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JOANA VIEIRA BORGES
PARA ALÉM DO “TORNAR-SE”:
RESSONÂNCIAS DAS LEITURAS FEMINISTAS DE
O SEGUNDO SEXO NO BRASIL
FLORIANÓPOLIS
2007
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1
JOANA VIEIRA BORGES
PARA ALÉM DO “TORNAR-SE”:
RESSONÂNCIAS DAS LEITURAS FEMINISTAS DE
O SEGUNDO SEXO NO BRASIL
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
História junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Orientador: Profª.drª. Joana Maria Pedro.
FLORIANÓPOLIS
2007
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2
Para Elisabeth, Francisco, Júlia e Gabriel.
3
AGRADECIMENTOS
Quero aproveitar algumas linhas deste trabalho para agradecer carinhosamente ao
apoio que recebi, e que foram imprescindíveis para que eu pudesse concluir minha
dissertação de mestrado.
À Joana Maria Pedro, minha orientadora, agradeço por acreditar no meu trabalho e
por ter me orientado e incentivado, durante todos esses anos em que trabalhamos juntas,
com tanta dedicação e disponibilidade. Agradeço também pela amizade e atenção.
Um abraço carinhoso a todas (os) colegas de mestrado e, principalmente, as (os)
amigas (os) de pesquisa no Laboratório de Estudos de Gênero e História que cruzaram seus
caminhos com os meus neste período: Maria Cristina, Soraia, Veridiana, Gabriel, Juliano,
Cláudia, Justina, Marilane, Luciana, Cristiane, Ilanil e Carol.
Às professoras Cláudia de Lima Costa, Maria de Fátima Fontes Piazza e Maria
Teresa Santos Cunha, pelas críticas, sugestões e leituras que propuseram ao trabalho.
Às professoras e professores do curso de Pós-Graduação em História, e à Nazaré
pelo carinho e atenção com que sempre me recebeu na secretaria da pós.
Às professoras Maria Lygia Quartim de Moraes, Cristina Scheibe Wolff, Cristiani
Bereta da Silva, e ao professor Rogério Luiz de Souza, agradeço por terem aceitado o
convite para participar da banca examinadora.
Às amigas Juliana e Simone, que sempre estiveram ao meu lado nos momentos de
angústia e alegria, e com as quais eu aprendi muito. Do mesmo modo Ana Rita, agradeço
pela amizade, pelas conversas sempre carinhosas nos momentos de maior ansiedade, e pela
leitura atenta que fez do meu trabalho.
4
A uma das minhas maiores incentivadoras, minha amiga Maise. Obrigada por
nunca ter me deixado . Cada parte deste trabalho é fruto também da sua motivação, da
sua atenção e sugestões. Com certeza, eu não teria conseguido sem você amiga.
Ao meu companheiro “Azul”, meu muito obrigada. Sou imensamente grata pelo
seu amor, paciência e confiança. Agradeço por estar lado a lado comigo nesta caminhada,
em cada desafio, e fazendo de meus dias sempre momentos felizes. Amo-te!
Gostaria de agradecer de maneira muito especial a minha mãe, meu pai, a minha
irmã Júlia e meu irmão Gabriel, por toda a ajuda, amor e apoio indispensáveis para minha
formação profissional e pessoal. Não existem distâncias entre nós, pois vocês vivem em
mim, todo o tempo e para sempre. Amo-os, e admiro ainda mais a força em cada um de
vocês.
Agradeço ainda à minha família, e nesta incluo com muito carinho Cláudia e
Nildo, e a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para que eu chegasse até
aqui.
A Capes pela bolsa de estudos que viabilizou esta pesquisa.
Sem vocês todas (os), nada disto seria possível!
5
RESUMO
Publicado em 1949 na França, O Segundo Sexo passou a ser uma das obras
pioneiras dos estudos sobre as mulheres e das relações de gênero, sendo referência para os
feminismos principalmente a partir dos anos 60 e 70. Nesta obra, ao analisar
minuciosamente a “condição da mulher” na sociedade, Beauvoir compreendeu que a
“figura feminina” e as posturas que lhes são atribuídas nada mais são do que construções
do social produzidas ao longo da história. Partindo de uma história da leitura de O Segundo
Sexo, informada pelas narrativas e pelas obras de divulgação das feministas brasileiras,
este trabalho busca refletir sobre as possíveis ressonâncias que o texto de Simone de
Beauvoir teria produzido no feminismo nacional.
Palavras-chave: história da leitura – O Segundo Sexo – história do feminismo
6
ABSTRACT
Published in 1949 in France, The Second Sex became one of the pioneer works of
the studies on the women and of the gender relations, being mainly reference for the
feminisms starting from the sixties and seventies. In this work, when analyzing the
“woman's condition” minutely in the society, Beauvoir understood that the “feminine
figure” and the postures that are attributed to them are nothing more than constructions of
the social produced along the history. Leaving of a history of the reading of The Second
Sex, informed by the narratives and for the works of the Brazilian feminists, this work
intends to reflect about the possible resonances that the text of Simone de Beauvoir would
have produced in the national feminism.
Key words: history of the reading - The Second Sex – feminism’s history
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 09
CAPÍTULO 1 - CONSTRUINDO SIMONE DE BEAUVOIR E
O SEGUNDO SEXO: CIRCULAÇÕES...............................................................
17
1.1 “Escrevemos a partir do que nos fizemos ser”..................................................... 19
1.2 O Segundo Sexo: Ressonâncias........................................................................... 24
1.3 O texto enquanto livro no Brasil: repercussão e publicações.............................. 25
1.3.1 Editoras............................................................................................................. 40
1.3.2 Tradução........................................................................................................... 44
CAPÍTULO 2 – LEITURAS E PRIMEIRAS IMPRESSÕES............................. 49
CAPÍTULO 3 – LEITURAS, REFLEXÕES E APROPRIAÇÕES.................... 79
2.1 As apropriações nas obras de divulgação feminista: 1960-1980......................... 81
2.2 O Cinqüentenário de O Segundo Sexo no Brasil: edições comemorativas......... 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 119
FONTES.................................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 130
8
INTRODUÇÃO
Agora, o que me parece importante é a repercussão desse livro fora da
sociedade francesa, em outros países como o Brasil. Você a minha
geração (...), todas passamos por esse livro, então ele foi um marco, sem
dúvida nenhuma, abriu muitas cabeças de quem o leu, ele foi muito
importante. É um marco histórico, continua sendo e esse reconhecimento,
as reverências foram feitas ainda que se fizessem críticas sempre se
faziam reverências porque ela continua sendo uma referência e também
que se atentar para sua precocidade. Naquele momento, o livro foi
fundamental e continuou sendo por muito tempo
1
Segundo a colocação de Heleieth Saffioti, houve uma geração de leitoras de O
Segundo Sexo
2
no Brasil que o considera um marco; uma referência, no que diz respeito à
história do feminismo. Partindo da perspectiva de que toda leitura tem uma história, que
não é sempre a mesma em todos os lugares e para todas as pessoas
3
, faz-se necessário nos
indagarmos quanto a algumas questões que nos parecem pertinentes, como: Quem foi essa
geração de leitoras de O Segundo Sexo? Qual teria sido esse momento de leitura que nos
fala Heleieth Saffioti? Como e por que teriam se dado essas leituras?
Ao escolher O Segundo Sexo, no intuito de refletir sobre o impacto do texto para
as feministas brasileiras no período que compreende as décadas de 1960 a 1990,
pretendemos trazer ao conhecimento geral as ressonâncias que essa leitura teve na
formação intelectual e na história do movimento feminista brasileiro.
Este trabalho fundamenta-se no pressuposto de que nas reflexões feitas pelas
feministas brasileiras sobre o texto de Simone de Beauvoir é possível observar a
1
SAFFIOTI, Heleieth. Conferência – O Segundo Sexo à luz das Teorias Feministas Contemporâneas. In:
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia (Org). Um diálogo com Simone de
Beauvoir e outras falas. Salvador: NEIM/UFBA, 2000. Coleção Bahianas 5. P. 35.
2
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo [doravante OSS]. Vol. 1. Fatos e Mitos. 4ª edição. Tradução de
Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970; e BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo.
Vol. 2 A Experiência Vivida. 3ª edição. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1975.
3
DARNTON, Robert. História da Leitura. In: Burke, Peter (org). A Escrita da História: novas perspectivas.
Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. P. 233.
9
construção do pensamento feminista coerente com a expectativa de determinadas épocas e
contextos. Segundo Joan DeJean, “a nova história literária agora sendo escrita é a história
do livro no sentido mais amplo do termo”
4
, ou seja, elaborar uma história da leitura de O
Segundo Sexo no Brasil é, neste sentido, um dos caminhos possíveis para compreender
uma das maneiras pela qual esta obra foi lida, em que circunstâncias, e quais os impactos
que produziu na constituição do movimento feminista.
Promover uma análise das teses apresentadas no texto de Beauvoir foge aos
objetivos desta proposta, que busca trabalhar as narrativas memorialísticas sobre a leitura
de O Segundo Sexo - através de entrevistas com feministas atuantes no cenário nacional,
em sua maioria nos centros acadêmicos -, e reflexões sobre o livro - partindo de algumas
obras de divulgação feminista
5
publicadas por brasileiras, objetivando refletir sobre quem
foram essas leitoras; que momento viviam na época de suas leituras; como e por quais
motivos tiveram acesso ao texto; e quais os sentidos que empregaram ao que foi lido.
Pensando teoricamente a leitura e suas apropriações para a reflexão
historiográfica, não poderíamos deixar de recorrer principalmente aos estudos de Roger
Chatier, que propõem reflexões a respeito do contato “leitor-texto”. Discutindo sobre o
encontro entre o “mundo do texto” e o “mundo do leitor”, Chartier ressalta que a operação
de construção de sentido efetuada na leitura é um processo historicamente determinado,
variando de acordo com o lugar, o tempo, e os grupos sociais
6
. Segundo o autor, as leituras
diferem de pessoa a pessoa, que dão aos textos significações plurais e móveis
7
. Desta
forma, a leitura é uma criação, sendo que seu sentido é dado pelo (a) leitor (a) de acordo
4
DEJEAN, Joan. Antigos contra Modernos: as guerras culturais e a construção de um fin de siècle. Tradução
de Zaida Maldonado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. P. 72.
5
Entendemos pelo termo “obras de divulgação feminista”, empregado neste trabalho, por aquelas obras que
se apresentam como leituras recorrentes e importantes para os estudos sobre os movimentos feministas, ou
seja, que divulgam as idéias e a história do movimento, mesmo que o objetivo destas não tenha sido este no
momento em que foram produzidas.
6
Ver, a este respeito, CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos Avançados 11(5), 1991.
7
CHARTIER, Roger (Org). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. P. 78.
10
com o contexto em que este (a) está inserido (a).
Um conceito importante para a história da leitura é a “noção de apropriação”,
segundo a qual, ressalta Chartier “é possível avaliar as diferenças na partilha cultural, na
invenção criativa que se encontra no âmago do processo de recepção”
8
. Ou seja, através
desta noção é possível percebermos os contrastes e as semelhanças entre as diferentes
formas de apropriação da leitura de O Segundo Sexo pelas feministas brasileiras.
Investigar como se deu esse processo de significação é escrever uma história da
leitura de O Segundo Sexo para o movimento feminista nacional, retomando com uma
nova problemática o sentido que as feministas deram a estas leituras, entendendo que as
práticas desta para a comunidade de leitoras” em questão estão fortemente regidas pelos
contextos das décadas de 60 a 90
9
, assim como pelas formas discursivas e materiais do
texto lido.
Quanto à questão geracional, mostrou-se pertinente à nossa intenção de reunir as
leitoras feministas brasileiras de O Segundo Sexo através de suas experiências e trajetórias
de vida, caracterizadas por momentos históricos vividos em comum, como, por exemplo, a
ditadura militar para a geração das feministas entrevistadas, que leram o texto de Simone
de Beauvoir em sua maioria entre os anos 60 e 80.
Nesse sentido, tomamos este grupo de leitoras “ao mesmo tempo objeto da
história e como instrumento de análise” através da noção de geração enquanto categoria
analítica
10
. Para Jean-François Sirinelli, “o uso de geração como padrão exige vigilância e
precauções”, uma vez que além de ser um fator “biológico”, e por isso natural, é
8
CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. Tradução de
Jefferson Luiz Camargo. 2ª edição. São Paulo: Martins fontes, 2001. – (O homem e a história). P. 233.
9
Este recorte temporal se justifica na medida em que estaremos analisando as leituras de O Segundo Sexo
realizadas entre os anos de 60 e 80 pelas feministas entrevistadas, e pela problematização das questões
contidas no texto de Simone de Beauvoir entre os anos 70 e 90 pelas autoras feministas em suas obras de
divulgação.
10
Ver, a esse respeito, SIRINELLI, Jean-François. A geração. In: (Org) FERREIRA, Marieta de Moraes;
AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. P.
132.
11
igualmente um fator cultural” moldado pelos acontecimentos e pelo sentimento de
pertencimento a uma “faixa etária com forte identidade diferencial”
11
.
A (o) historiadora (o) é quem deve ainda classificar as gerações com que irá
trabalhar, estabelecendo-lhes limites elásticos e móveis da categoria em relação ao
tempo
12
, que no caso deste trabalho, por exemplo, agrupa a geração de feministas
selecionadas para a análise da seguinte forma: mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos que
entre os anos de 1964-1985 identificaram-se com os feminismos, seja através das
universidades, partidos políticos ou ainda outros setores de militância; que tiveram
participação na divulgação das idéias do movimento; e que possuem alguma leitura de O
Segundo Sexo.
Em relação às recordações a respeito das leituras de O Segundo Sexo contidas nas
narrativas das feministas entrevistadas e das autoras dos livros e artigos nas obras de
divulgação analisadas, problematizamo-las a partir de reflexões sobre a memória como
categoria possível de análise histórica.
Para Marina Maluf, a recordação é fornecida pelo (a) narrador (a) através de um
sentimento de realidade que este (a) tem de estar discorrendo sobre seu passado
13
. Segundo
a autora, “nada é esquecido ou lembrado no trabalho de recriação do passado que não diga
respeito a uma necessidade presente daquele que registra”
14
. Ou seja, o “ato de relembrar”
é reconstituição seletiva de um passado através de um lugar social, e, portanto coletivo,
que aquele (a) que lembra ocupa no presente. Desta forma, as feministas entrevistadas, no
momento de suas falas, estão contaminadas” pelas lembranças, “olhando” para um
passado através de uma indagação atual, e desta forma, construindo-se na narrativa. Alguns
pontos manifestos em suas narrativas podem parecer improváveis e até mesmo incertos, e,
11
Ibid, P. 133.
12
Ibid, P. 134.
13
MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995. P. 30-31
14
Ibid, P. 31.
12
nesse sentido, Marina Maluf indica:
É importante observar que os registros memorialísticos devem ser lidos e
analisados como fachos de luz sobre realidades que se pretende conhecer
mais profundamente, como pistas e como modos de despistar. Cabe ao
historiador tentar ir além do que foi lembrado (...)
15
.
Assim, com base nos princípios teóricos acima referidos, analisaremos as leituras
feitas de O Segundo Sexo no Brasil a partir da década de 60, tendo as narrativas das
feministas brasileiras e seus escritos como principais fontes.
Em entrevistas realizadas pela professora Joana Maria Pedro, para a pesquisa
“Revolução do Gênero: Apropriações e Identificações com o feminismo (1964-1985)”
16
, e
por Janine Petersen, para a elaboração de sua dissertação de mestrado “Formação de
Grupos Feministas em Santa Catarina Década de 1980”
17
, encontramos registros das
primeiras leituras de O Segundo Sexo no Brasil. Estas trazem as narrativas de algumas das
feministas brasileiras que têm por característica comum uma história de atuação em
instituições e organizações feministas entre as diversas regiões do País, e, desta forma, um
reconhecimento no cenário nacional em relação ao movimento
18
. Embora não tenham sido
indagadas especificamente sobre as leituras que realizaram de O Segundo Sexo, ao serem
15
Ibid, P. 45.
16
Entrevistas realizadas entre os anos de 2003 e 2005 para o projeto “Revolução de gênero: Apropriações e
identificações com o feminismo (1964-1985)”, coordenado pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro (Universidade
Federal de Santa Catarina).
17
PETERSEN, Janine. Formação de Grupos Feministas em Santa Catarina – Década de 1980. Florianópolis.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2006.
18
A Profª. Drª. Joana Maria Pedro contou para a realização destas entrevistas com uma rede de relações
acadêmicas no intuito de entrar em contato com as entrevistadas, seja através de e-mails, telefonemas e,
principalmente, quando algum membro da equipe de sua pesquisa, e inclusive a própria professora,
participava de eventos acadêmicos fora de Florianópolis/SC. O roteiro das entrevistas abordaria, entre outras,
as seguintes questões: 1)No período de 1964 a 1985 identificou-se com o feminismo? 2) em que
circunstâncias? 3)como viveu o período da ditadura (o que fazia, e onde)? 4)que coisas aconteceram para que
passasse a identificar-se com o feminismo? 5)Quais leituras e/ou pessoas tiveram influência? 6)Divulgou
estas idéias? Por que meios? As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas por membros da
equipe de pesquisa, sendo algumas delas disponibilizadas pelo site PORTAL FEMINISTA. Disponível em:
<
www.portalfeminista.org.br>. Acesso em: 14 jan. 2007.
13
interrogadas sobre os livros que consideraram importantes em seus momentos de
identificação como feministas, citam o ensaio de Simone de Beauvoir. Importantes
atentarmos ao fato de que o grupo de feministas apresentadas nesta pesquisa representa
uma amostra, e que em sua maioria atuam ou atuaram nos meios acadêmicos.
Essas falas, que trazem importantes informações sobre as circunstâncias em que se
deram as leituras e as primeiras impressões das feministas em relação a O Segundo Sexo,
foram analisadas segundo as preocupações metodológicas não somente da história da
leitura, memória e geração como categorias analíticas, mas também pelas reflexões
propostas pela história oral, no ato em que foram realizadas. Contudo, e segundo Verena
Alberti, “é na realização de entrevistas que se situa efetivamente o fazer a história oral: é
para lá que convergem os investimentos iniciais de implantação do projeto de pesquisa, e é
de lá que partem os esforços de tratamento do acervo”
19
. Ou seja, a análise das narrativas
empregada neste trabalho está consciente do tratamento dado às entrevistas, no momento
em que estas foram realizadas, em relação à história oral
20
, entretanto, o que utilizamos
foram as falas transcritas; como documentos, e deste modo, abordá-las-emos sob a
perspectiva da memória.
Alguns livros e artigos publicados por feministas brasileiras desde o final dos anos 60
permitiram-nos investigar processos de apropriação de O Segundo Sexo, ou seja, como
suas leitoras/autoras utilizaram-no em suas produções textuais. Para tanto, é importante
salientarmos que consideramos aqui apenas algumas das obras nacionais que utilizam O
19 ALBERTI, Verena. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio
Vargas, 1990. P. 45.
20
Entenda-se por esses investimentos a elaboração do roteiro das entrevistas; os mecanismos de controle e de
acompanhamento das mesmas; as transcrições; o cuidado com as cartas de concessão dos depoimentos; e
principalmente, das especificidades que se estabeleceram na relação com as entrevistadas.
14
Segundo Sexo fazendo citações diretas a este, ou seja, quando as discussões com o texto de
Beauvoir estão devidamente referenciadas seja no corpo do texto e/ou na bibliografia
21
.
Com efeito, elaborar uma discussão sobre o texto de Beauvoir não é, para a maioria
destas publicações, a questão central desenvolvida pelas autoras. Esta pesquisa não
permite, evidentemente, analisar pormenorizadamente o conteúdo as obras das feministas
nacionais, ou ainda observar se as reflexões levantadas pela autora francesa em O Segundo
Sexo foram devidamente empregadas nestas publicações, pois partimos de pressupostos da
história da leitura - já anteriormente exposto - de que seria um equívoco tentarmos
qualificá-las entre leitura “certa” e “errada”. Entretanto, estas publicações nos possibilitam
observar algumas questões como: de que forma as autoras feministas manifestaram suas
leituras do ensaio de Simone de Beauvoir, e que tipo de diálogo mantiveram com as
reflexões propostas pela autora francesa em seus textos.
No Brasil se desconhece, até o presente momento, um estudo que trate
especificamente da repercussão de O Segundo Sexo, apenas publicações comemorando a
primeira edição do livro na França, em 1949. Um diálogo com Simone de Beauvoir e
outras falas
22
, organizado pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da
Universidade Federal da Bahia, e Simone de Beauvoir os feminismos do século XX
23
, do
Cadernos Pagu, são exemplos dessas edições que homenagearam Beauvoir e sua obra, e
serão utilizados em nossas análises. Através da coletânea de artigos apresentados nestes
exemplares podemos perceber, em certa medida, como foi a recepção e a repercussão do
texto no Brasil.
21
As obras disponibilizadas para esta análise fazem parte do acervo pessoal da Profª.drª. Joana Maria Pedro e
do acervo da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.
22
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, C.; GOMES, M. (Orgs.). Op. cit.
23
CADERNOS PAGU. Simone de Beauvoir & os feminismos do século XX. Campinas, SP: Publicação do
PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, n.12. 1999.
15
Alguns artigos indicam, ainda que de maneira indireta, o período em que o livro
estava sendo publicado no país, que pessoas estavam fazendo essas leituras, atendendo a
quais preocupações, e em que contexto. A leitura de dois artigos em especial nos auxiliou a
levantar questões importantes para este trabalho: o artigo de Sylvie Chaperon, Auê sobre O
Segundo Sexo, contido no volume do Cadernos Pagu
24
, anteriormente citado, e No se nasce
feminista, se llega a serlo. Lecturas y recuerdos de Simone de Beauvoir em Argentina,
1950 y 1990, de Marcela María Alejandra Nari, publicado na revista MORA
25
. Enquanto o
primeiro trabalho fala da polêmica que o livro causou quando foi publicado na França, o
segundo apresenta seu impacto na Argentina da década de 50 e 90. Esses artigos foram
relevantes por apresentarem as questões norteadoras das autoras em suas pesquisas,
guiando-nos na análise das informações que obtivemos sobre o tema no Brasil.
Em relação à estrutura do trabalho, se composta de três partes. No primeiro
capítulo, Construindo Simone de Beauvoir e O Segundo Sexo: circulações, a discussão
recai sobre uma história do livro no Brasil. Este capítulo está dividido em cinco partes que
destacam respectivamente reflexões sobre Simone de Beauvoir; o texto; o contexto de
entrada de O Segundo Sexo no Brasil; as editoras e o tradutor. Esta divisão possibilitará
observarmos a importância dos personagens na história do livro, assim como percebermos
as circunstâncias de sua publicação em território nacional. Abordaremos a materialidade de
O Segundo Sexo enquanto livro no objetivo de percebermos a questão de sua circulação. É
importante ressaltarmos que não estamos trabalhando com uma edição específica, ou seja,
com uma mesma edição lida por todas as feministas entrevistadas e autoras de obras de
divulgação; com uma materialidade partilhada por todas as leitoras.
24
CHAPERON, Sylvie. Auê sobre O Segundo Sexo. CADERNOS PAGU. Op. cit.
25
NARI, Marcela María Alejandra. No se nasce feminista, se llega a serlo. Lecturas y recuerdos de Simone
de Beauvoir em Argentina, 1950 y 1990. MORA
– Revista del Instituto Interdisciplinario de Estúdios de
Gênero. Facultad de Filosofia y Letras. Universidad de Buenos Aires. Nº 8. Diciembre 2002. (Tradução livre
– Joana Vieira Borges)
16
Em Leituras e Primeiras Impressões, o segundo capítulo, partimos de uma história da
leitura de O Segundo Sexo informada pelas narrativas das feministas brasileiras, no intuito
de refletirmos sobre quem eram essas leitoras; o que viviam no momento de suas leituras; e
quais foram os sentidos que deram ao texto de Simone de Beauvoir. Para tanto, utilizamos
dezoito entrevistas realizadas entre os anos de 2003 e 2005 em Salvador, Florianópolis,
São Paulo, Rio de Janeiro, entre outras cidades, e nas quais as feministas nascidas entre os
anos de 1940 e 1950, relatam suas trajetórias e experiências pessoais de identificação com
o feminismo
26
.
No último capítulo, Leituras, Reflexões e Apropriações, observamos tanto as formas
pelas quais as leituras de O Segundo Sexo foram realizadas no Brasil, como também as
maneiras pelas quais as feministas brasileiras responderam a essas leituras através de suas
publicações. Ou seja, de que forma as feministas nacionais manifestaram suas leituras de O
Segundo Sexo em seus escritos? Que tipo de diálogo mantiveram com as reflexões
propostas por Simone de Beauvoir nos textos que publicaram? Nesse sentido, a análise foi
realizada com base em textos publicados por feministas brasileiras da década de 70 ao final
da década de 90, na qual foram escolhidos seis livros e duas publicações comemorativas do
cinqüentenário de O Segundo Sexo como critério de trazerem referências diretas ao texto
de Simone de Beauvoir
27
.
26
Ver lista de fontes na página 125
27
Ibid.
17
CAPÍTULO 1
CONSTRUINDO SIMONE DE BEAUVOIR E O SEGUNDO SEXO: CIRCULAÇÕES
Nasci às quatro horas da manhã, a 9 de janeiro de 1908, num quarto de
móveis laqueados de branco e que dava para o Bulevar [sic] Raspail. Nas
fotografias de família, tiradas no verão seguinte, vêem-se jovens
senhoras de vestidos compridos e chapéus empenados de plumas de
avestruz, senhores de palhetas e panamás sorrindo para o bebê: são meus
pais, meu avô, meus tios, minhas tias, e sou eu
28
.
Na citação acima, observamos um exemplo da maneira de “reconstruir-se”
adotada por Simone de Beauvoir em suas memórias. Ao relatar o seu nascimento como se
lembrasse exatamente do momento em que a fotografia em questão havia sido tirada - algo
praticamente inviável de ser disponibilizado pela memória humana-, a autora acaba
buscando um fato que possa dar uma conotação mítica ao seu começo enquanto
personalidade. Em seus livros de memórias
29
, a autora realiza uma releitura de sua vida
amparada pela filosofia existencialista para a qual cada indivíduo é unicamente
responsável pela sua existência - no intuito de construir a história de sua personalidade
como um projeto realizado por si mesma e em escala de ascensão, embora seja importante
lembrar que a certeza de seu sucesso nesses escritos deriva da reconhecida repercussão
de O Segundo Sexo, publicado em 1949
30
.
Segundo Philipe Lejeune, a autobiografia é a narrativa realizada por qualquer
pessoa sobre a sua própria existência, enfatizando sua vivência individual. Elaborada em
28
BEAUVOIR, Simone de. Memórias de uma moça bem-comportada [doravante MMBC]. Tradução de
Sérgio Milliet. 3ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. P. 07.
29
Seus livros de memória são Memórias de uma moça bem comportada (1958), A Força da Idade (1960), A
Força das Coisas (1963) Uma morte muito suave (1964), Balanço Final (1972), e A Cerimônia do Adeus
(1982).
30
Simone de Beauvoir começou a escrever suas memórias/autobiografias posteriormente à publicação de O
Segundo Sexo (1949), cerca de dez anos depois.
18
prosa retrospectiva, a autora ou o autor se faz ao mesmo tempo narrador (a) e personagem
de sua própria história
31
. Nesse sentido, podemos dizer que Simone de Beauvoir se
enquadra nas condições da definição de Lejeune, uma vez que a autora ao escrever suas
memórias não trabalha com a hipótese dos desvãos da mesma, assumindo estar
reescrevendo sua história pessoal tal como foi vivida.
Essa forma de Simone relatar sua trajetória como a reconstrução fiel de sua
experiência de vida em transformação – de uma menina prodígio em uma intelectual
singular é característica de seus escritos memorialísticos/autobiográficos, e mais
importante que isso, fornece a suas leitoras e leitores indícios suficientes para uma reflexão
sobre “quem foi Simone de Beauvoir?”. Desta forma, escolhemos partir da maneira como
Simone, com base em suas memórias sobre sua trajetória individual, construiu a si mesma,
no intuito de procurarmos responder a esta pergunta e observamos a autora por seu viés
leitora/escritora. Ou seja, acompanharmos o olhar reflexivo de Simone de Beauvoir
reconhecida pela publicação de O Segundo Sexo em relação à trajetória da menina
Beauvoir que amava os livros e sonhava em ser escritora.
Quanto ao Segundo Sexo, destacamos também depoimentos da própria autora ao
falar do texto, como forma de apresentarmos os pontos mais relevantes na história do livro:
a questão da produção, publicação e repercussão. Sobre o livro no Brasil, apesar da
escassez das fontes em relação a sua circulação, abordaremos a questão contextual da
entrada do livro no País, bem como as editoras e o tradutor, responsáveis pela difusão do
texto.
31
Ver, a esse respeito o artigo MACIEL, Sheila Dias. Termos de Literatura Confessional Em Discussão.
Disponível em: <http://www.ceul.ufms.br/guavira/numero1/maciel_sheila_e.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2007.
19
1.1 “Escrevemos a partir do que nos fizemos ser”
32
Simone Lucie Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir nasceu numa família
burguesa em Paris no início do século XX, e embora tenha estudado dos cinco aos
dezessete anos em um colégio de ensino religioso, o Cours Désir,
abandonou a crença na
religião ainda na juventude, herdando do pai agnóstico, Georges de Beauvoir, o gosto pelas
letras. A descoberta da leitura e o amor pelos livros marcam suas lembranças dos tempos
da infância e adolescência narrados em Memórias de uma moça bem comportada, o
primeiro de seus livros de memórias escrito entre 1956 e 1958. Neste livro de narrativa
bastante romanesca, Simone escreve que sua aspiração em tornar-se uma escritora
começou desde muito cedo, quando criticava o conteúdo das histórias infantis contadas por
sua babá Louise. Por ter consciência crítica das atitudes superiores dos adultos em relação
a ela enquanto criança prometeu-se aos cinco anos não esquecer quando crescesse que
nesta idade “já se é um individuo completo”
33
. Beauvoir apresenta neste livro de
memórias sua trajetória do nascimento aos vinte e um anos, em busca de tornar-se uma
intelectual, sempre ponderando em sua narrativa seu lado de “moça bem comportada”,
estudiosa, obediente e, inicialmente religiosa, a seu lado rebelde, determinada a alcançar
seu projeto de autonomia como mulher, desvinculando-se dos padrões da época.
Françoise Brasseur, sua mãe, era quem escolhia inicialmente suas leituras,
prendendo com alfinetes as páginas tidas como impróprias para sua idade, que a princípio,
Simone não se atrevia a retirar. no começo de sua adolescência, Beauvoir buscava
clandestinamente durante as madrugadas e nos momentos em que se encontrava sozinha
em casa, as obras proibidas na biblioteca de seus pais. Segundo Simone:
32
BEAUVOIR, Simone de. apud FRANCIS, Claude; GONTIER, Fernande. Simone de Beauvoir. Tradução
de Oswaldo Barreto e Silva. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
33
BEAUVOIR, Simone de. MMBC., P. 14.
20
Passava horas maravilhosas, no fundo da poltrona de couro, devorando a
coleção de romances de 90 centavos que haviam deliciado meu pai em
sua mocidade: Bourget, Alphonse Daudet, Marcel Prévost, Maupassant,
os Goncourt. (...). De um modo geral, não estabelecia, por assim dizer,
uma relação entre essas narrativas e a minha experiência; compreendia
que evocavam uma sociedade em grande parte obsoleta. (...) Nenhuma
dessas obras oferecia-me uma imagem do amor que pudesse satisfazer-
me, nem uma idéia de meu destino. Mas dava-me o que lhes pedia:
desterravam-me. Graças a ela, eu me libertava da infância, entrava num
mundo complicado, aventuroso, imprevisto
34
.
Mais tarde, decretaria autonomia no processo de escolha de suas leituras, o que
lhe renderia seus primeiros desentendimentos e discussões com a mãe. No final da década
de 1910, Simone ingressa, por pressão familiar e de seus professores, nos estudos de Letras
e Matemática, uma vez que preferia Filosofia. De qualquer forma, aceita pela oportunidade
de ter mais liberdade em suas leituras e pela aproximação com duas de suas ambições:
escrever e dar aulas. Sua rebeldia passou então a ser alimentada pelas obras que conseguia
em suas voltas pela cidade, ou ainda emprestadas e indicadas por amigas e amigos, e entre
esses Zazá e o primo Jacques, por quem se apaixonou no início da juventude.
Simone escreve em suas memórias que cada vez mais passava a acreditar que para
desenvolver seu espírito crítico e diferenciar-se era necessário “devorar” mais e mais
livros. Sua compulsão pela leitura e pelos estudos acabou fazendo com que seus pais
percebessem que ela começava a se afastar do que era preconizado para as moças da sua
época e condição social: casamento e filhos.
Afundei na leitura como outrora nas orações. A literatura me tomou, na
minha vida, o lugar que ocupara a religião: invadiu-a por inteiro e
transfigurou-a. Os livros de que gostava tornaram-se uma Bíblia da qual
eu hauria conselhos e ajudas. (...) Durante meses, alimentei-me de
literatura: mas era então a única realidade a que me era possível ter
acesso. Meus pais franziam o cenho. (...) Não tinham mais a
possibilidade de censurar minhas leituras, mas amiúde indignavam-se
34
Ibid, P. 100.
21
violentamente. Irritei-me com esses ataques. O conflito que amadurecia
entre nós exasperou-se
35
Sobre seus autores preferidos, Simone se coloca como cúmplice deles em matéria
de externar os sentimentos do momento; da época e lugar em que refletiam. Sentia-se,
assim como eles, desconfortável em sua condição de burguesa; desajustada em sua classe
social.
Barres, Gide, Valéry, Claudel: eu partilhava as devoções dos escritores
da nova geração; e lia febrilmente todos os romances, todos os ensaios
de meus jovens mestres. É normal que me houvesse reconhecido neles:
éramos do mesmo meio. Burgueses como eu, sentiam-se, como eu,
pouco à vontade em suas peles.
Afastou-se da religião, até então influencia direta da mãe, e passou a invejar a
vida dos rapazes, que tinham uma vida mais livre e intelectualmente mais rica do que as
garotas da mesma idade. Foi então que decidiu dedicar sua vida ao trabalho intelectual e
resolveu, de acordo com suas próprias palavras, “emergir”
36
. Passou a se interessar por
filosofia, a ler Bérgson, Platão, Schopenhauer, Leibniz, Hamelin, e Nietzsche, e a refletir
sobre temas como a vida, a matéria, o tempo e as artes. “Não tinha doutrina certa; sabia
pelo menos que rejeitava Aristóteles, Santo Tomás, Maritains e igualmente todos os
empirismos e o materialismo. Em suma, filiava-me ao idealismo crítico (...)”
37
.
Logo após bacharelar-se em Letras-Latim e Matemática Elementar, ingressa em
1926 na Sorbonne, passando a se dedicar obstinadamente ao estudo de Filosofia. Na
Sorbonne aproximou-se da juventude de esquerda, e embora lhes apreciasse as razões e o
inconformismo, não concordava que as pessoas fossem alistadas em grupos fechados, mas
35
Ibid, P. 169.
36
Ibid, P. 128.
37
Ibid, P. 211.
22
sim que tivessem livre-arbítrio para refletir sobre seus problemas e possíveis soluções
38
. É
nesta época que Beauvoir descobre os bares e o gosto pela liberdade, que, segundo ela
mesma conta em suas memórias, pareciam-lhe aproximar do mundo dos homens que ela
tanto admirava. Nesta mesma época, fez novas e importantes amizades, como Maurice
Merleau-Ponty, René Maheu, Paul Nizam e Jean-Paul Sartre. Em 1929, preparam-se juntos
para a agrégation em Filosofia - exame nacional para a licenciatura - e em 17 de julho do
mesmo ano os resultados foram afixados: Sartre tirou o primeiro lugar e Simone, por uma
diferença de dois pontos, ficou com o segundo
39
.
Muito vem sendo discutido ao longo dos anos a respeito do par “Sartre-Beauvoir”,
e recentemente foi lançada uma “dupla biografia” bastante completa, onde a escritora
inglesa Hazel Rowley narra com o auxílio de relatos, diários e correspondências, a vida dos
personagens enquanto um dos casais mais instigantes da história: se amaram, porém não
foram oficialmente casados, não tiveram filhos, não moraram juntos e tinham casos abertos
e até mesmo paixões por outras pessoas. Simone de Beauvoir e Sartre estabeleceram desde
o início de sua relação uma condição de “casamento aberto” que suscitou, e ainda suscita
intenso debate e críticas. Polêmicas sobre esse relacionamento à parte, e que demandariam
um outro trabalho, o certo é que sua celebridade vem acima de tudo desta relação com o
grande intelectual existencialista, sendo muitas vezes reduzida a sua “fiel discípula”
40
.
Entre as perguntas sempre postas em questão, e que aqui nos interessam, estão:
Simone era dependente intelectualmente de Sartre? Foi ele quem transformou Simone de
Beauvoir na célebre escritora reconhecida mundialmente? Independente das múltiplas
respostas que possam existir, o certo é que Simone, desde muito antes de conhecer Sartre, e
38
Simone de Beauvoir realiza esta afirmação, quanto a sua percepção sobre a formação dos grupos políticos
em Memórias de uma moça bem comportada (1958), na intenção de mostrar que antes mesmo de conhecer e
estudar o existencialismo a questão do livre-arbítrio já era recorrente em suas reflexões em 1926.
39
ROWLEY, Hazel. Tête-à-Tête. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. P.
35-36.
40
CHAPERON, Sylvie. Auê sobre O Segundo Sexo. CADERNOS PAGU. Op. cit. n.12, p. 38, 1999.
23
até mesmo depois de encontrá-lo, já estava bastante disposta a seguir o rumo que tomara
41
.
Sartre, com certeza a encorajou, estimulou-a a escrever, e teve influência crucial em seus
escritos, uma vez que liam um os textos do outro e discutiam sobre os pontos mais
relevantes nestes. Nos primeiros meses junto a Sartre, Simone sentia-se empolgada com o
sentimento que através do companheiro havia se aguçado nela mesma: tornar-se uma
intelectual. Em 1929, escreveu em seu diário: “Jamais gostei tanto de ler e pensar. Jamais
estive tão feliz, ou previ um futuro tão rico. Ah, Jean-Paul, querido, Jean-Paul, obrigada”
42
.
Em Memórias de uma moça bem comportada, que Simone escreve em 1956,
portanto depois de estar anos ao lado de Sartre, a autora narra que em sua época de
adolescente o que esperava de um homem era o companheirismo; que ambos fossem
companheiros um do outro de forma igualitária. Desta forma, Simone atenta ao presente
que vivia com Sartre na época em que escrevia suas memórias, e deste modo fez com que a
jovem Beauvoir em seus escritos tivesse desejado exatamente o companheiro que veio a ter
mais tarde. Ou seja, partia de uma percepção do presente para a reconstrução de suas
lembranças do passado.
Sartre correspondia exatamente aos meus sonhos de quinze anos: era o
duplo, em quem eu encontrava, elevadas ao extremo, todas as minhas
manias. Com ele, poderia sempre tudo partilhar
43
.
Em suas narrativas memorialísticas o tempo transcorre assim, do início ao fim
com rigor e em trajetória de ascensão. Simone vai descrevendo sua existência e resgatando
sua história pessoal como se esta estivesse sempre rumando a um fim esperado, por
41
Essa constatação pode ser verificada nos diários de sua amiga Zazá e até mesmo da própria Beauvoir, anos
antes de conhecer Sartre, que a revelam disposta a escrever e a expor seus pensamentos em livros. Ver, a esse
respeito, ROWLEY, Hazel. Op. cit
. 1964. P. 32-33.
42
Diário de Simone de Beauvoir, setembro de 1929 apud ROWLEY, Hazel. Op. cit., P. 42.
43
BEAUVOIR, Simone de. MMBC, P. 313.
24
exemplo, como se desde sua juventude desejasse o relacionamento que um dia viria a ter
com Sartre, ou ainda, como se desde criança fosse alimentada pelo desejo de tornar-se um
dia escritora e tivesse a certeza desse êxito.
Se outrora desejava fazer-me professora é porque sonhava com ser
minha própria causa e meu próprio fim; pensava agora que a literatura
me permitiria realizar essa ambição. Ela assegurava-me uma
imortalidade que compensaria a eternidade perdida; não havia mais Deus
para me amar, mas eu abrasaria milhões de corações. Escrevendo uma
obra tirada de minha história, eu me criaria a mim mesma de novo e
justificaria minha existência. Ao mesmo tempo serviria a humanidade;
que melhor presente lhe podia dar do que os livros? Interessava-me por
mim e pelos outros; aceitava minha ‘encarnação’, mas não queria
renunciar ao universal: o projeto conciliava tudo
44
.
Tomando essa citação em análise, no intuito de refletirmos sobre a forma com que
Simone de Beauvoir vai narrando sua história pessoal, observamos sua certeza quanto à
“imortalidade” através dos escritos, que ao mesmo tempo em que estivessem ligados a sua
trajetória de vida estariam cumprindo o seu projeto tão almejado: ser uma grande escritora.
Importante ressaltarmos que quando a autora relatou esse sentimento em Memórias de uma
moça bem comportada, referindo-se a seus projetos de juventude, já era romancista e
ensaísta conhecida pelo sucesso de publicações como A convidada (1943), O Sangue dos
Outros (1945), Todos os homens são mortais (1946), Os Mandarins (1954), e aquele pelo
qual se tornou mundialmente reconhecida e polemizada, O Segundo Sexo (1949).
1.2 O Segundo Sexo: ressonâncias
Ao ser questionada pela revista argentina El Grillo de Papel –, no final dos anos
50, sobre as razões que a teriam levado a escrever O Segundo Sexo respondeu:
44
Ibid, P. 129.
25
Em 1947 respondia – quis escrever um livro sobre minhas experiências
pessoais. Nos meios intelectuais que freqüentava, jamais encontrei
discriminação com respeito ao meu sexo. Mas ao olhar ao meu redor me
dei conta de que o problema feminino estava longe de ser resolvido
45
.
Percebemos, através do depoimento acima que Simone de Beauvoir não entendia
o preconceito em relação às mulheres como algo que lhe atingisse, nem mesmo
implicitamente em seu cotidiano. Em algumas narrativas das feministas entrevistadas,
como veremos no próximo capítulo, encontramos essa mesma forma de identificar a
discriminação sexual como um problema para outras mulheres (donas de casa, esposas
e/ou mães) que seriam as verdadeiras oprimidas e alienadas. Para Simone de Beauvoir, sua
situação intelectual, seu modo de viver a profissão e a vida, e seus relacionamentos com as
outras pessoas, não fazia dela uma mulher discriminada por conta da opressão masculina,
ao menos não se sentia assim. Em entrevista a John Gerassi em 1976, falando sobre os 25
anos após a publicação de O Segundo Sexo, Simone explica:
Ao pesquisar e escrever O Segundo Sexo foi que percebi que meus
privilégios resultavam de eu ter abdicado, em alguns aspectos cruciais
pelo menos, à minha condição feminina. Se colocarmos o que estou
dizendo em termos de classe econômica, você entenderá facilmente. Eu
tinha me tornado uma colaboracionista de classe. Bem, eu era mais ou
menos o equivalente em termos da luta de sexos. Através de O Segundo
Sexo tomei consciência da necessidade da luta. Compreendi que a grande
maioria das mulheres simplesmente não tinha as escolhas que eu havia
tido; que as mulheres são, de fato, definidas e tratadas como um segundo
sexo por uma sociedade patriarcal, cuja estrutura entraria em colapso se
esses valores fossem genuinamente destruídos
46
.
Voltemos, entretanto, ao “olhar ao redor”, do qual Beauvoir se refere na primeira
citação deste subtítulo, ao comentar o contexto que lhe propiciou a produção de O Segundo
Sexo. Quanto às circunstâncias da escritura do texto de Beauvoir, este pode ser entendido
45
BEAUVOIR, Simone de. apud NARI, Marcela María Alejandra. No se nasce feminista, se llega a serlo.
Lecturas y recuerdos de Simone de Beauvoir em Argentina, 1950 y 1990. Op. cit. P. 69.
46
BEAUVOIR, Simone de. 'Simone de Beauvoir: The Second Sex 25 years later', Society, Jan.-Feb. 1976,
79-8. Entrevista concedida a John Gerassi. Disponível em:
<http://www.simonebeauvoir.kit.net/artigos_p02.htm>. Acesso em: 13 jan. 2007.
26
como a situação específica das mulheres na França de Vichy (1940-1944), e, juntamente a
este, o período pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
As mulheres francesas vivenciaram no dia-a-dia o impacto do período conhecido
como Régime de Vichy
47
, governo francês autoritário e repressivo que possuía uma
política de colaboração com a Alemanha nazista. Este governo seguia a diretriz de que para
cada indivíduo haveria um papel e um lugar na sociedade em função da categoria a que
este (a) pertencesse, e nesse caso havia a afirmação da diferença sexual quanto à atribuição
de papéis diferentes para homens e mulheres. Houve durante o Estado de Vichy a
necessidade de uma reorganização social, sendo para isso lançado o projeto de uma
revolução nacional com o lema “Trabalho, Pátria e Família”. Foi então construído para as
mulheres um universo ancorado em ideais como o da maternidade, que passou a ser
considerado um dever nacional e o único destino possível. O Regime de Vichy fez da
família um fenômeno social de interesse público ao apresentar uma política familiar
altamente reguladora
48
.
Ao mesmo tempo, e cheio de contradições, esses períodos de ocupação alemã
puseram a prova os valores e o cotidiano que em nada pareciam com o ideal familiar
apregoado pelo Estado, como, por exemplo, a questão do racionamento. Muitas mulheres
se valeram de estratégias de sobrevivência a custa de valores que não se identificam em
nada com aqueles de mães felizes que eram preconizados, adquirindo assim uma
consciência política da situação em que viviam. Desta forma, donas-de-casa organizaram
47
Em 1940, o General Henri Phillipe Pétain assinou a rendição da França a Alemanha, dando o início ao
regime que dividiu a França em duas zonas, sendo que uma delas, a parte norte ao ocidente e a costa
atlântica, seriam ocupadas e controladas pela Alemanha Nazista. A parte não ocupada ficou sob o regime
francês, liderada por Pétain, com sede na capital da cidade de Vichy, sudeste de Paris.
48
Ver, a esse respeito, ECK, Hélène. As mulheres francesas no regime de Vichy. In: DUBY, Georges;
PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. Vol 5: O Século XX. Porto/São Paulo: Edições
Afrontamento/EBRADIL, 1995. P. 248.
27
movimentos e protestos impulsionadas por militantes do partido comunista, e muitas das
tarefas da resistência ao regime foram partilhadas com os homens
49
.
Simone de Beauvoir viveu esse período sob uma Paris ocupada, e junto a Sartre,
seus amigos e amigas, ajudou a criar grupos e ões de resistência, passou pelos períodos
de racionamento, mudou-se para um lugar mais simples, e, segundo narra Hazel Rowley,
biógrafa do casal: “(...) pela primeira e única vez na vida, encarregou-se de fazer compras e
cozinhar. Gostou do desafio de sair à cata de comida, fazer compras com o cartão de
racionamento e preparar refeições comíveis com suas minguadas provisões”
50
. Em suas
memórias Beauvoir também relata as dificuldades encontradas neste período:
As restrições agravaram-se; os cortes de eletricidade multiplicaram-se; a
última composição do metrô punha-se em marcha às 22 horas;
diminuíram o número de sessões nos teatros e cinemas. Não se achava
mais nada para comer. Felizmente, Zette indicou-me um meio de me
abastecer: o porteiro da fábrica Saint-Cobain, em Neuilly-sous-
Clermont, vendia carne. Fiz, com Bost, várias viagens compensadoras
51
.
Mas não era só, Simone foi ainda despedida do corpo docente do governo de
Vichy em 1943 com a alegação de não ser casada e manter, por anos, uma relação de
concubinato com Sartre (lembremos aqui dos ideais do regime em relação à família). Mas,
uma outra argumentação por trás dessa. Em 1942, a mãe de Nathalie Soronike uma
aluna com que Simone manteve um relacionamento amoroso apresentou uma denúncia
ao Ministério da Educação de Vichy acusando Beauvoir de ter seduzido sua filha, que na
época era menor de idade. Apesar de a reclamação ter se tornado um longo relatório
policial, nada pode ser comprovado contra as credenciais exemplares de Simone como
49
Ibid, P. 267.
50
ROWLEY, Hazel. Op. cit., P. 160.
51
Na segunda parte do livro de memórias, A Força da Idade, Simone relata o período de guerra, da ocupação
alemã em Paris e, por fim, da libertação. BEAUVOIR, Simone de. A Força da Idade. Tradução de Sérgio
Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. P. 572.
28
professora, e o caso teve de ser encerrado
52
. Mas o reitor da Sorbonne, partidário do
marechal Pétain, decretou que mesmo assim era inadmissível ter Beauvoir no corpo
docente por conta da relação que a professora tinha com Sartre
53
. Seu cargo seria
recuperado em 1945, no pós-guerra, e mesmo assim Simone não voltou a lecionar, por
preferir seguir sua carreira como escritora.
Seus escritos sempre lhe renderam debates acalorados com a crítica literária: as
memórias por trazerem à tona histórias polêmicas da vida de amigos e amigas íntimas a ela
e Sartre, e O Segundo Sexo acabou iniciando uma série de discussões sobre as relações
entre os sexos que persiste até hoje.
A idéia de escrever O Segundo Sexo teria surgido ainda durante a Segunda
Guerra, em 1939, num dos momentos de tête-à-tête com Sartre, que teria então lhe
proposto pensar como ela achava que sua vida havia sido moldada pelo fato de ser
mulher
54
. No início, havia definido por escrever um relato autobiográfico sobre o assunto,
mas depois acabou decidindo em ocupar-se em investigação sobre a “condição da mulher”
no geral. Anos depois, em 1947, durante uma viagem aos Estados Unidos, Simone
começava a tomar notas para o então “ensaio sobre as mulheres” que começava a escrever.
Segundo Rowley:
A experiência de uma cultura diferente se revelava de valor inestimável.
Ela observava as coisas com um olhar novo, estrangeiro, e via o
relacionamento entre os sexos por uma perspectiva inteiramente nova.
Para seu espanto, chegara à conclusão de que as mulheres eram menos
livres nos Estados Unidos
55
.
52
Segundo Hazel Rowley, a polícia interrogou todos os membros do círculo de amizade mais próximos de
Sartre e Beauvoir. Entretanto, todos (as) estavam bem instruídos (as) para negar tudo, contando mentiras bem
ensaiadas sobre o relacionamento da professora com a aluna. Ver, a esse respeito, ROWLEY, Hazel. Op. cit.,
P. 163.
53
Ver, a esse respeito, ROWLEY, Hazel. Op. cit., P. 164.
54
Ibid, P. 130.
55
Simone de Beauvoir foi para os Estados Unidos por intermédio de Philippe Soupault, jornalista e escritor
francês que havia morado no país durante a guerra, e que lhe consegui umas palestras para ministrar em
universidades sobre o tema então muito em voga: “existencialismo”. Ibid, P. 205.
29
Beauvoir pensava as mulheres norte-americanas como um exemplo da “mulher
independente”, mas espantou-se com o modo com que se vestiam; com os artigos nas
revistas ensinando as mulheres a caçarem” os maridos; pelo fato das não casadas serem
menos respeitadas que as solteiras na Europa; e que as universitárias se preocupavam
com homens
56
. No capítulo, “A mulher liberada”, no segundo volume de O Segundo Sexo,
a autora denuncia a superficialidade na independência das estadunidenses: “É essa uma
atitude muito impressionante, entre outras, nas norte-americanas; agrada-lhes ter um job e
provar a si mesmas que são capazes de executá-lo corretamente: mão não se apaixonam
pelo conteúdo de suas tarefas”
57
.
Em O Segundo Sexo, ao analisar minuciosamente a “condição da mulher” na
sociedade, Beauvoir compreendeu que a “figura feminina” e as posturas que lhes são
atribuídas nada mais são do que construções do social produzidas ao longo da história,
onde as mulheres não são vistas como iguais ou diferentes, mas sim inferiores, e desta
forma, o “segundo sexo” em relação aos homens; nunca consideradas Sujeito e sim o
Outro. Opondo-se a idéia de determinismo biológico e criticando as abordagens
psicológicas, econômicas, históricas, bem como a representação das mulheres na literatura,
a autora impulsionou uma transformação na idéia do “ser mulher”, uma vez que a opressão
feminina também é historicamente construída.
Sua célebre frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”
58
, que se tornaria
posteriormente slogan de movimentos feministas em vários países, exemplifica a
perspectiva existencialista seguida por Beauvoir ao escrever esse ensaio crítico. Tendo em
vista que a essência humana não é determinada, mas mutável no processo social, a
56
BEAUVOIR, Simone de. apud ROWLEY, Hazel. Op. cit. P. 218.
57
BEAUVOIR, Simone de. OSS. V.2, P. 471.
58
Ibid, P. 09.
30
“condição feminina” o se basearia em uma essência natural da mulher”, podendo ser
transformada, construindo-se para isso uma nova ordem com relação aos lugares sociais de
mulheres e homens
59
.
O Segundo Sexo passou a ser uma das obras precursoras dos estudos sobre as
mulheres e, posteriormente, das relações de gênero, tornando-se referência para os
feminismos, principalmente a partir dos anos 60 e 70, período em que se inicia a Segunda
Onda Feminista, marcada pelas reivindicações de direitos ao corpo e ao prazer
60
. Quando
questionada, em fevereiro de 1972 pela feminista alemã Alice Schwarzer, sobre se as
mulheres deveriam lutar por sua libertação também no plano de ação coletiva, Simone
acaba apresentando um novo objetivo para O Segundo Sexo além daquele da análise
discursiva a respeito da situação das mulheres na sociedade. Possivelmente, depois da
repercussão do livro, a autora afirma esperar que seu livro impelisse as mulheres a lutar por
seus direitos e a melhorarem suas vidas:
Devem passar à ação coletiva. Não o fiz pessoalmente até agora porque
não havia movimento organizado com o qual eu estivesse de acordo.
Mas, apesar disso, escrever O Segundo Sexo foi realizar um ato que
ultrapassava a minha própria libertação. Escrevi esse livro por interesse
pelo conjunto da condição feminina e não apenas para compreender o
que era a situação das mulheres, mas também para lutar, para ajudar as
outras mulheres a se compreenderem. Aliás, nestes vinte anos, recebi
enorme quantidade de cartas de mulheres, dizendo que meu livro as
59
O Existencialismo moderno enquanto perspectiva filosófica e movimento surgido na França do pós
Segunda Guerra Mundial, tem como critérios centrais de sua análise quanto à noção do indivíduo na
sociedade a questão da sua liberdade, do auto-conhecimento e da responsabilidade. Desta forma, todo ser
humano passa a ser o único responsável por suas escolhas e atitudes, sendo livre para escolhê-las segundo o
conhecimento que tem de si mesmo. Há ainda o conceito de “má-fé”, que se aplicaria no caso de uma pessoa,
por exemplo, negar sua liberdade e consentir em viver uma situação de opressão. Sartre afirmaria o primado
da “existência” sobre a “essência” ao afirmar que “A existência precede a essência”. Essa corrente de
pensamento foi popularizada em meados do século XX pelas obras de Sartre, principalmente O Ser e o Nada,
e os escritos de Simone de Beauvoir, entre eles o ensaio O Existencialismo e a Sabedoria das Nações. Ver, a
esse respeito, PENHA, João da. O que é Existencialismo. 10ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1990, P. 51-
110.
60
Importante ressaltarmos aqui a variabilidade nas determinações dos períodos e das características que a
Segunda Onda Feminista alcançou em diferentes lugares do mundo. Nem todos os feminismos se
desenvolveram da mesma forma e ao mesmo tempo nos diferentes países. Ver, a esse respeito, ERGAS,
Yasmine. O sujeito mulher. O feminismo dos anos 1960-1980. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Op.
cit.
31
tinha ajudado muito a compreender sua situação, a lutar, a tomar
decisões. Tive sempre o cuidado de responder-lhes. Encontrei algumas
delas. Sempre tentei ajudar as mulheres em dificuldades
61
.
Na citação acima, percebemos ainda uma Beauvoir que procura justificar perante
as feministas sua ausência nas lutas empreendidas pelo movimento desde a publicação de
O Segundo Sexo, em 1949. Para Simone, os grupos que existiam antes do MLM –
Movimento de Libertação das Mulheres, criado em 1970, eram “reformistas e legalistas”,
diferente do então movimento, “mais radical”, e por isso ela diz não ter se interessado, nem
se declarado como feminista antes de 1972
62
.
Mas no verão de 1970, o Movimento de Libertação das Mulheres na França
lançou uma campanha em favor da legalização do aborto, onde trezentas e quarenta e três
mulheres declararam publicamente que haviam abortado, e Simone resolveu participar.
Muitas daquelas que haviam assinado não tinham na verdade feito um aborto, o que era o
seu caso, mas mesmo assim a campanha recebeu seu apoio irrestrito. Beauvoir passou a
emprestar sua casa nas tardes de domingo para que o grupo de ativistas se reunisse, e o
“Manifesto das 343”, como ficou conhecido, foi um sucesso
63
.
O manifesto causou um grande escândalo. Pela primeira vez,
pronunciava-se aquela palavra tabu, aborto, no rádio e na televisão
franceses. Os conservadores referiam-se ‘às 343 vagabundas’. As
mulheres estavam satisfeitas. Haviam iniciado o movimento. Na
verdade, foi um triunfo, quatro anos depois, em 1975, o aborto foi
legalizado na França
64
.
Desta forma começou a atuação de Simone de Beauvoir junto ao movimento
feminista francês, embora somente em 1972 que a autora de O Segundo Sexo tenha
61
SCHWARZER, Alice. Simone de Beauvoir hoje. Tradução de José Sanz. 2ª edição. Rio de Janeiro: Rocco,
1986. P. 41.
62
Ibid, P. 28.
63
ROWLEY, Hazel. Op. cit., P. 370.
64
Ibid.
32
proclamado “sou feminista”, em entrevista que fora vendida ao Le Nouvel Observateur por
dois mil francos na finalidade de completar o aluguel de dez mil de uma sala para as
reuniões do movimento feminista
65
. Depois disso, Simone permitiu que seu nome fosse
utilizado sempre em estratégias políticas de afrontamento, ajudou a lançar idéias,
participava das atividades; em 1974 foi presidenta da Liga dos Direitos da Mulher; e em
1976 tinha uma coluna com um grupo de feministas na revista Les Temps Modernes onde
escreviam sobre o “sexismo cotidiano”
66
.
Depois da publicação de O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir recebeu críticas
cruéis tanto da direita conservadora quanto da esquerda comunista, causando intensas
polêmicas nos meios intelectuais franceses
67
. As maiores revistas literárias e filosóficas
francesas da época dedicaram páginas a este debate, e nestas, em muitas vezes as palavras
se tornaram duras e as discussões acaloradas. As críticas partiam principalmente dos meios
intelectuais e políticos, e a ironia era o recurso utilizado para atacar Simone de Beauvoir, e
não as teses de seu livro. Segundo Sylvie Chaperon - historiadora francesa e especialista
nos trabalhos de Simone de Beauvoir em relação ao debate produzido entre os anos de
1950 e 1960 sobre o ensaio na França:
Historicamente, O Segundo Sexo abriu o debate sobre a sexualidade: o
‘pessoal’ pode se tornar político. O partido comunista e a direita
tradicional não se enganaram, portanto. Ridicularizaram e condenaram,
mas fugiram à discussão. Longe das mulheres e de seus temores, longe
da gravidez indesejada e das sexualidades saqueadas, dissertam sobre a
moral e a literatura. A grandeza da nação, a família, o amor ou a classe
operária são os protagonistas de seus discursos desencarnados
68
. Em
65
A entrevista foi realizada por Alice Schwazer que a publicou juntamente a outras entrevistas com Simone
de Beauvoir realizadas entre os anos de 1972 e 1982. Ver, a esse respeito, SCHWARZER, Alice. Op. cit., P.
15.
66
Ibid, P. 67.
67
CHAPERON, Sylvie. Op. cit., P. 37-53.
68
Os “discursos desencarnados”, a que se refere Sylvie Chaperon, dizem respeito a uma expressão de Lucien
Febvre que Roger Chartier explica como sendo aqueles que postulam o universal, o sujeito universal e
abstrato. Ver, a esse respeito, CHARTIER, Roger. A História Cultural
: Entre Práticas e Representações.
Tradução de Maria Manuela Galhardo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1990. P. 32-42.
33
conjunto, recusam que uma palavra crítica de mulher penetre no espaço
público onde se debatem as verdadeiras questões da cidade
69
.
Nas palavras de Beauvoir, referindo-se ao mesmo momento:
Talvez tivéssemos cometido um engano publicando antes da saída do
livro, o capítulo sobre a sexualidade em Les Temps Modernes. Ele
desencadeou a tempestade. Foi de uma grosseria... Mauriac, por
exemplo, escreveu a um amigo que, na época, trabalhava conosco em
Les Temps Modernes: “Ah, acabo de aprender muito sobre a vagina da
sua patroa...”
70
.
A mobilização contra O Segundo Sexo na França dirigiu-se precisamente aos
temas referentes à sexualidade, à maternidade e às identidades sexuais, lamentando a
invasão da literatura pelo “erotismo”. A direita e a esquerda comunista, através do
sarcasmo e da ironia, fugiam de um debate mais sério. A polêmica, desta forma, confundia
tudo, misturando temas como a contracepção e o aborto às neuroses, cio e perversidade;
a liberdade sexual à licenciosidade e à libertinagem. O Vaticano pôs o livro no índex; o
governo militar grego anunciou, em 1969, a interdição de livros “comunistas e perigosos a
juventude”
71
, e entre esses O Segundo Sexo; entretanto, o mesmo texto, traduzido para o
japonês em 1965, era um best-seller
72
.
As declarações de Simone em entrevistas e escritos sobre o tema da maternidade
em O Segundo Sexo, bem como sobre sua intimidante descrença em uma “natureza
essencialmente feminina”, provocavam protestos junto mesmo das mulheres, que a
achavam frustrada. Beauvoir incitava-as a fugir as falsas amarras do casamento e do ideal
de mãe, e a lutarem por uma ascensão intelectual e no plano de seus direitos através do
trabalho e da educação.
69
CHAPERON, Sylvie. Auê sobre O Segundo Sexo. CADERNOS PAGU. Op. cit P. 53.
70
Ibid, P. 70.
71
FRANCIS, Claude; GONTIER, Fernande. Op. cit. P. 461.
72
ROWLEY, Hazel. Op. cit., P. 342.
34
Realizou da mesma forma críticas sobre o socialismo, que até então não havia
trazido a igualdade de condições entre homens e mulheres na sociedade como ela havia
acreditado que aconteceria quando escreveu O Segundo Sexo. Contudo, em 1972,
convenceu-se que para que a igualdade entre os sexos fosse alcançada era necessária uma
luta a parte:
No final de O Segundo Sexo, eu disse que não era feminista porque
pensava que as soluções dos problemas femininos devia ser encontrada
numa evolução socialista da sociedade. Para mim, ser feminista era
bater-se por reivindicações especificamente femininas, independente da
luta de classes. Hoje, conservo a mesma definição: chamo feminista as
mulheres ou mesmo os homens que lutam por modificar a condição da
mulher, evidentemente em ligação com a luta de classes, porém fora
dela, sem subordinar inteiramente essa mudança à da sociedade. Diria,
assim, que hoje sou feminista dessa maneira. Porque percebi que é
preciso, antes da chegada do socialismo com o qual sonhamos, que se
lute pela condição concreta da mulher. E, por outro lado, também
verifiquei que, mesmo nos países socialistas, essa igualdade não foi
conseguida. É preciso, portanto, que as mulheres tomem seu destino nas
mãos
73
.
Traduzido para mais de 30 idiomas e publicado em diversos países, o texto de
Beauvoir foi considerado por muitos (as) um atentado à família, ao amor, e à classe
operária
74
. Entretanto, em alguns lugares as polêmicas não geraram a dimensão do
exemplo francês, como no caso da Argentina, onde a repercussão produzida pelo livro não
passou de um debate subentendido, e até mesmo ocultado por uma discussão local acerca
da sexualidade
75
.
Para Marcela Narí, a polêmica que O Segundo Sexo gerou na Argentina, quando
publicado em 1954, poderia ser definida como “uma trama um tanto difusa e sinuosa de
73
Ibid, P. 30.
74
MORAES, Maria. Lygia. Q. de. Simone de Beauvoir e o amor americano (Um tributo a Simone de
Beauvoir). CADERNOS PAGU. Campinas, SP: Publicação do PAGU – Núcleo de Estudos de
Gênero/UNICAMP, n.12, P. 93-101, 1999.
75
NARI, Marcela María Alejandra. No se nasce feminista, se llega a serlo. Lecturas y recuerdos de Simone
de Beauvoir en Argentina, 1950 y 1990. MORA – Revista del Instituto Interdisciplinario de Estúdios de
Gênero. Op. cit. P. 59-72.
35
um embate latente e esquivo”
76
. A autora que pesquisou sobre a repercussão do texto de
Simone de Beauvoir na Argentina através de uma série de entrevistas com mulheres que
haviam feito parte de grupos políticos de diferentes teores durante a década de 60 e 70 - e
entre estes os movimentos feministas -, conclui que o impacto de O Segundo Sexo teria se
intensificado com o passar do tempo, a partir de um amadurecimento político e intelectual
dessas leitoras. Ao lerem o ensaio de Beauvoir nas décadas de 50 e 60, elas afirmam que o
livro lhes “despertou” a subordinação feminina como um problema para “as outras”
77
.
em meio à crítica literária argentina, Narí mostra que aparentemente O Segundo Sexo foi
lido, mas não devidamente referenciado nas discussões que abordavam as teses do livro.
Ou seja, houve certa difusão da obra nos círculos intelectuais e políticos argentinos que
estavam discutindo o sexo naqueles anos de 50 e 60. Para a pesquisadora, na Argentina dos
dias de hoje parece que Simone de Beauvoir obscurece Margareth Mead e Virgínia Woolf,
mas nem sempre teria sido assim.
Através da leitura de revistas e publicações dos anos 50 e, inclusive, dos
anos 60, parece ter acontecido exatamente o contrário. ‘Um teto todo
seu’, por exemplo, de Virginia Woolf, publicado em Buenos Aires pela
Sudamericana em 1935, aparece comentado e citado mais assiduamente
que Simone de Beauvoir em relação “ao problema da mulher”, e não
somente no esperado âmbito da intelectualidade liberal de SUR.
Entretanto, anos mais tarde de sua leitura, não se reconhecerá um golpe
emocional tão forte como o silenciosamente produzido por “O Segundo
Sexo”.
1.3 O texto enquanto livro no Brasil: repercussão e publicações
E no Brasil? Como teria sido a circulação de O Segundo Sexo no País? Qual foi o
contexto de sua publicação? Em fins da década de 1950 quando supomos ter havido as
76
Ibid, P. 59.
77
Entende-se aqui por “as outras”, a que se referem as entrevistadas em questão pela pesquisa de Marcela
Narí, como sendo as mulheres que não eram participantes ativas de grupos políticos durante as décadas de 60
e 70, mas mulheres donas-de-casa “alienadas” às questões levantadas por Beauvoir em O Segundo Sexo.
36
primeiras leituras de O Segundo Sexo possivelmente em francês, vivia-se num clima de
euforia: a seleção brasileira de futebol havia ganhado a Copa do Mundo; o Fusca tinha sido
lançado; surgia a bossa nova; a construção de Brasília e o “milagre econômico” de
Juscelino Kubitschek; a juventude transviada; o cinema novo de Glauber Rocha; a
dramaturgia incorporava as questões do povo brasileiro nos teatros da Arena e Oficina; e
Jorge Amado publicava Gabriela, cravo e canela, que se tornou o livro mais vendido em
1958
78
.
O mercado editorial brasileiro encontrava-se no auge de sua expansão, que havia
iniciado no começo do século XX tendo como ponto de partida o eixo Rio de Janeiro - São
Paulo, estendendo-se posteriormente a outras regiões. Com o passar dos anos, durante as
décadas de 60 e 70, foram surgindo ainda mais livrarias interessadas na literatura nacional
e estrangeira, bem como nos clássicos do pensamento ocidental. Desta forma, o comércio
de livros no País foi se dinamizando, e crescendo não somente com o aumento do número
de leitores e leitoras, mas pela diversificação de sua produção, como a venda de
enciclopédias, coleções, reimpressões econômicas e os livros didáticos. Nesse contexto,
diversos escritores nacionais e estrangeiros foram sendo consagrados ao longo do século, e,
consequentemente, o mesmo acontecia com as editoras brasileiras responsáveis por suas
obras
79
.
Durante os períodos em que a censura era introduzida em território nacional por
conta da decretação de estados de sítio, e neste caso, situamos o período de ditadura militar
como uma dessas situações, a atividade editorial brasileira em geral, não parava de
expandir. Houve casos de editores como Ênio Silveira, proprietário da Civilização
Brasileira, que fez com que a sua posição política encontrasse expressão em seu trabalho
78
Ver, a esse respeito, SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Record, 1998.
79
Ver, a esse respeito, EL FAR, Alessandra. O livro e a leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2006, P. 38-46.
37
pondo em risco a própria existência de sua editora após o golpe de 1964, desafiando os
limites de tolerância de Castello Branco a Geisel
80
. Ênio Silveira tinha interesse particular
em estimular autores nacionais, e embora a maior parte de sua produção na área de ficção
fosse de alto nível, ele publicava um número suficiente de best-sellers estrangeiros a fim
de garantir o bom rendimento da editora, e entre os autores franceses publicados destaca-se
Sartre, Jean Genet e Molière
81
.
A partir de 1964 o DOPS Departamento de Ordem Política e Social passou a
confiscar livros nacionais e estrangeiros. Em uma reportagem da revista VEJA de 15 de
junho de 1977, que trata dos livros proibidos em território nacional pela censura, percebe-
se o tratamento dado às obras estrangeiras que estavam entrando no país através do correio
neste momento.
“Vai ser preciso criar uma comissão de sábios nos correios”, comentava
desolado e irônico o historiador e professor mineiro Francisco Iglesias, a
propósito das sombrias figuras que serão obrigadas a ler, por força da
Portaria n.º 427, publicações estrangeiras importadas
82
Mas a “sabedoria” citada na acima não foi necessária, pois segundo a mesma
reportagem havia um método mais fácil utilizado pelos censores: ficar atento aos títulos.
Títulos com as palavras “marxismo”, “socialismo”, “comunismo”, “luta” e “sexo”, por
exemplo, estariam automaticamente vetados.
Algumas editoras brasileiras, no entanto, publicaram obras de referência feminista
no período de regime ditatorial, como por exemplo, A mulher da sociedade de classes de
Heleieth Saffioti
83
, e também tulos de autoras estrangeiras que estavam sendo publicadas
80
HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil (sua história). Tradução de Maria da Penha Villalobos e
Lúcio Lourenço de Oliveira. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, Editora da Universidade de São Paulo, 1985,
P. 445.
81
Ibid, P. 448.
82
VEJA, n.458. São Paulo: Editora Abril, P. 120, 15 de junho de 1977.
83
SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Livraria Quatro Artes
38
na Europa e nos Estados Unidos, como A Mística Feminina
84
, A Dialética do Sexo
85
, A
Mulher Eunuco
86
, e O Segundo Sexo, que ganharia destaque por ocasião visita de Simone
de Beauvoir ao Brasil
87
.
Em 12 de agosto de 1960, Simone de Beauvoir e Sartre desembarcavam em solo
brasileiro, no Aeroporto dos Guararapes – Recife, e recepcionados por Jorge Amado
começaram sua trajetória de palestras em universidades pelo País. Após visitarem China e
Cuba, o casal escolheu o Brasil dentro do circuito de viagens que fizeram neste momento,
indo posteriormente ao Japão, União Soviética e Egito. O período no Brasil correspondeu à
viagem mais longa: de 12 de agosto a 21 de outubro de 1960, passando por Recife, São
Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
O motivo da viagem foi, a bem da verdade, por conta das conferências de Sartre
sobre literatura, marxismo e existencialismo, embora Simone tenha pronunciado três
conferências sobre o “papel da mulher” na sociedade e sobre O Segundo Sexo. A primeira
delas ocorreu em 25 de agosto na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro; a
segunda foi realizada em 03 de setembro na Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP), em São Paulo; e a última delas, junto a Sartre em conversa com estudantes da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara e de outras faculdades do estado,
no auditório de Teatro Municipal de Araraquara. Nesta última, Simone respondeu apenas a
Editora, 1969.
84
FRIEDAN, Betty. A Mística Feminina. Rio de Janeiro: Vozes Limitada, 1971.
85
STONE, Shulamith. A Dialética do Sexo: um manifesto da revolução feminista. Rio de Janeiro: Editorial
Labor, 1976.
86
GREER, Germaine. A Mulher Eunuco. São Paulo: Círculo do Livro, 1975.
87
A DIFEL – Difusão Européia do Livro editou o livro em pelo menos 1965, 1967, 1970 (4ª edição do
primeiro volume) e 1975 (3ª edição do segundo volume). Entretanto, a maior número de edições publicadas
datam da década de 1980 pela editora Nova Fronteira. A pesquisa por edições tratou-se de levantamentos em
catálogos de acervos de algumas Bibliotecas Universitárias do País, Biblioteca Nacional e Biblioteca Pública
do Estado de Santa Catarina.
39
algumas perguntas sobre a luta pela libertação das mulheres, mas não falou sobre seu
livro
88
.
Segundo Luiz Antônio Contatori Romano, que estudou a passagem do casal pelo
Brasil, os brasileiros e brasileiras tiveram duas posturas diante dos visitantes: de um lado
foram “vistos como celebridades mundanas por pessoas que pouco conheciam seus
pensamentos; nesse âmbito Simone não encontra interlocução em um meio feminino de
incipiente feminismo” e, por outro lado, a presença de Sartre, principalmente, rendeu
“profícuo diálogo e tem suas idéias instrumentalizadas para servir a movimentos culturais e
políticos”
89
.
As palestras de Simone no Brasil parecem realmente não terem tido uma
ressonância significativa nem por parte dos periódicos
90
e nem por parte das feministas,
uma vez que em suas narrativas sobre O Segundo Sexo anos mais tarde como veremos
nesta dissertação não narram sobre a presença da autora francesa no País e nem sobre
esses eventos. Com exceção de Danda Prado, que havia lido O Segundo Sexo, em
francês, antes da visita de Sartre e Simone ao País. Danda recebeu Simone em sua casa
nesta época e estranhou a “dedicação de esposa” de Beauvoir em relação a Sartre,
naturalmente porque havia lido o livro e sabia da importância da obra pelo contato que
tinha com a língua francesa. Interessante perceber que Danda Prado parte do princípio de
que cuidado e solidariedade são comportamentos maternos.
Quando eles vieram ao Brasil, e vieram a São Paulo, eu telefonei a ela
quando ela estava no Rio de Janeiro, me identificando porque eu tinha
88
Sobre essas palestras, ver, ROMANO, Luiz Antônio Contatori. A passagem de Sartre e Simone de
Beauvoir pelo Brasil em 1960. Campinas, SP: Mercado das Letras: São Paulo: Fapesp, 2002, P. 96-98
89
Ibid, P. 20.
90
Na extensa pesquisa de Romano nos periódicos há apenas duas reportagens dedicadas exclusivamente as
palestras de Simone, a primeira do dia 26 de agosto de 1960, “Simone de Beauvoir, sem Sartre: no mundo do
homem, mulher ainda é um objeto”, e no dia 04 de setembro do mesmo ano, “Simone quer mulher no plano
do homem”, ambas publicadas no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro).
90
ROMANO, Luiz Antônio Contatori.
Op. cit P. 366.
40
escrito cartas a ela sobre minha admiração, e o livro, etc e tal. Tudo
muito formalmente. E ela respondia com muitas poucas frases, mas
enfim, ela tinha consciência. Além de que, eu sendo filha de Caio Prado
Júnior já também tinha uma apresentação, mas eu não queria recorrer a
terceiros. Então, eu usei uma solução assim: “bom, vou jogar a garrafa
ao mar pra ver se chega”. E ela quando chegou ao Rio de Janeiro
realmente me telefonou (...). Eu me ofereci, em resumo, para tudo que
ela quisesse fazer aqui no Brasil; eles, o casal. E ela me respondeu
dizendo que o que eles tinham vontade era de conhecer São Paulo, a
imigração pra São Paulo - particularmente os italianos -, mas sem muita
gente, sem dar publicidade a isso, sem ser cercada pela mídia. E isso
coincidia com o tipo de atividade que s gostaríamos mais,
evidentemente, do que receber para um café. (...) Durante o itinerário o
Paulo meu marido falava pouco francês. Compreendia, mas falava
menos. Ele sentou na frente com o Sartre, ele conversava, e ela o tempo
todo estava com um ouvido na frente com o Sartre e um ouvido pra mim.
E ela se preocupava muito que o Sartre não compreendesse as coisas que
o Paulo tentava explicar, ou que eu explicava porque estivesse atrás.
Então era assim uma dedicação total. Eu vivia bem casada, quer dizer, eu
não tinha nada contra que um casal se entendesse bem, mas me espantou
um pouco aquela atitude dedicada de esposa
91
.
No Brasil, O Segundo Sexo foi lido inicialmente ainda na cada de 50, por
pessoas que tiveram um contato mais próximo com as leituras estrangeiras, como Danda
Prado. também as leituras realizadas pelas ativistas políticas exiladas, que traziam o
livro da Europa para o Brasil após a anistia, em 1979
92
. Não se descarta, entretanto, que à
medida que as informações sobre a repercussão do livro iam chegando o interesse por essa
leitura fosse sendo suscitado ao longo dos anos 60 e 70 nos meios acadêmicos, intelectuais
e de militância feminista, que estava se formando no Brasil nesta época, como veremos no
próximo capítulo.
1.3.1 Editoras
Ao refletirmos sobre a circulação de O Segundo Sexo enquanto livro no Brasil,
em sua materialidade, as editoras e as edições podem fornecer alguns indícios contextuais
91
PRADO, Yolanda Serquim da Silva. São Paulo/SP: 05 ago. 2005. Entrevista realizada pela Profª. Drª.
Joana Maria Pedro.
92
TOSCANO, Moema apud COSTA, Cristiane. A tradição beauvorista. Veredas, v. 4, n. 39, P. 23, mar.
1999.
41
do impacto do texto no País. Desta forma, é importante aqui apresentarmos as editoras
responsáveis pela publicação do texto, e a situação do mesmo nas editoras. Para tanto,
foram realizados levantamentos bibliográfico dos livros de Simone de Beauvoir em
catálogos on-line de acervos em bibliotecas universitárias
93
, na Biblioteca Nacional e na
Biblioteca do Estado de Santa Catarina.
A data da primeira publicação da obra no Brasil ainda é ignorada, mas embora não
tenhamos conseguido com esta pesquisa precisar sua data, estimamos que a primeira
edição tenha sido publicada no ano de 1960, por conta de duas informações. A primeira
delas é levantada por Mauritônio Meira, que afirma que neste ano a editora DIFEL, na
época Difusão Européia do Livro, aproveitou a visita do casal ao País para editar Reflexões
sobre o racismo, de Jean-Paul Sartre, e a segunda parte de O Segundo Sexo A
experiência vivida, de Simone de Beauvoir
94
. Entretanto, em uma cronologia da vida e
trabalhos de Sérgio Milliet, tradutor de O Segundo Sexo no Brasil, é indicada como a data
da tradução do livro para a editora DIFEL o ano1960, e aqui se entende por ele completo,
ou seja, primeiro e segundo volume. No catálogo da fundação Biblioteca Nacional também
consta a edição dos dois volumes de O Segundo Sexo publicados em 1960
95
. Diante dessas
afirmações, e das narrativas das feministas que apontam em sua maioria terem lido o livro
em português durante as décadas de 60 e 70, e aquelas que leram em francês antes ainda
desta data, chegamos à conclusão que possivelmente o livro tenha sido publicado em seus
dois volumes no ano de 1960.
Em relação às editoras que publicaram O Segundo Sexo no Brasil, no caso a
editora Difusão Européia do Livro, e em seguida a editora Nova Fronteira e o Círculo do
93
Entre as universidades o levantamento foi realizado somente nos acervos das seguintes instituições:
Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo,
Universidade do Rio Grande do Sul, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Pará,
Universidade Federal do Mato Grosso, Universidade Federal do Paraná.
94
MEIRA, Mauritônio apud ROMANO, Luís Antônio Contatori. Op. cit P. 137.
95
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em: <http://www.bn.br>. Acesso em: 31 jan. 2007.
42
Livro, as informações sobre os dados do livro e sua atual situação nessas editoras são
bastante escassas
96
.
A DIFEL Difusão Européia do Livro foi formada no Brasil em 1951, com
capital suíço e português, cuja sigla seria reinterpretada anos mais tarde como Difusão
Editorial S.A. Foi umas das multinacionais editoriais que começaram suas atividades no
País publicando traduções de livros estrangeiros, para posteriormente, uma vez
estabelecidas, passarem a publicação de autores (as) brasileiros (as). Suas primeiras
publicações foram de livros franceses dirigidos principalmente ao público universitário,
sendo neste contexto a primeira a publicar O Segundo Sexo no Brasil, em 1960. A DIFEL,
entretanto, destacou-se mais tarde por seu pioneirismo em relação a edições em português
de ciências sociais e lingüísticas, possuindo em 1985 uma coleção de estudos brasileiros
bastante significativa para a época
97
. Em 1982 a DIFEL associou-se à Civilização
Brasileira, de Ênio Silveira, que passou a distribuir no Rio de Janeiro as edições DIFEL,
enquanto esta ficaria responsável pelas vendas da Civilização em São Paulo
98
. Atualmente,
a DIFEL faz parte do Grupo Editorial Record desde 1999, com um catálogo de 64 obras,
publicando em sua maioria ensaios na área de ciências humanas, biografias e clássicos do
pensamento ocidental. Entretanto, não publica mais O Segundo Sexo desde pelo menos
meados da década de 1970
99
. Em contato com o Grupo Editorial Record, a empresa
afirmou não possuir dados sobre este livro por se tratar de uma obra de catálogo antigo no
acervo.
A Editora Nova Fronteira, fundada em 1965 na cidade do Rio de Janeiro pelo
jornalista e político Carlos Lacerda, que após 64 foi fazendo da atividade editorial um
96
Os diálogos com a Editora Nova Fronteira e com o Grupo Record, da qual a DIFEL faz parte, foram
mantidos através de e-mails e conversas telefônicas algumas vezes durante os dois anos desta pesquisa.
97
Ver, a esse respeito, HALLEWELL, Laurence. Op. cit P. 580-581.
98
Ibid, P. 509.
99
A última edição pela DIFEL, encontrada durante a pesquisa para este trabalho, consta de 1975, sendo uma
3ª edição do segundo volume.
43
interesse alternativo a vida política, montou seu acervo com base na literatura e ficção, mas
destacando-se em obras de referência tanto nacionais como estrangeiras
100
. Esta editora nos
informou que possíveis dados sobre as edições do livro de Beauvoir teriam sido perdidos
quando houve a catalogação computadorizada do sistema de acervo, e que o ano da
primeira publicação da obra completa consta no mesmo como sendo de 1980. Atualmente,
o livro em seus dois volumes encontra-se algum tempo esgotado na editora
101
, sem
ganhar uma nova edição nem mesmo por conta da comemoração ao cinqüentenário da obra
em 1999
102
, embora possam ser encontrados em bibliotecas públicas e universitárias.
Temos por última edição de O Segundo Sexo pela editora Nova Fronteira uma publicação
de 1990, e em meados desta década ainda publicava outros títulos de Beauvoir, como é o
caso de A Força das Coisas, em 1995.
Recentemente, a editora lançou uma coleção “40 anos, 40 livros”, em
comemoração ao seu aniversário em 2005, publicando clássicos da literatura brasileira e
estrangeira, de diversos gêneros, e entre esses Os Mandarins, de Simone de Beauvoir, que
foi Prêmio Goncourt em 1954.
Outra editora que publicou O Segundo Sexo no Brasil foi o Círculo do Livro. Em
março de 1973, a Editora Abril resolveu ampliar suas vendas investindo numa iniciativa
conhecida como “clube do livro”, que já existia no Brasil, mas que até então não havia sido
implementado. O Círculo do Livro Ltda. foi lançado em parceria com empresa alemã
Bertelsmann A.G. A editora brasileira forneceu o capital e a produção dos livros, enquanto
a firma alemã cedia a idéia de vendas, que era utilizada como “sistema da Bertelsmann”
100
Ver, a esse respeito, HALLEWELL, Laurence. Op. cit P. 556-557.
101
A última edição publicada por esta editora de que esta pesquisa teve conhecimento consta como a 8ª
edição, de 1991. Assim também se encontram esgotados outros títulos de Beauvoir como: Memórias de uma
moça bem comportada, A cerimônia do adeus, A Força da Idade, A mulher desiludida, A Velhice, Quando o
espiritual domina, e Uma morte muito suave. A editora justifica a ausência de novas edições de O Segundo
Sexo informando que “em virtude de alguns fatores de natureza mercadológica isso nem sempre é possível”,
sugerindo-nos a buscar o livro em livrarias ou sebos.
102
COSTA, Cristiane. Op. cit P. 23.
44
aprovado na Europa, e que consistia na distribuição pelo correio de uma revista
promocional quinzenal gratuita, da qual pelo menos um livro de um catálogo de mais ou
menos doze títulos deveria ser encomendado para que o leitor ou a leitora se tornasse sócio
(a) do clube
103
.
O Círculo do Livro fornecia livros mais baratos, de boa qualidade de impressão e
acabamento em relação às edições comerciais de outras editoras, e muitas vezes os mesmos
títulos eram lançados simultaneamente, como é o caso de O Segundo Sexo, que foi
publicado pelo Círculo em 1986 ao mesmo tempo em que a editora Nova Fronteira
publicava a e a edição do livro de Beauvoir. O rculo do Livro, da Editora Abril,
publicou ainda outras obras de Simone de Beauvoir, como A mulher desiludida, O Sangue
dos Outros (1965), A convidada (1976 edição) Memórias de uma moça bem
comportada, A mulher desiludida, Quando o espiritual domina, esses durante a década de
80, e Todos os homens são mortais, em 1991
104
.
1.3.2 Tradução
A questão do tradutor do texto também se mostra pertinente em relação à história
do livro, uma vez que este, bem como as editoras, participa da transmissão do
conhecimento por meio da importação de valores sociais e culturais, tendo papel crucial na
vida intelectual literária.
Embora se trate de uma autobiografia escrita com simplicidade e num
estilo direto, o próprio pensamento da autora apresenta dificuldades que
poderiam ser esclarecidas fugindo-se um pouco de sua maneira. Preferi
permanecer o mais fiel possível à sua sintaxe, lembrando-me da frase de
Cocteau em Potomak: ‘Se deparares com uma frase que te irrite, coloca-a
assim, não como um recife para que soçobres, e sim, para que – com uma
bóia por ela verifiques meu percurso’. O modo de dizer, por vezes
103
Ver, a esse respeito, HALLEWELL, Laurence. Op. cit P. 573-574.
104
Os dados obtidos sobre as publicações do Círculo do Livro foram retirados do catálogo da FUNDAÇÃO
BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em: <http://www.bn.br>. Acesso em: 31 jan. 2007.
45
obscuro, de Simone de Beauvoir, comporta, parece-me, uma significação
e tem um alcance exigente de grande humildade por parte do tradutor
105
.
Na citação acima Sérgio Milliet explica a leitora e ao leitor de Memórias de uma
moça bem comportada de que forma conduziu a tradução deste texto, entretanto
poderíamos aqui extrapolar essa justificativa exclusiva para este livro pensando este
posicionamento do tradutor diante ainda de outros textos de Simone de Beauvoir, e
possivelmente de O Segundo Sexo.
A postura de Milliet enquanto tradutor, que ele mesmo denomina de “humilde”
em relação à narrativa da autora, reflete em grande parte o posicionamento do conhecido
crítico de arte que foi. Para o crítico e ensaísta Antonio Candido, um “homem
discretamente notável”, “compenetrado”, de “imaginação engenhosa” e com “horror” pelos
dogmatismos e ortodoxias.
As suas idéias sobre o ato crítico mostram de que maneira prezava a
descoberta da intenção do autor e a identificação afetiva com sua obra
o que naturalmente leva a prezar o conteúdo e, entre as mani
festações
artísticas, aquelas que se apresentam como expressão
106
.
São poucas as informações sobre Sérgio Milliet como tradutor, pois em sua
maioria, os artigos que tratam de sua trajetória abordam-no pela questão da crítica da arte,
na qual o expressionismo parecia-lhe a mais fecunda das correntes da arte moderna, e em
relação aos romances, interessava-se pelas dimensões sociais e culturais das obras,
negando uma critica que fosse meramente ligada às normas. Contudo, Sérgio Milliet foi
não apenas crítico de arte e tradutor como também crítico literário, poeta, pintor, escritor e
105
MILLIET, Sérgio apud BEAUVOIR, Simone de. MMBC., P. 05.
106
CANDIDO, Antonio. Sérgio Milliet, Crítico. In: Lisbeth Rebollo (org). Sérgio Milliet – 100 anos:
trajetória, crítico de arte e ação cultural. São Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado, 2004. P. 31.
46
sociólogo, tendo uma vida cultural vasta e de forte presença na sociedade paulista da
década de 30 a 60
107
.
Nascido em 20 de setembro de 1898, partiu aos quatorze anos para a Suíça onde
cursou Ciências Econômicas e Sociais e viveu até antes de voltar ao Brasil em 1919,
viajando a Paris constantemente durante este período, adaptando-se assim ao ambiente
artístico-cultural e participando de círculos freqüentados por intelectuais europeus de
ambos os países. Participou da Semana da Arte Moderna em 1922, tendo Henri Mugnier
recitado seus versos de L’Oieu-de-Boeuf, e a partir deste momento começou a conviver
com modernistas brasileiros, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, e traduzir
poemas brasileiros para a revista francesa Lumière
108
.
Até 1939, quando então começa a traduzir obras estrangeiras, realizou uma grande
gama de atividades, como, por exemplo, colaborador de várias revistas culturais; gerente
do jornal Diário Nacional (São Paulo) órgão do Partido Democrático (1927) -;
bibliotecário da Faculdade de Direito (1931-1932); secretário da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (1933-1935) e, posteriormente, professor desta mesma instituição
(1937); participou da elaboração do Projeto do Departamento de Cultura da Prefeitura de
São Paulo (1935); ajudou Lévi-Strauss na viabilização de sua expedição etnográfica ao
Brasil (1937); escreveu artigos sobre arte e literatura para o jornal O Estado de S. Paulo; e
foi membro da Academia Paulista de Letras (1939). Durante este período Sérgio Milliet
também publicava seus livros e artigos, e depois de 1939 continuou a desenvolver ainda
muitas atividades no meio cultural paulista e em âmbito nacional
109
, mas o que nos
interessa a partir deste momento é observamos sua produção enquanto tradutor.
107
AMARAL, Carlos Soulié do. Sérgio Milliet, Cem Anos, Sem Limites. In Lisbeth Rebollo (org). Op. cit.,
P. 37.
108
Ver, a esse respeito, GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org). Op. cit.
109
Foi presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte por dez anos, até 1959.
47
Sérgio Milliet sempre teve contato com personalidades do mundo cultural
europeu, principalmente com a França, entretanto seu trabalho como tradutor ocorreu
somente nos últimos anos de sua vida, em sua grande maioria, com textos de autoras e
autores da literatura francesa
110
. Traduziu ainda textos de franceses que narravam suas
experiências no País: Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret, em
1940; Jean de Léry: Narrativa de uma viagem ao Brasil, em 1941; e Claude d’Abbeville:
História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas,
em 1945.
Sua atividade como tradutor de Sartre e Simone de Beauvoir começou em 1949,
quando Milliet traduziu A Idade da Razão, do filósofo francês, indo neste mesmo ano para
a França, onde começou então a estabelecer intercâmbio com a Biblioteca Nacional de
Paris. Até 1957 - quando traduz novamente um texto de Sartre, Os Caminhos da Liberdade
- Sérgio Milliet fará viagens cada vez mais regulares à Europa, e, provavelmente, trazia de
as novidades em termos de lançamentos literários. Em 1958 traduz Sursis, de Sartre, e
somente em 1959 ou seja, dez anos após a publicação de O Segundo Sexo na França
traduziria Memórias de uma moça bem comportada e Todos os homens são mortais, de
Simone de Beauvoir
111
. O Segundo Sexo seria traduzido um ano depois, em 1960, por
conta da viagem de Sartre e Simone ao país, como mencionado anteriormente.
Sérgio Milliet iniciou suas traduções de Simone de Beauvoir para a DIFEL com
Memórias de uma moça bem comportada em 1959, completando-as entre 1964 e 1965,
quando traduziu, respectivamente, Na Força da Idade e Sob o Signo da História. Sua morte
repentina ocorreu em 1966, aos 68 anos, interrompendo o número crescente de traduções
de Simone de Beauvoir que vinha realizando. Daí por diante as traduções dos textos de
110
João Antônio. A Morte e as Vias do Sérgio Milliet. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 de nov. 1966 apud
GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org). Op. cit
., P. 46.
111
A exceção de A Idade da Razão, que foi traduzido para a Editora Ipê, todos os demais textos de Sartre e
Simone de Beauvoir foram trabalhos de Milliet para a editora DIFEL. Ver, a esse respeito, Ibid, P. 176-181.
48
Beauvoir foram realizadas por diferentes tradutores e tradutoras, e os trabalhos publicados,
em sua maioria, pela Editora Nova Fronteira. Foi o caso de traduções como, por exemplo,
de Rita Braga, em A cerimônia do Adeus e Balanço Final; Vítor Ramos, em A convidada;
Hélio de Souza, em Os Mandarins; Maria Helena Franco Martins, em A Força das Coisas e
A Velhice; Claude Gomes de Souza, em Belas Imagens; Danilo Lima de Aguiar, em
Quando o espiritual domina; Heloysa de Lima Dantas, em O Sangue dos Outros; Álvaro
Cabral, em Uma morte muito suave; e Helena Silveira e Maryan A. Bon Barbosa, em A
mulher desiludida.
Para Sérgio Milliet as obras de arte tinham um “grau de comunicação”, entendido
como a parte delas que consegue se desprender das condições culturais e sociais em que
são produzidas e tornando-se um valor que possa ser transmitido a outras culturas e
momentos. Sendo assim, o destino da obra seria dependente da comunicabilidade
estabelecida entre diferentes contextos
112
. Embora estivesse realizando uma crítica da arte
ao refletir sobre o destino das obras, podemos pensar essa constatação em relação à
circulação e apropriações de O Segundo Sexo no Brasil.
Neste capítulo o objetivo principal foi de observamos um pouco da história do
livro, apresentando a autora e as suas próprias percepções a respeito do texto; o contexto de
entrada de O Segundo Sexo no País; e os fatores ligados a sua materialidade enquanto
livro, no caso as editoras e o tradutor, que possibilitam sua realização em território
estrangeiro. Portanto, no sentido de completarmos esta análise sobre a circulação do texto
de Simone de Beauvoir no Brasil, faltaria ainda uma reflexão em relação à leitura e
apropriações do texto, proposta para os capítulos seguintes.
112
CANDIDO, Antonio. Sérgio Milliet, Crítico. In: Lisbeth Rebollo (org). Op. cit., P. 31.
49
CAPÍTULO 2
LEITURAS E PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Cada uma de nós, a sua maneira, se relacionava com Simone e seus
escritos de uma maneira peculiar, mas para todas nós ela tinha sido uma
marca, uma influência, ainda que indireta
113
.
A frase de Mariza Corrêa na apresentação da edição comemorativa do
cinqüentenário de O Segundo Sexo, organizada pelo Cadernos Pagu, além de reforçar a
importância dos escritos de Simone de Beauvoir para as feministas brasileiras - como feito
por Saffioti na introdução deste trabalho - atenta para a problemática central deste capítulo
ao afirmar que cada leitora teve uma relação própria com os escritos da autora francesa.
Qual a maneira pela qual essa geração de leitoras feministas se relacionou com o texto
114
de Beauvoir, e quais foram as ressonâncias dessas leituras? Qual teria sido essa “influência
ainda que indireta” da qual fala Mariza Corrêa. Nesse sentido, e segundo Roger Chartier,
“o essencial é compreender como os mesmos textos podem ser diversamente apreendidos,
manejados e compreendidos”
115
.
Nas narrativas das feministas entrevistadas pela professora Joana Maria Pedro e
por Janine Petersen encontramos comentários a respeito das leituras de O Segundo Sexo.
Contudo, a representatividade destes relatos está longe de querer marcar um “senso
113
CORREA, Mariza. Apresentação. CADERNOS PAGU. Op. cit. 1999. P. 07-10.
114
Em alguns momentos estarei me referindo a O Segundo Sexo pelo termo “texto” e não “livro” ou “obra”,
por estar entendendo, segundo Chartier, que o texto é a forma desmaterializada do objeto no qual este é
apreendido. Ver, a esse respeito, CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução
de Reginaldo de Moraes. São Paulo: Editora UNESP/ Imprensa Oficial do Estado, 1999. P. 47-73
115
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Tradução de Mary Del Priori. Brasília: Editora Universitária de Brasília, 1999. P. 16.
50
comum” sobre as experiências de leituras entre uma geração de leitoras. Para Portelli
116
, as
fontes orais e memorialísticas são significantes na capacidade que m de abrir um
horizonte de possibilidades para a construção de uma subjetividade socialmente
compartilhada. Assim, as entrevistas - mesmo que tenham sido realizadas no intuito de
responder a outros objetivos
117
- não apenas apreendem as possibilidades de uma época em
que o texto de Beauvoir foi lido, como apontam quem foram suas leitoras e de que forma
se deram suas leituras, tornando plausível, a partir dos elementos que fornece, a realização
de uma história da leitura de O Segundo Sexo para uma determinada geração que
compartilha trajetórias pessoais e experiências similares caracterizadas por períodos
históricos vivenciados coletivamente.
Tomando as leituras de O Segundo Sexo, através da observação da geração que o
e do contexto no qual o texto foi lido, o que se pretende não é perceber se o sentido que
Beauvoir desejou dar ao texto foi apreendido, mas tentar ir além, considerar a criatividade
dada às leituras nos múltiplos sentidos que lhe são aplicadas. Segundo Jean Marie
Goulemot, “ler é, portanto, constituir e não reconstituir um sentido”. As produções de
significados operadas na leitura, no entanto, não são ilimitadas - por mais que sejam
variadas -, mas demarcadas pelas condições históricas em que se encontram inseridas. Ou
seja, o sentido da leitura é sempre historicamente datado
118
.
No intuito de refletirmos sobre a geração de leitoras feministas de O Segundo
Sexo e suas circunstâncias de leitura, partiremos da afirmativa de Moema Toscano ao dizer
que “o livro era trazido na bagagem das ativistas políticas que voltavam do exílio na
116
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e nas
fontes orais. Tempo. Rio de Janeiro, v. 1, n.2, 1996. P. 59-72.
117
O fato de se identificar e, de algum modo, divulgar os pressupostos do feminismo, foram as principais
condições levadas em conta pelas duas pesquisadoras quanto à escolha das feministas que seriam
entrevistadas (os).
118
GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentido. In: CHARTIER, Roger (org). Op. cit. P.
108.
51
Europa” no início dos anos 80
119
. Algumas feministas brasileiras passaram, durante o
período da ditadura militar no Brasil, pelo exílio em países como Chile, Estados Unidos,
em alguns países europeus, e, até mesmo, em cidades no interior do país.
Me tornei feminista em Paris. Comecei abrir os olhos em contato com um
tipo de informação que passou a ser veiculada partir da existência do
Movimento de Libertação das Mulheres. (...). Ler publicações feministas.
A convivência e discussão com outras mulheres, francesas e brasileiras,
que se preocupavam com o assunto. Essas novas informações
começam a pôr em cheque os valores que eu tinha e repercutiram no
modelo assimilado (...) (Depoimento de Maria Valderez Coelho da Paz,
abril de 1978)
120
Nestes países que serviram de exílio, as discussões e as manifestações em torno de
lutas, como pelo direito ao uso dos contraceptivos, direito ao aborto, entre outras questões,
puderam acontecer publicamente
121
. Em contrapartida, no Brasil, mulheres e homens que
participavam não só dos movimentos feministas, como de outros movimentos sociais,
foram impedidos (as) pelo regime militar de se manifestarem nas ruas sob risco de serem
identificados como “comunistas”. A ditadura militar associava o feminismo ao comunismo
devido às medidas tomadas pela URSS quanto à descriminalização do aborto, a concessão
ao divórcio e ao incentivo à libertação das mulheres, tomando ambos como uma ameaça à
moral e aos bons costumes
122
. A situação do movimento feminista brasileiro sofreu,
entretanto, uma mudança profunda com o Ano Internacional da Mulher, em 1975, que
possibilitou um espaço de expressão no cenário nacional
123
. Mesmo frente à resistência do
119
TOSCANO, Moema apud COSTA, Cristiane. A tradição beauvorista. Veredas, v. 4, n. 39, P. 23, mar.
1999.
120
Depoimento de Maria Valderez Coelho da Paz, abril de 1978. In: COSTA, Albertina de O. Memórias das
mulheres do exílio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. P. 350.
121
Ver, a este respeito, PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Mulheres: igualdade e
especificidade. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B. (Orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto,
2003. P. 265-309.
122
Ver, a esse respeito, MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o Perigo Vermelho; o anticomunismo
no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2002. P. 64-66.
123
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2003. P. 56-66.
52
regime militar e da esquerda que considerava as reivindicações feministas secundárias
houve uma grande mobilização em benefício das questões das mulheres, como a
organização de eventos e grupos
124
.
Outras feministas brasileiras, embora não exiladas, mantiveram contato com estas
pessoas por correspondência como é o caso das organizadoras do jornal Nós Mulheres e
Brasil Mulher, que, em meados da década de 1970, mantiveram contato com o Círculo de
Mulheres Brasileiras de Paris, formado por feministas de esquerda e mulheres autônomas
que haviam se exilado na França após a instalação da ditadura militar no Brasil
125
. Além
deste, outros grupos feministas foram fundados por exiladas no exterior durante a cada
de 70, como, por exemplo: o Comitê de Mulheres Brasileiras no Exterior, criado por
Zuleika Alambert, no Chile; um grupo de autoconsciência formado por Branca Moreira
Alves, em Berkeley nos Estados Unidos; e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em
Paris, fundado por Danda Prado, na França
126
.
Com a anistia, em 1979, as feministas exiladas retornaram trazendo novas
experiências, leituras e discussões, arregimentando, desta forma, o movimento feminista
em fase de fortalecimento no Brasil. Anette Goldberg, exilada na França durante o período
de ditadura contexto em que afirma ter ocorrido sua “‘conversão’ ao feminismo” fala
sobre o “estranhamento” sentido ao chegar ao Brasil, em 1978, após a experiência no
Círculo de Mulheres Brasileiras de Paris:
124
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993.
P. 76
125
Ver, a este respeito, LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: Origens da Imprensa
Feminista Brasileira. Estudos Feministas, v. 11, n.1, P. 234-241, 2003.
126
GOLDBERG, Anette. Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de liberação em
ideologia liberalizante. Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais – Sociologia) – Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 1987 apud CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista Brasileira pós-1974.
Estudos Feministas
, v. 12, n. Especial, P. 41, 2004.
53
Tudo me parecia fora do lugar. As ‘novas mulheres’ não se consideravam
feministas e as ‘novas feministas’ tinham uma concepção do político e
uma maneira de fazer política vetustas (...). Nada disso tinha similitude
com a ideologia que eu associava aos novos movimentos de liberação
surgidos na América do Norte e em países europeus a partir do final dos
anos 60 (...). E, fato mais estranho ainda para o meu olhar vindo de fora,
encontrava-se em plena expansão, mas numa complexa relação com o
movimento feminista, uma área de pesquisas os estudos sobre mulher’
já com certa legitimidade acadêmica e um grau de institucionalização
surpreendente, visto de um prisma europeu
127
.
As feministas exiladas tiveram acesso não às mobilizações em benefício de
direitos às mulheres em outros países, como também a possibilidade de discutirem
abertamente as instrumentalizações teóricas que recebiam através de leituras como A
Mística Feminina, de Betty Friedan; Política Sexual, de Kate Milliet; A Condição da
Mulher, de Juliet Mitchell; A Dialética do Sexo, de Sulamith Firestone; entre outras.
Quando chegavam ao Brasil, encontravam um movimento feminista formado, porém,
ainda em processo de articulação em relação às bases teóricas recebidas e a prática.
Apesar das dificuldades impostas pela censura realizada pelo regime militar, não
apenas no que concerne à leitura, mas a todos os meios de comunicação, O Segundo Sexo
circulou no Brasil antes e durante esse período de mobilização política - como veremos
através das narrativas das entrevistadas. Assim, além das leituras realizadas fora do país,
ou através do contato com pessoas que estiveram no exílio durante as décadas de 60 e 70,
mulheres e homens também tiveram nas universidades brasileiras, e nos setores de
militância neste mesmo período, lugares de acesso ao texto de Simone de Beauvoir. Suely
Gomes da Costa - professora da Universidade Federal Fluminense - leu O Segundo Sexo,
em português no ano de 1962, durante sua época de faculdade por sugestão de um
professor
128
:
127
GOLDBERG, Anette. Tudo começou antes de 1975: idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um
feminismo “bom para o Brasil”. In: Relações de gênero X Relações de sexo
. Departamento de Sociologia.
Pós-Graduação. Núcleo de Estudos da Mulher e Relações de Gênero, 1989.
128
Albertina de O. Costa não identifica quem seja o professor na entrevista.
54
(...) tinha um professor extremamente inovador na época muito jovem,
psiquiatra, Álvaro Acioly. E um dia o Álvaro vem com um livro da
Simone de Beauvoir e diz ‘leiam esse livro, aqui de ser uma escola
feminina. Vocês precisam conhecer alguma coisa sobre a condição
feminina, O Segundo Sexo
129
.
Para a socióloga Albertina de Oliveira Costa
130
, a leitura de O Segundo Sexo teria
se dado por intermédio de sua professora de História que teria feito as (os) alunas(os)
lerem O Segundo Sexo em 1960, ano em que Sartre e Simone de Beauvoir visitavam o
Brasil, destacando assim a importância desta leitura. Esse evento forneceu visibilidade e
autoridade à produção literária do casal
131
. Ler O Segundo Sexo, neste sentido, era
mostrar-se a par do que estava surgindo no meio intelectual em termos de leitura. Contudo,
podemos notar que apesar da sugestão dos professores, o texto de Simone de Beauvoir não
teria sido nem para Suely nem para Albertina a leitura de maior impacto naquele momento:
(...) qual foi o impacto dessa leitura. Eu acho que não foi nenhum. Foi
uma coisa muito cerebral. Eu era militante, nessa época fazia o curso de
serviço social. Eu era militante de esquerda, representante de Diretório
Acadêmico, fazia política universitária, então eu o tive nada do que o
feminismo pintou em mim com essa leitura (Suely)
132
.
Por outro lado, sei também que em 61, 62, ele era leitura obrigatória na
pedagogia da USP. Agora, a meu ver, nesse período, 64, o texto que
mais circulação e impacto teve no Brasil foi aquele artigo da Juliet
Mitchell que saiu na Civilização Brasileira. Porque era marxismo e tal
(Albertina)
133
.
129
COSTA, Suely Gomes da. Florianópolis: 17 fev. 2005. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria
Pedro.
130
COSTA, Albertina de O. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro.
131
A Difusão Européia do Livro, aproveitando-se da visita do casal ao país, aos quais publicava
regularmente, editou neste ano Reflexões sobre o racismo, de Sartre, e o segundo volume de O Segundo Sexo,
de Simone de Beauvoir. Ver, a esse respeito, ROMANO, Luís Antônio Contatori. A passagem de Sartre e
Simone de Beauvoir pelo Brasil em 1960. Campinas, SP: Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp, 2002. P.
137.
132
COSTA, Suely Gomes da. Florianópolis: 17 fev. 2005. Entrevista realizada pela Profª.drª. Joana Maria
Pedro.
133
COSTA, Albertina de O. Entrevista realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro.
55
Havia naquela época um interesse maior por leituras que se aproximassem do
marxismo e do pensamento de esquerda, e o artigo de Juliet Mitchell134 citado por
Albertina, é um exemplo dessa tendência - que se justifica pelo próprio contexto em que o
País vivia. Como observado anteriormente, os anos 60 e 70 foram fortemente marcados no
Brasil pelo período da ditadura militar, quando, excluídas de sua livre expressão, e
conseqüentemente sem o poder de manifestar-se, a população sofreu as pressões exercidas
pelo regime de perseguições, prisões, torturas, desaparecimentos, e censura iniciado em
1964 e acirrado em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional N.º 5 (AI-5).
Nessas circunstâncias, “os leitores não podem deixar de ser subversivos”, uma vez que os
regimes totalitários exigem uma alienação da população no que concerne a politização da
cultura e da vida intelectual135. Ou seja, era necessário que os (as) leitores (as) burlassem
os mecanismos da censura e efetuassem as leituras identificadas como “proibidas”.
Algumas leituras de O Segundo Sexo ocorreram, desta forma, concomitantemente
a outras leituras fundamentais para as (os) integrantes dos movimentos sociais ou partidos
políticos que se opunham ao regime militar instaurado no Brasil. Havia um diálogo teórico
entre os diferentes movimentos sociais que buscavam mudar a sociedade tanto nos
aspectos políticos e econômicos quanto nas questões sócio-culturais. Segundo Eulália
Azevedo, pesquisadora do NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher:
Eu tinha lido Beauvoir nesse período. (...) quando eu entrei no partido,
junto com a leitura de Marx, que já era anterior um pouco, e vim mesmo
134
Ver, a esse respeito, MITCHELL, Juliet. Mulheres: a revolução mais longa. Revista Civilização
Brasileira. Ano III. Nº. 14. Julho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967. Bimestral. Neste
artigo a autora dedica uma parte de seu trabalho, intitulada O Segundo Sexo, para fazer críticas às questões
levantadas por Beauvoir em seu texto. Apesar de considerá-lo até o momento “a maior contribuição sobre a
matéria, considerada isoladamente”, Mitchel qualifica as teses da autora francesa como “atemporais”, “de
explicação psicológica idealista”, e com uma “abordagem econômica ortodoxa”. Importante atentarmos para
o fato de que através da leitura deste artigo algumas feministas possam ter tomado conhecimento do texto de
Beauvoir. Ou seja, a leitura do livro através de outros suportes, neste caso, o artigo de Juliet Mitchell é um
exemplo.
135
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. P. 35.
56
a reafirmar essa leitura e o estudo de Marx foi quando eu assumi o PC do
B. Eu também já comecei a fazer leituras de Beauvoir junto com essa
menina que era psicóloga de de Belo Horizonte, que as amigas dela já
questionavam também muito essas questões
136
Através da narrativa de Eulália observamos que a leitura de O Segundo Sexo teria
ocorrido juntamente com o estudo da produção textual de Marx, uma das leituras deste
momento de mobilização dos partidos de esquerda. Para Analba Brasão Teixeira
137
, não
eram apenas os partidos de esquerda - com O Capital - que tinham suas leituras básicas,
mas os outros movimentos sociais, e entre estes o movimento feminista também. Segundo
Analba:
Tinha aquelas leituras. A básica que eu li, e que achei muito chato e a
gente tinha que ler, era O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, antes de
estar no movimento feminista (...) em 77, 78, mais ou menos. (...). Eu
acho que era modismo. (...) eu me lembro da Lis - uma amiga minha que
na época fazia Psicologia – ela falava ‘esse é um livro que todas as
mulheres tem que ler’. (...) Ai me emprestou pra eu ler, e eu li e achei
muito chato; achei uma leitura extremamente chata. Voltei a ler agora, e
é uma outra leitura que você faz, mas na época não era. Achei
interessante e tal, mas o foi uma coisa que...assim...eu li porque era
feminista e tinha que ler. Era uma coisa que pra quem fazia movimento
você tinha que ler. O Capital era um, O Segundo Sexo era outro. Tinham
uns que eram chatos, mesmo que você não entendia nada, você tinha que
dizer que já leu.
Apesar do fato de ter realizado a leitura de O Segundo Sexo em meados dos anos
70, por intermédio de uma pessoa não ligada ao movimento feminista - uma amiga que
fazia psicologia lhe teria emprestado - Analba afirma ter lido a obra “porque era uma
feminista e tinha que ler”. Se, por um lado, frente às primeiras impressões da obra, Analba
diz ter achado O Segundo Sexo “chato”, recentemente, reconhece ter voltado à obra
fazendo uma “outra leitura”, demonstrando a apropriação do contexto na significação que
são dadas às leituras. Na medida em que as discussões dos movimentos feministas
136
AZEVEDO, Eulália. Salvador: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro.
137
TEIXEIRA, Analba Brasão. Florianópolis: 18 mar. 2005. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria
Pedro.
57
avançaram e ganharam força, a partir dos anos 60, a leitura de O Segundo Sexo, ou o
simples acesso ao texto, foi se revestindo de um simbolismo, que conferia a suas leitoras e
leitores o acesso a uma posição privilegiada dentro de um determinado rculo intelectual,
o que tornou sua leitura um “modismo”. Ao identificar-se com o movimento feminista,
procedia-se então à leitura de algumas autoras centrais para o envolvimento nos debates e,
entre estas, Simone de Beauvoir.
Os depoimentos devem ser pensados, neste sentido, como mecanismos de busca
de legitimação por parte dos (as) depoentes para atingir o centro da cultura erudita a que
pretendem ascender
138
. Geralmente, as pessoas ao nomearem suas leituras tendem a citar
aquelas que estejam ligadas a uma cultura dada como “superior”.
A associação de livros com seus leitores é diferente de qualquer outra
entre objetos e seus usuários. Ferramentas, móveis, roupas, tudo tem uma
função simbólica, mas os livros infligem a seus leitores um simbolismo
muito mais complexo do que o de um mero utensílio. A simples posse de
livros implica uma posição social e uma certa riqueza intelectual
139
.
No entanto, as formulações marxistas não deram conta inteiramente das questões
relativas às mulheres
140
. No Brasil, o feminismo marxista/socialista teve grande recepção
entre as feministas, ao combater o ideário patriarcal da família e ao lutar pela emancipação
econômica das mulheres
141
. Segundo Maria Lygia Quartin de Moraes:
138
Ver, a esse respeito, PÉCORA, Alcir. O campo das práticas de leitura, segundo Chartier. In: CHARTIER,
Roger (org). Op. cit. P. 13.
139
MANGUEL, Alberto. Op. cit. P. 242.
140
A crítica feita pelas feministas à tese de Marx, é que esta apresenta uma visão da vida humana e da
organização social baseada na questão da “produção”, eliminando de seu enfoque teórico todas as atividades
básicas para a sobrevivência humana que se acham fora da economia capitalista - chamada pelas feministas
de “reprodutivas” - e de organização social, como as relações de parentesco. Ver, a esse respeito,
NICHOLSON, Linda. Feminismo e Marx: Integrando o Parentesco com o Econômico. In: BENHABIB,
Seyla e CORNELL, Drucilla (orgs). Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Rosa dos
tempos, 1987. P. 23-37.
141
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças. Crítica Marxista,
n.11, P. 89-97, 2000.
58
As feministas marxistas brasileiras incluíam em sua bibliografia
obrigatória autores como Marx, Engels, Alexandra Kollontai, Simone de
Beauvoir e Juliet Mitchell. As preferências literárias das feministas
revelam a preocupação com certas questões centrais para as quais o
marxismo fornecia um modelo explicativo. Urgia enfrentar o discurso
conservador que preconizava a conformidade da mulher com seu destino
de mãe e esposa
142
.
Nesse sentido, compreendemos a importância da leitura de textos de Juliet
Mitchell e Alexandra Kollontai, nas narrativas das feministas brasileiras entrevistadas,
como na fala de Albertina, por exemplo. Ainda neste propósito, Eleonora Menicucci de
Oliveira
143
- professora livre docente do Departamento de Medicina Preventiva da
Universidade Federal de São Paulo - afirma ter lido O Segundo Sexo em 1975, quando
entrou para um grupo de mulheres. Sua memória sobre a leitura do livro de Simone de
Beauvoir também é confrontada a outras leituras consideradas como mais relevantes para
aquele período. Para Eleonora:
(...) eu tive contato com A Dialética do Sexo, da Sulamith Firestone. Me
enlouqueceu! (...) Elas me emprestaram o livro, e eu sai louca e fui
comprar. (...)E aí elas disseram ‘não, compra O Segundo Sexo também’, e
eu falei ‘ah, aquela bobagem?’. (...) É, porque perto da Sulamith é
bobagem...naquela época, e eu era muito libertária nesse sentido. (...)
Então eu fui atrás, e...minto, desculpa, um equívoco, na minha formação
marxista eu li a Alexandra Kollontai. (...) e a Juliet Mitchell. (...) eu
comprei O Segundo Sexo. Li O Segundo Sexo. Fiquei muito apaixonada.
Se por um lado Maria Lygia Quartin de Moraes indica Simone de Beauvoir dentre
as leituras obrigatórias paras as feministas marxistas brasileiras
144
, por outro, percebemos
que algumas entrevistadas não atribuíram ao O Segundo Sexo o “statusde uma leitura
associada ao marxismo, mas de uma leitura “cerebral”, distante do que estava sendo
vivenciado por elas. Nesse sentido, Goulemot afirma que “cada regime tem sua memória
142
Ibid, P. 92.
143
MENICUCCI, Eleonora. Cárceres/MT: 14 out. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria
Pedro.
144
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Op. cit. P. 92.
59
histórica”, e esta “participa do nosso ato de ler”, influenciando toda a leitura
145
. Ao
pensarmos desta forma, as narrativas apresentadas estão repletas das ressonâncias da
memória histórica dos tempos da ditadura, e as entrevistadas - herdeiras deste processo-,
sinalizam as leituras que se mostram coerentes a este contexto de militância tanto nos
partidos de esquerda como nos movimentos feministas.
Perceber o que as leitoras nos dizem de O Segundo Sexo, permite-nos observar as
circulações do mesmo, ou seja, não o que foi lido e qual o sentido dado aos textos, mas
as circunstâncias particulares e coletivas - em que se deram essas leituras. A carga
coletiva de memória social, que chamamos aqui de memória histórica de um período,
partilha com a carga pessoal que cada entrevistada traz de suas experiências particulares.
Para Maria Amélia Schmidt Dickie professora do Departamento de
Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina – O Segundo Sexo foi uma leitura
difícil e fragmentada, pois lhe despertava reflexões dolorosas. Posteriormente, fazendo a
discussão do texto de Simone de Beauvoir junto a outras pessoas, e dialogando a teoria
com as experiências práticas, Maria Amélia retomou o debate do texto. Questionada sobre
como teria sido sua leitura de O Segundo Sexo Maria Amélia responde:
Foi muito difícil. Foi uma leitura que eu fiz aos pedaços, eu não consegui
ler de fio a pavio, como se diz. Ao mesmo tempo em que me fascinava,
me agredia muito, por que eu me via obrigada a refletir sobre coisas que
me machucavam, que pra mim eram muito difíceis. Eu só consegui
realmente parar pra pensar sobre isso, quando eu pude encontrar
interlocutoras que também estariam falando no plano teórico. Por que a
gente começou a falar no plano teórico, depois é que começamos a falar
da gente. Essa leitura foi durante o grupo. Eu tinha começado antes, tinha
parado, aí voltei, por que poderia conversar sobre aquilo com outras
pessoas naquele tom
146
.
145
GOULEMOT, Jean Marie. Op. cit. P. 111.
146
DICKIE, Amélia. Florianópolis: 11 ago. 2003. Entrevista realizada por Janine Petersen.
60
Não nada neste caso que possa ser colocado fora da questão subjetiva, ou
analisado apenas sobre o prisma generalizante da coletividade. As subjetividades, sempre
mutáveis, são produzidas pelo entrelaçamento de um universo interior e exterior
147
. É
preciso estarmos atentas(os) a preponderante fração de sentimentos encobertos existentes
nas situações de leitura. Neste sentido, a subjetividade, mantendo sempre uma relação com
o social, é também um dos elementos que configuram e orientam a construção de
significados na leitura.
Prosseguiremos com a narrativa de Maria Ignez Paulilo
148
professora do
Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina
– ao ser questionada sobre sua leitura de O Segundo Sexo:
Por incrível que pareça eu não gostei. Eu era feminista, então o foi
uma das minhas primeiras leituras, e achei cerebral demais, intelectual
demais. Eu não sei se é porque eu vinha de uma vivência de muita
influência do marxismo nas Ciências Sociais, mais preocupada com
pobreza, com esse tipo de coisa, mais preocupada com mulheres de
periferia. A gente discutia também a situação das operárias. Eu logo me
dediquei às mulheres rurais, minha dissertação de Mestrado foi sobre as
mulheres rurais. O livro da Simone de Beauvoir era intelectual demais,
frio demais. Inclusive quando ela falava que perda para a mulher ter
filhos, eu não era mãe na época, mas aquilo me impressionou muito. Não
gostei.
Maria Ignez realizou sua leitura de O Segundo Sexo depois de ter terminado o
mestrado em Ciências Sociais, em meados da década de 1970. Em sua fala, Maria Inês
justifica sua impressão sobre a leitura do texto de Simone de Beauvoir como “cerebral
demais, intelectual demais” pela influência que o marxismo teve na sua formação e pela
experiência que teve ao se dedicar às mulheres rurais. Para Maria Inês, O Segundo Sexo
teve uma conotação “burguesa” no tratamento que deu à questão das mulheres, uma vez
147
ROLNIK, Suely. Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de globalização. In: LINS, Daniel
(org.). Cultura e Subjetividade: Saberes nômades. Campinas, SP: Papirus, 1997. P. 19.
148
PAULILO, Maria Inês. Florianópolis: 18 ago. 2003. Entrevista realizada por Janine Petersen.
61
que a influência que recebeu do marxismo a fez “mais preocupada com pobreza, com esse
tipo de coisa, mais preocupada com mulheres de periferia”. Os estudos marxistas para estas
feministas estava mais ligado ao social, às mulheres de baixa-renda, e, principalmente, à
uma ação prática em relação a realidade brasileira no momento, enquanto O Segundo Sexo
se mostrava uma leitura mais teórica e intelectualizada.
A leitura de O Segundo Sexo teria ainda impressionado Maria Inês por parecer-
lhe “fria demais” na maneira pela qual tratava a maternidade, como “uma perda para a
mulher”. A leitora não entende a maternidade aos moldes de Simone de Beauvoir, como
um entrave à libertação da mulher. Segundo a autora francesa:
Mas é apenas uma ilusão. Porque ela não fez realmente o filho: ele se fez
nela; sua carne só engendra carne: ela é incapaz de fundar uma existência,
que se terá de fundar ela própria; as criações que emanam da liberdade
põem o objeto como valor e o revestem de uma necessidade; no seio
materno o filho é injustificado, não passa ainda de uma proliferação
gratuita, um fato bruto cuja contingência é simétrica à da morte. A mãe
pode ter suas razões de querer um filho, mas não poderá dar, a esse outro
que vai ser amanhã, suas próprias razões de ser; ela engendra-o na
generalidade de seu corpo, não na singularidade de sua existência
149
Para Simone de Beauvoir, no capitulo A Mãe
150
, a questão da maternidade não é
unicamente biológica. Depois do nascimento a criança passa a exigir além do corpo da
mãe, “a carne materna”, todo o empenho possível em termos de cuidado e atenção, tirando-
lhe a liberdade e autonomia. Para a autora, a maternidade adquire significados diferentes a
partir das circunstâncias em que está sendo analisada, sejam elas econômicas, sociais,
culturais, e até mesmo psicológicas. Desta forma, Beauvoir defende o aborto legal como
uma escolha da mulher frente ao contexto em que vive, e denuncia a prática do aborto
149
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 2, P. 263.
150
Ibid, P. 248 – 295.
62
como um “crime de classe”, uma vez que os métodos contraceptivos estariam mais
difundidos nos meios burgueses, restando à mulher pobre decidir entre o crime e o fardo
151
.
Entendendo a situação da leitura como “a revelação de uma das virtualidades
significantes do texto”
152
, percebemos que algumas feministas apresentam pontualmente
as temáticas que lhes teriam despertado mais a atenção na leitura de O Segundo Sexo. A
escolha de um sentido em particular, efetuada pela memória que as entrevistadas têm da
leitura do texto de Simone de Beauvoir, é marcada pelas experiências vividas por cada
feminista em seu contexto de leitura. Assim, uma situação de comunicação particular
operada entre um dos sentidos possíveis do texto e a apreensão da leitora em um
determinado momento, efetuando o processo de significação da leitura.
Alda Britto da Motta - pesquisadora vinculada ao NEIM - afirma ter lido O
Segundo Sexo traduzido para o português na transição dos anos 50 para os anos 60, e
lembra ter achado Beauvoir “psicanalítica demaisno primeiro volume da obra, intitulado
Fatos e Mitos
153
. Segundo Alda:
Primeiro eu li Simone (...) mas eu peguei assim, muito, muito cedo. (...)
Olha, tão cedo que eu abandonei porque eu fui começar primeiro pelos
Fatos
154
, a questão biológica, e eu achei psicanalítica demais. Uma
coisa doentia demais. Não gostei e abandonei. Porque eu peguei o
primeiro volume e a minha fase naquele momento... Eu queria uma coisa
aberta, pra frente
155
Para Alda, a obra de Beauvoir não mostrava uma relação com o momento em que
estava vivendo, “não gostei e abandonei”, diz. Alda faz parte de uma parcela das
entrevistadas que resume suas impressões sobre a leitura de O Segundo Sexo como
151
Ibid, P. 248-294.
152
GOULEMOT, Jean Marie. Op. cit. P. 108.
153
MOTTA, Alda Britto. Salvador: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro com
Alda Britto da Motta, na Universidade Federal da Bahia.
154
Alda Britto da Motta se refere ao primeiro volume de O Segundo Sexo, intitulado Fatos e Mitos.
155
MOTTA, Alda Britto. Salvador: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro com
Alda Britto da Motta, na Universidade Federal da Bahia.
63
“psicanalítica”, “fria”, e “doentia”. Entretanto, após ler o segundo volume - A Experiência
Vivida - Alda afirma ter mudado sua visão, assim como veremos em outros depoimentos.
Em relação a esta leitura, Alda recorda:
Como eu encontrei Simone, não me lembro muito. Talvez pela literatura,
mas eu não li as obras literárias dela, a não ser alguma coisa. Eu comecei
pelo O Segundo Sexo. Quando eu li, quando eu tive acesso, que eu não
me lembro, ao segundo volume, toda minha visão mudou. Eu fiquei
encantadíssima. Aquele capítulo A Moça era um retrato do meu tempo de
jovem e ainda algum tempo depois. Tinha umas coisas que eu achava
geniais (...). Aquela coisa da mulher vencer com o sorriso, pensar que
vence com o sorriso, e cada uma não pensar que as outras também sabem
sorrir. Ou aquela coisa da realização como dona de casa (...), a decoração
da casa, a administração da casa, a realização estética, existencial...
Achava tudo aquilo genial. E eu fui descobrindo outras pessoas, por
exemplo, alguém que era muito pouco conhecida (...) a Germaine
Greer
156
.
Quando Alda nos fala que o capítulo A Moça era um retrato de seu tempo,
possibilita-nos refletir sobre a implicação do “fora do texto” como a relação entre o leitor e
a situação da leitura
157
. Segundo Goulemot, o “fora do texto” é também uma história
coletiva e pessoal
158
. Partindo desse pressuposto, devemos nos ater a duas questões que se
apresentam pertinentes. Primeiramente, havia todo um momento de contestação como pano
de fundo dessa geração de leitoras entrevistadas que determinava uma base de ação política
às leituras que deveriam ser feitas, e neste sentido o marxismo parecia-lhes trazer mais
significado. Concomitante a isso, havia igualmente a história de cada uma delas, suas
experiências, o que vai agir decisivamente sobre as leituras que estavam sendo realizadas.
No caso de Alda Britto da Motta, o primeiro volume da obra - Fatos e Mitos - tornou-se
distante na medida em que a leitora não conseguia empreender um sentido para sua leitura.
Por Beauvoir ser “psicanalítica demais” neste volume, a leitora afirma não ter gostado e
156
Ibid.
157
GOULEMOT, Jean Marie. Op. cit. P. 108.
158
Ibid, P. 110.
64
abandonado sua leitura. o segundo volume - A Experiência Vivida -, tratava de algo que
Alda vivenciava, a sua mocidade, e, portanto, o “fora-do-texto” foi operado de maneira
positiva, uma vez que houve uma identificação entre a história pessoal da leitora e sua
leitura.
Foi difícil, porque na geração deles ainda havia aquela idéia de que
homem estuda, mulher não deve, não chegavam a colocar o clássico para
não mandar bilhete ao namorado, mas não achavam necessário. Então
nenhuma das filhas foi para um curso primário normal (...) quanto mais ir
a um ginásio. Eu fui para um curso primário (...) gostava mesmo de
estudar, era muito curiosa, e quando chegou a hora de fazer o ginásio, aí
brecaram. Meu avô disse que eu não tinha que ir para o ginásio, e eu
insistindo (...) e eu fiz greve de fome... Muito pouco tempo, porque
eles se assustaram. (...) e aí abriram, mas dizendo ‘Você se vira’
159
.
Esta fala de Alda Britto da Motta, sobre a educação que recebeu de seus avós, é
uma entre tantas outras em sua entrevista que poderíamos confrontar com passagens do
capítulo A Moça, em O Segundo Sexo. Alda fala da dificuldade que encontrou para levar
seus estudos adiante, trabalhar, ser dona de casa, mãe e esposa, e na escolha pelo divórcio,
numa época em que a “falação dos outros” funcionava como um alto juízo de valor em
relação a uma moça, e posteriormente, a uma mulher “desquitada”. Sobre a “condição da
moça”, Beauvoir afirma:
Da môça exigem que fique em casa, fiscalizam-lhe as saídas: não a
encorajam em absoluto a escolher seus divertimentos, seus prazeres. (...).
Além de uma falta de iniciativa que provém de sua educação, os
costumes tornam-lhe a independência difícil. (...). A despreocupação
torna-se de imediato uma falta de compostura; esse controle de si a que a
mulher é obrigada, e se torna uma segunda natureza na ‘môça bem
comportada’, mata a espontaneidade; a experiência viva é com isso
dominada, do que resultam tensão e tédio
160
.
159
MOTTA, Alda Britto. Salvador: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro com
Alda Britto da Motta, na Universidade Federal da Bahia.
160
No capítulo A Moça, Simone de Beauvoir fala de como a passividade feminina é construída na mulher
através da educação que lhe é fornecida por intermédio da sociedade. Uma moça deve preocupar-se em ser
agradável e feminina, e aguardar a chegada do casamento. Suas perspectivas futuras não devem ultrapassar as
profissões de esposa, mãe e avó. Nesta parte da obra. Beauvoir discorre ainda sobre o misto de admiração e
65
Talvez tenha faltado a Alda, neste momento, outras leituras e experiências para
que o primeiro volume de O Segundo Sexo lhe fizesse algum sentido. Da mesma forma
que para Suely Gomes da Costa:
Meu primeiro contato com uma matéria feminista se deu na década de
sessenta, início da década de sessenta, quando eu li O Segundo Sexo. (...)
Não, O Segundo Sexo não teve a menor... Mas eu quero usar porque foi
um primeiro contato. É, foi um contato que eu não lembro muito. Eu
ontem já peguei o livro, ele é de 61, eu acho, a primeira edição de O
Segundo Sexo pela Civilização Brasileira. Ele está todo grifado, então ele
me fez pensar. Mas eu não tenho guardado em mim nenhum registro das
indagações que eu estava fazendo no momento em que eu estava lendo.
Então eu estou me debruçando inclusive nisso para recorrer a minha
memória... Qual foi o impacto dessa leitura? Eu acho que não foi nenhum
Suely narra ter lido e grifado seu livro de O Segundo Sexo, e essas possíveis
marcas de sua leitura nos levam a crer que Simone de Beauvoir lhe teria feito refletir de
maneira particular a respeito de algumas temáticas de sua obra. Entretanto, estas reflexões
não foram “registradas” na memória da leitora, que não lembra das indagações que se fez
na época da leitura. Nesse sentido, a própria Sueli conclui a respeito de O Segundo Sexo:
“qual foi o impacto dessa leitura? Eu acho que não foi nenhum”.
Para Margareth Rago - professora do Departamento de História da Unicamp as
leituras de O Segundo Sexo e A Mística Feminina, de Betty Friedan, pareceram-lhe “um
papo um pouco chato”, pela falta de conexão entre a “leitura teórica” e a experiência
vivenciada.
Eu não fiz essas leituras, mas eu conhecia, a minha irmã tinha, por
exemplo, a Simone de Beauvoir, e a Betty Friedan todo mundo lia, todo
mundo tinha. Mas eu achava o papo um pouco chato. Naquela época,
para mim, é engraçado, porque às vezes eu tenho a sensação que quando
servidão que a moça tem em relação ao seu corpo. Ver, a esse respeito, BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol.
2.
66
você vive a experiência não necessariamente você faz a leitura teórica
daquilo, não é assim que se passa. Porque em geral você tem uma
experiência e só depois de um tempo é que você se instrumentaliza
teoricamente para pensar a experiência que você teve
161
.
Margareth afirma ainda que começou a ler O Segundo Sexo, mas não terminou a
leitura por achar que aquilo que lia sobre a “opressão” não condizia com a sua realidade
naquela época, uma vez que estudava e trabalhava. Como visto anteriormente, essa questão
de não perceber-se inserida nas problemáticas propostas por Beauvoir é recorrente em
algumas memórias, inclusive da própria autora. Ouvindo os comentários da irmã e da mãe
sobre a coluna da jornalista Carmen da Silva, na revista Cláudia
162
, Margareth pensava que
aquele discurso, embora fosse interessante, era importante apenas às mulheres oprimidas.
O quê, segundo a entrevistada, não era seu caso.
Eu não era uma pessoa assim que me ligava com as feministas. Para
Simone de Beauvoir, por exemplo, eu nunca dei muita atenção ao livro
dela (...). Eu li um pouco só. Eu não li inteiro. (...). Uns pedaços. Quer
dizer, nunca foi uma coisa (...). Agora é obvio que uma série de opressões
eu sentia e contra as quais eu reagia violentamente. É, eu não trabalhava
conscientemente (...)
Para Margareth, nesse período “era tudo ou nada”, ou seja, as pessoas engajadas
aos movimentos de resistência e mobilização à ditadura procuravam leituras que
correspondessem ao contexto vivenciado. Assim, de acordo com a narrativa de Margareth
Rago, apesar de não ter sido lido na integra O Segundo Sexo mostrava e falava de uma
realidade divergente do contexto latino-americano daquele momento, que era o contexto
francês pós-segunda guerra, assim como das experiências pessoais da entrevistada.
161
RAGO, Margareth. Florianópolis: 19 abr. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro.
162
Carmen da Silva foi redatora da coluna “A Arte de Ser Mulher” na revista Cláudia durante vinte e dois
anos consecutivos (1963-1985), popularizando-se, posteriormente, como “a grande dama do feminismo
brasileiro”. Sua atuação nesta coluna representou uma vitória na batalha pelo poder do discurso em favor do
movimento feminista. Ver, a esse respeito, DUARTE, Ana Rita Fonteles. Carmen da Silva
: o feminismo na
imprensa brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005. Série História e Memória do Jornalismo.
67
Tomemos ainda, a título de exemplo, a fala de Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos
– do Conselho Estadual da Saúde do Rio de Janeiro - conhecida como Santinha
163
:
Li. (...). Foi no início do movimento feminista, aí, deixa eu te dizer uma
coisa, é claro que teve uma importância para mim, a leitura. Agora, a
sensação que eu tinha e eu acoloquei isso discutindo com grupos
menores - é que o que Simone de Beauvoir colocava, no livro
maravilhoso, era uma coisa de lá, e aqui a gente tinha outra coisa.
Feminismo aqui é outra coisa, neguinha! (...). É como se ali o feminismo
se construísse daqueles que sabem, ou que iam saber, e aqui o saber se
constitui através da prática, da vida, do sofrimento, da violência, certo?
(...). Ali vai nascendo uma mulher que se torna uma feminista, entende?
Pensar a “condição da mulher”, como feito por Beauvoir, mostrava-se como um
trabalho pioneiro e impressionante na medida em que não correspondia a nenhum outro
trabalho produzido até aquele momento. No entanto, se por um lado as teses apresentadas
em O Segundo Sexo satisfaziam, em certos aspectos, aos anseios das mulheres brasileiras,
por outro, a discussão teórica promovida por Simone com autores da psicologia, biologia e
marxismo, tornaram a leitura do texto densa. Desta forma, ler O Segundo Sexo exigia não
somente uma reflexão maior das feministas, no intuito de trazerem as questões presentes
no texto à conjuntura nacional, como a realização de outras leituras que dessem suporte às
discussões apresentadas pela autora, como na fala de Eulália Azevedo:
Eu me lembro que antes de eu ler Beauvoir, eu li mesmo foi um livro que
eu o me lembro da autora. Não sei se você conhece, chamava
Mulheres
164
, que é de uma autora americana, questionando toda essa
relação das mulheres, do feminismo mesmo, das relações de gênero.
No depoimento de Eulália, apresentado no início deste capítulo, observamos que
sua leitura de O Segundo Sexo teria ocorrido junto à produção textual de Marx, assim
163
SANTOS, Maria do Espírito Santo Tavares dos. Rio de Janeiro: 14 fev. 2005. Entrevista realizada pela
Profª. Drª. Roselane Neckel.
164
O livro ao qual Eulália Azevedo se refere é Mulheres, da autora norte-americana Marilyn French. Ver, a
esse respeito, FRENCH, Marilyn. Mulheres. Rio de Janeiro: Rio Gráfica, [s/d].
68
como percebemos uma outra leitura realizada, a partir da citação acima. Neste caso, como
nos anteriormente citados, percebemos a dinâmica dos textos lidos pelas entrevistadas ao
serem questionadas sobre as leituras que realizaram na época em que se identificavam
como sendo feministas.
As narrativas mostram que “não existe compreensão autônoma do que é dado a ler
ou a entender, mas articulação em torno de uma biblioteca do que foi lido”
165
.
A
constituição do sentido de O Segundo Sexo para as feministas brasileiras baseou-se na
intertextualidade que elas realizaram desta leitura com outras, comparando-as. O texto de
Simone de Beauvoir ganhou sentido, desta forma, em relação ao que foi lido antes dele. Se
a cada leitura que efetuamos, aquilo que foi lido anteriormente muda de sentido e torna-se
uma outra leitura, como um processo de troca
166
, então, o que lemos num dado momento é
apropriado em grande parte pela carga de leituras que detemos, e pelas experiências até
então vividas. Observamos em algumas das narrativas apresentadas que O Segundo Sexo
só ganhou uma significação para suas leitoras na medida em que foram feitas outras
leituras e realizadas experiências no plano individual, modificando as primeiras
impressões. Ler é neste sentido uma ação intencional, historicamente datada, cumulativa, e
que avança, segundo Manguel, em progressão geométrica: “cada leitura nova baseia-se no
que o leitor leu antes”
167
. Acrescentaria ainda, que se baseia igualmente na experiência
vivenciada por cada leitora. Na fala de Eleonora Menicucci, apresentada anteriormente, a
leitora narra ter achado O Segundo Sexo “uma bobagem”, antes mesmo de tê-lo lido.
Contudo, depois da leitura de Alexandra Kollontai e Juliet Mitchell, Eleonora afirma ter
lido o texto de Simone de Beauvoir e ter ficado “muito apaixonada”.
165
GOULEMOT, Jean Marie. Op. cit. P. 115.
166
Ibid, P. 116.
167
MANGUEL, Alberto. Op. cit. P. 33.
69
Tomemos ainda a fala de Cecília Mª. B. Sardenberg
168
- pesquisadora do
NEIM/UFBA que narra ter efetuado sua primeira leitura de O Segundo Sexo juntamente
com uma biografia de Margareth Mead, ambas no início da década de 1970, quando
cursava disciplinas da Antropologia nos Estados Unidos, em plena época de efervescência
do movimento feminista norte-americano:
(...) quando eu fiz a primeira disciplina de antropologia eu li a biografia
de Margareth Mead (...) e O Segundo Sexo, que marcaram minha vida,
isso foi 71, 72. (...) Até hoje eu tenho os dois que eu li. (...) as duas
tiveram uma grande influência na minha vida profissional, e não só, mas
enquanto ser humano.
Para Cecília, essas obras teriam influenciado sua vida pessoal e profissional,
assim como as outras leituras realizadas posteriormente. Podemos constatar a permanência
dessas obras como lembradas sempre em conjunto pela memória de Cecília através de um
artigo publicado pela autora na edição comemorativa do cinqüentenário da obra de
Beauvoir organizada pelo NEIM. Neste artigo
169
, Cecília Sardenberg confronta Margareth
Mead e Simone de Beauvoir em um diálogo fictício, onde ambas discutem suas obras, O
Macho e Fêmea e Segundo Sexo, comentando aspectos falhos e ressaltando as questões
mais relevantes. Em um trecho deste diálogo criado por Sardenberg, Simone de Beauvoir
responderia a Margareth Mead dizendo que a maior parte das críticas que recebeu não
resultaria do fato dela ter falado sobre sexualidade em seu trabalho, mas por ter abordado a
questão das relações de poder entre homens e mulheres, que tornam a mulher sempre o
“Outro” na História
170
.
168
SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. Salvador: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª.
Joana Maria Pedro.
169
SARDENBERG, Cecília M. B. Um diálogo possível entre Margareth Mead e Simone de Beauvoir. In:
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit. P. 75-107.
170
Ibid, P. 93.
70
Este diálogo criado por Sardenberg foi baseado num breve encontro entre as
autoras em Paris, no final do ano de 1949, e narrado por Lévi-Strauss em entrevista
publicada posteriormente
171
. Nesta, Lévi-Strauss afirma que “elas não se dirigiram a
palavra”
172
, entretanto, com base em uma carta de Beauvoir endereçada a Nelson Algren,
a autora relata esta mesma ocasião, afirmando ter havido um curto e ríspido diálogo.
‘Conheci em uma reunião uma americana horrível, Sra. Mead, autora de
Macho e Fêmea, que investiga a diferenciação sexual em Samoa, Nova
Guiné, e nos EUA. Amigos decidiram que nós tínhamos que nos
conhecer. Eu lhe falei: ‘Desculpe-me, não li o seu livro’. Ela respondeu:
‘Estamos quites, eu não li o seu’. Eu tentei explicar que tinha desejo de
ler seu livro, mas ela não falava nem uma palavra de francês e não
parecia entender meu inglês (...)’
173
.
O breve encontro entre a autora norte-americana e Simone de Beauvoir ocorreu
por intermédio de Claude Lévi-Strauss, que depois de ter passado anos de exílio em Nova
Iorque retorna a França, e como diplomata francês vê-se obrigado a recepcionar Margaret
Mead que visitava a França na ocasião
174
.
Cecília conclui a conversa entre as duas autoras agradecendo a influência:
Mas, certamente, foi você, Simone, com O Segundo Sexo, quem me levou
a pensar sobre a construção do ‘ser mulher’ nas sociedades capitalistas
contemporâneas como a nossa, e a tomar uma posição radical no sentido
da ‘desconstrução’ desse ‘ser mulher’. Mais que isso, foi você, Simone,
quem me ensinou a pensar enquanto ‘sujeito feminista’, e assim, a não
me pensar mais como um eterno outro, como objeto – ou melhor dizendo,
171
LÉVI-STRAUSS, Claude; ERIBON, Didier. De Perto e De Longe. Tradução de Lea Mello e Julieta Leite.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990 apud SARDENBERG, Cecília M. B. Um diálogo possível entre
Margareth Mead e Simone de Beauvoir. In: MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES,
Márcia. (Orgs.). Op. cit.
172
Ibid, P. 76.
173
BEAUVOIR, Simone de. apud BADINTER, Elisabeth. La Mère. In: GALSTER, Ingrid. (org) Simone de
Beauvoir: Le Deuxième Sexe. Le livre fondateur du féminisme moderne en situation. Paris: Éditions
Champion, 2004. P. 361. (Tradução livre – Joana Vieira Borges)
174
SARDENBERG, Cecília M. B. Um diálogo possível entre Margareth Mead e Simone de Beauvoir. In:
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit., P. 76.
71
a lutar para a transcendência de objeto a sujeito. Que fique aqui registrado
esse meu tributo a vocês
175
.
Com base nas falas das feministas entrevistadas podemos obter informações sobre
outras leituras que nesta época eram importantes para o feminismo, como é o caso de
Albertina Costa, que cita Juliet Mitchel; Cecília Sardenberg, citando Margaret Mead;
Eleonora Menicucci, aludindo a Alexandra Kollontai; entre outras. Para Eva Blay
176
,
professora de Sociologia na USP que na sua adolescência leu O Segundo Sexo em
português, a leitura “fundamental para a expansão do feminismo” teria sido A Mística
Feminina
177
, de Betty Friedan.
É, na adolescência. Todo mundo lia Simone de Beauvoir. (...) Eu li O
Segundo Sexo. (...) Agora, o livro que mais me impactou nesse momento,
foi em 1964, quando eu li La femme mystifiée, que é A mulher mistificada
da Betty Friedan, e que tinha sido vertida para o francês. (...) eu tava
amamentando meu primeiro filho quando eu li esse livro e realmente até
hoje, eu acho que ele abriu, ele foi fundamental para a expansão do
feminismo.
Através das narrativas analisadas percebemos como as feministas entrevistadas
fornecem diferentes atribuições de leitura a textos iguais. Algumas entrevistadas citam
outras leituras como mais marcantes em suas formações enquanto feministas, em
contrapartida, O Segundo Sexo aparece em algumas falas como a leitura de maior impacto.
O fundamental aqui é entendermos como se dão essas diversas apreensões dos textos, e de
que maneira eles são manejados e compreendidos por suas leitoras
178
.
No caso de Rachel Soihet
179
, a professora na Universidade Federal Fluminense
afirma ter lido O Segundo Sexo em francês, no fim da década de 50, e também indica
175
Ibid, P. 104.
176
BLAY, Eva Alterman. São Paulo: 04 ago. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro.
177
FRIEDAN, Betty. Op. cit.
178
CHARTIER, Roger. Op. cit, 1999. P. 16.
179
SOIHET, Rachel. Florianópolis: 02 set. 2004. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro.
72
outras leituras que teria feito posteriormente ao texto de Simone de Beauvoir, e que teriam
sido igualmente relevantes ao movimento feminista naquele momento. Entretanto, apesar
de citar Friedan e Firestone, Rachel parece ter se identificado mais com O Segundo Sexo.
Interrogada sobre seu contato com leituras feministas no início de sua identificação com o
feminismo, Rachel Soihet responde:
Simone de Beauvoir. (...) Foi década de 50, 60, quando foi traduzido. Eu
li ainda o francês que tenho até hoje. (...) Ainda não tinha edição em
português. (...) Depois eu li outras coisas: a Betty Friedan, a Sulamith - aí
bem mais a frente. A Simone de Beauvoir me impressionou muito. Eu
me identifiquei muito com a leitura, que era uma coisa que estava
dentro de mim. Mais tarde eu li A Mística Feminina, isso foi mais
tarde. (...) Ela veio lançar o livro, eu sei, eu não devo ter lido em 71, li
mais ou menos, talvez nessa época que você está colocando (1973). Aí fiz
outras leituras, me lembro da Shulamith Firestone, esses livros que
saíram na época.
uma “biblioteca cultural” em torno de O Segundo Sexo, como visto
anteriormente, que pode tanto lhe ter possibilitado a constituição de um sentido por parte
de suas leitoras, como a própria leitura do texto de Simone de Beauvoir tenha criado essa
condição a outras leituras. Nesse sentido, todo o saber anterior trabalha o texto oferecido
ao deciframento. Podemos identificar ainda leituras de O Segundo Sexo que se deram após
outros textos de Simone de Beauvoir. Nas narrativas, Memórias de uma moça bem
comportada
180
aparece como o segundo livro mais citado depois de O Segundo Sexo.
Lourdes Bandeira
181
, professora da Universidade de Brasília, lembra ter lido este livro de
memórias durante sua juventude, e de como essa leitura ficou em aberto, como uma
interrogação a ser discutida. Sua leitura de O Segundo Sexo teria acontecido
180
Este foi o primeiro dos livros de memórias de Simone de Beauvoir publicado em 1958. BEAUVOIR,
Simone de. MMBC.
181
BANDEIRA, Lourdes Maria. Salvador: 26 nov. 2003. Entrevista realizada pela Profª. Drª. Joana Maria
Pedro.
73
posteriormente, no período que marca o fim de sua graduação e o início do mestrado.
Referindo-se, inicialmente, a Memórias de uma moça bem comportada Lourdes afirma:
Sempre me deixou uma interrogação, digamos assim, mas nunca eu tinha
tido oportunidade de discutir. A primeira vez que eu li O Segundo Sexo, li
muito fragmentado. (...) A primeira vez que eu li O Segundo sexo, foi
quando eu acho que eu estava já, talvez, no final da graduação e início do
mestrado. (...) eu conhecia, porque veja bem (...) quando fiz vestibular
pra UFRGS fiz para Ciências Sociais e eu fazia, fiz vestibular pra PUC e
fazia Letras. Eu fazia Letras francês. (...) eu estudei na Aliança Francesa,
ainda no grau, eu fiz curso clássico no Colégio Bom Conselho, em
Porto Alegre. (...). E eu tinha muito interesse nas autoras francesas. (...).
Claro que, eu li fragmentadamente a Simone nesse momento, não é? Mas,
eu não tinha necessariamente, digamos assim, despertado para essa
questão. (...) eu retomei a leitura da Simone. Que eu li direitinho.
Na fala de Lourdes Bandeira, observamos que a interrogação deixada como uma
“semente” pela leitura de Memórias de uma moça bem comportada, não foi respondida
pela leitura posterior de O Segundo Sexo, realizada de maneira “fragmentada”.
Interessante notar que, em certo momento de sua narrativa, Lourdes atenta para a questão
de ter retornado a leitura de Simone de Beauvoir “direitinho”. Aqui, percebemos a
demanda pela “autoridade intelectual” que a leitura de Beauvoir fornecia a suas leitoras.
Sandra Azeredo
182
- professora pesquisadora na Universidade Federal de Minas
Gerais também narra ter lido Memórias de uma moça bem comportada em português
durante sua juventude em meados da década de 60, e mais tarde, teria ganhado O Segundo
Sexo de sua irmã, leitora assídua de Simone de Beauvoir.
Eu tinha por volta de 18 e 19 anos. Minha irmã, que é três anos mais
velha que eu, é filósofa, uma grande leitora, (...) ela tem aliás uma grande
influência na minha formação. E ela leu todos os livros da Simone de
Beauvoir, e parece que ela me deu O Segundo Sexo. De qualquer forma,
não me lembro se era O Segundo Sexo, acho que ela me deu depois, mas
o livro que me marcou muito da Simone de Beauvoir foi o ‘Diário de
182
AZEREDO, Sandra Maria da Mata. Florianópolis: 27 nov. 2003. Entrevista realizada pela Profª. Drª.
Joana Maria Pedro.
74
uma moça bem comportada’. Eu devo ter lido com 18, 19 anos (...). Então
o livro da Simone foi muito importante. Muito importante pra pensar a
questão da mulher.
Para Sandra, a leitura de Memórias de uma moça bem comportada foi fator
importante para sua reflexão a respeito da “questão da mulher”. O sentido atribuído à
leitura de O Segundo Sexo não é comentado por Sandra, que afirma apenas tê-lo lido por
intermédio da irmã. Seria também, neste caso, uma ação no sentido de legitimar seu
conhecimento a respeito de um texto amplamente reconhecido e citado pelo movimento
feminista, de uma maneira geral, como um “marco histórico”?
Teresa Sell professora aposentada do Departamento de Filosofia da
Universidade Federal de Santa Catarina - afirma em sua narrativa que leu A Velhice,
também de Simone de Beauvoir
183
, antes de O Segundo Sexo.
Eu até acabei lendo antes A velhice. Eu lia mais a Françoise Sagan
184
. Eu
gostava mais da vertente mais erótica do feminino. Eu sempre tive o
feminismo nessa linha, e não como uma questão política em que você se
masculiniza. Eu não aceito essa idéia, essa posição. (...) Eu tinha lido
outros desse nível (referindo-se a O Segundo Sexo). Eu gosto muito dela,
mas eu não distinguiria este livro pra minha vida
185
.
Em entrevista, Teresa afirma ter lido O Segundo Sexo, embora essa não tenha sido a
leitura de maior relevância em sua identificação com o feminismo. A consciência da
“submissão da mulher” na sociedade teria lhe despertado com A Mística Feminina, em
1973. O Segundo Sexo foi uma leitura posterior ao texto de Friedan e A Velhice. Através
da narrativa de Teresa percebemos não o círculo de leituras realizadas pela entrevistada,
mas suas apreensões a respeito dos textos que cita. Apesar de “gostar” muito de Simone
183
A Velhice foi publicado originalmente pela editora Gallimard, em 1970, Paris.
184
Françoise Sagan, escritora francesa, nasceu em 1935 e tornou-se conhecida aos 19 anos pela publicação
do romance Bonjour Tristesse
, em 1954, ícone da insatisfação juvenil da França de 50 e 60. Faleceu
recentemente, em 2004, vítima de embolia pulmonar.
185
SELL, Teresa. Florianópolis: 13 jul. 2003. Entrevista realizada por Janine Petersen.
75
de Beauvoir, e aqui não sabemos se da autora ou das obras, a feminista entrevistada não
destaca a leitura de O Segundo Sexo como de grande relevância para sua vida.
Através das narrativas das entrevistadas apresentadas deparamo-nos com um leque
de questionamentos possíveis para a reflexão de uma história da leitura de O Segundo Sexo
no Brasil proposta por esse trabalho, entretanto, seria importante voltarmos a um aspecto
crucial. Roger Chartier defende um paradoxo fundador de toda história da leitura ao
lembrar as proposições de Michel de Certeau
186
: ao mesmo tempo em que esta postula a
liberdade da leitura, podemos capturar-lhes as determinações
187
. Ou seja, por mais que
saibamos que a leitura é variada na produção de sentidos, não podendo ser simplesmente
deduzida dos textos dos quais ela se apropria, as leitoras e os leitores seguem códigos
culturais da conjuntura das quais fazem parte. Do contato “leitor-texto” - “mundo do texto”
e “mundo do leitor” - a operação de construção de sentido efetuada na leitura é um
processo historicamente determinado, variando de acordo com o lugar, o tempo, e os
grupos sociais
188
. Ou seja, através das narrativas analisadas, temos acesso às leituras de O
Segundo Sexo de uma conjuntura e geração singular, formando uma “comunidade
interpretativa”
189
do texto de Simone de Beauvoir, cujas feministas entrevistadas
compartilham, em certa medida, “os mesmo estilos de leitura e as mesmas estratégias de
interpretação”
190
.
Segundo Joana Maria Pedro, existe um elo entre as trajetórias das feministas
entrevistadas que apontam para um passado de luta contra a ditadura e vinculação com a
186
As proposições de Michel de Certeau, no que concerne à leitura, seriam: “a leitura como jamais limitada”
e as “táticas dos leitores” como que obedecendo a regras, lógicas e modelos. Ver, a esse respeito,
CHARTIER, Roger. Op. cit, 1999.
187
Ibid, P. 27.
188
Ver, a este respeito, CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. In: Op. cit.
189
Chartier se utiliza o termo interpretive communities de Stanley Fish, para discorrer sobre a “comunidade
de leitores”. Ver, a esse respeito, CHARTIER, Roger. Textos, Impressão, Leituras. In: HUNT, Lynn. Op. cit
.
P. 211-238.
190
Ibid, P. 216.
76
esquerda.
191
Transitando nesses meios, ou ainda nas universidades, estas leitoras foram
apresentadas ao texto de Simone de Beauvoir – em francês ou, em sua maioria, em
português - por vezes indiretamente, através de outras leituras. Para Anamaria Beck
professora aposentada do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa
Catarina -, informações sobre O Segundo Sexo lhe chegaram antes da posse do livro. Ou
seja, havia um entendimento prévio sobre a importância do texto:
Eu li não sei se foi no início da ditadura, por volta de 65, 66 talvez. Eu
tinha lido uma resenha, uma crítica em algum jornal alternativo que
circulava na época. Quando encontrei, comprei e li. Eu acho que ele é um
livro forte até hoje, por que coloca, e a forma como ela coloca é muito
incisiva. E pode ser lido até hoje, não como um clássico, mas eu diria
atual. Por que essa coisa do avanço da mulher parece ter sido uma coisa
muito grande, mas se a gente na conduta do dia-a-dia um desrespeito
total. Eu sei por experiência própria que mulher de qualquer idade é ainda
bastante desrespeitada. Desrespeito à mulher, independente de que idade
ela tenha: menina, adulta, adolescente
192
.
Os ecos da singularidade de O Segundo Sexo a popularidade de Simone de
Beauvoir nas discussões dos movimentos feministas cresciam na medida em que as novas
leituras chegavam fosse por intermédio das exiladas, ou ainda por conta da visita do casal
ao País em 1960. Sendo assim, que o texto de Beauvoir começou a circular nos meios
acadêmicos e de militância feminista no Brasil. Contudo, apesar de ser frequentemente
citado entre as feministas brasileiras como uma das leituras chaves para os feminismos,
algumas das narrativas não identificam O Segundo Sexo como a leitura de maior destaque
entre o período que vai da década de 60 a 80.
“Cerebral”, “chato” e “psicanalítico” são alguns dos adjetivos usados por certas
leitoras ao descreverem o texto de Beauvoir em questão. Outras narram ter sido uma leitura
de difícil apreensão da primeira vez que o leram, mas que depois de certo tempo passaram
191
Comunicação intitulada “Gênero da identificação”, apresentada na 3
ª
Reunião Nacional do GT Estudos de
Gênero ocorrida no X Encontro Estadual de História – Florianópolis-SC.
192
BECK, Anamaria. Florianópolis: 1º jul. 2003. Entrevista realizada por Janine Petersen.
77
a gostar da leitura. Há ainda aquelas que negam qualquer força no texto sobre suas vidas.
Poucas foram aquelas que indicaram O Segundo Sexo como a leitura marcante em suas
trajetórias como feministas, entretanto, a maioria reconhece o pioneirismo da autora e do
texto para o debate feminista internacional pós-1968.
Cristiane Costa, jornalista e escritora, acredita que muito do “potencial explosivo”
de O Segundo Sexo não está no texto, mas na “mística” que se construiu em volta de sua
autora e de sua relação com o filósofo Jean-Paul Sartre
193
. É provável. Para as feministas,
como para o público atento à cultura literária francesa, era difícil fugir à visão de O
Segundo Sexo como um dos textos fundadores e “clássicos” do movimento feminista,
negando-lhe toda a autoridade intelectual que lhe foi aferida com o passar dos anos. Neste
sentido, observamos a importância de citá-lo, seja por meio das críticas ou dos elogios.
Existem ainda feministas que não tiveram problemas com o método de análise
utilizado por Simone de Beauvoir, e considerado por outras entrevistadas como um entrave
ao entendimento do texto, que seria de difícil compreensão. Segundo Clair Castilhos
professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina -
, “aspectos históricos, biológicos, psicanalíticos da questão da mulher”, apresentados por
Simone de Beauvoir, o a impediram de classificar O Segundo Sexo como uma “bíblia”
para o feminismo e tomá-lo como seu livro de cabeceira. Contudo, o texto de Beauvoir não
teria influenciado Clair na sua identificação com o feminismo, uma vez que sua leitura de
O Segundo Sexo ocorreu “muito depois” desta. Para a professora:
Eu li e pra mim foi primeiro esclarecedor, por que ela tem um conjunto
de informações que dificilmente a gente iria achar, principalmente de
forma sistematizada em vários aspectos históricos, biológicos,
psicanalíticos da questão da mulher, então eu achei um manual. A bíblia
que tu leu e a partir dali te deu uma imensa curiosidade de sair
descobrindo as outras coisas. Foi essa a sensação da leitura. Curiosidade,
193
COSTA, Cristiane. A tradição beauvorista. Op. cit.
78
indignação em outros momentos, principalmente esclarecimento. Coisas
inusitadas pra mim, que eu não nunca tinha visto nos livros. (...).
Inclusive eu comprei os dois volumes e fiquei com eles em casa por
muito tempo. Lia um pedaço, parava. Até hoje eu tenho o livro na
cabeceira
194
.
As leituras de O Segundo Sexo, apresentadas através das narrativas abordadas
neste capítulo, foram realizadas na medida em que o texto adquiria uma representatividade
nos debates feministas, tanto nacionais quanto internacionais; um meio das feministas
legitimarem-se intelectualmente nos movimentos.
Tomando os momentos políticos vividos pelo Brasil entre as décadas de 60 e 80,
as trajetórias e as experiências individuais e coletivas das feministas entrevistadas neste
contexto, observamos as determinações históricas que permearam a produção de sentidos
efetuadas nas leituras de O Segundo Sexo. Nesse sentido, daremos continuidade na
proposta deste trabalho analisando as apropriações das leituras do texto de Beauvoir na
produção bibliográfica das feministas brasileiras, proposta para o próximo capítulo.
194
Clair Castilhos conta que sua identificação com o feminismo ocorreu no início da década de 1980, o que
nos leva a crer que sua leitura de O Segundo Sexo
tenha ocorrido posteriormente, durante esta década ou
ainda na década de 90. CASTILHO, Clair. Florianópolis: 11 jul. 2003. Entrevista realizada por Janine
Petersen. Clair é representante da Rede Nacional Feminista de Saúde Reprodutiva.
79
CAPÍTULO 3
LEITURAS, REFLEXÕES E APROPRIAÇÕES
Analisando as contribuições de O Segundo Sexo para as teorias de gênero, Luiza
Lobo afirma que uma “ausência de citações ou referências a Simone de Beauvoir na
maioria dos escritos feministas atuais” apesar do “retumbante” sucesso do livro durante as
duas primeiras décadas após sua publicação, em 1949. Segundo a autora, isso ocorre por
dois motivos: o abandono do existencialismo frente ao aparecimento do estruturalismo na
década de 1960, e à rejeição da psicanálise lacaniana pela autora francesa
195
.
Encontram-se, algumas vezes, referências à autora de O segundo sexo
(1949) ou ao seu livro, sempre num capítulo introdutório, geralmente
intitulado ‘Pioneiras’ (...), mas isso é tudo. Com efeito, na leitura dos
livros das feministas francesas, inglesas e norte-americanas logo
evidencia que nem referências a Simone de Beauvoir nem a leitura de O
segundo sexo se incluem nas considerações teóricas ou nas análises
propriamente ditas das feministas após 1970
196
.
Neste sentido, Luiza Lobo, considerando em sua maioria autoras inglesas e norte-
americanas, sinaliza uma das formas pelas quais as feministas utilizaram as teorias e
conceitos de O Segundo Sexo em suas obras
197
. Sobre o contexto nacional, a autora
assegura que o Brasil não é exceção, possuindo igualmente uma ausência de referências a
Simone de Beauvoir e a O Segundo Sexo. Para a autora, “seus conceitos foram
195
LOBO, Luiza. Simone de Beauvoir e depois. Gênero Revista do Núcleo Transdisciplinar de Estudos de
Gênero - NUTEG. Niterói: Ed. UFF, v.1, n.2, P.49-60, 1. sem. 2001.
196
Ibid, P. 49.
197
As obras citadas por Luiza Lobo na citação acima são HUMM, Magie. Pioneers. In: ______. Women as
contemporary critics. London: The Harvester Press, 1986. pt.1, caP.2, P.24-28; e TODD, Janet. Early work.
In: ______. Feminist literary history: a dependence. Oxford: The Polity Press, 1988.
80
incorporados à crítica, e parece que não é preciso explicitá-los”
198
. O único caso de
apropriação do texto de Beauvoir pelas feministas brasileiras apresentado por Luiza Lobo é
o de Maria Lucia Rocha Coutinho, autora de Tecendo por trás dos panos. A mulher
brasileira nas relações familiares, publicado em 1996
199
. Neste, segundo Lobo, a autora
brasileira apenas inclui Simone de Beauvoir na bibliografia, sem discutir e contextualizar
as reflexões trazidas pela autora francesa em O Segundo Sexo.
Partindo desta constatação, atingimos com mais uma problemática o objetivo
central desta pesquisa: examinar também as formas pelas quais algumas feministas
brasileiras responderam a essas leituras através de suas publicações. Alguns livros e textos
publicados por feministas brasileiras, desde a década de 1970 aos dias de hoje,
possibilitam-nos investigar os processos de apropriação do texto de Simone de Beauvoir,
no intuito de percebermos como suas leitoras utilizaram-no em suas produções textuais, e
de que forma manifestaram suas leituras de O Segundo Sexo em seus escritos.
Para tanto, foge aos nossos objetivos uma análise sistemática do conteúdo destes
escritos, ou ainda observarmos unicamente se os sentidos empregados por Beauvoir em O
Segundo Sexo estão sendo “devidamente” tratados nas aplicações das autoras brasileiras
em suas publicações. Como visto no capítulo anterior, as produções de significados
operadas através das leituras são variadas, e desta forma, seria um equívoco tentarmos
qualificá-las entre leitura “certa” e leitura “errada”.
Através das publicações feministas nacionais é possível percebermos a
apropriação das reflexões trazidas em O Segundo Sexo por meio das seguintes situações:
pelas citações indiretas - quando a discussões com a obra de Beauvoir encontram-se
dissolvidas no corpo do texto sem necessariamente apresentar uma referência direta à
autora e/ou ao livro, ou ainda sendo referenciadas na bibliografia e não apresentadas no
198
LOBO, Luiza. Op. cit., P. 50.
199
COUTINHO, Maria Lucia Rocha apud LOBO, Luiza. Op. cit., P. 50.
81
corpo do texto (como no caso de Maria Lucia Rocha Coutinho, citado por Luiza Lobo); e
pelas citações diretas e devidamente referenciadas, seja no corpo do texto e/ou na
bibliografia. Optamos por nos determos apenas aos textos que apresentassem citações
diretas relativas a O Segundo Sexo no corpo do texto, em notas de rodapé e/ou nas
referências bibliográficas - por entendermos que nestas as autoras brasileiras demonstram
objetivamente o modo pelo qual empregaram suas leituras, e desta forma, fica-nos exposto
um registro do entendimento que tinham do texto de Simone de Beauvoir
200
.
2.1 As apropriações nas obras de divulgação feminista: 1960-1980
Datadas do final da cada de 60 aos anos 80, essas publicações formam um
panorama das produções nacionais da chamada Segunda Onda Feminista, momento em
que as feministas diagnosticaram a idéia de “sexo” e de “fatos biológicos” como conceitos
utilizados para justificar e legitimar a opressão das mulheres. Os movimentos feministas
desta época denunciaram a dominação sexista, bem como utilizaram a noção de gênero
para minar o que era denominado como “determinismo biológico”. Distinguindo “sexo” de
“gênero” as feministas não desafiaram os essencialismos contidos nesses termos, como
refletiram sobre as diferenças entre mulheres e homens, uma vez que o conceito de sexo
era carregado pelo teor imutável de algo dado como natural, enquanto o conceito de gênero
abrangia a questão da constituição social do caráter humano das diferenças
201
. Entretanto, o
200 Os livros consultados para esta análise fazem parte do levantamento bibliográfico realizado para a
pesquisa “Revolução do gênero: Apropriações e identificações com o feminismo (1964-1985)”, coordenado
pela Profª. Drª. Joana Maria Pedro, e da qual fui integrante como bolsista de iniciação científica durante os
anos de 2003 e 2004. Foram selecionados os livros identificados com o feminismo da época enfocada em
nível nacional.
201
Ver, a esse respeito, NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas. Florianópolis, v.8,
n.2, P. 09-41, 2000.
82
gênero, enquanto uma categoria de análise utilizada pelas feministas, ganharia uma
reflexão no Brasil a partir dos anos 80
202
.
Durante a década de 60 até meados dos anos 70 o movimento feminista brasileiro
pareceu bastante limitado, apresentando pouca representatividade no âmbito nacional.
Nesse período, as organizações das mulheres restringiam-se, basicamente, a associações de
bairros e clubes de mães, que, além de estarem aliados à Igreja Católica, não se
denominavam feministas
203
. As reivindicações eram por creches, postos de saúde, e outras
questões diretamente ligadas ao cotidiano e contexto em que viviam
204
.
Em 1975, Ano Internacional da Mulher institucionalizado pela Organização das
Nações Unidas ONU -, foram realizados eventos comemorativos nas grandes cidades,
criando um espaço de mobilização social que não era vivenciado no Brasil desde a
instauração da ditadura militar
205
. Entretanto, as reivindicações anteriormente levantadas
pelas organizações de mulheres tornaram-se distantes dos interesses que surgiam em torno
de uma exigência de mobilização política maior, como a questão da anistia as (os)
presas(os) políticas(os). Nesta conjuntura, o movimento de mulheres assume um caráter
feminista e se une aos movimentos de esquerda para engrossarem as reivindicações em
prol da redemocratização do país
206
.
Um exemplo das obras de divulgação feminista publicadas neste contexto - e que
nos mostra uma forma possível de circulação de O Segundo Sexo no Brasil - é o livro de
202
Ver, a esse respeito, CADERNOS PAGU. Debate: Gênero, Trajetórias e Perspectivas. Campinas, SP:
Publicação do PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, n.11, 1998. P. 42-155.
203
Ver, a esse respeito, TELES, Maria Amélia de Almeida. Op. cit.
204
Ver, a esse respeito, MORAES, Lygia Q. de. A experiência Feminista nos Anos Setenta. Araraquara:
UNESP, 1990.
205
Ibid, P. 15-16. Entretanto, devemos lembrar que desde 1972 havia reuniões de “grupos de conscientização
feminista” no Brasil. Ver, a esse respeito, PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do feminismo:
poderes e conflitos (1970-1978). Revista Brasileira de História, São Paulo: Anpuh, n.52, vol. 27, 2007 (no
prelo).
206
Ver, a esse respeito, PINTO, Céli Regina Jardim. Op. cit.
83
Heleieth Saffioti, A mulher na sociedade de classes
207
, publicado pela primeira vez em
1969. Focalizando a questão do trabalho e da condição da mulher através de diálogo
estreito com o debate marxista, a autora apresenta três referências diretas ao texto de
Simone de Beauvoir em seu livro
208
.
Ao tratar do “trabalho feminino”, Saffioti mostra como a mulher sempre esteve
presente e ativa na subsistência da família, mas com o advento do capitalismo suas
atividades passaram então a ser manipuladas, e, em determinados momentos, excluídas do
sistema produtivo. A autora utiliza então uma citação do primeiro volume de O Segundo
Sexo - Fatos e Mitos - para mostrar como esse processo de exclusão teria se afirmado com
a conivência dos homens
209
. Segundo Saffioti:
Por se ter deixado iludir pela identificação da masculinidade com a
capacidade de mando, o homem consente na competição desigual de que
são atores representantes das duas categorias de sexo, com desvantagem
para as mulheres, contribuindo assim, enormemente, para a preservação
de um status quo reificante. Neste contexto, ganha nova dimensão a
asserção de Simone de Beauvoir de que o problema da mulher sempre
foi um problema dos homens’. Como um dos agentes do processo de
mistificação da mulher, o homem, tanto burguês quanto proletário e,
sobretudo, o pertencente aos estratos sociais médios, presta colossal
auxílio à classe dominante e mistifica-se a si próprio
210
.
O trecho do livro de Heleieth Saffioti nos permite observar a forma pela qual a
autora articulou sua problemática às teses de O Segundo Sexo. A constatação de que “o
problema da mulher sempre foi um problema dos homens” é utilizada por Saffioti tanto
para complementar seu raciocínio como para embasá-lo teoricamente sobre o assunto,
gerando um breve diálogo com a reflexão realizada por Simone de Beauvoir.
207
SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit.
208
Heleieth Saffioti utiliza uma edição de O Segundo Sexo publicada pela Difusão Européia do Livro, São
Paulo, de 1961.
209
Ver, a esse respeito, BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1. P. 167.
210
SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit. P. 41.
84
Para Beauvoir “o problema da mulher sempre foi um problema dos homens, na
medida em que “toda a história das mulheres foi feita pelos homens”
211
. Após apresentar
vários exemplos da participação da mulher na sociedade em diferentes lugares e contextos,
Beauvoir conclui:
(...) toda a história das mulheres foi feita pelos homens. Assim como na
América do Norte não um problema negro e sim um problema branco
(Myrdall, América dilemma); assim como ‘o anti-semitismo não é um
problema judeu; é nosso problema’ (J.-P. Sartre, Réflexions sur la
Question juive), o problema da mulher sempre foi um problema de
homens. (...) Eles é que sempre tiveram a sorte da mulher nas mãos; dela
não decidiram em função do interesse feminino; para seus próprios
projetos, seus temores, suas necessidades foi que atentaram
212
.
Ou seja, ao discorrer sobre como as mulheres são subjugadas ou até mesmo
alijadas do sistema produtivo nas sociedades capitalistas com a cumplicidade dos homens,
Heleieth Saffioti passa superficialmente pela questão proposta por Simone de Beauvoir,
retirando a frase de O Segundo Sexo e, consequentemente, ignorando toda a discussão que
a permeia. Observamos que a preocupação de Heleieth Saffioti aproxima-se mais da
condição das mulheres trabalhadoras por uma ótica marxista do que propriamente com as
questões específicas tratadas em O Segundo Sexo, o que se justifica se pensarmos o
contexto brasileiro naquele momento.
Maria Paula Nascimento Araújo, analisando a forma pela qual os movimentos de
“minorias políticas” (como a sexual, étnica, etc.) que marcaram a cena política de esquerda
nas últimas décadas procuram “reinventar a política”, afirma que os artigos das militantes
na imprensa feminista
213
, durante a década de 1970, procuravam “elaborar uma posição
política e teórica que articulasse a especificidade do feminismo com a resistência
211
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1. P. 167.
212
Ibid.
213
A autora utilizou em sua análise os dois dos principais jornais feministas brasileiros das décadas de 1970:
Brasil Mulher e Nós Mulheres, lançados em 1975 e 1976, respectivamente.
85
democrática à ditadura militar e com a luta mais geral pelo socialismo”
214
. Ou seja, para
muitas das feministas brasileiras que vinham da esquerda organizada, neste momento de
mobilização política iniciado em 1964, o objetivo maior era unir às questões feministas, a
luta pela democracia e pela implantação de uma sociedade socialista; era unir o movimento
feminista às lutas gerais partindo de uma base teórica marxista. Não havia para as
feministas marxistas ou socialistas um único inimigo a ser combatido, mas uma luta
simultânea contra a opressão capitalista e a opressão patriarcal
215
.
Uma outra citação de O Segundo Sexo no trabalho de Heleieth Saffoti refere-se
ainda a “dominação masculina sobre as mulheres”. Para a autora, apesar desta não estar
diretamente ligada à estrutura econômica da sociedade, os homens favorecem aos
interesses daqueles que possuem o poder econômico, servindo desta forma de “mediadores
no processo de marginalização das mulheres de sua mesma classe”.
Nestes termos, a determinação genérica sexo opera como uma cunha no
processo de formação da consciência histórica dos homens e das
mulheres na medida em que sofram ambos os efeitos da mística feminina.
Nem estas circunstâncias em que as relações de produção são vistas, por
assim dizer, pelo avesso, nem em situações em que os indivíduos
tivessem plena consciência da verdadeira natureza das relações entre as
classes sociais, caberia esperar o nascimento da solidariedade entre a
totalidade das mulheres, como parecem desejar alguns
216
.
Há dois pontos relevantes a analisarmos neste trecho, e o primeiro deles diz
respeito ao uso do termo “mística feminina” pela autora, fazendo uma alusão ao trabalho
de Betty Friedan. Neste, como em muitos outros momentos na obra, Saffioti fará o uso
deste termo. É bem provável que a leitura do livro da autora norte-americana tenha sido
214
ARAUJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na
década de 70. Rio de Janeiro, IUPERJ, 1998. [Tese de doutorado]. P. 160.
215
GOLDEBERG, Anette. Tudo começou antes de 1975: idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um
feminismo “bom para o Brasil”. In: Relações de gênero X Relações de sexo
. Departamento de Sociologia.
Pós-Graduação. Núcleo de Estudos da Mulher e Relações de Gênero, 1989, P. 11.
216
SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit. P. 78.
86
mais aprazível e objetiva a Saffioti no contexto dos anos 60 da mesma forma que foi para
outras feministas brasileiras - como vimos no capítulo anterior -, em contraposição às
densas reflexões e leituras que O Segundo Sexo exigia para sua compreensão. Adiante,
veremos em que medida a autora norte-americana exerceu influência na elaboração do
trabalho de Saffioti.
O segundo mote leva em consideração a questão da solidariedade entre as
mulheres, sendo neste ponto que Heleieth Saffioti faz referência direta a O Segundo Sexo,
ao final da última frase e em nota de rodapé, afirmando: “caberia esperar o nascimento da
solidariedade entre a totalidade das mulheres, como parecem desejar alguns”. Para Simone
de Beauvoir, há uma “falta de solidariedade e de consciência coletivaentre as mulheres
que as torna “desarmadas diante das novas possibilidades que se abrem para elas”
217
. As
mulheres sentem-se mais solidárias do que os homens, no entanto, não é entre elas que esta
solidariedade é compartilhada, mas sim no mundo masculino
218
. Discorrendo sobre a
campanha sufragista liderada por Hubertine Auclert
219
- que teceu muita influência, mas
conseguiu pouco apoio das próprias mulheres - afirma:
Essa fraqueza do feminismo tem suas causas nas dimensões intestinas;
em verdade, como já disse, as mulheres não são solidárias enquanto sexo;
acham-se primeiramente ligadas à sua classe; os interesses das burguesas
e o das mulheres proletárias não coincidem
220
.
Desta forma, percebemos que Heleieth Saffioti faz uma referência à reflexão que
Simone de Beauvoir empreende sobre a questão da solidariedade entre as mulheres. Na
opinião da autora brasileira, nem que as relações entre as mulheres e os homens mudassem,
217
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1. P. 150.
218
Ver, a esse respeito, BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 2. P. 311-312.
219
Feminista francesa que militou pelos direitos das mulheres à participação política e ao direito ao trabalhar
remunerado durante o período da Terceira República da França, em fins do século XIX. Ver, a esse respeito,
SCOTT, Joan W. A cidadã paradoxal
: as feministas francesas e os direitos do homem. Tradução de Élvio
Antônio Funck. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2002.
220
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1. P. 159.
87
ou que estes adquirissem uma consciência da “verdadeira natureza das relações entre as
classes sociais”, ainda assim não haveria solidariedade entre as mulheres como apontado
pela crítica de Simone de Beauvoir sobre o assunto.
A terceira e última referência direta que Heleieth Saffioti realiza em relação a O
Segundo Sexo, é, na verdade, um uso da fonte para contradizer a autora francesa. Ao tratar
da violência do movimento feminista inglês que caracterizou a campanha pelo voto
feminino em 1914, Heleieth faz a seguinte argumentação em nota de rodapé:
Embora Simone de Beauvoir, op. cit.,p. 161, negue a violência do
movimento feminista inglês, é ela própria quem relata muitas dessas
violências, como a depredação de jardins e obras de arte, o apedrejamento
de policiais etc.
221
.
Para Simone de Beauvoir, a “ação resolutamente militante” empregada pelas
sufragistas em Londres a partir de 1903 marcou uma política de pressão realizada durante
quinze anos pelas feministas inglesas que lembrava “por certos aspectos a atitude de um
Gandhi”
222
. As atitudes que Saffioti qualifica como sendo violentas em seu texto, para a
autora francesa são justificáveis na medida em que representam artifícios hábeis utilizados
pelas sufragistas no intuito de que conseguissem visibilidade para sua luta perante a
sociedade. Em seguida, Beauvoir descreve as atitudes tomadas pelas sufragistas inglesas:
Recusando a violência, inventam sucedâneos mais ou menos engenhosos.
Invadem o Albert Hall durante os comícios do Partido Liberal, brandindo
flâmulas de pano ordinário em que se inscrevem as palavras Vote for
women; penetram à força no gabinete de Lorde Asquith, promovem
comícios em Hyde Park ou Trafalgar Square, desfilam pelas ruas com
cartazes, fazem conferências; no decurso das manifestações, insultam os
policiais ou atacam-nos a pedradas a fim de suscitar processos; na prisão
adotam a tática da greve de fome; angariam fundos, reúnem em torno
delas milhões de mulheres e de homens; impressionam a tal ponto a
221
SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit. P. 116.
222
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1. P. 161.
88
opinião que, em 1907, duzentos membros do Parlamento que
constituem uma comissão para propugnar pelo sufrágio feminino (...)
223
.
Realizando uma crítica a posição tomada por Simone de Beauvoir, Heleieth
Saffioti acaba ignorando o fato de a autora francesa ter qualificado sim como “mais
violentas”
224
as táticas utilizadas pelas sufragistas em 1912, quando então o movimento
inglês começou a adotar práticas de maior impacto na sociedade. Essa declaração é
justificada por Beauvoir na continuação da citação apresentada anteriormente,
precisamente quando a autora afirma “incendeiam casas inabitadas, laceram quadros,
espezinham canteiros, jogam pedras contra a policia”
225
.
Observando os processos de apropriação de O Segundo Sexo realizados por
Heleieth Saffioti em A mulher na sociedade de classes, percebemos que nos primeiros
momentos a autora faz referência a questões discutidas por Simone de Beauvoir,
utilizando-a como um desfecho conclusivo a sua argumentação, sem desenvolver maiores
diálogos. No último dos casos de citação, Saffioti realiza uma crítica ao posicionamento da
autora francesa frente à ação do movimento sufragista inglês, colocando-se contra a
afirmação de Beauvoir a respeito da atuação do mesmo, embora tenha desconsiderado a
afirmação da autora francesa ao final da citação.
Especificando apenas a utilização de uma edição publicada pela DIFEL – Difusão
Européia do Livro, datada de 1961, observamos, através das citações diretas empregadas,
que Saffioti faz referências apenas ao primeiro dos volumes de O Segundo Sexo Fatos e
Mitos.
Trinta anos depois, em uma edição comemorativa do cinqüentenário de O
Segundo Sexo, Saffioti analisaria o uso que fez das teses de O Segundo Sexo em seu livro:
223
Ibid, P. 161.
224
Ibid, P. 162.
225
O voto feminino foi concedido às inglesas em 1918, com restrições, e em 1928, sem restrições. Ibid, P.
162.
89
Ainda que eu não haja, em meu primeiro livro, escrito em 1966 e
publicado em 1969, mencionado a tão feliz frase, a idéia nela contida
devia estar pautando meu pensamento, pois trabalhei o feminino e o
masculino em termos de elaboração social do sexo. Um dos fatores que
me impediram de usar conscientemente O Segundo Sexo e de voltar a lê-
lo para melhor aproveitá-lo foi a leitura do livro de Betty Friedan,
publicado nos Estados Unidos em 1963 (...). Não obstante seu grau de
cientificidade não ser maior do que o do trabalho de Beauvoir, falou-me
mais de perto em virtude de alguns elementos nele presentes, como a
crítica ao método funcionalista e a atualidade dos fatos focalizados
226
.
A autora justifica sua “resistência intelectual” ao O Segundo Sexo como uma
questão de ordem metodológica: sua adesão ao materialismo histórico a teria tornado uma
crítica da visão que considerava como sendo “excessivamente culturalista”
227
. Desta
forma, Saffioti admite ter “aproveitado mal” sua primeira leitura do texto de Simone de
Beauvoir em relação à leitura de A Mística Feminina, de Betty Friedan
228
, e lamenta não
ter citado a frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, como realizado pela maioria
das autoras feministas nas obras de divulgação analisadas. A prova disto seria, além dos
muitos usos que Saffioti faz do termo “mística feminina” em seu livro, uma declaração da
autora em uma outra edição, também comemorativa do cinqüentenário da obra de Simone
de Beauvoir, onde explica sua “fuga” ao texto da autora francesa:
A Betty Friedan tinha uma outra maneira de encarar as coisas, não era
via cultura, porque Simone dedica o segundo volume inteiro, que é muito
maior do que o primeiro, ao estudo dos escritores, dos que escreveram
sobre assuntos que interessavam analisar e ela dava uma importância
muito grande à escritura e eu fugi disso
229
.
226
SAFFIOTI, Heleieth. Primórdios do conceito de gênero. CADERNOS PAGU. Op. cit. 1999. P. 161.
227
O que Heleieth se refere como sendo uma visão “excessivamente culturalista” diz respeito, como a autora
mesmo explica em seu texto, ao conceito de cultura dos anos 1960 que envolvia questões como crenças,
normas e valores, mas não a práxis, pensamento desenvolvido pelo marxismo e por meio do qual percebe, em
termos simples, a teoria articulada a uma ação prática.
228
Ibid, P. 162-163.
229
SAFFIOTI, Heleieth. Conferência: O Segundo Sexo à luz das teorias feministas contemporâneas. In:
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit. P. 32.
90
Heleieth Saffioti afirma ter cometido um equívoco com A Mística Feminina em
meio a “fuga” que empregou das questões trazidas por Simone de Beauvoir quanto as
diferentes experiências das mulheres enquanto moças, mães, lésbicas etc., tratadas em
especial no segundo volume do livro. Desta forma, não percebeu no momento de suas
leituras que Betty Friedan havia plagiado O Segundo Sexo em trechos inteiros. Heleieth
admite sua tardia constatação com certo ar de pesar por não ter conferido o valor merecido
ao texto de Beauvoir:
Lamento até hoje que isso tenha ocorrido. Perdi a oportunidade de beber
da primeira mão e bebi da segunda. Com efeito, aprendi, em janeiro deste
ano, no colóquio comemorativo do meio século do livro de Beauvoir, em
Paris, pelos trabalhos de algumas feministas norte-americanas, que B.
Friedan plagiou não apenas idéias, mas também parágrafos inteiros de O
Segundo Sexo. Reli este livro, porém, não reli o de B. Friedan. Não tenho,
todavia, nenhuma razão para duvidar do plágio, na medida em que a
identidade de vários excertos dos dois livros foi revelado através de
leitura em voz alta no colóquio. O que diferia entre os dois livros, nos
excertos lidos, era o idioma, nada mais. (...). Sinto tristeza de não haver
percebido o plágio e, em função disto, não haver atribuído a quem de
direito o crédito merecido
230
.
O discurso apresentado por Heleieth Saffioti, tanto em sua fala quanto em A
mulher na sociedade de classes, reflete a particular preocupação do movimento feminista
no contexto dos anos 70 no Brasil. Segundo Daniela Manini, o projeto feminista brasileiro
apresentaria diferenças em seu discurso durante as décadas de 70 e 80, caracterizando dois
momentos de propostas distintas dentro do movimento.
231
Nesse sentido, os anos 70 seriam
marcados pela busca da emancipação das mulheres “dada fundamentalmente como uma
questão que passa por dimensões sócio-econômicas do período”, e aliadas a essa, a luta
contra a repressão militar. Enquanto que nos anos 80, com o cenário de abertura política, o
230
SAFFIOTI, Heleieth. Op. cit., 1999, P. 162.
231
MANINI, Daniela. A crítica feminista à modernidade e o projeto feminista no Brasil dos anos 70 e 80.
CADERNOS AEL – Mulher, história e feminismo. N. ¾, 1995/1996. P. 45-67.
91
debate se daria em torno de questões específicas sobre a “condição da mulher”, como a
sexualidade, a contracepção, violência, etc.
Tomando essa distinção proposta por Daniela Manini, consideramos o livro de
Heleieth Saffioti como uma referência do projeto feminista dos anos 70, frente à sua
inquietação com a questão do trabalho e da luta de classes característica do período, como
também vistos nas falas das feministas entrevistadas. Logo Danda Prado, em Ser esposa: a
mais antiga profissão
232
, apresentando uma reflexão sobre a condição da mulher”
subordinada a esfera privada do lar, situar-se-ia numa fase de transição entre os dois
momentos do debate feminista, mostrando a permeabilidade desses discursos. Seu livro
trata tanto de questões como sexualidade e comportamento quanto da questão da
socialização do trabalho doméstico, executado gratuitamente pela esposa, o que acaba
tolhendo-lhe a liberdade para exercer outras atividades fora do lar.
Danda Prado começa sua obra citando O Segundo Sexo em nota de rodapé
exemplar francês da editora Gallimard, de 1968 - ainda no prefácio, e fala da relevância da
autora francesa para as brasileiras ao despertar “dúvidas sobre as atribuições e os valores
admitidos para as mulheres de nossa sociedade”
233
. Para a autora, enquanto eram ainda
adolescentes, ela e outras de sua época, haviam sido “despertadas” por Simone de
Beauvoir em relação às questões que permeavam a situação das mulheres e o meio em que
estavam inseridas. “Isso faz parte de minha história pessoal”
234
, ressalta Danda Prado.
Na introdução do livro, ao tratar da bibliografia existente sobre “o papel da
mulher como mãe”, Danda Prado alega que um número considerável de pesquisas e
estudos sobre o assunto, citando autoras como Ana Freud e Melanie Klein, entre outras
232
PRADO, Danda. Op. cit.
233
É necessário, porém, fazermos uma ressalva, de que, embora faça referência às brasileiras, seu livro é
resultado de uma pesquisa realizada com as mulheres francesas, em decorrência dos anos que a autora
brasileira morou no país. Ver, PRADO, Danda. Op. cit.
, 09.
234
Ibid, P. 10.
92
(os). Contudo, afirma a autora, Foi a partir da obra de Simone de Beauvoir, que as
mulheres começaram a ser encaradas como indivíduos e/ou produtos de um desígnio social
que as condiciona, deformando-as: ‘A mulher não nasce mulher, ela se torna’
235
Segundo Danda Prado, a “literatura de orientação feminista”
236
é desenvolvida
desde a década de 60, entretanto, seu surgimento é marcado pelo texto de Simone de
Beauvoir. A autora francesa mostrou-se pioneira ao situar as mulheres no contexto
histórico refletindo sobre seus papéis na sociedade (mãe, esposa etc.), o que “não havia
sido feito nessa escala anteriormente”.
237
No entanto, Danda Prado não extrapola em muito
as fronteiras da reverência a Simone de Beauvoir, limitando-se à citação da emblemática
frase de O Segundo Sexo e a utilização deste como fonte para citar outros autores.
Ainda na introdução, Danda Prado apresenta a metodologia em relação ao O
Segundo Sexo que empregará em todo o seu trabalho. O texto de Simone de Beauvoir é
utilizado pela autora brasileira como forma de alcançar outras leituras relevantes para sua
pesquisa, como por exemplo, Engels. Depois da seguinte constatação: “Beauvoir integra no
seu trabalho o ensaio de Engels sobre a origem da família”, Danda Prado não apresenta
mais nenhuma reflexão sobre o estudo da autora francesa.
A próxima citação direta ao texto de Simone de Beauvoir ocorre no segundo
capítulo do livro, intitulado O conteúdo do papel de esposa na França no início dos
tempos modernos, não como forma de dialogar com questões debatidas em O Segundo
Sexo, mas sim para extrair citações de Balzac sobre a noção de família no século XIX
238
.
Ainda no mesmo capítulo, ao tratar das perturbações sofridas pelas jovens nos primeiros
meses depois do casamento, Danda Prado utiliza o testemunho de Sophie Tolstoi retirado
235
Ibid, P. 16.
236
Entendida pela autora como “aquela que tem por finalidade colocar em discussão a distinção entre as
mulheres como indivíduos com características específicas a seu sexo e as mulheres confundidas com seus
papéis biossociais: mãe, esposa, etc”. Ibid, P. 16.
237
Ibid, P. 17.
238
Ibid, P. 54.
93
também de O Segundo Sexo, e justifica seu uso pela raridade de publicações
autobiográficas de mulheres no século XIX.
Em outros momentos, Danda Prado utiliza mais fragmentos de outros autores
citados em O Segundo Sexo, contudo, são apenas em dois trechos na totalidade do livro
que a autora utiliza menções de autoria de Simone de Beauvoir. Na primeira delas, ao
tratar da questão da virgindade no culo XIX, a autora afirma que em várias aldeias
francesas a apresentação dos lençóis manchados de sangue aos parentes na manhã seguinte
ao casamento era uma forma de provar a castidade da moça. Em seguida a essa explicação,
Danda Prado referencia O Segundo Sexo com uma passagem de Simone de Beauvoir,
embora não realize qualquer comentário sobre a menção empregada. Ou seja, a referência
serve apenas como uma ilustração àquilo que a autora está propondo. Observemos a
citação utilizada por Danda Prado:
Motivos racionais têm, certamente, um papel na imposição das virtudes
ditadas às jovens: assim como a castidade da esposa, a inocência da noiva
é necessária para que o pai não corra nenhum risco de legar seus bens a
uma criança estranha
239
.
Em O Segundo Sexo, ao tratar dos tabus nas sociedades de direito paterno - onde
a mulher é propriedade do homem, e neste sentido, ele lhe exige virgindade e fidelidade
Beauvoir mostra que “a castidade é imposta à mulher por motivo de ordem econômica e
religiosa, devendo cada cidadão ser autentificado como filho de seu pai”.
240
A segunda citação direta de autoria de Simone de Beauvoir ocorre no terceiro
capítulo do livro, Aprendizagem do papel de esposa na França no início dos tempos
modernos. Logo após utilizar um testemunho contido em O Segundo Sexo
241
- onde uma
239
BEAUVOIR apud PRADO, Danda. Op. cit. 65.
240
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol 1, P. 234.
241
Simone de Beauvoir utiliza em O Segundo Sexo vários depoimentos colhidos pelo psiquiatra Wilhelm
94
jovem de 28 anos confidencia ao psiquiatra Wilhelm Stekel sua ingenuidade em relação ao
ato sexual - Danda Prado apresenta ainda uma observação da autora francesa sobre a
passagem:
O noivado é destinado precisamente a criar gradações na iniciação da
jovem; mas às vezes os costumes impõem aos noivos um extremo recato.
No caso em que a virgem ‘conhece’ seu futuro marido durante esse
período, sua situação não é muito diferente daquela da recém-casada:
cede somente porque considera seu compromisso o definitivo quanto
um casamento e o primeiro coito toma o caráter de uma provação; uma
vez que se entregou – ainda que não tenha engravidado, o que a amarraria
ainda mais – é muito raro que ouse voltar atrás
242
.
A exemplo da primeira citação direta a O Segundo Sexo, nesta Danda Prado
também não apresenta nenhuma reflexão a partir da referência que utiliza. A apropriação
realizada pela autora brasileira de fragmentos do texto de Beauvoir não excede o caráter
ilustrativo e exemplificativo. Danda Prado não dialoga diretamente com os trechos que
extrai de O Segundo Sexo, uma vez que o uso destes se faz no intuito de fundamentar suas
análises com bases em outros (as) autores(as), e entre estes(as), Simone de Beauvoir.
Seguindo ainda a perspectiva proposta por Daniela Manini em relação aos
projetos feministas, Reflexões sobre o cotidiano
243
, publicado nos anos 80, apresenta três
textos - intitulados Beauvoir, uma amante da vida, Beauvoir e o feminismo, e E porque
entramos nessa? - em que a autora Marta Suplicy realiza menções ao texto Simone de
Beauvoir. Nestes, podemos observar o desenvolvimento de um diálogo com O Segundo
Sexo na medida em que a autora brasileira parte das questões levantadas por Simone de
Beauvoir e de aspectos da sua vida pessoal objetivando desenvolver suas reflexões.
Contudo, deter-nos-emos apenas ao artigo em que Marta Suplicy debate com as teses de
Stekel e publicados em sua obra La Femme Frigide, traduzido para o português como A Mulher Fria: Estudo
Minucioso da Frigidez Feminina (RJ, Civilização Brasileira, 1953).
242
BEAUVOIR apud PRADO, Danda. Op. cit., 105.
243
SUPLICY, Marta. Reflexões sobre o cotidiano. [S.L]: Espaço e Tempo, 1986.
95
Beauvoir em O Segundo Sexo, e desta forma ignorando Beauvoir, uma amante da vida e
Beauvoir e o feminismo, ao vermos que estes tratam unicamente de discussões em torno da
vida íntima da autora francesa.
No texto, E por que entramos nessa?, em especial, observamos o diálogo de
Marta Suplicy com a segunda parte do primeiro volume de O Segundo Sexo História,
onde Simone de Beauvoir busca situar historicamente as origens da soberania masculina ao
estabelecimento do patriarcado na sociedade:
Assim, o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de
uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio
biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos
soberanos. Eles nunca abdicaram o privilégio; alienaram parcialmente sua
existência na Natureza e na Mulher, mas reconquistaram-na a seguir.
Condenada a desempenhar o papel do Outro, a mulher estava também
condenada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é
ela que escolhe seu destino
244
.
Neste artigo, Marta Suplicy discute sobre o fato de as propostas de Simone de
Beauvoir suscitarem reflexões a respeito das formas pelas quais as mulheres aceitam o
“eterno feminino” e seus condicionamentos. Marta põe em questão a valorização das
“capacidades masculinas” em detrimento das qualificadas como femininas”, como, por
exemplo, a maternidade. Segundo a autora, referindo-se às mulheres nas sociedades
primitivas:
Parte acredito que sejam pelos argumentos de Beauvoir, onde o ato de
criar e não o de reproduzir passou a ser considerado também por ela mais
importante. Mas acredito que talvez a própria condição natural dela a
inferiorizou: o cerceamento da sua locomoção pela maternidade e a
menor força física, em época onde os dois fatores eram vitais, deve ter
levado essa mulher a se sentir menos que o homem
245
.
244
Ibid, P. 91.
245
Ibid, P. 318.
96
A partir do trecho percebemos que Marta Suplicy vai além das reflexões propostas
de Beauvoir, formulando suposições ao buscar as razões pelas quais as mulheres se
deixaram submeter ao poder patriarcal. Para a autora brasileira tanto o “ato de criar”
quanto a própria “condição natural” da mulher foram fatores que a inferiorizaram em
relação ao homem.
Quando discorre sobre a importância do aspecto criativo no homem, que desta
forma “transcende à espécie”, Marta faz referência ao estudo da autora francesa afirmando:
Outra idéia que me ocorreu, diferente da de Simone de Beauvoir, que
alude ao conluio da mulher com o homem porque no fundo ela aceitava a
importância maior da geração de idéias que seria o que difere o homem
do animal, penso que o homem percebeu a superioridade da mulher (sua
capacidade reprodutiva) e tratou de minimizar essa condição
246
.
Ao mesmo tempo em que interpela os pontos levantados por Simone de Beauvoir
em O Segundo Sexo, questionando a posição apresentada pela autora francesa, Marta
Suplicy defende que os homens, frente a uma “superioridade das mulheres” trataram de
desqualificar as “capacidades femininas”. Já Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo,
nega o uso dos superlativos como forma de qualificar as aptidões entre homens e mulheres.
A passagem de Marta Suplicy marca o posicionamento diferencialista da autora brasileira
frente ao igualitarismo expressado por Simone de Beauvoir.
Questionando a palavra “Homem” como categoria universal para ambos os sexos,
as feministas da Segunda Onda utilizavam a palavra “Mulher” em suas reivindicações no
intuito de mostrar que o “homem universal” não incluía as questões específicas das
mulheres. Desta forma, através da categoria “Mulher” é que elas reafirmavam uma
identidade separada da masculina. A maneira como passaram a apregoar essa identidade
fez com que fossem consideradas “diferencialistas” por fundamentarem na diferença
246
Ibid, P. 320.
97
sexual a sua identidade em comum, assim como defendiam a “feminização do mundo” - ou
“igualitaristas” aquelas que reivindicavam a participação das mulheres na esfera pública
em igualdade de condições com os homens.
247
Para a autora francesa, “Se quisermos ver
com clareza devemos sair desses trilhos; precisamos recusar as noções vagas de
superioridade, inferioridade, igualdade que desvirtuam todas as discussões e reiniciar do
começo
248
.
Através dos textos de Marta Suplicy em Reflexões sobre o cotidiano, percebemos
que o entendimento da autora brasileira das questões propostas em O Segundo Sexo, assim
como as demais autoras brasileiras, não ultrapassam as referências ao primeiro volume da
obra de Simone de Beauvoir. Os diálogos que são mantidos com o debate teórico travado
pela autora francesa no volume Fatos e Mitos, fazem menções às questões concernentes
aos aspectos biológicos, psicanalíticos, e, principalmente, históricos da situação das
mulheres na sociedade. Entretanto, Marta não foge da atitude tomada por outras autoras
feministas deste mesmo período, atentando igualmente ao caráter precursor de O Segundo
Sexo ao chamar a atenção para a atualidade das reflexões apresentadas por Beauvoir em
1949: “Os temas levantados por Simone de Beauvoir na sua vida e obra são hoje ainda
fundamentais (...)”. E conclui, pensando o futuro: “Há muito que discutir e Simone de
Beauvoir, quase meio século depois, ainda coloca as grandes questões”. No capítulo
Beauvoir e o Feminismo, após uma breve apresentação de Simone de Beauvoir e sua obra,
Marta Suplicy rende-lhe reverências, afirmando: “acho que sua grande marca na história
está na coerência como viveu o que acreditava e ter conseguido explicitar o que vivia”
249
.
247
Ver, a esse respeito, PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa
histórica. História, Franca, v. 24, n. 1, 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000100004&lng=pt&nrm=iso
. Acesso em: 20 set. 2006.
248
BEAUVOIR, Simone. OSS. Vol. 1. P. 21.
249
SUPLICY, Marta. Op. cit., P. 63.
98
Importante atentarmos para o fato de que sobre os aspectos da vida pessoal e
profissional de Simone de Beauvoir, abordados nos artigos Beauvoir, uma amante da vida
e Beauvoir e o feminismo, Marta Suplicy utiliza basicamente dois livros que estavam sendo
lançados no Brasil nesta época: Simone de Beauvoir
250
, uma biografia realizada por
Claudel Francis e Fernande Gontier, e Simone de Beauvoir hoje
251
, uma série de
entrevistas que a autora francesa concede a Alice Schwarzer. Ou seja, parte do
entendimento que Marta Suplicy apresenta das questões discutidas por Simone de
Beauvoir foram possivelmente apreendidas pela autora, e abordadas em seus textos,
através de livros sobre a vida e obra da autora francesa.
As produções feministas dos anos 80, além de afirmarem a existência de uma
suposta “identidade feminina” através da valorização das diferenças e das reivindicações
específicas às mulheres, buscaram ainda traçar a história do feminismo, dando visibilidade
às lutas e conquistas das mulheres “esquecidas” pela historiografia. Neste período, temos a
publicação de dois livros no Brasil relevantes a esta análise: Ideologia e feminismo
252
e O
Que é Feminismo
253
.
Ainda na epígrafe de Ideologia e feminismo, Branca Moreira Alves faz sua
primeira referência e saudação a Simone de Beauvoir ao escolher uma frase da autora para
abrir sua obra: “Toda a História das mulheres foi escrita pelos homens”. Alves dedica o
trabalho à suas companheiras e sinaliza como objetivo deste traçar uma “busca de nossa
História”
254
. Na introdução do livro- que trata da história do movimento sufragista
brasileiro - a autora atenta para o silêncio historiográfico no que diz respeito às mulheres
250
FRANCIS, Claude; GONTIER, Fernand. Op. cit.
251
SCHWARZER, Alice. Op. cit.
252
ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo. A luta da mulher pelo voto. Petrópolis: Vozes, 1980.
253
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O Que é Feminismo. edição. São Paulo: Brasiliense,
1991.
254
ALVES, Branca Moreira. Op. cit, P. 11.
99
utilizando o termo “segundo sexo” empregado por Simone de Beauvoir para designá-las
sem, no entanto, discuti-lo em profundidade:
Os livros de História praticamente não registram a presença do ‘segundo
sexo’, deste ‘produto intermediário entre o macho e o eunuco’ (...) Foi
preciso que as próprias mulheres, ao se conscientizarem da injustiça
secularmente perpetrada contra seu sexo por uma cultura que o condena
ao silêncio da História, fossem buscar o seu passado escondido e
ressuscitassem as vozes de suas companheiras
255
.
Neste caso observamos que a autora, citando O Segundo Sexo em nota de rodapé
versão francesa da editora Gallimard, de 1949 -, faz uma alusão ao texto de Beauvoir
sem discorrer, no entanto, sobre a constituição da mulher enquanto o “segundo sexo” - ou
mesmo o “Outro” em relação ao homem -, além de apresentar uma breve conceitualização
fornecida por Beauvoir, de que a mulher é, neste sentido, o “produto intermediário entre o
macho e o castrado que qualificam de feminino”.
256
Em outras palavras, menção ao
conceito sem uma discussão quanto à significação empregada por Beauvoir. Sobre a
mulher enquanto o “Outro”
257
, a autora francesa explica sua asserção:
Ela não é senão o que o homem decide que seja; daí dizer-se o sexo’
para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado:
para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-
se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a
fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o
Absoluto; ela é o Outro
258
.
Lembremos, contudo, que a leitura efetuada por Branca Moreira Alves do texto de
Simone de Beauvoir voltou sua atenção a outras questões mais pertinentes aos seus
objetivos para aquele momento, que não era a de propor uma discussão com o conceito de
255
Ibid.
256
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 2. P. 09.
257
Simone de Beauvoir indica sua fonte em nota de rodapé: “Essa idéia foi expressa em sua forma mais
explícita por E. Levinas em seu ensaio sobre Les Temp set l’Autr”. BEAUVOIR, Simone de. OSS
.Vol. 1. p,
10.
258
Ibid, P. 10.
100
“o segundo sexo”, utilizado pela autora de forma ilustrativa, mas sim de abordar a história
do movimento sufragista brasileiro.
Branca Moreira Alves cita ainda várias autoras para exemplificar a atuação do
movimento feminista contemporâneo em relação ao “papel da mãe”, como é o caso de
Sheila Rowbotham, Juliet Mitchel, Kate Millet, Shulamith Firestone, e entre estas, Simone
de Beauvoir
259
. Desta forma, observamos a preocupação que as autoras brasileiras têm em
estarem citando autoras feministas internacionais em seus trabalhos como uma forma de
apresentarem-se inseridas em um debate mais amplo promovido pelo movimento
feminista, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Caracterizando um período na
história das leituras feministas, Simone de Beauvoir aparece - ao lado de Betty Friedan -
como uma das autoras mais citadas nos escritos feministas nacionais deste período.
Segundo Branca Moreira Alves:
O livro precedeu quase 20 anos o ressurgimento do feminismo atual e
formou a base teórica que será retomada na década de 1960. Sua
publicação ocorreu no momento em que os meios de comunicação
projetavam a imagem da mulher doméstica para forçar seu retorno ao lar
no pós-guerra. O poder da ‘mística feminina’ assim alardeada através dos
mecanismos de transmissão ideológica serviu de anteparo contra a
mensagem do livro e dificultou sua penetração. A década de 50 foi o
intervalo entre a geração ativa dos anos da guerra, e aquela que começaria
a se rebelar contra a ‘mística’
260
.
A partir desse trecho, a autora dá continuidade a seu texto discorrendo sobre Betty
Friedan e a relevância de A Mística Feminina para o movimento feminista. Interessante
observar como a autora marca o contexto de publicação de O Segundo Sexo com o termo
empregado por Friedan ao discorrer sobre a manipulação das mulheres norte-americanas
na década de 50 pelo que ela veio a denominar de “mística feminina”. Desta forma, Alves
259
Ibid, P. 63.
260
Ibid, P. 186.
101
acaba por atrelar as duas análises a propostas de igual conjuntura, apagando o lugar e o
momento do discurso apresentado no texto de Simone de Beauvoir. Contudo, devemos
lembrar, mais uma vez, sobre a liberdade da leitura. Segundo Certeau
261
, a imagem das
leitoras e dos leitores está implícita no anseio das autoras e autores, que acreditam em uma
suposta “passividade” do público diante de seus escritos. Entretanto, os (as) leitores (as)
imprimem suas marcas através da leitura, permitindo uma “pluralidade indefinida de
significações” de um mesmo texto
262
.
As leitoras de O Segundo Sexo apresentam-se como exemplos dessa liberdade da
leitura em relação ao texto lido, e, por conseqüência disto, observamos as variações nos
sentidos empregados àquilo que foi lido num determinado momento. Ou seja, realizar essa
conexão entre as duas obras fez sentido para Branca M. Alves neste período.
Citando ainda a máxima “ninguém nasce mulher, torna-se mulher” sem maiores
comentários, e apresentando um breve resumo de O Segundo Sexo, é à crítica que Simone
de Beauvoir realiza ao marxismo que Branca Moreira Alves atenta com maior interesse,
afirmando:
A ruptura ideológica ocorre com a publicação do livro de Simone de
Beauvoir, O Segundo Sexo (1949). Acrescentando às análises feitas por
Engels e Bebel, o livro traz uma dimensão psicológica, que extrapola as
limitações de uma explicação unicamente econômica. Estuda a fundo o
desenvolvimento psicológico da mulher e os condicionamentos que ela
sofre durante o período de sua socialização, condicionamentos que, ao
invés de integrá-la ao seu sexo, tornaram-na alienada, treinada para ser
mero apêndice do homem
263
.
Em O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir discute a condição histórica da mulher
tomando por base a perspectiva adotada por Engels em A origem da família, da
261
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994, P. 260-265
262
Ibid, P. 265.
263
ALVES, Branca Moreira. Op. cit. P. 185.
102
propriedade privada e do Estado, para o qual a história das mulheres dependeria
fundamentalmente da história do desenvolvimento das técnicas. Para a autora francesa, o
materialismo histórico além de não fornecer soluções a problemas que vão além dos
fatores puramente econômicos, como, por exemplo, a constatação de que a divisão do
trabalho confina a mulher nos afazeres domésticos enquanto o direito a propriedade é
repassado de pai para filho
264
. Tais questões, para Beauvoir, interessam à humanidade em
sua totalidade e podem ser melhor compreendidas a partir da perspectiva da moral
existencialista:
Assim recusamos pela mesma razão o monismo sexual de Freud e o
monismo econômico de Engels. Um psicanalista interpretará todas as
reivindicações sociais da mulher como um fenômeno de ‘protesto viril’.
Ao contrário, para o marxista, sua sexualidade não faz se não exprimir
por desvios mais ou menos complexos sua situação econômica; mas as
categorias ‘clitoridiana’ ou vaginal’, tal qual as categorias ‘burguesa’ e
‘proletária’, são igualmente impotentes para encerrar uma mulher
concreta. Por baixo dos dramas individuais como da história econômica
da humanidade, uma infra-estrutura existencial que permite, somente
ela, compreender em sua unidade essa forma singular que é uma vida
265
Particularmente interessada na crítica que Simone de Beauvoir empreende a uma
análise meramente econômica da “condição da mulher”, Branca M. Alves reflete uma
preocupação das autoras feministas daquele período. Durante a década de 80 o
surgimento de novos enfoques para a tematização da condição das mulheres, trazendo
questões como direito ao corpo, sexualidade, saúde da mulher, entre outras. Continuava a
ser feita no país, a exemplo da década de 70, uma problematização quanto à situação
política, econômica e social dentro dos parâmetros do materialismo histórico, no entanto,
os movimentos feministas tornavam cada vez mais visíveis suas reivindicações específicas
em relação às mulheres buscando para tanto novas formas de abordagem.
264
BEAUVOIR, Simone de. OSS. Vol. 1, P. 173.
265
Ibid. P. 80.
103
Seguindo nossa análise, podemos observar ainda uma discussão restrita com as
questões trazidas por O Segundo Sexo em O Que é Feminismo
266
, de Branca Moreira
Alves e Jaqueline Pitanguy. Nesse livro as autoras apresentam considerações básicas sobre
o feminismo, na intenção de introduzir as (os) leitoras (es) leigas (os) os principais
conceitos e idéias sobre o tema. Para elas, a obra de Simone de Beauvoir foi um “marco na
medida em que delineia os fundamentos da reflexão feminista que ressurgirá a partir da
década de 60”
267
. E, desta forma, apenas realizando menções esparsas quanto à relevância
de O Segundo Sexo e de Simone de Beauvoir para os movimentos feministas, que as
autoras citam a obra.
Simone de Beauvoir estuda a fundo o desenvolvimento psicológico da
mulher e os condicionamentos que ela sofre durante o período de sua
sociabilização, condicionamentos que, ao invés de integrá-la a seu sexo,
tornam-na alienada, posto que é treinada para ser mero apêndice do
homem
268
.
Apresentar brevemente as principais questões que possam definir “o que é o
feminismo” justifica as escassas referências a O Segundo Sexo. Ou seja, as autoras não
tinham por objetivo realizar um diálogo denso com as teses defendidas por Simone de
Beauvoir, mas sim divulgar concisamente a história do feminismo através de seus aspectos
mais relevantes. Em nenhuma das outras autoras importantes para a história do feminismo
citadas como, por exemplo, Kate Millet e Juliet Mitchell - o desenvolvimento de uma
reflexão maior. O que podemos destacar é que as considerações feitas a Simone de
Beauvoir e ao seu texto neste livro não escapam em muito as formas de apropriação
realizadas neste período em relação a citações dos demais textos de autoras internacionais
como as citadas anteriormente.
266
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. Op. cit.
267
Ibid, P. 52.
268
Ibid, P. 52.
104
A partir dos projetos feministas dos anos 70 e 80, percebemos que as publicações
destes períodos não tinham por objetivo propor uma reflexão situada unicamente na
discussão de O Segundo Sexo. Contudo, este fator não invalida uma análise das
circulações do texto de Beauvoir nos escritos feministas nacionais.
A manifestação do entendimento das autoras brasileiras em relação a O Segundo
Sexo fica-nos exposta não apenas pelas citações diretas que estas selecionam para
incluírem em seus textos, mas principalmente pelo tratamento que dão as referências
utilizadas. Centradas, em um primeiro momento, em destacar o pioneirismo da obra
rendendo elogios a Simone de Beauvoir, as autoras feministas brasileiras dialogam
superficialmente com suas teses, fazendo uso de suas passagens mais conhecidas. Outra
característica destacada nestes processos de apropriação são as formas pelas quais as
autoras realizam críticas tímidas aos questionamentos da autora francesa, empregando-a
em suas reflexões como forma de legitimar o que está sendo apresentado, mostrando-se
assim inseridas no círculo de leituras feministas relevantes para época.
2.2 Cinqüentenário de O Segundo Sexo no Brasil: edições comemorativas
A crescente presença dos estudos sobre as mulheres na historiografia que vinham
sendo realizados desde os anos 70, no intuito de reintegrá-las enquanto sujeitos da história
e objetos de estudo, ganharam notoriedade após a incorporação do gênero como categoria
de análise
269
. O gênero foi considerado como um conceito mais neutro e objetivo para os
estudos que tivessem as mulheres em suas temáticas, e conseqüentemente, fornecia uma
legitimidade maior dentro da academia
270
. Concomitante a esse debate na historiografia,
269
COSTA, Cláudia de Lima. O Tráfico do Gênero. CADERNOS PAGU. Op. cit. 1998, P. 134.
270
MATOS, Maria Izilda S. de. Estudos de Gênero: Percursos e possibilidades na historiografia
contemporânea. CADERNOS PAGU. Op. cit 1998, P. 73.
105
assim como em outras disciplinas, os movimentos feministas se destacavam cada vez mais
no cenário internacional.
No Brasil, os estudos de gênero estiveram, inicialmente, voltados para a
desnaturalização e dessencialização das identidades sexuais, sendo o sistema relacional
proposto - feminino entendido apenas em relação ao masculino -, e não a questão das
relações de poder, o aspecto de maior impacto para a reflexão nacional
271
. Segundo
Margareth Rago, sobre este período:
Da história das mulheres passamos repentinamente a falar na categoria do
gênero, entre as décadas de 1980 e 1990. Uma imensa literatura abriu-se,
então, para nós: as pós-estruturalistas, com Derrida e Foulcault à frente,
dissolvendo os sujeitos e apontando para a dimensão relacional da nova
categoria; as marxistas, procurando integrar rapidamente a nova categoria
em seu sistema de pensamento, sempre muito preocupadas em garantir o
lugar outrora hegemônico e agora compartilhado do conceito de classe.
(...) E finalmente, acenavam as psicólogas, com suas propostas e
interpretações , mais ligadas às questões da maternidade e da crítica ao
patriarcado
272
Influenciadas por leituras como o artigo da historiadora norte-americana Joan W.
Scoot, “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”
273
, as pesquisadoras não tardaram
em defender o gênero como efeito de construções sociais e culturais das diferenças
fundadas no sexo
274
. Apenas na década de 90 é que os temas e as abordagens em relação
aos estudos de gênero tornaram-se mais abrangentes, juntamente com a diversificação de
fontes e métodos de análise propostos pela história cultural.
Para algumas das autoras feministas brasileiras, Simone de Beauvoir fundou as
bases para o que, posteriormente, veio a ser conceitualizado como estudos de gênero,
através de sua frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Segundo Heleieth Saffioti:
271
Ver, a esse respeito, COSTA, Cláudia de Lima. CADERNOS PAGU. 1998. Op. cit
272
RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. CADERNOS PAGU. Op. cit 1998, P. 91
273
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Jul/Dez. pg 05-22.
Porto Alegre, 1990.
274
RAGO, Margareth. Op. cit. P. 89.
106
“Essa frase, na verdade, reúne o único consenso que existe entre as feministas a respeito do
gênero. Todo mundo diz: gênero é uma construção social”
275
. Outras autoras nacionais
concordam quanto ao caráter precursor de Beauvoir em relação ao gênero:
Não foi ela quem estabeleceu uma espécie de metodologia para o estudo
de gênero com a famosa frase ‘não se nasce mulher, torna-se’? Não é
exatamente essa a substância do conceito de ‘relações de gênero’? (Maria
Lygia Quartim de Moraes)
276
A própria constituição do campo de saber instituído sobre os ‘estudos de
gênero’ deve a Simone de Beauvoir boa parte de sua inspiração (Marlise
Miriam de Matos Almeida)
277
Ao final da década de 90, precisamente em 1999, O Segundo Sexo completava os
cinqüenta anos de sua primeira publicação, o que lhe renderia apenas duas edições
comemorativas no Brasil: Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas, do NEIM
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da UFBA, através da Coleção
Bahianas
278
, e Simone de Beauvoir & os feminismos do culo XX, do Cadernos Pagu.
279
Por abordarem O Segundo Sexo como tema central da maioria dos textos, essas edições
trazem uma reflexão direta sobre o ensaio de Beauvoir, e são significativos na medida em
que ambos propõem uma reavaliação da obra para o feminismo, bem como homenagens a
autora francesa pelo seu vanguardismo. Diferente das obras anteriormente citadas, as
discussões apresentadas nos referidos textos tinham por objetivo refletir unicamente sobre
o cinqüentenário da obra e sua autora.
275
SAFFIOTI, Heleieth. O Segundo Sexo à luz das teorias feministas contemporâneas. In: MOTTA, Alda
Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit. P. 22.
276
MOARES, Maria Lygia Quartim de. Simone de Beauvoir e o amor americano. CADERNOS PAGU. Op.
cit. 1999. P. 100.
277
ALMEIDA, Marlise Miriam de Matos. Uma luz em nosso caminho. CADERNOS PAGU. Op. cit., 1999,
P. 146.
278
MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit.
279
CADERNOS PAGU. Op. cit.1999.
107
Coleção Bahianas, é uma das principais publicações do NEIM, criado em 1983 e
vinculado a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, que tem por objetivo
ser um veículo de divulgação dos trabalhos no campo dos estudos feministas que vem
sendo realizados na Bahia
280
. Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas é o
quinto volume da coleção, e resultado de discussões realizadas no V Simpósio Baiano de
Pesquisadoras (es) sobre Mulher e Relações de Gênero, tendo parte desse evento sido
dedicado ao debate sobre Simone de Beauvoir e análise de O Segundo Sexo. Nesta edição,
observamos algumas características comuns nos artigos que discutem O Segundo Sexo. As
autoras, em sua grande maioria, apresentam um breve resumo da obra e da vida de Simone
de Beauvoir, dando ênfase às questões mais conhecidas, como seu relacionamento com
Sartre, a influência da filosofia existencialista e o pioneirismo de seu estudo. Nesse
sentido, Alda Britto da Motta em A Simone, com carinho, artigo que fecha a seção
comemorativa do cinqüentenário da obra, afirma: “É ainda a mestra, então, que contemplo:
a vanguardista social, e do feminismo em particular, a analista de aguda percepção, cujas
idéias em grande parte lhe sobrevivem e nos servem”
281
Entretanto, é para além dessas generalidades, observadas nas publicações das
décadas de 70 e 80, que estará direcionado o foco para as análises das obras
comemorativas do cinqüentenário de O Segundo Sexo, no intuito de percebermos não
somente as continuidades, mas as descontinuidades de cada período de leitura do texto.
Em O Existencialismo e a Condição Feminina
282
, por exemplo, Elizete Passos
propõe uma discussão com a principal base filosófica que fundamentou O Segundo Sexo.
A autora discute alguns conceitos da filosofia existencialista utilizados por Simone de
280
Ver, a esse respeito, o site do NEIM na internet. Disponível em: <http://www.neim.ufba.br/>. Acesso em:
05 set. 2006.
281
MOTTA, Alda Britto. A Simone, com carinho. In: MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília;
GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit.
282
PASSOS, Elizete. O Existencialismo e a Condição Feminina. In: MOTTA, Alda Britto da;
SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit.
108
Beauvoir objetivando demonstrar como o existencialismo serviu de “ponto de partida” para
a análise realizada sobre a “condição feminina”.
Observando a forma pela qual Elizete Passos está referenciando O Segundo Sexo,
percebemos que grande parte da reflexão proposta pela autora não provem propriamente do
texto de Simone de Beauvoir
283
. A discussão realizada pela autora brasileira perpassa
leituras atuais, como Judith Butler
284
e Andrea Nye
285
que propõem em seus trabalhos
diálogos com a autora francesa. Ao tratar da questão do “tornar-se” em O Segundo Sexo,
por exemplo, Passos cita a reflexão realizada por Butler
286
e não a de Beauvoir sobre o
assunto:
A pergunta que se faz é: ‘como pode o gênero ser escolha e construção
cultural?’ O que ela responde ao dizer que ‘não nascer, mas tornar-se uma
mulher não implica que esse tornar-se percorre um caminho da liberdade
desencarnada a uma incorporação cultural’
287
Ou seja, a compreensão da leitura de Elizete Passos sobre O Segundo Sexo fica
evidenciada através da articulação que a autora realiza com outras leituras contemporâneas.
Desta forma, o sentido atribuído pela autora a algumas das questões levantadas por
283
A autora utiliza neste artigo uma edição de O Segundo Sexo publicada pela editora Nova Fronteira, São
Paulo, no ano de 1980.
284
Judith Butler é filósofa e escritora norte-americana. Entre suas publicações destaco Problemas de gênero:
feminismo e subversão da identidade (SP: Civilização Brasileira, 2003) publicado recentemente no Brasil. A
autora questiona os processos pelos quais nos tornamos sujeitos quando adotamos identidades sexo/gênero.
Para Butler o sujeito não é dado, mas es num permanente tornar-se. Analisando a frase de Beauvoir
“ninguém nasce mulher; torna-se mulher”, Butler defende que o gênero é uma seqüência de atos
perfomativos (em constante processo de tornar-se), sendo efeito e não causa. Desta forma, Butler discorda de
Beauvoir de que “ser mulher”, por exemplo, é uma escolha que se realiza mediante uma construção social e
cultural, quando para a autora norte-americana o gênero está sempre sendo modificado; desestabilizado.
285
Em Teoria feminista e as filosofias do homem (RJ: Rosa dos Tempos, 1995), livro utilizado por Elizete
passos em seu artigo, Andrea Nye analisa a questão da teoria para o feminismo, desenvolvendo a idéia de que
as mulheres precisam se apropriar das teorias e filosofias masculinas apontando suas possíveis falhas. Neste
caso, a autora cita Simone de Beauvoir por ter mostrado em O Segundo Sexo que a opressão das mulheres
não era meramente uma questão de ordem econômica.
286
O texto citado pela autora é: BUTLER, Judith. Variações sobre sexo e gênero Beauvoir, Wittig e Foucault.
In: CORNELL, Drucilla; BENHABIB, Sheila. Feminismo como crítica da modernidade
. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos, 1987.
287
BUTLER, Judith apud PASSOS, Elizete. Op. cit., P. 46.
109
Beauvoir ganharam uma significação através da intertextualidade, que promove a
articulação de leituras em torno de uma compreensão
288
.
Contudo, Passos não deixa de referenciar diretamente o texto de Beauvoir, como
ao citar o trecho de onde extrai a frase “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”
289
.
Como visto anteriormente, nas publicações das décadas de 70 e 80, a autora também se
detém na máxima que parece sintetizar O Segundo Sexo para a maioria das leitoras
feministas brasileiras.
Outra forma de trabalhar o texto de Simone de Beauvoir encontrada nesta edição
comemorativa do NEIM é através da relação que as autoras nacionais travam entre O
Segundo Sexo e outros textos expoentes no debate feminista. No artigo Um diálogo
possível entre Margaret Mead e Simone de Beauvoir, Cecília Sardenberg confronta os
apontamentos mais conhecidos nas obras Macho e Fêmea e O Segundo Sexo, ambas
publicadas na cada de 40, criando uma conversa fictícia onde as autoras se questionam
sobre suas reflexões mais debatidas
290
, como vimos no capítulo anterior. No caso de
Simone de Beauvoir, Sardenberg cita diretamente a autora francesa quando discute
questões como a transcendência, a desconstrução do “mito da maternidade”, e o destino
biológico. Neste diálogo, Margaret Mead obtém a seguinte resposta ao questionar Beauvoir
sobre o significado do “mito da maternidade”:
SB: Por exemplo, a idéia de ‘... que a maternidade é suficiente, em todos
os casos, para coroar a vida de uma mulher. Isso não é verdade. um
grande número de mulheres que se sentem infelizes, amargas e não
satisfeitas’. Você sabe muito bem que:A relação da mãe com as crianças
288
GOULEMOT, Jean Marie. Op. cit. P. 115.
289
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma
que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino”. In: BEAUVOIR, Simone de. Op. cit.
Vol. 2. P. 09.
290
Cecília Sardenberg utiliza duas edições de O Segundo Sexo neste artigo, uma norte-americana - publicada
pela Vintage Books, em Nova Iorque no ano de 1974 -, e uma edição nacional da Difusão Européia do Livro,
sem data.
110
depende da totalidade da sua vida; depende das relações dela com o
marido, com o passado dela, e a ocupação que ela tem; é um erro tão
perigoso quanto absurdo tomar a criança como uma panacéia universal’.
Grifado em itálico a autora apresenta suas inserções no diálogo fictício que edifica
entre Mead e Beauvoir, colocando entre aspas os fragmentos das obras Macho e Fêmea e O
Segundo Sexo. Ou seja, Sardenberg utiliza trechos do texto de Simone de uma maneira até
então não vista em nenhuma das apropriações anteriores. Para o emprego desta
metodologia, a autora parte dos pontos divergentes e convergentes entre a autora francesa e
a norte-americana, simulando um “bate-papo” bastante informal entre elas.
Em Natureza, Cultura e Identidade em Beauvoir e em Paglia
291
, de Heliana
Ometto Nardin, observamos também a mesma proposta de realizar um debate teórico entre
Simone de Beauvoir e outras autoras. Com objetivo de traçar um paralelo entre O Segundo
Sexo
292
e Personas Sexuais, de Camille Paglia
293
, a autora adota por eixo temático
conceitos como natureza, cultura e identidade, buscando os pontos de contato e ruptura
entre essas obras. Esboçando um panorama mundial das décadas que as separam - de 1940
a 1990 - Heliana Ometto Nardin concluiu que ambas as reflexões se delineiam sobre a
questão do projeto ocidental, sendo que Simone fala “de um mundo recente, mas que não é
mais o mundo de hoje”, e Paglia “fala da situação atual e propõe-se a demonstrar a unidade
e descontinuidade da cultura ocidental”
294
.
291
NARDIN, Heliana Ometto. Natureza, cultura e Identidade em Beauvoir e em Paglia. In: MOTTA, Alda
Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit. P. 69-73.
292
A autora utiliza para suas citações uma edição de O Segundo Sexo publicada pela Difusão Européia do
Livro, São Paulo, 1967.
293
Camille Paglia é escritora estadunidense, nascida em 1947. Figura polêmica é considerada teórica do
“pós-feminismo”. E entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo, afirma que a marginalização dos
movimentos feministas nos Estados Unidos é causada pelos excessos cometidos pelas feministas dos anos
1980 e início dos 1990, que “obcecadas com aborto e assédio sexual” acabaram negligenciando “assuntos
muito mais importantes que afetam as mulheres no mundo”. Camille Paglia é professora no Philadelphia
College of the Performing Arts. Ver, a esse respeito, FOLHA DE S.PAULO. São Paulo: 27 mar. 2006.
294
NARDIN, Heliana Ometto. Op. cit., P. 64.
111
Em relação ao uso de referências a O Segundo Sexo, a autora ressalta as mesmas
reflexões de Simone de Beauvoir utilizadas por Cecília Sardenberg, contudo, dissolvendo-
as em seu texto e raramente citando-as diretamente. Nardin menciona a autoria de Simone
de Beauvoir nas discussões que apresenta, mas não as situa, quanto a termos de
localização, em O Segundo Sexo.
No artigo Simone de Beauvoir e a Crítica Feminista
295
, Raimunda Bedasse
apresenta uma outra forma de apropriação de O Segundo Sexo ao situá-lo na história da
crítica feminista
296
. Para a autora, Simone de Beauvoir faz parte da primeira fase da Crítica
Feminista ao analisar em O Segundo Sexo as representações da mulher em obras escritas
por homens. No volume 1 Fatos e Mitos, Beauvoir avalia o “universo feminino”
representado nas obras de Montherlant, Lawrence, Claudel, Breton e Stendhal,
denunciando, segundo Bedasse, a “cristalização de estereótipos fornecidos pela ‘boa’
literatura”, aquela “feita pelos grandes escritores”
297
.
O diferencial no que tange a questão da apropriação de O Segundo Sexo neste
artigo, é que apesar de render-lhe elogios e oferecer um breve resumo sobre Beauvoir e o
conteúdo do texto, Bedasee apresenta o pioneirismo da obra não somente para o debate
feminista, como é costumeiramente lembrada, mas para a História da Crítica Feminista.
Segundo a autora:
O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir é, portanto, modelo de crítica de
denúncia contra uma representação indigna de mulher objeto da opressão
masculina. A sua importância é inegável e fundamental na História da
Crítica Feminista, pois faz parte de uma fase que abriu caminho para a
atual Crítica Feminista que tem por objeto, hoje, a literatura feita pela
295
BEDASEE, Raimunda. Simone de Beauvoir e a Crítica Feminista. In: MOTTA, Alda Britto da;
SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Orgs.). Op. cit., P. 109-125.
296
Raimunda Bedasee cita em suas referências bibliográficas o segundo volume de O Segundo Sexo - a
edição publicada pela Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1980 embora realize em seu trabalho uma reflexão
com o primeiro volume.
297
BEDASEE, Raimunda. Op. cit. P. 112.
112
mulher, e como um dos objetivos, incentivar, cada vez mais, a produção
literária feminina produto de um eu feminino
298
Assim como Heliana Nardin, Raimunda Bedasee apresenta comentários concisos
e gerais de reflexões feitas por Beauvoir, dispensando apenas duas citações diretas - e
devidamente referenciadas- relacionadas à conclusão de O Segundo Sexo. Para Bedasee,
Simone de Beauvoir “recorre à literatura para concluir sobre suas considerações”, ao final
do primeiro volume da obra:
As épocas que mais amaram as mulheres não foram a do feudalismo
cortês nem o galante século XIX: foram as épocas em que - como no
século XVIII os homens encararam as mulheres como semelhantes; é
então que se apresentam como verdadeiramente romanescas: basta ler Les
Liaisons dangereuses, Le Rouge et le Noir, Adeus às Armas, para
percebê-los
299
A segunda referência a O Segundo Sexo, citada pela autora, não é uma reflexão de
Beauvoir, mas uma passagem de Rimbaud utilizada pela autora francesa na última frase de
Fatos e Mitos: “‘Quando se quebrar a escravidão infinita da mulher, quando ela viver por
ela e para ela, o homem até hoje abominável tendo-lhe dado a alforria’”
300
. Após
apresentar os “deslizes” empreendidos por Beauvoir em O Segundo Sexo e apontados por
Suzanne Lilar
301
, a autora afirma que alguns erros foram “realmente cometidos”, e um
deles diz respeito a esta citação de Rimbaud, pois, segundo Bedasee, “a revolução das
mulheres não quer nada outorgado, ela quer lutar pelo que pretende alcançar”
302
.
A compreensão de O Segundo Sexo para Raimunda Bedasee, da mesma forma
que para Elizete Passos, é efetuada através de outras leituras que a autora indica, por
298
Ibid, P. 123.
299
BEAUVOIR, Simone de. apud BEDASEE, Raimunda. Op. cit., P. 112-113.
300
RIMBAUD. Lettre à O. Demeny, 15 mai 1872 apud BEAUVOIR, Simone de. Op. cit. P. 309.
301
LILAR, Suzanne. Le malentendu du deuxième sexe. 2. ed. (rev.) Paris : Presses Universitaires de France,
1970 apud BEDASEE, Raimunda. Op. cit.
302
Ibid, P. 116.
113
exemplo, pelos diálogos que realiza com Suzanne Lilar. Desta forma, percebemos mais
uma vez que o entendimento acerca de O Segundo Sexo pode ter ocorrido concomitante a
superposição de outras leituras relacionadas, fornecendo às suas leitoras um conhecimento
adicional sobre o texto. ainda a possibilidade de apropriação através de outros suportes
que não exatamente o livro, mas textos de outras autoras que refletem sobre as questões
levantadas por Beauvoir, como no caso de Raimunda Bedasse ao utilizar as críticas de
Suzanne Lilar sobre O Segundo Sexo.
Como um último exemplo dentre os artigos publicados na edição comemorativa
do NEIM, Aborto e Violência Conjugal: um diálogo com Simone de Beauvoir
303
, de Vera
Lúcia Costa Souza e Sílvia Lúcia Ferreira, propõe uma re-leitura de O Segundo Sexo
tomando por base um estudo de caso no intuito de realizarem aproximações entre aquilo
que foi teorizado e a experiência: a relação entre vivência da violência conjugal e opção
pelo aborto e as teses de Simone de Beauvoir
304
. Para as autoras, as falas de 35 mulheres
entrevistadas por elas para este trabalho “mostram semelhanças com o que escreveu
Simone sobre mulheres na França de cinqüenta anos atrás”
305
. A cada constatação nas
narrativas das mulheres, como por exemplo, o aborto como uma estratégia de resistência
frente à violência doméstica, as autoras citam trechos de O Segundo Sexo que demonstram
uma mesma observação de Beauvoir sobre o assunto. Como na utilização da seguinte
passagem:
Uma mulher que tem afeição pelo marido modela seu sentimento pelos
dele; acolhe a gravidez e a maternidade com alegria ou mau humor
segundo ele se sinta orgulhoso ou aborrecido. Por vezes o filho é
303
SOUZA, Vera Lúcia Costa; FERREIRA, Sílvia Lúcia. Aborto e Violência Conjugal: um diálogo com
Simone de Beauvoir. In: MOTTA, Alda Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, rcia. (Orgs.). Op.
cit. P. 127-142.
304
As autoras realizam suas referências a 9ª edição de O Segundo Sexo, segundo volume, publicado em 1980
pela editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.
305
SOUZA,Vera Lúcia Costa; FERREIRA, Sílvia Lúcia. Op. cit., 128.
114
desejado, a fim de consolidar uma ligação, um casamento e o apego que
lhe dedica a mãe depende do êxito ou do malogro de seus planos
306
Poderíamos citar ainda outros exemplos da apropriação de O Segundo Sexo por
Vera Souza e Sílvia Ferreira neste artigo, mas o aspecto relevante aqui é nos determos na
forma pela quais as autoras empregam diretamente trechos do texto de Beauvoir. Fazendo
referências apenas ao segundo volume de O Segundo Sexo A experiência vivida -, e
especificamente aos capítulos A Mulher Casada e A Mãe, as autoras delimitam seu exame
exclusivamente a apenas duas partes na totalidade do texto. Em relação aos outros artigos
até então analisados, as autoras não escolheram temáticas pontuais em O Segundo Sexo
para dialogarem com sua problemática, como permaneceram centradas na análise única
dessas passagens. Ao contrário destas, a maioria das autoras, diante da multiplicidade de
questões que O Segundo Sexo suscita e por conseqüência da própria atmosfera
comemorativa, procuraram explorar em seus textos não apenas as discussões que se
propunham a refletir, como também abordar – mesmo que ainda superficialmente – grande
parte das questões que tornaram o texto mundialmente conhecido.
Cadernos Pagu, revista acadêmica semestral, foi fundada em 1993 por integrantes
do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp,
publica artigos originais de pesquisadores/as nacionais e estrangeiros, e traduções de textos
centrais para a reflexão da temática.
307
. Sua edição Simone de Beauvoir & os feminismos
do século XX
308
, também obra comemorativa do cinqüentenário de O Segundo Sexo,
apresenta em sua maior parte trabalhos que tratam de aspectos da vida pessoal de Simone
de Beauvoir permeados por uma atmosfera de homenagens, sendo pouco os artigos de
306
BEAUVOIR, Simone de. apud SOUZA, Vera Lúcia Costa; FERREIRA, Sílvia Lúcia. Op. cit., P. 139.
307
Ver, a esse respeito, PISCITELLI, Adriana; BELELI, Iara; LOPES, Maria Margaret. CADERNOS
PAGU: Contribuindo para a consolidação de um campo de estudos. Estudos Feministas. Florianópolis. Vol.
11, Nº1. Jan/Jun/2003. P. 242-246, ou informações através do site disponível em:
<
http://www.unicamP.br/pagu/cadernos_pagu.html>. Acesso em: 05 set. 006.
308
CADERNOS PAGU. Op. cit. n.12, 1999.
115
autoras (es) nacionais que proponham uma crítica e/ou discussão da obra. Textos como A
vida como obra de Beth Lobo, Meu encontro com a escritora de Lygia Fagundes Telles,
Uma amizade apaixonada? Um episódio na carreira amorosa de Simone de Beauvoir de
Maria Luiza Heilborn, e Três facetas de uma escritora de Walnice Nogueira Galvão,
trazem - assim como na edição comemorativa do NEIM - breves considerações sobre O
Segundo Sexo e sua autora, destacando - em meio a escassas e quase que nulas referências
diretas ao texto - os pontos mais conhecidos e discutidos da obra, e os aspectos mais
polêmicos da vida de Beauvoir. Como, por exemplo, na seguinte passagem no texto de
Maria Lygia Q. de Moraes:
Simone não tinha ambigüidades com respeito ao seu horror pela
maternidade e pela relação mãe/filho. No entanto, foi materna com
Sartre, cuidando dele como se cuida de um bebê, escrevendo até o seu
diário da velhice. Mas, de qualquer maneira, rejeitando a gravidez e a
maternidade Simone também rejeitava a família burguesa e o estilo de
vida lar-doce-lar. Nisso residiu a força de Simone: poder se dedicar
integralmente ao trabalho intelectual e produzir uma obra notável
309
Algumas autoras narram ainda suas experiências pessoais seja com Simone de
Beauvoir, como é o caso de Lygia Fagundes Telles
310
, ou com O Segundo Sexo
fornecendo informações sobre suas leituras. No caso de Marlise Miriam de Matos
Almeida, em Uma luz em nosso caminho
311
, a leitura do texto de Beauvoir teria ocorrido
apenas na década de 80, precisamente 34 anos após sua primeira publicação, e desta guarda
a seguinte recordação:
309
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Simone de Beauvoir e o amor americano. CADERNOS PAGU. Op.
cit. n.12, 1999, P. 100.
310
A autora narra seu encontro com Simone de Beauvoir e Sartre durante a visita do casal ao país no ano de
1960. TELLES, Lygia Fagundes. Meu encontro com a escritora. CADERNOS PAGU. Op. cit. n.12, 1999, P.
59-63.
311
ALMEIDA, Marlise Miriam de Matos. Simone de Beauvoir: uma luz em nosso caminho. CADERNOS
PAGU. Op. cit. n.12, 1999, P. 145156.
116
Ler Simone de Beauvoir não significou um episódio a mais,
simplesmente, na minha história. Sem exageros, para mim é facilmente
identificável uma personalidade antes de Madame e outra depois dela.
Este livro descortinou um universo de sentidos para minha formação
pessoal e acadêmica que apenas hoje sou capaz de alguma avaliação. Só a
introdução desta obra nos coloca num lugar diferenciado, postula um
pensamento crítico partido da pena feminina que é suficientemente
explícito em seus propósitos inaugurais e absolutamente originais.
Logo após esse comentário, Marlise faz uma citação direta à introdução presente
no segundo volume de O Segundo Sexo
312
. Contudo, um outro aspecto relevante na
avaliação realizada pela autora sobre o texto de Beauvoir, é que, assim como Elizete
Passos na edição comemorativa do NEIM, Marlise também apresenta um diálogo com
Judith Butler, e outras autoras internacionais contemporâneas, para discorrer sobre pontos
ambíguos em O Segundo Sexo.
Na maioria dos textos desta edição comemorativa dos Cadernos Pagu as
passagens de O Segundo Sexo citadas são também aquelas mais conhecidas, a exemplo de
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, e alguns trabalhos propõem até mesmo uma
reflexão com outras obras da autora, como é o caso de Cláudia T. G. Lemos em De como
uma moça bem comportada se torna Simone de Beauvoir, Marco Aurélio Garcia em
Simone de Beauvoir e a política, que cita outros textos da autora francesa – Lettres à Sartre
e Journal de Guerre - além de Memórias de uma moça bem comportada, e Maria Lygia
Quartim de Moraes em Simone de Beauvoir e o amor americano, que cita basicamente Sob
o Signo da História. Entretanto, procuramos nos deter apenas nos artigos que propõem uma
reflexão sobre O Segundo Sexo e que apresentam citações diretas a este, no intuito de
avaliarmos as formas pelas quais as autoras nacionais estão utilizando passagens de
Beauvoir em seus escritos.
312
A autora utiliza para este artigo a edição de O Segundo Sexo publicada pela editora Nova Fronteira, Rio
de Janeiro, em 1980.
117
Segundo Sylvie Chaperon, tratando do debate produzido entre as décadas de 50 e
60 sobre O Segundo Sexo na França:
A maioria dos comentadores, movida por uma legítima preocupação
política, detém de O segundo sexo apenas os argumentos ou passagens
que se coloquem sob o estandarte da famosa frase que se tornou slogan
‘Ninguém nasce mulher: torna-se mulher’ -, deixando cuidadosamente de
lado as passagens mais ambíguas
313
.
Embora esteja se referindo a um outro contexto, Chaperon atenta para uma
característica perceptível também nas produções das feministas brasileiras que acabamos
de analisar. Em muitas das vezes em que O Segundo Sexo, ou menções a Simone de
Beauvoir, são realizadas nas obras de divulgação, a emblemática frase, por exemplo, é
pronunciada ad nauseam pelas autoras, sem que sejam empreendidas, na maioria das
vezes, reflexões sobre seu significado e/ou um diálogo com a autora francesa nesse
sentido. Ou seja, percebemos também neste momento, a exemplo das narrativas das
feministas entrevistadas abordadas no capítulo anterior, uma forma de legitimar a leitura de
O Segundo Sexo, e por conseqüência o seu entendimento, através da frase mais conhecida
de Simone de Beauvoir para o movimento feminista; como uma chave-mestra ao debate.
Como uma conclusão possível deste momento da história da leitura de O Segundo
Sexo no Brasil, percebemos, em comparação com as publicações das décadas de 70 e 80,
uma constante na utilização do texto pelas feministas brasileiras: reverências ao
pioneirismo de Beauvoir. Contudo, ligando o debate atual sobre o gênero com o
cinqüentenário da obra, as feministas voltaram à leitura que fizeram de O Segundo Sexo
com uma instrumentalização diferente, em termos de intertextualidade, sobre as questões
tratadas pelas autoras daquelas primeiras leituras nas décadas de 70 e 80, que se justifica -
313
CHAPERON, Sylvie. A segunda Simone de Beauvoir. Tradução de Carmem Caccaiarro. Novos Estudos.
N. 57. P. 103-123. Julho de 2000. P. 104
118
assim como na questão das reverências por se tratar de um momento comemorativo. Ou
seja, o objetivo das autoras nacionais nestas edições era dialogar diretamente e
objetivamente com o Segundo Sexo.
Debatendo com a questão filosófica, estudos de caso, teóricas contemporâneas, e
situando a trajetória de Simone de Beauvoir na História da Crítica Feminista, as feministas
brasileiras na década de 90 não citaram trechos de O Segundo Sexo como forma de
embasar suas análises, como suscitaram novas formas de abordá-lo. Enquanto nas décadas
de 70 e 80 as autoras nacionais inseriam as passagens mais conhecidas de Simone de
Beauvoir em seus trabalhos sem necessariamente gerar uma discussão profunda destas com
as temáticas de suas obras, na década de 90 percebemos uma problematização mais
articulada com os trechos extraídos.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi visto, o interesse fundamental deste trabalho centrou-se em uma história
da leitura de O Segundo Sexo no Brasil, entre as décadas de 60 e 90, através das seguintes
análises: uma breve história do livro no País - abordando seus pontos mais relevantes,
como a produção, publicação e repercussão-, pelas narrativas memorialísticas de algumas
feministas brasileiras sobre suas leituras, e ainda pela apropriação do texto de Simone de
Beauvoir na produção bibliográfica do movimento feminista nacional. Com apoio nas
propostas teórico-metodológicas da história leitura, em que são destacadas questões como
“apropriação” e “circulações”, refletimos principalmente sobre a situação do livro no
Brasil; a geração de leitoras feministas; em que momento realizaram suas leituras; e como
e por que essas teriam se dado.
Através do horizonte de possibilidades de uma história da leitura de O Segundo
Sexo no Brasil aberto tanto pelas entrevistas quanto pelas obras de divulgação analisadas,
compreendemos a importância de refletirmos a respeito das ressonâncias que esta leitura
teve na formação do movimento intelectual e na história do movimento feminista brasileiro
entre as décadas de 60 e 90. Entretanto, é importante ressaltarmos que não foi nosso
objetivo promover uma crítica das questões levantadas por Simone de Beauvoir em O
Segundo Sexo, nem de cobrar das feministas entrevistadas e das autoras uma leitura
aprofundada e “correta” do texto. A análise proposta por este trabalho teve por objetivo
perceber as ressonâncias das leituras realizadas.
Primeiramente, podemos perceber que a repercussão de O Segundo Sexo no
Brasil assemelha-se mais ao caso argentino do que ao francês, ou seja, tratou-se de um
impacto que foi se intensificando com o passar do tempo, a partir de um amadurecimento
120
intelectual e político das leitoras em relação ao movimento feminista. Aqui também
podemos destacar a visita de Sartre e Beauvoir ao Brasil em 1960, o que impulsionou não
só a publicação, mas a leitura do livro nos meios acadêmicos, intelectuais e de militância.
Os indícios contextuais da circulação do livro no País, embora escassos, deram-se
através do levantamento das edições que conseguimos apurar nas buscas em catálogos on-
line de bibliotecas universitárias, na Biblioteca Nacional, e na Biblioteca do Estado de
Santa Catarina, uma vez que as editoras que o publicaram entre as décadas de 60 e 90
DIFEL, Nova Fronteira erculo do Livro - não possuem esses dados, que foram perdidos
quando informatização de seus acervos, e pouco puderam nos informar a respeito.
Contudo, conseguimos precisar a circulação e leitura de O Segundo Sexo em francês no
final da década de 50, e a primeira publicação do livro em português possivelmente em
1960. Percebemos ainda que o livro teve várias edições no Brasil, por editoras importantes
que publicavam e distribuíam livros nacionalmente. Da mesma forma, foi traduzido por um
intelectual famoso e respeitado, que seguramente escolhia seus trabalhos. Estes aspectos
nos ajudam a compreender a dimensão da relevância da autora e do livro.
Aprofundar a análise na materialidade específica do texto enquanto livro seria
reducionista na medida em que cada leitora realizou sua leitura e apropriações de O
Segundo Sexo através de edições diferentes, e até mesmo, de outros suportes como em
resenhas, jornais, conversas informais, grupos de estudos, aulas nas universidades, etc.
Desta forma, optamos por traçar uma história bastante abrangente do livro e percebermos
as especificidades de leitura nas narrativas memorialísticas e nas apropriações.
Vimos assim no segundo capítulo, que a geração de leitoras feministas de O
Segundo Sexo no Brasil durante o período de análise proposto foram, em sua maioria,
mulheres que durante os anos 60, 70 e 80 viviam sua juventude nas universidades e
121
militando em movimentos sociais e/ou partidos políticos, agindo contra a ordem instaurada
pelo regime militar.
Seja emprestado por amigas e irmãs; por intermédio de um professor nas
universidades; através dos grupos de mulheres; em português ou francês, as falas indicam
como se deram os primeiros contatos do texto com suas leitoras. O conhecimento sobre a
singularidade de O Segundo Sexo e a importância de sua autora no cenário de discussões
feministas ia se fortalecendo na medida em que as informações chegavam através das
pessoas exiladas e pela visita da autora francesa ao país em 1960. Desta forma, o debate
sobre a “condição da mulher” no texto inaugural de Simone de Beauvoir começou a
circular nos meios acadêmicos, intelectuais, e de militância feminista.
Apesar de ser comumente citado nas falas como uma das leituras chaves
realizadas neste período de engajamento com a causa feminista, algumas das entrevistadas
não situam O Segundo Sexo como a leitura de maior relevância, uma vez que viviam
outras situações no momento da leitura. Qualificando-o como doentio, chato, cerebral e
psicanalítico demais, certas leitoras não atribuíram ao texto de Beauvoir o status de “marco
histórico” para o movimento feminista. Algumas falas apresentam as primeiras impressões
da leitura de O Segundo Sexo como um texto de difícil apreensão: umas começaram a ler e
não terminaram; outras afirmam que não gostaram, mas que na medida em que o tempo
passou retornaram a leitura e se sentiram “encantadas”; e ainda aquelas que negam toda
e qualquer influência do texto para suas vidas. Bem poucas leitoras de O Segundo Sexo
foram unânimes em dizer que o texto de Simone de Beauvoir foi marcante em suas vidas,
tanto intelectual quanto pessoal, entretanto, reconhecem a relevância, o pioneirismo e
singularidade da autora e da obra para o debate feminista internacional. Há, contudo, as
leitoras que não viram no método de análise beauvoriano da “condição feminina” um
entrave ao entendimento das teses apresentadas em O Segundo Sexo
, embora sejam poucas
122
as feministas entrevistadas que façam um parecer crítico do texto, demonstrando uma
leitura mais atenta.
De uma forma ou de outra, as leituras de O Segundo Sexo no Brasil foram
realizadas pelas feministas entrevistadas na medida em que esta leitura se apresentava
como uma senha de acesso ao que vinha sendo debatido nos movimentos feministas ao
redor do mundo; um meio de legitimação. Ler de forma fragmentada, integral, ou até
mesmo obter e indicar informações mesmo que esparsas sobre a obra e sua autora, era
mostrar-se inserida em um círculo intelectual feminista que tinha suas leituras de base.
Como vimos, assim como O Capital, de Karl Marx, servia naquela época como
embasamento referencial ideológico para os movimentos de esquerda, O Segundo Sexo
assim estava para os movimentos feministas; no sentido de que era importante, e até
mesmo fundamental, que essas leituras fossem realizadas pelos grupos.
Se pensarmos o momento político do Brasil vivido pelas feministas entrevistadas,
suas experiências individuais e coletivas nos movimentos sociais, teremos diante de nossos
olhos um leque de determinações históricas orientando essas leitoras na produção de
sentidos que extraíram da leitura de O Segundo Sexo. Nesse sentido, partindo do
pressuposto da historicização da leitura, torna-se possível de ser escrita a história de
gerações através daquela de suas leituras.
No terceiro capítulo, observamos a questão da apropriação do texto de Beauvoir
nas obras de divulgação feminista, e constatamos que com o passar dos anos, desde as
primeiras leituras de O Segundo Sexo realizadas na década de 60 e ao final da década de
90, as reflexões trazidas por Simone de Beauvoir foram sendo apropriadas pelo
pensamento feminista nacional concomitante a uma mudança nos projetos feministas. A
comemoração dos 50 anos do texto suscitou um momento em especial para que fosse
realizada uma reavaliação de O Segundo Sexo
para o movimento feminista, tendo como
123
pano de fundo o desenvolvimento dos estudos de gênero. Entretanto, não podemos tomar
as reflexões como que inseridas em um processo progressivo, que culminaria em uma
discussão densa e completa de O Segundo Sexo pelas feministas brasileiras. A exemplo
das circulações realizadas pelo texto durante as décadas de 70 e 80, continuaria a ser
realizada na década de 90 apropriações das reflexões mais destacadas do texto aos moldes
daquelas primeiras utilizações.
Chego ao final deste trabalho com a convicção de não ter esgotado o tema.
Contudo, acredito ter lançado um olhar sobre a história da leitura, e em partes do livro, de
O Segundo Sexo no Brasil. Algumas questões no texto de Simone de Beauvoir ainda hoje
são pertinentes ao refletirmos sobre a condução e o futuro dos estudos de gênero.
Observamos que seu trabalho é uma marca ainda latente para o debate feminista
acadêmico, e permanecerá na medida em que através de O Segundo Sexo nos
questionemos sobre até que ponto houve, e quais são, as mudanças e permanências daquilo
que foi problematizado pela autora francesa.
124
FONTES
Entrevistas
AZEREDO, Sandra Maria da Mata. Florianópolis/SC: 27 nov. 2003. Entrevista
realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Sandra Maria da Mata Azeredo, nasceu em
1946, em Belo Horizonte, Minas Gerais. É professora de Psicologia na Universidade
Federal de Minas Gerais. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de
Minas Gerais (1969), mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1975) e doutorado em History of Consciousness
pela University of Califórnia at Santa Cruz (1986). Entrou em contato com grupos de
discussão feminista durante a década de 70 nos Estados Unidos. Atualmente, é
pesquisadora voluntária da Universidade Estadual de Campinas, no Núcleo de Estudos de
Gênero Pagu. Realizou estudos sobre vários temas: prostituição, violência de gênero,
direitos reprodutivos, diversidade sexual, etc.
AZEVEDO, Eulália. Salvador/BA: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro. Eulália nasceu em São Matheus, no interior da Bahia, em
1945. É mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia, e pesquisadora
associado do NEIM - Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher, na Universidade
Federal da Bahia. Participou de movimentos estudantis, depois foi militante do PC do B
Partido Comunista do Brasil. Foi então como militante do PC do B que entrou em contato
com o feminismo.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Salvador/BA: 26 nov. 2003. Entrevista realizada
pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Lourdes é atualmente membro do Conselho Editorial da
Universidade Federal da Paraíba, e professora do Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília e componente do NEPEM - Núcleo de Pesquisas sobre as
Mulheres. Coordenadora da linha de pesquisa “Violência e Relações de Gênero” e
“Feminismo e Relações Sociais de Gênero”, atua em dois projetos de pesquisa:
“Feminismo e Relações de Gênero, Raça/Etnia e Geracionais” e “Gênero, Cidadania e
Segurança Pública”.
BECK, Anamaria. Florianópolis/SC: 1º jul. 2003. Entrevista realizada por Janine
Petersen. Anamaria Beck nasceu em 25 de julho de 1941, em Florianópolis, Santa
Catarina. É professora aposentada do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal de Santa Catarina.
BLAY, Eva Alterman. São Paulo/SP: 04 ago. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro. Eva Alterman Blay nasceu em 04 de junho de 1937, em São
Paulo, SP. É professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e
125
coordenadora científica do NEMGE Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de
Gênero. Entrou em contato com o feminismo quando, depois de terminar o curso de
Sociologia, foi procurar um tema para fazer s-graduação. Participou do Conselho da
Mulher em São Paulo e foi Senadora. Presidiu o Conselho Estadual da Condição Feminina
de São Paulo, quando ajudou a implantar um programa de creches e a criar a primeira
Delegacia da Mulher. Possui graduação em Sociologia pela Universidade de São Paulo
(1959), mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1969) e doutorado em
Sociologia pela Universidade de São Paulo (1973).
COSTA, Albertina de O. Entrevista realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro.
Albertina Costa é socióloga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas/SP, onde coordena
o Programa de Treinamento em Pesquisa sobre Direitos Reprodutivos na América Latina e
no Caribe (PRODIR) e no Programa Gênero, Reprodução, Ação e Liderança (GRAL).
Integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).
COSTA, Suely Gomes da. Florianópolis/SC: 17 fev. 2005. Entrevista realizada
pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Suely Costa é doutora em História pela Universidade
Federal Fluminense UFF, onde atua como professora credenciada nos Programas de Pós-
graduação em Serviço Social e História. Integrante do NUTEG Núcleo Transdisciplinar
de Estudos de Gênero e do NUPECH – Núcleo de Pesquisa em História Cultural da UFF.
DICKIE, Amélie. Florianópolis/SC: 11 ago. 2003. Entrevista realizada por Janine
Petersen. Maria Amélia é doutora em Antropologia e coordenadora do NUR - Núcleo de
Antropologia da Religião, do Departamento de Antropologia na Universidade Federal de
Santa Catarina.
MENICUCCI, Eleonora. Cárceres/MT: 14 out. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro. Eleonora Menicucci de Oliveira nasceu em 21 de agosto de
1944 em Lavras, Minas Gerais. É professora de Ciências Humanas em Saúde da
Universidade Federal de São Paulo, atuou em grupo clandestino durante a ditadura sendo
militante da POLOP e da POC. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1974), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da
Paraíba (1983) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1990) e
Livre Docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Atualmente
trabalha com as seguintes temáticas ligadas às relações de gênero: violência e saúde.
MOTTA, Alda Britto. Salvador/BA: 03 dez. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro com Alda Britto da Motta, na Universidade Federal da Bahia.
Nasceu em Sergipe e foi criada em Salvador Bahia, em 1931. Possui graduação em
Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1967), mestrado em Ciências Sociais
pela Universidade Federal da Bahia (1977) e doutorado em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (1999). Atua no NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da
Mulher, na Universidade Federal da Bahia onde se dedica ao estudo de gênero e geração,
sendo também fundadora e coordenadora da linha de pesquisa intitulada “Gênero, Geração
126
e Envelhecimento” na mesma instituição, da qual também é professora do Programa de
Pós-graduação em Ciências Sociais.
PAULILO, Maria Inês da Silveira. Florianópolis/SC: 18 ago. 2003. Entrevista
realizada por Janine Petersen. Maria Ignez nasceu em 14 de setembro de 1950 na cidade de
Getulina, SP. Realiza pesquisas com a temática de gênero e meio rural como professora do
Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina.
PRADO, Yolanda Serquim da Silva. São Paulo/SP: 05 ago. 2005. Entrevista
realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Danda Prado nasceu em 24 de outubro de
1929, em São Paulo/SP. Filha de Caio Prado Júnior envolveu-se, por causa do pai, nas
lutas contra a ditadura militar. Foi para a França em 1970, teve contato com o
movimento feminista francês, formou um grupo de mulheres latino-americanas que passou
a publicar o jornal Nosotras. Atualmente é presidente da Editora Brasiliense.
RAGO, Margareth. Florianópolis/SC: 19 abr. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro. Luzia Margareth Rago nasceu em São Paulo em15 de
setembro de 1948. É professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas onde pesquisa gênero,
feminismo e anarquismo, e colaboradora do GEISH - Grupo de Estudos Interdisciplinar em
Sexualidade Humana, também da Unicamp.
TEIXEIRA, Analba Brasão. Florianópolis/SC: 18 mar. 2005. Entrevista
realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Analba Teixeira nasceu em 03 de agosto de
1960 na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. É coordenadora do Coletivo Leila Diniz,
integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, e trabalha com a temática violência
conjugal e violência contra as mulheres na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
SANTOS, Maria do Espírito Santo Tavares dos. Rio de Janeiro/RJ: 14 fev.
2005. Entrevista realizada pela Profª.drª. Roselane Neckel. Maria do Espírito Santo
Tavares dos Santos, conhecida como “Santinha”, nasceu em Bacabal, Maranhão. Atua no
Conselho Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Foi militante do Partido Comunista
Brasileiro e designada por este partido para participar do movimento feminista no Rio de
Janeiro.
SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. Salvador/BA: 03 dez. 2004. Entrevista
realizada pela Profª.drª. Joana Maria Pedro. Cecília Sardenberg nasceu em 12 de junho de
1949, em São Paulo, SP. É doutora em Antropologia pela Boston University, USA e
atualmente atua como professora do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia UFBA. Foi uma das
fundadoras do NEIM Núcleo de Estudos Sobre a Mulher da FFCH/UFBA, do qual é
diretora.
127
SELL, Teresa. Florianópolis/SC: 13 jul. 2003. Entrevista realizada por Janine
Petersen. Teresa Sell nasceu em 29 de outubro de 1947 na cidade de Videira, em Santa
Catarina. É professora aposentada do Departamento de Filosofia da Universidade Federal
de Santa Catarina
SOIHET, Rachel. Florianópolis/SC: 02 set. 2004. Entrevista realizada pela
Profª.drª. Joana Maria Pedro. Rachel Soihet nasceu em 27 de maio de 1938 na cidade de
Salvador, Bahia. Foi para o Rio de Janeiro no início da década de 1950. É professora
titular, atuando no programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense (UFF), pesquisadora do CNPq e coordenadora atual do GT de Gênero da
ANPUH.
Publicações e artigos (obras de divulgação)
ALMEIDA, Marlise Miriam de Matos. Uma luz em nosso caminho. CADERNOS PAGU.
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PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, n.12, 1999, p. 145-156.
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Britto da; SARDENBERG, Cecília; GOMES, Márcia. (Org.). Um diálogo com Simone
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Gênero/UNICAMP, n.12, 1999, p. 93-101.
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PORTAL FEMINISTA. Disponível em: <www.portalfeminista.org.br>. Acesso em: 14
jan. 2007.
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