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Joanice Barbosa Parmigiani
O SENTIDO DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
SÓCIO-COMUNITÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA VISÃO FREIREANA
Centro Universitário Salesiano de São Paulo
Americana/SP
2007
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Joanice Barbosa Parmigiani
O SENTIDO DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
SÓCIO-COMUNITÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA VISÃO FREIREANA
Dissertação apresentada como exigência parcial
para qualificação no Programa de Pós-Graduação
stricto sensu de Mestrado em educação, do
Centro Universitário Salesiano de São Paulo.
Centro Universitário Salesiano de São Paulo
Americana/SP
2007
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3
Comissão Julgadora
__________________________________________
Professor Dr. Luís Antonio Groppo
__________________________________________
Prof. Dra. Margarete May Berkenbrok Rosito
__________________________________________
Prof. Dra.Sueli Maria Pessagno Caro
4
Aos amores da minha vida, Luiz Carlos,
Renato, Gabriel e Lucas, pela cumplicidade e
carinho em mais esta etapa da minha trajetória
acadêmica.
5
AGRADECIMENTOS
No caminho que trilhei para chegar até aqui encontrei pessoas cuja
generosidade tornou possível esta realização. A todas estas pessoas meu
agradecimento.
Agradeço ao professor Luís Antonio Groppo, meu orientador, com quem tanto
aprendi, pela disponibilidade e generosidade intelectual com as quais orientou
meus estudos, compartilhando minhas ansiedades.
Em especial, ao querido professor Augusto Novaski, pelo apoio e incentivo.
Aos professores Severino Antonio, José Luiz Sigrist, Pe. Manuel Isaú (in
memoriun), Mara Regina Jacomeli, Paulo de Tarso Gomes, Marcos Francisco
Martins e Régis de Morais, que muito contribuíram para o meu enriquecimento
intelectual.
A professora Sueli Maria P. Caro, por suas contribuições na minha banca de
qualificação.
A professora Margaréte May Berkenbrok Rosito, pelas preciosas sugestões
que ajudaram a iluminar meu trabalho.
Aos educandos e educandas do Formação Carapicuíba, que tornaram possível
a concretização deste trabalho.
À minha mãe, Florinda Garcia Barbosa, pelo apoio.
Ao TODO, essência criadora, que está em todas as partes iluminando os
nossos caminhos.
6
RESUMO
Este trabalho não se apresenta apenas como resultado de formalidade
burocrática o preparo da dissertação para o grau acadêmico - mas que isso,
trata-se de um trabalho que decorre da prática diária da pesquisadora e
origina-se em sua própria história de vida. Apresenta o relato, análise e
sistematização de uma experiência intensamente vivenciada, e embasada num
sólido referencial teórico. Num país que é campeão das desigualdades e
injustiças sociais, como o Brasil, procurar entender o sentido da transformação
social passa, necessariamente pelo desvelamento de sua estrutura social. A
bibliografia estudada proporcionou-nos algumas constatações, ajudando-nos a
perceber que a práxis educativa pode levar o educador a transpor a concepção
ingênua de educação e alçar-se à concepção crítica, reconhecendo a si mesmo
e ao educando como sujeitos históricos e, portanto, fazedores da história. A
pesquisa aponta a dimensão do currículo da educação sócio-comunitária,
informal ou não-formal, com práticas tais como o uso da arte em suas diversas
linguagens, a co-gestão constituindo o sentimento de pertença entre outras,
como estratégias para romper o processo de alienação e embrutecimento do
ser humano conduzindo-o à re-humanização.
Palavras-chave
: Educação social; Educação não-formal; Educação sócio-
comunitária; Re-humanização; Práxis educativa.
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ABSTRACT
More than a result of a bureaucratic formality preparing a thesis to get a
degree -, this research is a work that comes from the researcher daily praxis
and her own life history. It presents a report, an analysis and a systematization
of an intensively lived experience based on a solid theory. In a country that is a
champion in social injustices and inequality, as Brazil, trying to understand the
importance of social transformation passes necessarily though its social
structure review. The studied bibliography made possible some important
conclusions. First, the social-communitarian educational praxis may take the
educator to transpose from a naïf to a critical education by recognizing him/her
self and his/her students as historical individuals and, therefore, history makers.
This research reveals the pedagogical planning dimension of the social
communitarian education, informal or non-formal. It embraces activities such as
the use of all forms of Art and the joint-management constituting a feeling of
belonging, among others. They are strategies to overcome the alienation and
rudeness in order to lead him/her to a re-humanization process.
Key words:
Social education; Non- formal education; Social-communitarian
education; Re-humanization; Educational praxis.
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SUMARIO
I INTRODUÇÃO.................................................................................................09
1. CAPITULO I SENTIDOS DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA VISÃO
FREIREANA......................................................................................................26
1.1 DO DESCONFORTO ÍNTIMO AO ENCONTRO COM PAULO FREIRE ..........................26
1.2 A complexidade humana e a estrutura social .............................................34
1.3 O papel da escola na sociedade contemporânea.......................................37
1.4 O surgimento da Pedagogia Libertadora.....................................................41
1.5 Ciclos de ensino e as experiências educativas inovadoras.........................45
1.6 A transformação percebida..........................................................................50
2. CAPITULO II CO-GESTÃO: DESAFIOS DA PRÁTICA ...............................56
2.1 COMO NASCEU O FORMAÇÃO CARAPICUÍBA......................................................57
2.2 A organização da Educação Sócio-Comunitária no projeto....................... 62
2.3 O perfil da comunidade...............................................................................67
2.4 Os desafios da prática da Educação Sócio-Comunitária............................72
2.5 A roda de diálogo: derrubando barreiras.....................................................76
2.6 Co-gestão: vivenciando a formação política com a Prefeitura Mirim...........78
2.7 Rodas de diálogo: construindo regras de convivência.................................90
3. CAPITULO III CAMINHOS PARA A TRANSFORMAÇÃO ..........................94
3.1 D
A RIGIDEZ DAS REGRAS À SENSIBILIDADE DA ARTE
...........................................94
3.2 A formação humana - o grupo de ducadores............................................108
3.3 Educador - uma visão sobre o ser e o fazer a educação..........................112
3.4 Pedagogia da hegemonia ou Pedagogia da Autonomia?..........................118
3.5 As possibilidades de uma educação contra-hegemônica..........................121
3.6 Intervir para transformação a realidade.....................................................126
3.7 Quando o espetáculo se encerra...............................................................129
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................132
5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................137
6. ANEXOS
......................................................................................................145
9
INTRODUÇÃO
No imaginário popular habita um sonho comum. O sonho de uma nova
sociedade na qual prevaleça a justiça social, com igualdade de oportunidades e
liberdade para que todo homem e toda mulher possa viver com dignidade.
Na busca por este sonho, tentamos compreender o fenômeno: transformação
social, e a primeira constatação que fazemos é a de que não é possível uma
sociedade nova sem que tenhamos antes construído um novo homem.
A proposta de pesquisa deste mestrado em educação, com área de
concentração em educação sócio-comunitária, tornou possível o
desenvolvimento desta pesquisa, que investiga os processos que podem tornar
realidade a construção do novo homem, como sujeito histórico, capaz de
alcançar sua própria emancipação e autonomia num processo de formação
educativa e humana.
Neste trabalho, buscamos analisar e compreender as formas de
intervenção educativa sócio-comunitária em suas diversas linguagens.
Nosso campo de pesquisa é um projeto social localizado no município de
Carapicuíba, periferia da capital paulista, que realiza atendimento sócio-
educativo a crianças, adolescentes e jovens oriundos de famílias em situação
de vulnerabilidade social.
No primeiro capítulo procuramos perceber os sentidos da transformação
social dentro de uma visão libertadora, que possibilite ao oprimido, libertar-se
da opressão introjetada em seu íntimo (Paulo Freire, 1979). No
desenvolvimento deste capítulo, retomamos nossa história de vida,
encontrando nela a justificativa do próprio trabalho. Ao emergirmos em nossa
10
história de vida, num processo arqueológico de busca de sentidos, analisamos
nosso encontro com o autor Paulo Freire e a identificação com o desejo latente
por justiça social e por uma educação como prática de liberdade que possibilite
ao homem “ser mais”.
No segundo capítulo, apresentamos nosso campo de pesquisa, o projeto
Formação Carapicuíba, analisando sua história, sua organização, seus atores e
a prática pedagógica desenvolvida em seu interior.
No último capítulo, apontamos alguns caminhos utilizados pelos
educadores sociais do projeto investigado, como instrumento de
transformação. Identificando dentre estes caminhos, o processo dialógico e a
arte como possibilidades de humanizar os processos de intervenção educativa.
Nasci às 15 horas de uma segunda-feira, dia 22 de junho de 1959, na
Fazenda Nova Esperança, situada na cidade de Cornélio Procópio, norte do
Paraná, pelas mãos da Dona Irene, parteira da redondeza. Sou a segunda
filha, de duas, do casal João de Oliveira Barbosa e Florinda Garcia Barbosa.
Ele carpinteiro, e ela dona de casa.
Em 1965 uma crise afetou a agricultura e meu pai começou a ter
dificuldades para manter-se empregado, razão pela qual nos mudamos para o
Estado de São Paulo.
Fomos então, residir em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo
num “barraco” de madeira com três cômodos e banheiro no quintal, que ficava
no terreno do irmão mais velho de meu pai, o “tio Justo”. Para chegarmos da
rua à nossa casa, escalávamos cerca de 80 degraus de uma escada íngreme e
11
de terra, e com muita freqüência em época de chuvas, acabávamos caindo nas
escadas e sujando toda a roupa de barro.
Nesta fase de nossa vida, raramente ficávamos em casa aos domingos.
Lembro-me que nas noites de sábado, minha mãe recheava frango com farofa,
assava e no domingo levantava bem cedo, colocava tudo em uma lata, juntava
toalhas, refrigerante e pães e saíamos os quatro, para passear. Fomos ao
Zoológico, ao Museu do Ipiranga, à Praia Grande, Santos, Itanhaem, entre
outros locais. Que coisa boa e que inteligentes meus pais, não somente
cuidavam da qualidade do tempo que nos ofereciam como nos proporcionavam
conhecer coisas novas, ampliando nossa visão de mundo. E na hora do almoço
sentávamos à sombra de uma árvore, minha mãe estendia a toalha no chão e
colocava os alimentos. Percebo hoje que não custa caro proporcionar prazer
para as crianças, pois o dinheiro era sempre contado para o mês, o que não
impediu meus pais de nos oferecer momentos prazerosos na infância.
Reviver esses fatos, percebendo-os em sua importância para minha
formação, remeteu-me à experiência trazida por Paulo Freire (1992) ao contar
sua vivência como educador progressista que ante a dificuldade em
estabelecer uma relação dialógica com seus alunos, que eram adultos em
alfabetização, propôs um jogo em que cada jogador (aluno/professor) lançava
um saber ao qual o outro diria sim ou não (sabe ou não sabe), provando para
os alunos que não somente ele, o doutor, tinha conhecimento, mas eles
também o possuíam e poderiam compartilhar. É que meu pai, João Barbosa,
freqüentou a escola por apenas três meses, entretanto, seu saber próprio,
construído em sua história de vida, ensinou-me muito. Sua leitura de mundo
levou-o a superar as dificuldades enfrentando-as. Penso que é preciso
12
coragem para recomeçar uma vida com base em sonhos e que é preciso e
imperioso agir, fazer e mergulhar nessa luta por uma transformação que é
política antes de tudo. Sonhar é também um ato político, um motor da própria
história, pois não mudança sem sonhos, assim como não existe sonho sem
esperança, esperança que não está na pura espera vazia e ociosa, está na
prática transformadora.
Durante meu curso de pedagogia, impactei-me com uma das questões
que marcam toda a obra de Paulo Freire, de que é preciso que o sujeito tome
nas mãos seu próprio destino, tornando-se o autor de sua própria história, ou
seja, aponta para a importância e a necessidade de desvelarmos nosso íntimo
e nesse desvelar redescobrirmos nossa capacidade de sujeitos da nossa
própria história.
A perda da memória é considerada como um ato escravizador por Alves
(2001), para ele o primeiro ato de domínio é fazer com que o dominado
esqueça seu próprio nome e seu passado.
É por isso mesmo que a mais antiga tradição filosófica do
mundo ocidental afirma que o nosso destino depende de nossa
capacidade e vontade de recuperar memórias perdidas. Na
linha que vai de Platão a Freud, o evento libertador exige que
sejamos capazes de dar nomes ao nosso passado. A
lembrança é uma experiência transfiguradora e revolucionária.
(Alves, 2001, p. 36)
Ao refletir sobre nossa história de vida, e o nosso processo de formação
na escola e fora dela, temos a oportunidade de rever os valores e as crenças
que nos marcaram e carregamos, e percebemos o reflexo que têm em nossa
13
prática pedagógica, assim, notamos as influências do meio social e político
forjando nossa personalidade e, então, podemos entender-nos como
responsáveis por nossa própria formação.
A identidade pessoal é constituída por meio de um processo de tomada
de consciência das próprias capacidades individuais, entretanto, não se separa
do contexto social e histórico do sujeito. Quando nos mudamos do Paraná para
São Paulo encontramos diferentes culturas, e fomos aos poucos nos
identificando com a vida na metrópole. Meu pai passou a trabalhar em fábrica e
minha mãe saiu de casa para trabalhar fora. Agora, a vida transformara-se,
minha irmã e eu, experimentávamos a responsabilidade do autocuidado. A
região do grande ABC vivia a efervescência política com os movimentos
sindicais e o Partido dos Trabalhadores, um contexto sociocultural cujas
marcas posso perceber em minha personalidade.
Minha inserção num mundo diferente deu-me condições para lidar com a
diversidade cultural da sala de aula, possibilitando uma maior consciência das
implicações do processo e do quanto o educando é afetado pela nova
realidade. Reconheço, entretanto, por experiências pessoais, que a
oportunidade de relação com culturas diferentes é extremamente
enriquecedora para a construção do conhecimento.
Do período em que fui alfabetizada, entre 1967 e 1970, trago a
lembrança de minha avó materna, pois ela morava com minha família, após ter
ficado viúva. Analfabeta das letras, ela esperava ansiosa, todos os dias, o
momento em que eu chegava da escola, para que lesse-lhe a Bíblia. Sua
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preferência era pelo livro dos Salmos, que eu lia com carinho e grande prazer.
Lembro-me do quanto ela ficava feliz e emocionada com as leituras.
agora, ao re-visitar aqueles dias, dou conta de perceber que
naqueles momentos eu estava saciando uma fome que minha avó sentia, a
fome de conhecimento. Reconheço o quanto era prazeroso poder alimentar
esse seu desejo e percebo o quanto me esforçava para isso.
Nos momentos de trocas com minha saudosa avó, percebo-me sendo
Interdisciplinar no sentido da atitude que para Fazenda (1994) é estar aberto ao
conhecimento, mais é também ajudar o outro a abrir-se para o conhecer, numa
parceria recíproca. Sei o quanto aprendi com minha avó e reconheço, hoje, que
também a ajudei a aprender.
Ao ser alfabetizada eu encontrava uma utilização imediata para a leitura
e a escrita: contribuir com minha avó, atendendo seu desejo de saber, o que
dava um sentido e um significado para tudo o que via na escola e levava-me a
querer aprender sempre mais. Deste modo, ao mergulhar no passado, noto as
emoções, a afetividade vivida como ponto de apoio para meu desenvolvimento
cognitivo.
Freire (1996) busca o caminho da autonomia e emancipação do sujeito
epistêmico. Para ele, educar é ato político e todo professor em exercício está
desempenhando um papel político na sociedade e, portanto, todo aluno ao
aprender está sendo politizado.
Em 1981, quando meu primeiro filho, Renato, estava com três meses de
vida, assumi a coordenação de uma creche e pré-escola da Legião da Boa
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Vontade (LBV), uma Organização Não Governamental com atuação em todo o
território nacional além de diversos países. A creche atendia àquela altura, cem
crianças de três a seis anos de idade. Durante três anos trabalhei com uma
equipe de educadores, contando com a colaboração de uma professora
voluntária na coordenação pedagógica.
Neste período, entre os anos de 1981 a 1984, em que estive
coordenando o trabalho da creche, realizava reuniões de equipe, encontro de
pais, planejamento, festas beneficentes para angariar fundos, sempre contando
muito com a participação de todos que compunham o grupo de trabalhadores
da unidade.
Como não tinha formação pedagógica, dedicava-me a ler muito sobre o
assunto, e procurava informar-me sobre o trabalho com educação infantil,
sempre trazendo materiais como livros e revistas, para colaborar com o
trabalho da equipe.
Durante estes anos participei de rios cursos com a Crecheplan, uma
empresa de assessoria para creches e escolas de educação infantil que existia
àquela altura na cidade de São Paulo, além disso, foi possível viabilizar alguns
cursos para o grupo todo, o que foi imprescindível para o resultado que
alcançamos no nosso trabalho.
Em meados do ano de 1984, o movimento financeiro da instituição em
que trabalhava precisava crescer, segundo seus dirigentes, e acreditavam que
meu perfil se encaixava para uma nova função que havia surgido no setor de
arrecadação, como coordenadora de telemarketing, fui então, coordenar
equipes de operadoras.
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Nesta altura estava entrando no Brasil uma tendência administrativa de
descentralização e os administradores da Instituição apostaram nisso, assim,
nos próximos anos eu estaria abrindo núcleos e preparando novas equipes.
Ao re-visitar aqueles dias, vejo-me como educadora, vivendo
intensamente a arte de ensinar e aprender, numa relação em que a
amorosidade está presente. Ao lembrar-me dessas experiências de vida vou
percebendo como fui vencendo meus temores e construindo-me como
educadora.
Essas lembranças remetem-me a Freire (1996) e identifico-me com sua
afirmação de que ensinar exige querer bem aos educandos, pois o respeito e a
amorosidade fazem parte fundamental da prática educativa e que ensinar exige
disponibilidade para o diálogo e clareza de que tanto quem se forma pode
formar ao ser formado, quanto àquele que forma se re-forma e se forma ao
formar. Reconheço o quanto aprendi com todas as pessoas com as quais
trabalhei neste período, uma vivência que muito contribuiu para o meu
amadurecimento profissional e humano.
Em 1986 inaugurei uma fase nova em minha vida, trabalhando como
supervisora de telemarketing. Viajei pelo Brasil inteiro ministrando cursos,
palestras, treinamentos, seminários. Para isso prepara-me fazendo diversos
cursos de vendas, de administração de recursos humanos, administração de
tempo, de mudanças, sempre objetivando contribuir e desenvolver meu
trabalho de forma mais eficaz.
Nesta época conheci muitos lugares e muitas pessoas. Viajei de carro,
de avião, de ônibus, em cada cidade um modo de ser próprio, impondo um
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ritmo diferente de vida e de trabalho. Notava que, embora as diretrizes da
instituição fossem as mesmas, a prática diferenciava-se segundo a cultura de
cada local e com isso, aprendi muito.
A complexidade do ser humano além de passar pelos aspectos
biológico, cultural, social e histórico, passa também pelo aspecto espiritual ou
psíquico, por isso as emoções que emergem das relações humanas são
decisivas em qualquer atividade que envolva mais do que uma pessoa.
Fazenda (1979) afirma e eu acredito profundamente, que num projeto
interdisciplinar o professor deve conquistar a autoridade, transformando o rigor
e a ordem necessários à prática educacional, e que a afetividade, o amor, o
respeito, a coerência, a cooperação, devem estar presentes no ritual do
professor permeando suas relações e contagiando os alunos.
Conviver com pessoas, sejam pequeninas ou adultas, é a mais
enriquecedora oportunidade que o homem e a mulher têm para tornarem-se
melhores, mais sensíveis. Nessa releitura que faço das experiências vividas
reconheço a alegria do convívio e as marcas deixadas em meu ser.
Ao passar a limpo minha história de vida, vou reconhecendo que as
viagens nutriam minha alma, sedenta de novos conhecimentos. Os conflitos
íntimos instalavam-se por vezes, pois tinha que deixar meus meninos, (além do
Renato, tenho também o Gabriel que nasceu em 1982 e o Lucas, meu caçula,
que nasceu em 1985) ainda pequenos, por dias seguidos, o que gerava um
grande sentimento de culpa. Em 1988, devido à fase escolar dos meninos, pedi
transferência para outro trabalho, pois, precisaria estar mais junto deles. Assim,
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deixei de viajar por um tempo e voltei a coordenar equipes centralizadas em
São Paulo.
Foi em abril de 1992, depois de sete anos, que voltei a trabalhar na área
educacional, algumas mudanças organizacionais haviam ocorrido na
instituição, assim, assumi a pasta da assessoria de promoção humana e social
na região Grande São Paulo, que compreendia 13 núcleos circunvizinhos à
capital: Santos, São Bernardo do Campo, Santo André, Osasco, Guarulhos,
Mogi das Cruzes, São José dos Campos, Taubaté, Sorocaba, Americana,
Campinas, Jundiaí e Itu.
Durante três anos, entre 1992 e 1995, trabalhei arduamente nesta
assessoria, junto a outros seis colegas, cada qual cuidando de uma área
específica.
Nesta época a instituição possuía, na região da grande São Paulo, 11
creches e pré-escolas, uma escola profissionalizante para adolescentes e um
lar para idosos. Recordo-me que contratei uma equipe com profissionais de
pedagogia, serviço social, nutricionista e auxiliar de escritório. Conseguimos
verbas para cursos de atualização profissional das 13 unidades sócio-
educacionais, desenvolvemos jornadas pedagógicas, treinamentos que
envolviam todas as pessoas que atuavam nas unidades, desde os técnicos até
o pessoal dos serviços de apoio.
Todo o mês visitava os locais buscando auxiliar a todos para melhorar o
trabalho, procurando defender com muito afinco aquilo que acreditava ser o
melhor para o desenvolvimento de cada unidade. Um período fértil que traz
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lembranças felizes, durante o qual ajudei e recebi ajuda, ensinei e aprendi com
muita gente, e construí verdadeiras amizades.
Em 1995, passei a atuar como assessora da Superintendência de
Educação e Promoção Social da LBV, tendo a oportunidade de conhecer o
país inteiro e algumas localidades da América Latina nas quais eram mantidas
obras sócio educacionais.
Foi também no ano de 1995 que realizei um curso de extensão
universitária em administração de organizações sem fins lucrativos, pela
universidade de Berkeley, Califórnia, concluído com destaque.
Somente em 2001, tardiamente como costumo dizer, é que decidi fazer
uma graduação. Na realidade esta atitude não partiu de nenhuma proposta
externa, partiu de um desejo pessoal de melhorar meus conhecimentos para
poder atuar melhor em minhas atividades profissionais. A princípio fiquei
indecisa entre serviço social ou pedagogia acabando por me decidir pela
segunda principalmente por considerar que não existem soluções para a
sociedade e para o ser que não devam ser edificadas sobre fortes bases
educacionais, e considerando educação como a própria vida.
A partir de 2002 inicio então meu primeiro curso superior, no Centro
Universitário São Camilo. Durante os três anos de curso convivi com grandes
mestres, dentre os quais, ex-alunos, assessores e amigos de Paulo Freire.
Foram muitas as experiências trocadas, ultrapassando a sala de aula e vale
destacar também que o grupo de alunos era formado por 42 mulheres, muitas
das quais já lecionando na rede pública e particular, trazendo experiências
fantásticas para nossas discussões.
20
O curso de pedagogia, além da formação acadêmica, proporcionou-me
um momento de encontro pessoal. Posso afirmar sem medo de errar, que o
meu processo de formação permitiu o resgate de minha identidade no sentido
de conhecer, reconhecer e perceber meu papel existencial.
Josso (2007, p.15) compreende que “Não projeto de formação que
não cruze, à sua maneira, com a questão da identidade”, e o projeto de
formação de professores do meu curso proporcionou, de forma interdisciplinar,
este encontro.
Percebo hoje a bagagem com a qual cheguei à faculdade, grávida de
experiências do contato direto com situações de grande vulnerabilidade social
e mais que social, existencial, marcando minha forma de ver o mundo e de me
relacionar com o conhecimento e com o outro. Tinha uma grande busca
pessoal, algo cuja origem não conseguia ainda identificar. Uma grande
preocupação com as questões político-sociais do país, com as privações
socioeconômicas que envolvem grande parte da população, configurando
nosso país como o país das desigualdades e injustiças sociais. Talvez por isso,
logo no segundo semestre do curso de pedagogia, levei o filme “Ilha das
Flores” para um trabalho de grupo cuja proposta era o uso de deo para
sensibilização. O filme tocou muito minhas colegas e foi a partir disso que,
muito despretensiosamente, apresentamos nosso trabalho para sensibilizar as
futuras professoras do curso de pedagogia proporcionando-lhes uma
experiência de contato direto com comunidades em situação de
vulnerabilidade.
21
O fato foi que esse trabalho repercutiu e no semestre seguinte foi
retomado pela professora Margarete May, que propôs às alunas trabalharmos
os projetos escritos no período anterior, tendo o “Projeto do Lixão”, como ficou
batizado nosso projeto, como articulador das demais propostas apresentadas
pelos grupos.
Embora por razões diversas não tenhamos concretizado esse projeto,
tivemos a possibilidade de trabalhar conceitualmente com ele dentro da
disciplina de princípios de elaboração de projetos interdisciplinares.
No movimento proporcionado pela interdisciplinaridade durante nossas
aulas, fui pouco a pouco encontrando-me interiormente, por vezes uma
resistência me fazia parar, recuar, entretanto as leituras, as discussões em sala
de aula, o diálogo com a professora, me levavam a avançar, até que em
determinado momento reencontrei adormecido em meu íntimo o Palhaço de
minha infância: Passa-Fome.
Para conseguir desvendar seu sentido em minha formação humana,
busquei estudar a fome em suas muitas dimensões. Por que a preocupação
com o palhaço? (será que o “Passa-fome” passa fome mesmo?) uma incógnita
que se desvelou como uma flor que se abre, quando a professora Margarete
perguntou-me “que fome você acha que o palhaço sente? Fome de quê?”
22
Figura 1: Palhaço Passa-forme, durante Jornada Científica do Centro Universitário São
Camilo, outubro/2002.
Assim, compreendi que a face mais cruel da fome que me inquietava,
era a fome de justiça social e no meu trabalho de conclusão do curso de
pedagogia, orientado pela professora Margarete, busquei encontrar o sentido
da fome e de percebê-la em minha trajetória de vida e em minha prática
pedagógica, um movimento de descoberta que tornou-se o divisor de águas em
minha trajetória formativa, levando-me a perceber-me como ser histórico,
sujeito de minha própria formação
Durante minhas descobertas, em que fui desvelando o meu eu, comecei
a trabalhar como educadora social na Fundação Orsa, tendo a oportunidade de
23
vivenciar uma educação para a prática de liberdade, uma educação que ao
politizar o ser, lhe oferece condições para libertar-se.
Como uma pessoa curiosa, de espírito investigativo, sempre gostei de
ler e de escrever, e se o reencontro com o palhaço “Passa-fome” trouxe, por
um lado respostas para algumas de minhas indagações, por outro, aguçou
minha fome de compreender o sentido de justiça social, levando-me a novos
questionamentos, incentivando-me a continuar buscando respostas.
É por isto que minha pesquisa percorre caminhos que possam desvelar
o sentido da transformação social.
Muito se fala sobre a transformação social, sonhando com um mundo
justo no qual todos os indivíduos tenham igualdade de oportunidades para seu
desenvolvimento, entretanto, as discussões sobre esse tema ainda procuram
por respostas que apontem os caminhos que devemos percorrer, e é nesta
procura que podemos encontrar-nos, descobrindo em nós a chave para a
transformação pelo caminho da nossa própria humanização.
Diante do exposto, a pergunta que norteia esta pesquisa é a seguinte:
Que tipo de conhecimento é possível construir na prática da educação cio-
comunitária e quais as contribuições dessa prática na construção da autonomia
e da emancipação dos educandos?
A pergunta contempla outras questões: Como articular a construção da
identidade individual e da identidade coletiva? É possível autonomia social sem
a autonomia individual? Que papel cabe ao educador e quais os princípios que
podem nortear esse processo?
24
A hipótese do objeto da pesquisa é a de que a educação sócio-
comunitária tem a seu favor a possibilidade de trabalhar com um currículo
formativo que traz como objetivo maior educar para a vida, resgatar a
humanidade perdida no embrutecimento da sociedade individualista de nossos
tempos.
Para o desenvolvimento deste trabalho escolhemos investigar um
Projeto de Educação Social localizado na cidade de Carapicuíba, periferia da
capital paulista. Analisaremos o trabalho pedagógico e social desenvolvido na
unidade, no período de junho de 2003 a junho de 2006, época em que atuamos
neste projeto como educadora social e coordenadora pedagógica.
O objetivo geral da pesquisa é analisar as práticas pedagógicas
utilizadas na educação sócio-comunitária do Projeto Formação Carapicuíba, à
luz das idéias de Paulo Freire, verificando a possibilidade de construir
conhecimentos que possam iluminar os possíveis caminhos para a
transformação social.
Como objetivos específicos destacamos a revisão de literatura sobre
conceito de sociedade e comunidade; revisão de literatura sobre educação
não-formal, social, comunitária e sócio-comunitária; análise do papel do
educador na formação do educando, o tecer das relações, as tramas tecidas na
mediação educativa, a partir de pesquisa bibliográfica e reflexões; revisão de
literatura sobre o conceito de transformação e auto-transformação;
levantamento das intervenções de educação sócio-comunitária utilizadas e
quais as mudanças que ocorreram no grupo individual e coletivamente; análise
dos dados levantados a partir das observações realizadas; apresentação dos
25
dados analisados entrelaçando com as observações sobre a prática e a
reflexão dos momentos significativos da própria prática e apresentação do
conhecimento construído a partir desta experiência pessoal na articulação da
trajetória pessoal e profissional.
A metodologia adotada para pesquisa é de história de vida e análise
documental. Serão utilizados documentos do projeto do período: junho/03 a
junho/06: diário de bordo, relatórios trimestrais das atividades pedagógicas de
seis educadores, planos de aula, projetos interdisciplinares e planejamento
pedagógico.
26
CAPÍTULO 1
SENTIDOS DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA VISÃO FREIREANA
O objetivo deste capítulo é analisar o sentido do termo Transformação
social, iniciando um caminho que poderá nos levar a entendê-lo na
contemporaneidade e o papel que é desempenhado para tanto pela educação.
Para isto buscaremos compreender o contexto político e social no qual nos
situamos e dentro dele perceber a educação e sua função social.
1.1 Do desconforto íntimo ao encontro com Paulo Freire
Desde minha adolescência tenho trabalhado em projetos sociais,
mantendo inquieta uma alma inconformada pela desumanidade a que estão
submetidas as pessoas que sobrevivem em situação de extrema pobreza e,
numa visão “messiânica”, sempre busquei ações que pudessem, em alguma
medida, contribuir para transformar o quadro que violentava minha alma.
Conheci de perto situações de miséria em diversas regiões do Brasil e a
cada novo contato retornava para casa fragilizada pelo sentimento de
impotência e pela omissão da sociedade em face de casos tão tremendos
como algumas regiões do nordeste e do Centro Oeste, onde em certa ocasião
soubemos que algumas mães davam pinga na mamadeira para que os bebês
27
dormissem durante a noite e elas pudessem descansar para enfrentar a fadiga
de um novo dia, dia que breve chegaria ao raiar do sol, sol que ao chegar
iluminaria e aqueceria igualmente a “Casa Planetária” sem, contudo garantir
que todos pudessem ter o benefício da mesma “luz”.
Havia, ou talvez ainda haja aquelas que aproveitam a pinga e,
utilizando-se de um recurso natural a terra, faziam bolachinhas de barro para
saciar a fome das crianças, uma receita que pode traduzir aqui minha profunda
indignação pela desigualdade social na qual estamos imersos. Outro caso
ocorrido e que provavelmente ainda ocorra em situações similares ou idênticas,
foi saber que mulheres de certa região do Brasil estavam engravidando,
mesmo em casos de terem 7, 8 filhos, para receberem o benefício auxílio-
natalidade, dinheiro com o qual ficavam felizes por poder adquirir alguns
mobiliários para suas casas encontrando assim um “cadinho” de conforto.
Todo esse desconforto íntimo me fez desejar ser educadora, lutar pela
possibilidade de estudar e dedicar-me a entender o ser humano em suas
muitas dimensões, buscando desvelar o caminho que pode conduzi-lo a uma
transformação que o leve a alcançar o que Freire (1987) chama de “ser mais”.
Assim, identifiquei-me com o pensamento de Paulo Freire, identificando-
me com seu ser professor, que enxerga e respeita o ser do educando em toda
sua complexidade, considerando-o por inteiro, não separando o cognitivo do
afetivo, o racional do emocional.
Como Paulo Freire, eu também não nasci professora, tornei-me pelo
esforço e pela vontade de participar do processo de emancipação do humano,
28
na verdade, fui tornando-me educadora em minha prática social, em minha
não-acomodação diante das injustiças sociais às quais uma enorme parte da
população está acometida. É por isso que concordo com as seguintes palavras
de Freire:
Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós
nos fazemos. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social
de que tomamos parte. Não nasci professor, ou marcado para
sê-lo. Eu tinha na verdade, desde menino, um certo gosto
de ensinar e aprender que me empurrava à prática de ensinar
que, por sua vez, veio dando forma e sentido àquele gosto.
Umas dúvidas, umas inquietações, uma certeza de que as
coisas estão sempre se fazendo e se refazendo e em lugar de
inseguro me sentia firme na compreensão que, em mim,
crescia, de que a gente não é, de que a gente está sendo.
(FREIRE, 2000, p.79)
Desta forma, fui desvelando meu próprio desconforto e compreendendo
na perspectiva de educação freireana, que somente o próprio oprimido é que
pode libertar-se da sua opressão, portanto, não se pode transformar estando
de fora, mas a transformação social há que emanar de dentro, da formação das
próprias consciências oprimidas, num movimento que parte de dentro para fora
do próprio sujeito.
Perceber a politicidade da educação, talvez tenha sido o ponto que mais
chamou minha atenção neste encontro com as idéias freireanas. Desnudar a
prática pedagógica que se quer neutra e assumi-la como ato político, carregada
de intenção e influenciada pela visão de mundo do educador é um caminho
necessário para uma prática pedagógica coerente com o desejo de uma
sociedade mais justa.
29
Foi assim, envolvida nesta perspectiva de educação como ato político e
de libertação,
que em junho de 2003, fui trabalhar como educadora social num
projeto de inclusão social localizado no município de Carapicuíba, periferia da
cidade de São Paulo. A primeira lição que aprendi: nas grandes metrópoles
encontram-se as mesmas misérias e o mesmo estado de abandono que
existem nas regiões mais pobres e distantes do nosso país e, talvez a
diferença da infra-estrutura da cidade grande minimize a falta de alimento, ao
mesmo tempo em que maximiza a fome ampliando-a para além do sentido
biológico.
Em minha experiência profissional, atravessei a “ponte” diariamente, e
do outro lado encontrava-me com os meninos e meninas que integram o
projeto de inclusão social, e neste contato experimentei sentimentos diversos,
inquietações oriundas de incertezas e indignações.
No contato direto com a negação de humanidade a que está sujeita essa
população excluída, que sobrevive na periferia da metrópole, pude confirmar o
que Paulo Freire (1979, p.30) afirmara: ”Não outro caminho para a
humanização – a sua própria e a dos outros – a não ser uma autêntica
transformação da estrutura desumanizante”.
Esse trabalho de educação social nos colocou em contato direto com
toda a comunidade. Conhecemos suas casas, suas escolas, seus espaços de
ser criança (ou a inexistência deles), estabelecendo um contínuo diálogo entre
educadores-educandos-comunidade.
30
Neste estreito relacionamento confirmamos no dia-a-dia a negação da
condição humana e vimos face-a-face o processo de desumanização, de
embrutecimento do ser que ocorre orquestrado pela violação de direitos
gerando um imenso “apartheid social”, favelizando corpos e almas.
O cotidiano dessas populações de baixa renda é carregado de tristeza
pela situação vivenciada, marcada pela ausência de condições habitacionais
dignas, pela ausência ou precariedade de serviços públicos básicos, pela
inexistência de espaços de convivência coletiva de lazer e cultura. Assim, o
desenvolvimento do senso estético, fundamental à condição humana, fica
relegado ao mais profundo desprezo e esquecimento.
Minha relação com os educandos foi uma conquista que se construiu de
forma tão simples quanto forte, fundamentando-se numa metodologia de
educação a partir da apropriação crítica da realidade para poder transformá-la.
Na realidade, o trabalho com educação social ou educação popular,
respeita o tempo, permitindo ao educador penetrar no mundo do educando,
conhecer seu comportamento, reconhecer sua forma de existir e assim,
conquistar sua confiança e amizade. (Graciani, 2001).
Edgar Morin (2001), em seu livro “Os Sete Saberes necessários à
Educação do Futuro”, nos fala sobre a necessidade de se ensinar a condição
humana, nos remetendo à reflexão de que o ser humano é um ser complexo,
sendo ao mesmo tempo um ser físico, biológico, psíquico, cultural, social,
histórico e espiritual, o que nos leva a pensar sobre a garantia das
necessidades básicas que dão sustentação a essa dignidade e a essa
31
complexidade e que estão sendo negadas a essas populações. Volto a Paulo
Freire (1979) para tentar compreender que é preciso uma educação como
prática de liberdade, libertação como um processo endógeno que leve o ser ao
encontro dessa liberdade. Nossa cultura, forjada num processo histórico de
exploração, mantém os homens e as mulheres subjugados e impotentes diante
da dominação que sofrem, vivendo apenas para sobreviver como seres
dependentes a quem não é legada a alegria de viver, a autonomia e a
liberdade, mas apenas a servidão.
Ao pensar nesta complexidade do humano, percebemos a
desumanização como realidade histórica e entendemos que, como seres
inconclusos, convivemos com as duas possibilidades humanização e
desumanização separadas por tênues fios de caminhos reais e possíveis em
dado contexto, assim, reconhecemos o relevante papel da educação e a
grandeza da tarefa que compete ao educador.
Em uma de suas grandes obras, embora publicada como livro de bolso,
Paulo Freire (1996) nos lembra acerca “dos saberes necessários à prática
educativa”. Afirma que é preciso ter coragem para assumir-se como seres
incompletos, seres em construção, e nos fala da ética universal do ser humano
como algo da própria natureza humana e do valor de se reconhecer que
somos, sim, seres condicionados, porém não somos seres determinados e
podemos ver a História como tempo de possibilidade e não de determinismo.
Uma reflexão prenhe de esperança e de confiança numa possível
transformação que nos leve a um mundo novo e mais feliz porque mais
humano.
32
Na construção da relação educador - educando, desenvolvida no nosso
trabalho, fomos refletindo acerca de que a prática de ensinar não é meramente
transmitir conhecimento, mas, muito, além disso, é tornar possível a produção,
a construção desse saber, e que o educando não pode ser tido ou considerar-
se objeto de um determinado sujeito, mas que deve ser ele próprio, o sujeito da
sua própria formação, construindo-a passo a passo. Embora tendo clareza do
papel do educador, é igualmente necessário ter, educador e educando, a
clareza de que tanto quem se forma pode formar ao ser formado, quanto
aquele que forma se re-forma e se forma ao formar, pois quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (Freire, 1996).
A Pedagogia da Autonomia nos fala da ética, da estética, do exemplo,
da abertura para o novo, nos levando a concluir, que a tarefa mais nobre da
educação é humanizar, que é necessário que o educador seja humano para
ser capaz de conduzir o educando à humanização, lembrando que a ação mais
humanizadora é aquela que pode levar ao caminho da libertação, um caminho
que é percorrido a partir do diálogo, da curiosidade, do “falar com” para em
seguida refletir junto.
E é neste contexto, do “falar com”, do diálogo como metodologia que
este autor apresenta as categorias basilares para o educador que deseja ter
uma prática educativa humanizante.
Como primeira categoria, Paulo Freire (1979) fala do Amor. Se o
compromisso da educação é dialógico, é possível dialogicidade se esta
estiver banhada de amor, que é o ato de importar-se com, comprometer-se
33
verdadeiramente com a tarefa de educar para transpor as barreiras do não
conhecimento.
É preciso exercitar a humildade para reconhecer a visão e compreensão
de mundo do outro, e só posso refletir sobre minha prática como educadora, se
estou revestida da necessária humildade para reconhecer-me como ser
inacabado, portanto sujeito a erros e falhas que requerem reflexão-ação-
reflexão. Portanto, a segunda categoria da educação libertadora é a humildade.
Como terceira categoria da prática educativa que visa humanizar pela
via do diálogo, Freire (1979) nos fala da . Não em Deus ou em deuses,
mas a na capacidade que o próprio homem tem de criar e recriar pela
vocação do “Ser Mais”. Essa está presente antes mesmo do diálogo, porque
se percorro o caminho do diálogo é porque acredito que a vocação humana é o
“Ser Mais” e, portanto, tenho Confiança na capacidade do homem. Confiança
que é a quarta categoria freireana.
A Confiança na capacidade humana de transformar-se gera a Esperança
e a Solidariedade. Esperança que não é inerte, parada, mas que é
esperançosa por perseverar sempre acreditando no poder transformador do
diálogo.
Amor, Humildade, Fé, Confiança, Esperança, Solidariedade,
ingredientes necessários para uma prática educativa dialógica, categorias
fundantes da educação como prática de liberdade que devem iluminar as
ações dos educadores.
34
Ao exercitar essas categorias, essa educação dialógica, tornou-se
possível construirmos com os educandos do Projeto Formação Carapicuíba,
um forte vínculo e esse vínculo tornou-se fundamental para nossa prática
pedagógica. Uma prática que buscou trilhar caminhos da dialogicidade ouvindo
antes de decidir, envolvendo os educandos no planejamento das atividades.
A escuta sensível não aflorou imediatamente, não surgiu como um dom.
Ela exigiu um exercício no qual dois elementos foram imprescindíveis, o amor e
a humildade, além de ser necessário também um grande comprometimento de
todos os educadores.
No desenvolvimento da escuta sensível, o saber ouvir, reconhecemos
também a necessidade do espaço de diálogo entre os educadores, percebendo
que não é possível uma educação como prática de liberdade, emancipadora,
se não houver o espaço para o diálogo entre aqueles que educam.
1.2 A complexidade humana e a estrutura social
Ao trilharmos caminhos de uma educação dialógica junto aos educandos
do Formação Carapicuíba, fomos percebendo que o processo de construção
do conhecimento envolve muito mais que os aspectos intelectual, racional e
motor. Ele depende também das emoções, da afetividade e da relação do outro
para a formação do eu como pessoa.
35
A educação é um ato político e de libertação, pois todo educador
desempenha um papel político na sociedade conforme preceitua o educador
Paulo Freire, ela requer construção pessoal e coletiva do saber, para o que é
preciso que a educação seja capaz de desenvolver no indivíduo o prazer, a
curiosidade, o desejo de buscar e se inteirar do conhecimento, buscando o
caminho da autonomia e da emancipação do sujeito epistêmico.
Os fundamentos da alienação do homem refletem-se pelo uso da
linguagem explorada apenas na dimensão informativa, instrumental, racional e
reprodutora, porque essa prática impossibilita que o indivíduo acesse a
linguagem mais sensível, capaz de reconstruír-se.
Na fundamentação da educação enquanto ato de libertação, o ser e o
fazer representam uma única atitude ou único conceito, o que, uma vez mais
nos remete aos “Sete Saberes necessários à Educação do Futuro”, nos quais
Morin (2001) afirma ser a educação do Futuro alicerçada pela questão da
identidade do ser, sua consciência ecossistêmica e a inter-relação do todo com
as partes e das partes com o todo, levando-nos a novas formas de pensar e
construir o conhecimento, possibilitando a mudança do paradigma da educação
centrado na transmissão de conhecimento e informação para um paradigma
que recupere sua capacidade de humanização.
A resistência às condições sociais expressa no comportamento dos
meninos e meninas do projeto Formação Carapicuíba, nos conduz a refletir
acerca da estrutura da nossa sociedade burguesa capitalista, sua forma de
organização, seus valores, levando-nos a um profundo estado de indignação
que gera angústias e, ao mesmo tempo, nos provoca, alimenta nossos sonhos
36
de, como educadores, seguir em frente, acreditando que é possível uma
sociedade diferente.
Enfrentar a hostilidade que esses meninos e as meninas têm consigo
mesmos configura-se em um dos maiores desafios do trabalho educativo.
Dentre os muitos casos, citaremos o caso de três irmãos, de treze, onze e oito
anos de idade, cuja revolta manifestavam pela falta de higiene pessoal. Na
verdade o não cuidado de si mesmos é apenas uma das faces da revolta
contra a sociedade e contra o mundo. O fato é que isso refletia em todo grupo
levando os colegas a discriminá-los. Eles vendiam no trem e freqüentavam
fliperama, motivo pelo qual o Conselho Tutelar os encaminhou ao projeto
1
.
Depois de visitar a residência, juntamente com o serviço social,
verificando as reais condições de sua moradia, fizemos um trabalho com a mãe
e com os meninos, um trabalho que envolveu toda equipe do projeto e por
breves dias eles adotaram o banho diário e a escovação dos dentes, o que nos
deixou muito felizes, sentindo-nos vitoriosos por acreditar que havíamos
conquistado a auto-estima para os meninos fazendo-os incorporarem novos
hábitos de higiene. Entretanto, refletindo em conjunto com o grupo de
educadores durante uma capacitação em violência infantil, nos indagamos se
ao desejarmos esse resultado estaríamos trabalhando a emancipação ou
apenas enquadrando-os no modelo que a sociedade burguesa impõe
2
. A
revolta fora resolvida porque os meninos entenderam que a higiene é
importante para a manutenção da vida e da saúde ou a revolta fora apenas
sufocada para sentirem-se aceitos pelo grupo e por nós, os educadores? E
1
No Capítulo 2 apresentaremos uma análise do perfil dos meninos e meninas que freqüentam o Projeto
Formação Carapicuíba
2
Este dilema várias vezes se apresenta no trabalho da educação social.
37
essa revolta reprimida não se manifestará no futuro de forma mais nociva?
Sobre este assunto retornaremos no capítulo 3 ao analisarmos criticamente a
formação educativa ocorrida e se os resultados alçados são apenas
superficiais ou se são profícuos.
Muito sobre o caso desses meninos levou-nos a perceber que é preciso
lidar com a verdade superando a compreensão cristalizada que temos da vida,
num exercício permanente de observar e refletir sobre as condições objetivas
da realidade para não cair em ilusões criadas para nós mesmos e para nossos
educandos. No entanto, acreditamos que o sonho precisa ser mantido porque
sonhar é ter esperança e força para continuar caminhando. Se trabalhar a auto-
estima da criança é, por um lado, deixar-se ser utilizado pelo sistema burguês,
não fazê-lo, por outro lado, pode ser contribuir para o silencioso discurso que
faz com que os pobres, os excluídos, acreditem que não aprendem porque são
burros ou que moram na favela porque não merecem outra coisa.
Quando trabalhamos a auto-estima estamos trabalhando a dignidade do
ser, criticando a condição humana que é dada às pessoas que vivem abaixo da
linha da pobreza, numa condição inclassificável.
Pensar sobre esse caso nos faz refletir sobre nosso próprio trabalho em
projeto de inclusão social. Incluir em que sociedade? Na sociedade burguesa
capitalista? Essa sociedade que requer pessoas que se adaptem e desejem
consumir, que precisa de homens que se sintam livres ao mesmo tempo em
que se condicionam a fazer aquilo que se espera deles, como o que a
educação promove quando obriga a criança a engolir a “pílula”? É isso que
38
queremos para nossos educandos ou queremos transformar essa sociedade?
Transformação ou adaptação?
1.3 O papel da escola na sociedade contemporânea
Como pesquisadora participante, falarei um pouco neste item acerca de
minha formação inicial (da a série do Ensino Fundamental) que ocorreu
no final da década de 1960 e início da década de 70, na cidade de São
Bernardo do Campo, berço de lutas dos operários de fábricas, justamente no
período da efervescência das greves que marcaram também o surgimento de
novos partidos políticos no país.
Neste período, segundo Cambi (1999):
Os movimentos estudantis, políticos, culturais, ativaram um
processo que foi, ao mesmo tempo, uma ”revolução cultural “e
uma” revolta juvenil “, que invadiram a sociedade,
atravessaram as ideologias, envolveram as instituições, bem
como os saberes e, sobretudo, os lugares onde estes elaboram
e se aprendem. (CAMBI,1999, p. 617)
Neste período, o espaço escolar era sério, com cores cinzentas e pálidas.
O comportamento das crianças era bastante contido e na escola não havia
atrativos infantis. Os movimentos de locomoção aconteciam sempre em fila,
por ordem de tamanho, uma contenção constante do movimento livre do corpo.
Mesmo durante o recreio, havia certa vigilância o tempo todo e as relações
39
sociais que ocorriam no interior da escola eram de autoritarismo, de medo e
distanciamento entre a criança e o adulto.
Outra coisa muito marcante das lembranças dessa fase trata-se do
patriotismo imposto pela organização escolar, com exaltação aos símbolos
nacionais.
Ao refletir e pesquisar sobre aquele período percebemos como foram se
definindo as relações de dependência que ainda perduram no país e continuam
ditando as regras da educação, sendo possível enxergar o domínio capitalista
perpassando todos os setores nacionais a partir do modo de trabalho e
organização da sociedade em classes. Dominação e dependência reforçada
pela dominação cultural e ideológica do setor econômico sobre a sociedade
criando hábitos de consumo que se internalizaram nas ações e nos
pensamentos dos indivíduos, contando para tal com diversas estratégias dentre
as quais identificamos o papel da escola. Portanto, a expansão do ensino com
as reformas que tiveram início em 1968 atenderam, em primeiro plano, à
pressão econômica.
A entrada do capital internacional para a expansão industrial levou a
uma mudança nos padrões de consumo da população criando ou
intensificando o surgimento de diferentes categorias mesmo entre os
trabalhadores, pois as fábricas precisavam de chefias e isso significava
aumento de poder de consumo, o que forçou a reforma do sistema de ensino
do país, uma vez que as demandas geradas requeriam mão de obra mais
qualificada para ocupar os cargos que foram emergindo.
40
Segundo Romanelli (1985), foi a partir de 1968 que este novo significado
da educação começou a ser percebido, ano que também, afirma a autora,
assinala o início de mudanças mais profundas na vida da sociedade e da
economia. É aqui que surge na história da educação no Brasil os primeiros
acordos de cooperação entre o MEC (Ministério da Educação e Cultura) e a
Agency for International Development (AID) para assistência técnica e
cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional
brasileiro, é o período dos “acordos MEC-USAID”. (na verdade, os acordos
vêm de anos anteriores, mas sua influência se faz mesmo mais forte a partir da
lei abaixo citada).
Do trabalho das comissões para a reorganização do nosso sistema
educacional, resultou a reforma geral do ensino, criada pelas Leis 5.540 de 28
de novembro de 1968, fixando as normas para a organização e o
funcionamento do ensino superior e em seguida em 11 de agosto de 1971, a
Lei 5.692 que reformou o ensino de e graus. Leis que cumpriram seus
papéis ideológicos e econômicos de acordo com o projeto dos militares,
alcançando de maneira astuta os objetivos implícitos em cada uma. Os
militares pretendiam o desenvolvimento econômico com apoio do capital
internacional e o fortalecimento da aversão pelo comunismo.
Os acordos MEC-USAID, afirma Romanelli (1985), tiveram também o
efeito de agravar a crise educacional, levando a Comissão Meira Matos
(constituída nesse período pelo Governo para estudar os problemas relativos à
crise estudantil e propor soluções) a assumir o papel de interventora nos focos
de agitação estudantil e estudar a própria crise para buscar soluções. Estudos
41
que culminaram na implantação de Leis (Decreto Lei 405, de 31 de dezembro
de 1968, e 574, de 8 de maio de 1969) visando conter o protesto estudantil que
era forte naquele momento, cerceando sua liberdade de expressão e tornando
ilegais suas manifestações.
A imersão nestas lembranças traz sensações de distanciamento entre a
vida e a escola e percebemos que a participação da família quase não existia,
que os vínculos escola-família eram tênues.
Neste movimento reflexivo, percebemos que atravessávamos uma fase de
transição entre a pedagogia tradicional, centrada no professor como “dono” do
saber, e a pedagogia tecnicista que trazia uma prática pedagógica com
atividades extremamente mecânicas, dando supervalor às técnicas e
cerceando toda capacidade de criação e inovação quer seja do educador ou do
educando, uma educação preocupada unicamente com a adaptação do
indivíduo para atender aos interesses burgueses.
Neste modelo educacional, todo processo de desenvolvimento das
relações interpessoais, de interação e integração social fica prejudicado, que
as ações pedagógicas não oportunizam momentos que levem a esse
desenvolvimento. Assim, a vida escolar não proporcionava experiências de
trabalhos em grupos com chances de avançar juntos, de compartilhar e
aprender na percepção das descobertas do outro.
Ao estudarmos esta fase da educação, identificamos o Currículo planejado
por meio de uma lista de conteúdos escolhidos segundo a concepção de aluno
como ser passivo, vaso vazio a ser preenchido com os depósitos feitos pelo
42
professor, e a concepção de educação como instrumento para a manutenção
da dominação e dependência, fato que nos remete a Bourdieu em sua Teoria
da Reprodução, denunciando a escola como instrumento para manter as
massas sob controle para perpetuação da divisão social, fazendo com que ao
chegar à escola, a criança já encontre definido o caminho que percorrerá,
mantendo a separação entre o filho do burguês e o filho de trabalhador.
(Bourdieu, 1968)
Ao analisar com Romanelli (1985) “A história da educação no Brasil”,
percebendo a sutileza com que fomos sendo dominados e “vendidos” como
mercadoria para o capitalismo, podemos entender que ir além da formação
escolar básica e depois técnica, àquela altura da história do nosso país, era
possibilidade praticamente nula para as classes populares.
1.4 O surgimento da Pedagogia Libertadora
Entre os anos de 1945 e 1964, o Brasil teve seis governos, sendo que o
país que era de vocação agrária, passou a ser de vocação industrial, inclusive
pela força do desejo do próprio povo.
A burguesia se dividia entre aqueles que acreditavam na
industrialização somente sob o controle do capital nacional e outros insistindo
em que o capital estrangeiro entrasse no cenário nacional, um embate que
ocorria nos bastidores do país, distante do conhecimento da massa.
43
Os operários e os grupos de esquerda apoiavam a industrialização
porque acreditavam no suprimento das condições materiais necessárias.
Nestes anos e mais em especial durante o governo Juscelino Kubitscheck, a
ideologia oficial foi o nacionalismo desenvolvimentista que possuía uma
fundamentação teórica nos estudos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB).
A partir dos anos 1960 o Brasil deixou de ser definitivamente um país
agrícola e a população urbana ultrapassou a população rural. A bandeira da
industrialização deixou de unir forças sociais e entrou em cena à disputa pelo
controle da divisão dos lucros.
Nos quatro primeiros anos dessa década cresceram organizações que
trabalharam com a “promoção da cultura popular, a educação popular, a
desanalfabetização e a conscientização da população sobre a realidade dos
problemas nacionais.” (Ghiraldelli, 1990, p. 123), e surgiram os Centros
Populares de Cultura (CPCs), os Movimentos de Cultura Popular (MCPs) e o
Movimento de Educação de Base (MEB) como protagonistas preocupados com
a cultura das classes trabalhadoras.
No seio desses movimentos surge a Pedagogia Libertadora, diretamente
associada ao método Paulo Freire de educação de jovens e adultos.
Os escritos de Paulo Freire dos anos 1950 e 60 serviram de base para a
Pedagogia Libertadora. Afirmava que o “homem tem vocação para sujeito da
história” (Freire, 1979, p. 60), não para objeto e que era preciso romper com a
44
opressão do homem, forjando uma mentalidade nova que o conscientizasse
frente aos problemas nacionais e o engajasse na luta política.
Freire buscava uma educação comprometida com a vida real do sujeito,
a comunidade deveria então ser o ponto de partida da educação. Contra a
manipulação propunha a desalienação do povo e criticava a educação
“bancária” que era praticada no país.
E, ao criticar a educação bancária, como ele chama a educação
tradicional, Paulo Freire (1979) aponta seus dez princípios, nos quais
percebemos um projeto de opressão e alienação do homem:
a) o educador é o que educa; os educandos os que são
educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não
sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os
pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os
que escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os
disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os
educandos que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm
a ilusão de que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os
educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua
autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade
dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações
daquele;
j) o educador finalmente, é o sujeito do processo; os
educandos, meros objetos. (Freire, 1979, p. 67-68).
Em sua contribuição propunha o processo educativo por meio da
problematização levando o educando a participar ativamente desde a
45
elaboração do programa de ensino e por todas as suas etapas. Para Freire
todo ato educativo era, e é necessariamente um ato político. Entretanto, o
golpe de março de 1964 interrompeu esse “processo de construção de um
novo país”.
A escola nesta fase da história da educação no Brasil, a partir do golpe de
1964, estava organizada como uma fábrica na qual cada aluno era formado de
acordo com a “forma”, portanto, não precisava pensar, não devia criticar ou
questionar, apenas deveria aceitar. Entretanto, a vida além dos muros da
escola poderia proporcionar e nos proporcionou outras vivências formativas.
Entre a aceitação muda a que a escola nos condicionou nesta época e as
possibilidades desenvolvidas nas interações sociais, identificamos o
desenvolvimento da capacidade de transformar. Muitas vezes em situações
extremamente adversas, quer na vida pessoal, quer na vida profissional,
conseguimos com lucidez, enxergar caminhos, modos de fazer e resolver,
tornando situações desafiadoras em possibilidades de conquistas.
É neste sentido que identificamos também o currículo oculto, que estava
presente na escola deste tempo, reconhecendo sua influência em nossa
formação. Como educadora, temos a consciência de que não passamos aos
educandos o discurso que proferimos, mas sim o que verdadeiramente somos
e em que acreditamos, ou seja, nossa concepção filosófico-política.
Segundo Moreira (2001) o conceito de currículo oculto pode contribuir
mais para o aprendizado do estudante que o próprio conteúdo de um
46
determinado curso, e a isso chama de ”aprendizado incidental“. E Luckesi
afirma:
As visões de mundo que estão contidas nos conteúdos são
assimiladas pelos educandos, na medida mesma em que
assimilam os conteúdos. Os livros didáticos, as lições, os textos
contêm em si determinados valores, ou modos de ver o mundo,
que são assimilados junto com os conteúdos. (Luckesi, 1996,
p.128)
Isto nos leva a considerar que a criança assimila as visões de mundo nas
formas de organização, na hierarquia e nas relações humanas que ocorrem no
interior da escola.
1.5 Ciclos de ensino e as experiências educativas inovadoras
Avaliar para classificar era o sistema adotado pela escola do tempo de
minha formação inicial. Nela cada educando era “medidopela nota que tirava
nas provas. A preocupação dos educadores estava centrada nos conteúdos a
serem memorizados pelos educandos. Havia certa solidão do percurso
primário, pois não havia possibilidades dos trabalhos em grupo e da construção
coletiva do conhecimento. Cada educando encontrava-se isolado numa ilha
que podia ser representada pela carteira em que se sentava.
O alto grau de seletividade do nosso sistema de ensino aprofundou as
diferenças e levou à marginalização de grande parte da população. Segundo
Romanelli (1985), apenas 56 de cada 1.000 alunos ingressados na série
47
primária em 1960 conseguiram ingressar no ensino superior em 1971, levando-
nos a refletir sobre o modelo de educação que prepara o aluno para a seleção,
tônica do processo educacional deste período, tendo a avaliação classificatória
como principal instrumento.
Perrenoud (2002) coloca a avaliação no centro de todo processo de
ensino, apontando a complexidade que envolve o tema e a necessidade de se
buscar uma avaliação formativa. Entretanto, segundo este autor:
Para mudar as práticas no sentido de uma avaliação mais
formativa, menos seletiva, talvez se deva mudar a escola, pois
a avaliação está no centro do sistema didático e do sistema de
ensino. Transformá-la radicalmente é questionar um conjunto
de equilíbrios frágeis. Os agentes o pressentem, advinham
que, propondo-lhes modificar seu modo de avaliar, podem-se
desestabilizar suas práticas e o funcionamento da escola.
Entendendo que
basta puxar o fio da avaliação
para que toda
a confusão pedagógica se desenrole, gritam: “Não mexa na
minha avaliação!(Perrenoud, 2002, p. 145).
A avaliação pressupõe ações diagnósticas e sua concepção sempre
acompanha a concepção de educação e de sujeito que a sociedade possui e
com a qual a escola trabalha, é por isso que a avaliação formativa, que respeita
e considera os caminhos percorridos pelo sujeito, somente agora começa a ser
possível, via concepções de educação em que o homem finalmente começa a
ser concebido como sujeito de sua própria formação.
Para trabalhar com o conceito de avaliação formativa se faz necessária
uma mudança estrutural da escola, envolvendo todos os seus atores e a
comunidade, pois ela passa por um processo de desconstrução de uma
compreensão cristalizada do que é aprendizagem e de como ela ocorre,
48
devendo o professor não somente partir dos conhecimentos prévios de seus
alunos, como acompanhar o desenvolvimento de cada um, percebendo as
subjetividades as quais subjazem as mediações necessárias para ajudar-lhes a
avançar. O que requer um exercício de reflexão sobre a própria prática que
será mais eficaz quanto mais for coletivamente construído, pois este novo
modelo de educação requer um trabalho no coletivo, integrado e
interdisciplinar.
No contexto dos ciclos de ensino as discussões sobre a avaliação nos
levam à experiência da Escola da Ponte, de Portugal, na qual identificamos as
idéias freireanas de educação, e a experiência da Escola de Summerhill, que
buscam a não fragmentação escolar, fazendo surgir de suas experiências a
idéia dos ciclos de ensino. Nelas são projetados objetivos para cada ciclo, os
professores são professores de todos os alunos e os alunos são alunos de
todos os professores e existe um respeito e uma espera pelo tempo de
maturação do aluno.
Na ponte, todos os professores podem interagir com todos os
alunos, em qualquer momento. Aceitam o questionamento das
suas práticas porque se apóiam mutuamente. E não se trata
apenas da consideração de uma intensa relação interindividual,
trata-se da recriação de uma memória coletiva que se
estrutura, reformula e afirma. A descoberta de valores comuns
permite percorrer um itinerário comum, que reforça vínculos
afetivos e é gerador de um intenso sentimento de pertença. A
formação pessoal e social também passa por aqui. (José
Pacheco apud ALVES, 2001, p. 119).
Com isso, podemos considerar que a fragmentação da escola em ries
e turmas é uma questão que precisa ser superada para que o processo dos
ciclos de ensino e a avaliação formativa, legalmente introduzidos pela Lei de
49
Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96 e orientados pelos PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacional) possam se tornar uma realidade. Um
processo extremamente complexo que envolve profundas mudanças
implicando numa transformação da escola, desde sua estrutura organizacional
e de gestão. Mudanças que estão legalmente garantidas conferindo
autonomia à escola, mas que para alcançar concretude requerem a superação
de alguns fatores que a impedem, como regras, espaços, horários, programas,
organização de turmas, fragmentação do trabalho e formação do educador.
Para Perrenoud (2002) a avaliação formativa confronta-se com as
estruturas do nosso sistema escolar:
Não apenas com o sistema de seleção e de orientação, com a
rede de possibilidades e de opções, mas com a organização
das turmas: os espaços, os horários, os modos de
agrupamento dos alunos. Quando se trata de diferenciação do
ensino, incriminam-se geralmente os efetivos das turmas, Eles
têm sua importância, mas pensar apenas em termos de
número de alunos é negligenciar muitos outros parâmetros.
(Perrenoud, 2002, p. 148)
Todas as questões que bloqueiam essa transformação escolar
aparecem na prática educacional da Escola da Ponte e de Summerhill,
experiências que podem contribuir não como modelo e sim como exemplo, dos
conhecimentos construídos a partir dos erros, das idas e vindas de percursos.
Os ciclos de ensino podem se tornar uma realidade a partir do momento em
que os gestores tiverem a clareza de entendimento do que eles significam e a
lucidez de como desenvolver o processo dentro de sua realidade, o que pode
ser elucidado pelas experiências das escolas mencionadas e de tantas outras.
50
A avaliação está na alma da educação objetivamente desenvolvida, ou
seja, a educação que têm uma intencionalidade requer ser avaliada e não pode
ser avaliada apenas ao final do trajeto, tem que ser avaliada periodicamente
para que as evoluções e o processo sejam percebidos e isso só é possível se o
objetivo estiver claro, as intervenções forem adequadas e diferenciadas
conforme o momento do educando, houver o uso sistemático do registro e da
reflexão sobre a prática para acompanhamento, houver um trabalho
pedagógico solidário e não solitário, o professor fizer relatório individual do
desenvolvimento de cada educando, a escola proporcionar trabalhos de grupos
com participação ativa e dinâmica dos educandos oportunizando-lhes
experienciar a aprendizagem e, enfim, se toda a Escola estiver embuida da
mesma intencionalidade, incluindo desde seu gestor até seu porteiro,
envolvendo a compreensão e o comprometimento da comunidade.
Numa perspectiva formativa, dentro do contexto dos ciclos se pode
conceber a avaliação como instrumento para potencializar o processo de
construção de conhecimento do educando, não medindo o que ele sabe ou não
sabe, e sim o seu desenvolvimento.
Ao avaliar é preciso perceber as nuances do sujeito, seu modo próprio
de comunicar-se com o universo exterior. o é tarefa fácil, é complexa e
requer uma postura equilibrada e reflexiva daquele que avalia.
Os princípios interdisciplinares como a humildade, a coerência e a
espera devem entrar em ação evitando sentimentos de vingança e
autoritarismo, pois a avaliação pode ser utilizada para oprimir e subestimar a
51
criança e isso será uma marca que ela carregará ao percorrer seu caminho na
construção da aprendizagem. (Fazenda, 2002.).
Na prática da educação sócio-comunitária, atuando em projeto social,
tivemos a oportunidade de exercitar uma avaliação formativa, conforme
identificaremos no próximo capítulo.
1.6 – A transformação percebida
As reflexões que nos trouxeram até aqui, tiveram a intenção de buscar
entender o sentido da transformação social. Diante do trágico quadro das
mazelas da nossa sociedade, vamos percebendo ações de resistência
produzindo possibilidades de mudanças no quadro que se apresenta. Na busca
das causas geradoras do fenômeno social marginalização e miséria material
e cultural - percebemos que as injustiças sociais são o reflexo da organização
da nossa sociedade burguesa capitalista.
Percebemos que as reivindicações, os questionamentos e a não
aceitação de determinações, manifestações freqüentes dos educandos do
Formação Carapicuíba, são os embriões de uma possível mudança social. No
segundo capítulo voltaremos a este assunto e analisaremos mais
profundamente, apresentando e discutindo fatos concretos.
É com satisfação que assistimos a certas “rebeldias” dos educandos e
identificamos nisto a manifestação de busca por justiça em qualquer situação.
52
Na organização Pedagógica do Formação Carapicuíba, identificamos um
currículo que emancipa pelo viés da politicidade, um currículo:
[...] voltado para a construção de uma subjetividade livre, para
a eliminação dos contextos de dominação introduzidos nas
estruturas de comunicação (Mazzi, 1992). Em outras palavras,
apoiando-me em Giroux (1992), posiciono-me a favor de um
discurso de emancipação no qual a luta contra a dominação
constitui parte de um projeto educacional de cunho político.
(Moreira, 2001, p. 11).
Neste modelo de educação, ao sentir com todos os sentidos o processo
individual de cada educando, vamos resolvendo as questões dinamicamente,
nos surpreendendo muitas vezes pela força de uma palavra de atenção, que
faz com que a criança perceba que não está sozinha, que o educador está com
ela. As mudanças são provocadas por formas muito simples como o diálogo, a
atenção, a avaliação formativa.
A educação requer coerência e a idéia da coerência exige um
comprometimento existencial do educador que, não sendo ingênuo, percebe a
grande diferença entre a prática pedagógica autoritária, que considera o
educando como um paciente, a receber palavras distanciadas de seu
significado, e a prática pedagógica crítica como ato político e criador de leitura
de mundo. (Freire, 1992)
O ser humano é em si mesmo um universo de sentimentos ambíguos e
contraditórios. No tempo de convivência com as crianças e adolescentes de
Carapicuíba, observamos que todos têm o desejo latente de transformar-se. Na
verdade, por maior que seja a resistência, todo ser humano busca a felicidade,
e deseja encontrá-la transformando tudo o que está à sua volta.
53
O comportamento violento e de rebeldia apresentado nesses meninos e
meninas, nada mais é do que a denúncia da existência de uma realidade
história de desigualdade e injustiça.
É por isso que no trabalho individual com os educandos, insistimos em
levar cada um a controlar suas emoções mais irracionais e vamos percebendo
que essa prática os acalma e contribui para melhorar o convívio social.
O senso comum pode considerar a idéia de que a violência cometida
pela criança e pelo adolescente é uma questão de princípios e valores,
culpando principalmente a desestruturação familiar, porém em nosso trabalho
constatamos o que Graciani (2001) aponta: que a raiz do problema está na
própria sociedade e sua organização estrutural.
Graciani (2001), ao analisar o comportamento hostil e violento das
crianças e jovens excluídos socialmente, considera que para poder viver eles
recorrem a caminhos que estão fora das regras sociais, tornando-se facilmente
vítimas da violência assim como seus próprios autores. È preciso então, que o
educador adentre o mundo do educando para compreender e quebrar sua
cultura de resistência. (Freire, 1992
)
.
Quando conseguimos entrar no mundo da compreensão da criança
temos mais condições de auxiliá-la a avançar na construção de conhecimento
e no seu desenvolvimento humano, pois percebemos como e quando intervir.
Na realidade, o educador precisa estar atento ao educando, pois é o próprio
educando que, pelas suas manifestações, aponta o caminho a ser percorrido
para a construção de sua aprendizagem.
54
Ao mergulharmos nas histórias de vida buscando conhecer o contexto
social vivido por nossos educandos, temos a oportunidade de conhecer e
reconhecer seus sonhos, muitas vezes nos identificando nesses sonhos. Um
exercício de autoconhecimento que nos faz crescer, passando por um
processo de desbloqueio interno. Como afirma Vasconcellos:
O educador deve cultivar a alma, conhecer-se, se reconhecer:
no trabalho arqueológico, poder perceber suas várias camadas
de discursos, sentimentos, percepções; ter coragem de
investigar, ver as representações (idéias, conceitos, mitos,
informações, imagens, fantasmas) que o habitam.
(Vasconcellos, 2001, p. 114)
Ao adentrarmos nossa intimidade, ficamos frente a frente com nossas
verdades, reconhecendo além das nossas ações, nossas intenções, dando-nos
a chance de romper com velhos e cristalizados paradigmas. Libertando-nos de
preconceitos, mitos e tabus que marcam nossa existência, um movimento que
parte do nosso eu, toca-o no seu mais profundo, no real e total, e ao tocá-lo re-
significa-o, transforma-o para em seguida tocar e transformar o outro, num
processo de transformação que ocorre dinamicamente e passa por uma trilogia
em que vou compreendendo a mim mesma, a como relaciono-me com o outro
e ao contexto em que estou inserida.
Concordo com Paulo Freire (1992) de que somente um homem
transformado pode contribuir na transformação de outros homens,
sendo
preciso que primeiro desenvolvamos em nós os atributos que sonhamos, que
almejamos para o outro. É preciso que antes tenhamos coerência, amor,
humildade, afetividade, ética, estética. Que antes de desejar ver essas
qualidades em nossos educandos, as tenhamos nós próprios, porque
55
passamos ao outro aquilo que somos e em que acreditamos, não apenas o
discurso que proferimos.
Quando nos transformamos desconstruímos os velhos paradigmas e
passamos a duvidar daquilo que até então nos parecia certo, colocando-nos
numa atitude de abertura frente ao conhecimento que é renovável e dinâmico,
por isso mesmo, inacabado tal qual s, seres humanos. Uma atitude que
desenvolve em nós a capacidade de questionar e percorrer o caminho da
autonomia.
Warschauer (2001) fala sobre a importância da reflexão de nossas
próprias ações para a formação de uma consciência crítica do educador:
Na perspectiva da autoformação [...], que tem o objetivo
emancipatório de conscientização e de autonomização, trata-se
de um engajamento mais ativo do sujeito em sua formação, o
que se justamente ao associar pesquisa e formação, num
suporte epistemológico que inclui o pesquisador na própria
pesquisa, ao mesmo tempo em que o sujeito se investe, ele
próprio, no poder sobre sua formação (Warschauer, 2001, p.
197).
Ao refletir sobre nosso processo de formação temos a oportunidade de
rever os valores e crenças que carregamos e percebemos o reflexo que têm
em nossa ação concreta e educativa.
Em suma, nosso entendimento acerca do sentido da transformação
social passa pela essência do ser humano. A este ser humano é preciso que se
possibilitem as condições, não mínimas, mais suficientes de existência digna
para que ele desenvolva os atributos de humanização, ou seja, que ele possa
alcançar o que Paulo Freire (1979) chama de “Ser Mais”.
56
E o caminho que vislumbramos para uma efetiva transformação da
sociedade, é o caminho da humanização, é o resgatar da sensibilidade
humana, capaz de sobrepujar-se à insensibilidade social, é preciso que
educação e educadores resgatem a capacidade de afetar em seu sentido
etimológico, de “afetar” o outro.
Em Pedagogia do Oprimido, escrita pelo educador Paulo Freire mais
de duas décadas, compreendemos que é preciso arrancar a opressão de
dentro do oprimido, compreendendo que oprimido é toda pessoa cuja liberdade
esteja sendo coagida impedindo sua realização enquanto sujeito, arrancando-a
ao mesmo tempo de dentro do opressor, ou seja, é tão necessário humanizar o
oprimido quanto o opressor, pois ambos possuem a mesma essência de
humanidade.
Os homens, violentando e proibindo que os outros sejam, não
podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-
lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a
humanidade que haviam perdido no uso da opressão.
Por isto é que, somente os oprimidos, libertando-se, podem
libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprime, nem
libertam, nem se libertam (Freire, 1979, p. 46).
Tendo em mente estas metas e ideais, no próximo capítulo
apresentaremos a experiência do Projeto Formação Carapicuíba, sua
organização pedagógica e humana, sua práxis, a constituição de seu grupo de
educadores e a relação destes com os educandos e com a comunidade.
Vamos juntos conhecer a práxis dos educadores que realizam esse trabalho de
educação sócio-comunitária e mergulharemos na visão de mundo dos
educandos, buscando compreender o processo formativo que pode ocorrer ao
desenvolvermos uma prática pedagógica libertadora.
57
CAPÍTULO 2
CO-GESTÃO: DESAFIOS DA PRÁTICA
Neste capítulo apresentaremos a prática de Educação Sócio-
Comunitária desenvolvida no Projeto Formação Carapicuíba. Faremos uma
viagem em seu interior, percorrendo suas entranhas e conheceremos seus
integrantes, os atores sociais que dão vida e alma ao espaço.
Groppo (2006), analisando a prática da educação sócio-comunitária traz
sua contribuição ao nosso entendimento:
A educação sócio-comunitária também é utópica, ou melhor, é
em parte uma possibilidade. Trata-se da possibilidade de
construção de novas experiências e ações educacionais
fundadas nos princípios societário e comunitário, atentas à
necessidade de produção de sociabilidades comunitárias tanto
quanto de liberdades individuais capazes de viver à margem ou
resistir às lógicas sistêmicas (Groppo, 2006, p.147).
Tendo como base esta afirmação, e acreditando que a prática analisada
representa uma forma de resistir aos modelos hegemônicos impostos pelo
sistema capitalista, que pretende ditar um modo de vida e de estar no mundo,
vamos em busca de compreender a estrutura de vida dos educandos e da
comunidade em questão, porque acreditamos ser importante para o nosso
trabalho analisar a estrutura social que determina as condições de vida e está
presente na forma como os meninos e as meninas que formam o projeto
pesquisado interagem entre si e em sociedade.
58
2.1 Como nasceu o Formação Carapicuíba
O Município de Carapicuíba fica situado nas proximidades da Capital do
Estado de São Paulo, a aproximadamente 23 km da Praça da Sé – Marco Zero
e pertence à primeira Região Administrativa da Grande São Paulo, numa
área de 34 quilômetros quadrados.
Tendo características de cidade dormitório, a cidade possui poucas
indústrias e um pequeno centro comercial. Sua localização é favorecida tendo
como acessos principais as rodovias Presidente Castelo Branco ao norte,
Raposo Tavares ao sul e a Avenida dos Autonomistas a leste (Osasco). A nova
obra do Governo do Estado, o Rodoanel rio Covas interliga a cidade a
quase todas as demais rodovias que cortam o Estado, bem como às marginais
Tietê e Pinheiros.
Segundo o IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
conforme consta no site www.carapicuiba.sp.gov.br, Carapicuíba possui uma
população de aproximadamente 550.000 habitantes, sendo que dentre esta
população 17.659 recebem menos de um salário nimo, 17.862 recebem até
01 salário mínimo e 31.296 recebem de 01 a 02 salários mínimos. Grande
parte desta população encontra-se em situação de pauperização, com
significativo índice de desemprego e é demandatária de assistência social em
um patamar acima do que a rede instalada pode absorver. A cidade, deste
modo, possui entre os seus indicadores sociais, crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, vivendo em risco pessoal e social necessitando de
atenção em seu cotidiano. No que tange à educação, a taxa de analfabetismo é
de 1,75%, e 84,3% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão freqüentando a
59
escola, apontando que 13,98% estão fora da escola. A população jovem na
faixa etária de 15 a 24 anos representa 21,7% da população total. Chama a
atenção, a taxa de mortalidade por causas externas de jovens, que é de
27,55%.
O quadro da mortalidade de jovens, no município de Carapicuíba,
aponta para o problema da violência na periferia, mostrando uma das faces da
desumanização do ser, tratada neste trabalho.
Com relação à oportunidade de trabalho, segundo a Secretaria Municipal
do Trabalho, o município tem em torno de 39 indústrias e 400 comércios
inscritos na Associação Comercial, identificando maior vocação para o setor
secundário.
Dentro desta realidade, nasceu o Formação Carapicuíba, a princípio
como um trabalho “caritativo”, assistencialista, organizado por voluntárias que,
três vezes por semana desenvolviam atividades lúdicas e serviam alimentação
para a criançada nas proximidades do lixão da cidade. Estas informações
foram levantadas a partir de análise de documentos antigos, do Formação
Carapicuíba, tais como: relatórios de eventos e álbuns de fotografia.
Analisando os documentos mencionados, percebemos que as pessoas
que iniciaram as atividades eram senhoras acima de 40 anos de idade,
pertencentes à elite social, residentes no condomínio residencial AlphaVille, um
condomínio de luxo no qual residem artistas, empresários, entre outros, e na
grande maioria professavam o espiritismo
como fé religiosa, levando-nos a
perceber uma motivação de ordem interna.
60
Dentre essas pessoas identificamos a esposa do presidente do Grupo
Orsa, o principal instituidor da Fundação Orsa, e a esposa do presidente da
Fundação. Durante nossa permanência na instituição, fomos percebendo que a
sensibilidade para com os problemas da comunidade local, associada ao fato
de estar a Fundação sediada no município, foram os fatores decisivos que
levaram à implantação do Formação Carapicuíba.
A Fundação Orsa foi criada em 1994 e possui sede em Carapicuíba/SP
e em Monte Dourado/PA, realizando ações de abrangência nacional, avalizado
pelas empresas do Grupo Orsa que investem 1% de seu faturamento bruto
anual na Fundação. Pertence ao Grupo Orsa, um conglomerado empresarial
com capital 100% brasileiro e presença nos estados de São Paulo, Goiás, Pará
e Amazonas. Com sede no Alphaville/SP, o Grupo controla as organizações
atuantes em diversos setores: a Orsa Celulose Papel e Embalagens, a Jarí
Celulose e a Fundação Orsa - além da Orsa Florestal (dedicada à investigação
de novas atividades visando ao desenvolvimento sustentável na Amazônia,
operando em sinergia com a Jarí e a Fundação). O grupo registra um
faturamento anual de U$$ 350 milhões, responde por seis mil empregos diretos
e indiretos e tem atuação destacada no setor de celulose, papel para
embalagens, chapas e embalagens de papelão ondulado, como o terceiro
maior produtor integrado do mercado. (Balanço Social, 2002)
Trabalha com diversos projetos abrengendo as áreas social, educacional
e de saúde, dentre os quais encontra-se o Formação que possui onze unidades
estrategicamente localizadas nas regiões em que estão as fábricas do Grupo e
a sede da Fundação, além de uma unidade no bairro do Glicério em São Paulo.
61
Identificamos como marco histórico do Formação Carapicuíba o
fechamento do Lixão da cidade, ocorrido após negociações da Fundação Orsa
com a Prefeitura Municipal, em 1999, no qual dezenas de crianças e
adolescentes escavavam as migalhas para saciar suas fomes e sobreviver.
Uma população pauperizada pelo descaso gerado pela ascensão do
capitalismo global que aumenta dia-a-dia a geografia da exclusão.
A partir de então, a Fundação Orsa investe no atendimento dessa
população, instalando uma unidade de educação não-formal, o Formação
Carapicuíba, no município. Localizada à Avenida Deputado Emílio Carlos, 620,
bairro Santa Terezinha, a unidade que ocupa o mesmo terreno (chácara) no
qual estão instaladas as dependências da sede, conta com um prédio com
quatro salas (sendo duas medindo cerca de 30 metros quadrados cada, e duas
medindo cerca de 15 metros quadrados), possui ainda um galpão coberto com
aproximadamente 100 metros quadrados e um prédio menor com uma sala na
qual funciona o laboratório de informática. O espaço externo da unidade conta
com um pequeno campo de futebol que foi conquistado com a participação
muito ativa dos próprios educandos.
Com referência à manutenção da unidade, constatamos que nos
primeiros anos de fundação, praticamente 100% dos recursos aplicados
vinham da própria Fundação Orsa, contando com uma carteira muito pequena
de doadores. Somente a partir de 2004 é que a unidade passa a contar com
diversos parceiros entre os quais voluntários e financiadores e passa então a
buscar sua autonomia financeira, embora continuasse contando com o recurso
semente, como se denomina o montante aplicado pela sede.
62
O orçamento financeiro da unidade, somente para o exercício de 2006,
foi estimado em R$550.000,00 (quinhentos e cinqüenta mil reais). O trabalho
passou então a contar com uma sistematização e organização pedagógica,
contando com educadores e pessoal de apoio e administrativo.
Um rápido olhar sobre o histórico do Formação Carapicuíba nos leva a
perceber seu crescimento, tanto quantitativo como qualitativo, segundo os
registros mais antigos encontrados verificamos que no início, quando o trabalho
era realizado apenas por pessoas voluntárias, eram atendidos cerca de 30
crianças entre sete e 10 anos, sendo que esses primeiros participantes eram
trazidos do lixão até à sede da fundação, na qual aconteciam as atividades. A
partir daí houve uma grande procura por vagas e tão logo o projeto se constitui
como uma unidade de atendimento em educação não-formal, passou a receber
também, encaminhamentos do Conselho Tutelar do Munipio, de crianças e
adolescentes em situação de risco. Vale ressaltar que em 2001 eram 60
crianças, entre sete e 12 anos, matriculadas, evoluindo para 80 em 2002, ano
em que tiveram início as atividades com os adolescentes de 13 a 18 anos.
Em 2002 havia uma lista de espera por vaga para entrar no projeto
com mais de 200 inscritos, sendo que o tempo de espera era estimado em dois
anos.
Os educandos somente se desligavam do projeto ao completar a idade
de 18 anos e muito raramente aconteciam desligamentos por mudança da
família, quadro que sofre uma alteração a partir de 2005 quando se dá início ao
Grupo Geração Aprendiz que encaminha jovens a partir de 16 anos de idade
para o primeiro emprego, quando então passa a haver uma maior rotatividade
no grupo dos mais velhos.
63
Assim, o trabalho educativo deste projeto acredita num aprendizado
construído de forma coletiva e interativa, no qual a prática e a teoria caminham
de mãos dadas, incentivando o desenvolvimento da solidariedade, da
transparência, da co-responsabilidade, ao encontro da autonomia e da
emancipação de seus sujeitos.
Longe de atingir a plenitude de sua realização, o trabalho em questão
apresenta uma série de problemáticas e o exercício complexo, não linear, na
busca de soluções e de avanços.
2.2 A organização da educação sócio-comunitária no projeto
A princípio, como mencionamos anteriormente, o atendimento
oferecido tinha o intuito de levar recreação e alimentação a crianças de sete a
dez anos. Com o passar do tempo e o aumento da qualidade do trabalho,
passou-se a atender a faixa etária de seis a dezoito anos, e os grupos
passaram a ser organizados de acordo com as idades.
A organização do trabalho pedagógico foi uma construção coletiva dos
diversos educadores sociais que atuam nas unidades de educação não-formal
da Fundação mantenedora. Desde os nomes das ações, até as metodologias e
práticas, tudo foi exaustivamente discutido no coletivo dos educadores antes de
ser implantado, como veremos nos próximos parágrafos.
Assim, foram organizados três grupos ou subprojetos. O primeiro,
denominado Criança Ativa, voltado para o atendimento de crianças de 6 a 11
anos, o segundo, atendendo pré-adolescente de 12 a 14 anos, denominado
64
Estação Adolescer e o terceiro, Jovens Ideais, voltado para o atendimento de
adolescentes e jovens de 14 a 18 anos de idade. No resumo do projeto político
pedagógico da Unidade, vamos encontrar a síntese da proposta pedagógica
para cada grupo:
O Grupo Criança Ativa vem ao encontro das necessidades pré-
diagnosticadas na Cidade de Carapicuíba, que compreende
crianças que não possuem espaços para desenvolvimento de
cultura e ludicidade, por isso permanecem nas ruas e
consequentemente diretamente expostos à marginalidade.
Direcionado para crianças na faixa de 07 a 11 anos, esse
grupo desenvolve atividades nas áreas de arte educação,
saúde coletiva, meio ambiente e defesa de direitos, oferecidas
de segunda a sexta-feira no período complementar a escola.
(Projeto Político Pedagógico – Criança Ativa: 2004 p.3).
Este Grupo (o Estação Adolescer) visa o atendimento de 40
pré-adolescentes em situação de risco social, com idade entre
12 e 14 anos, moradores do município de Carapicuíba – SP.
Propõe-se a oferecer diariamente, em horário alternado ao
período escolar oficinas de: Artes, Educação Ambiental, Leitura
e escrita, Defesa de direitos, visando à promoção de
competências e habilidades.
(Projeto Político Pedagógico – Estação Adolescer: 2004, p. 3).
O Grupo “Jovens Ideais” objetiva contribuir para a ampliação
do repertório social, num processo de desenvolvimento dos
adolescentes abordando as seguintes temáticas:
Empreendedorismo, Protagonismo, Formação para o mundo
do trabalho por meio de oficinas pedagógicas, Participação em
eventos culturais, Cursos específicos, Participação em eventos
municipais e estaduais sobre Garantia de direitos.
(Projeto Político Pedagógico – Jovens Ideais, 2004, p. 3).
Além do resumo da proposta, o Projeto Político Pedagógico apresenta
os objetivos, geral e específicos, referentes ao trabalho de educação sócio-
comunitária desenvolvido com cada grupo etário. Ao analisá-los podemos
perceber que existe uma ampliação das formas de atuação em relação à
65
educação formal. Nesses objetivos vamos encontrar o currículo da educação
desenvolvida por este projeto, daí a relevância de apresentá-los aqui em sua
íntegra. Assim, transcrevemos do Projeto Político Pedagógico da Unidade:
Os objetivos do trabalho com o Grupo Criança Ativa:
Geral
Promover o desenvolvimento de competências intelectuais,
sociais e físicas por meio do brincar.
Específicos
Atender 40 crianças na faixa etária de 7 a 11 anos
Resgatar e valorizar a identidade cultural estimulando a
criatividade, as potencialidades e as habilidades individuais
num processo de sensibilização artísticas.
Promover ões educativas relacionadas à saúde individual e
coletiva, favorecendo a utilização dos serviços voltados para
prevenção e recuperação da saúde.
Contribuir com o desenvolvimento sadio e harmonioso em
condições dignas de existência.
Otimizar o sentido das coisas a partir da vida cotidiana,
promovendo a consciência e a cultura da paz.
(Projeto Político Pedagógico – Criança Ativa, 2004, p. 4).
Os objetivos do trabalho com o Grupo Estação Adolescer:
Geral
Promover competências e habilidades intelectuais, sociais e
físicas articulando formas de atuação local.
Específicos
Resgatar e valorizar a identidade cultural ampliando sua
concepção de arte, por meio de produção cultural.
Basear as ações de estimulo a leitura pelo viés do prazer, da
curiosidade, da criticidade e da significação.
66
Informar e promover condições de acesso à rede de serviços
de proteção integral a criança e ao adolescente.
Promover e incentivar o engajamento de crianças e
adolescentes, resgatando o sentimento de pertencer à
comunidade.
(Projeto Político Pedagógico – Estação Adolescer, 2004, p.4).
E os objetivos do trabalho com o Grupo Jovens Ideais:
Geral
Contribuir para a ampliação do repertório social, estimulando o
protagonismo, o empreendedorismo e a compreensão do
mundo do trabalho, com ênfase no desenvolvimento humano
sustentável.
Específicos
Estimular a consciência e o reconhecimento do valor da
comunicação social, através da análise do impacto na vida
cotidiana, oportunizando o acesso e a utilização de ferramentas
tecnológicas.
Promover a compreensão sobre fatores relacionados à saúde
individual e coletiva, proporcionando a disseminação da
informação de cunho interativo.
Identificar e potencializar talentos, oportunizando o
desenvolvimento de competências e habilidades, visando à
inserção e ascensão do jovem no mundo do trabalho.
Contribuir para que os adolescentes exerçam a sua cidadania,
assumindo o papel de agente transformador do meio,
garantindo sua participação social.
(Projeto Político Pedagógico – Jovens Ideais, 2004, p. 4).
A práxis desenvolvida na educação sócio-comunitária analisada, conta
também com uma proposta voltada especificamente para a comunidade
envolvida. Um projeto pensado e executado buscando garantir às famílias a
possibilidade de acompanhar o desenvolvimento de seus filhos.
O Projeto Família Cidadã, como é denominado este trabalho, possui a
proposta de contribuir para o fortalecimento social, econômico e político das
67
famílias das crianças e adolescentes que integram o Formação Carapicuíba. É
um trabalho desenvolvido por meio de oficinas, palestras e cursos, visando não
somente capacitar as famílias para o empreendedorismo na busca por
conseguir melhores rendas financeiras, como também a realização de reuniões
para discussão de questões do cotidiano da própria comunidade, com o
objetivo de construir propostas para um projeto coletivo de desenvolvimento
local. São realizados encontros temáticos sobre saúde, trabalho, direitos e
políticas públicas. Também são oferecidos atendimentos de orientação ás
famílias para encaminhamento de suas necessidades específicas.
No Projeto Político Pedagógico da Unidade, encontramos descrito o
trabalho com a comunidade, definindo como objetivos a serem alcançados:
Geral
Implementar ações que proporcionem oportunidades de
desenvolvimento humano sustentável das famílias e
comunidade, favorecendo a participação social, a conquista de
autonomias para atuar no processo de transformação do meio
em que vivem.
Específicos
Promover ações continuadas de garantia de direitos na
comunidade, estimulando o fortalecimento dos vínculos
familiares, sociais e a participação em projetos coletivos.
Promover ões que contribua com o processo de
desenvolvimento das potencialidades, estimulando o
empreendedorismo e o envolvimento dos familiares em
atividades sócio-educativos.
Estimular e apoiar ações educativas de promoção, manutenção
e recuperação da saúde, considerando a realidade local do
público-sujeito.
Estimular e promover ações que apoiem o protagonismo
comunitário e o desenvolvimento sustentável estabelecendo
sinergia entre os projetos da Fundação Orsa e a rede social
local.
(Projeto Político Pedagógico – Família Cidadã, 2004, p. 4).
68
Ao apresentarmos as citações acima, transcritas do Projeto Político
Pedagógico da unidade de educação sócio-comunitária pesquisada,
percebemos no vocabulário utilizado, a presença da ideologia neoliberal. Como
educador crítico, que ao aprender a ler o mundo e escrever sua leitura de
mundo, rompendo com a visão ingênua e assumindo um papel transformador
na sua prática, reconhecemos que as palavras que aparecem, são grávidas de
significado, passando uma visão de sociedade e de homem. Entretanto,
identificamos que a práxis libertadora, cujas concepções encontradas em Paulo
Freire embasam este trabalho, podem ser reconhecidas na prática dos
educadores.
2.3 O perfil da comunidade
A periferização de comunidades excluídas socialmente dos grandes
centros urbanos expõe os indivíduos que as formam a um comprometimento de
sua integridade bio-psico-social. Neste sentido busco Graciani (2001), que
corrobora com esta afirmação ao apontar que:
O que se é uma “espoliação urbana, definida como a
somatória de extorsões que se operam através da inexistência
ou precariedade dos serviços coletivos, que aliada aos
problemas do acesso à terra e habitação, se apresenta como
elemento vital para a sobrevivência na cidade; reproduzindo
uma herança social e econômica que perpetua as
desigualdades” (Graciani, 2001, p. 21).
Os educandos do projeto estudado são oriundos de famílias que residem
nas vielas e área livre dos Bairros Santa Terezinha, Vila Caldas, Vila Gustavo
69
Correia e Jd. Veloso, no município de Carapicuíba. Vivem com condições
precárias de saneamento e de acesso a serviços de saúde. Um Estudo de
Viabilidade Social desenvolvido pelo Formação, demonstra que a maioria das
famílias é proveniente dos estados do Nordeste e Sudeste, com média de
renda de um a dois salários mínimos e grande parte não terminou o ensino
fundamental
3
. Geograficamente estas famílias, em grande parte, residem em
casas construídas entre a linha do trem da CPTM (Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos) e a Avenida dos Autonomistas, uma autopista bastante
movimentada, dado considerado relevante se levarmos em conta que as
crianças e jovens ficam sem espaço de lazer, sendo que as brincadeiras como
andar de bicicleta e patins, soltar pipa, jogar bola, geralmente acontecem na
passarela da estação do trem.
Das famílias atendidas, observamos em gráficos da pesquisa acima
citada que 28% residem em área livre, 16% dos endereços residenciais são
ocupados por média de três famílias e 20% das residências possuem entre um
e dois cômodos. Quanto à renda familiar, a pesquisa aponta que 22% das
famílias vivem com um salário mínimo, 5% com menos de um salário mínimo,
19% com dois salários mínimos e apenas 2% com cerca de três salários
mínimos. Dados sobre a composição familiar mostram que 28% dessas
famílias têm de quatro a cinco membros, 14% de seis a sete membros, e 11%
de dois a três componentes.
A seguir anexamos os gráficos, resultado da Pesquisa de Viabilidade
Social realizada junto à população atendida pelo Formação Carapicuíba.
3
Dados extraídos do Projeto Político Cultural do Formação Carapicuíba
70
FUNDAÇÃO ORSA
PERFIL DAS FAMÍLIAS DO FORMAÇÃO CARAPICUÍBA
Composição Familiar
59 famílias entrevistadas
11
28
14
4
2
0
5
10
15
20
25
30
2 a 3 4 a 5 6 a 7 8 a 9 +10
de Pessoas na família
Qtde de Famílias
2 a 3
4 a 5
6 a 7
8 a 9
+10
Gráfico 1 – Número de pessoas por família
Fonte: Estudo de Viabilidade Social - Projeto Político Pedagógico 2005
FUNDAÇÃO ORSA
PERFIL DAS FAMÍLIAS DO FORMAÇÃO CARAPICUÍBA
Composição Familiar
59 famílias entrevistadas - 282 Pessoas
92
93
25
54
30
8
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 + 50
Faixa Eria
de Pessoas
0 a 10
11 a 20
21 a 30
31 a 40
41 a 50
+ 50
Gráfico 2 – Faixa etária dos componentes das famílias
Fonte: Estudo de Viabilidade Social - Projeto Político Pedagógico 2005
71
FUNDAÇÃO ORSA
PERFIL DAS FAMÍLIAS DO FORMAÇÃO CARAPICUÍBA
Renda Familiar
59 famílias entrevistas
5
22
19
2
3
31
32
0
5
10
15
20
25
30
35
- 1 salário
mínimo
1 salário mínimo
2 sa
ri
os
m
í
ni
m
o
3 sa
ri
os
m
í
nimo
+ 3
sa
l
ários
mínimo
For
m
al
I
nf
or
m
al
Salário
Situação de Trabalho
8 famíliaso possue renda
10 famílias onde 1 pessoa tem trabalho formal e 1 pessoa trabalho informal
Qtde de famílias
- 1 salário
mínimo
1 salário
míni mo
2 salários
m ínimo
3 salários
m ínimo
+ 3 salários
m ínimo
Formal
Informal
Gráfico 3 – Composição da renda familiar
Fonte: Estudo de Viabilidade Social – Projeto Político Pedagógico 2005
FUNDAÇÃO ORSA
PERFIL DAS FAMÍLIAS DO FORMAÇÃO CARAPICUÍBA
Habitação - Situação de Moradia
59 famílias entrevistadas
28
17
8
6
52
7
20
27
11
16
8
3
9
0
10
20
30
40
50
60
área livre
imóvel
próprio
im
ó
vel
alug
a
do
i
móve
l
ced
i
do
A
lven
aria
Ma
dei
r
a
1
a
2
m.
3 a 4 côm.
5
a
6
m.
2
a
3
fam.
4 a
5
fam.
6
a
7
fam.
8
4 f
am.
Situação de moradia
Tipo de construção
Qtde demodos
Nº de famílias res identes no mesmo ende reço
Nº de Famílias
área
livre
imóvel
próprio
imóvel
alugado
imóvel
cedido
Alvenari a
Madeira
1 a 2m.
3 a 4m.
5 a 6m.
2 a 3 fam.
4 a 5 fam.
6 a 7 fam.
84 fam .
Gráfico 4 – Situação de Moradia
Fonte: Estudo de Viabilidade Social – Projeto Político Pedagógico 2005
72
Como metodologia do trabalho com as famílias, destacamos o
atendimento individual com orientações, visitas domiciliares realizadas pelo
serviço social e várias vezes pelos educadores sociais, além de
encaminhamentos a recursos do município como conselhos tutelares e de
direitos, postos de saúde, centro de formação, entre outros
.
Mensalmente eram
realizadas reuniões em grupo, geralmente organizados conforme o bairro em
que residem, e nestas reuniões priorizava-se temas como cidadania, direitos
humanos, violência, entre outros, sendo que muitos destes temas foram
levantados durante as palestras realizadas. Um outro ponto forte que podemos
apontar no trabalho com a comunidade do Formação Carapicuíba, trata-se das
oficinas de geração de renda e trabalhabilidade
4
, desenvolvidas
periodicamente de acordo com os interesses e as condições locais.
Ainda dentro da metodologia do trabalho voltado para adultos e jovens
da comunidade, destacamos o “Alfabetizar”. Iniciado em 2005 e desenvolvido
com o voluntariado corporativo, esta atividade acontecia três vezes por
semana, durante duas horas. Nos dois primeiros anos, 24 educandos
participaram e, além das aulas de alfabetização, participaram também de
palestras com temas como orçamento familiar, meio ambiente e violência
doméstica. Vale a pena destacar que os educandos do “Alfabetizar” eram avós,
tios, mães e pais de muitos dos educandos e o espaço utilizado era o mesmo
das crianças e jovens, só que no horário noturno.
O voluntariado corporativo faz parte das estratégias da chamada
Responsabilidade Social, retomaremos este assunto no próximo capítulo.
4
O termo trabalhabilidade faz parte dos termos utilizados pela política neoliberal para projetos de geração
de renda em atividades informais
73
2.4 Os desafios da prática da Educação Sócio-comunitária
O objetivo deste item do nosso trabalho é retornando aos primeiros
contatos que tivemos com o projeto estudado, em junho de 2003, percebermos
e analisarmos o percurso feito, identificando avanços, obstáculos, retrocessos.
Importante e oportuno salientarmos que nosso trabalho apresenta um
recorte espaço-temporal e nos coloca como pesquisadora-participante ao
apresentar a experiência vivida.
Voltando aos primeiros dias em que atuamos no Formação
Carapicuíba, vamos encontrar três educadores sociais, um de artes plásticas,
um de teatro e um generalista, com formação em pedagogia. Os educadores
de artes atuavam duas vezes por semana cada um, sendo que apenas o
pedagogo vinha de segunda a sexta-feira no período integral.
Todos os espaços da unidade eram fechados com chaves, incluindo
armários, e o “molho” das chaves ficava pendurado por uma corrente no
pescoço da educadora durante todo o tempo da permanência dos educandos.
Os educandos faziam duas refeições por dia no projeto, e nestes
horários, para irem do prédio no qual funcionavam as salas das oficinas
5
até o
refeitório, andavam em filas por ordem de idade. No refeitório todos
continuavam em fila seguindo a mesma seqüência com que haviam feito o
percurso e eram servidos pelas funcionárias da cozinha.
Durante o tempo utilizado para as refeições, os educadores que
estivessem presentes naquele dia, ficavam em pé, andando de um lado para o
outro do refeitório, observando o movimento. Caso os educandos desejassem,
5
Oficinas é como denominamos as aulas, na educação sócio-comunitária ou não-formal, por terem forte
caráter prático.
74
era permitido repetição, sendo que a funcionária ficava aguardando até que
todos terminassem de comer.
Conforme os educandos iam terminando, levavam os pratos e os
talheres para os locais devidamente dispostos para isso e retornavam aos seus
lugares aguardando a autorização dos educadores para, novamente em fila,
retornarem ao espaço das atividades.
Em Foucault (1987) identificamos algumas características encontradas
nos nossos primeiros contatos com o projeto. Embora trabalhando na
educação o-formal, a disciplina do corpo estava presente nas atitudes
concretas dentre as quais destacamos a “fila”, levando-nos a perceber que o
micro-poder fora estabelecido como forma de manter a disciplina,
condicionando e segmentando os educandos.
As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as
“fileiras” criam espaços complexos: ao mesmo tempo
arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que
realizam a fixação e permitem a circulação; recortam
segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias;
marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos
indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos
gestos. São espaços mistos: reais, pois que regem a
disposição de edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois
projetam-se sobre essa organização, caracterizações,
estimativas, hierarquias.
(Foucault, 1987, p.135)
Percebemos assim, que a transposição da educação bancária para a
educação libertadora é um processo que o ocorre sem esforço e para o qual
é imprescindível o comprometimento dos educadores, o que nos remete a
Freire (1996) ao afirmar que a prática pedagógica necessita de uma formação
e de uma prática crítica, a qual não é possível chegar sem a necessária
reflexão sobre a ação.
75
É este mesmo autor que nos fala da coerência da prática educativa, para
a qual o educando não pode ser tido ou considerar-se objeto de um
determinado sujeito, mas que deve ser o sujeito da sua própria formação,
construindo-a passo a passo, pois embora haja uma diferença entre o
educador e o educando, é preciso que ambos tenham ciência e clareza de que
tanto quem se forma pode formar o ser formado, quanto aquele que forma se
re-forma e se forma ao formar (Freire, 1996).
Ao retornarem ao espaço e após fazerem a higiene pessoal, os
educandos sentavam-se em círculo num grande galpão, no qual realizavam a
roda, por meio da qual eram passados os informes do dia, e em seguida cada
grupo seguia com o educador para a oficina.
A metodologia da roda é uma prática pedagógica extremamente
enriquecedora e imprescindível para consolidação da educação como prática
de liberdade, pois a palavra dita rompe o silencio opressor. No trabalho
educativo pesquisado, a roda ainda era realizada apenas de modo informativo,
não havendo atingido ainda seu ápice como roda formativa, estratégia para a
vivência da democracia. Sim, porque na fundamentação desse exercício, a
roda, não existe hierarquias, todos se encontram na mesma posição, todos
podem se ver, e o grupo vai, pouco a pouco, se apropriando desse espaço
como espaço de construção de conhecimento.
Warschauer corrobora com essa reflexão ao afirmar que:
A roda é uma construção própria de cada grupo. Porém, isso
não impede de refletirmos sobre algumas de suas
características e implicações. Constitui-se num momento de
diálogo, por excelência, em que ocorre a interação entre os
76
participantes do grupo, sob a organização do coordenador, o
professor, por exemplo. (Warschauer, 1993, 47)
A figura 2 ilustra a roda de conversa realizada como exercício diário na
unidade de educação estudada.
Figura 2: A Roda de conversa
Fonte: Acervo pessoal – abril/2006
É pela democracia presente no próprio símbolo, na própria imagem,
que esse exercício possibilita ao educando dizer sua palavra, sua visão de
mundo, abrindo ao educador o caminho para, entendendo essa visão, levá-lo a
ampliá-la. A roda foi a primeira formação que o ser humano adotou para seu
desenvolvimento na vida grupal e social de modo que as culturas antigas,
culturas ligadas à terra, perceberam a especialidade da forma circular, pois
elas representam ciclos da natureza: o ritmo das estações; o tempo dos
cultivos; o pulsar dos movimentos do Sol, da Lua, das estrelas e dos Planetas
no céu; o ritmo da respiração e dos batimentos cardíacos; a vida e a morte.
77
O diálogo como fenômeno humano (Freire, 1987), que ocorre nesta
atividade, abre a oportunidade da palavra, remetendo-nos à ação, à práxis.
Recorremos às palavras desse autor para reforçar o valor dessa atividade:
“Se é dizendo a palavra com que, pronunciando o mundo, os
homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo
qual os homens ganham significação enquanto homens”
(Freire: 1987, p.79).
2.5 A Roda de diálogo: derrubando barreiras
Cerca de quinze dias após iniciarmos nossas atividades no
Formação Carapicuíba entramos em uma fase de profundas transformações na
prática educativa.
Naquele momento a unidade não contava com gestores, contando em
seu quadro apenas com os educadores e o pessoal de apoio. Assim, o grupo
era formado pelos seguintes profissionais: dois arte-educadores, sendo um de
artes plásticas e um de teatro; duas pedagogas, o motorista e uma pessoa de
serviços de apoio.
Logo nas primeiras semanas de trabalho fomos convidados para uma
reunião com o presidente da Fundação, que nos falou sobre as propostas do
trabalho educativo e sobre as atividades que aconteciam em outras unidades,
destacando um trabalho denominado “Prefeitura Mirim” que ocorria na região
do Jarí, no norte do país, apresentando seu desejo de que desenvolvêssemos
em Carapicuíba um trabalho semelhante.
Embora tivéssemos entrado em contato com a equipe de técnicos da
sede e fizéssemos contato com as unidades mencionadas, não conseguimos
78
nenhum material teórico que embasasse essa atividade. Na verdade era uma
experiência concreta que ainda não fora sistematizada pedagogicamente.
Nesse ínterim, ainda sem gestores na unidade, nos reunimos em
equipe e iniciamos os primeiros passos, com mudanças que considerávamos
necessárias para a coerência da proposta educativa, sendo que, como primeira
atitude de transformação, abou-se a prática da fila. A partir de então, passamos
a circular entre os prédios, lado a lado, educadores e educandos, conversando
em momentos de informalidade e fortalecimento de vínculos. Como um
processo natural, alguns desciam correndo, faziam piruetas, enfim, soltavam
seus corpos das mais diversas formas, correndo, pulando, saltando. Muitos
concorriam para dar as mãos aos educadores e até mesmo andar abraçados
com eles, colocando as mãos nos ombros ou na cintura do educador.
Essa não foi uma transição tranqüila. A alegria dos educandos era
criticada por funcionários da sede que consideravam absurda a falta de
“organização” e também achavam desrespeito o educando abraçar-se ao
educador, enfim, a transição foi mais difícil porque a diferença podia ser vista
por todos e a alegria dos meninos e das meninas chegava a “incomodar
algumas pessoas, evidentemente por não entenderem o processo educativo
que estava em implantação.
Em seguida ao fim das filas, iniciamos a mudança na dinâmica do
refeitório. Agora os educandos passavam a servir-se, escolhendo o que e o
quanto colocarem em seus pratos e escolhendo ao lado de quem sentariam.
Uma mudança que chocou algumas pessoas da área administrativa, mais que
causou um tremendo crescimento na auto-estima de todos os educandos.
79
Começávamos assim, neste processo, o caminho para a construção da
autonomia de cada educando.
Entre o prédio do Formação e a sede da Fundação havia uma
espécie de “apartheid” explicitado, uma cerca de arame e alambrado definindo
o espaço dos educandos, pelo qual poderiam transitar e brincar, e o espaço do
pessoal administrativo.
Sentindo-se incomodados pela imagem que a cerca passava a
respeito do processo educativo que ocorria na unidade, os educadores
solicitaram para a administração central que fosse retirado o alambrado, o que
foi prontamente atendido sem nenhum problema.
E, numa segunda-feira, ao chegarem ao projeto, os educandos não
encontraram mais a cerca, e isso foi motivo de celebração e sentimento de
liberdade, assunto tratado na roda que, a essa altura, começava a buscar a
prática formativa.
2.6 Co-Gestão: vivenciando a Formação Política com a Prefeitura Mirim
A participação social e a formação política são dois aspectos que cada
vez mais vêm se revelando como estratégias de emancipação e autonomia do
cidadão que deseja compreender a sociedade e perceber-se como agente
constituidor e transformador de realidades. A consciência sobre tão poderosa
capacidade individual torna-se ainda mais eficiente quando despertada ainda
na infância e na adolescência.
80
Sentindo a necessidade de trabalhar a dimensão político-social da
educação junto às essas crianças e jovens, iniciamos o desenvolvimento do
projeto “Participação Social e Formação Política”, levando em consideração a
necessidade de transformação das práticas educacionais, valorizando o
exercício da cidadania e a preparação do educando para a vida.
Desta forma, abriu-se a possibilidade de efetivar a participação dos
educandos como co-responsáveis do processo educativo da unidade, para o
que criamos uma coordenação mirim que co-participa de toda a gestão da
unidade por meio da “Prefeitura Mirim”. Anualmente, há num processo de
eleições no qual cada sujeito (criança ou adulto) tem direito a um voto nas
urnas. Num processo similar às eleições brasileiras, cada participante da
unidade (educando, educador e pessoal de apoio) faz sua escolha entre
aqueles que foram lançados como candidatos pelo próprio grupo.
Figura 3: O Educando-eleitor em momento de votação
Fonte: Acervo Pessoal – abril/2004
Os eleitos têm um mandato de um ano para trabalhar nos cargos e são
avaliados e acompanhados, pelos próprios colegas e pelos educadores, por
81
meio de assembléias de prestação de contas e levantamento de propostas.
Essas assembléias proporcionam aos educandos o desenvolvimento de
habilidades de comunicação, trabalho em grupo, relação interpessoal, decisão,
responsabilidade, entre outras não menos importantes.
Figura 4: Prefeita-mirim e secretários realizam oficina sobre ECA -
Estatuto da Criança e do Adolescente
Fonte: Acervo Pessoal/2005
Após três anos de desenvolvimento, esse projeto tornou-se uma das
mais importantes práticas pedagógicas utilizadas pelos educadores, possuindo
uma intencionalidade bastante clara: a formação política e o desenvolvimento
do espírito de participação. A experiência democrática é vivenciada em
plenitude, pois todos os assuntos são decididos coletivamente pelo voto, de
igual valor tanto para educadores quanto para educandos.
82
Figura 5: Secretários-mirins e Suplentes participam
De reunião na Câmara Municipal de Carapicuíba
Fonte: Acervo Pessoa – 2006
Como fonte fomentadora podemos citar as experiências educativas que
ocorrem em algumas escolas não-diretivas estudadas, destacando, em
particular, a Escola de Summerhill e a Escola da Ponte, mencionadas no
primeiro capítulo dessa dissertação.
Para que ocorram as transformações necessárias à educação é preciso
trabalhar, com igualdade de importância, duas dimensões: as idéias e as
ferramentas para torná-las realidade. Neste sentido, o desenvolvimento deste
projeto proporcionou a toda equipe envolvida um desenvolvimento harmonioso
dessas duas dimensões, além de potencializar a concretização dos princípios
metodológicos do Programa Formação:
Da relação dialogal entre o educador e o educando. Uma
relação democrática, crítica e autêntica no diálogo e
compromisso mútuo entre educador e educando, eixo de
sustentação do processo educativo, o método de trabalho e
a própria reflexão.
Da atividade planejada, na qual a ação é estratégia para se
alcançar o resultado.
83
Da otimização dos recursos, onde todos os espaços e
atividades constituem-se momentos e oportunidades de
formação integral do educando.
Do educador coletivo que compreende a aprendizagem
como um processo que ocorre na relação de todos os
sujeitos envolvidos.
(Extraído do Projeto Político Pedagógico da Unidade)
Acreditamos e buscamos um aprendizado construído de forma coletiva e
interativa, no qual a prática e a teoria caminhem de mãos dadas, incentivando
o desenvolvimento da solidariedade, da transparência, da co-responsabilidade,
da autonomia e a organização de estratégias e políticas que possibilitem ao
educando ser o sujeito de sua própria formação.
O projeto “Participação Social e Formação Política” privilegia o resgate
da identidade dos sujeitos nele envolvidos. Nele, cada educador tem claro no
plano pessoal e institucional os objetivos a serem alcançados e, por terem
engendrado o projeto em comum, compreendem e comungam da idéia. Por
conseguinte, percebem a relação ação-resultado, o que mantém a motivação.
O objetivo central da proposta é oportunizar aos educandos a vivência
da democracia e o exercício da cidadania, garantindo uma formação política e
educacional que os levem a transformar sua própria realidade.
E dentre os objetivos específicos podemos destacar: promover a
consciência para a participação social, criando um sentido de comunidade
entre os integrantes do grupo e levando-os a perceber que não existirão
resultados ou mudanças sociais sem a participação da própria comunidade;
potencializar talentos, oportunizando o desenvolvimento de lideranças como
ferramenta para a formação da responsabilidade individual e coletiva;
84
desenvolver a criatividade e a auto-estima dos educandos, possibilitando que
desenvolvam as assembléias gerais com a representação de todos os grupos,
podendo propor e assumir a realização de eventos culturais, programação de
festas e projetos de férias, organização do tempo livre e exercício de escolhas.
O procedimento metodológico adotado neste trabalho é o de
participação democrática, utilizando-se de recursos práticos como a co-gestão
do Formação Carapicuíba, num processo em que o educando é levado a
desenvolver suas habilidades pessoais de liderança, tomada de decisões,
responsabilidade, relacionamento interpessoal e coletivo, apropriando-se
dessas competências de forma a tornarem-se seres autônomos, críticos e
reflexivos.
A metodologia do projeto utiliza-se ainda da observação e do registro
das oficinas pedagógicas desenvolvidas pelos vários educadores que atuam no
Formação, das assembléias de grupos e assembléia geral e do registro das
reuniões pedagógicas realizadas mensalmente com o grupo de educadores e
coordenação. Em todos estes fazeres pedagógicos, o compartilhar do
processo e da percepção sobre os avanços conseguidos pelos educandos e
pelos educadores, refletindo sobre a própria prática num exercício de reflexão
da ação para a formação de uma consciência mais crítica do trabalho
educacional.
Falando especificamente da metodologia das assembléias, nos
reportamos a Araújo (2004) que destaca a “Assembléia Escolar” como um
exercício do fazer a educação democrática, ressaltando que aprender a
dialogar, a construir coletivamente as regras de convívio e a fortalecer o
protagonismo das pessoas e dos grupos sociais, na busca pela justiça social e
85
pela construção da democracia, são ações possíveis a espaços nos quais se
faz a educação. Este autor elucida-nos quanto à atuação das assembléias na
resolução de conflitos e as define como o momento institucional da palavra e
do diálogo, o momento de reunir-se o coletivo para tomar consciência, refletir e
transformar. A disciplina e a indisciplina deixam de ser obrigação somente do
educador e passam a ser questões compartilhadas por todo o grupo,
responsável pelas regras e pela cobrança de seu exercício.
Figura 6: Assembléia Mirim
Fonte: Acervo Pessoal – 2005
Como parte fundamental do trabalho, como discutido, temos a
realização da
roda
, que traz em seu exercício contínuo, o sentido do
pertencimento, pois todos se apropriam do espaço oferecido, ouvindo e sendo
ouvidos. O processo de ensino-aprendizagem vivenciado na roda está voltado
para a formação integral de cada indivíduo, ao vincular educação e prática
social, por meio da qual valores, atitudes e conhecimentos compõem a
formação integral de cada educando enquanto cidadão pleno, levando-o a
86
compreender criticamente o conceito embutido por trás de cada proposta
pedagógica apresentada.
Para Freire (1992), o caminho para superar as práticas incoerentes está
na superação da ideologia autoritária e elitista, o que demanda sintonia entre o
fazer e o falar da educação. Ao envolvermos os educandos na gestão do
trabalho, podemos exercitar a superação da autoridade buscando uma prática
democrática. Conviver constantemente com os opostos é um grande desafio
instaurado na cotidianidade da educação, e é neste embate, nesta luta que
surge o caminho para a liberdade e para uma prática que possa responder aos
anseios dos educandos.
A prática da “Prefeitura Mirim” oportuniza a todos vivenciarem momentos
concretos de formação política. Os educandos organizam-se em equipes às
quais chamamos de comissões. Cada equipe reúne-se para levantar propostas
e estudar seus possíveis candidatos, analisando o perfil daqueles que desejam
concorrer aos cargos eletivos. Ao final do período de organização do processo
eleitoral temos a apresentação dos candidatos de cada comissão que
comunica, sempre na roda, seus planos de gestão e, finalmente, no dia das
eleições todos vão à urna (que é eletrônica), para decidirmos quem será o
Prefeito.
A figura 7 registra a cerimônia de posse dos candidatos eleitos para o
mandato da Prefeitura Mirim no ano de 2004, ocorrido na Câmara Municipal da
cidade de Carapicuíba.
87
Figura 7: Cerimônia de Posse da Prefeitura Mirim 2004
Fonte: Acervo Pessoal/2004
Uma vez eleito, cabe ao Prefeito nomear seus secretários e suplentes e
então temos a Prefeitura Mirim formada com os seguintes elementos: Prefeito
eleito nas urnas, secretário (a) e suplente da educação e cultura, secretário (a)
e suplente de esporte e lazer, secretário (a) e suplente de meio ambiente,
secretário (a) e suplente de saúde.
Neste período em que a Prefeitura Mirim aconteceu, entre março de 2003 e
junho de 2006, podemos destacar alguns resultados alcançados que foram
transformadores na prática educacional: 1) As Secretarias de saúde e esporte
realizaram reuniões com Coordenadores da Fundação Orsa (Sede), nas quais
trataram assuntos relevantes ao bom andamento das atividades do nosso
projeto. Dessas reuniões resultou uma pesquisa realizada pela Secretaria de
Saúde sobre a alimentação oferecida aos educandos. Cada educando pôde
opinar sobre o cardápio apontando o que gosta ou não, e sugerindo novidades.
Destacamos aqui a resposta dada por um educando à questão “que sugestão
você tem para melhorar a alimentação”; a resposta do menino de sete anos foi
88
“de todos pegar a comida que gosta e não pegar o que não gosta para não
jogar fora”. Essa resposta registra o processo de participação sendo
interiorizado pelos educandos, levando-os a perceberem o direito de não
querer algo, de não aceitar imposições e levando-os a assumir suas posições
manifestando-as sempre que surgem as oportunidades. 2) Logo no primeiro
mandato, o Secretário de esportes entregou um memorando à coordenação
solicitando a compra de novas bolas de futebol e de vôlei. Ele fez pesquisa de
preços e a apresentou junto à sua solicitação. Essa atitude do educando nos
leva a perceber que quando o sujeito sente-se respeitado e valorizado, é capaz
de tomar iniciativas. 3) Os novos colegas que chegam ao Formação
Carapicuíba são recebidos pelos próprios educandos que os acolhem,
apresentam todas as dependências da unidade, orientam sobre as regras de
convivência e ensinam os procedimentos do refeitório. Estas atitudes
demonstram que o respeito recebido é o mesmo transmitido ao outro e
evidencia o sentido de pertencer, o prazer de apresentar ao outro o que é
nosso inserindo-o no nosso espaço, mostrando que a proposta de reforçar o
pertencimento vem sendo amplamente alcançada. 4) O grupo da Prefeitura
Mirim do ano de 2005 criou um programa de rádio, veiculado internamente. O
Programa traz dicas de cidadania e é protagonizado pelos próprios autores.
Eles falam sobre direitos do cidadão, recursos da comunidade, sempre numa
linguagem que favoreça aos menores o entendimento. 5) Protagonismo de
oficina lúdica sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente realizada na
Conferência Lúdica da Subprefeitura de Pinheiros/SP. Neste evento tivemos
um grande envolvimento dos jovens que planejaram a ação, prepararam os
materiais e aplicaram a oficina para um grupo de trinta e dois estudantes da
89
região. Uma atividade realizada com muita alegria pelo grupo e que trouxe uma
experiência muito satisfatória para a educadora que mediou a ação. 6)
Participação do grupo de educandos de 7 a 10 anos nas Palestras sobre saúde
oferecidas à comunidade e realizadas em espaço de parceiros, destacando-se
as intervenções adequadas feitas por alguns educandos interagindo com os
palestrantes. Foi uma surpresa para o grupo de educadores perceberem que,
mesmo os menores, estão desenvolvendo a habilidade de saber intervir
contribuindo com a discussão coletiva, reproduzindo assim o exercício que
acontece em cada momento de roda e de assembléias. 7) Organização do
Campeonato Esportivo de final de ano, com a proposta tendo sido feita pelos
educandos que também trouxeram contribuição em troféus e medalhas para
serem entregues aos vencedores. Uma vez mais, percebe-se a iniciativa, a
ousadia de propor e a responsabilidade pelo fazer. 8) Solicitação de reunião
com a coordenação pedagógica do projeto, feito pelos educandos maiores para
contestar mudanças não discutidas antes de serem anunciadas ao grupo geral.
Esta tem sido uma das melhores atitudes que temos percebido nos educandos,
a não aceitação da imposição de regras e normas não construídas de forma
democrática. Muitas vezes isso é difícil de ser conduzido, pois temos
determinações institucionais a serem seguidas, o que requer um grande
exercício por parte da coordenação para não desrespeitar as regras de
convivência elaboradas coletivamente. 9) Participação ativa dos integrantes da
Prefeitura Mirim na organização e realização dos eventos culturais: “Saraus e
Galeria”, proporcionando o crescimento do número de grupos de
apresentações culturais entre os educandos. Esse protagonismo tem
possibilitado um crescimento visível de auto-estima e auto-desenvolvimento
90
dos educandos e a qualidade dos eventos tem sido diretamente proporcional a
esse crescimento. 10) Realização do I Fórum da Prefeitura Mirim, que reuniu
alunos de diversas escolas públicas de Carapicuíba, discutindo a questão
“Como o Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser trabalho nas
escolas?”. O evento contou com a presença de representantes do CMDCA
(Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) de Carapicuíba,
do RISOLIDARIO USP (Rede Internacional Solidária), e de professores de
escolas públicas do município. Desse Fórum resultou uma série de jogos que
posteriormente seriam levados para as escolas públicas durante o ano de 2006
e surgiu a proposta de levar a prefeitura mirim para o município e também a
realização do primeiro Fórum em nível municipal.
Figura 7: Vice-prefeito E.A., prestando contas com a assembléia.
Fonte: Acervo pessoal/2005
Na figura 7, o educando E.A., 17 anos, vice-prefeito eleito, prestando
contas com os educandos durante realização de assembléia mirim, no encontro
semanal. A liderança exercida pelo jovem durante o projeto, contribuiu para
melhorar sua participação nas demais atividades pedagógicas, ajudando-o a
91
melhorar seus relacionamentos e controlar sua agressividade. Ao final deste
mandato, o jovem inseriu-se como aprendiz em uma grande empresa, na qual
permanece trabalhando. Sua história de vida é um dos exemplos de
transformação.
O registro imagético das atividades desenvolvidas nos ajuda a perceber
a dinâmica de participação e a autonomia dos educandos na realização de
suas atividades.
2.7 Rodas de diálogo: construindo regras de convivência
Construir as regras de convivência constituiu-se num dos passos mais
importantes do processo educativo que estamos estudando e nos permitiu
confirmar a importância do protagonismo dos educandos no processo de
construção de seu próprio conhecimento. Neste sentido, encontramos em
Groppo (2005), ao analisar as implicações pedagógicas da autogestão, idéias
que nos ajudam a compreender a relevância da co-gestão para a educação da
responsabilidade individual e nos leva a perceber que essa prática que
estamos explicitando proporcionou aos envolvidos, um exercício para o alcance
desta educação.
Retomando nossos primeiros dias trabalhando como educadora social no
Formação Carapicuíba, vamos encontrar no galpão onde realizávamos a roda,
uma velha cartolina na qual estava escrita uma lista de direitos e deveres dos
educandos. Partindo desta lista iniciamos a construção e implantação das
regras de convivência.
92
Como dissemos anteriormente, a cerca que delimitava o espaço, fora
retirada e agora o espaço estava aberto, o que demandaria um trabalho de
conscientização e construção dos limites necessários.
Primeiramente, levamos a questão para a discussão na roda, analisando a
velha lista dos direitos e dos deveres. Fomos indagando sobre as razões de
estarem mencionadas ali e a necessidade ou o de sua permanência como
regra. A espontaneidade presente nas crianças as conduzia a fazer a análise
muito melhor que qualquer um dos educadores. Muitas regras que havíamos,
nós educadores, considerado anteriormente como não sendo necessárias
acabaram sendo mantidas pela decisão do coletivo. Fato muito interessante
que fomos percebendo foi a dureza com que os educandos lidam com as faltas
dos colegas, sim, porque para cada regra organizamos uma comissão de
implantação e observação, e neste processo notamos que infrações pequenas
como, por exemplo, “pisar na grama”, era tratado com altas punições como
“ficar um mês sem futebol” ou “suspensão de três dias”. Foi preciso muita
habilidade para que os educadores fossem contornando as situações sem
perder a essência da prática democrática.
Depois dos primeiros meses desta prática, e quando os próprios educandos
que compunham as comissões e, portanto, aplicavam as sanções que haviam
decidido, começaram a “sofrer” as conseqüências, ou seja, cumprirem eles
mesmos as penalidades que tinham sido definidas para os infratores, foi que
conseguiram introjetar a essência do exercício da democracia. Eles foram
pouco a pouco percebendo a necessidade de flexibilidade e negociação para
administrar os conflitos. Contudo, é importante ressaltar que mesmo nestas
ocasiões, lição apreendida e aprendida, não havia displicência ou
93
afrouxamento por parte das comissões de regras, o que demonstra a seriedade
com que os educandos vivenciam o espaço e a responsabilidade que lhes são
confiadas.
Para elucidar nosso trabalho, trazemos algumas regras construídas pelos
educandos:
Regra nº. 07: “Fica proibido falar palavrões no projeto e na topic (veículo
utilizado para o transporte de alguns educandos) será anotado no livro de
ocorrências e a família será chamada para assinar e saberá os palavrões que
foram utilizados pela própria criança/adolescente”.
Nesta regra observa-se que os educandos percebem a diferença entre a
família ouvir deles próprios a “falta” que cometeram, no caso, ouso de palavra
vulgar, e ser comunicada pelos educadores ou pela coordenação. Neste caso,
assumem a responsabilidade individual.
Regra nº. 5 “Desrespeito aos educadores e entrar nas salas dos
educadores e da coordenação sem permissão ficará suspenso do futebol por
um mês (30 dias)”
Esta regra mostra acentuadamente a rigidez dos educandos para com os
demais colegas e para consigo mesmos, inclusive a suspensão do futebol foi
uma punição muito freqüente dentre as regras construídas inicialmente.
Durante o período em que fizemos nossa pesquisa, observamos que eles
foram amadurecendo até porque os próprios envolvidos na criação das regras,
acabavam tendo que cumprir suas sanções, o que provocou a necessidade de
negociações entre eles próprios e entre eles e os educadores.
94
Regra nº. 1: “Falta de educação resolver conversando junto”. Quem
desrespeitar a regra após a conversa ficará sem jogar futebol durante 60 dias
(2 meses).
Observamos nesta regra que o exercício do diálogo é percebido e
vivenciado pelos educandos como o caminho para resolução dos conflitos e
novamente a privação de um dos maiores prazer, o futebol.
Neste capítulo conhecemos alguns aspectos da prática pedagógica
desenvolvida no Formação Carapicuíba, buscando compreender a estrutura
social que determina as condições de vida e influenciam o modo de ser e de
estar no mundo, dos seus educandos.
No capítulo a seguir, apresentamos outros aspectos desta prática e
avançamos nosso olhar sobre a subjetividade presente nas relações que são
proporcionadas pelo espaço educativo observado.
95
CAPÍTULO 3
CAMINHOS PARA A TRANSFORMAÇÃO
No capítulo anterior verificamos a rigidez com que os educandos,
constroem suas próprias regras e nos parece certo pensar que isto reflete o
que ocorre na própria sociedade opressora em que vivemos, ou seja,
percebemos que ao pensarem sobre a necessidade de regras de convivência
social, impingem a si mesmos a privação dos mais caros objetos de prazer.
Este fato nos leva a pensar sobre a opressão enquanto um sentimento
introjetado nas classes populares e na necessidade de ser superado, pelo
próprio oprimido, lembrando a tese de Paulo Freire, para o resgate da auto-
estima e a construção de autonomia individual.
A partir daqui buscaremos perceber as experiências éticas e estéticas na
formação e no resgate da identidade humana.
3.1 Da rigidez das regras à sensibilidade da arte a complexidade
humana
Na convivência diária com os meninos e meninas de Carapicuíba, fomos
percebendo os benefícios que o contato com a arte e a cultura traz para suas
vidas, observando durante as oficinas de artes plásticas, de teatro, de dança,
de música, que eles desenvolvem uma expressão diferente, expressam-se
mais, são mais felizes, que, fora dali, a falta das condições necessárias para
uma vida digna rouba-lhes a alegria de viver e, pouco a pouco, envolve suas
almas, fazendo-os imergir num pântano de contrariedades e desilusões, e,
96
passo a passo, vai embrutecendo-lhes o ser, levando-os a um estado de
rebeldia sem objetivos. Esse embrutecimento que ocorre desumaniza-os e
dificulta suas relações sociais, corporificando assim o processo de exclusão
social.
Freire (1987) referenda o que estou afirmando ao apontar a
desumanização como a negação do humano, pois a vocação do ser humano é
justamente sua humanização:
Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação
histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser
adotar uma atitude nica ou de total desespero. A luta pela
humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela
afirmação dos homens como pessoas, como seres para si”,
não teria significação. Esta somente é possível porque a
desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não
é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta
que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos
(Freire, 1987, p. 30).
Na busca pelo caminho da re-humanização e para garantir o movimento
da arte e o contato dos educandos com ela, elaboramos o Projeto Político
Cultural que surgiu também como uma forma de concretizar o espaço de
protagonismo para as ações da prefeitura mirim.
O Projeto Político Cultural consolidou-se na prática pedagógica de
educação sócio-comunitária desenvolvida no Formação Carapicuíba,
alcançando os objetivos traçadas em sua idealização. Podemos verificar este
fato analisando trecho de sua redação:
97
OBJETIVO GERAL
Promover a integração entre os atores sociais, proporcionando
o desenvolvimento da coletividade e a socialização das mais
diversas linguagens.
5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Oportunizar espaços de apresentações artísticas internas e
externas performáticas, onde os educandos, familiares e
comunidade possam exercitar o olhar crítico, a fruição e o olhar
poético;
Possibilitar espaço físico para tornar visíveis as produções
plásticas dos educandos, famílias e comunidade, fomentando a
discussão sobre as diferentes manifestações e expressões;
Promover encontro anual entre os adolescentes, as crianças e
os pré-adolescentes que compõem o Formação, tendo como
princípio a integração e o lazer;
Divulgar a Missão da Fundação Orsa e do Programa Formação
para a Comunidade;
Oportunizar a visibilidade das ações desenvolvidas no
Formação, fortalecendo vínculos com a comunidade;
Oportunizar o acesso a eventos culturais em espaços externos
ao formação, para educandos e familiares;
Oportunizar espetáculos, como síntese das ações
desenvolvidas nos Projetos, objetivando a auto-
sustentabilidade num processo de profissionalização.
Dentre as atividades deste projeto que foram desenvolvidas destacamos
a criação, nas dependências da unidade, de uma “Galeria de Arte”, na qual
trimestralmente inauguramos exposições, fazendo um revezamento entre os
trabalhos artísticos produzidos pelos próprios educandos durante as oficinas, e
obras de diferentes artistas, convidados a exporem seus trabalhos. Essa
prática educa o olhar, amplia a concepção da própria arte, do belo,
proporcionando uma educação estética que provocou transformações nos
educandos e nos educadores e em suas relações.
98
Neste sentido, foi possível perceber que, ao expor seus trabalhos, os
educandos revelam seus sentimentos mais internos, e é nessa experiência
sensível que identificamos possibilidades de verificar a ação concreta da arte
levando-os ao encontro do seu lado mais humano, do seu “ser mais”, como
define Freire (1987).
Um outro movimento criado dentro do “Político Cultural” é a realização
de “Saraus”. Eles representam um espaço no qual os educandos têm a
oportunidade de apresentar suas performances de danças, poesias,
encenações teatrais, cantos, entre outros.
Durante os “Saraus”, os educandos vivenciam o protagonismo por meio
da arte. Experimentam a afirmação de suas potencialidades criadoras e estão
confirmando a si mesmos que possuem capacidade de ser e de criar, uma
experiência com sentido e significado para cada um. Os educadores, os pais, a
comunidade presente, os assistem e confirmam com aplausos, o que fica
gravado em suas almas: “Eu sou capaz!”.
Essa polifonia da arte, ao longo do tempo, tornou-se uma metáfora no
processo educativo da Unidade. A localização espacial da galeria permite que
a arte faça-se presente em todos os ambientes, e em todos os momentos
vividos pelos educandos e pelos educadores.
A metodologia de avaliação aplicada pelos educadores, na qual ao final da
atividade do dia, em roda de conversa, todos colocam seus trabalhos no centro
e cada educando tem a oportunidade de apresentar a sua produção e
comentar a de seus colegas, é um exercício que desenvolve o senso crítico,
tão essencial à formação humana. Ao colocarem-se acima das produções para
poder enxergar o conjunto, contemplam a própria capacidade criadora,
99
podendo enxergar suas próprias potencialidades. A valorização do percurso
feito individualmente por cada educando é constantemente praticada e o
processo é colocado acima do produto, não deixando de considerar as
produções realizadas.
Percebemos então que no universo da educação não-formal, a arte
apresenta-se como uma das estratégias pedagógicas, podendo ser utilizada
como um meio de assimilação do mundo, um instrumento para conhecer e
desvendar o conhecimento, por meio da sensibilidade e da estética, dimensões
do desenvolvimento humano de grande importância para a plenitude da vida, e
nem sempre presentes na realidade da população de periferia.
Sabemos que muitos são os fatores que levam ao embrutecimento do
ser humano, fato mais visível em populações que vivem em situação de
extrema pobreza ou que são privadas da garantia dos direitos básicos de
saúde, lazer, moradia, alimentação e educação, como é o caso da comunidade
da qual são oriundos os educandos em questão.
Algumas famílias convivem com esgoto a céu aberto que passa na porta
das casas, e sofrem infestação de ratos e escorpiões constantemente,
principalmente em época de chuvas. Um dos casos extremos que pudemos
testemunhar foi de uma menina de doze anos que comparecia às atividades do
projeto com muito sono. Durante uma semana ela nos parecia doente e quando
fomos conversar com a mãe, soubemos que elas (mãe e filha) estavam
revezando-se durante as noites e madrugadas para vigiar as crianças menores,
dentre os quais havia um bebê de quatro meses, para que os ratos não
100
subissem nas camas e mordessem os pequenos. Somente a sentinela estava
garantindo que isso fosse evitado. Esse fato ilustra o estado de violação de
direitos em que esta população vive. Daí que, para entender seus
comportamentos e atitudes, é preciso perceber e analisar profundamente as
relações de cultura e saber nas quais estão inseridos, e vamos então perceber
a carência de humanidade que existe no tratamento das classes populares
para as quais não estão garantidos sequer os direitos básicos. É preciso
garantir-lhes uma educação que proporcione sua formação como sujeitos
históricos e conscientes de que a história é resultado de ações humanas e que
a trama histórica está localizada no embate das relações sociais. É necessário
romper a relação de dependência e o estado de permanência levando-os a
perceberem as possibilidades de transformar.
Edgar Morin (2001) adverte-nos quanto à necessidade de trabalharmos
no desenvolvimento da consciência da natureza do ser humano em sua
inteireza, levando-o a conhecer e reconhecer sua complexa identidade que é
uma identidade comum a todos os outros seres humanos. Essa condição tem
relação direta com o processo de humanização do indivíduo e não apenas no
sentido da sensibilidade do ser, mas, principalmente, quanto à capacidade
humana de pensar, de agir e de sentir. Ao aprender a pensar, o ser humano
desenvolve diversos sentidos que são formadores e transformadores de seu
próprio existir. Assim, ele aumenta sua percepção e amplia seu olhar sobre as
coisas que o cercam e com as quais ele interage. Para humanizar-se é preciso
então, perceber o seu próprio mundo, sentir sua realidade e olhar além,
identificando as possibilidades e compreendendo as transformações que
101
ocorrem e poderão ocorrer. E para alcançar essa percepção, o caminho inicial
é “conhecer-ser a si mesmo”, buscar sua identidade (Rosito, 2007).
Reconhecemos o papel da arte possibilitando ao educando desenvolver
sua capacidade criativa, ao mesmo tempo em que identificamos a necessidade
de espaço de criação para a prática educativa. Ao contrapor a educação
bancária com a educação como prática de liberdade, Paulo Freire (1980)
enfatiza a necessidade de desenvolver o potencial do educando levando-o a
perceber-se como ser criativo e capaz. Sabemos que a alienação impossibilita
o processo de criação da mente, e percebemos que o currículo da educação
formal do nosso país pouco espaço oferece para que o educando desenvolva
sua criatividade, reconhecendo neste fato uma das estratégias de dominação
das classes populares utilizada ideologicamente pela classe dominante.
Neste sentido, buscamos as palavras de Antônio (2002) que são
incisivas e esse respeito:
O diálogo com a poesia pode representar antídoto:
contra a perda de identidade, de sentido, de compreensão e
expressão. A convivência com a criação poética, com a
linguagem e o pensamento poético, pode ajudar no
reencantamento da aprendizagem. A poesia, enquanto poesia,
representa uma possibilidade de educação dos sentidos, tanto
no sentido de educar a percepção, como no de educar os
sentimentos. Pode, tamm, participar da educação da
imaginação, para que a atividade imaginativa se liberte dos
estereótipos produzidos incessantemente pelas mídias-
máquinas de uniformização e manipulação de imagens
(Antônio, 2002, p. 116).
Ora, a arte tem papel efetivo na construção do indivíduo, pois possibilita o
desenvolvimento do olhar que é capaz de perceber as nuances em tudo o que
o cerca e o envolve, contribuindo para que possa se conhecer e perceber-se,
102
para poder perceber o outro e transformar suas relações. Para isto é
necessário um exercício de auto-conhecimento e de reflexão de suas próprias
ações, abrindo caminhos para a recomposição de uma personalidade mais
sensível e humanizada.
Na prática da educação sócio-comunitária ora apresentada, a arte
caminhou com o protagonismo dos educandos, pois além de terem o espaço
para criação artística, também atuavam efetivamente na organização e
realização dos eventos.
E durante esse caminhar confirmamos em nossa prática a afirmação de
Herbert Read (1986, p.95): “a arte é o ator ideal para o papel do redentor,
daquele que resgata”. Percebemos que é possível a superação do estágio de
embrutecimento humano e o rompimento do paradigma da exclusão social, no
qual se encontram os homens e mulheres que vivem em situação de miséria,
entre os quais se encontram os educandos do Formação Carapicuíba,
proporcionando-lhes um diálogo com a arte e a cultura a fim de garantir
experiências estéticas e sensíveis que ampliem seu repertório cultural, ao
mesmo tempo em que transformam seu olhar e sua compreensão de mundo.
Este trabalho desenvolvido com o Projeto Político Cultural incorporou um
desejo latente de alimentar os sonhos, sonhados pelos educandos, sonhados
pelos educadores, sonhados por todos os atores envolvidos na unidade
educacional. Podemos ressaltar isso com as palavras de Boff (2001):
Morrem as ideologias e envelhecem as filosofias. Mas os
sonhos permanecem. São eles o húmus que permite
continuamente projetar novas formas de convivência social e
de relação para com a natureza (Boff, 2001, p.79).
103
E é justamente no caminho dos sonhos, na necessidade de construir
vínculos afetivos entre educadores e educandos, que este trabalho proporciona
mudanças no comportamento e nas relações entre os educandos e deles com
o espaço, com o outro e consigo mesmo, uma vez que as ações pedagógicas
ocorrem de forma a possibilitar o desenvolvimento de ações interpessoais, de
interação e integração social, levando-os a avançar juntos, a compartilhar e a
aprender na percepção das descobertas do outro. Há uma perceptível elevação
da auto-estima, do comprometimento dos grupos, da socialização dos
conhecimentos e das competências, resultando no compartilhamento das
experiências e vivências de cada um com todos e de todos com cada um.
Distante que estamos do rigor burocrático com que a escola formal está
muitas vezes organizada, na educação não-formal é possível ter a nosso favor
o sentido coletivo do trabalho educativo em que todos os educadores são
educadores de todos os educandos e os educandos são educandos de todos
os educadores, levando-nos a trabalhar com um currículo formativo que traz
como objetivo maior educar para a sensibilidade, para a humanização do ser,
oportunizando ao educando desenvolver a autonomia e o sentimento de
pertença, por meio do contato efetivo e humanizado da relação educador-
educando-conhecimento. Os indicadores avaliativos do trabalho pedagógico
consideram todas as produções, os registros, textos e pesquisas nas diversas
linguagens. Consideram também o envolvimento, o interesse e a participação
nas propostas que são lançadas.
Diversos grupos artísticos foram surgindo no decorrer do tempo,
oportunizando que diferentes educandos se encontrassem em diferentes
104
propostas, assim, quem não tinha coordenação motora para a dança podia
participar do grupo de percussão ou do grupo de capoeira, enfim, todas as
modalidades artísticas proporcionam a viagem dos sentidos que eleva a auto-
estima, leveza aos movimentos ao mesmo tempo em que melhora as
relações.
Ao perceber a evolução dos educandos e educandas no envolvimento
com as atividades artísticas, verificamos a formação da identidade humana dos
sujeitos, e neste sentido observamos os educadores e especialmente
percebemos as transformações que ocorreram com a pesquisadora durante
sua formação, enquanto realizava esta pesquisa, reconhecendo o
amadurecimento e a sensibilidade dos envolvidos, como partes deste
processo.
Figura 8: Apresentação do grupo de dança “as dez bailarinas do sol”
Projeto Político Cutural
Acervo Pessoal: outubro/2005
A figura oito apresenta um grupo de meninas entre sete e dez anos de
idade que formaram o grupo “As dez bailarinas do sol”. Uma das questões que
apareciam de forma muito forte neste grupo, era a falta do autocuidado.
105
Durante o período em que estiveram envolvidas neste projeto educativo, houve
uma grande transformação na forma como elas se relacionavam com os outros
e consigo mesmas.
Neste trabalho de resgate de auto-estima, foram percebendo-se mais
belas, melhorando a postura, erguendo o olhar, interessando-se mais por
participar das atividades educativas e contribuindo com os educadores e os
colegas menores.
Como num espelho mágico, a mudança afetou outros educandos, pois
durante os eventos, nas apresentações do grupo, e mesmo no dia-a-dia, todos
sentiam a diferença no comportamento das meninas.
Figura 9: A auto-estima e a leveza dos movimentos das “bailarinas do sol”
Acervo pessoal: outubro/2005
Ao assistirem a performance das bailarinas, os educandos bebiam a
beleza da arte, deixando-se banhar pela harmonia da música e pelos
movimentos da dança.
106
Os educadores envolvidos no processo de reflexão-ação-reflexão, vão
percebendo de que forma, quando e como intervir para que os educandos
avancem na sua aprendizagem e, assim, construindo na práxis educativa um
currículo que emancipa pelo viés da humanização, um currículo que é
construído a partir da realidade social de seus atores e que leva em conta a
participação ativa e dinâmica de todos para que o conjunto de aprendizagens,
atitudes e valores possam ser desenvolvidos de forma integral e harmônica,
considerando o educando em toda sua complexidade.
Esse exercício nos leva a sentir com todos os sentidos o processo
individual pelo qual cada educando passa e vai percorrendo um caminho que o
leva ao reencontro de sua própria humanidade.
Figura 10: Grupo de Pagode
Fonte: Acervo pessoal: outubro/2005
Nos eventos artísticos, os encontros humanos emprenham-se de vida,
de desejos, de sonhos. A cada apresentação, a cada ensaio, a criação e a
esperança, a alegria de ser e de fazer, de sentir-se aceito, de fazer parte.
107
Figura 11: Apresentação do grupo de pagode durante Sarau
Fonte: Acervo pessoal: outubro/2005
O grupo de pagode, nas figuras 10/11, foi uma iniciativa dos próprios
educandos, desejosos de participar ativamente dos encontros culturais. Cada
integrante, uma história de vida, matéria prima para o trabalho dos educadores
na formação dos educandos.
Alguns integrantes deste grupo superaram problemas de agressividade e
rebeldia após terem conquistado este espaço. Com o crescimento da amizade,
venceram alguns preconceitos e modificaram atitudes, como no caso de duas
das meninas deste grupo de pagode, que furtavam pequenos objetos do
Formação Carapicuíba. Constatamos com isto que o sentimento de pertença é
fator primordial não somente para a questão da auto-estima como também
para o cuidado e o respeito com o outro e com o espaço coletivo. Conquistas
como estas são facilmente identificáveis, porém elas mostram as
transformações mais íntimas que ocorrem no ser, mudanças que não podem
108
ser catalogadas ou mensuradas, mais que podem ser sentidas com a mente e
com o coração. É o que afirma também Antônio (2002):
Entre mudanças vertiginosas e contradições que não
cessam, fazemos nossas travessias de educar e educar-se.
Precisamos sempre retomar os fios que nos ligam a nós
mesmos e aos outros. É preciso retomar as perguntas-
princípio, sempre recomeçadas. Que sociedade queremos
construir? Que ser humano desejamos formar? Estas são
perguntas imprescindíveis. Participam das origens, dos
destinos, e atravessam a história cotidiana do trabalho com
educação (Antônio, 2002, p. 34).
Figura 13: Grupo de Percussão
Fonte: Acervo Pessoal – Setembro/2005
109
3.2 – A formação humana – Grupo de Educadores
Um aspecto muito importante para se compreender como foi possível a
realização desta prática de educação sócio-comunitária, é conhecer e entender
os educadores que nele atuaram.
O processo desumanizador acarretado pelo modo de organização social
capitalista, utiliza-se de estratégias diversas que envolvem o sujeito ainda
sendo gestado, implicando numa vida servil e resignada. Esta realidade não é
apenas dos educandos do Formação Carapicuíba, é também dos seus
educadores. Como poderiam os educadores trabalhar na concepção de
educação como prática de liberdade se faltar a eles próprios essa liberdade?
Para melhor compreendermos este fato, lembramos as contribuições
notáveis de Paulo Freire (1979), compreendendo a educação como ato político
e reconhecendo na prática de cada educador sua visão de sociedade e de
homem, entendendo assim, o oprimido não somente do ponto de vista
econômico, mas também do ponto de vista ideológico.
Ao grupo de educadores inicial, citado anteriormente nesta dissertação,
foram se agregando outros mais, completando assim uma equipe de 11
pessoas que diariamente recebiam 180 educandos para atividades alternadas
ao horário escolar.
Um grupo heterogêneo, com diferentes formações acadêmicas e
diferentes experiências de vida que, no entanto, movia-se pelos mesmos ideais
de uma educação como prática de liberdade. Cada educador trazendo uma
bagagem diferente, especial, de vida e de experiências formadoras que
110
somada às demais permitia uma visão ampla e uma maturidade necessária e
oportuna para lidar com os mais variados textos e contextos da prática
educativa.
As palavras de Antônio (2002) vêm ao encontro do que estamos
considerando:
É necessário religar aprendizagem e vida. Refazer a
relação lúdica. Reeducar a sensibilidade, tanto a percepção
quanto os sentimento. Motivar a imaginação inventiva. Seduzir
a razão. Todas essas necessárias recriações de vida na
aprendizagem, e com a aprendizagem, todas elas estão
profundamente ligadas à experiência poética. O renascimento
da convivência com a poesia é necessidade vital para as
aprendizagens e para seu renascimento como atividade
criadora, sensível e significativa. Não no sentido de ler ou
escrever poemas, mas no sentido de desenvolver uma relação
poética com o mundo, com os outros, com o conhecimento,
com a própria existência. O tecido vivo da história de cada um,
a cultura como palavra vivida, o texto da vida que não está
terminado, que precisamos sempre interpretar e escrever e
reescrever (Antônio, 2002, p. 25).
Ao buscar reencantar a educação para proporcionar prazer aos
educandos, também os educadores experimentaram essa sedução da razão,
pois é necessário acessar antes o caminho que desejamos percorrer com os
nossos educandos. Ao percorrer este caminho encontramos a amorosidade por
vezes ressaltada por Freire (1996) como necessária ao ato de educar,
amorosidade entendida como a capacidade de redescobrir o íntimo do
humano, a essência da vida, o amor.
A presença dos conflitos e divergências de opiniões que no começo
perturbava, pouco a pouco foi sendo encarada como momento de crescimento
profissional e pessoal, momento de reflexão sobre a ação. Como em todo
grupo humano, também esse enfrentou problemas de ciúmes, invejas,
111
sentimento de posse, competição, entretanto o que vale a pena destacar é que
a maturidade alcançada enquanto grupo, permitiu que todas essas turbulências
fossem superadas e as questões que tratavam do relacionamento e da
formação dos educandos eram sempre colocadas em primeiro plano, o que
levava todos a unirem-se no desenvolvimento do trabalho educativo.
Cada educador buscou dar o melhor de si na prática pedagógica e para
isto, o caminho percorrido foi o da entrega. Entregar-se ao ato pedagógico é
mergulhar profundamente na ação educativa, rompendo todas as barreiras de
espaço, de tempo, de lugar.
Desta forma, não superamos em cem por cento os conflitos
interpessoais do grupo, mas conseguimos fazer com que enquanto grupo,
alcançasse resultados concretos em sua tarefa educativa.
Nas atividades de formação continuada dos educadores, debatiam-se
textos de Paulo Freire e de tantos outros autores cujas contribuições
proporcionam um olhar mais aguçado sobre a realidade, refletiam sobre a
própria prática discutindo casos, compartilhando angústias e temores. Um
exercício que proporcionou uma maior percepção de que cada um não estava
numa ilha com suas próprias dificuldades, mas que todos estavam juntos e no
diálogo foram encontrando caminhos e construindo conhecimentos sobre a
própria prática e sobre os educandos, possibilitando um olhar analítico sobre as
contradições que ocorrem por vezes entre o que se propõem o que de fato se
faz.
As relações de poder entre educandos e educadores foram sendo
trabalhadas de forma a quebrar hierarquias castradoras, sem jamais perder de
vista o devido respeito e lugar do educador na tarefa de educar.
112
Uma das questões facilitadoras de todo o processo é o fato de serem, os
educadores envolvidos, pessoas sensíveis e humanas, abertas e disponíveis
ao diálogo.
Tal afirmação tem como fundamento o fato de terem esses educadores,
como prática constante, a relação de diálogo para resolução de qualquer tipo
de conflito. Sabemos que para tal prática é preciso que o educador esteja
aberto e tenha disponibilidade, pois o diálogo se estabelece em momentos
de conflito quando o educador tem a maturidade necessária para concretizá-lo.
Portanto, percebemos que a formação humana dos educadores é ponto
fundamental para que se possam alcançar os objetivos pautados para a
educação como prática de liberdade.
Figura 14: Grupo de Educadores (incompleto)
Fonte: Acervo Pessoal – dezembro/2005
Em bem pouco tempo o Formação Carapicuíba não precisava de trancas
nos armários e salas, pois no processo formativo, no diálogo contínuo, foi
113
sendo construída uma confiança e, sobretudo um grande respeito entre todos e
de todos para com o espaço. O sentimento de pertença foi o grande diferencial
na relação construída entre educadores e educandos e certamente esta
construção carregada de valores e sentimentos, possibilitou um encontro dos
educandos com o conhecimento, isto é, proporcionou-lhes momentos de
verdadeiro aprendizado.
3.3 – Educador: uma visão sobre o ser e o fazer a educação
Dentre os procedimentos metodológicos utilizados em nossa pesquisa,
realizamos entrevista semi-estruturadas com educadores e educandos do
Formação Carapicuíba, a unidade de educação não-formal investigada. Neste
item trazemos uma análise do material levantado sempre norteando-nos pela
educação que tomamos como referência, a educação libertadora.
Desta forma, lembramo-nos uma vez mais que o educador cuja prática
está firmada nesta concepção de educação, é o facilitador do diálogo, pois
assumi compromisso em garantir o espaço formativo para os educandos
visando sua emancipação e seu desenvolvimento em todas as ações
propostas.
Esse educador o tem respostas prontas, desenvolve a escuta
sensível, sabe ouvir e sabe provocar o pensamento dos educandos, uma
provocação amorosa e possibilitadora de alimentar sonhos. uma
consideração de Rubem Alves que, parece-nos, corrobora com o que estamos
dizendo:
114
Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido?
Professores, há aos milhares. Mas o professor é profissão, não
é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao
contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de
um grande amor, de uma grande esperança (Alves, 2003, p.
16).
Na entrevista com os educadores, abrimos um espaço de comunicação
para que eles contassem-nos sobre sua prática pedagógica, desta forma
colhemos os seguintes depoimentos:
Trabalho com diversas linguagens artísticas dentre as quais a
música, e o objetivo é que os educandos aprendam um pouco
da música, se interessem um pouco pela música, mas o
objetivo principal é que eles se interessem mais pela cultura
popular brasileira, eu trabalho percussão e o trabalho de
música envolve muito a cultura popular brasileira, então
desejamos que eles se apropriem da cultura popular brasileira
e consecutivamente a música está inserida dentro da cultura.
Dentro do mosaico, eu trabalho oficina de mosaico, de arte
também, queremos que eles aprendam a criar formas com
pequenos pedaços de objetos, cacos, borracha, papel e
aprendam a ter um outro olhar para a arte que não apenas a
pintura e o desenho, mas que com formas pequenas eles
venham a conseguir montar objetos. E com a fotografia
(pinhole), queremos que eles aprendam também que a
fotografia é uma forma de arte, que a maioria pensa que a
fotografia não é uma arte, não é resgatar, todo o processo que
foi feito pra chegar até hoje na câmara digital, eles conhecem
os processos, as técnicas, e encararam a fotografia como uma
linguagem artística (M.N.S. Arte-Educador).
Eu trabalho aqui oficina de dança do ventre com meninas de
sete a 12 anos, o objetivo maior é desenvolver nelas o resgate
da auto-estima e eu percebi que é uma coisa difícil de lidar no
cotidiano delas. Elas têm a auto-estima baixa e a dança do
ventre é uma possibilidade, delas se sentirem mais bonitas,
mais talentosas, porque diferente do que as pessoas pensam é
uma dança fácil de ser aprendida. Porque o resgate da auto-
estima é importante né? Tem um autor chamado Içami Tiba
que ele diz que tudo nesta vida a gente pode comprar,
conquistar e que a coisa mais difícil de se conquistar é a
felicidade e que o presente maior que as pessoas que nos
educam podem nos dar, pra gente conseguir conquistar a
felicidade é atuando na nossa auto-estima, porque uma pessoa
que tem uma boa auto-estima é uma pessoa feliz, porque nada
vai abalar aquilo que ela acredita que sabe fazer e faz bem
115
feito. Então eu acredito muito nisso e tenho resultados bem
interessantes trabalhando nesse ponto, no desenvolvimento da
auto-estima delas. Esse é o objetivo principal, mas a gente
trabalha lateralidade, coordenação motora essas coisas mais
físicas mesmo que também levam a esse objetivo maior
(S.A.C. Pedagoga e educadora de dança).
Na fala destes educadores identificamos que as atividades
desenvolvidas proporcionam a ampliação do olhar dos educados, tanto pela
melhoria da auto estima quanto pelo acesso ao saber, buscando facilitar a
ligação entre o que se desenvolve na ação efetiva dos projetos pedagógicos e
a vida concretamente vivida por eles.
Os educadores entrevistados, quando questionados sobre o que ocorreu
entre os educandos a partir do desenvolvimento do Projeto Político Cultural, ou
seja, a partir do início das atividades artísticas, fizeram observações que nos
levam a confirmar que a arte pode de fato, desempenhar um papel redentor da
humanidade por vezes perdida no embrutecimento da vida humana.
Acho que se eu ficar falando das mudanças que ocorreram vai
ser muita coisa, apesar de que eu não estava trabalhando
ainda aqui quando o projeto começou. Não sei dizer como era
antes, mas o que posso perceber é que, do primeiro sarau que
participei até o último tiveram muitas mudanças né. A
principal é a cooperação. Os educandos ajudam entre eles,
ajudam os educadores na organização, na decoração, coisas
que a gente que não acontece num ambiente escolar
(educação formal). Eventos como esse também não acontece
num ambiente escolar e são distantes da realidade deles,
crianças da classe social aqui da comunidade que a gente atua
elas não teriam, acredito que, outras oportunidades de
participar de sarau e galeria, de coisas tão ligadas à arte assim,
visto que aqui no município eles não têm nem cinema que eles
possam freqüentar e que é uma queixa que sempre aparece
nas atividades de outras oficinas, que não tem cinema, que não
tem teatro, que não tem área de lazer e que não tem essa
possibilidade de apreciar a arte e a cultura. (S.A.C.Pedagoga e
educadora de dança).
116
As palavras dessa educadora nos ajudam a entender o que se
desencadeou com o desenvolvimento das atividades artísticas deste trabalho.
Ela ressalta o espírito de cooperação que antes não existia e passou a existir e
isso nos mostra que a criança ou o jovem quando está com baixa estima, sente
certo ódio pelo mundo e por si mesmo e isso o impossibilita de ser mais
sociável, de participar de um grupo de forma mais saudável, por isso essa
mudança no comportamento dos educandos aconteceu quando sentiram-se
mais queridos por si mesmos, valorizaram-se mais porque perceberam que
seus próprios talentos.
... outro exemplo, a Amanda, quando começamos trabalhar
em outras oficinas antes da música, ela tem uma rejeição, tinha
uma rejeição porque ela tinha uma dificuldade motora muito
grande e quando foi montar o grupo de percussão, ela veio até
mais pela minha pessoa, porque eu comecei a encarar, no
começo nos tivemos uns atritos grandes, eu comecei a ouvi-
la mais, prestar mais atenção, às vezes ela chegava chorando
eu sentava do lado dela e ia conversar, ela era muito nervosa,
eu sentava e conversava com ela, e ela veio pra oficina de
percussão, acho que até mais pela minha pessoa, a conquista
afetiva do jeito que eu tratava ela, ela veio e sentiu-se muito...
ela se colocava assim: eu não consigo, e eu fui dando
instrumentos pra ela, ela não conseguia um eu não deixava ela
desanimar, eu falava tenta outro, tenta outro, até que ela
conseguiu “ganzá”, o chocalho e ela foi se soltando, se
soltando, é uma pessoa também que continuou no grupo e
continuou tocando e a melhora dela foi assim surpreendente,
deu pra ver que a arte, a música foi um fator de inserção, ela
começou a se sentir mais aceita, pertencendo, ela viu que uma
coisa que ela dizia: “não consigo, não consigo, não consigo”...
quando ela se viu tocando em saraus, fazendo apresentações
dentro e fora do Formação Carapicuíba, ela viu que ela era
capaz e... tornou-se uma coisa marcante que ela, quando ela
começou a se aceitar, ver que ela era capaz que poderia fazer
e estar no meio de todo mundo, fazendo parte daquele grupo
que ela mesma se sentia excluída, então foi muito gratificante
(M.N.S. Arte-educador).
A história contada nestas palavras do arte-educador, comprova uma vez
mais que a arte pode nos levar ao pertencimento e a inclusão. A jovem
117
Amanda, 13 anos, é uma adolescente com dificuldades de aprendizagem e de
coordenação motora, tem também um problema na fala que dificultava sua
comunicação com o grupo, e inclusive ajudava a deixá-la muito nervosa e
agressiva. Sua transformação ocorreu pela alegria que sentiu ao conseguir
participar do grupo de percussão, tocando o instrumento ganou chocalho.
Ela ficou mais vaidosa, passou a cuidar melhor da higiene pessoal, sempre
com cabelos limpos, bem penteados, passou a usar batom, enfim, ela
encontrou sua essência feminina ao encontrar-se no grupo de percussão.
Nas entrevistas realizadas com os educandos pudemos confirmar o
sentimento que eles tem em relação as atividades artísticas. Eles destacaram
muito as oficinas de teatro, atribuindo à elas o fato de terem vencido a timidez e
aprendido a se apresentar em público. Relataram sobre as visitas que fizeram
a museus de arte, a seções de teatro e cinema, contando o quanto isso foi bom
e importante para suas vidas, mostraram enfim, que valorizam e gostam muito
do trabalho com as linguagens artísticas.
Verificamos que os educandos sentem-se estimulados ao verem outras
pessoas apreciando suas produções. Quando perguntamos a eles sobre a
exposição de seus trabalhos na galeria de arte uma adolescente afirmou que:
É uma experiência positiva porque eu pude apresentar o meu
desenho e falar o significado, como um coraçãozinho que eu
faço (grafiti), que representa o bem e o mal, acho que é isso
que a sociedade vem mostrando que tem o lado do bem e do
mal, mas afinal o coração estimula o amor. Achei legal, até
reproduziram meu coraçãozinho, achei bacana, reproduziram
na passarela (projeto de grafiti na passarela do trem), achei
muito legal, porque muitas vezes as pessoas falam: ah! ta
copiando, não! é o modo de uma pessoa falar que gostou, ta
reproduzindo o que você fez, achei interessante.
Acho que o trabalho é de artes com as crianças menores é
bem desenvolvido, pra ver no olhar das crianças que elas
gostam e que é o modo de incentivar elas a saberem o que é
118
cultura, porque estimulando elas a dançar, elas se afastam um
pouco das coisas ruins que a vida proporciona pra gente e
começam a ver como a cultura é importante no nosso dia a dia.
Espero que as pessoas dêm mais valor a cultura, a respeitar os
museus, os teatros, que são importantes, é uma coisa que a
população ta usando e muitas vezes são destruídos, porque
não tão dando valor as coisas que nos mesmos usamos
diariamente (J.C. 17 anos).
Figura 14: Máscara Coração feita pela educanda J.C.
Fonte: Acervo Pessoal/2005
A seguir lançaremos nosso olhar sobre algumas das atividades
desenvolvidas no trabalho dos educadores, o planejamento da ação
pedagógica, a metodologia, o diário de bordo, os relatos sobre a ação,
percebendo a presença da ludicidade, da alegria e a relação dialógica
superando a resistência.
119
3.4 – Pedagogia da hegemonia ou Pedagogia da autonomia?
Verificamos até aqui como são desenvolvidos os projetos pedagógicos
na unidade de educação que estamos pesquisando. Ao analisarmos o
documento do Projeto Político Pedagógico, percebemos uma série de palavras
ou termos utilizados pela política neoliberal nele incorporados e por
compreendermos que as palavras são sempre carregadas de significados e
sentidos que escondem ou revelam a intencionalidade da ação, esta
constatação gerou certa ansiedade em tentarmos compreender o
posicionamento da educação ali desenvolvida, considerando a visão de homem
e de mundo implícitas na laboriosidade de seus agentes e de que forma ou em
que medida essa prática educativa trabalha para a consolidação do projeto de
sociedade neoliberal, dito de outra forma, a atuação dos educadores nas ações
pedagógicas caminham em contribuição à consolidação da pedagogia da
hegemonia (Neves, 2005), ou resistem a ela?
Sabemos que os mecanismos de dominação utilizam-se de estratégias
sutis que vão convencendo ao passo que alienam o sujeito expropriando-o de
sua força de trabalho e principalmente de sua capacidade de pensar. Os
sujeitos tornam-se reféns de um modo de vida, de um projeto de sociedade
instalado pelo capitalismo. Como poderiam então, os educadores trabalharem
na concepção freireana de educação para emancipação sem enveredarem
para a ilusão da inclusão social vendida pelo ideário neoliberal? Como é
possível intervir numa realidade estruturada e estruturante como esta do
modelo de sociedade no qual vivemos?
120
Estas reflexões nos remetem à “A nova pedagogia da hegemonia,
estratégias do capital para educar o consenso”, livro organizado pela autora
Lúcia Maria Wanderley Neves que discute o papel das organizações do terceiro
setor no contexto histórico contemporâneo, levando-nos a perceber que os
projetos sociais, tal como este pesquisado, correm o risco de contribuírem para
o conformismo da população excluída socialmente.
Em um dos capítulos desta obra, Lima e Martins (2005) afirmam que
Assim, temas antigos, como “cidadania”, “igualdade”,
“participação”, “democracia”, e novos, como
“empreendedorismo”, “voluntariado”, “responsabilidade”, dentre
tantos outros, são tratados sob uma abordagem pedagógica
que os distancia do conflitivo e antagônico processo de
construção social que os define. Trata-se de uma ação
orientada por uma concepção pedagógica que procura criar
novas ancoragens teóricas e simbólicas responsáveis por
estabelecer mediações entre sujeito e realidade social em uma
perspectiva de conservação de relações sociais (Neves, 2005,
p. 65).
Um olhar crítico sobre o trabalho educativo do Formação Carapicuíba
permite-nos reconhecer as estratégias de conformação que visam canalizar a
indignação e o sentimento de impotência do sujeito frente às injustiças sociais
que o envolvem. Percebemos que as ações educativas sócio-comunitárias
podem, em grande medida, serem usadas para evitar a formação de sujeitos
coletivos que se organizem e busquem soluções mais profundas para os
problemas sociais. Entretanto, continuamos a enxergar neste cenário as
possibilidades desta educação como fomentadora de sujeitos críticos, capazes
de alcançar sua emancipação pela via do reencontro com sua própria
humanidade expropriada pelo sistema que nos governa.
121
Embora reconhecendo que a educação tem feito papel de conformar o
sujeito em seu apartheid social, nela também identificamos a origem do
processo formador capaz de libertar, e a busca da identidade, do
reconhecimento de si mesmo, de suas potencialidades e fragilidades, é o
caminho.
Lançamos aqui uma última indagação: Quais as possibilidades em
nosso trabalho, nas organizações do terceiro setor, de fazermos um trabalho
contra-hegemônico?
Em primeiro lugar vamos buscar a notável contribuição de Freire:
O necessário é que, subordinado, embora à prática “bancária”,
o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que,
aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de
arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra
o poder apassivador do “bancarismo”. Neste caso, é a força
criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a
repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não
facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso
ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres
humanos a de se terem tornado capazes de ir mais além de
seus condicionamentos. Isto não significa, porém, que nos seja
indiferente ser educador “bancário” ou um educador
“problematizador” (Freire, 2002, p. 28).
Neste sentido, podemos então afirmar que a prática de educação sócio-
comunitária analisada, pela sua organização e metodologia, é capaz de
proporcionar aos seus educandos o aprender de forma criativa e ativa, dando-
lhes estímulo para a consecução dos pressupostos apontados na citação
acima. Consideramos, portanto, a organização e a metodologia utilizadas na
educação sócio-comunitária uma das possibilidades do trabalho contra-
hegemônico.
122
Em segundo lugar lembramos as categorias fundamentais apresentadas
por Freire (1979) para a educação como prática de liberdade, discutidas no
primeiro capítulo. Amor, humildade, fé, confiança, esperança e solidariedade.
Categorias que se fundam na dialogicidade necessária para uma relação
educativa educador-educando, que pretenda a libertação de ambos,
possibilitando o rompimento com o processo de alienação, que na concepção
marxiana “é um processo humano, do homem que se desumaniza” (Martins,
2007, p. 60).
O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a
libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los
ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é
humanização em processo, não é uma coisa que se deposita
nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É
práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o
mundo para transformá-lo (Freire, 1979, p. 77).
3.5 – As possibilidades de uma educação contra-hegemônica
No item anterior nos questionamos acerca das possibilidades de ser a
nossa prática educativa uma forma de resistência à proposta hegemônica de
sociedade difundida e inculcada estrategicamente pela política neoliberal.
Neste sentido, vamos analisar alguns planos de oficinas elaborados pelos
educadores do Formação Carapicuíba, procurando reconhecer as intenções e
desvelar a concepção de homem e de mundo presente nestes documentos.
O primeiro plano de oficina que escolhemos para analisar é destinado ao
grupo Criança Ativa, que reúne crianças entre sete e 12 anos. Vejamos:
123
PLANO PEDAGÓGICO
Educador:
S.A.C.
Turma:
Criança Ativa
Horário:
manhã e tarde
Projeto:
Centro de Pesquisa
Data:
11de agosto de
2005 Eixo: Criança ativa
Atividade:
Centro de Pesquisa
Objetivo:
Despertar o interesse pela pesquisa e pela leitura de diferentes fontes de informação escrita, de
maneira prazerosa.
Estratégia:
Propor a todos os educandos do Grupo Criança Ativa um trabalho de pesquisa; fazer um
levantamento de quantos educandos têm interesse pelo trabalho. Reuni-los e explicar-lhes o que
é um trabalho de pesquisa, qual sua importância e como fazê-lo. Em seguida propor para que se
dividam em subgrupos e que cada subgrupo escolha um tema para pesquisar.
Meta:
Despertar o interesse pela pesquisa de um tema escolhido pelo subgrupo.
Manhã:
10
Número de Educandos: Tarde:
Avaliação:
Gostei muito do interesse mostrado pelos educados, dentre o Grupo CA, dez crianças desejaram
participar do trabalho: JC, AA e LV- tema de pesquisa: esporte, enfoque em três modalidades:
futebol, natação e tênis.RS, RAS, CVe RT – tema índios do Brasil. TS, GJ e DT, tema de
pesquisa: horóscopo. Conversamos bastante sobre o que é um trabalho de pesquisa e como
fazer um trabalho de qualidade, que não se trata de copiar o texto da fonte pesquisada e sim
compreender o que foi lido e construir um texto acerca do que foi compreendido. Pouco antes do
término da oficina solicitei que explorassem os livros da biblioteca para colher as primeiras
informações sobre os temas escolhidos.
O que percebemos no plano acima observado, confirma que numa
proposta de uma educação sócio-comunitária, tendo como concepção a
educação como prática de liberdade que possibilite ao educando acessar sua
124
autonomia e emancipação, o processo educativo consegue despertar na
criança o gosto pela pesquisa, aguçando sua curiosidade, e é capaz de
acender em sua alma a chama do prazer pelo ato de conhecer. Este fato
apresenta-se como um elemento capaz de se contrapor a uma educação do
consenso, da permissão, porque pode possibilitar a formação crítica do sujeito,
levando-o a situar-se de forma crítica na sociedade.
O registro da avaliação que é feito por esta educadora mostra como o
interesse é despertado nas crianças quando eles podem escolher coisas que
lhes agradam, como vimos: a escolha dos esportes feita pelos meninos e do
horóscopo pelas meninas.
Ao despertar este interesse de forma prazerosa para os educandos
surge a possibilidade de levá-los a amadurecer este interesse e quando
desafiados a pesquisar outros temas, certamente, eles estarão mais bem
preparados e terão uma melhor disposição para a atividade.
O segundo plano de oficina que analisamos também é voltado ao grupo
Criança Ativa:
125
PLANO PEDAGÓGICO
Educador:
C.S.A.
Turma:
Criança Ativa
Horário:
manhã e tarde
Projeto:
Conhecendo o passado: reconstruindo uma história
Data:
11de outubro de
2005
Eixo:
Criança ativa
Atividade:
Conhecer as brincadeiras.
Objetivo:
Brincar com as brincadeiras que os pais dos educandos brincavam quando eram pequenos.
Estratégia:
Juntos, organizaremos um calendário para que cada educando fique responsável em organizar
uma brincadeira que seus pais brincavam, para apresentar com grupo, sendo o recreacionista.
Estas brincadeiras acontecerão sempre no final da oficina, toda as semanas.
Meta:
Organizar o calendário das brincadeiras.
Manhã:
15
Número de Educandos: Tarde:
14
Avaliação:
Manhã: organizamos as datas das brincadeiras e as pessoas que serão responsáveis pelas
mesmas. Com o grupo da tarde a atividade também foi muito boa e a divisão das brincadeiras foi
muito divertida. Todos participaram.
Identificamos neste plano, o valor que é atribuído ao conhecimento
vivido pelos educandos e seus familiares, com o espaço para que possam
trazer suas contribuições. Na prática da educação sócio-comunitária, na qual o
educador também vai aprendendo no processo de ensinar, percebemos a
metodologia desenvolvida de forma lúdica e atrativa.
Dentre os registros que analisamos, encontramos no relatório trimestral
dos educadores, a seguinte narrativa sobre o trabalho do Centro de Pesquisas:
126
Conforme nossa proposta pedagógica, demos início neste
período ao Centro de Pesquisa. Para esta fase, o objetivo
primeiro é levar as crianças/adolescentes a sentirem o gosto
pela pesquisa, desenvolvendo o espírito investigativo e
questionador. Por isso, os temas foram escolhidos por lês.
Fiquei com a pesquisa sobre Artesanato, com um grupo da
manhã e Saúde Geral com um grupo da tarde. Os dois grupos
formados somente por meninas, sendo que o de artesanato
envolveu 11 meninas, entre sete e 17 anos, e o de Saúde
Geral envolveu apenas quatro meninas, três de sete anos que
recém iniciaram no projeto, a suplente da secretaria de saúde,
de nove anos e a secretaria de saúde, de 11 anos. Foi uma
experiência excelente! Tivemos oito encontros de 40 minutos,
nos quais foi possível realizarmos pesquisa em livros, revistas
e internet. Também realizamos pesquisa de campo (só a turma
de artesanato), entrevistando artesões de Carapicuíba. Ao final
os grupos elaboraram cartazes para apresentar os resultados
das pesquisas e esses resultados serão apresentados no início
do mês de julho, durante roda geral. No próximo semestre
continuaremos com temas propostos por eles (Educadora J.S.
Junho/2004).
O registro das atividades tanto nos planos pedagógicos, quanto nos
relatórios, mostram um trabalho desenvolvido dentro da concepção de uma
educação freireana, que valoriza a capacidade criadora de cada educando e os
leva ao encontro de seus próprios talentos, proporcionando-lhes em cada
atividade a permanente busca pela emancipação e autonomia.
Tal constatação nos ajuda a perceber as possibilidades de, em nossa
ação concreta, atuarmos na resistência à pedagogia da hegemonia,
confirmando a tese de Paulo Freire para quem a chave para a educação é o
educador consciente e crítico que sabe que a educação é instrumento de
inclusão social e mais que isso, é um caminho para a formação e para a
transformação da realidade vivida.
127
3.6 – Intervir para transformar a realidade
Os educandos do Formação Carapicuíba, dissemos anteriormente,
são oriundos de uma comunidade que vive em absoluta pobreza, são privados
de direitos básicos dentre os quais, espaço e condições para o ser criança.
Ente a avenida e a linha do trem, apenas uma passarela construída para
passagem de pedestres lhes serve como área para as brincadeiras da infância.
Volto a este assunto para destacar, entre os documentos do projeto
pesquisado, um relato que mostra uma forma concreta para transformar a
realidade vivida.
Durante o mês de agosto, realizamos a confecção de
‘máscaras’ de papel, que são matrizes utilizadas para
reproduzir uma mesma imagem infinitas vezes. Antes de sair à
rua, porém, exercitamos a técnica do graffiti nas paredes da
Galeria, e o excelente resultado foi apresentado no Sarau que
aconteceu no início de setembro. O trabalho coletivo foi
realizado pelos grupos da manhã e da tarde, e primou pelo
respeito que os jovens demonstraram pelo trabalho dos
colegas. Essa mostra ficará em cartaz até o projeto Casa
Aberta
6
, previsto para novembro, mas a ela serão agrupadas
exposições dos trabalhos realizados pelos grupos Criança
Ativa e Estação Adolescer, que serão apresentadas nos
próximos saraus. A intervenção urbana propriamente dita,
iniciou-se com um trabalho na passarela da estação Santa
Terezinha (estação de trem). (...) começou a ser executado no
dia 15 de setembro, com a construção dos graffitis no muro da
passarela da estação. O tema do trabalho é a linguagem do
graffiti, e por ser um trabalho coletivo, a heterogeneidade de
estilos é determinante para a consistência da obra. Os jovens
estão muito empolgados com esse trabalho e o seu
envolvimento tem resultado num trabalho de qualidade artística
muito boa, o que reflete na opinião dos usuários da passarela e
dos trens, bem como dos funcionários da estação, e dos
próprios jovens que reconhecem o valor de sua atuação e de
seu trabalho.” (M.V.P. Arte-educador – outubro/2005).
6
Exposição realizada no encerramento do ano letivo, conhecido como Feira de Ciências nas escolas de
educação formal
128
A empolgação dos jovens relatada pelo educador comprova o aumento
da auto-estima pela possibilidade de intervir na realidade de forma lúdica. É
interessante ressaltarmos que eles estavam intervindo dentro de sua própria
comunidade, num espaço antes pichado e mal conservado. Um dos fatores que
nos parece ter interferido para o resultado positivo da atividade foi o
reconhecimento da própria comunidade que reconheceu a mudança para
melhor e a efetiva contribuição do grupo.
A figura 15 flagra um dos momentos da atividade na passarela e chama
nossa atenção a concentração dos jovens durante o trabalho.
Figura 15: Oficina de Graffiti na passarela
Fonte: Acervo Pessoal – 2005
Uma vez mais recorremos às contribuições de Paulo Freire que estamos
com os homens, deles jamais desacreditou, podendo por isso construir um
legado educacional banhado de esperança e amor.
129
Uma das coisas mais significativas de que nos tornamos
capazes, mulheres e homens ao longo da longa história que,
feita por nós, a nós nos faz e refaz, é a possibilidade que temos
de reinventar o mundo e não apenas de repeti-lo (Freire, 2000,
p.121).
Figura 16: Grafitti na passarela
Fonte: Acervo pessoal – 2005
Quando o jovem segura a máscara de graffiti, como vemos na figura 16,
para seu colega trabalhar, exercita a cooperação, a espera pelo outro e o
respeito ao colega. Neste trabalho não somente ocorre o crescimento pessoal
como também acontece o desenvolvimento da sensibilidade, permitindo
retomar a humanidade por vezes distante.
A guisa de considerações finais do nosso trabalho de pesquisa,
percebemos que a educação como exercício dialógico, respeitando e
envolvendo o educando em ações concretas planejadas para ajudá-lo a
avançar em seu desenvolvimento, atinge o íntimo de cada ser envolvido, tanto
o educador, quanto o educando e ao experienciar outro modo de se relacionar
130
com o mundo e com o outro, cada sujeito vai se transformando num processo
de retomada da própria humanização.
Paulo Freire (2002) considera que a educação não pode tudo, mas pode
alguma coisa, assim, a experiência pesquisada mostrou-nos um pouco do que
é e educação pode realizar.
Assim como acontece quando o circo é desmontado e vai embora da
cidade na qual estava instalado, deixando na alma das crianças as marcas do
espetáculo vivido, também o Formação Carapicuíba, deixou de funcionar
dentro da proposta educativa que analisamos neste trabalho, mas, certamente
deixou suas marcas no coração e na mente de todos os que participaram de
sua existência.
Graciani (2001) afirma que
Essa pedagogia concebe o homem como ser capaz de
assumir-se como sujeito de sua história e da História, como
agente de transformação de si e do mundo e como fonte de
criação, liberdade e construção dos projetos pessoais e sociais,
numa dada sociedade, por uma prática crítica e participativa.
Pressupõe-se que o mundo é, ao mesmo tempo, produtor e
produto do homem, e que, ao transformá-lo, engendra em si
mesmo sua própria transformação, num processo dialético
contínuo e permanente (Graciani, 2002, p. 310).
A experiência vivida pelos educadores sociais que participaram deste
projeto, ainda poderá fornecer contribuições para as práticas educativas não
somente da educação não-formal, como para a educação formal, pois
acreditamos que os projetos pedagógicos desenvolvidos podem ser realizados
em qualquer espaço educativo, requerendo para isso o envolvimento e o
131
comprometimento dos educadores numa proposta de educação que leve o
sujeito a tornar-se, de fato, sujeito de sua própria formação.
Quando Olhamos para nossa história, encontramos a situação da
infância pobre do nosso país relegada a viver nas periferias dos grandes
centros urbanos, sem condições para desenvolverem-se como seres humanos
em sua totalidade. E neste quadro histórico percebemos a total ausência de
políticas públicas que realmente transformem esta realidade.
Talvez todo trabalho desenvolvido no Formação Carapicuíba tenha sido
muito mais formador e transformador para os educadores. Talvez tenha
conseguido atingir significativamente algumas famílias, ou quem sabe, apenas
poucos educandos. De qualquer forma, acreditamos que a lição que fica é a
possibilidade de fazer diferente. Permitir que a criança e o jovem participem
ativamente de todo o processo e assim sintam-se pertencentes e também
comprometidos.
Por que chega ao fim um projeto como este? É um pergunta que insiste
em retornar à nossa mente e nos leva a pensar que iniciativas particulares
como esta, surgem e surgirão país afora, porém, serão sempre realizações
sazonais enquanto não forem assumidas como política pública.
Fica um gosto amargo de fim e uma imagem que vai se esvaindo na
dinâmica da vida.
As organizações e instituições sociais vêm ganhando espaço no cenário
nacional e esse crescimento chama a atenção do capital que nos parece ter
encontrado no chamado terceiro setor, um “nicho” de mercado muito
interessante. Assim, vemos surgir a “Responsabilidade Social” das empresas
como um colete salva-vidas no mar das concorrências de mercado.
132
Groppo (set./2007, p. 143-145) afirma que "a Responsabilidade Social
empresarial” está articulada com um novo padrão de intervenção social
proposto por um suposto “Terceiro Setor” e que esta práxis do empresariado
realiza diversas "torções semânticas" na busca de legitimar sua atuação diante
dos problemas sociais das camadas populares. "Torções que acabam
transmutando o valor de uso da solidariedade no valor de troca da
Responsabilidade Social, mercantilizando e despolitizando o espaço público de
intervenção contra a desigualdade e a exclusão social".
E novamente nos perguntamos: Por que chega ao fim um trabalho de
educação sócio-comunitária, como ocorreu com a unidade pesquisada neste
trabalho de dissertação de mestrado? Será que esse “nicho” deixou de
interessar? A quem?
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na experiência educativa apresentada, tanto como educadora social,
quanto como pesquisadora, tivemos a oportunidade de acessar um amplo
panorama sobre a prática da educação sócio-comunitária, sua abertura, suas
limitações e suas possibilidades.
Sabemos que uma sociedade se forma pela existência de pessoas. A
história da humanidade mostra a evolução das sociedades que surgem no
homem primitivo e chega à era da tecnologia digital. A princípio o
desenvolvimento é lento, e no último século saímos da locomotiva, “maria-
fumaça”, e chegamos ao foguete supersônico, uma evolução que beneficiou o
ser humano com as conquistas das ciências de todas as áreas do
conhecimento. Entretanto, justamente neste panorama de grandes avanços e
transformações deslumbrantes, encontramos o grande paradoxo da negação
da humanidade a milhões de seres humanos excluídos deste desenho.
Muito sobre nossas primeiras indagações foi se confirmando ao longo da
retrospectiva feita neste trabalho, acerca da práxis educativa pesquisada.
Diante dos desafios do trabalho com os meninos e as meninas do
projeto analisado, observamos o comprometimento dos educadores, seu
empenho em buscar as melhores práticas e sua preocupação com a realidade
social, reconhecendo a busca por superar uma visão cristalizada que se tem
sobre a prática da educação não-formal. Busco as palavras de Caro para
contribuir com esta afirmação:
134
Até pouco tempo, também a Educação Social tinha
compartilhado uma certa situação de marginalidade dentro da
classe da Pedagogia. Era comum que quem trabalhasse com
os marginalizados fosse, por sua vez, marginalizado pela
pedagogia oficial e acadêmica. Mas continuam sendo os
“parentes” pobres da pedagogia, pela sua forma “artesanal” de
atuar e de produzir conhecimento (Caro, s/n).
Assim, reconhecemos o avanço ocorrido no trabalho educativo
observado que saindo do mundo assistencial, avançou para o mundo dos
direitos, buscando nele se firmar.
Entendemos que a práxis educativa, objeto de nossa pesquisa, esforça-
se por romper com a concepção ingênua da educação, levando os educadores
envolvidos a compreenderem sua atuação na dimensão social da formação
humana e levando-os a reconhecer o educando enquanto ser que pensa e que
possui uma identidade própria.
Ao iniciarmos nosso trabalho de pesquisa, fomos em busca de desvelar
o tipo de conhecimento que é possível construir na prática da educação sócio-
comunitária e quais as contribuições dessa prática na construção da autonomia
e emancipação dos sujeitos nela envolvidos. Investigando também como
articular a construção da identidade individual e da identidade coletiva e a
existência ou não da possibilidade de autonomia social sem a autonomia
individual, procurando ainda desvendar o papel do educador neste processo e
reconhecer os princípios norteadores.
Assim, chegamos aqui reconhecendo como lição que fica a de que o
conhecimento pode ser construído tendo como base o reconhecimento de que
somos sujeitos históricos e, portanto fazedores de nossa própria história.
135
Identificamos os princípios norteadores de uma educação capaz de
conduzir o sujeito neste caminho, os princípios freireanos de Amor, Humildade,
Fé, Confiança, Esperança, Solidariedade, pressupostos indispensáveis ao
fazer a educação como prática de liberdade.
Iniciamos essa pesquisa com a hipótese de que a educação sócio-
comunitária tem a seu favor a possibilidade de trabalhar com um currículo
formativo que traz como objetivo maior educar para a vida, resgatar a
humanidade perdida no embrutecimento da sociedade individualista de nossos
tempos. Ao percorrermos as experiências do trabalho educativo desenvolvido
no período de 2003 a 2006, no Formação Carapicuíba, unidade de Educação
não-formal, ou social, ou ainda sócio-comunitária que investigamos, fomos
comprovando essa hipótese.
Pensar numa proposta curricular que eduque para a vida é pensar em
um currículo com dimensões imensuráveis. As palavras de Rosito (2002)
parecem dar um bom suporte ao que estou falando.
Essa é uma proposta que não tem fim em si mesma, deve ser
uma luta constante, enquanto existir ser humano, que faz
História, que tem uma historicidade e a capacidade de
metamorfosear-se. Enquanto viver, de lutar pela educação
como um bem para todos. É precioso tocá-lo na sua
interioridade (Rosito, 2002, p. 161).
Enquanto me debruçava sobre este trabalho, à medida das leituras, das
reflexões, fui percebendo o ganho pessoal para minha vida, para minha
formação humana. Na verdade, ao buscar respostas para as questões
136
levantadas inicialmente, muitas outras foram aflorando, porque meus olhos
foram sendo iluminados por uma outra visão de mundo.
Neste percurso pudemos constatar que a construção da identidade
individual passa pelo regaste de história de vida e que, percorrer os caminhos
das histórias de vida torna-se um processo libertador do sujeito que ao se
reconhecer, descobre suas capacidades mais profundas e desenvolve um
sentimento de respeito e valorização de si mesmo.
Nossa constatação acerca do resgate da sensibilidade humana pelo
caminho da arte, indica igualmente a possibilidade de construção de uma
identidade coletiva a partir da identidade individual e mostra que a construção
do vínculo educador - educando é fator fundamental para a superação do
estado de alienação desumanizante.
Como um dos instrumentos para melhor a auto-estima e trabalhar a
responsabilidade das crianças e dos jovens envolvidos, a co-gestão do projeto
pesquisado, mostrou que quando convidado a fazer parte, quando convidado
ao diálogo, sentindo-se respeito e amado, é possível o comprometimento
individual e coletivo e quando existe este sentimento, também existe o cuidado
e o respeito ao outro e ao espaço, resultando na conservação de tudo quanto
envolve o lugar ao qual os educandos pertencem.
E é esse sentimento de pertença que também surge quando os
educandos constroem suas próprias regras de convivência, decidindo com os
educadores, fazendo parte das soluções.
Como outro aspecto extremamente relevante da pesquisa, o espaço de
formação e auto-formação dos educadores, tanto nas oportunidades de
137
estudos, quanto nas discussões de casos específicos dos educandos,
procurando por soluções e ajudando-se mutuamente num processo dinâmico.
Toda prática educativa requer dedicação, comprometimento e entrega
total daqueles que se dispõe a desenvolvê-la. È um permanente exercício de
dar e receber, de afetar e ser afetado pelo outro. O educador é um ser que
deve ser coerente em sua prática, estando atento para pesquisar e estudar,
dedicando-se ao planejamento das atividades e, portando, sempre buscando
desafiar seus educandos provocando-os a crescerem descontruindo conceitos
e reconstruindo com base em novos paradigmas e horizontes mais amplos.
O educador social deve estimular e possibilitar o quanto possível a seus
educandos, o acesso à cultura, educando assim a sensibilidade, a estética do
olhar que enxerga além da superficialidade das coisas. Deve também, como
fizeram os educadores do projeto analisado, proporcionar aos educandos
chances de pesquisar para que, pouco a pouco, tomem gosto em trilhar
caminhos pela busca de conhecimentos.
O conhecimento tem diferentes caminhos e cada educando percorre o
seu, cabe então ao educador identificar os caminhos e auxiliá-lo a avançar
sempre percebendo o momento certo para intervir.
Nosso desejo é de que este trabalho não se esgote aqui, mas que possa
avançar somando a tantas outras experiências bem sucedidas da práxis da
educação sócio-comunitária que tem muito a dizer e muito pode contribuir para
transformar a realidade da educação brasileira.
138
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Rodas em Rede
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fora dela. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
145
ANEXOS
1.
Discurso da Coordenadora da Unidade Formação Carapicuíba durante
cerimônia de posse da Prefeitura Mirim – 2005
2.
Discurso da Prefeita Mirim Eleita – 2005
3. Certificado entregue aos eleitos em abril de 2005
4.
Carteirinha de Fiscal das eleições criado pelos educandos
5.
Título de Eleitor Mirim criado em processo de concurso entre os
educandos
6.
Fotografias do processo eleitoral
7. Fotografias de apresentações artísticas e oficinas
146
Assembléia Mirim
Comissão da Prefeitura Mirim
147
Reunião de Comissão da Prefeitura Mirim
Secretário de Esporte e Suplente preparando pauta de Assembléia
148
Comissão preparando discursos sob supervisão de educadores
Educadores com Prefeito Mirim e Vice após cerimônia de posse
149
Candidata responde perguntas durante debate com educandos
O educando confere o título de eleitor antes do colega votar
150
Os educandos-eleitores assinam e recebem comprovante da votação
Mesmo os grupos menores ganham a mesma atenção
151
O grupo de Percussão formado pelos educandos apresenta-se na comunidade
Apresentação do Grupo de Capoeira durante Sarau
152
Grupo de Jazz
Grupo de Balé Clássico ensaiado por profissionais voluntários
153
As Bailarinas do Sol – Dança do Ventre
Adolescentes apresentam peça de teatro – Os sete anões
154
Ateliê de Artes grafitado pelos educandos
Exposição de Graffiti na Galeria de Artes do Formação Carapicuiba
155
Parte interna da Galeria
Intervenção na passarela da Estação Santa Terezinha da CPTM – Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos
156
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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