Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
CONFIGURAÇÕES ESTÉTICAS
E FIGURINO DA
TELENOVELA O CLONE
ELISA FAJOLLI NAVARRO
Dissertação Apresentada ao Programa
de Mestrado em Comunicaçã da
Universidade Paulista – UNIP para
a obtenção do Título de Mestre.
São Paulo / SP
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
CONFIGURAÇÕES ESTÉTICAS
E FIGURINO DA
TELENOVELA O CLONE
ELISA FAJOLLI NAVARRO
Dissertação Apresentada ao Programa
de Mestrado em Comunicaçã da
Universidade Paulista – UNIP para
a obtenção do Título de Mestre, sob
orientação da Profa. Dra. Solange
Wajnman.
__________________________________
São Paulo / SP
2007
ads:
3
Navarro, Elisa Fajolli
Configurações estéticas e figurino da telenovela O clone
/ Elisa Fajolli Navarro. – São Paulo, 2007.
143f.:il.
Dissertação (mestrado) Apresentada ao Instituto de
Ciências Humanas da Universidade Paulista, São Paulo, 2007.
Área de concentração: Comunicação e cultura midiática
“Orientadora: Solange Wajnman”.
4
À família.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar e acima de tudo a Deus.
À coordenação: Prof. Dr. Eduardo Peñuela Canizal
Prof. Dr. Antonio Adami
À banca de qualificação: Profa. Dra. Malena Segura Contrera
Profa. Dra. Rosane Preciosa
Aos professores do curso de mestrado: Profa. Dra. Janette Brunstein
Prof. Dr. Juan Droguett
Prof. Dr. Geraldo Carlos do
Nascimento
À secretaria pela atenção.
Minha gratidão especial à Profa. Dra. Solange Wajnman, minha dedicada
orientadora.
E a todos que contribuíram para a realização deste trabalho, muito
obrigada.
6
ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Medina marroquina de Fez .....................................................31
Ilustração 2 - Deserto do Saara. ..................................................................33
Ilustração 3 - Vista aérea de Fez..................................................................35
Ilustração 4 - Figurino de Jade na primeira cena..........................................41
Ilustração 5 - Jade vestida de maiô na praia. ...............................................43
Ilustração 6 - Pulseira-anel da Jade..............................................................44
Ilustração 7 - Jade veste traje da dança do ventre. ......................................46
Ilustração 8 - Jade vestida de burqa.............................................................47
Ilustração 9 - Túnica branca com bordado geométrico. ...............................48
Ilustração 10 - Calça pantalona com lenço amarrado no quadril................. 49
Ilustração 11 - Jade e Latiffa com véu na cabeça, bata e lenço no quadril...49
Ilustração 12 – Latiffa: look da segunda fase.............................................. 50
Ilustração 13 - Nazira: Luxo e estravagância. ..............................................51
Ilustração 14 - Ranya: segunda mulher de Said. .........................................52
Ilustração 15 - Ranya e Khadija....................................................................53
Ilustração 16 - Khadija, Said e Jade. ............................................................53
Ilustração 17 - Jade vestida de bata ao lado de Ranya............................... 60
Ilustração 18 - Bata marrom: transparência e ombros à mostra.................. 60
Ilustração 19 – Revista Manequim ed. 509, mai. 2002.................................62
Ilustração 20 – Editorial One Up – fev.2002 ................................................ 62
Ilustração 21 –Capricho abr. 2002. ..............................................................64
Ilustração 20 - Manequim ed. 508, abr. 2002. .............................................64
Ilustração 21 - Elle set. 2002. .......................................................................64
Ilustração 22 - Latiffa vestida com túnica preta bordada de arabescos........66
Ilustração 25 - Marido de Latiffa vestido com túnica branca. .......................66
Ilustração 26 - Editorial Amarílis abr 2002. .................................................67
Ilustração 23 - Manequim fev. 2002............................................................. 68
Ilustração 28 - Túnica com estampa de arabescos. Elle fev. 2002.............. 69
Ilustração 29 - Véu em variadas cores e acabamentos............................... 71
7
Ilustração 30 - Elle mar. 2002. .....................................................................72
Ilustração 31 – Manequim jun. 2002............................................................ 78
Ilustração 32 - Criativa jun. 2002. ................................................................ 79
Ilustração 33- Aprentação no ano de 1996................................................ 102
Ilustração 34 - Aprentação no ano de 1998............................................... 102
Ilustração 35 – Dançarinas no ano de 2002. ..............................................103
Ilustração 36 – Exemplo de trajes usados pelos povoados ao redor do Egito.104
Ilustração 37 - Dançarina vestida com bata, colete, lenço na cabeça e
amarrado no quadril................................................................................... 105
Ilustração 24 - Bailarinas y músicos, David Roberts, Cairo, 1856. 105 Ilustração 39 - El ba
i
Ilustração 40 - Bailarina y serpiente. Felipe Baratti, 1875-1910. ................106
Ilustração 41 - Salome. Gustave Moreau, final séc. XIX. ...........................106
Ilustração 42 - Bailarinas con dos espadas ................................................110
Ilustração 43– Jade na dança com a espada. ........................................... 110
Ilustração 44 - Bailarina egipcia, 1995........................................................111
Ilustração 45 - Dançarina convidada apresenta-se na trama seguindo as
normas árabes......................................................................................... 111
Ilustração 46 - Jade com olhos pintados com khôl. ................................... 113
Ilustração 47 - Criativa jun. 2002. .............................................................. 114
Ilustração 48 - Elle jun. 2002. .................................................................... 115
Ilustração 49- Pulseira-anel da Jade.......................................................... 118
Ilustração 50 - Tornozelira-anel. ................................................................ 121
Ilustração 51 - Manequim fev. 2002........................................................... 124
Ilustração 52 - Maria Fernanda: olhos delineados e
acessórios similares ao da personagem Jade............................................126
Ilustração 53 – Elle mar. 2002. .................................................................. 127
Ilustração 54 - Jade com colar em cascata semelhante das artistas ao lado. .. 127
Ilustração 55 – Colar árabe........................................................................ 128
Ilustração 56 – Colar da moda brasileira de 2002......................................128
Ilustração 57 - Bracelete de ouro maciço................................................... 131
Ilustração 58- Bracelete de ouro rendado.................................................. 131
8
RESUMO
A presente pesquisa estuda os jogos de apropriações estéticas da
telenovela O Clone e seus reflexos sobre a moda de rua entre os anos de
2001 e 2002. São investigadas as origens dos principais elementos do
figurino e a repercussão da trama junto aos telespectadores através dos
diferentes veículos midiáticos.
A configuração estética dessa telenovela é construída através da
aglutinação de elementos variados, originários de civilizações orientais
diversas. Isto resulta numa composição estética inusitada, a qual emitiu
uma “forma” dita “árabe”, tanto na telenovela, quanto na moda de rua, que a
população apreendeu como sendo “coisas das Arábias”.
Assim, o principal objetivo deste trabalho é identificar esta “forma”;
entender como ela é constituída, captada pelos telespectadores e
transmitida para a moda de rua, influenciando as escolhas dos
telespectadores não apenas quanto à vestimenta e acessórios, mas também
quanto a comportamentos incorporados no cotidiano.
O referencial teórico utilizado encontra-se no pensamento de
Maffesoli (1989 e 1996), ao considerar que, por meio da moda são
construídas imagens que refletem a vida e o cotidiano, reproduzindo-se
velozmente por meio das interconexões com variados campos, constituindo
9
assim, uma “forma”. Conforme o pensamento de Barnard (2003) são
utilizadas algumas noções comumente verificadas nas produções sociais da
pós-modernidade, como a intertextualidade, a alegoria, o pastiche e a
bricolage, que servem como suporte teórico para a compreensão de como
são formados os elementos estéticos na contemporaneidade.
As análises descritivas apresentam os principais cenários e figurinos
das cenas que exibem o núcleo árabe da telenovela. As entrevistas com
especialistas na cultura árabe e na dança do ventre auxiliam na elucidação
dos sentidos originais de alguns elementos da trama.
As configurações estéticas da telenovela baseiam-se em elementos
diversos da cultura oriental, nem sempre originários do Marrocos, nem
sequer às vezes árabes, como se fez parecer em O Clone. Mesmo quando
encontradas referências históricas da civilização árabe, muitas vezes esses
elementos apresentam-se destituídos de suas conotações originais e foram
reconfigurados pela cultura ocidental. Ao serem reapropriados pela moda de
rua, esses elementos ainda sofrem novas transformações, conforme se
constata através de pesquisa na mídia especializada em moda.
Assim, acredita-se que este trabalho pode contribuir para a
compreensão dos processos de construção, reprodução e disseminação das
formas estéticas na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: 1. Moda. 2. cultura midiática. 3. telenovela. 4. figurino.
10
ABSTRACT
The present research studies the play of aesthetic appropriations of
the soap opera O Clone and your reflections about street fashion between
the years of 2001-2002. The origins of the principal elements of the costumes
and the repercussion of the plot near the viewers are inquired by the several
midiatic vehicles.
The aesthetic configuration of this soap opera is built through of the
agglutination of varied elements, from different oriental civilizations. This
result an unusual aesthetic composition, which gave out a named "Arabian"
"form", so much in the soap opera, as in the street fashion, referring to what
the population caught like being “Arabian things”.
So, the principal objective of this work is identify this
"form", understanding as it is constituted, as it is caught by the viewers and
since it is transmitted for the street fashion, starting to influence the choices
of the viewers not only for the garment and accessories, but also as for
behaviors to be incorporated in the daily life.
The theoretical used referential system is in the thought of Maffesoli
(1989-1996), while thinking that, through the fashion, there are built images
that reflect the life, the daily life, and that multiply fast through of the
interconnections with varied fields, constituting so, a "form". Some notions
were used also, according to thought of Barnard (2003), usualy checked in
the social productions of the post-modernity like the intertextuality, the
11
allegory, the pastiche and the bricolage, what served like theoretical support
for the understanding of as they are formed the aesthetic elements in the
contemporaneousness.
The descriptive analyses present the principal sceneries and costumes of
the scenes that are showing the Arabian nucleus of the soap opera.
Specialists in the Arabian culture and in the belly dance are interviewed,
helping the elucidation of the original senses of some elements of O Clone.
The aesthetic configurations of the soap opera are based on different
elements of the oriental culture, not always original from Morocco, not very
often Arabs, since one was intending to make looking in you soap opera.
Even when historical references are present in the Arabian
civilization, sometimes these elements are already presenting themselves
deprived of his original connotations and are re-shaped by the western
culture. While being re-appropriated by the street fashion, these elements are
still submitted to new transformations, as it is possible to note through inquiry
in the specialized media in fashion.
So, one believes, with this work, can contribute to the understanding of the
processes of construction, reproduction and dissemination of the aesthetic
forms in the contemporary society.
Key words: 1. Fashion. 2. Media culture. 3. Soap opera. 4. Costume
12
SUMÁRIO
Lista de Ilustrações
Resumo
Abstract
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1
JUSTIFICATIVA .......................................................................................... 5
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO......................................................... 9
CAPÍTULO I - EXPRESSÕES DO CAMPO DA MODA.........................14
1.1 Caminhos da moda...........................................................................14
1.2 Expressões do campo da moda ........................................................18
CAP. II CONFIGURAÇÕES DA TELENOVELA O CLONE....................28
2.1 O universo da pesquisa.....................................................................28
2.2 Configurações visuais da telenovela ................................................30
2.3 As formas estéticas do figurino..........................................................37
CAP. III OS JOGOS DE APROPRIAÇÕES SOCIAIS DA MODA E
DA TELENOVELA O CLONE..................................................................54
3.1 As correspondências estéticas na moda...........................................54
3.2 As correspondências na dança do ventre..........................................86
3.3 As correspondências da maquiagem...............................................113
3.4 Os adereços árabes no figurino.......................................................117
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................134
FONTES............................................................................................... 138
BIBLIOGRAFIA......................................................................................142
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo estudar as influências das
configurações estéticas da telenovela O Clone na sociedade brasileira. Com
a realização de descrições técnicas, será destacado o figurino e pesquisada,
em registros de variados veículos midiáticos, a disseminação dessas formas
visuais. Finalmente, será analisada a maneira como essas formas foram
apropriadas pela moda de rua, buscando elucidar como são constituídos os
elementos estéticos na contemporaneidade, tanto na mídia quanto na moda.
O referencial teórico-metodológico adotado nessa pesquisa foi a
teoria do “formismo” sociológico de Michel Maffesoli, que propõe o estudo
das características da vida social, através da reflexão sobre o cotidiano,
analisando os diversos matizes sócio-culturais contemporâneos.
Distanciando-se de uma visão estática do mundo, Maffesoli entende que a
vida é produto de inúmeras influências:
os menores gestos da vida cotidiana, as conversas banais
de bares e botequins, as deambulações existenciais que
pontuam a vida diária, os numerosos rituais que estruturam
nossos dias – todos estes elementos, seja em ocasiões de
lazer, seja em horário de trabalho, ganham sentido denso,
sem que, com isso, venham a se inscrever num finalismo
preestabelecido (1988, p.126).
14
O estudo das formas visuais estampadas na telenovela O Clone
possibilita a compreensão da sociedade midiatizada, como é pensada por
Maffesoli. A mídia e a moda como produtos da contemporaneidade
relacionam-se constantemente efetivando seus repertórios e para Lipovetsky
“a mídia é mais representativa do ‘processo’ de moda do que a própria
fashion” (da indústria têxtil) (2004, p.205).
Assim, percebe-se em O Clone que tanto a telenovela como a
moda, através de suas formas visuais, valorizam as aparências, mas
esmorecem marcadas por sua efemeridade. Nas correspondências estéticas
da telenovela com outros campos, verifica-se uma moda que reúne algumas
das configurações que foram experimentadas no cotidiano. A importância do
“formismo” para compreender essa sociedade, está na sua propriedade de
estimar a aparência e a imagem.
A “forma” dá expressão à vida, demonstra a existência e permite
que seja observada em domínios inexauríveis. “O formismo é, antes de mais
nada, um pensamento da globalidade”(ibid., p.121), pois ele considera a
multiplicidade dos aspectos, redescobre a importância do jogo da diferença e
encontra profundidade na superfície.
Para apontarmos os ”formismos” manifestados na sociedade e
na moda, relacionados com a telenovela O Clone, utilizaremos dois módulos
do procedimento analógico: colagem-aglutinação e correspondências
(Maffesoli 1988, p.129-146).
15
Nesses módulos, encontram-se os suportes para o eixo
epistemológico desse estudo, que será sistematizado nas seguintes etapas:
1. levantamento e descrição dos figurinos do elenco feminino do núcleo
árabe da telenovela O Clone e dos cenários;
2. busca das origens históricas dos elementos visuais apresentados pela
telenovela;
3. coleta de dados referentes à telenovela O Clone nos variados
veículos midiáticos;.
4. comparação das formas visuais da telenovela O Clone com as formas
estéticas disseminadas no período de transmissão da telenovela.
Através da identificação das configurações da telenovela O Clone e
suas correspondências estéticas em outros campos, observa-se que a moda
participa das experimentações estéticas do cotidiano. No processo de
cenestesia
1
social, a forma invariante se articula ao seu discurso, seguindo a
mesma dinâmica do arquétipo e do estereótipo, permitindo que uma forma
compreenda a outra.
A telenovela, através da relação estética com o telespectador, oferece
produtos de consumo imaginário, que são incorporados em variados
campos. No figurino da telenovela O Clone, observa-se a apreensão da
moda pelas imagens exibidas, retratando estereótipos apresentados em
1
Maffesoli 1988: Pág.115. O autor define a relação da forma invariante com o discurso,
que formam um equilíbrio aleatório e sólido, por cenestesia social.
16
diversos veículos midiáticos, como por exemplo, editoriais de moda em
revistas que copiaram as formas visuais do figurino da telenovela e
reportagens sobre comportamento e consumo, expressões essas que
remetem às formas visuais do universo televisivo, entre outras
reapropriações.
Conforme explica Morin:
Todo um setor das trocas entre o real e o imaginário, nas
sociedades modernas, se efetua no modo estético, através
das artes, dos espetáculos, dos romances, das obras ditas
de imaginação. A cultura de massa é, sem dúvida, a
primeira cultura da história mundial a ser também
plenamente estética. (1975, p.79).
17
JUSTIFICATIVA
A idéia de estudar moda concebida pela telenovela sustenta-se na
abordagem de Ortiz (2000), que enfatiza a projeção da telenovela ao longo
dos anos, enquanto gênero dramatúrgico, norteada pelas transformações
sócio-político-econômicas, resultando em um gênero popular, genuinamente
brasileiro, que influencia hábitos, maneiras, costumes e linguagens.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa de
Opinião (IBOPE), 96% dos lares brasileiros possuem um aparelho de tevê.
Segundo esse mesmo Instituto, as telenovelas são as grandes líderes de
audiência.
As revistas, a internet, o cinema são fontes de influência para a moda
na vida dos brasileiros, no entanto, a telenovela demonstra exercer um
poder maior, por sua acessibilidade e por utilizar uma linguagem de fácil
compreensão para a massa. Ela concretiza a preocupação de se aproximar
da realidade, característica não só da telenovela, mas da indústria cultural
em geral.
De acordo com Martin-Barbero, “a telenovela no Brasil é um
fenômeno comunicativo de produção e pesquisa compartilhada por
produtores e consumidores, ao longo de trinta e cinco anos. Nela, pode-se
ver um repertório de representações identitárias, que proporcionam uma
perspectiva a partir da qual se pode estudar o processo de comunicação”
(2001, p.27).
18
Na telenovela O Clone, nota-se a influência do figurino na moda, o
que possibilita uma análise sobre as formas visuais que ambientam a ficção,
tornando-a convincente, apropriando-se e sendo apropriada pela realidade.
A figurinista Marília Carneiro escreveu no Caderno de Tendências do
Senac (2001):
O profissional precisa estar apto a realizar uma releitura do
que estará supostamente na moda, do que será uma
tendência e adaptar essa realidade aos atores-personagens.
E, quando finalmente uma tendência que aparece na novela
faz sucesso fora dela, ou seja, volta às ruas e faz parte
integrante da vida do telespectador, descobre-se que o
caminho estava correto (2001).
Mas a própria Marília Carneiro reconhece que o sucesso do figurino
junto ao público da telenovela não reflete meramente a antecipação das
tendências de moda, dependendo ainda de outros fatores:
Esse sucesso (do figurino da telenovela), porém, não é
apenas mérito do figurinista, mas faz parte de um contexto
maior: é o sucesso da trama junto ao público, o sucesso do
carisma do ator, o sucesso da identificação do público com os
personagens, o sucesso da sensibilidade do ator que
certamente interagiu com o figurinista para compor seu
personagem. (...) Mesmo o personagem mais brilhantemente
caracterizado, que tenha sido brindado com um figurino
impecável, poderá ficar em segundo plano, caso o ator não
consiga fazer com que o público se identifique com ele.(ibid)
19
Confirmando essa argumentação, Anne Hollander considera que “a
moda só vira moda quando atinge o desejo de uma maioria” (1996, p.57).
Assim podemos entender a importância da telenovela para essa dinâmica.
Como disseminadora de moda, ela parece orientar os telespectadores no
consumo de artigos e comportamentos, conforme mostram os registros
midiáticos.
Para entender melhor a ação da telenovela, Japiassu observa que o
“conjunto de idéias, princípios e valores reflete determinada visão de mundo,
orientando uma ação, sobretudo, uma prática.” (Japiassu apud Ferreira, B.,
1995, p.155).
Assim, a “forma” resultante da articulação da moda com a telenovela
é um discurso visual da sociedade contemporânea em determinada época,
expressando interesses, atividades, comportamentos e relacionamento
social.
A moda apresenta-se como um sistema em que as mudanças são
aceitas e criadas por um desejo contínuo de novas expressões. Conforme
Hollander, o que existe é “o desejo pela aparência, pela forma em si mesma
e não o desejo de expressar um significado” (1996, p.41).
Esse sistema de representações impulsionado pela moda e pela
mídia será abordado nessa pesquisa, através da teoria formista de Michel
Maffesoli (1988), a qual entende que a forma, em si, é suficiente para o
estudo dos elementos visuais, e ainda, é capaz de revelar traços
expressivos da sociedade em que foi produzida.
20
Sem desconsiderar aspectos como a lógica mercantilista, que subjaz
à produção da moda e da telenovela, focaliza-se, neste trabalho, a
importância do imaginário, despertando o desejo para o consumo da moda e
da telenovela.
A moda e a telenovela sugerem uma flexibilidade e capacidade de
adaptação para atender a uma variedade infinita de gostos. Como produto
da cultura de massa, a sua produção ocorre em constante diálogo com o
consumo, ou seja, com as demandas do “tecido do imaginário”, e seu
desenvolvimento sobre o “real”, apresentando uma relativa elasticidade.
Dessa maneira, foi articulada a dimensão propriamente teórica, que
permite a discussão acerca dos temas que norteiam essa pesquisa, com a
dimensão das configurações visuais presentes na telenovela O Clone e a
sua repercussão em outros veículos midiáticos.
21
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
A presente pesquisa foi concebida a partir dos estudos da
comunicação midiática e suas relações com a moda. Nesse percurso, foi
destacado como referencial teórico-metodológico a teoria do “formismo”
sociológico de Michel Maffesoli, que busca desvelar as dinâmicas na vida da
sociedade (1988, p.116).
A “forma” apreende a exuberância da aparência social, principalmente
por sua característica de inclusão, na qual, qualquer estrutura torna-se
notável. Numa sociedade movida pela efemeridade, destaca-se a
importância da atitude formista, que respeita a banalidade da existência, das
representações populares e das minúsculas criações que pontuam a vida de
todos os dias, tomando-as como objetos de estudo.
Assim para a presente pesquisa, a moda possui inúmeros elementos
que podem ser analisados pela perspectiva formista, revelando aspectos
importantes da sociedade.
Outra premissa importante da qual partiu esse estudo é a de que a
consciência individual é produto do conjunto de inúmeras influências sociais.
As reuniões esportivas, as manifestações musicais ou
políticas, os ruídos e os rumores das ruas de nossas cidades,
as ocasiões festivas de toda espécie – tudo isso dá mais
brilho e força a esta preeminência do todo. (Maffesoli, 1988,
p.111).
22
Dessa maneira, o estudo propôs-se a abordar as formas visuais da
telenovela O Clone e da moda, através de registros midiáticos que datam do
mesmo período, justamente com o intuito de reunir um grande número de
informações que, a despeito de parecerem irrelevantes quando tomadas
isoladamente, formam um conjunto, um corpo social com sentido e cujo
maior atributo é a sua aparência estética.
Buscou-se também refletir sobre a sociedade nos entrecruzamentos
das existências e experiências através das imagens, realçadas pelo valor da
aparência, que se coloca como organizadora do cotidiano.
As interações sociais nas suas variadas formas, desde uma página de
revista até uma grande festa, demonstram os valores coletivos, permeados
por aspectos macrossociais como a política, economia e a cultura,
colocando em relevo a multiplicidade das figuras que constituem o jogo
social.
PROCEDIMENTO ANALÓGICO
Para identificar os ”formismos” da vida social e da moda nesta
pesquisa, foi realizado o procedimento analógico de Maffesoli. Esse método
utiliza a comparação, servindo-se da ligação entre múltiplas facetas de uma
representação global. Para explorar o objeto de pesquisa, foram necessários
dois módulos do procedimento analógico: colagem-aglutinação e
correspondências (Maffesoli, 1988, p.129 -154).
23
COLAGEM - AGLUTINAÇÃO
A analogia aglutina e integra as situações aparentemente dispersas.
Como metáfora, a colagem reúne conteúdos aleatórios, mas que fazem
parte de uma mesma estrutura social, numa determinada época. Tudo é
relevante para a investigação sociológica, não há hierarquia entre os
gêneros que poderão ser estudados. Conforme explica Maffesoli “por um
movimento incessante, deve-se levar em conta tudo o que, num dado
momento, constitua uma expressão local do discurso do social” (1988,
p.146).
A fim de investigar esse discurso social, compreendido neste trabalho
como sendo as formas visuais da telenovela O Clone, foi utilizada uma
variedade de registros midiáticos que se reportaram a ela, tais como: jornais
(Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo), revistas (Veja, Época,
Contigo, Vogue, Elle, Capricho, Manequim), sites de internet variados e
alguns programas televisivos.Nessa coleta de dados, foram aglutinadas
informações sobre o dia-a-dia das pessoas, visando demonstrar uma “forma”
que a sociedade elabora para versar sobre si própria, em determinado
momento.
Todos os campos da vida social foram pertinentes à análise da
influência e disseminação do tema árabe transmitido em O Clone. No campo
econômico, encontram-se informações como o crescimento das vendas, os
produtos mais procurados no comércio e relacionados com a moda e a
telenovela. No campo social, destacam-se as formas de lazer, como a dança
24
do ventre nas academias e os trajes similares aos da telenovela. Na moda,
identificam-se as matrizes dessa “forma”, na maquiagem, nos adereços e
nas peças de vestuário. Ressalta-se também a pesquisa de editoriais de
moda que retrataram as formas estéticas similares às da telenovela O Clone.
CORRESPONDÊNCIAS
Esse módulo do formismo é o meio para se compreender, através da
analogia, a pluralidade no quadro da sociabilidade, ou seja, elementos
heterogêneos da vivência social, que estão presentes, todos ao mesmo
tempo, na trama do cotidiano. Pelo exercício de comparação entre
sociedades distantes no tempo e espaço, foram analisados os aspectos
moventes das representações sociais que correspondem à telenovela O
Clone, tais como, situações, experiências, mobilidade das sensações e do
sensualismo que caracterizaram o dia-dia.
A analogia, portanto, permite acima de tudo compreender o
presente. Semelhante a uma tela de fundo, ela dá relevo
àquilo que de outra forma passaria despercebido ou seria
diminuído ao ser declarado insignificante. (Maffesoli, 1988,
p.137).
Atentando à globalidade e à riqueza encontrada nos aspectos banais
dos acontecimentos sociais, como um simples objeto (a pulseira da Jade)
vendido no camelô ou a dança do ventre praticada nas academias de
ginástica, identifica-se a importância da estética nos variados modos de
relações sociais, através das correspondências das formas visuais da
25
telenovela O Clone com as formas apresentadas pela moda no vestuário e
costumes diários.
Esse procedimento foi realizado pela pesquisa de registros mídiáticos
que possuíam as formas visuais correspondentes à da telenovela O Clone,
as quais, justapostas, demonstraram por sua similaridade as conexões dos
variados campos, concretizando na forma estética a compreensão da vida.
Foi necessário também verificar se os aspectos das formas estéticas
retratados na telenovela correspondiam à realidade da sociedade
marroquina, e de que maneira eles foram descontextualizados e
reapropriados pelo telespectador brasileiro.
Seguindo o trajeto da apropriação do figurino por alguns
elementos das indumentárias étnicas, uma vez que este sofre uma
miscigenação de formas e contextos, foram apontados também os
deslocamentos das formas do figurino para a moda de rua. Assim, pelas
correspondências dessas formas da indumentária, do figurino e da moda
será percebido um processo de reapropriação, que interconecta as imagens
dos elementos de duas culturas, Ocidente e Oriente, resultando numa
renovação estética para uma moda passageira.
26
CAPÍTULO 1 – EXPRESSÕES DO CAMPO DA MODA
1.1 Caminhos da moda
O conceito de moda é apreendido na contemporaneidade em diversas
esferas da atividade social, desde a política até no turismo. A moda não se
limita apenas ao vestuário, mas abrange todos os campos que passam por
sucessivas flutuações. De acordo com Souza (2005), a moda pode ser vista
como um fato cultural e social, que se opõe aos hábitos tradicionais. Suas
mudanças dependem da cultura e dos ideais de uma época.
Na contínua transição de formas, medidas, matérias, texturas e numa
troca permanente de referenciais, a moda entrelaça o seu enredo. Segundo
as reflexões de Maffesoli (1996), a cultura contemporânea privilegia a
aparência como condição fundamental à sociabilidade. Dando continuidade
a esse pensamento, pode-se dizer que a moda, por se fundamentar na
aparência e nas experimentações estéticas, dá condição a essa
sociabilidade a que Maffesoli se refere, exercendo assim a função de
comunicar.
Nesse contexto, para compreender a moda contemporânea, mais
especificamente a moda de rua, será utilizada a formulação teórica de
Maffesoli (1989 e 2006) que sugere a compreensão da sociedade através da
sua “forma”. Esse termo se refere a uma configuração estética singular,
resultante da combinação de diferentes elementos visuais do cotidiano. Essa
27
“forma” é apreendida pela aparência e ela pode apresentar-se com
diferentes aspectos, conforme o contexto e a época em que ela estiver
inserida.
(...) a “forma” esgota-se no ato, é uma eflorescência, basta-
se a si mesma. Inúmeros são os domínios onde isso é
observável. Nos que fazem disso profissão, com certeza:
da moda à publicidade, passando pelas diversas imagens
midiáticas (1996:p.155).
Segundo Lipovetsky (2004), as sociedades vivenciam um tempo
hipermoderno reestruturado pela lógica e pela temporalidade da moda, cujo
princípio é “Tudo que é novo apraz”. Nada passa incólume à moda, ela
agrega sistematicamente todos os universos, que se transformam, assim,
em mera referência, desprovida de uma verdadeira tentativa de estabelecer
relação. De acordo com Caldas, a moda fagocita as várias esferas da
cultura, como objeto para criação (1999, p.53).
Os objetos consagrados pela moda (...) possuem uma
espécie de personalidade magnética, são expressões
totêmicas, em seu sentido antropológico, de uma
sensibilidade geral (Tornero apud Caldas, 1999, p.42).
À imagem da sociedade à qual serve, a moda revela-se multifacetada
e multiculturalizada. Criada nos entrecruzamentos dos variados tipos de
influências, ela reina no ambiente que engrandece a aparência. Nessa
sociedade, percebe-se que as formas estéticas são resultantes da
combinação e agregação de inúmeros elementos, de variadas épocas e
lugares. Para ela, o estado ideal é a mudança da aparência, que é
28
encontrado numa pulverização de propostas. Lipovetsky se refere a esse
fato como o “êxtase da mudança na continuidade, uma emoção ligada à
novidade reconhecível”. (2004, p.206).
Nessa necessidade de diversificação estética, a moda é uma
ferramenta para a construção de elementos, imagens e figuras. De acordo
com Mesquita, o sujeito está inventando moda pela primeira vez,
constituindo iniciativas estéticas decorrentes de exercícios de autonomia
(2006, p.25). Há uma popularização da moda e as suas experimentações
estéticas estão massificadas, sendo entrelaçadas com as mudanças
socioeconômicas e tecnológicas. Toda novidade se torna rapidamente
obsoleta, a moda inova em detrimento daquilo que já existia.
A presença da mídia confere uma experiência de tempo imediato,
extrapolando distâncias e espaço. Neste estudo, porém o que importa é
compreender que a temporalidade do presente governa tanto a moda quanto
a mídia, porque ambas ambicionam o consumo imediato. A mídia imerge na
moda para vender imagens de inovação, enquanto a moda imerge na mídia
para alcançar um grande público.
É nos cruzamentos e misturas de elementos que a moda vai se
redesenhando para garantir um repertório renovado, revelando imagens de
estéticas híbridas, num processo de deslocamentos e aglutinações. A
própria mídia viabiliza essas intersecções e prolifera essas imagens,
transportando-as para diferentes contextos. Como expõe o estilista Ronaldo
Fraga:
29
A mídia hoje pode destruir uma proposta, quer dizer, nem
deixar uma proposta nascer, ou fazer com que a multidão
vista essa proposta. (...) Porque se a mídia deveria ocupar,
simplesmente, a posição de informar o consumidor as idéias
que nasceram em determinado ponto do planeta, muitas
vezes, ela direciona esse consumidor a acreditar nisso ou
naquilo, sem passar a informação correta, o ‘porquê’
acreditar, ou o ´de onde` nasceu essa proposta (Mesquita
2006, p.90).
Vivencia-se uma época, na qual a imagem e a mídia dirigem e
orientam muitos comportamentos sociais, através de uma estética
pluralizada abstraída de diversas referências que multiplicam as opções da
moda de rua. Os caminhos estéticos que a moda propõe imbricam uma
dinâmica e versatilidade que correspondem estruturalmente ao chamado da
mídia e vice-versa. Conforme observa Wilton Garcia, “roupa serve para
vestir o corpo e moda serve para comunicar!” (2005, p.75).
No entanto, a roupa ampara a moda, assim como a mídia ampara a
moda e, como foi anteriormente abordado, acontece o mesmo em relação à
moda apoiando a mídia. A performance visual é o ingrediente essencial que
estabelece essa relação de estados híbridos recriados através de uma fonte
de imagens que aparenta ser inesgotável. Ela deve estar em constante
construção e deslocamento de cores, formas e matérias cujos resultados
surpreendem e atualizam a moda. Nesse sentido Lipovetsky registra que:
como a publicidade, a moda nada diz, é uma estrutura vazia
(...). O imperativo da moda não é narrar ou fazer sonhos, mas
mudar, mudar por mudar e a moda só existe através deste
30
processo de desqualificação incessante de formas. (2004,
p.145).
Afinal, percebe-se que a moda e a mídia, como produtos da
sociedade atual, asseguram-se na imagem que é viabilizada pela tecnologia.
E essa dinâmica exige uma eminente inovação, ela é como uma trama, tudo
se cruza, numa multiplicidade de referências estéticas que resultam dos
entrecruzamentos de vetores econômicos, políticos e culturais.
1.2 Expressões da moda
A possibilidade de refletir sobre a moda como um objeto pós-moderno
é amparada nesse estudo pelo pensamento de Barnard (2003, p.215-250).
De acordo com esse autor, um dos traços característicos da moda na
contemporaneidade é que ela é formada da mistura de diversas culturas que
compõem uma forma estética.
Maffesoli (1996) considera que, por meio da moda, são construídas
imagens que refletem a vida e o cotidiano, que se reproduzem velozmente
por meio de interconexões. Quando Bauman apud Barnard (2003, p.216)
defende que a principal característica atribuída à pós-modernidade é um
pluralismo de culturas permanente e irredutível, permite que seja afirmado
que a moda, ao funcionar como um espelho da sociedade, pode ser
caracterizada pelo seu aspecto de pluralidade.
31
A moda se apropria de inúmeros elementos para compor sua forma
estética. Isso poderá ser observado ao longo desse trabalho, através dos
exemplos citados do figurino da telenovela O Clone. Observa-se que estes
elementos foram configurados por uma pluralidade e a moda de rua, ao
capturá-los do universo fictício, aglutinou neles outros elementos e
combinações.
Nas inúmeras possibilidades de configurar e reconfigurar elementos
estéticos, os contextos sociais, nos quais estavam inseridos, vão se
perdendo, assim como as imagens formadas tanto pela mídia quanto pela
moda tornam-se instáveis e superficiais. Perdem suas raízes e, com o
potencial tecnológico experimentado na atualidade, as imagens e as
aparências estéticas são reproduzidas infinitamente, gerando novas formas
e possibilidades visuais.
O presente capítulo deve explicar como a moda de rua é constituída
esteticamente, fazendo uso de reproduções de imagens e de elementos,
impelida pelo desejo social do novo e pelo apelo das aparências para o
consumo.
Pelo estudo de Barnard, as características da pós-modernidade estão
implícitas na moda, devido a sua natureza caótica, fragmentada e evasiva,
como um produto que indica o incansável desejo de mudança dessa
sociedade que a concebe em termos de consumo.
Os elementos da moda de rua não possuem tradição simbólica. São
trocados e substituídos por novos elementos freqüentemente, são objetos de
32
consumo. “A sociedade pós-moderna é uma sociedade dirigida para criar um
desejo perpétuo de necessidade, de novidade, de diferença sem fim”
(Faurschou apud Barnard 2003, p.226).
O autor afirma que se um objeto possui valor simbólico, ele não é
moda. Seguindo essa linha de pensamento, será visto nesse trabalho como
as indumentárias étnicas desprovidas de seu valor simbólico, ao serem
fragmentadas e deslocadas para a telenovela num contexto de consumo,
tornam-se então elementos da moda de rua. Esses elementos passam a
fazer parte de um ciclo de obsolescência construído e planejado.
Apresentam-se ao consumidor como novidade, tomando o lugar de outros
elementos que acabam sendo descartados, mas logo, eles próprios se
exaurem, dando lugar a outras novidades, num ciclo contínuo e interminável.
O sistema lógico da moda é o de despertar o desejo pela diferença,
pela novidade, que é sempre superada por algo mais recente. Para
Baudrillard, é somente o jogo da diferença que produz a beleza (ibid,p.228).
Do mesmo modo, Barnard considera que na pós-modernidade só há beleza
em um produto se ele for diferente, não importando como ele foi constituído
esteticamente, desde que se apresente diferente do elemento que o
precedeu.
Aproveitando-se do pouco conhecimento da população brasileira a
cerca da cultura marroquina, a configuração estética da telenovela O Clone
foi construída através da aglutinação de elementos variados, originários de
civilizações orientais diversas, tornadas homogêneas, apagando-se as
33
peculiaridades culturais locais, historicamente constituídas, de cada nação.
Seu resultado foi uma composição estética inusitada, a qual, disseminou
uma “forma” dita “árabe”, tanto na telenovela, quanto na moda de rua,
referente àquilo que a população captou como sendo “coisas das Arábias”.
Assim, no contexto do objeto desta pesquisa, foram feitas reflexões
acerca da construção das imagens da moda de rua pela mídia, como a
intertextualidade, alegoria, pastiche e bricolage, noções propostas por
Barnard que explicitam a cumplicidade da moda com a pós-modernidade.
A noção de intertextualidade é usada pelo autor que argumenta que a
moda se constitui de modo intertextual por se imiscuir em diferentes lugares.
A moda atualmente está presente na saúde, na beleza, na moral, na
economia, na política, no lazer etc. Além de se deixar pertencer a inúmeros
campos ao mesmo tempo, esses campos se entrelaçam e suas formas
estéticas fazem referência uns dos outros.
Os elementos da moda são de caráter eclético, por isso a noção da
alegoria sugere que esses elementos transitam por inúmeros lugares e que
o mesmo elemento apresenta-se de formas diferentes, de acordo com o
contexto em que estiver inserido. Os elementos na alegoria são
posicionados conforme o desejo do alegorista. Devido ao caráter flexível da
moda, que permite que seus elementos flutuem no tempo e espaço, suas
produções assumem uma multiplicidade e encontram-se presentes
intertextualmente em variadas circunstâncias, sendo potencialmente
ambíguas.
34
O figurino de O Clone proporcionou numa análise descritiva dos seus
elementos, a identificação de como a telenovela desapropriou
deliberadamente elementos de variadas culturas e como a moda de rua, por
sua vez, os utilizou como objetos alegóricos, eliminando seus aspectos
simbólicos.
O pastiche é outra noção que explica como são construídas as
imagens da moda na contemporaneidade. Baseia-se no movimento
constante de imitações de estilos e elementos do passado e de outras
culturas, dos quais não se releva a sua procedência, mas estão dispostas
num catálogo com inúmeras opções para serem reutilizadas. Barnard
esclarece que o pastiche não possui caráter saudosista. Usa o passado
como uma fonte inesgotável de referências:
(...) Ele não está satisfeito em descrever o pós-modernismo,
com sua pilhagem dos estilos passados, como nostálgico.
Isso é seguramente correto: o pós-modernismo, nesse
disfarce, é tudo menos nostálgico desses estilos. Eles estão
simplesmente ali para serem canibalizados e aproveitados
(2003, p.241).
Para fundamentar a análise das imagens geradas pelos
entrecruzamentos de elementos dos variados campos, também pode ser
usada a noção da bricolage (Levi Strauss apud Barnard, 2003, p. 244-248),
que é identificada, na moda contemporânea, pelo ato contínuo de
reconstrução extraída dos mesmos materiais que já haviam sido usados no
passado. Ela envolve a contínua recombinação de elementos que são
permutáveis, isto é, capazes de se manterem em sucessivas relações com
35
outras entidades, fazendo referências ao passado, com o interesse de criar
novos significados, resultando em novos elementos.
No capítulo 3 deste trabalho, poderá ser observado através de
inúmeros exemplos como a moda de rua é configurada por essas mesmas
noções da pós-modernidade. As formas estéticas do figurino observadas no
capítulo 2 serão comparadas com a moda de rua divulgada pela mídia, no
mesmo período da transmissão de O Clone. Nessas correspondências e na
investigação de como as imagens estéticas foram reconfiguradas, tanto na
moda quanto na telenovela, serão percebidos esses movimentos propostos
por Barnard, de uma moda intertextual sendo produzida ora como alegoria,
ora como pastiche e ora como bricolage.
Essas noções são similares, mas apresentam pequenas
peculiaridades devido à multiplicidade da moda. Foram significativas para
que este estudo teórico conseguisse abordar como são os processos de
criação e reprodução do campo da moda na contemporaneidade.
Assim, por meio de alguns elementos do figurino, como o véu que
cobria os cabelos e parte da face de algumas personagens muçulmanas e a
fantasia esvoaçante da dança do ventre cheia de brilhos e penduricalhos,
será analisado como a telenovela e a moda de rua se apropriaram de
estereótipos, presentes no imaginário brasileiro, como “coisas das Arábias”.
Alguns desses elementos propostos pela telenovela não fazem parte da
cultura árabe e o próprio termo conhecido popularmente - “das Arábias”, é
36
algo vago, insípido, pois a população árabe é predominante em mais de 23
países que apresentam costumes distintos.
Desta maneira, as configurações de O Clone apresentam-se como
uma “forma” inédita, pois ela resultou da combinação de elementos e traços
de diferentes culturas e épocas. Pode-se dizer que a aspiração pelo novo foi
saciada pela trama durante sua exibição, pois como coloca Lipovetsky a
moda só se faz possível em sociedades cuja vida coletiva se desenvolve
permeada pelo culto das fantasias e das novidades, dentro de uma
temporalidade efêmera (1989, p.23).
Garcia e Miranda também afirmam que o consumo de moda sobrevive
pela busca de referências e citações e que a humanidade privilegia o olhar
como porta de entrada das sensações e do próprio conhecimento (2007,
p.83).
Garcia e Miranda (2007) propõem termos como a releitura, que se
refere à moda, quando essa não possui novidades e reutiliza elementos
transplantados de outros lugares e épocas, que são revigorados
plasticamente, amparados pela tecnologia midiática.
Looks de releitura sobrepõem-se em velocidade supersônica.
Décadas misturam-se com tecidos, cores com comprimentos,
masculino com feminino e tudo é retransmitido em cadeia
global pelas mídias terciárias aumentando a busca frenética
por diferenciais (2007, p.85).
37
Outra expressão proposta por elas é a tendência-mania, definida
como uma moda adotada rápida e geralmente promovida pelos personagens
de filmes e telenovelas, que são imitados pela massa. Para Lipovetsky, a
cultura de massa está imersa na moda porque gravita em torno de figuras de
estrelas e ídolos que impulsionam o consumo dos produtos utilizados em
programas televisivos (1989, p.213). Essa abordagem justifica a influência
da telenovela na moda de rua, evidenciando que os atores inspiram aos
telespectadores, que se apropriam dos mesmos elementos do figurino
vestido por eles.
Esse figurino consiste na adaptação, recriação da moda e dos seus
estereótipos com a intenção de quebrar a mesmice e obter a originalidade.
De acordo com Carneiro (2006), para o figurinista vestir personagens que
representem os dias atuais é necessária a utilização de roupas que estejam
à frente da moda, as quais, retiradas dos ateliês dos estilistas, só ganhem as
vitrines das ruas após a sua exibição na telenovela.
Assim, o figurinista age intertextualmente ao utilizar a área estética e
plástica e faz interagir a um só tempo, o mundo da ficção e o da vida real. A
sociedade, segundo Leite e Guerra (2002), é caracterizada pelo sistema
vestimentar imposto pela moda. Por isso se diferencia da ficção, que utiliza o
traje como um sistema vestimentar próprio que pode reproduzir as formas da
moda ou reinventá-las, acabando por vezes por inspirar a moda de rua.
Esse processo pôde ser visualizado no figurino da telenovela O
Clone, por apresentar composições incomuns referentes a uma cultura
distante, quase desconhecida do público brasileiro. Esse figurino passava a
38
conotação de que ele era típico do povo marroquino. No entanto, era
composto de peças que foram descontextualizadas e, numa recombinação
de elementos de diferentes culturas, criou-se uma nova “forma”, que, como
será visto mais adiante, não é inerente ao Marrocos.
Permeado pelo apelo cultural do ocidente, foram atribuídas a esse
figurino características novas, que o submeteram a uma reconfiguração,
tornando-o um produto sem fronteiras, seguindo o conceito cosmopolita da
cultura de massa, na composição de uma cultura universal.
Essa característica universal remete, segundo Maffesoli, a uma ética
da estética. Nesse sentido, entende-se o apelo provocado pelas imagens de
O Clone, ao romperem fronteiras, propondo novas experimentações
estéticas. Por fim, compreende-se que Maffesoli infere que, na pós-
modernidade, as coisas se esgotam no ar. Nada é infinito, imutável e para
sempre, embora se viva num eterno retorno de ressignificados das mesmas.
Numa lógica circular, a única coisa que importa é o tempo presente.
Assim, esse pensamento serve de fundamento para o exercício de
busca de correspondências, realizado nesse trabalho, tendo como objetivo
analisar as configurações do figurino de O Clone e a origem dos elementos
usados por ele, demonstrando que o valor das suas imagens encontra-se no
seu apelo estético. A telenovela, ao recombinar elementos diversos, operou,
pode-se dizer, através da alegoria, do pastiche e da bricolage, descartando
dos elementos os seus simbolismos e utilizando-os apenas como
significantes, inaugurando uma nova “forma” estética.
39
A moda de rua, no período da transmissão de O Clone, exibiu
elementos que faziam parte do figurino dessa telenovela, como poderá ser
visto, por meio da aglutinação de relatos midiáticos, no capítulo 3. Essa
moda disseminada nas ruas por influência da telenovela pôde ser
compreendida, nesse estudo, pelos termos, anteriormente vistos, de releitura
e tendência-mania, pois como objeto da contemporaneidade, ela se sustenta
na aparência e na necessidade contínua de renovação que logo é sucedida
por outra mais recente.
40
CAPÍTULO 2 - CONFIGURAÇÕES DA TELENOVELA O CLONE
2.1 O universo da pesquisa
A telenovela O Clone constitui o material principal do corpus dessa
pesquisa. Ela foi transmitida no horário nobre da Rede Globo, por volta das
vinte e uma horas, sendo chamada por “novela das oito”. Essa telenovela
esteve no ar entre o dia 1º de outubro de 2001 e 15 de junho de 2002.
Estreou menos de um mês após os ataques terroristas de 11 de setembro
de 2001. Um de seus principais temas foi a representação da cultura árabe,
sendo essa a possível alavanca do seu sucesso, tanto no Brasil quanto no
exterior.
O Clone foi escrito por Glória Perez e dirigido por Jayme Monjardim e,
segundo Silva Nunes, (2002), no espaço de cinco meses a história saiu do
papel para as telas, com seu enredo dividido em 221 capítulos.
A trama abordava assuntos polêmicos da contemporaneidade, unindo
a ficção ao jornalismo. Teve como enfoque assuntos completamente atuais e
opostos ao mesmo tempo. De um lado, a ciência experimentava a clonagem
humana e, do outro, o mundo mulçumano evidenciava as diferenças
culturais entre a sociedade ocidental e a oriental, contrapondo os avanços
da humanidade em direção ao futuro ao apego às tradições culturais.
Esses assuntos estão hoje em todos os jornais, são dois dos
grandes temas da atualidade. As pessoas têm dúvidas e se
perguntam: O que diz o Islã? Como vivem os árabes? Será
que o primeiro clone humano vai nascer logo? A Gloria Perez
41
foi magistral em trazer para uma novela de ficção assuntos
tão instigantes e tão diferentes”, diz Monjardim. (Silva Nunes,
2002, p.11)
Os árabes que estavam com a imagem manchada devido aos
ataques, passaram a ser moda. A telenovela foi exportada para o Chile,
Estados Unidos, Colômbia, Portugal, Peru, Argentina, Equador, Eslovênia,
Servia, Montenegro, México, Rússia e Venezuela - com apenas dois meses
de exibição no Brasil ela já tinha toda essa repercussão principalmente por
retratar a cultura árabe. É possível que o próprio atentado de 11 de
setembro, como uma afirmação da identidade muçulmana tenha feito aguçar
ainda mais a curiosidade sobre os costumes árabes, como se fosse preciso
entender seus valores para compreender as razões do ato.
Eis um resumo do enredo para se situar o objeto empírico deste
trabalho:
O Clone” conta a história de amor entre Jade e Lucas, que se
conhecem no Marrocos. Ela, muçulmana e órfã, voltava à casa de
seu tio Ali depois de ter crescido no Brasil. Ele, carioca e gêmeo
de Diogo, estava lá de férias com o irmão, o pai Leônidas, a
namorada deste e o cientista Albieri. Jade e Lucas se separam por
causa de diferenças culturais. Cada um se casa em seu país e
tem filhos. Lucas se une a Maysa e Jade a Said. Enquanto isso, o
geneticista Albieri clona Lucas, movido pela dor da morte de
Diogo, seu afilhado. O clone Leandro cresce e o encontro
acontece: Lucas diante de seu clone. Quem é quem? Lucas não
tem mais sonhos. Leandro, sim. Mas clone tem alma? “O Clone
aborda a busca da identidade: da mulçumana em crise com sua
42
cultura, dos gêmeos idênticos, do conflito entre clone e clonado e
do homem diante de Deus. (Silva Nunes, 2002, p.11).
2.2 Configurações Visuais da telenovela
Para construir a forma da cultura árabe e islâmica na televisão
brasileira, Monjardim definiu o núcleo árabe da telenovela vivendo em
Marrocos, país situado no extremo oeste da “Ilha do Pôr-do-Sol”, que é
como os árabes chamam o norte da África – situado entre o Mar
Mediterrâneo, o Oceano Atlântico e o deserto do Saara.
O principal cenário foi situado na antiga cidade marroquina, Fez, com
1.200 anos de idade. Chamado por medina, esse local possui em sua
arquitetura traços medievais, evidenciados pela ausência da urbanização
típica do ocidente. A peculiaridade das paisagens de Marrocos pôde ser
percebida nas cores e formas apresentadas na trama e, segundo o diretor
Monjardim, foram o fio condutor de toda a composição estilística das
imagens construídas para a telenovela, conforme ele explica :
O Marrocos é um país de tom vermelho-alaranjado, cor que está
nos tapetes e nos tecidos, nas especiarias e no pôr-do-sol no
deserto. Também é a cor que melhor traduz a maneira de ser dos
marroquinos, um povo alegre, muito receptivo e hospitaleiro. (Silva
Nunes, 2002, p.12).
É interessante observar que o ponto de partida para a preparação do
ambiente fictício foi a cor, e que ela teve precedência ao preparo do figurino,
43
cenário, fotografia, arte e iluminação, afinando o modo da interpretação,
diálogos e a trilha sonora
2
. Assim, percebe-se a importância da “forma”
estética nessa telenovela, na busca de concretizar uma ficção o mais
verossimilhante possível do contexto sócio-geográfico, a fim de representar
a cultura marroquina.
Para assumir a personalidade da Jade, a Giovanna precisava
saber como vivem as mulçumanas, mas sobretudo sentir-se
uma delas nas filmagens. O mesmo aconteceu com os outros
atores. Cores, luz, móveis, som, ambiente, tudo foi
providenciando para ajudá-los a vestir seus personagens
(ibid., p.13).
Ilustração 25 - Medina marroquina de Fez.
2
Conforme SILVA NUNES, Valentina Da. Um outro olhar. São Paulo, Ed. Globo, 2002.
44
Os produtores de arte e o figurinista, Paulo Lois, junto com seus
assistentes, foram os primeiros a embarcar para Marrocos, para
providenciarem os objetos de cena e as roupas típicas para a ambientação
3
.
Tal fato ilustra a importância do figurino como traço material, para vincular o
ator à atmosfera fictícia, manifestando a sua habilidade de criar um clima,
um esquema de cores, uma harmonia de tons ou uma linguagem visual, a
fim de conferir realismo à ficção (Leite, 2004).
Para compor um cenário, há necessidade de se estabelecer uma
unidade visual, e essa deve ser norteada pelo tema da telenovela. Por isso,
nota-se que o figurino trabalha em consonância com as diversas áreas
estéticas da telenovela, numa troca constante de informações. E é no
começo, quando o produto está se formando e as idéias ainda estão num
patamar conceitual, que essa troca é fundamental.
Pode-se, metaforicamente, pensar o figurino como
componente de uma pintura, conjunto de pinceladas, ao
mesmo tempo sobre, entre e dentro de outros conjuntos de
pinceladas, que são o cenário, a luz, a direção e tudo mais
que compõe o espetáculo. A soma desses conjuntos injeta
cor, forma e textura nos personagens que transitam em uma
determinada cena, soma essa que finalmente forma um
quadro (Leite, 2002, p.63).
Desta maneira, destaca-se, nesta pesquisa, o figurino como uma
“forma” que concretiza o personagem e o descreve através da roupa.
3
Conforme SILVA NUNES, Valentina Da. Um outro olhar. São Paulo, Ed. Globo, 2002.
45
Também é ressaltada a importância dos outros elementos que compõem as
cenas da telenovela, como exportadores do personagem e do público ao
universo da trama. Pode-se observar na telenovela O Clone, que todos os
seus elementos visuais giram em torno de um mesmo eixo, revelando uma
consonância estética.
PAISAGEM EXTERNA
No deserto do Saara foram filmadas cenas compostas de um areal
imenso, composto de dunas em movimento pelo vento, que, ao refletirem a
luz do Sol, produziam nuances alaranjadas que resplandeciam por todo o
horizonte. Homens vestidos com túnicas, de cor azul turquesa, pertencentes
às tribos nômades de beduínos árabes e berberes marroquinos, realizavam
a travessia do deserto para comercializarem suas mercadorias, guiando
camelos enfileirados.
Ilustração 26 - Deserto do Saara
Essa imensidão desolada era quebrada pelos acampamentos, com
tendas cobertas com tecido de lã, tapetes coloridos espalhados no chão,
46
véus de seda dispostos como paredes para isolar os ambientes e, ao
mesmo tempo, permitirem a entrada dos raios solares, projetando um jogo
de nuances de luz e sombra. No meio dessa paisagem árida, aparece
também uma pequena área com coqueiros em variados tamanhos que
projetam sombra e formam uma mancha verde no painel alaranjado.
A uniformidade percebida na paisagem do deserto, seu tom
alaranjado, os raios penetrantes do sol, a pequena porção de vegetação
verde, objetos como os tapetes, a lã, a seda, e a cor berrante azul turquesa,
constituem os elementos deste cenário que compõem ou dialogam com as
formas dos próximos ambientes analisados.
ARQUITETURA
As medinas de Marrocos representaram o principal local da narrativa
de O Clone. As filmagens aéreas exibiram construções aglomeradas, em
forma de caixas retangulares, com paredes lisas de pedra e terra crua de
tom alaranjado com janelas retangulares.
As casas em Marrocos são coladas umas nas outras e
comunicam-se por terraços internos, favorecendo o contato
entre os moradores. Todas juntas dão a impressão de abraçar
o coração da cidade: o centro, onde ficam a mesquita (a casa
de orações do Islã), os souks (mercados), hammam (banhos
públicos) e outros espaços (Nunes, 2002, p.32).
47
Ilustração 27 - Vista aérea de Fez.
Mas esse cenário da arquitetura homogênea e simples das
residências é quebrado pelo minarete, que é a torre mais alta da mesquita,
que se destaca além da altura, por seu acabamento elaborado com
mosaicos verdes, emoldurados com pedra talhada.
No primeiro ambiente da casa onde vive a família de Jade em
Marrocos, há um pátio aberto para o céu, onde se vêem muitas colunas,
arcos e uma fonte no centro. As paredes e o chão são revestidos de
pastilhas e azulejos coloridos, que formam desenhos geométricos.
Nessa descrição, percebe-se a presença de alguns elementos que se
encontram também nas cenas externas, como o colorido dos azulejos, a
uniformidade das construções, a predominância do tom alaranjado, a cor
48
verde interrompendo a monotonia e as formas geométricas. Assim, é visto
um desdobramento das formas do cenário, que se repetem e geram
diferentes ambientes e, nesse diálogo, manifestam uma harmonia e
reconhecimento do local fictício.
MÚSICA
Em várias situações como nos casamentos, festas e outros momentos
de comemorações ou na exibição da dança do ventre, músicos contracenam
tocando tamborins, pandeiros, rebecas, alaúdes, flautas, cítaras e snujs,
instrumentos típicos da cultura árabe, que mostram uma música rica em
percussão e ritmos cadenciados, marcados principalmente pela voz.
DECORAÇÃO
As colunas e os arcos na parte interna da casa que Jade vive com
sua família, são acompanhados por véus de sedas coloridos e dispostos
como paredes para separar os ambientes. Os tecidos de seda acompanham
a extensão do teto, presos nas duas pontas, formando leves drapeados.
Cortinas vermelho-alaranjadas por toda a casa, combinam com os variados
tipos e tamanhos de tapetes de tramas, que lembram jardins, cobrindo
grande parte do chão da casa. Almofadas bordadas com formas de
arabesco e mantas coloridas enfeitam os sofás; treliças de madeira são
posicionadas em frente às janelas, permitindo a visão só de quem está
49
dentro da casa. Por entre suas frestas, incidem os raios do Sol, criando um
jogo de luz e sombra por toda a casa. Vasos de cerâmicas com coqueiros
exibem sua folhagem verde por vários cantos, castiçais de ouro, lamparinas,
mosaicos multicoloridos, quadros de caligrafias alcorânicas e o narguilé
(cachimbo com um recipiente contendo água aromatizada) são os elementos
típicos da região que completam a verossimilhança desse universo árabe.
Nesse cenário, além das formas repetidas dos outros ambientes
descritos anteriormente, será possível notar, no tópico a seguir, como esses
elementos estão também presentes no figurino. A uniformidade, o colorido,
os arabescos, os recortes das roupas formando mosaicos, a maquiagem dos
olhos feitas de khôl com o mesmo traço da caligrafia alcorânica, as sedas,
os véus, os bordados, detalhes dourados, os drapeados, as linhas retas,
todas essas formas apresentadas no cenário, compõem também a estética
do figurino.
2.3 As formas estéticas do figurino
Na visualidade estética das cenas da telenovela O Clone, o olhar
prende-se no figurino, que evidenciado em close-up, exibe-se mais plástico e
com mais detalhes, do que o cenário ou a contra-regragem. Mas, é a
combinação de todos os componentes estéticos, que possibilita a
50
compreensão, em níveis múltiplos, mais explícitos ou inconscientes do
universo fictício.
Pode ser que o telespectador não consiga identificar todos os
elementos que compõem o painel estético das cenas, no entanto, a “forma”
preeminente do visual plástico transmite a atmosfera da encenação,
revelando uma pequena sinopse narrativa a respeito da temporalidade,
cultura e perfil do personagem.
Num plano mais abstrato, as formas visuais correlacionam-se com o
imaginário do público. Mesmo atribuindo às imagens de O Clone
características exóticas, que se distanciam das formas convencionais da
cultura brasileira, despertam um sentimento de familiaridade ao
telespectador, que será demonstrado no capítulo 3 por relatos midiáticos
sobre a apropriação dos elementos estéticos da telenovela no dia a dia dos
brasileiros.
As composições das cenas estabelecem uma “forma” peculiar, que,
pelo mecanismo de projeção-identificação, resulta numa relação estética e
ativa a percepção. De acordo com Morin “é através dos espetáculos que
seus conteúdos imaginários se manifestam”. Em outras palavras, é por meio
do estético que se estabelece a relação de consumo imaginário” (1975,
p.77).
Nas formas visuais da telenovela O Clone, nota-se que as formas
plásticas seguem o princípio de uma concepção de unidade estética. A
roupa, como figurino, apresenta-se mais do que plástica, revela-se
51
verossímil dentro do espetáculo. Na mistura de um design estilizado, mas ao
mesmo tempo próximo da vida real, utiliza alguns elementos que maximizam
o efeito atrativo da estética.
Para dar vida ao figurino, torna-se importante a presença de
um profissional especializado, capaz de vislumbrar de
antemão o espetáculo com o devido distanciamento,
verificando novas caracterizações, em vista do universo
determinado pela obra, e não apenas reproduzindo o mundo
que está a sua volta” (Leite, 2002, p.85).
O figurino está inserido, ao mesmo tempo, no mundo real e fictício.
Reporta-se à realidade, agregando no seu discurso imagético composições
criativas, sugerindo formas inovadoras. A importância do aspecto real no
figurino é que as roupas, acessórios, aparência física, revelam, de forma
precisa e contundente, a identidade cultural e também as características
psicológicas dos personagens.
O vestuário configurado nos espetáculos fechados, como
objeto, exime-se da interação como o homem social, constitui
uma nova ordem de representação, salta de dentro do círculo
do espetáculo aberto para o círculo do fechado,
desobrigando-se de uma série de interferências, ganhando
até mesmo um sentido mais puro como objeto (ibid, p.79).
Portanto, observa-se no figurino de O Clone uma linguagem e um
estilo visual, resultantes de uma combinação singular dos elementos
estéticos, constituindo o binômio da forma e da função, referentes à imagem
artística, combinadas com a massificação da cultura. Pela riqueza visual
52
desse figurino, ao representar um universo inventivo, entende-se a
necessidade de descrever seus elementos, evidenciando as formas
estéticas exibidas na telenovela, de modo que, no capítulo 3, compreenda-
se a relação desse figurino com a moda de rua, por intermédio do material
pesquisado nos veículos midiáticos.
DESCRIÇÕES DOS FIGURINOS
Jade, a personagem principal da telenovela, interpretada pela atriz
Giovanna Antonelli, exibiu um figurino elaborado pela figurinista Marília
Carneiro
4
, que provocou grande repercussão estética. O figurino de Jade,
além de comunicar seu perfil social e cultural, também evidenciava as
transformações da vida da personagem, revelando as mudanças do enredo.
Assim, foram identificadas duas fases estéticas do figurino da protagonista.
A primeira representa sua fase juvenil. Com o propósito de se elucidar quais
foram os elementos usados para compor esse momento, será incluída
também uma descrição do figurino da personagem coadjuvante – Latiffa.- Já
na segunda fase, na qual Jade e Latiffa apresentam-se casadas e com
filhos, será descrito também o figurino das personagens Nazira, Ranya e
Khadija que passam a contracenar com Jade e exibem a mesma linha de
figurino da protagonista.
4
Na ficha técnica da telenovela O Clone, o figurinista titular é o Paulo Lois, integrante do
núcleo de produção do diretor Jayme Monjardim, porém, Marília Carneiro é a figurinista
titular da Rede Globo e por isso trabalhou nessa telenovela, tendo sido a responsável
principal pelos figurinos do núcleo árabe.
53
PRIMEIRA FASE
A personagem Jade, no primeiro capítulo veste figurino com linhas
ocidentais: saia lisa, longa, de comprimento na altura do tornozelo, solta com
corte em evasé, abertura atrás até a altura do joelho, detalhe de renda na
barra, cor branca; blusa amarela sem manga com decote em V raso. Com
cabelos negros cacheados, compridos, soltos sobre seu rosto sem
maquiagem, tem como adereço um colar com cordão de couro com pedra
verde pendurada de nome jade.
Ilustração 28 - Figurino de Jade na primeira cena.
54
Esse estilo, ao primeiro olhar, demonstra simplicidade, parece seguir
um padrão comum, usual, do dia-a-dia, porém, ao lado de suas colegas,
figurantes, que representam suas amigas de escola, convidando-a para uma
festa, nota-se a diferença de estilo. Suas amigas vestem calça jeans bem
justa ao corpo, regata decotada, busto, pernas e barriga aparentes. O
figurino desse pequeno grupo demonstra que Jade está fora do contexto
social carioca, que é confirmado pelo diálogo com sua mãe.
- Essas meninas brasileiras não dão sossego pra gente.
Jade responde:
- Por que a senhora disse que eu não podia sair por causa
da religião? Agora elas vão ficar rindo de mim, me gozando.
- Rindo, mas de que? Nós não rimos da religião delas. Por
que elas vão rir da nossa?
- Eu nunca posso nada. Nunca posso estudar na casa de
ninguém, dormir na casa de ninguém, ir à festa de ninguém.
- Faça a festa aqui em casa. Traga suas amigas aqui.
- Não tem nada demais uma discoteca mãe.
-Tassabur. Paciência.
- Elas são brasileiras e você não é. E discoteca é um lugar
de bebida, luxúria. É haran, pecado, não é o seu ambiente
Jade.
- Onde é que é meu ambiente então mãe? Eu cresci aqui,
eu moro aqui. Eu tô cansada de me sentir diferente, eu
quero ser igual a todo mundo.
- Você está aqui de passagem. Um dia nós voltamos.
Inshalah. Vamos procurar a família do seu pai em
Marrocos. Lá é nossa casa, nosso lugar.
Na cena seguinte, ela vai sozinha à praia do Rio de Janeiro, seu
figurino evidencia ainda mais a diferença cultural da personagem. Ela veste
maiô marrom sem decote, com a parte inferior na forma de um pequeno
short, uma peça muito recatada ao lado dos figurantes que usam biquíni fio
55
dental. Jade anda pela praia de maneira inibida, encolhida, e se encobre
com seus braços, numa atitude de constrangimento, revelada na sua
posição de cabeça e olhos baixos ao observar o comportamento dos jovens
na praia, namorando, rindo e conversando.
Ilustração 29 - Jade vestida de maiô na praia.
Depois da morte da mãe de Jade, seu tio muçulmano a leva para
morar em Marrocos. Ao chegar lá, Jade veste figurino estilo ocidental
recatado, calça jeans de cintura alta, cor uniforme azul índigo, regata com
renda na cor creme, levemente solta. Usa uma bolsa de couro com alça
longa atravessada no corpo, com blusa roxa pendurada.
Jade tem seu figurino destoando do ambiente, seu visual contrasta
com o de sua prima Latiffa que veste uma túnica longa com capuz, a
djellaba, na cor lilás claro com detalhes de friso contrastante no centro do
56
corpo, dispostos em linhas verticais; com barra das mangas bordadas com
pedras roxas e fios brilhantes, contornando os desenhos florais. Quando
Latiffa anda, pode-se ver os tornozelos cobertos com uma calça solta na cor
creme e o chinelo fechado na frente da mesma cor.
Com o corpo todo coberto, Latiffa mostra apenas o rosto, na cabeça
ela usa um lenço, o hijad. Essa peça é feita de seda branca estampada com
arabescos cor-de-rosa. Envolve o cabelo e é presa com um broche dourado
com brilhantes embaixo do pescoço, caindo sobre os ombros e o colo,
formando drapeados com um suave caimento.
A pulseira de prata que Jade herdou de sua mãe é o único elemento
do figurino nessa cena, que é semelhante à peça usada por Latiffa. A
pulseira de Jade era composta por pedras brancas e uma corrente que
atravessava a mão, ligando-se a um anel que também possuía uma pedra.
Ilustração 30 - Pulseira-anel da Jade.
57
Quando Jade retira essa pulseira de sua mãe morta, a cena é
mostrada em close-up, dando ênfase ao objeto, cuja forma parece incorporar
a cultura islã. Essa pulseira invadiu o imaginário do telespectador e foi o
elemento do figurino mais popular da moda conforme será demonstrado no
próximo capítulo.
Latiffa também usa a “pulseira da Jade” e exibe a sua peça em ouro,
com uma flor sobre a mão e uma corrente fina que liga o anel que possui
uma pedra verde. Essa pulseira é usada apenas pelas personagens do
núcleo árabe, por isso ela transmite a conotação de ser uma peça típica do
Oriente.
Ainda no primeiro capítulo, é apresentada a primeira cena em que a
personagem Jade exibe a dança do ventre. Veste-se com a roupa de sua
prima Latiffa e começa a dançar em homenagem ao futuro casamento da
mesma. Jade usa um bustiê verde, inteiro bordado com canutilhos e com
cordões também de canutilhos, com cristais pendurados caindo e
movimentando-se sobre o ventre ao ritmo da dança. No cós da saia,
canutilhos e cristais bordados na circunferência do quadril formam um
cinturão embutido, com correntes e franjas soltas ao longo da saia justa no
quadril, em tecido leve de seda disposto em camadas em V. Da altura dos
joelhos para baixo, tiras lisas, como se fossem lenços pendurados em toda a
saia, formam um volume que conferem à peça o modelo sereia.
O resultado dessa composição é um traje que deixa o corpo da
personagem pouco coberto. Ela utiliza como acessórios apenas o pulseira-
58
anel que herdou da sua mãe e o colar de pedra jade na cor verde. Ao
dançar, ela segura um lenço verde do mesmo tecido da roupa que está
vestindo, com as extremidades bordadas de canutilhos. Ela o movimenta
conforme o ritmo da dança e, ao deparar-se acidentalmente com o
personagem Lucas, Jade coloca o lenço na frente do rosto, deixando apenas
os olhos à mostra, fixando-os nos olhos de Lucas.
Ilustração 31 - Jade veste traje da dança do ventre.
Latiffa enquanto acompanha sua prima que dança, veste uma túnica
de seda na cor branca, semitransparente com estampa de arabescos em
tom ocre, com o comprimento na altura do joelho, gola padre, mangas
longas, sobreposta a uma blusa branca lisa e uma calça pantalona branca.
No segundo capítulo, Jade muda sua maneira de vestir ao se ver
enredada nos costumes religiosos de sua família que não permitem a
exposição do corpo feminino na esfera pública, nem o contato das mulheres
59
com homens que não pertençam à família. Ansiosa por reencontrar Lucas, o
principal personagem brasileiro com quem irá contracenar uma história de
amor e, tentando esquivar-se das interdições, pede a seu tio que lhe compre
novas roupas, alegando o desejo de incorporar o costume marroquino.
Passa então a vestir burqa preta, que cobre seu corpo inteiro, deixando
somente os olhos à mostra. Assim, pode circular livremente pela medina,
sem ser reconhecida, misturando-se na rua as demais mulheres vestidas
como ela.
Ilustração 32 - Jade vestida de burqa.
Dentro de casa, Jade veste-se com túnicas de diferentes modelos:
lisas, bordadas com florais e figuras geométricas, estampadas, abotoadas e
com zíper. Sempre usa uma calça larga por baixo e chinelos nos pés.
60
Ilustração 33 - Túnica branca com bordado geométrico.
O figurino das personagens Jade e Latiffa, no início da trama, é
simples e discreto, em cores neutras e poucas vezes revela detalhes mais
elaborados e chamativos.
SEGUNDA FASE
Depois dos inúmeros desencontros que não permitiram que Jade
fugisse com o personagem Lucas, ela se casa com Said e seu figurino
assume um estilo mais sofisticado, demonstrando que a jovem tornou-se
uma mulher casada com um homem bem sucedido. O look mais usado pela
personagem passa a ser batas com mangas bufantes, calça pantalona,
lenço amarrado no quadril com franjas, cabelos presos ou cobertos por véu
e muitos adereços dourados. Jade passa a se vestir com cores fortes,
estampas grandes e usa uma maquiagem pesada, com os olhos marcados
com kajal.
61
Ilustração 34 - Calça pantalona com lenço amarrado no quadril.
Ilustração 35 - Jade e Latiffa com véu na cabeça, bata e lenço no quadril.
Latiffa também, após o casamento, passa a apresentar um figurino
requintado. Ela veste roupa de cetim de seda inteiramente bordada com fios
dourados, com sobreposição de tecidos, mangas esvoaçantes e uma saia
longa. Como adereço, ela apresenta colares grandes com pedras coloridas,
incrustado de brilhantes em ouro e prata. Ela também usa bracelete de ouro
e brincos longos. O rosto da personagem passa a ter os olhos marcados
62
com delineador e uma sombra e os cabelos continuam cobertos por um véu
caído sobre os ombros.
Ilustração 36 – Latiffa: look da segunda fase.
No entanto o figurino mais exuberante que apresenta o maior número
de elementos decorativos é usado pela personagem Nazira, que é a
cunhada de Jade e Latiffa por ser irmã de seus respectivos maridos. Seus
trajes possuem bordados grandes com muitas cores, contrastando com o
uso excessivo de fios dourados. Os colares de Nazira também são os
maiores e com o maior número de pedras, em ouro e com muitas camadas,
assim como seus anéis de pedras coloridas e grandes. Ela usa véu no
cabelo, túnicas longas e decotadas sobrepondo a calça, lenços esvoaçantes
e batas com mangas bufantes.
63
Ilustração 37 - Nazira: luxo e estravagância.
A personagem Ranya é a segunda mulher de Said. Ele casou-se com
ela estimulado por Jade, que tramou esse casamento com o intuito de se ver
livre do marido. Os trajes de Ranya também apresentam sobreposição de
blusas, lenços, calças e vestidos. Ela veste tecidos brilhantes, estampados e
bordados de fios dourados e coloridos; colares grandes; brincos compridos;
braceletes prateados e dourados; olhos marcados pela maquiagem e usa o
véu longo caindo sobre os ombros na presença de homens estranhos.
64
Ilustração 38 - Ranya: segunda mulher de Said.
A personagem Khadija é a filha de Jade com Said. Ela usa figurino na
maioria das vezes em tons bem claros; bata de seda transparente ou túnica;
calças e saias esvoaçantes com lenço amarrado no quadril. Apesar de ser
uma criança, ela usa muitos adereços, como uma tiara de pingentes
dourados, uma pulseira-anel dourada e colares de medalhas e balangandãs
com forma de flores, folhas e sinos.
65
Ilustração 39 - Ranya e Khadija.
Ilustração 40 - Khadija, Said e Jade.
66
3. OS JOGOS DE APROPRIAÇÕES SOCIAIS DA MODA
E DA TELENOVELA O CLONE
3.1 AS CORRESPONDÊNCIAS ESTÉTICAS NA MODA
“Entendem-se por moda os costumes, os hábitos, os trajos, a forma do
mobiliário e da casa (...); contudo, é a moda do trajo que mais forte
influência tem sobre o homem, porque é aquilo que está mais perto de seu
corpo e seu corpo continua sempre sendo a parte do mundo que mais
interessa ao homem. “(Carvalho apud Caldas 1999: 41)
Partindo do pressuposto acima, segundo o qual, as roupas ou
vestimentas constituem densos produtos sócio-culturais, serão pesquisados
os entrecruzamentos do figurino da telenovela O Clone com os looks
retratados pela mídia de algumas manifestações de moda de rua. Ao mesmo
tempo, pretende-se resgatar as origens das imagens exibidas na trama para
compreender como as suas configurações visuais resultaram da aglutinação
de elementos de variadas culturas e épocas, estruturando sua própria
“forma”.
O conceito de “forma” adotado neste trabalho baseia-se na
formulação teórica de Maffesoli (1989), segundo a qual, certas estruturas
são constituídas por determinadas combinações de elementos que resultam
numa configuração exclusiva.
Quando se analisam os inúmeros elementos dos figurinos, em O
Clone, identifica-se uma “forma” que parece inerente à trama. Entretanto,
67
pretende-se mostrar adiante, que a “forma” configurada pela telenovela, ela
própria dialoga com elementos da moda de rua, a qual por sua vez, num
movimento refletivo, captura as mesmas configurações, porém absorvendo
apenas a sua forma estética, despindo-a de parte do seu sentido.
Assim, esse capítulo propõe-se a demonstrar, através de múltiplos
exemplos, os movimentos usados pela trama para configurar o figurino, a
maquiagem, os adereços e a dança do ventre, que foram desapropriados do
contexto original e reutilizados pela moda de rua, conforme se observa nos
registros midiáticos. Ao mesmo tempo, será buscada a origem dessas
composições estéticas, a fim de se compreender como a “forma” de O Clone
foi concebida pela utilização de diferentes elementos e como ela se
manifestou na moda de rua, devido ao apelo estético da telenovela.
Buscando recuperar o sentido original desses elementos, reutilizados
na sociedade influenciada pela representação dos costumes árabes
proposta pela telenovela, foram entrevistados historiadores e especialistas
dessa cultura.
O procedimento utilizado nessa pesquisa fundamenta-se nas
diretrizes metodológicas do pensamento de Maffesoli. Este pensamento tem
por princípio a idéia de que nada é estranho à investigação sociológica e que
a compreensão de uma “forma” reside “num movimento incessante que deve
levar em conta tudo o que, num dado momento, constitua uma expressão
local do discurso do social” (Maffesoli, 1989, p. 146).
68
A fim de resgatar como a moda de rua foi influenciada por O Clone,
foram pesquisados registros que fizessem apologia às formas estéticas da
telenovela em jornais, revistas, mídias específicas de moda e sites da
internet. Inicia-se a análise, destacando a importância das telenovelas como
influenciadoras da moda e do comportamento dos telespectadores
brasileiros.
De acordo com entrevista concedida a esse trabalho por Aurélio
Duarte
5
, da Rede Bandeirantes, no Censo de 2000, pelo menos 40 milhões,
das 44 milhões de residências do país, possuíam um televisor. Já no IBOPE
que realiza a aferição de audiência nas 11 principais cidades brasileiras,
existem cerca de 18 milhões de domicílios com televisores no território da
sua abrangência.
Duarte afirma que as telenovelas da Globo, nas últimas décadas, têm
tido os maiores índices de audiência, especialmente na classe média, tendo
alcançado um enorme poder de influência no comportamento desta classe.
O Clone alcançou audiência média geral de 47 pontos e sua maior audiência
foi registrada em 14 de junho de 2002 (último capítulo) com média geral de
61.4, sendo que de cada 100 televisores ligados no horário, cerca de 81
estavam sintonizados na telenovela.
5
Aurélio Duarte é radialista, certificado pelo Ibope em Audiência Televisiva e integra o
Departamento de pesquisa de programação na Rede Bandeirantes de Televisão em São
Paulo desde 2005.
69
No dizer de Tânia Montoro, professora da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília (UnB)
6
, encontra-se mais uma afirmação que
fortalece essa abordagem sobre a influência das telenovelas: “a Globo tem
muita credibilidade na classe média, por isso lança um comportamento e ele
passa a ser socializado”.
Já a pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a antropóloga Heloísa
Buarque de Holanda
7
vai um pouco além, ao afirmar que as telenovelas
educam os telespectadores para viverem na sociedade de consumo.
Ao assistir as novelas, as pessoas se familiarizam com os
estilos de vidas, formas de agir e sentir dos personagens, e
as atitudes desses mesmos personagens têm relação com
os produtos que eles utilizam. (J. Correio Braziliense, 2002)
A telenovela O Clone exibiu, por longos nove meses, modos
influentes de exteriorização pessoal, oferecendo à imaginação do
telespectador brasileiro modelos a se apropriar a fim de compor uma
representação estética, numa performance apresentada, aos outros, da
forma como se desejava ser percebido. A trama propôs diretrizes para uma
nova experimentação visual, permitindo às pessoas interpretarem a própria
vida.
6
Ibid.
7
Da Redação. A moda está no ar. J. Correio Braziliense. Brasília, 30 maio, 2002.
70
Essa idéia da influência da telenovela na moda foi levantada em
várias reportagens coletadas na mídia.
Uma primeira referência foi encontrada numa matéria de um jornal
virtual de Brasília
8
que afirma que a telenovela O Clone “ditou uma onda
oriental na moda brasileira”:
Não precisa ir muito longe. Em qualquer loja ou feira da
cidade são várias as opções de blusas esvoaçantes no
melhor estilo Jade ou de bijuterias que imitam a arte das
Arábias. Antes da onda oriental ditada pelo mais recente
sucesso global, invadiram as lojas nas últimas décadas as
camisas masculinas com gola Flamel, as minissaias da
Babalu, os tamancões da Sandrinha e vai por aí. (J. Correio
Braziliense. Brasília, 2002)
Outro exemplo encontra-se na reportagem do site Exclusiva Up
9
que,
ao apontar as influências de O Clone na moda de rua, considera que os
brasileiros ao contrário da cultura européia, baseiam-se muito mais nas
roupas dos artistas das telenovelas globais do que nos modelos desfilados
pelos grandes estilistas. “Nos últimos meses, milhares de brasileiras
aderiram à ”moda Jade”, da novela O Clone, um dos maiores sucessos da
tevê brasileira”.
Do mesmo modo, telenovelas anteriores já haviam funcionado como
vitrines, ao exporem produtos incentivadores de moda e de consumo,
fazendo os telespectadores adotarem elementos similares aos dos
8
Da Redação. A moda está no ar. J. Correio Braziliense. Brasília, 30 mai. 2002.
9
MAGNANI, C. E agora, Jade?. Disponível em
<http:// www.esclusivaup.com.br>.Acesso em: 21 ago. 2006.
71
personagens dos folhetins, como lembra o estilista Fabio Matiello
10
, ao
enfatizar a influência das telenovelas na moda brasileira por personagens
marcantes de tramas passadas, como a viúva Porcina, de Roque Santeiro.
No Brasil, se uma mulher quer saber qual é a última moda,
ela liga a tevê na ‘novela das oito’. Já a mulher européia, vai
a uma banca e compra uma Vogue, por exemplo, que trate
do assunto.
(2002)
Por esses discursos da mídia, percebe-se que a moda de rua
espelha-se nas representações e imagens da telenovela, como uma forma
de construção social da realidade, cuja mediação atravessa e constitui as
práticas pelas quais as pessoas se expressam.
Demonstrada a influência das composições estéticas oferecidas pela
televisão, particularmente das telenovelas, nos hábitos da população
brasileira, passa-se a seguir, a analisar os jogos de correspondência em
cada peça do figurino, buscando localizar matérias em revistas, jornais,
editoriais de moda e sites de internet, que se reportassem diretamente à
trama ou que, de forma indireta, mostrassem peças em formato semelhante
aos de O Clone e usassem o mesmo tema para ambientar e justificar a
moda.
Conforme descrito no capítulo 2, o figurino do núcleo árabe era
composto por peças como batas, túnicas, calças pantalonas, lenços e véus,
leves, esvoaçantes, transparentes, com muita sobreposição, bordados e
brilhos.
10
Ibid.
72
A bata
A primeira peça que será analisada em suas intersecções com a
moda, mídia, figurino e histórico é a bata. Essa peça pôde ser vista no
figurino das personagens Jade e Latiffa. Ela era feita de seda, deixando o
corpo transparecer, com mangas longas e bufantes, ombros à mostra, e
contendo, no centro da peça sobre os seios, um cordão amarrado.
Ilustração 41 - Jade vestida de bata ao lado de Ranya.
Ilustração 42 - Bata marrom: transparência e ombros à mostra.
73
É possível identificar as remissões desse elemento do figurino na
moda de rua através de relatos midiáticos, elencados a seguir:
Num quadro da revista Veja
11
, foram apresentadas as telenovelas do
horário nobre que mais influenciaram a moda brasileira dos anos 70 até
2002. Ao enumerar as tendências e modismos despertados pelo universo
fictício exibido na Rede Globo, o quadro destaca que O Clone despertou no
Brasil o interesse pela cultura árabe e relaciona as peças de vestuário que
foram incorporadas pelo público: “Roupas no estilo da personagem Jade,
com mangas bufantes, batas e pulseiras douradas, também passam a fazer
sucesso nos shoppings e nas ruas”.
Outro exemplo encontrado está num editorial da revista Manequim
12
,
que traz todos os meses fotos do que os artistas estão vestindo e o que os
estilistas estão vendendo. Nessa edição, a matéria incentiva o uso de batas
e mostra fotos de variados modelos, como o da cantora Wanessa Camargo,
vestida numa bata curta, justa, com as mangas cortadas no modelo boca de
sino. Mostra também a bata da marca Carlota Joaquina, com uma proposta
também diferenciada, numa modelagem comprida e bem solta.
Esse editorial exibe variadas formas de uso dessa peça, que tem a
mesma proposta do figurino que representa o mundo árabe: bata com
babado, amarrada no quadril, ombros à mostra, em malha, renda, algodão e
11
MOTTER, M.L. Moda global. Revista Veja, p.18, jan. 2002.
12
VASCONCELOS, S. Batas e batinhas. Revista Manequim, p.10, ed. 509, mai. 2002.
74
seda. A moda parece explorar, assim, todas as possibilidades para atender
aos inúmeros gostos do público, mas sem perder de vista a “forma” da
telenovela O Clone.
Ilustração 43 - Revista Manequim, mai. 2002.
Ilustração 20 – Editorial One Up fev.2002.
As batas apresentadas nas revistas de moda correspondem ao
figurino de O Clone e foram disseminadas na moda de rua, no mesmo
período da exibição da telenovela. Alguns editoriais classificaram essa moda
como oriunda do Oriente, como o da marca One Up
13
, ao exibir sua modelo
vestida com uma bata de tecido leve, com a manga assimétrica, com pouco
volume, numa estampa que sugere arabescos estilizados de uma peça
étnica.
13
Revista Manequim, p.24-28, ed. 506, fev. 2002.
75
As revistas parecem propor variações de modelos de batas que se
adaptam ao estilo das leitoras. Em três revistas de públicos diferentes,
percebem-se essas variações.
Na Capricho
14
, revista destinada a um público adolescente, as batas
são todas de meia-malha de algodão, com modelagem curtinha, estilo baby
look e as peças possuem mangas curtas e bufantes, estampas localizadas e
corridas com temas joviais.
Na revista Elle
15
, que atende mulheres despojadas e sofisticadas,
grifes caras apresentam batas com mangas longas, corte reto, bordados
elaborados, detalhes de crochê e tecidos planos, esportivos e delicados.
Na revista Manequim
16
, destinada a mulheres que geralmente
trabalham em casa, e possuem habilidades para costura ou preferem
encomendar roupas em uma costureira, são apresentadas batas de diversos
modelos: manga curta, longa, bufante, reta, sino, decote em V, decote
canoa, franzido, reta, lisa, com estampa e com bordado. O editorial oferece
muitas opções e sugere que a leitora escolha o modelo que caia com maior
elegância em seu corpo.
14
MEL, T. Ela é fofa. Revista Capricho, p.32, abr.2002.
15
Moda peça-chave. Revista Elle, São Paulo, p.34, set.2002.
16
Batas mania. Revista Manequim, p.32-37, ed. 508, abr. 2002.
76
Ilustração 44 –Capricho abr. 2002. Ilustração 22 - Manequim abr. 2002.
Ilustração 23 - Elle set. 2002.
Visto como esse elemento do figurino foi apropriado e reconfigurado
pela moda que propôs uma variedade de modelos para a peça apresentados
pela mídia, que a descreveu como uma moda oriental, cabe agora verificar
se essa informação procede, para compreender como foram formados os
seus discursos no figurino e na moda.
77
Efetivamente, o modelo de bata usado na moda contemporânea e
exibido na telenovela encontra algumas correspondências na indumentária
usada por mulheres do antigo Oriente. Em algumas pinturas do século XIX,
são retratadas mulheres árabes vestidas com peças de mangas bufantes e
transparentes. No entanto, o decote canoa com os ombros à mostra
adotados na telenovela são característicos de povos ciganos
17
. Revela-se
assim que a bata foi constituída pela mescla de elementos de culturas
distintas amalgamados em uma única forma.
Dessa maneira, entende-se que a bata resultou da mistura de peças
étnicas que, ao ser elaborada pela moda ocidental, lhe atribuiu uma
conotação de roupa do Oriente. Essa última conotação propiciou seu uso
para compor o figurino de O Clone, consolidando o discurso da moda de que
a bata é uma peça típica da indumentária árabe.
A túnica
Outra peça exibida no figurino de O Clone é a túnica, que era usada
por personagens do núcleo árabe, tanto do gênero masculino quanto do
feminino. Ela era vestida sobreposta a outras roupas. Principalmente as
personagens do sexo feminino a usavam, quando saíam pelas ruas da
medina. Também foram mostradas túnicas que eram usadas sozinhas, como
se fossem vestidos, no figurino das personagens Latiffa, Jade, Nazira e
Ranya.
17
Conforme Shokry Mohamed em La mujer y la Danza Oriental. Madrid, 1998, p.24
78
Ilustração 24 - Latiffa vestida com túnica preta bordada de arabescos.
Ilustração 25 - Marido de Latiffa vestido com túnica branca.
As remissões da túnica para a moda de rua podem ser verificadas na
marca de roupa feminina, Amarílis, que produziu um editorial com looks com
as mesmas formas e elementos do figurino. Como exemplo, uma túnica de
mousseline de seda transparente, mais ou menos na altura dos joelhos com
faixa bordada de fios dourados na cintura, sobreposta a uma legging. Os
braceletes no braço esquerdo completam o estilo, que o próprio editorial
classifica como oriental
18
.
18
Revista Manequim, p.71-75, ed. 508, abr. 2002.
79
Ilustração 26 - Editorial Amarílis abr 2002.
O editorial da revista Manequim
19
também propôs o uso de túnicas,
porém sugeriu modelos que denomina como “clássicos para serem usados
por mulheres que preferem um estilo conservador
20
. As túnicas
apresentadas eram de tecidos sem transparência, mas com bastante brilho,
bordados e estampas de arabescos. O tecido possuía gramatura maior que
da mousseline, com corte reto, mangas longas e decotes rasos. A revista
evidencia o tipo físico ideal que a mulher deve ter para usar essas peças:
O comprimento imita o das túnica, a modelagem é clássica,
os tecidos são nobres....Requintadas e com um quê de
exotismo à oriental elas são muito mais que blusas. No estilo
das túnicas orientais, este modelo de blusa é perfeito para
19
Revista Manequim, p.64-66, ed. 506, fev. 2002.
20
A revista Manequim é uma publicação destinada a mulheres de classe média na faixa
dos 40 aos 60 anos, no qual a maioria é dona de casa e produz suas próprias roupas,
sozinha ou com o auxílio de costureiras. Em cada edição da revista são oferecidos
moldes dos modelos publicados para que as leitoras confeccionem roupas para várias
ocasiões e inclusive para as mulheres mais jovens da família. Nesse editorial, quando a
revista menciona que a peça é ideal para um público conservador ela se refere à jovens
senhoras que preferem se vestir cobrindo boa parte do corpo.
80
quem deseja um look que junte a discrição ao requinte. Sua
modelagem alongadora – com a barra cobrindo os quadris e
os recortes modeladores – também presta um grande favor
àquelas que precisam disfarçar formas mais cheinhas
(Manequim, 2002,p.64-66).
Ilustração 27- Manequim fev. 2002.
Outro exemplo significativo encontra-se no editorial da revista Elle
21
,
onde uma modelo exibe um vestido longo, de estilo e corte similares ao das
túnicas da telenovela, com estampa de arabesco, feito em tecido leve e
esvoaçante, de seda. Um lenço na cabeça de seda (também com estampa
de arabescos), brincos grandes e várias pulseiras coloridas completam o
look de influência oriental. E apesar do visual possuir a “forma” apresentada
pela telenovela O Clone, as peças parecem bastante apropriadas para o uso
no dia-a-dia, como se fossem uma tradução do figurino de O Clone para ser
utilizada pela moda de rua.
21
Revista Elle, p.72, ano 14 núm.2 fev. 2002.
81
Ilustração 28- Túnica com estampa de arabescos. Elle fev. 2002.
As túnicas apresentadas no figurino foram utilizadas pela
telenovela para representar o povo árabe. E, de fato, o uso desse traje é
predominante nos países árabes, desde o século VI, quando as túnicas
eram usadas por tribos de beduínos, por serem roupas que suportavam os
dias quentes e as noites frias do deserto. A partir do século VII, com a
expansão do islamismo, este vestuário difundiu-se pela Ásia e pela África,
impregnado de algumas regras religiosas
22
. Para os homens, foi proibida a
exposição da região do umbigo até o joelho e para as mulheres o corpo
todo, com exceção do rosto e das mãos, pois o Alcorão determina que as
mulheres se vistam de forma a não atrair a atenção dos homens.
22
LEMOS, J. A.Quais são os trajes típicos dos países islâmicos e o que
representam?.Revista Super Interessante, Dez.2001, p.30-31.
82
Por esse motivo, as vestes usadas em lugares públicos não podem
ter nenhuma transparência, nem ser justas a ponto de delinear o corpo. Na
maioria dos países árabes, as mulheres utilizam roupas semelhantes às
túnicas masculinas, a hijab, ou cobrimento, e, na cabeça, um lenço que
deixa somente o rosto à mostra, chamado icharb. Esse preceito é praticado
de forma bem rigorosa no Irã e na Arábia Saudita, onde se recomenda o uso
do xador, uma veste que envolve o corpo todo, com exceção dos olhos. No
Afeganistão, o Taleban instituiu o uso da burqa, uma versão radical do xador
que cobre até os olhos.
Assim, a forma original da túnica é um vestido de manga comprida
que cobre o corpo inteiro. Ela costuma ser clara e larga, para refletir os raios
solares, fazer o ar circular e refrescar o corpo durante o dia. O corte e o
material variam em cada país, podendo receber nomes como caftan,
djellabia, dishdasha ou gallibia. Dentro de casa, pode-se vestir qualquer
roupa, na presença do cônjuge e de alguns familiares que podem ver as
partes íntimas.
Desta maneira, percebe-se que a telenovela utilizou a túnica como um
elemento verossímil para constituir personagens árabes. No entanto, a moda
deslocou essa peça da indumentária árabe e a readaptou para ser usada na
moda de rua, descartando seu aspecto moral e funcional, atribuindo a ela
novos elementos estéticos para oferecê-la como um produto consumível.
83
O véu
O próximo elemento a ser analisado – o véu - pode ser considerado a
peça do figurino que despertou maior interesse no telespectador brasileiro,
talvez devido ao fato dessa peça não fazer parte do cotidiano brasileiro.
O véu era usado pelos personagens muçulmanos femininos da
telenovela, sempre que saiam de suas casas ou quando estavam na
presença de estranhos. Era usado para cobrir a cabeça, formando uma
moldura para o rosto e envolvendo também o pescoço.
Ilustração 29- Véu em variadas cores e acabamentos.
O uso do véu disseminado no Brasil pela telenovela foi incorporado
pela moda como mostra um editorial da revista Elle
23
. Com imagens de
várias mulheres utilizando diferentes tipos de lenços, a revista ensina que
pessoas com rosto redondo devem usar o lenço comprido com brilho caindo
23
Cabeça feita. Revista Elle, São Paulo, p.18, março 2002.
84
sobre o ombro para alongar a silhueta. O lenço sobre a testa não deve ser
usado por mulheres com rosto curto e que os cabelos crespos são os mais
recomendados para o uso dessa moda.
Ilustração 30 - Elle mar. 2002.
É interessante pensar, partindo desse exemplo, que a telenovela
empregou uma nova estética para a moda, mas encontrou o público
despreparado para se apropriar dela. Por isso, as revistas de moda
desempenham um papel fundamental para sistematizar o modismo, ao
orientar as leitoras como elas podem apoderar-se da moda proposta pelo
figurino.
85
Outro exemplo da influência do véu usado em O Clone na moda de
rua está no Jornal da Tarde
24
, onde a proprietária da grife paulistana Les
Filós, revelou que a inspiração para suas coleções era independente das
semanas internacionais de moda. E, naquele momento, a quatro meses do
atentado de 11 de setembro, enquanto os países acima da linha do Equador
difundiam uma moda minimalista, a marca Les Filós vendia vestidos e
camisetas estampados de florais, multicoloridos, de seda natural, com
bordados, miçangas e lenços para serem usados na cabeça (como uma
espécie de bandana) ou para serem usados na cintura.
Presume-se que a postura dessa profissional seja pautada na sua
experiência de atender o gosto do público, o que a capacita a oferecer
produtos de acordo com a expectativa do consumidor. Então, ao declarar
que não segue tendências internacionais, fica implícito que segue o gosto
dos seus clientes locais. E, por sua coleção sugerir o uso do lenço na
mesma época da transmissão de O Clone, cogita-se uma propensão da
moda de rua em se apropriar do véu do figurino.
O uso do véu como um modismo difundido pelo figurino se dissocia
das conotações étnicas e religiosas pelas quais é usado na cultura islâmica,
apresentando apenas um apelo estético desprovido de qualquer sentido
preciso. Segundo a cientista social francesa Juliette Minces
25
, especialista
na cultura islâmica e na mulher muçulmana, em quase todas as sociedades,
as mulheres já usaram véu. O cabelo e as mãos são importantes em todas
24
GARCIA, C. Les Filós investe na liberdade de criação. Jornal da Tarde, São Paulo, p.4,
25 dez. 2001.
25
MILAN, B. As mulheres de véu. Folha de São Paulo. p.14-16, 06 Jan., 2002.
86
as civilizações. Nos anos 40, na Europa, uma mulher que saísse sem
chapéu era considerada sem honra. Era necessário cobrir o cabelo para
aparecer em público, usar luvas e nunca pegar na mão de um estranho.
A cientista explica que o cabelo é um objeto sexual, e que na
tradição antiga do Judaísmo, as mulheres raspavam a cabeça quando se
casavam. No que diz respeito à mão, tanto no Judaísmo quanto no
Islamismo, existe a interdição do contato físico entre um homem e uma
mulher que não sejam da mesma família. A história do véu é muita antiga e
é provável que as mulheres não estivessem sistematicamente veladas na
época de Maomé, fundador do Islamismo. Quando ele deixou Meca e dirigiu-
se a Medina, recorreu ao véu para distinguir as mulheres que eram crentes
das outras, e também distinguir a mulher livre da escrava.
O Alcorão diz que a mulher deve cobrir o pescoço e as jóias,
para não excitar e seduzir os homens, evitando a cobiça, mas não orienta
como o véu deve ser usado. O véu ajudaria a afastar o "pecado" dela e dos
homens ao redor. De acordo com este raciocínio, o véu ou lenço serve para
evitar o assédio sexual e para ajudar a manter a castidade até o casamento.
Assim, o lenço protege contra o risco de transgressão das normas sexuais.
Outro conjunto de razões relatadas na entrevista com o Sheikh
Muhammad Ragip da Ordem Jerrahi no Brasil
26
, centra-se na chamada
dignidade da mulher. Defende-se que o lenço faz com que a mulher seja
valorizada pelas suas qualidades intelectuais e morais e não pela sua
26
Entrevista concedida para a elaboração dessa dissertação no dia 12 de Junho de 2007.
87
aparência. Existem dois versículos importantes no Alcorão, o “Repúdio” e
“Das mulheres”, que afirmam que “o homem tem preeminência sobre a
mulher ou que ele é superior, e a mulher lhe deve obediência, e, ele,
obediência a Deus. Também o Alcorão diz que ”o homem é uma vestimenta
para a mulher e vice-versa”, ou seja, que deve haver respeito entre os dois.
Para Maria Johanna Schouten
27,
há motivos diversos para o uso islâmico do
véu. Um primeiro grupo de razões prende-se à função simbólica e
comunicativa da roupa. A mulher propriamente vestida mostraria ser uma
muçulmana devota, portanto casta. Daria também a entender que seu
marido e seus parentes são homens de virtude.
No entanto, para Minces, hoje em dia, o motivo que prevalece é a
questão política. Ela exemplifica que, na Argélia, a Frente de Liberação
Nacional lutava contra a colonização francesa e pressionava as mulheres
que já não usavam mais o véu a usá-lo, enquanto os militares franceses
faziam pressão sobre as muçulmanas para que o tirassem. A mesma coisa
aconteceu no Irã, quando o Aiatolá Khomeini tomou o poder, induzindo
muitas mulheres a usarem véu, tornando-o obrigatório posteriormente.
Há países em que as mulheres põem o véu para não serem
importunadas. No Egito, alguns muçulmanos jogavam ácido nas pernas das
mulheres que se apresentavam na universidade sem o véu. No Afeganistão,
os talebans o impuseram a todas as mulheres, inclusive às que tinham
27
SCHOUTEN, Maria Johanna. Modernidade e indumentária: As mulheres islâmicas.
Universidade da Beira Interior, 2000.
88
postos de grande responsabilidade. Essas histórias, afirma Minces, mostram
claramente que a mulher e o véu são utilizados como símbolos políticos.
De acordo com Schouten, nos escritos orientalistas dos séculos XVIII
e XIX, mormente até ao fim do Império Otomano, o véu apontava o erotismo
presente nas cidades do Maghrebe e do Médio-Oriente, com os seus haréns
e os seus contos de mil e uma noites. Schouten afirma que a sensualidade
foi uma das imagens mais poderosas criadas entre os ocidentais sobre o
mundo islâmico. Para isso, basta observar algumas das obras de arte mais
famosas do século XIX.
Mas, Schouten considera que, hoje em dia, provavelmente, a primeira
associação que os ocidentais fazem com o Islã é aquela de "opressão da
mulher", o que também se reflete no uso do véu. Um princípio salientado no
Islã é a distância, ou mesmo a separação, existente entre os homens e as
mulheres. Isso significa que cada um dos gêneros tem o seu espaço,
estando o das mulheres fora do alcance dos homens.
O conceito geral para este princípio é hijab ou (na Ásia) purdah,
separação, a qual, muitas vezes é realizada e simbolizada por um cortinado
dentro da casa. A noção de purdah também pode ser concretizada pela
roupa, quando usada por uma mulher para criar uma fronteira entre ela e os
homens não-parentes.
Assim, percebe-se que a telenovela O Clone representou
corretamente o uso do véu por mulheres muçulmanas como possibilidade de
se movimentarem na esfera pública, demarcando o corpo como um espaço
89
inacessível aos homens. A telenovela mostrou que o uso do véu é prático
para muitas mulheres muçulmanas que, mesmo obedecendo aos preceitos
islâmicos de esferas separadas, podem circular e interagir em locais onde
existam homens.
Entretanto, enquanto o discurso da telenovela apresenta-se
compatível com o da vida real das mulheres muçulmanas, observa-se pelos
relatos citados que a moda de rua se apropriou do véu, ignorando sua
acepção funcional e religiosa, absorvendo-o apenas como um adorno e mais
uma opção de estilo.
Mostrando-se satisfeita, a figurinista da trama, Marília Carneiro
28
,
declarou que considerava o resultado do figurino uma criação de aspecto
muito interessante. Ela disse ter misturado referências folclóricas com
referências de moda ao vestir a personagem Jade, utilizando as marcas
internacionais Yves Saint Laurent e Kenzo. O look na opinião de Carneiro
que teve o melhor resultado foi o das calças pantalonas com um lenço
sobreposto amarrado no quadril.
Ao pesquisar se o uso do lenço, assim como no figurino, além de ter
sido usado como uma espécie de véu na cabeça, também foi utilizado no
quadril sobre a calça como pareô na moda de rua, foram encontrados os
seguintes relatos:
28
No dia 6 de agosto de 2007 no Teatro Folha, no Shopping Pátio Higienópolis em São
Paulo num evento aberto ao público , pude perguntar pessoalmente à figurinista Marília
Carneiro quais tinham sido as referências usadas para a criação do figurino da
personagem Jade.
90
A revista Elle
29·
, por exemplo, sugeriu o uso de pantalonas com
vestidos leves e românticos. Já a revista Manequim
30
propôs a mesma
forma, mas usando elementos diferentes, uma legging com saia florida
assimétrica sobreposta e também a calça pantalona em tecido leve, com
saia em retângulo curta, amarrada na lateral com o mesmo tecido da calça.
Ilustração 31– Manequim jun. 2002.
A revista Criativa
31
fotografou mulheres que adotaram esse visual de
sobreposição no dia-a-dia. Percebe-se que na moda de rua, o visual foi
incorporado diferentemente da proposta de O Clone e das revistas. As
mulheres utilizaram mini-saias para compor o look, e foram severamente
criticadas pela revista, que sugeriu que as mini-saias deveriam ser
29
S.O.S MODA. 3 em 1. Revista Elle, São Paulo, p.20, abril 2002.
30
Embaixo da saia. Revista Manequim, p.73, ed.510, junho 2002.
31
Como usar. Revista Criativa, p.53, junho 2002.
91
substituídas por lenços na altura do joelho ou na canela. Uma mulher com
lenço amarrado no quadril tipo pareô e por baixo legging também foi
criticada; a sugestão da revista, para que ela ficasse elegante e de acordo
com a moda do figurino, foi o uso do pareô com uma calça do tipo pantalona.
Ilustração 32 - Criativa jun. 2002.
Para compreender as remissões dessa combinação que foi
transfigurada pela moda e usada pela telenovela para compor o cenário
oriental, recorreu-se às origens da indumentária árabe. As calças largas são
uma invenção dos persas, que as chamavam de cirwal e foram adotadas
pelos árabes, a partir do século VII, por permitirem a liberdade dos
92
movimentos. São usadas por baixo da túnica e já foram muito utilizadas
entre soldados e camponeses
32
.
O uso do lenço amarrado no quadril remete às imagens das antigas
escravas do Egito que foram trazidas da Turquia, Armênia e Etiópia, e
vestiam saias longas com lenços amarrados nos quadris de diversas
formas
33
.
Por esse breve histórico, torna-se evidente a declaração da figurinista
sobre a mistura de folclore e também de moda, ao considerar que esse look
como um todo propõe uma linguagem bem contemporânea, de sorte que, ao
mesmo tempo em que aproxima o telespectador dos elementos étnicos, o
afasta das tradições da cultura árabe que lhes deram origem.
Outro aspecto relevante encontrado na mídia são dois exemplos
apresentados abaixo que demonstram os discursos da moda de rua ao
adotar referências do figurino. O primeiro exemplo é um recorte de uma
reportagem que demonstra como a telespectadora transportou os elementos
de O Clone para o seu uso no dia-a-dia.
Juliana Almeida de Miranda Bruck, 24 anos, entrou de cabeça
na onda da moda marroquina. Há um mês, ela começou a
fazer dança do ventre, comprou a roupa e usa vários
acessórios marroquinos no dia-a-dia.(...) Para sair à noite,
32
De acordo com Shokry Mohamed em La Danza Mágica del Vientre, Madrid, 1995, p.4.
33
De acordo com Shokry Mohamed em La Danza Mágica del Vientre , Madrid, 1995..p.42.
93
Juliana usa pulseiras e colares marroquinos combinados com
vestidos indianos bem coloridos
34
.
Observa-se na moda adotada por Bruck, uma desapropriação dos
elementos usados pela telenovela para compor um cenário ordenado por um
contexto cultural, e que foram recombinados com elementos de outra
cultura, resultando num discurso visual diferente daquele no qual estavam
inseridos originalmente.
Um segundo exemplo considerado foi o dos discursos manifestados
pela moda de rua aconteceu no Carnaval de 2002, quando atrizes
convidadas para o camarote da Brahma no Rio de Janeiro, customizaram
suas camisetas que funcionavam como entrada para o evento. Entre os
variados modelos criados, prevaleceu o uso de brilhos, paetês e bordados a
mão
35
.
As atrizes Patrícia de Sabrit e Giovanna Antonelli exibiram modelos
semelhantes, ao usarem a camiseta com um decote canoa caída nos
ombros, o qual, segundo o site Moda Brasil, as representava no “melhor da
personagem Jade”, visual este ressaltado também pela atriz Giovanna
Antonelli, através do uso de um lenço dourado amarrado na cintura.
Essa composição estética feita pelas atrizes também compreende
uma desapropriação do figurino da trama. Ao se utilizarem de suas formas
34
A invasão do look marroquino. Disponível em http://www.valeparaibano.com.br. Acesso
em 20 set. 2006.
35
VIANNA, F. Carnaval, uma moda esfuziante. Disponível em
<http://www.modabrasil.com.br> . Acesso em: 20 set. 2006.
94
na camiseta que possuía a função de convite, fizeram da peça um elemento
intertextual, que remete à “forma” da telenovela, mas, ao mesmo tempo,
desempenha sua função de convite; tornando-se caracterizado por essa
multiplicidade.
Visto que a moda de rua se apropriou dos elementos da telenovela,
reconfigurando e recombinando as suas formas de uso, o exercício de busca
de correspondências é colocado em prática.
Segundo a revista Elle
36
, na reportagem entitulada “O melhor capítulo
do Marrocos”, “ao contrário do que a telenovela O Clone mostra, num
empacotado de culturas distintas, o Marrocos é um dos países mais
tolerantes do mundo islâmico”. Poucas mulheres andam de burqa pelas
ruas e, a maioria, principalmente as novas gerações “vestem jeans, dirigem
carros, trabalham e curtem techno nas boates dos hotéis”, que é o único
lugar em que se permite a venda de bebida alcoólica.
Entretanto, enfatizam alguns especialistas, não se pode identificar
uma vestimenta homogênea, em todos os países árabes.
O Sheikh Muhammad Ragip considera que não se pode falar
em uma indumentária típica do Islã, apesar da orientação do Alcorão quanto
ao recato tanto para os homens quanto para as mulheres. Ele exemplifica
que uma mulher, quando veste um taller, e cobre os cabelos com um véu,
está vestida de acordo com o Alcorão, deixando apenas as mãos e o rosto à
36
NOGUEIRA, K. O melhor capítulo do Marrocos. Revista Elle, São Paulo, núm.6/ano 15,
p.132-135, jun. 2002.
95
mostra. Para ele, os países que impõem o uso da burqa, possuem essa
prática por motivos culturais que se misturam aos religiosos. Esclarece,
entretanto, que essa não é uma regra do Islã.
Desse modo, a indumentária serviria para representar e sublinhar a
singularidade de cada cultura, além de ser uma indicação importante da
virtude da família ou da comunidade.
Schouten pondera que as comunidades do Oriente demarcam o seu
território, a sua cultura, as suas normas através das mulheres. Assim, o
modo específico de cumprir as regras corânicas revela os costumes locais
ou nacionais.
Ela exemplifica que em vastas áreas do Paquistão, as mulheres usam
calças largas (ghararas) e, por cima dessas, uma túnica (chemize) até o
joelho. Completa a indumentária um lenço leve (duppata) ou mais pesado
(chadar), cobrindo os cabelos e ombros. Nas zonas ocidentais e
especialmente no noroeste do Paquistão, as mulheres vestem a burqa, a
manta larga que esconde o rosto, quando se deslocam para fora do seu
terreno familiar. O tipo de indumentária depende, portanto, das
circunstâncias e do espaço: privado, público ou um território intermédio.
Quanto ao véu, existe uma diversidade de modelos usados, quer por
mulheres do Afeganistão, de Argel, de Ádem ou da Alemanha, e, muitas
vezes, as diferenças estão presentes no seio dessas sociedades.
Mas essa diversidade de estilo tem diminuído entre as nações de
muçulmanos. Schouten afirma que há um movimento de uniformização do
96
vestuário islâmico, que advém da tendência ao Fundamentalismo no Islã e
do desejo dos muçulmanos de se afirmarem, frente aos ocidentais,
reforçando a idéia de uma comunidade global islâmica. Assim, tem se
verificado um processo de estandardização, seguindo o suposto modo de
vestir dos homens e das mulheres pertencentes a religião muçulmana. As
prescrições acerca da roupa, os chamados dress codes, estão em vigor em
grande parte do mundo islâmico, variando conforme a zona geográfica e a
camada social.
Um exemplo dessa uniformização está no hijab, o véu, que já tem
sido utilizado em vários países num modelo largo que tapa os cabelos, o
pescoço e os ombros, ajustando-se por volta da face do rosto, passando por
baixo do queixo. Esta invenção é recente, em países como a Indonésia, a
Malásia e a Jordânia e já tem sido utilizada pelas muçulmanas. Ele pode ser
acompanhado por uma roupa moderna (mas sempre discreta), ou pelo jilbab
(pl. jalabib), uma manta comprida, folgada e sem recortes, com cores
sóbrias.
No entanto, contrariando essa tendência apresentada por Schouten, o
Sheikh Ragip conta que as mulheres muçulmanas da sua comunidade
localizada em São Paulo, na maioria das vezes usam o véu só para irem ao
templo ou à mesquita e no dia-a-dia apesar de não ser a maneira correta,
elas acabam não cobrindo seus cabelos.
Questionado se essa atitude seria por influência da cultura
brasileira e se era possível identificar nas vestimentas dessas mulheres
97
algumas interferências da cultura local, o Sheikh expôs que as muçulmanas
arrumam os véus com fitas, flores e outros penduricalhos e dobraduras que
ele nem sabe dizer o que são, mas que, para ele, até deixam de se parecer
véus.
Percebe-se, assim, que essas mulheres muçulmanas estariam
transformando seus véus em acessórios da moda e, de certa maneira,
fazendo-os perder sua função de recato, tornando-os um adorno. Mostram-
se, assim, indiferentes à tendência dos países fundamentalistas, onde o
movimento é avesso a qualquer modismo e ornamento, devido as doutrinas
comportamentais que seus líderes políticos religiosos atribuíram à
indumentária. Em países da Europa, como a França e a Alemanha, após o
atentado de 11 de setembro, os colégios provocaram uma grande polêmica,
por tentarem proibir o uso do véu pelas estudantes muçulmanas, com o
intuito de diminuir as diferenças culturais e religiosas, num ambiente que
acolhe todo o tipo de público
37
.
O figurino usado em O Clone não abordou em seu discurso essas
questões multiculturais. Muito pelo contrário, ele mostrou a cultura
muçulmana como homogênea e a restringiu como se ela apresentasse uma
única forma - aquela mostrada na trama - com trajes caracterizados pelo
exagero e sofisticação. O figurino exibido pareceu ignorar a posição
ideológica que os trajes islâmicos ocupam nessa cultura. E apropriou-se de
37
Disponível em:
<www.terra.com.br/istoe/1793/internacional/1793_deus_fora_da_classe.htm.> e
<www.deutsche-welle.com/dw/article/0,2144,1158621,00.html.> Acessado em:
05/02/2007
98
apenas alguns de seus inúmeros significados, aqueles que se adequavam
ao conceito estilístico da telenovela.
Entretanto, a imagem do real, conforme sugeria a trama, passou
efetivamente a ser real para o telespectador brasileiro que desconhecia a
cultura desse povo do Oriente. A telenovela criou umas realidades novas,
que estampou uma renovação estética para a moda de rua. Essa novidade
envolveu a atmosfera, instituindo-se a “forma” do momento e, como foi visto,
tornou-se apanágio da moda brasileira.
3.2 AS CORRESPONDÊNCIAS ESTÉTICAS DA DANÇA DO VENTRE
De acordo com o material pesquisado na mídia, a telenovela O Clone,
propagou a dança do ventre como forma de lazer na sociedade brasileira, ao
exibir cenas das personagens do núcleo árabe praticando a dança em casa,
com a família e, ainda, em momentos íntimos, como estratégia de sedução
do casal. A dança do ventre eclodiu na telenovela desde o primeiro capítulo,
projetando cores, materiais, volumes, materializando expressões corporais e
emotivas, com configurações de uma exuberância e persistência de imagens
que nunca haviam sido apresentadas na mídia nacional, sendo exibidas
excepcionalmente em O Clone.
99
A primeira cena em que a personagem Jade exibe a dança acontece
quando ela se muda do Rio de Janeiro para Marrocos e instala-se na casa
do seu tio Ali. Ao se vestir com a roupa de sua prima Latiffa, começa a
dançar em homenagem ao futuro casamento da mesma. Jade veste um
bustiê verde, inteiramente bordado com canutilhos e com cordões também
de canutilhos, com cristais pendurados caindo e movimentando-se sobre o
ventre ao ritmo da dança (Ilustração-17). No cós da saia, canutilhos e cristais
bordados na circunferência do quadril formam um cinturão embutido, com
correntes e franjas soltas ao longo da saia justa no quadril, em tecido leve de
seda disposto em camadas em “V”. Da altura dos joelhos para baixo, tiras
lisas, como se fossem lenços pendurados em toda a saia, formam um
volume que confere à peça o modelo sereia. O resultado dessa composição
é um traje que deixa o corpo da personagem pouco coberto.
Ela utiliza como acessórios apenas o anel-pulseira que herdou da sua
mãe e o colar de pedra jade na cor verde. Ao dançar, segura um lenço verde
do mesmo tecido da roupa que está vestindo, com as extremidades
bordadas de canutilhos. Movimenta-o conforme o ritmo da dança e, ao se
deparar acidentalmente com o personagem Lucas, Jade coloca o lenço na
frente do rosto, deixando apenas os olhos à mostra, fixando-os nos olhos de
Lucas.
Essa cena é um exemplo das configurações estéticas apresentadas
em O Clone através da dança do ventre, que ocorreu quase semanalmente,
ao longo dos 221 capítulos da trama, nos quais bailarinas profissionais e
100
atrizes exibiam suas performances, utilizando figurinos compostos por
bustiê, cinturão, saia esvoaçante e lenço nas mãos. A telenovela passava ao
telespectador a idéia de que as mulheres marroquinas, apesar de possuírem
uma religião e costumes severos, divertiam-se praticando constantemente a
dança do ventre.
No exercício investigativo de comparação, a fim de identificar como
foram formados os discursos utilizados na telenovela para representar o
costume da dança do ventre entre as mulheres árabes, foi consultada a
bailarina, especialista em danças étnicas, Cris Marcondes
38
.
Ela esclarece
que a dança do ventre não faz parte da cultura marroquina, mas foi
incorporada nos dias atuais, devido ao gosto dos turistas que podem
apreciá-la em shows.
Quanto à tradição islâmica e a sua relação com a dança, o Sheikh
Muhammad Ragip
39
elucida que a dança é mais antiga que a religião.
Algumas culturas a preservaram mesmo após a conversão, porém só é
permitido que a mulher a apresente ao marido.
No movimento de retorno ao contexto original do elemento,
percebemos que a dança do ventre não está tão presente na vida diária das
mulheres muçulmanas do Marrocos, quanto a telenovela faz crer.
Historicamente, é possível compreender que apesar dela não ser inerente a
38
Cris Marcondes é bailarina, coreógrafa e pesquisadora há 14 anos. É formada em dança clássica e
especialista na técnica Klausvianna, consciência corporal e danças étnicas, principalmente na
dança árabe. Idealizadora e diretora da Cia Nua de Dança em São Paulo.
39
Entrevista concedida para a elaboração da dissertação Configurações sociais e figurino da
telenovela O Clone, no dia 12 de Junho de 2007.
101
essa cultura, pode manifestar-se em algumas ocasiões. De acordo com
Mohamed
40
, a dança do ventre, ou raqsa sharquía que significa dança
oriental, como é mais comumente chamada no Oriente, surgiu entre 7000 e
5000 a.C. Ela era praticada em rituais de fertilidade realizados por antigas
civilizações, como a dos sumérios, dos egípcios e dos persas. Com a
invasão árabe e a conseqüente mistura de culturas, a dança oriental foi
disseminada em outros países, devido à tradição de viajante e mercador do
povo árabe. Nos séculos XVIII e XIX, as novas rotas de comércio, trouxeram
a arte, a indumentária e os costumes árabes à Europa. Também a
expedição de Napoleão contribuiu para difundir a cultura árabe entre os
europeus. E, principalmente a tradição egípcia fez despertar, no Ocidente, o
interesse pela dança do ventre e por outros aspectos típicos de sua cultura.
Nota-se por esse breve histórico que a telenovela apresentou uma
releitura de um traço cultural egípcio, que já estava disseminado no
Ocidente
41
, ao exibir a dança na telenovela como se fosse próprio da cultura
marroquina. Mesmo que, no Marrocos, algumas mulheres tenham aderido à
prática da dança, ela não é originária do país, como é demonstrado em O
Clone. Também seria pouco provável que uma família árabe praticante do
islamismo realizasse essa dança, porque ela não condiz com as normas
religiosas.
40
Conforme Shokry Mohamed em La Danza Mágica del Vientre. Madrid, 1995.
41
Segundo comentário da edição da LPM da obra Vathek do crítico de arte e político Willian Thomas
Beckford (1760-1844), esta obra é reflexo da obsessão setecentista por tudo que fosse oriental.
102
No entanto, parece que o apelo estético da telenovela sobrepõe-se às
questões culturais, como pode ser observado no depoimento de uma
senhora de 61 anos em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo
42
ao
contar os motivos pelos quais ela teria sido influenciada pela telenovela para
a prática da dança: “Gosto das roupas, dos gestos, da música”, revela Edith
Nunes Bracaglione.
Outra situação exibida em O Clone que não corresponde à cultura
árabe é a prática da dança do ventre por personagens masculinos como o
Ali, Said, Mohamed e Zein que exibiam coreografia diferente, mas
sincronizada com as bailarinas que se apresentavam nas festas encenadas.
Jorge Sabongi
43
esclarece, em seu site, que não existem homens
árabes praticantes da dança do ventre e que em alguns países árabes como
Egito, Arábia Saudita e Líbano, um homem que estiver dançando é passível
de morte, como regra milenar. “A criação de um paralelo entre o corpo do
homem e da mulher dançando a dança do ventre não existe. É uma beleza
exclusiva do universo feminino”. Em relação ao Islã, o Sheikh Muhammad
Ragip ressalta que a dança nunca é praticada por homens, sendo
considerada um ato especificamente feminino.
Essa prática dos personagens de O Clone que não corresponde ao
costume da cultura árabe, também não exerceu influência significativa no
público masculino brasileiro para a prática da dança do ventre. O programa
42
Conforme a reportagem “Milenar dança do ventre conquista espaço”. Jornal O Estado
de São Paulo. 20/ fev., 2002.
43
Disponível em http://< www.jorgesabongi.com.br>. Acesso em: 05 jul. 2006.
103
Vídeo Show
44
ainda mostrou os atores fazendo aula da dança em uma
academia para atuarem em O Clone, praticando passos e gestos com
movimentos duros e bruscos desenvolvidos especificamente para homens,
mesmo assim, a prática parece não ter sido incorporada e a mídia nada mais
pronunciou nesse sentido.
Essa invenção da telenovela de homens muçulmanos praticantes de
dança mostra uma imagem com conotação familiar, de sensibilidade e
convence um público habituado à prática de danças por ambos os sexos,
provocando a assimilação de um traço cultural que não corresponde à
prática real.
Já no caso das mulheres, percebe-se que o discurso estético da
dança do ventre na telenovela foi validado por outras mídias e apropriado
pelo público. Mesmo transmitindo algum conceito errôneo, esse mostrou-se
irrelevante porque o que importou mesmo para as telespectadoras foi o
apelo imagético das cenas, como revela um relato do site Vale Paraíbano
45
:
Juliana Almeida de Miranda Bruck, 24 anos, entrou de cabeça na onda da
moda marroquina. Há um mês, ela começou a fazer dança do ventre, comprou a
roupa e usa vários acessórios marroquinos no dia-a-dia. Segundo ela, o marido
adora quando ela coloca os acessórios e o sucesso está sendo grande na
família.
Outro exemplo que destaca a influência da telenovela O Clone na
prática da dança do ventre, encontra-se na reportagem da revista Veja de
44
Vídeo Show – Rede Globo. Dia 31/10/2001.
45
A invasão do look marroquino. Disponível em <http://www.valeparaibano.com.br>. Acesso
em 20 set. 2006.
104
janeiro de 2002. Um quadro apresenta uma foto da personagem Jade, com
o título Moda Global, e a reportagem declara:
A novela O Clone, da Rede Globo, despertou no país o
interesse pela cultura árabe. Academias que ensinam dança
do ventre triplicaram o número de alunos nos últimos meses.
Além do apelo estético que motivou as telespectadoras a praticarem a
dança, é possível justificar esse comportamento pelo termo de tendência-
mania proposto por Garcia e Miranda (2007) que alega que os personagens
televisivos costumam influenciar no comportamento e aparência da grande
massa. Nesse sentido, segue um relato de uma telespectadora de O Clone:
Quando vi aqueles movimentos tão sensuais e empolgantes,
não resisti. Procurei uma academia em que pudesse aprender
a dançar como as atrizes da novela (Correio de Sergipe,
2002).
Outro exemplo encontra-se na coluna comportamento do site Correio
de Sergipe
46
, que também relata a grande demanda para a prática da dança
do ventre e exibe a seguinte manchete: “Levadas pela novela, mulheres
sergipanas estão procurando academias para aprender a dança do ventre”.
A matéria expõe que devido às cenas exibidas pela telenovela O Clone, as
mulheres sergipanas de todas as idades aderiram à prática da dança do
ventre. E afirma: “A novela O Clone está transformando em moda uma arte
milenar”.
46
AMOR, P. Como na televisão. Disponível em <http:// www.correiodesergipe.com.br>.
Acesso em: 21 set. 2006.
105
Essa adesão à prática da dança do ventre, no período de transmissão
da telenovela O Clone, pode ser observada ainda nos relatos que seguem,
retirados de outras mídias impressas. Por exemplo, uma casa de chá
egípcia, localizada no bairro da Aclimação em São Paulo, trouxe uma
famosa coreógrafa americana, para realizar um workshop sobre a dança do
ventre, devido a grande demanda interessada no aprendizado dos
movimentos sinuosos exibidos na telenovela
47
.
O coordenador de dança de um famoso clube hebraico da cidade de
São Paulo declarou que a telenovela O Clone fez dobrar o número dos
alunos da dança do ventre. O curso já era oferecido há quatro anos e sua
professora foi quem ensaiou os atores de O Clone, fato que conferiu ainda
mais credibilidade ao curso. O mesmo aconteceu em uma escola de dança
de Moema que disponibilizava apenas dois horários para a aula da dança do
ventre. Com a transmissão da telenovela, o número de alunos dobrou,
exigindo a ampliação da quantidade de aulas.
Assim, identifica-se que a apropriação da dança do ventre pela moda
de rua foi impulsionada pelos apelos estéticos exibidos na trama. A fim de
dar continuidade a essa análise, é importante distinguir os atributos da
dança na telenovela e mostrar como eles foram apropriados pelos
telespectadores.
47
LEAL, G. Milenar dança do ventre conquista espaço. Jornal O Estado de São Paulo. 20
fev., 2002.
106
Em várias cenas da telenovela O Clone, a personagem Jade dançava
para seduzir seu parceiro. Quando se encontra com o personagem Lucas
nas ruínas de Marrocos, ela dança e inicia-se o romance. Quando ela é
entregue em casamento ao personagem Said, nas ocasiões em que
precisava do consentimento dele para realizar suas vontades, ela dançava
antes de fazer a proposta.
Esse apelo da dança do ventre como forma de sedução exibida na
telenovela foi também incorporado pelo público. O corpo envolvido por
tecidos de seda, mostrando-se e escondendo-se, embalado pelo ritmo dos
snujs
48
, aguçou os sentidos e a vontade da mulher brasileira de se revelar
mais sensual. O Correio Braziliense
49
confirma essa impressão na matéria
que diz que mesmo pessoas mais avessas a modismos acabaram sendo
influenciadas pela telenovela O Clone. Exemplifica essa influência o
depoimento da estudante de Odontologia Ludmila Saliba, de 19 anos, que
garante resistir a todo custo às tentações da cultura de massa e admite não
ter resistido aos apelos de O Clone: ‘‘Ao ver a dança do ventre pela
televisão, você percebe o quanto ela é sensual e até dá vontade de praticá-
la’’.
A postura de uma parte do público feminino que desconhecia a dança
foi a de passar a praticá-la, graças ao apelo de sensualidade exibido nas
cenas de O Clone. Já a postura dos profissionais da área foi de
desaprovação a tal apelo. A bailarina Débora Agostini Guimarães, considera
48
Instrumento musical.
49
Da Redação. A moda está no ar. J. Correio Braziliense. Brasília, 30/ maio, 2002
107
que a divulgação da dança no horário nobre da televisão brasileira pode ter
sido positiva de certa maneira, mas, por outro lado, passa a idéia de
vulgaridade ao público. Adverte os novos adeptos da dança que o mais
importante é “dançar com os olhos e com a emoção”
50
. A bailarina e
professora dos atores de O Clone, Claudia Cenci, em entrevista à revista
Manequim, também declarou certa preocupação com pessoas que
desvirtuam a dança, vulgarizando-a. Para ela, a dança deve ter gestos
delicados e fascinar tanto homens, quanto mulheres.
Outra bailarina e professora que compartilha essa mesma idéia é
Maíra Elias Magno da Silva, ao afirmar ao Correio de Sergipe
51
que “ O
Clone prega certos clichês, como a mulher dançar para seduzir o marido e
ser aquela pessoa envolta em mistério”. Na seqüência dessa afirmação, a
reportagem anuncia que apesar de muitos telespectadores estarem aderindo
à dança atraídos por esse aspecto da sensualidade, é preciso considerar
que devido à tradição e riqueza histórica da dança do ventre, “ela merece
ser tratada sem vulgaridade ou banalidade”. O jornal faz um apelo ao público
para não se lembrar da dança apenas pela sua sensualidade ou “porque
está na moda”, mas se lembrar de cada gesto e movimento como
simbolismos, que a matéria não explicita, reportando-se a eles apenas de
maneira vaga.
50
LEAL, G. Milenar dança do ventre conquista espaço. Jornal O Estado de São Paulo. 20
fev. 2002.
51
AMOR, P. Como na televisão. Disponível em <http:// www.correiodesergipe.com.br>.
Acesso em: 21 set. 2006.
108
O apelo de sensualidade presente na dança exibida em O Clone
corresponde ao discurso que uma parcela do público utilizou na mídia para
fundamentar a razão que os fez aderir à dança. Conforme mencionado
anteriormente, a dança do ventre era praticada nas civilizações antigas,
principalmente no Egito, nos rituais de prosperidade. Dançava-se pelo
florescer das colheitas, pela chuva sobre a terra, pela fertilidade das
mulheres e dos campos, para festejar os mistérios da vida e da natureza.
Em sua origem, percebe-se, pois, a convergência do conceito da
forma original da dança com o conceito e a “forma” de que a telenovela se
apropriou e difundiu, dando ênfase a esse discurso de sedução, mostrando-
o principalmente no âmbito sexual, como se, dessa forma, se remetesse à
fertilidade. Ao mesmo tempo, percebe-se que o público absorveu esse
discurso de sensualidade, incorporando a prática da dança do ventre.
As atrizes que, na telenovela, representavam as personagens Jade e
Latiffa possuíam aparência muito jovem, e mesmo depois de casadas e com
filhos, elas ainda dançavam demonstrando vitalidade, mas seu discurso
principal na dança ainda era a diversão e a sedução. No entanto, no
discurso apresentado pela mídia para justificar a razão da população ter
aderido à prática da dança, associa-se mais uma de suas pretensas
características: a do bem estar físico. Na reportagem do jornal O Estado de
São Paulo,
52
aparece esse discurso, através do depoimento de uma técnica
de enfermagem que há dois meses havia começado as aulas por orientação
52
LEAL, G. Prática também traz benefícios para a saúde. Jornal O Estado de São Paulo.
20 fev., 2002.
109
médica, para ajudar a controlar a tensão pré-menstrual e as cólicas: “Além
de fazer bem para o corpo, a dança desanuvia a cabeça e combate o
estresse” (Ana Célia Duarte, 36 anos).
Para dar fundamento a esse apelo de saúde e bem estar corporal, o
jornal declara que um médico fisiologista da Universidade Federal de São
Paulo realizou um estudo científico acompanhando dois grupos de mulheres,
um de dez dançarinas iniciantes e outro de dez professoras. O objetivo foi
observar as transformações corporais e bioquímicas pelas quais passavam
as praticantes da dança do ventre. O diagnóstico foi que os movimentos
circulares e espirais dos quadris irrigam a região e estimulam sete músculos
abdominais, o que melhora o funcionamento do aparelho digestivo e diminui
as cólicas e, ainda, as dançarinas do ventre, ao engravidarem, não
costumam apresentar dores nas costas e têm um parto mais tranqüilo.
A matéria também enfatiza a aparência física, ao complementar que,
segundo o mesmo médico, a dança do ventre, além dos benefícios internos
para o organismo, opera alterações nas formas corporais, como o
arredondamento dos quadris, tonificação dos glúteos, coxas e barriga. “Em
uma hora de aula é possível perder aproximadamente 300 calorias”.
Amalgamado no apelo do bem estar físico, o quesito aparência, de
certa maneira, conduz ao apelo da sensualidade, como se percebe nos
depoimentos publicados na revista Boa Forma
53
, onde algumas praticantes
da dança foram unânimes ao afirmar que a dança desenvolve a leveza dos
53
MENEZES, F. Benefícios da Dança. Revista Boa Forma. p.30, jan. 2002.
110
movimentos, melhora a postura e desperta a sensualidade, trazendo ainda
benefícios para a saúde. A reportagem da revista Manequim
54
também
enfatiza que a dança do ventre é uma excelente forma de exercitar o corpo,
e que ela define a silhueta, beneficia o corpo todo, contribuindo para uma
boa aparência.
O discurso apresentado pelo público na mídia sobre a questão da
saúde, isoladamente sugere pouca referência à telenovela, mas ao colocar
em relevo a aparência física, nota-se a sua correspondência com o discurso
das personagens da telenovela que exibiam seus corpos esbeltos, com
postura e gestos harmônicos.
Ao optar pela prática da dança, é como se o público tivesse
encontrado um atalho para se aproximar do ideal de beleza dos
personagens da trama. A preocupação com a aparência é confirmada pelo
depoimento da professora e bailarina Maíra Elias Magno
55
, ao referir que
algumas mulheres têm receio de se dedicar à dança, por se acharem gordas
ou magras demais, barrigudas, velhas ou novas, mas a dançarina afirma:
“quando uma mulher está dançando, ela é bonita, independente da estética
ou da idade”.
54
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim. Edição 504, p.90-92, dez., 2001.
55
AMOR, P. Como na televisão. Disponível em <http:// www.correiodesergipe.com.br>.
Acesso em: 21 set. 2006.
111
Além de impulsionar a prática da dança nas academias de ginástica,
a dança do ventre exibida na telenovela O Clone, refletiu-se diretamente em
outros campos da área comercial, contribuindo para a venda de revistas,
livros, fantasias e vídeos.
Ainda com a finalidade de analisar a influência da dança comparada
com a forma estética da mesma na telenovela, apresentam-se a seguir
descrições de como o mercado se apropriou do apelo da dança, ao
identificar o seu potencial de venda.
O Jornal da Tarde
56
publicou que as lojas de fantasias e as lojas
especializadas em artigos para a dança do ventre tiveram um aumento
significativo nas vendas devido ao estímulo provocado pelo O Clone para a
prática da dança do ventre. Confirmando essa estatística de vendas, o site
Moda Brasil
57
, divulgou que a fantasia mais usada no Carnaval do ano de
2002 foi a vestimenta oriental de Jade, quando “nove entre dez meninas
brasileiras estavam fantasiadas de sua personagem predileta de O Clone”.
A revista Manequim
58
também enaltece a dança do ventre
apresentada pela telenovela:
Quem assiste a novela O Clone, da Rede Globo, não resiste
às cenas em que Jade (Giovanna Antonelli) e Latiffa (Letícia
Sabatella) envoltas por uma aura de magia, executam os
56
GARCIA, C. Carnaval aquece comércio varejista. São Paulo, p.6, 02 abr. 2002.
57
VIANNA, F. Carnaval, uma moda esfuziante. Disponível em
<http://www.modabrasil.com.br>. Acesso em: 20 set. 2006.
58
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim. Edição 504, p.90-92, dez., 2001.
112
movimentos sinuosos e ondulantes dessa dança que está
contagiando tanta gente. (Revista Manequim, dez. 2001)
Esta revista, que tem como proposta orientar as leitoras para
confecção doméstica das suas roupas, ofereceu moldes para cópia dos
figurinos de O Clone, destacando os modelos usados pelas personagens na
dança do ventre. Porém o interessante é que ela sugere às leitoras a
confecção dessas peças, não apenas para a prática da dança do ventre
(como na telenovela), mas também para passeios noturnos. Desse modo,
percebe-se que a forma material da peça sugerida pela revista para
reprodução é idêntica ao figurino da dança do ventre na telenovela, porém a
forma que o público se apropriou dessas peças parece desvirtuar a proposta
do traje ser específico para o uso da dança.
Além da dança de O Clone ter aumentado a freqüência nas
academias, nas escolas de danças e a venda dos artigos de vestuário típico
da dança, ela ainda movimentou o mercado literário, conforme relato
encontrado no jornal O Estado de SãoPaulo:
A terapeuta Gláucia La Regina, considerou o momento em
que a telenovela estava sendo transmitida, propício para o
lançamento do seu livro sobre a dança do ventre e comemora
o sucesso das vendas, reconhecendo que o estímulo do
público pela leitura foi despertado pela telenovela O Clone
59
.
O exemplo a seguir também demonstra como outra profissional
aproveitou-se do interesse despertado no público pela dança da telenovela:
59
LEAL, G. Milenar dança do ventre conquista espaço. Jornal O Estado de São Paulo. 20/
fev., 2002.
113
A bailarina da dança do ventre, Claudia Cenci, professora
dos atores e atuante em algumas cenas da telenovela O
Clone, produziu dois vídeos com aulas para ensinar a dança
do ventre, um cd-rom e também lançou um livro, com uma
abordagem psicológica, no qual afirma que a dança promove
a auto-estima
60
.
Assim, percebe-se que a dança do ventre, por influência da telenovela
O Clone, manifestou-se nos diversos campos do cotidiano do telespectador
brasileiro. Ela foi incorporada na literatura, nas academias de ginásticas, na
medicina, na psicologia etc.
De acordo com os relatos vistos, o público incorporou a prática dessa
dança primeiramente devido a seu apelo estético e sua conotação de
sensualidade e consequentemente devido aos benefícios que ela
proporcionaria à saúde. Assim, a sua relevância histórica passou
despercebida ao telespectador que estava contagiado pelas impressões
causadas pelas formas estéticas da dança que a telenovela fez parecer ser
uma prática genuinamente marroquina.
3.2.2 OS TRAJES DAS BAILARINAS BRASILEIRAS E O FIGURINO
A dança do ventre já era praticada no Brasil antes da transmissão de
O Clone. De acordo com a bailarina e professora Cris Marcondes,
especialista em danças étnicas, os trajes que eram utilizados antes da
telenovela apresentavam o mesmo formato do figurino. Então, para
60
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim. Edição 504, p.90-92, dez., 2001.
114
compreender a origem dos elementos conferidos pela trama ao figurino da
dança do ventre, é necessário examinar se de fato há verossimilhança entre
os trajes exibidos na telenovela e aqueles da realidade atual, assim como o
seu contexto de origem.
Para iniciar a elucidação dessa questão das referências usadas pelo
figurinista para vestir as personagens no momento da dança, seguem dois
exemplos em fotografias de como as bailarinas se vestiam, anteriormente à
telenovela. As fotos mostram duas equipes de dança, a primeira em
apresentação na cidade de Campinas no ano de 1996 e a segunda em São
Paulo em 1998. Nelas, as bailarinas vestem o conjunto completo para a
dança, que é composto pelo bustiê, cinturão, calças ou saias esvoaçantes
com muitos bordados e franjas, com canutilhos, vidrilhos e cristais,
aplicações e medalhas, tecidos leves e transparentes em diversas cores,
deixando a barriga e as pernas expostas. O lenço nas mãos complementa o
traje e possibilita gestos que sinalizam a prática da dança do ventre.
Ilustração 45- Aprentação no ano de 1996. Ilustração 46 - Aprentação no ano de 1998.
115
O exemplo acima demonstra que a telenovela realmente se
referenciou nos trajes das bailarinas que a antecederam para compor o
figurino utilizado nas cenas da dança do ventre, já que os mesmos
elementos que configuram o traje dessas bailarinas aparecem também no
figurino de O Clone.
Pode-se dizer que, por essa fidelidade do figurino às vestimentas
utilizadas no cotidiano, não foi desencadeada nenhuma alteração
significativa nos trajes para a prática da dança, durante e após a telenovela.
Conforme a foto abaixo tirada no ano de 2002, da mesma companhia de
dança fotografada em 1996, mas agora registrada durante a transmissão da
telenovela, constata-se como as bailarinas mantiveram a mesma
composição e os mesmos elementos, que já eram utilizados anteriormente à
telenovela.
Ilustração 35– Dançarinas no ano de 2002.
Dando seguimento ao exercício de comparação, verifica-se a
precedência da forma do figurino, que como foi demonstrado, segue a forma
116
dos trajes utilizados atualmente por bailarinas da dança do ventre. Ao
pesquisar sua origem histórica, foi verificado que, nos primórdios dessa
dança, ela não possuía um traje específico. Também egípcios tinham o
costume de andar semi-nus, ornados com muitos acessórios de ouro e
pedras preciosas. Noutros pequenos povoados ao redor da civilização
egípcia, praticava-se a dança com as roupas do dia-a-dia, que eram saias
com lenço amarrado no quadril, na cabeça, com blusa de mangas bufantes e
colete
61
.
Ilustração 36– Exemplo de trajes usados pelos povoados ao redor do Egito.
61
Conforme Shokry Mohamed em La mujer y la Danza Oriental. Madrid, 1998. Este livro
oferece um apanhado geral sobre a dança do ventre e apesar de trazer um histórico e
apresentar algumas vertentes da dança, o autor enfatiza a prática na
contemporaneidade e os benefícios físicos e sociais que a essa dança oferece.
117
Ilustração 37 - Dançarina vestida com bata, colete, lenço na cabeça e amarrado no
quadril.
A característica de o traje ser esporádico na prática da dança foi
sendo anulada com o tempo, como revelam pinturas européias, datadas do
final do século XIX (período da arte orientalista), que exibem o traje da
dança do ventre de forma sistematizada e homogeneizada. Este é o caso da
representação de pintores
62
como Gustave Moreau com a obra entitulada
“Salomé”, Gérôme com a obra “El baile de las gawazi” e “La bailarina del
adufe”, Felipe Baratti com a “Bailarina y serpiente en la corte del sultán” e
David Roberts com “Bailarinas y músicos”.
Ilustração 38 - Bailarinas y músicos, David Roberts, Cairo, 1856.
62
Conforme Lynne Thornton em Les Orientalistes, 1985, que além dessas telas
citadas,apresenta outras obras desse período que mostram não só a dança, mas
também outras práticas e costumes dos povos do Oriente.
118
Ilustração 39- El baile de las gawazi. Gérôme, séc. XIX.
Ilustração 40 - Bailarina y serpiente. Felipe Baratti, 1875-1910.
Ilustração 41 - Salome. Gustave Moreau, final séc. XIX.
119
Através dessas telas, identifica-se que, nessa época, o traje da dança
era configurado por tecidos transparentes, calças bufantes sobrepostas por
lenços amarrados no quadril, lenço na cabeça, top curto deixando o ventre
todo à mostra, adornados com grande quantidade de colares, pulseiras e
pingentes pendurados na roupa. Observa-se, também nas pinturas, o uso de
objetos sendo manuseados pelas mãos como lenço, espada, candelabro,
pandeiro e snujs
63
.
Essas pinturas do século XIX representam um olhar ocidental, da
dança no Oriente, de modo que não se pode afirmar que sejam precisas em
representar exatamente a realidade. Podem haver sofrido alguma
interferência, pois são a interpretação de um sujeito estrangeiro, alheio e
estranho àquela cultura. Completando esse repertório do Ocidente de
incorporação da cultura oriental, destacamos que na segunda década do
século vinte, filmes de Hollywood
64
disseminaram um novo traje, através de
figurinos usados por odaliscas e sherazades.
Esse traje foi apresentado ao Ocidente como se fosse típico do
costume árabe. Era composto por sutiã, cinturão, saia transparente com
fendas laterais e um lenço nas mãos, sendo incorporado em todo o mundo
como fantasia, traje de dança e figurino para a representação de “mulheres
das Arábias”. Essas imagens influenciaram inclusive as dançarinas
63
Instrumento musical.
64
Conforme Shokry Mohamed, La mujer y la Danza Oriental, Op.cit.
120
orientais
65
, que além de passarem a se vestir da forma exibida nos filmes
hollywoodianos para se apresentarem em teatros e casas de shows no
Cairo, também participaram de produções cinematográficas produzidas no
Egito que se baseavam nas composições estéticas das filmagens de
Hollywood, nos cenários e nos demais elementos lá apresentados.
Nesse sentido, os trajes utilizados pelas dançarinas na atualidade e o
figurino da dança do ventre em O Clone são referenciados nas imagens das
imagens, e assim por diante, indeterminadamente. Nesse raciocínio, esses
trajes derivaram do cinema hollywoodiano, que por sua vez utilizou
referências das pinturas do século XIX, mas não de maneira fiel,
apresentando algumas releituras. Assim, na tentativa de compreender as
configurações do traje da dança através das suas imagens históricas, nota-
se que sua forma resultou da interferência de diferentes sociedades e,
através de uma bricolage, consolidou-se, por fim, numa forma que se tornou
padrão no Ocidente e também no próprio Oriente.
Outro elemento importante para a dança e que completa o traje é o
véu, que pode ser analisado por sua correspondência entre a telenovela, o
cotidiano e seu histórico, e, em muitas cenas, aparece sendo manuseado
durante a dança do ventre pelas personagens bailarinas. Nas pinturas do
século XIX e nos filmes egípcios do início do século XX, ele também se
encontra presente.
65
O vídeo The Stars of Egypt apresenta inúmeros clips em preto e branco de bailarinas
egípcias que se tornaram conhecidas no mundo inteiro como Shafiqa la Copta em 1919,
Badía Masabni na década de 1940 e Tahía Carioca na década de 1950, entre outras.
121
O uso do véu também é usado atualmente pelas bailarinas brasileiras,
seu uso não é obrigatório, mas conforme ressalta a revista Manequim
66
·:
o véu engrandece a dança e a figura da bailarina,
harmonizando-se com os movimentos suaves ou vibrantes,
de acordo com a música, conferindo um mistério que em
muitas culturas está relacionado à virgindade (Manequim,
dez. 2001).
Na dança do ventre, pode ser usado apenas um véu, ou mais, como
na coreografia dos Sete Véus, referente a um mito de Ishtar, uma deusa
babilônica do amor e da fertilidade, em que há uma seqüência para a
retirada de cada um dos véus, sendo proibido jogá-los no chão.
Há outros objetos adotados em diversas coreografias tradicionais,
como a espada que Jade usou em uma dança para Said numa das cenas de
O Clone, que é praticada por profissionais por simbolizar a abertura de
caminhos e a derrota de inimigos. Em uma pintura do século XIX, uma
bailarina ao se apresentar aos soldados, equilibra a espada na cabeça,
como se fizesse uma brincadeira com a arma dos seus espectadores.
66
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim. Edição 504, p.90-92, dez., 2001.
122
Ilustração 42 - Bailarinas con dos espadas.
Ilustração 43– Jade na dança com a espada.
Não constam registros sobre algum simbolismo para essa prática na
história da dança, o que se vê é que a dança, na atualidade, além de seguir
a proposta estética praticada já há alguns séculos atrás, ainda lhe concedeu
um novo simbolismo. Na telenovela, a personagem Jade realiza a dança
com a espada para seduzir seu marido Said, aportando, então, um novo
significado à dança.
123
Outros elementos ilustrados nas pinturas do século XIX, dos quais
não constam registros de nenhum simbolismo, foram usados também na
telenovela para complementar a performance de sedução. Já nas
academias, eles aparecem com significados, como o pandeiro que serve
para manifestar alegria, o punhal representa o sexo, a transformação e a
morte e os snujs servem para energizar positivamente um ambiente.
A última questão pertinente a essa análise das correspondências dos
trajes da dança do ventre é que atualmente nos países árabes por causa do
Islamismo, as bailarinas são obrigadas a cobrir o umbigo com algum objeto
parecido com uma estrela, as pernas devem ficar cobertas fechando a parte
inferior do vestido com uma peça que se chama closh e o ventre deve ser
coberto com um tecido transparente. Os trajes foram assim normatizados,
desde o ano de 1964, primeiramente por um decreto do governo egípcio que
visava aos “bons costumes” para que as dançarinas não ofendessem a
sociedade.
Ilustração 44 - Bailarina egipcia, 1995. Ilustração 45- Dançarina convidada
apresenta-se na trama seguindo as normas
árabes.
124
Nas cenas de O Clone nota-se que as dançarinas que eram
contratadas para dançar em público, nas festas, exibiam-se com esse traje
que cobre levemente o ventre. Já a personagem Jade, ao dançar
intimamente para os seus parceiros, utilizava as peças que já foram
descritas, as quais deixam o ventre à mostra e que é, também como já foi
mencionado, a maneira que as bailarinas brasileiras se vestem em suas
apresentações.
125
3.3 AS CORRESPONDÊNCIAS DA MAQUIAGEM
A maquiagem usada pelos personagens da telenovela o Clone,
também foi incorporada pelo público e disseminada nas revistas, que
ensinaram e recomendaram regras de beleza, insinuando que através delas
as leitoras poderiam usufruir os efeitos estéticos do universo oriental.
Conforme essas revistas, na maquiagem utilizada por personagens da
telenovela O Clone como Jade, Nazira e Ranya, identifica-se como principal
elemento os olhos que se apresentam marcados com sombra escura ou khôl
e delineador.
Ilustração 46 - Jade com olhos pintados com khôl.
Seguem as descrições de algumas reportagens que se remeteram a
essa maquiagem de O Clone, a fim de evidenciar como a telenovela
influenciou o costume de pintar os olhos e como as mulheres brasileiras
apropriaram-se desse elemento.
126
A revista Manequim
67
publicou um bloco, ensinando como deve ser
feita a maquiagem e alguns cuidados com o corpo para que as leitoras
obtivessem a aparência da pele e da maquiagem iguais ao da personagem
Jade. As orientações são que as sobrancelhas devem ser depiladas, mas
não finas demais; a maquiagem deve ser feita além do rosto, no pescoço e
no colo; os olhos devem ser bem delineados, com traço grosso nas
pálpebras superiores, estendendo-se além do contorno natural e para
finalizar o look várias camadas de rímel nos cílios.
A revista Criativa
68
publicou fotografias que ensinavam passo a
passo, com a ajuda de um maquiador, o look Jade. A revista incentivava as
leitoras a adotarem a maquiagem para saír à noite, afirmando que era muito
fácil realizar sozinha a maquiagem, citando o exemplo de uma estudante
que se maquiou e ficou “um clone da Jade”.
Ilustração 47 - Criativa jun. 2002.
67
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim. Edição 504, p. 92, dez., 2001.
68
HIRATA, S. Olhos de Jade. Revista Criativa. p. 42-43, junho, 2002.
127
Nas duas matérias anteriores, constata-se que as revistas
incentivaram e ensinaram as leitoras a se maquiarem, mas não
evidenciaram como isso foi concretizado no dia-a-dia. Segue, então, uma
terceira matéria, que fotografou pessoas nas ruas, mostrando como a
maquiagem da telenovela revelou-se no cotidiano.
A coluna Beleza nas Ruas da revista Elle
69
apresenta imagens de
artistas e pessoas comuns maquiadas com os olhos bem delineados,
sombra escura e rímel nos cílios. A revista afirma: “os sensuais traços
orientais invadem as ruas”. De fato, a maquiagem das imagens
apresentadas corresponde à da telenovela, no entanto, observa-se que os
traços são um pouco mais suaves, como se o efeito teatral da maquiagem
sofresse uma adaptação para a vida real.
Ilustração 48 -Elle jun. 2002.
69
Preto nos olhos. Revista Elle. São Paulo, p.16, junho, 2002.
128
Vistas as correspondências da maquiagem na telenovela com as
imagens veiculadas pela mídia, que ensinam como as pessoas devem pintar
os olhos e como outras adaptaram a maquiagem para o dia-a-dia, aponta-se
a seguir a origem dessa prática para se compreender onde a telenovela se
referenciou para se apropriar desse elemento estético.
A prática de pintar os olhos com o kajal ou khôl é originária da cultura
indiana que acredita que os olhos esfumaçados com o kajal repelem os
demônios
70
. Os antigos egípcios também pintavam os olhos com esse
produto, por várias razões. A primeira razão era que devido ao sol forte, os
trabalhadores precisavam proteger seus olhos do brilho do sol, assim ao
pintarem os olhos com o kajal era como se estivessem usando uma espécie
de óculos escuros. A segunda razão é praticamente a mesma dos indianos,
os antigos egípcios acreditavam que o kajal nos olhos desempenhava uma
proteção mágica
71
. Assim percebe-se que a telenovela desapropriou esse
elemento de sua função original, retirou seu significado de origem e utilizou o
significante para compor uma nova imagem. E a moda de rua, seguindo o
apelo estético das imagens exibidas na trama, também incorporou a prática
como um modismo, com a intenção de usufruir a mesma aparência das
personagens de O Clone.
70
Conforme Shokry Mohamed em La Danza Mágica del Vientre. Madrid, 1995.
71
Conforme programa produzido pelo canal Discovery Channel com o jornalista norte-
americano Terry Jones, transmitido no Canal TV Escola no dia 19/08/2007 ás 10h.
129
3.4 OS ADEREÇOS ÁRABES DO FIGURINO
Na telenovela O Clone como já foi visto, as personagens do núcleo
árabe exibiam em seu figurino o uso excessivo de adereços. Essas imagens
também repercutiram na moda de rua no período em que estava sendo
transmitida a telenovela, realçando a mesma “forma” da telenovela no
cotidiano do telespectador.
Daí a importância de, nessa investigação, reunir impressos que se
reportem aos adereços usados na trama, aglutinando as inúmeras
informações que revelam essa “forma” que é confirmada através do
procedimento de correspondência das imagens da telenovela, com as dos
outros veículos midiáticos e com a sua origem histórica.
O primeiro adereço analisado é a pulseira-anel usada por Jade e
Latiffa em O Clone. Esta foi a peça do figurino que obteve maior repercussão
na mídia e que mais se destacou na moda de rua. Segundo a revista Veja
72
,
essa peça foi criada na Argolla, uma pequena fábrica de Mirandópolis, no
interior paulista, que obteve a licença da Rede Globo para comercializar o
acessório e nos primeiros seis meses de transmissão de O Clone produziu
120.000 pulseiras, um número que nenhuma outra peça da fábrica havia
alcançado.
A pulseira-anel de Jade foi um dos itens mais “pirateados” no Brasil,
conforme a mesma matéria da revista Veja, que diz também que a fábrica
Argolla além de ter obtido uma boa venda no país, estava começando a
72
JARDIM.L. Uma bijuteria que vale ouro. Revista Veja, Edição 1 741 - 6 de março de 2002.
130
exportá-la para os EUA e Portugal, países onde O Clone também estava
sendo transmitido. O site Gente e TV
73
também registrou o sucesso das
vendas dessas pulseiras-anéis e afirma que elas podiam ser encontradas
em qualquer loja ou camelô.
Ilustração 49 - Pulseira-anel da Jade.
Outro exemplo que expõe a grande demanda pela pulseira-anel da
Jade é o depoimento da proprietária da Loja Taj Mahal, Érica de Oliveira
Moraes Stockle, que relata que em uma semana vendeu mais de 300
pulseiras da Jade. "Eu quase não estou dando conta de manter o estoque.
Já vendi pulseiras para meninas de cinco anos e para senhoras de sessenta
anos”
74
.
73
Disponível em:<http:// www.gentetv.com.br>. Acessado em:05 jul.2006.
74
A invasão do look marroquino. Disponível em <http://www.valeparaibano.com.br>.
Acesso em 20 set. 2006.
131
Deste modo, percebe-se que essa peça divulgada em O Clone atraiu
mulheres de diferentes idades e estava disponível em lojas que atendiam
desde um público elitizado como a grife paulistana, Zueira, localizada nos
Jardins – até ao público popular, como as lojas abastecidas pela empresa
paulista Landinho Bijouterias, que vende no atacado para todo o país e
relatou ao Jornal Folha de São Paulo
75
que a pulseira da personagem Jade
lhe rendeu boas vendas.
Na primeira semana recebemos mil peças e a procura
foi por 3.000, diz José Pereira do Prado, 51, gerente
da Landinho, que afirma vender cerca de 2.500 peças
por semana. Não dá para fazer estoque. Somente
reduziremos os pedidos quando a novela estiver
chegando ao final (Folha de São Paulo, 2002).
Esses registros evidenciam que a pulseira-anel da Jade foi
incorporada por um número significativo da população brasileira. Ela estava
disponível das lojas populares às lojas sofisticadas e seu formato
correspondia às pulseiras-anéis de O Clone.
Alguns detalhes de pedraria e acabamentos variavam de uma loja
para outra, seguindo o gosto do público que iria consumí-las, mas seu
formato seguia as peças da telenovela: uma pulseira de plaquetas de metal
com pedras incrustadas, com uma corrente ligada a um anel para ser usado
no dedo indicador composto pela mesma plaqueta e pedra da pulseira.
75
FONTES, B. M. Aqueça as vendas com novidades do verão. Jornal Folha de São Paulo,
18 nov. 2001.
132
Portanto, ao se constatar as correspondências estéticas das
pulseiras-anéis da telenovela com as comercializadas ao público, pode-se
afirmar que a telenovela difundiu uma moda, interferindo de modo
massificado no gosto da população brasileira.
Ao pesquisar a origem dessa pulseira para compreender porque ela
foi utilizada na composição do figurino da telenovela e para verificar a
presença de algum sentido que a população brasileira tenha atribuído à
pulseira, não foi encontrada nenhuma menção dela em livros de moda que
expunham adornos árabes. A única imagem em que pôde ser verificada uma
peça similar à pulseira da Jade foi em uma ilustração de uma mulher
praticando uma dança hindu. No entanto, em livros de moda que expunham
adornos indianos, não constavam imagens de uma peça semelhante.
Em um debate aberto ao público promovido pelo jornal Folha de São
Paulo
76
, entre a figurinista Marília Carneiro e o estilista Alexandre
Herchcovicht, foi possível perguntar pessoalmente para a figurinista de onde
havia vindo a pulseira-anel de O Clone. Segundo a figurinista, foi o diretor da
trama que obteve a peça aleatoriamente por achá-la interessante e a
entregou a Carneiro para que a colocasse na personagem principal. Quanto
à possibilidade da peça ser de origem indiana, conforme a imagem
pesquisada, sendo essa a principal pista obtida nessa pesquisa, Carneiro
descarta-a e diz desconhecer a origem étnica dessa peça.
76
Evento aberto ao público no dia 6 de agosto de 2007 no Teatro Folha, no Shopping
Pátio Higienópolis em São Paulo.
133
Por essa declaração, pode-se afirmar que o apelo da pulseira tanto ao
ser colocada no figurino quanto ao ser comprada pela população, está em
sua forma visual e estética, que parece ter sido suficiente para despertar a
atenção e o gosto do público. No entanto, é importante considerar que a
peça, ao ser utilizada por personagens árabes na telenovela, passou ao
público brasileiro a conotação de que esta pertencia à cultura árabe. Ao
incorporá-la, é provável que a população tenha assimilado que esse
elemento tenha se originado no Oriente.
Vale mencionar também que o mercado, atento ao potencial de venda
dessa peça, submeteu-a a um deslocamento de função, oferecendo ao
público mais uma opção de consumo, transfigurando a pulseira-anel em uma
tornozeleira-anel como mostrou o jornal O Estado de São Paulo
77
.
Ilustração 50 - Tornozeleira-anel.
77
RIBELA, Rafael. Mercado de bijuterias ganha inspiração oriental. Jornal O Estado de São Paulo:
Caderno Oportunidades, p. capa.18/11/2001
134
Outros adereços usados na telenovela apareceram na moda de rua,
como os brincos usados pela personagem Jade, que segundo o site Gente e
TV
78
, possuíam um estilo indiano e podiam ser encontrados em qualquer loja
ou camelô. A figurinista Marília Carneiro, em entrevista ao site, afirma, dois
anos após o fim da telenovela: "Os brincos estão na moda até hoje".
Os brincos indianos, ao serem misturados num figurino e contexto
árabe, sofreram um deslocamento por serem reapropriados como se
pertencessem a uma cultura que não corresponde a sua de origem. As
reportagens, ao falarem dos “brincos indianos da Jade”, revelam um contra-
senso, pois a menção da personagem transporta o público diretamente ao
que diz respeito ao mundo árabe. No entanto, parece que o público
absorveu esse cruzamento de idéias, sem nenhum conflito, ao associar e
identificar a peça exibida na telenovela.
O apelo visual dos adereços utilizados no figurino de O Clone é
evidenciado pelas reportagens que relatam o uso do tema da telenovela pelo
comércio de acessórios. Como por exemplo a joalheria Dryzum, que
segundo o jornal Valor
79
, usufruiu da eficiência da mídia para vender suas
peças. A diretora de criação da marca, Sheila Dryzum, diz que logo que se
iniciou a telenovela O Clone, lançou uma coleção de jóias inspirada em
Marrocos. “Algumas peças foram parar nas orelhas, braços e pescoços das
personagens da novela a coleção vendeu e ainda vende muito, comemora
Sheila”.
78
Disponível em:<http:// www.gentetv.com.br>. Acessado em:05 jul.2006
79
BARONE, V. Coleção brilhante para elfos em pele de mortais. J. Valor, p. D5, jan., 2002.
135
Outro exemplo encontra-se numa reportagem publicada pelo site Vale
Paraíbano
80
, que ao entrevistar os comerciantes da cidade paulista de São
José dos Campos afirma:
“A grande sensação do momento em termos de
acessórios femininos são as bijuterias de modelo marroquino”.
O site explicita como o público estava usando essas peças ao relatar
que, antes da telenovela elas eram utilizadas somente pelas bailarinas de
dança do ventre, mas depois do início da transmissão de O Clone, colares
extravagantes e brincos coloridos passaram a ser usados pelas mulheres
em qualquer evento social, durante o dia ou à noite.
Nas imagens publicadas pela revista Manequim
81
pôde ser observado
como as peças exibidas na telenovela foram reproduzidas e comercializadas
tornando-se acessíveis ao público. Um editorial sobre acessórios mostra
inúmeras peças de colares, brincos, anéis, braceletes, bolsas, chinelos e
cintos que, conforme a introdução da matéria, são “do tipo usado por Jade,
na novela O Clone”. As peças são feitas de metais dourados ou prateados
com pedras coloridas, miçangas e canutilhos incrustados. E a intenção do
uso dessas bijuterias, de acordo com a revista, é fazer a mulher brilhar.
80
A invasão do look marroquino. Disponível em <http://www.valeparaibano.com.br.>
Acesso em 20 set. 2006.
81
Caminho das Pedras. Revista Manequim, p.21-24, ed. 506, fev. 2002.
136
Ilustração 51 - Manequim fev. 2002.
Os adereços usados na telenovela sendo transportados para a moda
de rua devido ao apelo estético de O Clone, é confirmado pelo relato da
professora Maria de Fátima Silva, que segundo o site Vale Paraibano, era
mais uma das adeptas da moda marroquina: "Essa nova moda deixa a
mulher mais sensual e atraente. Os homens adoram e eu gosto do colorido e
da alegria das pulseiras".
137
Por esses registros midiáticos publicados no período da transmissão
de O Clone, pode-se perceber o movimento do mercado e do público se
apropriando das formas estéticas exibidas na telenovela, conforme relato do
designer e proprietário da Argolla, Sergio Ynoguti ao jornal O Estado de São
Paulo
82
: “A procura por essas bijuterias tem sido muito grande”. Por isso o
empresário conta que estava lançando na feira Bijóias
83
uma linha de 25
produtos licenciados pela Rede Globo que incluíam brincos, anéis e
pulseiras, entre outros itens exibidos em O Clone.
A proprietária da Lup Jóias Folheadas, Sônia Cereto Alves também
declarou que estava comercializando peças semelhantes às de O Clone
devido à procura de muitas mulheres e também que muitas lojas estavam
oferecendo as peças. Assim, ela afirmou ao jornal O Estado de São Paulo:
“tem muita gente procurando peças orientais e quem tiver o melhor preço vai
levar vantagem”.
82
RIBELLA, R. Mercado de bijuterias ganha inspiração oriental. O Estado de São Paulo,
set, 2001.
83
A 17ª Bijóias de alto verão de São Paulo foi realizada um mês após o início de O Clone.
Esse evento a cada ano visa reunir os lojistas e revendedores para abastecerem seus
estoques para as vendas do Natal. Segundo Vera Masi, organizadora da Bijóias, as peças
que foram expostas na edição do final do ano de 2001 eram de inspiração oriental seguindo
uma tendência internacional de um ano atrás que culminou no Brasil com a telenovela.
138
A presença dos adereços da telenovela na moda de rua é mostrada
também no editorial da revista Elle,
84
ao expor fotos de artistas que também
aderiram à moda desses acessórios exagerados, no brilho, no tamanho e
com motivos árabes. A atriz Maria Fernanda Cândido foi fotografada usando
um conjunto de brincos, colar e bracelete prata, de estilo oriental e
completando a produção da atriz, os olhos estavam contornados com
sombra, iguais aos da personagem Jade.
Ilustração 52 - Maria Fernanda: olhos delineados e
acessórios similares ao da personagem Jade.
84
VASCONCELOS, S. Colares Fartos. Revista Elle, São Paulo, março, 2002.
139
Um colar feito de miçangas, cristais e vidrilhos foi fotografado na atriz
Patrícia de Sabrit também pela revista Elle, e era uma peça muito parecida
com a que compôs o figurino de Jade na cena do seu casamento. Um colar
de pedras coloridas e metal, montado em cascata, com a extremidade cheia
de penduricalhos, foi fotografado na socialite Tereza Collor, seguindo o estilo
e a mesma referência das peças da telenovela.
Ilustração 53 - Elle mar. 2002.
Ilustração 54 - Jade com colar em cascata semelhante das artistas ao lado.
140
Observa-se que a moda se apropriou dos elementos do figurino de O
Clone e da temática árabe para a elaboração de seus próprios elementos,
esse processo é evidenciado nas imagens abaixo.
A primeira imagem é de um colar árabe, e a segunda é de um colar
da moda brasileira, que conforme informação da revista Manequim
85
foi
inspirado num colar oriental.
Ilustração 55 – Colar árabe. Ilustração 56– Colar da moda brasileira de 2002
.
Nota-se que os dois possuem o mesmo formato, um cordão com
esferas penduradas de pingentes azuis dispostos em círculo com um
pingente no centro. Percebe-se também uma diferença entre os dois: flores
foram acrescentadas na versão que recaptura esse objeto pertencente à
outra cultura, evidenciando que esse colar exibe uma forma que foi
desapropriada e reconfigurada de acordo com a moda local.
As flores são elementos resultantes de uma moda romântica que
também estavam presentes na indústria da moda, na mesma época em que
O Clone disseminou as formas estéticas da cultura árabe. Uma bricolage
85
Caminho das Pedras. Revista Manequim, p.21-24, ed. 506, fev. 2002.
141
desses dois gêneros estilísticos, chamados na moda de tendências –
romantismo e Oriente - reconstruíram um objeto étnico, tornando-o
apropriado ao mercado da moda brasileira.
Visto o consumo massificado no mercado brasileiro das peças
similares das usadas em O Clone, identifica-se também um mercado
elitizado que demonstra não ter ficado imune à moda da telenovela. A
revista Vogue Jóias
86
(núm. 292) exibiu um editorial de anéis e pulseiras
com o título “A dança das mãos”. Com fotos de mãos gesticulando
movimentos similares aos realizados na dança do ventre, a matéria
apresentava anéis de ouro com penduricalhos de diamantes e brilhantes.
Anéis de pedras preciosas coloridas com correntes e pingentes pendurados
valorizam os movimentos das mãos.
Os elementos que compõem as peças mostradas por esse editorial
correspondem às das peças mostradas na telenovela, mas tanto na
telenovela como na revista de moda, elas aparecem desapropriadas de seus
simbolismos providos pela cultura árabe. As mulheres e as crianças árabes
costumam usar adereços com penduricalhos por acreditarem que o barulho
que emitem ao serem movimentados as protegeriam de espíritos ruins.
Outro exemplo de adereços árabes utilizados na telenovela e
na moda, mas sendo desapropriados de seu simbolismo está num editorial
da mesma revista
87
em uma edição anterior. Com o título “Too much”, o
editorial prega o exagero nos tamanhos e nas quantidades das jóias que as
86
A dança das mãos. Vogue Jóias, n. 292, p. 16.
87
Too much. Vogue Jóias, n. 287, p.8.
142
leitoras devem usar. As peças são inspiradas na Índia, Marrocos, Egito e
Grécia e são compostas por cordões, pulseiras e materiais variados como
couro, borracha, aço, ouro e prata. Materiais valiosos como pedras de safira,
turquesa, topázios coloridos e diamantes são utilizados e oferecidos pela
revista como uma peça de valor simplesmente estético.
No entanto, pelos costumes árabes, as cores de certas pedras teriam
poderes especiais. A pedra turquesa, por exemplo, teria o poder de evitar o
mau-olhado. Diz uma lenda popular que ela teria a capacidade física de
resplandecer quando quem a usa está feliz e de se tornar opaca quando a
pessoa está triste. E as pedras nas cores verde, azul e vermelho seriam
usadas como proteção.
Nessa mesma edição da Vogue Jóias, uma matéria com o título
“Sherazade iria adorar”, mostra que os anéis da moda são exagerados, em
ouro, pedras preciosas coloridas, brilhantes incrustados. A matéria dá mais
uma dica para identificarmos a origem dessas peças ao dizer que essa
moda é para “dar a sensação de que se acabou de abrir o cofre com os
tesouros das Mil e uma Noites”.
Braceletes também são exibidos com a sugestão de que devem ser
grandes, compactos, delicados e sofisticados. Inspiradas no universo das
odaliscas, em ouro maciço ou rendado, enfeitados por pérolas e brilhantes,
devem ser usadas várias peças ao mesmo tempo.
Apesar da revista não mencionar diretamente a telenovela O Clone,
nota-se que as referências atribuídas às jóias são as mesmas que
143
inspiraram a telenovela. As fotos das jóias e a maneira com que a revista
orienta o uso delas correspondem às imagens da personagem Jade. Abaixo,
observa-se o uso simultâneo de várias pulseiras de ouro maciço pela
personagem Jade e, na segunda foto, o bracelete em ouro rendado
semelhante aos da revista.
Ilustração 57 - Braceles de ouro maciço.
Ilustração 58 - Bracele de ouro rendado.
144
As correspondências desses adereços mostrados pela revista com os
adereços da telenovela são ainda confirmadas por suas referências no
contexto árabe. Na tradição árabe, as jóias representam mais do que uma
ornamentação corpórea. Para as mulheres, suas jóias simbolizam status
sócioeconômico.
Quando uma mulher se casa, como foi mostrado em O Clone, seu
dote é parcialmente pago em jóias, as quais são reservadas e utilizadas
exclusivamente de acordo com a própria vontade. As jóias de uma mulher
simbolizam seu status de mulher casada e mais tarde o de mãe de família, já
que o costume é de se presentear a mãe, a cada nascimento de um filho.
Ao identificar os adereços usados na moda de rua correspondentes
às “formas” estéticas da telenovela, foi possível através dos seus discursos e
elementos, compor um painel que ressalta a mesma “forma” presente em O
Clone, como preeminente também no campo da moda de acessórios. Assim,
o consumo dessas peças, registrado pelos veículos midiáticos, ofereceu um
panorama de como as composições visuais da telenovela influenciaram a
vida cotidiana, revelando-as como um reflexo dessa “forma”.
O estudo desses elementos usados como adereços no figurino
também revelou o sentido original dessas peças que a telenovela fez
parecer como oriundas do Oriente, o qual nem sempre correspondia ao
transmitido pela telenovela. E ainda, em alguns casos, não foi sequer
possível identificar a origem. Porém, quando recontextualizados no ambiente
fictício designado como “árabe”, passaram a ser reconhecidos como tal pelo
145
telespectador que teve a possibilidade de consumi-las devido a ampla oferta
comercial desencadeada na esteira do sucesso da telenovela, atendendo
aos variados gostos e classes sociais.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação empreendida neste trabalho efetivamente permitiu
identificar as relações existentes entre a “forma” apresentada pela telenovela
O Clone e a “forma” lançada pela moda de rua, no período de sua exibição,
e apreendida através de relatos midiáticos.
Através do desvelamento dessas relações, foi possível evidenciar os
processos de construção, reprodução e disseminação das formas estéticas
na sociedade contemporânea.
Para tanto, mostrou-se valiosa a abordagem de Barnard sobre
mecanismos como a intertextualidade, o pastiche, a alegoria e a bricolage,
que possibilitaram a compreensão de como a moda e a mídia constroem
suas imagens na contemporaneidade através da desapropriação de
elementos aleatórios, os quais, desprovidos de seus simbolismos, flutuam no
espaço e no tempo, mas podem ser apreendidos por sua “forma”.
Assim, percebeu-se que a telenovela O Clone elaborou essa “forma”,
recortando elementos estéticos da cultura árabe, marroquina, da religião
muçulmana e de outros costumes étnicos, que foram alinhavados como na
confecção de um patch-work, onde uma nova peça de moda é elaborada
através do remendo de diferentes retalhos.
Elucidou-se desta maneira como as imagens da telenovela e as
experimentações estéticas contemporâneas são efetuadas através da
147
desapropriação de elementos de épocas e culturas diversas, que ao serem
recontextualizados perdem seu valor simbólico e são consumidos pela
sociedade principalmente pelo seu apelo de novidade.
Concordando com Butazzi apud Caldas (1999, p.86) de que, na
contemporaneidade, buscam-se propositalmente elementos do passado
para reconfigurá-los em manifestações do presente, pôde-se apontar essa
reconstrução na telenovela e na moda de rua, que se serviram do estoque
de imagens preexistentes, como ponto de partida, para suas criações. Seus
elementos foram recriados, partindo de uma base de componentes estéticos
já disponíveis, tratando-se, portanto, de uma reelaboração com significativa
interferência em relação ao original.
Essa reelaboração está presente no repertório tanto da moda quanto da
mídia, assim como também em alguns “modismos comportamentais”.
Um exemplo interessante mostrado nesta pesquisa foi o da dança do
ventre. Originalmente, essa dança era uma manifestação religiosa da cultura
egípcia e não possuía um traje específico para a sua realização. No entanto,
nas primeiras décadas do século XX, o cinema hollywoodiano exibiu
bailarinas vestidas com um figurino inspirado na arte européia do período
orientalista. Esse figurino foi sendo disseminado e incorporado não só no
Ocidente, mas também pelas próprias bailarinas do Egito, tornando-se o
traje padrão para a prática dessa dança. Esse traje, recriado através de
referências das imagens das imagens, foi o mesmo exibido pela telenovela
O Clone. No período de exibição da mesma, ele já tinha sido popularizado
148
nacionalmente pela mídia estrangeira e já era usado por bailarinas
brasileiras antes de ser exibido na trama, não tendo sofrido nenhuma
alteração após as performances das personagens marroquinas. Porém,
através dos relatos verificados, percebeu-se que o figurino da dança, devido
ao seu apelo estético, foi, em alguns casos, o propulsor dessa prática junto
às telespectadoras.
Através desse exemplo, percebeu-se a existência de uma
cumplicidade entre a moda e a mídia, porque além delas comporem seus
elementos estéticos similarmente, através da reelaboração de imagens, elas
desenvolvem também seus repertórios de maneira associada: a mídia
impulsiona a fugacidade da moda e a moda engrandece o apelo da mídia
junto ao público.
Assim, o uso de elementos, designados como “coisas das Arábias”
pela moda de rua, foi impulsionado pela telenovela O Clone e confirmado
nesta pesquisa pelos registros midiáticos. Alguns destes elementos, como a
pulseira-anel da Jade nem mesmo pertenciam à cultura árabe como a
telenovela fez parecer e, outros como a túnica e a bata que possuíam
referências históricas na civilização árabe, foram apresentados destituídos
de suas conotações originais e reconfigurados pela cultura ocidental. Ao
serem reapropriados pela moda de rua, esses elementos ainda sofreram
novas transformações, conforme se pôde constatar através de pesquisa na
mídia especializada em moda.
149
Apesar de ter sido levantado o termo tendência-mania proposto por
Garcia e Miranda (2007) como um dos fatores da influência da telenovela na
moda de rua, nota-se um movimento de mundialização da moda que é
propulsor da aproximação entre as experimentações estéticas vividas no
Oriente com as do Ocidente. Observa-se que a moda tem ultrapassado
fronteiras, que são diluídas principalmente por meio da mídia. Essa oferece
um repertório cada vez maior de produtos, reduzindo o valor simbólico das
indumentárias étnicas dentro de seus próprios países, estandardizando
cores, formas, texturas, composições, marcas e comportamentos orientados
conforme as tendências do mercado ocidental. Essa questão, no entanto,
merece uma maior reflexão e talvez possa ser objeto de uma próxima
pesquisa.
Enfim, “Configurações estéticas e figurino da telenovela O Clone”
abordou os jogos de apropriações estéticas desta telenovela. Identificou
como elementos étnicos foram desapropriados e também como, pela
aglutinação de elementos de variadas culturas e épocas, formou-se o
figurino em cena, estruturando uma “forma”. Essa “forma”, configurada pela
telenovela, ao mesmo tempo, dialogou com elementos da moda de rua, a
qual por sua vez, num movimento refletivo, capturou as mesmas
configurações da trama, porém absorveu apenas a sua forma estética,
despindo-a de parte do seu sentido.
150
FONTES:
ENTREVISTAS
Entrevista realizada com o radialista Aurélio Duarte.
Entrevista realizada com a bailarina e coreógrafa Cris Marcondes.
Entrevista realizada com a figurinista Marília Carneiro.
Entrevista realizada com o Sheikh Muhamad Ragip.
PROGRAMAS TELEVISIVOS
Discovery Channel com o jornalista norte-americano Terry Jones, transmitido
no canal TV Escola no dia 19/08/2007 ás 10h.
O vídeo The Stars of Egypt apresenta inúmeros clips em preto e branco de
bailarinas egípcias que se tornaram conhecidas no mundo inteiro como
Shafiqa la Copta em 1919, Badía Masabni na década de 1940 e Tahía
Carioca na década de 1950, entre outras.
Vídeo Show – Rede Globo. Dia 31/10/2001.
REVISTAS E JORNAIS
ANÔNIMO. Too much. Vogue Jóias, n. 287, p.8.
__________. A dança das mãos. Vogue Jóias, n. 292, p. 16.
__________. Preto nos olhos. Revista Elle, São Paulo, p.16, junho, 2002.
__________. Como usar. Revista Criativa, p.53, junho 2002.
__________. Cabeça feita. Revista Elle, São Paulo, p.18, março 2002.
__________. Revista Elle, p.72, ano 14 núm.2 fev. 2002.
__________. Revista Manequim, ed. 508, p.71-75,abr. 2002.
151
__________. Revista Manequim, ed. 506, p.64-66,fev. 2002
__________. Moda peça-chave. Revista Elle, São Paulo, p.34, set.2002.
__________.Revista Manequim, p.24-28, ed. 506, fev. 2002.
__________.S.O.S MODA. 3 em 1. Revista Elle, São Paulo, p.20, abr. 2002.
__________. Embaixo da saia. Revista Manequim, p.73, ed.510, jun. 2002.
BARONE, V. Coleção brilhante para elfos em pele de mortais. J. Valor, p.
D5, jan., 2002.
CAGNONI, C. Dança do ventre. Revista Manequim, Edição 504, p. 92, dez.,
2001.
CADERNO DE TENDÊNCIAS DE MODA. Primavera-Verão 2002. São
Paulo, Senac, 2001.
Da Redação. A moda está no ar. J. Correio Braziliense. Brasília, 30 mai.
2002.
FONTES, B. M. Aqueça as vendas com novidades do verão. Jornal Folha de
São Paulo, 18 nov. 2001.
GARCIA, C. Les Filós investe na liberdade de criação. Jornal da Tarde, São
Paulo, p.4, 25 dez. 2001.
HIRATA, S. Olhos de Jade. Revista Criativa. Jun. 2002, p. 42-43.
JARDIM.L. Uma bijuteria que vale ouro. Revista Veja, Edição 1.741 - 6 mar.
2002.
LEAL, G. Milenar dança do ventre conquista espaço. Jornal O Estado de
São Paulo. 20 fev. 2002.
LEAL, G. Prática também traz benefícios para a saúde. Jornal O Estado de
São Paulo. 20 fev. 2002.
LEMOS, J. A.Quais são os trajes típicos dos países islâmicos e o que
representam?.Revista Super Interessante, p.30-31. Dez.2001.
LIMA, M. Caminho das Pedras. Revista Manequim, ed. 506, p.21-24, fev.
2002
MEL, T. Ela é fofa. Revista Capricho, p.32, abr. 2002.
152
MENEZES, F. Benefícios da Dança. Revista Boa Forma, p. 30, jan. 2002.
MILAN, B. As mulheres de véu. Jornal Folha de São Paulo, p.14-16, 06 jan.
2002.
MOTTER, M.L. Moda global. Revista Veja, p.18 jan., 2002.
NOGUEIRA, K. O melhor capítulo do Marrocos. Revista Elle, São Paulo,
p.132-135, núm.6/ano 15, jun. 2002.
RIBELA, Rafael. Mercado de bijuterias ganha inspiração oriental. Jornal O
Estado de São Paulo: Caderno Oportunidades, p. capa.18 nov. 2001
VASCONCELOS, S. Colares Fartos. Revista Elle, São Paulo, mar. 2002.
VASCONCELOS, S. Batas e batinhas. Revista Manequim, p.10, ed. 509,
mai. 2002.
153
SITES
A invasão do look marroquino. Disponível em
<http://www.valeparaibano.com.br>. Acesso em: 20 set. 2006.
AMOR, P. Como na televisão. Disponível em
<http:// www.correiodesergipe.com.br>. Acesso em: 21 set. 2006.
MAGNANI, C. E agora, Jade?. Disponível em
<http: :// www.esclusivaup.com.br>.Acesso em: 21 ago. 2006.
VIANNA, F. Carnaval, uma moda esfuziante. Disponível em
<http:// www.modabrasil.com.br>. Acesso em: 20 set. 2006.
< http:// www.bocc.ubi.pt/pag/schouten-johanna-mulheres-islamicas.pdf a>
<http:// www.correiodesergipe.com.br>. Acesso em: 21 set. 2006.
< http:// www.deutsche-welle.com/dw/article/0,2144,1158621,00.html>.
Acesso em: 05 fev 2007.
< http:// www.gentetv.com.br> Acesso em: 05 jul. 2006.
< http:// www.jorgesabongi.com.br> Acesso em: 05 jul. 2006.
< http:// www.terra.com.br/istoe/1793/internacional/ 93_deus_fora_da_classe
.htm. Acesso em: 05 fev. 2007.
<http://www.valeparaibano.com.br. Acesso em 20 set. 2006.
154
BIBLIOGRAFIA
BARNARD, Malcolm. Moda e comunicação. Rio de Janeiro: Ed. Rocco,
2003.
BECKFORD, William. VATHEK. Porto Alegre: Ed. L&PM Pocket. Vol.26,
1997.
BON, Gustave Le. A civilização árabe. Augusto Souza. Curitiba: Ed. Paraná
Cultural, vol.1,2 e 3.
BORGES, Jorge Luis. Sete Noites. 1ª edição. São Paulo: Ed. Max Limonad
Ltda, 1983.
CALDAS, Dario. Observatório de Sinais: teoria e prática da pesquisa de
tendências. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.
_____________. Universo da Moda: curso on line. São Paulo: Anhembi
Morumbi, 1999.
CARNEIRO, Marília. Carneiro No Camarim das Oito. Carla Mühlhaus. Rio de
Janeiro: Editora Senac Rio e Aeroplano, 2003.
HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a revolução do traje moderno. Rio
de Janeiro: Rocco, 1996.
FERREIRA, Berta Weil. O cotidiano do adolescente. Petrópolis: Vozes,
1995.
LEITE, Adriana e GUERRA, Lisette. Figurino, uma experiência na televisão.
São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2002.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e o seu destino nas
sociedades modernas. São Paulo : Companhia das letras, 1989.
____________. Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Ed.
Barcarolla, 2004.
GABLER, Neal. Vida O Filme –Como o entretenimento conquistou a
realidade São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999.
Garcia, Carol. Moda é comunicação: experiências, memórias, vínculos. Ana
Paula de Miranda. 2 ed. Rev – São Paulo: Editora Anhembi Morumbi,
2007.
155
GARCIA, Wilton. Corpo, mídia e Representações: Estudos Contemporâneos.
São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005
MAFFESOLI, Michel. O conhecimento comum. São Paulo: Brasiliense, 1988.
_________________ No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A Vida pelo Vídeo. São Paulo: Moderna
Ltda, 1988.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura
e hegemonia, Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2001.
MESQUITA, Cristiane. Moda Contemporânea . São Paulo, 2006.
MOHAMED, Shokry. La Danza Mágica del Vientre. Madrid: Ediciones
Mandala, 1995.
__________. La mujer y la Danza Oriental. Madrid, 1998.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Maura
Ribeiro Sardinha. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1975.
ORTIZ, Renato et. Al. Telenovela, história e produção. São Paulo, Ed.
Brasiliense, 1989.
SILVA NUNES, Valentina Da. Um outro olhar. São Paulo, Ed. Globo, 2002.
SOUZA, G. de M. e; O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São
Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1987.
156
157
158
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo