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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO
MÃOS REGENDO SONS, FORMANDO VIDAS:
O Exercício da Educação Musical do Professor e Maestro Norberto
Nogueira Soares em Pelotas (1940 -1970).
JUSSANETE DA COSTA VARGAS
Pelotas, 2006
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JUSSANETE DA COSTA VARGAS
MÃOS REGENDO SONS, FORMANDO VIDAS:
O Exercício da Educação Musical do Professor e Maestro Norberto
Nogueira Soares em Pelotas (1940 -1970).
Dissertação apresentada no Programa de
Pós Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito para obtenção do título de Mestre
em Educação
Orientador: Professor Elomar A. Callegaro Tâmbara
Pelotas, 2006
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BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr.Elomar Antonio Callegaro Tâmbara (FaE/UFPel) Orientador
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Universidade Federal de Pelotas
__________________________________________
Profª. Drª. Giana Lange do Amaral (FaE/UFPel)
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Universidade Federal de Pelotas
__________________________________________
Prof. Dr.Gomercindo Ghiggi (FaE/UFPel)
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Universidade Federal de Pelotas
___________________________________________
Profª. Drª.Isabel Porto Nogueira
Instituto de Artes e Design (DAC/UFPel)
Universidade Federal de Pelotas
2
AGRADECIMENTO
Agradeço!
À oportunidade,
Às dificuldades,
À compreensão, à mão.
Ao sorriso, ao abraço,
Ao sim e ao não.
Às portas, aos caminhos,
Às flores...
Um agradecer sem nome,
Porque são tantos e todos,
De agora e sempre,
Que nem sempre se vê...
E tanto deixei de dizer!
Mas, se, para Victor Hugo,
A vida é uma frase interrompida, então,
Uma palavra pode ser:
A missão cumprida da vida.
Obrigada!
3
RESUMO
Apresenta-se um estudo sobre a vida do professor e maestro Norberto Nogueira
Soares. Situa-se a pesquisa em Pelotas, especificamente na Sociedade Musical
União Democrata e no Lar de Meninos do Exército da Salvação, locais onde
Norberto Soares atuou como maestro e professor de música. Delimita-se a pesquisa
às décadas de 1940 a 1970, pelos seguintes fatores: 1940 fundação do Lar de
Meninos em Pelotas; 1977 morte de Norberto Soares. Nesse período, também, a
música esteve dentro do currículo escolar brasileiro como matéria obrigatória,
chamada de Canto Orfeônico. Através da vida do professor, analisa-se a relação da
música com a disciplina e essa influência na vida de seus alunos. Teoricamente, a
relação música/disciplina é embasada por alguns conceitos de Foucault, no tangente
ao domínio dos corpos e espaços, e por Makarenko, na educação coletiva.
Palavras-Chave: Música. Disciplina. História da Educação.
ABSTRACT
This is a study about the life of the teacher and conductor Norberto Nogueira Soares.
The research is situated in Pelotas, specifically at the Sociedade Musical União
Democrata and at the Home of childrem of The Salvation Army, where Norberto
Soares acted as music teacher and conductor. The research is situated between
1940 and 1970 - At 1940 the foundation of the Home of childrem of The Salvation
Army - Norberto Soares death at 1977. During this period, music belong to the
brasilian scholar curriculum, and was called Orpheonic Singing. Through the
teacher’s life we analyse the relation between music and discipline, and the influence
it had on his students life. Theoretically the relation music/discipline is based on
certain concepts of Foucault, concerning the dominium of bodys and spaces, and
also by Makarenko, on the collective education.
Key words: Music. Discipline. History of Education.
4
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 5
1 A MÚSICA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 19
1.1 O CANTO ORFEÔNICO 24
1.2 AS BANDAS DE MÚSICA 26
1.2.1 As Bandas de Música no Brasil 27
1.2.1.1 Os Sons das Bandas 29
1.2.1.2 O Visual das Bandas 33
1.3 AS BATUTAS QUE REGERAM O ENSINO MUSICAL 38
1.3.1 O Projeto Musical 38
1.3.2 O Projeto Político 44
2 DESCOBRINDO UM PROFESSOR 48
2.1 IDENTIDADE 49
2.2 COMPOSITOR E ARRANJADOR 51
3.3 O RECONHECIMENTO 56
2.4 O PROFESSOR 57
2.4.1 O Método 59
2.4.1.1 A Teoria Musical 60
2.4.1.2 O Instrumento Musical 64
2.4.2 A Disciplina do Professor 68
2.4.2.1 Um Olhar mais Próximo 72
2.4.2.2 A Disciplina do Comando 79
3 LUGARES VIVÊNCIAS 86
3.1 A SOCIEDADE MUSICAL UNIÃO DEMOCRATA 88
3.1.1 A Banda da SMUD 92
3.1.1.1 Os regulamentos da Banda 96
3.1.1.2 O Repertório da Banda 98
3.1.2 O Curso Elementar de Música 99
3.1.2.1 A Profissionalização 99
3.1.3 A Disciplina na SMUD 104
3.2 O LAR DE MENINOS 107
3.2.1 A Ação do Exército da Salvação no Brasil 108
3.2.2 A Educação Profissionalizante do Lar de Meninos 110
3.2.3 O Ensino Musical 117
3.2.4 Um Aprendizado para a Vida 126
CONCLUSÃO 135
OBRAS CONSULTADAS 145
5
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa se fundamenta em um estudo de caso que tem a história do
músico, compositor, professor e maestro Norberto Nogueira Soares como núcleo
central, de onde e para onde convergem análises para evidenciar a relação entre
música e disciplina. Empiricamente, a partir dessa relação, analisam-se algumas
relações e influências nas vidas de seus alunos.
Situa-se a pesquisa em Pelotas, especificamente na Sociedade Musical União
Democrata e no Lar de Meninos do Exército da Salvação, locais onde Norberto
Soares difundiu seus conhecimentos para a formação de músicos de bandas. Faz-
se um recorte temporal que abrange as décadas de 1940, 50, 60 e 70, limitado pelos
seguintes fatores: 1940 - fundação do Lar de Meninos em Pelotas; 1977 - morte de
Norberto Soares. Nesse período, também, a música esteve dentro do currículo
escolar brasileiro como matéria obrigatória que levou o nome de Canto Orfeônico.
Trabalhando-se com a hipótese de que a relação música/disciplina influenciou
a vida dos alunos de Norberto Nogueira Soares, objetiva-se, também, apontar para a
relevância do trabalho do professor de música e da música na História da educação.
Princípios construtivos e organizacionais
Seguem-se alguns princípios para a construção da pesquisa, os quais
começam pelas fontes. O processo organizacional começou pela busca,
identificação, separação e aproximação de cada fonte. Para se conseguir acesso
aos documentos que embasariam a pesquisa, um primeiro contato foi feito com o
único filho do maestro Norberto Soares, Guilherme Eduardo Coitinho Soares, que se
tornou um grande colaborador deste trabalho, disponibilizando todo o material que
se encontrava em sua casa e outros a que ele teve acesso. Através de Guilherme
Soares, foram, também, feitos contatos com ex-alunos, com as instituições onde
Norberto Soares trabalhou e com colegas de música que trabalharam ou conviveram
com o professor.
6
Dentre as fontes que se dispõem, encontram-se os impressos, que se
constituem em elementos fundamentais, segundo Amaral (2001, p.47), na leitura das
manifestações contemporâneas aos acontecimentos.
Os impressos utilizados foram: o Jornal Diário Popular, o Jornal Diário da
Manhã, o Jornal Tribuna do Sul, as revistas Brado de Guerra e Graça (do Exército
da Salvação), a Revista Weril (musical), os periódicos Gazeta Musical (da Sociedade
Musical União Democrata) e Pelotas Memória (do poeta e historiador Nelson Nobre
Magalhães).
Para Amaral (2001),
o impresso não é neutro e imparcial diante dos acontecimentos,
informações e concepções, [ ] no entanto, ao materializar aspectos
ideológicos que conferem a identidade de determinados grupos
sociais, o impresso utilizado como fonte de pesquisa pode
desencadear novas idéias que ampliam o sentido dos fatos estudados
(Amaral, 2001, p. 48).
Para entrecruzar os dados documentais, buscaram-se as fontes dentro das
próprias instituições. Assim, conta-se com registro dos Estatutos da Sociedade
Musical União Democrata, Estatutos da Assistência e Promoção Social do Exército
da Salvação (APROSES), alguns relatórios de atividades anuais do Lar de Meninos
chamados fichas de informações (preenchidas ao Ministério da Educação e Cultura
pelo Lar de Meninos).
Conta-se com bibliografias sobre as instituições, como as dos autores Collier
(2003) e Eliasen (1996), que narram a história do Exército da Salvação e seus
fundadores. Leon (1994) e Rosa Jr. (2000) abordam a história da Sociedade Musical
União Democrata.
Do material didático utilizado à época, foram encontrados um caderno de
música de um ex-aluno de Norberto Soares na SMUD e um livro de hinos do
Exército da Salvação, o The Salvation Army Brass Band, com escritos musicais para
banda de metal. O principal material didático utilizado pelo professor Norberto
Soares nas duas instituições, segundo seus ex-alunos, o método Bona, é utilizado
7
até hoje no ensino musical e é adotado, principalmente, para enfocar a dinâmica de
solfejo.
Outra fonte utilizada neste trabalho, que se registra com um olhar específico,
é a fotografia.
As fotografias utilizadas, em sua maioria, são relacionadas ao professor
Norberto Soares, às instituições onde ele trabalhou e aos seus alunos.
Eventualmente, quando a proposta de retratar determinados fatos exigiu outras
fontes que não se pôde encontrar nesse círculo de ação, buscaram-se essas
informações em outras localidades, para se manter um caráter imparcial diante das
instituições locais que trabalharam com bandas.
Nesse contexto, na maioria das vezes em que é utilizada, a fotografia
apresenta-se com uma intencionalidade: visualizar a disciplina.
Existindo uma pré-intencionalidade, talvez ela deixe de ser o objeto real
retratado pela sua possível primeira intenção, pois, da produção da fotografia até a
sua utilização como símbolo de organização humana, vários significados poderão
ser traçados.
Ao lidar com a leitura da fotografia temos, pois, de trabalhar conjuntamente
com operações da mente humana e objetos, ações e figuras do mundo
exterior. O significado de uma comunicação não-verbal de comportamento
expressivo pode ser revelado pela relação entre padrões observáveis do
mundo exterior e de padrões não observáveis da mente do observador
(LEITE, 1993, p.158).
Numa última etapa, recorre-se à história oral, de onde se julga possam surgir
os nculos, os complementos dessa história que não se fez sozinha, mas com uma
evidente participação de pessoas que se relacionaram com o professor Norberto
Soares, com as instituições, com a música e com o contexto histórico.
Thompson (1992, p. 25-6) compreende a realidade como complexa e
multifacetada. Para o autor, um mérito principal da história oral é que, em muito
maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade
original de pontos de vista.
Para isso, buscou-se construir uma interpretação dos relatos orais, partindo
do agrupamento de temas comuns, para organizar a história que se propôs analisar.
8
A realização das entrevistas se efetivou quando praticamente todas as outras
fontes haviam sido encontradas e avaliadas. Na verdade, antes de coletar as
entrevistas, alguns contatos orais e informais já vinham se confirmando. Esses
encontros ajudaram a formar uma visão do que se pretendia abordar. Thompson
(1992, p. 255) salienta que, quanto mais se sabe, mais provável é que se obtenham
informações históricas importantes de uma entrevista.
Para buscar essas informações, optou-se por entrevistas mais livres,
deixando fluir a oralidade através da memória dos entrevistados. Claro que, em
posse de informações registradas, houve certa orientação em torno das
abordagens, mas nunca podando a espontaneidade e a necessidade de exposição
dos fatos que os entrevistados julgavam importantes para eles. Mesmo que no
momento um fato parecesse não interessar, através dele se conseguiu entender
outros tantos fatos.
Muitas vezes se pretendia esclarecer sobre os métodos do professor, ou a
disciplina nesse ou naquele instante, e o entrevistado falava de suas próprias
experiências, deixando de lado a expectativa do entrevistador, que ouvia e tentava,
de forma casual, mas absolutamente consciente, retomar os aspectos que pretendia
encontrar. Outras vezes, os entrevistados traziam em seus relatos absolutamente
tudo o que se pretendia ouvir e mais um pouco.
As entrevistas iniciavam com a identificação do entrevistado, abordando-se
dados como: nome, profissão, instrumento musical que tocava, etc. Após essa
identificação, geralmente se iniciava a conversa em torno da instituição. Utilizaram-
se perguntas como: com que idade foste estudar em tal instituição? E, a partir daí,
seguiram as histórias.
Procurou-se interpretar as informações trazendo-as para o contexto, de forma
fragmentada. Essa fragmentação foi utilizada ora em uma única frase ou palavra,
ora em uma citação mais ampla. Entende-se que, às vezes, ao tentar interpretar
uma narrativa de forma compacta, pode-se excluir dados que somente a sua
plenitude poderia expor. Utilizou-se, então, em alguns momentos, a narrativa tal e
qual foi descrita, conservando-se a verdade, conforme o entendimento de quem a
vivenciou.
Essa verdade trazida pela memória foi sendo interpretada e comparada a
outras verdades expostas por outras fontes. Nesse sentido, Thompson informa que:
9
É possível encontrar-se uma pequena minoria de informantes portadores de
uma memória cuja riqueza e coerência são absolutamente excepcionais. Por
ela ser tão ampla, a precisão desse tipo de memória é mais fácil de ser
confirmada a partir de outras fontes (THOMPSON, 1992, p. 306).
A utilização da memória se constitui um elo importante para aproximar as
fontes, para abrir novas perspectivas de estudo, e, para Amaral (2001, p. 43), na
memória percepções e sentimentos de quem viveu a história que escapam aos
arquivos e fontes escritas.
Verifica-se que os sentimentos fluentes nas narrativas orais recriam, em sua
maioria, a influência da música na vida dos alunos de Norberto Soares.
Para facilitar a utilização, o manuseio e a interpretação, as entrevistas dos ex-
alunos de Norberto Soares foram separadas por instituição, sendo coletados sete
depoimentos de ex-alunos da SMUD e cinco de ex-alunos do Lar de Meninos.
Dentre os alunos da SMUD, encontram-se dois que fizeram parte da Orquestra
Infanto-Juvenil da Prefeitura de Pelotas, a qual funcionou, no período estudado,
dentro da sede da SMUD. Ainda, conta-se com depoimentos do historiador e poeta
Nelson Nobre Magalhães, do maestro da Banda do CEFET /Pelotas, Sargento Luz e
de Guilherme Eduardo Coitinho Soares, ex-aluno da SMUD e filho de Norberto
Nogueira Soares.
A história oral é utilizada aliada às fontes, contribuindo, assim, para a
construção da história que se refaz, dentro de visões e abordagens históricas e
teóricas específicas, revisando a relação da música com a disciplina e essa
influência na vida dos alunos de Norberto Nogueira Soares.
Para se analisar a relação da música com a disciplina e suas influências,
traçam-se círculos de informações dentro de contextos históricos que abordam: a
trajetória da música na História da Educação; a história do professor Norberto
Nogueira Soares; e as histórias da Sociedade Musical União Democrata (SMUD) e
do Lar de Meninos do Exército da Salvação, organizados em três capítulos.
A primeira análise se faz dentro do contexto histórico da música. Em sua
definição mais freqüente, nas obras e no material didático consultados, a música se
apresenta como a arte de expressar os sentimentos através do som, e a disciplina,
10
em sua sinonímia, de acordo com Bueno (1996, p. 215), corresponde à ordem, ao
respeito, à obediência às leis, como instrumento de penitência.
A partir de pontos aparentemente antagônicos que falam de sentimento e
ordem, analisam-se as tangências dessa relação, as possibilidades de encontros e
confrontos, de dominação e libertação pelo ensino musical.
Relativamente à música, revendo a sua trajetória histórica, verifica-se a sua
utilização como meio para obter o domínio ou influenciar pensamentos e atitudes
vinculados ao poder. Analisa-se a utilização da música pelos agentes dominantes,
pelo seu lado organizacional - no canto em conjunto e nas bandas de música -
eleitos como agentes propagadores da disciplina, através do domínio do corpo e, a
posteriori, das mentes.
Busca-se compreender por que a música foi eleita para desempenhar o papel
disciplinador. Entende-se que, na maioria dos casos, entre ser eleita e ser aceita,
existe certa distância, porém, com a música, a eleição e a aceitação são
praticamente simultâneas. Por um lado, existe um reconhecimento consciente da
atuação da música, das suas possibilidades dominadoras pelos seus agentes
manipuladores. De outro, existe um ímpeto de indisciplina decorrente do prazer que
a música promove pelo seu lado compassivo, que emociona, aflora a criatividade,
promove diálogos, humaniza, liberta e fascina os seus receptores.
Pode-se argumentar que a música disciplina e domina, por isso, ao longo da
história, tem sido eleita como um dos instrumentos de coesão e coerção através de
estratégias que fomentam a sua utilização.
Também, a música indisciplina e liberta, e por isso é aceita. A exposição
crítica é a forma que a arte tem para rebelar-se contra as imposições, surge como
anseio de liberdade e busca da transformação.
Dentro do contexto histórico, o primeiro capítulo aborda tópicos que se julgam
importantes para a análise local. Conta-se com revisões bibliográficas, dentre os
quais se podem citar, entre outros, os seguintes autores, com suas respectivas
utilizações: Grout e Palisca (1990), Marilena Chauí (1997), Schurmann (1990) e
Tinhorão (1991). A partir deles, projeta-se uma visão mais ampla da história da
música.
As informações encontradas no livro de Solfejos de Villa-Lobos (1940), nas
edições Pró-Memória Museu Villa-Lobos (1980 e 1982) e no trabalho de Ermelinda
11
Paz (1989) abordam sobre o programa cívico-artístico no Governo de Vargas. A
partir desse programa, analisa-se a função e os objetivos atribuídos a essa arte
dentro da educação brasileira, explanados no Canto Orfeônico e nas Bandas de
Música.
Especificamente sobre Bandas de Música, tanto para a construção do
histórico, quanto para abordar a disciplina, utilizam-se bibliografias como: Dantas
(1988), Tiisel (1978), Sacco (s/d), além de apostilas do Ministério do Exército,
registros sobre Associações e Confederações de Bandas e Fanfarras e informações
do Noticiário do Exército.
Cartolano (1968), Storti (1987), Siqueira (1953), Ribeiro (1979) e Zander
(1979) contribuem para a explanação de assuntos referentes à regência e à
disciplina do ensino musical. os autores Squeff e Wisnik (1983) e Contier (1978)
favorecem as diversas interpretações do ensino musical relacionadas à política.
Busca-se, nesse capítulo, entender como e por que a música se inseriu no
contexto educacional, qual era o maior interesse em sua utilização e qual era o
papel das bandas.
Expondo-se a trajetória da música na educação, analisa-se, no segundo
capítulo, a trajetória do professor de sica Norberto Nogueira Soares. Constrói-se
essa etapa com as diversas informações encontradas, principalmente nos impressos
e nos depoimentos. Utilizam-se, também, registros da Prefeitura de Pelotas, onde
Norberto Soares atuou como professor de música e maestro.
Relata-se a história do professor a partir da explanação da vida e formação do
homem Norberto Soares, pois, para Nóvoa (1992, p. 17), é impossível separar o “eu
profissional” do “eu pessoal”.
Afina-se com o estudo sobre a pessoa do professor e se concorda com o
autor ao afirmar que o pessoal insere-se no profissional e vice-e-versa. Entende-se
que um professor não desfaz a sua bagagem, a sua formação como homem quando
entra no espaço aula, tampouco veste ou retira uma capa quando sai desse espaço.
O professor não volta ao mundo quando deixa de atuar profissionalmente; ele está
no mundo.
Assim, traça-se a biografia do professor Norberto Soares como homem que
se construiu pelas suas vivências, pois, para Pierre Dominicè (1990, p. 167) apud
12
Nóvoa (1992, p. 24), a vida é o lugar da educação, e a história de vida, o terreno no
qual se constrói a formação.
Para se delinear a figura do professor, analisando sua postura diante dos
métodos adotados, insere-se, neste estudo, uma análise da função de regente. As
atitudes de um regente são descritas como são encontradas nas bibliografias da
área, enfocando-se alguns aspectos que se tornam relevantes para a compreensão
da disciplina do professor.
O segundo capítulo reforça os procedimentos disciplinares do estudo/ensino
musical em análises que complementam a análise dos métodos utilizados por
Norberto Soares, que se completam ou se compõem na própria história do
professor.
Segue-se à investigação do ensino musical, deslocando-se o estudo para as
instituições onde o professor Norberto Soares ensinou música.
Norberto Nogueira Soares construiu uma rica história dentro do ensino
musical pelotense, que merece ser resgatada, principalmente, devido à sua
dedicação aos desfavorecidos economicamente.
Sem ofuscar o mérito da atuação desse professor nas outras instituições e
sem desprezar a riqueza histórica que se poderia apurar, elegeu-se para análise o
trabalho desse professor desenvolvido na Sociedade Musical União Democrata e
no Lar de Meninos do Exército da Salvação. Alguns fatores são responsáveis por
esta escolha. Ainda no projeto, a intenção era analisar a atuação do professor
Norberto Soares apenas dentro do Lar de Meninos, porque, em se tratando de
música e disciplina, essa instituição traria dados suficientes para as análises que
se pretendiam. Porém, quando se partiu para as entrevistas, o número de ex-
alunos de Norberto Soares encontrados não pareceu, no momento, suficiente
para revelar e comprovar histórias e situações às quais a pesquisa se propunha.
Diante de um primeiro impacto de decepção, por uma abalada estrutural, partiu-
se para a junção das instituições, no intuito primeiro de, na SMUD, encontrar-se
um número maior de ex-alunos de Norberto Soares. A partir desse momento, com
uma nova estruturação, outros aspectos começaram a ser desvelados, e surgiram
outras conecções para esse estudo. Grandiosa foi a oportunidade de trabalhar
com duas instituições tão ricas em suas histórias e de tanta importância na
educação, não musical, de Pelotas. Essa junção proporcionou, também,
13
análises comparativas entre os métodos utilizados por Norberto Soares, além de
enfocar a importância da educação musical nas vidas de seus alunos. O ensino
musical e o professor Norberto Soares foram os elos entre as duas instituições, e,
a partir deles, histórias de vida e relações com as instiuições foram sendo
desveladas. Ao se enfocarem essas relações, atenta-se para o fato de que os
alunos da SMUD existiam, ou seja, tinham outras atividades e vivências fora da
instituição, e os alunos do Lar de Meninos, em sua maioria, tinham essa
instituição como o seu habitat, seu único mundo formador.
Para relatar a história da SMUD e do Lar de Meninos, analisando as
características que cada uma apresentava na época estudada, segundo Werle
(2002), é necessária a reconstrução da gênese, o retorno aos princípios e ideais dos
fundadores. Faz-se necessário revisar os ideais e valores que, conforme Brunet
(1988) apud Nóvoa (1995), são produzidos por uma cultura interna que lhes é
própria. A relevância dessa abordagem está no fato de que um ato, um feito, uma
história não se traduzem sozinhos, não se formam do nada. As relações estão
interligadas, e, dentro dos contextos distintos de cada instituição, revela-se a relação
da música com a disciplina e a importância da educação musical na vida dos alunos
do professor Norberto Nogueira Soares.
O Embasamento Teórico sobre a Relação Música/Disciplina
Segundo Foucault (1979), deve-se remeter a um estudo ascendente para se
entenderem as ramificações do poder, a sua utilização por diversos mecanismos. É
necessária uma investigação de toda uma trajetória percorrida pela música, de sua
utilização, para que se possa relacioná-la à disciplina. Inversamente, relata-se a
trajetória da disciplina em relação à música.
Da mesma forma, os autores que embasam teoricamente esse estudo foram
investigados para que pudessem ser utilizados.
Compreende-se a utilização dos conceitos de Foucault em se tratando de
disciplina, mas como relacioná-los à música? Dentro da interpretação que se faz,
analisa-se a relação música/disciplina a partir dos conceitos relativos ao domínio dos
corpos, da técnica, dos exercícios, das regras. Compreende-se que, com esses
conceitos, Foucault pode embasar essa relação. O próprio autor (1979) avaliza a
14
utilização de seus conceitos em outras ramificações, em outros estudos, pois, para
ele, o poder circula. Foucault (p.155) reitera: Se forem obrigados a recorrer a outros
ou a transformar os meus instrumentos, mostrem-me, porque também poderei lucrar
com isso.
Embora a disciplina seja inerente à música em seu estudo e execução, essa
relação não se torna tão evidente aos que se propõem apenas ao deleite auditivo da
sonora arte, por isso revela-se essa relação na visão foucaultiana, que tange ao
domínio dos corpos e espaços. Insere-se o estudo da disciplina também em
algumas ramificações expostas por Foucault, como gêneses dos indivíduos, das
instituições, de concepções políticas, capitais, governamentais e educacionais.
Com o pedagogo Makarenko, buscaram-se conceitos disciplinares utilizados
diretamente na educação. Mais forte fica essa ligação quando se fala de educação
para o futuro, educação em uma instituição para meninos desvalidos, educação
coletiva e que utiliza a música.
Segundo Capriles (1989), Makarenko foi convidado para dirigir, como
docente, a colônia Górki em Kharkov, recebendo como educandos meninos
desajustados socialmente, delinqüentes infanto-juvenis que puseram à prova suas
teorias sobre o desenvolvimento de uma nova pedagogia, sustentada pelo coletivo,
disciplina, responsabilidade e pela solidariedade. As atribuições definidas e
construídas no coletivo são para Ghiggi:
A tônica constante das experiências de Makarenko com crianças
marginalizadas, cuja dignidade e respeito haviam-lhe sido negados pela
sociedade, tendo a disciplina alcançado a relação e a responsabilidade para
com o outro e com a sociedade em geral, ao mesmo tempo que o indivíduo,
sentindo-se importante, útil e necessário ao outro e à sociedade, realiza-se,
forma-se verdadeiro cidadão, compromissado com os destinos e a felicidade
de todos os homens (GHIGGI, 1992, p.30).
O árduo, mas gratificante trabalho de Makarenko foi se consolidando com o
sucesso de suas decisões e o apoio das autoridades e sociedade. Makarenko (1980,
p. 158) enfoca que educar o homem é formar nele as perspectivas segundo as quais
se ordenará a sua satisfação do amanhã.
15
A satisfação, segundo o autor, poderá ser alcançada através da projeção
educacional com a preparação dos alunos para o trabalho, no que refletem,
historicamente, as concepções político-educacionais.
E na música?
Na música, Makarenko pode ser utilizado com segurança, pois o autor (1982,
p. 4) tocava violino e outros instrumentos musicais e utilizava seus conhecimentos
para atrair os meninos para as atividades que lhes fossem interessantes. A música
foi adotada por Makarenko como exemplo e recomendada como atividade
fundamental na formação do coletivo.
Dentro de visões e conceitos teóricos, em uma construção evolutiva, enfoca-
se a utilização da música na educação. Entende-se que, para se deter em uma
análise local, faz-se necessária uma abordagem mais ampla dessa relação.
Nesse sentido, revisam-se, com uma pré-intencionalidade, aspectos que
relacionam a música à educação e à religião. Chauí (1997) reforça essa análise
quando se refere à religião, juntamente com o trabalho, como formas de
sociabilidade, como mbolos de organização humana. Reitera a autoridade da
religião como orientadora do espaço e do tempo, do corpo e do espírito, enfatizada
pelas técnicas.
Referindo-se à disciplina como controle do tempo ligado à salvação, Foucault
(1987, p. 137) analisa a trajetória do exercício sob sua forma mística ou ascética,
como uma maneira de ordenar o tempo aqui de baixo para a conquista da salvação.
Esse sentido vai se transformando com o tempo. O exercício passa a servir para
economizar o tempo da vida, para acumulá-lo de uma maneira útil e para exercer o
poder sobre os homens.
Essa visão é abordada por Foucault na operação disciplinar do Exército, que
aprimora táticas que permitem desenvolver uma prática calculada das localizações
individuais e coletivas (p. 138-9). O corpo passa a ser considerado como peça de
uma máquina multissegmentar. Nesse enfoque, a disciplina é definida (p. 118) como
métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam
a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade. Foucault revela que a religião é a propulsora da disciplina adotada pelo
Exército e pela Educação.
Remete-se um olhar específico sobre a utilização da sica como forma ou
meio de controle, e, sempre que se conotar uma abordagem da disciplina
16
relacionada à religião e às organizações militares, estarão se referenciando esses
conceitos teóricos.
Investigando-se a relação sica/disciplina, analisam-se os procedimentos
que o próprio estudo musical exige. Essa etapa revela os ensinamentos musicais
dentro de cada instituição, enfocando os currículos adotados para o ensino da teoria
e dos instrumentos.
Fazem-se considerações a respeito da disciplina exigida para o estudo
musical, que, tanto teórico como prático, orienta-se pela técnica. As definições de
técnica, exercícios, sinais, métodos e códigos que regram disciplinarmente o estudo
musical ligam a música à disciplina no que se refere ao domínio dos corpos. Esse
domínio é necessário para se obter um resultado musical satisfatório, em uma
primeira avaliação, mas poderá, também, influenciar no domínio dos corpos para
reger outras operações ou funções dentro da sociedade.
Segue-se a análise dos programas de ensino das duas instituições,
relacionando-os aos conceitos que Foucault apresenta sobre o tempo disciplinar,
que, segundo o autor (1987, p. 135), determina programas que devem desenrolar-se
cada um durante uma determinada fase e que comportam exercícios de dificuldade
crescente, qualificando os indivíduos de acordo com a maneira como percorrem
essas séries.
No estudo das disciplinas nas instituições, revelam-se dados que contribuirão
para desvelar, além dos princípios e das normas de cada instituição, histórias e
relações de vida. Abordam-se aspectos nos quais a música e a disciplina passam a
ser analisadas como agentes propiciadores de liberdade, visão e inversão das
realidades.
Por se tratarem de duas instituições autônomas, analisam-se as proximidades
e diferenças de cada uma em um estudo teórico individualizado.
A SMUD, uma instituição de ensino puramente musical, apresenta um
contexto definido, uma característica própria, um objetivo específico - a música -
além de guardar uma formação organizacional própria e local. A disciplina, nessa
instituição, é abordada através de seus Estatutos. O procedimento disciplinar é
analisado pelo aspecto que Foucault (1987) aborda como regra natural, que define
um código da normalização.
17
Com uma abrangência mais ampla, o Lar de Meninos faz parte de uma
organização mundial e, portanto, carrega formalidades institucionais dessa
organização. Sendo uma instituição de cunho religioso, com hierarquia militar e
finalidades filantrópicas e assistenciais, prima por uma educação geral, disponibiliza
conhecimentos e procedimentos aos seus alunos. Revisando-se alguns aspectos da
educação do Lar de Meninos, reforçam-se os procedimentos disciplinares a partir do
conceito de Makarenko, que afirma:
A disciplina não se cria com algumas medidas disciplinárias, mas com todo o
sistema educativo, com a organização de toda a vida, com a soma de todas
as influências que atuam sobre a criança. Nesse sentido, a disciplina não é
uma causa, um método, um procedimento de educação, mas o seu resultado
(MAKARENKO, 1981, 38).
Analisa-se o Lar de Meninos como uma instituição calcada em seus estatutos
e em seus princípios agregados desde a fundação do Exército da Salvação, mas,
principalmente, pelas experiências vividas dentro dessa instituição, traçadas por
relatos que contribuíram para a identificação das normas de funcionamento, dos
objetivos educacionais e das atividades musicais e disciplinares, ou seja, pela soma
das influências. Enfoca-se, assim, a utilização da disciplina no cotidiano, na
formação educacional do cidadão.
Revisam-se, em Foucault e Makarenko, autores eleitos para esse discurso
teórico, assim como em Marx e Freire, influências construtivas de interpretações, o
exercício da disciplina como elemento essencial na efetivação do poder. Embora
divergindo em muitos aspectos, principalmente sobre a concentração ou difusão do
poder, os autores convergem no sentido de que a disciplina pode gerar liberdade, de
que, onde existe poder, existem fomentos de conscientização para a mudança, por
isso, dentro desse referencial teórico, trabalha-se, além de teorias que apontam para
os mecanismos que utilizam a disciplina para obter o controle, o campo das
possibilidades.
Nesse sentido, acredita-se que a disciplina não cria discos rígidos, acabados
e incapazes de se autoformatarem, refazerem ou reverem suas posições e
atribuições. Ao contrário e, principalmente, falando-se de disciplina na música,
18
enfoca-se que a educação musical opera num processo construtivo através do
trabalho coletivo, afetividade, diálogo e dos saberes populares.
Assim, consolida-se a música como arte disciplinadora e, ao mesmo tempo,
como mecanismo facilitador da educação; música como prazer que desperta para o
saber e para a libertação.
19
1 A MÚSICA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Relacionando-se a disciplina à música, busca-se entender como essa relação
se difundiu na educação, qual a sua ascendência e quais os princípios de sua
utilização na época estudada.
Acredita-se que a origem da música, a organização dos sons transformados
em canto, antecedeu à fala, sendo a imitação dos sons dos animais pela voz e pelos
instrumentos primitivamente construídos a primeira forma de comunicação entre os
seres humanos.
A música, presente em todas as sociedades, reflete o momento histórico que
transcorre, atendendo a apelos sentimentais, críticos ou estéticos desde os
primórdios, divulgando estilos e artistas e, também, atendendo a diversos interesses.
A arte sonora assume vários papéis, e a ela são delegados poderes, além do da
comunicação, os de êxtase espiritual, de socialização, poderes terapêuticos,
disciplinares, etc.
Remete-se a uma análise da história religiosa da música, que atribui o seu
início aos sacerdotes e feiticeiros, possuidores do domínio sobre esta arte, praticada
nos rituais melódicos e rítmicos, na magia que aproxima homem e divindades.
Geralmente a prática musical nesses rituais acompanha-se da dança e dos
movimentos corporais.
Dos povos primitivos até hoje, essa ligação música-misticismo se mantém
adaptada ao seu tempo, porém guardando as suas origens.
A Igreja Católica, na Idade Média, que comandava o poder econômico no
Ocidente, elevava os fiéis ao êxtase espiritual sob o domínio do Canto Gregoriano,
organizado por Santo Ambrósio e São Gregório Magno. O Canto Gregoriano não
admitia acompanhamento de outros instrumentos, somente a voz masculina, em
uníssono, com melodias lentas que insistiam sobre o quinto grau da tonalidade, que,
na nomenclatura musical, chama-se dominante. Para Siqueira (1953, 25), a missão
da música era, então, em plena Idade Média, preparar os cantores para o serviço
divino.
20
A música litúrgica serviu às convicções religiosas, e, dessa forma, os cultos
passaram a ser regidos por músicas criadas especificamente para esse fim.
A igreja foi uma grande divulgadora da música, contratando, como mestres de
capela, nomes como Bach, Haydn e Mozart, entre outros compositores que se
destacavam em suas épocas, atraindo para seus rituais, também, o público que não
tinha acesso a essa arte e que, somente assim, poderia se privilegiar com as obras
dos mais famosos músicos e compositores.
A música sacra esteve predominantemente sob o domínio da Igreja Católica,
principalmente na Itália, mas também se propagou através do movimento luterano,
na Alemanha, e através da igreja anglicana, na Inglaterra.
Tal importância alcançou a música e, principalmente, o canto, que o Papa
Gregório, o Grande, fundou, no século VI, junto à Basílica de São Pedro, a Schola-
Cantorum, destinada ao estudo do canto.
Com o crescimento das atividades musicais desenvolvidas coletivamente e,
principalmente, a polifonia das vozes, criou-se a necessidade da escrita musical
para coordenar e orientar os grupos. Também a escrita musical proporcionaria a
perpetuação dos arranjos e composições. Guido D’arezzo, Monge beneditino,
professor de música, nascido na província italiana de Arezzo, sentindo de perto as
dificuldades que seus alunos tinham para memorizar as alturas das notas, criou uma
notação musical aproveitando-se das sílabas de um hino a São João Baptista,
determinando as alturas das notas, colocando-as em ordem. Mesmo havendo outras
formas de escrita musical, essa notação foi aceita e é utilizada até hoje. A única
sílaba que foi trocada foi a primeira, UT, que passou a se chamar Dó. A nota SI é
formada pelas iniciais do último verso.
Hino de São João Baptista
Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii Reatum
Sancte Ioannes.
21
A tradução do Hino a São João diz:
Para que nós, servos,
Com nitidez e língua desimpedida,
O milagre e a força dos teus feitos elogiemos,
Tira-nos a culpa da língua manchada,
São João.
A partir dessa escrita musical, um legado da religião, ampliou-se a
necessidade do estudo dos símbolos musicais, começando, assim, a padronização
de uma linguagem globalizada.
Verifica-se que, com o passar do tempo, a música passou a se integrar em
diversas atividades e que seu poder despertou um real interesse em sua utilização.
Referindo-se à música na religião, deve-se abordar os rituais musicais
proferidos pelos africanos e indígenas. Esses foram decisivos na construção da
música brasileira, influenciando correntes nacionalistas de compositores eruditos e
definindo a música popular.
A música coordenava as atividades cotidianas dos índios. A caça, a pesca, o
casamento, o acasalamento, a cura, o nascimento, a morte, o plantio e a colheita
eram regidos por temas musicais, assim como os cultos e cerimônias religiosas.
A música africana, no Brasil, em princípio era restrita a espaços reservados e
distantes dos brancos. Mesmo assim, ela sobreviveu, e os ritos dos cantos ecoaram,
fortalecendo uma cultura musical que se difundiu pelo país, principalmente no
carnaval e na religião.
Assim, música e religião se expandiram pelas trilhas históricas do
desenvolvimento numa coesão constante e crescente. Hoje, as igrejas evangélicas,
predominantemente musicais, ufanam-se de seu grandioso público. Os rituais afro-
religiosos o acompanhados pelo ritual musical, assim como os indígenas. A Igreja
Católica volta-se à música como elemento de atração dos fiéis, no movimento
carismático, retomando o seu rebanho.
Dúbio seria negar o poder milenar da religião sobre os povos e a sua íntima
ligação com a música. Essa relação não perdurou somente pela mágica divina da
contemplação auditiva, mas também pelo poder transcendental instituído à música.
Elevar espiritualmente e distinguir os povos através da sica que revelava a sua
22
religião talvez tenham sido os princípios dessa união estável, embora acredite-se
que outras funções tenham sido atribuídas à música dentro da religião.
A religião, que foi uma grande incentivadora e divulgadora da música,
também se projeta na educação, carregando consigo, dentro de seus princípios, o
ensino musical. Assim, religião, educação e música prescrevem a sua relação na
história através dos tempos.
Desde a Antigüidade, a música é utilizada, projetando, também, outros
aspectos educacionais, como se verifica na Grécia, em Aristóteles e Platão: música
para a formação de bons soldados e cidadãos.
O canto era a forma mais utilizada e variada e, em princípio, estava ligado à
dança e à expressão teatral da tragédia. Regendo diversas atividades cotidianas,
era incorporado à ginástica, aos cortejos, às festividades, às solenidades civis e
religiosas. Na maioria das vezes, era entoado sem acompanhamento de
instrumentos. Verifica-se, porém, que, algumas vezes, eram inseridos tambores,
para determinar o ritmo, e cítaras (instrumentos de cordas), auxiliando as melodias.
Dentre os instrumentos utilizados pela educação, encontra-se, também, a
corneta. Anunciando as atividades cotidianas, os corneteiros entoavam seus sinais
sonoros, toques de ordem e disciplina, que também se faziam ouvir nas cerimônias
cívicas.
A corneta era chamada de Littus pelos antigos Romanos, e, conforme descrito
na apostila do Ministério do Exército (s/d), a palavra corneta se origina de cornos
(chifre), material do qual era fabricada. As tropas portuguesas utilizavam a corneta,
que foi introduzida pelos Mouros naquele país para reunir guerreiros, transmitir
ordens e indicar o momento do ataque.
As cornetas de metal, como se conhece hoje, foram empregadas
primeiramente pelos Húngaros, introduzindo-se na Península Ibérica e em suas
colônias no início do Século XIX, quando data a sua chegada ao Brasil.
A educação também utilizou a corneta, e os corneteiros das escolas, assim
como os corneteiros militares, dedicavam-se ao estudo desse instrumento. Muitos
desses músicos passaram, com o tempo, a executar os trompetes ou pistão,
adaptando esses instrumentos aos toques cotidianos.
A sica de sopro, dos corneteiros aos músicos de banda, instalou-se nas
práticas escolares e se difundiu através dos tempos. Ilustram-se, a seguir, os
23
músicos da Banda do Lar de Meninos e os educandos de Makarenko, utilizando-se
desses instrumentos.
Norberto Soares e os alunos do Lar de Meninos
Educandos de Makarenko, Capriles, 1989, p.116.
Analisando-se as fotografias dos músicos do Lar de Meninos e da Colônia de
Makarenko, atenta-se para alguns detalhes, primeiramente quanto aos instrumentos,
ambos de sopro, mas com peculiaridades diferentes. Os alunos de Norberto Soares
24
utilizam instrumentos de sopro com pisto
1
, o que se revela pela posição e utilização
das duas mãos. Os educandos de Makarenko usam apenas uma das mãos para
manusear os instrumentos, o que indica que não possuem pistos ou têm apenas um
pisto.
Aproximadamente trinta anos separam as duas experiências, e pode-se
verificar que a prática do uso de instrumentos de sopro continuava na educação,
evoluindo e se adaptando.
Outra questão que se verifica nos registros fotográficos é a disposição dos
lugares. Os meninos de Makarenko possivelmente estavam executando os seus
instrumentos, pela saliência das mandíbulas inferiores. Em uma projeção sonora
dessa visualização, remete-se a uma chamada ou um toque de ordem, verificado no
alinhamento dos corpos, peculiar a esse ato.
os alunos de Norberto Soares se dispunham em lugares específicos para
efeitos de registros, pose para fotografia, o que não descaracteriza a disciplina
corporal, apenas enfoca outra atitude. Fazendo-se outra análise, visualiza-se uma
proximidade da realidade sócio-econômica refletida no vestuário dos meninos-
músicos, que se apresentam com roupas simples e muitas vezes descalços.
Com realidades aproximadas ou distintas, cada vez mais freqüente foi se
tornando a utilização da música na educação, tanto com instrumentos, como com o
canto em conjunto ou com as bandas.
1.1 O CANTO ORFEÔNICO
Ligado inicialmente à dança, à tragédia grega, às cerimônias religiosas e
cívicas, o canto, que em princípio era chamado somente de coro, khoros em Grego,
nome também dado ao lugar onde ficavam os cantores para a prática do canto
religioso, quando se desliga da dança e da representação, passa a ser chamado
somente de canto em conjunto.
A prática do canto em conjunto era realizada pelos egípcios, assírios, persas,
hebreus, indus, chineses, ciganos e gregos. Essa prática, de acordo com Cartolano
(1968, p. 18), recebe o nome de orfeão (orfhéon) em Paris, no ano de 1883, por
1
Pistos - Cilindros móveis adaptados aos instrumentos de sopro para proporcionar a emissão dos sons das escalas
musicais. São acionados com os dedos. Dão origem ao nome do instrumento pistão ou piston (francês).
25
Bocquillon-Wilhem, que denominou a prática de canto em conjunto realizada com
gente do povo, crianças, militares e estudantes.
Orfeão deriva de Orfeu, deus da Música na mitologia grega, e é chamado de
coral amador, por não necessitar de grande conhecimento e técnica para a
execução das músicas.
No Brasil, o canto em conjunto, que começou pela catequização dos
indígenas, tendo sido praticado no Império e fazendo parte também dos programas
escolares na República, foi gradualmente introduzido no currículo escolar.
O Canto Orfeônico intensifica-se a partir de 1930, no governo de Getúlio
Vargas (1930 45 / 1951 - 54), sob a organização de Heitor Villa-Lobos (1887-
1959), maestro e compositor nacionalista, para estimular o sentimento patriótico.
O movimento nacionalista, nas artes, propunha agregar à arte erudita traços
da cultura popular, dando às obras peculiaridades folclóricas de cada região,
difundindo, assim, a arte erudita, que deixaria de ser privilégio de poucos.
Desenvolvido isoladamente na educação de alguns Estados, desde o início
do século XX, o canto orfeão toma vulto na Reforma Capanema, quando Anísio
Teixeira cria a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA). Baseado
no Decreto 19.890, de 18 de Abril de 1931, da Reforma do Ensino, torna-se
obrigatório o ensino do Canto Orfeônico. Villa-Lobos, num casamento nacionalista
com o Presidente Vargas, assume o compromisso de um projeto que desenvolveria
o canto em conjunto no ensino primário, secundário e profissionalizante no País.
Para Villa-Lobos,
O canto orfeônico aplicado nas escolas tem como principal finalidade
colaborar com os educadores para obter a disciplina espontânea e voluntária
dos alunos, despertando, ao mesmo tempo, na mocidade, um sadio interesse
pelas artes em geral e pelos grandes artistas nacionais e estrangeiros
(VILLA-LOBOS Apud SQUEFF, WISNIK, 1983, p.179).
Nessa concepção quase inadmissível de disciplina espontânea e voluntária
dos alunos, somente a música poderia atuar, principalmente dentro do trabalho
coletivo, que este poder lhe é legado e reconhecido. Segundo o professor
Lourenço Filho,
26
O canto em conjunto tanto serve aos trabalhos de classe, quanto às horas de
recreação; ao ritmo da disciplina, quanto à expressão criadora; ao exercício
manual, como ao aprimoramento dos mais altos valores morais; ao
desenvolvimento do indivíduo, como à sua integração nos grupos a que deva
pertencer (LOURENÇO FILHO Apud SIQUEIRA, 1953, p. 13).
O Movimento nacionalista da sica buscou no folclore elementos para
compor a sua identidade, e o projeto do Canto Orfeônico buscou no cotidiano,
principalmente no folclore infantil, as bases de sua construção, integrando pela
música o saber popular ao erudito, diversificando a cultura. Para Squeff e Wisnik
(1983, p. 188), nenhuma outra arte exerce sobre as camadas populares uma
influência tão poderosa quanto a música - como também nenhuma outra arte extrai
do povo maior soma de elementos de que necessita como matéria-prima.
1.2. AS BANDAS DE MÚSICA
As informações encontradas na apostila destinada à preparação de
concursados militares, editada pelo Ministério do Exército (s.d.), revelam que a
origem das bandas é comprovada em um relevo de alabrasto do século VII a.C. Este
material exposto no Museu de Louvre apresenta um grupo de militares assírios
executando harpa, cítara, címbalos, pandeiros e mais alguns instrumentos.
O termo Banda surgiu nos primeiros séculos da Era Cristã, nas Milícias
Bizantinas. Apresentava um número de integrantes que variava entre duzentos e
quinhentos homens, sendo que parte desses se reunia para cantar e tocar
instrumentos da época e eram chamados os bandos de aventureiros. A partir de 359
A.C., no Egito, Palestina,Grécia, Roma, Índia e povos do Leste, os Bandos de várias
origens, servindo a diferentes senhores, destinavam-se a serviços religiosos,
guerras ou diversões. Somente após mil anos é que os grupos de sicos
começaram a atender determinadas necessidades bélicas ou festivas.
O desenvolvimento da indústria dos metais possibilitou a construção de novos
instrumentos como: os trompetes, os tímpanos, as flautas, o oboé, os gongos, entre
outros. A quantidade e variedade de instrumentos de cada época foram
responsáveis pela organização de diversos tipos de bandas.
27
Nos exércitos sírios, no século XII, o trompete foi introduzido para chamadas
e anúncios. Com o passar do tempo, foram utilizados o Fife (Pífaro) e a Caixa Clara
como principais instrumentos de Infantaria.
Durante a Idade Média, houve uma propagação dos grupos de músicos
(bandos), principalmente entre os Gregos e Romanos.
Charles VII e Luís XI (1461 a 1483) foram os primeiros a darem integral apoio
às Bandas de Música, selecionando elementos para criar os primeiros
Bandos de músicos que, com o ritmo marcial de suas músicas excitavam o
ânimo dos soldados, encorajando-os e despertando-lhes o sentimento
guerreiro no combate ao inimigo (MINISTÉRIO DO EXÉRCITO, s.d.).
Os bandos de músicos passam a ser reconhecidos e efetivados como Bandas
de Música no século XIX. A partir de então, começam as preocupações com as
estruturas e classificação das bandas. De acordo com o número de instrumentos,
fixam-se as bandas de música em três grupos, que compreendem: as Bandas
Musicais, as Fanfarras e as Bandas Marciais. Essa classificação atendeu aos
interesses governamentais em organizar as suas bandas militares, começando pela
França, seguida pela Prússia e Suíça, expandindo a seguir.
1.2.1 As Bandas de Música no Brasil
Dentro dos movimentos musicais brasileiros, paralelos ao Canto Orfeônico,
acontecia o movimento das bandas musicais escolares, reforçando o patriotismo nos
encontros cívicos blicos e dentro das próprias escolas. As décadas estudadas, de
1940 até a década de 1970, foram repletas de manifestações musicais, com
apresentações, festivais, encontros de Bandas Musicais, Bandas Marciais e
Fanfarras das escolas brasileiras.
Em Pelotas, acontecia uma grande rivalidade entre algumas bandas, o que,
de certa forma, atiçava o interesse pelo estudo musical. As grandes rivais eram as
bandas da Escola Técnica de Pelotas (CEFET), a do Colégio Pelotense e a do
Colégio Gonzaga.
28
Em desfiles pelas principais avenidas da cidade, principalmente na Semana
da Pátria, bandas militares, civis e escolares encantavam a população que se
aglomerava, com torcidas e disputas acirradas.
Dentre as bandas escolares que desfilavam pela cidade, além das citadas e
das bandas regidas pelo maestro Norberto Soares, encontram-se algumas que se
conseguiu averiguar: as bandas dos colégios D. João Braga, Salis Goulart, E.N.
Assis Brasil, Colégio São José, C. A. Visconde da Graça, Santa Margarida, Sylvia
Mello, Colégio Diocesano e N Srª de Lourdes.
Esse movimento promovido pelas escolas e associações de bandas acontecia
em todo o país.
Segundo Dantas (1988, p. 104), as bandas de sica tiveram seu início no
Brasil Colônia com o uso dos terços ou ternos, os primeiros conjuntos, incluindo
sopros e percussão, usados nos primeiros agrupamentos administrativos, nas
cerimônias oficiais e religiosas. O nome terço se refere aos três naipes que hoje se
conhece como madeiras, metais e percussão.
Esses conjuntos, seguindo as informações do mesmo autor, eram ligados aos
Municípios ou às unidades militares que participaram, durante mais de dois culos,
das solenidades da Colônia.
Embora haja discussões e controvérsias sobre o local de fundação da Banda
da Armada Real, o autor remete a sua chegada ao Brasil em 1808, trazida pela
Família Real, junto com a comitiva oficial. A partir daí, o interesse pelas bandas se
expande aos grupamentos militares, que passam a investir em suas bandas.
As bandas militares recebem o apoio do governo e se transformam em
exemplos de bandas, seguidos pelas bandas civis, que adotaram o fardamento,
depois tornado colorido e diferenciado, a disciplina, o estudo musical e o dobrado.
Dado o investimento nas bandas militares, o interesse pelas bandas de
música se intensifica, e começam as organizações sociais. Uma das formas mais
divulgadas e que serve como modelo social às instituições musicais é a Sociedade
Filarmônica.
A palavra filarmônica quer dizer amigo da harmonia e designa:
Uma sociedade civil sem fins lucrativos, onde há uma diretoria, incluindo
presidente, secretário, tesoureiro, diretor social, etc, que cuida da
administração dos bens e dos rumos da organização. Tem um corpo de
29
sócios contribuintes, do qual provém geralmente a manutenção das
atividades.
Na parte musical, a hierarquia inclui um mestre, um contra-mestre, um
professor, o corpo musical, os discípulos e os aprendizes. O mestre rege a
banda e prepara o repertório, com arranjos próprios, arranjos de outros
compositores e composições próprias (DANTAS, 1988, p. 103-4).
Referindo-se ao estudo musical dentro das Filarmônicas, Dantas (1988, p.
104) revela que, depois de passar por um período de aprendizado teórico, que inclui
solfejo, noções teóricas e éticas sobre a filarmônica e regras de como lidar com o
instrumental, o aluno tem acesso ao seu instrumento musical. Informa, ainda, que
as
sociedades filarmônicas foram sempre lugares onde um jovem ou criança humilde
encontra aulas de música grátis, onde se aprende um instrumento, uma profissão e
a conviver socialmente.
Para o autor, dentro das filarmônicas se formam os músicos de sopro das
orquestras sinfônicas, bandas militares ou conjuntos populares, que iniciaram sua
trajetória sob a batuta de um humilde e prestativo mestre de banda.
Almeida (1958, p. 44) diz que a Orquestra Filarmônica é constituída de
músicos amadores que formam uma sociedade que eles mesmos mantêm.
A partir do modelo social das filarmônicas, outras sociedades começam a se
tornar legalmente estruturadas. Surgem as associações, Federações e as
Confederações de Bandas e Fanfarras, numa hierarquia associativa que formaliza
as suas atuações musicais.
1.2.1.1 Os Sons das Bandas
“De repente, um som nos chama! De longe vem a música. A cadência é
familiar, o som é reconhecível. Tem uma banda tocando!”
Dois motivos, em princípio, são responsáveis pela identificação sonora de
uma banda de música: o som dos instrumentos e o repertório executado. As bandas
de música são compostas de instrumentos de percussão e sopro e são classificadas
pelo número e pelo tipo de instrumentos que as compõem. Três classificações
definem as bandas de música:
30
- As Fanfarras o as bandas compostas de instrumentos de percussão e de sopro.
Os instrumentos de sopro são as cornetas e os cornetões ou tubinas lisos, de
qualquer tonalidade, na Fanfarra Simples, e cornetas e cornetões de um pisto, na
Fanfarra com Um Pisto;
- As Bandas Marciais o compostas de um conjunto de instrumentos de percussão
e de sopro (de metal e de três pistos);
- As Bandas Musicais apresentam uma formação maior e mais diversificada de
instrumentos.
As bandas se constituem pelos seguintes instrumentos:
2
a) Percussão
- Bombos Fuzileiros Navais;
- Bombos zabumbas;
- Pratos;
- Caixa-surda gigante;
- Caixa-surda mor;
- Caixa-surda média;
- Caixa-clara de guerra;
- Caixa-clara de repique;
- Podem ainda ser utilizados sinos, guisos, triângulos, etc.
Esses instrumentos constituem as três classificações de bandas podendo
aparecer em maior ou menor número, conforme as necessidades de cada uma.
b) Instrumentos de Sopro
- Pistão em Mi bemol;
- Pistão em Si bemol;
- Bugle (Si bemol);
2
As informações sobre a classificação das bandas e sobre os instrumentos que as compõem, aqui
citadas, foram colhidas da Apostila de Iniciação e Treinamento de Fanfarra, elaborada pelo Tenente-
Coronel Reserva Maestro PM, Antonio Domingos Sacco (s/d), e de informações reveladas pelo
Sargento Luz (2005), mestre de Banda, e pelo músico Flávio Moura (2005), ex-aluno do Lar de
Meninos.
31
- Melofone (Si bemol);
- Trombones (Si bemol);
- Bombardinos (Si bemol);
- Baixo-tuba em Mi bemol;
- Baixo-tuba em Si bemol;
- Trompa em Mi bemol;
- Trompa em Si bemol.
Esses instrumentos de sopro formam a composição da Banda Marcial e
também da Banda Musical. A essa última, são acrescidos os instrumentos de
palheta, que são: Flauta, Requinta, Clarinetes, Saxofones e outros de palhetas
simples ou duplas.
Além da identificação sonora, proporcionada pelos instrumentos, outra
peculiaridade de uma banda é o seu repertório. O Repertório das Bandas se define
por alguns subgêneros musicais, os quais se apresentam:
Dobrado – derivado da marcha militar de passo dobrado, assim como o
pasodoble espanhol ou o pás redoublé francês, de compasso binário e
andamento allegro. Têm seus títulos geralmente associados a datas e
episódios cívicos, nomes de políticos ou cidades.
Marcha religiosa - composição instrumental tocada nas longas procissões de
padroeiro. Algumas dessas marchas são verdadeiras obras de arte, em
harmonia e contraponto, pois, sob a mansidão do andamento religioso, o
compositor podia exercitar uma escrita mais apurada.
Harmonias - sob esse manto, abrigam-se as transcrições de ópera e música
clássica, bem como uma produção mais concertante do mestre de música.
Fantasia - música de forma livre, com vários andamentos, tonalidades e
compassos, admitindo certos trechos com solista.
Valsas - do mesmo modo que as européias, músicas em ternário para fins de
dança.
Polaca - peça para solista, com acompanhamento de banda, em compasso
ternário, mas em tempo bastante diferente da valsa, além de ser composta
para audição, nunca para dança. A tradição das bandas nos legou, com a
polaca, momentos preciosos da escrita musical.
Marcha fúnebre - repertório tão somente usado quando a banda é solicitada
para acompanhar o cortejo funerário de personalidades do município ou
músicos veteranos.
Marcha-frevo - música para o carnaval, em compasso binário e andamento
acelerado, com duas partes. Está presente nas bandas tradicionais, mas
32
ainda sem a divisão metais-madeiras (pergunta-resposta) que caracterizaria o
frevo pernambucano.
Maxixe e samba - formas afro-brasileiras que adquirem beleza e importância
instrumental específica, quando compostas ou adaptadas para sopro e
percussão (DANTAS, 1988, p. 109-10).
As bandas de música adaptam ao seu repertório vários estilos musicais,
desde a música de concerto e ópera até os sucessos da música popular.
Dependendo da instituição musical, do regente e do corpo executante, as sicas
do repertório variam. A definição do repertório depende, também, da finalidade do
evento no qual a banda se apresenta.
As bandas militares regem os procedimentos disciplinares de execuções
formais, sendo seguidas pelas bandas civis, adaptadas aos seus cerimoniais. Alguns
procedimentos na execução e algumas normas são seguidos fielmente por todas as
bandas.
Dentro dos procedimentos militares, a execução de marchas e dobrados
obedece a determinações oficiais que orientam as suas atividades. De acordo com o
Noticiário do Exército, em cerimônias militares onde se procede a Revista à Guarda
de Honra, a banda de música deverá tocar a Marcha da Guarda Presidencial
(Marcha dos Cônsules), na cadência de 100 passos por minuto. Na falta de banda
de música, a revista será procedida ao som de um dobrado executado pela banda
de corneteiros ou clarins.
Dentre as várias peças características executadas pelas bandas, encontram-
se os hinos, que são executados em Cerimoniais Públicos civis e militares.
O art. 24, inciso I da Lei 5.700, de 01 de Setembro de 1971, referindo-se aos
Símbolos Nacionais, diz que a execução do Hino Nacional deve obedecer fielmente
à composição, ou seja, o músico deverá executar a partitura tal qual está escrita.
Uma banda deve ter em seu repertório hinos, marchas e dobrados para as
apresentações oficiais, além de conter um repertório eclético para todos os tipos de
eventos.
O repertório de uma banda, juntamente com a qualidade musical e sonora,
pode definir o sucesso da mesma, pois permite que se expandam os convites para
as apresentações. Além de cuidarem do som, da execução musical, os
33
organizadores de uma banda devem cuidar da apresentação visual, da postura, dos
uniformes, etc.
1.2.1.2 O Visual das Bandas
A disciplina corporal das bandas não é uma invenção sem sentido, um
modismo. No Noticiário do Exército, dentro das Normas do Cerimonial Público,
aprovadas pelo Decreto n. 70.724, de 09 de março de 1972, consta a Ordem Geral
de Procedência entre autoridades na qual se encontram as regras práticas
descritivas do comportamento corporal durante a marcha.
Movimentos de braços e pernas em Marcha:
Durante o deslocamento, os braços devem oscilar transversalmente ao
sentido do deslocamento, flexionando-se para frente até a altura da fivela do
cinto e para trás, distendendo-se até 30 centímetros do corpo; a perna
também deve ser naturalmente distendida, e o calcanhar bater no solo de
modo natural e sem exageros (NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO).
Assim como prescrevem os procedimentos corretos para a marcha, as
normas dispõem sobre o que deve ser evitado durante a evolução da banda,
descrevendo esses movimentos com os braços: movimentos frontais ou laterais ao
corpo e de forma exagerada; com as pernas: levantar ou dobrar excessivamente os
joelhos; bater no solo com a planta do pé; e com o corpo: arqueá-lo para frente.
A construção visual de uma banda ou de um batalhão em marcha deve
respeitar os critérios da uniformização de procedimentos. No Encarte ao NE
9717, de 11 de Julho de 2000, publicado no Noticiário do Exército, lê-se que o
Cerimonial Militar tem por objetivo desenvolver o sentimento de disciplina, a coesão
e o espírito de corpo, pela execução em conjunto de movimentos que exigem
energia, precisão e marcialidade.
Na fotografia a seguir, visualiza-se a construção corporal de marcha da
Banda do Corpo de Bombeiros, recém formada pelo maestro Norberto Soares.
34
Banda do Corpo de Bombeiros de Pelotas, 1950.
Diferentemente das bandas civis e escolares, que precisam construir a
uniformização dos movimentos para a marcha, a Banda do Corpo de Bombeiros
iniciada em 1950, registra, na fotografia datada do mesmo ano, um comportamento
corporal estruturado, visualizado no alinhamento e na posição das pernas. Esse
efeito visual, dentro de uma banda militar, é facilitado porque o procedimento da
marcha é uma prática cotidiana.
Os componentes de uma banda militar ou escolar apresentam posturas
corporais definidas em cada ocasião. Quando executam uma música ou aguardam
uma celebração, quando marcham ou se em em posição de descanso, o
procedimento corporal atende a padrões pré-estabelecidos.
35
Nas cerimônias de hasteamento ou arriamento da Bandeira ou na execução
do Hino Nacional, a Lei 5.700, Cap. V, Art. 30, exige atitude de respeito, de e em
silêncio. O comportamento dos militares, diante dessas cerimônias, é de continência.
Existe um quadro disciplinar definido por uma Legislação que normatiza o
comportamento corporal dos militares diante das apresentações dos símbolos
Nacionais, sujeitando a penalidades quaisquer formas de violação. Pode-se
visualizar essa atitude na figura abaixo, enquanto, possivelmente, a Banda
executava o Hino Nacional.
Banda do Corpo de Bombeiros de Pelotas em 22 - 07 - 1950, sob a regência de Norberto Soares.
Ao visualizar uma banda, não se podem ouvir seus sons, mas, entendendo
alguns procedimentos corporais, pode-se deduzi-los, ou, até mesmo, concluí-los.
A disposição corporal dos componentes de uma banda, mesmo quando não
estão se apresentando, registra uma uniformidade que se confere, também, nos
momentos de descanso e de registros fotográficos. Na Banda do Lar de Meninos,
verifica-se uma noção de coletividade, pois existe uma preocupação com a
disposição dos corpos em lugares donde todos fiquem visíveis, obedecendo à ordem
crescente e intercalada dos componentes.
36
Banda do Lar de Meninos no Auditório do Colégio Santa Margarida, Pelotas, 1953.
O comportamento dos componentes das bandas é apresentado com uma
visão sobre movimentos, atitudes e regras de enquadramento corporal que
compõem o visual das bandas de música.
Ainda dentro da visualização, faz-se referência aos uniformes. A Banda do
Lar de Meninos apresenta um visual peculiar, com uniformes padronizados pelo
Exército da Salvação. As Bandas Militares apresentam-se com seus uniformes
característicos, mas existem bandas, principalmente em concursos e desfiles
cívicos, que se apresentam com uniformes estilizados.
A herança dos militares foi transportada para as bandas civis, ganhando
maior colorido e adereços. O efeito visual passou a ser considerado como ponto
disputado nos concursos. Assim, as bandas enfeitavam desde as balizas até as
baquetas, abusando dos coloridos nas túnicas, dependendo das cores das
instituições, complementadas pelas polainas, casquetes, quepes e outros adereços.
Como não se dispõe de fotografias das bandas que o maestro Norberto
Soares regeu em uniformes estilizados, opta-se pela utilização de um registro visual
de fora da cidade de Pelotas, para não se privilegiar ou excluir nenhuma banda que
tenha se destacado nesse quesito, mantendo-se neutra essa avaliação.
Apresentam-se, assim, duas Bandas Marciais desfilando no Campeonato Nacional
de Bandas e Fanfarras da Rádio Record.
37
Banda Marcial do Colégio Industrial de Franca, São Paulo, 1975.
Banda Marcial do Colégio Bilac, São Paulo, 1981-2.
O som, juntamente com o efeito visual, fez com que as bandas encantassem
o público e permanecessem na memória daqueles que viram, ouviram, tocaram e
regeram essa forma de expressão tão peculiar da música.
Para se entender o papel das bandas na educação, são revelados, a seguir,
alguns aspectos do Programa que difundiu a música nas escolas.
38
1.3 AS BATUTAS QUE REGERAM O ENSINO MUSICAL
A educação musical, no Governo de Getúlio Vargas, aparece com uma
dualidade de interesses. De um lado houve a preocupação com a divulgação da
música erudita, que se confrontava com a massificação da música popular,
especificamente com a discografia internacional, principalmente com a música norte-
americana que invadia e cativava o ouvinte brasileiro. De outro lado, instaurou-se
um programa político-desenvolvimentista que uniu todos os esforços para a difusão
de seus interesses. O País foi reformulado em termos de direitos sociais e
trabalhistas, mas, ainda, era preciso fazer com que o povo percebesse e aceitasse a
nova realidade.
A junção desses interesses, que, aparentemente, não possuíam uma
congruência, resultou em uma articulação político-pedagógico-musical. A educação
foi o meio germinador e fertilizador desses interesses.
1.3.1 O Projeto Musical
O programa de música na educação, depois de acertado entre governos
(Federal, Estaduais e Municipais) e educadores e após a sua estruturação, passou,
de acordo com Pró-Memória (1980, p. 83-4), a ser divulgado ao público em geral e
aos pais dos alunos em particular. Era preciso demonstrar à sociedade a utilidade
desse ensino, para que a música se impusesse como necessidade imprescindível à
educação.
Cacilda Guimarães Fróes, na segunda edição de Pró-Memória (1982, p. 28-
9), revela o esforço conjugado entre governo, educação e sica para despertar na
mocidade o verdadeiro espírito cívico da ordem e da disciplina, para a promoção do
nosso progresso cultural, social e artístico. Era preciso, de acordo com a autora,
interessar o povo através dos organismos educacionais.
Villa-Lobos se dedicou ao projeto, traçando, segundo a autora, um programa
timbrado nos mais modernos preceitos da pedagogia. Para isso, convocou alunos e
professores, organizou cursos, escreveu centenas de canções de vários gêneros.
Da junção de esforços, foram fundados a Superintendência de Educação
Musical e Artística (SEMA), tendo Villa-Lobos como Diretor, o Orfeão de
39
Professores, as primeiras bandas infantis, o Conservatório Nacional de Canto
Orfeônico e uma infinidade de orfeões.
Paz (1989, p.68), referindo-se ao projeto de educação, diz que todo o cuidado
foi tomado, visando à elevação e o cultivo do gosto pelas artes. Nenhum detalhe
passou despercebido. Para a formação das bandas escolares, contrataram-se
professores de instrumentos de madeira, metal, palheta e percussão. Os alunos que
tinham aptidões para desenho e artes plásticas desenvolviam os cenários dos
grupos de teatro, que também fez parte desse programa, interagindo com toda uma
edificação educacional.
Conforme a autora, para a divulgação do Canto Orfeônico como projeto de
abrangência popular, combinavam-se várias atividades dentro e fora das escolas.
Além das bandas e do teatro, o Programa se estendeu para a dança; foram
criadas colônias de férias, fundados círculos de pais e, também, houve uma difusão
pela discografia musical, pelos jornais e pelas rádios, com programas de audições,
palestras e divulgação de eventos dos quais os grupos de canto orfeônico iriam
participar. A junção de atividades fez, assim, com que o Programa se expandisse e
alcançasse um número maior de adeptos.
Encontra-se em Pró-Memória (1982) um trecho em que Villa-Lobos descreve
as Diretrizes da Educação vico-artística Musical, que reuniam arte, esporte e
cultura, reiterando (p. 98) que essas atividades fazem a humanidade sentir e vibrar,
lembrar e viver e, até mesmo, sofrer e morrer, mas não causarão jamais o
esquecimento, como acontece atualmente, nem constituirão moda.
Referindo-se à influência da cultura na educação, Makarenko (1981, p. 78)
enfoca que a formação cultural é eficaz quando é organizada conscientemente, com
um plano, com um método adequado e com controle e, para o autor, deve começar
o quanto antes.
Villa-Lobos organizou um programa culturalmente abrangente e
estrategicamente eficaz. Referindo-se ao ensino musical, verifica-se, em Pró-
Memória (1982, p. 98), a proposta do idealizador do Canto Orfeônico, que era fazer
impregnar na alma dos alunos a apreciação da música, tornando-se uma recepção
natural, o conhecimento simples instigado pelo gosto.
O Programa do Canto Orfeônico travou uma batalha na construção musical
do povo brasileiro, fazendo-o conhecer o prazer que a música pode proporcionar. No
momento em que o povo passasse a conhecer essas músicas, seria fácil apreciar e
40
cantar. O aluno passaria a ser o grande divulgador dessa cultura, pois levaria para a
sua família as novas melodias, divulgando o trabalho musical que foi, assim,
constituindo-se em etapas. É importante registrar que Villa-Lobos condenava os
métodos que utilizavam a sica somente no papel e queria, com um programa
geral de divulgação, fortalecer o gosto pela música.
Muito astuto foi seu plano de ação: fazer da música uma atividade agradável,
através do canto orfeônico, porque esse não exige grande cnica ou conhecimento
teórico para a sua execução. Além do mais, instigou o conhecimento musical
popular quando mesclou sicas eruditas, novas aos ouvidos das crianças e
adolescentes, com músicas folclóricas que faziam parte do seu dia-a-dia.
A música popular, para Villa-Lobos, serviria para:
Despertar o interesse do público, que, de outra maneira, não chegaria a ouvir
música pura, pela qual o interesse inicial seria diminuto. Futuramente, quando
observados os resultados colhidos por esse processo de educação, outro
critério será estabelecido, organizando-se audições progressistas, quanto ao
estilo dos diversos gêneros (VILLA-LOBOS, 1940, INTRODUÇÃO).
A partir daí, conquistar o gosto pela arte sonora foi questão de tempo, aliás, o
tempo foi algo essencial, porque o Programa exigia, além do auxílio governamental,
preparação profissional e métodos específicos para ser realizado.
Os cursos de Formação de Professores Especializados em Música, que
atenderiam os ensinos primário, secundário e profissional, assim como para a
formação de Orientadores e Regentes de Bandas, foram estipulados em 2 Anos de
Conteúdo e mais 1 Ano de Integração, conforme descrito em Villa-Lobos (1940,
Introdução).
Segundo Paz (1989, p. 65), Villa-Lobos organizou o Guia Prático, obra
didática destinada a dar à criança um conhecimento mais íntimo do folclore
brasileiro, com uma seleção que serviria de base ao trabalho de formação de uma
consciência musical. Além do Guia Prático, foram organizados Programas e Guias
de Ensino, não somente de Villa-Lobos, mas também de outros autores, desde que
fossem aprovados pela Comissão Nacional do Livro Didático do Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico.
Destaca-se o trabalho de Villa-Lobos para o programa do canto orfeônico,
publicado no Guia Prático, o qual continha:
41
1) canções infantis populares; 2) hinos nacionais e escolares, canções
patrióticas e hinos estrangeiros; 3) canções escolares nacionais e
estrangeiras; 4) temas ameríndios do Brasil e do resto da América, melodias
afro-brasileiras e folclore universal; 5) peças do repertório universal; 6)
repertório de música erudita (SQUEFF, WISNIK, 1983, p. 182).
Villa-Lobos conquistou o respeito dos governantes diante da apresentação de
seu projeto, que se revelou uma grande tática político-educacional e se difundiu,
pela inclusão curricular, com uma forma de expressão musical: o canto.
Não se pode esquecer de que, paralelas às atividades musicais das escolas,
continuavam e eram fundadas, cada vez mais, associações e instituições que
ensinavam e divulgavam a música. Muitos alunos do canto orfeônico e das bandas
escolares concluíram seus estudos dentro dessas instituições.
Ali se formavam músicos para as bandas militares, para as bandas de música
popular, para as bandas civis, professores de música e até regentes. Também as
Universidades brasileiras investiram em cursos de música, embora não se tenha
encontrado registro de cursos específicos para músicos de banda e, tampouco, para
formação de regentes nessa área.
Em Pró-Memória (1980), verifica-se o interesse na criação de um programa
para formação de músicos instrumentistas. Villa-lobos propunha, para esse fim, um
curso que deveria se estender por três anos, em nível médio profissionalizante.
O programa do Ensino de música, que foi publicado com 83 páginas,
conforme Paz (1989, p. 67), expõe o conteúdo das disciplinas que integravam cada
série dos cursos primário, ginasial, secundário e das escolas pré-vocacionais
(música instrumental).
Ainda sobre música instrumental, encontram-se como iniciativas e sugestões
do Programa de Música:
b) em 1933, foi tratado, com bastante interesse, o assunto de organização
das Bandas Recreativas das Escolas Municipais e formação da Sinfônica
Municipal, de caráter popular, artístico, educacional, diferente de todas as
outras Bandas oficiais do estrangeiro.
c) Para melhor orientação, considerou-se mais conveniente e seguro que o
ensino de Música Instrumental fosse aplicado, de um modo geral, com
unidade de autores, fabricação de instrumentos e uma só escola de técnica
dos instrumentos de sopro, para melhor homogeneidade nas execuções de
quaisquer Bandas oficiais, quer nas capitais, quer nas demais cidades dos
Estados do Brasil (VILLA-LOBOS, 1940, PREFÁCIO).
42
Dentro da matéria de música para ginásios e escolas normais, de acordo com
o programa oficial, conforme Lima (1961, p.173), constituindo a 15ª Aula desse
material didático, encontram-se algumas definições sobre Instrumentos de Sopro. O
conhecimento transmitido nesse material faz uma referência teórica sobre a
utilização desses instrumentos.
Embora se tenham encontrado menções a um curso específico de música
instrumental, acredita-se que, oficialmente, esse curso não tenha se efetivado dentro
do currículo escolar, e o seu aperfeiçoamento tenha sido delegado às Filarmônicas e
a outras Sociedades Musicais. Extra-oficialmente, no entanto, muitos músicos de
bandas passaram pelo aprendizado teórico e instrumental dentro das escolas, como
atividade extracurricular. Esse ensinamento se efetivou pela atuação dos mestres de
bandas, que preparavam seus músicos conforme as suas necessidades. A prática
das bandas escolares foi uma forte aliada na profissionalização de músicos
instrumentais, e, ainda hoje, encontram-se ex-alunos regendo bandas.
Sabe-se que o divulgador do Programa de Villa-Lobos foi o canto que, como
se salientou, serviria para estimular o gosto pela arte sonora, desenvolver a
disciplina que, politicamente, fazia-se necessária.
Villa-Lobos, no programa de ensino de música, revela a sua intenção em
relação a essa prática dentro das escolas:
O que se pretende, sob o ponto de vista estético, o é a formação integral
de um músico, mas despertar nos educandos as aptidões naturais,
desenvolvê-las, abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhes os institutos
superiores de arte, onde é especializada a cultura (VILLA-LOBOS, 1940,
PREFÁCIO).
O canto serviu como trampolim para a formação das bandas e para a
divulgação e manutenção pessoal dos cursos de música dentro, principalmente, das
universidades, pois despertou o interesse pela música.
Embora o surgimento das bandas de música date de muito tempo dentro da
educação, não se pode considerar coincidência a grande participação de bandas
escolares nos desfiles cívicos em todo o país, nas décadas estudadas.
Despertado o interesse pela música, a disciplina, dentro do estudo musical,
faria parte de um processo de construção prazerosa. Para participar de uma banda,
43
é preciso se formar dentro de uma disciplina, com muitas aulas teóricas e práticas,
muitos ensaios, tanto para a execução musical, como para a uniformização de
movimentos.
As bandas de música, mesmo sendo uma atividade bem mais disciplinadora
do que o canto e contando com o apoio político dentro do Programa cívico-artístico,
não se formavam com tanta facilidade como os orfeões.
Claro que o investimento era maior, dependia de espaço físico, profissionais
especializados, uniformes, instrumentos, locomoção e muita dedicação, tanto dos
professores, quanto dos alunos, pois iria necessitar de uma individualidade nas
aulas. Essas, talvez, tenham sido algumas das razões para o Canto Orfeônico ter
sido eleito como divulgador do programa cívico-artístico. Acredita-se, porém, que
Villa-Lobos compreendia que a submissão à disciplina do estudo musical, que se
verifica nas atividades de uma banda, poderia, num primeiro momento, afastar os
alunos da música.
Villa-Lobos (1940, Prefácio) refere-se à disciplina não mais imposta sob a
rigidez de uma autoridade externa, mas novamente aceita, entendida e desejada. O
Canto Orfeônico, para o autor, construiria, gradativamente, a disciplina, estreitando
os laços afetivos das crianças.
O autor reforça a finalidade disciplinar da música na compreensão da
solidariedade entre os homens, da importância da cooperação, da anulação das
vaidades individuais e dos propósitos exclusivistas. Para o idealizador do programa
cívico-artístico, o êxito está na comunhão.
A disciplina de uma banda se solidifica nas atitudes construídas no coletivo,
que ajudam na formação do caráter social do ser humano, porque
Tocar na banda estimula, ainda nos ensaios, nas viagens, nos momentos de
hospedagem e refeição coletiva, as noções de responsabilidade, convivência
e de educação. No momento em que cada um tem sua função no conjunto e
se relaciona com seus colegas de forma franca e honesta. Isso nos obriga a
condicionar nosso comportamento ao bem-estar de todos que nos cercam,
preenchendo nosso espaço social com amor e humor (DANTAS 1988, p.108).
Muitos objetivos são enfocados na apresentação de projetos para a formação
de bandas. A prática da banda sempre se relaciona com disciplina, coletivismo,
alinhamento, lateralidade, solidariedade, companheirismo, sociabilidade,
44
responsabilidade, respeito, desenvolvimento motor, auditivo e tantos outros. Sempre
que se observa um projeto para a formação de bandas, encontra-se em seus
objetivos um ou vários substantivos que as sustentam como atividade importante
para a formação do cidadão.
Várias bandas vêm fazendo parte dessa construção e se destacando nas
suas comunidades. Além do incentivo político-educacional, muitas fórmulas foram
encontradas para que as bandas participassem das atividades escolares. Algumas
escolas fundaram as suas bandas dentro de projetos próprios, apoiados por
professores, pais, alunos e a comunidade em geral.
Têm-se notícias de rifas e festas para arrecadação de verba a fim de comprar
instrumentos dentro de escolas públicas. O interesse, na maioria das vezes, partia
dos próprios alunos, que eram os mais dedicados a esse objetivo. O incentivo fiscal
dado às empresas também se constituiu em um importante aliado na formação de
bandas e projetos escolares.
As bandas de música participaram da vida de muitos brasileiros que
estudaram em escolas públicas e particulares, que se formaram nas academias e
instituições de ensino musical, contribuindo para o crescimento da profissão de
músico de banda.
Hoje, refazem a trajetória das bandas muitos músicos, muitos pais
orgulhosos, fãs, educadores e regentes que contribuíram para a construção da
história da música na educação brasileira.
O Programa de Educação, aqui referido, levou o nome de Canto Orfeônico
dentro do currículo brasileiro, mas, na verdade, não se constituiu somente do canto,
e sim de um conjunto de atividades, dentre as quais se encontram as bandas que
difundiram a disciplina e incentivaram o civismo no Brasil.
1.3.2 O Projeto Político
A música utilizada pela religião e pela educação não se desvincula do ato
político, pois os interesses, mesmo quando projetados individualmente, cruzam-se,
integram-se e se combinam em nome de um mesmo ideal. O canto orfeônico foi
utilizado como projeto de mobilização de massa, sendo que a música atuava como
elemento patriótico-disciplinador.
45
No Canto Orfeônico, os objetivos educacionais se unem aos ideais
nacionalistas sem, no entanto, perder as características disciplinares da religião. O
canto em conjunto, dessa maneira, realiza a tarefa catequizante, inserida no
contexto cristão, ordenando as ações corporais e espirituais dos seus educandos.
Esse ato, para Villa-Lobos, teria se iniciado no Brasil com a catequização dos
índios. O compositor nacionalista, conforme Squeff e Wisnik (1983,187), remete à
importância da música litúrgica de Nóbrega e Anchieta, para a conversão do povo ao
culto da nação, fazendo uma aproximação entre catequese e o canto orfeônico no
Estado Novo. Uma forma de ordenar, de acalmar os ânimos do povo, que desperta
para a participação no destino político e social do país.
O canto orfeônico esteve presente na educação brasileira nas décadas
estudadas e se associa ao interesse político da época.
No projeto de reconstrução nacional de Vargas, auxiliado por Villa-Lobos, de
acordo com as informações de Squeff e Wisnik (p. 147), a música (e a música)
pode desempenhar no Brasil essa função de orquestrador da sociedade dividida.
Qual realmente seria o papel da sica? Além da função cultural educativa, Villa-
Lobos (1940, Prefácio) revela que a divulgação do programa, principalmente aos
pais dos alunos, poderia retirá-los do estado de compreensão em que se
encontravam e desfazer, de vez, as prevenções que nutriam e se refletiam sobre os
escolares, ocasionando lamentável resistência passiva aos esforços renovadores da
administração.
A unificação da sociedade é essencial para uma nação em desenvolvimento,
pois a conversão de ideais acelera os objetivos e planos de crescimento. A música,
para Villa-Lobos, poderia facilitar esse processo, desde que incluída num programa
de educação popular apoiado pelo governo. Essa aliança é enfatizada pelo
orquestrador do canto orfeônico, conforme Squeff e Wisnik (1983, p. 179): Aproveitar
o sortilégio da música como um fator de cultura e de civismo e integrá-la na própria
vida e na consciência nacional - eis o milagre realizado em dez anos pelo governo
do presidente Getúlio Vargas.
O ensino musical se insere dentro do ideal do governo de Getúlio Vargas,
contribuindo para a exaltação do trabalho, desempenhando o papel de organizador
dessa concepção nas regências dos maestros, atuantes de uma pedagogia-musical,
que, segundo Squeff e Wisnik (1983, p. 146), comanda idealmente a passagem da
46
sociedade passiva à sociedade ativa, porque comanda a parte mais secreta e
decisiva - a parte psico-social - do processo político.
A relação música-disciplina-trabalho fica explicitada no programa do canto
orfeônico quando se lê, no livro de inscrição do orfeão, o legado de Roquette Pinto
apud Squeff e Wisnik (1983, p. 180): Prometo, de coração, servir a arte, para que o
Brasil possa, na disciplina, trabalhar cantando.
Também no repertório organizado por Villa-Lobos para o orfeão, além das
canções folclóricas que reviviam o cotidiano dos alunos, dos hinos que exaltavam o
patriotismo, das músicas eruditas, que mesclavam as culturas e divulgavam os
compositores, encontravam-se canções que incentivavam o trabalho para o
desenvolvimento do país. Encontra-se resgatada, nesse repertório, a Canção
Escolar à Mocidade Acadêmica, composição de Carlos Gomes, com letra de
Bittencourt Sampaio, que retrata esse ufanismo:
Sois da Pátria esperança fagueira
Branca nuvem de róseo porvir
Do futuro levais a bandeira hasteada a sorrir
Mocidade de era avante, eia avante
Que o Brasil sobre voz ergue a fé
Esse imenso colosso gigante
Trabalhai por erguê-lo de pé (SIQUEIRA, 1953, ANEXO).
O incentivo ao crescimento econômico do país teve, na educação, o seu
grande aliado. Além da música, várias determinações nesse sentido foram tomadas.
Quando começaram os investimentos para o crescimento econômico, o Brasil
passava por transformações em todos os segmentos, dentre os quais a educação,
que sofria processos de reformulação e adaptação para atender às exigências de
qualificação e acompanhar o desenvolvimento industrial. Em 18 de abril de 1931,
através do decreto 19.890, organizou-se, conforme Romanelli (1978), o ensino
secundário e criou-se a escola técnica profissionalizante. O decreto 20.158, de 30
de junho de 1931, organizou o ensino comercial nos ensinos médio e superior. A
Constituição de 1934 criou o Conselho Nacional e Estadual de Educação e atribuiu à
União a competência de traçar as diretrizes da educação nacional. A Constituição de
1937 proclama a liberdade da iniciativa individual e de associações coletivas,
públicas e particulares.
47
Com um investimento amplo na educação profissionalizante, o Brasil se infla
do trabalhismo de Getúlio Vargas, divulgado magistralmente por Villa-Lobos,
ecoando os ideais nos sons do Canto Orfeônico e das Bandas de Música pelos
quatro cantos do País
48
2 DESCOBRINDO UM PROFESSOR
Em 1982, entrei na Sociedade Musical União Democrata, no qual funcionava
a sede da Ordem dos Músicos do Brasil, em Pelotas, para prestar uma prova prática,
com a qual eu poderia, se aprovada, receber a carteira e exercer a profissão de
cantora. Todo o prédio e móveis revelavam um passado-presente, como se o tempo
tivesse parado. O piso, o mezanino, as cadeiras, as mesas, o cheiro e as paredes
revelavam uma história que, no momento, sem nenhuma intenção de me tornar
pesquisadora, parecia-me deprimente.
O único sinal de que o tempo passara naquele local eram as fotos de
presidentes, diretoria e pessoas que se destacaram dentro das atividades daquela
instituição, dispostas em ordem cronológica ou de destaque, com as respectivas
datas. Passeando pelas paredes, entre fotos e placas de homenagens, revivi um
século de trabalho dedicado à música. Nessa viagem, encontrei Norberto Nogueira
Soares. Um detalhe, apenas, naquele momento, instigou-me: os óculos escuros do
maestro.
Com uma certa freqüência, passei a visitar a SMUD, tanto para resolver
problemas contratuais, quanto para conversar e me atualizar sobre os
acontecimentos musicais da cidade. Enquanto esperava para ser atendida, voltava-
me às paredes, olhando e lendo tudo. estava ele e os seus óculos. Quase duas
décadas depois, numa aula de História da Música de Pelotas, no curso de Canto, fui
incentivada a pesquisar sobre a história musical de Pelotas, ocasião em que surgiu o
comentário sobre um estudo a respeito da Sociedade Musical União Democrata.
Imediatamente, interessei-me pelo assunto, pois freqüentava aquele local.
Lembrei-me da foto de Norberto Nogueira Soares e seus óculos, que me
levaram à sua descoberta, num processo crescente e encantador, que se revelou
nas múltiplas atividades desse professor.
49
MAESTRO
NORBERTO NOGUEIRA SOARES
Exposta na Galeria de fotografias da SMUD
2.1 IDENTIDADE
De acordo com Soares (2004), Norberto Nogueira Soares, filho de Jeremias
Nogueira Soares e Adelaide Ferreira Soares, imigrantes portugueses, nasceu em 2
de janeiro de 1910, na cidade de Pelotas. Norberto e uma das irmãs foram os únicos
dos sete filhos do casal que nasceram no Brasil.
Verifica-se em O Maestro (1979) que o amor pela arte musical vem de família.
Seu tio, Antônio Nogueira Soares, tocava contrabaixo na Banda e fez parte da
diretoria da Sociedade Musical União Democrata (SMUD), e seu pai, Senhor
Jeremias, dedicou vinte e dois anos de sua vida à mesma entidade, assumindo a
tesouraria numa de suas fases mais difíceis, quando da chegada do cinema falado,
fato que reduziu as atuações da Banda, a qual sonorizava os filmes. A dedicação do
Senhor Jeremias foi seguida por seus quatro filhos, Adriano, Belmiro, Guilherme e
Norberto, tendo este último se destacado por sua grande vocação e dedicação à
música.
50
Norberto Soares, ainda menino, convivendo no ambiente musical, era muito
curioso e demonstrava grande inclinação para a arte sonora, perguntando tudo
sobre música àqueles com quem convivia. Seu fascínio pela música revela-se no
artigo do Jornal Diário da Manhã:
Gostava de visitar a casa do professor de música Gastão Ramos, onde havia
instrumentos e métodos musicais. Mais tarde, já na década de 20,
entusiasmava-se quando via em ação o maestro Salustiano José Penteado,
dirigindo a Banda da União Democrata (O MAESTRO, 1979).
Seu primeiro professor, ainda segundo o mesmo artigo, foi Lúcio Casimiro da
Silva, que foi contramestre da Banda da SMUD por vários anos. Em 1927, já
dominando o instrumento, ingressou para a Banda como requintista. Dedicou-se ao
estudo musical e, em 1930, foi o primeiro colocado no Curso Musical Santa Cecília,
do professor paulista de composição e regência, na época diretor musical da SMUD,
Sr. Francisco Donizetti Pero.
Em meados de 1930, passou a contramestre, auxiliando o maestro Pero na
regência da Banda e ficando responsável pelo ensaio do repertório. Um ano depois,
quando o professor Pero voltou à São Paulo, Norberto Soares foi eleito por
unanimidade, em assembléia geral, como seu sucessor, assumindo o cargo de
maestro da Banda da Sociedade Musical União Democrata por quarenta e cinco
anos ininterruptos. Paralelo à atividade de regência, fundou e ministrou o Curso
Elementar de sica, totalmente gratuito e ministrado à noite, para possibilitar a
freqüência de operários que trabalhavam durante o dia, preocupação social que
norteou sua vida.
Norberto Nogueira Soares intensificou seus estudos musicais e, em 1955, foi
diplomado pelo Conservatório de Música de Pelotas em Teoria e Solfejo, Harmonia
Elementar e História da Música. Como instrumentista, atuou em diversos grupos
musicais da cidade, dentre os quais se destacam a Orquestra Mimosa e a Orquestra
Bandeira (exclusiva da Catedral São Francisco de Paula), e, ainda, acompanhou
seus alunos, integrando o grupo Jazz Espanha (O Maestro, 1979).
Conforme Soares (2004), Norberto Soares casou-se com a senhora Diva
Coitinho Soares, e o casal teve um único filho, Guilherme Eduardo Coitinho Soares,
que acompanhou o trabalho do pai, tornando-se músico executante de trompete,
51
ingressando, também, para a Banda da SMUD. Guilherme Soares continuou o
trabalho da família, dedicando-se à Sociedade Musical União Democrata.
De acordo com Maestro (1967), embora Norberto Soares conhecesse todos
os instrumentos que compunham as bandas, era exímio executante de requinta,
clarinete, trompa, bombardino, barítono e trombone. Como não existia na região
quem consertasse instrumentos de sopro, o maestro criou, no fundo de sua
residência, uma oficina, que foi apelidada de Laboratório do Mestre Soares,
dedicando-se à restauração dos instrumentos que ali chegavam, muitos oriundos de
bandas militares da região.
2.2 COMPOSITOR E ARRANJADOR
De acordo com Lins (1979), apesar de seu intenso trabalho como mestre de
banda e professor de música, ele ainda encontrava tempo para compor, sendo autor
de inspirados dobrados, marchas, hinos e valsas, compostos entre 1930 e 1975.
Destacam-se, dentre suas composições, as seguintes, ordenadas cronologicamente:
- 1932 - Capitão Cícero (dobrado), em homenagem ao herói da revolução de 30 e
nome da rua onde se localiza a sede da SMUD; 22 de Novembro (dobrado
sinfônico), alusão ao dia do músico;
- 1934 - Cidade de Pelotas (marcha solene), Santa Teresinha e Santo Antônio
(marchas solenes), para festas religiosas desses Santos;
- 1940 - Glória a São José (marcha solene), para as festividades religiosas;
- 1946 - Dr. Silvio da Cunha Echenique (dobrado), homenagem ao Prefeito e
presidente de honra da Sociedade;
- 1947 - Dr. Procópio Duval Gomes de Freitas (dobrado), homenagem ao prefeito
que isentou a Sociedade do imposto predial em caráter vitalício;
- 1951 - Tenente Bernardoni e Capitão Nelson, homenagem aos comandantes do
Corpo de Bombeiros, onde Norberto também atuou como regente da banda;
- 1952 - Capitão Valente (dobrado), homenagem ao diretor-fundador do Lar de
Meninos do Exército da Salvação;
- 1953 - Hino do Lar de Meninos (hino escolar), a pedido do Capitão Valente;
52
- 1955 - Momento Solitário (prelúdio Sinfônico), obra composta em São Paulo
durante um congresso de músicos do Exército da Salvação;
- 1960 - Seleção de Canções Brasileiras (arranjo para banda de músicas populares),
Cavalheirismo e Lealdade (dobrado sinfônico), dedicado a um sobrinho que foi
membro da diretoria da SMUD;
- 1965 - Gratidão (marcha-rancho), homenagem do Lar de Meninos do Exército da
Salvação às Lojas Brasileiras S.A; Setenta Anos da SMUD (marcha); Soldado 960
(marcha militar), dedicada a seu filho Guilherme Eduardo, quando este prestou
serviço militar no Exército; Gilberto Gomes (dobrado sinfônico), homenagem ao
jornalista e radialista;
- 1973 - Ignácio Dall’Agnol (dobrado), homenagem ao prefeito da cidade de Getúlio
Vargas, onde a banda da SMUD conquistou o campeonato Estadual de Bandas, no
mesmo ano;
- 1974 - Jubileu de Esmeralda (marcha-hino) composta para homenagear os 40
anos da cidade de Concórdia, em Santa Catarina, onde a banda da Democrata se
apresentou; Jubileu de Ouro (marcha-hino), homenagem aos 50 anos de
emancipação política do município de Flores da Cunha, onde a Banda também se
apresentou;
- 1975 - Paz e Prosperidade (marcha-hino), homenagem à cidade de Erechim, onde
se realizou o último Festival de Bandas de que Norberto Soares participou.
3
Dentre as composições de Norberto Soares, encontram-se sicas que eram
encomendadas por particulares ou compostas para presentear amigos. Registra-se
a composição Santos Borges, com arranjo para piano, composta em 31 de Outubro
de 1966, recuperada em sua versão original, fazendo parte do acervo da SMUD.
Analisando-se essa partitura, transcreve-se a dedicatória de Norberto Soares: Ao
estimado amigo e ex-aluno, Sr. Santos Borges, ofereço esta mui singela e
despretensiosa composição.
Não se pretende analisar a composição em suas formas construtivas, mas se
revela o cuidado e conhecimento do professor na escrita da partitura, os detalhes de
estruturação, que se apresentam em sinais de dinâmica, de repetição, de acidentes
ocorrentes, das ligaduras, etc. Cabe ressaltar que essa é uma partitura com arranjo
3
Essas composições ainda não foram encontradas. Registra-se a citação de Lins (1979), para enfatizar o trabalho
de composição de Norberto Soares e proporcionar, se possível, a recuperação desse material.
53
para piano que utiliza duas claves, demonstrando, assim, o domínio de Norberto
Soares sobre outros instrumentos, não só de banda.
Conforme Lins (1979), Norberto Soares também compôs músicas
carnavalescas, o que era comum em Pelotas, na década de 30, quando os cordões
carnavalescos, que possuíam grandes orquestras, executavam músicas próprias, de
compositores da cidade, às vezes ignorando os sucessos do Rio de Janeiro. Sua
maior colaboração artística foi recebida pelo cordão carnavalesco Está Tudo Certo,
para o qual compôs a marcha de guerra. Em 1932, o cordão saiu às ruas com cento
e quinze componentes, sendo que quarenta e cinco eram integrantes da Banda da
SMUD, regidos pelos maestros Eduardo S. Calçada e Norberto N. Soares. O coro
era organizado por Ivo Porto e Gastão Motta. No repertório desse ano, estavam,
dentre outras músicas, as marchas 1 e 2 e a Homenagem à Imprensa, música de
Norberto Soares e letra de seu tio Antônio Soares.
Ainda no repertório carnavalesco, de acordo com o autor, encontram-se as
marchas e sambas: Quero Passar, É Brinquedo Nosso, É Rainha do Samba (1934)
e Pioneiros da Folia (1935), compostas por Norberto Soares, sendo que as duas
últimas em parceria com o violonista Rodolfo Ibaño.
Pode-se imaginar um maestro e compositor que gostava muito de música
clássica compondo marchas carnavalescas? Pois bem, Norberto Soares as
compunha. Da complexidade de arranjos de Arias de óperas, feitos para as bandas,
e de composições mais complexas, chegava à simplicidade de versos cotidianos,
como os encontrados em um caderno onde o compositor fazia anotações. Um fato
importante nesse registro e também nas fotografias é que Norberto Nogueira Soares
datava tudo. Sempre no verso ou em um canto da folha, da partitura ou da foto,
encontra-se a data. No caderno de anotações (1968), encontram-se, dentre outros,
os seguintes versos compostos para o carnaval de 1968:
Fala com Ela (samba)
I Parte
Mário, fala com ela
Já estou cansado de esperar
Sofrendo vou andando
Não sei onde vou parar.
54
II Parte
Nada lhe faltará
Tudo lhe darei por amor
Mário fala com ela
Faz este grande favor
Salão Paroquial (marcha - 03/02/68)
I Parte
Vamos, meu bem
No Salão Paroquial
Hoje é dia de festa
Tem baile de carnaval.
II Parte
Vamos sambar, vamos pular
Bem juntinhos e agarrados
Na quarta-feira de cinzas, meu bem
Estamos livres dos pecados (SOARES, N., 1968).
As marchas e sambas de carnaval da época refletiam o cotidiano com
simplicidade, para que os foliões se identificassem com elas. O samba Honesto não
Pode Roubar, composto em 23 de Janeiro de 1968, fala da situação sócio-
econômica da época na visão humanitária, pelo que se entende, tinha Norberto
Soares.
Honesto não Pode Roubar
I Parte
Honesto não pode roubar
De vergonha não sai à rua para pedir
Sem carne, sem pão, sem leite,
Não tem prazer para sorrir.
II Parte
Carnaval é Festa do Povo
Este povo que não tem mais prazer
Paga a casa e a prestação
O resto não dá mais para viver (Idem).
55
Outras composições estão descritas nesse caderno, no qual também se
encontram anotações de títulos de músicas com data de 1967. Entre elas, as
composições instrumentais Gilberto Gomes, Soldado nº 960, Prefeito Edmar Fetter e
Hino para o Jardim de Infância. Também algumas orquestrações são citadas:
Pequeno Desfile Militar, com música do Professor Alcibíades Lino de Souza; Dança
Rural, Haydn; Canto de Maio, Mozart; Imitando a Corneta e outras. Possivelmente
essas músicas estavam ou seriam arranjadas para a Banda da SMUD tocar.
No mesmo caderno de anotações, encontram-se composições carnavalescas,
hinos e arranjos mais elaborados da música clássica. Assim era o fazer do
compositor Norberto Nogueira Soares, que, segundo o artigo Maestro (1967), era
um músico, compositor e maestro eclético, pois o seu repertório incluía desde as
mais singelas obras populares, até os mais requintados clássicos da música erudita
e operística, arranjados para a Banda.
Norberto Soares também compunha sicas encomendadas pelas lojas da
cidade, o que hoje é conhecido como jingle. As músicas que compunha eram
ensaiadas e executadas pela Banda da SMUD nas festividades proporcionadas pelo
comércio local. A mais famosa composição desse estilo ficou conhecida pelas
inúmeras execuções que a Banda da SMUD fez na chegada do papai-noel do
Mazza, uma das mais tradicionais Lojas da cidade de Pelotas. Também a
composição Jubileu de Ouro foi executada pela Banda para as festividades dos
cinqüenta anos do Bazar da Moda.
Algumas dessas composições foram resgatadas pelo sico Darcy Pereira
da Silva, que atuou na época e que ainda faz parte da Banda da SMUD. A busca
continua com o empenho de seus ex-alunos, de seu filho, de seus amigos e de
pesquisadores.
Encontram-se, na SMUD, até o momento, as seguintes composições de
Norberto Soares:
- composições próprias: Santos Borges (dobrado composto em 1966), Jubileu de
Ouro do Bazar da Moda (Cópia de Joel Silveira, executada em meados de 1957) e
Barão do Rio Branco (dobrado composto em 1960);
- arranjos de outros autores: Marionettes (17/07/68), Not For Sale (13/07/68), Quem
não quer (23/06/68), Prova de Fogo (23/06/68) e Eu Amo Demais, de Renato Corrêa
(1968), arranjado para a Banda em 05/01/1969.
56
Diante de tantas obras e arranjos, da diversidade de estilos e da qualidade
musical, Norberto Soares recebe o reconhecimento, também, de seu trabalho como
compositor e arranjador, explicitado em depoimentos e artigos, onde se lê:
São verdadeiramente extraordinárias as composições do referido compositor
gaúcho, as quais demonstram sua grande inspiração e notável sensibilidade
artística, que ele sabe muito bem casar com seus conhecimentos técnicos.
Sempre que é executada uma de suas composições, os aplausos surgem
espontâneos (MAESTRO, 1967).
As composições de Norberto Soares marcaram uma época e começam a ser
resgatadas e executadas pela Banda da SMUD com a ajuda de seus músicos.
Embora muito pouco se tenha registrado de suas várias composições, nota-se o
início de uma busca que, com certeza, irá enriquecer a história do compositor e da
música pelotense.
2.3 O RECONHECIMENTO
Dentre as homenagens que recebeu pela sua inestimável colaboração à arte
pelotense, além dos artigos publicados pela imprensa da cidade, Estado e País e do
respeito e admiração de todos que fizeram parte de sua história, conforme O
Maestro (1979), destaca-se a inauguração de seu retrato na Galeria de Honra da
SMUD, o recebimento do troféu Heróis da Longa Jornada, pelo jornalista Gilberto
Gomes, da Rádio Tupanci, e a inauguração de uma placa de bronze no interior da
sede da SMUD, por iniciativa de seus alunos, na qual se encontra registrado:
Homenagem da Primeira Diretoria do Grêmio dos Estudantes da SMUD ao ilustre
mestre e educador Norberto Nogueira Soares, em 11 de julho de 1965.
Segundo o artigo Maestro (1967), Norberto Soares recebe, nesse mesmo
ano, o título de Músico Emérito de Pelotas e a homenagem da Câmara Municipal de
Pelotas, que denominou a rua 11, do Núcleo Residencial Novo Mundo, de
Norberto Nogueira Soares. O reconhecimento nacional também foi registrado,
conforme se confere na publicação a seguir:
57
Um regente pelotense de banda de música, falecido, está entre os 32
melhores do Brasil, em sua categoria, nos últimos 75 anos, segundo trabalho
publicado no 37 do ‘Informativo Weril’(órgão da Ind. Brasileira de
Instrumentos Musicais Weril Ltda. de São Paulo) pelo conhecido jornalista J.
da Silva Vidal, que muitos anos acompanha o movimento de bandas em
nosso país. (...) O pelotense citado é o saudoso maestro Norberto Nogueira
Soares (MESTRE, 1984).
Assim a sociedade homenageou Norberto Nogueira Soares, reconhecendo o
seu trabalho no meio musical.
2.4 O PROFESSOR
A função de professor de música começa, para Norberto Soares, no momento
em que assume a regência da Banda da SMUD. A prática do ensino musical era
exercida pelos mestres de bandas para formar ou aperfeiçoar os músicos de suas
próprias bandas. Norberto Soares, além de aperfeiçoar os músicos da Banda da
SMUD, estendeu o curso à população da cidade e região.
O Curso Elementar de Música da SMUD marca o início da carreira de
professor, a qual Norberto Soares exerceu até 1976. Além desse curso, o professor
também ministrava aulas particulares de música em sua residência e na SMUD.
Com o passar do tempo, as atividades se acentuam, e Norberto Soares é
contratado pela Prefeitura de Pelotas como professor de música, conforme
documento: Contratado conforme livro de contrato n° 5, da DGeral, fls. 105, a contar
de 1/9/950, para servir como Mestre da Banda do Corpo de Bombeiros. Exerceu a
função de Mestre da Banda do Corpo de Bombeiros até 1954.
Como professor, atuou nas escolas Círculo Operário Pelotense (Nossa
Senhora Medianeira), a partir de 09 de Fevereiro de 1952, contratado pela portaria
165/52, e na escola Balbino Mascarenhas, contratado em 15/5/54, pela portaria
139/54, conforme registros na Ficha de cadastro da Prefeitura de Pelotas. Norberto
Soares foi contratado pela Diretoria da Educação/Departamento de Ensino
Primário/Magistério Musical, em 04 de Março de 1955.
O professor exerceu suas funções de contratado no período compreendido
entre março e dezembro, vindo a ser estabilizado na profissão de professor público
somente em 30 de Dezembro de 1963, pelo decreto de 30/11/63 (Rq. 11.127/63). No
58
histórico de funcionário da Prefeitura, encontram-se registrados os processos da
efetivação de seu cargo como professor primário até 1975 (Dec. P-08/75 conc. O 3°
avanço a/c de 01/01/75).
Dentro dos projetos da Prefeitura, o professor Norberto Soares organizou e
conduziu a Sociedade Orquestra Infanto-juvenil, que iniciou suas atividades no
Colégio o Benedito e, posteriormente, passou para a sede da SMUD. Soares
(2005) informa a respeito dessas aulas:
Eram três professores: o pai, o professor Manoel e o professor Clóvis.
Segundo a Prefeitura, quando não existisse mais um deles, terminava a
escola, não tinha reposição. Formou muito músico. Jovens da população.
Escola gratuita. Nessa escola ele dava aula de sopro, trompete, trombone,
trompa. O professor Clóvis era as cordas, o violino, viola, cello, contrabaixo.
O professor Manoel era paletas, sax, clarinete, flauta (SOARES, 2005).
O trabalho de Norberto Soares ia se concretizando, e o professor era
convidado para formar bandas em várias instituições. Fora várias vezes convidado
para atuar como regente de bandas militares, onde também repassaria seus
conhecimentos teóricos aos músicos, mas preferiu dedicar-se a outros fins,
aceitando o trabalho para formar bandas em escolas que atendiam crianças
carentes.
Assim, Norberto Soares regeu a banda do Abrigo de Menores e do Lar de
Meninos do Exército da Salvação com destacada atuação.
Após vinte anos como professor do Curso da SMUD, foi contratado para atuar
na rede pública de ensino. Consta na Ficha do Professor, da Diretoria da Educação
da Prefeitura de Pelotas, que Norberto Nogueira Soares possuía o Curso Ginasial e
formação em Música, razões suficientes, além do reconhecimento pelos anos de
atuação como professor, que o levaram a assumir o cargo de professor de Ensino
Primário efetivo, matriculado sob o n° 1421, na S.M.E.C. (DE).
O trabalho do professor Norberto Soares é registrado no artigo Maestro:
Se o maestro Norberto Nogueira Soares é admirado como maestro, músico,
orquestrador e compositor, maior ainda será pela sua capacidade de
professor de música. Neste particular, quando se escrever definitivamente a
história do ensino musical, em Pelotas, podemos afirmar que ele ocupará
uma das páginas mais brilhantes, pelos serviços inestimáveis (a maior parte
59
gratuito) que tem prestado à cultura artística no extremo sul da nossa Pátria
(MAESTRO, 1967).
No artigo publicado no Diário Popular, referindo-se à atuação de Norberto
Soares como professor de música, lê-se:
Passaram pela classe do mestre Norberto cerca de 4 mil alunos. É
um número elevadíssimo quando se sabe que o ensino da música, no
que tange à técnica instrumental, ao solfejo, à leitura ritmada, é
forçosamente individual, tornando o mestre um autêntico artesão do
ensino (LINS, 1979).
A educação musical proporcionada por Norberto Nogueira Soares, registrada
no trabalho individual ou coletivo, primou pela disciplina, moral, dever e afetividade
demonstrados pela sua conduta, pelos seus métodos pedagógicos, e se fez notar no
futuro profissional de muitos de seus alunos.
2.4.1 O Método
Para definir o método utilizado por Norberto Soares em suas aulas, recorre-se
aos depoimentos dos alunos da SMUD e do Lar de Meninos, que revelam alguns
detalhes através dos quais, ao compará-los, pode-se definir a linha pedagógica
seguida. Do material didático usado pelo professor, utilizam-se as anotações de um
caderno de música que foi guardado pelo aluno Darcy P. Silva, do Curso da SMUD.
Constata-se, através dos depoimentos, que os alunos considerados
iniciantes, que não possuíam conhecimentos teóricos, nem de instrumentos,
começavam com a teoria musical e, depois de ter passado pelo aprendizado
básico, que os alunos chamam de ABC da música, ou seja, reconhecer notas na
pauta, valores e o básico de solfejo, é que passavam a trabalhar o instrumento. O
primeiro contato com o instrumento de sopro era de reconhecimento e de
embocadura.
60
2.4.1.1 A Teoria Musical
A parte teórica da música, na SMUD, era ministrada em grupo e uma vez por
semana, com definições claras e objetivas, conforme as anotações encontradas no
caderno de Silva, utilizado pelo aluno de 09 de março de 1956 a03 de maio de
1957, no Curso Elementar de Música da SMUD. Seguem-se algumas definições
desse material:
A música é a arte de exprimir os sentimentos por meios de sons.
Notação Musical é a representação gráfica dos sons.
Notas são sinais que servem para representar os sons.
As notas têm sete nomes: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si. Nessa ordem, essas
notas representam uma série de sons que se chama escala (SILVA, 1956-7).
Sobre os valores das notas, encontram-se as seguintes definições:
Para representar as diversas durações dos sons necessários para escrever a
música, as notas têm várias formas. Estas formas chamam-se valores e
indicam durações mais ou menos longas. Pausas são sinais que,
correspondendo aos valores das notas, determinam a duração de tempo que
se deve passar em silêncio (Idem).
Seguem-se as lições que terminam, nesse caderno, abordando as escalas
cromáticas e algumas notações sobre elementos de harmonia, como tônica e
sensível, e sinais de dinâmica, como stacatto, que não serão descritas por se
tratarem de definições mais complexas, que dependem da seqüência do estudo.
Mesmo se tratando de definições complexas aos leigos, a linguagem verificada no
caderno de Silva é muito acessível, simples e direta, certamente para atingir o
público-alvo, ou seja, operários, adolescentes e crianças.
O currículo do curso é confirmado pelos alunos quando relembram:
Ele começava botando no quadro o que era música e mandando copiar. Não
deixava pegar o instrumento. Depois, quando tu aprendias toda a teoria,
começava o método Bona. A partir do momento em que tu aprendesses o
61
que era cabeça de nota, o nome das figuras, das notas, ele já te dava o
método Bona para tu leres, devagarzinho (FONSECA, 2005).
Sebage (2005) diz que passou pelo método Bona. Eu tocava meio de ouvido,
aí eu entrei por música e segui tocando na Banda. Eu tinha 17 anos, entrei em 1942.
A parte teórica da música, como pode se verificar, dava início ao
conhecimento que levaria à execução musical. Muitos músicos que entravam para o
curso da SMUD já tocavam de ouvido, mas se preparavam com a teoria para
poderem ampliar os conhecimentos que aumentariam o mercado de trabalho e
permitiriam que fizessem parte da Banda.
O estudo do instrumento, na maior parte das vezes, começava depois do
conhecimento teórico, mas, em alguns casos, quando o músico demonstrava um
certo domínio do seu instrumento, teoria e prática caminhavam juntas, como no caso
do músico Francisco de Paula Dias Alves, que relata a sua experiência.
Ele mandou eu pegar o pistão para ver se eu tinha embocadura. Eu disse que
eu fui corneteiro no colégio. comecei com a teoria e o instrumento. Fui
fazendo uns exercícios mais adiantados. Eu tive uns dois anos, quando
chegou em 64, 65, eu passei a fazer parte da Democrata, lá dentro. Na rua eu
não tocava. Quando a Banda fez 70 anos, em 66, eu passei a fazer parte
de todas as tocatas da Banda. Atuar como músico da Banda.Continuava
estudando. tava no último ano.Eram quatro anos. A teoria eu tava quase
no fim, mas continuava nas aulas práticas (ALVES, 2005).
Pelas declarações do ex-aluno, verifica-se que o curso de música da SMUD
tinha a duração de quatro anos. Nesse período, os alunos recebiam a formação
teórica e do instrumento. A parte instrumental requer um treino constante, e os
músicos, mesmo terminando a teoria, dedicavam-se ao ensaio de técnicas
instrumentais para se aperfeiçoarem.
No Lar de Meninos, por ser um curso ministrado para crianças e
exclusivamente para a formação da Banda daquela instituição, verificam-se algumas
particularidades no material didático adotado. O Exército da Salvação possuía
alguns materiais próprios, constituídos, basicamente, por hinos religiosos e canções
natalinas, para serem executadas nas campanhas de arrecadação de donativos nos
finais de ano.
62
Soares da Silva (2005) lembra que Norberto Soares levava outras partituras
para eles tocarem e que também utilizava o The Salvation Army Brass Band Music,
com hinos sacros e outros. Na parte final desse livro, havia sicas gravadas pela
Banda Internacional do Exército da Salvação, marchas e dobrados, que nada tinham
a ver com a música sacra, mas eram executados pelas bandas do Exército da
Salvação em todo o mundo.
Apesar de possuir um repertório, em parte, definido pelos hinos do Exército
da Salvação, entende-se que, para executá-los, era necessário o conhecimento
musical. Nesse sentido, o método do professor Norberto Soares não diferiu muito do
método adotado nos outros cursos.
Havia, no Lar de Meninos, uma sala especial para o ensino da música. Nesse
local, o professor chegava e ministrava as aulas a três vezes por semana, em
algumas épocas, segundo seus alunos. Após terem passado por um pequeno teste
de aptidão, que era geralmente rítmico, os alunos iniciavam as lições de música,
conforme explica Silveira:
Primeiro eu fiz só o teste e aprendi a teoria, depois aprendi a ler música:
quando ele achou que eu tava já em condições, eu passei pra Banda.
Ele deu a teoria, quando, seis meses ele dava o instrumento, ensinava as
notas, os acidentes todos musicais, e a gente ia estudando em casa. Quando
ele vinha, tomava as lições e passava uma outra nova lição, e era sempre
assim (SILVEIRA, 2005).
A teoria musical antecedia o ensino do instrumento, e o método utilizado para
o aprendizado da leitura musical era o Bona. Esse método pode ser considerado a
parte prática da teoria, pois é constituído basicamente de solfejos, e os alunos
começam exercitando o tempo das notas num grau crescente de dificuldades. No
método Bona, também se encontram definições teóricas da música que o
necessárias ao solfejo. Assim como no curso da SMUD, esse todo era utilizado
no Lar de Meninos, conforme depoimento:
Ele nos ensinava desde o método Bona, a ler o método Bona, era uma das
coisas que ele fazia questão que todos começassem a aprender por ali, era a
tabuada da música. Então ele colocava o método Bona na nossa frente, nos
ensinava valores, os tempos de cada nota, e fazia com que nós
63
solfejássemos as notas, antes de pegar qualquer instrumento. A gente ali
aprendia a marcar compasso e tudo, depois é que a gente ia passar pra
algum instrumento (SOARES DA SILVA, 2005).
O método Bona foi adotado no Lar de Meninos basicamente como o único
material didático, pois, para Soares da Silva (2005), eles não utilizavam cadernos de
música, somente as partituras e os métodos que o professor Norberto Soares levava
e distribuía para os alunos estudarem. Para o aluno, o método Bona é, sem dúvida,
o ABC da música.
A leitura da partitura era fundamental para a execução das músicas, e a teoria
musical precisava atingir o mínimo de conhecimento para tal, como explica Dias.
Tinha que ler alguma coisa. A gente tocava por música. Tinha colegas que
entendiam bem melhor do que eu, mas a gente tinha as aulas teóricas com
ele. No início aquelas coisas de solfejar, o básico. Em qualquer categoria,
qualquer tipo de coisa que se vai começar a aprender, claro, entrar na escola,
ABC, as vogais, até o dia do canudo (DIAS, 2005).
Verifica-se que o professor se utilizava principalmente do método Bona para
trabalhar metodologicamente a teoria e o solfejo com seus alunos. Na SMUD, a
teoria musical, além da encontrada nesse método, era repassada aos alunos, que
copiavam em seus cadernos.
Observa-se, também, que, sem o conhecimento teórico, os alunos não
iniciavam a prática do instrumento. O processo de aprendizagem da teoria levava
entre seis meses e um ano, e as aulas teóricas eram ministradas em grupo.
O conhecimento da teoria musical revela aos alunos uma linguagem
universal, escrita com símbolos específicos, que representam os sons e silêncios
que, quando ordenados, constituem a música.
Aricó Júnior (s.d.) apresenta um material didático exclusivo para a escrita
musical. No prefácio de Caligrafia e Tarefas Escolares de Música, o autor salienta
que a caligrafia musical deve seguir alguns procedimentos técnicos, tanto para o
desenho dos signos como na maneira mais cômoda de tomar a pena. Reforça as
atitudes corporais na escrita musical e a seqüência dos exercícios, propondo que a
primeira lição de caligrafia deve consistir em linhas perpendiculares (barras
divisórias) a que o aluno as execute com perfeição; e logo, pouco e pouco, os
diversos elementos que formam as notas e as claves.
64
Trazendo um estudo que contém todas as partes gráficas dos programas dos
Conservatórios, Escolas Secundárias, Normais e Profissionais, Aricó Júnior ressalta
que o aluno aprende solidamente uma coisa, se a praticar, se a fizer com as
próprias mãos. Recomenda, ainda, aos professores, que controlem o trabalho de
seus discípulos, apontando-lhes os senões, e, quando se fizer necessário, dar-lhes
oportunidade de repetir os exercícios não compreendidos ou mal feitos.
Além da caligrafia, o aluno deverá praticar a leitura dos signos. A escrita
musical é, na verdade, uma série de sinais que precisam ser decodificados para
uma perfeita leitura da partitura. Embora a música pareça intuitiva, a sua perfeita
execução requer um treinamento intenso da leitura de seus sinais. A boa leitura
musical é a combinação da identificação e execução imediata, que é alcançada pelo
exercício, o que, para Foucault (1999, p. 136), é a técnica pela qual se impõem aos
corpos tarefas ao mesmo tempo repetitivas e diferentes, mas sempre graduadas.
A técnica se torna reguladora e domadora dos movimentos do corpo,
permitindo que, ao seu domínio,
as peças executadas se aproximem da perfeição e
sejam liberadas as emoções tanto do artista, quanto do público ouvinte, constituindo-
se, da junção técnica-emoção, o universo musical.
A partir do domínio do conhecimento teórico, da escrita e leitura da partitura,
verifica-se, novamente, a passagem do condicionamento mental e visual ao físico,
com a prática instrumental.
2.4.1.2 O Instrumento Musical
O ensino do instrumento começava pela escolha do mesmo, que era feita
seguindo os critérios do professor, salvo aqueles que tocassem ao entrar no
curso. Às vezes o aluno pretendia tocar um instrumento e acabava, por sugestão do
professor, tocando outro. O professor fazia uma análise de seus alunos e definia
qual instrumento ele deveria tocar. Essa análise é referida por Fonseca (2005), que
começou a estudar sica na Orquestra Infanto-Juvenil da Prefeitura, dentro da
SMUD, quando diz que:
65
O professor Norberto Soares tinha o dom, não sei. Ele olhava pro elemento
assim e dizia: “Meu filho, esse seu lábio não pra trombone, não pra
piston”. Ele olhou pra mim, e eu queria pistão. Ele disse: “Não, esse teu bio
não pra pistão, tu vais tocar trombone”. Era assim, sabia tudo
(FONSECA, 2005).
Assim aconteceu com Silva (2005): Comecei a estudar em 1956, e o mestre
disse assim: “Vais ter que pegar o trombone”. Ele olhava a gente pelos lábios, né?
Norberto Soares utilizava seus conhecimentos para definir os instrumentos
que cada aluno tocaria, um conhecimento fisiológico, verificado no depoimento de
seus ex-alunos da SMUD.
Ele julgava, na época dele isso era comum, eles olhavam pelas feições da
pessoa, o lábio, e ele dizia que instrumento de bocal para mim seria muito
difícil, especificamente o instrumento que eu queria, que era o trompete. Eu
tenho um parente que tocava trompete. Eu o via e achava bonito, né. E aí ele
(o professor) dizia: não, o teu lábio o é pra trompete. Eu fiquei com aquela
magoazinha, né. Ai ele descobriu que eu tinha jeito para o trombone. Naquele
tempo não tinha à vara, era de pisto. Consegui um pouco de êxito ali. Ele se
entusiasmou tanto que me emprestava... eu que tinha o privilégio de levar
o instrumento pra casa. Aí, fui me entusiasmando, tocando umas
musiquinhas... (RIBAS, J., 2005).
Ribas, J., ex-aluno do professor Norberto Soares, começou seus estudos
musicais dentro da SMUD, fazendo parte da Orquestra Infanto-Juvenil da Prefeitura
de Pelotas. Seguiu carreira militar como músico, começando pela percussão,
passando a corneteiro e, por último, trompetista, aquele instrumento a que o
professor Norberto fez referência, para o qual o seu lábio não era adequado. O
músico disse que foi bastante difícil e que hoje existem diferentes bocais, mas que,
na época, ele sofreu muito para aprender. Admite que o professor Norberto Soares
tinha razão quanto à embocadura e que fez até terapia para vencer as dificuldades
que encontrou com esse instrumento, pois queria superar suas limitações.
Atualmente auxilia o mestre da banda do Exército, onde é 1º Sargento.
A escolha do instrumento que cada aluno tocaria era feita por uma análise do
lábio, uma práxis utilizada por Norberto Soares. Essa análise deve ser feita, de fato,
porque os instrumentos de sopro possuem bocais diferentes. Alguns possuem
bocais mais largos, outros mais estreitos, assim os lábios mais finos ou mais grossos
se adaptarão a determinados bocais. Determinar a qual instrumento cada pessoa
66
deverá se dedicar, analisando o lábio, facilita a execução, pois a adaptação é mais
fácil.
Muitos alunos de Norberto Soares começavam a tocar nas bandas com
alguns instrumentos de percussão e, depois, com o estudo, fixavam-se em algum
outro instrumento. Dias (2005), do Lar de Meninos, fala de sua experiência com
vários instrumentos: Eu passei pelo triângulo, surdo, trompa, depois eu terminei, nos
últimos tempos, o principal era o trombone, de pisto.
Outros alunos também começaram assim, como exemplifica Moura, do Lar de
Meninos:
[ ] eu tocando o ferrinho e o maestro ficava assim, meio de lado. Quando eu
tinha que bater, ele fazia assim... Dava um sinal com a mão. Eu era
pequenininho. Então eu já ficava preparado, olhando o maestro. Ele me
avisava quando tava meio na hora. Eu tinha uma tendência pra música.
Quando chegava mais ou menos na hora, eu já sabia, que não conhecia
bem a música, então ele me avisava naquela hora. Ficava com a mãozinha
assim pra trás e me dava um toque com um sinal. Depois dali, do triângulo,
passei pra instrumento de percussão.
Toquei caixa na Banda, toquei surdo e depois passei pra instrumento de
metal. Comecei a aprender teoria. Comecei a tocar trompa, que é um
instrumento mais de harmonia. A trompa faz um trabalho muito significativo,
que enche os espaços vazios. A trompa faz o contracanto. Ela acompanha
quase que o ritmo do instrumento de percussão. Então comecei na trompa.
Depois da trompa, fui evoluindo e passei ao trombone. Terminei a minha
trajetória na Banda como trombonista (MOURA, 2005).
Depois de identificar o instrumento, o professor passava aos exercícios de
embocadura, que, para Luz (2005), reforçam a resistência no lábio para tirar as
notas, porque, senão, cansa e começa a sair o ar pelo canto da boca e começa a
desafinar. Esse processo começa pela identificação do bocal, a sua colocação
correta no lábio e a prática do sopro.
Os exercícios de embocadura começavam, segundo Fonseca (2005), ex-
aluno da SMUD, depois que estava andando o método Bona; os garotos loucos pra
tocar o instrumento, aquela ansiedade... Depois que tu dominavas mais ou menos,
ele dava o instrumento pra fazer embocadura.Aí, a gente pegava o instrumento.
Era um trabalho minucioso de aperfeiçoamento, que despendia tempo e
dedicação do professor, pois era individualizado. Fonseca (2005) lembra que a
teoria era em grupo, o Bona, em grupo, e o instrumento era individual. Cada um
67
pegava a sua cadeirinha e ia pra um cantinho com o seu instrumento, e ele passava
um por um, revisando.
Os exercícios mais adiantados nos instrumentos eram passados quando o
aluno dominava a embocadura. Assim aconteceu com Alves, que era corneteiro
no colégio e tinha experiência quando foi para o Curso Elementar de Música, na
SMUD:
Ele viu que eu tinha embocadura, não tinha que ficar ensinando como é que
põe o bocal na boca. Tudo eu sabia. Já me passava umas lições de notas
brancas pra preparar. Notas brancas são as notas de 4 tempos, pra fazer um
exercício respiratório. O sopro precisa de exercício respiratório pra tirar
aquelas notas longas e prepara o pulmão e a embocadura, pra pessoa ter
firmeza (ALVES, 2005).
Para tocar um instrumento de sopro, o instrumentista também precisa
dominar o aparelho respiratório, pois depende da passagem constante de ar pelo
instrumento. Os exercícios também devem ser realizados para que o aparelho
respiratório responda às necessidades de execução. Para manter essa passagem
de ar, no instrumento de sopro, combinam-se exercícios constantes de respiração e
de embocadura.
O ensino do instrumento continuava paralelo às outras atividades, conforme
relatado:
Eram três coisas: a teoria que continuava, o método Bona, a tal divisão e o
instrumento. eu ia, até o momento de ir pra estante e tocar. Dentro disso
aí, o instrumento era nota branca, escalas... Escalas com sustenidos,
bemolizadas, todas elas e relativas, tudo aquilo ele ensinava pra gente.
Ensinava completo. O instrumento também (FONSECA, 2005).
Essas informações definem alguns aspectos do programa e do todo de
ensino utilizado no Curso Elementar de Música que Norberto Nogueira Soares
fundou em 1931 e ministrou até 1976, assim como no Lar de Meninos do Exército da
Salvação.
68
2.4.2 A Disciplina do Professor
Todo professor, independentemente da área em que atue, deve dispor de
uma organização para manter o seu método e trabalhar o currículo proposto. Essa
organização depende de algumas regras e formalidades que devem ser cumpridas.
O professor Norberto Soares mantinha a disciplina organizacional dos cursos que
ministrava, na exigência da aplicação ao estudo, em relação ao horário, ao silêncio,
etc. Silva (2005), aluno e músico da SMUD, lembra como era o professor: Ele era
rígido, tinha que ter linha, a organização também... Na hora de passar os exercícios,
todos ficavam quietos. Ele era muito pontual. Não tinha dessas de esperar muito por
ele não. Ele vinha, organizava tudo.
A organização era uma prática do professor Norberto Soares que se refletia
em seus alunos, também no Lar de Meninos:
Ele chegava pro ensaio, entrava na porta e batia a batuta. Aquilo era sempre,
era um ritual dele. Chegava na porta, batia a batuta na porta, nós estávamos
todos na sala. Era exigência dele que todos estivessem dentro da sala de
banda antes de ele chegar. Aquele que não estivesse não entraria mais. Não
participaria do ensaio e, provavelmente, não participaria, também, de alguma
atividade que tivesse naquela semana. Era uma punição que ele... ele
chegava, batia, a gente tava lá, fazendo qualquer tipo de floreio, ele batia a
batuta na porta de entrada pra dizer que chegou. Aí ele chegava, todo mundo
tava no seu devido lugar, e ele distribuía as partituras daquilo que ele
queria que a gente ensaiasse e começava o ensaio. Antes de tudo ele afinava
todos os instrumentos, coisa de que até hoje eu sinto muita falta, às vezes,
quando escuto certas bandas. Ele era exclusivamente dedicado à música em
todos os sentidos, na preservação dos instrumentos, ele era muito exigente
(SOARES DA SILVA, 2005).
Um ritual disciplinar era seguido para que as aulas fossem ministradas. A
organização dos alunos, o horário e a distribuição do material didático antecediam
às aulas e era uma exigência do professor. Norberto Soares anunciava a sua
chegada, e os seus alunos sabiam como proceder para o início das aulas. Uma
autoridade que se impunha sem, no entanto, apagar as qualidades pessoais do
professor. Sebage (2005), da SMUD, define o professor como um homem
muito
enérgico, uma pessoa muito boa e que ensinava música bem.
Para o ensino da música, o professor Norberto Soares se fazia valer da
disciplina do estudo musical, exigindo de seus alunos uma dedicação constante. Na
sala de aula era ensinado e cobrado todo tipo de
atenção, insistindo na leitura da
69
partitura. Ribas (2005) e Alves (2005) recordam que, se a nota estava errada, ele
chamava a atenção: “A nota tá errada. Olha a partitura, com a partitura na frente”.
A leitura da partitura era fundamental para que os alunos executassem bem o
instrumento e era freqüentemente exigida pelo professor, pois os alunos, às vezes,
tocavam intuitivamente, como reforça o aluno Alves, da SMUD: Mas a gente gostava
de inventar. Ele, de vez em quando, chamava pra partitura.
Moura (2005), que entrou para a Banda do Lar de Meninos aos sete anos, diz
que sempre teve tendência a tocar de ouvido. Então eu fazia os meus arranjos
particulares, e ele me chamava, se antenava, né, me dizia: “Olha, tá bonito, mas tem
que fazer pela partitura, tá escrito lá”. Nunca tive nenhum problema com ele.
Segundo seus ex-alunos, Norberto Soares exigia que as músicas fossem
tocadas pela partitura. Dizia que, se não soubessem escrever o que estavam
tocando, que não tocassem. Moura (2005) diz que o professor Norberto era muito
rigoroso, tinha que saber ler a partitura mesmo. Tinha muita paciência pra ensinar. O
método Bona, eu tinha que tá sempre batendo o compasso. Ensinava a bater
compasso e tocar pela partitura
.
Para que a leitura fosse fluente, dentro do curso da SMUD, o professor exigia
uma aplicação dos alunos, repetindo as lições até que estivessem perfeitas,
coordenando suas execuções.
Se a gente fazia alguma coisa de errado, ele dizia: Não, meu filho, não é
assim, é assim, dessa maneira. O contato era muito bom, muito cordial. Teve
uma época que eu queria desistir. Ele era firme, mas não agredia. Se tu o
sabias a lição, deixava pra próxima. Não passava. Dizia: Não, tu vais pra
casa e traga pra mim. Chegava a passar três ou quatro semanas com a
mesma lição, até aprender. Passou aquela, então vamos pra outra. Escutava
e dizia: Agora tu vai estudar essa aqui (FONSECA, 2005).
Ribas, J. (2005) lembra que o professor sempre corrigia alguma coisa.
Levava mais tempo corrigindo a posição do que muitas vezes tentando tocar o
instrumento. Quando eu ia começar, ele vinha e dizia: “Não, arruma de novo, não”.
Ele era muito elegante, muito técnico.
A aplicação ao estudo da música se fazia necessária na sala de aula e
também fora dela, conforme revela Silveira (2005), ex-aluno do Lar de Meninos. Ele
70
dava o instrumento e nos exercitávamos muito, muito mesmo. Na época, quando eu
era guri, estudava no mínimo umas 4 horas por dia. Estudava mesmo.
Amaro, também ex-aluno do Lar de Meninos, explana algumas atitudes do
professor Norberto Soares para manter a disciplina nas aulas e para conseguir fazer
com que os meninos tocassem certos instrumentos, às vezes, por necessidades da
própria Banda, outras vezes, por perceber que o aluno deveria se dedicar mais para
passar para outros instrumentos.
Uma paciência assim. A gente fazia frege, e ele pegava a batuta e dava nos
dedinhos. Meu nome era Augustinho. Ele conseguiu ensinar, com toda
aquela paciência dele, fez uma banda muito boa. Aquele monte de gurizada,
tudo fervendo e querendo tocar. Ele tinha que pegar a batuta e dar nos
dedinhos pra acalmar. A sala da banda era lá nos fundos.
Todo mundo queria tocar pistão, pra aparecer para as gurias. Pistão era o
xodó, solava. eu tocava trompa... Ah, professor, eu não quero tocar mais
trompa porque eu quero solar (AMARO, 2005).
Quando passou para o pistão, Amaro lembra de teve ensaiar muito. Se ele
apoiava os dedos, recebia uma batidinha com a batuta para não acostumar mal. Ele
dizia: "Não é aí, meu filho, é aqui, assim".
Todo o processo de aprendizagem do instrumento musical, segundo os
depoimentos, passava por repetidos exercícios, assim como na teoria, que agora
havia uma relação musical corporificada. Foucault (1987, p. 130) explana sobre essa
relação que constitui a articulação corpo-objeto. Para o autor, a disciplina define
cada uma das relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula. Ela
estabelece cuidadosa engrenagem entre um e outro. Exemplifica a codificação
instrumental do corpo com o manejo das armas feito pelos soldados, a posição
exata das mãos, dos dedos, dos braços e cotovelos, o que também se verifica na
execução de um instrumento.
Assim, o ensino do instrumento é sujeito a etapas evolutivas,
incessantemente repetitivas até a sua construção desejada. Para Makarenko (1981,
p. 39),
a disciplina pertence à espécie de fenômenos dos quais exigimos sempre
perfeição.
Buscar objetivos deve ser um princípio claro para o professor e para os
alunos. Aprender a tocar o instrumento, a ler a partitura, a executar as ordens do
71
maestro, a manter a uniformidade e a coerência musical do grupo. Esses objetivos
devem ser explicitados e atingidos no processo de ensino/aprendizagem. Nesse
sentido, Makarenko (1981) considera que cada educação persegue determinados
objetivos, que são submetidos a um processo de constante mudança e de crescente
complexidade.
Como o professor e maestro Norberto Soares ensinava música para formar
bandas, ele dependia de todos os instrumentos para mantê-las completas. Muitas
vezes usava de artifícios para convencer os alunos a permanecerem em seus
instrumentos, até mesmo porque, para tocarem outros instrumentos, os meninos
deveriam estar preparados. Alguns instrumentos não apareciam muito, não tinham
destaques, solos, e os meninos, às vezes, queriam aproveitar a oportunidade da
banda para se fazerem notar. Como o professor fazia para a gurizada tocar trompa e
percussão, instrumentos que não chamavam a atenção das gurias? Para Amaro, do
Lar de Meninos, isso acontecia por persistência do professor, e revela que:
Eu queria tocar pistão pras gurias olharem pra mim. Ele dizia: “Tem que tocar
aí”, então se toca. Depois ele passava...Via que a gente tava produzindo
então dizia: “Vou te passar para o pistão”. Tinha que mostrar serviço pra ele.
Ele sempre me incentivava muito. Sempre elogiando, pra não perder. Se,
começava muito a berrar, o cara já... Ai, meu Deus do Céu... (AMARO,
2005).
Norberto Soares utilizou seus métodos disciplinares, aproveitando-se dos
desejos momentâneos despertados por seus alunos adolescentes. Embora cada
instrumento dentro do coletivo tenha uma importância igual e desempenhe sua
função para proveito do todo, alguns instrumentos despertavam maior interesse. Os
alunos eram incentivados a se dedicar para que pudessem um dia, quem sabe, tocar
outros instrumentos.
A dedicação era a forma que os alunos tinham para conquistar outros postos.
Dentro de um mesmo naipe de instrumentos, existe uma hierarquia, e os postos
mais almejados são os que fazem os solos musicais, os que se destacam. Todo o
esforço era convergido para a superação dos limites, e o professor Norberto Soares
soube canalizar os esforços, os objetivos individuais temporários, em prol de seu
objetivo final, o coletivo das bandas. Essa medida vem ao encontro de Makarenko
72
(1981, 38), que enfoca que a disciplina correta é o objetivo satisfatório que o
educador deve se propor com todas as suas energias, valendo-se de todos os meios
que estejam ao seu alcance.
Os alunos entendiam que, para tocarem, para serem bons músicos, deveriam
seguir as orientações do professor. A disciplina, nas aulas de Norberto Soares,
passou a ser uma prática de todos. Conforme relato de Fonseca (2005), não era
música que ele ensinava. Ele ensinava disciplina, não aquela disciplina goela
abaixo, porque tem que fazer... Ele tava ensinando a ler música, teoria e tava
ensinando a disciplina.
Dentro da pedagogia adotada por Norberto Soares, verifica-se uma exigência
constante de atenção e dedicação dos alunos. Esses, por sua vez, acostumavam-se
a tais regras e as incorporavam em suas atitudes musicais cotidianas.
Para Makarenko (1981), para cada fase do regime, existem regras
temporárias que são utilizadas regularmente até o resultado ser proveitoso, quando
se forma o costume. O autor se refere ao regime como meio utilizado para alcançar
os objetivos propostos, um procedimento educativo (p. 38), que se constata no
trabalho de Norberto Soares.
As exigências diante do comprometimento do aluno fazem com que recaia
sobre o orientador o encargo disciplinar, mas, em alguns instantes, percebe-se que
os ex-alunos de Norberto Soares desconectam a música da disciplina, como se a
disciplina fosse algo penoso, e a música, prazerosa.
2.4.2.1 Um olhar mais Próximo
Norberto Nogueira Soares, embora tenha se dedicado a muitos meninos,
tratando-os como seus próprios filhos, preocupando-se com suas vidas, gerou
apenas um filho, com o qual conviveu diariamente, como pai, amigo e também como
professor.
Guilherme Eduardo Coitinho Soares nasceu em 1948, e acompanhou o pai
em muitas de suas atividades. Hoje Guilherme Soares é músico da Banda da SMUD
e já pertenceu a vários postos dentro da diretoria dessa Sociedade.
Grande colaborador e, talvez, um dos maiores responsáveis por essa história
que se descreve, Guilherme Soares relata sua convivência com o pai e professor,
73
trazendo particularidades da pessoa, do meio familiar, do profissional, do homem
Norberto Soares.
Guilherme Soares fala do dia-a-dia, da postura de Norberto Soares em casa e
de seu aprendizado com o pai. Diz que, por ser filho único, teve muita atenção do
pai e que assimilou para a sua vida muito do que ele lhe transmitiu. O pai era muito
organizado em casa e sabia o lugar de tudo, também gostava de arrumar com
antecedência suas coisas, pois primava pela pontualidade. A esposa de Norberto
Soares, segundo Soares(2005), também mantinha a organização: eu trago de pai e
mãe essa organização.
Por conviver no meio, Guilherme Soares tinha contato com todo o mundo
musical do pai. O seu interesse pela sica foi despertado desde cedo, porém
Norberto Soares deixou que ele se decidisse sozinho, não impondo o estudo musical
ao menino. Esperou a hora certa para abordá-lo e incentivá-lo ao estudo. A partir de
uma relação familiar, que era boa, Guilherme Soares afirma que, quando
começou a se interessar por música, a sua relação com o pai ficou ainda melhor e
maior. A gente trocava idéias. Eu perguntava, se a gente ouvia uma música no rádio,
por que isso, por que aquilo… E ele me explicava.
Desde cedo, comenta que tinha contato com os instrumentos que o pai
consertava em casa e que sua curiosidade foi aguçada pelo manuseio desses
instrumentos. Observava o pai tocando e tentava tocar. Assim começou o interesse
de Guilherme Soares por instrumentos musicais. Percebendo o interesse do filho,
Norberto Soares, quando achou que estava na hora, convidou-o para estudar
música.
Assim, Guilherme Soares passou a freqüentar o Curso Elementar de Música
da SMUD à noite, pois estudava à tarde. Dentro do curso, seguiu o currículo normal,
acompanhando todos os outros alunos, os quais eram bem mais velhos.
Era teoria, leitura, solfejo. O instrumento também. Tinha uns dias que era a
teoria, outros que era o instrumento. A gente fazia o ano, passava todo o
ano, fazia prova no fim do ano, se passasse, ia pro ou repetia. Era como
uma escola. Foi aí que eu fui aprender música. Claro que o restante da vida
tu vais tentando te aperfeiçoar, tendo outros ensinamentos, mas o básico foi
ali, o início. Inclusive os primeiros métodos que eu tive de música, como o
Bona e os métodos de trompete, foi ele que comprou. Ele me dava de
presente, e eram aqueles os meus livros, as revistas que eu lia diariamente.
Passava me entretendo com aquilo, fora o trabalho escolar (SOARES, 2005).
74
Com o estudo, Guilherme Soares passou a fazer parte da Banda da SMUD,
começando, como a maioria, pela percussão. O fato de ser filho do professor e
regente não lhe deu direitos a regalias nem na Banda nem no Curso de Música.
Fazendo parte da Banda, comecei batendo surdo, depois tocando a
trompa, depois passei pra 1ª trompa.
Até tem, nas revistas, eu com cinco anos com o triângulo na Banda, aquela
criancinha que enfeita a coisa. Mas com dez é que despertou o interesse
mesmo. Claro, ele me explicava muita coisa em casa, mas a gente sempre
preferia junto com os outros, eu também. Pra não ficar assim, ah, o pai
ensina em casa, e o filho chega e sabe tudo, o. Se bem que às vezes
dava uma por cima, como é que é isso, como é que é aquilo. Mas lá, na hora
da aula, eu e ele, como se fosse assim, uma parte integrante do todo, não
tinha nada diferente. Não que o filho sabe mais ou vai aprender mais, não.
Eu via nele, como mestre, uma pessoa extremamente organizada e que
gostava das coisas certas. Não tinha diferencial com ele. Ser filho ou não ser
filho, morar perto ou morar não sei onde, era tudo igual. Ele só me colocou no
meio da Banda, pra tocar alguma coisa, quando ele viu que tinha condições
ou que eu obedecia, nunca fui muito rebelde, obedecia aos comandos ou às
determinações. Eu comecei batendo surdo, não era um só, eu era o segundo
surdo. Comecei por trás. Depois, quando teve vaga pra segunda trompa,
eu passei pra segunda trompa, embora o meu instrumento fosse o pistão, que
eu estudava. Não fui tocar pistão na Banda porque os que tinham lá...
Quando o meu tio adoeceu, depois faleceu, eu fiquei fazendo primeira
trompa e um outro rapaz a segunda. Depois com o tempo eu fui indo para os
trompetes (Idem).
Pela convivência, Guilherme Soares entrou no ritmo da música e se dedicou
aos estudos, sempre seguindo as orientações do pai.
O instrumento eu pegava todos os dias em casa. Quando eu peguei aquela
mania de guri que encara a coisa, era todo o dia. Ele dava aquelas dicas:
quanto mais tu treinares, quanto mais tu tiveres contato com o instrumento,
melhor vai ser. Se estudar uma vez por semana não vai ser tão bom como
todos os dias. Eu queria melhorar. É uma coisa que eu conservo até hoje. Ele
sempre me observando. Tinha que ser o que tava na partitura. Não tinha
nada de invenção. Eu sempre gostava de saber dele como eu estava me
portando musicalmente, até mesmo tu acostumas. Então foi muito bom.
Sempre me orientava. Aqui é forte, aqui é fraco, piano... (Idem).
Para o filho de Norberto Soares, as experiências que o pai lhe proporcionou
foram um aprendizado para a vida. Reforça que esse “negócio de música” é muito
fascinante e que acompanhava o pai nas aulas no Exército da Salvação, na
75
Democrata e nos ensaios. Aonde ele ia, que eu podia ir pra ver ou conhecer mais
alguma coisa, apessoas, eu ia. Diz que sempre conviveu com pessoas adultas,
que conversavam sobre todo o tipo de assunto, tanto no curso como na Banda da
SMUD. Guilherme Soares relata algumas experiências que obteve acompanhando o
pai:
No Exército da Salvação, eu ia às apresentações também. Todos os
domingos, eles tocavam aqui na D Pedro II, no corpo do Exército da
Salvação. Tinha o culto, eles tocavam. Vinha a minha mãe, e eu vinha junto.
Quando tinha a campanha da panela, também, no centro, na frente das lojas.
Era a Banda que fazia, e ele regia. Naquela época juntava gente ali, e eles
ganhavam muito com aquilo. As doações que tinham. Inclusive eu ganhava,
que nem era de lá, camisetas, canetas, material escolar... Por causa da
Banda. Quem não tinha dinheiro dava material, dez camisas, meias...Tinha
uniformes, tipo, um fardamento, padrão. Acho que era azul marinho...Hoje
eles ficam ali com pandeirinhos... Foi bem diferente, na época (Idem).
Da Banda da SMUD, mesmo porque participava do corpo de músicos
executantes, Guilherme Soares recorda:
No Povo Novo, Ilha dos Marinheiros eram festas católicas. atravessamos
de carreta pra Ilha dos Marinheiros pra chegar na canoa e ir tocar lá. A gente
ia de manhã, tocava um pouco de manhã, depois tinha o almoço. À tarde
tinha a procissão, a reunião, as quermesses. A Banda fazia uma
apresentação na Praça, antes ou depois da procissão. Participava-se de tudo
aquilo (Idem).
As apresentações das bandas eram atividades que envolviam as famílias.
Guilherme diz que acompanhava sempre, mesmo antes de fazer parte da Banda da
SMUD, e também acompanhava as atividades da Banda do Lar de Meninos. não
participava das viagens mais longas, como a São Paulo, mas, a Porto Alegre e ao
interior do Estado, diz que costumava ir junto, também com sua e. Nas
apresentações da Banda da SMUD, além da mãe, viajavam também a sua madrinha
e alguns familiares dos músicos.
Apesar de todo o envolvimento familiar que a música proporcionou, para o
filho, Norberto Soares era um homem reservado, o deixava transparecer seus
problemas pessoais e comentava apenas os fatos do dia-a-dia. Porém, em se
76
tratando de música, todo detalhe se tornava importante, e, como professor e
maestro, Norberto Soares fazia questão de se preparar para poder repassar aos
alunos todo o conhecimento musical, todos os pormenores da música.
Acho que eu tenho muito o jeito dele, de não conversar demais. Mas ele era
uma pessoa que cativava, porque, quando tinha que contar uma coisa, ele
pegava uma estória e vinha vindo, preparava o ambiente pra chegar lá. Na
Democrata, no Exército da Salvação, que eram meninos, em casa também
ele fazia isso. A gente conversava bastante. A gente ia conversar sobre uma
música. Ele saía de um ponto, pegava uma história e chegava na música. Ele
dava muita atenção para as coisas em volta, por exemplo: Quando se tocava
músicas com títulos em inglês ou outra língua, Francês, que até no Exército
da Salvação tinha, ele tinha o dicionário em casa e ia procurar saber o que
era, a tradução daquilo ali. Ele se detinha muito nessas coisas, a história...
Ele fez teoria no Conservatório, tinha História da Música, teoria e Solfejo,
então ele gostava muito de saber o porquê das coisas. Por que o músico
pergunta pro maestro o que é isso? Ele sempre tinha uma resposta pra dar.
Ele sempre procurava. Tinha dicionários em casa de inglês, francês, italiano,
pra ajudar na tradução. Quando se ouviam, naquela época pelo rádio, trechos
de óperas, música lírica, ele sabia algumas palavras que o cantor tava
cantando. Repassava, e até hoje eu não esqueci. Ele pegava uma letra e
queria saber o que queria dizer...Os termos musicais estrangeiros a gente
sabia.
Lia tudo sobre música. Apesar de ser mestre de banda, ele tinha uma
tendência: ele gostava muito de música clássica. Ouvia rádios do Uruguai e
Argentina que tocavam músicas clássicas. Até adaptava algumas pra Banda,
claro, guardadas as proporções. Camiseta mesmo ele era banda de música,
mas ele era muito pelo lado clássico da coisa. Ele gostava muito de ouvir e
ler. Ele lia sobre Villa-Lobos, Carlos Gomes. Era assim: A gente tocava no
Natal, Boas Festas, composta por Assis Valente. Então ele foi saber quem
era o Assis Valente. O que o cara fazia, quando morreu. Ele ia buscar o
histórico e repassava isso pra gente. A gente ia tocar na Banda uma música
da dona... Ela é assim, estudou aqui, fez isso. Sabia-se quem era. A gente
tocava aquela música numa amplitude. Parece que ficava melhor, entendia
o compositor. Ele tentava repassar aquela idéia, tinha esse lado de
investigação (SOARES, 2005).
Fazendo parte da Banda da SMUD e acompanhando o pai em suas
atividades como professor e mestre de banda, Guilherme Soares, também por
possuir conhecimentos musicais, descreve o maestro:
Ele lia os livros, tinha livros de regência, mas, em casa, eu nunca o vi em
gestos. Têm regentes mais agressivos, outros mais calmos, ele era normal.
Ele tentava passar uma tranqüilidade pra quem ele estava comandando. Não
tinha nada de exagero. Ele tentava manter uma uniformidade, não cair o ritmo
e as expressões, a dinâmica. Banda tem um pouco mais de barulho e exige
uma certa firmeza. Detinha-se muito à dinâmica, piano, forte, o solo, destaca
aqui, lá. Ficava a critério nosso obedecer.
77
Ele tinha um certo olhar que a gente entendia. Pra não se exaltar. Como se
dissesse: deu! Quando o, pegava a batutinha e batia na estante. A gente
entendia: estamos de mais.
Durante as apresentações, também. Era bem light. Quando fulano tinha que
fazer um solo, ele olhava pra ele e dava... Subentendido... Não é regra, mas
funciona. As pessoas até vão se habituando.
Ele usava os compassos habituais, marcando entradas e tal, mas tem aquela
maneira pessoal, a característica dele. Têm uns que usam o normal, os
padrões, outros criavam. E ele criava no meio, até pra passar mais emoção.
Movimentava as mãos e o olhar. O corpo ele não movimentava. No olhar,
principalmente eu que era filho, convivia mais com ele, no olhar a gente
sabia mais ou menos como era. Antes de começar: presta atenção naquela
partezinha lá, ou te atenta, tem um solo. Ou então, quando tava tocando e
tinha alguém perturbando, dava um olhar. Comunicava-se com o público.
Teve épocas assim, o Hino Nacional ou hino religioso, que ele se virava pro
público e regia. Aquelas músicas mais conhecidas de igreja, como Queremos
Deus ou Salve a Rainha, que a Banda tocava, e as pessoas sabiam. Tinha
isso aí e ficava bonito (SOARES, 2005).
Como o maestro Norberto Soares regia mais de uma banda, algumas
particularidades se faziam notar:
No Exército da Salvação, ele tinha uma cana bem grossa, que os guris
arrumaram. Pra chamar a atenção da criançada, às vezes, precisa ter uma
certa... Ele gostava de dar umas batidas na estante pra chamar a atenção.
Tinha diversas varinhas lá. Tudo o que davam pra ele, ele guardava e usava.
Às vezes quebravam, não duravam muito. Não eram batutas de regência. Ele
regia com a batuta ou com a mão mesmo (Idem).
Na Banda da SMUD, Guilherme Soares lembra que o pai, às vezes,
integrava-se ao corpo dos músicos. Recorda que, em várias apresentações da
Banda da SMUD, ele dava a entrada e pegava o bombardino. Chega uma época
em que a banda se adapta à coisa, digamos que conheciam as manhas e não
necessitava tanto de regência, ele podia pegar o instrumento e fazer junto.
Norberto Soares regia as bandas e mantinha a uniformidade e disciplina pela
sua conduta, pela sua maneira de reger e pelo respeito pessoal e profissional que
conquistou. Referindo-se à Banda da SMUD, Soares (2005) concorda que o pai,
como mestre de banda, monopolizava, e os caras obedeciam a ele. E pessoas de
mais idade. Essa atitude se referia à hora do trabalho, pois havia um respeito
profissional. E funcionou por muitos anos. Lembra que, nas caminhadas que a
Banda fazia, nas tradicionais chegadas do papai-noel do Mazza, ele vinha na frente
78
e, às vezes, entrava no meio pra coordenar ou avisar alguma coisa atrás.
Também não gostava que ninguém alheio se metesse no meio
.
Norberto Nogueira Soares, desde a sua infância, teve contato com a sica,
e o interesse por tal arte passou a reger a sua vida. Com todas as atividades de sua
vida ligadas à música, não tinha outra profissão: era músico. Soares (2005), falando
da situação financeira de sua família, diz que foi
criado com o dinheiro artístico,
porque minha mãe dava aula de bordado e bordava, então: dinheiro de bordado e
dinheiro de música.
Lembra das atividades musicais extras do pai e como essas auxiliavam o
orçamento familiar. Ele dava aulas particulares e, quando ele se achava em
condições de tocar em bailes, naquela época das orquestras, ele tocava, se bem
que não era o forte dele, mas ele conseguiu muita coisa tocando na noite.
Para o filho de Norberto Soares, a vida era simples, mas o pai sempre tinha
muitas atividades e conseguia sustentar a família com dignidade. Até que, naquela
época, não era muito difícil a vida, não exigia tanta coisa como hoje, então dava
bem. Levava uma vida mais simples, e a gente sempre morou em casa própria,
era uma preocupação a menos.
Comenta que, enquanto o pai foi contratado da Prefeitura, não trabalhava nos
meses de dezembro a março, período em que a situação era mais difícil, mas,
depois, quando foi efetivado como professor do município, passou a receber os
direitos de férias e outros, e a vida se estabilizou. Também a Democrata, naquela
época, tinha muitos convênios e tocava, tinha os cachês que os músicos recebiam.
Dedicando-se somente à música, Norberto Soares conseguiu um espaço
dentro do mercado de trabalho da cidade, que certamente foi conquistado devido à
sua dedicação e competência.
O professor Norberto Nogueira Soares marcou uma época na História da
Música Pelotense, dedicando-se ao ofício de ensinar e reger músicos de todas as
idades, profissões e condições sociais. Foi responsável pela formação de grandes
musicistas que se profissionalizaram nos cursos que ele ministrou.
79
2.4.2.2 A Disciplina do Comando
Para entender a disciplina analisando o professor Norberto Soares, deve-se
analisar algumas normas disciplinares que conduzem a vida de um maestro, regente
ou mestre.
Norberto Nogueira Soares atuava na Banda da SMUD, da qual foi sico
executante, contra-mestre e mestre. Como mestre, tinha a função, além de conduzir,
de transmitir os conhecimentos musicais e formar músicos para suprir as
necessidades da Banda, tornando-se, assim, professor de música.
Concebe-se, portanto, a importância de uma abordagem sobre a disciplina na
regência, pois se entende que os procedimentos disciplinares de Norberto Soares
faziam parte de uma conduta profissional que possivelmente tenha se moldado pela
função de regência.
Trabalhando dentro da linha da História da Educação, incluindo-se a sica
nesse contexto, expõem-se, muito resumidamente e suscintamente, alguns aspectos
relativos à presença e à importância do regente dentro de um grupo instrumental e
vocal.
Verifica-se que, quando a execução musical é individual, efetua-se um
relacionamento apenas entre o artista, obra e público, porém, quando é coletivo,
exige um comando externo, mas, ao mesmo tempo, integrado ao grupo, uma
regência que se faz entender por meio de sinais.
No caso das bandas musicais, orquestras, corais e orfeões, é identificada,
sempre, a figura de um regente, que exerce a função de comandar seus músicos
numa perfeita harmonia, indicando-lhes, por meios de sinais as entradas, as paradas
e evoluções musicais. Ao se referir ao regente, Ribeiro (1965, p. 5) descreve que
tudo nele deve falar: os olhos, a fisionomia e, sobretudo, as mãos. Complementa,
ainda, reiterando que, com as mãos, domina o conjunto com segurança e firmeza de
atuação.
Concorda-se, assim, com Foucault (1987, p.140), quando o autor esclarece
que o aluno deverá aprender o código dos sinais e atender automaticamente a cada
um deles. Assim, uma sucessão de sinais e de sons evolui durante uma
apresentação musical. Quanto maior a sincronia entre maestro e músicos, melhor
será o rendimento, e mais rapidamente os objetivos serão alcançados.
80
A música requer procedimentos disciplinares tanto para a sua leitura e
execução, como para a sua transmissão, tendo o professor ou regente de orientar os
seus alunos, principalmente quando a aula é ministrada em grupo. No caso do
orfeão, alguns manuais e livros didáticos auxiliam nesse sentido, estipulando
algumas normas de trabalho que Storti (1987) descreve como técnicas de ensaio,
das quais se citam três:
Organize, discipline e mantenha postura e seriedade;
Fixe e determine lugares, de acordo com as condições físicas da sala, para
todos os componentes do grupo;
Ensaie somente as partes que devem ser repassadas novamente (STORTI,
1987, p. 37).
A disciplina organizacional empregada no canto orfeônico também pode ser
observada nas bandas de música, nas quais o aluno, além do conhecimento teórico
da música, utiliza os movimentos do corpo para executar os instrumentos e para
formar o contexto visual. O regente deve estar atento, também, a essa formação.
Em um desfile, observa-se a distribuição dos músicos da banda, respeitando
a ordem dos instrumentos e a marcha em fileiras alinhadas, com movimentos
precisos das pernas e dos braços, bem como a postura ereta do corpo. Para
Foucault (1987, p. 130), um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente.
A disciplina imposta aos corpos dos componentes de uma banda fica
explicitada nas frases de comando, reveladas em Makarenko (1986). Chamo a sua
atenção, algumas fileiras estão mal alinhadas, perdem o , e, além disso, é preciso
manter a cabeça mais alta. - Em frente, marche!
A organização das funções corporais para a formação de uma banda de
música desenvolve-se em um processo contínuo de atividades controladoras e
orientadoras de movimentos e, por isso, necessita de um comando. A função de
regência é praticada desde a Antigüidade, tendo as mais diversas formas de
expressão. Os povos antigos utilizavam bastões, que, batidos no chão, conduziam a
métrica da música.
Alguns regentes utilizam a batuta, símbolo de direção, principalmente quando
o grupo é muito grande. Alguns autores consideram que essa prática inibe as
expressões, não permitindo movimentos mais livres; outros, porém, enfocam que,
81
dependendo da técnica, a batuta pode se transformar em uma extensão das os,
do regente, facilitando a visualização.
A regência mais usada é a que utiliza os sinais proferidos com as mãos que
dão maior liberdade ao regente, permitindo que sejam repassados todos os nuances
da música, como expressões de crescendo, forte, fraco e outras dinâmicas que
constituem a obra. Além das mãos, o regente se comunica com o conjunto através
de gestos dos dedos, dos braços e do corpo, e também da fisionomia.
Seja como for, a regência se comunica por sinais específicos realizados pelo
regente e atendidos pelo conjunto. Para Cartolano (1968, p.67), o regente não
produz diretamente nenhum som; limita-se a traçar estranhos círculos no ar, mas,
com estes sinais, combina, condensa o som dos executantes, prescrevendo a
significação que para eles deve ter a obra.
Reger significa dirigir, conduzir um grupo de executantes. A figura do regente,
maestro, mestre ou qualquer outra designação dada à função de comando de um
grupo musical faz-se notar à frente do conjunto, principalmente quando este é
numeroso. No caso de grupos musicais menores, o regente combina algumas
formas de comunicação particularizadas, definidas e compreendidas pelo grupo.
Desde o início da música em conjunto, fez-se necessária a presença de um
regente, e muitas técnicas foram criadas e adaptadas, porém
A carreira de regente começa com a criação da Escola de Mennheiem, no
século XVIII. Esta Escola introduziu inovações até então desconhecidas, o
que fez com que houvesse necessidade, mais do que antes, de alguém que
conduzisse os músicos de modo preciso.
Com a Orquestra de Mennheim, o regente se emancipa do grupo dos
músicos executantes da orquestra, mas, munido agora de um bastão e com
autoridade absoluta de controle, ele se transforma em figura principal e
dominante (ZANDER, 1979, p. 19).
Com a inclusão de um estudo específico para regência, ficam estabelecidas
algumas condições básicas para esse exercício. Para comandar, é preciso ter
espírito e disposição de liderança, condições essenciais para essa atividade, porém,
em se tratando de liderança musical, ainda são exigidos, segundo Zander (1979):
- Ter talento, bom ouvido musical e, principalmente, um ouvido bem treinado, que
servirá para observar, corrigir e sentir os deslizes de afinação e guiar o conjunto (p.
20);
82
- Boa cultura musical, o que significa ter domínio sobre a teoria musical e ser bom
músico, executar e conhecer as técnicas de vários instrumentos, ter conhecimento
de anatomia e fisiologia da voz, saber cantar; ouvir e reproduzir a exatidão dos sons
(p. 21).
Além dessas exigências, Zander (1979) coloca outras condições para ser um
regente:
Responsabilidade. Essa deve ser tão forte que o regente possa realmente
conduzir, e não ser conduzido pela personalidade do grupo, e poder irradiar
aos outros, de um modo espontâneo, a autoridade da condução, e, através
de seus gestos, refletores de personalidade, fazer entender todas as
intenções da música. Deve saber liderar;
Qualidades de organização, pois a prática mostrará que grande parte do
trabalho elementar na regência consiste simplesmente em organizar o todo;
Calma e paciência no trabalho [ ]. A boa vontade, o interesse e a paciência,
quando refletidos nos músicos, torna-os aptos, receptivos, capazes de
enfrentar um trabalho mais árduo, superar erros e vícios (ZANDER, 1979, p.
20-1).
Também para o autor, o regente, ainda, deve ter participado de outros grupos
como músico executante ou cantor, pois, para que possa compreender essa
atividade e suas dificuldades, deve ter experiência.
Essas são algumas condições para se exercer a regência, e acredita-se que,
para englobar todas elas, são necessárias muita dedicação e disciplina ao estudo.
Para os autores da área musical, especificamente de regência, o processo
disciplinar do regente começa com o estudo da partitura, que deverá ser minucioso,
revelando o seu conhecimento sobre o compositor, sobre o estilo e o significado que
pretendia dar à obra, como do período e local em que a obra foi escrita, o que
determina as influências musicais que ela transcreve.
A seguir, o regente deve se deter ao estudo da partitura musical. Esse estudo
começa pela estrutura da composição, a forma de compasso, a tonalidade, as
entradas e paradas das diversas vozes, as indicações do autor, enfim, tudo o que
estiver escrito na partitura.
Aconselham, ainda, que o regente decomponha o todo em pequenas partes,
agrupamentos de compassos que formam as frases, estudando cada frase
separadamente. Também enfocam que é adequado fazer uma separação entre as
partes que compõem a música, ou seja, ritmo, melodia e harmonia.
83
Nas revisões bibliográficas consultadas, seguem-se os processos construtivos
da disciplina na regência, abordando que a prática do estudo geralmente começa
pela parte rítmica, a trica da sica, que deve ser orientada por um metrônomo,
seguindo a indicação de andamento estipulada pelo autor. Quando a estrutura
rítmica é complexa, sugerem que o estudo comece em um andamento mais lento e
que seja gradualmente aumentado até o andamento desejado.
Considerando que o regente dirige várias vozes ou instrumentos, ou seja,
várias melodias separadas que se combinam, formando a harmonia da música,
sugerem que cada melodia seja estudada separadamente, tornando-se
independente, para, após o domínio de cada uma, formar o todo.
O cantor ou instrumentista, quando estuda uma partitura, segue os mesmos
procedimentos do regente, decompondo a música em partes, exercitando-as
separadamente para, depois, juntá-las. A diferença desse estudo está na execução.
O cantor e o instrumentista transformam o estudo em sons, e o regente, em gestos.
O regente também poderá utilizar os sons para ensaiar, o que lhe dará mais
precisão e confiança, porém precisa dedicar-se à representação desses sons, ao
domínio dos sinais expressados nos gestos.
Algumas regras, não totalmente fixas, porém eficazes na sua utilização, são
descritas como necessárias ao estudo de regência, sobretudo o domínio do corpo e
dos gestos.
Estando à frente de um grupo, em posição de comando, o regente sealvo
dos olhares do conjunto que rege e também do público, por isso deve manter uma
postura exemplar. Para os autores, não se concebem aos regentes posturas
desleixadas, descuidadas. O regente deve se apresentar com o corpo ereto, os
ombros relaxados, com as pernas juntas. O cuidado com a roupa também deve ser
mantido, mantendo-se discretamente vestido, bem alinhado.
Referem-se, também, à posição dos braços, mãos e dedos, que precisa ser
respeitada. Os braços devem, preferivelmente, manter um leve afastamento lateral
do corpo, uma altura discreta e visível, procurando não ultrapassar, verticalmente, a
altura dos ombros nem a do diafragma. A primeira posição dos braços, acima dos
ombros, esteticamente não é aconselhável e, também, prejudicaria a coordenação e
a visibilidade do regente. Uma posição dos braços muito baixa não seria visualizada
pelo conjunto. A posição mais correta para os braços seria, verticalmente, à altura
84
do peito, salvo alguma expressão específica, contrastante, na qual, dependendo da
particularidade de cada regente, os braços poderão se elevar momentaneamente.
As mãos devem demonstrar firmeza e leveza, dependendo da dinâmica da
música, mas sempre precisas nos ataques. Elas não devem estar cerradas nem
totalmente abertas. O ideal é que o regente aproxime ou apóie os dedos polegares e
indicadores, movimentando-os, enquanto os outros dedos permanecem próximos,
mantendo a flexibilidade na expressão.
Com as mãos, o regente transporta o seu sentimento, a sua interpretação da
música, as variações de intensidade, o início, as entradas, as paradas e o final da
música. Os gestos das mãos devem ser entendidos pelo conjunto e também pelo
público, que, às vezes, também é regido, quando aclamado a participar da obra, ou
simplesmente quando participa como ouvinte e espectador.
Outra característica da regência que deve ser respeitada é a posição do
regente frente ao conjunto. A posição preferencial de um regente é no meio e no
nível do grupo, onde todos possam vê-lo sem esforços físicos. Um regente em um
plano muito acima ou abaixo do conjunto acarretaria desvios de postura, o que
poderia, indubitavelmente, prejudicar a execução.
Logicamente, a regra geral serve como princípio de estudo, e Cartolano
(1968, p. 86) considera que pode e deve ser adaptada às características pessoais
de cada regente.
Para o autor, o regente deve manter uma postura de comando sem rigidez,
deve agir naturalmente, mantendo o domínio de seus gestos, e, para isso, precisa
estar preparado.
O preparo do regente se através de inúmeros ensaios, com a repetição
dos gestos até a sua perfeição. Um instrumento utilizado pelo regente para essa
construção cênica é o espelho. Na frente do espelho, os gestos são observados e
construídos, tendo o regente uma visão próxima à dos músicos, que deverão
entendê-lo. Deve, também, com o artifício do espelho, projetar a sua imagem ao
olhar do público.
O que não deve fugir à regra é a referência de marcação dos tempos fortes e
fracos do compasso. Com um movimento vertical descendente, o regente deve
marcar o tempo forte e, com um movimento contrário, o tempo fraco. A tradição
estabeleceu que cada uma das mãos do regente tenha uma função específica,
sendo a mão direita responsável pela marcação da métrica, ou seja, simples,
85
composta, binária, ternária, e a mão esquerda, pela entrada dos naipes ou
instrumentos e pela função de marcar o lugar da agógica (sinais de dinâmica).
Além dos procedimentos técnicos da regência, seguindo as orientações
bibliográficas, o dirigente musical deve estar atento às relações pessoais,
imprescindíveis para que haja um conjunto. Essa relação nem sempre é possível,
visto que, em grandes orquestras, muitos regentes são contratados para
apresentações específicas, tendo pouco tempo de ensaio com o grupo. Mesmo
assim, devem inspirar confiança e respeito ao grupo, para que consigam uma
reciprocidade musical. No caso dos corais, orfeões e pequenos grupos musicais, as
boas relações influenciam no bom andamento do todo.
Conhecer algumas normas disciplinares exigidas para a regência e saber
como um regente se disciplina antes de conduzir os grupos fazem com que se
projete uma idéia de como o professor Norberto Soares conduzia suas aulas, de
onde vinham seus princípios disciplinares, sua conduta, tanto profissional como
pessoal. As descrições dos seus ex-alunos e de seu filho revelam que a disciplina do
professor compreendia um conjunto de medidas disciplinares.
86
3 LUGARES E VIVÊNCIAS
Este capítulo analisa duas instituições onde Norberto Nogueira Soares atuou
como professor de música e regente de banda: a Sociedade Musical União
Democrata e o Lar de Meninos do Exército da Salvação.
Essas duas instituições foram escolhidas por apresentarem, além de
históricos peculiares, um envolvimento traçado pelas relações de tempo e de vida
entre Norberto Soares e seus alunos.
A Sociedade Musical União Democrata revela uma relação de família, um
apego que se verificou durante toda a vida do professor e maestro Norberto Soares.
Uma herança que estreitou laços com o passar do tempo. Para Silva (2005), mesmo
quando o maestro não tinha condições físicas de continuar trabalhando, ele não
queria se desligar da SMUD, pois, para o aluno e compadre, Norberto tinha amor à
Banda. Aquilo ali era desde o pai dele, né, o Senhor Jeremias. Segundo Ribas
(2005), o maestro entrava de manhã pra e saía de noite. Eu nunca vi ninguém
fazer isso aí. Ele era dedicado à banda mesmo.
A SMUD se tornou o foco das atividades de Norberto Soares, o centro para
onde convergiam todas as atividades que o maestro exercia. A Banda da SMUD era
um aprendizado, uma experiência que daria a seus alunos um aval como
profissionais da música.
Os alunos que se destacavam na execução musical em outros cursos que o
maestro ministrava eram convidados a participar da Banda da SMUD como
executantes, inclusive recebendo os dividendos das tocatas da mesma, embora
alguns tivessem uma idade bem inferior à da maioria dos músicos. Os alunos do
Exército da Salvação tiveram essa experiência. Alguns seguiram outras profissões e
se desligaram da música, mas participaram da Banda da SMUD, mesmo por pouco
tempo, como foi o caso de Soares da Silva (2005).
Segundo Silveira (2005), mesmo continuando no Exército da Salvação,
aos nove anos de idade, foi levado pelo professor Norberto Soares para a Banda da
SMUD para tocar bombardino: Eu tocava com aquelas pessoas de 60, 70 anos,
aquela gente velha tudo, tudo falecido, né. Eu era a única criança. Moura (2005)
garante que teria participado da Banda da SMUD, até mesmo porque fora convidado
pelo maestro, não fossem os compromissos com o estudo e outras atividades
87
musicais. Amaro (2005) participou de diversas atividades dentro da Banda da
SMUD. Ribas, J. (2005) enfatiza que a Banda da SMUD teve uns claros (vagas), e
ele me colocou com 14 anos. Sinceramente, aquilo foi um teste muito rigoroso.
Após vinte anos de dedicação à SMUD, Norberto Nogueira Soares encarou
um novo desafio: formar uma banda musical com meninos, crianças e adolescentes
de uma instituição assistencial.
A partir de 1951, quando foi convidado pelos diretores do Lar de Meninos
para atuar naquela instituição, Norberto Soares começou uma nova etapa como
professor de música e regente de banda, pois trabalharia com uma faixa etária
diferente da qual estava acostumado. Até esse momento, na SMUD, Norberto
Soares convivia com alunos maiores, trabalhadores que procuravam o curso por
vontade de aprenderem música ou para aperfeiçoarem os seus conhecimentos.
Por cerca de duas décadas, o professor e maestro Norberto Soares se
dedicou à Banda do Lar de Meninos. A sua dedicação é admirada por seus ex-
alunos, que dizem não entender como ele se entregou tanto a essa causa, até
mesmo porque o acesso era bastante difícil. Segundo depoimentos, a linha de
ônibus terminava bem antes da sede do Lar de Meninos, tendo o professor de
percorrer o trajeto que faltava numa charrete, guiada pelos meninos. Os meninos
ainda lembram da pontualidade do professor. Relatam que podia estar chovendo,
fazer mau tempo, ele nunca faltava. Silveira relembra essa vivência, pois, durante
algum tempo, carregou o professor na charrete:
Naquela época, não tinha ônibus até as Terras Altas, lá. O ônibus vinha até
ali, aquela entrada que chamam da Barbuda, ali no Santa Justina. Até ali
que o ônibus vinha, então a gente... Ele era infalível, não faltava um dia,
podia chovendo, o professor nunca faltou. Era infalível. Aquele homem
tinha uma determinação fora de série! Nunca faltou. Então, podia ta
chovendo, podia tal coisa, a gente saía um tempo antes que o horário do
ônibus vir, eu saia com a charrete. Tinham outros antes que vinham, mas
depois chegou a minha vez, eu ia buscar ele. Eu ia com a charrete até ali,
porque não tinha ônibus, né? o professor descia ali, e a gente levava ele.
Aí ele ministrava a aula e a gente trazia de novo (SILVEIRA, 2005).
No Lar de Meninos, Norberto Soares enfrentou uma nova realidade, pois
trabalhou em um Lar para os que não tinham lar, foi professor, maestro e mais.
88
Ele sempre foi quase que um pai pra gente. Além da cultura musical
ele tinha um método muito especial. Ele te dava muita atenção, era
muito calmo, muito tranqüilo, te dava firmeza, te dava afeto.
Principalmente muito afeto. Ele sabia que a gurizada ali tava naquela
condição, não tinha o afeto caseiro. Então ele passava a mão no
ombro, passava a mão na cabeça, ele tinha um carinho todo especial,
mas também ele era incisivo. Tu tinhas que corresponder aquilo ali.
Se tu não correspondias, ele também sabia te cobrar, a tua formação
como pessoa, como ser humano, não só como músico. Agradeço
muito a minha formação como ser humano aos procedimentos que o
maestro me passava (MOURA, 2005).
O professor Norberto Soares se envolveu num trabalho especial dentro do Lar
de Meninos e conquistou o carinho e respeito de seus alunos e da população. Essa
experiência pode ter contribuído para que o professor fosse contratado para
ministrar aulas de música em escolas públicas da cidade, atendendo jovens da
mesma idade.
Assim, enfoca-se, de um lado, a Sociedade Musical União Democrata, por
apresentar uma estreita relação com Norberto Nogueira Soares, por histórias que se
fundiram e que marcaram época na história da música pelotense, tanto nas
apresentações da Banda que encantaram a cidade, como no Curso Elementar de
Música, que formou durante 45 anos grandes musicistas, e, por outro lado, o Lar de
Meninos, pelo ineditismo do trabalho musical apresentado e pelas relações de vida
marcadas pelas experiências trocadas entre Norberto Nogueira Soares e seus
alunos.
3.1 A SOCIEDADE MUSICAL UNIÃO DEMOCRATA (1896)
Em 1896, quando da fundação da Sociedade Musical União Democrata, a
cidade de Pelotas era reconhecida em termos econômicos e culturais, sendo
considerada o berço da cultura rio-grandense, acolhendo diversos espetáculos
artísticos, musicais e teatrais, nacionais e internacionais, durante muitas décadas,
propiciando ao público o requinte, a sensibilidade e o apreço às artes.
Segundo Caldas (1992), a proximidade da cidade ao Porto de Rio Grande
possibilitou que se contratassem espetáculos em que atuavam artistas oriundos dos
89
grandes centros do País e até do exterior, que se dirigiam, em sua maioria, a
Montevideo e Buenos Aires.
Pelotas recebia esses espetáculos nos Teatros Guarany, Sete de Abril, no
Conservatório de Música, na Biblioteca Pública, além de Clubes e residências
particulares.
Embora marcassem o status econômico pelotense, as manifestações
artísticas não se limitavam aos clubes sociais e teatros; revelam-se, também, nos
clubes populares e nas ruas da cidade.
O ensino musical em Pelotas, conforme Rocha (1979), a priori era feito nas
casas dos alunos ou dos professores vindos do centro do país ou da Europa, que
ensinavam a arte musical ao estilo europeu aos filhos da elite pelotense. As aulas
mais procuradas e praticadas eram de piano, de canto e de violino.
O interesse pelo estudo de música e o exibicionismo dos dons e virtuosidades
nos saraus e festas da cidade, segundo Rocha (1979) e Magalhães (2004), fizeram
com que crescesse o número de professores e se instalassem aqui instituições de
ensino e divulgação musical, dentre as quais: o Clube Beethoven, a Philarmônica
Pelotense, o Conservatório de Música, o Grupo Araújo Viana, Sociedade Orquestral
de Pelotas, a Sociedade Musical Banda Pelotas, as Bandas Carlos Gomes, Santa
Cecília, Bellini, Apolo, União Musical, Portuguesa, a Lira Artística, do Clube
Caixeiral, do Clube Diamantinos e a Sociedade Musical União Democrata, que
contribuíram para o enriquecimento do cenário artístico musical pelotense.
4
O ensino de música feito em academias, por ser pago, limitava seus adeptos.
Um espaço gratuito de aprendizagem musical eram as bandas, onde os maestros
ensinavam a seus componentes, e somente a estes, cnicas dos instrumentos que
executavam e teoria musical.
Uma das razões pelas quais a SMUD foi fundada pode ser identificada pela
descrição de Valente (1992), que ressalta: Embora existissem em nossa cidade
outras instituições que mantinham bandas de música, fazia-se necessário uma
sociedade do gênero, que não fizesse discriminação racial e cuidasse apenas da
arte musical.
4
As instituições de ensino e divulgação musical, aqui referidas, de acordo com Rocha (1979), foram fundadas do
final do Século XIX até meados do Século XX.
90
A partir desse dado e de enfoques sobre inclusão ou não exclusão presentes
nos Estatutos da SMUD, entende-se que os negros o participavam ativamente
nas bandas da Cidade. Embora a abolição tenha ocorrido em 16 de outubro de
1884, pelo movimento do Clube Abolicionista, presidido pelo Barão de São Luís, Dr.
Leopoldo Antunes Maciel, antecedendo a abolição oficial brasileira, os negros não
ocupavam certos cargos dentro da sociedade pelotense. As bandas musicais
existentes em Pelotas, dessa forma, deixavam de contar com grandes musicistas
negros, que se destacavam, principalmente, nas bandas carnavalescas da cidade.
Pensando em preencher a lacuna deixada pelas bandas e instituições de
ensino musical de Pelotas, os senhores Manoel Machado D’oliveira, Adolfo Jacinto
Dias, João Baptista Lorena, João Vicente da Silva Santos e Cândido Feliciano D’
Oliveira
5
, segundo Valente (1992), em 07 de setembro de 1896, fundaram a União
Democrata. Em 1916, a Sociedade Musical União Democrata inaugurou sua sede
própria na rua Major Cícero, 401, onde se encontra até hoje. A partir de 1946, a
instituição ficou isenta, em caráter vitalício, do pagamento do imposto predial,
conforme lei assinada pelo prefeito Dr. Procópio Duval Gomes de Freitas. Seus
estatutos foram registrados em 1917, no Cartório de Registro Especial desta
Comarca.
No Capítulo I, Art. dos Estatutos da SMUD, que fala da Organização e Fins
da Sociedade, encontra-se a razão social, que se define como uma associação
cultural, recreativa e beneficente, regida pelos seus estatutos e pelas leis do país.
O parágrafo 1º do art. 1º apresenta o perfil da sociedade quando enuncia que:
A Sociedade compõe-se de indeterminado número de indivíduos, sem distinção de
nacionalidade, cores e cultos.
5
Devido à exigüidade do tempo e às dificuldades de acesso a fontes primárias, não foi possível averiguar as
datas cronológicas de nascimento e morte dos nomes citados.
91
Fotografia dos membros da Diretoria e músicos da SMUD em 11. 07. 1965, com o maestro Norberto
Soares ao centro.
De acordo com León (1994), a SMUD se mantinha das mensalidades dos
sócios, de doações da comunidade e de uma porcentagem dos cachês das tocatas,
doados pelos músicos para a entidade, que providenciava, principalmente, a compra
e manutenção dos instrumentos musicais. A Sociedade dependia relativamente das
mensalidades dos sócios, por isso a preocupação em mantê-los fiéis à instituição. O
primeiro auxílio público oficial à Sociedade chegou em 1946, aos 50 anos de sua
fundação, pelo Dr. Sílvio da Cunha Echenique, presidente de honra da entidade.
A SMUD, conforme Lins (1979), chegou a possuir uma biblioteca chamada
Waldemar Coufal, uma discoteca chamada Villa-Lobos, além do curso de música
totalmente gratuito, visando beneficiar a população carente. O Curso Elementar de
Música foi iniciado em 1931 pelo maestro Norberto Nogueira Soares.
A Sociedade Musical União Democrata, fundada no final do século XIX, chega
ao século XXI mantendo os princípios de sua fundação, sendo regida por normas
fixadas em seus Estatutos.
92
As finalidades da Sociedade são registradas em seus Estatutos, no Capítulo I:
Art. 2º - A ‘Sociedade’ tem por fim:
& -Manter uma BANDA DE SICA para difundir, da melhor maneira
possível, a ARTE MUSICAL, aceitando contratos para tocatas diversas, o que
ficará afeto no Maestro - Diretor.
& - Manter um ‘CURSO ELEMENTAR DE MÚSICA’, devidamente
organizado, cobrando-se dos alunos uma ‘TAXA DE INSCRIÇÃO’, no valor
fixado pela Diretoria, no início de cada ano letivo, ficando sujeitos àqueles a
pertencerem ao quadro social, na categoria de ‘Sócio-Aluno’ (SOCIEDADE
MUSICAL UNIÃO DEMOCRATA, ESTATUTOS).
A SMUD mantém seus objetivos desde a fundação, promovendo a divulgação
da música na cidade de Pelotas através de sua Banda e mantendo um curso de
música.
3.1.1 A Banda da SMUD
A regência da nova Banda, conforme Valente (1992), ficou a cargo do
maestro Manoel Machado D’Oliveira, e os músicos Antônio Braga, Francisco de
Paula Moncaio, Bonifácio, Jerônimo Ribeiro da Silva, Marcos de Passos Barcellos,
Emílio, José Maria da Rosa Matos e Agenor Franklin dos Santos foram convidados
para a primeira formação. A estréia da Banda, com 14 integrantes, incluindo o
maestro, em 12 de dezembro de 1896, foi no Salão Nobre da Biblioteca Pública, que
foi palco de um grandioso baile, promovido pelo Recreio dos Artistas, abrilhantado
pela mais nova banda da cidade, que já mostrava a que viera.
Em dez anos, segundo o autor, a Banda da SMUD era a melhor e mais
requisitada para abrilhantar as principais solenidades da cidade, tendo, em 1906,
recepcionado o então Presidente da República, Dr. Afonso Pena. Os convites o
paravam de chegar, e a Banda atuava nos cinemas, nos tempos do cinema mudo,
nos estádios de futebol, no hipódromo do antigo Derby Club, no Parque Souza
Soares, local de recreio das famílias pelotenses, no bairro Fragata, em praças
públicas, em solenidades cívicas e religiosas, festas comerciais, particulares e
espetáculos circenses. Participava do famoso carnaval de Pelotas em carros
alegóricos dos clubes e fez-se presente em funerais de filhos ilustres da cidade.
93
Crescendo em importância no cenário musical da cidade, a Banda da SMUD
chegou a ter um bonde ornamentado com uma lira frontal, cedido pela companhia
que explorava este serviço, para transportá-la.
Nas ruas de Pelotas, a Banda da SMUD fazia apresentações públicas em
diversos acontecimentos da cidade. Silva (2005) recorda que participou com a
Banda dos 50 anos do Bazar da Moda, em que fora executada uma composição do
maestro Norberto Soares que o músico resgatou. Ressalta que tocaram na
inauguração da ponte, em 1962, com a presença de Leonel Brizola, e nos 80 anos
do Jornal Diário Popular. A Banda da SMUD também era famosa por suas retretas
na Praça Coronel Pedro Osório, como a que se apresenta na fotografia a seguir:
Banda da SMUD na Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas, 1960.
Também as Lojas Mazza promoviam todo o final de ano a chegada do papai-
noel, uma festa ao som da Banda da SMUD. Ribas dimensiona esse evento:
Na véspera do Natal, naquela semana, saía um caminhão com a Banda
tocando. Na esquina do Mazza, ficava cheio de gente, parecia um carnaval.
Saía do Asilo de Mendigos, e tava assim de gente. Saía, vinha no
caminhão tocando, vinha aaqui, nas Lojas Mazza. Fazia a volta na praça e
parava na esquina. A esquina da Floriano com a Andrade Neves, assim de
gente, sabia? Tinha uma música das Lojas Mazza. A gente tocando ela. A
gente ia também no Asilo, antes do Natal, tocar pra eles dançarem, os
velhinhos. Fazia baile lá, o Geraldo Mazza levava fumo pros velhinhos, bala e
bolachinhas. A gente tocava lá, e eles dançavam (RIBAS, 2005).
94
Com saudosismo, as pessoas que acompanharam as atividades da Banda
relembram a chegada do papai-noel do Mazza, as retretas na praça da cidade, os
atos públicos, as festividades e de todos os locais onde a Banda era solicitada para
tocar, levando a boa música. De acordo com Silva (2005), a Banda se apresentou no
Teatro Sete de Abril com 34 figuras, com o mestre Norberto Soares tocando
requinta. Silveira (2005) relembra esse concerto e se identifica como sendo o
primeiro músico da segunda fileira (à direita) da foto que segue:
Banda da SMUD no Teatro Sete de Abril, Pelotas, 1966.
Além das inúmeras apresentações na cidade e interior de Pelotas, segundo
León (1994), a Banda da Democrata se apresentou nos municípios de Rio Grande,
Piratini, Santa Vitória, Arroio Grande, São Lourenço, praias do Cassino e
Hermenegildo. Conforme Lins (1979), ainda participou de Festivais de Bandas de
1973 a 1975, nas cidades de Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Concórdia (SC) e
Erechim, donde trouxe vários troféus, sob a regência de Norberto Nogueira Soares.
De 1970 a 1976, a Banda fez diversas apresentações públicas com o patrocínio da
Prefeitura de Pelotas.
95
Os Festivais de Bandas revivem na memória dos músicos da SMUD como um
marco de glórias. Segundo Ribas, J. (2005), que ingressou para a Banda aos 14
anos, em Getúlio Vargas, quando me viram, foi uma surpresa, porque só tinha gente
bem veterana. Quando me viram ali...Só que eu o tocava aquilo tudo, né... Eu era
aquele que ficava dando a minha notinha, acompanhando.
Silva (2005) comenta que coisas de que não se esquece, como os
Festivais de Bandas:
A gente tocava dez, doze bandas. Foi patrocinado pelo Ari Alcântara, tinha
ônibus e tudo pra gente ir. Sabe, em Getúlio Vargas, a gente chegou às
6h30, o Prefeito de mandou abrir um restaurante pra nós, 6h30 da
manhã e ficou tudo à vontade. Depois a gente tocava, era o 15º aniversário
da Banda de lá, a Carlos Gomes. A Banda daqui é que hasteou a bandeira lá.
Tocou o Hino Nacional. Depois a festa todo o dia, chopp todo o dia... Tocando
na praça (SILVA, 2005).
Ribas recorda sobre o Festival de Getúlio Vargas:
A Banda é que tocou o Hino Nacional. Mas tinha bandas... Tinha bandas de
todo o lado. Inclusive a Banda de lá, a Carlos Gomes. Tinham umas dez
bandas, mas nenhuma sabia tocar o Hino Nacional de cor. o que
aconteceu... O mestre se prontificou, né, porque a única banda que sabia
tocar o Hino Nacional era a nossa.
Juntou as bandas tudo naquela praça, e ele ficou regendo todas as bandas
juntas. Nós marchamos também (RIBAS, 2005).
Os festivais eram grandes festas que reuniam uma enorme multidão, a qual
se divertia ao som das bandas em praças públicas.
Principalmente em Getúlio Vargas, que eu me recordo. Eles cercaram a praça
deles pra esse festival, e o pessoal pagava ingresso para adentrar ali, e
dentro o chopp era encanado. Com o ingresso, você tomava até cair ali na
praça, com uns canecos grandes. E as bandas tudo tocando, porque a praça
era bem grande, acho até que maior que a nossa praça Cel. Pedro Osório.
Não sei também porque pra criança tudo é grande... Era banda pra tudo
quando é lado tocando, e o pessoal tudo se divertindo (RIBAS, J. 2005).
A Banda da SMUD levou o nome de Pelotas aos locais onde se apresentou, e
os Festivais de Bandas foram marcos dessa época. A Banda era reconhecida pela
96
sua qualidade musical, transformando-se em orgulho para os músicos que dela
participavam.
Muitos músicos reformados da Polícia, aqui nossa, militar e do Exército.
Terminavam o tempo e iam pra porque a Banda era de um alto nível. Os
festivais de que ela participava... Quando ela chegava, o pessoal dizia: Essa
que é a Banda de Pelotas, né? Hoje muita coisa a gente perdeu. A gente
diz que é de Pelotas e não quer dizer muita coisa (Idem).
Em dada ocasião, Pelotas seria sede do V Festival de Bandas, um grande
festival que, antecipadamente, movimentou a comunidade pelotense. Norberto
Soares foi o idealizador e organizador desse Festival, em parceria com a Prefeitura
Municipal. Foram convidadas as bandas das cidades onde o maestro se apresentou
com a Banda da SMUD e outras que participavam dos festivais. Foram reservados
hotéis e preparada toda a infra-estrutura para recepcionar os convidados e a
população. Deveriam comparecer ao Festival, segundo León (1994), em torno de
quinze bandas que, estranhamente, não compareceram. O fato, tido como
sabotagem por todos que vivenciaram aquele momento, abalou a saúde de Norberto
Soares.
3.1.1.1 Os Regulamentos da Banda
A formação e manutenção da Banda da SMUD obedecem aos critérios
definidos nos Estatutos da Sociedade como regulamentos, no Capítulo XV, que trata
das Disposições Gerais, descritos em vinte e quatro artigos.
Observa-se, nesses regulamentos, que o regente é responsável pelos dias e
horários de ensaio da Banda, não podendo os mesmos ultrapassar a duas horas por
ensaio, dois ensaios por semana, acrescendo-se de quantos mais forem
necessários, extraordinariamente. Os ensaios da Banda poderão ser assistidos
pelos sócios ou por pessoas convidadas por eles ou pela diretoria da Sociedade.
O Art. 4º dispõe de algumas exigências para freqüentar a Sociedade, quando
enuncia que: A bem do respeito e da ordem, é vedado a qualquer pessoa
permanecer no recinto social de chapéu na cabeça, bem como com dichotes ou
97
brinquedos. Os executantes deverão, tanto nos ensaios como nas funções da
Banda, apresentarem-se devidamente vestidos e calçados (Art. 5º).
Segundo os regulamentos, o regente deverá acompanhar a Banda, mesmo
que seja uma apresentação gratuita, também deverá deixar cópias das partituras
para o arquivo musical e jamais poderá emprestá-las a pessoas estranhas à
Sociedade. O regente ainda terá a função, junto com o diretor do mês, de manter a
ordem dentro da sede da Sociedade. Aos diretores do mês também cabem as
funções de zelar pelos instrumentos da Banda e pelo registro no livro ponto, que
deverá ser assinado pelos executantes quando houver função.
Haverá multa para o executante que, quando avisado de algum compromisso,
não comparecer. A multa será de Cr$ 10,00 ou 20,00, que lhe será descontada do
pagamento. O pagamento fica a cargo do tesoureiro. A forma de pagamento,
segundo o Art. 19º, deverá ser feita até o dia cinco do s seguinte. Os dividendos
são realizados conforme categorias dispostas no Art. 21º: Haverá 3 (três) categorias
de executantes, que representam primeiras, segundas e terceiras partes para fins de
dividendos. O Art. 22° delega ao regente, acordado com o tesoureiro, a classificação
dessas categorias. Ao regente cabem duas partes do dividendo.
Desde a sua fundação até 1976, a Banda da SMUD teve como regentes:
Manoel Machado D’oliveira, Ângelo Pio da Cunha, Francisco Guimarães Pereira,
Raimundo de Souza Malheiro, José Martins Mascarenhas, Salustiano Jo
Penteado, Lúcio Silva, Francisco Donizetti Pero e Norberto Nogueira Soares.
Para ocupar o cargo de maestro da Banda, quando este estiver vago,
segundo o Capítulo XIII, Art. 31 dos estatutos da Sociedade, é necessário que a
pessoa indicada seja de reconhecida competência. O candidato será admitido após
prestar exames perante uma banca examinadora.
O Art. 32 define as atribuições do regente:
Parágrafo - Assistir a todas as sessões e marcar dias e horas para os
ensaios.
Parágrafo - Acompanhar a Banda quando esta tiver funções fora da sede
social.
Parágrafo - Sempre que for necessário, contratar músicos para preencher
a falta de qualquer executante por doença ou ausência, levando ao
conhecimento da diretoria por escrito ou verbalmente.
Parágrafo - Apresentar sob proposta à diretoria para admissão na Banda,
músicos que julgar habilitados, o que será discutido pela diretoria, podendo
esta aprovar ou não as admissões.
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Parágrafo - Convidar, para fazer suas vezes quando impossibilitado de
comparecer a ensaios ou funções, um executante apto.
Parágrafo - Chamar a ordem e levar ao conhecimento da diretoria
qualquer falta cometida pelos executantes (SOCIEDADE MUSICAL UNIÃO
DEMOCRATA).
O regente fica, pois, de acordo com os regulamentos da Banda, responsável
pelo comando do grupo de executantes, pelos ensaios, pela ordem, pela contratação
ou dispensa de executantes, pela disposição de categorias para o pagamento, pelo
repertório e, conseqüentemente, pelo resultado musical da Banda.
3.1.1.2 O repertório da Banda
A Banda se apresentava com repertório diversificado, do popular ao erudito.
Sob a regência de Norberto Soares, além de composições do próprio maestro,
faziam parte do repertório arranjos de músicas populares e de óperas e operetas,
como as registradas por Lins (1979). Dentre os compositores escolhidos para fazer
parte do repertório da Banda, encontram-se Verdi (1813-1901), Wagner (1813-83),
Gluck (1714-87), Mercadante (1795-1870), Gounod (1818-93), Carlos Gomes (1836-
96), Rossini (1792-1868), Bellini (1801-35), Mendelssohn (1809-45), Wallace (1812-
65), Schumann (1810-56), Franz Lehar (1870-1948), Sidney Jones (1861-1946),
Gossec (1734-1829), J.Strauss Júnior (1825-99).
Segundo Sebage (2005), o mais antigo integrante da Banda da SMUD, que
ingressou em 1946 e continua atuando como músico da Banda, o repertório era
eclético: nós tocávamos dobrados, tocamos muitas peças de categoria.
O repertório da Banda era selecionado pelo maestro Norberto Soares, e o
sucesso da mesma se deu pelo excelente nível musical apresentado. Moura (2005)
ressalta:
A Banda ia tocar no exército da Salvação,e a gente ficava abobado porque
tocavam músicas clássicas, tocavam esses compositores clássicos. Tocava
Verdi, Brahms, tocava que eu me lembro do mestre de cerimônia anunciar
essa música é... Compositores clássicos. Não era uma bandinha qualquer,
era A BANDA DEMOCRATA. O maestro tem influência sobre o resultado. Tu
vês que a Banda Democrata era uma banda civil e, com a coordenação do
maestro Norberto, tinha a qualidade que
tinha, que se equivalia a uma banda
militar, sem dever nada em termos de qualidade (MOURA, 2005).
99
O repertório da Banda da SMUD foi um dos fatores responsáveis pelo
sucesso que a mesma obteve ao longo dos anos.
3.1.2 O Curso Elementar de Música
Desde a formação da Democrata até 1930, o ensino de música era
direcionado aos componentes da Banda, a exemplo de outras bandas da cidade.
Para manter o caráter popular proposto pelos fundadores da Sociedade,
segundo Soares (2004), foi criado, em 1931, pelo recém nomeado maestro da
Banda, Norberto Nogueira Soares, o Curso Elementar de Música. Os alunos eram
pré-selecionados diante de um teste de aptidão musical, incluindo no universo
pedagógico-musical pessoas que não dispunham de recursos para freqüentar
instituições particulares. O currículo do curso era direcionado ao ensino de teoria
musical e solfejo e à prática de instrumentos de sopro como: trombone, saxofone,
clarinete, requinta, trompete e, eventualmente, contrabaixo. Dentro do curso da
SMUD, foram formados musicistas para a prática profissional, muitos dos quais
destinados às bandas militares de Pelotas e região e até ao centro do país. O
referido curso era ministrado à noite pelo professor Norberto Soares, para
possibilitar a freqüência de trabalhadores das mais distintas atividades, consolidando
o ideal dos fundadores da Sociedade Musical União Democrata.
3.1.2.1 A Profissionalização
A finalidade do Curso Elementar de Música era formar músicos para o
mercado de trabalho, o que se verifica no artigo da revista musical Weril:
Do referido curso tem saído, nestes 35 anos, bons musicistas, sendo que a
maioria se destina às bandas militares de Pelotas e de outras cidades
brasileiras, inclusive têm ex-alunos integrando bandas de unidades militares
sediadas nos Estados do centro do país (MAESTRO,1967).
100
O incentivo à profissionalização fazia parte da formação que Norberto Soares
proporcionava a seus alunos. A Banda da SMUD era uma opção para que os
músicos formados no curso da Sociedade aperfeiçoassem seus conhecimentos e
aumentassem seus ganhos. Quando um músico toca de ouvido, ele pode se
destacar e, se for muito bom, pode seguir uma carreira que lhe garanta o futuro
profissional. Quando o músico alia a percepção auditiva, o dom, ao estudo, ao
conhecimento teórico, à interpretação da partitura, o sucesso dentro da profissão
ganha novos parâmetros e aumentam as possibilidades de expansão.
Quando o professor percebia que o aluno poderia se destacar dentro da
profissão da música, ele o incentivava e lhe dava chances de trabalho. Ribas, J.
(2005) comenta: Ele contava pra mim: No Exército as pessoas conseguem seguir
carreira como músico, me incentivando, aquele negócio todo. Eu, com 13, 14 anos,
não tinha nem noção do que era carreira militar. Hoje, aos 53 anos, a sua carreira
militar está consolidada graças ao conhecimento musical que adquiriu junto ao
professor Norberto Soares.
Para Fonseca (2005), o aprendizado do Curso também foi decisivo na carreira
profissional. Tudo o que eu aprendi, claro, depois eu aprimorei fora,
principalmente na Brigada, mas a iniciação, o começo, a base toda eu aprendi foi
com o Norberto. Como músico, se eu não tivesse entrado pra Democrata, eu não
tinha feito carreira na Brigada.
Outros sicos não seguiram a carreira militar nem se dedicaram somente à
música, mas intercalaram a música com suas profissões. A música, para estes, além
de ser uma atividade prazerosa, auxiliou na sobrevivência, tornando-se um ganho
extra:
Graças a Deus, a música me ajudou muito, principalmente pra minha
aposentadoria. Na hora que escasseava o serviço, em janeiro e fevereiro,
então vinha o carnaval. Quando escasseava o serviço, entrava a música e me
compensava. Terminava o carnaval, guardava o instrumento e ia trabalhar.
Até me aposentar (ALVES, 2005).
A Banda da SMUD também proporcionava ganhos aos seus executantes.
Quando havia atividades musicais, as tocatas, havia um dividendo entre o maestro e
os músicos. Esse valor auxiliava e dava incentivo aos músicos, que viam os seus
trabalhos reconhecidos financeiramente. Como a Banda, em determinada época,
101
trabalhava bastante, julga-se que o montante podia se tornar significativo. O
pagamento era efetuado individualmente, conforme informações dos músicos.
Ele distribuía o envelopezinho com o cachê de cada um. Aquilo que eu
achava bonito: aquela fila ali e todo mundo... Fulano e tal... Ninguém sabia o
que tinha dentro. Era fila, tinha o nome ali, e todo mundo ia ao cantinho e
contava. E eu também ia à fila.
Eu tinha os meus biquinhos, quando alguém pedia pra eu fazer alguma coisa,
mas na Banda é que eu fui começar a ver o que é o dinheiro assim,
profissionalmente. Conhecer lugares... Isso pra mim foi a glória, fiquei até
famoso na rua lá, quando eu saía com a farda da Banda. Eu era guri, não
tinha vergonha. Os mais velhos deixavam pra colocar a farda na Banda.
Eu já saía de casa, todo orgulhoso. Eu era tão bobo que o meu apelido era
o democrata... Olha o democrata ali... (RIBAS, J.,2005).
Norberto Soares sabia da importância do recebimento daquele cachê, pois
conhecia a realidade de seus alunos. O professor incentivava a carreira profissional,
principalmente dos jovens, que poderiam seguir carreiras militares, o que, na época,
era uma ótima opção profissional a ser seguida, pois o salário poderia dar uma vida
digna, uma garantia de futuro.
Para que seus alunos pudessem crescer profissionalmente, o professor
Norberto Soares incentivava a dedicação ao estudo da sica, mas sem deixar a
escola, pois sabia que era fundamental. Pelos depoimentos, percebe-se que os
alunos, por gostarem de música, poderiam relaxar na escola, e o professor usava do
argumento da música para fazê-los estudar regularmente, cuidando também do seu
desempenho no colégio normal. Ribas J. (2005) lembra que Norberto Soares falava
da importância do colégio. Ele e o professor Clóvis: “Como é que vocês estão no
colégio. Falei com teu pai, parece que vocês não tão indo bem...”.
Esse cuidado também é descrito por Fonseca (2005):
Ele tinha uma coisa muito importante: todos os semestres nós tínhamos que
apresentar a nota do colégio. Se o elemento fosse mal no colégio ele dizia
assim: uma segurada agora, melhora a tua nota, depois tu vens. Ele o
deixava a gente se destruir. Geralmente o cara se desinteressa por causa da
música, ele não deixava. o cara melhorava a nota, ele vinha e olhava,
então tá, vai continuar, mas mantém a tua nota (FONSECA, 2005).
102
Esses dois alunos entraram para o estudo da música ainda adolescentes e
seguiram as orientações profissionais do professor Norberto Soares. Outros músicos
marcaram sua presença em vários grupos e orquestras. Músicos que certamente
eram contratados por sua competência profissional.
Eu toquei em regional, conjunto simples, conjunto melódico, jazz, bandas,
sinfônica. Entrei pra cá em 1942. Entrei pra aprender música. Em 43 eu entrei
pra Orquestra do Rochinha, Miguel Tarnac da Rocha. Foi o primeiro carnaval
que eu toquei. Ainda era aprendiz, mas ganhava pra tocar. Toquei muito
carnaval. Então quer dizer que eu gosto muito da música. Ainda dou uma
mãozinha assim, eu tenho um conjunto, de vez em quando a gente toca, mas
baile, não faço mais. Em baile eu toquei uma base de 58 anos. Toquei muito
carnaval (SEBAGE, 2005).
O Curso Elementar de Música e a Banda da SMUD eram compostos por
músicos de todas as profissões e até por crianças, porém a qualidade musical era
seleta. Dentre os entrevistados que freqüentaram o curso de música na SMUD,
encontram-se comerciários, alfaiates, funcionários públicos, militares, pedreiros e
pintores. Alguns dos músicos que integravam a Banda eram oriundos de outras
bandas e já carregavam uma bagagem musical. Outros, porém, eram formados
dentro da própria Sociedade, ou nos cursos que Norberto Soares ministrava.
Nota-se a importância que o professor dava à formação musical como meio
de ganhos extras para ajudar no sustento de seus alunos. Como a maioria dos
alunos era de origem humilde, fica cil imaginar o porquê desse incentivo. Lógico
que o professor deveria saber quem tinha condições de se profissionalizar na
música, quem realmente poderia seguir carreira.
Com as crianças e adolescentes esse cuidado era redobrado, pois o
professor se interessava pelo desempenho escolar de seus alunos. Aqueles que
chegavam para estudar música e tinham outra profissão, pelo menos dentre os
entrevistados, continuaram em suas profissões e tiveram a música como ganho
extra. As crianças e adolescentes, porém, que não haviam se decidido foram
influenciados, guiados ou sugeridos pelo professor e seguiram carreiras militares,
pelos fatores já apontados.
A música revela-se a companheira inseparável dos alunos e músicos da
SMUD. O tempo não apaga essa relação, ao contrário, torna-a mais forte. Os
momentos registrados na memória passam a fazer parte da história que constrói a
103
SMUD. Cada entrevistado revela, além de informações técnicas a respeito da
instituição, o lado sentimental, uma relação que ultrapassa as formalidades,
revelando as emoções dessa vivência.
Silva (2005) diz que está aposentado da profissão de pedreiro e se dedica
somente à música. Tenho amor à música. É a música e a minha família. Desde os
25 anos de idade, faz parte da SMUD e toca na Banda há 50 anos. Hoje faz parte da
percussão da Banda, tocando surdo. Silva se preocupa em registrar os momentos
que passa dentro da Democrata, revelando a sua história à imprensa local. Agora eu
quero ver se tiro uma foto com o contrabaixo que eu tocava, o trombone e o surdo.
O ano passado saiu os 49 anos no jornal, agora quero ver se sai, nos 50, a minha
foto de novo.
Ribas (2005) diz que levou o filho para estudar música, e este seguiu carreira
no Exército, chegando a Sargento. O orgulho do pai se concretiza quando o filho
o agradece por tê-lo levado para a SMUD.
Mesmo não tendo se dedicado somente à carreira musical, Sebage (2005)
nunca se afastou da música e revive essa história mais de 50 anos. Ainda gosto
da música. Venho aqui ensaiar, mas não tenho mais condições de tocar. Hoje ajudo
a Banda, tocando bombardino sentado, porque aquele instrumento é pesado. Eu vou
fazer 79 anos.
Fonseca (2005) estruturou a sua vida através da carreira profissional
proporcionada pelo ensino musical que recebeu na SMUD. Voltando às origens,
Fonseca, hoje, assume o posto que foi de Norberto Soares. Quando eu fui pra
Brigada, eu era músico, tinha aprendido aqui. , eu tirei toda aquela carreira
militar, 27 anos de serviço. De soldado a tenente. Hoje aposentado e aqui,
mestre da Banda da SMUD.
A SMUD tornou-se mais do que um local onde se ensina e se divulga a
música. A relação com a sica e a Sociedade se transforma em relação social que
envolve os componentes da Banda.
A música continua na minha vida. Não vou ficar em casa olhando pras
paredes. Vou me distrair, junto com os meus amigos, porque a Democrata é
uma união, uma irmandade. A gente chega cedo ali e tem o mate pronto. A
gente tem o costume de chegar e ir cumprimentando e apertando a mão,
como antigamente. Parece que fazia três ou quatro meses que a gente não
se via. Toda semana a gente tá se encontrando (ALVES, 2005).
104
Vínculos foram criados, e a SMUD se mantém durante mais de um século
como uma Sociedade unicamente musical, divulgando essa arte na cidade de
Pelotas.
3.1.3 A Disciplina na SMUD
Partindo-se do princípio de que, de outras bandas de música, os negros não
participavam, entende-se que, talvez, este tenha sido o primeiro critério adotado
como regra dentro da SMUD: a não exclusão desse grupo. Quando se reúne um
grupo para formar uma sociedade, ele deve convergir em seus conceitos e estar de
acordo com as regras impostas.
Acredita-se em uma seleção natural, o que se entende da seguinte forma: os
indivíduos vivem em sociedades. As sociedades são regidas por leis, regras,
estatutos. Qualquer que seja o objetivo de uma sociedade, instituição ou grupo, os
indivíduos a procuram por seus interesses comuns. Sendo assim, as regras
impostas deverão ser cumpridas por aqueles que a selecionam. Se um indivíduo
permanece em uma determinada sociedade, é porque lhe convém e porque as
regras impostas estão dentro do seu limite de designação ou de submissão.
Submeter-se às regras faz com que o indivíduo pertença a um grupo
unificado, identificado com seus preceitos. Foucault compreende
que o poder da norma funcione facilmente dentro de um sistema de igualdade
formal, pois, dentro de uma homogeneidade que é a regra, ele introduz, como
um imperativo útil, o resultado de uma medida, toda a gradação das
diferenças individuais (FOUCAULT, 1987, p. 154).
Nesse enfoque, analisam-se as organizações, as normas descritas nos
Estatutos da SMUD. Entende-se que uma sociedade depende de suas normas
para que os indivíduos possam conviver dentro de um referencial de
comportamento. As normas, para Foucault (1987,153-4), surgem como sinais de
filiação a um corpo social homogêneo, mas que têm em si mesmos um papel de
classificação, de hierarquização e de distribuição de lugares.
105
A classificação dentro da SMUD começa pela distribuição de funções
reguladas dentro da Diretoria. Existe um quadro definido, uma regra a ser
seguida, uma função determinada para cada membro da sociedade que se sujeite
aos cargos eleitos. Começa a determinação de lugares. Esses lugares, dentro da
SMUD, aparecem, também, na classificação dos sócios, definida pelo valor da
mensalidade, embora não determine desigualdade para a maioria em termos de
direitos, sendo apenas revelada a hierarquia nos títulos recebidos.
Nos Capítulos III e IV dos Estatutos da SMUD, encontram-se fixados os
direitos e deveres dos sócios dessa Sociedade. Os direitos e deveres descritos
demonstram características próprias da SMUD, são definidos e regulados a partir
das finalidades da Sociedade e são peculiares às suas atividades. Referindo-se à
organização do direito, Foucault explicita que:
Temos, nas sociedades modernas, a partir do século XIX até hoje, por um
lado, uma legislação, um discurso e uma organização do direito público
articulados em torno do princípio do corpo social e da delegação de poder; e,
por outro, um sistema minucioso de coerções disciplinares que garanta
efetivamente a coesão desse mesmo corpo social (FOUCAULT, 1979, p.
189).
As regras da SMUD, definidas nos seus Estatutos, fixam-se a partir de
normas que, para Foucault (1979), são formas de discursos disciplinares
organizados em torno de uma sociedade que cria e transcreve seus
conhecimentos. Assim, as normas da SMUD, definidas como direitos e deveres,
enfocam as disciplinas peculiares dessa instituição, às quais deverão se submeter
os seus sócios.
Importante salientar que as regras são definidas para o seu cumprimento, e
as suas desobediências sujeitam o indivíduo a penalidades. Foucault se refere à
arte de punir
não como expiação nem repressão, mas como o funcionamento de
operações que visam: relacionar os atos, os desempenhos, os
comportamentos singulares a um conjunto que é, ao mesmo tempo, campo
de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir
(FOUCAULT, 1987, p. 152).
106
As penalidades impostas aos sócios da SMUD prezam por manter a
Sociedade dentro dos limites do respeito, da obediência e da prosperidade,
punindo, até de exclusão, os sócios que não cumprirem as regras básicas de
convivência. A intenção da punição é que, dentro da sociedadem se mantenha
um organismo social unificado em seus valores e condutas morais. Sendo assim,
a penalidade é uma regra para quem descumpre a regra, ou um dispositivo
imposto para que a regra seja cumprida.
Várias atribuições e considerações são encontradas nos Estatutos da SMUD,
formas pelas quais se asseguram os limites dentro dessa sociedade.
Enriquez (1997) apud Werle (2002, p.5) fala das relações de poderes e
saberes herdados que circulam em uma instituição e que são interpretados em
diferentes momentos temporais, caracterizando uma formação integrada num
sistema de conduta e, ao mesmo tempo, num conjunto de limites e interdições.
Entende-se que esses limites não se encontram registrados apenas nos
estatutos e que outros aspectos podem influenciar no modo organizacional e
funcional de uma instituição. Nóvoa (1995, p.29-30) fala de uma organização
cultural que engloba as manifestações verbais e conceptuais - manifestações
visuais e simbólicas e manifestações comportamentais dentro de uma
organização na qual a cultura unifica práticas, adaptando as subculturas ao meio
envolvente.
Ao se analisarem os comportamentos, as relações dentro da SMUD, verifica-
se que cada parte integrante deve ser considerada como divulgadora dos
benefícios que a Sociedade concede, responsabilizando-se por ela; uma
imposição descrita nos estatutos que, porém, revela-se como uma cumplicidade
nas afirmações de apreço pela Sociedade.
Uma relação que em princípio poderia ter sido traçada somente pelas normas
funcionais, pela imposição regulamentar, aparece modificada com o passar do
tempo, tornando-se uma relação envolvida pela convivência e pelo prazer,
conquistada pelas relações pessoais, profissionais e pela música.
107
3.2 O LAR DE MENINOS (1940)
O Lar de Meninos, fundado em Pelotas em 1940 com o objetivo de abrigar
meninos abandonados, faz parte da organização mundial do Exército da Salvação,
que se baseia na filantropia e no evangelho para atender aos necessitados.
Dentro de uma proposta educacional, o Exército da Salvação engaja-se em
projetos mais amplos, instaurando práticas relativas à formação profissional de
segmentos populares. Essa educação passa a ter o compromisso de enfrentar os
problemas sociais advindos da industrialização e urbanização.
Na Inglaterra, no século XIX, o desenvolvimento se intensificava, e o
enriquecimento de alguns, que se justificava em nome do progresso, deixava um
lastro à margem da evolução econômica: a miséria. Quanto mais evolui a tecnologia,
mais qualificação é exigida para o domínio da máquina, mais o homem começa a
ser explorado. Nesse contexto, os que não estão aptos para atender ao fluxo de
mercado, os que não atendem às exigências qualificatórias de mão de obra são
excluídos, tornando-se cada vez mais miseráveis.
6
O Exército da Salvação foi criado em 1878 por Willian Booth, juntamente com
sua esposa, Catherine Mumford. Conforme Dutra (2001), o casal, sensibilizado pelo
sofrimento da população londrina, baseia-se na filantropia e na pregação do
Evangelho para apoiá-la. Criando uma espécie de ONG, Booth e sua esposa
pregam o seu ideal pelas ruas de Londres, amparando tantos quantos precisassem
de ajuda.
Na época, de acordo com Dutra (2001), os missionários da igreja utilizavam-
se de temas e linguagens militares em seus discursos evangelizadores, defendendo
a idéia de que o exército de Deus está sempre em guerra contra o mal. Apesar das
perseguições, o grupo crescia e marchava pelas ruas de Londres, e seus integrantes
começaram a ser chamados de soldados de Jesus. O discurso composto -
evangélico-militar - e a prática da marcha contra as misérias do corpo e da alma,
divulgando o slogan sopa, sabão e salvação, fazem nascer a organização The
Salvation Army.
O Exército da Salvação, com uma estrutura eclesiástica diferenciada, tem
como base as patentes militares, e Booth como general. Com a incorporação de
6
Este parágrafo se baseia na visão capitalista referida por Marx, revisado nas obras consultadas.
108
uma postura militar, criam-se os uniformes, a bandeira e as insígnias. Em dez anos,
a entidade alcançou toda a Inglaterra.
Em 1880, de acordo com o autor, o Exército da Salvação começa a sua
propagação pelo mundo com uma visão holística do ser humano, como um todo
complexo e indivisível. Começam, na mesma época, as bandas de música e o
caldeirão para colocar ofertas, marcos que permanecem até hoje.
3.2.1 A Ação do Exército da Salvação no Brasil
Após algumas tentativas de implantação oriundas da Argentina e Uruguai, na
fronteira com o Rio Grande do Sul, de acordo com Eliesen (1996), a obra do Exército
da Salvação se instala, oficialmente, no Rio de Janeiro, em 1922, comandada pelos
coronéis David e Stella Miche. As primeiras instituições sociais implantadas foram
dois lares para marinheiros em Santos, 1928, e Rio de Janeiro, 1931.
No Rio Grande do Sul, segundo o mesmo autor, os Lares, inicialmente
instalados em Esteio e Camaquã, foram transferidos, respectivamente, para
Uruguaiana e Pelotas. Entende-se que, por ser maior que a cidade de Camaquã, a
cidade de Pelotas possuía um maior número de pessoas pobres e necessitadas,
órfãs e abandonadas. Essa situação foi percebida pelos oficiais do Exército da
Salvação e atendida pelo Lar de Meninos desde 1940, com o objetivo primeiro de
abrigar menores abandonados, dando-lhes, de acordo com Behrensdorf (1970),
assistência material, intelectual e religiosa.
Assim, a cidade recebeu, em 3 de Outubro de 1940, a ação do Exército da
Salvação, com o nome de Exército da Salvação - Asilo para Meninos
Desamparados, numa casa alugada na rua Marechal Floriano, 372. À época, a
entidade mantinha 14 órfãos em regime de internato e uma escola com cerca de 20
alunos.
O local onde foi instalado e permanece até hoje o Exército da Salvação, à Av.
Fernando Osório, 2515, em Pelotas, foi adquirido pela entidade em 27 de
Setembro de 1948. Um terreno irregular, contendo edificadas duas casas de
material, galpão e demais benfeitorias, segundo a certidão emitida pelo Registro de
Imóveis do Ofício do Tabelionato da cidade, adquirido em nome do Exército da
Salvação, por procuração, pelos senhores Francisco B. Osório e Júlio Valente.
109
O Exército da Salvação, em Pelotas, pôde ampliar seus objetivos com a
aquisição de sua sede própria, com condições físicas para proporcionar o ensino
profissionalizante, aumentando a sua assistência e diversificando as suas
atividades. Nessa nova sede, com o nome de Lar de Meninos do Exército da
Salvação, proporcionou abrigo aos
Meninos desvalidos, ministrando-lhes assistência material, intelectual e
religiosa, tornando-os aptos ao exercício de uma profissão, orientando-os
segundo os princípios cristãos, dando-lhes direitos de auto-determinação,
liberdade nos limites da ordem, confiança mútua entre mestres e educandos,
além de possibilitar o aprendizado de um ofício ( BEHRENSDORF, 1970).
Em Pelotas, conforme o Relatório de 1979, o Lar de Meninos, como entidade
assistencial,
É registrado na Secretaria do Trabalho e Ação Social, sob o 4552; na
Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, sob o 24; reconhecido de
utilidade Pública Municipal, sob o 229/51; e com seu Estabelecimento de
Ensino Escolar registrado na Secretaria da Educação, sob o 75. Encontra-
se a obra registrada no Conselho de Entidades Assistenciais de Pelotas -
CEAP; inscrita no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
sob o 43898923/0006-20; e com Certificado de Filantropia do Conselho
Nacional do Serviço Social, sob 252.860/74, renovado posteriormente nos
termos do Decreto Lei 1572 de 01/09/77 (RELATÓRIO DE ATIVIDADES E
ESTATÍSTICAS, 1979).
As atividades do Exército da Salvação também se ampliaram por todo o
Brasil, tendo, por exigências da lei nacional, alterada a sua denominação para
Assistência e Promoção Social Exército de Salvação (APROSES), em 04.02.1974.
Segundo seus Estatutos, Capítulo I, Art. 2º, a ‘APROSES’ é uma instituição de
natureza assistencial, promocional e educacional, sem fins lucrativos, com os
seguintes objetivos:
I - Assistencial, que compromete a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice, mediante a organização e manutenção
de lares e abrigos para gestantes, mães solteiras, menores carentes, pessoas
idosas e necessitadas em geral, organização e manutenção de clínicas
médicas, dentárias e centros de assistência social a necessitados e serviços
à comunidade.
110
II - Promocional, que poderá contar com a participação na
manutenção de instituições filantrópicas subordinadas ou vinculadas a
‘APROSES’, Residências de Estudantes e Lares para a Terceira Idade e na
promoção de cursos, seminários, profissionalização entre outros.
III - Educacional, que proporciona a criação e manutenção de creches
para crianças na faixa etária entre zero e seis anos, escolas e cursos.
& 2º -[...] a APROSES poderá criar, operar, manter e ou administrar,
em qualquer parte do território nacional estabelecimentos assistenciais,
promocionais e educacionais, centros de assistência social, filiais e/ou
departamentos adequados às suas finalidades e colaborar com outras
entidades congêneres.
& - No cumprimento de seus objetivos, a ‘APROSES’ não fará
distinção de sexo, raça, cor, credo religioso ou político (ASSISTÊNCIA E
PROMOÇÃO SOCIAL EXÉRCITO DE SALVAÇÃO, 1999).
O contexto histórico sobre o Exército da Salvação e sobre o Lar de Meninos
se baseia em dados impressos que possibilitam a reconstrução de alguns fatos
determinantes para este trabalho, como fundação e finalidades das instituições. A
partir desse conhecimento, insere-se o estudo no cotidiano do Lar de Meninos,
buscando informações, também nos depoimentos dos ex-alunos, sobre a educação
e as vivências que desnudam as influências da relação música/disciplina em vários
aspectos.
3.2.2. A Educação Profissionalizante do Lar de Meninos
A fim de preparar ou formar os alunos para a vida, não bastava uma
educação que operasse apenas no campo instrutivo teórico e espiritual. Fazia-se
necessária uma educação que os projetasse no mercado de trabalho, que lhes
desse, ao menos, uma base com a qual pudessem reverter a situação social da qual
faziam parte, ou pelo menos sobreviver, num futuro próximo.
Com a visão holística herdada dos fundadores ingleses, o ensino
profissionalizante passa a ser, juntamente com a doutrina cristã e a disciplina militar,
um dos pilares do programa educacional exercido no Lar de Meninos.
Analisando as informações reveladas em uma Ficha de Informações
preenchida para o Ministério da Educação e Cultura, verifica-se que, em 1953, foi
construída uma escola primária com a finalidade de educar os internados e crianças
da localidade, a Escola Particular Salvacionista. A Prefeitura cedia alguns
111
professores para atuar nessa escola, e a maioria dos ex-alunos ainda lembra de
suas professoras. Dizem que uma mesma professora ministrava todas as matérias e
séries. As outras atividades eram ministradas pelos oficiais do Exército da Salvação.
Também, conforme os entrevistados, havia pessoas que trabalhavam como
voluntárias. Algumas senhoras, inclusive, deixavam seus filhos estudando no colégio
em troca dessa ajuda. Além da ajuda da comunidade, o Lar de Meninos contratava
outros profissionais para atuar na formação de seus educandos. Oficialmente, não
foram encontrados registros desses contratos, mas, segundo Soares (2005), o
professor Norberto Soares recebia um certo cachê para atuar naquela instituição.
Como o filho do professor era muito pequeno na época, cogita-se a possibilidade de
ter havido uma ajuda de custos, principalmente para a locomoção.
Ainda analisando a ficha de Informações, registra-se que a entidade, dentro
de seus propósitos de recuperação do menor abandonado, prestava atendimento
médico-odontológico para 60 internados e tinha disponibilidade de espaço físico
para assistir 250 alunos no curso primário, 80 no regime de internato e 80 alunos no
ensino técnico, ministrando o curso primário e de aprendizagem. Em 1962, através
de um convênio com o SET (Secretaria do Ensino Técnico), foram construídas cinco
oficinas para Ensino Industrial e colocada em funcionamento a sapataria. Essa
mesma ficha descreve que, dentro do espaço físico, havia uma sala de conferências
e uma sala de música.
Assim, o Lar de Meninos, em Pelotas, pregando o assistencialismo, segue o
padrão de ensino profissionalizante exercido pelo Exército da Salvação no País,
utilizando-se, também, dos serviços realizados para gerar recursos próprios, visando
à manutenção dos abrigados, podendo, segundo a descrição dos Estatutos da
APROSES, Capítulo V, & , prestar serviços de marcenaria, eletricidade, mecânica,
eletrônica, serralheria e outros, conforme o ensino profissionalizante desenvolvido
por cada uma. Dentro desse projeto, os meninos passaram a contribuir para suprir
as suas próprias necessidades.
No Lar de Meninos, após a implantação das oficinas, os meninos passaram a
fazer parte de um programa de incentivo ao ensino profissionalizante, diversificando
o aprendizado dentro daquela instituição.
Soares da Silva, um dos ex-alunos, hoje é cabeleireiro, profissão que não
aprendeu dentro, mas atuou em várias atividades e afirma que se utiliza, até hoje,
dos ensinamentos que teve no Lar de Meninos. Das atividades que os meninos
112
participavam, muitas contribuíam para o sustento próprio dos internos, e o aluno
afirma que
Nós é que sustentávamos o Colégio. Uns trabalhavam na lavoura; a gente
produzia de tal forma que, além do nosso consumo, a gente vendia. Nós
fabricávamos móveis, casas pré-fabricadas, essas coisas todas, eu te digo
que dificilmente tu vais encontrar, aqui na Região Sul, uma marcenaria o
completa como aquela, toda ela com maquinário importado da Alemanha.
Tem o maquinário que quiseres, e a gente trabalhava em cima daquilo, e
aquilo nos sustentava, e, além do nosso sustento, a gente vendia pra adquirir
outras... Ter fundos, nós tínhamos outros consumos. Mas a grande maioria
das coisas nós produzíamos dentro mesmo. A carne, a gente produzia, o
leite, a gente tinha frango. A área é muito grande, não posso precisar quantos
hectares são. Tem frente pra Fernando Osório, e o fundo dela vai dar naquela
rua que confronta com aquela rua que vai pro Pestano. De fronte a Fernando
Osório, o Pestano é à direita, e tem uma estrada de chão à esquerda. A área
do Exército da Salvação vai até lá. Pra tu ver o tamanho da área que é, a
gente vendia mato de eucalipto. Nós tínhamos enormes áreas de esporte e
lazer, de futebol de campo, de sete. Açudes, nós produzíamos peixes
(SOARES DA SILVA, 2005).
Silveira (2005) afirma que utiliza os conhecimentos profissionais adquiridos
dentro do Lar de Meninos na sua vida, pois atuou na sapataria e, na marcenaria,
teve uma boa noção. Não cheguei a fazer móveis, mas a gente trabalhava em
desdobrar madeira ... Tinha um maquinário bom, que eles ganharam. Na padaria eu
fazia pão. Ainda afirma que aprendeu a profissão de pedreiro e pintor, pois
trabalhara como ajudante na época do internato. Essas tarefas são realizadas por
Silveira, atualmente, em sua residência, além de cultivar uma horta e muitas flores.
Amaro (2005) e Dias (2005) também passaram pela sapataria e aprenderam
a fazer sapatos, chinelos, tamancos, pregar saltos e meia sola. Embora não tenham
trabalhado na profissão de sapateiro, o aprendizado lhes foi útil. Afirmam, assim
como os outros entrevistados, que um aluno, o Vanderlei, tivera sucesso na
profissão de sapateiro e também como músico.
7
7
Vanderlei era deficiente físico, não possuía uma das pernas e faleceu um ano antes do início das
entrevistas. Embora o tenha conhecido, não consegui registrar a sua história como gostaria. Fica
apenas o registro pela lembrança de seus colegas.
113
O trabalho dentro do Lar de Meninos se efetivou como programa educacional,
numa integração com as atividades cotidianas dos meninos. Referindo-se ao
trabalho como meio educativo, Makarenko (1982) afirma que sua eficácia se dará
quando fizer parte de um programa geral que tenha como objetivo a afirmação da
personalidade do ser humano.
O cotidiano dos meninos era preenchido por uma educação geral, com os
aprendizados escolares, que ia até a rie, e por tarefas profissionalizantes e de
lazer.
Conforme o relatório de 1979, dentro do Lar, os alunos participavam de várias
atividades ocupacionais, além do estudo, como: agricultura, Horticultura, aprendiz de
cozinheiro, ajudante de pedreiro, pintura, jardinagem, algumas noções de motorista,
pecuária, etc, conforme suas aptidões. Além dessas atividades, os meninos ainda
participavam de cânticos evangélicos, cultos devocionais, lições de música, canto
orfeônico e ensaios da banda. Também praticavam esportes e atividades de
recreação, como passeios, assistir à televisão, pescaria, literatura, entre outros.
Essa educação abrangente é considerada por Makarenko como uma
educação correta, capaz de formar um cidadão disciplinado, que, para o autor,
pode ser educado somente por meio de um conjunto de influências
construtivas, entre as quais devem ter privilégio a educação política ampla, a
instrução geral, o livro, o jornal, o trabalho, a atuação social e inclusive
algumas que parecem coisas secundárias, como jogos, o divertimento, o
descanso (MAKARENKO, 1981, p. 38).
Em alguns pontos, pode-se comparar as duas experiências, principalmente
nas influências construtivas, como instrução e trabalho, e nas secundárias, em que
se pode incluir a música, além da situação sócio-econômica e dos métodos
disciplinares.
Especificamente sobre a questão política, verifica-se que, no Lar de Meninos,
pelas informações e interpretações que se pôde ter e fazer, essa apresenta-se
conectada a uma realidade específica: uma política assistencialista religiosa, dentro
de fundamentos e objetivos da própria instituição; uma política que prepara o
cidadão para o mundo, dentro de princípios regrados pela moral e ética cristãs. A
educação profissionalizante, no que se entende, poderia, dentro de uma visão
futura, refletir uma concepção política mais abrangente pela interpolação com o
mundo. Mesmo não fazendo parte de uma organização governamental, o Exército
114
da Salvação e, conseqüentemente, o Lar de Meninos contribuíram para uma
politização no momento em que proporcionaram oportunidades aos seus
educandos. Entende-se que a educação no Lar de Meninos também contribuiu com
os interesses que regiam a sociedade no incentivo ao civismo, evidenciado nas
atividades da Banda e na concepção de preparação de mão de obra, assim como a
educação de Makarenko, ambos envolvidos na formação de seres úteis ao sistema,
obviamente guardadas as situações e proporções.
Dentro dos parâmetros de semelhanças entre a educação no Lar de Meninos
e nas colônias de Makarenko, enfoca-se que a maioria dos meninos que entrava
para o internato do Exército da Salvação era órfã de pai ou de mãe, senão dos dois.
Outros não conheceram os pais ou um deles, e alguns foram levados para por
pertencerem a uma situação de risco ou por não terem condições financeiras de
permanecer com a família, mesmo tendo os dois pais.
Levando-se em consideração que muitos dos educandos do Lar de Meninos
sequer tinham as bases familiares, que o seu contexto era destituído de todo e
qualquer convívio social e que o futuro lhes era incerto, essa educação, para atingir
os objetivos de atender o indivíduo como um todo, teve de proporcionar aos meninos
as mais simples e cotidianas atividades, mantendo
Os característicos de um lar. Seus dependentes são providos da necessária
manutenção e educação, como: moradia, vestuário, alimentação, saúde,
higiene, formação moral, cívica e religiosa. A instituição é particular e de
âmbito social, atendendo também crianças externas e semi-internato de
ambos os sexos que freqüentam nossa escola, perfazendo, assim, um total
de 125 crianças atendidas neste exercício. Aqui trabalham e educam-se,
sentindo-se em seu próprio lar, no qual reina o amor, a compreensão,
amizade, companheirismo e liberdade, e es dentro do limite da ordem e
disciplina, que lhes asseguram um ambiente sadio e familiar (EXÉRCITO DA
SALVAÇÃO, 1979)
.
Para se manter a ordem e disciplina, todas as atividades dentro do Lar de
Meninos eram organizadas e respeitavam uma cronologia. Segundo o Relatório de
1979, após o despertar, às 6 horas, segue-se o café às 7h, merenda às 10 h, almoço
às 12 h e jantar às 18 h.
Referindo-se à organização das multiplicidades, Foucault (1987, p. 28), diz
que, durante séculos, as ordens religiosas foram mestras de disciplina: eram os
especialistas do tempo, grandes técnicos do ritmo e das atividades regulares.
115
Os alunos lembram que o sino tocava, e já começavam as tarefas. Arrumar as
camas, que tinham de ficar bem esticadinhas. Os pequenos varriam o pátio, e os
maiores iam para os outros afazeres, como sapataria, padaria, horta, e também
ajudavam na cozinha. Os que tinham aula no turno da manhã revezavam as tarefas
com os que estudavam à tarde. Às 17 horas, era a hora do lazer, então contam que
jogavam futebol e tomavam banho no açude. Silveira fala que, para irem ao açude,
eles faziam fila indiana. Parecia tudo bastante organizado. Para Dias (2005), a vida
de interno tinha uma disciplina como se fosse militar. Tudo tinha de ser cumprido de
acordo com as normas.
Entendendo-se a ascendência religiosa da disciplina do Exército da Salvação,
compreende-se que, ao investir na educação, a instituição carregou consigo esses
fundamentos disciplinares.
Não se toma a disciplina como princípio punitivo castrador, embora se
entenda que seja preciso abrir mão de uma parcela da liberdade para se obter o
suporte da convivência em sociedade. Este fato se revela explicitamente em frases
como liberdade dentro dos limites, nas normas de convivência e no ensino musical.
O conceito de disciplina, referido por Freire, remete à análise da sua adoção no Lar
de Meninos, que se reitera na abordagem de Ghiggi (2001, 185), quando enfatiza
que a disciplina surge da tomada de consciência da vida em sociedade e no grupo
específico do qual os envolvidos participam.
A disciplina também se fazia notar na disposição dos lugares. Havia três
dormitórios. O quarto 1, dos maiores, o quarto 2, intermediário, e o quarto 3,
chamado quarto dos mijões. Neste quarto, dormiam os menores, e, no outro dia,
pela manhã, conforme Amaro (2005), era um monte de colchõezinhos na cabeça
para estender nos alambrados, preparados no campo para esse fim. Muitas crianças
não tinham sapatos para colocar nos pés, e o ex-aluno lembra que no inverno os
pés chegavam a rachar.
Também tinha o quarto escuro, onde eram colocados os meninos que faziam
arte. Segundo eles, qualquer desvio de comportamento era punido, chegando,
muitas vezes, a sofrer agressões físicas por parte dos dirigentes. Alguns dirigentes
eram mais pacientes e tinham outras formas de orientar e punir os meninos, mas,
num determinado tempo, a agressão foi a solução encontrada para acalmar os
ânimos.
116
Muitos meninos, ainda hoje, questionam-se se mereciam tais reações.
Lembram que eram muitos, entre 60 e 100 meninos, e que era quase impossível
coordenar a todos. Silveira (2005) lembra que os meninos iam ao mato buscar as
varas para apanharem. Quando traziam varas finas, eles apanhavam mais, então
começaram a trazer varas mais grossas, porque apanhavam só uma vez.
Embora pareça uma crueldade, os meninos agradecem a educação que
tiveram e dizem que um pai teria feito o mesmo. Foucault (1987, p.149-50) fala da
penalidade disciplinar, da redução dos desvios. O castigo, para o autor, deve ser
essencialmente corretivo.
Nesse sentido, pensando-se na educação dentro do Lar de Meninos, os
castigos eram recebidos, pela maioria dos entrevistados, como necessários às suas
formações. Embora, em algumas épocas, os ex-alunos confessem ter havido um
certo exagero, isso não tornou o castigo para eles algo ruim, algo que lhes tivesse
castrado, ao contrário, fora muitas vezes construtivo. Makarenko (1982, p. 58) diz
que El castigo puede formar esclavos, y a veces puede formar personas muy
buenas, muy libres e muy dignas. Diz que, dentro de um sistema, não se pode
considerar um meio bom ou mau e, dependendo de seu resultado, o castigo pode
ser considerado um condutor da dignidade humana. Essa dignidade é alcançada
pela consciência e libertação, que, segundo Freire, são sementes que germinam
dentro de um processo educacional dominante.
Relativamente ao trabalho como meio de possibilidades e interações com o
mundo, dentro do processo educativo, Freire (1978, p. 26), relacionando teoria e
prática, diz que, em certo momento, já não se estuda para trabalhar, nem se
trabalha para estudar; estuda-se ao trabalhar.
A educação no Lar de Meninos assumiu esse papel, inserindo o trabalho nas
atividades cotidianas e contribuindo para a formação de profissionais com
responsabilidades e disciplina.
117
3.2.3 O Ensino Musical
No Lar de Meninos, dentro de uma proposta educacional que visava
proporcionar o máximo de conhecimentos, contribuindo, assim, para a formação do
cidadão, encontra-se a música, que se apresenta como atividade extra, centrada na
prática da Banda.
A junção do trabalho coletivo com a cultura, indispensável na vida social, é
um dos meios de promover a alegria e a paixão que, segundo Makarenko (1980),
atiçam a chama dos talentos e suscitam os inventos, aproximando as diferenças.
Relativamente à música, Makarenko (1982) recomenda a organização de uma
orquestra de sopro, uma banda, em toda a grande instituição educacional, pela sua
importância educativa, aglutinadora e embelezadora, o que acarretará crescentes
resultados na educação da coletividade e da estética.
Reitera-se que a formação de uma banda musical passa por várias etapas
disciplinares: o conhecimento teórico, o domínio do instrumento, o domínio do corpo,
a convivência em grupo, a interdependência entre os músicos executantes e a
obediência ao regente são alguns exemplos abordados neste estudo. A junção de
todos os processos disciplinares culmina com o bom resultado musical e com as
apresentações.
Dentro do Lar de Meninos, a Banda formada por Norberto Soares atingiu os
objetivos propostos, pois conseguiu formar meninos-músicos com todas as
responsabilidades exigidas para integrar uma banda. Makarenko (1982) diz que é
preciso explicar aos integrantes que o valor da banda está no conjunto. No conjunto
se formam os comprometimentos e os valores básicos de limite e respeito, morais e
éticos, de convivência e cumplicidade, de afetividade e disciplina. Concorda-se que,
se uma banda consegue bons resultados musicais, é porque esses procedimentos
foram construídos, efetivando-se o coletivo.
Explanam-se, a seguir, as atividades musicais dentro do Lar de Meninos e,
principalmente, as atividades e vivências disponibilizadas no coletivo da Banda.
O Lar de Meninos iniciou a sua Banda Musical, sob a regência do Maestro
Norberto Nogueira Soares, em 1951, conforme a publicação a seguir:
118
Em 1951, convidado pelo Sr. Júlio Valente, que dirigia o ‘Lar de Meninos’ do
Exército da Salvação, em Pelotas, organizou de forma convincente a Banda
Infanto-Juvenil desta organização, fazendo um sucesso na cidade, pelo
ineditismo. E assim passou a ensinar, também, naquele estabelecimento de
assistência ao menor. Hoje podemos constatar os frutos de seu trabalho
(MAESTRO, 1967).
A arte musical acompanha o Exército da Salvação desde sua fundação. Em
todas as localidades em que a organização se faz presente, é comum,
principalmente em época de Natal, encontrar nos centros mais movimentados, nos
redutos do comércio, grupos musicais devidamente uniformizados, cantando e
tocando o repertório natalino e arrecadando donativos em seus tradicionais
caldeirões ou panelas.
O relatório de 1979 se refere à prática do canto nos cultos devocionais e ao
canto orfeônico, ensaiado no Ginásio Vocacional e praticado nas diversas
festividades proporcionadas pela instituição.
Muitas das atividades cotidianas eram regidas por nticos evangélicos.
Edegar Silveira relembra alguns desses cânticos, como o que faziam para agradecer
as refeições:
Graças Te damos, Pai
Graças Te damos, Pai
Graças Te damos, Oh, Pai do Céu, Amém (SILVEIRA, 2005).
O ex-aluno diz que: Era pra agradecer a comida. Depois tinha pra dormir.
Pra dormir era mais bonito, dizia assim:
Finda-se este dia que meu Pai me deu,
Sombras vespertinas cobrem já o céu,
Oh, Jesus Bendito!
Se comigo Estás,
Eu não temo a noite,
Vou dormir em paz! Amém (Idem).
Além da prática musical dentro do internato, aos domingos os meninos
tocavam e cantavam os hinos evangélicos na sede do Exército da Salvação, na rua
D. Pedro II. Nos cultos, a Banda se apresentava e, também, um coral que era
119
organizado pelos oficiais do Lar, pois, segundo informações dos ex-alunos, todos os
oficiais do Exército da Salvação entendiam de sica, cantavam ou tocavam algum
instrumento. Nesses cultos, as famílias dos internos se faziam presentes, assim
como a população. O professor Norberto Soares acompanhava essas atividades
dominicais, regendo os meninos e também levando sua esposa e o filho, que
participavam dos cultos.
Além dos cultos, em algumas épocas, a Banda tocava nas ruas da cidade.
Nas palavras de Amaro:
A população vinha. A Banda era o chamariz do Exército da Salvação.
Quantos domingos de tarde na Pedro Osório. Nós íamos pra ali e
começávamos a tocar os hinos e enchia de gente na volta. Era domingo ao ar
livre. Era o nome que se dava. Era no gasômetro, no Simões Lopes, na
Tiradentes. O pessoal ia. A sede sempre tava cheia. Nos domingos de tarde,
a gente tomava um chá que a Tenente ou o Tenente que foi escalado pra
ficar na sede... Eles geralmente sabiam tocar (AMARO, 2005).
A prática de tocar nas ruas, desde a fundação do Exército da Salvação,
intensificava-se no final do ano, com a campanha da panela, em que eram
arrecadados donativos para contribuir com o Natal dos meninos.
Amaro refaz o roteiro com base no qual os meninos se apresentavam. O
início era nas Lojas Brasileiras, depois ia ao Mazza, às vezes, ia na Denise
Modas, na Lobo da Costa. Também Dias (2005) tocou nas campanhas da panela.
Diz que saíam pelas principais ruas da cidade e tocavam com a Banda, que
acompanhava um coralzinho para cantar músicas de Natal. Soares (2005), que
acompanhava o pai nas apresentações, revive algumas músicas do repertório das
campanhas da panela. Tinham uns cadernos com hinos que eles tinham que cantar,
além das outras músicas do repertório normal. Acho que o forte eram os hinos, mas
tinham outras músicas também. No Natal tocavam Boas Festas, Noite Feliz, Jingle
Bells...
Moura lembra como eram as campanhas da panela e dos presentes que
ganhavam quando participavam:
Vinha tocar no centro, na campanha da panela, em todos os finais de anos,
eles tinham essa programação da Banda. A Banda fazia apresentações
itinerárias, em vários pontos da cidade. Em fronte ao Mazza, à Khautz, em
120
frente... Por todo o centro. Instalava o tripé, com aquela panela. A panela
tinha um furo, e o pessoal colocava os donativos ali. Aquilo servia pras festas
de final de ano, festinha de Natal da gurizada. E dava um bom... Comprava
os presentinhos todos. o papai noel do Mazza, que me encantava
muito...Ia entregar os presentes da gurizada. O papai noel do Mazza era
muito bem vestido. Levava aquela... O tempo do pião aquele, pá... Coisa que
me encantava. Dava aquela bomba no pião e soltava o pião ficava... De lata.
Outra coisa... Quebra-cabeça que a gente tinha que resolver, era um
bloquinho que tu abria e tinha que resolver. Era muito bom (MOURA, 2005).
A Banda não tocava somente em Pelotas, viajava para outras cidades para
arrecadar donativos e participar de eventos do Exército da Salvação. Alguns
entrevistados participaram dessas viagens e relatam como foi:
De vez em quando, a gente ia a Porto alegre. Até fizemos algumas vezes a
campanha de Natal pelas ruas de Porto Alegre, ali pela Borges de
Medeiros. De vez em quando vinha uma água de cima... O pessoal não
tava acostumado e davam um jeito de correr a gente daquele lugar ali.
Lembro que a gente foi umas duas vezes, no mínimo, a São Paulo, com a
Banda, com ele. Congressos. Uma vez veio o presidente geral do Exército da
Salvação. Eu sei que foi uma visita do comando lá. O Principal, o que
comandava, o mais antigo. A gente foi a São Paulo, recebê-lo lá. Esse tipo de
coisa (DIAS, 2005).
Alojamento do Exército da Salvação em São Paulo, 1955.
121
Praça da República, em São Paulo, em 20/08/1967.
Junto aos oficiais do Exército da Salvação, em São Paulo, 1967.
As apresentações da Banda do Lar de Meninos ficaram registradas em
fotografias e na memória dos músicos que participaram dos eventos, especialmente
a apresentação em São Paulo, em 1967, num Congresso que reuniu Oficiais do
Exército da Salvação de vários países. A Banda ganhou um destaque especial, pois
foi citada em um informativo do Exército da Salvação, na Inglaterra.
Esse documento não apresenta data nem origem, na versão encontrada. Por
se entender que seja importante sua apresentação, buscou-se, no verso da
122
publicação, indícios que o situassem. Encontram-se programações para as
atividades do mês de Novembro e uma nota sobre o novo uniforme, que seria
adotado entre os meses de Janeiro e Junho de 1968.
Conclui-se que o documento era um informativo do Exército da Salvação,
datado de 1967, ano em que Norberto Soares registrou, na fotografia anterior, sua
estada em São Paulo, junto com a Banda do Lar de Meninos e o Major Jung, citado
e apresentado na fotografia do mesmo. Esse informativo fala do trabalho do Mestre
de Bandas Norberto Soares junto ao Lar de Meninos, em Pelotas. Comenta que,
mesmo não sendo um salvacionista, Norberto Soares se dedicou à causa ao longo
dos anos.
Esse acontecimento teve repercussão, pois a Banda de Pelotas conseguiu
impressionar os presentes ao evento. Amaro (2005) recorda o fato, relatando: a
nossa Banda tava tão boa! Acho que foi no tempo do major Jung, nós fomos a São
Paulo, de Penha. Desfilamos na Av. São João.
Os meninos também participavam de acampamentos e festividades
promovidas pelo Exército da Salvação e se orgulhavam da qualidade musical da
banda a qual integravam. Amaro (2005) diz que a nossa Banda tocou um monte. Rio
Grande, Livramento, fazia acampamento, Porto Alegre, fazia sucesso. Em Porto
Alegre, a sede era maior que a daqui e não tinha banda. Nós íamos lá, e o sucesso
era a Banda daqui.
Beira Rio, Porto Alegre, 1970.
123
As fotografias foram catalogadas com data e local pelo próprio Norberto
Soares, que registrou a estada em São Paulo, em 1955, a apresentação na Praça
da República em São Paulo, em 20/08/67, e a apresentação da Banda no Beira Rio,
em Porto Alegre, em outubro de 1970.
As fotografias apresentadas revelam, além das viagens que a Banda
proporcionou a seus músicos, uma visão da sua composição étnica. Relacionar o
Lar de Meninos a um abrigo de pobres e negros, pelo menos na Banda e nessas
visualizações, em relação à cor, não se justifica.
Verifica-se que a relação numérica da etnia era dividida praticamente em
igualdade entre brancos e negros, o que pode ter sofrido a influência da localização
do Lar de Meninos, região habitada predominantemente por descendentes alemães,
e pela atitude do Exército da Salvação em receber os necessitados, sem distinções.
O fator determinante para o ingresso no Lar de Meninos era a necessidade
advinda da situação sócio-econômica. Esse fato é comprovado pelas entrevistas e
certificado nas fotografias.
Mesmo dentro do Lar de Meninos, as necessidades materiais não foram
abrandadas. Soares da Silva (2005) revela que a maioria das roupas que vestiam
provinham de doações da comunidade, e algumas, do Exército da Salvação de
outros países, que eram muito disputadas por serem de melhor qualidade e mais
bonitas.
Na maioria das fotografias, verifica-se que os meninos vestiam roupas
simples e muitas vezes estavam descalços. Para os entrevistados, o uniforme da
Banda era considerado roupa de gala e se orgulhavam de vesti-lo. Amaro (2005) diz
que tocar na Banda e usar seu uniforme impressionava as gurias.
Apesar da aparente pobreza, a Banda proporcionou muitos enriquecimentos
aos seus meninos-músicos. Sempre fazendo campanhas para arrecadar fundos e
participando de eventos proporcionados pela própria instituição, os meninos
viajavam e conheciam lugares e pessoas. Soares da Silva (2005) participou de
várias atividades da Banda e viajou bastante, conforme relata:
Antes da campanha de Natal, fizemos uma campanha nas principais cidades
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, pra arrecadar
dinheiro, na época pra implantar uma perna mecânica pra um dos nossos
internos, chamava-se Vanderlei Rosa, faleceu pouco, sapateiro. Nós
124
viajávamos, tocávamos, passávamos quinze dias num lugar, dez noutro,
assim, e com isso arrecadamos fundos pra comprar essa perna mecânica pra
ele, foi colocada na época em São Paulo.
Até que o contrabaixo foi um dos instrumentos que mais me deu satisfação,
em todos os sentidos, tanto no tocar, como foi com ele que eu viajei por esse
Brasil a fora aí, tocando com o contrabaixo. O Exército da Salvação, todos os
anos em Dezembro, eles formavam Bandas Unidas, com músicos de diversos
lugares, pra gravar LPs, na época eram LPs aqueles discos de vinil, com
marchas e dobrados e uma série de coisas e hinos, inclusive. Eu era o único
que tocava contrabaixo em si bemol, no Brasil. Mas eu tive a oportunidade
de tocar contrabaixo, e esse contrabaixo me deu a felicidade de viajar para
Minas, Brasília, São Paulo, várias vezes, Rio, viajei por esse Brasil a fora
graças ao contrabaixo (SOARES DA SILVA, 2005).
Além dos cultos, das campanhas da panela, dos eventos do Exército da
Salvação, os meninos ainda tocavam em festas particulares, como aniversários e
promoções de lojas do comércio local. Participavam, também, da Parada da
Juventude e de festividades cívicas.
Desfile na Semana da Pátria, na Avenida Bento Gonçalves, em Pelotas, em 1969.
As conquistas da Banda fizeram com que os meninos assumissem vários
compromissos cívicos. Além dos desfiles tradicionais da Semana da Pátria e 20 de
Setembro, na cidade, juntamente com outras escolas, essa Banda começou a
desfrutar de honrarias, o que se evidencia no artigo Tradicionalismo (1970), da
revista Brado de Guerra, do Exército da Salvação: A Banda de Música de nosso Lar
125
de Menores em Pelotas toca numa festa da Colônia Progresso, nas proximidades de
Pelotas, RS. A Banda de Música recepciona o Prefeito de Pelotas, que vem num
carro a evocar o costume antigo.
Porém, no início da Banda, as apresentações cívicas se restringiam mais aos
espaços internos da instituição e às proximidades. Relatam-se essas experiências:
A gente marchava ali. Tinha uma ocasião em que todos os dias se hasteava a
bandeira. Agora não, os colégios não fazem mais isso, mas na época tinha.
Hasteavam as bandeiras, e a banda tocava o Hino Nacional ali. A nossa
bandinha tocava o Hino Nacional e tudo direitinho, na bandeira e essas
coisas todas, ali na frente. Marchavam... Botavam em forma e a gente tocava
(SILVEIRA, 2005).
Nas cerimônias cívicas, como especifica Edegar Silveira, a apresentação dos
Símbolos Nacionais era padronizada. A marcha, a disposição dos corpos em forma,
a execução do Hino Nacional dentro das formalidades exigidas, tudo isso compunha
um quadro disciplinar que, sem dúvida, precisava ser construído.
Silveira (2005) revela que dispunham de uma sala especial para o ensino
musical e de um amplo pátio para os ensaios da Banda. Os ensaios no pátio eram
feitos para a obtenção da padronização dos movimentos corporais, orientados pelo
professor Norberto Soares.
Ensaio no pátio do Lar de Meninos, s.d.
126
O espaço físico facilita a organização de uma banda. Na fotografia acima,
visualiza-se a parte prática em termos de estruturação corporal. Norberto Soares
guia seus alunos com sinais específicos de comando, e os meninos procuram
atender a esses sinais. Não se verifica uma uniformização nos movimentos, até
mesmo porque se tratava de um ensaio, e essa construção se faz pela constância
desse ato. No entanto, registra-se a existência de um espaço físico e a exposição da
aula prática do professor Norberto Soares para a construção visual da Banda.
Além da sala de música, onde os meninos da Banda recebiam lições práticas
e teóricas, do espaço do pátio, para os ensaios das marchas e disposições
corporais, Norberto Soares dispunha de total confiança dos Diretores e de todo o
material e instrumentos necessários para a formação da Banda. Muitos dos
instrumentos eram importados, conforme relato dos ex-alunos, doados pelo Exército
da Salvação de outros países como: Alemanha, Inglaterra, França e Estados
Unidos. Quando vinham sucateados, Norberto Soares os levava para casa para
consertar em sua oficina.
Com todo o empenho e cuidado para a formação da Banda, os meninos
fizeram muitas viagens, conheceram lugares e tiveram diversas experiências. Os ex-
integrantes da Banda lembram que, quando iam tocar em uma festa particular,
sofreram um grave acidente com o caminhão que os conduzia. Muitos ficaram
gravemente feridos e foram atendidos em hospitais da cidade. Dizem que o primeiro
socorro foi prestado no antigo Sanatório Veloso, na Avenida Fernando Osório,
próximo ao acidente. Graças a esse atendimento, um jovem que perfurou o baço e o
fígado conseguiu sobreviver.
Muitas viagens, muitos encontros e muitas histórias e estórias marcaram a
vida dos meninos da Banda, contados com orgulho e saudades.
3.2.4 Um Aprendizado para a Vida
As histórias que se sucedem registram a passagem de cada entrevistado
dentro do Lar de Meninos, abordando o motivo pelo qual foram para lá, como
criaram vínculos com a nova instituição, com os colegas, com o professor Norberto
Soares e com a música.
127
Carlos Augusto Amaro diz que entrou para o Lar de Meninos em 1968. Acho
que eu tinha sete ou oito anos quando fui pra lá. A minha mãe não podia me
sustentar, ela trabalhava, tinha a minha outra irmã, então o patrão dela resolveu me
colocar no colégio interno.
Apesar de ficar interno, continuou mantendo contato com a família, com a
mãe e a avó, que o visitavam. Confessa que, às vezes, quando chegava o domingo
e a mãe não aparecia, ele se escondia na escadaria da sala de música para chorar.
Em troca de sua estada no internato, o patrão de sua mãe contribuía com um saco
de arroz por mês. Permaneceu no Lar de Meninos durante mais ou menos dez anos,
saindo somente para cumprir as suas obrigações com o Exército.
Começou a estudar música com dez anos, quando entrou para a Banda,
aprendendo com o professor Norberto Soares. Utilizando-se do aprendizado
musical, fora do Lar de Meninos, Amaro, tocou nas bandas do Colégio Pelotense,
do Colégio Gonzaga e na Escola Técnica. Tocava trompete.
Profissionalmente, revela que tocou muito tempo na Banda da SMUD. Tocava
bailes de carnaval. Ganhei dinheiro. Toquei em muitas bandas aí... San Remo,
Hawai... carnaval. Graças a Deus nunca deixei a desejar, fazia o que tinha que
fazer.
Em 74 fui pra Brigada. Fiquei um ano trabalhando no policiamento pra depois,
por intermédio do Edegar (colega do Lar de Meninos e Militar da Brigada),
dos caras que me conheciam, entrei pra Banda. Eu tava na operação
Golfinho e mandaram me chamar. Eu era soldado. Soldado Amaro se
apresenta na Banda. Depois não smais da Banda. Fui corneteiro, 3º, e
Sargento. Hoje eu sou Tenente na reserva. Isso aí a música me
favoreceu. Agradeço ao professor Norberto, sem ele… (AMARO, 2005).
Amaro diz que seu primeiro contato com a música foi no Lar de Meninos. Fui
conhecer dentro com ele. A gente vai se apegando e se apaixona pela música.
Até hoje.
João Evaldo Cunha Dias foi para o Exército da Salvação por uma condição
atípica. Ele tinha o pai e a mãe. Não tinha o perfil dos outros meninos. O motivo de
ele ter ido para foi a preocupação de uma tia com o seu futuro. Dias fala de sua
ida para o Lar, aos oito anos de idade. Diz que seu pai viajava para trabalhar nas
128
granjas e passava alguns meses fora de casa, e sua mãe sofria de problemas
mentais, nervos ou depressão, o que explicaria a preocupação de sua tia.
Como era muito jovem, Dias reforça: Eu tive que ir. Eu não escolhi. Era uma
criança. Assim como as demais crianças que freqüentaram o Lar de Meninos, a
escolha partiu dos pais, responsáveis ou de instituições.
Começou na Banda aos doze anos, tocando triângulo, e passou para o
instrumento de sopro. Embora não tenha seguido carreira como sico, afirma que
a música o ajudou financeiramente.
Alguns anos, depois que eu saí do colégio, eu toquei até em carnaval, mas
pra fins financeiros, vários anos, carnaval. Fazia o meu feijão com arroz,
nas escolas de samba, só carnaval. De vez em quando viajava fora, no
Uruguai, cidades perto, Piratini, Santa Vitória, Hermenegildo, alguns anos.
carnaval pra fins financeiros. Não tava trabalhando… (DIAS, 2005).
Ao lembrar do Lar de Meninos, Dias afirma que, se pudesse, ajudaria a
instituição, pois, durante nove ou dez anos, foi a minha casa. De repente, se eu
não tivesse passado por lá, como eu tava sendo criado, com o problema da minha
mãe, meu pai que saía, de repente eu não sei onde eu estaria hoje.
Fala que Norberto Soares era uma pessoa muito querida e que o visitou umas
três vezes no hospital. Lembro que ele queria se comunicar, mas aí corriam
lágrimas. Dias é funcionário civil da Marinha e trabalha na Capitania dos Portos em
Rio Grande há muitos anos.
José Francisco Soares da Silva revela um pouco de sua história no Lar de
Meninos:
A minha mãe trabalhava de empregada doméstica, sabes que é muito difícil a
empregada doméstica conseguir levar o filho na sua companhia no trabalho.
Anteriormente ela morava nos empregos onde trabalhava, ela foi trabalhar
no Exército da Salvação como cozinheira, aos meus sete anos de idade. Ela
trabalhou um período de um ano e meio mais ou menos, não chegou há
dois anos e, quando foi para um outro trabalho, nisso eu fiquei interno, no
colégio interno até uns vinte anos, 19 anos, quase vinte, não tinha
completado vinte quando saí (SOARES DA SILVA).
129
Logo que entrou para o internato, foi participar da Banda. Embora não
tenha se profissionalizado na música, afirma que tocou algum tempo na Banda da
SMUD, levado pelo professor Norberto Soares, e também em alguns carnavais.
Depois seguiu sua vida trabalhando. Trabalhou, entre outros lugares, na Modulados
San Martins, com o aprendizado de marcenaria que obteve dentro do Exército da
Salvação. Sua profissão atual é cabeleireiro, a qual não aprendeu dentro do Lar.
Afirma que ainda aprecia a música.
Embora não exerça mais a minha atividade de músico, não toque mais, eu
adoro ouvir bandas. A música é como aprender a andar de bicicleta: nunca
mais esquece! Se me deres uma partitura, eu vou lê-la. Posso não tocar
porque não tenho mais embocadura, não tenho mais nada e tal, mas eu sei
ler a partitura toda. Isso eu não esqueço mais, graças ao Norberto Nogueira
Soares (SOARES DA SILVA, 2005).
Falando das aulas de música, revela que os meninos queriam participar da
Banda, também para poderem sair da rotina.
Era uma atividade que todo mundo que fazia gostava. A gente também tinha
interesse. A gente o tinha por que fazer frege. Tava ali pra aprender, a
gente gostava daquilo, até porque era uma atividade que fazia com que a
gente tivesse um pouco mais de regalias, também dentro do próprio regime
da instituição do Exército da Salvação. Com isso a gente tinha a liberdade de
sair pra tocar em diversos lugares, viajar. A gente fazia encontros jovens duas
vezes por ano, tanto aqui como fora, então tudo isso... A gente também tinha
esse interesse. Uma das razões de muitos fazerem parte da Banda era
justamente por isso, essa liberdade um pouquinho maior (SOARES DA
SILVA, 2005).
Passando parte da infância e da adolescência dentro de uma instituição,
muitas relações são traçadas, laços o firmados, afetos conquistados, condutas
formadas. Soares da Silva retrata as relações dessa vivência.
O Exército da Salvação foi importante na minha vida e acho que na vida da
grande maioria, todos que estiveram dentro, não importa a classe social
que hoje nem a sua condição financeira, nem coisa alguma, isso, tu podes
ter certeza de que nós usamos, eu uso até hoje. Eu uso tanto o meu lado
sentimental, como o meu lado profissional, familiar. A minha conduta de vida
é baseada no que eu aprendi lá dentro.
Nós até hoje nos tratamos como irmãos, a verdade é esta, porque nós
vivíamos uma grande parte da nossa vida. Eu entrei pra com sete e saí
130
com dezenove e tiveram outros tantos que passaram esse mesmo período
que eu, uns acho que até mais. Então a gente era, e até hoje a gente é, como
irmão, a gente, toda vez que se encontra, e até uma das coisas que eu até
lamento não ter acontecido mais, é o encontro de internos, nós fazíamos
todos os anos, mudou a direção do Lar lá, não sei por que razão isto não
houve mais, mas isto daí é importante pra gente rever os amigos, os irmãos
como eu digo. Uns tão até fora de Pelotas, mas a gente tem até hoje esse
espírito de irmandade (Idem).
Apesar de ter se adaptado à nova situação e de ter conquistado muitas coisas
importantes em sua vida, José Francisco desabafa:
Essa foi uma experiência que na verdade nenhum queria ter, que todos
querem estar no meio, no seio familiar, entendesse... não tem nada melhor do
que o próprio seio familiar, mas por necessidade a gente acabava e a
gente tem que aprender com o tempo. Quando a minha mãe foi embora, eu
chorei acho que uma semana. Mas depois também eu me conscientizei de
que aquilo era necessário, e, aí, tu passa a viver aquela vida como se fosse a
tua vida realmente e, acredito, acaba tendo uma paixão enorme por aquilo,
um amor enorme por aquilo e gratidão muito grande. Pode ter certeza disto.
Que todos aqueles que lá não quiseram ficar, infelizmente, foram muito mal
sucedidos na vida, uns foram até assassinados, porque não adianta, se
não fica e em casa não tem o apoio familiar, o abandono, às vezes. Às vezes,
tem abandono em casa por necessidade, a mãe precisa trabalhar, não é à toa
que esses meninos tão lá. Ou eles têm a mãe ou têm o pai e este tem
que buscar o sustento. Com isso seus filhos ficam ao Deus dará. Então a
tendência realmente é muito maior de eles se envolverem com coisas que
não devem, do que devem e, aí, tu vês a desgraça. Aqueles que não
quiseram ficar, que saíram, que também não obrigavam ninguém a ficar. Se
tu não queres ficar, tu podes ir embora; olha, não quero ficar, então tá.
Chama o pai ou a mãe... Olha, o seu o menino não quer ficar e pronto, pode
levar. Ninguém é obrigado a ficar lá dentro, entendesse? E aí, pode ter
certeza de que a grande maioria deles teve um fim drástico e tal, e vários
tiveram. Mas aqueles que ficaram eu conto, assim nos dedos, alguns que
tiveram problemas, muito poucos, que eu lembre assim, acho que dois ou três
só.
Eu te digo que a minha vida foi regrada por aqueles ensinamentos. A minha
experiência de vida realmente começou a partir dos meus sete anos. Então
eu não posso dizer que foi mudada a minha vida. Eu acho que a minha vida
foi muito bem regrada, foi muito bem estruturada no lado de ser um cidadão,
do ensinamento. Porque ali dentro eu tive a oportunidade de aprender tudo
(SOARES DA SILVA, 2005).
Quando fala do professor Norberto Soares, o ex-aluno do Lar de Meninos diz
que, apesar de ele ser um homem de pouco brinquedo e muito regrado, era uma
pessoa de coração enorme, pessoa maravilhosa, eu sinto até hoje muita saudade
dele, porque ele sempre foi muito atencioso com todos nós. Ele fazia questão de que
a gente aprendesse, e ele fazia questão de que a gente vivesse da música.
131
Edegar Vieira Silveira diz que morava com seus pais. Depois o meu pai
faleceu, e a minha mãe me botou lá. Aí, quando eu fui pra lá, eu tinha cinco anos.
No começo eu chorava muito. O Devair, que já era maiorzinho, disse que me
consolava.
Quando ficou maior, ajudava os outros meninos. Lia estórias e, segundo
alguns ex-colegas, até ensinava a tabuada para eles. Participou de várias atividades
dentro do Lar de Meninos e garante que utiliza tudo o que aprendeu lá dentro na sua
vida. Gostava muito de jogar futebol e até, quando estava no Quartel, foi levado para
jogar no Farroupilha, pelo Coronel Poeta. O futebol e a música concorriam nas horas
de folga do menino. Muitas vezes, conta que o professor Norberto Soares foi buscá-
lo pela orelha, no campo de futebol, para ensaiar na Banda. Silveira afirma que o
professor Norberto o incentivava muito a estudar música e fazia questão de buscá-lo
onde ele estivesse. Também Silveira buscava o professor no ponto de ônibus com a
charrete do Lar de Meninos. Essa relação se afinou, e Silveira foi tocar, ainda muito
jovem, na Banda da SMUD.
Silveira lembra, com detalhes, de muitos fatos ocorridos dentro do Lar de
Meninos. Lembra dos castigos, das brincadeiras, dos acidentes, dos acontecimentos
do dia-a-dia e de vários colegas de sua época.
Trabalhando em várias atividades, Silveira nunca se desligou da música e
tocou, além da Banda da SMUD, em muitos carnavais, nos melhores conjuntos da
Zona Sul.
A música foi responsável pela carreira profissional de Silveira, conforme
relato:
eu fui pra Brigada e tive umas determinadas regalias... Meu curso era de
um ano. Tirei o segundo lugar no meu curso de polícia. Depois servi um ano.
Tinha várias matérias, desde a parte de enfermagem, primeiros socorros, tem
tudo. Legislação de tudo que é tipo...Trânsito...Eram umas vinte matérias, e
eu tirei o lugar. tem um caso pitoresco, né. Eu tinha uma varize na
perna, e o Damasceno tinha falado com o Comandante que eu fui pra
substituir, o Nelinho, porque ele ia se aposentar e não tinha nenhum
contrabaixista, mas eu nunca tinha tocado esse baixo-tubo. O Damasceno já
tinha falado com o Comandante, e, na hora do exame médico, o Dr. Luís, que
era especialista em varizes e tal e coisa, já tava me rodando, separando
assim. o Comandante vinha vindo bem devagarzinho, caminhava lento,
entrou na enfermaria e disse: Não! Esse o. Ele toca bombardino, e nós
não temos quem toque esse instrumento. É porque eu era músico, senão eu
tinha rodado. O médico tinha me rodado, o Comandante não deixou
132
dizendo: Esse nós precisamos. eu fui pra Banda e eu sempre toquei
trombone e bombardino. O Damasceno disse que eu ia pegar o contrabaixo.
Eu disse: ah, mestre, eu nunca toquei o contrabaixo! Já fiz partitura de
contrabaixo, no bombardino em si bemol, isso eu toquei na bandinha do
Exército da Salvação, quando o tinha o tubo. Ele disse: tu tens um bom
porte e tu vais te dar bem. E me dei bem. Modesta parte, todo mundo na
cidade falava que eu fui um dos melhores contrabaixistas que apareceu em
Pelotas, considerado assim entre bandas. Eu tinha uma facilidade pra tocar.
Às vezes um outro instrumento não fazia uma partitura ou tinha uma parte
que os caras esqueciam ou não conseguiam fazer, e eu fazia na mesma
tonalidade daquele instrumento, eusaía fazendo. Então eu solava qualquer
choro que eu tocava no trombone, eu fazia no contrabaixo. É, eu tinha uma
prática de instrumento, eu tinha uma embocadura bonita, de longe
escutava o meu contrabaixo, eu tirava um som harmonioso, bonito, eu tinha
uma embocadura perfeita no contrabaixo. me dei! Eu nunca achei que...
Mas disseram que eu tinha porte pra tocar.
Eu toquei até Sargento. Toquei uns...Eu entrei em 73 pra Brigada, saí
Sargento em 75, 79 s e 86 saí . Em 92 saí Subtenente, até 91 mais ou
menos. Depois em 92 eu fiz concurso pra mestre e 92 eu saí Subtenente-
Mestre de banda. Me reformei agora como Tenente (SILVEIRA, 2005).
Silveira trocou o futebol pela música. A formação musical teve influência total
na sua carreira militar, e ele lembra do professor Norberto Soares como um mestre
que tentou seguir quando assumiu o posto de Mestre da Banda da Brigada.
Para Silveira, o professor Norberto Nogueira Soares teve uma grande
participação em sua carreira profissional, fato de que nunca se esqueceu. Quando
eu saí sargento, eu fui na casa dele agradecer. Logo que eu saí Sargento, em
75, a primeira pessoa de que eu me lembrei foi dele. Fui na casa dele. Eu ia
seguido na casa dele...Tudo o que eu aprendi foi com ele.
A história de Flávio Moura não foi muito diferente das demais, e pretende-se
registrá-la com sua própria narrativa:
Eu fui pro Exército em função de necessidade mesmo. A minha mãe era
cozinheira de chácara, de estância, assim, morava bem pra fora. Aí, como eu
não tinha recurso pra estudar, eu vim aqui, pro Exército da Salvação. Em 54,
acho que foi por aí, eu vim com 7 ou 8 anos pro exército. Não tinha nenhuma
relação, assim, com muita gente até os sete anos, porque fui criado muito pra
fora, vendo sempre as mesmas pessoas. Cheguei aqui no Exército da
Salvação e foi um baque. Ali tinham cinqüenta e poucos meninos, tudo
morando junto em alojamentos e quartos. As camas tudo pegadas umas nas
outras, né. Na hora de deitar, tinha que botar o uniforme. Todos botavam
aqueles pijamas de abotoar atrás, enfiava as mãos, feito macaco,
barbaridade! Aquilo ali me causou um impacto muito sério mesmo. A família
me deixou lá e me deixou mesmo, né, não foi mais me ver.
Fiquei bastante tempo sem eu ter contato com a família. Isso me deixou
muito, muito frustrado! Aí... O que acontece... Eu fiquei no Exército da
Salvação por causa da música. Quando eu cheguei , a filha do Capitão tava
133
tocando um piano. Tocava piano ela. Eu fiquei escutando aquele piano, e,
quando eu vi, a pessoa que me deixou lá tinha ido embora, e eu fiquei
envolvido naquele piano. Até hoje eu não esqueci a música que a moça tava
tocando lá... Paris está em chamas (o filme). Isto mesmo. Pá, cara, eu fiquei
envolvido com aquela música, com aquela melodia daquele piano ali...
Passou aquilo ali, tinha que entrar na rotina, mas sempre com aquela...
Aquele sentimento de ter rompido aquele vínculo, assim de uma forma bruta.
O que acontece: já tinha a Banda lá. Então eu comecei a me envolver com a
Banda, passei a chegar mais pra perto da sala da banda. Tinha um pessoal
ensaiando ali, e eu ficava na porta da sala da banda ali, atrás da porta,
ouvindo. Comecei a me envolver com a Banda, eu era pequenininho. Tinha
os maiores, tinha os mais velhos que formavam a Banda. A Banda era muito
boa, muito boa. O maestro tinha um zelo por aquela Banda que vou te contar.
Eu comecei, ficava escondidinho ali atrás da porta, meio xucro. O maestro
mandava eu entrar, e eu ficava ali, escondido, né, o queria entrar na sala.
Aí foi, o maestro começou a me cativar. Passava por ali, eu era pequenininho,
tinha 7 anos, ele me passava a mão na cabeça, dizia: Tu vais tocar na Banda
ainda, vais tocar na Banda. Eu não acreditava muito que ia tocar na Banda,
mas era aficionado por aquilo ali. Só fiquei no Exército da Salvação por causa
da Banda, senão, eu tinha dado um jeito de fugir. Por causa da Banda. A
Banda foi realmente o elo que me prendeu dentro. Senão, na situação em
que eu fui deixado lá, eu fiquei muito, muito traumatizado. Fui me
aquerenciando mais com o pessoal da Banda, me entrosando, ia chegando...
Aí, o maestro em seguida já achou uma...Sentiu que eu tava muito envolvido
por aquilo ali, né... Quando ele chegava, eu ia esperá-lo na carroça, ali...Já
entrava com ele na sala da banda, vendo ele naquele movimento, colocando
as partituras nas estantes ali.
Quando eu terminei o primário lá, eu ainda consegui, seguramente, por
influência da Banda, porque eles viram que eu fazia um bom trabalho, eu
terminei o primário. Foi conseguida uma bolsa pra alguns que tinham um
procedimento de acordo com o que eles entendiam, com as regras, que daria
pra sair de e estudar na cidade. Eu fiz admissão ao ginásio no Santa
Margarida, com bolsa. Vinha todo o dia de ônibus e retornava ao meio-dia pra
estudar no Santa Margarida. Acho que éramos seis, donde a maioria era da
Banda. O último ano que eu tive no Santa Margarida foi em 1960. Entrei em
59 e sem 60. Não me recordo bem o ano nem se eu fiz o admissão ou
se eu fiz o 1º ginasial também lá no Santa Margarida. Depois do Santa
Margarida, eu fiz meio ano no D. João Braga, onde eu consegui entrar pela
mãe do Marcos. Foi que eu entrei nos Lobos (grupo musical). Em 62 eu fiz
teste pra Escola. Fui pra Escola Técnica, e em seguida, com os
ensinamentos que tive da Banda do exército, entrei na Banda da Escola
Técnica, na época em que era fanfarra ainda. Consegui tirar o curso técnico
todo. Tocava na Banda da Escola e tocava nos Lobos. Paguei todo o meu
curso técnico com os Lobos, com a música. Concluí, na verdade, o curso
técnico, porque depois veio a discoteca e rebentou a maior parte das bandas.
Mas pela influência, pelo trabalho que eu prestava na Banda, eu consegui
serviço na Escola. Aí eu passei pro curso noturno, terminei o curso técnico de
noite e de dia eu trabalhava na Escola. Tudo porque o coordenador da Banda
na Escola me conseguiu serviço. Tudo porque eu tinha um desempenho
razoável na Banda da Escola. Terminei o curso técnico todo custeado por
mim mesmo, custeado pela música. A música teve uma influência decisiva
em todos os segmentos da minha vida, praticamente. Desde aquele piano,
até hoje eu não esqueço essa música. Essa música faz parte do meu
repertório em função disso aí. A primeira melodia que me encantou, assim,
me despertou pra música, pra me enveredar pra essa carreira aí, foi o piano,
foi essa música, Paris está em Chamas, o nome do filme (CANTO). Até hoje
me arrepia. Eu tenho aquela imagem daquela moça bonita, tocando piano
naquela sala. Pô, uma sala grande que tinha um piano. Uma coisa que eu
nunca tinha imaginado na minha vida. Morava num rancho de pau-a-pique, no
interior, tapado de santa fé. Aquilo me deixou... Custei muito a me adaptar
134
com essa nova situação. Pra mim, a música foi decisiva em todos os
segmentos. Depois sde Pelotas, fui pra CEEE, trabalhar em Candiota. Na
chegada, no primeiro churrasco que houve, eu toquei trombone. Abriram-se
todos os caminhos, não teve dúvida. A música foi decisiva.
O Norberto era um incentivador. Ele dizia: Vocês m que seguir, tirar um
ofício na vida, têm que estudar, mas a música é uma possibilidade de vocês
também terem um ganho extra.
Pra mim ele foi um exemplo de vida. O que eu não consegui de exemplo da
família, porque eu fui criado longe da família, o maestro me passou muito
disso daí, muito! Foi, pra mim… Foi um achado ter parado na Banda. Se
não tivesse canalizado a minha vida pra esse tipo de coisa, hoje eu estaria,
sinceramente, ou eu taria capinando lá fora, na capoeira ou, sabe , se
não tivesse lá no exército fugido e não tivesse marginalizado mesmo. O meio,
às vezes, influi muito, obriga. E mesmo no meio, tu vês, o princípio que eu
adquiri lá, na época em que a gente tocou, que foi profissional na noite ,
nunca me despertou, nem por um momento, o consumo de alguma droga.
Nunca precisei fazer uso desse artifício. Eu sempre fui tão ligado à música
que me bastava a música, sem nenhum artifício.
Eu sou técnico em mecânica formado na Escola, mas com especialização em
segurança do trabalho, me aperfeiçoei em segurança do trabalho. Cheguei a
cursar Direito, fiz três anos. Cursava Direito e Economia. Na época ainda que
tava no conjunto, que o conjunto ainda mantinha a coisa. Mas depois tive que
parar. Aí, fiz concurso pra CEEE, passei, fui trabalhar na CEEE e me
aposentei como técnico em segurança (MOURA, 2005).
A comunicação através da música mostrou caminhos para que os alunos das
bandas que Norberto Soares comandava interagissem no e com o mundo, podendo
realizar, segundo Freire (1977, p. 65), a simultaneidade, transformando o mundo
através de sua ação, o que representa captar a realidade e expressá-la por meio de
sua linguagem criadora. Freire ressalta as relações proporcionadas pelo diálogo que
se alicerçam no amor, na confiança, humildade e esperança. Essas relações
certamente foram influenciadas ou facilitadas pela linguagem musical praticada entre
o professor Norberto Soares e seus alunos, tanto na SMUD como no Lar de
Meninos. A música, para os ex-alunos de Norberto Soares, foi a linguagem criadora
que proporcionou não somente a projeção profissional, mas, principalmente, a
formação para a vida.
Os meninos, hoje homens, refazem as suas histórias, complementando a
história do professor Norberto Nogueira Soares, da SMUD e do Lar de Meninos.
Registram-se, dentro do contexto deste estudo, as relações de vida e trabalho
proporcionadas pela educação musical.
135
CONCLUSÃO
Conclui-se este estudo, que apresenta a história do professor e maestro
Norberto Nogueira Soares, inserida em contextos históricos, com algumas
conotações políticas, religiosas e educacionais, comprovando ou acentuando os
procedimentos disciplinares dispensados para a execução musical e analisando as
influências da educação musical na vida de seus alunos.
A primeira análise conclusiva se faz dentro da explanação do capítulo que
aborda a Música na História da Educação.
Traçadas as relações de música na história da educação, constata-se que,
especificamente na educação brasileira, nas décadas estudadas, a música foi
utilizada para divulgar os interesses políticos, que visavam ao crescimento
econômico pelo trabalho.
Quando Roquette Pinto diz trabalhar cantando, revela um traço de
cumplicidade. A disciplina deveria ser alcançada para que, dóceis, os corpos
trabalhassem pelo progresso do país. Foucault (1979, p. 148), quando indaga de
que corpo necessita a sociedade atual, traduz essa cumplicidade que se entende
por corpo do querer, na qual o autor avalia o corpo no nível do desejo e no nível do
saber.
Em Makarenko, encontram-se registros sobre docilidade/utilidade, nos quais o
corpo deve ser preparado para atender aos objetivos. O autor enfatiza (1980, p. 158)
que o verdadeiro móbil da vida humana é a satisfação do futuro. Essa satisfação é
um dos principais objetos sobre que opera a técnica pedagógica. Para atingir a
satisfação, o autor diz que, em primeiro lugar, é preciso organizar a própria alegria,
fazê-la nascer e situá-la como uma realidade.
Se um corpo se torna dócil e útil despertado pelo seu próprio desejo e
satisfação, entende-se que esse corpo não irá se rebelar contra seus próprios
desejos e atenderá aos comandos, ciente de que sua utilidade produz algo de
grandioso para si e para os outros, tornando-se cúmplice do sistema pelo querer.
A técnica pedagógica se produz por manobras elaboradas, e a educação
musical foi utilizada visivelmente nesses processos construtivos a partir de táticas
que, para Foucault, constituem-se na
136
arte de construir, com os corpos localizados, atividades codificadas e as
aptidões formadas, aparelhos em que o produto das diferentes forças se
encontra majorado por sua combinação calculada (FOUCAULT, 1987, p.
141).
Nesse enfoque, Foucault se refere às táticas militares e à organização de
tropas. Relacionando-se esse contexto visual que compreende a organização,
lugares, movimentos e relações entre os corpos com as imagens de bandas de
música, compreende-se que a tática opera em ambas, assim como os resultados se
aproximam. Marcham os soldados musicais, imponentes, sob o som da glória
patriótica, embalando o progresso do país!
A música despertou o interesse dos governantes por ser uma arte que fascina
e dá prazer e por ter uma trajetória histórica comprometida com a disciplina. Por
isso, aparentemente, apresentava os resultados desejados.
Villa-Lobos, sabendo do interesse do governo em despertar o patriotismo,
apresenta um projeto que disponibiliza a disciplina dentro da educação em uma
atividade agradável e aparentemente inofensiva: a música.
A música trabalha o lado emocional que aflora a sensibilidade, instiga a
criatividade, promove diálogos, humaniza pela afetividade e, por isso, fascina. Por
outro lado, desenvolve fortes traços disciplinares que são necessários à sua
execução.
Descrevendo somente a parte técnica da música, fica difícil compreender
como essa arte pode atrair para si crianças e adolescentes com tanta inquietude,
com fortes impulsos de liberdade e com freqüentes quebras de regras. Porém a
outra parte componente da arte musical, a que trabalha com as emoções, libera os
sentimentos que promovem fugas interiores, satisfações capazes de abrandar a
rigidez da técnica. As fugas desenvolvem diálogos entre técnica e sentimento,
transformando pontos aparentemente antagônicos em efusão harmoniosa.
Esse pequeno parecer sobre o ensino musical e, principalmente, sobre a
junção da técnica que domina e do sentimento que liberta permite a abordagem da
utilização da música na educação.
Que rica combinação se pode ter: disciplina e controle, enquanto os
controlados ficam satisfeitos no que fazem e como fazem. Tornam-se perfeitos os
casamentos música/disciplina/educação. A música utiliza a disciplina em seu estudo
137
e execução; a educação utiliza a música para obter disciplina; a música utiliza a
educação para se divulgar; e a política obtém os frutos dessa união.
O projeto de Villa-Lobos pretendia englobar o maior número de alunos, e o
canto era a forma mais fácil, rápida e eficiente.
As bandas de música participavam dos eventos cívicos e projetavam a
disciplina no contexto educacional, porém possuíam um menor número de
componentes e se constituíam em gastos para os poderes públicos. O investimento
feito pelo governo no Canto Orfeônico foi criar cursos que possibilitaram a
especialização de professores de música, com a criação de alguns cargos, o que
também precisaria ser feito se fossem investir nas bandas. Ocorre que as bandas
necessitam de instrumentos que são relativamente caros, de espaço físico, o que
acarretaria em obras, de uniformes elaborados e de transporte. O canto utiliza a voz
como instrumento, o que facilita a sua execução.
Quando se pensa em fortalecer a disciplina por meio de uma construção
pedagógica, deve-se pensar na recepção, de que modo os alunos aceitarão essa
tarefa. Pode-se enaltecer a genialidade de Villa-Lobos, além da de compositor,
também nessa concepção de articulador político-pedagógico. Por não dispensar
tantos procedimentos disciplinares para a sua execução como as bandas, o canto
seria, além das facilidades apontadas, a forma ideal para essa função.
Dessa forma, o Canto Orfeônico foi utilizado como estratégia político-
educacional, e a educação musical alcançou o seu objetivo. Tornou-se a grande
divulgadora dos interesses que regiam o país. Pode-se dizer que, dessa maneira, a
utilização da música tenha sido uma grande tática política.
Havia a prática musical no contexto do Programa Educacional, que, projetado
em várias áreas, fortalecia-se. O gosto e o interesse pela música e o civismo foram
conquistados.
Ampliar o conhecimento musical e tocar um instrumento, para muitos alunos
do Canto Orfeônico, foi um prazer, e a disciplina do estudo musical foi encarada
como uma necessidade para alcançar a forma perfeita desse prazer. Assim se
encara a expansão das Bandas de Música dentro da educação e a utilização da
música no projeto político-educacional das décadas estudadas.
Entende-se que a música continuou, após a sua exclusão como disciplina
obrigatória no currículo nacional, sendo uma arte da técnica, da disciplina e que as
crianças e os adolescentes das escolas brasileiras continuaram sendo cativados,
138
fascinados e influenciados pelo seu lado compassivo. Acredita-se, também, que
continuou existindo um forte interesse dos professores e dirigentes das escolas em
propiciar o ensino musical em suas instituições. Observou-se, ainda, um crescente
interesse na criação e manutenção de cursos de música nas universidades
brasileiras, preparando profissionais para atuarem. Mesmo assim, não se projetou,
nacionalmente, um programa educacional que desenvolvesse esses interesses e
atendesse a eles.
O grande responsável pela difusão da música nas escolas foi o projeto
político-educacional. Pode-se dizer que o programa orientado por Villa-Lobos
atendeu aos interesses do Governo, mas também se pode enfocar que existiu um
interesse, uma meta.
A música, no período compreendido entre as décadas de 1970 e 1990,
quando entrou nas escolas, salvo alguns projetos individualizados e conscientes,
assumiu somente um papel de arte de entretenimento, de arte contemplativa, que
poderia, se orientada, transformar-se em arte construtiva e participativa, mas isso
dependeria de um projeto conciso e coerente, com capacitações e apoio politico, o
que, nesse período, não aconteceu. Entende-se que a ausência da música na
educação refletiu, adiante, em uma música massificada, criticada pela sua
desintegração, pela decomposição de suas formas e sentidos. A partir da década de
1990, começam a ser articulados projetos e leis para novamente incluir a música na
educação brasileira, o que poderá gerar tantos outros estudos e análises.
Observa-se que, em âmbito nacional, nas décadas estudadas, muitas vidas
foram influenciadas pelo programa que instituiu a música na educação. Não
somente o crescimento econômico foi favorecido pelo incentivo ao patriotismo. Fez-
se notar uma consciência nacional em termos políticos, com a qual os alunos do
Canto Orfeônico, filhos da ditadura e da disciplina, lutaram por seus direitos e se
rebelaram contra os desmandos politicos. Muitos artistas manifestaram suas
inconformidades e levaram multidões que cantavam e trabalhavam a cantar e a
lutar.
8
A partir dessa exposição, futuras investigações poderão se encaminhar; cabe,
no momento, o registro e a reflexão.
8
Ver Chauí (1997, Finalidades-funções da arte).
139
Segue-se a análise da relação música/disciplina, percebendo-se, no segundo
capítulo, Descobrindo um Professor, essa relação a partir dos métodos utilizados por
Norberto Nogueira Soares. Entende-se que a disciplina é essencial no estudo
musical: a teoria, o instrumento e a leitura da partitura são processos disciplinares
que se completam. Mentes e corpos se unem para a eficácia do ato de executar um
instrumento. As facetas da música são reveladas pelo estudo, pela prática repetida,
pelos exercícios, pelo domínio das funções físicas e mentais, ou seja, pela disciplina.
No caso de uma banda, além do instrumento, o músico deverá dominar o corpo para
a marcha com garbo, tendo noções de movimento, lateralidade e alinhamento.
O quadro disciplinar exigido para o estudo musical foi verificado nas duas
instituições estudadas com muita semelhança de métodos, o que se associa, que
o professor era o mesmo.
A disciplina do estudo musical condiciona o aluno pela técnica da execução,
pela obediência ao comando do regente e pela postura do corpo. Assim, considera-
se o músico uma pessoa disciplinada, portanto útil ao sistema.
A música revela uma disciplina própria para a sua execução, que, sozinha,
sustentaria a sua comprovação. Este estudo, porém, amplia a visão da disciplina do
estudo musical, buscando outras concepções disciplinares a partir do maestro
Norberto Soares. A disciplina do professor Norberto Soares é analisada através de
seus métodos pedagógicos, sendo que se conclui que sua vida era disciplinada e
que suas atitudes como professor carregavam fortes traços da sua postura de
regente. Reunindo todas as qualidades para a função, conforme se pode verificar
através do perfil traçado com a ajuda de seus ex-alunos, colegas, do filho e de
documentos impressos, revela-se que Norberto Soares era uma referência em seu
meio, com vasto conhecimento musical, sabendo conduzir seus músicos e
demonstrando tantas outras aptidões que possuía.
Acredita-se que o professor tenha se moldado pela intensa dedicação ao
estudo musical, desenvolvida desde a infância e fortalecida pela função de mestre
de bandas. Sua postura de vida disciplinada permanecia em todas as suas
atividades.
Entende-se que uma pessoa disciplinada irá se adaptar às normas dos
lugares onde irá atuar. A análise da disciplina nas instituições onde Norberto Soares
atuou como professor e regente permite que se complete o círculo das disciplinas
neste estudo, abordado no terceiro capítulo: Lugares e Vivências.
140
Destaca-se que os alunos que procuravam a SMUD tinham um único
propósito: a música. Os alunos que freqüentavam o Lar de Meninos se encontraram
com a música através do professor Norberto Soares.
Nas duas instituições, a profissionalização foi incentivada e seguida por
muitos alunos. A SMUD mantinha um curso profissionalizante de música, e o Lar de
Meninos investia na profissionalização em todos os segmentos da educação.
Nota-se, tanto na SMUD quanto no Lar de Meninos, que a música participou
da vida dos alunos de forma significativa e que Norberto Nogueira Soares, como
professor e Mestre de banda, foi responsável por essa participação.
Assim, as duas instituições, mesmo mantendo projetos diferenciados, através
do ensino musical, conseguiram se aproximar, mesmo porque o professor Norberto
Soares, que atuou em ambas, levava os alunos do Lar de Meninos para dentro da
SMUD para continuarem o seu aprendizado e profissão.
A SMUD é uma instituição musical que concretizou os ideais de seus
fundadores e proporcionou à sociedade pelotense e da região o contato com a
música. Durante as cadas estudadas, a SMUD formou muitos sicos
profissionais, no curso que Norberto Soares ministrava, projetando o nome da
Sociedade e da cidade de Pelotas em diversas apresentações da Banda no Estado
e no sul do País.
O empenho dos músicos, dos regentes, dos sócios, da diretoria e da
comunidade faz com que a SMUD permaneça em atividade até hoje. Existe um
respeito pela história dessa instituição e um apego daqueles que dela fazem parte
há muitos anos.
Por se tratar de uma sociedade, a SMUD se orienta pelos seus estatutos. Em
uma análise, verifica-se que as normas que regram a instituição são peculiares a ela
e prezam pela ordem e os bons costumes dentro da sede, pelo zelo ao patrimônio,
pelo respeito às pessoas e à música. Esses cuidados e a divulgação da sociedade
são um dever de todos que dela usufruem, não somente por serem definidos pelos
estatutos, mas também por se formarem elos de comprometimento sentimental, pela
amizade e apreço.
Conclui-se que a disciplina dentro da SMUD está ligada aos comportamentos,
às atitudes humanas, que não podem degradar a imagem da sociedade. Qualquer
membro da Sociedade que se desvie do comportamento exigido poderá ser punido,
até com exclusão, dependendo da gravidade de seu erro.
141
Entende-se que a exclusão por quebra de regras seja rara, porque as
exigências, em se tratando de convivência em sociedade, repercutem na vontade
dos envolvidos. Entende-se, também, que os sicos, após passarem pela
disciplina do estudo musical e atenderem às decisões do regente, estejam moldados
para enfrentar a disciplina da sociedade.
Como a maior parte dos sócios, diretores e freqüentadores da SMUD são
ligados à música, respeitam o espaço e as pessoas que lhes proporcionam o contato
com essa arte.
Além do respeito, existe a afinidade pessoal, os sentimentos que se formaram
dentro da Sociedade. Com o passar dos anos, as pessoas que lá freqüentam
passam a cuidar daquele lugar como se fosse sua própria casa e a tratar seus
colegas como irmãos.
Norberto Nogueira Soares contribuiu para esse círculo de amizades e é
lembrado por todos os seus ex-alunos pela sua conduta, afeto e também pela sua
postura exigente diante do estudo musical e do profissionalismo. O mestrinho, como
alguns o chamam, é para esses músicos o exemplo a ser seguido, tanto pessoal
como profissional.
Também os músicos da Banda do Exército da Salvação revelam suas
vivências. O Lar de Meninos foi uma instituição que lhes proporcionou muitos
ensinamentos. As relações de afeto e de família foram criadas em um rculo
diferente, que envolvia muitas pessoas e atividades. Havia seleções naturais de
círculos, e a Banda reuniu muitos meninos que se afinaram pela sica, fazendo do
mestre seu exemplo, da música uma profissão e da disciplina um aprendizado.
A disciplina dentro do Lar de Meninos se estendia em todas as atividades e,
no ensino musical, foi facilitada, porque os meninos a haviam incorporado. A
questão disciplinar, segundo as suas origens religiosas, incorporadas pelo exército e
pela educação, encontra no Exército da Salvação um terreno fértil e adaptável, pois
a entidade constitui, em seu próprio nome, dois gêneros que justificam o uso da
disciplina: o exército e a religião (salvação). Verifica-se, pois, que a educação
proporcionada pela instituição adotava um regime disciplinar e que a música estava
inserida nesse contexto.
Em contrapartida, nota-se que a música foi uma aliada dos meninos nas
horas de dificuldades de adaptação, de convivência, de submissão. A disciplina da
música, no contexto disciplinar do Exército da Salvação, aparece como amena, pois
142
os meninos do Lar conviviam com formas disciplinares bastante rígidas, que, muitas
vezes, eram suportadas por causa da música. Muitos entravam para a Banda para
conseguirem um pouco mais de liberdade. Mesmo se submetendo à disciplina da
Banda, sentiam-se livres.
Ao se comparar a disciplina nas duas instituições, considera-se que uma
sociedade da qual os alunos participam pelo critério da escolha, uma sociedade
comprometida com a divulgação e transmissão da arte musical, adote um sistema
disciplinar diferente de uma instituição comprometida com a formação geral de
meninos que não escolheram fazer parte dela. A música, essa sim, foi uma escolha
dentro do Lar de Meninos.
Por isso, não se conota a disciplina no Lar de Meninos como algo castrador,
como uma junção de não e senões, de frustração, e sim como uma condução
necessária para o futuro, revelada como positiva pelos ex-alunos, que enfocam a
importância da disciplina nas atividades profissionais, nas qualidades morais e nos
princípios que regram a vida dos seres humanos.
Mesmo dentro de uma sociedade e de uma educação rígida, verifica-se que a
educação musical proporcionou a interação dos alunos das bandas com as
realidades, num processo favorecido pelo trabalho coletivo, que proporcionou a
libertação pelo reconhecimento de mundos e oportunidades.
Tanto na SMUD como no Lar de Meninos, a educação profissional foi
fortemente incentivada, e o professor Norberto Soares foi condutor de muitos
profissionais na área da música.
O ensino musical dentro da SMUD era direcionado à formação de músicos de
banda para atender ao mercado de trabalho. Norberto Soares sabia das deficiências
do mercado e conduzia seus alunos para esse fim. A carreira de sico-militar foi
bastante incentivada, principalmente entre os meninos.
A dedicação ao estudo musical sempre foi muito cobrada pelo professor.
Norberto Soares entendia que seus alunos poderiam se profissionalizar na música e
que, se estivessem preparados, seriam mais bem aceitos. Para ele, os alunos
poderiam encontrar na música uma profissão ou uma forma de ampliar seus ganhos,
mesmo aqueles que não seguissem somente a carreira de músico.
Dentro do Lar de Meninos, a música, que não estava inserida no programa de
ensino profissionalizante, fazendo parte apenas de uma educação complementar,
143
intercalando-se com a obrigatoriedade do currículo, transformou-se, para muitos, em
profissão e, para tantos outros, em terapia ou ganhos extras.
Encontram-se, pela cidade de Pelotas, Estado e País, sapateiros-músicos,
serralheiros-músicos, militares-músicos, marceneiros-músicos, pintores-músicos,
pedreiros-músicos, técnicos-músicos, entre outros profissionais que utilizaram os
ensinamentos proporcionados por Norberto Soares, tanto na SMUD como no Lar de
Meninos.
A partir da história de vida do professor Norberto Nogueira Soares, fez-se
uma análise da disciplina na sica e nas instituições, formando um quadro
disciplinar. Cada contexto estudado apresenta a sua própria disciplina, que
sobrevive sozinha, mas que é fortalecida com a de outros. Conclui-se que o
resultado desse conjunto disciplinar influenciou a vida dos alunos de Norberto
Soares e que os sicos de banda podem ser considerados como exemplos de
conduta disciplinar, moral e ética. Este estudo fez com que se revelassem, nas
histórias locais, fatos que se verificaram no contexto nacional. Percebe-se que a
educação dentro da SMUD e do Lar de Meninos também estava engajada na
formação profissional, que a disciplina estava envolvida em vários segmentos e que
a educação musical também desenvolveu um papel disciplinador com conotação
cívica.
As análises apresentadas enfocam a relação da sica com a disciplina,
porém as relações apresentadas ultrapassaram as formalidades de
ensino/aprendizagem, de professor/aluno, das instituições e de ideais. Foram
influências que marcaram a vida dos alunos de Norberto Nogueira Soares.
Dentre tantas influências que se poderia comprovar na educação musical
proporcionada por Norberto Nogueira Soares, citam-se três que apontaram de forma
consistente no decorrer da pesquisa:
- Disciplina: Aparece como condutora na formação do cidadão;
- Trabalho: É evidenciado como influência pelo incentivo do professor Norberto
Soares à profissão de músico de bandas, também pela educação
profissionalizante desenvolvida dentro das instituições e pelo contexto
144
histórico, no qual foi incentivado politicamente para o desenvolvimento
econômico do País;
- Visões: Alcançadas através das oportunidades, pelos mundos descobertos
nas viagens das bandas, pelo convívio com pessoas, lugares e situações.
Considerando-se que a educação musical proferida por Norberto Nogueira
Soares dentro do Lar de Meninos não estava incluída dentro da obrigatoriedade
curricular e que na SMUD essa educação era considerada como curso
profissionalizante, portanto, em ambos, escolhida por seus alunos, aponta-se para a
mágica atração que a música provoca e pelas inúmeras influências que se poderia
apurar se essa atividade tivesse o espaço desejado dentro da educação.
145
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