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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Faculdade de Ciências e Letras
FRANSÉRGIO FOLLIS
CIDADE E CIDADANIA:
FRANCA (1890-1996)
Araraquara - SP
2007
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1
Fransérgio Follis
Cidade e Cidadania: Franca (1890-1996)
Tese apresentada ao Programa de s-
Graduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP/Campus de
Araraquara, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em
Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. José Antonio Segatto
Araraquara - SP
2007
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Fransérgio Follis
Cidade e Cidadania: Franca (1890-1996)
Tese apresentada ao Programa de s-
Graduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP/Campus de
Araraquara, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em
Sociologia.
Araraquara, 10 de agosto de 2007
______________________________________
Prof. Dr. José Antônio Segatto
______________________________________
Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa
______________________________________
Profa. Dra. Hercídia Mara Facuri Coelho
______________________________________
Prof. Dr. Oswaldo Mário Serra Truzzi
______________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Miceli Kerbauy
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Para minha esposa Ana Rita.
Para minha mãe Maria Nair.
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4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço o professor Dr. Jo Antônio Segatto pela confiança
dispensada e pela orientação ao longo do trabalho.
Minha eterna gratidão a Agnaldo de Sousa Barbosa, amigo de todas as horas
que com muita sapiência deu contribuições valiosas a esse trabalho. Com ele eu pude
compartilhar, discutir e aperfeiçoar iias, hipóteses e conclusões. Muito das minhas
conquistas na área acadêmicas, inclusive essa tese de doutoramento, foi fruto de seus desafios
e provocações, assim como de seu constante incentivo.
Minha eterna gratidão também à minha esposa Ana Rita Gallo. Pessoa que com
muita paciência ouviu os meus desabafos, meus dilemas e minhas descobertas, e com
sabedoria discutiu, apoiou e sugeriu caminhos. O freqüente diálogo com ela tornou esse longo
trabalho muito menos árduo e solitário. Suas contribuições foram de grande importância, seus
incentivos fundamentais.
Às professoras integrantes da banca do exame de qualificação, Dra. Maria
Tereza Miceli Kerbauy e Dra. Anita Simis, agradeço pelas sugestões e pelos apontamentos
que certamente contribuíram para aperfeiçoar esse trabalho. Meus agradecimentos também a
Hercídia Mara Facuri Coelho, orientadora do mestrado que me abriu as portas da pesquisa e
com quem eu muito aprendi. Essa tese de doutorado é, em grande medida, uma continuação
do trabalho iniciado no mestrado.
Meus agradecimentos à Ana Maria, Daniel, Ethiene e Sabrina, pessoas que
muito me ajudaram na coleta de fontes imprescindíveis para o desenvolvimento da pesquisa.
Agradeço também a colaboração dos funcionários do Museu Hisrico Municipal de Franca e
do Arquivo Histórico Municipal de Franca. A esses eu agradeço em nome de suas
competentes e prestativas diretoras, respectivamente, Maria Margarida B. Panssani e Graziela
Alves Corrêa.
Agradeço também ao casal amigo Alexandre e Rita pelo incentivo e indicações
bibliográficas. Ao colega de curso Élsio Lenardão eu agradeço pelas sugestões bibliográficas
e pelo envio de sua tese. Ao colega Mauro Ferreira eu agradeço o envio de seus trabalhos e os
depoimentos e informações que foram de grande importância para a solução de vidas e
desenvolvimento de algumas questões. À colega Renata Nascente eu agradeço pela dedicação
e grande competência na tradução para o inglês do resumo e das palavras-chaves dessa tese.
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5
A busca constante por bibliografias recentes me possibilitou fazer também
novas amizades. Pelo envio ou disponibilização de fontes bibliográficas, eu agradeço a
Elisângela Chiquito, Maria Cecília Fuentes, Sarah Feldman e Rosana Silva.
Lembro e agradeço também os incentivos, que nunca passaram desapercebidos,
de familiares e amigos. Meu pai Antônio. Irmãos Fernando, Cláudia e Carmen. Cunhados
Lorenzo, Ricardo, Nilza e Márcio. Tios Carmelon e Nilza, José e Cidinha, Romero e Zilda.
Primos Mário Érico, Eduardo, Aurélio, André, Francisco e, especialmente, Ruth e Alexandre.
Amigos Sandro, Paulo Castral (também pela ajuda na edição das figuras), Paulo Nogueira,
Marco (Madeira), sar, Mariângela, Alessandra, nia, Renata Nunes, Marcos Gigante,
Ailton, Waldir, Marco Pratta, Rodrigo, Denise, Marcelo, Renata, João, Eliciane, Lauro e Luís
Fernando.
Por fim, registro o meu agradecimento a CAPES, agência que durante 24
meses financiou essa pesquisa.
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6
RESUMO
Esse trabalho teve como objetivo central desvendar como se processou a
expansão urbana e a obtenção de equipamentos e serviços públicos coletivos (entendidos
como direitos sociais urbanos) pelos moradores da periferia da cidade de Franca-SP, no
período compreendido entre os anos de 1890 e 1996. Para isso, procuramos analisar tanto os
ideais e os interesses que nortearam a potica urbana levada a efeito pelo Poder Público
Municipal, quanto às circunstâncias históricas (poticas, ecomicas e sociais) que
possibilitaram ou motivaram a formulação de direitos sociais urbanos e a luta coletiva por
esses direitos. Conforme constatado, o fato da expansão urbana da cidade ter ocorrido via
loteamentos legais, apesar de contribuir para a não proliferação de favelas e de loteamentos
clandestinos, não proporcionou aos seus moradores o imediato acesso a equipamentos e
serviços públicos coletivos imprescindíveis a uma boa qualidade de vida. Isso ocorreu porque,
em detrimento do interesse público, o Poder Público Municipal promoveu uma política
urbana de caráter patrimonialista orientada para o atendimento dos interesses privados de
loteadores e proprietários de terras para fins urbanos. Nesse contexto, a conquista de grande
parte dos direitos sociais urbanos nos loteamentos periféricos da cidade, assim como tamm
em vários conjuntos habitacionais de promoção pública destinados a famílias de baixa renda,
passou a depender, em grande medida, da mobilização coletiva de seus moradores que, a
partir da década de 1940, foram tomando consciência de que eles também têm direito,
enquanto moradores da cidade e pagadores de impostos, aos equipamentos e serviços públicos
coletivos já disponibilizados aos moradores das áreas mais privilegiadas da cidade,
desencadeando, assim, a luta por melhoramentos. Como conseqüência dessa trajetória
histórica marcada pelo predonio de interesses privados sobre o interesse blico, ao
contrário do que seus propagandistas têm defendido, a cidade de Franca apresentou, e ainda
continua a apresentar, problemas urbanos comuns àqueles vivenciados pela maioria das
cidades brasileiras, com destaque para a especulação imobiliária com a terra responsável
pela subutilização de áreas dotadas de melhoramentos públicos ; expansão urbana
indiscriminada e desordenada via loteamentos periféricos longínquos e carentes de
equipamentos e serviços blicos coletivos e loteamento de áreas impróprias para a
edificação.
Palavras-chaves: potica urbana; habitação popular; equipamentos e serviços blicos
urbanos, movimentos populares urbanos; cidadania; patrimonialismo.
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7
ABSTRACT
This study was aimed at revealing how it was processed the urban expansion
and the development of collective equipment and public services (understood as urban social
rights) by the outskirt population of the city of Franca-SP, between the years of 1890 and
1996. In order to accomplish this task, we tried to analyze the ideals and interests which
guided the urban policies taken by the Municipal Public Administration, related to the historic
circumstances (political, economic and social) which made possible or motivated the
elaboration of the urban social rights and the collective struggle for these rights. As it was
realized, the fact that the urban expansion in the city must have occurred by legal plotting,
although contributing to the non-proliferation of slums and illegal area occupation, did not
provide the outskirt population access to public equipment and services indispensable to
acceptable life standards. This happened because, contrary to public interest, the Municipal
Public Administration created a patrimonial urban policy oriented to private interests of urban
land owners. In this context, the conquer of a great deal of social urban rights in the outskirts
of the town, as well as several public built housing complexes designated to low-income
population, started to depend on, in great measure, to the collective mobilization of its
inhabitants who, from the 1940s on, began to get more conscious about their rights, as town
citizens and tax payers, having as reference the public equipment and services already
available to the residents of more prominent town areas, launching, thus, the struggle for
improvements. As a consequence of this historic trajectory characterized by the predominance
of private over public interest, contrary to what advertisers have been defending, the city of
Franca has always presented urban problems related to the ones experienced to the majority of
Brazilian cities. Those regard plotting speculation, which has caused the sub-utilization of
well urbanized areas; indiscriminated and unordered urban expansion in far away
impoverished outskirt areas, lacking of urban collective equipment and services, and plotting
of unsuitable areas for building.
Key words: urban policies; low-income housing; urban equipment and services; urban social
movements; citizenship; patrimony ownership.
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8
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO
9
CATULO 1 – O DESPONTAR DA CIDADE MODERNA
25
1.1. O ideário urbano moderno: da Europa para o Brasil
25
1.2. O desenvolvimento urbano de Franca no período cafeeiro
31
1.3. O Poder Público Municipal e a transformação da cidade do café
37
CATULO 2 – EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS PÚBLICOS URBANOS E
CIDADANIA NO PERÍODO CAFEEIRO
67
CATULO 3 – SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE
INDUSTRIAL-OPERÁRIA
87
CATULO 4 A POLÍTICA DE PROMOÇÃO DA MORADIA PRÓPRIA E A
LUTA POR DIREITOS SOCIAIS URBANOS NOS CONJUNTOS
HABITACIONAIS
102
CATULO 5 – FAVELAS: A DIFÍCIL LUTA PELA MORADIA
127
CATULO 6 – A AUTOCONSTRUÇÃO DA CASA PRÓPRIA E A LUTA POR
DIREITOS SOCIAIS URBANOS NA PERIFERIA
148
CONCLUSÃO
192
FONTES
200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
202
ANEXO
208
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9
INTRODUÇÃO
Uma das mais importantes transformações provocadas pelo desenvolvimento
da sociedade capitalista industrial, que teve sua origem no século XVIII na Inglaterra com a
Revolução Industrial e se expandiu para quase todo globo a partir de meados do século XIX,
foi o crescimento das cidades e o desenvolvimento de uma vida urbana associada aos ideais
de progresso, modernidade e civilização, em contraposição ao modo de vida rural, que passou
a ser identificado com a rusticidade, o conservadorismo e o atraso.
A partir das primeiras cadas do século XX, a maioria da população dos
países que foram se industrializando passou a viver em cidades. Processo que se desenvolveu
inicialmente na Europa, mas que no decorrer desse mesmo século atingiu várias outras regiões
do planeta, inclusive o Brasil. Dessa forma, nos lugares onde se desenvolveu, a
industrialização impulsionou, em grande medida, o processo de urbanização.
Palco privilegiado das inovações advindas dos avanços científicos e
tecnológicos que se aceleraram a partir de meados do século XIX, as cidades, sobretudo as
mais prósperas, foram assumindo redobrado valor como locus da atividade civilizatória,
espaço privilegiado para usufruir o conforto material e contemplar as inovações introduzidas
pela aclamada modernidade. Isso contribuiu, ao lado de outros fatores não menos importantes,
como a maior possibilidade de novas formas de trabalho e de melhor remuneração, para que
as cidades em franco desenvolvimento passassem a exercer uma forte atração sobre as
pessoas.
No Brasil, a emergência de uma vida urbana conectada com os ideais de
modernidade e civilização teve sua origem na virada do século XIX para o XX. Nesse
período, apesar da maioria da população brasileira ainda residir na zona rural, um número
cada vez maior de pessoas passou a viver nas cidades. Tal tenncia se processou com maior
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10
intensidade nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, e de maneira bastante expressiva
nas capitais desses dois estados. Para se ter uma idéia, entre 1890 e 1920, a cidade do Rio de
Janeiro saltou de um total de 522.651 para 1.157.873 habitantes, enquanto São Paulo passou
de 64.934 para 579.033 habitantes, tornando-se a segunda maior cidade do país (MORAES,
1994, p. 37).
Esse aumento populacional urbano se deveu à vinda para as cidades de uma
considerável parte dos negros libertos em 1888, mas, sobretudo, ao fluxo migratório de
grande número de imigrantes europeus para o centro sul do país, visto que muitos desses
estrangeiros acabaram se fixando nos centros urbanos dos municípios cafeicultores paulistas e
nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Santos. Contribuiu para isso a introdução da mão-
de-obra livre e o desenvolvimento da cultura cafeeira, responsáveis, dentre outras coisas, pela
vinda de grande quantidade de imigrantes europeus, pelo crescimento do mercado interno, do
transporte ferroviário e da infra-estrutura urbana, pela acumulação de capital e pela
dinamização da industrialização que se desenvolveu de maneira mais acelerada a partir das
décadas de 1930 e 1940.
Assim, várias cidades do centro-sul do país transformaram-se em importantes
pólos de atração populacional, pois passaram a se desenvolver como importantes centros de
comércio, transporte, administração e de vários tipos de serviços blicos e privados. Muitas
dessas cidades se tornaram também importantes centros industriais. A partir de meados da
década de 1950, o desenvolvimento industrial do Sudeste, especialmente do Estado de São
Paulo, atraiu para as cidades mais desenvolvidas dessa região grande quantidade de migrantes
provindos do campo e de pequenas cidades do interior do Brasil. Esse processo perdurou com
intensidade até a década de 1980, acelerando, em grande medida, o crescimento urbano e
dando origem, nos centros urbanos mais pujantes, ao fenômeno da metropolização. O
crescimento urbano do Brasil na segunda metade do século XX foi impressionante. Em 1940,
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11
a população urbana era de 18,8 milhões de habitantes e representava 26,3% do total. Em 2000
ela atingiu 81,2%, com aproximadamente 138 milhões de habitantes. (MARICATO, 2002)
Em todos os lugares por onde se desenvolveram, as cidades criaram novas
necessidades e, ao mesmo tempo, novas possibilidades de acesso a melhoramentos como o
abastecimento de água tratada, rede de esgoto, galerias de águas pluviais, iluminação pública,
energia elétrica, transporte coletivo, coleta de lixo, calçamento das ruas, praças ajardinadas,
centros esportivos, culturais e de lazer, etc.
No Brasil, entretanto, assim como em outros países subdesenvolvidos, fatores
como o crescimento acelerado e desordenado das cidades, a dificuldade financeira dos
municípios, a incompetência administrativa, a falta ou o descumprimento do planejamento
urbano, o descaso dos governantes pelos problemas urbanos da periferia e o direcionamento
das verbas blicas para o atendimento de interesses pessoais e de grupos, dificultaram em
grande medida a democratização do acesso aos equipamentos e serviços blicos urbanos,
contribuindo, assim, para o agravamento da injustiça social.
Portando, apesar dos diferentes graus de intensidade, o processo de
urbanização das cidades brasileiras foi marcado pela segregação das camadas mais pobres em
periferias desprovidas parcial ou totalmente de equipamentos e serviços blicos necessários
a uma vida urbana digna. A esse respeito, é digno de nota o fato de que, em 1998, as cidades
brasileiras abrigavam 11,4% dos 55% de domicílios sem acesso a água potável e 48,9% dos
domicílios urbanos não eram atendidos pela rede de esgotos. (MARICATO, 2002).
Em muitas cidades o déficit habitacional e a pobreza provocaram também o
surgimento de cortiços e favelas, locais onde as condições de moradia e de vida são
extremamente precárias. Nas favelas, em razão da ocupação do solo se dar ilegalmente, os
moradores ficaram sujeitos às ordens judiciais de desocupação por mandatos de integração de
posse. Além disso, grande parte das construções ocorreu em áreas de risco de
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12
desmoronamentos e enchentes. Em razão da falta de equipamentos coletivos básicos ou de
condições para pagar as taxas de implantação, ligação e consumo, tornaram-se comuns as
ligações clandestinas e precárias de água e energia elétrica. Em muitas favelas e bairros
periféricos, a água somente é obtida em bicas, chafarizes ou caminhões pipas, e, na
emergência, mediante compra. O esgoto geralmente corre a céu aberto, colocando em risco a
saúde das pessoas. A falta de iluminação pública deixa as ruas e vielas às escuras, facilitando
a ação de criminosos e aumentando a insegurança.
Não resta dúvida que o acesso diferenciado aos equipamentos e serviços
urbanos coletivos de responsabilidade do Estado se tornou um componente de grande
importância na composição da desigualdade social no Brasil. Conforme ressalta Santos
(1994), as cidades fazem dos habitantes das periferias, dos cortiços e das favelas, pessoas
ainda mais pobres. Assim, a pobreza urbana não é apenas resultado do modelo sócio-
econômico, mas também da o universalização do acesso aos equipamentos e serviços
públicos coletivos necessários a uma qualidade de vida condizente com o progresso
econômico das cidades e do país.
1
Por outro lado, enquanto lugares onde tantas necessidades emergentes não
conseguem ter respostas, as cidades estão fadadas a serem tanto o teatro de conflitos
crescentes como o lugar geográfico e potico da possibilidade de soluções (SANTOS, 1994,
p.11). Dessa forma, entendemos que as cidades brasileiras também se tornaram, ao longo do
século XX, espaços privilegiados de lutas e algumas conquistas, por parte de seus moradores,
pelo direito a equipamentos e serviços urbanos coletivos propiciados pelo desenvolvimento
econômico e tecnológico. O que se processou nas cidades foi então uma árdua luta por
cidadania.
1
Ver a esse respeito também Sorj (2001) e Kowarick (2000).
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13
O objetivo desse trabalho é desvendar como se processou a expansão urbana da
cidade de Franca e qual o papel desempenhado por seus moradores na conquista do direito a
equipamentos e serviços blicos urbanos no transcorrer do período compreendido entre a
última década do século XIX e meados da última década do XX. Nesse sentido, nos interessa
aqui todo tipo de ação coletiva reivindicativa de melhoramentos urbanos dos moradores da
cidade, independentemente da existência ou não de vínculo com algum tipo de organizão de
defesa dos seus interesses coletivos como associações de moradores, centros comunitários,
sindicatos, etc.
Localizada no nordeste do estado de o Paulo, atualmente a cidade de Franca
abriga cerca de 310 mil habitantes, estando classificada na categoria de cidade média
2
.
Fundada em 1805 e emancipada em 1824, a cidade conheceu o seu primeiro grande surto de
desenvolvimento e crescimento populacional no período compreendido entre a última década
do século XIX e as primeiras décadas do XX, resultado da expansão da cultura cafeeira na
região e da chegada da ferrovia. Em razão do seu desenvolvimento industrial, a partir dos
anos 50 a cidade passou a receber grande número de migrantes. Como conseqüência, entre
1970 e 2000 a população urbana cresceu 207,3%, um crescimento bem superior à média
nacional e muito maior que o das demais cidades médias do estado de São Paulo
3
. Além
disso, em 2000 a taxa de urbanização atingiu 98,08%, uma das maiores do país, bem maior
que a média brasileira que nesse ano era de 75,6% (SILVA, 2005).
2
A expressão cidade média designa uma categoria de tamanho, cidades que comportam entre 100.000 e 500.000
habitantes. Foi cunhada em 1974, quando o Governo Federal criou o Programa Cidades dias com o objetivo
de frear o crescimento das grandes metrópoles, particularmente o Paulo e Rio de Janeiro, direcionando a
migração para as cidades de tamanho intermediário localizadas no interior dos estados. Para isso, essas últimas
passariam então a receber maiores investimentos públicos visando a promão de um desenvolvimento
econômico capaz de atrair e sustentar o fluxo migratório. (FELDMAN, 2002; FELDMAN; FERREIRA, 2006).
3
Nesse mesmo período, a taxa de crescimento da segunda colocada entre as cidades médias do estado de São
Paulo, a cidade de São Carlos, foi de 125,9%.
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14
Apesar desse rápido crescimento, desde a década de 1990 a cidade vem se
destacando no cenário nacional por não comportar favelas
4
e por ter conquistado índice de
quase 100% em abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgotos, coleta de lixo
e fornecimento de energia elétrica.
5
Com base nesses aspectos a imprensa local passou a
enaltecer a trajetória urbana de Franca como um exemplo a ser seguido. Nessa perspectiva, os
governantes municipais vem sendo enaltecidos por terem conseguido conciliar rápido
desenvolvimento industrial com ótima qualidade de vida, algo raro no país. O fato de a cidade
ter-se desenvolvido evitando a proliferação de favelas vem assumindo grande importância na
consagração dessa visão, visto que a ausência de favelas é apresentada como sinônimo de
qualidade de vida urbana e de competência administrativa na execução de poticas públicas
habitacionais voltadas para a população de baixa renda.
6
Em conseqüência dessa exaltão
dos governantes municipais e de sua suposta consciência social, vem se processando o
ocultamento da memória histórica da luta coletiva dos moradores da periferia contra a sua
exclusão do acesso aos serviços e equipamentos urbanos.
Ao questionarmos essa visão sobre a trajetória urbana de Franca, pretendemos
demonstrar ao longo desse trabalho que a expansão da cidade, apesar de se processar
mediante a proliferação de loteamentos legais, apresentou, na sua essência, muito mais
semelhanças que diferenças para com o processo de urbanização da maioria das cidades
4
É bom esclarecer que a não existência de favelas em Franca baseia-se no conceito do IBGE, que considera
favela apenas o conjunto de no mínimo 51 unidades habitacionais em terreno de propriedade alheia (pública ou
particular). A nosso ver essa conceituação prejudica a constituição de um retrato mais real das condições de vida
nas cidades.
5
Os avanços significativos em investimentos que propiciaram à cidade atingir esses índices tiveram início na
década de 1980 e somente se concretizaram na década seguinte. Em 2000, a cidade apresentava 99,32% da sua
superfície urbana servida por água potável, 97,06 % de coleta e tratamento de esgotos, 98,92% de coleta de lixo
e quase 100% de ligações de energia elétrica. (FERREIRA, 2006).
6
Os relatos que reproduzimos na seqüência demonstram como a ausência de favelas é exaltada e reverenciada
em Franca, vista como um referencial de grande importância na criação e divulgação de uma imagem positiva da
história da cidade e, por conseguinte, de seus governantes. “Franca [...] é uma cidade privilegiada em rios
aspectos. Não existem cortiços e favelas.” (PEIXOTO, 1990, p.12). “Fui fazer uma palestra na Fiesp nos anos
[19]91, fazer um apanhado sobre Franca e quando eu falei que Franca era uma cidade industrial que não tinha
favela foi um uau geral, chocante, beleza, admirável, você precisava ver” (CHIACHIRI FILHO, 17.4.2000, apud
CAMPANHOL 2000, p.118). “[...] as condições de moradia das famílias carentes de Franca são boas. [...] Não
bolsões de favelas na cidade (CAMPANHOL, 2000, p.171). Conforme mostraremos no capítulo 5, Franca
não esteve completamente livre das favelas.
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15
brasileiras, pois, também em Franca, em detrimento do interesse público e social, a expansão
urbana obedeceu às determinações dos interesses privados voltados para a otimização do
valor da terra para fins urbanos.
Não obstante comportar algumas peculiaridades, como a não proliferação de
favelas e de loteamentos clandestinos, acreditamos que ao longo de sua história a cidade de
Franca apresentou e em alguns aspectos ainda continua a apresentar problemas urbanos
comuns àqueles vivenciados pelas grandes e médias cidades brasileiras, com destaque para a
especulação fundiária urbana responsável, dentre outras coisas, pela subutilização de áreas
dotadas de melhoramentos públicos –; expansão urbana indiscriminada via loteamentos
distantes e desprovidos de equipamentos e serviços urbanos coletivos; e ocupação de áreas de
risco ou impróprias para a edificação.
Assim, pretendemos demonstrar que os loteamentos legais destinados à
população de baixa renda não garantiram aos seus moradores o direito de acesso a
equipamentos e serviços públicos coletivos imprescindíveis a uma boa qualidade de vida.
Dessa forma, tal como ocorrera nas grandes cidades, em Franca a conquista do direito a esses
melhoramentos dependeu, em grande medida, da mobilização coletiva dos moradores.
Entendemos que essa luta pelo direito à cidade se estabeleceu enquanto uma luta por direitos
sociais urbanos, se constituindo, portanto, numa luta pela cidadania na cidade.
A concepção ampla e geral de cidadania que norteia nossa análise compreende
as três esferas de direitos estabelecidas pelo sociólogo inglês Theodor H. Marshall para
analisar o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra: os direitos civis ou individuais, os
direitos poticos e os direitos sociais.
7
Os direitos civis são aqueles que buscam garantir as
liberdades individuais contra a intervenção do Estado. Compreendem o direito à vida e à
propriedade, as liberdades de ir e vir, de palavra e consciência, de firmar contratos, de
7
Trata-se do texto clássico que apareceu originalmente em Citizenship and Social Class, obra publicada em
Londres pela Cambridge University Press em 1950. Utilizamos aqui a publicação brasileira de 1967, da Zahar
Editores, onde o texto aparece no capítulo três do livro intitulado Cidadania, classe social e status.
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16
organizar-se e se associar, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e das correspondências, de
ter acesso à justiça e ser tratado com igualdade perante a lei. São direitos cuja garantia se
baseia na existência de uma justiça independente, eficiente e acessível a todos. Os direitos
políticos se referem aos direitos que possibilitam ao cidadão a participação no exercício do
poder político, “como um membro de um organismo investido da autoridade potica ou como
um eleitor dos membros de tal organismo (MARSHALL, 1967, p.63). Compreendem então
os direitos de votar, de ser votado, de se organizar em partidos e de fazer demonstrações
políticas. Sobre a possibilidade do exercício dos direitos poticos permitirem uma efetiva
participação dos cidadãos nas decisões dos governantes, vale a ressalva de que mesmo no
sistema potico mais democrático, tal participação representa apenas um ideal, visto que a
influência exercida pelas massas é periférica e marginal, que as macrodecisões estão
concentradas nas mãos de uma elite potica ou classe governante (SAES, 2001). os direitos
sociais, compreendem “tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e
segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser
civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (MARSHALL, 1967,
p.63-64). Em resumo, os direitos sociais são aqueles que permitem ao cidadão uma
participação mínima nas riquezas material e espiritual criadas pela coletividade (COUTINHO,
1999, p. 50).
Essa concepção ampla de cidadania diz respeito aos direitos do cidadão
enquanto homem genérico ou homem em abstrato, ou seja, ao homem concebido em sua
homogeneidade. No transcorrer do culo XX, entretanto, num movimento crescente que se
estende aos nossos dias, a cidadania, tanto o conceito como a prática, foi sendo
constantemente estendida a casos específicos. Situações em que, conforme observou Bobbio
(1992, p.68-9), o homem passa a ser considerado na singularidade e na concreticidade das
suas diversas maneiras de ser e viver em sociedade, com base em diferentes critérios de
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17
diferenciação, como a origem étnica, o gênero, a idade, a opção sexual, as condições físicas e
mentais etc. Trata-se de um processo de gradativa diferenciação ou especificação dos
carecimentos em que se solicita o reconhecimento e a proteção mediante a criação de direitos
específicos decorrentes de necessidades singulares.
8
Os direitos são, portanto, fenômenos sócio-históricos. A cidadania, tanto o
conceito como a conquista prática dos direitos que a come, se estabelece num processo
dinâmico e inacabado, visto que está sempre em construção
9
. Sendo assim, os direitos do
cidadão são mutáveis, suscetíveis à transformação e à ampliação. A esse respeito Bobbio
(1992, p.18) esclarece que o elenco dos direitos do homem “se modificou, e continua a se
modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos
interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das
transformações e técnicas, etc”.
Uma característica fundamental da cidadania moderna é sua tendência à
universalização e à ampliação
10
. Tal característica advém do fato da mesma surgir e se
desenvolver atrelada ao princípio da igualdade. Princípio este que ao ampliar o seu
significado e adquirir valor universal transcendeu o sentido restrito que lhe deram os liberais,
de igualdade apenas na liberdade, e passou a fundamentar não a expansão dos direitos
8
A esse respeito Sorj (2001, p.106-107) nos adverte para o perigo dos movimentos sociais que reivindicam
identidades coletivas com direitos específicos colocarem em risco componentes fundamentais da cidadania,
como o sentimento de fazer parte de uma comunidade cultural mais ampla e a busca por uma maior justiça social
mediante lutas coletivas associadas às reivindicações tradicionais dos setores mais pobres da população por
melhores condições materiais de vida e acesso a bens de consumo coletivo. Nesse sentido, a conquista de alguns
direitos específicos pode se efetivar como privilégios de grupo, contrariando assim o princípio fundamental da
concepção de cidadania, ou seja, o ideal de igualdade. Ressalvamos, contudo, que esses movimentos sociais de
grupos aderiram também, por vezes, a lutas em prol de benefícios múltiplos e coletivos que transcenderam
interesses puramente específicos.
9
A esse respeito, Bobbio (1992) ressalta que, ao contrário do que defendiam os pensadores jusnaturalistas
liberais, mesmo os direitos individuais ou civis não têm nada de naturais, visto que o seu surgimento é
historicamente datado, nasceram da exigência por liberdade individual dos que lutavam contra o dogmatismo das
Igrejas e o autoritarismo dos Estados. Nesse sentido, a idéia de que os homens nasceram livres e iguais é uma
exigência da razão, não uma constatação de fato ou um dado histórico.
10
Enquanto o processo de universalização da cidadania diz respeito ao aumento do número de cidadãos efetivos
que passam a usufruir direitos que eram usufruídos por outros, o processo de ampliação diz respeito à criação
de novos direitos.
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18
políticos, que até fins do século XIX se mantinham como privilégios de nero e de classe (o
homem burguês), como também a criação dos direitos sociais.
Observa-se, assim, que os direitos sociais foram surgindo como decorrência de
um crescente interesse e luta pela igualdade em termos de condições dignas e decentes de
vida, como um princípio de justa social. Pressionado a garantir o acesso de todos a essas
condições dignas e decentes de vida, o Estado passou a intervir também a favor das camadas
excluídas. O desenvolvimento dos direitos sociais nos países europeus está ligado ao
surgimento do que se convencionou chamar de welfare state.
Conforme Marshall (1967) já havia chamado a atenção em seu estudo sobre o
percurso da cidadania na Inglaterra, o avanço dos direitos sociais cumpriu a função de
diminuir a desigualdade social produzida na sociedade capitalista, na medida em que
contribuiu para que os componentes de uma vida civilizada e culta, originalmente monopólio
de poucos, fossem, aos poucos, postos ao alcance de muitos. Nas palavras do próprio
Marshall (1967, p.94-95):
A ampliação dos serviços sociais o é, primordialmente, um meio de
igualar as rendas. Em alguns casos pode fazê-lo, em outros não. A questão
não é de muita importância; pertence a um setor diferente da política social.
O que interessa é que haja um enriquecimento geral da substância concreta
da vida civilizada, uma redução geral do risco e insegurança, uma igualação
entre os mais e menos favorecidos em todos os níveis entre o sadio e o
doente, o empregado e o desempregado, o velho e o ativo, o solteiro e o pai
de uma família grande. [...] A igualdade de status é mais importante do que a
igualdade de renda.
Dessa forma, especialmente no que se refere à esfera dos direitos sociais, a
cidadania acabou entrando, por vezes, em contradição com a lógica do capital. A esse respeito
Coutinho (1999, p.53) assinala que essa contradição se manifesta como um “processo no qual
o capitalismo primeiro resiste, depois é forçado a recuar e fazer concessões, sem nunca deixar
de tentar instrumentalizar a seu favor (ou mesmo suprimir, como atualmente ocorre) os
direitos conquistados.” Nesse processo, torna-se importante ressaltar que o Estado capitalista
deixou de ser uma simples arma nas mãos da classe dominante e, sem deixar de representar
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19
prioritariamente os interesses da burguesia, foi obrigado a se abrir também para a
representação e a satisfação ainda que sempre parciais dos interesses de outros
seguimentos sociais (COUTINHO, 1999). Pressionado pelas reivindicações e manifestações
em favor das demandas sociais, o governo, seja ele municipal, estadual ou federal, por vezes,
foi, e ainda é, em alguns casos, impelido até mesmo a contrariar alguns interesses capitalistas
da burguesia.
A esfera da cidadania que analisamos nesse estudo, direito aos equipamentos e
serviços blicos coletivos disponibilizados pela Municipalidade no meio urbano, é ao
mesmo tempo social e específica. Social em razão de propiciar ao citadino o direito a um
mínimo de bem-estar proveniente do desenvolvimento econômico da sociedade em que vive,
da riqueza material produzida socialmente. Específica visto que diz respeito particularmente
ao morador da cidade. Isso porque, diferentemente do que ocorre no campo, a aglomeração
nos centros urbanos, como já observamos, gera novas necessidades e também novas
possibilidades em serviços e equipamentos coletivos. A essa esfera da cidadania social damos
o nome de cidadania social urbana e aos direitos que a comem chamamos de direitos
sociais urbanos. Logicamente, o direito social à moradia se constitui num pré-requisito para o
acesso aos direitos sociais urbanos.
Contrariando o que vem sendo divulgado e enaltecido pelos meios de
comunicação da cidade, acreditamos que em Franca, assim como se tem constatado nas
grandes e médias cidades do país, o acesso a equipamentos e serviços públicos coletivos
dependeu muito mais da mobilização e da luta dos moradores que da ação planejada e
eficiente de seus governantes. Mesmo porque, conforme observa Coutinho (1999), antes de
serem reconhecidos como direitos positivos, estatuídos nas constituições e nos códigos, antes
mesmo de se efetivarem, os direitos se manifestam por meio de reivindicações e lutas. Além
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20
disso, a simples existência de leis não garante a sua aplicação de maneira efetiva, daí a grande
importância das mobilizações e lutas populares.
Por outro lado, a simples situação de privação, apesar de se constituir na base
concreta fomentadora das mobilizações populares, não gera automaticamente ou
necessariamente mobilizações e nem pode ser considerada a sua única causa (KOWARICK,
1988). Assim, a mobilizão social por melhoramentos urbanos depende da tomada de
consciência por parte dos citadinos de que eles têm direito, enquanto moradores da cidade e
agentes sociais do seu desenvolvimento econômico, além de pagadores de impostos, de
usufruir, em igualdade de condições para com os moradores das áreas privilegiadas, de
equipamentos e serviços públicos coletivos.
Assim, o objetivo de desvendar o percurso da cidadania social urbana em
Franca nos leva a desvendar tanto as circunstâncias históricas (poticas, econômicas e sociais)
que possibilitaram ou motivaram a formulação de direitos sociais urbanos e a luta coletiva por
esses direitos, quanto os elementos norteadores da potica urbana municipal. Na análise da
política urbana leva a efeito pelo Poder Público Municipal torna-se importante verificar os
ideais e interesses que nortearam a ação dos governantes, a política habitacional adotada e as
conseqüências para a cidadania social urbana de dois fenômenos tradicionais da cultura
política brasileira: o patrimonialismo e o clientelismo. Sem dúvidas, esses dois fenômenos
mantêm uma relação conflituosa com a cidadania e prejudicam o seu desenvolvimento.
Para a análise aqui empreendida, entendemos o fenômeno do patrimonialismo
como uma estratégia dos grupos sociais, especificamente os dominantes, mas que permeia
toda a sociedade, de uso do poder para apropriar-se de recursos ecomicos ou privilégios.
11
11
Adotamos aqui a versão interpretativa presente na bibliografia brasileira que privilegia o “patrimonialismo de
base societal e salienta a sua sobrevivência nas relações sociais mesmo após as mudanças promovidas pelo
Estado de arquitetura liberal, em contraponto à interpretação que privilegia o patrimonialismo como um
fenômeno de Estado e aponta para a autonomia do estamento burocrático sobre a sociedade civil, do primado do
Direito Administrativo sobre o Direito Civil, estabelecendo uma forma de domínio patrimonial-buroctica em
que o indivíduo aparece desprovido de iniciativa e sem direitos diante do Estado. A primeira versão tem entre os
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21
Conforme ressalta Sorj (2001, p.13), “uma das particularidades do moderno patrimonialismo
brasileiro está na sua associação com uma extrema desigualdade social, a impunidade de suas
elites e o abandono dos setores mais pobres da população.
No Brasil, os mecanismos de favorecimento típicos do patrimonialismo m
provocando a “colonização do Estado por interesses privados e a perda do sentido público,
afetando a eficácia e a autonomia necessária da máquina governamental para planejar as ações
com uma visão que transcenda os interesses puramente particulares. Isso porque o
patrimonialismo teve como implicação a geração de relações promíscuas entre o espaço
público e o espaço privado. No Brasil o espaço público quase sempre é visto ou como
extensão do espaço privado, no qual se desconhecem a existência e a convivência com outros
interesses, ou é tratado como terra de ninguém, eslio a ser capturado ou bem que pode ser
dilapidado. Nessas condições, “a falta de instrução, a sensação de impunidade e a prepotência
dos grupos dominantes convergem para o debilitamento da formação de um espaço público e
fortalecem uma atitude de desacato à lei.” (SORJ, 2001, p.30)
Por todas essas características, o patrimonialismo brasileiro favoreceu o
estabelecimento de uma relação clientelista com o Poder que há muito vem limitando o
desenvolvimento da cidadania no país. Fruto de relações pessoais estabelecidas entre pessoas
que não possuem o mesmo poder econômico ou potico, prestígio e status, o clientelismo
baseia-se na concessão, por parte dos detentores do poder aos necessitados, de benefícios de
origem blica ou privada, na forma de favores, em troca de apoio potico e votos.
12
Trata-se,
portanto, de uma relação pessoal fundamentada no favor e no compromisso de lealdade que
extrapola a simples compra e venda de votos durante os pleitos eleitorais.
seus principais representantes Florestan Fernandes, Maria Sílvia de Carvalho Franco, Jo Murilo de Carvalho e
Bernardo Sorj (2001), enquanto a segunda tem em Faoro (2000) o seu principal precursor (VIANNA, 2007).
Sobre a utilização do conceito de patrimonialismo na bibliografia brasileira ver as análises de Campante (2003) e
Vianna (2007). Segundo Sorj (2001, p.139), essa bibliografia “tendeu a uma visão dicotômica, como se fosse
necessário optar entre a total autonomia do estamento burocrático e sua subordinação completa aos interesses
locais, privatizantes.
12
Para essa definição nos baseamos sobretudo em Burke (1980), Bezerra (1999) e Lenardão (2006).
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22
Não restam vidas que as mudanças processadas no decorrer do século XX no
Brasil, como a urbanização, a industrialização, o voto secreto, a introdução de leis trabalhistas
e de formas de proteção social reconhecidas como direito social, o aumento da fiscalização
sobre o setor público, a institucionalização de concursos para cargos públicos, entre outras,
contribuíram para o enfraquecimento do clientelismo, pois provocaram a diminuição dos
graus de dependência pessoal. No entanto, conforme observou Lenardão (2006, p.15), no
Brasil o clientelismo ainda continua prejudicando o estabelecimento de alguns pressupostos
básicos do Estado democrático-liberal que obstacularizam o desenvolvimento da cidadania,
como “o livre exercício do voto, a mediação potica exercida por partidos poticos, a
existência de espaços institucionais de representação organizados a partir de relações poticas
impessoalizadas, etc.” O que se processou ao longo do século XX nas cidades brasileiras foi a
consolidação de um clientelismo de vertente coletiva, modelo em que não só um indivíduo,
mas sim um conjunto de indivíduos organizados em torno de algum objetivo coletivo, pede
favor a um potico local (LAISNER, 2000).
O recorte temporal estabelecido para o estudo aqui proposto, período
compreendido entre a última década do século XIX e a última década do XX, se explica pela
proposta de se entender a constituição do direito social aos serviços e equipamentos urbanos
coletivos em Franca mediante a análise do processo histórico de sua emergência e
desenvolvimento, pois:
Particularmente no que diz respeito à cidadania social, o recurso à
historicização é fundamental: só a história, ao nos dar a chave para a análise
da mudança e a compreensão do homem como mundo dos homens’, como
ser concreto, torna possível o entendimento dos padrões existentes de bem-
estar, que evidentemente variam no tempo e no espaço (NOGUEIRA, 1999,
p.70).
O nosso ponto de partida, a última década do século XIX, é o momento em que
a economia do município se dinamiza em decorrência do desenvolvimento da cultura cafeeira
e da chegada da ferrovia e o núcleo urbano de Franca se expande e adquiri uma maior
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23
importância como centro comercial e de prestação serviços. Como resultado, a partir desse
momento o Poder Público Municipal começa a agir de maneira mais incisiva no espaço
citadino objetivando dotá-lo de uma paisagem comparável aos mais modernos centros
urbanos brasileiros, ação que como veremos no primeiro capítulo incluiria logicamente a
implantação de equipamentos e serviços públicos coletivos modernos.
A delimitação final, compreendida entre as décadas de 1980 e 1990, se justifica
especialmente por dois motivos. Primeiramente, esse período é marcado por uma grande
expansão urbana periférica que otimizou a acumulação das empresas loteadoras e dos
proprietários de áreas rurais limítrofes à área urbana e lançou a população pobre em
loteamentos parcialmente ou totalmente desprovidos de equipamentos e serviços públicos
coletivos. O segundo motivo, não menos significativo, refere-se ao fato de que na década de
1990, mais precisamente em 1997, ano em que a cidade passou a ser governada por um
prefeito do Partido dos Trabalhadores
13
, foi introduzido pelo governo municipal o orçamento
participativo, proposta de gestão democrática pautada na participação direta da populão na
elaboração do orçamento público municipal, constituindo-se assim num canal de veiculação
de demandas por parte dos moradores. Nesse sentido, o orçamento participativo apresenta-se
como uma tentativa de ruptura com uma tradição potica fortemente marcada pelo
patrimonialismo e pelo clientelismo. Por tudo isso, a abordagem da cidadania social urbana
em Franca a partir de 1997 implicaria necessariamente a análise do orçamento participativo,
tema que em razão de sua complexidade e particularidade merece um estudo à parte.
O estudo aqui empreendido tem caráter essencialmente qualitativo. Para
execução dessa tarefa contamos com uma gama variada de fontes, das quais podemos destacar
as Atas da mara Municipal (ACM); Livros de Registros de Diversos Pareceres da mara
Municipal (LRDP); Livros de Registros de Diversos Requerimentos da Intendência e
13
Trata-se do ex-vereador Gilmar Dominici.
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24
Prefeitura Municipal (LRDR); Livro de Registro de Baixas, Redução e Isenção de Impostos
(LRBRII); leis e projetos de leis municipais, pareceres das comissões da Câmara Municipal
(anexos aos projetos de leis); digos de posturas; jornais; revistas, além dos estudos que
compõem o Plano de Desenvolvimento Integrado de Franca de 1969, desenvolvidos pelo
Grupo de Planejamento Integrado Ltda (GPI).
14
Contamos também com as informações e
depoimentos de moradores presentes na bibliografia sobre a cidade e com as entrevistas
concedidas por Eli Magno Faleiros (16.10.2006), empresário do setor imobiliário que atua em
Franca desde a cada de 1970, e Mauro Ferreira (23.9.2006), arquiteto que trabalhou na
Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Franca entre 1977 e 1983, tendo também exercido
a função de secretário municipal de planejamento na cidade entre os anos de 1997 e 2000.
15
Buscamos, assim, alicerce em um corpus documental tanto farto quanto
diversificado, com a finalidade de trazer à tona a ação do Poder Público Municipal de Franca
e a experiência concreta de luta dos moradores da cidade pelo direito aos serviços urbanos
coletivos nessa localidade, objetivando construir uma interpretação que mais se aproxime da
lógica e das nuances que caracterizaram o percurso dessa esfera da cidadania social na cidade
durante no período compreendido entre a última década do século XIX e a última década do
XX.
14
A referência aos documentos que contam com abreviaturas será efetuada por estas.
15
Mauro Ferreira é tamm um estudioso do processo de urbanização da cidade de Franca. Desenvolveu sua
dissertação de mestrado sobre o tema (FERREIRA, 1989) e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado sobre
o Plano Diretor Físico de Franca de 1972. Tem também vários trabalhos publicados sobre a urbanização de
Franca (Ver referências bibliográficas).
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25
1
O DESPONTAR DA CIDADE MODERNA
1.1. O ideário urbano moderno: da Europa para o Brasil
Um dos grandes problemas decorrente do processo de urbanização que se
acelerou em grande medida a partir do século XIX, primeiro na Europa, e depois em rias
outras regiões do globo, foi a formação nas cidades de um quadro caótico, marcado sobretudo
pela insalubridade e por sua mais temível conseqüência: as epidemias consumidoras de vidas.
O ataque periódico das epidemias às mais prósperas cidades européias, entre
as quais se destacavam os centros urbanos industriais e as capitais nacionais como Londres,
Paris, Berlim e Viena –, além de r em risco a economia dessas cidades e, por extensão, o
desenvolvimento econômico do próprio país, colocava em vida alguns dos mais
importantes pressupostos que davam suporte ao capitalismo: a razão, a ciência e o progresso.
Nesse contexto, a disseminação da “teoria dos miasmas”, idéia que associava a
ocorrência de epidemias com a insalubridade do meio urbano, foi decisiva para o
desenvolvimento do ideal que viria a se tornar o mais forte pressuposto motivador e
justificador das intervenções e reformas urbanas modernizadoras que transformariam a
paisagem de rias cidades em todo o mundo a partir de meados do século XIX: a
higienização.
16
16
No século XIX eram dois os paradigmas médicos vigentes a respeito das causas e os modos de propagação das
doenças epidêmicas: a “teoria da infecção”, conhecida também como “teoria dos miasmas” ou mesológica, e a
teoria microbiana, também chamada de “teoria do contágio”. Para os “teóricos infeccionistas” o aparecimento
das doenças epidêmicas estava ligado à ação de “miasmas mórbidos” no ar ambiente, emanações pútridas
“originadas de matérias orgânicas em decomposição existentes em pântanos, águas estagnadas, esgotos, ar
viciado das habitações coletivas e da falta da circulação de ar (COSTA, 2003, p. 85). Em discordância com os
“infeccionistas”, os adeptos da teoria microbiana defendiam que as moléstias podiam ser transmitidas mediante o
contato físico direto com o doente ou de forma indireta, por meio do toque em objetos contaminados por esse ou
pela respiração do ar que o circundava. De acordo com eles, o surgimento de uma determinada moléstia sempre
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26
A descoberta de que as causas das precárias condições sanitárias estavam
ligadas ao espaço construído fez com que as futuras leis sanitárias passassem a se desenvolver
no sentido de uma legislação urbanística geral que, ao tratar a questão da higienização da
cidade, abarcasse também outras necessidades da época, como a racionalização do espaço
viário, com vista a facilitar a circulação, e o embelezamento.
Aos olhos da burguesia euroia do século XIX, o estabelecimento de uma
malha urbana composta por avenidas e ruas largas e retas, racionalmente interligadas para
facilitar a circulação era de suma importância, uma vez que as ruas estreitas e sinuosas da
cidade medieval não se adaptavam mais, nem em tamanho e nem em articulação, ao tráfego
de rias cidades, constituindo-se agora em empecilhos ao fluxo rápido e constante de
homens e mercadorias requerido pela economia capitalista que se desenvolvia em pleno vapor
no velho continente. O embelezamento se expressaria por meio da construção de amplos
bulevares, parques e praças ajardinadas e monumentais edifícios de arquitetura moderna.
Assim, baseados nesses três ideais modernizadores higienização,
embelezamento e racionalização da malha viária e, em alguns casos, na necessidade de
evitar ou reprimir possíveis revoltas das classes pobres, identificadas como classes
perigosas
17
, os administradores europeus passaram a intervir de maneira mais efetiva no
espaço urbano. O objetivo era transformar a velha urbe antiquada, herdada do período
medieval, em uma cidade civilizada, dotada dos novos atributos que a modernidade passara a
exigir.
se explicava pela existência de um “veneno específico que, uma vez produzido, podia se reproduzir no
indivíduo doente e assim se espalhar na comunidade, independentemente da continuação das condições originais
que haviam provocado o seu aparecimento (CHALHOUB, 1996). No que se refere às medidas concernentes ao
combate à propagação das doenças no meio urbano, é evidente que as divergências também existiam. Os
“contagionistas” recomendavam o isolamento dos doentes em hospitais distantes da área central das cidades,
evitando assim o contágio de mais habitantes. Os “infeccionistas”, por seu turno, consideravam tal providência
ineficaz, e defendiam a eliminação das condições locais responsáveis pela produção das “emanações
miasmáticas” nas cidades por meio das intervenções saneadoras no meio urbano (CHALHOUB, 1996).
17
“Para os planejadores de cidades, os pobres eram uma ameaça pública, suas concentrações potencialmente
capazes de se desenvolver em distúrbios deveriam ser cortadas por avenidas e bulevares, que levariam os pobres
dos bairros populosos a procurar habitações em lugares não especificados, mas presumidamente mais
sanitarizados e certamente menos perigosos.” (HOBSBAWN, 1996, p. 295).
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27
Dentre todas as intervenções modernizadoras em aglomerados existentes, a
reforma urbana realizada em Paris pelo barão Georges Eugène Haussmann entre 1853 e 1869
foi, sem vida, a que mais se notabilizou. Depois dessa reforma, Paris se tornou um modelo
urbano para o mundo. Conforme salienta Berman (1990, p. 147): “Por volta de 1880, os
padrões de Haussmann foram universalmente aclamados como verdadeiro modelo do
urbanismo moderno. Como tal, logo passou a ser reproduzido em cidades de crescimento
emergente, em todas as partes do mundo, de Santiago a Saigon.”
Norteado pelos ideais de higienização, embelezamento e racionalização do
espaço urbano, Haussmann transformaria a velha Paris de estrutura ainda medieval numa
cidade propriamente moderna, admirada e invejada em todo mundo. Assim, a antiga cidade
foi demolida, e uma nova constrda, mais “moderna e funcional”, mas que acabou excluindo
as populações mais pobres das ações urbanas modernizantes, empurrando-as para os
subúrbios desestruturados, pobres e insalubres (MORAES, 1994, p. 18).
No Brasil, pelo menos até as últimas décadas do século XIX, apesar das
transformações ocorridas na segunda metade do século instalação de ferrovias, transição do
trabalho escravo para o livre, imigração, crescimento relativo do mercado interno, início da
industrialização e desenvolvimento do sistema de crédito –, o se alteraram profundamente
os padrões tradicionais de urbanização que se definiram no período colonial quando, com
exceção dos principais portos exportadores, os núcleos urbanos tiveram escassa importância,
vivendo na órbita dos potentados rurais (COSTA, 1994). As cidades permaneceram então
com suas funções urbanas limitadas e pouco se transformaram.
Em razão disso, embora a elite brasileira admirasse as modernas cidades
européias, especialmente a Paris de Haussmann, a modernização urbanística, incluindo a
instalação ou ampliação dos equipamentos e serviços blicos urbanos, era vista como uma
conquista específica da Europa ou, no máximo, uma possibilidade remota para as cidades
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28
mais importantes do país. Assim, não obstante a realização de alguns poucos investimentos
em infra-estrutura em algumas capitais estaduais, os centros urbanos brasileiros
permaneceram sem nenhum melhoramento de grande expressão ou amplitude.
Entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, entretanto, o
crescimento da urbanização e a ampliação das funções urbanas e da influência da cultura
européia especialmente da francesa –, provocariam uma grande transformação em várias
cidades brasileiras, sobretudo naquelas de crescimento emergente: a capital federal, as mais
importantes capitais estaduais e cidades portuárias, e os centros urbanos do interior paulista
que orientaram sua economia para a produção de café, principal produto brasileiro de
exportação no período. Nesse período, o desejo dos administradores públicos de transformar o
meio físico dessas cidades de modo a deixá-lo civilizado e moderno tornou-se mais possível e
premente.
18
No Rio de Janeiro, capital federal e principal porta de entrada do país, por
exemplo, o interesse em modernizar desembocaria em uma grande reforma urbanística
promovida e financiada, na sua maior parte, pelo governo federal entre 1903 e 1906, uma vez
que a arcaica estrutura colonial da cidade e a precariedade de seu porto eram consideradas um
problema nacional.
19
O planejamento geral da reforma urbanística do Rio ficou a cargo do
engenheiro Pereira Passou, prefeito nomeado pelo então presidente Rodrigues Alves para
realizar a tarefa. A inflncia da Paris de Haussmann na modernização do Rio de Janeiro é
facilmente constatada. Os ideais que haviam orientado as grandes reformas parisienses foram
18
Partindo da oposição entre “civilização e “tempos coloniais”, “a idéia de que existe um ‘caminho da
civilização’, isto é, um modelo de ‘aperfeiçoamento moral e material’ que teria validade para qualquer ‘povo’,
sendo dever dos governantes zelar para que tal caminho fosse mais rapidamente percorrido pela sociedade sob
seu domínio” e “a afirmação de que um dos requisitos para que uma nação atinja a ‘grandeza’ e a ‘prosperidade
dos ‘países mais cultos’ seria a solução dos problemas de higiene pública”, tornaram-se o senso comum dos
administradores das cidades brasileiras emergentes nas últimas décadas dos Oitocentos (CHALHOUB, 1996, p.
34-35). Nas palavras de Sevcenko (1999, p.29): “A imagem do progresso – versão prática do conceito homólogo
de civilização – se transforma na obsessão coletiva da nova burguesia.”
19
A presença constante da febre amarela, enfermidade que atacava e matava sobretudo os imigrantes, daria ao
Rio a fama internacional de “túmulo de estrangeiros”, num momento em que o governo se esforçava em atrair o
comércio, os investidores estrangeiros e a mão-de-obra imigrante para substituir o trabalho escravo abolido em
1888.
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29
adaptados ao Rio.
20
A nova paisagem do Rio de Janeiro, após a reforma procedida por Pereira
Passos no curto espaço de três anos, transformou a cidade numa referência nacional em
modernização urbanística. Nesse sentido, podemos dizer que o Rio de Passos passou a ser
para o Brasil o que a Paris de Haussmann havia se tornado para o mundo: um modelo de
cidade moderna.
O Rio, no entanto, o foi o único exemplo brasileiro a servir de espelho para
as cidades que buscavam se modernizar. Nas últimas décadas do século XIX, a capital do
Estado de São Paulo tamm se tornou uma referência, especialmente para as cidades
cafeicultoras do interior paulista. Alguns dos seus melhoramentos serviram de exemplo até
mesmo para a capital federal (MORAES, 1994). Desde o início da década de 1870, a
dinâmica São Paulo – cidade que a partir do último quartel do século XIX foi transformada no
principal centro articulador-técnico, financeiro e mercantil do café já vinha sofrendo
intervenções urbanas que, justificadas especialmente pela necessidade de higienizar o espaço
citadino, objetivavam também efetuar o seu embelezamento e sua racionalização viária.
Durante a administração de João Teodoro Xavier de Matos (1872-1875), gastou-se no
embelezamento da Capital uma quantia aproximadamente igual à metade do orçamento anual
da Província. Muitas ruas novas foram abertas e antigas ruas estreitas foram alargadas por
meio de desapropriações e demolições de muitos prédios coloniais. Em 1873, as ruas que
formam o triângulo central foram calçadas com paralelepípedos. A Várzea do Carmo foi
drenada e um novo jardim público, denominado Ilha dos Amores, foi traçado numa pequena
ilha do Tamanduateí. Em 1872, os lampiões a querosene das ruas foram substituídos pela
iluminação a gás. Em 1888, foram instaladas as primeiras luzes elétricas nas ruas do Centro
20
Nas palavras de Needell (1993, p. 57-58): “A ênfase na iluminação e na ventilação, por meio de ruas alargadas
e novas vias, foi fundamental em ambas as reformas. A utilização de avenidas para conduzir o tráfego dos
limites da cidade até o centro caracterizava os dois planos, assim como a abertura de outras vias, que dirigiam o
fluxo para fora do centro. O impacto também se evidencia em aspectos cosméticos. A escolha do estilo
arquitetônico, a ampla perspectiva da Avenida Central, a execução de jardins nas praças, a atenção dedicada ao
Campo de Santana e o projeto do filho de Pereira Passos para a versão carioca da Ópera de Paris todos estes
aspectos parisienses foram primordiais para o significado da belle époque carioca que emergiu com Rodrigues
Alves”.
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30
da cidade. Segundo Morse (1970), no final da década de 1880, São Paulo contava com o
melhor sistema de água e esgotos do Brasil. No início da década de 1930, começa a ser
implantado o Plano de Avenidas de Prestes Maia que viria a dar à cidade uma nova
configuração espacial.
Tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, a necessidade de higienizar o
espaço urbano passou a justificar a invasão e a eliminação, por parte das autoridades públicas,
das habitações consideradas insalubres e focos privilegiados para a propagação de doenças
epidêmicas. O ideal de higienização deu sustentação à decretação de uma verdadeira guerra a
velhas pensões e cortiços. A demolição dessas moradias coletivas, especialmente na região
central dessas duas cidades intensificada a partir da última década do século XIX –,
desalojou uma grande parcela da população pobre e acabou agravando o problema do déficit
habitacional, provocando assim a elevação dos aluguéis, fato que contribuiu para tornar as
áreas centrais dessas cidades cada vez mais proibitivas às camadas populares.
No Rio de Janeiro, muitos dos antigos moradores dos cortiços que foram sendo
demolidos na região central da cidade a partir das últimas décadas do século XIX, a maioria
negra e mulata, acabaram pegando o que era possível aproveitar dos escombros das
construções destrdas, subiram para os morros não urbanizados próximos ao Centro e
construíram seus barracos. Surgiam assim as favelas.
A ocupação dos morros se deu em razão da necessidade de permanecer nas
proximidades da área central, localidade onde as oportunidades de trabalho e sobrevivência
eram maiores. Desta feita, o desejo da elite carioca de um centro burguês livre da incômoda
vizinhança pobre e negra não se consumou plenamente. As favelas surgiram em plena “belle
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31
époque carioca”, denunciando o caráter discriminador e segregador da política urbana levada
a efeito pelas autoridades municipais.
21
1.2. O desenvolvimento urbano de Franca no período cafeeiro
A partir do último quartel do século XIX, o café ganhou grande importância
nacional, projetando o Estado de São Paulo como o principal centro econômico do país. A
riqueza proporcionada pela exportação desse produto fez com que o chamado “oeste paulista”
se firmasse como a região mais dinâmica da economia brasileira.
Diferentemente de muitas cidades dessa região, que foram fundadas em razão
da expansão da cafeicultura, Franca é uma cidade mais antiga. O povoamento da região
remonta ao século XVIII, estando ligado à expansão da pecuária mineira para o nordeste
paulista
22
e ao estabelecimento da Estrada dos Goiases”, importante rota de comércio que
ligava a capital da província de São Paulo aos sertões de Goiás e Mato Grosso
23
. Ao longo do
século XIX, Franca se tornou grande produtora de gado e importante entreposto comercial.
Em 1805 foi fundada a freguesia que deu origem à cidade. A autonomia potica foi
conseguida em 1824, com a elevação à categoria de vila, a “Vila Franca do Imperador”. Em
l856 alcançou o status de cidade. Trata-se, portanto, conforme observou Di Gianni (1996,
p.66), “de um município de São Paulo velho, isto é, de povoamento antigo que sofreu o
21
Após a reforma urbastica de Pereira Passos e a Revolta da Vacina (1904), até mesmo a circulação da
população negra e mestiça pobre pelo centro da cidade começou a ser reprimida com grande violência pelas
autoridades públicas. A esse respeito ver Sevcenko (1984) e Chalhoub (1996).
22
Conforme observou Prado nior (1953, p.194), desde fins do século XVIII [...], os criadores mineiros
começam a descer a Mantiqueira, indo estabelecer-se em São Paulo, na região que flanqueia a serra a oeste, de
Franca a Mojimirim”.
23
“Por essa estrada levava-se gado, couros salgados e cereais para o sul a fim de serem trocados, sobretudo, por
sal e artigos manufaturados; a importância do entreposto francano nesse caminho pode ser medida pela própria
identificação do sal comercializado nas transações ao longo da ‘Estrada dos Goiases’ como ‘sal da Franca’.”
(BARBOSA, 2004, p.17)
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32
impacto da marcha do café, integrando-se à economia cafeeira e ao complexo ferroviário que
se expandia simultaneamente.”
Até a última cada do século XIX, entretanto, Franca fora uma inexpressiva
cidadezinha de feão colonial: a grande maioria da população residia na zona rural de onde
tirava quase tudo de que necessitava e almejava para viver. A ida à cidade se dava apenas em
ocasiões especiais como casamentos, enterros ou festas religiosas. Não obstante a existência
de algumas áreas constituídas por chácaras e pequenos agrupamentos de casas rústicas e
esparsas mais ou menos distantes do núcleo urbano central, como Boa Vista, Cubatão, Campo
das Galinhas, Catocos (atual Vila Formosa), Coqueiros, Santa Cruz e Covas (atual
Miramontes)
24
, a área urbana de Franca ficou praticamente limitada à região correspondente
ao atual Centro, no topo da Colina Central, área onde foi fundada a freguesia
25
.
Nesse período, o Poder Público Municipal, sem grandes recursos e interesses,
pouco se preocupou em investir no espaço urbano, que permaneceu desprovido de jardins,
calçamento, água encanada, rede de esgoto, iluminação pública, luz elétrica e outros
melhoramentos. Além disso, os animais domésticos andavam a solta pelas ruas de terra batida
que recebiam as chamadas “águas servidas” dos prédios. Em 1882, um periódico local
publicou duas notas que ilustram bem a paisagem urbana da época:
A Municipalidade de Franca tem fiscal? E se o tem, porque nomeou
para esse cargo um indivíduo cujo olfato é tão pouco desenvolvido? Nas ruas
principais desta cidade, que nunca soube o que é higiene e que pouco se
importa que os seus infelizes habitantes sejam ceifados pelas febres causadas
pela podridão, vêem-se lamaçais cobertos de águas esverdeantes e podres,
percebe-se cheiros fétidos que saem do interior dos quintaes... Obrigue esse
24
Essas áreas não possuíam delimitação precisa. A identificação era determinada por marcos naturais, como
morros, córregos, desníveis acentuados, ou pela presença de alguma instituição pública ou privada, como igrejas
e pousadas. A título de informação, o povoado de Covas é mais antigo que o próprio sítio urbano central que deu
origem à cidade em 1805, tendo se constituído enquanto pouso de passagem na Estrada dos Goiases” ainda no
século XVIII. No início do culo XIX, surgiram o Centro e a Boa Vista. Entre 1840 e 1870, surgiram Cubatão,
Coqueiros, Campo da Forca, Campo das Galinhas, Candeias e Catocos. Sobre a origem desses bairros ver
Bentivoglio (1997) e Bentivoglio e Martins (1999). Ao longo do século XX essas áreas foram sendo loteadas,
dando origem a vários bairros.
25
O relevo da zona urbana de Franca é constituído por três colinas: a Central, local onde surgiu a cidade; a Santa
Rita ou Santa Cruz, situada ao leste e separada da Colina Central pelo Córrego do Cubatão; e a Colina da
Estação, situada ao oeste e separada da Central pelo Córrego dos Bagres. A partir da década de 1970, a área
urbana comou a se expandir para além dessas três colinas.
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33
empregado a percorrer as ruas, a visitar açougues, tudo quanto revela incúria
e desleixo e que pode ser prejudicialíssimo à salubridade pública. (O NONO
DISTRICTO, 26.02.1882, p.1)
[...] a cidade de Franca está material como intelectualmente
atrazassima. o tem mercado, não tem matadouro, não tem chafarizes,
não tem largos arborizados, não tem ruas, calçadas, não tem nada. (O NONO
DISTRICTO, 22.4.1882, p.1)
A partir da última década do século XIX, entretanto, a riqueza proveniente do
desenvolvimento da cultura cafeeira no município – cujo período de maior vitalidade pode ser
situado entre 1890 e 1920 –, a vinda de grande número de imigrantes e as facilidades e
demandas proporcionadas pela chegada da ferrovia em 1887, provocaram o crescimento das
atividades econômicas ligadas ao beneficiamento de ca e cereais, ao comércio, à indústria,
ao crédito e à prestação de serviços blicos e privados. Assim, conforme salienta Barbosa
(2004, p. 27) “o número de armazéns de secos e molhados, por exemplo, cresceu
surpreendentemente entre 1877 e 1912, passando de 25 a 138 – chegando a ser 190 em 1901”.
Fábricas de calçados, cerveja, licores, cigarros, sorvetes, além de tipografias, olarias, serrarias
e muitos outros negócios especializados, foram criados para atender a demanda de uma
população cada vez mais numerosa. Surgiram também casas bancárias como a de Chrysógono
de Castro, fundada em 1893, e casas de comércio e de crédito, como a Casa Hygino Caleiro e
a Casa Guerner. Em 1912 a cidade passou a ser servida pelo Banco de Custeio Rural. Em
1921 foi instalado o Banco Comercial do Estado de São Paulo e, um ano e pouco depois, o
Banco do Brasil (BARBOSA, 2004, p. 11-27; RIBEIRO 1941, p. 152).
Na virada do século XIX para o XX, a instria coureiro-calçadista, que viria a
se tornar a principal atividade ecomica do município a partir da década de 1950,
começava a se destacar entre as demais. Em 1901 existiam em Franca dois curtumes, uma
fábrica de calçados e quatorze oficinas de sapateiro. De 1901 até 1920 foram registrados oito
curtumes e quatro fábricas de caados, além de onze oficinas de sapateiro que também
fabricavam sapatos por encomenda. Entre 1920 e 1930, foram dezesseis as fábricas
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34
registradas, dez curtumes e cerca de uma dezena de oficinas. Entre 1900 e 1940, foram
fundadas 33 bricas de calçados em Franca (BARBOSA, 2004).
Vários fazendeiros cafeicultores da região, interessados em investir seu capital
também em atividades urbanas e se manter mais próximos das instâncias de poder, para
exercerem o seu poder de mando, paulatinamente foram deixando suas residências rurais e se
instalando na urbe. Esses moradores mais abastados passaram a exigir da municipalidade
equipamentos e serviços urbanos como calçamento de ruas, água encanada, rede esgoto,
coleta de lixo, iluminação pública, energia elétrica, linha telefônica, jardins, teatros e hotéis.
Ao mesmo tempo, procuraram também investir parte do seu capital no meio urbano, muitas
vezes se aproveitando dos generosos incentivos oferecidos pelo Poder Público local à
iniciativa privada para que esta provesse a cidade de alguns melhoramentos considerados
vitais para a construção de uma paisagem citadina moderna. As notas do periódico francano,
transcritas anteriormente, assinalam as reclamações de uma aristocracia ansiosa por melhorias
no meio urbano, inclusive no que se refere à higienização do espaço urbano. Assim, conforme
bem observou Martins (1993, p. 185): “O espaço urbano aparece então como solução dupla:
instrumento de aplicação do capital de uma oligarquia enriquecida com o café e local de
exercício da civilidade que tal grupo pretendia”.
Além dos fazendeiros, a cidade passou a receber também um número cada vez
maior de negros libertos e seus descendentes, migrantes oriundos de diversas regiões do país
e, em quantidade mais expressiva, imigrantes europeus. Provenientes do campo ou de outros
centros urbanos, essas pessoas passaram a vislumbrar novas oportunidades na cidade de
Franca, onde passaram a trabalhar como empregados em diversas atividades urbanas, como
profissionais liberais, ou a atuar como pequenos empresários em atividades negligenciadas
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35
pelas camadas dominantes locais, como o comércio e a indústria
26
. Segundo Barbosa (2004, p.
23), dos 44.308 habitantes que o município de Franca contava em 1920, 6.193 eram
imigrantes, especialmente italianos (2.889) e espanhóis (2.281), perfazendo 21,35% da
população total.
Esse desenvolvimento foi acompanhado por um rápido crescimento da
população urbana que, de aproximadamente sete mil habitantes em 1903, saltou para cerca de
onze mil em 1921, alcançando 18.072 moradores em 1937 e 20.568 em 1940 (FOLLIS, 2004,
p. 33; GARCIA, 1997, p. 40).
27
Assim, na década de 1890, a cidade presenciou um grande
crescimento da sua malha urbana, evidenciado pela expansão do antigo núcleo central e pelo
desenvolvimento de dois novos bairros: o Bairro da Estação, inaugurado com a chegada dos
trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em 1887 e a instalação da estação
ferroviária numa área totalmente desabitada da Colina do Oeste, e a Cidade Nova, planejada
pela municipalidade em 1892 na região norte da Colina Central (ver figura 1).
Na década de 1920, surgiram os primeiros loteamentos particulares na cidade.
Com isso, a área urbana ultrapassou os limites do rocio, território sob o domínio da
municipalidade que abrangia um raio de cerca de 555 braças (1.221m) a partir do pelourinho,
marco do poder imperial localizado na Praça Barão da Franca, área central da cidade. Entre
1925 e 1945, foram efetuados os seguintes loteamentos: Vila Chico Júlio (1925), Vila
Aparecida (1925), Vila Nicácio (1929), Vila Santos Dumont (1929); Vila Santo Antônio
(1929); Vila Monteiro (1933) e Prolongamento da Vila Santos Dumont (1938) (ver figura 2).
Em Franca, pelo menos até a década de 1970, ao contrário do que ocorrera nas
grandes cidades, a classe dominante não abandonará a região central da cidade localizada no
26
A esse respeito Di Gianni (1996, p. 67) salienta que, na cidade de Franca: “Rapidamente os colonos ocuparam
nichos de mercado constituindo por vezes monopólios étnicos e étnico-familiares...” Segundo Barbosa (2004),
a participação dos imigrantes, particularmente dos italianos, foi decisiva para a evolução da indústria do calçado
em Franca, visto que vários imigrantes se tornaram empresários da indústria calçadista local.
27
A população total do município cresceu 341,32% entre 1886 e 1920, passando de 10.040 para 44.308
habitantes, e 26% entre 1920 e 1930, chegando a 55.715 habitantes nesse último ano (BARBOSA, 2004, p. 22).
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36
topo da Colina Central. Os mais ricos continuarão habitando os sobrados e casarões
localizados nas suas principais ruas e praças, locais onde também se instalaram as casas
comerciais mais requintadas, os estabelecimentos de crédito e as primeiras indústrias de
calçados da cidade, que irão aproveitar os antigos prédios comerciais e a presea de
melhoramentos como água encanada, rede de esgotos, energia elétrica e calçamento. O
comércio varejista se concentrará sobretudo ao longo da Rua da Estação, principal via de
ligação entre o Centro e a estação ferroviária. Os grandes atacadistas se instalaram nos
extremos desta rua, tendo sua maior aglomeração no Bairro da Estação. (RIBEIRO, 1941).
Favorecido pela presença da estação ferroviária, o Bairro da Estação se tornou
uma importante área de atração populacional, uma alternativa bastante interessante para os
recém chegados à cidade. Grande número de imigrantes, especialmente italianos, se dirigiu
para esse bairro. Assim, o desenvolvimento econômico e o povoamento dessa nova área
foram quase que instantâneos ao seu surgimento, marcado sobretudo pelo dinamismo da sua
atividade comercial. Além dos grandes armazéns atacadistas de café, arroz e milho e outros
produtos agrícolas, proliferaram pelo bairro diversos emrios de secos e molhados, hotéis,
pensões, restaurantes, bares e cinemas. Pequenas oficinas e manufaturas foram surgindo,
muitas fundadas por estrangeiros. Posteriormente apareceram também as primeiras indústrias.
Isso fez com que o bairro se transformasse num importante pólo econômico, capaz de
concorrer com o secular Centro da cidade (FOLLIS, 1998). Com o súbito desenvolvimento da
área, três dos quatro novos loteamentos efetuados na cidade na década de 1920 ocorrerão nas
suas imediações: Vila Chico Júlio, Vila Nicácio e Vila Santos Dumont. A Cidade Nova terá
um crescimento mais lento que a Estação e, diferentemente desse bairro, se manterá, pelo
menos até a metade do século XX, como área tipicamente residencial.
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37
1.3. O Poder Público Municipal e a transformação da cidade do café
A euforia em torno do desenvolvimento econômico e do crescimento da cidade
de Franca favoreceu a incorporação dos ideais de progresso e modernidade em voga nos
principais centros urbanos brasileiros na virada do século XIX para o XX. Com isso,
aumentou a preocupação do Poder Público Municipal em controlar, ordenar e equipar melhor
o espaço citadino. Para tanto, os administradores locais contaram com o aumento da
arrecadação municipal, propiciada pelo desenvolvimento da cafeicultura e das atividades
urbanas, pela criação de novos impostos e taxas e pela elevação de seus valores (FOLLIS,
2004).
Privados de auxílio financeiro significativo por parte dos governos estadual e
federal pelo menos até a década de 1930, quanto se verifica uma maior participação desses
no financiamento de melhoramentos como o abastecimento de água encanada e a rede de
esgotos –, os administradores municipais recorreram também à colaboração dos membros da
classe dominante local, tanto no que diz respeito à tomada de empréstimos como no que se
refere à participação da iniciativa privada em obras consideradas de vital importância para a
construção de uma cidade moderna.
28
Os grandes empréstimos acabaram onerando os cofres
municipais de Franca, comprometendo, assim, grande parte das arrecadações futuras.
29
A partir da última década do século XIX, a cidade iniciou um processo de
transformação urbanística que, especialmente nos aspectos referentes ao embelezamento e à
implantação de equipamentos e serviços públicos urbanos, priorizou, pelo menos até a década
de 1940, notadamente o Centro, local escolhido pela elite francana para representar uma
28
A tomada de empréstimos foi um expediente bastante utilizado pelos administradores das cidades paulistas em
processo de modernização, sendo os municípios mais ricos os que mais se endividaram. Para se ter uma idéia da
importância dos empréstimos na constituição dos orçamentos municipais, em 1911 as obrigações derivadas das
dívidas representavam 25% do total das despesas desses municípios, constituindo-se no item de mais alto valor
(LOVE, 1982).
29
Em 1933, o prefeito Barbosa Filho declarou “que a Prefeitura, para saldar debito do passado tem consumido
quasi 50 por cento da sua receita” (TRIBUNA DA FRANCA, 16.7.1933, p. 1).
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38
cidade moderna e civilizada. Até a cada de 1940, a modernização urbanística constituiu-se
no principal signo do progresso econômico e da instalação da modernidade em Franca.
(FOLLIS, 2004). O entusiasmo pelo ritmo da transformação urbana em curso na cidade na
virada do século XIX para o XX pode ser percebido em nota do jornal Tribuna da Franca
(25.12.1903, p. 2), logo no terceiro ano do século XX:
Sempre em vias de progresso cada vez mais crescente, vemos esta
bella cidade dia a dia arreiar-se de novas galas e pompas; dia a dia
observamos que um novo melhoramento se introduz em seo seio e que, em
vez de continuar a ser, como antigamente, um soturno e esteril banco de
areia”, a Franca está conquistando garbosamente seguros elementos
promissores de ser, em futuro não muito remoto, um verdadeiro edem
paulista, um aprazivel ninho de encantos poeticos.
O viajante dirá, por certo, que encontrou uma cidade muito diversa do
que era, annos atraz, quando a irregularidade de suas ruas cheias de buracos
e matagaes assustavam-no em seus passeios diarios ou mais o assombrariam
em noites de pessima illuminação.
Dirá também que as ruas estão, em sua maioria, bem calçadas, as
praças arborisadas, que vio aqui um bonito jardim, ali outro em vias de
construção, que os antigos casebres sem gosto architectonicos e que
tresandavam ao bolor de taperas e ao de ratos e morcegos, foram substituidos
por elegantes e solidos edificios que dão a esta cidade adiantada onde a
administração publica, sempre zelosa pelo bem geral, pelo interesse e bem-
estar da população, não se esquece de unir a hygiene à esthetica, o util ao
agradavel, o luxo ao necessário.
Acrescentará esse viajante ou touriste que, alem do embellezamento
dos squares e melhoramento das ruas, alem de ver correr com abundância a
agua potavel dos chafarizes e torneiras destinados à servidão publica e
particular, vio os activos empregados de uma companhia de força e luz
mourejando com ardor na tarefa de collocação de postes e fios para a
inauguração da luz electrica e que, a agua e a luz, sendo duas condões de
vida indispensaveis, a patriotica municipalidade da Franca não se esqueceu
de prover as necessidades do povo, tratando de solver esses dois problemas
primordiais com o maximo empenho.
Assim, se para a cidade de São Paulo, usando aqui um critério da urbanização e
da modernização urbanística, pode-se dizer que o período colonial termina em 1870
(QUEIROZ, 1993), para Franca esse somente finda em 1890, momento em que realmente a
cidade coma a despojar-se de uma feição essencialmente colonial rumo à constituição de
uma paisagem propriamente moderna.
A chegada da ferrovia em Franca foi de fundamental importância para a
transformação da cidade. Além de viabilizar a vinda de materiais e equipamentos para as
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39
obras e de profissionais como engenheiros, arquitetos, paisagistas e trabalhadores da
construção civil, os trilhos da Mogiana possibilitaram também um contato mais freqüente
entre Franca e outros centros urbanos. Assim, foi-se criando condições favoráveis à
importação dos ideais de modernidade e à padronização da cidade nos moldes já
institucionalizados nas cidades mais desenvolvidas. Segundo Ferreira (1983, p.50), a partir
desse momento, foram “surgindo residências, às vezes acopladas a modos de comércio,
com projetos importados, nos estilos que vigoravam na capital, pias que os barões do café,
a elite local, começavam a imitar, dada a facilidade de comunicação que a ferrovia
propiciava.”
O desejo de acompanhar a modernização das mais importantes cidades
brasileiras foi explicitado no Tribuna da Franca (21.04.1907, p. 1) da seguinte maneira:
Actualmente preocupa o espirito de todos os povos o
aperfeiçoamento de suas cidades e o desejo ardente que nutrem de dar às
mesmas, a par da belleza architectonica todas as condições hygienicas, com
o fim de tornal-as o quanto possivel salubres, isentas dos assaltos de terriveis
epidemias.
Esse ardor, digno de incondicionaes elogios, que tem por escopo o
bem estar geral das diversas classes sociaes, tem, felizmente, despertado em
nosso pais o mais serio interesse, a mais viva manifestação de apoio
traduzidos nesses gigantescos melhoramentos porque têm passado todas as
capitaes dos Estados e, notoriamente, a Capital Federal que, graças aos
esforços de alguns homens do passado governo da Republica se tornou, no
curto espaço de quatro annos, a mais notavel cidade da America do Sul.
Sim, ahi está Ribeirão Preto ..., é hoje uma das melhores e das mais
admiradas cidades do Brasil.
Com um exemplo tão palpitante tão cheio de verdade e de seducção, deveria
a nossa cidade ter acompanhado a sua co-irmã, já não diremos em todo o seu
deslumbrante caminhar, mas ao menos nas ostentações progressistas de mais
facil realisação.
Considerando que Franca, diferentemente de várias capitais estaduais e outras
cidades de destaque no cenário nacional, não sofreu a intervenção de nenhum plano de
remodelação urbana, a modernização da cidade se processou de forma gradativa, fruto da ação
contínua do poder público municipal que, por meio da confecção e aplicação de leis
municipais, aos poucos foi transformando a antiga vila do século XIX, marcada por uma
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40
feição ainda colonial, em uma cidade de características tipicamente modernas (FOLLIS,
2004).
Foi a partir de 1890 que os administradores municipais começaram a interferir
de maneira mais incisiva no espaço urbano de Franca na tentativa de conformá-lo às novas
funções que o contexto político e econômico lhe imputava. Conforme observou Lima (1995,
p. 93), foi no final do século XIX “que as Posturas expõem mais detalhadamente as normas
para a ‘construção’ da cidade, ditando regras para alinhamento, arruamento e nivelamento das
ruas e praças da cidade”. Para isto, em l899 a mara aprovou um projeto que definiu o
perímetro urbano de Franca, ou seja, a região a ser normatizada (ACM, 24.10.1899, p. 109-
109v). A demarcação de um extenso perímetro urbano, que engloba até mesmo as chácaras,
ultrapassando em muito a área edificada e arruada da cidade, evidencia o interesse da
municipalidade em ordenar e racionalizar a expansão urbana de Franca que deveria se
desenrolar a partir de então respeitando os padrões modernos de organização espacial.
O aumento da procura por terrenos no perímetro urbano motivou a sua
transformação em mercadoria e o início da especulação imobiliária. Conforme observou
Bentivoglio (1997, p.136), a partir de 1892, “predominariam ações de compra e venda
envolvendo a terra urbana, encerrando o mecanismo das concessões enquanto instrumento
responsável pela construção da paisagem citadina como indicou o loteamento da Cidade Nova
e a procura por terrenos na Estação.
A presença de boçorocas
30
no meio urbano de Franca dificultou o
estabelecimento de uma malha viária mais funcional na cidade, uma vez que prejudicou uma
30
Popularmente conhecida como “buracão”, a boçoroca, ou voçoroca, é uma fenda de enorme dimensão que
ocorre em solos propícios a sua formação em decorrência da erosão provocada pelo desmatamento e outras ações
do homem no meio. Em termos técnicos, as boçorocas resultam de processos erosivos acelerados cuja evolução
supera a capacidade de recuperação do solo. Constituem a fase mais avançada dos processos erosivos lineares,
combinando as ações do escoamento das águas de superfície e de sub-superfície. Esta combinação provoca uma
erosão interna que remove as partículas do interior do solo, formando “tubos” vazios que causam o colapso e o
desmoronamento das encostas, processo que promove o alargamento contínuo da fenda (AB’SABER, 1968;
CHIQUITO, 2006).
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41
articulação eficiente entre o Centro e os bairros da urbe
31
. Diferentemente do que ocorrera nos
grandes centros, onde a desapropriação de propriedades particulares assumiu um papel crucial
na racionalização do espaço urbano da área central, em Franca esta prática teve pouca
importância na transformação do espaço físico da cidade. As intervenções por meio das
desapropriações muitas vezes foram impossibilitadas pela falta de verbas blicas para arcar
com as despesas. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a concentração de moradores pobres na
área central motivou e facilitou as desapropriações.
Assim, a antiga malha urbana do Centro, composta por muitas ruas estreitas
32
e
quarteies irregulares, permaneceu praticamente inalterada, contrastando com as novas áreas
da cidade que passaram a adotar as medidas estabelecidas nos códigos de posturas. Esse
contraste tornou-se mais evidente após a implantação do traçado em sistema de xadrez com
vias largas adotado no planejamento da Cidade Nova e dos novos bairros surgidos a partir da
década de 1920 (ver figura 5).
Com o objetivo de controlar a expansão norte da área central da cidade, em
1893 a municipalidade começa a lotear a Cidade Nova, primeiro bairro totalmente planejado
de Franca. O projeto coube ao engenheiro Ernesto da Silva Paranhos, que apresentou a planta
em 1892. Projetado em forma de tabuleiro de xadrez numa extensa área plana da região mais
alta da urbe, constituído de quarteies quadrados regulares, ruas e calçadas largas e
atravessado por duas amplas avenidas, a Avenida Francana (atual Major Nicácio) e a Avenida
Rio Branco (atual Presidente Vargas), ambas com quarenta metros de largura, este loteamento
31
Desde o final do século XIX, a presença de boçorocas no meio urbano de Franca era motivo de grande
preocupação por parte do poder público. Em 1887, prevendo a expansão da cidade em razão da chegada da
ferrovia, foi apresentada uma indicação para que a Câmara reivindicasse à Assembléia Provincial uma verba de
vinte contos de réis para ser aplicada “nos concertos de diversas ruas, entupimento das grandes bossorocas que
existem, não no caminho da estação da via-ferrea, como mesmo unido á cidade, onde pode cauzar grandes
prejuizos” (LRDP, 20.01.1887). A presença de uma grande boçoroca na encosta oeste da Colina Central
(conhecida posteriormente como “Buracão do Pestalozzi”), além de interceptar as ruas Monsenhor Rosa e do
Comércio, impossibilitava o prolongamento da Avenida Major Nicácio no sentido leste-oeste, o que impedia a
conexão direta da Cidade Nova com os bairros da Colina da Estação, contribuindo assim para o
congestionamento das duas vias que faziam a ligação Centro-Estação.
32
Para ficarmos com apenas três exemplos, salientamos que a Rua do Comércio e as ruas Saldanha Marinho e
Ouvidor Freire possuem menos de quatro metros de largura nos trechos do centro da cidade (ver figura 15).
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42
evidencia o desejo do poder público local em estabelecer um espaço físico moderno em
Franca
33
. O planejamento da Cidade Nova exemplifica bem o que Romero (1976, p.275)
observou em sua análise a respeito das transformações das cidades latino-americanas: onde
o se pode ou não se quis demolir o velho centro colonial, procurou-se organizar a expansão
das áreas adjacentes e dos novos bairros de acordo com os modernos princípios urbanísticos.
Apesar de ter sido poupada das devastadoras epidemias de febre amarela, que
na virada do século XIX para o XX provocaram grandes distúrbios no Rio de Janeiro e em
alguns dos centros urbanos paulistas mais pujantes, como Santos, Ribeirão Preto, Sorocaba,
Rio Claro e Campinas, a cidade de Franca foi acometida por vários surtos de varíola e
varicela, sofrendo também com a gripe espanhola em 1918 (FOLLIS, 2004).
Com o súbito crescimento da população urbana na virada do século e o
conseqüente aumento da possibilidade de surgimento de doenças epidêmicas, aumentou a
preocupação com a salubridade da cidade. Com isso, o ideal de higienização foi incorporado
pelos administradores municipais, passando então a motivar e justificar as intervenções no
meio urbano. Além disso, a transferência, em 1893, da responsabilidade pelo serviço sanitário
do Governo do Estado para os municípios, passou a exigir uma ação mais efetiva da
Municipalidade nessa esfera. A preocupação maior era com os focos potenciais de
“miasmas”, visualizados nas águas estagnadas, no lixo em decomposição e nos animais
mortos em putrefação no meio urbano. A apreensão presente na época em torno das condições
higiênicas da cidade e da eminente ameaça das epidemias foi descrita da seguinte maneira na
imprensa local:
Entramos em plena estação calmosa, epocha em que, todos os annos
e por toda a parte, as epidemias apparecem com mais intencidade.
33
O mbolo mais expressivo desse espaço urbano geométrico e racional inaugurado com a Cidade Nova era,
sem dúvida, as duas avenidas que o compunham. Planejadas com objetivos que ultrapassavam em muito as
necessidades viárias da época, as avenidas Major Nicácio e Presidente Vargas expressavam o desejo da cidade
de ser moderna (ver Figura 15). Aqui, mais do que nas capitais, as avenidas surgiram essencialmente como
símbolos de uma nova época, e não como uma necessidade prática premente ou presumível. Essas vias
superdimencionadas permaneceram semidesertas por quase um século, pois foi somente por volta da década de
1970 que elas começaram a ter um tráfego condizente com os seus amplos espaços.
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43
A nossa Franca é uma das cidades que menos têm soffrido neste
sentido, devido o somente as suas optimas condições climatericas e
invejavel topographia, que nos offerecem a melhor garantia á salubridade
publica.
Isto o quer dizer, porém, que nos descuidemos dos mais
comesinhos preceitos de hygiene ...; e tanto mais é de urgencia a observancia
estricta de bôa hygiene, quanto é sabido que a Franca de hoje não é
certamente a mesma de 8-10 annos antes.
A sua população quase tem dobrado neste ultimo decennio, como
tem dobrado o seu movimento de vida commercial e social tornando mais
compacto o agrupamento das casas.
Tudo isto está a exigir maiores cuidados de hygiene para garantir a
salubridade publica; eis porque vimos hoje especialmente chamar a vistas do
digno sr. Intendente em exercicio para um dos mais importantes dos ramos
de serviço a limpeza publica, que é, todo o mundo o sabe, a pedra angular
do grande edificio da Hygiene (TRIBUNA DA FRANCA, 09.11.1905, p. 1).
O serviço de limpeza blica passou a ser considerado, então, um dos mais
importantes e indispensaveis serviços publicos”, visto que a urbe tinha “necessidade de
demonstrar em todos os seus detalhes a verdade do seu progresso e civilização” (TRIBUNA
DA FRANCA, 16.09.1909, p. 1).
Um dos grandes problemas higiênicos enfrentados pela municipalidade na
época dizia respeito ao escoamento das chamadas “águas servidas”, uma vez que as ligações
dos prédios à rede de esgoto somente tiveram início em meados da década de 1910 e se
processaram de forma lenta e restrita (FOLLIS, 2004). Dessa maneira, apesar de ser proibido
pelo digo de Posturas Municipais de 1890, a maior parte da água utilizada na lida diária
dos moradores era lançada nas ruas, fato que, segundo um periódico local, incomodava “o
tranzeunte com o seu fetido insupportavel”, além de “envenenar o ar com milhares de
microbios, portadores de febres de mau caracter e outras molestias infecciosas” (TRIBUNA
DA FRANCA, 12.05.1907, p.1).
Em 1902, a municipalidade contratou um empreiteiro para executar a coleta do
lixo e das águas servidas” (TRIBUNA DA FRANCA, 1
o
.3.1902, p.3). No entanto, dada a
dificuldade encontrada pelos habitantes em armazenar a água utilizada em suas residências e a
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44
irregularidade do trabalho de recolhimento dos detritos, este inconveniente higiênico
continuou a incomodar os moradores e administradores municipais.
34
Por várias vezes encontramos a imprensa francana exigindo providências e
reclamando das precárias condições higiênicas do Centro, local onde as exigências quanto à
higiene eram maiores e mais fiscalizadas. Em 1910, o Tribuna da Franca (13.10.1910, p. 1)
fez o seguinte comentário a esse respeito:
Consecutivamente recebemos pedidos afim de reclamarmos dos
fiscaes municipaes energica providencias no sentido de serem punidas as
pessoas residentes em as ruas centraes e movimentadas da cidade, as quaes
em manifesta infração á letra do codigo de postura e aos preceitos
hygienicos deixam escorrer para as sargetas publicas as aguas servidas de
suas casas.
Bem sabemos que em uma cidade como a nossa, onde não existe
rêde de esgotos e não aperfeiçoado serviço de limpesa publica, torna-se
impossivel cohibir que sejam lançadas para as ruas o que propriamente se
chama aguas sevidas; entretanto, não é precisamente disto que se trata, mas
sim do despejo nas ruas de lavagem putrida, geradora de molestias fataes.
O Código Municipal de 1910 estabeleceu mais detalhadamente as regras para a
higienização das propriedades particulares e para a limpeza blica da cidade. Segundo este
código, as águas utilizadas nas casas deveriam ser colocadas em “vasilhas especiais” e
entregues todos os dias às carroças da limpeza blica. Em 1920, o prefeito Torquato Caleiro
promulgou uma lei proibindo o uso de latas e caixotes de lixo e obrigando a utilização dos
recipientes tampados, de zinco ou ferro galvanizado, adotados pela Prefeitura (TRIBUNA DA
FRANCA, 15.08.1920, p.2). Em outubro de 1925, o jornal O Aviso da Franca (25.10.1925,
p.1) expôs o seguinte:
É um espectaculo vergonhoso, e que vem desabonar grandemente a
hygiene da cidade, o uso de exporse o lixo aí pelas calçadas, em latas abertas
ou caixões.
Não se precisa ser um hygienista para se julgar dos incovenientes que
este uso traz.
Dois remedios ha para isso: um já o foi applicado pelo ... dr. Antonio
Petraglia, quando vereador, mas que caiu em desuso por exigir algum
sacrificio das bolsas, nem todas capazes de o fazer.
34
Em agosto de 1913, o Sr. Jorge Kamil foi multado pelos fiscais municipais por ter deixado “em suas sargetas
aguas putridas estagnadas” (TRIBUNA DA FRANCA, 24.8.1913, p. 1).
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45
O que nós propomos é estabelecer o louvavel costume que ha no Rio:
O lixeiro entra e váe buscar o lixo no quintal das casas. Quem não tiver
quintal, compre uma lata propria para lixo, fechada, de accordo com o que
dispõe o Codigo Municipal.
Esse artigo evidencia o desejo de adotar na cidade as práticas desenvolvidas
nos principais centros brasileiros. Demonstra, também, as dificuldades enfrentadas pelos
administradores municipais para implementar medidas que exigiam gastos por parte da
população.
Até 1932, as carroças da limpeza blica de Franca percorriam apenas as ruas
centrais da cidade, passando, a partir desse ano, a atender também os bairros Cidade Nova,
Estação e Cubatão. Tal serviço era bastante deficiente, sendo freqüentemente criticado pela
imprensa francana, que acusava os fiscais municipais de não fazerem as empresas
concessionárias cumprirem as cláusulas estabelecidas no contrato. (FOLLIS, 2004).
No que se refere à fiscalização das habitações, a partir de 1907, o Poder
Público local passou a ser auxiliado pelos fiscais do Serviço Sanitário do Estado. Esses
agentes inspecionavam as condições higiênicas das casas e intimavam, quando necessário, o
morador a cumprir as determinações previstas na legislação vigente. Encerradas as visitas aos
domicílios, os fiscais entregavam um relatório ao poder público municipal que ficava, então,
incumbido de fiscalizar o cumprimento das determinações impostas aos moradores. Para isto,
os funcionários municipais muitas vezes recorriam às multas e, até mesmo, à interdição do
prédio. Dentre as várias notificações efetuadas pelos fiscais sanitários do Estado entre 1907 e
1940 na cidade, destacavam-se as seguintes: limpeza dos quintais; reparos em cisternas e
fossas; remoção de porcos; ligação às redes de água e esgoto; instalações sanitárias adequadas
e extinção de fossas e cisternas nas áreas servidas pelas redes de água e esgoto; além de
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46
reforma e demolição de prédios que se encontravam em desacordo com as normas sanitárias
em vigor.
35
Em nome da higienização, a Câmara Municipal de Franca passou a proibir a
criação de animais no território urbano, uma vez que a desejada “cidade moderna” teria que se
diferenciar do meio rural também nas suas atividades. Assim, a vida na urbe passou a exigir
mudanças de hábitos já bastante arraigados entre a população. Em dezembro de 1898, os
vereadores aprovaram uma lei que, além de proibir a criação de porcos, carneiros, cabritos e
vacas no Centro da cidade, exigia que estes fossem abatidos no Matadouro Municipal (ACM,
10.12.1898, p.29v). Em 1914, a lei que proibia a criação de animais soltos foi estendida para
os bairros compreendidos dentro de um raio de seis quilômetros a partir do Centro.
Os vários artigos de jornais denunciando a presença de animais domésticos no
meio urbano deixam evidente a grande dificuldade enfrentada pela Municipalidade para coibir
tal prática. Além de se constituir em um antigo costume trazido do meio rural, a criação de
animais fazia parte da economia de subsistência que muito tempo vinha contribuindo para
a sobrevivência da população mais pobre da urbe. A polêmica em torno da lei que proibia a
criação de porcos dentro da cidade é bastante elucidativa a esse respeito.
Discutindo o artigo 62 do Código de Posturas em vigor no ano de l889, o qual
proibia a criação e conservação de suínos na cidade, o vereador Vassimon reivindicou à
Câmara a permissão para os moradores poderem criar dois ou três porcos em chiqueiros
forrados e bem conservados, pagando uma taxa de cinco mil réis à municipalidade, visto
estarem “os preços os mais excessivos como do toucinho e mais viveres”, e em razão de
existirem “dentro da cidade muitos chiqueiros com porcos sem ter para isso os seus donos a
competente licença, e que fiado neste principio entendia ser tolerado” (ACM, 24.12.1889,
p.26-26v).
35
Numa visita a Franca, efetuada em outubro de 1934, os agentes da Delegacia de Saúde de Ribeirão Preto
inspecionaram 520 residências habitadas, 13 casas vagas, 2 prédios em construção e 430 fossas (TRIBUNA DA
FRANCA, 1
o
.11.1934, p. 2).
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47
O relato do vereador Vassimon deixa claro que a população não respeitava as
normas que proibiam a criação de porcos na cidade e que, na prática, havia até mesmo certa
tolerância por parte dos fiscais municipais, uma vez que existiam dentro da cidade muitos
chiqueiros”. Numa vistoria efetuada em agosto de 1915, os fiscais sanitários intimaram vários
proprietários que estavam criando suínos nos seus quintais (TRIBUNA DA FRANCA,
01.08.1915, p.1). Em abril de 1932, numa operação de averiguação realizada pela Delegacia
de Saúde de Ribeirão Preto em Franca, foram removidos vinte porcos dos quintais de
residências localizadas em pleno Centro da cidade (TRIBUNA DA FRANCA, 17.4.1932,
p.1).
O ideal de higienização da cidade também serviu de justificativa para a criação
de novos impostos urbanos. Em 1905, a Câmara Municipal instituiu um tributo no valor de
10% sobre o imposto predial urbano, denominado taxa do lixo (TRIBUNA DA FRANCA,
9.11.1905, p.1). Em 1912, foi criado o imposto de cinco mil reis anuais sobre cada habitão
do perímetro urbano, destinado a auxiliar a verba desprendida pela municipalidade com a
limpeza pública da cidade (TRIBUNA DA FRANCA, 18.4.1912, p.2).
No que se refere ao embelezamento da cidade de Franca, os esforços da
municipalidade se concentraram mais especificamente em torno de dois objetivos: o
ajardinamento das principais praças blicas e a construção de suntuosos prédios de estilo
moderno.
O primeiro logradouro ajardinado da cidade foi a Praça Barão da Franca, que
em 1901 foi decorada com canteiros arborizados e caminhos de terra batida, recebendo
também, numa das suas laterais, um coreto de formato retangular (ver figura 9). No início da
década de 1930, os passeios dessa praça foram calçados.
Até 1906, o Largo da Matriz (atual Praça Nossa Senhora da Conceição) se
resumia a um extenso descampado dividido ao meio por uma trilha de terra batida, a Rua
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48
Marechal Deodoro, e ocupado apenas pela Velha Matriz e pelo Relógio do Sol (ver figura 6).
Nesse ano foi iniciado o ajardinamento da parte do largo compreendida entre a Rua Marechal
Deodoro e a Rua Saldanha Marinho, área frontal à nova matriz que começou a ser erguida em
1893. Em 15 de novembro de 1909, inaugurou-se esse jardim.
36
O comentário efetuado pelo
Jornal Tribuna da Franca (18.3.1906, p.1) a respeito dessa obra evidencia, de maneira
elucidativa, a presença dos ideais de embelezamento e higienização no ideário urbano de
Franca:
Essa idéia que tem sido unanimente apreciada é na verdade digna dos
maiores encomios, porque satisfazendo uma necessidade sob o ponto de
vista do Bello, corre evidentemente para melhorar as boas condições de
hygiene publica, pois que ninguem ousa contestar que o largo de N.
Senhora da Conceição, tal qual se achava, alem de attestar contra os nossos
creditos de povo civilizado, poderia originar damnos não pequenos á saúde
publica, attentas á lama, matto e aguas estagnadas que de ordinario cobriam
toda a extensão da bella praça.
Em 1927, o poder municipal autorizou o início de uma obra que transformaria
radicalmente a paisagística do local, com a demolição do antigo jardim e o ajardinamento do
largo em toda a sua extensão. O projeto paisagístico foi elaborado pelo arquiteto francês
Chauviére com base nos preceitos do estilo rococó francês” (QÜEEN, 1986, p.55) (ver
figuras 7 e 8). Em 1939, a Prefeitura promoveu a troca da grama e de várias plantas
ornamentais dos canteiros da praça.
A Praça Nove de Julho, antigo Largo das Magnólias, foi outro logradouro
central que recebeu um desenho paisagístico na década de 1930. O destaque decorativo ficou
por conta do grande monumento em homenagem aos combatentes francanos da Revolução
Constitucionalista de 1932, inaugurado em 1938. Para o orçamento de 1938 a Câmara
aprovou uma verba de dez contos de réis para ser aplicada no ajardinamento de mais dois
largos localizados na área central da cidade, a Praça do Cemitério (atual Pç. Carlos Pacheco
36
De estilo eclético, essa praça foi dotada de caminhos curvilíneos e uma passarela central que interligava a
velha matriz à nova. No centro foi construído um coreto de madeira, o primeiro do largo, as laterais foram
decoradas com dois espelhos d’água contendo chafarizes (QÜEEN, 1986, p. 52) (ver Figuras 20 e 21).
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49
de Macedo) e a Praça Coronel Francisco Martins (área atualmente ocupada pelos prédios da
CPFL e Caixa Econômica Estadual) (ACM, 15.9.1937, p.106v).
Até meados da década de 1930, os investimentos destinados ao ajardinamento
dos largos da cidade beneficiaram exclusivamente as praças do núcleo central de Franca. As
praças da Estação e da Cidade Nova, bairros bastante povoados, não foram contempladas
pelos projetos paisagísticos. Conforme observa Qüeen (1986, p. 106) a Praça João Mendes,
surgida no início da década de 1890, na confluência do Centro com o Bairro Cidade Nova,
“viveu mais de meio século sem vegetação e equipamentos, um terreno para a circulação de
veículos e pedestres”.
O Largo da Estação (Praça Sabino Loureiro), apesar de ser o ponto de chegada
dos viajantes que aportavam na estação ferroviária, somente recebeu um projeto urbano-
paisagístico, em meados dos anos 30 (ver figura 10). Essa obra foi severamente criticada
pelos poticos oposicionistas anti-varguistas, visto que não era comum o direcionamento de
verbas públicas para o ajardinamento de praças fora dos limites do Centro. Em 1935, o Jornal
A Tribuna (3.3.1935, p.1) acusou os administradores municipais de executar esse serviço com
fins políticos eleitoreiros:
Parece-nos, e com franqueza dizemos, que aquelle punhado de pedras
atirado alli, nada mais servio do que para propagandas políticas, para
discursos com muita musica e foguetes, morte de um inocente, e de
guindaste para elevar ao poder certos arruaceiros, amancebados e sedentos
de collocação, ao lado do Sr. Getulio Vargas, aquelle que elles tentaram
depor.
Na visão da classe dominante francana, a constituição de uma cidade
elegante” deveria se dar também pela substituição dos antigos prédios de estilo colonial por
edifícios de arquitetura moderna. Assim, o ideal de embelezamento passou a justificar a
imposição de normas cada vez mais rígidas às construções privadas, a criação de novos
impostos municipais, como o tributo que passou a ser cobrado, a partir de 1908, sobre
passeios sem calçamento em ruas ensarjetadas e a taxa de 50% sobre o imposto predial que, a
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50
partir de 1900, começou a ser exigida de todos os proprietários de prédios que mantivessem
escadas ou desnível nas calçadas. Em resposta a um abaixo-assinado de diversos moradores
pedindo a revogação dessa taxa, a Comissão de Finanças da Câmara argumentou o seguinte:
Quanto a revogação do addicional dos 50% a conmissão é de parecer que a Camara não deve
attender, tendo em vista o embelezamento da cidade” (ACM, 13;11;1927, p.67-67v.).
Com o objetivo de compor um novo cenário para Franca, semelhante àquele
visualizado nas cidades mais importantes do país, em 1896 a mara mandou contratar com
um engenheiro o feitio de três plantas de casas, obrigando aqueles que desejassem construir
ou reconstruir seus prédios a fazê-los de acordo com os três modelos disponíveis (FOLLIS,
2004). Além das detalhadas normas para as construções, as Posturas de 1890 estabeleceram a
proibição de se construir casas de meia água e a obrigação de calçar os passeios onde
houvesse sarjetas e de caiar os muros e a frente das casas, assim como pintar as portas, janelas
e beirais uma vez a cada dois anos. Amparado pela legislação, o Executivo municipal
começou a reprimir, por meio de multas e ordens de reconstrução e demolição, os
proprietários de prédios que não cumpriam, a seu ver, os preceitos referentes à “solidez e à
estética”.
37
O Código Municipal de 1910 ims regras mais rígidas e detalhadas à
construção de casas, muros e calçadas e estabeleceu um regulamento mais enérgico para punir
os proprietários de casas consideradas ruinosas”. Em 1912, o Vice-Prefeito Bento Teixeira
Sampaio publicou um edital determinando um prazo de sessenta dias para a demolição ou
37
Em 1890, o fiscal municipal recebeu ordem para mandar Francisco da Silva Espíndula “demolir sua casa, que
fica abaixo da Cadeia, no prazo de 30 dias. E também avisar outro cidadão a reconstruir a frente de sua casa,
localizada na rua Municipal esquina da rua Santa Cruz, no prazo de 30 dias” (ACM, 24.3.1890, p.46v-47). Em
1894, o fiscal informou que apesar de ter embargado a construção de uma casa na “rua abaixo da Misericordia” o
proprietário estava continuando a obra. Com isto, a Câmara pediu para o intendente “cumprir a Lei Municipal
mandando multar ao dito proprietário e demulindo a casa a sua custa” (ACM, 7.04.1894, p. 69v). Em fins de
1905, o fiscal José Rosendo solicitou a demolição de uma casa localizada na Rua Couto Magalhães, “o que foi
promptamente obedecido e executado” pelo proprietário (LRDP, 18.12.1908). Em resposta a um morador que
pedia para ampliar sua residência na Rua do Carmo (atual Campos Sales) mediante a construção de cômodos
“com altura inferior a 18 palmos, a Câmara negou a concessão “por ser contraria não a lei como ao
embelezamento da cidade” (ACM, 20.9.1890, p. 68-68v).
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51
reconstrução “dos predios, muros e edificios de quaesquer especie em estado de ruinas”
(TRIBUNA DA FRANCA, 31.3.1912, p.2).
Em 1914, o prefeito concedeu noventa dias de prazo para a reconstrução dos
portões que não estivessem de acordo com as disposições do artigo 264 do Código Municipal
de 1910, que rezava o seguinte: “Os pores que derem entrada para quintaes ou terrenos no
perimetro central, deverão ter a altura minima de 2
m
, 20, guardando-se a proporção da largura,
sendo pintadas a oleo as portadas e folhas”. Assim como essa lei, outras identificadas mais
estreitamente com a decoração dos prédios, como a obrigatoriedade de construir tipos
específicos de calçadas e de colocar platibandas nas casas, eram aplicadas exclusivamente na
região compreendida pelo perímetro central” (FOLLIS, 2004).
Acreditamos que essas obrigações impostas aos moradores da região central da
cidade, somada a outros fatores que ainda serão abordados, acabaram dificultando a
permanência e a instalação das camadas mais pobres da população nessa área, provocando,
assim, a procura por bairros onde as exigências quanto ao embelezamento, à higienização e à
racionalização do espaço citadino eram menores e menos fiscalizadas.
Além de exigir o cumprimento das leis elaboradas para embelezar a cidade, o
Poder Público local passou também a incentivar a participação dos moradores nesse sentido.
Em abril de 1912, a Câmara Municipal aprovou uma lei isentando do imposto predial urbano -
fixado em cinco mil is anuais -, por um prazo de cinco anos, as casas que fossem
construídas com “valor locativo nunca inferior a trezentos e sessenta mil reis por anno
(TRIBUNA DA FRANCA, 18.4.1912, p.2).
38
Nesse mesmo mês, a Prefeitura aumentou esses
benefícios ao retirar também as taxas de alinhamento e nivelamento.
39
No ano seguinte à
38
Pudemos constatar que essa lei manteve-se em vigor pelo menos até 1921. Em razão da grande quantidade de
casas de aluguel nas cidades brasileiras nesse período, o valor das casas era aferido com base no seu valor de
locação (BONDUKI, 1998).
39
Para conceder essas isenções, o poder público exigia a apresentação da “planta da casa a ser construída, na
verdade, um croqui bem desenhado em que o pretendente deveria destacar a riqueza dos detalhes arquitetônicos
da construção (ver figura 16).
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52
promulgação dessas leis, um jornal francano comentou a importância dessa iniciativa blica
para o surgimento de prédios modernos na cidade:
Assim é que em quasi todas as praças e ruas estão se edificando
solidos e vistosos predios, uns destinados a residencias particulares, outros
apropriados para estabelecimentos commerciaes.
As reconstrucções dos velhos predios vão dia a dia augmentando-se,
remodelando assim a nossa cidade, que agora não nos apresenta o
tristonho aspecto de cidade antiga. Todos os predios que estão em
reconstrucção, obedecem o estylo da architectura moderna.
Em parte, cabe a nossa edilidade esse movimento que ahi vemos, pois
ella votando uma lei que isenta do imposto predial pelo praso de cinco annos
a todo aquelle que construir dentro da cidade, muito tem contribuido para
esse notado e animador movimento.
Não obstante a escassez de material, a qual vae fazendo sentir os
seus effeitos, e o grande augmento de seu custo, não obstante, diziamos, a
tudo isto, as novas edificações e reconstruções proseguem, sujeitando os
interessados a importação desse material por preço carissimo.
Nada menos de 90 predios estão a concluir suas obras.
É, pois, com satisfação que vemos esse movimento que óra se opéra
em pról do engrandecimento desta terra, que incontestavelmente progride
(TRIBUNA DA FRANCA, 10.4.1913, p.1).
Salientando a carência de moradias e o alto preço dos aluguéis na cidade, em
1920 a Câmara aprovou uma lei concedendo a isenção de impostos municipais por quinze
anos para grupos de no nimo quatro casas de aluguel destinadas às classes populares.
40
Por
se tratar de moradias populares, a municipalidade reservou para si o direito de escolher o local
onde estas poderiam ser edificadas, evitando assim a construção de prédios simples e
pequenos na região central da cidade e, por conseguinte, a instalação de pobres nessa área. O
valor máximo das casas de aluguel destinadas às classes populares era a metade daquele
estipulado para as casas que deveriam contribuir para o embelezamento da cidade (TRIBUNA
DA FRANCA, 15.8.1920, p.2). Assim, os incentivos fiscais estabelecidos pela
Municipalidade para estimular a construção civil em Franca acabaram beneficiando apenas os
membros da classe abastada francana, pessoas que tinham condições de investir capital em
40
Segundo Bonduki (1998), a concessão de incentivos públicos à construção de casas de aluguel à classe
trabalhadora se tornou prática comum durante a Primeira Reblica, sendo, inclusive, bastante utilizada na
cidade de São Paulo.
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53
grupos de casas populares para locação ou em “elegantes” prédios de estilo moderno que
contribuiriam para o embelezamento da cidade.
41
O ideal de embelezamento também servirá de justificativa para o poder público
municipal conceder vários privilégios para a iniciativa privada construir novas casas teatrais e
um grandioso hotel na cidade. Assim, a construção das mais expressivas edificações a
evidenciar a riqueza e o esplendor da cidade ficaria a cargo da abastada classe dominante
local.
Para os ricos membros da alta sociedade francana, o antigo Teatro Santa Clara,
inaugurado no dia 4 de abril de abril de 1874, não estava à altura do progresso” de Franca.
Assim, este prédio passou a ser alvo das reclamações da imprensa local, que começou a
criticar, dentre outras coisas, a sua “pessima esthetica e falta de hygiene e commodidades”
(TRIBUNA DA FRANCA, 13.6.1909, p.1). Objetivando solucionar esses problemas, no
início do século, a municipalidade adquiriu esse teatro. Em 1912, realizou sua remodelação
priorizando a reconstrução de sua fachada frontal. Acompanhando as tendências dos grandes
centros urbanos, modificou o seu nome para Teatro Municipal, mesma denominação dos
teatros públicos do Rio e de São Paulo (ver figura 13).
Entretanto, nem mesmo a remodelação do velho Santa Clara” fez o poder
público abandonar a idéia de dotar a cidade de uma casa teatral moderna. A primeira tentativa
foi feita em 1913, quando a Câmara doou um terreno na Praça Barão da Franca para Gustavo
Martins de Cerqueira e Chrysogono de Castro constrrem um “theatro de estylo moderno”
(ACM, 29.1.1913, p.43; ACM, 30.1.1913, p.45). O prédio foi erguido pela empresa
cinematográfica Muniz & Cunha, sua nova proprietária. Foi inaugurado em 13 de julho de
1913 e recebeu o nome de Teatro Santa Maria.
41
Vale lembrar que até o final da década de 1930, momento em que o Estado começa a investir na produção e
financiamento da moradia própria, a produção habitacional no Brasil coube quase que exclusivamente aos
investidores em moradias de aluguel (BONDUKI, 1998).
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54
No início dos anos 20, os administradores municipais voltaram a requerer uma
nova casa teatral para Franca. No plano de melhoramentos urbanos apresentado pelo Prefeito
Torquato Caleiro em 1922, a construção de um teatro aparece como uma obra de grande
importância para “completar o embelezamento da cidade”. Com isso, em 1923 a mara
concedeu isenção de todos os impostos municipais, subvenção de dez contos de réis e
instalação de água e rede de esgoto gratuita para o empresário cinematográfico José Rebello
Muniz terminar a construção de uma casa teatral na cidade. Em troca, a mesma exigiu, dentre
outras coisas, a execução completa da planta do edifício e a sedição gratuita do mesmo para a
realização de “festas de reconhecida caridade” (ACM, 18.6.1923, p. 238-239). Tratava-se do
novo edifício do Teatro Santa Maria, concluído em 1924 com capacidade para 1400 pessoas
(ver figura 14). Os seus camarotes tornaram-se então centros convencionais de reunião da
elite francana.
42
.
No início dos anos 20, a construção de um grandioso e luxuoso hotel na região
central da cidade passou a ser a obra mais desejada pela classe dominante francana. Na visão
dos “barões do café”, a urbe necessitava de um monumental hotel que suprisse a demanda de
uma clientela mais requintada e expressasse, por meio de sua ostentação, a prosperidade de
Franca. Em razão disso, a imprensa local começou a cobrar a ação dos administradores
municipais nesse sentido, uma vez que Ribeirão Preto, referência regional para as cidades da
Alta Mogiana, e até mesmo centros menores que Franca, como Bebedouro, já possuíam tal
melhoramento:
Em Ribeirão Preto que é uma cidade também longe da capital,
hotéis-modelos com refeitorios tendo mezinhas separadas typo restaurant,
quartos numerosos e hygiênicos com agua encanada em cada um delles.
Aqui há uma deficiência digna de ser lastimada. Em Bebedouro hotéis
que possuem mais de 50 quartos e é uma cidade que não se pode comparar a
Franca. ... mas como os nossos capitalistas parecem não se quererem decidir
a isto acho que a prefeitura deveria tomar a peito e construi-lo por conta
propria, arrendando-o depois a particulares (O ALFINETE, 19.4.1923).
42
Apesar de bastante desfigurado em razão de várias reformas, esse prédio existe até hoje no calçadão da Rua
Marechal Deodoro, Centro da cidade. Atualmente abriga uma casa dançante.
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55
Para o vereador Torquato Caleiro, a construção de um hotel “condigno” com o
progresso da cidade se tornara uma obra inadiável (ACM, 19.4.1926, p.353). Com isso, a elite
local conseguiu transferir para o poder público municipal a responsabilidade por esse
empreendimento.
Em 1928, a Câmara Municipal de Franca decretou uma lei oferecendo várias
vantagens à “Empresa que se organizar nesta cidade, para a construção de um hotel
moderno”, tais como: isenção dos impostos municipais e de taxa de água e rede de esgotos
durante vinte anos e a doação de uma área de mil metros quadrados no centro da Praça D.
Pedro II em troca de ações da firma no valor de vinte contos de is (ver figura 11). Como
condição, a municipalidade exigia um edifício de primeira ordem, com a maxima hygiene,
dispondo de quarenta quartos, no minimo e seis apartamentos” (LEI 236, 21.01.1928, apud
TRIBUNA DA FRANCA, 04.03.1928, p.2).
43
A publicação dessa lei na imprensa, entretanto, se constituiu em mera
formalidade, uma vez que vários membros da elite francana já haviam se associado e fundado
uma firma para construir o edifício, batizado como Hotel Francano”. Dentre os acionistas
dessa empresa encontravam-se os vereadores capitão Jo Fernando Peixe, Firmino Netto, o
autor da lei, major Torquato Caleiro e o presidente da Câmara, coronel Francisco Andrade
Junqueira; além de outros chefes poticos locais. A administração da empresa foi concedida
ao coronel Virgínio Pereira dos Santos, ocupante do cargo de diretor presidente; coronel João
G. Conrado, como vice-diretor; coronéis Francisco Barbosa Ferreira e Bernardo Avelino de
Andrade, diretores substitutos; Hygino Caleiro Filho, Luiz Pinto Bastos Junior e coronel João
Alberto de Faria, na função de conselheiros fiscais; e Eduardo Rocha, Euphrausino Martins
43
Para viabilizar a doação da área da Praça D. Pedro II à empresa Hotel Francano S.A., a Câmara Municipal
aprovou por unanimidade de votos um projeto de lei autorizando a prefeitura a fazer os gastos necessários para a
obtenção da escritura do terreno perante a Fábrica da Igreja, visto que esta era a proprietária do imóvel (ACM,
11.4.1929, p.452).
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56
Coelho e Agnello de Lima Guimarães, como suplentes do Conselho Fiscal (FOLLIS, 2004).
O entusiasmo em torno desse empreendimento foi explicitado na série “Notas e Factos” do
Tribuna da Franca (11.3.1928, p.1):
O Hotel Francano Sociedade Anonyma é um facto
consummado.
Pelas informações que obtivemos de pessoa ligada àquella grande
empresa, as obras terão inicio em breves dias, o que quer dizer que, em
tempo não muito largo teremos o prazer de contemplar na Praça Barão do
Rio Branco (Largo da Misericordia) o bello edificio do novo hotel,
ostentando as suas quatro magestosas fachadas á admiração dos nossos
visitantes.
Como aqui dissemos, o adeantamento da nossa urbs resentia-se
por demais dessa sensível lacuna, um moderno hotel, onde os nossos
hospedes viessem encontrar os necessarios conforto e hygiene.
Além dos privilégios previstos em lei, vários outros foram conseguidos durante
o período de construção. A área cedida foi duplicada para dois mil metros quadrados. A
Câmara concedeu isenção de impostos e de taxas de água e rede de esgotos, pelo prazo de dez
anos, para a construção da garagem do edifício e subvenções para o ajardinamento e
iluminação do que sobrou da Praça D. Pedro II. É bom esclarecer que os bens blicos eram
considerados inalienáveis pela Constituição Federal, e que, além disso, a lei que
regulamentava a construção do hotel estabelecia que o ajardinamento da praça era uma
obrigação da empresa e não da Prefeitura (TRIBUNA DA FRANCA, 4.3.1928, p.2).
A concessão desses privilégios à firma Hotel Francano S.A. é bastante
elucidativa da forma pela qual a elite dominante francana se apropriava dos recursos públicos
municipais. Nos moldes da velha tradição patrimonialista, os mandatários locais, ricos
fazendeiros e comerciantes portadores da patente de capitão, major ou coronel, usavam seu
poder político para conseguir a aprovação de projetos vinculados aos seus interesses
particulares.
44
44
O protesto do vereador coronel Ferreira Costa contra as denúncias de práticas patrimonialistas nos revela a
força do patrimonialismo na cidade: “contra fallas que por ahi algures na cidade fallarão calumniando a Camara
que ella deixava de cumprir o seu dever zelando do Municipio, que era Câmara de compadres e que zelava
dos interesses destes!” (ACM, 9.1.1895, p.97).
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57
Inaugurado em 1929, o Hotel Francano transformou-se na “menina dos olhos”
da elite francana, símbolo mais expressivo da modernização urbana de Franca (ver figura 12).
Considerado pela imprensa local como o mais moderno hotel do interior paulista, esse edifício
dispunha das seguintes acomodações:
Em seu pavimento superior haviam [sic] 34 quartos, um grande terraço com
bar ao ar livre além de um grande salão de reuniões. No primeiro pavimento
havia 18 quartos, uma barbearia, um grande salão de jantar, a lavanderia, um
bar, copa anexa à cozinha com despensa e frigorífico, uma rouparia, o Salão
Nobre de Festas o famoso Salão Rosa –, o Salão dos viajantes e o grande
hall. (BENTIVOGLIO, 1996, p.85).
Nos seus luxuosos salões a sociedade francana promovia seus bailes e festas,
ocasiões em que exibia seus finos trajes e jóias valiosas a fim de imitar os requintados hábitos
franceses disseminados pela elite das grandes cidades brasileiras. Apesar de alguns protestos
em prol de sua preservação, o Hotel Francano foi demolido em 1981. Em seu lugar foi
construído o atual edifício do Banco Itaú.
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58
Figura 1 Mapa da cidade de Franca em 1912 (PALMA, 1912). (Os nomes dos
bairros foram introduzidos por Franrgio Follis).
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59
Figura 2 Mapa da cidade de Franca em 1943. (NASCIMENTO; MOREIRA
(orgs.), 1943). (Os nomes dos bairros foram introduzidos por Fransérgio Follis).
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60
Figura 3 Rua Voluntários da Franca, esquina com a Rua Monsenhor Rosa,
centro, em meados dos anos 1930. À esquerda, Casa Comercial Hygino Caleiro e
Palácio das Sedas, à direita, Banco do Brasil, Loja Cury e livraria. Na esquina com
a Rua do Comércio, Bazar Francano (MHMF, foto 7, álbum 3).
Figura 4 – Vista da Rua Major Claudiano, esquina com a Rua Voluntários da
Franca, centro, no início dos anos 1930 (MHMF, foto 8, álbum 3).
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61
Figura 5 Vista parcial da cidade de Franca na década de 1950. Contraste entre a
malha urbana do centro (primeiro plano), composta de ruas estreitas e quarteirões
irregulares, e a Cidade Nova (ao fundo), composta de quadras regulares em sistema
de xadrez e de largas ruas e avenidas. Ao centro superior a Avenida Presidente
Vargas (MHMF, foto 25, álbum 2).
Figura 6 Praça Nossa Senhora da Conceição em 1900. Em primeiro plano, rua Marechal Deodoro
(trilha de terra); à esquerda, Rua Major Claudiano e Colégio Nossa Senhora de Lourdes; à direita,
Relógio do Sol; ao fundo, a atual Igreja Matriz em construção. Essa praça recebeu o seu primeiro
projeto paisagístico em 1909 (MHMF, foto 1, álbum 1).
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62
Figura 7 Praça Nossa Senhora da Conceição após a remodelação iniciada em 1927
em que a praça foi ajardina em toda a sua extensão. Foto do início dos anos 1930,
tirada do topo da Igreja Matriz (MHMF, foto 6, álbum 1).
Figura 8 Praça Nossa Senhora da Conceição em 1936. Foto tirada do topo da Igreja
Matriz (MHMF, foto 35, álbum 1).
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63
Figura 9 Praça Barão da Franca focalizada do topo da Confeitaria Galvanesi no início do
século XX. Primeiro largo a receber um projeto paisagístico em Franca (1901) (MHMF, foto
50, álbum 1).
Figura 10 – Praça Sabino Loureiro, Bairro da Estação, no final dos anos 1930 (MHMF, foto 47, álbum
1).
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64
Figura 11 Área fotografada do topo da Igreja Matriz em 1927. Ao centro, prédio da
Santa Casa de Misericórdia, recém-concluído, e terreno da Praça D. Pedro II, local
onde em 1928 começou a ser construído o Hotel Francano. Ao fundo, vista do Bairro
Santa Cruz (MHMF, foto 4, álbum 2).
Figura 12 Hotel Francano em 1954. Inaugurado em 1929 e demolido em 1981
(MHMF, foto 29, álbum 4).
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65
Figura 13 À direita, Teatro Municipal (antigo Teatro Santa Clara), inaugurado em
1874 e remodelado em 1912. Localizado na Rua do Comércio, Praça Barão da Franca
(MHMF, foto 52, álbum 1).
Figura 14 Teatro Santa Maria em 1935. Construído em 1924 com capacidade para
1400 pessoas (MHMF, foto 15, álbum 4).
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66
Figura 15 A colonial Rua do Comércio em 1920, centro, ainda sem pavimentação. Menos de quatro
metros de largura. Muito estreita para os padrões racionais modernos do início do século XX (MHMF,
foto 49, álbum 3).
Figura 16 Croqui apresentado à Prefeitura Municipal de Franca em 1915 para
obtenção de isenção de imposto predial por contribuir para o embelezamento da
cidade (MHMF, LRDR, v. 486).
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67
2
EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS PÚBLICOS URBANOS E
CIDADANIA NO PERÍODO CAFEEIRO
O crescimento da população urbana nas primeiras décadas do século XX
aumentou a necessidade de dotar Franca de equipamentos públicos coletivos já em uso nas
cidades mais prósperas do país. Assim, o poder público municipal de Franca também
direciona parte das verbas blicas para a implementação do abastecimento de água
encanada, rede de esgoto, iluminação pública, fornecimento de energia elétrica, rede
telefônica, calçamento de ruas, coleta de lixo e limpeza pública.
Por ser considerado prioritário entre os melhoramentos necessários à
higienização e à saúde dos moradores, o abastecimento de água foi o primeiro a receber a
atenção do Poder Público Municipal. Não dispondo de verba suficiente para captação de
grandes mananciais de água, a municipalidade acabou optando pela canalização gradual e
emergencial de pequenas nascentes próximas ao tio urbano. A execução de obras de
canalização por pessoas não habilitadas, a captação de nascentes insuficientes e a deficiência
do fornecimento de energia elétrica foram responsáveis pelo estabelecimento de um
abastecimento de água bastante precário.
Em 1894, salientando a necessidade de se criar uma verba para o investir no
abastecimento de água, os vereadores aprovaram a criação de um novo imposto municipal
(ACM, 7.7.1894, p.77-78). Em 1895 a mara Municipal concedeu autorização para o
vereador Major Antônio Nicácio da Silva Sobrinho efetuar a canalização de uma pequena
nascente até o Largo da Matriz por até um conto e quinhentos mil réis. A esse respeito, vale
observar que não houve concorrência blica e que o vereador não possuía empresa e nem
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68
formação na área. No ano seguinte, novamente sem abertura de concorrência pública, a
municipalidade concedeu privilégio de vinte para esse vereador explorar o fornecimento de
água na cidade. De acordo com o contrato, o concessionário ficou obrigado a fornecer,
mediante a subvenção de cinco contos de réis anuais, dez chafarizes e uma pena d’água” à
cadeia pública da cidade (LRDP, 10.1.1896; ACM, 10.1.1896, p.152).
Em 1897, foi inaugurado o reservatório de água da Empresa Nicácio no
quarteirão compreendido entre as ruas Santos Pereira e Francisco Barbosa. Até 1899, haviam
sido entregues oito chafarizes à servidão pública. Nesse ano, em razão da morte do Major
Nicácio, os serviços foram paralisados. Em 1902, a municipalidade encampou a empresa e
reformou suas instalações. A respeito dessa reforma o intendente Álvaro Abranches Lopes
assim se pronunciou:
O antigo abastecimento d’agua, adquirido da Empresa Nicacio, teve
de ser melhorado, com grande dispendio de dinheiro, devido ao máo estado
em que se achava.
O respectivo reservatório chegou a ficar completamente estragado,
de modo a não reter a agua recebida, tornando-se necessario o revestil-o de
cimento, de novo.
A canalização da mesma agua, pelo systema anteriormente feito, não
não permittia a passagem de toda a agua do manancial, como perdia-se
tambem grande quantidade della pelas denominadas ventosas, que a pratica
demonstrou não offerecer vantagem alguma, pelo que foram desmanchados
e ligados os canos, directamente da nascente ao reservatorio (TRIBUNA DA
FRANCA, 15.10.1903, p.2).
O encanamento da nascente denominada Nicácio direcionou-se para o
abastecimento exclusivo do Centro. Devido à sua insuficiência, em dezembro de 1902 a
Municipalidade inaugurou um novo abastecimento na cidade, a Água Taveira. Para a
execução dessa obra a Câmara autorizou o intendente a contrair um empréstimo de cinqüenta
contos de is a juros de 12% ao ano (ACM, 3.10.1902, p.41v). Este serviço também
priorizou a região central, permanecendo o Bairro da Estação, a parte alta da Cidade Nova e
os demais bairros da cidade desprovidos de água encanada.
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69
No início de 1909, a Municipalidade contratou, também sem concorrência
pública, o engenheiro civil Joaquim M. de Amorim Carrão, ex-vereador e ex-intendente
municipal, para ampliar o abastecimento de água. Carrão conseguiu aumentar as instalações
particulares no Centro e na Cidade Nova e levar água até o Bairro da Estação por meio da
captação da nascente denominada Garcia e reforma da canalização da Taveira. A cidade
passou então a ser abastecida por três fontes d’água: Nicácio, Taveira e Garcia.
Em setembro de 1912, foi assinado contrato com engenheiro José Maria
Mendes Gonçalves para o aumento do fornecimento de água, estabelecimento de uma rede de
esgotos e construção de uma estação de tratamento dos dejetos (TRIBUNA DA FRANCA,
8.9.1912). Sobre a execução das obras, verificamos que a construção da estação de tratamento
de esgotos sequer foi iniciada. A rede de esgotos foi diminuída pela Prefeitura e acabou
beneficiando apenas o Centro e a principal rua de ligação entre a estação ferroviária e o
Centro (Rua Dr. Jorge Tibiriçá, atual Voluntários da Franca). As instalações residenciais
foram aumentadas no Centro, Estação e Cidade Nova.
45
Apesar disso, o fornecimento de água
continuou bastante precário, como demonstra as diversas críticas e reclamações à falta de
água veiculadas pela imprensa local nos anos subseqüentes.
Entre 1923 e 1935, a Prefeitura ligou outros mananciais à rede de
abastecimento de água e ampliou a área atendida. Mesmo após essas obras, bairros já bastante
povoados permaneceram ou desprovidos de rede de esgoto e água encanada, ou com serviços
bastante deficientes. O populoso Bairro da Estação, por exemplo, possuía rede de esgotos
apenas na Rua Dr. Jorge Tibiriçá e um abastecimento de água bastante precário. Em 1933, o
jornal Tribuna da Franca (23.7.1931, p.1) salientou a necessidade de ampliação desses
serviços, argumentando o seguinte:
45
Sobre a execução das obras relativas a esse contrato ver relatório do Prefeito Martiniano Francisco de Andrade
relativo ao ano de 1914, publicado no Tribuna da Franca (31.1.1915, p.2). Em janeiro de 1917, havia na cidade
634 prédios abastecidos com água e rede de esgotos, e duzentos somente com água (TRIBUNA DA FRANCA,
28.1.1917, p. 2-3). Nesse ano, o número de prédios urbanos já ultrapassava dois mil. No início de 1923, a rede de
esgotos de Franca passou a servir 736 prédios particulares (TRIBUNA DA FRANCA, 18.2.1923, p. 2).
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70
Com o desenvolvimento continuo da cidade, se tornam deficientes esses
serviços publicos. alguns bairros em que a agua encanada e a instalação
de esgotos são completamente falhas. É urgente o augmento da rede de
exgoto e do abastecimento de agua, pois a falta ou deficiencia desses
elementos entrava o progresso de Franca.
Em meados da década de 1930, aumentou também a preocupação com a
potabilidade da água que abastecia a cidade, que até fins dessa década não era tratada:
Indispensavel se torna, pois, que as cogitações e estudos para um
novo abastecimento de agua sejam bem discutidos e ventilados, quanto á
qualidade do precioso liquido, quanto á sua qualidade. Si duvidas pairam,
agora, sobre a qualidade do elemento que nos desaltera, que o futuro
fornecimento seja de inteira potabilidade, evitando assim os riscos de
provaveis epidemias oriundas do uso de agua poluida. Si a sua escassez se
faz sentir com graves consequencias para a saude publica, que a sua
qualidade ou volume seja cinco ou seis vezes maior que o actual
fornecimento (TRIBUNA DA FRANCA, 6.11.1936, p.1).
No início de 1937, o Prefeito Antônio Barbosa Filho contraiu um empréstimo
junto ao governo do estado para a ampliação da rede de água e esgotos na cidade. Este projeto
previa a captação de água na cabeceira do Rio Salgado por meio de barragens, a edificação de
uma moderna estação de tratamento de água no Alto de Covas”, reforma da antiga rede de
esgoto e construção de tanques de cimento armado para o tratamento dos dejetos na
confluência dos córregos Cubatão e Bagres. Tais serviços foram contratados junto à
GEOBRA – Companhia Geral de Obras e Construções S\A.
A rede de esgotos do Centro foi ampliada até a Avenida Major Nicácio, via que
marca o limite da área central da urbe em relação ao bairro Cidade Nova. No Bairro da
Estação, esta se expandiu até as imediações do Grupo Escolar da Estação (atual Grupo
Escolar Barão da Franca). A água encanada estendeu-se por uma área mais ampla, chegando
até a Cidade Nova e a algumas ruas dos bairros Coqueiros, Cubatão, Vila Santos Dumont e
Chico lio. A Vila Aparecida e o Bairro Boa Vista, além de outros bairros mais periféricos,
continuaram totalmente desprovidos desses dois melhoramentos urbanos básicos
(COMÉRCIO DA FRANCA, 12.12.1937, p.1). No começo de 1938, nenhum dos distritos de
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71
Franca possuía rede de esgotos, e apenas o distrito de São José da Bela Vista era abastecido
por água encanada.
Em 1938, fontes consideradas poluídas como Nicácio, Taveira e Garcia
haviam sido desligadas da rede de distribuição. Até meados dos anos 40, os serviços de
abastecimento de água encanada e de rede de esgoto não foram ampliados. Além disso, o
fornecimento de água continuou bastante precário, visto que a falta do “preciso líquido” era
constante e atingia até mesmo a região central da cidade.
46
Na década de 1940, a imprensa e o poder público locais apontavam a
deficiência no fornecimento de energia elétrica às bombas hidráulicas como a principal
responsável pela precariedade do abastecimento de água na cidade, já que, segundo esses
óros, a vazão de água era suficiente para abastecer os prédios ligados à rede. Não obstante,
na tentativa de justificar o caos no abastecimento, outros motivos eram apresentados, como a
insuficiência dos mananciais, problemas na rede de distribuição, a topografia acidentada do
perímetro urbano e o desperdício de água por parte dos consumidores em razão da falta de
hidrômetros.
47
Símbolo máximo do progresso da época, a eletricidade também passou a
compor os equipamentos prioritários a ser implantados pelo Poder Público em Franca. A
primeira tentativa de implantar redes de energia e iluminação pública etricas na cidade foi
efetuada em 1901. É bem provável, entretanto, que o desinteresse dos particulares pela
compra de eletricidade fez que os empresários abandonassem os trabalhos de instalação dos
46
A falta de água foi um dos temas mais recorrente na imprensa local durante a cada de 1940, aparecendo, na
maioria das vezes como destaque na primeira página dos jornais. A esse respeito, ver, por exemplo, as notas e
reportagens do jornal Diário da Tarde (3.9.1941, p. 2; 4.9.1941, p. 1; 18.11.1941, p. 1; 3.8.1943, p. 1; 24.8.1943,
p. 4; 27.8.1943, p. 1; 9.9.1943, p. 1; 9.6.1944, p. 1; 17.4.1944, p. 1; 24.6.1944, p. 1; 4.8.1945, p. 1; 23.8.1945, p.
1; 25.10.1947, p. 6; 5.11.1947, p. 1; 1º.5.1948, p. 1; 11.5.1948, p. 1; 19.5.1948, p. 1; 2.7.1949, p. 1).
47
Em junho de 1944, depois de ressaltar que a irregularidade do abastecimento de energia elétrica era a principal
responsável pela falta de água na cidade, o prefeito José Guerrieri de Rezende apresentou as seguintes propostas
para sanar o problema: aumento do fornecimento de água para mais um milhão de litros diários e colocação de
hidrômetros nos prédios para forçar a economia de água por parte dos consumidores (DIÁRIO DA TARDE,
24.6.1944, p.1). Até o final dos anos 40, verificamos que nada foi feito nesse sentido.
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72
equipamentos.
48
Em julho de 1902, baseados na cláusula contratual que estabelecia o prazo de
seis meses para o início das obras, os vereadores aprovaram a rescisão do contrato com os
concessionários (ACM, 5.7.1902, p.35).
Assim, até 1904 a iluminação blica continuou a ser efetuada pelos lampiões
belgas a querosene. No dia 9 de abril desse ano, a Companhia Paulista de Eletricidade,
empresa sediada em Limeira que venceu a concorrência pública para o fornecimento de
energia e iluminação pública em Franca, inaugurou os seus serviços. Essa empresa forneceu à
Prefeitura trezentas lâmpadas para os prédios públicos e principais ruas centrais da cidade e
seis “arcos luminosos” para os largos do Centro.
Em 1910, apenas o Centro e pequena parte do Bairro da Estação possuíam
iluminação elétrica. Nesse ano, a Prefeitura destinou algumas poucas lâmpadas para serem
colocadas em áreas mais distantes da região central. Segundo a imprensa francana, o serviço
da Companhia, além de caro aos cofres blicos, era de péssima qualidade. Em 1909, o
Tribuna da Franca (11.3.1909, p. 1) comentou o seguinte:
Logo depois de installada, verificou-se o mau negocio que a nossa
municipalidade havia ingenuamente feito, entregando, a uma empresa, com
um contracto leonino, á exploração de energia electrica neste municipio por
20 annos!
Começaram desde logo as irregularidades devidas á qualidade
inferior dos materiaes e a defeitos basicos de ordem technica e de ordem
natural topographica da installação da usina.
E, entretanto, continúa a municipalidade pagando somma que chega
a ser fabulosa á empreza hoje cessionaria desse contracto e desse privilegio.
Salientando a necessidade de solucionar esses problemas, a Municipalidade
passou a negociar a compra das instalações da empresa. Em outubro de 1910, alguns
membros da classe dominante local, interessados em investir capital nesse tipo de
empreendimento, associaram-se e fundaram a Companhia Francana de Eletricidade.
48
Em abril de 1901, os concessionários fizeram um apelo para que os moradores requisitassem o serviço à
empresa (TRIBUNA DA FRANCA, 25.5.1901, p.2). Segundo o Tribuna da Franca (21.6.1902, p.1), a obra o
se concretizou porque “o indifferentismo do nosso povo deixou o luctador no campo rude do trabalho, e elle
batido pela desillusão, teve de abandonal-o.
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73
Objetivando favorecer os proprietários da Companhia Francana de
Eletricidade, o Poder Público Municipal adquiriu as instalações elétricas da Companhia
Paulista de Eletricidade em Franca por 315 contos e 790 mil réis. Em 22 de dezembro de
1910, a Municipalidade publicou no Tribuna da Franca um edital chamando concorrentes
para a compra do serviço. No dia 31 desse mesmo mês as instalações elétricas foram
transferidas à Companhia Francana de Eletricidade, única empresa a apresentar proposta, pelo
mesmo valor e condições de pagamento com que havia sido comprada pela Municipalidade.
A rapidez e o período em que foi efetuada essa transação evidenciam o propósito de se evitar
o aparecimento de possíveis concorrentes. Em detrimento do interesse blico, mais uma vez
vemos a Municipalidade agindo em prol dos interesses privados da classe dominante
francana.
De acordo com o contrato assinado com a Prefeitura, a Cia. Francana de
Eletricidade passou a ter o direito exclusivo de explorar o fornecimento de energia elétrica
particular por trinta anos. Em contrapartida, ficou obrigada a fornecer à Prefeitura cinqüenta
cavalos de energia elétrica gratuitamente e quinhentas lâmpadas de 32 velas para a iluminação
pública a preço mais barato que aquele cobrado pela antiga concessioria.
Em 1911 a mara acertou com a Companhia a melhoria da iluminação das
praças e ruas do Centro da cidade
49
e o fornecimento de cem cavalos de força para a
municipalidade utilizar no serviço de abastecimento de água. (LEI 24, 21.06.1911, apud
TRIBUNA DA FRANCA, 30.07.1911, p.2). Por causa da demora na construção da nova
usina hidroelétrica na Cachoeira do Esmeril, obra contratada junto à Companhia Paulista de
Eletricidade, esses serviços somente foram efetuados em 1913.
Em detrimento do patrimônio municipal e em benefício dos interesses
financeiros de membros da classe dominante francana, em janeiro de 1919 a Prefeitura de
49
Para as praças foi estabelecida a substituição das lâmpadas de 32 velas por dez de quatrocentas velas, quarenta
de trezentas velas e cinqüenta de duzentas velas. Para as ruas ficou acertado a instalação de seiscentas lâmpadas,
metade de cem velas e metade de 32 velas.
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74
Franca aceitou a decisão da Companhia Francana de Eletricidade de reajustar o preço da
eletricidade e suspender o fornecimento gratuito da energia utilizada pela Municipalidade nas
bombas elétricas responsáveis pelo abastecimento de água da cidade, descumprindo assim o
acordo firmado. A respeito dessas alterações, o gerente da Companhia Bráulio Junqueira
assim se pronunciou: Suspende concessões e favores, e mais nada; ella [a Companhia] não
pretende obrigar ninguem, e nem póde, a comprar a mercadoria; o que ella de, e o faz, é pôr
o preço que lhe convenha, e a que tenha direito, na sua dita mercadoria. (COMÉRCIO DA
FRANCA, 14.1.1919, p.2).
No início dos anos 30, a Companhia Francana de Eletricidade havia sido
incorporada pela Empresas Elétricas Brasileiras, firma norte-americana proprietária de várias
companhias elétricas no Estado de São Paulo. Em decorrência dos vários aumentos nos preços
da energia, que começaram a ser anunciados a partir de 1930, a imprensa francana passou a
publicar extensos artigos criticando os reajustes e exigindo a intervenção do poder público
local no assunto. Para o Comércio da Franca (17.4.1932, p.1), os norteamericanos
compraram a Companhia Francana de Electricidade para auferir lucros e ganhar muito
dinheiro e, assim, hão de ser os eternos escorchantes dos pobres brasileiros que gastam
energia electrica”.
Em setembro de 1933, o prefeito de Franca enviou um ocio ao gerente da
Companhia Francana de Eletricidade exigindo o cancelamento do aumento das taxas de
energia etrica anunciado para o próximo mês. Nesse comunicado, o prefeito informou a sua
pretensão de rescindir o contrato firmado com a empresa, “em vista de as Empresas Electricas
Brasileiras imporem o augmento fóra do razoavel” (COMÉRCIO DA FRANCA, 24.9.1933,
p.1).
O apelo e a ameaça do prefeito, entretanto, não surtiram efeito. Em 04 de
outubro de 1933, o aumento da tarifa da energia elétrica e as ameaças de corte do
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75
fornecimento por falta de pagamento provocaram um protesto na cidade que reuniu cerca de
trezentas pessoas em frente ao Hotel Francano, local onde estava hospedado o gerente da
Companhia Francana de Eletricidade. A revolta teve início quando os funcionários dessa
Companhia desligaram a energia da fábrica do industrial Mathusalem de Mello. Indignados
com aquela atitude, algumas pessoas forçaram os funcionários a refazerem a ligação e depois
iniciaram a manifestação. (TRIBUNA DA FRANCA, 8.10.1933, p.2; 14.1.1938, p.1 e 4).
Muitas vezes a Companhia Francana de Eletricidade oferecia energia elétrica
às casas situadas nos bairros periféricos sem, entretanto, instalar iluminação blica nos
logradouros dessas áreas, procedimento que se tornou prática comum na cidade, uma vez que
a iluminação dos logradouros dependia da contratação por parte da Prefeitura.
A falta e oscilações da eletricidade, bastante comuns em Franca, prejudicavam
o funcionamento das bombas d’água dos mananciais, dificultando, assim, o abastecimento de
água da cidade. No final dos anos 40, essa situação inspirou a popularização do seguinte
verso: “Franca do Imperador. Terra que encanta e seduz. De dia não tem água, de noite não
tem luz” (DIÁRIO DA TARDE, 29.9.1944, p.1; 31.8.1949, p.1)
50
. Em 1944, o Diário da
Tarde (4.9.1944, p.1) cobrava da Prefeitura uma “medida drástica” contra a Companhia
Francana de Eletricidade, salientando o seguinte: É sabido que a falta dágua é resultante da
falta de energia elétrica, porque não responsabilizar a poderosa Companhia, que é tão rigorosa
e meticulosa para com seus clientes, que não lhes concede favor algum?”
Apesar da reforma na rede elétrica efetuada em 1948, a instabilidade no
fornecimento de energia e a deficiência da iluminação pública continuaram a merecer várias
críticas por parte da imprensa francana. Nas áreas mais distantes do Centro da cidade a
situação era pior. Regiões bastante povoadas, como Santa Cruz, Chico Júlio, Vila Nicácio e
50
Composição adaptada do verso composto pelos comunistas da cidade de São Paulo entre 1945 e 1947: “Eta
São Paulo! Terra de Santa Cruz! De dia falta água! De noite falta luz! São Paulo sem condução. Terra de
esculhambação. se fala em conserto em véspera de eleição. Tudo isto vai acabar. E será o povo quem vai
mudar!” (BONDUKI, 1998, p.297-298)
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76
Vila Monteiro, ainda estavam totalmente desprovidas de iluminação pública. Nos bairros
Cidade Nova, Boa Vista, Santos Dumont e prolongamento, Aparecida, Coqueiros e Cubatão,
esse serviço atendia apenas alguns logradouros de forma bastante precária, pois as lâmpadas
eram fracas e quando queimavam demoravam semanas para serem trocadas. Em 31 de agosto
de 1949, o Diário da Tarde (p.1) fez o seguinte comentário a respeito do serviço de
iluminação pública da cidade:
Em verdade, no que tange á iluminação das vias públicas, o
melhoramento introduzido após o espalhafatosa reforma não impressiona
ninguem, nem os morcegos dos velhos casarões...
Particularmente no que diz a respeito aos cuidados com os fôcos
apagados da iluminação dos logradouros piorou.
A poderosa Cia. usava uma camionete para realizar a substituição das
lâmpadas apagadas. Depois, com um menozpreso aos nossos fôros de cidade
civilizada, o Polvo Americano passou a adotar no serviço, uma velha carroça
puxada [sic] por um trôpego animal, carregando uma escada avariada e um
escravo branco.
Hoje, nem isso se pelas ruas. A escuridão vive a criar abantesmas
na visão do povo alarmado as póbres mulheres e crianças dos bairros mais
distantes.
Como os racionamentos e falhas no fornecimento de energia elétrica
prejudicavam também o desenvolvimento industrial da cidade, por diversas ocasiões os
industriais locais foram à imprensa ou aos tribunais reclamar do instável fornecimento de
energia elétrica.
51
Quanto ao calçamento das vias públicas da cidade, outro componente
importante da modernização urbanística, constatamos que até o início da década de 1920 as
ruas de Franca permaneceram sem nenhum tipo de calçamento. Em dezembro de 1922, a
Câmara Municipal aprovou o Plano de Melhoramentos do prefeito major Torquato Caleiro
que estabelecia, entre outras coisas, um imposto anual sobre as propriedades do Centro a
serem atendidas pelo calçamento e a maneira pela qual seria cobrado este serviço quando da
sua execução (TRIBUNA DA FRANCA, 14.1.1923, p.1).
51
Barbosa (2004, p.25) aponta, por exemplo, as ações públicas movidas por diversos industriais contra a
companhia de eletricidade local em 1933 e as notícias publicadas, em 1945 e 1946, acerca de reuniões de
empresários francanos para tratar da questão do fornecimento de energia elétrica.
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77
O calçamento das ruas de Franca foi iniciado em 1923. Nesse ano, o
empreiteiro ganhador da concorrência blica, Giacomo de Giacomo, iniciou a colocação de
paralelepípedos na área compreendida entre as ruas General Osório, Saldanha Marinho,
Comércio da Franca e Major Claudiano, região do Centro que abrigava o núcleo comercial da
cidade, a maioria das pequenas indústrias locais e as residências da classe dominante
francana.
Em 1929, a Câmara Municipal aprovou uma lei autorizando a Prefeitura a
cobrar dos proprietários de prédios localizados nas áreas a serem beneficiadas pelas novas
obras de calçamento os custos do serviço. O artigo III dessa lei estabelecia o seguinte: Cada
proprietario fica sujeito ao pagamento, pelo custo real do serviço, feito, cabendo a cada um a metade
da importancia desse serviço, proporcionalmente à metragem linear da frente de seus predios e
terrenos” (TRIBUNA DA FRANCA, 27.10.1929, p.2).
No primeiro semestre de 1933, foi construída uma ponte de cimento armado na
Rua Dr. Jorge Tibiriçá (atual Voluntários da Franca) e calçada as ruas da Praça Barão da
Franca, a frente do Grupo Escolar (antiga Casa da Câmara e Cadeia) e os trechos mais
centrais das ruas Marechal Deodoro e General Telles. Em 1934, teve início o serviço de
calçamento com paralelepípedos da Rua Dr. Jorge Tibiriçá até a estação ferroviária e de toda
a área ao redor da Praça da República (atual Sabino Loureiro). Estas obras somente foram
concluídas no final de 1936, quando então foi completado o calçamento da Rua Voluntários
da Franca e inaugurada a ponte sobre o Córrego dos Bagres.
Em meados dos anos 30, a área calçada de Franca ainda era considerada
bastante pequena em comparação com outras cidades de mesmo porte. Em 1936, para
viabilizar a expansão do calçamento da cidade, a Câmara Municipal instituiu um tributo sobre
calçamento mediante a regulamentação da aplicação da taxa de melhoria”, imposto
estabelecido pela Constituição Federal para auxiliar os municípios na execução de serviços
públicos. Com isso, o prefeito ficou autorizado a cobrar dos proprietários uma taxa de três mil
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78
is por metro quadrado referente à metade da área da rua em frente a cada propriedade. Esse
tributo seria arrecadado durante dez anos a contar da data de entrega do serviço e somente
poderia ser aplicado nas obras de calçamento. Além disso, a lei autorizou o prefeito a contrair
um empréstimo de trezentos contos de is para empregar na execução de dez mil metros
quadrados de calçamento por ano (COMÉRCIO DA FRANCA, 20.9.1936, p.2).
Em 1940, segundo o Comércio da Franca (30.6.1940, p.8), a cidade contava
com 45 mil metros quadrados calçados com paralelepípedos e 5 mil com asfalto. Esse
calçamento abrangia apenas a área central da cidade e um pequeno trecho do Bairro da
Estação. Considerado bastante deficitário pela imprensa francana, esse calçamento
permaneceu praticamente inalterado até o início dos anos 50.
Como vimos, a partir de 1925 começam a surgir em Franca os primeiros
loteamentos privados distantes do núcleo urbano central onde estavam instaladas as redes de
água, esgoto, energia etrica e iluminação pública. Isso acabou encarecendo e dificultando a
implementação dos equipamentos públicos coletivos nesses loteamentos. Enquanto isso, a
conservação de chácaras na cidade, fruto do costume rural da população, e a especulação
imobiliária proporcionaram a manutenção de extensas áreas desocupadas dentro do perímetro
urbano. Em 1925, o jornal O Alfinete (07.06.1925) já fazia menção a essa situação salientando
o seguinte:
Franca é uma cidade de perimetro muito extenso relativamente à população,
vemos grandes terrenos na zona central sem nenhuma construção e
entretanto, se cogita em edificar em localidades muito distantes. Vamos
observar um pouco os inconvenientes: em primeiro lugar a classe pobre e
trabalhadora é obrigada a residir muito longe e dahi a difficuldade de
locomoção, em segundo lugar a dispeza enorme que acarreta a construção da
rede de águas e esgotos do municipio o qual, muitas vezes é obrigado a
suprimir essa rede nos lugares afastados a título de economia, em terceiro a
disseminação da luz elétrica, e finalmente a impossibilidade de se calçar a
área toda.
Mas a ausência de melhoramentos nos bairros periféricos de Franca não se
explica apenas pela dificuldade em se investir nesses bairros. Sem dúvidas ela também está
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diretamente ligada ao estabelecimento de uma potica discriminatória por parte do Poder
Público local. A contento da classe dominante francana, os administradores municipais
priorizaram a modernização da área central da cidade. A distribuição desigual dos
melhoramentos urbanos durante as primeiras décadas do século XX fez surgir uma cidade
marcada pelo contraste entre um Centro dotado de elementos tipicamente modernos e uma
periferia desprovida de melhoramentos urbanos básicos. No início de 1945, o cronista do
Comércio da Franca publicou duas notas que ilustram bem essa situação:
...cidades o o “sorriso”, os arrabaldes e distritos os tais outros “que se
danem! Temos que confessar ter sido sempre com infinito pouco caso que
olhamos os problemas municipais que se encontram fora do perímetro
urbano [sic]. Nossas atenções estão sempre voltadas para o centro da cidade,
para o ponto onde convergem nossos passos de citadinos por tradição e
conveniência. Dando um balanço sincero no que vemos pelos bairros, é
desolador o resultado que nele transparece. Nem calçadas, nem
pavimentação, nem água, nem esgotos, a maioria das vezes. Faltam escolas,
faltam praças ajardinadas, falta luz, falta tudo. Se voltarmos para os distritos
do município a desolação aumenta de intensidade, pois por nossa culpa, sem
dúvida, esses núcleos não se desenvolveram, nem culturalmente, nem
economicamente, nem socialmente. Jazem num esquecimento que não se
justifica. (COMÉRCIO DA FRANCA, 7.1.1945, p.1)
Franca é uma bela cidade, no centro. Afastando-nos do ‘miolo’ vemos coisas
desagradáveis, ruas encharcadas e muitas sem calçadas nem sarjetas. [...]
Temos ruas que, a dois passos da Praça Nossa Senhora da Conceição, se
apresentam em situação que não podia ser pior. Quem vem de Batatais dou
quem chega de Ibiraci, não pode receber impressão mais desagradável,
aquilo é o máximo. Poças, buracos, pedras no meio da rua [...].
(COMÉRCIO DA FRANCA, 4.2.1945, p.1)
Ao contrário do que Glezer (1994) constatou na cidade de São Paulo em
meados da década de 1910
52
, em Franca a região central não agregava apenas as repartões
públicas, casas comerciais, bancos, jornais e escritórios, mas também muitas residências,
tanto de ricos como de moradores menos abastados. A esse respeito, Bentivoglio (1996, p. 58)
observou que a vinda dos fazendeiros para a cidade gerou “uma valorização dos lotes urbanos,
52
Segundo Glezer (1994, p.163-164), a região delimitada como a área central de São Paulo em 1914 era o
“espaço que denominamos hoje de ‘core urbano’, local no qual estavam reunidas as repartições públicas, os
consulados, os jornais, os bancos, o comércio importador e exportador, os consultórios dos profissionais liberais
etc. (...) Nele ocorria o ximo aproveitamento do solo, que valorizava a região, sem residências e com
exclusivo uso comercial, e correspondia a um espaço definido de serviços e comércio”.
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80
particularmente os do Centro, que passaram a ser cobiçados, para lojas, casas de comércio,
casas para alugar, além de casas para morar”.
A delimitação da área central da cidade, demarcada pela Municipalidade em
1899
53
, 1911 e 1926, evidenciou a preocupação dos administradores municipais em privilegiar
o sítio inicial de Franca como o local onde a modernização da cidade deveria ser
implementada com maior rigor. Assim, a contento da classe dominante francana, os
melhoramentos urbanos, como o calçamento de ruas, ajardinamento de praças, iluminação
pública, água encanada e rede de esgoto, se direcionaram especialmente para o Centro, área
escolhida para representar uma Franca progressista e moderna, pois, conforme salienta Rolnik
(1993, p.44), o “desenho do centro funciona como uma espécie de sinal do caráter da cidade,
cartão de visitas, imagem que a cidade exibe para fora, mas sobretudo que o poder urbano
exibe para a totalidade da cidade”.
Conforme pudemos perceber, durante a primeira metade do século XX, a
instalação e manutenção dos equipamentos urbanos pelos moradores eram bastante caras em
Franca. Por várias vezes encontramos a imprensa local fazendo referência aos preços abusivos
da energia elétrica, água encanada, rede de esgoto e calçamento das ruas. Segundo o Tribuna
da Franca, a população pagava um preço exorbitante [por] uma luz ruim e, o que é mais
grave, inconstante” (11.4.1907, p.1). O serviço de água de Franca era “bem mais caro do que
o possuem os habitantes de todos os lugares do Estado (14.4.1907, p.1). Em 1906, o jornal
Cidade da Franca (26.4.1906) publicou uma nota criticando o corte do fornecimento de água
à população pobre que não pode pagar”, dizendo tratar-se de “uma barbaridade privar-se o
povo indigente e sem recursos de um líquido tão precioso para o seu lar.” Em resposta às
muitas reclamações efetuadas contra o alto preço da instalação da rede de esgoto nas casas, o
53
Nesse ano a região delimitada compreendia o retângulo formado pela Avenida Francana (atual Major Nicácio),
Rua do Cemitério (atual Simão Caleiro), Rua Municipal (atual Couto de Magalhães) e Rua Padre Anchieta
(ACM, 24.10.1899, p.109-109v)
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81
Tribuna da Franca (22.8.1915, p.1) divulgou uma nota que expressa bem o descaso para com
a população mais pobre e a arbitrariedade do poder público municipal:
Tivemos occasião de ouvir mais de uma queixa sobre o preço reputado
excessivo do custo das installações domiciliarias que segundo os calculos
viria a importar em somma bastante consideravel que não póde ser paga sem
sacrificio pela parte da população sujeita a esses onus.
Já agora não é tempo mais de se discutir si esse preço é caro ou barato,
porquanto está elle de antemão fixado em lei como é facil verificar-se.
D’est’arte, com sacrificio ou sem elle, a installação é obrigatoria e o
seu valor é onus real sobre o immovel.
Não obstante os equipamentos urbanos serem desejados pela população como
um todo, percebemos que o alto custo deles acabou inviabilizando a sua aquisição pelas
camadas mais pobres, as quais, muitas vezes, acabaram rejeitando esses melhoramentos. O
desinteresse dos moradores pela água encanada e rede de esgoto ilustra essa situação. Em um
pronunciamento a respeito da instalação domiciliária de rede de esgoto, o poder público
municipal declarou que ela “tem tido andamento demorado, devido á relutancia de muitos
proprietarios refractarios á comprehensão da necessidade desse apparelho sanitario
(TRIBUNA DA FRANCA, 28.1.1917, p.23). Em 1909, o prefeito Martiniano Francisco de
Andrade, comentando o serviço de abastecimento de água da Estação, bairro de maioria
pobre, salientou o seguinte:
No Bairro da Estação, a esta data, foram requeridas e installadas 8
torneiras. É de admirar-se que, sendo aquelle bairro o populoso, apenas 8
dos seus habitantes tenham vindo ao encontro dos esforços e sacrificios que
a municipalidade fez para dotal-o com esse o apreciavel e hygienico
melhoramento (TRIBUNA DA FRANCA, 29.7.1909, p.2).
Em 1910, a municipalidade proibiu a utilização de cisternas na área central da
urbe, tentando, assim, forçar os habitantes dessa região a fazer uso da água encanada que,
como pudemos perceber, possuía um preço que a tornava inacessível aos moradores mais
pobres. Em julho de 1914, a Municipalidade decretou uma lei tornando obrigatória a
instalação domiciliaria de água e esgoto e proibindo a utilização de fossas na região
beneficiada pela recém construída rede de esgoto, ou seja, o Centro. Assim, todas as casas
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82
dessa área, incluindo aquelas que ainda não haviam solicitado a ligação às redes de água e
esgotos, começaram a ser cobradas pela Prefeitura para o pagamento das taxas referentes ao
fornecimento desses serviços (LRDR, 11.9.1939).
De acordo com essa lei municipal, o prédio que não tivesse banheiro ladrilhado
ou cimentado e cozinha dotada de pia e caixa sifonada para escoamento da água utilizada
deveria ser multado na primeira averiguação e interditado em caso de reincidência. Os fiscais
da Inspetoria da Higiene passaram então a intimar os moradores a fazerem a ligação à rede de
esgoto e as instalações sanitárias exigidas por lei. Assim, em 1916 o proprietário de duas
pequenas casas na Rua Misericórdia (atual Dr. Júlio Cardoso) foi intimado “para no prazo de
20 dias collocar na casinha do predio n
o
76 uma pia de ferro esmaltado e fazer um tanque no
quintal para lavagem de roupa e no predio n
o
80, installar os aparelhos sanitarios de accordo
com o Reg. Sanitario (LRBRII, 8.5.1916). Em 1938, Justina Silveira, proprietária de uma
casa na Rua General Osório foi intimada “pela Delegacia de Hygiene da cidade a modificar a
dependencia hygienica de seu predio [de privada de fossa para privada patente]” (LRDR,
9.3.1938).
Conforme apontado, os moradores do Centro eram obrigados a construir os
telhados, muros, calçadas e portões de acordo com as rígidas normas estabelecidas
especialmente para esse local. Além disso, o cumprimento das normas concernentes à
higienização, ao embelezamento e à racionalização do espaço urbano era mais fiscalizado na
região central. Assim, a criação de animais domésticos, como o porco, atividade de grande
importância na alimentação dos moradores mais pobres e antigo costume trazido do campo –,
era muito mais difícil de ser realizada nessa área que nos bairros mais distantes. O imposto de
viação, cobrado por metro linear, era mais caro no Centro que nos demais bairros da cidade.
Para a cobrança desse tributo, em 1911 a cidade foi dividida em duas regiões: perímetro
urbano” ou “central”, composto pelo atual Centro e o trecho da Rua Dr. Jorge Tibiriçá até a
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83
estação ferroviária, e perímetro suburbano”, formado pelo Bairro da Estação, Cidade Nova,
Cubatão e Boa Vista (TRIBUNA DA FRANCA, 12.12.1911, p.2). Nas ruas ensarjetadas do
perímetro central a taxa era de quatrocentos réis por metro, chegando a seiscentos réis nas
vias encascalhadas. No perímetro suburbano, esse imposto era de duzentos réis, nas ruas com
sarjetas, e de cem is, nas vias desprovidas desse melhoramento. Em 1926, a mara
Municipal aprovou uma lei aumentando esse imposto e dividindo a cidade em quatro
perímetros. O primeiro, formado pela área mais central da urbe; o segundo, pela região em
volta desta, o terceiro, pelos bairros Estação e Cidade Nova; e o quarto, pelos bairros
Coqueiros, Boa Vista e Santos Dumont. O valor da contribuição passou a ser de mil réis,
oitocentos réis, seiscentos réis e trezentos réis, respectivamente (TRIBUNA DA FRANCA,
31.10.1926, p.2-3). Morar no Centro, portanto, significava também pagar impostos mais altos
e um maior número de taxas referentes à instalação e manutenção dos equipamentos e
serviços urbanos.
A indiferença para com as dificuldades das camadas mais pobres em arcar com
os impostos é uma marca do período, como nos revela os casos que relatamos na seqüência.
Em 1902, a Câmara negou a isenção de imposto predial a Leonel Antônio Pereira, morador
que segundo o vereador Virgínio Pereira era “indigente”, pobre e aleijado (ACM, 3.7.1902).
54
O não-pagamento dos impostos municipais levava a Prefeitura a fazer a cobrança
judicialmente. Muitas vezes, a residência de proprietários sem recursos financeiros acabava
sendo confiscada e leiloada pelo poder blico. Em 1939, o Comércio da Franca (7.12.1939,
p.4) publicou um artigo que evidencia a freqüência de tal prática em Franca:
Refiro-me aos editaes em que se penhoram, a requerimento de nossa
Prefeitura, casinholas de gente sem leira e nem beira, porque não pagou
impostos.
54
A negação da isenção foi aprovada por nove votos contra dois. Em pronunciamento a favor da negação da
isenção, o vereador Álvaro Abranches disse “que se a Câmara abrisse esse precedente teria que estender a sua
generosidade à todos os pobres e que a cidade está cheia de pobres que possuem prédios. Que esta corporação
não pode fazer esmolas; quem quiser que as faça de seu bolso.” (ACM, 3.7.1902).
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84
No caso ou casos que temos sob os olhos, parece-me que é levar-se
ao maximo rigor a compreeno das normas legais que regem os tributos e
sua satisfação.
Imaginem: uma pobre senhora que durante alguns anos não
pode pagar a pequena quantia de cento e cincoenta mil reis, morando num
casebre de taipa é porque está muito pouco acima da miseria (...).Tem quatro
paredes onde esconde a sua penuria e o seu infortunio.
Intimada a pagar os impostos de sete anos, sob pena de lhe
sequestrarem o ultimo reduto da sua pobreza, não póde fazer. A casa de
taipas que abrigava uma infeliz vai ser vendida em hasta publica.
Provavelmente atingirá o ‘quantum’ dos impostos, mais as custas.
O direcionamento dos melhoramentos urbanos para o Centro contribuiu para a
sua transformação na região mais valorizada e, ao mesmo tempo, mais tributada e fiscalizada
da urbe. Em razão disso a área central tornou-se cada vez mais proibitiva às camadas
populares. Empurrados para os bairros que foram surgindo ou se expandindo sem
equipamentos e serviços públicos, os pobres ficaram impossibilitados de usufruir dos
equipamentos e serviços públicos coletivos.
A implementação de uma potica urbana discriminadora e promovedora da
segregação espacial e da exclusão das camadas mais pobres da cidade entre a última década
do século XIX e os anos 40 foi favorecida pela restrição ao exercício das cidadanias civil e
política no país durante esse período. A Primeira República fora marcada pelas fraudes
eleitorais, pela baixíssima participação popular nas eleições e pelas práticas clientelistas e
coronelísticas que garantiram a continuidade do domínio potico por parte das camadas
abastadas e a utilização patrimonialista dos recursos públicos no atendimento dos interesses
pessoais e de grupo. Estavam proibidos de votar os analfabetos, as mulheres, os mendigos, os
soldados e os membros das ordens religiosas, ou seja, a grande maioria da população. Além
disso, faltava à pequena parcela da população que tinha direito ao voto as condições
necessárias para o exercício independente dos direitos poticos, ou seja, a garantia da
cidadania civil. Segundo bem observou Carvalho (2001, p.56-57), o coronelismo “impedia a
participação potica porque antes negava os direitos civis. [...] O direito de ir e vir, o direito
de propriedade, a inviolabilidade do lar, a proteção da honra e da integridade física, o direito
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85
de manifestação, ficavam todos dependentes do poder do coronel. Seus amigos e aliados eram
protegidos, seus inimigos eram perseguidos ou ficavam simplesmente sujeitos aos rigores da
lei.
55
Durante o Primeiro Governo Vargas (1930-1945), não obstante os avanços na
cidadania social produzidos pela introdução da legislação trabalhista, tanto os direitos civis
quanto os diretos políticos foram, na maior parte do período, em grande medida restringidos.
Assim que assumiu o governo provisório em 1930, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso
Nacional e os legislativos estaduais e municipais. Os estados e municípios passaram a ser
governados por interventores nomeados pelo presidente. Pressionado pela oposição, em 1932
Vargas implantou o voto secreto, criou a Justiça Eleitoral, diminuiu o limite de idade dos
eleitores de 21 para 18 anos e estendeu o direito de voto às mulheres. Depois de um breve
período democrático, em que ocorreram as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte
(1933) e, posteriormente, as eleições para os executivos e legislativos municipais, as
cidadanias civil e potica sofreram grandes reveses. Vargas comandou o golpe de Estado de
1937 e instaurou a ditadura do Estado Novo. Na esfera municipal as eleições para prefeito e
vereadores somente aconteceriam novamente em 1947, cerca de dois anos após o fim do
Estado Novo.
No que se refere a uma possível mobilização popular reivindicativa de direitos
sociais urbanos em Franca, constatamos que até meados da década de 1940 ainda não
emergira, no seio da população dos bairros desprovidos de melhoramentos, uma consciência
capaz de motivar a luta pelo direito aos equipamentos e serviços públicos coletivos na cidade.
Com isso, os administradores municipais puderam governar praticamente sem se preocuparem
com a democratização do acesso aos melhoramentos urbanos, pois sua permanência ou
eventual retorno ao poder não dependia do apoio popular. Na ausência de uma pressão
55
A presença do coronelismo em Franca foi abordada por MELO (1995) e OLIVEIRA (1999).
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contundente por parte das camadas populares, os administradores municipais puderam
direcionar sua ação para o atendimento dos interesses exclusivos das camadas abastadas da
cidade.
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3
SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE
INDUSTRIAL-OPERÁRIA
Na década de 1940, a cidade de Franca entrou em um processo de
transformação que modificaria profundamente a sua vida econômica, potica e social.
Comentando esse processo, Barbosa (1998, p.34) assinalou que foi justamente a partir dos
anos 40 que a cidade começou a incorporar ao seu cotidiano e à sua paisagem traços
distintivos de uma transformação que marcou a transição de economia essencialmente rural
para a condição de localidade predominantemente industrial e operária.
A transformação econômica do município, de economia agrária alicerçada
especialmente na produção de café, mas com participação significativa também da pecuária,
para uma economia essencialmente industrial, se consumou na primeira metade da década de
1950, momento em que a atividade industrial se firmou como sustentáculo da economia do
município, superando o valor da produção agrária. No ano de 1954, o valor total da produção
industrial chegou a Cr$432.926.000,00, enquanto o total da produção agrícola atingiu apenas
a soma de Cr$244.746.000,00, o que representa uma vantagem de 75,9% para o setor fabril
(BARBOSA, 1998). O crescimento da atividade industrial se acelerou ainda mais no decorrer
das três décadas seguintes, o que propiciou tamm o desenvolvimento dos setores de
comércio e serviços e o rápido crescimento da população urbana.
O desenvolvimento industrial vivenciado pela cidade teve na indústria
calçadista a sua principal força propulsora. Para se ter uma idéia, se nos anos 30 foram dez as
fábricas de calçados abertas, na década de 1940 esse número saltou para 71, sete vezes mais
que na década anterior. Além disso, a partir de 1945 ocorreu o fortalecimento de algumas
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fábricas de calçados fundadas na década de 1930 e o surgimento de empresas de maior porte
(BARBOSA, 2004). Nos anos 50 surgiram mais 59 empresas e, nos anos 60, aproveitando-se
dos incentivos do governo militar, o setor presenciou uma grande expansão, com a criação de
399 novas instrias. No ano de 1960, o volume financeiro produzido pela instria
calçadista da cidade atingiu a expressiva cifra de Cr$750.000.000,00, enquanto que o café,
principal atividade agrícola do município, produziu apenas Cr$237.898.600 (SOUZA, 2000,
p.58). Em 1965, a produção do setor coureiro-calçadista, somada à da incipiente indústria de
artefatos de borracha para caados (saltos e solados) – que já respondia, em 1949, por 49,8 %
do total produzido na instria local, passou, para 82,2% da produção industrial do município
(BARBOSA, 1998, p.33).
Além das empresas calçadistas, importantes indústrias de outros ramos se
estabeleceram em Franca na segunda metade dos anos 40. Dentre essas merecem destaque
pelo menos quatro empresas: a Cotai (Companhia Têxtil Agro-Industrial), que logo após a sua
fundação em 1946 empregava 180 funcionários, um número considerado expressivo para a
época, as indústrias de meias Itamarati e Transbrasil, fundadas respectivamente em 1945 e
1947, responsáveis conjuntamente por uma produção de mais de um milhão de pares por ano,
e a Borracha Amazonas, criada em 1947 para fornecer artefatos para a indústria de calçados
local.
Na década de 1970, a indústria calçadista francana inicia uma fase de grande
expansão, marcada pelo crescimento da produção para o mercado interno e pelo início das
exportões. Para se ter uma idéia, em menos de uma década e meia a produção local de
calçados quadruplicou, passando de 7,2 milhões de pares em 1967 para cerca de 30 milhões
em 1980 (BARBOSA, 2004).
Na década de 1980, impulsionado pelo grande aumento das exportações para
os Estados Unidos, o setor vivenciou o melhor momento de sua história. Ressaltando a
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importância adquirida pela indústria calçadista de Franca nesse período, Barbosa (2004, p.9-
10) aponta que em 1984 a cidade produziu 32 milhões de pares de calçados, o que equivalia a
11,6% da produção nacional. Desse total, mais da metade teve como destino o mercado
externo. O faturamento com as vendas para o exterior atingiu a marca de US$ 164,5 milhões,
o equivalente a 15% do total das exportações brasileiras de calçados.
Acompanhando o desenvolvimento da atividade industrial e dos setores de
comércio e serviços, ocorrido entre as décadas de 1940 e 1990, a populão urbana de Franca
teve um elevado crescimento, conseqüência sobretudo da vinda para a cidade de um grande
número de migrantes em busca de trabalho.
Entre 1940 e 1960, a população urbana de Franca cresceu a uma taxa de 4,21%
ao ano, saltando de 20.568 habitantes em 1940, para 26.629 em 1950 e 47.244 em 1960.
Nesse período, a população rural do município permaneceu praticamente estacionária,
atingindo uma média de crescimento de apenas 0,36% ao ano. Passou de 9.070 habitantes em
1940, para 9.547 em 1950 e 9.743 em 1960. Em 1960 a populão urbana atingiu 82,9%,
contra 17,1% da população rural (GPI,1969a)
56
. Em 1970, de um total de 95.018 habitantes,
88.130, ou seja, 92,75%, já viviam na zona urbana do município, uma taxa de urbanização
bastante superior à média do interior do estado de São Paulo (70,93%) e à média do país
(55,92%), índice que garantia a Franca o 23º lugar entre as cidades paulistas com maior taxa
de urbanização (SOUZA, 2000, p.61).
O desenvolvimento econômico proporcionado pela expansão da instria
calçadista nas décadas de 1970 e 1980 provocou um grande crescimento da população urbana.
Em 1980 os habitantes da cidade já somam 143.125, um crescimento de 62,40% em relação a
1970. Entre 1980 e 1990, a população urbana cresceu mais 51,75%, chegando a 217.189 em
56
Nessa análise, o GPI - Grupo de Planejamento Integrado (1969a) levou em consideração apenas os habitantes
da área que constituía o município de Franca em 1969. Não foram considerados, portanto, os habitantes dos
distritos.
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1990. Nesse ano a taxa de urbanização atingiu 97,66%. (INSTITUTO DE PESQUISAS
ECONÔMICAS E SOCIAIS, 2000, p.43)
Na década de 1990, apesar da crise no setor calçadista e a conseqüente
diminuição da oferta de empregos, o fluxo migratório para a cidade de Franca o diminuiu.
Com isso, a população urbana continuou a crescer a níveis elevados. De 1990 a 2000 o
crescimento foi de 33,79%, atingindo 254.020 habitantes em 1995 e 290.580 em 2000, ano
em que a taxa de urbanização atinge 98,08%. (SILVA, 2005; INSTITUTO DE PESQUISAS
ECONÔMICAS E SOCIAIS, 2000, p.43)
O aumento da oferta de empregos no meio urbano de Franca, com destaque
para as vagas surgidas na indústria de calçados e atividades complementares, foi o grande
responsável pelo fluxo migratório que provocou esse rápido crescimento da populão
urbana. Entre 1950 e 1966, por exemplo, os empregos aumentaram à razão de 7,8% ao ano na
indústria do setor coureiro-calçadista (GPI, 1969a, p.108). Enquanto em 1950 o número de
trabalhadores empregados em estabelecimentos industriais com 5 ou mais operários era de
2.015, abrangendo 7,5% da população, em meados dos anos 80, no auge da exportação de
calçados, esse setor passou a empregar mais de 20% da população (BARBOSA, 1998, p.37),
o que propiciou a entrada no mercado de trabalho de um grande número de pessoas que
migraram para Franca.
Outro fator que contribuiu para o aumento da população urbana de Franca
foram as transformações ocorridas no meio rural da região. Em Franca, e nos municípios
paulistas e mineiros vizinhos, a fuga para a cidade se deu também em razão da erradicação de
grande parte da cultura cafeeira, que passou a ser substituída por pastos destinados à pecuária,
diminuindo bastante a necessidade de mão-de-obra no campo. Além disso, muitos
trabalhadores rurais e pequenos proprietários de terras do sul e sudoeste do Estado de Minas
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Gerais migraram para a cidade de Franca em razão das dificuldades advindas do processo de
concentração da propriedade nessas áreas (GARCIA, 1997, p.41-42).
Se até o início dos anos 40 a representação de uma Franca moderna se
expressava sobretudo na modernização urbanística da sua área central, a partir desse momento
o ideal de modernidade passou a se vincular cada vez mais à modernização capitalista
representada pelo desenvolvimento industrial em curso na cidade. Dessa forma, conforme
observou Barbosa (1998), a imprensa francana, mais que o próprio empresariado, talvez
mesmo por constituir seu porta-voz, passou a divulgar as realizações favoráveis ao
desenvolvimento industrial local e a cobrar das autoridades poticas ações que dinamizassem
o setor, visualizado a partir de então como o mais expressivo símbolo da modernidade e do
progresso do município.
A nota a seguir, publicada por um jornal local logo na segunda metade da
década de 1940, ilustra bem o entusiasmo vivenciado na cidade em razão do desenvolvimento
industrial em curso, incorporado como representante máximo do progresso e elemento capaz
de conferir a Franca o status de cidade moderna:
Há, atualmente em Franca, uma febre, a do progresso. Para qualquer
lado que voltemos nossas vistas, deparamos com realizações grandiosas,
empreendimentos importantes, iniciativas arrojadas, que demonstram toda a
nossa pujança econômica e financeira [...].
No terreno industrial, o progresso de Franca é de deixar a gente
admirada, porquanto, não contou com o bafejo oficial, nem com o apoio dos
grandes industriais do país.
[...] Aí estão as grandes fábricas de calçados, produzindo mais de um
milhão de pares de calçados, os cortumes [sic], onde pontifica o progresso,
com instalações perfeitas, a fábrica de tecido de elástico, a Cotai que faz o
fio para tecer, a fábrica de meias e de solados de borracha, que estão
funcionando regularmente, ampliando ainda mais nosso parque industrial. (O
FRANCANO, 23.3.47, p.3)
Com o objetivo de estimular o desenvolvimento industrial local, a partir de
1949 o Poder Público Municipal passou a promulgar leis de incentivo fiscal ao setor, como a
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isenção de imposto predial por cinco anos às novas indústrias sem similares na cidade
57
e a
isenção de emolumentos (taxas de aprovação, registro e alinhamento) para prédios destinados
à indústria
58
. Conforme constatou Barbosa (1998, p. 2005), “a proposição de tais leis contou
com a iniciativa de atores políticos de diversos partidos que, por sua vez, representavam
diferentes matizes e setores da sociedade francana”.
Apesar de concentrar as suas atenções na promoção do desenvolvimento
industrial local, a Municipalidade não se descuidará do embelezamento da região central da
cidade. A administração do prefeito Onofre Sebastião Gosuen (jan. 1956 a mar. 1959), por
exemplo, “teve como fator marcante o ‘embelezamento e a reforma urbanística da cidade,
sobretudo da área central, não obstante o programa mínimo previsto para a sua gestão
enfatizasse a questão da ‘casa operária’, da água e luz para as vilas [...], entre outros
problemas (BARBOSA, 1998, p.173)
59
. Em 1958 Gosuen investiu na total remodelação da
Praça Matriz Nossa Senhora da Conceição, que recebeu então um novo projeto paisagístico
elaborado pelo arquiteto J. E. Chauviére e um novo piso em petit-pavê imitando o tradicional
calçadão da praia de Copacabana (ver figura 18).
Nos anos 60, ao lado do desenvolvimento industrial, as transformações
ocorridas no centro da cidade aumento do tráfego dos veículos motorizados, aparecimento
de casas comerciais sofisticadas e construção de edifícios –, passaram a compor o ideal de
cidade moderna em Franca. Expressão de progresso próprio das grandes cidades, esses
elementos passaram a ser defendidos e divulgados pela imprensa local com grande
57
A esse respeito ver Lei 76 (26.9.1949), Lei 297 (15.4.1953), Lei 577 (19.9.1956), Lei 894 (23.5.1960). A
concessão da isenção de imposto predial apenas às “indústrias sem similares na cidade” tinha como objetivo não
favorecer a vinda para Franca de concorrentes para o setor calçadista local (BARBOSA, 1998).
58
Ver, por exemplo, a Lei 1217 (27.04.1964).
59
Gosuen ficou conhecido como “o remodelador da cidade” em virtude de suas obras visando o embelezamento
de Franca para as comemorações de seu centenário. Uma de suas chamadas publicitárias na campanha eleitoral
de 1958, visando a obtenção de uma cadeira no legislativo estadual, é bastante ilustrativa de seu desempenho
neste sentido: “Para Deputado Estadual Onofre Gosuen - O Prefeito que em 2 anos transformou o perfil
urbanístico da cidade”. (O FRANCANO, 18.09.1958, p.1, apud BARBOSA, 1998, p.173).
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entusiasmo, como nos dá mostra a nota publica pelo Comércio da Franca em 26 de janeiro de
1966 (p.2):
Franca na vanguarda!
É verdadeiramente animador o surto de progresso que se verifica em
Franca. De pouco tempo a esta parte a cidade apresenta um aspecto diferente
da comuna provinciana, que caminhava a passos lentos, vacilantes, com o
seu desenvolvimento dosado homeopaticamente.
Hoje é esse centro fervilhante, com as suas ruas e praças regorgitantes,
acolhendo por vez um trânsito intenso e permanente.
Vários edifícios de envergadura estão alcançando as alturas, contando-
se cerca de dez arranha-céus, alguns em construção e outros projetados,
com os trabalhos preliminares iniciados e suas dependências já vendidas.
No setor industrial, avançamos a passos largos com novas fábricas
aumentando nosso famoso parque industrial, podendo ser destacada a
terceira fábrica ‘Samello’ que, segundo fomos informado, dará trabalho a
mais de meio milhar de operários.
O comércio merece também uma referência especial. Novas
organizações surgem aqui e acolá, com instalações modernas, nos mais
variados gêneros. Vários magazines e boutiques estão distribuídos no centro
da cidade, dando-lhe aspecto característico de cidade com pretensões de
pequena capital!
O desejo de dotar Franca dos elementos capazes de conferir à cidade o status
de moderna se revelaria na aprovação, em 1964, do projeto de lei número 9, cuja redação final
estabeleceu a concessão de imposto predial urbano por cinco anos a todo edifício de seis a
nove andares que viesse a ser construído na cidade.
60
É importante ressaltar, entretanto, que apesar da aprovação, esse projeto foi
contestado por alguns vereadores, que alegaram a ineficácia prática do mesmo e o acusava de
favorecer as camadas mais abastadas em prejuízo da receita municipal e, por extensão, do
investimento em poticas blicas voltadas ao bem estar social de todos. Para os vereadores
da Comissão de Finanças, por exemplo, o projeto o teria nenhum valor prático, já que
“ninguém empregaria vultuoso capital em obras de tal natureza animado pela simples isenção
de impostos”, além disso, “a Prefeitura Municipal necessita de rendas para fazer face aos seus
compromissos que crescem dia a dia”. Para um dos membros da Comissão de Justiça, o
projeto era “danoso ao bem social visto que visa favorecer exatamente aos mais favorecidos”,
60
De autoria do vereador José Lancha Filho, o projeto original propunha isenção de imposto predial por dez
anos.
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94
ademais, quem estiver em condições de construir edifícios [...] o deixará de fazê-lo por ter
de pagar os devidos impostos”. (PROJETO DE LEI 9, 1964)
Outro grupo beneficiado pela isenção de imposto predial urbano foi os
empresários do setor hoteleiro. Em 8 de maio de 1963, a Câmara Municipal, alegando a
necessidade de se melhorar o serviço de hotelaria em Franca, aprovou o projeto de lei mero
3, isentando do imposto predial urbano todas as novas construções destinadas a hotéis e
também as antigas hospedarias que ampliassem em 50% ou mais a sua área construída,
mantendo ou melhorando a qualidade do seu acabamento.
Com o objetivo de oferecer melhores condições para o desenvolvimento
industrial de Franca e disciplinar o uso do espaço urbano com a resolução dos conflitos
decorrentes da instalação de instrias em áreas residenciais e comerciais, em 1984 foi
inaugurado o Distrito Industrial de Franca (DINFRA). Previsto pelo Plano Diretor Físico
aprovado em 1972, sua construção decorreu de um acúmulo de investimentos públicos
iniciados logo após a aprovação do plano. em 1972 o Executivo local foi autorizado a
desapropriar um terreno de mais de 120 hectares para a instalação do distrito em uma área
plana próxima à cidade.
Com a sua inauguração em 1984, o Poder Público Municipal passou a
incentivar a instalão de empresas no local. Nesse ano foi promulgada a Lei 2931,
concedendo isenção de imposto predial e territorial urbano pelo prazo de doze anos às
empresas que se instalassem no mesmo. Para estimular a transferência dos curtumes,
estabelecimentos que incomodavam os moradores com a poluição do ar e das águas dos
córregos da cidade, a instalação de restaurantes populares para servir os operários e a
diversificação da atividade industrial local, foi também estabelecida uma redução de até 40%
do preço dos lotes às empresas de “curtimento de couro, atualmente instaladas no perímetro
urbano; refeições populares; qualquer espécie que não tenha similar no Município de Franca e
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95
cuja localização no mesmo se apresente conveniente para o desenvolvimento econômico e
social deste” (RINALDI, 1987, p.81-84). Em 1985, com a promulgação da Lei Municipal
3008, a Municipalidade passou a conceder também a iseão de emolumentos para as novas
indústrias do Distrito Industrial.
Quando desviamos a nossa atenção para o campo da potica, percebemos que
o período inaugurado pela década de 1940 também trouxe mudanças bastante significativas
no cenário local. O desenvolvimento da atividade industrial, a volta das eleições livres após os
quinze anos do Primeiro Governo Vargas e o rápido crescimento da classe operária
provocaram significativas transformações no universo político e social francano. De arena
exclusiva da elite cafeeira, a partir de 1945 o terreno político francano abriu espaço para os
setores médios da sociedade, para o empresariado industrial e, ainda que em menor grau e
sob mecanismos de tutela, para a classe trabalhadora, o obstante a indiscutível permanência
de remanescentes das antigas oligarquias, contudo, despojados da expressividade potica de
outrora.” (BARBOSA, 1998, p.129)
Foi a partir de meados dos anos 40 que o operariado emergiu em Franca como
um agente de significativa força coletiva, saindo de uma posição de marginalidade para
ocupar um espaço central no cenário potico e social local. As manifestações populares e as
greves ocorridas em Franca entre os anos de 1945 e 1960 expressam bem a emergência desse
novo ator social. Em julho de 1945, ainda sob a ditadura do Estado Novo, os operários das
indústrias de calçados de Franca entraram em greve por aumento salarial e somente
retornaram ao trabalho após o acordo efetuado entre o sindicado dos trabalhadores e a
Associação Comercial e Industrial de Franca (O FRANCANO, 07.07.1945, p.1). Os oficias de
alfaiatarias da cidade realizaram duas greves por razões salariais, sendo uma em 1946 e outra
em 1953. Em setembro de 1951 os motoristas e mecânicos da empresa de transporte urbano
São José” também paralisarem os serviços com o propósito de conseguir aumento salarial.
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96
No dia 13 de janeiro de 1955, os tecelões da indústria Cotai, em protesto contra o atraso no
pagamento dos salários, entraram na empresa, marcaram o cartão de ponto, mas não deram
início aos trabalhos. Os tecelões somente voltaram às atividades no dia seguinte, após a
efetuação do pagamento pela empresa.
61
Nesse mesmo ano, o Sindicado dos Trabalhadores da
Indústria de Calçados de Franca realizou uma assembléia com cerca de 400 operários para
discutir a realização de uma greve. Ao comentar a mobilização dos operários, o jornal Diário
da Tarde (27.09.1955, p.1) relatou que apesar da maioria optar pela paralização, ficou
resolvido que se convocasse nova Assembléia Extraordinária, a 1º de Outubro pximo, a fim
de decidirem sobre o assunto.”
Por ocasião da morte do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954,
cerca de dois mil operários das indústrias locais abandonaram seus postos e sram às ruas
procurando mobilizar outros trabalhadores e fechar os estabelecimentos comerciais, dando
início a tumultos que provocaram repressão policial. Seguiram-se aos protestos de 24 de
agosto diversas outras manifestações de louvor à figura de Vargas, dentre as quais destacamos
duas de maior repercussão. Primeiramente, a subscrição de 1.027 assinaturas, logo no dia
seguinte à morte do presidente, em abaixo-assinado pleiteando a mudança da denominação da
Avenida Rio Branco para Avenida Getúlio Vargas. Ainda no mesmo dia, em regime de
urgência, foi apresentado e aprovado na Câmara um projeto de lei contemplando a referida
mudança (BARBOSA, 1998). Em ato quase contínuo, iniciou-se um movimento pró-
monumento ao presidente Vargas encabeçado por lideranças trabalhistas locais. Em seu
“Manifesto ao Povo”, a comissão encarregada de angariar fundos para a obra enfatizou o
papel central reservado aos operários na tarefa de homenagear o seu “grande der”
(BARBOSA, 1998).
62
61
A respeito dessas greves ver os jornais O Francano (22.09.1946, p.1; 29.09.1946, p.1) e Diário da Tarde
(18.09.1951, p.1; 20.06.1953, p.1; 15.01.1955, p.1; 18.01.1955, p.1).
62
A respeito da força da mística getulista em Franca ver Barbosa (1998).
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97
Em janeiro de 1957, cerca de duas mil pessoas, apoiadas pelos sindicados
operários locais, se reuniram em frente a Usina de Laticínios Jussara para protestarem contra a
proibição da comercialização do leite cru e o aumento do pro do leite pasteurizado vendido
pela empresa Jussara. O protesto, que contou com o apedrejamento e a invasão do
estabelecimento, provocou a reação da polícia local e vários manifestantes foram atingidos
por tiros deflagrados pelos policiais. Em razão do incidente foi enviado reforço policial a
Franca. (DIÁRIO DA TARDE, 8.01.1957, p.1).
Como conseqüência do retorno das eleições livres e da emergência do operário
como uma nova força social em Franca, a partir de meados da década de 1940 os poticos
francanos passaram a reproduzir na esfera local a transformação na relação potica que
vinha ocorrendo na esfera nacional desde os anos 30. A respeito dessa transformão,
lembramos que o regime inaugurado por Vargas, na busca de apoio político que lhe conferisse
legitimidade, patrocinou uma potica pública voltada para o operariado, estabelecendo novas
relações entre Estado e classe trabalhadora. Com base na formulação de uma legislação social
e trabalhista, fundamentada na “ideologia da outorga” e na valorização do trabalhador como
socialmente necessário, elevando-o à condição de cidadão, o Estado teceu sua auto-imagem,
induzindo os trabalhadores a identificarem-no como o guardião de seus interesses materiais e
simbólicos (FERREIRA, 1997). Mas a base de sustentação do novo regime se estendeu para
além da classe operária, atingindo uma categoria maior as massas populares urbanas –,
fazendo com que o Estado desenvolvesse também uma potica específica para esse setor. Esta
política se materializou sobretudo no ataque à questão habitacional
63
em três níveis distintos:
inauguração da produção direta e do financiamento de unidades habitacionais por órgãos
estatais como os Institutos de Aposentadorias e Previdência (1938) e a Fundação da Casa
Popular (1942); congelamento e controle dos aluguéis por meio da Lei do Inquilinato de
63
A escolha da questão habitacional tinha a sua razão de ser. Conforme ressalta Bonduki (1988, p.103): “A
habitação sempre representou um grande ônus e um problema dos mais graves a ser resolvido pela classe
trabalhadora urbana.”
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98
1942, que deu início à regulamentação das condições de locação que protegia o inquilino
contra os aumentos abusivos dos aluguéis e contra os despejos injustificados; regulamentação
dos loteamentos populares por meio do Decreto-Lei 58 de 1938, garantindo a aquisição de
terrenos à prestação. (BONDUKI, 1988)
Essa bem-sucedida potica rendeu grande prestígio a Getúlio Vargas, pois,
para as classes populares urbanas, foi ele, e não qualquer instituição potica, o responsável
direto pelos benefícios sociais (FERREIRA, 1997). Após o fim do Estado Novo, os partidos
trabalhistas, com destaque para o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criado pelo próprio
Governo Vargas, assumiram o posto de representantes legítimos dos trabalhadores e protetor
de seus direitos. Como herança histórica do período do Primeiro Governo Vargas, o brasileiro
nunca mais deixou de reconhecer no Estado, visualizado pela população sobretudo na figura
do Executivo, o principal responsável pelo atendimento dos mais diversos aspectos das suas
condições de vida.
Analisando as transformações ocorridas no universo potico-social brasileiro a
partir dos anos 30-40, Weffort (1980) constatou que a partir de 1945 as formas de aquisição
ou preservação do poder estarão cada vez mais impregnadas da presença popular” (p.67).
Dessa forma, segundo esse autor, “a simples circunstância de que potico algum pode
esquivar-se totalmente às expectativas populares desvia de maneira radical daquele regime do
Estado oligárquico anterior aos anos 30” (p.17). Em sua análise sobre Franca, Barbosa (1998,
p.37) observou que entre 1945 e 1964 o discurso potico passou “a se dirigir de maneira mais
incisiva à classe operária como forma de contemplar os interesses do conjunto da população.
Isso porque o peso social e potico adquirido pelo operariado francano acabou forçando a
política a se dirigir a ele. Nesse sentido, a referência “à realização de melhoramentos nos
‘bairros operários’, bem como a construção de moradias populares para os trabalhadores
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99
fabris é ponto de convergência nos programas de quase todos os partidos poticos do
período.” (BARBOSA, 1998, p.37-38).
As notas jornalísticas que reproduzimos a seguir ilustram bem a transformação
ocorrida no cenário potico francano a partir de 1945. A primeira comenta as eleições
municipais de 1951. A segunda refere-se aos pressupostos básicos do programa de governo do
empresário João Palermo nior, candidato a prefeito pelo PRP (Partido de Representação
Popular) nas eleições municipais de 1955.
[...] Preciso falar ao povo de Franca [...]. Preciso dizer-lhes que o votem
em candidatos apoiados por facções granfinas porque elas formam partidos
aristocráticos [...]. Servem aos capitães da indústria e deixam de lado os
humildes sapateiros e cortumeiros [sic] [...] Por que estão afastados do povo,
[...] porque nunca sofreram ao lado do povo e nunca choraram as mesmas
lágrimas feitas de suór e sangue dos desiludidos operários. (DIÁRIO DA
TARDE, 11.1.1951, p.4)
A campanha será feita em torno de 2 pontos principais: 1
o
.) - Se eleitos
formaremos, em torno do prefeito, um corpo de assessores técnicos não-
remunerados [...]. 2
o
.) - Girará em torno de um plano de rápido atendimento
das necessidades da classe dos sapateiros e coureiros de Franca, plano que
será executado em apenas 90 dias. (DIÁRIO DA TARDE, 2.9.1955, p.1)
Apresentando-se como legítimos representantes da classe trabalhadora, os
políticos trabalhistas locais foram responsáveis pela adoção de um discurso voltado para o
atendimento dos interesses dos setores populares. O peso potico adquirido pelo operariado
francano a partir dos anos 40 pode ser medido pelo êxito alcançado pelos partidos trabalhistas
locais
64
durante o chamado período democrático (1945-1964). Conforme assinalou Barbosa
(1998, p.70-71, 80), “os partidos trabalhistas controlaram a potica francana em um período
dominado, em nível estadual, pela força organizativa do PSP, de 1947 a 1954, e pelo
pragmatismo eleitoreiro da UDN, de 1959 a 1962.” De 1947, ano da primeira eleição pós
Estado Novo, a 1963, o PTN e o PTB conseguiram eleger quatro prefeitos, monopolizando
assim o executivo local. A Câmara Municipal também foi palco da supremacia dos partidos
trabalhistas, que tiveram o maior número de vereadores de 1948 a 1967 (BARBOSA, 1998).
64
Refiro-me ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e ao PTN (Partido Trabalhista Nacional).
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100
Como veremos nos próximos capítulos, a partir de meados dos anos 40, os
governantes municipais passaram a conviver com a necessidade potica de atender algumas
reivindicações das classes populares instaladas em bairros parcial ou totalmente desprovidos
de equipamentos e serviços urbanos. A esse respeito vale lembrar que a manutenção das
eleições diretas para o Executivo e o Legislativo municipais, mesmo durante o peodo da
Ditadura Militar, garantiu a necessidade dos políticos locais angariarem apoio eleitoral e
político.
Figura 17 – Vista parcial aérea da cidade de Franca (MHMF, foto 43, álbum 2).
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101
Figura 18 Praça Nossa Senhora da Conceição após a remodelação efetuada em 1958 pelo governo
de Onofre Gosuen (MHMF, foto 78, álbum 2).
Figura 19 - Praça Nossa Senhora da Conceição na década de 1980 (MHMF, foto 44,
álbum 1).
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102
4
A POLÍTICA DE PROMOÇÃO DA MORADIA PRÓPRIA E A
LUTA POR DIREITOS SOCIAIS URBANOS NOS
CONJUNTOS HABITACIONAIS
Desde o surgimento do problema habitacional no Brasil em fins do século XIX,
até o final da década de 1930, a produção de moradias nos centros urbanos do país se manteve
orientada pela lei do mercado, sendo exercida exclusivamente pela iniciativa privada e
direcionada basicamente para a construção de casas de aluguel.
65
Mesmo porque, nas cidades
economicamente mais dinâmicas onde a população urbana passara a crescer acentuadamente,
o investimento em moradias de aluguel se tornou uma segura e excelente forma de se
rentabilizar poupanças e recursos disponíveis. Ademais, sobretudo durante a Primeira
República, a construção de casas para alugar às classes populares contou com incentivos
públicos como a isenção de taxas e impostos, única medida introduzida pelo Estado liberal
para incentivar a produção habitacional.
66
É certo que alguns trabalhadores conseguiam comprar um terreno em áreas
menos valorizadas, como nos loteamentos que foram se abrindo nas franjas dos centros
urbanos em expansão, e erguer a própria casa em etapas, porém, estes se constituíram em
exceções. Os baixos salários e a falta de financiamento e incentivos blicos para a aquisição
65
A utilização da casa de aluguel era tão disseminada nas primeiras décadas do século XX que o imposto predial
urbano e o valor de mercado de uma moradia eram estabelecidos com base no valor do aluguel (BONDUKI,
1998).
66
Segundo Bonduki (1998, p.41), os estímulos à iniciativa privada foram adotados por todos os níveis do
governo e regiões do país e foram sempre bem aceitos por higienistas, poder público e empreendedores. “Para
estes, a vantagem era óbvia, pois aumentariam seus lucros; para o poder público, mesmo que os resultados
fossem pífios, era uma forma de mostrar uma iniciativa em favor da melhoria da habitação dos pobres; por fim,
para os higienistas, era a oportunidade de difundir o padrão de habitação recomendável.” Os incentivos públicos
municipais concedidos à construção de casas de aluguel em Franca durante a Primeira República foram
abordados no Capítulo 1.
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103
da casa própria praticamente impossibilitaram o acesso das classes populares a esse bem nas
primeiras décadas do século XX (BONDUKI, 1998). Além disso, a compra de terrenos em
loteamentos periféricos era desestimulada por sua distância do local de trabalho e de
comércio, pelo custo ou ausência de transporte coletivo, pela falta de outros serviços e
equipamentos públicos urbanos, assim como pela oferta de habitações de aluguel a preços
acessíveis à populão pobre nas áreas mais centrais das cidades. Por tudo isso, durante as
primeiras décadas do século XX, a maior parte da população pobre das grandes cidades
brasileiras ainda continuou vivendo em cortiços e pensões degradados das áreas centrais.
67
Não por acaso, em virtude da destruição em massa dos cortiços no Rio de Janeiro na virada do
século XIX para o XX, as favelas surgem como uma alternativa mais viável que os
loteamentos periféricos. Em Franca, nas primeiras décadas do século XX a população também
evitou os novos loteamentos, que muito vagarosamente foram sendo ocupados, preferindo
os bairros mais antigos e próximos do Centro como Estação, Cidade Nova, Santa Cruz e
Cubatão (RIBEIRO, 1941).
No final da década de 1930, em meio a uma profunda crise habitacional e em
consonância com a potica nacional de compromissos sociais estabelecida pelo Governo
Vargas com a classe trabalhadora urbana, o problema da habitação popular passou a ser
encarado como uma questão de cunho social que exigia a intervenção governamental para ser
equacionada de maneira adequada. Efetuando uma mudança significativa em relação à
política de matriz liberal da Primeira República, no final dos anos 30 o Estado passou a
intervir na questão habitacional atacando-a em três frentes diferentes: a produção direta e o
financiamento de unidades habitacionais, iniciadas em 1938 com a criação das Carteiras
Prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e reforçadas em 1946 com a criação da
67
Levantamentos efetuados na cidade de São Paulo na década de 1930 mostram que muitos daqueles que haviam
conseguido se tornar proprietários de lotes ou de casas na periferia preferiam continuar morando nos cortiços da
área central. O motivo principal dessa escolha estava na ausência ou no vulto da despesa com o transporte
coletivo. (BONDUKI, 1998, p.93)
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104
Fundação da casa Popular; a regulamentação das condições de locação, com o congelamento
dos aluguéis e o cerceamento do despejo sem justa causa, mediante a decretação da Lei do
Inquilinato em 1942, que foi sendo prorrogada até 1964
68
; e a regulamentação dos
loteamentos populares por meio do Decreto-lei 58 de 1938, que passou a garantir a aquisição
de terrenos à prestação. (BONDUKI, 1988; 1998)
Nesse contexto, o acesso à casa própria assumiu um papel fundamental no
discurso e nas realizações do Estado. Mesmo porque, no final dos anos 30, “se firma de forma
quase consensual que a iniciativa privada não tem condições de equacionar o problema da
moradia dos trabalhadores, requerendo-se a intervenção do Estado e que o acesso à casa
própria deve ser estimulado de todas as formas possíveis.” (BONDUKI, 1998, p.15). Símbolo
da valorização do trabalhador e comprovação de que a potica de amparo ao povo brasileiro
estava dando resultados efetivos, a partir dos anos 40 a casa própria passou a assumir uma
grande importância potica e ideológica no Brasil.
Para o trabalhador urbano, a casa própria simbolizava o progresso
material. Ao viabilizar o acesso à propriedade, a sociedade estaria
valorizando o trabalho, demonstrando que ele compensa, gera frutos e
riqueza. Por outro lado, a difusão da pequena propriedade era vista como
meio de dar estabilidade ao regime, contrapondo-se às idéias socialistas e
comunistas. Com isso, o Estado estaria disseminando a propriedade em vez
de aboli-la e, assim, promovendo o bem comum. Os trabalhadores, deixando
de ser uma ameaça, teriam na casa própria um objetivo capaz de compensar
todos os sacrifícios; o morador do cortiço ou da moradia infecta estava
condenado a ser revoltado, pronto para embarcar em aventuras esquerdistas
para desestabilizar a ordem política e social.
Portanto, se a casa própria e a difusão da propriedade garantiam a
ordem política, no nível micropolítico a reprodução da moral burguesa e sua
dócil aceitação pelo operariado só seria possível atras da moradia
individual e da eliminação dos cortiços [e também das favelas]. Nesse
sentido, o papel da família, com sua função de reproduzir a ordem e moral
estabelecida, era essencial.
69
(BONDUKI, 1998, p.84).
68
Segundo Bonduki (1988, 1998), apesar de proteger os inquilinos dos aumentos de aluguel e dos despejos
injustificados, a Lei do Inquilinato desestimulou a produção de novas moradias de aluguel pela iniciativa
privada, agravando ainda mais o déficit habitacional nas cidades.
69
A esse respeito vale destacar que a família era considerada a célula mater da sociedade e seu esteio. [...]. A
Constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, dava atenção toda especial à família, determinando, no artigo
124, que ela estaria ‘sob proteção do Estado’.” (BONDUKI, 1998, p.84)
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105
Nesse capítulo objetivamos verificar como se processou na cidade de Franca
essa transformação na potica habitacional e seus efeitos sobre a cidadania social urbana.
Para isso, analisaremos a atuação do Poder Público Municipal no incentivo e auxílio à
autoconstrução da casa própria pelas classes populares, as características dos conjuntos
habitacionais de promoção pública construídos na cidade e a luta dos moradores por direitos
sociais urbanos nesses conjuntos habitacionais.
Como resultado do rápido crescimento populacional urbano provocado pelo
desenvolvimento industrial e a insuficiência das produções de moradias pela iniciativa privada
em Franca, a partir da cada de 1940 aumentou em grande medida o ficit habitacional na
cidade, assunto recorrente nos jornais locais durante todo o século XX, que passaram a cobrar
do Poder Público Municipal ações para solucionar o problema.
Em 25 de março de 1945 o Comércio da Franca publicou uma matéria sobre o
assunto que ocupou toda a sua primeira página. Segundo o periódico, o problema da falta de
moradias em Franca assumira “um aspecto angustiante e de maiores proporções que em outras
cidades interioranas.” Três décadas mais tarde, o problema persistia e de forma ainda mais
dramática. Ao abordar novamente a questão em 8 de maio de 1976, o Comércio salientou que
a maior incerteza para esse povo ainda é a falta de habitação, existindo muitas famílias
desabrigadas, pois o número de construções mais modestas é insuficiente.” Em 15 de julho de
1977, em artigo intitulado “O assustador déficit habitacional”, esse periódico fez um apelo
para que o Poder Público Municipal suspendesse as normas do Plano Diretor de 1972, visto
que as mesmas estariam prejudicando o surgimento de novos núcleos residenciais na cidade,
acrescentando que “diante do negro quadro habitacional” em que se vivia, “qualquer
obediência ou qualquer rigorismo estabelecido pelo Plano Diretor passa a ser mera barreira
tecnocrata. Em notícia publicada por esse jornal em 14 de junho de 1978, o deputado
estadual francano Milton José Baldochi declarou que em pouco tempo Franca teria o seu
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106
crescimento industrial “seriamente comprometido devido à escassez de mão-de-obra que será
especialmente gerada pela carência de habitações de nível popular”. Para sanar o problema o
deputado defendeu a necessidade de “uma mobilização de forças vivas da cidade em torno do
assunto, tentando sensibilizar as autoridades estaduais mostrando-lhes a situação crítica do
setor habitacional desta cidade”.
70
Em 21 de agosto de 1980, uma matéria sobre o assunto
publicada pelo Diário da Franca recebeu o seguinte tulo: Escassez de moradias é
calamidade pública”. Em 1989 o Comércio da Franca (20.04.1989) cobrou do prefeito
Maurício Sandoval Ribeiro um plano de ação para solucionar o problema do déficit
habitacional de Franca, tendo em vista as promessas de campanha nesse sentido. Para o jornal
o déficit habitacional era gritante” e “as pessoas de baixa renda já se sentem desesperadas
quando precisam sair à procura de casas para alugar [...]”. Em 1997, para solucionar o
problema da falta de moradias em Franca, o vereador José Lancha Filho propôs a criação pela
Prefeitura de “loteamentos urbanizados” em áreas rurais de 60 a 100 alqueires. De acordo
com o vereador, o déficit habitacional nesse ano era de cerca de dez mil moradias (DIÁRIO
DA FRANCA, 7.3.1997, p.7).
No final da década de 1940, como conseqüência da emergência do operariado
como um agente de significativa força coletiva e peso potico em Franca, se processou uma
significativa mudança na potica habitacional municipal. Se até esse momento buscava-se
timidamente atacar o problema da falta de moradias mediante a concessão de benefícios
públicos à iniciativa privada para a produção de casas de aluguel, a partir de então, refletindo
a transformação que já vinha se processando na política habitacional estadual e federal desde
o final dos anos 30, a produção da casa própria popular passou então a povoar o discurso e as
ações dos poticos locais.
70
Em 21 de janeiro de 1979 o Diário da Franca estimou em 15.000 unidades o déficit habitacional de Franca.
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107
Assim, a demanda por moradia própria vai progressivamente se impondo como
uma questão urbana a exigir também a intervenção da Municipalidade e o posicionamento dos
políticos francanos. Já em 19 de abril de 1948, pressionado a implementar medidas no sentido
de minorar o problema da falta de moradias à classe trabalhadora e impelido a contemplar
pelo menos parte dos compromissos assumidos com essa parcela da população durante a
campanha eleitoral de 1947, o Poder Público Municipal promulgou a Lei 15, primeira lei
municipal de incentivo à construção da casa própria direcionada às camadas pobres da cidade.
De acordo com essa lei, a Prefeitura concederia planta popular, entre três modelos padrões, e
isenção de imposto predial urbano, pelo prazo de cinco anos, ao requerente que vivesse de
salário e que possuísse apenas um terreno como imóvel. No caso de casas orçadas em no
máximo R$25.000,00”, a Prefeitura forneceria também a pedra bruta necessária ao alicerce do
prédio, na proporção de uma carroça para cada cômodo. Em 1953, a Lei 279 dobrou o limite
máximo do valor da construção exigido para se ter direito à pedra bruta e aumentou para vinte
os modelos de plantas disponibilizadas aos interessados.
Logo no mês seguinte à aprovação da Lei 15 de 1948, objetivando beneficiar
também os construtores de casas para vender e para alugar, o Poder Público Municipal passou
a promulgar leis de concessão gratuita de plantas e de isenção de imposto predial e de taxas de
registro sem restrições a todas as novas construções. Nesse sentido, em 28 de maio de 1948
foi aprovada a Lei 17, estendendo a isenção do imposto predial urbano por cinco anos a toda
construção residencial iniciada entre os anos de 1948 e 1950, isenção que fora renovada nos
anos de 1952 (LEI 190) e 1953 (LEI 297). Em dezembro de 1963, com a aprovação do projeto
de lei número 104, foram retiradas da lei de 1948 as exigências de não possuir outro imóvel e
viver de salário para ter direito à planta da casa e acrescentado o direito da obra ter o
acompanhamento técnico dos engenheiros da Prefeitura. De acordo com essa lei, a Prefeitura
disponibilizaria vinte modelos de “casas residenciais de baixo custo, acabamento modesto e
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108
equipamento mínimo, com área individual de construção não superior a 70 (setenta) metros
quadrados”.
Em 1964, com a promulgação da Lei 1237, o direito à isenção de imposto
predial foi reduzido para três anos e passou a beneficiar apenas as pessoas que não tivessem
casa própria e que destinasse o prédio exclusivamente para a sua resincia. Além disso, a
área total do prédio o deveria “ser superior a 60 (sessenta) metros quadrados e o seu valor
o poderia “ultrapassar a 15 (quinze) salários mínimos, vigentes na região, na época do
benefício”.
A discussão da maioria dos projetos de leis que propunham a concessão de
benefícios à construção de prédios na cidade foi marcada por divergências, pois o tema
dividia a opinião dos membros do Poder Público local. Alguns defendiam a concessão de
benefícios apenas à construção da casa própria popular e outros achavam que os benecios
deveriam ser estendidos a toda nova construção, favorecendo, assim, também as camadas
mais abastada. Em razão disso vários projetos receberam emendas antes de tornarem lei e
outros simplesmente não foram aprovados.
Foi importante para os propósitos desse trabalho notar na fala de alguns
membros do Poder Público Municipal a emergência de um discurso em defesa da moradia
enquanto um direito do habitante da cidade, algo praticamente inexistente até a década de
1940. É ilustrativo nesse sentido o parecer da Comissão de Justiça da Câmara ao Projeto de
Lei 23, de fevereiro de 1961, que propunha a concessão de isenção de imposto predial por
cinco anos a todas as novas construções que iniciassem as obras naquele ano. Ao se colocar
contra a concessão da isenção sem restrições, o vereador Maurício Costa França, membro da
comissão que redigiu o parecer, declarou que apenas a casa própria popular, quando
representa a única propriedade imóvel do munícipe”, merecia tal benefício, visto que, “nesse
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109
caso, não goza, êle, de uma regalia própriamente dita; tem, apenas, assegurado seu direito
natural de moradia”.
As tipologias arquitetônicas elaboradas na década de 1950 ficaram disponíveis
para o atendimento da população até 1983, quando o governo de Sidnei Franco da Rocha
elaborou cinco modelos de projeto–padrão para atender famílias cuja renda mensal fosse igual
ou inferior a cinco salários mínimos (FERREIRA; SATURI, 2006). Em 1986, a Lei 3085
estabeleceu que a Prefeitura deveria atender apenas às solicitações de projeto de moradias
com até 60 m2, um pavimento, construídas com materiais simples e ecomicos. Para o
atendimento dos requerentes a Prefeitura designou um único profissional engenheiro do
quadro de pessoal do Departamento de Economia e Planejamento, que ficou então
responsável pela assinatura de todos os projetos de moradia popular.
O limite de 60 m2 para a planta popular fornecida pela Prefeitura de Franca se
explica pelo fato de o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Estado de São Paulo
(CREA-SP) isentar de acompanhamento técnico as habitações que não excedessem esse
tamanho, o que retirava da Prefeitura de Franca a responsabilidade técnica pela obra. Segundo
Ferreira e Saturi (2006), essa determinação do CREA-SP foi adotada na década de 1970 em
razão da pressão dos governos municipais e dos próprios profissionais filiados que à época se
encontravam em número reduzido para atender a grande demanda do mercado.
Com isso, se por um lado o Poder Público Municipal de Franca conseguia
viabilizar, mediante a regularização cadastral da maioria das novas construções populares, a
cobrança de impostos municipais, por outro lado, não demonstrava qualquer compromisso
com a qualidade e a segurança das obras, pois o procedimento instituído se constituía em
“mera autorização de caráter cartorário e burocrático, onde o interessado escolhia uma
‘planta’ no balcão de atendimento da Prefeitura, sem nenhum critério objetivo ou técnico e
nenhum tipo de orientação técnica” (FERREIRA; SATURI, 2006, p.90).
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110
Em 1988 o programa de moradia popular passa a fornecer plantas de até 70m2
para os munícipes com renda mensal igual ou inferior a dez salários mínimos. Em 1989, uma
alteração na lei passou a permitir que uma pessoa fosse beneficiada duas vezes, desde que
respeitado o interstício mínimo de dez anos entre o primeiro e o segundo pedido. A partir de
então, o modelo de edícula no fundo do lote tornou-se uma solão muito procurada pela
população de baixa renda, não apenas por pais que construíam para abrigar filhos recém
casados, mas para propiciar complemento de renda com aluguel (FERREIRA; SATURI,
2006).
Analisando o programa da planta popular em Franca, Ferreira e Saturi (2006)
apontaram vários problemas. Segundo esses dois arquitetos, o sistema de modelos de plantas
pré-estabelecidos acabou propiciando situações onde o modelo escolhido o era o mais
apropriado para a realidade do terreno ou para a realidade sócio-econômica do proprietário do
lote” (p.92). A ausência de assistência técnica e a falta de fiscalização permitiram a
construção de moradias precárias, que embora tivessem a assinatura de profissional
credenciado, não atendiam às condições de qualidade necessárias para o atendimento às
necessidades sicas e humanas” (p.92). Além disso, muitos projetos de moradia foram
aprovados em áreas de risco, “causando problemas cujas conseqüências são sentidas até hoje
[2006]” (p.92). Ainda segundo esses dois arquitetos, em Franca os vereadores faziam uso
clientelista do programa, pois a indicação para recebimento do benefício da chamada ‘planta
popular’ era feita diretamente por vereadores aos órgãos responsáveis da Prefeitura pelo
fornecimento do documento” (p.90).
Em 1993, a morte de um morador da cidade de Franca em razão do
desabamento de uma casa construída mediante a concessão de planta popular pela Prefeitura
foi motivo suficiente para a suspensão do programa. Com a continuação da procura pelo
benefício, entretanto, a Prefeitura de Franca, pressionada pela população e pelos vereadores,
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111
passou a fornecer um croqui e permitir que o solicitante construísse sem projeto e
acompanhamento técnico (FERREIRA; SATURI, 2006).
Essa situação durou até 1995, ano em que foi implantado o programa Teto
Seguro, convênio de cooperação entre a Prefeitura Municipal e a Associação de Engenheiros,
Arquitetos e Agrônomos da Região de Franca para a concessão de assistência técnica gratuita
à construção de moradias com até 70m2 para famílias proprietárias de lotes e com renda
mensal igual ou inferior a 26,55 UFMF (R$386,30 reais à época). Nesse mesmo ano o teto
mensal para se ter direito ao programa passou para 50 UFMF (aproximadamente R$730,00 à
época). De acordo com o convênio, essa associação ficou incumbida da seguinte obrigação:
Prestar efetiva assistência técnica, através de profissional capacitado e
habilitado em todas as fases da construção da moradia com Planta Popular,
quantificando e especificando materiais, demarcando lotes, apontando
necessidades ou não de aterro, ou desaterro, encaminhando requisição junto
ao setor competente da Prefeitura, locação da obra, escolha das fundações,
alvenaria, laje de forro, cobertura, acabamento, instalações hidulicas-
sanitárias e elétrica, bem como, representar a obra perante os órgãos
municipais, estaduais e federais e assinar a solicitação de habite-se à
prefeitura municipal (FERREIRA; SATURI, 2006, p.92-93).
Durante o ano de 1995 foram atendidas pelo Teto Seguro em Franca 1.452
moradias. Em 1996, mais 1.040. Apesar de se verificar na cidade a existência de pessoas de
baixa renda que não procuram o programa para evitar a fiscalização concernente ao
cumprimento das normas técnicas construtivas, tendo em vista que estas encarecem a obra, e
outras que apesar de fazer uso do programa desobedecem as suas orientações técnicas, os
autores que estudaram os programas de planta popular em Franca ressaltam que desde a sua
criação o Teto Seguro vem possibilitando uma considerável melhoria na qualidade das
moradias das camadas populares, proporcionando mais segurança e conforto aos seus
moradores.
71
71
A esse respeito ver Ferreira e Saturi (2006) e Silva (2005). Esta última autora trabalhou como arquiteta no
programa Teto Seguro entre os anos de 1995 e 1997.
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112
A produção de moradias em conjuntos habitacionais de promoção pública em
Franca foi iniciada em meados dos anos 50 e somente se tornou mais significativa a partir da
década de 1970, como resultado da política habitacional do Banco Nacional da Habitação
(BNH) e do Sistema Financeiro da Habitação (SFH)
72
. De 1955, ano em que foi inaugurado o
primeiro conjunto habitacional da cidade, até 1996, foram construídas 6.898 unidades
habitacionais de promoção pública em cidade
73
.
CONJUNTOS HABITACIONAIS ANO UN./HAB.
Vila Santo Antônio 1955 50
Edifício Brasília 1960 40
Conj. Hab. Yolanda Costa e Silva 1967 104
Vila França 1967 54
Jardim Pedreira 1968 88
Conj. Hab. do Jardim Seminário 1968 228
Conj. Hab. do Jardim Francano 1968 94
Conj. Hab. do Bairro São Jo 1969 46
Conj. Hab. Três Colinas 1969 17
Conj. Hab. do Jardim Roselândia 1972 230
Jardim do Éden 1977 100
Jardim Bueno 1979 221
Parque Vicente Leporace – 1ª Etapa 1981 1.027
Parque Vicente Leporace – 2ª Etapa 1985 1.211
Parque dos Pinhais 1988 355
Parque do Horto 1988 1.059
Condomínio Vila Imperador 1989 114
CDHU – Pq. Vicente Leporace 1989-1996 1.008
Jardim Noêmia 1991 36
Jardim Palma 1992 411
Jardim Primavera 1992 36
Jardim Panorama 1993 369
Tabela 1 Conjuntos habitacionais de promoção pública construídos
em Franca até o ano de 1996.
Fontes: Silva (2005); Fuentes (2006); Comércio da Franca (1955-
1997); Diário da Franca (1976-1997).
72
O Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) foram criados pelo
governo do presidente Castelo Branco com o objetivo de “estimular a construção de habitações de interesse
social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda”
(LEI 4.380, 21.8.1964). Em Franca, por intermédio da Companhia Estadual da Casa Própria (CECAP), do
Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP), da Cooperativa Habitacional do Estado de
São Paulo (COHAB), da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo
(CDHU) e da Caixa Econômica Federal, o BNH financiou diversos conjuntos habitacionais. (SILVA, 2005).
73
Estudos mais detalhados sobre a provisão habitacional blica em Franca encontram-se em Silva (2005) e
Fuentes (2006).
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113
Não obstante ter contribuído para amenizar o problema do déficit habitacional
na cidade, a produção de moradias de promoção pública em Franca esteve muito abaixo das
necessidades locais e foi entregue
Os conjuntos habitacionais construídos em áreas mais próximas à região
central e mais bem atendidos por equipamentos e serviços públicos coletivos, como o Edifício
Brasília, a Vila Fraa, o do Jardim Francano, do Bairro São Jo e do Jardim Bueno, foram
destinados a famílias de classe média. Sobre o Edifício Brasília, por exemplo, Silva (2005,
p.61-63) nos relata que, apesar do mesmo dispor de quarenta unidades para vender ou alugar
para os 230 associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, “surgiram
apenas 19 interessados na locação ou compra de um apartamento no edifício, devido ao alto
valor do aluguel e do financiamento”. Segundo nota publicada pelo Diário da Franca (s/d.,
apud SILVA, 2005, p.75), os conjuntos Vila França, Jardim Francano
74
e Bairro São Jo
eram para “médicos, dentistas, advogados e bancários.
Por outro lado, mesmo os conjuntos habitacionais destinados às classes
populares não propiciaram o acesso à moradia a uma grande parcela da população pobre de
Franca. Além de manter uma produção de moradias muito abaixo da demanda da cidade, o
valor das prestações e as regras de financiamento estabelecidas pelos programas de habitação
popular como renda familiar mensal mínima de três salários mínimos, trabalho formal
75
,
limite de idade de 55 anos para o chefe de família e exigência de três anos de domicílio no
município impediram que uma grande parte das famílias pobres adquirisse uma moradia de
provisão blica em Franca (SILVA, 2005). Em 8 de maio de 1976, o Comércio da Franca
fez o seguinte comentário a respeito dos conjuntos habitacionais: “A casa própria, obtida
74
Destinado aos bancários, em razão da fancia da construtora, as 94 habitações desse conjunto, ainda
inacabadas, foram invadidas por outras famílias que, após o término da construção, regularizaram o
financiamento junto à Caixa Econômica Federal (SILVA, 2005, p.75-76).
75
Todos os programas exigiam carteira assinada. Alguns conjuntos habitacionais eram direcionados apenas a
trabalhadores sindicalizados ou a determinadas categorias profissionais (SILVA, 2005).
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114
através de financiamentos, ainda constitui um embaraço muito grande para os que vivem de
salários e precisam sustentar uma família.”
Tal como ocorrera em outras cidades brasileiras, em Franca, grande parte das
famílias que adquiriram moradias nos conjuntos habitacionais de promoção pública passou a
enfrentar sérios problemas com a baixa qualidade das construções, com o aumento do valor
das prestações e com a falta de equipamentos e serviços públicos coletivos. Segundo Bonduki
(1998, p.320), isso se deu porque o BNH, objetivando reduzir o custo da moradia para atender
uma população mais pobre, optou por rebaixar a qualidade da construção e o tamanho da
unidade, financiando moradias cada vez menores, mais precárias e distantes”. A respeito da
qualidade dos conjuntos habitacionais de promoção pública produzidos no Brasil pós-1964,
Bonduki (1998, p.318) ressalta que, “salvo raríssimas exceções”, predominaram projetos
medíocres, uniformes, monótonos e desvinculados do meio sico e da cidade”.
Os conjuntos habitacionais de provisão pública destinados às camadas mais
pobres em Franca foram construídos em áreas periféricas muito distantes da região central da
cidade. Até o final da década de 1970, grande parte desses empreendimentos foram entregues
desprovidos de melhoramentos essenciais à uma boa qualidade de vida. Alguns foram
inaugurados mesmo antes da implantação do abastecimento de água, energia elétrica, galerias
de águas pluviais, guias e sarjetas e outros melhoramentos.
Somente a partir da década de 1980, em razão da promulgação da Lei Federal
6766 (19.12.1979), que estabeleceu sanções penais para o promotor de loteamento que não
efetuasse os melhoramentos estabelecidos pela legislação municipal
76
, os conjuntos
habitacionais passaram então a ser entregues com guias e sarjetas, galerias de águas pluviais e
redes de água, esgoto e energia elétrica. Entretanto, muitos ainda continuaram sendo
76
No caso de Franca, com a promulgação do Plano Diretor do Município (LEI 2046, 6.1.1972), o loteador
passou a ser responsável pela instalação de guias e sarjetas, galerias de águas pluviais, pavimentação, rede de
abastecimento de água, rede de esgoto ou o sistema de fossa séptica, rede de iluminação pública e arborização
dos logradouros.
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115
inaugurados sem iluminação pública, placas de ruas, pavimentação e telefones públicos. Além
disso, as áreas públicas reservadas a praças, creches, escolas, centros de lazer, postos de
assistência médica e outros melhoramentos continuaram sendo entregues sem qualquer
melhoramento, constituindo-se em terrenos baldios a incomodar os moradores com mato alto,
lixo, insetos e animais peçonhentos. Também a coleta de lixo e o transporte coletivo quase
sempre não eram implantados de imediato. Dessa forma, conforme pudemos constatar, a
conquista da maioria dos equipamentos e serviços públicos coletivos nos conjuntos
habitacionais de promoção pública em Franca passou a depender, em grande medida, da
mobilização coletiva dos moradores.
No caso do Yolanda Costa e Silva, conjunto habitacional promovido pela
Companhia Estadual da Casa Própria e destinado aos trabalhadores sindicalizados, apesar do
contrato estabelecer que toda a infra-estrutura deveria estar concluída antes de receber os
novos moradores”, cerca de um ano após a entrega das casas o Diário da Franca (19.09.1968)
declarou que os moradores estavam ameaçando parar de pagar as prestações em razão da não
instalação das redes de água e a de esgoto no bairro.
O Jardim Pedreira, conjunto habitacional construído em 1968 e entregue
totalmente desprovido de equipamentos públicos, somente começou a receber as galerias de
águas pluviais em 1975. Nesse ano, o Comércio da Franca (4.2.1975) fez referência à luta
dos moradores por melhoramentos e denunciou a precariedade das vias públicas, a interrupção
da instalação das galerias de águas pluviais e a ausência de rede de energia etrica e
iluminação pública. A respeito da energia elétrica, um dos moradores declarou ao jornal que
apesar do pagamento dos custos de instalação já ter sido efetuado meses, apenas os postes
haviam sido implantados (ver figura 21).
Construído em 1968, o conjunto habitacional do Jardim Seminário somente
recebeu rede de esgoto em 1978 e asfalto na cada de 1980. Em 1976, o Diário da Franca
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116
(24.9.1976, p.12) publicou uma reportagem de página inteira relatando a precariedade das
condições de vida nesse bairro. Segundo a reportagem, que incluiu entrevista com os
moradores e fotografias do bairro, em razão da falta de rede de esgoto, as águas servidas e os
detritos que transbordavam das fossas das casas corriam a céu aberto pelas ruas, colocando
em risco a saúde das crianças. Em virtude da falta de espaço no quintal, alguns moradores
estavam construindo fossas nas calçadas. A falta de iluminação pública prejudicava a
segurança durante a noite, dificultando especialmente o tráfego de estudantes do período
noturno. Em razão da precariedade das ruas de terra, os motoristas da empresa de ônibus
coletivo deixavam de percorrer alguns trechos do bairro (ver figuras 22 e 23). Em 29 de
outubro de 1978, esse mesmo jornal fez o seguinte relato a respeito da luta dos moradores por
melhoramentos:
Depois de anos de luta para que a Prefeitura fizesse a colocação da
rede de esgoto nas suas ruas, moradores do Jardim Seminário começam
agora outra batalha: sensibilizar o prefeito a asfaltar as movimentadas vias
do bairro.
A iniciativa dos moradores do Seminário começou a dias e em breve o
prefeito Maurício Sandoval Ribeiro receberá um abaixo-assinado,
reivindicando o melhoramento. O pedido está sendo feito porque o
Departamento competente do Município não está se preocupando na
manutenção das emburacadas ruas da vila, um problema que com o
asfalto seria resolvido.
Consultada sobre o problema, fonte da Prefeitura disse anteontem que
até o mais tardar o final do ano o pedido dos moradores do Seminário será
atendido [...].
Em 1978, para protestar contra a demora no conserto dos telhados e vits das
casas que apresentavam vazamentos de água das chuvas, cem mutuários do conjunto
habitacional Jardim do Éden resolveram suspender o pagamento das prestações junto ao
BNH. Segundo o jornal que publicou a notícia, muitos moradores ameaçavam mudar do
bairro por não estarem dispostos a tolerar o descaso das organizações responsáveis pelo
financiamento e continuar pagando uma prestação considerada alta” durante 20 anos, por uma
casa de modos pequenos, sem muros, “acabamento do mais simples” e distante da cidade
(DIÁRIO DA FRANCA, 12.3.1978, p.1).
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117
Depois de terem enviado vários abaixo-assinados à EMDEF (Empresa
Municipal para o Desenvolvimento de Franca) solicitando o asfaltamento do prolongamento
da Avenida Brasil até aquele conjunto habitacional, os moradores do Jardim do Éden
divulgaram no jornal Diário da Franca de 23 de julho de 1981 a organização de um ato de
protesto na Câmara Municipal com cerca de 200 pessoas. O objetivo era pressionar os
vereadores para que esses interviessem a favor da obra junto a esta empresa municipal. Para
justificar a grande necessidade do asfaltamento daquele trecho, os moradores do Éden
relataram ao jornal que centenas de pessoas transitavam diariamente pela avenida, “a pé ou de
bicicleta, para chegar ao trabalho ou escola, fugindo do pagamento de ônibus, ‘que pesa no
fim do mês’”. Construído em 1977, esse conjunto habitacional somente teve a sua rede de
esgoto inaugurada em janeiro de 1980.
Na construção das 1.027 casas da primeira etapa do Conjunto Habitacional
Parque Vicente Leporace, a Prefeitura de Franca assumiu o compromisso junto à CECAP
(Companhia Estadual da Casa Própria) de implantar no local as galerias de águas pluviais,
guias e sarjetas e as redes de abastecimento de água, esgoto e energia elétrica. A área
escolhida para a construção do conjunto era de ocupação rural e se localizava além da rodovia
Cândido Portinari, a uma distância de cerca de dois quilômetros das redes de equipamentos
públicos e cerca de seis quilômetros do Centro da cidade. As primeiras 500 unidades
habitacionais ficaram prontas no final de 1979 e o restante em junho de 1980, mas em virtude
do atraso na implantação dos equipamentos públicos coletivos pela Prefeitura as moradias
somente foram liberadas para a ocupação em 25 de junho de 1981. Um dos problemas
enfrentados por esse novo conjunto habitacional, o maior da cidade até então, dizia respeito à
má qualidade das moradias, compostas de cômodos considerados pequenos para os padrões da
época e construídas com finas placas pré-moldadas de cimento. Além disso, algumas casas,
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118
em razão de terem sido edificadas em terrenos de acentuada declividade e sujeitos à erosão,
passaram a sofrer desmoronamentos (ver figura 25).
77
Conforme pudemos constatar, a história do Parque Vicente Leporace foi
marcada pela constante mobilização e luta coletivas por melhoramentos e contra os aumentos
no valor das mensalidades das moradias. Por meio de reuniões com as autoridades blicas,
abaixo-assinados e diversas manifestações de protesto, inclusive críticas e denúncias na
imprensa local, os moradores passaram a exigir das companhias habitacionais responsáveis
pelas obras e do Poder Público Municipal equipamentos como iluminação pública,
pavimentação
78
, transporte coletivo, telefones blicos, passarela para pedestres e trevo de
acesso ao bairro na rodovia Cândido Portinari, creches, escolas, postos de atendimento
médico, posto policial e áreas de lazer (ver figuras 24, 26 e 27). Além disso, exigiam também
as medidas necessárias para a instalação dos estabelecimentos comerciais e de prestação de
serviços na área destinada ao centro comercial do bairro. Com base em várias entrevistas
realizadas com os moradores do Leporace em 1982, o Diário da Franca (4.4.1982) afirmou o
seguinte: “Passada a euforia, agora os moradores do ‘Vicente Leporace’ comam a cobrar
com veemência pelos benefícios ainda o recebidos”. Ainda segundo o jornal, nas
entrevistas os moradores expressaram sua consciência afirmando o seguinte: “‘acabou a
euforia dos primeiros momentos e agora é reivindicar aquilo que temos direito’”. Em 27 de
junho desse mesmo ano, os diretores do recém formado Centro Comunitário do Leporace
reivindicaram ao diretor do Departamento de Higiene e Saúde de Franca a construção urgente
de um pronto socorro no bairro.
77
Em 25 de outubro de 1983 o Comércio da Franca publicou uma reportagem sobre 17 casas em situação de
risco no bairro.
78
Em razão da poeira advinda das ruas sem pavimentação o bairro foi apelidado de Chaparral, alusão à árida
localidade do oeste americano que a TV Record transmitia. Sobre o asfaltamento do bairro, em 1982 a ENDEF
(Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca) declarou que muitos mutuários ainda não estavam em
condições de arcar com as despesas do serviço, que estavam realizando obras complementares em suas casas,
“como muros, passeios e até mesmos alguns cômodos a mais (DIÁRIO DA FRANCA, 4.4.1982).
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119
Decorridos onze meses da inauguração desse conjunto habitacional, os seus
moradores divulgaram na imprensa um manifesto de protesto que haviam encaminhado aos
políticos locais. No manifesto os manifestantes exigiam cumprimento das promessas
realizadas pelo então governador do estado Paulo Salim Maluf, o ministro do interior Mário
Andreaza e o secretário de estado Osvaldo Palma. Dentre as obras prometidas no dia da
inauguração do bairro estavam a passarela para pedestres sobre a rodovia e a instalação do
centro comercial. Para o vice-presidente do centro comunitário do bairro, Sr. João Batista
Pinto Garcia, os moradores do Leporace estavam cobrando “apenas o que de direito, exigindo
a construção de uma passarela sobre a rodovia Cândido Portinari, principalmente no trecho
que é uma verdadeira afronta e desumanidade contra a coletividade, onde morreram cinco
pessoas por culpa da inércia do Estado, da União e do município (DIÁRIO DA FRANCA,
25.5.1982, p.10). No s seguinte à realização do manifesto, cerca de vinte moradores do
Leporace, acompanhados do padre Jerônimo e fazendo uso da camioneta da paróquia de São
Benedito, se dirigiram até o jornal Diário da Franca para solicitar o acompanhamento de uma
equipe de reportagem e seguiram paro o Paço Municipal, onde apresentaram ao prefeito
Maurício Sandoval Ribeiro uma série de reivindicações em nome do bairro. Segundo o Diário
da Franca (12.6.1982), os moradores explicaram o motivo de tal atitude, sempre gritando
‘slogans’ reivindicatórios, prometendo, contudo, que não havia nada de político no
movimento: ‘aqui não há politicagem’, justificou um dos manifestantes, ‘estamos apenas
cobrando o que de direito é nosso’.” (ver figura 26). Na matéria publicada, o Diário descreveu
a manifestação destacando o seguinte:
“O povo unido jamais se vencido”. “Não tem mais jeito, queremos o
prefeito”. “Justiça para todos”. Não somos formigas para morrermos
esmagados”. Por um momento os funcionários municipais e diretores de
departamentos, bem como transeuntes que passavam ontem à tarde pelas
imediações do Paço Municipal, tiveram a nítida impressão de que as pessoas
que portavam cartazes com tais dizeres, fossem provocar uma verdadeira
rebelião diante da Prefeitura. Ao serem atendidas, porém, portaram-se
pacificamente na presença do prefeito Maurício Sandoval Ribeiro,
apresentando-lhe pessoalmente reivindicações em benefício de um pobre e
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120
sofrido bairro: “Vicente Leporace”. Passarela para pedestres, asfalto e
escola, foram as três reivindicões fundamentais que aquele agitado grupo
apresentou ao Executivo, recebendo, de imediato, a promessa de que tudo
será feito para que sejam atendidos. [...] os manifestantes voltaram a lembrar
que preciosas vidas estão se perdendo naquele setor da cidade, e que além do
mais, não suportam a demora para que seus pedidos sejam atendidos [...].
A partir de 1983, os moradores do Parque Vicente Leporace, que já somavam
cerca de sete mil pessoas e um total de 1.484 mutuários, além de continuar lutando por
melhoramentos, passaram a se organizar e protestar também contra os aumentos do valor das
mensalidades das moradias
79
, do imposto predial e territorial urbano e das taxas de
equipamentos públicos, incluindo nesse último item a taxa do asfalto, tendo em vista a
realização da pavimentação das ruas do bairro.
Em 1983, os habitantes do Leporace passaram a contar com o auxílio do
vereador Hélio Rodrigues Ribeiro, que era radialista e morador do bairro. Eleito no pleito de
1982, esse vereador passou a atuar como representante do bairro perante o Poder Público
Municipal. Em março de 1983 ele agendou uma reunião dos representantes do Leporace com
o prefeito Sidnei Franco da Rocha. Nessa reunião os moradores pleitearam a diminuição do
imposto predial e residencial urbano, das taxas dos serviços blicos coletivos e da taxa de
implantação do asfalto, bem como a intervenção do prefeito junto ao Banco Nacional da
Habitação com o objetivo de se evitar o anunciado reajuste de 130% no valor das prestações
das moradias (DIÁRIO DA FRANCA, 2.3.1983, p.5). Em abril de 1983 os moradores do
Jardim Bueno também protestaram contra esse mesmo reajuste nas mensalidades das casas
mediante a realização de uma manifestação na Rua Pará, exemplo que segundo o vereador
Hélio Rodrigues Ribeiro também seria seguido pelos moradores do Leporace. (DIÁRIO DA
FRANCA, 8.5.1983, p.2).
79
A respeito da mobilização contra os reajustes do valor das prestações das moradias ver as seguintes
reportagens do Diário da Franca: “Moradores do ‘Leporace’ protestam contra BNH” (19.1.1983, p.8); “Vicente
Leporace: 800mutuários assinam documento de protesto” (1.2.1983, p.16); “Moradores do Vicente Leporace
querem ser ouvidos por Sidnei” (2.3.1983, p.5); Bairro promete ato de repúdio contra reajuste de 130%”
(8.5.1983, p.2); “Moradores do Leporace em protesto contra aumentos” (23.7.1983, p.10).
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121
Se para o potico que participava das mobilizações populares nos bairros essa
participação poderia se constituir numa oportunidade para se estabelecer relações clientelistas
com os moradores, aos olhos destes a presença do potico se constituía numa estratégia para
facilitar a obtenção dos melhoramentos urbanos. O vereador poderia encaminhar a demanda e
se empenhar para que o Executivo a atendesse ou viabilizar o acesso dos moradores às
instâncias de poder responsáveis pela distribuição dos equipamentos e serviços públicos
urbanos.
Na edição do dia 23 de julho de 1983, o Diário da Franca (p.10) anunciou a
realização, na semana seguinte, de uma assembléia geral dos moradores do Parque Vicente
Leporace para tratar, dentre outras coisas, da redação e assinatura de um manifesto de protesto
contra o reajuste da prestação das moradias para ser entregue a autoridades estaduais e
federais, da implantação imediata do Centro Comercial do bairro e da construção do recém
aprovado trevo de acesso à localidade pela Rodovia ndido Portinari. Além disso, seriam
discutidos na assembléia também os primeiros detalhes para a criação da Associão dos
Mutuários do Parque Vicente Leporace, formada pelos 7.500 moradores ali residentes e cerca
de duas mil pessoas que até o final de 1983 passariam a ocupar as 754 novas casas que seriam
inauguradas no bairro. No início da década de 1990, uma vez concretizadas várias obras
pleiteadas na década de 1980, os moradores do Leporace passaram a formular e reivindicar
novos melhoramentos e alguns projetos sociais. Em 1992, os moradores redigiram um
manifesto exigindo, dentre outras melhorias, a construção de anfiteatro, pista de bicicross e
skate, campo de “chacrobol” e quadra de lei em uma grande área pública do Leporace III; a
retomada dos projetos “Dê uma mão para o Verde” e “Vida Melhor”
80
, bem como a
construção de um novo prédio para Centro Comunitário, visto que o antigo havia sido cedido
para abrigar o 5
o
Distrito Policial da cidade, o Núcleo da Promoção Social, um posto da
80
Estes dois projetos foram Introduzidos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU.
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122
Guarda Civil e a Escola de Costura Industrial. Contando com o apoio dos dirigentes do
Conselho Comunitário de Franca, Centro Comunitário do Parque Vicente Leporace,
Movimento Rap Ação Black, Grupo Skate e Bicicross do Leporace, Associão de Malhas,
MIF/Leporace, Grupo Amor Exigente, Departamento de Desenvolvimento Comunitário e
Associação Esportiva do Parque Leporace, o manifesto, composto de 1.634 assinaturas, foi
encaminhado ao prefeito Maurício Sandoval Ribeiro para que ele tomasse as providências
necessárias à viabilização das obras e projetos junto à Secretaria Estadual de Habitação. Em
resposta à solicitação dos moradores, o prefeito enviou o seu “assessor de assuntos
comunitários” a São Paulo para falar com o secretário estadual de habitação Machado de
Campos Filho.
Em 1992, uma comissão de moradores do Conjunto Habitacional Jardim Palma
se reuniu com o prefeito Maurício Sandoval Ribeiro e com diretores da empresa municipal
Habitação Popular S/A (PROHAB)
81
para reivindicar a revisão do valor das mensalidades das
casas referente à cobrança de serviços de infra-estrutura realizados no bairro. Segundo o
superintendente da PROHAB, o aumento do valor das prestações se deu em razão da
construção de muros de arrimos em alguns terrenos do bairro e o valor total da obra foi
dividido entre todos os mutuários. No final da reunião o prefeito solicitou um levantamento
técnico da obra à PROHAB e se comprometeu a dar uma resposta aos moradores após a
conclusão do mesmo. (DIÁRIO DA FRANCA, 25.3.1992, p.3)
Em 1993, as casas do Conjunto Habitacional Jardim Panorama foram liberadas
para a ocupação antes de serem efetuadas as ligações residenciais de energia elétrica e a
implantação da iluminação pública. Outro problema enfrentado pelos moradores era a falta de
ônibus coletivo. Em razão disso, um grupo de moradores do local procurou o Diário da
Franca para denunciar a falta desses melhoramentos. Procurado pelo jornal para dar
81
Criada pelo Decreto-Lei Municipal 6096, de 22 de dezembro de 1989 (FERREIRA; SATURI, 2006).
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123
explicações a respeito, o gerente operacional da empresa São José, concessionária do
transporte coletivo em Franca, comunicou que a localidade somente receberia ônibus após o
encascalhamento de suas ruas e a retirada de uma porteira localizada na entrada do bairro.
Sobre a instalação da energia elétrica, a Companhia Paulista de Força e Luz comunicou que as
ligações somente seriam liberadas após o término do serviço de inspeção da rede, pois a
mesma havia sido instalada por uma empreiteira.Um s após a publicação dessa reportagem
o bairro passou a ser atendido pelos coletivos da empresa São José. Com isso, os moradores
se mobilizaram para reivindicar diretamente da concessionária a colocação de cobertura nos
pontos de ônibus do bairro. Outra reivindicação dos moradores era a colocação de telefones
públicos, visto que o bairro encontrava-se totalmente desprovido desse melhoramento.
(DIÁRIO DA FRANCA, 11.2.1993, p.3; 30.3.1993, p.3)
Figura 20 Construção das 369 casas do Conjunto Habitacional Jardim Panorama em 1993 em gleba
rural distante do perímetro urbano (MHMF, foto 58, álbum 50).
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124
Figura 21 Conjunto Habitacional Jardim Pedreira em 1975. Denúncia contra a falta de
melhoramentos e referência à luta dos moradores (COMÉRCIO DA FRANCA, 4.2.1975).
Figura 22 Esgoto a u aberto no Jd. Seminário em
1976 (DIÁRIO DA FRANCA, 24.9.1976).
Figura 23 Jd. Seminário em 1978. Reportagem
enfatiza a luta dos moradores pelo asfalto
(DIÁRIO DA FRANCA, 29.10.1978).
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125
Figura 24 Pq. Vicente Leporace em 1982. Reportagem destaca a mobilização dos moradores
por melhoramentos (DIÁRIO DA FRANCA, 4.4.1982, p.12).
Figura 25 Erosão ameaça casas no Pq. Vicente Leporace em 1983
(DIÁRIO DA FRANCA, 25.10.1983).
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126
Figura 26 Mobilização dos moradores do Pq. Vicente
Leporace em 1982 (DIÁRIO DA FRANCA, 12.6.1982).
Figura 27 Mobilização dos moradores do Pq. Vicente Leporace em
1983 (DIÁRIO DA FRANCA, 19.1.1983).
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127
5
FAVELAS: A DIFÍCIL LUTA PELA MORADIA
A crise habitacional vivenciada por várias cidades brasileiras na década de
1940 passou a estimular a produção de outras formas de moradia que a partir de então
passaram a se constituir nas principais alternativas habitacionais das camadas pobres urbanas
do país: a casa própria autoconstruída em loteamento periférico clandestino ou legalizado e o
barraco autoconstruído na favela
82
. Mesmo porque, a construção de casas de aluguel pela
iniciativa privada e as moradias produzidas pelos conjuntos habitacionais de promoção
pública ficaram muito aquém da demanda e possuíam regras de financiamento e preços
inviáveis às camadas pobres da população. Em Franca, a casa própria autoconstruída em
loteamento periférico se estabeleceu como a principal forma de moradia das classes populares
e contribuiu para se evitar a proliferação de favelas.
83
Apesar de não terem atingido grandes dimensões, nem em número e nem em
tamanho, as favelas deram visibilidade à crise de habitão e ao problema da pobreza urbana
justamente num período em que a cidade passara a se orgulhar do seu ingresso na era urbano-
industrial, se apropriando dos ideais de progresso e modernidade típicos dos grandes centros
industriais. Em razão disso, a presença de favelas na cidade passou a exigir providências do
governo municipal, passando a justificar uma ão tanto no sentido de acabar com as favelas
existentes como no objetivo de prevenir novas formações.
82
No Brasil, a origem da favela está ligada à ocupação ilegal e irregular dos morros da cidade do Rio de Janeiro
no final do século XIX (VALLADARES, 2000). Na cidade de São Paulo as favelas surgiram na década de 1940
e o seu crescimento permaneceu restrito até os anos 70, “tanto em decorrência da discriminação e repressão que
seus habitantes sofriam, como devido à enorme oferta de lotes periféricos, que funcionou como alternativa de
moradia melhor aceita e acessível com pequeno dispêndio monetário e grande sacrifício. (BONDUKI, 1998,
p.264).
83
As condições em que ocorreu a expansão periférica e o acesso das classes populares à casa própria
autoconstruída em loteamento periférico em Franca serão analisadas no capítulo 6.
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128
A partir do momento em que as favelas se tornaram mais visíveis ocorreu a sua
contestação pela sociedade local e a intervenção do Poder Público Municipal, o que provocou
a reação dos favelados. Nesse sentido, o objetivo desse capítulo é verificar, por meio da
análise da história de duas favelas da cidade, como se deu esse conflito e qual o seu resultado.
Nos interessa verificar também o significado do surgimento e da erradicação das favelas em
Franca.
A primeira favela que se tem notícia em Franca surgiu na década de 1940 e
chegou a abrigar, no período de maior aglomeração, cerca de 250 pessoas, provavelmente
todas migrantes que vieram para a cidade em busca de trabalho. Localizava-se no bairro Santa
Cruz e era conhecida como Favela da Caixa D’Água, ou Favela do Quadrado.
84
Ocupava um
terreno de 10.667 m2, sendo que 4.271 m2 pertenciam à Prefeitura Municipal e o restante,
6.396 m2, era área não registrada e de dono desconhecido.
Sobre o processo de formação da favela, Fonseca (2004) constatou, por meio
de entrevistas realizadas no ano de 2004 com ex-moradores do local, que muitos dos barracos
foram construídos mediante autorização verbal de um certo prefeito. Como o nome do mesmo
o foi mencionado pelos entrevistados e as datas das autorizações são imprecisas, ficamos
sem saber exatamente de quem se tratava.
85
Numa das entrevistas realizadas, o ex-favelado
João Roberto da Silva (4.3.2004, apud FONSECA, 2004, p.17-18) relatou o seguinte:
[...] Aí, depois foi aumentano [sic] um barraquin dali, um barraquin daqui...
e tinha muitas pessoa [sic] que ia atrás dos prefeito [sic] (que, no momento,
eu num lembro quem era, ?) é... é...Então, os prefeito pegava e deixava
fazê um barraquin pra morá (lá debaixo). Então, o pessoal catava restolhos
de cosntrução, fazia uma coisinha, outra, e ia sempre fazeno um barraquin, e
foi só juntano gente. [...] É, pedia; pedia pros prefeito. Aliás, até minha mãe
84
Favela da Caixa D’Água, denominação pela qual ficou mais conhecida, advém do fato da mesma ocupar o
terreno onde se localizava o antigo reservatório municipal de água da Fonte Taveira, desativado em 1938. A
denominação Favela do Quadrado é em razão da mesma ter sido cercado, pelos próprios moradores, por muros
de taipa ou cercas vivas formadas por uma planta conhecida como “maleiteira”, compondo uma figura
semelhante a um quadrado (FONSECA, 2004, p.18; TAVEIRA, 1980, p.31).
85
Há fortes indícios, entretanto, que essas autorizações, ou pelo menos parte delas, tenham sido concedidas por
Onofre Gosuen, prefeito de Franca entre 1956 e 1959, pois durante o seu mandato Gosuen foi responsável pelas
autorizações verbais que deram origem a ocupações ilegais de terrenos públicos em outra região da cidade.
Abordaremos esse assunto ainda nesse capítulo.
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129
memo [mesmo], inclusive ela pediu pra um dos prefeito (eu num lembro
qual que era, a gente era pequeno, né?). Ele falo Não, pode fazê um
barraquin lá. [...] aí, minha mãe foi lá, mais meu pai, fez um barraquin, e nós
mudamos pra lá. No começo, devia ter mais ou menos 8 ou 10 barracos. [...]
porque favela mesmo formô depois que o pessoal começô a aglomera, né,
morano lá. [...] no começo... porque a partir do momento que tem um
terreno, por exemplo, principalmente quando é um terreno da Prefeitura,
já começa a fa barraco, passô de dois, três, aí já começa a formá favela.
Em 20 de julho de 1982, uma reportagem do Diário da Franca informou que
as 51 famílias ameaçadas de despejo da Favela da Caixa D’Água “tinham provas de que a
favela ali edificada contou com a autorização da própria prefeitura”.
Na segunda metade da década de 1960, em virtude do adensamento
populacional e da perspectiva de valorização do bairro Santa Cruz, que comparado com os
loteamentos periféricos passara a ter uma localização privilegiada, os moradores da Favela da
Caixa D’Água, que até então não haviam sido importunados por nenhuma ameaça de
desocupação, passaram a sofrer forte pressão para deixarem a área ocupada.
Data dessa época o primeiro pedido de integração de posse de parte da área
ocupada pela favela, feito por uma senhora francana que alegava possuir documentos da
propriedade. Depois dessa senhora, pelo menos mais três supostos proprietários passaram a
pressionar os favelados. Em entrevista ao Diário da Franca (20.7.1982, p.10), um morador da
favela relatou que “muitas pessoas tentaram assumir a condição de proprietários do terreno”.
86
Concomitantemente, mediante a veiculação de uma imagem estereotipada e
preconceituosa em relão aos favelados da Caixa D’Água, a imprensa francana e os
moradores da Santa Cruz e bairros limítrofes começaram a exigir providências por parte da
Prefeitura para se acabar com a favela. No dia 31 de agosto de 1969, o jornal Comércio da
Franca publicou uma nota, atribuída a um morador da Santa Cruz, cobrando da administração
municipal provincias efetivas para terminar de uma vez por todas com a famosa favela”,
86
A esse respeito ver também Fonseca (2004, p.50-51) e a reportagem do Comércio da Franca do dia 12 de
janeiro de 1974 (p.16), cujo tópico que comenta a ação de oportunistas reivindicando a propriedade da área
ocupada pela favela recebeu o título ilustrativo de “Terra sem dono”.
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130
visto que a mesma era “lugar de desajustados” e um sério entrave ao progresso da Santa
Cruz”.
Pressionado pela opinião pública, a partir de 1968 o Executivo Municipal
começou a cogitar planos para por fim à favela. Nesse ano, Sérgio Vasconcelos Costa, então
diretor de administração da Prefeitura Municipal, anunciou o propósito de se construir uma
moradia coletiva em outro local para abrigar os moradores da favela (COMÉRCIO DA
FRANCA, 27.3.1968).
Em 1973, durante a administração do prefeito Hélio Palermo, foi criado o
Departamento de Promoção Social (DEPRÓS) e estabelecido um projeto de desfavelamento,
denominado PRODE, com o objetivo de erradicar as favelas existentes na cidade por meio da
remoção dos moradores (SILVA, 2005). A crião desse projeto evidencia a preocupação das
autoridades blicas municipais não apenas com a Favela da Caixa D’Água, mas também
com a proliferação de barracos em outros bairros da cidade, como o Jardim Planalto, o Jardim
Europa e a Vila São Sebastião. Nesse último, segundo levantamento realizado pelo GPI
(1969a, p.119), a maioria das moradias era “composta de barracos de madeira, de tijolos sem
revestimento ou de taipa com estrutura a pau-a-pique. [...] moradias incompatíveis com as
exigências mínimas de salubridade.”
Em 1976, entretanto, antes mesmo da implementação do desfavelamento da
Caixa D’Água, a Prefeitura aprovou o loteamento da área particular ocupada pela favela, o
que demonstra a total indiferença do Poder Público Municipal para com a população favelada,
constituída à época por muitos moradores com direito, inclusive, à propriedade por usucapião
(SILVA, 2005, p.139). Apenas em 1978, cinco anos, portanto, após a criação do Projeto de
Desfavelamento (PRODE), e dois anos após o loteamento da área da favela, o Departamento
de Promoção Social (DEPRÓS) iniciou o plano de remoção dos moradores da Caixa D’Água,
contando, a partir de 1979, com o auxílio do Serviço de Habitação Popular (SHP), órgão
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131
municipal criado nesse mesmo ano. Para efetuar o desfavelamento o DEPRÓS formulou
quatro alternativas:
1) o pagamento de dois meses de aluguel para famílias que possuíam
condições de arcar com as despesas no mercado de trabalho;
2) a implantação do PROFILURB (Programa de Financiamento de Lotes
Urbanizados) através de um convênio entre a Prefeitura Municipal e o
BNH (Banco Nacional da Habitação);
3) a doação de materiais para a construção de casas populares
econômicas com um ou dois cômodos no fundo de residências de
familiares dos favelados – através de mutirão [...];
4) o financiamento de moradias através do BNH. [grifos da autora].
(SILVA, 2005, p.141).
Para convencer os moradores da Caixa D’Água a aderirem ao projeto de
desfavelamento, o DEPRÓS iniciou um trabalho de assistência social junto aos favelados.
87
Na apresentação dos argumentos que justificariam o desfavelamento da Caixa D’Água o
Poder Público Municipal reproduziu o preconceito presente na sociedade local em relação à
favela e, por extensão, aos seus moradores. Na visão do DEPRÓS (s/d., apud FONSECA,
2004, p.55):
“O ambiente da favela passa a exercer influência negativa, sobre os seus
moradores, em razão de suas condões de moradia, total falta de higiene,
intimidade entre vizinhos, forçada pela proximidade dos barracos, presença
de marginais e criminosos que se homizam [homiziam], não faltando
ainda o câncer da prostituição.”
Enquanto produto de um discurso preconceituoso e discriminatório que sempre
justificou a interveão violenta das autoridades constituídas nas favelas das cidades
brasileiras, essa descrão está longe de constituir-se num retrato fiel do que era a Caixa
D’Água. De fato, as moradias eram bastante precárias, barracos sobre terra batida construídos
pelos próprios moradores com barro, madeira e outros materiais encontrados nos lixos e
demolições, como folhas de zinco, lata, pedaços de telhas, plástico e até mesmo papelão.
Logicamente a ausência de abastecimento de água encanada e de rede de esgoto prejudicava a
manutenção da higiene, aspecto esse que não tornava a favela diferente dos loteamentos
87
Sobre a atuação dos assistentes sociais na Favela da Caixa D’Água ver Taveira (1980), Fonseca (2004) e Silva
(2005).
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132
periféricos aprovados pela Prefeitura e habitados antes mesmo da instalação desses
equipamentos. No entanto, ao contrário do que ocorria na maioria das favelas das grandes
cidades, o espaço entre as moradias era relativamente grande, sendo inclusive utilizado pelos
moradores para plantação de milho, feijão e outros gêneros alimentícios. A acusação de que o
local era reduto de criminosos e prostitutas não se sustenta. Tanto nos jornais locais, sempre
cuidadosos em macular a imagem da favela e de seus moradores, quanto nos relatos dos ex-
favelados e das assistentes sociais que trabalharam no local, não se encontra qualquer
referência à presença de prostitutas. Sobre a presença de criminosos, Fonseca (2004)
constatou que a abordagem policial na favela estava ligada a ocorrências comuns ao cotidiano
da cidade, ou seja, pequenos furtos, agressões decorrentes de pequenos desentendimentos e
casos de embriaguez, o que demonstra que a favela não se destacava nesse quesito.
88
O plano de desfavelamento não logrou grande êxito. Por um lado havia o
desinteresse da Prefeitura em destinar verbas suficientes para a efetivação do projeto, de outro
a resistência dos favelados, que cansados de promessas não cumpridas, não confiavam mais
no Poder Público Municipal e se recusavam a aceitar propostas consideradas lesivas aos seus
direitos.
89
Embora as incertezas provocadas pelas constantes ameaças de desocupação
terem feito com que uma parte dos favelados optasse pela saída da favela, alguns em troca de
uma pequena quantia oferecida pelos compradores dos terrenos loteados, outros por adesão às
88
A esse respeito Fonseca (2004, p.59) destaca que “embora tivesse a presença da polícia atuando como agente
de controle e repressão, a história da Favela da Caixa D’Água [...] contou com a ocorrência ímpar de um
assassinato, ocorrido em 23 de agosto de 1974. O Diário da Franca de 19 de julho de 1981, apesar de afirmar
que a favela “além de ser um problema social é também um problema policial”, anota que ali “são registrados
fatos que diariamente precisam da intervenção dos soldados da ‘Polícia Militar’, a maior parte provocada pelo
alcoolismo. Outros têm como figurantes pequenos delinqüentes que se acostumaram com a ociosidade”.
89
A esse respeito ver as seguintes reportagens: “Apesar do anunciado plano de desfavelamento do núcleo de
barracos encravado bem no coração do Bairro Santa Cruz, a Prefeitura, até hoje, não conseguiu atingir seu
objetivo, pois não quer dispender verbas para a remoção das 44 famílias que ainda moram na favela.”(Diário da
Franca, 18.07.1979, apud SILVA, 2005, p.143); “Os favelados não acreditam nas promessas do Prefeito” (Diário
da Franca, 13.05.1979, p.1). “Não passou de mais uma promessa a notícia que o Departamento de Promoção
Social da Prefeitura, chefiado por Roberto Conrado, divulgou a dois anos, dando conta de que a favela da Santa
Cruz seria eliminada daquele setor da cidade, com a transferência de seus moradores para um local mais digno.”
(Diário da Franca, 20.7.82, p.10).
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133
propostas do DEPRÓS (SILVA, 2005), muitos moradores continuaram a promover forte
resistência às tentativas de desalojá-los, prolongando, assim, a vida da favela. A manchete
“Favela da Santa Cruz resiste às investidas da Prefeitura!”, publicada pelo Diário da Franca
(18.07.1979, p.1), assim como o relato de um ex-favelado que reproduzimos na seqüência, são
testemunhos dessa resistência. Nas palavras do ex-favelado João Roberto (4.3.2004, apud
FONSECA, 2004, p.53):
[...] no começo foi assim: Chegava um pessoal que falava que era dono
dos terreno [s], que ia por todo mundo pra fora, que ia chamá a polícia, que
ia chamá a Prefeitura, porque é maquinário de Prefeitura é pra derrubá, pra
derrubá. Eno nós ficava na frente e mandava eles passá e eles num passava.
s punha[mos] a molecada toda na frente do maquinário.
90
Nos primeiros anos da década de 1980, as ameas de desocupação se
intensificaram, pois os compradores dos terrenos loteados passaram exigir na justiça a saída
dos moradores da Caixa D’Água. Os favelados entraram com um processo de usucapião na
Justiça, mas perderam a causa. Pressionados pelas notificações de despejo, os favelados
passaram a recorrer à imprensa local, que passou a cobrar da Prefeitura ações mais efetivas na
resolução do problema. Em entrevista ao Diário da Franca (12.05.1982) os favelados
denunciaram que um funcionário do próprio DEPRÓS, óro municipal que desde a sua
criação mantinha a promessa de resolver o problema da favela atentando para os interesses de
seus moradores, obedecendo ordens de seus superiores, afirmou em blico que os barracos
serão destruídos ‘com ou sem pessoas no seu interior’, alegando, ainda, que ali residia apenas
‘um bando de desocupados’.”
No início de 1983, depois de uma tentativa frustrada de denunciar as ameaças e
o descaso da Prefeitura em uma rádio local, que rejeitou o drama vivenciado pelos favelados,
uma moradora da Caixa D’Água resolveu enviar uma carta ao então presidente da República
90
Conforme observou Fonseca (2004, p.57), a união dos favelados da Caixa D’Água na resistência contra as
ameaças e ações para desaloja-los é ressaltada por Carmen Peliciari, assistente social do DEPS que trabalhou
na favela com o objetivo de convencer os moradores a deixar o local, e “ponto reiteradamente enfatizado nas
várias entrevistas” realizadas com os ex-moradores da favela, pois “as pessoas se uniam quando a referência era
o interesse comum”.
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134
João Batista Figueiredo. Em resposta à carta, o presidente solicitou que a Legião Brasileira de
Assistência (LBA) interviesse no caso para “erradicar a favela da Santa Cruz, sem que os
moradores sejam prejudicados” (DIÁRIO DA FRANCA, 28.6.1983, p.1). As a
interferência do presidente da República, a Prefeitura Municipal, por meio do DEPRÓS,
elaborou um segundo projeto para o desfavelamento da Caixa D’Água. De acordo com esse
novo projeto a Municipalidade doaria um terreno de cerca de cinco mil metros quadrados, em
área próxima às redes de água, esgoto e energia etrica, para que os favelados construíssem
suas casas pelo sistema de mutirão. (DEPRÓS, 1983, apud SILVA, 2005, p.146).
Ainda em 1983, depois de alguns meses de trabalho junto aos favelados, as
assistentes sociais da LBA de Franca e do DEPRÓS convenceram as famílias da Caixa
D’Água a aderirem ao novo projeto de remoção. O terreno doado pela Prefeitura para a
construção das moradias se localizava entre as atuais avenidas D. Pedro I e William Azzuz, na
Vila Gosuen, em um bairro periférico constituído em grande parte por ocupações ilegais e
parcelamentos irregulares do solo, mais conhecido na cidade como “Puxa-faca” (FONSECA,
2004). Tratava-se de uma região desvalorizada em razão da distância em relação ao Centro
(cerca de cinco quilômetros), da ausência de equipamentos urbanos coletivos, da presença
desordenada de moradias simples e precárias, a maioria irregular, como também em virtude
do rótulo pejorativo que associava o local e seus moradores à violência. O relato do ex-
favelado lio Rio (4.3.2004, apud FONSECA, 2004, p.64) a respeito da primeira visita que
os moradores da Caixa D’Água fizeram ao terreno destinado às casas na Vila Gosuen
demonstra bem a força desse estigma. Segundo ele, [...] teve uns que tava meio com medo,
, porque tinha... porque ‘ah, nós vai mo no Puxa-faca, Puxa-faca...’ Eu até ainda brinquei,
lembro disso até hoje, falei ‘Não, mas se eles puxá a faca, nós puxa o facão!’ [risos] Mas era
tudo brincadeira.”
91
91
Analisando as várias entrevistas realizadas por Fonseca (2004) com moradores da Vila Gosuen entre os anos
de 2003 e 2004, percebemos que o preconceito ainda se faz presente na atualidade. Nas palavras de Fonseca
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135
Em razão desse estigma negativo, tanto a Prefeitura como a imprensa local
procurou evitar qualquer vínculo entre o novo conjunto habitacional e a Vila Gosuen,
expressando, assim, o preconceito em relação ao bairro.
92
Em virtude disso, resolveu-se dar
um nome próprio ao conjunto de casas construídas para os favelados da Caixa D’Água na
Vila Gosuen. A denominação escolhida foi Parque dos Mutirantes, nome que apesar de
constar nos registros oficiais da Prefeitura de Franca não goza de reconhecimento nem mesmo
entre os próprios moradores do local (FONSECA, 2004).
Em 1983, ano em que se iniciaram os trabalhos de implementação do novo
projeto de desfavelamento da Caixa D’Água, a mesma possuía 135 habitantes, distribuídos
em trinta e quatro barracos (DEPRÓS,1983, apud SILVA, 2005, p.146-147). Entretanto, o
projeto estabeleceu a construção de apenas vinte e duas moradias
93
, das quais uma, por ser de
meia-água e menor, já que era destinada a uma única moradora, se diferenciava das demais,
que foram projetadas com quarenta e seis metros quadrados divididos em dois quartos, sala,
cozinha e banheiro. Edificadas em terrenos de cento e cinqüenta metros quadrados, as casas
o possuíam forros e foram cobertas com telhas de amianto.
Além da doação do terreno, a Prefeitura ficou responsável pelo
acompanhamento técnico das obras e pela implantação das redes de água, esgoto e energia
elétrica. Todo o material utilizado nas construções e a mão-de-obra ficaram a cargo dos
(2004, p.47): “[...] é corrente que os moradores da vila afirmem: ‘as pessoas da cidade pensam que todos os
moradores são iguais (traficantes de entorpecentes)’ ” . Ainda segundo este autor (2004, p.11): “À primeira vista,
a maioria dos francanos (mesmo os mais antigos) se questionada sobre a Vila Gosuen nem sabe dizer onde esta
fica situada; no entanto, se questionarmos sobre ‘os favelados’ ou o ‘Puxa-Faca’, as pessoas logo, com um riso
cínico no canto das bocas, dirão a localização [...]. Tão grande é o estigma sobre aquele bairro que lhe
conhecem pelas nominações pejorativas (que expressam valores negativos em relação aos seus moradores).”
92
Em nenhuma das reportagens a Vila Gosuen foi citada para indicar a localização das moradias. Na publicação
sobre a entrega das casas o jornal Diário da Franca (23.12.1984, p.1) informou que as casas se localizavam “nas
proximidades da Vila Santa Terezinha”. Conforme constatou Fonseca (2004, p.66), “o prefeito da época, Sidnei
Rocha, quando entrevistado por nós, ocupou-se em negar qualquer vinculação entre as casas que foram
construídas e a Vila Gosuen”. Segundo esse prefeito, as moradias para os favelados “não tem nada a ver com
esse projeto; é outra conversa.”
93
Apesar da diferença entre o número de barracos existentes na Favela da Caixa D’Água (34) e o número de
moradias construídas para se transferir os favelados (22) indicar que parte dos moradores não foi incluída no
programa, não encontramos nenhuma informação a respeito do destino dessas pessoas.
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136
favelados.
94
O trabalho de edificação das casas pelo sistema de mutirão, incluindo a
fabricação dos tijolos de concreto utilizados, foi executado aos sábados e domingos e contou
com pelo menos uma pessoa de cada família favelada participante do programa.
A edificação das casas teve início em agosto de 1984 e foram entregues ainda
sem muros e reboco em dezembro desse mesmo ano. Isso porque, atento ao simbolismo, o
prefeito Sidnei Franco da Rocha antecipou a entrega para o dia 22 de dezembro, uma alusão
às vinte e duas famílias contempladas. Além disso, se aproveitou da proximidade do Natal
para transformar a entrega das casas num presente do prefeito aos favelados. Não por acaso,
conforme relatado pelo Diário da Franca (23.12.1984), o prefeito se incumbiu de entregar
pessoalmente as chaves das mordias a cada um dos moradores.
Marcado pelo personalismo potico, o conjunto dessas atitudes impregnadas de
simbolismo tinha um objetivo bem claro, ou seja, angariar prestígio potico incutindo a idéia
de que o prefeito era o principal responsável pela construção das casas, aspecto importante na
construção da imagem de um governante generoso que se mostrara atento às necessidades e
aos anseios das camadas mais pobres da populão. Visão, aliás, compartilhada pelo jornal
Diário da Franca (23.12.1984, p.10), para quem a Prefeitura foi a principal avalista deste
empreendimento”.
Após a entrega das casas, a Prefeitura Municipal, por meio das assistentes
sociais do DEPRÓS, iniciou um projeto com o propósito de realizar um acompanhamento no
sentido de se evitar que o local se transforme num amontoado de pessoas semelhante ao
ambiente em que viveram em sua maioria, mais de trinta anos em barracos na Santa Cruz.”
(DIÁRIO DA FRANCA, 23.12.1984, p.10). Tratava-se, na verdade, de implementar uma ação
fiscalizadora no local com o objetivo de vigiar os moradores em seu ambiente privado.
Reforçava-se, assim, a visão preconceituosa do Poder Público Municipal em relação aos
94
Para Silva (2005, p.151, nota 21), se levarmos em conta “o preço do trabalho não pago durante o mutirão, a
fabricação de sabão e todos os bazares necessários para a compra de material, houve um grande investimento por
parte dos moradores.”
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137
favelados, vistos como os principais responsáveis pelas precárias condições em que viviam,
que, de acordo com a opinião pública, essas eram decorrentes do desleixo, da preguiça e da
vadiagem.
Em prol do propósito de atribuir ao prefeito todo o mérito pela construção das
casas, toda a história de luta dos favelados pelo direito à moradia era desconsiderada, assim
como o árduo trabalho no mutirão e o esforço para comprar os materiais de construção,
imenso, tendo em vista que se tratava de uma população que lutava diariamente pelo alimento
necessário à sobrevivência. Uma situação em que o dever é transformado em mérito e o
direito em caridade.
A desconsideração do Poder Público Municipal para com os direitos dos
favelados se expressou, de maneira mais concreta, na negação do tulo de propriedade das
casas
95
. Os moradores do Parque dos Mutirantes receberam apenas a concessão do direito de
uso do imóvel, o que impedia, dentre outras coisas, a comercialização legal das casas, aspecto
que segundo o prefeito Sidnei Franco da Rocha (4.2003, apud FONSECA, 2004, p.67) não
tinha importância alguma, que “antes eles tinham a noite e o dia, agora eles m a casinha
deles lá, tá certo? Se ela é deles ou se é um comodato, os honestos, eu tenho certeza, não vão
ligar. Pode ter malandro nessa jogada, não sei se tem...
96
O descaso do Poder Público Municipal para com o planejamento do Parque dos
Mutirantes se tornou mais evidente em 1989. Nesse ano, com o asfaltamento da avenida D.
Pedro I, algumas casas ficaram abaixo do nível desta via blica. Em razão disso, os
95
O Decreto Municipal 5126, promulgado pelo prefeito Sidnei Franco da Rocha em 19 de dezembro de 1984,
estabelecia a permissão do “uso das casas em ‘caráter precário e unilateral’ aos ex-moradores da Caixa D’Água,
ficando estes na condição de fiéis depositários dos imóveis.” (FONSECA, 2004, p.48).
96
A alienação dos imóveis às vinte e duas famílias do Parque dos Mutirantes teve início em 2000, quando foi
aprovado o Projeto de Lei n.99/2000. A lei estabeleceu que os moradores deveriam pagar R$178,00 (cento e
setenta e oito reais), correspondente a 5% do valor do imóvel, divididos em 10 prestações mensais e iguais.
Segundo Fonseca (2004, p.93, nota 158), apesar do reduzido valor, “a maioria dos moradores o tem pago a
quantia (esta só tem aumentado por ter sido inscrita nos créditos da dívida ativa do município) por não acreditar
na possibilidade de ter a propriedade dos imóveis. Além disso, dispõe o art. da referida lei municipal que ‘as
despesas cartoriais decorrentes da alienação autorizada peal presente Lei serão custeadas pelos adquirentes dos
imóveis’, fator a inviabilizar que as famílias cuja mera sobrevivência alimentícia é parcamente atendida
obtenham a documentação regular dos imóveis.”
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138
moradores passaram a conviver com as enchentes provocadas pelas chuvas mais fortes. em
1990 várias casas foram invadidas por grande quantidade de lixo e lama transportados pelas
águas da chuva. Com isso, várias famílias perderam os poucos móveis e utensílios domésticos
que possuíam. Na ocasião, o jornalista que veiculou a notícia questionou o fato de apenas uma
família, dentre tantas que tiveram suas casas alagadas, ter se dirigido ao jornal para denunciar
o problema. Como resposta, ouviu que “todos têm medo de perder suas casas. Por que alguns
figurões do governo [...] responderam aos suplicantes que era ‘melhor calar o bico’, porque as
casas tinham sido dadas de graça.” (COMÉRCIO DA FRANCA, 26.10.1990, p.7).
Observa-se que mesmo amparados pela lei, visto que o decreto estabelecia o
direito de uso a título precário e unilateral dos imóveis, os moradores do Parque dos
Mutirantes se sentiam ameaçados, pois, conforme constatou Fonseca (2004, p.93), traziam a
memória das experiências da favela”. Além disso, conforme apontamos, o Poder Público
Municipal, representado sobretudo pela figura do prefeito, se esforçara para incutir a iia de
que as moradias eram fruto de doação e não resultado da luta dos moradores pelo direito à
habitação. Isso implicava que, enquanto doação, as casas poderiam então ser tomadas,
dependendo apenas da vontade das autoridades poticas municipais, especialmente do chefe
do Executivo.
Apesar desses problemas e do prejuízo de terem sido removidos de um bairro
central para uma área desvalorizada e longínqua, a maioria dos favelados reconhecem que a
mudança para a Vila Gosuen trouxe melhorias nas suas condições de vida
97
. Além das novas
moradias, casas de alvenaria muito maiores e melhores que os barracos da favela, a
transferência para o Parque dos Mutirantes lhes proporcionou, de imediato, direitos sociais
urbanos básicos que lhes eram negados na Santa Cruz
98
, como água tratada, rede de esgoto,
97
Tanto Silva (2005) quanto Fonseca (2004) afirma que a grande maioria dos ex-favelados reconhece que a
transferência para o Parque dos Mutirantes proporcionou melhoria nas suas condições de vida.
98
A Favela da Caixa D’Água era completamente desprovida de equipamento e serviço urbanos públicos. Nem
mesmo a entrega de corresponncias era efetuada no local. Para a iluminação se utilizava o querosene. .A água
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139
energia etrica, serviço de correio e, posteriormente, asfalto (1989) e serviço telefônico
(1990).
Com o desfavelamento da Caixa D’Água em dezembro de 1984, Franca ficaria
livre daquela que era considerada à época a sua única favela, algo que era visto com grande
pavor pela sociedade francana, uma vez que prejudicava, em grande medida, a idealização de
uma urbe progressista e civilizada. Além disso, afastava para a periferia longínqua o
indesejável agrupamento de pessoas pobres, uma comunidade que era tida como reduto de
desajustados”, “delinqüentes”, “criminosos” e “prostitutas”, possibilitando, assim, o aumento
do preço dos imóveis na nessa região e a sua ocupação por uma população mais abastada
99
.
Mesmo porque, conforme procuramos demonstrar, também em Franca a favela fora concebida
como um perigo social, tendo a sua imagem associada à desordem, à vadiagem, ao vício e à
criminalidade. Nesse sentido, a favela, pelo simples fato de ser favela, e, por extensão, o
favelado, pelo simples fato de ser favelado, foram vítimas do preconceito e da discriminação.
Reproduziu-se com grande força em Franca uma imagem negativa da favela e dos seus
moradores, cheia de clichês, que por muito tempo marcou a maneira de as elites nacionais
conceberem a pobreza e os pobres: pobreza igual a vadiagem, vício, sujeira, preguiça [...],
pobre igual [...] a malandro” (VALLADARES, 2000, p.22).
Por tudo isso, o desfavelamento da Caixa D’Água foi transformado em um
feito de grande importância simbólica para Franca. A partir desse momento, a divulgação de
uma imagem positiva da cidade, especialmente no que diz respeito à presença de boas
condições de moradia, aparecerá associada ao fato da mesma não abrigar favelas, fator que
passou a conferir status e prestígio à cidade e aos seus governantes.
era conseguida por meio de cisternas ou buscada em latas em um curtume que ficava cerca de quatrocentos
metros do local e que depois cortou o fornecimento. Para lavar as roupas as mulheres percorriam quatro
quilômetros (DIÁRIO DA FRANCA, 12.1.1974, p.16; FONSECA, 2004; SILVA, 2005).
99
Por meio de fotografias, Silva (2005) demonstrou que a região onde se localizava a Favela da Caixa D’Água
foi ocupada por residências de médio e alto padrões.
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140
Além da Caixa D’Água, considerada a primeira e a maior favela que Franca
abrigou, a cidade presenciou outros processos de favelização. A própria Vila Gosuen,
localidade para onde foram transferidas as vinte e duas famílias da Caixa D’Água, é resultado
de ocupações ilegais do solo iniciadas na década de 1950. A configuração atual do bairro é
testemunha viva desse processo.
no bairro cerca de 15 passagens vielas , becos (algumas desembocam
em casas, outras permitem a passagem para os fundos do bairro); locais
em que essas passagens chegam a servir a seis moradias diferentes. Essas
passagens devem-se ao fato de que a maior parte do bairro é uma faixa de
terra que se estende ao longo do prolongamento de duas avenidas, não
havendo ruas que separem as casas em quarteirões [...]. (FONSECA, 2004,
p.8)
Segundo Fonseca (2004, p.91-92), em 2004 a Vila Gosuen possuía 154 casas
habitadas, das quais 89, ou 53,29%, não possuíam escritura, número que poderia ser maior,
que não foi possível verificar a situação de 49 casas.
A Vila Gosuen, assim chamada na década de 1960, tem a sua origem
vinculada à Rancharia, conjunto de casas de taipa e materiais diversos que a partir de meados
da década de 1950 foram sendo erguidas às margens da estrada que ligava o povoado de
Miramontes à cidade de Franca. Os terrenos ocupados o possuíam nenhuma infra-estrutura
e ficavam próximos de uma extensa e profunda boçoroca que se estendia até os fundos da área
atualmente ocupada pelas chácaras do Recreio Campo Belo, loteamento realizado em 1965.
Assim como a Caixa D’Água, a Rancharia também teve a sua origem ligada ao
patrimonialismo e à prática clientelista de um prefeito municipal, que, nesse caso,
devidamente identificado. Trata-se de Onofre Gosuen, prefeito que entre 1956 e 1959
concedeu autorização verbal para as famílias que o procurou ocuparem a faixa de terras
públicas pertencente à Prefeitura de Franca à beira da antiga estrada de Miramontes. A
denominação Vila Gosuen, conferida à região ocupada pela Rancharia, é uma homenagem ao
ex-prefeito. Conforme nos revela os autos do processo de usucapião número 1571/83, movido
por moradores da Vila Gosuen em 1983 (fl.122, apud FONSECA, 2004, p.21):
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141
Ocorreu que, com o passar dos anos, em desuso o transporte de gado pelas
estradas, aquele beco, com uma larga extensão margem da Estrada de
Miramontes], passou a apresentar uma faixa improdutiva. Isso porque,
respeitada a largura oficial de uma estrada, sobrou um remanescente de área
que permanecia ociosa, sem qualquer utilização. Resolveu o Prefeito da
época, Sr. Onofre Gosuen, permitir, sem autorização legislativa, que pessoas
pobres ocupassem a faixa remanescente, onde construíram casas de
moradia.
100
O fato de Onofre Gosuen ter concedido autorizões verbais a pleiteadores de
terrenos na Rancharia não causa estranheza. A atuação política de Gosuen em Franca foi
marcada pelo personalismo político e por práticas tipicamente clientelistas. Assim que
assumiu o cargo e prefeito da cidade em 1956 Gosuen colocou uma placa em sua casa com os
seguintes dizeres: “Aqui mora o Prefeito Aqui também se atende” (COMÉRCIO DA
FRANCA, 4.1.1956, p.4). Personalista, Gosuen se postava acima dos partidos, tendo passado
sucessivamente por cinco agremiações partidárias no período de 1954 a 1966. Poucos dias
após ter ganhado a eleição para prefeito, declarou que fora “‘eleito por um grande partido
chamado Franca’, dando a entender que não tinha compromissos com legendas, mas com a
população que o colocou no poder” (BARBOSA, 1998, 172). Além disso, Gosuen procurava
atrair para si todo o mérito pelas obras públicas efetuadas durante o seu governo. Em 1957
Gosuen programou com seis meses de antecedência a inauguração de um viaduto sobre o
Córrego dos Bagres, ligando o Centro da Cidade ao Bairro da Estação, para o dia 25 de
dezembro, obra que, segundo ele mesmo afirmou, seria “um presente de Natal ao povo de
Franca” (DIÁRIO DA TARDE, 17.6.1957, p.1).
Em 1967, com o objetivo de por fim ao processo de favelização na Vila
Gosuen, a Prefeitura Municipal, sob o comando do então prefeito Hélio Palermo, iniciou a
construção, no próprio bairro, de uma habitação coletiva composta por dez pequenas unidades
habitacionais de dois modos para ser cedida por empréstimo e, portanto, sem nenhuma
garantia, aos habitantes da Rancharia.
100
Nas várias entrevistas que concederam a Fonseca (2004), os ex-moradores da Rancharia confirmam o fato das
ocupações dos terrenos nesse local contar com o consentimento do então prefeito Onofre Gosuen.
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142
Com o término da obra no início de 1968, os moradores foram sendo
convencidos a se transferir para a habitação coletiva e os barracos da Rancharia passaram a
ser imediatamente destrdos pelos funcionários municipais
101
. Entretanto, assim como
ocorreria mais tarde com a desfavelização da Caixa D’Água, nem todos os moradores foram
contemplados. Foi o caso, por exemplo, de Geraldo Cirilo Costa, morador da Rancharia que
ao retornar de viagem com a mulher e os dois filhos constatou, surpreso, que havia sido
desalojado pela Prefeitura. Inconformado, Geraldo procurou o jornal Comércio da Franca,
que em 26 de março de 1968 publicou uma matéria comentando o ocorrido
102
. Em carta-
resposta enviada ao jornal, Sérgio Vasconcelos Costa, diretor administrativo da Prefeitura,
informou que a moradia reservada ao Sr. Geraldo Cirillo Costa havia sido “destinada a outra
família e o seu barraco destrdo, sendo os trens [móveis e utensílios] recolhidos na casa do
servidor da P.M. [Prefeitura Municipal], Osvaldo Borges, morador nas adjacências”. Nessa
mesma carta, Sérgio Vasconcelos aproveitou para enfatizar que a destruição da Rancharia
fazia parte “de uma potica salutar de erradicação de favelas” (COMÉRCIO DA FRANCA,
27.3.68).
Com a mudança para o Pavilhão, denominação pela qual ficou mais conhecida
a habitação coletiva, os ex-moradores da Rancharia passaram a ser vigiados de perto pelo
Poder Público Municipal, que destinou um guarda municipal exclusivamente para fiscalizar as
atividades no prédio (FONSECA, 2004).
Em razão da completa falta de equipamentos e serviços públicos coletivos no
Pavilhão, no que se refere à cidadania social urbana a vida dos ex-moradores da Rancharia
o se alterou, pois continuou sendo, conforme atestou dona Maria Aparecida da Silva
101
Sobre a saída da Rancharia, Dona Maria Aparecida da Silva (14.7.2004, apud FONSECA, 2004, p.43), ex-
moradora do local, comentou o seguinte: “Não, nós mum reagimo, não! [...] saiu tudo numa boa. Aqueles que
ficô, depois resorveu saí [...] acho que a Prefeitura precisava daquela área, né.”
102
A reportagem do Comércio da Franca (26.3.1968) também iformou que Geraldo Cirilo, juntamente com a
esposa e o filho de 8 anos, utilizou o coreto da praça do bairro Miramontes como moradia entre janeiro e março
de 1968, e que a filha passou a residir na casa aonde havia se empregado como doméstica.
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143
(14.7.2004, apud FONSECA, 2004, p.43), “[...] regra de pobre, [...] era fogão de lenha [...]
banho de bacia [...] era fossa naquele tempo, né [...] alguém ia p’ros mato [rindo] [...] era uma
vida sofrida, ?
Entre 1976 e 1977, alegando que a moradia coletiva teria se tornado “um
espaço de desagregação e criminalidade”, a Prefeitura Municipal resolveu desocupar o prédio
com a finalidade de transformá-lo num abrigo provisório para os pedintes que perambulavam
pela área central da cidade (FONSECA, 2004, p.43-44, 78). Na verdade, essa decisão foi uma
resposta do Poder Público Municipal às fortes pressões que vinha sofrendo por parte da
sociedade local no sentido de varrer da região central da cidade os migrantes mendigos que,
segundo os jornais, depunham contra os ares da cidade moderna e civilizada que se pretendia
construir. A esse respeito Garcia (1997) observou que, se num primeiro momento o migrante
fora visto com bons olhos, uma vez que colaborava como mão-de-obra barata para as
indústrias locais, depois de suprida essa necessidade, ele passou a ser descrito como inimigo
do progresso e do desenvolvimento urbano de Franca, símbolo do atraso, da estagnação e do
tempo provinciano e rural.
Assim, menos de nove anos após terem sido transferidos para o Pavilhão, os
ex-moradores da Rancharia se viram obrigados a deixarem o local em troca de uma pequena
ajuda em dinheiro para que procurassem uma casa de aluguel.
A destruição da Rancharia o significou, entretanto, o fim das ocupações
ilegais na Vila Gosuen. Apagado o sinal mais visível de favelização representado pelos
barracos ali instalados, os demais moradores irregulares espalhados pelo bairro puderam
manter suas ocupações.
103
Além disso, por ser desvalorizada, distante e possuir terrenos
103
A esse respeito, Fonseca (2004, p.78) nos conta que, em 1966, Joaquim Galdino era dono de uma pequena
casa de taipa na Vila Gosuen (ao lado de onde seria construído o Pavilhão), tendo-a vendido, em setembro de
1969, a Dona Hermínia Dias e seu marido Joaquim Felipe Maia “por 350 cruzeiros novos”. “No negócio apenas
foi feito um termo manuscrito de compra-e-venda. Ainda hoje Dona Hermínia mora no mesmo lugar, embora
tenha, no lugar da antiga casa, construído outra (de quatro modos) há seis anos. Nos registros da Prefeitura
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144
públicos vagos, a Vila Gosuen continuou a ser palco de novas ocupações ilegais incentivadas
e patrocinadas por membros do Poder Público Municipal e justificadas pela alegada
necessidade de se combater possíveis focos de favelas.
A esse respeito, no início da década de 1990, o então vereador Vanderlei
Tristão, objetivando transferir para a Vila Gosuen moradores de alguns barracos espalhados
pelos bairros periféricos da cidade, coordenou a construção de casas geminadas na área
destinada ao sistema de lazer do Parque dos Mutirantes. Questionado sobre a irregularidade
das construções
104
, Vanderlei Tristão (8.3.2004, apud FONSECA, 2004, p.69-70) se defendeu
alegando que se tratava de uma “situação emergencial”, visto que naquela época começaram
a surgir barracos em diversos pontos da cidade [...] E nós conseguimos, naquela oportunidade,
debelar qualquer possibilidade de favelamento e demos a essas pessoas uma residência
digna”, acrescentando ainda que as casas tinham sido erguidas “em concordância com o
prefeito”, e que “regularizado não está, o é essas casas, as demais que estão ali também
o estão”. Enquanto solução para o caso o ex-vereador propôs o seguinte:
s colocamos [aqueles moradores] ali, numa situação provisória, que
poderia ser modificada a qualquer momento [...]. Quer dizer, se o cara que
mora hoje (não sei quem mora), mas num tem documentação nenhuma,
não é dono. Certo, se não é dono, é do poder público. O poder público pode
fazer... Aliás, se existem[m] construções numa área de lazer, o mais correto,
realmente, é sanar, sanar o erro. Quer dizer, ta construída [a casa] numa área
de lazer? [...] Naquela lá, naquelas duas casas, inclusive, poderia a Prefeitura
fazer isso [demolir a casa] com a maior tranqüilidade. Por quê? Primeiro,
num ta atendendo mais os objetivos por que foi construída (e quem mora
não são aquelas pessoas que na época mudaram); segundo o houve
nenhuma despesa do município na época, certo? [...] porque foram [as casas]
construídas com a ajuda de pessoas, doações de materiais, de mão-de-obra
por parte de empresas...Então, poderia hoje, se a Prefeitura acha que o maior
problema para regularizar as casas é esse, num vai ter como regularizar,
Municipal de Franca, no Setor de Cadastro, Dona Hernia que (como a maioria dos que ali vivem) o tem
escritura é tida como ‘remanescente’ ”.
104
Conforme consta no processo administrativo número 00358/95 (fl. 14, apud FONSECA, 2004, p.70), que em
2004 encontrava-se em tramitação no Departamento Jurídico da Prefeitura de Franca, “1. Não há documento do
Executivo autorizando a construção das moradias; 2. não documentos que comprovem as despesas da
realização das moradias; 3. as casas foram [sic] construídas IRREGULARMENTE [maiúsculas dos autos], visto
que foram assentadas em cima [sic] da única área reservada para lazer que possuía o ‘Parque dos Mutirantes’, o
que impede [que] sejam regularizadas registrariamente, significando a impossibilidade de aliená-las às famílias
ali alojadas, diante da proibição imposta pelo inciso VII do artigo 180 da Constituição do Estado de São Paulo.
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145
então, ela vai ter que fazer isso [demolir as construções]. (TRISTÃO
8.3.2004, apud FONSECA, 2004, p.71-72)
Além das casas geminadas construídas no início da década de 1990, Fonseca
(2004, p.72) constatou a existência de mais oito moradias “construídas com a ‘permissão ou
intermediação deste ou daquele potico” na área reservada ao sistema de lazer do Parque dos
Mutirantes
105
. Ainda segundo o autor (2004, p.72-73): “Todas as permissões para morar no
lugar [...] têm em comum o fato de terem sido concedidas por alguém conhecido dos
postulantes uns porque já trabalhavam para os permissores, outros porque fossem seus
conhecidos.”
106
No que tange à qualidade das moradias, a então diretora técnica do Programa
de Habitação Popular de Franca (PROHAB), Linda T. Saturi, observou que além de não
atenderem legislação vigente no que tange à área mínima dos lotes, também não atendem ao
código de obras no que diz respeito ao afastamento do alinhamento na implantação das casas,
assim como não atendem os requisitos de iluminação e ventilação natural.”
107
Dessa forma, mais uma vez a política clientelista se fez presente, avultada pela
postura personalista dos poticos e pela utilização patrimonialista do espaço público, uma
situação em que o direito se transforma em caridade que o indivíduo tem acesso não por sua
condição de cidadão, mas porque passou a incomodar com sua pobreza e insubordinação à
ordem estabelecida e também pelo interesse de alguns políticos de inseri-lo na relação
clientelista.
Região periférica desvalorizada e distante da região central, a Vila Gosuen foi
transformada pelo Poder Público Municipal em uma área destinada à segregação espacial de
105
Entre essas moradias Fonseca (2004, p.93) assinala presença de uma casa construída nos fundos de uma das
moradias do Parque dos Mutirantes que ultrapassou os limites do lote e invadiu o referido terreno destinado ao
sistema de lazer. Ao comentar o caso, o autor (2004, p.93) assinala que “pedir a um político permissão para a
construção de casas nos fundos dos terrenos era “um procedimento comum no bairro”, e que as
“‘permissões’, sempre verbais, partiram dos mais diferentes políticos”.
106
Sem citar nomes, Fonseca (2004, p.72) aponta que uma das permissões foi concedida pelo prefeito e as
demais por vereadores.
107
Carta anexa ao processo administrativo número 00358/95 (fl. 23-verso, apud FONSECA, 2004, p.73).
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146
favelados e pedintes sem teto, pessoas que maculavam a imagem da cidade com sua pobreza e
que por isso deveriam ser afastadas das áreas mais centrais da urbe.
Figura 28 Barraco da Favela da Caixa D’Água em 1979
(DIÁRIO DA FRANCA, 13.10.1979).
Figura 29 Favela da Caixa D’Água em 1982 (DIÁRIO
DA FRANCA, 20.7.1982).
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147
Figura 30 Favela da Caixa D’Água em 1982 (DIÁRIO DA
FRANCA, 20.7.1982).
Figura 31 Parque dos Mutirantes (Vila Gosuen) após o
asfaltamento (1989), local para onde foram transferidos os últimos
remanescentes da Favela da Caixa D’Água (MHMF, foto 10, álbum
50).
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148
6
A AUTOCONSTRUÇÃO DA CASA PRÓPRIA E A LUTA POR
DIREITOS SOCIAIS URBANOS NA PERIFERIA
No Brasil, a partir da década de 1940, em conseqüência da crise habitacional,
da desestruturação do mercado de construção de moradias de aluguel, da ameaça da favela e
da incapacidade do Estado em financiar e promover a produção de habitações em larga escala,
a autoconstrução da casa própria em loteamentos periféricos legais ou clandestinos se
consolidou como a principal forma de produção de moradias populares. Dessa forma,
transferiu-se para o trabalhador a responsabilidade de produzir a sua própria moradia.
Em Franca, não obstante ter-se verificado também o surgimento de
loteamentos clandestinos, o binômio casa autoconstruída e lote periférico se processou
sobretudo por meio da proliferação de loteamentos aprovados pela Prefeitura
108
em áreas
rurais distantes e carentes de equipamentos e serviços públicos coletivos. Apesar de precária,
essa forma de produção de habitações populares foi socialmente aceita pela coletividade
francana, pois se processava longe da região central e promovia soluções habitacionais de
baixo custo à classe trabalhadora, o que ajudava a evitar as teveis favelas. Produzidas pela
própria classe trabalhadora, as casas periféricas proporcionaram moradia ao contingente de
trabalhadores que realizou a grande expansão industrial da cidade na segunda metade do
século XX. A esse respeito, é bom lembrar que para viabilizar o seu crescimento econômico
uma cidade precisa oferecer condições nimas de sobrevincia à sua classe trabalhadora.
108
Nesse particular, verifica-se uma diferença para com a cidade de São Paulo, onde a expansão urbana se
processou sobretudo por meio de loteamentos clandestinos. No entanto, a diferença entre loteamento legal e
loteamento clandestino desaparece com a legalização deste último junto à Prefeitura e aos cartórios de registro
de imóveis, o que ocorreu, tanto em São Paulo quanto em Franca, como decorrência da pressão dos moradores.
Entre os problemas enfrentados pelos habitantes de loteamentos clandestinos destacava-se a impossibilidade de
se conseguir a escritura do imóvel e de receber melhoramentos públicos, visto que a Prefeitura não os
reconhecia. A respeito dos loteamentos clandestinos em São Paulo ver especialmente Bonduki (1988; 1998).
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149
Para o trabalhador, a autoconstrução de uma moradia exige um enorme esforço
de poupança e de trabalho, visto que inclui gastos com a prestação do lote, com a instalação
de equipamentos públicos coletivos e com a edificação da casa, além da utilização do
chamado “tempo livre para o trabalho na construção. Esforço que conforme assinala
Kowarick (1998, p.26) “decorre tanto da necessidade de se desvencilhar do aluguel ou de
escapar da insegurança das favelas, como é proveniente dos valores cristalizados na casa
própria, símbolo daqueles que venceram os ‘desafios da cidade’.”
Apesar de implicar em grande sacrifício físico e econômico, a autoconstrução
de uma moradia em loteamento periférico se apresentou às classes populares das cidades
brasileiras como a alternativa mais viável para a aquisição da tão sonhada casa própria. A
abertura de uma grande quantidade de loteamentos em áreas distantes e desprovidas de
melhoramentos urbanos tendeu a baratear o preço dos terrenos tornando-os mais possíveis à
população de baixa renda. As condições exigidas para a aquisição de um lote periférico à
prestação sempre se mostraram mais acessíveis às classes populares que as regras de
financiamento dos conjuntos habitacionais de promoção blica.
109
A distância do loteamento
em relação à área urbanizada da cidade, além de baratear o preço do terreno, tornando a sua
prestação mais barata que o aluguel de uma moradia, também contribui para diminui os gastos
com a produção da moradia, pois na periferia conta-se com uma maior tolerância por parte
dos governos municipais, que por conveniência ou por falta de agentes fiscalizadores
permitem a construção de casas sem a devida regulamentação e fora dos padrões
estabelecidos pela legislação urbana, o que evita o cumprimento de algumas normas
construtivas que encarecem a obra e até mesmo o pagamento de algumas taxas e impostos.
Além de serem mais acessíveis às classes populares que as moradias de
promoção pública, a casa própria de periferia apresentava também outras vantagens em
109
Sobre as facilidades de financiamento do lote popular em Franca, Chiquito (2006) observou que a grande
maioria dos agentes promotores de loteamentos populares o exigia nem mesmo comprovação de renda dos
compradores.
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150
relação ao apartamento de conjunto habitacional e à moradia de aluguel ou cedida. Mesmo
que aos poucos, visto que no compasso das condições financeiras da família proprietária, ela
permitia, por exemplo, que o proprietário ampliasse e moldasse o seu espaço sico de acordo
com os desejos e as necessidades da família, melhorando-o permanentemente de modo que
ele refletisse e expressasse o cotidiano familiar. Possibilitava ainda que o proprietário
auferisse uma renda extra mediante a construção de modos ou pequenas casas para alugar
no mesmo terreno da sua resincia. Diante da instabilidade do emprego e dos baixos salários,
o ganho auferido com o aluguel assumia grande importância para as famílias da classe
trabalhadora. A construção da casa própria na periferia se constituiu também num
investimento seguro e lucrativo, pois com o adensamento do bairro, a expansão da cidade e a
implantação de equipamentos e serviços públicos coletivos, o imóvel geralmente ganhava
uma grande valorização. Ademais, conforme assinalou Bonduki (1998, p.310), especialmente
para os pobres, “a opção pela casa própria torna-se o refúgio seguro contra as incertezas que o
mercado de trabalho e as condições de vida urbana reservam ao trabalhador que envelhece.”
Por todas essas razões a casa própria se tornou a aspiração máxima da família
trabalhadora, capaz de justificar todo o sacrifício físico e financeiro necessário à sua
edificação e também o período de vários anos sob precárias condições de habitabilidade em
periferias carentes de equipamentos e serviços urbanos essenciais ao bem estar do morador.
Assim como ocorrera também em outras cidades brasileiras, em Franca, para se
livrar do aluguel e da favela, a classe trabalhadora passou a adquirir um lote periférico à
prestação e a antecipar ao máximo a sua mudança para o mesmo mediante a construção rápida
de uma casa de um a três cômodos semi-acabados, geralmente edificada sem planta ou sem
seguir as normas técnicas exigidas por lei. Para isso, se tornou prática comum na periferia da
cidade a utilização do mutirão.
110
Essa mudança às pressas para uma moradia pequena,
110
O mutirão é definido por Maricato (1987, p.71, apud SILVA, 2005) como “um processo de trabalho calcado
na cooperação entre pessoas, na troca de favores, nos compromissos familiares, diferenciando-se, portanto, das
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151
inacabada e carente de equipamentos e serviços públicos coletivos fora imposta, conforme
observou Silva (2005), pela dificuldade de se pagar, ao mesmo tempo, o aluguel e a prestação
do lote.
Quando se analisa o processo de expansão urbana de Franca, logo se percebe
que as camadas pobres desprovidas de moradia própria não foram as únicas a alimentar a
grande produção de loteamentos periféricos na cidade. Os compradores de lotes para a
especulação e para garantir a propriedade urbana para os descendentes
111
também
contribuíram, em grande medida, para a rápida e desordenada expansão periférica da cidade.
Pelo menos desde a década de 1960, a compra de terrenos por especuladores
em loteamentos periféricos vem provocando uma produção de lotes muito acima das
necessidades habitacionais locais.
112
Por meio de entrevistas com agentes loteadores que
atuaram em Franca, Chiquito (2006) constatou que os especuladores chegavam a comprar
quadras inteiras em loteamentos à espera de valorização. para se ter iia da dimensão
dessa prática na cidade, na edição do dia 12 de junho de 1973 o jornal Comércio da Franca
(p.3) noticiou que o corretor de imóveis Emílio Nassif adquiriu 57 lotes dos 324 colocados à
venda em 1970 no Jardim Riviera. Mediante pesquisa no cartório de registro de imóveis da
cidade, Barbosa (2004) verificou que uma grande parcela dos empresários do setor calçadista
local se tornou compradora de terra urbana em Franca. Segundo o autor, após 1964 esses
empresários se tornam também proprietários de áreas urbanas de amplas dimensões” na
cidade, acrescentando ainda que a “propriedade fundiária rural ou urbana foi, com efeito,
o esteio das novas atividades desenvolvidas por determinados industriais quando suas fábricas
relações capitalistas de compra e venda da força de trabalho”. Conforme observou Silva (2005), em Franca o
mutirão foi, e ainda é, bastante utilizado pela população pobre na construção da casa própria.
111
A compra de lotes periféricos para garantir patrimônio às futuras gerações em Franca foi constatada por
Chiquito (2006).
112
A produção de lotes acima das necessidades habitacionais na cidade de Franca foi constatada, no final da
década de 1960, pelo Grupo de Planejamento Integrado - GPI (1969a), e, na última virada de culo, por
Feldman (2002). Em 2000, Franca apresentava mais de 35% dos seus lotes vagos (FELDMAN, 2002).
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152
entraram em declínio em face da crise de fins dos anos 80” (BARBOSA, 2004, p. 210).
113
Também a presença de vereadores nessa atividade foi denunciada em 1979 na imprensa local
pelos moradores das imediações do estádio municipal Dr. Jo Lancha Filho. Segundo os
moradores dessa área nobre do bairro São José, o descampado ali existente era de
propriedade de “vereadores e gente ligada a negócios de imóveis, de São Paulo (DIÁRIO
DA FRANCA, 18.8.1979, p.10). Em 21 de maio de 1978, ao comentar o sucesso de venda
alcançado pelos loteadores na cidade, em artigo intitulado “Os loteamentos têm boa aceitação
em Franca”, o Diário da Franca noticiou o seguinte:
Na Câmara um fator preocupa alguns vereadores. Eles entendem que salvo
raras exceções [sic.], os elementos de maior poder aquisitivo adquirem
quadras inteiras nos loteamentos e passam a aguardar a valorização dos
lotes. Não constroem moradias ou prédios para indústrias e como a
valorização é garantida, têm em mãos um processo de rápido
enriquecimento.
Aproveitando-se do aumento progressivo da procura por terrenos mais baratos
vendidos à prestação e das facilidades de aprovação de loteamentos com baixo investimento
de capital, os agentes imobiliários promoveram vários loteamentos em glebas rurais muito
distantes da área dotada de serviços blicos coletivos
114
, obrigando a Prefeitura a aumentar
em grande medida os gastos com a extensão das redes de água, esgoto e energia elétrica.
Vários desses loteamentos ocuparam também áreas sujeitas a desmoronamentos como as
margens de boçorocas e terrenos de acentuada declividade ou compostos de solos impróprios
à edificação e à implantação de equipamentos públicos. Para os promotores imobiliários
interessados em comercializar lotes populares essas áreas garantiam altos lucros, pois tinham
a vantagem de serem bem mais baratas. O loteamento de terrenos às margens de boçorocas
113
O Grupo Samello se tornou um grande proprietário de terras na cidade de Franca, sendo responsável pelos
seguintes loteamentos: Vila Samello (Cubatão) (2,36 ha); Jardim Samello (2,19 ha); Samello woods (6,08 ha);
Jardim Samello III (15,35 ha); Residencial Jovita de Mello (8,65 ); Jd. Samello IV (9,44 ha); Jardim Samello
V (15,54 ha).
114
No Anexo apresentamos uma relação de todos os loteamentos aprovados pela Prefeitura de Franca entre os
anos de 1925 e 1996.
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153
agravou o processo erosivo desses “buracões”, que passaram então a engolir casas, terrenos,
ruas e equipamentos públicos coletivos.
115
Na década de 1960, os problemas urbanos provocados pelo avanço dos
loteamentos sobre áreas de boçorocas em Franca já eram evidentes. Tanto que em 1968 o
geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber publicou um artigo relatando os problemas decorrentes da
expansão urbana sobre as áreas de boçorocas na cidade.
116
Em um dos trechos do artigo,
Ab’Saber (1968, p.7) sintetizou esses problemas da seguinte forma:
Trata-se de verdadeiras “lesões” em processo na estrutura superficial da
paisagem, criadoras de problemas sociais, jurídicos, paisagísticos,
tecnológicos e administrativos. As “boçorocas” progridem por áreas de
loteamento urbano ou suburbano atingindo espaços e construções
pertencentes a trabalhadores e operários, ou a diferentes tipos de
proprierios de terrenos. Onde até pouco existiam arruamentos e lotes
residenciais, hoje exite apenas o espaço de grandes buracões de 10 a 15
metros de profundidade e de 10 a 100 metros de desvão. E os poucos que
tiveram a iniciativa de construir suas casinhas nas bordas das ameaçadoras
ravinas, assistem com desespero a progressão ininterrupta das íngremes
paredes das indomáveis boçorocas.
Enquanto a cidade se expandia mediante a aprovação de loteamentos em glebas
rurais longínquas, desprovidas de melhoramentos e sujeitas à erosão, terrenos dotados de
equipamentos públicos em áreas mais centrais eram mantidos intactos por seus proprietários.
No início dos anos 50, o redator do Diário da Tarde (10.5.1951, p.1) chamou a atenção para
os problemas decorrentes dessas práticas em Franca:
se disse e, ao que parece, ficou comprovado que Franca, em seu
perímetro urbano é maior que Ribeirão Preto. No entretanto Ribeirão Preto
possue dentro da cidade 60.000 almas e Franca apenas 30.000. Quer dizer
que Franca é cidade espalhada, cheia de chácaras dentro do perímetro,
verdadeiros latifúndios, com terrenos baldios a se perderem de vista. Aqui
uma casa, aco outra, e no centro da cidade podemos notar uma urbs
perfeita e bonita.
115
O agravamento do processo erosivo das boçorocas em Franca está intimamente ligado à implantação de
loteamentos em áreas o apropriadas sob o ponto de vista geotécnico; à sua falta de infra-estrutura e à
deficiência ou inexistência de sistemas de drenagem de águas pluviais e servidas; à sua abertura em períodos
chuvosos com longa exposição do solo; ao estabelecimento de um sistema viário de traçado inadequado,
agravado pela falta de guias, sarjetas e pavimentação (CHIQUITO, p. 2006). Em avaliação efetuada em 1988, o
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT (1988, apud CHIQUITO, 2006, p.52) afirmou
que entre os diversos fatores responsáveis pelo agravamento das boçorocas o processo de expansão urbana via
loteamento é o principal.
116
Ab’Saber era especialista em geomorfologia e professor do curso de Geografia na FFLCH – USP.
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154
É um erro que vem do passado. No entretanto ele ainda continua a
persistir. O que está na moda...
Está na moda, atualmente, a questão do loteamento de terrenos para
construção de bairros.
Dizem que é negócio da China. Deve ser porque de vez em quando
vemos surgir companhias imobiliárias vendendo lotes de terrenos de Franca.
No entretanto o erro continua: o loteamento é feito distante da cidade, as
vezes a alguns quilômetros de extensão do verdadeiro perímetro urbano.
Óra! Nós temos bairros onde ainda existem lotes para nele serem edificados
prédios. [...] Todos eles dentro do perímetro urbano e a preços vantajosos.
Como se financiado, então, a construção de casas numa vila
longinqua? De que forma será feito o abastecimento de agua, rede de esgoto,
luz? Até quando, se dentro de Franca ainda existem claros enormes para
serem preenchidos com casas?
Evidentemente o plano de loteamento está errado. Não pode ser feito
conscientemente que o executivo francano tem a a possibilidade de
zelar por uma cidade de perímetro urbano extensíssimo. Se que as
empresas imobiliárias teem em mente planos para serem resolvidos esses
problemas. Ou o seu objetivo é apenas vender datas?
Três décadas depois o jornal Diário da Franca (11.01.1981, p.3) destacou o
seguinte: “Grupo Samello loteará a última grande área central disponível em Franca”. Com
15,35 ha, esse loteamento somente se efetivou em 1989, após sofrer grande valorização
decorrente das obras públicas ali realizadas.
117
Alegando a necessidade de se coibir a manutenção de lotes vagos na região
central de Franca, em 13 de maio de 1953 o Poder Público Municipal instituiu, por meio da
Lei 306, o “imposto progressivo para terrenos vagos na zona central da cidade”. De acordo
com essa lei, os terrenos vagos localizados na primeira e segunda zona da cidade teriam o
imposto territorial urbano aumentado em 10% e 5%, respectivamente
118
.
Para justificar a necessidade da lei, o autor do projeto, vereador Antônio Lopes
de Mello, argumentou que o perímetro urbano da cidade era enorme” em relação à população
que comportava e que a região central abrigava “numerosos terrenos vagos”, o que forçava “a
117
As obras públicas de maior destaques ali realizadas foram: implantação das redes de água, esgoto e energia
elétrica, asfaltamento da avenida lio Palermo, soterramento da Boçoroca do Pestalozzi e prolongamento da
avenida Major Nicácio sobre a gleba até à avenida lio Palermo. O loteamento da área deu origem ao Jardim
Samello III, bairro nobre da cidade.
118
Apesar de falar em duas zonas, a lei delimitou apenas uma região, que acreditamos ser a segunda zona, dentro
da qual es a primeira. “Artigo - A área constante do art. fica assim delimitada: praça João Mendes, ruas
Líbero Badaró, Couto Magalhães, Simão Caleiro, pela Monsenhor Rosa a a Avenida Champagnat, desta pela
Floriano Peixoto, entrando na Estevam Bourroul até a Avenida Major Nicácio e daqui ao ponto de partida à
praça João Mendes.
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155
Prefeitura a despender verbas avultadas para manter seus serviços” e dificultava “a ação
urbanizadora do poder público”
119
.
Se por um lado essa lei demonstra, já no início dos anos 50, o reconhecimento
por parte do Poder Público Municipal dos problemas provocados pela especulação com a terra
urbana em Franca, por outro lado, entretanto, a lei proposta pouco ou nada contribuiu para
resolver o problema. Apesar da denominação, o imposto proposto não tinha nada de
progressivo, visto que não estabelecia um aumento progressivo para o imposto territorial
urbano capaz de forçar a edificação nos terrenos vagos. Ademais, os proprietários de terrenos
na região central contavam com a alta valorização dos imóveis ali localizados, pois o Centro
de Franca se manteve como o principal núcleo comercial e de prestação de serviços públicos e
privados da cidade e como a área melhor atendida pelos serviços e equipamentos públicos
coletivos.
Em 1977, a proposta de um imposto realmente progressivo para se combater a
especulação com a terra urbana foi cogitada na mara Municipal de Franca. A iniciativa
partiu do vereador Victor de Andrade, que enviou ao prefeito Maurício Sandoval Ribeiro um
requerimento solicitando a cobrança do imposto. Segundo o vereador, o imposto progressivo
era uma forma de se evitar que muitas pessoas procedam a verdadeiras especulações
imobiliárias, como é o caso de áreas muito bem situadas, e nas quais não se notam projetos de
construções de moradias.” (DIÁRIO DA FRANCA, 20.3.1977, p.3) É bem provável que o
vereador tenha sido convencido a desistir da proposta, pois a mesma sequer foi convertida em
projeto de lei, o que evidencia a postura patrimonialista do Poder Público local na busca de
garantir o lucro de especuladores com a terra urbana.
Quando da elaboração da Lei Orgânica do Município em 1990, o imposto
territorial progressivo somente foi inserido na lei após a apresentação de uma emenda pelo
119
A esse respeito ver Projeto de Lei 28, de março de 1953. Anexo a esse projeto estão os pareceres das
comissões de Justiça; Finanças e Orçamentos; Agricultura, Comércio e Indústria. Todos eles favoráveis à
aprovação do projeto e concordando com as justificativas apresentadas pelo autor.
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156
vereador do Partido dos Trabalhadores Gilmar Dominici. Inserido no artigo 171 dessa lei, que
fora aprovada em 5 de abril de 1990, a proposta do imposto progressivo para a cidade
estabeleceu o seguinte:
As áreas ociosas e impeditivas ao desenvolvimento do Município, que
não estejam cumprindo sua função social, seo definidas no Plano Diretor
Físico e deverão ser parceladas ou compulsoriamente edificadas nos prazos
que forem estabelecidos.
§ 1º. A inobservância dos prazos implicará, subsequente e
sucessivamente, na aplicação do IPTU progressivo e em desapropriação, na
forma e condições estabelecidas no inciso III, par. 4º, do Art. 182 da
Constituição Federal.
Como até o momento não foi instituído o novo plano diretor do município para
regulamentar a cobrança do referido imposto, o Poder Público Municipal, em prejuízo do bem
comum, continua permitindo a livre atuação de especuladores com a terra urbana.
No que diz respeito aos loteamentos, em 1953 o Poder Público Municipal de
Franca promulga a Lei 345 (18.11.1953), a primeira a exigir dos loteadores a obrigação de
arcar com as despesas decorrentes da instalação dos serviços “de água, luz e esgotos” nos
novos empreendimentos. Segundo Chiquito (2006, p.72), essa lei foi revogada em 1955 e o
chegou a ser praticada. Com isso, as exigências para se aprovar loteamentos na cidade se
resumiam à comprovação da propriedade da gleba, apresentação da planta para aprovação
junto à Prefeitura, execução do arruamento e demarcação dos lotes. Mesmo porque, a
legislação federal em vigor o determinava padrão mínimo de qualidade urbanística para os
loteamentos e, apesar de exigir que o loteador registrasse em cartório a planta aprovada pela
Prefeitura, o estabelecia nenhuma sanção para os faltosos, favorecendo, assim, inclusive a
abertura de loteamentos clandestinos (BONDUKI, 1998).
120
No início da década de 1960, a Municipalidade começou a debater novas
propostas de regulamentação da aprovação de loteamentos na cidade. Em julho de 1960, o
prefeito Flávio Rocha teve o seu projeto de lei rejeitado pela Câmara. Em 1963 a Câmara
120
Trata-se do Decreto-Lei 58, de 1937, que vigorou por mais de quadro décadas, sendo alterado somente em
1979. (BONDUKI, 1998).
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157
aprovou o projeto de lei do vereador Maurício Costa França, mas o prefeito Flávio Rocha o
vetou, alegando que o vereador havia utilizado seu antigo projeto e efetuado alterações que o
tornava “confuso” e “inexeível” (VETO 3, 29.1.1963). No que se refere aos equipamentos
públicos coletivos, os dois projetos exigiam do loteador apenas a feitura de guias, sarjetas,
galerias de águas pluviais e rede de descarga de água”, ou o pagamento à Prefeitura
Municipal da importância correspondente ao valor desses serviços (LEI 1095, 21.12.1963;
VETO 3, 29.1.1963).
Somente em dezembro de 1964 foi aprovada uma lei municipal impondo
normas mais rígidas à aprovação de loteamentos na cidade. Segundo esta lei, o loteador
assumiria, mediante declaração por escrito, o compromisso de construir, dentro do prazo de
um ano, “por iniciativa própria” e “às próprias custas”, as guias e sarjetas de concreto, as
galerias de águas pluviais e as redes de abastecimento de água, esgoto e energia elétrica em
todas as vias públicas da área loteada. Esgotado o prazo de um ano para a execução desses
melhoramentos, a Prefeitura Municipal assumiria então a responsabilidade pelas obras,
cobrando do loteador o custo do serviço e mais 20% “a título de administração”. A lei proibia
também que a Prefeitura aprovasse edificações nos terrenos não servidos pelos referidos
serviços, disposição que deveria constar nas escrituras definitivas ou nos compromissos de
compra e venda dos lotes. (LEI 1285, 23.12.1964).
121
Na apresentação à Câmara Municipal, o autor do projeto, vereador Ivom
Pereira, salientou que enquanto não se elaborasse um “plano diretor para o município havia a
necessidade de se “minorar o mal evidente”, ou seja, a “proliferação dos loteamentos sem
critério adequado de planejamento e execução”, processo danoso para a Prefeitura que vem
arcando com todos os onus deles decorrentes” (PROJETO DE LEI 70, 1964). Para a
Comissão de Justiça da Câmara Municipal, a aprovação do projeto vinha “preencher grave
121
Ver também Projeto de Lei 70 (1964).
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158
lacuna na legislação municipal, no que se refere aos loteamentos e arruamentos.” Para a
Comissão de Obras e Urbanismo, “Franca de muito que necessitava de uma lei nesse
sentido, para coibir os abusos que se tem praticado, onerando, de maneira sensível, os cobres
públicos municipais, eis que todos os benefícios, nos loteamentos, fica a cargo da
Municipalidade, inclusive a colocação de guias” (PROJETO DE LEI 70, 1964).
Na prática, entretanto, a lei de 1964 se tornou letra morta. Apesar de ampliar as
obrigações do loteador e conter dispositivos que objetivavam forçá-lo a cumpri-las, a lei
continuou a permitir a aprovação de loteamentos desprovidos de equipamentos públicos
básicos e a transferência da obrigação de implantá-los à Prefeitura, que em última instância
continuou a ser a responsável pela execução dos melhoramentos. Além disso, em
contravenção ao que determinava a lei, o Poder Público Municipal permitiu que os loteadores
transferissem para o comprador do lote a obrigação de arcar com os custos da instalação dos
equipamentos públicos executados pela Prefeitura. Tendo em vista que a Prefeitura
geralmente demorava anos, ou mesmo décadas, para implantar os melhoramentos nos
loteamentos periféricos, os lotes continuaram sendo ocupados antes da implantação dos
equipamentos públicos exigidos pela lei.
No início de 1970, o prefeito Jo Lancha Filho, orientado pelo GPI Grupo
de Planejamento Integrado LTDA, empresa contratada pela Prefeitura Municipal de Franca
para elaborar o plano diretor do município, enviou à mara Municipal um projeto de lei que
determinava a proibição imediata da aprovação de novos planos de loteamentos e arruamentos
desprovidos de pelo menos três dos seguintes equipamentos públicos: energia elétrica, água,
esgoto, pavimentação, guias e sarjetas e galerias de águas pluviais.(PROJETO DE LEI 15,
16.3.1970).
122
Essa proibição vigoraria apenas até a promulgação da lei do plano diretor do
município, que iria dar nova regulamentação à questão dos loteamentos. Para justificar a
122
Esse projeto foi transformado na Lei 1859 (30.4.1970).
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159
necessidade da aprovação do projeto, Lancha Filho ressaltou o descumprimento da legislação
vigente por parte dos loteadores e as dificuldades que a Prefeitura encontrava para resolver os
problemas daí decorrentes.
Um dos males que tem afligido a tôdas as Administrações municipais,
é o representado pelos inúmeros loteamentos que surgiram em Franca nos
últimos 20 anos, acarretando não poucas dificuldades para o Administrador.
Apesar das leis vigentes terem exigido, por parte dos loteadores, uma
rie de melhoramentos para obterem a aprovação de seus projetos de
loteamento, ainda continuam a ocorrer aquelas falhas por todos conhecidas,
especialmente no que respeita à construção dos melhoramentos sicos
indispensáveis, pois os vendedores, usando de uma faculdade da lei de
loteamentos, transferem para os compradores a obrigação de construir as
rêdes de água, esgôto, luz, asfalto e a construção de guias e sarjetas. Essa
transferência de obrigações não resolve, em absoluto, o problema, pois a
Administração não terá condições de exigir, dos modestos compradores, o
cumprimento das exigências legais. (PROJETO DE LEI 15, 16.3.1970).
Entre a aprovação dessa Lei (30.04.1970) e a promulgação do Plano Diretor de
Franca (06.01.1972), entretanto, a Prefeitura continuou a aprovar loteamentos sem as obras
prévias exigidas e os melhoramentos previstos pela lei de 1964.
123
Em 1973, Emílio Nassif,
especulador que adquiriu 57 lotes no Jardim Riviera, entrou na Justiça para cobrar da
Prefeitura e do loteador responsável pelo empreendimento os melhoramentos exigidos por lei.
Em 29 de março de 1976, o Diário da Franca (p.2) publicou um documento enviado por
Nassif às autoridades federais que ilustra bem o descumprimento da lei de loteamentos em
Franca:
A Prefeitura, conivente e protecionista aprovou loteamento sem um
mínimo de melhoramento: sem rede de energia elétrica, aberturas de ruas e
praças, água, esgoto, sargetas, guias, asfalto, ônibus urbano, escolas
primárias nas adjacências, marcos de cimento nas quadras, o mais necessário
terraplanagem pois existe monturos, brejos, depressões, matagal, aclives e
declives tornando impossível construções decentes [...].
Isso é estelionato, tirando do loteador os gastos exigidos por lei, que
seria obrigação legal, para que tivessem maiores lucros em prejuisos dos
compradores esbulhados, não tomando nenhuma providencia e no futuro irá
debitar essas despesas nos compradores ou arcará o município com despesas
e logicamente o povo.
123
Nesse período foram aprovados dez novos loteamentos na cidade.
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160
A elaboração do plano diretor físico do município de Franca, oficialmente
denominado PDI - Plano de Desenvolvimento Integrado, teve início no governo do prefeito
Hélio Palermo (jan./1964 - jan./1969). Em 1967 foi dado o primeiro grande passo para a
confecção do plano com a contratação da empresa que ficou responsável por sua elaboração, o
GPI - Grupo de Planejamento Integrado Ltda. O plano diretor foi entregue pelos profissionais
do GPI à Prefeitura no início de 1969, primeiro ano da administração do prefeito José Lancha
Filho (fev./1969 jan./1973), mas a sua aprovação pela mara Municipal ocorreu somente
em 28 de dezembro de 1971. Em 6 de janeiro de 1972 o plano diretor foi promulgado pelo
prefeito e se transformou na Lei Municipal 2046.
As ações do Poder Público Municipal de Franca para a elaboração do primeiro
plano diretor do município são resultado das pressões exercidas pelos governos federal e
estadual.
124
No início do Governo Militar, com o objetivo de estimular a produção de
habitações e o planejamento urbano no Brasil, foi criado o Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU). Esta instituição passou a financiar a criação de órgãos de
planejamento pelas prefeituras municipais e a elaboração de planos de desenvolvimento
integrado para as cidades. No estado de São Paulo, o governo estadual criou um órgão de
assessoria técnica aos municípios e um aparato institucional para viabilizar o processo de
planejamento urbano e a concessão de recursos financeiros. Em 1967, o Governo Paulista, por
meio da Lei Orgânica dos Municípios (9842, de 19.03.1967), condicionou o auxílio financeiro
aos municípios à existência de um plano diretor. Para assessorar os municípios paulistas na
elaboração dos planos diretores, nesse mesmo ano o Governo Estadual criou o Centro de
Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (CERPAM). Embora os órgãos federal e
124
No seu parecer sobre o Projeto de Lei do Plano Diretor Físico do Município, a Comissão de Justiça da
Câmara Municipal de Franca justificou a necessidade de se aprovar o mesmo em razão do que estabelecia a Lei
Orgânica dos Municípios (Artigo das Disposições Transitórias do Decreto Lei Complementar n. 9, de 31 de
dezembro de 1969), visto que “nenhum auxílio financeiro ou empréstimo será concedido pelo Estado ao
Município que, até 31 de dezembro de 1971, não tiverem seus programas de ação baseados num Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado, ainda que simplesmente orientado para um gradativo aperfeiçoamento,
comprovando que o município iniciou um processo de planejamento permanente (PARECER AO PROJETO
DE LEI 75, 22.11.1971, apud CHIQUITO, 2006, p.97).
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161
estadual promovessem assessoria técnica e programas de capacitação para técnicos
municipais, foi concedida autonomia às prefeituras para contratar empresas especializadas
para a elaboração de seus planos. (CHIQUITO, 2006)
Os trabalhos preliminares efetuados pelo GPI com o objetivo de oferecer
subsídios à formulação da lei do plano diretor sico de Franca foram divididos em quatro
volumes: Diagnóstico, Viabilidade do Distrito Industrial, Política de Desenvolvimento sico
e Plano de Ação do Governo Municipal. No Diagnóstico (GPI, 1969a) foi efetuado o estudo
dos aspectos geofísicos, ecomicos, sociais, demográficos, urbanos, administrativos e
financeiros do município; o levantamento dos principais problemas municipais e a indicação
de propostas para saná-los. Além disso, realizou-se também um prognóstico do crescimento
econômico e demográfico para a próxima década e uma projão dos investimentos
financeiros e das mudanças administrativas e tributárias necessárias. Como suporte à análise
do problema das boçorocas, o GPI anexou ao Diagnóstico o trabalho de Ab’Saber (1968)
sobre as boçorocas de Franca. No estudo denominado Viabilidade do Distrito Industrial (GPI,
1969b), o GPI apresentou a proposta de construção de um distrito industrial em Franca,
defendido como fator de grande importância para o planejamento urbano, já que contribuiria
para disciplinar o uso do espaço citadino, possibilitando a eliminação dos problemas advindos
da concentração industrial no Centro, área residencial e comercial mais densamente povoada.
Ademais, o distrito industrial promoveria também uma maior possibilidade de
desenvolvimento das atividades industriais ao viabilizar a vinda e o crescimento de indústrias.
No volume Política de Desenvolvimento Físico (GPI, 1969c) efetuou-se uma exposição mais
detalhada das propostas para combater e evitar os problemas urbanos levantados no
Diagnóstico. No Plano de Ação do Governo Municipal (GPI, 1969d), o GPI apresentou um
planejamento detalhado dos investimentos públicos prioritários para o quadriênio 1970-1973.
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162
Nos estudos que realizou para a elaboração do plano diretor o GPI concluiu
que o problema fundamental de Franca era a proliferação desordenada e desnecessária de
loteamentos periféricos desprovidos de serviços públicos básicos, pois era ele o causador dos
principais problemas urbanos da cidade: baixa densidade de ocupação, agravamento das
boçorocas e dos demais processos erosivos e dificuldade técnica e financeira de extensão das
redes de água, esgoto, energia elétrica e iluminação pública. Nas palavras da equipe do GPI
(1969c, p.3-4):
[...] um processo de expansão da Cidade injustificado e danoso, de
características megaloplanimétricas, cujos prejzos às finanças públicas
tendem a se agravar se medidas corretivas não forem adotadas em tempo.
Não corresponde às necessidades do mercado local o volume de loteamentos
aprovados. Por outro lado, a análise das áreas loteadas revela que os lotes
adquiridos pelos compradores não são ocupados na sua grande maioria.
Como consequência, na maior parte dos loteamentos periféricos identifica-se
acentuada predominância de quadras vagas ou de quadras ocupadas por uma
ou duas habitações, mesmo assim, na maioria das vêzes, precárias. A
presença de habitações esparsas em tais loteamentos, aprovados sem que os
responveis pelo empreendimento arcassem com a obrigação de dotá-los da
infra-estrutura indispensável (meio-fio, pavimentão, água, esgôto e
eletricidade), leva a que a Prefeitura, pressionada pela população
dispersamente distribuída nos mesmos, seja compelida, cêdo ou tarde, a
investir em equipamentos básicos anti-econômicos, pois o custo por
habitante não pode deixar de atingir cifras exorbitantes e incoerentes, muito
longe das possibilidades de serem cobertas pela arrecadação de impostos e
taxas.
Como agravante, em uma área bastante atingida por lesões erosivas
(boçorocas), a abertura de ruas para loteamentos sem o cuidado imediato da
instalação de sistemas adequados de drenagem de águas de superfície (guias,
sarjetas, esgotos pluviais, valas impermeabilizadas e mesmo pavimentação)
leva, inevitavelmente, à formação de sulcos pioneiros que se transformao
em novas e problemáticas boçorocas. Removidos o revestimentos vegetal e a
camada superficial do solo para abertura das ruas e estas abandonadas sem o
devido tratamento, a erosão não pode deixar de processar-se em áreas que
predomina o arenito bauru, como, aliás, acontece no sítio onde se encontra
Franca.
De acordo com o GPI (1969a), considerando apenas a área loteada,
correspondente a 1.555 hectares
125
, a densidade demográfica média da cidade no final dos
anos 60 não ultrapassava 45 habitantes por hectare. Além de muito baixa, essa densidade de
ocupação era também bastante desigual, baixando bastante na medida em que se afastava da
125
A área total do perímetro urbano era de 1.682 hectares.
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163
região central. Para se ter uma iia, cerca de 40% da área loteada, ou estava totalmente vazia,
ou possuía uma ocupação inferior a dez habitantes por hectare. Enquanto as áreas mais
centrais e os principais eixos viários da cidade alcançavam densidades de 100 ou mais
habitantes por hectare, as áreas periféricas de ocupação mais recente dificilmente
ultrapassavam 20 ou 30 habitantes por hectare.
A baixa densidade demográfica da periferia se dava em virtude de dois fatores
principais: o costume de se adquirir lotes para garantir patrimônio às futuras gerações e à
atuação de especuladores que compravam lotes e os mantinham vazios por vários anos a
espera de uma valorização capaz de motivá-los a vendê-los ou a construir no local. Uma
maior valorização dos lotes ocorria sobretudo como resultado da implantação dos
equipamentos públicos coletivos e do adensamento populacional do bairro, o que em muitos
casos demorava décadas.
Conforme apontou a equipe do GPI (1969a; 1969c), o problema mais grave da
baixa densidade nos loteamentos periféricos era o aumento excessivo dos custos para a
expansão dos serviços públicos coletivos, o que tornava inviável a transferência integral do
ônus de implantação aos moradores que passavam a ocupar os lotes. Em razão disso, como
medida emergencial, logo no Diagnóstico, primeira etapa dos estudos para a elaboração do
Plano de Desenvolvimento Integrado, o GPI (1969a, p.122) recomendou a “suspensão
imediata do processo de desenvolvimento artificial da área urbana, proibindo-se novos
loteamentos até que sejam atingidos os índices de densificação desejáveis.”
A Lei do Plano Diretor sico de 1972 reuniu as medidas preconizadas pelo
GPI para solucionar os problemas urbanos de Franca. No artigo 146 foram estabelecidas as
condições gerais para a aprovação de loteamentos na cidade:
A urbanização de terrenos só pode ser permitida se êstes tiverem
localização e configuração topográfica, am de características físicas do
solo e subsolo, que possibilitem o pleno atendimento das destinações que se
lhes pretende dar e das exigências legais de ordenamento e disciplinamento
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164
dos elementos componentes do Plano Diretor Físico, bem como a instalação
de forma adequada dos equipamentos comunitários necessários.
Para controlar a expansão urbana e promover a densificação das áreas
loteadas, o Plano Diretor estabeleceu os limites da área urbana” e da “área de expansão
urbana” (ver figura 42). A área urbana” foi delimitada pelos terrenos com edificações
contínuas ou contíguas situados a uma distância máxima de 100 metros de logradouros
públicos servidos no mínimo por dois dos seguintes melhoramentos: meio fio ou
pavimentação com canalização de águas pluviais; rede de abastecimento de água potável; rede
de esgotos; rede de iluminação pública. Além disso, seriam também classificados como área
urbana os terrenos situados a uma distância de até três quilômetros de escolas primárias ou de
postos de saúde. A “área de expansão urbana”, demarcada para receber a ocupação dos
próximos 10 anos, contados a partir da vigência da lei, ficou delimitada pelos terrenos
situados a uma distância de no máximo dois quilômetros a partir dos limites da “área urbana”.
O restante do terririo do município, não destinado para fins urbanos, era considerado área
rural.
Conforme pudemos constatar, os limites da área de expansão urbana não foram
respeitados. durante os três anos que antecederam a promulgação da Lei do Plano Diretor
em 1972, período de sua elaboração pelo GPI e de sua análise pelo Poder Público Municipal,
dos 23 loteamentos aprovados ou regularizados
126
pela Prefeitura, 9 se localizavam além da
área de expansão urbana. De janeiro de 1972 a dezembro de 1977, período compreendido
entre o início da vigência do plano e a promulgação da nova lei municipal que ampliou os
limites da área de expansão urbana (LEI 2497, 27.12.1977), dos 17 loteamentos aprovados, 13
foram instalados além dos limites dessa área. Mesmo após o aumento da área de expansão
urbana promovido pela lei de 1977, a Prefeitura continuou a aprovar loteamentos fora dessa
área. Foi o caso, por exemplo, do Jardim Aeroporto. A primeira etapa foi loteada em 1978
126
A Vila São Sebastião, por exemplo, apesar de ter a sua planta aprovada pela Prefeitura em 31 de dezembro de
1969, já existia como bairro clandestino desde pelo menos a década de 1940.
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165
pela Imobiliária Nova Franca S/C Ltda em uma gleba localizada fora dos limites da área de
expansão urbana definidos pela nova lei. A aprovação desse empreendimento em terras rurais
trouxe sérios problemas para a Sabesp, pois a área não estava incluída no projeto geral de
expansão das redes de água e esgoto da cidade. Mesmo sendo advertida sobre essa questão
pela Sabesp a Prefeitura aprovou o loteamento. Em 1979, a segunda etapa do Jardim
Aeroporto foi aprovada também fora da área de expansão urbana e apesar do loteador estar
em débito com a instalação dos equipamentos urbanos da primeira etapa.
127
(CHIQUITO,
2006).
Com a aprovação da Lei Municipal 2852, de 13 de abril de 1983, a revisão dos
limites das áreas “urbana” e “de expansão urbana” tornou-se automática. Assim, se até então
esses limites eram fixos e somente podiam ser alterados por meio da aprovação de uma nova
lei, a partir de então eles passaram a ser automaticamente estendidos como decorrência da
expansão dos equipamentos públicos coletivos que definiam a área urbana. Com a nova lei, a
área urbana” passou a ser definida pelos terrenos servidos diretamente pelos seguintes
melhoramentos: I- Rede de abastecimento de água potável, aprovada e operada pela
SABESP. II - Rede ou sistema de canalização de águas pluviais. III - Rede de energia elétrica
domiciliar pública e iluminação pública. IV - Rede de esgotos sanitários, aprovada e operada
pela SABESP.” Para o cálculo do perímetro da “área de expansão urbana” foi mantida a
mesma medida estabelecida pelo Plano Diretor de 1972, ou seja, dois quilômetros a partir dos
limites da “área urbana”.
Ao tornar automática a transformação de áreas rurais em áreas de expansão
urbana, o Poder Público Municipal facilitou a aprovação de empreendimentos em glebas
ainda mais distantes da região central da cidade e nos arredores de novas boçorocas,
127
O fato do loteamento Jardim Aeroporto estar localizado em uma sub-bacia hidrográfica diferente daquela
onde se localizava o restante da cidade trouxe sérias dificuldades relativas ao escoamento das águas e do esgoto
do loteamento. Assim, a solução encontrada pelos loteadores e Poder Público Municipal para a implantação da
segunda etapa do loteamento foi a aprovação da instalação de fossas sépticas em cada um dos lotes pelo próprio
morador. (CHIQUITO, 2006).
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166
contribuindo, assim, para a continuidade do processo de expansão urbana com baixa
densidade populacional e em áreas de risco de erosão. Essa mudança propiciou inclusive a
construção do Conjunto Habitacional Parque Vicente Leporace em uma gleba que antes dessa
nova lei não poderia ser loteada por estar localizada fora dos limites da área de expansão
urbana. Sendo assim, em detrimento do interesse público, além de favorecer a expansão
desnecessária do perímetro urbano via empreendimentos privados, o Estado também atuou
como agente direto desse processo.
Para controle da progressão das boçorocas e para o aproveitamento das áreas
por elas ocupadas, o GPI inseriu, por meio do artigo 225 da Lei do Plano Diretor de 1972, a
determinação para se transformar 18 boçorocas, das 21 localizadas nas áreas urbana e de
expansão urbana, em áreas públicas destinadas à implantação de “centros de tempo livre”,
com “tratamento paisagístico adequado” e estrutura voltada para atividades culturais,
esportivas e recreativas, como, por exemplo, “teatros ao ar livre, parques infantis, viveiros,
restaurantes, bares, jardim botânico, jardim zoológico”. Além das 18 boçorocas, foram
selecionados também para essa finalidade o “fundo de vale do rrego dos Bagres” e a “área
entre os loteamentos de Jardim Francano e Vila Roselândia e a Avenida Rio Branco”.
O Vale dos Bagres, situado entre o Centro e o bairro da Estação, foi a primeira
dessas áreas a receber investimento público. A primeira intervenção no local foi efetuada
ainda durante a administração de Jo Lancha Filho (fev./1969 a jan. de 1973). O local
recebeu projeto paisagístico, obras de canalização de parte do córrego, iluminação, parque
infantil, quadras de esportes, piscina, teatro ao ar livre, campo de malhas, campos de futebol e
outras obras. Entretanto, já durante a administração seguinte, a área passou a ser chamada
pelo Diário da Franca de “Vale do Abandono”, pois havia se tornado “um local imundo,
coberto pelo mato, freqüentado por animais soltos, os únicos, aliás, beneficiados por tal
incúria.”. Segundo este periódico, o abandono do local era resultado da rivalidade potica
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167
entre Lancha Filho e o atual prefeito Hélio Palermo. (DIÁRIO DA FRANCA, 10.4.1976,
p.2)
128
. Em 1980 o local passou por reformas e recebeu rias outras obras.
129
No final dos
anos 80, a imprensa francana denunciou novamente o abandono do local pela Prefeitura e o
problema da contaminação e do mau cheiro decorrente do lançamento de esgoto no Córrego
dos Bagres, divulgando também que, em razão disso, os moradores da região estavam
constituindo uma comissão para reivindicar ao prefeito medidas urgente para solucionar esses
problemas. (DIÁRIO DA FRANCA, 19.3.1989, p.3).
No início da década de 1980, a boçoroca da Boa Vista recebeu o Centro Social
Urbano, composto de casa para vigilante; um extenso prédio para abrigar o setor
administrativo e o salão destinado a práticas esportivas, recreativas e culturais; parque
infantil; uma quadra de esportes e uma piscina. No entanto, por falta de um projeto de
contenção da erosão, logo no primeiro ano de funcionamento a piscina foi soterrada pela lama
que desceu das encostas da boçoroca e nunca mais foi reativada. Além disso, a boçoroca
continuou o seu processo de expansão e passou a atingir as áreas habitadas ao seu redor,
provocando vários desabamentos
130
. Data dos anos 80 também a construção de uma praça
pública e de dois campos de futebol na área entre o Jardim Francano e a Vila Roselândia.
As outras boçorocas indicadas para serem transformadas em “centros de tempo
livre” pelo Plano Diretor de 1972 foram sendo aos poucos soterradas com lixo, entulho de
construção e terra pela Prefeitura e passaram a receber vias blicas, áreas de lazer, escolas e
outras obras.
131
Antes disso, porém, durante anos e mesmo cadas, várias boçorocas
passaram a receber, clandestinamente, entulho de constrões e lixos industrial e doméstico.
Algumas boçorocas também foram transformadas em aterros sanitários da Prefeitura,
128
A esse respeito ver também a reportagens do Diário da Franca de 11 de abril de 1976 (p. 16), “O vale do
abandono”, e de 12 de janeiro de 1977 (p.3), “Palermo deixará três heranças inmodas”.
129
A esse respeito ver Diário da Franca (13.5.1980, p.2).
130
Em 6 de fevereiro de 1992, segundo o Diário da Franca (p.13), quatro casas haviam sido condenadas e
“mais umas 20 ou 30” se encontravam em situação de risco na boçoroca da Boa Vista.
131
Em 1977 a imprensa local destacou o seguinte a esse respeito: “Com lixo e terra, a Prefeitura elimina
voçorocas” (DIÁRIO DA FRANCA, 12.4.1977, p.12).
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168
passando a receber os lixos doméstico, industrial e hospitalar da cidade, caso, por exemplo, da
maior boçoroca da cidade, a das Maritacas, transformada em um grande “lixão” em plena área
habitada.
132
Em 1989, os moradores da Vila Imperador e Parque São Jorge, bairros vizinhos a
essa boçoroca, chamaram alguns órgãos da imprensa escrita e falada de Franca para registrar
uma manifestação com cerca de 200 pessoas contra a presença do “lixão” no local.
Aglomerados em frente a entrada de acesso à boçoroca, os moradores passaram a impedir a
entrada dos caminhões de lixo no local. De acordo com os moradores desses dois bairros, o
mau cheiro e as moscas provenientes do “lixão invadiam as residências e provocavam várias
doenças (DIÁRIO DA FRANCA, 18.2.1989, p.1). Em 1997 parte da boçoroca das Maritacas
havia sido soterrada e ocupada por uma praça pública
133
e uma escola, entretanto, os
moradores ainda reclamavam do forte calor do local e do “odor insuportável” dos gazes que
ali se formavam.
134
Como resultado da grande expansão urbana ocorrida a partir da década de 1970
a cidade passou a englobar novas boçorocas. Entre 1969 e 1993 o número de boçorocas no
perímetro urbano passou de 21 para 32 (CHIQUITO, 2006) (ver figura 44). Muitas dessas
boçorocas passaram a receber as águas de chuva dos bairros limítrofes que o possuíam
redes de galerias de águas pluviais e, em alguns casos, até mesmo as águas servidas de
residências desprovidas de rede de esgoto, o que contribuiu para agravar o processo de erosão
em várias boçorocas.
A ocupação das margens de boçorocas e de outras áreas propícias à erosão
provocou grandes prejuízos aos cofres municipais em razão da perda de investimentos
públicos em infra-estrutura e do pagamento de indenizações a moradores que tiveram suas
132
Nas boçorocas que foram transformadas em lixões” pela Prefeitura, muitas pessoas de famílias pobres,
inclusive crianças, passaram a buscar a sobrevivência como catadores de lixo.
133
A construção dessa praça, com “cerca de dez mil metros quadrados, foi anunciada em agosto de 1993 pelo
então prefeito Ary Pedro Balieiro. (DIÁRIO DA FRANCA, 7.8.1993, p.3).
134
Nesse ano, após ouvir as reclamações dos moradores, o vereador Théo Maia (PSB Partido Socialista
Brasileiro) solicitou um parecer técnico à CETESB sobre o aterro sanitário do local e encaminhou o caso para a
Coordenadoria Municipal do Meio Ambiente. (DIÁRIO DA FRANCA, 16.10.1997, p.19).
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169
casas engolidas pela erosão.
135
Em 1997, ao comentar a grande demanda por reparos em áreas
afetadas pela erosão na cidade, o secretário de Serviços Municipais pediu a compreensão da
população”, visto que não dava para atender todos os bairros de imediato (DIÁRIO DA
FRANCA, 14.3.1997, p.5). Em 2003, a Administração Municipal e o Governo do Estado
investiram cerca de R$400 mil reais na contenção de uma voçoroca localizada no City
Petrópolis, bairro periférico loteado em 1980. O caso mais problemático atualmente é o do
Jardim Dernio, loteamento aprovado em 1979. no bairro 26 casas em situação de risco,
11 famílias morando em casas alugadas pela Prefeitura, com custo de R$6.348,43 mensais
(aluguel + IPTU). Segundo lculos dos técnicos municipais, o controle e a recuperação das
boçorocas de Franca na atualidade estão orçados em R$10 milhões. (CHIQUITO, 2006).
A perda das casas provoca também muitos transtornos aos proprietários. Os
processos de indenização movidos pelas famílias duram cerca de 5 anos. Em razão disso
muitas famílias são obrigadas a se transferirem para abrigos provisórios da Prefeitura ou para
casas de parentes. Ademais, na maioria das vezes a indenização do imóvel não atinge o valor
de mercado. Com todos esses problemas, algumas famílias acabam desacatando a
determinação da Defesa Civil e permanecem longos períodos em prédios em situação de
risco. (CHIQUITO, 2006).
No que se refere aos equipamentos urbanos, a Lei do Plano Diretor de 1972
estabeleceu como obrigação do loteador a abertura das vias e demais áreas blicas, a
terraplanagem e a drenagem do terreno, a colocação de guias e sarjetas, as galerias de
escoamento das águas pluviais, a pavimentação, a rede de abastecimento de água potável, a
rede de esgoto (“ou o sistema de fossa séptica coletiva ou de fossa séptica seguida de poço
absorvente para cada edificação”), a rede de iluminação pública e a arborização dos
135
Algumas reportagens ilustram bem a dimensão dos problemas provocados pela expansão urbana em áreas de
boçorocas em Franca: “Erosão engole as ruas desta vila” – Sobre a boçoroca da Vila Nicácio (COMÉRCIO DA
FRANCA, 6.2.1975); “Voçoroca ameaça casas na Vila Monteiro” (DIÁRIO DA FRANCA, 15.1.1982, pl.8);
“Casas podem cair a qualquer momento” (DIÁRIO DA FRANCA, 31.1.1992, p.1); “Emergência na cidade das
voçorocas” (DIÁRIO DA FRANCA, 6.2.1992, p.13).
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170
logradouros. O prazo para a execução dessas obras podia variar de um a três anos, de acordo
com o tamanho da área loteada.
Para forçar o loteador a cumprir as obrigações para com a implantação desses
melhoramentos foram criados alguns dispositivos. Segundo a lei, o loteador deveria efetuar
uma caução de 20% do valor da área útil loteada em nome da Prefeitura, em espécie ou em
lotes, que seria devolvida seguindo o seguinte critério: a primeira metade quando concluídos
os serviços de terraplanagem e, quando necessário, também de drenagem, de colocação das
guias e sarjetas e de construção das galerias de escoamento das águas pluviais, e a segunda
metade quando da conclusão dos demais equipamentos públicos previstos. Antes da execução
de todas as obras e de serem cumpridas todas as demais obrigações impostas por lei, o
loteador não poderia conceder a escritura definitiva do lote ao comprador e tinha a obrigação
de fazer constar nas escrituras ou nos compromissos de compra e venda dos lotes que esses só
poderiam receber construções após o término de todas as obras exigidas. A Lei do Plano
Diretor também concedeu à Prefeitura o poder de recusar a aprovação de loteamentos, ainda
que “apenas para evitar excessivo número de lotes com o conseqüente aumento de
investimentos sub-utilizados em obras de infra-estrutura e custeio de serviço”.
Por outro lado, o artigo 191 do Plano Diretor de 1972 permitia que o loteador
realizasse a venda dos lotes tendo efetuado apenas “os serviços e obras de locação de todo o
terreno, de abertura, terraplanagem e drenagem das vias blicas e das áreas públicas
paisagísticas e de colocação das guias e sarjetas que lhes correspondem”. Com isso, a
Prefeitura não conseguiu impedir que os compradores de lotes, em descumprimento ao que
estabelecia a lei, iniciassem a construção das casas antes da execução das redes de água,
esgoto, energia elétrica, iluminação pública e da pavimentação.
Apesar de deixar claro em vários de seus itens que a obrigação pela
implantação dos melhoramentos era do loteador, o artigo 190 desse mesmo capítulo
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171
acrescentou que para isso o loteador contaria com a responsabilidade solidária dos
adquirentes ou compromissários compradores, na proporção da área de seus lotes”. Por fim,
ao declarar nesse mesmo artigo que o loteador deveria “pagar os custos dos serviços e obras,
com os acréscimos legais; que porventura forem executados pela Prefeitura, sob pena de
inscrição na dívida ativa para cobrança executiva”, o Plano Diretor de 1972, a exemplo da
legislação anterior, deixou aberta a possibilidade do loteador transferir para a Prefeitura a
obrigação pela execução das obras, o que de fato ocorreu.
Assim, contando com a conivência dos administradores municipais, os
loteadores simplesmente se eximiram das obrigações referentes à implantação dos
equipamentos públicos coletivos exigidos pelo Plano Diretor. Além disso, os administradores
municipais continuaram aprovando loteamentos antes da execução das obras exigidas por
lei.
136
Com isso, os moradores e a Prefeitura herdaram os problemas decorrentes da não
execução dessas obras. Em 1983, por exemplo, em razão da não execução das obras de
drenagem e aterro, a vila Santa Terezinha, loteada em 1968 e 1978, encontrava-se em sua
“maior parte dentro de um brejo” (DIÁRIO DA FRANCA, 8.6.1983, p.2). Em 1997, partes do
Jardim Brasilândia e do Jardim Paulistano, loteamentos aprovados respectivamente em 1966
(e prolongamento em 1976) e 1980, tiveram a camada de asfalto de suas ruas totalmente
removida por se encontrar destrda em virtude da não execução da drenagem do solo pelos
loteadores. Segundo o diretor técnico da EMDEF (Empresa para o Desenvolvimento de
Franca), havia inclusive “nascentes de água” sob o pavimento de diversas ruas desses dois
bairros. Em razão da precariedade das ruas, os ônibus coletivos passaram a não transitar por
essas áreas, prejudicando os moradores. Segundo o jornal que publicou a reportagem, os
moradores daquela região da cidade vinham pleiteando com freqüência provincias de parte
136
No final da década de 1970, a demanda por “lotes populares e as facilidades de aprovação de loteamentos
pela Prefeitura atraíram para Franca algumas empresas imobiliárias de outras cidades. Dentre essas se encontrava
a Imobiliária Enterprises, filial de uma rede com matriz em Presidente Prudente e com filial em Marília. A
Interprises durou de 1977 a 1990, ano em que foi adquirida pelo seu gerente, o Sr. João Ls Lima, que
modificou o seu nome para Enterfran. (CHIQUITO, 2006).
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172
da Prefeitura, especialmente aqueles que dependiam do transporte coletivo”. Na execução da
obra, além do gasto com o material utilizado na drenagem e no novo asfalto, a EMDEF
ocupou cerca de vinte homens, cinco máquinas pesadas, cinco caminhões, um trator de esteira
e uma retroescavadeira. (DIÁRIO DA FRANCA, 3.4.1997, p.5)
Evidenciando a nulidade prática do Plano Diretor de 1972, em 1980 o vereador
Sidney Franco da Rocha, líder do PMDB na mara, apresentou um projeto de lei
condicionando a aprovação dos loteamentos pela Prefeitura à execução completa dos
seguintes melhoramentos: rede de água potável; rede de esgotos; guias e sarjetas, asfalto; rede
de iluminação pública; galeria de águas pluviais e arborização dos logradouros (PROJETO
DE LEI 9, 14.4.1980). Para justificar a necessidade da aprovação do seu projeto o edil
destacou os problemas decorrentes da proliferação de loteamentos periféricos desprovidos de
melhoramentos na cidade:
Como se pode observar atualmente, é exorbitante o número de
terrenos colocados á venda em nossa cidade, terrenos esses provenientes de
loteamentos aprovados pela Prefeitura em locais distantes do centro, a um
preço bastante alto, mas que, pelo prazo e pelas facilidades proporcionadas
pelo grande número de prestações, são adquiridos em grande parte por
pessoas de renda mais baixa.
Acontece que nesses loteamentos não existe qualquer infra estrutura,
condição indispenvel para que neles se possa construir, sem que o mesmo
venha a se tornar uma verdadeira favela. o existe rede de água, esgoto e
força elétrica, etc.
Isto é o que tem acontecido a o momento. Casas são construídas,
fossas são abertas nos quintais, pressionando finalmente a Prefeitura para
resolver o problema que acaba se tornando de calamidade pública, enquanto
o proprietário do loteamento tranquilamente vai recebendo suas prestações
mensais. (PROJETO DE LEI N. 9, 14.4.1980)
O projeto enfrentou forte resistência na Câmara Municipal e não foi
aprovado.
137
A oposição ao projeto foi encabeçada pelo vereador Ary Pedro Balieiro,
empresário do setor imobiliário que atuava como loteador e administrador de loteamentos em
137
A esse respeito o Diário da Franca (28.5.1980, p.8) noticiou que os vereadores da Comissão de Obras e da
Comissão de Justiça posicionaram-se contra a aprovação do projeto alegando que o mesmo “não atende ao que
necessita a prefeitura e a comunidade.
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173
Franca
138
. Na argüição contra o projeto de Franco da Rocha, Balieiro argumentou que era
ótima a legislação municipal” em vigor, ou seja, o Plano Diretor de 1972, a exincia de
instalação de equipamentos públicos coletivos para a aprovação dos loteamentos inviabilizaria
a aquisição do lote pelas pessoas de baixa renda ao provocar o seu encarecimento, tirando do
pobre a única possibilidade do mesmo conseguir o seu barraco”, “mesmo que tenha que se
submeter, por algum tempo, à falta das infra-estruturas básicas (água, luz, esgotos, etc...).
Além disso, segundo ele, a exincia de equipamentos urbanos inviabilizaria novos
loteamentos, pois “fatalmente muito pouco empresário se disporia a tal empreendimento, pelo
alto custo e risco que envolveria”. Por conseguinte, as “classes de média renda” ficariam
impossibilitadas de comprar terrenos para “proteger seus parcos ganhos contra a inflação,
visto sabermos que a aquisição de imóveis é uma das formas de garantir a correção de capital
e, para o pequeno investidor, isto é fundamental” (PARECER ANEXO AO PROJETO DE
LEI 9, 14.4.1980).
O argumento do vereador de que a instalação de equipamentos públicos
coletivos nos loteamentos inviabilizaria a aquisição do lote pelos pobres o encontra
respaldo na realidade vivenciada pelos compradores de lotes, visto que essas pessoas já
arcavam com as despesas decorrentes dos custos de implantação desses melhoramentos. Em
suma, o relato de Balieiro revela a lógica da potica urbana levada a efeito em Franca, uma
política patrimonialista que garantia grandes lucros a loteadores e especuladores às custas dos
cofres públicos e do abandono da população pobre em periferias desprovidas de equipamentos
e serviços públicos básicos.
Além de ter sido vereador, Balieiro também foi vice-prefeito de Franca entre
fevereiro de 1983 e abril de 1987 e prefeito por duas vezes, exercendo esse cargo de abril de
1987 a dezembro de 1988 e de janeiro de 1993 a dezembro de 1996. Conforme ficará norio
138
Segundo Ferreira (23.9.2006), Ary Pedro Balieiro fez vários loteamentos em Franca, dentre os quais o Parque
Vila Isabel [em 1978] e o Jardim do Líbano [em 1979]. Este último, por comportar lotes nas proximidades de
uma grande boçoroca, passou a abrigar várias moradias em situação de risco.
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174
ao longo desse capítulo, a atuação política de Balieiro foi marcada pela defesa dos interesses
dos promotores imobiliários. Dessa forma, ele se tornou o principal representante desse grupo
junto ao Poder Público Municipal e à imprensa local. Conforme ainda veremos, as principais
leis municipais em benefício dos promotores de loteamento são de sua autoria.
Na contramão dos objetivos que nortearam a elaboração do Plano Diretor de
1972 pelo GPI, o Poder Público Municipal não não cerceou a expansão indiscriminada da
área urbana com baixa densidade demográfica e carente de equipamentos públicos, como
permitiu o agravamento desse processo mediante o aprofundamento da especulão com a
terra urbana e o aumento da produção de lotes periféricos acima das necessidades
habitacionais. O relato de Antônio Reis, chefe do departamento de finanças da Prefeitura de
Franca em 1980, é bastante revelador dessa realidade. Apresentando dados de dezembro de
1979, que apontam a existência de 24.733 iveis e 24.684 terrenos vagos na cidade, Reis
concluiu que as áreas urbanas ociosas de Franca dariam para duplicar a população da cidade
“sem a necessidade de nenhum outro loteamento. Segundo ele, essa expansão indiscriminada
da área urbana vem provocando problemas financeiros à Prefeitura, pois os “loteamentos
estão muito esparsos, e a exigir asfalto, iluminação pública, galerias de águas pluviais, etc. o
que vem encarecer o custo dos serviços públicos.” (DIÁRIO DA FRANCA, 9.8.1980, p.3).
139
Em 1980, com base em várias denúncias contra loteamentos clandestinos
140
e
loteamentos desprovidos dos equipamentos urbanos exigidos pelo Plano Diretor de 1972, o
Ministério Público de Franca passou a exigir providências da Prefeitura Municipal no sentido
de assegurar os direitos dos compradores de lotes. Para isso, o Procurador Público Wellington
139
Em resposta aos apontamentos efetuados por Reis, Ary Balieiro declarou o seguinte: “A análise sobre o
excesso de loteamentos em Franca deveria caber a urbanistas, sociólogos, economistas, etc., nunca ao Diretor do
Departamento de Finanças da Prefeitura. Eu tenho absoluta certeza de que o ‘excesso de loteamentos o é
prejudicial, desde que o poder aquisitivo do povo tenha condições de assimilar a mercadoria colocada à venda.”
(DIÁRIO DA FRANCA, 14.10.80, p.3). Em entrevista concedida à Revista Atual em 1994 (p.14), o então
prefeito Ary Balieiro declarou achar ótimo o crescimento “horizontal” e “espalhado” de Franca, “pois favorece a
qualidade de vida da população, ficando a área ocupada muito menor que a área total da cidade.”
140
Nos loteamentos clandestinos os proprietários de terrenos o podiam receber a escritura da propriedade.
Além disso, a Prefeitura não realizava melhoramentos nesses locais.
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175
Jorge amparou-se na recém promulgada Lei Federal 6766 (19.12.1979), que estabeleceu o
direito do comprador suspender o pagamento das prestações do terreno ao loteador que não
estivesse cumprindo a legislação municipal.
141
As ações da Prefeitura nesse sentido se direcionaram, entretanto, apenas para
os empreendimentos clandestinos.
142
Com isso, nos loteamentos em que o registro não foi
sendo providenciado, os adquirentes de terrenos passaram a ser orientados a depositar as
prestações em juízo e os loteadores passaram a sofrer ações na Justiça. no caso dos
loteamentos legais em que o problema era o descumprimento da obrigação de implantar os
melhoramentos urbanos exigidos pela legislação, a Prefeitura acabou optando pela
prorrogação dos prazos de início e conclusão das obras e por acordos de parceria em que
foram investidos dinheiro e funciorios blicos em obras que por lei eram da obrigação
exclusiva dos loteadores.
143
Segundo Faleiros (16.10.2006), empresário do setor imobiliário
que atua como loteador na cidade de Franca desde a década de 1970, de acordo com a
conveniência da Prefeitura Municipal”, o prazo de 24 meses para a implantação dos
equipamentos urbanos poderia ser prorrogado para até 48 meses.
Vale ressaltar ainda o fato da Prefeitura de Franca nunca ter executado a
tomada de terrenos caucionados e de algumas empresas terem até mesmo efetuado a venda
141
A Lei Federal 6766 de 1979 também estabeleceu sanções penais ao loteador que não cumprisse a legislação
municipal de parcelamento do solo urbano. Por ser de autoria do deputado federal Otto Cirilo Lehman, essa lei
ficou conhecida com “Lei Lehman”.
142
Na década de 1970 foram legalizados os seguintes loteamentos: Vila Europa, Jardim Santa Helena, Vila São
Sebastião e Vila Exposição. Em 1980 constatamos a presença dos seguintes loteamentos clandestinos em Franca:
Jardim Palmeiras, Jardim Centenário, Jardim Brasil, Jardim o Paulo, Parque dos Ipês, Jardim Santa Efigênia,
Recanto Fortuna e prolongamento da Vila São Sebastião (Rua Adriano Cintra). Esses loteamentos foram sendo
legalizados entre as décadas de 1980 e 1990.
143
Os dois exemplos a seguir são ilustrativos a esse respeito. No final de 1987 a Câmara Municipal de Franca
aprovou um projeto do prefeito Ary Pedro Balieiro autorizando o Executivo Municipal “a implantar às suas
expensas” todo o sistema de coleta de esgotos sanitários dos loteamentos Jardim Aeroporto I, Jardim Aeroporto
II e Jardim Aeroporto III e também “as guias e sarjetas do loteamento denominado JARDIM AEROPORTO II,
originariamente de responsabilidade da Imobiliária Francana Sociedade Civil Ltda.” A imobiliária ficaria
responsável pela implantação das estações elevatórias” e “lagoas de tratamento sanitário” referentes aos
loteamentos Jardim Aeroporto II e Jardim Aeroporto III. (PROJETO DE LEI 80, 13.10.1987) Em 1990, para
pavimentar o Jardim Noêmia a EMDEF foi obrigada a negociar diretamente com os moradores do bairro
também a construção das galerias de águas pluviais, pois, passados oito anos da aprovação do loteamento, a
responsável pelo empreendimento, LJN Imóveis S/C Ltda., não havia sequer iniciado a obra (PROJETO DE
LEI 196, de 19.12.11990).
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176
desses lotes sem, entretanto, sofrer qualquer tipo de punição (FERREIRA, 23.9.2006). Além
da impunidade, os promotores de loteamentos se beneficiaram também de incentivos públicos
municipais e de mudanças na legislação municipal. Com a Lei 2852 (13.04.1983), a área de
expansão urbana passou a ser automaticamente estendida, a implantação da rede de energia
elétrica e da iluminação pública nos novos empreendimentos teve o seu prazo estendido de
dois para três anos e ganhou a ressalva quando necessário”, a construção das galerias de
águas pluviais deixou de compor as obrigações da primeira etapa do processo de aprovação de
loteamentos e passou a fazer parte das obras que deveriam ser efetuadas no prazo de dois
anos
144
. A Lei Municipal 2926 (07.06.1984) concedeu isenção de IPTU para os
empreendimentos públicos e privados destinados às classes populares.
145
Em 1988, o prefeito
Ary Pedro Balieiro conseguiu aprovar na Câmara uma lei de sua autoria isentado os
loteamentos para fins populares” da obrigação de construir guias e sarjetas e pavimentar as
vias blicas. De acordo com a nova lei, a responvel por essas obras passaria a ser a
Prefeitura, que executaria os serviços por meio da EMDEF mediante a cobrança junto aos
proprietários de lotes da taxa denominada “contribuição de melhorias”.
146
Para a execução das obras de pavimentação a EMDEF exigia a adesão de no
mínimo 70% dos proprietários de imóveis no bairro. O fato da ocupação dos bairros
periféricos se processar de maneira bastante rarefeita e por pessoas de baixa renda quase
sempre dificultava a conquista desse índice, pois era comum os moradores mais pobres e
especialmente os proprietários de terrenos vagos para fins especulativos não aderirem ao
144
De acordo com essa nova lei, as obras da primeira etapa, que deveriam ser construídas no prazo de 180 dias,
seriam as seguintes: abertura das vias públicas; demarcação de quadras, lotes e áreas públicas; colocação de
marcos de alinhamento e nivelamento; drenagens, aterros e obras complementares.
145
Vale lembrar que entre 1983 e 1984 Ary Pedro Balieiro era vice-prefeito de Franca.
146
Na apresentação do projeto Balieiro argumentou o seguinte: “Esse incentivo é importante, face ao ficit
habitacional e a prevenção conseqüente ao processo de favelamento. Ademais, a pavimentação, pela Prefeitura,
com a sensibilidade dos homens públicos, respeitando o ritmo social e econômico, livre da imposição dos prazos,
desobrigará os tomadores dos lotes de mais um custo: o da chamada Taxa de Administração, de 10 e até 20%,
cobrada por loteadores. Ver Projeto de Lei 114 (14.6.1988) e Código Tributário Municipal (LEI 1.672/68).
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177
plano
147
. Em 1990, com o objetivo de incentivar a adesão de um maior número de moradores
ao plano de pavimentação e diminuir, com isso, os gastos da Prefeitura com esse serviço, o
prefeito Maurício Sandoval Ribeiro conseguiu aprovar um projeto de lei de sua autoria
autorizando a concessão de descontos de 10% (em ruas e avenidas) e 25% (em esquinas)
sobre o preço total da obra aos proprietários de um único imóvel e renda mensal até seis
salários mínimos (PROJETO DE LEI 189, 30.11.1990).
148
Nos anos 80, para viabilizar a execução das obras exigidas pela legislação
municipal as empresas loteadoras começaram a cobrar dos compradores de lotes os custos
correspondentes à implantação dos equipamentos urbanos com um acréscimo de 10% a 20% a
título de administração. Variando de loteador para loteador, essa cobrança era efetuada ou a
partir do começo de cada uma das obras ou, como se tornou mais comum, antes mesmo do
início das mesmas. Constatamos também que muitas vezes o valor cobrado pelos loteadores
excedia em muito o custo das obras. A esse respeito Faleiros (16.10.2006) nos declarou que
“surgiram muitas empresas sem escrúpulos que cobravam o que queriam e como queriam,
gerando reclamações dos adquirentes”.
149
Ainda segundo esse loteador, os juros cobrados dos
compradores eram abusivos e muitas empresas “mandavam a cobrança sem iniciar as obras,
sem qualquer apresentação dos cronogramas físico-financeiro, portanto cobrando o que
queriam.”
150
147
Isso acontecia tamm com outros melhoramentos, como fica claro na fala do prefeito Maurício Sandoval
Ribeiro: “temos deparado com vários problemas ligados à rede de energia elétrica, onde os interessados não tem
condições de arcarem com as despesas em virtude da PASSIVIDADE DE OUTROS PROPRIETÁRIOS que
na maioria das vezes, possuem terrenos com o fito de esperarem a valorização, para efeito de especulação
imobiliária, aproveitando-se da situação daqueles que necessitam dos aludidos serviços para suas residências e
acabam por assumirem pela necessidade imediata, todos os encargos financeiros do projeto.” [grifos do autor].
(PROJETO DE LEI 136, 19.09.1989).
148
Transformado na Lei Municipal 3.889 (20.12.1990).
149
A esse respeito o Diário da Franca do dia 8 de junho de 1983 (p.2) noticiou o seguinte: “O vereador bio
Cruz, por exemplo, teve requerimento de sua autoria, aprovado na sessão passada do Legislativo, quando
solicitou à Prefeitura, que atua como fiscalizadora [...] a respeito da legalidade e da proporcionalidade dos preços
cobrados e do custo da construção da referida lagoa sanitária dos bairros de São Joaquim, Vila Santa Helena,
Jardim Santa Efigênia e Vila Pedigoni. [...] O vereador Ribeiro Rodrigues analisou que ‘comparativamente aos
preços da Sabesp, a cobrança estipulada pelos loteadores do Jardim Paulistano é no mínimo exagerada’.”
150
Faleiros (16.10.2006) declarou que a sua empresa procedia de maneira diferente, relatando o seguinte: “antes
de mandar a cobrança elabovamos um dossiê dos custos e prazos, apresentávamos uma pia junto à Prefeitura
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178
Portanto, a expansão urbana de Franca, apesar de se processar sobretudo por
meio de loteamentos legais, foi marcada por posturas poticas patrimonialistas que
beneficiaram loteadores e especuladores e pelo abandono da população pobre em bairros
periféricos parcialmente ou totalmente desprovidos de equipamentos e serviços blicos
urbanos. Assim, a partir de meados da década de 1940, fundamentando-se no princípio da
igualdade, essa população passou a formular e a exigir o direito, enquanto moradora da cidade
e pagadora de impostos, de acesso aos equipamentos e serviços blicos coletivos já
disponíveis nas áreas privilegiadas da urbe. Contribuiu para isso o próprio desenvolvimento
econômico do município e o conseqüente aumento das potencialidades do Poder Público
Municipal em investir em melhoramentos, assim como o fim do Estado Novo e a volta das
eleições livres e o progressivo aumento da renda das classes populares urbanas em Franca,
resultado da ampliação do emprego e dos salários na indústria local e também dos benefícios
da legislação social trabalhista implantada durante o Primeiro Governo Vargas.
Apresentamos a seguir alguns exemplos de mobilização coletiva dos
moradores de Franca em prol da conquista de direitos sociais urbanos, dentre muitos
publicados pela imprensa local, com o objetivo de demonstrar a importância assumida por
essa forma de ação na cidade. Os exemplos a seguir revelam que a partir dos anos 40 as
classes populares da cidade passaram a se mobilizar em seus locais de moradia e a lutar
coletivamente de forma mais efetiva por equipamentos e serviços públicos urbanos já
disponíveis aos moradores das regiões privilegiadas da cidade.
Municipal, Procon e Câmara Municipal, inclusive algumas vezes com acompanhamento do vereador Gilmar
Dominici. Fazíamos reuniões no bairro para a apresentação, e depois, havendo concordância enviaríamos os
carnês e iniciávamos as obras.” Entretanto, assim como os demais promotores de loteamentos, constatamos que
Faleiros cobrava os referidos 20% a título de administração e não informava, nos contratos de venda e compra,
nem o valor e nem o prazo estabelecido para a execução dos equipamentos urbanos exigido pela legislação
(CONTRATO DE VENDA E COMPRA DO LOTE 1, QUADRA 1, JD. SÃO FRANCISCO, 18.8.1992).
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179
Em 1946, moradores dos bairros da região da Estação
151
encaminharam um
protesto com mais de 200 assinaturas ao prefeito municipal exigindo a interrupção da
construção de uma nova canalização de água que a Prefeitura estava fazendo exclusivamente
para o abastecimento da indústria Cotai. Segundo os moradores, a concessão desse privilégio
à Cotai agravaria o problema da falta de água nos bairros da região. No protesto, publicado
por um periódico local a pedido dos moradores, estes declararam que os interesses
particulares da indústria estavam sendo colocados “acima dos sagrados interesses populares,
sempre postos á margem pelas administrações municipais [...].” (COMÉRCIO DA FRANCA,
12.09.1946). Em resposta aos moradores o prefeito interrompeu a obra e solicitou ao
Departamento das Municipalidades do estado de São Paulo o envio de um engenheiro para
emitir um parecer técnico sobre a obra em questão. (COMÉRCIO DA FRANCA,
29.09.1946).
Em carta enviada a um órgão da imprensa francana em 1956, um grupo de
moradores de quatro ruas da Cidade Nova
152
declarou que “vêm lutando, há tempos, para que
a Prefeitura mande instalar alguns focos de luz elétrica, nos postes lá existentes, que não
disem de iluminação [...].” Expressando um sentimento de igualdade pautado na tomada de
consciência de sua condição de cidadãos membros da cidade, esses moradores reivindicaram
o direito de acesso a esse melhoramento alegando o seguinte: “Ora, esses moradores são
eleitores, pagam os impostos e taxas cobrados pela Prefeitura e não se compreende porque
o têm êles as mesmas regalias dos que moram em ruas e avenidas mais centrais”
(COMÉRCIO DA FRANCA, 25.05.1956).
Em outubro de 1970, moradores da Vila Nossa Senhora das Graças
153
, sob a
liderança do comerciante Homero Luiz Soares, anunciaram na imprensa local a organização
151
À época compunham a região (ou distrito) da Estação os seguintes bairros: Estação, Nicácio, Chico Júlio e
Santos Dumont.
152
Ruas Carlos do Carmo, Felisbino de Lima, Afonso Pena e Major Duarte.
153
A primeira parte da Vila Nossa Senhora das Graças foi loteada em 1951 e a segunda parte em 1964.
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180
de um abaixo-assinado a ser entregue diretamente ao prefeito municipal com o objetivo de
pressionar o mesmo a cumprir a promessa de campanha de pavimentar o bairro. No seu
pronunciamento à imprensa Soares ressaltou o seguinte: Foi aqui que o prefeito Maurício
Sandoval Ribeiro fez um dos seus primeiros discursos antes de ser eleito. E hoje nós
cobramos a sua promessa [...].” (DIÁRIO DA FRANCA, 01.10.1978, p.12). Verifica-se aí
que as promessas de melhorias aos bairros periféricos, importantes para se conquistar votos
junto às classes populares, eram utilizadas pelos moradores para pressionar os governantes a
implementar melhorias nos bairros.
Revoltados com a precariedade das ruas de terra e com o fato de alguns
loteamentos mais recentes terem sido asfaltados, em 1982 um grupo de moradores do
Jardim Lima, bairro que começou a ser povoado no início dos anos 70, se dirigiu à Prefeitura
Municipal munidos de um abaixo-assinado com mais de cem assinaturas e um “memorial”
com fotografias que ilustravam os problemas do bairro. Recebidos pelo prefeito Maurício
Sandoval Ribeiro, os moradores aproveitaram para solicitar também a substituição da precária
ponte de madeira existente no local por uma de concreto e a construção de uma praça pública
e de uma escola. Depois de ouvir as reivindicações dos moradores, o prefeito prometeu tomar
provincias. (COMÉRCIO DA FRANCA, 06.02.1982, p.6).
Em janeiro de 1983, um mês antes de tomar posse como prefeito da cidade, o
então vereador Sidnei Franco da Rocha recebeu um abaixo-assinado dos moradores da Vila
Santa Terezinha
154
contra a falta de investimento no bairro e uma série de reivindicações que
incluía a extensão da rede de esgoto, a pavimentação das ruas, posto de atendimento médico,
escola e melhoria do transporte coletivo (COMÉRCIO DA FRANCA, 07.01.1983, p.4). Em
fevereiro de 1984, os moradores da Vila Rezende
155
promoveram uma passeata pelas ruas do
154
A primeira parte da vila Santa Terezinha foi loteada em 1968 e a segunda em 1978.
155
Bairro loteado em 1967.
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181
bairro em protesto contra a falta de esgoto e de pavimentação
156
. Segundo o Comércio da
Franca (05.02.1984, p.9), jornal que a pedido dos moradores cobriu a manifestação, os
habitantes se mostravam revoltados contra o não cumprimento das promessas de campanha e
exigiam providências imediatas por parte da Prefeitura. Em 1988, uma comissão de
moradores do jardim Paraty
157
, portando um abaixo-assinado de todos os moradores” do
bairro, se dirigiu à Prefeitura Municipal para solicitar a instalação de iluminação pública, uma
vez que a rede de energia fora instalada sem esse melhoramento. Em outubro de 1989, “mais
de 120 moradores” do jardim Portinari
158
promoveram uma passeata nas ruas do próprio
bairro em protesto contra a demora na instalação da rede de esgotos que já havia sido paga em
julho de 1988. Segundo o vereador Gilmar Dominici, antes dessa manifestação os munícipes
haviam se dirigido por várias vezes à Sabesp e por duas vezes ao prefeito, sendo que agora
o procuraram para lhes ajudarem a solucionar o problema. (COMÉRCIO DA FRANCA,
24.10.1989, p.3) Em 1993, representantes dos moradores desse bairro, munidos de um abaixo-
assinado com aproximadamente 400 assinaturas, se dirigiram novamente ao Poder Público
Municipal para reivindicar a transformação de uma boçoroca ali existente em centro de lazer
público. A solicitação foi feita ao então presidente da mara, vereador Joaquim Pereira
Ribeiro, que após ouvir os representantes do bairro se reuniu com o prefeito Ary Balieiro para
apresentar a solicitação.
159
Segundo o Diário da Franca (20.06.1993, p.7), o prefeito solicitou
ao secretário de planejamento a elaboração de um projeto de urbanização para a área.
Procurado pelos moradores dos bairros City Petrópolis e Parque do Horto, em
janeiro de 1991 o vereador Gilmar Dominici marcou uma reunião entre uma comissão
formada pelos habitantes desses dois bairros e o prefeito Maurício Sandoval Ribeiro para se
156
Em razão da precariedade das ruas, os ônibus da empresa de transporte coletivo da cidade não estavam
transitando pelo bairro.
157
Bairro loteado em 1983.
158
Bairro loteado em 1987.
159
Na apresentação da proposta ao prefeito o presidente da mara ressaltou que “o local a ser ocupado é hoje
uma voçoroca, que está servindo de despejos de lixo e entulho, [...] esconderijo de marginais e ponto de
comercialização de tóxicos.” (DIÁRIO DA FRANCA, 20.06.1993, p.7)
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182
discutir a diminuição dos juros cobrados pela EMDEF sobre as mensalidades da
pavimentação. Segundo Dominici, “uma empresa blica municipal, como a EMDEF,
poderia perfeitamente adequar-se a suportar uma mudança como a reivindicada pelos
moradores dos bairros mais carentes.” (COMÉRCIO DA FRANCA, 30.01.1991, p.3).
A luta por direitos sociais urbanos em Franca também foi assinalada por
autores que analisaram o processo de formão dos bairros da cidade. Em seu trabalho sobre o
Parque Progresso, Ferreira e Barcellos (2003, p.50) relataram que a história do bairro “foi
marcada por muita luta de seus moradores reivindicando melhorias locais”. A respeito do
complexo Jardim Aeroporto (loteamentos I, II e III), Vaz e Dreier (2000, p.62) assinalaram
que grande parte “das obras de infra-estrutura do bairro foram conseguidas somente depois de
reivindicações” e que “muitas vezes os moradores criaram situações embaraçosas para a
municipalidade, como reclamações divulgadas nas rádios e jornais, além de manifestações
realizadas na porta da Prefeitura Municipal.
As denúncias e críticas na imprensa escrita e falada
160
contra a falta ou
precariedade dos serviços e equipamentos públicos coletivos eram freqüentes e certamente
serviram também para pressionar as autoridades públicas. Algumas emissoras de rádio locais
criaram até mesmo programas diários destinados especificamente às reivindicações dos
moradores, como os programas “Boca no Trombone”, da Rádio Difusora, e o “Programa do
Dedão”, da Rádio Franca do Imperador.
Em razão do aumento dos investimentos públicos nas décadas de 1980 e 1990,
aumentou bastante a porcentagem de moradias atendidas por abastecimento de água, coleta e
tratamento de esgoto, coleta de lixo, energia etrica, iluminação pública e pavimentação. No
entanto, como alguns loteadores continuaram a desrespeitar a legislação de parcelamento do
solo urbano, a obtenção de equipamentos urbanos essenciais em alguns novos loteamentos
160
As emissoras de rádio locais criaram até mesmo alguns programas diários destinados especificamente às
reclamações e reivindicações dos moradores. Dentre os programas de maior audiência destacavam-se o “Boca no
Trombone”, da Rádio Difusora, e o “Programa do Deo”, da Rádio Franca do Imperador.
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183
continuou a depender da mobilização dos moradores. A trajetória de luta dos habitantes do
Jardim Paineiras, descrita no estudo realizado por Paulon (1997), ilustra bem essa realidade.
Aprovado em 1993, em 1996 esse loteamento ainda se encontrava totalmente desprovido dos
equipamentos urbanos básicos exigidos pela legislação municipal, como água encanada, rede
de esgoto e energia elétrica. Além disso, não era atendido também pelos serviços de correio,
ônibus urbano e coleta de lixo. Em razão da resistência da imobiliária responsável pelo
empreendimento em fazer a ligação da energia elétrica no bairro, em 1996 um grupo de cerca
de 30 moradores do bairro, acompanhados por dois vereadores do Partido dos Trabalhadores,
realizaram uma manifestação em frente o prédio da referida imobiliária com o objetivo de
fazer com que o proprietário da empresa os recebessem, o que somente ocorreu após a
paralisação do trânsito pelos manifestantes. Pressionado, o proprietário da mesma assinou um
documento se comprometendo a fazer a ligação da eletricidade no prazo de uma semana,
compromisso que foi cumprido pela empresa. Segundo o depoimento de uma moradora do
bairro, a implantação do abastecimento de água deu menos trabalho que a energia elétrica,
visto que os moradores, orientados por um advogado, entraram na Justiça contra a empresa.
Nos depoimentos concedidos a Paulon (1997), os moradores do Paineiras enfatizaram que a
iluminação pública, a coleta de lixo, o serviço de correio e o ônibus urbano também
dependeram de mobilização. O depoimento abaixo demonstra a importância conferida pelos
moradores à luta coletiva para a conquista de direitos sociais urbanos.
[...] já é uma melhoria nesse tempo, em treis ano nóis conseguimos isso,
muitos bairro num conseguiu. [...] a luta que nóis vamo te aqui, agora é das
melhorias mais difícil, ocê , uma escola, um UBS, é muito mais difícil,
mais com a união dos moradores e a força que nóis temo nóis vamos
consegui. (PAULON, 1997, p.86)
Na luta pelos direitos sociais urbanos, a partir de 1991 os moradores passaram
a contar com o Código de Defesa do Consumidor
161
. Em 1993, tendo em vista as várias
denúncias dos compradores de lotes contra os abusos na cobrança dos equipamentos urbanos
161
Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que passou a vigorar a partir de março de 1991.
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184
por parte dos loteadores, o juiz da Segunda Vara Cível de Franca, Élcio Trujillo, suspendeu
provisoriamente a aprovação de novos loteamentos na cidade alegando excesso no valor
cobrado pelas empresas e infração ao Código de Defesa do Consumidor aprovado em 1990,
pois o consumidor estava adquirindo uma mercadoria sem o necessário conhecimento do seu
preço final.
162
Comentando a decisão do juiz, o Diário da Franca (12.10.1993, p.3) declarou
que às vezes o comprador de terreno é surpreendido com preços elevados algumas vezes
maiores que até o próprio lote. Ainda em 1993 o juiz proclamou a decisão final da ação,
determinando que a partir de 1994 os loteadores ficariam obrigados a declarar no contrato de
compra e venda do terreno o valor total “do lote urbanizado”, ou seja, com todos os
melhoramentos previstos pela legislação municipal. O Código de Defesa do Consumidor
também passou a ser utilizado como mais uma arma contra o não cumprimento do prazo
determinado pela legislação municipal para a entrega dos equipamentos públicos coletivos.
Segundo Sorj (2001), o Código de Defesa do Consumidor teve particular
importância na sociedade brasileira por criar um espaço de direito onde as empresas não se
encontram diretamente protegidas pelo Estado ou pelo sistema de convenções sociais que
assegura a impunidade dos grupos dominantes. Assim, apesar da defesa do consumidor não se
constituir numa solução para os problemas fundamentais da sociedade brasileira em termos de
distribuição de renda e apropriação do Estado pelos grupos dominantes, no Brasil “os direitos
do consumidor transformaram-se em importante canal de luta contra o patrimonialismo,
contra a colonização do Estado por interesses empresariais e um mecanismo de expressão da
cidadania” (SORJ, 2001, p.61).
162
Essa decisão provocou a reação dos empresários do setor imobilrio da cidade. Em extensas matérias
publicadas nos jornais locais esses loteadores criticaram a decisão do juiz ressaltando que qualquer mudança nas
formas de cobrança dos equipamentos públicos poderia inviabilizar os loteamentos voltados para as classes
populares e, conseqüentemente, agravar o problema do déficit habitacional da cidade, provocando inclusive o
surgimento de favelas. Para esses empresários os loteamentos populares vinham assumindo um papel social de
extrema importância na cidade ao viabilizar a aquisição da casa própria pela população de baixa mediante a
autoconstrução, evitando, assim, o problema das favelas. (DIÁRIO DA FRANCA, 19.11.1993, p.5)
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185
Figura 32 Denúncia contra a falta de coleta de lixo na Vila Industrial e a revolta dos moradores
em 1975 (COMÉRCIO DA FRANCA, 4.2.1975).
Figura 33 Reportagem sobre o grave problema
da falta de água no Pq. Progresso em 1980
(DIÁRIO DA FRANCA, 16.2.1980 p.8).
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186
Figura 34 Denúncia contra a precariedade do Bairro São Sebastião e comenrio sobre a
mobilização dos moradores em 1978 (DIÁRIO DA FRANCA, 5.8.1978, p.8).
Figura 35 – Jardim Aeroporto I na década de 1980 (MHMF, foto 61, álbum 50).
Figura 36 Luta dos moradores da Vila o Sebastião por rede de
esgoto e pavimentação (DIÁRIO DA FRANCA, 18.11.1978).
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187
Figura 37 Boçoroca da Vila Nicácio em 1975 (COMÉRCIO DA
FRANCA, 6.2.1975).
Figura 38 Mobilização dos moradores da Vila Imperador contra o “Lixão”
da Boçoroca das Maritacas em 1989 (DIÁRIO DA FRANCA, 18.2.1989,
p.1).
Figura 39 Perda de equipamentos públicos em boçoroca do
Jd. Portinari (DIÁRIO DA FRANCA, 31.1.1997).
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188
Figura 40 – Casas a beira da boçoroca da Boa Vista em 1992
(DIÁRIO DA FRANCA, 31.1.1992).
Figura 41 –Boçoroca do Jardim Aeroporto com o loteamento ao fundo (CHIQUITO, 2006).
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189
Figura 42 – Área de expansão urbana proposta pelo GPI e aprovada pela Câmara em 72 (GPI, 1972).
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190
Figura 43 – Mapa Evolução Urbana de Franca. (CHIQUITO, 2006).
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191
Figura 44 Mapas das boçorocas existentes na cidade de Franca em 1969 e 1993
(CHIQUITO, 2006).
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192
CONCLUSÃO
Em Franca, entre a última década do século XIX e o final da cada de 1940,
período marcado pelo predonio da economia cafeeira e pela modernização urbanística da
cidade, a contento da classe dominante local, os administradores municipais direcionaram os
investimentos públicos sobretudo para o embelezamento e a melhoria das condições sanitárias
da região central da cidade. Enquanto isso, bairros já bastante povoados permaneceram
praticamente desprovidos de melhoramentos básicos como água encanada, rede de esgoto,
coleta de lixo, iluminação pública, energia etrica e calçamento. Além disso, o
funcionamento dos equipamentos e serviços urbanos eram bastante precários, pois a
dificuldade financeira da Municipalidade e o interesse em atender os propósitos clientelistas e
patrimonialistas locais levaram à contratação de pessoas pouco habilitadas para a implantação
e operação desses melhoramentos.
O direcionamento dos melhoramentos urbanos para o Centro contribuiu para a
sua transformação na região mais valorizada e, ao mesmo tempo, mais tributada e fiscalizada
da urbe. Em razão disso, essa área se tornou cada vez mais proibitiva às camadas populares.
Nos locais aonde os equipamentos urbanos foram sendo implantados, os custos de instalação
e manutenção acabaram dificultando a sua aquisição pela população mais pobre. Não por
acaso, parte dos moradores chegou até mesmo a recusar a instalação desses melhoramentos
em suas residências. Empurrados para os bairros carentes de equipamentos e serviços
urbanos, os pobres ficaram impossibilitados de usufruir desses melhoramentos em seus
domicílios.
Na área habitacional os incentivos municipais se direcionaram para as pessoas
que tinham condições de investir capital em grupos de casas populares para locação ou em
palacetes de estilo moderno que teriam a função de contribuir para o embelezamento da
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193
cidade. Assim, a solução para o problema da falta de moradias na cidade deveria se dar por
meio da produção de casas de aluguel pela iniciativa privada, não havendo, portanto,
nenhuma iniciativa por parte do Estado na produção de moradias e nenhum incentivo público
para a aquisição ou construção da casa própria.
No que se refere a uma possível mobilização popular para reivindicar
equipamentos e serviços públicos coletivos nos bairros de Franca, constatamos que até
meados da década de 1940 ainda não emergira, no seio da população excluída, uma
consciência capaz de motivar a formulação e a luta por direitos sociais urbanos na cidade.
Contribuiu para isso a restrição aos direitos civis e poticos durante a Primeira República e o
Primeiro Governo Vargas. Além disso, a precariedade e o custo dos equipamentos e serviços
públicos desmotivavam a busca pelos mesmos. Como resultado, os ocupantes do Poder
Público Municipal puderam governar praticamente sem se preocupar com a democratização
do acesso aos melhoramentos urbanos, pois sua permanência ou eventual retorno ao poder
o dependia do apoio popular. Na ausência de uma pressão contundente por parte das
camadas populares, eles direcionaram sua ação para o atendimento dos interesses da classe
dominante local.
A partir de meados da década de 1940, o desenvolvimento da atividade
industrial na cidade e a democratização do país com o fim do Estado Novo provocaram a
emergência do operariado francano como um agente de significativa força social e potica.
Com isso, modificou-se a relação entre o Poder Público Municipal e a classe trabalhadora
urbana, pois as formas de aquisição ou preservação do poder potico se tornaram cada vez
mais dependentes da incorporação das expectativas dessa classe, que na esfera da potica
local se expressariam sobretudo no desejo pela casa própria e pelo acesso a equipamentos e
serviços blicos coletivos. Mesmo porque, o rápido crescimento da populão urbana
durante a segunda metade do século XX, resultado sobretudo do grande afluxo de migrantes
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194
para a cidade em busca de trabalho na indústria local, aumentou em grande medida a demanda
por moradias populares. A mudança na potica habitacional do município expressa bem essa
transformação. Se até final da década de 1940 os incentivos municipais beneficiavam apenas
a população mais abastada, a partir de então, refletindo a mudança que já vinha ocorrendo na
política habitacional federal desde o final da década de 1930, a produção da casa própria
popular passou a povoar o discurso e as ações dos políticos francanos. Assim, o Poder Público
Municipal passou a incentivar a autoconstrução da casa popular mediante a concessão de
planta, acompanhamento técnico, isenção de impostos e taxas municipais e fornecimento de
pedra bruta. Concomitantemente, os políticos locais passaram também a reivindicar junto aos
governos estadual e federal a produção de moradias de promoção pública.
Conforme pudemos constatar, a produção de moradias de promoção pública
em Franca, apesar de ter contribuído para amenizar o problema do déficit habitacional, esteve
muito abaixo das necessidades locais. Além disso, os conjuntos habitacionais de provisão
pública destinados à população de baixa renda foram entregues aos mutuários parcial ou
totalmente desprovidos de equipamentos urbanos. Como vimos, alguns foram ocupados
mesmo antes da implantação do abastecimento de água, energia etrica, galerias de águas
pluviais, guias e sarjetas e outros melhoramentos. Como conseqüência do agravamento da
crise habitacional, surgiram algumas favelas. Para as favelas, o acesso aos equipamentos e
serviços urbanos sequer era cogitado, visto que o objetivo do Poder Público Municipal era a
sua eliminação e não a sua legalização e urbanização.
Ao longo da segunda metade do século XX, diante da insuficiência da
produção habitacional blica e do temor às favelas, a abertura de loteamentos periféricos
destinados às classes populares se apresentou ao Poder Público Municipal de Franca como a
principal alternativa para se atacar o problema do ficit habitacional na cidade. Em Franca,
diferentemente dos grandes centros urbanos, onde as favelas e os loteamentos clandestinos
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195
atingiram grandes proporções, a expansão urbana se processou sobretudo por meio da
proliferação de loteamentos aprovados pela Prefeitura. Assim, não obstante ter-se verificado o
surgimento de algumas favelas e loteamentos clandestinos, sendo estes últimos até mesmo
tolerados pela Municipalidade, o acesso da classe trabalhadora à moradia se deu sobretudo
por meio da aquisição de um terreno em loteamento periférico legal.
A aquisição de um terreno em loteamento legal periférico, entretanto, apesar de
contribuir para a não proliferação de favelas e empreendimentos clandestinos, não
proporcionou às classes populares francanas condições de habitabilidade melhores que
aquelas presenciadas em loteamentos clandestinos ou muito diferentes daquelas verificadas
nas favelas, pois não significou o imediato acesso a equipamentos e serviços públicos
coletivos imprescindíveis a uma boa qualidade de vida na cidade. A esse respeito vale lembrar
também que a qualidade de grande parte das moradias construídas nos loteamentos periféricos
legais também não era boa. A necessidade em se mudar rapidamente para o lote levou a
construção rápida de casas pequenas e bastante precárias. Os programas municipais de auxílio
à autoconstrução, embora tenham beneficiado a população de baixa renda com a isenção de
taxas e impostos, concessão da planta popular e outros benecios, não garantiram qualidade e
segurança às edificações. A esse respeito lembramos que a planta era escolhia sem nenhum
critério objetivo e nenhum tipo de orientação e a edificação se processava geralmente sem
acompanhamento técnico. Além disso, o uso clientelista do programa prejudicou a sua
efetivação enquanto direito pleno do citadino, pois, na prática, alguns vereadores se
colocaram como agentes responsáveis pelo encaminhamento das solicitações. Para isso, os
vereadores contaram com a falta de uma política de conscientização dos citadinos quanto aos
seus direitos. Dessa forma, os poticos locais se mostraram muito mais preocupados com os
benefícios políticos que o programa lhes proporcionava que com os seus resultados sociais.
Somente com a implantação do Programa Teto Seguro em 1995, convênio de cooperação
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196
entre a Prefeitura Municipal e a Associação de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos da
Região de Franca para a concessão de assistência técnica gratuita à construção de habitações
pelas famílias de baixa renda, a qualidade das moradias passou por uma significativa melhora.
A implementação desse programa, entretanto, ainda enfrenta alguns problemas, pois, para
evitar o encarecimento da obra, parte da populão o obedece as orientações técnicas do
programa, outras, temendo a fiscalização, sequer procura o mesmo.
Conforme verificamos, ao contrário do que se tem defendido, a cidade
apresentou problemas urbanos comuns àqueles vivenciados pela maioria das cidades
brasileiras, com destaque para a especulação imobiliária com terra responsável pela
subutilização de áreas dotadas de melhoramentos públicos –; expansão urbana indiscriminada
e desordenada via loteamentos periféricos carentes de equipamentos e serviços públicos
coletivos e loteamento de áreas impróprias para a edificação.
Isso ocorreu porque o Poder Público Municipal promoveu uma potica urbana
de caráter patrimonialista orientada para o atendimento dos interesses capitalistas de
loteadores e especuladores. A proliferação de loteamentos precários foi facilitada,
primeiramente, pela ausência e, posteriormente, pelo descumprimento das leis que obrigavam
os loteadores a se responsabilizar pela implantação de equipamentos urbanos coletivos. Além
disso, o Poder Público Municipal beneficiou os promotores de loteamentos com incentivos
públicos e com o abrandamento das exincias legais para a aprovação de novos
empreendimentos. Nesse processo, a necessidade de prover o acesso à moradia à classe
trabalhadora e o temor à favela foram habilmente utilizados para justificar a proliferação
desordenada e excessiva de loteamentos longínquos e precários que proporcionaram grandes
lucros a loteadores e proprietários de terras rurais no entorno da cidade. No que diz respeito à
especulação imobiliária, apesar de seus problemas serem por demais evidentes e conhecidos
dos políticos locais, nada foi feito para fazer com que a propriedade urbana cumprisse sua
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197
função social e para se evitar o contínuo aumento dos gastos públicos com a expansão
indiscriminada do perímetro urbano. Assim, às custas dos cofres públicos municipais e em
detrimento dos direitos sociais urbanos dos moradores dos bairros periféricos, prevaleceram
os interesses privados dos proprietários de terras e dos empresários do setor imobiliário.
Nesse contexto, a conquista de grande parte dos direitos sociais urbanos nos
loteamentos periféricos da cidade, assim como também em vários conjuntos habitacionais de
promoção pública, passou a depender, em grande medida, da mobilização coletiva dos
moradores. Com base no princípio da igualdade, a partir dos anos 40 os habitantes dos bairros
carentes de melhoramentos foram tomando consciência de que eles também têm direito,
enquanto moradores da cidade e pagadores de impostos, aos equipamentos e serviços públicos
coletivos disponibilizados aos moradores das áreas mais privilegiadas da cidade. De
citadinos que não exigiam melhoramentos por o considerá-los um direito, e que, em alguns
casos, chegavam até mesmo a recusá-los em razão da sua deficiência e por não ter condições
de arcar com os custos de sua instalação e manutenção, emergiram então citadinos que
passaram a reivindicar e lutar por melhoramentos como água encanada, rede de esgoto,
energia elétrica, iluminação pública, pavimentação, coleta de lixo, transporte coletivo,
escolas, centros de lazer, etc.
Se a conquista da casa própria se estabelecia como decorrência do esforço da
família, a obtenção de serviços e equipamentos urbanos dependeria sobretudo da aglutinação
e luta coletiva dos moradores dos bairros. Assim, os moradores excluídos encontraram formas
de reivindicar e obter pelo menos parte dos melhoramentos urbanos que necessitavam,
sobretudo porque a manutenção das eleições municipais ao longo da segunda metade do
século XX, inclusive durante os 21 anos da Ditadura Militar iniciada em 1964, lhes
garantiram algum poder de inflncia sobre as decisões governamentais.
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198
Para cobrar dos órgãos públicos os melhoramentos urbanos concebidos como
direitos sociais, os moradores passaram a organizar abaixo-assinados, memoriais, passeatas,
reuniões com vereadores, prefeitos e secretários municipais. Nesse processo, o abaixo-
assinado assumia uma grande importância como estratégia para pressionar os poticos no
poder, visto que mostrava quantitativamente a força eleitoral dos reivindicantes. A divulgação
na impressa local dos problemas dos bairros e das manifestações populares também foi
incisivamente utilizada para pressionar as autoridades municipais. Na cada de 1990, tendo
em vista a conivência do Poder Público Municipal para com o descumprimento da legislação
municipal pelos promotores de loteamentos, os moradores passaram a pressionar também os
loteadores, inclusive exigindo na Justa que eles cumprissem a obrigação de instalar os
equipamentos urbanos previstos em lei.
Tendo em vista que a cidade de Franca apresentou condições favoráveis ao
desenvolvimento de práticas clientelistas freqüentemente ressaltadas pelos estudiosos que
analisaram a relação entre os movimentos populares urbanos e o Poder Público Municipal em
cidades brasileiras, como o abandono da população em periferias carentes de melhoramentos
básicos, a falta de um planejamento urbano de investimento que contemplassem essas áreas, a
ausência de espaços institucionais impessoais e universalistas de canalização e processamento
de demandas e a presença de vereadores atuando como intermediários entre as demandas dos
moradores e os órgãos públicos responsáveis pelo seu atendimento, certamente a cidade
também se constituiu em palco de manifestação dessas práticas. No entanto, conforme
pudemos constatar, o clientelismo não se impôs em Franca com força e amplitude suficientes
para promover uma cooptação ou uma dominação política que inviabilizasse mobilizações
populares autônomas por direitos sociais urbanos. As mobilizações ocorridas na cidade nos
mostram que os moradores não substituíram a luta coletiva pela intermediação de um potico,
tendo, no máximo, conciliado essas duas práticas. A população não deixou de formular e
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199
reivindicar demandas na forma de direitos que deveriam ser cobrados enquanto dever dos
óros públicos, e não enquanto favor pessoal ao qual se deveria retribuir com votos e apoio
político.
Evidenciando o caráter dinâmico da cidadania, à medida que os melhoramentos
considerados prioritários pelos moradores das áreas periféricas de Franca foram sendo
conquistados e outras necessidades surgiram, novas demandas passaram a ser formuladas
enquanto direitos, motivando novas mobilizações coletivas. Por outro lado, observamos que a
conquista de direitos sociais urbanos na cidade se deu de maneira fragmentada, pois a luta por
melhoramentos se processou mediante mobilizações pontuais e localizadas, não ultrapassando
os limites de uma determinada rua, bairro, ou, no máximo, região da cidade, e se desfazendo
na medida em que eram conquistados os melhoramentos pleiteados. Assim, ela não
desencadeou nenhum movimento popular mais amplo, o que favoreceu a segmentação do
atendimento e a manutenção de uma potica urbana patrimonialista em prol dos interesses
privados de promotores imobiliários e proprietários de terras.
A expansão urbana de Franca obedeceu então às determinações dos interesses
privados que engendravam em última análise a otimização do valor da terra para fins urbanos.
Vê-se, assim, que os problemas atualmente observados na cidade (e que m uma longa
trajetória histórica) são fruto das demandas difusas dos promotores imobiliários e dos grupos
que detinham a propriedade da terra e que tudo fizeram para maximizar economicamente essa
condição. A construção da cidade não se processou enquanto resultado do interesse público.
No conflito público-privado, o segundo se sobrepôs com larga margem de vantagem sobre o
primeiro. Em outras palavras, a cidade (e de um modo geral, as nossas cidades) não traduz a
vigência de um “espaço público”, ela tem o “sentido” dos desmandos privados !
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200
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208
ANEXO
Tabela dos loteamentos aprovados no município de Franca (1925-1996)
Loteamentos Data de Aprovação N° de lotes Área (Ha)
1
Vila Chico Júlio 21/01/1925 s/ i 29,00
2
Vila Aparecida 25/10/1925 s/ i 92,80
3
Vila Nicácio 29/04/1929 s/ i 11,20
4
Vila Santo Antônio 08/08/1929 s/ i 10,20
5
Vila Santos Dumont 15/02/1929 s/ i 31,30
6
Vila Monteiro 06/04/1933 s/ i 4,70
7
Vila Santos Dumont (prol.) 24/04/1938 s/ i 14,30
8
Vila Flores 05/09/1946 s/ i 4,80
9
Vila Coronel Antonio Jacinto 29/12/1947 s/ i 3,00
10
Vila Jardim Consolação 28/09/1949 s/ i 13,02
11
Vila Nossa Sra. das Graças 02/03/1951 s/ i 12,48
12
Jardim Francano 02/05/1951 s/ i 27,85
13
Bairro Higienópolis 02/10/1951 s/ i 21,80
14
Vila Exposição 27/12/1951 s/ i 10,98
15
Vila Duque de Caxias ??/12/1951 s/ i 4,130
16
Vila Industrial ??/03/1952 s/ i 15,01
17
Vila Santos Dumont (prol. 2) 22/03/1952 s/ i 3,80
18
Vila Raycos 17/01/1953 s/ i 18,60
19
Vila Nicácio nº2 22/04/1953 s/ i 16,95
20
Vila Nossa Senhora de Fátima 17/07/1953 s/ i 16,24
21
Vila Clementino 26/08/1953 s/ i 0,58
22
Vila Santa Rita 11/11/1955 s/ i 1,50
23
Vila Jardim Califórnia 25/11/1955 s/ i 13,10
24
Vila Patrício 10/01/1956 s/ i 2,30
25
Vila Imperador 27/01/1956 s/ i 28,22
26
Vila Aparecida (prol.) 23/02/1956 s/ i 2,10
27
Vila Santa Cruz 28/05/1956 s/ i 23,60
28
Vila Bairro Jesus Maria Jo 28/05/1956 s/ i 5,90
29
Jardim Conceição Leite 03/08/1956 s/ i 9,22
30
Vila Jardim Paulista 08/08/1956 s/ i 14,49
31
Jardim Consolação (prol.) 16/11/1956 s/ i 10,06
32
Vila Santa Cruz (prol.) 31/12/1956 s/ i 1,50
33
Vila Samello (Cubatão) 24/01/1957 s/ i 2,36
34
Vila Jardim Samello 13/03/1957 s/ i 8,19
35
Vila Imperador (prol.) 04/06/1957 s/ i 0,64
36
Jardim Boa Esperança 08/06/1957 s/ i 27,36
37
Bairro São Jo 13/06/1957 s/ i 97,76
38
Vila Scarabucci 14/06/1957 s/ i 26,10
39
Jardim Pauista (prol.) 26/07/1957 s/ i 2,24
40
Jardim Ângela Rosa 16/01/1958 s/ i 26,36
41
Vila Santa Luzia 26/04/1958 s/ i 9,10
42
Jardim América 21/05/1958 s/ i 7,72
43
Vila Catocos 21/08/1958 s/ i 6,65
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209
44
Vila Chico Júlio (prol.) 11/03/1959 s/ i 9,63
45
Vila Aparecida (prol.) 20/03/1959 s/ i 8,98
46
Vila Santa Luzia (prol.) 20/03/1959 s/ i 1,25
47
Vila Santa Maria do Carmo 21/12/1959 s/ i 15,46
48
Jardim Alvorada 26/01/1961 s/ i 22,99
49
Jardim Francano (prol.) 13/07/1961 s/ i 5,08
50
Parque São Jorge 17/07/1961 s/ i 22,95
51
Vila Duque de Caxias (prol.) 24/10/1961 s/ i 2,84
52
Jardim Maria Rosa 26/05/1962 s/ i 29,22
53
Jardim Planalto 02/10/1962 s/ i 7,75
54
Vila N. S. das Graças (prol.) 01/07/1964 s/ i 1,19
55
Recreio Campo Belo 16/10/1965 s/ i 159,58
56
Vila Jardim Bethânia 28/11/1966 s/ i 6,70
57
Jardim Brasilândia 30/12/1966 s/ i 52,38
58
Vila Monteiro (prol.) 03/03/1967 s/ i 1,30
59
Jardim Marília 28/04/1967 s/ i 2,42
60
Vila França 27/10/1967 s/ i 5,28
61
Vila Rezende 17/11/1967 s/ i 21,26
62
Vila Cel. Antonio Jacinto (prol.) 23/11/1967 s/ i 1,13
63
Jardim Roselândia 20/12/1967 s/ i 17,00
64
Vila Santa Rita (prol.) 10/04/1968 s/ i 5,25
65
Vila Molina 31/05/1968 s/ i 1,11
66
Bairro Higienópolis (prol.) 05/06/1968 s/ i 1,45
67
Vila Aparecida (prol.) 17/06/1968 s/ i 6,48
68
Vila Santa Therezinha 05/07/1968 s/ i 32,33
69
Jardim Dr. Antonio Petraglia 27/09/1968 s/ i 90,23
70
Jardim Seminário 27/11/1968 s/ i 9,77
71
Jardim S. Francisco de Assis 14/01/1969 s/ i 0,28
72
Jardim do Éden 16/01/1969 s/ i 23,20
73
Jardim São Luiz 30/01/1969 s/ i 9,64
74
Parque Progresso 30/01/1969 s/ i 16,96
75
Vila Santa Rita (prol.2) 26/03/1969 s/ i 3,24
76
Parque Progresso - 2 - (prol.) 18/04/1969 s/ i 13,83
77
Parque Progresso - 3 - (prol.) 14/05/1969 s/ i 13,24
78
Jardim Guanabara 03/07/1969 s/ i 26,28
79
Vila Santa Therezinha (prol.) 08/07/1969 s/ i 11,32
80
Jardim Lima 31/12/1969 s/ i 16,02
81
Vila São Sebastião 31/12/1969 s/ i 29,09
82
Bairro São Vicente de Paulo 31/12/1969 s/ i 10,82
83
Vila Jardim Riviera 28/01/1970 s/ i 14,68
84
Vila Santa Tereza 15/05/1970 s/ i 4,86
85
Jardim Progresso (prol.) 18/05/1970 s/ i 11,50
86
Jardim Lima (prol.) 18/05/1970 s/ i 6,75
87
Bairro Santo Agostinho 19/05/1970 s/ i 34,28
88
Jardim do Éden (prol.) 20/05/1970 s/ i 1,56
89
Vila Teixeira 20/05/1970 s/ i s/ i
90
Vila Júlio Ferraro 05/06/1970 s/ i 1,07
91
Jardim Pedreiras 27/10/1970 s/ i 10,96
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210
92
Vila Pandolfo 29/10/1971 s/ i 5,30
93
Vila Champagnat 24/12/1971 s/ i 9,92
94
Vila Pedigoni 18/10/1972 s/ i 6,24
95
Vila Independência 1973 s/ i 3,67
96
Vila Europa 1974 s/ i 8,37
97
Jd. Francano (prol.) 11/04/1975 s/ i s/ i
98
Jd. Brasilândia (prol.) 15/03/1976 371 14,96
99
Jd. Bueno 27/12/1976 222 8,90
100
Jd. Veneza 29/01/1876 194 14,70
101
Pq. das Acácias 09/09/1976 80 6,97
102
Pq. dos Lima 22/11/1976 318 9,97
103
Pq. Francal 23/11/1976 314 15,75
104
Pq. Progresso da Franca (prol.) 05/02/1976 1133 17,97
105
Res. Nova Franca 30/12/1976 436 18,77
106
V.Allan Kardec 27/09/1976 91 5,85
107
V. Carrenho 30/06/1976 21 2,19
108
V. Marta 11/02/1976 143 8,75
109
V. Regina 12/02/1976 46 3,09
110
Jd. Santana 29/12/1976 s/ i 29,18
111
Jd. Centenário 28/01/1977 271 14,81
112
Jardim do Éden (prol.) 28/01/1977 120 9,69
113
Pq. da Boa Vista 17/10/1977 31 6,68
114
Pq. Universitário 06/07/1977 342 21,38
115
V. Industrial (prol.) 26/01/1977 47 s/ i
116
V. Santa Helena 21/01/1977 330 10,29
117
Bairro São Joaquim 07/03/1978 1353 68,96
118
Bairro São José (prol. leste) 19/10/1978 78 3,08
119
Bairro São José (prol. Espólio V.
Scarabucci)
15/09/1978 s/ i 5,77
120
Jd. Aeroporto 13/06/1978 1491 92,86
121
Jd. Aeroporto (prol.) 29/11/1978 138 8,15
122
Jd. Castelo Soberano 17/11/1978 20 4,75
123
Morada do Verde 07/07/1978 290 38,48
124
Pq. Vila Izabel 07/03/1978 347 14,07
125
Vila Santa Terezinha (prol.) 28/07/1978 607 24,42
126
Pq. das Águas 1978 s/ i 46,68
127
Belvedere dos Cristais 27/09/1979 s/ i s/ i
128
Jd. Dermínio 30/01/1979 1333 63,30
129
Jd. do bano 31/07/1979 318 17,10
130
Pq. Sumaré 27/09/1979 70 5,34
131
Jd. Redentor 1979 s/ i 28,50
132
City Petrópolis 01/04/1980 1707 94,61
133
Jd. Aeroporto II 25/01/1980 1466 61,47
134
Jd. Brasil 26/06/1980 132 8,05
135
Jd. Palmeiras 18/04/1980 351 15,93
136
Jd. Flórida 09/05/1980 401 13,02
137
Jd. Martins 23/10/1980 457 10,60
138
Pq. Continental 06/02/1980 191 8,36
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211
139
Pq. das Candeias 07/02/1980 26 10,63
140
Prol. da Vila Izabel 26/02/1980 185 5,05
141
Pq. Vitória Régia 05/02/1980 35 9,36
142
V. Hípica 12/11/1980 169 25,22
143
V. Pedigoni 19/02/1980 141 7,42
144
V. Tótoli 07/10/1980 275 15,45
145
Jd. Paulistano 28/01/1980 s/ i 149,44
146
Jd. Jacintho Nery 05/10/1981 56 1,11
147
Pq. das Árvores 23/12/1981 71 15,91
148
Pq. do Castelo 17/12/1981 230 8,82
149
Pq. Santa Alia 10/11/1981 361 5,32
150
Jd. Dr. Antonio Petraglia (prol.) 26/08/1981 1865 12,20
151
Recanto Bom Jardim 23/06/1981 43 s/ i
152
Recanto Fortuna 31/07/1981 124 s/ i
153
Res. Baldassari 20/10/1981 118 6,31
154
V. Imperador (prol.) 12/06/1981 28 2,55
155
Jd. Barão 16/11/1982 185 13,73
156
Jd. Maria Rosa 29/10/1982 714 29,84
157
Jd. Noêmia 03/05/1982 1415 77,41
158
V. N. Sra. Do Carmo 16/11/1982 366 s/ i
159
Jd Sta Efinia 09/08/1982 s/ i 23,84
160
Jd. Sta Eugênia 09/08/1982 s/ i 28,13
161
Jd. São Luiz II 03/05/1982 s/ i 26,99
162
Jd. Aeroporto III 31/01/1983 2253 72,83
163
City Consolação 10/11/1983 70 s/ i
164
Jd. Francano (prol.) 25/03/1983 136 s/ i
165
Pq. Santa Hilda 31/10/1983 370 19,73
166
V. Santa Rita (prol.) 28/01/1983 60 4,62
167
V. Europa 10/05/1983 244 9,95
168
V. Rezende 31/01/1983 512 s/ i
169
V. Santa Cruz 31/01/1983 638 s/ i
170
Village do Sol 07/01/1983 77 s/ i
171
Parque Vicente Leporace 14/12/1983 2238 110,68
172
Jd. Paraty 1983 s/ i 18,47
173
Pq. Dr. Carrão 10/06/1983 s/ i 7,07
174
Distrito Industrial I 15/02/1984 819 226,04
175
Jd. Maria Gabriela 28/12/1984 149 5,92
176
Jd. Palma 14/02/1984 1128 47,67
177
Morada do Sol 18/07/1985 43 s/ i
178
Pq. dos Pinhais 29/10/1986 355 6,22
179
Chácaras Ouro Verde 14/08/1987 s/ i s/ i
180
Jd. São Vicente II 03/02/1987 237 s/ i
181
Pq. Florestal 19/03/1987 26 s/ i
182
Jd. Portinari 1987 s/ i 65,75
183
Vilage São Vicente 03/02/1987 s/ i 14,63
184
Pq. das Esmeraldas 09/06/1988 1046 34,04
185
Pq. Piratininga 14/04/1988 41 13,89
186
Pq. Residencial Sta. Maria 23/02/1988 594 15,65
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212
187
Jd. Ângela Rosa (prol.) 18/06/1988 1140 47,00
188
Res. Paraíso 03/10/1988 383 15,72
189
Jd. Aeroporto IV 31/08/1988 375 12,51
190
Jd. São Gabriel 09/06/1988 s/ i 12,74
191
Jardim Aeroporto II (prol.) 30/11/1989 136 6,62
192
Jd. Ipanema 19/10/1989 382 21,87
193
Jd. Miron 19/01/1989 35 8,75
194
Pq. do Horto 06/10/1989 1059 42,46
195
Jd Dr. Antonio Petraglia II (prol.) 24/08/1989 346 s/ i
196
Samello woods 21/08/1989 s/ i 6,08
197
Jd. Samello III 29/01/1989 s/ i 15,35
198
Jd. Pinheiros 24/02/1989 s/ i 6,91
199
Jd. Espraiado 10/10/1990 20 6,32
200
Jd. Integração 25/01/1990 379 21,31
201
Jd. Palestina 19/09/1990 660 25,52
202
Jd. Tropical 25/09/1990 935 38,68
203
Jd Pinheiros II 12/10/1990 s/ i 14,22
204
Res. Jd. Vera Cruz 27/12/1990 s/ i 30,86
205
Jd. Marambaia 04/06/1991 135 3,86
206
Recanto Itambé 18/09/1991 66 6,45
207
Res. Jd. Vera Cruz II 24/10/1991 832 38,01
208
Res. Moreira Jr. 10/12/1991 410 13,28
209
Vale da Lua Azul 15/08/1991 20 3,42
210
Samell Park 09/08/1991 518 17,05
211
Jd. São Francisco 26/07/1991 s/ i 13,80
212
Jd. Luiza 11/06/1992 1865 66,09
213
Jd. Tropical II 17/11/1992 1284 50,16
214
Recanto da Felicidade 17/08/1992 26 0,43
215
Recanto Elimar 16/09/1992 1767 36,15
216
Res. Nosso Lar 26/03/1992 233 16,48
217
Jd. Primavera 1992 s/ i 16,32
218
Jd. Aviação 29/06/1993 580 18,58
219
Jd. Flórida (prol.) 07/01/1993 246 9,55
220
Jd. Milena 28/05/1993 65 2,02
221
Jd. Paineiras 04/08/1993 985 37,04
222
Res. Olavo Pinheiro 10/08/1993 174 7,22
223
Res. São Tomaz 20/10/1993 479 18,87
224
Res. Dora Maria 10/08/1993 39 8,92
225
Jd. Panorama 1993 s/ i 29,20
226
Jd. Zelinda 23/09/1994 375 9,60
227
Jd. Monte Carlo 14/03/1995 111 s/ i
228
Pq. Dom Pedro I 09/05/1995 241 20,05
229
Jd. Eldorado 10/07/1996 112 7,46
230
Jd. Martins (prol.) 16/02/1996 124 9,69
Fontes: Chiquito (2006), Feldman (2002), Follis (2004), Fuentes (2006), Jornal Comércio da
Franca (1919-1997), Jornal Diário da Franca (1976-1997).
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