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Eu levanto quatro e meia todos os dias e cinco e meia eu tô saindo
daqui n/é. A gente pega o ônibus na porta de casa e vai, e sete
horas você tá pegando no serviço, e se pega é aquilo, se você faz
você ganha, se você não faz você não ganha. Então, a produção
você tem que cortá mesmo. Hoje mesmo eu tava pensando: meu
Deus, existe um serviço mais pesado, mais difícil do que esse aqui?!
E eles costumam falar assim, que dão palestra acho que é SENAR,
acho não, o SENAR deu palestra pra gente, é ensinando, dando um
curso chamado Projeto Cana Limpa e eles ensinando como é cortar
a cana direitinho, não deixar toco alto, nem cortar dentro do chão,
nem deixar muita ponta. E aí eles falam assim, que tudo da cana
começa com vocês, ele fala assim pra gente, tudo desde o preparo
do solo até a colheita, vocês são os principais, mas aí eu vejo como
a gente é tão esquecido na hora de receber n/é? Porque somos as
peças principais na lavoura desde o cultivo da terra até a colheita,
mais o ganho eu acho muito pouco devido o esforço que a gente
faz, é um trabalho muito sofrido mesmo, muito pesado, a gente
trabalha porque não tem opção. (Antônia)
Sabe com que, que a usina paga nós, que nós ficô sabendo n/é? Com
o nó da cana que nós corta, só do nó da cana que nós corta já tira o
salário nosso, se sabe o que é nó da cana não sabe? [...] Agora veja
bem, pra você ver nem o bagaço não é! [...] Ô eu sempre falo pros
colega aí na roça, nós ganha um salário tão miserável que talvez na
quinzena um tira oitocentos, aquele mais forte tira novecentos e fala
assim: vixe deu bem! Meu Deus não é! Que eu falei assim nós gosta
de acostuma com pouco, enquanto eles sempre ganhô bem, não é?
[...] É cada dia mais exigindo um serviço melhor, exigindo, cada vez
mais tá exigindo de nós, só exige, só exige de nós. (Clemente)
Percebe-se pelos depoimentos acima que reflexo da reestruturação produtiva
que assola vários processos de produção, inclusive o do açúcar e do álcool, são
cada vez maiores às exigências com relação à qualidade do trabalho realizado.
É o que eu tô falando: a cana dá dinheiro pra quem? Pro dono da
usina, pro situante, então pro dono, fornecedor da cana ela dá muito
dinheiro; agora pra quem corta! [...] O que menos se esforça é o que
mais ganha, mais pode perceber quanto mais o serviço é pesado
menos a pessoa ganha [...]. Aqui é muito desigual, tem menos
desigualdade hoje em dia. O que nós ganha muito é exigência no
serviço cada dia que passa [...]. (Clemente)
O depoimento anterior demonstra a consciência do trabalhador sobre as
desigualdades sociais. Reitera que embora a região de Ribeirão Preto seja
conhecida como Califórnia Brasileira, “[...] a sua riqueza tem sido possibilitada pela
intensificação das desigualdades sociais, derivadas que são da concentração da
propriedade e da renda em mãos de uma pequena parcela da população.” (ALESSI;
NAVARRO, 1997, p.7)