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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
UM SÓ CORAÇÃO.
A RECRIAÇÃO FICCIONAL
DE YOLANDA PENTEADO.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Paulista UNIP para a
obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob a orientação da Profª
Drª Anna Maria Balogh.
NINO DASTRE
SÃO PAULO
2007
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2
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
UM SÓ CORAÇÃO.
A RECRIAÇÃO FICCIONAL
DE YOLANDA PENTEADO.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Paulista UNIP para a
obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob a orientação da Profª
Drª Anna Maria Balogh.
NINO DASTRE
SÃO PAULO
2007
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3
Dastre, Nino
Um Só Coração: A Recriação Ficcional de Yolanda Penteado / Nino
Dastre. – São Paulo, 2007.
170 f.: il.
Dissertação ( Mestrado) Apresentada ao Insti
tuto de Ciências Humanas
da Universidade Paulista, São Paulo, 2007.
Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática
“Orientação: Anna Maria Balogh”
1. Televisã
o. 2. Minissérie. 3.Ficção. 4.Personagem. 5.Teledramaturgia.
I.Dastre, Nino. II.Título.
4
Nino Dastre
UM SÓ CORAÇÃO.
A RECRIAÇÃO FICCIONAL DE YOLANDA PENTEADO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da Universidade
Paulista – UNIP para a obtenção do título de Mestre
em Comunicação.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________ ____/___/___
Profª Drª Anna Maria Balogh
Universidade Paulista - UNIP
__________________________________ ____/___/___
Prof. Dr. Marco Antonio Guerra
Universidade de São Paulo - USP
__________________________________ ____/___/___
Profª Drª Solange Wajnman
Universidade Paulista - UNIP
5
DEDICO este trabalho a algumas pessoas muito amadas e
muito próximas, sem as quais, de muitas maneiras, eu não
poderia estar aqui hoje.
À minha mãe, Yedda, que preserva a capacidade de ver o
mundo pela lente do otimismo e da alegria. À minha esposa
Solange, amiga e companheira fiel, sempre pronta a dar abrigo
de todas as tempestades. Ao meu irmão Bruno, a quem
agradeço todos os dias pelos novos dias que me permitiu viver.
E a minha querida filha Stella, minha estrela da sorte, que veio
para dizer que ainda não era a hora.
6
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Anna Maria Balogh, com quem tive o privilégio de conviver
nesses dois anos de pesquisa e que soube transmitir seus conhecimentos com tanta
generosidade. Aos demais professores da UNIP: Antonio Adami, Bárbara Heller,
Eunice Vaz Yoshiura, Janette Brunstein, Solange Wajnman e Juan Droghett pelas aulas
estimulantes e pela inspiração.
A Tuna Dwek, que tão gentilmente abriu as portas e o coração. A Alcides Nogueira
e Maria Adelaide Amaral, que continuam a nos presentear com suas obras
inesquecíveis. Obrigado pelas informações e pela disponibilidade.
Aos meus amigos que fizeram uma importante e imprescindível revisão em áreas
que não são de minha competência, além de contribuir com valiosas sugestões: o
arquiteto Júlio De Marco, que ofereceu pertinentes interferências na área de urbanismo;
o cientista social Marcos Horácio Dias Gomes, que embasou os segmentos com
abordagens sociais e políticas; a psicóloga Mariangela Bento, que sugeriu livros e
conceitos para fundamentar minhas avaliações sobre personagens e símbolos; e a
Wilson Borges de Barros que perdeu horas preciosas de seu convívio com a família para
me ajudar a selecionar mais de mil fotogramas dos DVDs para ilustrar este projeto.
7
“Copiar a realidade pode ser uma coisa boa,
mas inventar a realidade é muito melhor”
Giuseppe Verdi
8
RESUMO
A minissérie Um Só Coração foi ao ar em 2004 como parte dos eventos da Rede
Globo para comemorar os 450 anos de fundação da cidade de São Paulo. Os autores
Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira compuseram um amplo painel sobre a
construção da identidade cultural da cidade no percurso do século XX sob a ótica de
uma de suas maiores incentivadoras, Yolanda Penteado.
Os eventos mais marcantes da evolução da vida urbana, social, política e cultural
da cidade foram inseridos na trama: desde a Semana de Arte Moderna de 1922, as
revoluções de 1924 e 1932, chegando à década de 40, no período do pós-guerra, com a
criação do Museu de Arte Moderna - MAM e do Museu de Arte de São Paulo - MASP,
do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC e da Companhia de Cinema Vera Cruz, até a
inauguração da televisão em 1950 e a criação da Bienal Internacional de São Paulo, em
1951. E revela a importante contribuição de Yolanda Penteado para a construção de
uma agenda cultural permanente para a cidade de São Paulo.
A minissérie acompanha a trajetória de Yolanda Penteado e de muitos
personagens, reais ou ficcionais, com os quais ela interage ao longo de quatro décadas.
O que esta pesquisa se propõe a descobrir é como se deu a transposição da biografia
para o formato de minissérie de televisão, como foi o processo de inserção de
personagens e eventos ficcionais em uma produção que se pretende biográfica, as
referências históricas e culturais da época usadas na tessitura ficcional e, por fim, quais
foram os recursos de folhetim e os elementos simbólicos inseridos na composição da
obra.
Palavras-chave: televisão, minissérie, ficção, personagem.
9
ABSTRACT
The miniseries Um Coração, broadcast in 2004, was envisaged by Globo TV
as one of the events to celebrate São Paulo 450th foundation anniversary. The authors,
Maria Adelaide Amaral and Alcides Nogueira, assembled a wide panel on the
piecemeal process of building the city´s cultural identity throughout the 20
th
century,
from the point of view of one of its major patronesses, Yolanda Penteado.
Quintessential facts concerning the evolution of the city urban, cultural, social and
political life were depicted in the plot, from the 1922 Week of Modern Art, the 1924
and 1932 revolutions, arriving at the 40´s, the post-war period, with the creation of the
Museum of Modern Art MAM, the São Paulo Art Museum MASP, the Brazilian
Comedy Theatre – TBC and the Vera Cruz Cinema Company, on to the inauguration of
the television broadcasting system in 1950 and the creation of the São Paulo
International Biennial Art Exhibition. The importance of Yolanda Penteado in setting a
permanent cultural agenda to the city is unveiled as their sequence unfolds.
The miniseries trails the paths followed by Yolanda Penteado and many of the
actual and fictional characters with whom she interacts along four decades. This
research aims at finding out the means by which the biography was transposed to the
television miniseries format. It is an investigation on the process of inserting fictional
characters and events in a so-called “biographical” production, on the cultural and
historical references considering its spanning period and, at last, the feuilleton narrative
resources and the elements of symbolic significance summoned to compose the
production.
Key words: television, miniseries, fiction, character.
10
SUMÁRIO
Agradecimentos 6
Resumo 8
Abstract 9
1. A ESTRUTURAÇÃO DA PESQUISA
1.1
Introdução 12
1.2
Justificativa 17
1.3
Metodologia 19
1.4
Problemas e Hipóteses 26
1.5
Referenciais Teóricos 33
2. AS METAMORFOSES DE YOLANDA
2.1
Os Programas Narrativos de Yolanda 45
2.2
A Personagem do Livro versus a Personagem da Minissérie 55
2.3
Os Elementos Simbólicos da Minissérie 68
2.4
Construção da Ficção Televisual 85
2.4.1 A Figura de Martim 91
2.4.2 Os Amores de Yolanda 93
2.4.3 Uma Velha Canção de Amor 96
2.4.4 A Passagem do Tempo 98
2.5
Apresentação, Espacialização, Temporalização 101
2.6
Considerações Finais 112
3. ANEXOS
3.1
A Trajetória Completa de Yolanda Penteado 123
3.2
Bibliografia 157
3.3
Favola d´amore / As Metamorfoses de Pictor. Hermann Hesse 161
3.4
Favola. Eros Ramazzotti 166
3.5
Cronologia dos Eventos da Vida de YP e da Cidade de SP 167
3.6
Ficha Técnica e Elenco Principal de Um Só Coração 169
As citações no início dos capítulos da Segunda Parte e o trecho escolhido para o encerramento deste
trabalho foram extraídos do conto Favola Amore / As metamorfoses de Pictor cujo texto integral se
encontra na página 165 dos Anexos.
11
1
A ESTRUTURAÇÃO DA PESQUISA
12
1.1 INTRODUÇÃO
Alguns episódios de nossas vidas têm início, se desenvolvem e se encerram em
curto espaço de tempo. Outros demandam um longo período em estado de suspensão até
que se configure algum ponto ao qual se pode chamar de conclusivo, definitivo ou final.
Não que nossas vidas se acabem por ali. Apenas aquele episódio se encerra. São as
pequenas narrativas, dentro do grande enredo, que se desenvolvem por si,
independentemente do todo. E assim vão se entretecendo as pequenas crônicas do
cotidiano que formam os capítulos que, ao fim da jornada, vão compor a grande história
da vida. O mais curioso destas pequenas narrativas internas é que, muitas vezes, leva
anos até que elas se nos configurem como tal e estabeleçam uma conexão com o todo.
Até então, cada pequeno episódio tem existência isolada e, muitas vezes, pode cair na
vala comum do esquecimento. Outros levam anos ou décadas até serem resgatados do
oblívio para, enfim, receber o merecido desfecho.
Em meados da década de 1980, recém-chegado a São Paulo, assisti a uma peça de
teatro chamada Lua de Cetim. A obra tratava das reminiscências de um jovem do
interior que se muda para São Paulo, fascinado pelo estilo de vida da metrópole. O
enredo retratava sua vida familiar em uma pequena cidade, suas relações com o pai, um
comerciante sonhador, e com a mãe pragmática, preocupada com a sobrevivência da
família. Tive uma identificação imediata com a história daquela família. Afinal, eu
vinha de uma trajetória não muito diferente. Era como se parte do meu próprio enredo
familiar tivesse sido usado como fonte de inspiração para o autor.
Nunca me esqueci daquela história singela, honesta e tão familiar. Esse episódio
ficou, então, guardado no baú de memórias que sabemos exatamente onde está mas a
13
que raramente vamos visitar, repousando no sótão empoeirado das lembranças da vida.
Voltaria a ele duas décadas depois.
Dezembro de 2004. Compareço à noite de autógrafos do lançamento do livro
escrito por uma amiga, a atriz e escritora Tuna Dwek. O livro é a biografia de Alcides
Nogueira, um nome admirado por sua valiosa contribuição ao teatro e à teledramaturgia
brasileira. Nogueira fora co-autor, em parceria com Maria Adelaide Amaral, da bem
sucedida produção da Rede Globo, a minissérie Um só coração, e autor de outras
reconhecidas obras para o teatro e a televisão. Coquetel, imprensa, celebridades e fica
difícil conversar mais tranqüilamente com Tuna, a biógrafa, ou com Alcides, o
biografado. Pego meu exemplar autografado por ambos, agradeço e saio
apressadamente. O título do livro, Alma de Cetim.
Mais tarde, em casa, uma rápida passagem de ponta de dedos pelas páginas do
livro conduz meus olhos ao capítulo que trata da peça Lua de Cetim. Imediatamente
lembro-me da emoção de quando a assistira mais de 20 anos antes e da qual nunca me
esquecera completamente. Sinto, então, um desejo enorme de fazer contato, de contar
como aquela peça me emocionou e como aquela história era tão parecida com a minha
própria. Pedi a Tuna que transmitisse a Alcides Nogueira uma mensagem, um
agradecimento tardio pela emoção de tantos anos antes, coisa que normalmente se faz
ao final da peça, quando se encontra o autor no burburinho das saídas de teatro.
Nessa mesma ocasião, eu estava às voltas com uma questão: precisava definir um
tema para minha dissertação de mestrado. Havia decidido poucos meses antes me inserir
no universo da pesquisa acadêmica e tinha pressa em encontrar um assunto pertinente.
Meu tema deveria tratar de produções culturais contemporâneas e eu desejava que
tivesse pontos de convergência com minha própria trajetória e percepção do mundo. E
também gostaria que tratasse de alguma coisa relacionada à cultura paulistana. Talvez
14
por ter sido 2004 o ano de comemoração dos 450 anos da cidade, eu senti que devia me
inserir nas festividades ou, ao menos, dar minha contribuição pessoal e colocar a cidade
de São Paulo como cenário do meu trabalho de pesquisa. Era esta mesma cidade que
acolhera o protagonista da peça de Nogueira na década de 1960, e que me havia também
acolhido início dos anos 80, a quem eu prestaria minha homenagem.
Houve, então, uma estimulante troca de mensagens eletrônicas que muito me
ajudaram a dar forma à versão original do projeto
1
. Esta é a reprodução do email que
enviei a Tuna Dwek no dia seguinte à noite de autógrafos.
comecei a devorá-lo [o livro] e meu coração se encheu de alegria
ao lembrar como me emocionei com a peça Lua de Cetim. Por favor,
conte isso ao Alcides. Mesmo 20 anos depois, nunca é tarde para
cumprimentar o autor de uma peça tão bonita quanto inesquecível.
Tuna, uma mulher apaixonada por tudo que faz e intensa como toda estrela deve
ser, respondeu em 13 de dezembro:
[...] que nossas luas sejam sempre de cetim, espetáculo que também
deixou em mim algo indizível que de alguma maneira semeou algo
em mim do que sou hoje. E que, não à toa, inspirou o título da obra...
Passei teu email ao Tide e vou passar minha resposta pra ele porque
afinal, ele é gerador disso tudo.
Eu havia decidido que meu tema de dissertação seria, de alguma maneira,
ligado à minissérie Um coração. Motivos não me faltavam. O assunto era
absolutamente irresistível. Uma história de amor entre dois jovens idealistas,
inconformados com a realidade que lhes era imposta pelas convenções sociais, que
1
O formato original, naturalmente, sofreu seguidas modificações conforme a pesquisa evoluía e de
acordo com as valiosas sugestões dos meus professores na Unip, até se tornar o presente trabalho.
15
decidem lutar para permanecer juntos, mas se vêem enredados pelas engrenagens do
destino que os condena à renúncia e à separação por quase toda uma vida. O cenário é a
cidade de São Paulo e toda sua eletrizante trajetória desde aquela pequena vila
provinciana do início do século até se tornar o grande centro gerador e distribuidor de
arte e cultura que é hoje. E, finalmente, a contextualização temporal em um dos
períodos mais efervescentes e turbulentos de nossa história recente: o Século XX com
toda sua explosão de artes, ciência e tecnologia como a humanidade nunca houvera
experimentado antes.
O contato estabelecido com os autores haveria de ser um instrumento valioso para
a coleta de informações sobre o processo de construção da obra, as consultas que os
realizadores fizeram, os livros que leram, as pessoas que entrevistaram, enfim, toda
fonte de informação que os tenha ajudado a construir a deliciosa trama narrativa da
minissérie. Por fim, este contato privilegiado com Tuna Dwek, que teve uma
participação expressiva na produção, tendo feito o papel da francesa Marinette Prado,
nascida Marie Lebrun, que sugeriu a realização da Semana de Arte Moderna de 1922
2
.
Tuna também se colocou gentilmente à disposição para ajudar com outras informações.
Um ano depois, em dezembro de 2005, recebo novo convite para o lançamento da
biografia de Maria Adelaide do Amaral, também escrita com a mesma competência por
Dwek. A leitura desse livro foi esclarecedora por conta do capítulo São Paulo, Meu
Amor em que Maria Adelaide discorre sobre as circunstâncias em que recebeu a missão
do departamento comercial da Rede Globo para criar uma minissérie sobre São Paulo
no ano de seu 450º aniversário de fundação.
Como eu havia antecipado a Alcides Nogueira em fins de 2004, a minha intenção
era pesquisar o processo de construção ficcional para televisão, tendo a minissérie como
2
A sugestão feita ao grupo de artistas modernistas foi acolhida com entusiasmo por Mário de Andrade,
como mostra a seqüência no capítulo 3 do DVD.
16
corpus. E a abordagem que eu havia pensado era tentar identificar os limites do autor ao
criar uma ficção sobre fatos reais e, principalmente, personagens reais. Ou, em uma
hipótese um pouco mais atrevida, tentar saber se estes limites também podem se tornar
uma força criativa.
Os anos de 2005 e 2006 foram dedicados às enriquecedoras aulas semanais, à
leitura da base teórica para desenvolver um trabalho consistente e à transcrição do
percurso narrativo de Yolanda Penteado distribuído ao longo de mais de 22 horas de
material fílmico em 53 capítulos nos 6 DVDs que contém a minissérie completa.
Retomamos nossos contatos, Alcides e eu, somente no início de 2006 quando ele
entregou à Rede Globo mais uma de suas grandes criações, o roteiro da minissérie JK,
em nova parceria com Maria Adelaide Amaral, que estreou em janeiro de 2006.
A direção de foco da pesquisa mudou substancialmente desde o início do projeto.
Esta mudança era esperada e, até mesmo, estimulada. A definição do problema, o
levantamento das hipóteses e a definição do tipo de pesquisa para chegar ao formato
final foram fruto de muito trabalho, de várias tentativas, de muita leitura e de aulas com
professores que permitiram abrir a mente para o estimulante caminho da pesquisa
científica.
O grande desafio se colocava à minha frente e agora não havia mais como fugir
dele. Era chegada a hora de começar a escrever.
A partir de agora, passo a falar na primeira pessoa do plural por incluir minha
orientadora, a Professora Anna Maria Balogh, com sua gentil permissão, no processo de
composição deste projeto. O resultado destes dois anos de pesquisa é o que vem a
seguir.
Nino Dastre
17
1.2 JUSTIFICATIVA
Na primavera de 1922, alguns meses após ter completado sua obra Sidarta,
Hermann Hesse escreveu uma belíssima fábula que também era uma história de amor,
inspirado pela mulher que viria a se tornar sua segunda esposa. Essa obra, As
metamorfoses de Pictor, foi livremente inspirada nas narrativas das Mil e uma noites e
na produção dos irmãos Grimm e revela todo o fascínio de Hesse pela fantasia, seja ela
feita de sonhos, de contos de fadas, de sátiras ou de relatos fantásticos.
Os textos de Hesse têm uma qualidade muito própria de revolver com os sentidos,
de estimular o olfato, de aguçar o paladar, de nos fazer ver cores nunca antes vistas e
sentir o frescor de brisas suaves. Mas o que atrai a atenção nesta pequena e preciosa
peça literária é a velocidade das transformações pelas quais passam o jovem Pictor e os
outros animais e elementos da natureza durante sua jornada. Tudo se transforma o
tempo todo, as cores transmutam, as formas se redesenham para dar contornos a outros
elementos. É uma descrição dinâmica da capacidade que todos temos de tomar
elementos e transformá-los para dar-lhes uma significação, sempre em busca de um
sentido para a existência humana, o que, na maioria das vezes, conduz ao encontro final
com o amor. Por isso, tomamos esse conto como uma espécie de base lírica sobre a qual
vai se estender o desenvolvimento da pesquisa.
Assim como Pictor, Yolanda Penteado, a heroína romântica de Um coração,
estabelece para si uma trajetória na qual se obrigada a percorrer caminhos até então
desconhecidos em busca de realizações que lhe dêem sentido à vida. Ambos, Pictor e
Yolanda, têm este objetivo determinado e previamente estabelecido com o receptor e
que está refletido nas obras que os representam. Ela se forçada a passar por muitas
18
transformações (metamorfoses) ao longo da trama, moldando sua personalidade de
acordo com as circunstâncias, adquirindo a capacidade de tomar atitudes e
desenvolvendo habilidades inéditas para atingir seu objetivo.
Como sói acontecer, o destinador, agindo através da atuação de personagens e
circunstâncias, é quem faz com que nosso herói e nossa heroína mostrem forças e
aptidões inéditas. Ou ainda, faz com que partam para a conquista da habilidade a fim de
que possam lutar e vencer as batalhas com as quais se deparam, estabelecendo, assim,
uma narrativa que será acompanhada e devorada com ansiedade pelo público
telespectador.
19
1.3 METODOLOGIA
Para a composição deste este trabalho, fizemos uso do método de pesquisa
documental e bibliográfica. Afinal, trata-se de uma obra fechada, com seu formato final
definido e inalterável em DVD, com registro do texto e indicação de material de
pesquisa sobre o qual se fundamentaram os autores durante o processo criativo. Foram
consultados filmes, livros, depoimentos, entrevistas, jornais e outras publicações. O
estudo da literatura disponível sobre a vida de Yolanda Penteado, principalmente sua
mais recente biografia, nos fornece um bom material para a análise do processo de
adaptação e criação da narrativa para televisão.
Em sua obra Como elaborar projetos de pesquisa, Antonio Carlos Gil, o autor,
explicita a diferença entre pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, como segue:
A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica.
A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes.
Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das
contribuições de diversos autores sobre um determinado assunto, a
pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo
com os objetivos da pesquisa. (GIL, 2002, p.45)
E prossegue:
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos
da pesquisa bibliográfica. Apenas cabe considerar que, enquanto na
pesquisa bibliográfica, as fontes são constituídas sobretudo por
material impresso localizado nas bibliotecas, na pesquisa documental,
as fontes são muito mais diversificadas e dispersas. Há, de um lado, os
20
documentos de primeira mão, que não receberam nenhum tratamento
analítico. Nesta categoria, estão os documentos conservados em
arquivos de órgãos públicos e instituições privadas, tais como
associações científicas, igrejas, sindicatos, partidos políticos etc.
Incluem-se aqui inúmeros outros documentos como cartas pessoais,
diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios,
boletins etc. (GIL, 2002, p.46)
Como ponto de partida para o levantamento documental do trabalho, e cumprindo
uma etapa formal da análise do material, incluímos uma resenha publicada na edição
eletrônica do jornal O Estado de São Paulo acerca do lançamento da biografia Yolanda,
escrita por Antonio Bivar. Este é o relato que tomamos como principal referencial
biográfico de Yolanda Penteado para comparação com a figura construída na minissérie.
A leitura da matéria também serve para dar início à identificação do universo retratado,
bem como do período histórico e dos personagens da trama:
A fazendeira que apoiava as artes e determinou muito do rumo da
moderna São Paulo é tema de minissérie na TV e de uma nova
biografia.
São Paulo - a minissérie, Um coração, Ana Paula Arósio à
frente do elenco, texto de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira.
havia Tudo em Cor de Rosa, a autobiografia, a história real ou, ao
menos, o modo como a percebeu sua protagonista. E há agora a
biografia assinada por Antonio Bivar. Três olhares sobre a trajetória
de uma das personalidades fascinantes do século 20 brasileiro,
Yolanda Penteado, fazendeira sensível aos rumos da produção rural no
Brasil, amante e incentivadora das artes, mulher pioneira.
Na apresentação de Yolanda (A Girafa, 432 páginas), Bivar tenta
explicar os propósitos da biografia. Sua relação com Yolanda é
afetiva, ele não a conheceu mas a leitura de Tudo em Cor de Rosa
quase 30 anos atrás, fica claro, tem lugar especial nas lembranças do
autor. Daí surgiu a idéia de uma biografia de bolso’, nada ‘que me
21
obrigasse a ir fundo em buscas, pesquisas, aquela coisa de livro com
mil notas de rodapé e uma bibliografia de humilhar qualquer não
acadêmico’. O livro seguiu sem as notas, mas o projeto cresceu e, com
isso, a preocupação. ‘O compromisso teria que ser maior, eu teria que
ir além da despretensão que fora a idéia inicial, isto é, teria que
pesquisar, conversar com parentes da biografada e pessoas que a
conheceram bem, ir às bibliotecas, aos arquivos, à internet’. O
resultado chega agora às livrarias, com a minissérie.
Não nada de sisudo na escrita de Bivar. Nos primeiros nove
capítulos - as primeiras 150 páginas -, a organização é cronológica. A
primeira ida à Europa, os momentos vividos em Paris, o casamento
com Jayme Telles, o divórcio, o modo como surpreendeu a sociedade
da época ao assumir os negócios da fazenda da família, a Empyreo,
modernizando suas atividades, instituindo práticas que iriam inspirar a
grande parte dos fazendeiros brasileiros. Todos estes momentos das
primeiras décadas de sua vida guardam um interesse duplo, para o
qual chama a atenção o autor. A história de Yolanda Penteado é
fascinante pelas suas conquistas e realizações. Mas outro
componente: o contexto em que viveu, as pessoas com quem privou e
o modo como as retratou em sua biografia (uma das principais fontes
do livro).
A paixão por voar, as dificuldades surgidas com o início da guerra na
Europa, a tentativa de cultivar o bicho-da-seda, a relação com os
irmãos, a reação à criação do Masp e de seu acervo: a vida de Yolanda
vai seguindo e a narrativa de Bivar perde a linearidade, até o momento
em que ela conhece Ciccillo Matarazzo Sobrinho, seu futuro marido e,
aos poucos, ele começa a explicar sua própria afirmação de que aquela
seria uma união que traria imensos frutos para a vida brasileira. Bivar
conta, com auxílio do depoimento de Maria Bonomi e outras
personalidades, o modo como conseguiram tamanha proeza, desde a
sugestão inesperada de Ciccillo à esposa até o lobby feito por Yolanda
junto a deputados para aprovar a lei.
Mas muitos outros detalhes, como a visita a André Malraux na
tentativa de conseguir com ele ajuda na hora de trazer obras ao Brasil,
para não falar, mais tarde, da criação do Museu de Arte
Contemporânea da USP, em 1963. Ou, então, da 2.ª Bienal, em 1954,
22
quando, entre outras façanhas, o casal fez com que fosse trazida ao
Brasil Guernica, de Pablo Picasso - a primeira apresentação da obra
fora dos Estados Unidos. Ou ainda, do envolvimento nos eventos que
marcaram o quarto centenário de São Paulo, em especial com um
festival de cinema.
Não foram poucas as marcas profundas deixadas por Yolanda, assim
como abundam os episódios com personalidades e mesmo de sua vida
pessoal, tal como a separação amigável de Ciccillo ou a venda da
Empyreo. Bivar passa por elas todas. E, no capítulo final, passeia pela
área que restou da fazenda, cortada pela rodovia. No fim, a resposta
está mesmo é no relato da vida de uma das construtoras desta São
Paulo que completa 450 anos.
3
O livro de Bivar, lançado em 2004, é a mais recente biografia sobre a intensa vida
de Yolanda Penteado, de 1903 a 1983. Muitas das seqüências mais marcantes da
minissérie e do livro foram extraídas de uma autobiografia lançada em 1976, Tudo em
cor-de-rosa (Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira). A autobiografia foi a fonte primária
de informações para a reconstituição do percurso de Yolanda Penteado na minissérie. É
o próprio Nogueira quem a identifica como sua principal fonte, quando perguntado a
este respeito:
O primeiro mapeamento da trajetória de Yolanda saiu da autobiografia
dela (Tudo em cor-de-rosa). Depois disso, Maria Adelaide e eu
recorremos a uma bibliografia extensíssima (...), não só sobre Yolanda
em particular, mas sobre personalidades que conviveram com ela, e
eventos que contaram com a participação dela - sempre muito
expressiva. Fomos atrás de várias pessoas que conviveram com
Yolanda. Nesse processo todo, estivemos muito bem assessorados por
dois pesquisadores / historiadores de primeiríssima linha: Vladimir
Sacchetta e Marcia Camargo. Eles têm um profundo conhecimento
3
O ESTADO DE S.PAULO. Yolanda Penteado é referência nos 450 anos de São Paulo. Disponível em
www.estadao.com.br. Acesso em 10.01.2006.
23
histórico e estético da Semana, da Villa Kyrial, das primeiras
Bienais... e também conhecem em detalhe o período político que foi
retratado. Não houve um só capítulo da minissérie que não fosse
examinado em profundidade por eles.
4
Merece destaque, no artigo do jornal, a referência que o autor faz ao fato de que
cada obra, a seu tempo, tenha lançado um olhar diferente, independente dos demais,
sobre a figura de Yolanda, como se a biografia de Bivar e a minissérie não tivessem
sido alimentadas pela mesma autobiografia.
Uma observação na matéria de O Estado de S.Paulo, no entanto, “Três olhares
sobre a trajetória de uma das personalidades fascinantes do século 20 brasileiro“ parece
resgatar o viés autoral de cada produção, com toda a liberdade de recriação que lhes é
pertinente, concedendo a cada autor (a própria Yolanda, Bivar e a dupla
Nogueira/Amaral) o direito de abordar a Yolanda que lhes parecesse mais adequada ao
seu trabalho, ao veículo, ao público e ao momento histórico
5
.
À época do lançamento da minissérie, em 2004, muito se falou sobre a vida de
Yolanda Penteado e seu envolvimento com iniciativas culturais e artísticas, como a sua
participação na fundação do Museu de Arte Moderna ou na criação da Bienal
Internacional de São Paulo, com seu segundo marido, Ciccillo Matarazzo. Tendo se
tornado a figura midiática do momento, 20 anos após sua morte, aspectos pessoais de
sua biografia também vieram à tona e foram discorridos pela imprensa. Alcides
Nogueira informou, em declaração por e-mail, que a família Penteado foi extremamente
generosa com as informações. Os parentes de Yolanda deram entrevistas e colocaram à
4
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correspondência eletrônica. São Paulo, 2006.
5
Por momento histórico deve-se entender o ano de produção, 2004, que coincide com os 450 anos da
fundação da cidade de São Paulo, bem como com o objetivo dos produtores de criar um produto cultural
de massa como parte das comemorações do evento.
24
disposição um precioso arquivo pessoal. Esta boa-vontade também foi observada com
os parentes de Ciccillo Matarazzo, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mario de
Andrade, Anita Malfatti, Santos Dumont, Assis Chateaubriand, Olívia Guedes Penteado
e do senador Freitas Valle. Com acesso franqueado pelos familiares, os limites da
criação ficcional foram naturalmente estabelecidos com base no respeito à memória das
figuras representadas na minissérie.
O que ficou de marcante na figura de Yolanda, além de seu espírito livre e suas
posições de vanguarda, foi o registro de sua intensa atividade tanto pela valorização da
arte em suas várias manifestações quanto pela consagração da cidade de São Paulo
como o grande centro gerador e irradiador da cultura nacional.
A personagem da minissérie se revela uma figura de grande interesse, não
somente por ser o condutor da trama, ao longo da qual passa por muitas mudanças em
sua estrutura psicológica, mas por ser o elemento que estabelece as conexões com a
maioria dos personagens centrais do enredo, reais ou imaginários, e que concorrem para
a costura de uma trama dentro dos moldes da teledramaturgia clássica, bem ao gosto do
público televisivo brasileiro.
A fórmula se revelou um sucesso de público. Prova disso foram os altos índices
de audiência que a minissérie apresentou durante a exibição de seus mais de 50
capítulos, sobre os quais ficção e realidade encontraram um ponto de delicada harmonia.
Segundo Alcides Nogueira:
A grande receptividade a Um coração atesta que a fórmula da
realidade ficcionalizada é um importantíssimo canal por onde é
possível focar o histórico, sem que isso se torne árido ou de difícil
apreensão. Um olhar detalhado e crítico sobre esse viés narrativo pode
levar a conclusões importantes e significativas para o melhor uso
dessa técnica de teledramaturgia.
6
6
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correspondência eletrônica. São Paulo, 2004.
25
Na impossibilidade de incluir o jogo de DVDs com o conteúdo fílmico da obra
analisada, adicionamos como primeiro item no capítulo que trata dos Anexos, na
Terceira Parte deste projeto, um resumo da obra bem como uma tabela com a
transcrição, cena a cena, da trajetória de Yolanda Penteado na minissérie, sempre
indicando local e data da ação e com numeração seqüencial por linha de tabela, para
facilitar a localização das cenas citadas e comentadas ao longo deste trabalho. Toda
referência que ser fizer à linha seguida do número é uma remissão a essa tabela.
Somente as cenas ou seqüências do percurso narrativo da personagem Yolanda ou
que dizem respeito diretamente à sua trajetória na minissérie foram consideradas para
fins desta pesquisa. No entanto, ao longo do texto, haverá referências a outros
personagens de núcleos paralelos, quando sua participação for importante para a
compreensão do projeto.
26
1.4 PROBLEMAS E HIPÓTESES
A tradução intersemiótica, também chamada de transmutação, entendida como o
processo que trata da reinterpretação de signos verbais por meio de um sistema de
signos não-verbais (JAKOBSON, 1975, p.65), também se aplica nos casos de
transposição de produções literárias como romances, aventuras ou ficção, linguagem
puramente simbólica, para o código sonoro-visual do cinema ou da teledramaturgia.
Existe um extenso registro sobre publicações cujo conteúdo foi transposto para o
cinema com as devidas adaptações à nova linguagem. também casos de telenovelas
ou minisséries que, invertendo a lógica, geram livros como obra de chegada, como foi o
caso da minissérie Desejo (Rede Globo, 1990), ou de poemas que se tornam canções
preservando com integridade seu conteúdo original e, até mesmo, pequenos contos
geraram filmes com tal volume de acréscimo à obra original por parte dos re-criadores
que apesar de muito pouco da obra original ter sido preservado, ainda mantém uma
essência que permite reconhecer uma na outra.
A indústria cinematográfica mundial é pródiga em produções que tiveram contos
ou romances como obra de partida gerando grandes produções fílmicas nas quais foram
apenas inspiradas, ou livremente adaptadas, ou praticamente transpostas de um formato
a outro.
Podemos, então, estabelecer que as obras não são mais prisioneiras do formato
para o qual foram concebidas e ganham vida própria ao serem jogadas ao mundo, em
novas e diferentes formas e embalagens, para serem consumidas com frenesi por uma
27
crescente massa cada vez mais ávida por novas propostas de informação, cultura e
entretenimento, em novos códigos de linguagem e veiculadas pelas novas media
7
.
A voracidade pelo consumo da produção cultural nestes primeiros anos do século
XXI está intimamente ligada à evolução da tecnologia de produção e de reprodução e ao
crescente acesso aos meios de comunicação. O resultado positivo deste novo fenômeno
é a ampliação do leque de produtos culturais colocados à disposição do público. As
novas tecnologias de reprodução estão ligadas o tempo todo para atender à crescente
demanda e os canais de distribuição se modificam para acompanhar o processo. Basta
ver o número de novas salas de cinema, agora multiplicadas em salas menores, ou os
novos canais de televisão a cabo que produzem e transmitem programação 24 horas por
dia, todos os dias do ano, ou, ainda, as novidades de produção e veiculação na Internet
e, até mesmo, as experimentações criativas feitas com e para centenas de milhões de
telefones celulares em funcionamento no mundo.
Criar, recriar, adaptar, transmutar, reproduzir. Este é o percurso da produção
cultural do novo século. Enquanto nos referimos à criação artística pura e sem
compromisso com fatos reais - o que não significa falta de compromisso com a
realidade -, tudo parece percorrer uma trilha sem sobressaltos. Mas quando o assunto é a
reconstrução de personagens históricos reais transportados para o contexto da criação e
da teledramaturgia, acreditamos que devam ser mais amplos os cuidados tomados pelos
criadores. Afinal, como inserir elementos de pura ficção folhetinesca na biografia de
homens e mulheres que hoje ocupam lugar de destaque nos compêndios de História sem
comprometer sua imagem e sem lhes imputar atos, palavras ou pensamentos que nunca
foram seus? A este respeito, Alcides Nogueira declarou ao jornal Folha de S.Paulo, em
entrevista publicada por ocasião do lançamento da minissérie JK, que enquanto nos
7
Convém lembrar que media, em latim meios, é a forma plural do substantivo medium.
28
Estados Unidos é possível fazer biografias não-autorizadas, “no Brasil, fazer biografias
de personagens recentes, com descendentes vivos, sem autorização das famílias, é
arriscar vê-las fora do ar ou das prateleiras das livrarias”.
8
Enfim, como respeitar a biografia de figuras humanas cuja imagem, uma vez
reconstituída em filme ou em vídeo, no formato de novela ou de minissérie para
televisão, ficará indelevelmente associada à sua imagem real? A exemplo, uma das
marcas deixadas pela esmerada produção de Um coração, é que de agora em diante,
quando se pensar em Yolanda Penteado, o rosto que nos virá à mente será sempre o de
Ana Paula Arósio.
O registro das ocorrências de transmutação na produção cultural contemporânea é
importante em um momento em que se procura ampliar a base de pesquisa sobre o
processo de tradução intersemiótica. Não que seja um fenômeno novo, mas parece que a
tônica neste começo de século é fazer uma releitura do grande acervo cultural produzido
pelas intrépidas gerações de criadores do século XX.
A análise da transmutação implica registrar o que a nova obra mantém e preserva
em comparação ao que modifica e acrescenta à obra que lhe deu origem. Existe uma
variante da transmutação que demanda mais do que uma única obra de origem e permite
muito mais liberdade de recriação com um resultado formal ainda mais complexo. É o
caso da dramatização da vida de personagens reais. Estes devem ser inseridos em seu
contexto em respeito à realidade histórica mas precisam de um espaço extra para o
exercício da liberdade de criação e, assim, receber contornos de narrativa ficcional. Esta
foi a base criativa do enredo da minissérie Um só coração.
8
O PODER DO FOLHETIM. Folha de S.Paulo, São Paulo, 01.01.2006. Folha Ilustrada, p.E1.
29
O que acontece, então, quando se pretende criar uma narrativa ficcional atraente e
consistente que não agrida a biografia dos personagens reais nem a verdade histórica, e
que esteja formatada de modo a ser um produto midiático com apelo de mercado
suficiente para responder a demanda por audiência das emissoras comerciais que
investem em teledramaturgia?
Quando questionado sobre até onde se permite ir com a liberdade de criação,
Alcides Nogueira, um dos autores da minissérie, antes de qualquer coisa, esclareceu que
este recurso não foi inaugurado em Um só coração:
Ficcionalizar a realidade não foi uma novidade teledramatúrgica
apresentada por Um só coração. Tem sido um recurso bastante usado
na carpintaria televisiva. Mas, talvez pelo fato de a narrativa nessa
minissérie, em todos os 53 capítulos apresentados, ter sempre seguido
em paralelo com fatos históricos, Maria Adelaide Amaral e eu
pudemos expandir muito mais esses limites.
E, na continuação, defendeu o recurso da combinação criativa de fatos e
personagens reais com fatos e personagens de ficção como parte do arsenal criativo da
dramaturgia moderna:
Não tenho dúvida de que essa mescla de personagens e fatos fictícios
com o que realmente aconteceu de 1922 a 1954 ampliou as
possibilidades criativas, e facilitou a compreensão de momentos
emblemáticos de nossa história política e cultural, aguçando o
interesse do espectador para a trajetória de seu país.
9
Por se tratar de um produto da dramaturgia televisiva que fazia parte de um pacote
de ações da emissora para comemorar o aniversário da cidade, os fatos marcantes da
vida da metrópole ao longo do efervescente século XX não podiam ser deixados de
9
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correspondência eletrônica. São Paulo, 2004.
30
lado. Alcides explica que ele próprio e Maria Adelaide do Amaral encontrariam
dificuldades se não pudessem amarrar os eventos por um único fio condutor, no caso a
vida de Yolanda Penteado e seu legítimo empenho pelas artes e pela criação de uma
agenda cultural fixa para a cidade:
Seria muito difícil estabelecer a correlação entre a Semana de Arte
Moderna e os frutos nascidos dela (como a criação do Museu de Arte
Moderna, do Museu de Arte Contemporânea e a própria Bienal) se
não embalássemos a ação dos artistas (Mario de Andrade, Oswald de
Andrade, Villa-Lobos, Anita Malfatti e, posteriormente, Tarsila do
Amaral; e dos mecenas (Olívia Guedes Penteado, Marinette e Paulo
Prado, e principalmente Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado) com
ações e situações saídas do imaginário dos autores.
A mesma coisa posso dizer das revoluções de 24, 30 e 32, que foram
apresentadas com todo o rigor histórico, embasadas por uma pesquisa
extremamente séria, mas permeadas por uma espécie de emoção que
somente o folhetim permite.
10
Na entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Alcides Nogueira conta como funciona o
recurso de dramatização da biografia de personagens reais. À pergunta “Personagens
reais de JK interagem com personagens fictícios. Isso não tira a autenticidade histórica
da minissérie?”, Nogueira esclareceu que “isso foi usado muitas vezes, inclusive por
nós em Um coração e, em vez de tirar a autenticidade da história, ajudou o
telespectador a compreender melhor o universo que estava sendo retratado.” E
completa, “mesmo baseada em fatos reais, a minissérie é uma obra de ficção, não um
documentário. Mas tomamos cuidado para que a ficção esteja sempre inserida dentro da
história real”.
11
10
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correspondência eletrônica. São Paulo, 2004.
11
O PODER DO FOLHETIM. Folha de S.Paulo, São Paulo, 01.01.2006. Folha Ilustrada, p.E1.
31
Dentre as diversas abordagens de que se pode servir para realizar o estudo,
tomamos a estrutura narrativa de Um coração que se apresenta como um material de
pesquisa com várias facetas e múltiplas interpretações. Sob a égide da ficcionalização
da realidade, podemos dirigir o olhar para as diversas oportunidades criativas e os
limites naturais com os quais se depararam os autores ao reconstituir momentos
históricos com personagens reais e neles inserir elementos de ficção.
Como se informa na apresentação do pacote de DVDs ao mercado:
Um coração conta parte da história e do desenvolvimento de São
Paulo, entre 1922 e 1954, período em que a cidade passa de província
rural à grande metrópole. A Semana de Arte Moderna, a Revolução de
1924, a crise de 1929, a Revolução de 1932, a adaptação às diretrizes
da Era Vargas, os ecos do nazismo e do fascismo, os refugiados de
guerra, a influência americana, a consolidação do modelo democrático
no Brasil... todos esses momentos servem de pano de fundo para as
relações, os sonhos, os amores, os dramas, as lutas e as conquistas.
Esta mistura de ficção e realidade pontua a minissérie, uma
homenagem aos 450 anos de São Paulo.
12
As questões que cabem a nós investigar são:
1. Como os autores transitaram dentro dos limites da liberdade de criação sobre
situações de ficção que não corrompessem com a realidade.
2. Como foi concebida a costura das relações de Yolanda com os personagens, tanto
aqueles de ficção como os reais.
3. Quais foram os recursos dramáticos dos quais lançaram mão os autores para criar
uma trama de folhetim e conquistar o telespectador.
12
BILLBOX RECORDS. DVD Um coração. Disponível em http://www.billboxrecords.com.br.
Acessado em julho de 2006.
32
Para isso, vamos refazer os passos do processo de criação, rever o levantamento e
a pesquisa histórica, identificar o índice de redução e de simplificação do tema para a
adequação ao universo da teledramaturgia e revelar os limites e as oportunidades do
dramaturgo para criar um roteiro que atenda às exigências de audiência do mercado
televisivo.
Tomando o livro de Antonio Bivar como referência para a identificação da
Yolanda Penteado da vida real, nossa estratégia de trabalho será acompanhar a trajetória
completa da personagem Yolanda Penteado da televisão.
33
1.5 REFERENCIAIS TEÓRICOS
A linguagem da teledramaturgia brasileira ainda está procurando caminhos para a
estruturação de uma sistemática que sirva de base para uma indústria de produção
cultural consistente. Para confirmar o aspecto ainda laboratorial do gênero, Balogh
esclarece que “grande parte das séries e seriados de TV não demanda nem mesmo de
um esquema narrativo mais elaborado para análise. A maioria se encaixa nos modelos
iniciais da análise funcional da narrativa de Propp, o pioneiro deste tipo de abordagem”
(BALOGH, 2005, p.64). Ainda assim, a experiência empírica dos roteiristas no
entretecer de suas tramas narrativas geralmente coincide, em muitos aspectos, com a
metalinguagem utilizada para a análise crítica.
O processo de construção da figura da Yolanda Penteado da minissérie, como
veremos, segue padrões acadêmicos para a elaboração de personagens de ficção. Ela
não somente incorpora todas as qualidades da heroína, como o faz de maneira com que
cada detalhe de sua personalidade seja prontamente reconhecido pelo telespectador por
meios de recursos de paralinguagem como aqueles previstos pela Teoria da Iluminação,
desenvolvida no fim do século XIX pelo crítico literário e escritor anglo-americano
Henry James (1843-1916).
Henry James imaginou um personagem ocupando o centro de um
círculo. Nesse círculo, rodeando o personagem principal, existem
personagens com quem ele se relaciona ou interage. Henry James
achava que qualquer relacionamento entre os personagens deveria
iluminar aspectos diferentes do personagem principal, como várias
lanternas revelando aspectos diferentes de uma sala escura.
13
13
CINEMA NET. Janela Indiscreta. Disponível em http://www.cinemanet.com.br/critica.
34
Uma interessante exemplificação da Teoria da Iluminação foi colhida a partir da
observação da linguagem cinematográfica usada no filme Janela Indiscreta (Rear
Window, 1954. Direção de Alfred Hitchcock):
Em Janela Indiscreta temos o relacionamento entre James Stewart e
Grace Kelly. Stewart ilumina aspectos diferentes de Kelly e Kelly
ilumina aspectos diferentes de Stewart. O pequeno embate entre eles
revela muito sobre seus personagens. A primeira vez que Kelly
aparece em cena, Stewart lhe pergunta de brincadeira: “É a mesma
Lisa que nunca repete um vestido?”. E Kelly responde: “É o que
esperam de mim”. O quanto esse simples diálogo revela sobre os
personagens? Mais adiante, Kelly lhe traz uma garrafa de vinho. “É
um Montrachet”. Um vinho muito fino. Stewart rebate “Então me
um copo bem grande”, em vez de pedir a taça apropriada. Os
personagens revelam alguma característica de outro ou de si mesmo
sem falarem diretamente sobre essa característica.”
14
Partiu de Maria Adelaide Amaral a sugestão original de relatar a história da
formação da cultura paulistana ao longo do século XX em um percurso narrativo
acompanhado de perto por e com intervenções de Yolanda Penteado. Amaral ilustra a
figura da Yolanda da ficção com uma referência aos processos de metamorfose pelos
quais passou essa heroína da vida real: “uma mocinha que começa a vida como Sissi,
tem sua fase Scarlett O´Hara e termina como Tia Mame” (DWEK, 2006, p.252).
A declaração da autora ilustra efervescente trajetória de vida de 80 anos da
Yolanda Penteado real (1903-1983), sintetizada em uma exuberante narrativa televisiva
de 53 capítulos, com três comparações preciosas com mulheres marcantes da história e
da ficção: Sissi, a bela, jovem e despreocupada imperatriz da Áustria e a Yolanda-
14
CINEMA NET. Janela Indiscreta. Disponível em http://www.cinemanet.com.br/critica. Disponível em
http://www.cinemanet.com.br/critica
35
sinhazinha, igualmente bela, jovem e voluntariosa, herdeira da elite cafeeira paulista;
Scarlett, a heroína de E o vento levou e sua disposição para reconstruir a fazenda após o
incêndio e a Yolanda que se revela uma corajosa empreendedora ao lutar por sua
fazenda após a crise de 1929; e, por fim, Tia Mame, a irreverente, divertida e ousada
mulher urbana da primeira metade do século XX comparada à Yolanda arrojada,
sofisticada e de espírito livre na maturidade.
Desde as primeiras cenas do primeiro capítulo, os autores tiveram o cuidado
essencial de destacar os traços mais marcantes de perfil psicológico de Yolanda, assim
como sua condição social, e seu posicionamento diante da vida e seus objetivos.
No primeiro capítulo existem cenas das quais podemos desprender os elementos
mais significativos para a composição do caráter da jovem Yolanda:
1. Uma seqüência de caça a raposa. Ainda que uma reprodução do elegante
esporte da elite inglesa adaptada ao sabor dos trópicos (afinal, não raposas), a
seqüência revela a posição social da heroína: suas roupas finas para a prática
esportiva e a atuação dos empregados empenhados em recriar um cenário rural
inglês no interior de São Paulo.
2. A localização da cena em uma grande fazenda de café, indicando a inclusão da
personagem no restrito círculo da elite cafeeira de São Paulo na primeira metade
do século XX e, por extensão, sua pertinência à estirpe portuguesa que fez parte
da formação original do estado de São Paulo, os chamados quatrocentões.
3. Sua atitude desafiadora diante das pressões da mãe, que lhe chama a atenção
por correr pela casa em vez de caminhar, como uma dama faria, bem como sua
firme decisão de se recusar a aceitar um casamento arranjado pela família com um
primo distante, contrariando a tradição e os costumes (mesmo que tenha sido
induzida a aceitar o casamento logo depois, ainda no início da trama).
36
Cena da caça à raposa
A jovem Yolanda participa da diversão
Para a construção de uma estrutura de narrativa, o Grupo de Entrevernes propôs a
elaboração de um modelo mais sucinto, a partir da redução das funções de Propp
15
que
haviam sido reelaboradas por Greimas. Para o Grupo, haveria apenas quatro fases
distintas: a manipulação, quando o herói ou outro personagem faz acionar o querer ou o
dever que início à busca do objeto desejado; a qualificação, na qual o herói precisa
adquirir a competência necessária para conquistar o objeto desejado - é a fase de
aquisição do poder ou do saber - a ação, que encerra o conteúdo principal da narrativa e
envolve tudo o que o herói faz para alcançar seu objetivo. Também fazem parte desta
fase as ações do anti-sujeito para impedir a conjunção entre sujeito e objeto; e, por fim,
a sanção, que é o momento da conquista, da conjunção do sujeito com seu objeto de
desejo e do reconhecimento por parte do destinador (BALOGH, 2002, p.63).
Edward Lopes, citado por Balogh em O discurso ficcional na TV, declara que a
narrativa para ser assim reconhecida e compreendida deve preservar alguns elementos
mínimos de construção. Estes elementos constantes são começo, meio e fim;
protagonistas e contra-protagonistas, que sejam assim reconhecidos e que realizem
ações para alcançar um objetivo e, por fim, ações que apresentem uma estruturação
15
As “funções de Propp”, como elementos constantes em uma estrutura de narrativa, correspondem às
ações dos personagens que interferem no desenvolvimento da trama.
37
temporal gica que implique em transformação de conteúdo ou mudanças na situação
original.
16
Sabemos, portanto, que para gerar ações é preciso que o herói seja instado a
iniciar seu percurso em busca de seu objeto de desejo. Para configurar esta instância, ele
será submetido à manipulação, quando alguém o induz, o estimula a iniciar a trajetória.
É neste momento que ele anuncia seu objetivo, seu querer principal, deixando os
demais a um plano secundário. Não basta, no entanto, apenas querer (ou dever) fazer
algo. Ele deverá antes se qualificar para tanto, ou seja, conquistar atribuições ou
qualificações necessárias para dar início à jornada. Esta fase gera os chamados
programas narrativos de uso, pelos quais o herói busca o conhecimento e a qualificação
de que precisa.
A famosa animação dos Estúdios Disney, o Rei Leão (The Lion King. USA, 1994)
serve como um modelo bem articulado de construção de narrativas. A canção de
apresentação do jovem Simba resume com rigor quase acadêmico todas as fases da
elaboração da estrutura narrativa prevista por Greimas. O jovem leão Simba canta sua
canção I wanna be a mighty king
17
logo no início do filme, observado por seu ajudante
Zazu e pela leoa Nala:
Simba I'm gonna be a mighty king, so enemies beware!
Zazu Well, I've never seen a king of beasts with quite so little hair.
Simba I'm gonna be the “mane” event like no king was before. I'm brushing up
on looking down, I'm working on my ROAR!
16
LOPES, Edward in Estruturas Elementares da Narrativa: Uma Contribuição à Lingüística
Transfrasal, Unesp, 1974 apud BALOGH, 2002, p.53.
17
Eu vou ser um poderoso rei / Então, inimigos, tomem cuidado! / Bem, eu nunca vi um “rei dos
animais” com o pouca juba... / Eu vou ser o astro principal / como nenhum outro rei antes de mim /
Estou aperfeiçoando minha postura / Estou treinando meu rugido / Até agora, nada que me tenha deixado
inspirado / Ah, eu mal posso esperar para ser rei! / Você tem um longo caminho a percorrer, jovem
mestre, se acha que vai ser fácil... / Mal posso esperar para ser o rei! / Ninguém para lhe dizer “faça isso”,
“venha aqui”, “pare com isso”, “olha aqui”. Livre para brincar o dia todo. Livre para fazer tudo do meu
jeito.
38
Zazu Thus far, a rather uninspiring thing…
Simba Oh, I just can't wait to be king!
Zazu You've rather a long way to go, young master, if you think...
Simba No one saying do this. No one saying be there. No one saying stop that.
No one saying see here. Free to run around all day. Free to do it all my
way!
Através da canção, Simba revela seu desejo de ser o rei da savana em muito pouco
tempo (“Mal posso esperar para ser o rei!”), manifestando a expressão do querer (“Eu
vou ser um poderoso rei). Simba expõe seus motivos construídos sobre as delícias de
ser rei (“Ninguém para lhe dar ordens, faça isso, venha aqui, pare com isso...”)
estabelecendo uma instância de automanipulação. O jovem leão também declara que
está se preparando para adquirir as qualificações exigidas a um rei das selvas (“Eu vou
ser o astro principal, como nenhum outro. Estou treinando olhar de cima para baixo e
estou praticando meu rugido”). Enquanto isso, o assistente Zazu, na função de anti-
sujeito, trata de criar obstáculos através da tentativa de desqualificação de suas aptidões
e habilidades, com apartes nada encorajadores (“Eu nunca vi um ‘rei dos animais’ com
tão pouca juba...” ou “até agora nada que me tenha deixado animado”) e antecipa que
o herdeiro do trono vai encontrar muitas dificuldades para chegar (“Você tem um
longo caminho a percorrer, jovem mestre, se acha que vai ser fácil...”).
É o tio Scar, um anti-sujeito par excellence, quem vai tratar de dificultar a jornada
do jovem Simba, estabelecendo a agenda das ações de ambos, compondo, assim, os
argumentos para o desenvolvimento da trama.
A sanção se na grandiosa canção final, King of Kings, entoada por todos os
súditos da floresta, como reconhecimento de rito, com a coroação do garboso leão
Simba, adulto, após ter percorrido uma longa e difícil jornada no tempo e no espaço,
39
para conquistar seu objetivo. “Nosso rei, governe nossa terra. Esta terra de nossos
ancestrais é sagrada. Governe esta terra!”.
Muitos outros desenhos de animação da Disney seguem a cartilha com rigor
18
.
Porém, antes de parecer que exista uma fórmula pronta para facilitar o trabalho dos
profissionais da criação ficcional, esta constatação revela que o que existe é uma
estrutura conceitual sobre a qual se pode apoiar para a prática do ofício. As tentativas de
romper com este paradigma muitas vezes se revelam produções fílmicas experimentais,
com valor de pesquisa (principalmente para a Teoria da Recepção), mas que não entram
em sintonia com o padrão habitual do receptor ocidental, não podendo ser configuradas
como produto cultural de massa.
Greimas apresenta alguns temas recorrentes para o estabelecimento das principais
forças temáticas da construção ficcional. Na trajetória da Yolanda Penteado da
minissérie é possível identificar ao menos três temas estruturais: o amor, o desejo de
riqueza e o desejo de se dedicar a um talento ou a uma vocação particular. (BALOGH,
2002, p.86-87).
O eixo temático do amor, pela própria essência melodramática do formato
televisual, deveria ser aquele a merecer maior espaço e gerar o maior número de ações
para a condução e o desenvolvimento da trama. Como será visto no capítulo que trata
dos elementos simbólicos da minissérie, a presença de figuras de forte apelo visual
18
Para ilustrar melhor a expressão do querer ou do dever do herói, sem sair do universo de Disney,
podemos citar o momento de A Pequena Sereia, quando a jovem Ariel, infeliz por ser como é e viver
onde vive, declara “I wanna be where the people are, I wanna see wanna see 'em dancin' / walkin' around
on those / Whaddya call 'em? Oh, feet”. Ou em A Bela e a Fera, quando Belle expressa seu desejo de
viver em uma cidade maior por não ser feliz com a vidinha do interior, canta There must be more than
this provincial town”, enquanto o pessoal da vila trata de revelar à audiência seu modo de ser e de pensar
como muito diferente dos demais aldeões. E em Tarzan, um exemplo de manipulação expressa por um
narrador, já que Tarzan não fala a língua dos homens, é a canção que diz “Son of men, look to the sky, lift
your spirit, set it free, someday you´ll stand tall with pride, son of men, a man in time you will be”,
definindo o Programa Narrativo de Uso para Tarzan: antes de qualquer coisa, ele deverá tornar-se um
homem civilizado para merecer e conquistar o amor da formosa jovem Jane.
40
como Ana Paula Arósio e Eric Marmo como par romântico central poderia confirmar
esta premissa. Mas não é o que acontece.
O desejo de riqueza não é enfatizado no caráter da heroína, até porque ela
possuía suficiente fortuna desde o início da trama. que se considerar também que
dispor-se a lutar por dinheiro ou fortuna não está incluído na lista das ambições nobres
compatíveis a um herói ou heroína de romance de televisão, a menos, naturalmente que
“obter riquezas” se configure como um “programa narrativo de uso” para a conquista de
algum objetivo declarado do herói
19
. Paradoxalmente, é este o fator que abre espaço
para a renúncia de Martim ao amor de Yolanda, quando ele declara que nunca poderá
dar a ela o padrão de vida que ela sempre conheceu (linha 34).
Desta maneira, se na obra de Bivar, fica sugerido que o casamento de Yolanda
com Ciccillo tenha tido uma motivação de caráter um pouco utilitarista por parte de
ambos, como será visto mais à frente; na minissérie, o resgate da fazenda e da fortuna
da família se impõe como uma missão a qual a heroína assume exclusivamente para si.
Finalmente, o terceiro eixo temático fundamental é configurado pelo desejo da
heroína de viver sua vocação para as artes e a cultura e viver “cercada de artistas e
intelectuais”, tão claramente expresso e reiterado em vários momentos (linhas 87, 239,
245, 258, 264, 268, 271, 283, 288 e 295). Enquanto não cumpre sua promessa de amor,
o programa narrativo de maior conteúdo semântico de Yolanda Penteado na minissérie
fica por conta do seu trabalho no apoio às artes e aos jovens artistas, na instalação de
19
Tornou-se emblemática a malsucedida saga da heroína Sol (Deborah Secco) da telenovela América
(2005), que não conseguiu conquistar a simpatia da audiência quando colocou à frente de valores
humanos o seu objetivo de se mudar para os Estados Unidos a qualquer custo, sacrificando o amor de
Tião, de sua família e dos amigos. Os autores se viram obrigados a criar um pretexto mais humanista para
justificar aquela obsessão (conseguir dinheiro para cuidar da saúde do pai doente), e assim reverter a
rejeição do público à personagem. Fonte: FOLHA DE S.PAULO. Telespectadores apontam defeitos em
Sol. Disponível em www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2108200507.htm. Acesso em set/2006.
41
museus, na fundação da Bienal e na montagem de seu acervo pessoal de obras de arte
consagradas
20
cumprindo, paralelamente, os demais programas.
A inserção dos vários programas narrativos dentro da obra, tanto aqueles da
protagonista quanto dos demais personagens, que descrevem órbitas em torno do eixo
central, serve a dois objetivos: criar o pano de fundo por sobre o qual a trama principal
discorre (as trajetórias de Yolanda) e, ao mesmo tempo, criar enredos paralelos para
atender à chamada demanda do gênero com os quais o autor terá muito mais liberdade
para o exercício puro da ficção.
Um coração desenvolve o programa narrativo de um sujeito representado por
um personagem - Yolanda Penteado - em busca de seus objetos de desejo. Um dos
programas narrativos de Yolanda é a busca do amor e da felicidade. Seu objetivo é ser
feliz ao lado da pessoa amada. Este objetivo é sempre trazido de volta à lembrança do
telespectador, em reiteradas ocasiões, porque é nele que está localizado o programa de
conteúdo romântico da minissérie.
Como todo programa narrativo projeta o seu programa contrário, o caminho está
aberto para a criação do antiprograma (antiPN) que, por sua vez, acolhe o elenco dos
anti-sujeitos (antiS), aqueles personagens que, tendo colocado seu desejo nos mesmos
objetivos do herói, ou que reconhecem que a concretização do estado conjuntivo do
programa narrativo 1 (PN1) implica a não-realização de seu próprio PN, vão tentar
impedir a trajetória rumo ao estado de conjunção entre sujeito e objeto.
Na fase inicial da trama, somos apresentados ao primeiro anti-sujeito (o
antagonista, segundo Propp) que Yolanda terá que enfrentar: sua própria mãe, uma
mulher conservadora que cumpriu os papéis sociais que lhe foram impostos e, agora,
20
Yolanda é freqüentemente presenteada com obras de artistas consagrados tanto na biografia quanto na
minissérie: um pequeno Renoir (linha 231), um quadro de Modigliani (linha 252) e uma escultura
premiada na Bienal de Veneza, Cavalo de Prata, de Maria Martins (linha 253).
42
cumpre a missão de passar à frente as tradições sociais e familiares daquele Brasil rural
dos primeiros anos do século XX.
Ao longo da minissérie, Yolanda vai se defrontar com outros anti-sujeitos além da
mãe, dentre eles, o primo/marido Fernão e a rival Gilda. Todos lançam mão de
argumentos, que vão desde tradição da família, passando pela inevitabilidade do
destino chegando ao argumento de compromisso de fidelidade do casamento, para
impedir que ela cumpra seu programa.
A mãe, Dona Guiomar Penteado (Cássia Kiss)
O noivo, Fernão Queiroz Chaves (Herson Capri).
Yolanda se dividida entre o conforto e a segurança de seu universo familiar e
social, ao qual pertence, e a tentação do mundo real, que a atrai e fascina. Na seqüência
do passeio noturno dos jovens amantes pela cidade (linhas 16 e 17), vemos uma
Yolanda descontraída e sensual, completamente entregue à paixão e, naquele momento,
sem conexão com o mundo real. Martim acaba de comprar-lhe u’a maçã-do-amor, em
enquadramentos de cena no qual se revela ao telespectador que aquele é seu último
vintém.
Ela vê um anúncio de viagem e propõe: Já sei onde nós vamos passar nossa lua-
de-mel! Em Paris!. Martim adverte que uma viagem daquelas seria possível após
muitos anos de trabalho. “Dez anos é muito tempo! ela retruca. Neste momento, surge
uma Yolanda pragmática que propõe, então, irem para o Rio de Janeiro onde ela poderá
43
dar aulas de francês e de equitação para ajudar na manutenção da casa enquanto ele
continua seus estudos para se tornar médico.
É interessante destacar que, apesar de sua postura inicial como uma jovem ousada
e desafiadora que se recusa a aceitar um casamento de conveniência, ainda no início da
trama, Yolanda cede e se submete às pressões familiares não se permitindo viver sua
verdadeira história de amor com Martim por longos 40 anos. Esta decisão abre espaço
para que o argumento central da minissérie se desloque para sua luta pela fazenda, seu
casamento com Ciccillo e seu empenho pela arte e cultura na cidade. Esta atitude da
heroína, como também a do mocinho, será justificada pelo fato de que nos vários
momentos de reencontros e renovação da promessa de amor, ao longo de quatro
décadas, nenhum dos dois se julgava possuidor das competências exigidas para
embarcar no percurso de sua trajetória romântica, configurando uma ausência de
qualificação dos protagonistas. Esta característica confirma a estruturação do perfil
psicológico de Yolanda como um personagem dividido entre o querer e o dever, o amor
e a família, a realidade e o desejo.
Yolanda vai percorrer seus programas narrativos tendo que se ajustar a demandas
familiares, revoluções, crises financeiras, alguns pretendentes e dois maridos. Para isso,
terá que se submeter a diversas transformações em seu modo de agir e de pensar,
transitando entre os pólos opostos do querer e do dever, da razão e da emoção, criando
um drama romântico irresistível e sedutor. As modificações da postura de Yolanda
fazem parte do processo de amadurecimento da personagem para transpor a demanda
impeditiva de cada momento. O que vemos é um personagem ambivalente, em busca da
felicidade e em processo contínuo de transformação e metamorfose.
44
2
AS METAMORFOSES DE YOLANDA
45
Pictor socorreu um ssaro pousado na relva que emanava
cores luminosas. O belo pássaro parecia possuir todas as
cores. Ao belo ssaro multicor, ele perguntou: “Pássaro,
onde se encontra a felicidade?”
2.1 OS PROGRAMAS NARRATIVOS DE YOLANDA
No universo da Psicanálise, o conceito de identificação pode ser traduzido como o
“processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade,
um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa
pessoa”
21
. O receptor, portanto, procura reproduzir os padrões de comportamento com
os quais se identifica, acolhendo aqueles que considera moral e socialmente aceitáveis e
rejeitando as manifestações de comportamento nas quais não se refletido. Um
produto midiático que se propõe a atingir uma grande parcela do público, neste caso, o
vasto público telespectador brasileiro, deve prever uma variedade tal de tipos humanos
que atenda às expectativas de identificação dessa massa heterogênea de homens e
mulheres.
O processo de identificação do receptor com o personagem permite estabelecer
uma conexão afetiva. Ainda que o público de minissérie seja considerado um pouco
mais sofisticado e exigente do que aquele das telenovelas, uma personagem de linhagem
nobre como a Yolanda Penteado da televisão, que se opõe às exigências e demandas do
grupo social, a elite, ao qual pertence, aproxima-se da realidade do homem comum e
conquista sua simpatia. O homem comum (ou o telespectador comum) pode, então,
21
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B., Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
46
senti-lo (o personagem) como sendo um dos seus ou, pelo menos, como sendo um
indivíduo que pensa e age como um dos seus. Nesta linha de coerência, este personagem
nunca vai aceitar um casamento de conveniência, sem amor e sem fantasia. Antes, vai
lutar pelo seu amor verdadeiro e viver o romance que, afinal, todos querem viver.
Na fase inicial de apresentação dos personagens centrais da trama, uma das cenas
mais ricas em simbolismos é aquela em que Yolanda participa de uma recepção na Villa
Kyrial
22
, o palacete do senador José de Freitas Valle, famoso por seus saraus literários
freqüentados pela elite paulistana e pela vanguarda artística e intelectual daquele tempo.
Vemos uma Yolanda, bem como todos os demais convidados, totalmente integrada ao
seu contexto social, vestida à moda da corte francesa, com roupas de demoiselle e
perucas à Maria Antonieta, em uma recepção que faz lembrar os bailes da realeza
francesa de pouco antes da Revolução de 1789. É neste momento e neste lugar que os
dois grupos antagônicos, elite e anaquistas, se encontram como que para reificar o
abismo social que há entre eles e para antecipar o grau de dificuldade que nossa heroína
terá que superar para viver seu grande amor.
Cena do baile francês na Villa Kyrial
A jovem Yolanda, vestida a caráter
22
Vila Kyrial era o salão artístico-literário do senador José de Freitas Valle, que promovia encontros e
banquetes sofisticados na sua mansão na Rua Domingos de Morais, no bairro de Vila Mariana. Ambiente
elegante onde os poderosos do período reuniam-se junto a artistas talentosos, mas sem recursos
financeiros, para debater sobre arte e confraternizar.
47
Esta cena se passa no início da década de 1920 e retrata a prática da elite brasileira
de reproduzir a cultura e a sociedade européia, afrancesada, e, de quebra, abre canais de
percepção no público para a introdução do Grupo dos Modernistas, os artistas que
buscavam a representação artística e cultural genuinamente nacionais em lugar da mera
reprodução de modelos europeus
23
.
Neste improvável cenário, um grupo de jovens anarquistas foge da polícia e
invade a casa, acidentalmente, na fuga. Yolanda os encontra e os ajuda a se esconderem.
Além de configurar, mais uma vez, a conexão afetiva com o telespectador, através da
imagem recorrente da jovem e sensível princesa que estende a mão para ajudar o
homem do povo, este será seu primeiro encontro com o jovem Martim Paes de Almeida,
seu distante objeto de desejo ao longo dos 40 anos sobre os quais a minissérie se
estende.
Esta é a proposta de narrativa romântica que nos é oferecida no segundo encontro
dos protagonistas (linha 7). Martim, o pobre porém garboso e bom-caráter estudante de
medicina, espera por Yolanda em frente à elegante casa da jovem. Eles se reencontram,
as mãos se tocam e quase se beijam, sendo trazidos de volta à realidade por um estrondo
de trovão. No momento em que ela declara, em solilóquio: Eu vou esperar você!está
estabelecendo um programa narrativo que só será resolvido no último capítulo.
23
Os eventos da Semana de Arte de São Paulo de 1922 e do Manifesto Antropofágico de Mário de
Andrade, em 1928, são retratados com merecido destaque no desenrolar da trama da minissérie (linhas
29, 30 e 128).
48
O beijo na escadaria da mansão dos Penteado
Yolanda: “Eu vou esperar você!”
“Somente a partir do momento em que um objeto se torna, de fato, valor desejado
e que o sujeito se impulsionado a buscá-lo, a agir no sentido de obtê-lo, é que temos
uma trajetória narrativa” nos revela Greimas, (BALOGH, 2002, p.58). Esta declaração
antecipa o que estar por vir. Uma bela jovem dividida entre as obrigações sociais e um
amor idealizado pelo qual vale a pena esperar. Logo nas primeiras cenas, portanto, o
telespectador sabe quem é Yolanda, estabeleceu com ela uma conexão afetiva
consistente e se prepara para estar ao seu lado nos grandes desafios que lhe serão
impostos pela pressão familiar e pela sociedade.
Além do programa narrativo que trata do caminho percorrido pela heroína até a
concretização de seu amor por Martim, podemos estabelecer que os autores construíram
outros programas para acomodar a estruturação da teia dramática de acordo com o
objetivo da emissora de incluir a produção como parte dos eventos de comemoração do
aniversário da cidade.
Principais Programas Narrativos de Yolanda na minissérie
PN Início Fim Descrição Tema básico
PN1 1922 1961 Viver o amor de Martin
(linhas 7 e 301)
Amor
49
PN2 1920s 1920s Ter filhos
(linhas 80, 93 e 107)
Maternidade
PN3 1920s 1950s Viver cercada de artistas, escritores e
intelectuais
(linhas 87, 239, 245, 258, 264, 268, 274,
283, 288 e 295)
Prestígio Social
PN4 1929 - Reerguer a fazenda Empyreo
(linhas 138, 142, 145, 146, 149, 152, 162,
190, 196, 193, 199, 211, 225, 233 e 238)
Poder e Fortuna
indica programa narrativo de realização (objetivo alcançado)
indica programa narrativo de virtualização (objetivo não alcançado)
A inserção de uma trama amorosa totalmente ficcional (PN1) se justifica pelo fato
de que o formato de apresentação do produto é o de um folhetim romântico para
televisão. Enquanto não consegue alcançá-lo, a heroína vai descrever os demais
programas (PN2, PN3 e PN4). Desde o primeiro encontro do jovem casal, ainda no
início da década de 20, no episódio do baile francês da Villa Kyrial, houve encontros e
desencontros, causados tanto por enganos cometidos por eles próprios, como por ações
perpetradas pelos anti-sujeitos com o objetivo de impedir a concretização do amor, num
vai-e-vem de enganos, impedimentos e impossibilidades.
24
O PN1 de Yolanda, que se desenvolve paralela e independentemente dos demais,
permite que esses atuem no sentido de criar um conteúdo semântico consistente.
Podemos assumir que o PN de amor da minissérie trabalha competentemente como um
fio condutor para as demais tramas, principalmente o envolvimento de Yolanda com a
agenda cultural para a cidade, este sim, de relevância para o objetivo institucional da
produção. O caráter de mero suporte romântico do PN1, permite deduzir que a
24
Estes movimentos estão indicados pelas linhas hachuradas em cinza na tabela com a trajetória completa
de Yolanda Penteado na minissérie, no capítulo dos Anexos.
50
minissérie funcionaria com a mesma competência se o envolvimento de YF com o
personagem Martim fosse eliminado da trama.
Na tabela que descreve a trajetória completa de Yolanda Penteado na minissérie, é
possível ver que, a cada momento, era um deles, ora Yolanda, ora Martim, que se via
impedido por convenções sociais ou impedimentos morais ou legais de viver aquela
paixão, em uma seqüência de promessas de amor sempre renovadas, privação e
sofrimento.
A identificação das etapas de construção do roteiro para o estabelecimento do PN
romântico, dentro do modelo de Greimas, fica, então, como no esquema abaixo:
Modelo de construção de narrativa segundo Greimas
Função Cena ou seqüência (somente o PN de amor)
Manipulação
Começa quando Yolanda declara “Eu vou esperar você. Eu vou
esperar” e inclui todas as vezes que os heróis românticos renovaram
esta promessa ao longo da trama.
Qualificação
Sempre que Yolanda optou por cumprir com suas obrigações sociais,
mesmo que à custa de se manter longe de seu amor, ela o fez para
merecer este amor.
Ação
Todas as ações do casal romântico em busca da realização do amor
prometido bem como todas as armações, mentiras e enganos
perpetrados pelos anti-sujeitos que mantiveram o casal separado (em
estado de “disjunção”) por quatro décadas.
Sanção
Para o PN1, a cena final, 40 anos depois, quando eles se reencontram,
se beijam e caminham abraçados por um Viaduto do Chá vazio,
iluminado pelos postes e pelos edifícios, com a sanção materializada
na voz da narradora e nos caracteres apresentados na tela.
Paralelamente, quando Yolanda declara que “deseja viver cercada de artistas e
intelectuais” (linha 86) está estabelecendo o programa narrativo de maior conteúdo
51
semântico da minissérie, aquele que vai direcionar sua vida no sentido das artes e da
cultura. A partir daí, enquanto se qualifica para conquistar e merecer seu “romance de
folhetim”, tudo mais o que faz é direcionado a criar uma agenda artística e cultural
permanente para a cidade.
Quanto a isso, é importante destacar que a própria cidade de São Paulo é uma das
protagonistas da minissérie, sendo que os eventos mais importantes de sua trajetória
urbana
25
podem ser enquadrados pelo mesmo sistema de construção de narrativas
ficcionais.
Os programas narrativos de Yolanda podem ser comparados em sua estruturação à
forma gráfica de uma árvore frondosa, em sua forma clássica, que tem o tronco como
eixo principal e base de sustentação para os troncos menores (os PNs). Os programas
secundários, por sua vez, se não são essenciais à permanência da árvore, cumprem a
função de completar-lhe o desenho, conferir-lhe beleza e aplicar as tonalidades de uma
estrutura dramática eficiente.
25
A Semana de Arte Moderna de 1922, as Revoluções de 1924 e 1932, a chegada da televisão, a criação
do Masp, do MAM, da Bienal Internacional de SP e a festa do Quarto Centenário em 1954.
52
A representação gráfica de uma árvore pode ser comparada ao modelo de construção da estrutura
narrativa da minissérie e tomada como analogia da própria Yolanda Penteado. (ver pág. 74)
53
O personagem Martim, vale lembrar, é um componente de ficção inserido na
história. O envolvimento de Yolanda Penteado em atividades artísticas e culturais na
cidade de São Paulo não é. No primeiro percurso, ela vai se defrontar com as ações
daqueles que se opõem a esta sua determinação (o anti-PN). O casamento com o primo,
em cumprimento à exigência da família, se enquadra nesta categoria, uma vez que o
primeiro marido não demonstra compartilhar com a jovem esposa o mesmo interesse ou
apreço por projetos de arte e cultura.
O afastamento do personagem Martim por praticamente todo o espaço temporal
da narrativa permite que os autores deixem de lado o viés de “folhetim romântico e de
entretenimento” e permitam que a minissérie passe a exercer um papel social funcional
e eficaz enquanto fonte geradora de informações factuais sobre a história da formação
da identidade artística e cultural da cidade e de outros eventos importantes que tiveram a
cidade como cenário ou como protagonista.
Maria Adelaide Amaral, que também escreveu as minisséries históricas A muralha
(2000), Os Maias (2001) e A casa das sete mulheres (2002), conta que, no esteio do
grande sucesso de Um coração, as pessoas a abordavam nas ruas querendo saber o
tema do próximo trabalho e confessavam Aprendi muito sobre a Revolução de 32” ou
“Aprendo tanto com suas minisséries” e conclui que as pessoas querem que as obras,
ainda que ficcionais, lhes ensinem alguma coisa. (DWEK, 2005, p.267).
A função do produtor (Rede Globo) não pode ser deixada de lado quanto ao
levantamento dos elementos de produção do sentido da minissérie. Pode-se, então,
assumir que a espetacular trajetória da cidade de São Paulo ao longo do Século XX, de
pequena cidade a grande metrópole, e sua expressiva contribuição para a formação da
arte e cultura genuinamente brasileiras seja o principal programa narrativo de Um
coração. Yolanda Penteado coordena a fiação desta trama sócio-político-cultural
54
embalada em um irresistível pacote para presente decorado com corações vermelhos -
com a inserção do drama de amor - bem ao gosto do público tradicional da
teledramaturgia brasileira. Não sem razão, a logomarca da minissérie revela um grande
coração vermelho.
55
Viu, então, que ao seu redor, no paraíso, a maior parte das
criaturas se transformava o tempo todo. Que, afinal, todas as
coisas percorriam um fluxo encantado de intermináveis
transformações.
2.2 A PERSONAGEM DO LIVRO VERSUS A PERSONAGEM DA MINISSÉRIE
Neste capítulo, abrimos espaço para a análise comparativa das conjunções e
disjunções da figura de Yolanda como representada na obra de Antonio Bivar e a figura
que foi construída pela minissérie. Ainda que o levantamento das coincidências, ou
reproduções quase que literais, de uma ou outra instância do personagem sejam
interessantes na medida em que confirma o processo de migração de um formato para o
outro, de romance biográfico à ficção de televisão, são exatamente as disjunções que
nos parecem mais significativas por reservarem o espaço necessário para o exercício da
criação ficcional. O que permanece inalterado merece registro por conta da identificação
de uma obra na outra. O que sofre alteração nos interessa enquanto permite vislumbrar a
questão inicial desta pesquisa:
Até que ponto se pode recriar a partir de vidas e pessoas reais sem
comprometer a verdade histórica de fatos e personagens?
Nas seqüências reproduzidas pela tabela abaixo, selecionamos algumas cenas
muito significativas para a análise da construção da figura de Yolanda como
personagem de folhetim televisivo. Os segmentos destacados (linhas hachuradas) são
56
aqueles nos quais houve uma demanda pela modificação de aspectos do perfil
psicológico da Yolanda real (YR) para transformá-la em heroína da ficção (YF).
Vejamos o quadro com especial atenção para as linhas 6, 7, 8, 10 e 16, sobre as quais
vamos discorrer.
Tabela de comparação entre a Yolanda real e a Yolanda da ficção
Biografia de Antonio Bivar Roteiro da minissérie
1 “Ela gostava mesmo era de cavalgar. A
molecada brincava de caça à raposa, uma
brincadeira de sair a cavalo em disparada e
em grupo pela pradaria...” (p.41, linhas 19-
21)
Cena da “caça à raposa”. (linha 3)
2 “Em suas lembranças, Yolanda não conta
como foi esse ressurgimento de Jayme
(Silva Telles). Já entra direto no assunto,
contando que o pedido formal de
casamento foi feito [...] por um futuro
cunhado de Yolanda. [...] Dona Guiomar
[...] não via a idéia com muito bons olhos.
Não por nada; é que, Jayme era 10 anos
mais velho que sua filha que estava na flor
da idade, dezoito anos.” (p.74. linhas 15-
26)
Encontro de Yolanda com Fernão Queiroz
Chaves, a quem está prometida em
casamento” (observe que o nome do
primeiro marido foi modificado. “Jayme”
será o nome de seu irmão na minissérie).
(linha 6)
3 “[...] não havia nada que a menina amasse
mais do que a Empyreo” (p. 40, linhas 20-
21)
Guiomar oferece a fazenda como presente
de casamento, sabendo que este sempre
fora o desejo de Yolanda. (linha 23)
4 “A Semana de Arte Moderna de 1922
aconteceu no ano seguinte ao casamento de
Yolanda e Jayme. Talvez [...] ela tivesse
ido ao Municipal, talvez não” (p.88, linhas
14-16)
Durante os eventos da Semana, Yolanda
quer se encontrar com Martim e pede ajuda
ao irmão Jayme. (linhas 30, 31 e 32)
57
5 “A lua-de-mel foi na fazenda “Chapadão”,
que pertencia agora aos cunhados dela [...].
Tudo muito simples, muito família.” (p.76,
linhas 10-13)
O casal chega à fazenda do Coronel
Totonho para a lua-de-mel. (linha 52)
6 “Jayme, experiente que era com as
mulheres, apesar de homem encorpado e
bem dotado, fez direito o trabalho de
estréia”. (p.77, linhas 1-3)
Yolanda não permite que o marido Fernão a
toque na noite de núpcias. (linha 52)
7 “Yolanda não sentia o menor desejo de ter
filhos” (p. 194, linha 29)
Dr Varella diz a Yolanda que ela nunca
poderá ter filhos por ter um útero infantil.
Ela grita em desespero (linha 107, e em
outros momentos)
8 “Mas não será a quebra da Bolsa [...] que
irão impedir Yolanda e Jayme de
continuarem a já tradicional temporada
anual de lazer e luxo na Europa” (pp. 174 e
175)
Tempos difíceis. O clima é tenso na
família. Perderam tudo. “Tudo não! Nós
ainda estamos vivos!” (linha 140)
9 “[...] a 20 de maio de 1931, quando sua
mãe, Dona Guiomar, vendeu a ela e ao
marido Jayme metade da fazenda
Empyreo.” (p.116, linhas 19-21)
Fernão diz a Marinette Prado e a Elisa que
não vai abrir mão de sua parte nos bens de
Yolanda. (Linha 161)
10 “Era uma grã-fina alienada que partia do
princípio de que ignorando as coisas
desagradáveis, elas desapareceriam” (p.
129, linhas 16-18)
Yolanda reclama que o marido não está
envolvido no esforço de guerra dos
paulistas. (linha 169)
11 “A revolução comia solta quando, ainda em
Paris, Yolanda recebeu a notícia do suicídio
de Santos Dumont, no Guarujá, litoral
paulista” (p.129, linhas 4-6)
Yolanda tenta sair do Rio para apoiar
Dumont mas não consegue. O aviador se
enforca em seu quarto de hotel. (linha 174)
12 “Com muita amabilidade, o setor paulista
era colocado de um lado e o getulista de
outro. Tudo corria bem. Havia muita troca
Gilda faz uma provocação à atitude dos
paulistas dizendo que eles querem se
separar do Brasil. Yolanda grita que esta é
58
de amabilidades, a gente se entreolhava
meio feroz, mas era só”. (p. 135, linhas 21-
25)
uma mentira de Getúlio para desacreditar a
causa dos paulistas. Como resultado,
Yolanda é detida para interrogatório.
Querem saber se ela chamou Getúlio de
mentiroso. Ela reafirma sua opinião. (linhas
179-180)
13 “No ano seguinte, 1934, acabará o
casamento dela com Jayme” (p.141, linhas
12-13)
(1932) Fernão chega e diz que vai assinar o
desquite. (linha 191)
14 “Yolanda conta que conheceu Ciccillo em
um jantar em casa da cunhada dele,
Mariângela (em 1946)” (p.199, linhas 4-5)
Carnaval de 1933. Ao esbarrar
acidentalmente em Ciccillo Matarazzo, ela
deixa cair sua tiara”. (linha 193). (Ele
devolverá a tiara no ano seguinte)
15 “Um jornalista [...] escrevia, alguns anos
antes da união Yolanda-Ciccillo, sobre
estas duas classes paulistanas, os
quatrocentões, “grupos formados por grã-
finos de pedigree, criaturas repletas de
antepassados – [...] e os carcamanos,
imigrantes italianos, que naquela época,
primeira metade do século XX eram os
donos do dinheiro e ostentavam
arrogância.” (p.212, linhas 13-26)
Chatô conversa com Yolanda e diz que os
Matarazzos não gostam de brasileiros,
principalmente os de famílias antigas e
empobrecidas, como a dela. (linha 241)
16 “Ela e Ciccillo, a essa altura, moravam em
um fantástico apartamento no sexto andar
de um prédio da Avenida Paulista. Um dia,
Ciccillo e Artur Profili conversavam e ela
entrou na sala. Ciccillo virou-se para ela e
perguntou; “Você não quer experimentar
fazer uma bienal?” Yolanda assustou-se.
Não tinha mais do que uma vaga idéia do
que fosse uma bienal.” (p.225, linhas 9-15)
Ciccillo e Yolanda estão no quarto “Eu
estava pensando... por que não fazemos
uma bienal?” Ela fica extasiada com a
idéia. (linha 288)
59
Na linha 6, vemos que YR cumpriu rigorosamente com seu dever conjugal na
noite de núpcias, como de fato era o que se esperava de uma jovem mulher casada do
início dos anos de 1920. Às jovens noivas daquele tempo não era concedida alternativa
senão aceitar que o que era proibido até a noite anterior se tornava obrigatório a partir
da cerimônia de casamento.
O livro de Bivar fala de uma certa apreensão por parte de YR em meio à sua
expectativa pela primeira vez mas nada que a tivesse impedido de deixar as coisas
acontecerem. A este respeito, o autor declara ainda “E fogosa que era, de natureza,
desejou estar em um lugar onde pudesse extravasar com sons guturais o que de fato
sentia. E, na manhã seguinte, tinha um desejo: recomeçar” (BIVAR, 2004, p.77).
Como, então, incluir esta realidade de difícil assimilação na trama da ficção, quando
sabemos que YF se casou a contragosto com o primo mais velho, por ter sido vítima de
desencontros do destino, e que seu verdadeiro amor era outro homem, com o qual o
telespectador se identifica?
Se a YR não ocorreu recusar o contato com o marido, e nem era o seu desejo, a
YF não será permitido ser feliz com o casamento
26
. Assim, YF não aceita que o marido
a toque na temporada de lua-de-mel passada na fazenda. Vale lembrar que a figura
idealizada de Martim nunca existiu para YR.
Na trama televisiva, quando decidem ir para o Rio de Janeiro, ainda em período
de núpcias, YF reitera, durante a viagem de trem, que nutre pelo novo marido um
sentimento de grande amizade” (linha 54) como que para confirmar que seu
verdadeiro amor ainda é dedicado a Martim.
26
Uma das cenas mais significativas da proposição autoral para a produção de sentido é a atitude quase
conformada e a visível infelicidade estampada no rosto da jovem noiva durante a recepção (linha 51). O
único momento em que YF se permitiu sorrir para a foto oficial do casamento foi exatamente aquele em
que seu amado Martim a observa, secretamente, pelo muro da casa e deduz, equivocadamente mais uma
vez, que ela está feliz e que não vale a pena lutar por seu amor, incorrendo novamente na função de
engano.
60
A jovem heroína vai precisar, então, da autorização do público para consumar a
entrega de sua pureza a um homem a quem não ama mas com quem se casou. YF deve
respeitar o contrato legal do matrimônio e seu compromisso com o marido. Assim,
que ele tem o direito, por força da lei, ele terá a autorização da donzela para possuir seu
corpo, mas nunca o seu coração. Sua promessa de amor está protegida e seu contrato
com o público será respeitado.
O casamento só será consumado na etapa carioca da lua-de-mel, quando o marido
cria um clima de romance irresistível com pétalas de rosas vermelhas salpicando o leito
nupcial, em um cenário de sonhos na elegante suíte do Copacabana Palace, e assume
uma atitude bastante gentil e sedutora com a esposa (linha 55).
Casamento com Fernão. A mãe, ao fundo,
garante o cumprimento do acordo de família.
Lua-de-mel no Copacabana Palace:
sedução e entrega com rosas vermelhas.
As linhas 8 e 16 tratam de momentos em que YF se obrigada, por
circunstâncias alheias ao seu desejo pessoal, a assumir a responsabilidade pelos
negócios da família. Quando se vêem ameaçados pela crise de 1929, ela passa pela
primeira transformação marcante em seu construto psicológico, abandonando o modelo
de Sissi para incorporar o perfil de Scarlett, e assumir os negócios da fazenda onde, até
então, havia sido apenas a despreocupada e inconseqüente filha do patrão. Nesta fase,
ela parte para percorrer diferentes programas narrativos de uso. Para tanto, teve de
61
aprender a lidar com bancos, empréstimos, diferentes tipos de plantações, negociação
com colonos e pragas sem, no entanto, obter muito sucesso nas novas empreitadas
agrícolas.
Estas ações podem ser observadas nas linhas 140 e 142, quando Yolanda declara
que ainda estão vivos e podem lutar pela fazenda. Nas linhas 143 e 144, quando
enfrenta a descrença do marido e dos gerentes de banco para obter empréstimos. Nas
linhas 147, 148 e 149, quando se recusa a vender a fazenda e propõe um modelo inédito
de participação dos colonos na fazenda (meação). Na linha 162, quando comemora com
uma festa para os colonos a primeira colheita de algodão. Na linha 190, quando se
desespera ao saber da praga nos pés de algodão. Nas linhas 196, 198, 207 e 219 quando
procura aprender sobre a cultura do bicho-da-seda em substituição ao algodão. Na linha
233, quando decide cultivar mandioca por conta da escassez de trigo durante a Segunda
Guerra. E, na linha 238, após a guerra, quando percebe a necessidade de diversificar a
cultura da fazenda.
Yolanda assume o controle da fazenda
Empyreo e experimenta novas culturas
Usando as cores paulistas, Yolanda leva bolo a
Chatô na prisão durante a Revolução de 1932
Uma das metamorfoses mais interessantes por que passa a personagem se dá
quando YF se envolve no esforço da Revolução Paulista de 1932
27
. Nesta fase, ela
27
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um movimento paulista em favor de uma nova
Constituição Federal e contra o governo de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), que havia assumido
62
adquire o perfil de mulher combativa e politicamente engajada a ponto de cobrar uma
atitude do marido (linha 169) ou ser presa no Rio de Janeiro (linha 180) ao desacatar a
figura de Getúlio Vargas. Esta característica da personalidade de YR, no entanto, não é
confirmada na biografia de Bivar:
A própria Revolução Constitucionalista, dela ela [YR] só se dará
conta na volta [de uma viagem a Paris], ao ser pessoalmente atingida.
Era, de algum modo, uma grã-fina alienada que partia do princípio de
que ignorando as coisas desagradáveis, elas desapareceriam. (BIVAR,
2004, p.129)
A linha 7 revela aquela que talvez seja a disjunção mais significativa da
reconstrução da personagem e da composição da teia dramática da minissérie. YR
nunca quis ter filhos. Segundo Bivar, Yolanda não sentia o menor desejo de ser mãe”
(p.194). A biografia não esclarece se por opção pessoal ou por impossibilidade física,
sua ou do marido. O fato é que da parte de YR nunca houve uma manifestação explícita
pelo desejo de ter filhos ou de ressentimento por nunca ter sido mãe. A Yolanda da
ficção, por sua vez, declara este desejo explicitamente (linha 82) como vai passar os
anos seguintes a lamentar sua infelicidade por não tê-los tido.
Novamente, o que temos aqui é o resultado do processo de instalação de
elementos de identificação com um público que compartilha de alguns valores sociais
considerados inegociáveis. Uma mulher jovem e saudável que desfruta de um padrão de
vida confortável deve, por contrato implícito com a sociedade, ter filhos para garantir os
mecanismos de preservação da estrutura social. Não somente aquela unidade familiar
deve continuar existindo para, assim, preservar histórias, costumes e tradições e uma
o poder dois anos antes por meio de um golpe. A revolta armada teve início em 9 de julho de 1932 e
durou três meses, deixando um saldo de 800 mortos. Folha de S.Paulo, 26/12/05.
63
comunidade se identifica e se protege pelo que seus membros têm em comum entre si -
como a estrutura sócio-econômica deve ser garantida por meio do ingresso de novas
gerações no tecido social. Somente assim é possível assegurar o somente a
continuidade do funcionamento da máquina de geração de trabalho, de demanda, de
consumo e de produção de riqueza como também a continuidade da trajetória humana
sobre o planeta.
28
Esta questão também pode ser trabalhada sob o viés da moral e da religião
vigente na sociedade patriarcal brasileira na qual a mulher sempre teve um papel
submisso como procriadora e zeladora do bem-estar da casa. A família tradicional tem
sido uma forte aliada da Igreja no controle dos costumes e dos comportamentos. Para
controlar a carne e o amor desmedido a coisas corporais, a opção sempre foi lançar mão
da repressão à liberdade e a iniciativa individual.
A mulher tem um papel representativo nesta ordem. Afinal, seu corpo carrega o
estigma do pecado original. Assim, o discurso religioso e médico reserva à mulher o
papel de mãe como a única opção salvadora. Qualquer comportamento fora da
disciplina será visto como manifestação da natureza feminina nas suas formas malignas,
portanto, fonte do pecado. O retorno e o apego à família surgem como solução e
consolidação dos padrões estabelecidos para confirmar este pacto social.
29
Nossa heroína não poderá romper com este contrato sem que seja submetida ao
julgamento e à condenação. Restou atribuir a YF um grande sentimento de perda
associada a uma profunda tristeza que a acompanhou por toda a trama. Na linha 109 de
sua trajetória, percebe-se que os autores reservaram um momento bastante significativo
28
A este respeito, basta conferir a situação crítica que as modernas sociedades européias experimentam
com as novas gerações que não produzem filhos o suficiente para manter o sistema de seguridade social
como pagamento de benefícios aos aposentados e pensionistas. Os governos é que tentam estimular, com
campanhas e incentivos financeiros, os casais jovens a ter filhos para garantir a continuidade do sistema.
29 GOMES DIAS, Marcos Horácio. "Entre A Ética Cristã e a Estética Cortesã: A Pintura de Corte em
Minas Colonial". Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo, 2000.
64
para configurar a punição e a expiação da culpa. Em diálogo com o marido e com
Martim, cada um a seu modo trata de consolar a heroína após sofrer um aborto. O
marido diz à esposa que “filho não é tudo em um casamento” e a consola. O jovem
Martim se aproxima e ela confidencia: “Ao menos, não temos que lamentar os filhos
que não tivemos”. Na linha 133, Yolanda volta a manifestar sua tristeza por não ter
filhos em conversa com Santos Dumont. Quando começa seu relacionamento com
Matarazzo, YF recusa, em várias ocasiões, casar-se com ele por não poder dar-lhe filhos
(linhas 220, 228 e 231).
Assim, a maternalização da figura de YF se dará por vias secundárias. Separamos
duas instâncias em que ela assume o papel dae protetora e carinhosa para configurar
o processo de reconstrução de um perfil psicológico aceitável. Ainda nos primeiros anos
de seu casamento com Fernão, Yolanda está a observar os sobrinhos, filhos da irmã
Guiomarina, e declara seu desejo de ter filhos (linha 82). Neste mesmo capítulo, o ano
que corre é 1924 e a Revolução Tenentista eclode nas ruas de São Paulo. Na linha 91,
vemos que YF resgata uma garota ferida a tiros nos tumultos de rua. A garota é Erica
Schmidt, filha do der dos anarquistas, sr. Ernesto (um dos núcleos fictícios inseridos
na minissérie). Enquanto espera por socorro, Yolanda leva a garota para sua casa, a
acolhe em seus braços e chora baixinho ao cantar uma conhecida canção de ninar (“Se
essa rua fosse minha...”). A garota não consegue sobreviver aos ferimentos o que faz
aumentar sua tristeza. Pouco tempo depois, na fazenda Empyreo, Yolanda sofre um
aborto e nunca mais conseguirá engravidar. Neste momento, mais uma vez, a figura
mítica da criada Isolina antecipa o que vai acontecer no desenrolar da tramaFilhos não
vêm somente da barriga, mas também do coração (linha 99). Algum tempo depois,
Yolanda vai se apegar e praticamente assumir a criação da garota Antonia, fruto do
65
romance proibido entre a jovem Maria Luiza Souza Borba, filha do temível coronel
Totonho
30
, e o pintor Maddiano Mattei.
Na lua-de-mel no Rio,
Yolanda ganha do marido uma
boneca matrioska
A garota Érika, ferida nos
conflitos da Revolução de 1924,
é socorrida por Yolanda.
Yolanda e Martim
acolhem o bebê Antônia,
nascida na fazenda.
A presença de elementos simbólicos de maternidade ocorre em dois momentos
diferentes de sua vida. A inserção de referenciais que remetem ao amor e à fertilidade
será ainda mais recorrente. Durante uma viagem ao Rio de Janeiro, Fernão prepara um
jantar para a jovem esposa, a quem está tentando conquistar, e lhe de presente uma
boneca matrioska
31
(linha 68). Yolanda vai abrindo as pequenas bonecas
sucessivamente até encontrar um bonito anel de brilhantes. O anel, localizado no espaço
correspondente à cavidade abdominal (útero) da menor das bonequinhas faz uma
referência à capacidade da mulher de gerar e guardar no ventre o bem mais precioso
para uma mãe e para a família.
Anos mais tarde, em 1937, já separada de Fernão, o amigo Ciccillo, que se
tornaria seu segundo marido, está em tratamento na Suíça e havia tempos não mandava
notícias. Yolanda recebe de presente uma reprodução dos famosos e valiosos ovos
30
Todo o núcleo da família do coronel Antonio de Souza Borba é fictício e sua função na trama será a de
representar o padrão moral rígido da estrutura da família patriarcal da época bem como a decadência da
tradicional família quatrocentona ao longo do século XX.
31
Matrioska, ou bonecas russas, é um conjunto de bonecas de tamanhos decrescentes colocadas uma
dentro da outra. O nome é a forma diminutiva de Matryona, um nome russo para mulher.
66
Fabergé
32
(linha 223). O presente de Ciccillo a deixa encantada. Mais uma vez, a
referência à maternidade fica clara embora, a essa altura, YF sabe que jamais poderá
gerar herdeiros para Ciccillo. A significação do ovo como representação primeira da
capacidade de se reproduzir, segundo Chevalier e Gheerbrant, é tão óbvia que dispensa
maiores discursos: “O ovo, considerado como aquele que contém o germe e a partir do
qual se desenvolverá a manifestação, é um mbolo universal e explica-se por si
mesmo” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.672).
A minissérie também enfoca, com um viés levemente humorístico, a paixão nada
secreta que Assis Chateaubriand, o Chatô, nutria por Yolanda e que nunca se concretiza
por absoluta falta de interesse dela. Como ela nunca deixa clara qualquer intenção de
estabelecer um vínculo mais intenso com a figura pouco atraente do magnata das
comunicações, esta ligação afetiva de quase toda uma vida não chega a se configurar
como um PN da parte de Yolanda. A biografia escrita por Bivar, no entanto, revela que
havia algo mais do que apenas uma paixão não correspondida de Chatô por Yolanda e
resume o nível do relacionamento dela com seus dois pretendentes de maneira muito
sucinta, ao reproduzir o depoimento de Maria Bonomi
33
:
Chatô chegou, todo vestido de branco, era um homem de um charme
enorme e eu percebi que os dois tinham uma ligação muito maior,
tenho certeza. Eu não presenciei nada, mas era. Porque era o seguinte:
Yolanda tinha um afeto, ela gostava muito do Ciccillo, mas o Ciccillo,
32
Cada ovo Fabergé autêntico faz parte de um jogo de 57 ovos de Páscoa confeccionados em ouro, prata
e pedras preciosas pelo artesão Peter Carl Fabergé da Casa Fabergé de Paris, por encomenda do czar
Alexandre II da Rússia como presente de Páscoa para sua esposa, a imperatriz Maria Fyodorovna entre os
anos 1885 e 1917. Os ovos são considerados verdadeiras obras de arte da joalheria.
33
Maria Anna Olga Luiza Bonomi (Meina, Itália 1935 ). Gravadora e pintora brasileira, começou a expor
em 1952, primeira individual no Museu de Arte Moderna de SP, em 1956. Opta pela nacionalidade
brasileira em 1953, formando-se em desenho na Universidade de Columbia, Nova York, em 1956,
tornando-se artista plástica. Seus cenários para teatro são também relevantes. (Fonte:
www.planalto.gov.br/cd_09/P_Bonomi_Maria.htm. Acesso em março de 2007).
67
no fundo, era um homem muito rústico, mas que dava a ela uma
grande passarela. (BIVAR, 2004, p.266-267)
O escritor Fernando Morais, por sua vez, não
confirma que Chatô (na foto à esquerda,
representado pelo ator Antonio Calloni) tenha
algum dia entrado em estado de conjunção com
seu objeto de desejo de toda uma vida. Isto é
explicitado pelas referências que faz a ela em duas passagens de seu livro Chatô, o rei
do Brasil, onde se que ele vivera apenas o polêmico romance com Poli, a paixão
permanente e nunca correspondida por Iolanda Penteado e, morando no Rio, um
fugaz flerte com a filha de Alfredo Pujol” (p.134) e, mais à frente, quando Yolanda é
mencionada no evento de batismo do avião que ele havia doado para a campanha
asas à juventude, onde conta que “aquela seria uma festa especial para Chatô pois a
madrinha era sua eterna paixão, Iolanda Penteado...” (MORAIS, 1994, p.398).
68
Pictor, então, se tornou árvore. Penetrou a terra com suas
raízes, alongou seu tronco para cima. Folhas e ramos
germinaram a partir de sua sombra frondosa. Estava muito
feliz. Com vigor redobrado, sugou da fresca profundidade da
terra e suas folhas tremulavam intensamente no azul do céu.
2.3 OS ELEMENTOS SIMBÓLICOS DA MINISSÉRIE
A necessidade do homem de criar mitos está profundamente ligada ao medo
natural da morte e, por extensão, o medo do desconhecido. Foi quando o homem
primitivo tomou consciência de sua mortalidade que ele tratou de compor alguma
contranarrativa que lhe permitisse lidar com a situação. O mito, pois, trata basicamente
de enfrentar o desconhecido e de encontrar sentido nas coisas.
34
Pierre Brunel, em seu
Dicionário de mitos literários, diz que Gaston Bachelard
35
“via nos mitos os produtos
de um pensamento pré-científico ansioso em fornecer uma explicação para fenômenos
incompreensíveis.”
Para a autora de Breve história do mito, Karen Armstrong, é um equívoco
considerar o mito, a mitologia e, por extensão, a narrativa de ficção como uma forma
inferior de pensamento e de sentir o mundo. Armstrong discorre sobre a necessidade de
transcendência e de êxtase como parte da experiência de vida plena. Para alguns, atingir
este estágio de elevação da alma só será possível através da arte. Segundo a autora:
34
ARMSTRONG, Karen. Breve história do mito. 2005, p.7.
35
Gaston Bachelard (França, 1884-1962). Filósofo e poeta francês. "Nós acreditamos, com efeito, que o
progresso científico manifesta sempre uma ruptura, perpétuas rupturas, entre conhecimento comum
(senso comum) e conhecimento científico, desde que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência que,
pelo próprio fato das suas rupturas, traga a marca da modernidade", in Materialismo Racional.
69
Nas artes, livres do constrangimento da razão e da lógica, concebemos
e combinamos novas formas que enriquecem nossa vida e que nos
mostram algo muito importante e profundamente verdadeiro no qual
acreditamos. (ARMSTRONG, 2005, p.14)
Armstrong declara, ainda, que “um mito é verdadeiro por ser eficaz, não por
oferecer provas” (p.14). Da mesma maneira, a narrativa moderna de televisão ou de
cinema, inclusive aquelas que tratam de recriar fatos e personalidades reais, não é eficaz
por reproduzir os fatos tal qual efetivamente se sucederam, mas por recriar uma
percepção da história e de seus personagens na qual o receptor possa se ver refletido e
representado.
Então, é possível estabelecer um paralelo entre o homem primitivo e sua relação
essencial com a criação do mito, no momento em que ele baixa as guardas da
racionalidade e passa a aceitar as narrativas mitológicas como uma representação do
real, e o homem moderno, científico, racional, desconectado do universo mágico, que
também se permite transportar a uma dimensão paralela do pensamento e acolher as
representações simbólicas da narrativa ficcional contemporânea.
A ficção moderna tomou o lugar do mito na função de ajudar a compreender a
nova realidade desde que abertos os canais de percepção e instalados o momento e as
circunstâncias da recepção. Segundo Mircea Eliade, a narrativa tradicional do mito não
podia ser feita a qualquer hora nem a qualquer lugar, mas em local e tempo
especialmente reservados para este fim, como as noites de lua cheia, às sextas-feiras, o
alto de uma montanha sagrada ou em torno da fogueira etc (2002, p.54) para que seja
preservada sua natureza mística e solene. Paralelamente, tampouco pode a narrativa
ficcional moderna ser experimentada sem os rituais de iniciação inerentes a cada meio.
Isto equivale a dizer que a presença dos protocolos de abertura das narrativas modernas,
quais sejam as vinhetas de abertura, os sinais sonoros de retorno ao universo paralelo da
70
ficção, como é o famoso marcador sonoro da Rede Globo (o plim-plim), como rituais de
iniciação, confirmam a equivalência da narrativa ficcional com funções semelhantes
àquelas do mito da Antigüidade.
O outro aspecto importante dentro do conceito histórico do mito transposto para a
atualidade da ficção moderna, é sua relação especial com o tempo. Assim como o mito
retira o homem de seu contexto cronológico e o projeta, ao menos virtualmente, em uma
dimensão temporal paralela, não se pode estabelecer correlação possível de chronos
nem de factualidade entre um e outro: “Narrando ou ouvindo um mito, retomamos o
contato com o sagrado e com a realidade, e dessa maneira ultrapassamos a condição
profana, a situação histórica” (ELIADE, 2002, p.55). Ao nos sentar em nossa sala de
estar para receber a produção ficcional moderna, ultrapassamos a realidade e condição
real para acolher o universo mágico que vem a seguir. Esta modalidade de produção é
importante para compreender como os construtores da trama narrativa de televisão
podem manter os mesmos atores, jovens que são, para a composição de personagens
que envelhecem ao longo de 40 anos, sem que a passagem do tempo lhes seja impressa
na pele tão cruelmente quanto é na vida real, como será visto no capítulo seguinte.
A minissérie foi pródiga em revolver com os mitos impregnados em nossa cultura
e em trabalhar com elementos simbólicos de representação. Por se tratar de criação
estética, eminentemente sonora e visual, as formas de representação ganham contornos
mais ilustrados do que teria sido a descrição factual da biografia escrita.
Ao longo do desenvolvimento da obra, os autores lançaram mão de várias
imagens para reificar o sentido. Fizemos uma seleção daqueles que consideramos mais
significativos e os separamos por categorias.
71
Elementos significativos identificados na minissérie
Amor /
Paixão
Maternidade Poder /
Fortuna
Além/
Eternidade
As rosas
vermelhas
A boneca
matrioska
A tiara / coroa
de carnaval
A velha
criada Isolina
A maçã
do amor
A criança ferida
na revolução
O palacete dos
Souza Borba
A figueira
da fazenda
O ovo Fabergé O Theatro Municipal
Maçãs e rosas são arquetipicamente da cor vermelha, a cor que remete ao amor e à
guerra. O vermelho sendo uma cor quente, masculina e forte, faz referência a um
conflito de emoções que vão desde o amor primitivo e passional, passando pelo ódio
que gera a violência e a guerra, quando se materializa em sangue. “Universalmente
considerado como o símbolo fundamental do princípio da vida, com sua força, seu
poder e seu brilho” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.944), o vermelho
também é a cor da elegância associada ao poder.
Nas linhas 16 e 17 da narrativa, vemos os dois jovens apaixonados flanando
alegremente pela cidade em pleno idílio romântico. Em determinado momento eles
comem juntos uma vermelha e reluzente maçã-do-amor, que ele comprara com suas
últimas moedas.
Yolanda
Você não comprou uma pra você?
Martim
Não, estou sem fome.
Yolanda
Então, uma mordida para mim e uma
pra você. Não foi assim que Eva
conquistou Adão?
72
A maçã encerra o sentido do proibido e da transgressão. É o fruto do
conhecimento e da liberdade não concedidos, aquilo que não nos é dado conhecer.
Chevalier e Gheerbrant citam outro autor, Paul Diel, ao dizer que a maçã, por sua forma
arredondada também significaria os desejos terrestres e a submissão a esses desejos
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.573). Em sua abordagem canônica, Diel
lembra que a maçã e, por extensão a árvore da vida, adverte contra a predominância
desses desejos, que descrevem um percurso inferativo, para baixo, no sentido das raízes,
em franca oposição aos desejos mais elevados, ou mais espiritualizados que descrevem
um sentido superativo, de ascensão ao céu, como os galhos e as folhas (como veremos
mais à frente). Esta simbologia retoma, mais uma vez, o sentido da dualidade e da
ambivalência da personagem, colocando-a frente a frente com a inevitabilidade da
escolha.
Como representação do conhecimento, a maçã encerra o sentido do bem e do mal,
com um indisfarçável revestimento sexual. O conhecimento bom, unificador, é aquele
que confere a imortalidade. Em contrapartida, seu lado sombrio, o conhecimento do
mal, é desagregador e leva à ruína pelo caminho da transgressão. YF e Martim anseiam
pelo conhecimento. Isto os conduz a uma incursão para além dos limites do paraíso, do
mundo protegido e seguro onde ela sempre vivera.
Seqüência dos jovens amantes flaneurs: o bonde, o cinema, o parque de diversões. Enquanto
caminham sem destino pelas ruas, experimentam sensações novas e fazem planos para o futuro.
73
O jovem casal passeia e brinca por uma cidade noturna, alegre, cheia de luzes e de
pessoas que se divertem, como quem nunca antes houvesse experimentado a liberdade
de se deixar levar pelos caminhos da sensualidade e do prazer, em uma seqüência de
fuga da realidade que remete ao clássico filme “A Princesa e o Plebeu”. Vejamos a
descrição desta seqüência lúdica (linhas 16 e 17): “Eles se reencontram, se entendem e
saem a flanar pelas ruas. O casal se diverte com os bondes. Vão ao cinema [...]. Depois
vão ao circo e ao parque de diversões. Divertem-se no carrossel e na sala dos espelhos.
Comem maçã-do-amor...”. Pouco mais tarde, decidem tomar um bonde. “E para onde
ele vai?” pergunta uma Yolanda totalmente entregue àquela aventura sensual. “Mas isso
tem importância? ele devolve a pergunta alegremente, confirmando o caráter
puramente instintivo daquele momento enquanto prosseguem o passeio como jovens
apaixonados que são. Caberá a Martim retomar o contato com a realidade para escapar
desse mundo de sonhos (ao qual ele não pertence) e de prazeres proibidos (para os quais
ele não se considera qualificado).
36
É ao final do passeio, logo após o diálogo sobre a
lua-de-mel em Paris, que ele anuncia, dolorosamente, que renuncia ao amor que sente
por não ser capaz de dar a ela o paraíso a que ela está acostumada, configurando outra
função da narrativa prevista por Propp, o impedimento.
Dentre os elementos significativos comuns às duas obras, a imagem da árvore da
fazenda, uma figueira, se nos revela como aquela mais plena de simbolismo. Embora
tanto no livro quanto na minissérie, a figueira não tenha se constituído como espaço
privilegiado de ação, podemos assumir que esta seja uma representação mitológica
36
O diálogo entre Martim e Yolanda, quando ele compra apenas uma maçã-do-amor, permite uma
interpretação mais ampla sobre até que ponto vai o nível de desconexão de Yolanda com a realidade.
Quando ela diz a Martim “Então uma mordida para você e uma para mim” revela, no fundo, que sabe que
Martim comprou apenas uma maçã por não ter dinheiro suficiente para comprar mais. Quando ele diz
“Estou sem fome”, ela compreende perfeitamente que ele está dizendo “Estou sem dinheiro”. Por isso,
propõe, realistamente dividir a única maçã.
74
bastante significativa da constituição ficcional de Yolanda. Não é por acaso que é
também uma árvore a figura central do conto de Hesse que tomamos como base poética
para esta pesquisa.
Na linha 163, vemos que Yolanda observa a figueira. Diz que é a árvore mais
antiga da fazenda e que gostaria de ter suas cinzas depositadas sob ela após sua morte.
Na linha 131, Yolanda agradece a Martim pela atenção à mãe. Sob uma árvore, os
jovens confessam seu amor e se beijam apaixonadamente, mas se lembram de que estão
casados e que não devem ceder ao desejo. Na linha 199, vemos que o segundo encontro
de Yolanda com Ciccillo se deu em sua granja em São Bernardo do Campo quando eles
sobem na frondosa mangueira para colher mangas no e comê-las ali mesmo, com o
caldo da fruta escorrendo-lhes pelas mãos e braços. E na última linha, a 303, ficamos
sabendo que Yolanda teve suas cinzas jogadas aos pés da figueira da fazenda.
A árvore é um dos temas simbólicos mais ricos e difundidos do mundo. Podem-se
encontrar muitas analogias entre homens e árvores em praticamente todas as culturas e
civilizações da história. Em torno da figura da árvore é que se estrutura a idéia do
cosmo vivo, em permanente regeneração. Chevalier e Gheerbrant, de onde a maioria das
interpretações de simbologia usadas nesta pesquisa foi extraída, dizem que:
75
Como símbolo da vida, em permanente evolução e em ascensão para o
céu, a árvore evoca todo o simbolismo da verticalidade. Serve também
para significar o aspecto cíclico da evolução cósmica: a morte e a
regeneração. As árvores frondosas representam um ciclo pois se
despojam e tornam a se cobrir de folhas todos os anos”.
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.84)
A árvore possui sentido de verticalização ascendente e, pelo fato de suas raízes
mergulharem na terra e seus galhos se elevarem para cima, é universalmente
considerada o símbolo da conexão entre o céu e a terra. Também por este motivo, tem o
sentido de eixo central, em resposta à necessidade natural do homem de encontrar um
eixo para estabelecer o equilíbrio de todos os elementos em relação a uma base estável.
Segundo Donis A. Dondis, em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual:
A mais importante influência tanto psicológica, quanto física, sobre a
percepção humana é a necessidade que o homem tem de equilíbrio, de
ter os pés firmemente plantados no solo e saber que vai permanecer
ereto em qualquer circunstância, em qualquer atitude com um certo
grau de certeza. (DONDIS, 2003: P.32)
A associação da Árvore da Vida com a manifestação divina encontra-se também
nas tradições religiosas. São freqüentes, na iconografia cristã, as representações de uma
cruz copada ou de uma árvore-cruz onde se reencontra, com a separação dos dois galhos
inferiores, a imagem da forquilha, a letra Y, representando simultaneamente aquilo que
é único e aquilo que é dual ou ambivalente.
37
37
Até mesmo as iniciais do nome de “Yolanda Penteadoremetem à imagem da árvore: o Y que contém
uma associação mórfica com a estrutura do tronco bipartido e o P que reproduz uma representação
abstrata da árvore com a estrutura de tronco único e a copa voltada para o lado direito.
76
Yolanda conversa com Chatô
sob uma frondosa árvore.
Comendo manga no pé,
Yolanda conversa com Ciccillo.
Yolanda e Martim ao lado
de uma árvore da fazenda.
A idéia de evolução da vida contida na árvore a torna um símbolo recorrente de
fertilidade. Em várias culturas, ao associar-se fisicamente a uma árvore abraçando-a,
beijando-a ou mesmo amarrando-se a ela - pode garantir a fertilidade do casal. Desenhar
árvore sobre o corpo da mulher ou casar-se simbolicamente com uma árvore, para
homens e mulheres é uma tradição que, entre certas tribos iranianas ou indianas,
assegura a fertilidade (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.87).
Hermann Hesse, profundamente inspirado pela cultura e pelas religiões orientais,
pode ter estabelecido contato com lendas e mitos antigos desses povos, tal é o grau de
semelhança e identificação entre seu conto Favola d´amore / As metamorfoses de Pictor
e o relato de Chevalier e Gheerbrant:
Também entre os altaicos e turco-mongóis da Sibéria, encontram-se
interpretações antropomórficas da árvore. Assim, entre os iunguses,
um homem transforma-se em árvore e recupera em seguida sua forma
primitiva.
38
Todas as crenças citadas por Chevalier e Gheerbrant demonstram que o mbolo
da árvore é sexualmente ambivalente. Em sua origem, a árvore da vida pode ser
considerada uma imagem andrógina. O tronco erguido em direção ao u, símbolo da
força e do poder eminentemente masculino. Ao passo que a árvore oca, da mesma forma
38
ROUX, Jean Paul, Faune et Flores Sacrées dans lês Societés Altaïques, p.246 apud CHEVALIER E
GHEERBRANT, 1982, p.88.
77
que a árvore de folhagens densas que periodicamente se cobre de frutos compreende a
imagem da mãe fértil. Essa ambivalência de simbolismo manifesta-se com maior
clareza na árvore dupla, que se divide em dois troncos principais no formato do Y. Uma
árvore dupla que simboliza o processo de individualização dos contrários existentes
dentro de nós que se unem.
As simbologias mais comumente associadas à figueira, assim como a outras
árvores frutíferas, são a abundância, a imortalidade e o conhecimento superior, o que
nos traz à lembrança a figura real de Yolanda Penteado, imortalizada em nome de
praças, de ruas, de um aeroporto regional (em Leme, SP), de salas de museus e, por fim,
em uma minissérie de televisão. O nome de Yolanda está indelevelmente gravado na
crônica paulista do século XX.
Da mesma maneira como enquadramos o casamento de Yolanda com Ciccillo
como a união do dinheiro dos novos-ricos com o prestígio das famílias tradicionais,
podemos indicar que a química sexual dos dois personagens não era o centro de seu
relacionamento. Ao se casar com Yolanda (YR), Ciccillo logrou dar o último passo na
ascensão social do imigrante e Yolanda (YR) conseguiu sobreviver elegantemente a
sucessivas crises econômicas. Na minissérie, esta instância é confirmada na cena em
que o empregado Camilo diz que a salvação da fazenda está no casamento de Yolanda
com Ciccillo (linha 211) e Isolina, com sua percepção mágica, determina que Ciccillo é
o estrangeiro com quem ela se casará.
Márcia Padilha conta como eram as relações entre os imigrantes novos-ricos e a
elite paulista tradicional naquele período:
Nas colunas sociais das revistas da época, em reportagens sobre
casamentos, recepções e outras festividades, misturavam-se aos
78
conhecidos sobrenomes das elites paulistas, como os Prado e os
Penteado, outros mais recentes como os dos imigrantes Crespi,
Matarazzo e Jafet. Dean justifica a formação de sociedades e alianças
matrimoniais e a formação de uma identidade da elite regional entre
“os donos de fazendas e de fábricas e entre a aristocracia nativa
brasileira e o imigrante nouveau riche pela dependência que a elite
brasileira tinha da européia. (PADILHA, 2001, p.19).
A declaração de Maria Bonomi de que, ao se casar com Ciccillo, ela conseguiu
“dourar os brasões” (BIVAR, 2004, p.312) não significa outra coisa senão que aquele
era efetivamente o casamento entre a fortuna dos imigrantes e a tradição da elite
quatrocentona paulista.
39
Não poderia haver relacionamento mais cerebral e sem
qualquer apelo erótico para uma minissérie romântica. Além disso, é sempre bom
lembrar que de tempos em tempos, Martim voltava para reafirmar seu amor eterno a
Yolanda, constituindo em permanente fator de impedimento.
Nas linhas 230 e 231, vemos que Yolanda acabara de saber que Martim e Gilda
estavam separados, uma informação que deixa seu coração mais uma vez impedido de
se posicionar diante dos reiterados pedidos de casamento de Ciccillo. Este a presenteia
com uma tela de Renoir, o que abre caminho para a criação de um pequeno e valioso
acervo pessoal. É o momento de mais um diálogo cujo conteúdo foi cuidadosamente
construído para confirmar valores, atitudes e objetivos anteriormente declarados.
Observamos também que ela está vivendo plenamente sua fase “tia Mame”:
Yolanda [...] E depois abrimos um museu.
Ciccillo Sim, um museu! É uma bela idéia. [...]
Ciccillo E por que não se casa comigo? A mim não me importa não ter filhos.
39
É curioso observar que, apesar de o livro de Bivar não ter recebido crédito como fonte para a
construção da minissérie, tanto o Chatô da ficção (na linha 241) quanto Maria Bonomi (p.312 do livro)
usam a expressão “dourar os brasões” ao se referir ao casamento de Yolanda com Ciccillo Matarazzo.
79
Yolanda A mim importa, embora a idéia do museu seja muito atraente...
Ciccillo Eu só faço o museu se você se casar comigo!
Yolanda Por que não podemos ser amantes? É tão mais divertido... [...]
Ciccillo Mà parla, perchè não quer se casar comigo? Tem medo de sofrer
como foi com seu primeiro marido? Ou porque está apaixonada por
un´altro?...
Yolanda Não, não tem outro. Eu não me sinto pronta para me ligar a você de
maneira tão definitiva.
Ciccillo Ecco! Quando estiver pronta, promete que me avisa?
Yolanda Talvez demore um pouco. Você espera?
Apesar da proposta libertária contida no diálogo acima, pouco tempo depois, ela
se casa com Ciccillo e, mais uma vez, se unida a um homem a quem não ama
plenamente. Em suas memórias, Yolanda Penteado reduz o relacionamento de ambos a
uma definição bastante pragmática: Tudo era bonito e sincero entre Ciccillo e eu
40
e,
na seqüência, dedica toda a terceira parte de sua biografia ao relato dos esforços do
casal para a criação da agenda artística e cultural para a cidade. Yolanda e o marido se
entregam, com dedicação, ao trabalho da fundação do MAM - Museu de Arte Moderna,
da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, do TBC - Teatro Brasileiro de Comédia, e à
instalação da Bienal Internacional de Arte de São Paulo, cumprindo o PN3, seu
principal programa narrativo (“viver cercada de artistas e intelectuais”). Entre uma
atividade cultural e outra, Ciccillo, se entrega a prazeres mundanos com sua amante
espanhola, com o beneplácito de Yolanda. Soledad, a amante espanhola de Ciccillo na
minissérie - chamada Balbina na vida real (BIVAR, 2004, p.318) - acolhe o “italiano”
com sopa quente a cada visita.
40
PENTEADO, Yolanda. Tudo em Cor-de-Rosa. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976.
80
Os três homens de YF representam, individualmente, relações de diferentes
modalidades simbólicas. Ao relacionar o primeiro presente que Yolanda recebeu de
cada um deles, é possível extrair outras leituras da narrativa que contribuem para a
construção do sentido no nível mitológico. Na primeira situação, Yolanda e Martim
compartilham uma maçã-do-amor em seu périplo romântico pela cidade (linha 17). No
segundo momento, Yolanda recebe de seu marido Fernão, ainda em lua-de-mel, uma
boneca matrioska (linha 68). E, por fim, Ciccillo restitui a Yolanda a tiara que ela havia
perdido no baile de Carnaval um ano antes (linha 199).
Martim Paes de Almeida, Fernão Queiroz Telles e Ciccillo Matarazzo
O primeiro presente que Yolanda recebe e sua significação
Doador Peça Significação (segundo Cirlot)
Martim Maçã-do-amor
A maçã como símbolo de amor, casamento,
juventude, longevidade e plenitude sexual. Tem
relação simbólica forte com a fertilidade e a
sexualidade por conta do desenho de seu miolo
quando cortada ao meio.
Fernão Matrioska
A boneca como representação da infância, da
fertilidade e da maternidade.
Ciccillo Tiara (coroa)
Ornamento de cabeça como representação de
soberania, de autoridade e de superioridade. Encerra
o sentido de vitória e de mérito, símbolo supremo de
81
autoridade com significação celestial, solar e
espiritual.
As circunstâncias em que ocorre a transferência de cada elemento figurativo -
maçã, boneca e coroa - do doador a YF também contribuem para a construção da base
significativa. Martim, o amor verdadeiro e desinteressado, compartilha com Yolanda
uma maçã comprada com seu último níquel. Ambos se divertem e se deliciam. A
conexão maçã-sexo fica evidente na direção da cena que mostra os rostos e as bocas em
close, a cobertura doce e vermelha do confeito marcando os lábios que se juntam para o
beijo apaixonado.
Fernão, o primeiro marido, oferece à jovem esposa um presente adquirido fora do
país em um tempo em que produtos importados eram de alto custo e difícil aquisição:
uma boneca representativa de uma tradição antiga e consistente, portanto duradoura,
como metáfora do conceito de continuidade das tradições, do prestígio e do poder da
família tradicional, através dos casamentos arranjados entre os membros de um mesmo
clã.
Ciccillo, por sua vez, não adquire o primeiro presente para dar à Yolanda,
embora, por sua posição social, pudesse tê-lo feito. Em vez disso, ele devolve a coroa à
legítima dona. Por sua rica significação, a tiara/coroa representa a restituição do status
nobre a YF e, de certa maneira, confirma o caráter cerebral do relacionamento de
ambos, através da associação coroa-cabeça. A fortuna da família se esvaíra com as
crises. Às poderosas famílias restava o prestígio e o reconhecimento social. Assim, ao
restituir uma peça tão valiosa, Ciccillo não somente reafirma seu poder econômico
como transfere à mulher a legitimidade de exercer seu papel de soberana (das artes e da
cultura) em seu reino. Os autores não se furtaram a reconhecer a referência óbvia ao
conto de Cinderela e o sapato de cristal (linha 199), quando Ciccillo lhe devolve a tiara:
82
Yolanda Eu pensei que nunca mais fosse ver esta tiara!
Ciccillo O sapatinho de cristal sempre encontra sua dona.
Yolanda Se o senhor pensa que eu sou Cinderella, enganou
Ciccillo A grande virtude dos contos de fadas é a metáfora que eles
encerram.
Ciccillo se reveste do papel de príncipe encantado que vai salvar nossa heroína de
uma vida de privações por conta da crise econômica que se desenhava no cenário
mundial, após o colapso da cultura de café.
Yolanda chega ao baile de Carnaval portando
a tiara. Ela perde o adereço no salão de baile.
Ciccilo recolhe a tiara perdida e só
a devolverá no ano seguinte.
Não faltaram outras referências aos costumes e práticas da nobreza no nível de
tratamento concedido a Yolanda por seus pretendentes. Martim se assusta com a “vida
de princesa” da jovem Yolanda, na primeira fase, identificada com a imperatriz Sissi, e
com sua impossibilidade de garantir-lhe este padrão de vida. Chatô tinha o hábito de se
dirigir a ela como duquesa, assumindo uma posição servil de súdito sempre pronto a
satisfazer seus menores caprichos. E Ciccillo, por sua vez, a tratava por principessa.
83
Outra importante figura no enredo é Isolina (ou “Izulina”, na foto abaixo), a
velha criada negra, uma antiga escrava, que ajudou Dona Guiomar a criar os filhos
desde sempre. Isolina possui grande afeição e ascendência por Yolanda. Agindo como
destinadora da trajetória de Yolanda, a criada a
faz lembrar que ela, Yolanda, está prometida ao
primo, como era desejo do pai falecido (linha
8), fazendo surgir uma função da narrativa, a
que Vladimir Propp chamou de proibição /
transgressão. Assim, além de combater
opositores vivos e atuantes, Yolanda também terá de enfrentar o fantasma do pai. Claro,
que dentro de seu construto psicológico, Yolanda trata de se libertar desta da proibição
quando declara: “Papai está morto. E o acerto deste casamento foi enterrado junto com
ele!”. Uma tentativa de transgressão que não se realiza.
Ao longo do percurso narrativo, Isolina fará outras importantes interferências
41
para determinar os caminhos de Yolanda, sempre recorrendo ao aspecto extra-sensorial
de suas intervenções, assumindo para si as atribuições do ajudante mágico da trama, em
função prevista por Propp
42
. Neste sentido, o nível de comunicação e o discurso de
Isolina podem ser classificados, segundo Roman Jakobson, na categoria da função
41
Linha 99, quando diz que “os filhos não vêm somente da barriga”. Linha 166, quando diz que enxerga
um “estrangeiro muito rico na vida de Yolanda. Linha 211, quando confirma que Ciccillo é o
estrangeiro com o qual ela vai se casar e na linha 247, quando ela aconselha Yolanda a procurar Ciccillo e
fazer as pazes com ele.
42
Este eficientíssimo recurso gerador de ações e reviravoltas na trama voltaria a ser explorado pela dupla
Nogueira/Amaral na minissérie seguinte, JK, onde a figura etérea de um frade, que o protagonista
conhecera na infância, faz aparições recorrentes como que para guiar a trajetória do presidente Juscelino
Kubitschek.
84
conativa mágica, a mesma na qual se encontram a fala das bruxas, das madrastas em
seu diálogo com o espelho ou das fadas-madrinhas dos contos de fadas.
43
43
JAKOBSON, Roman apud SPERBER, Suzi Frankl, 2006, p.97. Esta função de linguagem também
pode ser identificada nas expressões de Soledad, a amante espanhola de Ciccillo Matarazzo, quando lê as
cartas de tarô para determinar seu futuro com o industrial.
85
De repente, alongando-se sobre um tronco seco de árvore, a
serpente sussurrou em seu ouvido: “A pedra pode
transformar você naquilo que você quiser. Rápido, diga-lhe
qual é o seu desejo, antes que seja tarde!”.
2.4 CONSTRUÇÃO DA FICÇÃO TELEVISUAL
No exórdio que compôs para sua tradução de A Divina Comédia, o poeta
português Vasco Graça Moura faz uma observação bastante pertinente sobre a gradação
dramática de que o autor dispõe para colorir os aspectos positivos e negativos de suas
criaturas, e assim poder representar a dicotomia essencial do ser humano e a maneira
como essas criaturas transitam livremente sobre um imenso painel espaço-tempo. Diz
ele: “Na ontologia do bem e do mal, as modalidades visíveis do Ser dispõem-se como
outros tantos graus que tendem para uma totalidade necessariamente abrangente”
44
.
Assim tem sido na vida como na ficção que, afinal, dela não passa de mera
representação figurativa.
A busca da felicidade se confunde com o embate dos contrários: a luta do bem
contra o mal, do humano e do divino, do amor e do ódio, do céu e do inferno, e tantas
outras mais, em uma variedade tão grande quanto podem ser as muitas personae do ser
humano. Os eternos antagonistas se revestem, então, de máscaras para continuar a
jornada do homem, sobre o tempo e o espaço, em ciclos de recorrentes retornos que
nunca têm fim. Mudam os tempos, mudam os cenários, mas os enredos estruturais, em
sempre renovadas configurações e novas combinações entre si, continuam a
44
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia, prefácio do tradutor Vasco Graça Moura, p.13.
86
compartilhar a mesma essência vital. Afinal, conclui Graça Moura, “Espaço e tempo
não passam de categorias precárias para a própria tentativa de um percurso e de um
discurso que confluem no infinito e na eternidade”
Basta pensar em quantas outras narrativas ficcionais lemos ou ouvimos sobre a
irreversibilidade da divisão da sociedade por classes, ou castas, cujas linhas de limite os
actantes não devem nunca atravessar. Esta transgressão tem sido um dos temas mais
recorrentes e funcionais da produção ficcional da cultura do ocidente. Em Um só
coração não foi diferente.
Na transcrição da trajetória de Yolanda (linha 9), em um tenso diálogo travado à
mesa de jantar da família, Dona Guiomar, a mãe, exige que Yolanda aceite e cumpra
com seu compromisso familiar e pontifica A
obrigação de pessoas como nós é preservar a
tradição”. Esta declaração, assim como as
demais falas desta seqüência, cumprem sua
função de fazer destacar a característica
conservadora e intransigente da mãe e de seus contemporâneos quando o assunto é
preservar as tradições da família e a estrutura social da época. Na continuação do
diálogo, outras conexões se revelam. A seqüência do jantar parece seguir, by the book, o
recurso de Iluminação de Henry James com cada linha exercendo a função da lanterna a
fazer destacar determinadas características de cada personagem que serão importantes
para a construção da tessitura dramática.
As instâncias da Teoria da Iluminação ficam claramente expressas no diálogo
transcrito abaixo, do qual desprendemos muito mais do que apenas contornos
psicológicos ou enquadramentos sociais mas também nos é permitido antecipar
87
movimentos futuros dos personagens. A compreensão de quanto nos é revelado na
seqüência, naturalmente, é amparada pelo volume de informação que foi transmitido
em cenas anteriores. Ou seja, quando a mãe de Yolanda, Dona Guiomar, enfatiza o
termo “como nós”, sabemos exatamente a que tipo de agrupamento social ela se
refere. Vejamos:
Prima Elisa Meu sonho sempre foi viver na França
Fernão (para Yolanda) E o seu sonho, qual é?
Yolanda Ser feliz, em qualquer lugar.
Guiomar Uma mulher só é feliz, minha filha, quando se casa e constitui família.
Fernão Eu concordo plenamente com sua mãe. Afinal, a mulher foi criada
para procriar e ser companheira do marido.
Yolanda Deus criou Adão e Eva para serem felizes. Eva só
começou a ter filhos quando foram expulsos do Paraíso.
Guiomar Na sua idade, eu já tinha a Guiomarita e o Juvenal.
Yolanda Ainda bem que os tempos mudaram, não é, mamãe?
Guiomar Costumes não mudam a cada estação como a moda
que nos vem de Paris, Yolanda. A obrigação de pessoas como nós é
preservar a tradição.
Entra o irmão Jayme, atrasado e se junta à mesa
Guiomar Isso que você fez hoje foi bastante irresponsável
Jayme Foi só uma brincadeira, mamãe. Eu não levo os
anarquistas tão a sério quanto o Martim.
Guiomar Quem é Martim?
Yolanda (sorrindo) É uma pessoa que a senhora vai conhecer muito em breve,
mamãe.
88
Fernão Mas esse Martim parece ser tão irresponsável quanto o seu irmão...
Yolanda Qual é o problema? Uma pessoa não pode se
simpatizar com a causa dos anarquistas? Eu mesma sou adepta ao
liberté - egalité - fraternité.
Guiomar Isso não passa de romantismo ingênuo. As pessoas
nunca serão iguais, minha filha.
Vejamos, agora, o diálogo e um exercício de livre interpretação:
Personagem Texto Interpretação
Prima Elisa Meu sonho sempre foi
viver na França
Referência à França como padrão ideal de
cultura e civilização no Brasil do começo
do século XX.
Fernão E o seu sonho, qual é?
Yolanda Ser feliz, em qualquer
lugar.
O texto revela o desprendimento da
personagem em relação a posses
confirmando sua conexão com o receptor
ao valorizar a felicidade (o ser) em
detrimento da riqueza (o ter)
Guiomar Uma mulher só é feliz,
minha filha, quando se
casa e constitui família.
Confirma o caráter consolidado e
intransigente da mãe em relação ao
modelo de família da época
Fernão Eu concordo plenamente
com sua mãe. Afinal, a
mulher foi criada para
procriar e ser
companheira do marido.
Demonstra seu desprezo pela valorização
da mulher como agente social, reduzindo-
a ao papel de mera reprodutora e em
posição secundária na relação com o
marido.
Yolanda Deus criou Adão e Eva
para serem felizes. E Eva
só começou a ter filhos
quando foram expulsos
A heroína revela não apenas seu
inconformismo com a estrutura social
vigente e busca na própria mitologia da
religião uma justificativa para seu
89
do Paraíso. objetivo de vida (ser feliz)
Guiomar Na sua idade, eu já tinha
a Guiomarita e o Juvenal.
A mãe insiste em impor seu modelo
familiar, não aceitando a possibilidade de
mudanças de comportamento
Yolanda Ainda bem que os tempos
mudaram, não é, mamãe?
Yolanda alega que as relações sociais têm
de mudar com a evolução social
Guiomar Costumes não mudam a
cada estação como a
moda que nos vem de
Paris, Yolanda. A
obrigação de pessoas
como nós é preservar a
tradição.
Guiomar usa uma analogia dentro do seu
universo (moda, Paris) para reforçar sua
opinião de que nada deve mudar na
estruturação social em que elas se
inserem.
Guiomar Isso que você fez hoje foi
bastante irresponsável
A mãe prossegue com seu discurso
impositivo, agora falando ao filho.
Jayme Foi só uma brincadeira,
mamãe. Eu não levo os
anarquistas tão a sério
quanto o Martim.
O irmão mais jovem revela seu espírito
jocoso mesmo quando o assunto é sério (a
revolução social por meio do anarquismo)
Guiomar Quem é Martim?
Yolanda É uma pessoa que a
senhora vai conhecer
muito em breve, mamãe.
Sua jovialidade e sua esperança de que a
mãe possa vir a compreender suas razões
se deixam transparecer nesta fala
Fernão Mas esse Martim parece
ser tão irresponsável
quanto o seu irmão...
Juízo de valor sobre o envolvimento do
futuro cunhado com os anarquistas
Yolanda Qual é o problema? Uma
pessoa não pode se
simpatizar com a causa
dos anarquistas? Eu
mesma sou adepta ao
Remissão ao baile francês na Villa Kyrial
quando a “monarquia local” e a
“burguesia ascendente” se encontram em
um prenúncio de convulsão social,
confirmando o caráter ambivalente da
90
liberté-egalité-fraternité. personagem.
Guiomar Isso não passa de
romantismo ingênuo. As
pessoas nunca serão
iguais, minha filha
Mais uma vez, a mãe reafirma sua
convicção de que não adianta lutar por
mudanças sociais.
Neste curto diálogo, podemos depreender centenas de anos de teorias sobre
organização social, estruturação familiar, movimentos sociais e as propostas de
mudanças tanto por vias naturais, com uma evolução natural da sociedade, como por
meios radicais, através da revolução. Não deixa de parecer paradoxalmente intrigante
que na seqüência do dia anterior, durante a recepção francesa da Villa Kyrial, a mesma
Yolanda, vestida à moda da corte, com toda a significação que isto encerra, se declara
uma defensora dos ideais revolucionários dos Pensadores Iluministas que criaram o
ideário social e político da Revolução Francesa
45
. Mais uma vez, a Yolanda
contraditória, dividida entre dois mundos que a seduzem, mostra mais uma de suas
dicotomias: ora plenamente ajustada ao seu meio social, ora adotando um discurso
panfletário que propõe a extinção da sociedade de classes.
A cultura brasileira ainda guarda uma herança da sociedade da corte por conta do
nosso passado imperial, no qual as posições sociais devem ser demarcadas por padrões
de comportamento correspondentes. Dessa maneira, podemos entender como os modos
devem seguir uma determinada etiqueta. Os gestos e as decisões tomadas não são
reflexos espontâneos, mas o retrato de comportamentos conscientemente realizados.
Temos que observar a gestualidade, a forma como os objetos são segurados, a postura
45
Revolução Francesa é o conjunto de acontecimentos que entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de
1799 alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime)
e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência
Americana (1776). A Revolução é considerada como o acontecimento que deu início à Idade
Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais na França e proclamou os princípios universais de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade, frase de autoria de Jean Nicolas Pache.
91
ao se sentar e ao falar, o comportamento nos rituais sociais e as decisões certas para
aqueles que pertencem a uma determinada camada.
Se pegarmos a fala da mãe de Yolanda, quando se refere à moda francesa, vemos
a maneira particular de uma determinada classe e de um determinado país em um
momento histórico específico, sobre a manipulação dos sinais considerados civilizados.
A moda francesa dita o gosto do seu país e importa tecidos, figurinos e desenhos de
penteados. Mesmo assim, mantemos uma atitude muito conservadora em relação aos
próprios costumes do tempo. Mesmo Yolanda, que adota esse figurino, se esquece de
manter as boas maneiras da elite burguesa paulista.
Os modos de Yolanda Penteado ao entrar na sede da fazenda (linha 3) mostram
um comportamento que não é associado a uma mulher de sua qualidade. Trata-se de um
personagem rico por suas contradições e sua ambivalência. Para compor o personagem
foi preciso alternar razão e emoção, inocência e sexualidade, sofisticação e naturalismo,
pois um tenta se sobrepor ao outro, refletindo um jogo de delicado equilíbrio.
No exercício da carpintaria ficcional, Nogueira e Amaral se permitem a liberdade
de introduzir alguns elementos ficcionais que, ao se distanciarem da realidade tornam
possível a construção de argumentos e temas que substanciam a trama e confirmam a
função barda
46
da televisão, que é a de refletir a sociedade ao mesmo tempo em que a
entretém. Separamos os mais representativos:
2.4.1 A FIGURA DE MARTIM
Este é um personagem que cumpre a função de introduzir um amor de folhetim
para criar uma narrativa romântica à minissérie.
46
BUONNANO, Milly, 1999, p.58-59, apud BALOGH, 2002, p. 52.
92
O personagem Martim, que transitará ao longo da narrativa com intervenções
periódicas como que para reiterar a promessa inicial, ainda que não percorra a história
ao lado de Yolanda, merece atenção por conta da liberdade de criação outorgada aos
autores no processo de concessão ao melodrama. outras pessoas e eventos merecem
nota que, em realidade, nunca aconteceram mas que foram inseridos na trama para
conferir estrutura dramática suficientemente interessante e, assim, manter a trama
narrativa dentro do receituário já consagrado no modelo de ficção televisiva brasileira.
Martim Paes de Almeida nunca existiu de fato. Sua inserção na trama tem
importância na medida em que confere à nossa heroína uma importante base de
sustentação: o amor verdadeiro pelo qual vale a pena lutar e que, por sua vez, estabelece
um percurso narrativo ao longo da história começo, meio e fim - até se chegar ao
esperado e inevitável final feliz.
Alcides Nogueira conta que a figura de Martim sintetiza os muitos amores que
Yolanda teve na vida, sem se referir a nenhum deles em particular. “Os outros amores
foram ficcionalizados e amalgamados em uma personagem”
47
. E revela que para
evitar qualquer identificação, optaram por usar o sobrenome “Paes de Almeida” que, na
verdade, faz parte do tronco principal da família do próprio autor.
A composição narrativa descreve um gigantesco arco de quase 40 anos ao
determinar que o momento da conjunção do sujeito com seu objeto aconteça
precisamente no Viaduto do Chá, uma das paisagens mais conhecidas da cidade,
localizado no coração de São Paulo, quando Yolanda abandona sua própria festa de
descasamento (de Ciccillo) para se encontrar com Martim (linhas finais 302 e 303). Ao
fundo ressurge, solene, imponente e impassível ante a passagem de tanto tempo, o
47
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correspondência eletrônica. São Paulo, 2006. O
recurso ficcional de sintetizar vários elementos com papéis semelhantes em um personagem voltou a
ser utilizado pela dupla na minissérie JK, onde as amantes do ex-presidente foram condensadas em
apenas uma figura.
93
prédio do Theatro Municipal
48
onde teve início a história de amor dos dois jovens
(linhas 30, 31 e 32). O prédio do teatro, conforme descrito na nota de rodapé, percorre
uma trilha muito próxima àquela da própria família de Yolanda Penteado e das demais
famílias que criaram fama e fortuna com a lavoura do café. De seu início, majestoso e
imponente, o belo edifício foi sendo gradualmente engolido pelos arranha-céus da
cidade moderna que surgia. A cidade de São Paulo participa da trama, emprestando suas
ruas e edifícios, sua memória e seus personagens como elementos essenciais à narrativa.
2.4.2 OS AMORES DE YOLANDA
O nível do relacionamento da heroína com cada um dos três homens de sua vida
atende às chamadas demandas do gênero: o primeiro marido representa uma exigência
familiar, o segundo marido atende a interesses mútuos e Martim representa o amor
verdadeiro na ficção (embora ficcional na realidade).
Yolanda, a mulher real, teve dois casamentos em sua vida. Com o primo distante
(chamado Jayme na vida real e Fernão na minissérie), de 1921 a 1934, por conveniência
familiar (sem romance e sem poesia). E depois, viveu uma longa e profícua relação
matrimonial com Ciccillo Matarazzo, de 1947 a 1961, que pode ser entendida como
uma união da fortuna e do prestígio, mais ao nível de interesses tuos do que
propriamente uma história de amor, tornando-se mais uma relação que carece dos
48
O Theatro Municipal de São Paulo foi criado para uma cidade que crescia com a indústria e o café e
que nada queria dever aos grandes centros culturais do mundo naquele início de século. São Paulo se
fortalecia com o fim do ciclo da borracha e com a ascensão de seus barões, mas acabara de perder para
um incêndio, em 1898, o Teatro São José (Praça João Mendes), palco das suas principais manifestações
artísticas. Após aprovação na mara dos Vereadores, o projeto do secretário da Casa, Gomes Cardim,
começou a tornar-se realidade. O arquiteto Ramos de Azevedo e os italianos Cláudio Rossi e Domiziano
Rossi iniciaram a construção em 1903 e, após oito anos de trabalho, o Theatro Municipal foi batizado pela
ópera Hamlet, de Ambroise Thomas. São Paulo se integrava, então, ao roteiro internacional dos grandes
espetáculos. Pelo palco do Theatro Municipal passaram nomes como Maria Callas, Enrico Caruso, Arturo
Toscanini, Claudio Arau, Arthur Rubinstein, Ana Pawlova, Nijinsky, Isadora Duncan, Nureyev, Margot
Fonteyn, Baryshnikov, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Vivien Leigh. Tantos nomes, tantos espetáculos e
ainda o cenário do movimento que promoveu uma grande transformação cultural no Brasil: a Semana de
Arte Moderna de 22. portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/cultura/theatromunicipal/historico/0004
94
elementos de atração do folhetim, “the stuff that dreams are made of”. Na página 312 da
biografia de Antonio Bivar, a artista plástica Maria Bonomi (que também é retratada na
minissérie) faz um depoimento que parece confirmar esta teoria: “Eu tenho a impressão
de que a Empyreo foi comprada por Ciccillo. Era uma fazenda que se perdeu, ou que
estava perdida, e que graças ao dinheiro do Ciccillo, ou como diziam ‘Ah, a Yolanda
dourou os brasões’, ou seja, com o dinheiro de Ciccillo sim, porque àquela altura,
quem tinha dinheiro era ele, Yolanda não mais... ela conseguiu recuperar a
fazenda”.
Na estruturação da narrativa ficcional, por sua vez, cada homem atende a uma
demanda específica do produtor e do público. Fernão responde à necessidade de criar a
tessitura dramática folhetinesca, no papel de vilão, encarnando o anti-sujeito, aquele que
impede a mocinha de se unir a seu verdadeiro amor. Martim é o bom rapaz, pobre,
honesto e sinceramente apaixonado, com o qual se forma o primeiro triângulo amoroso
da história, do qual ele, naturalmente, é mantido afastado. Ainda que Fernão não tenha
sido carregado com cores muito fortes de vilania, ele se junta ao Coronel Totonho, a
Rodolfo e a Gilda para compor a galeria dos anti-heróis da minissérie.
Ciccillo, por sua vez, terá uma função de conduzir Yolanda em atendimento ao
seus tema estrutural central, que é dedicar-se à sua vocação e cumprir seu desejo de ser
incentivadora das artes e da cultura.
49
Sendo a cidade de São Paulo um dos personagens
centrais da trama, o programa narrativo de Yolanda com Ciccillo atende eficazmente ao
objetivo da produção.
Os autores tomaram todo cuidado para recriar uma Yolanda íntegra, correta e,
principalmente, decente. Por esse motivo, no decorrer da trama ficcional, as várias
intervenções e tentativas de aproximação de seu amor verdadeiro, Martim, nunca são
49
Lembrando que esta é a demanda original do produtor da minissérie, a Rede Globo.
95
consumadas. Se o fossem, Yolanda quebraria seu contrato com o telespectador e seria
considerada “infiel”, um atributo definitivamente não associado a uma heroína de
romance de televisão.
Os diálogos funcionam para confirmar o bom caráter do par romântico central. Na
seqüência de Martim e Yolanda sob a figueira (linha 131), após o atendimento prestado
pelo médico à dona Guiomar, após “roubar-lhe” um beijo apaixonado, ele diz:
Martim Eu não vou lhe pedir desculpas.
Yolanda Nem eu quero que o faças. Eu não ofereci resistência alguma. Por um
momento eu me abandonei ao desejo de estar em seus braços. Foi tão
bom...
Martim Por que não nos unimos se nos amamos?
Yolanda Não está certo. Martim. Eu e você estamos ligados a outras pessoas,
legalmente e moralmente. Nem eu nem você somos canalhas.
Martim Mas somos humanos. E será sempre assim toda vez que nos
encontrarmos.
Yolanda Então é melhor que nos afastemos. Para não cairmos em tentação,
por mais humanos e natural que seja.
Martim É o destino que nos coloca a todo momento, frente a frente.
Yolanda Então sejamos fortes e amigos... se não pudermos ser outra coisa.
Martim Nós podemos, Yolanda...
Yolanda Nada do que podemos fazer seria digno do nosso amor.
Havia, também, a figura quase caricata de Assis Chateaubriand que percorre a
extensão da minissérie como um destinador das ações de Yolanda, principalmente
aquelas em que ele age como o anti-sujeito sempre pronto a criar conflito nos
relacionamentos de YF com o primo, antes e depois do casamento, e com Ciccillo, o
tempo todo, mas poupando o jovem Martim de suas armações. Diferentemente de
Fernando Morais, Bivar declara em sua obra biográfica que houve, sim, um
96
relacionamento amoroso nunca declarado publicamente entre Yolanda e Chatô. Na
biografia de Assis Chateaubriand, Fernando Morais, o autor, relata a ocasião em que os
dois se conheceram, em maio de 1919, Yolanda ainda uma adolescente de 16 anos, na
recepção que se seguiu à estréia da peça O Contratador de Diamantes
50
, com elenco
amador formado pelos filhos da elite paulista, e encenada no Theatro Municipal:
Yolanda ainda estava vestida à Luis XV, com uma peruca coberta de
talco na cabeça, quando conheceu Chateaubriand. Segundo ela mesma
disse depois, “ele ficou tonto” diante de sua beleza, Yolanda também
revelaria também que, apesar de tê-lo achado “um rapaz não muito
bonito” tinha ficado hipnotizada por sua conversa. Chateaubriand
convidou-a para caminharem juntos pelos jardins e foi ali mesmo, um
par de horas após conhecê-la, que lhe propôs casamento. Ao recusar,
de chofre, Yolanda não imaginava que aquele seria apenas o primeiro
pedido apaixonado por ela até o fim da vida, Chateaubriand voltaria
a repeti-lo, sempre em vão, dezenas de vezes. (MORAIS, 1994,
p.106).
2.4.3 UMA VELHA CANÇÃO DE AMOR
Tentamos estabelecer uma significação possível para o uso de uma composição
musical fora de sua época, que dá o tom aos momentos afetivos da heroína. Too Young é
uma das canções de amor mais populares e famosas do mundo. Foi escrita por Sidney
Lippman, com letra de Sylvia Dee e publicada, pela primeira vez, em 1951. Nos Estados
Unidos, a versão mais popular desta canção é aquela gravada por Nat King Cole em
50
A peça de autoria de Afonso Arinos, morto 3 anos antes, recebeu sua primeira montagem em maio de
1919, no Theatro Municipal. Foi um acontecimento social da elite paulistana e revela o caráter amador do
teatro brasileiro da época, que passaria por um processo de profissionalização décadas mais tarde com
a chegada de diretores europeus como Ziembinski e a criação do TBC.
97
fevereiro de 1951 sob o selo da Capitol Records que fez sucesso imediato tendo
permanecido em primeiro lugar nas paradas por mais de 5 semanas.
A letra da canção parece ter um significado bastante particular que, de certa
maneira, somente poderia ser aplicada como tema ao romance entre Yolanda e Martim,
pela questão da idade dos jovens amantes:
Too young. They try to tell us were too young / Too young to really be
in love / They say that love´s a word / A word we’ve only heard / But
can’t begin to know the meaning of / And yet we’re not too young to
know / This love will last though years may go / And then some day
they may recall / We were not too young at all
51
Os acordes principais serão o tema recorrente de Yolanda sempre que houver
situação de apelo emocional da personagem, quer seja de romance, de afastamento da
pessoa amada ou de introspecção como em suas solitárias cavalgadas pela fazenda. Too
Young é a canção de fundo da primeira noite com o primeiro marido Fernão (linha 55)
na seqüência da consumação do casamento no hotel do Rio de Janeiro. Também voltará
a ser usada mais tarde, quando estiver se despedindo de Ciccillo em sua viagem à
Europa por motivo de uma enfermidade (linha 218); volta a soar, como música
incidental, quando está em uma das salas do MAM, ainda em fase de instalação, e
Martim se aproxima para cumprimentá-la (linha 267); novamente quando Yolanda e
Martim se encontram logo após a morte de Gilda (linha 279); mais uma vez, em um
restaurante quando Yolanda, casada com Ciccillo, entra e se depara com Martim (linha
289) e, por fim, (na linha 300) naquele que pode ser definido como o turning point
51
Jovens demais. Tentam nos convencer que somos jovens demais / Jovens demais para estarmos
realmente apaixonados / Dizem que o amor é uma palavra / Uma palavra da qual apenas ouvimos falar /
mas cujo significado ainda não podemos aprender / Mesmo assim, não somos jovens demais para saber /
que este amor vai durar, embora os anos passem/ e então, um dia, talvez eles se lembrem / que não
éramos tão jovens assim.
98
definitivo na trajetória de Yolanda, quando ela anuncia sua separação (amigável) de
Ciccillo e parte para resgatar o amor de Martim, após quase 40 anos de desencontros.
O uso dessa conhecida canção romântica em situações vividas por Yolanda em
épocas diferentes e com 3 homens diferentes nos permite concluir que a canção é
concebida apenas e tão somente como o tema de amor de Yolanda. O fato de Too Young
ter sido usada no episódio da lua-de-mel com Fernão, quando ela ainda não tinha sido
escrita, apenas confirma esta tese. Na verdade, a música-tema tem uma associação
muito mais próxima com espírito do personagem ao sugerir um certo romantismo de
tempos que já se foram do que com a realidade ficcional.
Não deixa de ser curioso, portanto, que o primeiro marido, na cena da noite de
núpcias, tenha colocado um disco no gramofone para fazer soarem os acordes chiados
porém inconfundíveis de Too Young (Jovens Demais) 20 anos antes de ela ter sido
composta e configurar, assim, a canção do verdadeiro amor de Yolanda, aquele com o
qual ela conseguiria se unir 40 anos mais tarde, quando ambos se mostram ainda
incrivelmente jovens.
2.4.4 A PASSAGEM DO TEMPO
A minissérie compreende uma trajetória de quase quatro décadas na vida dos
personagens que, ao cabo deste longo período, apresentam apenas sinais de um leve
amadurecimento mas não de envelhecimento, invocando os mitos da eterna juventude e
da imortalidade.
Assim como o prédio do Theatro Municipal que assistiu a todas as transformações
da cidade de São Paulo ao longo do século, os jovens amantes Yolanda e Martim
permanecerão com sua imagem externa preservada ao longo de toda a sua trajetória na
minissérie (enquanto a cidade crescia e se deteriorava ao seu redor).
99
Yolanda Penteado aos 19 anos (1922)
Yolanda Penteado aos 58 anos (1961).
Na cena final, indicada como sendo o ano de 1961, Yolanda contaria quase 60
anos de idade. Martim talvez um ou dois anos mais velho. Sua representação na tela, no
entanto, fez destacar sinais de um amadurecimento que lhes fez bem, tendo
preservado o encanto e o frescor de uma juventude há muito deixada para trás.
Este recurso da cinematografia e, por extensão, da teledramaturgia, é uma
decorrência do fato de esta modalidade de comunicação ser construída primeira e
eminentemente sobre a imagem. Não foi diferente em Titanic, onde os jovens e belos
Jack e Rose vivem um romance proibido. A narrativa do filme é estruturada sobre as
mesmas premissas mencionadas no início deste capítulo, ou seja o rompimento das
barreiras de contenção social impulsionado por um sentimento mais forte, qual seja o
amor. Jack morre, ainda jovem, no naufrágio e Rose, superado o trauma,
prosseguimento à sua vida, casando-se, tendo filhos, viajando, cavalgando, mas
permanecendo eternamente fiel à lembrança do jovem artista. Este amor e esta
fidelidade são metamorfoseados no valioso colar de pedra azul, Le Coeur de la Mer,
uma jóia caríssima, mas que para Rose tem valor sentimental muito maior. Já bastante
idosa, ela relembra sua história e, por fim, morre em seu leito para, finalmente, se
encontrar com Jack. Ambos ressurgem na tela no esplendor de sua juventude, com a
mesma paixão e, finalmente, com todas as possibilidades de viver aquele amor, agora
100
em uma nova dimensão. Se há mesmo uma vida eterna após a morte, podemos declarar
que é um caso em que o clássico “viveram felizes para sempre ganha um sentido
bastante literal.
A preservação da beleza jovial e, por conseqüência, da carga erótica dos
protagonistas é um recurso da qual a teledramaturgia lança mão para atender às
demandas do público. O fascínio e a irresistível tensão sexual contida ao longo de quase
40 anos são preservados no frescor e na beleza da juventude que, por sua vez, é a
garantia de cumprimento de todas as promessas de amor feitas no início da trajetória. A
preservação da juventude dos protagonistas responde por todas as expectativas criadas
em função da demora em estabelecer a conjunção entre desejante e objeto de desejo, no
sentido de projetar uma expectativa de vida longa pela frente, com tempo suficiente e
disposição física para cumprir a promessa de amor e de sexo que, afinal, está
impregnada nas figuras midiáticas de forte apelo sexual como Ana Paula Arósio e Eric
Marmo. E, finalmente, não há porque ignorar a concessão, feita pela indústria da
televisão eminentemente imagética -, à busca permanente do telegênico, do belo e do
sexy.
101
Um belo dia, uma donzela de cabelos louros e de roupas azuis
se perdeu naquela parte do paraíso. Cantando e dançando, a
loura donzela corria por entre as árvores e, até aquele
momento, nunca lhe ocorrido desejar o dom da transformação.
2.5 APRESENTAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TEMPORALIZAÇÃO
A vinheta de abertura de Um coração antecipa o universo ficcional no qual o
telespectador está na iminência de penetrar. Como agente de introdução ao mundo que
vem a seguir, a vinheta deve conter e deixar transparecer a essência dramática da obra.
A combinação harmoniosa da linguagem visual e sonora contida nas seqüências de
abertura de obras fílmicas deve ser capaz de retirar o receptor da realidade em que se
encontra e conduzi-lo a uma outra dimensão, na qual ele deverá, por acordo implícito,
permitir a livre manifestação do percurso narrativo, desde que os elementos
significativos estejam em sintonia com os códigos consagrados daquele universo
52
. Por
isso, faz parte das atribuições desta etapa do protocolo de abertura antecipar o ambiente,
o espírito do tempo, o tema principal e, se possível, introduzir os protagonistas. A
vinheta de abertura de Um coração cumpre esta função ao introduzir um dos
principais protagonistas da minissérie: a própria cidade de São Paulo.
53
A tela se abre para mostrar um céu em tons de sépia. Pequenas fotografias em
preto e branco surgem flutuando lentamente ao sabor da brisa, descrevendo um
movimento descendente em direção à cidade. Vemos, então, imagens de uma São Paulo
52
Basta lembrar da figura consagrada dos seres extraterrestres da ficção do cinema. Nós, freqüentadores
de cinema, temos um modelo de aparência mais ou menos padronizado e previamente aceito. Qualquer
alteração neste código visual entra em choque com a imagem que já assimilamos causando estranhamento
ou rejeição.
53
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV, São Paulo, Edusp, 2002. p.70-71.
102
antiga, em sépia, que mostram o conjunto arquitetônico do Vale do Anhangabaú com o
impressionante prédio do Theatro Municipal (sem os altos edifícios que atualmente o
deixam parecer pequeno) e o elegante Hotel Esplanada, que ainda resiste, onde muitas
das ações da minissérie tiveram seu palco.
Estas imagens tomam a tela e se alternam em uma sucessão de tomadas de vários
pontos de referência da cidade e, de quebra, cumprem a função de serem os indicadores
de tempo e de espaço. As fotografias reproduzem famílias, casais, lugares e edifícios
marcantes de uma São Paulo antiga e a textura das fotos, demarcada em tons
amarelados ou reproduções em preto-e-branco, remetem às primeiras décadas do século
XX, em uma sucessão de imagens consolidadas no imaginário coletivo da nossa
geração.
As fotografias continuam a cair suavemente sobre a cidade e, agora, cenas urbanas
e edifícios reais se misturam a imagens da cenografia usada na produção (a rua de
comércio, a confeitaria, a chapelaria...), como uma indicação de que os limites que
separam a realidade da ficção estão se desfazendo.
Uma das fotografias que vieram flutuando do céu, percorre então uma trajetória
linear, passando pela porta de entrada de uma loja de peles (Rosemberg Peleteria) para
pousar suavemente sobre o balcão. Neste momento, todo o cenário adquire cor, apenas a
foto permanece em preto e branco, e revela uma típica cena de família do início do
103
século XX. Um coração se fecha sobre esta imagem, para formar o logo da minissérie
na cores paulistas: vermelho, preto e branco.
Da biografia de Maria Adelaide Amaral, extraímos o trecho que justifica a escolha
do título da obra, nas palavras da própria autora: “Lendo um poema de Paulo Bonfim,
vimos no final de um verso ‘um coração’. Era isso. Claro. A cidade para onde
confluíam tantas pessoas de origens e etnias tão diversas, mas movidas pela mesma
vontade de vencer.” (DWEK, 2005, p.255)
A canção de abertura, quase épica, transporta o telespectador a um mundo e a um
tempo de conquistas heróicas, romances e aventuras. A canção que o tom emocional
à vinheta apresenta acordes instrumentais grandiosos e solenes. Trata-se de uma
adaptação (mais uma) da obra Sinfonia 5 em E menor (op.64) composta por
Tchaikovsky de 1888, que adquire autonomia ao receber o título Um coração e o
crédito pela adaptação atribuída ao compositor fluminense Roger Henri.
A definição dos limites espaciais da obra compreende o triângulo formado por
São Paulo, Rio de Janeiro e a fazenda Empyreo, localizada no município paulista de
Leme. Este triângulo geográfico não muito amplo permite o livre trânsito dos
personagens centrais da história. Outras cidades servem de palco para ações de apoio,
como Santos, na primeira fase, durante o casamento com Fernão, e Guarujá, no episódio
104
da morte de Santos Dumont, sem, no entanto, pertencer ao triângulo principal de
espacialização
54
.
A metrópole paulista crescia rápida e vertiginosamente na primeira metade do
Século XX, como nos conta Márcia Padilha
Os empreendimentos gerados com a produção cafeeira haviam
transformado São Paulo em um importante centro urbano. Os números
relativos à população da cidade dão uma idéia do seu crescimento
abrupto: em 1890, havia 64.934 habitantes e em 1920, já viviam na
capital 579.033 pessoas [...] Em 1929, a cidade contava 851.838
habitantes. (PADILHA, 2001, p.19):
No início do culo passado, era notória a influência francesa no desenho da
metrópole brasileira, nas primeiras ações de planejamento urbano bem como na
inspiração dos prédios públicos da cidade. Paris era a cidade tomada como referência
em moda, comportamento, e modelo de vida urbana civilizada
55
. Márcia Padilha atribui
a tentativa de reprodução do modelo europeu a uma relação de dependência com os
grandes centros da Europa para a “obtenção de capital, máquinas, mercados, artigos de
luxo e literatura e pela expectativa de que os europeus trouxessem ‘sugestões de um
comportamento social aceitável’ para a vida urbana.” (PADILHA, 2001, p.19).
Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, os Estados Unidos emergem como
potência mundial, assumindo a liderança em vários setores e passam a influenciar os
países de sua órbita, exportando seus produtos de consumo, modelo econômico e modo
54
Merece registro no processo de tecelagem da trama narrativa é a ubiqüidade de alguns personagens,
como Assis Chateaubriand, que conseguem estar nas três cidades e em muitos ambientes distintos, quase
que o tempo todo, em momentos-chave para criar interessantes reviravoltas no enredo.
55
Ao fim do séc. XIX, Paris passou por uma remodelação coordenada pelo engenheiro militar e barão
Haussmann, abrindo a cidade com a criação dos boulevards e pondo abaixo toda uma estrutura medieval.
Assim, o que acontecia em Paris era, em realidade, o início do planejamento urbano enquanto ciência.
Ainda mais, que se considerar a República recém proclamada fazendo-se romper com os padrões
coloniais. Assim a França, que fora uma das referências do movimento, era o exemplo da nova ordem
física urbana. (DE MARCO, Julio. Correspondência eletrônica. São Paulo, 2006)
105
de viver. São Paulo experimenta, então, uma mudança de referencial de arquitetura e
urbanismo e de hábitos sociais, deixando para trás uma formação social e cultural
predominantemente européia para reproduzir ou, pelo menos, tentar reproduzir o
modelo das cidades americanas. O próprio conceito de urbanismo havia incorporado
um novo arsenal de técnicas e abordagens, com o movimento das cidades-jardim na
Inglaterra, na criação do plano de Washington e na realização das grandes feiras como a
Cidade Branca, em Chicago, sem deixar de mencionar que no Brasil mesmo se havia
feito uma grande experiência no plano da criação da Cidade de Minas, posteriormente
chamada Belo Horizonte. Ou seja, já havia uma maturidade no ambiente urbano
nacional, nos remetendo à primeira fase do Modernismo.
56
O encanto do cidadão pela metrópole, e a conseqüente mudança de referencial,
pode ser percebido ao comparar os hábitos e costumes da elite paulistana do começo do
século XX, vestindo roupas de estilistas franceses e expressando seu desejo de “viver
em Paris”, como declarou a prima Elisa, na cena de jantar (linha 9), com a cena que
acontece anos mais tarde, no início dos anos 50, quando Yolanda e Chatô entram no
Nick´s Bar
57
, e ele comenta encantado com o ambiente: “Parece até que estou em Nova
York!” (linha 278).
As seqüências são predominantemente de interiores, com uso abundante de
tomadas em close, seguindo a preferência por este tipo de distanciamento câmara-objeto
em produções para a televisão. Mesmo quando a ação se passa na fazenda há uma opção
preferencial pelo trabalho no ambiente controlado de um estúdio de gravação. Ciro
56
DE MARCO, Julio. Informações colhidas por correspondência eletrônica. São Paulo, 2006.
57
Na rua Major Diogo, vizinho ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o Nick´s Bar foi, entre 1949 e
1964, uma espécie de extensão do camarim para artistas, intelectuais e público em geral.
106
Marcondes, em um de seus textos sobre a televisão, assim define a ligação inevitável
deste meio eletrônico por esta linguagem visual:
Enquanto o cinema possui a profundidade do campo ou o passeio da
câmera pelas paisagens (travelling), a televisão trabalha com closes,
com tomadas muito próximas das pessoas, com um contínuo jogo de
aproximação (zoom) que cria um estilo que se pretende intimista.
(MARCONDES, 1994, p.16).
Algumas seqüências importantes para a composição dramática da narrativa
tiveram de ser gravadas em locações que apresentassem características semelhantes às
da situação real. Assim, as cenas de batalha de rua da Revolução Tenentista foram
gravadas no centro histórico de Santos, recentemente restaurando para recuperar seu
desenho e fachadas originais, sem interferência visual de mobiliário urbano atual, como
são os postes de iluminação, paradas de ônibus, caixas de correio ou placas de
sinalização modernas representadas pelos letreiros de lojas ou sinais de trânsito. Esta
possibilidade conferiu à plástica da produção um toque de superprodução. Uma
seqüência importante para a construção da estrutura narrativa do núcleo dos artistas da
minissérie teve o privilégio de ser reproduzida no mesmo local onde ocorreu na
realidade. Este é o caso das apresentações, performances e reações da platéia durante os
encontros da Semana de Arte Moderna recriada no palco do Theatro Municipal.
O prédio do Theatro Municipal tem um papel de destaque pois atua como
elemento concreto da conexão temporal no programa narrativo de amor de Yolanda,
desde seus primeiros encontros com Martim no início dos anos 20 até o reencontro final
e definitivo 40 anos depois. Existe um outro edifício na trama que, apesar de não estar
contido na trajetória de Yolanda, objeto desta pesquisa, exerce uma função bastante
107
significativa na produção de sentido no conjunto temático. Trata-se do palacete dos
Souza Borba, a família quatrocentona abastada do famigerado Coronel Totonho.
Na seqüência: a Fazenda Empyreo (locação usada como cenário), o Palacete dos Souza Borba
(cenografia), a Villa Kyrial (outra casa usada como cenário) e o Theatro Municipal, ele mesmo.
No início da narrativa, o palacete, como muitos outros na cidade, era a
representação concreta do poder dos senhores do café e da moral católica onipresente na
família patriarcal da época. De residência de família tradicional e poderosa, o palacete
sofre um gradual processo de deterioração após o suicídio do Coronel, em decorrência
da crise do café de 1929. Este evento deflagra a fase de desagregação da família. Os
irmãos se verão obrigados a se desfazer de bens valiosos e abandonar a casa paterna
para lutar pela sobrevivência. Além de Candinho, que passa a ocupar a dependência dos
criados, quem permanece em seu quarto é o abominável personagem Rodolfo. Este
aluga a casa para Madame Claire, que a transforma em bordel de luxo, uma pension des
artistes, como ela definiu, numa reviravolta da narrativa sorvida com deleite pela nova
inquilina. Rodolfo se sente muito bem instalado naquela nova ambientação doméstica.
Mais tarde, no período de tensão pré-guerra, ele transforma o palacete em pensão para
estrangeiros que procuravam o Brasil para fugir das perseguições na Europa. E, por fim,
o casarão se torna um cortiço, a Pensão Campos Elíseos, ocupado por toda sorte de
excluídos sociais. A degradação física do casarão percorre um caminho paralelo à
decadência moral e física do personagem Rodolfo.
108
Esta representação da trajetória da formação do povo paulista permite introduzir o
núcleo judaico na trama, uma comunidade de imigrantes dentre muitas outras retratadas
na obra, bem como inserir o início do fenômeno social da migração dos nordestinos
para São Paulo na década de 1950. Por deliciosa ironia, que somente a liberdade de
criação de narrativas de ficção permite, será um desses mesmos migrantes, que
começara sua vida como pedreiro morando naquele cortiço até se tornar empresário da
construção civil, que será chamado a colocar o palacete abaixo anos depois.
Para configurar a formação do povo paulista na primeira metade do culo XX,
praticamente todas as comunidades de estrangeiros tiveram representação na minissérie:
os italianos, na primeira fase representados pelos anarquistas e pelos artistas e, mais
tarde, pelos abastados industriais; a forte presença da cultura francesa na figura de
Marinette Prado, os portugueses não-quatrocentões, no núcleo dos padeiros e
confeiteiros, a comunidade dos sírios e libaneses, na figura do mascate Samir, os
japoneses representados pela família de agricultores da Empyreo, os espanhóis, nas
figuras de Soledad e da modista Lola Flores e, por fim, a homenagem aos migrantes
nordestinos que se instalam no antigo palacete dos Souza Borba.
58
A passagem do tempo também surge como um elemento destinador da narrativa.
Sabemos que Yolanda estará em conjunção com seu objeto de desejo ao final da
trama. Assim, a marcação visual do processo de passagem do tempo é bem determinada,
sendo indicada por legendas, pelas fotos de época utilizadas nas vinhetas internas, e pela
58
Com tantos estrangeiros chegando para ocupar as terras paulistas, era de ser esperar uma profusão de
idiomas e acentos diversificados e coloridos. O que pudemos observar é como este aspecto de
composição de personagem foi resolvido por parte de alguns atores. Ciccillo Matarazzo, um brasileiro
nato, não deveria ostentar o sotaque híbrido que o ator Edson Cellulari adotou. A cunhada Camila (Glória
Menezes) e o mascate Samir perdem a consistência de sua pronúncia em momentos alternados. O núcleo
dos judeus-alemães mais jovens, que chega com apenas algumas noções de português, domina o idioma à
perfeição em tempo curto demais. E alguns atores nativos do Rio de Janeiro não abandonam os chiados
dos “s” finais ou o “r” gutural para a composição de personagens paulistanos. A forte impressão do falar
carioca causa ainda mais estranhamento quando os atores são crianças ou quando uma desconexão
muito grande entre personagem e prosódia como é o caso de Ursula Schmidt (Leandra Leal). Merece
destaque portanto, o excelente trabalho de expressão oral de Tuna Dwek, que reproduz o idioma e o
acento francês em nossa língua com cuidado e perfeição.
109
locução precisa e emocionada da narradora, Maria Luisa. Os eventos históricos, na
qualidade de pano de fundo para a teia dramática, atuam como localizadores na linha de
tempo e identificadores de época.
Um dos recursos visuais usados para a localização cronológica são as roupas dos
personagens. O guarda-roupa de Um só coração mereceu especial atenção por parte dos
produtores. A moda feminina em particular, é bastante eficaz como referencial de
períodos históricos distintos. O registro da evolução do vestuário urbano do século XX
permite rápida e precisa pontualização das décadas. Por este motivo, pode parecer que
os personagens de maior destaque pareçam estar permanentemente vestidos com os
últimos lançamentos dos melhores catálogos de lojas e magazines de moda,
principalmente quando se trata do guarda-roupa das mulheres. Transcrevo trecho do
texto do livro especial comemorativo ao lançamento da minissérie:
As roupas dos personagens de Um coração são um espetáculo à
parte em toda a produção da minissérie. Luxo, glamour, beleza e
riqueza costumavam dar o tom das vestimentas da elite paulistana nos
anos 20, daí a necessidade de reproduzir este clima no figurino dos
personagens, em especial nos de Yolanda Penteado e Tarsila do
Amaral, duas das clientes dos maiores mestres da alta-costura
parisiense da época. Poiret, Madame Vionnet, Madame Grès, Jean
Patou e Drecoll foram alguns desses costureiros a inspirar a figurinista
Emília Duncan e sua equipe, na hora de definir e confeccionar as
princesinhas do café da minissérie. (NUNES, 2004, p.33)
Este cuidado não se refere somente ao primeiro período da minissérie, a década de
20, chamada de anos loucos ou a era do jazz. A temporalidade impressa nas roupas
também se mostra na sobriedade espartana da década de 30, marcada pela recessão
econômica pós-1929 e no uso das cores vermelha, preto e branco em alguns dos
110
episódios que cobrem a Revolução Constitucionalista. A linguagem do vestuário volta a
se manifestar no guarda-roupa de desenhos severos, quase militares, do período da
Segunda Guerra e continua a identificar aspectos de temporalidade ao exibir longos e
elegantes vestidos que exploravam a feminilidade, a elegância e a euforia mundial após
o fim da Guerra, como foi o espírito da década de 50.
111
Desde os anos de 20 até o início da década de 60, o guarda-roupas de YF buscava
refletir o espírito da época e a estilo de uma mulher moderna e arrojada do século XX.
112
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Engana-se quem pensa que a solenidade quase sagrada atribuída ao livro irá
sempre se sobrepor à suposta leviandade do conteúdo da produção ficcional da
televisão. Não é por se tratar da comparação entre uma obra literária e uma obra de
televisão que o primeiro haverá de prevalecer. Quando originariamente concebidos e
produzidos em formato de livro, um relato histórico ou uma biografia, somos levados a
supor que ele, o livro, contém um registro incontestável de fatos passados, finalmente
resgatados em toda sua verdade. Mas nenhum escritor, biógrafo ou historiador terá essa
pretensão. Antonio Bivar, ele mesmo, trata de jogar ruidosamente por terra esta ilusão
pueril. No prefácio de seu livro, à gina 17, ele diz que “todos irão adorar a minha
versão da vida de Yolanda”. Com ênfase em “a minha versão”.
Nos créditos da produção de Um só coração, o telespectador é informado de que a
obra foi inspirada na biografia de Yolanda Penteado (Tudo em cor-de-rosa). Sabemos,
por informação do próprio autor, que foram usadas diversas fontes como obras de
partida, embora o livro de Bivar seja o melhor material de referência disponível.
É verdade que houve contatos entre Bivar e Maria Adelaide Amaral, a autora que
originalmente recebeu a missão da Rede Globo para conceber a minissérie, como ele
próprio relata no prefácio de seu livro. Ele já havia coletado material e informações para
começar a compor sua obra quando foi surpreendido pela notícia do projeto da
minissérie para TV. E conta que “como Maria Adelaide Amaral é minha amiga,
telefonei e ela me intimou a um chá naquela mesma tarde. E enquanto o sorvíamos, ela
sugeriu: ‘Não escreva um livrinho, não. Escreva um livro maior, uma biografia mesmo,
uma coisa para ser best seller.’” (BIVAR, 2004, p.13).
113
Como não existe uma linguagem poética na obra de partida, ou seja, a biografia
traz um estilo de composição textual de descrição e narração subjetivas, com uso de
linguagem literária quase coloquial, só foi possível criar poesia visual na obra de
chegada - a minissérie - com a aplicação dos recursos da estética visual da televisão:
uma primorosa e bem cuidada recriação de época e a reprodução de cenários e figurinos
tão esmerados que merecem um estudo por si só. Assim, foi feita a tradução
intersemiótica cuidadosa que permite uma certa autonomia na obra fílmica em relação
às obras que lhe deram origem.
O rigor e precisão com os fatos históricos reais são mantidos e a composição
narrativa permite registrar um respeito ao registro da história oficial. Como Nogueira
declarou “as revoluções de 24, 30 e 32, que foram apresentadas com todo o rigor
histórico, embasadas por uma pesquisa extremamente séria, mas permeadas por uma
espécie de emoção que somente o folhetim permite”.
59
Em contrapartida, os elementos de ficção transitam livremente sobre este leito
estável de realidade. O que se permite observar é a capacidade de criar sobre bases reais
e costurar tramas que caem no gosto do telespectador. Talvez por este mesmo motivo,
algumas vezes, o roteiro e alguns diálogos caem no terreno delicado do didatismo para
que os detalhes mais intrincados do painel histórico possam ser bem compreendidos
pelo receptor. Este parece ser o caso de alguns personagens identificarem pelo nome
completo as figuras históricas que não são muito conhecidos do grande público. Alguns
diálogos colhidos revelam a preocupação em transmitir informação concreta e,
principalmente, garantir a compreensibilidade da trama.
A inserção de diálogos didáticos ou panfletários em vários momentos da narrativa,
ainda que pareçam pouco naturais na boca de pessoas comuns tocando sua vida, servem
para a construção de sentido. Por se tratar de uma cobertura temporal muito longa
59
NOGUEIRA, Alcides. Entrevista concedida por correio eletrônico. São Paulo, 2006.
114
(quase meio século de História de São Paulo, do Brasil e referências freqüentes a
acontecimentos mundiais), não se poderia simplesmente jogar este amontoado de
informações na cabeça do telespectador sob o risco de impedir que ele se envolvesse
com o enredo.
Alguns diálogos da minissérie foram criados com o objetivo de explicitar o
posicionamento ideológico ou uma situação política e social muito específica de uma
época que, sem indicações claras, poderiam ser de difícil apreensão para o receptor
médio do tempo presente. Nestes casos, o recurso de inserir as informações no enredo,
até então tomado como uma interferência sutil nos diálogos ou no gestual, ganha
contornos nítidos de descrição real objetiva do personagem e/ou do momento temporal
no qual se insere.
Tomamos como exemplar uma cena em que Oswald de Andrade (do núcleo dos
Modernistas), separado de Tarsila do Amaral, chega em casa e encontra sua mulher,
Pagu, militante comunista, brincando com o filho pequeno de ambos, o bebê Rudar. Era
o início da agitação política dos estudantes que viria a desencadear a Revolução
Constitucionalista de 1932.
Oswald Pagu, nós temos que arrumar as coisas o mais rápido possível. A
policia de Getúlio já sabe que estamos aqui.
Pagu A polícia de Getúlio está mais preocupada com esses estudantes na rua
pedindo a Constituinte.
Entra Mané, filho de Oswald
Manoel Vocês não ameaçam ninguém. Vocês só fazem barulho.
Oswald O que é isso, Mané? Dá pra ter um pouco mais de respeito conosco e
com o partido, ou não?
Manoel O partido não tem o menor respeito por você, papai. Você é um escritor,
um intelectual e jamais será um proletário mesmo vestido com essas
115
roupas. O hábito não faz o monge.
Pagu Ele se veste como um trabalhador!
Manoel Eu não estou falando com você!
Oswald Olha, você não fala assim com a Pagu, heim? Não seja indelicado com
essa mulher obstinada, abnegada, íntegra! Ela foi a primeira pessoa
que falou da necessidade de mobilizar os explorados, os excluídos e os
oprimidos.
Manoel Oprimido é o Rudar, que ela deixa comigo...
Pagu Estou lutando por todas as crianças do mundo e não somente pelo meu
filho... Mas eu agradeço a você por cuidar do Rudar enquanto eu estou
cumprindo as tarefas do Partido. Você pode não saber mas está
contribuindo com a vitória do Comunismo.
Manoel Mas eu não quero mais contribuir com nada. Eu estou farto disso!
Ainda que Oswald, Pagu (e os filhos em menor escala) sejam protagonistas de sua
própria vida, com plena autonomia para desenvolver sua própria narrativa, eles também
desempenham o chamado “personagem-tipo”, que serve apenas para pontuar a trama.
Os personagens-tipo, que servem para representar uma categoria humana, geralmente
não apresentam densidade psicológica, não se aprofundam e nem interferem na trama
principal. Assim, na composição de Um coração, alguns dos personagens-tipo mais
evidentes são o Coronel Totonho, representando a elite católica conservadora, opressora
e hipócrita dos primeiros anos do século XX em oposição à Olívia Guedes Penteado,
que incorpora a elite engajada, sensível e envolvida com artes e cultura. O Coronel
Totonho (Tarcísio Meira), é um personagem de ficção, uma figura sinistra, que vive
atormentado por um episódio do passado. Seu personagem e sua ambientação são
construídos em tons escuros, pretos e marrons, e ambientes com pouca luz, com cortinas
e janelas sempre fechadas para transmitir a obscuridade de sua alma. Sua contrapartida,
Olívia Guedes Penteado (Selma Egrei) é uma personagem real. Tia de Yolanda, figura
116
emblemática da vida cultural e social de São Paulo, é a mecenas dos Modernistas. Foi
uma das fundadoras da Liga das Senhoras Católicas e lutou pelo voto feminino,
conseguindo eleger a primeira mulher para uma Constituinte. Seu mundo é iluminado,
sempre em cores claras, tons pastel com plenitude de luz e de energia, refletindo sua
personalidade radiante.
60
Antonio de Souza Borba, o Coronel Totonho,
um personagem atormentado e sombrio
Olívia Guedes Penteado, tia Olívia,
incentivadora das artes e da cultura.
Outra personagem-tipo marcante é Gilda Varella, na função de anti-heroína do PN
de amor de Yolanda, que também incorpora a eterna oposição São Paulo x Rio de
Janeiro, em características e atitudes que se ganham maior evidência durante os
episódios da Revolução Paulista.
Quando o momento político é ainda mais complexo, os autores lançam mão da
narradora, cuja voz é cedida por Maria Laura, filha do Coronel Totonho. Ela amarra os
episódios uns aos outros bem como explica didaticamente o que está acontecendo no
cenário brasileiro e mundial daquele momento.
O objetivo da produção (Rede Globo) de inserir a minissérie no pacote de eventos
programados para as comemorações do aniversário da cidade fez com que praticamente
todo o CD 4 fosse dedicado a uma causa especialmente cara à população de São Paulo,
60
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u40034.shtml. Acessado em março de 2007.
117
cidade e estado: a Revolução Constitucionalista de
1932. O envolvimento de quase todos os
personagens de praticamente todos os núcleos
dramáticos no movimento, como que para
representar o envolvimento de todos os segmentos da população paulista, fica
caracterizado em 3 momentos que compreendem diferentes extratos sociais: quando tia
Olívia, representante da elite, transforma sua elegante residência em uma oficina de
costura para confeccionar bandeiras do estado (foto à esquerda); quando pessoas
oriundas das diferentes classes trabalhadoras aderem à Campanha Doe Ouro para o
Bem de São Paulo
61
; e, finalmente, quando a empregada negra Maria José,
representando a força da mulher, também resolve abandonar o emprego de serviços
domésticos para lutar na Revolução. Ela ainda tenta convencer os demais empregados
com um discurso inflamado: “arrumem suas coisas e venham comigo! A gente não pode
mais ficar de braços cruzados. Nós temos que lutar contra Getúlio e exigir a
Constituinte. São Paulo não pode mais ser humilhado! Você vai se conformar com isso,
Jacira? Eu não me conformo. De hoje em diante, não sou mais Maria José. Agora eu
sou Maria Soldado! E quem for contra a ditadura que me siga!
62
Ante o olhar
incrédulo de Jacira, a velha empregada negra que aparentemente não entende o
significado de palavras difíceis como constituinte e ditadura.
Conforme Antonio Bivar relata:
61
Esta seqüência recebe uma configuração muito expressiva na cena do bordel de Madame Claire,
quando esta convoca suas meninas para irem, todas juntas, fazer sua doação de ouro, e diz “Quero que
todas cumpram seu dever e doem suas jóias para o bem de São Paulo. Não é necessário doar tudo.
Afinal, vocês têm de pensar no dia de amanhã. Mas doem a melhor!”
62
Maria Jo/ Maria Soldado (Magda Gomes) - No início da história, é empregada da família Sousa
Borba e muito ligada às meninas e a Bernardo e Candinho. Mulher forte e determinada, durante a
Revolução de 1932 comanda um pequeno batalhão formado por índios e mulheres negras, lutando
bravamente por São Paulo, passando a ser conhecida como a grande heroína Maria Soldado.
(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u40036.shtml. Acesso em março de 2007)
118
A participação da mulher paulista foi inestimável. Senhoritas e
senhoras de todas as idades cozinhavam, preparavam o rancho da
tropa; mulheres das mais diversas classes sociais, unidas numa só
bandeira. Se havia realmente alguma novidade no front, era a presença
feminina. Bordavam bandeiras, teciam meias, forjavam capacetes,
alistavam-se como enfermeiras, davam assistência nos hospitais e
doaram até suas alianças para a revolução (BIVAR, 2004, p.128).
Este espírito de época foi magnificamente retratado pela minissérie. Por outro
lado, a inserção do drama político na trama romântica faz criar situações como aquela
em que Yolanda, impossibilitada de deixar o Rio de Janeiro e retornar a São Paulo,
telefona à tia Olívia (linha 171). A tia lhe aconselha: “Fique aí mesmo. Não faça
nenhuma besteira. Se Deus quiser, os soldados paulistas logo entrarão vitoriosos no
Rio de Janeiro!” E Yolanda denuncia: “Os paulistas estão lutando sozinhos nesta
guerra! Os mineiros, os gaúchos estão do lado do governo, tia Olívia!
63
para, na
seqüência, chorar pela falta de seu amado Martim que partira para os Estados Unidos.
Em um dos episódios do filme Story Telling (2001, direção de Todd Solondz),
temos a narrativa de uma aspirante a escritora (Selma Blair) que é aluna de um
aclamado escritor negro, Mr Scott (Robert Wisdom). Eles acabam se envolvendo em um
romance secreto. A aluna, por fim, se sente ultrajada e resolve se vingar do professor
relatando seu affair, sem revelar nomes, em um conto que será usado como tema de
uma discussão em grupo sob a supervisão do mesmo professor. Após sua cândida
narrativa, os demais estudantes se põem a criticar a obra sob o ponto de vista de estilo e
a falta de consistência dos personagens. A autora irrompe em prantos revelando: "Mas
63
Este é um diálogo em que a própria protagonista da minissérie assume a função de “personagem-tipo”,
representando todo o povo paulista e sua indignação com a falta do apoio (antes prometido) na luta contra
as arbitrariedades do governo de Vargas.
119
isto aconteceu de verdade!". Ao que o professor Scott replica: "Eu não sei o que
aconteceu, mas uma vez que você começou a escrever a respeito, tudo virou ficção.”
“Toda fábula de amor precisa de uma parte verdadeira para que se possa nela
acreditar”, nos lembra Ramazzotti na canção “Favola d´Amore”. Yolanda era conhecida
por sua postura arrojada e sua imensa sede de viver e de amar. Desta forma, à Yolanda
Penteado da vida real foi concedida a oportunidade de viver um amor de novela, no
cenário urbano mais representativo da cidade que ela adotou como sua e amou a ponto
de dedicar sua vida para deixar um legado artístico e cultural de inestimável valor.
Yolanda da realidade e da ficção representam um personagem em permanente processo
de transformação e de expansão. Por isso, consideramos que o significante de caráter
imagético mais expressivo, na biografia e na minissérie, a figueira da fazenda Empyreo,
um elemento que cresce, se torna forte e frutos. A árvore Yolanda ainda está lá,
solene, imutável e impassível.
Em 1992, 70 anos depois do lançamento do livro de contos As Metamorfoses de
Pictor, que contém a fábula Favola d’Amore de Hermann Hesse, o cantor e compositor
italiano Eros Ramazzotti, inspirado pela beleza onírica do conto, escreve uma canção
que se torna grande sucesso, Favola. A preciosa fábula de Hesse sofre, ela mesma, um
processo de transmutação, transformando-se mais uma vez. Agora em canção.
Tomo os primeiros versos da bela canção de Ramazzotti para concluir esta
pesquisa, ainda navegando suavemente sobre esta base poética, como proposto no início
da jornada.
E contam que ele se transformou em árvore, e que foi por decisão sua
que ali fincou raízes. E ficou ali a olhar a terra a parir flores novas.
120
Desta forma, serviu de ninho para coelhos e colibris. O vento lhe
ensinou os sabores de resina e de mel selvático. E a chuva o banhou.
E me permito fazer uma comparação com a descrição de Antonio Bivar, à página
192 de seu livro, onde discorre sobre o espírito empreendedor e a coragem inerente à
personalidade de Yolanda, sempre disposta a transformar as circunstâncias ao seu redor
e a se transformar constantemente para responder aos imperativos da vida.
E ali, sozinha sentiu, mais uma vez profundamente, o quanto era
apegada às coisas, aos seres inanimados: árvores, córregos, flores, o
mato, o vento. Sentia que essas coisas a expressavam; sentia que se
transformavam nela mesma; sentia que a conheciam e, num certo
modo, eram ela.
Árvores, flores, vento, chuva, córrego... Tamanha era a interação entre Yolanda e
a natureza, que ela se propõe a uma metamorfose final. Transformar-se em elemento da
Terra. Na cronologia na minissérie, linha 163, Yolanda observa a bela e robusta figueira
da Empyreo. Diz que é a árvore mais antiga da fazenda e que gostaria de ter suas cinzas
depositas sob a frondosa árvore.
Ao morrer, aos 80 anos, em 1983, Yolanda Penteado teve seu desejo atendido.
Assim, ela realizou a última metamorfose de sua vida e, como Pictor do conto de Hesse,
também se transformou em árvore.
121
Agora tudo estava em seu lugar. O mundo estava novamente
em equilíbrio. Ele havia acabado de conhecer o paraíso. [...]
Estava transformado. E porque desta vez havia obtido a
verdadeira e eterna transformação, porque de uma metade,
havia se tornado um todo, daquele momento em diante poderia
continuar a se transformar tanto quanto desejasse.
122
3
ANEXOS
123
3.1 A TRAJETÓRIA COMPLETA DE YOLANDA PENTEADO
São Paulo no início dos anos 20 era uma cidade provinciana que crescia
rapidamente, impulsionada pelo dinheiro do café e de uma incipiente industrialização.
De um lado uma pequena elite endinheirada. De outro, uma massa encorpada lutando
por um lugar ao sol. É nesse contexto que começa a se desenhar a trama de Um
coração, minissérie exibida em 2004 em comemoração ao aniversário de 450 anos da
cidade. O pano de fundo para a construção da trama passa pela luta de classes, pelas
revoluções na política e nas artes. A Semana de 1922 e o impacto do modernismo.
Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. A crise de 1929 e a queda mundial do preço
do café. A Era Vargas. A revolução de 1932. A esquerda e a direita em conflito
acirrado. A caça aos comunistas. Outubro de 1951 e a inauguração da primeira bienal de
arte moderna. Política, economia, cultura e comportamento. As transformações
marcantes de uma época reveladas pelo foco de uma obra única da teledramaturgia.
64
Sobre este painel histórico, a história de Yolanda Penteado. Uma herdeira da elite
cafeeira paulista que dedica sua vida à arte e à criação da cultura paulistana, enquanto
vive sua vida entre amores, romances, casamentos e se envolve em todos os momentos
culturais, sociais e políticos do século XX. Paixões, dramas, sonhos, conquistas. Da
década de 20 ao início dos anos 60, ficção e realidade se misturam resgatando parte
importante da história e do desenvolvimento da maior metrópole da América Latina.
As linhas hachuradas em cinza indicam somente as ações do Programa Narrativo
de “amor” de Yolanda e Martim. As palavras e expressões em negrito, na terceira
64
REDE GLOBO. Um coração, a construção de uma metrópole. Disponível em
http://licenciamento.globo.com/ dvd/umsocoracao.php. Acesso em outubro de 2006.
124
coluna, indicam referências de tempo ou descrição da cena, nomes de personagens
quando citados pela primeira vez e elementos ou eventos que mereceram especial
atenção na pesquisa.
ESPAÇO AÇÃO
1
Disco 1 Início da década de 1920
2
Voz off (Maria Laura de Souza Borba) descreve o panorama
político e social da época. Fotos de São Paulo antiga, locução
em crescendo no ritmo das batidas de um coração.
3
Fazenda
Empyrio,
Leme, SP
Cena de caça à raposa (sem raposa). Chegada à casa da fazenda. A
jovem Yolanda Penteado, com modos pouco convencionais para
uma donzela, trava tenso diálogo com a mãe, Dona Guiomar
Penteado, acerca do seu casamento com o primo. Ela protesta.
4
Referências ao movimento anarquista que começa a tomar
forma. No mundo das artes, a proposta dos modernistas
conflita com a tradição clássica e europeizada da arte
brasileira.
5
São Paulo.
Festa na Villa
Kyrial
O palacete do senador José de Freitas Valle é o palco da festa.
Yolanda, vestida à moda da corte francesa em uma recepção da
elite paulistana, ajuda o grupo de jovens anarquistas que fogem da
polícia e invadem a casa na fuga. Primeiro encontro com o jovem
Martim Paes de Almeida
6
Casa da
Família
Penteado
Encontro tenso de Yolanda e o primo Fernão Queiroz Chaves, a
quem está prometida em casamento.
7
Segundo encontro de Yolanda e Martim. Ele a espera sob sua
janela. Toque leve de mãos que se entrelaçam. Ameaçam um beijo
que é interrompido por um trovão. Ela diz “Eu vou esperar por
você”.
8
A criada Isolina adverte que Dona Guiomar não vai concordar
125
com o namoro dos dois posto que ela está prometida ao primo,
como era desejo de seu falecido pai.
9
Sala de jantar
O assunto gira em torno da função da mulher na família e na
sociedade. A mãe Guiomar e o primo / noivo Fernão destilam seu
pensamento conservador. “A obrigação de pessoas como nós é
preservar a tradição”. Chega o irmão Jayme.
10
Frente da casa
Martim ronda a casa. Yolanda acorda e o vê de sua janela. Ela
desce de camisola. Eles se beijam sob a chuva. O primo Fernão os
observa da janela. Quando ela entra, ele a chama de “despudorada,
leviana, impetuosa”.
11
O irmão Jayme deve avisar a Martim sobre o encontro dos jovens
enamorados. Fernão distrai sua atenção com o novo automóvel e
ele se esquece da mensagem. Fernão diz que ele mesmo vai dar o
recado de Yolanda a Martim.
12
Pensão
Fernão vai ao encontro de Martim na pensão do estudante.
13
Teatro
Yolanda fala com Mario de Andrade. Não entende porque o
jovem Martim não compareceu ao encontro marcado.
14
Hotel
Esplanada
Yolanda se encontra com seu admirador, Alberto Santos
Dumont, e ganha dele um relógio de pulso. Assis Chateaubriand
se junta aos dois.
15
Casa dos
Penteado
Martim vai à casa de Yolanda pedir a mão da jovem à família. É
repelido pela mãe, pelo irmão Jacinto e pelo primo Fernão. É
acusado de ser anarquista.
16
República /
ruas da cidade
/ circo /
parque de
diversões
Yolanda vai procurar por Martim. Eles se reencontram, se
entendem e saem a flanar pelas ruas. O casal se diverte com os
bondes. Vão ao cinema onde assistem O Sheik com Rodolfo
Valentino. Depois vão ao circo e ao parque de diversões.
Divertem-se no carrossel e na sala dos espelhos.
17
Comem maçã-do-amor. Ele declara que renuncia ao amor que
sente pela jovem por não poder dar a ela tudo a que ela está
acostumada. Eles são encontrados pelo grupo de busca (os irmãos
126
e o primo) que a leva embora.
18
Casa dos
Penteado
Guiomar Penteado proíbe que se pronuncie o nome de Martim
dentro da casa. Diz que toda a família vai para a fazenda e reforça
o compromisso de Yolanda de se casar com o primo.
19
Martim procura por Yolanda e é informado que ela está de partida
para a fazenda.
20
Chatô vai levar a Yolanda o relógio que ela havia esquecido no
Hotel Esplanada e insinua sua paixão por ela.
21
Estação
ferroviária
A família toma o trem para Leme. Quando o trem parte, surge
Martim correndo e gritando o nome da amada. Guiomar e Jacinto,
sem terem visto o rapaz, dizem a Yolanda que se Martim
realmente a amasse, ele teria lutado por seu amor e ido atrás dela.
22
Martim tenta comprar passagens mas não consegue. Seu amigo
anarquista Bernardo de Souza Borba lhe empresta uma bicicleta
para empreender a viagem até Leme.
23
Fazenda
Empyrio
Guiomar oferece a fazenda como presente de casamento, sabendo
que este sempre fora desejo de Yolanda. A jovem cavalga entre
feliz pela fazenda e triste pela dolorosa opção. Martim toma
carona em carroça e automóvel até finalmente chegar à fazenda.
24
O casal se reencontra. Ela sobre o cavalo, ele na carroceria de um
pequeno caminhão.
25
Estábulo
Eles conversam e fazem planos sobre um monte de feno. Quando
vão se beijar, surge o irmão Jacinto que lhes admoesta e adverte.
Ela pede que ele não desista dela e de seu amor.
26
Fazenda
A vida prossegue na fazenda. A mãe e o irmão Jacinto conversam
com a Yolanda sobre sua tristeza. O irmão sugere mandá-la à
Europa.
27
Yolanda aceita a sugestão de ir para a Europa. Fica extremamente
feliz com a idéia. A criada Isolina é sua amiga e confidente.
28
São Paulo
Martim fica sabendo por Jayme, irmão de Yolanda, que ela vai
127
partir para a Europa.
29
1922 Semana de Arte Moderna de São Paulo. 13/02/1922
30
Theatro
Municipal
Durante os eventos da Semana, Yolanda quer se encontrar com
Martim e pede ajuda ao irmão Jayme.
31
Eles se encontram do lado de fora do teatro. Abraçam-se, beijam-
se e planejam fugir.
32
O casal retorna ao teatro e fica correndo de um lado ao outro sem
chegar a parte alguma. Fazem planos de fugir para o Rio.
33
Casa de tia
Olívia
Yolanda conversa com a tia Olívia Guedes Penteado sobre sua
paixão impossível. A tia a desencoraja de ir atrás de um amor
proibido com um moço pobre. Diz que ela pode ser feliz aceitando
seu destino de se casar com o primo. Confessa que também teve
um casamento arranjado e mesmo assim foi feliz.
34
Casa de
Ernesto
Martim fala com Ernesto, o anarquista. Quer fugir para o Rio de
Janeiro com Yolanda. A mulher do anarquista Ernesto, diz que os
jovens vão fazer besteira e que se ele realmente a ama, deveria
renunciar ao amor para não fazê-la viver uma vida de privações.
35
Martim e Bernardo conversam sobre os planos de fuga. Ele está
inseguro. Bernardo o estimula dizendo que ele “subestima a força
do próprio amor”. Martim se enche de coragem.
36
Segunda noite da Semana de Arte Moderna. Controvérsias e
reações apaixonadas do público.
37
Estação de
trem/ quarto
da república
Martim espera por Yolanda na estação. Ela, por sua vez, vai até
seu quarto de pensão e não o encontra. O quarto está desocupado
como se Martim tivesse partido. No cesto de lixo, ela encontra
uma carta amassada escrita por Martim na qual ele renuncia ao
amor de Yolanda por não poder dar a ela o conforto a que ela está
acostumada
38
Estação de
trem
Martim admite que Yolanda decidiu não ficar com ele e aceita a
decisão da moça. Bernardo se despede do amigo. Ele parte sozinho
para o Rio.
128
39
Estação de
trem
Yolanda chega à estação apenas para descobrir que o trem partira
pouco antes. Cada um chora a perda do amor. Ela conclui que ele
foi um covarde.
40
Estação de
trem
Chatô se aproxima e conversa com Yolanda.
41
Casa dos
Penteado
Isolina lê a carta e diz a Yolanda que Martim deve mesmo amá-la
muito para renunciar assim ao seu amor. O primo Fernão as
observa. Aproveitando da tristeza de Yolanda, o primo Fernão diz
a ela que nunca a abandonaria porque ele realmente a ama.
42
Quando a mãe lhe pergunta sobre suas malas de viagem, Yolanda
diz que não vai mais viajar para a Europa e que decidiu se casar
com o primo. Diz que a mãe tinha toda razão e que o jovem
Martim não servia para ela. Ela está com raiva.
43
O casamento de Fernão e Yolanda Penteado é anunciado.
44
Rio de Janeiro
Bernardo vai ao Rio se encontrar com o amigo Martim e dizer que
ele deve voltar a São Paulo para impedir o casamento de sua
amada.
45
Casa dos
Penteado
Chatô invade o quarto de Yolanda e a pede em casamento. O
primo Fernão, já seu noivo, chega e os homens se confrontam.
46
Chatô denuncia a Yolanda que Fernão e a jovem Elisa Furtado
mantêm um relacionamento. Ele nega.
47
Trem entre
Rio e SP
Bernardo e Martim, no trem, ficam retidos na estrada por conta de
um descarrilamento.
48
Yolanda ganha de sua tia Olívia um bonito anel de pérolas, como
presente pelo casamento.
49
Festa de
noivado/
trem
Mario de Andrade e o grupo dos modernistas comparecem à festa
de casamento. O trem finalmente chega a SP e os jovens correm à
casa de Yolanda. Em seu íntimo, ela espera que o jovem volte a
tempo, mas o tempo passa e ela desiste de esperar, resignada com
a idéia de que ele não virá mais.
129
50
O Coronel Totonho (Antonio de Souza Borba) vê o filho
Bernardo e Martim chegando à casa de Yolanda. Ele dá ordens aos
empregados para que os impeçam de entrar.
51
A cerimônia do casamento prossegue no interior da casa. Os
jovens pulam o muro mas são vistos por Jacinto, que os impede de
entrar. Yolanda está visivelmente infeliz. Mas sorri efusivamente
ao jogar o buquê e é esta a única imagem que Martim consegue
ver. Ele julga que ela está feliz.
52
Fazenda
Santa
Margarida
O casal chega a fazenda do Coronel Totonho para a lua-de-mel.
Yolanda não permite que Fernão a toque na noite de núpcias.
53
Yolanda tenta estabelecer contato com os colonos italianos mas
eles têm olhar assustado e parecem ter medo. Ela percebe que eles
são maltratados pelo coronel e fica indignada. Decide ir embora.
54
Fernão propõe então que partam em viagem para o Rio de Janeiro.
Ela aceita alegremente. Na conversa, durante a viagem de trem,
Yolanda diz que tem o grande sentimento de amizade pelo marido.
55
Rio. Suíte do
hotel
O casal conversa sobre amenidades. A música na vitrola toca Too
Young. Eles dançam e se beijam. A cama está salpicada de pétalas
de rosas vermelhas. Ele a seduz e o casamento é consumado.
56
Dia seguinte, na praia o casal relaxa ao sabor da brisa. Eles vêem
quando Martim sai da água em direção à sua tenda. Ela fica
desconcertada e pede para voltar ao hotel.
57
Chatô está no hotel, à espera do casal, com um presente de
núpcias.
58
Rio.
Faculdade de
Medicina
Martim e Ernesto conversam. Ele diz que Yolanda desistiu dele e
que deve estar feliz em seu casamento. Chatô os vê ao longe
enquanto caminha.
59
Hotel
Chatô convida o casal a conhecer a lagoa Rodrigo de Freitas. A
região da Lagoa ainda é deserta. O carro atola e Fernão cai na
lama quando tentam empurrar.
130
60
Campo de
provas
Santos Dumont está testando mais um de seus balões. Chatô se
aproxima e fala sobre Yolanda.
61
Faculdade
Martim está saindo da faculdade e encontra Chatô. Ele marca uma
entrevista com o estudante para o dia seguinte, em uma
confeitaria.
62
Hotel
Chatô convida o casal para um encontro no mesmo local. Chatô e
Fernão seguem para a confeitaria enquanto Yolanda vai ao
encontro do marido após assistir a missa em uma igreja.
63
Yolanda chega primeiro e vê o Martim à espera de Chatô. Eles
conversam e descobrem que foram vítimas de uma armação de
Chatô.
64
Rua do Rio
Chatô simula um defeito mecânico para atrasar a viagem.
65
Confeitaria
O casal não sabe como reagir. Decidem que agora só lhes resta ser
amigos.
66
Chatô e Fernão chegam à confeitaria. Yolanda já partira. Martim
discute com Chatô por conta da armação.
67
Hotel
Yolanda e Chatô discutem sobre o ocorrido. Ela garante que está
com ele por vontade própria.
68
Restaurante
do hotel
Fernão prepara um exclusivo jantar russo, com comida, música e
danças típicas para agradar a mulher. Ela ganha uma matrioska,
que vai abrindo até chegar em um bonito anel de brilhantes.
“Nosso casamento começa hoje” diz.
69
Martim escreve em seu diário que talvez a solução para se
esquecer de Yolanda talvez seja nunca mais vê-la
70
Praia
Chatô tenta acalmar Yolanda. Ela diz que está zangada com ele.
Ele se declara o homem da vida dela.
71
Fazenda
Empyrio
O casal retorna à fazenda. Fernão diz que eles estão começando a
se entender bem.
72
Consultório
Martim conhece Gilda Arantes Varella, filha do médico que se
131
Dr Varella
insinua ao jovem estudante.
73
Rio / Gafieira
Gilda leva Martim a dançar samba.
74
No carro, voltando a casa, ela diz que o ama. Ele tenta resistir.
Eles fazem sexo no carro.
75
Disco 2
76
Casa dos
Penteado
Nasce Julieta, filha de Guiomarina e Jacinto Penteado
77
Rio
Martim se deixa envolver por Gilda e aceita oficializar o noivado
78
Casa dos
Penteado
Isolina traz a Yolanda o jornal com a notícia do casamento de
Martim. Ela fica abalada.
79
Rio
Gilda seduz Martim no consultório do pai
80
São Paulo
Yolanda vai à Bolsa do Café de Santos, um local onde a presença
de mulheres era proibida até então, e procura pelo marido. Ela diz
a Fernão que quer ter um filho (em resposta ao noivado de
Martim). Eles vão para a casa providenciar a encomenda.
81
Passam-se alguns meses
82
Yolanda comenta com a irmã Guiomarina sobre seu desejo de ter
filhos e de seu medo de não poder tê-los.
83
Carnaval de 1924
84
Copacabana
Palace
Em meio ao elegante baile de carnaval, Yolanda se diverte até ver
Martim com Gilda. Ela sai do salão abalada e admite que ainda o
ama. Martim diz à noiva que ainda ama Yolanda.
85
Apartamento
do hotel
Yolanda abre a porta para Chatô que a adverte sobre as traições do
marido, que está se divertindo com Elisa no baile.
86
Yolanda diz ao marido que quer ir para a Europa. Diz que deseja
viver cercada de artistas, escritores e intelectuais.
87
Casa de
Tarsila
Tarsila, recém chegada de uma viagem por Minas Gerais volta
encantada com a descoberta das cores brasileiras. Yolanda ouve
132
fascinada. Mário de Andrade fala sobre a intertextualidade das
artes. Yolanda se emociona.
88
1924 Revolução Tenentista
65
/ batalha nas ruas. 5 de julho de 1924
89
Casa dos
Penteado
A família Penteado se refugia no interior. Yolanda fica em São
Paulo, ao lado do marido. O empregado Camilo diz que
bombardearam a estátua do Cristo na igreja e que Deus vai
castigar quem fez isto. Yolanda o acalma. Diz que Deus não age
assim.
90
Tumultos nas
ruas de São
Paulo
Yolanda, sozinha, ouve uma criança pedindo socorro na rua e sai
em seu socorro. É Érika, filha de Ernesto que saiu à procura de seu
gato. A garota é baleada. Bernardo e Yolanda a resgatam e a
levam para sua casa. Camilo continua com medo e quer fugir.
91
Casa de
Yolanda
Fernão chega e quer que todos se refugiem na fazenda. Yolanda se
recusa a sair sem antes conseguir um médico para salvar a criança.
Com a criança ferida em seus braços, Yolanda cantarola uma
canção (“Se essa rua fosse minha...”) para acalmá-la.
92
Chegam Ernesto, Anna, Bernardo e Martim. Tarde demais, a
criança morre. Yolanda e Martim conversam sobre a morte da
menina. Ele se sente mal por não ter conseguido salvá-la.
93
Yolanda recebe um telefonema informando que Fernão fora preso
pelos revoltosos. Eles acorrem para a prisão.
94
Martim, que é amigo do líder dos rebeldes, intercede pela
libertação de Fernão. Ele pode retornar para casa onde Yolanda o
recebe aliviada. Ela agradece a Martim pela intervenção.
65
Revolução Tenentista (1922-1929), quando jovens militares se rebelaram contra a República Velha. A
Revolta Paulista de 1924, também chamada de Revolução Esquecida e de "Revolução de 1924" foi a
segunda revolta tenentista. Deflagrada na cidade de São Paulo em 5 de julho de 1924 (aniversário da
Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, a primeira revolta tenentista), a revolta ocupou a cidade por vinte
e três dias, forçando o presidente do estado, Carlos de Campos, a se retirar para o interior do estado,
depois de ter sido bombardeado o Palácio do Governo. A cidade foi bombardeada por aviões do Governo
Federal. O exército legalista (leal ao presidente Artur Bernardes) utilizou-se do chamado "bombardeio
terrificante", atingindo vários pontos da cidade, em especial bairros operários como a Mooca e o Brás, e
de classe média, como Perdizes. WIKIPEDIA. Revolta Paulista de 1924. Disponível em http://pt.
wikipedia. org/wiki/ Revolta_Paulista_de_1924. Acesso em abril de 2006
133
95
Fazenda
Empyrio
Yolanda confidencia ao marido que está grávida. Um pequeno
avião sobrevoa a fazenda.
96
O mascate Samir Chan está vendendo suas peças na região da
fazenda. Yolanda e a irmã Guiomarina se aproximam e ficam
encantadas com as bonitas peças de bijuterias. Samir dá uma delas
de presente a Yolanda.
97
Chatô é quem desembarca do pequeno avião. Faz a refeição com a
família Penteado. À mesa, todos se divertem com a impertinência
de Chatô. Ele convida Yolanda a voar mas ela diz que está
zangada com ele e recusa o passeio.
98
Yolanda brinca com as crianças da fazenda quando cai. Ela passa
mal e sofre um aborto. A mãe a consola dizendo que é a vontade
de Deus.
99
Na cama, Yolanda pergunta a Isolina se vai conseguir engravidar
novamente. A criada diz que os filhos não vêm somente da barriga
mas também do coração. Ela pensa em Fernão (que já está se
divertindo com outra mulher em SP).
100
Yolanda quer ver um médico em São Paulo. A mãe diz que vai
avisar o marido.
101
São Paulo
Yolanda comparece ao funeral de Érica Schmidt que foi enterrada
no jazigo da família Penteado. Fernão pergunta se Da. Guiomar
sabe que estão enterrando estranhos no túmulo da família.
102
Passam-se 2 anos
103
SP/ Casa da
tia Olívia
Tia Olívia e Yolanda falam sobre a viagem que farão a Paris.
104
A bordo de
um navio.
Viagem de retorno ao Brasil. Fernão pergunta a Yolanda se ela
ainda pensa em Martim. Ela diz que está grávida e gostaria de
aproveitar a escala no Rio para se consultar com um médico em
terra.
105
Rio
Gilda tem um surto no consultório do pai. É internada.
134
106
Hotel
Fernão e Yolanda chegam ao Rio e encontram Chatô que lhes
indica um médico. Dr Varella vai ao hotel Copacabana Palace ver
a paciente.
107
Dr Varella diz a Yolanda que ela nunca poderá ter filhos por ter
um útero infantil. Ela grita em desespero.
108
Instituição
Gilda está internada. Diz a Martim que estão lhe dando choques.
109
Hotel
Fernão diz à esposa que filho não é tudo em um casamento. Ele a
consola. Ela quer voltar para casa. Liga para a mãe que tenta
confortar-lhe secamente. Yolanda está muito triste. Martim se
aproxima e eles conversam. “Ao menos, não temos que lamentar
os filhos que não tivemos”. Eles falam sobre o destino que os
separou. Eles se abraçam sofridos. Ela agradece pelo abraço e por
manter vivo o seu amor.
110
Casa
Dr Varella passa mal e é internado em estado grave. No leito de
morte, pede a Martim que cuide de sua filha. Ele promete.
111
Casa dos
Penteado
Juvenal e Odete discutem seriamente sobre o comprimento do seu
vestido. Yolanda entra e dá apoio à cunhada.
112
1926 30 de outubro de 1926. Casamento de Tarsila do Amaral com
Oswald de Andrade.
113
Casamento de
Tarsila
Yolanda e Chatô estão na recepção. Ele assume sua
inconveniência e a provoca em relação às aventuras de Fernão.
114
Rio
Dr Varella, em seu leito de morte, pede a Martim que cuide de sua
filha Gilda. O jovem assim o promete.
115
Casamento de
Tarsila
Elisa pede para dançar com Fernão. Chatô chama a atenção de
Yolanda para o fato.
116
Yolanda denuncia a tentativa de Chatô de criar conflitos entre o
casal.
117
Casa de tia
Olívia
Refeição em que participam tia Olívia, Guiomar e Yolanda, que
está deprimida. A tia diz à sobrinha para tentar ser feliz e “não
fazer pacto com a infelicidade”. Fala sobre a viagem à Amazônia.
135
118
Casa dos
Penteado
Crise na família Penteado: a mulher de Jacinto abandona o marido
e tem o apoio da cunhada, Guiomarita. A mãe atribui a
responsabilidade pela separação à modernidade.
119
Casa de
Yolanda
Yolanda recebe rosas vermelhas com um bilhete do marido
pedindo para ela que desça a Santos por conta de “saudades
intoleráveis”. Neste momento, o marido Fernão está nos braços de
Elisa. Yolanda pede ao motorista que a leve a Santos, ansiosa para
encontrar o marido.
120
Rio
Martim e Gilda conversam. Clima fúnebre. Ele conta à moça o que
prometera ao falecido Varella. Ela promete fazê-lo feliz.
121
Santos
Yolanda e Fernão se encontram. Ele diz que não enviou as flores.
Ela desconfia e vasculha a casa sem encontrar ninguém. Ele diz
que foi uma cilada. O casal discute e Fernão propõe uma breve
separação.
122
Casa de
Yolanda
Martim faz uma visita inesperada a Yolanda para dizer que se
sente moralmente obrigado a se casar com Gilda. Ela adverte que
ele estará cometendo um erro. Ele, então pede que ela abandone o
marido para ficarem juntos. É a última tentativa de Martim de
reconquistar seu amor. Ela não aceita mas diz que “Minha alma
estará sempre com você. A melhor parte de mim te pertence. Eu
sempre te amarei”. Suas mãos se separam lentamente.
123
Rio
Casamento de Martim e Gilda e formatura de Martim. Ele ganha
de Gilda o anel que pertenceu ao Dr Varella. O casal parte para
viver e trabalhar em São Paulo. Gilda diz que não mais teme a
presença de Yolanda porque ela pode dar um filho a ele.
124
Disco 3
125
Consultório
do Dr Martim
Anna leva uma criança enferma para ser examinada pelo Dr
Martim. Gilda a recebe friamente. O médico as recebe e atende a
criança.
126
Confeitaria
Anna conta a Yolanda que esteve com Martim. Diz que ele quase
não tem clientes e está em dificuldades. Ela entrega alguns cartões
de visitas do médico para serem distribuídos entre os amigos.
136
Yolanda promete ajudar mas pede que Anna não comente com
ninguém.
127
Casamento de
Rodolfo com
Elisa Furtado
Chatô provoca Fernão ao dar-lhe o cartão do Dr Martim. Ele rasga
o cartão e comenta com Yolanda “Se eu não estivesse em uma
festa de casamento, quebraria a cara dele”. Ela pergunta por que
não o fez e diz que o marido parece ter medo de Chatô ou de algo
que ele saiba a seu respeito.
128
1928 Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade.
129
Fazenda
Empyreo
Guiomar sente fortes dores e Yolanda mandar chamar um médico
em São Paulo. Dr Martim é o profissional que vai atendê-la na
fazenda.
130
São Paulo
Gilda vai à festa e Rodolfo a tira para dançar. Divertem-se muito
131
Empyreo
Yolanda agradece a Martim pela atenção à mãe. Sob a figueira, os
jovens confessam seu amor e se beijam apaixonadamente. “Eu não
vou lhe pedir desculpas”, diz Martim. “Nem eu quero que o faças.
Não oferecei resistência alguma. Por um momento me abandonei
ao desejo de estar em seus braços. Foi tão bom”. Mas ela mesma
volta à realidade. Ambos estão casados e não devem ceder ao
desejo por motivos legais e morais.
132
São Paulo
Rodolfo, Elisa e Gilda bebem e se divertem. Gilda diz a Martim
que conheceu o simpático casal Rodolfo e Elisa. Gilda se torna
arrogante no trato com os clientes. Martim recebe Bernardo no
consultório.
133
Yolanda conversa com Santos Dumont. Ela fala de sua tristeza por
não ter filhos. Ela pede que Dumont lhe conte o que sabe sobre o
marido. “A natureza das pessoas sempre triunfa sobre a vontade
delas”, diz o aviador, talvez falando sobre si mesmo.
134
Casa de
Yolanda
Enquanto sonha que está entregue às delícias da carne com Elisa,
Fernão é acordado pela mulher. Fica constrangido.
135
Sarau dos
Moder-nistas
Festa de despedida para Paulo Prado. Chegam Fernão e Yolanda.
Logo depois chegam Martim e Gilda. Gilda provoca Yolanda ao
137
falar sobre seu vestido. Ela fica irada.
136
Chatô convida Yolanda para ir a Santos de avião flagrar o marido
nos braços de sua melhor amiga, Elisa Furtado. Ela se recusa a ir.
Diante de sua insistência, Yolanda expulsa Chatô de sua casa.
137
Yolanda chega a Santos sem avisar. Fernão fica surpreso. Ela
pergunta se ele realmente a ama e se preza o casamento.
138
Casa de
Guiomar
Tentam ouvir pelo rádio as notícias sobre a crise na Bolsa de Nova
York. Estão preocupados sobre a situação de débâcle
66
.
139
1929 Washington Luis, crise do café. 28 de outubro de 1929
140
Casa dos
Penteados
Tempos difíceis. O clima é tenso na família. Perderam tudo.
“Tudo, não! Nós estamos vivos!”
141
Casa de
Martim
Gilda bebe e amaldiçoa São Paulo. “Saudades do Rio, do calor, da
praia...”
142
Empyreo
Yolanda promete lutar pela fazenda, cheia de pés de café que não
valem mais nada.
143
Fernão diz à sogra que perdeu tudo. Explica que o sócio apostou
na bolsa de NY e que quebrou. Yolanda chega e diz que vai pedir
empréstimo e plantar algodão para salvar a fazenda. Fernão não
acredita no sucesso.
144
Banco
No Banco, o gerente aconselha Yolanda a deixar os negócios nas
mãos dos homens. Ela negocia o empréstimo com altivez.
145
Fazenda
Empyreo
Maria Luisa, grávida de 4 meses, é levada para a fazenda para ter a
criança discretamente. Yolanda diz a ela como gostaria de poder
gerar um filho e que a moça deveria estar feliz.
146
Guiomar e Yolanda instruem os empregados a cortar os pés de
café para dar lugar ao algodão.
147
Fernão diz a Yolanda que o melhor a fazer é vender a Empyreo.
Ela se recusa e diz que se inspira no exemplo dos imigrantes que
66
Débâcle: palavra francesa incorporada ao vocabulário por conta da queda da Bolsa de Nova York em
1929 e suas conseqüências desastrosas para a economia mundial.
138
trabalham e não desanimam. Fernão está entregue ao desânimo.
148
Yolanda fala aos colonos. Ensina a eles sobre o plantio de algodão.
Eles estão incrédulos. Elisa chega, trabalhando como jornalista,
para escrever sobre a crise. Fernão está na piscina. Eles
conversam.
149
Yolanda pede a colaboração dos colonos e fala sobre a proposta de
meação. Ela obtém apoio integral para continuar o trabalho.
150
1930 Fazenda Empyreo
151
Empyreo
Yolanda traz roupinhas de bebê para Maria Luisa, mas a moça
continua depressiva.
152
Sr Kazuo Fujihara ajuda na técnica de plantar algodão.
153
São Paulo
Martim diz a Gilda que seu pedido para cursar especialização em
Boston foi aceito e que eles devem partir.
154
Empyreo
Martim vai à fazenda para assistir Maria Luisa no parto. Nasce
uma menina. No dia seguinte, a mãe parte com o bebê para São
Paulo.
155
Martim se despede de Yolanda e diz que vai partir para Boston.
Ela se recusa a dizer adeus. Diz “Até breve. Até sempre”. Mas
parece ser um adeus definitivo.
156
São Paulo
Em seu retorno a casa em São Paulo, Yolanda surpreende o
marido e Elisa na cama do casal. Ela os expulsa e decide se
separar do marido.
157
Guiomar apóia a decisão da filha no que é acompanhada pelos
outros filhos.
158
Maria Luisa entregou a filha recém nascida aos cuidados de Lola
Flores. A modista chama Yolanda para cuidar do bebê. Yolanda
139
assume a criança e diz que ela se chamará Antonia.
159
Outubro de
1930
Revolta contra o Partido Republicano Paulista. Tomada da
Bastilha do Cambuci
67
. Deposição de Washington Luis.
160
Empyreo
Yolanda leva o bebê Antonia para viver na fazenda. Chatô chega
de avião e faz mais um pedido de casamento a Yolanda.
161
São Paulo
Fernão diz a Marinette Prado e a Elisa que não vai abrir mão de
sua parte nos bens de Yolanda.
162
Empyreo
Comemoração na fazenda pela primeira colheita de algodão. Chatô
promete estimular o uso de roupas de algodão em seus jornais.
163
Yolanda observa a figueira. Diz que é a árvore mais antiga da
fazenda. Diz que gostaria de ter suas cinzas depositas sob a
frondosa árvore.
164
Yolanda conversa com Santos Dumont. Ele se declara apaixonado
por ela. O aviador fala sobre a morte.
165
São Paulo
Chatô fala a um grupo de mulheres. Yolanda chega e ele muda o
discurso para a defesa do uso de roupas de algodão para agradar a
jovem.
166
Empyreo
Guiomar, Yolanda e Antonia se divertem. Yolanda parece feliz em
poder cuidar da criança. Isolina diz a Yolanda que ela é muito
jovem para ficar sofrendo. Perguntada sobre o que a velha negra
enxerga em sua vida, ela diz “Um estrangeiro muito rico”. A cena
corta para a primeira aparição de Ciccillo Matarazzo
68
.
67
Nas primeiras décadas do século XX, o bairro operário do Cambuci era um foco de agitações políticas.
Quando caíam nas garras da polícia, anarquistas e líderes do movimento sindical iam parar nas celas da
delegacia da Rua Barão de Jaguará. O lugar ficou conhecido como "Bastilha do Cambuci", uma
referência à prisão invadida pelos parisienses no início da Revolução Francesa, em 1789. A nossa "queda
da Bastilha" ocorreu em outubro de 1930. Com a vitória da revolução de Getúlio Vargas, manifestações
tomaram conta da cidade e a cadeia foi arrombada e incendiada. veja.abril.com.br/vejasp/271004/
misterios
68
Ciccilo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho) nasceu em 20 de fevereiro de 1898 em São Paulo. A fortuna
que Ciccillo veio herdar teve origem nas conquistas de seu tio, o Conde Francisco Matarazzo. Ciccilo era um
visionário e conseguiu levar a arte brasileira contemporânea aos circuitos internacionais, possibilitando a atualização
da cultura nacional através do contato com a produção mundial. Como presidente do MAM-SP e da Fundação Bienal
de São Paulo, da qual esteve à frente até 1975, influiu na dinamização do mercado de arte, na formação de público e
no incentivo à produção artística de vanguarda. Mais do que isso: investiu dinheiro, prestígio e capacidade
empresarial para conferir à arte e à cultura o caráter institucional, profissional e moderno, adequado ao projeto de
desenvolvimento da sociedade brasileira. Morreu em 16 de abril de 1977. A Gazeta da Zona Norte - 27/03/2004
140
167
Disco 4 1932. Revolução Constitucionalista. MMDC
168
1932.
Casa de tia
Olívia /
Centro de São
Paulo
23 de maio de 1932. Yolanda tem de ir à rua Barão de
Itapetininga, no centro da cidade, falar com seus advogados sobre
o desquite. No centro, está havendo uma manifestação popular
com repressão policial. Apanhada no meio da confusão, Yolanda
tenta socorrer um manifestante ferido e é ajudada por Sr Ernesto.
169
Rio / hotel
Yolanda encontra Fernão nadando na piscina do hotel e reclama
que ele não está envolvido no esforço dos paulistas. Ela exige a
assinatura para o desquite. Ele ainda pensa que ela pode mudar de
idéia. Ela o chama de canalha.
170
Praia de
Copaca-bana
Gilda vê Yolanda e diz que Martim não voltará mais ao Brasil. Diz
que sabe de suas dificuldades financeiras. Gilda a provoca dizendo
que Martim já a esqueceu. Yolanda a esbofeteia e diz que ela não
deve mais lhe encostar as mãos.
171
Rio / hotel
Todos os paulistas se envolvem no esforço de guerra. Yolanda não
pode fazer a viagem de volta a São Paulo. Ao telefone com tia
Olívia, Yolanda diz que está triste porque ficou sabendo que
Martim não volta mais.
172
A Revolução eclode em 9 de julho de 1932. Cenas de combates
em terra e aviões bombardeando soldados.
173
Guarujá
Santos Dumont telefona a Yolanda e diz que está profundamente
abalado por saber que sua invenção está sendo usada em uma
(mais uma) guerra. Yolanda tenta sair do Rio para apoiar Dumont
mas não consegue. O aviador se enforca em seu quarto de hotel.
174
Rio
O conde francês Pierre oferece a Yolanda uma rosa em nome de
Santos Dumont.
175
No salão do hotel, Fernão e Elisa falam sobre Yolanda. Gilda
bebe, comemora e ridiculariza os paulistas e sua “guerra de
secessão”.
176
Yolanda fica sabendo que Chatô, preso pela polícia de Getúlio,
será embarcado a força para o Japão. Ela quer visitá-lo na prisão.
141
177
Fronteira
SP/MG
João Cândido de Souza Borba, o Candinho, filho do falecido
Coronel Totonho, é ferido em batalha. Na enfermaria, é atendido
pela enfermeira Rita Fujihara, filha do Sr Kazuo.
178
Rio / hotel
Yolanda continua impedida de voltar a São Paulo. No salão do
hotel, Gilda continua a se divertir e beber. Yolanda fala da saudade
de sua terra com a amiga Gigi Guinle.
179
Rio / hotel
Gilda faz uma provocação à atitude dos paulistas dizendo que eles
querem se separar do Brasil. Yolanda grita que esta é uma mentira
de Getúlio para desacreditar a demanda dos paulistas.
180
Rio /
Delegacia
Como resultado, Yolanda é detida para interrogatório. Querem
saber se ela chamou Getúlio de mentiroso. Ela reafirma sua
opinião.
181
Chatô volta ao Brasil e é preso novamente no Rio. Na prisão,
Yolanda o vê e chama por ele.
182
São Paulo/
Escritório de
Ciccillo
Após conversar com Olívia Penteado a quem fora pedir sua ajuda
no esforço de guerra, Ciccillo Matarazzo pergunta quem é a
sobrinha que fora presa no Rio.
183
Rio /
Delegacia
Yolanda é liberada e pede para ver Chatô antes de sair.
184
Na cela, Chatô diz que está tudo bem com ele. Ela oferece seu
apoio e diz que vai visitá-lo. Ele diz que ela está cada vez mais
bonita.
185
O Conde Pierre a espera à saída da delegacia com flores.
186
Rio/ hotel
Fernão diz a Yolanda que está feliz em vê-la livre. Ele se recusa a
lhe dar o divórcio e parece estar com ciúme do assédio do conde
francês.
187
30 de Outubro de 1932. Fim do movimento.
188
Rio/ prisão
Aniversário de Chatô (5 de outubro). Yolanda leva um bolo. Ele
ainda quer se casar com ela. Ela avisa que ele será confinado em
São Paulo.
142
189
Rio / hotel
Yolanda se despede de Paulo e Marinette Prado, Gigi Guinle e
Pierre e finalmente volta a São Paulo.
190
Fazenda
Yolanda chega. Cumprimenta Isolina e o mordomo Camilo, que
estão desolados. Ela tenta confortá-los. O Sr Kazuo avisa que a
praga tomou conta do algodão.
191
Pela segunda vez, Yolanda se desespera. Fernão chega e diz que
vai assinar o desquite. Ele diz que não quer nada dela, que não é
um crápula. Ela fala sobre todo o sacrifício em vão.
192
Casa do
arquiteto
Na casa do arquiteto Gregori Warchavchik, criação da SPAM,
Sociedade Pró Arte Moderna (Tarsila, Oswald, Mário, Olívia,
Paulo, Marinette, Anita e Lasar Segall). 23 de novembro de
1932.
193
Baile do Spam
1933
Carnaval de 1933. Yolanda vê o irmão beijar a jovem Odila e fica
feliz. Ao esbarrar acidentalmente em Ciccillo Matarazzo, ela deixa
cair sua tiara. Ele a recolhe e a guarda.
194
São Paulo/
hospital
1934
Tia Olívia é hospitalizada com dores no abdômen. Guiomar e
Yolanda a acompanham. Ela sabe que vai morrer e fala dos
amigos.
195
Casa de
Yolanda
Yolanda recebe a visita de pêsames de Samir e Maria Luisa.
Antonia entra e brinca com Samir. Eles saem para brincar fora.
Maria Luisa chora ao ver sua filha crescida.
196
Fazenda
Empyreo
Yolanda fala com Kazuo sobre a criação do bicho-da-seda.
Camilo, o mordomo anuncia uma visita de Gigi Guinle e o conde
Pierre.
197
Chatô sobrevoa a fazenda. Após desembarcar, ele reclama da
presença do francês. Ela diz que a criada havia previsto que ela se
casaria com um estrangeiro rico. Chatô leva o francês a passear de
avião e quase o mata de susto. Os visitantes vão embora.
198
Casa de
Yolanda
Paulo Prado fala sobre o bicho-da-seda. Yolanda explica sobre a
praga. Marinette diz que os Matarazzo entendem da indústria de
fiação. Chatô chega. Yolanda está brava com ele por conta do
143
susto que dera no francês. Ele avisa que vai tirar do caminho
qualquer homem que se aproxime dela. Yolanda pede a Paulo que
fale com Ciccillo.
199
Escritório de
Ciccillo /
granja do
industrial em
São Bernardo
do Campo
1934
No escritório, Yolanda é recebida por Candinho que, recuperado
dos ferimentos, está trabalhando com o empresário. Quando ela
entra em seu gabinete, ele tem a tiara nas mãos. Ela fica surpresa
“Eu pensei que nunca mais fosse ver esta tiara!”, ao que ele
responde “O sapatinho de cristal sempre encontra sua dona”. “Se o
senhor pensa que eu sou Cinderella, enganou-se”. Ao que Ciccillo
declara: “A grande virtude dos contos de fadas é a metáfora que
eles encerram”.
Ela fala sobre seus planos para a criação de bicho-da-seda. Ele
sugere criar galinhas. Eles vão conhecer a granja, alimentam as
galinhas e se divertem, comendo manga em cima da árvore.
200
Já é noite e chove quando Ciccillo decide levar Yolanda para casa.
Ele a convida a jantar no Hotel Esplanada mais tarde e devolve a
tiara.
201
Yolanda é questionada se vai mesmo sair com Ciccillo, que tem
uma péssima reputação na comunidade. Ela, uma mulher separada,
poderia ser mal falada e chamada de leviana.
202
Hotel
Esplanada
Ciccillo e Yolanda partem de automóvel para o jantar. Ele acha
estranho que ele se senta à frente, ao lado do motorista.
203
Os dois jantam e dançam animadamente. Chatô também está no
restaurante, observando-os atentamente. Ela fica estupefata
quando o vê. Ele se desculpa pela invasão. Chatô provoca Ciccillo.
Este reclama dos ataques de seu jornal à família Matarazzo.
Yolanda ameaça romper com Chatô se ele atacar Ciccillo ou a
família em seus jornais.
204
Ciccillo leva Yolanda de volta à sua casa. Ela pergunta por que
motivo ele se senta ao lado do motorista. “Porque é mais
democrático”.
205
Casa de
Candinho leva a Yolanda um cesto de frutas como presente de
144
Yolanda
Ciccillo. Ela pergunta sobre Rita.
206
Yolanda está preparando um jantar para Ciccillo quando Chatô
entra sem ser anunciado. Ela o adverte. Ele repete que vai eliminar
qualquer homem que se coloque no caminho. Ela conta a Yolanda
que Ciccillo tem uma amante espanhola. Ciccillo chega. O clima
fica tenso. Chatô sai.
207
Ciccillo conta a Yolanda sobre sua amante. Ela acha muito natural.
Ele a pede em casamento. Eles se divertem com a história. Ela
procura saber mais sobre o bicho da seda.
208
Fazenda
Empyreo
Yolanda chega à fazenda e encontra Samir e Maria Luisa que
vieram buscar a filha, agora com 8 anos. Yolanda fala com
Antonia que a mãe veio buscá-la. A menina não quer ir mas é
convencida por Samir.
209
A família Kazuo comunica a Yolanda sua decisão de deixar a
fazenda e se mudar para São Paulo. Yolanda diz que os acolherá
em sua casa até que eles se estabeleçam.
210
Ciccillo e Yolanda continuam seu romance. Ele aparece na
fazenda de surpresa.
211
Ciccillo, Yolanda e Guiomar conversam. A mãe considera uma
insensatez o projeto com o bicho da seda. Fala sobre as pragas. Em
outra sala, Camilo diz que a fazenda está em perigo e que o
casamento de Yolanda com Ciccillo pode ser a solução. Isolina diz
que ele é o estrangeiro com quem Yolanda vai se casar.
212
Yolanda está lendo, em seu leito. Ouve barulhos na cozinha. Vai
até lá e vê que Ciccillo preparou omeletes para Dona Guiomar. Ela
experimenta o prato e o declara “celestial”. Yolanda se sente
incomodada com a invasão de Ciccillo no seio de sua família.
213
Yolanda está irritada com Ciccillo. Ele julga estúpido insistir no
bicho da seda. Ela discorda. Eles apostam um jantar no Esplanada.
214
São Paulo
Nasce Maria de Lourdes (Marilu), filha de Jacinto e de sua nova
esposa, Odila. (Esta será a sobrinha favorita de Yolanda)
145
215
Ciccillo é diagnosticado com tuberculose.
216
Ciccillo decide romper com sua amante espanhola.
217
Disco 5 Início dos anos de 1930
218
Casa de
Yolanda
1936
Ciccillo entrega a Yolanda um envelope com passagens de navio
para a Europa. Ele diz que precisa ir para a Suíça por uma
temporada. Ela se recusa e alega a tensão provocada pela Guerra
Civil Espanhola
69
além da ascensão de governos totalitários na
Alemanha e Itália. Além disso, tem compromissos com a fazenda
e dívidas a saldar no Banco do Brasil. Ele não esclarece porque
deve partir. Eles dizem adeus (a música de fundo é Too Young)
219
Fazenda
Empyreo
Yolanda trabalha arduamente na criação do bicho da seda e na
produção da seda. Chega Chatô. Ele diz que Ciccillo partira para a
Suíça a fim de se tratar de tuberculose. A mãe diz que Yolanda
deve procurar um médico. Ela fica chocada e decide voltar a São
Paulo.
220
Casa dos
Matarazzo
Yolanda fala com a cunhada de Ciccillo, Camila Matarazzo.
Conta-lhe que é estéril e que nunca poderá dar filhos a Ciccillo.
221
1937 Golpe de Getúlio Vargas.
222
Instalação do Estado Novo
70
.
223
Casa de
Yolanda
Chatô e Yolanda conversam. Ciccillo ainda está em tratamento na
Suíça e há tempos não manda notícias. Chega uma encomenda
para Yolanda. É um presente de Ciccillo, um ovo Fabergé, que a
69
Revolta militar contra o governo republicano na Espanha que tem início em 18 de julho de 1936 sob o
comando do general Francisco Franco. A guerra alcança todo o país, opondo nacionalistas e republicanos,
e termina em 26 de janeiro de 1939, com a morte de 1 milhão de pessoas. Os nacionalistas são vitoriosos
e implantam a ditadura franquista, que governa a Espanha até 1975, quando morre Franco.
geocities.yahoo.com.br/vinicrashbr/historia/geral/guerracivilespanhola.htm.
70
Golpe de Estado dado por Getúlio Vargas que se caracterizou pelo poder centralizado no Executivo e
pelo aumento da ação intervencionista do Estado. A Constituição outorgada em 1937 era inspirada na
Constituição polonesa, donde seu apelido "Polaca". Instituiu-se o "estado de emergência", que aumentava
ainda mais os poderes do Presidente. As Forças Armadas passaram a controlar as forças públicas, com a
ajuda da Polícia Secreta, chefiada por Filinto Müller e especializada em práticas violentas. Criou-se o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado do controle ideológico dos meios de
comunicação. Em 1945, a vitória da democracia na Segunda Guerra Mundial acaba se refletindo no país e
Vargas é deposto pelas Forças Armadas. http://elogica.br.inter.net/crdubeux/hnovo.html.
146
deixa encantada. Yolanda reclama da amizade de Chatô com
Getúlio e diz novamente que se Chatô atacar a família Matarazzo
em seu jornais, ela romperá com ele definitivamente.
224
Ateliê de
costura de
Lola Flores.
1938
Yolanda diz a Lola Flores que aconselhara a Maddiano a colocar a
pequena Antonia em um colégio interno, lembrando que uma das
épocas mais felizes de sua vida foi quando era interna no Des
Oiseaux.
Ao falar sobre Martim, Yolanda diz que ele pertence ao passado,
que está tudo acabado. Entra Soledad, a amante espanhola, com
um xale que chama a atenção de Yolanda. Ela diz que o havia
ganhado de “seu homem, Ciccillo Matarazzo”
225
Fazenda
Guiomar e Yolanda falam sobre mandioca. Sabem que haverá
guerra e que será difícil a importação de trigo da Europa. Decidem
plantar mandioca nos tempos de guerra. O telefone chama. É
Ciccillo avisando que retornara ao Brasil, com seu sotaque
estranho “Então, se veggiamo alla noite!”.
226
Yolanda o convida a um jantar em sua casa, no qual promete fazer
omeletes. No entanto, ela prepara uma Paella a Valenciana com
músicos espanhóis. “Você não gosta de comida espanhola?” Eles
se divertem com a situação. Ela diz que ficou zangada por ele não
lhe ter contado sobre sua doença. Dançam o paso-doble e se
divertem.
227
São Paulo /
Confeitaria
Edelweiss
Bernardo, Jayme e Ucha (Úrsula Schmidt, irmã de Anna)
comentam que Martim tinha se alistado nas Brigadas
Internacionais para lutar na Espanha.
228
Casa de
Yolanda
Ciccillo pede Yolanda em casamento. Ela recusa alegando não
poder ter filhos. Ele diz que não se importa. Eles se beijam e se
amam.
229
Quarto de
Yolanda / dia
seguinte
Yolanda se lembra da noite de amor com Ciccillo e sorri. Seu
irmão Jayme chega e conta que Sr Ernesto encontrara Martim em
Barcelona. Ela agradece e diz que esta notícia ajuda a libertar seu
coração.
147
230
1939.
Confeitaria
Edelweiss
Yolanda vai ao café conversar com Anna. Encontram Ernesto e
conversam sobre Martim. Ela fica sabendo que ele e Gilda se
separaram.
231
Casa de
Yolanda
Ciccillo compra um pequeno Renoir de presente para Yolanda.
Pela primeira vez falam em criar um museu. Ele quer se casar com
ela. “Pra que casar? Está tão bom assim.” Ela insiste no argumento
de que não pode ter filhos e propõe que sejam apenas amantes. “É
mais divertido!”.
232
1939 Setembro de 1939. Início da Segunda Guerra Mundial
233
1942 Passagem de tempo. 1942, campanha “Dê Asas para o
Brasil”
71
criada por Assis Chateaubriand. Desenvolvimento da
cultura da mandioca por conta da guerra.
234
Fazenda
Empyreo
Yolanda nada em sua piscina. O irmão Jayme relaxa em uma
espreguiçadeira. O arquiteto Flávio de Carvalho
72
nada nu na
piscina.
235
Fazenda
O casal Kazuo fora preso pela polícia política, falsamente acusado
de espionagem (por Rodolfo). Yolanda pede a Chatô que interceda
por eles junto a Getúlio. Ele diz que assim o fará se Ciccillo
contribuir com a doação de um aeroplano para a sua campanha.
236
Ciccillo doa o avião à campanha. Dobra o certificado como um
aviãozinho de papel para irritar o rival. Ciccillo pede novamente
que Chatô pare de atacar a família Matarazzo.
237
1945 Fim da Segunda Guerra. Movimento pelo fim da ditadura.
71
A campanha "Dê Asas para o Brasil" foi criada por Assis Chateaubriand na década de 40 para ajudar no
aumento do número de pilotos em nossa aviação. A campanha de Chateaubriand contribuiu para a criação
de 400 aeroclubes e aproximadamente 700 aeronaves foram para os céus brasileiros.
72
O artista Flávio de Carvalho (1899-1973) é um pioneiro no campo da performance. Embora nos últimos
anos seus trabalhos artísticos e projetos arquitetônicos tenham recebido especial atenção em exibições,
como nas bienais de São Paulo e em outras grandes exposições, suas performances (por ele chamadas
experiências) não têm sido ainda devidamente levadas em conta. Ao contrário, elas têm sido consideradas
frutos de suas idéias estapafúrdias,expressões de sua excentricidade, ele lançava o seu traje de verão para
o executivo dos trópicos em um desfile nas principais ruas de ou da sua necessidade de criar escândalos.
(...) Em 1956, vestido de uma ousada minissaia, meia arrastão e uma estranha blusa bufante como camisa
social do centro, chocando a paulicéia. (Flávio de Carvalho e a rua: experiência e performance, de Zeca
Ligiéro). www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/6/artigo6.htm
148
238
Casa de
Yolanda
Ciccillo pergunta a Yolanda o que ela fará com toda a mandioca
que plantou. Ela diz que vai diversificar a plantação com culturas
de milho, cana ou qualquer outra coisa.
239
Casa de
Yolanda
Ele volta a falar sobre a criação do museu. Ela relembra o tempo
em que convivia com os modernistas e com tia Olívia, uma amante
das artes, e dissera na ocasião: “Essa é a vida que eu quero pra
mim!”. Chatô entra e, tendo ouvido parte da conversa, diz que ele
lhe dará tudo o que ela quiser. “Eu quero um museu, para viver
cercada e artistas e ser uma grande mecenas!” Ela manipula os
dois com seu jogo de sedução.
240
Casa dos
Matarazzo
Ciccillo fala com sua cunhada Camila. Ele quer apresentar
Yolanda à família naquela noite e quer que ela prepare uma
recepção. Camila diz que ele está sendo precipitado.
241
Casa de
Yolanda/
Iguape
Chatô conversa com Yolanda e diz que os Matarazzo não gostam
de brasileiros, principalmente os de famílias antigas e
empobrecidas, como a dela. Ela diz que não é tão pobre assim. Ele
diz que ela quer “dourar os brasões”.
O telefone toca. Yolanda fala com Camilo e fica sabendo que a
mãe não está bem. Ela pede a Chatô que a leve até Leme de avião.
Chatô muda o rumo e desce a Serra até Iguape, tendo pousado em
um campo.
242
Casa dos
Matarazzo
Jayme conta a Ciccillo que Yolanda ainda não chegou a Leme.
Ciccillo fica bravo ao imaginar que Chatô a desviara de seu rumo.
Pede à irmã que cancele a recepção.
243
Iguape
Yolanda fica extremamente irritada com Chatô e volta a São Paulo
de carona em um pequeno caminhão de bananas.
244
Casa de
Yolanda
Yolanda chega suada e cansada. Ciccillo a aguarda. Ele diz que ela
foi incauta a aceitar a carona do jornalista. Ele se irrita com sua
crítica e o manda embora. Ele sai e diz que não volta mais.
245
Chatô quer falar com Yolanda. Manda flores mas ela se nega a
recebê-lo, dizendo que a brincadeira lhe custou a amizade de
Ciccillo. Ela diz que ele é diabólico. “É um museu que você quer?
149
Pois eu vou lhe dar um museu!”.
246
1945 25 de fevereiro de 1945. Morte de Mario de Andrade.
247
Fazenda
Abril de 1945. Yolanda e Isolina conversam. Ela aconselha a
patroa a deixar o orgulho de lado e procurar Ciccillo e se
reconciliar com ele.
248
Ciccillo e Chatô conversam sobre o museu. Chatô diz que os
milionários da cidade haverão de ajudar a montar o acervo, quer
queiram, quer não. Ele diz que é hora de aproveitar o pós-guerra
para comprar obras na Europa destruída. Menciona seu contato
com o jovem casal italiano Pietro e Lina Bo Bardi.
249
1947
Chatô diz a Yolanda que já tem muitas obras para o museu.
Ciccillo chega e Yolanda fica feliz em vê-lo. É o primeiro
encontro depois do episódio de Iguape. Combinam de se encontrar
no dia seguinte.
250
Casa de
Yolanda
Yolanda fica em casa esperando por Ciccillo. Quando ele chega,
eles se abraçam e sobem para o quarto.
251
O casal se ama e acorda ao som de Mattinata. Ciccillo diz que
deve retornar à Europa. Desta vez, ela diz que o acompanha. Ele
novamente a pede em casamento e ela aceita.
252
Europa
Yolanda ganha um presente de Ciccillo por seu aniversário. Trata-
se de um auto-retrato de Modigliani
73
. Ela fica emocionada com a
obra.
253
Yolanda e Ciccillo conversam sobre Chatô e seus métodos. Os
dois homens têm estilos diferentes de conseguir as coisas. Ciccillo
dá a Yolanda a escultura “Cavalo de Prata” que acaba de receber o
grande prêmio da Bienal de Veneza.
254
Rio
Yolanda e Ciccillo chegam ao Rio onde se encontram com a amiga
Gigi Guinle. Os amigos vão ao bar de um hotel Copacabana
Palace. Chatô já está lá. Falam sobre o museu e Chatô oferece uma
73
Amedeo Modigliani nasceu na Itália, no gueto de Livorno, em 1884 e morreu em um hospital de Paris
em janeiro de 1920. O quadro citado é um auto-retrato de 1919, em óleo sobre tela. 100 x 64.5 cm e
pertence ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
150
sala anexa ao seu museu, no edifício sede dos Diários Associados,
em São Paulo. Gilda chega.
255
São Paulo
Dr Martim chega para examinar Dona Sara, mãe de Samir.
256
Rio
Ciccillo pergunta por que motivo Yolanda ficara abalada ao ver
Gilda. Yolanda diz que não esperava mais vê-la e que a mulher
ainda a perturba. Yolanda e Ciccillo se confraternizam.
257
Gilda brinda ao Rio de Janeiro. Yolanda a observa e Chatô lhe diz
que Martim está de volta a São Paulo. Gilda, embriagada, canta
“Nada além”. Chatô diz que o casal se separou definitivamente.
258
Disco 6 15 de julho de 1948. Ata de constituição do MAM - Museu de
Arte Moderna de São Paulo, instalado no prédio dos Diários
Associados à rua Sete de Abril contíguo às instalações do
MASP, Museu de Arte de São Paulo (desde 1947).
259
1948
Festa de casamento de Yolanda Penteado com Ciccillo Matarazzo.
Yolanda conhece o jovem Caio Pires de Almeida, filho de
Martim.
260
Ciccillo está preocupado com Soledad, sua amante espanhola.
Ficou sabendo que desde o rompimento, ela se trancou em casa.
261
Na festa, Yolanda revê seus familiares: Guiomarita e Odila (mãe
de Marilu). Dona Guiomar não compareceu. Revê Antonia, que a
chama de “madrinha” e a amiga Elisa, agora casada com o pintor
Madiano, que tem a guarda de Antonia.
262
Ciccillo apresenta a Yolanda a jovem Maria Bonomi, a quem ele
considera como “a uma filha”.
263
Chatô chega e cumprimenta Yolanda. Pergunta sobre a jovem
Bonomi. Ele a convida a dançar e se insinua. Ela o repele
gentilmente.
264
Ciccillo pergunta a Yolanda se ela está feliz. Ela diz que sempre
sonhou viver cercada de artistas. Flashback do seu segundo
encontro com Martim, à frente de sua casa, sob a chuva forte.
151
265
Casa de
Martim
Martim também está com o pensamento em Yolanda. Gilda diz
que ele pode perder as esperanças porque ela (YP) está
“felicíssima” com o italiano.
266
Casa de
Soledad
Ciccillo vai procurar Soledad. Ela se encerrou em casa desde que
ele a abandonou. Ele tenta fazê-la comer e voltar à vida. Sugere
uma sopa.
267
Diários
Associados
Ciccillo mostra uma sala do MAM (instalada junto ao MASP no
edifício dos Diários Associados). Yolanda lhe pergunta por que ele
está sendo tão gentil com ela “Nossa longa amizade, o afeto que eu
tenho por você me faz ver que eu não sou de todo mau. Você
desperta o melhor em mim” Ela agradece com um abraço “Meu
querido amigo...” Martim chega e os surpreende. Martim diz que
veio conhecer o museu. Chatô sugere que eles esqueçam o
passado. Chatô sai e deixa os dois a sós. (Música de fundo “Too
Young”). Ela diz que conheceu seu filho Caio (que está na
Empyreo). “Tanta coisa a dizer...” Falam sobre o passado. Ele diz
que ainda a ama, beija-lhe a mão e sai.
268
Yolanda, Ciccillo e Franco Zampari (engenheiro das indústrias
Matarazzo) brindam à criação do TBC
74
, Teatro Brasileiro de
Comédia. Ciccillo sugere ir mais longe e criar uma produtora de
filmes no terreno de sua granja em São Bernardo do Campo.
269
Ateliê de Lola
Lola faz a prova de um vestido para Yolanda para a noite de
estréia do TBC. Yolanda comenta que se encontrou com Martim
no MASP.
270
Antiga casa
dos Souza
Borba
O antigo palacete do Coronel Totonho foi transformado em cortiço
e administrado por Rodolfo, em franca decadência moral. Gilda
surge inesperadamente e fica surpresa com o que encontra. Ela o
convida a jantar no Esplanada para fazer ciúme ao marido.
74
Criado em São Paulo, em 1948, pelo industrial italiano Franco Zampari, o Teatro Brasileiro de
Comédia era, inicialmente, apenas um espaço para abrigar os grupos amadores. Ao verificar-se a
inviabilidade econômica da iniciativa, nesse esquema, organizou-se uma companhia profissional, que
aproveitou os melhores atores desses grupos, aos quais se agregaram outros, vindos do Rio. As premissas
do conjunto eram a implantação de um teatro de equipe, em que todos os papéis recebiam o mesmo
tratamento, e se valorizavam igualmente a cenografia e a indumentária; e a política do ecletismo de
repertório. www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/artecult/teatro/tbc/
152
271
1948
TBC
Inauguração do TBC com comédia A mulher do próximo, com
Cacilda Becker e Carlos Vergueiro nos papéis principais.
272
Durante o coquetel de inauguração do TBC, Chatô sugere a
Yolanda não mais se negar ao amor e que pode ser amante de
Martim uma vez que Ciccillo continua seu affair com a espanhola.
Yolanda diz que não há segredos entre ela e o marido. Enquanto
isso, Ciccillo está na casa da amante, dando-lhe sopa na boca.
273
Quando Ciccillo chega, Yolanda o recebe com um largo sorriso,
mesmo sabendo por onde ele esteve.
274
Chatô fala a um grupo de curiosos sobre sua experiência na
América: a televisão, que ele pretende implantar no Brasil.
Ciccillo demonstra interesse pelo projeto.
275
Martim chega. Todos se entreolham. Chatô recomenda o médico a
Ciccillo. Martim pergunta ao filho Caio se ele sabe onde a mãe
está. Yolanda fala com ele. Gilda está desaparecida.
276
Praia deserta
Dia amanhecendo, Gilda está bêbada na praia. Rodolfo dorme ao
lado de outra mulher. Gilda caminha para o mar. “Nada além”. E
morre.
277
Casa de
Yolanda
Chatô toma café com Yolanda. Ela menciona a morte de Gilda.
Ele afirma que ela ainda gosta do rapaz. Ciccillo chama ao
telefone e diz que Adolfo Celi aceitou vir para o TBC.
278
Festa no
Nick´s
Bar
Tonia Carrero e Paulo Autran falam sobre um casal de jovens
atores sentados à mesa ao lado (que são eles mesmos quando
jovens). Yolanda e Chatô chegam “Parece até que estou em Nova
York!”, ela comenta.
279
Casa de
Martim
Yolanda se encontra com Martim. Ela diz que não tem como
lamentar a morte de Gilda, que foi uma libertação para ele (toca
“Too Young”). Eles se abraçam, Martim chora. Caio chega.
280
Yolanda chega em casa. Ciccillo está na cama e pergunta sobre
Martim. Ela diz que ele sente remorsos e comenta que é a “coisa
mais fácil é uma mulher usar o sofrimento como arma para segurar
153
alguém” (com referência à Gilda). Ciccillo diz que vai continuar
visitando Soledad.
281
Yolanda e Ciccillo chegam a uma exposição de arte. Fernão
ressurge depois de anos e vê Elisa. Diz que está procurando um
lugar para morar. Yolanda diz a Tarsila que Lourival Gomes
Machado pretende fazer uma retrospectiva de sua obra no MAM
(Tarsila de 1918 a 1950)
282
Fernão conversa sobre arte com Anna Schmidt. Elisa o provoca.
Ela o rejeita. Fernão pergunta a Lola sobre Anna. “Está viúva”.
283
Ciccillo chega com a grande notícia de que Alberto Cavalcanti
75
aceitou vir para o Brasil dirigir os estúdios da Vera Cruz.
284
Ciccillo discute com Yolanda pelo fato de ela ter tentado
desencorajar Cavalcanti a deixar a Europa para se arriscar a
trabalhar no Brasil com os “italianos”. Ciccillo a acusa de ter
preconceito contra os italianos. Ela se justifica dizendo que “o
Zampari é um visionário”, o “Celi não entende nada de teatro” e
“você vai perder dinheiro neste negócio!”
285 MAM 1950 O MAM realiza a primeira retrospectiva da obra de Tarsila do
Amaral.
286
No lançamento do filme “Caiçara
76
, Yolanda reafirma sua
75 Alberto de Almeida Cavalcanti nasceu no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1897. Depois de estudar
direito e arquitetura na Suíça, foi como cenógrafo que fez seus primeiros exercícios em cinema, em filmes
de Marcel L'Herbier, Louis Delluc e outros. Naturalizou-se francês e passou à direção em 1926 com Le
Train sans yeux (O trem sem olhos) e Rien que les heures (Apenas as horas). O terceiro, En rade (1927; À
deriva) tornou-se um clássico e seria por ele refilmado no Brasil como O canto do mar (1954). Filmes
vanguardistas, rodados na década de 1920 na França, e as experiências inovadoras nas duas cadas
seguintes no cinema documental e ficcional inglês fizeram de Alberto Cavalcanti um dos nomes mais
destacados entre os cineastas de sua geração. Regressando ao Brasil, Cavalcanti ajudou a criar a Vera
Cruz, empresa para a qual produziu Caiçara (1950) e Terra é sempre terra (1951). Na Maristela, dirigiu
Simão, o caolho (1952), considerado o seu melhor filme brasileiro, e na Kino-Filmes, O canto do mar e
Mulher de verdade (1954). Ainda no Brasil publicou o livro Filme e realidade (1952). Malvisto por suas
posições de esquerda e inconformado com o marasmo da vida cultural brasileira, voltou à Europa, onde
realizou outros filmes, como Herr Puntilla und sein Knecht Matti (O senhor Puntilla e seu criado Matti),
baseado na peça de Brecht. Alberto Cavalcanti morreu em Paris em 23 de agosto de 1982.
www.cinemanet.com.br/AlbertoCavalcanti.asp
76 “Caiçara”, o primeiro filme com o selo Vera Cruz. No início de 1950, depois de uma série de
conferências sobre cinema no MASP, o cineasta Alberto Cavalcanti é convidado por Franco Zampari para
dirigir a recém-criada Vera Cruz. Dispondo de amplos recursos, Cavalcanti contrata técnicos ingleses e
italianos que, juntamente com diretores brasileiros, começariam a "fase industrial" do cinema nacional.
154
opinião. O filme é bem acabado mas não é brasileiro. Ela crê que
somente brasileiros podem escrever roteiros genuinamente
brasileiros. Yolanda vê Caio e Antonia e pergunta sobre Martim,
pede que lhe dê lembranças. À mesa, os homens da Vera Cruz
conversam e falam sobre uma bienal de arte. Chatô chega e se
introduz “Vocês estavam duvidando que eu fosse fazer a
televisão? Pois preparem-se para a estréia!”
287
1950
São Paulo
18 de setembro. Inauguração da primeira emissora de
televisão da América Latina, a TV Tupi.
288
Casa de
Yolanda
Ciccillo e Yolanda estão no quarto “Eu estava pensando... por que
não fazemos uma bienal?” Ela fica extasiada com a idéia.
289
Restau-rante
Encontro de Yolanda, Elisa, Madiano e um grupo na qual se
decide que ela deverá visitar a Europa para conseguir a adesão de
vários países para a Primeira Bienal de SP. Ela vê Martim (toca
Too Young) e Ciccillo pergunta por que não convidam o médico a
se sentar com eles. “Pelo mesmo motivo que eu nunca me sentaria
à mesa com Soledad”, diz Yolanda.
290
Ciccillo brinda o retorno da bem sucedida viagem de Yolanda à
Europa. Ela fala sobre as adesões. Chatô chega e diz que Getúlio
precisa apoiar o evento. Yolanda se recusa a falar com o
presidente. Mas Chatô insiste “Você vai ter de ir ao Catete beijar a
mão do velho!”
291
Casa de
Soledad
Ciccillo mantém seu romance paralelo com Soledad que lhe pede
um túmulo no cemitério da Consolação.
292
Chatô e Bonomi conversam e dizem que a bienal emperrou na
Câmara dos Deputados. Os deputados querem uma bienal
itinerante, cada ano em um estado diferente. O grupo idealizador é
contra.
Nos primeiros dias de março daquele ano, em Ilha Bela/SP, uma equipe de 70 pessoas, entre técnicos e
atores começam a filmar Caiçara, com direção do italiano Adolfo Celi e tendo nos papéis principais:
Eliane Lage, Carlos Vergueiro e Mário Sérgio. Pretenso "cinema sério", numa contrapartida à chanchada
nacional, Caiçara (escrito na Itália) era um melodrama narrando a história de uma filha de leprosos no
litoral paulista. www.30anosdehistoria.hpg.ig.com.br/caicara.htm
155
293
Chatô e Yolanda estão em um night club. Ela está incomodada e
preocupada com a situação de Maria Bonomi (que está tentando
seduzir um deputado a aprovar a Bienal em São Paulo somente).
294
Rio de Janeiro
Bonomi, atendendo a uma sugestão de Chatô, promete ao velho
deputado partir com ele para Paris após a votação da lei que
instaura a Bienal em São Paulo. Bonomi retorna a São Paulo sem
cumprir o prometido. Chatô fala com o deputado.
295
Mansão dos
Matarazzo
Todos estão exultantes com o sucesso da estratégia do grupo: “A
Bienal é de São Paulo!
296
1951 8 de outubro de 1951. Primeira Bienal de São Paulo. Os
modernistas da Semana de 1922 ficam de fora.
297
Yolanda e Bonomi, às escuras com lanternas na mão, vêem a obra
Guernica
77
de Pablo Picasso, ainda não aberta à exposição e se
encantam. Martim entra e diz que esteve em Guernica durante a
Guerra Civil espanhola.
298
1954 25 de janeiro de 1954. Festa do Quarto Centenário da
fundação de São Paulo.
299
1961
Festa em casa de Yolanda e Ciccillo. Flávio de Carvalho
comparece vestido com o famoso traje tropical que criara para o
homem brasileiro. Todos estão na festa. Lola pergunta a Yolanda
qual é o motivo da comemoração.
300
Yolanda pede a palavra e anuncia o motivo da festa: sua
separação de Ciccillo. Garante que continuam amigos e que vão
continuar lutando pelas artes e pela cultura de São Paulo. O acervo
do casal é doado ao MAC. (Música de fundo: Too Young)
301
Yolanda recebe um bilhete onde lê “Para corrigir um erro de mais
de 30 anos” e fica exultante. Aproxima-se de Ciccillo e sugere que
ele se case com a espanhola.
302
Yolanda chega ao Viaduto do Chá, no centro da cidade. Ao fundo
77
Bivar conta em seu livro (p.278) que, diferentemente da minissérie, o famoso quadro Guernica veio
para o Brasil três anos depois, por ocasião da segunda Bienal, em 1954.
156
se vê o Theatro Municipal onde Martim a espera. Eles se abraçam
e se beijam. Depois caminham pelo viaduto.
303
Sobre a imagem do casal, finalmente unido, sobe legenda onde se
lê “Aos 75 anos, Ciccillo se casou com sua amante espanhola.
Yolanda faleceu aos 80 anos e suas cinzas foram jogadas na
figueira da Empyreo conforme era seu desejo. Os frutos do
trabalho de Yolanda e Ciccillo são usufruídos pelos milhões de
pessoas de todas as raças e origens que vivem em São Paulo
irmanados em uma só vontade e unidos em um só coração.”
157
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Humanitas, 2005.
SPERBER, Suzi Frankl, Mandala, mandola: figuração da positividade e esperança.
Revista de Estudos Avançados. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006
Dissertação de Mestrado
GOMES DIAS, Marcos Horácio. "Entre A Ética Cristã e a Estética Cortesã: A Pintura
de Corte em Minas Colonial". Orientador: Profa. Dra. Mary Del Priore. Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade De São Paulo, 2000
Sites consultados
30 anos de história. 30anosdehistoria.hpg.ig.com.br/ caicara.htm
Billbox Records. https://www.billboxrecords.com.br
Cinema Net. cinemanet.com.br/ AlbertoCavalcanti.asp
Cinema Net. cinemanet.com.br/ critica.asp?id=34
Elógica. elogica.br.inter.net/crdubeux/hnovo.html
159
Geocities. geocities.yahoo.com.br/ vinicrashbr/historia/geral/ guerracivilespanhola.htm
Ministério das Relações Exteriores. mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/ web/port/ artecult/
teatro/tbc
Revista Veja. veja.abril.com.br/ vejasp/271004/misterios.html
Site de cinema. sitedecinema.com.br/ conteudo/ entrev
Ucho. ucho.info/prateleira.htm
Unirio. unirio.br/ opercevejoonline/7/artigos/6/artigo6.htm
Therapeutic Child. therapeuticchild.ca/ childrens_drawings/
tree_test_house_drawings.htm
Teledramaturgia. teledramaturgia1.kit.net/ umsocor (sinopse completa)
O Estado de São Paulo. estadao.com.br/ divirtase/noticias/2004/jan/19/52.htm
Filmes, animações e peças citadas
A BELA E A FERA (Beauty and the Beast). EUA, 1991. Desenho de animação. Direção
de Gary Trousdale e Kirk Wise.
A CASA DAS SETE MULHERES. Brasil, 2002. Minissérie para televisão. De Walther
Negrão e Maria Adelaide Amaral. Direção de Jaime Monjardim e Marcos Shechtman.
A MURALHA. Brasil. 2000. Minissérie de televisão. De Maria Adelaide Amaral.
Direção de Denise Sarraceni.
A PEQUENA SEREIA (The Little Mermaid). EUA, 1989. Desenho de animação.
Direção de Ron Clements e John Musker.
DESEJO. Brasil, 1990. Minissérie para televisão. De Glória Perez. Direção de Wolf
Maia.
E O VENTO LEVOU (Gone with The Wind) EUA, 1939. Direção de Victor Fleming.
Com Clark Gable e Vivien Leigh.
GRANDE SERTÃO: VEREDAS. Brasil, 1985. Minissérie para televisão. Adaptação do
romance de João Guimarães Rosa. De Walter George Durst. Direção de Walter
Avancini.
160
JANELA INDISCRETA (The Rear Window) EUA, 1954. Direção de Alfred Hitchcock.
Com James Stewart e Grace Kelly.
JK. Brasil, 2006. Minissérie para televisão. De Maria Adelaide Amaral e Alcides
Nogueira. Direção de Dennis Carvalho.
A PRINCESA E O PLEBEU (Roman Holiday) EUA, 1953. Direção de William Wyler.
Com Audrey Hepburn e Gregory Peck.
O REI LEÃO (The Lion King) EUA, 1994. Desenho de Animação. Direção de Roger
Allers e Rob Minkoff.
O SHEIK (The Son of the Sheikh). EUA, 1926. Direção de George Fitzmaurice. Com
Rodolfo Valentino e Vilma Bánky.
OS MAIAS (Brasil, 2001). Minissérie para televisão. De Maria Adelaide Amaral.
Direção de Luiz Fernando Carvalho.
SISSI (Sissi, a Imperatriz da Áustria). Áustria. Direção de Ernst Marischka. 1955. Com
Romy Schneider e Karlheinz Böhm.
STORYTELLING (StoryTelling). EUA. Direção de Todd Solondz. Com Selma Blair e
Leo Fitspatrick.
TARZAN (Tarzan) EUA, 1999. Desenho de animação. Direção de Chris Buck e Kevin
Lima.
TIA MAME (Auntie Mame) Romance escrito em 1955 por Patrick Dennis que gerou um
filme de 1958 e um musical na Broadway em 1966.
TITANIC (Titanic). EUA, 1997. Direção de James Cameron. Com Leonardo DiCaprio e
Kate Winslet.
Outras referências consultadas
As Metamorfoses de Pictor e outros contos. Hermann Hesse, 1922.
Favola / Tutte Storie. Eros Ramazzotti. Gravadora BMG, 1993.
Sinfonia nº 5 em E menor (op.64). Tchaikovsky, 1888
Recortes e encartes dos jornais Folha de São Paulo, O Estado de S.Paulo, Jornal A
Gazeta da Zona Norte (27/03/2004).
161
3.3 FAVOLA D´AMORE / AS METAMORFOSES DE PICTOR
Hermann Hesse, 1922
Mal havia chegado ao paraíso, Pictor se viu diante de uma árvore que era, ao mesmo
tempo, homem e mulher. Pictor saudou a árvore com reverência e perguntou: “Tu és a árvore da
vida?”. Mas quando, no lugar da árvore, quem lhe respondeu foi uma serpente, ele virou as
costas e continuou a caminhar. E admirava a tudo. Todas as coisas lhe agradavam. Sentia
claramente estar em seu próprio país e próximo à fonte da vida.
E vê novamente uma árvore que era, ao mesmo tempo, sol e lua. Pictor pergunta: “Tu és a
árvore da vida?”
O sol concorda e sorri. Flores magníficas o observam com uma centena de cores e de
sorrisos luminosos, com uma centena de olhos e de rostos. Alguns concordavam e riam, outros
apenas concordavam mas não sorriam: os bêbados se recolhiam, e se perdiam em si mesmos, se
fundiam em seu próprio perfume. Uma flor cantou a canção do lilás, outra flor cantou a
profunda canção azul de ninar. Uma das flores tinha grandes olhos azuis, uma outra lhe fazia
lembrar seu primeiro amor. Uma flor tinha o perfume do jardim da infância, seu doce perfume
ressoava como a voz de sua mãe. Outra flor, rindo, alongou-se em sua direção com sua língua
vermelha e curva. Ele a lambeu e ela tinha um sabor forte e selvagem, como se fosse resina e
mel, mas também como beijo de mulher.
Pictor estava entre todas estas flores, repleto de encantamento e de uma alegria inquieta.
Seu coração, como um sino, batia forte, batia muito, seu desejo buscava o desconhecido, em
direção ao mágico imaginário.
162
Pictor socorreu um pássaro pousado na relva que emanava cores luminosas. O belo
pássaro parecia possuir todas as cores. Ao belo pássaro multicor, ele perguntou: “Pássaro, onde
se encontra a felicidade?”
“A felicidade?” disse o belo pássaro com seu bico dourado, “a felicidade, amigo, está em
toda parte, sobre os montes e nos vales, nas flores e nos cristais”.
Com estas palavras, o passarinho num gesto rápido, ajeitou suas penas, alongou o
pescoço, agitou a cauda, apertou os olhos, riu mais uma vez e por fim sentou-se, imóvel, sobre a
relva. E eis que o pássaro havia se transformado em uma flor de muitas cores. As penas se
haviam transformado em folhas, as garras em raízes. Na glória das cores, na dança e no
esplendor, o pássaro agora era uma planta. E Pictor assistiu a tudo maravilhado.
E, de repente, o pássaro-flor começou a agitar suas folhas e seus pistilos. Já estava
cansado de ser flor, já não tinha mais raiz. Agitando-se um pouco mais ergueu-se lentamente e
se tornou uma esplêndida borboleta, que se lançou nos ares, sem peso, toda de luzes
translúcidas. Pictor arregalou os olhos ante tamanha maravilha.
Mas a nova borboleta, a alegre e multicolorida borboleta-flor-pássaro, a luminosa forma
colorida voou ao redor de Pictor ainda estupefato, reluziu ao sol e, suavemente, desceu a terra
como um floco de neve, e pousou próximo aos pés de Pictor. Respirou levemente, tremeu um
pouco suas asas resplandecentes, e então, se transformou em um cristal do qual irradiava uma
intensa luz vermelha.
E a preciosa pedra vermelha brilhava maravilhosamente entre plantas e ervas, como o
soar de sinos em festa. Mas a sua casa, nas profundezas da terra parecia chamá-la. Subitamente,
começou a se desfazer e ameaçava desaparecer. Agora, Pictor, tomado por um desejo
incontrolável, colocou-se diante da pedra que se dissolvia e a tomou em suas mãos. Extasiado,
mergulhou o olhar em sua mágica luz, que parecia irradiar de seu coração o sentimento de uma
plena comunhão com deus.
De repente, alongando-se sobre um tronco seco de árvore, a serpente sussurrou em seu
ouvido: “A pedra pode transformar você naquilo que você quiser. Rápido, diga-lhe qual é o seu
desejo, antes que seja tarde!”.
163
Pictor se assustou e teve medo de ver sua sorte desaparecer. Rapidamente, disse a palavra
e foi transformado em árvore. Por mais de uma vez havia desejado ser uma árvore, porque as
árvores pareciam ser sempre plenas de paz, força e dignidade.
Pictor, então, se tornou árvore. Penetrou a terra com suas raízes, alongou seu tronco para
cima. Folhas e ramos germinaram a partir de sua sombra frondosa. Estava muito feliz. Com
vigor redobrado, sugou da fresca profundidade da terra e suas folhas tremulavam intensamente
no azul do céu. Insetos habitavam seu tronco, a seus pés habitavam porcos e coelhos. Entre seus
ramos e galhos, moravam os passarinhos.
A árvore Pictor era feliz e nem percebia os anos que lhe passavam. E passaram-se muitos
anos até que se apercebesse que sua felicidade não era perfeita. Lentamente aprendeu a olhar
com olhos de árvore até que, por fim, conseguiu ver. E ficou triste.
Viu, então, que ao seu redor, no paraíso, a maior parte das criaturas se transformava o
tempo todo. Que, afinal, todas as coisas percorriam um fluxo encantado de intermináveis
transformações. Viu flores se transformarem em pedras preciosas ou alçar vôo como fulgurantes
colibris. Viu, bem ao seu lado, mais de uma árvore desaparecer de repente: Uma se transformara
em fonte, a outra se tornava crocodilo, outra ainda nadava feliz e contente, com grande prazer,
como se fosse um peixe alegre que desaparece sob as águas, novas brincadeiras em novos
formatos. Elefantes tomavam a forma e a aparência de rochedos, girafas se tornavam flores.
No entanto, ele, a árvore Pictor, permanecia sempre o mesmo, não podia mais se
transformar. E a partir do momento em que percebeu isto, viu sua felicidade desaparecer.
Começou, então, a sentir inveja e adquiriu aquela aparência cansada, séria e aflita que se pode
observar em muitas árvores velhas. Pode-se observar também, diariamente, nos cavalos, nos
pássaros, nos homens e em todos os seres que não possuem o dom da transformação, que
mergulham na tristeza e no abatimento com o passar do tempo e perdem, assim, toda sua beleza.
Um belo dia, uma donzela de cabelos louros e de roupas azuis se perdeu naquela parte do
paraíso. Cantando e dançando, a loura donzela corria por entre as árvores e, até aquele
momento, nunca lhe ocorrido desejar o dom da transformação. Muitos macacos sábios lhe
sorriram quando ela passou. Mais de um arbusto lhe acariciou de leve com seus ramos, mais de
164
uma árvore deixou cair uma flor, uma noz, uma maçã, em seu caminho, sem que ela, ao menos,
percebesse.
Quando a árvore Pictor socorreu a borboleta, foi tomado por grande emoção, um desejo
de felicidade como nunca antes tinha sentido. E, ao mesmo tempo, viu-se imerso em profunda
meditação, porque era como se seu próprio sangue lhe gritasse: “Retorna a ti mesmo! Lembra-te
neste momento de toda tua vida, encontra-lhe um sentido, de outro modo será muito tarde e não
mais te será dada a felicidade”. E ele obedeceu.
Lembrou-se, então, de suas origens, de seus anos como ser humano, de sua jornada rumo
ao paraíso e, de maneira especial, lembrou-se daquele momento pouco antes de se tornar árvore,
aquele instante maravilhoso quando teve em suas mãos aquela pedra encantada. E agora,
quando todas as transformações lhe eram permitidas, a vida era urgente como nunca antes fora.
Lembrou-se do passarinho que lhe havia sorriso e da árvore que continha a lua e o sol. Foi
tomado pela suspeita que tivesse perdido ou se esquecido de muitas coisas e que o conselho da
serpente talvez não tivesse sido bom.
A donzela se agitou por entre as folhas da árvore Pictor. Ele ergueu o olhar e sentiu, com
um súbito pesar no coração, novos pensamentos, novos desejos, novos sonhos a despertarem
dentro de si. Ela, atraída por uma força desconhecida, sentou-se sob a árvore. A árvore lhe
pareceu solitária e triste e, por este motivo, bela. Comovente e nobre em sua tristeza. Estava
encantada pela canção que sua folhagem lhe sussurrava docemente. Apoiou-se em seu tronco e
sentiu a árvore tremular profundamente. Sentiu o mesmo tremor em seu coração. Seu coração
estava estranhamente triste. No céu de sua alma escorriam nuvens, de seus olhos caíam
lentamente lágrimas de pesar. O que estava acontecendo? Por que sofria assim? Por que razão o
seu coração desejava se romper e se juntar à árvore, ela mesma, tão bela e solitária? A árvore
sentiu tremer silenciosamente sua raiz e com grande intensidade tentava reunir em si a força
para continuar viva, inerte frente à donzela, em um ardente desejo de comunhão. “Ai de mim
Por que havia se deixado levar pela serpente e escolhido viver para sempre confinada ao chão.
Para sempre uma árvore solitária! Oh, como havia sido cego, como fora ingênuo! E sabia tão
pouco naquele momento. Estaria ainda tão longe do segredo da vida? Não, também neste
165
momento, ele havia intimamente sentido o presságio! E com muita dor e profunda compreensão
lembrou-se daquela árvore que era ao mesmo tempo homem e mulher!
É quando surgiu voando um passarinho. Era um passarinho vermelho e verde. Corajoso e
belo enquanto descrevia um rculo no céu. A donzela o observa a voar e cair de seu bico
alguma coisa que brilhava em intensa cor vermelha como se fosse sangue, vermelho como se
fosse brasa, e cai sobre as plantas verdes, e reluziu com tanta intensidade entre a vegetação.
Tanta era a atração que causava sua forte luz vermelha que a borboleta se inclinou e se ergueu
para ver melhor. E descobriu um cristal, um rubi em torno do qual tudo era iluminado.
A donzela mal toma a pedra encantada em suas mãos brancas quando se realiza o sonho
que lhe havia preenchido o coração. A bela desaparece e se funde à árvore, tornando-se um
ser. Incorporou-se à árvore como um ramo novo e robusto que brotava e crescia junto ao tronco.
Agora tudo estava em seu lugar. O mundo estava novamente em equilíbrio. Ele havia
acabado de conhecer o paraíso. Pictor não era mais uma velha árvore entristecida. Agora
cantava forte. Pictoria. Vitória. Estava transformado. E porque desta vez havia obtido a
verdadeira e eterna transformação, porque de uma metade, havia se tornado um todo, daquele
momento em diante poderia continuar a se transformar tanto quanto desejasse. Incessantemente,
o ritmo encantado das transformações corria em suas veias. Sem mais parar, participava da re-
criação a cada momento.
Transformou-se em cabra, virou peixe, tornou-se homem e serpente, nuvem e pássaro.
Mas em cada nova forma que adquiria, estava inteiro, era um “casal”. Continha em si a lua e o
sol, o homem e a mulher. Corria como rios gêmeos pela terra. Brilhava como duas estrelas no
céu
(traduzido de uma versão em língua italiana)
166
3.4 FAVOLA, DE EROS RAMAZOTTI (1992)
E raccontano che lui si trasformò in albero e
che fu per scelta sua che si fermò. E stava lì
a guardare la terra partorire fiori nuovi.
Così fu nido per conigli e colibri. Il vento
gl'insegnò i sapori di di resina e di miele
selvatico. E pioggia lo bagnò.
La mia felicità - diceva dentro se stesso -
ecco... ecco... l'ho trovata ora che... ora che
sto bene e che ho tutto il tempo per me. Non
ho più bisogno di nessuno. Ecco la bellezza
della vita che cos'è?
"Ma un giorno passarono di lì due occhi di
fanciulla, due occhi che avevano rubato al
cielo un po' della sua vernice."
E sentì tremar la sua radice. Quanto
smarrimento d'improvviso dentro sé. Quello
che solo un uomo senza donna sa che cos'è.
E allungò i suoi rami per toccarla.
Capì che la felicità non è mai la metà di un
infinito. Ora era insieme luna e sole, sasso e
nuvola. Era insieme riso e pianto o soltanto
era un uomo che cominciava a vivere. Ora
era il canto che riempiva la sua grande
immensa solitudine.
Era quella parte vera che ogni favola
d'amore racchiude in sé per poterci credere.
E contam que ele se transformou em árvore/
e que foi por decisão sua que se enraizou. E
ficou ali a olhar a terra a parir flores novas.
Assim, serviu de ninho para coelhos e
colibris. O vento lhe ensinou os sabores de
resina e de mel selvático. E a chuva o
banhou.
A minha felicidade” – dizia para si mesmo –
“Ei-la... ei-la... eu a encontrei agora que
estou bem. E que tenho todo o tempo para
mim. Não preciso de mais ninguém. Ei-la... a
beleza da vida, o que é?”
“Mas um dia, passaram por ali dois olhos de
donzela, dois olhos que tinham roubado do
céu um pouco de seu brilho.”
E ele sentiu tremer a sua raiz. Quanta
confusão dentro de si. Aquela que só um
homem sem uma mulher sabe o que é. E
alongou seus ramos para tocá-la
Compreendeu que a felicidade não é nunca a
metade de um infinito. Agora estavam juntos
lua e sol, pedra e nuvem. Eram juntos riso e
pranto ou era apenas um homem que
começava a viver. Agora era o canto que
preenchia a sua grande e imensa solidão
Era aquela parte verdadeira que toda
fábula de amor contém em si para que
nela se possa crer.
167
3.5 CRONOLOGIA DOS EVENTOS DA VIDA DE YF E DA CIDADE DE SP
Tabela comparativa entre os principais acontecimentos da história da cidade de São
Paulo com a trajetória da personagem Yolanda da minissérie.
Ano Cidade de São Paulo Yolanda Penteado (YF)
1922 Semana de Arte Moderna
c.1922 Casamento com Fernão
1924 Revolução Tenentista Morte da menina Érica
1926 Aborto e fim do sonho de ter filhos
1928 Manifesto Antropofágico
1929 Crise do café após o Crack da Bolsa de
Nova York
Falência do marido. Assume a
recuperação da fazenda
1930 Revolta nas ruas. Tomada da Bastilha
do Cambuci
Divórcio de Fernão
1932 Revolução Constitucionalista
Criação da SPAM
Detenção no Rio de Janeiro
Praga do algodão
1933 Investe no bicho-da-seda.
Conhece Ciccillo Matarazzo
1937 Instalação do Estado Novo Inicia romance com Ciccillo
1938 Inicio da plantação de mandioca
1945 Fim da Guerra.
Morte de Mario de Andrade
Diversificação da lavoura na fazenda
(milho, cana etc)
1947 Instalação do MASP (Assis
Chateaubriand)
Casamento com Ciccillo
1948 Constituição do MAM (Ciccillo
Matarazzo e Yolanda Penteado).
Criação do TBC (Ciccillo Matarazzo)
168
1949 Criação dos estúdios da Vera Cruz
(Ciccillo Matarazzo)
1950 Inauguração da televisão no Brasil
(Assis Chateaubriand)
1951 1ª Bienal de SP (Ciccillo Matarazzo e
Yolanda Penteado)
1954 Festa do Quarto Centenário e
2º Bienal de São Paulo.
1961 Anuncia sua separação de Ciccillo para
se unir a Martim.
169
3.6 FICHA TÉCNICA E ELENCO PRINCIPAL DE UM SÓ CORAÇÃO
Um só coração (Brasil, 2004). Duração: 22h16min.
Autores: Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Colaboradores: Lucio Manfredi e
Rodrigo Antares do Amaral. Direção de núcleo: Carlos Manga / Direção geral de Carlos
Araújo. Direção: Marcelo Travesso e Ulysses Cruz. Assistentes de direção: Gustavo
Fernandes, Noa Bressane, Federico Bonari e Felipe Louzada.
ELENCO PRINCIPAL
Família Penteado
Ana Paula Arósio (Yolanda Penteado)
Cássia Kiss (Guiomar Penteado)
Cássio Gabus Mendes (Jacinto Penteado)
Cláudio Fontana (Jayme Penteado)
Selma Egrei (Olívia Guedes Penteado)
Chica Xavier (Isolina, a criada)
Os homens de Yolanda
Antonio Calloni (Assis Chateaubriand)
Cássio Scapim (Alberto Santos Dumont)
Edson Cellulari (Ciccillo Matarazzo)
Eric Marmo (Martim Paes de Almeida)
Herson Capri (Fernão Queiroz Chaves)
Outros personagens
Antonio Frateschi (Ernesto)
Ariclê Perez (Madame Claire)
Carlos Vereza (Doutor Varella)
Daniela Escobar (Soledad)
Fernanda Paes Leme (Elisa, a prima)
Paula Hunter (Gilda Varella)
Família Souza Borba
Daniel Oliveira (Bernardo)
Julia Feldens (Maria Laura, a narradora)
Marcello Anthony (Rodolfo)
Letícia Sabatella (Maria Luisa)
Tarcisio Meira (coronel Totonho)
Os Modernistas
Betty Gofman (Anita Malfatti)
Eliane Giardini (Tarsila do Amaral)
José Rubens Chachá (Oswald de Andrade)
Miriam Freeland (Patrícia Galvão, Pagu)
Paschoal da Conceição (Mario de Andrade)
Pedro Paulo Rangel (Senador José de Freitas Valle)
Tato Gabus (Paulo Prado)
Tuna Dwek (Marinete Prado)
170
Livros Grátis
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