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UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
O diabólico Zé do Caixão
Celso dos Santos Viviani
São Paulo
2007
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2
UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
O diabólico Zé do Caixão
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em
Comunicação da Universidade
Paulista UNIP, como requisito
para obtenção do título de Mestre
em Comunicação, sob orientação
do Prof. Dr. Geraldo Carlos do
Nascimento
Celso dos Santos Viviani
São Paulo
2007
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3
VIVIANI, Celso Dos Santos
O diabólico Zé do Caixão / Celso dos Santos Viviani.
São Paulo, 2007.
97 f.
Dissertação ( Mestrado) Apresentada ao Instituto de
ciências humanas da Universidade Paulista, São Paulo, 2007.
Área de Concentração: Configuração de linguagens e produtos
audiovisuais na cultura midiática.
“Orientação: Geraldo Carlos do Nascimento”
1.Cinema. 2.Diabo. 3.Terror. I.Viviani, Celso dos Santos.
II.Título.
4
Celso dos Santos Viviani
O diabólico Zé do Caixão
Dissertação apresentada à Universidade Paulista
- UNIP, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Comunicação.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
Prof. Orientador Geral Carlos do Nascimento
Profª. Drª Suzana Reck Miranda.
Profª. Drª Bárbara Heller
5
Dedicatória
A Cris, pela paciência e aos meus
queridos filhos Catarina e Bernardo
6
Agradecimentos:
Prof. Geraldo Carlos, Profª Bernadette Lyra,
Prof.ª Suzana Reck, Profª Bárbara Heller ,
Prof. Luciano Maluly e a todos que me
aturaram durante o processo.
7
Resumo
O trabalho O diabólico Zé do Caixão”, busca delinear as relões
imagéticas e discursivas existentes entre, o personagem Zé do Caixão e a
figura do Diabo, constituída no imaginário popular através do desenvolvimento
da história Ocidental.
As análises propostas para elucidar estas relações são baseadas: na
configuração estética do personagem, nas técnicas cinematográficas
empregadas para seu registro, nas estruturas narrativas utilizadas nos filmes, e
nas heresias e blasfêmias cometidas e proferidas pelo personagem. Os filmes
analisados foram: À meia noite levarei sua Alma” (1964) e “Esta noite
encarnarei no teu Cadáver” (1967)
Portanto, encontrar na obra do cineasta os principais elementos que
tornaram possíveis identificar Zé do Caixão como uma figura Diabólica e
entender como Mojica estruturou narrativamente seus roteiros para reforçar
este sentido, ajudará a comprovar a tema central desta pesquisa: Zé do Caixão
é a personificação do Diabo.
8
Abstract
The thesis “The Diabolical Zé do Caixão” seeks to delineate the relations,
both imagetic and discoursive, between the character Zé do Caixão e the
Devil’s figure printed into people’s mind throughout the development of Western
History.
The analysis proposed to clarify these relations are based in: the character’s
aesthetic configuration; the cinematographical techniques employed to register
such configuration; the narrative structures used in the films; and the heresies
and blasphemies issued by the character. The studied films are: “À meia-noite
levarei sua Alma”(I’ll take your soul at midnight, 1964) and “Esta Noite
Encarnarei no teu Cadáver” (I’ll possess your dead body tonight”, 1967)
Therefore, to find the main elements that made possible to identify Zé do Caixão
as a diabolical figure and to understand how Mojica developed his screenwriting
to enhance that identification in the moviemaker’s work will help to prove the
central theme of this research: Zé do Caixão is the personification of the Devil.
9
LISTA DE FIGURAS
Ilustração 1 À meia noite levarei sua alma.............................................................................22
Ilustração 2 Zé do Caixão chega a cidade em Esta noite encarnarei no teu cadáver
(1967) ...........................................................................................................................................23
Ilustração 3 Engenhosidade técnica em À meia noite levarei a sua alma (1964), Zé do
Caixão come carne diante dos fiéis e ri diabolicamente......................................................24
Ilustração 4 Travelling de aproximação revela Zé do Caixão soberano sobre a cruz em
À meia noite levarei a sua alma...............................................................................................25
Ilustração 5 Zé do Caixão com Márcia observa suas vítimas em Esta noite encarnarei
no teu cadáver ............................................................................................................................27
Ilustração 6 Registro em preto e branco das serpentes de Zé do Caixão........................27
Ilustração 7 Zé do Caixão, Márcia e Jandira ........................................................................28
Ilustração 8 Plano pouco convencional utilizado por Mojica...............................................29
Ilustração 9 O diabo Zé do Caixão orquestra o tempo com sua fúria ...............................31
Ilustração 10 O sorriso sarcástico do diabo Zé do Caixão..................................................32
Ilustração 11 Zé do Caixão e o poder de enfeitiçar com o olhar.......................................34
Ilustração 12 Cenário construído por José Vedovato na sinagoga do Brás.....................36
Ilustração 13 O diabo Zé do Caixão surgindo do nada........................................................37
Ilustração 14 Caranguejeiras enviadas pelo diabo Zé do Caixão......................................38
Ilustração 15 Zé do Caixão espanca Terezinha brutalmente em À meia noite................40
Ilustração 16 As unhas de Zé do Caixão acariciando Laura...............................................41
Ilustração 17 O incubo Zé do Caixão possui Laura..............................................................42
Ilustração 18 Dante e Virgilio no Inferno, Quadro de William Adolphe Bouguereau.......43
Ilustração 19 Cena do Inferno de Mojica em Esta noite ......................................................45
Ilustração 20 Visões Dantescas criadas por Mojica.............................................................45
Ilustração 21 O inferno em cores vivas criado por Mojica em Esta noite encarnarei no
teu cadáver..................................................................................................................................46
Ilustração 22 Zé do Caixão e a árvore em chamas..............................................................47
Ilustração 23 Escultura em uma coluna romana da Igreja Saint Pierre de Chauvigny...48
Ilustração 24 Mojica em suas atuações como Zé do Caixão sempre utilizou o recurso
de aproximar as mãos do rosto................................................................................................50
Ilustração 25 Triptych of Garden of Earthly Delights Hieronymus Bosh -......................52
Ilustração 26 Triptych of Last Judgement - Hieronymus Bosh..........................................52
Ilustração 27 The Last Judgment, Jan Van Eyck e Henri Bles, 1420-25..........................55
Ilustração 28 Populares sob o olhar atento do diabo Zé do Caixão.................................55
Ilustração 29 Zé do Caixão e sua capa: prolongação do corpo .........................................55
Ilustração 30 Juízo final de Michelangelo, 1508-1512 Altar da capela Sixtina............57
Ilustração 31 Zé do Caixão e as almas do pântano .............................................................57
Ilustração 32 Início de À meia noite… ....................................................................................61
Ilustração 33 O Diabólico Zé assassina a esposa em À meia noite ..................................62
Ilustração 34 Cenas de abertura de Esta noite.....................................................................63
Ilustração 35 Zé do Caixão chega a cidade em Esta noite….............................................64
Ilustração 36 Márcia em meio a experiência de Zé do Caixão...........................................64
Ilustração 37 Zé do Caixão e Bruno no calabouço...............................................................65
Ilustração 38 O coronel convoca a cidade para acusar Zé do Caixão..............................65
Ilustração 39 Sequência de À meia noite…...........................................................................66
Ilustração 40 Zé do Caixão afoga Antônio.............................................................................66
Ilustração 41 Zé violenta e espanca Terezinha em À meia noite.......................................67
10
Ilustração 42 Zé do Caixão desafia Deus...............................................................................68
Ilustração 43 Antônio resurgindo do mundo dos mortos .....................................................73
Ilustração 44 Delírios de Zé do Caixão...................................................................................73
Ilustração 45 Momentos de agonia do demônio Zé..............................................................74
Ilustração 46 Sequência de Zé do Caixão dentro da cripta de Antônio e Terezinha ......75
Ilustração 47 O fim de Zé do Caixão em À meia noite.........................................................75
Ilustração 48 Zé do Caixão e sua amada Laura morta em seus braços...........................76
Ilustração 49 Jandira volta para vingar-se de Zé do Caixão...............................................76
Ilustração 50 Zé do Caixão desafiando Deus........................................................................77
Ilustração 51 Zé atira a cruz dada pelo padre.......................................................................78
Ilustração 52 Zé do Caixão baleado........................................................................................78
Ilustração 53 Momentos finais de Esta noite encarnarei no teu cadáver.........................79
Ilustração 54 Zé do Caixão e os esqueletos de suas vítimas.............................................79
Ilustração 55 Primeira experiência do extrapolador Zé do Caixão.....................................82
Ilustração 56 Zé do Caixãoe explica suas teorias.................................................................83
Ilustração 57 O extrapolador Zé do Caixão e sua vítima Cláudio......................................84
Ilustração 58 Zé justifica-se a Cláudio....................................................................................84
Ilustração 59 Morte de Cláudio no calaboulo de Zé .............................................................84
Ilustração 60 Deformidades provocadas pelo ácido do extrapolador Zé do Caixão.......85
Ilustração 61 Zé do Caixão e Terezinha.................................................................................87
Ilustração 62 Sequência de Jandira no calabouço...............................................................88
Introdução..................................................................................................................................12
Capítulo 1....................................................................................................................................20
Zé do Caixão e o Diabo...........................................................................................................20
1.1 O uso da figura do Diabo como principal referência na configuração do
personagem Zé do Caixão.................................................................................................20
1.2. A cidade de Zé do Caixão...........................................................................................21
1.3 Luzes ou Trevas.............................................................................................................24
1.4 O Diabo Zé do Caixão rege a Natureza....................................................................29
1.5 Outros poderes do diabólico Zé do Caixão............................................................31
1.6 O Diabo Zé do Caixão e os elementos.....................................................................36
1.7 Zé do Caixão: o luxurioso Íncubo.............................................................................37
1.8 Retratos do Diabo: Zé do Caixão e a Iconografia Demonista ...........................42
1.8.1 O Inferno de Mojica..................................................................................................43
1.8.2 O Diabo Zé do Caixão enfrenta Deus ...................................................................46
1.8.3 O grotesco Zé do Caixão ........................................................................................47
1.8.4 Zé do Caixão e o apogeu da Iconografia Demonista .........................................51
1.9 Conclusão........................................................................................................................58
Capítulo 2 Estruturas narrativas, blasfêmias e heresias...............................................59
2.1 Mojica e o gênero Terror .............................................................................................59
2.2 As estruturas narrativas do gênero Terror.............................................................59
2.3 Zé do Caixão e o Enredo de descobrimento complexo......................................60
2.3.1 A Irrupção ..................................................................................................................61
2.3.2 O Descobrimento......................................................................................................66
2.3.3 A Confirmação ..........................................................................................................69
2.3.4 A Confrontação.........................................................................................................71
11
2.4 Zé do Caixão e o enredo do extrapolador...............................................................80
2.4.1 A Preparação ............................................................................................................80
2.4.2 A Experiência............................................................................................................85
2.4.3 O Bumerangue..........................................................................................................86
2.4.4 O Confronto ...............................................................................................................88
2.5 Conclusão........................................................................................................................90
3. Considerações finais ..........................................................................................................91
Referências................................................................................................................................93
Referências Bibliográficas.................................................................................................93
DVDS............................................................................................................................................94
Anexos........................................................................................................................................95
Sinopse de A meia noite levarei a sua alma.................................................................95
Sinopse de Esta noite encarnarei no teu cadáver.......................................................97
12
Introdução
Realizador extremamente importante para a cultura cinematográfica do
país, bem como para o gênero Terror no Brasil, José Mojica Marins produziu
uma filmografia única, de poucos recursos, muita criatividade, povoada de
atores amadores, efeitos de maquiagem e cenografia rústica.
José Mojica Marins se tornou uma celebridade nos anos 60 com filmes
que foram classificados por alguns críticos como “primário”: Meia Noite não é
um filme primitivo, é primário; não choca, imbeciliza; para o cinema do Brasil
não é uma linha pioneira, é um atraso (Gomes Leite jornal do Brasil Apud
Barcinski, 117)
As experimentações de linguagem que Mojica executava como, atuar
olhando para a câmera, rodar cenas escuras e trabalhar muito com a câmera
na mão, foram, consideradas por boa parte da crítica, um ultraje ao cinema.
Não existe o subfilme; trata-se apenas de um aglomerado disforme de cenas
amadorísticas e antiestéticas, sem o nível mínimo de acabamento
técnico.(Gomes Leite jornal do Brasil Apud Barcinski, 118).
Mojica desenvolveu um estilo inconfundível e suas obras mais
representativas, como: À meia noite levarei sua Alma” (1964) e “Esta noite
encarnarei no teu Cadáver” (1967), tornaram-se, a partir dos anos 90, marcos
na história do cinema de terror mundial.
Autodidata, Mojica produziu seus primeiros filmes em super 8 aos 12 anos
de idade e apesar de possuir uma vasta filmografia, nunca estudou cinema.
Mais do que qualquer outro cineasta brasileiro José Mojica Marins sofreu
durante toda a sua carreira com o preconceito da crítica, que chegou a
classificar a primeira aparição de Zé do Caixão como: “Uma certa assombração
raquítica e grotesca...” (MORAES: 1967 apud BARCINSKI,1998, pág 118).
A respeito da polêmica estética em torno de À Meia Noite levarei sua
alma. Barcinski opinou.
13
O filme é, sem dúvida, pobre de verba, pobre de recursos e pobre de cultura,
mas não é, de maneira alguma, primário. Muito pelo contrário: quem enxergar
por trás da rusticidade do décor perceberá em cada fotograma um padrão
estético claramente delineado, um capricho com pequenos detalhes; em suma:
o talento de um diretor de estilo próprio. Por trás do “primarismo” do filme existe
um autor (Barcinski, 121)
Na década de 60, o cineasta Luís Sérgio Person, então Professor da
Escola Superior de Cinema São Luís, era um entusiasta da obra de Mojica e
recomendou aos seus alunos que fossem assistir À meia noite levarei sua alma
(1967), a reação não foi boa, eles odiaram. Extremamente influenciados por
temas políticos, defendiam um cinema popular, porém, rechaçavam qualquer
filme que não fosse feito por um intelectual. Um grupo da Escola São Luís em
particular, tornou-se fã de Mojica: Carlos Reichembach, João Callegaro, Carlos
Alberto Ebert e outros dois jovens que não estudavam na Escola, mas eram
freqüentadores assíduos do local, Rogério Sganzerla e Jairo Ferreira.
Desde os anos 20 a Boca atraia as distribuidoras de filmes, sobretudo
por dois aspectos: excelente localização (próxima à estação de trem e a
rodoviária) e os baixos aluguéis devido à degradação da região que, era
costumeiramente habitada por pivetes e prostitutas. Nos anos 30 e 40, quase
todos os estúdios americanos possuíam escritórios na Boca.
Oswaldo Massaine foi o primeiro produtor a instalar-se na região (1937)
produzindo comédias com astros do teatro como Dercy Gonçalves e
posteriormente ganharia a palma de ouro do Festival de Cannes com O
Pagador de Promessa (1962)
A partir dos anos 50 a Boca se estabeleceu como pólo da produção
cinematográfica de São Paulo com a instalação de um comércio direcionado ao
Cinema: lojas de equipamentos, locadoras, oficinas de manutenção e
principalmente a circulação dos profissionais da área.
Foi, contudo, com o lançamento de A Margem (1967), de Ozualdo
Candeias, que o movimento cinematográfico surgido na Boca ganhou força.
Candeias, um ex-caminhoneiro, conseguiu produzir um filme que chamou
a atenção da crítica cinematográfica, tratava-se de uma parábola que
relacionava a miséria com as margens do rio Tietê. Mojica não possuía o
14
mesmo padrão e refino estético de Candeias, mas sua forma independente de
fazer cinema e o seu pioneirismo ao trabalhar o gênero Terror, serviu de
exemplo a jovens cineastas que até então louvavam as pretensões
revolucionárias do Cinema Novo e viram em, A Margem e À meia noite levarei
sua alma, uma maneira de produzir cinema sem as benesses do estado
(Embrafilme)
Neste período, antigos alunos do São Luís passaram a freqüentar a
“Boca” e ali produzirem seus filmes. Eles defendiam um cinema independente,
pessoal e experimental; opção ao modelo populista
1
do Cinema novo. Desta
geração de cineastas, Reichembach e Sganzerla obtiveram grande êxito com
os filmes As Libertinas e O Bandido da Luz Vermelha. Nascia assim o
“udigrudi”, um legado de Mojica e Candeias para o cinema Paulistano. Dentro
desse cenário, Mojica foi um autêntico produtor independente que nunca
obteve qualquer tipo de financiamento oficial para seus filmes e tardiamente
obteve reconhecimento por sua obra autêntica e visceral.
Zé do Caixão foi o personagem de terror brasileiro mais popular a habitar
as telas e nenhum outro desde então alcançou tamanha repercussão e
popularidade. Seus ataques à doutrina católica, as cenas de violência explícita
e sexo, interferiram diretamente na vida de Zé do Caixão e conseqüentemente
no desenvolvimento da obra de Mojica que teve seus filmes “mutilados” pela
censura. Um exemplo é o filme Ritual dos Sádicos, liberado para exibição
somente dezesseis anos após ser concluído.
Osmar Filho, censor do regime militar instaurado no Brasil na década de
60, emitiu o seu parecer: A irrealidade do filme é manifesta e seu objetivo de
apelo às manifestações sexuais é evidente...O mínimo que se pode sugerir
para um espetáculo tão imoral e degradante é a completa INTERDIÇÃO
(BARCINSKI, pág 270)
Embora, tenha dirigido mais de trinta longas-metragens e também obtido
sucesso em rádio, teatro, quadrinhos e livros, José Mojica Marins foi, no auge
de sua produção, rechaçado pelos críticos de cinema que não compreendiam a
estética proposta pelo cineasta.
1
Termo utilizado por Barcinski
15
Em seus 50 anos de carreira, Mojica foi responsável por uma vasta
filmografia, sendo seis filmes dedicados ao personagem de Zé do Caixão: “À
Meia Noite Levarei sua Alma” de 1964, “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”
de 1967; “O Estranho Mundo de Zé do Caixão“, de 1968; “O Despertar da
Besta” (o nome original é “Ritual dos Sádicos”), de 1969-1983; “Exorcismo
Negro”, de 1974; “Demônios e Maravilhas”, de 1987 e “Delírios de um
Anormal”, de 1978.
Taxado de louco por boa parcela da crítica
2
, Mojica sempre acreditou que
era possível fazer cinema mesmo nas condições mais adversas. As críticas
impostas ao seu trabalho nem sempre foram justas e vários foram os adjetivos
usados para classificar seus filmes: primários, ridículos, ordinários, grotescos,
sensacionalistas, amadores entre tantos outros.
É inegável a criatividade empregada em suas produções, bem como a
capacidade de sua equipe técnica que, com recursos sempre limitados
conseguiam realizar as histórias criadas por Mojica.
Durante minha pesquisa, constatei que muitas das referências
bibliográficas situam Mojica entre os maiores produtores do cinema nacional,
porém, grande parte delas é encontrada em periódicos. Poucos são os livros
que tratam exclusivamente de sua obra, grande parte das citações à Mojica,
são encontradas em dicionários sobre o cinema, como a “História Ilustrada dos
filmes Brasileiros (1929-1998)” de Salvyano Cavalcanti de Paiva, que pelas
suas características editorias, dedicam espaços insuficientes para tratar de um
tema tão complexo como a cinematografia de Mojica.
O jornalista Ivan Finotti, que em 1997 defendeu na Escola de
Comunicação e Artes da USP a monografia Zé do Caixão e a imprensa, se
tornou, ao lado de André Barcinski e Carlos Primati, um grande especialista da
obra de Mojica no Brasil.
Barcinski e Finotti, com a colaboração de Primati, publicaram em 1998
pela editora 34, a biografia Maldito. O livro, além de traçar cronologicamente a
vida de Mojica de forma impecável, é a melhor referência para entender o
expressivo mundo criado por Mojica e perpetuado através de seus filmes.
2
Capítulo 6 do livro Maldito: Gênio ou Louco?, em que o autor explica os adjetivos impostos a Mojica por parcela
dos críticos de cinema, quando do lançamento de A meia noite levarei a sua alma
16
José Mojica Marins não teve formação acadêmica na área
cinematográfica (nem em outra qualquer) e seu cinema sempre foi intuitivo e
apoiado na prática. Em um período extremamente politizado, no qual o Cinema
Novo se destacava pelos debates ideológicos, o personagem Zé do Caixão
possuía grande apelo e aceitação popular, tornando-se parte integrante do
imaginário popular brasileiro.
Zé do Caixão, alter ego de Mojica, foi nos anos 60 uma das figuras mais
populares do país, e ainda hoje, 37 anos após o lançamento de “À Meia Noite
Levarei sua Alma”, Zé do Caixão mantém-se vivo na lembrança de muitos
brasileiros. Nada explica efetivamente o sucesso de Zé do Caixão, até porque,
segundo José Mojica Marins, o personagem não foi criado a partir de um
processo que analisava a demanda do mercado; ele veio ao seu criador por
meio de um pesadelo em uma noite de verão. O referencial na cabeça de
Mojica, a partir de então, foram os filmes interpretados pelos atores Boris
Karloff e Bela Lugosi, muito importantes para o desenvolvimento do Gênero
Terror e que Mojica assistira quando criança.
Uma análise importante para elucidar a categorização de Zé do Caixão
como um personagem do gênero Terror, são as estruturas narrativas utilizadas
em seus filmes. Segundo Carrell, as narrativas para o Gênero encontram
modelos recorrentes.“Muitas histórias de horror, - suspeito que a maioria delas
são geradas com base num repertório muito limitado de estratégias
narrativas” (CARRELL,1999, p. 43)
A pesquisa de Carrell fundamenta-se em um paradigma, O enredo de
descobrimento complexo, segundo ele, extremamente utilizado nas
construções narrativa do horror
3
e que pressupõe quatro movimentos com
funções determinadas: Irrupção, descobrimento, confirmação e confrontação.
Outro conceito criado por Carrell e que julgo de fácil aplicabilidade nos
enredos dos filmes do personagem Zé do Caixão, é classificado pelo autor
como “Enredo do Extrapolador”, este enredo será devidamente explicado no
capítulo dois, onde abordarei os tipos narrativos do Gênero Terror.
3
Classificação do autor para o Gênero: Horror. Utilizarei Terror durante o trabalho
17
Mais um componente utilizado na conformação da forma do personagem
diz respeito às manifestações demoníacas, facilmente identificadas em seus
ambientes, ações, configuração estética e falas. Esta proposta será
fundamentada no primeiro capítulo, onde discorrerei sobre a presença do
Diabo no imaginário popular do Ocidente a partir de leituras de obras
relevantes e significativas sobre o tema.
Portanto, a proposta central deste estudo é; que o personagem é
essencialmente diabólico em sua constituição. Isso se demonstra em suas
características estéticas, nos seus atos e discursos de caráter herético.
Segundo Carlos Roberto F. Nogueira, autor do livro “O Diabo no
imaginário cristão” que se aprofundou no assunto:
“ a partir do século XII, quando as diversas versões acerca do Diabo
começaram ser reunidas e organizadas para a criação de um sistema
dogmático eficaz, “As fantasias sobre o poder do tentador, de tanto serem
repetidas, acabam finalmente por ser aceitas como fatos, ao mesmo tempo em
que a irrupção constante das heresias confirma no espírito dos cristãos a
realidade das especulações teológicas, a as multidões, com o apoio das
autoridades seculares, massacram os heréticos, os inimigos de Deus, os
agentes de Satã. Para o fiel da religião, os adoradores do Demônio,
representam a total inversão dos valores: praticam toda a sorte de costumes
imorais, aberrações, em suma, enfrentando os mandamentos de Jesus,
praticam os atos mais imundos e contrários a toda decência”
(NOGUEIRA,2002, p. 50)
Outra proposta de análise deste trabalho é a de relacionar a configuração
estética de Zé do Caixão a elementos utilizados na iconografia Demonista
desenvolvida na Idade Média e Renascença.
As diversas formas de apresentação da figura do Maligno seguem uma
tradição mais ou menos consciente: tanto o tentador como o instrumento de
sua tentação e o cortejo de entidades inferiores que participam desta esfera do
mal, aparecem com caracteres burlescos, objetos de uma ridicularização, que
mostrem a sua inferioridade...(NOGUEIRA,2002, p. 45)
Reitero que as técnicas cinematográficas utilizadas na realização dos
filmes À meia noite levarei sua alma (1964) e Esta noite encarnarei em teu
cadáver (1967) foram essenciais para a determinação do caráter Diabólico que
o personagem possui e são de suma importância para o desenvolvimento
desta pesquisa.
18
Não é tarefa difícil identificar Zé do Caixão como um demônio, até porque
o nome de batismo do personagem é uma alusão ao Diabo: Josefel Zanatás.
Partindo deste pressuposto, a pesquisa trás um levantamento histórico e
cronológico da configuração do Diabo e é justamente neste momento que insiro
o personagem Zé do Caixão. Portanto, o primeiro capítulo do trabalho intercala
a história do Diabo com analises imagéticas dos filmes. Para não prejudicar a
compreensão dos fatos históricos que, elaboraram durante milênios a figura do
Diabo no imaginário popular, optei narra-los em ordem cronológica. Isto não
significa, no entanto, que a pesquisa privilegia a história em detrimento dos
filmes, foi apenas uma opção metodológica. O segundo capítulo apresenta
modelos estruturais narrativos do gênero Terror e dedica-se a uma análise do
discurso Diabólico do personagem.
Para conseguir efetivar a proposta apresentada, a de revelar o Diabo a
partir do personagem Zé do Caixão, fez-se necessário um expediente
recorrente nas pesquisas sobre produtos cinematográficos, a análise fílmica.
Rever quantas vezes for necessário, observar, desconstruir, remontar,
fragmentá-lo novamente até chegar aos fotogramas, e este segregar em
elementos que formam um quadro e articulam sentidos. Observar os pontos, as
linhas, formas, tonalidades e contrastes que são constitutivos da narrativa, e
que revestidos de sonoridades, fazem parte do processo de análise de um
produto extremamente complexo em sua elaboração, o filme.
O desenvolvimento de uma análise fílmica requer tempo, dedicação,
sensibilidade e domínio de uma linguagem que desvendacnicas e estéticas
particulares, utilizadas para a criação de sentidos por meio do sincronismo do
som com as imagens em movimento.
Nesta acepção, o conhecimento específico de cada uma das etapas que
constituem a produção de um filme é fundamental para descrevê-lo, desmontá-
lo do argumento ao fotograma, para remontá-lo e interpretá-lo.
O grande desafio de uma análise fílmica é respeitar os limites da
interpretação, não forjar ligações que justifiquem uma proposta, e consciente
deste princípio, proponho desconstruir os dois filmes e remontá-los a fim de
buscar em Zé do Caixão as representações Demoníacas.
19
Dos muitos pressupostos que envolvem uma analise fílmica, apego-me a
este:quando o analista acredita não ter nada a dizer sobre o filme, ou fica
aterrorizado com a idéia de emitir uma hipótese um tanto pessoal sobre ele,
refugia-se na citação e na síntese de todos os críticos existentes sobre esse
filme. (Vanoye, 17)
Embora seja um contra-senso utilizar uma citação para expor que,
também desaprovo a utilização demasiada delas nas analises filmicas, sinto-
me forçado a fazê-lo para justificar a pouca utilização deste recurso no trabalho
que apresentarei. Ao assumir a postura de desenvolver um texto com poucas
citações para analisar meu objeto de estudo, não revelo a falta de referenciais
teóricos sobre o cinema e sim uma opção metodológica, que me permitirá fazer
uso dos conhecimentos de produção audiovisual, adquiridos em vinte e dois
anos de profissão.
Em busca de uma resposta segura ao problema de pesquisa que
proponho, a observação sistemática dos dados coletados será imprescindível.
Esta sistematização é característica de um estudo exploratório que busca uma
maior familiarização com o assunto e conseqüentemente uma maior
compreensão sobre o objeto a ser analisado. O estudo possui também, traços
característicos de um estudo descritivo, que pretende apresentar com um bom
nível de precisão, informações relevantes sobre a construção da personagem
Zé do Caixão.
Ao interpretar ao invés de mensurar, constatar e relacionar fatos e
valores; apresento um levantamento histórico do desenvolvimento da figura
Diabo na história da Cultura Ocidental e a apropriação desta temática feita pelo
cineasta José Mojica Marins.
É uma pesquisa qualitativa que busca através de uma análise criteriosa
da bibliografia e das obras do cineasta, colaborar com os estudos do cinema no
Brasil.
20
Capítulo 1
Zé do Caixão e o Diabo
1.1 O uso da figura do Diabo como principal referência na configuração do
personagem Zé do Caixão
À presença do Diabo no imaginário popular, atribuí o papel de principal
referência nas obras de José Mojica Marins. Ao assistir os filmes À meia noite
levarei sua alma (1964) e Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967),
relacionei Zé do Caixão as expressões diabólicas, uma vez que o discurso do
personagem possui um caráter assaz herege e sua configuração estética
carrega traços em comum com as representações artísticas do Diabo
Este capítulo, que faz um breve levantamento da história do Diabo no
Ocidente, insere Zé do Caixão e os personagens de seus filmes neste
ambiente povoado de crenças e misticismos, e aborda as semelhanças do
personagem com a figura do Diabo desenvolvida principalmente na Idade
Média e na Renascença.
21
1.2. A cidade de Zé do Caixão
O Diabo é um dos principais personagens de uma luta cósmica entre o
bem e o mal que, funcionou e ainda funciona como ferramenta na tentativa de
uniformizar e doutrinar as consciências humanas, bem como, pautar e instruir
condutas e comportamentos, e conseqüentemente, explicar e justificar as
desventuras vividas e o acaso.
Representante antagônico, em um sistema de símbolos constituídos por
diversas religiões, a figura do mal, uma vez detectada, revelou-se fundamental
em uma dialética que impulsionou os dogmas religiosos. O Diabo representa
oposição ao ethos dominante e foi peça fundamental dos eclesiásticos na
construção e fixação de uma mitologia Satânica que se originou pelo contato
dos Hebreus com a cultura Helênica nos séculos I e II A.C.
A fé na crença do castigo ou na recompensa no pós morte, fez surgir
doutrinas apocalípticas e grotescas que, posteriormente seriam representadas
no novo testamento por figuras aterradoras para caracterizar a figura do
Demônio, como por exemplo: “Vi uma besta que saia do mar. Tinha dez chifres
e sete cabeças, com dez coroas, uma sobre cada chifre, e em cada cabeça um
nome de blasfêmea” (APOCALIPSE, 13.1).
Retomando a ortodoxia Hebraica, o Cristianismo inspirou-se na literatura
apócrifa e a alterou, criando um Deus que ao contrário de Jahvéh, possuía
inimigos inimagináveis conduzidos pelo grande inimigo, Satã. Suas aparições,
a partir de então, foram freqüentes e sistematizadas, constituindo-se assim em
parte integrante do Evangelho. Antagonista ardiloso, Satã combateu com seus
séqüitos aquela que se configuraria a grande doutrina e daria origem ao
Cristianismo.
Com o surgimento desta nova doutrina, inúmeras tradições seculares
moldaram-se a uma nova conformidade, porém, não foram apagadas do
imaginário popular e do cotidiano das pessoas, tradições místicas que
transformaram o mundo invisível em real e a vida real em meras projeções
imaginárias, tamanha as proporções do embate cósmico que era parte
integrante de um cotidiano miserável, supérfluo e superficial.
22
Em menores proporções, Mojica conviveu com este ambiente superficial
nos bairros operários onde viveu sua infância e adolescência. Para reproduzir
esse clima em À meia noite... e Esta noite..., o criador de Zé do Caixão
concebeu uma cidadezinha do interior, habitada por personagens
supersticiosos e que evidenciam este imaginário. Provinciana e assustada, a
população da cidade de Zé do Caixão o teme, o vêm como uma figura
sobrenatural, são crentes na fé Cristã e desaprovam suas condutas imorais.
Com suas aparições inesperadas,atemoriza os “caipiras”, como ele
mesmo os chama. Em sua primeira participação em À meia noite levarei sua
alma, do Caixão acompanha um funeral, em meio às lápides do cemitério:
seu figurino preto contrasta com o céu claro, em plano americano, o coveiro
compõe o quadro com uma imagem da Santa que decora o local, as
expressões dos que o vêem são de assombro.
Ilustração 1 À meia noite levarei sua alma
Mais inverossímil ainda é a chegada de Zé do Caixão na cidade em Esta
noite encarnarei no teu cadáver. Vivendo suas vidas normalmente os populares
estão nas ruas; com uma montagem feita com onze planos, em sua maioria
gerais, com exceção de um plano médio do padre que encara Zé do Caixão,
Mojica construiu a cada corte uma seqüência em que o clima de pânico toma
23
conta das pessoas que correm assustadas na iminente presença de algo
ameaçador, o clima de agonia termina com o penúltimo plano, um grande plano
geral que revela uma cidade deserta. No último plano da seqüência, um geral,
Zé do Caixão caminha tranqüilamente e é anunciado pela pista sonora, o soar
de um gongo.
Ilustração 2 Zé do Caixão chega a cidade em Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967)
do Caixão, como ninguém, zomba das crendices populares, come
carne em dia santo, corrompe a alma e o corpo. Um bom exemplo para
destacar isto, é uma cena de À meia noite..., na qual Zé do Caixão caçoa dos
fiéis que participam de uma procissão, tal cena foi descrita na biografia Maldito
tamanha sua engenhosidade. Para compor este plano, Mojica sentou-se em
um praticável e utilizou como cenário uma moldura de janela apoiada no
próprio praticável, em segundo plano a procissão dos fiéis foi registrada através
da janela. Com a câmera posicionada em um nível acima do diretor/ator, o
registro que se tem é de uma figura imponente, acima de qualquer dogma
imposto pela religião Católica. Zé do Caixão saboreia seu pedaço de carne e ri
freneticamente, as cortinas negras que emolduram a janela e servem de
segundo plano para a cabeça do personagem, o colocam em um ambiente
24
lúgubre, em oposição a um segundo plano bem iluminado que ressalta as
vestes brancas dos fiéis da procissão.
Ilustração 3 Engenhosidade técnica em À meia noite levarei a sua alma
(1964), Zé do Caixão come carne diante dos fiéis e ri diabolicamente
Mas Zé do Caixão não é apenas zombateiro em relação às crenças
Cristãs, ao desafiar dogmas da igreja Católica, o coveiro questiona a fé alheia e
prega a desobediência as leis de Deus.
1.3 Luzes ou Trevas
Mais do que corromper e possuir o corpo, Satã era uma ameaça à vida
eterna, obstáculo à conquista do Paraíso, senhor da desobediência e
pregando-a, ofereceu ao homem o que Deus já havia oferecido, o livre arbítrio,
o poder de escolher entre o Bem e o Mal.
Essa polarização dividiu o mundo: caminhando com Deus e seu filho
Jesus Cristo, mandado a terra para redimir os nossos pecados, o homem
obterá o caminho da luz, entretanto, resistindo à palavra de Deus, terá como
destino certo um caudilho que se encerra em chamas e trevas. Este dogma
serviu para tutelar ao Diabo todo tipo de manifestação que afastasse os
homens do caminho da luz. Tutelar à Zé do Caixão tais manifestações, não é
difícil.
25
Por inúmeras vezes, em ambos os filmes, do Caixão nega este
caminho. Seu discurso herético é direto e ganha força com imagens fortes que,
na maioria das vezes, utilizam o símbolo principal da religião Católica; a Cruz.
Em À meia noite levarei sua alma, após espancar Terezinha, Zé
perambula pelo cemitério e desafia os mortos para virem buscar sua alma. Um
plano geral mostra um cemitério pobre, de covas rasas e pequenas colunas
que se erguem do chão, ao fundo, no centro do quadro, uma Cruz é
evidenciada pela luz que demarca sua intersecção. Um travelling de
aproximação leva o espectador em direção ao centro do quadro, passa entre
as colunas que são decoradas por velas. Ao se aproximar da Cruz, a câmera
faz uma lenta correção vertical e coloca-se em contra plongée, revelando Zé
postado em pé, seu corpo não é evidenciado, pois, a fotografia de Georgio Atili
concentra-se no rosto do personagem posicionado acima da cruz. Tendo como
segundo plano o céu negro, o personagem desafia Deus.
Ilustração 4 Travelling de aproximação revela Zé do Caixão soberano sobre a cruz em À
meia noite levarei a sua alma
26
As provocações de Zé do Caixão em relação às leis de Deus, originaram-
se em uma teologia delineada durante os primeiros séculos de conformação da
doutrina Católica. Foi quando a figura de Satã passou a fazer parte da
elaboração do Dogma central do Cristianismo, como afirma Nogueira: “Pouco a
pouco, o espírito do Mal passa a integrar o dogma central do Cristianismo, ou
seja, o da queda do homem, do pecado original e da redenção pela morte do
Messias na cruz” (NOGUEIRA, 2000, pág 28)
A primeira concepção do anjo caído data do último quarto do primeiro
século, Satã incorporou-se à serpente do éden, subiu aos muros do paraíso e
cantou hinos celestiais como um anjo - uma vez que já havia sido um antes da
desobediência a Deus - para iludir Eva e induzi-la ao pecado.
Esta premissa foi utilizada novamente pelos padres nos séculos II e III e
formalizada pela igreja Grega e Latina através dos eclesiásticos Jerônimo e
Agostinho de Hipona, respectivamente, validando o pensamento de que a
queda do homem foi apenas mais um episódio da incessante batalha travada
entre bem e o mal, iniciada antes da criação.
Mojica, resignificou esta simbologia em Esta noite..., por intermédio das
serpentes, criaturas imageticamente ligadas ao Diabo e que tornaram-se as
“enviadas” de Zé do Caixão para atormentar suas vítimas.
Mais uma vez a forma de registro utilizada por Mojica, posiciona Zé do
Caixão acima de todo o segundo plano e consegue compor um quadro que
reforça o sentido de vulnerabilidade de suas vítimas.
Posicionados a direita e esquerda do quadro, Zé do Caixão e Márcia,
ligeiramente desfocados (efeito obtido com o uso de uma lente teleobjetiva),
observam pelo orifício aberto no chão do quarto, as vítimas que, registradas em
plongée tornam-se diminutas e indefesas.
27
Ilustração 5 Zé do Caixão com Márcia observa suas vítimas em Esta noite
encarnarei no teu cadáver
As serpentes soltas por Zé do Caixão no calabouço entram através de
uma passagem e merecem destaque especial: a película preto e branco,
destaca uma vasta gama de tons cinza dos répteis que envolvem as moças
Ilustração 6 Registro em preto e branco das serpentes de Zé do Caixão
A montagem da cena é dinâmica ao utilizar muitos planos do calabouço
executados com a câmera na mão, gerais, médios, close-ups e detalhes
(cobras), alternados com planos do quarto, em sua maioria médios e detalhes
das mãos de Zé do Caixão que passeiam pelo corpo de Márcia. A seqüência é
28
finalizada com um plongée de Jandira, a vítima que amaldiçoa Zé do Caixão e
promete encarnar em seu cadáver.
O texto é reforçado pela aproximação da câmera em um lento zoom in,
que fecha o quadro conforme a maldição rogada pela personagem se
intensifica, todavia, a câmera não se estabiliza ao final do zoom, em plano
sequência o registro da maldição continua através de um zoom out e leva o
espectador para fora do calabouço. Mojica utilizou pequena parte deste
movimento de lente (zoom out) e cortou para o quarto, onde Zé, em pé,
observa o buraco aberto no chão.
Ilustração 7 Zé do Caixão, Márcia e Jandira
O que se vê, então, é algo pouco usual, a composição de um plano em
que metade do rosto de Zé do Caixão, em big close, ocupa o lado direito da
tela, enquanto o lado esquerdo é composto pelas mãos, de onde saem as
imensas unhas que seguram com delicadeza uma caixa de música.
29
Ilustração 8 Plano pouco convencional utilizado por Mojica
1.4 O Diabo Zé do Caixão rege a Natureza
Embora de uma maneira geral a definição mais aceita para classificar os
Demônios, era de anjos caídos que habitavam as trevas e possuíam corpos
etéreos, variadas foram tentativas de defini-los.
Segundo Delemeau, a apócrifa
4
Epístola de Barnabé, de 118 d.c, pregou
que haviam dois reinos opostos e que com a volta triunfal de Cristo, os anjos
lutariam para iluminar um mundo de trevas. Ainda segundo o autor, Policarpo
de Esmirna (156), entendia o Demônio como um espírito maligno que habitava
os corpos humanos e Justino Mártir de Samaria (100-163), conceituava que, no
tempo de Noé, os Demônios se uniram às filhas dos homens gerando um novo
exército de Demônios que, além de dominar os astros, utilizavam-se das
feitiçarias com as mais malévolas intenções. Pessotti, outro autor valioso nos
estudos da demonologia, assegura que, Irineu Bispo de Lyon (140-202)
acreditava que o Demônio era um anjo caído pelo pecado da inveja da maior
de todas as criações divina; o homem.
O poder imaginativo era infinito e Nogueira o descreveu assim: Pois os
diabos, que jamais conhecem o repouso, são incapazes de deixar os homens
em paz, infligindo doenças e provocando calamidades coletivas (secas, más
4
Livros escritos por comunidades ou cristãos e não forma aceitos no cânon bíblico
30
colheitas e epidemias) em que padecem homens e animais. (NOGUEIRA,
2000, págs 29-30).
Os fenômenos naturais, fossem eles benéficos ou maléficos aos homens,
eram creditados aos anjos ou demônios. Resultado da falta de conhecimento
sobre as leis que regiam a natureza, atribuir ao sobrenatural qualquer
acontecimento que não pudesse ser explicado de forma racional, foi freqüente
e perdurou por toda idade média. Não surpreende, portanto, que Mojica tenha
utilizado pertinentemente estes elementos naturais em seus filmes.
Na maioria de seus discursos inflamados contra Deus, Zé do Caixão
parece ter controle sobre estes elementos naturais. Em À meia noite levarei
sua alma, após assassinar o médico legista que atestara o suicídio de
Terezinha, o personagem chega à funerária e, olhando pela janela, começa a
ouvir as vozes de suas vítimas e o ambiente sonoro, criado a partir de então,
ganha força com sons de trovões. Ininterruptas, as vozes se multiplicam
ecoando na cabeça de Zé do Caixão, e a elas, agregam-se fortes batidas de
portas e o assovio do vento. O som ambiente e as vozes cessam, o que se
ouve é uma trilha composta de coral e sinos, com o controle da situação e uma
expressão de ódio nos olhos o personagem começa a proferir blasfêmias.
quebra estátuas de anjos, caminha trôpego pela funerária e sobe em
um caixão onde agarra uma Cruz. Este longo plano seqüência termina com o
personagem atirando a Cruz no chão e deitando-se sobre o caixão.
Em toda cena, Zé do Caixão parece orquestrar o ambiente, a fotografia e
a montagem sonora colaboram de forma efetiva para que se tenha a impressão
que através da tempestade de raios, o abominável vilão quer vingar-se de
Deus.
31
Ilustração 9 O diabo Zé do Caixão orquestra o tempo com sua fúria
1.5 Outros poderes do diabólico Zé do Caixão
Durante os primeiros séculos do Cristianismo, o Diabo sempre esteve no
cotidiano das comunidades. Suas primeiras figurações, como as encontradas
nas paredes da igreja de Baouit no Egito (século VI), já apresentavam traços
de deformidades, as unhas curvas e um sorriso sarcástico.
Em relação a esta característica nas formas de representação do Diabo,
pode-se notar que o sorriso largo e sarcástico de Zé do Caixão, também se faz
presente em diversos momentos em ambos os filmes.
Mojica possui uma característica física peculiar, e que permite ser mais
clara e evidente esta analogia com o sorriso sarcástico do Diabo. De lábios
finos, seu sorriso é largo e o bigode colabora para reforçar o sentido de
horizontalidade de sua boca
32
Ilustração 10 O sorriso sarcástico do diabo Zé do Caixão
A partir dos séculos XI e XII uma drástica transformação começou a ser
operada nas representações do maligno, e com o passar do tempo à
autoconfiança da igreja Católica, cedeu espaço a um pessimismo sem fim.
Mesmo com a evangelização dos povos Celtas e Germânicos e o declínio do
império Romano, a percepção de que o mal estava longe de ser extirpado era
evidente.
A divisão entre bem e mal que por muito tempo perdurou no plano
teológico, ganhou contornos de um combate feroz, uma guerra santa que
derramou rios de sangue e perdurou por toda a Idade Média e início da
Renascença.
As representações iconográficas que povoaram o mundo a partir deste
momento, obedeciam a uma hierarquia e foram assim descritas por Nogueira:
No alto e no meio encontra-se Deus, rodeado de um coro de anjos, com os
santos e os justos prestando-lhes homenagem; abaixo estão os mortais e, na
parte inferior ou à espreita, os espíritos malignos, que possuem formas
horríveis e repelentes ou, pelo menos, enigmáticas ou cômicas. O lugar mais
miserável e infeliz é ocupado pelos condenados (NOGUEIRA, 2002, pág 39)
33
Foi a partir das representações góticas (Séculos XIV e XV) que o
Demônio passou a ser representado pelas formas mais aberrantes. Se os
demônios possuíam forças extraordinárias, algo precisava ser feito para
combater as iniqüidades que assolavam as almas humanas. Neste contexto de
calamidade, os inquisidores da igreja Católica deram início a um processo de
identificação, caça, e exorcismo das bruxas.
Escrito em 1484, por Kramer e Sprenger, e destinado a instrumentalizar
inquisidores e eclesiásticos que enfrentavam o poder maligno, a obra Malleus
Maleficarum foi o grande manual da doutrina demonológica.
O Malleus ajudava a identificar um possesso, forma mais clássica da ação
demoníaca sobre o homem, e outro tipo de ação muito comum do Demônio: a
obsessão, que era ligada a capacidade demoníaca de alterar as propriedades
físicas do ambiente, dos objetos e até do próprio corpo humano, causando
assim: paralisias, cegueira, mudez e diversos sintomas, que hoje são
relacionados a doenças mentais e outras. Em um trecho do Malleus, Kramer e
Sprenger atribuíram ao Diabo fantásticos poderes: No outro exemplo, Satanás
retira a visão da pessoa por algum encanto e, repentinamente, a restitui,
eliminando a incapacidade que ele mesmo causará” (SPRENGER, 1484, pág
261)
Em relação a tais poderes, Mojica conseguiu produzir um efeito para os
olhos de Zé do Caixão que, embora possa parecer grosseiro nos dias de hoje,
precisou ser elaborado em laboratório e foi aproveitado nos dois filmes.
Sempre que Zé do Caixão está enfurecido ou sente-se ameaçado, as veias em
seus olhos irrigam-se de sangue, adquirindo uma tonalidade escura na película
preto e branco. Este poder parece enfeitiçar seus oponentes que, em estado de
transe enfraquecem-se perante o vilão.
Indrikis Kruscops, responsável por parte dos efeitos especiais de À meia
noite levarei sua alma, a grande maioria eram concebidos pelo próprio Mojica,
pintou os olhos de Zé do Caixão em uma fotografia tirada do mesmo plano e
ângulo da câmera e entregou ao montador Luís Elias que, através de
transições (fusões) fazia a passagem do filme em movimento para a fotografia.
34
Ilustração 11 Zé do Caixão e o poder de enfeitiçar com o olhar
Mas os atributos sobrenaturais não são as únicas armas do malévolo Zé
do Caixão. O coveiro, seguiu a risca os modelos inquisitoriais pregados pelos
autores do Malleus.
Segundo o Malleus, o poder diabólico era infinito, e à grande figura do mal
eram atribuídos poderes incomensuráveis, inclusive o de afetar o humor das
pessoas por ele possuídas.
Oficializou-se a partir deste momento (Século XV), um processo no qual
as confissões sempre a base de torturas aberrantes, justificavam, legitimavam
e mais que isso, validavam teológica e juridicamente os padrões de
comportamento nos quais os eclesiásticos acreditavam normais para a
Cristandade. Se por um lado, a tortura serviu aos inquisidores para fixar a fé
Cristã, por outro, foi componente fundamental para Zé do Caixão perpetrar
suas maldades com motivações diametralmente opostas as da Igreja Católica.
Zé do Caixão impressiona pelo sangue frio ao torturar suas vítimas.
Instalado em sua câmara subterrânea, assume a postura de um inquisidor,
disposto a convencer suas vítimas que sua verdade é única e seu ideal é
nobre; a existência e busca do ventre que lhe dará o filho perfeito.
Por ter mais recursos que em À meia noite levarei a sua alma, a produção
de Esta noite... foi mais elaborada. Rodada em uma sinagoga abandonada,
que Mojica alugou à baixo custo, o filme teve um orçamento três vezes maior
35
que À meia noite..., fato que permitiu ao diretor trabalhar da maneira que ele
julgava ideal para o projeto, rodar o filme em estúdio.
No interior da sinagoga, José Vedovato (cenógrafo) construiu os cenários,
inclusive a câmara de torturas de Zé do Caixão. No quintal do imóvel, Mojica
mandou abrir um buraco de 3 metros de diâmetro e o encheu de água, ali ele
rodou todas as cenas do pântano, sempre trabalhando com planos limitados
em sua abertura e montando as cenas de maneira dinâmica graças a grande
variedade de planos que havia captado.
Apesar de possuir um orçamento maior que o filme anterior, José
Vedovato ainda foi forçado a trabalhar com poucos recursos e a maioria dos
cenários foram produzidos com materiais baratos: papelão, sobras de madeira
e muita tinta constituíam a maior parte dos ambientes.
A câmara de torturas de Zé do Caixão é um cenário à parte, um
calabouço úmido, com todo aparato necessário para uma sessão de suplícios
do corpo. As paredes, pintadas de forma a parecerem rústicas, quando
registradas pela película preto e branco, proporcionam ao espectador a real
impressão de um local insalubre. O cenário construído por Vedovato, ainda é
composto de arcos que separam os ambientes, grilhões e portas fixadas por
dobradiças de ferro e enormes trancas.
36
Ilustração 12 Cenário construído por José Vedovato na sinagoga do Brás
1.6 O Diabo Zé do Caixão e os elementos
Respeitado e temido, o Diabo tornou-se mercador de almas; iludia,
trapaceava e aparecia sob todas as formas: ursos, sapos, ratos, corujas,
cobras, corvos, aranhas, abutres, cavalheiros, caçadores, mulheres e tinha
também a capacidade de revelar-se não somente em tormentos e calamidades,
mas em um simples farfalhar de folhas ou no gemido do vento.
Satã e seus agentes eram tidos como os mestres do disfarce, tendo sido
eles anjos, portanto, seres incorpóreos, possuíam a capacidade de
manifestarem-se em qualquer elemento: vapor, fumaça, emanações, sangue
fresco, água e fogo. Além dessas aptidões, possuíam um forte poder de
persuasão, conheciam diversas línguas para assim comunicarem-se com suas
vítimas em sua língua nativa, contudo, suas vozes eram estranhas, produziam
ecos e eram por vezes como se saíssem de dentro de um jarro.
A respeito deste domínio do Diabo sobre os elementos, Mojica utilizou um
recurso simples para envolver o personagem em uma espécie de aura, nos
prólogos dos filmes. Na abertura dos dois filmes, Zé do Caixão, em primeiro
plano, discursa sobre a vida e a morte, o personagem está envolto em fumaça,
como se tivesse acabado de materializar-se na cena, vindo do nada. Ao fundo,
no segundo plano da imagem composto pelo céu negro, a fumaça residual que
emana de Zé do Caixão, revela-se disforme e dança no ar transpassada pelos
feixes de luzes que a demarcam.
37
Ilustração 13 O diabo Zé do Caixão surgindo do nada
Outra característica do Diabo era sua cor, seja sob a forma humana,
animal, ou elementar, apresentava-se com a cor a preta.
Nunca se viu Zé do Caixão utilizando outra cor de roupa. Agente
funerário, Josefel Zanatás, em suas vestes pretas, destaca-se no ambiente
predominantemente claro.
Embora fique evidente que, alguns elementos do figurino de Zé do Caixão
foram utilizados por personagens clássicos do gênero Terror como; a capa por
Drácula de Bram Stocker; a cartola por Dr. Jekyll de Robert Louis Stevenson; e
e as unhas por Nosferatu de Murnau e Herzog; Mojica conseguiu criar um
personagem extremamente autoral ao agrupar todos estes elementos. Zé do
Caixão, como tantos outros personagens do gênero, possui certa nobreza e
difere-se dos outros personagens pela maneira excêntrica de vestir-se e por
suas características físicas.
1.7 Zé do Caixão: o luxurioso Íncubo
Se o Malleus Maleficarum foi fundamental para a identificação dos casos
de possessão, a publicação do Compendio de ll`arte Essorcista, et Possibilita
delle Mirabili et Stupendi Operazione delli Dmoni, et de`Malefici, de Hieronimus
Menghius Vitelianenseis (1529-1609), dividiu-se em três partes, e foi
38
fundamental para que os exorcistas e eclesiásticos identificassem e punissem
o Maligno que assolava o mundo.
Em comum com o Malleus, o Compendio relacionou as ações diabólicas a
qualquer aberração do comportamento humano, como a violência física, as
alucinações, excitações eróticas, ansiedade, esterilidade, impotência, entre
outras. Segundo Menghius, as ilusões podem a partir de inferências
demoníacas, tornarem-se alucinações que desencadeavam ações patológicas.
Não era raro, portanto, atribuir as mulheres e sua voluptuosidade carnal um
dos principais elementos das maquinações do Demônio.
Mojica explora o tema em ambos os filmes. O apetite sexual e a
brutalidade, expostas por Zé do Caixão nos filmes À meia noite... e Esta
noite..., reforçam a idéia de que do Caixão é a personificação do Diabo
Esta volúpia luxuriosa do personagem é destacada na seqüência em que
Zé do Caixão observa suas vítimas deitadas em um quarto, em Esta noite... O
cômodo, construído pelo cenógrafo José Vedovato, é decorado por colunas
envoltas em trepadeiras e camas que assemelham-se a elementos
cenográficos de um contos de fadas. Neste ambiente onírico, aranhas
passeiam pelos corpos seminus das mulheres, para o deleite do Diabólico Zé
do Caixão que, em êxtase, observa tudo por um orifício aberto na parede. O
registro realizado com a câmera na mão aproxima o espectador das aranhas
negras, que contrastam com a pele clara das mulheres.
Ilustração 14 Caranguejeiras enviadas pelo diabo Zé do Caixão
39
Várias correlações eram feitas entre as mulheres e os Demônios. Para o
pregador Thomas Murner, a mulher é um diabo doméstico; vaidosa, viciosa,
infiel e que tenta dominar o marido para le-lo as profundezas do inferno.
Nessas situações, os homens devem impor-lhes surras brutais, pois tais
mulheres possuem nove peles.
Zé do Caixão é violento e evidencia sua brutalidade através da surra
imposta à Terezinha em À meia noite.... Nesta seqüência, a capa de Zé do
Caixão destaca-se através dos movimentos corporais, ensandecido o
personagem não se cansa de desferir violentos golpes na indefesa mulher. A
cena torna-se mais aterradora a cada plano, a capa do coveiro movimenta-se
com velocidade e parece ser uma extensão do seu corpo.
A utilização de um contra plongée de Zé do Caixão, simulando a visão de
Terezinha (câmera subjetiva) deitada no sofá, preenche o quadro com o mais
puro terror, ao colocar um algoz furioso golpeando a lente, ou seja, o
espectador. A opção por este tipo de posicionamento de câmera tem por
objetivo provocar tal efeito; fazer o receptor sentir o terror pelos olhos de um
personagem.
40
Ilustração 15 Zé do Caixão espanca Terezinha brutalmente em À meia noite
A respeito da questão feminina no período, Gervasius Tilberienses
5
,em
1211, anunciou histórias fantásticas; afirmava ele que: os pesadelos (incubbi),
na denominação médica, eram nada mais nada menos que, imaginações
inflamadas e assim serviam para confirmar as presenças malignas em
indivíduos. Para fazer tal afirmação, Gervasius utilizou-se da autoridade de
Santo Agostinho que já havia associado pesadelos a Silvanos e Faunos
6
, seres
fantásticos que mantinham relações carnais com as mulheres.
Segundo Santo Agostinho, os Súcubos (“os que deitavam por baixo”)
eram Demônios fêmeos que tentavam os homens sob a forma de belíssimas
mulheres, provocando assim a quebra do voto de castidade para quem o tinha
feito ou o adultério por parte dos homens casados. Além dessa ordem, existiam
também os Íncubos (“os que deitavam por cima”), que eram diametralmente
opostos, ou seja, espécimes masculinos que corrompiam as mulheres,
deflorando-as se fossem virgens ou induzindo, se fossem casadas, ao
adultério.
5
Autor do século XI
6
Termo genérico que engloba a família mitológica dos faunos, sátiros, silenos e várias divindades tidas
como "campestres", ligadas aos ciclos da natureza, à música e ao sexo. Geralmente representados com
a parte superior humana, chifres e parte inferior animalizada
41
Zé do Caixão é um íncubo, portanto, nem sempre precisa utilizar a força
bruta para saciar seus desejos carnais, pois é capaz também de seduzir para
conseguir obter seu principal desejo; o de gerar o filho perfeito e perpetuar uma
nova geração de demônios.
Esta característica peculiar revela-se em Esta noite... através da
personagem Laura que, não resistindo à tentação do demônio Zé do Caixão,
entrega-se a ele durante o velório de seu irmão.
Zé do Caixão possui poderes sobrenaturais e através deles consegue
comunicar-se com Laura que repousa em sua cama e escuta o chamado de
Josefel Zanatás. Com uma capa que lhe cobre os ombros, Laura vai ao
encontro de Zé do Caixão. Os planos detalhes que se seguem, evidenciam as
gigantescas unhas que, acompanhadas pela câmera, deslizam suavemente
pelo corpo de Laura.
Ilustração 16 As unhas de Zé do Caixão acariciando Laura
42
Ilustração 17 O incubo Zé do Caixão possui Laura
1.8 Retratos do Diabo: Zé do Caixão e a Iconografia Demonista
Se, na Idade Média, a Teologia construiu e formatou um Demônio de
inesgotável poder, tais atributos foram herdados pela Renascença que, por
meio de um grande apuro artístico criou suas maiores representações,
multiplicando a presença do Diabo no mundo.
Ponto simbólico de partida para este processo de representação do
inferno e de seu mais ilustre habitante, A Divina Comédia, escrita no século
XIV, marcou definitivamente o confronto entre o bem e o mal. As alucinantes
visões de Dante conceberam um inferno dividido em 9 círculos, dentre os
quais, o primeiro é particularmente curioso, o autor refere-se a ele como o
limbo, um lugar onde não existe o choro dos pecadores, apenas suspiros, é a
morada das crianças que morreram em batismo, é também onde se encontram
aqueles que honraram as ciências e as artes.
Com o início da peregrinação no segundo círculo, Dante e Virgílio entram
no inferno; um abismo que se estreita e torna-se mais cruel a cada círculo, um
sorvedouro de almas onde, nas profundezas, habita o próprio Lúcifer.
43
Ilustração 18 Dante e Virgilio no Inferno, Quadro de William Adolphe Bouguereau.
1.8.1 O Inferno de Mojica
O inferno, construído por Mojica em Esta noite encarnarei no teu cadáver
é especial e consumiu boa parte do orçamento do filme. Todos os esforços do
diretor foram concentrados neste desejo de construir uma visão autoral para o
reino do maligno.
Mojica, Georgi Atili e José Vedovato construíram um inferno de madeira e
gesso
7
digno das peregrinações de Dante e Virgilio. Ao utilizar como suporte
para registrar este cenário, filme colorido que, em 1966 era extremamente caro
para os padrões do cinema feito no Brasil, Mojica desenvolveu uma visão muito
particular do Reino do Mal. A ousadia de Mojica foi tão grande para a época
que nos cartazes de divulgação lia-se escrita a frase: O INFERNO EM CORES
VIVAS !
A perambulação de Zé do Caixão no inferno, inicia com uma figura negra
e enigmática que o arrasta para o cemitério, as mãos que saem dos túmulos
44
puxam o personagem para debaixo da terra. Por meio de fades (out e in),
do Caixão adentra ao inferno de cores vivas.
A figura zombateira que o arrastou para baixo está a sua frente e gargalha
ininteruptamente, quando, de repente, desaparece de seu campo visual. As
paredes feitas com uma espécie de rede e iluminadas com luzez vermelhas,
parecem lava. As vozes dos penitentes acrescidas de um coral, criam uma
sonoridade apavorante. Zé levavanta-se e, descalço, caminha pelo reino das
trevas, onde pecadores murmuram por socorro.
Esgueirando-se pelos corredores, Zé do Caixão observa estupefato partes
de corpos que saem sangrando do teto e das paredes. Uma fenda abre sobre
seus pés e o coveiro cai num abismo sem fim.
Como na obra de Dante, os castigos sofridos pelos penitentes são
variados e aplicados em diversos ambientes (os círculos). Não existe, porém,
no inferno de Mojica, uma distinção clara quanto aos tipos de pecados
cometidos pelos habitantes de cada ambiente, informação que é muito precisa
na Divina Comédia. “Da ponte sobre a terceira vala, Dante vê os simoníacos
que estão metidos de cabeça para baixo em estreitos buracos redondos, só
com a perna para fora e com fogo ardendo sobre as plantas dos pés”(
Aliguiere,133)
A sequência surreal do inferno criado por Mojica, encerra-se com o
encontro de Zé do Caixão com ele próprio, ou melhor, Mojica trajado de Nero,
tirano sanguinário e grande inimigo do Cristianismo. Para duplicar sua imagem
no filme, Mojica utilizou uma técnica que Georgi Atili não acreditava que
pudesse funcionar. O diretor desmontou a câmera, uma Mitchel
8
, tampou
metade do obturador e rodou a cena em que aparece vestido de Nero,
retrocedeu o filme, inverteu a posição do pedaço de cartolina que havia usado
para tampar o obturador e rodou por cima do negativo, já exposto à luz, a
imagem de Zé do Caixão. Estava pronto a partir da dupla exposição o encontro
do Diabo Zé do Caixão com Nero.
7
Informação técnica obtida no livro Maldito
8
As Informações técnicas foram obtidas no livro Maldito, onde Barcinski descreve a realização da cena
45
Ilustração 19 Cena do Inferno de Mojica em Esta noite
Ilustração 20 Visões Dantescas criadas por Mojica
46
Ilustração 21 O inferno em cores vivas criado por Mojica em Esta noite encarnarei no
teu cadáver
1.8.2 O Diabo Zé do Caixão enfrenta Deus
Se até o século XI a elite ocidental havia resistido à convulsão do
satanismo, foi a partir deste momento que, uma iconografia demonista
alucinante, e reveladora dos martírios dos pecadores e das tentações que o
Diabo impunha aos homens de bem começou a ser construída de forma mais
contundente.
Anterior a obra de Dante, relatos vindo do Oriente (Séc. IV) davam conta
das desventuras do apóstolo Paulo que, ao chegar à porta do Império de Satã
presenciou os seguintes fatos: árvores de fogo com pecadores enforcados em
seus galhos, um rio de chamas onde outros eram submersos de acordo com as
classes de seus pecados e um poço do qual emanava um odor insuportável.
Imagens parecidas foram encontradas nas visões de Tungdal
9
, nas quais o
inferno é representado por um lago de fogo e um de gelo, neste cenário
9
Em 1484, uma obra intitulada "a Visão de Tungdal", de um autor anônimo irlandês circulou na
Holanda. É um longo poema que conta a história de Tungdal, um cavaleiro Irlandês do século X
que após uma existência de ociosidade e de vício, vê em sonho o inferno durante três dias e
três noites.
47
estarrecedor, animais fabulosos se alimentavam das almas dos avarentos e
infiéis.
Parte desta simbologia foi utilizada nos momentos finais de Esta noite.....
Zé do Caixão recebe provas suficientes para acreditar que a maldição que lhe
foi imposta por Jandira está em curso, e isso o deixa assustado.
Desafiador, Zé do Caixão exige de Deus uma prova e é prontamente
atendido, um estrondoso raio atinge uma árvore que está ao seu lado. O plano
de conjunto com Zé do Caixão e a árvore em chamas, revela então um Deus
vingativo, e disposto a atingi-lo. Em estado de cólera, sob a árvore em chamas
que o atingiu, Zé do Caixão sublima sua descrença rotulando o fato apenas
como um capricho da natureza.
Ilustração 22 Zé do Caixão e a árvore em chamas
1.8.3 O grotesco Zé do Caixão
As primeiras representações do Diabo que originaram a figura que
conhecemos hoje datam do século VI. Criatura querida por Deus, até o
episodio de Jó, Lúcifer ainda não era representado neste período como uma
personagem assustadora, porém, em algumas representações já aparecia
abatido e irônico, como na Bíblia de Gregório de Nazianzeno
10
. Foi, toda via, à
partir dos séculos XI e XII que ocorreu a primeira explosão de imagens
10
Teólogo Grego que viveu entre 330 e 390
48
demoníacas, como a do Diabo devorador de gente da Igreja Saint Pierre de
Chauvigny (França).
Ilustração 23 Escultura em uma coluna romana da Igreja Saint Pierre de
Chauvigny.
A negação dos teólogos em absorver essas imagens foi clara e evidente
até o século XIII, porém, a partir deste período, a proliferação das imagens
Demoníacas aconteceu em uma profusão sem precedentes e, nos anos
seguintes à peste negra, apareceram em muitas igrejas:
... nas paredes do Campo de Pisa e na capela Strozzi de Santa Maria Nova em
Florença. Aqui o artista ( A. Orcagna ou um de seus alunos) seguiu de perto o texto
da Divina Comédia. Um testemunho impressionante sobre essa “nova angústia” (G.
Duby) é fornecido por um ciclo de afrescos pouco conhecido, porque decora a igreja
de uma pequena cidade, San Gimignano. Trata-se do inferno (1396) de Taddeo di
Bartolo, no centro do qual reina um Lúcifer bastante semelhante ao do Campo de
Pisa por suas dimensões gigantescas, sua cabeça de Ogre, seus chifres, suas mão
poderosas que esmagam condenados ridiculamente pequenos. Nos diferentes
compartimentos do horrendo reino, os demônios desenrolam os intestinos dos
invejosos, fazem vomitar os avarentos, impedem os glutões de comer os pratos de
uma mesa abundantemente servida, chicoteiam os adúlteros, cravam estacas em
chamas no sexo das mulheres que foram levianas. (DELEMEAU, 1989, pág 240-241)
Como se pode notar na descrição de Jean Delemeau, toda sorte de
barbáries contra os humanos o Demônio era capaz de infringir. A iconografia
Demonista, criada a partir do século XIV, não encontrou fronteiras para
descrever e afirmar o poder e a sordidez do Diabo e seus sequazes.
Na França, a partir da metade do século XV, os suplícios encontraram seu
apogeu, inspirados principalmente nas Visões de São Paulo e nas lendas
Irlandesas (Tungdal) que, serviram de modelo para a decoração de diversas
49
Igrejas, como a de Saint Maclou de Rouen. O Diabo de Rouen, forja de martelo
em punho, a alma dos pecadores em uma estranha bigorna feita de corpos
humanos. Como se não bastasse imagem tão assustadora, há ainda os
pecadores que estão deitados em uma grelha e são regados a ferro fundido.
A dilaceração do corpo humano também é um tema que Zé do Caixão
explora em ambos os filmes. O uso de ácido para deformar uma de suas
vítimas no calabouço (Esta noite...), o dedo do oponente amputado no bar (À
meia noite...), os olhos do médico furados com as próprias unhas (À meia
noite...), o afogamento de Antônio (À meia noite...), e a cabeça de Cláudio
esmagada pela enorme rocha (Esta noite...), expõem um Zé do Caixão que
impõe suplícios à aqueles que não crêem em seus dogmas, e portanto, tornam-
se “pecadores” aos seus olhos.
Traço em comum entre a maioria das representações criadas no período
de expansão (séculos XIV e XV) da iconográfica demonista, foi o rebaixamento,
alcançado por uma alucinante combinação de elementos heterogêneos que,
via de regra, provocaram deslocamento de sentido ao hibridizarem formas
humanas e animais, revelarem as partes baixas do corpo, introduzirem fezes e
dejetos como elementos de composição das imagens. Estes deslocamentos
acabavam por provocar, naqueles que os viam, efeitos como: riso, horror, nojo,
espanto e repulsa.
Esta profanação do Belo - tratado aqui pela perspectiva do antigo Grego
que o classificava como; simetria, conciliação dos opostos ou mesmo uma
tensão mantida com equilíbrio entre os opostos, - passou a ser introduzida na
arte com relativa freqüência e foi responsável pela desarmonia do gosto, ou
disgusto, mas curiosamente não criaram imagens necessariamente feias.
“Ou seja, se retirarmos do belo um traço positivo que o constitui como tal
(por exemplo, a proporção ou a harmonia), não produzimos
automaticamente o feio...Assim, um objeto pode causar repulsa ou
estranhamento do gosto e não ser necessariamente o feio. (SODRÉ,
2002, pág 19)
Assim, quase em sua totalidade, a iconografia que representou o
Demônio, fundamentou-se no grotesco, que por sua vez, primou pela
50
heterogeneidade na composição dos elementos ao transgredir as leis da
natureza e das proporções.
Se o grotesco revela-se também a partir das desproporções e
deformidades, Zé do Caixão possui, de modo bem definido, um caráter
grotesco similar ao revelado nas obras que conceberam o Diabo. Traço mais
marcante da configuração estética de Zé do Caixão, as longas unhas tornaram-
se uma marca inconfundível do personagem.
Esta característica física do personagem é acentuada principalmente com
um bom uso das expressões corporais. Não é difícil observar, nos dois filmes
analisados, que: o diretor/ator privilegiou esta particularidade em diversos
momentos, seja por meio da elevação das mãos junto ao rosto em planos mais
fechados, ou ainda, por uma infinidade de planos detalhes que reforçam esta
deformidade ao colocar o espectador muito próximo deste pedaço aberrante do
corpo do personagem.
Outro predicado marcante de suas unhas é a repulsa que elas causam
em outros personagens que tentam evitar o toque de Zé do Caixão a qualquer
custo.
Ilustração 24 Mojica em suas atuações como Zé do Caixão sempre utilizou o recurso de
aproximar as mãos do rosto
51
1.8.4 Zé do Caixão e o apogeu da Iconografia Demonista
.Hieronimus Bosch foi quem criou às mais impressionantes e violentas
representações da loucura e do Inferno. O apogeu dessas representações
foram os Juízos Finais, dos quais, A Queda do Anjo, Criação de Eva, Pecado
Original e expulsão do Paraíso e O Inferno, emolduram um cenário que, revela
de forma assustadora o universo Demoníaco em sua totalidade.
O Jardim das Delícias Terrenas é uma obra clássica do pintor. Trata-se de
um Tríptico (três painéis) que descreve a história do mundo a partir da criação
e apresenta o paraíso terrestre e o inferno nas laterais. Ao centro, participantes
desinibidos celebram os prazeres da carne e são observados, nas duas
laterais, por corujas, “a ave de Satã” (DELEMEAU, 2002, pág 243)
Vale ressaltar que a coruja está presente em À meia noite... e foi inserida
nas cenas finais do filme; ela observa o Diabo Zé do Caixão em meio a seus
tormentos. Além da coruja, outros animais que são tidos como criaturas que
representam Satã fazem parte do cortejo de seres inferiores que acompanham
o demônio Zé do Caixão: gatos pretos, aranhas, ratos e cobras.
Nas obras de Bosch, o Diabo impõe todos os tipos de suplícios aos
pecadores. Um condenado crivado por uma flecha é suspenso e carregado
pelos pés no inferno de Viena. Outro pecador gira ininterruptamente uma
manivela, enquanto alguém sofre um castigo horrendo, e é crucificado em uma
harpa gigante.
52
Ilustração 25 Triptych of Garden of Earthly Delights Hieronymus Bosh -
Ilustração 26 Triptych of Last Judgement - Hieronymus Bosh
53
A respeito das descrições sobre as obras de Bosch realizadas pelo
historiador francês Jean Delemeau, fica evidente as características grotescas
também identificadas por Muniz Sodré em sua obra “O império do Grotesco”,
que, trata entre outras coisas, da hibridização das formas humanas e animais,
Sodré revela que, além de possuir uma origem distante, este tipo de
hibridização funciona como mecanismo de rebaixamento (Bathos
11
)
“É antiquíssima, no entanto, a identificação mítica e figurativa entre o homem e o
animal, fazendo-se presente nas fábulas e sistemas morais. Muitas vezes, a
identificação passa pela referência ao excremento como metáfora para o
rebaixamento frente a valores tidos como excelsos ou para uma radical ausência de
qualidades (consciência moral, sexualidade civilizada, alimentação regrada, máscaras
edentitárias, etc), isto é, o grau zero da condição humana.” (SODRÉ, 2002, pág 21-
22)
Outra forte característica de Hieronimus Bosch é o universo onírico criado
em suas obras. Este, funcionou como espaço de ligação entre o visível e o
oculto, o real e o imaginário e revelou o aterrador destino dos culpados e o
horrendo fim dos pecadores; um Satanás que possuí grelhas de um forno no
lugar do ventre, e está sempre pronto para queimar para sempre as almas que
em vida perambularam nos caminhos da perdição.
Bosch expressou de forma contundente, todo o medo decorrente de uma
época na qual o Diabo era o senhor absoluto da terra. Embora suas obras
tenham um caráter violento e traços característicos que permitam sua
identificação, Bosch insere-se em um contexto muito maior, um período no
qual, as representações disformes do Diabo eram recorrentes nas obras de
diversos artistas, como a dos irmãos flamengos Henri Bales e Jan Van Eyck
que também consagraram o tema do Juízo Final com um demônio que abraça
com suas terríveis asas os pecadores, separando-os de Deus.
Assim como o Diabo de Eyck, Zé do Caixão envolve suas vítimas com
sua capa. Com uma sanha impressionante, o personagem parece neutralizar
suas vítimas com este recurso que, embora não faça parte de sua anatomia,
está agregado ao personagem e é uma ampliação de seu corpo físico.
11
Efeito conseguido pela combinação insólita de elementos heterogeneos
54
55
Ilustração 27 The Last Judgment, Jan Van Eyck e Henri Bles, 1420-25
Ilustração 28 Populares sob o olhar atento do diabo Zé do Caixão
Ilustração 29 Zé do Caixão e sua capa: prolongação do corpo
56
Obra clássica e obrigatória em um estudo da iconografia demonista é o
grande afresco pintado por Michelangelo, em 1508-1512 na Capela Sistina
(Itália), onde, mais uma vez, os demônios açoitam os condenados que são
arrastados para fora da nau sob o olhar incrédulo daqueles que se elevam em
uma busca desesperada pela salvação eterna.
Em seu barco que desliza suavemente pelas águas do pântano, Zé do
Caixão, com o auxílio de Bruno, também envia as almas de suas vítimas ao
inferno.
57
Ilustração 30 Juízo final de Michelangelo, 1508-1512 Altar da capela Sixtina
Ilustração 31 Zé do Caixão e as almas do pântano
58
1.9 Conclusão
Ao relacionar Zé do Caixão com as representações do Diabo, nada mais
fiz que obedecer a uma dedução lógica, uma vez que, o nome do personagem
faz uma clamorosa alusão a Satanás. No entanto, confesso que não esperava
encontrar tantos indícios que comprovassem esta estreita ligação entre as duas
figuras.
Mesmo desconsiderando seu discurso recheado de blasfêmeas e seus
atos heréticos, o que por si só dariam provas suficientes da aproximação entre
os dois, os elos que ligam imageticamente, Zé do Caixão ao Diabo, são muitos
e podem ser observados com freqüência em Esta noite encarnarei no teu
cadáver e em À meia noite levarei sua alma. Ao fazer um levantamento
histórico e traçar a trajetória do Diabo na Cultura Ocidental, certifiquei-me cada
vez mais que, Mojica criou um personagem Diabólico, principalmente no que
diz respeito a suas características físicas, aos seus poderes e na forma pela
qual é sentido pelos outros personagens e pelo público. Não afirmo, entretanto,
que o diretor o tenha feito de forma absolutamente consciente, e muito menos
que, possua um grande referencial histórico sobre o Diabo, muito do que se vê
em ambos os filmes é fruto da mente criativa do diretor, além, obviamente, de
“algum” referencial sobre o tema.
Como descrevi neste capítulo, a figura do Diabo se configurou durante
séculos de história da cultura Ocidental, acomodou-se em sociedades
dominadas pela Igreja Católica e de certa forma sobreviveu até os dias atuais.
Portanto, as referências que Mojica possuía sobre o Diabo, ao criar Zé do
Caixão, não passavam de fragmentos desta história, herdados e transmitidos
por gerações da sua família Católica que migrou da Espanha para o Brasil e
pela convivência com padres durante a sua infância (Mojica chegou a ser
coroinha)
12
. Mesmo tendo construído o personagem por meio de um processo
praticamente intuitivo, Mojica conseguiu, de forma muito representativa,
resignificar o Diabo através do coveiro Zé do Caixão.
12
Informação obtida na Biografia Maldito
59
Capítulo 2 Estruturas narrativas, blasfêmias e heresias
2.1 Mojica e o gênero Terror
O cinema de José Mojica Marins, insere-se em uma categoria específica
se relacionado à questão do gênero, a do Terror. Esta afirmação fica evidente
na medida que seu principal personagem provoca tal efeito no público receptor
O Gênero Terror requer especificidades narrativas que são recorrentes em
diversas obras, e é em busca dessas recorrências que desenvolvo este
capítulo, nele busco encontrar modelos de estruturas narrativas já utilizadas no
desenvolvimento do gênero e que foram usadas pelo cineasta nas construções
dos roteiros de À meia noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu
cadáver.
2.2 As estruturas narrativas do gênero Terror
A apalavra “horror” deriva do latin “horrore” ficar em pé( como cabelo em pé)
ou eriçar e do francês antigo “orror” eriçar ou arrepiar. E embora não seja
preciso que nosso cabelo fique em pé quando estamos artisticamente
horrorizados, pe importante ressaltar que a concepção original da palavra a
ligava a um estado fisiológico anormal (do ponto de vista do sujeito) de
agitação sentida.(CARRELL, pág 41)
O que descreverei neste capítulo, são técnicas narrativas que buscam
alcançar um determinado efeito no espectador dos filmes de Mojica, ou mais
precisamente nos filmes de Zé do Caixão, o terror.
Poucos gêneros possuem a característica de ser nomeado pelo efeito
provocado, caso específico do gênero em questão. Considero conveniente este
preâmbulo, para esclarecer que esta pesquisa parte de um princípio lógico;
sendo os filmes de Mojica enquadrados neste gênero, são provocadores de
tais efeitos.
Posto isso, analisarei modelos estruturais do gênero e buscarei nos
roteiros dos filmes da personagem Zé do Caixão, identificações com estes
moldelos.
Outra atribuição deste capítulo é identificar nas falas de Zé do Caixão as
características demoníacas do personagem, portanto, as transcrições de
trechos dos dois filmes, enfatizarão momentos em que do Caixão externa
60
seu ódio pela religião Católica, zomba de Deus e dos homens de fé, evoca o
Diabo e profana os símbolos da Igreja. Católica
2.3 Zé do Caixão e o Enredo de descobrimento complexo
Como toda história narrada ou escrita, um roteiro também necessita de
uma estrutura, que é cambiável e molda-se a cada novo enredo, mas quando
esta história destina-se a um gênero específico, a fundação de sua estrutura
mantém-se sólida e inabalável, apesar das variantes criadas para cada obra.
Antes de tratar especificamente das técnicas de roteiro para o gênero
terror e descrever suas aplicações nos filmes do personagem Zé do Caixão,
acho válido lembrar que categorizei Zé do Caixão como uma figura Diabólica,
pois, além das suas características físicas, o personagem age como a maioria
dos protagonistas do gênero, os monstros.
Os monstros e seus projetos nas ficções de horror são invariavelmente maus.
Em geral, são imensamente poderosos, ou, pelo menos, dispõe de alguma
vantagem óbvia sobre os seres humanos e, além disso, muitas vezes têm a
vantagem de agir secretamente (...) quando os monstros são encontrados
pelos humanos, a situação está madura para o suspense, pois os
ameaçadores motivos dos monstros tem as melhores chances de êxito”
(CARRELL, pág 199)
É inegável que Zé do Caixão é uma figura má: rapta, violenta e mata
mulheres e quem mais se opor ao seu objetivo (gerar o filho perfeito).
Age, até onde consegue, secretamente, além de possuir larga vantagem
sobre os humanos, uma vez que, é ardiloso, uma figura aterradora e possui
vantagem sobre seus oponentes.
Em uma cena de Esta noite ..., Zé do Caixão entra em seu quarto como
se levitasse, em plano médio, portanto sem os pés em quadro, caminha sem
solavancos, o que causa a nítida impressão de estar flutuando no ar. A grande
maioria das formas artísticas nas quais o terror é representado é narrativa, e o
suspense, embora não seja exclusividade do gênero, é uma característica
eminente em todas elas.
61
Qualquer pessoa que conheça minimamente o gênero, ao assistir um
filme de terror, tem uma boa noção do que irá acontecer no desenrolar da
trama, ou seja, são narrativas repetitivas. O fato curioso é que, mesmo sendo
previsíveis, ainda despertam os interesses do público.
Também é óbvio que o terror se divide em subgêneros: fantasmas, casas
amaldiçoadas, possessões, criaturas espaciais entre outros. Embora estes
subgêneros existam, as estruturas utilizadas em todos eles são praticamente a
mesma.
Segundo Carrell, um dos padrões a ser seguido é “O enredo de
descobrimento complexo”, que possui quatro atos principais, assim descritos.
2.3.1 A Irrupção
“Aqui a presença do monstro é estabelecida para o público” (CARRELL,
pág149). Neste momento insere-se de fato o terror na história e isso pode se
dar de diversas maneiras, pois, a irrupção pode ser precedida por uma cena da
abertura caso específico de À meia noite..., onde após uma reflexão de Zé do
Caixão sobre morte e vida, uma bruxa avisa os espectadores do filme dos
perigos que estão por vir, e ao ameaçá-los, dá-lhes uma última chance para
que saiam da sala de cinema - ou ser de forma gradativa, ou seja, ao assistir
boa parte de um filme o espectador vai recebendo pistas que o ajudam na
identificação do monstro, o que Carrell classificou como defasagem
Ilustração 32 Início de À meia noite…
Neste sentido, é interessante a maneira que Mojica construiu o roteiro de
A meia noite..., pois, embora o público tenha indícios logo no início do filme do
62
caráter nefasto de Zé do Caixão, os personagens da trama demoram para
chegar à constatação de que ele realmente é o monstro.
A segunda aparição de Zé do Caixão em À meia noite ...,, já revela o mal
incutido no personagem por meio de uma odiosa blasfêmia. Ao chegar em
casa, o personagem pede para que a esposa lhe sirva carne de carneiro, ela o
avisa que é dia santo, e Zé, sem titubear, responde:
“Que me importa se é dia de santo ou do demônio, como carne nem
que for de gente “
Mais adiante Zé do Caixão matará a esposa, sedando-a e colocando uma
horripilante aranha sobre seu corpo.
Ilustração 33 O Diabólico Zé assassina a esposa em À meia noite
Mas é preciso que Zé do Caixão execute Antônio, sua segunda vítima, o
qual cobiça a noiva, para que a população comece a desconfiar que algo
anormal está acontecendo.
O público, portanto, dispõe muitas vezes de um quadro mais completo do que
está acontecendo ou, para mudar de metáfora, o público tem mais peças do
quebra cabeças do que os personagens e essa perspectiva faz com que o
público chegue a seu descobrimento antes dos personagens e, com isso,
provoca-se uma sensação aguda de expectativa no leitor ou no espectador”
(CARRELL, pág151)
Em Esta noite..., Zé do Caixão tem sua irrupção de forma bem curiosa.
Após morrer no final do primeiro filme, Zé reaparece na cena inicial, envolto em
fumaça, questionando-se sobre o que é a vida, a morte, e o nada. Na
seqüência, Mojica insere o final de À meia noite ..., com uma cena extra, que
63
revela o momento em que um dos populares que encontra o corpo de Zé do
Caixão pergunta: ele ainda vive?
Após ressuscitar Zé do Caixão inserindo uma fala de seu filme anterior,
Mojica apresenta os créditos, aplicados em um clipe com cenas de todo o filme,
alternadas com imagens de Zé do Caixão; recuperando-se no hospital, sendo
julgado de venda nos olhos (em À meia noite levarei a sua alma ele morre com
os olhos esbugalhados) e sendo absolvido. A seqüência de abertura encerra-se
com Zé do Caixão recuperado e assim que o médico retira sua venda, ele sorri
Diabolicamente.
Ilustração 34 Cenas de abertura de Esta noite...
As irrupções nos dois filmes possuem em comum a primeira cena, Zé do
Caixão questionando-se envolto em fumaça, afinal, o demônio manifesta-se de
diversas formas, pois é um ser etéreo. Porém, Esta noite...é diferente, não
houve por parte de Mojica, como escritor do roteiro, a necessidade de defasar
a irrupção de Zé do Caixão, pois, suas maldades já eram conhecidas do
público, e para aqueles que não as conheciam, a repetição da cena de À meia
noite...ajudou bastante.
A primeira aparição pública de Zé do Caixão já recuperado, revela que
seus poderes cresceram, suas vestes são mais elegantes e um grande botom
decora o colarinho preto de sua camisa. A população da cidadezinha corre
para suas casas aos gritos É o Zé do Caixão, é o Zé do Caixão! o que
denota o poder do homem que voltou do mundo dos mortos.
64
Ilustração 35 Zé do Caixão chega a cidade em Esta noite…
Na seqüência, planos com câmera subjetiva mostram seis mulheres
sendo raptadas, e embora seja claro para o espectador que o responsável
pelos raptos é Zé do Caixão, a irrupção propriamente dita só se dará alguns
minutos depois, quando as moças aparecerão dormindo em um quarto. Zé
observa todo o cômodo por um buraco na parede, logo enormes aranhas são
soltas e passeiam sobre os corpos seminus.
Ilustração 36 Márcia em meio a experiência de Zé do Caixão
Vindo de Zé, aranhas podem parecer filmes de Matinê aos sábados, pois
a verdadeira face de Zé revela-se na cena seguinte. Após escolher Márcia,
aquela que não teme as aranhas, Zé leva as outras moças para um insalubre
calabouço, dá uma delas de presente a Bruno que, momentos após sua saída,
volta carregando a vítima morta em seus braços. As amigas desesperam-se,
Zé manda calarem-se, deforma a face do cadáver com ácido e as trancafia em
uma masmorra.
65
Ilustração 37 Zé do Caixão e Bruno no calabouço
Uma cena muito interessante de Esta noite..., ocorre em frente à Igreja.
Toda a população da cidade está reunida, ouve atentamente as acusações
feitas pelo Coronel que chama Zé do Caixão de demônio, e apoiado pelo padre
e o Delegado, incita um levante da população para expulsar o agente funerário
da cidade. Zé aparece sobre um muro ao soar de um gongo, a figura toda de
preto contrasta-se com o céu que está em segundo plano, as mãos que,
apoiavam-se na cintura, agora apontam acusadoras para a população
Ilustração 38 O coronel convoca a cidade para acusar Zé do Caixão
“Zé do Caixão é o culpado. Porque? Por eu ser diferente? Por não ter o
mesmo credo? Sou tão culpado como qualquer um de vocês...”
A imagem funciona como uma tentativa do personagem em defasar sua
irrupção. Para compreender o movimento de condução que encaminha a
irrupção para o descobrimento, segundo elemento proposto na construção do
”Enredo de descobrimento complexo”, Carrell apresenta a seguinte proposta.
.“O descobrimento propriamente dito, ocorre quando um personagem ou grupo
de personagens chega à convicção comprovada de que um monstro está na
raiz do problema. A irrupção, genericamente falando, compreende as cenas e
as seqüências que envolvem a manifestação do monstro antes do
descobrimento deste monstro; o movimento de irrupção pode tornar-se muito
extenso, ao passo que a evidência, muitas vezes sob a forma de assassínios
66
ou de outros acontecimentos nefastos, acumula-se antes que alguém vivo
tenha algum vislumbre do que está se passando (CARRELL, pág 151)
Portanto, após a irrupção do monstro, o “Enredo de descobrimento
complexo” apresenta o descobrimento.
2.3.2 O Descobrimento
Em À meia noite .. a descoberta se dá por deduções lógicas, Zé do
Caixão não faz questão de omitir sua maldade, ele é perverso, encara uma
briga em um bar e amputa os dedos de um opositor com uma garrafa
quebrada, açoita outro oponente com chicotadas, ameaça a todos e sai de
cena com sua gargalhada demoníaca.
Ilustração 39 Sequência de À meia noite…
Zé precisa se livrar de seu amigo Antônio para possuir Terezinha, num ato
covarde, o coveiro afoga Antônio após dar-lhe uma pancada na cabeça
enquanto bebiam e conversavam.
Ilustração 40 Zé do Caixão afoga Antônio
67
O título À meia noite levarei sua alma, advém da cena que Zé espanca e
violenta Terezinha. Revoltada, a personagem diz que se matará e virá buscar
sua alma a meia noite, mesma hora que Antônio foi enterrado.
“Eu vou me matar Zé, mas juro que você não terá paz. À meia noite foi
enterrado Antônio, que você matou. E a meia noite Zé, você sentirá
medo, porque eu virei buscar a sua alma”
Zé, sarcástico, responde:
“Se para onde me levar tiver mulher como você, irei com todo prazer“
Ilustração 41 Zé violenta e espanca Terezinha em À meia noite
Terezinha cumpre sua promessa, portanto, é a partir do momento em que
encontram o corpo da personagem enforcada que o descobrimento se dá em À
meia noite levarei sua alma, pois, em uma cidade tão pequena, a morte do
casal gera desconfianças de que algo sobrenatural está relacionado ao fato.
Tendo Zé demonstrado interesse em Terezinha e sendo uma figura tão
diferente, logo as acusações recaírem sobre ele que ainda provocará mais uma
morte, a do médico que realiza a autópsia do casal.
“Meu dia de sorte, o Diabo está aqui. Mortos, levantem. Qual de vocês
levará a minha alma. Levem-me para o inferno.”
Zé é sem dúvidas um íncubo, seu desejo de gerar um filho relaciona-se
diretamente com a perpetuação de seu gen demoníaco. Ao receber a notícia
da morte de Terezinha, ele desespera-se. Alucinado, em uma noite de
relâmpagos e trovões; blasfema.
68
“ Me abandonaste, não me destes um filho. Condenastes ao extermínio
a minha geração. Eu quero um filho. Maldita, maldita sejam as suas
cinzas. Terezinha, venha do nada e torture a minha carne, leve e minha
alma. Porque na vem?. És um fantasma do passado. No entanto com o
sangue que queima em minhas veias eu estou vivo.Vivo, entendeu?.
Vocês estão mortos, decompostos.Alimento dos vermes.
Céu.Inferno.Reencarnação
Neste momento, em pé sobre um caixão, joga a cruz que estava em suas
mão e grita:
Ilustração 42 Zé do Caixão desafia Deus
“O poder da fé, símbolo da ignorância! Onde estás ó Diabo? Parta-se a
terra. Rasgue-se o céu. Quero o fim do mundo! Ó Deus, eu desafio os
seus poderes, renego a sua existência. Nada existe, somente a vida.
Nada é mais forte que a minha descrença. Destrua-me eu não creio em
nada, quero a prova do castigo. Mentiras!
O movimento do descobrimento em À meia noite..., se dá em tempos
diferentes para o público e para os personagens, pois, vemos Zé do Caixão
matar Lenita (esposa), enquanto alguns personagens vão desconfiar de sua
culpa, apenas após a morte de Antônio, que ouvem no bar um personagem
comentar sobre as intenções de Zé com Terezinha.
69
Em Esta noite ..., todos sabem que Zé é responsável pelo seqüestro das
seis moças, há precedentes, ele já cometeu crimes anteriormente e voltou do
mundo dos mortos, mas, apenas uma personagem descobriu de fato a
presença do monstro. Somente Márcia, a raptada que foi libertada por Zé e
posteriormente torna-se cúmplice dele em uma morte, sabe do verdadeiro
responsável pelos desaparecimentos.
Zé do Caixão em Esta noite.., é mais ardiloso, passa praticamente todo o
filme livrando-se das acusações de assassinato. O descobrimento por parte do
público nos dois filmes, não se dá através de grandes articulações da trama,
porém, com o desenvolvimento do filme fica evidente para o público o aumento
incessante das maldades e da loucura de Zé. Ele profere blasfêmias o tempo
todo e a cada nova heresia, as expressões e movimentos corporais do
personagem se acentuam.
A partir do momento em que alguns personagens se convencem da
existência e culpa de um monstro e passam a entender os perigos que ele
representa, dá-se o terceiro movimento proposto por Carrell, a confirmação.
2.3.3 A Confirmação
“ ..é a presença da função de confirmação neste tipo particular de
história que faz dele um enredo de descobrimento
complexo”(CARRELL, 1999, pág 152)
Inicialmente, antes de dissertar sobre a confirmação, devo admitir que À
meia noite levarei sua alma não se enquadra neste modelo, pois não
identifiquei em seu roteiro o movimento de confirmação. Carrell, porém,
descreve.
“...uma estrutura de enredo alternativo bastante comum é o
enredo de descobrimento (como oposto ao enredo de
descobrimento complexo). Ele contém três funções básicas
(embora cada uma delas possa ser repetida) .São elas: irrupção,
descobrimento e confronto. Ou seja, um enredo de horror muito
freqüente é o enredo de descobrimento complexo sem a função
de confirmação.”(CARRELL,pág161)
70
Portanto, mesmo que não haja em seu primeiro filme o terceiro
movimento, À meia noite ...se enquadra em uma estrutura narrativa recorrente
no gênero. Em Esta noite ...o caso é diferente, o movimento de confirmação é
facilmente identificado e ocorre quando boa parte do filme já foi desenvolvida.
Em linhas gerais, Esta noite encarnarei no teu cadáver é um filme mais
complexo, possui um roteiro mais elaborado e uma produção mais bem
cuidada.
Na maioria das vezes é no movimento de confirmação que as tramas e os
mistérios são elucidados para o público ou para os próprios personagens.
Tanto na confirmação, existente em Esta noite..., quanto nos dois
movimentos que os antecedem, existe uma defasagem muito grande nas
descobertas feitas pelo público e pelos personagens. Como já descrevi nos
tópicos que explicam os movimentos anteriores, não existem elementos que o
público desconheça em relação às tramas de ambos os filmes, o que há na
realidade é uma defasagem daquilo que os personagens sabem.
Em Esta noite ..., as cenas que antecedem o movimento de confirmação
são interessantes. Através de uma narrativa paralela o espectador vê: Zé se
livrando dos capangas do Coronel enviados para caçá-lo e o próprio Coronel
na delegacia ouvindo a defesa de Zé feita pelo Delegado:
“ A verdade é que Zé do Caixão não tem nada a ver com o
desaparecimento dos homens. Está provado que morreram
acidentalmente. Não conheciam a região, e Zé do Caixão mais uma
vez saiu vitorioso”
O Coronel, que já havia incitado um levante da população no caso do
desaparecimento das moças, teve seu filho assassinado por Zé do Caixão, viu
sua filha abandoná-lo para ir morar com o coveiro e agora acabara de ver mais
uma tentativa de agarrar Zé culminando na morte de seus homens, fica
inconformado e diz ao Delegado
“ Não há dúvida: Este homem tem parte como o demônio.”
71
A confirmação propriamente dita, acontecerá em seguida. Márcia, que
ajudara Zé do Caixão a eliminar Cláudio, distraindo o capanga Truncador,
arrepende-se. Não conseguindo conviver com o peso da responsabilidade pela
morte do filho do Coronel, Márcia envenena-se. Ao tentar socorrer-lhe o médico
escuta atentamente suas últimas palavras.
“Preciso falar. Zé do Caixão é o autor desses crimes. Fui sua cúmplice
na morte do filho do Coronel.”
Portanto, esta fala proferida pela personagem é o centro do movimento de
confirmação em Esta noite..... Este é o exato momento em que uma única
personagem, conhecedora de toda a verdade, revela a todos os outros
participantes da trama as provas inquestionáveis da existência e culpa do
monstro. Segundo Carrell, o movimento de confirmação possui esta
específica função. “A função da confirmação implica que os descobridores do
monstro ou aqueles que crêem nela convençam um outro grupo da existência
da criatura e da proporções do perigo mortal que está solta...”( CARRELL, 1999
pág 162). Esta confirmação encaminha o enredo de descobrimento complexo
para seu último movimento, a confrontação.
2.3.4 A Confrontação
Em qualquer obra do gênero, há o exato momento em que os
personagens que sentem-se ameaçados pelo monstro, partem para o confronto
com a criatura que representa uma ameaça. “Após as hesitações da
confirmação, o enredo de descobrimento complexo culmina no confronto. A
humanidade sai ao encontro de seu monstro e o confronto geralmente ganha a
forma de um desastre”(CARRELL,1999 pág 154)
Os confrontos de Zé do Caixão são o que existem de mais elaborado em
À meia noite ... e Esta noite...Neles, Zé do Caixão revela força, astúcia e uma
assustadora maldade. Em À meia noite..., não é a humanidade ou os
personagens que se sentem ameaçados e partem para o confronto, mas sim
72
aqueles que já foram vítimas de Zé do Caixão. É um confronto anunciado,
antevisto pela bruxa, que anuncia sua hora e a forma que irá ocorrer.
Após sair do Bar, onde oferece ajuda a uma garota a encontrar a casa da
tia, Zé caminha tranqüilamente conversando com a turista sobre as crendices
da população. É noite do dia dos mortos e ninguém quis acompanhá-la, mas
Zé explica a ela que não acredita nessas bobagens. Subtamente, a bruxa salta
de trás de um arbusto, olhando para Zé e rindo freneticamente diz:
Cuidado, cuidado com os mortos! Quando ouvires o vento soprar nas
árvores, não será o vento, são as almas penadas. Não espere a meia
noite. Quando um gato preto cruzar o seu caminho é o demônio.
Quando ouvires passos e não ver ninguém atrás de si, é a condenação
de sua alma. Quando ouvires o canto da morte da coruja, é o prenuncio
do fim. Não espere a meia noite. Quando no seu caminho perceberes
luz, são as velas da procissão dos mortos. Fuja!.Porque eles virão
buscar a sua alma!
Zé dá de ombros para a ameaça feita pela bruxa e continua a caminhar
em direção a casa da tia da moça. No retorno, as previsões se concretizam na
mesma seqüência cronológica anunciada pela bruxa, o coveiro ouve o farfalhar
das folhas das árvores ao vento e um gato preto cruza o seu caminho. Ao ouvir
passos, Zé do Caixão começa a desesperar-se e corre, está assustado e a voz
da bruxa ressoa incessantemente em sua cabeça. A se deparar com uma
coruja, Zé tenta se acalmar:
“Eu devo estar sugestionado, era apenas uma coruja”
Pega seu cachimbo e quando procura em seus bolsos algo para acendê-
lo, uma mão envolta em um brilho e segurando uma vela surge em quadro e a
voz que se escuta é absolutamente tenebrosa: “FOGO”. Zé olha incrédulo,
solta um grito de pavor e corre. Antônio, com algodão nas narinas e com a pele
do rosto putrefata preenche todo o quadro. O contorno luminoso que
emoldurava a mão, delineia todo o seu corpo e seu olhar é de um morto vivo.
73
Ilustração 43 Antônio resurgindo do mundo dos mortos
Neste momento, Zé começa a correr arranhando o rosto nos galhos das
árvores e cai no chão. Sua expressão é de desespero, levanta-se e começa a
caminhar com dificuldades, mas cai novamente, agora deixando enroscada sua
capa em um galho. Zé levanta-se novamente e o que vê em seguida o deixa
estarrecido; a procissão dos mortos (take em negativo) em um vortex. Mortos
carregam velas e um caixão, e ao olhá-lo novamente, Zé se vê deitado dentro
dele.
Ilustração 44 Delírios de Zé do Caixão
Seu suplício não tem fim, Zé está aturdido, rastejando no chão encontra
forças para levantar-se e ao fazê-lo se depara com a imagem de Terezinha
projetada no céu; do contorno do seu corpo, que é extremamente claro, emana
fumaça. Zé, em uma última tentativa de salvar-se, corre em desespero e
refugia-se em um mausoléu do cemitério onde vê os caixões de Terezinha e
Antônio.
74
Ilustração 45 Momentos de agonia do demônio Zé
“Vocês estão mortos, mortos entenderam.Eu sei. Eu sei. Não, tenho
que vê-los. Eu tenho que vê-los”que.
Em um ato de total insanidade, Zé do Caixão parte o cadeado dos caixões
desferindo violentos socos, e ao abri-los depara-se com os corpos de Antônio e
Terezinha decompostos pelos vermes. No corpo de Antônio uma enorme
aranha passeia tranqüilamente, no de Terezinha, os vermes em proliferação
decompõem o rosto. Zé com o rosto ensangüentado e sujo de terra solta um
horrendo grito que é seguido por imagens de raios que enchem o céu de luz.
75
Ilustração 46 Sequência de Zé do Caixão dentro da cripta de Antônio e Terezinha
A população chega de tochas em punho e encontra o corpo do coveiro
deitado em uma cripta com os olhos esbugalhados.
Ilustração 47 O fim de Zé do Caixão em À meia noite
Portanto, Zé não encontra opositores vivos para lhe prestar resistência,
como se dá em um típico movimento de confrontação. Como já havia citado
anteriormente, o confronto se dá com os mortos, às vítimas que voltam para
acabar, enfim, com as maldades do coveiro.
Em Esta noite..., o movimento de confirmação obedece a uma estrutura
mais tradicional, na qual a população revoltada parte para o confronto com Zé
do Caixão, porém, um elemento específico iguala Esta noite..., com À meia
noite ...,. Jandira, a mulher grávida que Zé do Caixão trancou no calabouço
para ser morta pelas enormes serpentes, terá, assim com Terezinha teve em A
meia noite levarei a sua alma, um papel fundamental no movimento de
confrontação de Esta noite encarnarei no teu cadáver.
Em Esta noite..., após presenciar Laura (filha do Coronel) que carregava
em seu ventre o filho perfeito morrer diante de seus olhos, Zé do Caixão a pega
nos braços e a leva ao cemitério. No mesmo instante, em praça pública, o
76
Coronel organiza uma caçada ao coveiro, pois, Márcia acabara de delatá-lo e
agora todos tinham a certeza da culpa de Zé do Caixão.
Surge, então, alguém que comunica o Coronel sobre a morte de sua filha,
é o estopim, todos partem de armas e tochas em punho para o pântano em
busca do demônio Zé do Caixão.
Zé, carregando Laura nos braços, entra em uma cripta e lá deixa seu
corpo.
Ilustração 48 Zé do Caixão e sua amada Laura morta em seus braços
Ao sair, sente o vento que sopra forte e percebe um vulto que desce do
céu, este se aproxima e enfim revela-se, é Jandira que ri e traz a serpente em
seu pescoço; não mais a teme, lhe acaricia e olhando fixamente para Zé, diz:
Ilustração 49 Jandira volta para vingar-se de Zé do Caixão
“Terás pavor neste instante, porque esta noite encarnarei no teu
cadáver, reclamando o corpo que destruístes”
Zé, altivo, responde:
77
“Você não me venceu. Meu filho não veio ao mundo, mas eu não fui
destruído. Tu és uma falsa. A reencarnação não existe. Ès fruto de
minha imaginação atormentada. Estás no lago, podre e asquerosa.
Não passa de uma aparição sem vida. Provarei que não existe”
Neste momento, Zé do Caixão caminha em direção o pântano, para, e de
braços abertos vocifera:
“Instinto. Força suprema. Força imortal. A quem pertence a terra?A
Deus? Ao Diabo? Ou aos espíritos desencarnados? Venham forças do
além, forças da mentira. Fruto da imaginação doentia de uma raça
humana ínfima, que permanece estática desde os primórdios, sem
descobrir sequer a origem de suas dores. Venham espíritos, se é que
existem, e mudem meu pensamento.E mostrem-me a verdade”
Sua imagem é intercalada com a imagem de um céu carregado de
relâmpagos e trovões. Ao final da fala um raio atinge uma árvore que se
incendeia e cai sobre ele. Zé, irredutível, blasfema:
“Só os fracos se convenceriam de uma falsa prova de uma verdade
que não existe. Ainda sou mais forte. O homem superior a todas as
fraquezas humanas. E a vós elementos da vida, mostrarei a verdade”
Ilustração 50do Caixão desafiando Deus
Ao se livrar da árvore em chamas, o herege Zé do Caixão depara-se com
o padre que, de crucifixo em punho o interpela:
Zé, quero salvá-lo (...) tome este crucifixo e grite: Eu creio em Deus.
Estão convencidos que você tem parte com o Diabo. Prove o contrário”
78
do Caixão responde com convicção:
“Não sou fraco, Deus não existe. É mentira, junte-se a eles e venha
destruir-me. Vamos destruam-me”
Então Josefel olha para a população que se aproxima, arranca o crucifixo
das mãos do padre e possesso, olhando para os que o perseguem, grita
empunhando a cruz.
“EU NÃO CREIO EM DEUS !”
Ilustração 51 Zé atira a cruz dada pelo padre
Zé tenta fugir, mas a população enfurecida o persegue. Quando
tropegamente consegue subir em uma pedra é atingido por tiros disparados
pelo marido de Jandira:
Ilustração 52 Zé do Caixão baleado
“Esta é por meu filho!”
Ferido, despenca e rola em direção ao lago. Ainda vivo, dentro da água,
proclama sua última blasfêmea.
79
Saiam, levantem eu sou invencível! Levantem! .Nada existe, nada.
Tudo é mentira, eu sou indestrutível. Se impedistes o nascimento do
meu filho, prova-me. Aqui estou trago o meu corpo .Se existes encarna
no meu cadáver, mas não existem. Somente eu existo, e sou
invencível, e só creio na força do sangue, da hereditariedade.
Então os esqueletos de suas vítimas começam a emergir do lago, Zé grita
desesperado, e ao fazê-lo, enfim se redime.
Ilustração 53 Momentos finais de Esta noite encarnarei no teu cadáver
“ Eu quero a verdade. A verdade. Deus, sim Deus é a verdade. Eu
creio em tua força. Salvai-me A cruz, a cruz padre, a cruz! O símbolo
do filho!”
Zé afunda no lago sobre o olhar da população. O movimento de
confrontação, em Esta noite encarnarei no teu cadáver, termina como na
maioria dos filmes do Gênero, com a derrota do monstro.
Ilustração 54 Zé do Caixão e os esqueletos de suas vítimas
A seguir, discorrei sobre a questão do extrapolador nos enredos do
gênero
80
2.4 Zé do Caixão e o enredo do extrapolador
Ao utilizar o termo extrapolador para definir o caráter de Zé do Caixão, o
fiz consciente de que o termo seria aplicável e também justificável nos filmes À
meia noite levarei a sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver . Como
esclareci, os filmes À meia noite...e Esta noite..., possuem uma estrutura
narrativa que é costumeiramente utilizada no Gênero.
Assim como o enredo do descobrimento complexo apresenta-se como
estrutura básica para inúmeras obras, alguns subgêneros específicos também
podem o utilizar, sempre respeitando as peculiaridades que o fazem um
subgênero.
Um destes casos é o enredo do Extrapolador. Um tipo que está
intimamente ligado de modo específico a um subgênero, o do cientista louco,
(...) Chamo essa estrutura de (overreacher) em homenagem a seu personagem
principal: o cientista louco ou o necromante (CARRELL, 1999 pág. 173)
Carrell define o enredo do extrapolador como sendo aquele em que o
personagem principal possui algum conhecimento misterioso, proibido. O
extrapolador, portanto, está sempre tentando comprovar uma teoria, nem que
para isso tenha que torturar e matar. Este conhecimento é testado ou numa
experiência ou num encantamento das forças do mal (CARRELL,1999, pág
173)
Zé do Caixão defende a teoria que somente o sangue é imortal e sua
busca em ambos os filmes, é comprovar esta teoria gerando o filho perfeito,
pois ele, como já descrevi, é um íncubo. A exemplo do enredo de
descobrimento complexo, o enredo do extrapolador divide-se em quatro partes.
2.4.1 A Preparação
Para que o extrapolador consiga comprovar sua teoria é preciso que ele a
faça de maneira empírica, não deixando pairar dúvidas, principalmente para si
mesmo. Portanto, é preciso que ele realize experiências para obter as
comprovações desejáveis. “O movimento de preparação tem uma variedade de
81
componentes. O primeiro é prático: o extrapolador têm de obter os requisitos
materiais para a experiência” (CARRELL, 1999, pág 173)
Toda experiência realizada por um extrapolador precisa ser justificada,
por isso, ele sempre possui uma explicação extremamente complexa que,
embora para os outros não tenha o menor sentido, para ele é óbvia. Mesmo
explicando suas intenções e teorias, não significa que será compreendido, pois,
na visão de todo o extrapolador ele é um ser superior e está muito além da
inteligência dos seus interlocutores. Para ele, todos que o cercam são seres
inferiores que não conseguem perceber a verdade.
Todavia, a preparação da experiência tem, de modo
característico, o que poderia ser chamado de um lado filosófico,
ao de um lado prático, pois o extrapolador oferercerá
normalmente tanto uma explicação quanto uma justificação da
experiência. (CARRELL, 1999, pág 173)
Como já apontei no tópico que explica o enredo de descobrimento
complexo, À meia noite levarei a sua alma e Esta noite encarnarei no teu
cadáver, diferem em diversos aspectos, inclusive na caracterização do
extrapolador. Em À meia noite..., Zé do Caixão não executa nenhuma
experiência, porém, tenta comprovar o que têm como absoluta verdade, a
imortalidade do sangue. No filme, a principal vítima de sua insana tentativa de
gerar um filho é Terezinha, e ao espancá-la e possuí-la, Zé age de modo
premeditado, o que é característico de um extrapolador.
Já em Esta noite encarnarei no teu cadáver, Zé retorna a cidade com
todas as características de um autêntico extrapolador, a começar pelo
assistente que o acompanha e que foi introduzido por Mojica no roteiro do
filme. Em sua primeira aparição, Bruno, assistente de Zé do Caixão, escuta
atentamente a explicação de seu chefe, de como as crianças são puras e ao
crescerem se tornam verdadeiros imbecis a procura do nada.
Na maioria dos casos, os extrapoladores são acompanhados de
assistentes que possuem alguma deformidade física.
82
... o extrapolador muitas vezes tem, convenientemente um
assistente, um amigo ou algum outro interlocutor a quem pode
explicar como a experiência deve funcionar e qual deve ser seu
significado (moral, científico ideológico, metafísico etc...). A
explicação costuma ser uma mistura de mecânica popular e de
mistificação de tipo ficção científica, ao passo que a justificação
pode ser totalmente megalomaníaca. (CARRELL, 1999 pág 173)
Na primeira experiência executada pelo extrapolador Zé do Caixão em
Esta noite..., Bruno seqüestra seis moças e as coloca para dormir em um
quarto. Enquanto Zé observa as moças dormindo, dezenas de caranguejeiras
soltas por Bruno invadem o quarto e passeiam sobre as vítimas. Ao
perceberem a presença das aranhas, as moças desesperadas gritam por
socorro. Zé intervém, dá por encerrada a experiência e anuncia o resultado.
Ilustração 55 Primeira experiência do extrapolador Zé do Caixão
“A experiência passou. Um pequeno susto para medir a coragem de
vocês. Medrosas. Pusilânimes. Bruno cuidará dos ferimentos”.
Logo após a seqüência das aranhas, Zé do Caixão leva todas as moças,
exceto Márcia, para um calabouço. Ao ser interpelado por uma das vítimas
sobre o que pretende fazer, Zé explica.
83
Ilustração 56 Zé do Caixãoe explica suas teorias
Ser bom generoso, evitar-lhes uma vida injusta. Não permitirei
que a beleza de vocês seja ultrajada pelo tempo. Não permitirei
que dêem filhos para a continuidade de uma espécie mesquinha e
sanguinária (...)O que vale a vida para quem nela não crê. O que
vale a vida quando ela apenas nos sugere guerras, ódios e a
vitória da mentira. Melhor a libertação. E eu com a elevação da
minha inteligência. Com a elevação da minha mente, vou
oferecer-lhes a paz, a riqueza e a felicidade suprema.
Apavorada, uma das vítimas o interrompe.
“Não o entendo, seja mais claro. O que pretende fazer conosco?”
Rapidamente, o vilão responde com firmeza:
“Matá-las.“
Na morte de Cláudio, filho do Coronel, Zé do Caixão quer, além de se
livrar do irmão de Laura, provar a sua vítima que Deus não existe. Zé coloca
um rato entre duas grandes rochas, uma funciona como uma espécie de
bancada, enquanto a outra está suspensa e presa por uma corda. Zé do
Caixão faz um sinal a Bruno que através de um painel de controle faz a pedra
que se sustenta pela corda cair, esmagando o pequeno animal.
84
Ilustração 57 O extrapolador Zé do Caixão e sua vítima Cláudio
Ao ver o rato esmagado Cláudio se desespera, Bruno o amarra na rocha,
e o diabólico do Caixão, com total controle da situação, está pronto para
executar mais uma experiência e justificá-la a sua vítima.
Ilustração 58 Zé justifica-se a Cláudio
Ilustração 59 Morte de Cláudio no calaboulo de Zé
Não. Não sou louco. Nem tampouco perverso, ao contrário, sou a
salvação sua e de toda a humanidade. Quem sabe o único ser
que luta sem exigir paga, pela sobrevivência de uma raça que
infelizmente na despertou. Esperam a ajuda de um Deus
(gargalhadas).Se assim fosse meu caro amigo, eu estaria aí, e
você, aqui.Então está provado. Não existe uma força justiceira
invisível. Mas algo tem que reger a terra. Uma força perfeita. Ah, a
natureza? Não! Está provado, até onde vão essas unhas se eu
não cortá-las? Até prender meus movimentos. Sim, no entanto há
85
uma força superior: a mente do homem perfeito, livre de
sentimentos, guiado pelo instinto, e eu vou imortalizá-lo!Deixo-te
na mão de teu Deus. Se ele apagar a corda, está salvo. Do
contrário, boa viagem.Ah, um último favorzinho. Se passares pelo
céu, manda lembrança aos anjos.Mas, se seu fim for o inferno, dá
meu endereço ao Diabo!
O segundo movimento do enredo do extrapolador que ocorre logo após a
preparação é a própria experiência.
2.4.2 A Experiência
Toda execução de uma experiência necessita, além de uma boa
preparação, um local adequado. O calabouço de Zé do Caixão obedece a um
padrão observado na maioria dos ambientes de experimentos dos
extrapoladores tradicionais. Paredes de pedra, grandes portas, bancadas,
tubos de ensaio, gases, cilindros e toda espécie de aparatos que um cientista
maluco pode ter, compõem um cenário tenebroso.
No calabouço, sempre acompanhado de Bruno, Zé do Caixão aterroriza
suas vítimas. O ambiente é insalubre e preparado para as torturas e execuções
das vítimas do coveiro. O ácido, utilizado para derreter o rosto da moça morta
por Bruno, ainda seria utilizado pelo extrapolador Zé do Caixão no filme O
estranho mundo de Zé do Caixão.
Ilustração 60 Deformidades provocadas pelo ácido do extrapolador Zé do Caixão
86
Tão assustador quanto o ácido que Zé utilizou para matar a moça é a
enorme pedra que esmaga a cabeça de Cláudio. O calabouço do extrapolador
em Esta noite..., possui vários ambientes. Os três crimes cometidos ali
acontecem em câmaras de tortura diferentes, fato que demonstra bem a
diferença entre os dois filmes. Em Esta noite... à característica extrapoladora
do personagem é muito mais acentuada.
Como em boa parte dos casos típicos dos extrapoladores, Zé do Caixão
não tem limites e o rastro de morte deixado em seu caminho é enorme. Tanto
em À meia noite ..., quanto em Esta noite,,,, Josefel Zanatás, o coveiro íncubo,
não para de matar na tentativa desesperada de encontrar a mulher que gerará
o filho perfeito, fruto da hereditariedade, a perpetuação do seu sangue.
“Evidentemente, a experiência pode ter de ser realizada mais de
uma vez antes de ser bem sucedida ou, pelo menos, parecer bem
sucedida” (CARRELL, Pág, 175).
Portanto, neste típico enredo do gênero, a experiência compõe um quadro
que invariavelmente aponta para a comprovação das teorias do extrapolador.
Este sucesso alcançado pelo extrapolador faz com que ele ganhe confiança e
sinta-se mais poderoso. “O aparente sucesso da experiência pode permitir
mais megalomania por parte do extrapolador...” (CARREL, Pág, 175)
Mas dentre todas as experiências que o extrapolador executa, sempre
uma apresentará uma alteração com a qual ele não contava, um desvio que o
coloca em dúvida quanto as suas teorias que, até então lhe pareciam
inquestionáveis.
A este erro de percurso, Carrell deu o nome de Bumerangue, que é o
penúltimo movimento do enredo do extrapolador.
2.4.3 O Bumerangue
No movimento bumerangue o extrapolador se dá conta de que algo
realizado em sua experiência pode dar errado. Um esquema básico do enredo
do extrapolador compreende quatro movimentos: preparação da experiência; a
87
própria experiência; o acúmulo de provas de que a experiência deu
errado”(CARRELL, pág 175)
Nos dois filmes, Zé do Caixão conta com imprevistos ao executar seus
atos malignos. Em À meia noite levarei a sua alma não se trata de uma
experiência, mas sim do ataque a Terezinha, noiva de Antônio. Mesmo não
sendo uma experiência característica de um extrapolador; com aparatos e
ambiente propício para isso, é possível identificar o movimento de preparação,
pois Zé premedita o ato. Portanto, a função de preparação, começa com a
morte de Antônio que deixa livre seu acesso a Terezinha.
Entretanto, ao violentar Terezinha com o intuito de transformá-la em
genitora do seu tão desejado filho, o incubo Zé não contava com a hipótese de
Terezinha ameaçar tirar a própria vida após o bárbaro ato. Mais que isso, Zé
não contava com a coragem de Terezinha em cumprir a ameaça e muito
menos com a maldição que ela lhe lança, levar a sua alma à meia noite.
Ilustração 61 Zé do Caixão e Terezinha
Em Esta noite ..., quem ameaça Zé do Caixão é Jandira, uma das moças
seqüestradas por Zé e mortas no calabouço das cobras. Grávida, a
personagem promete encarnar no cadáver do agente funerário que, a
observando pelo cadafalso existente no piso do seu quarto, vê também sua
experiência arruinada por Márcia que, inconformada com a barbárie, recusa-se
a ser inoculada pelo coveiro.
88
Ilustração 62 Sequência de Jandira no calabouço
Portanto, os movimentos de Bumerangue encontrados, tanto em À meia
noite levarei a sua alma, quanto em Esta noite encarnarei no teu cadáver,
obedecem a um padrão; as vítimas das experiências é que retornaram para dar
provas de que as teorias do extrapolador estavam erradas e que o espírito
existe, uma vez que, voltam para assombrá-lo.
Após o Bumerangue, o enredo do extrapolador encaminha-se para o seu
desfecho, o último movimento, denominado o confronto.
2.4.4 O Confronto
. O Enredo do extrapolador possui uma estrutura muito parecida com a do
Enrendo de descobrimento complexo. Carrell, porém, argumenta que um
enredo não elimina o outro, muito pelo contrário, existem formulas de
combinação entre eles.
“... as funções do entedo do extrapolador podem ser repetidas e
encaixadas de muitas maneiras diferentes, oferecendo, assim, um
amplo leque de variações. Também de interesse é o fato de que o
89
enredo do extrapolador pode ser combinado com as funções do enredo
de descobrimento complexo...” (CARRELL, pág 178)
Os movimentos de confronto encontrados em ambos os filmes, se
colocados no âmbito do enredo do extrapolador, coincidem com os já descritos
no tópico 2.3.4. Entretanto, cabem algumas ressalvas. Terezinha e Jandira
representam nos dois filmes, a experiência que deu errado. Em À meia noite ...,
Terezinha tem um papel fundamental no enredo do extrapolador, pois, ao
reclamar a alma de Zé do Caixão, passa a ser uma das maiores responsáveis
pela ruína do coveiro. Já em Esta noite... , Jandira não tem o mesmo peso no
movimento de confronto, sua participação na morte de Zé do Caixão se dá de
forma menos enfática, uma vez que é a população enfurecida quem o mata.
90
2.5 Conclusão
Mesmo sendo considerado por alguns críticos um produtor de filmes
primários, José Mojica Marins, por meio do personagem Zé do Caixão, soube
transpor para as telas histórias carregadas de terror.
O discurso diabólico do coveiro, analisado neste capítulo por meio de
suas blasfêmeas, foi construído a partir de ataques a doutrina católica, o que
invariavelmente lhe causou transtornos com a censura. Para articular este
discurso e o sentido diabólico do personagem, Mojica apoiou-se em modelos
narrativos já utilizados no cinema.
Esta facilidade em contar histórias, não foi herdada por Mojica. O diretor
aprendeu, como ele mesmo afirmou
13
, assitindo a filmes que seu pai projetava
nos cinemas, nos quais trabalhou durante a sua infância. Deste período, Mojica
assimilou não só as estruturas narrativas dos filmes de terror, mas também, as
histórias fantásticas de gibis, as quais era um grande fã
14
. Aficcionado pelo
terror, Mojica conseguiu desenvolver enredos e roteiros que, embora não
fossem extremamente complexos, funcionaram como suportes para dar vida ao
maior e mais diabólico personagem de terror originado no Brasil.
13
Informação obtida em depoimento de Mojica nos extras do segundo DVD da coleção “ O estranho mundo de Zé
do Caixão” Cinemagia
14
Informação obtida em depoimento de Mojica nos extras do quinto DVD da coleção “ O estranho mundo de Zé do
Caixão” Cinemagia
91
3. Considerações finais
Talvez nenhum outro cineasta Brasileiro consiga atingir a autenticidade de
José Mojica Marins, isso se deve a um fato muito simples, Mojica é único na
forma de conceber, pensar, executar, atuar e dirigir.
Mojica foi inventivo e sua relação com o cinema ainda é passional.
Produzindo um cinema de pobre, para os pobres, José Mojica Marins construiu
mais que meras alegorias que se desmancham ano após ano. O carnaval
apavorante produzido pelo diretor representa a pluralidade cultural de um país
miscigenado e sincrético, e sua obra é um marco do cinema Brasileiro. Seus
filmes expressam de forma singela os anseios de uma mente criativa e
inquieta. Zé é Zé, é popular, é caboclo, é autêntico, e muito mais, é o diabo
Brasileiro em sua melhor e única forma.
Ao escolher os filmes de Mojica como objetos de estudo para minha
pesquisa, tinha plena convicção de que muitos elementos desta obra
extremamente autoral e incômoda seriam excluídos do trabalho. Na medida do
possível, tentei demarcar um pequeno território neste vasto horizonte que é o
universo de Mojica e dentro deste limitado perímetro encontrei o Diabo.
Mojica transformou o imaginado em real e seu maior pesadelo em sonho.
Como um verdadeiro possesso, construiu o Reino do maligno em uma
sinagoga; registrou, revelou e projetou para o povo o seu inferno. Através de
fotogramas Dantescos, José Mojica Marins e Zé do Caixão fundiram-se em um
só corpo, captados pelo olhar alienado do diretor/ator.
Diabo chic, luxo do lixo, freqüentador de botequins da boca, sempre em
busca da mulher ideal, do filho perfeito e de alguns metros de película para
rodar mais um filme. É o Diabo da Vila Anastácio
15
, do Brás
16
, que ouve caixa
de música, bebe cachaça, usa capa em um país tropical e tem um assistente
corcunda chamado Bruno.
Sinto-me um pouco mais à vontade para desprender-me dos formalismos
acadêmicos e não ocultar minha admiração pelo cinema de Mojica. Afirmo que,
15
Bairro onde Mojica foi criado
16
Bairro onde localizava-se a Sinagoga
92
ao começar a desenvolver este trabalho era um fã do cineasta, hoje, após
concluí-lo, sou um devoto.
93
Referências
Referências Bibliográficas
A ROCHA, a Bíblia.São Paulo: Editora Candeia, 2001
BARCINSKI, André & FINOTTI, Ivan. Maldito a vida e a obra de José Mojica
Marins, o Zé do Caixão.São Paulo: Editora 34, 1998.
CARROLL, Noel. A filosofia do horror, ou paradoxos do coração; Tradução
Roberto Leal Ferreira. Campinas,SP: Papirus, 1999. (Coleção Campo
Imagético)
DELUMEAU, Jean, 1923. A história do medo no Ocidente :1300-1800, uma
cidade sitiada, tradução Maria Lúcia Machado, tradução da notas Heloísa Jahn.
São Paulo: Companhia das Letras ,1989.
NOGUEIRA,Carlos Roberto F.O Diabo no imaginário Cristão. 2. ed.Bauru,SP:
EDUSC, 2002
SPRENGER, James e KRAMER, Heinrich.O martelo das feiticeiras
1484.Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2005
PESSOTTI, Isaias, 1933. A loucura e as épocas. São Paulo: Ed 34, 1994.
PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Historia Ilustrada dos Filmes Brasileiros (1929-
1988). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1989.
SODRÉ, Muniz. O império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
VANOYE, Francis. Ensaio sobre a analise fílmica / Francis Vanoye, Anne
Goliot-Lété; tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1994
94
DVDS
MARINS, José Mojica A meia noite levarei sua alma. Coleção Zé do Caixão.
Cinemagia. São Paulo 2002
MARINS, José Mojica Esta noite encarnarei no teu cadáver. Coleção Zé do
Caixão. Cinemagia. São Paulo 2002
MARINS, José Mojica O estranho mundo de Zé do Caixão. Coleção Zé do
Caixão. Cinemagia. São Paulo 2002
MARINS, José Mojica Ritual dos Sádicos / O despertar da Besta. Coleção Zé
do Caixão. Cinemagia. São Paulo 2002
MARINS, José Mojica Finis Hominis. Coleção Zé do Caixão. Cinemagia. São
Paulo 2002
MARINS, José Mojica Delírios de um anormal. Coleção Zé do Caixão.
Cinemagia. São Paulo 2002
95
Anexos
Sinopse de A meia noite levarei a sua alma.
Em uma pequena cidade do interior, Josefel Zanatás acumula as funções
de coveiro e agente funerário e é conhecido pela população pelo nome de Zé
do Caixão. Zé é uma figura enigmática, acha-se superior a todos e atribui esta
superioridade ao fato de não possuir as mesmas crenças dos caipiras locais.
Adora blasfemar e intencionalmente desafia a crendice alheia. Na sexta feira-
Santa come carne de carneiro e ri diabolicamente da procissão que passa
entoando cantos religiosos sob a janela de sua casa. Os padres ao
presenciarem a cena, benzem-se.
Josefel, ou simplesmente Zé, é obcecado pela idéia de ter um filho, a
perpetuação de seu sangue, a criatura perfeita. Casado com Lenita, decide
matá-la pelo fato dela não conseguir engravidar, pois para Zé, “mulher que não
consegue ter filhos não precisa de cuidados”.
Com um sangue frio impressionante, Zé faz Lenita desacordar sufocando-
a com um lenço umedecido em éter e após amarrá-la na cama, solta uma
caranguejeira sobre seu corpo.
Após o enterro de Lenita, Zé começa a assediar Terezinha, noiva de seu
único amigo Antônio. Zé, atendendo ao convite de Antônio, vai à casa de uma
bruxa cigana com o casal, que queria saber sobre o que o futuro reservava-
lhes. A vidente prevê acontecimentos nefastos para os noivos, fatos que não
demoram a acontecer. Além de matar Antônio afogado em uma banheira, após
dar-lhe uma forte pancada na cabeça, Zé espanca e violenta Terezinha (“Você
me dará o filho que tanto quero”), que promete se matar e lhe lança uma
96
maldição. A bruxa se interpõe ao caminho de Zé em uma noite e prevê que no
dia dos mortos sua alma será levada por suas vítimas.
Zé não leva a sério a previsão, pragueja contra a bruxa e continua a
executar seus oponentes. A próxima vítima é Dr. Rodolfo, médico da cidade
responsável pelas autópsias de Terezinha e Antônio. Após furar os olhos de Dr.
Rodolfo com suas enormes unhas, Zé ateia fogo na vítima ainda agonizante. O
filme encerra-se com uma longa seqüência de Zé sendo perseguido pelos
espíritos de suas vítimas que culmina com sua “morte” dentro de um mausoléu.
97
Sinopse de Esta noite encarnarei no teu cadáver
O final de A meia noite levarei sua alma, serviu de início para Esta noite
encarnarei no teu cadáver. Após ser perseguido pela alma de suas vítimas e
cair morto dentro do mausoléu delas, Zé é encontrado pelos moradores da
cidadezinha, todo ensangüentado e com as órbitas oculares saltadas. Após um
período de recuperação em um hospital e o julgamento, no qual é absolvido, Zé
retorna a sua funerária e encontra em seu colaborador corcunda Bruno, um
auxiliar para procurar a mulher ideal que lhe dará o filho perfeito. Em seu
primeiro crime, Zé conta com a ajuda de Bruno para seqüestrar várias moças,
que são trancafiadas de Babydols transparentes em um quarto e submetidas a
um ataque de enormes aranhas. Uma das moças, Márcia, não se incomoda
com os aracnídios, levando Zé a crer que encontrou a mulher ideal que ele
tanto procurava.
Zé a leva para o quarto e quando está prestes a gerar o filho que tanto
deseja, puxa uma corda revelando um horripilante calabouço, onde o restante
das moças estão trancafiadas e das fendas das paredes surgem enormes
serpentes. Uma das vítimas, Jandira, que aparece em uma cena anterior
revelando ao marido estar grávida, agoniza com uma enorme cobra que aperta
seu pescoço e em seus momentos derradeiros lança uma maldição sobre o
coveiro: voltarei para encarnar no teu cadáver.
Márcia não suporta a cena, pede que Zé pare com aquela barbaridade.
Zé, decepcionado com a fraqueza da moça, a liberta.
98
Em um interrogatório feito pelo delegado, Márcia acusa Truncador, um
capanga do Coronel Almendes, de persegui-la. Perante o delegado, o Coronel
se responsabiliza pelos atos de Truncador, nega veementemente a
participação de seu capanga nos desaparecimentos e consegue que Truncador
seja solto.
A mulher ideal que Zé tanto sonha encontrar aparecerá em uma charrete
vinda da capital, é Laura, filha do Coronel Almendes. Percebendo as intenções
do Coveiro Josefel Zanatás (nome de batismo de Zé do Caixão), Cláudio, o
irmão da moça, tenta comprar Zé, para fazê-lo ir embora da cidade. Em um
encontro marcado, Zé, com a ajuda de Bruno, leva Cláudio para uma câmara
de torturas onde esfacela a cabeça do moço com uma enorme rocha.
Durante o enterro de Cláudio, Zé possui Laura, que apaixonada pelo
coveiro foge da casa do Coronel grávida do filho tão desejado pelo coveiro.
Fora de si, Coronel Almendes contrata capangas e envia Truncador para
liderá-los em uma caçada a Zé do Caixão, para enfim vingar as mortes dos
filhos. Zé, muito astuto, mata dois capangas e joga outros dois e Truncador em
um pântano de areia movediça.
Márcia, que fora cúmplice na morte de Cláudio distraindo o capanga
Truncador, se arrepende do crime e em seu leito de morte revela a verdade
sobre o desaparecimento das moças. A população se organiza e sai em busca
de Zé que corre pelo pântano. Após ser atingido por vários tiros, Zé jura
inocência, pragueja contra o padre que pede que o coveiro arrependa-se dos
pecados e desafia a população a encontrar os corpos das moças.
99
Neste exato momento os esqueletos das vítimas começam a emergir da
água (Bruno e Zé haviam jogado os corpos no mesmo lago) e Zé afunda no
lago.
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