto que vai oficialmente ‘em busca’
de seus leitores” (grifos das autoras).
A interpretação possível dos textos oficiais, na lógica de estratégia ou mecanismo de
governo, é determinada pelo seu autor, neste caso o Estado, que, através da sua autoridade,
busca produzir uma certa univocidade de sentidos.
Outros textos e/ou teorias que auxiliassem o entendimento das normas oficiais,
foram selecionados também pelos dirigentes locais. Portanto, o acesso e/ou divulgação de
outros textos que proporcionassem aos professores locais elementos interpretativos
diferenciados frente às alterações educacionais foram regulados, através de uma seleção
prévia, pelos atores locais envolvidos com o planejamento curricular de toda a instituição
(supervisão pedagógica e diretoria de ensino). Tais atores tinham o conhecimento de alguns
referenciais teóricos acerca do ensino/currículo por competências, porém repassavam tais
teorias, através dos treinamentos locais, na forma de leituras de segunda mão, ou seja, os
professores tinham acesso às suas interpretações acerca dessas teorias.
Tais procedimentos voltavam-se à gestão das discussões curriculares, uma vez que
apresentavam um tema específico, sobre o qual já haviam formado uma interpretação,
limitando com isso a dispersão das discussões locais. Visava-se assim a concretização
curricular dentro dos prazos estipulados e das interpretações legais tidas como corretas
pelos representantes locais do governo. Isso demonstra a forte disputa por representação
que existe em um processo de construção curricular, no qual os diferentes sujeitos tentam
fixar os sentidos representados no texto curricular.
135
As discussões a respeito da nova legislação ocorreram em uma atmosfera de
incertezas. Para a Diretora de Ensino constituiu-se como um período difícil pela falta de um
maior detalhamento legal, pois:
no início, quando a gente não sabia bem, a gente tentou aprender juntos. E eu posso
dizer que a gente arriscou muito a imagem da direção de ensino, porque nós nunca
dissemos aos professores que nós tínhamos clareza de tudo. Porque na verdade a
gente não tinha clareza de quase nada neste início, ou pode se dizer de nada.
(Diretora de Ensino)
Esta falta de clareza nas informações que eram recebidas e repassadas aos docentes
que atuariam na construção curricular local foi mais um fator para o fortalecimento da
resistência por parte dos professores, que estavam receosos de abandonarem um modelo
que tinha todas as regras definidas, para adotarem um novo modelo que nem mesmo os
responsáveis pela sua implantação tinham convicção/certeza dos rumos e dos conceitos
empregados.
Relativas a isso se destacam as seguintes falas:
... a própria direção da instituição que participava efetivamente das reuniões em
Brasília e trazia os subsídios para nós. Muitas vezes até Brasília não elencava
informações corretas para eles. Eu nem coloco a culpa na própria diretoria de ensino.
Agora eles chegavam com informações infundadas aqui. Quer dizer, como é que tu
vais passar para um grupo de professores informações que nem a própria diretora
tinha consciência daquilo. (...) E as supervisoras não passaram segurança, porque não
conheciam bem o modelo. (Coordenador Pedagógico)
... nem o próprio pessoal que nos trazia as informações sabiam o que eles estavam
trazendo. Por isso eu acho que aconteceram os erros. (PP-3)
Dessa forma, o treinamento que buscava uma maior explicitação dos novos
princípios legais, orientadores da educação profissional de nível técnico, não teve o efeito
desejado e, com isso, os professores mantinham-se avessos à nova estrutura educacional,
ausentando-se da elaboração do Plano de Curso. Depois de elaborado e aprovado o Plano
136
de Curso, instaura-se então o segundo período de treinamento, voltado ao detalhamento
curricular e à prática educacional.
Para o detalhamento curricular, o treinamento foi oferecido àqueles sujeitos
selecionados/indicados para fazer parte do primeiro módulo a ser implantado, o módulo
básico, pelo fato de serem estes professores os responsáveis pela definição das
competências e habilidades, bem como dos conhecimentos e conteúdos integrantes do
currículo. Neste período, embora houvesse inicialmente a liberdade de adesão ao novo
modelo, muitos professores que não atenderam ao convite foram convocados a trabalharem
na implantação.
As iniciativas de treinamento local neste período voltaram-se à nova prática
educacional e dentro desta a avaliação tem destaque. Relacionada à prática educacional a
diretoria de ensino, em conjunto com a supervisão pedagógica, apresentou como proposta a
metodologia de trabalho baseada em projetos. Tal metodologia envolveria várias disciplinas
ou áreas do conhecimento técnico voltadas à elaboração e execução de um projeto a ser
definido em conjunto com os alunos. No curso em estudo tal metodologia não foi colocada
em prática, embora tenha sido considerada quando da elaboração do detalhamento
curricular dos módulos, pois as fichas, fornecidas pela coordenadoria, para a definição de
tal currículo continham uma coluna referente ao projeto no qual tais conhecimentos seriam
empregados. Porém, tais colunas nunca foram preenchidas e a prática educacional manteve-
se baseada na (multi)disciplinaridade e não na interdisciplinaridade.
Buscando apresentar para a comunidade docente outras práticas educacionais, que
não a tradicional, a escola começou a divulgar trabalhos diferenciados que já vinham sendo
executados por atores locais. Buscavam dar ênfase a experiências chamadas exitosas,
valorizando as iniciativas locais, para que com isso ocorresse a chamada “pedagogia do
contágio”. Esta técnica aplicada pela direção de ensino e supervisão pedagógica era voltada
para a cooptação daqueles sujeitos que se mostravam ainda resistentes às alterações
educacionais, mediante um exemplo, o qual devia motivá-los à adoção de novas práticas
educativas e do ensino por competências:
... nós começamos a fazer o que nós chamamos de pedagogia do contágio. Nós
buscamos alguns professores da escola e que tinham saído para mestrado ou
137
doutorado, ou mesmo aqueles que não tinham saído, mas que tinham alguma
experiência nova e que estavam fazendo alguma coisa nova, e convidamos estes
professores para nestes momentos de capacitação dizer como é que eles estavam
desenvolvendo esta nova metodologia. (Diretora de Ensino)
Na fase de treinamento para o detalhamento dos módulos a avaliação dos alunos era
uma das grandes preocupações dos docentes frente ao novo modelo educacional. O
treinamento voltado à avaliação iniciou com uma explanação realizada pela diretoria de
ensino acerca dos paradigmas educacionais dominante e emergente, e após foi solicitada
aos professores a identificação de como era a avaliação existente e quais as características
que a avaliação deveria ter. A identificação da avaliação feita pelos professores teve muitos
aspectos semelhantes à identificação feita pelos alunos. Neste sentido a Diretora de Ensino
relata que
... os professores colocaram exatamente como os alunos viam a avaliação, como uma
arma, a avaliação enforcando, a avaliação provas, provas e provas, testes, testes e
testes. (Diretora de Ensino)
Baseado nas evidências de como deveria ser a avaliação, o treinamento voltou-se à
preparação do docente para a realização da avaliação enquanto processo ao longo da
aprendizagem, respeitando as dificuldades e os ritmos individuais dos alunos. Este novo
modo de realizar a avaliação, converteu-se em mais um elemento de resistência dos
docentes, pois teriam que abandonar as avaliações estanques aos finais dos conteúdos,
ampliando as formas e os instrumentos de avaliação tradicionais. Este novo modelo de
avaliação acabou trazendo mais dificuldades aos professores pelo fato destes não estarem
habituados a tal tipo de avaliação.
De acordo com a Diretora de Ensino, embora a proposta de avaliação tenha sido
baseada nos indícios propostos pelos docentes a respeito de como deveria ser a avaliação, a
sua execução por estes não foi um processo fácil. Segundo a Diretora de Ensino,
na hora de
colocar isto em prática há dificuldade. E houve uma dificuldade muito grande
.
138
Os treinamentos a respeito do detalhamento curricular e da prática educacional
baseada em competências receberam algumas críticas quanto ao direcionamento das
discussões:
Eles já traziam prontas as propostas. E diziam que a gente tinha que pensar. Até o
modelo de avaliação foi bem claro, na última reunião que nós fizemos antes de
implantar o módulo, foi o modelo que eles queriam. (PN-2)
17
Na minha visão (...), eles já vinham com um modelo pré-formatado, pré-moldado. Claro
que numa discussão de grupo, de grande grupo, houve indagações, perguntas,
sugestões. Mas ao menos eles já vinham com aquelas diretrizes traçadas. Oh, é
assim, é assim que tem que ser, tem que adequar o comportamento, tem que adequar
em cima dessa filosofia. (Coordenador Pedagógico)
Isso aí realmente já veio de Brasília pronto. Olha, leva e faz. (PN-3)
Então eu acho que elas [supervisoras] não tiveram muito esta liberdade, eu acho que
as coisas já vinham para elas meio que prontas, é assim. E foi assim que elas passavam
para nós. (PN-1)
Isto comprova a existência de mecanismos de poder que visavam definir a prática
educacional, a qual deveria estar orientada pelos ditames legais, o que de certa forma
mostra a incoerência do discurso da reestruturação educacional que, por um lado, prega a
liberdade local e, por outro lado, busca fixar os seus sentidos através de um tipo de
participação e autonomias monitoradas. Pode-se dizer que a liberdade fazia parte do
discurso oficial enquanto as escolhas fossem as mesmas indicadas pela nova política
educacional.
17 O PN-2 na realidade não participou do detalhamento curricular do módulo em que atua hoje, mas
havia participado da elaboração do módulo básico. Porém, pelo fato de reconhecer sua não participação nas
discussões curriculares de tal módulo, identificou-se quando da seleção dos sujeitos como não participante do
processo de planejamento e escrita curricular local.
139
Com tal prática observa-se que embora tenha havido uma desverticalização da
construção curricular, pela inclusão dos atores locais como protagonistas, manteve-se a
centralidade do Estado na definição da política curricular, fixando normas e competências
que deveriam estar representadas nos textos curriculares.
De uma forma geral tanto os sujeitos ligados à administração, quanto os professores
e os alunos entrevistados consideraram que a preparação dos docentes para atuar no novo
sistema foi e continua sendo deficitária:
... foram feitos vários programas de capacitação e treinamento. E eu acho que não
foram suficientes, até mesmo para atender uma demanda como a nossa não foi
suficiente. Mas se fez. (Diretor Geral)
Olha para te falar a verdade, na minha visão, não teve treinamento nenhum. Foi uma
grande falha da instituição. Eu quando comecei a conversar contigo eu falei qual foi o
grande problema. O pessoal não foi preparado para trabalhar nesse novo modelo, a
escola não estava instrumentalizada. Porque quando tu trabalha com processo tu tens
que criar condições para que tu possa trabalhar nisso. A escola mudou rapidamente,
criou o modelo novo e acho que se nós tivemos 2 ou 3 encontros de 1 turno para
discutir o processo, o que é competência, o que é habilidade, como é que tem que se
trabalhar, como é que vai se fazer isso, como é que vai se avaliar, se vai se avaliar o
processo todo, se vai se fazer a avaliação escrita, se vai usar a nota e vai converter
para conceito. (Coordenador Pedagógico)
Para mim esta foi a falha da reforma. Nem a instituição nem os professores foram
preparados para a reforma, simplesmente foi colocada goela abaixo, imposta. (PC-1)
O treinamento foi realizado para grandes grupos de docentes, através da
apresentação de esquemas baseados nos textos oficiais e sem discussões de natureza mais
teóricas, assumindo um sentido tutelar de formação em serviço. Tais treinamentos foram
interpretados localmente como produtores de sentido voltados a produzir a “interpretação
correta” dos preceitos oficiais.
Com isso o treinamento local não garantiu a compreensão dos pressupostos da
reestruturação educacional, pelo fato de ter sido feito em um curto espaço de tempo e
140
através da leitura de outros. Dessa forma, a produção do detalhamento curricular local
ocorreu sem um forte embasamento teórico nas competências e suas modalidades de
ensino, possibilitando, em grande parte, a manutenção do modelo curricular tradicional
anterior através de uma adaptação deste ao novo formato curricular.
4.3.4 Imposição via financiamento
O processo de alteração educacional não foi um processo aceito pela maioria dos
professores desde o início das discussões da LDBEN e do Projeto de Lei 1.603 (PL 1.603).
Porém, com a aprovação da LDBEN o governo ganha autonomia para, via decreto,
regulamentá-la. Com isso o PL 1.603 é retirado do Congresso Nacional e seu texto
convertido no Decreto 2.208/97, o qual passa a definir a nova organização da educação
profissional brasileira.
A instauração do Decreto 2.208/97 por sua vez foi detalhada a partir de portarias e
resoluções emitidas pelo CNE e pela SEMTEC, que instruía as instituições da rede federal
a respeito das normas de execução das referidas legislações.
A administração da instituição pesquisada reconhece a imposição da nova legislação
educacional e neste sentido dois de seus representantes declaram o seguinte:
Na realidade houve uma imposição legal, houve um decreto e tu não tinhas como fugir
de uma legislação. Havia uma LDB aprovada pelo Congresso Nacional, havia um
decreto que regulamentava a LDB. Quer dizer, a escola teve que cumprir o que
determina a legislação. (...) Tem que cumprir, a gente não pode fugir disso. (Diretor
Geral)
(...) quando veio o Decreto veio de cima para baixo e cumpra-se na rede federal.
(Diretora de Ensino)
As definições legais, quanto à obrigatoriedade da implantação da reforma, deram-se
mediante a determinação de datas limites e tomaram este rumo, segundo a Diretora de
Ensino, em função da resistência dos professores ao novo modelo:
141
a maioria [dos professores] estava resistindo a isto, até porque existia aquela
resistência da separação do médio do técnico. Então o único meio era que se fizesse
alguma coisa em que cumpra-se a determinação. Então a portaria
18
veio para fixar, é
esta data e a partir daqui não tem entrada a não ser pela reforma. (...) Como houve
resistência então cumpra-se. Esse foi o posicionamento do Ministério. (Diretora de
Ensino)
Dessa forma as decisões administrativas locais voltam-se ao atendimento das novas
características da educação profissional de nível técnico e aos seus prazos legais.
nós cumprimos o que dizia no decreto e o que rezava na portaria. (Diretora de Ensino)
Segundo o Coordenador Pedagógico a resistência e a não adesão ao ensino modular
por competências teve que passar para segundo plano, com a definição dos prazos, pois em
primeiro estaria a reestruturação educacional de forma a garantir a existência/permanência
do curso técnico no Cadastro Nacional do MEC.
Até que chegou um ponto que eu disse: Pessoal tem que implantar, está definido. Eles
tem o poder da escrita e da lei. Ou tu implanta o novo modelo ou então o curso es
perigando ser retirado da instituição, ou seja, ser fechado. Houve essa indagação na
época. Se não for implantado, fecha. (Coordenador Pedagógico)
Com isso foi elaborado o Plano de Curso por aqueles sob os quais recaíram as
maiores cobranças, em função dos cargos administrativos que desempenhavam.
A questão do cumprimento dos prazos legais determinados pela Resolução
CNE/CEB 04/99 e pelo Parecer 30 da SEMTEC que definia que todos os ingressos de
alunos no ano letivo de 2001 se fizessem pelo novo sistema gerou, segundo a Diretora de
Ensino, problemas de gestão nas escolas, as quais tiveram um curto espaço de tempo para a
adequação. Segundo ela:
nós tivemos prazo estipulado para que toda a rede federal implantasse a
reforma. (Diretora de Ensino)
18
Portaria 30, de 21 de março de 2000, da Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (SEMTEC).
Definia a implantação da nova estrutura curricular dos cursos técnicos para o ano de 2001.
142
Esta definição de prazo para a implantação influenciou ainda a capacitação dos
docentes para que estes atuassem baseados pelo ensino por competências. Este
atropelamento de prazos teve repercussão na própria estruturação e detalhamento
curricular.
A coisa foi mal estruturada. Foi muito mal estruturado o curso. Mas por quê? Porque
foi enfiado goela abaixo. Nos venderam como a oitava maravilha, foi cantado em
prosa e verso como a oitava maravilha do mundo, a solução para a educação estava
lançada. (PN-3)
A imposição da reforma teve como aliado o financiamento, pois aquelas escolas que
se “convertessem” e passassem a “professar” o novo modelo educacional estariam
habilitadas ao financiamento de 500 milhões de dólares.
As regras para a habilitação ao financiamento cerceavam a liberdade de uma
estruturação curricular fora dos ditames determinados em grande parte por organismos
externos e estranhos às realidades locais. A política neoliberal mostra-se voraz destruindo
outras posições contrárias aos seus preceitos, sem levar em conta os anseios da sociedade:
E isso aí é que é ruim. Não perguntaram se para nós professores se nós queríamos ou
não queríamos isso aí. Simplesmente eles [gestores] diziam que implantavam as coisas
porque eram obrigados.. (PN-2)
Eles implantaram goela abaixo, por isso que eu disse foi uma coisa bem democrática.
Tem que ser. (PN-3)
E aí então o governo meio que atropelou a coisa. O governo do Fernando Henrique
atropelou. Porque o PROEP dizia isso, tu tens que fazer isso, isso e isso. Então tu ter
que mudar uma estrutura toda de uma hora para outra fica difícil. (Coordenador
Pedagógico)
O Programa de Reforma e Expansão da Educação Profissional (PROEP) foi um
programa implantado em 1997, via Portaria MEC n° 1.005. Tal programa foi elaborado em
143
parceria por dois ministérios: o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e o
Ministério do Trabalho (MTb). Tal programa tinha como objetivo ser o principal agente da
implantação do novo sistema de educação profissional brasileiro. A sua função era a
transformação das diretrizes legais em práticas administrativas/organizacionais dos cursos
técnicos e com isso implementar de fato as alterações educacionais.
As justificativas deste programa, baseado na nova legislação educacional, eram
voltadas à expansão, modernização, melhoria da qualidade e permanente atualização da
educação técnica em seus três níveis: tecnológico, técnico e básico. Para concretizar tais
ações o financiamento visava proporcionar: a) ampliação e diversificação da oferta de
vagas; b) adequação dos currículos e cursos às necessidades do mundo do trabalho; e, c)
qualificação, reciclagem e reprofissionalização de trabalhadores, independentes do nível de
escolaridade da formação e habilitação de jovens e adultos nos níveis médio (técnico) e
superior (tecnológico).
O PROEP veio impor as alterações educacionais pelo fato de constituir-se como o
único programa oferecido pelo Governo voltado ao financiamento de projetos destinados à
ampliação ou modernização dos cursos da área tecnológica, ao qual as instituições da rede
federal se habilitariam com a apresentação do Plano de Implantação da Reforma (PIR), o
qual já era previsto pela Portaria MEC 646/97.
Neste Plano de Implantação da Reforma deveriam estar explícitos, entre outros, o
atendimento às Diretrizes Curriculares Nacionais, a organização modular, a ampliação do
número de vagas na educação profissional, a redução das matrículas do ensino médio, a
capacidade de geração de receita própria em função de cursos e serviços oferecidos.
A exigência da comprovação da separação dos cursos técnicos do ensino médio era
outra exigência para que as escolas fossem elegíveis ao financiamento do PROEP.
A verba de 500 milhões de dólares, prevista para este programa, era proveniente de
três fontes: 25% disponibilizadas pelo MEC, 25 % pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) através do Ministério do Trabalho e Emprego e 50% proveniente de empréstimo do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Se tu não entrasse na reforma não receberia verba do PROEP. E havia a ameaça de
que a escola só receberia equipamento, receberia verbas se entrasse no PROEP. Se
144
não entrasse no PROEP não receberia nada. Seria um CEFET deslocado da rede.
Então foi algo imposto realmente. (PC-1)
Se o discurso proferido pelo Governo brasileiro para a implantação da nova
legislação educacional não havia produzido muitos adeptos, o PROEP, por ser a única fonte
de financiamento para a educação profissional, apresentou motivos bem mais convincentes,
ou seja, os recursos financeiros.
A questão do financiamento da educação profissional sempre foi uma preocupação
das últimas gestões da ETFPel/CEFET-RS, pois o financiamento de instituições de ensino
que não sejam de nível superior não são, por lei, atribuições do Governo Federal. O receio
da instituição de deixar de ser financiada por verbas federais levou ao processo de
cefetização, pelo qual poderia, então, ministrar cursos de nível superior e com isso manter-
se integrante da rede federal.
As significações do financiamento dentro da instituição e do curso pesquisado
mostra este sendo o fator decisivo na imposição da proposta de educação modular baseada
em competências profissionais.
A escola como um órgão federal ou tu cumpre ou tu estás na berlinda. E a berlinda se
chama não te repassar recursos, cria problemas para a instituição. (...) Tem que
cumprir, a gente não pode fugir disso. (Diretor Geral)
Nós cumprimos este prazo. (...) Até porque isto implicava no orçamento do próximo
ano. O próprio PROEP. Todos os direitos e os deveres das instituições tudo estava
publicado ali, é cumpra-se. (Diretora de Ensino)
Na minha visão, na realidade, esta reforma ela surgiu em função de um plano de
desenvolvimento que é o PROEP. O PROEP é que definiu as linhas. Então se vocês
querem isso, vocês tem que implantar isso aqui. É essa a visão que eu tenho.
(Coordenador Pedagógico)
Uma das argumentações usadas para desvincular a educação profissional do ensino
médio era que muitos egressos dos cursos técnicos não se dirigiam ao mercado de trabalho
145
e sim para as universidades, porém eram alunos financiados com recursos destinados à
educação profissional, que exigiria recursos maiores do que o ensino médio.
Segundo o Diretor Geral da instituição pesquisada, quando foi aberta a possibilidade
do financiamento da educação por organismos internacionais, algumas
pesquisas já
demonstravam que as escolas técnicas estavam distorcidas da realidade
. As pesquisas, às quais se
refere, foram baseadas em estudos nacionais publicados
19
através do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA)
20
e não por organismos internacionais como o Banco Mundial.
Tal pesquisa, segundo o Diretor Geral, constatava que
a escola técnica, e nós já
constatávamos isto, que a escola técnica perdeu, vamos chamar assim, perdeu a sua orientação, perdeu o
seu norte
. Tais constatações teriam vindo à tona quando o Brasil foi buscar o financiamento
junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A identidade da escola de
educação profissional passa a ser questionada:
E a grande discussão era exatamente esta: qual é função das escolas técnicas?
Financiar uma escola de ensino médio da União, ou financiar um ensino médio dos
Estados? A constituição era clara. Então o que que se fez? Separa o ensino médio da
educação profissional, para financiar a educação profissional. Financiar aquele que
quer de fato se inserir no mercado de trabalho. (Diretor Geral)
A concepção estava exatamente em cima disso, quer dizer, que a escola técnica
voltasse o seu foco para a educação profissional. (Diretor Geral)
O “incentivo” do financiamento foi decisório para a adoção pelo CEFET-RS do
novo modelo educacional. Para o Coordenador Pedagógico (...)
a escola queria se beneficiar em
termos de recursos para equipar os seus cursos
.
Como resultado do financiamento do PROEP a instituição teve a ampliação da área
física e a montagem de laboratórios com a aquisição de equipamentos. O curso em estudo
apresentou projetos de implementação de laboratórios em áreas tecnológicas específicas,
19
KIRSCHNER, Tereza Cristina (coord.). Modernização Tecnológica e Formação Técnico-
Profissional no Brasil: Impasses e Desafios. (Texto para discussão n°295). Brasília: IPEA, março de 1993.
20
O IPEA é vinculado ao Governo Federal junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão.
146
tais como nas áreas de transmissão, rádio freqüência, comunicações óticas, informática,
multiplexação e comunicação de dados. Porém destes projetos apenas três foram
contemplados com a aquisição dos equipamentos. Segundo o Coordenador Pedagógico,
o
que não chegou foi aquilo que a empresa não cotou
. Já os professores argumentam que foram
poucos os equipamentos que foram adquiridos com as verbas do PROEP.
Esta dificuldade de aquisição de novos equipamentos acaba refletindo-se na
formação do trabalhador para o mercado, pois a escola não tem condições de acompanhar
as mudanças tecnológicas, devido ao fato de que as instituições de ensino, voltadas a essa
formação, não recebem o necessário apoio financeiro para a atualização.
O governo tinha que ter dado apoio. As instituições sem dinheiro não têm como, elas
não conseguiram acompanhar esta mudança. (PN-1)
O atendimento dos projetos proporcionado pelo financiamento do PROEP, embora
parcial, é visto pelo Coordenador Pedagógico como algo que
trouxe algum benefício em termos
de equipamentos. Mas demorou muito(...) Demorou muito. Isso deveria ser assim, se tu vai implantar o
modelo novo tu já tem que ter o material a tua disposição
.
Os professores, por sua vez, mostraram-se mais críticos quanto aos benefícios
trazidos pelo financiamento.
Muito pouco em função do prejuízo causado. O que a gente recebeu de tecnologia, de
equipamentos, de laboratórios, em função do prejuízo, em termos de custo benefício
foi zero realmente. Porque pra mim a gente teria, se a gente tivesse com aquela
qualidade com aquela preocupação anterior, de tecnologia e profissionalismo, nós
teríamos recebido, talvez em projetos não atrelados a esse financiamentos, o mesmo
conteúdo, os mesmos equipamentos instrumentais e a qualidade seria melhor. (PC-1)
Não [trouxe benefício]. Para o nosso curso nenhum. (PC-2)
A proposta de financiamento feita pelo governo para a efetivação da reestruturação
educacional é significada por aqueles professores mais críticos como uma forma de o
governo acabar com a educação profissional de nível técnico na rede federal.
147
Não há interesse do governo. Até porque existem os SENAIs, E os SENAIs recebem
da indústria dinheiro, até mesmo porque é uma via de duas mãos. O SENAI tem o
aluno, eles colocam dinheiro no SENAI que forma este aluno que vai para a indústria.
Então ficam trocando figurinha. Conosco não acontece isso aí. E até porque o governo
diz que o nosso aluno é muito caro, o custo final do nosso aluno é muito caro. Então
qual é a tendência do governo? É acabar com os CEFETs. Acabar com as instituições
de ensino federais. Nós estamos caminhando para isso aí. Não houve a extinção ainda
porque muita gente já abriu a boca. Porque se não houvesse, se este pessoal não
tivesse batido o pé eles já tinham terminado com isso aí há muito tempo. (PN-3)
Dentro destes contextos locais, desfavoráveis à nova política educacional baseada
em competências profissionais, desencadeou-se o detalhamento curricular, o qual
analisaremos no próximo capítulo.
5 A SEGUNDA ETAPA DA ELABORAÇÃO CURRICULAR LOCAL: O
DETALHAMENTO DO CURRÍCULO DOS MÓDULOS
O projeto de curso, primeira etapa da construção curricular local, uma vez
estruturado precisou ser detalhado para a sua implantação. Isso ocorreu devido ao Plano de
Curso ser muito amplo e seu texto ser baseado em linhas gerais, determinadas pelas
competências profissionais, as quais não especificavam os conhecimentos necessários para
o seu desenvolvimento. Foi necessário então a definição dos conteúdos e da forma como
organizá-los em cada módulo. Dessa forma o CEFET-RS coloca em prática a especificação
curricular do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações através do detalhamento do
currículo baseado em competências profissionais e na estrutura modular, como determina a
lei.
Embora a legislação trouxesse alguns elementos (muitas vezes desconexos ou
mesmo contraditórios) a respeito dos novos termos orientadores da organização curricular
por competências (tais como os conceitos de competências, habilidades e bases
tecnológicas) não trazia explícito como ocorreria a organização dos conteúdos nos tempos
escolares.
Uma primeira interpretação, pelos gestores, da legislação regente dos novos
currículos era que a organização destes não fosse baseada em disciplinas como ordenadoras
dos conhecimentos, tal como acontecia no modelo curricular anterior. Tal interpretação
baseava-se na tentativa de implementação das bases científicas e tecnológicas apontadas na
legislação como “um conjunto sistematizado de conceitos, princípios e processos (métodos,
técnicas, normas e padrões) resultantes, em geral, da aplicação de conhecimentos
científicos a essa área produtiva” (BRASIL, 2000a - RCN, p.26). As bases tecnológicas,
como ordenadores dos conteúdos, foram atreladas pelos gestores locais às funções e
subfunções do processo produtivo a serem representadas no currículo através de
conhecimentos específicos.
149
Porém as funções apresentadas pelos RCN para a área de Telecomunicações,
significaram, na prática, definições muito amplas e imprecisas para que pudessem organizar
os conhecimentos curriculares. Um exemplo disso é a função de Planejamento e Projeto, e
dentre as suas três subfunções a de Planejamento e Projeto de Comutação, para a qual a
legislação apresenta 16 bases científicas e tecnológicas. Destas, a base tecnológica de “pré-
dimensionamento de projetos e serviços, equipamentos e sistemas de comutação” serve
como ilustração da imprecisão trazida com a adoção das referidas bases científicas e
tecnológicas como ordenadoras do currículo.
Nesse contexto de incertezas geradas pela imprecisão da legislação começou a ser
elaborado o detalhamento do currículo dos módulos, que seguiu a forma progressiva com
que estes seriam implantados. Devido aos módulos serem oferecidos de forma seqüencial,
pela existência de outros modelos curriculares em andamento no curso em estudo, iniciou-
se o detalhamento curricular pelo Módulo Básico.
Neste primeiro módulo é que foram evidenciados os maiores embates e dificuldades
com relação à nova estrutura curricular. Também foi neste módulo que foram definidos os
procedimentos que seriam seguidos para o detalhamento do currículo dos demais módulos.
Portanto, neste processo de mudança de modelo curricular, houve um certo impasse
na elaboração do currículo do Módulo Básico, devido ao surgimento de algumas propostas
que se caracterizavam em dois sentidos: inovar a grade curricular ou mantê-la próximo ao
que existia.
A inovação, na realidade, ocorreria referente aos conteúdos, os quais passariam a ser
agrupados de forma diferente da disciplinar, realizada no currículo anterior.
A metodologia de projetos era uma das propostas de efetivação do modelo modular
de competências profissionais proposta pela Coordenação de Planejamento e Avaliação do
Ensino, responsável pela supervisão educacional. Tais projetos previam a integração das
diversas bases tecnológicas em torno do desenvolvimento e execução de um projeto que
proporcionasse aos alunos um aprendizado contextualizado e interdisciplinar de
determinadas competências. Com isso, as disciplinas que existiam no currículo anterior
seriam reestruturadas ou mesmo eliminadas em alguns casos, dando lugar a novas formas
organizacionais que passassem a agrupar seus conteúdos ou parcelas destes. Um exemplo
das propostas surgidas nesta época foi a de reunir todos os conteúdos relacionados à teoria
150
de componentes eletro-eletrônicos a ser ministrada por apenas um professor, enquanto os
demais procurariam abordá-los na prática fazendo montagens e análise dos circuitos,
através do modelo de projetos proposto pela escola. Tal proposta alteraria o modelo anterior
em que a teoria dos componentes eletrônicos era distribuída por disciplinas diferentes, tais
como Eletrônica, Eletricidade, Eletrônica de Potência.
Esta proposta de organização curricular acabou gerando descontentamentos de
alguns professores que sentiram as suas disciplinas (ou a organização dos conteúdos destas)
desvalorizadas pelo fato de terem sido alteradas por pessoas estranhas às disciplinas, o que
representaria uma perda de status e de representação no currículo do novo modelo. Isso fez
com que a dita inovação curricular fosse posta de lado, mantendo -se as disciplinas com
seus conteúdos específicos, e relegando-se a prática educacional orientada por projetos.
Percebe-se que o currículo formado por disciplinas é na realidade um território
contestado, disputado. As propostas de modificação de conteúdos abalaram os contornos de
um domínio já constituído, significando uma forma de ameaça para aqueles que detinham a
posse de tais territórios, demarcados claramente com os limites disciplinares. As
motivações das disputas caracterizam-se não pela sua nobreza, mas sim por um caráter que
representa o demasiado apego àquilo que os sujeitos, seus detentores, consideram um bem,
produzido ao longo de uma existência, a ser defendido de qualquer ameaça que venha
afetar-lhe a posse.
Para o detalhamento do currículo do Módulo Básico foram realizadas quatro
reuniões, após a convocação dos professores. A primeira não teve produtividade devido ao
pequeno número de professores participantes e pelo desconhecimento de como iriam levar
adiante tal empreendimento, uma vez que os professores convocados não tinham
participado da elaboração do Projeto de Curso que fora apresentado pela Coordenadoria e,
também por não estarem familiarizados com a metodologia de ensino por competência e a
maneira como deveriam ser organizados os programas curriculares.
Os professores, nestas reuniões, ao tentarem planejar o novo currículo baseado em
competências, utilizavam-se de mecanismos de planejamento aos quais já estavam
acostumados, ou seja, baseavam-se nos conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos em
cada disciplina, voltando-se a organizações curriculares baseadas em disciplinas e
conteúdos.
151
Observa-se no detalhamento curricular a força da tradição do modelo disciplinar
que, ao longo dos anos, tem sido a representação hegemônica de organização dos
conhecimentos a serem transmitidos.
O procedimento tradicional de construção curricular, baseado em conteúdos
disciplinares, foi considerado inadequado para o planejamento curricular orientado em
competências, pela Supervisora Pedagógica que participava das reuniões. Porém, a cada
intervenção que fazia tentando mostrar o seu entendimento a respeito da nova forma de
organizar o currículo, surgiam polêmicas e o detalhamento curricular emperrava.
Segundo o posicionamento da Supervisora Pedagógica na época, o processo deveria
ocorrer pegando-se uma competência e, a partir desta, determinar quais as habilidades
necessárias para efetivá-la e quais as bases tecnológicas que seriam responsáveis pelo seu
desenvolvimento.
A existência ou não das disciplinas causou grande impacto nas discussões locais que
tratavam do detalhamento do currículo, e com isso as bases científicas e tecnológicas, por
causa da sua imprecisão foram ressignificadas como disciplinas, sendo as bases científicas
e tecnológicas prescritas pela legislação relegadas a um segundo plano.
A adaptação do currículo anterior (semestral) foi a forma encontrada pelo grupo de
professores, encarregado do detalhamento curricular do módulo básico, para não gerar
maiores atritos entre as posições do grupo que propunha o novo modelo (e que se aliavam à
posição da gestão) e as que defendiam o modelo anterior, a fim de que pudesse ser
superado o impasse, permitindo o prosseguimento da elaboração do detalhamento
curricular e o cumprimento dos prazos legais.
Observa-se que as disputas em torno de representação no currículo acontecem em
todos os níveis da produção curricular, o que demonstra que a escrita do texto curricular é
na realidade a concretização da representação possível entre as diferentes posições
representadas pelos atores dessa disputa. O texto curricular nem sempre é a representação
da maioria, e muitas vezes constitui-se como uma forma de manter as posições de poder
representadas por aqueles atores que possuem uma maior força, caracterizada na forma de
argumentos ou ações, que expressam convicções ideológicas, as quais nem sempre
encontram sujeitos dispostos ao desgaste de discussões e atritos.
152
Neste sentido, a tradição da organização curricular vem tornar-se uma grande aliada
na manutenção dos currículos, pois baseada no passado já reconhecido, desvaloriza e
desqualifica outras possibilidades que não estejam bem estruturadas e com um forte
embasamento teórico, como foi o caso aqui estudado, que venham tentar deslocar ou
substituir o modelo vigente. A desqualificação, utilizada como mecanismo de poder, foi
uma estratégia utilizada mutuamente, tanto pelos professores, quanto pela gestão. Os
professores argumentavam que a administração, por não estar na sala de aula no dia-a-dia,
não sabe das necessidades da prática pedagógica. E, em contrapartida, a administração
contra-atacava argumentando que os professores não percebiam ou não entendiam a nova
teoria educacional.
A estratégia de elaboração dos currículos dos outros três módulos, do curso em
estudo, diferiu daquele utilizado para o Módulo Básico. A estratégia de construção coletiva
do detalhamento curricular do Módulo Básico foi abandonada por ter provocado o atrito
entre os sujeitos selecionados para a sua escrita, o que causou mal-estar pelas disputas que
surgiram entre as disciplinas, defendidas por seus ministrantes buscando a manutenção de
carga horária e conteúdos.
Para o detalhamento dos demais módulos foi nomeado um professor coordenador
entre os sujeitos participantes de cada módulo. Este coordenador passou a distribuir a tarefa
do detalhamento curricular a seus pares, de modo que a estrutura disciplinar foi mantida e o
conteúdo do currículo anterior transposto para um novo formato que apresentava as
competências e habilidades como máscara que ocultava os antigos conteúdos disciplinares.
Com isso, os conteúdos é que acabaram determinando e significando as competências e as
habilidades no currículo em estudo, ou seja, no final das contas das disputas entre
concepções curriculares diferentes, venceu a tradição disciplinar do currículo.
Nem todos os professores de cada módulo profissionalizante participaram da escrita
da especificação curricular, ficando esta restrita àqueles sujeitos indicados pelo
coordenador do módulo, o qual baseou-se no tempo de magistério na disciplina para a
escolha entre os sujeitos de uma mesma disciplina. A hierarquia, já indicada neste estudo,
atua como um diferencial para a definição da posição dos sujeitos na construção curricular
local.
153
O fato de alguns professores atuarem em mais de uma disciplina e estas na nova
organização modular ficarem em módulos diferentes, implicou que algumas disciplinas, de
módulos diferentes, foram detalhadas por um mesmo professor. Isto nos indica que a
hierarquia que os sujeitos ocupam dentro da instituição, seja ela baseada no tempo de
profissão e/ou cargo ocupado, influencia no detalhamento curricular, pois alguns sujeitos
têm sua voz representada na escrita e outros não, indicando que a construção curricular é
um diagrama das relações de poder. Aqueles que têm um poder reconhecido localmente
têm também o poder da definição dos conteúdos e tempos curriculares locais.
5.1 Definição das disciplinas
A reestruturação educacional impetrada pelo MEC tinha em sua legislação inicial a
indicação de que a definição das disciplinas e suas cargas horárias seriam definidas
centralizadas pelo próprio Ministério. Porém, esta idéia foi posta de lado à medida que o
detalhamento legal foi sendo criado e com isso todo o arcabouço estrutural da educação
profissional que se baseava em disciplinas foi suplantado pelo modelo das competências.
Neste modelo, para o detalhamento curricular, as competências deveriam ser
desmembradas em suas habilidades e bases científicas e tecnológicas. Porém, a questão de
como os conhecimentos seriam organizados provocou diferentes interpretações a respeito
da existência ou não das disciplinas dentro do novo modelo educacional, pois este não seria
organizado nos mesmos termos do currículo anterior, causando confusões no início do
processo de detalhamento curricular.
As múltiplas interpretações proporcionadas pelo próprio caráter impreciso dos
textos oficiais acerca da forma de efetivação do modelo de competências, que
apresentavam novos elementos norteadores da construção curricular, tais como
competências, habilidades e bases científicas e tecnológicas, proporcionaram inicialmente a
sua significação local, junto aos docentes, no sentido da eliminação das disciplinas. Esta
interpretação, por sua vez, veio a reforçar as resistências dos professores ao novo modelo.
154
Analisando o currículo por competências como princípio de organização curricular,
Lopes (2001) pondera que as competências trazem alterações ao processo de organização
dos currículos, conforme podemos observar em seu relato:
Em termos de sua organização, o currículo por competências não é disciplinar, na
medida em que as habilidades e competências a serem formadas exigem
conteúdos de diferentes disciplinas. Por isso, sua organização normalmente é por
módulos, supondo que cada módulo englobe conteúdos e atividades que sejam
capazes de formar determinado conjunto de habilidades.
Para a elaboração dos planos dos módulos ou currículo dos módulos, as disciplinas
inicialmente foram interpretadas localmente como não determinantes dos conteúdos que
desenvolveriam conhecimentos específicos. Tais conhecimentos técnicos seriam
representados através das bases tecnológicas para atingir determinada habilidade que viesse
a constituir uma competência. Com isso, as disciplinas não possuíam um lugar explícito no
detalhamento curricular chegando mesmo a serem interpretadas como inexistentes dentro
da nova estrutura, o que causou um grande embaraço no processo de seleção dos
conhecimentos a serem ensinados.
Com relação às interpretações locais a respeito da existência ou não das disciplinas
para o detalhamento curricular a Diretora de Ensino pondera o seguinte:
Eu acho que a disciplina existe sim, ela está lá posta e ela tem, na sua constituição,
competências que precisam ser desenvolvidas. Eu não acho que as disciplinas
desapareceram não. Mas, no início da reforma, houve esta visão, de que as disciplinas
não precisam aparecer mais. E aí os professores entraram em pânico e com toda a
razão. (Diretora de Ensino)
Para um dos consultores o detalhamento curricular local é que reeditou as
disciplinas, as quais tinham sido substituídas pelas competências na proposta oficial de
construção curricular.
Na realidade pela reforma não haveria disciplinas. Haveria o desenho curricular e
esse desenho curricular daria o esboço do módulo e este módulo teria as
competências ali dentro que seriam desenvolvidas. Então quer dizer que a grade
curricular que a gente tem ali (...), oficialmente para Brasília não existe. Isso é uma
155
acomodação interna [local]. Então o que foi? O desenho curricular foi separado em
disciplinas para melhor distribuir carga horária e competências, mas na realidade
disciplinas não existem para o MEC. (PC-1)
A significação local é que determinou a manutenção das disciplinas como
organizadoras dos conhecimentos e como elemento de distribuição dos tempos e dos
espaços do currículo. Verifica-se que com a manutenção das disciplinas curriculares como
um arcabouço a organizar as competências, cria-se localmente um currículo híbrido, que
contempla a proposta oficial e a tradição disciplinar do currículo. Neste modelo híbrido
destaca-se a estratégia de acomodação das competências, exigidas oficialmente, à estrutura
disciplinar que mantém os territórios bem delimitados dentro do currículo.
Uma vez instituídos de poder, através da escrita das definições curriculares dos
módulos, os professores tornaram as suas posições em oficiais, em substituição às
indicações dos gestores locais. Esses atores, no processo de escrita curricular dos módulos,
desempenharam uma função coadjuvante, de apenas exporem as suas interpretações acerca
do entendimento correto da legislação, sem ter um poder instituído pelo fato de não serem
sujeitos que atuariam em sala de aula baseados no novo currículo, ficando por isso
desautorizados no processo do detalhamento do currículo.
Verifica-se aqui claramente a definição das posições discursivas no currículo, pela
qual nem todo o sujeito pode ingressar ou ser representado no campo discursivo dominado
por outros sujeitos. Observa-se que os princípios orientadores das posições dos sujeitos
fundamentam-se em racionalidades diferentes. Os gestores obedecem a uma racionalidade
técnica-instrumental nas concepções curriculares, devido as suas responsabilidades frente à
gestão das políticas curriculares no âmbito da escola. Já os professores obedecem a outras
demandas, que têm a prática educacional e o mercado de trabalho como seus guias. Tais
racionalidades marcam as posições dos sujeitos nas práticas (discursivas ou não) de
determinação curricular (HARGREAVES, 1998).
As disputas entre interpretações diferentes tidas pelos professores e gestores locais,
no planejamento dos módulos, não deixam de existir, porém os professores passam a ter
maior poder em fazer valer as suas interpretações, marcadas pela tradição disciplinar do
currículo.
156
O detalhamento curricular proposto pela Supervisora Pedagógica deveria basear-se
em
pegar uma competência, determinar as habilidades necessárias para o desenvolvimento de tal
competência e que bases tecnológicas são necessárias para tal
. Esta idéia de detalhamento
curricular é semelhante à defendida pela Diretora de Ensino, que argumenta que tal
processo deveria ser realizado na seguinte ordem:
... peguem as competências que vocês querem desenvolver e a partir dessas
competências vejam que bases tecnológicas precisam para desenvolver essas
competências e não que competências eu preciso para desenvolver essa base.
O material no qual os docentes deveriam basear-se para a elaboração do
detalhamento do currículo dos módulos trazia apenas as competências referentes a cada
módulo e era composto por cinco colunas. A primeira destinava-se ao registro da
competência profissional (previamente definida) a ser desenvolvida; a segunda coluna era
reservada para a definição das habilidades necessárias para a construção dessa
competência; a terceira coluna registrava as bases tecnológicas (disciplinas/conteúdos)
referentes a cada habilidade; a quarta coluna fixava a carga horária semanal; e a quinta
coluna designava os projetos acadêmicos que envolveriam esses conhecimentos.
Com a elaboração deste guia para o detalhamento curricular observa-se a existência
de uma tentativa de normalizar o processo de planejamento da prática docente. Com isso os
gestores buscaram uma uniformidade no detalhamento curricular dentro da instituição, para
uma posterior uniformidade da prática educativa.
Pela concepção da Diretora de Ensino as disciplinas, dentro do ensino por
competências, perderiam a centralidade no detalhamento do currículo:
... as disciplinas existem, os conteúdos existem. O que não se pode é concentrar o
foco da reforma na disciplina e continuar trabalhando a disciplina pela disciplina e
sim a disciplina pela construção de competências.
As bases científicas e tecnológicas foram interpretadas localmente pelos atores do
detalhamento curricular como sendo compostas pelo conjunto dos conhecimentos
específicos (conteúdos) necessários para desenvolver as diferentes habilidades que
157
formariam cada competência. Observa-se que para a efetivação de uma competência seriam
necessários conhecimentos distintos que, pelo modelo tradicional, fariam parte de diversas
disciplinas. Com isso as bases científicas e tecnológicas passam a representar localmente as
disciplinas com os conteúdos do currículo antigo.
Dessa forma as interpretações tidas pela Diretora de Ensino e pela Supervisora
Pedagógica não foram compartilhadas pelos professores quanto à definição das disciplinas.
O Coordenador Pedagógico relata como se deu o planejamento dos currículos dos
módulos:
Se a gente tem um conteúdo programático que vem funcionando bem, que está dentro
da realidade do conteúdo que está sendo desenvolvido, o que é que se fez? Se
procurou, em cada módulo, definir as cadeiras que pertenceriam a cada módulo em
cima de cada disciplina.. até porque a gente ainda tem a cultura da disciplina... mas a
disciplina ela foi moldada como base tecnológica, passou a se chamar dentro desse
novo modelo de base tecnológica, a gente começou a formatar programas retirados
daquilo que a gente já tinha. Naturalmente moldados, suprimida alguma coisa que a
gente achava que era menos importante, ou que já continha em uma outra cadeira.
(Coordenador Pedagógico)
Com a matriz curricular em que as disciplinas perderam a centralidade na definição
dos objetivos educacionais, os professores tiveram de organizar os conteúdos de maneira
diferente da tradicional, na qual os conteúdos eram organizados de acordo com uma ordem
pré-estabelecida em função de pré-requisitos, da própria disciplina ou de outras disciplinas.
Essa mudança nos critérios de seleção dos conteúdos não foi bem aceita pelos
professores que compunham a equipe encarregada de desenvolver os programas do
primeiro módulo e eles voltaram-se para uma organização curricular baseada em conteúdos
e tentaram adaptá-lo ao novo modelo de competências, relacionando as disciplinas e seus
conteúdos com as competências. Com isso os professores agruparam os conteúdos de suas
disciplinas no período do módulo que se destina a estas, alterando a forma seqüencial
anterior que distribuía os conteúdos com graus de dificuldades diferentes em mais de um
período letivo, baseada no princípio de ir dos conteúdos mais fáceis aos mais difíceis e de
158
relacionar-se, também, a outros conhecimentos desenvolvidos por outras disciplinas e tidos
como pré-requisitos para o desenvolvimento de determinados conteúdos.
A interpretação da legislação formulada pelos atores ligados à direção foi posta de
lado uma vez que não ofereceram subsídios considerados válidos pelos professores. Com
isso a tradição curricular com a qual os professores estavam familiarizados foi mantida, o
que demonstra que no jogo de interesses da definição do currículo quem tem o poder da
escrita determina o currículo. Como no detalhamento curricular local os professores eram
os principais atores dessa escrita foram mantidas as suas concepções a respeito do
currículo, uma vez que o currículo oficial, enviado ao MEC no formato de Plano de Curso,
já havia sido aprovado. Com isso abriu-se a possibilidade de sua (re)significação local.
De acordo com a Supervisora Pedagógica que trabalhou na criação do currículo do
módulo básico, o que foi tentado pelo curso foi um enquadramento do que já existia, para
adequá-lo às exigências do texto da política oficial. Na sua opinião não houve uma nova
elaboração, simplesmente pegaram o que existia e tentaram encaixar na reforma. A
Supervisora Pedagógica argumenta que para o detalhamento curricular deveriam ser
esquecidos os programas antigos (baseados em disciplinas) e começar tudo do zero. Porém,
não foi isto o que ela constatou no curso em estudo, uma vez que os professores andavam
para cima e para baixo com os programas das disciplinas anteriores buscando uma forma de
adaptá-los às competências.
A estrutura disciplinar foi objeto de embate entre os atores da direção e os
professores no detalhamento do primeiro módulo (módulo básico) no qual foi tentada a
imposição de uma nova forma de pensar a organização do currículo. Uma vez que esta nova
visão da organização curricular não vingou junto aos professores, estes definiram a
estrutura disciplinar para o detalhamento do currículo, a qual serviu de base para todos os
módulos que compõem o curso.
A manutenção das disciplinas do currículo anterior ocorreu, segundo a interpretação
de um dos consultores do MEC, pelo fato dessas já estarem atendendo a área das
telecomunicações em suas três áreas de atuação: comutação, transmissão e telemática. Isto
aconteceria pelo fato de o currículo anterior ter os conteúdos das suas disciplinas
obrigatórias redefinidos, muitas vezes num sentido diferente daquele dado pelo nome da
disciplina. Um exemplo disso foi a disciplina de Análise de Circuitos (definida pela LDB
159
5692/71) que localmente tinha conteúdos relacionados à modulação e transmissão de rádio-
freqüência e não à análise de correntes e tensões nas malhas dos circuitos. Observa-se que
na prática o processo de ressignificação da norma legal no âmbito do curso estudado não é
uma prática que surgiu com as alterações educacionais pós Decreto 2.208/97.
O critério para a definição ou manutenção das disciplinas foi dar funcionalidade ao
sistema de ensino modular por competências. Dessa forma as disciplinas antigas foram
adaptadas à nova estrutura curricular:
No básico a gente colocou as cadeiras de instrumentalização. Na comutação a gente
colocou as de comutação, mais específicas da área de comutação: telefonia básica,
celular, sistema de energia, etc... Isso já continha no programa do curso [currículo
antigo]. (Coordenador Pedagógico)
... a gente escolheu as disciplinas afins do módulo a ser criado. Por exemplo, no
módulo de comutação a gente escolheu as disciplinas que já eram dadas no regime
anual e montou o módulo. (PC-2)
A definição das disciplinas dos módulos, baseada nas disciplinas existentes no
currículo anterior, se por um lado manteve o currículo anterior, por outro apresentou
problemas quanto ao acúmulo ou escassez de disciplinas em determinados módulos.
No módulo básico houve o excesso de disciplinas pela existência de um grande
número de disciplinas direcionadas a conteúdos básicos, que eram considerados pré-
requisitos para os demais módulos. Para resolver isso eliminaram-se ou reduziram-se
conteúdos para a adequação da disciplina a sua nova carga horária.
Já o módulo de telemática herdou poucas disciplinas do currículo anterior, pois os
conteúdos referentes a esta área de atuação eram desenvolvidos por apenas duas disciplinas
(telemática e comunicação de dados), por isso foram criadas novas disciplinas. Para tal,
segundo o Coordenador Pedagógico, foram feitas pesquisas de demanda para a criação dos
novos conteúdos e das novas disciplinas, algumas das quais foram compostas pela
adaptação de conteúdos das disciplinas do currículo anterior, que foram desmembradas para
serem tratadas com maior profundidade.
160
A definição das disciplinas dos módulos evidencia que a tradição do planejamento
curricular, baseada em conteúdos e disciplinas, influenciou na definição do novo currículo e
o conhecimento disciplinar acabou definindo as competências a serem desenvolvidas, não
alterando as hierarquias temporais e seriadas do currículo. Isto se deve ao fato de as séries
de conteúdos já estarem estabelecidas em seqüências ordenadas pelo grau de complexidade
crescente dos diversos saberes. Considerar as competências como ordenadores dos blocos
de conteúdos a desenvolver foi visto como uma forma de bagunçar a ordem dos saberes já
instalados.
Percebe-se que a adaptação do modelo curricular tradicional ao modelo das
competências profissionais, que se constitui como um modelo híbrido, tem reflexos
também na interpretação das competências como objetivos de ensino, dos planos de ensino
provenientes dos currículos anteriores.
Ninguém se preocupou [com as competências]. Apesar que se mantém ou vai se
manter, mas a maioria tá dando aulas, estão considerando as competências como
objetivos específicos. (PC-1)
A manutenção da grade curricular existente foi a forma encontrada de oferecer
resistência ao novo modelo curricular por competências, e, talvez, também a forma que o
grupo de professores encontrou para se isentar de maiores disputas e trabalho. Dessa forma,
o novo currículo foi desenvolvido baseado em disciplinas que já haviam sido definidas no
primeiro momento da reestruturação, utilizado na fase de transição, quando foi adotado o
sistema semestral, independente do ensino médio.
Percebe-se que em momentos de alterações curriculares a tradição é um dos
principais fatores a influenciar as alterações educacionais. Esse é um fator que não deve ser
subestimado ou relegado a um segundo plano, visto que a sua força pode reverter toda a
inovação proposta e manter o currículo praticamente inalterados, como de fato aconteceu
no caso em estudo.
O desenho do novo currículo limita e regula a distribuição dos tempos e dos
conteúdos por disciplinas, como mostrado na representação gráfica a seguir. Porém, a
adoção do modelo não-seqüencial em substituição ao modelo proposto pelo Plano de
Curso, gerou uma nova situação na qual algumas disciplinas (Organização e Normas e
161
Sistemas de Energia), tidas como essenciais aos módulos profissionalizantes mas que não
couberam no módulo básico (anterior a estes), são repetidas em mais de um módulo.
Módulo Básico
Módulo de
Comutação
Módulo de
Transmissão
Módulo de
Telemática
Base
Tecnológica
Carga
horária
Base
Tecnológica
Carga
horária
Base
Tecnológica
Carga
horária
Base
Tecnológica
Carga
horária
Comunicações
Ópticas
3
5
Administração de
Redes Locais
Análise
de Circuitos
6
Comutação
Telefônica
6
Organização e
Normas
1 4
Desenho
Técnico
3
Multiplex 6
Cabeamento
Estruturado
Organização e
Normas
1
3
Redes
Telefônicas
5
Comunicação de
dados
Eletricidade 4
3
Sistemas de
Energia
3 Microcomputadores
Eletrônica de
Potência
3
Rádio
Transmissão
6
Organização e
Normas
1
Telefonia
Básica e
Tráfego
Telefônico
4
Redes de
computadores
3
3
Eletrônica
Digital
6
Radiopropagação
6
Redes de Faixa
Larga
Informática 2
3
Inglês Técnico
1
Telefonia
Móvel Celular
6
Sistemas de
Energia
3
Sistemas de
Energia
A sua repetição ocorreu, em primeiro lugar, para atender o requisito de
terminalidade dos módulos, pois tais disciplinas eram tidas como elementares para qualquer
das certificação dos módulos. Por outro lado, os docentes que ministram tais disciplinas
162
influenciaram a manutenção destas no currículo, preservando seus territórios e tempos de
trabalho.
Pelo processo de adaptação curricular os conteúdos abordados por estas disciplinas
poderiam ter sido absorvidos por outras disciplinas ou mesmo eliminados, uma vez que são
questionados quanto à necessidade de estarem incorporados na grade curricular.
Pelo fato do modelo curricular que de fato foi implantado ter adotado a forma
seqüencial, diferindo do projeto de curso, as disciplinas de Sistemas de Energia e de
Organização e Normas são oferecidas nos três módulos profissionalizantes, porém são
cursadas apenas no segundo módulo (Comutação). Todavia, nos horários dos demais
módulos profissionalizantes (Transmissão e Telemática) tais disciplinas têm assegurado
seus horários, contando como carga horária dos professores, mesmo que se saiba que os
alunos já tenham cursado tais disciplinas (ou suas competências) e peçam o aproveitamento
das mesmas ficando vagos, portanto, esses horários na grade curricular.
Percebe-se que foram as circunstâncias da efetivação do modelo curricular no
formato seqüencial que provocou o surgimento das aulas fantasmas. Sua manutenção na
grade de horários é atribuída ao fato de que tais disciplinas gozam de um status superior na
organização curricular, pois se mantiveram em mais de um módulo, ao passo que outras
disciplinas do currículo anterior ou parte destas, mesmo considerando a importância de seus
conteúdos, foram excluídas ou limitadas dentro de um único módulo do currículo. Como
exemplo de disciplinas excluídas do currículo temos as voltadas à programação em
Linguagem C e Microprocessadores.
O status adquirido pelas “disciplinas fantasmas” é determinado, em parte, pela
defesa fervorosa de seus professores, os quais mostraram-se irredutíveis frente à alteração
dos “seus” conteúdos. A existência de horários “vazios” no currículo (ocupados pelas
disciplinas fantasmas) evidencia que nem sempre a presença de certos conhecimentos ou
disciplinas no currículo obedece a critérios de ordem epistemológica e de utilidade na
formação profissional. Os critérios que fundamentam tais decisões não são tão nobres como
seria de se desejar.
As definições curriculares não suplantam as disputas por representação no currículo,
sejam elas por conteúdos ou por tempo, mostrando que as disputas em torno dos tempos e
163
dos espaços curriculares estão presentes no dia-a-dia das instituições de ensino, dos
professores e alunos, mesmo após detalhados e definidos os currículos escritos.
5.2 A definição dos conteúdos
A definição dos conteúdos a serem ensinados aos alunos foi o foco principal do
detalhamento curricular. Para isso os professores selecionaram conteúdos do currículo
anterior de forma a adaptá-los e organizá-los sob um título denominado competência.
Eu acho que os novos currículos também eram planejados em cima de conteúdos.
(...)Tu monta o conteúdo que tu achas que é importante, só que tu vai trabalhar ele
sempre a nível de competências. (Diretor Geral)
Olha praticamente a gente fez uma adaptação do que a gente tinha do currículo
anterior para este currículo. Com criação de algumas coisas novas. Então a gente
pegou exatamente o que nós tínhamos e funcionava e que nós formávamos um técnico
de boa qualidade. Procuramos juntar tudo isso aí, separadamente em cada módulo, de
forma que a gente oferecesse o mesmo conteúdo trabalhado. (...) Então foi dessa
forma que foi feito, foi reestruturado. (Coordenador Pedagógico)
Para o detalhamento do currículo os atores da escrita curricular tomaram como base
os conteúdos das disciplinas como referência para a determinação das competências
específicas do currículo, invertendo a forma de planejamento proposto pela direção da
instituição. O fato das competências específicas definidas nos Referenciais Curriculares
Nacionais (RCNs) da área de telecomunicações serem amplas e imprecisas permitiu a sua
ressignificação local em termos dos conteúdos de ensino a serem desenvolvidos.
... Ele pegou a competência ali e dentro de cada cadeira... porque a competência não é específica,
ela é bem ampla, então o que dá para encaixar dentro daquela competência? Ah, dá para encaixar esse,
esse e esse [conteúdo]. Na minha opinião foi isso. (Coordenador Pedagógico)
164
A reestruturação curricular foi realizada tendo como matriz os conteúdos antigos os
quais foram relacionados às competências propostas pela legislação, com isso o
detalhamento curricular privilegiou os conteúdos em detrimento das competências. A
Supervisora Pedagógica neste sentido é enfática:
Pegaram os conteúdos e encaixaram nas
competências.
A tradição de um tipo de planejamento de ensino baseado na transmissão de
conteúdos surge com força diante do novo modelo desconhecido e repudiado pelos
professores, permitindo que fosse mantido, em grande parte, o currículo anterior.
Neste sentido, a Supervisora Pedagógica salienta que durante este processo,
constatou diversas vezes que os professores envolvidos no detalhamento curricular
valerem-se dos programas das disciplinas do currículo anterior, buscando selecionar
conteúdos que estivessem relacionados com as competências elencadas pelo novo
currículo.
Os professores que participaram da escrita do detalhamento do currículo
argumentam que:
Era um processo muito novo, ninguém sabia como fazer. Então nós nos baseamos
naquilo que nós conhecíamos, que era o processo antigo. Naquele modelo de conteúdo
possível de se trabalhar no prazo que se tinha, então em função disso se criou as
competências baseadas nisso. Mas a base de tudo foi o processo anterior que se
conhecia. Ninguém sabia como é que era. (PP-3)
A reestruturação curricular manteve grande parcela dos conteúdos do currículo
anterior, porém estes foram remodelados em função da diminuição do tempo ou carga
horária das disciplinas e do tempo de duração do curso técnico. Isso implicou na
simplificação de alguns conteúdos pela diminuição do tempo a eles dedicado.
A eliminação de conteúdos não ocorreu apenas durante a elaboração do
detalhamento curricular quando do planejamento dos módulos. Algumas disciplinas
tiveram conteúdos alterados ou mesmo retirados do currículo na medida em que os
módulos foram sendo implantados. Tais resoluções a respeito da alteração ou eliminação de
conteúdos de ensino foram definidas pelos próprios professores das disciplinas em suas
práticas educacionais. Porém, tais exclusões acabaram afetando o desenvolvimento de
165
outros conteúdos de disciplinas diferentes, em função do pré-requisito que tais conteúdos
representavam em termos de aprendizagem. Evidencia-se que desses arranjos resultou um
processo de simplificação e eliminação sumária dos conteúdos:
Eu acho que faltou, quando se fez isso [detalhamento curricular], de juntar para o
grande grupo e ver se ficou bem assim ou se não ficou. Porque no nosso módulo
mesmo foram retirados conteúdos que nós havíamos proposto e foram retirados e
nós precisávamos aquilo ali. (...) Aí o pessoal foi ríspido demais, tirou tudo. (PP-1)
As instâncias nas quais o currículo é significado e ressignificado não se limitam
apenas às voltadas ao planejamento e à produção do texto curricular. A constituição prática
do currículo depende das significações dos docentes, os quais alteram os conteúdos de suas
disciplinas diante de demandas de ordem prática, alterando, portanto, os currículos vividos,
de acordo com as suas interpretações acerca das necessidades dos sujeitos aprendizes: os
alunos. O poder de representação dos docentes no currículo extrapola os textos curriculares,
penetrando na sala de aula através da prática docente.
A questão dos pré-requisitos que ordenavam os conteúdos do currículo anterior,
úteis a um devir educacional ou profissional, distribuídos através de diferentes períodos
letivos, com a nova organização curricular modular por competências perdem a
centralidade. Os pré-requisitos no novo modelo restringem-se aos conteúdos no interior das
disciplinas de um módulo. Com isso deixa de haver o encadeamento entre conteúdos de
disciplinas diferentes, pelo fato das disciplinas começarem todas ao mesmo tempo tratando
de conhecimentos com diferentes graus de dificuldades, que, no modelo anterior, muitas
vezes eram pré-requisitos:
Outro problema que eu vejo nos módulos é que às vezes alguns conteúdos que
precisam ser trabalhados antes de outros, são trabalhados concomitantes. (...) Então
resta, um tempo curto para os cursos, eu acho este um grande problema.: de
conteúdos que eles precisam para uma disciplina serem trabalhados ao longo do
desenvolvimento daquela disciplina e quando chega lá no final eles não aprovaram na
disciplina porque não tinham a base. Eu acho que isso é um problema. (Diretora de
Ensino)
166
A eliminação de pré-requisitos no detalhamento curricular foi visto pelos
professores como uma forma de desestruturação do encadeamento lógico entre conteúdos,
provocado pela redução do tempo e pelo agrupamento de disciplinas com diferentes graus
de exigências quanto aos conhecimentos prévios dentro de um mesmo módulo. É o que
destaca a passagem a seguir:
Essa questão do pré-requisito é que matou. Se a gente tivesse um tempo maior de
curso a gente poderia colocar aquela cadeira que estava no módulo 1, vamos supor que
para o módulo 2 esta cadeira servia de pré-requisito, e hoje está tudo junto. Hoje o
cara vê telefonia básica que é o princípio da comunicação telefônica e já tá vendo
celular. Ele nem sabe o que é ainda telefonia e já esta vendo celular. Quer dizer, a
maior bagunça foi essa no sistema modular. (Coordenador Pedagógico)
Os professores frente a este problema também se referem a dificuldades de
desenvolver os conteúdos pela falta dos pré-requisitos:
O curso tem que ter uma seqüência. O conteúdo não pode ser despejado para o aluno
assim de qualquer jeito. (PC-2)
Os pré-requisitos hoje são dados simultaneamente. (PP-3)
Tu estás vendo um conteúdo e depois tu vais ver o pré-requisito, depois. (PP-2)
... tem disciplinas que precisam de conhecimentos que estão em paralelo. Então não
estão andando junto, não estão fechando. (PN-2)
Com relação à organização dos conteúdos no currículo, percebe-se também a
existência de uma hibridização, conseqüência de duas lógicas atuantes no currículo. Por um
lado, o modelo oficial das terminalidades que orienta a organização dos conhecimentos
dentro de um determinado período letivo, compreendido como módulo. Por outro, a prática
docente de planejar o ensino tendo como fundamento a transmissão de conteúdos.
167
O planejamento de ensino tradicional leva em conta exclusivamente a estrutura
interna das matérias de ensino, sua organização interna, em termos de uma progressão do
mais simples ao mais complexo. A didática centrada na transmissão de conteúdos escolares
é atuante na mentalidade dos professores.
O discurso oficial em torno da educação por competências, por sua vez, busca
superar tal entendimento, afirmando que o aprendizado ocorre de forma independente do
conhecimento de conteúdos prévios, não estando subordinado a diferentes níveis de
complexidade dos conteúdos e hierarquização disciplinar (BERGER, 1999).
A organização de disciplinas com graus de dificuldade diferentes dentro de um
mesmo período modular, atendeu a exigência da terminalidade e da certificação modular. A
falta de conhecimentos a respeito do que podia ou não ser feito, relativamente à
organização dos conteúdos e à seqüencialidade das disciplinas, marcou o processo de
detalhamento do currículo do curso em estudo. Neste sentido um dos seus docentes relata
que:
(...) o pessoal dizia para a gente que isso [seqüencialidade das disciplinas] não pode, e
depois a gente ficou sabendo, não no nosso curso, mas por outros cursos com os quais
a gente falou, [que poderia]. Porque a gente não teve a informação. Porque a gente
começou a trabalhar a telefonia básica e a telefonia celular e comutação ao mesmo
tempo. E eu acho assim que precisaria de um período inicial só da telefonia básica
para depois então iniciar com as outras disciplinas. E isso aí poderia ser feito, só que
quando se fez isso aí a gente não tinha essa informação (...) (PP-1)
A falta de pré-requisitos foi relatada também pelos alunos como sendo responsável
pelas dificuldades encontradas no aprendizado de determinados conteúdos:
Mas quando a gente viu a matéria dele a gente não tinha base para aprender a
matéria dele. Não tinha como. (...) Ele até explicava bem, mas a gente não conseguia
entender. (Aluno 5)
Ele foi dando a matéria dele e empurrando com a barriga e o conteúdo foi passando e
a gente foi engolindo. (...) faltou base mesmo. (Aluno 4)
168
A adoção do modelo curricular por competências problematizou a tradição do
planejamento que os professores vinham adotando, pois aboliu a existência de pré-
requisitos entre conteúdos com graus de dificuldades diferentes. No desenvolvimento da
prática docente, os professores alteraram a organização dos conteúdos de suas disciplinas,
incluindo e/ou excluindo conteúdos ou, então, alterando a seqüência previamente definida
nos currículos escritos, tendo como critério a aprendizagem dos alunos.
A construção curricular local e a definição de conteúdos é um processo em
movimento o qual possui apenas alguns poucos referenciais definidos nos currículos
escritos em termos de competências. Os currículos por competências podem orientar a
seleção de conteúdos, mas não restringem a prática docente ao documento escrito. O
currículo tem alterado os seus conteúdos mesmo durante o processo de ensino, mostrando
que a construção do currículo tem o professor como seu principal ator.
5.3 A definição das cargas horárias
A questão da definição das cargas horárias das disciplinas é um ponto de embate
entre os sujeitos, e existe tanto entre aqueles que definiram o currículo como entre aqueles
que não participaram de tal definição.
Para a Diretora de Ensino a divisão de carga horária entre as disciplinas foi adotada
em função das condições de implantação do novo currículo. Segundo ela:
Na verdade não deveria existir a divisão de carga horária. O que deveria existir? O
módulo tem 500 horas para desenvolver, se nós vamos trabalhar por competências,
para desenvolver a competência X eu vou usar conteúdos de uma, duas, três ou
quatro disciplinas. É esta competência é que vai determinar quanto tempo é que eu
vou precisar para estas quatro disciplinas. Isto é o que deveria acontecer.
Administrativamente isto é quase impossível numa escola como a nossa, com o número
de professores que nós temos. Por isso, os professores optaram por conservar ainda
aquela divisão de carga horária. Porque na verdade, é bem aquilo que a gente diz, que
existe uma escola que é ideal, que é aquela que deveria então trabalhar assim, e a
169
escola real que é a escola que nós temos, com as deficiências que a gente tem.
(Diretora de Ensino)
Os professores consideram que a distribuição das cargas horárias não atende as
necessidades das disciplinas. A maioria expressa o seu descontentamento frente à
quantidade de horas-aula destinada as suas disciplinas, reclamando tempo para aprofundar
os conteúdos desenvolvidos por elas:
Eu acho que tempo pra qualquer disciplina sempre é pequeno, vai depender do
professor abordar mais ou não o conteúdo. Então eu acho que o tempo tá sempre
inadequado em relação à tecnologia. Porque tu aborda a tecnologia da forma como tu
quiser, o aprofundamento conforme tu quiser. (PC-1)
A limitação de tempo influencia também na incorporação de novos conteúdos nas
disciplinas existentes, pois os professores relatam que é muito difícil fazê-lo sem a
ampliação da carga horária pois as suas disciplinas, com a reestruturação curricular,
mantiveram praticamente os mesmos conteúdos e tiveram suas cargas horárias reduzidas.
A falta de tempo para o desenvolvimento de conteúdos parecer influenciar a prática
docente em sala de aula, do ponto de vista da metodologia de ensino. As aulas são
desenvolvidas em grande parte através de proposições de atividades de pesquisa aos alunos,
as chamadas aulas-pesquisa. Com isso, muitas das tarefas antes desenvolvidas pelos
professores em sala de aula são repassadas para os alunos, os quais passaram a desenvolver
mais leituras prévias e pesquisas teóricas que venham a subsidiar as aulas dos professores.
Tal procedimento, segundo o professor PP-3, visaria proporcionar aos alunos um primeiro
contato com o conteúdo, o que permitiria a estes formularem um entendimento inicial
acerca dos mesmos, ficando a aula destinada ao esclarecimento das dúvidas ou pontos
obscuros nas leituras feitas pelos alunos.
O fator tempo é entendido, pelos professores de algumas disciplinas, como um
determinante da sua prática docente, ou da alteração provocada nesta pela adoção do novo
modelo curricular modular, baseado em competências. Ou seja, a redução dos tempos
curriculares das disciplinas acabou influenciando o currículo em ação.
170
Porém, esta metodologia (aula-pesquisa) não é utilizada por todos os professores,
que, em alguns casos, não conseguem cumprir todo o programa proposto para a sua
disciplina, ou acabam por fazê-lo de forma superficial:
Eles fazem pesquisa, porque não dá tempo. [de ver todo o conteúdo em aula] (PS-2)
Eu vejo que para determinadas matérias um módulo só é pouco para ser visto o que
precisa ser visto. É dado muito por cima. (Aluno 14)
As principais críticas quanto à distribuição dos tempos são feitas por aqueles atores
que buscam uma representatividade, ainda que tardia, na definição do currículo. Os atores
que não tiveram representatividade na escrita curricular foram excluídos deste processo
mediante a existência de uma hierarquia no processo de escolha dos sujeitos, com isso
aqueles sujeitos ocupantes de uma posição com menor poder, tais como professores novos,
professores substitutos e alunos são alijados do processo de detalhamento curricular. As
disputas em torno do currículo constituem-se como uma forma daqueles que não tiveram
seus desejos representados no currículo, lutarem por tê-los, e de outro lado, aqueles que
tiveram a representação no texto curricular defenderem seus posicionamentos e a
manutenção das suas representações.
A distribuição das cargas horárias entre as disciplinas é questionada quanto à
desproporcionalidade entre conteúdos e tempos no currículo, que beneficiaria determinadas
disciplinas em detrimento de outras:
Algumas [disciplinas] têm aulas demais pra pouco conteúdo, outras tem aulas de
menos pra muitos conteúdos.(...) Eu acho que foi na montagem do currículo que
disseram: bom para isso aqui precisa de tantas aulas. Não sei quem fez. (PS-2)
Eu acho que em algumas [disciplinas] sobram [aulas] e em algumas faltam. (Aluno 17)
Tinha muitas aulas que tinha muito tempo e o professor não tinha o que dar. Tinha
dias que o professor dava uma aula e ia embora. (...) Assim como tinha outras que
tinham mais conteúdos e que faltavam aulas. (Aluno 7)
171
A definição acerca das cargas horárias esteve a cargo daqueles sujeitos com poder
de representação curricular, pois foram estes sujeitos através de seus entendimentos que
definiram a carga horária de suas disciplinas ou a modificação dessas.
É interessante as declarações dos sujeitos frente a tais definições de carga horária de
uma disciplina específica, a Análise de Circuitos, pois, dependo do sujeito que a analisa,
falta ou sobra tempo para a execução de toda a sua programação curricular:
Tiraram conteúdos. Não tiraram conteúdos, condensaram o negócio, tem que ser
nesse tempo. Aí botaram aulas, por exemplo de AC {Análise de circuitos] eram 9
aulas, daí tiraram 3 aulas ficaram 6. (PS-2)
... me parece que a parte de Análise de Circuitos, que seria a nossa eletrônica
fundamental ela estaria com uma carga muito acima do que foi programada em
termos de conteúdos. Então a gente sentiu, ou a gente sentia nas análises que fazia
de cada módulo, até porque o curso foi implantado módulo a módulo, então a gente
pelas observações e pelas declarações dos professores que nós tínhamos daquele
módulo, olha eu já terminei o conteúdo. (Coordenador Pedagógico)
Baseado nestas informações a carga horária da disciplina foi diminuída, causando o
descontentamento daqueles sujeitos que vieram posteriormente a ser professores de tal
disciplina:
E outra coisa, o tempo, o conteúdo. Se modificou a metodologia e o conteúdo
praticamente se manteve o mesmo e o tempo diminuiu, reduziu um monte. Aí você tem
que dar aquele programa, tem aquele programa. Como é que vai fazer? Porque pra
mim avaliar uma habilidade, eu tenho ... para atingir uma competência, eu tenho que
avaliar várias habilidades. Não dá tempo. Se eu fizesse isso eu não sairia de
semicondutores [início do programa da disciplina de AC]. (PS-2)
Dá tempo de ver mal e porcamente diodo [primeira parte do conteúdo], não dá nem
tempo de eles verem transistor [segunda e última parte do conteúdo]. (PN-2)
172
A disciplina de Análise de Circuitos no sistema integrado tinha a denominação de
Eletrônica Geral e possuía 3 aulas teóricas e 4 aulas práticas semanais durante o ano letivo,
o que totalizava 280 horas-aula. Com a implantação do sistema semestral foi concentrada
em um semestre com 9 aulas semanais totalizando 162 horas-aula. No modelo modular das
competências a carga horária da mesma disciplina foi alterada para 6 aulas semanais
totalizando 108 horas-aula, ou seja, o conteúdo, que permaneceu o mesmo deveria ser
ministrado em um tempo que sofrera uma redução de mais de 50% do tempo ocupado no
sistema anual.
A redução do tempo necessário para o desenvolvimento dos conteúdos baseou-se
em grande parte na redução das aulas práticas, as quais deixam de ser realizadas para
ampliar o tempo destinado à teoria. Outro fator determinante para a redução da carga
horária total desta disciplina foi a argumentação feita pelos professores que ministravam
esta disciplinas (que possuía a maior carga horária do módulo) quanto à sobrecarga de
conteúdos, o que dificultava a aprendizagem dos alunos, provocada pela quantidade de
aulas semanal. Ainda, segundo os professores, o fato de atenderem a uma única disciplina
com carga horária estendida os impossibilitaria de lecionarem em mais do que duas turmas,
pois teriam uma sobrecarga de trabalho.
A definição das cargas horárias é um dos principais pontos de disputa por
representação no currículo. Pois é através do aumento de carga horária que os professores
ora têm seu fazer pedagógico intensificado, ora conseguem abordar mais conteúdos ou em
maior profundidade. Porém esta disputa é desproporcional, no caso estudado, ganhou
aquele sujeito que ocupou uma posição com poder de representação na escrita dos textos
curriculares.
5.4 O currículo por competências avaliado/criticado por
seus atores
Buscando ir além do processo de definição de conteúdos, disciplinas e suas cargas
horárias, que em certo modo constituem-se como elaboração do currículo, entende-se que
173
as representações que os atores do currículo em ação têm a respeito do currículo escrito,
evidencia também a concretização do currículo por competências através de perspectivas
distintas: a dos professores e a dos alunos.
O conhecimento prévio pelos alunos da organização do modelo curricular apresenta
um diferencial entre os alunos que cursam ou cursaram o ensino médio no CEFET-RS e
aqueles que vêm de outras instituições. Os que fazem o ensino médio na instituição têm
uma proximidade maior com o modelo curricular, devido ao fato de terem cursado o ensino
médio orientado por competências. Já os alunos que vêm de fora, ao ingressarem no curso,
não possuíam nenhum conhecimento acerca da sua organização. Tiveram conhecimento de
tal organização curricular quando começaram as aulas, na reunião geral dos alunos com a
Direção de Ensino. Ou, em alguns casos, na própria sala de aula, quando os professores
apresentaram a metodologia de avaliação de seus desempenhos escolares.
Quanto ao conteúdo das disciplinas do currículo organizado em módulos nem todos
os atores possuem informações a respeito de sua constituição. Percebe-se que os alunos
nem sempre têm acesso ao conteúdo do currículo, seja das disciplinas ou das competências
a serem desenvolvidas. Este acesso é mediado pelo professor, que informa ou não os
programas de suas disciplinas a seus alunos.
O exercício de poder no currículo é uma relação assimétrica entre professores e
alunos, favorável aos primeiros no que toca às definições curriculares. O professor pela
ocultação dos programas tem a liberdade de alterar o ordenamento dos conhecimentos de
suas disciplinas. Porém, com este processo de ocultação o aluno tem amputado o direito de
zelar pelo cumprimento do contrato educacional ao qual está submetido.
Eu acho que o conteúdo tem que pegar e dizer, ó o conteúdo é esse, esse e esse e a
gente vai desenvolver esses itens. Na realidade isso não acontece. Aí então o
seguinte, se não se copia o professor vai dizer: não, o conteúdo está dado. E aí como
nós somos alunos e não temos acesso ao conteúdo a gente não tem como reivindicar,
digamos o seguinte, tu prometeu dar isso então tu tem que dar isso. (Aluno 9)
As decisões acerca da efetivação do currículo é um jogo de disputas e de poder, e,
com a não divulgação dos conteúdos curriculares, evidencia-se a força daqueles que
174
conhecem mais profundamente o texto curricular. Com isso minimizam-se as disputas e/ou
cobranças frente ao cumprimento literal do currículo.
O modelo educacional das competências tem como forte argumentação o seu
direcionamento para o mercado produtivo. O currículo visto por esta perspectiva, da
necessidade de sua adequação ao mercado de trabalho, foi defendido pelos professores que
têm uma maior proximidade com as empresas, como estando de acordo com as exigências
do mundo do trabalho no tocante à determinação de conteúdos curriculares. Porém, alguns
professores, que não possuem esta proximidade com as empresas, questionam a relação das
competências contidas no currículo com as reais necessidades das empresas. Argumentam
que por terem sido determinadas pelos próprios professores não estariam totalmente
adequadas ao mercado, pelo fato de muitos desses professores não se encontrarem
envolvidos com o mundo produtivo. As competências ou os conteúdos e as disciplinas que
as representam, tornam-se objetos de disputa entre os sujeitos, quando o currículo é
enfocado sob a perspectiva do mercado.
A defasagem tecnológica em algumas disciplinas é tida pelos alunos como um dos
principais problemas de um currículo que se quer voltado ao mercado. Além disso,
argumentam eles, outras exigências que não estejam em termos de conhecimentos técnicos
específicos não são contempladas na organização curricular. A questão do desenvolvimento
comportamental (atitudes ou saber ser), valorizado pelo mercado, não possui representação
no currículo escrito, estando a cargo de cada professor desenvolvê-lo por seus próprios
meios, ficando em boa parte no que se convencionou chamar de “currículo oculto
21
.
O desenvolvimento de comportamentos adequados ao mercado de trabalho
constitui-se como uma forma de governamentalidade, ou seja, de determinar a ação dos
outros, sendo produzidas identidades voltadas à lógica de desempenho, pela qual cada
indivíduo busca acumular diferenciais em termos de conhecimento e/ou de produção.
21 A teoria curricular costuma atribuir ao termo currículo oculto ao que não está explícito nos textos
curriculares e/ou aos aspectos não intencionais do ensino. Seria através do currículo oculto que a prática
educacional teria abertura para desenvolver conhecimentos e/ou atitudes de uma forma não regular e sobre a
qual não incidiria uma avaliação formal, explícita como a de uma prova, mas sim uma avaliação moral
perante o professor e a turma, que seriam os guardiões dos valores desenvolvidos pelo currículo oculto.
175
A defasagem tecnológica é o principal questionamento acerca do currículo pelos
alunos e pelos professores que não tiveram representados no texto curricular os seus
pensamentos. Neste sentido um professor relata o seguinte:
Talvez no nível mais avançado, nos módulos 2, 3 e 4, talvez tenham coisas novas no
mercado e a gente talvez por falta de conhecimento não está usando ou não está
sabendo. Então a gente continua vendo coisas que já estão ultrapassadas. (PN-2)
O distanciamento dos professores do mercado de trabalho é visto por professores e
alunos como um empecilho para poderem produzir currículos atualizados. O conhecimento
das novas tecnologias é tido pelos professores como um dos principais fatores para que
essas venham a ser inseridas nos currículos. A instituição, por sua vez, não dispõe de
equipamentos atualizados e que utilizem as tecnologias de ponta, dificultando ainda mais o
domínio destas pelos professores.
Dessa forma, o conteúdo do currículo e das disciplinas mantém-se orientado pelas
tecnologias dominadas pelos professores, as quais nem sempre são empregadas pelos
egressos no mundo do trabalho, devido a sua desatualização:
Eu acho que tem muita matéria no curso que às vezes eu tenho certeza que não vão
ser utilizadas. (Aluno 14)
Porque isso aí é uma coisa totalmente desatualizada. E a gente não vê as coisas que
realmente precisa. Eles [professores] vêem coisas muito antigas lá. E tu tem que
estudar, estudar e não vai aplicar em nada. (Aluno 11)
Tem até coisas que nem existem mais, cálculo de coisas que já não existe mais (...).
Você nem faz mais isso. Tudo bem é filosofia dele [professor que escreveu o
currículo], tá ali, eu não tô nem discutindo. (PS-2)
O poder de decisão do que será contemplado no currículo é dominado por aqueles
que têm o poder da sua escrita. Os demais por sua vez lutam por alterações nestes
currículos, ou por significações em suas práticas educacionais. Tanto os professores, que
176
não participaram da escrita, como os alunos, fazem proposições acerca do currículo. Porém,
pelas diferentes posições de poder que ocupam nem sempre conseguem ter seus pleitos
atendidos nas alterações curriculares. No entanto conseguem alterações extra-oficiais, que
são pactuadas em sala de aula, tendo implicações nos currículos vividos, mas que não
chegam a tornar-se regra geral para todas as turmas e para todos professores.
Estas alterações podem vir no futuro a ser integradas como parte do programa da
disciplina, caso seja reconhecida a sua necessidade por aqueles que detêm o poder local da
definição curricular dos módulos: os docentes. Com o modelo das competências eles têm a
liberdade de alterar os conteúdos dos programas, sem a necessidade do envio destes para
aprovação no MEC, dependem somente de aprovação interna dentro da instituição.
O apego à tradição curricular, de certa forma, é uma forma de manutenção do poder
daqueles que possuem mais tempo de trabalho na instituição. Estes sujeitos têm maior
poder nas definições curriculares e nos programas das disciplinas. As alterações propostas
não se efetivam na prática se tais atores discordarem de sua aplicabilidade, o que dificulta o
processo de padronização de conhecimentos abordados por professores com diferentes
concepções acerca do currículo. Aqueles mais resistentes às alterações curriculares
restringem-se a seguir os textos curriculares, enquanto os vanguardistas cumprem-no
limitando-se ao mínimo possível, dando abertura para a inclusão de novas
tecnologias/conhecimentos que estejam surgindo no mercado de trabalho.
Diante da disputa por representação nos textos curriculares e programas das
disciplinas, os sujeitos locais que não tiveram representação no texto curricular (alunos,
professores novos e substitutos), argumentam que não seria necessária uma exclusão total
dos conteúdos tidos como desatualizados, pois estes são a base de muitos novos
conhecimentos. Porém alegam que há uma necessidade de incorporar no currículo novos
conhecimentos relacionados a novas tecnologias.
Algumas das disciplinas sugeridas como necessárias de serem incluídas no currículo
já existiram no currículo semestral do curso em estudo. As disciplinas voltadas à
programação de microcomputadores e aos microprocessadores foram eliminadas do
currículo por competência devido a alguns fatores. A falta de professores especializados foi
um deles:
177
... na minha área não tem como dobrar a carga horária. Hoje nós não temos
[professores especializados]. Quem é que pode dar Eletrônica Digital,
microprocessadores e microcontroladores hoje no curso? Quem é que podia antes?
(PP-3)
O modelo modular e as limitações dos tempos deste dentro de semestres, que
proporcionassem terminalidades, tiveram influência na eliminação ou não contemplação de
tais disciplinas dentro do novo currículo:
Com certeza, a gente acabou tirando por necessidade de carga horária, o nosso
técnico hoje não tem microcontroladores. Existe isso? Não existe isso, hoje tudo é
microcontrolado. (PP-3)
Eu acho que foi em função do tempo, que diminuíram o nosso tempo e então alguma
coisa também tinha que ser diminuída, e aí começou o corta corta. (PN-3)
Porém, outros fatores, como diz Silva (1995), também determinam os conteúdos do
currículo. Os interesses pessoais e a luta pela não intensificação do trabalho docente foi um
outro fator determinante:
Não é que não tivesse [professores], mas que não quisesse mais carga horária. (PS-2)
Houve o interesse. Por exemplo, vou brincar contigo, quem cortou linguagem C?
[risos] Foi porque os caras achavam que não precisava. (PN-2)
Aí tiraram disciplinas importantes, mas aí tem ON [Organização e Normas]. (PS-2)
Observa-se que quem tem o poder da escrita curricular tem também o poder de
definir quais conhecimentos serão escolhidos e representados no currículo. Os fatores que
influenciam a tomada de decisão relativamente à inclusão/exclusão de disciplinas e
conteúdos programáticos vão desde os recursos humanos (preparo/despreparo;
presença/ausência), passando pelas cargas horárias das disciplinas, chegando até aos
interesses pessoais, os quais nem sempre estão voltados para a formação do futuro
178
profissional, mas sim para a manutenção de privilégios ou de hierarquias disciplinares. Em
certa medida a tradição acaba mantendo o currículo já posto, desvalorizando novas
proposições que venham alterar o status quo de determinados grupos que obtiveram a sua
representatividade nos textos curriculares, impedindo que surjam novas disciplinas que
venham disputar horários e prestígios na organização curricular.
Os módulos com terminalidades também são apontados pelos professores como
sendo um dos fatores que influenciaram na determinação curricular. Pois, devido à
terminalidade dos módulos, exigida por lei, as disciplinas tiveram de ser agrupadas de
acordo com a área de atuação profissional, certificada pelo módulo.
A forma encontrada para dar terminalidades aos módulos foi uma produção local,
segundo o Diretor Geral da instituição:
É o curso que define isso. A legislação define que tu tens que dar a terminalidade,
mas não que a cada módulo tu tenhas uma terminalidade. Tu podes juntar um ano e
dar uma terminalidade ou duas terminalidades, enfim. Ou uma terminalidade só e
depois a ... Porque eu acho que estas concepções elas não são definidas por lei. Elas
são opcionais. Entendestes? O curso é que pode enxergar isso. (Diretor Geral)
Tais terminalidades, por determinação legal, foram um dos principais orientadores
da elaboração curricular local, pois são elas ou as interpretações a seu respeito que
definiram localmente a seleção das disciplinas e dos conteúdos curriculares.
A exigência de terminalidades dos módulos é um dos forte mecanismos de controle
do Estado sobre o currículo. Segundo a Diretora de Ensino:
... Apesar do decreto 2.208 não obrigar, o MEC quando fazia a análise dos cursos ele
dizia que só no primeiro módulo poderia não haver terminalidade. E aí a gente acabava
inventando terminalidades que a gente... Os alunos, primeiro, nunca pediram estes
certificados, e, segundo, a gente não sabia se eles tinham mercado. E eu sempre me
questionei sobre as terminalidades no seguinte sentido: se um aluno sai com uma
terminalidade de vamos dizer auxiliar, tem lá eletricista predial, tem lá na
Eletrotécnica. Ele sai com esta terminalidade e vai para o mercado, só que ele chega
lá na empresa e ele é treinado para outras coisas e aí ele acaba sendo usado como
179
mão de obra barata, não é? Com um salário baixo, mas fazendo o trabalho do técnico,
porque ele acaba não voltando para a escola para fazer os outros módulos. Então eu
sempre questionei muito estas terminalidades.
O atendimento às exigências legais fez com que tais terminalidades constassem no
Plano do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações, porém a sua efetivação na
prática foi ressignificada localmente, pois não foi alterado o percurso da formação anterior,
mantendo-se a seqüência das séries semestrais ou dos módulos, para usar um termo do
modelo das competências. Verifica-se aqui mais uma evidência da hibridização da
construção curricular local, que reorganiza os conteúdos curriculares e os tempos de
formação de modo a atender as certificações parciais; na prática, não adota o sistema de
terminalidades parciais.
Embora o projeto de curso atendesse à legislação vigente, os alunos não buscaram o
cumprimento do que estava previsto. A Diretora de Ensino referindo-se a isso argumenta
que:
Eu vejo assim, que nós do curso de tele, com esta proposta que se tem aí, ainda não
atingimos a plenitude do que a gente queria que era a de um aluno que quisesse
ingressar no módulo 3, entrar direto no módulo 3. Nenhum aluno ainda pediu isso. Se
tu me perguntares assim: é por desconhecimento que eles não pedem, ou porque eles
acham que eles não vão conseguir? Eu não saberia te responder. Agora o certo é que
no início de cada ano letivo a gente explica isso para os alunos, mas eu não sei se
depois isso não é tão difundido dentro do curso. Mas o certo é que ninguém pediu até
hoje. E o grande diferencial do curso de tele é este. Porque ele faz o básico e depois
ele pode fazer qualquer módulo. (Diretora de Ensino)
Foi oferecido, mas ninguém pediu. Entendestes? Agora só foi oferecido depois de
implantado o último módulo. Então implantou o básico, veio a comutação, veio a
transmissão e veio a telemática, aí tu já tinha estruturado o curso, implantado os
quatro. A partir daí se algum aluno solicitasse a saída do módulo básico, fazer
telemática nós teríamos que oferecer para ele, porque a nossa estrutura é assim.
Não tinha como fugir. Mas como eu te disse né, aquela cultura do nosso aluno, ela já é
assim, eu entrei pra cá para ter o diploma. Então ele já vai fazendo. Claro que não
180
impediria dele fazer a telemática e depois ele fazer lá a comutação.. Mas como ele
via uma seqüência lógica. E eu acho que faltou também um certo esclarecimento a
mais para o aluno nesse sentido, né? Ele também estava meio perdido, acabou
seguindo aquela seqüência, e acabou acontecendo isso. (Coordenador Pedagógico)
Observa-se que os sujeitos do/ao currículo são construídos pelo discurso deste
próprio currículo. Criou-se nos alunos a idéia de que um técnico seria aquele que cursasse
todos os módulos propostos pelo curso. Há pressuposto na cultura local de que a
linearidade curricular é a melhor forma para o aprendizado. Com isso, os próprios alunos
passaram a não questionar a estrutura seqüencial adotada, nem tão pouco almejaram a
certificação parcial. Os alunos compactuam com a tradição alimentados pelo não
esclarecimento da possibilidade de certificação parcial. Isso se constituiu localmente como
uma força contrária à identidade profissional fragmentada, almejada pela legislação.
A nova organização disciplinar, baseada na terminalidade, não agradou nem a
professores nem a alunos:
Agora o que acontece é o seguinte. (...) O aluno viu telefonia móvel celular, viu
comutação no segundo módulo. Quando chegar no quarto módulo ele não praticou o
que ele viu durante esse ano. Ele viu disciplinas de transmissão e telemática. Se ele
for fazer um teste para trabalhar na área de telefonia móvel celular ou de
comutação ele vai ter que reaprender estes conteúdos. Enquanto que no sistema
integrado era dado isso aí aos pouquinhos para o aluno. Porque nós chegávamos no
final, quando o aluno se formava, o aluno continuava no último semestre todas as
disciplinas com que ele ia trabalhar. Então ele saía daqui com tudo fresquinho na
cabeça, com tudo novo, novo e com conteúdos atualizados. (PC-2)
Mas eu acho que isso aí é uma perda de tempo, que está prejudicando o intercâmbio
que tinha que haver, a seqüência que tinha que haver. (...) Tem coisa que a gente teria
que ter uma seqüência e não os módulos serem estanques como são. (PP-3)
Eu sinceramente não vejo vantagem nenhuma. Eu não vejo vantagem nenhuma. Acho
que o aluno fazendo todo o curso ele já sai muito limitado e ele fazendo só o módulo
181
de comutação ele saí limitadíssimo, se ele fizer só o de transmissão idem, se ele fizer
só o de informática idem. (PN-3)
Isso aí é uma coisa que eu acho que seria melhor se fosse junto [os conhecimentos
específicos que se encontram agrupados nos diferentes módulos], porque tem muitas
coisas que a gente vê. (...) Mas aí a grande maioria tu acaba esquecendo. Eu acho que
se fossem misturadas, tu teria mais condições de lembrar. (Aluno 10)
O formato modular pela visão dos atores locais não está voltado ao tipo de formação
exigida pelo mercado, que espera receber um indivíduo multiespecialista, com
conhecimentos aprofundados nas diversas áreas de atuação. Os recortes de algumas
discussões entre os sujeitos dos grupos focais mostram que os atores locais desmentem o
perfil profissional que o governo defende como necessário para o mercado de trabalho:
Não é isso que o mercado quer. (PS-2)
Não é. Ele quer tudo junto. (PS-3)
O mercado quer um cara que entenda de comutação, rádio-propagação, rede...(PS-2)
Que saiba vender, que saiba... (PS-1)
Mas acontece que hoje [no mercado] é junto. Até antigamente até poderia ser nítido,
o técnico trabalhar somente na área de comutação. Hoje em dia já não é, o cara que
vai trabalhar lá em telemática precisa saber um pouquinho de comutação, de sistemas
de rádio. (Aluno 13)
Eu acho que esse negócio de certificações... Eu acho que um técnico ele tá apto a
atuar em qualquer área dentro daquela profissão, ou seja daquele curso que ele se
formou. Não quer dizer que ele fez um curso e pegou a certificação de comutação,
transmissão ou telemática. Se na realidade todos eles de a finalidade de um só,
somente um técnico em telecomunicações. Então para que por assim.. pegar e fazer a
separação de algo que é uma coisa só? (Aluno 9)
Isso aí como é que eu posso dizer... foi algo totalmente inútil [a terminalidade dos
módulos]. Pra nós não veio até hoje ninguém pedir certificação. Que eu saiba de toda
182
a escola tem um curso só, um pedido da Química que agora foi feito pra mim como
fazer o certificado porque até hoje não foi feito nenhum certificado. Então é uma
coisa que eu acho não funcionou. Foi só teoria, na prática não se realizou. (PC-1)
A certificação embora não tenha se concretizado mediante a expedição dos
certificados parciais, foi um dos principais elementos a orientar a estrutura curricular e a
organização dos conhecimentos.
A formação generalista é vista por professores e alunos como a melhor forma de
preparar o futuro profissional para a sua inserção no mercado. Contudo, para estes sujeitos,
tal formação deveria ser proporcionada por uma estruturação e organização do
conhecimento que não fosse estanque, baseada nas terminalidades dos módulos, e
continuasse desenvolvendo a cada semestre conhecimentos específicos das diferentes áreas
de atuação do técnico, de forma progressiva baseada no grau de dificuldade e de inovação
tecnológica.
O currículo dos módulos para atender a não seqüencialidade gerou a criação de
disciplinas tidas como necessárias para desenvolver conhecimentos e competências os
quais, pela falta de tempo do módulo básico, não foram contempladas neste módulo, mas
apareceram em todos os outros. Conforme já evidenciamos, pelo formato não seqüencial
adotado na prática, tais disciplinas, por terem a mesma constituição de conteúdos, acabam
sendo reaproveitadas e com isso gerando espaços vagos nos horários de alunos e
professores. A criação destas disciplinas, como destacou-se antes, estava ligada ao
entendimento de que os conhecimentos desenvolvidos por estas eram essenciais a todos
módulos profissionalizantes e não haviam sido tratados como pré-requisitos.
Analisando a existência das chamadas disciplinas fantasmas um dos professores que
participou da elaboração curricular argumenta que:
... quando foi proposto o processo, este processo tinha saídas horizontais e uma
vertical. A verticalização, do técnico, e nas horizontais, com exceção do módulo
básico, a certificação por módulos, a formação por módulos. Então pela necessidade
da formação por módulos, tinha estruturas que se o cara quisesse ir fazer só
Telemática ele tinha que ter lá a formação de um determinado conteúdo para formar
183
o seu conhecimento, que se repetia aqui [na Comutação] e se repetia aqui [na
Transmissão]. (...) Então, a idéia original era o cara poder fazer só um módulo, e
então ele precisaria de algumas informações que tinham que ser vistas lá, porque ele
não precisava fazer os outros módulos. (PP-3)
A justificativa da existência destas disciplinas está atrelada, na opinião dos
professores, à exigência da terminalidade dos módulos, que dariam uma certificação.
Porém, uma vez que a estrutura adotada na prática constituiu-se de forma seqüencial, outros
significados passaram a ser atribuídos à existência e/ou à manutenção de tais disciplinas no
currículo.
A manutenção destes horários no currículo seqüencial acabou por gerar privilégios e
divisão entre os professores. Para alguns professores (que não ministram tais disciplinas) é
uma forma de burlar o sistema, pois aparentemente os professores possuem uma carga
horária de ensino alta, mas na prática são beneficiarios de uma carga didática (em sala de
aula) baixa.
Então nós temos uma carga horária integral para 5 ou 6 professores, inclusive alguns
que estão na pasta de horários, como que o professor dá aquela aula e ele não dá
,porque o aluno já viu nos outros módulos anteriores. São as ditas aulas fantasmas,
que são dadas para os amigos do rei. (PC-2)
[risos] Para tapar buracos. Para dizer que tem carga horária lá em cima. (PS-2)
Para aparecer 22 [horas-aulas} lá no horário do professor X, Y ou Z. (PS-3)
Alguns professores argumentam que o processo de construção curricular apresenta
algumas falhas, como esta da existência das disciplinas fantasmas, pelo fato do currículo
uma vez implantado não ter sido reavaliado, impossibilitando que outras concepções
curriculares tivessem a oportunidade de serem debatidas e/ou postas em prática. Esta
ausência de avaliação do currículo vivido beneficia alguns professores com a redução da
carga horária, mas em contrapartida não propicia aos alunos o atendimento de suas
184
reivindicações quanto à necessidade de incorporação de novas disciplinas e/ou novos
conhecimentos no currículo.
Eu vejo assim, com o intuito de melhorar a continuidade dos módulos, porque os
módulos são estanques hoje, mas nós temos espaços, no módulo 3 por exemplo, que
pelo fato de os módulos serem estanques aconteceu aquelas situações das disciplinas
que tem no 2, tem no 3 e tem no 4. Que se tu fez no 2, porque é que tu vais fazer
aqui? Pô, é aluno parado, é laboratório parado, é professor parado. Isso criou um
tremendo problema. Então eu vejo que teria que ser feito meio que um feedback. (PP-
3)
Eu acho que não há interesse da direção, ou porque nós não podemos mudar o modelo
atual. Nós já descobrimos algumas coisas que deveriam ser mudadas, por exemplo do
módulo 1 têm que ser mudadas. Nos módulos 2, 3 e 4 tem algumas disciplinas que
estão repetidas e eu acho que isso aí tem que ser reavaliado. (PN-2)
Eu acho que os horários que ficaram sobrando para nós foi onde o professor não quis
aproveitar. (Aluno 15)
Este horários que ficaram sobrando assim poderiam ser aproveitados com
preparações para os alunos fazerem os currículos, ou preparação para como o aluno
deve se apresentar na empresa no micro-estágio, ou o que pode ou o que não pode
fazer numa entrevista de emprego. Eu, o que aprendi foi sozinha sobre essas coisas.
(Aluno 14)
A necessidade das alterações no currículo vigente é um tema que gera
posicionamentos diferentes entre os atores locais. Para a Diretora de Ensino fazia-se
necessária tal alteração:
Eu acho que a gente tinha que dar uma sacudida. Eu só acho... e acho que este foi um
dos pontos que fez com que a reforma não fosse aceita, que foi rápido demais. (...)
Agora que a sociedade toda dizia que a gente tinha que dar uma mexida na educação
profissional, isto a gente sabia. Agora como é que isso ia acontecer é que não foi
185
esclarecido e de repente foi feito, talvez, de uma maneira um pouco mais radical.
Mas eu acho que a reforma, uma reforma se fazia necessária. Não sei se assim como
ela aconteceu, mas uma se fazia necessária. (Diretora de Ensino)
Porém, aqueles sujeitos mais ligados ao curso em estudo discordam dessa
interpretação, e defendem que a alteração da educação profissional de nível técnico teve
propósitos políticos:
Esta reforma foi política. Não era necessária porque o curso estava funcionando bem
e tinha o respaldo da comunidade e das empresas. (Coordenador Pedagógico)
Os professores julgam que tal reforma era totalmente desnecessária, pois não veio
atender aos interesses dos alunos, futuros trabalhadores, e nem das empresas, que passaram
a receber um trabalhador menos preparado, devido à estrutura modular que distancia os
conhecimentos de sua aplicabilidade:
... no nosso curso aqui eu não vi nenhum ganho com esta reforma. Pelo contrário, eu vi
prejuízos. (PC-2)
Eu acho que não era necessária. Era necessária para o interesse deles lá. Mas eu acho
que isso aí veio em função do interesse de alguém e não do nosso. (PP-1)
Não era necessária. Não neste moldes assim. Eu acho que talvez tivesse que ter uma
reforma a nível curricular, da atualização, uma reforma de atualização de cursos para
professores. Uma adequação, mas nesse sentido. Mas não assim como fizeram,
pegaram um modelo que estava entre aspas dando certo, e pegaram e bagunçou.
Porque sinceramente os alunos que saem hoje eles não saem preparados como
antigamente saíam para o mercado. Então eu acho que deveriam era ter melhorado
aquele e não fazer o que fizeram. Porque simplesmente bagunçaram. (PN-1)
O objetivo das alterações educacionais, reclamado pelo governo voltava-se ao
atendimento de propósitos financeiros de uma lógica neoliberal, que exigia a redução de
gastos por parte do Estado. Com isso a educação profissional passa a ser questionada e o
186
discurso do governo argumentava que esta formava um pequeno número de egressos e que
estes não iam para o mercado de trabalho nas áreas nas quais haviam cursado seus cursos
técnicos. A ampliação do número de vagas nos cursos técnicos passa a ser defendida pelo
governo como uma forma de atender aos anseios da população, que busca uma formação
profissional para ingressar e/ou manter-se no mercado de trabalho. Porém, tal propósito de
aumento do número de alunos matriculados na educação profissional não se comprovou na
prática no curso em estudo:
... neste sistema diminuiu muito o número de alunos em sala de aula. (...) o custo do
aluno aumentou muito para o governo. Então se antes tu tinha uma turma de 40 e que
rodava 20, se formava 20. Hoje eu tenho uma turma de 4, passam os 4, mas se
formam só quatro. Então o custo do aluno para a escola aumentou muito. E aí o tiro
saiu pela culatra. (PC-2)
Porém, os atores ligados à direção da instituição de ensino consideram a reforma
como um avanço para a educação profissional, proporcionado por uma definição mais
específica da identidade da educação profissional:
O aluno da educação profissional é um aluno mais velho. É um aluno de faixa
econômica mais baixa. E realmente quer a educação profissional. E isso eu acho que
foi o grande ganho da reforma. Por quê? Qual é a função do CEFET? Ou para que
esta escola foi criada? Eu acho que a função da educação profissional dentro do
CEFET, a nossa função social, hoje está muito mais definida do que antes da
Reforma. (Diretora de Ensino)
A identidade da educação profissional, segundo estes atores, estaria ao longo dos
anos se distanciando dos princípios pelos quais foi criada, ou seja, afastava-se da
profissionalização dos desvalidos da sorte e deserdados da fortuna. Com o passar do tempo
a clientela dessas instituições de ensino foi se elitizando e com isso as classes menos
privilegiadas economicamente foi segregada deste tipo de formação, o que provocou a
reestruturação educacional, como uma forma de resgatar a identidade da educação
profissional e direcionar investimentos específicos para esta área.
187
Observa-se que o discurso oficial acerca da reestruturação educacional encontra eco
nos representantes locais do governo (sujeitos ocupantes de cargos de direção escolar). As
orientações discursivas oficiais se distribuem e se alastram pelas posições de poder
influenciando a construção e/ou defesa das propostas curriculares oficiais.
A separação do ensino médio da educação profissional é vista pela Diretora de
Ensino como uma forma da instituição resgatar a sua função social:
Eu vou te dizer uma coisa. Eu sou a favor da separação do médio do técnico. Eu vejo
que o aluno que está no técnico hoje é realmente o aluno que quer e que precisa. É
realmente o trabalhador, é o trabalhador. (Diretora de Ensino)
A separação do médio e do técnico gerou a possibilidade de dois tipos de ingresso: a
concomitância e o seqüencial ou pós-médio, embora nas salas de aulas, alunos destes dois
sistemas freqüentem a mesma turma sem prejuízo para o aprendizado. Porém, a
concomitância é vista como uma das causas de desistência por parte dos alunos. Pois, o fato
do aluno somente poder receber seu diploma de técnico ao completar o ensino médio, este é
priorizado. Outro fato também que pode contar para esta decisão é que o ensino médio é
requisito para o ingresso em cursos de nível superior, que possuem um maior status social
do que o curso técnico:
A concomitância, as pessoas dizem assim, ah, o aluno desiste na concomitância porque
precisa completar o médio primeiro para depois conseguir o certificado de técnico.
Então se ele está mal em um deles ele desiste é do técnico. Bom, é uma suposição, não
temos nada oficialmente de que seria isto. (Diretora de Ensino)
Qual o principal problema que se vê hoje? O problema da evasão do aluno do curso
técnico. Porque quando ele faz o ensino médio e o técnico junto, como ele não é
técnico sem o médio, o que que ele vai fazer primeiro? O médio. Então na hora que
complica o jogo e que ele tá com dificuldade entre o médio e o técnico, ele desiste do
técnico e continua no médio. Porque o médio dá a certificação para ele ir para a
faculdade ou até mesmo para terminar o técnico. (PC-1)
188
A concomitância se torna um ponto de discussão no processo de seleção dos alunos.
A existência da concomitância, que permite ao aluno cursar duas modalidades educacionais
(médio e técnico) é vista como um entrave por alguns, pois os alunos privilegiam a
conclusão do ensino médio.
... ele [aluno] vem hoje e faz num turno o segundo grau e no outro ele está aqui. A
prioridade dele é o segundo grau, ele está brincando de querer ser técnico. A
prioridade dele não é o nosso curso. (...) Eu não vejo isso como um problema em si do
processo, eu vejo isso com a nossa seleção para o curso. Eu acho que a gente tem que
rever isso. (PP-3)
A proposta apresentada pelos professores para a solução deste problema seria a
adoção do curso na forma pós-médio, o qual havia sido proposto na época da implantação,
porém não foi adotado pelo fato de julgarem que tal modelo não teria uma aceitação pela
comunidade e com isso não haveria procura por matrículas. É o que defende o depoimento
a seguir:
A concomitância tem que acabar. O aluno abandona o técnico para concluir o médio.
O grupo ficou com medo de implantar o pós-médio devido à não procura de alunos. A
Diretora de Ensino assustou quanto a isso. (Coordenador Pedagógico)
Se a separação do ensino médio da educação profissional, por um lado, trouxe este
problema da desistência dos alunos da modalidade concomitante, por outro trouxe a
vantagem da criação de uma identidade própria para o curso:
Eu acho que esta separação por um lado foi boa porque os cursos criaram identidade
própria, na minha concepção. Quando cria identidade própria significa que tu tens
autonomia para definir o que tu pode fazer no grupo ou junto com o grupo ou não.
Porque quando tu tens uma coletividade a coisa é diferente. Tinha determinadas
situações que no modelo antigo já vinham prontas. Então tu tinha que te encaixar
aqui, na parte específica, tu tens que te moldar a isto. E hoje não. Os cursos criaram
autonomia própria. (Coordenador Pedagógico)
189
A autonomia dos professores na definição e distribuição dos horários do curso vem
substituir a forma anterior centralizada na diretoria de ensino, a qual mandava para os
cursos os horários das turmas já com a distribuição das aulas das disciplinas de cultura
geral. Dessa forma, a organização das disciplinas técnicas ficava subordinada ao
atendimento das necessidades de outras disciplinas não profissionalizantes.
A única coisa que nós sempre nos queixamos e víamos de ruim neste sistema [antigo]
é que já vinha da direção os horários prontos. Nós tínhamos que nos adequar à
cultura geral e nós somos uma escola técnica, então eu acho que é ao contrário, a
cultura geral tem que se adequar aos nossos horários e não nós ao deles. Então,
muitas vezes tu tinhas o problema de montar uma aula prática e aí ficava uma aula
quebrada, tu dava duas aí tinha duas não sei de que e depois tu tinhas que dar duas
de novo. Às vezes isso acontecia na teoria, tu dava uma aula teórica e ai eles iam para
a Educação Física e depois voltavam para a aula teórica,para a mesma turma . E isso
aí nos quebrava a seqüência. (PN-3)
As decisões que envolvem a colocação em prática do currículo escrito, tais como a
definição de horários das turmas, mostra que o currículo é um território de disputas. E a
separação da educação profissional do ensino médio, veio gerar uma flexibilidade local nas
definições dos horários das turmas, o que era visto pelos professores como sendo
inacessível aos atores locais, com a existência do modelo integrado. Os atores locais sentem
que com este modelo curricular possuem o poder que antes lhes era negado na definição
dos horários escolares:
Agora tu imagina a gente querer mudar uma estrutura com o integrado, não dá.
Porque se tu muda aquela estrutura ali, tu vai mudar a estrutura curricular toda em
que está envolvida o médio com a parte da cultura geral. Isto a gente tinha muita
dificuldade. Hoje não, a gente pode definir, pode fazer, refazer, reestruturar,
mudar, retirar, acrescentar, que não tem problema nenhum. (Coordenador
Pedagógico)
190
Quanto ao processo de reestruturação educacional/curricular que teve as
competências como guia, os atores locais dividem-se quando da avaliação a respeito do
modelo. A alteração educacional é vista como sendo mais problemática pela maneira
abrupta pela qual foi implantada. Não houve uma preparação/formação adequada para que
os professores pudessem assimilar os conceitos orientadores do novo modelo.
E achei interessante o modelo, de toda a forma eu acho que o modelo por
competências não é um modelo ruim de ensino. O que aconteceu é que a escola não
estava preparada e nem instrumentalizada para isso aí. Ou seja, os professores não
conheciam o modelo, não receberam treinamento necessário. Quando se viu já estava
se implantando. (Coordenador Pedagógico)
A reforma até podia ser muito boa, a intenção ideológica da reforma é muito boa.
Agora a forma como que ela foi implantada foi desastrosa. Sem preparação da
instituição, sem preparação do professor, sem preparação do aluno. (PC-1)
Percebe-se que as alterações educacionais e curriculares que não contou com uma
preparação prévia dos professores, que em última instância irão implementá-la na prática,
estão fadadas à não efetivação, pela força da tradição. Pois os professores necessitam ter
uma base de referência sólida para servir de guia para suas práticas educacionais.
Já outros atores expressam que o modelo instituído não trouxe melhorias ao ensino,
e alguns deles demonstram o descontentamento frente às alterações na organização dos
conhecimentos e na forma como avaliar os alunos perante as competências. Os relatos a
seguir ilustram tais descontentamentos:
Eu não acredito que tenha trazido coisas novas pra melhor. Pelo contrário, trouxe
coisas novas pra pior. (PC-2)
... para mim desde o momento em que mostraram o que seria este modelo de ensino,
na minha visão, era como é que a expressão que se usa na medicina quando um filho já
nasce morto? É natimorto. Era natimorto, e eu acho que logo, logo já vão providenciar
o enterro dele. (...) o que eu vejo é o seguinte é que o nosso ensino está indo para o
buraco, tá cada vez mais indo para o buraco. (PN-3)
191
Eu acho também, eu acho que uma coisa é antes desta reforma, que esta reforma
trouxe algo de ruim para nós. Né? s estamos vivendo um sistema em que
praticamente todo mundo passa. E passa sem ter competência. (...) Agora não existe
falha da avaliação, por exemplo nós fizemos um modelo ruim. (PN-2)
... aqui dentro continua a mesma coisa. Só mudou a maneira da avaliação, porque o
resto é a mesma coisa. (PS-1)
Porém, outros posicionamentos relatam o contrário, que a reestruturação
educacional trouxe elementos novos, positivos, para a construção dos currículos. A abertura
que proporcionou uma discussão acerca dos currículos modulares por competência é vista
como uma marca de uma nova etapa dentro do curso em estudo. Todavia, sugerem que num
processo de amadurecimento busque-se um aprofundamento das discussões a respeito dos
currículos e da sua implantação, pois isto é identificado como uma necessidade para que
seja aprimorada a elaboração curricular.
Os relatos a seguir dão conta destes posicionamentos:
Eu acho que a gente teria que fazer uma reflexão desarmados de toda esta
concepção. Porque ela é muito maior do que simplesmente do muda aqui, muda aqui e
muda ali. Porque tudo o que está se mudando hoje, está se mudando por uma questão
puramente ideológica. (...) Porque que tu não gera uma grande discussão nacional a
respeito do tipo de estudante nós queremos formar, de que tipo de currículo nós
queremos fazer. Não fazem. E aí a gente fica aos ventos de ares políticos que sopram
sobre a nação. (Diretor Geral)
Eu não vejo o sistema modular como falho. O que precisa é reestruturar, criar o pré-
requisito. A competência é só um título, porque na realidade o que tu acaba
trabalhando é o conteúdo programático da disciplina. (Coordenador Pedagógico)
O que eu vejo é que se aprendeu bastante durante este processo de trabalho. E hoje
se fosse colocado esse modelo de competências novamente eu acho que se faria
algumas coisa diferentes, em função do que se aprendeu. Porque quando se implantou
a gente não tinha nem idéia do que era isso. Então eu acho que o que está faltando é
192
a gente repensar novamente todo o curso. Está faltando a gente acabar com aquele
paradigma modular. Porque nunca se usou, veio empurrado goela abaixo, eu ao menos
não tenho conhecimento de que alguém tenha utilizado. Então são algumas coisas que
podem ser mudadas. O processo em si, agora se aprendeu, ainda não está dominado.
Ainda tem alguma coisa que precisa ser pensada em grupo, uma delas, a mais crítica, é
o processo de avaliação, é a mais crítica, é a ferida deste sistema, é o dodói. Porque
se a gente conseguir desenvolver um processo adequado de avaliação a forma de
ensino que se trabalha eu acho que a gente tem muito a ganhar, porque realmente, eu
depois que aprendi, eu acho muito bom, porque em um semestre de trabalho eu
consigo ver toda a digital, pô com 6 aulinhas só. (PP-3)
... este é um processo que te permite ter de tu estar sempre te reformulando,
sempre aprendendo novas metodologias. Então por este lado eu acho extremamente
positivo. (PP-1)
O processo de elaboração e detalhamento curricular sob o qual lançamos a análise
privilegiou apenas a observação dos processos envolvidos na escrita do texto curricular.
Sabe-se que o currículo não se limita a este, porém por limites de tempo impostos a esta
pesquisa não se aprofundou aqui o currículo vivido. A focalização deste permitiria
identificar como os textos curriculares influenciam a prática docente (se é que têm
influência sobre esta).
A prática docente, apontada por alguns relatos colhidos para esta pesquisa, desponta
como sendo um momento tão importante para o currículo como o dedicado a sua
elaboração. Pois é na prática docente que este irá ser corporificado, (re)significado,
mediante um processo de transposição dos textos curriculares oficiais.
O seguinte relato é instigante para o aprofundamento da pesquisa neste sentido:
O modelo de ensino ele não vai dizer nada, o que vai influenciar é a forma como as
pessoas lidam com aquilo. (Aluno 13)
Contudo, o currículo vivido é uma parcela do currículo que o evidencia enquanto
uma política, e que merece uma análise em maior espaço de tempo, merecendo para isto um
outro estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento da dissertação teve como foco principal a análise das
significações que as políticas curriculares oficiais da educação profissional, baseadas no
Decreto 2.208/97, tiveram a nível local, no Curso Técnico em Sistemas de
Telecomunicações do CEFET-RS, e das disputas e negociações que foram geradas em
torno de sua implementação. Buscou-se destacar o tipo de currículo resultante e analisar a
participação dos atores locais, evidenciando as instâncias em que atuaram e as formas como
atuaram no processo de construção e detalhamento do currículo por competências.
O desenvolvimento da investigação deu-se através de um Estudo de Caso que
envolveu 38 sujeitos, ocupantes de diferentes posições do poder no processo de construção
curricular na instituição estudada, valendo-se das técnicas de grupos-focais, entrevistas
semi-estruturadas e análises documentais. O estudo teve como ponto de partida o
entendimento da política curricular como política cultural (OLIVEIRA e DESTRO, 2005),
baseando-se em estudos que incorporam as perspectivas dos Estudos Culturais e do pós-
estruturalismo para uma análise dos complexos movimentos e mecanismos que estão
implicados no processo de construção e implementação de uma política curricular.
A construção curricular local estudada demonstrou que o currículo é constituído por
um processo complexo envolvendo diferentes instâncias de poder na sua definição. O
Estado, as instituições escolares, os gestores escolares, os professores e os alunos foram
sujeitos que buscaram representação dentro do currículo analisado.
No contexto em que a pesquisa foi realizada constatou-se que a política curricular é
de fato construída por relações de poder que se exercem em rede, articulando diferentes
focos de poder que se apóiam uns nos outros, uma vez que o poder não pode ser
compreendido como propriedade de um único sujeito ou instituição (FOUCAULT, 1995
MAIA, 1995). As propostas curriculares oficiais foram o foco gerador do posicionamento e
194
das significações dos diversos atores que participaram do processo de construção curricular.
A política curricular oficial e seus desdobramentos legais visaram, no caso em estudo,
definir uma estrutura sob a qual os currículos seriam detalhados localmente. Com isso há
evidência da busca pelo domínio e centralização das definições curriculares e educacionais
pelo Estado.
Os mecanismos de poder que foram utilizados pelos atores das elaborações
curriculares, tanto em nível global (Estado) como em nível local (curso em estudo), foram
constituídos através de discursos, textuais ou não, que buscaram limitar o campo de ação
dos outros enquanto ordenadores das práticas educativas. Os discursos muitas vezes
acabaram construindo os objetos de que falavam e constituíram-se como um mecanismo de
poder que permeou toda a elaboração e detalhamento curricular, agindo não só nas relações
entre os contextos local e global, mas também atuando localmente, nas disputas por
representações quando da determinação dos conteúdos curriculares. Uma evidência disso é
a questão da identidade profissional almejada pela política curricular oficial, que foi
subvertida pelos atores locais quando buscaram construir uma proposta curricular que
atendesse ao mínimo os preceitos legais, mas ao mesmo tempo contemplasse a visão local
de educação e identidade profissional.
As decisões a respeito dos currículos na instituição investigada não foram
produzidas linearmente, nem mesmo obedeceram totalmente às diretrizes traçadas pelo
Estado. O caráter conflitivo e contraditório da política curricular oficial, constituída por
uma mescla de diferentes teorias educacionais e curriculares, deram a essa um caráter
híbrido, possibilitando as rupturas e também as práticas convergentes evidenciadas pelos
atores que elaboraram e detalharam o currículo localmente.
As estruturas ou formatos curriculares propostos pelo Estado brasileiro foram
regulados por aparatos institucionais que buscaram fixar a leitura e implementação do
currículo dentro das significações oficiais. Esta foi uma tentativa de limitar o campo de
ação dos demais atores que participaram localmente das especificações curriculares. As
orientações normativas curriculares oficiais buscaram marcar o caminho a ser seguido,
porém não conseguiram impor seus sentidos em todas as instâncias em que o currículo foi
definido.
195
No caso da educação profissional, o governo buscou através de diferentes formas
determinar a estrutura curricular sob a qual os currículos dos cursos seriam elaborados e
detalhados. O detalhamento legal da política curricular através dos Referenciais
Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico e das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico e o treinamento
oferecido pela SEMTEC a representantes da instituição investigada para facilitar o
entendimento da legislação, foram algumas das estratégias usadas pelo Estado neste
sentido. O Estado buscou cooptar as instituições de educação profissional da Rede Federal
a adotarem as alterações propostas via seus gestores, através da promessa de financiamento
para a melhoria e ampliação da educação profissional. Outra estratégia usada pelo Estado
para implementar a legislação foi a ameaça de que os cursos que não estivessem adequados
à nova legislação estariam propensos a serem eliminados das instituições e do catálogo
nacional de cursos técnicos. Tais promessas e ameaças constituíram-se como formas de
poder que, embora muito sutis, tiveram grandes efeitos psicológicos atuando como
mecanismos de pressão, levando os gestores locais a atenderem aos preceitos legais.
A fixação da estrutura através de determinações legais, sob as quais os currículos
deviam ser organizados nas instituições escolares, foi um mecanismo de poder usado pelo
Estado brasileiro como um aparato institucional, visando limitar a liberdade das
interpretações acerca dos indicadores curriculares oficiais de modo que estes não se
distanciassem da interpretação e da significação de seus elaboradores.
A estrutura curricular oficial conseguiu definir, no caso em estudo, a independência
ou desvinculação da educação profissional do ensino médio, a ordenação dos cursos dentro
de áreas profissionais baseadas no mercado, e a forma modular do currículo. A
modularização que surgiu na legislação e textos oficiais como uma das formas de
organização curricular transformou-se, dentro do processo de alteração educacional local,
na única a orientar a formulação curricular. Com isso o Estado, apoiado no detalhamento
legal, buscou fixar os sentidos dados à educação profissional, transformando tal modelo em
um dos princípios/pilares fundamentais da nova estrutura curricular e educacional.
A estrutura curricular foi significada e construída localmente, especialmente quando
da elaboração do Projeto do Curso, baseada principalmente no entendimento dos gestores
locais que a interpretaram como algo sob o qual não competiam questionamentos locais,
196
mas sim atitudes que propiciassem o seu detalhamento e implementação enquanto currículo
que orientasse a prática educacional. Os gestores locais, pelas posições que ocupavam na
gestão da instituição local e pelo fato de serem mais sujeitos aos constrangimentos das
demandas oficiais, tiveram, no caso estudado, seus discursos e práticas mais atrelados à
norma oficial, transformando-se de certa forma em seus defensores. Já os outros sujeitos,
ligados à prática educacional (professores e alunos) mostraram-se mais críticos ao novo
modelo curricular, apresentando proposições diferentes de organização curricular.
Os currículos contemporâneos, principalmente os relacionados à educação
profissional, sofreram a invasão de teorias do campo da produção, que experimentou nas
últimas décadas novos modelos produtivos que deram uma pseudo-participação aos
trabalhadores, tornando-os participantes comprometidos com o processo da execução de
um produto. Esta lógica tem fortes indícios de ter sido incorporada à educação pela
proposta oficial quando os professores são inseridos no processo de produção curricular
como atores que devem executar os meios técnicos de produzir o perfil do trabalhador
competente, através da definição dos conhecimentos e conteúdos curriculares organizados
sob um novo paradigma educacional: o das competências.
A existência da liberdade, a qual foi compreendida localmente, em alguns casos¸
como cerceada pela legislação que determinava a estrutura educacional ordenadora do
currículo, foi o principal ponto a partir do qual se efetivaram as representações locais do
currículo. Neste caso a teoria foucaultiana de que relações de poder só existem quando
existe liberdade é uma prerrogativa das construções curriculares que se tornou evidente
neste estudo (FOUCAULT, 1995; MAIA, 1995). As tentativas de resignificação local do
currículo e as disputas que ocorreram em torno deste, tiveram como ponto de partida a
proposta estrutural do governo.
As tentativas de significação curricular oficial e ressignificação local do currículo e
as disputas que ocorreram em torno deste, tiveram como elementos de poder os discursos.
Por um lado, o governo tentava construir a educação profissional como um nível
educacional desajustado às necessidades do mercado e, por isso, carente de alterações, e,
por outro lado, os atores locais tentavam defender um modelo tradicional que garantisse a
manutenção de um projeto educacional já consolidado, que manteria inalteradas as posições
de poder, os direitos e regalias conquistados ao longo de sua existência, mantendo as
197
disciplinas como orientadoras dos conhecimentos e delimitadoras dos campos de ação dos
docentes.
Os aparatos da legislação oficial não conseguiram efetivar a nível local o conceito
de competência como ordenador da organização curricular. Esta se baseou na tradição
disciplinar para a definição dos conteúdos e tempos educacionais, sendo limitada pela
estrutura curricular definida pelo Estado, dando um caráter híbrido ao currículo do caso em
estudo (LOPES (2004, 2005), DIAS (2002), BALL (2001)).
No processo de alteração curricular local identificaram-se duas fases distintas, que
acompanharam o processo de implantação da reestruturação educacional a nível nacional.
Numa primeira fase foi adotado um modelo curricular transitório que contemplava apenas a
separação da educação profissional do ensino médio. E, numa segunda fase, o currículo foi
ordenado dando ênfase a algumas definições das DCNs. e dos RCNs.
Na primeira fase existiu uma simples adaptação das disciplinas escolares (anuais)
que existiam no modelo integrado anterior, a um novo modelo semestral. Nesta adaptação
os conteúdos foram simplesmente enquadrados dentro da nova estrutura curricular, o que
gerou a redução de carga horária de algumas disciplinas básicas, devido a alteração do
regime de anual para semestral. As disciplinas continuaram sendo organizadas, como no
currículo integrado anterior, por área de atuação/conhecimento, contemplando uma
seqüência que se desenvolvia dos conteúdos mais fáceis aos mais complexos.
As adaptações das disciplinas dentro do período letivo levaram a alterações da
quantidade de conteúdos e/ou grau de aprofundamento ou da seqüência de apresentação, o
que fez com que o novo modelo fosse relacionado a uma diminuição da carga horária total
do curso, pois foi muito mais marcante a diminuição dos tempos escolares do modelo
tradicional anterior do que o acréscimo de novas disciplinas no currículo por competências.
Na segunda fase a definição de disciplinas e conteúdos mínimos deixa de ser
realizada pelo MEC, que passa a definir competências profissionais as quais passaram a ser
as orientadoras dos currículos e as definidoras de agrupamento dos
conhecimentos/conteúdos disciplinares. Tal organização buscou mudar os conceitos e
padrões de ensino até então utilizados pela escola e dominados pelos professores.
O Plano de Curso, elaborado na segunda fase da implantação da reestruturação
educacional local, constituiu-se como uma forma de apresentar ao MEC um modelo
198
curricular que fosse orientado pela nova legislação. Porém, o referido Plano limitou-se a
atender as exigências mínimas estipuladas pela norma oficial, deixando para um segundo
momento o detalhamento curricular. Com isso, os elaboradores do currículo ganharam mais
tempo para que as interpretações a respeito da noção de competência e da própria legislação
que orientava a construção curricular fossem mais bem entendidas e significadas
localmente, pois até então tais orientações eram confusas devido ao caráter polissêmico do
texto da política curricular.
O não detalhamento curricular no Plano de Curso foi uma estratégia que resguardou
os atores locais garantindo-lhes uma maior liberdade para o detalhamento curricular com a
definição dos conteúdos e disposição dos tempos, quando do planejamento dos módulos de
ensino semestrais.
No processo de implantação curricular constatou-se que circunstâncias práticas
também são decisórias na efetivação de uma alteração curricular, como a que aconteceu no
curso em estudo, que apresentou no Plano de Curso uma estrutura não linear que
contemplava certificações parciais, mas que implantou na prática um currículo seqüencial.
A existência de outros modelos curriculares em andamento, fez com que a implantação
ocorresse de forma gradual, à medida que os módulos iam sendo detalhados e implantados,
resgatando uma seqüência em termos de conhecimentos baseada na tradição curricular
anterior. A falta de professores especializados e com tempo disponível para atender
determinadas disciplinas também foi fator determinante para a adoção do modelo
seqüencial e também para a exclusão de disciplinas do currículo.
No processo de implantação curricular ficou evidente que quanto mais distante as
decisões acerca do currículo estiverem de seus propositores (Estado) mais elas serão
(re)significadas, contemplando outros posicionamentos que nem sempre voltam-se aos
preceitos oficiais. Constatou-se que quanto mais afastado os atores do processo de
construção curricular estiverem dos ditames oficiais, mais se voltam ao cultivo da tradição
como mantenedora da organização curricular. A tradição, no caso em estudo, representou
uma âncora para o detalhamento curricular local, servindo como um ponto de referência ao
qual os atores locais (professores) recorriam para materializar as novas propostas
curriculares.
199
Se, por um lado, os novos currículos necessitavam estar voltados aos conceitos
introduzidos pela política curricular oficial que os orientava e limitava enquanto estrutura,
por outro, tentavam resgatar o passado. Com isso o texto curricular evidencia uma
característica híbrida, na qual os novos preceitos foram adaptados de forma a recuperar e a
manter os conhecimentos e valores culturais considerados válidos localmente.
O detalhamento curricular com a definição dos conteúdos dos módulos foi um
processo no qual as disputas e as relações de poder evidenciaram que alguns sujeitos
possuem uma maior representatividade nos textos curriculares e, em conseqüência, na
definição dos seus tempos e conteúdos, do que outros. São representadas nos textos
curriculares as significações daqueles atores que exercem uma forma de poder sobre os
demais sujeitos. A hierarquia interna privilegiou, no currículo escrito, as significações dos
sujeitos que tinham maior antiguidade na carreira docente, que possuíam maior tempo em
determinada disciplina, que tinham participações em construções curriculares anteriores,
que tinham contratos ou vínculos efetivos com a instituição, e que demonstravam um
posicionamento afim ao defendido pela Coordenadoria. Esta constatação evidencia que o
currículo escrito é um texto no qual somente alguns podem ter representados os seus
desejos.
Os demais atores envolvidos pelo currículo, contudo, não deixam de exercer o poder
na tentativa de alterar o currículo escrito e terem atendidas as suas representações
educacionais. Pode-se argumentar que a política curricular não se encerra com o
sancionamento do texto curricular oficial, o seu campo de definição se estende até a ação
educacional, na qual são interpretados os significados curriculares e traduzidos em prática
educacional. Percebe-se que o currículo em ação é o próximo estágio da efetivação
curricular, após a construção dos textos curriculares, sob o qual tais atores irão buscar ter
alguma influência.
Portanto, a renovação curricular não depende exclusivamente de um plano
estruturado, tal como o currículo escrito, para a sua efetivação, pois este por si só não é
suficiente para provocar mudanças substanciais no processo educacional (SACRISTÀN,
1998). A tradição apresenta-se como um forte elemento a manter os currículos inalterados
ou próximos dos modelos já experienciados e dominados pelos professores, que mantêm
resguardadas as áreas de domínio dentro dos tempos e conteúdos curriculares.
200
No processo de construção e detalhamento curricular estudado, a política curricular
não se restringiu à elaboração dos textos legislativos, mas sim ganhou contornos
específicos através de resignificações e arranjos locais que buscaram incorporar os
entendimentos dos atores locais acerca do formato curricular da identidade profissional a
ser formada. A cada nível do detalhamento da política curricular foram abertas
possibilidades para que outros sujeitos tivessem representadas as suas significações,
tornando o currículo uma mescla entre diferentes concepções educacionais e curriculares,
dando ao currículo do Curso Técnico em Sistemas de Telecomunicações do CEFET-RS um
caráter híbrido. Esta noção de hibridismo ilustra a mescla das diferentes orientações que
acabaram sendo representadas no currículo e configuram o currículo como palco de
disputas e produto de relações de poder.
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ANEXOS
212
Anexo 1- Roteiros para grupos focais
213
Roteiro para grupo focal com professores
Processo de construção do currículo dos módulos
- Que critérios foram utilizados para a escolha dos professores para fazerem parte de
um referido módulo?
- Que treinamento foi oferecido aos professores que planejavam o novo currículo? E
a quem começava a trabalhar orientado por ele teve algum treinamento? Como vocês
avaliam este treinamento?
- Como foi a elaboração dos programas das disciplinas?
- Como foi o processo para as definições curriculares? Quem definiu o que? Como?
- De que forma os currículos foram organizados?
- Apareceram dificuldades na elaboração dos programas das disciplinas? Quais?
O que foi mantido do currículo anterior? Como? Porque?
- Quais os critérios para:
- a definição das competências para as disciplinas;
- a definição da inclusão/exclusão de disciplinas; (porque algumas
disciplinas foram eliminadas do currículo? A falta de recursos humanos e material
influenciaram na inclusão/exclusão? Como?
- a inclusão ou exclusão de conteúdos no currículo;
- a definição de conteúdos para atender as competências;
- a carga horária das disciplinas como foi definida? Os
conhecimentos/conteúdos necessários para a sua disciplina possuem tempo
suficiente/insuficientes dentro do currículo? Porque?
- atender aos pré-requisitos desenvolvidos por outra disciplina;
- Existe relacionamento entre as disciplinas? Como se concretiza no currículo
escrito?
214
Os docentes vêem como legítimas as competências do plano do curso ou reelaboram
quando da construção do currículo do módulo? Como? porque?
Qual era o processo para a construção curricular? competências-> bases
tecnológicas -> conhecimentos/conteúdos : qual a seqüência usada?
A tradição do planejamento do currículo teve influência na nova construção? Como
se manifestou?
Os planos antigos foram esquecidos ou influenciaram a construção do novo
currículo? como? porque?
Como foram concretizados os princípios oficiais que regem o ensino profissional? O
novo currículo observou quais princípios?
O currículo em ação ( a aula) sofre influência da nova estrutura curricular? como?
porque?
Que influências que a separação do ensinocnico do ensino médio trouxe para a
construção curricular? como/porque?
Financiamento e o currículo
- O que o financiamento da reforma trouxe de benefícios para o curso?
- O financiamento prometido em contrapartida da implantação da reforma
influenciou a construção curricular? de que maneira?
As instalações físicas do curso e equipamentos influenciam em execução do
currículo? como? são adequadas as realidades do mercado?
Prática educacional
Como avaliam o impacto da reforma sobre o curso? E sobre a prática docente?
O que mudou na prática docente com o modelo das competências? O que
continuou?
Desde quando participa da implantação da reforma? O que o levou a participar?
Qual o tipo de participação você teve na elaboração do currículo? (elaborou currículo ou só
executou?)
215
Você busca informações complementares à reforma/metodologia de ensino por
competência? Porque? Onde?
Foi oferecido treinamento a quem começava a trabalhar orientado pelo modelo das
competências? que tipo? foi suficiente?
Existiram dificuldades para atuar baseado no novo modelo curricular? quais?
As definições curriculares acerca das competências das disciplinas que vocês
trabalham estão de acordo com as necessidades que o mercado exige?
As cargas horárias das disciplinas estão bem distribuídas? porque?
Os conhecimentos/conteúdos de suas disciplinas possuem tempo suficiente dentro
do currículo? Deveriam ser acrescentados outros conteúdos/competências/disciplina em
suas disciplinas? Deveriam ser eliminados alguns conteúdos do currículo? Qual /porque?
As disciplinas que foram eliminadas do currículo semestral anterior fazem falta? Por
que vocês acham que elas foram eliminadas? (falta de recursos material e humano
influenciaram nisso?)
Existe relacionamento entre as disciplinas? como se concretiza?
Quais os impactos da organização curricular em módulos para a prática pedagógica?
Quais os pontos positivos e negativos de trabalhar orientado por um currículo por
competências?
O que o currículo por competências consegue em termos de aprendizagem para o
aluno? Este modelo curricular privilegia que seja desenvolvida a parte comportamental ou
de conhecimentos dos alunos?
O novo modelo curricular alterou a sua maneira de dar aulas? porque? como?
Como planeja suas aulas? Baseado em competência ou conteúdos? Seguem o
programa? Se mudam como o fazem?
Como é trabalhar baseado no conceito de competência profissional? Que método de
trabalho utiliza em suas aulas? (Como é a sua prática educacional? Mudou ou é a
tradicional?)
Como deve ser o perfil do professor para trabalhar orientado por competência?
216
Como deve ser o perfil do aluno? Se assemelha ao que o mercado espera do
profissional? em que sentido?
Avaliação do aluno
Como se avalia a aquisição de competências pelos alunos? (que métodos/técnicas de
avaliação usam?)
A utilização de conceitos traz benefícios ou é prejudicial ao processo de ensino?
O conselho de classe é uma boa metodologia para a avaliação?
Visão da reforma
Esta reforma era necessária? porque?
O que mudou com o método da educação por competências?
O que mais gostarias de acrescentar, que eu não tenha abordado?
217
Roteiro para grupo focal com alunos
Currículo
Quando você optou por cursar já conhecia a forma da organização do currículo do
curso? Como ficou sabendo / quando ficou sabendo?
O currículo atendeu as tuas expectativas?
A definição das competências para as disciplinas atingem seus objetivos? São
adequadas ao mercado?
Deveria haver a inclusão ou exclusão de conteúdos no currículo? quais? porque?
A definição dos conteúdos atendem as competências?
A carga horária das disciplinas está bem distribuída? porque? Os
conhecimentos/conteúdos necessários para cada disciplina possuem tempo suficiente dentro
do currículo? Porque? Existe alguma disciplinas sobra ou falta tempo?
Os conteúdos atendem aos pré-requisitos desenvolvidos por outras disciplinas?
como? porque?
A separação do ensino médio e do técnico tem influência na formação do
trabalhador? como? porque?
Prática educativa
Existe diferença entre uma aula baseada em conteúdos e em competências? Quais /
porque?
Os professores se orientam por competências ou conteúdos em suas aulas? Porque?
Como é feita a avaliação dos alunos? por competências ou conteúdos? Por nota ou
por conceito?
Qual sua opinião a respeito do conselho de classe? é uma evolução/retroceso? O que
tem de positivo/negativo?
O que vocês pensam sobre a organização modular? Como avaliam?
218
A organização modular traz benefícios para a prática educacional e aprendizado?
quais? como?
E esse currículo baseado em competência, como vocês avaliam?
Quais os pontos positivos e negativos de trabalhar orientado por um currículo
baseado em competências?
Existe interdisciplinaridade neste modelo? Como ocorre? porque?
A prática dos professores é diferente da prática de um currículo tradicional? Como?
Os professores estão preparados para trabalharem neste modelo? como / porque?
Como é a estrutura física do curso? Auxilia ou dificulta o aprendizado? Porque? É
adequada a realidade do mercado? Em que sentido?
Impactos na formação do trabalhador e mercado
Na opinião de vocês como deve ser o perfil do aluno do modelo de competências?
Em que difere do aluno do ensino tradicional?
Vocês pensam que esse modelo está adequado ao mercado? Porque?
O que o mercado espera de vocês em termos de conhecimento/comportamento pelo
mercado? O que é mais valorizado pelo mercado: conhecimento ou comportamento?
porque?
O que é um trabalhador competente? O modelo consegue formá-lo? como/ porque?
O perfil exigido do aluno tem alguma semelhança com o perfil do profissional
exigido pelo mercado? Em que aspectos?
Esta reforma era necessária? Porque?
Para finalizar acrescentem algum comentário a respeito do modelo curricular, do
curso, enfim sintam-se livres para opinarem a respeito do curso no qual estão se formando.
219
Anexo 2- Fichas de caracterização dos sujeitos
220
a) Caracterização dos alunos:
Nome: ______________________________________________
Idade: _______________
Onde cursou/cursa o ensino médio:
___________________________________________________________________
O que o levou a escolher cursar o curso técnico em sistemas de telecomunicações?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O curso de tele consegue formar o técnico que o mercado espera? Porque?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
221
b) Caracterização dos docentes:
Nome: __________________________________________________________
Qual sua formação: _________________________________________________
Qual a sua experiência profissional: (ligada a escola ou a empresa?)
_________________________________________________________________________
Há quanto tempo trabalha no cefet? _____________________
Porque se tornou professor?
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Qual a avaliação do modelo das competências para a prática docente?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Quais os pontos positivos e negativos de trabalhar orientado por um currículo por
competências?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
222
Anexo 3- Roteiro para entrevistas individuais
223
Roteiro para coleta de dados com gestores e professores
coordenadores da execução do currículo dos módulos
a) Caracterização dos sujeitos:
Nome:
A quanto tempo trabalha no cefet?
Desde quando participa da implantação da reforma? O que o levou a participar?
b) processo de construção do currículo dos módulos
- Que critérios foram utilizados para a escolha dos professores para fazerem parte de
um referido módulo?
- Que treinamento foi oferecido aos professores que planejavam o novo currículo? E
a quem começava a trabalhar orientado por ele teve algum treinamento? Como vocês
avaliam este treinamento?
- Como foi a elaboração dos programas das disciplinas?
- Como foi o processo para as definições curriculares? Quem definiu o que? Como?
- De que forma os currículos foram organizados?
- Apareceram dificuldades na elaboração dos programas das disciplinas? Quais?
O que foi mantido do currículo anterior? Como? Porque?
- Quais os critérios para:
- a definição das competências para as disciplinas;
- a definição da inclusão/exclusão de disciplinas; (porque algumas
disciplinas foram eliminadas do currículo? A falta de recursos humanos e material
influenciaram na inclusão/exclusão? Como?
- a inclusão ou exclusão de conteúdos no currículo;
- a definição de conteúdos para atender as competências;
- a carga horária das disciplinas como foi definida? Os
conhecimentos/conteúdos necessários para a sua disciplina possuem tempo
suficiente/insuficientes dentro do currículo? Porque?
- atender aos pré-requisitos desenvolvidos por outra disciplina;
224
- Existe relacionamento entre as disciplinas? Como se concretiza no currículo
escrito?
Os docentes vêem como legítimas as competências do plano do curso ou reelaboram
quando da construção do currículo do módulo? Como? porque?
Qual era o processo para a construção curricular? competências-> bases
tecnológicas -> conhecimentos/conteúdos : qual a seqüência usada?
A tradição do planejamento do currículo teve influência na nova construção? Como
se manifestou?
Os planos antigos foram esquecidos ou influenciaram a construção do novo
currículo? como? porque?
Como foram concretizados os princípios oficiais que regem o ensino profissional? O
novo currículo observou quais princípios?
O currículo em ação ( a aula) sofre influência da nova estrutura curricular? como?
porque?
Que influências que a separação do ensinocnico do ensino médio trouxe para a
construção curricular? como/porque?
c) Financiamento e o currículo
- O que o financiamento da reforma trouxe de benefícios para o curso?
- O financiamento prometido em contrapartida da implantação da reforma
influenciou a construção curricular? de que maneira?
As instalações físicas do curso e equipamentos influenciam em execução do
currículo? como? são adequadas as realidades do mercado?
d) Prática educacional
Como avaliam o impacto da reforma sobre o curso? E sobre a prática docente?
225
O que mudou na prática docente com o modelo das competências? O que
continuou?
Desde quando participa da implantação da reforma? O que o levou a participar?
Qual o tipo de participação você teve na elaboração do currículo? (elaborou currículo ou só
executou?)
Você busca informações complementares à reforma/metodologia de ensino por
competência? Porque? Onde?
Foi oferecido treinamento a quem começava a trabalhar orientado pelo modelo das
competências? que tipo? foi suficiente?
Existiram dificuldades para atuar baseado no novo modelo curricular? quais?
As definições curriculares acerca das competências das disciplinas que vocês
trabalham estão de acordo com as necessidades que o mercado exige?
As cargas horárias das disciplinas estão bem distribuídas? porque?
Os conhecimentos/conteúdos de suas disciplinas possuem tempo suficiente dentro
do currículo? Deveriam ser acrescentados outros conteúdos/competências/disciplina em
suas disciplinas? Deveriam ser eliminados alguns conteúdos do currículo? Qual /porque?
As disciplinas que foram eliminadas do currículo semestral anterior fazem falta? Por
que vocês acham que elas foram eliminadas? (falta de recursos material e humano
influenciaram nisso?)
Existe relacionamento entre as disciplinas? como se concretiza?
Quais os impactos da organização curricular em módulos para a prática pedagógica?
Quais os pontos positivos e negativos de trabalhar orientado por um currículo por
competências?
O que o currículo por competências consegue em termos de aprendizagem para o
aluno? Este modelo curricular privilegia que seja desenvolvida a parte comportamental ou
de conhecimentos dos alunos?
O novo modelo curricular alterou a sua maneira de dar aulas? porque? como?
Como planeja suas aulas? Baseado em competência ou conteúdos? Seguem o
programa? Se mudam como o fazem?
226
Como é trabalhar baseado no conceito de competência profissional? Que método de
trabalho utiliza em suas aulas? (Como é a sua prática educacional? Mudou ou é a
tradicional?)
Como deve ser o perfil do professor para trabalhar orientado por competência?
Como deve ser o perfil do aluno? Se assemelha ao que o mercado espera do
profissional? em que sentido?
e) Avaliação do aluno
Como se avalia a aquisição de competências pelos alunos? (que métodos/técnicas de
avaliação usam?)
A utilização de conceitos traz benefícios ou é prejudicial ao processo de ensino?
O conselho de classe é uma boa metodologia para a avaliação?
f) Visão da reforma
Esta reforma era necessária? porque?
O que mudou com o método da educação por competências?
O que mais gostarias de acrescentar, que eu não tenha abordado?
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