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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Museu Nacional
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
O Caso Haximu
A construção do Crime de Genocídio em um Processo Criminal
Martiniano Sardeiro de Alcântara Neto
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2
Martiniano Sardeiro de Alcântara Neto
O Caso Haximu
A construção do Crime de Genocídio em um Processo Criminal
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu
Nacional, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em
Antropologia Social.
Orientadora: Adriana de Resende
Barreto Vianna
Rio de Janeiro
Junho de 2007
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3
O Caso Haximu
A construção do Crime de Genocídio
em um Processo Criminal
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre. Aprovada por:
_________________________________________
Profª. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna (Orientadora)
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos de Souza Lima
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Henyo Trindade Barreto Filho
Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB)
_________________________________________
Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira (Suplente)
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Profª. Dra. Laura Moutinho da Silva (Suplente)
Instituto de Medicina Social/UERJ
Rio de Janeiro
Junho de 2007
4
ALCÂNTARA NETO, Martiniano Sadeiro de. O Caso Haximu. A
construção do Crime de Genocídio em um Processo Criminal/Martiniano
Sadeiro de Alcântara Neto. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional/PPGAS,
2007.
xiii, 184; 31 cm.
Orientadora: Adriana de Resende Barreto Vianna.
Dissertação (mestrado) UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, 2007.
Referências Bibliográficas: pp. 179-184.
1. Antropologia do Direito 2. Crime de Genocídio 3. Funcionalismo
Público. I. Vianna, Adriana de Resende Barreto. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social. III. Título.
5
Resumo
O texto que se segue focas-se na construção do Crime de Genocídio num
Processo Criminal específico. Tal Processo trata do conflito entre índios Yanomami da
aldeia de Haximu e garimpeiros brasileiros na fronteira do Brasil com a Venezuela, no
ano de 1993. A análise baseia-se, por um lado, na idéia de que a coerência dessa massa
documental não é pré-dada, mas gradualmente produzida a partir do trabalho de
diferentes especialistas, como Antropólogos, Policiais Federais, Advogados, Defensores
Públicos, Procuradores da República e Magistrados do Judiciário Brasileiro. Por outro
lado, tenta-se entender especialmente como os expertos do Direito trabalham a
arbitragem desse conflito, erigindo condutas, punições e, enfim, todo um modelo teórico
para dar conta, em termos judiciais, do embate entre garimpeiros e os Yanomami de
Haximu.
Palavras-chave: 1. Antropologia do Direito; 2. Crime de Genocídio; 3. Funcionalismo
Público
6
Abstract
The following text focus on the construction of the Genocide Crime in a specific
Criminal Process. That Process is concerned to the conflict between the Yanomami
Indians of Haximu and some Brazilian goldwashers, which takes place in the political
border of Brazil with Venezuela in 1993. The analysis is based, on one hand, in the
gradually constructed coherence of the documents that constitutes the Process what is
the product of the work of different specialists, as Anthropologists, Lawyers, Federal
Policemen, Counsels for indigents, General Attorneys, and Magistrates of the Brazilian
Judiciary. On the other hand, it tries to understand especially the way in which the
experts of the Right arbitrate this conflict, constructing ways of behaviors, punishments
and, at last, all a theoretical model to comprehend, in judicial terms, the quarrel between
goldwashers and the Yanomami de Haximu.
Key-words: 1. Anthropology of Right; 2. Genocide Crime; 3. Public Office.
7
8
Foi assim que fizemos. Não
inventamos nada, fora a
disposição das peças.
(Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault)
9
Agradecimentos
Se as páginas que se seguem realmente conformarem uma dissertação de
mestrado em Antropologia Social, devo agradecer, primeiramente, à Carla Costa
Teixeira. Foi ela que, no primeiro semestre de 1998, durante o curso de Introdução à
Antropologia, me fez pensar seriamente em abandonar a graduação em História, logo
nos primeiros dias de aula. Sempre guardarei comigo os cursos brilhantes dessa mestra e
seus incontáveis ensinamentos. Da Universidade de Brasília, sou grato também à Joana,
ao Sapequinha, ao Jorge-Burro, à Paloma, ao Cone, ao Tiaguinho e a todos os grandes
amigos que por fiz e que, como eles sabem, não lembrarei o nome nem mesmo da
metade o que não quer dizer que os esquecidos tenham sido menos importantes. As
horas de dominó e truco no CAHIS e todos os que por eu encontrava fazem parte das
boas lembranças dos tempos de graduação na UnB.
No Rio de Janeiro, agradeço inicialmente ao Antonio Carlos de Souza Lima.
Sem as diversas oportunidades de pesquisa com as quais tive contato através dele, além
da boa antropologia ensinada, a presente dissertação simplesmente não existiria.
Agradeço também a todo o pessoal do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura
e Desenvolvimento. No LACED, não apenas ganhei experiência como pesquisador, mas
fiz ótimo amigos, como o Chiquinho ou a Maria. Das aulas do PPGAS/MN, agradeço às
considerações da mente pós-moderna da Júlia e às sempre úteis dicas da Ferni.
Agradeço especialmente à Lets pela ajuda na revisão da primeira versão do texto e por
todo o apóio que ela me deu, relacionado ou não à academia.
Agradeço também aos amigos Levindo, Mundim e Pedro por terem me aturado
como co-residente na Passagem. As cervejadas-sem-móveis, as festas-comemorativas e
os almoços-explosivos com todos esses amigos ajudaram a desanuviar a mente nos
momentos em que escrever se tornava quase um martírio. Nesse sentido, devo muito à
Bia e aos seus sempre fantásticos conselhos-de-mesa-de-bar.
Na pesquisa específica que deu origem à presente dissertação, sou
particularmente grato à Doutora Déborah Duprat e à sua incansável solicitude em me
ajudar na empreitada de conseguir uma cópia dos documentos que analiso a seguir. Sou
grato também aos funcionários da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal pela presteza com que me atenderam. O mesmo pode ser dito do corpo
de funcionários do Supremo Tribunal Federal. Agradeço especialmente aos bacharéis
10
em Direito Rafael Rodrigues de Alcântara e Maiuí Borba de Oliveira, que se esforçaram
pacientemente em esclarecer certas vicissitudes do Direito a um completo leigo.
Devo muito também ao Rato, Jotinha e à Potó, que direta ou indiretamente me
levaram a estudar algo relacionado à temática do Direito. À Mary, ao Bigode, Alisson,
Galego, Marcondes, Mocoquinha e toda a Barca pelos ótimos momentos, de volta à
Brasília. Agradeço especialmente ao seu Nizú, que tentou (e ainda hoje tenta)
pacientemente entender o que eu fui fazer no Rio de Janeiro.
Ainda em Brasília, sou grato à amiga Norma Breda dos Santos pela cuidadosa
revisão de parte do texto. Por fim, agradeço à Adriana Vianna pela paciência quase-
infinita na orientação de um caótico pisciano.
Essa dissertação vai dedicada à Cabeça, Sra. Edith Rodrigues Afonseca, que
sempre se empolgou e acreditou nas minhas viagens, mesmo quando essas me
distanciavam dela.
11
Convenções a abreviaturas
Esclareço aqui as convenções e abreviaturas que usarei no decorrer do texto. Uso
o termo Processo, com a primeira letra em caixa-alta, para me referir ao Processo
específico analisado a seguir. Quando discuto algo que pode ser generalizável para além
do objeto direto da presente dissertação, uso processo, em minúsculas. Sigo a mesma
regra para os termos Autos e autos, utilizados como sinônimos de Processo e processo.
Reservo o itálico sem aspas para marcar termos estrangeiros, como settlement na
introdução que se segue. As aspas simples referem-se a termos que emprego no sentido
figurado, como, por exemplo, ‘alimentação’ do processo no próximo parágrafo. O
itálico combinado com a primeira letra em caixa-alta será usado para todas as categorias
que tive contato durante a pesquisa e que pretendo destacar, como o termo Genocídio na
próxima página, por exemplo. O negrito, fora as citações em que se usa tal destaque no
documento original, será aplicado para dar ênfase aos meus próprios termos analíticos, a
exemplo de sedimentação do processo no início da próxima gina. Para as citações
tanto de documentos quanto de referências bibliográficas, sigo a seguinte regra: as que
alcancem até cinco linhas serão destacadas entre aspas duplas e itálico, enquanto as que
superarem tal marca terão as duas margens recuadas, conservando-se o itálico e
suprimindo-se as aspas. Caso pretenda dar ênfase especial a alguma citação, usarei o
negrito combinado ao sublinhado, único tipo de destaque que não encontrei nos
documentos aqui analisados. Meus destaques virão sempre seguidos do termo ênfase
minha, enquanto as citações originalmente destacadas virão indicadas pela expressão
ênfase do original. Uso as referências bibliográficas tendo como base o seguinte modelo
FOUCAULT,2006, citando, no exemplo, a obra FOUCAULT, Michel. 2006. Vigiar e
punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.
No que tange às fontes documentais, opto por dois tipos de referência: de início,
todas as fontes do Processo serão referenciadas pela numeração dada nos Tribunais por
onde os Autos passaram. Como deixarei mais claro quando estiver analisando a
construção e ‘alimentação’ do Processo, praticamente toda folha constante nos Autos é
numerada. Tal numeração vai do número um à quantidade final de páginas - até
arquivamento do Processo, momento em que idealmente ele para de crescer. Mantenho,
com isso, o tipo de referência que os próprios operadores do Direito usam quando
querem citar algum documento anterior ao que eles próprios estão produzindo em
12
determinado momento o qual também será, mais tarde, numerado e incorporado aos
Autos. Tal expediente dará margem para que seja possível acompanhar o que batizo
adiante de sedimentação do Processo. Por outro lado, trarei, sempre que possível, a
natureza da documentação em foco. Como se verá, os Autos são formados por uma
gama particularmente heterogênea de documentos, que podem ir desde um Recurso
digitado e assinado por um Advogado de Defesa ou Promotor Público, auma carta
manuscrita de uma religiosa de Roraima que teve contato com os Yanomami de Haximu
que sobreviveram ao Genocídio cf. Anexo. Isso ajudará a complementar a referência
mais geral, dada, como dito, pelo número de páginas, facilitando que se tenha mais
informações sobre a parte específica do Processo a que faço referência. Um exemplo
desse modelo de citação é o seguinte: Processo Haximu (PH), :479-518, Relatório
Final do Inquérito Policial’, citando-se, aí, o Relatório Final do Inquérito Policial
escrito pelo Delegado de Polícia Federal Raimundo Soares Cutrim, numerado no
Processo entre as páginas 479 e 518.
Para a grafia dos nomes indígenas, conservo as que mais se repetiram nos
documentos: uso, portanto, Yanomami para o grupo indígena mais geral e Haximu para
identificar a aldeia Yanomami específica em que ocorreu o Genocídio relatado no
Processo aqui em foco. Tal regra vale para todos os outros termos indígenas que por
ventura sejam citados, como tuxaua ou curumim, ambos regularmente assim grafados
nos Autos.
Por fim, segue abaixo uma breve lista das abreviaturas recorrentes:
PH Processo Haximu (Fonte Documental)
FUNAI Fundação Nacional do Índio (Órgão Público)
STF Supremo Tribunal Federal (Órgão Público)
STJ Supremo Tribunal de Justiça (Órgão Público)
MPF Ministério Público Federal (Órgão Público)
TRF Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Órgão Público)
PF Polícia Federal (Órgão Público)
DPF Departamento de Polícia Federal (Órgão Público)
CCPY Comissão Pró-Yanomami (Organização-Não-Governamental)
13
CPP Código de Processo Penal (Fonte Documental)
CP Código Penal (Fonte Documental)
CF Constituição Federal (Fonte Documental)
14
Sumário
1. Introdução ...............................................................................................15
2. Capítulo I ................................................................................................18
3. Capítulo II .............................................................................................39
4. Capítulo III ...........................................................................................55
5. Capítulo IV ..........................................................................................89
6. Capítulo V ...........................................................................................120
7. Conclusão ............................................................................................147
8. Anexo ................................................................................................. 143
9. Bibliografia ..........................................................................................179
15
Introdução
O antropólogo sul africano Max Gluckman, num estudo do processo judicial nos
tribunais Barotse, argumenta que: every [judicial] case is in a sense unique. How is a
unique case to be settled?” (GLUCKMAN, 1967, :203). A partir d Gluckman se
preocupa em dar conta de como os mais diversos casos levados aos juízes Barotse são
sedimentados, tendo como norte não a jurisprudência e leis gerais dessa sociedade,
mas o pano de fundo moral que alicerça tais contendas. É exatamente tal settlement ou
‘sedimentação’ de um caso específico que pretendo analisar na presente dissertação de
mestrado, tendo como objeto primeiro os documentos que compõem o Processo Judicial
originado da chamada Chacina ou Massacre de Haximu, ocasião em que um grupo de
garimpeiros brasileiros matou cerca de duas dezenas de índios Yanomami, fato ocorrido
na fronteira do Brasil com a Venezuela no fim do ano de 1993.
Penso que o movimento feito pelos especialistas do Direito, de se partir,
inicialmente, de um acontecimento único e, depois de uma apurada discussão e análise,
poder se classificar esse acontecido a partir de um código legal previamente
estabelecido, erigindo condutas e punições, não se de maneira mecânica ou sem
conflitos. Por outro lado, nem tampouco estabelece uma hierarquia entre leis gerais que
pretensamente abarcariam situações específicas. Tal procedimento depende, ao menos
no que tange ao Direito dito Ocidental (e, num grau menor, também entre os Barotse
estudados por Gluckman) de um cuidadoso e gradual trabalho de construção e análise
de provas, da escolha e exposição de outros casos tidos como similares, de capacidades
e modos diferentes de argüição e, enfim, de técnicas diferentes de um complexo sistema
de resolução de conflitos que tem como norte um arcabouço científico ou positivo. No
que tange aos Estados Nacionais, tal trabalho é quase sempre levado a cabo por uma
série de ‘castas’ de indivíduos altamente especializadas, que monopoliza (ou, para ser
mais preciso, visa monopolizar) praticamente todas as ações que podem ser pensadas,
de modo geral, como passíveis de serem judicialmente tratadas
1
.
1
Com exceção dos chamados Tribunais Especiais ou Tribunais de Pequenas Causas, onde a presença de
um advogado formalmente constituído não se faz necessária, praticamente todas as ações judiciais no
Brasil demandam a representação de um especialista desse tipo. Para uma análise comparativa entre os
16
Nesse texto, Gluckman analisa uma disputa específica entre parentes que
visavam definir quem teria ou não direito sobre uma determinada parcela de campos
cultiváveis. O autor argumenta que this case involved more than the question ‘who had
the right to cultivate the disputated gardens’”. (idem, :75). Com isso, os julgadores
barotse tiveram que levar em consideração mais do que a regra ‘dura’ e geral que dizia
que aqueles que não residiam em determinado condado não teriam direito à produção
agrícola dos campos aí situados. A tal procedimento analítico, que visa dar conta
daquilo que não está, num primeiro momento, diretamente ligado ao caso que deve ser
julgado (mas que acaba efetivamente compondo-o), Gluckman denomina cross-
examination - e ele próprio argumenta a examinação-cruzada não está, de forma
alguma, ausente nos julgamentos ocorridos nos Tribunais Ingleses então vigentes na
África do Sul. Como penso em mostrar à frente, a examinação-cruzada é um expediente
de inquirição também amplamente usado no Direito pensado e vivido como brasileiro.
É preciso lembrar que o Processo aqui em foco guarda uma peculiaridade: ao
que tudo indica, foi nele que, pela primeira vez, condenou-se alguém no Brasil por
Genocídio. Tal Genocídio é, por sua vez, também especial: as vítimas não são
simplesmente minorias sociais, religiosas ou raciais. Os Yanomami, na verdade, são
todas essas coisas juntas, encapsulados pelo termo ‘étnico’ ou ‘indígena’.
Esses são, portanto, os pontos principais que pretendo esclarecer nas páginas que
se seguem: primeiramente, foco minha atenção na maneira como o Processo Haximu se
‘sedimenta’, tendo como base, principalmente, a evolução dos depoimentos
inquisitoriais e judiciais que o compõem – e, por outro lado, como tais depoimentos são
apropriados pelos diversos especialistas no Direito que tomam parte no caso. Ao mesmo
tempo, tento também mapear de que maneira um certo ‘de forado Direito, um certo
conjunto de características que, a priori, podem ser pensadas como não propriamente
constitutivas de um caso judicial, vão sendo gradualmente incorporadas aos argumentos
daqueles que estão envolvidos nessa disputa. Para tanto, tenho como base principal os
textos produzidos pelos defensores legais tanto de garimpeiros como dos sobreviventes
de Haximu – e, é claro, de que maneira tais textos se interpelam mutuamente. Esses dois
pontos, como se pode notar, estão sensivelmente intricados e são caudatários da idéia de
que o acontecido em Haximu o foi propriamente um assassinato em massa ou um
massacre, mas sim um Crime de Genocídio étnico.
Tribunais de Pequenas Causas brasileiros, canadenses e estadunidenses, cf. CARDOSO DE OLIVEIRA,
2001.
17
Por fim, o próximo capítulo é uma análise das notas de campo que escrevi
durante a tentativa de conseguir uma fotocópia do Processo Haximu. No segundo, tento
contextualizar minimamente toda essa massa documental. os três últimos capítulos,
dedico à análise do Processo em si. Na Conclusão, tento ajuntar mais coerentemente as
digressões de todo o texto, além de esboçar possíveis desdobramentos do presente
trabalho.
18
Capítulo I: O processo para ter acesso ao Processo Haximu
Esclareço aqui como fiquei sabendo da existência do Caso Haximu, de que
maneira acabei me interessando por analisá-lo e como consegui ter acesso a tal massa
documental. Logo após minha graduação em História na Universidade de Brasília,
durante o primeiro semestre do ano de 2003, fiz um curso como aluno especial no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do PPGAS/UnB, intitulado
Estudos Etnológicos de Problemas Sociais Antropologia da Conquista. Durante as
aulas de Alcida Rita Ramos e Nádia Farage no PPGAS/UnB, fiquei sabendo, por relato
de Alcida, de um caso judicial que seria a primeira condenação por Genocídio da Justiça
Brasileira. Entre outros casos relatados, como o de garimpeiros que jogavam de avião
roupas contaminadas de doentes hospitalares em aldeias indígenas para dizimar
populações inteiras de índios, o caso da aldeia Yanomami de Haximu se destacava
porque parte dos acusados havia sido presa pela Polícia Federal e condenada nos
tribunais nacionais. Tais condenados eram garimpeiros que atuavam na fronteira do
Brasil com a Venezuela e que haviam dizimado cerca de duas dezenas de índios
Yanomami, entre crianças, mulheres, idosos e homens adultos.
Em outubro de 1993 instaurou-se, depois das investigações da Polícia Federal de
Roraima, um Processo Criminal iniciado por Denúncia do Ministério Público Federal
(MPF), o que deu origem, oficialmente, ao que venho chamando aqui de Caso Haximu -
designação comum do próprio Processo para se referir ao evento da morte dos índios
Yanomami. No segundo semestre de 2003, tive contato com uma publicação da
Comissão Pró-Yanomami (CCPY
2
- Organização-Não-Governamental que participou
diretamente do Processo aqui em foco, sendo a primeira a atender os índios
sobreviventes em seu Posto de Saúde) sobre o Genocídio relatado por Alcida Rita
Ramos. O texto trazia uma pequena parcela dos Autos, mais precisamente a decisão da
5
ª
turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Devo esse contato preliminar com o
Processo a Henyo Trindade Barreto, que no segundo semestre de 2003 ofereceu a
disciplina Antropologia Aplicada no PPGAS/UnB, da qual pude participar, novamente,
2
o tenho as referências da publicação em questão, mas os documentos podem ser igualmente
acessados atualmente (2006) através da página eletrônica da CCPY: http://www.proyanomami.org.br/.
19
como aluno especial. Apresentei à turma os documentos disponibilizados pela CCPY
durante um dos encontros da referida disciplina. Henyo também foi o responsável por
me indicar onde achar novamente tal documentação, anos mais tarde (cf nota 1, acima).
como aluno regular do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ),
decidi analisar tal fonte documental como objeto de minha dissertação de mestrado.
Vários foram os fatores que me levaram a retomar o Caso Haximu: primeiramente,
inúmeras discussões e textos lidos nos cursos que participei no PPGAS/MN/UFRJ
fizeram-me criar gosto e me aproximar cada vez mais do que chamo genericamente aqui
de uma etnografia dos arquivos judiciais. Inicialmente, meu intuito era trabalhar com as
confissões tomadas pela Inquisição Portuguesa na América no final do século XVI, com
foco principal nas chamadas heresias indígenas. Contudo, além de ser praticamente
impossível ter contato com tal documentação em sua plenitude (os originais se
encontram na Biblioteca da Torre do Tombo, em Portugal), as discussões e leituras da
qual vinha participando acabavam por me sintonizar mais com o Caso dos Yanomami
de Haximu do que com as Confissões colhidas pelos primeiros Inquisidores Portugueses
na América.
É importante frisar que as discussões e leituras não se restringiram às disciplinas
oficiais do PPGAS/MN/UFRJ: grande parte da inspiração (e também das próprias
possibilidades efetivas de pesquisa) para se trabalhar com o Processo aqui em foco
nasceu dos encontros organizados por Antonio Carlos de Souza Lima e Adriana Vianna
entre alguns pesquisadores do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e
Desenvolvimento (LACED, da qual eu mesmo fazia parte) e alunos do
PPGAS/MN/UFRJ. Assim, alguns meses depois de cursar a disciplina Legalidades e
Moralidades, oferecida por Adriana Vianna nessa última instituição durante a segunda
metade do ano de 2005, decidi que o Processo Haximu seria meu objeto de estudo e, a
partir de então, passei a tentar ter acesso aos Autos na íntegra.
A documentação da CCPY trazia a introdução de Luciano Mariz Maia, um dos
Procuradores da República que produziu a referida Denúncia, dando, como visto,
origem ao Processo. Através da página eletrônica de pesquisa Google
3
consegui o
endereço de correio-eletrônico de Maia e lhe mandei uma mensagem na qual me
identificava como um pesquisador do Museu Nacional que estava procurando ter acesso
3
http://www.google.com.br. Os acesso aconteceram durante o 1
º
semestre do ano de 2006.
20
à completude dos Autos do Caso Haximu. Maia me informou que não era mais
responsável pelo Processo e me passou o contato de Aurélio Rios, Subprocurador Geral
da República que, segundo Luciano, poderia me dar maiores informações sobre o Caso
Haximu.
Rios também o estava mais responsável pelo Processo, encaminhando, por
sua vez, meu pedido à 6
ª
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal (6
ª
mara/MPF) - que é o órgão idealmente responsável por tratar
judicialmente todos os episódios envolvendo Índios e Minorias”, como a placa na
porta de entrada da 6
ª
Câmara em Brasília deixa claro. Além da indicação de Aurélio
Rios, devo o contato com o pessoal da 6ª Câmara, principalmente com sua então
Coordenadora, a Doutora borah Duprat, às possibilidades de pesquisa que o trabalho
no LACED me proporcionou. Meu primeiro contato com a Coordenadora da Câmara
foi durante o Seminário Interamericano sobre o Pluralismo Jurídico e Povos Indígenas,
realizado em Brasília entre os dias 30-11 a 02-12 de 2005 – e do qual eu então
participava como representante do Projeto Trilhas do Conhecimento, de
responsabilidade do LACED
4
. Uma das organizadoras do referido evento era a Doutora
Duprat, juntamente com Rita Segato, docente do PPGAS/UnB. Nesse momento ainda
não havia me decido por completo se estudaria mesmo o Caso Haximu e não tracei,
assim, nenhum contato especial com a Coordenadora da Câmara. Tive, ainda, uma
segunda oportunidade de me apresentar pessoalmente à Procuradora: ela era palestrante
na 25
ª
Reunião Brasileira de Antropologia (25
ª
RBA), ocorrida em Goiânia no ano de
2006. Novamente não me foi possível tecer maiores contatos com a Coordenadora da
Câmara, mas Adriana Vianna, que também participava da RBA e sabia de meus
interesses de pesquisa, se apresentou à Procuradora, conseguindo, por fim, apresentar
meu tema de pesquisa a ela, que prontamente disponibilizou-se a me ajudar.
Entre mensagens eletrônicas e telefonemas, se passavam três meses (abril a
junho de 2006) que tentava ter acesso aos Autos, sem conseguir qualquer avanço além
dos já citados documentos compilados pela CCPY. Resolvi então viajar à Brasília pela
primeira vez, mesmo sem conseguir combinar nada previamente para ter acesso a tal
massa documental. O Processo se encontrava no Supremo Tribunal Federal (STF), mas
decidi ligar primeiro na 6
ª
Câmara, pois a Doutora Déborah Duprat era a única pessoa
4
O Projeto Trilhas do Conhecimento O Ensino Superior de Indígenas no Brasil visa incentivar a
inserção de indígenas no Ensino Superior brasileiro através do fomento à implantação de núcleos
universitários modelares e da realização de seminários, pesquisas e publicações voltados ao Ensino
Superior Indígena.
21
que havia, até então, se disponibilizado explicitamente a me ajudar. Resolvi ir
pessoalmente à 6
ª
Câmara, onde prontamente tive acesso a cerca de quinhentas ginas
das mais de duas mil que compõem o Caso Haximu. Tal acervo documental faz parte de
um arquivo que esse Órgão mantém sobre os processos em que seus procuradores atuam
– e devo meu acesso a ele aos contatos que mantive com a Doutora Déborah Duprat.
Não aí a cópia da íntegra dos Autos, porém me foi possível acessar os textos
com as principais decisões judiciais sobre o Caso a Sentença de Primeira Instância,
alguns Laudos Periciais e Recursos a Tribunais Superiores, entre outros. Ficavam
faltando, ainda, os depoimentos (nos Tribunais e aos Policiais Federais) de acusados e
testemunhas, além de documentos em que eu pudesse ter contato maior com os
argumentos dos defensores dos garimpeiros papéis que, logicamente, faltavam tanto
na compilação da CCPY quanto na do MPF.
Desconfio que é praticamente impossível conseguir acessar qualquer documento
nos moldes do Processo Haximu (um caso judicial de grande repercussão, ao menos na
época em que foi noticiado e, até então, ainda não julgado definitivamente) tendo como
contato preliminar apenas mensagens eletrônicas a funcionários desconhecidos.
Enquanto tentava, do Rio de Janeiro, firmar laços mais estreitos e obter maiores
informações sobre os Autos por essa via, a fim de chegar à Brasília com as coisas mais
acertadas, não consegui nada além de novos endereços de correio-eletrônicos e
reticentes informações. É altamente improvável que um outsider consiga, de antemão e
sem qualquer tipo de intermediação, um contato privilegiado com os escalões superiores
de instituições como o MPF. De todo modo, as coisas começaram a mudar quando
apareci pessoalmente nos lugares onde antes apenas me correspondia por mensagens de
correio eletrônico ou telefone.
Essa última tecnologia de comunicação, apesar de mais antiga, foi-me muito
mais útil para acessar informações que me levariam a conseguir uma cópia da íntegra do
Processo. É impossível ignorar um desconhecido do outro lado da linha da mesma
maneira que se ignora uma mensagem de correio eletrônico de uma pessoa que conserva
esse mesmo status ainda mais quando o desconhecido passa a ligar diariamente,
pedindo informações sempre ao mesmo funcionário. Porém, no que tange a respostas
evasivas, o telefone não é tão superior ao correio eletrônico.
22
Eu já sabia, por intermédio de um funcionário da 6
ª
Câmara, que o Recurso
Extraordinário
5
impetrado pelos advogados dos garimpeiros ao Superior Tribunal
Federal (STF) seria julgado em breve. Mesmo ligando ao menos uma vez por dia ao
STF, acabei perdendo a data do julgamento e fiquei sabendo do acontecido um dia
depois, por mensagem eletrônica repassada por uma amiga antropóloga que sabia de
meus interesses de pesquisa. Adianto aqui que consegui toda a documentação do Caso
Haximu que havia na 6
ª
mara antes de conversar pessoalmente com a Coordenadora
dessa repartição pública mas, é claro, usando reiteradamente seu nome, pois, como
dito, ela havia se disponibilizado previamente a me ajudar a conseguir ler os Autos, e
sempre usei tal argumento com os funcionários que me atendiam nas visitas que fazia à
Câmara. A Doutora Déborah Duprat se dispôs, por fim, a mediar pessoalmente meu
acesso ao Processo e realmente ela conseguiu que uma cópia dos Autos fosse
encaminhada à Câmara, só que dias depois que eu havia conseguido fotocopiá-los
integralmente no STF.
Na segunda ida à Brasília, foquei minha atenção mais no STF (local onde
realmente os Autos estavam) do que na 6
ª
Câmara (para onde a Doutora Duprat havia se
comprometido em trazê-los). Minha esperança era que, depois de julgado, fosse mais
fácil conseguir ter acesso ao Processo na íntegra. Em termos estritamente legais, seria
possível olhar os Autos do Caso Haximu a qualquer momento, pois os mesmos não
corriam em Segredo de Justiça, sendo, portanto, um Processo Criminal em que a
publicidade é legalmente garantida. De todo modo, passei a última quinzena do mês de
agosto de 2006 ligando diariamente ao STF e indo pessoalmente ao Tribunal pelo
menos três vezes por semana. Cito aqui algumas repartições para as quais liguei ou
passei, sem nada conseguir: Seção de Informações Processuais, Seção de Controle de
Acórdãos, Protocolo Judicial, Protocolo Administrativo (a confusão entre esses dois
Protocolos me fez pedir informações judiciais onde eu poderia obter notícias do
corpo administrativo do STF), Gabinete do Ministro Cesar Peluso, entre outros.
Contudo, pude efetivamente fotocopiar os Autos quando os mesmos estavam na
Seção de Xerox do Tribunal. Como na 6
ª
Câmara, o STF também guarda uma cópia dos
processos que se mostram mais importantes, como me informou o operador da
5
Esse tipo de Recurso é feito somente ao Supremo Tribunal Federal e precisa envolver algum possível
desrespeito à Constituição Federal. Discutirei mais detidamente essa questão à frente.
23
fotocopiadora. No Caso Haximu, houve um Ácordão do Plenário
6
desse Tribunal em
que se definiu de quem seria a competência específica para julgar o Crime de
Genocídio, provável motivo do arquivamento de uma cópia dos Autos nesse Tribunal.
É necessário aqui um breve parênteses: em conversas informais com operadores
do direito e funcionários de diversas repartições, descobri que tais decisões do Supremo
são objeto constante de provas de concursos públicos para procuradores, juizes e
analistas judiciais, entre outros cargos, formando, assim, um corpus de conhecimento
acumulado que os juristas batizam de Jurisprudência. O conhecimento de tal
Jurisprudência serve, entre outras coisas, para medir o grau de atualização que
determinado estudioso do Direito possui frente a um sistema de códigos legais em
constante desenvolvimento.
Nessa segunda ida à Brasília, havia falado por telefone e, mais tarde,
pessoalmente com um funcionário da Seção de Recursos Extraordinários da Segunda
Turma, que me disse o dia em que seriam feitas as cópias para o arquivo do STF.
Combinei então de visitar a referida Seção exatamente nesse dia 23-08-2006. Este
funcionário pediu que um estagiário seu me acompanhasse até a sala da Seção de
Xerox, onde pude requerer uma cópia das 2.304 páginas que compõe o Processo,
incluindo nove volumes e quatro apensos. Como me informou um outro funcionário,
ainda na Seção de Xerox, os apensos são compostos, basicamente, de documentos que
não tocam o Mérito Principal do caso, como alguns pedidos de liberdade provisória,
recortes de jornal e, no presente caso, até mesmo uma fita de vídeo de uma excursão da
Polícia Federal à aldeia de Haximu vídeo que, até o presente momento, não me foi
possível ter acesso. Os outros volumes, por conseqüência, tratam do Mérito em si o
que, de maneira geral, pode ser resumido aos documentos que se referem,
primeiramente, ao julgamento dos acusados e, num segundo momento, à competência,
no Judiciário Brasileiro, para o julgamento do Crime de Genocídio.
II. O papel dos papéis.
6
Acórdão é a decisão de um colegiado de julgadores sobre determinado caso – ele faz par com a
Sentença, que é a decisão de um único juiz. Plenário é a reunião dos juízes ou ministros que compõe as
várias Turmas de um tribunal.
24
As situações com as quais um pesquisador tem que lidar para conseguir certos
documentos e, é claro, aquilo que ‘orbita’ em torno deles - são também parte efetiva
do trabalho de pesquisa de tais fontes. Assim, esforço-me aqui em traçar o esboço de
uma análise sociológica da empreitada narrada acima. Enfatizo o termo “certos
documentos” pois, por exemplo, tive acesso fácil a determinados laudos antropológicos
de outros casos judiciais envolvendo indígenas, tendo apenas que combinar um horário,
por mensagem eletrônica, para buscar as cópias. Em outras ocasiões, como na leitura
dos códigos legais citados no Processo, simplesmente acessei a gina eletrônica de
determinada organização internacional ou repartição pública para conseguir, na íntegra
e com comentários, a documentação em questão. Porém, como visto, a cópia da íntegra
dos autos do Caso Haximu envolveu contatos, negociações e tensões que merecem um
estudo mais detido.
Primeiramente, vale voltar a um termo que usei sem maiores ressalvas acima: o
funcionário desconhecido. Na verdade, quem é realmente desconhecido, um outsider
alheio à rotina comum de um tribunal qualquer, é o antropólogo que tenta acessar tais
documentos. Nas primeiras ligações que fiz ao Gabinete do Ministro Cesar Peluso,
Relator
7
do Caso Haximu no STF, os funcionários sempre estranhavam meu interesse
em tentar acessar os Autos. A primeira pergunta que me faziam era: o senhor é
interessado?”. Demorei algum tempo para responder corretamente essa questão, pois
por interessado deve-se entender aqueles que acusam e os que são acusados num
processo qualquer, também denominados genericamente por Requerido(s) (os que são
alvo da ação judicial, no caso os garimpeiros) e Requerente(s) (os autores da ação, no
caso o MPF, representantes legais dos indígenas de Haximu). Tais pessoas têm acesso
privilegiado aos autos justamente porque são elas que, em termos nativos, deram-lhes
origem, alimentam-no e é sobre o destino delas que o processo versará. Assim, eu tinha,
sem dúvida, interesse no Caso Haximu, mas ele divergia sobremaneira dos que, na
linguagem judicial, são “os interessados. Conversando principalmente com analistas e
técnicos judiciais, que são as pessoas que atendem primeiramente qualquer um que
chegue buscando informações num tribunal, tento compreender melhor parte da tensão
envolvida em ter acesso a um processo.
7
Membro de um colegiado de julgadores que é responsável por fazer a leitura mais detida de um
processo, escrevendo um Relatório sobre o caso, apresentado, mais tarde ao colegiado como um todo.
25
Vale aqui um novo parênteses: a diferença fundamental entre um técnico e um
analista é que o primeiro ganha um salário menor e presta um concurso público de nível
médio para ser funcionário num tribunal, enquanto o último tem um ordenado
sensivelmente maior e, por título, necessita do diploma de bacharel em Direito para
assumir o cargo. No que tange ao trabalho feito, contudo, ambos parecem exercer
funções similares: atendem aqueles que chegam pedindo informações sobre os
processos em andamento, revisam os textos das Sentenças, Votos ou Relatórios dos
juizes, quando não são eles mesmos que escrevem tais documentos. Cheguei a conhecer
um técnico que ganhava mais que um analista pois o juiz responsável reservou uma
Função Comissionada (abono salarial considerável) ao primeiro em detrimento do
último. Tal técnico judicial, quando me atendeu, escrevia o Voto
8
do juiz num caso a ser
julgado em breve. Algumas visitas depois, ele me esclareceu que esse é um expediente
comum entre os que ganham a tal Função. Assim, apesar de ocupar um cargo de nível
médio, ou seja, sem possuir o diploma de bacharel em Direito, tal funcionário redigia
documentos que, após uma rápida passagem de olhos, seriam assinados pelo juiz
responsável - segundo o relato do próprio técnico, é claro.
Voltando ao caso aqui em foco, depois de alguma insistência, conseguir falar,
por telefone, com a Chefe de Gabinete do Ministro Peluso todos os outros
funcionários foram reticentes em dizer se eu poderia ou o fotocopiar o processo. Ela
me informou que seria preciso uma carta escrita por minha orientadora, timbrada pelo
Museu Nacional e mandada, com registro dos Correios, ao Gabinete do Ministro.
Depois de avaliar tal carta, a Chefe de Gabinete autorizaria ou não meu acesso ao
Processo. Dias depois, a Doutora Déborah Duprat, Coordenadora da 6
ª
Câmara,
informou-me que esse expediente é comum e necessário, e que a referida carta poderia,
inclusive, ser anexada ao Processo o que, segundo ela, mostraria que o pessoal do
Museu Nacional está interessado no caso”. De todo modo, a carta à 6
ª
Câmara foi
mandada, mas, antes de enviá-la também ao Gabinete de Peluso, consegui, como já dito,
fotocopiar os Autos na Seção de Xerox do STF.
Todo esse cuidado com quem pode ou não folhear um processo (principalmente
se ele ainda não foi arquivado) se deve, entre outros fatores, a um motivo relativamente
simples: sempre o perigo de tais documentos serem destruídos, roubados ou
8
O Voto é um parecer apresentado por um julgador frente a um colegiado de julgadores, demonstrando
qual a posição desse magistrado específico sobre o caso em questão. Cada julgador, inclusive o Relator,
apresenta um Voto.
26
adulterados, principalmente pelos Interessados. São comuns as anedotas entre técnicos e
analistas, que contam casos de advogados que literalmente comeram as folhas dos autos
para sumir com alguma evidência ou documento. Num caso menos dramático, um
técnico judicial me narrou a seguinte história: um advogado havia entregue um
documento a ele em branco”, ou seja, não devidamente assinado. O funcionário
notou isso depois, juntando outro documento ao primeiro que dizia que este último não
tinha efeito, que não assinado pelo advogado. O advogado, dias depois, voltou ao
Tribunal em questão e, sem que o funcionário visse, sumiu com o segundo documento
produzido pelo técnico judicial e assinou o documento que ele mesmo havia esquecido
de assinar dias antes. O problema é que o advogado o poderia simplesmente ter
assinado o documento mais tarde, pois o prazo para o pedido que ele fazia havia se
esgotado nesse interregno. A partir de tal acontecido, o técnico guarda agora uma cópia
de tudo que ele faz num processo em sua gaveta pessoal de trabalho, e toma especial
cuidado com as visitas de todos que querem olhar os autos. Tanto técnicos como
analistas dizem que o ideal é que sempre exista um funcionário vigiando qualquer um
que folheie qualquer processo. Assim sendo, nunca se permite que alguém tenha acesso
a tais documentos fora do balcão de atendimento, o que faz com que seja necessário um
pedido oficial para retirar os autos, ainda que seja para uma simples fotocópia. Por
outro lado, é igualmente impossível que se consiga ler quase duas mil e quinhentas
páginas de pé, apoiado apenas em um balcão.
Como se pode notar, há, nesse contexto, uma forte valorização da documentação
escrita. Como deixarei mais claro quando estiver analisando os depoimentos dos
envolvidos no Processo, tudo o que é dito, pedido ou oficialmente requerido numa
disputa judicial precisa constar em documentos escritos nos autos. Ressalvo, contudo,
que tais documentos não dão conta, exclusivamente, de tudo que acontece num
processo. É claro que existem comentários em testemunhos judiciais que são suprimidos
e não aparecem na versão escrita, discussões nos tribunais entre juízes e
representantes das partes que não são anotadas por escrito enfim, existe todo um
‘silêncio’ dos documentos que é central numa disputa qualquer mas que não é, contudo,
incorporado aos autos. Não me foi possível acompanhar tal faceta no Processo aqui em
foco e, como dito, centro-me apenas na versão condensada em documentos dessa
contenda judicial
27
Nesse sentido, cabe dar maior atenção ao papel dos papéis num processo
judicial. Jack Goody, numa análise focada na apropriação da escrita por diversos grupos
humanos, mais particularmente pelo Ocidente (GOODY, 1986), chama atenção para o
fato de que a escrita não é apenas uma nova técnica de comunicação. Para o autor, a
escrita muda também a natureza das interações sociais, uma vez que altera as próprias
possibilidades de comunicação. É, portanto, uma nova forma de sociabilidade, diferente
da forma oral, com outras propriedades e características gerais:
The uses of writing affected not only the forms of interaction but also
helped to change the nature of its rules, substituting the variable
utterance for the fixed text (Goody, 1986:99).
Esclarecendo melhor tal ponto, o argumento geral de Goody é de que a
introdução da escrita, tanto no campo do Direito quanto no da religião, por exemplo,
pode dar margem a um maior e mais eficaz controle social sobre os indivíduos, tanto
entre os crentes quanto entre os operadores judiciais. Contudo, para o autor, a escrita
pode ser usada tanto para estabilizar quanto para desestabilizar uma instituição ou
organização social qualquer: writing gets used not only to promote government and
participation in government but to attack the existing regime, by mass communication
where the democratic system permits, by samizdat where it does not (Goody, 1986,
:121). Segue-se, numa nota (Goody, 1986:191, nota 13 do capítulo 3), um breve
comentário sobre a Revolta dos Malês no Brasil e como ela foi potencializada, em sua
organização, pelo fato dos revoltosos poderem se comunicar por uma linguagem escrita
que era desconhecida pelos senhores de escravo. Porém, como já dito, o norte do autor é
mostrar como, por exemplo, uma ordem escrita – como um Mandado de Prisão – é mais
exata, individualizada e direta que uma ordem oral, atando mais eficazmente o
mandatário à própria ordem. É exatamente tal faceta coerciva da escrita que explorarei
nas páginas que se seguem.
Voltando ao Caso Haximu, a desconfiança constante com os processos ainda em
andamento é, penso eu, um dos motivos do pedido de uma carta de apresentação
institucional pela Chefe de Gabinete de Peluso. A carta me situaria, diria oficialmente
de onde eu vinha e porque queria ler os Autos podendo ser mesmo ajuntada ao
processo, como sugeriu a Doutora Déborah Duprat. Eu deixaria de ser, assim, um
simples curioso ou uma potencial ameaça. Estaria filiado a uma instituição maior e, caso
28
algo acontecesse ao Processo, seria possível saber mais tarde de quem cobrar e onde me
achar. Contudo, todos esses esclarecimentos eu havia feito verbalmente em várias
repartições do próprio STF, explicando que eu era um pesquisador em antropologia
interessado no Caso Haximu, apresentando, inclusive, documentos que comprovavam
tal identidade. o consegui, porém, ler uma página dos Autos nessas ocasiões, nem
mesmo no balcão do STF.
O que vale a pena notar é que tal identificação teria que ser feita por escrito e
com a assinatura de algum responsável superior no caso, minha orientadora,
funcionária de uma outra instituição pública, o PPGAS do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não bastava dizer quem eu era: era preciso
atestar isso por escrito, numa mídia que pudesse ser impressa e arquivada nos Autos
9
.
aqui um paralelo entre tal carta e o documento que o advogado esqueceu de assinar:
certos papéis que se encontram num processo não são meros papéis; eles são produzidos
por detentores de uma autoridade específica que os fazem adquirir um poder especial
inclusive o de transferir o poder de representar legalmente os Interessados, como na
situação em que um advogado delega, por Procuração, poderes ao colega de profissão
que reside em outro estado e que tem melhores condições de conseguir atuar num caso
determinado. Jack Goody, no trabalho já citado, argumenta que o ato de assinar um
documento pode ser visto como a substitute for the person [...]. But it is not only a
card of identity, as individual as the print of the finger or the hand, but also an
assertion of truth or of consent” (Goody, 1986:152). Nesse sentido, a assinatura não é
somente garantidora da individualidade das pessoas, mas o próprio signo da veracidade
dos documentos, uma espécie de atestado de autoria e reconhecimento de poder.
É preciso lembrar, contudo, que tais poderes representados nos documentos são
dependentes de uma complexa série de intervenções autorizadas e autorizadoras que,
no caso do advogado, girava em torno da sua própria condição de bacharel em Direito
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
10
, da assinatura do documento, da entrega
9
Jack Goody, em estudo já citado, faz o seguinte comentário sobre os casamentos na América espanhola:
“All unwritten marriages are consequently defined as common-law unions or as some form of
concubinage. Under such a system, “Are you married?” means “Have you got written proof of having
spoken certain written formulae?”” (: 158). Assim, não basta apenas dizer que se é casado: é preciso ter a
prova escrita de tal casamento.
10
Ana Lúcia Lobato de Azevedo (AZEVEDO, 1998), na análise da contenda judicial de um grupo
Potiguara frente à ação de fazendeiros locais, nota que o depoimento de uma testemunha dos últimos foi
redigido diretamente pelo depoente, em deferência do juízo por se tratar de bacharel em direito” (Idem,
:156, apud próprio depoimento). Em nenhuma passagem do Processo Haximu algo parecido, mas o
29
do mesmo no prazo correto, entre outros artifícios. Contudo, volto a tal tema mais
detidamente nos próximos capítulos dessa dissertação, deixando claro, de antemão, que
não fiz uma etnografia exaustiva de tal conjunto de ingerências que garante a
especialidade de certos documentos. Os relatos que apresentei até aqui e os que se
seguirão são, como já dito, apenas uma breve tentativa de enxergar uma sociológica nas
esparsas situações que tive contato enquanto tentava acessar uma peça judicial
específica.
Há de se notar também que todas as dificuldades para se ter acesso a tais
documentos pareceram se desmontar quando consegui ler os Autos pela primeira vez.
Depois de ter feito as fotocópias no STF, seria possível ler o Processo mais
confortavelmente na Seção de Recursos Extraordinários da Segunda Turma, como fui
informado em outras ligações que fiz após conseguir a íntegra do Processo. Como visto,
poderia também tê-lo lido no Gabinete da Coordenadora da 6ª Câmara – tudo isso
depois de ter as fotocópias em mãos. De todo modo, o é que os empecilhos que
narrei até aqui simplesmente tinham deixado de existir depois que consegui uma
fotocópia dos Autos: é que eles não operavam mais da mesma maneira para quem havia
se tornado relativamente conhecido. Isso não quer dizer que a exibição de tais
dificuldades para os desconhecidos seja apenas mera retórica sem sentido ou simples
encenação. A apresentação, num primeiro momento, de uma regra rígida e impessoal
para se ler o Processo parece ajudar a filtrar quem realmente está disposto a se esforçar
em cumpri-las ainda que, mais tarde, essas regras parem de operar e seja possível
acessar o Processo com maior liberdade. Assim, tal acesso ao Processo não é
problemático apenas porque se tem medo de perder os importantes papéis que o
compõem. também um jogo de quem se conhece, de quem é visto e se deixa ver,
enfim, de quem consegue se inserir um pouco no cotidiano de uma repartição pública e
passa a ser visto, gradualmente, como menos estranheza. Ou, por outro lado, de quem
tem indicação de um funcionário superior com ordens explícitas para que se deixe um
terceiro ler tais documentos, como no caso das intervenções feitas a meu favor pela
Doutora Déborah Duprat.
Sobre o Processo em si, é interessante notar, primeiramente, que pelo simples
fato de um papel constar nos Autos, ele ganha, no mínimo, uma numeração única, um
exemplo pode servir para melhor matizar o poder dos especialistas no Direito, mesmo quando eles não
são os representantes diretos das nenhuma das partes numa contenda judicial.
30
carimbo específico com a data em que foi ajuntado e entra numa ordem cronológica de
arquivamento junto com uma série de outros documentos
11
. O novato funcionário da
Seção de Xerox do STF que me atendeu disse que alguns advogados que pediram
fotocópias de processos reclamaram que faltavam páginas no serviço feito por ele.
Contudo, o funcionário esclareceu que deixava apenas de fotocopiar páginas totalmente
em branco - o que comprometia, é claro, a contagem total das folhas dos autos. A partir
de então, o operador da fotocopiadora passou a fazer cópias de tudo nos processos,
inclusive dos versos dos documentos. Tive que fazer um pedido especial para que ele
não fotocopiasse tais páginas no serviço que fazia para mim. Esse ponto merece uma
atenção maior: há carimbos específicos no verso de tais folhas (ou nas folhas em
branco) onde se lê, em letras garrafais, apenas expressões como “FACE EM BRANCO”
ou “EM BRANCO”. o pressuposto de que aquilo que consta nessas páginas tem
uma força tal que alguém mal intencionado poderia abusar desse poder, escrevendo nos
versos dos documentos ou nas folhas em branco algo que deturpasse seu sentido
original.
Assim, como bem nota Jack Goody, o que prova ou não a existência judicial de
algo não é a palavra empenhada (como o condenado Zande tem a boca amordaçada para
não amaldiçoar aqueles que proferem a sentença) mas sim a palavra escrita (o
condenado ou os interessados assinam um documento para dar ciência do que foi
decidido) (GOODY, 1986, :151). Contudo, o autor ressalta que a escrito não ‘engessa
ou torna as mudanças impossíveis no aparato judicial pelo simples fato da criação e
arquivamento de uma mídia escrita:
The norms of written religions often remain guides to ideal rather
than to practical action, for saints rather than for sinners. To
translate these general norms into everyday terms often requires a set
of oral adjustments, or even written commentaries, which may serve
both to interpret and even to change the law (Goody,1986:167).
Na tentativa de apenas esboçar melhor a dimensão desse poder conferido aos
papéis ajuntados no Processo, relato uma situação narrada como comum por
determinado técnico judicial: esse funcionário me disse que certos condenados são
11
Essa ordem perpassa todos os nove volumes do Caso Haximu a não ser pela Denúncia, primeiro
documento dos Autos, mas que é cronologicamente anterior ao Inquérito Policial. Após o Inquérito,
todos os documentos seguem uma ordem cronológica direta. Para uma visão melhor do que acabo de
descrever, conferir a tabela data/documento das principais peças aqui analisadas, anexada no final da
presente dissertação.
31
presos dentro do próprio tribunal, no exato momento em que estão lendo o processo que
são Interessados. Ele ressaltou que funcionários experientes, quando pedem a
identidade de alguém para que o último possa olhar os autos, conferem se algum
documento no processo que exija a prisão imediata dessa pessoa. Em caso positivo,
antes de levar o processo ao balcão, o funcionário liga para a segurança do tribunal e
pede que um policial militar (sempre um por perto, principalmente nas varas
criminais, me esclareceu ele) prenda o indivíduo. Assim, o Interessado é levado à
cadeia no momento preciso em que o documento que o condena. Sobre o Processo
Haximu, é interessante notar que a capa de todos os volumes contém a inscrição, em
caixa alta e negrito, “RÉU PRESO
12
.
Ainda sobre a força de certos papéis num processo, uma conhecida máxima
entre os operadores do direito no tocante a tais documentos: “se não está nos autos, não
está no mundo”. Max Weber, em sua análise clássica sobre o campo jurídico, chama
atenção para que aquilo que o jurista, com seu acervo conceitual não pode
“construir”, não podendo “pensá-lo”, não pode existir juridicamente” (WEBER, 1999,
v. II, :32). Como tentarei mostrar a seguir, grande parte da contenda judicial em torno
do Crime de Genocídio está relacionada à discussão de como classificar, em termos
jurídicos, o que conformaria tal Genocídio. Assim, alguns julgadores entendem que tal
Crime atentou, primeiramente, contra o direito individual à vida de cada um dos
Yanomami o que tornaria o Caso julgável apenas pelo Tribunal do Júri. Por outro
lado, os Procuradores do MPF constroem o mesmo Genocídio como ameaça, em
substância, à vida coletiva dos habitantes de Haximu e os garimpeiros, nessa versão,
não queriam matar apenas um ou dois índios, mas dar cabo de todos os Yanomami da
Aldeia. Nessa última situação a competência de julgamento não seria do Júri Popular,
mas do Juiz Singular, como analisarei à frente.
Assim, é possível dizer que o conflito em questão não é apenas mediado e
resolvido pelo judiciário, mas em grande medida também criado dentro do vocabulário
e possibilidades do próprio campo do Direito. No mesmo sentido, Pierre Bourdieu, num
artigo que visa justamente abordar as possibilidades de uma sociologia de tal campo,
argumenta que le champ juridique est le lieu d’une concorrénce pour le monopole du
droit de dire le droit(BOURDIEU, 1986, :4) - ou seja, as disputas judiciais se pautam,
12
Maiuí Borba, Bacharel em Direito, me esclareceu que tal inscrição serve também para que se
prioridade na tramitação de processos em que o réu já está preso – e, portanto, já cumprindo uma pena da
qual ele poderá ser, mais tarde, inocentado.
32
de antemão, na idéia de que toda demanda entre os disputados deve ser construída, para
ter validade, dentro de um arcabouço judicial específico (prazos, assinaturas e um
vocabulário especial compõe, entre outras coisas, tal arcabouço). Os demandantes, nesse
sentido, são representados por especialistas do Direito que irão ‘traduzir’ suas demandas
em termos jurídicos. A disputa, a partir de então, não se mais entre dois indivíduos
que discordam em determinado ponto, mas sim entre expertos que, como também
chama atenção Bourdieu no texto citado, o capables de mobiliser les resources
juridiques disponibles par l’exploration et l’explotation des “regles possibles” et de les
utiliser efficacement, c’est-à-dire comme des armes symboliques, pour faire triompher
leur cause” (Idem, :8).
III. Sociabilidades distintas e complementares
Detenho-me aqui nos tipos de interação que tracei para conseguir acesso ao
Processo. Como argumentei, penso ser bastante improvável que se tenha contato com
qualquer documento comparável aos autos Haximu (um caso judicial de relevância e
ainda em andamento) tendo como contato preliminar apenas mensagens de correio
eletrônico a funcionários que não me conheciam. Como também disse, é muito mais
difícil evitar um inoportuno pesquisador por telefone do que pela Internet. Graduando
melhor tais interações, penso que a o contato face-a-face foi primordial para conseguir
fotocopiar na íntegra o objeto primeiro da presente dissertação e, é claro, também
entender parcialmente o contexto em que ele foi produzido.
Nas interações exclusivamente por telefone, era comum que me pedissem que
ligasse outro dia, pois o funcionário responsável não poderia me atender naquele
momento. Não é muito improvável, por outro lado, que se espere minutos a fio a
transferência de um telefonema e, no final, a linha caia. O pior é que, quando se liga
novamente, segundos depois, não se consegue falar com o funcionário que se falava
anteriormente porque ele está, agora, ocupado. É preciso, então, explicar novamente o
motivo da ligação e, a partir daí, ter a sorte de falar com alguém que não corte o diálogo
rapidamente, dizendo que irá, mais uma vez, transferir a ligação. Contudo, visitando
regularmente a repartição onde se encontra o documento, trajando sempre terno-e-
gravata enfeitado com um crachá de visitante, corre-se o bom risco de ser confundido
com um advogado ou outro especialista do Direito. A partir daí é mais fácil escutar e,
33
por vezes, a tomar parte em conversas que não estão diretamente relacionadas ao
objeto primeiro da visita – como as histórias transcritas na subseção anterior.
Quando se passa a conhecer um funcionário pessoalmente (face-a-face), sabendo
seu nome, a seção em que trabalha e a função que exerce, conversas por telefone e
mensagens de correio eletrônico mudam de tom. Se a pessoa que atende não é
exatamente aquela que se conhece, pode-se pedir para que ela chame o outro
funcionário sem maiores problemas. Nessa nova interação, raras vezes ocorreu de me
dizerem que o funcionário com quem eu gostaria de falar estava ocupado. Além disso,
quando eu pedia para falar diretamente com alguém, quase nunca me perguntavam qual
era o “meu problema” a única vez que isso aconteceu com alguém que eu já conhecia
pessoalmente foi quando tentei conversar diretamente com a Coordenadora da 6
ª
Câmara. Assim, eu havia aparecido pessoalmente algumas vezes na Seção de Recursos
Extraordinários da 2
ª
Turma; havia conversado com seu Chefe e vários funcionários que
trabalhavam sabiam que eu era um antropólogo com interesses de pesquisa no Caso
Haximu.
Pelas conversas que tive, é provável que nenhum deles desconfiasse que eu
pudesse estar interessado em fazer um estudo de tal peça judicial e do que girava em
torna dela - ou seja, também deles próprios, ao menos em parte. Penso que, pelo fato do
Processo envolver um grupo indígena e eu me identificar como um antropólogo social,
tomava-se como certo que eu estava interessado somente nos ‘aspectos indígenas’ do
mesmo, por assim dizer. Mais de um funcionário comentou comigo que o acontecido
com tais índios era um absurdo e que os brancos não poderiam tratar os silvícolas dessa
maneira. Um funcionário mais prestativo, justamente o que me indicou o dia em que os
Autos estariam na Seção de Xerox, perguntou porque eu queria fotocopiar o Processo
inteiro se eu estava apenas interessado em estudar os índios”. Esclareci, então, que
meu objeto de estudo não era exatamente os índios, mas a resolução, pelo Judiciário
Brasileiro, de um determinado conflito entre índios e garimpeiros. Contudo, de maneira
geral, tal confusão foi positiva pois, a partir do momento em que se ‘colava’ minha
ocupação de pesquisador em Antropologia com a de um estudioso dos Yanomami de
Haximu, diminuía visivelmente o incômodo sobre meu interesse no Processo.
Nesse sentido, é preciso contextualizar a citada frase da Coordenadora da 6
a
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Quando a Doutora
Déborah Duprat ressaltou que, a partir do momento que eu mandasse uma carta oficial
seria mais fácil mostrar que o pessoal do Museu Nacional está interessado no caso”, é
34
provável que ela estivesse fazendo uma correlação com outras organizações que
aparecem no Processo - como a CCPY, que pedia informações sobre os Autos no
intuito explícito conferir se os garimpeiros seriam ou não condenados. A partir do
momento que me identifiquei como um mestrando em Antropologia Social pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, penso
que, como outros operadores do Direito, a Coordenadora da 6
ª
Câmara de Coordenação
e Revisão - Índios e Minorias, me viu mais como um etnólogo engajado do que como
um pesquisador indevidamente curioso.
Antes de passar à análise interna dos Autos, gostaria apenas de esclarecer que
não estou argumentando, frente a todos os diversos interessados no processo que relatei
acima, que pretendo fazer um estudo neutro, diferente daqueles que não têm uma
postura cientifica para analisar tais documentos, como se poderia pensar dos
Interessados a que fiz referência acima. Ao contrário: tentei deixar claro nesse primeiro
capítulo que, na procura pelo Processo Haximu, eu tinha, é claro, um interesse
específico mas que diferia pontualmente de outras pessoas que também procuravam
ler os Autos. Além desse interesse particular, procurei mostrar, nessa última parte, que
os responsáveis pelo arquivamento de tais documentos (ou aqueles que têm a
possibilidade de franquear o acesso de diferentes pessoas aos autos, mas que muitas
vezes não se confundem com os primeiros, a exemplo da Doutora Déborah Duprat)
necessitam situar minimamente qualquer um que venha a pedir acesso a determinado
processo - e, baseado nessa classificação, dizer se ele pode ou não ter contato com tal
massa de documentos. Essa classificação, é claro, nem sempre condiz com os interesses
que o classificado realmente tem (ou, no mínimo, pensa ter) e essa espécie de gap ou
mal entendido entre funcionários do Judiciário e, no presente caso, um pesquisador em
Antropologia Social, foi uma boa porta de entrada para colher pistas em que pude
entender melhor o que ‘orbita’ em torno dessa massa documental. Adianto que no
próximo capítulo tentarei contextualizar melhor o Caso Haximu, passando, em seguida,
à análise dos documentos em si. Contudo, voltarei reiteradamente a determinados temas
aqui tratados, a fim de concatená-los melhor com passagens específicas presentes nos
documentos que compõe o Caso Haximu.
IV. O Recorte dos documentos
35
Primeiramente, a seleção do material que me detenho se baseia, em grande
medida, nos documentos (ou excertos deles) que, durante as leituras que fiz do
Processo, foram se repetindo nas argumentações de Advogados, Procuradores, Juízes e
outros pensadores ou operados do Direito
13
. De certo modo, tomo como norte uma
seleção nativa, existente no Processo, ainda que não de maneira explícita. Para dar
um exemplo, vários excertos de depoimentos que irão se repetir constantemente nos
Autos, o que faz com que eu me detenha especialmente nesses documentos e nos
próprios excertos. É exatamente esse o caso do Relatório do antropólogo Bruce Albert,
por exemplo, a ser analisado no capítulo III.
Por outro lado, minha idéia de que o Processo se sedimenta, de que é construído,
gradualmente, uma espécie de ‘núcleo duro’ que será a base das argumentações tanto de
Requeridos como de Requerentes – a percepção desse movimento só foi possível depois
de voltar a documentos que até então eu havia dado pouca ou nenhuma atenção.
Exemplo disso são os Termos de Declarações dissonantes que analisarei a seguir: eles
nunca serão citados posteriormente e, como deixo claro no capítulo III, isso se por
uma espécie de ‘emolduração’ gradual de alguns temas no Processo. Assim, no que
tange ao tipo de documentos que escolhi para embasar a presente análise, eles são
exatamente da mesma categoria daqueles que embasaram, por exemplo, a Denúncia dos
Procuradores do MPF que início ao Processo: Termos de Declarações ou
Depoimentos Judiciais, Laudos Periciais e, mais tarde, as Decisões, Acórdãos e
Recursos dentro dos diversos Tribunais por onde os Autos estiveram. Isso se porque
estou particularmente interessado em mapear como, no Processo, se sedimenta
determinada idéia sobre o acontecido com os Yanomami de Haximu e a Denúncia,
documento que primeiramente elabora um modelo teórico para isso, foca-se
prioritariamente nos Depoimentos Policiais e nos Laudos Periciais.
Contudo, deixo claro aqui que essa é uma possibilidade de recorte (e,
conseqüentemente, também de análise) específica: no presente estudo, dou pouca ou,
por vezes, nenhuma atenção a documentos como os Ofícios e Despachos de Assessores
ou Diretores de Secretaria, Pedidos de Vista, Atestados de Recebimento e outros papéis
que poderiam ser situados mais próximos da parte técnica do que da científica do
Processo
14
e estes compõem boa parte das cerca de duas mil e quinhentas páginas dos
Autos. Cheguei a mapear a grande maioria deles(cf. a Tabela Tempo/Documento no
13
Trabalharei tal diferenciação entre pensadores e operadores do Direito nos próximos capítulos.
14
Cf. Nota 11.
36
Anexo), porém o fiz mais no intuito de ter alguma noção de quando e por onde passou o
Processo, e não propriamente para analisar como se deu esse trâmite.
Esclareço que meu recorte não se baseia na pré-noção de que tais documentos
seriam meras peças ‘burocráticas’ ou ‘administrativas’ e, portanto, pouco interessantes
para a análise. Na verdade, como visto acima, foi a partir de um Pedido de Vista
15
de
um Diretor de Secretaria, levando o Processo para a Seção de Xerox do STF, que
consegui ler toda a documentação que analisarei a seguir. Do mesmo artifício usou a
Procuradora Déborah Dubrat para me disponibilizar, alguns dias depois, tais
documentos na Câmara do MPF. Porém, o estudo mais detido desse tipo de
documentação seria impossível sem uma empreitada comparativa com outros processos
judiciais. Além disso, aquilo que inicialmente me chamou mais atenção no Processo
(mesmo antes de consegui-lo na íntegra), não foi exatamente sua tramitação, mas sim a
discussão, dentro do Judiciário Brasileiro, de como tipificar, julgar e punir o Crime de
Genocídio.
Assim, na análise que agora apresento, focalizo meu esforço interpretativo mais
em documentos como Votos, Sentenças e Acórdãos do que nos Pedidos de Vistas,
Ofícios Internos ou Atestados de Recebimento. Vendo tal recorte de outra forma, pode-
se dizer que estou menos preocupado com os documentos produzidos por funcionários
dos Tribunais para outros funcionários dos Tribunais (os Pedidos de Vista entre as
várias repartições de um Tribunal, por exemplo), do que aqueles documentos que serão
produzidos para que as Partes atuem no Processo – e, é claro, também os papéis
produzidos pelas Partes para figurarem nos mesmo.
V. A divisão dos capítulos
Dividi a análise do Processo Haximu em 5 partes: no capítulo imediatamente
posterior ao presente é dedicado a uma contextualização mínima sobre o surgimento e o
pano de fundo geral no qual o Processo se origina. No capítulo III início a análise dos
documentos em si. Ignoro, de início, o primeiro documento dos Autos (a Denúncia do
MPF) e detenho-me no estudo das cerca de quinhentas ginas que compõe o Inquérito
Policial. Minha preocupação principal, nesse momento, será mostrar como o Inquérito é
15
Defino melhor essa categoria no capítulo III
37
uma peça a ser ‘domada’ a fim de ser tornar minimamente coerente (em termos
judiciais) e, por outro lado, como o Relatório de Bruce Albert, antropólogo especialista
nos Yanomami e membro da CCPY, é central na construção dessa espécie de
‘harmonia’ do Processo.
no quarto capítulo, volto à Denúncia do MPF e debruço-me no mapeamento
da construção judicial do Crime de Genocídio pelos Procuradores da República. Tal
inversão dos documentos dos Autos faz-se necessária justamente para entender como os
Procuradores conseguem descrever os ataques de garimpeiros que conformam o Caso
Haximu de maneira minimamente coerente, sem contradições. É também nesse
momento que começo a matizar melhor o que é típico da fase propriamente judicial do
Processo (posterior ao Inquérito) e como se conformará os primeiros embates entre os
Interessados no Caso.
Nesse momento (capítulo V) atenho-me à discussão judicial do Crime de
Genocídio - ou seja, como a tese dos Procuradores vai ser recebida pelos diversos
julgadores que tomam parte no Processo e de que maneira ela será combatida pelos
defensores legais dos garimpeiros. Analiso então a espécie de ‘reviravolta’ judicial que
o Caso Haximu sofreu com a anulação da primeira decisão judicial e, por outro lado,
como se dá, já na última instância do judiciário brasileiro (o Supremo Tribunal Federal,
STF), a decisão que, ao que tudo indica, finaliza o Processo objeto da presente
dissertação.
Ressalvo que minha análise do Crime de Genocídio tem como ponto central
(porém o exclusivo) o Processo Haximu. Contudo, uma investigação mais
aprofundada de tal categoria teria, por exemplo, que mapear minimamente o contexto
político europeu pós-2ª Guerra Mundial - período em que se criou todo um aparato
legal, alicerçado em nascentes instituições supra-nacionais, visando dar as
características gerais e prevenir atos genocidas por todo o mundo. A própria lei
16
que
tipifica tal Crime no Brasil, datada de 1956, tem como norte tratados e convenções
surgidas nesse contexto. Todavia, tal empreitada superaria em muito o exíguo tempo
disponível para a pesquisa e escritura da presente dissertação. Com isso, ignoro, nas
páginas que se seguem, toda uma complexa discussão sobre as origens históricas do
16
Lei No. 5.010 de 30 de maio de 1966, retirada da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5010.htm, em 12/10/2006.
38
Genocídio - que, é claro, firmam raízes para além do Processo Haximu e do campo
judicial brasileiro, o que demandaria um investimento de pesquisa que não me foi
possível dar conta satisfatoriamente até o presente momento. Por outro lado, dou
especial atenção aos Códigos Legais citados durante todo o Processo, analisando-os
como peças relativamente independentes, porém sempre concatenadas ao caso
específico narrado nos Autos. Pretendo, assim, focar minha atenção na maneira como o
Crime de Genocídio é trabalhado numa peça judicial determinada, peça essa que tem
como norte o julgamento de um conflito específico: a morte de cerca de duas dezenas de
índios Yanomami por garimpeiros brasileiros na fronteira do Brasil com a Venezuela no
fim do ano de 1993.
39
Capítulo II: o pano de fundo do Caso Haximu
É impossível analisar satisfatoriamente o Caso Haximu se não se fizer uma
contextualização mínima de como o acontecido na aldeia Yanomami de Haximu no fim
do ano de 1993 acabou sendo apropriado como um processo judicial. Esse esforço não é
meramente acessório: ele é central para que se possa matizar a posição tomada pelas
Partes
17
no andamento da contenda nos Tribunais. Além disso, um olhar não
diretamente voltado à dinâmica interna do Direito ajuda a entender melhor a própria
divisão de documentos dos autos. Como exemplo, basta notar que todos os papéis
classificados como não-propriamente judiciais do processo, como os recortes de jornal,
figuram nos volumes denominados Anexos apartados, portanto, dos documentos tidos
como completamente judiciais. A própria organização dos documentos visa, portanto,
‘limpar’ da contenda aquilo que não pode ser diretamente apropriado na discussão
judicial em si o que obriga a uma busca fora do processo, visando aquilo que, em
certo sentido, o próprio processo visa dar conta.
Assim, dedico a primeira parte do presente capítulo para a discussão de como se
originou o Caso Haximu. Nesse momento me distancio parcialmente das fontes
documentais que perfazem os autos, tentando situá-las melhor num plano mais geral. A
última seção do capítulo tentará mapear como esse aparentemente ‘de fora’ do processo
na verdade lhe compõe.
I. O Massacre e os massacres
Como se poderá notar na análise que se seguirá, a documentação produzida
pelos Procuradores representantes dos Yanomami é mais complexa e, em termos legais,
melhor elaborada que a dos advogados ou defensores públicos dos garimpeiros. É fácil
notar que o Caso Haximu exigiu, por parte desses funcionários do Ministério Público
Federal, dedicação e exposição maiores que em outros casos similares. Primeiramente,
porque existiram várias reviravoltas na própria discussão judicial do processo, fazendo
17
Para a discussão da categoria nativa Partes, conferir a definição análoga de Interessados, no capítulo I
40
com que a contenda nos Tribunais se prolongasse por vários anos, como mostrarei nos
próximos capítulos.
Porém, um outro fator parece ter influenciado a ação desses especialistas: o Caso
Haximu teve uma repercussão ímpar na mídia e na política tidas como nacionais. Para
iniciar, o relatório de Bruce Albert, peça central no processo, como mostrarei a seguir,
foi publicado, de maneira adaptada, no jornal Folha de São Paulo ainda no ano de 1993.
Em outro exemplo, um delegado da polícia federal, ainda no inquérito policial,
argumenta que a cena do crime pode ter sido alterada pois jornalistas de todo o Brasil
haviam chegado à Aldeia Haximu antes mesmo dos peritos da PF. De todo modo, o
pano de fundo no qual me apoio para caracterizar o Caso Haximu como especial não
são somente as pistas colhidas nos próprios documentos dos autos. Pude fazer uma
breve, porém esclarecedora pesquisa no arquivo do antigo Projeto Estudo sobre Terras
Indígenas no Brasil (PETI), localizado no Laboratório de Pesquisas em Etnicidade,
Cultura e Desenvolvimento do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
(LACED/MN/UFRJ)
18
As informações que se seguem foram todas retiradas do arquivo citado e de
conversas informais que tive com Antonio Carlos de Souza Lima. Primeiramente, é
preciso notar que 1993 (ano que processo Haximu é instaurado) foi estabelecido pela
Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional dos Direitos
Indígenas. Além disso, um ano antes ocorreu, na cidade do Rio de Janeiro, a
Conferência da ONU para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92) e a
relação que é feita, principalmente pelo pessoal envolvido em órgãos governamentais
tutelares, entre as populações indígenas e a questão ecológica é explícita.
Na capa do último número do periódico Aconteceu
19
de 1991 (dois anos antes do
Massacre, portanto) pode-se ler a seguinte notícia: Collor toma decisão histórica e
18
Boa parte de tais arquivos estão também disponíveis na página eletrônica do LACED:
http://www.laced.mn.ufrj.br/produtos/textos/textos_online/publicacoes_peti.htm, com acesso em
19/01/2007. Agradeço especialmente a Antonio Carlos de Souza Lima por ter me indicado tais
documentos e, ao mesmo tempo, por ter me dado importantes conselhos de como tratá-los. Contudo,
todas as considerações que se seguem são de minha exclusiva responsabilidade.
19
O Aconteceu era uma compilação quinzenal que reunia notícias dos jornais de maior circulação do
país – que não necessariamente estão reproduzidas na íntegra – e colaborações espontâneas de leitores e
entidades diversas”, como o próprio editorial do no ano de 1991 esclarece. Nesse periódico pode-se
encontrar notícias desde a macro-política nacional, passando pela organização do operariado brasileiro,
até a situação de povos indígenas no país. Tal compilação era produzida pelo Centro Ecumênico de
Documentação e Informação (CEDI), instituição ligada à Igreja Católica e algumas igrejas evangélicas. O
CEDI deu origem, direta ou indiretamente, a algumas das mais importantes Organizações Não-
Governamentais de defesa dos índios no Brasil, como o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), a Rede
41
Passarinho [Jarbas Passarinho, então Ministro da Justiça do governo Collor] delimita
Terra Yanomami (Aconteceu. n. 579, nov/dez. 1991). Na reportagem interna, diz-se
que o presidente da Venezuela, Carlos André Perez, aplaudiu a decisão [de Collor]
dizendo que ela garantirá à América Latina maior autoridade para discutir com os
países do 1º mundo da Eco-92” (idem). De todo modo, no próximo número do
mesmo periódico, pode-se ler a seguinte notícia: Reações internas prometem bloquear
recursos para a demarcação Yanomami(Aconteceu. n. 580, jan. 1992), fazendo então
referência a senadores e deputados federais da região norte, inclusive de Roraima, que
estavam tentando barrar a verba específica para a demarcação da Terra Yanomami o
que acaba não acontecendo, sendo a área demarcada em sua completude.
No Congresso Nacional brasileiro, segundo Adriana Ramos (RAMOS, 2002),
então funcionária do Instituo Sócio Ambiental (ISA), há um grupo organizado de
parlamentares contrários aos interesses dos povos indígenas no Congresso, a maioria
visando alterar a Constituição para limitar o direito dos índios à terra. Tais propostas,
em sua maioria, visam alterar o texto constitucional para que as terras indígenas fossem
demarcadas pelo Legislativo e não, como acontece atualmente, pelo Executivo.
(Ramos, 2002:36). Tal movimento é organizado por parte da chamada bancada ruralista,
que forma uma espécie de ‘pelotão de choque’ contra os direitos indígenas
assegurados pela Constituição de 1998. Por outro lado, não um lobby organizado no
Congresso para defender os interesses das populações auto-denominadas ou rotuladas
como indígenas, que poucos parlamentares têm opinião formada sobre esse tema e
os que a tem, não perfazem um grupo organizado. Ainda segundo a autora, quando
algum movimento a favor dos indígenas, ele se de maneira conjuntural e pouco
organizada. (Ramos, 2002:35-39)
20
.
Voltando ao Aconteceu, numa breve análise das edições dos anos de 1990 e
1991, pode-se notar que ao menos 1/3 de todas as notícias relativas a povos indígenas
KOINONIA ou a Ação Educativa. Os anos de 1990, 1991 e 1992 estão disponíveis praticamente na
íntegra nos arquivos do PETI/LACED. Alguns números do ano de 1993 também podem ser encontrados.
Agradeço novamente a Antonio Carlos de Souza Lima por essas informações.
20
de se ter em mente, de qualquer maneira, que alguns parlamentares se auto-denominam
“defensores” da causa indígena. Como exemplo, basta citar a recente Audiência Pública da Comissão de
Direito Humanos e Legislação Participativa, ocorrida no Auditório Petrônio Portela do Senado Federal
em 19 de abril de 2007 para discutir a problemática dos direitos diferenciados referentes aos índios. Pude
acompanhar tal reunião, que contou com lideranças indígenas de todo o país, além da presença de
inúmeros deputados federais e senadores. O senador Paulo Paim (PT-RS) organizou a mesa do encontro -
e é dele o termo que vai entre aspas acima. A Audiência contou, ainda, com a presença da Procuradora
Deborah Duprat como especialista em direitos diferenciados.
42
desse periódico fazem referência aos Yanomami. O Aconteceu n. 479 de maio de 1990,
por exemplo, traz a informação de que havia um projeto no Congresso Nacional pela
demarcação da Terra Yanomami em 19 ilhas isoladas, todas dentro de duas grandes
Florestas Nacionais
21
. Segundo a reportagem, isso se daria para que fosse possível às
grandes indústrias da área de exploração mineral a retirada de recursos mapeados em
terras de tradicional ocupação pelos Yanomami. De todo modo, nesse rápido apanhado,
o mais importante a ser aqui notado é que há, a partir do ano de 1991, incontáveis
notícias sobre a incursão do Exército e de Policiais Federais à então (continuamente)
demarcada Terra Indígena Yanomami. Essas constantes intervenções do aparato de
violência física estatal visavam, sem uma única exceção, retirar da área Yanomami
inúmeros garimpeiros invasores. Fica claro pelas reportagens que houve diversos
confrontos entre garimpeiros e Yanomami – situações em que os índios estavam sempre
em desvantagem. Várias reportagens relatam mortes e assassinatos diversos resultantes
desses confrontos, mas nenhuma dessas situações parece ter tido a repercussão que o
Caso Haximu obteve. Por exemplo, na citada edição 552 do Aconteceu, há a seguinte
notícia da sessão dedicada aos indígenas: Yanomami baleado por garimpeiro invasor:
um índio Yanomami foi gravemente ferido [...] quando pedia alimentos a um grupo de
garimpeiros que explorava a pista clandestina conhecida como Xiriawá”.
As retiradas promovidas pelo Exército e pela PF, contudo, nunca foram
definitivas. Numa recente publicação do Instituto Sócio Ambiental (ISA), Povos
Indígenas do Brasil – 2001-2005
22
, há um artigo escrito pelo antropólogo Rogério
Duarte Pato cujo o tulo é O retorno ao caos: centenas de garimpeiros se aproveitam
da morosidade e da desarticulação do poder público e voltam a invadir a TI [Terra
Indígena] Yanomami”, dando notícia de uma nova invasão de garimpeiros no ano de
2005. Nesse sentido, João Pacheco de Oliveira Filho (OLIVEIRA FILHO, 1999) chama
atenção para o fato de que as demarcações das áreas indígenas nunca são definitivas e
21
Souza Lima (SOUZA LIMA, 1998), num estudo sobre a construção sócio-histórica da demarcação
estatal de terras indígenas no Brasil, argumenta que as “terras habitadas” pelos índios m como base a
noção de “habitat natural” da biologia, sendo que os vestígios de tal habitação humana, agora já
considerada temporalmente imemoriável, devem ser materialmente recuperáveis pela pesquisa histórica
(idem, :197).
22
Tal publicação é um balanço geral sobre a condição dos povos indígenas no Brasil durante os anos
2000-2005. Pode-se encontrar artigos acadêmicos, mapas, fotos de satélite, pesquisas quantitativas e
toda uma gama de informação atualizadas referentes aos povos indígenas brasileiros. Tal periódico o
conta com numeração de páginas e é possível acessá-lo nos arquivos do PETI.
43
não garantem que os grupos assentados irão, a partir de então, viver sem maiores
conflitos com os não-indígenas:
Longe de serem imutáveis, as áreas indígenas estão sempre em
permanente revisão, com acréscimos, diminuições, junções e
separações. Isto não é algo circunstancial, que decorra apenas dos
desacertos do Estado ou de iniciativas espúrias de interesses
contrariados, mas é constitutivo, fazendo parte da própria natureza
do processo de territorialização de uma sociedade indígena dentro
do marco institucional estabelecido pelo Estado-nacional (idem,
:291).
Por outro lado, nesse mesmo artigo, o autor argumenta que o reconhecimento das terras
ocupadas pelas populações indígenas por organizações tidas como estatais é uma
importante vantagem política e presságio de possíveis melhorias nas condições gerais de
vida dos índios.
Há aí um ponto importante: por que, entre tantos acontecimentos violentos
envolvendo garimpeiros e Yanomami, somente as mortes dos indígenas de Haximu
acabaram tendo a citada repercussão? Para responder satisfatoriamente à questão,
caberia fazer uma pesquisa e análise mais aprofundadas de todo o material que ‘orbita’
em torno do processo inclusive os Anexos. Essa não é a meta principal do estudo que
agora desenvolvo. De todo modo, dentro das limitadas fontes que até agora tive contato,
é possível apontar algumas direções a serem melhor exploradas mais à frente.
Assim, como indiquei acima, o governo do Presidente Fernando Collor de
Mello parece ter sofrido pressões variadas no que tange ao trato com povos tutelados
23
.
Realizara-se no Brasil, como disse, a maior conferência internacional sobre meio
ambiente então vista. Se é certo que as populações indígenas são, de maneira geral,
facilmente identificadas como mais próximas à natureza (cf. nota 5 acima), pode-se
deduzir que as pessoas relacionadas à mídia e à política tidas como nacionais
dificilmente ignorariam ou deixariam à margem uma denúncia como a que é feita no
Caso Haximu, acontecida apenas um ano depois da ECO 92. Isso sem contar que o
próprio ano do Massacre é eleito pela ONU como Ano Internacional dos Direitos
Indígenas, como também deixei claro. Parece haver assim uma conversão de fatores
23
Para uma análise de como se forjou a tutela indígena dentro do aparato estatal brasileiro, cf. SOUZA
LIMA, 1995.
44
para que os assassinatos de Haximu tivessem repercussão maior que as diversas outras
mortes narradas em anos anteriores.
de se esclarecer que não estou dizendo, com tudo isso, que o empenho dos
Procuradores da República no processo Haximu foi oportunista, tentando ‘mostrar
trabalho’ num caso judicial de grande repercussão. Especialistas como Deborah Duprat
apresentam um engajamento frente à problemática indígena que vai muito além do Caso
aqui analisado. Por exemplo, num seminário da Escola da Magistratura Federal
realizado em Brasília no ano de 2005 sobre Direitos de Minorias, esses dois últimos
eram vistos pelos próprios indígenas como claros exemplos de operadores do Direito
francamente conscientes e favoráveis à resolução dos diversos problemas das
populações indígenas. Não cabe aqui citar nomes, mas outras pessoas presentes no
mesmo evento (e detentoras de cargos públicos do mesmo nível que o de Duprat, como
juízes ou desembargadores) o compartiam do mesmo status positivo atribuído aos
dois Procuradores.
Voltando aos arquivos do PETI, nas edições do Aconteceu fica também explícito
um conflito entre funcionários de órgãos com jurisdição nacional, como a Polícia
Federal ou o Ministério Público, e aqueles que trabalham nas Polícias Civil e Militar ou
no Governo Estadual de Roraima. Na compilação referente a março/abril de 1991 (n.
558), pode-se ler a seguinte notícia, adaptada do jornal A Folha de São Paulo: O
governador Ottomar de Souza Pinto [então Governador de Roraima] acionou os
Policiais Civil e Militar para impedir as operações de fechamento de duas pistas de
pouso na região [da Reserva Yanomami], que deveria ser feito por agentes da PF”.
Nesse mesmo artigo, noticia-se ainda que o Governador Ottomar mandou que não
fossem mais aceitos garimpeiros presos por Policiais Federais na Penitenciária Agrícola
de Roraima. de se notar que essa é a mesma Prisão que irá abrigar, anos mais tarde,
Pedro Emiliano e João Pereira, os dois condenados presos pelo Genocídio de Haximu
(cf. capítulos III-V). Recordo também que o Delegado da PF Raimundo Soares Cutrim,
autor do relatório Final do Inquérito Policial do Caso Haximu, diz ter participado, nesse
documento, da segunda operação Selva Livre – que visava, mais uma vez, retirar
garimpeiros da Terra Indígena Yanomami.
45
Na edição seguinte desse periódico (n. 559, abril/maio de 1991) a notícia de
que o Procurador do MPF Aristides Junqueira pediu Intervenção Federal em Roraima
24
.
E que Governador havia chamado todo o aparato policial do estado para que os
funcionários federais não conseguissem levar a cabo a desocupação da Terra Indígena
Yanomami.
Por tudo o que foi exposto até aqui, pode-se notar que os Yanomami, no fim da
década de 80 e início da de 90, foram convertidos em espécies de ‘ícones’ da luta por
melhores condições de vida para os povos tidos como indígenas no Brasil e no exterior.
Isso pode ajudar a esclarecer, ao menos em parte, toda a repercussão que o Caso
Haximu teve dentro e fora do país.
É possível desenvolver aqui um pouco mais a discussão sobre a posição das
populações tuteladas frente ao Judiciário Brasileiro. Tal questão advém de um embate
político específico, que remete, como bem chama atenção Déborah Duprat numa análise
das possibilidades de um Estado Pluriétnico (DUPRAT, 2002), à Constituição de 1988.
Nessa ocasião, segundo Duprat, acertou-se que tais populações seriam auto-
representáveis (idem, :44) porém, nunca se criou leis infra-constitucionais para
assegurar, de fato, tal independência garantida, de direito, a partir da Carta Magna de
1988. A título de exemplo, transcrevo abaixo a fala atribuída ao Ministro da Justiça
Jarbas Passarinho, numa reportagem do Aconteceu n. 553, de abril/maio de 1991 (três
anos após a promulgação da Constituição, portanto):
O Brasil não vai aceitar isso [pensar os indígenas como nações entre
outras dentro do Brasil] porque não vamos nos transformar numa
nação-interétnica (ênfase minha).
Por outro lado, é exatamente na Constituição que os Procuradores da República
que escrevem a denúncia do Caso Haximu irão se basear para dizer que não se pode
forçar os indígenas a entregarem as cabaças com as cinzas dos mortos para uma possível
perícia da Polícia Federal em Brasília, como mostrarei a seguir. Isso, segundo eles, iria
contra o princípio constitucional que garante liberdade de costumes para tais povos.
24
Encontrei o Pedido de Intervenção escrito pelo Procurador Aristides Junqueira ajuntado na mesma
caixa que trazia alguns documentos do processo Haximu (cf. capítulo I) quando pesquisava os arquivos
da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. O Procurador culpa
exclusivamente o Governador Ottamar pelo não cumprimento da desocupação dos garimpeiros da Terra
Yanomami, pedindo que ele seja substituído por um interventor federal.
46
Noto aqui que a primeira Lei que tipifica o Genocídio no Brasil é de 1956,
período que, segundo Duprat, ainda vigorava, inclusive em termos constitucionais, todo
um aparato legal assimilacionista ou seja, tendo como norte a idéia que os indígenas
gradualmente seriam subsumidos à sociedade genericamente tomada como brasileira.
Duprat, 2002:42-44)
25
. Ressalto aqui que a fala citada acima de Jarbas Passarinho tem a
ver com as tensões em torno da assinatura, pelo Congresso brasileiro, da Convenção
169, texto que substituiria outra antiga Convenção 132, base para a citada lei de 1956. A
Convenção 169 da Organização das Nações Unidas traz a idéia de que as populações
tidas como indígenas devem ser tratadas como povos relativamente independentes,
ainda que sob a ingerência de um Estado Nacional idéia que, ao que tudo indica, o
agradou o então Ministro da Justiça do Governo Collor.
Se o Caso Haximu for realmente a primeira condenação de Genocídio da Justiça
Brasileira
26
, então é possível levantar a possibilidade de que estejamos passando, nos
últimos anos, por uma mudança em como a tutela indígena é pensada e aplicada: os
indígenas passariam a não serem mais vistos como um tipo de organização fugaz ou
passageira, destinada, como disse, ao desaparecimento frente aos pretensamente
‘brasileiros de fato’. Tais povos comporiam, ao contrário, parte da diversidade nacional
e tais povos o seriam tidos a partir da premissa legal de relativamente incapazes.
Essa digressão encontra apoio, em linhas gerais, em todos os artigos que compõem a
coletânea para a qual Adriana Ramos e Deborah Duprat contribuíram (op. cit.) – e, mais
direta ou indiretamente, em artigos aqui citados de João Pacheco de Oliveira Filho e
Antonio Carlos de Souza Lima.
Existe, porém, como se pode notar, uma aparente contradição entre leis
constitucionais e a situação vivida, de fato, pelas populações indígenas. Uma
interpretação possível, porém extremamente simplista e reducionista, seria dizer que a
Constituição não é nada mais que ‘letra-morta’ e que em nada influi na realidade dessas
pessoas. Porém, a atuação dos Procuradores no processo Haximu parece apontar para
uma situação mais complexa: como visto, eles se baseiam em princípios constitucionais
25
Relembro aqui o citado trabalho de Antonio Carlos de Souza Lima (SOUZA LIMA, 1995) que
chama atenção para o fato de que no nome do Serviço de Proteção aos Índios estava ajuntada também a
sigla ‘LTN’ ou seja, Localização de Trabalhadores Nacionais, algo que, pensava-se, os índios, cedo ou
tarde, acabariam se tornado.
26
Em pesquisas na Internet sobre as decisões judiciais, ao menos as relativas aos Tribunais Superiores no
Brasil, não achei nenhuma referência à condenações sob a referida Lei do Genocídio. Em conversas
informais com bacharéis em Direito, técnicos e analistas judiciais, sempre me confirmaram que o Caso
Haximu foi realmente a primeira condenação da Justiça Brasileira sobre o Crime de Genocídio.
47
para impedir que as cabaças com as cinzas dos mortos fosse confiscada pela PF. Se o
caso não envolvesse indígenas, os possuidores das cinzas poderiam ser acusados de
ocultação de cadáveres ou algo similar. Nesse sentido, a lei não foi apenas ‘letra morta’:
ela realmente ‘cria’ uma realidade social diferente ou, ao menos, abre possibilidades
para que isso seja feito. Não estou dizendo, com isso, que a lei por si modifica o
mundo. Apenas argumento que códigos ou leis poucos usados, esquecidos ou mesmo
tidos como ‘mortos’ podem ser ‘ressucitados’ em determinadas situações, visando um
fim determinado
27
. É possível dizer, com isso, que a Constituição de 1998 marca uma
possibilidade importante para que o tratamento dado pelas instituições pensadas como
nacionais aos indígenas seja diferente contudo, na maioria das situações envolvendo
atritos entre essas populações e os não-indígenas ainda parece vigorar uma postura
tutelar e mesmo assimilacionista, característica do atual Estatuto do Índio, criado em
1973 e ainda em vigor.
Analisando as leis de ex-colônias recém-independentes, Sally Falk Moore
argumenta que the hope [nesses países] has been that it would be possible to use law,
among other instruments, to put the negatives aspects of the colonial period behind
(MOORE, 1978, :9)”. A autora chama atenção para a construção de um fresh start
calcado principalmente nas novas constituições. Penso ser esse também o ‘espírito’ em
que se forjou a Constituição de 1998, com a ressalva de que o que se queria combater
não era uma potência colonial, mas sim a ditadura militar recentemente deposta do
poder. Sally Falk Moore ressalta que, nessas situações, pretende-se “to codify everything
once and for all” (ibid idem). É claro que essa pretensão não se realiza em sua
totalidade, mas ela acaba criando possibilidades e inaugurando novos platôs de
discussão que antes eram improváveis ou mesmo impossíveis. É nesse sentido que Sally
Falk Moore argumenta que
27
Uma analogia livre pode ser feita aqui com a análise do historiador inglês E. P. Thompson na obra
Senhores e Caçadores (THOMPSON, 1987). No estudo da criação e a aplicação da Lei Negra na
Inglaterra do culo XVIII, o autor argumenta que a instituição da pena de morte aos caçadores
mascarados que matavam cervos do Rei se deu exatamente porque as leis anteriores à Lei Negra eram
severas contra a caça, mas não se costumava aplicá-las (p.71-72). Na tentativa de proteger as florestas
reais contra a crescente onda de ataques dos Negros, a administração real primeiramente recrudesce a
fiscalização, tentando reativar as antigas leis e, por fim, acaba decretando a pena capital para o crime de
abate ilegal de cervos. A re-aplicação, num novo contexto, das antigas leis anti-caça não mostra
exatamente nem a independência da lei escrita, nem tão pouco o império das vontades dos atores em jogo.
O que parece existir, assim como no Caso Haximu, é uma intricada relação entre um momento político
determinado, leis que podem ou não estar em aplicação e, é claro, o interesse das mais diferentes pessoas
envolvidas.
48
Formal regulamentation can control certain behavior, but not the
aggregate of behavior in a society [...]. That does not mean that
particular legislative or executive decisions cannot be made which
affect everyone in a given society, nor that for limited times o limited
matters, remarkable levels of control cannot be achieved. But over
time, reglemantary control can be temporary, incomplete, and its
consequences not fully predictable. The study of reglementation is
therefore the study of the way partial orders and partial controls
operate in social context (Moore, 1978: 30).
Pode-se, assim, ver a Constituição, no que tange aos direitos indígenas, como
uma espécie de “open area” (idem, :50) para diversas novas possibilidades: como não
existe uma regulamentação de como devem ser legalmente aplicados os direitos
genéricos garantidos pela Carta Magna de 1988, cada caso depende de uma
interpretação do julgador frente aos argumentos das partes. O mesmo parece acontecer
em outras áreas, como a do direito à greve: um princípio constitucional que assegura
esse direito, mas não existe uma lei que especifique de que maneira uma greve deve
ocorrer. Cabe, assim, a cada juiz dizer se tal ou qual greve é ou não ilegal, é ou não
abusiva. Os Procuradores que tomam parte no Caso Haximu parecem trabalhar
justamente em cima dessa indeterminação parcial: mesmo que o exista uma lei infra-
constitucional regulamentando a independência cultural indígena, é possível argumentar
eficazmente que tal independência se faz, de fato, não deixando que os Policiais
Federais apreendam as cabaças com cinzas dos mortos, por exemplo. Como chama
atenção Sally Falk Moore, esses especialistas do Direito exploram the indeterminacies
in the situation, or by generating such indeterminacies, or by reinterpreting or
redefining the rules of relationship(ibid idem). É esse o poder do argumento étnico,
trazido pelos Procuradores do MPF a partir da Constituição de 1988: reinterpreta-se
princípios generalizantes (como o que todos são iguais perante a lei), situando o caso
em questão como especial, incomum ou, em outras palavras, étnico, tendo como base
o texto constitucional de 1988, idéia que desenvolvo melhor na conclusão.
No processo Haximu, os Procuradores parecem particularmente sensíveis em
considerar a violência ocorrida contra os indígenas de Haximu como um Genocídio,
colocando em prática uma possibilidade legal até então pouco ou quase nunca aplicada.
Não me foi possível traçar satisfatoriamente a trajetória de cada um desses especialistas,
contudo é possível notar que a posição por eles adotada tem a ver não somente com a
formação em Direito ou o cargo público ocupado, mas também com a própria trajetória
49
e inserção política deles. Como visto, especialistas da área do Direito que não estão,
necessariamente, particularmente envolvidos com a temática indígena. Mesmo sem
levar a cabo um levantamento dos casos em que os Procuradores atuaram antes de se
dedicarem ao processo aqui em foco, o é difícil perceber que alguns deles, como
Deborah Duprat, têm uma vasta experiência no trato com conflitos judiciais envolvendo
as chamadas minorias étnicas
28
. Em rios eventos dos quais pude participar eles
estavam presentes, como no Seminário sobre Direitos Diferenciados na Escola da
Magistratura Federal ou a Audiência Pública no Senado Federal em 2007 visando
discutir o Direito das Minorias ou, ainda, na Reunião Brasileira de Antropologia do
ano de 2006, realizada na cidade de Goiânia, onde pude encontrar a Procuradora
Deborah Duprat, uma das palestrantes desse último encontro.
Os próprios Yanomami, por sua vez, também acabam sendo incorporados à
multiplicidade de fatores que se ajuntam para dar origem ao Caso Haximu. Tratarei
desse tema mais pontualmente a seguir, mas adianto que os habitantes de Haximu
possuem as características que vários especialistas que trabalham no aparato judicial,
entre outras instituições pensadas como nacionais, consideram a base de uma espécie de
indígena-tout-court. Os Yanomami não vivem em grandes centros urbanos, não
possuem documentos de qualquer tipo e, talvez o mais importante, não falam, em sua
maioria, uma pretensa língua nacional. São, para citar um termo em desuso na
Antropologia Social, mas ainda vigorosamente operante em outras áreas (como a do
Direito) típicos ‘não-civilizados’. De todo modo, todos os ‘não’ em itálico acima
parecem estar ‘encapsulados’ na idéia geral de que os Yanomami foram, são, e
provavelmente continuarão sendo um grupo étnico. As qualidades relatadas acima, é
claro, não são nem de longe homogêneas entre todos os grupos auto-denominados ou
rotulados como indígenas e talvez o a sejam nem mesmo entre os Yanomami.
Contudo, os últimos, pelas características acima, parecem ser mais facilmente
classificáveis dentro do estereótipo, modelo ou resumo de povos não-civilizados. Esse é
mais um fator que se agrega para o surgimento do Caso Haximu: as vítimas do massacre
eram tidos como ‘bandeira’ ou ‘ícone’ de uma indianidade modelar, tout court.
28
Expressão constante na porta da sala de entrada da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal, onde Deborah Duprat trabalhava à época do Processo, sendo que essa Procuradora
presidia, até então, tal repartição pública.
50
Desconfio que, numa hipotética situação de violência contra outro grupo auto-
denominado ou batizado de indígena, mas que não possuísse as mesmas característica
dos Yanomami, a etnicidade (e, com ela, a caracterização de um potencial Genocídio)
torna-se-ia muito mais difícil (ou até mesmo impossível) de ser construída como foi no
Caso Haximu. João Pacheco de Oliveira, num dos vários estudos que dedicou à análise
da problemática étnica, coloca a seguinte questão:
Se é a distintividade cultural que possibilita o distanciamento e a
objetividade, instaurando a não contemporaneidade entre o nativo e o
etnólogo, como é possível proceder com as culturas indígenas do Nordeste,
que não se apresentam como entidades descontínuas e discretas?
(OLIVEIRA FILHO, 1998b :14)
O autor argumenta, nesse sentido, que no Nordeste, contudo, os “índios” eram
sertanejos pobres e sem acesso à terra, bem como desprovidos de forte contrastividade
cultural” (idem, :17-18). A idéia central do autor é de que é possível traçar fronteiras
étnicas efetivas sem, contudo, apresentar traços diacríticos explícitos que diferenciem,
de maneira absoluta, os étnicos dos não-étnicos. A distinção construída por indígenas
tidos como misturados”, é, como mostra o autor, operante, efetivando uma fronteira
real frente aos tidos como não-indígenas. Com isso, a identidade dessas populações não
é mera ‘invenção’ (no sentido de uma simples fabulação para angariar determinada
vantagem política), mas um acontecimento social de fato.
Assim, grupos indígenas do Nordeste, por exemplo, como indica o trabalho
citado, não possuem as características principais que serão reapropriadas sob o termo
‘étnico’ no Caso Haximu. Desse modo, penso não ter sido sem motivo, portanto, que a
primeira condenação por Genocídio étnico envolveu os Yanomami: seria muito mais
problemático construir esse mesmo crime caso as vítimas fossem outro grupo, como os
Tapeba do Nordeste estudados pelo antropólogo Henyo Barreto Filho (BARRETO
FILHO, 1999), por exemplo. Na construção desse artigo, o autor argumenta que este
[seu texto] não é um laudo em que se pretende assegurar que um determinado grupo é
“indígena”, porém uma análise que procura desvelar etnograficamente os processos
pelos quais essa definição é construída e colocada em jogo (Barreto Filho, 1999 :99)”.
Essa ressalva toca num ponto importante: na construção de uma denúncia judicial, por
exemplo, pouco espaço para o argumento, propriamente sociológico, da identidade
indígena como uma construção social. Há de se lembrar ainda que a própria pesquisa de
51
Henyo Barreto Filho notícia de uma disputa judicial por terras entre Tapebas e não-
Tapebas, que, segundo o autor não é uma batalha meramente judicial. É uma batalha
entre idiomas culturais entremeados às relações de poder em nossa sociedade [...]
(Barreto Filho, 1999:129). Nesse contexto, os Tapeba, como não apresentam os traços
de indianidade exteriormente eleitos como modelares, podem ser mais facilmente
tratados como simples invasores ou posseiros.
Há de se deixar claro que não estou dizendo que os Yanomami são ‘mais-
étnicos’ que os Tapeba ou qualquer outro grupo, mas somente que os primeiros, frente à
complexa rede de funcionários que compõem órgãos tidos como pertencentes aos
Estado brasileiro (como os tribunais do Judiciário ou a FUNAI), são mais facilmente
reconhecidos como índios. Como pretendo deixar claro a seguir, os Procuradores não
usam aspas ou qualquer outro tipo de ressalva quando trabalham com as categorias
indígena, étnico ou qualquer termo similar. Isso porque eles estão inseridos num outro
contexto político, tendo em vista outros leitores e objetivos distintos de quando se
escreve um artigo acadêmico. Na denúncia do Caso Haximu, o que se pretende não é
mostrar como os Yanomami constroem sua identidade, mas garantir, sem qualquer
sombra de dúvida, que essa identidade é étnica e mostrar que os garimpeiros que
atentaram contra a vida dessas pessoas estavam, na verdade, tentando dar cabo de uma
etnia específica.
Um outro texto de João Pacheco de Oliveira Filho ajuda a discutir melhor essa
questão. Numa análise dos laudos produzidos por antropólogos para demarcação de
terras indígenas ou no assessoramento a processos judiciais, o autor lembra que a
necessidade de um laudo pericial não provém do universo acadêmico [da
Antropologia], mas de questões práticas colocadas por um contexto jurídico ou
administrativo (OLIVEIRA FILHO, 1998b: 285)”. É exatamente no contexto jurídico
que os Procuradores que produzem a denúncia do Caso Haximu são especialistas. No
mesmo sentido, o autor argumenta que
Ao ler os quesitos elaborados por juízes, promotores ou advogados
de defesa, a impressão que se tem é de que a identidade étnica é
algo substancial, cristalino, permanente, que independe de
conjunturas e divisões internas. A bibliografia sobre etnicidade
contém muitos exemplos de que não é assim que as coisas
efetivamente se passam (OLIVEIRA FILHO, 1998b :276).
52
É claro que, como chama atenção João Pacheco de Oliveira Filho, a identidade étnica, a
partir do prisma de uma análise sociológica, não é algo imutável ou intrínseco aos
grupos estudados. Todavia, num julgamento altamente formalizado sobre Genocídio
étnico, desconfio que o argumento de que os Yanomami são Yanomami porque
conseguem atualizar constantemente suas fronteiras, incorporando inovações mas
mantendo-se relativamente apartados frente aos que são tidos como não-Yanomami, não
teria grande peso na tipificação desse crime nem tão pouco ajudaria na identificação
de seus perpetradores. João Pacheco de Oliveira Filho notara algo similar no tocante
aos laudos periciais, argumentando que
Os laudos periciais (judiciais ou administrativos) constituem um
gênero narrativo bem diverso das teses, monografias, ensaios e
comunicações, por serem dirigidos para um público e finalidades
distintas, por terem canais de financiamento próprios, regras
particulares de execução do inquérito, meios de avaliação
distintos e sobretudo visarem produzir efeitos práticos sobre os
fenômenos que estudam. (OLIVEIRA FILHO, 1998b:294, ênfases
do original).
Assim, pode-se notar, com pretendo mostrar a seguir, que não é
exatamente por falta de conhecimento sociológico que os procuradores
envolvidos na Denúncia ignoram a identidade étnica como uma construção
social constante. Na verdade, eles estarão preocupados com outros problemas e
questões, típicas do campo do Direito.
II. O Massacre e o Caso
Cabe ainda fazer uma importante distinção: venho tratando o Massacre de
Haximu como sinônimo do processo ou Caso Haximu em si. Contudo, a apropriação
judicial de um Massacre intensamente noticiado pelos mais diferentes meios de
comunicação, no Brasil e no exterior, possui características que merecem ser melhor
analisadas. É claro que, como visto, quando o Massacre se torna também um Caso ou
processo, várias reportagens da mídia impressa são recortadas em forma de um longo
paper, que ocupa cerca de 2/3 dos Anexos do processo. Recordo, contudo, que os
53
Anexos o tratam do mérito do julgamento em si e, nos documentos que analisarei,
não há praticamente nenhuma referência ao material aí contido.
Nesse sentido, é possível ver nos autos uma espécie de ponto-alto ou
dramatização cuidadosamente construída do próprio Massacre. Uso o termo acima
entre aspas pois não entendo que os atores em jogo estão apenas encenando papéis
sociais descolados de uma pretensa sociabilidade real. Ressalto a expressão ponto-alto
porque a instauração do processo tem como característica principal o ideal de que, a
partir de então, o se usará mais a força física para resolver esse conflito específico -
mas apenas a mediação exercida pelo aparato judicial.
Caracterizando melhor o ‘drama’ do Caso Haximu, não seria preciso dizer aqui
que o resultado do processo influenciará diferentemente a vida de inúmeras pessoas,
entre garimpeiros, Yanomami e os próprios especialistas envolvidos. Contudo, uso a
metáfora da dramatização para fazer referência ao ambiente altamente regularizado -
existem inúmeras regras explícitas para a instauração, tramitação e finalização do
processo - e complexo - levando em conta que o mesmo número de exceções,
condutas e artifícios diversos não propriamente explícitos, mas da mesma maneira
constituintes do aparato judicial.
O Caso Haximu é, em certo sentido, uma dramatização especial. Ela comporta,
pela primeira vez, a tentativa de tipificar um Genocídio dentro do aparato judicial
brasileiro. A condenação dos garimpeiros no fim do ano de 2006 é o ponto alto de uma
encenação dramática (tanto no sentido dado acima como do ponto de vista emocional)
da possibilidade de um Estado Pluriétnico, baseado principalmente nos princípios da
Constituição de 1988.
É claro que o processo aqui em foco não mostra, como visto acima, que a rede
de violência potencial tida como nacional age sempre tendo como norte a idéia de que o
Brasil é formado por múltiplas nações ou etnias. Pelo contrário: a agência do complexo
entrelaçado de relações hierárquicas que compõe o aparato judicial tem como base ou
princípio fundador a noção de que todos são iguais perante a lei. O que parece se dar, no
Caso Haximu, é uma tentativa, levada a cabo principalmente pelo esforço dos
Procuradores do Ministério Público Federal, em tentar aplicar um determinado artifício
legal em desuso para que o Massacre dos Yanomami de Haximu não fosse tratado como
um homicídio em série. Assim, eles partem do princípio geral da Constituição de 1988
de que o Estado brasileiro deve respeitar as diferenças étnicas ainda que não exista
uma legislação infra-constitucional para regularizar esse princípio geral.
54
Com isso, a partir do momento em que o Massacre deixa de ser uma das várias e
constantes violências pelas quais estão submetidos os Yanomami, torna-se mais fácil
caracterizá-lo como um crime contra uma etnia ou, em outras palavras, um Genocídio
de um grupo indígena, reelaborando-o num no Caso judicial. O uso que os Procuradores
fazem da Constituição, tanto para caracterizar tal crime como para impedir que os
Yanomami fossem interpelados como “vítimas comuns”, situação em que seriam
obrigados a depor como testemunhas juramentadas, como esclarecerei a seguir, mostra
que o ‘jogo’ ou ‘drama’ judicial não envolve apenas o simples conhecimento e
aplicação de regras gerais a casos específicos. Isso margem a pensar que a
especialização na área do Direito é um exercício muito mais rebuscado: ao que tudo
indica, a representação das partes, num processo judicial, implica saber quando, de que
maneira e quais as qualidades, defeitos e características diversas que podem ou não
entrar na construção de determinada conduta criminosa. Implica, do mesmo modo,
conseguir efetivamente fazer um texto legalmente apresentável, algo em que, como
mostrarei, os Procuradores são bastante superiores aos representantes legais dos
garimpeiros. É necessário também conhecer teoricamente a ciência do Direito, saber
usá-la de maneira a alicerçar os códigos ou leis citado. Enfim, cabe, como chama
atenção Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1986), não apenas entender as regras, mas saber
jogar efetivamente - ter conhecimento e, ao mesmo tempo, experiência no jogo em que
se está envolvido. É esse movimento que começo a mapear nas páginas que se seguem.
55
Capítulo III: o Inquérito Policial
Nesse capítulo inicio a análise dos documentos do Processo em si. Analiso aqui
a diversidade inicial de relatos sobre a Chacina ou Massacre de Haximu termos até
então utilizados para se referir ao conflito ocorrido entre garimpeiros e Yanomami.
Tenho como ponto principal os depoimentos prestados durante o Inquérito Policial e,
também, a posição que tais documentos ocupam no Processo como um todo.
Na primeira subseção, justifico a inversão que faço frente à apresentação inicial
dos documentos nos Autos, mapeando como o Inquérito é inserido no Processo. Na
subseção seguinte, parto para a análise interna da documentação produzida pelos
Policiais Federais, tendo como norte as provas levantadas antes do conhecimento, pelos
Policiais Federais, do Relatório do Antropólogo Bruce Albert sobre a Chacina de
Haximu. As duas últimas partes do capítulo estão reservadas justamente à análise de tal
documento e qual seu impacto no Processo.
I. Alterando a disposição das peças
O primeiro volume dos Autos inicia-se com cinco páginas não numeradas,
correspondentes aos três Tribunais pelos quais passou o Processo. A primeira folha que
se estampa o Brasão da República Federativa do Brasil, seguido do nome do último
Tribunal por onde os documentos estiveram: o Superior Tribunal Federal (STF, com
sede em Brasília). A disposição de tais capas demonstra a hierarquia desses Tribunais: a
primeira, que engloba todas as outras, é a do STF; segue-se, então, a do Superior
Tribunal de Justiça (STJ, também em Brasília); por fim, três capas (referentes às
diversas Instâncias desse primeiro Tribunal) do Tribunal Regional Federal da Região
(TRF, que possuiu sede em várias cidades, mas que teve como palco de julgamento do
Processo as Alçadas de Boa Vista e Brasília). As capas dão pistas, também, para
entender como aconteceu a tramitação cronológica dos Autos: primeiramente, no TRF
de Boa Vista e Brasília, ajuntou-se, produziu-se e encapou-se documentos, que
posteriormente receberam a capa (e, é claro, mais documentos) do STJ e, por fim,
funcionários do STF se ocuparam em também ajuntar documentos e reencapar todos os
56
volumes recebidos. No que tange à ordem cronológica das capas, os Autos crescem,
portanto, de dentro pra fora. Pelas capas também é possível notar quando cada Tribunal
deixa de ajuntar documentos aos Autos: o último volume do Processo, por exemplo,
tem capas do STJ e STF, que o TRF de Boa Vista/Brasília já não mais participava do
Caso.
De todo modo, foi nesse último Tribunal que surgiu o Processo Criminal aqui
em foco. Em termos estritamente jurídicos
1
, um Processo Criminal tem origem
quando definem-se Requeridos e Requerentes, ou seja, quando se configura um conflito
em que uma parte acusa e a outra se defende, e em que ambas dialoguem num espaço
construído (e, em certo sentido, também imposto, como chama atenção Bourdieu
quando analisa a pretensão ao universalismo do campo judicial ocidental, (BOURDIEU,
1986) como legítimo para o desenvolvimento de tal contenda. De modo geral, não é
essa a situação na qual o Inquérito Policial é construído.
Foram os funcionários do Cartório do TRF de Boa Vista que receberam dos
Policiais Federais de Roraima as 478 páginas do Inquérito, com o Relatório Final do
Inquérito Policial, datado de 30-09-1993 e assinado pelo Delegado de Polícia Federal
Raimundo Soares Cutrim
2
. Esses mesmos funcionários do judiciário ajuntaram o
primeiro documento numerado constante nos Autos: a Denúncia do Ministério Público
Federal, datada de 15-10-1993, assinada pelos Procuradores da República Carlos
Frederico Santos, Franklim Rodrigues da Costa e Luciano Mariz Maia, e endereçada ao
Juiz Federal competente do TRF/RR, pedindo, com isso, a abertura de Processo
Criminal contra um grupo de garimpeiros, acusados de Crime de Genocídio
3
. A
Denúncia é o único documento que subverte a ordem cronológica progressiva do
Processo: ela é 15 dias posterior ao fim do Inquérito, mas vai ajuntada antes nos Autos.
Isso porque é exatamente esse documento que define quem serão os Interessados do
Processo.
De todo modo, a fixação, objetiva e unilateral, de garimpeiros potencialmente
genocidas por um lado, e, por outro, de indígenas Yanomami possivelmente vítimas da
ação criminosa de tais garimpeiros não é pré-dada, mas cuidadosamente construída
1
Agradeço aqui aos sempre pacientes esclarecimentos que Rafael Rodrigues de Alcântara, bacharel em
Direito e funcionário do judiciário brasileiro, me deu durante a feitura da presente dissertação,
principalmente no que tange às questões práticas e acadêmicas do Direito.
2
Processo Haximu (PH), :479-518, Relatório Final do Inquérito Policial.
3
PH, :01-39, Denúncia do Ministério Público Federal.
57
em certos documentos no decorrer do Processo. Pode-se notar, no Inquérito, uma
tentativa de isolar tudo que seria relevante para o julgamento do Caso em questão,
compilando todas as provas numa peça relativamente independente da discussão judicial
em si. Tal artifício parece ser pontualmente oposto àquele adotado, por exemplo, nos
tribunais Lozi da África Zulu, analisada por Max Gluckman (GLUCKMAN, 1967).
Nesse último caso, os julgadores estão interessados em fazer com que as relações
futuras entre os litigantes sejam minimamente afetadas pelo litígio em questão ao
contrário do que ocorre num processo criminal moderno, onde o norte é tipificar, a
partir de uma série de provas, uma conduta criminosa específica e dar-lhe o corretivo
adequado, independentemente das possíveis relações futuras entre os querelantes. Nesse
sentido, Gluckman argumenta que
The disputes which are investigated by Lozi Kutas [espécies de
conselhos administrativos, militares e tribunais judiciais Lozi] arise
not in ephemeral relationships involving single interests, but in
relationships which embrace many interests, which depend on similar
related relationships, and which may endure to the future.(Idem, :63)
Por outro lado, como deixarei claro no decorrer do presente capítulo, um estudo
mais detido dos documentos do Processo Haximu mostra que, na construção do Crime
de Genocídio, tal isolamento não está restrito apenas ao que teria acontecido
diretamente nos assassinatos específicos promovidos pelos garimpeiros. Na verdade, a
Denúncia tem como norte deixar claro que os garimpeiros envolvidos nesse evento são
criminosos antes mesmo das incursões genocidas contra os Yanomami de Haximu.
Para tanto, os Procuradores baseiam-se na análise sociológica da relação cotidiana entre
índios e garimpeiros, análise essa que é levada a cabo pelo então membro da CCPY, o
antropólogo Bruce Albert. O Relatório de Albert, como mostrarei nas próximas páginas,
é a base em que irá sedimentar-se todo o argumento de porquê teria acontecido um
Genocídio na aldeia Yanomami de Haximu. As relações sociais entre garimpeiros e
índios são enfocadas no Processo não exatamente para garantir que tais relações
continuem no futuro (como no exemplo trazido por Max Gluckman), mas exatamente
para fazer com que elas deixem de existir da maneira que existem e, como dito,
também para construir um ímpeto ou conduta genocida dos garimpeiros como algo
58
anterior ao próprio ato genocida, ou seja, como derivada de uma espécie de mentalidade
criminosa dos acusados.
29
Assim, voltando ao tema do presente capítulo, é preciso aqui notar que, em todo
Processo, há apenas algumas capas que são numeradas: a do Inquérito Policial da
Polícia Federal (PF), com o número de folha 40, ou ainda a capa do Laudo Pericial da
ossada e cinzas encontradas no local do Massacre (:401). Com isso, o se numera as
capas de outros Tribunais pois elas compartilham de uma mesma ‘essência’ judicial. A
capa do Inquérito figuraria, assim, englobada (e, portanto, numerada) por tal essência,
como os laudos e peças documentais. Um técnico judicial informou-me que, em alguns
cartórios de tribunais, no momento em que vai se ajuntar o Inquérito ao Processo, é
comum que se dispense a capa do primeiro e que ele figure sem qualquer pré-referência
de que foi produzido por policiais
30
.
Todavia, é importante notar que, mesmo que no Processo Haximu faltasse uma
capa com as insígnias da PF, seria impossível confundir o material produzido por
funcionários do judiciário ou pelos Interessados no processo com aqueles que foram
escritos por delegados, escrivões e agentes da PF. Primeiramente porque as folhas do
Inquérito contam com um carimbo e numeração diferentes - marcas que, no caso do
Processo Haximu, foram riscadas com um ‘x’ à caneta no TRF/RR, tendo sido
acrescentado, logo ao lado, a numeração e carimbo deste Tribunal. de se levar em
conta que, por essa nova numeração, as folhas 1 a 39 compõem a Denúncia do MPF e
que a folha 1 do Inquérito, na numeração dada pela PF, passa a ser agora a 41 do
Processo, na fase judicial. Por outro lado, quando o Processo muda de Tribunal,
conserva-se sempre a numeração dada pela alçada judicial anterior.
Um ponto importante a ser ressaltado é que tal subversão da numeração é
exclusiva ao Inquérito porque ele é uma massa documental anterior não somente
cronologicamente ao Processo: o Inquérito é, de certa maneira, um ‘não-processo’, tido
como independente e, não raro, referenciado com ressalvas. Por exemplo, há, durante
todo o Caso, reiteradas reclamações dos diversos advogados dos garimpeiros sobre a
validade dos depoimentos colhidos pelos Policiais Federais depoimentos esses que
29
Para uma outra leitura dos estudos de Gluckman a partir de uma situação judicial diferente, onde o
norte é menos a correção e mais a conservação da relação, cf. VIANNA, 2002.
30
Explicito que o foco dessa digressão é a noção de hierarquia pensada por Louis Dumont (DUMONT,
2000 e 1995), onde as relações hierárquicas são pensadas não como um ranking de posições superpostas,
mas por sucessivas (e, em determinadas situações, passíveis de inversão) ações de englobamento daquilo
que, em certo sentido, é contrário ao agente englobador.
59
teriam sido tomados, nessa versão, por intermédio da violência física e/ou psicológica.
Além disso, o Inquérito é produzido por funcionários públicos federais (PF) que
parecem o fazer parte completamente do aparato judicial, mas que produzem
documentos para e atuam paralelamente aos juízes, ministros de tribunais, promotores e
advogados. Numa análise das punições infligidas aos desviantes pelo aparato carcerário
moderno, Michel Foucault (FOUCAULT, 2006) argumenta que o cárcere não está
completamente submetido ao tribunal que lhe manda condenados a serem
‘ressocializados’. O primeiro tem garantida uma certa independência frente ao último, o
que torna possível pensar a prisão não exatamente como um aparelho de vingança ou
acerto de contas, mas como uma técnica específica de reformar desviantes. Assim,
como chama atenção Foucault,
a prisão [no que tange à maneira como ela é vista frente a outros
agentes disciplinadores] continua, sobre aqueles que lhe são
confiados, um trabalho começado fora dela e exercido pela
sociedade sobre cada um através de inúmeros mecanismos de
disciplina. Graças ao continuum carcerário, a instância que condena
se introduz entre todas as que controlam, transformam corrigem,
melhoram. (FOUCAULT, 2006:250)
Esse continuum relativo pode ser também notado na produção de documentos
pelos policiais. Os artifícios para apartar o Inquérito do restante do Processo – a
subversão da numeração, a mudança da ordem cronológica de ajuntamento de
documentos e, por vezes, aa retirada da capa de tal documento - dão pistas para se
pensar como isso se dá: aqueles que investigam e levantam provas (“instruem” o
Processo, como argumentam advogados, promotores e julgadores durante todo o Caso)
conformam uma seara determinada de funcionários especializados. Esse corpo de
funcionários não está exatamente na mesma linhagem dos promotores, advogados e
julgadores (apesar do delegado ter que ser, por força da lei, um bacharel em Direito),
mas eles produzem, a partir de uma técnica específica, certos produtos determinados
(documentos, suspeitos e laudos periciais, por exemplo) que serão, por fim,
reapropriados por outros especialistas - agora responsáveis, ao menos idealmente,
apenas por discutir judicialmente tais provas, julgar e proferir uma Sentença.
Um outro dado que pode ser trazido como diferenciador entre os documentos
propriamente feitos para/nos Tribunais daqueles produzidos por procedimento pré-
processual” (termo usado pelo Delegado de Polícia Federal Raimundo Soares Cutrim na
60
folha 512 do citado Relatório Final do Inquérito Policial) é o seguinte: no Pré-
Processo, os policiais são responsáveis, idealmente, apenas por recolher provas.
Também idealmente, não há nenhum espaço para a expressão legal de qualquer uma das
Partes, tendo em vista que, quem as definiu, como disse, foi a Denúncia do MPF,
cronologicamente posterior ao Inquérito.
Reitero aqui o termo idealmente porque, por exemplo, a primeira advogada dos
garimpeiros, Dra. Adriana Souto Maior, fez um Pedido de Vistas
4
dos Autos ainda com
o Inquérito em andamento, em 17-09-93. A Advogada alegava que esta solicitação
deve-se ao fato da requerente [do Pedido de Vistas] carecer de informações para fazer
a defesa dos detentos, assegurando assim seus direitos e garantias constitucionais
5
.
Tal defesa seria apresentada na fase propriamente judicial, e o que a Advogada
visava era ter acesso às provas então recolhidas antes que se iniciasse o Processo em
si.
Algo similar pode ser também notado entre os Procuradores que assinam a
Denúncia: alguns deles acompanharam as incursões dos delegados da PF à aldeia onde
estavam os indígenas sobreviventes de Haximu, tendo, inclusive, participado de alguns
depoimentos na Fase Inquisitorial (cf., por exemplo, o depoimento citado na próxima
subseção). Na verdade, a diferenciação entre a Polícia Federal e os Tribunais perpassa
as próprias categorias usadas para se referir aos depoimentos: no Inquérito, usa-se
Termos de Declaração, enquanto a categoria Testemunho e Depoimento são reservadas
exclusivamente aos documentos produzidos perante os juízes que tomaram parte no
Processo. De todo modo, o Pedido de Vistas da Dra. Adriana Souto é deferido na folha
385 por um despacho manuscrito do Juiz de 1ª Instância do TRF/RR, Dr. Renato
Martins Prates. Isso acontece, porém, não sem a manifestação em contrário do
Procurador da República Franklin Rodrigues da Costa, que na Petição da página 426
argumenta que: “o Código de Processo Penal [...] assegura ao inquérito o sigilo
necessário à elucidação do fato [...] Trata-se de fato com repercussão até
internacional, o que impõe toda a cautela quanto ao acesso de peças do mesmo
(ênfase minha).
4
PH, :384, Pedido de Vistas do Inquérito. O Pedido de Vistas é o instrumento pelo qual um processo é
lido, fotocopiado e tem documentos ajuntados fora da instituição em que ele normalmente tramita no
caso, a Sede da Polícia Federal de Roraima. Depois de tais Vistas, os documentos devem voltar à
repartição do tribunal responsável.
5
Idem
61
Assim, finalizando essa subseção, esclareço que, ao menos por enquanto,
deixarei de lado a análise da Peça da Denúncia do MPF e partirei, no resto do presente
capítulo, para e estudo interno do Pré-Processo. Além do fato do Inquérito Policial ser
cronologicamente anterior à Denúncia (sendo, porém, como visto, ela que inaugura o
Processo), levo em conta que a última se faz num conjunto documental com maior
grau de sedimentação que o Inquérito. Na verdade, tanto na Denúncia quanto nos
outros documentos cronologicamente posteriores a ela, está praticamente pronto certo
modelo narrativo do ocorrido na Aldeia Yanomami de Haximu, modelo esse que toma
como base o que o antropólogo Bruce Albert batiza, ainda no Inquérito, de Chacina de
Haximu
6
. Tendo em vista que explicitamente subverto a disposição das Peças que foi
dada pelos funcionários do TRF/RR, passo, então, à análise mais detida do
procedimento pré-processual”.
II. O início do Inquérito Policial ou os Fragmentos Descartados
Segue-se abaixo uma seleta do primeiro Termo de Declarações de um índio à
Polícia Federal
7
. Tal documento é a primeira narrativa da ação dos garimpeiros contra
os Yanomami de Haximu:
TERMO DE DECLARAÇÕES que presta o Tuxaua ANTONIO
YANOMAMI.
Aos vinte e tres dias do mes de agosto do ano de mil
novecentos e noventa e tres, no Posto da FUNAI em Xideia
[Xidéia]/RR, onde presente se encontrava o Bel. [Bacharel em
Direito] JOSÉ SIDNEY VERAS [Aqui se torna impossível ler o resto
da linha pois em cima a impressão digital do Tuxaua Antonio
Yanomami
31
] [Dele]gado de Polícia Federal, comigo Escrivão de
Polícia Fe[deral] [prese]sente ainda o Dr. FRANKLIN
6
PH, :119-127, Relatório da investigação realizada com os sobreviventes da chacina do Hwaixmëu,
Bruce Albert (ORSTOM, UNB).
7
PH, : 63-65, Termo de Declarações que presta o Tuxua Antonio Yanomami. Em todas as citações,
conservo a grafia original do documento, repetindo, inclusive, explícitos erros de português. As únicas
correções que faço no texto vão entre colchetes, a fim de facilitar a compreensão do mesmo.
31
Para uma breve análise e outras referências sobre análises sociológicas da identificação papilar no
Brasil, cf. SOUZA LIMA, 1998, :214-220.
62
RODRIGUES DA COSTA, Procurador da República, portador da
Carteira de Identidade no. 61.8111-RR, compareceu: ANTONIO
YANOMAMI Tuchaua do Grupo Bockla-Hundumu-thele, o qual na
presença [do] Sr. FRANCISCO BEZERRA DE LIMA, Funcionário
da FUNAI, e funcionando como INTERPRETE, RESPONDEU: QUE,
o DECLARANTE [Antonio Yanomami] informa que costumava ir ate
a maloca conhecida por hwexima-u-thele e que citada aldeia era
muito habitada e ali residiam muitas familias, podendo citar [segue-
se, então, uma lista de 84 pessoas, feita no modelo ‘SANSÃO, esposa
e duas filhas’]; QUE, esclarece que a aldeia já referida era
constituída de duas Malocas as quais foram totalmente destruídas
por incêndio; QUE, se dirigiu certa feita ate a Maloca HOXIMU
[Haximu], não tendo condições de precisar a data, acrescentando ter
sido antes do dia 15 de agosto, para estar com seus conhecidos e no
caminho encontrou com o indigena filho do JOÃO e do MENENE,
tendo estes afirmado que não adiantava ir até a Aldeia Hoximu,
porque ali não estava mais ninguem e que [:64] [:65] retornou a
Xideia e juntamente com seu povo, inclusive bastante assustado se
dirigiu ao Funcionário da FUNAI, pedindo que expulsassem os
garimpeiros e chamassem a Policia Federal, [e] um helicoptéro; [...]
QUE, num primeiro contato com os garimpeiros estes ameaçaram
dizendo que “YANOMAMIS não prestavam e que tinha que sair
dali”, tendo pedido ao garimpeiro um pouco de farinha, o que foi
atendido e seguiram aqueles indígenas com a Farinha que haviam
dado e chegando no meio do caminho [as duas últimas palavras
estão corrigidas à caneta] agrediram os indigenas, matando parte
deles antes de chegarem na Maloca; [...] QUE, num segundo
massacre ocorreu em torno de cinco dias [do primeiro],
oportunidade em que foram incendiadas duas Malocas HOMIMO, e
que neste massacre os indigenas residentes da Maloca HAXIMU
foram mortos a tiros [d]e espingarda e revolveres e tiveram seus
corpos separados mediante uso de faca e facão; QUE, ante a
violência do espetaculo alguns indigenas podem ter escapado não
sabendo-se entretanto onde possam estar; QUE, esse ataque
repercutiu tambem na Maloca do SIMÃO que fica mais proxima a
HAXIMU, e tendo os indigenas também fugido temendo por suas
vidas fugindo não sabendo para onde; QUE, segundo ainda o filho
de UIXUAMA , tempos após aquele ataque a Maloca, apareceram
três mulheres indigenas em HOMOXI, bastante assustadas, atras de
alimentos e após isto também desapareceram; [...] QUE, ao tomar
conhecimento do massacre dos indigenas residentes na Aldeia
HAXIMU, o DECLARANTE contou o corrido ao funcionario da
FUNAI JADIR, ao funcionário da Fundação Nacional de Saúde
ROQUE e a ALÉSSIA e posteriormente contou o ocorrido para as
irmãs EUGÊNCIA e BLANDINA. Nada mais disse nem lhe foi
perguntando pelo que mandou a autoridade encerrar o presente
Termo que depois de lido e achado conforme assina com
DECLARANTE (a rogo), com o Funcionário [da FUNAI] JADIR
63
FRANCO MOTA, CURADOR
8
, com a Dr. FRANKLING
RODRIGUES DA COSTA, Procurador da República, com as
TESTEMUNHAS irmães BENEDICTA DIAS PEREIRA e SPECHA,
Evangélicas do Posto de Xideia e comigo FRANCISCO ROGERIO
DE SOUSA, Escrivão de Policia Federal que a
datilografei.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x [logo abaixo estão
descritos os cargos dos funcionários públicos, seguidos da
assinatura dos mesmos; no caso do Tuxaua, há a marca de sua
impressão digital em cima da linha reservado ao Declarante].
(ênfase minha)
A citação acima é intencionalmente longa, trazendo, praticamente na íntegra, o
texto do Escrivão Francisco de Sousa. Antes de entrar no conteúdo do que é narrado por
Antonio Yanomami, é preciso algumas considerações preliminares sobre em que
contexto em que é tomada a fala do Tuxaua: tal documento é produzido no meio da
selva amazônica (Posto da FUNAI de Xidéia), e o na Sede da PF/RR (em Boa Vista,
onde acontecem todos os depoimentos de garimpeiros); é datilografado numa máquina
de escrever (e não num computador, como a maioria dos outros depoimentos), o que
acaba não permitindo maiores revisões, a não ser rasuras à caneta por cima do texto já
escrito; contém, como se pôde notar, um grande número de erros de grafia – o Escrivão
de Polícia deixa, por vezes, de acentuar a palavra polícia”, por exemplo. Enfim, as
características que elenquei acima compõem, de maneira geral, o modelo dos
depoimentos de indígenas, antropólogos, funcionários da FUNAI e da Comissão Pró-
Yanomami (CCPY) dados à PF durante as incursões dos Policiais Federais ao Posto da
FUNAI de Xidéia, sendo reflexos dos meios materiais disponíveis por tais policiais para
produzir documentos nesse local.
Contudo, algo comum nos depoimentos do Processo como um todo, tanto no
período do Inquérito quanto no judicial: conserva-se, sempre, a narrativa de forma
indireta; usa-se ininterruptamente a terceira pessoa do singular (“o DECLARANTE
contou o ocorrido...) durante todo o texto, alterando-a apenas no final, para a
identificação do funcionário público que digita ou datilografa o texto (“comigo
FRANCISCO ROGERIO DE SOUSA, Escrivão de Policia Federal que a datilografei”).
8
“Aquele que está judicialmente incumbido de cuidar dos interesses e bens dos que sejam ou estejam
impossibilitados de fazê-lo, como os órfãos menores, os doentes mentais, toxicômanos, inválidos.”
Dicionário Eletrônico Houassis da Língua Portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001. de se
acrescentar aí, os indígenas, que, apesar da Constituição Federal de 1988 lhes garantir plena liberdade de
ação, ainda são, juridicamente, relativamente incapazes pelo atual Estatuto do Índio. Para uma discussão
mais acurada do poder de tutela exercido sobre os ditos indígenas, cf. os trabalhos de SOUZA LIMA e
PACHECO FILHO citados na bibliografia ao final.
64
É assim que todas as testemunhas entram no Processo: o que eles contam sempre passa
pelo crivo de um escrivão de polícia ou técnico/analista judicial especializado em colher
e produzir esses depoimentos. Tenho em mente que essa adaptação da narrativa visa,
basicamente, distanciar os depoentes e a história que é contada por eles daqueles que
colhem o depoimento e transcrevem tal história visando manter o caráter neutro ou
equânime característico dos que são responsáveis por escutar e colher dados num
conflito institucionalmente mediado, como Max Gluckman chama atenção mesmo em
contextos onde não há um arquivamento escrito dos casos (GLUCKMAN, 1963 e
1967). A análise de Pierre Bourdieu do que ele mesmo denomina de campo jurídico
(BOURDIEU, 1986) ajuda a esclarecer melhor quais as conseqüências de tais artifícios
de linguagem. Para esse autor, dois efeitos gerais da linguagem padronizada do
Direito:
L’effet de neutralisation, est obtenu par um ensemble de traits
syntatiques tels que la prédominance dês constructions passives et
des tours impersonnels, propres à marquer l’impersonnalité de
l’énonciacion em sujet universel, à la fois impartial et objectif. L’effet
d’universalisation est obtenu par différentes procedes convergentes:
le recours systématique à l’indicatif [...]; l’ emploi, propre à la
rhétorique du constant officiel et du procés verbal, de verbes
constatifs à la troisième personne du singulier du présent ou du passé
composé exprimant l’aspect accompli (“accepte”, “avoue”,
“s’engange”, “a déclaré", etc.) e du présent intemporiel (ou du futur
juridique) propres à exprimer la generalité el l’omni temporalité de
la régle de droit. (BOURDIEU, 1986:5)
Bourdieu não faz referência, em seu texto, diretamente ao aparato policial que
opera paralela e complementariamente ao judicial na verdade, sua preocupação
principal parecer ser o mapeamento de algumas características gerais do que ele chama
de jogo do direito(BOURDIEU, 1986:10), ou seja, as relações de poder internas que
conformam especificamente tal jogo. Contudo, pode-se notar que os traços enfocados
pelo autor estão presentes tanto nos depoimentos do Inquérito quanto nos propriamente
judiciais do Caso Haximu: uma predominância quase absoluta das construções na
terceira pessoa singular, conservando-se uma impessoalidade que é ‘maculada’ na
identificação do funcionário público específico que colhe o depoimento, no fim do
mesmo.
Nesse sentido, é correto afirmar, sobre os depoimentos inquisitoriais, que eles
também visam “la transformacion des conflits inconciliables d’interêts en échanges
65
régles d’arguments rationnels entre sujets égaux est incrire dans l’existence même d’um
personnel spécialisé, indépendant des groupes sociaux en conflit” (BOURDIEU, 1986:
9). Além disso, há de se notar que os depoentes figuram sempre como narradores
pretensamente independentes: nunca referência às perguntas feitas a eles, apesar de
ser possível deduzir quais são elas depois de se ler um conjunto de dezenas de
depoimentos seguidos. Arquiva-se, portanto, apenas as respostas dadas e o
documento, que mais tarde será reapropriado pelos representantes das Partes, apresenta-
se relativamente coerente e neutro.
Assim, de se deixar claro que, num conflito entre dois, é um terceiro que
‘coleta’ as histórias contadas: ele, idealmente, não toma parte nelas, mas escreve o que
outro alguém conta sobre o que aconteceu a esse último e a outras pessoas. Os policiais
e funcionários dos tribunais mantêm-se, pretensamente, fora do conflito em si: eles
‘apenas’ intermediam um conflito anterior, o classificam e, por fim, dizem (aqui uma
função exclusiva dos especialistas que atuam nos Tribunais durante a fase judicial)
quem tem ou não razão na contenda. Nesse sentido, há de se ressaltar que, num processo
criminal moderno, o conflito a ser mediado é pensado como anterior não apenas no
sentido temporal à arbitragem judicial, que uma das características básicas dessa
arbitragem é a idéia de que existe uma illusion de son autonomie absolue par rapport
aux demandes externes(ibid idem, :4)
32
. Com isso, uma situação qualquer só passa a
ser considerada um caso judicial quando ela é, como bem chama atenção Bourdieu,
simbolicamente ‘traduzida’, quando passa a ganhar sentido dentro de um sistema de
valores tido como autônomo e, além disso, tido como único meio legítimo de se
resolver o conflito.
Vários são os artifícios que fazem operar tal distanciamento: um deles parece
ser, sem dúvida, o modo como são colhidos os depoimentos num processo criminal.
Contudo, em relação ao tema específico desse capítulo, é preciso fazer uma ressalva:
apesar do fato dos policiais que tomam parte no Inquérito indicarem qual Crime foi
cometido a partir das provas que eles mesmo recolhem (cf. o já citado Relatório Final do
Inquérito Policial), é possível ao juiz subverter completamente tal indicação e, inclusive,
julgar sem levar em conta o Inquérito ou mandar que se faça novas diligências.
32
O termo “ilusão” não deve ser entendido como algo que deturpa ou mascara uma realidade anterior. O
que o autor ressalta aí é uma pretensão ou ideal, típico do campo judicial e nem sempre seguida à risca, de
que é possível dar conta de todo caso empírico a partir de um código legal independente e já pré-
estabelecido.
66
No caso específico dos depoimentos indígenas, ainda outra gradação
importante entre depoentes e colhedores de depoimentos: em todos os depoimentos de
índios Yanomami (tanto no Inquérito quanto nos Tribunais), a intermediação de um
tradutor no caso acima, Francisco Bezerra de Lima, funcionário da FUNAI, e, em
outras situações, ele em conjunto com o antropólogo Bruce Albert, então membro da
CCPY. Essa imposição de um ‘invisível’ novo intermediador (o depoimento não é dele,
mas é ele quem as traduz), a necessária presença de um outro elemento neutro na
neutralizada narrativa, tem que ser adaptada à condição de mediação que descrevi
acima. Penso ser essa a função de documentos como uma Portaria, escrita pelo
Delegado José Sidney Vera Lemos, nomeando Francisco Bezerra de Lima como
intérprete dos Yanomami
10
. Nela, Francisco tem que se comprometer (o que, no caso, é
sinônimo de assinar o documento
33
) em
funcionar como INTERPRETE, devendo na oportunidade verter
para o idioma (dialeto) YANOMAMI, as perguntas que lhe são feitas,
e ao mesmo tempo traduzir para a lingua portuguesa as respostas
dadas pelo declarante [...] [Devendo estar, após a assinatura] Ciente
do compromisso, prometendo desempenhá-lo com zelo e probidade
[segue-se a assinatura de Francisco]
11
.
Tal documento é análogo a vários outros presentes no Processo, como o
Despacho, produzido pelo mesmo Delegado mas endereçado aos tradutores Bruce
Albert e o religioso católico Carlos Acquini, ou ainda, o Termo de Compromisso do
Intérprete da FUNAI Ivanildo Wawanawetery
12
, que, como Carlos e Albert,
se faz
intérprete dos Yanomami, agora no TRF de Boa Vista. Em resumo, tais Despachos,
Portarias e Termos de Compromisso visam qualificar alguém não diretamente ligado à
função mediadora num depoimento a exercer, circunscrita e temporariamente, um papel
específico dentro no Processo: o de traduzir as perguntas aos depoentes e, no mesmo
10
PH, :62, Portaria nomeando Francisco Bezerra de Lima, funcionário da FUNAI, como intérprete dos
Yanomami.
33
Uma discussão mais pontual dos poderes da assinatura foi feita no capítulo anterior.
11
Idem. Reforço aqui a ressalva feita anteriormente: nas citações do Processo, conservo sempre a grafia
original constante nesses documentos, mantendo, inclusive, os possíveis desacertos de grafia ou de
concordância.
12
PH, :316, Despacho do Del. Cutrim para lavrar-se portaria nomeando Bruce Albert e o religioso
Carlos Acquini como tradutores de Japão Yanomami. PH, :667, Termo de Compromisso do intérprete
Ivanildo Wawanawetery, funcionário da FUNAI.
67
sentido, de dar conta do que os depoentes falam aos policiais ou funcionários do
judiciário. Esses documentos, enfim, visam garantir a referida ‘invisibilidade’ aos
intérpretes, tornando possível, ao menos idealmente, que os Termos de Declaração ou
Testemunhos Judiciais de indígenas que não falam português possam ser produzidos
tendo como norte a mesma neutralidade de mediação mapeada acima.
Jack Goody (GOODY, 1986), nesse mesmo sentido, argumenta que a escrita
pode ganhar, no Ocidente e em outros lugares, um papel homogeinizador central: the
use of a common written language (as in medieval Western Europe) or a common
logographic script (as in China) helps to overcome the diversity of spoken tongues and
dialects, and some extent of cultural practice as well” (GOODY, 1986:112). A
necessária presença de um tradutor (e, antes disso, o próprio modelo de colhimento de
depoimentos descrito acima) está, assim, ligada à organização de uma certa burocracia
estatal moderna, que tem como norte a adoção de uma língua oficial que abarca todos os
outros ‘dialetos’ que são possivelmente usados dentro do âmbito do Estado brasileiro
34
.
Voltando ao conflito em si, deixo claro que sua análise a partir de três elementos
idealmente tomados se inspira diretamente no estudo do sociólogo alemão Georg
Simmel (SIMMEL, 1964). Outra questão que pode ser melhor discutida a partir desse
texto de Simmel são as definições de arbitragem e mediação, que venho usando até
aqui como sinônimos. Assim, Simmel chama atenção para uma gradação importante no
que tange às diversas maneiras que uma contenda qualquer pode ser resolvida. Em
certas situações, para Simmel,
As long as the third properly operates as a mediator, the final
termination of the conflict lies exclusively in the hands of the parties
themselves. But when they choose an arbitrator, they relinquish this
final decision. [...]. Even in the state tribunal, it is only the action of
the complainant that results from confidence in just decision, since the
complainant considers the decision that is favorable to him the just
decision. The defendant, on the other hand, must enter the suit wheter
or not he believes in the impartiality of the judge. (Idem, :151, ênfase
minha).
Contudo, Simmel não pensa a arbitragem e a mediação como tipos isolados
componentes dos conflitos. O que o autor parece apontar é para a existência de uma
34
Foge do escopo do presente trabalho discutir mais detidamente como se a formação da idéia de tal
Estado abarcador. Interessantes pistas para tal discussão (e, conseqüentemente, outras referencias) podem
ser encontradas no estudo de SOUZA LIMA, 1995.
68
espécie de linha de tensão entre relações conflituosas que têm maior possibilidade de
um terceiro elemento impor suas decisões e, é claro, contextos outros em que essa
possibilidade é marcadamente reduzida. Como exemplo, pode-se tomar o já citado
estudo de Max Gluckam entre os Zulu: nesse caso, o autor esclarece que, após a
introdução da Indirect Rule britânica (cf. especialmente GLUCKMAN, 1941) todo o
aparato político Zulu passou a figurar mais como mediador de conflitos que
propriamente como árbitro no sentido que empresta aos termos Simmel na passagem
acima. O próprio Gluckman, quando descreve julgamentos tipicamente Zulu, o faz de
maneira retrospectiva ou indireta (GLUCKMAN, 1967 e 1963). Assim, de se notar
que os tribunais nativos perderam gradativamente o poder que tinham, passando a
figurar como instâncias de imposição de decisões cada vez menos importantes, por
vezes até descartáveis (cf., por exemplo, GLUCKMAN, 1941: 47, onde narra-se a então
posição política dos chefes de clã Zulu, que passaram a figurar como meros
funcionários da Coroa, devendo obediência direta aos magistrados europeus).
Por outro lado, não dúvidas de que, no julgamento de um processo criminal
no Direito moderno, o judiciário tende a ser mais árbitro que mediador: uma sentença,
nesse caso, demanda uma pena a ser cumprida ou já em andamento – ou, por outro lado,
cria um Foragido, que é uma figura jurídica que visa manter a pretensão ou ‘ilusão’ (cf.
nota sobre o texto de Pierre Bourdieu, acima) de universalidade da coerção arbitral do
Direito moderno. Tratarei mais detidamente desse tema nos capítulos que se seguem,
mas ressalto aqui que, das quase duas dezenas dos direta ou indiretamente acusados pelo
Genocídio de Haximu, à época da última decisão judicial, um garimpeiro estava
preso – existindo, portanto, cerca de dezessete Foragidos.
Detenho-me agora na análise mais pontual do que efetivamente é narrado no
Inquérito. Dou especial atenção aos Termos de Declarações, Laudos Periciais e aos
citados Relatórios, que são esses documentos que irão compor o cerne das discussões
nos Tribunais, como mostrarei no próximo capítulo.
O Tuxaua Antonio Yanomami presta um segundo depoimento ao Delegado José
Lemos
13
, onde, além de confirmar a lista anterior dos habitantes mortos em Haximu, diz
que, na fuga do segundo Massacre, os índios “foram surpreendidos por garimpeiros, os
quais chegaram atirando e matando os sobreviventes inclusive as mulheres, tendo
13
PH, :85-89, Termo de Declarações que presta o indígena Antonio Yanomami.
69
conseguido escapar o DECLARANTE, JAPÃO E LHULHU [outros dois índios]
14
. No
fim desse novo depoimento, o Tuxaua informa QUE, acredita que ninguem mais
escapou aquele ataque por que senão teriam chegado ao HOXIMI e ele não viu nem
teve notícias de neyuma [nenhuma] daquelas pessoas que conhecia
15
. Dos cerca de
oitenta e quatro habitantes de Haximu no primeiro Termo de Declarações (como se
pode inferir do Termo de Declarações de Antonio Yanomami, citado acima), teriam
sido mortos, então, algo em torno de oitenta pessoas. Antonio diz ainda que acha que
todos esses corpos foram jogados no rio
16
. O Delegado José Lemos remete, então, um
Ofício ao Comandante do Corpo de Bombeiros de Boa Vista solicitando soldados
mergulhadores dessa corporação, a fim de localizarem possíveis corpos no Rio
Homoxi
17
. de se frisar que, pelo que é relatado nesse Termo de Declarações (como
também em outros depoimentos, como o de Japão Yanomami, :110), houve, no mínimo,
três ataques distintos dos garimpeiros contra os Yanomami.
Na tentativa de sistematizar melhor quem havia sido morto ou não, um Agente
da Polícia Federal não identificado (a fotocópia cortou seu nome) faz uma lista
manuscrita
18
das prováveis vítimas. Nela um total de setenta e um mortos. Ao que
parece, tal Agente tomou como base os primeiros depoimentos de indígenas à PF (como
os de Maria e Louveira, citados abaixo), fazendo um esquema de traços para cada um
dos então citados. outra lista mais à frente no Inquérito
19
, agora produzida por um
enfermeiro da CCPY que teve contato com os sobreviventes. Nesse último arranjo,
totaliza-se sessenta e dois índios mortos.
Outros índios além do Tuxaua Antonio Yanomami tiveram seus depoimentos
colhidos. Maria Yanomami, por exemplo, cita uma lista de habitantes tão longa quanto a
de Antonio, esclarecendo, na última página de seu depoimento, que escaparam [os
índios] PAULO, PAULISTA, GUERREIRO e LINCAU e sua mulher”, tendo a esposa de
14
Idem, :86.
15
Ibid Idem, :89, ênfase minha.
16
Ibid Idem, :86.
17
PH, :91, Ofício do Delegado José Lemos ao Comandante do Corpo de Bombeiros.
18
PH, :82-83, Lista manuscrita de possíveis mortos, feita a partir dos Termos de Declarações passados.
19
PH, :164. Lista Manuscrita do enfermeiro da CCPY Jorge André Gurjão com os possíveis mortos.
70
Lincau, ferida, falecido mais tarde
20
. Esse mesmo depoente afirma que o indígena
Simão Yanomami está entre os mortos – e esse último presta depoimento algumas
folhas depois dele. Louveira Yanomami, da mesma maneira, traça uma lista análoga de
indígenas, acrescentando que “acha que os garimpeiros responsaveis pela Chacina
esconderam os corpos no mato isso porque o indígena SIMÃO os viu e hoje não são [os
corpos] encontrados
21
. Ressalto que, nesse momento, contabiliza-se algo em torno de
seis, sete ou oito dezenas de vítimas, mortas em três ataques distintos dos garimpeiros.
O primeiro depoimento de um garimpeiro constante nos Autos é o de Wilson
Alves dos Santos
22
, de apelido Neguinho. Wilson Alves será um dos us citados na
Denúncia inicial do MPF, porém figurando, nesse momento, como mero prestador de
Termo de Declarações. É explícita a diferença entre o que gira em torno dos
depoimentos de indígenas quando comparados aos não-indígenas. Primeiramente, os
policiais viajam para escutar os índios, enquanto os garimpeiros é que se deslocam para
falar na Sede da PF em Boa Vista. Na fase judicial, os índios são Intimados por Ofícios
ao Administrador Regional da FUNAI de Roraima, enquanto os garimpeiros têm os
documentos entregues (ou, ao menos, assim tenta-se) em suas residências, como
deixarei claro no próximo capítulo. Durante todos os nove volumes do Processo, os
indígenas são citados sempre por nomes com grafias diferentes. para ficar num
exemplo, o Reia Yanomami do Laudo Pericial na :461 é o mesmo Rikima Yanomami
do Termo de Declarações na :159-192. A grafia do nome da depoente Yanomami
Waythereoma Hwanxima varia não nos vários Termos de Declarações e
Testemunhos Em Juízo que ela presta, mas também dentro do mesmo depoimento,
conservando-se, acima, o modelo que me pareceu mais se repetir. No caso dos
garimpeiros, cita-se sempre o nome constante em suas carteiras de identidade, seguido
do apelido e, mais à frente, o endereço atual de residência com indicações, na maioria
das vezes, de como se chegar a tal local. Tais nomes conservam-se imutáveis durante
todo o Processo. Para os índios, o preâmbulo nos depoimentos é bem mais curto: depois
do nome, data, local e a citação da autoridade que então preside Inquérito/Audência,
normalmente segue-se já o “RESPONDEU QUE” característico do início de tais
documentos. Além de não se colher o local de moradia dos índios e ter que se deslocar
20
PH, :66-68, Termo de Declarações que presta o [Maria é o nome de um indígena do sexo masculino]
indígena Maria Yanomami.
21
PH, :69-72, Termo de Declarações que presta o indígena Louveira Yanomami.
22
PH, : 93-97, Termo de Declarações do garimpeiro Wilson Alves dos Santos, ‘Neguinho’.
71
para ouvi-los, de se notar que, como mostrarei mais detidamente no próximo
capítulo, nos Testemunhos Judiciais os índios não figuram exatamente como depoentes,
mas sim como Prestadores de Informações, não tendo que fazer os juramentos de praxe
com a verdade pois são Legalmente Inimputáveis (cf. acima, sobre o poder tutelar e a
indianidade).
De todo modo, na Sede da PF em Boa Vista, Wilson Alves não faz qualquer
referência aos ataques que possivelmente poderiam ter sofrido os indígenas. Diz apenas
que ele e um companheiro, apelidado Fininho, foram atacados por índios, tendo Fininho
falecido ali mesmo no garimpo e ele próprio, Neguinho, conseguido fugir
milagrosamente”, que com o tiro que atingiu FININHO levantou-se [Neguinho] de
imediato senão na posição que estava seria atingido na cabeça [tendo sido, portanto,
alvejado nas nádegas e nas costas]
23
. Dejacy Oliveira de Sousa, o ‘Casa Grande’,
disse estar também presente nesse ataque sofrido pelos garimpeiros, e se desesperou
tanto que
saiu correndo [...] e sequer obervou [observou], digo obervou [o
erro realmente repete-se] se NEGUINHO e FININHO ali estavam ou
se haviam corrido; QUE, no momento dos disparos efetivamente
chegou a acreditar que tratava-se de índios [...] mas na fuga não viu
nenhum
24
.
É nesse mesmo Termo de Declarações que Casa Grande esclarece que, entre os
garimpeiros, raramente sabe-se o nome completo dos companheiros de profissão, sendo
todos chamados pelo apelido
25
.
Apesar de nenhum garimpeiro, até o fim do Processo, confessar ter participado
das mortes dos Yanomami de Haximu, a maioria deles acusa, em seus depoimentos,
vários companheiros de profissão. Pode-se notar aqui que os policiais responsáveis pelo
Inquérito sempre perguntam aos garimpeiros se eles conhecem alguém que tenha
tomado parte nesse ato – ao que praticamente todos respondem que sim, mas
conseguem identificá-los, como ressalta Casa Grande, pelo apelido. Tratarei desse ponto
mais detidamente no próximo capítulo, mas adianto que os Requeridos formalmente
acusados no Processo são apenas aqueles a respeito dos quais conseguiu-se fazer uma
23
Idem, :93.
24
PH :95-97, Termo de Declarações de Dejacy Oliveira, ‘Casa Grande’.
25
Idem, :96.
72
correspondência entre apelidos e nomes – o que nem sempre é fácil, como o exemplo do
garimpeiro Pedro Emiliano mostrará no capítulo que se segue.
É preciso nesse momento fazer um breve apanhado do que há, a então, no
Inquérito. De início, não se tem idéia exata do número de índios que foram mortos,
variando, tal número, na casa das dezenas. É variável, do mesmo modo, a quantidade de
ataques que os Yanomami dizem ter sofrido dos garimpeiros, e o próprio Tuxaua da
região narra, em certas situações, que foram dois e, em outras, que foram três ataques.
Como no citado depoimento de Maria Yanomami, se diz que determinado indígena
está morto e, logo em seguida, o mesmo aparece como depoente. Os garimpeiros, até
então, dizem ter ouvido falar pela televisão ou jornais do Massacre dos Índios e
nenhum, até agora, cita nomes ou reconhece que teve contato direto com qualquer um
dos possíveis participantes nesse ato. É muito importante frisar também que, até aqui,
Massacre ou Chacina são as categorias mais recorrentes para fazer referência ao
acontecido em Haximu, nunca se usando o termo Genocídio diretamente no texto - cf.
por exemplo, o depoimento de Antonio Yanomami no início dessa seção.
É importante ressalvar que penso tais imprecisões como constitutivas do grau de
sedimentação específico desse momento do Processo. Elas fazem parte de um universo
de depoimentos ainda não sedimentado numa narrativa coerente e, portanto, com alto
grau de ambigüidades. Deixo claro, assim, que as imprecisões não estão relacionadas a
um embuste ou falseamento que poderia ser imputado à história contada pelos
indígenas. Na verdade, penso essas ambigüidades como que da ‘natureza’ específica dos
documentos até então produzidos pelos Policiais Federais não tendo elas, mais uma
vez, relação com qualquer artifício extra-legal que pretensamente poderia falsear o que
teria acontecido aos Yanomami de Haximu.
Assim, o Inquérito Policial, até a página 119 (onde tem início o citado Relatório
de Bruce Albert), é um conjunto de fragmentos desordenados. Tendo em vista que um
dos postulados do trabalho jurídico atual”, segundo análise de Max Weber é que,
aquilo que do ponto de vista jurídico, não pode ser ‘construído’ de modo racional
também não é relevante ao Direito (WEBER, 1999, :13), o Inquérito, a aqui,
mostra o que, num processo judicial qualquer, seriam consideradas provas, no mínimo,
pouco precisas. É impossível dizer exatamente quem foram as vítimas ou os agressores
73
e rias versões em aberto, conflitantes e desencontradas; não existe (ainda) uma
verdade limpa, unilateral, sem contradições explícitas.
Falta a ‘domesticação’ dessas falas, um ordenador que as junte de modo
configurar um contexto probatórioque leve à cabal constatação da materialidade
do delito”, como argumenta o Juiz Itagiba Catta Preta do TRF de Boa Vista na Sentença
de Instância, mil páginas à frente
26
no Processo. Por fim, a ‘cola que irá juntar
coerentemente tais peças soltas começa a ser produzida a partir do citado Relatório do
antropólogo Bruce Albert, que passo a analisar mais detidamente na próxima subseção.
III. O “Relatório da investigação realizada com os sobreviventes da Chacina do
Hwaixmëu”.
Bruce Albert, como outros membros da CCPY, estava no Posto de Xidéia
quando chegaram os primeiros sobreviventes da Chacina do Hwaixmëu”, como ele
próprio chama o acontecido com os Yanomami de Haximu. Seu Relatório, que vai da
página 119 a 127 do primeiro volume dos Autos, é anexado ao Inquérito após o Termo
de Declarações do médico da CCPY Cláudio Esteves de Oliveira, que diz que Bruce
Albert anotou “do próprio punho toda a história narrada pelos sobreviventes [...]; QUE
o depoente deseja esclarecer que tudo que sabe sobre esse fato está inserido no
mencionado relatório, o qual foi elaborado por ALBERT
27
. Na página imediatamente
seguinte a tal depoimento (:118), um ofício de Vicente Divino de Oliveira, Auxiliar
de Administração da CCPY, encaminhando a Vossa Senhoria [o delegado de Polícia
Federal José Lemos, então responsável pelo Inquérito] o original manuscrito” do
Relatório de Albert.
Além de manuscrito, o Relatório do antropólogo Bruce Albert é escrito nas costas da
fotocópia de um romance em inglês para estudantes dessa língua
28
. Todo o documento
26
PH, :1168, Sentença de Itagiba Catta Preta Neto, Juiz Federal Substituo, condenando os garimpeiros na
1ª Instância do TRF/RR (ênfase minha).
27
PH, :117. Termo de Declarações que presta Claudio Esteves de Oliveira (ênfase do original). Esse
depoimento foi colhido na Sede da PF em Boa Vista, é digitado em computador e o possuiu qualquer
erro de português. Claudio Esteves também estava no Posto de Xidéia e diz ter acompanhado a feitura do
Relatório de Albert. de se notar, também, que Cláudio reconhece que falava muito mal a ngua dos
indígenas.
28
Apesar de minha insistência com o operador da fotocopiadora do STF, como deixo claro no capítulo
anterior, ele acabou fotocopiando o verso do Relatório no serviço que fazia para mim. Assim, pode-se
74
está eivado de rasuras, escritos-por-cima e outras correções, onde são revisados erros de
grafia, concordância, conjugação ou então simples escolhas de palavras. Isso dá margem
a pensar que tal documento é uma espécie de versão preliminar de um outro Relatório
de Albert, publicado no jornal a Folha de São Paulo de três de outubro de 1993. Esse
último texto faz parte da citada coletânea produzida pela CCPY (citada no capítulo I)
sobre o Massacre de Haximu. Retomando o argumento já expresso no capítulo I,
determinados documentos necessitam de uma investidura especial para terem uma
agência reconhecida nos Autos (uma assinatura, a entrega num prazo determinado ou
ainda um carimbo específico, por exemplo). Assim, poder-se-ia dizer que o Relatório
preliminar de Albert carece de qualquer cuidado dessa natureza. De todo modo, ainda
assim ele é o que penso ser o ordenador de todo o Inquérito.
Explicando melhor tal ponto, a investidura específica de certos documentos no
Processo está ligada ao fato de seus produtores serem ou não reconhecidos como
especialistas no Direito. Quando se lida com o documento de um operador do Direito,
ou seja, alguém que está devidamente autorizado a produzir, manejar e representar’
(uso as aspas pois tal representação é quase sempre compulsória para a resolução de
conflitos judiciais fora os Tribunais de Pequenas Causas) os Interessados em
determinado processo, existe uma complexa série de ingerências para que as folhas
produzidas por tais pessoas tenham a efetividade que seus autores pretendem. A falta de
uma assinatura pode invalidar completamente uma Petição, por exemplo. Reitero que
não tenho meios de mapear satisfatoriamente as condições que perfazem tal investidura,
tendo em vista que me foco prioritariamente na análise dos documentos constantes no
Processo. Tal empreitada dependeria da análise de um conjunto de dados que tive
contato apenas indiretamente, como nas conversas com técnicos e analistas judiciais.
Porém, não dúvida de que esse caráter especial está relacionado com a posse de um
diploma de Bacharel em Direito, devidamente reconhecido por uma prova da Ordem
dos Advogados do Brasil, seguido por uma Procuração Registrada em Cartório, onde
assume-se que tal Bacharel é o Procurador Legalmente Constituído de uma das Partes
29
ou, ainda, de parte das Partes, que, no Processo, por vezes, os garimpeiros se
perceber, nas costas de todas as folhas desse documento, as fotocópias de algumas páginas de um
romance em inglês e, ainda, parte da capa desse livro, notando-se o nome “Yazigi” e a frase “o inglês
mais perto de você”.
29
Tal Procuração é exigida para os advogados que atuam livremente, como aqueles contratados pelos
garimpeiros; no caso dos Procuradores da República, também bacharéis em Direito e representantes da
outra Parte do Processo, não se tem qualquer petição especial para que eles representem os Yanomami.
Nesse caso, a Constituição Federal garante, de antemão, que é responsabilidade do MPF atuar em casos
judiciais que envolvam índios.
75
separam em defensores diferentes, como deixarei claro mais à frente. Para citar um
dentre vários exemplos que poderiam ser dados, o Sub-Procurador Geral da República
Antônio Augusto César, numa Petição na folha 1819, argumenta que não se deve
encaminhar fotocópias do Processo ao advogado Edir Ribeiro, já que “o mandado
[tornando o último o defensor legalmente constituído de um dos garimpeiros] não foi
ajuntado ao mesmo [pedido de cópias]”. O Sub-Procurador argumenta, ainda, que não
justificativa plausível para que o Estado assuma o custa da extração e
encaminhamento das mesmas [fotocópias]para Boa Vista, que, nesse momento, o
Processo estava em Brasília.
De todo modo, o Relatório aqui em foco é também obra de um especialista, mas
não da mesma natureza que os especialistas em Direito. O caráter marcadamente
esquemático, o tom de rascunho ou esboço típico do texto de Albert revela que ele foi
produzido com os mínimos meios técnicos disponíveis e explicitamente não respeita
qualquer regra vigente entre os especialistas do Direito para a produção de documentos.
É possível que o autor não tivesse nem mesmo folhas em branco para tomar notas do
que estava sendo relatado pelos Yanomami, já que escreveu seu Relatório nas costas da
fotocópia de um romance. O importante a ser notado é que essas mesmas características
corroboram a expertise do autor do Relatório: o antropólogo Bruce Albert é um
especialista nos Yanomami, os habitantes mais antigos e isolados [da América]”,
como argumenta do Delegado Cutrim no já citado Relatório Final do Inquérito Policial,
folha 479. Bruce Albert é, sem dúvida, um especialista, mas não um operador do
Direito. É interessante notar que, fora comentários como o citado Ofício do membro
da CCPY dizendo que encaminha um texto manuscrito ao Delegado Lemos, em nenhum
momento nos Autos se faz alusão à maneira como o texto de Albert é produzido.
Interessa-se, apenas, por seu conteúdo, pelo que é dito nele. O Relatório da
investigação realizada com os sobreviventes da Chacina do Hwaixmëu” entra nos
Autos como uma peça de suma importância, principalmente por ter sido elaborada
por um profissional competente, que inclusive domina com invejável facilidade o
dialeto daquele povo (PH, :498 do mesmo Relatório do Delegado Cutrim). Assim,
Bruce Albert não é um mero tradutor de depoimentos dos índios para o português: seu
texto explica “a raiz e a causa fundamental que resultou na chacina de Haximu”,
como argumentam os Procuradores da República responsáveis pela Denúncia (PH, :08,
ênfase minha).
76
Pode-se entender melhor tal ponto tendo como base a já citada análise de
Bourdieu do campo do Direito (BOURDIEU, op. cit.). Para esse autor, existem
détenteurs d’espécies différents de capital juridique”, o que não exclui (na verdade,
contribui para) uma complementaridade de funções entre eles e os especialistas do
Direito propriamente ditos (idem, :6). Bourdieu argumenta, inclusive, que os
adversários, num embate judicial, são objetivamente cúmplices e se servem
mutuamente do trabalho desses outros especialistas (ibid idem, tradução livre). É
exatamente isso que acontecerá com Bruce Albert: como um especialista de fora do
campo judicial, seu Relatório não está sujeito às mesmas regras daqueles que são
expertos nessa área - o que explica o fato de seu texto ser visto como o de um
especialista e, ainda assim, poder ser escrito nas costas da fotocópia de um romance e
ser completamente manuscrito. Tal documento poderá ser usado, em termos ideais,
tanto pelos Procuradores do MPF quanto pelos Advogados dos garimpeiros, ainda que
esses últimos praticamente ignorem o Relatório do antropólogo da CCPY, como
mostrarei a seguir.
Partindo para a análise do que diz Bruce Albert no Relatório, ele argumenta o
seguinte sobre os depoimentos de Antonio e Japão, citados na subseção anterior do
presente capítulo:
[Toda essa passagem vem destacada do resto do texto por um
quadrado desenhado à mão pelo próprio autor] É de se notar aqui que
os Hoomoxitheri (da região dita de “Homoxe”) estavam também
[como os habitantes da aldeia Haximu] convidados para esta festa
[que aconteceria na maloca dos Makayutheri] e os pseudo-
sobreviventes entrevistados até agora pela imprensa, FUNAI etc... são
em realidade [o resto da linha está rasurada] Hoomoxitheri que
participaram dessa festa, portanto apenas testemunhas indiretas. Por
exemplo o artigo da Veja do 25/08/93 menciona Antônio, Japão [nova
rasura], Roberto Carlos, Menini que são todos Hoomoxitheri e não
Hwaxmëtheri que foram atacados pelos garimpeiros
28
.
Assim, tem-se a explicação para os desencontros dos primeiros depoimentos indígenas:
estes são dados por “testemunhas indiretas” ou “pseudo-sobreviventes”. O Delegado
Cutrim, no Relatório Final do Inquérito, argumenta que optamos por não comentá-los
28
PH, :120, Relatório da Investigação Realizada com os Sobreviventes da Chacina do Hwaixmëu, Bruce
Albert (ORSTOM, UNB), ênfase minha.
77
[os primeiros depoimentos indígenas], apesar de trazerem riquezas de detalhes, [pois]
o que sabem são em conseqüência de ouvi dizer(:494). A partir desse relatório, os
Policiais Federais colhem os depoimentos dos indígenas que são apontados por Albert
como “as verdadeiras vítimas escapadas da Chacina” ( :123).
É de Bruce Albert, em grande medida, a versão que virá, no decorrer do
Inquérito, sedimentar-se como a base da narrativa verdadeira do que aconteceu com os
Yanomami de Haximu. Tal organização do Massacre irá perpassar todos os documentos
dos Autos, na fase inquisitorial e também propriamente judicial, inclusive nos Recursos
que serão feitos aos Tribunais Superiores em Brasília. Portanto, no Relatório está o
cerne da narrativa que, mais tarde, sedimentar-se-á na argumentação da existência de
apenas dois ataques dos garimpeiros e não três, como diziam Antonio e Japão
Yanomami; esse últimos, na verdade, ouviram dizer e o são realmente vítimas
diretas da Chacina.
No mesmo sentido, os Procuradores da República que escrevem o primeiro
documento constante nos Autos, dividem seu texto em e Atos Genocidas
30
.
Assim, devido ao fato da narrativa do Relatório ir sedimentando-se nos outros
documentos que compõe as quase duas mil folhas seguintes do Processo, faço, abaixo,
uma breve seleta dela. Indico, entre os colchetes iniciais, a página de onde retiro a
citação. Notar-se-á, pela numeração das páginas, que mudo explicitamente a ordem da
narração do texto de Albert, sistematizando-a cronologicamente ordem que será
usada, mais tarde, por todos os que se apropriarão do Relatório. Assim, a seleta abaixo
se baseia, em sua organização, na apropriação que os especialistas do Direito farão do
texto produzido pelo experto nos Yanomami. As ênfases são todas do original e minhas
intervenções vão entre colchetes:
[ :124]
Há aproximadamente 2 meses [a data do Relatório é 26/08/1993] um
grupo de 6 Hwaximëutheri [indígenas da Aldeia de Haximu] foi até o
acampamento de garimpeiros que tinham confiscado uma espingarda
deles [índios] (provavelmente temendo que a usem contra eles
[garimpeiros]). Não conseguiram recuperar a espingarda. Alguns
garimpeiros mandaram eles ndios] embora dizendo que outros
“garimpeiros bravos” e os Yanomami inimigos (os Tireitheri) iam os
atacar. Em realidade os garimpeiros seguiram eles no mato e
atacaram eles no caminho. 5 Hwaximëutheri morreram na ocasião e
30
PH, 01-39, Denúncia do MPF.
78
um escapou, ferido [Esse é o resumo do que se tornará, mais tarde, o
“1º Ato Genocida” narrados pelos Procuradores na Denúncia].
[:125]
[...] Um tempo depois os Yanomami da região organizaram uma
expedição de retaliação para vingar estes 5 mortos. [...]. Essa
primeira expedição de retaliação fez uma vítima: um garimpeiro
foi morto [essa palavra vem por cima da riscada ‘matado’] na
ocasião.
[ :123}
[...] [Tempos depois] os habitantes das 2 malocas Hwaximëutheri se
descolaram para sua roça antiga onde [rasura, podendo-se ler o
nome ‘iam’] esperariam [escreve-se, de fato, ‘esperar’, mas
completa-se com o ‘iam’] os mensageiros dos Makuyutheri que iam
os convidar para a festa, 3 homens se deslocaram em direção a um
acampamento de garimpeiros no mato. Estes 3 guerreiros queriam
atacar os garimpeiros para vingar a morte de 5 homens do seu grupo
mortos [risca-se a palavras ‘matados’ novamente] anteriormente
pelos garimpeiros.
[:124]
Esta turma de três matou um garimpeiro e voltou rapidamente para
se juntar ao resto do grupo que tinha acampado na sua roça velha.
Dormiram uma noite no acampamento. No [escreve-se ‘o’ e ajunta-
se um ‘n’depois] dia seguinte eles ficaram no [rasura-se um ‘s’ do
‘no’] acampamento enquanto o resto dos homens foi para a festa e
[as próximas três palavras são escritas em cima de uma rasura] uma
boa parte das mulheres e crianças [foram] no mato para coletar
frutas Inga [ingá]. Aconteceu o [segundo, em termos cronológicos]
ataque dos garimpeiros.(ênfases do original)
Na verdade, o próprio Albert trata de sistematizar cronologicamente esses
acontecimentos, apresentando o seguinte esquema na página 125:
Conflito
sobre
espingarda
1º Ataque dos
Garimpeiros
5 Hawximëúthe
ri
Mortos 1 Ferido
(homens)
1º Ataque
dos Índios
1 Garimpeiro
morto
2º Ataque
dos Índios
1 Garimpeiro
morto
2º Ataque
dos
Garimpeiros
13
Hawximëútheri
Chacinados 3
Feridos
79
No Relatório como um todo, é dada maior importância ao Ataque”. Esse é o motivo
da inversão cronológica dos ataques feita por Albert. Assim, ao que tudo indica, o
ataque, ocasião em que se contabiliza a maioria das vítimas, foi narrado primeiramente
ao Antropólogo, que parece tomar notas diretamente das falas do Yanomami. Logo em
seguida, lhe é relatado o outro ataque e, na penúltima página do Relatório (:125) é
que Albert organizou cronologicamente o que lhe diziam. Nessa ocasião os garimpeiros
“cercaram o acampamento [...] e mataram todos os que tinham
ficado. [...] Os adultos foram mortos a tiros e mutilados a terçadadas
[golpes de facão]. As crianças foram chacinadas a golpe de terçado
na cabeça, garganta, no peito ... (sem tiros). Uma velha mulher foi
morta a pontapés” (: 120).
Albert contabiliza que foram mortos, nas duas incursões, dezoito indígenas,
sendo seis homens e doze mulheres (:125). Há de se notar aqui que tal número é
substancialmente menor que aqueles apurados nas tentativas de sistematização
anteriores ao Relatório, onde figurava algo em torno de sessenta a oitenta indígenas
“chacinados” ou “massacrados” – para usar a terminologia de Albert, que ainda não fala
em Genocídio. Contudo, é baseado no Relatório de Albert que os Procuradores do MPF
irão Denunciar os garimpeiros, acusando-os formalmente de Genocídio. Em todos os
documentos que se seguem à Denúncia ignora-se a ‘babel’ dos primeiros relatos no
Inquérito, citando-se exclusivamente os Termos de Declarações posteriores ao Relatório
de Albert. Além disso, é também do Relatório que se retira a data do segundo ataque
(entre 22 e 23 de julho de 1993, :121), bem como a pormenorização dos mortos por
sexo, idade e, quando possível, também por nomes (:121-122). Na Denúncia, tal
informação é sistematizada em forma de uma tabela. Em outro documento
31
, é,
novamente, o próprio Albert que esclarece aos Policiais Federais a dificuldade de se ter,
com exatidão, o nome das vítimas:
QUE, conforme se pode verificar quando a Autoridade que a este
preside [então o Delegado Raimundo Soares Cutrim] faz perguntas,
através do depoente [Bruce Albert] e do Sertanista BEZERRA, os
índios declinam com dificuldade o nome Yanomami de seus parentes
mortos, a não ser os seus nomes em português ou substituindo esses
com a descrição da relação do parentesco com pessoas vivas (como,
31
PH, :151, Termo de Declarações do antropólogo Bruce Albert.
80
por exemplo, filho de, pai de, irmão mais novo de, etc.) revelando
o nome verdadeiro Yanomami, geralmente quando se trata de
pessoas de outras aldeias.
Tenta-se, como se pode notar na passagem acima, conseguir os nomes de cada uma das
vítimas da Chacina, mas os Yanomami, como esclarece Albert, são pouco afeitos a esse
tipo de sistematização. Há de se notar que a impossibilidade de individualização precisa
dos índios mortos pelos garimpeiros i compor, mais tarde, a própria construção do
Crime de Genocídio, adiantando aqui um tema a ser tratado no próximo capítulo.
Por fim, reitero que vejo o Relatório de Bruce Albert como uma narrativa que
irá se sedimentar e contribuir para a formação de um ‘núcleo duro’ do Processo. Tal
documento apenas o ‘chão’ do que aconteceu – há, no resto dos Autos, de se discutir
como, em termos jurídicos, deve-se classificar esse acontecido. Ele não possuiu, assim,
nenhuma espécie de substância especial que poderia, por si só, dar conta da verdade do
acontecido em Haximu – isso será construído gradativamente, com o andar do Processo
e seguindo uma ordenação específica, que começo a dar conta no capítulo IV.
O Relatório, como argumento, figura mais como um ordenador (dizendo, por
exemplo, os índios que devem ser escutados ou os locais onde se deve procurar provas
materiais) do que propriamente como um monopolizador de uma verdade definitiva.
Cada um dos pontos do Relatório será investigado e inquirido pelos Policiais Federais
com os sobreviventes da Chacina, como se pode notar em todos os depoimentos
tomados depois do arquivamento do Relatório de Albert. É claro que o texto de Bruce
Albert, porque explicitamente preocupado em dar detalhes, em pormenorizar, é mais
afeito a ser apropriado como uma descrição mais próxima à verdade num processo
criminal. Contudo, isso o quer dizer que o Relatório resolva todas as questões em
aberto no Processo. Essa ordenação é construída, de certa maneira, de forma
independente do Relatório de Bruce Albert, apesar de também se apropriar dele. Em
resumo, tal documento não resolve, de maneira acabada, o Processo Criminal. De fato,
como mostrei na primeira subseção desse capítulo, esse último nem ainda teve início,
via de regra. Nesse sentido, o que é dito no Relatório será concatenado com os outros
depoimentos do restante do Inquérito (e também com aqueles que serão prestados no
TRF de Boa Vista), além dos diversos Laudos Periciais de outros especialistas que
81
também comporão os Autos. Passo, na última subseção do presente capítulo, a analisar
esses últimos documentos do Inquérito.
IV. O Inquérito após o Relatório do Antropólogo Bruce Albert
O primeiro depoimento que se segue, então, é o da indígena Waythereoma
Hwanxima
32
. Na gina 125 do Relatório de Albert (que é o interprete nesse e nos
outros Termos de Declarações dos Yanomami até o fim do Inquérito) ela é citada como
mãe de um dos índios mortos durante o primeiro ataque de garimpeiros. Os Policiais
Federais, agora sob a chefia do Delegado Raimundo Soares Cutrim, fazem, então, uma
nova incursão ao Posto de Xidéia para escutar os Yanomami. Tenho por certo que uma
das motivações dessa nova empreitada é o Relatório analisado acima, que afirma, como
disse, que as verdadeiras vítimas escapadas da Chacina(:120) ainda não haviam
sido ouvidas. Toda essa leva de Termo de Declarações volta a ser datilografada. Como
outros depoentes Yanomami, Waythereoma é instada a dizer o nome de seu filho,
respondendo que de acordo com sua cultura, não permite dizer o nome de seu filho
morto (:133). Ela afirma ainda que as vítimas foram quase todas cremadas, fora o
corpo não cremado da índia dos Homoxithere, que não tinha parentes entre os que ali
se encontravam, razão pela qual não foi cremada, recordando-se que haviam ferros de
bala na cabeça e cortes nos braços, barriga, peito, cabeça e pernas.” (:137).
Um dos primeiros documentos do Inquérito é um Auto de Apresentação e
Apreensão (:59-60) dando conta que os Policiais Federais encontraram, na mata, uma
ossada, cinzas e diversos projéteis e cartuchos deflagrados. Mais adiante (:179) um
Ofício do Administrador Regional da FUNAI de Roraima “solicitando a devolução [aos
Yanomami] de ossos e cinzas que foram recolhidos após a realização da perícia”. Na
folha 156 há um Auto de Constatação, documento que afirma a existência de “14
cabaças indígenas” contendo as cinzas de parte daqueles que morreram nos ataques.
É preciso frisar que tais cinzas recolhidas pelos Yanomami não serão levadas à
perícia, figurando apenas um Auto de Constatação como prova de que existem. Mais
tarde (: 448-453) serão ajuntadas aos Autos uma série de fotografias tiradas pelo médico
da CCPY Cláudio Esteves, mostrando as referidas cabaças e os verdadeiros
32
PH, :132-138, Termo de Declarações da indígena Waythereoma Hwanxima.
82
sobreviventes da Chacina – todos apontados, como visto, por Bruce Albert. As cinzas
e a ossadas serão mandadas à Brasília, a fim de serem analisadas no Instituto de
Medicina Legal e Antropologia Forense, que concluiu que a osssada é sim de uma
jovem indígena do sexo feminino, provavelmente morta a tiros de espingarda
cartucheira e golpes de facão (:387-424).
O próximo depoente é Paulo Yanomami
33
, citado por Waythereoma como um
dos índios que conseguiu fugir ao primeiro ataque dos garimpeiros. Paulo esclarece que
a razão das mulheres terem ficado no mato [durante o segundo ataque] e os homens
terem ido embora [para uma festa em outra Aldeia, como narra Albert] e [é] que as
mulheres nunca são mortas em guerras tradicionais (:142). Assim, os Yanomami,
como explicava Bruce Albert no Relatório, o se preocuparam em deixar mulheres,
crianças e homens idosos sozinhos, pois tais pessoas nunca são vítimas de seus
tradicionais inimigos.
Outros garimpeiros são também chamados a depor. Todos, como antes, o fazem
na Sede da Polícia Federal, em Boa Vista. Nenhum deles diz ter participado da Chacina,
mas todos reconhecem que ouviram falar dela no garimpo (e o mais apenas pela
Imprensa), citando os apelidos de prováveis envolvidos. Basílio Ferreira, por exemplo,
apesar de dizer no início de seu depoimento que não sabe informar o nome destes
garimpeiros em vista que só sabe o apelido”, acrescenta
os nomes [apelidos] dos garimpeiros envolvidos no massacre e que
tomou conhecimento do nome dos mesmos através de outros
garimpeiros oriundos daquela região, [...] que são: ”PEDRO
PRANCHETA, e que [este último] teria mandando o bilhete para
outro garimpeiro com a frase citada [‘Faça bom proveito desses
índios- otários], PEDÃO, PARÁ, PARAZINHO e quanto a JOÃO
NETO tomou conhecimento que foi ele quem organizou os
garimpeiros para matar os índios”
34
Vários garimpeiros confirmam que ouviram falar que João Neto, Pedro
Prancheta, Pará e Parazinho haviam participado do Massacre
35
. Eunice da Silva Paiva,
cozinheira da região de Garimpo onde a Chacina ocorreu, diz, como narrado por Albert,
33
PH, : 139-147, Termo de Declarações do indígena Paulo Yanomami.
34
PH, :186, Termo de Declarações do garimpeiro Basílio Ferreira.
35
Cf, por exemplo, os Termos de Declarações de Antonio Alves da Cruz (:187-188), de Antonio Oliveira,
‘Cigarrão’(:193-194), ou de Sebastião Rodrigues Coelho Júnior (:195-196).
83
que aconteceram dois Ataques dos Yanomami aos garimpeiros. Ressalva, contudo, que
apenas no primeiro um garimpeiro (de apelido Fininho) foi morto. No outro, Louro foi
apenas ferido na mão, ocasião em que Eunice, que trabalhava com Louro, resolveu ir
embora do garimpo (: 204). Ela, como outros, “tomou conhecimento [que] alguns
garimpeiros mataram quatro ou cinco índios e [os] enterraram na beira de um rio que
não sabe informar o nome [correspondente ao ataque dos Garimpeiros narrado por
Albert]”, somando-se à lista dos assassinos os garimpeiros conhecidos como Cururupu e
Chico Ceará (:204-205). Paulo Yanomami, no depoimento citado acima, narra a
empreitada dos índios em recuperar esses corpos enterrados para a posterior cremação
ritual.
Após essa leva de depoimentos, o Delegado Raimundo Cutrim faz, em 05-09-
1993, o primeiro Pedido de Prisão Temporária ao TRF de Boa Vista. de se notar
que, nesse momento, engendra-se uma nova intervenção judicial na fase idealmente
inquisitorial do Processo. Tal documento
36
é endereçado ao Juiz Federal da Instância
do TRF, o Dr. Renato Martins Prates (:207). O Inquérito visa, como argumentei,
angariar provas sobre a ocorrência ou não do que foi narrado, inicialmente, pelos índios.
Com todos os depoimentos que citei até aqui em mãos, junto com o Relatório escrito
pelo antropólogo Bruce Albert (havia-se encaminhado a ossada e as cinzas para
Brasília, mas o Laudo Pericial ainda não estava pronto), para o Delegado Cutrim está
provada a materialidade do delito”, citando, pela primeira vez em todo o Processo, os
garimpeiros como “autores do Genocídio” (:212, ênfase minha).
Na “Representação de Prisão Temporária de João Neto, Pedro Emiliano Garcia
(vulgo ‘Pedro Prancheta’), ‘Parazinho’ e ‘Pedão’argumenta-se que tais autores do
Genocídio acham-se homiziados nesta Cidade [Boa Vista], em outros estados e no
interior da Reserva Indígena Yanomami e as medidas extremas ora requeridas [a
prisão dos garimpeiros] são imprescindíveis à elucidação dos fatos e até para a
individualização de todos os envolvidos” (idem, ênfase minha). Porém, mesmo com a
Materialidade do Delito averiguada, o Inquérito será encaminhado ao TRF em 30-
09-1993, permanecendo na Polícia Federal por mais 25 dias. Isso se porque ainda
não se conseguiu individualizar os outros garimpeiros partícipes dos ataques aos
Yanomami, o que leva o Delegado Cutrim a tomar a “medida extrema” de pedir a prisão
36
PH, :207-212, Representação do Del. Cutrim para os primeiros pedidos de Prisão Temporária.
84
dos suspeitos já parcialmente identificados, no intuito explícito de inquiri-los e achar os
outros responsáveis pelo Crime.
É preciso, nesse momento, frisar dois pontos: primeiramente, para o Delegado
Cutrim, aconteceu realmente uma Chacina, Massacre ou Genocídio em Haximu, e isso
tendo como base, exclusivamente, os Termos de Declarações a então colhidos, em
conjunto com o Relatório de Bruce Albert o ordenador de todas essa falas, como
visto. Essa é a maneira como os Procuradores do MPF irão trabalhar as Provas
recolhidas pelos Policiais Federais: os Corpos de Delito foram, em sua maioria,
cremados, tendo que se reconstituir o Crime mais pelas falas dos envolvidos do pela
presença física de tais Corpos. Isso é característico de todo o Processo: usa-se os Laudos
das ossadas e cinzas apenas marginalmente, para confirmar passagens específicas de
depoimentos de índios e garimpeiros, sendo o foco principal dos depoimentos
produzidos em juízo e pela polícia. O outro ponto é que o Delegado Cutrim classifica o
ocorrido, pela primeira vez, o exatamente como uma série de assassinatos violentos
(uma Chacina ou Massacre), mas sim como Crime de Genocídio, citando, inclusive, a
Lei 2889
37
que tipifica tal Delito mas sem, ainda, esmiuçar, como fazem os
Procuradores da República na citada Denúncia, os pormenores de tal Lei a partir das
Provas recolhidas no Inquérito.
Finalizando o presente capítulo, detenho-me no modo como foi inquirido e preso
o primeiro garimpeiro partícipe do Genocídio de Haximu: Pedro Emiliano Garcia, ou,
para alguns (e isso não incluiu o próprio Pedro Garcia) o ‘Pedro Prancheta’, acusado em
todos os depoimentos de garimpeiros que citei acima. No mesmo dia de sua prisão (06-
09-1993), prestam depoimento na Sede da PF de Boa Vista o garimpeiro Juvenal Silva
(‘Cururupu’), Eva Alves e Silvânia Santos (‘Silvinha’), ambas cozinheiras de garimpo
nas proximidades da aldeia Yanomami de Haximu. Tais Termos de Declarações o
trazem nada de substancialmente novo ao que foi dito até agora no Processo.
Contudo, Silvânia Santos, que diz ter conhecido (e trabalhado) pessoalmente com os
envolvidos no Genocídio, conta detalhes que serão, nos outros documentos
(principalmente aqueles produzidos pelos Requerentes), sempre citados como exemplos
37
A íntegra de tal Lei pode ser encontrada na página eletrônica
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L2889.htm, com acesso feito em 18/7/2006. As penas são dadas a
partir do Código Penal Brasileiro, que pode ser encontrado na gina eletrônica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm - com acesso na mesma data. A
comparação pontual desse dois códigos é tema do próximo capítulo.
85
da violência da ação dos garimpeiros. Assim, é de ‘Silvinha’ a passagem, citada, por
exemplo, na Denúncia e na Sentença de Instância (op. cit.), onde ela diz que
presenciou GOIANO BOIADEIRO [garimpeiro envolvido no ataque aos índios]
dizer que QUE HAVIA UMA CRIANÇA DEITADA NUMA REDE E ELE ENROLOU A
CRIANÇA EM UM PANO E METEU A FACA DE UM LADO PARA OUTRO
(:216,ênfase do original). Silvânia dá também as armas que cada garimpeiro usou (:215-
216) e o que cada dono das balsas de garimpo do local deu de munição (:217), o que
será sistematizado numa tabela pelos Procuradores da República na Denúncia. Outra
passagem de seu depoimento que será, mais tarde, colhida e reiteradamente repetida nos
documentos produzidos pelos Procuradores é a seguinte: presenciou “CARECA” dizer
que quando estavam matando esses quatro índios [no ataque aos índios], um deles
abaixou, colocou a mão no rosto e disse: “GARIMPEIRO AMIGO” e “CARECA” deu
um tiro bem no rosto dele(:215). Por fim, ela diz que PEDRO PRANCHETA tanto
deu munição como foi junto [ao ataque aos índios](:217) e que ele estava armado
com uma espingarda 20 e um revólver calibre 38 (:215). Enfoco mais detidamente
tais depoimentos no próximo capítulo, mas adianto que eles podem ser melhor
entendidos a partir dos estudos de Luc Boltanksi sobre a construção social do
sofrimento (BOLTANSKI, 1993 e 1984). Ressalto também que Silvinha é a primeira a
dizer que conhece diretamente possíveis garimpeiros envolvidos no ataque aos
Yanomami.
Pedro Garcia só é inquirido pelos Policiais depois do conjunto de depoimentos
de garimpeiros que analisei até agora, praticamente todos citando um garimpeiro de
apelido ‘Pedro Prancheta’ como um dos perpetradores do ataque aos Yanomami. Na
folha 226 de seu primeiro Termo de Declarações, Pedro diz QUE não possui revólver
de nenhum calibre [e] tem apenas uma espingarda calibre 20’’ e que a mesma fica em
seu barraco quando vem para Boa Vista”. Pedro diz, como Silvânia já havia
adiantando, que possui uma espingarda e o Delegado Cutrim possivelmente pergunta,
já alicerçado pelo Termo de Declarações de Silvânia, se ele não teria também um
revólver 38. Pode-se deduzir que tal inquirição não é gratuita: o Delegado sabe, pelo
depoimento de Silvânia Santos e outros anteriores (cf., por exemplo, o Termo de
Declarações de Eva Alves, :219-220/verso), que Pedro tinha uma balsa nas
proximidades da Aldeia de Haximu e que seus empregados são recorrentemente citados
como envolvidos no Genocídio. Assim, na folha 225 de seu Termo de Declarações a
seguinte passagem “perguntado [a]o declarante se os garimpeiros conhecidos por
86
NEGUINHO, PARANÁ, BARBACENA, ADRIANO trabalhou [trabalharam] com o
mesmo respondeu que estes quatro garimpeiros trabalharam com o declarante
(:225). Não dúvida de que o Delegado voltou nos depoimentos anteriores de outros
garimpeiros e, no momento da inquirição de Pedro, já tinha um vasto material para
inquirir o garimpeiro.
Nesse sentido é possível fazer um paralelo entre a maneira como o Delegado
Cutrim age para inquirir Pedro Emiliano e como os juízes Barotse interrogam os
querelantes que a eles se apresentam retomando aqui os citados trabalhos de Max
Gluckman (GLUCKMAN, 1967 e 1963). Gluckman narra que esses últimos julgadores
inquirem seus depoentes de maneira a cruzar os fatos que cada um narra, podendo, a
partir de uma série de testemunhos, achar pontos falhos e contradições nas falas desses
querelantes - o autor batiza tal expediente de cross-examination. Adianto que tal
expediente não é comparável apenas aos depoimentos colhidos pelos policiais, estando
também presente na fase judicial do Processo, como pretendo mostrar no próximo
capítulo.
Voltando à prisão de Pedro, ressalvo que não como, a partir somente dos
documentos do Processo, saber de que maneira Pedro Garcia foi achado e levado à Sede
da Polícia Federal em Boa Vista. Contudo, penso ser possível deduzir, a partir do que
foi arquivado nos Autos, que os policiais esperaram colher tais informação para,
somente depois, inquirir Pedro Garcia da maneira acima. De todo modo, apesar de dizer
que não teve nenhuma participação no massacre dos índios Yanomami e tomou
conhecimento desse fato através da imprensa e que gostaria de esclarecer que na
intimação consta seu nome mas que na realidade não é chamado PEDRO
PRANCHETA(:226, ênfase minha), Pedro Garcia sai do depoimento citado como o
primeiro garimpeiro preso por suspeita de participação no Genocídio de Haximu
lembrando que o Delegado Cutrim é o primeiro a usar essa categoria, sem contudo,
discuti-la judicialmente.
Tudo isso acontece no dia 06-09-1993: Pedro Garcia é chamado a prestar
Declarações, ainda como mero Depoente (: 225-226); o Juiz Renato Martins Prates, do
TRF/RR, defere o Pedido de Prisão de ‘Pedro Prancheta’, entre outros (:235); Pedro
Garcia é Qualificado como Suspeito e Interrogado como tal (: 227-229); tem sua Vida
Pregressa Criminal arquivada num Boletim (:230-230/verso, não tendo antecedentes
criminais); é levado ao Instituto Médico Legal em Boa Vista a fim de afiançar que o
87
sofreu qualquer agressão física por parte dos Policiais (:243); por fim, entrada na
Penitenciária Agrícola de Roraima (:244), onde passará a viver os próximos meses.
Pedro irá, ainda na cadeia, pedir para ser Reinquerido (: 252-262), dizendo, em
resumo, que não participou do Massacre, mas que conheceu, como Silvinha, quem dele
participou, dando, como ela, detalhes do acontecido. Ele faz, então, uma descrição física
pormenorizada de cada um dos futuros acusados (: 257-256), indicando as armas que
cada um deles levava (:260). Sobre a acusação de praticamente todos os outros
garimpeiros que depuseram terem ouvido falar de sua participação no ataque aos
índios, Pedro argumenta que talvez seja porque o reinquirido tenha se recusado a
acompanhar os demais garimpeiros ou porque proceda ali naquele garimpo somente
trabalhar para assim ganhar o pão de cada dia(: 260). Não qualquer comentário,
nesse momento, sobre o fato de que, tacitamente, Pedro Garcia já reconhece aqui como
o ‘Pedro Prancheta’, respondendo as acusações que lhe são feitas. Contudo, o Delegado
Cutrim o chama, pela vez, para depor, e pergunta porque razão negou que seu
apelido é PEDRO PRANCHETA, dizendo que era PAULO IZIDÓRIO”, ao que Pedro
diz que foi para evitar que a Federal [PF] lhe chamasse para depor e não queria
delatar o nome dos envolvidos, receando represálias (:277). O reconhecimento
‘oficial’ virá com a prisão do segundo suspeito, o garimpeiro Eliezio Néri (Neri não tem
nenhum apelido especial, sendo conhecido, no máximo, como ‘Eliezer’), que na folha
369, através de uma Acareação promovida pelo Delegado Cutrim, reconhece o preso
Pedro Garcia como sendo o mesmo ‘Pedro Prancheta’ que conheceu no garimpo.
Em resumo, nesse meio tempo são ajuntados ao Processo: o Laudo do Instituto
de Medicina Legal de Boa Vista feito nos sobreviventes da Chacina (:431-447/versos),
onde é relatado que os indígenas têm, sim, marcas de ferimentos recentes de arma de
fogo; as fotos das cabaças indígenas com as cinzas dos mortos (:448-453); e uma cópia
do Laudo Pericial do Instituto de Medicina Legal e Antropologia Forense de Brasília
(:387-424), analisando a ossada e as cinzas enviadas pelos Policiais Federais de Boa
Vista, concluindo que a primeira é realmente de uma jovem indígena e que cinzas não
são resultado da cremação de corpos humanos. Além de todo esse material, é então
anexado ao Processo o Laudo Pericial produzido pelo médico da CCPY Claudio Esteves
(:461), que analisou os ferimentos dos sobreviventes enquanto o antropólogo Bruce
Albert ordenava em seu Relatório o que eles diziam.
88
Finalizando, há, nessa fase, como se pode notar, uma narrativa ordenada do
Massacre ou Chacina de Haximu. Há, também, dois garimpeiros presos, suspeitos de
terem participado de tal Ato Criminoso. se esboça, por outro lado, que o Massacre
visou atingir os habitantes de Haximu como grupo. Se fosse o indivíduo isolado o
crime seria de homicídio”. É esse o único comentário do Delegado Raimundo Soares
Cutrim (:517) sobre a maneira de interpretar, em termos judiciais, a Conduta Delituosa
imputada aos garimpeiros. Há, nessa passagem o ‘germe’ de toda a discussão que os
operadores do Direito terão nas próximas 1600 páginas de Processo, que passo a
analisar mais detidamente nos dois capítulos que se seguem.
89
Capítulo IV: o Crime de Genocídio
O tema geral desse capítulo é a construção, em termos judiciais, das qualidades
de garimpeiros e Yanomami a partir da construção judicial do Crime de Genocídio.
Foco minha análise na polarização, não explícita nos documentos (mas presente no
argumento dos Procuradores autores da Denúncia, por exemplo) entre o caráter especial
da etnicidade atribuída aos Yanomami e, por outro lado, a não-etnicidade ou a
brasilianidade-comum genericamente atribuída aos garimpeiros.
Na primeira subseção, defino melhor algumas categorias essenciais para o
entendimento da Denúncia. No próximo tópico, tento delinear como os Yanomami e
garimpeiros são qualificados nesse mesmo documento – e, ao mesmo tempo, viso
mapear algumas características gerais de um processo criminal, como a maneira de
punir um desviante. Na terceira subseção, faço um breve parênteses a fim de entender
como o Judiciário Brasileiro tenta interpelar índios e garimpeiros para que os mesmos
compareçam às primeiras Audiências judiciais. Por fim, a última subseção é um
apanhado geral das qualidades atribuídas a garimpeiros e Yanomami até então no
Processo.
I. Operadores e pensadores do Direito
Inicio esse capítulo voltando às primeiras quarenta folhas do Processo: a
Denúncia do MPF, assinada pelos Procuradores Carlos Frederico Santos, Franklim
Rodrigues da Costa e Luciano Mariz Maia, datada de 15-10-1993. A primeira página
numerada de todo o Processo traz o rol de Denunciados pelo MPF: Pedro Emiliano
Garcia, Eliezio Monteiro Neri, Waldineia Silva Almeida, Juvenal Silva, João Pereira de
Morais, Francisco Alves Rodrigues e Wilson Alves dos Santos. Não há, nessa parte,
qualquer referência aos seus apelidos. Assim, aqueles que, durante o Pré-Processo,
foram conhecidos apenas por apelidos, não aparecem formalmente na Denúncia.
Contudo, ainda existem, nesse momento, dezoito Mandados de Prisão não-cumpridos
1
,
baseados apenas em apelidos colhidos a partir dos Termos de Declarações até então
1
PH, 290-308, Mandados de Prisão expedidos pelo Juiz Renato Martins contra 19 garimpeiros. Pedro
Emiliano havia sido preso antes e Eliezio Néri é detido alguns dias depois, como deixo claro no.
capítulo passado.
90
prestados excluídos aí os formalmente Denunciados, cujos Mandados trazem o nome
completo e que foram, da mesma maneira, identificados a partir dos depoimentos
analisados no capítulo anterior.
O Delegado de Polícia Federal Raimundo Soares Cutrim finaliza o Inquérito
Policial em 18-08-1993. Desse modo, o Processo Criminal, que é iniciado, idealmente,
pela Denúncia, começa quase dois meses depois do fim do Inquérito. algo aqui
que deve ser melhor matizado: um Processo Judicial não tem, a priori, um prazo
definido para acabar e pode passar anos num único tribunal. No caso aqui em foco, o
Processo tramitou nos referidos Tribunais por quase uma década e meia. Em
contraposição, o Inquérito Policial deve durar, idealmente, no máximo 30 dias. É o
Código de Processo Penal Brasileiro
2
(CPP) que trata do ritual (o termo é de um
técnico judicial e es presente no próprio texto do CPP) que se deve seguir para a
abertura e tramitação de processos criminais – enquanto o Código Penal Brasileiro (CP)
define os Crimes e as penas do Direito Criminal do Brasil. “A lei processual penal
(a expressão está no CPP, Artigo 2º) estipula da seguinte maneira o prazo do Inquérito
Policial:
O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado
tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente,
contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a
ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver
solto, mediante fiança ou sem ela.
Existe, ainda, uma lei conhecida entre os operadores do direito como “Lei da Justiça
Federal”, que é um código especial que as normas de criação e tramitação (o já
referido “ritual”) de processos nos Tribunais Federais do Brasil. Tal Lei, em seu artigo
66
3
, estipula o mesmo prazo de 30 dias para o encerramento dos processos judiciais
federais. No caso de prisão durante o Inquérito, deve-se finalizá-lo, na Justiça Federal
Brasileira, em 15 dias, contados a partir da referida prisão.
No Processo aqui em foco, os Policiais Federais iniciam o Inquérito em 19-08-
1993 e o finalizam em 30-09 do mesmo ano, estourando, explicitamente, os 30 dias
2
o CPP pode der encontrado na gina eletrônica http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del3689.htm; acesso em 11/09/2006.
3
A íntegra de tal Lei pode ser encontrada também na página eletrônica da Presidência da República do
Brasil, no endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5010.htm, com acesso em 12/10/2006.
91
estipulados pelo CPP ou pela Lei da Justiça Federal. De todo modo, em conversas com
técnicos e analistas judiciais, fui informado que é possível, em alguns casos, estender o
prazo de finalização do Inquérito por mais alguns dias além dos 30 legalmente
determinados. Tal pedido foi feito pelo Delegado Cutrim num Despacho
4
datado de 17-
09-1993 (dois antes da expiração do prazo final) e deferido, três folhas à frente, pelo ao
Juiz Renato Martins Prates. Há, nesse exemplo, algo a ser notado: primeiramente, a
referida dilação de prazo teve que ser requerida pelo Delegado responsável pelo
Inquérito ao Juiz que, meses mais tarde, seria o primeiro julgador responsável pelo
Processo o que mostra, mais uma vez, que o Pré-Processo não está completamente
apartado do Processo em si. Por outro lado, há de se notar que existe uma certa
independência de agência frente aos códigos positivamente prescritos, como as duas leis
citadas acima.
Em outro contexto, Max Weber havia notado tal característica, argumentando
que o Direito Ocidental pode se basear numa lógica que não seja a ‘aplicação’ de
normais gerais a uma situação de fato concreta [...], mas ao contrário, que a
‘disposição jurídica’ [a lei positiva] seja algo secundário, obtido mediante abstração
das decisões concretas (WEBER, 1999, :147). Tal constatação encontra ressonância
em conversas que tive com estudantes de direito, que argumentam que é possível, em
determinados casos, que o julgador decida explicitamente contra a lei, mas conservando,
contudo, um certo senso de justiça”. O mesmo vale para a Jurisprudência dada pelos
Tribunais Superiores: nenhum juiz de instâncias inferiores ao STJ e STF é obrigado a
seguir tais decisões. Contudo, fui informado que é comum que eles as sigam, pois têm
consciência de que, seguramente, suas decisões serão reformadas pelos julgadores
superiores mais tarde. Assim, com disse na introdução, a decisão do STF sobre o
Processo Haximu cria uma Jurisprudência para o julgamento do Crime de Genocídio,
mas ela o é, no caso do Judiciário Brasileiro, uma determinação imperativa, podendo
existir, portanto, decisões inferiores contrárias àquela tomada pelo Plenário do STF.
Partindo para a análise da Denúncia do Ministério Público Federal, ela difere de
todos os documentos do Processo analisados até agora. Em suas 40 páginas impressas
seguramente a partir de um editor de texto do tipo Microsoft Word, há reiteradas
referências a teóricos do Direito, tanto brasileiros como de outros países. Assim, a partir
4
PH, :371, Despacho do Del. Cutrim solicitando a dilação do prazo de fechamento do Inquérito.
92
da citação de tais pensadores, além dos testemunhos e outras provas recolhidas no
Inquérito, é que os Procuradores constroem, pela primeira vez, as características gerais
do Crime de Genocídio. Nenhum outro documento cronologicamente anterior, nem
mesmo o Relatório Final do Inquérito Policial (também impresso a partir de um editor
de texto digital, mas, sem dúvida, mais rudimentar que aquele usado pelos
Procuradores), é paralelo a tal peça o Delegado Cutrim chega a usar o nome, por
exemplo, da antropóloga Alcida Rita Ramos como uma especialista nos Yanomami
(:480-481), mas não qualquer cuidado mais apurado nessa alusão, como a citação de
partes de obras ou a utilização de uma bibliografia de referência, artifícios que compõe
pelos menos um quarto de toda a Denúncia.
Para entender melhor as qualidades específicas da Denúncia, é necessário
matizar uma divisão que venho usando sem maiores discussões até aqui: a de
operadores e pensadores do Direito. De início, adianto que tal nomenclatura é, em
parte, nativa. Ela é usada nas próprias discussões internas do Direito a fim de
caracterizar as discussões judiciais em um caso empírico específico (trabalho, portanto,
de um operador) e, por outro lado, para fazer referência aos estudos de acadêmicos do
Direito (que, na maioria dos casos, são apresentados como completamente descolados
de um caso determinado, mesmo que por vezes tomem um deles como base). O uso que
faço de tais termos é, como tento deixar claro abaixo, diferente do utilizado no próprio
campo do Direito.
Max Weber, na análise já citada que faz do Direito Ocidental, fala em “práticos”
(WEBER, 1999: 75 e ss.) e “teóricos” (WEBER, 1999 :85 e ss.) desse Direito. O autor
em momento algum definições fechadas para tais termos e, além disso, nunca os usa
como categorias antagônicas ou particularmente apartadas. De todo modo, Weber
esclarece que, no desenvolvimento específico do Direito de sua época (tal ensaio é
publicado, pela primeira vez e postumamente, em 1922), formou-se, de maneira
gradual, uma disciplina com um caráter ‘alheio à vida’ do direito puramente lógico. O
que fomentou esse desenvolvimento foram necessidades intelectuais internas dos
teóricos jurídicos e dos doutores por eles formados: uma típica aristocracia da
‘cultura’ literária na área do direito” (WEBER, 1999 :130).
Assim, uma espécie de tensão-complementar entre uma área do Direito que é
voltada mais para a técnica ou para uma especialização profissional e pouco interessada
na auto-reflexão, e outra que se mostra mais filosófica, com foco principal na reflexão
93
científica, que se desenvolve tendo como norte mais a academia que os tribunais. Weber
aponta ainda que um claro movimento para a sistematização técnica desse campo, ao
que os acadêmicos ou teóricos do Direito sentem-se sensivelmente ameaçados em sua
importância e também nas possibilidades de liberdade de movimento do pensamento
científico (WEBER, 1999:149). É importante ressalvar que o autor não tal
‘tecnificação’ como um processo unilinear ou homogêneo. Por exemplo, Weber chega a
dizer que “quase não existia, até o passado mais recente [...] uma jurisprudência
inglesa que merecesse o nome de ‘ciência’, de acordo com o conceito [da Europa]
continental.” (WEBER, 1999 :150).
Outra análise que ajuda a entende melhor tal distinção (mais analítica que
empírica, ressalvo novamente) é o já citado estudo de Pierre Bourdieu sobre a força do
Direito (BOURDIEU, 1986). Nessa análise, o autor esclarece que os operadores,
tratando de casos que idealmente podem ser subsumidos num código universal,
acabam por introduzir lês changements et lês innovations indispensables à la survie du
systeme”, enquanto os juristas ou pensadores do direito representam
“la fonction d’assmilation, prope à assurer la cohérence et la
constance à travers le temps d’un en ensemble systématique de
príncipes et de régles irréductible à la série parfois contradictoire,
complexe et, à l alongue, impossible à maîtiser, des actes de
jurisprudence successifs”. (BOURDIEU, 1986 :7).
Weber e Bourdieu estão mapeando e dando as principais conseqüências de uma
divisão indígena do Direito. O uso que faço de tais categorias têm uma relação direta
com essa divisão, mas não é exatamente coincidente com ela. Primeiramente porque não
estou interessado em discutir a tensão entre uma ‘casta’ de funcionários quase que
exclusivamente ‘técnica’ (no sentido que Weber ao termo) e outra, apartada dessa
primeira, que tem como função trabalhar o Direito como uma ciência acadêmica. Meu
norte é entender, dentro da lógica interna do Processo, quais documentos pendem mais
para uma argumentação acadêmica (citando autores e criando modelos de análise para
as provas) e, por outro lado, quais documentos pendem mais para uma interpretação
direta ou positiva de premissas normativas do Direito. Retomo, como exemplo, o caso
do técnico (no sentido do cargo público ocupado) judicial que escrevia os Votos e
Relatórios do Juiz que chefiava a Vara em que trabalhava, narrado no capítulo I. Na
linha de tensão que tento aqui esclarecer, o trabalho específico de tal técnico judicial
94
pende mais para o lado acadêmico do Direito (para escrever o voto ele terá que
consultar outros casos parecidos, além de ter que embasar seus argumentos no que
outros operadores e juristas disseram) do que para o lado técnico. Por outro lado,
quando esse mesmo funcionário numera e carimba documentos trazidos por advogados,
penso ser esse um trabalho que pende mais para o pólo técnico que para o acadêmico do
Direito.
Por outro lado, continuando no mesmo exemplo acima, é claro que a agência ou
os efeitos específicos do Voto escrito por tal funcionário depende completamente da
assinatura do Juiz responsável. Não seria de grande ajuda na compreensão da lógica
envolvida discutir quem seria ‘realmente’ o autor de tal documento. O que deve ser
notado é que, primeiramente, é o magistrado quem irá defender as idéias contidas nesse
texto frente a um coletivo de outros julgadores, numa Audiência normalmente aberta.
Por outro lado, é certo que o Voto, como já chamei atenção acima, é um documento com
forte teor acadêmico: para escrevê-lo, é necessário ter tanto o conhecimento do processo
que está em julgamento e, por outro lado, das possíveis leis, outros casos e tipificações
de teóricos do Direito que podem ser usados numa situação específica.
Deixo claro, por fim, que me baseio numa linha de tensão (e o numa distinção
categórica) entre o ato de cumprir disposições tidas como meramente técnicas ou
mecânicas, numa ponta, e, por outro lado, o ofício de se poder interpretar, com relativa
liberdade, a legislação positiva (como visto, por vezes é possível até ignorá-la) a partir
da qual um conflito é criado e julgado. Trabalho, com isso, a partir de uma distinção
mais adjetiva – existem documentos produzidos ou ações realizadas por funcionários do
Judiciário Brasileiro que podem ser mais ou menos técnicas, mais ou menos acadêmicas
– do que propriamente substantiva.
Assim a Denúncia dos Procuradores do MPF é o documento mais próximo do
caráter acadêmico ou científico do Direito que analisei até o momento isso, é claro,
em termos relativos, ou seja, quando comparada, por exemplo, com o Relatório Final do
Inquérito Policial. O que o Delegado Cutrim faz nesse último documento, no que tange
ao Crime de Genocídio, é simplesmente citar o número da Lei que os garimpeiros
infringiram (Lei n. 2.889/56, analisada a seguir), traçando, antes disso, um resumo geral
das provas levantadas durante o Inquérito. A argumentação do que caracteriza tal
Crime e de como tais características serão aplicadas ao caso específico do que
aconteceu em Haximu será trabalho dos Procuradores do MPF. A citada análise de
95
Max Weber ajuda a matizar tal ponto: apesar deste autor estar interessado num campo
do Direito diferente daquele em que o Processo Haximu se desenvolve (Weber diz se
importar especialmente com o grau e natureza da racionalidade do direito, sobretudo,
como é claro, do direito economicamente relevante o atual “direito privado”,
WEBER, 1999: 11), ele argumenta que
A legislação moderna não se contenta com a constatação de que,
com a reserva de certas restrições, em princípio, se pode acordar,
com validade jurídica, o que se quiser, mas regulamenta, mediante
várias disposições autorizadoras especiais, os diversos tipos de
acordo. (WEBER, 1999 : 28).
Tal idéia de que os acordos financeiros judicialmente firmados não são apenas
autorizados, mas principalmente tipificados e organizados pelo Direito, pode ser
aplicada ao que os Procuradores do MPF farão com o Crime de Genocídio: não se está
simplesmente tentando provar que os garimpeiros mataram, realmente, os índios. Quer-
se, mais que isso, elucidar de que maneira eles o fizeram, classificar tal maneira a partir
de um código pré-existente, e, principalmente, dar conta de qual o intuito desses
criminosos por detrás das mortes, pois tudo isso será central na definição do Crime e a
dosagem das Penas aplicadas, mais tarde, aos condenados. Na verdade, para tipificar o
Genocídio, as mortes em série ocorridas são, em termos estritamente jurídicos, pouco
relevantes: na Denúncia argumenta-se, pela primeira vez, que embora a definição do
delito [de Genocídio] se refira a “membros de um grupo”, pode configurar-se o crime
ainda que um seja vítima, desde que atingido em caráter impessoal, como membro
de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso (PH, Denúncia :22 apud
FRAGOSO, Heleno Claudio. “Genocídio”, in: Revista de Direito Penal, n. 9/10, jan/jun
1973, RT,:31, ênfase minha).
No mesmo sentido, Bourdieu (op. cit.) chama atenção para o fato de que
la “règle” tirée d’um cas précedent ne peut jamais être purement et
simplement appliqué à un nouveaus cas, parce qu’il n’y a jamais
deux cas parfaitement identiques et que le juge doit déterminer se la
règle applique au premier cas peut ou non être etendue de manière à
inclure de nouveau cas. (idem, :8, ênfase minha)
Assim, no Direito moderno, não se pode apenas classificar, a partir de um código geral e
anterior, o que está sendo julgado numa contenda específica. Deve-se, além de dizer
(como faz o Delegado Cutrim, por exemplo) que tal conduta conforma-se num Crime
96
determinado, argumentar, baseado nas provas, porque ela o conforma. Como disse,
é isso o que será feito na Denúncia.
II A etnicidade Yanomami a partir da Denúncia
A Denúncia inicia-se com a Ementa (:02-03), que traz os Crimes pelos quais os
garimpeiros estão sendo Denunciados. Transcrevo aqui o primeiro ponto dela, que
tipifica brevemente o Genocídio (as ênfases são do original):
1. Genocídio: tipifica o delito de genocídio a ão de garimpeiros
que, com a intenção de destruir a comunidade indígena Yanomami dos
Hwaximëthéri [tal grafia é idêntica àquela usada no Relatório de
Bruce Albert], provoca a morte violenta de mulheres, crianças e
homens; causa lesão grave à integridade física de crianças e adultos;
e que submete intencionalmente o grupo a condições de existência
capazes de ocasionar-lhe a destruição física. Lei n. 2.889/56, art. 1º.,
letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’. (Idem, :02)
O mesmo modelo é adotado para os delitos de Associação para o Genocídio, Crime de
Lavra Garimpeira, Contrabando, Ocultação de Cadáver, Crime de Dano, Crime de
Quadrilha ou Bando e para delimitar aCompetência da Justiça Federal Brasileirano
Processo, que os agentes passivos são índios(:03). Desse modo, apresenta-se um
resumo de cada umas das acusações, juntamente com as leis (nesse momento, apenas
citadas pelo número) que as tipificam.
Logo após a Ementa, qualifica-se (:03-04) todos os Denunciados pelo nome
completo, apelido, filiação, data e local de nascimento, situação civil, profissão,
endereço e, por fim, o número da carteira de identidade (Título I). No segundo Título,
cita-se dados populacionais colhidos no Diário Oficial da União sobre o Processo
Judicial de Identificação da Terra Indígena Yanomami e Mayongong (:04), concluindo-
se que [os Yanomami] são, em suma, um grupo étnico, no sentido que ao termo
empresta Fredrik Barth(:05, ênfase do original). Nesse momento inseri-se uma nota
de -de-página onde é citada uma tradução livre do início do ensaio de Barth “Los
Grupos Étnicos e sus Fronteras”. Na edição em Português, a citação dos Procuradores
ocupa o fim da gina 189 e início da 190 (BARTH, 1999). A nota traz, assim, o
conceito de grupo étnico que o autor irá criticar durante todo o resto de seu ensaio.
97
Barth, nesse artigo, visa mostrar que esses grupos não são constituídos por uma
substância imutável, mas que eles mantêm-se como tais a partir de uma complexa trama
de negociação de fronteiras. De todo modo, não é o foco principal dos autores da
Denúncia (ao contrário de Fredrik Barth) discutir qual o problema de uma definição
fechada e substancializadora de grupo étnico. O que lhes interessa é tornar claro que
os Yanomami são, sem qualquer sombra de dúvida, um Grupo Étnico específico.
Para esclarecer melhor tal ponto, é preciso analisar a Lei que tipifica o Crime de
Genocídio no Brasil:
Lei 2.889/56
Define e pune o crime de genocídio.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte Lei:
Art. Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte,
grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do
grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência
capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do
grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro
grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra
a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com as penas do art. 148, no caso da letra e;
Art. Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos
crimes mencionados no artigo anterior:
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.
Art. Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer
dos crimes de que trata o art. 1º:
Pena: Metade das penas ali cominadas.
§ A pena pelo crime de incitação se a mesma de crime
incitado, se este se consumar.
§ A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação
for cometida pela imprensa.
98
Art. 4º A pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos arts. 1º,
2º e 3º, quando cometido o crime por governante ou funcionário
público.
Art. Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a
tentativa dos crimes definidos nesta lei.
Art. 6º Os crimes de que trata esta lei não serão considerados
crimes políticos para efeitos de extradição.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário
5
.
O artigo 121 do Código Penal pena de 6 a 20 anos para o Crime de matar
alguém”; o parágrafo segundo do artigo 129 define pena de 2 a 8 anos por se “ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem”; o artigo 270 pena de 10 a 15 anos por
se envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou
medicinal destinada a consumo”; o 125 define pena de 3 a 10 anos por se provocar
aborto, sem o consentimento da gestante”; por fim, o artigo 148 do CP define pena de
reclusão de 1 a 3 anos caso se prive alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou
cárcere privado
6
. Como se pode notar, todas as penas são dadas a partir de Crimes
existentes (a Lei 2889 é de 1956 e o Código Penal é de 1940) e, além disso, o Genocídio
tem suas penas dosadas a partir de delitos que ofendem indivíduos pontualmente
tomados aborto, assassinato e seqüestro, por exemplo. Os garimpeiros foram
Denunciados, dentre outros Crimes, por infringirem as letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do 1º artigo da
Lei 2.889 – ou, na linguagem utilizada no CP, por terem, matado, ferido e contaminado,
com o desenvolvimento da atividade garimpeira, a área onde viviam os Yanomami de
Haximu.
Contudo, o ponto principal a ser aqui matizado, motivo da citação pelos
Procuradores da definição imputada a Fredrik Barth, é que os Yanomami precisam ser
caracterizados como um Grupo Étnico determinado, a fim de que se possa incluí-los
no primeiro artigo da referida Lei. Se numa hipotética refrega ocorrida exclusivamente
entre garimpeiros houvesse morrido duas dezenas deles, um possível processo criminal
não teria qualquer referência à Lei acima transcrita – e nem, tão pouco, seria competente
a Justiça Federal para julgá-lo. Os garimpeiros, dentro do desenvolvimento do Processo
Haximu, serão o contra-ponto ou o pano-de-fundo onde se assentará a etnicidade
Yanomami. Na citada qualificação dos Denunciados, por exemplo, o termo
5
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L2889.htm, em 18/7/2006. Ênfase minha.
6
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm, em 18/07/2006.
99
“garimpeiro” entra no espaço reservado à profissão desses últimos - e não qualquer
referência a uma língua própriaou habitat natural(Denúncia, :04) quando se trata
dos últimos.
Nesse sentido, os Yanomami o uma comunidade indígena(idem:02, ênfase
minha) que teve contato com um grupo social que, iludido pela promessa de
enriquecimento rápido e tangido pela pobreza em seus Estados de origem, vem em
busca do ouro, ou de outros minérios que signifiquem atingir os mesmos objetivos
(:05, ênfase minha, as referências seguintes apenas numeradas são todas referentes à
Denúncia). Assim, durante todo o Processo, os garimpeiros, primeiramente, serão
tomados com um grupo social” entre os brasileiros comuns: possuem, portanto, um
Estado de origem”, ainda que tangidosdaí pela pobreza, além de exercerem uma
profissão”, mesmo que esta seja, de saída, ilegal (:32). Contudo, quando esses
brasileiros-garimpeiros entram no “habitat” (:04) dos Yanomami, passam a engrossar
uma “sociedade não indígena local” (:05), que em nada se confunde com os “habitantes
naturais” daquela região. Algumas páginas à frente, argumenta-se que as vítimas do
genocídio são índios Yanomami, quase sem contato com a sociedade envolvente e que
não têm registro civil de nascimento (:27, ênfase minha)”. Enfim, como disse, os
Denunciados são parte de um grupo social(espécie de excerto da sociedade nacional,
mas ainda assim genericamente tomados como brasileiros) que se confronta com uma
comunidade indígena específica. Tal comunidade, apesar de ter terras legalmente
demarcadas no Brasil, não se compõe propriamente de simples brasileiros, originários
de um Estado e com uma profissão específica – não são, enfim, um “grupo social” entre
os brasileiros comuns.
Para mapear as conseqüências de tal qualificação de índios e garimpeiros, é
necessário continuar a análise da Denúncia. O encontro entre esses dois ‘entes’ é tido,
pelos Procuradores, como particularmente danoso para um dos lados: o produto da
convivência de índios com não-índios pode ser analisada por Carlos Rodrigues
Brandão, que chegou à seguinte conclusão: ‘o contacto entre índios e brancos provoca
alterações sucessivas em todas as dimensões da vida do índios: [..] vê perder-se,
portanto, o todo ou parte do modo de vida da experiência tribal (:08, apud
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia. São Paulo: Brasiliense, 1986, :52,
ênfase minha). Nessa mesma gina, já no Título III (“Início dos Atritos”, :08) tem
início uma longa citação do Relatório do antropólogo Bruce Albert, que explica a raiz
e a causa fundamental (expressão dos Procuradores) da ação dos garimpeiros,
100
concluindo-se que os índios na melhor das hipóteses, são inconvenientes, na pior, são
uma ameaça à sua segurança [dos garimpeiros]. Se com brindes e promessas não
conseguem [os garimpeiros] afastá-los, então a solução é intimidá-los ou exterminá-
los” (:09 apud Relatório de Bruce Albert :126).
A partir daí começa a narrativa do Genocídio em si, dividindo-o, como havia
feito Bruce Albert anteriormente, em 1º” (:10) e “2º atos” (:14). A organização
cronológica de tal narrativa segue exatamente o esquema feito por Albert, que transcrevi
no fim da terceira subseção do capítulo anterior. Contudo, o ponto central a ser notado
aqui é que os Procuradores têm a disposição, agora, todos os Termos de Declarações e
Laudos Periciais recolhidos pelos Policiais Federais durante o Pré-Processo. É esse
material, cuidadosamente recolhido na Denúncia, que servirá de ‘estofo’ para a
tipificação do Crime de Genocídio dados com que, é claro, que o antropólogo Bruce
Albert não teve o menor contato. A partir desse ponto, todas as várias notas de pé-de-
página da Denúncia servem para indicar o número ou intervalo de páginas do Processo
onde está aquilo que se narra, de forma direta ou indireta, a partir dos depoimentos.
Cita-se, assim, somente os Termos de Declaração dos indígenas apontados por Albert
como os reais sobreviventes da Chacina, como esclareci anteriormente. O primeiro
Termo de Declarações usado pelos Procuradores é o de Paulo Yanomami que
sobreviveu para contar a seguinte narrativa(:11), citando-se, em seguida, a passagem
do depoimento de Paulo onde é narrada a primeira incursão dos garimpeiros contra os
índios. Na página seguinte um excerto do depoimento de Silvânia Santos Menezes,
onde ela diz ter presenciado, pessoalmente, Careca dizer que, quando estavam
matando esses quatro índios, um deles se abaixou e colocou as mãos no rosto e disse:
Garimpeiro amigo! E Careca deu um tiro bem no rosto dele(:12 apud :215, ênfase do
original). Fala-se nas páginas :13-14 da primeira incursão de retaliação dos Yanomami,
onde o garimpeiro Fininho é morto e Neguinho sai ferido fatos aludidos também a
partir dos depoimentos de índios e garimpeiros.
Como no Relatório de Albert, é dada maior importância ao que se batiza, aqui,
de Genocídio: Ato (:14) e que no Relatório aparece como Ataque dos
Garimpeiros (cf. capítulo III). Na página 15, baseado nos depoimentos de Silvânia
Santos e no segundo depoimento de Pedro Emiliano, faz-se uma tabela do tipo
Garimpeiro/Arma, onde se pormenoriza os calibres e os tipos de armas usadas por cada
um dos 15 garimpeiros citados nesses dois depoimentos inclusive a faca de ‘Goiano
Boiadeiro’, destacada em negrito. Nas ginas :15-16 cita-se parte do depoimento de
101
Simão Yanomami, narrando a chegada dos garimpeiros na roça velha onde se
encontravam os habitantes de Haximu; na página 16, colhe-se um novo excerto do
depoimento de Paulo, narrando a mesma situação. Os Procuradores concluem, com isso,
que a primeira narrativa guarda absoluta concordância (:16) com a última. Nessa
mesma página compara-se descrições dos ferimentos encontrados nos mortos, feitas por
Waythereoma Hwanxima e por Paulo Yanomami, onde ressalta-se, novamente, as
coincidências. Os Procuradores asseguram, assim, que a narração dos fatos, pelo lado
dos índios, que foram vítimas, é absolutamente fidedigna, tendo sido confirmada a
partir dos depoimentos dos garimpeiros” (:16). Na página 17, o depoimento de Silvânia
vem antecedido do prelúdio: Silvânia Santos Menezes, conhecida por Silvinha,
cozinheira do garimpeiro João Neto, confirma as palavras de Pedro Prancheta:” (ênfase
do original). Cita-se, logo depois e em negrito, a passagem em que Silvânia “presenciou
‘Goiano Boiadeiro’ dizer: que havia uma criança deitada numa rede e ele enrolou a
criança em um pano e meteu a faca de um lado para outro(:17 apud :216, ênfase do
original), também narrada por Pedro Emiliano em seu segundo depoimento.
Depois de narrar o Ato de Genocídio a partir dos próprios Termos de
Declarações dos garimpeiros, os Procuradores voltam aos depoimentos indígenas. Cita-
se Waythereoma Hwanxima narrando a cremação dos corpos das vítimas (:17-18),
esclarecendo-se que uma índia deixou de ser cremada e, mais tarde, os Procuradores
irão comparar esse mesmo excerto de depoimento com o Laudo Pericial da ossada
achada na mata (:29). Na 18-19 uma tabela, baseada no Relatório de Albert, com os
mortos e feridos desse segundo ataque cuja descrição se baseia, além dos dados de
parentesco, apenas no sexo e idade aproximada, todos dados recolhidos por Bruce
Albert. Em alguns poucos casos o nome da vítima, mas somente o não-indígena,
como no exemplo: “homem adulto de idade avançada Elísia [nome da vítima], irmão
mais novo de Uxuama [que tem o nome indígena citado porque continua vivo, sendo
sobrevivente do Genocídio](:18). Nas páginas 19 e 20, baseados nos depoimentos de
Silvânia Santos e Basílio Ferreira (não há qualquer citação explícita, apenas a indicação,
por notas de pé-de-página, de onde foi retirada a informação) os Procuradores narram a
fuga dos Denunciados depois que a notícia do Genocídio tornou-se pública nas rádios
da região, ocasião em que os garimpeiros forçaram a preferência para embarque nos
aviões com vôos ilegais e clandestinos, chegando mesmo a ameaçar [outros]
garimpeiros presentes (:20).
102
A tipificação da conduta de genocídioa partir de teóricos do Direito que
comecei a analisar acima e retomo agora inicia-se na página 20 e termina na 27 da
Denúncia. Em resumo, as características gerais de tal Crime são: o Genocídio é coletivo
no sentido de que não atenta, primeiramente, contra a vida do indivíduo, mas sim
contra grupos de pessoas(:21 apud FRAGOSO, op. cit.); é impessoal no sentido que
a vítima é atingida pela condição de fazer parte do grupo étnico (:21, ênfase
minha); e, por fim, tem como base a idéia, por parte de seus sujeitos ativos [os
genocidas]”, do uso da violência como válvula de segurança social, uma consciência
pseudo-justiceira (:22). de se notar, aqui, que essas características distanciam tal
Crime do simples homicídio ou lesão corporal, como frisam os próprios Procuradores
na mesma página. No homicídio, quando se mata alguém, isso se por uma desavença
entre indivíduos similares: quer-se que aquela pessoa específica seja morta porque ela é,
de alguma maneira, um desafeto pessoal. No Genocídio, segundo os Procuradores, não
há, por parte do criminoso, tal motivação contra uma pessoa determinada: quer-se
acabar com todo um grupo de pessoas exatamente porque essas pessoas compõem tal
grupo ainda que não se conheça elas pessoalmente. Constrói-se, com isso, um
modelo teórico [que] se enluva com rigor e precisão aos fatos acontecidos em
Haximëu.(:23, ênfase minha). No que tange ao último ponto desse modelo teórico,
um ressentimentodos garimpeiros frente à atuação da Polícia e outros órgãos, que
sempre impedem o exercício da (de antemão ilegal) atividade garimpeira (:23). Sobre a
impessoalidade característica do Genocídio, nota-se na Denúncia que “nenhum dos
garimpeiros ouvidos, ou suas cozinheiras, ou os informantes, sabia identificar qualquer
índios pelo nome. Nenhum.”(:24). A respeito da intenção coletiva de tais assassinatos,
argumenta-se que os garimpeiros
atiraram indistintamente contra mulheres e crianças, desarmadas e
indefesas. A brutalidade atinge até mesmo uma criança de colo, de
apenas um ano de idade, que é trespassada por uma faca, em golpe
desferido por Goiano Doido. Tudo isso pela condição das vítimas
serem Hwaximëutheri. (:25, ênfase do original).
Um último ponto nessa rápida descrição da Denúncia merece atenção especial: a
discussão da materialidade dos fatos(:27-35). Fora o esqueleto e cinzas achados na
mata, além dos Laudos Periciais feitos nos sobreviventes, não Corpo de Delito de
nenhuma das vítimas. Fotografou-se as cabaças onde as cinzas foram guardadas, mas
103
não se levou nenhuma delas para a feitura de qualquer Laudo Pericial. Os Procuradores
citam o artigo 167 do CPP, argumentando “que não sendo possível o exame de corpo de
delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a
falta(:27). Assim, uma gama imensa de provas testemunhais”, mas fica claro que,
no Processo Haximu, que não foi possível periciar os corpos da grande maioria das
vítimas. Isso se dá porque uma “prática tribal” entre os Yanomami, “testificada pelo
antropólogo Bruce Albert” que diz que “de acordo com a cultura dos Yanomami o
tratamento ritual dos ossos dos mortos é um ponto central e imprescindível da
cerimônia funerária [...] (:27, apud Termo de Declarações de Bruce Albert, :151)”. A
cremação e pilação dos ossos é caracterizada pelo antropólogo como um costume
tradicional dos Yanomami e, por outro lado, garantida no artigo 231 da Constituição
Federal, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições(Denúncia, :28). Na página seguinte, compara-se a descrição do Laudo
Pericial das ossadas com o Termo de Declarações de Waythereoma Hwanxima,
concluindo-se que o testemunho ocular de Waythereoma Hwanxima guarda
consonância com a descrição dos senhores peritos(:29). Da página 29 à 32, citam-se
várias passagens desse Laudo, mostrando que os peritos constataram que a ossada é sim
de uma jovem índia, morta a tiros de arma de fogo do tipo cartucheira o que já havia
sido dito antes por Waythereoma Hwanxima. Nas páginas 32-33 dá-se conta dos Laudos
feitos nos sobreviventes, ao que se argumenta que “a descrição das lesões e dos
instrumentos que as causaram é compatível com as declarações das vítimas
sobreviventes dos ataques, e com o testemunho dos garimpeiros e cozinheiras de
garimpeiros, especialmente quanto às armas que portavam(:33). Pode-se notar, com
isso, que a falta dos corpos de todos os indígenas mortos assenta-se na própria
etnicidade Yanomami. Nesse sentido, não é possível recuperar as cinzas pois, como
esclarece Bruce Albert, elas são sagradas para os sobreviventes de Haximu. Também
não é possível saber o nome indígena das vítimas pelo mesmo motivo. Analisa-se,
então, apenas um corpo que os Yanomami deixaram para trás e, sobre as vítimas,
tenta-se individualizá-las a partir das relações do sexo, idade e relações de parentesco
colhidas por Bruce Albert.
Por fim, este é o produto do trabalho dos Procuradores sobre os documentos
produzidos pelos Policiais Federais: um modelo teórico” tipificando o Crime de
Genocídio, concatenado aos Termos de Declarações e Laudos Periciais do Inquérito,
104
pretendendo comprovar, assim, que os garimpeiros Denunciados não simplesmente
‘massacraram’ ou ‘chacinaramos Yanomami. Eles queriam, segundo a Denúncia, dar
cabo de todos os habitantes de Haximu, o que, entre outras característica, é típico não
de um homicídio em série ou de seguidas lesões corporais, mas de um Genocídio – isso
apesar de, como visto, a contabilidade das penas na Lei 288/56 se basear, indiretamente
(por alusão ao CPP), em crimes individuais.
É possível esclarecer melhor tal ponto tendo como base as reflexões de Michel
Foucault sobre a construção da punição que é dada aos desviantes do sistema jurídico
atual. Os Procuradores argumentam que “o genocídio costuma ser chamado de delito de
intenção [...] [já que] a tima é atingida pela condição de fazer parte do grupo
étnico, religioso etc. (Denúncia, 21, ênfase minha). Foucault argumenta que as
punições, no Direito ocidental, não visam mais marcar o corpo físico – como os
suplícios medievais faziam num período anterior. Na verdade, quer-se reformar a
alma do desviante, seu coração, o intelecto, a vontade, as disposições
(FOUCAULT, 2006, :18). É exatamente por isso que, na construção do modelo teórico
do Genocídio pelos Procuradores, pouca importa a quantidade de mortos na tipificação
do Crime de Genocídio: para caracterizá-lo, de se mapear as intenções dos
infratores. Assim, para Foucault, a alma do criminoso não é invocada no tribunal
somente para explicar o crime [...] mas também para julgá-la, ao mesmo tempo que o
crime, e fazê-la participar da punição” (FOUCAULT, 2006:20). Por outro lado, a
‘alma’, a intenção do criminoso não é trazida somente no julgamento: ela está inscrita
nas próprias leis positivas que qualificam os delitos. para citar um exemplo, basta
transcrever, novamente, o Artigo 1º da Lei de Genocídio Brasileira, que diz que aqueles
que “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou
religioso, como tal(ênfase minha) estão sujeitos a serem punidos por tal Lei. Foucault
acertadamente assegura que, no sistema punitivo cuja as raízes ele tenta mapear, aqueles
que não têm consciência do que fizeram não podem cometer, via de regra, um Crime
(FOUCAULT, 2006, :21). Com isso, se no caso de um homicídio procura-se saber as
condições não materiais em que ele ocorreu, mas também as relações entre o
homicida e sua vítima, no caso aqui em foco a chave do entendimento da conduta
genocida está em analisar e examinar o ambiente em que os grupos em conflito estão
situados, e qual a visão m um do outro [...] (Denúncia, :22, ênfase do original),
dando-se, voz, assim, à análise feita por Bruce Albert da relação entre índios e
garimpeiros. Isso se justamente porque a conduta dos garimpeiros, suas vontades e
105
intenções, apontavam, antes da ão genocida propriamente dita, para o Genocídio
em si. Como o Crime de Genocídio está inscrito nas disposições psicológicas dos
desviantes, ele é anterior e posterior (motivo pelo qual deve ser corrigido) ao próprio
Ato Genocida.
Como se pode notar, o papel dos antropólogos como Albert e Barth é menos de
juízo ou decisão, do que propriamente de ordenação ou explicação. É claro que esses
últimos (principalmente Bruce Albert) são, como quer Foucault (op. cit.) ou Bourdieu
(BOURDIEU, 1986), especialistas chamados a atuar numa seara determinada - e,
portanto, detentores de certo poder específico, dotado de força e limitações muito
singulares. Porém, tal poder figura, ao menos no caso do Relatório de Bruce Albert,
menos tipificando condutas em Crimes ou esmiuçando as intenções dos genocidas, do
que, por outro lado, indicando uma linha geral ou explicação principal do conflito entre
garimpeiros e índios. Tudo isso será, é claro, reinterpretado pelos especialistas do
Direito como fazem os Procuradores na presente Denúncia, esses sim responsáveis
por qualificar o Crime de Genocídio.
Voltando a um ponto citado acima, mas ainda não devidamente analisado, de
se notar que a classificação do ataque dos garimpeiros como indomável ou bestial,
parece não comportar, ao menos em termos estritamente legais, qualquer relação com a
tipificação do Genocídio em si. A citação (que se sedimentará em todo o resto do
Processo) de partes de depoimentos como o de Silvânia (narrados acima e no capítulo
III), trazendo violentos detalhes da maneira como os índios foram mortos, também
parece o contribuir, legalmente falando, com qualquer novidade para o modelo
teórico que tipifica o Genocídio. Contudo, passagens como essas estão presentes em
praticamente todos os documentos dos Autos, particularmente aqueles produzidos
contra os garimpeiros. Tal fato margem a dizer que a lógica judicial, como chama
atenção Max Gluckman, não pode transfomar fatos crus em categoriais legaistendo
como base apenas a lógica formal (GLUCKMAN, 1963, :204, tradução livre).
Assim, não basta caracterizar, em termos técnico-judiciais, a pretensão genocida dos
garimpeiros. Nesse sentido, Gluckman diz que
In litigation, these general rules have to cover a great variety of actual
situations in life. They can only do so if the general moral ideas
106
involved can be brought to bear on the particularities of a perhaps
unique situation. (GLUCKMAN, 1963:191)
O autor conclui, então, que courts of law are in fact courts of morality
(GLUCKMAN, 1963:194). Essa mesma idéia de que um razoável moral, uma
conduta socialmente tida como positiva (mas que não está explícita nos códigos legais)
que conforma a construção judicial de uma Conduta Criminosa qualquer pode ser
também trabalhada a partir da análise que Luc Boltanski faz da indignação frente a
sofrimentos de pessoas distantes (BOLTANSKI, 1993). Na Denúncia, fica patente que
não se quer apenas achar, a partir dos depoimentos e laudos, as características gerais do
Genocídio. Quer-se, mais que isso, fazer com que um potencial julgador se indigne com
o que está sendo então narrado. Na construção do Genocídio de Haximu, não se chama
atenção apenas para as características técnico-judiciais do tal delito: os Procuradores
ressaltam sempre a crueldade da ão dos acusados - o que, como visto, o entra na
tipificação do Crime em si. Nesse sentido, Boltanski argumenta que
La transformation de la pitié en indignation suppose précisément une
reorientation de l’attetion, qui se détourne de consideration
déprimante du malheureox et de ses souffrances pour aller chercher
un persécuteur e se centrer sur leu. (op.cit., :91).
Essa mudança de foco, tentando-se construir um perseguidor que não é apenas o
transgressor de uma lei, mas uma pessoa moralmente reprovável, parece contribuir,
na Denúncia, para a escolha de excertos de depoimentos pontualmente violentos (como
os de Silvânia citados acima), ou da argumentação da bestialidade incontrolável dos
garimpeiros. O mesmo artifício será usado, como mostrarei no próximo capítulo, na
construção da Sentença e de outros documentos dos Autos.
Voltando à temática da punição, o citado texto de Foucault ajuda a mapear
uma importante característica de um sistema judiciário com poder relativamente
autônomo e alicerçado por um possível aparelho de coerção. Não se quer simplesmente
dizer quem é certo ou errado, mas sim marcar um desvio a partir de um universo pré-
estabelecido de Crimes. Tal demarcação, como visto na Denúncia, é um exercício mais
de interpretação construtiva do que propriamente de adequação literal, que o Direito
ocidental tem uma clara pretensão ao universalismo que não está diretamente ligada à
tipificação literal de todos os tipos de conduta. Visa-se, assim, principalmente, corrigir
107
o desviante - havendo, para esse último ponto, diversas instituições não propriamente
judiciais, mas que operam em conjunto com ela. Em outros contextos, como o do
Direito Germânico medieval, existe simplesmente a vitória ou o fracasso
(FOUCAULT, 1996, :61) e o cumprimento da sentença depende única e exclusivamente
do poder de uma das partes em fazer valer o que foi acordado pelo mediador do
conflito. Exemplo análogo é dado por Weber, ao narrar que, no processo judicial
medieval o acusador arrasta o acusado perante o tribunal e somente o solta depois de
ter certeza de que este, se o juiz o declarar culpado, não se esquivara da expiação
(WEBER, 1999: 24). No presente caso, a polícia atua, como visto, paralela e
complementariamente ao judiciário, idealmente assegurando que os culpados serão
reformados.
Enfatizo o idealmente pois, no Processo Haximu, há reiterados pedidos do MPF
para que a PF faça outras diligências a fim de tentar achar novos acusados ou
testemunhas que não foram ouvidas Em Juízo até então. No Pedido da página 1090, por
exemplo, os Procuradores explicitamente desistem de tentar fazer com que os Policiais
Federais achem essas outras testemunhas e suspeitos, resignando-se em trabalhar com
os que foram presos e/ou ouvidos. Num outro momento, os Procuradores chegam a
pedir a Prisão Provisória de uma testemunha, o garimpeiro Basílio Ferreira, por
desobediência à justiça(PH, :932, Representação contra Basílio Ferreira), que ele
havia faltado a várias Audiências feitas pelo Juiz Renato Martins. Basílio é realmente
preso pelos Policiais Federais, passa alguns dias na Penitenciária Agrícola de Roraima,
é ouvido Em Juízo e, logo após, posto em liberdade (PH, :948, Alvará de Soltura de
Brasílio Ferreira).
III. A capilaridade do Judiciário Brasileiro
Refazendo brevemente o caminho que segui até aqui, deixei de lado as primeiras
40 páginas do Processo no capítulo anterior, partindo, então, para a análise do Inquérito
Policial que vai da página 42 até a página 518 do volume dos Autos, como se pode
conferir no Anexo I. Na última subseção, voltei a tais páginas a fim de dar conta do
documento que inicia a fase judicial do Processo: a Denúncia dos Procuradores do MPF
responsáveis, nesse momento, por atuar no Caso Haximu. A Denúncia é aceita pelo Juiz
de Instância do Tribunal Regional Federal de Boa Vista, Doutor Renato Martins
108
Prates. O Processo tramitará nesse Tribunal ao dia 22-05-1997, quando será remetido
ao TRF de Brasília. Assim, volto, nessa subseção, a trabalhar a partir da ordenação das
fontes documentais apresentada no próprio Processo.
O primeiro ato do Juiz Renato Martins nos Autos é um Decreto (PH, :528-530)
que transforma as Prisões Temporárias de Pedro Garcia e Eliézio Néri (exclusivas para
que os Policiais Federais pudessem instruir o Inquérito) em Prisões Preventivas (caso
em que se decreta as prisões também para a instrução judicial de um processo
9
). O
último tipo de prisão é aplicada, entre outras possibilidades, quando o indiciado é
vadio (Artigo 313, parágrafo 2 do CPP, ênfase minha). O primeiro tipo, de uso
exclusivo no Inquérito Policial, se aplica, entre outros casos, quando o indiciado não
tiver residência fixa(Lei n. 7.960/89, Artigo 1, parágrafo 2, ênfase minha). Apesar de
não citar explicitamente o conteúdo de tais Leis, Renato Martins Prates argumenta que
“é de se considerar, ainda, que a prisão preventiva é garantia de
aplicação da lei penal. Os indiciados são garimpeiros, nômades pela
própria profissão, dedicando-se à exploração de ouro em regiões
remotas, de difícil acesso e para quem as fronteiras, mesmo
internacionais
10
, pouco significado têm” (PH, :530, ênfase minha).
Além disso, Pedro Garcia, na Guia de Identificação à época de sua prisão (PH, :230)
apresenta a seguinte informação datilografada no campo “Residência Atual”: “RUA
GETÚLIO VARGAS -- "HOTEL BAHIA” APTO 03” (Idem, ênfase minha).
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
10
define como sinônimo de vadio o
termo vagabundo. Todas as definições no Houaiss para o primeiro termo fazem
referência à falta de trabalho e/ou empenho para se conseguir uma ocupação
remunerada. Porém, dentro da rubrica Direito Civil desse mesmo Dicionário, pode-se
encontrar a seguinte definição para a categoria vagabundo: indivíduo que não tem
residência habitual, ou que emprega a vida em viagens, sem ter um ponto central de
negócios”. Tal termo deriva, assim, do verbo vagar, possuindo a mesma raiz latina vag-.
9
A Prisão Preventiva tem sua aplicação normatizada pelos Artigos 311 ao 316 do CPP; a Prisão
Temporária é normatizada por uma Lei Especial, de número 7.960/89, cujo conteúdo pode ser acessado
na página eletrônica http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L7960.htm (em 22-11-2006). Agradeço a
Maiuí Borba de Oliveira, bacharel em Direito pela UFMG, a ajuda na localização dessa última Lei.
10
A Aldeia de Haximu, ainda na fase inquisitorial, é identificada como pertencente ao território
venezuelano, como o constata o Relatório de Inspeção do funcionário do Ministério das Relações
Exteriores, coronel Ivonilo Dias Rocha (PH, :343-359).
10
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001.
109
É a partir dessa última acepção que serão tratados todos os garimpeiros (testemunhas e
acusados) no Processo pode-se dar como exemplo aqui a citada prisão do
garimpeiro Basílio Ferreira, que nunca figurou como suspeito de ter participado do
Genocídio em Haximu, mas mesmo assim é preso a fim de que se pudesse colher seu
depoimento Em Juízo. Nesse sentido, tais indivíduos são tidos como nômades pela
própria profissão”, o possuindo uma residência fixae o fato de um dos suspeitos
preso dar como local de moradia o endereço de um hotel de Boa Vista corrobora
tal pressuposto.
Para a primeira Audiência Judicial, Renato Martins “intima”
11
, além dos us,
sete testemunhas não-indígenas relacionadas ao garimpo (cozinheiras e garimpeiros,
entre os últimos Basílio Ferreira, que não comparece), três indígenas (Paulo, Japão e
Waythereoma), além do antropólogo Bruce Albert (que também não comparece, pois,
nesse momento, estava de volta à França). O Oficial de Justiça (na fotocópia é
impossível ler o carimbo com seu nome) diz
12
que todos os endereços do Mandado de
Intimação (informações retiradas do Inquérito Policial) não existem ou não se conhece a
pessoa indicada naquele local. Por fim, a única testemunha encontrada foi Manoel
José Santos Soares [garimpeiro] que assinou o mandado e recebeu a contra-fé
13
; na
Ata de tal Audiência o Juiz pede que a Polícia Federal seja oficiada
14
no sentido de
localizar as testemunhas que até então não foram ouvidas.
Por outro lado, algumas páginas à frente (:665), o então Administrador Regional
da FUNAI/RR, Sr. Suami Percílio, informa
que esta Administração está impossibilitada de apresentar os
indígenas referidos [no Mandado de Intimação], tendo em vista que
Japão Yanomami deslocou-se para a região do Xidéia, não sendo
possível sua localização até a presente data. Paulo Yanomami e
11
PH, :654, Mandado de Intimação, assinado pelo Juiz Renato Martins, de réus e testemunhas para a
Audiência de Instrução, marcada para 10-12-1993. Sobre o caso da prisão de Basílio, Maiuí Borba de
Oliveira (cf. Nota 9) me disse que o Juiz não “convida” ou simplesmente “chama” alguém a depor; ele,
segundo Maiuí, intima uma testemunha, que, em último caso pode ser fisicamente obrigada a
comparecer Em Juízo.
12
PH, :655, Certidão do Oficial de Justiça sobre as diligências para intimação de réus e testemunhas
para a 1ª. Audiência.
13
Idem.
14
PH, :656-657, Ata da 1ª Audiência no TRF/RR.
110
Waythereoma Hwaxima encontra[m]-se na maloca do Novo Demini
[...] onde não existe condição de operação de aeronave. (Idem)
A Ata da Audiência (:667) se resume ao seguinte: nenhuma nova testemunha
compareceu na data marcada. Renato Martins, então, determina uma outra Audiência,
marcada um dia após essa última. Na ocasião é ouvido Em Juízo somente Japão
Yanomami
15
– e ninguém mais, apesar de intimadas várias outras pessoas, entre índios e
garimpeiros. A Ata da Audiência seguinte terá apenas 12 linhas: Renato Martins
determinou somente que se oficiasse a FUNAI a fim de informar a possibilidade de
apresentar a esse juízo os indígenas Waythereoma Hwanxima e Paulo Yanomami
(:724). Como já adiantei acima, os próprios Procuradores do MPF desistiram de ouvir
todas as testemunhas elencadas ao final da Denúncia e a maioria delas o aparecerá
novamente em momento algum, fora os já citados Termos de Declaração do capítulo III,
produzidos pelos Policiais Federais na feitura do Inquérito. Por outro lado, as diversas
incursões da PF durante a fase judicial não conseguem encontrar praticamente nenhuma
nova testemunha não-indígena com exceção do já citado Depoimento Judicial do
garimpeiro Basílio Ferreira, preso em Boa Vista e forçado a depor.
Diante disso tudo, é possível matizar melhor a pretensa capilaridade nacional
que o Judiciário Brasileiro, por definição, precisa assegurar possuir: como visto, é
impossível achar a maioria dos réus e testemunhas e não se pode fazer muita coisa
sobre isso, além de continuar oficiando aos Policiais Federais para que continuem
procurando. De todo modo, como chama atenção Antonio Carlos de Souza Lima em
Um grande cerco de Paz (SOUZA LIMA, 1995), deve-se ter em vista o a efetiva
limitação física de certas instituições pensadas como estatais (e aqui o autor faz um
paralelo com o estudo de Benedict Anderson e as comunidades imaginárias, Idem, :88),
mas também o modelo de ação que elas mesmas dizem possuir. Assim, no caso do
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN),
apesar de um apertadíssimo orçamento, a verba destinada a tal órgão foi usada para criar
um efeito de ação tido como nacionalnão sem protestos daqueles que queriam usar
o dinheiro para efetivar um projeto mais localizado. O SPILTN tinha, portanto, a
responsabilidade de salvaguardar as fronteiras do país transformando parte de uma
população tida como apartada (índios) em trabalhadores brasileiros. Apesar de apenas
15
PH, :673-677, Prestação de Informação do indígena Japão Yanomami.
111
pretensamente nacionais, instituições como o SPILTN ou o aparato judicial brasileiro,
ainda que agindo de maneira explicitamente circunscrita ou delimitada, conseguem,
nesse agência, renovar a própria idéia de que têm uma capilaridade ou capacidade de
agir ‘nacionais’.
É possível mapear melhor tal ponto nas Intimações produzidas para as
Audiências, ocasião em que o Oficial de Justiça (um funcionário do Judiciário, que é
responsável por dar à Intimação entregando uma contra-fé”, em nome do Juiz,
aos Intimados) noticia a determinada pessoa que ela está Intimada a comparecer numa
Audiência específica. No documento das folhas 781-786
17
o Procurador Franklin
Rodrigues da Costa pede que o Juiz expeça
“mandados de intimação para estas testemunhas [4 garimpeiros o
encontrados, entre eles Basílio Ferreira] entregando-os ao Oficial de
Justiça com cópias para a Polícia Federal, determinando que o
Meirinho [Oficial de Justiça] efetue, com o auxílio da Polícia, buscas
constantes nos endereços, pelos menos uma vez a cada dez dias, para
localizar as testemunhas, certificando o ocorrido a cada diligência.”
(:783, ênfase minha).
Nessa mesma página o argumenta-se que até mesmo [seja requisitado]
equipamentos do exército e aeronáutica em auxílio à missão”. Franklin Rodrigues reúne
ainda as características físicas de todos os acusados (:784-785 - a base para isso foi, sem
dúvida, o segundo Termo de Declarações do Pedro Garcia, onde esse depoente dá vários
detalhes físicos dos garimpeiros envolvidos no Genocídio). Por fim, o funcionário do
MPF nota que Juvenal da Silva e Francisco Alves, dois garimpeiros com Mandados de
Prisão expedidos, mas até então foragidos, “outorgaram procuração ao advogado,
demonstrando que os mesmos estão em Boa Vista sem serem molestados (:785). É
interessante ressaltar que Juvenal e Francisco são acusados formalmente com base nos
próprios dados apresentados por Elidoro Mendes, Defensor Legal de boa parte dos
Requeridos, dando condição aos Procuradores de qualificar esses dois garimpeiros para
além de seus apelidos ou simples nomes.
Porém, Renato Martins Prates, num Despacho digitado em folha separada (o que
é uma exceção, pois a maioria deles são manuscritos, nesse momento, nas próprias
17
PH, Manifestação de Ação Criminal do MPF pedindo: novos mandados de prisão para os foragidos;
que se oficie à PF para fazer diligências a fim de efetivar tais prisões; não condições de substituir
testemunhas.
112
folhas dos Pedidos) sumariamente declara que não incumbe ao Oficial de Justiça
exercer o papel de Polícia, investigando o paradeiro das testemunhas. Portanto, deverá
o Oficial de Justiça diligenciar mais uma única vez no endereço das testemunhas de
acusação [..], intimando-as, caso localizadas, a comparecer à audiência designada
[...] (PH, :787, ênfase inicial minha, secundária do original). Tal ponto revela a
consciência de que, ao Judiciário, cabe ouvir as Partes, tipificar o Crime e dosar as
penas contudo, não é atribuição de seus funcionários investigar, levantar provas ou
trazer, pela força física, testemunhas “nômades”, fazendo campana para localizá-las
papel, como já esclareci, reservado aos Policiais Federais.
Michel Foucault, em trabalho citado, esclarece que um mecanismo
administrativo que separa atualmente o ato de condenar alguém e execução da pena
imposta ao condenado (op. cit. :13), argumentando que a Justiça não pode se confundir
com o criminoso, infligindo punições (ainda que justas) aos que ela aponta como
desviantes
18
. Tenho como certo que o mesmo mecanismo administrativoé acionado
quando o Judiciário precisa trazer aos tribunais réus ou testemunhas que não estão
prontamente dispostas a contribuir com a Justiça. Nesse sentido, assim como o Direito
não se confunde com a instituição carcerária, ele também se distancia do aparato
policial que lhe auxilia e isso se reflete em outras situações, como na divisão do
Processo, tratada no capítulo I, entre Pré-processo e Processo - ou ainda na já citada
relutância dos representantes dos Requeridos em considerar como válidas os
depoimentos inquisitoriais e, num último exemplo, da mudança da numeração das
páginas produzidas pelos Policiais Federais.
IV. Índios/garimpeiros no Genocídio de Haximu
Nessa última subseção, discuto mais detidamente as características gerais do
Crime de Genocídio, tendo como norte como nele é montado o papel de garimpeiros e
Yanomami. Analiso aqui uma série de dados que, até então, estiveram dispersos nos
18
Guardadas as peculiaridades históricas, esse mesmo argumento foi usado pelos inquisidores católicos
de Portugal no início do século XVI para entregar ao “braço secular” aqueles que eram por eles apontados
como graves desviantes da fé cristã. A Igreja Católica se mantinha, assim, distante da execução da
punição, apesar de qualificá-la e dosá-la. Contudo, os Autos de eram rituais públicos (FOUCAULT,
2006) onde, pela marcação do corpo, ajustava-se as contas com o supliciado ao contrário de tentar,
como idealmente se pensa hoje, suspender os direitos universais de um condenando a fim de reformá-lo
de maneira apartada do “restante” da sociedade.
113
dois últimos capítulos, visando dar uma idéia geral de porque o acontecido em Haximu
foi judicialmente classificado como um Genocídio e não como qualquer outro Crime,
como um Assassinato Múltiplo, por exemplo.
O primeiro depoente na fase judicial do Processo é Manoel José Santos Soares
19
,
que reconhece, agora Em Juízo, Pedro Garcia como sendo o Pedro Prancheta que
conheceu no garimpo (:659). O excerto abaixo é modelar no que tange à relação entre
Testemunhos Judiciais e os Termos de Declarações do Inquérito. Manoel Soares diz,
inicialmente, não saber
e nem ouvi dizer quem teria participado do ataque que deu origem a morte
dos índios; Que confirma inteiramente seu depoimento prestado na Polícia
Federal de fls 199 e 200, que lhe foi lido neste ato. Novamente advertido
para as penas de falso testemunho, disse o depoente: Que de fato ouviu
comentários da participação de Pará ou Parazinho, Pedro Prancheta e
Raimundão no massacre dos índios Yanomami. (:658, ênfase minha)
O texto produzido por um Técnico Judicial e conferido pela Diretora de
Secretaria do TRF da Região (novamente a fotocópia torna impossível identificar os
nomes, presentes aqui somente nas apagadas assinaturas) carrega, como se pode notar, o
mesmo estilo de narrativa daqueles produzidos durante o Inquérito Policial - baseia-se,
portanto, numa narrativa indireta, distanciando o produtor do texto do que é contado (cf.
capítulo III). Contudo, agora na presença do Juiz e de dois acusados presos, Manoel
Soares matiza de outra forma seu testemunho: anteriormente ele diz QUE no mês de
junho para julho um grupo de Garimpeiros, que não sabe o número exato, mataram
vários índios Yanomamie QUE, antes o massacre, viu JOÃO NETO na pista Velha
do Raimundo Nenê, quando este saltou, digo, do avião, carregando uns vinte quilos de
munição [...](PH, Termo de Declarações de Manoel José Soares, :199 e :200, ênfase
minha). Porém o garimpeiro inicialmente diz não saber, nem de ouvi dizer”, de
qualquer um que tenha participado do ocorrido em Haximu. Porém, quando inquirido se
confirma o depoimento que prestou aos Policiais Federais, responde que o faz
inteiramente”. Neste momento alguém provavelmente para Manoel o que ele está
confirmando e o depoente é novamente advertido para as penas de falso testemunho
[não uma referência escrita à primeira advertência sofrida por Manoel]; e
possivelmente se dando conta de que acabou de se contradizer, o garimpeiro diz então
19
PH, :658:660, Testemunho judicial do garimpeiro Manoel José Santos Soares.
114
que de fato ouvi falar da participaçãode alguns outros garimpeiros. Ressalto que os
termos usados por Manoel Soares durante o Inquérito o sempre diretos, como o “viu”
e o “mataram” no excerto acima.
Além disso, ele diz conhecer pessoalmente vários autores desse Crime (PH,
:200). Agora, contudo, Manoel Soares timidamente relata que não ficou sabendo o
nome das pessoas que lhe deram as informações sobre os fatos ocorridos porque tais
pessoas passavam rapidamente pelo local onde se encontrava o depoente” (PH, :660).
Assim, essa é a tônica dos depoimentos judiciais dos garimpeiros (quando
comparados aos Termos de Declarações do Inquérito, é claro): o ‘ouvi dizer de
desconhecidos’ é a fórmula geral usada para não acusar, agora face-a-face, ex-
companheiros de profissão Em Juízo. Mesmo Antonio Alves da Cruz, conhecido no
garimpo como ‘Rabo Grosso’, que é ouvido por Carta Precatória
20
no Estado do
Amazonas (sem ser, com isso, acareado com os acusados presos) diz que não pode
individualizar o rapaz que fez o comentário [do massacre]”, mas que este rapaz
contou que dentre estes garimpeiros assassinos estariam Pedro Prancheta e João Neto
(PH, : 745). Acredito que é por tal característica geral dos testemunhos judiciais dos
garimpeiros que estes serão usados muito menos nos documentos que se seguem no
Processo: a base das argumentações continuará sendo, ao menos para os Procuradores,
os Termos de Declaração prestados no Inquérito.
Os depoimentos indígenas, por outro lado, passam longe da falta de detalhes e
do ‘ouvi dizer’ peculiar dos testemunhos dos garimpeiros. Serão utilizados da mesma
maneira que os depoimentos do Inquérito nas peças produzidas posteriormente
notadamente aquelas escritas pelos Procuradores do MPF
21
. Contudo, ao contrário do
Inquérito, o nome dado aos depoimentos indígenas na fase judicial é diferente daquele
que batiza os testemunhos dos não-indígenas: os Yanomami, desde o início, figuram
não exatamente como testemunhas”, mas sim como informantes”. de se atentar
aqui para a Ata da Audiência judicial, época do primeiro depoimento de um
Yanomami à Justiça:
20
Documento que é mandado por um juiz de determinado Estado para outro juiz de um Estado diferente,
a fim de que o último possa assessorar o primeiro a tomar o depoimento de uma testemunha ou solicitar
ao corpo policial de outra região novas diligências policiais, por exemplo.
21
Cf., por exemplo, as Contra-razões do MPF frente ao pedido de liberdade de Eliezio e Pedro (PH, :
640-641).
115
A testemunha arrolada pelo Ministério Público [o indígena Japão
Yanomami], considerando a grande diferença cultural entre a sua
etnia e a nossa, fato esse o qual decorreria sua irresponsabilidade
penal e ouvidas as partes, o Juiz resolveu dispensar do compromisso
[em dizer a verdade] a testemunha, ouvindo-a como informante (PH,
:672, ênfase minha).
Isso acontece em todos os depoimentos indígenas posteriores: no que presta Paulo
Yanomami
22
, por exemplo, é possível notar que se datilografa, no modelo pré-pronto
para se colher testemunhos do TRF de Boa Vista, vários ‘x’s em cima do título
“TESTEMUNHA”, escrevendo-se, logo abaixo, a palavra “INFORMANTE”. O mesmo
é feito com a frase, presente no mesmo modelo, qualificando o depoente como uma
testemunha compromissada, não contraditada e advertida das penas ao falso
testemunho”: ela é completamente coberta pelos mesmos ‘x’s, e para lê-la sem
dificuldades é preciso procurar o Testemunho Judicial de um garimpeiro, baseado nesse
mesmo modelo.
Assim, os depoimentos judiciais dos índios têm um status diferente daqueles
prestados por garimpeiros: em resumo, os últimos são testemunhas (e/ou réus) que estão
obrigadas a não faltar com a verdade. Os primeiros, por sua vez, se fazem em
informantes, figurando como uma “outra etnia”, culturalmente distante” daquela que
os garimpeiros e o próprio corpo de funcionários do judiciário fazem parte e,
justamente por isso, não tendo que fazer o compromisso literal com a verdade que os
acusados ou depoentes não-indígenas têm que prestar. Voltando ao capítulo anterior, os
Policiais Federais foram obrigados a organizar uma série de incursões à Floresta
Amazônica para colher os depoimentos inquisitoriais dos indígenas, enquanto os
garimpeiros são intimados a depor na sede da PF em Boa Vista. Como se pôde notar
acima, as intimações judiciais aos indígenas são entregues ao diretor da FUNAI de
Roraima, que tem que se esforçar para achar e trazer os Yanomami nas datas exatas de
cada Audiência o que nem sempre é possível. no caso dos garimpeiros, um Oficial
de Justiça é responsável por entregar a intimação na residência em Boa Vista em que os
mesmos dizem residir – e, quando esse funcionário não consegue fazer isso, aciona-se a
Polícia Federal para que o faça. Como deixei claro acima, em ambas situações uma
explícita dificuldade em trazer as Partes para os encontros judiciais que decidirão o
Caso.
22
PH, :754, Informação prestada em juízo por Paulo Yanomami.
116
disse que os garimpeiros são identificados de maneira constante durante todo
o Processo. Isso se porque a base para as citações é sempre o documento de
identidade desses últimos. Já os indígenas (tanto informantes como vítimas) são
referenciados, a cada documento, com uma grafia diferente. Relembro aqui o exemplo
dado no capítulo anterior de que, em certas situações, a designação de um indígena pode
variar até mesmo dentro de um mesmo documento. Nesse sentido, tais indivíduos, para
se tornaram Parte do Processo, não precisam apresentar quaisquer documentação
produzida por instituições estatais. Na verdade, o próprio fato deles não possuírem tais
insígnias intensifica o caráter etnicamente diferenciado a eles imputado: os
Yanomami o o isolados, socialmente distantes do aparato judicial, que nem mesmo
carteira de identidade ou certidão de nascimento podem apresentar numa refrega
judicial e é exatamente essa ‘não-apresentação’ um dos signos a servir nesse contexto
como atestado da etnicidade Yanomami. A falta de documentos, nesse sentido, é
qualificada de maneira positiva, como típico do reificado isolamento em que tais
indivíduos viveriam.
Por outro lado, há de se lembrar aqui que o Juiz Renato Martins Prates, pede que
todos os garimpeiros identificados inicialmente por apelidos sejam individualizados a
partir de Acareações com outros acusados ou testemunhas. Isso se dá justamente porque
é preciso pormenorizar os acusados ao contrário do que acontece com as vítimas,
mortas, como visto acima, por Criminosos que mal as conheciam e que visavam,
segundo os Procuradores na Denúncia, dar cabo de todos os habitantes de Haximu, tanto
adultos, velhos e crianças, homens e mulheres. A não-individualização das vítimas
perfaz o próprio caráter do Crime de Genocídio, como visto acima. De todo modo,
ainda que não se consiga dizer precisamente quem foram as vítimas do Genocídio, tem-
se a certeza de que ele aconteceu. Portanto, a maior responsabilidade da Justiça é
individualizar os perpetradores desse Crime e dar-lhes a correção adequada.
Tudo o que foi elencado até aqui se junta para compor o Crime de Genocídio,
mais particularmente o Genocídio que, em termos judiciais, atenta contra uma etnia
específica, como tentei matizar na análise da Denúncia que se seguiu. Assim, a
imprecisão de nomes que pode ser notada nos relatos colhidos entre os Yanomami é
explicada pelo diferencial étnico entre eles e um ‘nós’ genérico, que abarca garimpeiros,
funcionários do judiciário e, em certo sentido, todos aqueles a quem se possa inferir um
emprego determinado, que não precisem de tradutores para prestar depoimentos a
117
autoridades judiciais ou à Polícia, que possuam uma residência fixa, um local e data de
nascimento específicos, asseverados em documentos com uma numeração única -
tornando impossível que haja, por exemplo, dois ‘Pedros Emilianos’ com o mesmo
número de identidade. Friso, nesse ponto, uma característica que perpassa os vários
documentos do Processo Haximu, principalmente aqueles produzidos pelos defensores
legais dos Yanomami: a imprecisão de nomes ou qualquer outro dado, é tida, no que
tange aos garimpeiros, como marca de uma criminalidade anterior, como sinal de quem
conhece as regras do Direito e, conscientemente, tenta ir contra elas ou no mínimo
subvertê-las, de maneira criminosa, ao seu favor
35
. Assim, quando Pedro Emiliano diz
não ser o Pedro Prancheta do garimpo
36
, tal imprecisão não é étnica ou cultural: ela é,
como argumentam os representantes dos Requeridos, uma tentativa criminosa de
esconder a verdade. Assim, os garimpeiros, primeiramente, ouviram falar do
acontecido em Haximu, negando participação direta no Genocídio. Quando Acareados
com companheiros de garimpo que os identificam e acusam-nos diretamente, assumem
que conheceram pessoalmente alguns dos perpetradores de tal Crime mas negam, até
o fim do Processo, que eles mesmos tenham tomado parte no Genocídio. Tal afirmativa
de conhecer criminosos genocidas seguida da negativa a posteriori de se relacionar com
eles parece não ter grande peso quando atestá-se, explicitamente, que o acusado mentiu
em momentos anteriores, dizendo não conhecer nenhum dos suspeitos do Crime. É
possível retomar aqui a análise do antropólogo Max Gluckman sobre como os juízes
barotse buscam a verdade inquirindo pessoalmente suas testemunhas:
the judges, working with these same norms [que são comuns a
acusados e acusadores], can cross-examine the parties and can give
judgments for and against them in comprehensible and acceptable
terms, even if the parties continue to deny that they have done wrong.
(GLUCKMAN, 1967, :78)
Por outro lado, quando a imprecisão é imputada aos Yanomami – lembro que, no
capítulo III, uma depoente indígena diz que um companheiro Yanomami seu havia sido
morto na Chacina, e ele mesmo depõe algumas páginas à frente dela a imprecisão
35
de se matizar, nesse momento, que a subversão a que faço referência aqui é aquela explicitamente
tida, pelos operadores do Direito, como fora das regras do jogo e, portanto, passível de criminalização.
Pierre Bourdieu chama atenção para o fato de que, entre os bons operadores, as regras e fórmulas
judiciais mais rígidas o, na verdade, construídas como armas da disputa judicial (BOURDIEU, 1986,
:17-18). Essa espécie de ‘liberalidade interpretativa’ exercida pelos bons advogados não se confunde com
a acusação, imputada aos garimpeiros, de saberem as regras e, ainda assim, tentarem subvertê-las.
36
Narro esse episódio na última subseção do capítulo I.
118
ganha outra qualidade: ela é étnica ou cultural, advinda da posição específica daqueles
que não conhecem nem o ínfimo do Direito moderno, que não têm a consciência
mínima de como se devem portar, num Processo Criminal, acusados e acusadores.
O mesmo vale para a questão da residência fixa, definidora, como tentei mostrar
acima, de quem é negativamente tido como vadio ou vagabundo. Os Yanomami, por
exemplo, não possuem residência fixa nem qualquer endereço específico para
correspondência nem por isso o tidos, ao contrário dos garimpeiros, a partir de tais
categorias de acusação. Isso se justamente porque residir ou não-residir fixamente
não é um atributo absoluto: isso depende da relação que é construída entre o residente
e o local de residência. Os indígenas de Haximu são qualificados como etnicamente
nômades, e não como vagabundos ou vadios. Por outro lado, a relação de não-residência
dos garimpeiros pende para o outro lado: como, de antemão, tais indivíduos são
genericamente tomados como fazendo parte da sociedade englobante (que é pensada
como não-caracterizada pelo nomadismo) a falta de uma residência-fixa aparece, nesse
contexto, sob o estigma da vadiagem ou vagabundagem.
O Relatório do antropólogo Bruce Albert é usado, então, não apenas como um
ordenador das falas dos verdadeiros Yanomami vítimas em Haximu, mas também
como normalizador de tais falas, com o poder, inclusive, de transmutar, sob a marca da
diferença cultural, traços que poderiam ser vistos como incoerências estruturais da fala
das vítimas como qualidades intrínsecas dessas falas expediente que é reapropriado,
como tentei mostrar acima, pelos Procuradores do Ministério Público Federal na
Denúncia. Nesse sentido, vale trazer aqui a idéia de normalização discutida por Luc
Boltanski a partir da análise de uma rie de cartas de denúncia mandadas ao jornal
francês Le Monde (BOLTANSKI, 1984). Para esse autor, o caráter normal de
determinada denúncia o é dada por uma substância imutável ou uma regra de
coerência única (BOLTANSKI, 1984: 20). Ela depende, sim, de uma complexa
configuração de fatores, como a relação específica entre perseguidos e perseguidores,
por exemplo (ibid idem, principalmente as 3 últimas subseções). No caso aqui em foco,
pode-se dizer que os Procuradores conseguem, a partir do Relatório de Bruce Albert,
configurar uma denúncia normal tendo como norte dados que, para o Direito moderno,
seriam potencialmente anormais: a falta de um nome constante, de endereço fixo, de
uma profissão, entre outras característica são o próprio sinal do étnico, do caráter
especial que reverte os Yanomami no Processo. Em resumo, como chama atenção
Boltanski em outro texto (BOLTANSKI, 1993), é preciso que exista um princípio de
119
equivalência(idem, :104-105) que aproxime perseguidos de perseguidores princípio
esse que, como visto, é dado a partir do Relatório de Albert.
Por fim, agora que foram definidas as qualidades básicas de garimpeiros e
Yanomami no Crime de Genocídio, passo a analisar como se dá propriamente a
discussão judicial de tal Crime.
120
Capítulo V: a discussão judicial do Genocídio
Em termos judiciais, como visto no capítulo anterior, já está criado, nesse
momento, um modelo teórico que conta do acontecido entre Yanomami e
garimpeiros na aldeia de Haximu. No presente capítulo, foco minha análise em como
esse modelo será recebido nos Tribunais responsáveis por julgar o Caso. Adianto que tal
discussão judicial não é meramente acessória, mas que efetivamente compõe o Crime de
Genocídio, como tentarei mostrar a seguir.
A primeira subseção trata de como os defensores legais dos garimpeiros recebem
a acusação de que seus clientes o potenciais genocidas. Nessa mesma parte, inicio
uma comparação entre os documentos produzidos pelos Procuradores do MPF e aqueles
produzidos pelos representantes legais dos Requeridos. Na segunda subseção pretendo
mapear como o Processo se desenvolve e, ao mesmo tempo, quais os artifícios para a
construção do que é judicialmente verossímil nos Autos. As duas últimas sessões são
dedicadas à descrição e análise dos Recursos impetrados por ambas as Partes e, é
claro, como tais documentos se engendram na composição do Crime de Genocídio.
I. A defesa dos Requeridos
de se ressaltar que, até aqui, não me detive sistematicamente em nenhum
documento escrito pelos defensores legais dos Requeridos focando-me, quase que
exclusivamente, em textos que direta ou indiretamente acusam os garimpeiros. Porém,
essa característica, na verdade, não é decorrente exclusivamente do recorte específico da
presente dissertação: numa leitura geral do Processo Haximu, os textos dos
Procuradores e Julgadores são mais numerosos e longos, teoricamente mais embasados
e concatenados entre si. Por outro lado, é possível notar que, por vezes, os garimpeiros
são representados judicialmente por Defensores Públicos, por vezes por Advogados
contratados e, em algumas situações, por ninguém, o que obriga o Juiz Itagiba Catta
Preta a nomear, por Ofício, um Defensor Público para representar parte dos acusados no
julgamento de primeira instância
37
. Os Procuradores também se revezam na atuação no
37
PH, :1142, Nomeação, pelo Juiz Catta Pretta, de novo Defensor Público, Marcos Antonio Carvalho de
Souza.
121
Caso Haximu, porém isso parece se dar de maneira mais eficaz do que quando um
garimpeiro deixa de ser Defendido por um Advogado contratado e passa a usar os
serviços da Defensoria Pública. Por exemplo, na Defesa Prévia
38
de Waldinéia Silva
Almeida e Wilson Alves dos Santos, não se pode dizer exatamente que tal peça foi
produzida pelo Defensor Público Euflávio Dionízio Lima, que a assina ao menos no
mesmos sentido que, por exemplo, os Procuradores do MPF produzem a Denúncia. O
documento, de apenas uma página, é simplesmente uma espécie de formulário
completado com alguns dados do Processo. Assim, Euflávio Lima somente preenche os
espaços, à máquina de escrever, dos campos - já pré-impressos nome dos RÉUS”,
PROCESSO No. [Número do Processo dado no TRF de Boa Vista]e ARTIGO [A
Lei de que os Réus estão sendo acusados de infringir]”, além da data no final do
formulário. ainda um curto texto (também pré-impresso) que pode ser resumido na
frase os fatos narrados não ocorreram como ali figuram, mas de modo diverso,
conforme provará [o Defensor] no decorrer da instrução criminal”, ao que o Defensor
Público acrescenta, logo em seguida, que arrola as mesmas testemunhas da denúncia”,
carimbando e assinado o formulário. Essa defesa genérica, sem citar qualquer parte do
Processo, mas, de antemão, criticando a Denúncia dos Procuradores, é exclusividade da
Defensoria Pública. Idealmente, mais tarde o Defensor teria que apresentar uma Defesa
Prévia calcada nas provas dos Autos – o que, nesse caso, acaba não acontecendo.
Para os garimpeiros representados por Advogados contratados, a situação difere
um pouco do exemplo dado acima – porém, nenhum documento produzido por qualquer
um dos defensores dos Requeridos chega a alcançar as 40 páginas da Denúncia Inicial
do MPF, por exemplo. Nesse sentido, a Defesa Prévia escrita pelos Advogados Elidoro
Mendes da Silva e Maria Eliana Marques de Oliveira
39
compõe-se de 11 páginas
datilografadas, com a última e eventualmente também a penúltima linha de cada folha
cortadas na feitura da fotocópia que tive acesso no STF. Há, na primeira e parte da
segunda página, a qualificação, como na Denúncia (condição civil, profissão, número de
identidade, entre outros dados), de dois Réus: Pedro Emiliano Garcia e Eliezio Monteiro
Neri, ambos então presos.
38
PH, :647, Defesa Prévia, assinada pelo Defensor Euflávio Dionízio Lima, de Waldinéia Silva Almeida
e Wilson Alves dos Santos.
39
PH, 624:634, Defesa prévia e pedido de liberdade, assinada por Eliodoro Mendes da Silva e Maria
Eliane Marques de Oliveira.
122
A construção do texto dos defensores de Pedro e Eliézio destoa completamente
daqueles produzidos pelos Procuradores: não qualquer citação direta de outros
documentos do Processo; não existe também uma tentativa de teorização, baseada em
pensadores do Direito ou de outras áreas, do que teria acontecido em Haximu assim,
não se entra, em nenhum momento, na discussão judicial do Crime de Genocídio. De
todo modo, para os Advogados, a Denúncia não trata da realidade dos fatos
40
. Adota-
se, nesse documento, um rebuscamento de escrita que beira o pedantismo, ao menos
quando se toma como norte a relativa sobriedade do estilo de escrita de Juízes e
Procuradores. Para dar um exemplo, num preâmbulo batizado de PRELIMINAR DE
FUNDO MORAL (Interesses excusos)”
41
argumenta-se que existem funcionários
públicos que seriam
Pobres diabos ... mostrando ser farinha do mesmo saco dos mais
vestudos dono[s] do poder, neste nosso mundo em branco e preto,
primitivo e maniqueísta, pretendem-se incriminações infundadas,
como se vivêssemos delirando eternamente, numa grande dose de
irracionalidade [...] Torpedeada, a verdade soçobra; o tempo fecha-
se sobre ela como o mar sobre um barco sem rumo”
42
Há aí referência indireta aos Policiais Federais responsáveis pelo Inquérito, e uma
página antes o “poderoso(o termo é usado em todo texto) Delegado Raimundo Soares
Cutrim - primeiro a acusar os garimpeiros de Genocídio, como discuti no capítulo III -
é chamado de “assaltante da verdade”. O Inquérito Policial é tido como uma
verdadeira aberração jurídica
43
, sem, porém, se citar qualquer uma de suas partes. Por
outro lado, diz-se, durante todo o texto, que não foram reunidas provas suficientes para
atestar a culpabilidade dos acusados - mas não se compara ou fazem-se excertos de tais
provas. Assim não há, durante todas as 11 páginas da Defesa Prévia, uma única citação
direta de outros documentos dos Autos. Elidoro Mendes e Maria Eliana argumentam
apenas que as provas recolhidas jamais davam condições para que o douto julgador,
40
Idem, :625.
41
Idem, :626, ênfase do original.
42
Ibid Idem. Não definição no Dicionário Houaiss (ao menos na versão eletrônica) para o termo
“vestudo”; “soçobro é definido como ato ou efeito de submergir, de ir ao fundo”. (Dicionário
Eletrônico Houaiss, versão 1.00, dezembro de 2001).
43
Ibid Idem, 629.
123
acatasse a DENÚNCIA da maneira como a mesma foi enquadrada
44
, mas não
propõem um novo enquadramento para tais provas mesmo porque, como visto, eles
não se importam em trabalhar com as últimas. Relembro aqui a já citada análise de
Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1986) e a idéia de que, numa refrega judicial dentro do
Direito moderno, um ponto a ser levado em consideração é a diferença na capacidade
que cada operador do Direito tem em reinterpretar determinado caso empírico a partir
de um arcabouço legal pré-estabelecido e, é claro, fazer com que tal artifício opere a
favor de seu cliente. Bourdieu argumenta que os bons operadores do Direito o
capables de mobiliser les resources juridiques disponibles par l’exploration et
l’explotation des “regles possibles” et de les utiliser efficacement, c’est-à-dire comme
des armes symboliques, pour faire triompher leur cause” (BOURDIEU, 1986:8).
Nesse sentido, pode-se notar que os textos produzidos pelos representantes
legais dos garimpeiros, fossem quem fossem, não possuem a mesma capacidade de
transmutar provas dispersas num modelo teórico judicialmente embasado, como
fazem os documentos escritos pelos Procuradores Públicos, a exemplo da Denúncia
analisado no capítulo IV. É impossível mapear, somente a partir da leitura do Processo,
qual a causa desse gap entre os documentos produzidos pelos representantes das Partes.
Uma primeira possibilidade é que tal diferença de competência advém, pura e
simplesmente, de um conhecimento maior, por parte dos Procuradores, do Processo em
si e dos códigos legais que potencialmente podem ser usadas para trabalhá-lo. Contudo,
lembro novamente que a defesa judicial dos garimpeiros é inconstante e que, ao que
tudo indica, os Advogados contratados que se prestam a defendê-los parecem não se
empenhar completamente em tal defesa ao contrário dos Procuradores, que
acompanham, como visto no capítulo III até mesmo os Pedidos de Vista do Caso.
Tanto Pedro quanto Eliézio, em seus depoimentos judiciais
45
, acusam os
Policiais Federais e funcionários da FUNAI de os terem coagido a prestar as
declarações que prestaram durante o Inquérito e os advogados lembraram
reiteradamente essas acusações na Defesa Prévia, mas nunca fazem extratos dos
depoimentos em si. Retomo aqui a idéia da cross-examination (GLUCKMAN, 1967 E
1963) discutida no capítulo anterior: a defesa dos Requeridos em momento algum tenta
44
Ibid Idem, 630
45
PH, :615-617, Interrogatório Judicial do garimpeiro Pedro Emiliano Garcia / :618-619, Interrogatório
Judicial do garimpeiro Eliezio Monteiro Neri.
124
cruzar falas e, a partir de então, construir um modelo interpretativo concorrente àquele
produzido pelos Procuradores.
De todo modo, me parece que o esforço maior da citada Defesa Prévia - e
único momento em que se usa citações de pensadores do Direito - é a tentativa de
revogar as Prisões Preventivas de Pedro e Eliezio. Para os Advogados a prisão
preventiva é sempre uma medida judiciária cruel e de exceção
46
. Sem dar a referência
completa da citação, faz-se um excerto da obra O Processo Criminal Brasileiro, de João
Mendes, onde argumenta-se que A PRISÃO PREVENTIVA não é pena, porque a pena
não pode ser imposta sem certeza do delito e de quem seja o delinqüente, isto é, sem
uma decisão final, que produza firmeza do juízo!
47
” Cita-se, nessa mesma página,
alguns outros estudiosos sobre a Prisão Preventiva, mas apenas de maneira indireta, sem
especificar exatamente o que cada um deles argumenta e sem dar as referências das
obras. Além do extrato acima, a única outra citação direta desse documento é a do
“CRIMINALISTA TALES CASTELO BRANCO”, que, em resumo e como João
Mendes, diz que Prisão Preventiva repugna porque todo castigo antecipado é
revoltante e atenta contra a dignidade de pessoa humana [...]
48
.
Apesar do Juiz Renato Martin Prates indeferir inicialmente tal Pedido
49
,
Eliodoro Mendes irá, dias depois, solicitar novamente a revogação das prisões de Pedro
e Eliézio
50
. Argumenta-se então que o próprio Juiz estipulou um prazo de 105 dias para
a finalização da Instrução Criminal (período no qual as Audiências são reservadas para
ouvir-se testemunhas e reunir-se novas provas, agora Em Juízo), quando então negou,
pela primeira vez, a liberdade dos acusados. Nesse novo Pedido, o Advogado argumenta
que
46
PH, :631, Defesa prévia e pedido de liberdade, assinada por Eliodoro Mendes da Silva e Maria Eliane
Marques de Oliveira.Ibid Idem, 631
47
Idem, ênfase do original.
48
Ibid Idem, :632, apud CASTELO BRANCO, Tales. Da prisão em flagrante. nesse caso, também não há
a referência completa da obra.
49
PH, :718, Despacho de Renato Martins indeferindo o Pedido de Revogação da Prisão de Juvenal e
ordenando Carta Precatória para que o garimpeiro Antonio Alves da Cruz, ‘Rabo Grosso’, seja ouvido
no estado do Amazonas.
50
PH, :686-688, Petição de Revogação das Prisões Preventivas de Pedro Emiliano Garcia e Eliézio
Monteiro Neri, assinado por Eliodoro Mendes, sem data legível.
125
hoje fazem exatamente 106 (Cento e seis) dias que os requerentes
estão PRESOS, foram ouvidas 02 (duas) testemunhas [...] faltando
ainda serem ouvidas nada menos que 08 (oito) testemunha[s]
arrolada[s] [...] portanto a instrução criminal apenas foi iniciada e
seu desfecho datíssima vênia não tem previsão final
51
.
Elidoro alega ainda que precisamente hoje estão faltando 04 (quatro) dias para
comemoração do NATAL, data que tradicionalmente todas as famílias do universo se
reúnem para agradecer a DEUS mais uma passagem natalina”, acrescentando, logo à
frente, que não se pode deixar que PEDRO EMILIANO GARCIA E ELIÉZIO
MONTEIRO NERI permaneção [permaneçam] injustamente longe de s[e]us familiares
nesta data tão consagrada por todos
52
.
Pode-se apontar aqui novamente para a idéia, exposta no capítulo anterior, de
que a prática judicial não tem como norte apenas um conjunto de códigos legais ou uma
disciplina acadêmica específica. Quando se escreve para um julgador determinado, é
claro que o conhecimento específico da lei a ser aplicada é essencial (no caso, a que
tange às possibilidades de requerimento da Liberdade Provisória), mas os autores de tais
documentos apelam para uma moral explicitamente extra-legal como na passagem
acima, citando o Natal e Deus para ajudar a alicerçar o Pedido de Liberdade Provisória.
De todo modo, é preciso notar também que tais citações, nos textos dos defensores dos
garimpeiros, aparecem com que ‘descoladas’ dos argumentos propriamente judiciais,
como espécies de ‘enxertos fora-do-lugar’, com uma de natureza diferente do
argumento geral do documento. Relembro que um dos tópicos da Defesa apresentada
por Elidoro Mendes chamava-se “preliminar de fundo moral”. Por outro lado, nos
documentos produzidos pelos Procuradores, essa divisão é quase que imperceptível
porém, como analisei no capítulo anterior, ainda assim presente.
Nesse sentido, Luc Boltanski (BOLTANSKI, 1993) argumenta que há uma
dupla exigência(idem, :102-103) vigente em toda a denúncia pública: primeiramente,
o denunciador tem que se mostrar indignado – mas não tão indignado a ponto de parecer
anormalmente envolvido num caso. Assim, além de indignação, é preciso que ele
construa a denúncia de maneira minimamente objetiva e coerente. Tal análise pode ser
aplicada diretamente para se entender as diferenças entre os textos dos representantes de
51
Idem, :686-687.
52
Ibid Idem, :688, ênfase do original.
126
Requeridos e Requerentes no Processo Haximu. Assim, os Procuradores parecem saber
dosar melhor indignação e objetividade dos os Defensores Públicos e Advogados que
assessoram judicialmente os garimpeiros, construindo um texto mais coerente e menos
pedante ou panfletário.
Voltando ao Processo, Renato Martins acata o Pedido de Elidoro, argumentando,
contudo, que desta decisão é possível que resulte, ao final da ação penal, prejudicada
a aplicação da lei penalmas que é de se reconhecer que, havendo, como de fato há,
excesso de prazo na formação da culpa, devem os requerentes ser postos em
liberdade
53
. Pode-se notar que, em tal Decisão, Renato Martins solta Pedro e Eliézio
um tanto a ‘contragosto’, fazendo questão de deixar claro que ele “não se restringiu a se
reportar às palavras do texto legal, mas deteve-se na análise dos fatos apurados no
inquérito policial, que embasaram o decreto de prisão
54
, que agora ele revogava.
Mostrou-se, assim, cumpridor de uma ação estritamente legal: não se pode deixar
alguém tanto tempo preso sem a certeza absoluta (dada somente pelo Julgamento) de
que essa pessoa é culpada ou que está, de alguma maneira, dificultando o andamento do
Processo coisa que os presos, idealmente, estão impedidos de fazer, motivo da
existência, inclusive, da Prisão Preventiva
55
.
Há, na situação descrita no último parágrafo, uma problemática que, no presente
momento, tenho condições apenas de apontar a complexidade, sem poder desenvolvê-la
de maneira satisfatória. Como chama atenção Michel Foucault (2006), a prisão tornou-
se, gradativamente, a punição modelar no Ocidente. Contudo, lembro aqui a máxima
romana que o Direito moderno diz ter como base: “todos são inocentes até que se prove
o contrário”. Portanto, como argumenta o Advogado Elidoro Mendes e assim também
compreende o Juiz Renato Martins Prates, a punição existe, em termos estritamente
legais, depois de que Judiciário toma alguma decisão sobre determinado caso, ainda que
não seja a última decisão possível. Assim, um Preso Preventivo mandado à cadeia por
policiais não tem, idealmente, qualquer mácula de punição. Porém, na verdade, tal
53
PH, :699-700, Decisão do Juiz Renato Martins deferindo o Pedido de Revogação das Prisões de Pedro e
Emiliano.
54
Idem, :699.
55
Lembro, contudo, que a prisão garante, como argumento um isolamento ideal. Basta citar, como
exemplo os últimos atentados “terroristas” ou “criminosos” nas cidades brasileiras do Rio de Janeiro e
São Paulo, ao que tudo indica organizadas de dentro do aparelho carcerário. Desenvolvo tal idealidade
típica das instituições tidas como estatais ainda nesse capítulo.
127
indivíduo apresenta, de antemão, algum estigma da Criminalidade a ele
potencialmente imputada Criminalidade essa que, contrariando a máxima romana,
será provada a posteriori. A leitura da citada obra de Foucault margem a pensar
que artifícios como a Prisão Temporária, Preventiva ou mesmo Em Flagrante Delito é
uma espécie de ‘pequeno julgamento’, por vezes explicitamente não-judicial. Nesse
sentido, a idéia tipicamente atribuída ao Direito medieval de que uma prova
circunstancial (ou seja, que não define com certeza um culpado) margem a uma
punição também circunstancial, parece não estar completamente superada no Direito
atual.
Por fim, ressalto novamente que os defensores legais dos garimpeiros nunca
estiveram interessados em combater a idéia da Denúncia de que o ocorrido em Haximu
foi um Crime de Genocídio apesar de tal possibilidade poder ter sido levantada a
qualquer momento. Na verdade, a discussão judicial interna ao Processo Haximu não se
baseia na ponderação se teria ou não acontecido um Genocídio, mas sim na
responsabilidade legal para o julgamento de tal Crime. É claro que, no que tange à
construção judicial desse Crime, é central saber quem deve julgá-lo. Contudo,
argumento apenas que os defensores nos Requeridos nunca combateram a idéia de que o
ocorrido em Haximu foi um Genocídio e não múltiplos Homicídios, por exemplo. Por
outro lado, mesmo na discussão da Competência do Genocídio os representantes legais
dos Requeridos ocupam apenas uma posição marginal, como mostrarei a seguir.
II. A sedimentação e a verdade nos Autos
A fim de definir melhor certas categorias analíticas que venho usando sem
maiores discussões, analiso aqui um outro documento dos Procuradores, o Aditamento à
Denúncia inicial do MPF, agora trazendo os nomes completos (e não mais só os
apelidos) dos garimpeiros Francisco Alves Rodrigues, o ‘Chico Ceará’ e João Pereira de
Morais, o ‘João Neto’
56
. havia chamado atenção, no capítulo anterior, que o próprio
Advogado Elidoro Mendes deu vários dados sobre esses garimpeiros, que, antes disso,
56
PH, :811-817, Aditamento à Denúncia feita pelo MPF, com os nomes dos garimpeiros Francisco Alves
Rodrigues, ‘Chico Ceará’, e João Pereira de Morais, ‘João Neto’.
128
eram conhecidos por apelidos
57
. É preciso notar que Franklin Rodrigues e Carlos
Frederico o explícitos em dizer que os garimpeiros aparecem dessa maneira (nome
completo, estado civil, número da identidade, entre outros dados) em tal documento
porque constituíram advogado para se verem defender nos presentes autos, o que
concedeu a oportunidade de, em relação a estes, obter-se a qualificação completa
58
Os Procuradores usam, assim, tais dados para qualificar mais dois acusados,
além de reeditar a narrativa da Denúncia inicial. O foco é tipificar a participação, a
partir principalmente dos depoimentos (judiciais e inquisitoriais) dos novos Requeridos
mas sem se esquecer de colocá-los dentro do Ato Genocida praticado pelos
garimpeiros, citando-se, não raro, trechos inteiros da Denúncia inicial. Por exemplo, o
depoimento inquisitorial de Silvânia dos Santos Menezes, onde ela narra de maneira
detalhada (cf. capítulo III) como um garimpeiro conhecido como ‘Goiano Doido’ matou
uma criança Yanomami, é citado exatamente da mesma maneira que aparece na
Denúncia
59
.
Contudo, não vejo essa repetição como mera verborragia sem sentido ou ainda
simplesmente uma tentativa de dar ênfase a determinadas facetas do Genocídio – apesar
de, em certo sentido, esse último ponto fazer parte do que chamo de sedimentação do
Processo. uma certa liminaridade entre o encerramento do Inquérito e o primeiro
julgamento do Caso (e o Aditamento à Denúncia aqui é um mero exemplo, podendo-se
perceber tal sedimentação mais facilmente à medida que se aproxima da Decisão do
TRF de Boa Vista) onde é possível notar que os autores, cada vez mais, repetem quase
que literalmente passagens inteiras de documentos anteriores. Isso vale tanto para
Requerentes, como para Julgadores e, em determinadas ocasiões, também para os
Requeridos, ao menos quando os defensores desses conseguem manter uma razoável
constância de participação no Processo, como é o caso de Elidoro Mendes, por exemplo.
O que se tenta é instituir uma espécie de ‘platô’ de onde se possa, a partir de
então, partir para novos temas ou discutir algo que depende exatamente desse ‘chão’
para fazer sentido. De todo modo, de se notar que tal sedimentação não ‘engessa’ ou
57
PH, 781-186 Manifestação de Ação Criminal do MPF pedindo: novos mandados de prisão para os
foragidos; que se oficie à PF para fazer diligências a fim de efetivar tais prisões; não condições de
substituir testemunhas.
58
PH, Aditamento à Denúncia (op. cit.), :812, ênfase do original.
59
Idem, :815.
129
‘congela’ a discussão judicial do Genocídio no Caso Haximu. Pelo contrário, ela é a
base dos desdobramentos das argumentações que irão se seguir.
Contudo, não existe apenas uma simples seleta de excertos de depoimentos e de
laudos técnicos que passam sempre a se repetir. Tal sedimentação pode ser notada -
talvez acom mais clareza - no crescente silêncio de vários documentos do Processo
Haximu: tomo como norte aqui os Relatórios que iniciam inúmeros
60
documentos nos
Autos. Essas sinopses ou resumos do que ocorreu no Processo variam com o passar do
tempo: na Sentença
61
em primeira instância do Juiz Itagiba Catta Preta, por exemplo, ele
retoma toda a Instrução (colhimento de Provas) constante nos Autos, tanto no período
judicial quanto no inquisitorial. Catta Preta cita assim todos os nomes dos depoentes
(indígenas e não-indígenas) e os laudos periciais produzidos no Processo como um
todo, além de elencar certas decisões mais anteriores à Sentença, como a soltura de
Pedro e Eliézio, por exemplo. Reforço o termo em todo o Processo porque, depois de tal
decisão, somente discussões relativas às Provas recolhidas: não novos
depoimentos ou pedidos de laudos periciais, finalizando-se, aí, a instrução dos Autos
62
.
Por outro lado, já na instância do TRF em Brasília, o Juiz Tourinho Neto
apresenta o Relatório
63
do Caso Haximu à 3ª Turma desse Tribunal da seguinte maneira:
nas 22 primeiras páginas faz-se um resumo do caso citando-se longas passagens da
Denúncia e do Aditamento dela (op. cit.). Nas duas páginas seguintes, dá-se a posição
dos defensores legais dos garimpeiros, e, por fim, resume-se as decisões, citando-se a
Sentença de Instância e os Recursos posteriores. de se notar que Tourinho Neto,
ao contrário de Catta Preta, o faz qualquer referência ao recolhimento de provas ou a
atos judiciais anteriores à Decisão do TRF de Boa Vista como a soltura de Pedro e
Eliézio, presente na Ementa de Catta Preta. Dentre o vasto leque de exemplos, é
possível ainda comparar o Relatório de Tourinho Neto ao do Ministro Jorge Scartezinni
60
Isso é válido, é claro, para os documentos que tomo como parte do meu recorte de pesquisa (cf.
Capítulo II e início do presente Capítulo).
61
PH, :1163-1208, Sentença, em primeira instância, de Itagiba Catta Pretta Neto, Juiz Federal Substituo
do TRF/RR.
62
É judicialmente possível, em processos em que a instância superior interprete o julgamento anterior
como particularmente confuso ou errôneo, que se inicie novamente o colhimento de provas. De todo
modo, nesse caso, os Autos voltam à instância anterior para que se faça uma nova instrução.
63
PH, : 1609-1641, Relatório dos Recursos impetrados ao TRF/BSB, assinado pelo Juiz Tourinho Neto.
130
do STJ. Nesse documento
64
, o resumo do caso abarca apenas a última decisão do TRF e,
além disso, um pedido de liberdade provisória contra um dos acusados não se cita,
nesse momento, nem mesmo a primeira Sentença do Processo, que condenou os
garimpeiros pelo Crime de Genocídio. Esse silêncio sempre crescente e cada vez mais
fácil de ser notado do que anteriormente acontecera nos Autos – além, é claro, da
repetição de um ‘núcleo duro’ cuja base é, em grande medida, a Denúncia dos
Procuradores - é parte do venho chamando de sedimentação do Processo.
Assim, nesse momento, o está em discussão nem a materialidade das mortes
(já apontadas no Inquérito, principalmente a partir do Relatório de Bruce Albert e não
questionadas depois), nem tão pouco a qualificação de tais mortes como um Genocídio
(teoria levantada pelos Procuradores na Denúncia e que, como tentei deixar claro na
análise dos documentos produzidos pelos defensores dos Requeridos na subseção
anterior, não propriamente criticada por esses últimos). O foco das discussões do
Processo passa a ser, principalmente depois da Sentença de Catta Preta, quem é
responsável pelo julgamento dos acusados de terem cometido tal Crime - e essa
mudança de norte é possível, em grande medida, porque se sedimenta uma discussão
anterior e, a partir dela, passa-se a se preocupar com temas correlatos, mas que até então
não tinham sido discutidos
65
.
É interessante notar que a sedimentação do Processo Haximu tem conseqüências
importantes na maneira como tal documentação é lida por seus próprios construtores:
não se precisa voltar à íntegra dos Autos (e efetivamente não se volta, como me
esclareceu um técnico judicial de Brasília e como a própria evolução dos documentos dá
margem a deduzir) para se tomar uma decisão judicial a partir dele ou para atuar em
favor de alguma das Partes nele representada. As Ementas, Relatórios ou os resumos
feitos no início de cada peça documental são a base do que aconteceu até então e o
64
PH, : :1850-1852, Relatório, à 5ª Quinta Turma do STJ, do Ministro Jorge Scartezzini sobre os Autos.
65
Depois do julgamento de tal competência pelo STF (última instância do Judiciário Brasileiro), ainda
seria possível que os Requeridos apelassem sobre a tipificação do Crime, que tal tema não fora tratado
pelas instâncias superiores ao TRF de Boa Vista. Contudo, para tanto, o Processo haveria de voltar a
Roraima, o Recurso haveria de ser aceito, passar por todos os trâmites que passou na discussão da
competência até se chegar a uma nova decisão do STF, agora sobra a tipificação do delito. É altamente
improvável que os Defensores Legais dos garimpeiros usem esse tipo de Recurso: se todos esses recursos
fossem Conhecidos e aceitos e o tempo de tramitação fosse o mesmo que o levado para o julgamento da
competência do Genocídio (cerca de 13 anos), seus clientes teriam então cumprido toda a íntegra da
pena a eles imputada, excedendo-a em 6 anos. É, assim, bastante provável que, após a decisão do STF o
Processo Haximu volte ao Tribunal de origem (o TRF de Boa Vista) e que não sejam impetrados novos
Recursos.
131
texto que se segue é exatamente o que se quer falar a partir disso. Nesse sentido, a
leitura da primeira à última página do Processo Haximu por um não especialista no
Direito torna-se, principalmente nos últimos volumes, gradativamente mais difícil: o
se apresenta nenhuma prova nova e a discussão passa a ser cada vez mais focada numa
rebuscada (e também constantemente repetida) discussão judicial altamente específica.
O mesmo técnico judicial que me dissera que nenhum julgador lê, do início ao fim, os
Autos que recebe (principalmente se ele trabalha num Tribunal Superior, onde os
processos chegam com vários anos de ‘platôs’ superpostos) disse também, quando
esclareci que iria o Processo Haximu da primeira à última página, que isso o era
uma coisa muita sensata se oferecendo, inclusive, para fazer uma seleta dos
documentos mais importantespara mim. Relembro também que, como havia dito
no capítulo I, uma seleta de documentos no MPF que não corresponde ao Processo
inteiro, estando lá arquivados somente alguns Recursos dos Procuradores e as Sentenças
do Caso.
Portanto e tomando como ego os próprios autores (no sentido das Partes que
produzem documentos, para que não se confunda com o termo jurídico Autores, ou seja,
os Interessados que iniciam uma ação processual qualquer) do Processo - nem tudo que
está ajuntado nos Autos tem a mesma importância: não se todos os documentos e o
embate específico entre Requeridos, Requerentes e Julgadores acaba por delimitar qual
será a base de discussão da disputa em questão. Ressalvo, mais uma vez, que tal ‘chão’
não é imutável, mas reflexo de determinado momento de um embate dinâmico e em
andamento. Lembro aqui que o ‘platô’ específico no qual se assentará o Processo, a
partir de agora, é que verdadeiramente aconteceu um Genocídio na Aldeia Yanomami
de Haximu e que alguns garimpeiros brasileiros (ainda não completamente
identificados) foram seus autores.
Sobre como tal verdade é construída nos Autos, vale analisar mais pontualmente
a primeira Sentença do Processo Haximu: a Decisão do Juiz Itagiba Catta Preta do TRF
de Boa Vista
66
, proferida cerca de três anos depois do início das investigações do Caso
Haximu, em dezenove de dezembro do ano de 1996. Nas quase 50 páginas digitadas da
Sentença, Catta Preta, como disse, enumera todas as provas recolhidas até então no
Processo. Contudo, na construção de seu texto, ele não faz uso de todas elas: a base
66
PH, op. cit., :1163-1200.
132
desse documento (como da Denúncia e do Aditamento dessa última) são os garimpeiros
inquiridos pelos Policiais Federais (e só marginalmente os depoimentos desses aos
Juízes, como deixo claro no capítulo anterior) e os indígenas apontados no Relatório de
Bruce Albert.
Na Sentença, assim como na Denúncia, é possível argumentar que os laudos
periciais não provam a materialidade por si do crime, mas quando ajuntados ao
resto do contexto probatório levam à cabal contastação da materialidade do delito
67
.
Com isso, o Juiz trata de, primeiramente, justificar a já citada distância (tema dos último
capítulo) entre os depoimentos judiciais e os referentes ao Inquérito, no que tange aos
garimpeiros: no caso, por exemplo, de Silvânia Menezes (que, como já dito, tem sempre
o mesmo excerto do depoimento inquisitorial citado), Catta Preta argumenta que tal
testemunha menos detalhes do Genocídio no testemunho Em Juízo porque, como ela
própria reconhece em tal ocasião, estava sendo ameaçada por Pedro Emiliano. Além
disso (e me parece ser esse o argumento central do Juiz para considerar o testemunho de
Silvânia e de outros garimpeiros aos Policiais Federais mais próximo à verdade que
aquele prestado no TRF de Boa Vista), argumenta-se que aquilo que disse [a depoente
então citada] perante a polícia, guarda coerência com o contexto dos autos e é de tal
forma rico em detalhes que merece grande credibilidade
68
. Nesse sentido, se há
contradição, se alguém diz algo que vai contra o que ele havia dito anteriormente e
vale lembrar que tudo que é dito é arquivado em mídia escrita como prova e pode servir
para ‘reavivar’ a memória de depoentes mais esquecidos é possível saber qual versão
é mais verdadeira cruzando-se o que foi então dito com o contexto dos autos”, ou seja,
com o narrado em outros depoimentos e com os documentos produzidos por
especialistas diversos, como médicos e antropólogos. Assim, quando se coloca lado-a-
lado depoimentos de pessoas diferentes, que nunca se viram ou que pouco se conhecem,
mas que narram histórias ‘similares’ – no sentido de que tal similaridade não pré-existe,
mas é baseada num cuidadoso trabalho de análise e escolha dentro de um enorme
universo de provas arquivadas –, então se tem em conta que o que está sendo dito está
mais próximo à verdade.
Uma conseqüência desse tipo de artifício é que as testemunhas se tornam
parcialmente independentes dos testemunhos que prestam: mesmo que se queira
67
Idem, :1174, ênfase minha.
68
Ibid Idem, :1180, ênfase minha.
133
reconhecer que se estava anteriormente mentindo e agora se está dizendo a verdade, não
como ir contra um “contexto probatórioque aponta para outro lado. Marco aqui um
importante ponto, central para a análise de documentos desse tipo: primeiramente, o que
Max Gluckman (op. cit.) chama de cross-examination nos tribunais Zulu, no Direito
ocidental figura como um forte instrumento para acabar com os ‘ouvi-dizer’, com as
falas indiretas e desencontradas, enfim, com as imprecisões dos testemunhos. Faz-se,
portanto, numa espécie de técnica de coerção, onde um depoente, mesmo que queira
negar o que havia dito anteriormente, não tem condições de fazê-lo, que se encontra,
como visto, ‘preso’ na rede de argumentos formada pela examinação cruzada de seu
depoimento com o testemunho de outros indivíduos.
É interessante notar, nesse sentido, que o objetivo de tal análise cruzada dos
depoimentos é a construção de uma verdade a-política. Tal termo é cunhado por
Michael Foucault numa reinterpretação não-psicanalista da famosa narrativa de Édipo,
onde o autor argumenta que tal história é uma maneira de deslocar a enunciação da
verdade de um discurso do tipo profético e prescritivo a um outro discurso, de ordem
retrospectiva, mas não mais da ordem da profecia, mas do testemunho
69
e que,
gradativamente,
o ocidente vai ser dominado pelo grande mito de que a verdade
nunca pertence ao poder político, de que o poder político é cego [...]
de que há antinomia entre poder e saber [...]. Onde se encontra
saber e ciência em sua verdade pura, não pode mais haver pode
político (Foucault, 1996: 50).
Assim, a estratégia para se conseguir ‘descobrir’ se alguém fala ou não a verdade
num tribunal fixa-se no pressuposto de que aqueles que testemunham têm preocupações
políticas (como tentar esconder seu verdadeiro nome para não ser acusado, se ver
ameaçado por um dos acusados ou tentar proteger amigos, para citar algumas situações
presentes no Processo Haximu) que devem ser anuladas no modelo de colhimento de
provas típico do Direito contemporâneo, visando então chegar-se a uma verdade mais
pura. Penso ser por tal razão que um dos depoimentos que Catta Preta considera como
particularmente importante é o do chefe de garimpo José Altino Machado, “que é
pessoa conhecida em todo Estado de Roraima e na Amazônia por sua persistente
atividade em defesa do garimpo e dos garimpeiros”, mas que, ainda assim, confirma
69
FOUCAULT, 1996, :40, ênfase minha.
134
que os garimpeiros no ataque dos índios são efetivamente aqueles que constam na
denúncia
70
.
Assim, se um depoente que teria, segundo o Juiz, todos os motivos propriamente
políticos para falar a favor dos garimpeiros, acaba fazendo exatamente o contrário, essa
pessoa pode estar dizendo a verdade. Pode-se, nesse ponto, retomar o paralelo com o
estudo de Luc Boltanski (BOLTANSKI, 1993) sobre a indignação e o sofrimento à
distância: o testemunho de José Altino é importante porque ele é um potencial protetor
dos garimpeiros perseguidores. Altino compartilha com esses últimos uma mesma
profissão ou ofício e, além disso, uma mesma postura política na defesa da garimpagem.
Ainda assim, contrariamente a qualquer previsão baseada em sua inserção política, ele
afirma que os garimpeiros listados pelos Procuradores na Denúncia são realmente
aqueles que genocidaram os indígenas de Haximu. Ele se apresenta, portanto, como
uma testemunha completamente descompromissada, em termos políticos.
Por outro lado, quando um acusado se repete sozinho em diferentes depoimentos
(como no exemplo de Pedro Emiliano, sempre negando sua participação no Crime em
todos os depoimentos), isso é interpretado como uma insistente tendência a mentir, já
que o contexto probatório” aponta para uma história diferente ainda que algumas
testemunhas não acusassem diretamente Pedro Emiliano, ou que ainda o acusassem num
momento e negassem em outro, como mostro no capítulo anterior. Ressalto ainda que
tal artifício é o mesmo daquele adotado pelos Procuradores que construíram a tese de
que o acontecido em Haximu foi um Crime de Genocídio e não simplesmente uma
Chacina ou Massacre e aqui vale retomar a citada idéia, também de Foucault, de
que o Direito não visa simplesmente saber o que aconteceu, mas também porque tais
coisas aconteceram, a fim de poder dosar a punição a ser aplicada na correção da
‘alma’ dos desviantes (Foucault, 2006).
Por fim, a Sentença do TRF de Boa Vista acaba por adotar tal tese principal da
Denúncia, explicando que os garimpeiros acreditaram que a única alternativa [depois
da primeira agressão dos Yanomami] era o extermínio dos índios
71
. Para Catta Preta,
sua fúria [dos garimpeiros] não se dirigia contra nenhum silvícola especificamente,
mas para todos os membros do grupo étnico
72
. Contudo, todos os réus são absolvidos
70
PH, op. cit., : 1179.
71
PH, op. cit, :1173.
72
Idem, :1174.
135
do Crime de Contrabando, já que no mínimo é de exigir-se a apreensão da mercadoria
contrabandeadae do Crime de Ocultação de Cadáver, pois indícios de tal delito
nos Autos, e o provas cabais
73
. Para Catta Preta, os Crimes de Associação para o
Genocídio e Formação de Quadrilha ocorreram, mas são absolvidos pelo de genocídio,
não cabendo, assim, condenação nas penas desses crimes
74
. Da gina 1177 a a
1194 o Juiz, a partir exclusivamente dos testemunhos (já que os laudos periciais o
dão margem para tanto), tipifica qual foi a participação de cada um dos acusados no
Genocídio. Noto, novamente, que os laudos periciais, apesar de também entrarem no
exame cruzado das provas, são tidos como evidências menos importantes. É interessante
notar aqui que Gluckman argumenta, sobre as testemunhas Lozi e a examinação
cruzada, que
its importance is heightened for Lozi judges because, to establish
guilt or innocence, they have not the support of detectives or of a
technology of expertise on fingerprinting, handwriting, blood test,
etc.(GLUCKMAN, 1967, :85).
Contudo, mesmo em contextos onde o suporte tecnológico de especialistas
para produzir provas, o exame cruzado pode continuar sendo central que é ele que
dá coerência às próprias provas técnicas. Um exemplo bastará para deixar tal ponto mais
claro: no Laudo Pericial que identifica a ossada de uma jovem índia, os peritos dizem
que ela faleceu devido a uma série de disparos de espingarda tipo cartucheira, além de
um golpe de instrumento cortante na cabeça. Porém, tais dados não seriam de grande
validade se não houvesse a possibilidade de cruzá-los com o testemunho de vários
indígenas de Haximu, dando conta que deixaram o corpo de uma jovem na mata, ferido
à bala e com profundo corte na cabeça, pois ela não tinha parentes entre os que
empreendiam a fuga.
Assim, Catta Preta adota o seguinte modelo geral de análise dos testemunhos:
‘disseca-se’ o que foi dito em todos os depoimentos (judiciais e inquisitoriais) sobre
determinado acusado, qualificando-se a testemunha por ouvi falar por um desconhecido,
73
Ibid Idem, :1169-1170 e :1194.
74
Ibid Idem, :1200.
136
ouvi falar por alguém que pode ser qualificado ou por realmente ter presenciado aquilo
que está sendo dito e, além disso, opera-se a citada comparação cruzada entre
testemunhos, marcando-se, assim, as similaridades entre testemunhos. A ordem que
acabei de descrever comporta, como se pode deduzir, uma hierarquia: quanto mais
direta e reiteradamente alguém é citado como partícipe, mais ria é tida a acusação. O
balanço final, sobre os acusados, é que muito pouco, quase nada mesmo, contra
esta acusada [Waldinéia Silva Almeida], não sendo possível identificar, como
segurança, qual sua possível participação no crime
75
”, já que Waldinéia é citada poucas
vezes mas, por outro lado, ela é usada como uma testemunha direta do Genocídio,
que era cozinheira dos garimpeiros acusados e ouviu eles próprios organizarem a
empreitada criminosa. Sobre Wilson Alves dos Santos, Catta Preta diz que “ao que tudo
indica [depois de citar três depoentes], esse acusado foi baleado no segundo ataque
dos índios, tendo sido removido para Boa Vista. Seus companheiros de garimpo,
acreditando que o mesmo [h]ouvera morrido em decorrência dos ferimentos recebidos,
organizaram a expedição em que ocorreu o segundo ataque [dos garimpeiros]
76
,
absolvendo-o também de todas as acusações – mas, como no caso de Waldinéia,
também usando seu testemunho para incriminar os outros acusados.
Sob a dosagem das penas, fora Pedro Emiliano Garcia, as dos outros
sentenciados identificados (João Pereira de Morais, Francisco Alves Rodrigues,
Eliézio Monteiro Neri e Juvenal da Silva) seguem a seguinte fórmula: 15 anos de
reclusão pelo Crime de Genocídio, agravada em 1/6 por não se ter dado chance de
defesa às vítimas o que soma mais 2 anos e 6 à pena básica. Soma-se, por fim, mais 6
meses de detenção pelo Crime de Dano Qualificado (os garimpeiros tocaram fogo nos
nas construções e pertences nos Yanomami), o que totaliza uma pena de exatos 20 anos
de reclusão. Porém, Pedro Emiliano tem mais 6 meses a cumprir de prisão pois pôde-se
assegurar, pela análise cruzada dos depoimentos, que ele participou pessoalmente da
organização e execução de todo o Genocídio, devendo então ficar preso em Regime
Fechado, de início, por 20 anos e 6 meses. Finalizando a Sentença, Catta Preta manda
que se expeçam os Mandados de Prisão e que sua Decisão seja publicada no Diário da
Justiça
77
.
75
Ibid Idem, :1194.
76
Ibid Idem, :1193.
77
Ibid Idem, : 1201-1207.
137
III. A reviravolta
Antes de partir para o Julgamento na 2ª instância do TRF, já agora em Brasília, é
preciso notar que a Polícia Federal consegue prender João Pereira de Morais em 19-12-
1996 - na mesma data, portanto, que é realizada a Audiência que condena esse
garimpeiro
78
. Pelos documentos que estão nos Autos, é impossível saber se existe algum
tipo de comunicação especial entre funcionários do TRF e da PF, porém, é certo que
João Pereira tinha, junto a outros garimpeiros, sua prisão decretada há muito tempo e
ainda não cumprida pelos Policiais. Elidoro Mendes tenta revogar tal prisão
79
, alegando
que João Pereira, mesmo condenado, deveria aguardar o julgamento final no mínimo em
prisão domiciliar, que é réu primário, com residência fixa e sem antecedentes
criminais. Dessa vez o Pedido de Elidoro o surte efeito
80
. de se notar ainda que,
nesse mesmo documento, o Advogado recorre da Sentença de Cata Preta, sem contudo
citar diretamente qualquer parte dos Autos, como é comum nos documentos dos
representantes dos garimpeiros. Elidoro argumenta quea odiosa sentença [...]
firmou-se unicamente nos depoimentos do[s] Réu[s] ELIÉZIO MONTEIRO NERI,
SILVANIA SANTOS MENEZES E MANOEL SOARES
81
o que, mesmo numa leitura à
primeira vista da Sentença, não se confirma. De todo modo, João Pereira será o único
dos condenados que chegará ainda preso ao último recurso possível no Processo, cerca
de 10 anos depois da primeira Decisão, proferida pelo juiz Catta Preta.
Os Procuradores do MPF também recorrem da Sentença do TRF de Boa Vista,
tentando, então, que os absolvidos (Waldinéia da Silva e Wilson Alves) fossem
condenados e que os já condenados fossem também sentenciados pelos delitos que Catta
78
PH, : 1217, Ofício do Delegado da PF, William Victor de Almeida Ramos, comunicando a prisão de
João Pereira de Morais.
79
PH, :1220-1227, Recurso à próxima instância do TRF e Pedido de Liberdade Provisória a favor de
João Pereira, assinado por Elidoro Mendes.
80
PH, :1474-1475, Despacho e Decisão do Juiz Carlos Alberto, pedindo o desentramento de folhas dos
autos e não recebendo o recurso dos condenados foragidos, além de negar o pedido de Liberdade de
Elidoro.
81
Op. cit., :1224.
138
Preta os absolveu
82
. aqui de se fazer um breve parêntese: os Recursos, no Direito
brasileiro, são primeiramente Conhecidos pela instância inferior, que analisa
genericamente se eles têm a ver com o tema até então discutido no processo. Assim,
nesse momento, não se julga quem tem ou não razão, mas apenas se o Recurso é
minimamente coerente com o resto dos autos. Depois de Conhecidos, julga-se, em
outro tribunal, se deve-se ou não Dar Provimento ao Recurso. Com isso, tanto a
Apelação do MPF quando a do Defensor de João Pereira (os outros condenados não
recorrem e estão, nesse momento, foragidos) serão enviadas
83
ao TRF de Brasília, sede
da 2ª instância desse Tribunal, sendo julgadas em conjunto – ambas são, portanto,
Conhecidas. É possível notar que a mesma leva de Mandados e Despachos para que a
Polícia Federal fizesse novas diligências (cf. Capítulo IV) se repete aqui, agora pela
última vez - sem contudo se conseguir achar ninguém além de João Pereira e Pedro
Emiliano
84
.
O Processo então será distribuído à Turma do TRF de Brasília, tendo como
Relator o Juiz Tourinho Neto
85
. Nesse novo Tribunal, muda-se o carimbo onde é
inscrita a numeração das folhas dos Autos, mas inicia-se exatamente no número
posterior ao dado pelo TRF de Boa Vista. Os Interessados precisam, nessa nova
instância, embasar outra vez seus Recursos e os que foram apresentados em Roraima
são ajuntados ao Processo, mas serviram somente para o Conhecimento dos textos na
instância anterior. A Apelação Criminal do MPF é, fora as últimas páginas que trazem a
citação da Sentença de Catta Preta e a argumentação de que se deve condenar os
absolvidos e sentenciar os condenados pelos Crimes não considerados no julgamento
em Boa Vista, exatamente o mesmo texto da Denúncia
86
. Nesse momento, a única
novidade, fora os Pedidos de Vista e ações mais burocráticas que propriamente
82
PH, :1461, Recurso do MPF à segunda instância.
83
PH, :1521, Despacho do Juiz Carlos Alberto Simões para que os autos sejam remetidos à outra
instância do TRF (Brasília), admitindo os Recursos.
84
Não citarei todos os documentos que compõe tal leva de Mandados e Despachos. A referência completa
deles pode ser encontrada na página 20 do Anexo da presente dissertação.
85
PH, :1522, Termo de Distribuição do Processo na nova instância (TRF/BSB); o Juiz Tourinho Neto, da
3ª Turma, é o Relator.
86
PH. : :1528-1568, Recurso do MPF à nova instância do TRF (BSB), assinado por Carlos Frederico
Santos, Franklin Rodrigues da Costa e Luciano Mariz Maria.
139
judiciais, é um Ofício de Carlos Alberto, Juiz do TRF de Boa Vista, comunicando a
nova prisão pela PF de Pedro Emiliano Garcia
87
.
Antes de passar à análise dos últimos Recursos possíveis no Caso Haximu
aqueles apresentados aos Tribunais Superiores, o STJ e STF, também em Brasília
cabe dar conta de uma reviravolta nos Autos: a anulação da Sentea de Catta Preta e a
Decisão, da Turma do TRF de Brasília, em mandar o Processo de volta a Roraima
para que ele fosse julgado não por um Juiz Singular, mas pelo Tribunal do Júri. Há de se
notar que, até aqui, os defensores legais dos garimpeiros não discutem a competência
para o julgamento do Crime de Genocídio nem tão pouco a qualificação feita desse
Crime.
Quem põe em jogo a Sentença do TRF de Boa Vista são os próprios julgadores
do TRF de Brasília e, depois disso, tal idéia é ‘adotada’ nos argumentos dos
Requeridos ao último Recurso possível. Essa reviravolta não se faz apenas contra os
argumentos dos Procuradores do MPF, mas também contra o Voto do Relator do
Recurso, o Juiz Tourinho Neto. Nesse documento
88
Tourinho Neto apresenta a mesma
idéia de Catta Preta de um Contexto dos Autos, argumentando que não dúvidas de
que [os índios] foram mortos [...] A prova testemunhal é uniforme, precisa, categórica,
não deixando margens para dúvida
89
. Sobre o argumento de Pedro Emiliano, que diz
ter assinado seus testemunhos à PF porque foi agredido pelo Delegado Cutrim,
Tourinho Neto alega que
O depoimento do referido acusado, além de concatenado, claro, está
perfeitamente ajustável aos fatos apurados e está corroborado com as
87
PH, : 1570, Ofício do Juiz Carlos Alberto (TRF/RR) para o Juiz Tourinho Neto (TRF/BSB)
comunicando a prisão de Pedro Garcia. Pedro, Garcia, como não recorre, consegue usufruir das
vantagens dadas aos condenados primários. À época do julgamento do último Recurso do Defensor Legal
de João Pereira, Pedro Garcia, já condenado, está então livre. João, como não foi condenado e possuiu seu
caso ainda em julgamento, não tem as mesmas vantagens, continuando preso.
88
PH, :1646-1696, Voto do Relator dos Recursos ao TRF/BSB, o Juiz Tourinho Neto, em desfavor dos
acusados. de se notar que o documento anterior, o Relatório do Caso apresentado à Turma do
TRF/BSB (:1609-1641) toma como base a Denúncia do MPF para resumir o Processo. Lembrando que tal
documento é a única interpretação dada às provas por uma das Partes (já que, como visto no início do
presente capítulo os Defensores dos Garimpeiros não se preocupam, ao menos nos documentos, em
esmiuçar depoimentos e laudos), o Relatório como um todo é uma espécie de resumo ou ementa da
Denúncia.
89
PH, :1649, Voto do Relator dos Recursos ao TRF/BSB, o Juiz Tourinho Neto, em desfavor dos
acusados .
140
declarações dos demais acusados e testemunhas. Não contradição.
Não é uma prova isolada
90
.
Depois de citar excertos de praticamente todos os indígenas apontados no Relatório de
Bruce Albert
91
como sobreviventes e testemunhas diretas do Genocídio, o Juiz diz que
tem como comprovado que os acusados [todos os Denunciados pelo MPF, menos
Waldinéia e Wilson] cometeram a infração prevista [Genocídio]”. Sobre os dois
absolvidos em Boa Vista, Tourinho Neto argumenta que não provas de os mesmos
tivessem participado das chacinas”, citando, logo depois, um excerto da Sentença de
Catta Preta
92
. Por fim, alega-se, como havia feito Catta Preta anteriormente (e, nesse
momento, em desfavor parcial ao Recurso do MPF), que o Crime de Associação para o
Genocídio é independente do de Genocídio em si.
Por outro lado, analisando pela primeira vez em todo o Caso o depoimento do
Delegado Miguel Ângelo Peliccel, responsável pelo Inquérito antes de Cutrim e que
coordenou a incursão dos Policiais ao que restou da Aldeia de Haximu, Tourinho Neto
conclui que se deve aumentar a pena do Crime de Dano em mais alguns meses para
todos os condenados na Instância
93
. Contudo, ninguém da Turma do TRF/BSB
acompanha o Voto do Juiz Relator. Assim, sem nenhum tipo de intervenção anterior por
parte dos defensores dos Requeridos (ao menos que pudesse ser notada nos documentos
ajuntados nos Autos), o Juiz Osmar Tognolo argumenta, em uma única página (o voto
de Tourinho Neto tinha 52), que padece de nulidade absoluta a sentença proferida
pelo ilustre magistrado de primeiro grau [Itagiba Catta Preta], por não possuir ele a
competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida, competência do júri”.
Como todos os outros Juízes votaram com Osmar Tognolo, decreta-se então “a nulidade
da sentença, determinando o retorno dos autos à vara de origem [...] ficando
prejudicado o exame das apelações interpostas
94
. Assim, pode-se deduzir que Osmar
Tognolo, na leitura do Processo, identificou um erro na tramitação do Caso que é
primário e autônomo à discussão propriamente teórica sobre o Genocídio: um erro
90
Ibid Idem, :1663.
91
Ibid Idem, 1668-1685.
92
Ibid Idem, 1685.
93
Ibid Idem, :1689-1695.
94
PH, :1701, Voto do Juiz Revisor dos Recursos ao TRF/BSB, Juiz Osmar Tognolo, dando competência
ao Tribunal do Júri para julgamento do caso.
141
básico de tramitação no Processo, já que o Crime, como atenta contra a vida das
pessoas, não poderia ser julgado por um Juiz Singular, mas sim pelo Tribunal do Júri.
Por fim, é preciso notar aqui que o Código de Processo Penal (CPP)
95
, no artigo
74, diz que o Tribunal do Júri é responsável por julgar os seguintes artigos do Código
Penal (CP)
96
: o 121, parágrafos 1 e 2 (matar alguém com intenção de cometer tal Crime,
ou seja, dolosamente); o 122 (“induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
auxílio para que o faça”); o 123 (“matar, sob a influência do estado puerperal, o
próprio filho, durante o parto ou logo após [o parto]”); o 124 (“provocar aborto em si
mesma ou consentir que outrem lho provoque”); o 125 (“provocar aborto, sem o
consentimento da gestante”); o 126 (“provocar aborto com o consentimento da
gestante”); e o 127 (artigo que agrava as penas do 126 e 125 em caso da gestante morrer
ou sofrer alguma lesão grave durante o aborto). Como se pode notar, não qualquer
referência à Lei de Genocídio
97
. Porém, como argumentei anteriormente no capítulo
IV, as penas dessa última Lei são dadas pelo CP, onde se usa o artigo 121 (matar
dolosamente alguém) e o 125 (provocar aborto) para se punir o Genocídio em si e o
impedimento de nascimento no seio do grupo genocidado. Todos são artigos do CP
julgados não por um Juiz Singular, mas sim pelo Tribunal do Júri, como define o CPP.
IV. O STJ e o “bem jurídico tutelado”
Os últimos dois Tribunais pelos quais passa o Processo Haximu têm sede
também em Brasília: o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a instância máxima do
Direito brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe esclarecer, em termos
legais, o que leva um processo a ser julgado nesses Tribunais. Os ministros do STJ
devem tratar dos casos em que conflito de sobre a legislação infra-constitucional, ou
seja, situações em que exista desavença interpretativa no que tange a leis específicas,
como a Lei do Genocídio, o CP, o CPP ou ainda o Estatuto do Índio que são todos
95
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm em 11/09/2006
96
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm em 18/7/2006.
97
Lei Especial n. 2889/56,
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L2889.htm, em 18/7/2006.
142
códigos legais infra-constitucionais anteriores à atual Constituição Federal (CF), que
o Estatuto pós-88 ainda hoje tramita no Congresso Nacional. Contudo, em termos
hierárquicos, é a Constituição que lhes é anterior toda a legislação do Brasil é, ao menos
idealmente, por ela organizada. É possível, inclusive, que se decida contra um lei
específica (infra-constitucional) para se manter um principio de julgamento que é dado
por idéias gerais contindas na Constituição. Assim, o Supremo Tribunal Federal é
responsável por dirimir dúvidas que tenham como base a interpretação da Constituição
Federal brasileira. Adianto que a atual CF, no artigo 5º, inciso 33, alínea ‘d’, resume que
a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vidaé do Tribunal do
Júri
98
.
O Embargo de Declarações
99
interpostos pelos Procuradores Franklin Rodrigues
da Costa, Luciano Mariz Maia e Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira resume toda
a discussão judicial que se seguirá no STJ e STF. Nesse documento os Procuradores
perguntam se a Turma do TRF/BSB haveria, pela primeira vez em todo o Processo,
criticado a tese, nem mesmo colocada em xeque pelos Defensores Legais dos
garimpeiros, de que o ocorrido em Haximu não foi propriamente um Genocídio, mas
uma série de crimes dolosos contra a vida
100
, ou seja, de homicídios múltiplos. Na
interpretação dos Procuradores, não como concluir [que] se trate de crime diverso
daquele capitulado na denúncia
101
. Então, não se admite que se qualifique o
genocídio como crime contra a vida [...] No genocídio, o bem jurídico tutelado não é a
vida, mas a etnia
102
. A fim definir melhor o que seria o tal bem jurídico tutelado”, os
Procuradores comparam o Crime de Genocídio com o de Latrocínio. Vale aqui outro
breve parêntese: O CPP (op. cit.) define o Latrocínio em um dos parágrafos do artigo
157, ou seja, dentro do mesmo artigo em que se tipifica o crime de assalto. Nesse
98
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
em 06/11/2006.
99
PH, :1706-1711, Embargo de Declarações do MPF, assinada pelos Procuradores Franklin da Costa,
Luciano Maia e Deborah Duprat (VIII, :1706-1711). O Embargo de Declaração é o último Recurso
possível em determinado tribunal, no caso o TRF Região (que abarca Brasília e Roraima, entre outros
Estados). Tal Recurso visa elucidar algum ponto obscuro levantado por uma das partes, mas
explicitamente ignorado pelos julgadores em uma decisão judicial. Fui informado por um analista judicial
que quase nunca tal Recurso prospera.
100
Idem, :1708.
101
Ibid Idem, :1709.
102
Ibid Idem; em negrito e sublinhado, ênfase minha; em negrito, ênfase do original.
143
sentido, o Latrocínio não é exatamente um assassinato, mas um assalto qualificado.
Nesse caso, o bem jurídico tuteladonão é a vida, mas um tipo especial de assalto o
que não impede que esse crime seja punido com 20 a 30 anos de reclusão, pena mais
severa que a do simples Homicídio, punido com 12 a 30 anos. de se notar que esse
último Crime não está entre aqueles que são julgados pelo Tribunal do Júri (cf. acima),
que não é tido exatamente como um delito contra a vida e sim uma tentativa de
roubo que acaba na morte da vítima.
Será exatamente esse o argumento dos Procuradores nesses dois últimos novos
Recursos: o simples fato de determinado crime envolver assassinatos ou perdas dolosas
de vidas humanas não quer dizer que ele tenha, obrigatoriamente, que ser julgado pelo
Tribunal do Júri. O que precisa ser notado é qual o Bem Jurídico Tutelado na construção
de tal crime: caso seja a Vida, então o responsável pelo julgamento é o Tribunal do Júri.
De todo modo, mesmo havendo mortes, se a intenção, se o ímpeto do desviante nessas
mortes é diferente de simplesmente assassinar determinado indivíduo (ou indivíduos)
que é, por algum motivo, seu desafeto pessoal, então a competência não é mais do Júri,
mas sim de um Juiz Singular. Nesse sentido, o argumento de se corrigir a vontade do
criminoso mostra-se presente já na construção do crime, na dosagem da pena e nas
discussões judiciais que têm lugar ainda nos tribunais
103
.
Assim, o MPF i oferecer o Recurso Especial ao STJ e o Recurso
Extraordinário
104
ao STF tendo como base os argumentos que mapiei acima. de se
ter em mente que esses dois textos são praticamente idênticos: muda-se apenas o título
inicial de cada Recurso, mas o bojo do documento é exatamente o mesmo. Isso porque
nesse momento os Procuradores alegam que a decisão do TRF de Brasília vai contra o
CPP (uma lei infra-constitucional, sendo sua interpretação de responsabilidade do STJ)
e também a CF (que, como visto, tem sua aplicação elucidada pelos Ministros do STF).
O que há aí de novo no que tange à argumentação judicial do Crime de Genocídio é que
os Procuradores alegam que “é evidente que os Yanomami não virão a integrar eventual
103
Como havia argumentando anteriormente, o sistema carcerário, depois da adoção gradual da prisão
como a punição por excelência, mudou também o ideal da pena: não se quer mais marcar os corpos dos
desviantes, mas principalmente endireitá-los, reeducá-los, fazer com que se deixe de lado uma vontade
destrutiva ou anti-social e que se retome um estado de consciência que o seja danoso nem para o
desviante nem para aqueles que o cercam (FOUCAULT, 2006). Só a título de exemplo, João Pereira
manda ao STF uma carta assinada por ele próprio, pedindo mais celeridade no julgamento do seu caso
nesse Tribunal (PH , :2010); abaixo de sua assinatura, pode-se ler o termo “reeducando”.
104
PH, :1722-1742, Recurso Especial ao STJ, apresentado pelo MPF; Recurso Extraordinário ao STF,
:1744-1763.
144
corpo de jurados”, pedindo-se, então, que se casse o acórdão
105
recorrido [da
Turma do TRF/BSB] , de forma a considerar competente o juízo singular, e determinar
ao Tribunal Regional Federal que prossiga no julgamento do mérito das apelações
106
.
de se notar que os índios Yanomami não figuram judicialmente nem como
testemunhas, nem tão pouco podem ser sorteados para compor um corpo de jurados,
não que não possuem certidão de nascimento, carteira de identidade ou profissão
registrada.
O Recurso Especial dos Procuradores é Conhecido no STJ, o sem as contra-
razões de Pedro Luiz de Assis, Advogado com escritório em Brasília e que foi
subdesignado por Eliodoro Mendes, nessa nova instância, como Defensor Legal dos
Requeridos. Pedro de Assis argumenta que a Decisão do TRF/BSB é “bem lançada [...]
de acurado e percuciente exame preliminar
107
. Além disso, é tal Defensor que chama
atenção para o dado que, no CPP, em caso de conexão de conduta punível outra com
crime doloso contra a vida, prevalece a competência do júri para julgar tais crimes a
ele conexos”. Por fim, Pedro de Assis pede a manutenção do referido acórdão, por
seus próprios fundamentos jurídicos
108
.
O Relator do Processo Haximu no STJ é o Ministro Jorge Tadeo Flaquer
Scartezzini. É ele quem recebe a Certidão de Óbito de Francisco Alves Rodrigues, o
‘Chico Ceará’
109
, até então foragido. Francisco Alves morreu de parada respiratória,
asfixia mecânica, afogamento”. Segundo o depoimento de Luzilene Morais da Silva
110
,
sua companheira, Francisco Alves afogou-se num garimpo de nome Entre Rios, estado
de Roraima. Nesse meio tempo, Pedro de Assis pede a Liberdade Provisória de João
Pereira de Morais, alegando que, agora que é nula a Sentença de Catta Preta, o seu
recolhimento [de João Pereira] à prisão deve-se à custódia preventiva decretada por
105
Como havia esclarecido no capítulo I, Acórdão é a decisão de um colegiado de julgadores sobre
determinado caso ele faz par com a Sentença, que é a decisão de um único juiz baseada ou o num
corpo de jurados.
106
Op. cit, Recurso Especial ao STJ, :1741-1742.
107
PH, :1765-1768, Contra-Razões de Pedro de Assis ao Recurso Especial do MPF.
108
Idem, :1766-1767. Tal argumento está no artigo 78, inciso I do CPP. de se notar aqui que não
existem mais documentos datilografados nos Autos: Eliodoro Mendes ainda entregava alguns Pedidos
nesse formato, mas Pedro de Assis passa a produzir todos os textos impressos em computador, como
juízes e procuradores.
109
Certidão de Óbito de Francisco Alves Rodrigues, o ‘Chico Ceará’, falecido em 18/07/1999, :1807
110
Termo de Declarações à PF de Luzilene Morais da Silva, companheira de Francisco Alves, :1811.
145
juiz incompetente
111
. No seu Voto, o Ministro Jorge Scartezzini argumenta que deve
apenas julgar o Recurso interposto pelo MPF, mandando que se consulte o TRF de Boa
Vista sobre a Liberdade Provisória de João Pereira
112
. Nesse mesmo documento,
Scartezzini resume o Processo Haximu da seguinte maneira: cita-se o Voto contrário de
Osmar Tognolo, acompanhando as Decisões nos Autos (Pedidos de Liberdade e
Recursos) até o julgamento presente, do qual ele é Relator
113
. Ressalto que o Ministro
não volta aqui nem mesmo na Decisão de Catta Preta que condena os garimpeiros,
apesar de, como mostrarei, estar de pleno acordo com ela. Jorge Scartezzini trabalha,
em seu Voto, basicamente com os mesmo autores dos Procuradores do MPF na
Denúncia. Ele faz o mesmo uso que estes últimos fazem de Fredrik Barth (cf. Capítulo
IV), cita as mesmas passagens do Relatório de Albert, acrescentando, logo depois, o
pronunciamento do falecido Senador SEVERO GOMES”, onde conta-se a visita do
Senador a uma maloca Yanomami de Paapiú (não referências bibliográficas),
narrando-se que tal local
Parece um cenário de Guerra do Vietnã. De cinco em cinco minutos
um avião pousa e decola. [...] Junto à ponta da pista está a maloca
dos Yanomami, antes cercada pelo vôo de pássaros e borboletas. O
barulho é infernal. É impossível conversar dentro da maloca”
114
Em resumo, Jorge Scartezzini entende, como os Procuradores, que o Crime de
Genocídio atenta contra um grupo humano específico, como chama atenção o
“professor polonês LEMKIN
115
, autor também trabalhado na Denúncia do MPF. Por
fim, Scartezzini vota pelo provimento ao Recurso dos Procuradores, reformando o
ácordão a quo [que decidiu pela anulação da Sentença de Catta Preta], [declara,
então] a competência do Juiz Singular Federal para apreciar os delitos arrolados na
Denúncia
116
”. Ao contrário do que ocorreu na Turma do TRF, no STJ a [5ª] turma,
111
Pedido de Liberdade Provisória, assinado por Pedro Luis de Assis, de João Pereira, :1826.
112
Relatório e Voto do Ministro Jorge Scartezzini à 5ª Quinta Turma do STJ, :1853.
113
Idem, :1850-1851.
114
Ibid Idem, :1856-1857.
115
Ibid Idem, :1860, ênfase do original.
116
Ibid Idem, :1864, ênfase do original.
146
por unanimidade, conheceu o recurso e lhe deu provimento
117
, ou seja, todos os outros
Ministros votaram com Jorge Scartezzini, anulando a anulação da Decisão do TRF de
Boa Vista proferida anteriormente e restituindo, assim, a Sentença de Catta Preta. O
último Recurso possível nesse momento caberia ser escrito então pelo Defensor dos
Requeridos, o Advogado Pedro de Assis, visando a última instância julgadora do
Direito brasileiro: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse Tribunal, o Pleno do STF decide, “por unanimidade, negar provimento ao
recurso, nos termos do voto do relator
118
. A tramitação do Processo Haximu no STF
parece ter sido particularmente vagarosa, já que o primeiro ministro que recebe os Autos
aposenta-se meses depois. O Processo é então repassado ao Ministro Cezar Peluso, que,
depois de analisa-lo, decide remete-lo ao Pleno, ou seja, a junção das duas turmas de
ministros do STF. Nesse interregno passam-se mais de 4 anos, até a definição, por
unanimidade do Pleno, da competência do Juiz Singular para o julgamento do Crime de
Genocídio o que, como argumentei anteriormente, não é uma decisão que deva ser
obrigatoriamente seguida por todos os julgadores de instâncias inferiores ao Supremo
Tribunal Federal. Há de se notar que, na fotocópia que me fizeram no STF, não obtive o
Voto de Cezar Peluso, tendo contato apenas com seu Relatório que, em resumo, cita
apenas o Acórdão do STJ reformando a reformadora decisão do TRF/BSB, e dando
ciência de algumas outras manobras jurídicas, como os Pedidos de Liberdade ou a
própria Apelação feita por Pedro de Assis ao STF. Só notei que o Voto de Peluso estava
faltando quando havia voltado de Brasília ao Rio de Janeiro. Ligando no STF, fui
informado que tal documento estava, à época, no Gabinete do Ministro para que fosse
revisado e, por fim, definitivamente ajuntado ao Processo. Os Autos, depois de terem as
fotocópias arquivadas no STF, foram mandados de volta ao TRF de Roraima onde,
como me informou um técnico judicial, muito provavelmente serão arquivados, sem
nenhum novo Recurso.
117
Certidão do Julgamento do Recurso Especial do MPF; a Turma deferiu o Recurso e cancelou a
decisão da 3ª Turma do TRF, :1868.
118
Certidão de Julgamento do Plenário, negando provimento ao Recurso Extraordinário dos Requeridos,
:2054.
147
Conclusão
I. O tempo do Processo
Volto a um tema que tenho tratado apenas marginalmente a o momento: o
tempo do Processo Haximu. Lembrando que o Inquérito Policial inicia-se em 19-08-
1993 e que o Acórdão final do STF é proferido em 03-08-2006, passam-se então
praticamente 13 anos para uma Decisão razoavelmente definitiva sobre o Caso Haximu.
Nessa quase uma década e meia, acumularam-se nove volumes de documentos,
totalizando 2054 ginas de Processo fora os Apensos, que somam mais três volumes
de recortes de jornais e outros textos, além de uma fita de vídeo da incursão da Polícia
Federal à Aldeia de Haximu, nenhuma parte desse último material figurando como foco
da presente dissertação.
A partir da numeração das ginas constante nos Autos e das datas em que
foram ajuntados cada um dos documentos (cf. Anexo) é possível saber qual a média de
páginas/dia do Processo em cada uma de suas fases. de se lembrar que, nesse caso,
me baseio na numeração geral dada aos Autos, onde são contadas todas as folhas do
Processo porém, como esclareci, não analiso (nem tão pouco os referencio no
Anexo final) todos esses documentos, o que faz com que tal dado apenas uma idéia
geral da dinâmica de produção dos textos, e não propriamente o peso ou a complexidade
de cada um deles. Para o Inquérito Policial, dividindo-se suas 518 páginas pelos 40 dias
que ele durou, obtém-se uma dia de ginas/dia de 12,95. Essa é, sem margens à
comparação, a maior média do Processo: nenhuma das outras parciais que elegi
conseguiu ao menos alcançar a média de uma página por dia. de se lembrar que,
nesse momento, são ajuntados todos os laudos dos diversos especialistas (médicos,
antropólogos e policiais) que não o propriamente operadores ou pensadores do
Direito. É nesse momento também que se concentra a maior parte dos depoimentos,
inclusive aqueles que serão usados na Denúncia para se construir o Crime de Genocídio.
Tomando como norte outra baliza dos Autos, a fase de instrução judicial do
Processo período em que elejo aqui como indo do primeiro depoimento judicial de
Pedro Emiliano até a Sentença de Catta Preta apresenta a segunda maior média de
ajuntamento de documentos nos Autos: 0,51 páginas/dia. Cheguei a tal número
148
dividindo os três anos e 45 dias que compõe o período de instrução judicial pelas 590
páginas então ajuntadas. Comparando as duas últimas médias, de se recordar aqui
que os Policiais, no colhimento dos depoimentos (principalmente aqueles referentes aos
indígenas), se deslocam para a Área Indígena Yanomami e que, por outro lado, os
Juizes que trataram da instrução judicial do Processo só escutam testemunhas (ou
Prestadores de Informações”, no caso dos índios) em Boa Vista, o que faz com que
várias Audiências (como chamo atenção no capítulo IV) tenham que ser canceladas
porque a FUNAI, por exemplo, não conseguiu trazer os índios à capital de Roraima a
tempo. Nesse mesmo sentido, pode-se lembrar também a prisão do depoente Basílio
Ferreira pela Polícia Federal, único meio encontrado para que tal garimpeiro depusesse
Em Juízo.
A média mais baixa no tocante aos intervalos que venho trabalhando até aqui é
referente à tramitação dos Autos no STF e STJ: no período de discussão judicial da
Competência do Crime de Genocídio, a média de páginas produzidas por dia cai dos
0,51 do período anterior para 0,24. Cheguei a tal valor tomando como baliza temporal a
data do primeiro Recurso que contestou a Sentença de Itagiba Catta Preta e, na outra
ponta, o Acórdão final do Suprem Tribunal Federal, o que totalizou 834 páginas dividas
por 3 467 dias. É possível notar que uma diminuição de mais de 50% no ritmo de
produção de textos nesse último período. Isso se dá principalmente pela lenta tramitação
do Processo Haximu no STF - e uma média das páginas ajuntadas desde que os Autos
chegaram ao Supremo Tribunal Federal até o dia em que o Caso foi julgado (o que
totaliza cerca de 4 anos) seria de 0,061 páginas/dia. Contudo, relembro que a tramitação
do Processo Haximu no STF não se deu, ao que parece, de maneira típica ou regular: o
primeiro Relator do Recurso Extraordinário do Caso Haximu se aposenta antes de
apresentar seu Voto ou Relatório à 2ª Turma desse Tribunal
119
- e nesse meio tempo, até
ganhar um novo Relator, o Processo completa quase três anos no STF.
Além disso, o segundo Relator, o Ministro Cezar Peluso, depois de analisar o
Caso, resolve que o ele não deve ser julgado por qualquer uma das duas Turmas do STF
em separado, e sim pelo Pleno desse Tribunal – ou seja, o ajuntamento das duas
Turmas, reunindo-se todos os Ministros do STF
120
. De todo modo, pode-se notar uma
119
Decisão do STF, assinada pelo então Presidente Min. Marco Aurélio, mandando que se redistribua
os Autos a outro Relator, pois o Min. Sydney Sanches se aposentara, :1987-1988.
120
Certidão de Julgamento, enviando os Autos para apreciamento do Tribunal Pleno do STF, :2054.
149
franca diminuição no ritmo de ajuntamento dos documentos com o passar do tempo.
Penso ser essa outra característica da sedimentação do Processo: quando existe um
contexto probatóriodiscutido, quando suspeitos presos e uma Sentença foi
proferida – enfim, quando os Autos passam a tramitar em Tribunais que recebem
Recursos do país inteiro então o ritmo de produção de documentos passa a diminuir
gradualmente, ao menos no caso específico aqui analisado.
O Recurso de Pedro de Assis, então Defensor Legal dos garimpeiros, ao STF
como visto, é Conhecido - porém não recebe Provimento. Antes do julgamento,
contudo, o indígena Davi Kopenawa Yanomami é admitido como assistente do
Ministério Público, após manifestação favorável desse órgão autor
121
. Um dos últimos
documentos referente a tentativas de se intervir a favor dos garimpeiros é o Pedido de
Saída Temporária a favor de João Pereira. O advogado argumenta que João teria um
ÓTIMO comportamento carcerário”, participando da feitura da horta da Penitenciária
Agrícola de Roraima, entre outras atividades, “o que prova [que João] não é um
vagabundo, incapaz de conviver em sociedade
122
.
*II. A etnicidade no Processo
de se relembrar, inicialmente, que o ajuntamento de documentos (que não é,
como visto, um simples arquivamento de papéis) é levado a cabo por funcionários
públicos com diferentes capitais simbólicos, para usar uma consagrada categoria de
Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1986). Assim, tomam efetivamente parte na produção
dos Autos (e na mediação e construção do conflito, portanto) advogados, procuradores,
técnicos e analistas judiciais, policiais e julgadores de diferentes Tribunais, todos eles
hierarquicamente organizados num sistema de relações que, não raro, é conflituoso em
diferentes níveis
123
. O já citado texto de Bourdieu faz uma interessante análise da
competição específica entre esses especialistas. Porém, acabei tratando apenas
marginalmente de tal ponto porque tentei me focar na compreensão da lógica interna de
organização do Processo. Com isso, meu norte foi tentar empreender uma análise de
121
Petição da Advogada Luciana Moura Alvarenga requerindo que Davi Kopenawa Yanomami seja
admitido como assistente do MPF, :1891.
122
Petição de Antonio Claudio Theotônio, Advogado de João Pereira, requerendo a Saída Temporária
desse último, :1895. Cf. a análise do termo vagabundo no capítulo IV.
123
Só para citar um exemplo, basta relembrar o questionamento que os Advogados dos garimpeiros fazem
sobre os depoimentos colhidos pelos Policiais Federais, cf. capítulo I.
150
outra análise ou, melhor definindo, dar conta, a partir da tradição analítica da
Antropologia Social e de áreas afins, do processo de apropriação de um conflito levado
a cabo pelos especialistas do campo do Direito.
Num segundo movimento, ainda necessariamente tímido e preliminar, tento dar
as linhas gerais de uma análise própria, menos compreensiva ou descritiva e mais
calcada no estudo interpretativo de determinadas características presentes nos
documentos desses expertos - que não foram, contudo, propriamente trabalhadas por
eles. Tento, assim, mostrar que o Processo se baseia na idéia de que a etnicidade
Yanomami é uma espécie de ‘pano de fundo’ da genérica condição de indivíduo
nacional, da qual os garimpeiros são, sem dúvida ou ressalvas, representantes
desviantes ou criminosos, mas, ainda assim, representantes.
Cabe esclarecer melhor esse último ponto. A tipificação do Crime de Genocídio
no Processo Haximu torna aquilo que seria, em termos judiciais, potencialmente
negativo como algo que conforma a própria peculiaridade desse Crime. Apesar de,
como visto, o Genocídio ter como base as penas do homicídio, ele é, em certo sentido,
construído de maneira diametralmente oposta a esse primeiro delito. A tabela abaixo
ajudará a analisar mais detidamente essa questão:
Homicídio Genocídio
Impossibilidade de individualização de todos os
mortos
- +
Impossibilidade de individualização de todos os
sobreviventes
- +
Impossibilidade de traçar com exatidão a conduta de
cada criminoso
- +
Impossibilidade de dar conta da própria identidade de
todos os criminosos
- +
Como visto, enquanto a construção judicial de uma conduta homicida precisa,
via de regra, que se individualize vítimas e agressores, uma das características básicas
do Genocídio é que se age indistintamente contra um conjunto de pessoas e
justamente porque tais pessoas perfazem esse conjunto apartado do grupo genocida em
si. Nesse caso, não se faz necessário identificar cada um dos mortos ou criminosos.
Basta conseguir atestar que os agentes do Genocídio, na tentativa de dar cabo de todo o
grupo, tiraram a vida ou feriram parte ou todo do conjunto de indivíduos que compõe a
151
comunidade foco da ação genocida ou, ao menos, tentaram fazer isso. Por outro lado,
não é preciso especificar exatamente o que cada criminoso fez: cumpre somente mostrar
que determinada pessoa esteve envolvida, direta ou indiretamente, no delito em questão.
Assim, características comumente tidas como negativas na sedimentação de um crime
qualquer (não é possível dizer, por exemplo, quem exatamente foi morto ou quem
matou, quem o que cada um dos genocidas fez exatamente) passam,, no Genocídio, a
compor o que há de mais específico dessa transgressão legal.
de se notar também que o “ímpeto” ou “conduta” criminosa, como
argumentam os Procuradores, o deve ser procurado exatamente nas mentes dos
criminosos pontualmente tomados. A explicação central do crime está na consciência
coletiva de um conjunto de pessoas motivo pelo qual a análise do antropólogo Bruce
Albert das relações entre garimpeiros e Yanomami tem tanto peso na construção do
Crime pelos Procuradores, como deixo claro a partir do capítulo III. A responsabilidade
primeira pelo Genocídio é, assim, de um grupo de pessoas que se acha superior frente a
um outro grupo, tomando para si o direito de dar cabo desses últimos indivíduos. Nesse
sentido, pode-se dizer que as mesmas condutas imputadas à consciência criminosa do
indivíduo pontualmente tomado são adaptadas ou transferidas a um tipo de ‘consciência
coletiva’, constituinte central do Crime de Genocídio
124
.
Tudo isso está contido, de modo mais ou menos explícito, no argumento dos
Procuradores da República nos documentos dos Autos. Contudo, o Genocídio, como
montado no Processo aqui em foco traz uma característica especial: ele não é cometido
contra uma minoria religiosa ou racial, mas sim contra uma espécie de ‘outra
sociedade’, pensada como quase que completamente apartada dos brasileiros comuns,
tanto em termos lingüísticos, como culturais, religiosos e até mesmo raciais. Penso ser
esse exatamente o motivo que faz com que seja tão eficaz o argumento dos
Procuradores no Caso Haximu: tudo o que é apresentado como prova contra os
garimpeiros figura, a partir da etnicidade das vítimas, como característica intrínseca aos
Yanomami. Assim, a inversão feita frente ao homicídio comum é, num outro vel,
também operante na caracterização das vítimas e dos genocidas na situação particular
do Genocídio de Haximu.
Dei ênfase ao termo ‘quase’ pois é necessário lembrar que os Yanomami não são
pensados como completamente apartados da qualidade de brasileiros. A citada
124
Porém, de se ter em mente que as punições são individuais e que cabe a cada um dos potenciais
genocidas fazer sua defesa e cumprir, caso condenados, suas penas.
152
condição de ‘outra sociedade’ é relativa e, como chama atenção Souza Lima (SOUZA
LIMA, 1997) existe um poder de tutela que opera sobre populações rotuladas e/ou auto-
reconhecidas como ‘indígenas’ – e esse tutela opera porque esses indivíduos estão
pensados como ao menos parcialmente inseridos numa certa brasilianidade. Segundo o
mesmo autor,
Esta forma estatizada de ação sobre as ações dos nativos pode ser
vista como modo de interligar e construir espaços em territórios e
redes sociais independentes em unidades subordinadas a um centro
político, operado desde um aparelho de poder integrante de uma
administração governamentalizada. [...] O poder tutelar é uma forma
reelaborada de uma guerra, ou de maneira muito mais específica, do
que se pode construir como um modelo formal de relacionamento
entre um eu e um outro. Isto é, a conquista, cujos princípios básicos
se repetem como toda a repetição, de forma diferenciada a cada
pacificação de povos nativos (estratégia que celebrizou Cândido
Rondon), desde o início do século aos dias de hoje (Idem: 348,
ênfases do original).
Sem sombra de dúvidas os Yanomami são tidos e tratados pelos diferentes órgãos
estatais como povos tutelados – e, portanto, de alguma maneira também brasileiros. Eles
possuem, mais de uma década e meia, uma Área Indígena oficialmente
homologada e delimitada, estando, com isso, administrativamente definidos no espaço
geográfico”, o que lhes dá/impõe um lugar na “idéia de um mapa político do Brasil
(Ibid Idem: 351).
Essa condição garante-lhes (ou, dependo da situação, lhes obriga
125
) a
‘assessoria’ de uma série de instituições pensadas como nacionalmente abrangentes, a
exemplo do Ministério Público Federal e da FUNAI. São, portanto, tratados como
‘brasileiro especiais’, “étnicos”, indígenas” ou, em outras palavras, como atores
políticos relativamente incapazes [...], assim fazendo-se necessária a presença de um
aparelho que os represente política e juridicamente. A um tempo produzem-se as
condições de uma interação triádica e as de emergência de um certo clientelismo de
Estado (Ibid Idem: 353, ênfase do original).
125
Para um contexto em que a intermediação judicial de agências governamentais, mais pontualmente da
FUNAI, é vista como particularmente desastrosa para os povos tutelados, cf. o artigo de AZEVEDO,
1988.
153
Há aí uma ambigüidade de fundo, sobre a qual diversos autores já trataram direta
ou indiretamente
126
: a condição étnica de tais povos (e, conseqüentemente, a tutela que
pesa sobre eles), é, ao mesmo tempo, um instrumento de controle e uma ‘arma’
subalterna de luta política. Nesse sentido, Oliveira Filho, numa análise dos chamados
índios misturados(o que, num primeiro momento, o é a pecha que pesa sobre os
Yanomami) argumenta que
Enquanto o percurso dos antropólogos foi o de desmistificar a noção
de “raça” e desconstruir a de “etnia”, os membros de um grupo
étnico encaminham-se, freqüentemente, na direção oposta,
reafirmando a sua unidade e situando as conexões com a origem em
planos que não podem ser atravessados ou arbitrados pelos de fora.
Sabem que estão muito distantes das origens em termos de
organização política, bem como na dimensão cultural e cognitiva. A
“viagem da volta” não é um exercício nostálgico de retorno ao
passado e desconectado do presente (por isso não é uma viagem de
volta). (OLIVEIRA FILHO, 1999:31).
Como argumentei no capítulo II, penso que essa reificação da categoria de “raça” ou
“etnia” é também conduzida pelos Delegados, Procuradores e outros especialistas que
tomam parte no Processo Haximu. Isso se justamente porque ela pode ser apropriada
como um instrumento eficaz no Processo judicial em questão.
Nesse sentido, chama atenção Michael Herzfeld no estudo da construção da
identidade dos artesãos gregos modernos (HERZFELD, 1997 e 2004), dizer que os
“outros” estudados não criam estereótipos ou operam preconceitos é, na verdade, uma
condescendente reversão da idéia do Bom Selvagem (1997: 164). Para o autor,
categorias essencializadas (como a de artesão tradicional ou, no caso aqui em foco, a de
etnia) são maneiras de fazer com que um determinado argumento político opere
efetivamente (Idem: : 160) – e, é claro, podem servir como base tanto para criar, manter
ou contestar relações sociais assimétricas (HERZFELD 2004).
Vale a pena aqui citar um exemplo: se no nível local um candidato cretense pode
levar vantagem sobre um outro evocando as pretensas raízes dóricas de sua
masculinidade (e, conseqüentemente, a falta de tal atributo no candidato opositor), tal
operação, necessariamente, também o classifica, dentro da hierarquia de uma
126
Para exemplos, cf. os textos já citados estudos de Souza Lima e Oliveira Filho, além dos outros artigos
contidos na coletânea em Duprat, 2002.
154
comunidade de pensamento
127
tida como nacionalmente grega. Isso lhe valerá o estigma
de ‘não-europeu’, ‘não-civilizado’ e, portanto, necessariamente inferior nesse sistema de
valores (1997: 160). Com isso, ao mesmo tempo que o referido candidato angaria
alguma vantagem incorporando a pecha de grego tradicional, ele também é, num outro
nível, automaticamente situado como alguém não propriamente moderno – e, assim, não
completamente grego. Mutatis muntandis, penso que, se os Yanomami são tratados no
Processo Haximu como espécies de ‘brasileiros originários’, eles não são, justamente
por isso, ‘tão brasileiros’. Desse modo, aquilo que lhes garante a peculiaridade de
“vítimas especiais” em um dado contexto, como o do processo, é também o que
paradoxalmente pode reiterar tanto a reinvenção contínua de sua subalternidade, como a
desvalorização da “verdade” étnica de outros grupos não tão facilmente identificados
como indígenas.
É possível, diante de tudo o que foi exposto, montar uma nova tabela, agora
tendo como foco a maneira como garimpeiros e Yanomami o classificados em
diversas situações que compõe os Autos do Caso Haximu.
Situações gerais Garimpeiros Yanomami
Falta do documento de identidade nacional - +
Falta de uma moradia fixa - +
Estar incomunicável ou distante das sedes das
instituições policiais/judiciais
- +
Dificuldade ou impossibilidade de se colher
depoimentos
- +
Dificuldade de pormenorizar companheiros - +
Desencontros ou contradições nas declarações prestadas - +
Ter o nome citado apenas por apelido - +
Ter cometido violência contra - +
Como se pode notar, principalmente nos textos dos Procuradores da República que
defendem os Yanomami, se consegue ‘transmutar’, a partir das informações do
Processo (como o Relatório de Bruce Albert, por exemplo), todos os elementos
potencialmente negativos numa contenda judicial. Como disse, tal transmutação se
dá, de modo mais geral, porque o Crime em questão é o de Genocídio mas, como
127
A categoria “comunidade de pensamento” para tratar dos que acreditam e operam dentro da idéia de
um Estado Nacional englobante não é de Herzfeld, mas sim desenvolvida por Antonio Carlos Souza Lima
(SOUZA LIMA 1995).
155
tento mostrar agora, também porque o Genocídio aqui em foco é do tipo étnico. Sendo
assim, o fato dos sobreviventes o dizerem os nomes dos que foram mortos, é
esclarecido com o argumento, trazido pelo antropólogo Bruce Albert, de que entre os
Yanomami o nome ‘oficial’ ou ‘realde alguém morto não pode ser pronunciado.
entre os garimpeiros, quando Pedro Garcia nega, inicialmente, ser o ‘Prancheta’ citado
pelos seus companheiros de garimpo (e mais tarde acaba confirmando tal informação)
esse fato é usado pelos Procuradores para reafirmar as intenções genocidas desse
acusado.
Da mesma maneira, as contradições nos depoimentos indígenas são explicadas
por um desencontro cultural: os Yanomami que prestaram os primeiros depoimentos aos
Policiais Federais são apenas conhecidos ou parentes das reais vítimas do Genocídio. Os
primeiros se comportam como os últimos porque existiu um gap de entendimento entre
depoentes, tradutores e colhedores de depoimentos. no caso dos garimpeiros, quando
um depoente se contradiz, os Procuradores conseguem eficazmente mostrar que isso se
dá porque eles estão tentando esconder algo – ou, como no caso da cozinheira ‘Silvinha’
tratado anteriormente, porque fora ameaçada por outros garimpeiros. O mesmo pode ser
dito sobre a dificuldade em se achar os índios e garimpeiros arrolados como
testemunhas judiciais: no caso dos primeiros, esse contratempo é visto como intrínseco
à condição de indígena Yanomami. Contudo, no caso dos últimos, consegue-se provar
que eles estão, na verdade, Foragidos.
Por fim, esclareço novamente que não estou questionando se houve ou não um
Genocídio em Haximu, nem tampouco a profunda e extensa história de violências
sofridas pelos povos indígenas no Brasil. O que tentei mapear acima foi como o aparato
judicial brasileiro conta, dentro do seu próprio vocabulário, de um acontecimento
determinado de cuja existência, reitero, não restam dúvidas. Assim, quando digo, por
exemplo, que as inconsistências dos depoimentos dos garimpeiros são incorporadas no
Processo com um estigma negativo, não estou argumento que os Procuradores ou outros
especialistas deturparam os depoimentos dos acusados. O que tento mostrar, por fim, é
como determinados expertos (como o Delegado Cutrim no fim do Inquérito ou os
Procuradores na Denúncia) conseguem sedimentar uma massa inicialmente dispersa e
evidentemente pouco homogênea numa acusação formal de Genocídio ou, por outro
lado, como os Defensores Legais dos garimpeiros, ignorando as provas colhidas por
Policiais, estão praticamente à margem de tal processo de construção. Voltando às
156
considerações de Bourdieu (op. cit., 1986), tudo isso é constituinte da própria disputa
judicial.
III. Desdobramentos possíveis
Finalizando, penso que um possível e provável desdobramento da dissertação
que se seguiu caminharia em duas linhas relativamente distintas. Primeiramente, cabe
um afinamento maior no estudo dessa área extremamente intricada e rebuscada que é a
Ciência do Direito. para ficar num exemplo, não tive condições de ler os artigos dos
diversos juristas citados nos documentos do Processo – o que, por si só, já seria
bibliografia razoável para uma outra dissertação.
Por outro lado, como deixo claro no capítulo II, caberia também uma análise
mais apurada do que gira em torno do processo. Tal trabalho poderia começar pela
análise dos Anexos dos Autos, que foram ignorados no estudo que se seguiu. Tive
também acesso, através da antropóloga Elaine Amorim, funcionária da Câmara de
Coordenação, a cerca de uma dezena de laudos antropológicos escritos por ela e por
outros antropólogos desse órgão. Apesar de ter lido toda essa documentação e ela
apresentar paralelos explícitos com certos documentos do Caso Haximu (como o
Relatório de Bruce Albert, por exemplo), preferi deixar tal massa documental
temporariamente em suspenso. Contudo, ressalto que um trabalho mais refinado deverá
incorporar esses outros laudos. A comparação se faz necessária não somente no caso do
Relatório do Antropólogo Bruce Albert, mas também com o próprio Processo como um
todo. A leitura de outras peças judiciais cuja temática poderia ser comparável à aqui
estudada ajudaria a tratar certos temos que faço referência apenas inferências indiretas.
Por fim, cabe esclarecer que todos esses projetos possuem algum investimento, mas
não aparecem aqui devido a citada peculiaridade do Caso Haximu, que demandou
uma análise especialmente a ele voltada e, por outro lado, também devido ao exíguo
tempo para a leitura e sistematização de todo esse material.
157
Anexo
TABELA TEMPO/DOCUMENTO DO PROCESSO HAXIMU
Não estão citados todos dos documentos dos Autos, mas, inicialmente, faço referência a grande maioria deles. Assim, dou preferência aos
documentos mais longos, como depoimentos, relatórios e cartas e que penso terem maior peso (cf. Capítulo II). Deixo de lado determinados ofícios,
despachos, entre outros, que me pareceram não apresentarem grande importância por serem cópias já citadas, papéis em branco ou folhas ilegíveis. Os
números entre parênteses fazem referência aos volumes (romanos) e às páginas (arábicos) do Processo. No caso de documentos sem data, optei por situá-
los seguindo a ordem em que estão dispostos no processo.
A primeira página numerada faz referência ao rol de denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) - Pedro Emiliano Garcia, Eliezio
Monteiro Neri, Waldineia Silva Almeida, Juvenal Silva e Wilson Alves dos Santos. A segunda página numerada compõe o início da Denúncia do MPF,
que vai até a página 39 do primeiro volume. A página 40 é a capa do Inquérito Policial. A Denúncia é assinada pelos procuradores Carlos Frederico
Santos, Franklim Rodrigues da Costa e Luciano Mariz Maia, seguida da data 15/10/1993. Até a página 531 do volume III todos os documentos o
cronologicamente anteriores a tal Denúncia.
17/08/93 19/08/1993 22/09/1993
Carta manuscrita de Luzia Pereira Leite (enfermeira da
CCPY) a um funcionário da FUNAI, dando notícia de
uma possível matança de índios na Área Indígena
Yanomami (I, :42).
Início do Inquérito Policial (:40-518), aberto
pela Portaria do Del. José Sydney Vera
Lemos, então responsável pelo Inquérito (I,
:41) .
Auto de Apresentação e Apreensão: cartuchos
deflagrados, projéteis, panelas furadas, peças
de roupa, uma ossada, 4 volumes de cinzas (I,
:59-60).
23//08/1993 23/08/1993 23/08/1993
Termo de Declarações de José Flávio Sampaio Lopes,
enfermeiro da CCPY (I, :50-51).
Portaria nomeando Francisco Bezerra de Lima,
funcionário da FUNAI, como intérprete dos
Yanomami (I, :62).
Termo de Declarações do Tuxaua Antonio
Yanomami (I, :63-68).
23/08/1993 23/08/1993 23/08/1993
Termo de Declarações do indígena Louveira
Yanomami (I, :69-72).
Termos de Declarações de Luzia Pereira leite,
enfermeira da CCPY (I, :73-75).
Termo de Declarações de Benedicta Dias
Pereira, religiosa católica (I, 76-77).
23/08/1993 Sem Data 24/08/1993
158
Termo de Declarações da suíça Marie Blandina
Spescha, religiosa católica(I, :78-79).
Lista manuscrita de possíveis mortos, feita a partir dos
Termos de Declarações passados. Conta-se 71 mortos (I,
:82-83).
(Novamente) Termo de Declarações
do Tuxaua Antonio Yanomami (I,
:85-89).
25/08/1993 25/08/1993 25/08/1993
Termo de Declarações do garimpeiro
Wilson Alves dos Santos, ‘Neguinho’ (I,
:93-97).
Termo de Declarações do garimpeiro
Sebastião Barros Nogueira (I, :98-101).
Solicitação, pelo Del. José Sidney de Laudo Pericial, de
Laudo Pericial do material encontrado (I, :102).
26/08/1993 26/08/1996 27/08/1993
Relatório da investigação realizada com os sobreviventes da
chacina do Hwaixmëu, Bruce Albert (ORSTOM, UNB), (I,
:119-127).
Termo de Declarações do indígena
Japão Yanomami (I, :107-111).
Ofício do Diretor da Divisão de Polícia Federal de
Roraima designando um novo delegado para o
caso: Raimundo Soares Cutrim. (I, : 112).
27/08/1993 28/08/1993 28/08/1993
Despacho do Del. Soares Cutrim, pedindo à CCPY o
Relatório produzido pelo antropólogo Bruce Albert (I,
:113).
Termo de Declarações do médico da CCPY
Claudio Esteves de Oliveira (I, :116-117).
Auto de Apresentação e Apreensão:
dentes e ossos colhidos em fogueiras
rituais (I, : 128).
29/08/1993 29/08/1993 29/08/1993
Termo de Declarações da indígena Waythereoma
Hwanxima (I, :132-138).
Termo de Declarações do indígena Paulo
Yanomami (I, :139-147).
Termo de Declarações do antropólogo Bruce
Albert (I, :148-151).
29/08/1993 30/08/1993 30/08/1993
Termo de Depoimento do enfermeiro da CCPY Jorge
André Gurjão (I, :152-154).
Termo de Informação do indígena Simão
Yanomami (I, :156-158).
Termo de Informação do indígena Rikima
Yanomami (I, :159-162) .
Sem Data Sem data 30/08/1993
Mapa desenhado pelo indígena Davi Kopenawa Yanomami,
marcando as fogueiras onde foram queimados os corpos dos
índios mortos (I, :163).
Lista Manuscrita do enfermeiro da CCPY Jorge André
Gurjão com os possíveis mortos (62 nomes) (I, : 164).
Auto de Constatação: 14
cabaças dos indígenas com
cinzas humanas (I, :156).
30/08/1993 01/09/1993 01/09/1993
159
Solicitação, pelo Del. Cutrim, da Comissão Demarcadora de Limites
Brasil/Venezuela ao Chefe de Departamento das Américas do Min.
Das Rel. Exteriores (I, :169-170).
Termo de Reinquirição do Wilson
Alves dos Santo, ‘Neguinho’ (I,
:167).
Fac-símile do Ministério das Rel.
Exteriores, comunicando a ida do Coronel
Ivonilo Dias Rocha (I, :139).
02/09/1993 02/09/1993 02/09/1993
Solicitação, pelo Adm. Reg. da FUNAI de Roraima, Sr. Suami Percílio dos
Santos, da devolução dos ossos e cinzas após a perícia (I, :1993).
Termo de Declarações da garimpeira
Antonieta Mota dos Santos (I, :180-
182).
Termo de Declarações do
garimpeiro Raimundo Moreira
Silva (I, :183/verso).
03/09/1993 03/09/1993 03/09/1993
Termo de Declarações do garimpeiro Basílio Ferreira (I,
:185-186).
Termo de Declarações do garimpeiro Antonio
Alves da Cruz(I, :187-188).
Termo de Declarações do garimpeiro Aldo
José Morais Barros (I, :189-190).
03/09/1993 03/09/1993 03/09/1993
Termo de Declarações do garimpeiro José Almeida,
‘Soçinho ou Neguinho’, (I, : 191-192).
Termo de Declarações do garimpeiro Antonio
Oliveira, ‘Cigarrão’(I, : 193-194).
Termo de Declarações do Garimpeiro Sebastião
Rodrigues Coelho Júnior (I, :195-196).
03/09/1993 03/09/1993 03/09/1993
Termo de Declarações do garimpeiro José Carlos
Costa (I, :197-198).
Termo de Declarações do garimpeiro Manoel
José Santos Soares (I, 199-200).
Termo de Declarações da garimpeira Francisca
Buckley Pereira, ‘Chica’ (II, :201-202).
04/08/1993 05/09/1993 05/09/1993
Termo de Declarações da garimpeira Eunice da
Silva Paiva (II, :204-205).
Despacho do Del. Cutrim pedindo a prisão
temporária de 4 garimpeiros (II, :206).
Representação do Del. Cutrim pedindo a prisão
temporária de 4 garimpeiros (II, :207-212).
06/09/1993 06/09/1993 06/09/1993
Termos de Declarações da garimpeira Silvânia Santos
Menezes, ‘Silvinha’ (II, :214-217).
Termo de Declarações da garimpeira Eva
Alves de Sousa (II, :219-220/verso).
Termo de Declarações do garimpeiro
Juvenal Silva, ‘Cururupu’ (II, :222-223).
160
06/09/1993 06/09/1993 06/09/1993
Termo de Declarações de Pedro Emiliano Garcia,
‘Pedro Prancheta’ (II, :225-226).
Despacho do Del. Cutrim para a qualificação
e interrogatório de Pedro Emiliano(II, :227)
Auto de Qualificação e Interrogatória de Pedro
Emiliano (II, :228-229).
06/09/1993 06/09/1993 Sem data
Boletim de Vida Pregressa de Pedro Emiliano (II,
:230/verso).
Guia de identificação de Pedro Emiliano Garcia
(II, :231/verso).
Cópia, frente e verso, da identidade de Pedro
Emiliano Garcia (II, :232).
06/09/1993 06/09/1993 06/09/1993
Despacho do Del. Cutrim comunicando a prisão de
Pedro Emiliano ao Juiz e ao Diretor da Penitenciária
Agrícola. (II, :233-234).
Mandados de Prisão do Juiz Federal Renato
Martins Prates contra Pedro Emiliano Garcia
e mais 4 garimpeiros (II, 235-239).
Nota de Ciência das Garantias
Constitucionais, redigida pelo Del. Cutrim, a
Pedro Emiliano Garcia (II, :240).
06/09/1993 06/09/1993 07/09/1993
Apresentação, feita pelo Del. Cutrim, do preso
Pedro Emiliano ao Instituto Médico Legal (II,
:243).
Encaminhamento, feito pelo Del. Cutrim, do
preso Pedro Emiliano à Penintenciária
Agrícola (II, :244).
Comunicado de dois agentes da Polícia Federal de que
Pedro Emiliano quer prestar esclarecimentos sobre o
caso (II, :246).
07/09/1993 07/09/1993 09/09/1993
Termo de Reinquirição de Pedro
Emiliano (II, :252-262).
Informativo de um agente da Polícia Federal, comunicando, a pedido de Pedro
Emiliano, sua prisão à ‘Agié’, dono da casa de comércio OUROCARO (II,
:263).
Termo de Reinquirição deJuvenal
Silva (II, :267-269)
09/09/1993 09/09/1993 09/09/1993
Termo de Reinquirição de Silvânia Santos
Menezes (II, :270-272).
Termo de Declarações da garimpeira Maria
Dalva Elias Pinto (II, :273-276)
Termo de Reinquirição de Pedro Emiliano Garcia (II,
:277/verso)
09/09/1993 09/09/1993 10/09/2003
161
Despacho do Del. Cutrim pedindo a
prisão temporária de 19 garimpeiro(a)s
(II, :278).
Representação, feita pelo Del. Cutrim, da Prisão
Temporária de 19 garimpeiro(a)s (II, :279-282).
Pedido do Del. Cutrim ao Juiz Renato Martins para que
se amplie a prisão temporária de Pedro Emiliano (II,
:283).
11/09/1993 11/09/1993 11/09/1993
Comunicado de um agente da Polícia Federal de que o Juiz
Renato Martins já havia prorrogado a prisão de Pedro Emiliano
(II, : 285).
Termo de Reinquirição de Eunice
da Silva Paiva (II, : 286-288).
Mandados de Prisão expedidos pelo Juiz
Renato Martins contra 19 garimpeiros (II, :290-
308).
11/09/1993 14/09/1993 14/09/1993
É ajuntado aos autos o Laudo de Exame de
Corpo de Delito (02/09/1993) feito em Wilson
Alves dos Santos (II, :312/verso-314).
Despacho do Del. Cutrim pedindo que
ajuda da FUNAI para a reinquirição do
indígena Japão Yanomami (II, :315).
Despacho do Del. Cutrim para lavrar-se portaria
nomeando Bruce Albert e o religioso Carlos Acquini
como tradutores de Japão Yanomami (II, :316).
14/09/1993 15/09/1993 15/09/1993
Termo de Reinquirição de Japão Yanomami
(II, :318-321).
Despacho do Del. Cutrim para o interrogatório e
qualificação de Eliezio Monteiro Néri. (II, :326-327).
Auto de Qualificação e Interrogatório de
Eliezio Neri (II, :328-332).
15/09/1993 Sem Data Sem Data
Boletim de Vida Pregressa de Eliezio Neri (II,
:333).
Guia de identificação de Eliezio Neri (II,
:334).
Cópia, frente e verso, da identidade de Eliezio Neri (II,
:335)
15/09/1993 15/09/1993 15/09/1993
Nota de Ciência das Garantias Constitucionais,
redigida pelo Del. Cutrim, a Eliezio Neri(II, :337).
Ofício do Del. Cutrim à Agié ‘De tal’ comunicando
a prisão de Eliezio Neri, por pedido desse último (II,
:339).
Apresentação, feita pelo Del. Cutrim, do
preso Eliezio Neri ao Instituto Médico
Legal (II, :340).
15/09/1993 Sem Data 15/09/1993
162
Ofício Del. Cutrim comunicando a prisão de
Eliezio Neri ao Juiz (:338) e ao Diretor da
Penitenciária Agrícola. (II, :341).
Ajuntado aos autos o Relatório de
Inspeção (10/09/1993) do Coronel Ivonilo
Dias Rocha (II, :343-359).
Ofício do Del. Cutrim pedindo providências ao Min. das Rel.
Exteriores para que seja autorizada a entrada da Polícia
Federal em solo venezuelano (II, :361-362).
16/09/1993 17/09/1993 17/09/1993
Auto de Reconhecimento de Eliezeio
Neri por Pedro Emiliano (II, : 369).
Despacho do Del. Cutrim solicitando a dilação do
prazo de fechamento do Inquérito (II, :371).
Despacho do Del. Cutrim determinando o retorno do
material colhido para perícia aos Yanomami (II, :375).
19/9/1993 18/08/1993 20/09/1993
Ofício do Del. Cutrim ao Instituo Nacional de
Criminalística pedindo o material da perícia de
volta (II, 376-377)
Termo de Declarações da cabeleireira
Luzilene Morais da Silva, esposa de
garimpeiro (II, :379-381)
Ofício do Tribunal Regional Federal à Polícia Federal
comunicando que foi garantida à advogada de Pedro
Emiliano, Dr. Eliane Maria de Oliveira, vista do Inquérito
(II, :383).
22/09/1993 23/09/1993 23/09/1993
Fac-símile do Min. das Rel.
Exteriores comunicando
contato com o embaixador em
Caracas (III, :425).
Ajuntamento de cópia do Laudo Pericial do Instituto de
Medicina Legal e Antropologia Forense, analisando a
ossada e as cinzas (II, :387-400 / III, : 401-424)
Requerimento do Procurador da República do MPF em
Roraima, Franklin Rodrigues da Costa, pedindo que se
reveja a vista dada aos autos à advogada dos Garimpeiros
(III, :426)
24/09/1993 24/09/1993 25/09/1993
Ajuntado Laudos de Exame de Corpo de Delito
(feitos em 03/09/1993) de uma criança indígena
(:431/verso-435), do indígena Leiknã Yanomami
(:436/verso-440) e do indígena Simão
Yanomami (:441/verso-447), (III, :431-447).
Ajuntada uma série de fotos, tiradas pelo médico da
CCPY Claudio Oliveira, de indígenas segurando
cabaças com cinzas. Há indicações, à caneta, das
marcas de tiro neles, bem como uma descrição dos
ferimentos (28/08/1993) (III, :448-453).
Ajuntado papéis em que depoentes e acusados
escrevem, do próprio punho, o nome e/ou
apelido daqueles que pensam terem
participado do Massacre. As datas variam
entre 06 e 09/09 de 1993. (III, :454-460/frente
e verso)
Sem Data 29/09/1993 29/09/1993
Laudo Pericial (28/08/1993) do médico Claudio Oliveira,
CCPY, sobre os ferimentos em duas crianças indígenas e
em Reia e Simão Yanomami (III, :461).
Ajuntada 10 fotografias, tiradas por Policiais
Federais, de sobreviventes de Haximu e de
malocas queimadas (III,:466-474).
A cozinheira de garimpo Waldinéia
Silva Almeida, ‘Ouriçada’, é
qualificada indiretamente (III, :475).
163
30/09/1993 30/09/1993 04/10/1993
Encaminhamento, pelo Del. Cutrim,
dos mandados de prisão ao Diretor da
Divisão de Polícia Federal de
Roraima (III, : 477).
Relatório Final, feito pelo Del. Cutrim, do Inquérito Policial. A data de início é
19/08/1993 e a final é 30/09/1993. Ressalva-se que outros documentos ainda serão
ajuntados aos autos e pede-se o indiciamento, por crime de genocídio, de todos os
envolvidos (III, : 478-518).
Pedido, pelo MPF, de
vista dos autos para
oferecimento da
Denúncia (III, :519).
04/10/1993 06/10/1993 13/10/1993
Pedido do MPF de conversão das prisões
provisória em preventiva (III, :521-526).
Decreto, escrito pelo Juiz Renato Martins, da prisão preventiva dos
acusados Pedro e Emiliano (III, :528-530).
Volta dos autos ao Juiz Renato
Martins (III, :531).
18/10/1993 18/10/1993 Sem Data
Certidão de Registro do Processo no
Tribunal Regional Federal de Roraima (III,
:563).
Pedido de vista do Processo pelo advogado de Pedro e
Emiliano, Elidoro Mendes da Silva (III, :539).
Ajuntamento dos Laudos de Exame nos
Cartuchos e Projéteis, datado de 28/08/1993.
(III, :543-545).
Sem Data 19/10/1993 20/10/1993
Ajuntamento do Laudo de
Exame de Locais, datado
de 08/09/1993 (III :546-
556).
Mandado de citação, feito pelo Juiz Renato
Martins, de Pedro e Eliezio para Interrogatório
Judicial no dia 26/10/1996 (IV, :619).
Ajuntado o original do Laudo Pericial do Instituto de Medicina Legal
e Antropologia Forense, analisando a ossada e as cinzas, datado de
20/08/1993(III, :560-600 – IV :601-611).
26/10/1996 26/10/1996 26/10/1993
Interrogatório Judicial do garimpeiro Pedro
Emiliano Garcia (IV, :615-617).
Interrogatório Judicial do garimpeiro Eliezio
Monteiro Neri (IV, :618-619).
Citação, manuscrita pelo Juiz Renato Martins, dos réus
para a 1ª Audiência (IV, :620)
27/10/1993 30/10/1993 Sem data
Concedida vista dos autos por 3 dias ao
advogado Eliodoro Mendes da Silva (IV,
:623).
Defesa prévia e pedido de liberdade, assinada por
Eliodoro Mendes da Silva e Maria Eliane Marques de
Oliveira, de Pedro e Emiliano (IV, 624:634).
Ajuntado o Ofício do Adm. da Penitenciária
Agrícola informando que Eliezio Neri tem
problemas de saúde, datado de 01/10/1993 (IV,
:635).
164
Sem data 17/11/1993 19/11/1993
Ajuntado o Laudo Médico
atestando os problemas de saúde de
Eliezio Neri, datado de 29/09/1997
(IV, :636).
Certidão informando a não realização do interrogatório
judicial do garimpeiro Wilson Alves dos Santos e da
cozinheira Waldinéia Silva Almeida, por não
comparecimento dos dois últimos. (IV, :637).
Contra-razões do MPF frente ao pedido de liberdade de
Eliezio e Pedro; requerimento de citação por edital do
garimpeiro Juvenal Silva, assinados pelo Procurador
Franklin Rodrigues da Costa (IV: 640-641).
19/11/1993 22/11/1993 23/11/1993
Despacho manuscrito do Juiz Renato Martins pedindo a citação de
Juvenal Silva por edital e indeferindo o pedido de liberdade de Pedro e
Eliezio (IV,:642).
Edital de citação de
Juvenal Dias (IV,
:644).
Concedida vista dos autos por 2 dias ao Assistente
Jurídico da Defensoria Pública de Roraima, Eufrânio
Lima Dionísio (IV, :623).
24/11/1993 01/12/1993 03/12/1993
Defesa Prévia, assinada pelo Defensor Euflávio
Dionízio Lima, de Waldinéia Silva Almeida e
Wilson Alves dos Santos (IV: 647).
Mandado de Intimação, assinado pelo Juiz Renato Martins, de réus
e testemunhas para a 1ª Audiência de Instrução, marcada para
10/12/1993 (IV, :654)
Vista dos autos, durante o
mesmo dia, ao MPF (IV,
:242).
09/12/1993 10/12/1993 10/12/1993
Certidão do Oficial de Justiça informando quem ele
conseguiu intimar (IV, :655)
Ata da 1ª Audiência de Instrução
(IV, :656-657)
Testemunho judicial do garimpeiro Manoel José Santos
Soares (IV, :658-660)
10/12/1993 10/12/1993 13/10/1993
Ofício ao Adm. da Penitenciária Agrícola
solicitando a apresentação de Pedro e
Emiliano para futura Audiência em
13/10/1993 (IV, :662).
Ofício ao Superintendente da Polícia Federal em
Roraima, José Sidney Veras Lemos, pedindo
colaboração da PF para a localização de réus e
testemunhas (IV, : 663).
Ajuntado aos autos o Ofício do Adm. Reg. da
FUNAI de Roraima dizendo que é impossível
localizar e levar as testemunhas indígenas na
data da Audiência. (IV, :665).
13/12/1993 13/12/1993 13/12/1993
Ata da
Audiência (IV,
:667).
Ofício ao Adm. da Penitenciária Agrícola solicitando a apresentação de
Pedro e Emiliano para futura Audiência em 14/10/1993 (IV, :662).
Relatório de Missão dos agentes da PF que tentaram
localizar réus e testemunhas (IV, :671/verso).
165
14/12/1993 14/12/1993 14/12/1993
Ata da 3ª Audiência (IV,
:672/verso).
Prestação de Informação do indígena Japão
Yanomami (IV, :673-677).
Termo de Compromisso do intérprete Ivanildo Wawanawetery,
funcionário da FUNAI (IV, :677).
20/12/1993 22/12/1993 22/12/1993
Ofício da Defensoria Publicado de Roraima
informando que foi designado a Defensora
Walkiria Tertulino para atuar no caso (IV, :683).
Ajuntado o Pedido de Revogação das Prisões
Preventivas de Pedro Emiliano Garcia e Eliézio
Monteiro Neri, assinado por Eliodoro Mendes,
sem data legível (IV, : 686-688).
Despacho do Juiz Renato Martins pedindo as
contra-razões do MPF sobre o Pedido de
Revogação das Prisões de Pedro e Emiliano,
datado de 22/12/1993. (IV, :691).
22/12/1993 23/12/1993 29/12/1993
Vista dos
autos ao MPF
(IV, :692).
Contra-razões do MPF frente ao Pedido de Revogação das Prisões de Pedro e
Emiliano, assinado pelo Procurador Franklim Rodrigues da Costa (IV, :693-
687).
Decisão do Juiz Renato Martins deferindo o Pedido de
Revogação das Prisões de Pedro e Emiliano. (IV, :699-
700).
29/12/1993 29/12/1993 29/12/1993
Alvará de Soltura de Pedro Emiliano (IV,
:702).
Termo de Liberdade Provisória de Pedro Emiliano (IV,
:703).
Alvará de Soltura de Emiliano Neri (IV, :704).
29/12/1993 06/01/1994 21/01/1994
Termo de Liberdade Provisória e
Eliezio Neri (IV, :705).
Decretação, manuscrita pelo Juiz Renato Martins, de
acusação à revelia de Juvenal Silva. (IV, :706).
Defesa Prévia e Pedido de Revogação da Prisão,
apresentada por Elidoro Mendes, de Juvenal da Silva
(IV, :708-710).
Sem data 21/01/1994 21/01/1994
166
Ajuntada a Procuração do foragido Juvenal da Silva,
nomeando Eliodoro Mendes seu advogado (IV, :711).
Certidão de antecedentes criminais de
Juvenal da Silva (IV, :712).
Cópia, frente e verso, da identidade de Juvenal
da Silva
*
. (IV, :713).
27/12/1993 02/02/1194 03/02/1994
Vista dos autos
ao MPF (IV,
:715).
Contra-razões do MPF sobre o Pedido de
Revogação da Prisão de Juvenal da Silva (IV,
:716-717).
Despacho de Renato Martins indeferindo o Pedido de Revogação da Prisão de
Juvenal e ordenando Carta Precatória
**
para que o garimpeiro Antonio Alves da Cruz,
‘Rabo Grosso’, seja ouvido no Amazonas (IV, :718).
03/02/1994 03/02/1994 04/02/1994
Carta Precatória de Renato Martins para a Comarca de
Manaus, Amazonas, visando a inquirição da testemunha
Antonio Alves. (IV, :719).
Mandado de Intimação de réus e testemunhas
(garimpeiros somente) para a 3ª Audiência,
marcada para o dia 04/02/1994. (IV, :723).
Certidão do Oficial de Justiça
informando quem ele conseguiu
intimar (IV, :723 verso).
04/02/1994 04/02/1994 07/03/1994
Ata da 3ª
Audiência (IV,
:724).
Ofício ao Adm. da FUNAI de Roraima pedindo informações de quando os
indígenas Waythereoma Hwanxima e Paulo Yanomami poderão ser
ouvidos em juízo (IV, :726)
Defesa Prévia, apresentada pelo advogado Elidoro
Mendes da Silva, do garimpeiro Franciso Alves
Rodrigues, ‘Chico Ceará’ (IV, :732)
Sem data 21/03/1994 Sem data
Ajuntada a Procuração do foragido
Francisco Alves, nomeando
Eliodoro Mendes seu advogado (IV,
:711).
Ofício ao Adm. Regional da FUNAI solicitando o comparecimento
dos indígenas Waythereoma Hwanxima e Paulo Yanomami na
Audiência de 23/03/1994 (IV, :738).
Ajuntada a Carta Precatória de data
11/02/1994 com o testemunho em juízo do
Garimpeiro Antonio Alves (IV, :740-749)
21/03/1994 23/03/1994 23/03/1994
Mandado de Intimação de réus e testemunhas (indígenas) para a
Audiência, datada para 23/03/1994 (IV, :750).
Ata da 4ª Audiência (IV,
:752)
Informação prestada em juízo por
Waythereoma Hwanxima (IV, :753).
*
Nesse momento Juvenal ainda está foragido. Tal cópia foi apresentada por seu Advogado.
**
Carta Precatória é o documento mandado por um juiz de determinada comarca para outro juiz de comarca diferente, a fim de que o último possa assessorar o primeiro a
tomar o depoimento de uma testemunha que não resida no local onde o processo está em andamento.
167
23/03/1994 24/03/1998 28/03/1994
Informação prestada em juízo por
Paulo Yanomami (IV: 754-755).
Ofício ao Adm. da FUNAI para que Paulo Yanomami
faça o reconhecimento de Pedro Emiliano (IV, :758)
Ofício do Adm. da FUNAI relatando que Paulo
Yanomami está em local incomunicável (IV, :760).
29/03/1994 29/03/1994 20/04/1994
Despacho manuscrito do Juiz Renato Martins pedindo que o MPF
indique outras testemunhas, já que as até então indicadas não foram
encontradas (IV, :761).
Pedido de vista do
MPF (IV, :762)
Ofício do MPF, escrito pelo Procurador Franklin
Rodrigues da Costa, pedindo a devolução aos índios da
ossada e cinzas periciada (IV, :763-764)
20/04/1994 22/04/1994 25/04/1994
Como anexo do Ofício Anterior: Parecer Técnico do Antropólogo
da Fundação Nacional Edgard Dias Magalhães de Saúde sobre a
importância da devolução da ossada e cinzas. (IV: 765)
Carta Precatória para a oitiva da
testemunha Raimundo Soares Cutrim,
Del. da PF em Rondônia (IV, :771).
Despacho do Juiz Renato Martins
pedindo que se oficie à PF para a
devolução dos ossos e cinzas (IV, :770).
25/04/1994 09/05/1994 13/05/1994
Mandado de Intimação de réus e
testemunhas (funcionários da PF) para a
Audiência, marcada para 06/07/1994
(IV. :777).
Certidão do Oficial de Justiça
informando quem ele conseguiu
intimar (IV, :777/verso).
Manifestação de Ação Criminal do MPF pedindo: novos mandados de
prisão para os foragidos; que se oficie à PF para fazer diligências a fim de
efetivar tais prisões; não há condições de substituir testemunhas (IV,
:781-786).
20/05/1994 20/05/1994 03/06/1994
Expedição dos mandados de prisão para todos os então
foragidos (IV, :789-800 - V, :801-803).
Mandado de Intimação para a 5ª
Audiência, marcada para 06/07/1994. (V,
:807).
Certidão em que a testemunha Eva Alves dos
Santos, garimpeira, retifica seu endereço (V,
:810).
07/06/1994 30/06/1994 06/07/1994
Aditamento da Denúncia feita pelo MPF, agora trazendo os nomes dos garimpeiros
Francisco Alves Rodrigues, ‘Chico Ceará’, e João Pereira de Morais, ‘João Neto’ (V,
:811-817).
Despacho do Juiz Renato Martins pedindo a
citação de Francisco Alves e João Pereira
(V, :818).
Ata da 5ª
Audiência (V,
:819)
168
06/07/1994 06/07/1994 06/07/1994
Testemunho em juízo do 1º Del. do
Inquérito, José Sidney Vera Lemos (V,
:820-821).
Testemunho em juízo da garimpeira Eva Alves
de Souza (V, :822).
Ajuntada a Prestação de Informações de um agente da PF
(datada de 05/07/1994) dando notícias de que não se
conseguiu achar quaisquer testemunhas (V, :826).
26/07/1994 09/08/1994 29/08/1994
Novo ofício do TRF à PF pedindo a
devolução da ossada da índia (V, :832).
Despacho do Juiz Renato Martins intimando o advogado
Eliodoro a dar os endereços atuais dos réus (V, :835)
Informação, pelo advogado Elidoro Mendes, do
novo endereço dos réus – uma fazenda sua. (V,
:837-838)
01/09/1994 01/09/1994 02/09/1994
Despacho pedindo o retorno da Carta
Precatória enviada para oitiva do Del.
Raimundo Cutrim (V, :840).
Ajuntada a Carta Precatória com um resumo do
caso (Denúncia e Defesas prévias), além do
testemunho em juízo do Del. Cutrim (V, :841-
926)
Mandado de Condução para a oitiva das
testemunhas Basílio Ferreira e Eunice Silva no dia
12/09/1994 (garimpeiros) (V, :929).
12/09/1994 16/09/1994 19/09/1994
Certidão do TRF/RR dizendo que a Audiência desse
dia não se realizou porque as testemunhas não
apareceram (V, :931).
Certidão em que Basílio
Ferreira atualiza seu endereço
(V, :936).
Representação do MPF (assinada por Franklin Rodrigues da
Costa) pedindo a prisão provisória de Basílio Ferreira por
desobediência à Justiça (V, :932-933).
21/09/1993 23/09/1994 06/10/1994
Despacho manuscrito do juiz Renato Martins
marcando Audiência para o dia 23/09/1994 (V,
:936).
Certidão do TRF/RR informando a não realização da
Audiência porque a testemunha (Basílio) não compareceu
(V, :938).
Encaminhamento do Mandado de
Prisão contra Basílio Ferreira à PF/RR
(V, :940).
06/10/1994 06/10/1994 31/10/1994
Edital de Citação de Francisco
Alves como réu do processo (V,
:942).
Mandado de Notificação para o interrogatório em juízo de
Francisco Alves e João Pereira em 11/11/1994 (V, :944).
Ofício de José Sydney Vera Lemos, Superintendente
da PF/RR, comunicando a prisão de Basílio Ferreira.
(V, :940).
31/10/1994 02/11/1994 02/11/1994
169
Despacho manuscrito do juiz Renato Martins determinando a
oitiva de Basílio nos próximos 5 dias ou sua soltura (V, :940).
Alvará de Soltura de Basílio
Ferreira (V, :948).
Termo de Compromisso de Basílio para o
comparecimento em todos os atos processuais
(V, :949).
03/11/1994 07/11/1994 08/11/1994
Mandado de Intimação para a 6ª Audiência, marcada para 08/11/1994; só é
intimado Basílio Ferreira (V, :951).
Vista dos autos ao MPF por um
dia (V, :953).
Ata da 6ª Audiência (V, :954).
08/11/1994 10/11/1994 11/11/1994
Testemunho em Juízo do
garimpeiro Basílio
Ferreira (V, :955-958).
Ajuntado o Ofício de José Nascimento, Diretor Regional da
Fundação Nacional de Saúde, agradecendo a devolução da ossada
da índia, fato ocorrido em 07/09/1994 (V, :959).
Certidão do TRF/RR dizendo que a Audiência desse dia
não se realizou porque Francisco Alves e João Pereira
não compareceram (V, :960).
11/11/1994 02/12/1994 07/12/1994
Despacho manuscrito do Juiz Renato Martins
mandando a intimação à revelia de Francisco e
João (V, :960).
Defesa prévia, escrita por Elidoro Mendes,
de Francisco e João (V, :963).
Despacho manuscrito do Juiz Renato Martins pedindo
que se marque data para ouvir o restante das
testemunhas (V, :964).
13/12/1994 14/12/1994 14/12/1994
Certidão do Diretor de Secretaria Paulo Cezar dando informações
sobre o paradeiro de testemunhas (V, :965).
Ofício da CCPY dando o endereço de Bruce
Albert na França (V, :966).
Vista dos autos, por um dia, ao
MPF (V, :970).
15/12/1994 15/12/1994 15/12/1994
Enviada Carta Precatória para a oitiva do
Del. da PF Miguel Ângelo Pellicel (V,
:969).
Mandando de Intimação para o adv. Elidoro
Mendes, pedindo justificativas para ouvir Albert
(V, :971)
Ofício ao Adm. Regional da FUNAI/RR pedindo
cooperação para a oitiva dos índios Sansão e Simão
Yanomami no dia 10/01/1995 (V, :972).
09/01/1995 09/01/1995 10/01/1995
Ofício do Adm. da FUNAI/RR dizendo não ter sido
possível localizar Sansão e Simão Yanomami (V, :974).
Mandado de Intimação para a 7ª Audiência – intimadas
testemunhas de defesa (V, :977-978).
Ata da 7ª Audiência (V,
:981).
170
10/01/1995 10/01/1994 10/01/1995
Depoimento em juízo do dono de avião José
Altino Machado (V, :982/verso-983).
Depoimento em juízo do funcionário da CCPY Jorge
André Gurjão Vieira (V, : 984-984/verso)
Depoimento em juízo da garimpeira Eunice da
Silva Paiva (V, :985).
10/01/1995 19/01/1995 06/02/1995
Despacho manuscrito de do Juiz Renato
Martins mandando que se comunique à
defesa para substituir as testemunhas não
localizadas (V, :986)
Ajuntado o Ofício da Justiça Federal do Rio Grande
do Sul comunicando andamentos para o cumprimento
da Carta Precatória para a oitiva do Del. Pellicel (V,
:987)
Ofício da Justiça Federal do RS comunicando a
data (14/03/1995) para a oitiva do Del. Pellicel
(V, :991)
07/02/1995 13/02/1995 14/03/1995
Vista dos autos para o
MPF (V, :992)
Recebimento dos autos pela Justiça Federal do RS para o cumprimento da
Carta Precatória visando a oitiva do Del. Pellicel (V, : 999).
Termo de Audiência da oitiva do Del. Pellicel
(VI, 1003).
14/03/1995 22/03/1995 28/04/1995
Testemunho em juízo do Del. Pellicel
(VI, 1004-1006).
Ofício remetendo a Carta Precatória do Del. Pellicel de
volta à Roraima (VI, :1007)
Vista dos autos ao MPF e ao advogado Elidoro
Mendes (VI, :1010).
03/05/1995 03/05/1995 09/05/1995
Pedido do TRF/RR dos antecedentes criminais de Pedro Garcia, Eliezio Monteiro,
Francisco Alves, João Pereira, Waldinéia Silva e Wilson Alves (VI, : 1011).
Nada consta criminal dos
formalmente acusados (VI, :
1012).
Vista dos autos ao MPF por 10
dias (VI, : 1015).
16/05/1995 22/05/1995 19/07/1995
Manifestação do MPF, assinada pelo Procurador Franklin Rodrigues da
Costa, pedindo, entre outras coisas, relatório à PF sobre diligência para
localizar acusados e testemunhas (VI, :1016-1018)
Despacho do Juiz Renato Martins dando visto
dos autos por um dia ao advogado Elidoro
Martins (VI, : 1019).
Vista dos autos à
Defensoria Pública (VI,
:1023).
171
08/09/1995 28/09/1995 28/09/1995
Pedido de Promoção, feito pelo MPF na figura do Procurador Osório
Barbosa, do Defensor que assinou as vistas de 19/07/1995 para defensor
legítimo dos réus (VI, :1026).
Despacho manuscrito do Juiz Vallisney de Souza
Oliveira, deferindo o pedido do MPF de 08/09/1995
(VI, :1026)
Vista dos autos
ao MPF (VI,
:1027).
06/12/1995 18/12/1995 09/01/1996
Ofício da PF ao TRF/RR comunicando o
encaminhamento dos cartuchos e cápsulas
periciados anteriormente. (VI, : 1030).
Pedido do MPF, pelo Procurador Osório Barbosa, do ajuntamento
de um artigo escrito pelo antropólogo Bruce Albert na Folha de
São Paulo e de uma fita de vídeo produzida pela PF (VI, :1032).
Certidão do TRF/RR de que a fita de
vídeo encontra-se na Secretaria
responsável pelos autos (VI, :1038)
30/01/1996 05/02/1996 22/03/1996
Vista dos autos ao MPF
por um dia (VI, :1038).
Autos Complementares da PF, onde diz-se que não se achou
nenhuma nova testemunha ou acusado (VI, :1039-1054).
Ofício do TRF/RR para o Adm. Regional da FUNAI, Suamir
Percílio pedindo cooperação na localização de indígenas (VI,
:1056).
14/03/1996 22/03/1996 13/05/1996
Pedido de vista da advogada Adriana Souto Maior
do CIR (Conselho Indigenista de Roraima). (VI,
:1058).
Mandado de Intimação para testemunhas indígenas e
garimpeiras para a audiência de 13/05/1995 (VI, :1062-
1063).
Ata da 8ª Audiência, agora presidida
por Itagiba Catta Preta (VI, :1064-
1065)
13/05/1996 13/05/1996 13/05/1996
Ofício do Adm. Regional da FUNAI,
Manoel Tavares, dizendo que encaminha 4
indígenas para a Audiência (VI, :1067).
Relatório de Missão da Polícia Federal, onde se diz que se localizou
Antonieta Mota e Silvana Santo, garimpeiras; não se localizou Maria
Dalva (IV, :13/05/116).
Termo de Compromisso do
intérprete Ivanildo Wawanwetery
(VI, :1070).
13/05/1996 13/05/1996 13/05/1996
Testemunho em juízo de Claudio Esteves de Oliveira,
médico da CCPY (VI, :1071-1072).
Informação em juízo de da indígena Camila Yanomami,
‘Raiane’ (VI, :1073-1074).
Informação em juízo do indígena
“Leikima ou Reia” (VI, :1075-
1077).
13/05/1996 13/05/1996 13/05/1996
172
Informação em juízo do indígena Simão
Yanomami (VI, :1078-1079).
Testemunho em juízo de Silvania Santos Menezes,
‘Silvinha’ (VI, :1080-1083).
Testemunho em juízo de Antonieta Mota
Santos (VI, :1084-1086).
13/05/1996 14/05/1996 24/05/1996
Depoimento em juízo de Jorge André Gurjão
Vieira, enfermeiro da CCPY (VI, :1087-1088).
Vista dos autos ao
MPF (VI, :1089).
Pedido do MPF para que se dispense as testemunhas não ouvidas e as
diligências da PF não cumpridas até então (VI, :1090)
24/05/1996 23/06/1996 13/08/1996
Concessão de vista às partes para
que elas escrevam suas alegações
(VI, :1091).
Alegações Finais do MPF, assinada pelos procuradores Carlos
Federico Santos, Franklin Rodrigues da Costa, Luciano Mariz Maia e
Osório Silva Barbosa Sobrinho (VI, :1093-1140)
Nomeação, pelo Juiz Catta Pretta, de novo
Defensor Público, Marcos Antonio Carvalho
de Souza (VI, :1142).
21/08/1996 16/09/1996 24/09/1996
Vista dos autos ao Defensor Público
Marcos Carvalho (VI, :1144).
Alegações Finais do Defensor Público Marcos Antonio Carvalho em
favor de Waldinéia Silva e Wilson Alves (VI, : 1145-1150).
Visto dos autos ao advogado Elidoro
Mendes (VI, :1153)
29/09/1996 30/09/1996 23/10/1996
Alegações Finais do Advogado de Pedro, Eliezio,
João, Francisco e Juvenal, Elidoro Mendes (VI,
:1154-1157).
Certidão de Diretor de Secretaria do TRF/RR atestando que
Eliodoro esqueceu, nas Alegações Finais, os nomes de João,
Francisco e Juvenal (VI, :1158).
Vista dos Autos, por um dia,
ao advogado Elidoro
Mendes (VI, :1160).
24/10/1996 19/12/1996 19/12/1996
Pedido do Advogado Elidoro Mendes para que se
estenda suas Alegações Finais a João, Francisco e
Juvenal (VI, :1161).
Sentença, em primeira instância, de Itagiba Catta Pretta
Neto, Juiz Federal Substituo do TRF/RR (VI, :1163-1200 /
VII: 12001-1207)
*
.
Mandado de Prisão contra Juvenal
da Silva, expedido por Catta Preta
(VII, :1211).
*
Pedro, Eliezio, Juvenal, Francisco e João pegam, cada um, aproximadamente 20 anos de prisão. Waldinéia e Wilson são absolvidos.
173
19/12/1996 19/12/1996 19/12/1996
Mandado de Prisão contra Francisco Alves
Rodrigues, expedido por Catta Preta (VII, :1212).
Mandado de Prisão contra Eliezio Neri, expedido
por Catta Preta (VII, :1213).
Mandado de Prisão contra Pedro Garcia,
expedido por Catta Preta (VII, :1214).
19/12/1996 19/12/1996 (Anexo ao anterior)
Mandado de Prisão contra João Pereira,
expedido por Catta Preta (VII, :1215).
Ofício do Delegado da PF, William Victor de Almeida Ramos,
comunicando a prisão de João Pereira de Morais (VII, :1217).
Cópia da Identidade de João Pereira,
frente e verso (VI, :1218).
07/01/1997 07/01/1997 28/04/1997
Vista dos Autos
ao MPF (VII,
:1219).
Recurso à próxima instância do TRF e Pedido de
Liberdade Provisória a favor de João Pereira, assinado por
Elidoro Mendes, (VII, :1220-1227).
Desentranhamento das folhas 1228-1459, feita pela Supervisora da 1ª
Vara do TRF/RR a pedido do Juiz responsável, Carlos Alberto – folhas
ajuntadas como anexos no Recurso de Elidoro (VII, : 1228)
10/01/1997 15/01/1997 ??/01/1997
Vista dos Autos ao
MPF (VII, :1460).
Recurso do MPF à próxima instância, pedindo a condenação de Waldinéia e Wilson e a consideração de
crimes não considerados pelo Juiz Catta Preta na Sentença, assinado por Marcos Vinicius Aguiar Macedo
(VI, :1461).
Vista dos Autos ao
MPF (VI, :1464).
21/02/1997 11/04/1997 18/04/1997
Ofício do TRF/RR pedindo informações à Superintende da
PF Sueli Goereschi sobre os mandados de prisão de Pedro,
Francisco e Eliézio (VII,:1466).
Despacho do Juiz Carlos Alberto
pedindo que se reitere o Ofício anterior à
PF (VII, :1468).
Ofício da Superintende da PF, Sueli
Goereschi1, informando ao TRF/RR que
nenhum mandado foi até então cumprido (VII,
:1464)
(Anexo ao Anterior) 18/04/1997 23/04/1997
Relatório de Missão de dois Agentes da PF,
dando informações sobre a paradeiro dos
foragidos (VII, : 1470-1471).
Pedido do Diretor da Penitenciária Agrícola, Arnóbio
Venício Lima Bessa, pedindo ao TRF/RR cópias da
Sentença e Carta Guia de João Pereira (VII, : 1472).
Certidão do TRF/RR informando que,
devido aos Recursos, a Carta Guia de
João não pode ser mandada (VII, :1473).
28/04/1994 28/04/1997 30/04/1997
174
Despacho e Decisão do Juiz Carlos Alberto, pedindo o
desentramento de folhas dos autos e não recebendo o
recurso dos condenados foragidos (VII, : 1474-1475)
Requerimento do advogado Roberto Garcia
Lopes Pagliuso, subprocurado por Elidoro
Mendes, pedindo cópias dos autos (VII, :
1476).
Ofício do TRF/RR à Arnóbio Venício, Diretor
da Penitenciária Agrícola, encaminhando a
Sentença de João Pereira (VII, :1479).
18/05/1997 ??/05/1997 22/05/1997
Contra-razões do MPF ao, assinada pelo
Procurador Ageu Florêncio da Cunha, ao
Recurso anterior de Elidoro Mendes (VII,
:1482-1520).
Despacho do Juiz Carlos Alberto Simões para que os
autos sejam remetidos à outra instância do TRF
(Brasília), admitindo os Recursos (VII, :1521).
Termo de Distribuição do Processo na nova
instância (TRF/BSB); o Juiz Tourinho Neto, da
3ª Turma, é o Relator (VII, :1522).
05/06/1997 18/07/1997 20/08/1997
Pedido do MPF, assinado pelos Procuradores Franklin da Costa e
Carlos Frederico Santos, para que se ajunte, no TRF/BSB, a fita de
vídeo que mostra as malocas destruídas (VII, :1524)
*
.
Tourinho Neto defere, em despacho
manuscrito, o pedido do MPF de anexar a fita
de vídeo (VI, :1525).
Despacho manuscrito de
Tourinho Neto dando vista dos
autos ao MPF (VII, :1527).
01/09/1997 02/09/1997 08/09/1997
Recurso do MPF à nova instância do TRF (BSB), assinado por Carlos
Frederico Santos, Franklin Rodrigues da Costa e Luciano Mariz Maria
(VII, :1528-1568).
Ofício do Juiz Carlos Alberto (TRF/RR) para o Juiz
Tourinho Neto (TRF/BSB) comunicando a prisão de
Pedro Garcia (:1570).
Vista dos autos
ao MPF (VII,
:1521).
21/10/1997 10/11/1997 20/11/1997
Despacho manuscrito do Juiz do TRF/BSB,
Tourinho Neto, mandando os acusados apresentarem
contra-razões ao Recurso anterior do MPF (VII,
:1574).
Requerimento do MPF, assinado pelo procurador Franklin da
Costa, pedindo que as contra-razões dos acusados sejam
ajuntadas por Carta Precatória à Boa Vista (VII, :1576).
Despacho de Tourinho Neto
deferindo o Requerimento
anterior do MPF (VII, :1577)
19/12/1997 14/01/1998 15/01/1998
*
Esse documento é o primeiro do MPF que é assinado em Brasília.
175
Autos conclusos ao Juiz Carlos
Alberto, TRF/RR (VII, :1978).
Contra-razões dos acusados ao Recurso anterior do MPF, assinada pelo
Advogado Elidoro Mendes (VII, :1579-1581).
Termo de Remessa dos autos ao
TRF/BSB (VII, :1582)
28/01/1998 17/02/1998 18/02/1998
Ofício do TRF/RR ao TRF/BSB atestando o
encaminhamento da fita de vídeo( VII,
:1583).
Vista dos autos ao
MPF (VII, :1585).
Parecer da Procuradora Regional da República da 1ª Região, Elizeta Maria
Paiva Ramos, sobre o Recurso do MPF (VII, :1586-1607).
30/06/1998 30/06/1998 30/06/1998
Relatório dos Recursos impetrados ao TRF/BSB,
assinado pelo Juiz Tourinho Neto (VIII, 1609-
1641).
Voto do Relator dos Recursos ao TRF/BSB, o Juiz
Tourinho Neto, em desfavor dos acusados (VIII, :1646-
1696).
Voto Complementar do Relator dos
Recursos ao TRF/BSB, Juiz Tourinho
Neto, em favor dos acusados (VIII, :1697-
1698).
30/06/1998 30/06/1998 16/11/1998
Voto do Juiz Revisor dos Recursos ao TRF/BSB, Juiz Osmar
Tognolo, dando competência ao Tribunal do Júri para
julgamento do caso (VIII, :1701).
Ementa do Julgamento no TRF/BSB, mostrando que todo o resto da
3ª Turma votara com Osmar Tognolo; cancela-se a Sentença de
Catta Preta (VII, :1702).
Vista dos Autos ao
MPF (VIII, :1705).
18/11/1998 15/12/1998 15/12/1998
Embargo de Declarações do MPF, assinada pelos
Procuradores Franklin da Costa, Luciano Maia e Deborah
Duprat (VIII, :1706-1711)
*
.
Voto do Juiz Osmar Tognolo sobre o
Embargo de Declarações do MPF,
indeferindo-o (VIII, :1715).
Certidão de Julgamento, pela 3ª Turma do
TRF/BSB, do Embargo de Declarações do
MPF, indeferindo-o (VIII, :1716).
05/04/1999 05/04/1999 12/04/1999
*
Embargo de Declaração é o último Recurso possível em determinado tribunal, no caso o TRF Região (que abarca Brasília e Roraima, entre outros Estados). Tal Recurso
visa elucidar algum ponto obscuro levantado por uma das partes, mas ignorado pelos julgadores em uma decisão judicial. Fui informado, por um analista judicial, que quase
nunca tal Recurso prospera.
176
Juntado aos Autos o Recurso Especial ao
STJ, apresentado pelo MPF (VIII, :1722-
1742).
Juntado aos Autos o Recurso Extraordinário ao
STF, apresentado pelo MPF (VIII, :1744-1763).
Vistas dos Autos Pedro Luiz de Assis para as
Contra-Razões dos Recursos no TRF/BSB (VIII,
:1764).
19/04/1999 19/04/1999 10/05/1999
Ajuntada as Contra-Razões de Pedro de Assis ao
Recurso Especial do MPF (VIII, :1765-1768).
Juntada as Contra-Razões de Pedro de Assis ao
Recurso Extraordinário do MPF (VIII, :1770-
1773).
Despachos do Juiz Planto Ribeiro do TRF/BSB
admitindo os Recursos do MPF e mandando os
Autos ao STJ (VIII, :1775-1778)
07/06/1999 04/07/1999 28/07/1999
Remessa dos Autos do TRF/BSB
para o STJ (VIII, :1784).
Termo de Recebimento dos
Autos no STJ (VIII, :1785).
Distribuição dos autos ao Ministro do STJ Jorge Scartezzini, integrante da 5ª
Turma, Relator do Recurso Especial do MPF (VIII, :1789).
01/12/1999 02/12/1999 02/12/1999
Parecer do MPF, assinado pelo Subprocurador Geral da República,
Antonio Augusto César, opininando pelo deferimento do Recurso (VIII,
:1790-1803)
Vista dos Autos
ao MPF (VIII,
:1804).
Ajuntada a Certidão de Óbito de Francisco Alves
Rodrigues, o ‘Chico Ceará’, falecido em 18/07/1999 (VIII,
:1807)
(Anexo ao Anterior) 02/12/1999 03/12/1999
Termo de Declarações à PF de Luzilene Morais da Silva,
companheira de Francisco (VIII, :1811).
Ajuntado a Petição de cópias do Advogado de Pedro Garcia, Edir
Ribeiro da Costa (VIII, :1814-1815).
Vista dos Autos ao MPF
(VIII, :1817).
09/12/1999 17/02/2000 17/04/2000
Pedido do MPF, assinado pelo Subprocurador Geral da República
Antonio Augusto, para que não se envie cópias dos Autos à Edir, pois o
últimos não é defensor legal de Pedro (VIII, : 1819)
Pedido de Liberdade Provisória, assinado por
Pedro Luis de Assis, de João Pereira (VIII,
:1825-1830).
Contra-Razões do MPF ao
Pedido de Liberdade
anterior (IX, :1839-1840).
177
29/07/2000 19/09/2000 19/09/2000
Petição da FUNAI, assinada pela Procuradora Geral desse órgão, Tânia
Barreto, para que a FUNAI seja habilitada Assistente de Acusação (IX,
:1847).
Relatório, à 5ª Quinta Turma do STJ, do Ministro
Jorge Scartezzini sobre os Autos (IX, :1850-1852).
Voto do Ministro Jorge
Scartezzini (IX, :1853-
1865).
19/09/2000 31//10/2000 07//11/2000
Certidão do Julgamento do Recurso Especial do MPF; a 5ª Turma
deferiu o Recurso e cancelou a decisão da 3ª Turma do TRF (IX,
:1868).
Embargo de Declarações de
Pedro de Assis ao STJ (IX,
:1873-1876).
Recurso Extraordinário ao STF escrito pelo
Advogado dos acusados, Pedro de Assis
(IX, :1878-1888).
02//12/2000 (Anexo ao Anterior) Sem Data Legível
Ajuntada a Petição de Saída Temporária de João Pereira para o Natal,
assinada pelo Advogado Antonio Claudio Theotônio (IX, :1894-1895).
Certidão de Nascimento dos 3 Filhos de João
Pereira (IX, :1899-1901).
Vista dos Autos ao MPF
(IX, : 1903).
04/12/2000 06/12/2000 06/12/2000
Contra Razões do MPF para o indeferimento da
Saída Temporária de João Pereira (IX, :1905-
1906).
Certidão do TRF/RR de que o caso de João
ainda não transitou em julgado (IX, :1907).
Certidão do STJ fazendo constar Davi Kopenawa
Yanomami como Assistnte do MPF no Processo
em foco (IX, :1919)
22/05/2001 22/05/2001 28/08/2001
Relatório e Voto do Ministro do STJ Jorge Scartezzini
sobre o Embargo de Declaração de Pedro de Assis,
indeferindo-o (IX, : 1921-1928).
Certidão de Julgamento da 5ª Turma sobre o Embargo
de Declarações de Pedro de Assis, votando todos
como o relator (IX, :1929).
Nova Cópia do Recurso
Extraordinário de Pedro de Assis ao
STF (IX, :1934-1944).
29/03/2002 21/06/2002 07/08/2002
178
Decisão do então presidente do STJ, Ministro Edson Vidigal, admitindo o Recurso
Extraordinário dos acusados e mandando os Autos ao STF (IX, :1966-1968).
Termo de Remessa dos Autos
ao STF (IX, :1970)
Termo de Recebimento dos
Autos no STF (IX, :1971)
12/08/2002 12/08/2002 06/05/2003
Recebimento dos Autos no
Gabinete do Ministro do STF
Sydney Sanches, então Relator
(IX, :1972).
Parecer do MPF pelo não conhecimento do Recurso
Extraordinário, assinado pelo Subprocurador Geral da
República, Wagner Natal Batista (IX, :1974-1985).
Decisão do STF, assinada pelo então Presidente Min.
Marco Aurélio, mandando que se redistribua os Autos a
outro Relator, pois o Min. Sydney Sanches se aposentara
(IX, :1987-1988).
28/07/2003 27/05/2004 24/04/2004
Termo de Recebimento dos Autos no
Gabinete do Min. Cezar Peluso, agora
Relator (IX, 2002).
Despacho do Min. Cezar Peluso mandando desentranhar os
volumes 1 e 2 dos apensos, pois são Carta Rogatória não cumprida
(IX, 2004).
Petição de João Pereira, em primeira
pessoa, pedindo adiantamento no
Julgamento (IX, 2010).
08/04/2005 02/08/2005 20/09/2005
Nova Petição, assinada em primeira pessoa,
de João Pereira pedindo rapidez no
Julgamento (IX, :2025).
Mandando de Intimação do STF para as partes,
informando que o julgamento foi incluído em pauta
(IX, 2035-2036).
Relatório do Ministro Cezar Peluso, da 1ª Turma,
sobre o Recurso Extraordinário dos Acusados (IX,
:2037-2041).
20/09/2005 03/08/2006
Certidão de Julgamento, enviando os Autos
para apreciamento do Tribunal Pleno do
STF
*
(IX, :2054).
Certidão de Julgamento :”O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto
do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Celso de Mello. Plenário, 03.08.2006.” (IX, :2054).
*
O Pleno é a reunião das duas turmas do STF.
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Retirada da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm, em
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Retirado da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm, em 18/07/2006.
* Código de Processo Penal Brasileiro
Retirado da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm, em 11/09/2006
* Lei n. 2889/56 (que define o Crime de Genocídio no Brasil).
Retirada da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L2889.htm, em 18/7/2006
* Lei n.7960/89 (que define a Prisão Temporária no Brasil)
Retirada da página oficial da Presidência da República:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L7960.htm em 22/11/2006
* Estatuto do Índio
184
Retirado da página oficial da Fundação Nacional do Índio:
http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html, em 01/06/06
* Arquivo do Projeto Estudo sobre Terras Indígenas no Brasil
Retirados, em parte, do arquivo localizado no Laboratório de Pesquisa em
Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento do Museu Nacional, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, e, em parte, das digitalições disponíveis na página eletrônica do
mesmo Laboratório:
http://www.laced.mn.ufrj.br/produtos/textos/textos_online/publicacoes_peti.htm, em
19/01/2007.
Periódicos diretamente citados:
CEDI. Aconteceu. anos de 1990, 1991, 1992 e parte de 1993.
ISA. Povos indígenas no Brasil - 2001-2005. 2006.
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