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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Pós-Graduação em Educação
DISSERTAÇÃO
Cenas do Palco Invisível:
Os matriciamentos que tecem a formação dos educadores da cena
teatral das escolas pelotenses.
Acevesmoreno Flores Piegaz
Pelotas, 2005.
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1
ACEVESMORENO FLORES PIEGAZ
CENAS DO PALCO INVISÍVEL:
Os matriciamentos que tecem a formação dos educadores da cena
teatral das escolas pelotenses.
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Pelotas, como requisito à obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Lúcia Maria Vaz Peres
Pelotas, 2005
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2
Dados de catalogação na fonte:
Zilda M. Franz Gomes CRB - 10/741
P613c Piegaz, Acevesmoreno Flores
Cenas do palco invisível: os matriciamentos que tecem
a formação dos educadores da cena teatral das escolas
pelotenses / Acevesmoreno Flores Piegaz. - Pelotas,
2005.
110f.
Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de
Educação. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas,
2005.
1. Educação. 2. Ensino de teatro. 3. Imaginário.
4. Corporeidade. I. Peres, Lúcia Maria Vaz, org.
II. Título.
CDD 371.332
792.07
3
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Lucia Maria Vaz Peres (FaE / UFPel)
Profª. Drª. Tania Maria Esperon Porto (FaE / UFPel)
Profª. Drª. Malvina do Amaral Dorneles (UFRGS)
4
DEDICATÓRIA
A Maria Helena, minha mãe, que – com amorosa
dedicação – me educou para a vida, cultivando em mim o
entusiasmo pela arte e pela cultura
.
5
Agradecimentos
A Vera de Oliveira Machado,
companheira da aurora
deste tempo, cujas palavras e pensamentos
alimentaram sonhos para a realidade,
à professora Eliane Nunes,
amiga de muitas horas, cúmplice primeira deste projeto,
cujo incentivo e apoio foi decisivo para lançar-me
nesta jornada,
a minha orientadora, Lúcia Peres,
pela sua generosidade, impulsionando e
acalentando cada momento desta pesquisa,
a Carmen Biasoli, cujo encontro revelou pistas
para a caminhada nas muitas trilhas deste território,
a Samanta, Marta e Nikita
cuja conjunção materializou-se na beleza da capa, na alegria da noite 27.
aos amigos e amigas
com quem compartilhei o cotidiano
nos muitos sentidos da vida, nesses dias,
à professora Tânia Porto, pelo caminho que aportou na corporeidade,
aos colegas Raquel, Irapuã, pela parceria nesta caminhada,
ao Programa de Pós-Graduação da FAE- UFPel,
docentes e funcionários, especialmente à CAPES pela bolsa de demanda social.
6
Resumo
PIEGAZ, Acevesmoreno Flores. CENAS DO PALCO INVISÍVEL: Os
matriciamentos que tecem a formação dos educadores da cena teatral das
escolas pelotenses. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
Esta pesquisa busca investigar os matriciamentos que potencializam o
trajeto de professores que trabalham com ensino de teatro nas escolas de Pelotas,
RS, Brasil, sob a perspectiva do imaginário. O estudo tem sua gênese nas narrativas
de quatro professoras que atuam nas redes de ensino pública e privada, da cidade
de Pelotas, desenvolvido no período compreendido entre 2004 e 2005. Das
narrativas emergiram núcleos de sentido que possibilitaram visualizar a prática
dessas professoras e compreender a complexidade deste fazer – o ensino de teatro
na escola como Palco Invisível –. Esses núcleos trouxeram à luz os movimentos
empreendidos na trajetória e formação das referidas educadoras. Em tal percurso a
corporeidade, o prazer e a alegria na educação, aparecem imbricados em questões
vivenciais, sociais e culturais. Esta leitura e investigação foram possíveis,
fundamentalmente, a partir de estudos do campo do imaginário e os conteúdos que
daí advém, bem como dos aportes sobre o ensino de teatro na escola. Dentre os
autores que ajudaram a compor essa tecedura, citaria Gilbert Durand, Lúcia Peres,
Ingrid Koudela e Richard Courtney, entre outros, não menos importantes. Nesse
sentido, elaboro este constructo teórico no intuito de tornar visível as Cenas do
Palco Invisível.
Palavras-chave: educação, teatro, ensino de teatro, imaginário,
corporeidade, palco invisível.
7
Abstract
PIEGAZ, Acevesmoreno Flores. CENAS DO PALCO INVISÍVEL: Os
matriciamentos que tecem a formação dos educadores da cena teatral das
escolas pelotenses. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
This Work investigates the subjective matrices that empower the trajectories
of theater teachers in schools of Pelotas, RS, Brazil, under the perspective of the
imaginary. It originates from the narratives of four teachers working in public and
private schools of Pelotas and was developed between 2004 and 2005. From these
narratives nuclei of meaning emerged that made it possible to view the teachers’
practice and to understand the Invisible Stage of the school – . These nuclei brought
into light the movements undertaken by the teachers in their trajectory and formation.
In this route, corporeality, pleasure and joy in education appear connected to life
experiences as well as to social and cultural experiences. The present investigation
and the conception that supports it were fundamentally possible due to the
development of the studies of the imaginary and to the contents that arise from such
studies. I would refer, among the authors who have helped me weave this fabric,
Gilbert Durand, Lúcia Peres, Ingrid Koudela and Richard Courtney. With this
reference in mind, the present theoretical framework is constructed aiming at making
visible the Scenes of the Invisible Stage.
Keywords: education, theater, teaching of theater, imaginary, corporeality,
invisible stage.
8
SUMÁRIO
1 AS PRIMEIRAS CENAS: Guisa de introdução...................................................... 10
1.1 Uma cena no trajeto cultural.............................................................................. 14
1.2 Encenando o palco invisível................................................................................ 17
2 EM CENA, NA PRIMEIRA PESSOA...................................................................... 20
2.1 Uma gênese nas cozinhas de domingo.............................................................. 20
2.2 O pátio, pela porta dos fundos outros espaços de educação e prazer............... 23
2.3 Da Esparta pampeana........................................................................................ 24
2.4 À Atenas rio-grandense ...................................................................................... 26
3 EM CENA ABERTA: na confluência ... a metodologia........................................... 30
3.1.Escolhendo o elenco........................................................................................... 31
3.2.Definindo o cenário............................................................................................. 33
4 UMA CONFLUÊNCIA DE CENAS: as vozes das protagonistas............................ 35
4.1 A Dama das Camélias ........................................................................................ 35
4.2 A Bela Adormecida ............................................................................................. 38
4.3 A Bailarina........................................................................................................... 44
4.4 Árvore.................................................................................................................. 47
5. NO SABER-FAZER: OS NÚCLEOS DE SENTIDO.............................................. 53
5.1. Uma coisa, a necessidade, a paixão e o gosto: pistas na busca de sentidos ... 56
5.2 O prazer, o devaneio e a alegria: emergências em uma prática ........................62
5.2.1 O prazer........................................................................................................... 63
5.2.2 O devaneio...................................................................................................... 66
5.2.3 A Alegria........................................................................................................... 68
6. NA INFÂNCIA “O MAIS VIVO DOS TESOUROS”: O ESPELHO, A PEÇA, OS
TEATROS E A GARAGEM....................................................................................... 72
7 TEATRO: CORPOREIDADE, IMAGINÁRIO E EDUCAÇÃO................................. 80
7.1 A corporeidade.................................................................................................... 80
9
7. 2 Corporeidade e educação.................................................................................. 82
7.3 O ensino de teatro: imaginário, imaginação dramática e educação ................... 87
8. DESCOBRINDO HORIZONTES NO PALCO INVISÍVEL..................................... 93
8.1 O interesse cultural e o processo de socialização.............................................. 98
9. ÚLTIMAS NOTAS SOBRE O PALCO INVISÍVEL............................................... 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 108
10
1 AS PRIMEIRAS CENAS: Guisa de introdução
Todo pensamento humano é uma re-presentação, isto é, passa por
articulações simbólicas. [...] o imaginário constitui o conector obrigatório
pelo qual forma-se qualquer representação humana (DURAND,1994).
Vamos adentrando o cenário... Por escolha, o espaço cênico é a memória, e
aquilo que nem lembramos, conscientemente, mas que, de alguma forma, nos faz
atores de muitas cenas nos palcos invisíveis das escolas. A memória aqui entendida,
num primeiro momento, como re-apresentação de articulações humanas, possível
de ser entendida nas palavras de Baudelaire:
A verdadeira memória, considerada do ponto de vista filosófico, não
consiste, acho eu, senão numa imaginação muito viva, fácil de emocionar-
se e, por conseqüência, suscetível de evocar em apoio de cada sensação
as cenas do passado apresentado-as como encantamento da vida
(BAUDELAIRE in BACHELARD, 2001, p.115).
Quando falamos em teatro nas escolas pelotenses, de que estamos falando,
que “espetáculo” é esse? Quantas “cenas”? Quais os sons, as luzes, as cores?
Quais técnicas? Quais os “atores”? Qual é seu “público”?
Inúmeras são as perguntas, nelas nos encontramos, atores do mesmo
espetáculo na “contra-cena” do cotidiano escolar. Para estas perguntas, muitos
movimentos se sucederam numa coreografia de saberes, de dúvidas, de muitas
presenças e de algumas ausências que, no desenrolar da trama, nos dão pistas de
quem somos; é nesta montagem cheia de atravessamentos, de nuances, e de
inúmeros companheiros que, juntos, vamos protagonizando esta cena escolar em
Pelotas.
Aqui se faz visível um “palco invisível”: o ensino de teatro no ambiente
escolar. Então, aqui, a escola, foi o lugar para onde convergiu meu olhar na busca
11
por compreender o trajeto dos “atores” desta cena da educação. Assim, adentramos
a um território instigante, de horizontes amplos, desbravados na coragem da dúvida
e na certeza de um amanhã menos cindido. De certa forma, foi nesta convergência
de certezas e dúvidas que sedimentamos a estrada de nossa jornada, rumo a uma
pesquisa que buscou dar voz a uma “cena muda”: o teatro no universo escolar
pelotense.
O território que demarquei não se deu aleatoriamente, mas sobre a forte
suspeita que este lugar abrigava, o palco invisível. Muitas cenas acabaram por fazer
o roteiro histórico do teatro em Pelotas. Então, este palco se constituiu numa
incubadora de imaginários, materializados nos efêmeros atos de cada personagem
aqui encenados. Entendendo como incubadora de imaginários essa dimensão/útero
e esse caráter “parturiente”, que vai parindo imaginários em ato.
Este parto é sempre protagonizado por alguém, onde a “sala de
nascimento” é a atividade extra-classe; e os “parteiros”, são os educadores que
fazem o extra, aquilo a mais da classe. Eles, através de tais atividades, são
instauradores, no espaço escolar, do teatro como zona de intersecção, permitindo
“soltar nosso imaginário e começar a raciocinar lúdica e prazerosamente”
(ASSMANN, 1996, p. 52).
Num momento como este, na educação, em que os estudos sobre o
imaginário se intensificam e distendem o horizonte pedagógico, é possível pensar o
ensino de teatro na escola na perspectiva de uma “pedagogia simbólica que
considere seus protagonistas como faber e como symbolicus... uma Pedagogia onde
o imaginário religa o mundo real ao coração pulsante que deseja re-criar outras
realidades, acessar outros fogos/conhecimentos” (PERES, 2004, p.14).
Aqui, parece ser possível vivenciar situações não presentes na lógica
habitual do ensino. Portanto, o “imaginário nos mostra como é possível identificar os
embriões de possibilidades, introduzir o sentimento no processo educacional,
tentando palmilhar outros caminhos” (PERES, 2004, p.6).
12
Considerando que a escola, neste caso, é, por evidência, continente deste
território e, ela, parece ter tido, e continua a ter, um papel bastante significativo,
quase determinante, para o movimento teatral em Pelotas. Na década de oitenta,
bem como no transcurso da década de noventa e agora com grande efervescência,
no início deste novo século, em dois mil e quatro (2004), foram mais de cinco
mostras e/ou festivais de teatro estudantil ou com inserção deste.
A escola, como uma protagonista da cena local, parece ter um “papel
inconsciente”, pois esta vem se colocando, essencialmente, como a “fornecedora de
infra-estrutura e mantenedora” dos grupos que se formavam. Digo isto por entender
que a escola parece não assumir e/ou conceber o teatro, como “lugar” pedagógico.
E, por conseguinte, embora os feitos dos grupos sejam motivos de orgulho para as
escolas, as mesmas não estão em efetiva relação pedagógica com o fazer teatral
em seu meio.
O processo do fazer teatral na escola pelotense, compreendidos seus
objetivos e metodologias, sempre recebeu pouca atenção. Tal processo, geralmente,
parece concentrar-se, principalmente, em apresentações em datas comemorativas
do calendário, focando-se o teatro como atração, ou “número artístico”, ou ainda
como recurso didático para outras disciplinas.
Poder-se-ia discorrer, longamente, sobre os acontecimentos que movimentam
a cena local, mas o foco a que se propôs esta investigação orienta-se ao âmbito
escolar. A escola parece ser o lugar fundante das ações que envolvem as primeiras
incursões no território do teatro, e que acaba por sustentar o teatro no transcurso
cultural da cidade. Outras manifestações, como a dança, desenvolveram-se fora do
espaço escolar, nas academias ou escolas particulares de dança.
Por conseguinte, podemos observar a arte teatral como fenômeno que, em
Pelotas, permeia o tecido educacional, demarcando um território no imaginário local.
Entendendo como Imaginário local, a representação das artes e da cultura no
contexto da cidade, sobretudo o valor atribuído na auto e hetero-imagem dos
pelotenses – Pelotas é distinguida das demais cidades da Região Sul, como “capital
cultural”.
13
Hoje, ainda não há estudos específicos em relação ao teatro na educação em
Pelotas que possibilitem uma análise desta realidade, além do que, as informações a
respeito tornam-se de difícil acesso por se encontrarem dispersas nos arquivos
escolares, nas notícias de jornais e, principalmente, na memória dos protagonistas.
Portanto, é no sentido de contribuir para uma melhor visualização desta face
da educação em Pelotas, que ilumino um dos seus protagonistas, o educador, e com
ele desenvolvo as Cenas do Palco Invisível.
Nas Primeiras Cenas, busquei apresentar, nesta pesquisa, o teatro no
contexto da cidade de Pelotas, bem como o ensino deste no ambiente escolar. Logo
em seguida Na Primeira Pessoa trago os matriciamentos que me constituem no que
sou hoje, enquanto artista de teatro e educador. A seguir, Em Cena Aberta, no
terceiro capítulo, apresento a metodologia para a pesquisa em questão.
Num quarto momento, através de Uma Confluência de Cenas trago as
narrativas das professoras que são sujeitos de pesquisa desta investigação. Estas
narrativas se constituíram a partir de uma pergunta detonadora: Como o teatro
entrou na tua vida, e qual é a primeira imagem que lembras? Ao fazer esta
pergunta tive como resposta imagens potentes da memória, e um mergulho desse
porte tornou inevitável, retornar a Bachelard:
Quanto mais mergulhamos no passado, mais aparece como indissolúvel o misto
psicológico memória-imaginação. Se quisermos participar do existencialismo do
poético devemos reforçar a união da imaginação com a memória. Para isso é
necessário desembaraçar-nos união da memória historiadora, que impõe os seus
privilégios ideativos. Não é uma memória viva aquela que corre pela escala das
datas sem demorar-se o suficiente nos sítios da lembrança (BACHELARD, 2001,
p.114).
Esta concepção de memória se distancia de uma abordagem de datações
pragmáticas e torna possível entender a memória numa perspectiva mais ampla e
repleta atravessamentos. “A memória humana é incapaz de apenas guardar
lembranças, porque interage com elas de modo dinâmico constantemente em
situação de plasticidade admirável” (DEMO, 2004, p. 29). Portanto, as narrativas
estão consideradas sob este aspecto, neste trabalho, e é através delas que se
estruturam os próximos capítulos.
14
No capítulo cinco, No Saber-Fazer: Os Núcleos de Sentido, identifico
questões pertinentes ao ensino de teatro e que são apresentadas pelas professoras
em suas narrativas articuladas com referenciais teóricos da Educação e do
Imaginário.
Logo em seguida, no capítulo seis, Na infância o “mais vivo dos tesouros”: o
Espelho, a Peça, os Teatros e a Garagem, faço uma análise da infância como
matriciamento principal na constituição do fazer-se educador de teatro. Já no
capítulo sete, Teatro, Imaginário e Educação, trago reflexões sobre as relações que
implicam o fazer teatral na escola. O capítulo oito discute a dimensões cultural e
social do teatro que surgem, a partir das narrativas das professoras e que
constituem outros núcleos significativos na fala de duas professoras: A Bailarina e A
Árvore.
E, por fim, nas Últimas Notas Sobre o Palco Invisível faço minhas
considerações sobre o trajeto percorrido nesta investigação e suas contribuições no
contexto da educação.
1.1 Uma cena no trajeto cultural
A realidade do contexto cultural de Pelotas distingue-se, por este particular,
pelo curioso hábito de assistir e fazer teatro o que a torna, significativamente,
característica, sendo o teatro parte do imaginário desta.
Entretenimento de primeira ordem, na esfera social do século XIX, o teatro
em Pelotas não foge à regra, tendo, na burguesia emergente da indústria saladeril,
sua vigorosa mola impulsora e isto fica claro nas palavras de Domingos José de
Almeida
1
, ao relatar os festejos da independência do Brasil, realizadas em 15 de
outubro de 1822: “também me coube parte especial pela cessão de um armazém em
poucos dias convertido em um teatro e precursor do que hoje existe” (DUVAL apud
HESSEL,1999, p.51).
1
Político e empresário da indústria saladeril pelotense do século XIX.
15
Destes improvisos arquitetônicos a edificação do Teatro Sete de Abril – o
segundo mais antigo teatro em funcionamento do Brasil. Passaram-se onze anos de
atividades teatrais em espaços adaptados, das quais poucos registros restam, até
que o “Teatro Sete de Abril foi inaugurado a 2 de dezembro de 1833. Antes dele,
porém, funcionou um Teatro Sete de Setembro, fundado a 12 de abril de 1832, cujas
atividades talvez se tenham desenvolvido em sala adaptada (DUVAL apud
HESSEL,1999, p. 52).
Há, também, alguma “movimentação teatral” no espaço escolar da época,
pois, esta é igualmente citada, no ano de 1833, onde já temos a primeira notícia da
cena estudantil:
E na noite de 9 de setembro, no colégio dirigido por João Pedro Ladislau
de Figueiredo, os estudantes agrupados na Sociedade Patriótica dos
Jovens Brasileiros levaram à ribalta do teatrinho do colégio o drama O
patriotismo e a farsa O casamento por gazeta (DUVAL apud
HESSEL,1999, p. 52).
Mas é no Teatro Sete de Abril que a cena teatral vai consolidar-se em
Pelotas e, não vão faltar incentivos, caracterizando um verdadeiro mecenato de uma
pseudo-aristocracia.
A “Princesa do Sul”, uma vez inaugurando o seu fort joli théâtre (Arsène
Isabelle) em 1833, entregou-se a uma estirada lua-de-mel, com arte
dramática, música e outras manifestações de cultura, que iriam ultrapassar
o século. Recursos financeiros não lhe faltavam, propiciados pela indústria
saladeril em apogeu que em certa época abatia anualmente quatrocentos
mil bovinos em suas 35 charqueadas. Assim a aristocrática sociedade
pelotense se permitia embelezar o noivo - o Teatro Sete de Abril - com
reformas ou novos adereços (DUVAL apud HESSEL,1999, p.55).
Como podemos perceber, é destacada a importância deste prédio teatral,
mas a atividade cênica não se limita a ele e, posteriormente, surgem: o Cine-Teatro
Coliseu (1910), Cine-Teatro Politeama (1910), Teatro da Liga Operária (1910),
Teatro 1º de Maio (1914), Teatro Tália (1914) e, também, o Teatro Apolo (1925).
Com o decorrer dos anos, a indústria do charque arrefece e, posteriormente,
na década de trinta, com a falência do Banco Pelotense, a cidade entra num
processo de contínua decadência econômica. Mesmo assim, a arte dramática
continua presente no contexto cultural da cidade a ponto de, em 1975, constituírem
16
um movimento de resgate desta identidade cultural. Assim, encontra-se na
lembrança de muitos, o que foi o “Movimento para reviver o Teatro de Pelotas”
(LANCETTA in HESSEL, p.60), já que tal “movimento” congregou muitas forças
sustentando-se em
[...] diversas iniciativas e instituições como: o Teatro Escola, criado em
1890; a Sociedade de Teatro de Pelotas (STEP), surgida cerca de 1962; o
Teatro dos Gatos Pelados, criado em 1963; o grupo de Teatro da Escola
Técnica Federal de Pelotas (ETFP); o Teatro da Universidade Católica de
Pelotas; o Teatro dos Bancários, o Teatro Universitário e outros
(LANCETTA in HESSEL, p.60).
Neste período (1975/1980), Pelotas é marcada pela ação efetiva da
comunidade teatral, cuja iniciativa e pressão, levou o poder executivo a desapropriar
o Teatro Sete de Abril, em 1979, restaurando-o e destinando-o, novamente, às
atividades a que foi projetado. Tornando-se, assim, a sede do maior festival de teatro
do sul do Brasil, (já citado anteriormente). Pelotas é, nos anos oitenta, um dos
pontos de convergência da produção teatral, promovendo a formação de público e
artistas que alimenta, até hoje, o imaginário local.
No período compreendido entre os anos oitenta, até o princípio dos anos
noventa, obras nacionais e internacionais por aqui passaram, integrando os
programas do Festival Internacional de Teatro de Pelotas, contando com a
participação de artistas do Uruguai, Argentina, Colômbia, entre outros, além da
produção nacional. Tal é a abrangência do evento que se faz sentir intensa
movimentação econômica (rede hoteleira, comércio), tornando-se calendário do
Estado, isto quando ainda não havia surgido o Festival de Teatro Porto Alegre em
Cena e o Festival de Canela era, ainda, incipiente.
O acelerado desenvolvimento da arte teatral na cidade encontrou
sustentação numa escola que tinha, no período em estudo, suas bases nos
parâmetros da livre expressão e, ao que parece, não compreendia,
pedagogicamente, sua participação, nem seu contexto histórico. Mesmo assim, se
tornou determinante para sustentar e promover o desenvolvimento artístico da
cidade, fortalecendo o capital cultural da cidade.
17
Indícios apontam que esta tradição não encontra respaldo em políticas
culturais públicas ou privadas, mas se edificou na quase ausência total delas. A
cidade também não tem gerado um mercado para a produção local que dê
condições dignas de sobrevivência aos artistas que nela investem sua vida.
Descartada a lógica primeira que tornaria esta realidade viável, passamos a
tratar a partir do inviável, rastreando qual base forjaria esta manifestação; e uma
questão, se apresenta: o que vem alimentando e contribuindo efetivamente para
manter a linguagem teatral viva em Pelotas?
Obviamente, uma questão tão ampla como esta inviabilizaria nossa
investigação pela abrangência e as muitas variáveis possíveis. Portanto, esta
investigação compreendeu um recorte sobre um lócus onde a cena tem se renovado
continuadamente, respondendo mesmo aos mínimos incentivos, a escola.
1.2 Encenando o palco invisível
Nos anos oitenta e nos que se seguem, em Pelotas, um significativo número
de viajantes (novos atores e diretores) adentraram este território. Eles, com seus
imaginários, semearam as pradarias férteis de possibilidades, renovando a cena
pelotense.
Destes, poucos não tiveram a escola como útero. Tamanho foi o fluxo de
“aprendizes de feiticeiro”, que se pode pensar que o teatro na cena escolar, é um
“território de todos”, inclusivo, plural e transversal. Ao contrário de muitas das
atividades extra-classe ofertadas nas escolas, as quais fazem testes de ingresso,
que acabam por excluir vários de seus pretendentes.
Quero defender, com isso, o ponto de vista de que, o teatro, em
contrapartida, na maioria das vezes, é o espaço onde seus integrantes devem
aportar apenas com a vontade de fazê-lo. Daí, suas potencialidades vão sendo
desenvolvidas, no decorrer do processo. Considerando esta característica, poder-se-
ia inferir que, antes de tudo, o teatro oportuniza inclusão e um exercício democrático
das relações. Esta idéia pode ser reforçada pelo caráter grupal do mesmo, criando
18
situações inusitadas, geradoras de descobertas, compartilhadas no conjunto de seus
integrantes, no interior do grupo.
Percebe-se que a prática ocorre, na maioria dos casos, num fazer
voluntarista, tendo o ministrante uma formação, muitas vezes, não oriunda das artes,
o que reforçou o caráter extra-classe da atividade cênica, nem por isso menos
importante.
Ao falarmos em atividade extra-classe, é conveniente salientar que este
conceito é o que mais comumente tem abrigado a atividade cênica na concepção
escolar. Ao partirmos deste referencial, poderíamos lançar-nos a territórios que se
aproximem e/ou aonde encontramos trânsito de outras possibilidades que não a
curricular.
Tal atividade possui uma complexidade na sua estrutura que demandaria
uma investigação muito além do que poderíamos dar conta nesta investigação,
podendo ser um fascinante convite a estudos posteriores. Portanto, mais uma vez,
faz-se necessário outro recorte, e este incidirá no entorno daquele elemento, que
pensamos ser, catalisador das ações que efetivam o fazer teatral na escola: o
professor/agente cultural (ator, diretor, cenógrafo, figurinista, maquiador e produtor).
Na maioria das vezes, o professor que desenvolve atividade teatral na
escola, torna-se “diretor” de espetáculo, ou seja, fica a cargo dele preparar os
alunos/atores, coordenar a montagem e supervisionar os ensaios. A esta função
soma-se a de cenógrafo e figurinista, pois ele irá solucionar o espaço cênico e vestir
os personagens.
Nesta multiplicidade de fazeres, o educador pode, ainda, ser solicitado a
atuar, enquanto ator, ou conceber a maquiagem, quando de uma proposta
diferenciada. Se não bastasse, ele é chamado a responder pela produção, quer
dizer tornar viável, financeiramente, a apresentação. Esta situação torna-se habitual,
visto que no senso comum das escolas pelotenses, teatro parece significar apenas
montagens de esquetes e/ou peças. Raramente é percebido como disciplina com
conteúdos e uma proposta pedagógica.
19
A realidade, aqui apresentada, constitui a forma como a escola ainda
concebe o fazer teatral na escola. Além disso, este contexto não o compreende
como linguagem da arte, portanto, passível de um estudo sistematizado,
considerando objetivos e metodologias integrados ao currículo escolar. Mesmo
assim, existe um personagem que insiste nesta jornada, tornando-se, desta forma, o
agente escolar que assume a responsabilidade por manter o espetáculo em cartaz.
Este agente escolar, o professor que trabalha a linguagem teatral na escola, sobre o
qual lanço meu olhar de pesquisador.
A seguir, trago minhas gêneses que, certamente, são responsáveis pelo
percurso escolhido nesta pesquisa.
20
2 EM CENA, NA PRIMEIRA PESSOA
Nós somos o que somos e fazemos o que fazemos pela necessidade que
temos (SIEBURGER, 2004)
2
.
2.1 Uma gênese nas cozinhas de domingo
Ao falar em gênese, estou buscando, nestas primeiras cenas, traçar uma
grafia que torne possível fazer o caminho de volta, porque, antes de tudo, é neste
retorno que encontrei o sentido que orientou e alimentou a investigação
desenvolvida.
O caminho de volta, aqui, é o descobrir-se em cena, num roteiro cheio de
imbricações; num mapa imaterial, constituído na memória considerando que “A
memória pertence de fato ao domínio do fantástico, dado que organiza
esteticamente a recordação. É nisso que consiste a ‘aura’ estética que nimba a
infância” (DURAND, 2001, p.402). Então, é pela memória das cozinhas e pátios das
casas de minha infância, onde me lanço no mergulho das lembranças. Sim. Foram
três as cozinhas deste período da minha vida e, coincidentemente, todas elas tinham
uma porta dos fundos e as portas dos fundos sempre deram para o pátio.
Cozinhas e pátios sempre foram, para mim, lugares de liberdade,
criatividade e prazer, lugares de muito aprendizado; o pátio, palco da minha solidão
criativa e a cozinha, o território do fazer junto. Cenas re-visitadas numa memória de
aromas e imagens, cores e sabores.
Em cena, uma mulher dividida em duas paixões - num trajeto pendular entre
a matemática e fazeres artísticos – todos, porém, requeriam minúcia, dedicação,
2
Esta citação foi proferida pelo colega Cézar Sieburger, na disciplina Imaginário e Comunicação,
ministrada, no 2ºS /2004, pelas professoras Lúcia Maria Vaz Peres e Tania Maria Esperon Porto .
21
raciocínio e imaginação: assim apresento minha mãe, que, hoje percebo, transitava
entre o caráter diurno das ciências exatas e o noturno das construções artísticas.
Hoje, as referências que emolduram a imagem de minha mãe conduzem à
arte, à matemática, e às cozinhas de domingo onde preparávamos sabores exóticos.
Muitos domingos de minha infância, após o mate e o café, nós três (eu, meu pai e
minha mãe) íamos à cozinha e de lá só saíamos para o almoço, que, muitas vezes,
passava das quinze horas. Ficávamos numa dança; no entorno de uma mesa de
madeira ou junto ao fogão, onde um ensinava ao outro. Aprendi a fazer massas,
molhos, doces!
Tudo era estimulante e eu sabia que lá em casa era diferente; nas casas
dos meus tios e amigos era o dia do churrasco, lasanha ou galinha assada com
salada de maionese e lá em casa era o dia de raviólis, de feijoada, do vatapá, de
figada feita no tacho, ambrosia, doce de jaca, mousses. A cozinha era um território
quente e misterioso, de aromas fortes, um convite ao novo, ao inusitado, o lugar
onde mais se exercitava o equilíbrio do poder e a democracia familiar. Assim,
passávamos horas naquela alquimia de seres, saberes e sabores.
Meu pai era homem que guardava segredos, tinha uma aura misteriosa, às
vezes falava de culturas antigas. Tinha grande admiração pelos povos pré-
colombianos. Sua profissão era muito diferenciada, pois era um mercador de
especiarias. Hoje, seria classificado como micro-empresário, mas ele era mais que
um administrador, pois, além de comercializar temperos como cravo-da-índia, canela
em rama, pimentas, entre outras trinta qualidades, produzia misturas que chamava
de tempero completo. As misturas que ele produzia eram em pó, tudo moído e
depois misturado em quantidades específicas, que só ele sabia, algumas com vinte
e dois ingredientes.
Presenciar o preparo destes temperos tinha seus encantos: as inúmeras
cores que variavam do amarelo curcuma aos vermelhos, verdes, marrons, pretos e
brancos. Sem dúvida, era um passeio no arco-íris, mas um arco-íris com cores e
cheiros matematicamente calculados. Cada nova descoberta de meu pai era
22
experimentada nas cozinhas de domingo. Lá, o arco-íris se transforma em sabor e
colore o prazer do paladar.
Cores, cheiros, sabores e cálculos “matriciam” (PERES, 2002) minha
infância, o racional e o sensorial não vinham dissociados, mas, muitas vezes,
amalgamados no desfrutar de prazeres tão simples e tão raros.
Na busca de convergências entre poética e conceito, desejo ressaltar a
importância de trazer à luz a criança que temos dentro da alma, as
imagens apagadas ou sonolentas como renascimento e re-apresentação
dos movimentos que vão nos construindo, infinitamente... (PERES, 2002,
CD ROM).
Minha memória repousa no olfato, no paladar e na celebração de domingos,
imagens de cores borbulhantes, numa panela ao fogo, em veios coloridos dos
sorvetes caseiros, no reflexo hipnótico das caldas de doce de figo.
Um dos maiores legados da educação que recebi foi o prazer de
compartilhar a cozinha e a mesa, pois aqui aprendi a arte de somar esforços para
uma conquista comum; o desafio a cada nova receita preparada, o desenho de cada
prato no arranjo final de cada mesa de domingo.
Hoje, posso perceber o quanto aqueles momentos foram determinantes na
estruturação do ator e do educador, pois me fez apostar no processo e na alquimia
das coisas. O preparo dessas comidas não se faz de forma instantânea, carece de
etapas, tempo de cocção, de várias provas e muitas pitadas, portanto, longe da
lógica dos fast-foods e dos fornos de microondas.
Como ator, me descobri um mercador de especiarias, arte para temperar a
existência no trajeto deste mundo; como educador me re-descubro um cozinheiro de
domingo, compartilhando, descobrindo novos sabores, novas texturas e múltiplas
combinações e arranjos (novamente a matemática) numa alquimia de saberes e
prazeres. Neste sentido, a seguir, apresento as primeiras cenas, nelas, pela porta
dos fundos, o incrível da imaginação no território da criação.
23
2.2 O pátio, pela porta dos fundos outros espaços de educação e prazer
Uma porta dos fundos e, novamente, a imagem remonta às memórias das
casas já vividas na infância; nelas as portas dos fundos davam acesso a pátios,
lugares de terra, água e árvores, onde, prazerosamente, eu criava mundos
descobertos na liberdade da imaginação, num recolhimento na imensidão das
possibilidades. Aqui, o espaço adquiria outra vibração, outra qualidade. Diferente do
espaço cotidiano da casa, a porta dos fundos é o divisor de realidades, por ela se
adentrava a um lugar onde era possível meditar no oceano da criatividade e brincar
era arar o solo da imaginação.
A porta dos fundos era, no espaço escolar onde estudei durante a infância,
E.E.E.F. Gaspar Silveira Martins, o acesso permitido aos alunos para adentrar a
escola; pela porta da frente entravam os professores; neste caso este arranjo
espacial é, no mínimo, intrigante. Por este raciocínio, é possível fazer uma analogia
com o paradigma mentalista/racionalista (ASSMANN, 1996) ainda vigente e
perguntar: Por onde, metaforicamente, entra o conhecimento “validado” e por onde
se acessam os “opcionais”?
Naquele caso, os alunos, “seres em formação”, entravam pelos fundos e os
professores, “detentores do saber”, entravam pela frente. Lembro-me que era
estritamente proibido, constituindo grave falha disciplinar, um aluno subverter esta
lógica espacial. Nesta mesma “lógica” de acesso, articulam-se, ainda hoje, os
conhecimentos “objetivos” e “subjetivos”.
Nas “minhas casas” ou na escola, a porta dos fundos, dos pátios, assim
como das cozinhas, eram as passagens para lugares de possibilidades corpóreas e
de aprender vivenciando, numa perspectiva para além do mentalismo racionalista.
A metáfora “porta dos fundos” que, no senso comum, denota um caráter
pouco “honroso”, será como nomearemos o caráter extra-classe, por onde os
conteúdos, tidos como não curriculares, adentram o ambiente escolar. Ela explicita,
melhor, o tratamento dado, a saberes que, quando não são considerados
desnecessários, encontram-se num limbo conceitual. Entretanto, esses saberes
24
podem ser considerados como pontes, acessos, linguagens e outras formas de
conhecer. Portanto, é de um “raciocínio estético” (BABIN,1989) que partimos,
considerando o humano como Homo “ludens, poéticus , consumans, imaginarius,
démens, dos conhecimentos comprovados às ilusões e quimeras” (MORIN, 2000,
p.59).
No trajeto desta cena de luzes e sombras, descobrir-se coadjuvante e nelas
os matriciamentos (PERES, 1999, 2002 e 2004) da infância revelam-se na primeira
pessoa. Ao colocar-me na primeira pessoa, trago o foco para a cena onde sou
protagonista e dela parto para entender o que me constituiu, na informalidade
da porta dos fundos da escola, em um educador.
2.3 Da Esparta pampeana
Nasci em Bagé, cidade conhecida por sua bravura na defesa das fronteiras
meridionais do Brasil que, numa referência à Grécia (berço do teatro ocidental),
batizarei de “Esparta dos Pampas”, numa contraposição a Pelotas conhecida em seu
“período de ouro” como a “Atenas rio-grandense”.
Bagé, localidade que surge em 1811, foi fundada em conseqüência das
lutas ali travadas com o objetivo de sedimentar os limites entre o prata hispano-
americano e as terras luso-brasileiras, entre 1680 e 1801. Não por acaso é o forte de
Santa Tecla o marco histórico da cidade.
Ainda hoje, o mito do gaúcho aguerrido e destemido corrobora para a
identidade local; um “centauro pampeano em vigília numa atitude orgulhosa de
onipotência, correspondente a uma estrutura heróica, assim criada, tornando-se
quase divino a seus próprios olhos, imbatível, superior ao tempo, à vida e à morte...”
(BEM DE GUEDES in PERES 2004, p.210).
Uma identidade que se sustenta no mito do guerreiro, do centauro
fantástico, numa atualização desse personagem da mitologia grega. O centauro é
metade homem e metade cavalo, uma porção animal que o liga aos caminhos da
terra e lhe permite cavalgar pelo mundo, e uma porção homem que o liga ao divino,
25
carrega arco e fecha cuja direção aponta para o céu; preso a terra almeja o infinito.
Assim, potencializando a terra (prática) me lanço ao céu de idéias e me proponho a
voar nos ventos de uma “verdadeira racionalidade que opera o ir e vir incessante
entre a instância lógica e a empírica” (MORIN, 2000, p. 23).
Curiosamente, meu signo zodiacal é sagitário, cuja representação é de um
centauro. Recordo, ainda hoje, uma nostálgica saudade do “infinito” céu que
assolava meus pensamentos de criança; hoje “suspeito” ser minha natureza a
reclamar sua condição mítica.
Este centauro que me descubro, ao visitar a infância, também carrega arco
e flecha, mas estes são de materiais bastante singulares; a flecha é da mais pura
imaginação, lançada pelo arco de minha corporeidade nas amplas pradarias das
brincadeiras de criança.
O tempo passou, o centauro foi reprimindo sua qualidade animal numa
tentativa de adaptar-se ao “maravilhoso mundo adulto”, entretanto, nenhum potreiro
é mais acolhedor que a imensidão do campo. E o tempo, em vez de ser a sepultura
de meu universo fantástico, tornou-se adubo a fortalecer as raízes que me fizeram
homem de teatro.
Assim, é neste ambiente em que vivo os primeiros dezesseis anos de minha
vida, e que concluo os, então, ensinos de primeiro e segundo graus; sendo que é na
oitava série, num colégio de atividades complementares (técnicas agrícolas,
domésticas, contábeis, científicas e artísticas) que entro em contato, pela primeira
vez, com o teatro, por breves dois meses. Este contato foi rápido. Em contrapartida,
marcante, pois tive desempenho destacado entre meus colegas que se aborreciam
com a atividade cênica.
Esta primeira aproximação, no ambiente escolar, não teve continuidade no
segundo grau e nem em outro ambiente cultural da cidade. Cabe salientar que, em
Bagé, o teatro já tivera seu apogeu. Desenvolveu-se num período compreendido
entre 1845 e a segunda metade do século XX. A partir daí parece não despertar
26
mais o interesse na população, saindo do roteiro de circulação dos espetáculos
estaduais, nacionais e internacionais.
Assim sendo, seria natural que esta arte não fosse determinante na
constituição de meu trajeto pessoal, mas no afã de romper os limites que balizavam
minhas perspectivas profissionais, encaminhei-me para Pelotas, cidade universitária
com possibilidades de formação muito superior a minha cidade natal.
2.4 À Atenas rio-grandense
Chego a Pelotas, na década de oitenta, mais precisamente em mil
novecentos e oitenta e três (1983). No primeiro ano, já percebo uma enorme
profusão artístico-cultural, além, é claro, do comércio muito desenvolvido e das
inúmeras possibilidades de lazer. Pelotas é, surpreendentemente, uma cidade do
interior com características de capital.
Dois anos mais tarde (1985), já na Universidade Católica, re-descubro o
teatro, neste momento dirigido pela professora Vânia Braun. Esta experiência não foi
muito fecunda em termos de montagem, mas iniciou-me no cenário teatral
pelotense.
Um ano mais tarde (1986), através do convite do amigo Flávio Dornelles,
ator e diretor, ingresso no grupo Desilab, da então Escola Técnica Federal de
Pelotas. Após acompanhar alguns ensaios, fui convidado a participar, deste grupo,
sob a direção de Valter Sobreiro Junior. Passados dois anos, opto pelo recém criado
Grupo Oficina de Teatro, do qual participei ativamente, desde sua fundação, em mil
novecentos e oitenta e oito (1988), ano em que recebo meu primeiro prêmio de
interpretação.
Em mil novecentos e oitenta e nove (1989), ainda sob a direção do
fundador, Flávio Dornelles, o grupo participa do Festival de Teatro de Pelotas e, com
oito prêmios, passa a representar a cidade na fase nacional do festival, obtendo
reconhecimento da categoria e do grande público que, neste período, prestigiava
entusiasticamente o então destacado evento da cidade.
27
Sob estas circunstâncias, me inicio na arte do teatro, finda a década de
oitenta; iniciada a de noventa, já no primeiro ano, dadas inúmeras ocorrências passo
a ministrar oficina de teatro no Colégio Municipal Pelotense, começando, desta
forma, minha carreira de diretor, obtendo um inesperado e significativo resultado
com o grupo de trabalho.
Em mil novecentos e noventa e um (1991), assumo a direção do já citado
grupo Oficina, que continuava sediado na Escola Técnica Federal de Pelotas e, com
este, novamente, representar Pelotas na fase internacional do ainda conceituado
festival; e em mil novecentos e noventa e dois (1992) receber o Troféu Arte Casarin
de destaque, na categoria teatro. Novamente, no fluxo dos acontecimentos, outra
etapa do meu trajeto começa a se delinear.
Passados seis anos, desde que decidira, conscientemente, trilhar a
linguagem teatral, esta começava, então, a tornar-se projeto de vida; muitas eram as
dificuldades para avançar: a falta de recursos financeiros para manter-me, a
inexistência de um mercado que respaldasse os projetos em teatro, as inúmeras
pressões familiares e a falta de perspectivas futuras para a área.
Em mil novecentos e noventa e três (1993), o festival de teatro começa a
entrar em franca decadência, caminhando para sua desarticulação até tornar-se
inexpressivo no contexto nacional e regional, situação inimaginável anteriormente,
visto a importância que havia adquirido, ao longo de sua existência.
Neste período, dadas as circunstâncias, começa o êxodo
3
de artistas, da
área, para outras cidades, quando não da migração para outras atividades mais
seguras e rentáveis. A desmontagem do cenário teatral da cidade e o ingresso no
limbo cultural forçam-me a repensar minhas escolhas e a uma reflexão sobre meu
fazer artístico, que entrava agora numa fase decisiva. Ou viraria profissional ou um
artista diletante.
3
Êxodo, neste projeto, refere-se à partida de atores e diretores teatrais pelotenses para Porto Alegre
e outros estados brasileiros, até outros países.
28
Profissionalizar-me requeria muita consciência, pois não desejava afastar-
me de Pelotas para outros centros e, ao mesmo tempo, não poderia contentar-me
com o que a cidade me oferecia. Neste momento, percebi que só a prática não seria
suficiente para minha realidade artística. Foi quando comecei a pesquisar teatro,
impulsionado pelos espetáculos que assistia em Porto Alegre e pela prática dos
grupos desta cidade. Aliado a minha sede de conhecimento, o encontro com a atriz
e diretora Clarissa Alcântara colabora com uma nova etapa, o processo reflexivo
sobre a minha prática.
O trabalho de pesquisa do diretor brasileiro Gerald Thomas, assim como do
grupo espanhol La Fura Dels Baús, além dos tratados teóricos sobre teatro de
Stanislavski, de Grotowski, de Peter Brook, e de Eugenio Barba são decisivos para
um redimensionamento de meu fazer teatral e me lançam, sem volta, no campo da
pesquisa teatral. Começava, aqui, a constituir-me num ator reflexivo, aliando teoria e
prática.
Além do teatro de palco, começo uma aproximação com a arte da
performance que, logo em seguida, irei investigar no ambiente acadêmico do curso
de Artes Visuais do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal de Pelotas,
sob a orientação do professor, doutor e escultor Daniel Acosta.
É neste período, em mil novecentos e noventa e cinco (1995) que,
efetivamente, se dá minha profissionalização, sendo pela sindicalização, pela prática
remunerada e pela concentração de esforços em buscar o aporte teórico na
constituição de uma biblioteca particular.
Uma nova cidadania se efetivara! E, eu, filho da Esparta dos Pampas,
tornara-me cidadão da outrora Atenas Rio-grandense. Não havia mais como voltar
atrás, todo meu empenho agora ganhava sentido. Em tempo, cabe colocar que a
influência do trabalho do ator e diretor porto-alegrense Paulo Flores, do grupo Oi
Nóis Aqui Traveiz, foi determinante para o amadurecimento de minha proposta
teatral.
29
Logo em seguida, nascia o grupo multimídia Tribo da Lua, sob minha
direção, que tinha como projeto investigar as linguagens cênicas contemporâneas e
promover intercâmbio com grupos regionais e nacionais que trabalhassem neste
sentido. Foi neste contexto que me aproximei do trabalho desenvolvido pelo LUME-
UNICAMP-SP de reconhecimento internacional pela sua pesquisa cênica.
Nos intercâmbios promovidos pela Tribo da Lua, foi possível contar com a
participação, em Pelotas, dos dois grupos já citados, através de cursos e seminários
que movimentaram a cena pelotense, integrando os grupos locais e despertando o
interesse de participantes da região sul do Estado.
Em dois mil e três (2003) sou selecionado para o curso de pesquisa em
coleta de materiais para cena (direção), do LUME, em Campinas. Foram noventa
participantes dos quatro cantos do mundo, juntos; ali, com o intuito principal de
integrarmo-nos numa conjunção artístico-cultural, por mim nunca antes vivenciada.
Naquele espaço de trabalho do grupo, toda a simplicidade do artesanato do
ato: o piso de madeira e o chão de nosso suor, engendram outro tempo de
relações presenciais com o conhecimento; eu, descobrindo conhecimento no ato,
sendo-me, fazendo e refazendo.Trabalho, ofício, de todas as manhãs daquele
fevereiro, feito no reconhecimento de cada corpo por si mesmo, numa celebração de
possibilidades, trajetos e buscas.
Ao voltar deste curso, retorno ao espaço acadêmico como aluno especial da
disciplina de Cultura, Imaginário e Educação, do curso de Mestrado da Faculdade de
Educação, da Universidade Federal de Pelotas, ministrada pela minha atual
orientadora, Professora Lúcia Peres. Logo, passei a integrar o corpo discente, bem
como participar do grupo de pesquisa: Imaginário, Educação e Comunicação. O
objeto de investigação que se concretiza neste projeto, tem um percurso desde a
porta dos fundos até minha entrada neste grupo.
No capítulo seguinte, apresento os seguimentos do meu percurso, agora,
em cena aberta, mostrando o caminho nesta pesquisa.
30
3 EM CENA ABERTA: na confluência ... a metodologia
Neste capítulo, busco mostrar as confluências de sentido que nem sempre
são respondidas pela lógica habitual, mas podem sê-lo no complexus tecido de que
nos fala Edgar Morin (2003). Esse tecido se dá na tecedura, a partir de “constituintes
heterogêneos, inseparavelmente associados” (MORIN, 2003, p.20). Portanto, a
reflexão que aqui começa a se esboçar tem sua gênese na confluência dos atos
vivenciais das personagens protagonistas, bem como nas indagações que daí
advieram.
Metodologicamente, trago a produção dos atos vivenciais, tecendo
indagações como manifestação que emana da comunicação, das relações, de fatura
de bens e processos cognitivos, presentes na trajetória destas educadoras. Com
isto, procurei considerar delas, a vida, tendo como engendramento o teatro como um
processo de conhecer.
O percurso traçado, inicialmente, não considerava o educador, mas a escola.
Porém, numa sessão de orientação do mestrado
4
desvelou-se sob, “luz da cena
acadêmica”, o caráter que tecia a trama deste fazer teatral na cidade, o qual,
também me constituiu (conforme explicitado em capítulos anteriores). Esta é uma
singularidade marcante, do trajeto de muitos de meus pares que operam, naquilo
que venho chamando de Palco Invisível da cena escolar.
Para melhor entender esta face da educação em Pelotas, lancei-me na busca
dos matriciamentos que potencializam este educador que protagoniza o teatro, na
escola, como Palco invisível.
4
GEPIEC (Grupo de estudos que trabalha com a temática do Imaginário, Educação e Comunicação).
31
Entendendo matriciamentos, nesta abordagem, como as motivações de
caráter subjetivo que acabam por determinar as escolhas, trajetos e saberes
que acreditávamos estarem constituídas numa objetividade, por um viés racional e
consciente.
3.1.Escolhendo o elenco...
Minha escolha inicial dos sujeitos de pesquisa recaiu sobre professores que
desenvolviam ou pretendiam desenvolver teatro na escola e que foram alunas do
curso de capacitação em teatro do III ESCOLA FAZ ARTE
5
, realizado pela
Secretária Municipal de Educação (SME), do qual fui um dos ministrantes. Logo
após a qualificação do projeto desta pesquisa, percebi que, ao fazer este recorte,
poderia estar restringindo o universo que pretendia investigar .
A iniciativa da SME, no projeto acima citado, inaugurou um outro momento no
fazer dos educadores envolvidos, através de um projeto de capacitação em teatro,
aos professores da rede municipal de ensino. Este momento foi um marco
referencial para tratarmos do ensino de teatro na escola, “o momento em que o
teatro entra pela porta da frente da escola”.
Assim, os professores que trabalham com teatro na rede municipal de Pelotas
tiveram a oportunidade de vivenciar uma ação, coordenada por uma política
educacional que traçou os primeiros caminhos para pensar e fazer teatro,
implementado um projeto de formação. Estes foram os primeiros escolhidos para
participar desta pesquisa.
Nas outras redes, estadual e privada, não houve propostas no mesmo sentido
que tenham sido levadas a termo. Entendida essa diferença busquei, nesta
pesquisa, trabalhar com a pluralidade de procedências nos caminhos de formação e
5
Este projeto, foi desenvolvido pela Secretária de Educação do município de Pelotas no ano de dois
mil e quatro (2004) no período compreendido entre setembro a outubro, numa carga horária de
oitenta (80) com a coordenação da professora Fátima Silva da Coordenadoria de Artes.Pois
Este
trabalho iniciou-se a partir de contatos da Coordenadoria de Artes com artistas locais, professores
universitários e professores municipais em dois mil e um (2001). Ele se construiu enquanto
necessidade/vontade de vários segmentos: Secretária Municipal de Educação (SME), professores
das escolas municipais e artistas de teatro de Pelotas.
32
visibilização deste Palco Invisível. Estes são os segundos escolhidos. Isto porque
estas outras realidades, também são fundamentais para compreender as cenas do
Palco Invisível. Portanto, estes segmentos e estas pessoas fazem parte desta
investigação. A seguir apresento-as com seus pseudônimos. São elas: A DAMA
DAS CAMÉLIAS, A BELA ADORMECIDA, A BAILARINA e A ÁRVORE.
A escolha dos pseudônimos foi feita a partir da emergência das narrativas das
professoras: para a primeira foi de um personagem que ela assistiu; para a segunda
foi de um personagem vivido por ela; para a terceira tem a ver com sua vivência na
dança (já que ela não fez teatro, mas como Bailarina fez muitos personagens) e,
para a quarta, foi assim, como A Bela Adormecida, de um personagem encenado
por ela. Com exceção da primeira professora, todos os outros pseudônimos
emergem da infância delas.
A primeira, A DAMA DAS CAMÉLIAS, trabalha na rede estadual, professora
de língua portuguesa e literatura, já trabalhou, como atriz em vários grupos de teatro
da cidade como (Oficina de Teatro, Teatro Escola de Pelotas). Natural da cidade de
São Lourenço do Sul, tem participado intensamente das atividades e eventos
teatrais e culturais da cidade, como festivais e mostras estudantis de teatro. Tem sob
sua coordenação três núcleos de teatro em diferentes bairros da cidade, todos da
rede estadual de ensino. É criadora e organizadora de um festival de teatro, desde o
ano 2000, que reúne esses grupos e convidados, estando também inserida no
movimento teatral da cidade, desde 1986. Seu trabalho com teatro na escola tem
abrigado alunos adolescentes e pré-adolescentes.
A segunda é A BELA ADORMECIDA, professora de educação artística, que,
na ocasião dos contatos, e em quando foi gravada sua narrativa, somente
trabalhava no município, hoje integra, também, a rede privada (convidada para
trabalhar teatro) e está aprovada em concurso para o magistério estadual. Quatro
disciplinas de teatro fizeram parte de seu currículo no curso de Licenciatura em artes
visuais, durante sua formação universitária, e que hoje se tornaram optativas, devido
a mudanças na adequação do curso. (Temos que considerar que esta mudança se
deu em virtude dos atuais Parâmetros Curriculares Nacionais que já não visa uma
formação polivalente, ao contrário, trabalha áreas específicas das artes). BELA
33
ADORMECIDA fez parte do projeto de capacitação do III Escola Faz Arte. Trabalha
o ensino de teatro junto ao público infantil e pré-adolescente.
A terceira professora passará a ser conhecida, nesta pesquisa, como A
BAILARINA, também formada em educação artística (teve em sua formação as
disciplinas de teatro, acima citadas, nas mesmas condições) representa a rede
privada de ensino e foi escolhida pelo trabalho que vem desenvolvendo, ao longo de
cinco anos; hoje coordena um contingente de cinqüenta alunos. Seu trabalho tem
sido reconhecido pela escola, pais, alunos e seus colegas professores, além de
destacada participação em eventos e festivais. Tem trabalhado com crianças, pré-
adolescentes e adolescentes.
A quarta professora é A ÁRVORE, professora com formação em Educação
Artística, trabalha com teatro numa escola da rede municipal, tem em sua formação
uma especialização em arte-educação com ênfase no teatro: O papel social do
teatro dentro da educação. Seu trabalho tem como público, neste momento, alunos
adolescentes.
3.2.Definindo o cenário
Pelas características do “palco invisível” e pela natureza das ações nele
“encenadas” – o trabalho com arte e educação –, escolhi, para compor esta
pesquisa uma abordagem de natureza qualitativa. Isso, para poder “tomar em
consideração o ponto de vista do informador. O processo de condução de
investigação qualitativa reflete uma espécie de diálogo” (BOGDAN e BIKLEN, 1994,
p. 51). E, foi através do diálogo, das narrativas das educadoras com os referenciais
teóricos escolhidos, que se estruturou esta pesquisa.
Do tipo estudo de caso, esta investigação, busca “revelar a multiplicidade de
dimensões presentes, [...] evidenciando a inter-relação dos seus componentes”
(LÜDKE, e ANDRÉ 1986, p.19).
34
Como critério principal de seleção dos sujeitos de pesquisa, tive o trabalho
continuado no ensino de teatro. Com isso, priorizei professoras que trabalhassem,
com teatro, o ano todo e não somente para datas comemorativas e eventos da
escola. Partindo deste critério, quatro professoras foram escolhidas, uma da rede
estadual de ensino, uma da rede privada, e duas da rede municipal.
Com cada professora, foi feita uma sessão de entrevista, semi-estruturada,
com uma pergunta detonadora: Como o teatro entrou na tua vida, e qual é a
primeira imagem que lembras?
Estas entrevistas foram gravadas e transcritas, para, posteriormente, serem
analisadas e servirem de elementos para extrair os “núcleos de sentido”, que nesta
dissertação são as categorias de análise, a partir dos estudos de Gilbert Durand
(1988), que, ao fim, mostram as polarizações simbólicas presentes em uma
determinada narrativa, imagem ou mito. Neste caso, busquei as confluências de
polarizações, nas narrativas destas pessoas.
Encontrei como núcleos principais o que chamei de: a) uma coisa, a
necessidade, a paixão e o gosto; b) o prazer, a alegria, o devaneio; c) o
espelho, a peça, os teatros e a garagem. Onde neles estão potencializados as
primeiras pistas, a emergência de uma prática e a infância
, como elementos
desencadeadores da ação destas professoras que protagonizam as cenas do Palco
Invisível.
A seguir, apresento a voz das protagonistas desta pesquisa, tendo como mote
as perguntas citadas.
35
4 UMA CONFLUÊNCIA DE CENAS: as vozes das protagonistas
4.1 A Dama das Camélias
O teatro, ele não pode sair da minha vida. Tu sabe, parece
que o teatro sempre presente na minha vida, eu ainda nem sabia o
que era televisão, e eu tinha mais ou menos quatro ou cinco anos
sabe. Isso é real! Eu já vi outras pessoas passarem pelo mesmo
processo, vivenciarem coisas iguais a isso sabe? De não ter
televisão em casa, de ter televisão no vizinho, e ter o espelho e
aquele, antigamente existia, minha mãe usava sutiã de enchimento
eu botava aquele sutiã ia pra frente do espelho conversava fazias
movimentos.
E na minha infância desde que eu me conheço por gente,
desde, dos quatro anos, eu tive problemas de depressão, em
função de uma convulsão que eu tive e essa depressão me deu um
sentimento de melancolia que acompanha até hoje, um sentimento
de inferioridade de tristeza, de profunda tristeza.
E no teatro funciona assim: eu me empresto para outra
pessoa que a gente vai criando ao longo da vida, eu não sou
diretora mas eu finjo que eu sou, eu não sou a dona Inácia da
negrinha mas eu finjo que sou, entende. Então são aqueles
momentos de prazer, que eu tenho, e, ao mesmo tempo, eles vão
36
formando opinião, eles vão enriquecendo a minha vida e vão me
dando prazer. É uma seretonina. O teatro é a minha seretonina .
A imagem? Ah tem ! Uma cena que pra todo mundo deve ser
assim engraçado, eu na época achei lindíssimo, quando a Sandra
fazia Margarite de Gautie, em Nome de Francisco, quando ela
dizia assim: O teatro pode! A fantasia pode!
E eu pensei naquela
hora: é isso. No teatro eu não sou uma pessoa deprimida, o teatro
pode, a fantasia pode. Então ali eu podia viver tudo, eu podia viver
todos os personagens, e aí me lembra Fernando Pessoa – Quando
eu quis arrancar a máscara, estava pegada à cara. E por isso que é
muito difícil eu sair do personagem. Por isso só as pessoas como tu
que me acompanham ao longo da vida conhecem a X, passa vinte,
trinta, cinqüenta anos a gente vai... porque essas pessoas que me
construíram entende, elas conhecem o barro de que eu fui feita. O
Teatro pode, a fantasia pode! Uma cena da Dama das Camélias,
Margarite de Gautie e a atriz, eu que acho era namorada do Lobo
da Costa, Eugênia Câmara, não sei se era isso, ela tava
interpretando né? Não sei se era essa cena, é ela vestida de
branco, morrendo de tuberculose. É? era isso? Nunca me saiu: O
teatro pode! A fantasia pode!
Eu comecei a trabalhar teatro pela necessidade, né, a
necessidade de criar um recurso que deixasse o aluno feliz,
porque a sala de aula é um saco, a sala de aula é muito chata, os
professores são muito chatos, os professores são muito antigos,
os professores são muito mal-humorados; e não é culpa dos
professores, eles ganham pouco, entende? Eles não têm obrigação
de sorrir todos os dias. Só que a gente que trabalha com arte e
gente que trabalha com ser humano, a gente têm que ter essa
37
consciência de que as pessoas estão ali em formação e elas não
têm culpa das nossas frustrações.
Então eu criei um personagem, a professora X é só mais um
dos meus tantos personagens, na verdade aquilo que eu faço ali na
frente, aquilo não existe, eu chego em casa a máscara cai
entende? Eu preciso do meu remédio, eu preciso do meu
antidepressivo, eu preciso do meu remédio pra dormir! Eu preciso
continuar vivendo! E eu seguro o personagem professora durante
quatro horas por dia. O teatro que me faz viver! Ele tem uma
necessidade não só pra aluno no caso, ele tem uma necessidade pra
mim também, se eu não souber interpretar eu vou passar quem eu
sou pros alunos, e se eu passar quem eu sou pra os alunos eles vão
descobrir que eu sou uma farsa, vão descobrir... Uma vez uma
amiga minh,a a Érica, estudou comigo no Universitário, e ai ela
disse assim: A X é uma mentira, é uma farsa, a gente pensa que
ela é uma coisa e ela é muito corriqueira, muito tradicional, muito
certinha, muito igual a todo mundo. Eu não quero que eles saibam
que eu sou uma farsa, então o teatro é uma necessidade pra mim,
pra que eu possa sobreviver e pra que os alunos não me achem...
não saibam que eu sou igual a todo mundo.
O espaço, tava ali, a mão. O espaço, tinha um espaço que não
era aproveitado. Quando eu cheguei em 1997, no Joaquim Duval,
eu entrei naquele auditório - ele não era um auditório ainda -, eu
pensei: isso aqui seria um belo auditório de teatro.
E sem que eu percebesse as coisas foram acontecendo,
entende? Outros professores deram as idéias, e surgiu o auditório
naquele espaço. E os alunos, eu não sei, eu acho que eles se
aproximam da gente por semelhanças né. Eu não sei exatamente o
38
que une as pessoas se são as semelhanças ou se são as neuroses.
Mas eu sei que tem alguma coisa que atrai, e aí as pessoas têm
afinidade pra trabalhar juntas. Elas querem a mesma coisa
entende? Elas querem alegria.
Eu acho que teatro dá isso! O que
dá sentido à vida é a arte, com certeza.
Quem muda a humanidade não são os políticos, não são os
secretários da educação, da cultura, da agropecuária, não! Quem
muda o mundo são os artistas.
4.2 A Bela Adormecida
Bom, o teatro entrou na minha vida na infância, na escola,
numa representação, numa atividade de teatro que a professora
fez, era um conto de fadas; era a Bela Adormecida que ninguém
queria ser a Bela Adormecida e eu fui porque o príncipe era
considerado feio. Era um menino que as gurias achavam ele feio.
Mas o mais importante pra mim era eu ser a Bela Adormecida.
Então eu quis ser a Bela Adormecida, e foi uma atividade muito...
eu tenho impressão que foi dia das crianças, ou algo assim, era
uma atividade na escola do município, há muitos anos atrás. Eu
tinha nove anos terceira série por ai, e aí então eu fui... o teatro
entrou assim, eu atuei, eu naquele momento, eu já tinha paixão
pelo teatro, porque eu quis participar daquilo, então eu já gostava
do teatro, mas muito mais depois daquilo.
Mas eu não tive muitas oportunidades de participar do
teatro depois. Só como eu participava, observando, eu fui
espectadora, eu ia, eu sempre fui muito, na adolescência. E depois
quando dava óbvio. Na escola eu ia ao teatro desde dos sete anos.
39
Desde de quando eu entrei, eu entrei com sete, e eu sempre ia, e
eu sempre quis participar, então nessa oportunidade eu aproveitei.
E, então, depois fui crescendo e, quando dava, eu ia a uma
peça de teatro, aqui no Sete de Abril, no Guarani, não muito, não
ia muito, nunca tive bons companheiros, vamos dizer assim, mas
sempre fui e nas escolas onde eu estudava e depois quando eu
entrei para a faculdade aí o teatro reforçou a idéia, mas aí uma
idéia nova do teatro. Que idéia? A idéia de trabalhar com o teatro
para as crianças, nas disciplinas de teatro na educação, eu
comecei a ver o teatro de uma nova forma, porque eu via o teatro
como... teatro pra mim,então lá na licenciatura eu comecei a ver o
teatro para as crianças.
Pra mim, era feito pra mim, eu via o teatro eu assistia eu
tinha vontade eu queria ver a história ou quando era criança eu
queria participar daquela história contada, que tava sendo contada
ali, mas depois eu... o teatro sempre foi algo assim: alguém se
apresentando pra mim o teatro era pra mim, pra um público óbvio
e eu nesse público, então o teatro era algo pra mim, era uma
história que seria contada , representada.
Aí na licenciatura aconteceu que eu comecei a ver o teatro
de uma nova forma. Como que eu podia trabalhar esse teatro com
as crianças. Era para as crianças ou eram as crianças que ia fazer
o teatro para alguém? Elas faziam para elas mesmas? Bom, essas
questões que o teatro envolve, que o teatro na educação envolve.
Eu peguei todas essas informações assim, meu conhecimento
aumentou um pouco, conheci autores e hoje eu tento trabalhar
isso.
40
A minha primeira imagem, a imagem que mais me marca é a
minha imagem de Bela Adormecida (ela relembra essa imagem com
muita alegria, seus olhos brilham e sua voz se empolga ao falar)
deitadinha num banco de madeira, aquele banco escolar que tinha
antigamente que era compridinho pra dois, ali a Bela Adormecida
deitadinha, vestido rosa, as crianças na volta que eram as árvores
segurando os galhos de árvore, isso é vivo pra mim e o príncipe
veio e beijou a mão e acordei, a Bela Adormecida acorda, eu
acordei e essa é a minha primeira imagem, é a Bela Adormecida.
Eu era a Bela Adormecida e hoje eu procuro Belas Adormecidas
(rindo) nas escolas, isso é verdade, eu não posso deixar de dizer
isso.
Eu procuro buscar neles assim, o que, quem eles querem ser,
porque que eles querem fazer teatro, eu procuro fazer o que eles
querem em primeiro lugar, porque eu penso que a criança quer é o
mais importante, em qualquer área do conhecimento. É um ser
humano, então o querer dele é importante, eu dou valor àquilo que
eu quero, àquilo que é meu, àquilo que eu gosto. Senão significa pra
mim eu não vou querer, eu não vou da importância, eu não vou dar
valor. Então eu busco neles.
-Professora eu não quero fazer isso! O que tu queres
então?- Antes de eu sugerir, eu pergunto pra eles e eles sempre
querem. Então no teatro eu procuro fazer assim, adequar aquilo
que mais... mesmo que pareça algo assim inusitado, diferente, não
dá para encaixar, eu procuro isso assim , ver o que ela... e ela vai
se sair bem,e ela vai se construir.
Eu penso que a criança na escola ela está se construindo em
diversas áreas, em diversos momentos, mas é no teatro também,
41
então eu penso que não é através do teatro que ela vai conseguir
ser melhor, não é esse o objetivo. Ele é uma parte do todo, porque
às vezes o teatro, eu penso, que ele é visto como assim- ele vai
ajudar a falar melhor- deu acabou, então leva a criança para um
fonoaudiólogo, ele resolve isso clinicamente, o teatro é muito mais
que isso, ele pega a criança por inteiro; por dentro e por fora, é
pensamento e corpo né, ele a pega inteirinha e pega a gente
também e me pega toda hora, me pega toda hora, o teatro.
Eu sempre pensava isso... eu ouvia muito falar isso na minha
formação, que o professor é um ator em cena, e é verdade, encena
sim! Eu enceno, mas é um meio, um meio de fazer o melhor, a
minha preocupação é essa e eu acho que a preocupação dos
professores é essa, ninguém sai pra aula dizendo vou lá dar uma
aula péssima, ninguém faz isso. Pode dar uma aula péssima, mas
não foi a intenção dele e o teatro, a representação ou a
interpretação ajuda nisso, também a fazer algo melhor, não só
isso mas isso ajuda muito, principalmente na educação. Ele é rico,
é maravilhoso porque ele está no mundo da arte e a arte lida com
todas essas áreas com a história, com a geografia, com a
matemática, com as ciências com tudo, eu preciso de todos esse
conhecimentos se eu quiser fazer um bom teatro.
Eu preciso conhecer, reconhecer, saber , eu vejo isso
quando a gente tá montando um roteiro: Vamos falar de quem?
Vamos falar da dona Mariquinha que é dentista. Então, como nós
vamos idealizar esse consultório? Que eu preciso pra isso? Como
que ela vai falar? Como ela vai se vestir? Então eu tenho que ter
um conhecimento, então ele está relacionado com outras coisas,
nesse aspecto ele se vale como área de conhecimento, sim, que
42
precisa de estudo, de sistematização, de idéias sim, de disciplina
sim; então por isso o teatro tem que estar na educação. O
ambiente escolar sem as artes cênicas, ele, tem um buraco, ele
tem um buraco, ele tem uma lacuna. Pra mim isso é claro assim,
muito claro. Teatro na educação a hora é agora, é assim que eu
faço os meus projetos, a última frase é essa. Eu considero assim.
Quando eu digo assim pra eles: Vamos fazer uns objetos
hoje? Vamos construir uns objetos com material reciclado? –
Vamos! – Eles têm boa vontade pra tudo, sentem, façam o favor de
perguntar pra quê! Não façam por fazer! Eu sacudo eles, eu vou
neles! Perguntem! Eu vou assim no pescoço (encenando). Eu sou
muito assim do gestual. Pergunta! Pergunta! Não é só perguntar de
novo pra professora de matemática porque chegou no dez , no X
=2, não sei o quê; pergunta pra que tu qué saber isso, e ela vai
dizer, se ela não disser instalou-se o problema. Porque aí só tá
reproduzindo o livro. Ela vai te dizer o porquê e é por isso, esse
“porquezinho” é a resposta que faz tu tá aqui dentro. Senão tu vai
aprender lá na tua casa olhando televisão, hoje em dia tu aprende
fora da escola, o que tá dentro da escola então virou chavão o
seguinte: Ai não sei! Então eles têm o trauma com o não sei, mas
claro. Aí eu pergunto: Quem é que não sabe? Faz o favor de
levantar a mão quem não sabe. Levanta a mão! Aí eles levantam,
uns mais uns menos, estão de parabéns! Se tiver um lugar que
quem não sabe tem estar é na escola. Lugar certo, quando a gente
não sabe e está aqui, lugar certo, pessoa certa: Professora! Aqui é
o lugar de quem ainda não sabe, ainda! Não saber não é problema,
o não querer saber é problema. Quem não sabe, lugar certo,
pessoa certa, suga, pega essa professora e tira tudo dela. Já tive
43
problema com professora de matemática: Que Rejane tá dizendo
pros alunos sugar a gente? Estou, eu digo assim: eu estou! Eu levo
assim com otimismo, eu tenho uma amiga a Lala, a Lala diz
assim:Esse otimismo!!!!
Eu não sei dar aula se não for assim. Se eu não tiver
otimismo, esse otimismo, eu chego em casa chorando, porque a
pobreza das crianças me abala, a carência me abala. Me abala, me
abala sentimentalmente, eu fico frustrada, eu fico com vontade
de comprar as coisas, eu vejo crianças sem calçado, isso me abala.
Eu tive uma parte da minha infância muito pobre, então me
abala, eu sou mulher, eu sou muito sensível. Então eu levo no
otimismo. Alto astral! Chega daquela coisa que a escola tem chata.
Tem que ser! Parece isso, tem que ser uma coisa chata. Ao
contrário tem que ser um prazer,
eu vou lá pra aprender, eu vou
descobrir uma coisa, eu vou vim pra casa aprendendo, eu vou vir
ensinar algo. Eu tô crescendo senão o mundo pára.
A professora que encena, a professora que é uma atriz, não
é no sentido de que dentro de aula é uma coisa e fora é outra, isso
eu ouvi muito - ai dentro de sala de aula sou uma, fora...- não, isso
não, eu sou assim , sou assim em casa. O João às vezes me diz
assim: Ai, tô cansado, pára de falar ! Ele diz que cansa o maxilar
de rir, porque eu divirto ele, eu divirto as pessoas e eu me divirto,
eu sou assim!
O teatro me ajudou, me ajudou a me soltar ao meu corpo, e
me ajudou muito porque eu sou assim; eu falo com o meu corpo, eu
falo com as minhas mãos, eu falo com meu olhar. Por que o teatro
me ajudou? Porque eu sinto que se eu não tivesse essa liberdade
do corpo, dos gestos, sendo professora de arte, eu sempre digo,
44
eu daria meia aula. Uma aula inteira eu dou com todo o meu ser,
por dentro e por fora, com todo o meu corpo, não só com dois
dedos (que é o que pega o giz) e a boca. Porque muitas professoras
dão aula com os dois dedos, pega o giz escreve, e com a boca. Eu
dou aula com o corpo inteiro! E o teatro é uma linguagem que, ela,
precisa do corpo teu inteiro por dentro e por fora, eu digo isso.
Então às vezes nos ensaios eles agem, eu, tá agora inteiro, tu fez
só com a tua cabeça, agora faz de novo, usa o corpo todinho agora,
mexo com eles, tá muito duro vamos nos mexer, vamos nos largar,
nosso corpo está falando. Vocês não tão vendo?
Eu, no início do ano passado eu achei que vinha o hospício me
levar, porque eles ficavam assim (representa com os olhos
estalados) com uns olhos, eles achavam que eu era meio doida. Te
juro eles, eles me olhavam com cara de quem achava que eu era
louca. A professora é meio estranha! Professora o que a senhora
tem? E também ouvia assim: Ih! Não tomaste teu Gadernal hoje ?
Ouvi de colegas; não, não tomei, devolvo.
Não consigo ser diferente eu fui a aluna que crivava o
professor de perguntas. E aprendia, e sabia tudo e questionava. Eu
gosto de saber, eu gosto de aprender, eu gosto de ler, gosto de
falar, gosto de rir, gosto de cantar, gosto de dançar; não deixo
passar nada; já tive problemas é claro, poucos, considerando todos
os benefícios que eu já tive.
4.3 A Bailarina
Eu acredito que o teatro tenha entrado na minha vida
quando eu vim trabalhar aqui e achei que uma escola com quase
dois mil alunos deveria ter alguma atividade cultural, e eu tinha
45
toda uma formação atrás. Porque fiz educação artística com artes
cênicas, eu fiz ballet clássico, eu fiz declamação, eu fiz piano
clássico, então tinha todo um histórico que claro fazia que a
cultura tivesse muito presente na minha vida.
Sempre fui uma apaixonada por cinema, sempre adorei
teatro e como nós éramos uma gama de professores grandes, que
eu te disse nós éramos cinco, então nada melhor do que vamos nos
envolver e criar alguma coisa na área do teatro; que a gente
entendia que a escola deveria ter e foi o que a gente acabou
fazendo montamos, um projeto e acabei eu e a Clorí levando
adiante o projeto, que as gurias não se interessaram em tocar o
projeto.
Só como espectadora né, e claro eu comecei a dançar ballet
aos três anos de idade quer dizer, eu cresci dentro do Guarani
6
,
eu cresci dentro do Sete de Abril por que tinha aquelas
apresentações maravilhosas da Dicléia
7
. Eu tocava no
Conservatório, nós tínhamos aquela função de palco de fazer
apresentações de final de ano. Eu fiz declamação, tinha as
apresentações da declamação.
Eu acho que tudo foi um contexto que foi se encaminhando,
tanto que eu acabei fazendo Educação Artística e foi tocado para
esse lado de artes plásticas e acabou virando também artes
cênicas aqui na escola, com o intuito assim de tornar lúdico e
divulgar realmente a parte cênica; de trabalhar aquela parte de
timidez das crianças que para nós era uma coisa que nos afligia
6
Teatro Guarani, Casa de Espetáculos, fundada por Rosauro Zambrano, Francisco Santos e
Francisco Xavier em 1921. Hoje é o teatro com maior capacidade de público em funcionamento na
cidade de Pelotas
7
Bailarina, coreógrafa e diretora da Escola de Ballet Dicléia Ferreira de Souza.
46
bastante. Crianças que a gente sabia que tinha potencial na sala de
aula e que tu via que se tivesse um teatro na escola elas teriam...
então é uma visão mais pedagógica, não tanto artística. Na
realidade a gente começou fazendo de tudo um pouco eu e a Clorí,
aprendendo e errando e a coisa foi crescendo e foi, né?
Então, nós fomos levando, mas não tem assim uma formação
de teatro, não, realmente só pelo interesse cultural que a gente
tinha, tanto eu quanto ela; e Clorí muito mais tempo ela tinha do
que eu, então ela vivia assistindo peças teatrais, sempre se
informando. Levamos as crianças várias vezes para ver peças, do
nosso grupo a Porto Alegre, para assistirem peças em Porto
Alegre. Então a gente tentou também fazer realmente uma volta
para essa parte cultural e valorização do teatro e acho que
conseguimos porque nós temos três grupos bastante numerosos e
temos sempre uma procura de gente querendo entrar e gente
querendo entrar. E não sei o nosso teatro é uma coisinha feita em
nível de escola, não é um teatro profissional, nem amador nem
nada, é um teatro escolar.
Eu acho que a primeira imagem que eu tenho são os filmes
que a gente viu lá na Dicléia; daquelas montagens e aquilo para mim
era uma arte cênica, que não deixava de ser, com caricaturas, com
danças e com máscaras, então aquilo eu acho que foi o que me
levou... até porque eu comecei muito cedo no balé, então isso me
passou a idéia de teatro.
As minhas amigas mexem, toda a vida eu tive uma coisa que
carregava todo mundo para cinema e para seções de teatro. Então
tinha uma coisa que puxava e eu hoje tenho aqui 23 turmas e eu
sempre arrumo uma brecha, mesmo que eu fique extremamente
47
sobrecarregada, pro teatro. Porque realmente o teatro é uma
briga minha, brigo, brigo, brigo por ele.
Agora não sei te dizer assim, nunca parei para pensar na
primeira imagem que eu tenho do teatro. Eu acho que realmente
aquelas fitas, porque nós víamos cenas de cinema, não sei nem
como era projetado aquilo. Eu me lembro de uns projetores
enormes passando aquelas estórias que eu tinha paixão, músicas
de Tchaikovski e ela montava toda uma coreografia, Quebra
Nozes; eu era alucinada pelo Quebra Nozes, sempre adorei, então
eu acho que a parte cênica vem da parte de balé que foi
extremamente importante na minha vida.
Não sei te dizer assim, porque não foi nada voltado ao
teatro especificamente, tanto que eu nunca fiz teatro, fui fazer
teatro na faculdade quando eu fiz a parte cênica.
4.4 Árvore
O que eu me lembro é assim de imagem de que com seis
anos a gente brincava de fazer teatro na garagem da minha prima
que era um espaço grande, tinha uma entrada lateral, então a
gente fazia os ingressos inclusive com um carimbinho.
A gente pendurava uma cortina no varal que se puxava na
abertura da garagem. Isso eu lembro que a gente fazia teatro ali,
agora o que a gente encenava eu não lembro. Depois dali eu não me
lembro de outras coisas já no tempo da faculdade acho.
Claro sempre gostei, se eu fui para área de artes, eu
sempre gostei de teatro cinema, tudo. Mas outra imagem
marcante? Hoje, quando tu fala, eu sempre me imagino... eu não
48
imagino tipo um espetáculo em cena, eu imagino ... fala em teatro
eu penso em minhas oficinas com os alunos.
Bom, eu acho ... começando a pensar sobre isso, porque até
então eu não tinha pensado, eu acho que era o prazer que eu
sentia, mas sempre muito...um encabulamento nas aulas de cênica.
Mas aquilo eu achava fantástico.
No ILA, primeiro eu tive aula com a Nara Kaisermann e
depois com a Malu que aí foi sei lá, tudo de bom, pra mim aquela
mulher é iluminada.
A Malu era professora de teatro, ela fez o doutorado na
França, veio aqui para Pelotas, ela tinha uma prática e na verdade
eu discordava muito dela no fundamento. Porque era sempre essa
discussão que a gente tinha, tanto que quando eu peguei o Boal, ela
assim... eram cinco alunos fazendo a monografia, a pesquisa na
área de teatro.
Eu que entendo o teatro como um fazer social e os outros
quatro não, era a arte pela arte. Eles leram três quatro livros no
máximo, ela mandou ler treze, é ela tava sempre me questionando
e não muito satisfeita.
Mas a gente divergia nessa questão assim política e de
fundamento do teatro, mas eu a acho iluminada porque ela tinha
muita clareza nas coisas... as aulas dela eram bárbaras, superbem
organizadas, e ela trabalhava muito forte.
Enquanto a outra, a Nara tinha umas viagens, mas que não te
argumentava (a gente tava dentro de uma aula, era gente que
estava estudando teatro para trabalhar na sala de aula, para
educar os outros) a Malu não! A Malu sempre tinha tudo muito
fundamentado, tu entendias o porquê das coisas.
49
Eu nunca pensei em ser professora, na verdade eu queria
ser arquiteta e aí eu fui parar na educação artística porque eu fui
fazer arquitetura na Unisinos, eu achei um saco ficar fora de casa
quis voltar para casa e aí consegui uma transferência para
Arquitetura daqui, não consegui direto, e aí o um semestre que eu
fiquei fazendo Educação Artística eu adorei as matérias que eu
fiz. Em 77 eu comecei a fazer arquitetura e continuei fazendo
matérias isoladas a educação artística, aí depois eu fiz
vestibular... e tava gostando e arquitetura é muito mais difícil.
Então, acabei desistindo da arquitetura e ficando com artes
plásticas, mas até então nunca tinha pensado em ser professora.
Meu negócio sempre foi a área de artes, mas eu
trabalhando, eu produzindo, eu tudo; área de educação nunca tinha
pensado. Então por aí eu comecei a ver que é muito mais produtivo
na educação trabalhar teatro do que com artes visuais, o apelo da
imagem, da comunicação, através da imagem acho que não era tão
forte quanto agora, mas isto não faz eu mudar de idéia de jeito
nenhum. Até porque depois tem uma caminhada então já
fundamenta, com certeza, essa prática a ponto de não voltar
atrás. Mesmo apelo da imagem sendo muito maior, não subestima a
prática do teatro, de jeito nenhum.
Sempre quando falo em teatro eu lembro dos alunos, sem
publico, sem iluminação sem, sem nada; eu e os alunos. Tem muita
coisa legal assim né. Um dia, a proposta era de que eles vissem o
que cada um tinha de ruim e cada um tinha de bom, coisas assim:
primeiro eram coisas que eles queriam se ver livres, era esse o
jogo.
50
Então a gente começou a discutir tanto verbalmente como
depois “cenicamente” dessas coisas assim, a gente discutiu coisas
deles, um era egoísta, outro não sabia dizer não, e o outro não
sabia aceitar o não. Essas coisas assim e vendo em cena eles
poderem discutir isso foi bárbaro.
Me lembro de uma vez eu ter sido árvore, feito no colégio
de freira, foi um horror, uma desgraça me sentia... com um
carimbo de incompetente, de fazer papel de árvore num palco, que
não falava, não mexia fazia nada, só para dizer que tava no palco,
isso um tempo depois dessa imagem garagem nós no pátio, eu, a
minha prima e os outros amigos.
Eu me lembro que a minha mãe fez um vestido marrom, era
tubinho marrom, não lembro se eu tinha alguma coisa na mão, na
cabeça. Eu me lembro do tubinho marrom. Sei que tinha floresta,
não me lembro se tinha mais árvores eu acho que tinha mais uma,
mas não era muitas árvores. Que gozado porque eu me lembro de
mim, do palco do São José comigo de árvore lá, não me lembro de
mais nada, acho que eu não era a única árvore, mas me lembro que
parecia que eu tava sozinha no palco. Nem me lembro se a minha
mãe foi me ver, deve ter ido, mas... umas coisas assim, muito louco
isso!
Agora o que me levou a fazer teatro na escola? Bom, tem
duas coisas, primeiro porque eu acho que teatro é a parte que tu
interage, que tu cria um processo de socialização, que tu trabalha
a expressão, que tu trabalha todas áreas possíveis e imagináveis
da vida da gente. Junto com isso eu sempre trabalhava quando
tinha turma, que agora não tenho, fazia... tinha aula de teatro,
51
uma, duas aulas dentro de cada bimestre, até porque os espaços
sempre são pequenos.
Eu me lembro tinha uma época no Cassiano, que eu sempre
fazia, a sala era super pequena e eu tinha quarenta alunos, então
eu tinha dois períodos. A proposta era no primeiro período metade
ficava quieta num canto para outra metade... não tinha como
quarenta crianças se mexerem dentro da sala de aula.
Eu sempre achei importante trabalhar, eu comecei a ter
grupo de teatro quando eu saí da sala de aula. Era uma maneira de,
além de achar importante manter um vinculo com o aluno.
Pra mim é super gratificante... até me engasgo de falar–
(neste momento fica emocionada, com voz embargada) - Eu acho
que os alunos conseguem ...assim ó, um dos objetivos do grupo, que
é importante...taí o que a palavra chave, porque eu acho que o
teatro é o único que é capaz ... o único que é capaz é muita
pretensão! É o que melhor trabalha questão do prazer do aluno.
Eu acho fundamental criar espaços de prazer pro aluno
dentro da escola, que ele não se sinta obrigado e que lê faça o ele
tenha vontade, junto com isso a questão do prazer, claro que
impondo limites regras e ta, ta, ta....aquela história assim:
existem regras, mas as regras são a gente que faz, que combina, é
a gente que estabelece. E então, além dele exercer. Exercer? De
ele poder ter esse momento de prazer... eu acho que também é
por aí ... esse prazer tá ligado com não existir o erro, com a
possibilidade de inventar, ensaiar e de tu devanear, tendo um
respaldo, tendo uma segurança, tu sabe ali é a hora de fantasiar.
Então tu podes devanear porque tu vai voltar pro teu lugar comum.
Teu lugar comum não... mas ter um porto seguro, digamos assim,
52
teu referencial. É uma viagem que tu sabe que volta, que tem
limite.
Eu acho que é fundamental, tirando sem ser com prazer ou
não, a cumplicidade que a gente cria no grupo de teatro, e pra mim
coisas que... eu valorizo meu trabalho, acho que sou competente ,
não que seja o máximo e tal, mas tem coisas que eu me orgulho de
fazer de levar meus alunos: tem peça do Ben Hur? Não? Mas tem
do Flávio.
A gente vai de qualquer grupo. De estar fazendo os meus
alunos serem espectadores também do teatro, de ter oficina aqui,
oficina ali, a gente vai. Eles estão enlouquecidos a gente vai ao
Porto Alegre em Cena. Esse vínculo de... não sei se é esse vínculo?
Mas essa relação que gente estabelece fora do grupo de oficina...
eu acho que isso é fundamental, eles começarem a conhecer
teatro.
Em termos de resultados do trabalho, no final do ano
quando os alunos me fizeram uma homenagem e que entregaram...
que no cartão eles diziam que a cada aula de teatro eles sabiam
que sairiam mais completos porque além de noções de teatro eram
noções de vida. Então, bah! Isso... não precisa falar nada.
53
5. NO SABER-FAZER: OS NÚCLEOS DE SENTIDO
Ao me propor investigar esta cena do cotidiano escolar, em Pelotas,
coloquei-me frente àqueles que são os agentes promotores deste saber. Esta
escolha me permitiu vislumbrar concepções e posturas, práticas e reflexões que vão
do individual ao grupo de trabalho.
O que trago a seguir são as minhas reflexões sobre o olhar destes
professores, protagonistas do palco invisível que emergem de suas narrativas. Elas
acabam por trazer luz a um fazer que vem, ao longo dos anos, marcando a cultura
escolar da cidade.
Quando falo “olhar”, quero dizer essa forma de perceber o que se faz, e,
neste sentido, as narrativas dos sujeitos desta pesquisa estão transbordando de
sentidos; e se o fazer teatral na escola não foi motivo de interesse de outras
pesquisas acadêmicas (em Pelotas) até então, agora surge como a aurora, na
imensidão do dia desta educação. Pensar em aurora como metáfora me parece bem
apropriado, se levarmos em consideração que a educação tem um caráter
predominantemente diurno. Neste particular, o ensino de teatro na escola,
apresenta-se num estado de transição. Ele não é diurno, pois, não existe a luz da
maioria dos currículos das escolas, não é noturno, porque não está oculto, ao
contrário, se faz visível no ambiente escolar; neste caráter híbrido é que mergulho
para trazer à tona um fazer complexo, um saber arcaico, um aprender polissêmico.
O Palco Invisível, o ensino de teatro nas escolas, tem como encenadores os
professores, movidos por múltiplas forças, sendo que algumas parecem mais
objetivas, como:
54
... éramos uma gama de professores grandes, que eu te
disse nós éramos cinco, então nada melhor do que vamos nos
envolver e criar alguma coisa na área do teatro; que a gente
entendia que a escola deveria ter e foi o que a
8
gente acabou
fazendo montamos, um projeto e acabei eu e a Clorí levando
adiante o... (A BAILARINA).
A necessidade né, a necessidade de criar um recurso que
deixasse o aluno feliz, porque a sala de aula é um saco, a sala de
aula é muito chata (A DAMA DAS CAMÉLIAS).
Como que eu podia trabalhar esse teatro com as crianças
.
Era para as crianças ou eram as crianças que ia fazer o teatro
para alguém? (A BELA ADORMECIDA).
Bom tem duas coisas, primeiro porque eu acho que teatro
é à parte que tu interage, que tu cria um processo de
socialização, que tu trabalha a expressão, que tu trabalha todas
áreas possíveis e imagináveis da vida da gente (A ÀRVORE).
Outras mais subjetivas:
Sempre fui uma apaixonada
por cinema, sempre adorei
teatro (A BAILARINA).
O teatro que me faz viver
! Ele tem uma necessidade não
só pra aluno no caso, ele tem uma necessidade pra mim
também...
(A DAMA DAS CAMÉLIAS).
8
Faço uso do recurso de sublinhar determinadas frases como forma de destacar seu conteúdo.
55
Eu era a Bela Adormecida e hoje eu procuro Belas
Adormecidas (rindo) nas escolas, isso é verdade, eu não posso
deixar de dizer isso (A BELA ADORMECIDA).
Eu sempre achei importante trabalhar, eu comecei a ter
grupo de teatro quando eu saí da sala de aula. Era uma maneira
de, além de achar importante manter um vínculo com o aluno
(A
ÀRVORE).
Mas, mesmo distinção, objetivo/subjetivo, não é, suficientemente,
consistente, pois em todas as narrativas emergem um amálgama, onde o objetivo e
o subjetivo não são os dois lados da mesma moeda, mas “fibras entrelaçadas”
configurando um ”tecido educacional onde todas as peças convergem para a criação
de um todo”.
O imaginário e os símbolos, na vida humana, são uma espécie de “malha”
onde são tecidas as relações dos homens no e com o mundo; consigo
próprios, com outros homens e com as “coisas” demandadas pela cultura.
Nesta perspectiva surgem as representações humanas, com suas filiações
a esta ou aquela concepção (PERES, 1999, p.26).
Em que todas as partes são importantes, sem uma valoração que privilegie
um ou outro aspecto. Uma imersão no Imaginário Cultural, pensando o Imaginário
como força vital, vigor sensível na construção do real. Uma vez que “todo Imaginário
é real, e todo real é imaginário [...] não existem Imaginários que não sejam partes de
uma realidade, de uma história, de um acontecimento” (MACHADO da SILVA in
PERES, 2004, p.21).
A realidade em questão apresenta-se, também, nesse entrecruzamento
indissolúvel, aqui o teatro surge como fenômeno na articulação de saberes e cuja
natureza vincula-se “ao paradigma emergente que se anuncia no horizonte e cuja
configuração só pode obter-se por via especulativa” (SOUSA SANTOS, 1999, p. 36).
56
5.1. Uma Coisa, a necessidade, a paixão e o gosto: pistas na busca de sentidos
Se o horizonte das subjetividades parece ser difuso, cabe então um olhar
mais atento, buscando pistas emergentes das narrativas;
convergências/divergências as quais, no percurso marcado pelas palavras,
acabaram por evidenciar alguns aspectos que, na Bailarina é a coisa que puxava:
As minhas amigas mexem, toda a vida eu tive uma coisa que
carregava todo mundo para cinema e para seções de teatro. Então
tinha uma coisa
que puxava e eu hoje tenho aqui 23 turmas e eu
sempre arrumo uma brecha, mesmo que eu fique extremamente
sobrecarregada, pro teatro. Porque realmente o teatro é uma
briga minha, brigo, brigo, brigo por ele (A BAILARINA).
Então tinha uma coisa que puxava...
Que coisa seria essa? Qual seria a razão desta vontade capaz de motivar e
envolver a todos? Ela carregava as amigas e, assim, era reconhecida por elas. De
fato, ao repararmos na nossa vida cotidiana, muitos de nossos atos são
impulsionados por vontades que não emanam de ato de raciocínio lógico; sim, como
também, no Imaginário “é uma viagem no espaço afetivo... A gente pensa muitas
vezes que faz coisas por razões muito racionais... e até se convence disso...é a
melhor maneira de explicar as coisas” (MACHADO da SILVA, 2004 in PERES, p.
27).
Como explicar essa disposição para brigar pelo teatro que ALICE tem? Esta
força que sobrepuja a sobrecarga das 23 turmas e lhe dá energia para mover-se no
Palco Invisível?
Então nós fomos levando, mas não tem assim uma formação
de teatro, não, realmente só pelo interesse cultural que a gente
57
tinha, tanto eu quanto ela; e Clorí
9
muito mais tempo ela tinha do
que eu, então ela vivia assistindo peças teatrais, sempre se
informando. Levamos as crianças várias vezes para ver peças, do
nosso grupo a Porto Alegre, para assistirem peças em Porto
Alegre. Então, a gente tentou também fazer realmente uma volta
para essa parte cultural e valorização do teatro e acho que
conseguimos porque nós temos três grupos bastante numerosos e
temos sempre uma procura de gente querendo entrar e gente
querendo entrar. E não sei o nosso teatro é uma coisinha feita em
nível de escola, não é um teatro profissional, nem amador nem
nada, é um teatro escolar (A BAILARINA).
Esta narrativa torna visível o grau de envolvimento e traz, ainda, os
resultados alcançados pela professora, recompensando os esforços empregados. O
interesse cultural que hoje motiva esta experiência educacional surge na infância da
Bailarina, período de intensa vida artística, determinante na constituição de seu
capital cultural.
Segundo a Bailarina, ela foi das artes plásticas para as artes cênicas, mas,
considerando sua formação em dança e declamação, pode-se dizer que ela foi das
artes cênicas para artes plásticas e voltou para as artes cênicas. Desta vez, através
do teatro, nesse caminho cíclico que é sempre novo, numa espiral que se amplia ao
tocar outros, seus alunos. Um saber inscrito numa jornada, do viver nos teatros
durante a infância com o Balé, das aulas de teatro do curso de Artes Plásticas à
escola. Nesta vivência, o saber experencial, “esse saber fazer e saber ser” (PERES,
1999, p. 19)
9
Colega com quem dividia o ensino e a direção teatral. E que hoje não está mais na escola.
58
Refere-se que todo saber, mesmo o “novo”, inscreve-se em uma duração
que remete à história de sua formação e de sua aquisição. Fala de um
saber plural, uma vez que eles advêm de uma amálgama entre os saberes
oriundos da formação profissional, das disciplinas, dos currículos e da
experiência
.
Estes saberes são incorporados à vivência individual e coletiva
sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e saber ser Os
saberes experienciais estão ligados às aprendizagens oriundas da própria
experiência, quer se trate de um momento único ou de uma experiência
vivida repetidas vezes (PERES, 1999, p.17).
Este saber fazer, então, não é uma improvisação, mas uma convergência de
saberes, apropriações decantadas no ser. Porque fiz educação artística com artes
cênicas, eu fiz balé clássico, eu fiz declamação, eu fiz piano clássico, então tinha
todo um histórico que claro fazia que a cultura tivesse muito presente na minha
vida (A BAILARINA).
O saber fazer tem como base as vivências e experiências do ser Bailarina,
declamadora, aluna de teatro na faculdade e professora de teatro na escola. Uma
tecedura amarrada no saber ser que, nesta circularidade, determina o saber fazer.
Aqui, a formação, gestada nos múltiplos atravessamentos e pulsões, aparece como
interesse cultural.
Então nós fomos levando, mas não tem assim uma formação
de teatro, não, realmente só pelo interesse cultural que a gente
tinha (A BAILARINA).
Mas pode aparecer como necessidade:
A necessidade né, a necessidade de criar um recurso que
deixasse o aluno feliz... O teatro que me faz viver
! Ele tem uma
necessidade não só pra aluno no caso, ele tem uma necessidade
pra mim também (A DAMA DAS CAMÉLIAS).
Essa necessidade impulsiona a produzir o elixir da vida e faz viver. Água de
outro caudal, diferente do interesse cultural, A Dama das Camélias teve também, na
59
infância, nas brincadeiras de criança, o equivalente ao crescer dentro do teatro da
Bailarina.
A narrativa da Dama das Camélias coloca em pauta matriciamentos que
revelam particularidades como a questão do espelho em sua infância, onde este
ampliava os horizontes do imaginário. Frente ao espelho, ela começava uma
“teatralização da vida”. Aqui, surge a possibilidade de exercitar o jogo teatral e
vivenciar ludicamente a re-significação do cotidiano e projetar-se em outras
experiências: Minha mãe usava sutiã de enchimento, eu botava aquele sutiã ia pra
frente do espelho conversava fazia movimentos.
A Dama das Camélias começa a entrevista dizendo: Parece que o teatro
sempre esteve na minha vida, eu ainda nem sabia o que era televisão, e eu tinha
mais ou menos quatro ou cinco anos...
Esta forma de brincar, em frente ao espelho, pode, às vezes, parecer
comum ao universo infantil, mas aqui parece ter tido um significado bastante
singular, considerando a relevância dada ao fato, num paralelo que ela traça dessa
forma de re-apresentação de sua realidade com a televisão:
De não ter televisão em casa, de ter televisão no vizinho, e
ter espelho e aquele, que antigamente existia... (A DAMA DAS
CAMÉLIAS).
Aqui, ela parece tentar deixar claro que o que a levou a representar, através
da virtualidade do espelho, não vinha por uma influência da televisão, mas de outra
fonte.
Experimentar o vestuário da mãe é sua primeira recordação a respeito do
colocar-se em outra situação, pois esta era uma criança e, portanto, não tinha,
biologicamente, seios crescidos. Então, é aqui que começa aquilo que ela define
60
como fingir ser outra pessoa, emprestar-se para outras pessoas, como podemos
ler, claramente, em suas palavras:
E no teatro funciona assim: eu me empresto para outras
pessoas que a gente vai criando ao longo da vida. Eu não sou
diretora, mas finjo que sou, eu não sou dona Inácia da
Negrinha, mas eu finjo que sou, entende (A DAMA DAS
CAMÉLIAS).
Nestas palavras, vemos uma definição de como funcionaria o teatro para a
Dama das Camélias. Percebemos, claramente, a idéia de simulacro que permeia a
arte teatral em consonância com o que Courtney (2003, p. 3) diz:
Fingir ser outra pessoa - atuar- é parte do processo de viver; podemos
“fazer de conta”, fisicamente, quando somos pequenos, ou fazê-lo
internamente quando somos adultos. Atuando todos os dias: com nossos
amigos, nossa família, com estranhos.
Mas, retornando aos caminhos que conduzem para fazer/ser o que somos,
a infância, mais uma vez, aparece determinando os passos que trouxeram as
professoras ao Palco Invisível, como no caso da Bela Adormecida. Diz ela:
...numa representação, numa atividade de teatro que a
professora fez, era um conto de fadas; era a Bela Adormecida que
ninguém queria ser e eu fui porque o príncipe era considerado feio.
Era um menino que as gurias achavam ele feio. Mas o mais
importante pra mim era eu ser a Bela Adormecida. Então eu quis
ser a Bela Adormecida (A BELA ADORMECIDA).
Nesse querer ser, a Bela Adormecida, ao que parece, desencadeou o que
hoje está na base do fazer desta professora. Nesta passagem, a professora ressalta
que, mesmo o aparente inconveniente do príncipe ser feio, fato que afastou outras
61
pretendentes, não significou, para ela, algo realmente importante. Ela queria viver a
experiência de ser a Bela Adormecida.
O mais importante parece ter sido ser, viver aquela possibilidade, tanto que
esta imagem emerge em sua narrativa com uma força capaz de despertar um prazer
visível em sua face, em sua forma de contar, sua empolgação.
A imagem que mais me marca é a minha imagem de Bela
Adormecida (ela relembra essa imagem com muita alegria, seus
olhos brilham e sua voz se empolga ao falar) deitadinha num banco
de madeira, aquele banco escolar que tinha antigamente que era
compridinho pra dois, ali a Bela Adormecida deitadinha, vestido
rosa, as crianças na volta que eram as árvores segurando os galhos
de árvore, isso é vivo pra mim e o príncipe veio e beijou a mão e
acordei, a Bela Adormecida acorda, eu acordei e essa é a minha
primeira imagem, é a Bela Adormecida (A BELA ADORMECIDA).
Suas colocações trazem novamente a pauta de situações em que a lógica
racional cede ao caráter subjetivo que nos move, independente de ter ou não
cúmplices, porque a Bela Adormecida não teve uma Bailarina a carregá-la para as
atividades artísticas e culturais.
Eu tinha nove anos, terceira série por aí, e aí, então, eu fui...
o teatro entrou assim, eu atuei, eu naquele momento, eu já tinha
paixão pelo teatro, porque eu quis participar daquilo, então eu já
gostava do teatro, mas muito mais depois daquilo. Mas eu não tive
muitas oportunidades de participar do teatro depois. Só como eu
participava, observando, eu fui espectadora, eu ia, eu sempre fui
muito, na adolescência. E depois quando dava óbvio. Na escola eu ia
ao teatro desde dos sete anos. Desde de quando eu entrei, eu
62
entrei com sete, e eu sempre ia, e eu sempre quis participar, então
nessa oportunidade eu aproveitei. E, então, depois fui crescendo e
quando dava eu ia a uma peça de teatro, aqui no Sete de Abril, no
Guarani, não muito, não ia muito, nunca tive bons companheiros (A
BELA ADORMECIDA).
O repertório da Bela Adormecida não parece estar, naquele momento,
estruturado a partir de uma influência externa, não havia referências fortes. Porém,
no caso da Bailarina que tem como gestora de seu fazer artístico a coreógrafa e
professora de dança, Dicléia Ferreira.
Eu acho que a primeira imagem que eu tenho são os filmes
que a gente viu lá na Dicléia; daquelas montagens e aquilo para
mim era uma arte cênica, que não deixava de ser, com
caricaturas, com danças e com máscaras, então aquilo eu acho
que foi o que me levou... até porque eu comecei muito cedo no
balé, então isso me passou a idéia de teatro (A BAILARINA).
Na narrativa da ÁRVORE aparece o gosto por outras artes:
Claro sempre gostei, se eu fui para área de artes, eu
sempre gostei de teatro, cinema, tudo.
Tudo, entendido como amplo espectro das linguagens artísticas, a
potencializado pelo sempre, com essa idéia de algo, desde sempre presente, de
inato; como algo óbvio, reforçado no emprego da expressão claro.
5.2 O prazer, o devaneio e a alegria: emergências em uma prática
A Educação Dramática é a base de toda educação centrada na criança. É o
caminho pelo qual o processo de vida se desenvolve, sem ela o homem é
apenas um mero primata superior (COURTNEY, 2003, p.57).
63
A educação dramática nos difere dos primatas, afirma Courtney (2003).
Seguindo este raciocínio, é importante salientar que ela em si difere do processo
educacional convencional, ainda vigente.
Esta diferença fica evidente pelo fato de trabalhar, como já anteriormente
colocado, a corporeidade e o imaginário não cindindo o mental e o corporal, mas,
além disso, ela abre perspectivas para pensar uma educação que considere outros
aspectos da aprendizagem como o prazer, o devaneio e a alegria.
É interessante pontuar estas questões, apesar de já estarem incorporadas
na emergência dos novos paradigmas da educação, descortinados no século XX.
Se é verdade que já fazem parte de uma agenda dos debates, acerca da educação,
ainda assim encontram muita resistência, e poucas vias para serem efetivadas, na
prática do dia-a-dia escolar.
Neste capítulo, em que atento para o surgimento de tais abordagens,
levando em conta que fazem parte do núcleo central de duas narrativas, ao
debaterem as contribuições do teatro na educação. São elas: Prazer, Alegria e
Devaneio.
O Prazer, o Devaneio e a Alegria aparecem, justamente, na fala de duas
professoras que não trabalham com crianças, tanto a Árvore, quanto a Dama das
Camélias tem, como público de suas práticas, pré-adolescentes e adolescentes.
Prazer, Devaneio e Alegria, emergindo numa prática que envolve este público, é
bastante revelador e instigante, pois traz à luz da reflexão situações de ensino e
aprendizagem que já estão acontecendo no espaço escolar e que, na maioria das
vezes, passa despercebidamente, perante a burocracia das avaliações quantitativas
das notas e os alucinados esforços para vencer os conteúdos.
5.2.1 O prazer
O teatro aparece, na narrativa da Árvore, como capaz de trabalhar a
questão do prazer e, não só isso, ela afirma que é o que melhor trabalha o prazer do
aluno, e aqui ainda tal afirmação se faz ligada à outra questão bastante significativa
64
na educação: o erro, esse devorador de mentes a assombrar muitos alunos e que,
na opinião da Árvore, é suplantado pela possibilidade de inventar.
Várias pesquisas e ações, no campo da Pedagogia, vêm contribuindo para
responder e/ou desvendar caminhos para uma educação que considere a
complexidade e seja capaz de gerar prazer, no conhecer e aprender. Na narrativa da
Árvore, emerge esta questão acompanhada de outra não menos polêmica:
...porque eu acho que o teatro é o único que é capaz... o
único que é capaz é muita pretensão! É o que melhor trabalha
questão do prazer do aluno... De ele poder ter esse momento de
prazer... eu acho que também é por aí ...esse prazer tá ligado com
não existir o erro, com a possibilidade de inventar, ensaiar e de tu
devanear, tendo um respaldo, tendo uma segurança, tu sabe ali é a
hora de fantasiar. Então tu podes devanear porque tu vai voltar
pro teu lugar comum (A ÁRVORE).
Pensando na condição histórica da escola na civilização ocidental, onde o
aprendizado está associado, já lá na raiz, com as tragédias gregas, em que se
aprende pelo sofrimento.
Lembrando o caráter obrigatório da escola, hoje, um lugar por onde se
passa para aprender a cultura, seus códigos e tornarmo-nos aptos a
desenvolvermos um papel social que nos permita estarmos inseridos e aceitos no
contexto da sociedade. Assim dito uma pergunta é pertinente: Escola e prazer é um
binômio possível?
É claro que esta não é a primeira vez que esta pergunta é feita, e, também,
não será a última, mas agora o prazer entra em cena na escola, vinculado à prática
teatral e, nesse contexto:
65
...porque eu acho que o teatro é o único que é capaz ... o
único que é capaz é muita pretensão! É o que melhor trabalha
questão do prazer do aluno. De ele poder ter esse momento de
prazer... eu acho que também é por aí ...esse prazer tá ligado
com não existir o erro...
Aqui, a professora identifica o prazer com a ausência do erro, da
possibilidade de não se trabalhar com ênfase na condição acerto/erro. Todavia,
podemos, também, associá-lo a outras variáveis e considerar que aquilo que faz
sentido para mim me mobiliza. Podemos pensar neste, em termos, de produção de
sentidos, mas “se só aprendemos aquelas coisas que nos dão prazer” (ALVES,
1995, p.156), então o teatro dá prazer? E ela ainda fala num vínculo mais adiante:
Eu acho fundamental criar espaços de prazer pro aluno
dentro da escola, que ele não se sinta obrigado e que faça o que
ele tenha vontade, junto com isso a questão do prazer, claro que
impondo limites regras e tá, tá, tá.... aquela história assim:
existem regras, mas as regras são a gente que faz, que combina,
é a gente que estabelece (A ÁRVORE).
Neste sentido, convém retornar a Rubem Alves (1995, p. 56): “E eu creio
mais: que é só do prazer que surge a disciplina e a vontade de aprender”. Quem
sabe seja essa a natureza do vínculo do qual ela fala: Esse vínculo de... não sei se é
esse vínculo? Mas essa relação que gente estabelece fora do grupo (A
ÁRVORE).
A narrativa dessa professora levanta uma questão que pode ser ampliada e
entendida no âmbito, inclusive da corporeidade, que é abordada na fala da Bela
Adormecida: ele pega a criança por inteiro; por dentro e por fora, é pensamento e
66
corpo né? Ele a pega inteirinha e pega a gente também e me pega toda hora, me
pega toda hora, o teatro (A BELA ADORMECIDA).
5.2.2 O devaneio
Então, em oposição a uma educação que tenha como eixo o acerto, as
respostas corretas e esperadas, abre-se o espaço para lançar-se na busca de
respostas.
Este lançar-se pode ser identificado em:
...com não existir o erro, com a possibilidade de inventar,
ensaiar e de tu devanear... (A ÁRVORE).
Nesta colocação, o devaneio e o prazer vêm associados, um condicionando
o outro, nem por isso, sinônimos, mas ao que se podem inferir, complementares.
Devanear é o que caracteriza essa liberdade, sim, porque a ciência e o lado
diurno de nossa civilização baniram o devaneio das práticas que conduzem ao
conhecimento. Bachelard, em A Poética do Devaneio, ao discutir o paradoxo radical,
enfrentado por ele, enquanto fenomenólogo, a respeito da abordagem do devaneio,
como fenômeno da distensão psíquica, traz um enfoque que, via de regra, este é
apresentado: “uma fuga para fora do real, quando a consciência se distende, se
dispersa e, por conseguinte, se obscurece” (BACHELARD, 2001, p.5).
Assim, nos deparamos com a natureza do devaneio e, ainda, o autor ao
introduzir a discussão sobre a poética do devaneio, coloca-nos as dificuldades de
debruçar-se sobre este tema, considerando-o a partir da perspectiva psicológica:
“[...] uma consciência que diminui, uma consciência que se perde em devaneios já
não é uma consciência. O devaneio coloca-nos na má inclinação, na inclinação para
baixo” (BACHELARD, 2001, p.6).
67
Então, o devaneio sob o olhar do regime diurno está na condição de que a
imaginação é a louca da casa. No espectro da aprendizagem, apresenta-se como
um terreno não seguro e perigoso, capaz de confundir a consciência. No entanto,
abre uma perspectiva que vem ao encontro daquilo que, acredito, é reforçado pela
Árvore em relação ao devaneio poético: De ele poder ter esse momento de
prazer... eu acho que também é por aí ...esse prazer tá ligado com não existir o
erro, com a possibilidade de inventar, ensaiar e de tu devanear. Neste caso, filia-
se a outra natureza: “O devaneio que queremos estudar é o devaneio poético, um
devaneio que a poesia coloca em boa inclinação, aquela que a consciência em
crescimento pode seguir
(BACHELARD, 2001, p.6).
Creio que este devaneio – poético – se aproxima e se constitui da mesma
natureza daquele colocado pela professora. É um devaneio que lança-nos à frente,
sem que percamos a lucidez e a consciência de nós mesmos, mas, ao contrário,
permite transitar por outros territórios, territórios estes que a pura razão não
viabilizaria.
Sob esta ótica, o teatro, na reflexão da referida professora, está muito
próximo do devaneio poético; se um oportuniza um encontro com as imagens
poéticas e estas ganham força na escrita do poeta na página em branco, o outro se
materializa no espaço, através do corpo impulsionado pelo imaginário a criar
manifestações poéticas potentes. Uma linguagem trata da poética no papel, a outra,
no espaço.
Em ambos os casos, existe uma segurança pela consciência de que o
devaneio, aqui tratado, é mais uma via de acessar outros conhecimentos, um
conhecimento “poético” da realidade, manifesto na arte, seja ela poesia ou
representação do ato humano na linguagem teatral. Isto fica bem claro nas palavras
que se seguem:
68
... e de tu devanear, tendo um respaldo, tendo uma
segurança, tu sabe ali é a hora de fantasiar. Então tu podes
devanear porque tu vai voltar pro teu lugar comum.
De fato, não pretendo me deter na questão do devaneio, mas é importante
observar como ele surge nesta abordagem do teatro na escola. O devaneio estaria,
segundo a professora, nessa capacidade de fantasiar. Entretanto, devemos atentar
para o fato de que estamos falando de um processo que ocorre sob o abrigo da
escola. Sim, a escola que, via de regra, ensina os caminhos lógicos da realidade do
mundo em que vivemos.
Assim sendo, o teatro na escola, pela colocação da professora, seria capaz
criar, ou, ainda, estabelecer um viés para uma criação livre das amarras do caráter
diurno, ou seja, uma criação que emerge a partir do mergulho no caráter noturno da
vivência humana e isso dentro da escola.
5.2.3 A Alegria
A arte mais importante do mestre é provocar a alegria da ação criadora e
do conhecimento (EINSTEIN in SNYDERS, 1993, p.21).
Se o devaneio desperta algumas desconfianças, ao falarmos em
conhecimento, aprendizado e escola, a alegria já não é vista com a mesma suspeita,
mas nem por isso quer dizer que está incorporada às práticas escolares.
Nesta abordagem, sobre a questão da alegria, que aqui está sendo tratada,
é importante circunscrevê-la ao ensino do teatro na escola – objeto desta
investigação – visto que emerge da narrativa de uma protagonista desta prática. E,
neste aspecto, deve-se considerar a inclusão do teatro numa perspectiva para além
do extra, que, comumente, serve de continente da possibilidade desse e de outros
fazeres da cultura que permeiam a educação na escola.
69
A alegria na escola está intimamente relacionada, neste contexto, a uma
oposição ao caráter formal da vivência escolar. Isto pode ser percebido na fala da
Dama das Camélias:
Eu comecei a trabalhar teatro pela necessidade né, a
necessidade de criar um recurso que deixasse o aluno feliz,
porque a sala de aula é um saco, a sala de aula é muito chata, os
professores são muito chatos, os professores são muito antigos,
os professores são muito mal-humorados; e não é culpa dos
professores eles ganham pouco entende? Eles não têm obrigação
de sorrir todos os dias. Só que a gente que trabalha com arte e
gente que trabalha com ser humano, a gente tem que ter essa
consciência de que as pessoas estão ali em formação e elas não
têm culpa das nossas frustrações... Elas querem alegria.
Eu acho
que teatro dá isso! O que dá sentido à vida é a arte, com certeza...
Quem muda a humanidade não são os políticos, não são os
secretários da educação, da cultura, da agropecuária, não! Quem
muda o mundo são os artistas.
A escola sempre foi um espaço de obrigações, avaliações, aprovações e
reprovações e não possui uma cultura da alegria. A começar pela maneira como
está estruturada, e aqui retorno a Snyders (1993, p. 101): “Quem duvida que a nossa
escola é lugar de obrigações? O aluno não escolhe nem os seus professores, nem
os colegas, nem tampouco as modalidades de vida com eles”. Mas isto vai além do
relacional, o aluno “não escolhe o que estuda, nem a maneira pela qual estuda, os
programas e horários são impostos. É o domínio do dever” (SNYDERS, 1993, p.
101).
Naturalmente, pode-se considerar que haja inúmeras incursões na busca
de outro modelo que estruture o fazer escolar. Mas, mesmo considerando estas
possibilidades, quero me ater à escola tradicional que hoje abriga estes professores
70
e seus alunos. É nesta escola que se efetiva a prática destes professores, e é nela
que o teatro aparece ligado à alegria, pelo menos no que se refere à fala da Dama
das Camélias.
Falar de alegria na escola pode parecer bem mais fácil que falar em
devaneio, isso pode ser apenas uma aparência que não se sustenta a um exame,
cuja proximidade seja maior e mais detalhada. Neste contexto, se faz necessário
retornar a Snyders: “A escola de hoje, onde não há mais palmatória, onde quase não
há castigo, não tem uma imagem melhor, em relação à alegria, do que a mais rude
escola do passado” (SNYDERS, 1993, p.14).
Alegria, ouvindo esta palavra parece-nos natural afirmar que todo mundo
busca ou, a princípio, segundo a nossa cultura, deveria buscar, já que a alegria
pertence aos estados desejados pelo homem. Não podemos afirmar, no sentido
contrário, que a humanidade busca a tristeza, mas podemos dizer que a alegria é um
sentimento em consonância com o ideal humano, portanto, revestido de aprovação e
desejo em nossa cultura brasileira; inúmeras vezes ficamos a nos deleitar com a
alegria das crianças, reconhecendo nelas a beleza desse sentimento.
Portanto, também é natural supor que a escola não queira impedir a entrada
da alegria em seu interior, e nem estou afirmando isso, mas uma pergunta pode ser
feita: Que espaços estão sendo abertos para abrigá-la na escola?
Na fala da Dama das Camélias, esta questão aparece e, segundo ela, o
teatro seria um desses espaços que possibilitariam acessá-la: Elas querem alegria.
Eu acho que teatro dá isso
!
Penso poder inferir, então, que teatro na educação seria, no âmbito
pedagógico, uma prática que compreenderia alegria. Ao mesmo tempo, outra
pergunta se impõe: O que pressupõe um oposto a alegria? Uma não alegria na
educação? Para tentar dar conta desta questão torna-se oportuno conversar
novamente com Snyders (1993, p. 42):
71
A alegria também é um ato na medida em que, através dela, “a potência de
agir é aumentada”, um acréscimo de vida, fazendo o indivíduo se sentir
como que prolongado, enquanto a não-alegria vai se restringir, se reduzir,
se economizar...
Uma educação direcionada na perspectiva da formação, a partir da
informação, parece, ao assumir o caráter instrucional, preterir o vivencial. Neste
caso, os conhecimentos viabilizados, através da prática teatral na escola aparecem,
no sentido contrário, como capazes de proporcionar alegria de aprender. E esta
alegria estaria intimamente ligada a um desenvolvimento que engloba a totalidade da
vida, e “ali onde há alegria, há um passo à frente, crescimento da personalidade no
seu conjunto” (SNYDERS in: GADOTTI, 2003, p.305).
6. NA INFÂNCIA “O MAIS VIVO DOS TESOUROS”: O ESPELHO, A
PEÇA, OS TEATROS E A GARAGEM
A infância não é uma coisa que morre em nós e seca, uma vez cumprido o
seu ciclo. Não é uma lembrança: É o mais vivo dos tesouros, e continua a
nos enriquecer sem que o saibamos... (HELLENS in: BACHELARD, 2001,
p.130)
Neste capítulo, evoco os tesouros da infância potencializadores da ação das
protagonistas. Enfocada por todas as professoras, a infância é a fase da vida onde
ocorreu o primeiro contato, e em todas tem se revelado em tom nostálgico, é o lugar
no trajeto das vivências significativas dessas professoras onde começam a se
desvelarem as narrativas. “Pela via dos conteúdos do imaginário inscritos nas
narrativas poéticas [...] entretecidos no tempo de infância, será possível “visualizar”
as presentificações de vivências, que na perspectiva durandiana são eternas no
tempo” (PERES. CD ROM, 2002).
Este período da vida tem-se revelado, nestas narrativas, como território do
imaginário, da corporeidade e de um estado permanente de aprendizado e
apropriação do mundo, e o teatro surgindo nas falas como uma atividade lúdica no
exercício da imaginação criativa.
Fazer o teatrinho nas brincadeiras de criança ou apresentações na escola é
a oportunidade primeira com este viés do ser e do conhecer, tem-se revelado o lócus
de outras abordagens.
As narrativas trazem a infância como período chave, ponto de partida da
vontade desse fazer, manifesta em acontecimentos concretos, paixões, vontades e
brincadeiras. Ao que se pode perceber, aparece com mais ênfase em duas
narrativas e com menor expressão nas outras duas.
73
e eu tinha mais ou menos quatro ou cinco anos sabe. Isso é
real! Eu já vi outras pessoas passarem pelo mesmo processo,
vivenciarem coisas iguais a isso sabe? De não ter televisão em
casa, de ter televisão no visinho, e ter o espelho e aquele,
antigamente existia, ...minha mãe usava sutiã de enchimento eu
botava aquele sutiã ia pra frente do espelho conversava fazias
movimentos (A DAMA DAS CAMÉLIAS).
A brincadeira aparece como a primeira recordação de estar encenando e
isto acaba sendo uma imagem potente, como base primeira da relação do lúdico
com o fazer e ser uma educadora.
Nas palavras da Bela Adormecida, o núcleo gerador que aparece é a
atividade teatral, desenvolvida na escola. A escola é onde esta professora encontra
vias para inserir-se, é o espaço escolar que proporciona a experiência, que virá a
balizar as posteriores incursões na atividade cênica. Esta jornada, segundo as
palavras dela, se inicia, efetivamente, na infância:
Eu tinha nove anos terceira série por aí, e aí então eu fui... o
teatro entrou assim, eu atuei, eu naquele momento, eu já tinha
paixão pelo teatro, porque eu quis participar daquilo, então eu já
gostava do teatro, mas muito mais depois daquilo (A BELA
ADORMECIDA).
Se, na Bela Adormecida a paixão aparece antes no eu já tinha paixão pelo
teatro, e, depois, quando ela diz então eu já gostava do teatro, ela confirma-se no
mas muito mais depois daquilo. Aquilo passa a ser um divisor de águas, tudo isso se
passa na infância e, neste caso, a presença da escola é fundamental, tem um
sentido positivo, que determina o fazer hoje, quando ela diz:
74
...o teatro entrou na minha vida na infância, na escola,
numa representação, numa atividade de teatro que a professora
fez, era um conto de fadas; a Bela Adormecida acorda, eu
acordei e essa é a minha primeira imagem, é a Bela Adormecida.
Eu era a Bela Adormecida e hoje eu procuro Belas Adormecidas
(rindo) nas escolas, isso é verdade, eu não posso deixar de dizer
isso (A BELA ADORMECIDA).
Procurar Belas Adormecidas, hoje, parece estar intimamente ligado àquele
acordar, e àquele despertar da personagem. Aqui, ela se transforma em uma
metáfora, no dizer e fazer desta professora. Nesta passagem, percebe-se uma aura
de encantamento manifesta através dessa idéia de missão que a palavra procuro (e
hoje eu procuro
Belas Adormecidas nas escolas) sugere.
A escola foi o espaço que oportunizou à Bela Adormecida um encontro com
a linguagem teatral, e este contato aconteceu num tempo, no tempo da infância.
Para Bela Adormecida, a experiência tida neste período parece ter sido
determinante e tem aspecto positivo no seu desenvolvimento. É na infância que ela
descobre uma paixão pelo teatro, e que, segundo ela, aumenta depois da primeira
encenação.
Já, para a Bailarina, a infância foi marcada por inúmeras atividades artísticas
e culturais que contexto oportunizou:
...eu cresci dentro do Guarani, eu cresci dentro do Sete
de Abril
10
por que tinha aquelas apresentações maravilhosas da
Dicléia
11
Eu tocava no Conservatório, nós tínhamos aquela função
de palco de fazer apresentações de final de ano. Eu fiz
10
Teatro de Pelotas, já citado anteriormente, o mais antigo do Brasil , fundado em 1833 ainda em
plena atividade.
11
Coreógrafa e diretora da Escola de Ballet Dicléia Ferreira de Souza.
75
declamação, tinha as apresentações de declamação.... (grifos
meus) (A BAILARINA).
Crescer dentro de teatros é uma das singularidades, em relação aos demais
sujeitos de pesquisa, que caracteriza a infância da Bailarina, e isso foi viável pela
característica da escola de Balé Dicléia Ferreira de Souza, que aqui aparece como
responsável pela formação cultural, tendo se constituído num referencial de grande
importância, no trajeto e nas escolhas desta educadora.
Porém, ainda aparecem a declamação e a música no Conservatório, como
outras linguagens que compunha o cenário da infância da Bailarina. Estas inúmeras
vivências na infância foram delineando contornos que, segundo ela, encaminharam
sua escolha profissional, e acabou virando também artes cênicas
.
Eu acho que tudo foi um contexto que foi se
encaminhando, tanto que eu acabei fazendo Educação Artística
e foi tocado para esse lado de artes plásticas e acabou virando
também artes cênicas aqui na escola (grifos meus).
Se os teatros, onde a bailarina passou a infância, são os lugares físicos que
potencializaram suas vivências, é na virtualidade das imagens dos filmes que reside
a primeira imagem.
Os teatros eram os lugares das apresentações, enquanto a projeção dos
filmes, na escola de balé, foi o que oportunizou o contato com a realidade artística
que tanto a fascinava.
Na infância da Bailarina, o teatro, enquanto linguagem, não aparece entre
seus afazeres, concretamente, e isto só vai acontecer na faculdade. Nesta complexa
configuração entre dança, filmes e uma agitada agenda cultural é que se percebem
os núcleos que, mais tarde, a encaminhariam para o fazer teatral na escola.
Segundo ela:
76
Agora não sei te dizer assim, nunca parei para pensar na
primeira imagem que eu tenho do teatro. Eu acho que realmente
aquelas fitas, porque nós víamos cenas de cinema, não sei nem
como era projetado aquilo. Eu me lembro de uns projetores
enormes passando aquelas estórias que eu tinha paixão, músicas
de Tchaikovski e ela montava toda uma coreografia, Quebra
Nozes; eu era alucinada pelo Quebra Nozes, sempre adorei,
então eu acho que a parte cênica vem da parte de balé que foi
extremamente importante na minha vida. Não sei te dizer assim,
porque não foi nada voltado ao teatro, especificamente, tanto
que eu nunca fiz teatro, fui fazer teatro na faculdade quando eu
fiz a parte cênica...
O teatro, enquanto fazer, aparece somente na faculdade, ela faz questão de
ressaltar isso, quando diz: ...não foi nada voltado ao teatro, especificamente,
tanto que eu nunca fiz teatro, fui fazer teatro na faculdade... (A BAILARINA).
Mas, se faz necessário atentar para a complexidade deste relato, pois se o
teatro não foi decisivo na infância, ele foi impulsionado, na fase adulta, pela carga
das experiências travadas na infância, vividas nestas experiências, sintonizadas na
relação presencial e corpórea que trabalham a interpretação (seja na dança, na
música ou na declamação). Aqui, se percebe a proximidade entre as linguagens em
sua natureza, na relação com o público, no processo de elaboração, pois, como o
teatro, demandam ensaios e uma lapidação pormenorizada do pretendido
.
Ao que parece, todo esse conhecimento, vivido na infância, acabou por
ecoar na faculdade como ruídos e influenciou, decisivamente, o trajeto dela: Os
matriciamentos defendidos por Peres (1999, 2002, 2004).
77
Porque fiz educação artística com artes cênicas, eu fiz
balé clássico, eu fiz declamação, eu fiz piano clássico, então
tinha todo um histórico que claro fazia que a cultura tivesse
muito presente na minha vida (A BAILARINA).
Uma infância viva, a soar pela vida afora; “Ruídos que, na minha
concepção, se prolongam em forma de imaginários e de representações, que talvez
as tenha encaminhado para a busca da profissão docente” (PERES, 2002, CD
ROM).
Aqui pode ser identificada sob a idéia de contexto:
Eu acho que tudo foi um contexto que foi se
encaminhando, tanto que eu acabei fazendo Educação Artística e
foi tocado para esse lado de artes plásticas e acabou virando
também artes cênicas aqui na escola (grifos meus) (A
BAILARINA).
Pelas pistas que emergem das narrativas, o imaginário e a imaginação
criativa se potencializaram no espelho da Dama das Camélias, no teatro escolar da
Bela Adormecida e nos teatros em meio às apresentações maravilhosas da
Bailarina, e com a Árvore foi no teatrinho de garagem, como diz:
O que eu me lembro é assim de imagem de que com seis
anos a gente brincava de fazer teatro na garagem da minha
prima que era um espaço grande, tinha uma entrada lateral,
então a gente fazia os ingressos inclusive com um carimbinho. A
gente pendurava uma cortina no varal que se puxava na abertura
da garagem. Isso eu lembro que a gente fazia teatro ali, agora o
78
que a gente encenava eu não lembro. Depois dali eu não me
lembro de outras coisas já no tempo da faculdade acho.
Num primeiro momento, essa é imagem de maior relevância, a ponto de ela
dizer que depois dessas vivências, só na faculdade voltaria a entrar em contato com
a linguagem cênica. Porém, depois ela lembra uma experiência na escola:
Lembro-me de uma vez eu ter sido árvore, feito no colégio
de freira, foi um horror, uma desgraça me sentia... com um
carimbo de incompetente, de fazer papel de árvore num palco,
que não falava, não mexia, não fazia nada , só para dizer que tava
no palco... (A ÁRVORE).
É justamente desta passagem, vivida pela professora, que eu retiro o nome
que a representa. Não quero, aqui, vinculá-lo a uma leitura única, mas considerar
que, apesar do sentido de imobilidade e do caráter negativo aqui apresentado pela
narradora, esta árvore deu frutos.
A situação vivenciada pela ÁRVORE ocorre inúmeras vezes, quando se
trabalha teatro na escola, tendo como objetivo, apenas as montagens teatrais; o
ensino de teatro “não implica treinar as crianças para o palco [...]. É, antes, um novo
modo integral de encarar o processo de educação” (COURTNEY, 2003, p.287). E já
que este fato coloca em pauta os propósitos do fazer teatral na escola, torna-se
imprescindível retornar Courtney (2003, p. 52), quando o autor coloca:
[...]a teoria psicológica demonstrou que o fato de uma criança representar
perante uma platéia antes que esteja preparada para isso pode causar-lhe
um dano efetivo [...] e, como conseqüência, crianças pequenas estão
atuando em público com menos freqüência do que ocorria anteriormente
[...] a representação de peças na escola é vista como apenas uma parte da
educação dramática.
Penso que o foco que hoje norteia o ensino de teatro nas concepções
contemporâneas, afina-se com a visão do autor, que se firmou, como um grande
79
expoente teórico e é referência em qualquer discussão que pretenda fazer uma
abordagem mais plural e consistente.
Portanto, o teatro feito na escola, durante a infância, apresenta-se, aqui,
nestas duas faces, a da Bela Adormecida e da Árvore, mas as duas aconteceram na
infância.
A infância como lugar/tempo marcado pelo caráter lúdico, é o período de
onde todas as professoras trazem suas imagens mais vigorosas. Estas imagens são
capazes de resistir ao passar dos anos e firmar-se como núcleos potencializadores
do seu fazer como educadoras, “matrizes detonadoras de um inventário” que
reinventa o próprio imaginário cultural da cidade, a partir das “intimações das
vivências individuais e coletivas”; tendo como base os “aspectos objetivos e
subjetivos, em parte relacionando à cognição, noutra parte às complexidades das
representações imaginais” (PERES, 2002, CD ROM).
80
7 TEATRO: CORPOREIDADE, IMAGINÁRIO E EDUCAÇÃO
Neste capítulo, trago reflexões oriundas, tanto do referencial teórico em
foco, quanto do que o objeto de estudo suscitou.
7.1 A Corporeidade
Os estudos sobre o corpo e a noção de corporeidade na
contemporaneidade têm revelado as múltiplas faces da percepção do corpo em
nossa jornada sobre o planeta. Dos primeiros rituais, na aurora humanidade, à
virtualidade das redes informatizadas, o corpo vem sendo tratado nas matrizes
culturais de cada sociedade. Ou seja, se, por um lado, o corpo está determinado,
geneticamente, por outro está forjado na cultura; a manifestação física se
particulariza no estar de cada ser, e esse estar se presentifica através de códigos
culturais. É a cultura que molda as corporeidades, da cultura planetária da
informática às culturas regionais, da cultura citadina aos bairros.
Desde o corpo ritualístico da pré-história ao performer do século XXI, muitas
foram as concepções e os olhares, mas, no decorrer desta dissertação, restrinjo-
me a considerá-la, no que diz respeito à cultura ocidental.
Assim sendo, tomo a Grécia Clássica, berço da civilização capitalista atual,
onde surgem os princípios geradores do teatro que conhecemos, hoje, como ponto
de partida para um rápido olhar sobre o corpo. Teatro, pedagogia, filosofia e
democracia são alguns dos muitos legados dos filhos do Olimpo que atravessaram
os séculos e acabaram por constituir as bases de nosso pensamento.
81
Os gregos já davam maior importância à elaboração mental do que ao
trabalho braçal – o que diferenciava, inclusive, a classe nobre, os cidadãos
ociosos, da massa escrava, a qual era considerada muito distante do
homem ideal. Se as atividades físicas – na ginástica e nos jogos olímpicos
– se desenvolveram, foi antes como apêndice instrumental ao crescimento
do espírito, das idéias (FREITAS, 2004, p.35).
Pensando uma corporeidade no mundo grego da antiguidade, temos que
considerar as distinções entre cidadãos e os escravos e trabalhadores, entre os
livres e os cativos. Enquanto os primeiros tinham o corpo-apêndice de uma mente
mais nobre, e cultivavam Mens sana in corpore sano, os segundos não são foco de
consideração especial e o debate dessa corporeidade inexiste. Esta concepção
estende-se ao Mundo Helênico e, posteriormente, ao Império Romano.
Com o surgimento e sedimentação do cristianismo, estabelece-se outro
olhar e aparece o “corpo sofredor - de todas as passagens da vida de Cristo, a que é
enfatizada é a que diz respeito à sua crucificação, à agonia do corpo para a
salvação das almas humanas” (FREITAS, 2004, p.37).
E, neste contexto, um corpo culpado, marcado indelevelmente pelo pecado
original, torna-se um território onde se enfrentam a virtude e a tentação, uma carne
fraca que requer vigília e penitência.
As grandes navegações, a imprensa, a redescoberta da antiguidade e a
ciência iniciam seu trajeto, conduzidas por um homem entusiasta. Um homem que
busca respostas, que não se contenta apenas com as respostas dadas pelas
escrituras, mas que analisa e investiga. “As diferentes correntes do conhecimento e
da sensibilidade convergem para uma moral prática, que visa manter o melhor
possível a mecânica corporal” (BRAUNSTEIN in FREITAS, 2004, p.41).
É
neste sentido que evolui a noção de corporeidade no ocidente, a
concepção humanista de mundo vai privilegiar o desenvolvimento ainda separando o
mental e o corpóreo, dissecado, mas, ainda, desconsiderado, esta é uma imagem do
corpo renascentista.
82
“O corpo privado” (FREITAS, 2004) que surge no romantismo apresenta um
homem que se encontra no espelho e na fotografia, nas imagens que preconizam as
virtualidades e o individualismo do século XX.
O indivíduo, pulverizado nas massas deste século, busca diferenciar-se na
multidão e começa a transformar o corpo. Da Body Art
12
às atuais intervenções que
vemos no cotidiano das ruas, em adolescentes e adultos, um “corpo consumidor”
denuncia um momento em que a individualidade, a necessidade de inserção e
aceitação coloca-nos frente à necessidade de percebermo-nos. Mas não nos
percebemos de lugar nenhum, sempre falamos de “nosso território”, esse lugar
formado nas conexões que nos educam na multifacetada era da informação.
O espetáculo das mídias abriu possibilidades de aprendizados em outras
instâncias, nunca antes vislumbradas. A cada nova tecnologia, na velocidade das
redes, avançamos a um tempo de sérias transformações nas formas de aprender.
Mas nada, ainda, descarta a necessidade de uma educação formal, e esta educação
já considera as novas tecnologias como aliada aos novos desafios; mas nem por
isso mostra o mesmo empenho em considerar a corporeidade.
O corpo, “base do conhecimento por ser o que, primeiramente, apreende a
significação das coisas... e sujeito percipiente que abarca o espaço e o habitat”
(GICOVATE, 2001, p.9), não está na mesma ordem, enquanto prioridade das
políticas educacionais do país. A educação ainda opera num caráter
predominantemente mentalista, mas passível de encontrar abrigo no teatro, por
exemplo, como as protagonistas deste trabalho.
7. 2 Corporeidade e educação
Fomos tão acostumados à idéia de que o conhecimento é recebido de fora
que a palavra aprender passou a significar, para o senso comum, quase a
mesma coisa que receber ensinamentos, aprender lições, etc. Educação
passou, por isso, a significar simplesmente ensinar no sentido mais raso de
transmissão de saberes pré-existente (ASSMANN, 1996, p.134).
12
Movimento artístico que se firma, a partir da década de setenta tendo o corpo como suporte e
espaço da arte.
83
Segundo Hugo Assmann (1996, p.22), a questão da qualidade da educação
abre perspectivas para uma abordagem que aponta para além da transmissão
instrucional do conhecimento. Educação, para o autor, deveria “gerar experiências
de aprendizagem, criatividade para construir conhecimentos e habilidade para saber
acessar fontes de informação sobre os mais variados assuntos”. Sua noção de
escola vai além do acúmulo e do repasse de conhecimentos, mas instaura-se “como
contexto e clima organizacional propício à iniciação em vivências personalizadas do
aprender a aprender” (ASSMANN, 1996, p.23).
Esta noção faz emergir o princípio de uma educação em que “a condição
humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino” (MORIN, 2000, p.15). “O
novo insight básico consiste na equiparação radical entre processos vitais e
processos cognitivos” (ASSMANN, 1996, p.27).
Assmann (1996) parte do princípio de que é urgente ampliar o modelo
educacional vigente, situando-o, não apenas no contexto didático-pedagógico, mas
na relação deste, com a complexidade da vida atual. Para ele, a condição em que
nos encontramos não faz frente às demandas da nossa sociedade. Estas só se
viabilizariam, através de
uma pedagogia da complexidade que saiba trabalhar com
conceitos transversáteis, abertos para a surpresa e o imprevisto” (ASSMANN, 1996,
p. 30).
O teatro, no espaço escolar, parece instaurar esta pedagogia, só que esta
(no caso Pelotas) não se efetiva pela via curricular.
Muito pelo contrário, a educação
atual, apenas posterga uma tomada de posição frente ao fato de estarmos apenas
criando paliativos e, não, pensando um projeto educacional que contemple a
integralidade do ser humano e suas circunstâncias. Uma educação, pensada nestes
termos colocaria “objetivos maiores”, como o estímulo à criatividade e à tomada de
consciência de cidadania (D’AMBRÓSIO in PORTO, 2003, p.62).
Tal situação vem sedimentando uma perigosa exclusão social, seja pela
ingenuidade em tratar as questões pedagógicas, descoladas do contexto vivêncial
dos aprendentes no sentido oposto da “sensibilidade social” (ASSMANN, 1996), seja
pela desvalorização continuada e acentuada dos profissionais da educação e/ou
84
pelo negativismo que vem gerando descrédito na possibilidade de uma política
educacional séria, para um projeto em que caibam todos, inviabilizando a “eficácia
pedagógica” (ASSMANN,1996).
As questões em pauta trazem à tona problemas muito pouco explorados no
debate e na avaliação da crise em se encontra o modelo educacional brasileiro,
principalmente, no ensino fundamental e médio.
Podemos, então, inferir, com base na ótica de Hugo Assmann (1996), Edgar
Morin (2002, 2003) e Humberto Maturana (1998, 2000 e 2001) que a qualidade do
ensino não se restringe a fatores meramente didáticos, ou a uma concepção
pedagógica mais ou menos inclusiva; mas é determinada em grande parte pela
orientação que alicerça os discursos e as práticas vinculadas a um caráter
mecanicista que resulta numa redução do sujeito, perpetuando um dualismo já
defasado frente à emergente realidade técno-científica e social-cultural.
No sentido oposto, Assmann coloca-nos a corporeidade como um conceito
que reúne o bio-individual e o bio-social, considerando a unidade entre
necessidades e desejos humanos na construção do trajeto evolutivo da espécie, e
pressupondo que “todo conhecimento tem uma inscrição corporal e se apóia numa
complexa interação sensorial. [...] Toda ativação da inteligência está entretecida de
emoções” (ASSMANN, 1996, p.33). Aqui o próprio cotidiano adquire outro sentido
nas relações cognitivas, conseqüentemente, coloca-nos perante inúmeros
questionamentos que não encontram respostas satisfatórias no discurso vigente na
maioria abordagens atuais.
É necessária, então, outra postura diante das incertezas, “está na hora de
ter a coragem de examinar precisamente nossas concepções do sujeito e do
conhecimento (sujeito epistêmico) e do sujeito ético-político (sujeito histórico)”
(ASSMANN, 1996. p. 81). Certamente, é hora de fazermos uma pergunta chave: “A
educação atual leva-nos à negação do humano ou à sua conservação?”
(MATURANA; REZEPKA, 2000, p.82).
85
Naturalmente, ao entrarmos neste debate, vemo-nos frente ao desafio de
revisarmos nossas certezas, assim como Assmann (1996, p. 81) o faz.
Em outras palavras, não creio que devemos continuar consolando-nos com
acrobacias mentalistas para conjugar; e de alguma forma agüentar o peso
do intolerável que independe de nós, e o gozo, sempre precário e quase
doméstico, da pequena graça possível
.
Portanto, surge a corporeidade como base de inscrição do conhecimento
articulada ao mental, juntando, suturando as habituais separações e divisões,
estabelecidas no trato à educação. Assim, estamos, indiscutivelmente, mudando de
paradigma, como conseqüência, inscrevendo-nos em outras bases epistemológicas.
Muitas vezes, não conseguimos, por inúmeros impedimentos, transitar da
reflexão à prática e, como podemos perceber, faz-se necessário buscar caminhos
para abordar o conhecimento e os processos cognitivos à luz das realidades
emergentes que, hoje, articulam e regem os novos parâmetros culturais e sociais,
por conseguinte dilatar nossos horizontes pedagógicos para além do meramente
instrucional.
Podemos dizer que o processo em que se constitui o fazer teatral é um
processo autopoiético e, num constante autofazer-se, no sentido maturaniano.
Portanto, num processo dinâmico e aberto, muito próximo daquilo que encontramos
no pensamento que atravessa Metáforas Novas para Reencantar a Educação.
É prudente salientar que não estamos nos filiando a teorias
representacionista, mas numa aproximação que concebe uma corporeidade
cognitiva. Ao entrarmos em contato, através de Assmann (1996), com o conceito de
em-corporeidade percebemos um paralelismo com as teorias teatrais em curso, que
dão ao teatro uma dinâmica de um processo aberto, em oposição ao “espetáculo”
acabado.
Neste sentido, o teatro, além de seu caráter coletivo que pressupõe
convergências em metas comuns e, também, se inscreve na corporeidade; hoje a
visão teatral contemporânea assume vias que não se sustentam apenas no texto ou
86
na palavra e sim se orientam pela primazia do “corpo – em – vida”, assim como os
pressupostos básicos que norteiam o pensamento de Assmann acerca da educação
e dos processos cognitivos.
Então, o teatro, reforçado aqui pelas protagonistas deste trabalho, firma-se
como uma possibilidade de conhecer, lúdico e integrador onde a imaginação
dramática instaura pontes e nos prepara para trabalhar o estar no mundo,
conhecendo, reconhecendo e conjeturando, numa articulação entre imaginário e
corporeidade. “A imaginação dramática esta no centro da criatividade humana e,
assim sendo, deve estar no centro de qualquer forma de educação que vise o
desenvolvimento das características essencialmente humanas” (COURTNEY, 2003,
p.281).
Sair do senso comum e possibilitar uma corporeidade no processo do
conhecer, certamente, parece ser uma das características deste saber, e é possível
trazer à luz de nossa reflexão um relato que pode ilustrar algumas posturas e
caminhos a compreender.
O teatro me ajudou, me ajudou a me soltar ao meu corpo,
e me ajudou muito porque eu sou assim; eu falo com o meu
corpo, eu falo com as minhas mãos, eu falo com meu olhar.
Porque o teatro me ajudou? Porque eu sinto que se eu não
tivesse essa liberdade do corpo, dos gestos, sendo
professora de arte, eu sempre digo, eu daria meia aula.
Uma aula inteira eu dou com todo o meu ser, por dentro e
por fora, com todo o meu corpo, não só com dois dedos
(que é o que pega o giz) e a boca. Porque muitas
professoras dão aula com os dois dedos, pega o giz
escreve, e com a boca. Eu dou aula com o corpo inteiro! E o
teatro é uma linguagem que, ela, precisa do corpo teu
inteiro por dentro e por fora, eu digo isso. Então às vezes
87
nos ensaios eles agem, eu, ta agora inteiro, tu fez só com a
tua cabeça, agora faz de novo, usa o corpo todinho agora
(A BELA ADORMECIDA).
A escolha de Hugo Assmann, como referencial teórico para as abordagens
pedagógicas que embasarão as questões referentes à pesquisa sobre teatro,
educação e imaginário, dá-se pela natureza da arte cênica, que, como
conhecimento, dá-se, explicitamente, através da corporeidade. Assim como as
concepções de Assmann (1996) de uma corporeidade viva onde toda “morfogênese
do conhecimento” se articula.
7.3 O ensino de teatro: imaginário, imaginação dramática e educação
O ensino de teatro na escola articula-se, no mundo ocidental, na maioria dos
modelos educacionais, ao longo da história. Naturalmente, a cada tempo respondeu
às necessidades e às visões do pensamento educacional de cada época.
No mundo grego, segundo Courtney (2003, p. 5), foi “a maior força
unificadora e educacional”, já em Roma estava mais ligada a um caráter utilitário
direcionada a ensinar a lições morais.
No período medieval, a igreja fez severas restrições ao teatro, chegando
mesmo a proibi-lo, excomungando aqueles que se atrevessem a fazê-lo, mas
acabou por render-se a sua força e, já no século IX, ganha outra dimensão; nos
séculos posteriores ganha as massas e, a um só tempo, serve como prazer
intelectual e educação das massas, através das moralidades, mistérios, autos que
difundiam o preceito cristão.
Com o humanismo ganha as escolas através da arte de falar, estudo que na
maioria das vezes “se fazia através do diálogo; isto introduziu o estudo do teatro
antigo” (COURTNEY, 2003, p.10). Com os jesuítas tem caráter didático para o
ensino do latim e da religião, com a particularidade de promover a escrita de peças
88
(alunos e professores), criando, assim, uma maior abrangência no contexto
educacional em que se fazia presente.
No período neoclássico:
O sistema de raciocínio indutivo de Bacon havia penetrado amplamente nas
escolas, através de Comenius. Embora ambos sustentassem o apoio ao teatro, um
método educacional que estudasse objetos naturais para chegar à verdade muito
dificilmente conduziria a atividade dramática. Dessa maneira, então, a língua latina
foi realçada mais que a literatura, produzindo uma educação antes formal que
liberal. Isso foi reforçado pela crença de Locke de que a educação era a formação
de hábitos da mente, e que era o método e não o conteúdo o que importava;
assim, as línguas mortas eram ideais para produzir a disciplina interna. Como
resultado, o teatro na educação no século XVIII é o registro de apenas umas
poucas peças escolares, encenadas com crianças de sexo masculino
(COURTNEY, 2003, p.14).
O Romantismo vê no teatro na escola um promotor de ações que acabam por
desenvolver habilidades, principalmente, a disciplina interna, e a memória sem
desconsiderar o gesto, e tem, a improvisação, no mais alto grau, “ela molda os
pensamentos mais íntimos e dessa forma os libera, desenvolvendo a imaginação”
(COURTNEY, 2003, p.16).
Com a revolução industrial e a popularização da educação, o teatro na
educação chega ao século XX reivindicando seu espaço e, da década de 50 em
diante adquire grande força no ambiente acadêmico, suscitando inúmeras
abordagens, através de teses e dissertações. E, no ambiente escolar do primeiro
mundo, vai ganhando os currículos escolares.
Os estudos do imaginário têm trazido importantes contribuições para o
campo da educação. É importante salientar que eles surgiram em função
da necessidade de buscar o “elo perdido” acerca das explicações sobre o
cotidiano escolar, a partir de um outro olhar que valorizasse a dimensão
simbólica das práticas organizadoras do real. Aquilo que Michel Maffesoli
denomina como o “lado de sombra” do social (PERES, 2004, p.12).
Ao abordar as questões do Imaginário, é necessário que se faça algumas
considerações para assinalar de que concepção falo. Para tratar o Imaginário neste
trabalho, busco o viés do indivíduo e aquilo o move na sua constituição de fazeres e
quereres, impulsionados por forças não objetivas. Assim, nesta aproximação, trago
como companhia as palavras de Juremir Machado da Silva (2004):
89
[...] são essas forças irrefreáveis, inconscientes e evidentemente imateriais,
balizadoras das nossas ações, que estão constantemente se
desconstruindo e se reconstruindo, sem poder ser medidas, acabam por
estabelecer o vetor das nossas práticas (MACHADO da SILVA, in PERES,
2004, p.28).
Numa espécie de arqueologia de sentidos e saberes, me propus, então, a
uma abordagem pautada pelo imaginário. Para isso me distanciei das concepções
racionalistas do conhecimento nas quais se sustenta, ainda hoje, a educação e que,
destarte, não daria conta de abrigar minhas inquietações acerca dos meus achados.
Sabe-se, hoje, que o teatro (no ambiente escolar) assume a condição de um
saber que, com suas particularidades, promove outro olhar frente a conhecimentos
desarticulados na massificação dos conteúdos a serem “vencidos”. Sua natureza o
qualifica como uma “pedagogia integradora” que se objetivano “intuito” de
considerar e trazer o aluno, com tudo o que ele é, sua história de vida, seus
aspectos emocionais, intelectuais, sem julgamentos, “contando” a coisa como ele é”
(PERES, 2004, p.6).
Dessa forma, esta incubadora de imaginários, parece gerar “embriões de
possibilidades na escola, embriões estes gestados, no imaginário, e paridos na
corporeidade de professores e alunos.
Das concepções do imaginário, da corporeidade viva e da complexidade
partiremos em nossos desbravamentos, trabalhado com a idéia de que o teatro é, de
forma privilegiada, uma linguagem que articula processos cognitivos,
transversalmente, que se inscreve numa dimensão do antrophos,
conseqüentemente, pregnado da complexidade da existência humana.
Seguindo neste sentido, podemos pensar a vida como processo impulsionado
na diversidade, na dinâmica e no complexo em que objetividade e subjetividade são
os dois lados da mesma moeda numa Unitas multiplex (MORIN, 2003, p 23). O que
também supõe pensar num ser humano que adote “o caminho explicativo da
objetividade-entre-parênteses” (MATURANA, 1998, p.54), abandonando, assim, a
lógica disjuntiva como parâmetro para entender o mundo.
90
Partindo destes pressupostos, estamos trabalhando com a idéia de que viver
é conhecer mediado pelo ato inscrito, inspirado em Durand (1997), no trajeto cultural
de um espaço e de um tempo, que acaba por constituir identidades, referentes e
significados. Ato, como átomo da ação, desencadeador das relações, como genoma
visível da vida, considerando que a vida própria se manifesta no mundo exterior ao
das idéias pelo agir numa eterna articulação entre caos e ordem.
É esta natureza que instigou este mergulho, que antes de tudo direcionou
olhar o outro lado do espelho. Portanto um mergulho no reflexo de uma realidade
aparentemente concreta e objetiva,
mas considerando que “a arte não é um
prolongamento da vida, mas significa uma compreensão qualitativamente diferente
da realidade” (KOUDELA,
1998, p.33).
Esse reflexo vai além de espelhar o original, revela um duplo onde as
imagens refletidas apresentam qualidades sutis onde encontramos as referências
vivenciais, que acreditamos, abarcam o conjunto de questões até aqui
apresentadas; o teatro enquanto duplo da vida, lócus transversal do conhecimento e
como as demais artes uma outra maneira de compreender e de representar: “uma
Pedagogia Simbólica, que advém da busca de convergências e conexões de um
‘universo simbólico’” (PERES, 1999, p.11).
Desta forma, mais que um recurso é em si um caminho, que se hoje começa
a ser aceito no espaço oficial dos currículos, e a exemplo do imaginário, enquanto
área de pesquisa e conhecimento vem se firmando nas instituições a serviço do
conhecer. Mesmo assim devemos ter em conta que, assim “trata-se, sobretudo, de
estar sensível às leituras emanadas desta abordagem para refletir sobre a formação
pedagógica” (PERES, 1999, p.11 ).
Convém ressaltar que jogos teatrais e dramáticos, improvisações e outras
abordagens que instrumentam o teatro possibilitam uma consciência do ser-em-arte,
que na infância acessa-se pela via do jogo simbólico. (Re) significando a percepção”,
no trajeto de nosso aprendizado, “o jogo simbólico é inicialmente o procedimento de
expressão criado pelo sujeito para expressar a experiência subjetiva”
(KOUDELA,1998, p.38).
91
O teatro é arte da presença e da comunicação, é fundamentalmente atividade
de caráter coletivo, fundado na expressão individual, manifestada na diversidade e
na pluralidade do grupo. Trabalha conteúdos que propiciam a integração e a
criatividade na produção de sentidos via atividade simbólica. Assim, desde a
infância, nós humanos operamos através do simbólico e nele nos reconhecemos
aprendentes na linguagem e “na medida em que a linguagem tem a ver com a ação,
a linguagem sempre nos prende no fazer” (MATURANA,1998, p.76).
Neste particular, me filio às idéias de Peres (2004) quando diz que “trata-se
de despertar a imaginação, a sensibilidade e a criatividade, trabalhando saberes e
aprendizados individuais e coletivos, sobretudo trabalhando o sentimento de
pertença ao grupo, como alavancas para a criação”
(PERES, 2004, p.6).
E, assim, através do teatro oportunizar vivência integradora, trabalhar
conceitos e saberes transversalmente articulados na corporeidade, corpo e mente
integrados unindo o que foi cindido. A dimensão do teatro na escola como
linguagem, conhecimento e “estrutura pontiflex” (GROTÓWSKI in MÁSCARA,1993,
p.77).
Continuando neste raciocínio, podemos inferir que, no teatro, operamos com
uma imaginação dramática. Assim como na vida, esta é, também, constituinte das
ações de toda nossa existência, que, de acordo com Koudela (1984, p.
37),“caracteriza grande parte de nosso pensamento quando estabelecemos
hipóteses sobre o futuro, reconstruímos o passado ou planejamos o presente”. Ao
desenvolvermos a imaginação dramática, passamos a operar noutro nível, numa
virtualidade projetada a partir do vivenciado, conjugando experiência e reflexão.
Se levarmos em conta o grau de complexidade que a sociedade vem
adquirindo e a velocidade em que se dão as transformações, tanto no âmbito
técnico-científico quanto culturais, impulsionadas pelos meios de comunicação,
veremos que este debate torna-se mais que pertinente, ainda que em sua gênese.
Estaríamos no momento oportuno para repensarmos nossas práticas e a
própria natureza do conhecimento que, alicerçado até então na concepção única da
92
educação meramente instrucional, exclui inclusive a possibilidade de pensarmos
que o processo de aprendizagem é basicamente caótico, ou seja, que ele tem como
detonante básico um refazer constante que implica num desfazer para só então,
possibilitar um fazer personalizado (ASSMANN, 1996, p. 147-148).
Atualmente, inúmeras discussões mais ou menos embasadas dão conta de
colocar em pauta a criatividade versus aprendizado; na maioria das vezes há uma
tentativa de articular um discurso que restringe esta a lugares especiais no espaço
escolar, como as atividades extracurriculares
. Assim, a escola acolheria, nestas
atividades, potencialidades que os processos pedagógicos vigentes não dariam
vazão. Tal atitude se dá mais por carência de referenciais e projetos objetivos para
seus currículos, visto as limitações da atual política educacional, do que propostas
para novos horizontes que incluam saberes não mentalistas/racionalistas. Partindo
dessa ótica, procurar entender que a educação não pode ficar ensimesmada numa
atitude alienada, desconsiderando todo o aporte de saberes que se multiplicam, por
exemplo, na física aonde a discussão sobre o caos vem redefinindo a própria visão
de universo.
Cabe aqui reforçar as palavras de Assmann (1996) e deixar claro que, como o
autor, não aposto numa prática que ignore e descarte a “razão instrumental, já que
toda educação implica em doses fortes de instrução, entendimento e manejo de
regras, e reconhecimento de saberes já acumulados pela humanidade”. Mas, que
possamos incursionar para além desta, levando em conta que “embora importante,
esta instrução não” é o aspecto fundamental da educação já que este reside nas
vivências personalizadas de aprendizagem “que obedecem à coincidência básica
entre processos vitais e processos cognitivos” (ASSMANN,1996, p.28).
A partir destas colocações me encaminho para o capítulo seguinte para minha
construção teórica, tipo categoria ou núcleo simbólico, “perseguindo”, nesta
pesquisa, o teatro como palco invisível ou descortinando horizontes neste palco...
93
8. DESCOBRINDO HORIZONTES NO PALCO INVISÍVEL
Cada homem tem uma história, ou melhor dito, cada homem é uma vida. O
ensino é um aspecto do período ascendente desta história....tem por
função permitir uma tomada de consciência pessoal no ajustamento do
individuo com o mundo e com os outros (GUSDORF, 1970, p. 26).
É interessante considerar que a revisão, acerca dos conceitos de uma
educação que venha atender às necessidades de nossa realidade, e que venha dar
conta de questões que, hoje, se apresentam como desafios, não pode passar por
um discurso que não considere a vida, já que: tais questionamentos já se fazem
presentes em muitos educadores e nos educadores de educadores. Em teóricos
como Assmann (1996), Morin (2002, 2003) entre muitos outros, de igual, maior ou
menor visibilidade. Entretanto, boa parte desta discussão tem como resposta a
impossibilidade da aplicação destes pressupostos, dadas as estruturas curriculares,
a realidade escolar, dos alunos e professores ou, ainda, um ceticismo quanto à
validade e aos resultados dos mesmos.
Muitas vezes, confortavelmente, se pensa que só uma macroreforma, calcada
numa verticalidade, desencadeada por ações ministeriais dariam conta de reorientar
os rumos da educação. Tal visão é bastante simplista e isenta de responsabilidade
àqueles que são os agentes escolares, encarregados de promover a educação e
desconsidera todos que já vêm trabalhando nesta seara.
Esta cidade, Pelotas, como já vimos, destaca-se pelo apreço ao teatro, no
entanto, não viabilizou caminhos efetivos para a formação de professores de arte,
para a linguagem teatral.
Mas, superando as limitantes circunstanciais que condicionam a ação
daqueles que insistem no fazer teatral, nas escolas da cidade, descortina-se um
94
mundo, cuja matéria de natureza efêmera, funda o improvável na sucessão dos
anos, e nos faz “descobrir que antes, durante e depois da Razão há outras
florescências que garantem a vida e a transmissão da vida, garantem o sonho e a
transmissão do sonho, garantem a utopia e a sua realização” (FERREIRA SANTOS,
2002, p.47).
As bases dos processos que articulam o teatro na escola parecem assumir
um “caráter iniciático”, tecendo fios matriciais na cultura local que, acabam por
reviver esta arte num cíclico reafirmar uma das identidades da cidade. Enquanto os
conteúdos curriculares promovem uma educação racional, o teatro, na escola, tem
proporcionado uma “outra educação,” próxima do sentido que Ferreira Santos (2004,
p. 53) dá à “educação de sensibilidade”:
... a educação de sensibilidade perpassa as práticas iniciáticas à Cultura
(mundo simbólico)...em que as imagens e os símbolos, articulados em
várias narrativas, articulam por sua vez o patrimônio histórico-cultural do
humano e sua memória com o repertório cultural cotidiano dos alunos e
suas trajetórias individuais, tornando-os significativos e possibilitando-lhes
a sua apropriação, perlaboração e re-elaboração poiética.O conhecimento
retorna, então, ao coração, cumprindo seu destino.
No espaço escolar, o teatro tem-se constituído na fenda epistemológica,
dimensão dionisíaca no território apolíneo, do lúdico num espaço pragmático
imaginário compartilhado com o outro, donde se plantam sementes de imaginação e
colhe-se um “fazermos”.
Aqui, o diálogo de subjetividades instaura um lócus polissêmico,
possibilitando uma percepção “pluri-direcional”, (MATURANA, 2004, p. 5). Assim
viabilizanos, então, um “multi-verso” que, como a sociedade atual, “requer processos
pedagógicos também dinâmicos, abertos, flexíveis e criativos, que coloquem o
sujeito em atitude de aprendizagem permanente (PORTO, 2003, p.105). Muitas são
as questões, mas tais características apontam para uma objetivação/subjetivada, um
amálgama de sentidos e significados. Novamente, no percurso deste “ensaio de
cena” procuramos as indicações na “direção” de Ferreira Santos (2004, p. 66-7),
quando ele diz:
95
A objetivação do mundo é compreendida pelo humano através de um
processo simbólico, vale dizer subjetivo. Portanto se existe uma realidade
real do mundo concreto, esta só pode ser organizada e apreendida na rede
simbólica das práticas culturais. Daí essa gravidez simbólica em que
configuramos sentidos e significados que impregnam a ambiência à nossa
volta.
O teatro, aqui, assume a função de celebrar o encontro do “regime diurno”, da
antítese; e o diurno num “entre”, onde a luz não ofusca e a escuridão não cega, num
crepusculário dos saberes onde, o humano é “um ser invadido pelo imaginário e
pode reconhecer o real” (MORIN, 2000, p.59). Reconhecer como conhecer, a partir
da observação e da relação estabelecida, relação que faz sentido no manancial de
informação que invade nossa mente no cotidiano.
Dessa forma, pode-se pensar que o ato desse aprendizado avança muito
além da idéia de saber ou não representar, mas ao fato de estar trabalhando as
múltiplas percepções e estar em outro estado de observação, comumente não
exigido, na lógica da sala de aula. Possivelmente, muito próximo da idéia de
Maturana (2004), quando ele diz:
Conocer es para mi la observación de uma conducta adecuada em um dio
determinado, y no la representación de una realidade aprióritica, no un
procedimiento de cálculo basado en las condiciones del mundo exterior
(p.80).
Nesta perspectiva, podemos cogitar o teatro, no ambiente escolar de Pelotas,
como um fazer sob a luz difusa do regime crepuscular que “concilia os contrários
através do movimento cíclico e rítmico dos trajetos (o crepúsculo, o movimento, as
formas circulares) na configuração dos dramas narrativos, ou seja, dispõe o tempo
no fio da narrativa” (FERREIRA SANTOS, 2004, p. 36).
Pensado assim, é neste “entre” que também é possível viver o multiverso
“donde muchas realidades - dependiendo de los distintos critérios de validez- son
igualmente válidas” (MATURANA, 2004, p.50). Neste sentido, o teatro na escola
está, neste contexto, numa relação onde é possível pensar numa unidade, como
num plano em que vemos um lado, que é também o outro lado; o mental e o corporal
unidos, sem contradição ou primazia de algum. Tal condição, não é apenas uma
especulação teórica, mas pode ser verificada na narrativa de Bela Adormecida:
96
... ele pega a criança por inteiro; por dentro e por fora, é
pensamento e corpo né, ele a pega inteirinha e pega agente
também e me pega toda hora (A BELA ADORMECIDA).
Esta cultura escolar se amplia no exercício de uma docência que vai se
construindo numa responsabilidade, no sentido Maturaniano: de “encontrar-se num
determinado estado de atención y alerta: las proprias acciones y los proprios deseos
coinciden de um modo reflexionado” (MATURANA, 2004, p.93).
Ele é rico, é maravilhoso porque ele esta no mundo da arte
e a arte lida com todas essas áreas com a história, com a
geografia, com a matemática, com as ciências com tudo,
eu preciso de todos esse conhecimentos se eu quiser fazer
um bom teatro. Eu preciso conhecer, reconhecer, saber,
eu vejo isso quando a gente ta montando um roteiro :
Vamos falar de quem? Vamos falar da dona Mariquinha que
é dentista. Então como nós vamos idealizar esse
consultório? Que eu preciso pra isso? Como que ela vai
falar? Como ela vai se vestir? Então eu tenho que ter um
conhecimento, então ele esta relacionado com outras
coisas, nesse aspecto ele se vale como área de
conhecimento, sim, que precisa de estudo, de
sistematização, de idéias sim, de disciplina sim; então por
isso o teatro tem que estar na educação. O ambiente
escolar sem as artes cênicas, ele, tem um buraco, ele tem
um buraco, ele tem uma lacuna. Pra mim isso é claro assim,
muito (A BELA ADORMECIDA).
97
Assim, o teatro na educação, nas palavras da Bela Adormecida, parece
emergir numa prática constituída num caráter transversal. Como um mediador de
saberes e instaurador de práticas e estas, no contexto pelotense, movimentam-se
subterraneamente, ampliando as concepções, ainda vigentes, que o reduzem a
número artístico de ocasiões especiais das agendas escolares.
No sentido contrário, faz-se notar nas falas de nossos personagens questões
que, hoje, fazem parte do debate sobre educação e que podem ser compartilhados
com Maturana (1998, 2000 e 2001), Boaventura Santos (1987), Morin (2000, 2003)
ou Assmann (1996).
Eu procuro buscar neles assim, o que, quem eles querem
ser, porque que eles querem fazer teatro, eu procuro
fazer o que eles querem em primeiro lugar, porque eu
penso que a criança quer é o mais importante, em qualquer
área do conhecimento. È um ser humano, então o querer
dele é importante, eu dou valor àquilo que eu quero, aquilo
que é meu, aquilo que eu gosto. Senão significa pra mim eu
não vou querer, eu não vou da importância , eu não vou dar
valor. Então eu busco neles (A BELA ADORMECIDA).
A fala desta professora levanta questões que, potencialmente, re-configuram
as dimensões da relação aluno-professor, invertendo a lógica na qual, via de regra,
estrutura esta relação. A visível mão única desse querer na direção professor-aluno.
Em pauta o ouvir, o escutar como referência ao outro, considerar o outro em
sua fala, considerar um lugar de fala do outro, e de novo faz-se necessário voltar a
Maturana (2004, p. 152), que, ao discutir Los Orígenes Del la Biologia del Conocer,
aponta a necessidade de escuchar el escuchar
:
98
A los profesores que asisten a mis seminarios les recomiendo una enorme
paciencia y realmente escuchar a sus alumnos y escuchar su proprio
escuchar. Ellos mismos se convierten entonces, cuando respetan a otros y
les abren un espacio de legítima presencia, en seres amantes en el devenir
relacional.
Escutar no exercício da docência abre caminho para um diálogo, estende
pontes com o outro, estabelece uma proximidade relacional, modifica a cultura
escolar e o meio de inserção dos agentes envolvidos. Porque “é a personalidade
inteira que aí aprende; sensibilidade, caráter, vontade são ai experimentados e a
aquisição de conhecimentos surge indissociável da tomada de consciência dos
valores” (GUSDORF, 1970, p.28). E, dessa forma, acaba por contribuir para a
formação de uma cidadania mais plena.
8.1 O interesse cultural e o processo de socialização
Neste capítulo, vou fazer uma abordagem sobre duas questões que
emergiram na narrativa da Bailarina e na Árvore, respectivamente, o interesse
cultural e o processo de socialização.
O interesse cultural surge como a força motriz de uma ação que pretende
incentivar o teatro na escola: Então nós fomos levando, mas não tem assim uma
formação de teatro, não, realmente só pelo interesse cultural [...] Então, a gente
tentou também fazer realmente uma volta para essa parte cultural e valorização
do teatro... (A BAILARINA).
Essa “volta para essa parte cultural” é uma colocação que suscita inúmeras
questões, mas que aqui será abordado no aspecto da relação do teatro e educação
num fazer-se na cultura: “O homem vem ao mundo, segundo as leis da natureza,
mas a cultura é um segundo nascimento [...]” (GUSDORF, 1970, p.39).
Então, se a escola acaba por embalar esse segundo nascimento, e o teatro
aqui é a face da cultura, evidenciada pela professora, devemos ponderar que esta
considera o mesmo como capaz de promover educação. Neste contexto, não quero
fazer uma apologia a um caráter meramente didático do teatro na educação, mas a
99
ênfase dada pela educadora aponta para uma aposta nas potencialidades
pedagógicas do teatro na educação: então é uma visão mais pedagógica, não tanto
artística.
Esta iniciativa nasce como maneira de impulsionar o aprendizado mas ao
mesmo tempo confunde-se com o intuito de difundir a “parte cênica”:
...com o intuito assim de tornar lúdico e divulgar realmente
a parte cênica; de trabalhar aquela parte de timidez das
crianças que para nós era uma coisa que nos afligia
bastante. Crianças que a gente sabia que tinha potencial na
sala de aula e que tu via que se tivesse um teatro na escola
elas teriam...(A BAILARINA).
O teatro, nesta passagem, aparece como recurso pedagógico, mas não se
esgota aí, acaba por mobilizar esforços que vão além dos exercícios e das
atividades desenvolvidas na escola:
Levamos as crianças várias vezes para ver peças, do nosso
grupo a Porto Alegre, para assistirem peças em Porto
Alegre... (A BAILARINA).
Notadamente, há um empenho no intuito de proporcionar uma formação que
vai além das paredes da escola, este esforço, também, é identificado na narrativa da
Árvore:
...tem coisas que eu me orgulho de fazer de levar meus
alunos : tem peça do Ben Hur ? Não ? Mas tem do Flávio. A
gente vai de qualquer grupo. De estar fazendo os meus
alunos serem espectadores também do teatro, de ter
100
oficina aqui, oficina ali, a gente vai. Eles estão
enlouquecidos a gente vai ao Porto Alegre em Cena. Esse
vínculo de... não sei se é esse vinculo? Mas essa relação
que gente estabelece fora do grupo de oficina...eu acho que
isso é fundamental , eles começarem a conhecer teatro (A
Árvore).
Assistir espetáculos teatrais é, nestes casos, uma situação de aprendizagem
e, para isso, as duas professoras mobilizam seus alunos. Essa mobilização dá
frutos, estabelecendo o que, num primeiro momento, ela chama de vínculo, que é
usada para nomear uma relação que se caracteriza pelo interesse comum. Uma
cumplicidade que desenha outros cenários para o conhecer, o assistir teatro acaba
por estender a relação ensino-aprendizagem para fora do âmbito escolar.
Se o teatro na escola para A Bailarina buscava trabalhar a timidez e
desenvolver o potencial de crianças que a sala de aula não dava conta, como ela
afirma; para a Árvore o teatro é à parte que tu interage, que tu cria um processo
de socialização, que tu trabalha a expressão, que tu trabalha todas áreas
possíveis e imagináveis da vida da gente.
Então, outra questão se evidencia na fala: o processo de socialização e neste
caso é interessante voltar ao pensamento de Richard Courtney (2003): ”Sendo uma
atividade social, o teatro está intrinsecamente ligado às origens da própria sociedade
[...] é pela personificação e identificação que o homem, em toda a história,
relacionou-se com os outros” (COURTNEY, 2003, p.135).
Portanto, o teatro, nessa perspectiva, pode ser pensado como um “espelho”
da sociedade da qual emerge, e na nossa, em que a virtualidade abre as portas
ciberespaço, quem sabe tenha em seu caráter presencial a mais radical de suas
características no contexto social e cultural atual.
101
Cada tempo tem a cultura que merece. O nosso, que é o tempo dos meios
de comunicação, e que parece, graças ao automóvel, ao avião, ao telefone,
e à rádio, à televisão, ter suprimido a distancia entre o homem e o homem,
nada fez para conseguir a única verdadeira aproximação do diálogo
autêntico. E semelhantemente, a nossa época, em que se vê afirmar-se,
para além da civilização do trabalho, a que se consagra a humanidade
recente, uma civilização dos tempos livres, não parece procurar os tempos
livres senão no escape ao trabalho e na distração de si próprio. Ora a
essência da cultura reconcilia trabalho e tempo livre na confrontação do
homem com o homem, na busca em comum de uma verdade que congrega
a humanidade (GUSDORF, 1970, p.234).
É óbvio que a cultura, DNA de toda sociedade, se articula na necessidade de
cada tempo, como diz Georges Gusdorf, e, partindo deste ponto, é fundamental
pensar a educação num mundo de especializações e fragmentações, que se une e
se distancia numa globalidade midiática, sufocada de ausências e vazias de
presença, pode ser o fiel da balança. E, de certo, que é preciso cultivar outra
humanidade: “Tanto em nossa educação quanto em nosso lazer precisamos cultivar
o homem “total” e nos concentrarmos nas habilidades criativas do ser humano”
(COURTNEY, 2003, p.4).
A humanidade ocidental veio, ao longo do século XX, perdendo a sua
devoção ao cientificismo céptico e, no decorrer das últimas décadas, tem posto em
pauta as carências do “império” das objetividades. Por conseguinte, a educação não
pode se abster de enfrentar o estado das coisas, é na escola que se prepara a
próxima humanidade, é do interior dela que saem os novos personagens sociais. E
são estes personagens que farão as “cenas” da sociedade vindoura.
Então, quando as professoras trazem questões como ...entendo o teatro
como um fazer social (ÁRVORE), faz-se necessário observar que estes agentes são
os que, de uma maneira ou de outra, estão operando mais próximos na emergência
do “homem total” (COURTNEY, 2003). E, nesse sentido, pode ser pensada além do
“processo educacional (uma filosofia), [...] de ajudar o desenvolvimento individual
(uma psicologia) ou assistir o indivíduo em sua adequação ao meio (uma sociologia)
[...] é o mais efetivo método para todas as formas de educação” (COURTNEY, 2003,
p.278).
102
Uma educação pensada nesses termos pode parecer utópica, mas também
pode estar mais próximo do que pensamos, poder-se-ia dizer, inclusive, em Pelotas,
mas a modéstia com que se apresenta aos “olhos” curriculares, através do teatro na
categoria de atividades extra-classes ou complementares, acaba por esconder muito
de sua dimensão.
Sob a roupagem discreta de palavras simples, essas professoras vêm
relatando alguns dos muitos passos em direção a uma jornada que se amplia a cada
dia, na cidade de Pelotas. Independente de todas as idas e vindas do movimento
cultural, o ensino de teatro na escola vem, dessa maneira, se tornando mais visível.
Paulatinamente, vem conquistando espaço e ganhando entusiastas no palco
invisível que se torna visível nas narrativas destas professoras.
103
9. ÚLTIMAS NOTAS SOBRE O PALCO INVISÍVEL
Quando iniciava minhas primeiras incursões na busca dos matriciamentos,
inspirado por Peres (1999, 2002 e 2004), que tecem a formação dos educadores da
cena teatral das escolas pelotenses, trazia comigo algumas suspeitas, muitas
dúvidas e algumas fantasias...
No decorrer desta jornada, inúmeras foram as surpresas que se
descortinaram no Palco Invisível, através das narrativas das professoras, e todas
elas revelando este saber-fazer que é o ensino de teatro nas escolas da cidade.
Num primeiro momento, entendia esta docência numa perspectiva do
autodidatismo, mas considerando que “no domínio da cultura nunca houve
autodidactas, porque ninguém aprende nada sozinho; mesmo o mais isolado
beneficia das investigações e conquistas anteriores da cultura humana” (GUSDORF,
1970, p. 16) e, em seguida, ao entrar em contato com as narrativas das professoras
aqui pesquisadas, fez-se necessário reconsiderar toda a abordagem, inicialmente,
enfocada.
Esta, quiçá tenha sido a primeira surpresa, os sujeitos de pesquisa traziam
em seus trajetos, mestres, influências e embasamentos que colocaram em xeque
toda e qualquer abordagem que não entendesse a jornada destas professoras,
como um amplo e complexo processo de formação.
Esta formação evidencia-se nos detalhes que compõem o corpo de cada
narrativa... Todas tiveram espaços de formação, que, de uma maneira ou outra,
sistematizaram os saberes que viriam a incorporar o repertório e a docência das
professoras.
104
Portanto, a própria demanda deu conta de redirecionar a abordagem e
ampliar o olhar. Surge, então, uma busca que vai orientar-se por entender esses
professores como educadores em formação, refletindo sobre seus saberes e
considerando as particularidades pertinentes a cada um.
Por esse viés, foi possível identificar algumas questões extremamente
importantes para a reflexão sobre o ensino de teatro na escola, como o devaneio.
Questões que, hoje, já fazem parte do debate acerca da educação, e que são,
segundo as professoras, princípios possíveis pela via do teatro.
As falas também revelaram outras marcas desse saber como a paixão, a
necessidade, o gosto e uma misteriosa “coisa”, todas elas foram desnudando os
véus que encobriam a jornada. E todas elas conduziram à infância. A infância como
grande núcleo de sentido que matriciou o trajeto destas professoras. Ela aparece
como ponto chave para entender a formação delas, é nela que se deu o primeiro
contato com teatro, ou artes cênicas (o balé no caso da bailarina).
Também, foi nela que surgiram as oportunidades de experimentar o teatro na
escola; nela surge a figura do mestre condutor (na figura da professora de Balé
Dicléia Ferreira de Souza) que acaba por influenciar, sobremaneira, a Bailarina.
Já as brincadeiras, nas outras narrativas, foram as que propiciaram trabalhar
a “imaginação criativa” da Árvore e da Dama das Camélias, como brincar de
teatrinho ou vivenciar “personagens” na frente do espelho. E, neste sentido, “a
infância está na origem das maiores paisagens” (BACHELARD, 2001, p.97), foi
nestas paisagens da memória que tive o prazer de debruçar-me, e das palavras se
fizeram imagens e que agora se faz escrita.
Mais que datações, o que emergiu das narrativas foram imagens plenas de
significados, mais ou menos explícitas, mas todas de forte conteúdo subjetivo. Ricas
em detalhes, potentes em conteúdo e fundamentais para compreender a dimensão
deste período de vida, no processo de formação das educadoras em questão.
105
Neste sentido, a infância representa o maior núcleo potencializador no
contexto das narrativas e pode-se inferir que está, intimamente, ligada à docência
que, hoje, elas exercem, uma jornada impulsionada por registros “vivos”. Nas
narrativas, uma sucessão de imagens explicita um movimento não linear e, ainda,
evidencia um “pensamento em espiral, marcado por singularidades, um processo
relacional entre o vivido no seu amplo espectro” (Peres, 2002, CD ROM).
O teatro, como linguagem, como arte e, também como brincadeira, aparece
em todas as narrativas, e, nesse sentido, “arte e brinquedo não são meios para fins
mais importantes, mas horizontes utópicos em que se inspira toda a canseira do
trabalho, suspiro da criatura oprimida que desejaria ser transformada em brinquedo
e em beleza” (RUBEM ALVES, 1995, p.154).
O teatro, na escola, aporta inúmeras contribuições para a educação, algumas
delas se fizeram presentes na fala das educadoras.
A alegria e o prazer na educação são questões que suscitam algum
desconforto, quando se pensa nos conteúdos a vencer, e a natureza impositiva dos
currículos: “fazer com que as crianças se esqueçam do desejo de prazer que mora
nos seus corpos selvagens, para transformá-las em patos domesticados, que
bamboleiam ao ritmo da utilidade social” (RUBEM ALVES, 1995, p. 152).
Para a Árvore, o teatro é o que melhor trabalha a questão do prazer e, para
a Dama das Camélias, o teatro dá alegria. São duas afirmações contundentes,
assim como a Bela Adormecida, ao colocar em pauta a corporeidade, elas esboçam
bastante convicção daquilo que falam e, ao que parece, estão sustentadas por suas
práticas docentes.
Ao longo desta dissertação de mestrado, venho levantando aqueles núcleos
de sentido de uma prática, que vêm se desenvolvendo à margem da consciência
escolar e, muitas vezes, não é compreendida em sua extensão, enquanto linguagem
e prática pedagógica.
106
O exercício de uma docência marginal, não as impossibilitou de trabalhar
com uma consciência de um viés que considera a complexidade da vida. Suas
práticas, ao contrário, têm acessado vias para uma corporeidade aprendente, e
instaurado um espaço para o escutar, como caminho, para um processo relacional
que respeite o outro em sua fala. Que dá voz e vez ao outro.
Nestes últimos parágrafos, ficam as impressões colhidas nas memórias e
saberes das professoras, e estas impressões traduzem-se em imagens destas
“personagens” do palco invisível. A Dama das Camélias em sua fala: “o teatro pode,
a fantasia pode”; uma Bela Adormecida “desperta a procurar Belas Adormecidas”;
uma Bailarina, cuja “dança descortina um cenário de cultura”; e uma Árvore cuja
sombra abriga o prazer da “ausência do erro”.
Uma grande sintonia com muitas das atuais concepções sobre o ensino de
teatro na escola, mostrou educadores em consonância com alguns dos princípios
primordiais deste fazer. As questões, aqui apresentadas pelas professoras, não só
contribuem para iluminar uma cena da educação na cidade, mas, também me
oportunizou um retorno a minha infância, onde me descobri nas brincadeiras de
criança, e nas novas cores com que pintei a minha história.
Pesquisá-las foi mais do que estudá-las, foi, antes de tudo, um encontro para
a reflexão, sob a luz do imaginário. Muitas são as perguntas possíveis que aqui não
foram colocadas à luz desta cena, mas a evidência de que as oportunidades que a
infância propicia ecoam como um matriciamento basilar; palco da cena inicial de
todas as “personagens” desta educação que está invisível aos olhos do currículo
das escolas da cidade de Pelotas.
As professoras escolhidas para esta “apresentação” das cenas do palco
invisível, representam uma parte do grande elenco de educadoras que fazem o
desenrolar da trama do ensino de teatro na escola, e que, certamente, merecem
consideração a ponto de sustentar a urgência de pensar-se, efetivamente, (em
Pelotas) em termos de universidade. Um espaço acadêmico para onde possa
convergir esta e as próximas gerações, onde semelhantes possam compartilhar uma
107
formação e que, cada vez mais, sejam reconhecidos em suas atuações, no cenário
da educação.
Para findar, criei um texto único, uma ficção, com falas das quatro
personagens que creio ser o melhor epílogo para a reflexão sobre esta realidade:
O teatro pode! A fantasia pode! Ele é rico, é maravilhoso
porque ele está no mundo da arte e a arte lida com todas essas
áreas, com a história, com a geografia, com a matemática, com as
ciências, com tudo. Na realidade, a gente começou fazendo de
tudo um pouco, aprendendo e errando e a coisa foi crescendo.
Teatro é à parte que tu interage, que tu cria um processo de
socialização, que tu trabalha a expressão, que tu trabalha todas
áreas possíveis e imagináveis da vida da gente...
Com este texto, se faz o momento da despedida das memórias, e ”olhares”
da Dama das Camélias, da Bela Adormecida, da Bailarina e da Árvore. Nas palavras
destas personagens/protagonistas se faz, enfim, visível o Palco Invisível. Seus
trajetos deixam as conversas informais que, antes, abrigavam suas experiências e
passam a constituir uma importante contribuição para melhor entender o ensino de
teatro na escola, e, assim, poder considerar esta linguagem, numa perspectiva da
educação, na cidade de Pelotas.
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