Vítimas do racismo lombrosiano, os afro-descendentes seriam biologicamente
inferiores e, portanto, criminosos, da mesma maneira que as prostitutas, os vadios, os
loucos, os epiléticos, os mendigos, os bandidos, os comunistas, os anarquistas, os
revolucionários e os subversivos. Questões diversas, inclusive biológicas, serviam para
justificar a superioridade da raça branca. Todas as mentiras foram inventadas em torno
de um aparato racional para apoiar as barbaridades praticadas contra pessoas
classificadas como “desviantes”. Racionalizadas, as atrocidades demonstravam com
nitidez a crueldade desse discurso supostamente científico. A imposição da miséria
pode parecer irracional, mas o pior é que o discurso etnocêntrico racionaliza esta trágica
realidade. As palavras de Pedro Tórtima esclarecem este quadro:
“A eugenia fascista, que descarta da sociedade tipos raciais considerados de baixa extração
étnica como judeus, árabes, ciganos e negros que procedem da mesma forma em relação aos doentes
mentais, homossexuais e militantes de esquerda (e até mesmo de oposição ao regime fascista) teve uma
base ideológica longamente montada e curtida no conservadorismo da qual a prática penal da Escola
Positiva é uma das expressões ideológicas. Sabidamente, o fascismo, não somente enquanto teoria, visava
eliminar os elementos improdutivos da sociedade - desde os considerados inúteis, incapazes e inferiores
até os revolucionários” (TÓRTIMA, 2002:73).
Esta dinâmica representa a referida busca de assepsia da sociedade na
modernidade apontada por Foucault (1986). As práticas punitivas apontavam suas
armas à classe trabalhadora, principalmente os informais, em especial os negros. Devem
ser, portanto, interpretadas em conexão com o poder de seleção das agências do sistema,
onde entra a ideologia positivista etnocêntrica. A cor das vítimas do sistema punitivo
vem confirmar toda esta realidade histórica e seus instrumentos jurídicos. Tanto que,
algumas décadas depois, em 1950, no “Centro de Estudos de Medicina Social”, numa
conferência intitulada “A Criminalidade dos Homens de Côr no Brasil”, com base em
dados demográficos do recenseamento de 1940, acrescidos, da taxa média geométrica
de 2% para o último decênio, Nelson Hungria relatou que:
“O coeficiente de criminalidade dos homens de cor (negros e mulatos, isto é, mestiços de indo-
europeu e negro) é, no Brasil, comparativamente, muito maior que a população branca. No Distrito
Federal e alguns Estados, onde mais elevada é a percentagem demográfica dos homens de cor, embora
representando sensível minoria em relação aos brancos, são eles que contribuem com as cifras
culminantes nos quadros de estatística criminal. Assim, no Distrito Federal, em cuja população de
2.138.200 habitantes se contam 1.506.672 brancos e 631.528 homens de cor (248.845 pretos e 382.683
mulatos), a Penitenciária Central (com a seção para mulheres, de Bangu) e a Colônia Penal Cândido