42
As linhas mais observáveis eram as duras, extensivas, visíveis. Conviviam as linhas
que demarcavam a força dos instituídos da loucura com as linhas que se pretendiam de fuga,
mas que também se apresentavam de forma identitária, conscientizadora. Mas havia espaços-
tempos onde as intensidades pulsavam. As assembléias foram uns dos espaços em que,
posteriormente, pude identificar como dos mais propulsores de discussões que fragilizavam os
enrijecimentos instituídos e institucionais. Eram assembléias das quais participavam todos os
funcionários, todos os usuários e alguns familiares. Os segmentos, os serviços, as atuações
profissionais, as queixas, os elogios etc. Todo o funcionamento da CSVR era problematizado.
A Assembléia era uma rede de conexões
12
ocupando um espaço de forma densa, ou melhor,
intensamente mobilizando as formas e forças. Assembléia era o momento em que as vozes
eram ouvidas, mas não somente as alucinatórias, ou as cronificadas das posições hierárquicas,
eram as vozes cujos efeitos se produziam nas práticas quotidianas. Era uma tensão e reflexão,
um contraponto numa instituição que “os aprisiona no tédio infernal do Mesmo, na
repetitividade sem história, num eterno presente que é em si a imagem cinza de uma morte
sem desfecho” (PELBART, 1993, p.20).
Pelbart (1989 e 1993) escreve sobre uma invenção da loucura na qual se produziu
historicamente uma loucura inútil, capturada, impotente, cheia de maneirismos e revestida de
uma segregação implícita, esta segregação também produzida. Outros espaços na CSVR
flexibilizavam esta construção, produziam mudanças de posição, insistência, resistência.
Vozes, vontades, devires.
Nas sessões de musicoterapia havia danças e músicas sem estruturas, com ritmo
assimétrico, com melodias que transitavam nos tons... era o caos, a fonte das possibilidades
que emergiam. A sala estava sempre cheia, era um atrativo. O grupo musicoterápico acessava
uma densidade de construção/expressão de possibilidades de interação, com aceitação do
manifesto de forma flexível, diferente das intervenções medicamentosas e outras abordagens
tipicamente manicomiais.
12
Conforme Moraes (1998) a noção de rede “não remete a nenhuma entidade fixa, mas a fluxos, circulações,
alianças, movimentos. A noção de rede de atores não é redutível a um ator sozinho nem a uma rede. Ela é
composta de séries heterogêneas de elementos, animados e inanimados conectados, agenciados. Por um lado, a
rede de atores deve ser diferenciada dos tradicionais atores da sociologia, uma categoria que exclui qualquer
componente não-humano. Por outro lado, a rede também não pode ser confundida com um tipo de vínculo que
liga de modo previsível elementos estáveis e perfeitamente definidos, porque as entidades da quais ela é
composta, sejam elas naturais, sejam sociais, podem a qualquer momento redefinir sua identidade e suas mútuas
relações, trazendo novos elementos para a rede. Neste sentido, uma rede de atores é simultaneamente um ator
cuja atividade consiste em fazer alianças com novos elementos, e uma rede que é capaz de redefinir e
transformar seus componentes”.