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BrendaMarquesPena
APOESIASONORACOMOEXPRESSÃODAORALIDADE:
Históriaedesdobramentosdeumavanguardapoética
BeloHorizonte
FaculdadedeLetrasdaUFMG
2007
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
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3
BRENDAMARQUESPENA
APOESIASONORACOMOEXPRESSÃODAORALIDADE
Históriaedesdobramentosdeumavanguardapoética
4

BrendaMarquesPena
APOESIASONORACOMOEXPRESSÃODAORALIDADE
Históriaedesdobramentosdeumavanguardapoética
Dissertação apresentada ao Programa de
PósGraduação em Letras−Estudos
LiteráriosdaUniversidadeFederaldeMinas
Gerais,como requisitoparcial àobtenção do
títulodeMestreemLetras.
ÁreadeConcentração:TeoriadaLiteratura
Linha de Pesquisa: Literatura e outros
SistemasSemióticos(LSS)
Orientadora:Profª.Dra.SôniaMariadeMelo
Queiroz.
BeloHorizonte
FaculdadedeLetrasdaUFMG
2007
5
FichaCatalográfica
Pena,Brenda
A Poesia Sonora como expressão da oralidade: história e desdobramentos de
umavanguardapoética/BrendaMarquesBeloHorizonte,2007.
137f.
Dissertação (Mestradro em Estudos Literários Literatura e Outros Sistemas
Semióticos)
UniversidadeFederaldeMinasGeraisUFMG,FaculdadedeLetras,2007.
Orientadora:SôniaMariadeMeloQueiroz
1.PoesiaSonora.2.Literatura.3.Performance.4.Oralidade.5.Intermídia.
6.Eletroacústica.7.VanguardasPoéticasdoséculoXX.8.Escritura
I. Queiroz, Sônia Maria de Melo (Orient.). II. Universidade Federal de Minas
Gerais.FaculdadedeLetras.III.Título.
6
DedicoestetrabalhoaDeus,ograndeorientadorda
minha vida, aos meus pais Renato e Suely, que
sempre acreditaram no caminho do conhecimento,
aminhairmãMarja,peloapoio,aoBetopeloamor,
companheirismo, compreensão e auxílio na
gravaçãodosCDscompoemassonoros.
7
Meumuitoobrigado
aSôniaQueiroz,orientadoraepoetisa,queabraçouodesafiodestetrabalho,foiuma
bússolaprecisaemeinstigouatrilharocaminhodapesquisacomafincoeprazer.
a Jerusa Pires Ferreira, que como orientadora da minha orientadora deu preciosas
dicasparaestapesquisaecomodiretoradoCEOCentrodeEstudosdaOralidade
me convidou para participar do Encontro rumo à II Jornada Radiofônica do
ProgramadeComunicaçãoeSemióticadaPUC/SP.
aogrupodepesquisadeIntermidialidade,emespecialaThaísFlores,ClausClüver,
Vera Casa Nova, Solange Ribeiro, Márcia Arbex e Marcelo Corrêa. Aprendi muito
comcadaumeagradeçopeloenviodeinformaçõessobresemináriosepublicações.
aAlineCântia,pelapaciênciaemouvirminhasidéiaseajudarmenaconstruçãodo
projetopreliminardestadissertação,peloapoioetorcidaparaqueeufosseaprovada
naseleçãodomestrado.
aoSynésioBatistadaCosta,presidentedoCofecon,porserumgrandeincentivadore
porcompreenderasausênciasnecessáriasnoConselhoparaapresentaçãode
trabalhos,entrevistaseencontroscomaorientadoranaUFMG.
aos funcionários da Secretaria de Pósgraduação em Estudos Literários pelos
esclarecimentos,lembreteseinformaçõesfundamentaisnodecorrerdomestrado.
ao Elias Santos e Pacheco da rádio UFMG pela abertura na programação para a
veiculaçãodepoemassonorosnodiaMundialdaPoesia.
8
a cada um dos poetas entrevistados que foram grandes mestres e luzes para a
jornadaquetraceiatéaqui:
MarceloDolabela,quememostrouasentranhasevícerasdapoesiadevanguardae
me convidou a participar do Festival Internacional de Poesia Sonora em 2000. Sem
eletalvezeununcamedespertasseparaoobjetodestadissertação.
Boris Schinaiderman, pela valiosa contribuição ao traduzir e falar sobre a poesia de
Maiakovski,
Lúcio Agra, por me mostrar um novo olhar e escuta para o trabalho de Kurt
Schwitters,autordaUrsonate,
VeraCasaNova,pelabeladefiniçãodogestodecriaçãopoéticacomoumpartoque
produzadoreogozo,
RicardoAleixo,pelaindicaçãodoUBUsitecomomaioracervodeáudioetextos
depoesiasonoraeetnopoéticadaInternet.Etambémpordetalharoseutrabalhode
“performador”edesignersonoro.
Wilton Azevedo, pela parceria, por ter apresentado a hipermídia a Philadelpho
Menezesemarcarumanovatrajetórianestapesquisaenomeutrabalhocomopoeta.
Agradeçoporabrirseuestúdioparaexperiênciassonoraseaoconviteparaparticipar
do Simpósio Oppenport: sound, performance and Language, em Chicago e do EPoetry,
emParis.
9
APoesiaSonoraéumaespéciedepoesiaoral,cujacaracterística
é o experimentalismo com a voz e o som, seja por meio da
fonética ou de efeitos sonoros produzidos por equipamento
eletroacústico. Na apresentação ao vivo, acrescentamse
elementos corporais, performáticos, videográficos, de luz e de
movimento.
PhiladelphoMenezes,ICiclodePoesiaSonora
10
RESUMO
AhistóriadaPoesiaSonora,suaorigemedesdobramentossãotratadosnesta
dissertaçãoquetrazumestudosobrearelaçãoentreasartesdevanguardanoséculo
XX onde esta poética está inserida.Apresentaremos conceitos de oralidade, escrita,
escritura, ruído, silêncio e ritmo. As experimentações sonoras de John Cage e de
HenriChopinforamdeterminantesparaoestabelecimentodenovaslinguagenspara
a música eletrônica e a Poesia Sonora, assim como as performances radiofônicas de
Artaud.O capítulo final traz uma série de entrevistas com Boris Schnaiderman,
Wilton Azevedo, Vera Casa Nova, Ricardo Aleixo, Marcelo Dolabela, Lúcio Agra,
umacríticaaoMuseudaImagemedoSomdeSãoPauloeumbreverelato.
Este estudo se faz importante para compreendermos algumas aplicações da
PoesiaSonoranahipermídiae para mostrarcomoasclassificaçõesrigorosasdearte
estãocaindonacontemporaneidade,diantedabuscadeartistasporumaartequese
nainterrelaçãoentreasdiferentesrepresentaçõesesuportes.
11
ABSTRACT
The Sound Poetry history origin and unfoldings are treated in this master
thesisthatbringsanimportantstudyontherelationentersthevanguardartsin20
th
centurywhere this poeticalisinserted.Wewillpresentconceptsoforality,writing,
noise,silenceandrhythm.ThesoundexperienceofJohnCageandHenriChopinhad
beendeterminativefortheestablishmentofnewlanguagesforelectronicmusicand
the Sound Poetry, as well as the radio performances of Artaud.The final chapter
brings a series of interviews with Boris Schnaiderman, Wilton Azevedo, Vera New
Casa,RicardoAleixo,MarceloDolabela,LúcioAgra,acriticaltotheMuseumofthe
ImageandtheSoundofSãoPauloandabriefstory.
This study is important to the understood of some applications of sound
poetry in hipermedia and to show as the rigorous classifications of arts are falling
and the search of artists for an art that play with an interrelation between the
differentrepresentationsandsupports,hasbeenliveddeeplyinthecontemporarity.
12
LISTADEILUSTRAÇÕES
1. Boris Schaniderman em seu apartamento em São Paulo. ( p.72)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena.
2.
3. Wilton Azevedo no estúdio Underlab. (p.84)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
4. Vera Casanova em casa. (p.89)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
5. O performador Ricardo Aleixo. (p.93)
Foto de divulgação de espetáculo do poeta
6. Poeta Marcelo Dolabela na mesa. (p.100)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
7. Lúcio Agra em seu espaço em São Paulo. (p.106)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
8. Fotos da faixada do Museu da Imagem e do Som em São Paulo (MIS). (p.117)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
9. Arte digital de Enzo Minarelli, representação para o projeto 3 Vitre. (p.132)
Autor: Enzo Minarelli. Disponível no site do artista www.3vitre.it
10. Mesa de trabalho no estúdio underlab, detalhes do equipamento de som. (p.133)
Fotógrafa: Brenda Marques Pena
11. Partitura para voz do poema Paessagio + Temporale de Giocommo Balla. (p.135)
Disponível no site www.ubu.com
12. Escritura do poema Verbalizzazione astratta di Signora de Fortunato Depero. (p. 136)
Disponível no site www.ubu.com
13. Imagem de Hugo Ball com escritura do poema Karawane. (p.137)
Disponível no site www.ubu.com
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐14
CAPÍTULO1APOESIANAERATECNOLÓGICA‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐18
ContextualizaçãohistóricaeconceitualdaPoesiaSonora‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐19
Oralidade,escritaeescritura‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐22
O ruído e o silêncio como elementos de composição -------------------------26
CAPÍTULO2LITERATURAEOUTRASARTES‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐28
AsvanguardaspoéticaseasinterrelaçõescomaPoesiaSonora‐‐‐‐29
Experimentaçõessonorasnocinemasurrealista‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐32
OSurrealismoRadiofônicodeArtaud‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐35
OFuturismoeoDadaísmo:poéticasderuptura‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐38
CAPÍTULO3EXPERIMENTAÇÕSCOMOSOM‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐45
LinguagensSonorasAutônomas:ArsAcústicaeEletroacústica‐‐‐‐‐46
ArádioartedeJohnCage‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐50
Trajetóriadaperformanceou“liveart”‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐55
DoFuturismoaoHappenning‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐58
OsPoetaseasonoridadecomoexperiência‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐63
OconceitodePolipoesiadeEnzoMinarelli:oProjeto3‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐67
CAPÍTULO4APOESIASONORANOCONTEXTO‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐71
DAINTERMIDIALIDADECONTEMPORÂNEA
Embuscadeumapoesiaintermídia‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐72
EntrevistacomBorisSchnaiderman‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐76
EntrevistacomWiltonAzevedo‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐84
EntrevistacomVeraCasaNova‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐89
EntrevistacomRicardoAleixo‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐93
EntrevistacomMarceloDolabela‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐100
EntrevistacomLúcioAgra‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐106
MISMuseudaImageme(d)oSom?‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐117
FestivaisInternacionais‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐118
REFERÊNCIAS‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐122
ANEXOS----------------------------------------------------------------------------- 131
14
INTRODUÇÃO
15
Como podemos liberar a linguagem do seu sarcófago impresso? Como
quebrar os ataúdes cinzentos de murmúrios e permitir que as palavras uivem da
página, como que possuídas por espíritos? Este questionamento trazido pelo
compositor, artista plástico e professor de música, Murray Shafer em O Ouvido
Pensantefoioqueimpulsionouasexperimentaçõesdospoetasdadaístas,futuristase
concretistas (poetas sonoristas e visuais) a realizar experimentações com sussuros,
gritos; expressões não articuladas; interjeições e exclamações; sopros, gemidos,
sussurros,gritoserugidos
1
.
Esta pesquisa mostra como essas experiências das vanguardas artísticas do
século XX contribuíram para a prática da Poesia Sonora e os desdobramentos desta
poética que mescla a oralidade tradicional às práticas contemporâneas por meio de
tecnologias de processamento de sons e da hipermídia. Os poetas Stephane
Mallarmé, Ezra Pound, James Joyce, E.E. Cummings, Oswald de Andrade
contribuíram para a prática da Poesia Sonora. No campo musical, as influências
partiram de Anton Webern e John Cage. Os expoentes da pintura e da escultura
foram Piet Mondrian, Kasimir Mâlevich, Alexandre Calder, Marcel Duchamp,
AlfredoVolpi.SergueiEisensteineosfilmesdevanguardadasprimeirasdécadasdo
século XX como os de Man Ray foram as principais influências do cinema. Os
capítulos2e3destadissertaçãomostramestecenáriodeexperimentação.Destacoas
experiências radiofônicas de Antonin Artaud e de John Cage que mostram como
procedimentos estéticos utilizados na Poesia Sonora podem ser aplicados ao meio
rádio.
Emborahajanomundo,inúmerosartistaseteóricosoperandoaPoesiaSonora
hoje, ainda não existe uma literatura específica que reúna toda a diversidade e
múltiplas perspectivas estéticas ou tecnológicas dessa arte complexa. Portanto, este
foiumtrabalhoárduodebuscadateoriaedapráticadaPoesiaSonoraentrelivros,
CDs,DVDsecatálagosdefestivaisqueforamincluídosnasreferênciasepodemser
1
SHAFER.OOuvintePensante.p.236.
16
um ponto de partida para outros pesquisadores. Permanecem desafiadoras as
possibilidades de pesquisa e experimentação poética pelos praticantes da Sound
Poetry.Além de sua importância comovanguarda, peloseu caráter oral,elaalcança
potencialmentetambémopúblicoiletrado,umavezquenoBrasilcontinuaenormea
desproporção entre o número limitado dos aptos à leitura fluente e a imensidão do
públicovisadopelapoesia.
Esta dissertação mostra a Poesia Sonora como a continuidade de outras
manifestações poéticas e de uma precursora para outras experimentações. Alguns
conceitos de performance, eletroacústica, ritmo, escritura e de poesia podem se
mostrarcontraditórios,masaoinvésdeapontarumaúnicadireção,buscoestabelecer
umapolifoniatambémteórica.Busqueinestapesquisafazerumlevantamentoamplo
de artistas que influenciaram ou contribuíram para esta poética assim como dos
autores que trabalharam a Poesia Sonora e outros conceitos aplicáveis a esta
vanguarda sem manifestos ou unidade ideológica. Poetas com formas diferentes de
composição e de difusão de seus poemas sonoros se apresentaram nos mesmos
festivais. Raramente se encontrará um poeta que se intitule apenas como poeta
sonoro e este é um dos sintomas da contemporaneidade em que as classificações
caememdesuso.
 AnexadosaestetrabalhoestãodoisCDs,3ViTredischidipolipoesia,compilação
dopoeta EnzoMinarelli,cujoroteiroteóricoestánocapítulo3destelivroetrazum
panorama histórico e estético da Poesia Sonora. O disco 2: Experimento Sonoro, é
resultado desta pesquisa e traz poemas de brasileiros como Augusto de Campos,
experimentações realizadas por mim com o poeta Wilton Azevedo e um apanhado
de poemas sonoros importantes que não estão em 3 Vitre, mas que são registros de
extremaimportância paracompreensãodaPoesiaSonora.Asescrituras dospoemas
também estão em anexo como forma de ilustrar as “partituras da voz” compostas
pelospoetasHugoBall,GiocomoBallaeFortunatoDepero.
17
Desdeasorigensatéostemposatuaisemqueasexperimentaçõessonorassão
usadas na Poesia Digital, o caráter de fusão das artes contribuiu para que a Poesia
Sonora,oriundadevanguardascomoodadaísmo,osurrealismo,ohappeningetantas
outras práticas artísticas, permanecesse presente nas práticas poéticas atuais. Como
as teorias sobre a Poesia Sonora e seus desdobramentos na poesia hipermídia hoje
estão em processo de construção, trago no último capítulo uma série de entrevistas
realizadasentrejulhode2006efevereirode2007comocríticoliterárioetradutorde
Maiakovski para o português, Boris Shnaiderman e os poetas e pesquisadores
brasileirosWiltonAzevedo,VeraCasaNova,LúcioAgraeRicardoAleixo.
Aofinaldestetrabalho,citotrêsfestivaisinternacionaisesimpósios,dosquais
tive a oportunidade de participar de 2000 a 2007: o Festival Internacional de Poesia
Sonora, realizado no Brasil em 2000, O Oppenpport: sound, performance and Language,
emChicago,USA,eoEPoetry,de maiode2007,emParis,França.Oprimeirodeles,
foiopontapédoprojetodestadissertaçãoapresentadonofinalde2004aoPrograma
dePósGraduaçãoemEstudosLiterários daUFMG.Aoencontrar,depoisdequatro
anos,entreospapéisdeminhaestanteocartazeocatálagodoFestivalInternacionalde
PoesiaSonora,fuiinstigada apercorrerestecaminhodepesquisa,que,assimcomoo
da poesia, é uma rua sem saída, uma estrada sem volta, um percurso cheio de
experimentaçõesederompimentoscomalínguanabuscadeumapréBabelondea
poesiapossasercompreendidapelapercepçãoenãopelacognição.
18
CAPÍTULO1
APOESIANAERATECNOLÓGICA
19
ContextualizaçãohistóricaeconceitualdaPoesiaSonora
As tradições ocidentais consideravam a poesia como a arte da linguagem
verbal,a Poesia Sonora e aPoesia Visual, se esforçamem conjuntopara ultrapassar
esse estatuto, rejeitar sua coerência e esquecer suas regras limitadoras. O poema
passaaseracoisaconfiguraçãodetraçosfísicos.APoesiaSonoraeaPoesiaVisual
nos“falam”emumalinguagemcompostadeelementosdesnaturadosnaarticulação
devocemas,grafemas,sons,silêncios,gestosvestígiosdouniversocomoqualnos
confrontamos.
A associação entre voz e gesto, entre os gregos era atestada
pela palavra mousikè, que designa ao mesmo tempo a dança, a
músicavocaleinstrumental,asestruturasmétricasdopoemae
aprosódiadapalavra
2
.
A introdução dos meios audiovisuais: do disco, da televisão e do vídeo,
modificou profundamente as condições da performance e a transmissão da
mensagem, devido à possibilidade de produção de novos estímulos e percepções
sensoriaismúltiplas.
O avanço da eletrônica foi outro fator que passou a tornar manifesta a
inadequação da linguagem poética, diante da necessidade eminente de expandir as
transmissões orais tradicionais da poesia oral. As primeiras máquinas do tipo
fonógrafo remontam ao fim do século XIX, mas foi somente cinqüenta anos mais
tarde, com Henri Chopin, que foi possível garantir a flexibilidade sonora, ao
sintetizarsonsgravados. DevemosaChopinofeitodeterconseguidopelaprimeira
vezcaptaras“micropartículasvocais”.
O experimento com o poema “Peur”, em que o artista fragmentou o som em
partículas e o fundiu a ruídos do ambiente de forma nãolinear, possibilitou uma
2
ZUMTHOR.EscrituraeNomandismo,p.147.
20
novapossibilidadedecriaçãoepercepçãoauditivaparaopoema.Destaforma,avoz
pôdeserrestabelecidacomopercussãodalínguasobreopalato;soprodoarentreos
dentes; fluidez escorregadia da saliva, aspiração e expiração comprometidas com a
corporeidade. Foi assim que a Poesia Sonora passou a agir diretamente no campo
acústico,pormodulação,variaçãodasvelocidades,reverberação,produçãodeecose
usodesintetizadoresmúltiplos.
Desde as primeiras décadas do século XX, sentese um desejo dos próprios
poetas de oralizar a poesia. Poetas experimentaram a voz comocorporeidade ainda
em 1920, com Maiakovski e Evtouchenko. Toda palavra poética aspira a dizerse, a
ser ouvida, a passar pelas vias corporais. Ao contrário dos anos 50, quando Henri
Chopincriou o nomePoesia Sonora paraseus poemas produzidosemaparelhagem
eletroacústica (primeiras manifestações de poesia tecnológica da história), hoje se
assiste a uma revisão do uso da tecnologia: ainda que extremamente rica e útil, ela
deve se subordinar a um projeto poético que escape dos meros efeitos
eletroacústicos,reponhaem jogoocorpoeavozem suaspossibilidadesexpressivas
etenhaemvistaacomplexidadesemânticadacomunicaçãopoética
3
.
Conforme explicita Philadelpho Menezes no Colóquio Paul Zumthor, a Poesia
Sonorapartedaidéiadequeapoesianasceantesdotextoescritoedodiscursoenão
dependedeleparaexistir.Elasecriacomcertasconjunçõessonoras,sendoapalavra
apenasumdeseuselementospossíveis,que,dispostosnumacertaordem,exprimem
conceitos, sensações e impressões. Várias definições e manifestações de Poesia
Sonora foram registradas em livros, discos e outros registros, mas alguns pontos
sãocomunsem todasasvertentes.Primeiramente,elaéumtipodepoesiaoral,mas
associada a uma característica especial: é essencialmente experimental. Ela se
distancia claramente da poesia declamada, ou seja, não reproduz as formas
tradicionais de declamação emotiva e lírica, teatral e dramática do texto. Em seu
lugar, entram o humor, as técnicas fonéticas, o rumorismo e a utilização de meios
3
MENEZES.PaulZumthoreaPoesiaSonora.In:FERREIRA(Org.).OralidadeermTempo&Espaço,
p.148.
21
tecnológicos.Porconseqüência,sedistanciadaidéiadetextoescrito:opoemasonoro
nuncaéumtextoescritolidooralmente,pormaisqueestesepretendaexperimental
enquantodiscursoverbal.
StevenConnor,emCulturaPósModerna:introduçãoàsteoriasdocontemporâneo,
situaaspráticas devanguarda emum contexto globaldeproduçãoda“cultura”no
sentido mais amplo, de signos, representações, imagens e de “estilos de vida”.
ApesardeaPoesiaSonoraserdevanguarda,elaremeteàpesquisaantropológicaea
etnopoética, que influenciaram muitos processos de produção dos poetas e
pesquisadoresdestetipodepoesiaoral.
OespaçoderesistênciaemqueaPoesiaSonoraestáinseridaéoderupturada
linguagemescrita,porumaoralidadecomplexaque,apartirdeumconhecimentoda
fonética das palavras, busca a interação com o som e os ruídos, dentro de um
processo de significação.O poema sonoro integra elementos e linguagens diversas
no processo de montagem, numa relação intersígnica e intermídia, não de colagem,
masdefusãodossignos.
22
Oralidade,escritaeescritura
EmumasériedeentrevistasparaaRádioCanadá,publicadanolivroEscritura
eNomandismo,PaulZumthor fala datendênciadesebuscar recuperar osvaloresda
oralidadeperdidosdapoesia.
Nossos meios permitem a realização de um desejo que a voz
traz em si desde sempre: o de se fixar sem deixar de ser ela
mesma,desubsistirescapandoàdesnaturaçãoquelheinfligea
escrita.Devencerassim otempofugidio,ededurarnoespaço
quepreencheu.
4
A oralidade não se reduz à ação da voz. Paul Zumthor no livro Introdução à
poesiaoral fala sobre a integração dos movimentos do corpo à poética. Na aspiração
da poesia de se fazer voz e se fazer um dia ouvir na captura do incomunicável ela
cumpre um papel estimulador, como um apelo à ação. Desta forma, depurase das
limitações semânticas e rompe com o discurso. Em seu procedimento de ruptura, a
Poesia Sonora utiliza na performance frases absurdas, repetições acumuladas até o
esgotamentodo sentido,seqüênciasfônicasnãolexicaisepurosvocalizesvogais,
palavrasesílabascantadasaleatoriamente
5
.
RolandBarthes,em OóbvioeoObtuso,situaavoznaarticulaçãoentreocorpo
e o discurso. Para ele, escutar exige atenção e não se limita nem à expressão do
discurso, nem à impressão exercida pela voz. Barthes descreve a audição como o
sentido produtor de significados do som e do silêncio. Através do ritmo, a escuta
deixa de ser pura vigilância para tornarse criação, pois, sem o ritmo, a linguagem
verbal seria impossível. O ouvinte, para Barthes, deve colocarse em posição de
decodificaroqueéobscuro,confusooumudo.
4
ZUMTHOR.Escrituraenomandismo,p.159.
5
ZUMTHOR.Introduçãoàpoesiapral,p.169.
23
Ouviréumfenômenofisiológico,escutaréumatopsicológico.
Aescutasepodedefinirporseuobjetoousuaintenção(...)O
quesetentacaptarpeloouvidosãosignos.Ohomemescutada
mesmamaneiraquelê,istoé,mediantecertoscódigos.
6

Na introdução aos diálogos dirigidos por R. Pillardin para FranceCulture,
Barthes diz ainda que as práticas da fala, da escrita e da escritura
7
não sobrevêm
casualmente,depoisdapoesiaoudepoisdaescritura,masaoralidadeintervémcom
a poesia e com a escritura, fornecendolhe um pressuposto como elemento
constitutivo fundamental para o texto escrito, texto que deve prever eventuais
desdobramentos. A oralidade não é exclusivamente sonora, pois estabelece
ligâmenes com todo tipo de signo ligado ao dinamismo do corpo. “A inteligência
ativaé corpo, ogestopoéticoécorpo,ocorporitmoesemritmonãolinguagem.
Poroutrolado,nãolinguagemsemcorpo”,afirmaBarthesemoÓbvioeObtuso.
Na época de Apollinaire se falava de “textos vocais”. Hoje em
dia, praticase a “Poesia Sonora”, para além das experiências
européias, americanas, dos anos 20 e 50 de Maiakovski a
EvtouchenkonaantigaUniãoSoviética,aRothenberg, Cageou
McLow nos Estados Unidos. A percepção da poesia se da
mesma forma que se escutam os ruídos da natureza: por meio
depalavrasedavozduranteaperformance.
8
Nopoema sonoroa linguagem recuperasua origem primitiva, mutiladapela
reduçãoquelheimpõemaprosaeafalacotidiana.Areconquistadesuanaturezaé
total e afeta os valores sonoros e plásticos, assim como os valores significativos. A
palavra, finalmente em liberdade, mostra suas entranhas, seus sentidos e alusões,
6
BARTHES.Oóbvioeoobtuso,p.217.
7
Diferenciaseaquiaescritaeaescritura,porqueaescrituranãoénecessariamenteamodalidadede
existênciadaquiloqueéescrito.BARTHES.Ogrãodavoz,p.09.
8
ZUMTHOR.EscrituraeNomandismo,p.159.
24
como um fruto maduro ou como um foguete no momento de explodir no céu. A
palavrapoéticaéplenamenteoqueé:ritmo,coresignificado.
9
Henri Meschonnic em Politique du Rythme refuta a dualidade entre oral e
escritoepropõeatríadedofalado,comoescritoeooral.Aoralidadediferesenesta
instância da fala e aproximase do conceito de escritura apresentado por Barthes
comoumtextoquepermiterealizaroretornodocorpocomtodososseusrecursose
linguagens:fala,escritaeescritura.EmoGrãoda Voz,Barthescolocaaescrituracomo
ummeiocaminhoentreafalaeaescrita,quesevaledaamplitudepoéticaparafazer
umaterceiraprática,baseadanogozoenasubjetividade.
A oralidade proposta por Meschonnic seria da ordem da voz, do gesto, do
corpo,dasubjetividade,masquepermitisseumaaproximaçãoentreavozeoescrito,
o que a transforma em uma escritura a partir do ritmo com organização subjetiva
diantedooralcomopropriedadepossíveltantodoescritoquandodofalado
10
.
(...) como o ritmo não é mais redutível ao sonoro, ao fônico, à
esfera oral, mas engaja um imaginário respiratório que diz
respeitoaocorpovivointeiro,domesmomodoqueavoznãoé
redutívelaofônico,poisaenergiaqueaproduzengajatambém
o corpo vivo com sua história. Por isso, o ritmo é ao mesmo
tempoumelementoda vozeumelementodaescritura.Oritmo
é o movimento da voz na escritura. Como ele, não se ouve o
som,masosujeito
11
.
PaulValéry,noartigo“QuestõesdePoesia”,discorresobreanecessidadeda
ampliação da linguagem verbal e da produção de novas combinações. Diante disso
Valéry propõe uma distinção, no verso, do conteúdo e da forma, do tema e do
desenvolvimento, do som e do sentido, da rítmica e da métrica e da prosódia
separável da própria expressão verbal, das próprias palavras e da sintaxe. Desta
9
AGUIAR.Poesiaouintervençãovivaempoesiasonora.In.MENEZES(Org.)PoesiaSonora:poéticas
experimentaisdavoznoséculoXX,p.147.
10
MESCHONIC.Politiquedurythme,politiquedusujet,p.151152.
11
MESCHONIC.Larimeellavie.p.269270.
25
maneira, ele faz uma crítica aos sintomas da não compreensão e da insensibilidade
poéticadealgunscríticos.
Seria fácil organizar uma tabela dos “critérios” do espírito
antipoético. Tratarseia da lista das maneiras de analisar um
poema, de julgálo e de falar dele, que constituem manobras
diretamente opostas aos esforços do poeta. Essas operações
inúteistendemaarruinarosentidopoético[...]
12
.
Em O Arco e a Lira Octávio Paz discorre sobre o som como elemento da
intervenção poética. Segundo Paz, o sonoro pode se apresentar na poesia no ritmo,
na melodia, ou unicamente no ruído.Estas estruturas sonoras não são um simples
acessório,masumconjuntodesignosaseremdecodificados.
A poesia é tempo, ritmo perpetuamente criador. A célula do
poema, seu núcleo mais simples é a frase poética. Porém,
diferentemente do que acontece com a prosa, a unidade da
frase, o que a constitui como tal e forma a linguagem, não é o
sentidooudireçãosignificativa,masoritmo.
13
uma relação singular do som com a interioridade. Essa relação é
importanteparaacomunicaçãohumana.Numaculturaoral,naqualapalavraexiste
apenas no som, sem qualquer referência a um texto visualmente perceptível, a
fenomenologiadosompenetraprofundamentenosentimentodeexistênciadosseres
humanos,naqualidadedepalavrafaladaecantada.Aotratardealgunsaspectosda
psicodinâmica da oralidade, Walter Ong observa que o som apresenta uma
característicadetemporalidadeespacial,poisestápresentenasuaevanescência,uma
vezque,osomexistesomentequandoestádesaparecendo.
14
12
VALERY.Variedades,p.186.
13
PAZ.OArcoeaLira,p.61.
14
ONG.Oralidadeeculturaescrita,p.42.
26
Oruídoeosilênciocomoelementosdecomposição
No passado, as pessoas pensavam menos na intensidade e no volume dos
sons, provavelmente porque havia uma quantidade menor de sons fortes em suas
vidas. Somente após a Revolução Industrial a poluição sonora veio a existir como
problema. No começo do século XX, o compositor futurista italiano Luigi Russolo,
reconhecendo a predominância dos ruídos no cotidiano sonoro, sugeriu que esses
sons deveriam ser incorporados à música. Em 1913, ele escreveu um manifesto
intitulado L’arte dei rumori (A arte dos ruídos), no qual demonstrou que, desde a
invençãodamáquina,ohomemestavasendogradualmente condicionadoporesses
novosruídos,eessecondicionamentoestavamodificandosuasensibilidadeauditiva.
O fenômeno sonoro é composto por vozes, silêncios e ruídos. O som é
presença e ausência e está permeado de silêncio. Por isso John Cage disse que
nenhum som teme o silêncio que o extingue. O artista comprovou também que
mesmo quando não ouvimos os barulhos do ambiente, fechados numa cabine à
provadesom,ouvimosos ruídosdonossoprópriocorpo:osom gravedapulsação
docorpohumanoeoagudodosistemanervoso.Ossonssãoemissõespulsantes,que
sãoporsuavezinterpretadassegundoospulsoscorporais,somáticosepsíquicos
15
.
Russolo defendeu o fim do exílio do “ruído” na esfera do desagradável e
insistiu que as pessoas abrissem seus ouvidos para a nova música do futuro. Com
esta proposta, cai a definição dos engenheiros de comunicação do ruído como
interferência na mensagem ou na recepção da mensagem, dando lugar à aplicação
que a Poesia Sonora deu ao ruído cerca de 40 anos depois da sugestão de Russolo.
EssamudançadoconceitoderuídocomomanifestodeRussoloeasexperiênciasde
tantos músicos e poetas que buscaram trabalhar este elemento sonoro, colaborou
paraumanovapercepçãodossonsenovasproduçõesdesentido.
15
WISNIK,OSomeoSentido:umaoutrahistóriadasmúsicas,p.20.
27
Éfatoqueoruídoaindapode ser interferência,porexemplo,quandoemum
concerto de música, o trânsito do lado de fora do local do espetáculo atrapalhar a
audiçãodaspeças.Porém,quandoJohnCageabriuasportasdacasadeespetáculoe
informou o público que o trânsito era parte da textura da peça musical, os ruídos
externosdeixaramdeserinterferência
16
.
A definição habitual de ruído como aquele que desorganiza
outro sinal, bloqueia o canal, desmancha a mensagem ou
desloca o código, empregada pela teoria da informação ganha
um caráter mais complexo. Em se tratando de arte, o ruído se
torna um elemento virtualmente criativo, desorganizador de
mensagens/códigos cristalizados e provocador de novas
linguagens
17
.
Antes de abordar as influências das diversas artes e vanguardas na Poesia
Sonora
18
,citoalgumascaracterísticasquediferenciamaPoesiaSonoradamúsica,do
textoimpressoedeoutraspráticaspoéticaselinguagensverbais.Contrapondoseao
texto impresso, que se com o olho, o texto som é sonorizado, e “lido” com o
ouvido.Otermogenéricomaisapropriadoparadesignaromaterialverbal,segundo
RichardKostelanetz
19
,seria:“vocábulos”,ouseja,palavrasconsideradasantescomo
unidade de som que como unidades de significado. Assim o textosom se situa no
meiodocaminhoentreliteraturaemúsica,sendoqueseuelementodesustentaçãoé
osom,emdetrimentodasintaxeedasemântica.
16
SHAFER.Oouvidopensante,p.138.
17
WISNIK,Osomeosentido:umaoutrahistóriadasmúsicas,p.33.
18
APoesiaSonoraéidentificadacomotextosomporRichardKostelanetz.
19
MORROWIntroduçãoaolivroTextSoundtexts,p,1422.
28
CAPÍTULO2
LITERATURAEOUTRASARTES
asvanguardaspoéticasdoséculoXX
29
AsvanguardaspoéticaseasinterrelaçõescomaPoesiaSonora
APoesiaSonorasealimentadeváriasvanguardasartísticas.Oqueinteressaé
a experimentação com o som. No princípio, os futuristas russos e italianos
destruíramoverboeasintaxe,enquantoseuscontemporâneosdadaístasproduziam
poemasdeletraseossurrealistasexploravamoinconsciente.Eraocomeçodoséculo
XXe aquelesseriamʺosprimeirosa estabelecerrelaçõesentresons,sinaisgráficose
espaçoʺ,escreveJeanYves Bosseur emO Someas ArtesVisuais.Na criação literária,
os conceitos das vanguardas foram decisivos para o nascimento da poesia concreta
de1950
20
.
DeacordocomAugustodeCamposnoensaio“TeoriadaPoesiaConcreta”,a
poesiaconcreta,apoiadaemduasoutrasexpressõeschavedaartecontemporânea
verbivocovisual, de James Joyce, e klangfarbenmelodie, de Anton Webern tornouse
umaliteraturacompredomíniodosignovisual,comalgumas experiênciasnocampo
da expressão oral. Apenas recentemente ela ganhou tratamento sonoro mais
elaborado, com o avanço dos meios tecnológicos abrindo novas possibilidades
formaiseestruturais.APoesiaSonoracolocaoouvidonolugardoolho:apaisagem
sonoraéfundamentalmenteaartedacaptaçãofotográficadosom.Quandorevelado,
o objeto sonoro apresentará uma releitura psicológica do real: afirmação de seu
interior,negaçãodesuasuperfícieouconstataçãodesuasupremacia.
PaulZumthorconsideraapráticadaPoesiaSonoracomoaformamaisradical
dasvanguardaspoéticas:
A poesia Sonora instaura a questão da língua como tensão e
assim, nas suas práticas e experimentações, as estruturas do
dizer humano são tocadas de modo mais radical do que todas
asrevoluçõesliterárias,desdeMarllarméouosurrealismo.Elas
20
REGO,Mário.Histópicos:damúsica.Disponívelem:
http://minotauromancia.vilabol.uol.com.br/histopico.htm.Acessoem:19abril2006.
30
revelam, no bojo de uma ecologia acústica libidinal, uma
desintegração das figuras conhecidas. Entretanto, não se trata
de um retorno às fontes, mas de deslocamento, ruptura de
ponto de vista, em plena consciência e de forma precisa na
superabundânciadaaliteração.
21
Ahistóriadacriaçãopoética das vanguardasseiniciacoma criação limítrofe
deMallarmé.Em comum,elas compartilham aprocura pornovos códigoseformas
deexpressão.Oresultadodissosãoasváriasformasdepoesiaexperimental,quetem
comocaracterísticas,entreoutras,aposturamaisativadopoeta,autilizaçãodavoz,
dosoproedeoutrasatividadesbiológicasdoautoroudoperformer.
NolivroAsvanguardasartísticasdoséculoXX,MáriodeMicheli,abordacomoa
estéticapassouporprocessosderupturacomosurgimentodaartemoderna.
A arte moderna não nasceu como uma evolução da arte do
século XIX; ao contrário, ela surgiu de uma ruptura de valores
daquele século e não foi uma simples ruptura estética. É da
polêmica, do protesto, da revolta por razões históricas e
ideológicas que surgiu a arte nova (...) em torno da qual se
organizaram o pensamento filosófico, político, literário, a
produçãoartísticaeaaçãodosintelectuais
22
.
OExpressionismofoiumdosprimeirosmovimentosdevanguardadoséculo
XX,apesardeosexpressionistas,comoartistasderivados doRomantismo,aindanão
seempenharemnaaspiraçãovanguardistaderompimentocomasintaxe.Hermman
Bahr, no ensaio “Enucleação da poética expressionista”, escreve em referência ao
quadroOGritodeEdwardMunch,sobreabuscadeliberdadedoExpressionismono
inícioséculo.“Oexpressionistareabreabocadohomem.Pordemais ouviucalando
se,ohomem;agoraquerqueoespíritoresponda”
23
.
21
ZUMTHOR.EscrituraeNomandismo,p.163.
22
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.14
23
BAHR.Expressionismo,p.8485
31
Para o pintor expressionista Nolde, a descoberta do primitivo tornase a
descoberta do primordial, daquela primeira substância do universo, o princípio das
metamorfosesda matéria, seu fermento inesgotável seu impulsoimaginário. Para
ele,ascorestinham“umavidaprópria”,eram“chorosaseridentes,quentesesantas,
como canções de amor e de erotismo, como cantos e esplêndidos corais”. Fortes,
intensasmanchasdecorestendiamseemsuatelacomoseestendenoarumsoarde
gongo, e dentro daquelas manchas ele adensava “os gritos de medo e de dor dos
animais”juntocomaembriaguezemqueaexaltaçãocriativaoatirava.
24
EssareaberturadabocadohomemtambéméexpressadaporKandinsky:“Ai
daqueleque tem opoder decolocar na bocada arteas palavras necessáriase nãoo
faz.Aidaquelequedesviadabocadaarteoseuouvidoespiritual.Ohomemfalaao
homem do sobrehumano, a linguagem da arte”. A Influência da música sobre
Kandinsky o levou a se enveredar por uma arte abstrata, expressionista e lírica em
umaespéciedeabstracionismomístico
25
.
Os expressionistas desejavam pintar a verdadeira alma, como um modelo
flutuante e com ardor abrasador, mesclando em suas cores movimento e ritmo! A
simultaneidade entre ritmo e movimento na pintura, porém, pode ser expressa
apenasdeumamaneirainsuficiente,oque,naPoesiaSonora,setornapossível.
24
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.85
25
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.98.
32
Experimentaçõessonorasnocinemasurrealista
No fim da primeira guerra mundial ocorreu na França uma renovação do
cinemaquecoincidiucomosmovimentosdadaístaesurrealista.Umgrupoliderado
pelo crítico e cineasta Louis Delluc quis fazer um cinema intelectualizado mais
autônomo,inspiradonapinturaimpressionista.NasceramdaíobrascomoFièvreem
1921, do próprio Delluc, La Roue, 1922, de Abel Gance, e Coeur Fidèle, 1923, de Jean
Epstein.OdadaísmochegouàtelacomEntracte,1924,deRené Clair,queestrearano
mesmoanocomParisquidort.Entreosnomesdessegrupo,umdosmaisbrilhantesé
o de Germaine Dulac, que se destacou com La Souriante Mme. Beudet, 1926, e La
CoquilleetleClergyman,1917.AvanguardaaderiuaoabstracionismocomLʹÉtoilede
Mer,1928deManRay,eaosurrealismocomospolêmicosUnChienAndalou,1928e
LʹÂge d´or, 1930, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, e Sang dʹun Poete, 1930, de Jean
Cocteau.
OSurrealismoinfluencioualiteraturaeogostodaprimeirametadedoséculo
XX pelo menos na Europa Ocidental e na América. No ensaio “Reconsiderando o
surrealismo”, 1956, o pensador e sociólogo alemão Theodor W. Adorno no
surrealismoumafaseavançadaerelativamente progressivaemrelaçãoàsituaçãode
interpretaçãodaperdadaliberdadedohomemnasociedadetecnificada.Oprocesso
de criação surrealista cujo esquema é manifestado na montagem foi a posteriori
influênciaparaacriaçãodaPoesiaSonora.OpoetaApollinaire(18801918),primeiro
a sugerir o nome surrealismo para o movimento artístico, gravou alguns
experimentos que integram a estética da Sound Poetry. O estranhamento é um
elementopresentenaartesurrealista.
33
Se se pretender reduzir o surrealismo ao seu conceito, não se
deverárecorreràpsicologia, masaoseuprocessoartístico,cujo
esquemamanifestamenteéamontagem.Seriafácildemonstrar
queapinturasurrealistaoperacomosmotivosdamontageme
que a descontínua justaposição deimagens na lírica surrealista
possuiemsimesmaascaraterísticasdamontagem.
26
.
A estrutura pictural do cinema surrealista está impregnada de um cenário
sonorotambémdevanguarda.EmTheDreamsthatmoneycanbuy(194547),realizado
porManRay,Duchamp,Calder,MaxErnsteFenandLéger,utilizaamúsicadeJohn
Cage
,DariusMilhaudeEdgardVarèsecomotrilhasonora.Asimagenssearticulam
na obra fílmica em um mesmo espaçotemporal como em uma ópera sonora do
imaginário.
A relação principal da estética surrealista com o processo de construção da
PoesiaSonoraeoutraspoéticasdevanguardaestánajustaposição,queseassemelha
não a uma simples soma, mas a uma criação assim como em Eisenstein. O cineasta
russo, no ensaio O Sentido do Filme, fala sobre a imaginação do receptor que não
evocaquadrosacabados,senãosuaspropriedadesdecisivasedeterminantes.Ocorte
na montagem cumpre papel fundamental, pois determina o ritmo, a respiração e a
dinâmicadosomedasimagens
27
.
A vanguarda se preocupou com a criação de um ritmo próprio pelo qual o
cinemapoderia ultrapassar a lógica dos fatos e a realidade dos objetos.Noʺcinema
puroʺdefinidoporGermaineDulac,aemoçãodevianascerdeummovimentovisual
ritmado.Ofilmeseriaumaʺsinfoniavisualʺexpressandoacadênciada formapura,
como ilustrou parcialmente La Roue, 1923. Seu autor, Abel Gance, realizou também
ʺNapoléonʺ (1926), na primeira forma de exibição em cinerama, quando Gance
projetou o filme em mais de 150º através de três projetores sobre três grandes telas
articuladas. As imagens laterais davam o condicionamento histórico e simbólico da
26
ADORNO.ReconsiderandooSurrealismo.In:FORTINI.OMovimentoSurrealista,p.235236.
27
www.wikipedia.org;Acessoem9deJulhode2005
34
imagem central. Gance criava, desta forma, uma sensação visual poderosa onde se
perde o detalhe, mas se reforça o caráter polifônico do conjunto de acordo com o
princípio da polivisão, por ele enunciado. Hoje alguns poetas que trabalham com a
hipermídia utilizam deste mesmo recurso utilizado por Gance de exposição de
imagenssimultâneas.
O Surrealismo foi um movimento artístico que abrangeu, além da pintura,
escultura e cinema, a prosa, a poesia e até a política e a filosofia. Na forma exposta
por seu principal animador, André Breton, o Surrealismo revela forte influência do
materialismodialético,deleretirandosuaʺlógicadatotalidadeʺ.Ocinemaserevelou
comooinstrumentoidealparaaconquistadasuprarealidadeporváriosmotivos:a
câmeraécapazdefundirvidaesonho,opresenteeopassadoseunificamedeixam
de ser contraditórios, as trucagens e efeitos podem abolir as leis da física. Foi com
esseespíritoqueforamcriadososprimeiroscineclubesesalasdearte,comooʺVieux
Colombierʺ, de Jean Tedesco, onde exibições de filmes anticomerciais (os chamados
filmes malditos) preparavam o público para responder às ambições dos
vanguardistas. Entre eles estavam os cineastas Luis Delluc, Germaine Dulac e Jean
Epstein.
35
OSurrealismoRadiofônicodeArtaud
Em 1947, o diretor de emissões dramáticas e literárias da Radiodifusão
Francesa, Fernan Pouey, convidou Antonin Artaud a preparar uma emissão para o
cliclo La voix de poètes, cabendo a ele a responsabilidade sobretodo o processo de
produção.OpoemasonoroPourenfiniraveclejugementdedieufoioresultadodeste
trabalho.OtextoradiofônicodaemissãodavozdeArtaud.Participaramdaemissão:
Paule Thévenin, Roger Blin e Maria Casares. nos ensaios e gravações a emissão
causou polêmica. O diretor da rádio, ao ler alguns alardes da imprensa e ouvir o
poema resolveu cancelar a transmissão.
O poema, registrado em 30 páginas de texto escrito e 40 minutos de voz, foi
transmitido em 1948 para um público restrito, formado por cerca de 50 jornalistas,
escritores,atores,diretoreseamigoseumpadre,queopinaramemsuamaioriapela
inviabilidadeda transmissão radiofônica. em1973 a obrafoi difundida pormeio
de reproduções caseiras em disco, e no ano seguinte a rádio France transmitiu Pour
enfiniraveclejugementdedieu.
CristianoFlorentino,DoutoremLiteraturaComparadapelaUFMG,nateseAs
Erupções da Voz: a voz da escritura de Antonin Artaud, fala da polifonia que está
presente no poema, tanto em sua execução pelas vozes que se multiplicam, e se
desdobram ditando dicções e ritmos sempre multáveis, quanto também pela
metáfora criada por Artaud do corpo sem órgãos que escaparia do juízo de Deus e
alcançariaaliberdade,transformandooemumaescrituraoferecidaaváriosdevires.
Desprovidodeórgãoseprincipalmentedeorganismo,delinguagemcorpolimite,
aoinverso.Estadesarticulaçãodocorpohumanoressoanosúltimosversosdoúltimo
poemaqueopoetadeixouemvida..
36
O homem é doente porque é mal construído.
É preciso colocálo nu para extrair este inimálculo que o corrói
mortalmente.
deus
e com deus.
seus órgãos.
Pois amarraremse se quiserem,.
masnãonadamaisinútilqueumórgão.
Quando vocês tiverem feito um corpo sem órgãos,
entãovocêsterãose libertado de todos os seus automatismoseterão
restituída a sua verdadeira liberdade de todos os automatismos e
terãorestituídaasuaverdadeiraliberdade.
Então você o ensinará novamente a dançar ao inverso
Comonodelíriodosbailesmusetteeesteinversoseráseuverdadeiro
lugar
28
.
Após este último verso, a emissão termina com sons de rufos de tambor de
formaqueovolumeeintensidadediminuemaospoucos,oquecriaumaimagemde
uma trupe mambembe medieval. A referência à poesia medieval está no aspecto
fônico(ecos,timbres,vocalizes,ruídoserecorrências);noaspectomorfossintático,no
léxicoenotemático.Destaforma,Artaudexplodealinguagemparaextrairdelauma
outrarealidade.
Gritoshorrendos,semelhantesaos sons produzidosporanimaissãolançados
porArtauddurante agravação,expelindoumasonoridade ostensiva e penetrantee
integramopoema,somadosaossonsdeinstrumentoscomoxilofonesutilizadospor
povos orientais (balineses, chineses, pigmeus e japoneses) e tambores, comumente
manipulados por comunidades consideras primitivas (africanas e indígenas da
América).
28
ARTAUD.Pouremfiniraveclejugementdedieu,p.6061.Osbailesmusettesãobailespopularesnos
quaissedançaavalsaaosomdoacordeão,dofoxtrote.In:FLORENTINO.Aserupçõesdavoz:avozda
escrituradeAntoninArtaudp.220.TraduçãodeCristianoFlorentino.
37
Comossonschocantesdoritual,opoetademonstraque,assim
como é eficaz a linguagem articulada quando solicitada em
momentos precisos, à pura sonoridade também é produtiva e
pode gerar significações e impressões muitas vezes mais
duradouraseobsedantesdoqueaprópriapalavra
29
.
Pour en finir avec le jugement de dieu explode todas as formas dramáticas e
textuais da época por sua marca da oralidade e glossalias na escrita até o uso
inovador do som e da voz no teatro e nas performances. Desta forma, o poema se
constitui como importante objeto de estudo para pesquisadores e artistas que
trabalham o som como linguagem, por sua riqueza em sonoridades, sonoplastia e
vocalizações.
29
FLORENTINO.Aserupçõesdavoz:avozdaescritura deAntoninArtaud,p,221.
38
OFuturismoeoDadaísmo:poéticasderuptura
A ambição dos modernos em atingir a poesia em sua essência acompanhou
artistascomoBaudelaire,Mallarmé,Valéry,RimbaudeVerlaine.Poetasprecursores
daPoesiaSonoracomoMallarméeValéry.Mallarméeraumaespéciedealquimista
das palavras que buscava a essência na poesia, capaz de sublimar a matéria;
Rimbaud era como um profeta visionário;Verlaine fazia uma poesia que evocava a
intensidade;Baudelairedefendiaaidéiadeque“Aalmasomenteencontrasuapátria
noalémespiritual[...]Amissãodapoesiaéabrirumajanelaparaessemundo”
30
.
Fazer da poesia um meio de conhecimento é exatamente no que consistia o
ensinamento de Baudelaire, de Mallarmé e de Rimbaud. o “grupo” de
Appollinairedeveserconsideradocomoumamarchaqueorientouapoesiaparaum
certocubismoliterário,oqualpreparou,porsuavez,asmanifestaçõesdevanguarda
dos anos de pósguerra, como o concretismo. Sobre a poesia do francês Toulet, é
impossíveltraduziroqueésomenteformaemúsica.
Paul Valéry não abre caminho para uma poesia nova, mas vai
até as profundezas noturnas do ser. Ele é uma espécie de
musicistadosilêncioquedescreveapoesiacomoatentativade
representar, ou de devolver, através da linguagem articulada,
aquelas coisas ou aquela coisa que procuram obscuramente
exprimirosgritos,aslágrimas,ascarícias,osbeijos,ossuspiros,
etc. Tratase, portanto, de abrir um caminhoatéo elementar, o
fundamental
31
.
30
RAYMOND.DeBaudelaireaoSurrealismo,p.2024.
31
RAYMOND.DeBaudelaireaoSurrealismo,p.123.
39
AbuscapeloelementarnapoesiadeValérytambémocorrenaPoesiaSonora,
mas nesta um rompimento com a linguagem, e os gritos, lágrimas, gemidos e
suspiroscaptadossãonãoexprimidos,mastambémutilizadoscomoelementode
composição de muitos poemas. O Dadaísmo e o Surrelismo, que Valéry combateu,
influenciaram a Poesia Sonora de tal forma que alguns artistas desses movimentos
inclusive realizaram trabalhos de experimentação bem próximos ao que
posteriormenteficoucaracterizadocomoSoundPoetry.
Ofuturismofoiumprelúdioparaumapoéticaderupturacomoromantismo,
queMarinetti,autordoManifestoFuturista,chamoude“atiraniadossentimentos”.
A razão disso é o cenário de inquietação universal na aventura do século XX pós
guerra.OpoemadeAndréSalmon,publicadoem 1910,expressaessedistanciamento
dasvanguardascomoromantismo.
Romance!Onn’estpasplusromance
Raillez,flutes,toussez,tambours
Moncouer,crepuleusedeménce
Apleurédanstouslesfaubougs
32
.
antes da guerra Marinetti exigia a supressão da sintaxe e a liberação das
palavras para uma poesia de ação e da vida moderna. Antes dos dadaístas,
ApollinaireemseusCaligramasdispuserasuaspalavrasnapáginabrancademaneira
mais fantasista. Renunciase, dessa maneira, ao auxílio do ritmo? Não inteiramente,
pois essa poesia bateria não como um metrônomo, mas como uma vícera. A Poesia
Sonora exprimiria após a década de 50, a partir dos experimentos de Henri Chopin
com os sons, o mecanicismo que poetas como Marinetti descreveram em palavras,
32
EstepoemapublicadopelaprimeiraveznoLeCalumetdolivroCrêances,Ed.DelaNRFp.175,foi
traduzidoporRaymondnolivroDeBaudelaireaoSurrealismodaseguintemaneira:Romance!Nãoé
maisromance/Zombai,flautas,tosse,tambores/Meucoração,crepulosademência/Chorouem
todosossubúrbios.
40
alcançandoessapoesia“visceral”emumpontodefusãoentre avozdohomemeos
sonseletroeletrônicospormeiodosrecursosdaeletroacústica.
O processo da literatura foi uma das preocupações essenciais dos dadaístas.
OsredatoresdogrupoLittératurequestionavamosescritorescontemporâneossobrea
razãodaescrita,umavezqueelaeraumaatividadeindividual.Asrespostassolenes
oucomoventessãoridicularizadas,masaceitamseasmaismodestasemaisirônicas,
adeValéry:“Escrevoporfraqueza”,ouadeKnutHansim:“Escrevoparaabreviaro
tempo”.
LouisAragonafirmounofinalde1929queoséculoXXestavasendomarcado
pelaagoniaemortedoindividualismodoshomens.Aragonexpressou essaaversãoe
ironiadaescritaindividualistanosversos:
Laclochedemoncoeurchante
Àvoizbasseunespoirtrêsancien
Cettemusiquejesuisbienmaslesparoles
Quedisaientaujustelesparoles
Imbécile
33
OsnostálgicosCaligramasdeApollinairesãoexemplosdojogoliterário.Sobre
eles podese falar de uma tradição acadêmica da poesia “pura” essência.
Appolinaire, diferentemente de Mallarmé, era adepto do acaso. O poético para ele
era essencialmente o arbitrário, o imprevisível, a associação livre que nenhum
raciocíniopodefazernascer,comoumaformadedivulgarasafinidadesmisteriosas
que existem entre o pensamento e a linguagem. Em ZONE, o primeiro poema de
Alcools é claro o conflito entre a poesia e a antipoesia e o desejo de cultivar a bela
desordem.
34
.
33
LouisAragonemAirduTemps.“Osinodomeucoraçãocanta/Emvozbaixaumaesperançamuito
antiga/Essamúsicaeuseibem,masaspalavras/Quediziamexatamenteaspalavras/Imbecil”.
TraduzidoporRaymondparaolivroDeBaudelaireaoSurrealismo.
34
RAYMOND.DeBaudelaireaoSurrealismo,p.200.
41
OspoetasTzara,HugoBall,HuelsenbeckderamvidaaoCabaretVoltaire,em
Zurique, onde nasceu, em 1916, o Dadaímo. Kurt Schwitters levou o conceito de
MERZ (Multilação a Hommus) ao movimento em Hannover, Alemanha, em 1919 e
Duchamp e Man Ray foram os representantes do Dadaísmo em Nova York. Estes
poetasforamprecursoresdaPoesiaSonora,quedeucontinuidadeaestatradiçãode
ruptura iniciada com a poesia Futurista e Dadá no início do século XX. No
nascimento do Dadaísmo, todas as tendências modernas se haviam afirmado. O
que se chama “arte dadaísta” não é algo definido, algo claramente enunciado, mas
umamiscelâniadeingredientes,detectadosnosoutrosmovimentoscomosmeios,
asinovaçõeseasinvençõesdoCubismo,doFuturismoedoAbstracionismo.Porém
o Dadaísmo pode ser considerado o movimento mais subversivo das artes e das
letras
35
.
A conseqüência mais importante desta vanguarda é a formação de uma
corrente de literatos, poetas, diretores de teatro e de cinema, músicos, artistas
empenhados vivamente na história daquela época, atuando com seu trabalho em
prol das forças revolucionárias, na crítica de fundo da velha sociedade, que se
dedicavam com todas as suas energias, ao renascimento de uma Alemanha
democrática.
Dadaéantiartístico,antiliterário,antipoético.Seudesejodedestruiçãotemum
alvopreciso,queéem parte,omesmodoexpressionismo,masseusmeiossãomuito
mais radicais. Dadá é contra a beleza eterna, contra a eternidade dos princípios,
contra as leis da lógica, contra a imobilidade do pensamento, contra a pureza dos
conceitosabstratos,contraouniversalemgeral.É,aocontrário,afavordaliberdade
desenfreada do indivíduo, da espontaneidade, daquilo que é imediato, atual,
aleatório, da crônica contra a temporalidade daquilo que é espúrio contra o que é
puro, da contradição, do não onde os outros dizem sim e do sim onde os outros
dizemnão,daanarquiacontraaordem,daimperfeiçãocontraaperfeição.Portanto,
em seu rigor negativo é também contra o Modernismo, isto é, contra o
35
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.104
42
Expressionismo,o Cubismo, o Futurismo, o Abstracionismo, julgandoos em última
análise subprodutos daquilo que foi ou está para ser destruído, isto é, dos novos
pontos de cristalização do espírito, o qual jamais deve ser aprisionado, mas deve
estar sempre livre, disponível, solto no contínuo movimento de si mesmo, na
contínuainvençãodasuaexistência.Nenhumaescravidão,nemmesmoaescravidão
de Dadá sobre Dadá. A cada momento, para viver, dada deve destruir Dadá.Não
existeumaliberdadeemqueelavivenegandocontinuamenteasimesma
36
.
ODadaísmoé,assim,nãotantoumatendênciaartísticoliterária,quantouma
disposiçãoespecíficadoespírito,éoatoextremodoantidogmatismo,queseservede
qualquermeioparaconduzirasuabatalha.Ogesto,portanto,maisdoqueaobraéo
queinteressaaoDadá.
O gesto pode ser feito em qualquer direção do costume, da
política, da arte, das relações. Uma única coisa importa: que
essegestosejasempreumaprovocaçãocontraochamadobom
senso,contraamoral,contraasregras,contraalei.Portanto,o
escândalo é o instrumento preferido pelos dadaístas para se
exprimirem
37
.

Destepontodevista,oDadaísmovaialémdosignificadooudasimplesnoção
de movimento para tornarse um modo de vida. O sentido da sua áspera polêmica
contra a Arte e a Literatura deve ser visto exatamente no fato de que nela,
hipocritamenteavidahaviasidoabolida,segregada.Dadáera,aocontrário,odesejo
agudo de transformar a poesia em ação. Era, enfim, a tentativa mais exasperada de
soldar a fratura entre arte e vida, de que Van Gogh e Rimbaud tinham dado o
primeiroedramáticoanúncio
38
.
O que se chama “arte dadaísta” não é certamente algo definido, algo
claramenteenunciado,masumaverdadeiramiscelâneadeingredientesdetectados
36
TZARA.ManifestoDadaísta,1918.
37
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.135.
38
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.135.
43
nosoutrosmovimentos,masquenascedeumapoéticaprofundamentediferente.De
fato, não é uma razão ordenadora, uma busca de coerência estilística, um módulo
formal, que presidem a criação da obra Dadá. Os motivos de natureza plástica que
interessamaosdemaisartistas nãointeressamnemumpoucoaosdadaístas.Elesnão
criam “obras”, mas fabricam objetos. O que interessa nessa “fabricação” é o
significadopolêmicodoprocedimento,aafirmaçãovirtualdascoisas,dasupremacia
do caso sobre a regra, a violência que rompe a presença irregular entre as
“verdadeiras”obrasdearte.
UmadascaracterísticasdeDadáfoiorompimentodasbarreiras
dosgênerosliterárioseartísticos,oquadromanifestofotografia
era exatamente um resultado obtido nesta direção, como os
poemas fonéticos, as poesias desenhadas e a impressão
tipográficafigurativa.
39
A evolução da poesia é conduzida até certo ponto pelo destino do século, o
conhecimentocontribuiuparadesacreditarouniversopositivistanosurrealismoeno
dadaísmogerandoavivênciadeumaangústiametafísica.Atarefadopoetapassoua
ser de transformador da sua vida em situações feitas para o convencimento da
perpétuaestranhezadouniverso.
Houve um tempo em que o discurso versificado era poesia,
depois veio o reino das imagens, completado pelos jogos de
sonoridades do simbolismo, mas a partir do modernismo, o
poema é um estado inefável, que serve e traz uma experiência
interior,quasemística.Apoesia,portanto,nãopoderesidirem
nenhuma forma. Ela esforçase para escapar a toda espécie de
condensação em versos, em ritmos, em imagens, de maneira a
sugerir sempre mais a impressão de uma essência volátil,
flutuante,imperceptível
40
.
39
MICHELI.AsvanguardasartísticasdoséculoXX,p.143.
40
RAYMOND.DeBaudelaireaosurrealismo,p.97.
44
A busca dos dadaístas pela anulação do individualismo da escrita abriu
caminhos não para a Poesia Sonora, mas também, posteriormente, para a poesia
hipermídia.Nafaixa11doCDacopladoaolivroTexturasSonoras:áudionahipermídia,
Sérgio Bairon e Lúcia Santaella tratam desta busca por uma arte menos
individualista.“Averdadenaexperiênciaestéticasetornapossívelatravésdaluta
entreailuminaçãoeaocultaçãodesipróprio”.
41

41
BAIRON,TexturasSonoras:áudionahipermídia,p.10 11.
45
CAPÍTULO3
EXPERIMENTAÇÕSCOMOSOM
performance,etnopoéticaeeletroacústica
46
LinguagensSonorasAutônomas:ArsAcústicaeEletroacústica
No século XX, surge um conjunto de linguagens sonoras autônomas a que
Schöning denominou na década de 70 de ars acústica. Com elas, configurase uma
estéticadeestranhamentonoterrenodaescuta.Com osom,oespaçofísicoganhaem
amplidão e profundidade e ouvir passa a ser a criação de uma cenografia num
espaço infinito de escuridão. Por ser a “arte do escuro”, o mundo dos sons é um
voltarse para dentro, para o escondido, olhar interior através do qual a mente
exercita as suas próprias imagens. Nesse jogo lúdico e introspectivo, liberamos a
animação criativa e sensível de nossas próprias fantasias. Tratase da experiência
subjetivadaescuta,quandooouvidoestáemestadodealerta.
SolangeRibeirodeOliveira,nasobservaçõespreliminaresdolivroLiteraturae
Música, fala da busca dos teóricos atuais por retomar a unidade fundamental das
artesem ummomentohistóricoemqueadança,apoesiaeocantoconstituíamuma
obradearteglobal,queposteriormentefoisegmentadaemsistemasdistintos.Os
poetas da Sound Poetry resgatam este tempo em que as artes eram extensões dos
sentidosdapercepçãohumana.
APoesiaSonoraéumaformadecriaçãopoéticaqueutilizaosmeiostécnicos
eletromagnéticos de gravação da voz, de projeções e faz um cruzamento com as
poesiasvisuaiseperformáticasnumexercíciointermidiático.Aconcepçãoteatraldo
atovocalintegraoregistroinfrasemânticopormeiodapolifonia.Emumasociedade
midiática,vivenciaseumaoutrapoéticaqueretomaaoralidadetradicionalmesclada
àtecnologia eque secontrapõe à estéticalivresca, possibilitando umainfinidade de
experimentações. Dois momentos históricos bem delineados marcam esta poética.
UmaPoesiaFonética,anterioràdécadade50,praticadapelasvanguardashistóricas;
e posteriormente, surgem as experimentações eletroacústicas realizadas por Henri
Chopin.
47
Os conceitos a serem apresentados neste capítulo lidam com a performance
comoolocalemqueapoesiasonoraatravésdosom,dacor,docheiro,daluz,do
tempo, do espaço, do movimento, da ação mostra a relação intersígnica em um
tipo de poema que tem como principalcaracterística a experimentação oral.Poetas
que exploraram as estéticas do som demonstram como esta vanguarda poética, ao
usar elementos de várias artes, retoma tradições orais e ao mesmo tempo utilizase
derecursostecnológicoscomoasprojeçõeseaeletroacústica
42
.
Desde sempre a humanidade busca a automação e a tecnologia. A poesia
sonorafoipossíveldeserrealizadapormeiodadescobertadogravadordevoze
da eletroacústica. Por isso, trazemos aqui um breve histórico da evolução das
possibilidades de manipulações sonoras. Em 1922 Darius Millaud fez experiências
comtransformaçõesvocaisemgravaçõesfeitasnumfonógrafodemudançasrápidas.
Em 1935, Pierre Shaeffer, engenheiro e músico francês, começa a utilizar sons
naturais gravados em fita magnética nos seus trabalhos no Studio dʹEssai da R.T.F.
(RadiodiffusionTélévision Française) de Paris. Com filtros, alterações na rotação da
fita,loopings,superposiçõeseoutrastécnicas,eleutilizavamaterialadvindodefontes
sonorasnaturaisdasmaisdistintasespécies.JuntocomPierreHenryeledesenvolveu
umasíntesedetalhadaparaogênero.Realizou umconcertoradiofôniconumaterça
feira, 5 de outubro de 1948, que é considerado um marco da Música Concreta ou a
ʺmúsicadetodosossonsʺcomogostavadechamála.
HerbertEimerstesuaequipedoestúdioW.D.R.(WesdeutscherRundfunk)de
Colônia, na Alemanha, em meados da década de 40 começam a gerar sons
eletrônicosatravésdeosciladoresdefreqüência.Em1949oDoutordoDepartamento
deFonéticadaUniversidadedeBonn,WernerMeyerEpplerusougravaçõesquefez
emtape com uminstrumento chamado Vocoder(Voice Encoder)que funcionava tanto
comoumanalisadorquandocomoumsintetizadordefalaparailustrarumaleitura
sobreaproduçãoeletrônicadesonsnumapalestraapresentadanaAcademiaAlemã
42
MENEZES.DaPoesiaFonéticaàPoesiaSonora.In:MENEZES(Org.).PoesiaSonora:poéticas
experimentaisdavoznoséculoXX,p.14.
48
de Música, em Detmold. Eimert uniuse a MeyerEppler e a Robert Beyer, que
assistiuàreferidapalestraeeraumdosintegrantesdoW.D.R.,noobjetivodelevarà
frente o desenvolvimento da Música Eletrônica. Mais tarde, em 1953, Stockhausen
veio juntarse à equipe de Colônia, trazendo na bagagem as técnicas de gravação e
montagem assimiladas no R.T.F e iniciando uma minuciosa investigação das
tendênciasdecomportamentodosnovosmateriais.
Um sentimento sempre moveu os artistas de vanguarda: a
buscaincessante,quasequedesesperadaeobsessivapelonovo.
Stockhausen até hoje não admite repetir uma idéia
composicional. Essa maravilhosaʺdoençaʺ que ataca o criador
enchendoodeprofundainquietude éaalavancaquedesloca o
mundo na contínua evolução, no sentido mais amplo, da
espéciehumana.Enquantohouveralguémpreocupadoemcriar
algonovo,ahumanidadeestarásalva.
43
Em 1964, Robert Moog provocou uma revolução nas técnicas da música
eletrônica com seus sintetizadores controlados por teclados ou outros dispositivos
que ofereciam uma enorme variedade de sons prontos para serem manipulados. A
inesgotávelcapacidadedeavaliarealterarsonspormeiodemanipulaçãoemestúdio
imprime um caráter completamente peculiar e inusitado às composições
eletroacústicas.Nãonotaçãonemqualqueroutrotipodeunidadetradicionalpara
análise. Alguns teóricos classificam essas peças como eventos sonoros que
confundem os limites entres os dois termos: som e música. As metáforas sonoras
estão no limiar entre poesia e música. Por esta razão, uma dificuldade em
determinaroqueéumaperformancedemúsicaeletrônicaoudePoesiaSonora.
 TodasasexperimentaçõesdaPoesiaSonoratêmemcomumofatodeexplorar
oespaçomisteriosoqueseestendeentreavozeaspalavras,alguns deixamfalaro
43
CARÔSO.AMúsicaEletroacústica:porumahistória.Disponívelem:http://www.overmundo.com.br/overblog/a
musicaeletroacusticaporumahistoria.Acessoem:15maio2007.
49
ruídodeseuscorposemumgestodeultrapassarséculosdeliteraturaaotranscender
suas convenções, digerindo as suas conquistas. A Poesia Sonora saída de pesquisas
fonéticas testemunhou uma tendência a englobar os códigos expressivos de outras
artes e meios de expressão tradicionalmente distintos: a música, a dança, a imagem
visual. Tratase de uma poética intermídia em que a performance está relacionada
comintermediaçõesentrevoz,corpoetécnicas.
No Brasil, um grande campo de experimentações fragmentadas, alguns
grupos de artistas como o Grivo, de Belo Horizonte, utilizam poesias sonoras
durante os espetáculos de música eletroacústica. Muitos poemas sonoros, inclusive,
estãoem CDsdemúsicasexperimentaiseminimalistas.Oqueocorreéqueolimite
entre música eletroacústica e Poesia Sonora é tênue e assim como Sérgio Bairon
destaca em Texturas Sonoras: áudio na hipermídia, não cabe discutir aqui se um
determinadotemasonoroé músicaoupoesiaesimobservarastensõesentrecódigo
verbaleruído
44
.
44
BAIRON,TexturasSonoras:áudionahipermídia,p.15.
50
ArádioartedeJohnCage
A Poesia Sonora se deu principalmente por causa de rupturas de linguagens
naliteratura,noteatroenamúsica,comSatie,Stockhausen,JohnCageeoutrosque
passarama aceitar silêncioeruídoscomoformas musicais. Cagedeixouumgrande
legado para os poetas sonoros e músicos ao introduzir a aleatoriedade nos seus
“concertos”,reforçandoaidéiadeumaartenãointencional.
 No artigo John Cage, rádioarte e pensamento, apresentado no VI Encontro dos
Núcleos de Pesquisa da Intercom 2006‐XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, Mauro Rego Costa mostra vários experimentos sonoros de John
Cage,cujasregrasdeincorporaçãodojogodoacasoouduodastecnologiasdosom,
peloseupotencialdecapturadoaleatório.Orádioapareciadediversasmaneirasem
sua obra, o que estivesse no ar nas estações sintonizadas integravam a obra do
músico.Comoprodutor,ocompositorproduziuparaorádiotrilhassonorasepeças
derádioarte,antesmesmodeexistiroconceito.
Em1939,quandotrabalhavanaCornishSchoolofMusicem Seattle,JohnCage
iniciouse no campo da eletroacústica e radiofônica com Imaginary Landscape nº1‐
umapeçaparapiano,tocadabatendonascordasbaixodopianocomumbatedorde
gongo, um prato de orquestra chinês e dois tocadiscos, com discos de teste de
transmissão em rádio, variando sua velocidade de reprodução. Esta experiência
serviude trilhasonorapara a montagemda peçateatral O CasamentodaTorreEiffel,
deJeanCocteau
45
.
Em1942,JohnCagefoiconvidadopelaColumbiaBroadcastingSystem(CBS)
para escrever a trilha sonora para o texto The City Wears a Slouch Hat do poeta
Kenneth Patchen. Os avanços na tecnologia de gravação sonora eram seu especial
45
PERLOFF.Themusicofverbalspace:JohnCageʹsʹWhatyousay.Disponívelem
http://epc.buffalo.edu/authors/perloff/cage.html;DYSON,Frances.TheEarthatwouldhearsoundsin
themselvesJohnCage19351965ʺ,inKahn&Whitehead,WirelessImagination.Sound,Radio,andthe
AvantGarde.
51
interesse,istoimplicavaacolaboraçãocomengenheirosetécnicosdesomeacessoa
equipamentos. A oportunidade de trabalhar nos estúdios da CBS parecia então
somar nessa direção. Em cada cena da peça, Cage fez alguma referência à imagem
auditiva ambiente que cercava os personagens: música, ruídos de rua, telefones, os
ruídos do mar. O principal personagem da peça é a voz e sua liberdade de
movimentoatravés da peça sugerea impregnação do espaço pelosom. 250páginas
de partituraspara instrumentos,timbres, volumes, e alturas relativas foram escritas
para a trilha, mas quando esta foi submetida ao estúdio, uma semana antes da
audição, disseramlhe que era impossível realizar aquilo e ele teve que improvisar
uma outra trilha muito mais modesta‐com poucas gravações diretas e sons
amplificados, para corresponder às necessidades práticas do momento. Esta trilha
ficouprontaemmenosdeumasemanaeéaqueseencontraaindahoje,emCD.As
partiturasoriginaisextraviaramse.
46

O acaso presente nas composições de Jonh Cage remete à ontologia de
Nietzsche, discutida por Deleuze, herança estóica, e que implica uma mudança da
concepção moderna do tempo, abandonando a seta do tempo tonal: passado,
presente,futuro.IssofoipossívelapartirdofimdoséculoXIXnamúsicagraçasao
dodecafonismoeoSerialismodeSchoenberg(1923)eseusdiscípulosWeberneBerg,
continuadonadécadade40porMessiaen,Stockhausen,Boulezeoutros.Oapeloao
acaso, de forma comparável a de Cage, no entanto, foi realizado por Boulez, nas
Sonatas 2 e 3 para Piano (195657) que ele associa não ao Zen, mas ao livro de
MallarméUnCoupdeDés.
47

O grande marco da experiência de John Cage com os sons aleatórios é Water
Music, composta em 1952.Nesta composição, Cage usa um piano, uma coleção de
apitos,incluindo umasireneeumrádio.SegundoMargaretLengTan,intérpretede
muitas obras do compositor, se tratase deʺuma colagem extremamente precisa de
46
PRITCHETT,James.ThestoryofJohnCageʹsTheCitywearsaslouchhat,1995.Disponívelem:
http://www.music.princeton.edu/~jwp/texts/slouch.html.Acessoem15maio2007.
47
CAMPOS.MúsicadeInvenção,p.154155.
52
sons do mundo real não duas interpretações iguais porque sempre tem algo
diferentenorádioʺ.TanconsideraqueWaterMusic,aoladodeumeventomultimídia
sem título que Cage dirigiu no Black Mountain College, no mesmo ano, foram o
gatilho para toda a arte de performance: o happening e a arte multimídia das
próximas décadas
48
. Foi no Black Mountain College que Cage fez o que ele próprio
considerouemsuaautobiografiacomooprimeirohappening.
A platéia sentada em triângulos isométricos com pontas
tocandoumapequenaáreaquadradadeperformance,deixando
corredores entre os triângulos e um espaço de performance
maisamplonoentorno.Atividadesdíspares:dançacomMerce
Cunningham,umaexposiçãodepinturas,RobertRauschenberg
tocandoumaVictrola,leituradesuaprópria poesiaporCharles
OlseneM.C.Richardsdoaltodeumaescadaforadoespaço da
platéia,DavidTudoraopiano,eminhaprópriaapresentaçãode
uma conferência que incluía silêncios, do alto de uma outra
escada, tudo acontecendo dentro de tempos determinados por
hanceoperations(sorteios)notempoprevistodaconferência.
49

Outro experimento de John Cage bastante representativo da rádioarte é
WBAI, de 1960, que presta homenagem a estação comunitária de Nova York, da
RádioPacíficaumaredederádioscomunitáriasqueabrangetodooterritóriodos
Estados Unidos a partir de emissoras centrais em Nova York, Washington, San
Francisco, Los Angeles e Houston. WBAI é uma colagem num estilo que antecipa,
apesar da diferença nos materiais, o estilo dos DJʹs de música eletrônica, dubbers ou
dohiphop,dosanos80atéamúsicaeletrônicaatualetodaaartehipermídiaqueusa
sintetizadoresesamplers.Éparaserʹtocadaʹporumʹoperadordeáudioʹ,utilizandoos
seguinteselementos:
48
TAN,MargaretLeng.SilentRevolution.Disponívelem
http://www.andante.com/article/article.cfm?id=16636.Acessoem15maio2007.
49
CAGE,John.JohnCage:anautobiography,Disponívelem
http://www.newalbion.com/artists/cagej/autobiog.html.Acessoem15maio2007.
53
1) gravadores com performances de peças de Cage, Fontana Mix, Solo for
Piano,Ária,etc;
2) Tocadiscos com amplificadores e controles; amplificador e controles para
caixasemqueumavoz apresentaaconferênciadeCageWhereAreWeGoing,
AndWhatAreWeDoing?Asduraçõesproporcionaisesuperpostasdaspartes
estãoespecificadas na partitura, mas o seu tempo deve ser determinado pelo
intérprete.
Entre julho de 1966 e janeiro de 1967, John Cage e Morton Feldman fizeram
cinco encontrosprogramas transmitidos pela Rádio WBAI, que foram gravados
como Radio Happening . Eram conversas relaxadas entre dois amigos, sem começo
nem fim; cheias de risadas, silêncios, e idéias sobre suas preocupações e interesses
coma composição musical,aarte,a sociedade eomomentopolítico.Em 1993 essas
conversas foram transcritas, traduzidas para o alemão e publicadas pela Edition
MusikTexte,comprefáciodeChristianWolff
50
.
Em 1979 Cage produz, por encomenda da West German Radio, da South
GermanRadio,RádioCatólicaHolandesaeemcolaboraçãocomJohnFullemann,nos
estúdiosdoIRCAMemParis,oRoaratorio,AnIrishCircusonFinnegansWake.Apeça
compõesede:
1) John Cage lendo um texto construído de forma a criar seguidamente o
mesósticoJamesJoyce:váriaslinhashorizontaisdepoesiaescritasumasobrea
outraemqueumapalavraélegívelverticalmentepelalocalização estratégica
das letras. Os trechos do Wake foram selecionados por um processo que
combinava regras arbitrárias, criando um panorama para todo o romance. O
50
A versão em áudio dessas gravações está disponível em stream e mp3 em:
http://www.archive.org/details/CageFeldman4.Acessoem:15maio2007.
54
livreto não é lido num continuo, mas falado, cantado, sussurrado, gritado,
gemidoegrunhidos.
2) Uma barragem de efeitos sonoros, todos inspirados no texto, gravados
muitos na Irlanda em outros locais mencionados no romance, somase a
centenas de efeitos sonoros: trovões, explosões, vidro quebrando, pássaros,
sinos. Os efeitos eram colocados no trabalho nos locais emque apareciam no
própriotextodoWake.
3) Música tradicional irlandesa, tocada em vários momentos e intensidades:
canções de roda, árias, canções populares, formando uma presença ambiente
comoamúsicaatravessandoumpubdeDublinouumaruamovimentada.
Com esta obra Cage realiza, com todas as condições, a proposta de obra de
arteradiofônicaquetentouemTheCitywearsaslouchhat.Evaiaindamaislongeao
criarigualmente o livreto a partir de um trabalho de muitos anos sobre o Finnegans
Wake, uma das obras literárias de sua preferência. A peça foi encomendada, num
primeiromomento,porKlausSchöening,ograndenomedarádioartealemã,teórico
daArsAcustica,ediretordoStudioAkustischeKunstdaWDR3.
Em4ʹ33ʹʹ,umadaspeçasmaisconhecidasdeCage,umpianistasobeaopalco,
abreefechaopianoem 3 movimentosde1ʹ30ʹʹ,2ʹ23ʹʹ e 1ʹ40ʹʹ,semtocarsequeruma
nota. A idéia é surpreender o público que ouvirá apenas os sons que ele mesmo
produzir e os sons do ambiente. A peça estreou em Woodstock, em 1952: “tocada”
por David Tudor e uma versão radiofônica da peça foi “apresentada” pela BBC
Simphony Orchestra, e transmitida pela Rádio BBC em 2004, num programa em
homenagem a Cage, após sua morte em 1992. Quatro minutos e trinta e três
segundosdesilêncionorádio.
55
Trajetóriadaperformanceou“Liveart”
Partiremos do conceito de performance sugerido por Lausberg em 1999.De
acordocomoteórico,acategoriateriasurgidodapropostadeelevaraarteàquinta
potência, numa fusão de teatro, poesia, pintura, dança e música, em busca de um
gênero inédito caracterizado pela colagem de mídias. Cláudia Neiva de Matos em
Literatura e Performance também traz uma reflexão fundamental sobre como os
especialistasemLetras incorporaramanoçãoe aperspectivaperformáticanacrítica
literárianosanos60e70quandoaintermídiaestimulouapráticadaPoesiaSonorae
Visual, além das experiências de oralização, vocalização e performance nos Estados
UnidoscomomovimentoBeatGeneration,naInglaterracomaBritishPoetryRevival e
noBrasilcomgruposdapoesiamarginaldosanos70.
Os estudos culturais e a corrente estruturalista incorporam objetos que antes
eram negligenciados ou mesmo menosprezados pela crítica literária: os repertórios
dearteverbalperiféricos,populares,étnicosetc,apoesiadetradiçãooraleiletrada,
cantos indígenas e canção popular mediatizada. Constatase neste contexto um
interessecrescente nocampodasLetraspelapoéticadavoz.Diantedessequadro,e
particularmente no caso brasileiro, destacase o interesse de analistas literários pela
cançãopopular,comoprodutopoéticoqualificadoedelargoalcance.
As condições para atender à demanda investigativa de linguagens que
incluem em maior ou menor grau o elemento perfomático foram providas pela
tendênciacrítica,dominantetambémdesdeosanos70,aconsideraraconstituiçãode
sentido na literatura e na arte em geral como um processo dinâmico descrito pela
tríade produçãocomunicaçãorecepção. Esse enfoque foi alimentado, enriquecido e
diversificado por dispositivos críticoteóricos colhidos em velhas e novas correntes
daTeoriadaLiteratura,comooFormalismoeslavoeaEstéticadaRecepção.
AlaiGarciaDiniz,noartigo“Poesia & CorpoemTutuPerfomático”, dolivro
Mediações Performáticas LatinoAmericanas, evoca o olhar que o corpo como um
56
suporte simbólico e propõe a combinação da oralidade e do corpo como suportes
alternativos da poesia e da prática literária. A performance seria, portanto, a
ampliaçãodoespaçoliterário,pormeiodavozedocorpo,fazendodopoemaumato
quelibera,desafiaedeixanoaramemóriadamatériasonoradocorpo.
A Poesia Sonora é por si mesma teatro da palavra, entendese
comistoapalavraessencializadanaeuforiaenoritmopoéticoe
não mais a palavra do teatro tradicional, nem tampouco da
poesia tradicional. Nestes últimos anos foi possível ao público
constatar clamorosamente a diferença que existe entre a mera
leitura de um texto em versos por parte do autor e aquele
gênero particulamente aparelhado de sua natureza, para o
encontro com o público: a poesia sonora, exatamente a que
aspira visualizarse e reconhecerse no espetáculo
definitivamentequelibertaapoesiadolivro,parasearriscarno
palco
51
.
A noção de performance respondeu às novas proposições estéticas e ao
mesmotempo,sugeriuumanovaperspectivadeleituradahistóriadasartesemque
ocorpocomosuporteartísticofazcomdaaçãodoartistaumamensagemestéticapor
si mesma. A expressão performance, como uma arte de fronteira no seu contínuo
movimento de ruptura com o que pode ser denominada arteestabelecida acaba
penetrandoporcaminhosesituaçõesantesnãovalorizadas.Destaforma,verificase
um aumento dos estudos sobre a performance e suas manifestações, desde as
questõesdaritualização,daoralidade,datecnologia,atédetodoocontextocultural
envolvido na ação performática e performativa. Esses estudos estão sendo
desenvolvidospelaPerformanceStudiesassociaçãofiliadaaosestudospioneirosde
RichardSchechnerdeNewYorkUniversity
.
51
ARRIGO,Lora.PoesiaSonora.SériedediscosdePolipoesia“3Vitre”,1984.
57
OlivroPerformancecomoLinguagem,deRenatoCohen,apresentaatrajetóriada
arte performática no mundo até chegar ao Brasil em 1980. Destaco duas
características apresentadas por Cohen que interessam especificamente à prática da
poesiasonora:aconsciênciadacorporeidadeeoespaçodeexperimentação.
uma corrente ancestral da performance que passa pelos primeiros ritos
tribais, pelas celebrações dionisíacas dos antigos gregos e romanos, calcados na
interpretação extrovertida. Estas manifestações são retomadas pelos artistas
dadaístasquesereuniam,noséculoXIXnoCabaretVoltaire,masénoséculoXXque
a arte da performance se desenvolve na sua plenitude e passa a incorporarse de
várias formas e se expandir em fluxos de maior criatividade e significação artística,
estabelecendoumeloentreosprimeirostrabalhosnadécadade1910eaperformance
contemporânea.
58
DoFuturismoaoHappening
Em 1910, Marinetti lança o Manifesto Futurista. Ao movimento futurista
italiano agrupamse pintores, poetas, músicos e artistas das mais diversas artes. A
práticaartísticaentreelesresultaemrecitaispoéticos,músicaeleiturademanifestos.
Aproposta futurista radicalizava os conceitosvigentes de arte,
não apenas na idéia (proposta de peçassínteses de trinta
segundos,porexemplo), mas também na prática(apráticadas
seratas não era nada convencional, muitas vezes terminando
emescândalosepancadarias).
52
.
OFuturismoitalianorepercuteemtodaaEuropa,principalmentenaFrançae
na Rússia, onde Maiakovski liderou um movimento altamente revolucionário. A
poesia de Maiakovski influenciou a prática da Poesia Sonora assim como todo o
Futurismo e outras vanguardas poéticas que tratamos anteriormente.
Aprofundaremosna poética deMaiakovskino últimocapítulodesta dissertação,na
entrevistaaotradutordaediçãobrasileiradospoemasdeMaiakoviskiemportuguês,
Boris Schnaiderman sobre o poeta russo e o processo de tradução em parceria com
HaroldoeAugustodeCampos.
Oanode1916marcaaaberturadoCabaretVoltaireemZurique.HugoBalle
Emmhy Hennings trazem a idéia de Munique, onde acompanharam as inovadoras
experiênciasdramatúrgicasdeWedekind.NoCabaretVoltaire,queatraíaartistasda
Europa fugidos da guerra para a neutra Suíça, vai se dar a germinação do
movimentoDadá.NoscincomesesdeexistênciadoCabaret,seexperimentadetudo,
doexpressionismoaorito,doguinolaomacabro.Artistasdepeso,dasmaisdiversas
artes, que vão germinar as idéias das próximas décadas, se encontram no Cabaret:
Kandinsky, Tristan Tzara, Richard Huelsenbeck, Rudolfvon Laban, Jean Arp, Blaise
Cendras,paracitaralguns.
52
COHEN.Performancecomolinguagem,p.42.
59
ParalelamenteaoSurrealismofrancês,aBahausalemãdesenvolveimportantes
experiências cênicas, que se propõem a integrar, num ponto de vista humanista, a
arteeatecnologia.ABahauséaprimeirainstituiçãodearteaorganizarworkshops
de performance. Oskar Shlemmer, diretor da seção de artes da Bahaus, cria
espetáculosatéhojenãosuperadosdentrodesualinhadepesquisa.Em1933,como
adventodonazismo,aescolaéfechada,praticamenteencerrandocomistoocapítulo
europeu das performances. A partir daí, o eixo principal do movimento se desloca
paraaAmérica,comafundação,em 1936,naCarolinadoNorte,doBlackMountain
College.
Dois artistas exponenciais na arte de performance vão emergir do Black
Mountain College: John Cage e Merce Cunninghan. Cage tenta fundir os conceitos
orientais na música ocidental, incorporando aos seus concertos silêncios, ruídos e
princípios zen da nãoprevisibilidade. Cunninghan propõe uma dança fora de
compasso (não segue a música que a orquestra toca) e sem coreografia, abrindo
novaspossibilidadesqueforamincorporadasàdançamoderna.
O trabalho do artista de performance é basicamente um
trabalhohumanista,visandolibertarohomemdesuasamarras
condicionantes e da arte dos lugares comuns impostos pelo
sistema, ela é uma arte de transcedência, de intervenção,
modificadora,quevisacausarumatransformaçãonoreceptor
53
.
A partir da escola, o eixo se desloca para Nova York, com os artistas
realizando uma série de espetáculos. Em 1959 Allan Kaprow cria o nomeconceito:
happeningem um evento em que realiza naReuben Gallery,em Nova York,seus 18
happenings em 6 partes e este novo conceito de encenação se propaga através da
década seguinte. O happening quebra as convenções que amarram a linguagem e
integraasartesplásticas,amúsicaeadança.
53
COHEN.PerformancecomoLinguagem.P.45.
60
O happening funciona como uma vanguarda catalisadora vai
senutrirdoquedenovoseproduznasdiversasartes:doteatro
se incorpora o laboratório de Grotowiski, o teatro ritual de
Artaud, o teatro dialético de Brecht; da dança, as novas
expressões de Martha Graham e Yvone Rainir, para citar
alguns artistas. Jackson Pollock lança a idéia de que o artista
deve ser o sujeito e o objeto de sua obra. O corpo como
instrumentointeragecomoespaçotemponainterrelaçãocom
aplatéia.
54
Deumaperspecftivacronológica,podemosassociaroiníciodaperformance
55
com o século XX e o advento da modernidade
56
. A rigor, antropologicamente
falando,podeseconjugaronascimentodaperformanceaopróprioatodohomemse
fazer representar. Segundo Paul Zumthor, a tecnologia do século XX com a
introdução dos meios audiovisuais, do disco à televisão e ao vídeo, modificou
profundamenteascondiçõesdaperformance.Amediatizaçãoatenuaouapagacertos
aspectos corporais, mas deixa subsistir os estímulos e percepções sensoriais
múltiplas.ParaZumthor,somenteossonseapresença”realizam”apoesia.Oefeito
poéticoétantomaisfortequantomelhorsoaavozpoéticaqueemergedofluxomais
ou menos indiferenciado dos ruídos e dos discursos com valores pulsionais e
dinamismos.
No momento em que diz, a voz transmuta o simbólico
produzido pela linguagem, ela tende a despojála do que ele
comportadearbitrário;elaomotivacomapresençadestecorpo
54
COHEN.PerformancecomoLinguagem.P.44.
55
ConceitodeRoseLeeGolbergemPerformanceLiveArt1909tothePresent,querecorreaoartifíciode
aplicarotermoperformance,quevaiserveiculadonosanos70,atodasasmanifestações
predecessoras.
56
Arigor,oiníciodamodernidadenasartescênicasassociadoàapresentaçãodeUbuRei,deAlfred
Jarry,em1896noThéâtredeL’OeuvreemParis,peçaquerompecompletamentecomospadrões
estéticosdaépoca,trazendoasementedoqueiriaacontecernopróximoséculo.
61
de onde emana. À extensão prosódica, à temporalidade da
linguagem, a voz impõe assim sua espessura e a verticalidade
deseuespaço.
57
Sheila Leirner descreve a performance como uma pintura sem tela, uma
escultura sem matéria, um livro sem escrita, um teatro sem enredo ou a união de
tudo isso
58
. Por sua forma livre e anárquica, a performance abriga um sem número
de artistas oriundos das mais diversas linguagens, tornandose uma espécie de
“legião estrangeira das artes”, do mesmo modo que incorpora no seu repertório
manifestações artísticas das mais díspares possíveis. Essa “babel” das artes não se
originadeumamigraçãodeartistasquenãoencontramespaçonassuaslinguagens,
mas, pelo contrário, se origina da busca intensa de uma arte total, que escape das
limitações disciplinares. A performance utiliza uma linguagem de soma: música,
dança, poesia, vídeo, teatro de vanguarda, ritual. Na performance o que interessa é
apresentar,formalizaroritual.Acristalizaçãodogestoprimordial.
59
A idéia de uma interdisciplinaridade é fundamental na
performance: teatro, vídeo e filmes são empregados, mas
nenhum deles como forma única de expressão pode ser
considerado performance. Isso é típico do ideal pós moderno,
que erradica disciplinas, categoricamente distintas. Um
processo de composição por: justaposição, colagem, fusão,
quebra de harmonia que resulta na produção de uma leitura
integradademaiorcomplexidadesígnica
60
.
57
ZUMTHOR.EscrituraeNomandismo,p.143.
58
LEIRNER,Sheila.In:APerdadeumaExcelenteOportunidadedeRevelação.OEstadodeS.Paulo
em07/08/1984.
59
Aguilar,emroteirodeANoitedoApocalipseFinal,performanceapresentadaporAguillarebanda
PerformáticanoItaúCultural.Disponívelem
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=obra&cd_verbete
=2483&cd_obra=16220.Acesso13junho2007.
60
COHEN.PerformancecomoLinguagem.p,51
62
Aperformancese impôs comolinguagemnoiníciodosanos80.Nesteperíodo
vários artistas embarcaram nas experiências de vanguarda e incorporaram alguns
elementosdohappening.
Um dos expoentes da arte performática na América hoje é Bobby McFerrin.
Em 1983 Bobby McFerrin fez a sua primeira turnê como vocalista solo com uma
performance sem nenhum material preparado. Os concertos foram gravados e
resultaram no álbum The voice. No espetáculo Spontaneous Inventions: Live and
completelyemprovised,lançadoem2005pelaBlueNoteRecords,oartistafazdoseu
corpomúsica ea platéia fazparte do concerto. As palmas da platéia, arespiração
tudo entra no espetáculo de Bob McFerrin, que quase sem palavras explora uma
riqueza de sons incrível: sons da garrafa de água, do banco, das pessoas, de
simulaçõessonorasdemotoresdecarrofeitoscomaboca.
Com um senso incrível de bom humor e um amor contagiante originário da
música, McFerrin criou um novo concerto não uma performance, mas um
compartilhamento de uma celebração musical. Seus concertos sempre incluíram a
participaçãodopúblicoemumprocessocolaborativodecriaramúsicanomomento
daapresentação.
O conceito de espontâneo representado no trabalho de McFerrin possui uma
relaçãointrínsecacomascaracterísticasdaperformance.Aespontaneidadeéumato
criativo original que surge naturalmente, sem um motivo aparente, instintiva e
automaticamente.
63
Ospoetaseasonoridadecomoexperiência
APoesiaSonorapossuiumcaráteruniversalpréverbal,seprincipalmente
em performances apresentadas durante festivais que integram artistas de vários
países. Poetas como o espanhol Eduard Escoffet, que durante a década de 90
experimentou conjugar os saberes estéticos da performance à poesia e à música de
forma dinâmica. Este poeta tem uma participação atenta e interventiva na cena da
contracultura da Barcelona nos últimos anos. Escoffet promoveu iniciativas de
forterepercussãopública,cruzandoexposiçõeserecitais,poesiaevídeo,instalaçãoe
performance. Dentre essas, vale a pena destacar o festival de Polipoesia “Viagem à
Polinésia”, que teve início em 1997 e promoveu a interação com outras linguagens
artísticascomoamúsica,adança,aperformanceeovídeo.
O artista plástico alemão dadaísta Kurt Schwitters, é um dos precursores da
Poesia Sonora. Ele compôs a “Ursonate”, desconstruindo as palavras e a sonata,
imprimindo um novo significado à música e a poesia. No Brasil, destacase
Philadelpho Menezes (19602000). Este poeta e pesquisador das poéticas
experimentais foi professor do Departamento de Comunicação e Semiótica da PUC
de São Paulo, deixou reflexões históricas, teóricas e críticas de referência para as
práticas poéticas contemporâneas. No seu percurso marcam presença forte as
dimensõesvisualesonoradapoesia,numquadrodereflexãoqueinterpeladeigual
modo o patrimônio das vanguardas históricas, do Dadá ao Futurismo italiano e
russo, às mais recentes investigações centradas nas virtualidades expressivas,
plásticas e estéticas da crescente tecnicização da palavra poética contemporânea.
Quanto à Poesia Sonora, Philadelpho Menezes marca de forma muito clara a sua
distinta natureza relativamente à poesia que vive no texto escrito e para o texto
escrito.
Para Menezes, pensar a Poesia Sonora é conceder a primazia à voz, aos
aspectos fônicos, rítmicos e plásticos do som, ao fluir de sonoridades cujo existir
64
rejeita a fixação no papel, superandoa mesmo pela impossibilidade do registro.
RicardoAleixoéoutropoetabrasileirodevanguardaepesquisadordaetnopoéticae
dapoesiamultimeios.Apoesiadeletransitaentreexperimentaçõescomamúsica,as
artesplásticaseaperformance.
O francês Julien Blaine, tipicamente dadaísta, marcou a poesia com a
disponibilidadepermanenteparaaespetacularidade,paraaprovocaçãoe acorrosão
dosmecanismosconvencionaisdalinguagem.AsatuaçõesdestefrancêsdeMarselha
oscilam entre a performance e o happening, e ocupam lugar de destaque a poesia
sonora,apoesia visuale concreta. Otambém artistaplásticoBlainefoi,entre 1989e
1995, conselheiro cultural de Marselha, mas a atividade política não o impediu de
manter atividade poética e provocatória. Destaque para a intensa colaboração em
inúmeras revistas, e para a criação, entre outras, de Les carnets de l’Octéor,
Géranonymo,daDoc(k)sInternational(19751991).
Jaap Blonk é uma das mais destacadas figuras da cena musical e poética
holandesa dos últimos anos, por participar de inúmeros festivais de poesia sonora.
Nacarreirainicialdemúsicofoicompositordejazzecompôsparateatro.Naáreada
música improvisada, é o mentor dos projetos Braaxtaal e Splinks, lugares de
cruzamento destas correntes, tendo trabalhado com nomes como Tristan
Honsinger,PaulDuttonouNicolasCollins,com osquaisgravouváriosCDs na sua
própria editora a Kontrans. A sua concepção da poesia sonora é em muito
devedora das vanguardas históricas, em particular do movimento Dadá e da figura
de Hugo Ball, autor que Blonk homenageia e interpreta num dos seus discos, Six
soundpoemsofHugoBall’bybabaoemf,Kontrans(1998),equemarcavapresençano
discodeJaapBlonk,FluxdeBouche(1993,daStaalplaat)dedicadoàPoesiaSonora.
Em Portugal, Américo Rodrigues pode ser apontado como um cultor da
Poesia Sonora que assim como um ventríloco, tira sons sem articular os lábios
durante as performances. Com dois livros de poesia publicados, possui vasta
experiêncianasartesdopalcocomomúsicoexperimental,atoreencenadordogrupo
65
de teatro Aquilo. Com efeito, em formatos que freqüentemente se reinventam,
procurandosemprenovaspossibilidades, o seu trabalhoarticula:origorda palavra
escrita(regrageraltomadacomomatrizinicial);aexploraçãorítmica,tonal,tímbrica
e melódica que a música improvisada trouxe do permanente diálogo deste poeta
sonoro com uma constantemente renovada estirpe de músicos de diversificadas
origens, como Carlos Zíngaro, Nuno Rebelo, Gregg Moore, JeanFrançois Lézé,
Hiroshi Kobaiashy, Nirankar Khalsa, Cristin Wildbolz, para citar alguns. A
expressividade plástica e dramáticaconfere ao trabalhode AméricoRodrigues uma
dimensão teatral irrecusável. A diversidade de estratégias resultante deste triplo
enlace o coloca num território misto entre a música e a poesia, sem que daí resulte,
noentanto, qualquer indefinição ou prejuízo parao trabalho quedesenvolve epara
as vias de investigação que percorre. Bem pelo contrário, eles aparecem fortemente
enriquecidosporesseirrequietocruzamentodefronteirasentreopoéticoeomusical.
Entrea(in)disciplinadavozeatra(d)içãodaletra,opercursodeAméricoRodrigues
édeumapermanenteforçacriadora.
AméricoRodriguesfazexperiênciascomavozdesde1979quandoconheceua
atriz Catherine Dasté em Paris. Poeta sonoro, ator, encenador e programador de
eventos culturais, desenvolve um trabalho contínuo de improvisação vocal para
teatro,música,poesia,dançaeperformance.Alémdavoztemutilizadobrinquedos,
apitos,silosmetálicosquecaptamsonsdovento,buzinasdearecornetasdeplástico
nas apresentações. Participou em vários workshops de improvisaçãomusical e vocal.
TemapresentadooseutrabalhoemváriosfestivaisnaEuropaeAméricadoSul.Ele
foi um dos participantes do Festival Internacional de Poesia Sonora, realizado no
Brasilem2000.
61

Aorta tocante é o novo disco de Américo Rodrigues. Editado pela Bosqíman:
os records, e apresentado ao público em maio de 2006 no Auditório Municipal da
Guarda e no Convento da Saudação em Montemoronovo. Neste trabalho de
61
PoemassonorosevídeosdeAméricoRodrigues,assimcomoinformaçõessobreopoetaestão
disponíveisemhttp://poex.net.
66
Américo Rodrigues participaram como convidados especiais o índio wichimataco
Nohién, o grupo Coco de Zambê de Tibau do Sul (Brasil), o músico e inventor de
instrumentosbrasileiroAntúlioMadureira,ogrupoguardenseDeityofCarnification
eCésarPrata(quefoiresponsávelpelamisturaemasterização).Aorientaçãográfica
édeJorgedosReiseafotografiadacapaédaautoriaédeSusannBecker.
Alémdavoz,AméricoRodriguesutiliza,emtodosostemas,uminstrumento
popular vegetal (pecíolo de aboboreira), cujo som inusual é uma “espantosa”
descoberta musical. Os tubos/pecíolos internamente viscosos são parecidos com
artériasqueatravessamonossocorpolevandosangueeoutrosfluidosvitais. Dessa
associação entre os tubos vegetais e os tubos do nosso corpo (alguns deles levam o
somdafala)équenasceuaAortaTocante.OpioneirodapoesiasonoraemPortugal
lança o primeiro disco de “música vegetal”. A propósito deste lançamento, o autor
escreveuoseguintetextoqueacompanhaoCD.
Nos temas incluídos neste meu último trabalho discográfico, uso a
minha voz eletrônica e um instrumento vegetal chamado
popularmente “trombone de aboboreira” - um pecíolo de aboboreira.
Esse “trombone” é um brinquedo efêmero, cuja curta vida provoca um
desafio estimulante aos seus utilizadores. Começa-se por cortar esses
tubos de uma aboboreira, de forma que preservem uma membrana
que, com o sopro, vibra de forma inigualável. Cada tubo tem, pois, a
sua voz. Às vozes dos tubos juntei a minha própria voz, as minhas
próprias vozes.
67
OConceitodePolipoesiadeEnzoMinarelli:oProjeto3Vitre
OitalianoEnzoMinarelliéumdosmaioresresponsáveisporumapersistente
atividade de investigação e divulgação em torno da Polipoesia (articulações entre a
poesia e os seus suportes: o som, a escrita e a imagem). O autor do Manifesto da
Polipoesia(1987) reivindicasobaformadeumprogramaartístico:orecursoàsnovas
tecnologiaseaosmeioseletrônicos;alibertaçãodamatériafônicadapalavra;aplena
elaboração sonora da palavra através do aparelho fonador; a recuperação do
sentimentodotempoeavalorizaçãodoritmoedotom.
A natureza performativa da Poesia Sonora, que Enzo Minarelli denomina
como Polipoesia, possui uma espetacularidade natural, em jogo com a música, a
mímica, o gesto e a dança; a imagem, a luz, o espaço, os figurinos e os objetos
cênicos. Sua polipoesia é, portanto, resultante do cruzamento destes múltiplos
vetores, e encontra no palco a sua plena realização. Minarelli publicou, além de
vários livros de poesia como Multipoesie melogrammatiche (1981) e Meccanografie
(1991), inúmeros discos, cassetes e CDs. Fundou também a editora 3ViTre Pair,
especializadaemregistosdePolipoesia.
62

 OpoetaEnzoMinarellifezcom3Vitrepairdischidipolipoesiaumdostrabalhos
mais representativos da Sound Poetry. Após se formar na Universidade de Veneza,
majoritariamente em Psicolingüística, nos anos 70, Enzo Minarelli iniciou seu
trabalhonaáreadevídeo,literaturaexperimentalesons.Eleéautordemuitasobras
poéticasproduzidasemdiferentespaíses,comoMultipoesieMelogrammaricheem1981
na Itália e El Poemméxico em 1988 no México. Além da produção em disco, Enzo
Minarelli realizou performances no Canadá, Estados Unidos, México, Cuba e em
alguns lugares da Europa, tanto no palco como em mídias eletrônicas: rádio e TV.
Minarelli sempre trabalhou como difusor da poesia e escreveu vários artigos
dedicadosàhistóriaedesenvolvimentodasexperimentaçõespoéticas.
62
Verhttp://www.pucsp.br/pos/cos/epe/ape/index.html.Acessoem:07outubro2005.
68
 Tragoaquialgumas reflexõesteóricasparaaaudiçãododiscodepolipoesia3
Vitre Pair, produzido pelo poeta, ator e escritor italiano, Enzo Minarelli dedicado à
história e desenvolvimento da Poesia Sonora. A pesquisa para a realização da
compilaçãosonorafoirealizadadurantetrêsanos(19831986),períodoemqueEnzo
Minarelli escreveu o Manifesto de Polipoesia, que aborda o estado presente e os
aspectosdodesenvolvimentodapoesiasonorainternacional.
63
Poetasrepresentantes
da Poesia Sonora francesa, italiana, americana, da polipoesia e os históricos
experimentos de Henri Chopin integram esta obra. E qual a importância do projeto
deEnzoMinarelli? 3VitrePairéumareferênciaimportanteparaospesquisadorese
poetasdaspoéticasdosom,porapresentarumpanoramadoquefoifeitocomesta
artenomundo.
 PaulZumthor foium dos autores que destacouaimportância doconceito de
polipoesiaintroduzidoporMinarelli:
A Polipoesia remonta à genealogia da palavra até o estágio
infrasemântico de exaltação da voz, ao instante em que esta
emana um puro respiro, na sua plenitude psicofisiológica.
Assim, retoma o sopro, ao limite de uma aparente
desintegração, uma metamúsica à qual responde uma escuta
libidinal, privada do metro comum das nossas percepções
habituais,desnaturadapormilêniosderetórica
64
.
 No artigo “Concrete Sound Poetry Between Poetry and Music”,Claus
Clüverdestacacomomuitospoemasconcretosdestacammaisosefeitossonorosem
detrimentodovisual.Otermooralperformances,utilizadoporele,quetraduzocomo
performancesdavoz,exprimeumaoralidadedavocalidade edosomeletroacústico,
que vem responder à crise da palavra e das convenções poéticas tradicionais. A
poesia concreta busca transcender a lingua para alcançar um caráter universal com
umasintaxevisual e/ouoral. Comoumaarte intermídia, nos seus aspectosformais,
63
www.wikipedia.org.Acessoem11/06/2006
64
MENEZES.PaulZumthoreaPoesiaSonora.In:ColóquioPaulZumthor.P.147
69
ela explora as possibilidades das mídias. A voz, o corpo, as máquinas fazem
interlocução nesta arte poética que explora o som da fala rompendo com os limites
semânticosemorfológicosdalíngua.
Poemas concretos são textos intermídia, pois eles são
constituídos por dois ou mais sistemas sígnicos, de maneira
que o aspecto visual, musical, verbal e performático são
inseparáveis e indissolúveis. Esta fusão desses diferentes
processos midiáticos, para citar a definição de E. Muller, faz a
distinçãoentretextosintermídiaemultimídia.
65
 Philadelpho Menezes defende uma poética feita da relação entre signos de
variadasespécies.Asemânticacomplexaquecaracterizaestapoesiapodeserealizar
num poema visual, sonoro ou intermídia, em qualquer forma, de qualquer meio
carregadadeimanênciasignificante.
 O poeta e pesquisador das poéticas da modernidade Philadelpho Menezes,
classificouaPoesiaSonoraem:acústica,eletroeletrônicaegestualperformática.Estes
trêstipos de poesiaestão presentes no Projeto3 Vitrede EnzoMinarelli,pois ainda
quenoCDsepercaaperformancecorporal,umaperformancesonorapresenteno
som.
 Paraescutar3VitrePairDischidiPolipoesiaequalqueroutropoemasonoroou
mesmo para criar nesta linha poética que explora os sopros, gemidos, rugidos e as
articulações da língua como órgão fonador, é preciso estar atentoaos mais diversos
sonseaceitaroconvitefeitoporMurraySchaferemOOuvidoPensante:adquiriruma
nova postura para ouvir, desenvolvendo a capacidade de deter as mínimas e
inesperadassonoridadesdeumapoéticaquesealimentatantodosruídosestridentes
das metrópoles, quanto do silêncio dos ermos escondidos, do som da neve, das
folhas, do badalar dos sinos, dos sons primordiais da natureza: do ar, da água, da
65
CLÜVER.Concretesoundpoetry:betweenpoetryandmusic.InCulturalFunctionsofIntermedial
Exploratio,p.166
70
terra, do fogo, e também da recuperação dos sons que foram esquecidos. É preciso
ordenaraossentidosqueouçam:“Abrateouvidoparaossonsdomundo”.
66
 No quadro abaixo, unimos a classificação de Enzo Minarelli das poesias
presentesnodiscocomaclassificaçãodePhiladelphoMenezes:
Acústica Eletroeletrônica Gestualperformática
2 1 5
4 3 6
 2
 7
1.PoesiaSonoraHistórica:(H.Chopin,A.LoraTotino)
2.PoesiaSonoraItaliana(G.Fontana,E.Minarelli)
3.PoesiaSonoraAmericana(E.Robson,B.Kern,B.Anderson,C.Amirkhanian)
4.PoesiaSonoraFrancesa(PierreeIlseGarnier)
5.Polipoesia(V.Conte,G.Fontana,E.Minarelli,S.A.Santo)
6.NovaP.SItaliana(L.Gentilini,U.Giacomucci,M.Maldini,F.Manfredini,P.Porta)
7.Poema(E.MinarellieGrupoL.S.D.)
 Esta classificação do quadro é uma junção dos conceitos de Philadelpho
Menezes e Enzo Minarelli, segundo a característica predominante de cada uma das
poesias,emantivemosestaordemnoCDemanexodeformaasituarhistoricamente
apoesiasonora,representaraspeculiaridadesdestapoéticaefacilitaroestudo,pois
o acesso aos poemas sonoros se restringe, muitas vezes, à Internet e a festivais
culturais.

66
SHAFER.Oouvidopensante,p.10.
71
CAPÍTULO4
APOESIASONORANOCONTEXTO
DAINTERMIDIALIDADECONTEMPORÂNEA
72
Embuscadeumapoesiaintermídia
Para entender o espaço da Poesia Sonora hoje, é necessário conhecer seus
desdobramentos nas poéticas de caráter intermídia, ao reivindicar o espaço das
mídias: rádio, televisão, teatro, CD e vídeo para a realização de uma poesia que
imprima sentido artístico até mesmo ao ruído que, de acordo com as teorias
funcionalistasdaComunicação,impediriaatransmissãodamensagem.
Marshall McLuhan em Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem
teoriza sobre os efeitos da tecnologia nas relações entre os sentidose nas estruturas
de percepção e conclui que o artista seria a única pessoa capaz de enfrentar a
tecnologia por ser umperito nas mudançasde percepção. Podemoscomprovar esta
constataçãoaoretomarocapítulo2,quetratadasvanguardaspoéticasemquevimos
queospoetaseartistasestãosempreàfrente desuaépocaecostumamaproveitaras
tecnologiasemfunçãodaproduçãoartística.
Enquantomeios,odinheiro,aroda,aescritaouqualqueroutra
forma especializada de aceleração, de intercâmbio e de
informações operam no sentido da fragmentação da estrutura
tribal. Igualmente, uma aceleração como a que ocorre com a
eletricidade,contribuiparaarestauraçãodospadrõestribaisde
envolvimentointenso,talcomoaqueocorreucomaintrodução
darádionaEuropa,ecomotendeaacontecernaAmérica
67
.
Para compreender o processo de experimentação dos poetas sonoristas em
suas apresentações, é importante entender o conceito de intermidialidade. que
Patrice Pavis em a Análise dos Espetáculos fala desta fusão de mídias e da
possibilidadedeintegraçãodosconceitosestéticosemumnovocontexto
68
.
67
MCLUHAN.Osmeiosdecomunicaçãocomoextensõesdohomem.p,40.
68
PAVIS.Aanálisedosespetáculos,p4243.
73
Os corpos humanos na contemporaneidade são como prolongamentos das
tecnologias e buscam esta interação também na arte. As sociedades que tiveram a
experiência com a escrita sofreram um processo de destribalização, mas com o
advento da energia elétrica e a velocidade dos meios tecnológicos provindos de
descobertas como o rádio e a TV, se observa a tendência a uma mistura da pré
história com os detritos dos mercadologistas industriais, os analfabetos com os
semiletradoseospósletrados.
69

Depois de três mil anos de explosão, graças às tecnologias fragmentárias e
mecânicas, o mundo ocidental está implodindo. Durante as idades mecânicas
projetamos o nosso corpo no espaço. Hoje, depois de mais de um século de
tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço
global,abolindotempoeespaço(pelomenosnaquiloqueconcerneaonossoplaneta).
Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a
simulaçãotecnológicadaconsciência,pelaqualoprocessocriativodoconhecimento
seestenderácontinuamenteembuscadenovossentidosparaaarte.
No artigo Cartografias do Presente: poesia latinoamericana no final do século XX,
Maria Esther Maciel traça a conjuntura que possibilitou que a Poesia Sonora
interagisse tradições orais e com as novas tecnologias. Na mesma proporção do
avanço do processo global de mercantilização das sociedades contemporâneas, da
institucionalizaçãocrescentedasexpressõesculturais,dastentativasdesubtraçãodo
estético em nome do “politicamente correto”, a prática poética e o exercício crítico
continuam existindo e demonstrando traços de vitalidade, em especial no Brasil e
outros países latinoamericanos. Esses traços vitais, que não se veiculam
propriamente ao surgimento de um cânone poético dos anos 90, se fazem ver na
grandediversidadepoéticaquemarcaaproduçãocontemporânea.Oquenosobriga
a demarcar o território do “diverso” enquanto espaço de construção de linguagens
poéticas de diferentes matizes estéticas e comprometidas com alternativas
69
MCLUHAN.Osmeiosdecomunicaçãocomoextensõesdohomem.p.14.
74
conscientesdetrabalhocomapalavraoucomasrelaçõesentreestaeoutroscódigos
nãoverbais, Nesse sentido, a diversidade aqui considerada não prescinde
necessariamente do rigor, da consciência e da lucidez de transfiguração da
experiência ou de invenção e manipulação da linguagem, seja esta
predominantemente verbal ou esteja numa fronteiriça em relação a outros campos
semióticos.
São notáveis as experimentações poéticas que se valem de recursos oriundos
das artes visuais e sonoras, das altas tecnologias eletrônicas e da informática, bem
como o trabalho diferenciado de revisão e retomada de poéticas do passado e as
reflexõesdos próprios poetasa respeito dasmudanças deparâmetros paraapoesia
dofinaldoséculoXX. Assim, desobrigados de estabelecer pactos coletivos e
programáticos, desiludidos com a promessa utópica das vanguardas, avessos aos
influxos de outras tradições que não apenas a moderna, muitos poetas latino
americanos de hoje, empenham em inventar sua própria dicção e imprimir uma
marcadiferencialnotrabalhoquerealizam.Semdeixardecontinuaraproveitandoo
legado de seus precursores, de revisar criticamente as tradições do passado e de
dialogarcomoutrasesferasculturais.
O diálogo de poetas contemporâneos com as tecnologias de ponta e outros
campos artísticos não está associado à desvalorização ou ao desaparecimento da
palavra escrita e do poema inteiramente verbal. Se muitos poetas “intermidiáticos”
conseguem conjugar as duas coisas como o fazem os brasileiros Arnaldo Antunes e
PhiladelphoMenezeseoshispanoamericanos:ClementePadíneLuisBravo,outros
optaram por uma retomada mais efetiva da palavra escrita e até mesmo de uma
certa narratividade, compreendida como forma poética alternativa. Este grupo do
“verbal” é integrado pela maioria dos poetas latinoamericanos destas últimas
décadas,inclusiveaquelesquereceberammaisdiretamenteinfluxos dosmovimentos
devanguarda.
75
Como as teorias sobre a Poesia Sonora e seus desdobramentos na Poesia
Hipermídiahojeestãoemprocessodeconstrução,paralidarcomessasnovasbuscas
e experimentações poéticas que se alimentam da Poesia Sonora no contexto da
Intermidialidade contemporânea e para trazer uma reflexão sobre esta poética hoje,
trazemos neste capítulo uma série de entrevistas realizadas entre julho de 2006 e
fevereiro de 2007 com o crítico literário e tradutor de Maiakovski para o português
Boris Shnaiderman e os poetas e pesquisadores brasileiros Wilton Azevedo, Vera
CasaNova,LúcioAgraeRicardoAleixo.
76
ENTREVISTA
BorisShinaiderman
70
“Apoesianãoestánaspalavras,estánomundo”
Boris Schnaiderman, 90 anos, possui uma produção intensa como ensaísta,
tradutor,crítico literário e professor universitário.Ele foi o responsávelpela criação
do curso de língua e literatura russa da Universidade de São Paulo (USP), no qual
participou da formação de uma geração de tradutores. Ajudou a divulgar no Brasil
poetas como Púchkin e Maiakovski, cujos poemas traduziu em parceria com os
irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Bóris Schnaiderman iniciou sua trajetória
comotradutorem 1944,com a publicaçãode OsIrmãosKaramazov,deDostoievskie
hoje traduziu mais de 20 obras clássicas da literatura russa de escritores como
Tolstoi,TchekhoveGork.
O grande intérprete da cultura russa para a língua portuguesa nasceu numa
pequenacidadedaUcrânia,noanodaRevoluçãoRussaeveioparaoBrasilquando
era criança. Seu trabalho intelectual foi reconhecido em 2003 pela Academia
Brasileirade Letras comoPrêmiode Tradução. “Otradutor,naverdade,écoautor
da obra na língua de chegada”, defende Boris Schinaiderman no livro Tradução: ato
70
EntrevistaconcedidaporBorisSchnaidermanemjulhode2006emSãoPaulo/SP.Elaestádisponível
em
http://www.letras.ufmg.br/atelaeotexto/entrevistaboris.html.Acessoem:10julho2007.
77
desmedido, último trabalho dele, publicado pela Editora Perspectiva. Durante uma
conversasobrepoesianoapartamentodotradutoremSãoPaulo,elefaladoprocesso
de tradução experimentado por ele, os irmãos Campos e Décio Pignatari e da
importânciadeutilizartodososmeiospossíveisparaadifusãodapoesiahoje,assim
comofaziaMaiakovski.
Aimpossibilidadedatradução
“Em princípio, a tradução é impossível, mas tem que ser feita. Aliás, como afirmou
José Ortega y Gasset num estudo magistral, Esplendor y Miseria de la Traducción
(Obras, Madrid, EspasaCalpe, 1943), “O homem realiza algo realmente grande,
quando faz algo no campo do impossível”.A tradução é uma atividade paradoxal
por excelência. Ao lermos num texto brasileiro a palavra floresta, logo pensamos na
floresta amazônica, num mundo de vegetação luxuriante e diversificada, ou nas
queimadas que a devastam atualmente, enquanto um alemão, quando wald,
mentalmente uma floresta européia regular e uniforme, com as árvores agrupadas
por espécies. O trabalho que realizei com Haroldo de Campos mostra um caminho
paraatradução.Essecaminho,nomeupontodevista,passapelatranscriação(termo
utilizado por Haroldo). Nós mostramos isso ao traduzir Maiakovski. A tradução
criativaésemprepossível,mastemqueserfeitacommuitaousadiaecoragem.”
Otradutorcomoautorcriativo
“Um bom tradutor tem que extrair as características da cultura e se aproximar do
universo da língua. Ele tem que ser um autor criativo capaz de criar realidades de
acordo com a língua de chegada. Não adianta traduzir Shakespeare linha a linha,
gramaticalmente e filologicamente correto. Não é possível traduzir sem ousadia,
preocupadoem não alterar ooriginal.Algumastraduçõesintersemióticas de filmes,
por exemplo, foram realizados assim e têm valor didático, pois, como obra
78
criativa,quasesempredãoem“droga”.Umexemplodeumatraduçãointersemiótica
interessanteé o filmemexicano APeróla, baseado naNovela de JohnSteinbeck.Na
minhapercepção,eleésuperioraooriginal.Osmexicanosconseguiramveracultura
dedentro.”
TraduzirMaiakovski:umprocessodecriaçãocoletiva
“OtrabalhodetraduçãodospoemasdeMaiakovskifoiaseismãos,mascadapoema
foicriadoaquatromãos.Oresultado,comoatémesmoosportuguesesreconhecem,
foi o melhor que se tem na língua portuguesa, em termos de poesia. A troca de
experiência com outros poetas é muito importante no processo de criação poética.
Nós trabalhávamos em uma grande harmonia. Certas soluções nós encontrávamos
juntosportelefone.EumelembroquandooHaroldoleupramimasoluçãoqueele
tinhaencontradoparaopoema“CartaaTatianaIácovlieva”,opoemaéde1928,mas
apareceu muito mais tarde, foi dedicado a uma russa, radicada em Paris por quem
Maiakovski se apaixonou. O poeta se suicidou na década de 30, mas o poema
apareceunadécadade50.OfinalqueHaroldodeCamposencontrouparaopoemaé
umabelezaemportuguês”:
Venhaproabraçocruzado
dosmeusgrandesbraçosdesajeitados.
Vocênãoquer?
Edormeentãoàparte
NohalldosvilipêndiosmarquemosmaisumX
Dequalquermodoumdia
voutomartesozinhaoucomacidadedeParis.
“QuandooHaroldoconseguiuestasolução,meligounumaexaltação,numjúbilo!É
aalegriaquesetemcomagrandepoesia.EsseXnãoexistenooriginale,noentanto,
umaressonânciaeumapresençafísicanopapelqueéumabeleza!Maiakóvskise
escrevesse em português, com toda certeza empregaria esse X, ele não usou, mas a
genteusa,estánoespíritodele“.
79
OsirmãosCamposeostextospoéticosemrusso
“UmanoiteosirmãosCamposeDécioPignatariforamaminhacasacom as esposas.
O Haroldo logo me pediu para ter aulas de língua russa comigo e o Augusto se
matriculou no curso de russo da USP. Então, eles estudaram a língua. O inglês, o
francês e o italiano eles sabiam como línguas de comunicação, mas de um modo
geral,elesestudavamaslínguasparaabordarostextos.ApreocupaçãodeHaroldoe
AugustodeCamposeradeaprenderaslínguasparateracessoaospoemas.Quando
começamos a trabalhar, o Haroldo me levou a tradução de um poema de
Maiakovski. Ele tinha assistido a três meses de aula num cursinho de língua russa
onde ele aprendeu alguns rudimentos da língua. Um dos grandes poemas de
MaiakovkiescritonaocasiãodosuicídiodopoetaSirguéiIessiêninfoitraduzidopelo
Haroldo com o pouco conhecimento de russo que ele tinha e com a ajuda detextos
auxiliares.Conferiatraduçãocomooriginalemeximuitopouco,haviapoucacoisaa
observar. O trabalho de Haroldo de Campos resultou em uma belíssima tradução
paraoportuguêsquefigurahojenolivrodepoemastraduzidosdeMaiakovski(ver
fragmentodopoemaemquestãoabaixo)”.
InfluênciadapolíticarepressoranacriaçãopoéticanaépocadeMaiakovski
“Haviaumgrupodepoetasqueaceitaramarevoluçãobolchevistadebraçosabertos,
os outros eram vistos com uma desconfiança muito grande pelo partido que era
muitoconservadoremtermosestéticos.ARússiaeraumpaísondeapoesiatinhaum
pesomuitogrande,tantoqueeraoúnicolugarnoqualsefuzilavaporcausadeum
verso.UmpoetaimportantecomoNicolai Gumilióvfoifuzilado.Mas,deummodo
geral, o clima não era tão opressivo como a partir de 19291930, com a ascensão de
Stalin. Para a cultura esse período foi terrível. Era proibido, por exemplo, escrever
um romance que não se enquadrasse nas normas da literatura do século XIX. A
80
poesia tinha que ser aquela mais tradicional. A prevenção contra as vanguardas
existia desde os primeiros tempos da revolução. Com relação à poesia de
Maiakovski,houveumacontradiçãocomogostoarcaicodosdirigentes”.
Oencontrocomospoetasconcretistas
“O que conhecemos por arte moderna hoje, era chamado de arte de esquerda na
Rússia. Eu demorei a assimilar a poesia moderna, por causa da minha formação
tradicional como autodidata. Eu sou engenheiro agrônomo por formação, então eu
vivi no meio de pessoas que eram alheias à literatura. Eu não tinha contato com
intelectuais da minha idade. No início eu via a poesia concreta com muita
desconfiança. Os irmãos Campos, principalmente o Haroldo, me ajudaram muito a
convivercomomodernonasartes.Em1961,osirmãosCampos,DécioPignatarieo
grupopaulistadepoesiaconcretaestavampreocupadoscom osaltoparticipante−a
onça precisava dar o salto. Eles eram considerados alienados e o momento
pressionavaporumaatitudemaisrevolucionária.Nessaépocaeu eraautodidataem
literatura e tinha uma formação muito tradicional. Coincidentemente, eu estava me
voltando para a modernidade. Então, minha vontade de me abrir para a
modernidadeencontrouadelesdealcançarosaltoparticipanteeassimnasceunossa
colaboração”.
Adifusãodaartepoética
“A poesia toma formas variadas hoje. Maiakovski era um grande apologista de se
aproveitardetodososmeiosdedifusãopossíveis.Eleutilizavaorádiocomomeioe
eraumentusiastadapropaganda.Opoetarussodefendiaqueosrussostinhamque
aprender com os publicitários ocidentais e que a propaganda comercial era um
grandecaminhoparaapoesia e paraopoeta,quetinha muito a aprender.Eledizia
isso no início da década de 20, quando isso era uma heresia completa. Hoje em dia
81
paranósnãoémaisnovidade.Maiakovskitambéméautorderoteirosdecinema
quenão foram filmados. O poetarusso era revoltado com os burocratas do cinema,
mas tudo o que ele conseguiu foi fazer filmes comerciais, ainda que ele tenha
afirmado uma vez: “Eu não vejo diferença em produzir cinema e poesia, pois eu
estou fazendo poesia e vocês vão filmar meus roteiros”. Woodie Allen em “A Rosa
Púrpurado Cairo” utiliza um procedimentode um dosroteiros de Maiakovski.A
presençadopoetaeramuitoimportante,eletinhaum“vozeirão”imponente.A visão
da poesia do século XX é subverter os versos, como faziam os russos da arte de
esquerdae essasubversãosedavamuitopelaperformance.“Apoesianãoestánas
palavras, está no mundo. Está em tudo: na música, na pintura, na beleza do
universo”.
ASierguéiIessiênin
71
Vocêpartiucomosediz,paraooutromundo.
Vácuo...
Vocêsobe,entremeadoàsestrelas.
Nemálcool,nemmoedas.
Sóbrio.
Vôosemfundo.
[...]Olho
sanguenasmãosfrouxas,
vocêsacode
oinvólucrodosossos.
[...]Pare,basta!
Vocêperdeuosenso?‐
Deixarquea
calmortalIhecubraorosto?
Você,comtodoessetalento
71
Poema publicado no livro: Maiakovski: Poemas . Tradução de Haroldo de Campos.
82
paraoimpossível;
hábilcomopoucos.
Porquê?
Paraquê?
Perplexidade.[...]
[...]Rimasgastasempalamosdespojos.
Éassimquesehonraumpoeta?
Nãoteergueramaindaummonumento‐
ondeosomdobronze
ouogravegranito?
[...]ʺNempalavra,amigo,
nemsooluçoʺ.
Ah,queeusaberiadarumfim
aesseLeonidLoengrim!
72
Saltaria
‐escândaloestridente:
‐Chegadetremoresdevoz!
Assobios
nosouvidos
dessagente.
[...]Porenquantoescóriadesobra.
0tempoéescassomãosàobra.
Primeiroéprecisotransformaravida,
72
O papel de Loengrim, da ópera deste nome, de Wagner, constituiu um dos grandes êxitos da carreira artística
de Leonid Sóbinov.
83
paracantálaemseguida.
Ostemposestãodurosparaoartista:
[...]Queotempocuspabalasparatrás,
eoventonopassado
desfaçaummaçodecabelos.
Paraojúbilooplanetaestáimaturo.
Éprecisoarrancaralegriaaofuturo.
Nestavida
Morrernãoédifícil
Odifícil
Éavidaeseuofício.
84
ENTREVISTA

WiltonAzevedo
73
Aescrituraexpandidadaspoéticasintermidiáticas
Wilton Luiz de Azevedo é DoutorSênior em Comunicação e Semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor do Mestrado e Doutorado
do Departamento de Literatura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, faz Parte
do Conselho Editorial de Hipermídia Da Paris VIII e do coletivo de arte Transitoire
Observable. É também Conselheiro da AIWS Association of Image Words And
Sound, com sede em Dublin, Irlanda. Wilton Azevedo participou do DVD Alitre do
coletivo Laboratoire Observable da Universidade Paris VIII, lançado este ano no E
Poetry com o trabalho sonoro e visual “Quando assim termina o nunca”, que
consistememvídeopoemasinterativos.
Em1997WiltonAzevedoePhiladelphoMenzescomeçaramatrabalharjuntos.
A parceria deles foi pioneira na produção de poesia digital interativa no Brasil.
Philadelpho faleceu um mês após completar 40 anos em um desastre de automóvel
em 2000, no dia em que Wilton Azevedo chegou de Nova York para os dois
começaremoProjetoInterprosa.Desmotivadopelaperdadoamigo,WiltonAzevedo
retomouotrabalhoem2002,comaproduçãodoLoopingPoesia.
73
Esta entrevista foi concedida em 30 de outubro de 2006 em São Paulo/SP.
85
Em fevereiro de 2007, Wilton Azevedo apresentou o Poemachine no
Oppenport: Sound, Performance and Language realizado em fevereiro de 2007 em
Chicago. O conceito trabalhado é de pensamento virtual, interativo. O som é
eletroacústico, ou seja, a voz e o eletrônico são trabalhados na performance. O
processodeconstruçãodopoemahipermídiafoicoletivo:RitaVarlesifezosvídeose
aconvitedopoeta,participeidaperformancee daproduçãodatrilhacomospoemas
“BadaladaSonora”e“WithWithoutJohn”,queestãonoCDExperimentoSonoro,que
acompanha esta pesquisa. Em maio de 2007, apresentamos o poema hipermídia
Atame na abertura do EPoetry, o mais importante festival de poesia digital do
mundo,realizadoemParis,França
74
.
AParceriacomPhiladelphoMenezes
Quando eu conheci o Philadelpho Menezes, o convidei a fazer um CDRom de
poesiaintermídia.Unimosotrabalhodelesonorocomomeucomocomputador.Na
época O “Phila” trabalhava o dado sonoro, mas de forma analógica, pois até então
ele não tinha trabalhado com a hipermídia. Ele conhecia a poesia sonora,
intersignos, mas não a hipermídia. Ele não sabia nada de software, nem como
funcionavaaprogramação.Eucomodesignerepoeta,tinhaoconhecimentodosdois.
Quando começamos a trabalhar juntos em 1997, eu mostrei ao Philadelpho as
possibilidadesdosomdigital.FoiapartirdaíquecomeçamosatrabalharnoProjeto
Interpoesia, que foi lançado com o Manifesto Digital e está completando dez anos.
Poucas pessoas trabalham com a poesia hipermídia no mundo, pois para fazêla é
preciso entender da evolução da poética dos códigos: som, imagem e palavra. Não
adiantaentenderdesoftware,sementenderdepoesiaparafazerumpoemaemmeio
digital. O poema processo está mais ligado aos conceitos de hipermídia do que a
74
UmtrechodaapresentaçãointituladoEPoetry2007:Brazillianepoetsettingfiretopoemsonstage
estádisponívelem:
http://www.youtube.com/watch?v=2fRFdy1U2jg&mode=related&search. Acessoem:30
julho2007.
86
poesiaconcreta.NãoéàtoaquePhiladelphoMenezesrecuperouVladimirDiasPino,
ÁlvaresdeSá,porqueelesabiaqueotrabalhocomodadosonoroestá maispróximo
aopoemaprocesso.”
OUnderlab
“APoesiaSonorahojecontinuaexistindonaperformance,elatemsidousadamuito
também em peças teatrais. Faço minhas performances com voz, samplers e imagens
em tempo real. Tenho me dedicado aos sons, mas venho trabalhando com sistemas
interativos.Paratrabalharmelhorodadosonoro,decidimontarem2002oUnderlab
—umlaboratório/estúdiodesom.Apartirdaí,deicontinuidadeaoInterprosaqueé
um trabalho mais conceitual, bastante interessante de software aberto cada
máquina/computador uma velocidadeespecífica às poesias.Demoreimuitopara
publicálo, mas apresentei o conceito em 2001 em Nova York. Este trabalho é uma
críticaàtecnologiahardware/software,poisàmedidaqueoshadwaresvãoevoluindo,o
poemavaidesaparecendopelaincompatibilidadedasversões”.
PoesiaHipermídianoBrasil
“Eu não trabalho necessariamente a poesia sonora, na realidade eu trabalho com a
hipermídia: som e imagem, dentro de vários conceitos do que eu chamo de poética
hipermídia. Hoje se faz muito trabalho no Brasil no suporte digital, mas na minha
opinião é de baixa qualidade. Pelos softwares serem muito semelhantes os conceitos
são confundidos. Alguns trabalham interatividade, chamando isso de realidade
virtual, outros trabalham caves com softwares interativos chamando isso de Imersão,
outros trabalham com jogos com conceitos da realidade virtual e hipermídia e tem
pouca gente trabalhando a Epoetry ou poesia digital que trabalha a interação do
dado sonoro, com as imagens em uma escritura expandida. Eu tenho defendido a
idéia de que a hipermídia trabalha com a escritura expandida. No último File
87
realizadoemSãoPaulonoSesiem2005eupubliqueiumtextonocatálogodoevento
quetrabalhaesseconceitoqueveiodeumlevantamentodeváriosanos”.
Aescrituraexpandida
“Nós não vivemos mais no momento da Poesia Sonora. Ela foi um período
importantedeexperimentação,mashojevivemosnumaambiênciacriadapelafusão
tecnológica, uma escritura que se expande. Delimito três períodos distintos de
escrituraparaaarte:
1º) Período das escrituras matriciais cerca de 20 anos, quando podíamos falar
de matriciais de linguagem e separar a retórica, a imagem e o som, mas, do
Dadaísmopara frente, os sistemas não são mais analógicos e por isso nãopodemos
falaremmatriciaisdelinguagem.
2º)PeríododasescriturasintermediáriasComoexemplotemosasexperiênciasde
partituras de John Cage, desenhadas para mostrar que o som leva a uma ilusão
imagética.Nestaescrituraintercessãoentreasartes,massemperderasmatrizes.
3º) Período da Escritura Expandida Estamos no período da escritura expandida,
em que o rompimento das matrizes e a perda dos sistemas matriciais. A poesia
sonorahojeestáfundidaaoutroscódigosquegeramsignosemexpansão.Hojeaboa
poesia sonora não se prende a dados sonoros como nós conhecemos desde o
Serialismo de Shöemberg ao eletroacústico do compositor alemão Stockhausen. Ela
vaimaisalém. Vivemosdiante deumaescritura cadavez mais expandida,que está
no nível da potencialidade apontada no livro do Haroldo de Campos A arte no
horizonte do improvável, ela não existe pronta e terminada como nos sistemas
analógicos. Para entender o conceito de escritura expandida, podemos usar como
exemplo softwares como o Direct MX e Java (programações C + +). Quando se
88
programasom, imagem ou texto emum DirectMX,para osoftware como escritura
nosentidoapresentadoporRoland Barthes: um corpo,umaentidadequepermiteo
estabelecimento de relações gramaticais, de leis sígnicas, no mesmo inserir um
dadosonoro,imagéticooutextual.Éamesmacoisadeumacanetaemcontatocomo
papel.Comosuportenãoimportaseoriscoésonoro,textualouimagético.Apartir
desta escritura expandida, programada digitalmente, é possível começar a explorar
osdadosinterativosdessestrabalhossonoroseimagéticos.”

89
ENTREVISTA

VeraCasaNova
75
“APoesiaéumgozo‐umapetitmort”.
Poeta, ensaísta, pesquisadora e professora daFaculdade de Letrasda UFMG,
Vera Casa Nova é doutora em semiótica pela UFRJ, com pósdoutorado em
antropologiavisualpelaÉcoledesHautesÉtudesenSciencesSociales,comsedeem
Paris, França, onde fez estágio de pesquisa em antropologia da imagem: signos,
formas e representações, sob a supervisão de G. DidiHuberman, no ano de 2003.
HojeelaestátrabalhandoosegundolivroLúciaRosas.
VeraCasaNovaestámais próximadarelaçãotextoimagem,masemparceria
com Marcelo Kraiser e Wilson Avelar, faz um trabalho com vídeopoemas cuja
sonoridade se aproxima das práticas da Poesia Sonora. Os três criaram juntos
Draptomania um trabalho multimídia de disjunção absoluta que gerou duas
exposiçõesemMinasGerais:umanoMuseudeDiamantes,emDiamantina,cerca
de três anos e outro na Escola Guignard em Belo Horizonte em 2005. Os poemas e
imagens em papel vegetal foram colocados na parede como se fossem quadros,
dando movimento às obras e a partir das cenas que eles fotografaram juntos ao
poemaforamsendocriadasassobreposiçõesdasartes
.
75
Entrevista concedida no dia 15 de outubro de 2006, em Belo Horizonte.
90
Opartodacriaçãopoética
“Otrabalhodopoetaésubjetivo,apesardequenarelaçãosujeitoobjeto,podehaver
uma prevalência do objeto, mas sempre é o sujeito que vai fazer alguma coisa. O
stress da criação poética é como o do parto, que faz a pressão arterial subir, assim
comoquando tiveas minhas filhas. Essestress é caótico,pois vocênão sabe noque
vai dar aquilo. No início vai sair uma substância uniforme como uma geléia, mas
depois você vai lapidando. O meu trabalho é muito visceral, corporal. Se eu não
coloco pra fora aquilo que estou represando, a minha pressão arterial sobe muito.
Sou como a Oroboro, aquela cobra que come a si mesma pelo rabo, os meus
sentimentosmeestressam.Paramimapoesiaéolho,nosentidodeolharooutroede
deslocamentos. O processo da criação é um gozo, uma petit mort, como diria os
franceses. Muitos têm a concepção de que é a língua que faz o poema. Ao
trabalharmos com outras linguagens artísticas que não as verbais, inclusive das
novas mídias, temos sempre que pensar em Poiesis palavra de origem grega que
significou inicialmente criação, ação, confecção, fabricação e depois terminou por
significarartedapoesiaefaculdadepoética.Quandoseestáemprocessodecriação,
vocêéumpoeta.”
AexperiênciasonoranoCDROMdolivroDesertos
“Para a produção do CDROM que acompanha o livro Desertos, convidei Afonso
Klein, um aluno de arte contemporânea da pósgraduação da Escola Guignard. A
programaçãoparahipermídiadospoemasfoifeitaporele,masdiscutíamoscadacor
e especificidade interativa do programa. O resultado foi anexado aolivro impresso.
A minha oralidade existe, mas ela não é comprometida com a sonoridade, busco
maisasubjetividadedaspalavras.NopoemaquetrabalhocomArtaudemDesertos
tentamos fazer isto. Trabalhei com Artaud por considerálo uma grande figura do
séculoXX,umcrivoquenãofoicompreendidoportersidoconsideradolouco,masa
loucura, na poesia, nas artes e na filosofia é umacoisa que acontece e está aí,não é
91
doença,seéquepodemosconsideraraloucuraumadoençaospsicanalistasqueo
digam! Artaud veio trazer a proposta de uma outra linguagem, decidimos então
desfocarodesenhodaimagemdopoetaemistureicomavozdelebemesgarçada”.
DesdobramentosdaPoesiaSonora
“A Poesia Sonora está inserida no Brasil no momento pósconcreto da
verbivocovisualidadedospoemas,apesardequequandoosconcretostrabalharama
partirde Ezra Poundo verbivocovisual, elestrabalharam avisualidadee o verbo,o
vocoficouemsegundoplano,porqueelesnãotinhammeiosdefazerisso.Opoema
doconcretistaRonaldoAzeredo“Velocidade”éummomentodePoesiaSonora,mas
eles não foram por aí. Eles preferiram ficar marcados pela visualidade das imagens
dacidadeedapropaganda.”
Vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvelocidade
“O processo de realização de experiências sonoras é freqüente hoje nos vídeos.
HouveumdeslocamentodaPoesiaSonoraparaovideopoema.Tenho um trabalho
devideopoemacomoMarceloKraiseremqueeleéoresponsávelpelatrilhasonora,
mas os sons são incidentais e desconectam a relação de significante e significado.
Rompemos com a relação entre a música e o poema. Philadelpho Menezes que
trabalhavatextosobretextoemexiacomaidéiadeimagemdosom,maseutrabalho
maiscomaimagemvisual,comadesconstruçãoverbalnalinhadopoemaprocesso,
apesar de que no próximo Lúcia Rosas que estou fazendo com o Marcelo Kraiser eu
usoorecursodamotocicleta,poisnadécadade50elaeraconsideradaumterror.
DifusãodapoesianoBrasil
“A Internet é um meio importante para a difusão da poesia hoje, principalmente
porqueapublicaçãodelivrosnoBrasilémuitocara,parasefazerumaediçãode500
exemplarescom50poesias,sepagacercadeR$5.000.Aindanãotenhoumapágina
92
pessoalparaospoemas,masmuitos blogspublicamtextosdeminhaautoriacomoo
ebook Saciedade dos Poetas Vivos, organizado por Leila Micoli. O livro continuará
existindo, mas sempre foi muito difícil publicar poesia. O caminho do livro se
tornaviávelparaquemestánopoder,quandooautorestámuitobadalado.Opoeta
sempre precisou pagar para publicar. É um absurdo que seja até hoje assim.
Nenhumaeditorabanca,comexceçãodemedalhõescomoDrummondeJoãoCabral
deMeloNeto,quesefizeramemdeterminadaépoca.Eunãofaçoconcessão,eunão
queroestar no poder, pois eu acho a fama um nojo, é um desgaste, umproduto do
capitalquenãomeinteressa.Aliás,essenegóciodedizerqueumapessoatemtalento
é horrível. Dom, talento, não tem nada a ver. Eu acredito no atrito no trabalho
mesmo. Toda a coleção de poetas contemporâneos que tenho é de autores que
bancaram suas obras. Inclusive Pablo Neruda bancou edições de poemas até se
tornarconhecidoeganharoNobeldeLiteratura.Humboltbrigavacomeditoraspor
causadopreçoquecadaumacobravaparapublicarseuslivros.ACossacNaifeaSette
Letrastêmumacoleçãodepoemaslinda,masqueébancadapelosautores”.
Otrabalhodetranspiraçãodopoeta
“OPoeta hojeéumseparado.Elenãoparticipamaisdegrupos,ficanasuasolidão.
uma inibição do poeta em todos os sentidos: de falar, de mostrar e de publicar
seu poema. O Sarau é uma coisa magnífica, pois as pessoas começam recitando
Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e outros poetas conhecidos até
começarem a recitar sua própria poesia. E isso é genial! Parece que o poeta é um
marginal. Retomando a mitologia de Platão, o poeta é um excluído da república. E
parece que o mito tomou conta da subjetividade do poeta. O trabalho de poesia é
muito duro, pra sair um poema, ele é refeito várias vezes. Não é um trabalho de
inspiração,massimdetranspiração,comodiziaLemisky.Éummomentomuitorico,
delapidação.”

93
NTREVISTA

RicardoAleixo
76
“Otextoéoaquiagoradacena”.
Poeta, professor de design do som na FUMEC, Ricardo Aleixo é um artista
multimídia, integra, como performer e compositor, o Combo de Artes Afins
BananeiraCiência (poesia + artes visuais + música + vídeo + dança + performance),
dequeétambémfundadorediretorartístico.Ogrupointegralinguagensdapoesia,
música, da dança e do vídeo. O nome é uma homenagem ao poeta maranhense
JoaquimdeSouzaAndrade.Aidéiaépromoverainterrelaçãoentreasmídias.
RicardoAleixofoiocuradordaBienaldePoesiadeBeloHorizonte,realizada
apenasem2000porfaltadeincentivoedeconsciênciadospatrocinadorespotenciais
daimportânciadeseinvestirempoesia.ElepersistenatentativaderetomaraBienal
de Poesia. Participou, como artista e curador, de inúmeras mostras coletivas‐em
várias cidades brasileiras, na Argentina e na Bolívia. Em 1999, apresentou em Belo
Horizonte, no Rio de Janeiro e em Mariana a exposição individualʺObjetos
suspeitosʺ.
76
Entrevistaconcedidaemnovembrode2006,emBeloHorizonte.
94
Comoperformer,seapresentou naArgentina,naAlemanha,emPortugale
naFrança.CompôsatrilhasonoradovideodocumentárioProvocação,sobreopoetae
artistagráficoSebastiãoNunes(2000).Ministracursose oficinasnaáreadaspoéticas
experimentaisdavoz.PublicouoslivrosFestim(1992),Arodadomundo(1996),Quem
fazoquê?(1999),Trívio(2001)eMáquinaZero(2004).Atualmenteestápreparandoum
blog exclusivamente sonoro, com peças históricas da Poesia Sonora, trabalhos
própriosedealunos.Oespaçotambémseráutilizadoparadebate.RicardoAleixose
sentecadavezmaisumanciãoquandousarecortesnovos,naperspectivadeacordar
no corpo e na voz elementos que jamais pensaria que poderiam ser usados no
processodecriação/composição.Muitasvezeseleusaocomputadoreoprocessador
de efeitos como rascunho e em ensaios para coisas que apresenta do modo mais
precáriopossível.
ArteseAfins
“Lido com muitas parcerias, no grupo de artes Bananeira Ciência. Com o bailarino
RuiMoreira,comquemeutenhoumespetáculochamado“UmCaminho”,queéum
textomeu,dialogado,emqueeuexecutoatrilhasonoraaovivo,comeledançandoe
eu dizendo o texto e utilizando três microfones (uma marca que cheguei depois de
muito tempo): um a seco, outro ligado ao meu processador de efeitos e outro com
efeitos controlados pelo técnico de som na mesa, o que significa que eu não terei
nenhumcontrolesobreaquelesefeitoscolocadosali,oquegeraoinesperado.Eufaço
um gesto vocal, sem saber exatamente como aquilo irá soar, a experimentação é
realizadanopalco.Éumaformadenãomaquinizaraminharelaçãocomamáquina.
O processador de efeitos me leva para o campo do aleotório, o que eu considero
bom,poiseugostodemeperder,sãotrilhasnovasacadaespetáculo.NaAlemanha
esse trabalho é chamado Text Tanz e são realizados muitos festivais desta arte em
queumpoetafala,enquantoumbailarinodança“.
95
Poéticasexperimentaisdavoz
“Aexperimentaçãoéumatributonãodaarte,masdoserhumanoquetemcomo
mídiaprimáriaocorpo,queaparececomoemnenhumaformaculturaleestética,na
relaçãoentreosamantes,queeu acho aanalogiamaisperfeitaparaa arte edetoda
arte de cunho experimental, (se é que não devemos dizer que toda arte é de cunho
experimental).Oconjuntodaspoéticasexperimentaisdavozcontribuinorecortede
um elemento estruturante da poesia de qualquer época: a sonoridade, tantas vezes
negligenciada. Um dos grandes trunfos da Poesia Sonora foi ter aberto a
sensibilidade do público do século XX em diante para este instrumento de
transmissãodapoesiaedecomposição:avoz,narelaçãocomocorpo,aconstrução
vocaldoaparelhofonador.Terdestacadoisso,damesmaformacomoaspoéticasda
visualidade fizeram com relação à letra, deve ser apropriado pelos poetas
contemporâneosdediferentesformas.”
“Certasvocalizaçõesqueeufaçosãorecuperaçõesdomodolúdicodequandoeuera
criançaebrincavadelocutor,transmitindopartidasdefutebolimaginárias.Aquino
Brasil,ochamadonarradordefutebolnãonarraoqueestásedando,masaquiloque
foi e a partida de futebol está acontecendo e está sendo narrada. É como se duas
partidas estivessem sendo jogadas. O jogo: 11 contra 11 e, por outro lado, as
fabulações,todooimagináriopoéticodofutebol,queéumaformadeartenoBrasil.
Aquele esporte quadrado e linear que o inglês noslegou e nós brasileiros, na nossa
sensibilidade barroca transformamos em dança. Na locução esportiva, os locutores
quase cantam com o prolongamento do aparelho fonador, como se estivessem
realizando longos solos jazzísticos sem perder o rigor da transmissão e ao mesmo
tempo conseguem estimular a fantasia. Eles ocupam o lugar privilegiado de quem
com a voz constrói mundos. A torcida participa vocalmente com poder de
96
interferência. Isso me conquista desde a infância e aparece na forma como eu
vocalizonosespetáculosenafeituradopoema”.
Otextoéoaquiagoradacena
“Precisamos trabalhar a ampliação do conceito de texto. Fazer com que texto seja
tudo o que estiver disponível no aqui agora da cena. Texto não é a palavra, mas
tambémoincidental:omicrofonequecai,ogravadorqueproblemaegeraoutra
circunstância,éocorpoqueatravessaumaimagemprojetada,éareaçãodopúblico.
Tudoissopassaasertextona performance e levaàampliaçãodoconceitodetexto,
mas para minha surpresa tenho tido respostas interessantíssimas de pessoas que
nunca me leram, que entraram em contato com o meu trabalho apenas em cena, e,
emmeioatantaparafernália,ouviramaqueletextoescritopreliminar,feitoantesda
performance,comonuncaosqueleramosmeuslivrosperceberam”.
“Todos os meus textos surgem do entendimento da palavra escrita pósMallarmé,
como uma espécie de partitura, não no sentido da música em que os valores
“universais” devem ser codificados, apesar de que toda convenção tem sua
mistificação e arbitrariedade, pois séculos e séculos se passaram até que fossem
colocados aqueles códigos como universais. Trabalho com a noção de partitura no
texto poético, com a adoção de valores próximos da música, valores rítmicos,
tímbricos, valores de duração, de direção, de textura. Cada texto escrito e sua
espacialização na página me levam a pensar em como o texto pode soar, porque
tudo que pode ser escrito pode soar, eu não tenho dúvida disso. Desde o jornal, ao
catálogo telefônico e a Bíblia. No meu caso particular, a distribuição disso no papel
apontaparaumprimeiroesboçodetraduçãointersemiótica.Pensocadatextoesuas
reescritas de forma a imaginar como ele irá soar. Muitas vezes a vocalização é uma
forma de testar o poema e encontrar outros caminhos completamente diversos e, a
partir disso, sucessíveis experiências: pego o violão e tento cantar, gravo e edito à
maneiradospoemassonoros.Procuroentendercomoseprocessamasmudançasde
97
quando eu faço um texto a lápis ou a caneta e depois passo para o computador e
como este se comporta na tela do computador, animado por um bom programa
gráfico.Ouseja,éomesmotextoesãotextosdiferentes.Aperformanceéolocalde
junçãodetodoesseprocessocujamemóriagenéticaestáaliimpregnada.Quandoeu
vocalizoum textoemcena,eulevoemcontaatrajetóriaqueopoemapassoueeste
“texto”, quenemtudoépassíveldetradução,ganhanovasconfigurações.Muitas
vezes o intraduzível do texto escrito comparece na forma de gesto, de silêncio, na
formaderuídovocal.”
TexturaSonora&DesignSonoro
“A textura sonora é um dos elementos de que se dispõe o design sonoro e eu faço
menção especial ao termo cunhado pelo poeta Décio Pignatari na década de 50, no
coração da luta do concretismo, quando ele coloca o poeta como um designer da
linguagem.Essaexpressãoseperdeuhojequeapublicidadeaprendeualidarcomo
repertório concreto, da experimentação de um modo geral. Hoje é possível pegar
algumas peças publicitárias e colocar diante de um poema dadaísta, futurista ou
concreto e não ser capaz de distinguir o que é design e o que é poema. Essa
contaminaçãodoscódigossedeuaolongodasprimeirasdécadasdoséculoXX,mas
ganhou uma ênfase grande com os concretos. Recupero a expressão do Décio
Pignatari parapensar o poeta como um designer da linguagem, que vai lidar com a
texturadamesmaformaquelidacom a linha,comoponto, com otimbre(acordo
som), em termos de interpretação de códigos e com toda liberdade. Este é um dos
elementos que a gente pode explorar na performance poética ou na gravação. E,
evidentementeele não éo elementono qual seesgota a criaçãode padrõesvocaise
sonoros,maseleéumdosmaisvivos,defato,geralmenteassociadoaotimbre”.
98
Poetasdecódigosmistosesuportesintermidiáticos
“Não existe uma consciência dos produtores e donos de casas de espetáculos com
relaçãoàapresentaçãodepoetasno Brasil. Fizumespetáculoem São Paulo e tive a
dificuldadeem explicarqueumpoetanãotemcarteiraprofissional.Eletemqueser
registrado como músico ou ator para estar no palco. Não existe esta consciência
tampouco entre os poetas. O poeta é um fazedor, mas no plano da negociação, isso
gerabarreiras,poisaspessoasnãocompreendemasnecessidadestécnicasdospoetas
que trabalham com hipermídia. É diferente de países como Holanda, França e
Alemanha, onde esse tipo de espetáculo é rotineiro. Por isso, quem trabalha com a
hipermídia, acaba se enveredando por festivais pelo mundo. Em 2004 eu participei
do Encontro Internacional de Poetas em Coimbra, Portugal, a convite de uma
universidade.Fiqueimuitoimpressionadocomas experiênciasdeSteveRossSmith,
querecuperaaestéticadepoemasdadaístas,eCarolineBeghVal,umapoetafranco
norueguesa radicada em Londres, onde é professora de performance poética. Em
2005 eu estive na França, dentro das programações de um ano do Brasil na França,
apresentando o espetáculo Um ano entre os humanos, que estreou em Portugal em
2004. Fiz uma performance solo na época, pois ainda não havia o Combo de Artes
Bananeira Ciência, eu tinha com o Gil Amâncio e outros artistas a Sociedade Lira
Eletrônica Black Mania. O Repertório foi o mesmo de Portugal, mas acrescentado
outroselementos:produçãode vídeoedança.Nemsempreeutivecondiçõesdeter
contatocom muitos poetas.Eu fuipara a Alemanhacom aCia de DançaSeráQuê?
como músico, compositor e eu não tive contato com poetas o que é uma pena.
Tenho sido provocado criativamente pelos bailarinos com discussões sobre o corpo
pensante”.
“NoBrasilumartistaquetemmeinteressadoéRicardoCorona,doParanáeditorda
revista Oroborus. Ele faziaa Revista Meduza, junto com Ademir Assumpção, Eliana
Borges e Rodrigo Garcia Lopes.O trabalho solo dele é muito bonito erecentemente
99
foilançadonodiscoLadrãodeFogo.As“performações“delesãomuitoricas.Fizemos
performancesemconjuntonoCeará,emCanoaQuebrada,enoFestivaldepoesiade
Goiáis.Eugostodeutilizar a palavraperformador,palavraqueéusadapelasartes
cênicas e visuais, no lugar de performer, não por uma questão de nacionalismo,
masporqueopoetaéaquelequeperformaenemporissoéumperformer”.
“Admirotambém Ricardo Chacal, que vem atravessandogerações de poetas,desde
1970. Além de ser perito na palavra escrita, ele tem uma lógica de condução do
poemaqueé:opoemaexiste paramimquandooseidecor.Aocontráriodoque
se pensa dos poetas alinhados ao rótulo da poesia marginal, ele tem um domínio
quasequecerebral davoz, da luze doselementos todos.Se algodequeChacal
não pode ser acusado é de ser um ingênuo. O uso que ele faz da cena poética é
magistral.OtrabalhodeRicardoCoronaéredondocomosonoridade,omesmose
comAugustodeCamposemPoesiaéRiscoeemoutrasexperiênciasdelecomosome
as performances com o filho Cid Campos e o videomaker Walter Silveira. Os clip
poemasdo AugustodeCampospodemserentendidosapartirdeumaintegridade,
diferentedomeu trabalhoqueutilizaváriasmídias,maséfeitoparaarelaçãoentre
elas. O poeta André Valias, editor da revista Errática um dos poetas mais
interessantesdaatualidadetambéméumpoetadosuporteintermidiático.Elelida
comos códigos mistos/híbridos.O seu CDROM leva osonoro, o imagético, o texto
como imagem e a imagem como texto.Dificilmente terei um vídeo que pode ser
apreciado por suas qualidades videográficas. Alguma sonoridade que valha por ela
mesmaeaindaquesetenhaqualidadenesseselementosisolados,oquemeinteressa
é a interrelação entre eles. Não é bem a possibilidade daquilo ser apreciado como
peçaautônoma”.
100
ENTREVISTA

MarceloDolabela
77
Dametáforasonoraàanarquiapoéticadossons
MarceloDolabelaéumpoetadadaísta,pesquisadoreautordediversoslivros,
dentre eles Amônia, 1997, Poeminhas & outros poemas, 1998, Letrolatria (poemas
visuais), 2000 e do CD de poemas Cacograma, 2001. Participou como palestrante da
Jornada do poema concreto/processo/experimental, promovido pela Faculdade de
LetrasdaUFMGemmaiode2006.
VanguardaspoéticasnoBrasilcontemporâneo
“Oconceitodevanguardaéaplicadoatodoartistaougrupoqueexperimentacoma
linguagemapartirdasvanguardashistóricas:ofuturismo,ocubismoeodadaísmo.
Por este viés teórico, existe vanguarda na dança, no cinema, no vídeo, na poesia e
também na publicidade, no rock e na música. Todo aquele que tenta expandir o
conceito de arte dentro do seu segmento está fazendo arte de vanguarda. O disco
Roots do Sepultura para mim é tão vanguarda como o poema processo, pois, em
determinadomomento,eleexpandiuoqueagenteconsideravametalnoBrasil.Hoje
77
Entrevistaconcedidaem14dejaneirode2007emBeloHorizonte/MG.
101
na poesia quem tenta expandir o conceito da poesia para o mundopop e incorpora
linguagensda“culturapop”temumaatitudedevanguarda.Paramim,vanguardaé
ousarfazeraquilonuncaantesfeito.
PoesiaSonoraePoemaProcesso:experimentaçõesquesefundem
“OPoemaProcessoestáparaapoesia,assimcomooanarquismoestáparaapolítica.
Eleseriaoúltimoprocessodapoesiae dalinguagem,apesardetersurgidoantesde
outrasexperimentaçõespoéticascomoaarte postal,apoesiavisual,apoesiasonorae
a poesia semiótica. O Poema Processo incorpora outras vanguardas hoje, como a
Poesia Sonora. poemas sonoros que trazem apenas a possibilidade do som em
fragmentossonoros. Na Internet a experiênciada fábrica: criaçãode blogemque
várias pessoas do mundo inteiro mandam sons que no final são unidos para virar
uma música. Considero isso um poema sonoro processo. O disco mais recente do
Tom Zé, Jogos de Armar, é um exemplo do poema processo na Poesia Sonora. É um
discoduploenosegundodiscoforamcolocadosossonsutilizadosnatrilha.Assim,
os fragmentos sonoros podem ser escutados, sem a mixagem, o que cria a
possibilidade de o próprio ouvinte montar um outro disco a partir dos sons. Eu
considero este disco um bom exemplo do poema processo no poema sonoro, pois
vocêtemapenaselementos.”
PoesiaSonora:ametáforadosom
“No Brasil uma grande confusão entre Poesia Sonora e a poesia oral declamada.
Se for necessário o texto escrito para se compreender um poema sonoro, não
sentido nele. Não que as palavras não possam ser usadas como som no sentido do
voco do termo verbovocovisual utilizado pelos concretistas, pois o poema sonoro
tambéméumpoemaconcreto.Ospoetasquetrabalhamopoemavisualnãoquerem
admitir que poesia é metáfora, mas se pegarmos o poema visual “Cidade”, da Ana
102
Ale,viúvade PhiladelphoMenezes, como apenasgráfico e suprimirmosametáfora
paraobservarmos apenas ametonímiaeteremosartesplásticasenãoumpoema.A
poesia precisa gerar uma abstração subjetiva da coisa concreta e traduzir
ambiências.”
”Classifico a Poesia Sonora em três tipos: a poesia sonora que vem de uma origem
medieval, na linha de Enzo Minarelli e outros poetas italianos artífices da tradução
do texto pela performance; a feita a partir da eletroacústica, realizada por Henri
Chopin;e,porúltimoelaéapossibilidadedeconstruirmetáforascomosom.Chopin
é um dos maiores expoentes da poesia sonora, não por ter usado o termo Sound
Poetrypelaprimeiravez,masporcriarmetáforascomosom.”
“AgrandecontribuiçãodaPoesiaSonoraéprescindirdavozeconseguiriralémda
oralizaçãodotextocomacriaçãodemetáforassonoras,comofaziamos sonoplastas
comorádioteatro.WillianBornnofilmeASociedadedoEspetáculo,criadoapartirda
teoriadele,podeserconsideradoPoesiaSonora,poisé possívelconstruirumaPoesia
Sonoratambémcomosilêncio,assimcomofezJohnCageaomontarumaorquestra
com120músicosemsilêncio.“
PoesiaSonoraXMúsica
“Na música: ritmo, harmonia e melodia são elementos da composição e a Poesia
Sonoranãoprecisadenenhumdesseselementosenemmesmodotextoparacriara
PoesiaSonora.Devehaverumaconexãoentreosom,opoemaeoprocessoenãoa
experimentação com alturas e timbres como nas composições musicais de
Shöemberg.Seotextoéimprescindívelnopoema,trataseapenasdousodopoema
em outros suportes como a voz, o teatro e o disco. É preciso desvincular a idéia de
quePoesiaSonoraé arepetiçãodecertaspalavrasdotextopoéticooudesonsvocais.
103
SenãooscantoresdejazzeEdMotta,LeniAndradeestariamfazendoPoesiaSonora
nosseusvocalizes.”
“Dodecafonismo, serialismo, música concreta, etnopoesia, eletroacústica são
linguagens que são incorporadas, mas elas separadas não são Poesia Sonora.
Podemos encontrar elementos desta poética na música baiana e no repente, por
exemplo, pois ela não é voz, a voz é apenas um dos elementos que podem ser
utilizados na composição do poema sonoro. Um guitarrista, um baixista, ou um
percussionista podem ser poetas sonoros e algumas experimentações de cantores
comoCaetanoVelosonosanos70,eTetêSpíndolaquandogravousonsdepássaros
doPantanal paracriarambiênciasemetáforasdetristezaealegria.Noaxéouso
de sons, metáforas de alegria que, se recortados, se aproximam da Poesia Sonora.
JimmyHendrix,aoincluirruídosqueremetiamàguerranohinodosEstadosUnidos
nodiscoJimmyHendrixExperienceestavacriandoumpoemasonoro.AcantoraBjörk
eoGrupoFlammingLipsrealizaramalgumasexperimentaçõessonoras próximasda
PoesiaSonora.”
“Opoemasonorotraduzambiênciasenãoprescindedaperformancedopoetacomo
napoesiaoralizada, em que ointérpreteémuitoimportante. Compus recentemente
umaóperapararinguetonguesapartirdesonsdetelefoneeestepoemasonoropode
ser colocado em qualquer lugar, independente da minha presença, como criador. A
Poesia Sonora tem possibilidades amplas de apropriação das mídias: do rádio, do
CD,dovídeoenãodopalcocomoapoesia oralqueprecisadocorpodopoeta.Ela
incorporouamáquinaeossonsdomundoeseuprocessodecomposiçãodependeda
mídia eletrônica. Essa foi a grande contribuição dessa vanguarda: incorporar as
novastecnologiasnacriaçãoedifusãodopoema.”
104
AplicaçõesdaPoesiaSonora
“OprojetodaPoesiaSonorarompecomaslimitaçõesdolivroedocorpo.Euposso
participar de um espetáculo via Internet, por exemplo, sem estar de corpo presente
emqualquerpartedomundo.Nãofariasentidohojecriarumdiscoquesechamasse
PoesiaSonoraMineiraHoje.Opoetasonoroéaquelequeforneceoselementospara
queoouvintejunteecrieumasonoridade.Amúsicaeletrônicafazissohoje.Nãotem
textoourefrão,masseum ouvinte escolhedeterminadapartedamúsica eimprime
uma coreografia, dança de uma certa maneira, é como se ele tivesse criando uma
poesiasonora,poiseleconstróiapartirdosomumaestéticapoética.”
“A Poesia Sonora ganhou aplicações também na propaganda publicitária. O
comercial de TV feito por Rogério Duprat da Doriana com a menina sentada no
balanço e fazendo nhac nhacé um bom exemplo de apropriação desta poética.E o
DadadádaPepsitambém,queestevemdoTrioumgrupoalemãoquenosanos
80 fez um disco inteiro com esse refrão em todas as músicas. Eles imitam vários
artistascomoBeatleseRolingStones,massempremostrandoesserefrão.”
“NodiscoCacogramaeutrabalhoaidéiadopoemaprocessonospoemassonoros.No
poema semiótico é dada uma chave para se construir o poema. O poema processo
dispensouachaveeopoemasonorotambémtemessemesmoraciocínio,dispensaa
chave e é uma obra aberta. O disco do Tom Dancehsa, é uma série de sons
desfragmentados e o ouvinte funciona como uma mesa de edição que edita os sons
noseuimaginário.Quemcompõeopoemasonoroéoreceptorapartirdeumabase
sonoradadapeloautor.”
105
“A música “Revolution 9” dos Beatles é uma Poesia Sonora.John Lennon e Yoko
Ono se encontraram uma noite e ficaram gravando experimentações com a voz,
depoiseditarameusaramonúmero9,porqueeraafaixanove,dodiscobranco,mas
nãotemumtexto,éprecisoprocurarperceberentenderaambiênciacriada.”
APoesiaSonoraprescindedaspalavrasedapresençadoautor
“AgrandecontribuiçãodaPoesia Sonora édeprescindirdas palavras sem perdera
oralidade.O poemaé uma metáfora equalquer elementopode ser usadopara criar
essa metáfora: o som, a cor, o sentido, o calor qualquer coisa pode criar poesia,
desde que gere uma metáfora para o receptor e ele seja capaz de construir essa
metáforaeissodifereapoesiadetodasasartes.”
“Apoesiaéumobjetoconcretoqueopoetaaoreceptoreesteconsegueacoplara
subjetividadeissoparamimépoesia,portantodependemuitomaisdaleituraedo
olhardo receptor. Uma casa velha pode ser uma poesia, dependendo de comoeu a
leio. A grande questão é que as vanguardas como filhas do romantismo, não
conseguiramsuperar o “eulírico” e achamqueopoetatem que estarpresente.Isso
precisa ser superado, pois o que importa na verdade é apenas a obra aberta, aquilo
queéjogadoparaoleitor”.
“A sociedade de hoje é muito estetizada para o artista querer ser estetizado. Antes
dasvanguardas,asociedadeeraextremamentecaretae opoeta/artistatinhaqueser
aquele que se diferenciava também pelo visual. Maiakovski era excêntrico no seu
visual.paraaPoesiaSonoranãoimportaqueméopoeta.“
106
ENTREVISTA
LúcioAgra
78
Poesianosuportedigitalenaperformance
Em 1997 Renato Cohen, autor de Performance como Linguagem, livro utilizado
comoreferêncianoterceirocapítulodestadissertação,passouatrabalharcomLúcio
Agratécnicasdeperformance.ComamortedeCohen,Agracomeçouaprepararum
livro sobre performance que ainda não tem data para ser lançado, pois a pesquisa
aindaestásendorealizada.
OpoetaapresentouemmontagemteatralcênicacomopoemasonorodeKurt
Shwitters: “Ursonate” em 2000 no Instituto Goethe com Vanderlei Lucentine, o VJ
Rogério Borovik, Vera Dagustino e Samira Brandão. Em 2001, Agra no Festival de
Inverno da UFMG em Diamantina em 2002 e No File de 2004, em São Paulo, ele
mesclou trechos da “Ursonate” com outro poeta de Shwitters menos conhecido: o
“RableBublePillLicow”.
LúcioAgraparticipoudaediçãoinauguraldoEPoetryedaúltimarealizada
emParis,FrançaoSimpósiobianualdePoesiaDigitalnomundoqueérealizado
desde 2001 em diferentes países. Nesta entrevista Lúcio Agra trata da questão da
performanceedasexperiênciasquevemrealizandocomsonoridades.
78
Estaentrevistafoirealizadanodia14defevereirode2007,emSãoPaulo.
107
APerformancedaVoz
“Pelahistóriadapoesia,desdeosurgimentodastecnologiasdeamplificaçãodavoz,
uma incidência de autores que trabalham com a propagação da voz ou com a
interferência de sons junto à voz. Esse percurso está bem mapeado por Paul
Zumthor,quedescreveesseprocessodesdeaidademédia.Elechamaaatençãopara
a performance que, mesmo com todos os recursos contemporâneos, evoca a
ancestralidade de um espaço mítico que modifica tudo a sua volta. Não é a voz
que fala, mas um corpo que se movimenta para a produção desta voz. A dimensão
da performance se mantém inclusive na gravação, mesmo que o poeta não esteja
presente com o corpo no local da apresentação. Eu procuro ouvir o que eu gravei
para lembrar da minha própria performance. No livro Escritura e Nomandismo, Paul
Zumthorcoloca,nocapítuloemqueelecomentasobreodiscodoLedZeppelinquea
potência da performance do grupo de rock está na gravação, quenão exclui a
possibilidade de se sentir e pensar a performance da banda e todo o complexo
musicalqueseproduz.”
AUrsonatedeKurtSchwitters
79
“Aprimeiracópiada”Ursonate”foipassadaparamimporPhiladelphoMenezesem
março de 2000. A partir daí eu fiz algumas gravações do poema de forma bastante
primitiva,utilizandoogravadordowindowseapresenteiamontagemteatralcênica
três vezes: a primeira no Instituto Goethe com Vanderlei Lucentine, músico
eletrônicoquefaz amanipulaçãodigital daminha vozemtemporeal,oVJ Rogério
Borovik, Vera Dagustino e Samira Brandão. Em 2001 fui convidado pela poetisa e
professora Sônia Queiroz, para apresentála no Festival de Inverno da UFMG em
79
NoanexoreproduzimosapartituradaUrsonateenoCDExperimentoSonoro,umadasversõesdo
poemadeKurtSchwitterscomavozdopoetaeversõesgravadaspeloholandêsJaapBlonk.
108
Diamantina em 2002. No File de 2004 mesclei trechos da “Ursonate” e do “Rable
BublePillLicow”,outropoemasonorocriadoporSchwitters.“
“OGrupoXVocaltinhalevadoessepoemaparaopalconadécadade70,inclusive
no Brasil. Transcrições e orquestras também apresentaram a “Ursonate”, que, de
sonata, tem mesmo a estrutura: a seqüência das partes do poema é organizada
dentrodaestruturadasonata.Ointeressantedessepoemasonoristaéqueeletem40
minutos de duração com palavras que não dizem nada, apenas na prosódia alemã.
Haroldo de Campos propôs a tradução da “Ursonate” para Sonata Primordial ou
Sonataprésilábica”.
“Chegueia“Ursonate”,aoprocurargravaçõesdepoemasdeRaulHallseman,amigo
de Kurt Schwitters. Esse poema sonoro surgiu a partir de um poema gráfico de
Hallseman montado a partir de uma seqüência de lixo tipográfico. Schwitters
percebeu que dava pra fazer um poema sonoro com aquela experimentação.
Hallsemannãoacreditavaquedavaprapronunciaraquilo.”
“DizemqueSchwitters perturbouapaciênciadetodomundocoma“Ursonate”,ele
ficavarepetindoostrechosdeformaquasealucinadaefezváriostestesnadécadade
20 até chegar na forma final na década de 30, produzida para a rádio Frankfurt e
lançadaemminidiscpeloseloVergo,especializadoemmúsicadevanguarda,numa
exposiçãonoCentroGeorgesPompidou,emParis.váriasversõesgravadasdesse
work in progress na busca da présonoridade da língua alemã, que pode ser
caracterizada como uma espécie de pauta silábicomusical usada na fala. Hoje o
poemaéencontradofacilmentenaInternet.
109
OConceitoMERZ
“Schwitters era fascinado por coletar materiais. Ele saía na rua numa bicicleta e
recolhia tudo o que achava interessante pelo caminho. Esta é a essência do
movimentoartísticodo“eu sozinho”queelecriouechamoudearteMerzapartir
do nome Commerz Private Bank e do Commerz ficou o Merz. Esse conceito foi
estendido para a poesia. Ele passou a garimpar sons que eram o “lixo” sonoro da
língua.QuandoeleseviuforçadoasairdaAlemanhanaépocadoNazismo, porque
toda a arte de vanguarda passou a ser considerada como arte degenerada, ele foi
para a Noruega e depois para a Inglaterra, onde ele fez outras experimentações
sonoraseoutropoemalongosonorista:“RableBublePillLicow.”
Poesia:amargemdamargem
“A Poesia, como expressava Haroldode Campos, é a margem da margem. Eu acho
queapoesiaserásempreparapequenasaudiências,poiselaéummododeprodução
sofisticado da língua, o que a torna por natureza difícil para apreensão por um
grande público. Dependendo do modo como os recursos analógicos e digitais são
incorporados, um novo público pode ser atraído menos pela poesia e mais pelo
encantamento que esses recursos oferecem. poetas que estão gravando poemas,
masremontandoaomodeloromânticodadeclamação.”
“Háumanacronismoentreousodorecursotecnológicoe omodocomoospoemas
são pronunciados para a gravação. Quando é feito um CD que utiliza recursos
poéticosnãoconcernentesàlinguagempoéticaqueseestáutilizando,oresultadosoa
como um registro folclórico de um passado. É o que se usa de forma adequada
quandoseremasterizaumdiscoantigo,porexemplo.Podeteruminteressehistórico
nisso,masnãoapresentanenhumarelevânciapoética.Quandopoetasromânticosse
110
aproximaramdo verso livre, eles estavam implodindo uma linguagem que também
estavasendoimplodidapelamúsicanaépocadopianoforte.”
“Se pegarmos as peças radiofônicas que Bertold Brecht fez como registro fono
mecânico fazia sentido na época, pois eram os recursos que ele tinha, mas hoje não
faz mais sentido criar peças como as que eram feitas por ele, pois os recursos são
outros e é necessário fazer outras experimentações, e novas buscas poéticas. Eu me
depareicomestaquestãoaotrabalhara“Ursonate”,poiseuestavafascinadocomas
experimentaçõesdoCabaretAlemãodosanos20,masviqueeranecessáriotrazero
Shwittersparaocontemporâneo.”
Trajetóriadeexperimentaçãoemsuportedigital
“Em1994eupubliqueiumlivroempapelenoanoseguinteeudescobriohipertexto
e fiz o livro em disquete Star Space, nome do software que utilizei. A partir daí eu
decidi que faria livro digital. Quanto eu distribui algumas cópias, foi engraçado,
poisquaseninguémsabiaoperaroprogramaeficavamdesconfiados,comreceiodo
disqueteestarcomvírus.DepoiseucomeceiafazeralgunspoemasemPowerPoint,
numa época em que alguns poetas usavam o Tool Books, mas eu queria utilizar
programas que não eram convencionalmente usados para a poesia. Na época era
umamilitânciabastanteisolada,quepoucosentendiamapoesiadestaforma.”
“Quando eu comecei a trabalhar com o programa VRML o conceito Merz, ao
aproveitar recursos que a indústria digital estava colocando de lado, ou tratando
comoalgoquenãoserviriaparaacriaçãoartística,euleveiapropostaaoprimeiroE
poetry em 2001, sem grandes expectativas, pensando que quase ninguém ia achar
interessante, mas o trabalho foi tão bem recebido, que gerou um novo entusiasmo
paraeucontinuarexperimentandonessadireção.”
111
“Apartirde2003passeiatrabalharcomaminhaprópriapoesianaperformanceI’m
not book no, nome que eu utilizei para brincar com a oralidade dos brasileiros que
falavamnotbookaoinvésdenotebook,ouseja,aspessoasestavamfalandonãolivro.
Achei que podia brincar com isso, remetendo também à música I’m not dog, do
Falcão,que éuma brincadeira emcimadoWaldickSoriano. Resolvi assumiresse
ladobregadanossaabordagemtecnológica,poisassimcomoAmálioPinheiro,meu
orientadornomestrado edoutorado,souumdefensordaidéiadequeconstituímos
outro tipo de falar, pensar e proceder na América do Sul e por isso trabalhamos de
umaformadiferentedaquelesqueestãoacostumadosaproduzircomessetipode
tecnologia high tech. O espetáculo I’m not book no, mescla linguagens: poesia sonora,
performanceeprojeçõesVRML.ApresenteiestaexperimentaçãonaCasadaPalavra,
em Santo André, durante o evento Arte e Tecnologia, organizado pelo poeta Cid
Campusem2004enoanoseguintenoSimpósioCybercultura,doSenac.Apartirdaí,
comeceiacolaborartambémcomrevistasvirtuais,oquemedeixabastantesatisfeito,
pois não me interessa mais publicar livro em papel, às vezes faço umas
“brincadeirinhas”nopapel,masdeixonagavetaepronto.“
“Eu acho que a poesia no papel não faz mais sentido, pois ela remete ao universo
poético do ambiente literário, da política literária, que é uma coisa que me
desinteressa profundamente, pois com o tempo se percebe que ela é exatamente o
contráriodapoesia.Aproduçãopoéticaseanula,namedidaemquesepreocupa
com a inserção da poesia no circuito A, B ou C. Na realidade hoje eu estou muito
mais interessado em continuar trabalhando com a voz, mas com a performance e
utilizandorecursostecnológicos.”
Poesia:acontramãodacomunicação
“Nomomentocontemporâneoemquevivemosnãohierarquiasdeinformações,e
sim trocas de informações entre estratos diferentes. Por isso, de algum modo as
112
teorias de comunicação mais tradicionais não dão conta desses processos. Ensinei
Teoriasda Comunicação naFAAP durante 11anos eestou licenciadopor deixar de
acreditarqueelaspodemajudaraentenderacomunicaçãocontemporânea.Estamos
precisando de novas teorias da comunicação. A Poesia sempre foi contra a
comunicação.ODécioPignataritematéumlivroquesechamaaContracomunicação.
oincomunicávelcomunicanapoesia,poiselasefazexatamentenacontramãodo
sensocomumsobreatrocadesentidosdomundoedavida.Entãoénaturalqueseja
algo que não esteja presente para a maior parte das pessoas. Ela é a própria
metáfora.”
DificuldadesparaadifusãodapoesiacontemporâneanoBrasil
“No Brasil enfrentamos o problema do subsídio para a cultura, em outros países é
possívelconseguirrecursosparasubsidiaraartecontemporânea,oquepossibilitaa
realização de vários encontros, festivais e bienais de poesia. Do Collor para se
produziu uma forma de se tratar a cultura como um negócio como outro qualquer.
Elapodeatéteresseaspecto,maseleé limitador.Ecomoessemodelofoipensadoa
partirdoestrangeiro,elefoiadaptadonoBrasildapiorformapossível.Nessesanos
todos,desde92,estamosemumprocessodemediocrizaçãodasiniciativasculturais.
Oauditório doInstitutoGöetheondemeapresenteiem2000estámuitomaltratado,
porque o próprio governo alemão cortou as verbas que enviava para o Brasil e que
permitiamamanutençãodaqueleCentroCultural.”

“O que se no Ministério e em muitas Secretarias de Cultura do País hoje é a
política de cargos, sem um real empenho para a realização de eventos que possam
dar conta daquilo que está sendo produzido no contemporâneo. Os mecanismos
culturais existentes no Brasil desconhecem a própria criação artística brasileira, por
isso poetas brasileiros que trabalham no suporte digital são mais conhecidos e se
apresentammaisemoutrospaíses.”
113
“Serianecessárioqueváriosmeiosescoassemaproduçãoartísticanacional.Asrádios
foramimportantesparaoprocessodedifusãodapoesiasonoranaEuropaeoacervo
de rádios como a France e a Frankfurt são referência para a pesquisa de
experimentaçõessonoraseentrevistascomartistasdevanguarda.NoBrasil,oespaço
radiofônico está sendo tomado pelas cadeias nacionais. O processo de tomada das
rádios regionais, por nacionais, limita a informação e as possibilidades de
experimentação, uniformizando o conhecimento. No final das contas, são utilizados
preceitos de organização da programação que não são ditados pelas necessidades e
singularidades locais, mas pela venda de artistas que estão na mídia nacional por
causa da negociação das gravadoras com as emissoras. Por esta razão, a Internet
surge como importante alternativa. A rede, que permite a criação de rádios online
para um público segmentado, com múltiplos interesses. O VJ Rogério Burovic, que
trabalhou comigo nas performances da “Ursonate” está com um programa na All
TV”.
“TemosqueaprenderalógicadoFlashMobetirarainformaçãodocircuitooficialde
comunicação. Esta tática reúne pela Internet um grupo de pessoas que fazem uma
ação surpreendente. Algumas pessoas estão buscando esses caminhos na troca de
arquivos MP3 e de CDRs. O Orkut e o Youtube, que pegaram no Brasil, também
podemaumentaressapossibilidadededifusão.”
114
 MIS‐MuseudaImageme(d)oSom?
O MIS tem vivido por uma situação insólita, Lúcio Agra conta que, ao
participardoFestival Motomusicem2006 comumabandade músicaquefaziaparte
deumespetáculopoético,nodiadaapresentação,ofiscaldaPrefeituradeSãoPaulo
chegou ao local e disse que aquilo não era apresentação performática e sim show, o
que não era permitido pelo alvará emitido para o museu. Uma senhora da
Associação de Moradores desligou o set de um DJ inglês no meio da apresentação
dele,nafrentedetodomundo,aprefeituraembargouoeventoeninguémconseguiu
se apresentar mais. Foi uma frustração tremenda. Isso aconteceu pelo
desentendimento da interação entre as artes contemporâneas, que se interligam na
hipermídia.Noespaçodigitalninguémémaisexclusivamentemúsico,atorouartista
plástico.umatrocadelinguagenseasclassificaçõesrigorosasestãocaindo.
Ainda quando esta dissertação estava na fase do préprojeto, apresentado
como requisito para ingressar no Mestrado em Estudos Literários da Faculdade de
LetrasdaUniversidadeFederalde Minas Gerais,previavisitaMuseudaImageme
doSom(MIS),emSãoPaulo,paraanálisedomaterialsonorodeseuacervo.Resolvi
esperar a pesquisa chegar a uma fase mais avançada para que pudesse analisar as
obras de forma mais crítica e com um repertório teórico mais amplo. No primeiro
fimdesemanadomêsdezembrode2006,chegouahoradatãoesperadavisita.
115
ObserveidesdeaentradadoMISabelafachadaeoespaçoamplodasgalerias
do museu, localizado em uma área nobre de São Paulo: o bairro Jardim Europa. O
primeiromomentofoideentusiasmo,aoverumlocaldedicadoàimagemeaosom.
Pagueios meus R$3,00 de ingresso(um valor irrisório defato). Viaindana entrada
um cartaz com a programação dos filmes que podiam ser vistos ali, com os
respectivos horários de exibição. Entrei no museu e comecei a subir as escadas,
observando cada galeria e buscando o som das imagens. A procura parecia ter
chegadoaofim,quandoviumaplaca,emumadasgalerias,comaidentificação:sala
de audiovisual. Olhei intrigada e vi apenas algumas fotos do acervo do museu. No
mesmo andar, uma ampla galeria silenciosa, sem nada exposto. Será que não havia
artistas para expor seus trabalhos ali? O curioso é que o museu, aberto ao público,
nãoestavaemreforma.
Onde está o som do Museu da Imagem e do Som? Esta pergunta continuava
emminhacabeça,nomomentoemquesaídaqueleespaçovazioparaumoutro,onde
sepodiaverumamostradereproduçõesfotográficasdoCangaço,folhetosdeCordel
sobreAntônioConselheiroeMariaBonitaemumavitrine,demodoqueosvisitantes
da exposição não tinham acesso aos poemas. Junto às fotos, trechos escritos de
canções populares do universo do Cangaço, sem qualquer som. No canto da sala,
umaTVexibiaodocumentárioCangaceiros,semqualquersom.
 Nestahora a pergunta onde estáo som doMIS incomodavaainda mais, mas
continueia busca.Resolviperguntaraumdosfuncionáriosqueestavamdeplantão
naquele domingo sobre o som do Museu da Imagem e do Som, e fui informada de
quehaviaumacervocompoemas sonorosdePhiladelphoMenezes,maserapreciso
marcarcom antecedência por telefone para escutar as obras poéticas. Que boaidéia
dos curadores do museu! Delimitar um horário para a audição, que pode ser
realizadadeterçaasexta,nohoráriolimitadorde10h30às14h,sendoqueapesquisa
temqueserpréagendadaÉissoquepodemoschamardemuseucomofacilitadordo
acessoàsobraseespaçodepreservaçãodamemória?
116
Ao acessar a página do museu na Internet, no endereço eletrônico
http://www.mis.sp.gov.br, encontrei parte da resposta para tamanho descaso com
relação ao setor de pesquisa: ele está em manutenção. E por que não nenhum
avisonaentradadoMuseudaImagemedoSomsobreesteperíododemanutenção?
Decepcionada por não ouvir nenhum som no MIS, além dos passos dos
poucosvisitantes,resolvilançarmãodomeuúltimorecurso:iratéalojadomuseue
perguntar se havia algum CD com poemas sonoros ou com poesias orais. E a
resposta,negativa,veioacompanhadadeumolhardeespantoporalguémfazeruma
perguntadessas...
Ainda estava intrigada com a pergunta que ressoava: Onde está o som do
Museu da Imagem e do Som? Talvez no próprio silêncio, pensei, lembrando John
Cage, que concluiu que o silêncio não existe no universo humano, pois o corpo
sempreproduzsonsparasemantervivo.
117
Museu da Língua Portuguesa
Como o MIS está em manutenção, o Museu da Língua Portuguesa pode ser
uma boa alternativa. O elevador do Museu da Língua Portuguesa e o vídeo do
terceiro piso são boas fontes de pesquisa da oralidade da língua portuguesa. No
elevador, o poema sonoro “Árvore”, de Arnaldo Antunes e Arnaldo Antunes. A
palavra árvore está representada em 27 línguas tanto na sua grafia como na
sonoridadedopoema:ogrega,otupiguarani,olatim,opersa,oquibundo,oárabe
soamnopoemasonorodaárvore/elevadorquemostramamescladelínguasdosolo
brasileiro,suasorigens,sonseescrituras.
Naparededoterceiroandar,aoladodeumvídeosobreaoralidadenoBrasil,
sonorizadoporJoséMiguelWisnikestáescrito:“Nossamatériaprimaéapalavra.A
palavracomosom,comosentido,comoprática,comosenha”.Quemvisitaromuseu,
veráaaslínguasdoBrasil,oportuguêsfragmentado,asorigensdossons,escrituras.
Um banquete para pesquisadores, estudantes, curiosos e admiradores da língua. O
oraleoescritaconvivemno museu,sãomaterializados,osvisitantespodemtocara
línguaeseremtocadospelosom.
O elevador e o vídeo são do acervo do museu. O primeiro andar, traz
exposiçõesitinerantes,anuais.FizduasvisitasaoMuseudaLínguaPortuguesa,uma
em novembro de 2006 quando a exposição principal era do Grande Sertão Veredas
deGuimarãesRosaeoutraem junhode2007quandotodooprimeiropavimentofoi
tomado por fragmentos da obra de Clarice Linspector, que ainda podem ser vistos
atéofinaldoano.
Maisinformações:www.estacaodaluz.org.br.
118
FestivaisInternacionais
Pelo seu caráter experimental e pela busca de uma linguagem universal, a
realização da Poesia Sonora sempre esteve relacionada a festivais internacionais.
Finalizo esta dissertação, comentando brevemente três festivais dos quais tive a
oportunidadedeparticiparcomopoetizaepesquisadora:OFestivalInternacionalde
PoesiaSonora,realizadoemtrêscapitaisbrasileiras,em2000;oOppenpport:Sound,
Performaceand Language, emChicago,USAemfevereirode2007;eaediçãodoE
Poetrydemaiode2007emParis,França.
FestivalInternacionaldePoesiaSonoraBrasil(2000)
O principal nome brasileiro da Poesia Sonora, Philadelpho Menezes, morreu
emumacidentedecarroàsvésperasdoFestivalInternacionaldePoesiaSonora,cuja
coordenaçãoestavasobsuaresponsabilidade.WiltonAzevedo,parceirodetrabalho
do poeta, coordenou os trabalhos a partir de então e, movido pela vontade
expressadaporPhiladelphoMenezes,realizouofestivalcomoutrospoetasdoBrasil,
Uruguai,ItáliaePortugal.OfestivalfoirealizadoemPortoAlegre,SãoPauloeBelo
Horizonte e congregou poetas como Enzo Minarelli, Américo Rodrigues, Marcelo
Dolabela, Wilton Azevedo, entre outros. Participei de 11 a 18 de agosto da
performancedeMarceloDolabelacomobateristaepercussionista,aconvitedopoeta
epesquisador.
Na época eu ainda cursava Comunicação Social no Centro Universitário de
Belo Horizonte e não me imaginava pesquisando agora a Poesia Sonora que
provocou em mim tanto estranhamento e admiração na época. Como poeta eu
conhecia conhecia a oralidade dos poemas declamados e do modernismo de
poetas como Oswald de Andrade, mas desconhecia toda a trajetória de
119
experimentação das outras vanguardas poéticas. Ao encontrar, depois de quatro
anos, entre os papéis de minha estante, um cartaz e um folheto do mencionado
FestivalInternacionaldePoesia Sonora,sentimeinstigadaapercorrerestecaminho
de pesquisa, que, assim como o da poesia, é uma rua sem saída, uma estrada sem
volta, um percurso cheio de experimentações e de rompimentos com a língua na
busca de uma préBabel onde a poesia possa ser compreendida pela percepção dos
sentidosenãopelacognição.
Reproduzo aqui a apresentação do festival, escrita pelo coordenador de
execução, Wilton Azevedo, in memoriam a Philadelpho Menezes (21/06/1960
23/07/2000),criadorecoordenadorgeraldoevento.
Dizem que a história é sempre contada pelos vencidos, mas existem
aquelaspessoasquecorrematrásda verdadeirahistória,no exercício
dedestruirosmurosconcretosqueseparamaslinguagenspoéticase
principalmenteasexperimentais.PhiladelphoMenezesfoiumdestes.
Poeta,ensaísta,tradutor,professoreacimadetudoumgrandeamigo,
que deixou e sempre deixará sua marca híbrida, não se limitando
apenas aos efeitos performáticos, mas criando um novo recorte da
poesia deste país. Seu lugar será marcado pela grande força de
trabalho,queadeleeraincansávelquandosetratavadedividirafatia
exata para cada vencido que insistiu em contar apenas sua história.
Phila, como nós o chamávamos, agrupou poetas, gêneros novos de
poesia,formouprofessoresparadisseminarosomdaimagemverbal,
publicou suas idéias para que elas fossem públicas e promoveu
encontros internacionais que não serviam para os efeitos da mídia,
mascolocouapoesianoexercícioderomperosmurosdalinguagem.
Este evento será realizado como era de seu desejo, no sentido de
manterumacontinuidadeparaqueumanovahistórianuncadeixede
existir. Assim constataremos em cada encontro, como o trabalho de
Philadelopho Menezes estará sempre presente quando se tratar de
contemplar o diálogo entre diversos códigos integrando a produção
intersigno.A grande homenagem que poderíamos dar a Philadelpho
Menezesémostrarquetodooseutrabalhoserviuparacomeçarmosa
contarumanovahistórianasescolas,espaçoscultuaisemuseus,para
quesealgumdiaelaforcontadapelosvencidos,quevençaapoesia.
120
Openport:RealtimePerformance,Sound&LanguageEstadosUnidos(2007)
LinkHall é umacasa para performancesdesde1978. Localizada em Chicago,
USA,oespaço,administradohojepeloArtInstituteofChicago,abriusuasportasem
fevereirode 2007 para artistas contemporâneos de diferentes práticas experimentais
com o som, performance ehipermídia. Engajados em composições em tempo real,
comavirtualidadedoprocessotecnológicodasmáquinas,osartistasqueintegraram
esse simpósio apresentaram novos arranjos de linguagem diante de uma
espacialidadeetempoprópriosdoespaço.
A minha participação neste evento foi resultado da conversa com o poeta e
semioticistaWiltonAzevedo,noestúdioU.n.d.e.r.l.a.b.Desde2006passamosafazer
algumas experiências que resultaram em três poemas sonoros que estão no CD
ExperimentoSonoro,acopladoaestadissertação:“BadaladaFinal”,“BadaladaSonora”
e“WithWithouthJohn”.EstematerialfoiutilizadonacomposiçãodatrilhadoPoe
Machine,trabalhoqueapresentamosemfevereirode2007noOppenport.
Trabalhamosduranteumsemestrena trilha: umacoleçãodepoemassonoros
que criavam um poema processo hipermídia com meia hora de duração. Wilton
Azevedo disparava o som e as imagens de um vídeo experimental produzido pela
tambémsemioticistaRitaVarlesiecomumsamplerligadoaocomputadorsintetizava
osomdaminhavozcomatrilha,enquantofaziaasperformancescorporaisevocais
doespetáculo.Aidéiaédeumagrandemáquinadefazerpoemas,emqueimagense
sons criam a ambiência poética e o computador entra como criador do poema,
produzidoemtemporeal.
121
EPoetry‐França:2007
A cada dois anos, o EPoetry, o Festival Internacional de Poesia Hipermídia
maisimportantedomundoérealizadoemumpaís,comapresentaçõesediscussões
teóricas do que de mais importante no ramo das poéticas hipermídias. Desde
2001,artistasepesquisadoresdenovastecnologiaseartedigitalseencontramacada
doisanosparaapresentarseustrabalhosenovasidéias.OEPoetrydesempenhaum
papel essencial no desenvolvimento destenovo campo literário por funcionarcomo
umfórumparacirculaçãodeidéiaseexperiênciasdepoetasdediferentespaíses.Sua
quartaediçãofoirealizadaemParis,de20a23demaio.
OFestivaldesteanotevedoismomentos:umsimpósionaUniversidadeParis
8 e apresentações artísticas, abertas ao público, em três espaços: Divan du Monde,
Point Ephémère e Cube.Participei da abertura do evento com a apresentação de
“Atame”. Como em Chicago, fiz as performances corporais e vocais.As
apresentações foram registradas em DVD e o material teórico será publicado pela
editora Hermes Science. O site oficial do evento com textos, fotos e vídeos, está
disponível em www.epoetry2007.net. A próxima edição está marcada para 2009,
naAlemanha.
Poderia escrever mais de 100 páginas sobre as discussões, os poetas e as
apresentações do EPoetry, o que pretendo fazer posteriormente como
desdobramentodestapesquisa.Nãoéfácilfinalizarumadissertaçãoquepelocaráter
doobjetopesquisado,trarásemprenovasperformances.Oquefizaqui,foitraçarum
caminhoparaumapercepçãodestapoéticaeparaoentendimentodecomoapoesia
consegue antecipar as mudanças que se dão antes no pensamento e transformam
continuamenteohomemeassociedades.Eparaumnovohomeminseridonaerada
informação,dastecnologiasdigitais,apoesiaemsuacaracterísticadinâmicaserecria
e exige uma nova percepção. Deixo aqui o desafio de novos registros e reflexões a
outrospesquisadores.Anecessidadeéeminente.
122
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CulturaldeArtesVisuais,1983.
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CHOPIN,Henri,Lederniereromandumonde.Histoired´unChefoccidentalouoriental(1
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DOLABELA,Marcelo(Org.).Cacograma.BeloHorizonte,2001
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poéticascontemporâneasdavoz(CD),1996.
MENEZES,PhiladelphoeVALVERDE,Franklin.PoesiaSonora:programaradiofônico
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MENEZES,Philadelpho(Org.).PoesiaSonoraHoje:umaantologiainternacional(CD),
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SCHWITTERS, Kurt. Ursonate. Wergo Records, 1932.
131

ANEXOS
132
DISCO 1
3ViTredischidipolipoesia
FAIXAS
AMIRKHANIAN,Chales.Theputts(1981).
GENTILINI,
Luca.Lacune(1984).GARNIER,Pierre.SouffleManifeste(1962).
CONTE,Vitaldo.ParanoicRed(1983).
PORTA,Pietro.Simulazione(1984).
KERN,Bliem.Kekeekeealahboo(1980).
FONTANA,
Giovanni.MascheraMitopoietica(1981).
GARNIER,
Pierre.Anthopologie(1963).
ANDERSON,
Beth.IwishIwassingleagain (1981).
MINARELLI,
Enzo.Poema(19771985).
FONTANA,Giovanni.PoemaLarsen(1983).
CHOPIN,
Henri.Chercher(1974).
L.S.D.Lunasoleado(1985).
MINARELLI,
Enzo.Oscibil(1984).
GARNIER,
Ilse.Temtem(1962).
GIACOMUCCI,Ubaldo.AnotherMountainOfNeedles(1984).
MANFREDINI,Federica‐ExChanges(1984).
GARNIER,
IlseeNIKUNI,Seiichi.Thalatta(1965).
S.A
Santo.Lʹairʹs(1984).
MALDINI,
Maurizio.HolySummer(1984).
TOTINO,
ArrigoLora.Rumoredʹombra(1983).
MINARELLI,
Enzo.Neotonemipercampaneefruscii(1983).
ROBSON,
Ernest.17noisesintesticlesofanoldgiant(1980).
133
DISCO 2
Experimento Sonoro
BALL, Hugo – Stravinsky's "Rite of Spring' (1912-13)
LP Futura Poesia Sonora (Cramps Records, Milan)
Performances do Trio Exvoco: Hanna Aurbacher, Teophil Maier, Ewald Liska
BALLA, Giocomo – Paesaggio + Temporale (1912-1914)
LP Futura Poesia Sonora (Cramps Records, Milan)
Performances de Luigi Pennone, Arrigo Lora-Totino, Sérgio Cena
DEPERO, Fortunato - Verbalizzazione astratta de Signora(1913 to 1927)
LP Futura Poesia Sonora (Cramps Records, Milan)
Performances de Luigi Pennone, Arrigo Lora-Torino e Sérgio Cena
SCHWITTERS, Kurt - Ursonate (1932)
Wergo Records, 1932
CHOPIN, Henri – Solair (1959-1963)
Revista Cinquième Saison
www.ubu.com
CAMPOS, Augusto - Cicade-City-Cite (1963)
Nomuque Edições & Estúdio OM
http://www.nomuque.net/balalaica
OPPENHEIN, Kristin – Tickle (1997)
PennSoundArchive
www.ubu.com
AZEVEDO, Wilton e MARQUES Brenda e– Badalada, Sonora Badalada (2006)
Underlab. São Paulo/SP
Performances: Brenda Marques, Ursula Bahia e Jonh Cage
With Without John (poema sonoro em homenagem a Jonh Cage)
134
Escrituras de Poemas do Disco
E x p e r i m e n t o S o n o r o
135
GIOCOMO BALLA
136
FORTUNATO DEPERO
137
HUGOBALL
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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