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DEBORA MARIA SANTIAGO
ESPAÇO FLUIDO
Centro de Artes
Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis, 31 agosto de 2007
Dissertação apresentada ao
Centro de Artes da UDESC
como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre
em Artes Visuais.
Orientadora
Prof. Dra. Regina Melim
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ESPAÇO FLUIDO
Debora Maria Santiago
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós Graduação
em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título
de Mestre em Artes Visuais, na linha de Pesquisa Poéticas,
História e Teoria das Artes Visuais.
Banca Examinadora
ORIENTADORA
Profa. Dra. Regina Melim
(CEART/UDESC)
MEMBRO
Prof. Dr. Paulo R. de Oliveira Reis (UFPR)
MEMBRO
Prof. Dr. José Luiz Kinceler
(CEART/UDESC)
Florianópolis, 31 de agosto de 2007
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AGRADECIMENTOS
A Regina Melim, minha orientadora, que num diálogo
constante deu preciosas contribuições a esta dissertação.
A Cecília Cotrim de Mello e José Kinceler, que conti-
nuaram o diálogo na qualificação, e com muita atenção
indicaram caminhos na pesquisa.
A Paulo R.O. Reis por aceitar o convite para defesa e
pelas importantes considerações.
Aos artistas Iara Freiberg, João Loureiro e Lucia Koch,
que se dispuseram a conversas prazerosas e possibilitaram
um aprofundamento nos assuntos aqui abordados.
A Vanessa Schultz, Benedito Costa Neto e Daniel
Barbosa pela cooperação na finalização deste trabalho.
A toda equipe do Programa de Mestrado em Artes
Visuais, em especial a Sandra Lima Siggelkow, sempre
disponível. E o coleguismo de Luciano Buchmann.
A minha família, pela presença e apoio e os sorrisos do Dodo.
O carinho e amizade da família Azevedo Peled.
A confiança de Tuca Nissel.
Aos amigos, próximos ou distantes, que compartilharam este percurso.
E a companhia amorosa e sempre presente de Alex.
RESUMO
O termo Espaço Fluido está sendo por mim proposto para pensar obras que, ao
serem instaladas, incorporam o espaço de apresentação, bem como o espectador.
A realização de propostas artísticas a partir de sua relação específica com o lugar
vem se apresentando, desde o final dos anos 50, constituindo-se fundamental para a inser-
ção e a experiência do espectador. A formulação do termo partiu da minha própria produção
artística e de outros artistas, que presenciamos a concreção da obra através da integração de
movimentos, ações e usos .
Tomando como referência textos dos artistas Robert Morris, Richard Serra e Hélio
Oiticica, escritos entre os anos 1960 e 1970, abordam-se questões que se aproximam de uma
condição de mobilidade, ou seja, a maneira como a obra se modifica ao integrar-se ao
espaço expositivo. Acrescida a esta condição há a idéia do não-intencional abordada pelo
compositor John Cage, como indeterminação que se apresenta como processo poético, aber-
to à criação e incorporado à obra.
A estrutura viva, apresentada pelo crítico Guy Brett, em que o movimento é pensa-
do como propulsor de ações no corpo do espectador também adere-se e reforça a idéia de
fluidez que surge pela participação. Neste sentido, o espaço-obra surgirá a partir da escolha
do lugar, seguido da ativação promovida pelo espectador.
Palavras-chaves
Espaço fluido, espaço de apresentação, espectador, mobilidade.
ABSTRACT
I suggest the expression Fluid Space as a tool to thinking works that, as installed,
incorporate the surrounding space as well as the spectator.
Since the late 50's, the realisation of artistic proposals from their specific relations
with site is fundamental for the spectator's insertion and experience. The expression was
coined from my own and other artists production, who render the art work concrete
through the integration of movement, action and use.
Using as reference texts from the artists Robert Morris, Richard Serra and Hélio
Oiticica, written between 1960 and 1970, a discussion draws close matters concerning a
mobile condition, the way the work changes as integrate itself in the exhibitional space.
Adding to this condition is the idea of non-intentionallity suggested by the composer John
Cage, indeterminacy presented as poetic process, opened to criation and a work component.
The living structure, presented by the critic Guy Brett, in which movement is
thought as action propellant in the spectator's body also reinforces the idea of the fluidness
which arises in participation. In this sense, the space-work arises from the site choice, fol-
lowed by the activation promoted by the spectator.
Key words
Fluid space, surrounding space, spectator, mobility.
SUMÁRIO
Introdução 1
(1)
Iniciando o conceito de espaço fluido 7
(1.1) O espaço fluido do desenho 11
(1.2) Desenho-projeto 15
(1.3) Desenho-processo 24
(2)
Construindo o espaço fluido 31
(2.1) Parede como superfície 37
(2.2) Móbiles 52
(3)
O espectador como ativador 65
Considerações finais 72
(4)
Bibliografia 75
introdução { 1 }
Introdução
Diversas abordagens sobre o espaço nas artes visuais têm sido propostas e experi-
mentadas, caracterizando a produção artística do século XX através da expansão do seu
campo de atuação. Propostas de intervenções artísticas que partem da percepção de relações
entre obra e espaço, gerando discussões sobre o espaço de circulação da obra e o próprio
conceito de objeto artístico, já estavam presentes nas vanguardas do início do século XX
através de uma série de práticas artísticas experimentais.
Nos final dos anos 1950 estas idéias são reforçadas pela adesão do mundo real à pro-
dução artística. Este período pode ser pensado como início de práticas artísticas num
campo expandido, quando as categorias pintura e escultura tornam-se elásticas e os meca-
nismos que delimitam espaço e obra dissolvem-se. O mundo torna-se espaço de investi-
gação, a inclusão do contexto amplia a possibilidade de incorporação de elementos da vida
cotidiana e o espectador se relaciona de forma mais direta com a obra.
Esta pesquisa tem como objetivo refletir acerca de algumas destas proposições em
que o espaço é conquistado não só como suporte, mas também como parte integrante da
obra e, através do termo espaço fluido, abordar a minha própria produção artística e de ou-
tros artistas que se aproximam de uma condição de mobilidade.
O termo espaço fluido, está sendo por mim proposto através de obras que, ao serem
instaladas, incorporam-se ao espaço de apresentação e à participação do espectador.
Considerando que estes elementos são indefinidos a priori, o espaço-obra surgirá a partir
da escolha do lugar, seguido da ativação promovida pelo espectador.
A formulação do termo ganha outras espessuras a partir da prática por mim exerci-
da através de desenhos realizados diretamente na parede, bem como da instalação de
móbiles, e ainda da observação e promoção de diálogos com obras de outros artistas e em
referências teóricas que, no decorrer desta escritura, fizeram-se necessárias. Mais do que
realizar uma leitura das obras, o interesse na pesquisa se fixou no processo de criação e
construção das obras.
As aproximações com outros artistas se dão pelos procedimentos usados, que,
mesmo resultando em obras diversas, participam da construção de um espaço fluido. Estas
apresentam-se no desenho como um processo que conjuga projeto e processo, explorado
pelos artistas Cildo Meireles e João Loureiro, ambos realizando desenhos sobre papel num
contínuo diálogo com suas obras tridimensionais. A prática do desenho é assim partilhada
como um campo de experimentação, sinalizando propostas artísticas em outros meios ou
fazendo do desenho parte do processo artístico. O desenho aplicado diretamente sobre a
arquitetura, a partir de suas especificidades e usos, permite uma aproximação com as
"Ocupações" da artista Iara Freiberg. A arquitetura, espaço planejado e construído, é a
superfície utilizada para desenhos que se fazem a partir da circulação nestes espaços. O uso
da luz, a partir de sua incidência na arquitetura, na instalação dos móbiles, possibilita um
diálogo com as obras realizadas pela artista Lucia Koch em suas intervenções. Nestas, as
mudanças ocorridas proporcionam ao espectador não somente uma experiência sensorial,
mas articulações sobre como as mudanças ocorridas no espaço se dão através da luz.
Entre os textos, os que ofereceram maior proximidade com a pesquisa dizem respei-
to às práticas artísticas que se desenvolveram a partir dos anos 1960 e ainda alguns escritos
de artistas. Como ponto de partida, tomo o indeterminado para compreender o modo como
o lugar de realização das obras permite mudanças dessas mesmas obras. Aqui, diversos tex-
tos de John Cage foram utilizados. O artista estudou música com Henry Cowell e Arnold
Schoenberg, e também esteve ligado a outros campos das artes; seus textos e poesias explo-
ram qualidades gráficas. Insatisfeito com o modelo de harmonia na música, John Cage
começou desenvolvendo suas composições para percussão, território no qual a estrutura rít-
mica se dá no espaço de tempo entre as notas. Silêncio e acaso foram assim se estabelecen-
do na criação de "música indeterminada" a partir de operações do I Ching e da disciplina
em aceitar o imprevisto vinda da prática zen budista.
Os eventos e edições Fluxus, organizados e pensados como coletividade durante
anos 1960 e 1970 por George Maciunas, tomaram algumas destas práticas de Cage (ele
mesmo participou de alguns eventos) e tornaram tênue a distinção entre obras de arte e
objetos do resto do mundo, num desejo de aproximar arte e vida.
A obra, fazendo-se no lugar e tomando-o como integrante da obra, oferece uma
experiência física consciente. Sobre isto, aproximo-me de Robert Morris, autor do texto
"O tempo presente do espaço", já que Morris qualifica esta experiência espacial como
introdução { 2 }
presentidade – tempo que dá lugar a uma duração – que articula as relações entre obra,
espaço que ela ocupa e espectador em movimento. Richard Serra também é outro artista
que, no texto "Shift", descreve a construção da obra, de mesmo nome, a partir da experiên-
cia em um espaço vivido.
Algumas considerações sobre a produção americana nos anos 1960, incluindo os
artistas acima mencionados, são colocadas a partir de textos das autoras Rosalind Krauss e
Miwon Kwon. Em "Sens et sensibilité", a crítica e historiadora norte americana Rosalind
Krauss trata justamente desta atenção ao espaço que envolve o tempo da experiência, afir-
mando o caráter de exterioridade das obras. Já Miwon Kwon argumenta como as práticas
site-specific tomaram a materialidade do lugar, tratada no minimalismo como genérica, e
reconheceram seus aspectos sociais.
A idéia de espaço como lugar praticado é investigado pelo pensador francês Michel de
Certeau e, aqui, aproximadas ao uso do lugar nas intervenções artísticas. A pesquisa do
autor surgiu de uma interrogação sobre as "operações dos usuários", nome supostamente
dado à passividade e à disciplina, que, nas funções simples do dia-a-dia, como habitar, cozi-
nhar, falar e circular, possibilitam mudanças nos lugares e inventam o cotidiano. Estas
ações dependem do tempo para transformar os acontecimentos em "ocasiões". Nesta disser-
tação, espaço e lugar são diferenciados a partir de distinções de Michel de Certeau. Para o
autor o lugar é a ordem, a estabilidade de posições; já o espaço são várias operações, pois
existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidades e a
variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. (CERTEAU: 2002, 202).
A experiência no espaço-tempo gerando movimento é apresentada pelo crítico
inglês Guy Brett, em seu livro "Kinetic Art: the language of movement". O autor propõe
o movimento na arte não através de materiais e, sim, por obras que apresentem um cres-
cimento, que se estendam no tempo e no espaço. Introduzindo o termo estrutura viva,
o autor apresenta alguns exemplos de arte cinética como propulsora de ações no corpo
do espectador.
Hélio Oiticica é um dos artistas tratados no texto de Guy Brett e aqui se fizeram
importantes também alguns de seus próprios escritos, como "Anotações sobre o Parangolé"
e o "Esquema geral da Nova Objetividade", ambos apresentando discussões sobre ações e
movimentos do espectador. Segundo Oiticica, o espectador é um participador ativo, co-
autor da obra.
introdução { 3 }
O lugar de experimentação proporcionado pelo espaço-obra é colocado por Regina
Melim, ao tratar a noção de performance nas artes visuais, sob o título de espaço de perfor-
mação. Segunda a autora, seria o espaço criado no encontro do espectador com a obra.
A pesquisa foi estruturada em três capítulos. No primeiro, " Iniciando o conceito de
espaço fluido", como o próprio nome indica, apresento a noção de espaço fluido através da
relação da obra com o lugar. Estas relações surgem a partir de movimentos, ações e usos da
arquitetura como elementos constitutivos da obra. Tendo em vista estes procedimentos,
apresento ainda neste mesmo capítulo noções sobre o desenho em papel que se constituem
como uma espécie de acelerador no processo de criação. Aí desenvolvo a idéia do desenho
através de duas concepções não excludentes e em constante movimento: desenho-projeto e
desenho-processo. Ou seja, tomo o desenho formulando questões para projetos a serem
executados em outros meios, e o desenho como parte do processo de criação, afirmando sua
condição final. Estas duas características no entanto estão sempre se relacionando: entre
idéia e projeto, entre projeto e processo, entre papel e objeto.
No segundo capítulo, "Construindo o espaço fluido", são colocadas questões ligadas
diretamente ao deslocamento da escala bidimensional do desenho para o espaço
arquitetônico e as alterações possíveis em consequência de uma experiência interna ao
meio do desenho, a partir de uma situação indeterminada a priori colocada pela estrutura
física de cada lugar onde a obra é construída.
No terceiro e último capítulo, "O espectador como ativador", as relações da obra
serão verificadas a partir de sua instalação nos diferentes lugares onde, então, o espectador,
e suas ações neste espaço-tempo, re-ativam a construção do espaço fluido, promovendo a
continuidade deste como indeterminado e móvel.
O que se pretende nesta dissertação é refletir sobre a noção de espaço fluido a partir
do desenho que incorpora diversos lugares (do papel à arquitetura e diferentes contextos
em que se instala), bem como refletir sobre a incorporação do espectador, uma vez que ao
participar da estrutura estará, assim, configurando-a como fluida. Igualmente, penso que o
movimento também diga algo sobre a própria construção desta dissertação, ou seja, um
processo criativo que ocorre entre a escrita e a produção artística.
introdução { 4 }
Debora Santiago. Desenho nas paredes, 2003.
Acrílica sobre parede, medidas variáveis. SESC da Esquina, Curitiba - PR.
(1) Iniciando o conceito de espaço fluido
Os fluidos
1
estão em constante movimento e, sendo assim, não apresentam forma
fixa, pois esta se apresentará apenas quando delimitada por outra. Partindo desta definição,
pretendo desenvolver, nesta pesquisa, a noção de espaço fluido em relação à minha pro-
dução poética, que tem o desenho como seu elemento estruturador.
A idéia de fluido, como algo que adquire a forma do recipi-
ente onde é colocado, pode ser transposta na maneira como a obra
passa a existir quando realizada no lugar. O lugar aqui referido diz
respeito aos diversos aspectos do espaço, sua estrutura métrica, sua
arquitetura e suas relações sociais que assumem o campo de atuação
da obra, e que é também incorporada por esta.
As relações com o espaço surgem na circulação, nas ações e usos da arquitetura
como elementos constitutivos da obra; é no movimento que se origina o espaço fluido.
A cada realização a obra é modificada, ela se acomoda ao lugar e, portanto, é apresentada
de diversas maneiras. O movimento aqui diz respeito à minha experiência física no lugar,
no uso que eu faço deste para a construção da obra; isto possibilita as diferentes apresen-
tações da obra. Da mesma forma, o movimento refere-se, também, à circulação do especta-
dor neste espaço construído como obra.
A série "Desenho nas paredes" que venho fazendo desde 2003, é realizada dire-
tamente sobre paredes após análise do lugar. O desenho é construído seguindo algumas
linhas sugeridas pela arquitetura de cada local, bem como por outras linhas que surgem
como desdobras.
No "Móbile de Globos", que venho realizando desde 2005, os reflexos gerados pela
incidência de luz, natural ou artificial, movem-se constantemente devido a sua estrutura de
móbile. Estes reflexos projetam-se sobre o anteparo mais próximo, oferecendo-se ao espec-
tador como um espaço em movimento, não delimitado, percorrendo diversas superfícies.
{ 7 }
1
Conforme o Dicionário Auré-
lio Buarque de Holanda: "Diz-
se das substâncias líquidas
ou gasosas. Que corre ou se
expande à maneira de um
líquido ou gás; fluente. Corpo
(líquido ou gasoso) que toma
a forma do recipiente em que
está colocado.
{ 6 }
Debora Santiago. Móbile de Globos, 2005.
Globos de espelho, alumínio e nylon, medidas variáveis. Ybakatu Espapaço de Arte, Curitiba - PR.
O "Desenho nas paredes" e o "Móbile de Globos" se constituem como uma série de
intervenções. Cada espaço ocupado e construído é decorrente das relações perceptivas que
surgem da minha presença física, da experiência no lugar. A retirada ou desconstrução das
obras não se constitui como sua destruição, uma vez que a idéia permanece e cede lugar
para a obra se construir em outros lugares, a partir do surgimento de outras especificidades.
Nestas séries de obras, portanto, utilizo os mesmo procedimentos: sua construção parte das
relações empreendidas com e no lugar em que se dá a construção. Vale dizer que a cada
lugar uma série de modificações e acomodações são presenciadas, porque é o lugar que
proporciona mudanças e, neste caso, a obra não pode ser determinada previamente.
O indeterminado foi o método estabelecido por John Cage (Los Angeles,1912 -
Nova Iorque - EUA, 1992) para suas composições musicais. O artista incorporava os ruí-
dos que surgiam, em vez de tentar isolá- los, como se não houvesse distinção entre sons do
mundo comum e os "musicais". Apenas música composta por sons e silêncio.
Esta reversão ao cotidiano era também foco de interesse do Fluxus na sua série
de eventos, organizado por George Maciunas (Kaunas - Lituânia, 1931- Boston - EUA,
1978) nas décadas de 60 e 70 do século anterior, varridos de
quaisquer valores de preciosidade e exclusividade. Arthur Danto
em seu texto "O Mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia"
2
apresenta, como questão fundamental levantada pelo Fluxus, o
uso dos objetos comuns e ações cotidianas como prática artística.
Para Danto parece claro que as atitudes do Fluxus derivam-se de
dois conjuntos de idéias relacionados que fluíram dos ensinamentos de Cage. Um deles foi a
filosofia de Zen Budismo e o outro foi o exemplo de Marcel Duchamp
(DANTO: 2002, 28).
A exigência aqui se faz sobre a prática Zen Budista que, para John Cage, condi-
cionava sua abertura ao indeterminado como uma série de instruções simples e não-inten-
cionais; isto poderia lhe proporcionar uma atitude não-exclusiva e receptiva. No Zen eles
dizem: Se alguma coisa é entediante depois de dois minutos, tente por quatro. Se ainda for ente-
diante, tente por oito, dezesseis, trinta e dois, e assim por diante. Eventualmente alguém desco-
bre que aquilo não é entediante mas muito interessante
(CAGE: 1961, 93)
3
.
iniciando o conceito de espaço fluido { 8 }
2
Texto publicado no catálogo da
exposição "O que é Fluxus? O
que não é! O porquê.", The
Gilbert and Lila Silverman Fluxus
Collection Foundation, curadoria
de Jon Hendriks. A exposição foi
apresentada no Centro Cul-tural
do Brasil no Rio de Janeiro e em
Brasília em 2002.
3
In Zen they say: If something is boring after two minutes, try it for four. If still boring, try
it for eight, sixteen, thirty-two, and so on. Eventually one discovers that it's not boring at
all but very interesting. CAGE, John. Silence. Lectures and writings by John Cage.
Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, 1961. p. 93
O indeterminado ocorre durante a criação das composições, a partir de regras pre-
viamente definidas por Cage. Estas regras foram estabelecidas ao acaso, a partir do I Ching,
livro de oráculo chinês. Neste sentido, adverte Augusto de Campos,
lançamentos de dados
imperfeições do papel manuscrito
passaram a ser usados em suas composições
que vão da indeterminação
à música totalmente ocasional. música?
(CAMPOS: 1985, xiv)
4
.
Na composição "Seventy-Four"
5
é possível
perceber como as mesmas instruções da com-
posição resultam em audições diferentes a cada
execução. A composição, criada em 1992, é dedi-
cada aos setenta e quatro músicos da American
Composers Orchestra e seus fundadores, Francis
Thorne e Dinnis Russell Davies. Os músicos rea-
lizam a composição com o uso de cronômetro e
sem regente, apenas seguindo as instruções
prévias de Cage.
As instruções são apenas a execução de uma nota realizada por cada instrumento,
cada nota definida por um intervalo de tempo, e o músico pode escolher dentro deste inter-
valo o começo, o fim, o ataque e a intensidade da nota executada. Os intervalos de tempo
foram determinados pela duração total da música: doze minutos. As notas tocadas são de
apenas duas qualidades: agudas e graves em função do registro de cada instrumento.
A sobreposição das notas dos instrumentos agudos criam um uníssono, e dos graves outro,
ressaltando assim a diferença entre estes e, ao mesmo tempo, criando um "uníssono" de
diferenças.
Nesta composição, assim como em outras obras de Cage, restrição e liberdade se
misturam, e as instruções são usadas pelo músicos a partir de escolhas particulares.
"Seventy-Four", portanto, apresenta os preceitos colocados por Cage de música feita por
sons, executadas por pessoas não submetidas a um maestro e sem a necessidade de ensaio.
iniciando o conceito de espaço fluido { 9 }
4
Cage: Chance: Change, prefácio preparado por Au-
gusto de Campos. In: CAGE, John. De segunda a um
ano. Novas Conferências e Escritos de John Cage. São
Paulo: Editora Hucitec, 1985.
5
Anexo a esta dissertação há um cd com duas gravações
de "Seventy-Four" retiradas da gravação de John Cage.
The Seasons. ECM New Series. Gravado em janeiro de
1997 no SUNY Purchase Performing Arts Center,
Theater A, Nova Iorque. Margaret Leng Tan: piano prepa-
rado e piano de brinquedo. American Composers
Orchestra. Dennis Russel Davies: regente.
Faixa 1. "Seventy-Four" for orchestra. Version I. 12:11.
American Composers Orchestra.
Faixa 2. "Seventy-Four"for orchestra. Version II. 12:03.
American Composers Orchestra.
O exercício do não julgamento parece ser a prática de John Cage. O indeterminado
o colocava nesta prática propiciando resultados que se "determinariam" pelo acaso, coloca-
do-o aberto a novos sons. O indeterminado era o método para Cage na criação da com-
posição, bem como sua execução, o que resultava em diferentes formas de uma mesma
composição.
É desta abertura ao imprevisível que me utilizo durante a criação dos desenhos e
dos móbiles. O lugar da realização da obra pode ou não ser por mim determinado, e então
a obra passa a ser construída a partir das possibilidades que se apresentam no momento de
sua montagem.
A realização da obra sem um esboço anterior se aproxima da maneira como realizo
alguns desenhos sobre o papel (desenho-processo)
6
, onde o tamanho do papel e alguns
materiais são a única indicação para a sua construção. Este se faz a partir de relações com
trabalhos anteriores, mas, estando aberto, aponta para outras tantas direções.
iniciando o conceito de espaço fluido { 10 }
6
O desenho-processo é desenvolvido no item 1.3 desta dissertação.
(1.1) O espaço fluido do desenho
acho que o sentir da gente volteia,
mas em certos modos,
rodando em si mas por regras.
Guimarães Rosa
1
A noção de espaço fluido que vem permeando a pesquisa, conforme assinalado em
sua introdução, diz respeito às práticas artísticas que se configuram a partir do lugar que
ocupam. Estas relações, na minha produção, foram intensificadas com a realização de
desenhos preparatórios para esculturas, confirgurando-se como espécie de diálogos entre o
bidimensional e o tridimensional.
O desenho tem sido uma prática por mim realizada desde o início de meu processo
artístico. Tal prática sempre esteve articulada a séries de trabalhos em outros diferentes
suportes. O trânsito estabelecido com as diferentes categorias, a partir do desenho, coloca-
o como um procedimento entre os meios. Este movimento me possibilitou a atenção sobre
o meu próprio procedimento entre o desenho e escultura (objetos), entre o desenho e a
arquitetura, endereçando-me à elaboração do termo espaço fluido.
A produção freqüente dos desenhos foi então se estabelecendo a partir de suas prin-
cipais características: como projeto para outras obras e como uma categoria da produção
artística. A ação permanente de construção destas duas práticas configura-se como espaço
fluido ao se apresentar como pensamento da experiência, que ocorre como ligação e ao
mesmo tempo ativando a criação dos desenhos e de obras em outros suportes. Os desenhos,
projetos ou não, acompanham a produção em outros meios e sinalizam novos aspectos
desta produção. Como atividade entre meios, a indeterminação está presente durante a
construção dos desenhos. Ora projetos, ora desenhos, esta prática se coloca aberta à prolife-
ração de idéias que promovem o processo de criação.
{ 11 }
1
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, 27a edição, p. 201.
Quando em relação a projetos, os desenhos são dependentes de outro meio, fre-
qüentemente o espaço tridimensional, e a construção se dá não em adequar-se a esta outra
configuração espacial, mas em manter a representação espacial também como entendimen-
to da superfície. Quando processo, o desenho participa da atividade artística como mais um
campo da produção de imagens.
O crítico Frederico Morais, em texto de apresentação sobre os desenhos de Cildo
Meireles
2
, definiu assim estas relações:
Enquanto atividade-meio ele é um instrumento preparatório de outras formas de
expressão: anotação, croquis, estudo, projeto. Enquanto atividade-fim ele tem os mesmos
privilégios e qualidades de outras categorias artísticas. Porém, mesmo tendo afirmado sua
autonomia como linguagem, permanece como algo que não se completa nunca, reve-
lando um caráter intermitente, espasmódico, inacabado, processual
(MORAIS: 2005, 18).
Dentro dessa perspectiva sinalizada por Frederico de Morais, tentarei apresentar e
descrever o espaço fluido do desenho, desenvolvendo-se através de duas concepções não
excludentes, conforme anunciei na Introdução, e em constante movimento: desenho-pro-
jeto e desenho-processo.
o espaço fluido do desenho { 12 }
2
MORAIS, Frederico. Cildo Meireles algum desenho (1963 - 2005). Rio de Janeiro: Centro Cultural
Banco do Brasil, 2005. Neste catálogo há o texto de apresentação de Frederico de Morais, e uma
conversa entre o crítico e Cildo que será citada em outros momentos da pesquisa.
Debora Santiago. Sem título, 1997. Parafina e lantejoulas. 100 x 120 x 120 cm. { 13 }
(1.2) Desenho-projeto
O desenho na minha produção artística iniciou-se contíguo à produção tridimen-
sional. Durante a realização dos objetos e esculturas, a importância de anotações foi se mos-
trando necessária como pesquisa da forma e dos materiais a serem utilizados, suas relações
de cor e textura. O papel em pequenos formatos (aproximadamente 25 x 35 cm) e o uso de
poucas cores e materiais afirmaram seu uso no desenho como projeto. A utilização da folha
de papel no sentido vertical se relaciona com o tema da corporalidade nas esculturas.
Além das características acima mencionadas, a preocupação formal nos desenhos
-projetos, desde o início, assumiu contornos antropomórficos. Na obra "Sem título" de 1997,
pernas de parafina em tamanho real são fundidas em parafina, do interior da cintura do
corpo fracionado saem fios de lantejoulas que são presos diretamente ao chão e o volume
da saia transparente se faz quando estes fios são arranjados no chão.
O desenho referente à escultura foi realizado anteriormente, quando a obra em
parafina estava no início de sua construção. A exigência de um período de tempo para a
execução da escultura fez com que eu me aproximasse dos desenhos, pois uma visualiza-
ção prévia se fazia necessária. Grafite e aquarela foram os materiais empregados sobre o
papel, utilizado como caderno de anotação. O não preenchimento do espaço da folha rea-
firma o desenho como projeto, com uma forma com limites definidos, porém sem alusão a
um espaço físico determinado. Os grafismos neste desenho dizem apenas das possibilidades
da escultura, como os pequenos pontos de cor que indicaram o uso de lantejoula furta-cor.
Passado o momento inicial no qual o desenho estava intimamente aderido à relação
interna da escultura e seus materiais, o espaço do papel foi sendo percebido como um
campo de construção, que podia se colocar independentemente de suas relações com os
objetos. Embora sua construção ainda permanecesse, o desenho começava a atuar mais
claramente como um catalisador. E isto se aplica tanto a para criação de objetos, como tam-
bém aos próprios desenhos, que ampliam suas possibilidades de criação em um mesmo
projeto. Esta profusão relacionada ao mesmo tema é perceptível na série sobre a obra
"Escudo", de 1998.
desenho-projeto { 15 }
{ 14 }
Debora Santiago. Sem título, 1997. Aquarela e grafite sobre papel. 25 x 35 cm.
{ 16 }
Debora Santiago. Escudo, 1998. Voile, ferro e passamanaria. 50 x 80 cm.
O espaço fluido na construção dos desenhos se faz na relação com outras formas de
expresão. Seu caráter duplo, o plano do papel e a sugestão de um projeto em outras dimen-
sões colocam-no neste movimento entre os diferentes suportes de realização da obra.
O que percebo, através da produção de vários artistas, é que estas relações com ou-
tros meios não desqualificam o desenho, e sim oferecem possibilidades na compreensão
destes espaços diversos (o bidimensional e o tridimensional). A transposição, ocorrendo
através do raciocínio, oferece articulações entre as construções no espaço real e no imagi-
nário. Este movimento, quase como um exercício mental, propicia a reflexão sobre a cons-
trução espacial.
O artista Cildo Meireles (Rio de Janeiro, 1948) apresen-
tou em 2005 uma parte de sua vasta produção de desenhos em
uma mostra
1
que continha desenhos de períodos diversos de sua
produção, revelando, com este procedimento, parte do seu pro-
cesso de criação. Em uma de suas declarações o artista nos diz:
O desenho nunca foi pra mim conflito. Pode ser tanto uma anotação de algo a ser traba-
lhado e detalhado mais tarde, quanto um desenho, em cuja feitura a mente segue a von-
tade da mão. Certos desenhos estão ligados à planificação – é o desenho técnico ou
arquitetônico – como parte de processos de formalização de uma idéia em algum mate-
rial ou escala. Mas há também o desenho no qual você marca ou altera uma superfície,
estabelecendo com ele um vínculo corporal. O gesto, o arco da mão, o dedo, o osso. Boa
parte de meus desenhos tem esse sentido. O desenho também se diferencia no modo como
o atacamos, que pode ser pela cor e não pela linha
(MEIRELES: 2005, 58).
Os desenhos como projetos são realizados por Cildo Meireles em papel milimetra-
do com o uso de instrumentos técnicos (réguas, esquadros e outros instrumentos), grafite e
algumas vezes um pouco de lápis de cor. Nas séries, de aproximadamente oitenta desenhos
realizados no fim dos anos sessenta, "Espaços Virtuais: Cantos", "Volumes Virtuais” e
"Ocupações", o artista utiliza a repetição do tema para melhor detalhar suas idéias, o que
permite o estudo para a realização de projetos tridimensionais.
A sucessão de desenhos com o mesmo tema também abre questões para outras
obras, conforme acrescenta o artista:
desenho-projeto { 18 }
Debora Santiago
(a) Sem título, 1998. Aquarela e nanquim sobre papel. 32 x 16 cm.
(b) Sem título, 2000. Acrílica e pigmento metálico sobre papel. 22 x 24 cm.
(c) Sem título, 1998. Aquarela e grafite sobre papel. 35 x 25 cm.
(d) Sem título, 2000. Acrílica e pigmento metálico sobre papel. 35 x 25 cm.
b
a
c
d
1
A exposição intitulada "Cildo
Meireles algum desenho (1963 -
2005)" teve curadoria de Frederico
Morais, e apresentada no Centro
Cultural Banco do Brasil do Rio de
Janeiro, no período de 25 de abril a 3
de julho de 2005.
{ 19 }
Cildo Meireles
(a)
Espaços Virtuais: Canto II, 1967-8. Madeira, lona, pintura e piso de madeira. 305 x 100 x 100 cm.
(b/c) Espaços Virtuais: Cantos, 1968. Nanquim, grafite e lápis de cor sobre papel. 32 x 23 cm.
a
c
b
Como pessoa, me interessam as coisas sintéticas, mínimas, claríssimas. o que o desenho
nem sempre permite alcançar. Mas ainda assim, ele ajuda a mapear ou refletir determi-
nadas questões que poderão desembocar em trabalhos compactos, densos, sintéticos. A
origem do trabalho Homeless Home, que apresentei na Bienal de Istambul, Turquia, em
2003, está num desenho de 1968, que é uma encruzilhada. Questões que já abordara
igualmente nas séries Ocupações e Espaços Virtuais: Cantos, entre 1967 e 1969. Afinal, a
esquina (o exterior: rua) é o avesso do canto (o interior: casa)
(MEIRELES: 2005, 58).
"Homeless Home" se constituiu de quatro construções: banheiro, quarto, cozinha e
sala dispostos cada um nos cantos de um cruzamento de ruas de Istambul, e podiam ser
utilizados por todos que o desejassem, durante o período da exposição.
A produção do artista João Loureiro
2
(São Paulo, 1972) também lida com questões
do desenho e sua relação com o tridimensional. O artista vem realizando esculturas que
lidam com a arquitetura, e mais diretamente com os espaços da casa
e as relações entre forma e função de móveis e objetos que nos cercam:
o lugar de habitação, a casa e o ambiente doméstico, como maneira
de formar o indivíduo. Todavia, os desenhos sempre estiveram pre-
sentes na sua produção e dele partem todos seus trabalhos tridimen-
sionais. O formato é pequeno, proporcional ao seu fácil manuseio e de uma instância pri-
vada, sendo algumas características sempre transpostas para o tridimensional.
"Nuvem" foi montada em exposição individual na Galeria Ybakatu Espaço de Arte
em 2001. Em madeira e fórmica, a obra se assemelha a um dossel, utilizado para cobrir
camas ou assentos, e na galeria foi presa diretamente no teto.
A obra foi realizada a partir da estrutura física da sala da galeria, construída nos
anos 1960 como residência particular, onde há uma lareira. Um desenho genérico de
nuvem foi o principal dado para a construção de "Nuvem", que mantém e até enfatiza a
planaridade do desenho pela pouca espessura. O desenho foi realizado depois da visita do
artista à galeria, a partir de sua percepção do lugar como conjugação de características com-
erciais e residenciais, ambas ligadas a relação de afetividade da proprietária da galeria por
ter sido esta sua casa durante longo período.
O desenho-projeto é, assim, conforme exposto nos exemplos aqui apresentados, a ela-
boração de obras para o espaço real, e proporciona paralelamente o processo contínuo de cria-
ção. Este processo nem sempre é claro e objetivo e articula-se como primeira percepção visual.
desenho-projeto { 21 }
Cildo Meireles
Homeless Home, 2003. 8
a
Bienal de Istambul, Turquia.
João Loureiro, Nuvem, 2001. Madeira e fórmica, 200 x 130 x 80 cm.
Ybakatu Espaço de Arte, Curitiba - PR.
João Loureiro, Sem título, 2001. Nanquim sobre papel, 30 x 21cm.
2
As informações referentes à
relação entre o desenho e a
escultura na produção de
João Loureiro foram feitas a
partir de conversas informais
com o artista durante a realiza-
ção desta dissertação.
{ 22 }
Debora Santiago. Sem título, 2000. Nanquim e pigmento metálico sobre papel. 25 x 28 cm.
{ 22 }
(1.3) Desenho-processo
uma aranha sempre sabe
que depois desta teia
virá outra teia e outra teia e outra
uma aranha não duvida
Paulo Leminski
1
A realização dos desenhos tornou-se em minha produção um processo mais rápido
que a construção dos objetos e, desta forma, adquiriu uma relação mais próxima com o
processo de criação. Como realidade viva, o processo é uma mescla de pensamento e entendi-
mento, que pressupõe mudanças a todo momento. Estes pequenos movimentos do processo
criativo surgem nos desenhos pela facilidade do meio, ou seja, o desenho como um caderno
de notas, sempre à mão a organizar idéias, como pensamento em constante construção.
Ao perceber essas possibilidades trazidas pelo desenho como pensamento contínuo,
outras questões foram sendo apresentadas. A escolha de papel, nanquim e tintas se aprox-
ima de uma escrita em processo.
Uma das características do espaço fluido do desenho-processo é sua realização, pro-
porcionada pelo fácil acesso aos materiais, possibilitando vários desenhos que se relacionam
ao mesmo projeto. Os desenhos exploram de forma mais dinâmica as possibilidades de con-
strução e, muitas vezes, os desenhos/anotações, que pretendiam organizar uma idéia
específica, promovem também, assim como nos projetos, o surgimento de novas idéias. De
acordo com Cildo Meireles,
Desenhar é um processo muito rápido. Mais rápido que o desenho só a mente. Entre as
muitas linguagens ou procedimentos, o desenho é o que revela o menor tempo entre o momento
da revelação e sua formalização
(MEIRELES: 2005, 56)
.
{ 24 }
1
LEMINSKI, Paulo. Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica
/ Paulo Leminski e Régis Bonvicino. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 53.
Sem título, 2000. Nanquim sobre papel. 25 x 29 cm. Sem título, 2000. Nanquim sobre papel. 35 x 29 cm
Debora Santiago Sem título, 2000. Nanquim sobre papel. 25 x 30 cm.
{ 25 }
Cildo Meireles.
Sem título, 1966. Guache e nanquim sobre papel. 48 x 56 cm.
Sem título, 1967. Guache e nanquim sobre papel. 47,5 x 64 cm.
Sem título, 2005. Nanquim e grafite sobre papel. 21 x 29,6 cm.
Alguns procedimentos usuais
durante a realização dos desenhos
foram apresentando-se defla-
gradores de novas concepções.
O formato retangular do papel
era quase sempre utilizado na
vertical; esta escolha se dava pela
discussão do corpo que eu apre-
sentava nos objetos.
A simples ação de virar o
papel na horizontal promoveu o
surgimento do espaço da paisa-
gem, com o uso de elementos
gráficos circulares, unidos um a
um, formando linhas que se
sobrepõem umas as outras. Dife-
rindo dos trabalhos que se rela-
cionam a projetos, em que as
imagens estão concentradas nu-
ma área do papel, este agora é
todo ocupado pelo desenho.
Os círculos foram sendo
colocados como forma orgânica
e mantiveram-se como estrutura
fluida, reforçando o conceito de
circulação. Esta circulação ini-
ciou no espaço do papel e, a par-
tir da sua forma geométrica, for-
mou elementos estruturais para
a construção serial.
desenho-processo { 27 }
Debora Santiago
Chuva, 2002. Nanquim sobre papel. 25 x 35 cm.
Snake, 2003. Nanquim sobre papel. 20 x 35 cm.
Sem título, 2004. Nanquim sobre papel. 40 x 25,5 cm.
Página ao lado: Sem título, 2001.
Nanquim sobre papel. 25 x 35 cm.
desenho-processo { 29 }
Assim como no desenho-proje-
to, aqui também ocorre uma repetida
construção de idéias e os temas tor-
nam-se freqüentes. Para João Lou-
reiro esta repetição temática se dá
como mecanismo de compreensão
das coisas eleitas, as quais são dese-
nhadas várias vezes até se criar algo
que coincida com seu interesse. E foi
o desenho ligado a projetos que pos-
sibilitou ao artista uma maior malea-
bilidade com o próprio desenho, tor-
nando-se um campo de experiências
diversas. O artista denomina seus
desenhos sob diversos aspectos: pro-
jetos, narrativas, os que testam limi-
tes e, outros, numa instância mais
poética. Estes três últimos, não mais
aderidos a projetos, são o que de-
nomino de desenho-processo pois
fazem oscilar os interesses do próprio
desenho.
João Loureiro
Television 3, 2007.
Lápis de cor sobre papel.
Um coelho por pedra, 2007.
Técnica mista sobre papel.
Television 1, 2007.
Lápis de cor sobre papel.
Debora Santiago
(a) Colunas de Ar, 2004. Nanquim sobre papel. 25 x 41cm.
(b) O diabo na rua no meio do redemoinho, 2004-5. Nanquim sobre papel. 40,1 x 25 cm.
(c) Via Láctea, 2005. Nanquim sobre papel. 25,3 x 35,5 cm.
b
a
c
(2) Construindo o espaço fluido
A realização da obra, a partir de sua relação específica com o lugar, tem sido apresen-
tada, desde o final dos anos 1950, fundamental para a experiência do espectador. A relação
direta que se dá no espaço e no tempo, incorporando práticas do cotidiano, é o que determi-
nou a produção artística a partir deste período. O espaço físico foi sendo conquistado não
apenas como suporte, mas também como parte integrante da obra, propiciando ao especta-
dor uma experiência sensível; esta se refere à percepção que ocorre num espaço e tempo.
É evidente também no período entre os anos 60 e 70 do século XX a atividade artís-
tica ligada a uma auto-crítica, ocorrendo uma profusão de escritos de artistas. Aqui, nesta
pesquisa, tomo como referência alguns deles que, a despeito de suas situações específicas,
foram escolhidos pelas aproximações com as relações entre espaço, obra e espectador.
O primeiro que utilizo é "The Present Tense of Space", do artista Robert Morris
(Kansas City - EUA, 1931), publicado em 1978. Neste texto o artista posiciona a prolife-
ração de obras tridimensionais, a partir de meados dos anos 1960, onde o espaço é enfati-
zado na sua relação temporal com a experiência.
Para Morris o tempo é o fator determinante nas novas questões espaciais apresen-
tadas pelos artistas, e propondo o termo presentidade (presentness) para afirmar a duração
da experimentação como constituinte da consciência. Essa experiência está impregnada na
própria natureza da percepção espacial. Alguns dos impulsos do novo trabalho são para tornar
essas percepções mais conscientes e articuladas.
(MORRIS: 2006, 402).
O espaço mental e o da experiência estão relacionados, conforme Morris, à divisão
que George Herbert Mead faz entre o "mim" e o "eu" como partes de uma consciência de
si mesmo. Morris propõe a aproximação destes termos, mas a apreensão da obra, no entanto,
ocorre no presente, a partir de suas relações espaciais que demandam do espectador movi-
mento físico e tempo decorrido. A presentidade integra estes dois momentos do conhecer e
{ 31 }
Debora Santiago.
Rede, 2006. Nanquim sobre papel. 42 x 31cm.
Série Rede, 2006-7. Nanquim sobre papel. 42 x 31cm (cada). Galeria Monumental, Lisboa- Portugal
se dá em obras que integram espaço e tempo, opondo-se ao objeto autônomo e intemporal.
Conforme Morris,
O que insisti em afirmar é que os trabalhos em questão usam diretamente um tipo
de experiência que, no passado, não foi sustentada na consciência. Esses trabalhos se
localizam dentro de um tipo de "eu" de percepção que é o único acesso direto e imedia-
to disponível para a experiência espacial. Para fins de compreensão e racionalização, essa
experiência foi sempre imediatamente convertida na esquematização da memória.
Os trabalhos em questão estendem a presentidade como uma experiência consciente
(MORRIS: 2006, 419).
Morris exemplifica comentando algumas obras de períodos diversos, para falar da
relação da escultura com a arquitetura, e certamente leva em consideração sua própria pro-
dução. Nas décadas de 1960 e 1970 o artista apresenta uma produção de caráter múltiplo e
interdisciplinar, comum naquele período: performance, instalação, objetos, entre outras
que se definem pela participação. Em um de seus trabalhos, a série de peças iguais con-
struídas em madeira compensada pintada de cinza, no formato de simples poliedros em
forma de L, foram dispostas de diferentes maneiras no espaço, buscando o acesso à per-
cepção do espectador através da experiência e questionando a idéia de autonomia da obra.
São os movimentos do espectador que possibilitam à percepção a sensação de, em relação
aos Ls, formas diferentes. A obra é assim considerada como em constantes mudanças no
tempo e no espaço; estas novas relações ocorrem com a presença do espectador.
Outro texto importante para verificar como as relações entre espaço, obra e especta-
dor vem ocorrendo é "Shift", escrito em 1973 pelo artista Richard Serra (São Francisco -
EUA, 1939), em que tece observações relacionadas diretamente à obra de mesmo título.
Serra inicia o texto citando o material usado na obra: seis placas de cimento com
altura e espessura iguais e o declive do terreno que determina a colocação do material no
espaço. E então descreve toda a instalação da obra que tem o comprimento das placas
definido pela topologia do terreno. Os acidentes do terreno foram localizados com o auxílio
de um mapa e da própria experiência do artista no lugar, em companhia da artista Joan
Jonas. Os dois perceberam que a topologia do espaço poderia ser definida enquanto se
moviam em direções opostas tendo a linha dos olhos do outro como medida. E, ao manter
um ao outro como referência, seriam estabelecidos os desníveis do terreno.
construindo o espaço fluido { 32 }
{ 33 }
Robert Morris. Sem título, 1965. Compensado pintado. 243,8 x 243,8 x 60,9 cm (cada peça).
As placas, de diferentes comprimentos, foram feitas no próprio terreno em dois gru-
pos formando um Z, cuja altura total de 1,5 m é visualizada nas partes mais baixa do ter-
reno, enquanto que nas mais altas a placas foram colocadas no nível do solo. Ao percorrer
e penetrar o espaço da obra o espectador poderia, então, verificar suas próprias dimensões.
De acordo com Serra, o trabalho estabelece uma medida: a relação que se tem com ele e com o
terreno
(SERRA: 2006, 327).
As linhas superiores das placas tornam-se horizonte para o espectador. Contudo,
trata-se de linhas que são alteradas a todo instante pelo caminhar, uma vez que a consciên-
cia despertada se dá pela experiência, conforme o artista, a intenção do trabalho é uma con-
sciência da fisicalidade no tempo, no espaço e no movimento
(SERRA: 2006, 327).
Os textos de Robert Morris e de Richard Serra colocam toda sua atenção na exper-
iência de movimento do espectador na obra. No texto de Morris é afirmado um tipo de per-
cepção consciente que se liga diretamente à experiência espacial e que é anterior ao espaço
mental. É interessante perceber como o artista vê a relação entre estes dois momentos da
consciência e também sua preocupação na forma como ocorre a transposição entre estes
dois momentos. A apreensão da obra ocorre dentro desta realidade dialética, da experiência
sensível do espectador, que exige tempo e espaço, para o espaço mental.
A crítica americana Rosalind Krauss, no texto "Sens et Sensibilité", discute também a
questão do envolvimento do espectador com a obra e aproxima dois momentos da arte amer-
icana: o minimalismo, como um primeiro momento e, posteriormente, seus desdobramentos,
por sua prática anti-ilusionista, não apenas em relação à forma, mas na recusa de um espaço
mental pré-existente anterior à experiência. As aproximações são aqui possíveis pelo tipo de
sensibilidade a que as obras remetem, recusando um aspecto privado. Os artistas envolvidos
neste período, os anos 1960, concebem a obra oferecendo ao espectador uma participação
através da experiência, fazendo o significado adquirir um caráter de exterioridade.
Mas a atenção para a construção da obra em relação ao seu contexto específico fica
evidente no texto Richard Serra. O artista realiza a obra a partir dos desníveis do terreno,
tomando suas particularidades na construção. Aqui, as relações entre espaço, obra e espec-
tador são intensificadas com a atenção para o lugar.
Nos textos de Richard Serra e Robert Morris é possível perceber esta diferença de
enfoque. E é sobre este aspecto que são feitas reformulações sobre o site specific por autores
como Miwon Kwon. Para a autora, o site specific é tomado com um procedimento que
construindo o espaço fluido { 35 }{ 34 } construindo o espaço fluido
Richard Serra. Shift, 1970-72.
Cimento, seis partes retilíneas. 152,4 x 20,32 cm (cada).
inclui os diversos aspectos de um lugar (físico, político,
econômico, social e cultural) e que elege uma ou várias
destas situações para criar significado, renunciando ao seu
aspecto indiferenciado. Para, como afirma a autora, que a
sequência de lugar que habitamos não se torne indiferente, um
lugar após o outro (KWON: 1997, 10)
1
.
É esta acomodação ao lugar que discuto nesta pesquisa, porém esta acomodação
não pretende ser fixa, uma vez que estas articulações permitem que a obra seja realizada
em vários locais. Isto distingue meu trabalho de alguns dos trabalhos de Serra, que não per-
mitem estas mudanças de lugar. Os "Desenhos nas paredes" e os "Móbiles de Globos" se
constituem como uma série de obras com características comuns, mas que, a cada realiza-
ção, a partir de uma situação indeterminada a priori, são modificadas, pois tratam também
da especifidade do lugar, como já mencionado.
construindo o espaço fluido { 36 }
1
KWON, Miwon. One place after anoth-
er. In: Revista October, spring, 1997.
Utilizo aqui tradução não publicada de
Jorge Menna Barreto, e parte integrante
de sua dissertação de mestrado
"Lugares Moles", ECA-USP, 2007
(2.1) Parede como superfície
A sugestão do espaço construído nos desenhos em papel, ou seja, a arquitetura com
suas linhas de projeção, foi sendo compreendida como elemento da construção serial. Estas
formulações no papel chamaram minha atenção para a transposição dentro do próprio
espaço arquitetônico e suas especificidades. Tal transposição supõe mudança, dada a
mudança do espaço de recepção da obra. Nesta outra superfície, deparei com a seguinte
situação: explorar a relação entre o bidimensional e tridimensional, o real e sua projeção.
Uma multiplicidade de estruturas planas que criam a ilusão de um espaço arquitetônico.
O convite para uma exposição individual no SESC da Esquina em Curitiba foi feito
na mesma época em que eu realizava, nos desenhos em papel, sugestões de formas tridi-
mensionais através de idéias simples de geometria.
Naquele período, 2003, eu participava de atividades físicas no SESC semanalmente.
A utilização freqüente das escadas e corredores me chamou atenção para suas paredes –
grandes áreas mantidas pintadas de branco, sem uso. Como o prédio de seis andares possui
elevadores, as escadas são mais utilizadas então para os pequenos trajetos entre os andares
em que há serviços variados (biblioteca, salas de atividades físicas, assistência médica).
Sugeri então ao SESC a aplicação de desenhos diretamente sobre as paredes das
escadas. Esta escolha foi por mim definida a partir de interesse pessoal propiciado pelo uso
do lugar, evidenciado desde os primeiros momentos da construção dos desenhos direta-
mente na parede.
Espaço como lugar praticado é algo definido pelo pensador francês Michel de
Certeau
1
após analisar as atividades cotidianas para uma abordagem sobre o espaço de
determinadas práticas. Estas são apresentadas pelo autor como saberes que possibilitam
agir para mudar a organização de um lugar e são determinadas pela ação indissociável da
ocasião, resistindo aos sistemas de vigilância e disciplina. As táticas, diferentemente das
estratégias, são operações que dependem do tempo e assim condicionam o espaço como
lugar praticado, podendo ser modificado constantemente pelas ações do sujeito.
{ 37 }
1
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis : Vozes, 2002. 7
a
edição.
O sujeito aqui não se apresenta numa unidade elementar, pois cada individualidade é
o lugar onde atua uma pluralidade incoerente (e muitas vezes contraditória) de sua determi-
nações relacionais
(CERTEAU: 2002, 38). No entanto, ao colocar sua posição referente ao indi-
víduo, o autor esclarece que sua pesquisa refere-se aos modos de ação, às práticas deste
sujeito que compõem uma cultura. Estas práticas seriam o uso e o consumo, contrário à
idéia do indivíduo como consumidor, deslocando a atenção para a criação e os desvios pro-
porcionados pelo uso.
No SESC, o trabalho foi sendo desenvolvido no próprio local a partir de sua
arquitetura. Algumas linhas de projeção da perspectiva das escadas foram sendo tomadas
como referência e outras linhas foram sendo desenhadas sobre as paredes. O desenho man-
teve a mesma estrutura dos desenhos em papel e os círculos colocados um após outro for-
mavam linhas que eram sobrepostas, onde não havia um paralelismo perfeito.
A perspectiva, método impreciso para medidas, é usada como ferramenta para
desenhar objetos com volume como eles aparecem à nossa vista, e supõe o observador
estático. No "Desenho nas paredes", a circulação do espectador é condição para a obser-
vação da obra. Não há um ponto de vista e sim vários, que se mostram somente durante o
percurso nas escadas. As possibilidades surgem com a presença do espectador e sua circu-
lação no espaço, que integra obra e espaço físico. Toda a construção arquitetônica faz parte
da obra: as paredes, as escadas e os fundos destas, que também são o teto do espaço de cir-
culação e as aberturas que surgem de algumas paredes.
O olho e o espectador, aos quais se refere Brian O'Doherty, são denominados como
espectadores distintos. Só se envolvem com a obra através da postura determinada.
Conforme define O'Doherty, o espaço moderno redefine a condição do observador; mexe com
sua auto-imagem
(O'DOHERTY: 2002, 36). O olho relaciona-se com a superfície pictórica e
suas redefinições; já o espectador, com o espaço real inaugurado pela colagem. O Olho
comanda o movimento do corpo para lhe dar informações _ o corpo torna-se um coletor de
dados. Há um tráfego intenso nos dois sentidos dessa rodovia sensorial _ entre a sensação con-
ceituada e o conceito efetivado. Nessa aproximação instável encontra-se a origem dos cenários de
percepção, performance e Body Art
(O'DOHERTY: 2002, 54).
O encontro do olho com o espectador possibilita o movimento e este determina o
acesso à obra, que se faz no espaço real experimentado em tempo real. Agora as imagens, o
tempo passado da realidade, começam a dar lugar à duração, o tempo presente da experiência
espacial imediata
(MORRIS: 2006, 402). Esta afirmação do artista Robert Morris é definida pela
parede como superfície { 38 }
parede como superfície { 39 }
Debora Santiago. Desenho nas paredes, 2003.
Acrílica sobre parede. Dimensões variáveis. SESC da esquina, Curitiba - PR.
percepção, um dos três modelos (os outros são o histórico e o formal) que definem as obras
a partir de meados dos nos 1960. A experiência do espaço físico em tempo real proporciona
o que o artista chama de presentidade e esta se configura como experiência consciente pela
relação inseparável com a extensão temporal.
O "Desenho nas paredes" é realizado sobre a arquitetura, uma intervenção neste
espaço envolvente e que não se apresenta todo de uma vez. Fluido, constrói-se primeira-
mente enquanto realizo a intervenção, e segue com o movimento de cada espectador em
sua experiência espacial. E, por ser fluido, ele é indeterminado, podendo ser construído
infinitamente.
Em 2004 a possibilidade de, novamente, desenvolver uma obra site-specific ocorreu
através do convite feito pelo Espaço 803/804 em Florianópolis
2
. Caracterizando-se por ser
um espaço informal, não institucional e não comercial, constituía-se de um apartamento
onde se realizaram exposições, lançamentos e distribuição de publicações, cursos e outros
eventos culturais. A cada mês, artistas eram convidados a expor no espaço incorporando as
especificidades ali existentes, ou seja: seu interior (apartamento
com características de residência, composto de nove cômodos:
sala, cozinha, área de serviço, quartos e banheiros) e seu exterior
(um edifício de múltiplos usos: comercial e residencial, na área
central da cidade).
A exposição, em conjunto com outros dois artistas, Alex Cabral e Yiftah Peled, foi
discutida, pois não queríamos a apresentação dos trabalhos a partir de uma simples divisão
de cômodos. A finalização do processo conjunto se deu após negociações, as quais foram
surgindo espontaneamente através da observação durante visita anterior ao apartamento e
do entendimento recíproco das obras e suas relações de vizinhança: as obras e os lugares a
serem instalados e o diálogo entre os três artistas.
Em algumas paredes do apartamento havia condutos expostos, através dos quais a
água poderia ser utilizada na proteção anti-incêndio. Os condutos, na cor prata, foram
minhas indicações iniciais para o "Desenho nas paredes". Utilizei a mesma cor e a cons-
trução do desenho partiu já logo na entrada do apartamento, onde os condutos se faziam
visivelmente presentes.
Além da indicação dos condutos, o desenho foi sendo realizado seguindo a ordem
de distribuição dos cômodos. Da entrada, um pequeno espaço que fazia a ligação entre os
parede como superfície { 41 }{ 40 }
Debora Santiago. Desenho nas paredes, 2003-4. Esmalte sintético sobre parede e globo de espelhos.
Dimensões variáveis. Espaço 803/804, Florianópolis - SC.
2
Localizado em um apartamento,
foi gerido e organizado pelos
artistas Edmílson Vasconcelos,
Raquel Stolf e Regina Melim
durante o período de oito meses.
espaços, o desenho seguiu para uma sala pintada anteriormente em um cinza escuro; esta
alterou as relações com a cor prata do desenho, fazendo com que este por vezes desapare-
cesse com os movimentos do espectador.
No espaço da entrada, além do desenho, fixei ao teto um globo de espelhos que, com
o uso de iluminação artificial, projetava reflexos circulares. A cor laranja da lâmpada foi
escolhida como cor complementar ao azul, esta presente nos azulejos da cozinha, contígua
a este espaço da entrada. O globo, com suas projeções em movimento, intensificou a pro-
posta de circulação dos desenhos nos espaços do apartamento. O uso do globo de espelhos
já vinha sendo experimentado por mim havia algum tempo, e nesta exposição apontou
mais uma vez para o processo de criação do "Móbile de Globos".
O SESC da Esquina em Curitiba e o Espaço 803/804 em Florianópolis foram os
primeiros lugares onde o "Desenho nas paredes" foi realizado. Caracterizando-se como
alternativas aos espaços institucionais possibilitaram, no entanto, a realização da inter-
venção através da escolha do local pensado no seu uso de circulação. Quando o convite para
a realização dos desenhos em espaços museulógicos foi feito, algumas limitações foram
impostas pelos representantes das instituições que, muitas vezes, questionaram o lugar de
execução da obra.
Na Casa Andrade Muricy em Curitiba, a exposição Nome
3
foi sendo organizada
através de obras que diziam respeito ao sujeito e em obras em que há a presença da subje-
tividade. As curadoras, ao me convidar, logo sugeriram o "Desenho nas paredes" e inicia-
mos uma série de conversas sobre os possíveis locais de realização, as cores que poderiam ser
usadas e ainda sobre outras informações técnicas do
processo. Estas conversas foram também mediadas pela
instituição, que apontou algumas vezes a impossibili-
dade tanto de realização dos desenhos em alguns dos
lugares sugeridos quanto da utilização do material a ser
empregado. Todas estas questões foram colocadas em
favor da edificação e sua manutenção.
A intervenção no espaço, apesar das limitações, ocorreu dentro da lógica do traba-
lho. A cor prata foi usada sobre paredes bege, e o desenho foi se configurando através de sua
localização e da arquitetura. O assoalho de tábuas largas e suas linhas de união foram a
referência para iniciar-se o desenho.
parede como superfície { 42 }
3
A exposição "Nome" foi proposta para a Casa
Andrade Muricy, através de edital, por Daniela
Vicentini e Simone Landal, pesquisadoras de
arte que vêm organizando importantes expo-
sições no Paraná. "Nome" reuniu 23 artistas
com vínculos diversos com a cidade de
Curitiba e em atividade nos últimos 15 anos
(em 2004).
Debora Santiago. Desenho nas paredes, 2003-4.
Esmalte sintético sobre parede. Dimensões variáveis.
Casa Andrade Muricy, Curitiba - PR.
{ 43 }
parede como superfície { 45 }
Em 2006, participei das exposições do Programa Rumos Visuais do Instituto Itaú
Cultural
4
. A obra selecionada foi o "Desenho nas paredes", e aqui o processo de realização
foi intensificado pelo distanciamento e pela conseqüente falta de assiduidade nos espaços
institucionais destinados às exposições. Antes da minha ida a São Paulo, a produção me
enviou fotos da localização para realização dos
desenhos, porém a imagem do lugar não me foi sufi-
ciente. O processo para a realização da obra se faz a
partir da experiência do lugar. Assim, no Instituto
Itaú Cultural em São Paulo, o desenho, realizado em
tinta prata sobre um painel que cobria as paredes,
mesmo partindo de algumas indicações da arquite-
tura, tornou-se uma simples transposição de um de-
senho em papel, apesar de não ter sido produzido
anteriormente. Isto se deu pela arquitetura do edifí-
cio, uma vez que o local destinado aos desenhos situava-se no sub-solo. A altura reduzida
e as estruturas aparentes foram ocultadas com tapumes e isto impossibilitou a realização do
desenho diretamente sobre sua estrutura, alterando a lógica do trabalho.
No Rio de Janeiro, o espaço maior do Paço Imperial mostrou-se mais receptivo para
receber obras diversas dos 78 artistas participantes. A construção do período imperial, trans-
formada em residência dos Governadores em 1743, unindo as construções da Casa da
Moeda e os Armazéns Reais, tem corredores e salas amplas. Porém o desejo, transformado
em necessidade, da obra se apresentar num espaço expositivo definido pelas curadoras,
inviabilizou algumas de minhas sugestões a respeito da realização do "Desenho nas pare-
des". Mas o diálogo com Paulo Nenflídio (artista selecionado para o Programa Rumos
Visuais) e a cooperação durante a realização da obra propiciaram uma relação com o espaço
que se fazia também com a obra de Paulo.
O desenho em tinta prata sobre a parede em L foi realizado partido da junção entre
as duas paredes. O piso em pedra bruta, a altura elevada do pé direito e as estruturas
aparentes do ar condicionado também foram pontos considerados durante a realização.
Ainda no Programa Rumos Visuais, realizei o "Desenho nas paredes" na exposição
"Outros lugares", recorte curatorial de Cristiana Tejo, na Casa das 11 janelas em Belém -
PA. O museu está localizado no centro histórico que mantém edificações do período entre
os séculos XVII e XIX.
Debora Santiago.
Desenho nas paredes, 2003-6.
Esmalte sintético sobre painel.
Dimensões variáveis.
Itaú Cultural, São Paulo - SP.
4
A terceira edição do programa, "caracterizado pelo
mapeamento, formação e difusão de artistas contem-
porâneos, em sua edição 2005-2006 apresenta os
78 artistas selecionados pelo Comitê Curatorial for-
mado por Aracy Amaral, Lisette Lagnado, Luisa
Duarte, Marisa Mokarzel e Cristiana Tejo" . (Texto de
apresentação, catálogo Rumos Artes Visuais Itaú
Cultural 2005-2006 São Paulo: Itaú Cultural, 2006,
p. 7). A exposição Paradoxos Brasil / Rumos Itaú
Cultural Artes Visuais, com a participação de todos
os artistas selecionados, ocorreu no Itaú Cultural de
São Paulo e no Paço Imperial no Rio de Janeiro.
Participei também da exposição Outros Lugares,
recorte curatorial de Cristiana Tejo, no Espaço
Cultural Casa das 11 Janelas em Belém - PA.
parede como superfície { 46 }
Desenho nas paredes, 2003-6.
Esmalte sintético sobre parede.
Dimensões variáveis.
Casa das 11 janelas, Belém - PA.
Debora Santiago. Desenho nas paredes, 2003-6.
Esmalte sintético sobre parede. Dimensões variáveis. Paço Imperial, Rio de Janeiro - RJ.
O lugar proposto foi uma parede que é visualizada durante a utilização das escadas
de acesso aos pisos. Sobre esta parede está localizado o quadro elétrico de iluminação, que
fica exposto, deixando a parede com uso restrito.
O desenho, enfatizando os diversos pontos de vista que se podem ter durante o per-
curso nas escadas, foi feito incorporando a caixa de luz e outros elementos presentes no
espaço. O elevado pé direito, comum em construções do período colonial, proporcionou a
dimensão do desenho, que também se fez em relação às aberturas da porta e janela, sug-
erindo ainda outra abertura no espaço. A cor utilizada neste desenho foi marrom escuro, a
mesma cor utilizada pelo museu nos corrimãos e outras detalhes da construção.
As descrições mencionadas da realização do "Desenho nas paredes" nas exposições
listadas apresentam a relação de proximidade entre a construção da obra e o lugar –
condição estabelecida neste procedimento. O lugar aqui não é somente sua arquititetura,
mas seu uso e assim sua íntima relação com a organização social de cada ambiente. O con-
texto aqui não se apresenta como limitador do objeto artístico, mas como ativo participante
na construção da obra.
Mesmo apresentando características que são incorporadas à obra, os desenhos man-
têm sua característica de idéia portátil – termo usado pelo artista Mel Bochner (Pittsburgh
- EUA, 1940) para definir sua série "Measurement: Room". Iniciada em 1969, trata-se de tra-
balhos que são realizados utilizando fita preta e letraset sobre parede. Mel Bochner prende
a fita diretamente sobre a parede e, como numa planta arquitetônica, linhas perpendiculares
e paralelas ao chão são construídas a partir do espaço em que são fixadas. As linhas contor-
nam portas, janelas, saídas de emergência, e pequenos intervalos são deixados para os
números relacionados às medidas destas linhas, referentes ao próprio espaço em que estão.
"Measurement: Room" é uma obra que pode estar em vários lugares ao mesmo
tempo e sua relação com o lugar não é de permanência física. Em entrevista a Elayne
Varian, publicada no catálogo da exposição no Centro Hélio Oiticica, o artista esclarece:
A obra pode estar no meu ateliê, no acervo de um colecionador e numa exposição ao mesmo
tempo. Ela não é retirada de um lugar para ser exposta em outro. Neste sentido, a obra não é um
objeto portátil, é uma idéia portátil
(BOCHNER: 1999, 16).
No "Desenho nas paredes", a própria estrutura de cada obra apresenta a impossibil-
idade de transposição; esta ocorre na forma de idéia. A ligação com o lugar determina a obra
mas não a torna refém. As obras constituem uma série e a cada lugar apresentam-se a par-
tir das relações de percepção e uso destes mesmos lugares.
parede como superfície { 48 }
Mel Bochner. Measurement: Room, 1969.
Fita colante e letra set sobre parede. Dimensões variáveis.
Coleção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
{ 47 }
A série "Ocupação" da artista Iara Freiberg (São Paulo, 1977) segue uma estrutura
similar à idéia portátil. A artista também foi uma das selecionadas para o Programa Rumos
Visuais do Instituto Itaú Cultural 2005-2006, e apresentou a obra em que realiza, desde
2003, intervenções sobre os espaços expositivos.
O título da série, "Ocupação" (acrescido do local de exposição), define a ação da
artista, e se aproxima, da mesma forma que a série "Desenho nas paredes", do diálogo entre
obra e espaço articulado por Robert Morris, como: (...) disposto no espaço de uma maneira
que eleve o fato existencial da disposição a um fato de "ocupação", tensionando assim tanto o
objeto quanto o espaço em torno dele
(MORRIS: 2006, 408).
Na "Ocupação", no entanto, Iara Freiberg visita o local e anteriormente, busca dados
referentes às medidas e às plantas baixas, além de realizar fotos de vários ângulos. A partir
daí, a artista faz os desenhos em forma de projetos e maquetes para
serem realizados especificamente para o lugar escolhido, levando
em conta certas regras ou condições prévias que marcam suas
especificidades e, como tal, podem surgir de modo a ressaltá-las ou
mesmo a contrapô-las
5
.
Com o desenho pronto, previamente, no Programa Rumos, a artista aplicou-o com
o auxílio de um projetor. A escolha por este método de trabalho se faz pela busca de pre-
cisão, assim como o uso de adesivo em vinil, que são utilizados para melhor construir as
linhas que indicam relações com o lugar onde a obra é realizada. Os desenhos são sempre
na cor preta, uma aproximação com os desenhos técnicos, e usam a estes como fundamen-
tos da própria obra a ser realizada.
Em trabalhos anteriores Iara desenhava diretamente sobre as paredes; sem pré-pro-
jetos, os desenhos eram criados independentemente do lugar em que eram aplicados, como
uma sugestão de sobreposição de dois lugares.
Nos "Desenho nas paredes" não realizo nenhum projeto anterior. Diferentemente
do método de trabalho de Iara Freiberg em suas "Ocupações", minhas escolhas vão se
fazendo no momento em que o desenho vai sendo construído na parede. O processo de
criação envolve minha circulação e movimento para perceber o espaço e, então, desenhar
as linhas formadas por círculos, que sugerem uma continuidade, como se os desenhos
fossem se expandindo por toda a edificação.
parede como superfície { 49 }
5
As informações referentes à pro-
dução de Iara Freiberg foram feitas
a partir de conversas informais
com a artista durante a realização
desta dissertação.
Iara Freiberg.
(a) Ocupação - Maria Antonia, 2003. Tinta sobre parede. Dimensões variáveis.
Centro Universitário Maria Antonia - USP, São Paulo - SP.
(b) Ocupação - Dragão do Mar, 2006. Acrílica e adesivo vinil sobre parede. Dimensões variáveis.
Museu de Arte Contemporânea / Centro Dragão do Mar, Fortaleza - CE.
(c) Ocupação - Paço Imperial, 2006. Acrílica e adesivo vinil sobre parede. Dimensões variáveis.
Paço Imperial, Rio de Janeiro - RJ.
a
b
c
(2.2) Móbiles
O uso dos espaços como elemento ativo na construção da obra vem se colocando em
todo meu processo como condição primeira para a construção de um trabalho. Todavia,
outros aspectos também são considerados, como a incidência da luz nos espaços e o movi-
mento das sombras – pontos preponderantes para a elaboração do "Móbile de Globos".
O "Móbile de Globos", como o próprio nome sugere, possui a estrutura de um
móbile, com barras de alumínio sustentadas por fios de nylon e, presos às barras, globos de
espelhos, em tamanhos variados, que funcionam como contrapesos. A diferença de peso
entre os globos e a distâncias variadas entre as barras em que são amarrados dá a forma ao
móbile e está relacionada diretamente às fontes de luz do espaço. A maneira como a luz,
natural ou artificial, incide nos globos de espelho permite a projeção de desenhos circulares
sobre superfícies diversas.
A luz refletida pelos globos de espelho está sempre em movimento, devido à sua
forma circular e, quando sob a incidência da luz do sol, de acordo com o próprio movimen-
to da Terra, outras projeções também surgem. Além do movimento independente dos glo-
bos, toda a estrutura apresenta-se num movimento aleatório gerado por correntes de ar no
ambiente ou pelo toque do espectador, já que o móbile está acessível a esta participação.
A primeira montagem da obra foi em exposição individual na galeria Ybakatu
Espaço de Arte, em Curitiba, no período de maio a julho de 2005. A observação contínua
que tenho deste lugar, durante alguns anos, me permitiu perceber especificidades. A alter-
ação do ângulo de projeção da luz, determinando as sombras projetadas da arquitetura
através de uma vitrine e uma porta de vidro foi o ponto de partida para a construção do
móbile. As dimensões arquitetônicas também foram consideradas durante a montagem da
obra, que se realizou no mesmo lugar da instalação.
O período do ano, durante o inverno, também foi considerado para a exposição.
O ângulo de projeção do percurso do sol nesta região do país, durante esta estação, é menor
em relação ao plano horizontal. Esta luz de inverno horizontal incidia sobre o móbile
durante um período maior. Durante o dia, neste período de incidência de luz, que é altera-
do continuamente pelo movimento da Terra, era possível ver a sombra projetada (em preto)
dos globos no chão e os reflexos circulares (em branco) percorrendo todo o espaço interno,
{ 52 }
Fundação Cultural de Criciúma - SC
Debora Santiago.
Móbile de Globos, 2005.
Globos de espelho, alumínio e fio de nylon.
Dimensões variáveis.
Ybakatu Espaço de Arte, Curitiba - PR.
alcançando algumas áreas externas e projetando-se no anteparo mais próximo: paredes,
teto, enfim, sobre a estrutura arquitetônica ou sobre as pessoas que lá estavam.
O móbile é uma estrutura que se caracteriza pelo movimento, gerado por correntes
de ar, motores ou o toque. No entanto, a idéia de movimento do "Móbile de Globos" não
está apenas relacionada a sua própria estrutura, mas ao movimento do espectador (que se
movimenta pelo território da galeria, o que é comum, ou que até pode tocar o objeto). Tal
movimento do espectador pode dar-se pela alteração dos reflexos, quer pela luz natural,
quer por uma luz artificial quer ainda por qualquer outro tipo de alteração.
A segunda montagem da obra ocorreu na Galeria de Arte da Fundação Cultural de
Criciúma - SC em novembro de 2005, em exposição individual. A Galeria se localiza numa
casa histórica da cidade com janelas que se comunicam com um jardim e um pomar.
A escolha do lugar para a realização do "Móbile de Globos" foi em uma das salas,
que possui três janelas, porém a localização do sol, naquele período do ano, foi insuficiente
para que a luz do sol incidisse dentro da galeria. O uso de luz artificial se fez necessário
para que ocorressem os reflexos.
Além disso, com as dimensões próximas às de uma residência, a montagem da obra
nesta Galeria buscou relacionar-se com tais especificidades. O "Móbile de Globos" foi con-
struído com uma estrutura menor e para a iluminação foram utilizadas lâmpadas dicrói-
cas, possibilitando obter reflexos que adquiriram tonalidades diferenciadas de cor em
função do material reflexivo que envolve as lâmpadas.
Em dezembro de 2005, o "Móbile de Globos" foi selecionado para o 61
o
Salão
Paranaense
1
. Sugeri a montagem da obra próximo a uma de suas entradas, dado o fato de
haver ali janelas e a possibilidade de incidência da
luz do sol sobre a obra.
Durante a montagem da estrutura do
móbile, num espaço da entrada do Museu com uma
grande escada que dá acesso ao piso superior e uma
passagem para outras salas no andar térreo, percebi
que a luz do sol entrava pelas janelas num rápido período da manhã. Em frente ao Museu
está situado um grande hotel, com cerca de vinte andares, que impedia a entrada da luz do
sol no Museu durante quase toda a manhã. No entanto, durante a tarde, o sol na posição
oposta incidia sobre as janelas do hotel e refletia a luz para o Museu. O "Móbile de Globos"
móbiles { 55 }
Debora Santiago. Móbile de Globos, 2005. Globos de espelho, alumínio e fio de nylon. Dimensões variáveis.
(a/b) Fundação Cultural de Criciúma - SC. (c) Museu de Arte Contemporânea, Curitiba - PR.
a
b
c
1
A 61
a
edição do evento mudou seu formato, selecionou
10 artistas e convidou outros 10 artistas. A escolha e a
seleção dos artistas foi realizada pelo comitê curatorial
composto por Angélica de Moraes, Cristiana Tejo,
Fernando Bini, Paulo César B.do Amaral, Paulo Reis,
Regina Melim e Ricardo Resende. A mostra foi realizada
no Museu de Arte Contemporânea do Paraná no perío-
do de 15 de dezembro de 2005 a 31 de março de 2006.
Museu de Arte Contemporânea, Curitiba - PR. { 56 }
recebia, durante toda a parte da tarde, a luz do sol refletida pelo hotel que no começo
da tarde estava nos últimos andares, e com o passar da tarde ia descendo conforme o movi-
mento da Terra em relação ao sol.
Os reflexos que percorriam o espaço do Museu (e tudo o que contém: sua cons-
trução, móveis, funcionários, outras obras e espectadores) eram diferentes da luz do sol dire-
ta e da luz artificial, de cor mais amarelada, porém ainda visível. As diferentes posições dos
reflexos que atingiam os globos eram modificadas constantemente e os círculos refletidos
eram visualizados pelo espectador, que se movia no lugar enquanto percebia estes reflexos
.
No início do mês de maio de 2007, realizei exposição individual na Galeria
Monumental, na cidade de Lisboa, em Portugal, sendo um dos trabalhos apresentados o
"Móbile de Globos". Algumas fotos e plantas da galeria me foram enviadas antes da
minha ida para montagem da exposição, possibilitando visualizar o tipo de construção
da galeria, suas medidas, algumas janelas e entradas de luz. Em uma das fotos a luz do
sol era projetada sobre o seu interior, dado que me deixou propensa a realizar o "Móbile
de Globos" neste local. No entanto, alguns dados sobre os ângulos de projeção dos raios
solares com o plano horizontal e, em relação a posição e ao tipo de construção da gale-
ria no período determinado da exposição, os detalhes do seu interior e suas áreas de cir-
culação só são apreendidos durante a experiência física do lugar, como já mencionado.
Uma nova situação, então, determinou a construção da obra, além de algumas arbi-
trárias, como a quantidade e tamanho dos globos de espelhos, determinada muitas vezes
por uma escolha pessoal.
Durante a montagem da exposição na Galeria Monumental, percebi que a luz do
sol durante o dia incidia sobre duas salas. Na parte de entrada da Galeria, durante a tarde,
horário aberto ao público, o período de insolação era maior; esta situação específica definiu
minha escolha sobre o lugar da montagem. As dimensões da estrutura do móbile, como o
número de globos e a distância e a posição entre eles, também foram definidas pela sala de
exposição e pelo comportamento da luz do sol que ali penetrava.
A estrutura do "Móbile de Globos", que envolve globos de espelho de pesos diferen-
tes, usa a gravidade e o equilíbrio na distribuição de diferentes volumes no espaço, que pro-
duzem reflexos pela incidência de luz e envolvem o espectador. Nesta estrutura penetrá-
vel, o espectador também é atingido pelos reflexos, o que o coloca numa experiência não
somente visual, mas que abarca todo o seu corpo.
móbiles { 58 }{ 57 }
Debora Santiago. Móbile de Globos, 2005-07.
Globos de espelho, alumínio e fio de nylon. Dimensões variáveis.
Galeria Monumental, Lisboa - Portugal.
A alteração dos espaços a partir do uso da luz é um dos aspectos da produção
da artista Lucia Koch (Porto Alegre, 1966). A partir de filtros de luz, a artista realiza inter-
venções nos espaços, lidando sempre com as especificidades de cada lugar escolhido, insta-
lando diferentes dispositivos que modificam a atmosfera dos lugares. A artista, em conver-
sa com a curadora Fulya Erdemci, esclarece
2
:
Quando escolho trabalhar num lugar, considero-o uma coisa viva, definida pelo
uso que dele se faz, como a própria linguagem. Não se trata apenas de uma proposta sen-
sorial, mas tem a ver com a compreensão de como você percebe e daquilo que pode ser
modificado por você. As pessoas fazem especulações sobre outras possíveis alterações e
algumas vezes tentam experimentá-las em seus próprios espaços
(KOCH: 2006, 144).
Na II Bienal do Mercosul, em 1999, a artista realizou a obra "Gabinete" em uma das
salas de manutenção do cais do porto e do estaleiro. Localizadas em frente ao rio Guaíba,
era uma área da cidade desconhecida pela maioria da população, já que o espaço estava ina-
tivo. A arquitetura particular deste chamou a atenção da artista, que visitou o local antes da
realização da obra. Construídas em madeira, as salas se comunicavam através de paredes
que mantinham intervalos entre as ripas sugerindo transparências; estas eram ainda inten-
sificadas pelas janelas que possibilitavam um grande período de incidência da luz do sol.
Lucia Koch, então, realiza sua intervenção colocando filtros de cor (chapas de
acrílico) que substituem os vidros originais de um pequena sala. Ao lado desta havia uma
grande que foi mantida, o que permitia ao público acesso à construção original. A escala de
cores foi feita a partir da tabela já existente e com a reedição de algumas cores antigas. Cores
primárias e terciárias foram colocadas em sequência, os tons mais densos e escuros foram
privilegiados pela presença da luz do sol que permite manter a luminosidade e a cor.
A artista apontou, em conversa realizada durante esta dissertação, para a dimensão
temporal do trabalho, que podia ser percebida na mudança das projeções de cores no lugar,
e para a instabilidade da luz natural que se apresentou nas diferentes tonalidades que o
mesmo filtro oferecia, ou seja, as operações sobre o filtro mesmo. E esta atenção possibili-
tou a realização de uma animação
3
; nesta, a filmagem com intervalos de cinco segundos
móbiles { 59 }
3
A animação de Gabinete está incluída no cd anexo a esta dissertação.
2
Publicada no Guia da 27
a
Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal, 2006.
{ 60 }
Lucia Koch. Gabinete, 1999,
Filtros coloridos. Dimensões variáveis.
II Bienal do Mercosul, Porto Alegre - RS.
(acima - antes e depois da interferência da artista).
Parque Guinle,
arquiteto Lucio Costa
Rio de Janeiro - RJ.
mostra o trajeto percorrido das projeções e as alterações de cor que ocorrem. A partir desta
animação, a artista realizou ainda um flipbook publicado no caderno Takano e distribuído
juntamente com a revista Bravo, em 2001.
Em 2006 Lucia Koch é convidada a participar da exposição "Interventions" na Haus
der Kultur der Welt, em Berlim
4
. A partir da proposta de intervir no prédio, a artista esco-
lhe uma das entradas que possui grandes áreas com vidros que
permitem visualizar o interior da edificação. Com a intenção
de manter, e intensificar o diálogo entre o interior e o exterior,
Lucia Koch sobrepõe, em alguns vidros, acrílicos recortados a
laser com desenhos em referência às treliças da arquitetura
colonial brasileira. Este procedimento já tinha sido utilizado pela artista anteriormente,
quando em intervenção realizada para a 8
a
Bienal de Istambul, na Turquia. Nesta, a artista
fez uso das relações existentes entre elementos da arquitetura brasileira e da arquitetura
otomana.
Em "Dein Spiegel (para Lucio Costa)" Lucia Koch faz os desenhos que são corta-
dos nos acrílicos espelhados
5
a partir de fotos do Parque Guinle, projetado por Lucio Costa.
O arquiteto participou do movimento modernista na arquite-
tura brasileira, momento em que é retomado o uso de elementos
vazados na construção, tidos anteriormente como populares,
como cobogós e treliças. Os elementos que Lucia Koch utiliza
nos desenhos dos acrílicos são referentes a estas mudanças que foram sendo integradas
pelos usuários e que é colocada em seu trabalho numa fusão com outras arquiteturas, uma
vez que seu interesse é na cadeia de usos que permite modificações.
Neste projeto, a artista utilizou o acrílico espelhado que era visto pelo lado de den-
tro da construção e que ainda permitia ver o lado de fora, produzindo uma situação de
intenso mimetismo com os desenhos do acrílico, que são projetados para o interior através
da luz natural. Aqui, em vez dos filtros coloridos, Lucia Koch cria desenhos que são proje-
tados no espaço, permitindo assim uma mudança neste através de operações possibilitadas
pela experiência.
móbiles { 62 }
Haus der Kultur der Welt, Berlim - Alemanha.
Lucia Koch. Dein Spiegel (para Lucio Costa), 2006.
Acrílico espelhado com padrões cortados a laser.
Dimensões variáveis.
Haus der Kultur der Welt, Berlim - Alemanha.
4
A exposição, com curadoria de Luiz
Camillo Osório, foi realizada durante o
evento Brasil: Copa da Cultura e con-
tou com a participação dos artistas
Nelson Leirner, Carla Guagliardi e o
grupo Chelpa Ferro.
5
O título do trabalho "Dein Spiegel
(para Lucio Costa)" na tradução para
o português é "Seu/teu Espelho (para
Lucio Costa)".
{ 63 }
Lucia Koch. Dein Spiegel (para Lucio Costa), 2006.
(3) O espectador como ativador
Guy Brett em seu ensaio Kinetic Art: the language of the movement, escrito em
1968, dedica-se ao estudo do surgimento de um novo espaço propiciado pelo movimento
de uma série de propostas artísticas, desde o início do século XX. Segundo o crítico, há dois
diferentes aspectos nestas obras que apresentam esta estrutura dinâmica e que podem ser
definidos como arte e anti - arte. No primeiro caso, a sugestão de movimento ocorre na re-
presentação: as obras buscam uma estrutura pictórica que seja ela mesma dinâmica. Entre
os exemplos, Brett cita Piet Mondrian e Kasimir Malevich, sendo Alexander Calder citado
como o único artista, desta geração, a inserir o movimento real. Arte e Anti - art não pos-
suem divisões tão claras para Guy Brett, contudo o autor afirma uma aproximação da
segunda (anti-arte) a outras áreas das artes que promoveram colaborações entre os artistas,
tais como os objetos ópticos de Marcel Duchamp, as esculturas motorizadas de Naum
Gabo e o "Modulador de Luz" de László Moholy-Nagy. Moholy-Nagy, no manifesto "The
New Vision", publicado junto com Alfred Kemeny em 1922, analisa o efeito da arte cinéti-
ca sobre o espectador, em que este deixaria de ser um observador passivo para atuar por
forças que se desenvolveriam por iniciativa própria. Suas obras eram colocadas para a
manipulação, possibilitando uma mudança contínua de situações, prevendo um tempo em
que o espectador, ele mesmo, participaria na formação da própria obra.
Neste segundo grupo, denominado por Guy Brett de anti-arte, agregam-se outros
artistas dos anos 1950/60, assim relacionados pela introdução de outras forças de energia
que geram movimento, e que possibilitam a mudança de forma não programada, como as
máquinas barulhentas de Jean Tinguely; Vassilakis Takis e as esculturas que se moviam
num campo magnético; "Cloud Canyons. Bubble-mobile" de David Medalla, com espuma
de sabão que saia de caixas de madeira de diferentes tamanhos, criando e desmanchando
formas numa atividade constante.
{ 65 }
{ 64 }
Galeria Monumental, Lisboa - Portugal.
São nestas proposições que Guy Brett irá definir as estruturas ditas vivas, sendo uma
delas oriunda da presença ativa do espectador. Energia eletromagnética, motores e ações do
espectador são tomadas como energia impulsiva da obra. Arte
cinética aqui, portanto, passa a ser o movimento que se estende
no tempo e no espaço ativado pelo espectador-participador, e o
espaço só vem a existir durante o tempo que o trabalho se move ou
é movido
(BRETT: 1968, 25)
1
.
Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937 - 1980) é um dos artistas a quem Guy Brett
relaciona a arte cinética à mobilidade do espectador e tanto ele quanto a artista Lygia Clark
(Belo Horizonte, 1920 - Rio de Janeiro, 1988) são apresentados pelas ações do espectador
em diálogo com a obra. Conforme Brett,
É muito revelador comparar Lygia Clark e Takis, enquanto escultores. A energia
real é o tema comum à obra de ambos. Em Takis, a energia é uma força poderosa e mis-
teriosa que se pode pressentir, mas jamais aproximar muito. Lygia Clark encoraja o espec-
tador a utilizar sua própria energia para nascer para a consciência de si. Isso é bastante
inabitual, uma contribuição à arte muito especificamente brasileira, uma espécie de
cinetismo do corpo. Os brasileiros, tais como Lygia Clark e Hélio Oiticica, interessaram-
se pouco pelo movimento mecânico ou pela transformação óptica da matéria. A obra
deles, ao progredir, tornou-se tecnicamente mais primitiva enquanto se desenvolvia. Mas
também mais fundamental
(BRETT: 1968, 65)
2
.
Hélio Oiticica em seu texto "Anotações sobre o Parangolé", publicado pelo artista
para a exposição Opinião 65 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1965, apre-
sentara uma preocupação com as questões formais do "Parangolé" em relação a sua estru-
tutra-cor no espaço, mas, sobretudo, o quanto sua relação com o espectador estava contida
na própria obra.
o espectador como ativador { 66 }
1
In the work of the artists wich follows,
space only comes into existence during
the times the work moves or is moved.
BRETT, Guy. Kinetic Art: the language
of movement. London: Studio Visa,
1968. p. 25.
2 It is very revealing to compare Lygia Clark and Takis as sculptors. Actual energy is the subject of both
their work. With Takis, energy is a strong mysterious force wich you can get an inkling of but never
approch very close to. Lygia Clark encourages the spectator to use his own energy to become aware
of himself. This is something very unusual, and it seems to be a specifically Brazilian contribution to art,
a kind of kineticism of the body. The brazilians, like Lygia Clark an Hélio Oiticica, have shown little inter-
est in mechanical movement or the optical transformation of matte. If anything, their work has become
technically more primitive as it has envolved. But also more fundamental. BRETT, Guy. Kinetic Art: the
language of movement. London: Studio Visa, 1968. p. 65.
{ 67 }
Hélio Oiticica. Gerônimo da Mangueira, Antônio Manuel, Robertinho e Hélio Oiticica
vestem Parangolés. 1965. Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro - RJ.
Parangolé P4, capa 1, 1964. Lona,filó, nylon e plástico com pigmento.
Mosquito da Mangueira veste Parangolé P10, capa 6, 1965.
O vestir já em si, diz Oiticica, se constitui numa totalidade vivencial da obra, pois ao
desdobrá-la tendo como núcleo central o seu próprio corpo, o espectador como que já
vivencia a transmutação espacial que aí se dá: percebe ele na sua condição de núcleo
estrutural da obra, o desdobramento vivencial, desse espaço inter-corporal.
(OITICICA:
1965, 157)
3
.
Os "Parangolés" de Hélio Oiticica são compostos por uma série de capas para serem
vestidas, confeccionadas com sobras de materiais simples e diversos, e inserções de diferen-
tes ordens: desde objetos como palha, bola, pigmentos, jornais, pedaços de tecidos, bem
como pequenas frases. Os elementos presentes nas capas possibilitam tanto ações públicas,
como relações de intimidade com o espectador, que poderá vestir, tocar e manusear as peças.
O ato do espectador, que nos "Parangolés" surge no vestir, seguido de outras ações
que não são delimitadas pelo artista, é incorporado à obra e este torna-se para o artista um
participador.
Em outro texto, "Esquema geral da Nova Objetividade", publicado no catálogo da
mostra "Nova Objetividade Brasileira", realizada em 1967 no Museu de Arte moderna do
Rio de Janeiro, Hélio Oiticica estrutura em seis itens as principais características das obras
apresentadas na exposição. No item 3, o artista insere a participação do espectador como
uma ação que pode ocorrer de diversas maneiras. Desde as proposições "lúdicas" às do "ato",
desde as proposições semânticas da palavra pura "às da palavra no objeto", ou às de obras "nar-
rativas" e as de protesto político ou social, o que se procura é um modo objetivo de participação
(OITICICA: 2006, 163).
A participação do espectador como ativador da obra coloca-o como um co-autor,
visto que suas ações vão se dar a partir de sua experiência particular e de forma imprevisí-
vel. Neste sentido, as propostas de Hélio e Lygia encontram ecos, por exemplo, no projeto
"Novas Bases para a Personalidade (NBP)", de Ricardo Basbaum.
Com a pergunta "Você gostaria de participar de uma experiência artística?" Ricardo
Basbaum oferece o objeto, uma peça de aço esmaltado, de 80 x 125 x 18 cm, para quem dese-
je fazer uso, conforme as instruções dada pelo artista: "Você pode fazer o que quiser com o
objeto. Use-o como quiser, da maneira que achar melhor". Apenas duas solicitações são
o espectador como ativador { 69 }
Ricardo Basbaum.
Novas Bases para
a Personalidade (NBP),
projeto em curso
iniciado em 1994.
Objeto em aço esmaltado,
125 x 80 x 18 cm.
Participação de
Debora Santiago,
Curitiba, 2006.
3
O texto Anotações sobre o Parangolé foi originalmente publicado no livro de Hélio Oiticia
Aspiro ao grande labirinto, em 1986. Aqui utilizo o texto publicado pela Bienal do Mercosul em
sua quinta edição, 2005.
feitas por Basbaum, que as ações com o objeto sejam assumidas por quem as realizou e, que
estas ações sejam publicadas no website do projeto (www.nbp.pro.br), tornando-as públicas.
O projeto vem sendo desenvolvido desde 1994, ou seja, está em circulação desde este
período. Até o ano de 2005 apenas um objeto estava disponível, isto ocorreu por questões
econômicas, pois o artista sempre o concebeu como múltiplo em tiragem aberta. A cons-
trução de outras cópias poderia ocorrer a qualquer momento em que se fizessem
necessárias. Em 2006, a partir do convite para a participação na XII Documenta de Kassel,
na Alemanha, o artista recebeu apoio para a construção de 20 novos objetos, estes hoje em
circulação no Brasil, América Latina, Europa e África. Esta rede que está sendo construí-
da, a partir da circulação do objeto, e que é independente do artista - propositor, pode ser
verificada no website do projeto. Este acesso torna público o projeto, onde textos, imagens,
sons, vídeos são publicados pelos participantes. Contudo é evidente que esta é apenas uma
parte do que objeto propicia, pois é no momento em que se dá o contato com o objeto é que
se dá o embate e o envolvimento com a proposta.
Este encontro com a obra gerando ações no espectador é o que a artista pesquisado-
ra Regina Melim coloca como espaço de performação. Neste, o espectador é também parti-
cipante, co-autor da obra, já que irá ativá-la, colocá-la em movimento. Ao receber o obje-
to
4
as questões começam a ser formuladas pelo espectador - participador, que ainda torna-
se "propositor", conforme assinala Ricardo Basbaum
5
:
São estabelecidas algumas linhas-limite para cada um dos papéis (aquele que propõe;
aquele que reage à proposição de modo participativo) de modo a ser construído um ritu-
al dialógico. De fato, uma vez aceita a provocação inicial por parte do participante, o que
ocorre é a produção de uma ação ou evento, frente ao qual sou provocado a reagir - o par-
ticipante torna-se então "propositor", contribuindo com algo que me conduz à "partici-
pação", para que possa reagir frente ao que foi produzido e elaborado (BASBAUM: 2006, 4).
o espectador como ativador { 70 }
4
Em novembro de 2006 aceitei o convite e permaneci com o objeto NBP até março de 2007.
5
Retirado de entrevista do artista, durante os preparativos para a XII Documenta, à rede de notí-
cias Deutsche Welle e publicado em seu website (www.dw-worl.de).
O diálogo ao qual o artista se refere é permanente, uma vez que a circulação do
objeto deve ser continuada. É interessante perceber também a rede de relações que vai se
formando, como se o objeto tivesse vida própria. Cada participante coloca o objeto em con-
tato com outras pessoas, em que, através do convite do artista, a rede de colaborações é
ampliada.
Em texto sobre o artista, Guy Brett coloca as referências de Basbaum sob o
"poderoso legado de Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica". O artista adotou as pro-
postas daqueles para um entendimento participativo e emancipador da arte. Dito de outro
modo, foi além do objeto de arte autônomo e da estéril busca da "arte como arte como arte", uma
arte que meramente investiga a natureza da arte ou demonstra tópicos contextuais ou culturais,
para procurar formas pelas quais ela possa interagir com a vida, com as pessoas, e pôr em movi-
mento processos de transformação
(BRETT: 2005, 266).
o espectador como ativador { 71 }
Considerações finais
Alguns aspectos da minha produção foram aqui apresentados através do termo
espaço fluido que, partindo da relação específica com o lugar, torna-o parte integrante da
obra e, sendo assim, esta é alterada a cada vez que é apresentada. A dimensão espaço -
tempo, na qual se inscrevem os movimentos do espectador, é o que persegue e acompanha
a idéia de fluidez e mobilidade.
As relações obra, espaço e espectador foram trazidas, em grande parte, de textos de
artistas escritos entre anos 1960 e 1970. De início, parti da idéia de abertura existente nas
composições, em escritos e ainda em conferências de John Cage, em que propostas diver-
sas são integradas seguindo um método de improvisação.
Por essa razão fizemos nossa obra experimental (imprevisível). a) Usamos oper-
ações ao acaso. Vendo que elas eram úteis somente onde havia uma limitação definida do
número de possibilidades, b) usamos composição indeterminada em relação à sua exe-
cução (caracterizada em parte pela independência das partes de cada executante - sem
partitura). Vendo que isso só era útil quando havia chance de conscientização da parte de
cada executante, c) usamos execução indeterminada em si mesma.
(CAGE: 1985, 129-130).
Ao me aproximar da idéia de abertura, incorporei a indeterminação como uma
prática na construção do "Desenho nas paredes" e do "Móbile de Globos". E, para a reali-
zação destes, conforme assinalei anteriormente, não são feitos esboços ou projetos, uma vez
que o método se constitui na realização da obra a partir da minha presença no lugar.
A relação física com o lugar, como determinante da obra, é descrita por Richard
Serra no texto "Shift". Neste o artista comenta os declives do terreno agregados à forma,
dimensão e posicionamento das seções de cimento que constituem a obra e que propor-
cionam, no deslocamento do espectador, "uma multiplicidade de centros". Em outro texto,
também aqui citado na ordem de minhas reflexões foi o do artista Robert Morris, "O tempo
considerações finais { 72 }
presente do espaço" apresenta o termo presentidade, definido como pensamento da experiên-
cia que se dá no tempo e no espaço, envolvendo obra e espectador. Para ambos os artistas, a
obra é constituída de vários elementos que se modificam durante o percurso do espectador.
Rosalind Krauss, outra autora que acessei para a construção deste texto, numa
reflexão sobre a escultura no final dos anos 1960, refere-se à recusa desta a um espaço ante-
rior à experiência. A exterioridade da obra é o que possibilita sua significação; esta expe-
riência consciente aproximou as propostas dos artistas americanos ligados ao minimalismo
e ao pós-minilamismo, conforme afirma Krauss no texto "Sens et Sensibilité", em que
Robert Morris e Richard Serra são mencionados. A noção exclusiva de um espaço mental
privado está ligada a uma idéia de intenção anterior à reali-
zação e, como discute Krauss, distingue-se da produção
destes artistas em que a intenção e a significação dependem
fundamentalmente do corpo no instante que ele emerge no
mundo em cada particularidade de seus movimentos e gestos
(KRAUSS: 1993, 49-51)
1
.
Os atributos físicos do lugar foram tomados pelas primeiras práticas site-specific e
definiam o significado em função da relação da obra com seu local de exposição. Estas
práticas ampliaram-se ao tomar o lugar por suas outras especifidades, além das físicas e,
segundo Miwon Kwon, permitem hoje questões sobre a mobilidade da obra.
Aqui proponho, nas obras por mim apresentadas, operações que se dão através das
relações de uso do lugar e permitem algumas alterações no contexto expositivo. Estas
mudanças, estas intervenções, inserem o espectador numa experiência que ocorre na
relação espaço - tempo, possibilitando a compreensão desta estrutura. Realizadas enquan-
to eu percorro os lugares e apreendo sua funcionalidade, as intervenções utilizam-se de táti-
cas que, apropriadas de Michel de Certeau, estabelecem-se como procedimentos que valem
pela pertinência que dão ao tempo
(CERTEAU: 2002, 102). Pensadas como práticas cotidianas,
as táticas são maneiras de utilizar uma ordem construída e assim explorar modos de perce-
ber o espaço.
Para a realização do "Desenho nas paredes" e o "Móbile de Globos", percorro o
lugar, nem sempre conhecido por mim anteriormente, para verificar seus usos, sua circu-
lação, suas dimensões, sua iluminação e, algumas vezes, suas limitações. E então, as obras
são realizadas, a partir de alguns procedimentos dados à priori, acrescidos de outros que se
colocam durante o processo.
considerações finais { 73 }
1
...l'intention et la signification dépendent
fondamentalement du corps dans l'instant
qu'il émerge dans le monde à chaque par-
ticularité de ses mouvements et de ses
gestes. KRAUSS, Rosalind. Sens et
Sensibilité. Réflexion sur la sculpture de la
fin des années soixante. In: L'originalité de
l'avant garde et autres mythes modernistes.
Paris: Macula, 1983, p.49.
As interferências nos espaços propiciadas pelo "Desenho nas paredes" e "Móbile de
Globos" eram percebidas e comentadas, durante a realização das obras, pelos funcionários
de limpeza e segurança das instituições. Tais pessoas acompanhavam o processo e, como
conheciam o lugar anteriormente, demonstravam uma atenção particular ao perceber a
alteração daquele contexto tão próximo. Para o espectador, que não conhecia o lugar ante-
riormente, ou o conhece a partir de visitas esporádicas, as obras sugerem uma circulação.
No "Desenho nas paredes" há a indicação de continuidade das linhas, como se estas seguis-
sem para outras áreas, fazendo com que o espectador ande e perceba as alterações que ocor-
rem neste espaço e tempo. No espaço em que o "Móbile de Globos" é montado, o especta-
dor também é atingido pelos reflexos, o que o coloca numa experiência visual e física ao
mesmo tempo. A variação da luz do sol faz com que a cada dia a incidência dos reflexos
seja diferente, oferecendo ao espectador diferentes possibilidades de circulação no espaço,
algo que é sugerido pelos reflexos. A obra se estabelece como um espaço performativo, ou
como um espaço de performação, que, de acordo com Regina Melim, a partir do conceito
ampliado de Performance, é o espaço que surge do encontro da obra com o espectador, possibi-
litando a criação de um espaço relacional ou comunicacional. Ou seja,
o espaço de ação do espectador, estendendo portanto a noção de per-
formance como um procedimento que se prolonga também no sujeito
participador
(MELIM: 2006, 74)
2
.
Guy Brett, outra referência desta pesquisa, observando os movimentos da arte cinéti-
co-óptico-concreta das décadas de 1950 e 1960, define as propostas de Lygia Clark e Hélio
Oiticica como estruturas vivas, pois estas proporcionam movimentos no corpo do espectador.
A "participação" claramente visa a acabar como o mito do artista criador
único e absoluto quando introduz a idéia de que a vida ou o sentido não
existiram sem a intervenção ativa do observador
(BRETT: 1997, 283)
3
.
O artista Hélio Oiticica, nos anos 1960, num contexto político e social em que o
Brasil era afetado por uma violenta ditadura militar, realiza obras que se completam com a
participação do espectador. Seus escritos também são importantes formulações sobre sua
prática e aqui se fizeram necessários, sobretudo quanto à ação corporal do espectador que
se dá no ambiente, a "participação ambiental".
Posto assim desta forma, o que se buscou para definir o conceito de espaço fluido foi
a interseção e relação de todos estes elementos: espaço-obra-espectador, a partir de uma
situação/lugar indeterminada ativada continuamente pela presença do espectador.
considerações finais { 74 }
2
Texto publicado no PF / Regina
Melim (Org.). Florianópolis:
Nauemblu / Bernúncia /
Parentesis, 2006.
3
Citação retirada do texto
"Um salto radical", publica-
do no livro Arte na América
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