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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
CULTURA MIDIÁTICA E GRUPOS SOCIAIS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A GESTUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO
DO PERSONAGEM HOMOSSEXUAL NO CINEMA
EDIVALDO REIS DE SOUZA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade
Paulista – UNIP, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação.
SÃO PAULO
2007
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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
CULTURA MIDIÁTICA E GRUPOS SOCIAIS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A GESTUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO DO
PERSONAGEM HOMOSSEXUAL NO CINEMA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade
Paulista – UNIP, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação, sob a
orientação do Prof. Dr. Geraldo
Carlos do Nascimento.
EDIVALDO REIS DE SOUZA
SÃO PAULO
2007
2
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Souza, Edivaldo Reis de
A gestualidade na construção do estereótipo do personagem homossexual no
cinema. / Edivaldo Reis de Souza. – São Paulo, 2007. 97 f.
Dissertação (mestrado) – Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2007.
Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática.
Orientação: Prof. Dr. Geraldo Carlos do Nascimento
1. Homossexualismo 2. Mídia 3. Estereótipo 4. Gesto 5. Preconceito
I. Título
3
Aos meus pais e irmãos: símbolo de luta, união e amor.
4
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos que de forma direta ou indireta participaram da
execução desse projeto, sempre acreditando que era possível. Em especial
gostaria de agradecer:
Professor Geraldo Carlos do Nascimento, pelas horas dedicadas ao meu
projeto, sempre com uma palavra de incentivo, sem o quê a realização desse
trabalho não seria possível;
Profa. Dra. Sandra Fischer e ao Prof. Dr. Eduardo Peñuela Cañizal, pelas
sugestões e críticas sempre construtivas no exame Geral de Qualificação, abrindo
novos frentes de pesquisas e enriquecendo meu projeto;
Professores do Programa de Mestrado em Comunicação da UNIP, que me
mostraram um novo mundo e novas possibilidades;
Prof. Dr. José Soares Gatti Junior e Profa. Dra. Bernadette Lyra, que foram
os primeiros a acreditarem em meu projeto e dizerem que seria possível;
À minha família, que muitas vezes compreenderam minha ausência
meus pais, Augustino e Rozita; meus irmãos, Rose, Vilma e Edi; e os meus
sobrinhos, Douglas, Thiago, Helio Reis, Heloisa e ao pequeno Augusto, que
quase não me conhece;
Aos meus alunos, que, nesses dois anos tão produtivos e conturbados de
minha vida, souberam respeitar meus momentos de pouca paciência;
Aos meus amigos, por saberem ouvir o não por vários finais de semana,
Junior e Dudu;
Agradeço ainda aos meus colegas de trabalho, professores,
coordenadores, funcionários e a todos que, com palavras de conforto, me deram
forças para continuar e me incentivaram a nunca desistir, em especial para
Lurdes e Otávio, também a Marcela, Najla, Ricardo, Priscila, Tânia, Paschoal,
Beto, Maria Cecília e Kátia.
5
RESUMO
Este trabalho tem como tema “A gestualidade na construção do estereótipo
do personagem homossexual no cinema” e visa a estudar a construção do
personagem homossexual no cinema contemporâneo. Tem como pressuposto
básico que diversos fatores contribuem para isso, mas pretende destacar como
traço fundamental dessa construção a linguagem gestual.
Seu objetivo específico consiste em desvendar, via a análise de dois textos
fílmicos: “Será que ele é? e “Minha vida em cor de rosa”, até que ponto os
processos mobilizados por essa linguagem podem traduzir estereótipos já
arraigados na sociedade ou na criação de novos tipos de estereótipos. A
importância e complexidade social deste projeto de pesquisa, em torno de
convicções preconcebidas com relação aos homossexuais, estão não só em
mostrar a influência direta ou indireta exercida pela mídia audiovisual sobre os
homossexuais, como, num sentido mais amplo, verificar como são construídas e
reconhecidas pessoas desse grupo da sociedade brasileira. E como essa
exposição estereotipada contribui na percepção, por parte da sociedade, da
conduta e da forma de vida dos homossexuais. Trata-se de aspectos relacionados
à linguagem, à cultura e aos costumes.
O interesse deste trabalho em tal pesqisa surgiu em decorrência do
excesso de exposição da questão homossexual na mídia. No início, a intenção
era a de investigar um corpus configurado nos programas de televisão, mas,
posteriormente, ao iniciar os estudos, o cinema, se impôs dentre as demais
mídias audiovisuais. O que pretende-se estudar, nos referidos filmes, são as
modulações midiáticas, diretamente ligadas às exigências de nosso curso de
mestrado, que tem como área de concentração a Comunicação Midiática, e a
linha de pesquisa as Configurações de Linguagem e Produtos Audiovisuais na
Cultura Midiática, nas quais o cinema e suas técnicas se enquadram.
A pesquisa entende que ao desenvolver sua forma de criar laços sociais, a
mídia funciona como um agente aglutinador de informações e formador de
conceitos. Há décadas a mídia vem discutindo e apresentando para a sociedade
6
diversas questões ligadas a homossexualidade, seja através de filmes, noticiário,
debates, novelas ou através de programas de auditório. Vê-se freqüentemente
cenas que expõem não só os homossexuais ao ridículo, mas também deturpam
sua imagem.
A metodologia utilizada no processo de pesquisa foi qualitativa e será
apresentado uma breve definição do como se define gestualidade e suas
formulações e o que entende-se por estereótipo. Para uma melhor compreensão
do processo aplicado, o estereótipo foi classificado em três formas: estereótipo
cultural ou social, estereótipo humorístico e estereótipo pejorativo, o mesmo
procedimento foi adotado para o estudo do gestual, dividindo-o da seguinte forma:
gesto formal ou disciplinador, gesto informal ou cultural e gesto técnico.
Palavras Chaves: Homossexualismo, Mídia, Estereótipo, Gesto, Preconceito.
7
ABSTRACT
“Gestuality in the construction of the homosexual stereotype in cinema” is
the theme of this research, which studies the construction of the homosexual
character on contemporary cinema, highlighting, among a range of aspects that
influences this construction, the gesture language.
Via the analysis of two film texts: “Será que ele é?” (“In & Out”) e “Minha
vida em cor de rosa” (“Ma vie en rose”), this research aims to discover if the
processes mobilized by gesture language represent stereotypes that already exist
in society or create new ones. The value and social complexity of this research
project, that encloses preconceived convictions related to homosexuals, is not only
about showing the direct or indirect influence of the audiovisual media over
homosexuals, but in a broader sense, verify how these people of Brazilian society
are constructed and recognized, and how this stereotyped exposition influences
society’s perception towards the homosexual behavior and their way of life. It
relates to the aspects of language, culture and tradition.
The interest on this research began after the excessive exposition of the
homosexual subject on media. From the beginning, the intention was investigating
a corpus configured on television shows, but after starting the studies, cinema
imposed itself over all other audiovisual media. The subject of the studies, on
referred films, are mediatical modulations, directly connected to the needs of our
post graduation course, being Mediatical Communication it’s concentration area,
and the field of research, where cinema and it’s techniques belongs, being
Language Configuration and Audiovisual Products in Mediatical Culture.
The research understands that when developing its own form of creating
social bonds, media works as an agent that connects information and builds
concepts. Through decades, media has been discussing and showing to society a
large amount of subjects related to homosexuality, through films, news, debates,
series or auditorium programs. What is shown are scenes that not only ridicules
homosexuals, but depreciate their image as well.
8
The methodology used on the research process was qualitative. A brief
description of how gestuality is defined, what are its formularizations and what is
understood by stereotype will be presented. To better understand the processes
applied, the stereotype was classified in three forms: cultural or social stereotype,
humorous stereotype and pejorative stereotype. The same procedure was
adopted for studying gestuality, dividing it in: formal or disciplinarian gesture,
informal or cultural gesture and technical gesture.
Key words: Homosexuality, Media, Stereotype, Prejudice.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO___________________________________________________ 12
2. O HOMOSSEXUAL E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO __________________ 27
2.1.1 O que é ser homossexual________________________________________ 27
2.1.2 Os homossexuais e a mídia brasileira ______________________________ 30
3. A LINGUAGEM GESTUAL E O ESTEREÓTIPO DO HOMOSSEXUAL NO
CINEMA____________________________________________________________ 45
3.1 Uma breve definição de estereótipo e gestualidade __________________ 50
3.2 Breve apresentação dos filmes e análise das cenas__________________ 63
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________ 90
5. BIBLIOGRAFIA__________________________________________________ 97
10
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida,
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de
crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma
conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio
ser.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se
tornar um autor da própria história. É atravessar desertos
fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no
recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã
pelo milagre da vida.
Augusto Cury
Texto extraído do livro: “Dez leis para ser feliz”
11
1. INTRODUÇÃO
"Era uma vez um sujeito valente, que teve a idéia de que os
homens só se afogavam na água por estarem tomados pela idéia
da gravidade. Se tirassem essa idéia da cabeça, digamos,
reconhecendo tratar-se de um conceito supersticioso, religioso,
eles seriam sublimemente resistentes a qualquer perigo advindo
da água. Durante a vida inteira este homem lutou contra a ilusão
da gravidade, de cujas conseqüências prejudiciais todas as
estatísticas lhe traziam provas novas e múltiplas." (Karl Marx,
Ideologia alemã)
Ensina-nos o vernáculo que preconceito é qualquer opinião ou sentimento,
quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico, idéia, opinião ou
sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação
ou razão. O Brasil, um país mundialmente conhecido pela sua heterogeneidade
de raças e credos, com um povo rico culturalmente, ostenta ao mesmo tempo a
fama de ser um país onde milhares de pessoas morrem por ano vítimas de
preconceitos, entre os quais os preconceitos contra os homossexuais. Na busca
de uma explicação para esse e outros fatos que envolvem a temática
homossexual, este trabalho aborda a construção do personagem homossexual no
cinema através da linguagem gestual.
O movimento homossexual ou homoerótico tem crescido e ganho
visibilidade nas últimas décadas, apesar de ser tema de discussão relacionado
aos direitos humanos e às políticas públicas há muito tempo, especialmente na
Europa e América do Norte. O avanço de tais discussões tem culminado com a
aprovação de leis de proteção aos direitos homossexuais, incluindo os de parceria
ou união civil.
Na América do Sul, formada principalmente por países considerados de
terceiro mundo e por alguns, poucos, considerados “em desenvolvimento”, com
relação à situação econômica, social, política e cultural, os movimentos
homossexuais têm conseguido, também, a garantia de alguns direitos básicos
12
para o exercício pleno da cidadania. Um exemplo de conquista é a lei de união
civil aprovada em Buenos Aires, capital da Argentina, país considerado
conservador em seus costumes. Os gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros –
GLBT – estão na mídia, nas ruas e nas praças, questionando a tradição, os bons
costumes e a retrógrada moral judaico-cristã. O que pode parecer uma afronta é,
na verdade, a conquista pela livre expressão e orientação sexual.
A mídia contribui em muito para o aumento da visibilidade e uma das
formas de maior visibilidade dos movimentos homossexuais têm sido as
constantes participações de personagens homossexuais em novelas, programas
humorísticos, cinemas, rádios, sem falar do evento anual, a Parada Gay. Neste
ano, diversos países realizaram suas Paradas Gays, mesmo em meio a guerras e
epidemias, levando expressivos números de gays, lésbicas, transgêneros e
simpatizantes às ruas. Só em São Paulo, segundo a Associação Parada Gay de
São Paulo, mais de dois milhões de pessoas se fizeram presentes na avenida
Paulista, para celebrar a maior festa da diversidade do planeta. Além da capital
paulista, pelo menos outras vinte e cinco cidades, entre capitais e centros
regionais do interior brasileiro, promoveram eventos congêneres.
Percebendo esse avanço e contrário ao mesmo, o Vaticano divulgou um
documento intitulado “Considerações sobre Propostas de dar Reconhecimento
Legal para Uniões entre Pessoas Homossexuais”, através do qual critica a união
civil entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que essas uniões atingem a
concepção da criação e da continuidade da espécie humana; ou seja, contraria os
preceitos da família tradicional e da catequese cristã católica. Compactuando com
essa violência de gênero, o presidente estadunidense George W. Busch, em
discurso na sede de seu governo, declarou ser contra a legalização das uniões
homossexuais.
Diante do cenário de conquistas envolvendo o direito a planos de saúde
conjuntos, à adoção e à previdência e o direito de herança ao parceiro estável,
essas ações de igrejas e governos deixaram claro o que é indesejado: a
conquista da dignidade e da emancipação homossexual.
Apesar das declarações ideológicas, alguns empreendedores perceberam
que o público GLBT está aí e ávido por viver plenamente, além de, em geral,
13
apresentar um poder de compra superior à maioria dos membros das classes a
que pertencem.
Atualmente, os mais significativos empreendimentos voltados ao público
GLBT estão nos segmentos de lazer, tais como bares e boates etc., face ao
comprovado retorno garantido e rápido dos investimentos. Contudo, é preciso
observar que, se os movimentos homossexuais conseguirem vitórias em todas as
suas instâncias, emancipando realmente o grupo que representam, muitos desses
empreendimentos estarão fadados ao fracasso. Afinal, os homossexuais libertos
de preconceitos sociais sentir-se-ão seguros para freqüentar qualquer tipo de
ambiente, não sendo necessário confinar-se em “guetos”. Infelizmente, não são
muitos municípios e empresários que percebem esse filão de mercado, muitas
vezes por conta de preconceitos e do medo de algo novo. Não raro, pessoas ou
organizações que buscam serviços turísticos para grupos GLBT recebem
respostas negativas, pois o estabelecimento ou serviço vê no negócio proposto
um risco de perda dos clientes tradicionais.
Registre-se que esse quadro não se refere a situações isoladas, pois são
freqüentes os relatos de constrangimentos que os turistas GLBT sofrem em hotéis
e estabelecimentos congêneres. Dois homens podem solicitar aposentos com
uma cama de casal sem que venham a ser alvo de comentários e olhares
indiscretos de funcionários? É comum que os funcionários da rede hoteleira
aceitem a presença rápida e furtiva dos/as “acompanhantes de executivos”, mas
reagem de maneira totalmente diferente e avessa quando se trata de hóspedes
homossexuais. Parece mesmo que a aceitação social da prostituição, ainda nos
tempos atuais, é maior do que da homossexualidade.
Uma coisa não pode mais ser negada, os homossexuais estão presentes
e, como os negros, as mulheres, deficientes físicos e outras várias minorias, estão
lutando por seus direitos de igualdade e de não serem discriminados pelo fato de
terem uma orientação sexual diferente da grande maioria. Os homossexuais são
constantemente avaliados e expostos do ponto de vista moral, e têm sua imagem
constantemente manipulada segundo interesses alheios ao seu modo de vida e a
suas lutas políticas por aceitação, por meio do tratamento que recebem pela
mídia. De um lado, a mídia marca o grupo com imagens que acentuam o
14
preconceito e a discriminação, por outro o apresenta de outros modos, mais
condescendentes, segundo se pode observar no comportamento que vêm
assumindo grupos empresarias do setor, recentemente um tanto voltados para
esse segmento social. Nesse último caso, cabe a reflexão sobre se, ao
destacarem personagens homossexuais, esses grupos empresariais estariam
buscando uma maior proximidade com o público gay? E com quais finalidades, já
que historicamente o comportamento homossexual tem sido apartado da
sociedade em todo o mundo?
Uma das respostas a esses questionamentos está no fato de que os
homossexuais representam atualmente uma parte cobiçada do mercado de
consumidores, representando não só uma maior audiência para os meios de
comunicação, como também um aumento do consumo de produtos direcionados
aos gays. Nesse processo de construção de fatia do mercado consumidor, alguns
personagens são mostrados de forma menos estereotipada, embora estes sejam
ainda minoria em relação a outros personagens, que são exibidos com trejeitos
femininos, transvestidos e com outros indícios, sejam eles verdadeiros ou não de
acordo com os conceitos, modos e escolhas dos próprios gays. Quando o
preconceito não está nessas supostas evidências, é encontrado na construção
midiática da conduta ou sociabilidade do personagem, quase sempre sem família,
ou com manifestações duvidosas de caráter, violentas e sem padrões morais.
A partir das influências, de maior ou menor intensidade, que a mídia exerce
sobre o grande público, atingindo com sua divulgação um número enorme de
pessoas de várias classes sociais, é importante levantar diversas questões.
A exposição excessiva da realidade homossexual atua positivamente em
sua aceitação pela sociedade e nos rumos das conquistas dos seus direitos de
cidadãos? Essa é a pergunta para a qual urge que os interessados –
homossexuais, pessoas engajadas na lutas pelos direitos humanos, meros
simpatizantes – apresentem respostas. Até que ponto o interesse empresarial,
atualmente em projeção, seria uma maneira de revelar e ampliar essas
conquistas? Ou seria, tão somente, exploração meramente comercial, na disputa
por mais audiência ou maior fatia do mercado, seja ele de qualquer natureza, o
que, talvez, justificasse o enfoque sensacionalista preponderante? Ou ainda,
15
existe a possibilidade dessa exposição, seja ela positiva ou manipuladora, trazer
maior integração dessa parcela da sociedade com os demais segmentos sociais
em todas as classes? De qualquer maneira, cabe um questionamento
fundamental acerca de como isso influencia a vida dos homossexuais – seu
cotidiano, seu autoconceito, sua convivência com os próximos, inclusive
familiares? Essa superexposição indiscriminada traz uma contribuição positiva
para sua aceitação pela sociedade e nos rumos da conquista dos seus direitos de
cidadãos?
Professor gay leva pau de alunos”, “Notícia triste faz rapaz desmunhecar”,
esses são alguns temas de “pegadinhas” exibidas na mídia, o que causa grande
descontentamento e gera polêmicas entre os grupos homossexuais. A mídia
brasileira tem sido fonte de situações que, na maioria das vezes, expõem os
homossexuais ao ridículo, ao utilizarem a existência da homossexualidade como
motivo de chacota ou ao tratarem a questão de forma agressiva, através de
estereótipos desfavoráveis. Muitas vezes, em função da busca desenfreada por
audiência, inclusive a ética e o bom gosto, em muitos programas, são ignorados,
reproduzindo preconceitos e clichês, de modos que, claramente, agridem aqueles
que não desenvolveram ainda a capacidade de entender e aceitar essa realidade.
“Cada vez mais homens masculinos, no senso convencional
do termo, se consideram como gays, já que não é mais
necessário renunciar a sua masculinidade para se definir
enquanto tal”. (BOURDIEU: 2003, p. 211)
Ao assistir a um filme que retratava a temática homossexual: “Será que ele
é?
1
tornou-se perceptível que ali estava sendo mostrada uma forma de
construção de um homossexual, através de clichês, estereótipos e gestual.
Ali surgiu a certeza da importância dessa pesquisa e de verificar a
repetição dessa fórmula em outros filmes em que houvesse personagens
1
Será que ele é?” Título original: In & Out, direção de Frank Oz, roteiro de Paul Rudnick.
16
homossexuais. Algumas questões que surgem diante desse tipo de manipulação
de imagem seriam se isso representa de fato uma padronização e, ainda, até que
ponto a sociedade absorve esse padrão como sendo algo real e não fruto de uma
ficção. Enfrentar as repercussões de tais distorções tornou-se o tema central
deste trabalho, que apresenta, então, como foco analisar a construção de
personagens homossexuais no cinema através da linguagem não-verbal ou
gestual.
Estudar o processo de construção do personagem homossexual no
cinema, através da gestualidade, busca verificar se, nesse processo, existem
procedimentos e modelos de repetição, por que seriam praticados, se isso
contribui para a criação de estereótipos ou simulacros e até que ponto essas
representações condizem com a realidade desse grupo na cultura e na
sociedade.
Recentes debates sobre identidade coletiva têm, entre outros temas,
enfatizado os modos como grupos minoritários estão sendo afetados por imagens
veiculadas sobre eles nos diferentes meios de comunicação. Isso se deve ao
reconhecimento do fato de que as diferentes instituições da mídia detêm uma
enorme capacidade de criar verdades sobre coisas e grupos sociais.
Se for verdade que, de um lado, tais instituições podem colaborar para a
estruturação de condições emancipatórias de grupos minoritários, de outro, elas
podem agir de forma deletéria, contribuindo para a não-construção de identidades
coletivas politicamente fortalecidas. Tomando o cinema como exemplo, pode-se
notar a presença dos personagens homossexuais em várias obras atualmente em
exibição, e o que existe em comum entre eles é exatamente a forma como são
apresentados, preponderantemente, estereotipados, alguns com um grau de
gestualidade maior que os outros, mas nenhum apresentando a ausência dela.
O cinema tem a particularidade de produzir o que se pode chamar de
“efeito real”, que pode fazer ver e fazer crer no que faz ver, resultando em uma
construção social da realidade capaz de exercer efeitos sociais de mobilização ou
de desmobilização. A imagem fílmica desperta no espectador uma sensação de
realidade tão grande, fazendo-o crer que o que está sendo projetado é a
realidade. Quando os irmãos Lumiere apresentaram sua invenção para o público
17
o espanto causado na platéia foi enorme, devido a essa impressão de realidade
causada pelo cinema, pois não paramos para refletir que são apenas fotogramas
projetados em uma determinada velocidade, que engana nossa retina e nos dá
essa falsa impressão de movimento. Provavelmente, o que espantou os
espectadores não foi o trem apresentado na seqüência, pois quase todos naquela
sala já haviam visto um trem ou até viajado em um deles, mas nunca o tinham
visto naquela posição, a locomotiva vindo em direção à platéia.
O campo dos estudos homossexuais no Brasil, apesar do seu
desenvolvimento nos últimos anos, ainda explorou muito pouco da reflexão
apontada acima. Alguns pesquisadores tentam preenchê-la por estudos, como o
de Antônio Moreno, que, em sua tese de mestrado defendida na UNICAMP, faz
um levantamento de toda filmografia brasileira que revela a figura do
homossexual. Segundo J. Corazze (1982), nos estudos culturais pós-modernos,
com a interdisciplinaridade, vem também a descentralização do sujeito, sendo
respeitada a particularidade do ser, não o encarando mais como um todo. O
sujeito que, antigamente, era visto como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado e composto de várias identidades, que
podem ser até contraditórias ou mal resolvidas. Quando esse sujeito é mostrado,
seja no cinema, na televisão ou em qualquer outro veículo de comunicação
audiovisual, é de extrema importância que isso se dê como forma de pluralismo,
forma de reflexão e reflexo.
Laura Mulvey faz um discurso em que relata, entre outros pontos, a relação
do espelho nos meios audiovisuais, especificamente no cinema, que pode servir
como referência para esse tema:
“O cinema satisfaz uma necessidade primordial de prazer
visual, mas também vai um pouco além, desenvolvendo a
escopofilia em seu aspecto narcisista. As convenções do cinema
dominante dirigem a atenção para a forma humana. Tamanho,
espaço, histórias, tudo é antropomórfico. Aqui, a curiosidade e a
necessidade de olhar misturam-se com uma fascinação pela
semelhança e pelo reconhecimento”.
(MULVEY: 1983, p 441/442)
18
Não se pode desconsiderar a importância da exposição de imagem, pois
somente dessa forma algumas pessoas dessa sociedade pluralista, e por que não
dizer também bastante preconceituosa, cheia de valores que nem sempre sabem
suas razões, terão contato com o que é diferente, sejam opiniões políticas,
sociais, religiosas ou sexuais. Também podem advir dessa exposição
contribuições para pessoas que se encontram desnorteadas, de modo que
encontrem seus verdadeiros caminhos, mudanças em famílias que, através desse
contato, venham a compreender e respeitar as vontades de seus filhos, pais,
irmãos, tios etc., enfim, pode-se pensar que essa exposição venha a trazer
benefícios quaisquer para os indivíduos ou para coletivos.
Todavia, neste final do segundo milênio de nossa civilização, o amor e o
erotismo entre pessoas do mesmo gênero continuam sendo considerados temas
marginais e de menor importância. Se se ponderar que os gays e lésbicas
representam por volta de 10% da população dos países ocidentais, segundo o
Relatório Kinsey
2
, concluímos que somente o preconceito e a discriminação
podem explicar o desprezo pelo conhecimento de tão significativo contingente
demográfico. Um dos maiores descontentamentos dos homossexuais em relação
ao comportamento difundido pela mídia é o fato de não refletir a realidade dos
homossexuais no Brasil. Ou existe um complô do silêncio contra temas sérios e
personagens dignos e respeitáveis, ou se veicula apenas o homossexual como
um personagem estereotipado, que pode ser reconhecido por qualquer pessoa
através de seus trejeitos ou gestos exagerados, fruto de um produto já fabricado
pela mídia.
O antropólogo Luiz Mott (1994) destaca o preconceito como um dos
principais causadores das hostilidades contra os gays, que se traduzem não
somente em agressões físicas, mas também de ordem moral. Em todos os
estados e regiões do Brasil existem crimes homofóbicos. E até que ponto,
2 Relatório Kinsey foi desenvolvido por Alfred Kinsey nos EUA no ano de 1948 - Alfred Charles Kinsey
(
Hoboken, 23 de junho de 1894Bloomington, 25 de agosto de 1956) foi um entomologista e zoólogo norte-
americano. Em
1947, na Universidade de Indiana, fundou o Instituto de Pesquisa sobre Sexo, hoje chamado
de Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução. Suas pesquisas sobre a sexualidade
humana influenciaram profundamente os valores sociais e culturais dos Estados Unidos, principalmente na
19
questiona Mott, esse homofobismo está ligado, por uma relação de causa e efeito,
às imagens distorcidas apresentadas na mídia, muitas vezes absorvidas pela
sociedade.
“O Brasil, que ostenta a fama internacional de ser uma das
partes do mundo onde os gays e lésbicas são mais visíveis e
socialmente aceitos, esconde uma desconcertante realidade, é o
campeão mundial em assassinatos de homossexuais! A cada três
dias um homossexual é barbaramente assassinado no Brasil,
vítima da homofobia... A mídia tem um papel importante nesse
processo, pois ao apresentar uma imagem distorcida dos gays
ela pode estar contribuindo para o aumento da violência”. (MOTT:
1994, p. 24)
A dimensão estética do filme é o centro constante de indagações teóricas e
poéticas acerca da experiência cinematográfica. Aparece sistematizada, pela
primeira vez, por Pudovkin, Eisenstein e Vertov, na Moscou do início do século
XX. As investigações desses cineastas, na órbita do que ficou mundialmente
conhecido como “Laboratório Experimental de Kulechov”, já esboçava, ainda que
de forma intuitiva, as qualidades sensíveis inerentes à presença do espectador no
ambiente de projeção de imagens. No Brasil, sem a mesma publicidade, já havia
notícias de filmes que enfatizavam essa dimensão estética. Os irmãos Segreto,
recém-chegados ao Brasil em 1898, filmaram a Baia de Guanabara do navio que
os trazia da França. O inusitado do registro estava na impressão de enjôo
provocada naqueles que assistiram ao filme e que, apesar de imóveis, sentiram-
se em um espaço oscilante.
Tanto os experimentos dos russos quanto a iniciativa dos irmãos franceses
introduzem no âmbito do cinema o interesse pelos modos sensoriais, através dos
quais o filme se relaciona com o espectador. Nesse caso, o conteúdo simbólico
do filme, no campo intelectivo, passa a ser uma questão de segunda ordem. Os
década de 1960, com o início da revolução sexual. Ainda hoje, suas obras são consideradas fundamentais
para o entendimento da diversidade sexual humana.
20
efeitos narrativos, que uma determinada maneira de organizar a expressão
cinematográfica pode evidenciar, perdem o predomínio na experiência imediata
do filme.
Como se percebe, essa dimensão não se relaciona com a acepção
clássica do termo, compreendido como representante de uma teoria do belo. A
dimensão estética evocada neste estudo refere-se mais diretamente às noções
esboçadas nas abordagens fenomenológicas da busca do sentido e fruição
artística. Nesse sentido, a estética dirige-se primariamente à sensibilidade. O
julgamento de um filme tendo como referência a sensibilidade não se assemelha
ao juízo tradicional, ele é simplesmente a manifestação de um certo prazer, a
temporária experimentação da presença da obra.
Estética, do grego aistheti kós, objeto material capaz de impressionar ou de
ser percebido pelos sentidos, diferentemente, em sua origem, dos objetos ou
coisas apenas pensadas, imateriais (noetikós). Um termo moderno, como
categoria de análise das produções artísticas, o termo foi empregado, pela
primeira vez, por Alexander Gottlieb Baumgarten, discípulo de Leibniz, na obra
Aesthetica (1750), definindo-o como scientia cognitionis sensitivae, ciência do
conhecimento sensitivo ou da sensibilidade, incluindo-se nela o conhecimento do
belo. Diferenciava-se então da scientia rationalis, da ciência do conhecimento
abstrato, reflexivo, conceitual. Da Renascença àquela data, utilizaram-se
expressões como "teoria das artes" (théorie des arts), "crítica" ou "criticismo"
(criticism - palavra usada, entre outros, e no pensamento inglês, por Lord
Kaymes).
Com o termo "cognição", Baumgarten procurou assegurar que, embora a
estética se alimentasse das percepções corporais, dos sentidos e das
experiências imediatas, ainda assim manteria vínculos com a lógica e a razão. A
ela caberia elevar a vivência sensível à dignidade do conhecimento abstrato,
servindo de mediadora entre esses extremos materiais e imateriais. Ao ordenar os
elementos da sensibilidade, tornando-os mais claros e distintos, permitiria que a
razão melhor se pronunciasse sobre o mundo das sensações.
Há inúmeros valores e significados dados à estética, tanto como arte
quanto como uma forma de atingir um sentido, pois toda realidade material possui
21
valor significativo, pelo qual transmite não só a sensação de realidade, mas deve
conter uma percepção objetiva.
Segundo M. Martin em seu livro A linguagem cinematográfica, o homem
tende a confundir a sensação de realidade com a própria realidade, o que é criado
através da imagem fílmica, que, em certos casos, chega a levá-lo à crença de que
o que está vendo é efetivamente real e que pode ser recebida de formas
diferentes de acordo com o grau de conhecimento do expectador. Diz ele:
“A imagem fílmica suscita, portanto, no espectador, um
sentimento de realidade bastante forte, em certos casos, para
induzir a crença na existência objetiva do que aparece na tela.
Essa crença, essa adesão, vai das reações mais elementares,
nos espectadores virgens ou pouco evoluídos”. (MARTIN: 2003, p
21-55)
Segundo Eisenstein, em seu livro O Sentido do Filme, a importância da
descoberta da montagem e sua verdadeira função para o cinema consistem não
só na função técnica de juntar partes de um rolo de celulóide, mas também na de
montar um quebra-cabeça, buscando um sentido que muitas vezes não pode ser
dito de forma objetiva. A escola russa foi pioneira em teorizar a montagem como
técnica narrativa essencialmente cinematográfica. Além de ordenar as cenas para
facilitar a compreensão do que é narrado e a obtenção de recursos visuais, tais
como elipses, serve para transpor as dificuldades narrativas do roteiro. O cinema
tradicional encontrava na montagem o meio de tornar o roteiro inteligível para o
espectador.
O cinema e todos os meios de comunicação muitas vezes exercem uma
relação de espelho nos espectadores, segundo a qual a curiosidade e a
necessidade de olhar misturam-se com uma fascinação pela semelhança e pelo
reconhecimento: a face humana, o corpo humano, a relação entre a forma
humana e os espaços por ela ocupados, a presença visível da pessoa no mundo.
22
A relação olhar e medias é um tema bem explorado entre os teóricos
modernos, Muniz Sodré, por exemplo, que relaciona a televisão, cinema e
fotografia como a arte da duplicação do objeto e a criação de simulacros – esse
simulacro por muitas vezes assume a identidade do próprio sujeito - fazendo a
mass media não mais diferenciá-lo e assumi-lo como original, ocorrendo, então, a
não separação entre criador e criatura.
“Neste caso, o espelho deixa de ser algo que
transcendentemente reflita, duplicando, o real, para tornar-se um
espaço/tempo operacional, com uma lógica própria, imanente.
Sem a necessidade de uma realidade externa para validar a si
mesmo enquanto imagem, o simulacro é ao mesmo tempo
imaginário e real, ou melhor, é o apagamento da diferença entre
real e imaginário (entre o verdadeiro e o falso)”. (SODRÉ: 1994, p
45)
Jacques Lacan descreveu o momento em que uma criança reconhece sua
própria imagem no espelho como crucial na formação de seu ego. Aquele menino
na tela com traços femininos, que pensa ser uma menina e não entende o porque
do estranhamento das pessoas com sua atitude, pode não ser notado por alguns,
mas muitos podem desenvolver empatia com ele ou podem lembrar da infância e
ter nele um referencial de sua própria história. Como cinema, a relação de olhar
torna-se muito mais segura, pois o escuro do cinema funciona como um campo
protetor, um certo anonimato, onde o espectador pode ver e viver o que o
personagem vê e vive sem ser percebido, incomodado ou reprimido. É como, num
dia, ser o mocinho da história, e, no outro, ser o vilão, explorar todo o lado
obscuro, ser no mesmo dia a Branca de Neve e a Bruxa, ou Adão e a Eva ou até
mesmo a cobra.
Sem dúvida, o cinema está ligado subjetiva, mas diretamente, ao prazer de
olhar pelo buraco da fechadura que o ser humano possui, a sensação causada
pela proibição de ver o que se passa no outro quarto, no mundo do realizador, do
23
ator, do fotógrafo, do cenarista, e porque não no nosso próprio mundo, na nossa
cabeça. Diferente, por ser uma forma menos comprometedora, do aconchego do
escurinho da sala de cinema, onde ninguém pode ver ou recriminar o espectador.
É como estar atrás da cortina a ver alguém tomar banho sem o pudor do nu, sem
a vergonha do corpo e sem o perigo de ser pego. É o simples gosto de ver o
corpo em si, de ver a pessoa a lavar-se, a tirar a sujidade, que vai para o ralo. Dar
liberdade à imaginação, é o sonhar acordado, viver outra vida. É essa estranha
sensação de, à vezes, o ralo sermos nós e às vezes sermos quem toma o banho,
quem está nu perante todo o público na sala, que faz do cinema mais do que uma
diversão ou uma arte.
Lumiére criou o chuveiro para o banho, Méliès, a cortina para a termos que
afastar, e cada um de nós continua, tal como na primeira sessão do
cinematógrafo, a fugir do comboio quem vem contra nós. É necessário fugir para
não morrer, é preciso fugir para se afligir, porque só as aflições é que permitem o
descanso, a paz. Ao sairmos da sala de projeção, voltamos para o mundo real,
para nossa vida real e para uma sociedade real.
“... à primeira vista, o cinema pareceria estar distante do
mundo secreto da observação sub-reptícia de uma vítima
desprevenida e relutante. O que é visto na tela é mostrado de
forma bastante manifesta. Mas, em sua totalidade, o cinema
dominante e as convenções nas quais ele se desenvolveu
sugerem um mundo hermeticamente fechado que se desenrola
magicamente, indiferente à presença de uma platéia, produzindo
para os espectadores um sentido de separação, jogando com
suas fantasias voyeuristas”. (MULVEY: 1983, p. 441)
A metodologia utilizada neste estudo tem em Becker sua origem, segundo
o qual o método em ciências sociais é o caminho usado para se chegar a um
determinado fim ou a um resultado desejado e deve estar fundamentado em
objetos determinados de pesquisa. Ele destaca a existência de dois tipos de
24
pesquisas sociológicas que sempre estiveram centradas ou na análise das
mudanças sociais ou na análise dos sistemas sociais: o qualitativo e o
quantitativo.
“A metodologia é o estudo do método. Para os sociólogos,
presume-se que seja estudar os métodos de fazer pesquisa
sociológica, de analisar o que pode ser descoberto através delas
e o grau de confiabilidade do conhecimento assim adquirido, e de
tentar aperfeiçoar estes métodos através da investigação
fundamentada e da crítica de suas propriedades”. (BECKER.
1999, p. 65)
É importante a definição do tipo de pesquisa a ser adotado neste projeto e
seus procedimentos, de modo a não haver comprometimento da temática. Como
se trata da análise da gestualidade nos filmes que têm como foco mostrar as
características de uma situação e sua freqüência, a pesquisa é de caráter
descritivo e é qualitativa, centrada na construção do personagem homossexual
pelo cinema, através de uma linguagem não-verbal e gestual e na influência
dessa linguagem no possível aumento do preconceito sofrido por homossexuais.
Essa linguagem influencia a construção, no imaginário da população, de um
simulacro da realidade homossexual?
Esta pesquisa terá, então, caráter qualitativo, porque se considera aqui que
esse tipo de pesquisa baseia-se em um tipo de objetividade e de validade
conceitual capazes de trazer à luz aspectos relevantes de processos sociais e,
acredita-se, é capaz também de contribuir para o desenvolvimento do
pensamento científico. Será efetuado um processo de análise fílmica, através de
filmes com temáticas homossexuais ou que possuam personagens homossexuais
não caricatos.
A intenção é a de aplicar uma metodologia indutiva, do concreto - as
imagens do filmes - para o abstrato - os conceitos teóricos. É importante
reconhecer que a pesquisa etnográfica, como forma específica de investigação
25
qualitativa, implica que o tipo de inquisição que se quer caracterizar recebe todas
as peculiaridades que fazem diferente o enfoque etnográfico, de modo que, ao
descrever brevemente este, está-se descrevendo um tipo de pesquisa qualitativa.
Esse tipo de pesquisa não pode ser realizado sem um significativo envolvimento
com o conhecimento do cotidiano do grupo a ser pesquisado, a fim de permitir
analisar seus movimentos, suas temporalidades e seu fundo histórico,
materializados nos filmes. O requisito cardeal de uma ciência empírica é o
respeito pela natureza do objeto pesquisado. Ao se aplicar à vida humana
esquemas dos procedimentos científicos, deve-se enfatizar a necessidade de
reconhecimento, em primeira instância, do caráter peculiar dos seres humanos,
seu comportamento e sua vida em grupo.
Esse método etnográfico permite, no geral, comparar diferentes culturas,
sistemas políticos, costumes, comportamentos familiares ou religiosos de épocas
diferentes. Mas é fundamental o envolvimento do pesquisador com o grupo a ser
analisado, pois se trata de um público que possui uma identidade própria, com
costumes algumas vezes diferentes da maioria da população, e sobre o qual não
há um razoável acúmulo de literatura com enfoque pertinente. Esses fatores
favorecem o estudo midiático a ser realizado nesta pesquisa sobre imagens
cinematográficas da gestualidade homossexual.
Através desse método de pesquisa, pretende-se confirmar as seguintes
hipóteses:
1. A partir da análise de dois filmes, verifica-se que a construção dos
personagens segue uma padronização/repetição.
2. A gestualidade definida e atribuída aos homossexuais nesses filmes
contribui para a construção do estereótipo dos personagens analisados.
3. Essa construção ajuda na criação de simulacros perante a sociedade.
Do ponto de vista desta proposta de estudo, existe uma realidade fruto de
preconceito e de falta de informação. Buscando, então, trazer à luz informação e
base teórica sobre o tema, a pesquisa abordará a estratégia do cinema na
formação do personagem gay.
26
2. O HOMOSSEXUAL E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
2.1. O que é ser homossexual
Entende-se por homossexualismo: relativo à afinidade, ou aos atos sexuais
entre indivíduos do mesmo sexo (opõe-se a heterossexual). Pode-se também
definir o termo como significando as várias formas de atração, sexual, estática ou
emocional, por pessoas do mesmo sexo. O termo criado pelo jornalista e escritor
austro-húngaro Karoly Maria Kertbeny, em 1869, deriva do grego homos, que
significa "semelhante", "igual". A homossexualidade em 1870 foi definida como
um desvio sexual, uma inversão dos sexos, sendo tratado como loucura pela
psiquiatria. A sexologia tratava o homossexual como uma degeneração dos
sexos.
Por muitos anos, estudiosos de várias áreas tentaram encontrar
explicações para o fenômeno chamado homossexualismo. Algumas definições
são aceitas com suas devidas restrições. Algumas perdem validade conforme são
apresentadas. Os movimentos homossexuais são muito presentes em todo o
mundo e com isso ganham forças e respeito por parte da sociedade. Na sua
história a palavra homossexual ganhou várias conotações, tanto sociológicas,
biológicas e antropológicas e, até a arte tem uma parte voltada
para esse público e recebeu o nome de Queer Art. Atualmente,
queer (no inglês, significa estranho) é sinônimo de gay.
No princípio, o termo queer denotava um caráter
pejorativo, porque supervalorizava o estranhamento, mas
acabou sendo assimilado e bem aceito em muitos países.
Considerado positivo, esse termo simboliza um respeito e
passou a representar a luta pela diversidade, direitos dos
homossexuais, iguais,e um não ao preconceito.
Com um tom denunciativo, a queer art leva a uma
reflexão sobre os temas que envolvem os homossexuais,
27
questões contemporâneas como: a união civil entre pessoas do mesmo sexo,
AIDS, o homofobismo e outras. Os artistas queer marcaram presença em eventos
e mostras de arte muito importantes no mundo, entre eles pode-se citar: no Brasil,
houve a exposição Correspondências no Paço Imperial – Rio de Janeiro – 1995;
no mesmo ano, o Museu de Arte de Berkeley organizou uma grande mostra de
queer art. Em 1997, na Holanda, ocorreu a mostra Invisibilities, sendo uma das
mais importantes da época naquele país.
Sempre com temas políticos e sensuais, a queer art é um marco na arte
contemporânea e faz história, com toda sua ousadia e caráter de luta contra a
discriminação aos homossexuais. O cinema também é marcado por essa arte,
com filmes que tratam de temáticas homossexuais, chamada de teoria queer teve
seu reconhecimento na década de 1980, quando os homossexuais e lésbicas
estavam descontentes com cultura heterossexual, alguns teóricos desenvolveram
uma teoria gay e lésbica, em particular no cinema, por meio da qual defendiam os
construtivistas para esses, o gênero seria a composição de construtos sociais
moldados por contextos históricos e relações sociais. Alguns estudos sobre a
cultura gay foram de extrema importância para a compreensão do gênero, e, em
seu livro “A experiência do cinema”, Ismail Xavier relata a importância desse
período.
“Ao final dos anos 70 e princípio dos anos 80, o campo dos
estudos de gênero (gender studies) surgiu juntamente com os
estudos feministas (women’s studies), e também abriu caminho
para os estudos gays e lésbicos...Muitos teóricos associados a
esses campos enfatizaram a idéia de que as fronteiras entre as
identidades de gênero são altamente permeáveis e artificiais”.
(XAVIER: 1983, p. 72)
Inúmeras foram as teorias elaboradas nesse período sobre os
homossexuais, tais como a de J. Butler, que já desenvolvia a noção de simulacro,
não como uma representação do real e sim uma imitação para a qual não existe
28
original, essa seria uma imitação que cria sua própria noção do original, gerando
seus efeitos e conseqüências. Com relação ao cinema, a teoria queer, assim
como algumas teorias feministas, defendiam que a narrativa cinematográfica era
masculinizada, e a queer ia além disso, defendendo que essa narrativa não
apenas era masculina, como também era heterossexualizada. Estavam sendo,
então, questionados os conceitos de fetichismo, de castração e a narrativa
edipiana, que se tornaram insuficientes na visão gay ou lésbica. Foram por eles
catalogados os estereótipos homofóbicos do cinema heterossexual, tais como:
bicha desmunhecada, o psicopata gay, a vampira lésbica e outros. Esses
estereótipos eram criados para deixar clara a soberania e normalidade do
heterossexual e marginalizar e banalizar o homossexual. O que os teóricos queer
queriam não era só mostrar os efeitos dos estereótipos na sociedade ou
reivindicar os direitos homossexuais, mas, além disso, queriam mostrar a
verdadeira face do homossexual, mostrá-los como pessoas normais e não como
pervertidos, psicopatas ou pederastas.
Desenvolveram-se muitas vertentes dessa arte queer, na pintura, teatro,
música, artes plásticas, cinema, televisão, literatura e outras. Recentemente na
literatura infantil estão sendo desenvolvidos livros com temáticas homossexuais,
que levam às crianças de 6 a 9 anos o conhecimento das diferentes orientações
sexuais. Sobre críticas de pessoas contrárias a esse tipo de literatura, talvez seja
um referência destacar que alguns livros foram publicados e adotados por escolas
americanas e européias de ensino fundamental. Alguns títulos são: ‘And Tango
makes three’ (tradução livre: Com Tango somos três), escrito pelo psiquiatra
Justin Richardson; “Daddy’s Roommate” (“O Companheiro de Papai”), de 1990,
escrito por Michael Willhoite. Pode-se citar ainda um clássico infantil, “O patinho
feio”, que serviu de inspiração para o autor de “The Sissy Duckling” (“O Patinho
Efeminado”), de Harvey Fierstein, que seria uma versão gay de “O Patinho Feio”
3
.
3
Em matéria publicada na Revista Veja de 31 de maio de 2006, mostram-se os dois lados da moeda, os que
são a favor da inserção desse tipo de literatura nas escolas, considerando que essa literatura faz parte do
processo de aprendizado social de uma criança, no qual ela tem que aprender as diferentes formas de amar
e de constituir uma família. E os contrários a essa literatura, que defendem que seus filhos só devem ter
contato com esse tipo de temática em casa e quando seus pais determinarem que isso ocorra. “Não quero
que a escola determine quando meu filho vai aprender sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Pretendo falar sobre esse assunto em casa, quando achar que ele está maduro”, argumenta David Packer,
pai de um menino de 6 anos que foi proibido por ele de freqüentar a escola.
29
2.2 Os homossexuais e a mídia brasileira
A comunicação é um processo que envolve a troca de informações entre
pessoas, e através dela o indivíduo expressa seus sentimentos e vai muito além
disso, através dela pode-se representar desejos, necessidades, assim como ela é
uma forma de sobrevivência, de aprendizado, de cooperação, pode demonstrar
poder, persuasão, propiciar as inter-relações e outras funções. A comunicação
não é um privilégio do homem, porque os animais também se comunicam de
várias formas e não é um processo verificado somente na modernidade, tendo
surgido nos primórdios da civilização, os homens da caverna se comunicavam
através de sons, gestos e através das inúmeras figuras deixadas nas paredes de
cavernas espalhadas pelo mundo.
O homem sempre utilizou a comunicação para dar sentido ao mundo, para
através dela expressar o que acredita, o que pensa sobre si mesmo e sobre a
humanidade, para manifestar o que pensa sobre os outros ou dizer o que pensar
ser a realidade. A importância da comunicação para a sobrevivência das espécies
e principalmente do homem é algo quase que indiscutível nos dias de hoje,
teóricos de várias áreas estudam a comunicação e seus efeitos sobre a
sociedade.
Alguns componentes da comunicação conhecidos são: emissor, receptor e
a mensagem. Esse modelo básico por muito tempo foi utilizado para explicar os
fenômenos causados pela comunicação, mas hoje alguns outros fatores foram
agregados, como, por exemplo, o canal para transmitir a mensagem e meios mais
recomendados, qual o feedback alcançado e se houve ruído ou interferência
durante esse processo. A comunicação conecta os homens com o mundo e com
as outras pessoas de forma imediata, o que seria a forma face-a-face, sem o
intermédio de aparatos ou demorada, na qual já haveria a presença de
intermediários, tais como a televisão, o rádio, os jornais, revistas, internet, etc.
Para esses intermediários dá-se o nome de meios de comunicação e para esse
tipo de comunicação dá-se o nome de comunicação de massa. Segundo o site
Wikipédia:
30
“A comunicação de massa se dá pela disseminação de
informações via jornais, rádios, televisão, cinema, cartazes ou
internet, reunidos num sistema denominado “mídia”. A
comunicação de massa tem a particularidade de atingir grande
quantidade de receptores ao mesmo tempo, partindo de um único
emissor”.
4
A comunicação de massa anda lado a lado com a indústria cultural, que
serve de fonte alimentadora da outra, e cujo conceito surgiu em uma escola
teórica, onde a comunicação e suas influências na sociedade era um dos temas
abordados, a Escola de Frankfurt, fundada em 1923, e formada por professores,
em sua maioria sociólogos marxistas que questionavam a originalidade da arte.
Ali foram criados os conceitos de indústria cultural e cultura de massa, por
estudiosos como Theodor Adorno, Max Horkheimeir, Walter Benjamin, Hebert
Marcuse e outros. A contribuição deles para os estudos da comunicação foi muito
importante, uma vez que, desenvolveram críticas aos formatos existentes.
Os meios de comunicação sempre tiveram um papel muito importante na
história do homem, informando, transmitido conhecimentos, como meio de
relacionamento, entre outros papéis. Modernamente, entretanto, a comunicação
também serve como forma de referência de segmentos da sociedade, através de
sua representação ou imagem projetada. Com a globalização dos meios houve
também uma globalização das culturas, o que fez com que os meios de
comunicação se diversificassem e ganhassem espaço parcelas da sociedade que
viviam no submundo das imagens ou fora do foco da mídia.
Esse é o caso dos homossexuais, cuja presença nos meio de comunicação
em geral tem ganhado espaço mundialmente, também pelo fato de que sua
organização como grupo tem sido aperfeiçoada. Assim, a presença de
homossexuais nos meios de comunicação é visível, de forma implícita, por
homossexuais não declarados, ou explícita, por homossexuais declarados. São
apresentados de forma caricata ou estereotipados, em tons de brincadeira ou
chacota, e outros de forma mais séria e ética, com diferentes níveis de destaque.
4 www.wikipedia.org/wiki/comunicacao - 31/05/2006 - 20h34
31
Essa exposição pode trazer malefícios para o grupo, porque nem sempre
são apresentados de forma que represente sua realidade, mas pode também
trazer algo favorável, pois faz com que o a questão esteja sempre em discussão.
No Brasil, na década de 60 e 70, com a ditadura militar e toda a repressão
aos meios de comunicação, iniciou-se um movimento de contracultura e de
rebeldia aos costumes e comportamentos sociais tidos como aceitáveis, com isso
surgiu uma imprensa alternativa, que tinha como fundamento a oposição ao
regime militar. Nesse período, mais de cento e cinqüenta periódicos foram abertos
e fechados. Também naqueles anos, surgiu o primeiro veículo de massa que
discutiu os direitos das minorias, negros, mulheres, índios e homossexuais, o
Lampião da Esquina, que tinha uma tiragem mensal de 20 mil exemplares. Foi
diante do constrangimento e do preconceito latente, que um grupo de jornalistas
viu, em fins da década de 1970, a oportunidade certa para fazer valer seus ideais
democráticos. Foi um período em que a discussão a respeito da sexualidade
tomou de assalto o panorama cultural e político, com os novos ventos da
redemocratização e o fim da censura prévia. A era das rupturas influenciava o
nascimento de uma imprensa altamente especializada, segmentada e de caráter
militante, representada pelo jornal Lampião.
“A idéia de publicar um jornal que, dentro da chamada
imprensa alternativa, desse ênfase aos assuntos que esta
considera ‘não prioritários’ (...), mas um jornal homossexual, para
quê? (...) nossa resposta é a seguinte: é preciso dizer não ao
gueto e, em conseqüência, sair dele (...) e uma minoria, é
elementar nos dias de hoje, precisa de voz (...) Para isso,
estaremos mensalmente nas bancas do país, falando da
atualidade e procurando esclarecer sobre a experiência
homossexual em todos os campos da sociedade e da criatividade
humana”. (Revista Lampião da Esquina, 1978, p. 2)
Antes, em 1961, surgiu o que talvez possa ser considerado o primeiro
jornal homossexual do Brasil, o Snob, criação de Agildo Guimarães.
32
Mimeografado e distribuído entre amigos, era mais um colunismo social que um
veículo de discussão de idéias. Entre os anos 60 e início dos 70, circularam no
Rio de Janeiro mais de quinze títulos: Snob, de Gilka Dantas, Le Femme,
Subúrbio à Noite, Gente Gay, Aliança de Ativistas Homossexuais. Outros dois
importantes nomes da imprensa brasileira voltada para a temática gay foram:
Coluna do Meio, que era um caderno de encontro de homossexuais do jornal
Ultima Hora, de São Paulo, e o Somos.
Em Salvador, a imprensa gay também teve seus representantes, podendo-
se citar o jornal Fatos e Fofocas (1963), de exemplar único e circulava de mão-
em-mão até voltar à origem. Era datilografado pelo jornalista Waldilton di Paula,
que teve outros títulos importantes na zona soteropolitana, como: Zéfiro (1967),
Baby (1968), Little Darling (1970), todos eles estampavam em suas páginas
fofocas da comunidade homossexual, críticas de cinema e teatro, acontecimentos
homossexuais. Vários outros títulos surgiram na comunidade homossexual e que
muito contribuíram não só informar para a população da época sobre o amor dos
anormais, mas também como forma política de não calar diante do preconceito e
da repressão sofridos pelos homossexuais da época.
A partir dos anos 1990 houve certa vulgarização da imprensa gay e ela
partiu para a pornografia, época em que explorava o nu masculino ou destacava
fotonovelas de sexo entre homens. Aí surgiram as revistas Gato, Alone Gay e
Young Pornogay. Já nos anos 2000 foi lançada a revista G Magazine, que
também explora o nu masculino de pessoas conhecidas, mas traz em suas
páginas outros temas, como comportamento, política, direitos e outros, ela é
chamada de Playboy Gay, uma alusão à revista masculina com nu feminino.
O tema homossexual ou os próprios homossexuais são já há algum tempo
assunto de interesse para as mídias. O que difere a mídia dos dias atuais da
década de 60 e 70 é a forma como os gays são tratados hoje, passou-se da
hegemonia do tratamento respeitoso, dentro dos direitos constitucionais, de
cidadania e igualdade e da luta por espaço igual na sociedade, para o tratamento
33
quase sempre estereotipado, a preocupação com o Ibope
5
, para a comédia e a
exploração da imagem do homossexual efeminado ou transvestido.
Os homossexuais estão presentes em todas as formas de mídia
impressa, auditiva, visual e audiovisual. Com o surgimento da AIDS passou a ser
mais massiva a presença de temas gays na mídia, ou como forma de prestar
informação e esclarecimento à população, com campanhas para uso da
camisinha, mostrando que os gays não são os únicos transmissores da doença,
ou como forma de rejeição, difamação e condenação pelo surgimento da peste
gay. Portanto, algum tratamento da mídia contribui para os homossexuais de
forma positiva, porém outras abordagens são negativas e muito retardam suas
vidas na sociedade.
Algumas manifestações dessas exposições negativas, que se pode citar,
com relação à TV, por exemplo, é o que ocorria nos programas Pegadinhas do
Malandro – Rede Gazeta, apresentado por Sérgio Malandro, baseado em ardis
contra pessoas desconhecidas e neles, muitas vezes, o ator imitava um gay e
mexia com os pedestres, agarrando ou passando a mão maliciosamente nos
escolhidos. Evidentemente, com isso, a reação das pessoas, na sua maioria
homens, era partir para a ignorância e bater no ator. Esse tipo de exposição do
gênero escrachado não era favorável, pois além de aumentar a repulsa das
pessoas heterossexuais aos homossexuais, mostrava um gay sempre efeminado
e apanhando, o que poderia aumentar ou incentivar a violência contra os
mesmos. Outro programa que também continha pegadinhas do mesmo gênero
era o apresentado por João Kleber na Rede TV.
Esses programas foram duramente criticados pelos grupos gays de todo o
Brasil e os apresentadores, quando foram questionados em relação ao assunto,
disseram: “... é apenas uma brincadeira...” (João Kleber). “... nas pegadinhas
temos gordos, negros, nordestinos e outros. Os homossexuais são apenas mais
um dos grupos que apresentamos no programa...” (Sérgio Malandro). Após várias
manifestações por parte dos gays, o programa do Sergio Malandro parou de
apresentar pegadinhas com gays, não se sabe se por pressão dos grupos ou
5 Índice de audiência, expectativa de telespectadores; resultado de pesquisa que interessa à técnica de
propaganda ou à de venda de bens de consumo, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa.
34
simplesmente por uma estratégia da emissora, porém o de João Kleber ainda
durou mais alguns anos, até que em 2005 foi tirado do ar pela emissora.
Os programas humorísticos sempre apresentam, entre os personagens, um
gay assumido ou não, são os casos dos programas ainda no ar: “A praça é nossa”
(SBT), “Zorra Total” (Rede Globo de Televisão), porém, o casamento “humor &
gay” já se fazia presente nos programas das décadas de 70, 80 e 90, com “Os
Trapalhões”, por exemplo, no qual era possível questionar a sexualidade de
Zacarias. Na TV Pirata, com o personagem Tonhão, representado por Claudia
Raia; no “Viva o Gordo”, em que Jô Soares fazia o hilário Capitão Gay. Esses
programas não tinham o intuito de discutir ou apresentar para a sociedade os
homossexuais ou fazer algum tipo de militância e, sim, tinham como foco a
diversão, não mostravam os gays em situações menores ou preconceituosas.
Quando se poderia imaginar um herói gay?
Ainda falando da televisão, não se pode esquecer das novelas ou séries,
seja em horário nobre ou não, sejam globais ou não, onde o tema do
homossexualismo sempre está presente, ou sendo discutido de forma mais séria
e transparente ou de forma caricata e humorística. Algumas geraram polêmicas e
até fizeram a população debater os direitos homossexuais em relação a
casamento, adoção, aceitação pela família, como, por exemplo, a novela
“Senhora do Destino”, da Rede Globo, que apresentava um casal de lésbicas,
jovens, bonitas, bem sucedias profissionalmente, com famílias estruturadas e, o
mais importante, não eram estereotipadas, demonstrando trejeitos masculinos,
pelo contrário eram femininas nas atitudes e na forma de se vestir.
Essa novela levantou polêmica em relação à adoção de crianças por casais
homossexuais, porque o enredo apresentava esse par querendo adotar uma
criança que fora abandonada pela mãe biológica. A igreja e a parte mais
conservadora da sociedade foram contra, alegando que a adoção por pessoas do
mesmo sexo poderia atrapalhar na educação da criança e no seu convívio na
sociedade. Como ela explicaria aos seus amiguinhos o fato de ter duas mães ou
dois pais? Porém, outra parte da sociedade mostrou-se favorável à adoção e
defendia que a criança em nada seria afetada por essa situação. Na novela, as
duas personagens apareciam em situações de intimidade, como, por exemplo,
35
dando “selinho”, que é encostar a boca uma da outra, dormindo juntas, dizendo
“eu te amo”.
A Rede Globo realizou uma pesquisa de opinião para saber se a sociedade
aceitaria esse tipo de comportamento por parte das personagens e a maioria
respondeu que sim, aceitaria ver duas mulheres juntas. Essa opinião mostra certo
avanço por parte da sociedade brasileira, porque há alguns anos, quando, na
novela “Torre de Babel”, que também tinha um casal de lésbicas, a Globo realizou
a mesma pesquisa, a resposta da sociedade foi oposta, ou seja, a de não aceitar
duas mulheres juntas. Na ocasião, a solução encontrada pelo autor foi ainda mais
trágica, ambas morreram na explosão de um shopping. A Rede Globo decidiu
enquadrar a novela, e, após inúmeras pressões de alguns segmentos da
sociedade, suavizou a abordagem de alguns temas polêmicos da trama, uma
verdadeira cruzada em nome da moral e dos bons costumes. A mídia da época
criticou o desfecho dado pelo autor não só para as lésbicas, mas também para
outros personagens considerados “pecadores”.
“Com uma série de "pecadores" em sua história, a novela
teve sua trama ajustada. E como os autores fizeram isso?
Matando todos os "maus" na explosão do shopping, que ocorre
nesta quarta-feira. Um deles é Guilherme Toledo (Marcello
Antony) que, viciado, passa o dia capitalizando dinheiro para
comprar drogas. O outro é Agenor da Silva (Juca de Oliveira),
que mantinha relações com a própria nora e é pai de Shirley
(Karina Barum), inicialmente apresentada como sua neta.
Nenhum “pecado”, no entanto, teve tanta repercussão e gerou
ataques tão veementes quanto o do casal de lésbicas da trama.
Rafaela Katz (Christiane Torloni) e Leila Sampaio (Silvia Pfeifer)
chocaram o público por serem mulheres bonitas, bem-sucedidas,
inteligentes e manterem um relacionamento homossexual
estável”. (Revista da Folha:1998, p. 12)
Outra trama da Rede Globo que apresentou um casal de lésbica foi
”Mulheres Apaixonadas”, Rafaela (Aline Moraes) e Clara (Paula Picareli), duas
adolescentes vivendo conflitos amorosos de um casal “normal”, porém sofrendo
36
preconceitos por parte dos amigos e familiares. Nesse caso, três aspectos podem
ser indicados como sinal de mudança de postura em relação ao casal vivido em
“Torre de Babel”: o primeiro é o fato de uma delas ser bissexual e a outra,
homossexual, o que talvez possa ser mais aceito por parte da sociedade. O
segundo ponto é que uma delas apresentava trejeitos masculinos, sugerindo a
presença de um estereótipo. E, finalmente, o desfecho para o casal, que não
precisou morrer, apesar de não ter sido mantido enquanto tal.
Parece ter havido, no decorrer do período entre essas novelas, alguma
mudança no comportamento da sociedade em relação ao casal lésbico, uma vez
que a empresa manteve as personagens. No balanço final, entretanto, esse
avanço foi limitado, haja vista que a igreja continuou protestando, assim como
setores conservadores da sociedade.
Com relação aos personagens gays masculinos, esses também são
apresentados em novelas. O primeiro casal representado sem estereótipos e que
gerou certa polêmica ocorreu na novela “A Próxima Vítima”, de Silvio de Abreu,
em que os personagens Sandrinho (André Gonçalves) e Jéferson (Lui Mendes)
colocavam a questão da homossexualidade masculina de forma muito mais séria,
especialmente por que envolvia dois gays de cores e etnias diferentes. O
problema maior ali foi mostrado como partindo da família, que não aceitava a
situação. O público aceitou, e, quando descobriu qual era a dos dois amigos, os
personagens já haviam caído no gosto popular. No século passado, Sandrinho e
Jéferson terminaram a trama dividindo o mesmo teto.
Já em pleno século XXI, a novela “América”, de Glória Perez, frustra
expectativas de milhões de brasileiros que esperavam o
provável primeiro beijo de um casal gay na
teledramaturgia brasileira. A rede Globo cortou, censurou
o beijo do casal, que iria ao ar às 22h30, horário
classificado pelo Ministério da Justiça como impróprio
para menores de 14 anos. Os leitores do sítio da internet
www.globo.com mostraram, em pesquisa, que não
queriam ver o beijo entre os personagens Júnior (Bruno
Gagliasso) e Zeca (Eron Cordeiro). Para 35% dos
37
leitores, "a sociedade não está preparada" para ver esse tipo de cena. Outros
24% disseram que "é melhor esconder essas coisas". Já 31% acham que o beijo
deve ser mostrado, porque "é uma relação afetiva como qualquer outra". Os 11%
restantes responderam que "está na hora de mostrar a realidade dos
homossexuais, mesmo que não seja aceito esse tipo de relação". A pesquisa foi
respondida por 5.831 leitores. O final parece ter sido frustrante até para os atores,
que chegaram a gravar a cena e declararam que torciam para que fosse ao ar.
Para uma parte dos militantes gays, a cena quebraria um tabu e mostraria para
ampla parcela da população a realidade de uma fração da sociedade.
Essa questão também se apresenta como uma polêmica, inclusive entre os
homossexuais, pois uma parte dos seus militantes afirma que esse tipo de
exposição é desnecessário e não contribui para a causa da defesa dos direitos do
grupo. Para os que mantêm essa posição, há outros aspectos a serem discutidos
na sociedade, que trariam mais clareza e colocariam de modo afirmativo esses
direitos, tais como a abordagem da união civil entre homossexuais, os direitos à
herança do parceiro, a adoção de crianças por parceiros do mesmo sexo, a
violência sofrida pelos gays, a importância da aceitação pela família, e outros.
Entretanto, é bom que se destaque que não há registro de militantes que sejam
contra a exposição das características e modos de vida dos homossexuais, como
o fato abordado acima, uma vez que isso pode ser considerado um modo de
tornar comum algo que é comum de fato, de retirar dos “guetos” os gays, de
evidenciar que homossexuais são pessoas normais.
Leva-se em conta que as novelas e quase toda a programação da Rede
Globo e da TV em geral atingem uma grande parte da população e, embora ainda
predominem a caricatura e a deformação no modo com que são abordados os
homossexuais e as minorias em geral, esses e outros veículos da mídia começam
a abordar os gays como pessoas normais que são, sem os conhecidos
estereótipos e de forma mais séria, como personagens com personalidades
estruturadas, com base familiar, com convívio social, enfim um personagem como
qualquer outro.
Ainda na televisão, os gays se fazem presentes em outros programas que
não as novelas, podendo-se citar o apresentador Leão Lobo, que é homossexual
38
declarado e nunca escondeu suas preferências, é conhecido por mostrar fofocas
dos artistas em seu programa matinal diário “De olho nas estrelas”, na Rede
Bandeirantes e possui um sítio na internet www.portaldleaolobo.com.br. Ele é hoje
um apresentador televisivo relativamente respeitado no mundo artístico, está na
televisão desde 1984, quando estreou no programa “Mulheres” na TV Gazeta, e já
fez "Canal Livre", na Band, e "Troféu Imprensa", no SBT, sempre de forma
engraçada e irreverente, tendo assim conquistado seu espaço e o carisma de
parte dos telespectadores. Não é um militante declarado, porém sempre que faz
comentários sobre alguns temas homossexuais de modo afirmativo.
Clodovil Hernandez, estilista, filho de imigrantes espanhóis, atualmente
Deputado Federal por São Paulo, com mais de 45 anos de carreira, muitos deles
dedicados à televisão, é outro homossexual atuando na mídia que assume um
jeito despojado e controverso, é adorado por alguns e odiado por outros, sempre
criou polêmicas na televisão e na vida. Nunca assumiu sua homossexualidade em
público, porém nunca negou. Tem presença forte no meio televisivo, é respeitado
pelos telespectadores e visto como uma pessoa inteligente, que está sempre a
dar conselhos com base em suas experiências de vida.
Podem-se citar outros homossexuais que fazem parte da programação das
redes de televisão brasileira, porém com menor representatividade e alguns até
partindo para o lado caricato ou estereotipado, como, por exemplo, o
transformista Léo Áquila, que começou na Rede TV, no extinto programa de
Monique Evans, “Noite Afora”, onde fazia entrevistas nas ruas de São Paulo, e
que com a extinção do programa passou a realizar o mesmo tipo de trabalho no
programa de Luciana Gimenes, “Super Pop”, na mesma emissora. Foi candidato
a Deputado Estadual por São Paulo, porém não foi eleito.
Em resumo, são várias as emissoras de televisão que contam com
homossexuais assumidos ou atores que interpretam homossexuais, seja em
novelas, programas humorísticos ou de auditório, etc.. Vale lembrar, por exemplo,
da personagem Vera Verão, interpretada por Jorge Lafon no programa “A Praça é
Nossa”, do SBT, ou ainda Rogéria, apresentando o carnaval na Rede
Bandeirantes, e outros. Esses profissionais apontados, todavia, não exercem
39
nenhum tipo de militância a favor dos homossexuais e não levantam nenhum tipo
de bandeira afirmativa a respeito dos direitos dos homossexuais.
No cinema brasileiro, os homossexuais também possuem alguma
representatividade, porém não existe nenhum filme brasileiro em que a temática
seja o homossexualismo e que tenha um personagem homossexual como
protagonista. Esses sempre fazem papéis menores ou de menor importância para
a trama. Em recente pesquisa sobre personagens homossexuais no cinema
brasileiro, Antonio Moreno, em sua tese defendida na UNICAMP/SP no ano de
2001, fez um levantamento desses personagens e levantou uma média de 300
filmes, e, embora não tenha sistematizado os achados por grau de
representatividade ou importância, aponta-se aqui alguns: “Navalha na carne”,
“Amarelo Manga”, “Amores possíveis”, “O beijo da mulher aranha”, “O menino e o
vento”, “A rainha diaba”, “Madame Satã”, e outros.
Moreno classifica em três fases a evolução da forma como o homossexual
é mostrado no cinema brasileiro. Seu estudo faz um recorte da década de 1920
até o início da década de 1970, apontando que nesse período o tema era um tabu
para a sociedade, e mesmo havendo a presença de homossexuais entre os
personagens nos filmes, esses não eram notados. Afirma ele:
“As referências ao homossexualismo, até então, eram
poucas, a não ser pela estética de alguns filmes, ou momentos
indiciais de sua presença (…) ou de maneira muito velada (…) O
tema era tão tabu que nem mesmo se permitia ao público imaginar
tal tipo de comportamento. Era como se o homossexualismo não
existisse. Embora houvesse, a sociedade fingia não perceber. E o
cinema seguia a regra…” (MORENO,1995. p. 26).
Nessa primeira fase, além de pouco explícita, a homossexualidade, no
máximo, quando presente, era associada ao domínio do risível, realçado por um
toque efeminado nos trejeitos e vozes dos personagens.
40
A segunda fase teria início na década de 1960, período em que há um
maior número de títulos que abordam o tema da homossexualidade. Mesmo
assim, sugere Moreno, o crescimento não foi muito significativo, já que o tema em
pauta eram os conflitos sociais e políticos vividos na época, e, quando abordado,
o tema ainda figurava seguindo a tendência do período anterior, com os
homossexuais apresentados carregados de trejeitos e estereótipos. O que difere
a primeira época da segunda refere-se a uma maior presença quantitativa, o
tratamento dado aos homossexuais era basicamente o mesmo.
A terceira fase tem início na década de 1970, quando houve uma
verdadeira explosão de títulos que abordavam a temática homossexual, mas
ainda com a mesma forma na construção dos personagens. Moreno acredita que
nesse momento concretizou-se esse estereótipo marcado até hoje, do gay
efeminado e com trejeitos exagerados.
(...) um modelo de personagem homossexual que vai
preponderar nas produções desta e das décadas seguintes,
chegando a estender esse modelo para diversos meios, como a
televisão, através do gestual, e o rádio, através do modelo de
voz”. (MORENO, 1995, p. 74).
Das análises dos filmes nos diferentes períodos, Moreno conclui que a
tendência majoritária é a de que os homossexuais sejam apresentados como
indivíduos doentes e patogênicos, em cujas biografias se encontram associações
com o crime, a prostituição e o vício.
O cinema brasileiro sempre soube mostrar as duras realidades da nossa
sociedade, às vezes de forma mais séria, outras através da comédia e o tema da
homossexualidade já tramitou por vários desses gêneros. Se foi ou é mostrado
com maior ou menor visibilidade não é o importante e, sim, que continue sendo
discutida a temática para cada vez um maior número de pessoas entre em
contato com essa realidade. Também é afirmativo que a identificação entre
41
expectador e personagem pode exercer o papel de refúgio para quem ainda vive
a homossexualidade como problema.
No rádio, a presença de homossexuais assumidos ou de personagens
homossexuais é bem menor, talvez porque a mídia necessite da caracterização
visual do personagem, e não há programas abordando a temática. No entanto, há
alguns poucos programas apresentados por homossexuais ou com personagens
homossexuais, como por exemplo, na Rádio Metropolitana – FM, o programa
“Chupim”, apresentado por Bebby, um tipo de sátira à Hebe Camargo, e Judity,
uma Drag Queen, com alta audiência no horário noturno de São Paulo, um
programa divertido, com traz algumas pegadinhas via telefone com os ouvintes.
Leão Lobo também faz um programa na Rádio Globo – AM, e por fim há Max
Fivelinha, VJ da MTV brasileira, apresentando um programa na Rádio
Metropolitana, “Segundas Intenções”, no qual os ouvintes pedem conselhos sobre
problemas amorosos, o programa não é gay, somente é apresentado por um.
Na mídia impressa, revistas e jornais, a presença dos homossexuais e
expressão é ainda menor, podendo ser citado somente alguns casos: novamente
Leão Lobo, que possui uma coluna de fofoca no Jornal Agora. A Revista da Folha,
que circula aos domingos, possui uma coluna chamada GLS, focada no público
gay e traz assuntos atuais ligados a esse grupo, tem como colunistas André
Fischer e Vange Leonel, ambos homossexuais assumidos. Fischer também é
colunista da Revista G Magazine, revista de nu masculino voltada ao público gay.
Há ainda algumas revistas e colunas específicas,
que discutem a temática homossexual.
O maior enfoque dado ao público
homossexual é sem dúvida quando ocorre a
Parada do Orgulho Gay em diversas capitais no
país, sendo hoje considerada a maior do mundo a
que ocorre em São Paulo, com um público médio
de mais de 2 milhões de pessoas. É considerada
um dos maiores eventos turísticos da cidade,
assim como a São Paulo Fashion Week, a
Fórmula 1 e o Carnaval.
42
Em São Paulo, já foram realizadas dez paradas, sempre com a
apresentação de trios elétricos, marcadas sempre pela alegria, pela presença de
artistas e políticos, as fantasias, os mascarados e por mais de 1 milhão de
simpatizantes, o que dá um tom festivo ao dia. Hoje a parada de São Paulo serve
de exemplo para todo o Brasil e para o mundo. Mesmo com a realização de
paradas em suas cidades, o público gay de várias partes do território nacional
comparece em massa na parada de São Paulo, devido à amplitude conquistada
pelo evento. A mídia nacional e internacional dá enorme cobertura ao evento.
A parada gay, principalmente a de São Paulo, é atualmente uma
demonstração do estilo de vida dos homossexuais, além de evidenciar o aumento
da aceitação desse fato pela sociedade, demonstrado pelo peso dos
simpatizantes que compõem ao evento. Em entrevista dada ao Jornal Folha de
São Paulo de 29 de maio de 2005, o escritor americano James N. Green, que
vive no Brasil há mais de 10 anos, e é autor do livro "Homossexualismo em São
Paulo e Outros Escritos", em que discute o aumento significativo da parada de
São Paulo, destaca o alcance do evento no âmbito nacional e afirma: “O que
acontece aqui em São Paulo atinge todo o país. O revolucionário do movimento
gay é essa coisa de se assumir. Isso obriga as famílias a lidar com o assunto e se
reposicionar”. Quando questionado sobre o fato da parada estar se tornando
quase um carnaval, ele responde: “É uma combinação de festa e política. Nas
paradas norte-americanas só entra quem pertence a um grupo organizado. É
chato”. É defensor desse caráter carnavalesco das paradas gays, pois segundo
ele o homossexual se caracteriza por uma diversificação de cores, são pessoas
alegres e que só querem a paz e um espaço.
A conclusão a que se pode chegar em relação à importância da mídia no
universo homossexual é que ela é um divisor de águas, quando o assunto é
direito dos homossexuais. Ela também pode exercer um importante papel entre
os homossexuais que ainda se consideram anormais, ou têm problemas em se
assumir, uma vez que o aumento da exposição de forma afirmativa leva a uma
maior aceitação por parte da sociedade. A imprensa traz à tona assuntos que
dificilmente seriam discutidos em casa pela família, o que, de resto, ocorre
43
também com relação a outros assuntos, como drogas, aborto, gravidez, uso de
anabolizantes e muitos outros temas polêmicos em nossa sociedade.
A mídia tem o papel de intermediar esses assuntos, trazendo informações,
esclarecimentos e exercendo outras influências. Resta aos movimentos
organizados em favor dos homossexuais se articularem e pressionarem para que
as intervenções afirmativas na mídia venham a ser crescentemente assumidas
pelos veículos diversos de comunicação.
44
3. A LINGUAGEM GESTUAL E O ESTEREÓTIPO DO
HOMOSSEXUAL NO CINEMA
Quando o assunto é homossexualidade, inúmeros são os filmes com essa
temática ou que têm entre seus personagens, principais ou coadjuvantes,
homossexuais, que podem vir apresentados de forma estereotipada, caricata,
transvestidos ou de uma forma mais séria. Todo filme tem seu valor e
principalmente suas mensagens, passadas através da mágica da ilusão com seus
jogos de montagens, jogo de câmeras, de som e de luzes. Conforme Antonio
Moreno:
“O cinema é o meio pelo qual uma mensagem pode ser
transmitida. E como geralmente trabalha com som e imagem, o
processo de comunicação se faz pela identificação do espectador
através dos códigos estabelecidos por estes dois elementos.
Melhor dizendo, o cinema trabalha ao mesmo tempo com a
linguagem do gesto e com a linguagem articulada ou sonora”.
(MORENO, 1995, p. 76)
O estudo aqui apresentado tem como suporte técnico o cinema, ou melhor,
filmes que tenham, entre seus personagens, homossexuais. Não será abordado o
tratamento dado ao personagem, ou à temática homossexual, mas procurar-se-á
verificar se existe uma padronização na forma de construção do personagem,
através da gesticulação.
Inicialmente foi realizado um levantamento dos filmes que continham
personagens homossexuais, quando foram catalogados mais de trezentos títulos,
em seguida foi feita uma triagem e escolhidos os seguintes filmes:
Será que ele é? -
Título original: In & Out. Gênero: comédia, duração: 91 minutos.
Ano de lançamento: 1997. Direção: Frank Oz. Roteiro: Paul Rudnick.
45
Minha Vida em Cor de Rosa - Título Original Ma Vie en Rose. Gênero: drama,
duração: 95 minutos. Ano de lançamento: 1997. Direção: Alain Berliner.
Amarelo Manga - Gênero: drama. Tempo de Duração: 100 minutos. Ano de
lançamento (Brasil): 2003. Direção: Cláudio Assis.
Madame Satã - Gênero: drama. Tempo de duração: 105 minutos Ano de
lançamento (Brasil): 2002. Direção: Karim Aïnouz.
The Closet - Título original: Le Placard. Gênero: comédia. Tempo de duração: 84
minutos. Ano de lançamento (França): 2001. Direção: Francis Veber.
Gaiola das Loucas - Título original: The Birdcage. Gênero: comédia. Tempo de
duração: 119 minutos. Ano de lançamento (EUA): 1996. Direção: Mike Nichols.
Priscila, a Rainha do Deserto - Título original: The Adventures of Priscilla,
Queen of the Desert. Gênero: comédia. Tempo de duração: 103 minutos. Ano de
lançamento (Austrália): 1994. Direção: Stephan Elliott.
O Clube dos Corações Partidos - Título origial: The Broken Hearts Club.
Gênero: comédia. Tempo de duração: 94 minutos. Ano de lançamento (EUA)
2000. Direção: Greg Berlanti.
As Damas de Ferro - Título original: Sa tree lex. Gênero: comédia. Tempo de
duração: 104 minutos. Ano de lançamento (Tailândia): 2000. Direção: Yongyooth
Thongkonthun.
Três Formas de Amar -
Título original: Threesome. Gênero: romance. Tempo de
duração:
93 minutos. Ano de lançamento (EUA): 1994. Direção: Andrew Fleming.
Amores Possíveis -
Gênero: comédia romântica. Tempo de duração: 90 minutos.
Ano de lançamento (Brasil):
2001 Direção: Sandra Werneck.
Alguns pontos-chave foram relevantes para a escolha dos filmes a serem
trabalhados, após todos os mencionados acima terem sido assistidos e uma
análise minuciosa dos conteúdos e cenas ter sido realizada, foram adotados
alguns critérios para escolhê-los, quais sejam:
(a) Filmes em que os personagens não fossem muito estereotipados;
46
(b) Filmes onde os personagens não fossem apresentados como bandidos,
drogados, pederastas ou como pessoas com algum tipo de problema de
saúde;
(c) Filmes em que o personagem tenha tido tratamento digno e não
banalizados.
Seguindo esses critérios, dois filmes foram escolhidos, que apresentavam
material de análise suficiente para embasar as hipóteses a serem verificadas, são
eles: Será que ele é? e Minha vida em cor de rosa. A escolha dessas obras recai
sobre o fato de que, nelas, pode-se observar a presença da gestualidade sem
exageros, além de tratar o homossexual como uma pessoa normal, estruturada,
com seus conflitos pessoais, familiares e sociais, porém nada que não represente
a realidade, não só dos homossexuais como também dos heterossexuais. Essa
preocupação esteve sempre presente para que fosse marcada uma diferença
com relação à maior parte da mídia.
Tive essa preocupação exatamente para que houvesse uma diferenciação
das imagens presente na maior parte das mídias. A força da imagem fílmica,
sobre o homem é grande podendo levá-lo à pensamentos ou sensações de
realidade, chegando ao ponto de assumir a imagem projetada como uma forma
real ou como um comportamento real e tendem a transportar para o todo ou para
toda a classe, não respeitando as variantes ou particularidades dos mesmos.
Segundo Martin:
“A imagem fílmica suscita, portanto, no espectador, um
sentimento de realidade bastante forte, em certos casos, para
induzir à crença na existência objetiva do que aparece na tela.
Essa crença, essa adesão, vai das reações mais elementares,
nos espectadores virgens ou pouco evoluídos”. (MARTIM, 2003,
p. 24)
47
Alguns estudiosos do cinema, como, por exemplo: Eisenstein, Bazin, Metz,
Vertov e outros defendem que o cinema é mais que um simples veículo para
contar história e que ele nos faz pensar ou nos leva a interpretações. O cinema,
com todo seu encantamento, trabalha com a manipulação de imagens e busca
com essa manipulação um sentido ou explicação para acontecimentos da
realidade do mundo. Esse processo se dá através de várias técnicas como, por
exemplo: a montagem, a decupagem, a sonorização, a iluminação e outras.
A imagem é a matéria-prima da linguagem cinematográfica, é o que
alimenta a câmera e encanta os olhos dos espectadores, como todo seu grau de
realismo. A sensação de espanto dos espectadores, quando assistiram a primeira
exibição dos irmãos Lumière, não foi a de ver um trem vindo em direção à platéia
e sim o grau de realismo apresentado por aquele recurso técnico. Para Martin,
dois pontos são importantes com relação às características da imagem e sua
natureza de reprodução objetiva do real, são elas: (1) pela sua precisão no
momento da captação, ela é unívoca; (2) o fato de a imagem estar sempre no
presente, transportando o espectador no espaço-tempo da cena, mesmo podendo
viajar em segundos para o passado ou para o futuro, a imagem está sempre no
presente.
“(...) ela se oferece ao presente de nossa percepção e se
inscreve no presente de nossa consciência: a defasagem
temporal faz-se apenas pela intervenção do julgamento, o único
capaz de colocar os acontecimentos como passado em relação a
nós ou de determinar vários planos temporais na ação do filme”.
(MARTIN, 2003, p. 26)
Nossos sonhos também são analisados pelo nosso cérebro da mesma
forma, sempre no presente e isso faz com que o cinema se aproxime muito dos
sonhos, pois, assim como os sonhos, o cinema é uma junção de imagens
processadas pelo cérebro, que nos leva a uma interpretação ou indagação.
48
Por essa razão, este estudo se dedica à análise do tema central através do
cinema, a fábrica dos sonhos, buscando trabalhar a imagem e a técnica na busca
de um sentido ou na busca de representar a realidade dos homossexuais. Assim,
a técnica da montagem ajuda a compreender o filme e também a torná-lo menos
cansativo ou longo, ela organiza as imagens ou cenas de forma lógica. Griffith, o
criador dessa técnica, mágico ilusionista, viu nela mais uma forma de iludir e
praticar seus truques de ilusionismo e não imaginou o avanço que estava
proporcionando ao cinema. Para Malraux, o filme passou a ser arte com a técnica
da montagem e tornou-se uma forma de linguagem, deixando de ser apenas uma
fotografia animada.
Os recursos utilizados pelo cinema para dar validade a essa realidade vão
além da imagem ou montagem, outro recurso utilizado na busca do sentido é a
decupagem divisão de um roteiro em cenas, seqüências e planos numerados,
para facilitar a gravação e a posterior montagem final. Para Noel Burch, um filme
é uma sucessão de pedaços, que se dividem no tempo e no espaço da cena, ou
seja, são várias cenas coladas de forma nem sempre lógica ou cronológica,
buscando transmitir uma idéia ou mensagem para alguém. A decupagem faz do
filme algo mais atrativo e dinâmico, porém obriga o espectador a uma maior
concentração, com ela, o cinema fica mais curto e não se reduz a contar histórias
muito longas e detalhadas.
O cinema foi criado já com uma vida útil programada e prevista, porém
essas atualizações nas técnicas e nas formas de contar esses acontecimentos
deram não só sobrevida ao cinema como também selou seu destino como arte. A
decupagem proporciona recursos como, por exemplo: elipse, flashback, raccord e
outros. Pode-se com essas técnicas extrair acontecimentos da realidade e
representá-los de forma mais sutil, sugerindo uma idéia através de metáforas ou
associações. Nem sempre a imagem reflete o todo ou o que queremos dizer, ela
pode ser apenas um canal ou uma sombra do verdadeiro sentido que irá se
concretizar na mente do telespectador. Ela precisa ser bem construída para que
essa leitura não seja feita de forma incorreta evitando que, desse modo, não
atinja seu objetivo. O cinema possui um verdadeiro leque de técnicas que o
enriquece, não só no quesito qualidade, mas também no que se refere ao seu
49
poder de iludir ou transformar a realidade para o espectador, com a montagem,
iluminação, a sonoplastia, decupagem e outros recursos. São técnicas eficientes
e usadas desde os primórdios do cinema, nem com as transições e evoluções
pelas quais o cinema passou, por exemplo, do mudo para o sonoro, elas
foram dispensadas, ao contrário, passaram por aprimoramentos para dar outro
enfoque à imagem. Bazin chama a atenção para a importância e para as
transformações dessas técnicas.
“É verdade que o cinema falado anunciou a morte de uma
certa estética da linguagem cinematográfica, mas somente
daquela que o distanciava mais de sua vocação realista. Da
montagem, no entanto, o cinema falado tinha conservado o
essencial, a descrição descontínua e a análise dramática do
evento. Renunciou à metáfora e ao símbolo para esforçar-se na
ilusão da representação objetiva. (BAZIN, 1997, p. 80)
3.1 Uma breve definição de estereótipo e gestualidade
A construção da imagem e a construção do estereótipo estão muito
próximas, por isso a análise do que vem a ser um estereótipo é necessária para
este trabalho.
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa define o termo como “algo que
se adequa a um padrão fixo ou geral. Esse próprio padrão, geralmente, (é)
formado de idéias preconcebidas e alimentado pela falta de conhecimento real
sobre o assunto em questão”. E ainda, “idéia ou convicção classificatória
preconcebida sobre alguém ou algo, resultante de expectativa, hábitos de
julgamento ou falsas generalizações”.
Alguns autores definem estereótipo como sendo uma imagem
preconcebida de algo, podendo ser de pessoas, lugares ou determinadas
situações. Estereótipos muitas vezes se prestam a fonte inspiradora de piadistas
50
ou cartunistas, e no cunho cultural e social estão muito ligados a padrões de
racismo e preconceito contra negros, nordestinos, homossexuais, gordos e tantos
outros grupos. No seu uso moderno, pode-se vincular o estereótipo a imagens
mentais muito vagas e com poucos detalhes sobre um grupo de pessoas com
características e qualidades semelhantes, o termo é muito utilizado num sentido
negativo, levando em conta que se trata de crenças ilógicas que só podem ser
desfeitas ou mudadas com a educação e com a informação.
Os estereótipos mais comuns do passado incluíam uma ampla variedade
de alegações sobre diversos grupos raciais ou era baseada em comportamentos
sociais. Na literatura e nas artes, os estereótipos são como clichês, de
personagens ou situações, como, por exemplo: uma representação do Diabo todo
de vermelho com chifres e um garfo tridente, pode-se considerar um estereótipo
cultural usado em todo o mundo. O estereótipo, enfim, não representa o sujeito
real e sim uma representação grotesca do mesmo.
No filme “Minha vida em cor-de-rosa”, o mundo de Ludovic (personagem
protagonista) é todo da cor rosa e o garoto aparece sempre em seus próprios
sonhos vestido de mulher e com roupas cor-de-rosa. Isso pode ser considerado
um estereótipo cultural, que faz pensar que todos os homossexuais querem
vestir-se de mulher e adoram a cor rosa. Outro filme em que se nota a presença
da cor rosa é no filme “The Closet”, quando um amigo de trabalho de Pigon,
personagem que se faz passar por gay na história, compra uma malha cor-de-
rosa de presente para o amigo, e o amigo, reconhecido na empresa por seu
preconceito contra homossexuais, rejeita a cor rosa.
Evidentemente, esses estereótipos são manifestações das mais antigas na
cultura ocidental, estão nos contos de fadas, nas narrativas populares, nas
canções da Idade Média. Provêm dos rituais, dos mitos, das belas construções
verdadeiramente originais comparações e metáforas, que, utilizadas pela
primeira vez, caíram no gosto popular. Na medida em que foram repetidas,
tornaram-se frases feitas, que nos vêm à mente ao primeiro pensamento, cujo
emprego é preciso evitar e, sobretudo, esforçar-se por criticá-las, evitando nelas
crer.
51
Por representar um signo que restringe o sentido, o estereótipo é uma
estratégia discursiva do sujeito da enunciação que, na colocação em discurso,
garante a comunicação oral, escrita ou visual e a significação pretendida na práxis
enunciativa: interação enunciador-enunciatário. Funcionando como elemento
capaz de sintetizar conceitos, por seu caráter econômico e funcional, o
estereótipo vem sendo cada vez mais utilizado no discurso midiático. Entretanto,
ao mesmo tempo em que garante a comunhão de um saber cristalizado,
produzindo um efeito de objetividade, o estereótipo estabelece uma dimensão
axiológica, produtora de efeitos de subjetividade. Quando o sujeito da enunciação
utiliza uma forma-pronta, seu discurso é impessoal, não criativo, mas, quando
subverte essa forma, transferindo para outra situação e exigindo que seu
enunciatário também o faça, dá a seu texto investimento pessoal e criativo.
Para Pêcheux, em seu texto “Papel da memória”, a memória discursiva é
ponto forte no processo de transmissão de uma mensagem implícita e, como ela,
pode fortalecer a noção do estereótipo.
“A memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que
surge como acontecimento a ser lido, vem restabelecer os
implícitos (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos,
elementos citados e relatados, discursos transversos, etc.) de que
sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível. Tais implícitos nunca seriam encontrados de forma
explícita, como formas reais e sedimentadas, visto que sob a
repetição que sofrem, ocorre a formação de um efeito de série que
permitiria uma “regularização”, que funcionaria como um dispositivo
de recolhimento de implícitos, sob forma de remissões, de
retomadas e de efeitos de paráfrase (que podem a meu ver
conduzir à questão da construção dos estereótipos.” (PÊCHEUX,
1999, p. 52)
O estereótipo também mantém relação estreita com o conceito de estigma,
que, originalmente, designa ferimento, cicatriz. Seus derivados, "estigmatizar",
"estigmatização", têm o sentido de censurar, condenar, aviltar o nome, a
52
reputação de alguém. No sentido usual, significa prejudicar, ou fazer um
julgamento prematuro de alguém, julgar pela aparência. Apesar de seu caráter
disfórmico, a estigmatização é um processo comum tanto nas relações
interpessoais quanto sociais e ocorre sempre que o individual passa a
caracterizar o coletivo. Daí as generalizações estigmatizadas: "o nordestino", "o
turco", "a turma do gueto", o “menino efeminado”, o “menor infrator da FEBEM”
etc., que caracterizam o discurso discriminatório, que há anos tenta transformar
em ódio os males da sociedade, tais como o desemprego, a exclusão social, a
delinqüência, a droga, etc.
A maioria dos agentes políticos e grande parte da mídia, ao invés de
aprofundar esses temas, buscando as causas e lutando contra a discriminação,
colocam em discussão os efeitos das atitudes e dos conceitos discriminatórios,
evocando-os como solução dos problemas. A questão que urge ser abordada,
entretanto, é a mudança desse estado de coisas, a discriminação generalizada,
pela compreensão das causas de sua origem, a quê e a quem se prestam os
preconceitos e a mudança radical de atitude, passando a sociedade
contemporânea de uma situação em que graça o individualismo, para um estado
de solidariedade entre as pessoas e entre os povos.
Os homossexuais também fazem parte de um grupo minoritário que sofre
as conseqüências desse estereótipo apresentado e enraizado pela mídia na
sociedade, o que dificulta não só a sua aceitação em relação ao sujeito
homossexual, que tem gostos e preferências diferentes do modelo de padrão
social, como também dificulta a atitude, por parte dos próprios homossexuais, de
assumir-se.
Além disso, há outros impedimentos concretos gerados pela discriminação,
que dizem respeito aos direitos legais de que os homossexuais deveriam gozar e,
por preconceito, não lhes é dado, ou no mínimo, causam trabalho para serem
obtidos, como, por exemplo, a adoção de crianças por casais homossexuais. A
maior discordância em relação essa adoção passa pelas questões com
relação à incerteza de existência de um consistente núcleo familiar que seja
homoafetivo e de quais seriam as conseqüências geradas por essas famílias
às crianças. A sociedade, normalmente amparada pela religião e costumes,
53
não aceita que casais do mesmo sexo criem uma criança. Muito desse
preconceito vem do estereótipo criado em torno dos homossexuais, que
seriam, então, pessoas promíscuas, pervertidas, desviadas, marginalizadas,
afeminadas, – no caso dos homens -, ou masculinizadas, – no caso das
mulheres. Com esse estereótipo, como é possível que as pessoas acreditem
que a criança estaria em um lar saudável para sua formação social e
psicológica? Todavia, o fato é que esse estereótipo nem sempre corresponde
à realidade e não pode reforçar um preconceito, e se configura hoje como uma
injustiça contra homossexuais em todo o mundo, embora alguns países
venham conquistando a liberação para o casamento homossexual e para a
adoção, entre outras conquistas importantes. A luta desse grupo é mostrar à
sociedade que uma criança, criada por homossexuais, não terá seguramente
desvio de conduta e de personalidade em função da vida sexual de seus
pais
6
. É importante refletir e convencer que pessoas com desvio de conduta, de
caráter, com dificuldades em conviver socialmente, há entre quaisquer grupos,
sejam homossexuais, pessoas ditas “normais” pelo viés do preconceito de
gênero, sexo, cor, idade etc. ou qualquer outro grupo.
Para melhor compreensão de como os estereótipos estarão compondo os
elementos da análise dessa dissertação, será realizada uma classificação em
categorias: estereótipo cultural e social, estereótipo humorístico e estereótipo
ofensivo. Através dessa divisão, será feita uma análise abordando a força do
estereótipo sobre os personagens dos filmes selecionados, assim como seus
efeitos sobre os expectadores no que diz respeito a uma possível abertura à
aceitação desse grupo minoritário na sociedade.
6 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por limitar apenas que o adotante tenha mais de 21 anos,
independentemente do estado civil, não impede que o adotante seja gay e que adote conjuntamente com seu
parceiro uma criança. O interesse do Estatuto é que a adoção seja concedida quando apresentar reais
vantagens para o adotado e fundar-se em motivos legítimos. Se formos levar em consideração o bem-estar
do menor, não há motivos legais para a negação da adoção por casais gays, desde que eles possuam um lar
digno e respeitável, onde possam dar educação e uma vida feliz e saudável à criança.
O problema está mais na cabeça das pessoas do que na própria Constituição, que, ao tratar dos Direitos e
Garantias Fundamentais, trouxe como princ
ípio fundamental a isonomia e a não discriminação por orientação
sexual. Outro princípio que asseguraria a adoção dessas crianças é o princípio da legalidade, que assegura
que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", afinal, nenhum
dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente restringe a adoção apenas a casais heterossexuais, ou
seja, legalmente, os casais homossexuais teriam o direito de adotar.
Ainda no Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 43 afirma que o magistrado deverá se ater aos
benefícios acarretados ao menor com a adoção, decidindo sempre pelo bem-estar do adotado.
54
Estereótipo cultural e social: os estereótipos culturais e sociais podem
ser descritos como imagens que contribuem para associar pessoas a idéias
simplistas e pré-concebidas sobre a idade, a nacionalidade, a etnia, a
proveniência geográfica, o sexo, a orientação sexual, o estatuto econômico, as
deficiências físicas e mentais, etc. Vale lembrar que, como estereótipo, essa
associação algumas vezes é tem correspondência com a realidade, mas muitas
vezes é infundada, contribuindo para a dissociação entre uma realidade e as suas
possíveis cognições pessoais e sociais. O estereótipo resulta, pois, em um
instrumento dos grupos, construído para simplificar o processo das relações entre
eles e, nessa simplificação, justificar determinadas atitudes e comportamentos
pessoais e coletivos.
Para Henry Tajfel, qualquer classificação pautada por estereótipos traz em
si uma identidade social que se produz no interior de uma dada realidade cultural.
Tais classificações convertem-se nas imagens afirmativas ou não, transmitidas
pelos grupos em interação dentro de determinadas tradições culturais. Tajfel
entende que os estereótipos envolvem um processo cognitivo. Ou seja, os
indivíduos que pertencem a um determinado grupo apreendem a simbologia que
envolve a estereotipia e reproduzem-na ao longo da história. Com isso, mantêm-
se as diferenças identitárias entre os grupos. Desse modo, "um estereótipo não é
um estereótipo social até e a não ser que seja amplamente partilhado dentro
duma entidade social" (Tajfel, 1982, p.176). Isso significa dizer que a
consolidação de uma imagem estereotipada depende fundamentalmente de um
consenso de opinião dos indivíduos que constituem um grupo. Nessa direção, o
preconceito traduz a falta de flexibilidade entre os grupos, ajudando a definir o
posicionamento de um sujeito social frente ao outro. Acrescentando aos modelos
conceituais rigidamente definidos sobre o outro (estereótipos) uma forte
conotação emocional e afetiva, o preconceito tende a absolutizar determinados
valores, que se transformam em fonte de negação da alteridade. Tal situação
induz ao dogmatismo, responsável pela construção das imagens sectarizadas e
reducionistas que permeiam as relações intergrupais.
55
Estereótipo humorístico: não se pode falar de discurso humorístico, por
exemplo, sem considerar a relevância dos estereótipos em seu funcionamento.
Assim, entre outras coisas, se se quiser ler os discursos humorísticos também
como documentos, deve-se passar necessariamente pela questão de saber em
que medida os estereótipos representam também “verdades”. Que o humor vive
em grande parte da exploração de estereótipos não é certamente uma novidade.
Creio que há para isso duas razões: uma, de ordem cognitiva, tem a ver com a
facilidade de interpretação que o estereótipo propicia (e o humor exige
freqüentemente interpretação instantânea); outra, de ordem genericamente social,
e que é constitutiva dos gêneros humorísticos, dado que, em geral, os
estereótipos são de alguma forma negativos.
Amossy e Pierrot (1997, p.33) apresentam um quadro geral dos estudos
dos estereótipos, inclusive de sua relação estreita com clichês e lugares comuns.
Termos como “esquema”, “forma cristalizada”, “redutor”, “nocivo”, “simplificador”,
“sumário”, “rígido”, “fictício” são alguns dos empregados seja para definir, seja
para caracterizar o estereótipo. Segundo esses estudiosos, o estereótipo “é mais
simples que complexo e diferenciado, mais errôneo que correto, adquirido de
segunda mão e mais do que por experiência direta com a realidade que deveria
representar”.
Quando se trata de humor o estereótipo utiliza-
se do exagero, da caricatura e do excesso, pode-se
dizer que é uma forma de dar um tom de humor ao
personagem ou para a imagem que ele está
representando. Muitas vezes esse tipo de estereótipo
não é entendido pela sociedade como uma forma
preconceituosa, porém não se pode deixar de atribuir-lhe uma parcela de
preconceito e uma forma de criar simulacros que não condizem com a realidade.
Os estereótipos humorísticos são mais encontrados em programas de
humor, novelas ou caricaturas. Quem nunca viu em uma novela aquele
personagem nordestino de fala carregada, vestimentas extravagantes e de gestos
e costumes engraçados, ou aquele personagem gay com trejeitos efeminados,
com roupas multicoloridas, muitas bijuterias, as mãos parecendo um espanador e
56
de andar rebolativo. Esses são alguns exemplos de estereótipos aplicados ao
humor. O humor é a arte de fazer rir e divertir o público e, se tratado de forma
responsável, pode contribuir no processo emancipatório de alguns grupos
minoritários, pois traz o tema para um tom menos sério e uma forma mais simples
para as pessoas em geral.
Estereótipo pejorativo: quase sempre o estereótipo pejorativo está ligado
à agre
o brasileiro contra gays é bem explícito. "Veado!" é um
ssão física ou moral, à discriminação racial, social ou sexual e à falta de
informação, cultura e bom senso de quem o utiliza. O estereótipo ofensivo não é
praticado somente contra os homossexuais, mas também contra os negros,
nordestinos, judeus, torcedores de times rivais, levando à prática da violência
contra o próximo. Quando o personagem é apresentado de forma caricata e não
está inserido num contexto de humor e sim num contexto de opressão, ridículo,
de cenas de humilhação ou agressão, isso pode incitar as pessoas a praticarem o
mesmo em suas vidas, não sabendo diferenciar a ficção da realidade. Em
pegadinhas apresentadas por programas de humor, por exemplo, mostrando gays
sendo espancados ou sendo motivos de chacotas, ou agindo como mulheres e
tentando agarrar os homens, essas imagens podem criar um sentimento de ódio
em relação aos homossexuais que lutam por uma vida menos preconceituosa. Os
negros também são ofendidos quando são mostrados ora como pessoas
inferiores socialmente - domésticas, porteiros, motoristas e outros - ou quando
são apresentados como bandidos, ladrões, estupradores, criando assim um
estereótipo negativo e ofensivo a todos os afro-descendentes. Fora do Brasil, por
exemplo, as mulheres brasileiras são apresentadas com o estereótipo de
prostitutas, que andam quase sem roupas pelas ruas e estão disponíveis para
quem tem dinheiro.
O preconceit
xingamento que se tornou comum para castigar qualquer um que "enche seu
saco". Esse pensamento pode estar ligado ao estereótipo apresentado não só
pela mídia, mas pela sociedade em sua cultura heterossexualizada. Quando dois
amigos do mesmo sexo são inseparáveis, logo vem a insinuação que "algo
poderia estar rolando...”. O preconceito dissimulado contras as mulheres também
57
existe no Brasil. Por exemplo, se uma mulher alcança uma posição elevada, é
relativamente comum que, numa cerimônia de recepção formal, seja elogiada
pela beleza, pela elegância, ou por outras qualidades ditas femininas, e não pelos
seus méritos profissionais. Numa sociedade míope demais para ver por meio do
mito da harmonia racial, o estereótipo ofensivo por muitas vezes passa
despercebido. E, quanto mais aceito e cotidiano se torna, mais automático fica.
Quem pensa duas vezes antes de usar a expressão "programa de índio" ou a
palavra "a coisa está preta"? Essa miopia dá lugar, também, ao preconceito mais
explícito.
Os brasileiros, às vezes, revelam seus preconceitos ao negá-los. Por
exemp
ereótipos ofensivos são acompanhados por uma variedade de
justific
a gestualidade e seus significados, ou
seja, c
lo: "Eu não tenho preconceito, mas detesto veado". E, após atitudes desse
tipo, alguns usam a expressão "sem preconceito!" como uma desculpa camuflada.
O brasileiro tem dificuldade de enxergar os estereótipos ofensivos, porque são
suavemente enraizados e, muitas vezes, já fazem parte do cotidiano das pessoas.
O mesmo brasileiro que diz "nem parece viado", ou o mais explícito "pára de ser
sem-vergonha!", poderia também gabar-se: "Alguns dos meus melhores amigos
são viados".
Os est
ativas, entretanto são sempre baseados na ignorância e, em sua maior
parte, são exibidos por oportunistas que buscam alvos fáceis ou audiência. Esses
oportunistas argumentam que, se os negros, os judeus e os homossexuais fazem
humor à custa de seus próprios grupos marginalizados, todos têm aval para fazer
o mesmo. Esse argumento pretende justificar-se em estereótipos negativistas. A
falha desse argumento impensado é que a autodepreciação é, às vezes, uma
defesa prévia contra os preconceitos alheios. É a estratégia "eu insulto a mim
mesmo antes que você possa me insultar".
Também a análise do que vem a ser
omo a gestualidade é utilizada de forma consciente ou inconsciente para
nos comunicarmos, é necessária para este trabalho. Ao nos utilizarmos dessa
estratégia de comunicação transformamo-nos no emissor, que transmite para
outro, o receptor, uma mensagem. A própria forma do corpo pode servir de um
58
meio imediato de comunicação: o gordinho é simpático e alegre, o menino
delicado é “viado”, o japonês é inteligente, a loira é burra e vários outros estigmas.
Esses padrões de estética variam de época em época, valorizando ou
desvalorizando a forma do corpo: as gordinhas já foram mulheres desejadas e
hoje estão fora dos padrões da figura da mulher ideal. Se uma pessoa entra na
sua sala e fuma em longas tragadas, rói as unhas, pigarreia, mexe-se sem parar
na cadeira, alguém diz, então: “Fique a vontade, não fique nervoso”. Como se
pode perceber sua condição sem ao menos ele ter pronunciado uma só palavra?
Porque nosso corpo serve para confirmar, enfatizar, complementar e, em alguns
casos, contradizer o que estamos tentando comunicar verbalmente. Porém, essa
aparência física em sua maior parte é aprendida ou absorvida culturalmente, nós
não nascemos com ela, conformamos e adaptamos o corpo, segundo padrões
sociais estabelecidos e adotados por convenção. Esse estudo da linguagem
corporal, essa ciência é conhecida como Cinésica: “A linguagem corporal e a
Cinésica baseiam-se nos padrões de comportamento da comunicação
extraverbal”. (Julius Fast, 1974, 176p).
O termo cinésica origina-se do grego kinesis, significa "movimento" e
designa o estudo do comportamento comunicativo do corpo humano. A Cinésica
Social é uma disciplina que descreve os movimentos do corpo e suas funções no
contexto das interações sociais, referindo-se, portanto, à emissão e recepção de
"mensagens silenciosas". A Cinésica possui componentes individuais e culturais,
isto é, a linguagem corporal varia de indivíduo para indivíduo e de cultura para
cultura. Há movimentos que parecem ser os mesmos em todos os lugares do
mundo, mas há outros que são muito particulares de um determinado local ou
região. Além disso, a cinésica, como elemento do processo comunicativo, sofre
influência do contexto no qual emissor e receptor estão inseridos (local, momento,
circunstâncias, situação social). O fluxo cinésico da interação social envolve
meneios de cabeça, piscar de olhos, movimentos de queixo e lábios, variação na
posição do tórax e dos ombros, movimentos de braços, mãos, dedos, pernas e
pés. Todo esse fluxo ainda pode ser analisado e percebido levando-se em
consideração sua intensidade, amplitude e rapidez. Em situações de fala em
público, cada uma dessas três variáveis apresenta uma interpretação:
59
Intensidade: está relacionada ao grau de contração realizado e indica o
nível de tensão do emissor;
Amplitude: refere-se à extensão do movimento realizado e dá indícios
sobre algumas características pessoais do emissor, como por exemplo: timidez
(movimentos limitados), descontração (movimentos "normais") ou excesso de
desinibição (movimentos muito amplos).
Rapidez: tem relação com o tempo de realização de um gesto, indicando o
nível de autocontrole do emissor. Por exemplo: movimentos rápidos podem
indicar nervosismo, movimentos lentos podem indicar despreparo, insegurança,
movimentos ágeis podem indicar segurança e domínio.
É possível dizer que há uma "educação não-verbal", aprendida de três
formas básicas:
Gesto formal ou disciplinador: é o que se chama de "bons modos" e dá
parâmetros para usarmos nosso corpo socialmente. Desde criança aprendemos,
por exemplo, que não podemos andar pelas ruas sem roupa; uma criança
aprende que não deve "colocar o dedo no nariz" ou arrotar à mesa. Certamente
essas noções de "certo" e "errado" são influenciadas pelo grupo cultural ao qual a
pessoa pertence.
Do ponto de vista deste estudo, aqui nascem os preconceitos e os
estereótipos, não só no que diz respeito ao gesto ou ao corpo, mas em relação às
roupas, e às atitudes, pois quando uma mãe diz ao seu filho não brincar de
bonecas por ser uma prática de meninas, ou que ele não pode usar a cor rosa
porque essa cor faz parte do universo feminino, está criando, através do
aprendizado formal, estereótipos de ordem social e cultural. O aprendizado formal
60
tem um caráter disciplinador e regulador dos atos permitidos e não permitidos
pela sociedade. “Menino que beija menino, Deus castiga” parece ser um deles.
Gesto informal ou cultural: compreende aqueles padrões de
comportamentos aprendidos através da imitação e da observação, marcados
fortemente por aspectos culturais. Por exemplo, nós não medimos a distância que
mantemos em relação ao nosso interlocutor durante uma conversa, porém
"sentimos" se o espaço mantido é confortável ou não. Entre os árabes, a
gesticulação é feita com a mão direita e não com a "impura" mão esquerda. Os
norte-americanos manifestam certa aversão por abraços efusivos, beijos no rosto,
pois consideram que essas expressões de convívio social sejam "primitivas".
Para Mauss, “o conjunto de hábitos, costumes, crenças e tradições que
caracterizam uma cultura também se refere ao corpo. Assim, há uma construção
cultural do corpo, com uma valorização de certos atributos e comportamentos em
detrimento de outros, fazendo com que haja um corpo típico para cada sociedade”
(1974, p. 173). Esse corpo pode variar de acordo com o contexto histórico e
cultural e é adquirido pelos membros da sociedade por meio da imitação
prestigiosa: os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram
êxito. O autor chama atenção para o fato de que as técnicas corporais variam não
simplesmente com os indivíduos e suas imitações, mas, sobretudo, com as
sociedades, as educações, as conveniências e as modas, com os prestígios.
Gesto técnico: compreende um conjunto de técnicas que proporcionam
um melhor desempenho em situações de exposição em público. Existem
inúmeros cursos de como falar em público, com o objetivo de ensinar posturas,
posições das mãos, da cabeça, o olhar e outros. Podemos classificar a linguagem
dos surdos/mudos como um aprendizado técnico.
A comunicação não-verbal desempenha várias funções que ajudam o ser
humano a comunicar-se. Dessa forma, pode-se encará-la como o principal meio
de expressão e comunicação dos aspectos emocionais, como meio primário e
61
privilegiado para assinalar mudanças de atitude nas relações interpessoais.
Podemos vê-la também na apresentação do Eu e do seu corpo, pois dá uma
imagem de si mesmo ao mundo que o envolve, e principalmente como um apoio e
complemento à comunicação verbal. Considerando que toda a comunicação tem
um conteúdo e uma relação, pode-se esperar que os dois modos de comunicação
não só existem lado a lado, mas que se complementam em todas as mensagens.
Um dos aspectos mais importantes do comportamento não-verbal é o da
gestualidade e todas suas possibilidades de expressão, o comportamento motor
de um indivíduo possui uma grande expressividade. Os gestos são
compreendidos de diversas formas nas diferentes culturas. Para Gaiarsa, o corpo
é, antes de tudo, um centro de informações "aquilo que de mim eu menos
conheço é o meu principal veículo de comunicação" (1995, p. 58). Esse mesmo
autor sugere que um "observador atento consegue ver no outro quase tudo aquilo
que o outro está escondendo - conscientemente ou não. Assim tudo aquilo que
não é dito pela palavra pode ser encontrado no tom de voz, na expressão do
rosto, na forma do gesto ou na atitude do indivíduo". (idem)
A história do movimento e do gesto está sendo escrita. E essa história
passa por um mapeamento do corpo. Não resta a menor dúvida de que o corpo é
uma feira monumental de falas e de significados. Fecha-se o corpo, abre-se o
corpo, tira-se o corpo fora, faz-se corpo mole, luta-se e principalmente ama-se
corpo-a-corpo. O corpo pode ser bem-feito ou mal feito. Pode ser caloso,
cavernoso, diplomático, discente, docente, perturbador, pré-estelar, redondo,
primitivo, estranho. Existe corpo de guarda, de delito, de baile. O certo é que o
corpo é o mais natural, o mais concreto e o maior patrimônio que o homem
possui.
Durante milhões de anos, a natureza vem modelando nosso corpo com
seus 50 trilhões de células (em média). Mas, ainda que preso à natureza, o corpo
é também social. Nenhum animal transforma voluntariamente seu corpo como o
próprio homem. Desde a tatuagem à cirurgia corretiva, da deformação do crânio
ao halterofilismo, do parto de cócoras ao bebê de proveta, o homem tem
interferido no seu corpo de todas as formas possíveis.
62
Além disso, as sociedades humanas agem sobre o corpo através de
etiquetas, sanções e proibições, de prêmios e de castigos, de leis e penas, de
normas e códigos, de falas e de silêncios. Tudo isso vai se refletir na forma de
andar, de saltar, de correr, de dormir, de amar, de se alimentar, etc. Nesse
sentido, o corpo é uma encruzilhada de acontecimentos culturais e sociais,
animais e psíquicos.
3.2 Breve apresentação dos filmes e análise das cenas
Nos dois filmes escolhidos pode-se notar a presença do
estereótipo tanto social e cultural como o estereótipo
humorístico e o ofensivo e a gestualidade em várias formas.
No filme “Será que ele é?”, a história se passa em uma
cidade norte-americana do interior. É baseado em fatos reais,
vivido por Tom Hanks, quando, ao receber seu Oscar por
Filadélfia, uma das pessoas a quem agradeceu foi um antigo professor - que é
gay. Naquele caso, o professor era assumidamente homossexual e permitira que
Hanks citasse seu nome no discurso, portanto a declaração do ator não causou
nenhum constrangimento e não alterou a normalidade dos fatos ou a vida do
professor. Mas isso serviu de base para o roteirista Paul Rudnick a criar a trama
de
Será Que Ele É?.
No filme, um ator interpretado por Matt Dillon, ao receber seu Oscar,
agradece a Howard Brackett (Kevin Kline), um antigo professor de línguas, que
ele, o ex-aluno, revela ser gay. O problema é que, nesse caso em particular,
ninguém da cidadezinha, em que o pacato professor vive, sabia desse fato - na
verdade, nem o próprio professor havia cogitado essa hipótese. Para piorar ainda
mais a situação, Brackett, encontrava-se prestes a se casar com Emily (J.
Cusack), depois de um tempo de noivado. Sua vida não seria mais a mesma, se
transformando totalmente quando a imprensa invade a cidade com o propósito de
entrevistá-lo. Entre as dezenas de repórteres está Peter Malloy (Tom Selleck), um
63
jornalista decadente que, coincidência ou não, é gay, e está na cidade buscando
uma matéria para salvar sua carreira.
O roteiro de Rudnick é leve, divertido, e brinca com
as várias possibilidades que uma situação dessa geraria.
Brackett não sabe que é gay, não quer ser gay, mas - para
seu próprio espanto - tem grandes tendências a ser.
Assim, os melhores momentos do filme são aqueles em
que ele tenta se comportar como um “homem tradicional”,
mas, para sua frustração, não consegue. Tom Selleck, também tem uma forte
presença no filme, pois ele se apaixona por Brackett e vice-versa, e a cena do
beijo entre os personagens de Selleck e Kline já tem presença obrigatória em
qualquer antologia que se faça sobre comédias de costumes. Brackett é um
professor de línguas que ensina poemas de William Shakespeare, é muito
respeitado pelos alunos, treina um time de futebol americano, mora sozinho e
seus pais moram na mesma cidade, é estruturado financeira e socialmente e é
noivo da também professora Emily. Ele é sensível, delicado e dedicado, tem bom
relacionamento familiar e é o típico homem certinho do interior, veste-se muito
bem e usa gravata borboleta. O personagem é apresentado como um exemplo de
homem, porém é diferente de seus demais amigos e dos outros homens da
cidade. Não é apresentado com trejeitos efeminados exagerados, mas nota-se
uma pequena tendência, não só nas atitudes, mas em sua gestualidade e
comportamento, que gera uma certa dúvida entre seus amigos e alunos. A
importância do personagem no contexto do filme é que apesar de ser uma
comédia, ele trata do tema de forma séria, porém leve, não mostrando cenas de
preconceito, agressão ou algo que desmoralize os homossexuais.
Analisando-se os estereótipos apresentados pelo filme e confrontando-os
com os estereótipos atribuídos aos homossexuais, pode-se identificar alguns
presentes ali: o trintão solteirão que mora sozinho, o fato dele andar todo
arrumado e ser todo perfumado, o fato de ser educado e gentil. Esses
estereótipos sociais/culturais são bem enfatizados no personagem no filme. Há
uma cena em que é possível notar essa relação, quando sua masculinidade é
questionada pelos seus alunos. Os alunos, não satisfeitos com a explicação do
64
professor, começam a apontar algumas características nele que os fazem
acreditar na declaração do ex-aluno de que Brackett é gay, e aí os estereótipos
são explicitados: o senhor é inteligente, elegante, limpo, delicado, meticuloso,
decente, criativo, sensível, o homem mais maravilhoso do mundo, namora há
mais de sete anos e é bonzinho. Nesse momento, eles criam de certa forma uma
estratégia ou uma padronização de possíveis maneiras de se reconhecer um
homossexual ou classificá-lo, como numa fórmula ou como se já estivesse em
suas memórias e quem possuir essas características poderia ser classificado
assim. Porém, pode-se notar um tipo de estereótipo cultural evidente que vem à
tona quando os alunos o descrevem e dizem: “O senhor é gay”.
Coloca-se aí, para reflexão, se de fato há esse tipo de memória discursiva
que faz com que se crie e julgue pessoas por associações de atos ou atitudes?
Nesse caso, pergunta-se: será que todo negro é bandido? Todo nordestino fala
“óxente”? Todo alemão é nazista? E que todo gay é efeminado? No filme, pode-
se notar ainda o estereótipo do humor associado ao cultural, com cenas
engraçadas do professor dançando, rebolando ou até desmunhecando.
Outro ponto abordado é a
dança e a relação homem versus
macho versus dança. Essa relação
corporal com a dança, em certas
culturas, sempre foi um tabu para a
masculinidade do homem, pois
“homem que é homem não dança”,
rege o ditado popular. Essa frase pode ser ouvida até hoje. Como no filme “Ou
tudo ou nada”, título original: The Full Montyo, em que o protagonista diz
exatamente isso quando está se referindo a um grupo de stripers que dança só
para mulheres, até que ele e um grupo de amigos se vêem numa situação de
desemprego e começam a fazer stripers para sobreviver. Nos clubes onde
existem dançarinos, na maioria das vezes se ouve: “Deve ser viado”. Esse
estereótipo criado em torno da dança relacionada aos gays, quando se trata de
homens faz parte do estereótipo cultural.
65
No filme “Billy Elliot” (Jamie Bell) um garoto de 11 anos, que vive numa
pacata cidade mineira do interior da Inglaterra, vê-se obrigado pelo pai a treinar
boxe. Porém Billy descobre sua fascinação pelo balé, com o qual tem contato
através de aulas de dança clássica que são
realizadas na mesma academia onde
pratica boxe. Incentivado pela professora
de balé (Julie Walters), que vê em Billy um
talento nato para a dança, ele resolve
então pendurar as luvas de boxe e se
dedicar de corpo e alma à dança, mesmo
tendo que enfrentar as contrariedades de seu irmão e seu pai à sua nova
atividade, sofre preconceito e agressões por parte dos seus familiares e por parte
da sociedade que o vê como homossexual pelo fato de gostar de dançar.
Novamente nota-se aqui a presença do estereótipo cultural.
Ainda no filme “Será que ele é?”, há uma cena em que o personagem pega
um embrulho sob a cama, que poderia ser interpretado como sendo a
representação de sua homossexualidade que estava escondida e naquele
momento está sendo desempacotada, funcionando como uma caixa de Pandora,
que, quando aberta, libera todos os males do mundo. No seu caso, estaria
liberando a sua homossexualidade, pois que ele próprio, ao se perceber um gay,
diz: “Sou um monstro, um louco, sou a escoria, um lixo, a peste”.
Descrevendo e interpretando a cena do seu desvelamento como gay,
observa-se a cena tendo início com o professor entrando no quarto e pegando o
pacote sob a cama, o qual é mostrado em primeiríssimo plano durante alguns
segundos. Pode-se observar todo o processo dele desembrulhando o pacote com
uma certa ansiedade, e, nesse momento, ele é enquadrado em plano americano,
no arco que divide a sala de estar da sala de jantar, como se fosse uma
passagem, uma transição de um lugar ou situação para o outro ou outra. Ele
encontra-se sentado e cruza a perna, põe a mão no queixo, está vestindo uma
calça jeans, camiseta preta e uma camisa xadrez por dentro da calça, e nesse
momento começa a interagir com o locutor da fita-cassete, respondendo algumas
perguntas e, quando o interlocutor pergunta se ele é homem, ele, com uma
66
desmunhecada de mão, diz: “Sim”. Nesse momento, cabe resgatar a observação
de Julius Fast: (1974, p.176) “a linguagem corporal, algumas vezes contradiz a
linguagem verbal”. Novamente, o interlocutor pede que ele fique em pé, ele é
mostrado com um plano americano, em pé, com uma das mãos na cintura e o
interlocutor diz: “Desculpe, querida, você é um bule?” Ele continua sua busca pelo
seu lado macho, a fita pede para ele tirar um dos lados da camisa para fora e ele
reluta, reclama, mas tira, o locutor solicita que se arrume, e em primeiríssimo
plano mostra-o ajeitando o cabelo. O interlocutor furioso diz: “Aí não, seu maricas,
mais embaixo, as jóias da família.”, referindo-se às partes íntimas, já que homem
que é homem coça o saco.
Também no filme “Minha vida em cor de rosa”, Ludovic quando quer agir
como homem repete o mesmo gesto. Esses gestos seriam catalogados como
gestos informais, que são adquiridos através da observação ou repetição e que
inconscientemente está na memória do garoto. Então, o professor do “Será que
ele é?” não se dá muito bem na primeira fase do teste e dá início ao que eles
chamam da parte mais crítica, o de música e dança, e o locutor deixa bem claro
que ele não pode dançar de forma alguma. Com a câmera fixa, com uma tomada
frontal do professor num plano médio, ele é mostrado de olhos fechados, ouvindo
a música I will surviv”, de Gloria Gaynor
7
, cantora conhecida como uma Diva do
público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Ele tenta inutilmente controlar-se e
não dançar, porém seus ombros não param de mexer logo acompanhado por
suas mãos, pés e cintura. O interlocutor pede insistentemente que ele pare de se
mexer e resista, dizendo que era o demônio quem o estava chamando. Nesse
momento, ele já está quase todo dominado pela música. Em um primeiríssimo
plano é mostrada sua cintura mexendo e rebolando, aliás, outro gesto
catalogado como da ordem do informal e do estereótipo cultural, a câmera vai
se aproximando até pegar um close de seu rosto que já está suando e o
7 Gloria Gaynor (nome verdadeiro: Gloria Fowles, nascida a 7 de setembro de 1949) é uma cantora norte-
americana
mais conhecida por seus sucessos da Era Disco ' Never Can Say Goodbye (1973) e I Will Survive
(1979). Nascida em Nova Jérsei, Gloria Gaynor era cantora da banda
jazz/pop Soul Satisfiers nos anos 60.
Sua primeira gravação solo de sucesso foi She'll Be Sorry/Let Me Go Baby, em 1965. A letra de I Will Survive
foi escrita do ponto de vista de uma mulher, recém
-abandonada, dizendo ao ex-amante que pode cuidar de si
mesma e que não precisa mais dele. A música se tornou um "hino" da emancipação feminina, e também dos
gays norte-americanos. Gaynor também gravou outros sucessos em estilo disco', como Honey Bee (1973),
Casanova Brown (de 1975), e I Am What I Am (1983). Mais recentemente, lançou Last Night
, em 2000, Just
Keep Thinking About You, em 2001, e I Never Knew, em 2002.
www.wikipédia.com.br (17/11/2006:2h24am)
67
interlocutor dizendo para ele continuar resistindo, até que ele não tem mais
controle e dança desesperadamente, pendura-se e se esfrega na parede e isso
com várias tomadas de plano gerais, primeiros planos, focando nele se
requebrando, seus braços, seu pés, ele saltitando e com planos gerais mostrando
a sala e o frenético professor dançando muito, tudo isso ao som da música de
Gloria Gaynor e do interlocutor desesperado, gritando para ele parar, chamando-o
de ‘bailarina’, “maricona” e muitas outras coisas. Até que a música pára e o
interlocutor diz que ele é um verdadeiro rapaz alegre, nesse momento o
personagem fica pensativo e cai na realidade. Todo o jogo de gestos do
personagem, seja na sua maneira de sentar, os punhos fechados como forma de
retração, de ficar de pé, a forma como pega o livro ou quando responde ao locutor
da fita cassete, pode-se notar neles a presença de gestos estereotipados da
ordem formal e da ordem do informal.
O locutor do teste pode funcionar como uma voz over, que vai instruindo e
interrogando, o que pode ser interpretado como sendo sua própria consciência ou
até mesmo seu lado opressor, ou a sociedade conservadora de sua cidade, uma
voz interior que ele não ouve mais e que lembra toda hora do que ele não deve
fazer. A voz sempre foi outro fator de grande importância em uma cena, pois ela
pode representar várias coisas. Sobre a voz, Doane diz:
A voz demonstra o que é inacessível à imagem, o que excede
o visível: a “vida interior” do personagem. A voz é aqui a marca
privilegiada da interiorização, virando o corpo às avessas.
(DOANE. 1983. p. 446)
Nesse momento de descoberta, o personagem faz exatamente o oposto do
que o locutor solicita, dança, rebola e realmente se solta. Nessa seqüência do
filme, a presença do gestual, do exagero, é bem evidente e utiliza o estereótipo
humorístico, pois a cena é cômica, e enfatiza ou evidencia como os
68
homossexuais dançam e se comportam, ao ouvirem a música de Gloria Gaynor,
cuja fama é aquela referida acima.
Interessa assinalar que o gênero comédia no cinema trabalha com o
exagero, com o estereótipo do tipo cultural, por exemplo, para tornar o enredo
mais engraçado, e isso não pode ser classificado automaticamente como
abordagem ofensiva ou apelativa. No caso, as tomadas de câmera alternando-se
entre o personagem e o aparelho de videocassete, que interage com ele, torna a
cena hilária, o aparelho fazendo o papel do agente repressor e revelador.
Aqui cabe novamente uma reflexão a respeito do papel da mídia na
sociedade e o seu caráter disciplinador, que dita regras e normas, padrões para a
sociedade ou expõe, antes e com maior propriedade, as diversas possibilidades
do mundo em que vivemos, fazendo com que se tomem decisões na vida,
mostrando o outro lado dos fatos, confrontando realidades diversas, e até
desvelando sentidos e tendências íntimas ainda não auto-reveladas. Depois
desse teste, a vida simplista do professor sofre grandes mudanças e ele resolve
assumir sua homossexualidade definitivamente, revelando-a não só para sua
família, mas sua noiva e para toda a cidade.
Já no filme “Minha vida em cor de rosa”, o tema é
abordado com um tom mais sério, com cenas de
agressão física, moral e psicológica. O diretor Alain
Berliner suaviza com o personagem principal da trama,
que é um menino de apenas oito anos, Ludovic Fabre
(Georges Du Fresne), que pensava que era uma menina
e vive com sua família numa cidade do interior da
França. Com cenas infantilizadas, dando assim um tom
mais ameno ao filme, buscando materializar o mundo de
sonhos do menino, que tentava achar explicações e sentido para um tema muito
discutido na época de seu lançamento e é até hoje - a origem da
homossexualidade. Os cientistas, sociólogos, psicólogos e religiosos tentam
explicar por que pessoas tem o que eles chamam “distúrbio de conduta”, ou seja,
agem fora do padrão social. Mas, deve-se questionar, que padrões são esses?
Qual a origem desses padrões?
69
De uma forma leve e ingênua, o diretor consegue discutir temas muito
polêmicos, apresentados sempre a partir da visão do menino, sobre como uma
pessoa assume essa condição de homossexual. Os temas são apresentados com
uma forma de fácil compreensão, mas nem por isso com demérito, muito pelo
contrário, todos aparecem de forma lúcida e coerente para a idade da criança.
Com cenários criativos, ele consegue dar asas à imaginação do espectador, que
facilmente se identifica com o personagem. O diretor aproveita de forma
satisfatória vários recursos cinematográficos, apresentados por Martin na busca
do sentido, valendo-se da materialidade, com cenas ricas em cenários, figurinos,
a música se faz presente em momentos-chave da história. As pessoas que
tiveram a oportunidade de assistir ao filme, saíram da sala de projeção com uma
visão diferente do tema, o que já é uma enorme contribuição na busca de uma
possível discussão social dos diretos dos homossexuais, direitos não só legais,
mas também de integridade.
O fato de o diretor ter como personagem principal uma criança, o que
poderia representar uma minoria – os homossexuais , sendo a maioria, a
sociedade e a família. Com toda pureza e ingenuidade do garoto, fica claro que
os preconceitos estão nos adultos e nos padrões da sociedade. O menino não
sabe o que está se passando e acha sua atitude normal, até se deparar com uma
grande carga de preconceito por parte dos amigos, da escola e do seu bairro, dos
vizinhos adultos e até de sua própria família.
O menino Ludovic Fabre é o caçula de
uma família de classe média, vive com
seus pais e três irmãos, uma irmã e dois
irmãos, sempre agiu como se fosse uma
menina e pensava que ser menino era uma
fase transitória e que quando crescesse
passaria a ser menina. É uma criança
calma e pouco agitada, tem laços muito fortes com sua mãe e sua avó materna,
notando-se aqui alguns estereótipos sócio-culturais, segundo os quais os gays
são mais ligados à mãe ou à presença feminina, o que nem sempre condiz com a
realidade. Ele repete muitos gestos e costumes de sua mãe e avó, o que se
70
considera parte da categoria de aprendizagem informal, com a qual se repete ou
imita gestos e comportamentos observados. Vive sonhando, assim como a
maioria das meninas de sua idade, em encontrar o seu príncipe encantado e com
o mundo da boneca “Pam”, uma Barbie estilizada; é muito inteligente e está
sempre atento ao que acontece com sua irmã mais velha, seu cabelo é comprido
e ele não deixa sua mãe cortá-lo. Porém, sua família começa a perceber essas
tendências do garoto, e a sentir a pressão por parte da sociedade, o que os leva a
ponto de agredi-lo física e verbalmente. O garoto, sem compreender nada,
continua vivendo em seu mundo róseo. Até que essa pressão passa a vir de sua
própria família, que, para conviver segundo as regras vigentes na sociedade,
tenta enquadrar o garoto nos padrões sociais, com isso ele sente o duro peso do
preconceito e da repressão. Em um momento de fúria e tentando fugir de toda
essa opressão, o personagem resolve sair de casa e vai morar com sua avó,
tentando encontrar nela um porto seguro. Ela, que também sofre com esses
estereótipos sociais, no caso, relativo aos idosos, segundo os quais esses devem
ser sedentários e não ativos e que devem vestir-se sempre com roupas
tradicionais e não com roupas da moda, faz o garoto entender melhor o mundo
em que vive, apresentando outras formas de preconceito contra os idosos,
negros, judeus etc. É um filme que explora vários universos oníricos, ora através
da montagem, da materialidade ou do gestual dos personagens, alguns de ordem
formal e outros de ordem informal.
O espectador pode ser facilmente transportado ao mundo do garoto ali
apresentado na tela, o cinema tem esse poder, fazendo-o vivenciar suas
angústias, alegrias, amores e todos os outros sentimentos pertinentes ao
personagem e esse personagem pode estar representando toda uma classe ou
um povo, podendo assim possibilitar a generalização de alguns temas.
(...) tal homem na tela pode facilmente representar a
humanidade inteira. Mas, sobretudo porque a generalização se
opera na consciência do espectador, a quem as idéias são
71
sugeridas com uma força singular e uma inequívoca precisão
pelo choque das imagens entre si. (MARTIN, 2003, p. 23)
Quando Ludovic sonha com um mundo melhor, ou com seu mundo róseo,
em que ele poderá viver livre de preconceitos ou de estereótipos sociais ou
exclusivos, leva o espectador a sonhar também com essas possibilidades, pois o
cinema é uma fábrica de sonhos e nos transporta para vários mundos e para uma
imensidão de possibilidades, podendo colocar o espectador tanto na pele do
garoto como na dos seus opressores, fazendo-o pensar e refletir sobre suas
atitudes em relação a vários assuntos.
Na seqüência inicial do filme “Será que ele é?”, pode-se notar vários
processos de montagem, em que são mostradas situações do cotidiano do
personagem, e uma pessoa de hábitos diferentes das demais, em sua forma de
agir, pensar e se vestir.
Se, para Eisenstein, algumas das funções da montagem era gerar o
conflito e não contar histórias, era levar o espectador a pensar através desse jogo
de imagens, essas seqüências levam a crer que ele é realmente diferente dos
estereótipos culturais dos homens daquela sociedade. Ironicamente, a música
que toca em seu despertador é Macho Man, do Grupo americano Village People,
outro grupo ícone no mundo gay, formado por cinco homens, que, para sua
época, eram considerados bem diferentes dos padrões e eram rotulados como
gays, apesar de nunca terem assumido. Se alguém, com as características do
personagem, assistir ao filme, poderá sair com um conflito em sua cabeça, ou até
identificar-se com o personagem. A montagem, com suas infinitas justaposições,
ajuda a pensar e criar situações, idéias e até mundos fictícios em nossa cabeça.
Outro ponto importante é a análise da gestualidade apresentada pelo
personagem, aspecto sempre importante no cinema. Para Mary Ann Doane
8
, “o
cinema mudo era compreendido como incompleto e deficiente de fala. Mas com
seus gestos estilizados e sua pesada pantomima, era uma forma de suprir essa
8 DOANE, Mary Ann. A voz no cinema: a articulação de corpo e espaço. In: XAVIER, Ismail (org.). A
experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983. p.
457-458
72
carência, o que levava os atores a serem mais expressivos, elevando seus gestos
e o jogo facial, levando-os ao exagero, isso se espalhava sobre o corpo do ator.”
Doane defende que com essa técnica criava-se uma forma de linguagem não-
verbal que podia ser separada por meios de intertítulos: a fala e a imagem do ator
ou atriz. Isso geraria algumas metáforas tendo como ponto de partida o corpo. A
linguagem não-verbal é muito presente não só nos filmes, pode-se notá-las nas
novelas, revistas, publicidade e até nas ruas, há linhas teóricas da psicologia que
afirmam que “o corpo fala”. A linguagem gestual pode dizer muitas coisas e é uma
forma de comunicação principalmente usada por pessoas com problemas de
audição, segundo os psicólogos, se a pessoa gesticula muito é porque é falante e
extrovertida e, se ela não gesticula, significa que ela é retraída.
Em uma das cenas do mesmo filme pode-se observar algumas dessas
técnicas na festa de despedida de solteiro do pacato professor, após um
conturbado dia de perseguição e explicações, ele resolve se encontrar com seus
amigos, tendo como objetivo comemorar sua última noite de solteiro. A cena tem
início com Brackett entrando no bar, a tomada da câmera é em plongée com o
professor subindo uma escada e seus amigos, no alto, ansiosos à sua espera
com uma boneca inflável. Quando ele entra na sala, a câmera pega em primeiro
plano o professor olhando para os amigos, sem saber o que fazer. Como que
num impulso, faz uma pose de “macho” – os punhos fechados, as pernas abertas
e firmes e a outra mão nas partes baixas - e diz “Cheguei”, a câmera faz uma
tomada dos amigos em um plano geral, mostrando todos imóveis, também com
poses de durões, esperando uma ação do professor, quando ele se pronuncia,
todos riem, abraçam-no e entregam-lhe o presente. Uma tomada em contre-
ponglée mostra o professor ao centro e os
amigos ao redor fumando charutos, uma
verdadeira reunião de homens. O professor diz
que eles podem pegar os vídeos pornográficos
para que a festa comece e, para sua surpresa,
ele ganha “Funny Girl”, com Bárbara Straisand.
Ele aprecia muito, mas não quer dar margens a comentários devido aos recentes
rumores envolvendo sua sexualidade, então, mostra-se indignado e se diz
ofendido, afirma que é por isso que todos acham que ele é gay, por gostar desse
73
tipo de música. A câmera em primeiro plano enquadra o professor, seus amigos
ao redor defendendo-o dos boatos, afirmando que não seria por isso, porque
todos adoram Bárbara Straisand. O professor diz que nunca imaginaria isso deles
e que pensava que eles eram machões. A cena
é engraçada e explora bem o estereótipo,
relacionando a música como forma de
reconhecimento dos homossexuais, mostrando
também a postura contrária do professor à do
machão, postura que ele tenta adotar, porém
saindo-se de forma desastrosa e forçada. É o corpo negando a fala, ou seja, a
linguagem não-verbal dizendo o contrário do que a verbal está dizendo.
Outro aspecto interessante a ser citado, não pelo gesto, mas por algumas
tomadas feitas do personagem em momentos-chave, por exemplo, quando os
alunos o questionam. A cena tem início com o professor entrando na sala de aula
fugindo dos repórteres que estão em toda parte, o plano é geral, mostrando a sala
em formato de palanque, os alunos de costas e o professor abaixo. Fazendo-se
um paralelo entre a cena anteriormente citada e essa, o professor é sempre
mostrado em uma posição abaixo dos demais, como forma de indicar uma certa
inferioridade ou como se estivesse oprimido pela sociedade, sempre tendo que
dar satisfações.
O cinema sempre tenta passar ao espectador a sensação de realidade ou
o mais próximo disso. Segundo Martin (2003), o homem tende a confundir a
sensação de realidade com a própria realidade, isso é possível através da
imagem fílmica, o que em certos casos chega a levar o expectador a crer que o
que está vendo faz parte da realidade. O autor afirma ainda a idéia de que essa
recepção pode variar de acordo com o grau de conhecimento do expectador.
No filme “Minha vida em cor de rosa”, Ludovic representa algo que, para os
padrões da sociedade, não é normal e não representa a realidade dos demais
meninos de sua idade, pois sua homossexualidade é latente, o que incomoda os
que o rodeiam. Logo no início do filme, ele aparece vestido de menina com os
sapatos de sua mãe, roupas de sua irmã mais velha e maquiado, em uma festa
de boas vindas dada por sua família aos vizinhos. O espanto é total e o
74
constrangimento de sua família também. Eles logo tentam explicar a situação aos
convidados alegando que não passava de uma brincadeira do filho, que tinha o
hábito de pregar peças nas pessoas e que adorava se fantasiar. A cena se passa
no jardim da família, e é rica em imagens do cotidiano de uma família-padrão, um
tipo de estereótipo cultural da sociedade, o da família perfeita, com churrasco,
crianças brincando e pais conversando. O diretor mostra a visão do menino
através da câmera objetiva, segundo a qual tudo aquilo que fez é natural, ele não
pode compreender o porquê de ser tratado com agressividade, ser motivo de
chacotas, brincadeiras e fuxicos.
Quando se analisa a materialidade dessa cena, verifica-se algumas
estratégias como, por exemplo, o fato de ser construída com uma câmera
objetiva, dando a sensação de que não só participamos da cena como a de que
somos o próprio menino, dando aos expectadores a possibilidade de sentir, agir e
pensar como ele. A cena consegue fazer com que os expectadores absorvam
tudo o que o personagem recebe dos outros personagens, sentimentos tais como
o espanto, a indiferença, o preconceito, o carinho, o apoio e o desprezo. Essa
possibilidade dada pela técnica da objetiva leva a outro processo, que é a
racionalidade – ao questionamento do por quê. O que há de estranho ou anormal
nesse menino, a ponto de provocar essas sensações nas pessoas? Como a
materialidade é a forma com que a cena é construída, dá-se uma ligação ou
conexão entre o expectador e o personagem, gerando certo conflito racional e
emocional, capaz de despertar no expectador a sensibilidade, pois, ao fazê-lo
entrar na pele do personagem e receber toda essa carga de preconceito e
principalmente dúvida, faz com que o espectador, de alguma forma, repense os
padrões impostos pela sociedade ou até reveja esses estereótipos culturais ou
excludentes. A materialidade é um dos recursos de que o cinema faz uso e que o
faz ser tão fascinante, em alguns casos ultrapassa seu poder de mediação ou de
suporte técnico na compreensão do espectador, chegando a ser responsável pela
flutuação das aplicações das regras, tornando-se algo afirmativo nas lutas das
minorias.
A relação imagem versus espectador é muito forte não só no cinema, mas
em quase todos os meios que trabalham com a imagem, que buscam representar
75
ou chegar mais próximo desse duplo, o outro “eu”. Os meios de comunicação
muitas vezes exercem essa relação de espelho em alguns espectadores, em que
a curiosidade e a necessidade de olhar misturam-se com uma fascinação pela
semelhança e pelo reconhecimento, a face humana, o corpo humano, a relação
entre a forma humana e os espaços por ela ocupados, a presença visível da
pessoa no mundo.
Com o cinema, a relação de olhar torna-se muito mais segura, pois o
escuro da sala de projeção funciona como um campo protetor, dando um certo
anonimato, em que se pode ver e viver o que o personagem vê e vive sem ser
percebido, incomodado ou reprimido. O poder da imagem e sua reprodução
objetiva do real é uma representação unívoca, que apresenta somente aspectos
únicos no espaço e no tempo. Sobre isso, M. Sodré diz:
“Cabe perguntar então como o cinema consegue exprimir
idéias gerais e abstratas. Primeiro, porque toda imagem é mais ou
menos simbólica: tal homem na tela pode facilmente representar a
humanidade inteira. Mas, sobretudo porque a generalização se
opera na consciência do espectador, a quem as idéias são
sugeridas com uma força singular e uma inequívoca precisão pelo
choque das imagens entre si”. (SODRÉ. 1994. p. 54)
Qualquer família poderia passar pelo mesmo drama apresentado no filme,
assim como as pessoas poderiam também se ver na pele daqueles que
massacram e discriminam o garoto, por não entender que ele é de alguma forma
diferente, em suas atitudes e preferências, dos demais meninos de sua idade.
Porém, nem todos os homossexuais são como ele com traços tão evidentes de
homossexualidade, nem todos sonham em se tornar uma menina, isso pode ser
parte do estereótipo cultural. No próprio filme, existe uma seqüência em que sua
avó diz que - para a psicologia, a sexualidade de uma criança só é definida após
o sétimo ano de vida e que até essa idade todos agem de forma igual e sem
maldade ou malícia. O que torna o filme mais interessante é o fato de se tratar do
76
comportamento de uma criança, com toda uma carga de ingenuidade e pureza
embutida, tornando-o mais suave, quando alguns temas são abordados, ou de
caráter mais problemático, tais como a origem da homossexualidade.
Essa questão vem sendo discutida há várias décadas por cientistas de
renome mundial, que nunca chegaram a uma conclusão definitiva, até hoje não
se sabe se é uma questão genética, social ou é uma obra divina. Existem teses e
estudos que dizem ser genético, e outras várias dizem que é uma questão social.
Mas, a partir da década de 1990, a ciência vem estudando, com redobrada
energia, a origem da homossexualidade. Alguns novos estudos biogenéticos
vieram reacender a velha teoria da homossexualidade congênita, que agora seria
herdada por uma diferença cromossômica. Alguns cientistas bioquímicos e
neurobiólogos americanos teriam constatado, num grupo de homens
homossexuais, a existência de uma versão diferenciada do cromossomo X
masculino, que possuiria uma região especial, batizada de Xq28, responsável
pela tendência homossexual. Ser homossexual seria, portanto, uma marca
genética imutável, tal como ser canhoto ou ter olhos e cabelos de determinada
cor. Além de não ter sido confirmada, por experiências posteriores, a existência
do gene gay (Xq28), levantou-se algumas dúvidas questionáveis: aceitando-se tal
pressuposto, a prática bissexual seria impossível, pois a pessoa estaria
geneticamente determinada a ser apenas homossexual ou heterossexual. E como
explicar que, no decorrer de séculos, milhares de homossexuais não assumidos
tenham conseguido ludibriar sua vocação genética, para viver socialmente como
heterossexuais, chegando a ponto de nem serem percebidos?
No filme, pode-se notar também essa preocupação do diretor na busca de
uma explicação para essa diferença na predileção sexual, existente no garoto
Ludovic. Numa cena cheia de imagens lúdicas, - pois busca apresentar na
percepção e olhar de uma criança de oito anos e busca um valor afetivo por parte
dos espectadores, o curioso menino, na sua tentativa de explicar porque é
diferente dos outros meninos, conversa com sua irmã, quando ela explica que o
professor de biologia explicara que os meninos possuem cromossomos X e Y e
as mulheres os cromossomos X e X e que, geneticamente, ele não poderia ser
uma menina. Ele não se contenta com essa explicação de sua irmã e, ainda
77
acreditando em uma fase transitória, tem num sonho a explicação que tanto
procurava e que acalentava suas angústias.
Todos os recursos de materialidade, usados pelo diretor para dar forma
com o olhar e as limitações de uma criança, transportam o espectador a ser, por
um curto período de tempo, o da duração da cena, criança e olhar de uma forma
pura e sem preconceitos - ou estereótipos enraizados da sociedade
conservadora, - e ver como ele vê, não só a criação de seu sexo, mas
representando uma explicação para a criação de um novo sexo. Materialmente
construída no universo onírico e infantil, com uma música incidental e
infantilizada, com cenários bem coloridos, suaves e com um personagem – Deus,
o criador de toda a vida, caricato, fruto da mentalidade do garoto ou de qualquer
criança de sua idade. Uma cidade, que parece uma maquete, mostra o todo-
poderoso sobre uma panorâmica da cidade e da casa de Ludovic - o que poderia
representar uma certa superioridade ou algo incontestável (divina) -, no momento
do nascimento de Ludovic, arremessando os genes que definiria sua sexualidade
que eram dois X e um Y, mas, por um acidente ou erro da mira do criador, um dos
X bate na ponta da chaminé da casa caindo fora e entram, então, um X e o Y.
Nesse instante, Ludovic acha sua resposta e, ao acordar, conta para sua
mãe e irmã que foi um erro de pontaria do criador, pois ele era para ser XXY e
não XY e diz ser um menino menina. Sua teoria se reforça num Deus com
bochechas rosadas, estilo barroco, com um olhar engraçado e místico e uma
música típica de carrossel, que nos toca de uma forma sensível, transportando-
nos para um mundo de sonhos, onde tudo podemos. Uma imagem artística da
realidade, em que o diretor transmite uma mensagem de forma sutil e simples, de
uma forma que qualquer criança entenderia, como se o espectador fosse o
grande criador, dando um sentido de que isso fosse uma criação de alguém que
está além do homem. O que Deus cria, o homem não pode destruir, sendo, então,
uma decisão incontestável.
Isso pode levar ao questionamento a respeito da postura de alguns
religiosos de plantão, que tanto condenam e criticam em seus discursos, muitas
vezes implacáveis, dizendo que o homossexual é uma criação do demônio e que
nele estão todos os males do mundo. Entretanto, a AIDS, que no início era
78
conhecida como a “Doença Gay” ou “Peste Gay”, hoje se revelou algo desligado
da questão do homossexualismo, já que há outros grupos de risco tão
ameaçados quanto os gays. O filme mostra algo diferente, que os homossexuais,
assim como os heterossexuais, são todos criação de Deus
9
. A parte racional da
cena está exatamente no poder de crítica a um regime tão implacável com a
diferença, criando um certo conflito entre um olho viciado e um olho sem o vício,
livre dos preconceitos da lógica da composição social. O cinema tem esse
recurso de mostrar um mundo que não existe, um mundo das ideologias e dos
sonhos. Para Aumont (1995, p.148), essa percepção de um novo mundo se dá
exatamente pelo poder de impressão de realidade que o cinema possui e pode
ser sentida pelo espectador, e isso se deve em grande parte à riqueza perceptiva
dos materiais fílmicos, da imagem e do som.
Sobre a linguagem cinematográfica e sua impressão da realidade, outro
teórico que a reverencia é Martin, que em seu texto afirma:
“Além disso, devido à possibilidade que o cineasta tem de
construir o conteúdo da imagem ou de apresentá-la sob um
ângulo anormal, é possível fazer surgir um sentido preciso do que
a primeira vista não passa de uma simples reprodução da
realidade”. (2003. p. 67)
Martin em seu texto destaca ainda que a imagem tem a obrigação de
mostrar um acontecimento ou fato e não o de demonstrá-lo, tem o poder de
mostrar coisas contraditórias e ambíguas, mas a interpretação fica a critério de
9
Santo Agostinho, com imensa obra de referência para a Igreja Ocidental, em suas pregações desenvolvia o
que está implícito, e algumas vezes explícito, no Antigo Testamento: a homossexualidade é uma abominação
passível de pena de morte, uma vez que a homossexualidade sempre foi julgada como um comportamento
de sodomia. “Pecados contra a natureza, por conseguinte, assim como o pecado de Sodoma, são
abomináveis e merecem punição sempre que forem cometidos, em qualquer lugar que sejam cometidos. Se
todas as nações o cometessem, todas igualmente seriam culpadas da mesma acusação na lei de Deus, pois
nosso Criador não prescreveu que pudéssemos utilizar uns aos outros dessa maneira. Na verdade, a relação
que devemos ter com Deus é ela mesma violada quando nossa natureza, da qual ele é o autor, é profanada
pela lascívia perversa.”
79
cada espectador, podendo ela ser em número tão grande quantos forem os
espectadores.
O filme tradicional é proposto como história e não como discurso. Contudo,
ele é um discurso se se referir às intenções do cineasta, às influências que exerce
sobre o público etc.; mas o objetivo específico desse discurso é justamente
cancelar as marcas da enunciação e mascarar-se como história. Ilusão e
movimento, o movimento das imagens é a matéria-prima formal do cinema. Ou,
como afirma Jean Epstein, “o movimento constitui justamente a primeira
qualidade estática das imagens na tela”.
De maneira ainda mais precisa, o cinema é a arte de conceber e de
relacionar imagens expressivas, com sentidos emocional e cognitivo, em ritmo
adequado; caso contrário incorre-se em um grande pecado da criação
cinematográfica. A imagem cinematográfica, por sua mobilidade permanente, cria
não um, mas dois espaços, diferentemente das imagens pictórica ou fotográfica.
Para certos teóricos, esse fenômeno aumenta a identificação do espectador com
a aparência de realidade, isto é, com as formas correntes de percepção. Há,
primeiramente, o espaço virtual formado pelas imagens enquadradas e, ao
mesmo tempo, um segundo espaço apenas intuído e não visível, fora do
enquadramento.
No cinema a imagem, em geral, é explorada em toda a sua densidade
como forma de linguagem e muitas vezes pode ter significado mesmo sem vir
ancorada no verbal. É usada como imagem que é, como forma de linguagem e
não como cenário. Portanto, há aí uma textualidade diferente da que se vê nos
outros meios de comunicação. Diferente da imagem na TV, a qual pode boa parte
do tempo ser apenas ouvida, a imagem no cinema compõe cada nó no tecido
visual, não podendo ser descartada, como na TV. Há algum tempo, porém, vem-
se procurando entender como uma imagem não produz o visível; torna-se visível
através do trabalho de interpretação e do efeito de sentido que se institui entre a
imagem e o olhar. Um olhar que trabalha diferente quando da leitura da imagem.
Enquanto a leitura da palavra pede uma direcionalidade a imagem é
multidirecionada, dependendo do olhar de cada leitor. A materialidade de uma
80
imagem tem um valor ainda maior quando ajuda a construir um sentido que
somente o textual não teria esse mérito.
O principal articulador da teoria das materialidades da comunicação é o
alemão Hans Ulrich Gumbrecht, radicado nos EUA desde 1989. Em Stanford, ao
lado de um grupo de pensadores europeus e norte-americanos - Jeffrey Schnapp,
Niklas Luhman, Friedrich Kittler e David Wellbery, entre outros -, Gumbrecht
delineou o esboço de um programa de pesquisas que já havia adquirido forma
inicial em uma coletânea de artigos publicada na Alemanha em 1988, Materialität
der Kommunikation. A trajetória intelectual de Gumbrecht pode ser tomada
paradigmaticamente como núcleo para uma genealogia da teoria das
materialidades da comunicação, ainda que diversos outros pensadores tenham
colaborado, de forma isolada ou coletivamente, para a constituição desse campo
de estudos. O corpo vai, portanto, tornar-se um importante elemento de
materialidade na reflexão sobre os atos comunicacionais. É nesse sentido que
Karl Ludwig Pfeiffer define um dos mais importantes princípios da nova teoria: a
comunicação é encarada menos como uma troca de significados, de idéias sobre
algo, e mais como uma performance posta em movimento por meio de vários
significantes materializados. Trata-se, assim, de uma empresa epistemológica
essencialmente preocupada com as potencialidades e pressões da estilização
que reside em técnicas, tecnologias, materiais, procedimentos e meios.
Aqui é impossível não perceber a marca do pensamento de McLuhan, bem
como de toda uma antropologia voltada ao estudo da interação entre os sujeitos
humanos e as tecnologias que desenvolvem. Mas para McLuhan, a brilhante
intuição sobre os meios de comunicação como extensões do homem, próteses
destinadas a expandir as capacidades de seus vários membros, não chega a ser
elevada ao status de um paradigma de pesquisa normalizado - pretensão
alimentada precisamente pelos estudiosos das materialidades da comunicação.
Quando se procura um sentido para uma determinada cena ou uma
seqüência de cenas, é impossível não remeter à técnica da montagem, pois que é
uma técnica usada desde que o cinema é cinema e não se pode não falar de
Eisenstein. Para Eisenstein, a montagem não pensa, demonstra. Com a junção
de planos ou figuras pode-se dar sentido ou criar conflitos. Se a imagem para o
81
cinema é a representação da realidade, as sensações transmitidas aos
espectadores devem ser o mais próximo da realidade, tal como o medo, a
tristeza, o riso. Não é necessário mostrar uma pessoa em extremo estado de
fome, mas se mostrar um mendigo em primeiro plano e depois uma pessoa num
restaurante comendo e depois voltar ao mendigo salivando ou passando a mão
na barriga, logo haverá sentido nessa montagem. Esse é o poder da montagem.
Todavia, nem sempre ela é assim tão fácil de ser interpretada, às vezes é
necessário juntar um quebra-cabeça até chegar ao sentido real, fazer uma junção
de pequenos fragmentos ou do filme como um todo. O movimento da câmera é
muito importante nessa construção do sentido, criando por algumas vezes uma
dialética interna além da linguagem verbal utilizada na cena, dando uma
referência, um detalhe ou até uma forma de metáfora ou linguagem simbólica.
Outra cena a ser analisada em relação à sua materialidade e seqüência de
planos e montagem, é quando, em “Minha vida em cor de rosa” a mãe de
Ludovic, após a demissão do marido, por preconceito de seu chefe em relação ao
filho e após picharem sua casa com os dizeres “Fora veado”, pega o menino pelo
braço, leva até a sala, coloca-o na cadeira, pode-se interpretar como em posição
de imposição e subordinação, e corta seu cabelo, deixando-o bem curto. O cabelo
pode representar a liberdade do menino, ali sendo podada ou dilacerada. O
cabelo do menino era longo e ele não o deixava cortar, apesar de sua mãe por
várias vezes ter tentado fazê-lo. O menino não sabe o que está acontecendo e
pede explicações à sua mãe, que diz: “Veado é menino que gosta de menino,
como você”. Esse é o primeiro golpe para o menino, que já se via recriminado
pela sociedade, mas agora essa discriminação se estende à sua família, através
da pessoa que ele mais admira, sua mãe.
Na cena existe uma música de fundo dando um clima de melancolia e
comoção, a música é outro recurso que ajuda no sentido da cena. Já dizia Martin,
em seu texto sobre a importância da música para o cinema:
82
“La música es un elemento singularmente específico del
arte cine y no es sorprendente que tenga un papel muy
importante y a veces incluso pernicioso: “En algunos casos el
significado literal de las imágenes es sumamente débil. La
sensacíon se transforma en musical; hasta el punto que, cuando
la imagen es aconpañada realmente por la música, obtiene de
ella lo mejor de su expresividad o más bien de su sugestión.
Entonces la imaginación vuela y desde el punto de vista del
lenguaje el signo se pierde”. (MARTIN, 2003. p. 64)
A música está presente em vários momentos do filme, sempre dando sua
contribuição para a cena, como, por exemplo, quando o menino está dormindo e
sonha com o mundo da boneca Pam, a música é sempre alegre, suave e infantil;
juntamente como o cenário, todo rosa e infantilizado, faz o espectador não só se
sentir como uma criança, mas faz com que ele veja o mundo do personagem.
Na continuação da cena do corte do cabelo, nota-se a importância das
tomadas de câmera, o menino é mostrado em primeiríssimo plano, calado,
chorando e olhando para o chão, como se ali ele compreendesse o que estava
acontecendo e a importância da atitude de sua mãe. Com os olhos e a cabeça
baixos e os ombros recolhidos, pernas juntas e os pés cruzados, segundo Weil e
Tompakow, em seu livro “O corpo fala”, essa seria uma posição de total
subordinação ou de alguém que está sendo dominado. Sua mãe é mostrada
também em primeiríssimo plano com um olhar de tristeza e ao mesmo tempo de
ódio, pois culpa Ludovic pela desgraça e vergonha sofrida pela família. Quando
mostra o ângulo do menino em relação a sua mãe, é sempre mostrado de baixo
para cima em contre-plongê, o que representaria sua inferioridade em relação a
sua mãe e quando mostra o da mãe em relação ao filho, sempre é mostrado de
cima para baixo em plongê, o que representaria a autoridade, o poder sobre ele,
podendo-se interpretar também como o poder da sociedade conservadora sobre
ele. Esse é outro truque da câmera. Martin destaca outra função da câmera na
busca pelo sentido, nem sempre mostrado de forma direta, mas esse jogo das
imagens, o que ele chama de campo e contra campo, mostrar as imagens de
forma alternada, o que deixaria ao espectador a função da interpretação, através
da união das cenas:
83
(...) “aquelas em que a analogia que justifica o passo não
se encontra
diretamente na imagem plástica, pois cabe ao
espectador realizar a união. A este tipo pertence as mais
elementares, ou seja, as trocas de planos, que estão baseados
freqüentemente no olhar”. (MARTIN, 2003, p. 51)
Na cena em questão, pode-se dar um maior esclarecimento para a
definição, pois ela mostra de forma alternada a mãe, o menino e o chão com o
cabelo cortado. Racionalmente representaria uma forma de mutilação ou
repressão por parte de sua família, representada na figura de sua mãe. Martin
destaca em seu texto a importância da câmera na busca pela construção do
sentido, podendo ela representar a soberania, a submissão, a inferioridade,
sentimento de felicidade, tristeza, enjôo, ódio, compaixão e muitos outros. Ela
forma um elo de ligação entre a imagem e o espectador formando, com ele, uma
relação dialética, em que depende mais da capacidade mental do espectador do
que propriamente da intenção do diretor. O diretor procura tocar o espectador
mostrando a figura do menino como alvo de toda essa fúria da sociedade. Uma
sociedade tão grande e estruturada contra uma parcela tão indefesa e pequena,
que, mesmo sem estrutura ou maturidade suficiente para absorver tudo aquilo,
luta e sobrevive e procura manter sua identidade.
É de grande importância na compreensão de um filme a presença do
personagem, pois ele é uma peça fundamental. Todo personagem necessita ser
trabalhado e estudado, pois ele pode estar representando uma sociedade ou uma
identidade. Em seu texto “Paraísos Comunais: identidade e significado na
sociedade em rede”, Manuel Castells afirma: (...) “o personagem pode apresentar
conflitos ideológicos, psicológicos e sociais. A guerra entre o bem e o mal, entre o
certo e o errado”. Muitos assuntos que antes eram proibidos ou de segunda
ordem para serem tratados de forma tão explícita, a partir dos anos 80, tornam-se
material comercial, temas como a feminilidade da mulher, a mulher não como
objeto de prazer e submissão masculina, o aborto, o divórcio, o movimento
lésbico e gay, muitos filmes foram produzidos tendo como temática um desses
assuntos e contando com personagens centrais que apresentavam uma dessas
84
situações. Numa época onde o conceito de família está em crise, os valores
religiosos em questionamento, a presença da mulher se faz cada dia mais
presente e forte, e a figura masculina, já não tão onipotente, já não é a única base
familiar.
O Filme de Berliner pode ser visto como uma dessas tentativas de mostrar
a atual realidade da sociedade mundial, em que se pode encontrar pessoas
diferentes que merecem ser tratadas como iguais, pois são seres humanos
somente com preferências sexuais diferentes, em relação ao que se chama de
“normal”. Ao escolher o personagem que daria vida à sua história, o diretor
poderia escolher um jovem, ou até um adulto, mas a história perderia toda sua
pureza e ingenuidade e não seria a mesma história. Além disso, o filme perderia
algo fundamental, o fato do menino ser puro, não estar ainda socialmente
condicionado, e isso comove o espectador a ponto de libertá-lo do preconceito de
rotular o personagem como pervertido, ou como coisa do Diabo, sem vergonha
etc. O espectador pode se colocar livre da necessidade de se utilizar dos
estereótipos sociais, culturais ou excludentes, porque se trata de uma criança que
desconhece os vícios de uma sociedade rotuladora, conservadora, cheia de
falsas crenças e hipocrisias, que, com um moralismo cego, cria leis em nome de
Deus. Essa sociedade é bem representada no filme pelos vizinhos, que são
impiedosos não só com a família, mas também com Ludovic.
O gestual apresentado pelo personagem é puro e ingênuo, o jovem garoto
que busca de várias formas achar uma explicação para seu jeito de ser e viver.
Com movimentos sempre leves e delicados o filme mostra a feminilidade natural e
não adquirida, ele se comporta conforme sua natureza e o único gestual que ele
repete é o da boneca Pam, sua fada madrinha. Quando ele se coloca à prova,
depois de uma seção de psicanálise que o faz descobrir que é um menino e não
uma menina, na busca de uma auto-afirmação, decide agir como um menino e
coloca uma roupa de menino e se olha no espelho, ele está vestindo uma
bermuda jeans, uma camiseta preta e uma camisa xadrez e faz o gesto de macho
de pegar nas suas partes baixas e apertar. No filme “Será que ele é?” a cena se
repete praticamente da mesma forma e com o mesmo contexto de auto-afirmação
85
ou dúvida, as vestes do professor são as semelhantes às do menino e o gesto
também se repete. Está representada aí uma forma de estereotipia cultural.
Na suas desventuras, o personagem é aconselhado por todos a reprimir
seus desejos, para, quando ficar mais velho e entender mais o mundo real que o
cerca, viver como quer. Porém, o menino se torna uma pessoa apática, sem vida,
longe do menino do início do filme, que era sonhador e alegre, com a repressão e
todo seu sentimento de culpa, ele se apaga. Quando sua família se muda de
bairro, ele conhece uma menina que é o oposto dele, sonha em ser menino,
porém sua família e os vizinhos são bem mais estruturados e a aceitam como ela
é. Na cena do seu aniversário, Cristinne está fantasiada de princesa e Ludovic de
Don Juan, os dois se olham e se encantam um com a fantasia do outro, até que a
menina propõe a Ludovic trocarem de fantasias – esse trocar de fantasia trata de
um significado que vai muito além das vestes, trata-se de vida, de atitude, a
busca de ser feliz. O cinema pode fazer isso com seus espectadores, fazer trocar
de fantasias, dando a chance de sentir, viver a fantasia de uma outra pessoa ou
despertando vontades bem profundas e adormecidas.
Ambos os filmes, “Será que ele é?“ e “Minha vida em cor de rosa”, são
ricos no que se referem a estereótipos (culturais e sociais, humorísticos,
excludentes) e gestos (formais e informais), ora quando mostram um trintão
solteirão, num simples passar de mãos na orelha para arrumar o cabelo, em um
cruzar de pernas ou até na forma de falar. Os estereótipos nem sempre condizem
com a realidade de uma pessoa ou de um determinado grupo, porém em alguns
casos seu uso como recurso faz com que não haja dúvidas sobre um
determinado fato ou acontecimento. Quando foram feitos os primeiros filmes em
que apareciam personagens negros, todos eram representados por atores
brancos com suas peles pintadas grotescamente de carvão. Os negros, então,
eram apresentados como ladrões, estupradores e não bastava induzir a idéia,
tainha que ser representada, eles eram mostrados com um gestual que imitava
macacos e suas vestimentas eram desfiguradas, como se fossem marginais ou
mendigos. Assim deram início alguns estereótipos sobre os negros que perduram
até hoje em muitas sociedades.
86
Ao analisar especificamente a questão gay e lésbica, pode-se ressaltar
essa forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os
homossexuais. Isso porque, diferente da questão racial, os gays são marcados
por um estigma, uma diferença que pode ou não ser ocultada. Essa dominação
impõe-se através de atos de classificação, que dão margem a diferenças
negativamente assinaladas e, com isso, a grupos sociais estigmatizados que
podem vir a negar sua existência pública. No entanto, a opressão como forma de
“invisibilização”, só aparece realmente declarada quando o movimento reivindica
a visibilidade.
João Silvério Trevisan (2000, p.376) afirma que “os anos 90 apresentaram
várias inovações fundamentais no liberacionismo homossexual brasileiro” e a
mais importante foi a implantação do conceito GLS, que engloba gays, lésbicas e
simpatizantes, introduzindo no país a idéia americana de gay friendly. Segundo
Trevisan, foi fundamental a inclusão dos “simpatizantes”, porque sua presença
torna o conceito mais adequado ao convívio pluralista de nossa sociedade. A sigla
GLS surgiu no Brasil, em 1994, “para determinar o público do festival de cinema
experimental Mix Brasil, então uma pequena ramificação do New York Lesbian
and Gay Experimental Film Festival” (Palomino, 1999, p.150). A equipe do Mix
Brasil acreditava que tinha um público misto, menos radical, e procurava um
nome do tipo gay friendly, quando foi criado o termo “simpatizante”. A inclusão do
“S” na sigla é entendida, então, como uma tentativa de aceitação do diferente no
interior do grupo. A expressão representa os heterossexuais que simpatizam com
o universo gay ou, como bem descreveu um participante de uma lista de
discussão GLS 1, representa aquele “que recebeu um rótulo por não ficar
incomodado com a homossexualidade alheia”, com a diferença alheia. Os
homossexuais sempre tiveram seus símbolos, ídolos e vocabulário como forma
de se fazer identificar e marcar sua diferença. Com o surgimento do conceito
GLS, no entanto, criou-se um contexto que favoreceu ainda mais a explosão (e a
comercialização) da chamada cultura gay, bem como de um mercado
diversificado voltado para esse público.
Uma outra inovação dos anos 90, lembra Trevisan (p. 375), é a grande
inserção de homossexuais no mercado, em todos os sentidos”. Nesse período
87
revelou-se a capacidade desse público para o consumo: surgiram grifes,
publicações, livrarias, bares, hotéis, enfim, uma gama de estabelecimentos
dispostos a apostar nesse filão. Essa “efervescência mercadológica” produziu
também um novo perfil de empresários homossexuais, profissionais bem
sucedidos que acabam se aproximando da luta pelos direitos de seus clientes. No
entanto, como ressalta Trevisan, “nada disso seria possível sem que certos
setores da sociedade se integrassem a recém-inaugurada postura de
simpatizantes” (p. 378).
Hoje o que se vê na mídia é um homossexual menos caricato, com vida
mais estabilizada e não apresentando algum tipo de patologia, a AIDS já não é
vista como uma doença exclusivamente dos gays, ou que todos os gays são
efeminados e almejam ser mulheres. Porém, ainda existe o lado da não
aceitação, que discrimina ou de alguma forma marca esse grupo de maneira
negativa, com humor, algumas vezes desnecessário, ou de forma excludente,
negando sua existência e seus direitos de sobrevivência. A linguagem não-verbal
tem grande influência nesse processo, tanto de aceitação quanto de repúdio aos
homossexuais, pois quando são mostrados os gays como pessoas não caricatas
ou muito estereotipadas, está-se fazendo um trabalho de desmistificação ou de
reforço dos estereótipos.
88
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em países em que a democracia denota imperfeições, a história passa e
não é percebida. O Brasil é um desses países, onde a tecnologia é considerada
de ponta, os avanços nas áreas de medicina ou petroquímica são invejados por
países de todo o mundo, mas quando o assunto está ligado à área social, o
tempo parece que corre mais lentamente, e muitas vezes o que faz esse tempo
retroceder é a burocracia ou a falta de informação por parte dessa elite
dominante.
No entanto, quando a miopia é estabilizada tenta-se, de forma
desordenada e atropelada, recuperar todo o tempo perdido. Muitas vezes essas
ações de retraso vem como uma forma de imposição ou obrigação e com o velho
texto: “precisamos nos modernizar”. Essa modernização cultural e social não é,
no entanto, assim tão rápida, precisa ser plantada, semeada, para, com o tempo,
produzir frutos. Em 13 de maio de 1888 era proclamada, pela então Princesa
Isabel, a Lei Áurea, em que concedia a tão sonhada liberdade aos escravos
negros brasileiros, e, passados quase 120 anos dessa proclamação, os negros
ainda lutam pelos seus direitos de serem iguais e não sofrerem mais com o
racismo. O mesmo acontece com as mulheres que lutam contra o machismo de
nossa sociedade, porém isso é realizado de forma ordenada e até contínua,
fazendo com que a população crie uma aceitação mais sólida e não tão frágil.
Nesse contexto, os homossexuais lutam pelos seus direitos há muitos
anos, porém essa luta não tem uma homogeneidade coletiva por ser fragmentada
por pequenos grupos com pouca expressão nacional, e muitos desses
movimentos são calados pela opressão imposta pela elite dominante. Nos últimos
anos, houve um avanço significativo em relação aos homossexuais e seus
direitos visando à saída dessa invisibilidade. No Brasil, como a cultura local
muitas vezes é importada de países de primeiro mundo, sua elite reproduz
servilmente e digere a última moda e assim sente-se moderna e atualizada em
relação ao mundo que a rodeia. Em seu livro “Devassos no paraíso”, Trevisan
(2004, p. 336) afirma:
89
“Chegou ao Brasil, pelo menos com uma década de atraso
e tem se imposto – até certo ponto – pelo consumo, isso se deve
em grande parte ao conservadorismo, insensibilidade e
comodismo da elite cultural, que consome as modas para
continuar vampirescamente reciclando-se no trono do saber,
construindo com esqueletos de tudo quando são novas idéias
abortadas. Essa é sua maneira de não mudar nada: com
barulho”.
Hoje na mídia brasileira observa-se uma proliferação de personagens
homossexuais em rádios, televisões, revistas, filmes nacionais e isso, de certa
forma, faz essa elite sentir-se moderna e orgulhosa de poder aceitar os
homossexuais ao seu redor e conviver socialmente, demonstrando todo o
respeito que lhes é de direito, mas com uma ressalva: “Desde que não seja
alguém da minha família”. É importante questionar com mais profundidade se
realmente isso é legítimo e está acontecendo de fato. Essa reflexão é
fundamental para que a sociedade e os GLSs não caiam na ilusão gerada por
mais uma das criações fantasiosas modernas. A ilusão do não preconceito está
longe de ser a ausência de preconceito.
A vivência de sofrer preconceito, como já dito anteriormente, não é uma
exclusividade dos homossexuais, pois os negros, por exemplo, também sofrem
igualmente, embora as causas e a forma sejam diferentes. Os negros são mais
unidos e visíveis, não vivem na clandestinidade, como alguns gays, que, para se
preservarem, preferem se omitir e viver nos guetos. Há pouco tempo o
homossexualismo era considerado doença mental pela Organização Mundial de
Saúde. Graças às lutas dos movimentos gays em todo o mundo, cada vez mais o
homossexual é aceito e compreendido pela sociedade. Do ponto de vista
puramente filosófico e psicológico nada há de errado com o homossexual: ele
apenas teve uma orientação diferente e trata de dar vazão àquilo que acredita e
dá prazer. Juridicamente já é aceita a união matrimonial de gays em alguns
países do mundo e aqui mesmo, no Brasil, já se preservam direitos adquiridos por
uma vida inteira de parceria conjugal. A Igreja Católica e a maioria das igrejas,
globalmente, rejeitam o homossexualismo. A Igreja Católica acredita que Deus
criou o homem e a mulher e eles formarão um casal, indissolúvel, que darão
90
continuidade, através da procriação, à espécie humana. Repelem, portanto,
qualquer forma de relação que não seja heterossexual. Por outro lado, a
homossexualidade mistura-se, com muita freqüência, com outras opções de vida
como o “transsexualismo”, a pan sexualidade, o “travestismo”, chegando mesmo
a acontecer cirurgias para mudança de sexos. "Mas, onde foi que eu errei?" Essa
é a pergunta que sempre aparece no final de um quadro humorístico, em que o
pai se sente culpado por ter um filho homossexual. Com toda a tolerância atual da
sociedade, sobretudo da mídia, aos homossexuais, muitas famílias ainda se
escandalizam e pais demonstram ansiedade diante da possibilidade de seu filho
"homem" poder um dia revelar essa tendência psicossexual.
Há controvérsias a respeito da origem do homossexualismo
determinação genética, resultado da educação ou do ambiente em que a pessoa
é criada. O neurobiólogo Roges Goski (Universidade da Califórnia, EUA) fez
experiências em laboratórios com ratos e seres humanos, ambos fêmeas, que
receberam testosterona - o hormônio masculino - ainda em fase intra-uterina e
observou que, desde a primeira fase da vida, elas tinham comportamentos
masculinos, como gostos, brincadeiras mais agressivas, além de sentirem-se
mais atraídas por fêmeas. Já o geneticista Dean Hamer - Instituto Nacional de
Saúde dos EUA - sustenta a tese de que o homossexualismo tem determinação
genética. O geneticista diz ter descoberto genes numa determinada região, que
ele chamou de GAY-1, associados ao homossexualismo. Muitas são as teses
sobre a origem da homossexualidade, que vão desde um simples desvio de
conduta, deformações genéticas, até algo criado pelo demônio.
Uma questão pertinente refere-se às conseqüências dessa grande
exposição do tema homossexualidade na mídia, ora com debates ora através de
personagens em peças de ficção. Isso contribui de forma positiva, ou não, no
processo de aceitação e conquistas de direitos por parte dos homossexuais?
A maior parte dos gays não está satisfeita com a forma com que foram, por
décadas, apresentados pela mídia, sempre acompanhados de um estereótipo,
seja cultural, humorístico ou excludente, em que os gays eram sempre pessoas
que possuem patologias, algum tipo de desvio de conduta, afeminados, caricatos
para fazer o público rir ou pederastas, o que nem sempre estaria representando a
91
realidade desse grupo. A mídia costuma se utilizar desses estereótipos para
marcar ou ressaltar seus personagens, alguns com gestuais ora mais ora menos
exagerados, vestimentas coloridas ou extravagantes ou mais discretas. Um fato é
certo: o gay tem sua presença garantida nas novelas, em programas de
auditórios, revistas, rádios. Quem diria que um gay assumido conseguisse ganhar
um dos programas de maior audiência da atualidade? (Jean no Big Brother Brasil,
da TV Globo)
Na década de 90, assistiu-se ao surgimento de movimentos gays buscando
direitos e igualdade, abrindo espaço para o sucesso do evento anual “Parada do
Orgulho Gay”, que já se encontra em sua décima primeira edição e reuniu em sua
última edição aproximadamente dois milhões de pessoas na capital paulistana.
Esse público recorde coloca o evento paulista como o maior do mundo em
número de participantes. São muitos os gays que trabalham ou contribuem nos
meios de comunicação, como por exemplo: Clodovil, Leão Lobo, Léo Áquila,
Ronaldo Esper, Marina Lima, Vange Leonel, para citar os mais evidenciados.
Pode-se citar alguns ícones já falecidos, como, por exemplo, Cássia Eller,
Cazuza, Renato Russo, etc. Já foi citado aqui personagens presentes nas últimas
produções globais, entre as mais recentes: “América”, “Senhora do Destino”,
“Páginas da Vida” (2006) e na atual “Paraíso Tropical” (2007). Nessas produções,
pode-se notar um avanço na apresentação dos homossexuais ou da temática
gay, com uma visão mais lúcida e que se aproxima mais da realidade vivida por
eles, não tão carregados de estereótipos ou gestuais, no entanto, ainda
conservando certa marcação ou certo estereótipo.
O gestual faz parte do que se chama de linguagem não-verbal e, assim
como o estereótipo, pode estar atrelado a fatores, sociais, culturais, educacionais
e outros. Pode ser avaliado de acordo com a sua intensidade, amplitude ou
freqüência, chegando a ponto de possibilitar a interpretação de uma pessoa se
é tímida, extrovertida e, quando melhor avaliado, pode indicar o perfil
psicológico de uma pessoa. O gesto é aprendido de maneira formal, informal e
técnico. No processo de educação de uma criança inicialmente ela aprende a
linguagem dos gestos e muitos servem para doutriná-las sobre o certo e errado,
não basta dizer não, sempre a palavra tem que vir associada ao gesto do dedo
92
balançando de forma negativa como uma forma de reforço, ou seja, o não-verbal
reforçando o verbal. A repetição também é outra parte do processo de educação
da criança, ela vê as pessoas ao seu redor fazendo um gesto e ela acaba
repetindo, muitas vezes sem saber o seu significado. Com o tempo ela aprende a
falar e mesmo assim a linguagem não-verbal fica gravada em sua mente e ela
utiliza de forma consciente e até inconsciente.
O gesto pode variar conforme a cultura, o tempo
ou o contexto, por exemplo, no Brasil, a visão de dois
homens beijando-se no rosto em forma de cumprimento
daria margem para a interpretação de que seriam gays,
porém essa mesma cena na Rússia, o observador sendo
russo, seria interpretada como sendo dois amigos cumprimentando-se.
O gesto tem como ponto forte a imagem e é através dela que se passam
as mensagens, na mídia visual e audiovisual a imagem também exerce grande
importância: “Uma imagem vale mais que mil palavras”. No cinema não seria
diferente e foi do cinema, com toda riqueza de imagens e técnicas, que veio o
suporte técnico para embasar este projeto de pesquisa. Nos filmes aqui
analisados percebe-se a presença de várias formas de estereótipos e de gestos,
ora quando mostram o professor ou quando mostram o menino, algumas vezes
com uma marcação mais acentuada ou às vezes menos acentuada, diria até que
de forma imperceptível aos olhos desatentos de alguns espectadores.
Essas marcações são utilizadas nos mais diversos canais de comunicação,
como cinema, televisão, outdoors, internet, teatro, músicas, revistas, jornais e
outros. Essas tecnologias midiáticas transmitem essa marcação através de
imagens, vestimentas, um vocabulário próprio dos homossexuais, pela
sobreposição de imagens, montagens, sons, músicas, distribuição cromática e
gestos. Por exemplo, quando se assiste a um filme ou programa de televisão,
nossa visão foca no acontecimento principal, ou no que está em movimento, na
imagem em destaque, o restante, chamado de visão periférica, não é captado
pelo consciente e, sim, pelo inconsciente, isto é, as imagens são
automaticamente captadas pelo nosso cérebro e ficam armazenadas e com a
repetição tomam sentido e são associadas a algo, criando assim um sentido.
93
Um exemplo desse tipo de marcação ocorre na atual novela do horário
nobre da Rede Globo, que conta com dois casais masculinos gays, um deles de
profissionais bem sucedidos, bonitos, resolvidos e
levam uma vida normal sem os gestos ou
estereótipos, porém o outro casal já parte para o lado
cômico, com uma certa dose de estereótipo
humorístico e com um gestual mais carregado. O
personagem Hugo vivido pelo ator Marcelo Lahan é gay, porém sua família não
sabe e ele engana seu pai com uma falsa namorada. O personagem possui
alguns trejeitos como, por exemplo, quando senta e cruza as pernas ou, de forma
quase imperceptível e constante, quando passa a mão atrás de orelha como se
estivesse arrumando o cabelo, esse gesto faz parte do universo feminino e nos
filmes aqui analisados os dois personagens homossexuais também repetem esse
gesto. O gesto informal é aprendido através da repetição e observação, sendo
assim marca a presença de um homossexual. Dessa mesma ordem, existem
outras marcas que podem ser percebidas com a análise da forma de gesticular,
falar, vestir e agir.
Ao possibilitar a visibilidade para grupos de sexualidade estigmatizada, a
mídia oferece um espaço para que esses grupos e indivíduos possam expor
criativamente suas experiências singulares de vida. No caso do cinema, a
experiência dos homossexuais é recriada pela fabulação dos diretores. É claro
que, muitas vezes, a superficialidade com que os temas são tratados impede que
haja um maior grau de envolvimento dos indivíduos, de modo a promover ou
incentivar a passagem da fina película do entretenimento individualista. Contudo,
pode-se pensar nos recursos discursivos da mídia como elementos que cada vez
mais participam de uma espécie de renovação da experiência cotidiana, na
medida em que se toma contato com o mundo mediado do “outro” e se é
solicitado a rever as próprias posições, julgamentos e entendimentos acerca do
que se apresenta como “diferente” ou como “estranho”.
A mídia proporciona a chance de mostrar as gradações existentes no
espectro dos estilos de vida, possibilitando que os valores morais que regem
nossas relações intersubjetivas se modifiquem, lentamente, a fim de integrar
94
aqueles indivíduos que lutam por seu reconhecimento. Se, por um lado, a
mobilização dos grupos retratados na mídia é rápida, por outro, a mudança de
valores da sociedade é lenta e atada a estigmas de várias qualidades. Mas há, no
entanto, uma importante contribuição no sentido de fortalecer, redefinir e
contribuir simbolicamente para o projeto identitário desses grupos. Na medida em
que eles elegem o que não querem ser e como não querem aparecer para os
outros, há um esforço em moldar reflexivamente a própria identidade. Pois, se os
sujeitos se auto-formulam privadamente, sua identidade deve ser reconhecida
publicamente.
Assim sendo, a mídia que insere temas polêmicos, como o
homossexualismo, em suas tramas, recuperam o cotidiano como espaço
conflituoso, no qual as relações intersubjetivas estão marcadas pela busca das
recodificações de conceitos e termos ligados à sexualidade e, sobretudo, de
ampliação do entendimento de estilos de vida “diferentes”. Quando a mídia é
apropriada pelas conversações rotineiras, seus códigos e símbolos são
reavaliados, refinados e podem servir para demarcar o espaço de um grupo que
deseja ser reconhecido pelos demais.
O que este estudo pretende evidenciar é que a busca por reconhecimento,
travada no plano simbólico, não reivindica somente a incorporação de códigos
novos, de padrões antes não existentes ou não tematizados. Isso porque, muitas
vezes os grupos e indivíduos que lutam contra os estereótipos que os denigrem
se servem dos mesmos para reivindicar seu reconhecimento, sua auto-estima. O
processo intersubjetivo de comunicação e de formação das identidades é
alimentado a todo instante por códigos que foram recriados e reabilitados por
indivíduos que desejam ampliar e avançar a gramática gestual, estética,
normativa e ética de sua sociedade. Nessa dimensão, a importância do cotidiano
é latente, pois a ressignificação simbólica é um processo que se ancora nas
relações práticas situadas histórica e culturalmente e no conhecimento cognitivo
adquirido devido à peculiaridade de cada situação experimentada. É nesse
sentido que pretendemos aproximar a imagem midiática do campo da política, ou
seja, concebendo esta última não como processos institucionais, mas sim como
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processos cotidianos constituídos pela ação dos indivíduos, que aceitam o desafio
imposto pelo “outro”, pelo “estranho”.
A análise dos filmes “Será que ele é?” e “Minha vida em cor de rosa” pode
mostrar que, ao conferir visibilidade a grupos e indivíduos marginalizados e
estigmatizados, o cinema constrói representações da realidade, mas que não a
esgotam. Ou seja, a realidade é muito mais complexa do que a pequena amostra
simbólica oferecida pelo discurso ficcional. As representações de grupos e
indivíduos que sofrem injustiça simbólica não são definitivas. Pelo contrário, elas
devem ser negociadas, alteradas e reconstruídas de forma criativa, pois os
sentidos são intersubjetivamente construídos. Somente quando alguém apresenta
e negocia representações de sua identidade com outros indivíduos é que se pode
alcançar a auto-realização, é difícil saber em que grau a mídia pode estar
contribuindo para a transformação de estereótipos, mas é correto pensar que a
visibilidade proporcionada pelos vários gêneros midiáticos contribui para a
problematização social cotidiana das concepções convencionais.
Permanece aqui, pois, a indicação de uma outra possibilidade de pesquisa,
qual seja a de verificar o que os homossexuais pensam dessa imagem que a
mídia apresenta deles para a sociedade e se de alguma forma essa exposição
afeta positiva e negativamente o cotidiano de suas vidas.
O tema homossexualidade tem muito a ser explorado e esclarecido, e este
projeto de pesquisa espera estar dando uma contribuição para essa causa tão
justa e merecedora de respeito.
O antropólogo e ativista gay Prof. Dr. Luiz Mott disse em seu site:
“Ser homossexual é muito mais do que rebolar pela avenida
ou desfilar fantasiado numa parada anual. É lutar para ser
respeitado como ser humano com os mesmos direitos e deveres
que os demais cidadãos. É se respeitar e impor respeito, pois só
assim podemos dizer com orgulho: somos milhões, estamos em
toda parte”.
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