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tocando um piano. Tocava piano ela. Eu fiquei escutando aquele piano, e,
quando eu vi, a pessoa que me deixou lá já tinha ido embora, e eu fiquei
envolvido naquele piano. Até hoje eu não esqueci a música que a moça tava
tocando lá... Paris está em chamas (o filme). Isto mesmo. Pá, cara, eu fiquei
envolvido com aquela música, com aquela melodia daquele piano ali...
Passou aquilo ali, tinha que entrar na rotina, mas sempre com aquela...
Aquele sentimento de ter rompido aquele vínculo, assim de uma forma bruta.
O que acontece: já tinha a Banda lá. Então eu comecei a me envolver com a
Banda, passei a chegar mais pra perto da sala da banda. Tinha um pessoal
ensaiando ali, e eu ficava na porta da sala da banda ali, atrás da porta,
ouvindo. Comecei a me envolver com a Banda, eu era pequenininho. Tinha
os maiores, tinha os mais velhos que formavam a Banda. A Banda era muito
boa, muito boa. O maestro tinha um zelo por aquela Banda que vou te contar.
Eu comecei, ficava escondidinho ali atrás da porta, meio xucro. O maestro
mandava eu entrar, e eu ficava ali, escondido, né, não queria entrar na sala.
Aí foi, o maestro começou a me cativar. Passava por ali, eu era pequenininho,
tinha 7 anos, ele me passava a mão na cabeça, dizia: Tu vais tocar na Banda
ainda, vais tocar na Banda. Eu não acreditava muito que ia tocar na Banda,
mas era aficionado por aquilo ali. Só fiquei no Exército da Salvação por causa
da Banda, senão, eu tinha dado um jeito de fugir. Por causa da Banda. A
Banda foi realmente o elo que me prendeu lá dentro. Senão, na situação em
que eu fui deixado lá, eu fiquei muito, muito traumatizado. Fui me
aquerenciando mais com o pessoal da Banda, me entrosando, ia chegando...
Aí, o maestro em seguida já achou uma...Sentiu que eu tava muito envolvido
por aquilo ali, né... Quando ele chegava, eu já ia esperá-lo na carroça, ali...Já
entrava com ele na sala da banda, vendo ele naquele movimento, colocando
as partituras nas estantes ali.
Quando eu terminei o primário lá, eu ainda consegui, seguramente, por
influência da Banda, porque eles viram que eu fazia um bom trabalho, eu
terminei o primário. Foi conseguida uma bolsa pra alguns que tinham um
procedimento de acordo com o que eles entendiam, com as regras, que daria
pra sair de lá e estudar na cidade. Eu fiz admissão ao ginásio no Santa
Margarida, com bolsa. Vinha todo o dia de ônibus e retornava ao meio-dia pra
estudar no Santa Margarida. Acho que éramos seis, donde a maioria era da
Banda. O último ano que eu tive no Santa Margarida foi em 1960. Entrei em
59 e saí em 60. Não me recordo bem o ano nem se eu fiz só o admissão ou
se eu fiz o 1º ginasial também lá no Santa Margarida. Depois do Santa
Margarida, eu fiz meio ano no D. João Braga, onde eu consegui entrar pela
mãe do Marcos. Foi aí que eu entrei nos Lobos (grupo musical). Em 62 eu fiz
teste pra Escola. Fui pra Escola Técnica, e em seguida, com os
ensinamentos que tive da Banda do exército, entrei na Banda da Escola
Técnica, na época em que era fanfarra ainda. Consegui tirar o curso técnico
todo. Tocava na Banda da Escola e tocava nos Lobos. Paguei todo o meu
curso técnico com os Lobos, com a música. Concluí, na verdade, o curso
técnico, porque depois veio a discoteca e rebentou a maior parte das bandas.
Mas aí pela influência, pelo trabalho que eu prestava na Banda, eu consegui
serviço na Escola. Aí eu passei pro curso noturno, terminei o curso técnico de
noite e de dia eu trabalhava na Escola. Tudo porque o coordenador da Banda
na Escola me conseguiu serviço. Tudo porque eu tinha um desempenho
razoável na Banda da Escola. Terminei o curso técnico todo custeado por
mim mesmo, custeado pela música. A música teve uma influência decisiva
em todos os segmentos da minha vida, praticamente. Desde aquele piano,
até hoje eu não esqueço essa música. Essa música faz parte do meu
repertório em função disso aí. A primeira melodia que me encantou, assim,
me despertou pra música, pra me enveredar pra essa carreira aí, foi o piano,
foi essa música, Paris está em Chamas, o nome do filme (CANTO). Até hoje
me arrepia. Eu tenho aquela imagem daquela moça bonita, tocando piano
naquela sala. Pô, uma sala grande que tinha um piano. Uma coisa que eu
nunca tinha imaginado na minha vida. Morava num rancho de pau-a-pique, no
interior, tapado de santa fé. Aquilo me deixou... Custei muito a me adaptar