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Lembro-me de que na década de 60 ou de 70 um dos grandes deleites que a academia e
os professores de Direito tinham era examinar o texto legal e dizer da incapacidade
legislativa ou técnica legislativa do parlamentar brasileiro, tentando mostrar, e hoje ainda
se você lê em vários trabalhos de interpretação de determinadas legislações a crítica que
se faz à incapacidade ou à incompetência do legislador brasileiro. Não é assim, aquilo
que é visto pela academia como uma tremenda incompetência é visto pela história como
uma extraordinária competência política. A ambigüidade, o erro técnico na elaboração
da lei é condição de aprovação, é condição da formação de uma vontade majoritária, não
se formam vontades majoritárias com nítidos princípios acadêmicos estampados no texto
legislativo, porque quanto mais nítido, mais claro e mais definido o texto, menos maioria
faz. Isso está ínsito com a expressão definição. Definir é estabelecer limites, fixar os
fins, o término. E, no momento em que você faz definições, você deixa alguém dentro e
alguém fora. E, como para ficar dentro, precisa de uma maioria, se for maioria absoluta
precisa de 258 parlamentares, as ‘minhas definições’ precisam ser mais amplas porque
precisam ser includentes de uma maioria. E isso se faz com absoluta clareza e consenso.
Falo porque fiz, não falo porque ouvi dizer que fizeram. (AJUFE, 2002, p. 48-49)
A propósito da tarefa dos magistrados na solução das ambigüidades da legislação,
apontou com percuciência o Ministro Jobin:
Isto tem um risco e tem um problema. E o problema veio para cá, porque na medida em
que os acordos dilatórios se intensificam, o processo de ambigüidade faz com que o
texto possa ter um leque de leituras distintas, o que significa que a falta de hegemonia
parlamentar nas estruturas políticas modernas – e veja, falta de hegemonia decorrente do
sufrágio universal, porque isto é preço do sufrágio universal, maior representatividade,
menor capacidade decisória, porque é menor a capacidade de produzir maiorias. E aí o
que se passa? Transfere-se ao intérprete da norma, ao Juiz, uma espécie de poder
legislativo supletivo. (AJUFE, 2002, p. 52-53, grifos nossos)
Conclui o ministro Jobin:
[...] nós cada vez mais percebemos nitidamente que no processo político brasileiro,
considerando a não-solução das questões políticas de representação, o Poder Judiciário
brasileiro acaba se internalizando, como também um Poder Legislativo supletivo para o
caso concreto, lembrando bem que o caso concreto acaba se expandindo como regra
para os demais casos pela técnica da jurisprudência, ou pela técnica da
jurisprudência dominante, nós vamos verificar o nível de responsabilidade política
que esta falta de hegemonia do parlamento transfere para o Judiciário. E aí surge o
seguinte problema, que é uma técnica que não conhecemos: quando se decide casos
dessa natureza, você não está decidindo o caso concreto, você está fixando regra para
os casos futuros, portanto, você está abstratamente legislando. E se você está
abstratamente legislando você tem que assumir também analiticamente as conseqüências
da forma de solução. Onde isso vai parar? E isso é novo, rigorosamente novo. (AJUFE,
2002, p. 54 -55, grifos nossos)
Pensamos que coexistam dois textos: o objetivo e o ambíguo.
Diante do texto objetivo, perfeito e direto, como uma mensagem do “sim” ou do “não”, o
exegeta deve curvar-se à vontade política da maioria, concretizada na norma, pois sua atividade